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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A 73a Era Glacial / Willian Voltz
A 73a Era Glacial / Willian Voltz

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A 73a Era Glacial

 

Durante as operações de busca destinadas a localizar o misterioso planeta Kahalo, a nova nave-capitânia de Rhodan, a Crest II, entra no campo de influência de um gigantesco transmissor solar — e é arremessada para o abismo intergaláctico, indo parar no interior de um sistema solar artificial situado a 900.000 anos-luz da Terra.

Este sistema, chamado de Gêmeos, encerra uma série de armadilhas mortais para qualquer visitante.

Alguns terranos perecem, mas o grosso da tripulação da Crest sempre acaba encontrando um meio de escapar.

Antes do aparecimento do Guarda de Andrômeda, que estraga os planos dos terranos, tem-se a impressão de que para a Crest existe uma chance de chegar sã e salva à galáxia de origem... Icho Tolot, um. halutense monstruoso, que acompanha Perry Rhodan na operação cheia de aventuras, tem certeza de ter manipulado corretamente os comandos do transmissor para garantir o regresso da Crest...

Mas o guarda agonizante modifica as coordenadas do transmissor, transferindo a Crest para o centro de Horror, um mundo artificial oco, que é uma gigantesca armadilha da morte.

Perry Rhodan e seus companheiros desenvolvem uma atividade febril, em busca de um meio de prosseguir viagem — e penetram na área em que se faz sentir A 73ª Era Glacial!

 

                                                           

 

Era tudo verde.

As formações rochosas, as matas nativas, o planalto com sua vegetação rala, no qual a Crest II estava pousada há dois dias terranos, e as mãos do Capitão Don Redhorse, sempre que ele as levantava contra o céu artificial para contemplá-las. Até parecia que o ambiente sofrera uma espécie de erupção cutânea, que estava coberto por uma camada finíssima de parasitas verdes.

O verde sempre fora uma das cores prediletas do Capitão Don Redhorse, mas naquele momento tinha certeza de que, se um dia voltassem à Terra, sentiria repugnância ao olhar para um gramado. A Crest II fizera um mergulho no verde, e parecia que ninguém era capaz de libertá-la do mesmo.

Redhorse estava parado no interior de uma das eclusas dos hangares da Crest II, olhando para a paisagem que parecia ter sido gerada num pesadelo de um pintor louco. Sabia que uma gravitação exatamente igual a 1,01 gravos o mantinha preso à face interna de um envoltório de cerca de 9.800 quilômetros de diâmetro. Estava grudado no chão de um mundo oco, que nem uma mosca presa numa centrífuga.

Redhorse aspirou profundamente o ar: um ar verde. Se por ali houvesse um diabo — e Redhorse seria capaz de jurar que havia — o mesmo só podia ser verde.

De repente houve um ruído bem ao lado de Redhorse. O capitão lançou um olhar preguiçoso para o interior do hangar. A temperatura mantinha-se constante ao nível de mais trinta e dois graus. Até mesmo para um descendente direto de um índio cheiene era bastante quente.

— O que está olhando? — perguntou o Capitão Sven Henderson, enquanto saía da penumbra do hangar.

Redhorse fitou-o num misto de paciência e irritação.

— Pelos planetas do Universo — disse. — Seus olhos são verdes, Sven.

— Azuis — corrigiu Henderson com a voz martirizada. — Meus olhos são azuis, cacique.

Redhorse fez um gesto amplo.

— Etan rani hon — disse em tom solene.

— Isso quer dizer que o senhor quer tirar meu escalpo? — perguntou Henderson em tom desconfiado.

— E um velho provérbio indígena. Se o aplicássemos em nossa situação, significaria mais ou menos: verde é a esperança.

— Recebemos uma missão — disse Henderson em tom indiferente. — O pessoal da sala de comando resolveu mandar duas naves-girino fazerem um vôo de reconhecimento. O senhor irá na C-11, enquanto eu ficarei no comando da C-18.

Redhorse cruzou os braços sobre o peito. Fazia menos de cinco dias terranos que tinham escapado do centro do mundo oco. O tempo fora aproveitado para reparar as avarias que os pseudo-seres tinham causado no interior da nave. Ao que parecia, neste plano do mundo oco não existiam os perigosos sugadores de energia que tinham atacado a Crest II no centro do planeta Horror. Redhorse teve um calafrio ao lembrar-se de como a gigantesca Crest II, reduzida a uma partícula elementar, circulara em torno do núcleo de energia que formava o centro absoluto do planeta artificial. Nestas condições poderiam dar-se por felizes por terem conseguido atravessar o poço que levava de pólo a pólo, fugindo ao primeiro andar. Rhodan batizara o plano em que se encontravam com um nome bem apropriado: o andar verde.

— O senhor não diz nada — disse Henderson em tom decepcionado.

— Por que o senhor está desempenhando as funções de correio? — perguntou Redhorse. — Por que não fui avisado pelo intercomunicador?

— A informação que acabo de dar não é oficial — disse Henderson. — O senhor ainda será avisado.

Redhorse coçou a parte traseira da cabeça. Parecia pensativo.

— Deve haver um motivo para esta decisão repentina.

Henderson, que tinha 1,88 m de altura — somente dois centímetros menos que Redhorse — acenou lentamente com a cabeça.

— Tivemos notícias desagradáveis — disse em tom sério. — O senhor deve estar lembrado de que a estação de regulagem situada no interior do espaço oco central foi filmada. Dessa forma dispomos de dados exatos sobre a constelação que pode ser observada na tela dessa estação. Estes filmes já foram interpretados.

Redhorse levantou o braço.

— Deixe-me adivinhar — pediu. — Certamente continuamos presos no grande vazio.

— Isso mesmo! Não nos aproximamos um ano-luz que seja da nebulosa de Andrômeda ou de nossa galáxia. Continuamos a novecentos mil anos-luz desta última, e a quinhentos e cinqüenta mil do primeiro.

— Mas percorremos uma distância enorme — objetou Redhorse.

— Foram trezentos mil anos-luz — disse Henderson em tom indiferente. — Paralelamente aos limites da nebulosa de Andrômeda.

— Verde é a esperança! — disse Redhorse em tom amargurado.

— Na sala de comando já foi elaborada outra teoria — prosseguiu Henderson. — Supõe-se que em torno da nebulosa de Andrômeda existe grande número de estações planetárias de interceptação, todas elas situadas a cerca de quinhentos e cinqüenta mil anos-luz da galáxia vizinha. O que fizemos foi saltar de uma estação para outra — saímos da chuva para entrar embaixo do chuveiro.

— Acontece que Tolot diz ter regulado a estação do sistema de Gêmeos de tal forma que teríamos de sair no transmissor do hexágono solar situado no centro de nossa Galáxia — lembrou Redhorse.

— Afirmou e continua a afirmar — resmungou Henderson. — O halutense garante que não se enganou. Acredita-se que alguém pode ter modificado a regulagem no momento decisivo.

— Capitão Redhorse e Capitão Henderson! — disse uma voz retumbante. — Façam o favor de comparecer à sala de comando.

Henderson fez uma mesura irônica.

— Agora — disse em tom solene — seremos enviados oficialmente ao mais verde dos infernos.

 

Rhodan apontou com o polegar da mão direita para cima, para o lugar em que ficava a capa polar superior da Crest II. Seu rosto magro não revelava o que estava sentindo. Os traços finos em torno da boca eram o único sinal de que nos últimos dias tinha descansado muito pouco.

— Temos de chegar à superfície deste planeta, para termos uma idéia de conjunto da estação de transmissor — disse. — Parece simples, mas todos sabemos que no momento nossa situação pode parecer desesperadora. Por enquanto nossa tarefa principal terá de consistir em investigar o andar verde, a fim de obtermos dados sobre a estrutura do mundo oco. É até possível que venhamos encontrar algumas formas de vida.

Redhorse e Henderson entraram na sala de comando. Rhodan cumprimentou-os com um aceno de cabeça. Os mutantes estavam reunidos na sala de comando da nave de 1.500 metros de diâmetro. Gucky e Geco, os ratos-castores, tinham realizado algumas experiências cautelosas, mas constataram que até mesmo no primeiro plano os saltos de teleportação eram impossíveis. A influência do núcleo de energia situado no espaço oco do planeta era muito forte. Isso significava que os teleportadores praticamente eram impotentes. Tinham de abster-se da teleportação, a não ser que quisessem arriscar-se a entrar na área de influência do perigoso centro.

— Pretendemos incumbi-los de um vôo de reconhecimento — disse Rhodan, dirigindo-se aos dois oficiais. — Sairão em duas naves-girino. Mas nem por isso seguirão em direções diferentes. Seria muito arriscado. Os dois veículos viajarão juntos.

Rhodan olhou para as telas do sistema de imagens exteriores.

— Não será nada fácil voar com as naves-girino numa área como esta — disse. — Confio em sua habilidade. Já tiveram oportunidade de fazer algumas observações pessoais dos arredores. Sabem que as gigantescas formações rochosas que atingem o céu artificial são uma espécie de pilastra. Às vezes as estranhas montanhas ficam tão próximas uma da outra que se precisa ter muito cuidado para contorná-las.

— Tudo bem, senhor — disse Henderson. — Até onde deveremos avançar no primeiro plano?

— Isso fica a seu critério. Se não houver nenhum perigo, poderão contornar todo o andar verde. Mas se encontrarem qualquer coisa que faça concluir que existe alguma forma de vida inteligente, deverão avisar imediatamente a Crest.

Redhorse passou os olhos pela sala de comando. Viu uma multidão de cores. Durante o vôo passariam sobre uma paisagem na qual tudo era verde. Redhorse surpreendeu-se brincando nervosamente com a gola da túnica de seu uniforme. Já estivera muitas vezes em planetas estranhos. Mas desta vez as coisas eram bem diferentes. O mundo oco em que se encontrava parecia antes uma gigantesca máquina de destruição. Havia inúmeras armadilhas à espera de qualquer intruso.

Estreitou os olhos, como se isto pudesse ajudá-lo a enxergar melhor. Seu pulso passou a bater mais depressa. A tensão nervosa que se apossara dele ao sair da Crest II voltou de repente.

— Será que estou ficando louco? Isso é uma fortaleza — disse o Capitão Sven Henderson nesse momento.

 

Redhorse levantou-se de um salto e manipulou os controles da tela de imagem. A C-18 ia algumas centenas de metros à frente, e assim era perfeitamente possível que Henderson já tivesse reconhecido certos detalhes.

— Uma fortaleza? — repetiu Redhorse.

— Uma cidade de pedra — disse Henderson em tom estridente. Redhorse sentiu o nervosismo de que estava possuído o oficial. — Este complexo montanhoso forma uma cidade gigantesca.

Redhorse fez um esforço para pensar calmamente. Esperara que encontrassem certas coisas para as quais não havia explicação. A idéia de uma fortaleza lhe parecia familiar, embora soasse estranha. Afinal, construções desse tipo existiam em outros mundos, se bem que não fossem tão grandes. Mas ao mesmo tempo Redhorse ficou desconfiado. Se a suposição de Henderson era correta, por ali devia haver seres inteligentes ou pelo menos estes já tinham existido.

Finalmente a C-11 aproximou-se bastante para que Redhorse também pudesse distinguir os detalhes. Enquanto o Capitão Henderson transmitia seu relatório para a Crest II, Redhorse concentrou sua atenção na cidade estranha.

A cidade de Bigtown, situada no sistema de Gêmeos, era muito grande. Cobria um continente inteiro. Mas para o observador objetivo seria pequena e insignificante em comparação com a fortaleza construída nas montanhas. Em sua extensão vertical a cidade de pedra atingia o céu artificial. Redhorse reconheceu agulhas de pedra próximas umas às outras, entre as quais passavam milhares de túneis e cavernas. Provavelmente havia grande quantidade de espaços artificiais compreendidos num grande complexo situado entre grossas colunas de apoio. Não havia edifícios propriamente ditos. A fortaleza era cercada por valas extensas. Redhorse viu movimentos lá embaixo. Pareciam ter sido causados por monstros enormes ou robôs que se encontravam nos valos. Será que os mesmos serviam para proteger a cidade de pedra contra um eventual ataque?

A planície que cercava as montanhas estava entrecortada por milhões de crateras, que pareciam ter sido produzidas por explosões.

— O que acha, capitão? — perguntou Wynd Lassiter, que exercia as funções de piloto.

A voz fez com que Redhorse se sobressaltasse, de tão entretido que estava na contemplação da estranha cidade.

— Tatá — disse. — É Tatá, a cidade-fantasma situada nas nuvens, com a qual meus antepassados sonharam.

— Nenhum cérebro humano é capaz de imaginar uma coisa destas em sonho — disse Lassiter com um tom de veneração na voz.

A voz de Henderson saiu do alto-falante.

— Já informei Rhodan. A Crest vai partir imediatamente; virá para cá. Espero que por aqui consigamos certas informações.

— Tatá é habitada por demônios — disse Redhorse. — São espíritos maus que possuem armas muito poderosas. Dominam o raio e o relâmpago e cavalgam montarias de fogo.

Dali em diante a fortaleza passou a ser chamada de Tatá, a cidade-fantasma.

— Poderíamos voar para dentro da fortaleza — disse Henderson. — Em certos lugares a distância entre as colunas é bastante grande para permitir a passagem de uma nave-girino.

— Sou de opinião que devemos esperar por Rhodan — sugeriu Redhorse. — Olhe para a planície que cerca a cidade. Por aqui já devem ter sido travados muitos combates violentos.

— Por causa das crateras? — perguntou Henderson. — É possível que sua origem tenha sido outra.

Redhorse sacudiu a cabeça, embora Henderson não pudesse ver o gesto.

— Olhe bem para Tatá, capitão — recomendou, dirigindo-se a Henderson. Em toda parte existem valados que só podem servir à defesa. Nas colunas da frente também se distinguem crateras, que certamente foram produzidas por granadas. Nos setores externos a cidade é totalmente blindada.

— É possível que o senhor tenha razão — reconheceu Henderson a contragosto.

— É claro que tenho razão — disse Redhorse em tom enfático. — Das observações que acabamos de fazer conclui-se que os habitantes deste pavimento não são muito amigos uns dos outros. Parece que costumam travar guerras violentas.

— De onde poderiam vir os atacantes? — perguntou Henderson. — A única coisa que existe por aqui é Tatá.

No momento Don Redhorse não soube o que responder. Mas tinha certeza de que não demorariam a encontrar a explicação.

Não poderia imaginar que a resposta à pergunta de Henderson seria dada de forma tão dramática.

— A Crest acaba de decolar — informou Henderson depois de uma ligeira pausa. — Chegará dentro de alguns instantes.

Redhorse ouviu-se respirar aliviado. Diante de Tatá até mesmo a nave-capitânia do Império Solar era uma coisa minúscula, mas sempre proporcionava uma proteção mais eficiente que a nave-girino com seus sessenta metros de diâmetro.

Quando Redhorse voltou a olhar para a tela, aconteceu uma coisa inconcebível.

De centenas de milhares de buracos, valos, túneis, cavernas e galerias que se estendiam em torno da cidade-fortaleza saíam seres desconhecidos que nem um bando de formigas.

Quase no mesmo instante a esfera enorme da Crest II apareceu à frente da fortaleza.

 

O General Zseht-Agberat-Ly, Comandante Supremo do forte blindado avançado do setor três, encostou o binóculo aos olhos rígidos e inclinou o pescoço de sessenta centímetros de comprimento por dez de espessura ligeiramente para trás. Com a outra mão afastou o capacete triangular da testa achatada, para enxergar melhor. Estava parado atrás de uma das inúmeras seteiras de observação que haviam sido abertas nas paredes de rocha de um metro de espessura.

O ajudante do General Ly encontrava-se nas imediações. Era bem verdade que o comandante poderia entrar em contato telefônico com qualquer ponto da fortaleza, mas dentro de alguns minutos começariam os ruídos do combate, e a pessoa não entenderia suas próprias palavras. Por isso o General Ly precisava de vários correios que, caso a situação se tornasse crítica, pudessem levar as mensagens ao quartel-general.

O General Ly olhou para a planície, onde os atacantes estavam saindo em massa dos seus esconderijos para arriscar mais um assalto à fortaleza. Pelos cálculos de Ly, desta vez o inimigo lançaria no combate perto de trezentos mil soldados. O comandante virou o binóculo. Viu os gigantescos canhões serem tirados das cavernas em que estavam protegidos. Descansou o binóculo e examinou a fileira de seus próprios canhões, que estavam posicionados em fileira atrás do valado, a uma distância de quinze metros um do outro.

O setor três era considerado a parte da cidade mais fácil de conquistar, mas até então Ly e seus antecessores tinham mantido o forte. Para o atacante era muito difícil concentrar-se em determinado lugar. Provavelmente o mesmo nem sabia que havia um ponto vulnerável na fortaleza.

Ly ouviu o uivo de uma granada isolada, disparada por um artilheiro apressado. O petardo explodiu bem atrás das linhas dos atacantes. Ly observou com a maior calma que o lampejo que surgiu sobre o local de impacto se transformou numa nuvem de fumaça escura, que se expandia rapidamente.

Depois da explosão isolada houve um momento de profundo silêncio. Até parecia que o solo martirizado estava prendendo a respiração, e que se abaixava sob a ameaça das armas apontadas.

Berra, o artilheiro-chefe do forte, parecia sonolento atrás de seu canhão. Era o homem mais velho no interior do abrigo alongado. Dizia-se que já tinha servido sob as ordens do General Asp. O General Ly não gostava do artilheiro-chefe, mas não estava disposto a pedir sua transferência. Sabia que nunca mais encontraria um artilheiro tão bom quanto Berra.

Ly voltou a encostar o binóculo aos olhos e olhar pelo mesmo. Em sua maioria as tropas inimigas já tinham entrado em posição. O general perguntou-se por que sempre esperavam até que o inimigo iniciasse o ataque. Do ponto de vista estratégico seria bem mais vantajoso abrir fogo contra ele assim que aparecesse. Mas como se esperava encontrar um dia uma base para negociações, os homens do quartel-general achavam preferível lutar somente para defender-se. O bombardeio a partir do interior da cidade só era iniciado depois que a primeira chuva de granadas tinha trazido a prova definitiva de que o inimigo não tinha vindo para negociar.

Ly viu Berra erguer ligeiramente o corpo.

Era um sinal de que a luta poderia começar a qualquer momento.

Não se enganara.

O uivo enervante das primeiras granadas misturou-se ao matraquear das armas portáteis. Seguiram-se explosões muito fortes. O General Zseht-Agberat-Ly endireitou o capacete de aço. Fez um ligeiro sinal para Berra. Com um artilheiro como este, não precisava fazer mais que isso.

A batalha começou.

Pelo que Ly sabia, era a septuagésima terceira.

O atacante tinha sido rechaçado setenta e duas vezes.

 

Dentro de pouco tempo seres desconhecidos enxameavam na planície de Tatá. Até parecia que o submundo abrira suas entranhas para despejar um exército gigantesco na superfície. Um ataque em grande escala contra a fortaleza estava sendo preparado diante dos olhos de Redhorse. A resolução com que agiam os atacantes levava a supor que não era a primeira vez que tentavam o assalto.

O capitão notou que os desconhecidos traziam à superfície armas de todos os tipos. Viu artefatos que sem dúvida eram canhões. Por enquanto não tinha sido disparado um único tiro. Redhorse perguntou-se, perplexo, por que os ocupantes da fortaleza não tentavam impedir a aproximação das tropas inimigas. Milhões de crateras espalhadas pela planície provavam que os habitantes de Tatá também possuíam armas.

Não se via bem os atacantes. Seu corpo devia ter uma semelhança remota com o corpo humano. Redhorse viu que possuíam dois braços e duas pernas. Estavam enfiados em uniformes peludos, que na opinião de Redhorse à temperatura de trinta e dois graus centígrados deviam ser um acessório mais que supérfluo. Naturalmente a vestimenta podia ter uma finalidade diferente da proteção contra o frio, se é que realmente se tratava de uma vestimenta.

Houve uma explosão bem atrás das linhas dos atacantes. Parecia ser uma granada isolada. Os atacantes não se mostraram muito impressionados. Prosseguiram às pressas em seus preparativos.

— Viu a explosão, cacique? — perguntou a voz de Henderson saída do alto-falante.

— Naturalmente — confirmou Redhorse. — Acredito que dentro de alguns minutos seremos testemunhas de uma grande batalha.

— Não foi uma explosão atômica — disse Henderson. — E bem possível que todas as armas dos combatentes funcionem em base puramente química. Nada de artefatos atômicos — isso representa uma segurança bem maior para nós.

As duas naves-girino mantiveram-se nas proximidades da Crest II. As três naves estavam com os campos defensivos ligados. Por enquanto ninguém estava dando a menor atenção aos desconhecidos. Os habitantes do primeiro andar do planeta Horror pareciam ocupados unicamente com sua guerra.

Redhorse acompanhou com grande curiosidade os acontecimentos que se desenrolavam na superfície do planeta. Pelos seus cálculos, um exército de duzentos e cinquenta mil soldados devia ter entrado em forma à frente da fortaleza. O número dos defensores provavelmente era dez vezes maior, mas nem todos os habitantes de Tatá poderiam ser soldados. Redhorse acreditava que ao todo deviam ser uns quinhentos milhões de seres fortemente armados que se defrontavam.

Redhorse recostou-se ligeiramente em sua poltrona. Só participava dos acontecimentos na qualidade de observador, mas aguardava ansiosamente o desfecho da terrível guerra. Queria saber por que os habitantes do andar verde lutavam uns contra os outros. Pela quantidade de armas e soldados, os motivos deviam ser muito graves.

A Crest II aproximou-se da fortaleza, seguida pelas duas naves auxiliares. Pela primeira vez Rhodan viu os defensores. Tinham pouca semelhança com os inimigos. Ao ver aqueles seres no interior da fortaleza, Rhodan lembrou-se de um canguru terrano. Era bem verdade que as cabeças dos habitantes da cidade eram semelhantes à de uma cobra. Em outra oportunidade os pequenos capacetes de aço que usavam seriam ridículos.

Dali a instantes a sala de comando da Crest II comunicou que os habitantes da cidade de pedra eram chamados de gurus. Redhorse sorriu. Ao que parecia, Rhodan tivera a mesma idéia ao ver os soldados desconhecidos.

Os atacantes receberam o nome de eskies. Redhorse acreditava que Rhodan escolhera este nome por causa do revestimento peludo desses seres, que lembrava as vestimentas dos esquimós.

Redhorse olhava atentamente para as telas. Os gurus tinham concentrado contingentes muito fortes nas áreas periféricas da fortaleza. Redhorse viu que estes seres não saltavam como os cangurus, mas caminhavam a passo cadenciado.

Os gurus não pareciam atribuir maior importância às três espaçonaves. Redhorse teve um calafrio ao pensar nos eskies. Os atacantes não podiam bombardear qualquer ponto situado no interior de Tatá, já que as fortificações que protegiam a cidade se erguiam até o céu artificial. As colunas de apoio eram tão robustas que Redhorse teve suas dúvidas de que seria possível conquistar a cidade sem armas atômicas.

Tatá era uma cidade poderosa. Para os eskies devia ser inconquistável. Redhorse teve de fazer um esforço para reprimir o sentimento de admiração que lhe inspiravam os eskies. Era um observador neutro, que nem sabia por que se estava lutando no andar verde, e por isso não deveria simpatizar com nenhuma das partes em luta.

Redhorse inclinou-se para a frente para entrar em contato com Henderson. Nesse instante os eskies começaram a atirar com todas as armas que possuíam.

 

A fortaleza desapareceu atrás de uma muralha de fogo e fumaça. Os lampejos sucediam-se em toda parte. O fogo cerrado fazia tremer o chão.

Rhodan, sua esposa e Atlan estavam sentados à frente da tela de imagem e acompanhavam o ataque dos eskies. Alguns segundos depois da explosão das primeiras bombas os gurus responderam ao fogo. Uma chuva de petardos desceu na planície. As granadas explodiam bem perto uma da outra. Os eskies abriram fogo contra as três espaçonaves, mas as explosões de petardos com cargas químicas não representavam nenhum perigo para seus campos defensivos.

— Fogo antiaéreo — constatou Rhodan. — Na Terra também já houve batalhas desse tipo.

— Nenhuma arma atômica — disse Atlan. — Os rastreadores também não acusam a presença de máquinas movidas a energia atômica. Ao que parece, por aqui ainda não foi descoberta a desintegração nuclear.

— Acontece que a técnica armamentista dessa raça é bastante avançada — objetou Mory. Tinha o cabelo amarrado e estava usando um uniforme muito simples. — Talvez tenham seus motivos para não usar armas atômicas. No interior de um dos níveis do planeta as conseqüências seriam desastrosas.

Rhodan voltou a dedicar sua atenção ao que se passava na planície. As granadas dos defensores explodiam numa área ampla. O fogo de artilharia dos gurus não ficava nada a dever ao dos eskies. Os inimigos estavam travando uma batalha cruel, na qual devia estar em jogo algo mais que uma simples divergência ideológica. Provavelmente um dos dois povos estava lutando pela própria existência.

— Estão atirando contra nós da superfície — disse Atlan. — Certamente pensam que pertencemos aos gurus — sorriu. — Será que devemos dar-lhes uma amostra de nossas armas?

— Não — respondeu Rhodan em tom decidido. — Se resolvermos intervir na luta, será para restabelecer a paz. No momento não é possível.

— Como faremos para obter as informações de que precisamos? — perguntou Mory. — Estes seres estão tão absortos em seus problemas que talvez não saibam nada a respeito dos transmissores.

Rhodan passou a mão pela testa. A objeção da esposa tinha sua razão de ser. O mundo em que se encontravam era um produto artificial criado por uma forma de vida desconhecida, cujas potencialidades técnicas deviam ser praticamente ilimitadas. Rhodan tinha suas dúvidas de que os eskies ou os gurus fossem o mesmo povo misterioso que o drung chamara de senhores da ilha. Era mais provável que os eskies e os gurus não fossem originários de Horror, mas tivessem sido transferidos para este planeta. Os senhores de Andrômeda tinham criado um anel de postos de vigilância em torno da nebulosa. Cada uma das estações de transmissor seria uma armadilha para os seres estranhos que penetrassem nele.

— Talvez consigamos descobrir o que existe no nível seguinte — disse Rhodan em tom pensativo. — Qualquer indicação sobre as condições reinantes no segundo nível poderá ser útil.

Ficaram calados e voltaram a concentrar sua atenção na batalha. A violência do bombardeio desencadeado pelos eskies não diminuiu. Os defensores restringiam-se ao bombardeio das posições mais importantes. Um arsenal dos eskies foi atingido. A nuvem da explosão quase atingiu a cobertura do nível verde. Toneladas de poeira e rocha pulverizada subiram ao ar. Mas nem por isso a coragem dos eskies arrefeceu. O fogo cerrado tornou-se ainda mais violento. Tropas de assalto avançaram em direção à fortaleza. Os canhões foram colocados em posições avançadas. Tatá transformou-se numa montanha que cuspia fogo. Os tripulantes das naves terranas ficaram fascinados ao notar que os bastiões da fortaleza estavam resistindo. Algumas fendas e buracos surgiram nas colunas de apoio situadas mais à frente, mas as mesmas não poderiam representar um perigo mais sério para qualquer uma delas. Os gurus possuíam fortes blindados. Só mesmo um impacto casual seria capaz de fazer explodir um dos abrigos fortemente protegidos.

— Gostaria de saber uma coisa — disse Rhodan em meio ao silêncio. — Será que os fatos a que estamos assistindo combinam com a teoria da destruição elaborada pelos cientistas? De acordo com essa teoria, deveria acontecer uma coisa que não pusesse em perigo um dos dois povos, mas a Crest, que é um corpo estranho na estação de transmissor.

— Naturalmente! — exclamou Atlan em tom exaltado. — Os gurus e os eskies ficam se dizimando, sem tomar conhecimento de nossa presença. Dificilmente se há de sustentar que as armas desses povos pertencem à armadilha destinada aos intrusos.

O Coronel Cart Rudo, comandante da Crest II, pigarreou com força. Até parecia uma cortina sonora em torno da batalha de Tatá.

— É possível que os fatos que se desenrolam no nível verde não correspondam às intenções dos construtores deste mundo — disse. — Talvez os dois povos tenham escapado ao controle dos donos dos transmissores. Pode ser que este plano não encerre nenhum perigo para nós.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Não acredito que num anel de defesa complexo exista uma falha — disse. — Espero que a qualquer momento aconteça uma coisa que deixe isso bem claro para nós.

— Nas condições em que nos encontramos só podemos fazer votos de que você não tenha razão — disse Atlan.— Se...

O uivo dos alarmes superou o resto de suas palavras. O Coronel Cart Rudo soltou um grito de pavor. Rhodan olhou instintivamente para os controles que ficavam bem perto do lugar em que se encontrava. Diante do que viu, imaginou toda a extensão da catástrofe que se esboçava.

Todas as máquinas movidas a energia atômica existentes na Crest II pareciam ter falhado.

Isto significava que a nave iria cair.

Cairia junto à cidade, em pleno campo de batalha.

 

O Capitão Don Redhorse fez avançar o punho e bateu na chave que ligava as máquinas de emergência. Foi um movimento puramente instintivo, provocado pelo grito do piloto. No mesmo instante em que a chave entrou em sua nova posição, Redhorse compreendeu que o movimento desesperado que acabara de fazer seria inútil. Todos os propulsores estavam falhando e as unidades geradoras não forneciam nenhuma energia.

Redhorse inclinou-se sobre o microfone sem tirar os olhos das telas.

— Atenção! — gritou. — Todas as máquinas da C-11 entraram em pane. Estamos caindo.

Nesse momento Redhorse viu o corpo gigantesco da Crest II deslizar pela tela. Não havia a menor dúvida: a nave-mãe também se aproximava da superfície.

Redhorse já não tinha nenhuma dúvida de que a nave-girino comandada pelo Capitão Henderson, a C-18, estava tendo o mesmo destino. Os alto-falantes dos radiofones permaneceram em silêncio. Algumas telas apagaram-se e certos controles deixaram de funcionar.

Redhorse dirigiu-se a Lassiter.

— Será que ainda consegue fazer-nos descer inteiros? — perguntou.

O piloto empalideceu. Segurava os controles com ambas as mãos. Redhorse esperava que o que restava de energia nos propulsores poderia evitar um impacto mais violento. Viu Lassiter acenar apressadamente com a cabeça. Apesar disso preparou-se para sofrer um abalo.

— Segurem-se! — gritou para os homens que se encontravam no interior da sala de comando.

Embaixo deles a batalha entre gurus e eskies rugia ininterruptamente. De onde teria partido o ataque às espaçonaves terranas? Redhorse obrigou-se a ficar calmo. Ninguém atirara diretamente contra eles. Outra coisa devia ter acontecido. Será que no nível verde existia uma terceira potência?

A Crest II tocou a superfície a cinco quilômetros de Tatá, no meio do exército atacante. Rhodan viu-o em uma das telas que ainda estavam funcionando. Respirou aliviado. Afinal, tinham conseguido manter a nave intacta durante o pouso.

De repente a tela apagou-se e Rhodan não via mais o que estava acontecendo.

Lassiter, que pilotava a nave-girino praticamente em vôo cego, lançou um olhar angustiado para Redhorse. Este acenou com a cabeça. Naquele momento não podia fazer praticamente nada para apoiar o piloto.

— Atenção! — gemeu Lassiter.

Redhorse comprimiu o corpo contra a poltrona. Por um instante viu o rosto magro de Lassiter à sua frente; apresentava uma palidez fantasmagórica à luz débil das raras luzes de controle que ainda estavam funcionando. De repente houve um solavanco. Redhorse caiu para a frente, mas o dispositivo de segurança o agüentou e atirou-o para trás. Alguma coisa quebrou-se, produzindo um estalido metálico. O silêncio passou a reinar no interior da sala de comando da C-11. Finalmente Wynd Lassiter começou a falar com a insegurança de quem não sabe o que lhes reservam os próximos minutos.

— Estamos presos.

Redhorse abandonou seu gênio calmo e saltou da poltrona. Imediatamente o ambiente tornou-se mais barulhento. Todos começaram a falar ao mesmo tempo.

— Vamos! — gritou Redhorse. — Todo mundo para o hangar. Tentaremos sair com dois carros voadores.

Tinha certeza de que esses veículos blindados versáteis também não funcionariam, mas representariam uma ajuda inestimável na área cortada por crateras, caso conseguissem reparar seus propulsores.

Enquanto Redhorse saía ao lado de seus homens da sala de comando da C-11, ficou se perguntando o que teria acontecido a bordo das outras naves.

A Crest II conseguira pousar em relativa segurança. O capitão não vira nenhum sinal da C-18, mas a mesma devia estar bem perto.

Pela primeira vez Redhorse ouviu um estrondo surdo.

Era o ruído da batalha que estava penetrando! Na nave.

 

Aquilo que Rhodan receara foi confirmado instantes após o pouso nada suave. O engenheiro-chefe da Crest II, Major Hefrich, que se encontrava na sala de artilharia, chamou pelo intercomunicador, que continuava a funcionar.

— Nenhuma das armas da Crest está funcionando — disse em tom militar. — Algum fenômeno que não conhecemos impede todos os processos nucleares, quer se trate da fissão, quer da fusão.

Rhodan teve vontade de perguntar se Hefrich tinha certeza absoluta, mas preferiu não fazê-lo. Antes de transmitir uma informação como esta, o major certamente verificara cuidadosamente se a mesma era correta.

— Faça tudo que estiver ao seu alcance para descobrir a causa — ordenou Rhodan. — Se não tivermos armas, estaremos à mercê até mesmo dos gurus e dos eskies.

— Que desta forma acabaram por transformasse num perigo — interveio Atlan.

Rhodan compreendeu o que o arcônida queria dizer.

De todos os setores da nave vinham notícias alarmantes. Todos se esforçavam para colocar em funcionamento as máquinas que tinham falhado. Mas os esforços não deram nenhum resultado.

Rhodan apressou os responsáveis por meio de ordens lacônicas, para que se empenhassem em reparar os equipamentos e máquinas. O misterioso ataque passou a ocupar um segundo plano em sua mente. Não tinha a menor dúvida de que realmente se tratava de um ataque. Algum ser desconhecido tinha posto fora de ação três espaçonaves, sem sofrer absolutamente nada. Por enquanto Rhodan não sabia de que maneira tinha sido realizado o ataque. Nenhuma das máquinas apresentava sinal da atuação de radiações. As armas também davam a impressão de estar em perfeitas condições — enquanto não se tentasse dispará-las. Era impossível desencadear um processo nuclear a bordo das três naves.

Em compensação as armas dos gurus e dos eskies continuavam a funcionar. Nenhuma delas funcionava em base atômica. Pela primeira vez Rhodan suspeitou de que ambas as partes tinham renunciado propositadamente ao uso de armas atômicas, para não enfrentar o mesmo dilema em que se viam colocados os astronautas. Mas isto não passava de uma suposição que por enquanto não poderia ser demonstrada.

Nem a Crest II nem as duas naves-girino foram atacadas. Ao que parecia, a potência desconhecida contentava-se em manter presas as espaçonaves, enquanto tivesse certeza de que suas armas eram inúteis.

Rhodan procurou localizar Ivã Goratchim, o mutante de duas cabeças. Viu o detonador parado ao lado dos dois ratos-castores. Rhodan pretendia fazer uma experiência com Goratchim.

Chamou o portador de um ativador celular. Gucky e Geco continuaram em seus lugares. Nos últimos dias mantinham um estranho silêncio. Provavelmente não conseguiam conformar-se com o fato de que qualquer salto de teleportação os levava ao campo de ação do núcleo energético situado no centro do planeta.

Goratchim aproximou-se com as pernas duras. As duas cabeças ficavam lado a lado. Nos lugares em que o corpo do mutante não era coberto pelo uniforme, via-se o brilho da pele verde. Goratchim poderia camuflar-se muito bem no primeiro nível do planeta Horror. Bastaria tirar a roupa.

— O que posso fazer, senhor? — perguntou a cabeça do lado direito.

— As instalações que funcionam em base atômica falharam — respondeu Rhodan. — Nossas armas foram inutilizadas. E o senhor, Ivã? Seus fluxos mentais paranormais lhe permitem provocar a explosão de qualquer composto de carbono ou cálcio.

As duas cabeças acenaram.

— Compreendo — disse Ivanovitch, a cabeça da esquerda. — O senhor quer descobrir se minhas faculdades também foram inutilizadas.

— Isso mesmo — confirmou Rhodan e levantou o braço. — Está vendo o caneco sobre a mapoteca?

— Estou — responderam as duas cabeças ao mesmo tempo.

— Destrua-o! — ordenou Rhodan.

Goratchim virou lentamente de lado. Para destruir um objeto, precisava ter uma visão nítida do mesmo. O mutante de dois metros de altura concentrou-se por um instante, mas logo deixou pender molemente os ombros.

— Não... não consigo! — exclamou Ivã em tom de perplexidade.

Rhodan e Atlan entreolharam-se por bastante tempo. A última arma de que dispunham também tinha entrado em pane. Rhodan já desconfiara disso. Ao usar suas faculdades paranormais, Goratchim provocava um processo nuclear. Naquele momento alguma coisa impedia o êxito de sua ação.

— Tentarei de novo — anunciou Goratchim em tom resoluto.

— Não adianta — disse Rhodan. — Mesmo que faça mil tentativas, não conseguirá destruir o caneco. Neste planeta maluco deve existir alguma coisa que é capaz de impedir as fissões e fusões nucleares. Enquanto não descobrirmos como isso é feito, estaremos indefesos.

— Em todos os setores da nave trabalha-se nas máquinas — disse Mory Rhodan-Abro. — Espero que os técnicos descubram um meio de colocar as coisas em ordem.

Rhodan olhou numa atitude compreensiva para Goratchim, que parecia desolado. Naquele momento o mutante de duas cabeças devia sentir-se inútil. Até então fora somente sua faculdade maravilhosa que fizera com que fosse aceito de igual para igual no grupo de mutantes. Na situação em que se encontrava, Goratchim fatalmente haveria de pensar que não passava de um monstro que incomodava as pessoas que o cercavam com sua feiúra.

O mutante foi voltando a seu lugar. Passou pela mapoteca. Rhodan viu que ao passar segurou o caneco e esmagou-o com a maior facilidade entre as mãos.

Atlan também viu, mas ficou calado.

O comportamento de Goratchim era apenas um dos numerosos sinais da crise que se esboçava. Muitos tripulantes estavam dando sinais de nervosismo. Rhodan sabia que seria mais fácil fazer os homens entrar em luta contra um inimigo muito mais fortes que deixá-los numa situação destas. Não havia um inimigo no qual pudessem pôr as mãos. Os astronautas tinham-se transformado num grupo de infantaria desarmado.

Enquanto as tentativas de colocar em funcionamento as diversas máquinas da Crest II mantivessem ocupados os homens, a calma seria mantida. Mas assim que se tivesse certeza de que não havia possibilidade de fazer decolar a nave, haveria problemas. Rhodan já se defrontara muitas vezes com problemas desse tipo e sabia como as pessoas costumavam reagir diante dos mesmos.

“Tomara que aconteça alguma coisa”, pensou Rhodan.

Seu desejo logo se cumpriria.

Mas de uma forma muito diferente do que imaginava.

 

A rampa de desembarque da C-11 consistia em faixas telescopicamente engatadas, que se fazia sair comprimindo um botão na sala de comando. Havia um comando de emergência que ficava junto à eclusa. Mas ambos os comandos dependiam do suprimento de energia por parte dos reatores.

Desta forma a rampa de desembarque passou a ser um problema para o Capitão Redhorse. Lá fora rugia a batalha. A fumaça e o ar quente entravam pela eclusa aberta.

Quase todos os tripulantes da nave-girino estavam reunidos no compartimento de carga. Redhorse desabotoou a túnica do uniforme. Os homens olharam para ele com uma expressão de expectativa. Dissera que tentaria fazer sair os dois carros voadores. Chegara a hora de provar que isso era possível. Redhorse mandou que vinte homens se colocassem perto da travessa interior da primeira faixa da rampa de desembarque. As diversas faixas deslizavam sobre rolos. Dois homens foram até a extremidade da faixa e removeram os suportes de sustentação, que impediam que a rampa de desembarque se movimentasse sozinha. Por enquanto os astronautas estavam com sorte, pois o fogo dos gurus concentrava-se em algumas posições dos eskies. Sem os campos defensivos, nem mesmo uma nave-girino resistiria ao fogo de artilharia concentrado.

A meia milha da C-11 havia uma posição de artilharia formada por sete canhões que atiravam ininterruptamente. A gigantesca esfera da Crest II encontrava-se a uns duzentos metros da C-11, em sentido oblíquo. A C-18 devia estar mais atrás. Durante o pouso forçado os eskies já tinham suspendido o bombardeio das três espaçonaves. Não tomavam mais conhecimento das gigantescas esferas.

Redhorse esperou que os vinte homens ocupassem seus postos. Os astronautas agarraram-se com ambas as mãos à travessa inferior, sobre a qual a rampa de desembarque repousava em condições normais.

A um sinal os vinte homens que se encontravam na parte inferior da travessa de ligação começaram a balançar o corpo. Cinco homens que tinham ficado em cima empurraram com toda força. Redhorse gostaria de mandar outros homens para ajudar, mas não havia mais lugar.

De repente a trilha dianteira começou a movimentar-se. Redhorse fazia votos de que arrastasse as outras três.

— Subam na rampa! — gritou para os vinte homens, que estavam pendurados a grande altura, a uns dez metros da eclusa. Quando a rampa de desembarque tocasse o chão, não poderiam estar mais ali, pois nesse caso seriam esmagados.

Redhorse ficou com os dentes cerrados enquanto via os homens subirem na rampa um após o outro. A mesma começou a balançar sob o peso dos homens.

— Não se mexam mais! — gritou Redhorse.

No mesmo instante a primeira faixa saiu de vez.

Os cinco astronautas que a tinham impelido saltaram para a segurança da segunda faixa. As duas faixas engataram com um ruído quase imperceptível, já que as explosões das granadas abafavam tudo quanto era barulho. As duas faixas ficaram na mesma altura. A segunda faixa acabou sendo arrastada pela primeira, e dali em diante tudo foi muito rápido. Redhorse viu os vinte homens que se encontravam na ponta do enorme balanço, seguravam-se desesperadamente para não serem atirados para fora da faixa. A terceira faixa foi arrancada dos suportes e foi descendo como uma persiana. Um dos cinco homens que se encontravam mais em cima perdeu o equilíbrio e soltou um grito ao cair para dentro do compartimento de carga. Imediatamente dois robôs médicos se aproximaram para cuidar dele.

A quarta faixa saiu do suporte que nem uma bala. Os rolos sobre os quais deslizava só engataram quando já tinha descido um bom pedaço. Redhorse prendeu a respiração. Finalmente a rampa tocou o chão. Os vinte homens que se encontravam sobre a mesma perderam o apoio e foram atirados para o alto. Quatro deles caíram de volta na rampa, enquanto os outros caíram violentamente na superfície do nível verde. Redhorse respirou aliviado ao notar que a maior parte deles logo se levantou.

Redhorse sorriu.

— Agora vamos fazer sair dois carros voadores — ordenou.

A extremidade inferior da rampa de desembarque foi firmada no chão. Redhorse enviou quatro voluntários, dois para a Crest II e dois para a C-18, para entrar em contato com os outros náufragos.

Redhorse não se lembrava de que na Frota Solar alguém já tivesse tentado fazer sair dois veículos de esteira blindados capazes de voar pela rampa de desembarque de uma espaçonave. Normalmente estes veículos saíam voando e pousavam nos lugares em que havia necessidade deles. Costumavam ser usados principalmente em planetas inexplorados.

Redhorse reuniu seus homens. A maior dificuldade seria levar os veículos até a rampa de desembarque. Fazê-los descer pela mesma seria fácil. Era bem verdade que a tripulação da C-11 não seria suficiente para manter os carros voadores em movimento no terreno acidentado do nível verde.

Redhorse mandou amarrar cordas compridas de ambos os lados dos veículos. Um grupo de homens foi destacado para empurrá-los com barras de ferro. O resto da tripulação foi distribuída junto às cordas. Depois Redhorse foi dando os comandos. Depois de três tentativas mal sucedidas o primeiro veículo saiu do lugar. Redhorse quase pôs as tripas para fora de tanto gritar, para evitar que os astronautas esmorecessem em seus esforços. Metro após metro o primeiro veículo foi-se aproximando da rampa de desembarque.

Redhorse saltou para cima da esteira e desapareceu no interior da pequena eclusa do veículo. O suor fazia arder seus olhos. Redhorse chegou à direção. Os gritos cada vez mais fortes dos homens mostravam que o carro voador tinha atingido a rampa de desembarque. Redhorse sentiu o veículo pesado inclinar-se ligeiramente para a frente. O carro versátil saiu rolando para baixo muito mais devagar do que ele esperara. Os astronautas que se encontravam na eclusa passaram a reunir-se em torno do segundo veículo. Quando Redhorse estava saindo do veículo de esteira blindado que já estava quase parado, o segundo começava a descer pela rampa.

Redhorse ficou gritando suas ordens rampa acima, mas finalmente reconheceu que ninguém poderia ouvi-lo. Os uniformes dos homens apresentavam manchas escuras, porque os mesmos estavam banhados em suor. Redhorse desviou-se para o lado para dar passagem ao veículo, que estava sendo dirigido por Lassiter, piloto da C-11.

Dali a alguns minutos os dois veículos estavam parados a uns dez metros da rampa de desembarque, em meio à paisagem cheia de crateras.

O Capitão Don Redhorse estava parado na eclusa, olhando para o campo de batalha. Uma nuvem de fumaça impedia a visão para o céu artificial. Tatá também estava envolta em fogo e fumaça.

E os canhões dos eskies não queriam parar de atirar.

 

O Major Bert Hefrich, engenheiro-chefe da Crest II, entrou na sala de comando e foi diretamente para o lugar em que estava Rhodan. Parecia exaltado.

— Achei preferível vir falar pessoalmente com o senhor — disse. — As notícias que trago não são nada agradáveis.

— Fale, major — pediu Rhodan.

Hefrich deu uma risada triste, dando a impressão de que se esforçava para livrar-se de uma recordação desagradável.

— Não existe a menor possibilidade de pôr em funcionamento as máquinas da Crest — disse. — As experiências realizadas provam que as instalações não apresentam nenhuma avaria. Os comandos também funcionam perfeitamente. Tudo acontece porque a reação não se verifica.

Pigarreou.

— Isto pode parecer misterioso, mas quase me sinto inclinado a dizer que as máquinas estão paralíticas.

— Compreendo — disse Rhodan.

Sabia que Hefrich tinha exigido o possível de seus colaboradores. Mesmo agora os técnicos não diminuiriam seus esforços, muito embora Hefrich já tivesse dado sua sentença.

— Enquanto permanecermos no interior da nave não temos a menor chance de modificar a situação em que nos encontramos, senhor — disse Hefrich. — A causa da falha de todas as usinas atômicas deve ser procurada fora da Crest.

Antes que Rhodan pudesse responder, Gucky aproximou-se.

— Acabo de ter uma conversa com um mutante — disse. — Temos uma teoria que talvez possa explicar a queda das três naves.

— Diga logo, baixinho! — disse Rhodan.

Notava-se perfeitamente que Gucky estava muito abatido.

— No passado temos lidado muitas vezes com seres que possuem dons paranormais individuais — disse o rato-castor. — Algumas formas de vida adquirem essa capacidade por meio da mutação, enquanto em outras a mesma é inata.

— Aonde quer chegar? — perguntou Rhodan.

— Em todos os povos dotados de faculdades psi o indivíduo demonstra a capacidade de desempenhar atividades paranormais — prosseguiu Gucky. — Será que não é possível que existam formas de vida em que se torna necessária a atuação conjunta de grandes grupos para irradiar a onda parafísica?

Rhodan estreitou os olhos.

— De forma alguma podemos excluir esta possibilidade — disse em voz baixa. — Mas o que é que isso tem a ver com nossa situação?

Gucky abriu as patas e empertigou-se.

— No interior do nível verde existe uma onda paranormal constante — disse. — Temos certeza de que vem de Tatá. A queda da Crest e das duas naves-girino verificou-se pouco depois do aparecimento da frente psi.

— Por que não nos disse isso antes? — perguntou Atlan.

Gucky fitou-o com uma expressão que quase chegava a ser triste.

— Como já disse, esta paraonda é diferente de qualquer outro fenômeno que já tenhamos encontrado. Ao que parece, tem origem nas irradiações de todo um povo. Quer dizer que forma uma espécie de psi coletivo. Não conseguimos localizar qualquer fluxo individual. Por isso de início acreditei que talvez se tratasse de um fenômeno da natureza ou das emanações produzidas por alguma máquina desconhecida.

— Nesse caso deveríamos concluir que a onda está sendo irradiada pelos gurus — disse Rhodan em tom indiferente. — Será que isso não explica o fato de os eskies não usarem uma única arma atômica?

— Como poderíamos levar os gurus a interromper a transmissão da onda paranormal, senhor? — perguntou o Coronel Rudo.

— Talvez parem com isso assim que os eskies se retirarem — observou Mory Rhodan-Abro. — É só aguardar o fim da batalha.

— Mory tem razão — disse Atlan. — Acho que nossas preocupações são infundadas. Os eskies logo desistirão. Por enquanto não conseguiram nenhum êxito importante. Voltarão às suas cavernas e recuarão para as posições iniciais.

Na opinião de Rhodan essa solução era muito simples para ser verdadeira.

— Não devemos esquecer que nos encontramos numa armadilha muito bem montada — disse em tom apressado. — Acho que alguma coisa ainda vai acontecer antes que a batalha em torno da fortaleza chegue ao fim.

 

O General Zseht-Agberat-Ly olhou com uma satisfação íntima para a planície. Os ataques do inimigo estavam sendo contidos devagar, mas incessantemente. Muitas posições tinham sido eliminadas em virtude do bombardeio dos defensores. O artilheiro Berra estava trabalhando que nem uma máquina. O setor três estava completamente fora de perigo.

O General Ly viu os objetos voadores não identificados no meio do exército inimigo. Tinham pousado e estavam completamente indefesos. Ly sabia que mais uma surpresa desagradável estava reservada aos tripulantes. O exército atacante já estava à espera da segunda onda dos habitantes da fortaleza, mas os desconhecidos não podiam saber disso.

O ajudante de Ly acabara de informá-lo que no setor sete o inimigo conseguira aproximar-se perigosamente. O forte blindado avançado desse setor teve de ser evacuado, de tão intenso que foi o bombardeio. Ly não acreditava que o inimigo conseguisse romper as linhas de defesa, mas estava na hora de usar a segunda onda.

Afinal, no setor sete não existia nenhum artilheiro com a classe de Berra e — um sorriso orgulhoso apareceu no rosto de Ly — nenhum general da estirpe dos Zseht-Agberat. Ly não era jovem, mas julgava ser um homem vistoso. Tinha esperança de ser eleito no próximo pleito para o Conselho Supremo dos Zseht-Agberat. Sentiu-se um pouco triste ao lembrar-se dos tempos em que seu clã ainda era muito influente no interior da fortaleza. Atualmente eram as famílias arrogantes dos Telsh-Dgromas e dos Sens-Tallot que estavam no governo. Tudo que restava aos Zseht-Agberat era um passado glorioso. Ly tinha esperança de que, se fosse eleito para o Conselho Supremo, seu clã recuperaria um pouco de sua influência.

Ly voltou a dedicar sua atenção ao campo de batalha. Os atacantes tinham mudado de tática. O bombardeio era feito pelas posições de artilharia situadas na retaguarda, enquanto mais na frente os grupos de assalto investiam contra a fortaleza. Em alguns setores tinham-se entrincheirado nas crateras mais próximas. Seus atiradores mais exímios ficavam sentados junto às bordas das crateras, à espera de um alvo. Ly admirava os canhões pequenos e extremamente móveis do inimigo, cujo poder de fogo era surpreendente. Se os agressores conseguissem levar um número maior desses canhões para as crateras mais próximas, a situação da fortaleza poderia tornar-se perigosa.

Ly mandou que seu ajudante lhe desse uma noz group e mordeu-a. O ácido fez com que as lágrimas lhe viessem aos olhos, mas logo o efeito aquecedor do suco se fez sentir. Ly sabia que nozes group estavam sendo distribuídas em toda parte, a fim de proteger os defensores contra os efeitos da segunda onda.

Ly viu Berra morder sua noz em atitude indiferente, enquanto continuava a dar suas ordens. O ajudante entregou a máscara ao general. Ly colocou-a sobre o rosto. O estrondo do canhoneio passava por cima do forte blindado das linhas avançadas. Uma lufada de ar frio atravessou as seteiras.

O General Ly estremeceu.

A segunda onda começou a espalhar-se além da fortaleza. Dali a instantes atingiria a planície e traria a decisão da batalha.

 

O Capitão Don Redhorse olhou com um gesto impaciente para o relógio de pulso. Dentro de alguns minutos seus mensageiros deveriam chegar à Crest II e à C-18. Rhodan certamente já tinha elaborado um novo plano de ação. Quanto à decolagem da nave-girino, os técnicos da C-11 não lhe haviam dado nenhuma esperança de que a mesma pudesse ser realizada em breve. Não tinham descoberto nenhum defeito ou avaria, mas não conseguiram movimentar as máquinas da nave auxiliar. Redhorse concluiu que seriam obrigados a permanecer nas proximidades da fortaleza por um tempo indeterminado.

Não queria agir por conta própria; preferia aguardar as ordens de Rhodan. Em sua opinião seria conveniente capturar alguns prisioneiros, a fim de obter informações sobre o nível verde. Redhorse tinha certeza de que dessa forma descobririam alguma coisa sobre as causas das falhas verificadas nas máquinas.

Um dos homens que tinha caído da rampa de desembarque não resistira aos ferimentos. Os robôs médicos não puderam salvá-lo. Redhorse se incriminava por ter dado ordem para fazer sair os dois carros voadores. Como comandante da C-11 era responsável pela vida de seus tripulantes. Era verdade que fora um acidente, mas Redhorse não era uma daquelas pessoas que se conformam facilmente com um desastre como este. Redhorse era calado por natureza. Em compensação sabia decidir depressa e possuía ampla visão nas situações de perigo.

O sargento Loquart, que estava parado a seu lado no interior da eclusa, parecia adivinhar os pensamentos do capitão. Bem que gostaria de dizer a Redhorse que entre os tripulantes ninguém o acusava. Mas Loquart achava que seria difícil encontrar as palavras certas perante um homem como Redhorse. Além disso, teria de berrar para superar o barulho vindo do campo de batalha. Viu Redhorse olhar novamente para o relógio. Depois disso o capitão enxugou o suor da testa.

— Quem dera que não fizesse tanto calor, capitão! — gritou Loquart.

Redhorse o destacara para ficar de guarda na eclusa. O sargento perguntava-se para que Redhorse queria um guarda, se ele mesmo estava constantemente na eclusa.

Redhorse limitou-se a acenar com a cabeça. O calor, o uivo das granadas, o estrondo incessante das explosões, a poeira e a fumaça o estavam deixando cansado.

Achava que deveria ter ido à Crest II, no lugar de um dos quatro homens que tinha enviado para lá. Enquanto estivesse ocupado, não poderia incomodar-se com os pensamentos tristes.

Deu uma palmadinha no ombro de Loquart e dispôs-se a voltar para o interior da nave.

— Senhor! — gritou Loquart atrás dele.

Redhorse parou. Foi atingido por uma lufada de ar frio, que tangeu a poeira e a fumaça para dentro do compartimento de carga e o fez tossir. Estupefato, Redhorse resolveu voltar.

— Ar frio! — gritou Loquart. — Vem do lado de fora.

Redhorse esticou a cabeça ao encontro da corrente de ar frio. Recebeu-a como uma coisa agradável, embora no mesmo instante se perguntasse qual poderia ser sua origem. O vento parecia trazer uma ameaça invisível e anunciava um perigo indefinível, que ainda estava bem distante, mas parecia aproximar-se cada vez mais. Redhorse lançou um olhar nervoso para fora. Por que haveria de preocupar-se por causa do vento frio?

O rosto do sargento Loquart tremia. Os dois homens tossiram.

— Está cada vez mais frio! — gritou Loquart.

Pelos cálculos de Redhorse, nos últimos minutos a temperatura devia ter baixado cerca de dez graus. Ainda fazia calor, mas Redhorse não conseguia lembrar-se da impressão de que a história ainda não tinha chegado ao fim, de que havia algo pela frente.

— O que acha, capitão? — perguntou Loquart em tom nervoso.

Na planície a batalha continuava com a mesma violência. Nem os gurus nem os eskies pareciam incomodar-se com a repentina queda de temperatura.

Redhorse ligou o intercomunicador que ficava junto à eclusa e entrou em contato com a sala de comando. Wynd Lassiter respondeu.

— Traga o barômetro, Wynd — ordenou Redhorse. — Ande depressa.

— Um barômetro? — repetiu Lassiter.— Será que o senhor se bandeou para o lado dos meteorólogos?

— Já lhe disse que se apressasse — respondeu Redhorse em tom áspero.

Dali a instantes Lassiter apareceu na eclusa. Tinha tirado a túnica do uniforme. A parte de cima da camisa estava desabotoada. Quando chegou perto de Redhorse, estremeceu.

— Ui! — fez. — O que está acontecendo por aqui? Ficou bem fresco. Tomara que um pouco disso chegue à sala de comando.

Sem dizer uma palavra, Redhorse pegou o barômetro. A pressão do ar era normal, mas a temperatura estava em apenas 18 graus. Redhorse lembrava-se de que até então se mantivera em 32 graus.

De repente teve um calafrio. Lassiter abotoou a camisa. Redhorse entregou o pequeno barômetro a Loquart. Voltou a olhar para o relógio. Acreditava que nas duas outras naves também fora registrada a queda da temperatura. Fazia votos de que os mensageiros voltassem logo.

Nos dez minutos seguintes a temperatura continuou a baixar constantemente.

Chegou a 5 graus positivos.

 

Rhodan mandou que os dois homens exaustos vindos da C-11, que haviam atravessado as fileiras dos eskies, se acomodassem em poltronas confortáveis. Alguém lhes serviu chá quente. Rhodan esperou calmamente até que se recuperassem um pouco.

Finalmente ficou sabendo que Redhorse fizera sair dois carros voadores— pela rampa de desembarque.

— Nada mau — disse em tom de elogio. — Mas o que é que o capitão espera conseguir com isso?

— Espera que os veículos de esteira possam ser postos a funcionar mais depressa que a nave-girino — disse um dos mensageiros. — Quer usar algumas centenas de homens para rebocá-los.

— Não é uma má idéia — observou Gucky. — Não acredito que o paracampo dos gurus avance muito pela planície. Se conseguirmos afastar um ou dois veículos algumas milhas de Tatá, talvez possamos voar neles.

Rhodan notou a expressão de espanto nos rostos dos subordinados de Redhorse. Provavelmente não sabiam do que Gucky estava falando.

— Podem ficar a bordo da Crest — sugeriu Rhodan. — Mandarei dois voluntários à C-11. Os senhores já sofreram muito.

— Não — recusou o porta-voz dos dois. — Gostaríamos de levar pessoalmente suas ordens ao Capitão Redhorse.

O intercomunicador emitiu um estalido, interrompendo a palestra.

Era o Major Hefrich, que voltara a encarregar-se da supervisão dos técnicos.

— Estou num dos hangares, senhor — informou Hefrich. — O senhor já notou que a temperatura externa está baixando constantemente?

— Não — respondeu Rhodan em tom de surpresa e lançou um olhar para os controles. — É mesmo — prosseguiu. — A temperatura no interior da sala de comando é de apenas vinte e quatro graus.

— Ao ar livre é de doze graus — informou Hefrich. — E está ficando cada vez mais frio.

— O que será? — perguntou Rhodan, embora soubesse que Hefrich não lhe poderia dar nenhuma resposta satisfatória. — Como se explica a súbita mudança de temperatura?

— O nível verde está me deixando cada vez mais assustado — confessou Hefrich. — Prosseguirei nas observações e mantê-lo-ei informado, senhor.

Rhodan desligou. Os correios de Redhorse levantaram-se.

— Está bem — disse Rhodan, dirigindo-se aos mesmos. — Nestas condições será preferível que voltem imediatamente. Levem dois agasalhos. Durante o caminho de volta fará um pouco de frio. Diga a Redhorse que prepare os dois carros voadores para serem rebocados.

Os dois saíram.

— Agora temos alguma coisa em que pensar — disse Atlan com um olhar para os controles.

— Acha que a queda de temperatura tem alguma importância? — perguntou Mory Rhodan-Abro.

— Horror é um planeta artificial — lembrou o arcônida. — Podemos admitir tranquilamente que a temperatura de trinta e dois graus centígrados, que reinava à nossa chegada ao nível verde, normalmente não poderia mudar. Se a temperatura baixou, algo de anormal deve ter acontecido.

— Acho que são novamente os gurus — anunciou Gucky. — A emanação paranormal sofreu uma modificação. Ainda não sou capaz de identificá-la; nem sequer existe a possibilidade de estabelecer contatos telepáticos.

— Será que para eles adiantaria alguma coisa fazer baixar a temperatura para doze graus positivos?

— perguntou Mory.

Rhodan estalou os dedos.

— É por isso que os eskies trazem os pelegos — acenou com a cabeça. — Isto mesmo; trata-se de agasalhos. Dessa forma a temperatura atual torna-se perfeitamente suportável.

Gucky cruzou os bracinhos sobre o peito. Seus olhos brilhavam.

— Quem nos garante que a temperatura vai parar de baixar? — perguntou com a maior tranqüilidade.

 

O Capitão Don Redhorse olhou para a coluna de vapores que se desmanchava rapidamente e procurou compreender que aquilo era sua própria respiração. Aspirou profundamente o ar e expeliu-o com a boca bem aberta. Não se enganara: seu hálito já se tornara visível. Concluiu que a temperatura continuava a cair.

Redhorse olhou para o relógio. Fazia cerca de trinta minutos que começara a esfriar. Provavelmente naquele momento a temperatura ficava um ou dois graus acima do ponto de congelamento.

Loquart e ele mesmo tinham colocado seus agasalhos e fechado os mesmos. Mesmo no interior da nave a temperatura estava baixando rapidamente. O equipamento de calefação e climatização tinha falhado, e por isso não havia nenhuma possibilidade de aquecer o interior da nave-girino.

Redhorse não era medroso, mas a rápida queda da temperatura deixava-o preocupado. Alguma coisa estava acontecendo no nível verde, para a qual ele não tinha explicação.

Os eskies prosseguiam em seus ataques contra a fortaleza, mas Redhorse teve a impressão de que começavam a retirar-se lentamente. O número de explosões vindas da retaguarda só servia para dar cobertura à retirada das tropas de assalto que se encontravam nas proximidades da fortaleza.

Redhorse dirigiu-se ao intercomunicador e deu ordem para que os tripulantes se agasalhassem.

Loquart calçou as luvas. Vivia lançando olhares indagadores para Redhorse. Este percebeu a insegurança do homem, mas não sabia o que dizer ao mesmo. Esperava impacientemente o regresso dos quatro homens enviados à Crest II e à C-18.

Pela quarta vez nos últimos cinco minutos Loquart abandonou seu lugar no interior da eclusa e foi para perto do barômetro. Contemplou-o por um instante numa atitude pensativa, abanou a cabeça e voltou à posição anterior.

“Tomara que a coluna de mercúrio não baixe além do ponto de congelamento”, pensou Redhorse. Para ele o mesmo quase chegava a representar uma linha de demarcação abaixo da qual não se deveria chegar. Se a temperatura chegasse alguns graus abaixo de zero, o frio poderia aumentar ainda mais, até...

Redhorse obrigou-se a não pensar nisso.

Loquart começou a assobiar. Era claro que Redhorse não ouvia o sargento mas viu o mesmo apontar os lábios e soltar nuvenzinhas de vapor a intervalos regulares. Redhorse duvidava de que Loquart tivesse bastante sangue frio. Provavelmente só assobiava para disfarçar o medo.

As nuvens de fumaça que cobriam a planície acidentada tinham mudado ligeiramente de posição. Redhorse viu perfeitamente que as tropas dos eskies estavam batendo em retirada. As baterias montadas na retaguarda eram as únicas que continuavam a atirar contra a fortaleza. Os gurus também concentravam seu fogo de artilharia nessas posições.

Dessa forma o resultado da luta em torno de Tatá estava praticamente decidido. Os gurus tinham mantido a fortaleza sem sofrer maiores perdas. Desde o início Redhorse não acreditara que os eskies tivessem muitas chances. Os bastiões da fortaleza resistiam às armas dos atacantes, e os defensores estavam muito bem armados para que suas posições pudessem ser tomadas de assalto.

Redhorse teve pena das tropas de assalto que se viram obrigadas a fugir às pressas para dentro das crateras. Em sua opinião o ataque fora um erro estratégico, se bem que não podia avaliar todos os aspectos da situação.

Loquart voltou para junto do barômetro e Redhorse sobressaltou-se em meio às suas reflexões. Loquart inclinou-se sobre o pequeno instrumento. Depois levantou abruptamente a cabeça. Redhorse viu o medo estampado nos olhos do homem.

Loquart levantou dois dedos.

Redhorse mordeu o lábio. Não havia necessidade de perguntar o que significava esse gesto.

A temperatura continuava a cair.

Já tinha chegado a dois graus abaixo de zero.

Desta vez Loquart não voltou ao mesmo lugar de antes. Aproximou-se de Redhorse e apontou para a saída da eclusa, que continuava aberta.

— Acho que deveríamos fechar a eclusa, capitão — sugeriu.

Não chegou a gritar, mas Redhorse o entendia perfeitamente, o que era um sinal de que o barulho do fogo de artilharia tinha diminuído.

— Nossos homens podem voltar a qualquer momento — disse Redhorse. — O casco da nave não evitará a penetração do frio por muito tempo, já que os equipamentos de climatização não estão funcionando.

Loquart lançou um olhar indeciso para a rampa de desembarque.

— O que faremos se a temperatura baixar ainda mais?

— Pare de pensar nisso — recomendou Redhorse.

Parecia fazer alguns meses desde que o calor o fizera sofrer. Acontece que isso acontecera há menos de uma hora. A rapidez da queda da temperatura no primeiro plano do planeta Horror deixou Redhorse muito mais preocupado que o esfriamento em si. Aquilo parecia contrariar a própria natureza. Trazia a marca de um ataque traiçoeiro.

Loquart pôs-se a caminhar de um lado para outro no interior da eclusa, dando a impressão que seus pés estavam gelados e precisava aquecê-los. Finalmente dois homens apareceram na extremidade inferior da rampa de desembarque. Eram Eskar-pin e Szeker, os homens que tinham sido mandados à C-18. Pareciam exaustos ao subirem pela rampa. Loquart interrompeu suas caminhadas e cumprimentou-os com um gesto. Redhorse viu que Eskar-pin e Szeker estavam usando jaquetas. Certamente estas lhes tinham sido entregues a bordo da C-18.

Eskar-pin esboçou um sorriso quando se encontrava ao lado de Redhorse. Seus olhos muito afundados nas órbitas vagavam nervosamente de um lado para outro.

— Até parece uma nova era glacial, senhor — disse em tom estridente.

Szeker enfiara as mãos nos bolsos e nem mesmo na presença do oficial fez menção de tirá-las. Redhorse chegou à conclusão de que nas circunstâncias em que se encontravam seria preferível não fazer caso disso.

— Como vai Henderson? — perguntou, sem responder à observação de Eskar-pin.

— Tudo bem — respondeu este num tom que quase chegava a ser violento. — Um dos tripulantes sofreu uma concussão cerebral. Quando a C-18 tocou a superfície, caiu com a cabeça contra o console do computador positrônico.

— Informou o Capitão Henderson sobre os meus planos?

— Naturalmente, senhor — respondeu Eskar-pin. — O capitão prefere esperar para saber o que dirá o Chefe.

— Está bem — disse Redhorse. — Pode entrar na nave. Descanse um pouco e peça que lhe dêem uma ração extra.

Eskar-pin agradeceu e desapareceu no interior do compartimento de carga. Szeker seguiu-o cabisbaixo.

Redhorse compreendeu que os homens estavam temendo alguma coisa que não compreendiam. Com ele acontecia mais ou menos a mesma coisa, mas esforçava-se para dar a impressão de que estava tranqüilo.

Rayon e Politees chegaram dali a dez minutos. Rayon estava ferido; subiu mancando pela rampa atrás de Politees. Cumprimentou com uma expressão contrariada, sem olhar para Redhorse.

— Pouco depois de termos saído da Crest, uma granada explodiu perto de nós, capitão — disse Politees. — Um fragmento está alojado na perna de Rayon. A ferida está sangrando muito, apesar da atadura provisória que colocamos.

Redhorse chamou Loquart.

— Leve o ferido para dentro da nave, sargento — ordenou. — Depois volte ao compartimento de carga.

Loquart parecia sentir-se feliz porque podia sair da eclusa por algum tempo. Colocou o braço de Rayon sobre seus ombros e arrastou o ferido para o interior da nave.

— Está cada vez mais frio, senhor — disse Politees em voz áspera. — O que vamos fazer?

— Vamos sentir frio — respondeu Redhorse com a voz zangada. — Falou com Rhodan? — perguntou.

— Falei — respondeu Politees. — Ele nos deu os parabéns por termos conseguido retirar os carros voadores das naves. Diz que devemos manter os dois veículos preparados. Talvez o Chefe destaque algumas centenas de homens, que nos ajudarão a puxar os veículos de esteira para fora da área de influência dos gurus.

— Área de influência? — repetiu Redhorse em tom de perplexidade. — Os gurus têm algo a ver com isso?

— Os mutantes constataram que os habitantes da fortaleza irradiam uma onda psi, que impede qualquer tipo de reação atômica. Gucky acredita que as faculdades parapsíquicas dos gurus se estendam bastante pela planície.

— Os gurus — repetiu Redhorse. — Precisamos obrigá-los a suspender seus ataques.

Politees lançou um olhar ansioso para o compartimento de carga. Redhorse compreendeu.

— Vá para dentro da nave — disse. — No momento não podemos fazer nada.

Assim que o homem se retirou, o sargento Loquart regressou. Tinha vestido mais uma jaqueta e colocado um cachecol. Redhorse esboçou um sorriso. Saiu para a rampa de desembarque e apoiou-se no corrimão. Retirou instintivamente as mãos. Fitou o corrimão com uma expressão de incredulidade. O calor dos dedos deixara sua impressão no mesmo.

Uma finíssima camada de gelo cobria a rampa de desembarque.

 

— Temperatura externa sete graus negativos — disse Hefrich com a voz apagada. — No momento a temperatura interna é de nove graus positivos.

— Na sala de comando ainda está um pouco mais quente — informou Rhodan. Estava falando pelo intercomunicador com o engenheiro-chefe. — De qualquer maneira devemos preparar-nos para enfrentar temperaturas ainda mais baixas.

Transferiu a ligação, para que todos os tripulantes pudessem ouvi-lo.

— Aqui fala Rhodan — disse. — Parece que estamos sob a ameaça de uma onda de frio. Segundo as informações do Major Hefrich, fora da nave já reina uma temperatura de alguns graus negativos. Não sabemos quanto tempo durará a queda da temperatura, mas devemos preparar-nos para qualquer eventualidade. Todos os tripulantes cuidarão imediatamente de arranjar agasalhos suficientes. O equipamento de calefação e climatização não está funcionando. Não adianta colocar os trajes espaciais, pois o sistema de aquecimento dos mesmos também não gerará calor. No momento só podemos oferecer chá quente. Aguardem novas ordens.

— Chá! — disse Gucky em tom de desprezo assim que Rhodan desligou. — Dispenso a gentileza. Se necessário, poderei viver de cenouras congeladas.

Rhodan mandou que dois dos homens que se encontravam na sala de comando fossem falar com o Major Bernard, chefe da intendência, para que o mesmo arranjasse roupas quentes para as pessoas da sala de comando.

— Diga a Bernard que fui eu que o mandei — recomendou Rhodan. — Senão não revirará suas provisões inesgotáveis.

Por enquanto ninguém seria capaz de dizer como evoluiria a situação dos astronautas. Praticamente não tinham nenhuma possibilidade de atacar os gurus. As armas não estavam funcionando e a Crest II, da mesma forma que as naves auxiliares, eram incapazes de decolar. Os gurus eram protegidos por valados inescaláveis e esperavam que os eskies se retirassem de vez.

Rhodan já compreendera que o grande perigo do nível verde eram as faculdades dos gurus. Esperava que o frio ainda aumentasse bastante. As emanações psi dos gurus eram perigosas principalmente porque se sucediam numa seqüência bem calculada. Se a onda de frio tivesse vindo antes da falha das máquinas atômicas, as espaçonaves poderiam ter fugido. Mas na situação em que se encontravam, os tripulantes dos veículos espaciais estavam à mercê do ataque paranormal.

Pouco importava quem fossem os senhores da ilha. O fato era que os mesmos tinham criado um círculo de armadilhas mortais. Qualquer das estações pertencentes a este círculo era capaz de destruir um intruso. Na opinião de Rhodan, quase chegava a ser um milagre terem escapado do sistema de Gêmeos. No entanto, o mundo oco em cujo interior se encontravam parecia ser ainda mais perigoso.

Rhodan olhou para a esposa. Preocupava-se com ela. Não lhe disse, pois ela logo lembraria de que enquanto estivessem em ação ela devia ser considerada um membro da tripulação igual a todos os outros.

— Se o frio aumentar ainda mais, nem mesmo as roupas quentes poderão salvar-nos — disse a voz de Atlan em meio aos seus pensamentos.

— É verdade — reconheceu Rhodan. — Se a temperatura baixar para trinta graus negativos, abandonaremos a Crest e procuraremos uma região mais quente.

— A pé isso não será nenhum prazer — disse o Coronel Rudo. — Se tivermos de marchar algumas milhas, alguns homens morrerão de frio. Icho Tolot é o único que tem capacidade de percorrer grandes trechos sob temperaturas extremas. Talvez Melbar Kasom também seja capaz disso. Mas o que acontecerá com os outros, cuja força física não vai além da média?

— Não acredito que façamos esta marcha — disse Rhodan com a voz tranqüila. — A temperatura certamente não baixará além dos vinte graus negativos.

Estava enganado. Ficou bem mais frio que vinte graus negativos.

E a queda da temperatura foi muito rápida.

 

O sargento Loquart entrou tropeçando na sala de comando da C-11 e, gemendo, deixou-se cair numa poltrona. Seu rosto apresentava sinais evidentes do frio que reinava do lado de fora. Loquart acabara de ser revezado pelo cabo Dymik.

— Vinte e três graus abaixo de zero — resmungou. — Em comparação com isso o frio de onze graus no interior desta sala até parece agradável — dirigiu-se a Redhorse, que se mantinha imóvel à frente dos controles. — Será que é mesmo necessário colocar sentinelas, capitão?

Redhorse demorou um instante para responder.

— É — respondeu o comandante da nave-girino. — Espero que dentro em breve chegue alguém da Crest. Mas não é só por isso. Não podemos excluir a possibilidade de que alguns eskies que estejam fugindo do frio resolvam atacar a C-11.

— Não deixe Dymik muito tempo fora da eclusa, capitão — disse Loquart. — Ele vai congelar.

Redhorse já tinha dado ordem para que os trabalhos nas salas de máquinas prosseguissem. O movimento manteria os homens aquecidos. Além disso, não seria bom que tivessem muito tempo para pensar em seus problemas.

— Vamos descongelar Dymik — asseverou Redhorse.

Alguém deu uma risada. Mas parecia uma risada forçada. Loquart tirou as luvas e a segunda jaqueta e começou a andar de um lado para outro que nem um animal enjaulado. Lassiter estava encolhido no assento do piloto e soprava constantemente nas mãos para aquecê-las.

A incerteza sobre o que lhes estaria reservado nas próximas horas deixou Redhorse mais preocupado que o frio reinante naquele momento. Bem que gostaria de fazer alguma coisa. Se não fosse muito perigoso, enviaria mais dois homens à Crest II para saber quando Rhodan pretendia mandar puxar os dois carros voadores para outra região.

Redhorse sentou em sua poltrona e ligou o intercomunicador. Entrou em contato com o centro de artilharia da C-11.

— Redhorse falando — disse. — Mande colocar dois projetores narcotizantes de grande calibre nos carros voadores.

— Os projetores narcotizantes não estão funcionando, capitão — respondeu prontamente uma voz.

— Já sei — respondeu Redhorse em tom paciente. — Mas faça o que eu digo. Não se esqueça de agasalhar-se bem quando fizer o trabalho.

Desligou antes que seu interlocutor pudesse formular outras objeções. Depois fez um sinal para Lassiter.

— Vou até a rampa — disse. Vestiu mais uma jaqueta e procurou um par de luvas grossas. Não agüentava mais ficar inativo no interior da sala de comando.

Quando chegou à eclusa, viu Dymik coberto de roupa da cabeça aos pés na parte superior da rampa. Redhorse saiu da nave. O frio surpreendeu-o. Instintivamente passou a respirar apressadamente. Levantou a gola da jaqueta.

Só de vez em quando uma granada explodia nas proximidades da fortaleza. Os eskies estavam abandonando suas posições, até mesmo na retaguarda. Em toda parte viam-se grupos das estranhas criaturas levarem suas armas para dentro de cavernas e galerias subterrâneas.

Dymik ouviu-o chegar e levantou os olhos. A única parte de seu rosto que se via eram os olhos.

— O senhor precisa fazer um pouco de movimento — disse Redhorse.

Dymik bateu alternadamente com os pés na rampa. Redhorse teve a impressão de que não o fazia com muito entusiasmo. Olhou para a face exterior da C-11. Uma fina camada de gelo estava cobrindo as chapas. Era a primeira vez que Redhorse via gelo verde. Foi virando lentamente a cabeça e olhou para a planície. Não notou nenhum movimento entre a Crest II e a nave auxiliar por ele comandada.

— Gostaria de saber quanto tempo Rhodan ainda vai esperar — disse em tom irritado. — Se a temperatura continuar a baixar, não teremos nenhuma chance de salvar os dois carros voadores.

Dymik emitiu um som ininteligível. Abriu os braços e bateu com as mãos nos ombros para aquecer-se. Só parou quando os homens que carregavam o primeiro projetor narcotizante apareceram na eclusa. Os astronautas estavam carregando a arma por meio de travessas presas de ambos os lados da mesma.

— Tenham cuidado — disse. — Parte da rampa está coberta de gelo.

Ele e Dymik afastaram-se para o lado, para que as quatro pessoas que carregavam a arma pudessem passar. O projetor narcotizante foi levado para baixo passo após passo. Dali a pouco apareceu o segundo grupo com outra arma. Redhorse deu ordem para que esperassem até que a primeira arma tivesse sido montada. Depois desceu aos carros voadores para ajudar.

Quando voltou, estava com o rosto vermelho de cansaço. Sua respiração era apressada. O ar frio cortava seu rosto. As vias respiratórias doíam quando inspirava pela boca.

Dymik estava parado na eclusa. Estava com as costas encurvadas que nem um gato e tinha enfiado as mãos nos bolsos. Quando Redhorse se aproximou dele, teve uma tosse seca.

— Mandarei substituí-lo — decidiu Redhorse.

Dirigiu-se ao barômetro e leu os dados. No primeiro instante pensou que estivesse enganado. O medo que sentiu de repente fez com que o sangue lhe subisse ao rosto.

A temperatura era de trinta e quatro graus abaixo de zero.

Os quatro homens que carregavam a segunda arma narcotizante fitaram-no sem dizer uma palavra. Redhorse esquivou-se ao seu olhar. Levantou o braço.

— Vamos! — disse em tom áspero. — Podem levá-la.

— Capitão! — gritou Dymik, que se encontrava junto à saída da eclusa.

Redhorse saiu correndo. O braço estendido do guarda apontava para a Crest II. Redhorse viu uma fileira de vultos que se movimentavam em direção à C-11. Até que enfim Rhodan resolvera dar a ordem decisiva. Redhorse mandou que os homens que carregavam a segunda arma narcotizante se apressassem. Queria concluir a montagem antes que os primeiros tripulantes da nave-capitânia chegassem ao carro voador.

Redhorse esqueceu o frio. Mandou que Dymik entrasse na nave e dirigiu-se ao intercomunicador.

— Preparem-se! — ordenou. — Daqui a pouco abandonaremos a nave-girino e tentaremos escapar à geladeira — desligou a transmissão circular e ligou para a sala de comando. — Lassiter! — gritou.

O piloto respondeu dentro de alguns segundos.

— Saia com dez homens — ordenou Redhorse. — Temos de encompridar os cabos de tração. Precisaremos pelo menos de trezentos a quatrocentos homens para cada carro, senão não conseguiremos puxá-los através da planície.

Se Lassiter tinha qualquer dúvida sobre a exeqüibilidade do plano, ele não disse. Resmungou alguma coisa para dar a entender que estava de acordo. Ao sair do compartimento de carga, Redhorse passou pelo barômetro. Quis obrigar-se a passar. Mas acabou olhando.

— Trinta e seis — disse em voz baixa.

Olhou para a serpente verde-escura que se aproximava do lado em que estava a Crest II. Será que aqueles homens sabiam como era fria a paisagem que estavam atravessando? Redhorse sorriu; estava zangado. De qualquer maneira sentiriam. Entesou o corpo e desceu pela rampa.

Chegou aos carros voadores em tempo para cumprimentar os primeiros homens pertencentes ao grupo de Henderson. Dali a instantes o próprio Henderson apareceu. Era um dos poucos que não tinham coberto todo o rosto, com exceção dos olhos.

O Capitão Henderson bateu com a mão direita enluvada no casco de um dos carros voadores. Pegou o cabo e levantou-o.

— Acha que vai dar certo, cacique? — perguntou.

Redhorse sentiu que o frio estava atravessando suas roupas. Muitos homens tinham ouvido a pergunta de Henderson e cercavam os dois homens com uma expressão de curiosidade.

— Acho — respondeu Redhorse em tom seguro.

Prestou atenção ao que se passava em seu interior e ficou espantado ao notar que sua confiança era genuína. Quando Wynd Lassiter chegou com mais dez astronautas, Henderson e Redhorse já começavam a fazer os preparativos para rebocar os dois carros voadores.

A temperatura baixou para trinta e nove graus abaixo de zero.

 

A batalha tinha terminado. O General Zseht-Agberat-Ly lançou um olhar pensativo para a planície que se estendia à frente do forte blindado do setor três. A segunda onda ainda não chegara ao ponto culminante. O inimigo sabia perfeitamente o que podia esperar e retirou-se apressadamente. Mas os desconhecidos não possuíam nenhum meio de defender-se contra o frio. Há instantes tinham saído de suas esferas. Estavam reunidos à frente de um dos pequenos veículos voadores estacionados na planície.

Ly sabia perfeitamente que os desconhecidos morreriam. Por enquanto nada indicava que pretendessem fugir para fora da área de influência da segunda onda. Ly fez um sinal para seu ajudante e mandou que o mesmo lhe desse mais uma noz group. Não estava sentindo frio, mas sabia que era preferível não esperar até que os efeitos da primeira noz passassem.

As baterias que o inimigo tinha instalado na retaguarda silenciaram. Ly quase chegava a sentir-se decepcionado com a vitória tão fácil. Teve a impressão de que a violência dos ataques diminuía depois de cada investida. Enquanto não fosse encontrado um meio de enfrentar a segunda onda, a cidade seria inconquistável. Os atacantes conheciam os efeitos das nozes group, mas seu metabolismo não reagia às mesmas.

Ly quebrou a segunda noz e bebeu o suco da mesma. Os artilheiros estavam na expectativa, sentados em suas posições. O primeiro artilheiro Berra, até estava dormindo.

Ly levantou a cobertura do rosto, para poder observar os desconhecidos pelo binóculo. Ao ver o que os mesmos pretendiam fazer, sua mão tremeu levemente. Tinham levado dois veículos de pequeno porte para fora das naves. Cerca de quatrocentos seres reuniram-se em torno de cada um deles e dividiram-se em vários grupos ao longo de uma série de cordas compridas.

Ly teve a impressão de que estava sofrendo uma alucinação. O que estes seres pretendiam fazer era uma coisa impossível. Tinham a intenção de puxar os dois veículos para fora da área fria. O rabo de Ly chicoteou nervosamente o solo. A planície estava cheia de crateras, depressões, cavernas e túneis.

Os desconhecidos deviam sentir-se muito desesperados para tentar uma coisa dessas.

Pela primeira vez o General Zseht-Agberat-Ly teve medo de que os mesmos pudessem aliar-se ao inimigo.

 

No dia 16 de outubro do ano 2.400 teve início, no primeiro plano do mundo oco denominado Horror, aquilo que mais tarde seria designado como a operação esquimó. Os homens que participaram da mesma nunca falavam muito sobre o que tinha acontecido junto a Tatá.

Os tripulantes da Crest II chegaram à C-11 dez minutos depois do grupo de Henderson. Quatro figuras cobertas dos pés a cabeça que, segundo logo se viu, eram Rhodan, Mory Rhodan-Abro, Atlan e Wuriu Sengu cumprimentaram Redhorse e Henderson junto à rampa.

Rhodan segurava um termômetro numa das mãos.

— Saímos da Crest quando a temperatura desceu abaixo de trinta graus negativos — informou. — Neste momento a temperatura já atingiu a marca dos quarenta e dois graus abaixo de zero. Se não nos apressarmos em sair desta área, acabaremos todos morrendo de frio.

Redhorse espreguiçou-se.

— Os dois carros voadores estão prontos, senhor — informou. — Mandei instalar uma arma narcotizante em cada um deles. Além disso, dei ordem para colocar trinta cabos de tração compridos em cada veículo.

Rhodan dirigiu-se aos dois carros. Redhorse e Atlan seguiram-no. O arcônida segurou Rhodan pelo braço.

— Não sabemos até onde vai a área de influência dos gurus — lembrou. — Com este frio não poderemos puxar os carros várias milhas através de um terreno acidentado.

— Se notarmos que não é possível, sempre poderemos desistir — disse Rhodan. — Talvez seja mais fácil do que pensamos.

Redhorse viu Icho Tolot parado a certa distância. O halutense carregava os dois ratos-castores sobre os ombros, já que os mesmos não conseguiam deslocar-se tão depressa quanto os terranos.

Rhodan verificou os cabos de tração. Lançou um olhar para a fortaleza e apontou com o braço na direção que tomariam. Seguiriam em direção oposta à cidade de pedra.

Rhodan e Redhorse distribuíram os grupos que puxariam os veículos. Os cabos eram bastante compridos para que todos tivessem lugar junto aos mesmos. Demorou alguns minutos até que todos os astronautas estivessem em seus postos.

Aqueles que não se encontravam junto às cordas foram mandados à frente. Rhodan deixou sua esposa aos cuidados de Melbar Kasom. Era bem verdade que a mesma só o acompanhou a contragosto. Icho Tolot e os mutantes também seguiram à frente. Atlan e os oficiais ficaram perto dos veículos.

Redhorse, Rhodan e Atlan estavam parados na parte inferior da rampa de desembarque.

Redhorse colocou as mãos ã frente da boca em forma de funil.

— Atenção! — gritou.

Viram oitocentas mãos segurar os cabos. Estes entesaram-se. Tinham sido endurecidos pelo frio. Rhodan notou que o Capitão Redhorse estava hesitando. Quatrocentos homens esperavam o comando.

— Puxem! — gritou Redhorse com a voz retumbante.

Oitocentos pés enterraram-se no chão rochoso. O carro começou a rolar pesadamente. Os homens estavam agarrados às cordas, inclinados para a frente.

No momento em que o segundo carro voador partiu com um solavanco, a temperatura tinha baixado para quarenta e oito graus.

A fuga desesperada pela zona congelada acabara de começar.

 

O frio parecia uma coisa viva, que pudesse ser odiada. Cortava através do cachecol que o Capitão Don Redhorse tinha enrolado em torno da cabeça, atravessou o sobretudo com forro duplo e foi subindo lentamente pelas pernas. Parecia comprimir a planície que nem uma campânula impenetrável. As sobrancelhas de Redhorse estavam incrustadas de gelo. Sua respiração congelava no momento em que saía da boca. Redhorse caminhava ao lado de duas figuras encapuçadas à frente do primeiro veículo. Estavam procurando um caminho por onde o veículo pudesse passar. A esfera abandonada da C-11 ficara seiscentos metros atrás deles. Redhorse teve a impressão que já fazia uma eternidade que estava caminhando pelo frio.

De vez em quando os homens que puxavam os cabos berravam uns para os outros, procuravam animar-se praguejando ou fazendo piadas fortes. Já tinham contornado uma grande cratera. O segundo veículo estava obliquamente atrás deles, a cerca de quarenta metros de distância. À frente do mesmo também andavam três homens, para procurar um caminho praticável.

Nos cem metros seguintes parecia não haver nenhum obstáculo. Redhorse parou e esperou que o primeiro grupo que puxava as cordas estivesse na mesma altura que ele. Sem dizer uma palavra, segurou um pedaço de cabo em que não havia ninguém. Apesar das grossas luvas, suas mãos estavam frias. Teve de fazer um grande esforço para agarrar firmemente o cabo. Fechou os olhos e começou a puxar. Sentia qualquer irregularidade do terreno através das solas das botas. As esteiras dos carros rangiam ao passar sobre as rochas e as pedras.

Qualquer elevação, por menor que fosse, fazia com que o grupo fantasmagórico avançasse mais devagar. O cabo esfolava o ombro de Redhorse. O homem que ia atrás dele tropeçou. Houve um solavanco que quase fez com que Redhorse perdesse o equilíbrio. O homem que ia atrás dele praguejou e voltou a pôr-se de pé. O veículo estava coberto por uma crosta de gelo. O homem mais leve estava sentado em seu interior para dirigi-lo. Redhorse não o invejava. Não fazia nenhum movimento, e no interior do veículo a temperatura era no máximo dez graus mais elevada.

Alguém que estava do outro lado do carro tossiu. O ruído era áspero e desagradável. Redhorse previu que muitos homens teriam partes do corpo congeladas. E não faltariam as pneumonias.

Sentia tanto o peso tremendo do veículo que até parecia que era o único homem que estava puxando o cabo. Cravou obstinadamente os pés no chão. A idéia fora sua, uma idéia louca e cruel, mais uma tortura para os homens martirizados pelo frio.

Redhorse levantou os homens. Os dois homens que caminhavam na frente fizeram um sinal para fazer urna ligeira mudança de direção para a esquerda. Dos gestos dos mesmos Redhorse depreendeu que havia uma larga fenda bem à sua frente. Os ombros frios de Redhorse entesaram-se e o cabo ameaçou escorregar de seu ombro. Sacolejando sempre, o veículo descreveu uma curva. Redhorse teve de fazer um grande esforço para ficar com a boca fechada ao respirar. Puxar aquele cabo era mais cansativo do que esperara.

Atravessaram a fenda num lugar em que o mesmo só tinha vinte centímetros de largura e já não representava nenhum obstáculo. Mais adiante a depressão terminava numa caverna subterrânea. Redhorse viu as marcas deixadas pelos canhões dos eskies. Tinha certeza de que estavam sendo observados por estes. Tomara que não tivessem a idéia de atacá-los. Bastaria um canhão para dar cabo da tripulação da Crest II.

Redhorse perguntou-se se a temperatura ainda estava baixando. Pelos seus cálculos, os termômetros estavam indicando pelo menos cinquenta graus abaixo de zero. Não sabia por quanto tempo um ser humano que permanecesse constantemente ao ar livre poderia resistir a uma temperatura tão baixa.

Constatou que seus pés se tinham adaptado ao ritmo dos outros. Movimentava-se quase como um robô. Sua face ardia. Inclinou a cabeça, para escapar ao ar cortante. Os quatrocentos homens que trabalhavam obstinadamente percorriam metro após metro. Redhorse teve a impressão de que era peça de uma máquina que funcionava muito bem. Teve vontade de apertar as mãos de todos os astronautas. Sentiu que o esforço conjunto criava uma ligação tão estreita entre os homens como raramente se encontrava.

De repente o chão cedeu sob o peso do veículo.

Redhorse sentiu o cabo entesar-se de repente. A pressão sobre seu ombro tomou-se irresistível. O grupo parou. O veículo afundara do lado da popa e ameaçava escorregar para baixo. Sentiu-se dominado por uma raiva surda.

— Segurem! — gritou.

Os que caminhavam na frente para explorar o terreno vieram correndo para também segurar a corda.

O veículo continuava a afundar lentamente. Devia haver uma caverna subterrânea embaixo de seus pés. As veias de Redhorse incharam de tanta força que fez. Depois de algum tempo soltou a corda e correu para a popa do veículo. O mesmo tinha afundado cerca de meio metro. O chão fofo estava cedendo. Redhorse inclinou-se em cima de uma grande rocha e a fez rolar para o lugar em que o veículo afundara. Enfiou-a entre a popa do carro voador e o solo firme, evitando que o veículo blindado pudesse escorregar mais.

Os homens deixaram cair a corda e, exaustos, apoiaram-se no veículo.

Redhorse olhou para as espaçonaves que tinham deixado para trás. Já haviam percorrido aproximadamente uma milha.

O sargento Loquart colocou-se a seu lado.

— Daqui não sairemos — constatou.

Redhorse ficou calado e pôs-se a refletir. O outro veículo encontrava-se a cerca de setenta metros, rolando pela paisagem desconhecida com uma lentidão infinita. Redhorse pensou em convocar o grupo que estava puxando o outro veículo, para que estes ajudassem a tirar seu carro do buraco.

Mas logo abandonou a idéia.

Redhorse mandou que o piloto saísse. O baixinho saltou no chão e pôs o sangue a circular, batendo fortemente com os pés no chão.

— Vamos tirar o carro — disse Redhorse. Loquart arrancou o cachecol da frente do rosto.

Tinha o rosto encovado e parecia mais velho do que era.

— O senhor não pode exigir uma coisa dessas, capitão — protestou. — Os homens se esgotarão a tal ponto que não terão forças para sair da zona fria sem o veículo.

— Mais uma palavra, sargento, e o senhor enfrentará a corte marcial por insubordinação.

Loquart encolheu-se. Redhorse foi passando por ele. Sem dizer uma palavra, os homens voltaram a ocupar sua posição junto às cordas. Loquart permaneceu imóvel por um instante, mas logo voltou a juntar-se ao grupo.

Redhorse esperou até que todos estivessem preparados.

— Procurem encontrar um apoio para os pés — disse.

Teve vontade de aspirar profundamente o ar, mas o frio fez com que desistisse do seu intento. Os pés pararam de arranhar o chão em busca de apoio. Redhorse contemplou as fileiras dos homens. A única coisa que viu foram os olhos em meio aos rostos encobertos.

Redhorse virou-se e agarrou a corda.

— Vamos! — gritou.

Um gemido parecia atravessar os grupos de tração, um murmúrio que aumentava e diminuía, até perder-se de vez. A corda apoiada no ombro de Redhorse parecia pesar mais de cem quilos. Redhorse fez um esforço tão grande que sua vista se turvou. Não esmoreceu. Sabia que neste instante quatrocentos homens loucos estavam forçando os músculos frios ao máximo.

O sangue martelava nas veias de Redhorse. O medo de que talvez não conseguissem tomou conta dele. Acreditava que dentro de alguns segundos os primeiros homens soltariam a corda.

Finalmente o veículo saiu do buraco e caiu para a frente. Redhorse cambaleou e caiu ao chão. Apoiou-se nas mãos e soltou um grito de triunfo. Mas a reação veio logo. Tremeu e teve de fazer um grande esforço para levantar. Não era o único que tinha caído.

Com as mãos nervosas, Redhorse amarrou na nuca o cachecol que cobria seu rosto, e que se deslocara com o movimento.

— Vamos fazer uma pequena pausa — ordenou.

Espantou-se ao notar que por um instante esquecera o frio. Enquanto estavam libertando o veículo, o resto não tinha nenhuma importância. Um dos homens não se levantou mais. Estava com a perna fraturada.

Redhorse mandou que fosse colocado cautelosamente no interior do veículo, para que pudesse encarregar-se do serviço de pilotagem. O outro veículo parecia progredir muito bem. Redhorse fazia votos de que o comando dirigido por Rhodan tivesse mais sorte.

Redhorse não demorou a verificar que ficar parado poderia ser tudo, menos um descanso. Mandou que dois homens fossem na frente para explorar o terreno. Ele mesmo ficou perto do veículo.

Os homens seguraram prontamente as cordas. Sua respiração formava colunas brancas no ar. Redhorse sentiu que o frio estava atravessando suas vestes. O nariz, a face e as orelhas tinham ficado dormentes. Admirou-se de que os pés ainda não estivessem congelados.

O veículo voltou a movimentar-se aos poucos. Redhorse começou a contar os passos. Procurou calcular quantos metros estavam percorrendo por minuto. Constatou que levaram um minuto para dar trinta passos. O veículo pesava cerca de dezoito toneladas. Redhorse não acreditava que cada passo correspondesse a um metro. Provavelmente trinta passos correspondiam a vinte metros.

Eram vinte metros por minuto.

Quer dizer que percorriam pouco mais de um quilômetro por hora.

E isso a uma temperatura inferior a cinquenta graus abaixo de zero.

Redhorse fez força contra a corda e parou de contar. Aos poucos foi caindo num estado de letargia. Respirar doía. As pedras rangiam embaixo das botas. “Wana geni sorí”, pensou. Um cacique é invencível!

 

Fazia alguns minutos que Kons Geletzer fitava com os olhos ardentes as costas do homem que ia à sua frente. Geletzer puxava com toda a força que havia em seus braços magros. Puxava com as mãos dormentes e os pés doloridos batiam fortemente no chão duro.

A cada passo que dava, o ódio que Geletzer sentia pelo cabo Dymik aumentava. Dymik era o homem que ia à sua frente. Geletzer tinha certeza de que Dymik só fingia que estava puxando, quando na verdade se divertia com os esforços dos outros homens. A única coisa que Dymik fazia era segurar a corda.

Na verdade, segurava-se na mesma.

Kons Geletzer nem pensava em queixar-se a Rhodan, que puxava a corda atrás dele. Era um assunto a ser resolvido entre ele e o cabo Dymik. Nem uma única vez os músculos das costas de Dymik chegaram a entesar-se. O cabo quase chegava a caminhar levemente à frente de Geletzer. Este receava que, no momento em que soltasse o cabo, cairia de fraqueza. Mas nem por isso deixara de segurá-lo.

A baixeza de Dymik precisava ter um castigo, Geletzer olhou para o veículo que ia na frente. Viu que o mesmo voltara a movimentar-se. Ao que tudo indicava, Redhorse e seus homens haviam conseguido tirá-lo do buraco em que tinha caído.

Nesse momento Dymik virou a cabeça, fazendo com que Geletzer desviasse os olhos do outro veículo. O cabo estava com os olhos semicerrados.

— O senhor nem está puxando! — chiou para Geletzer.

Este ficou tão perplexo que levou alguns segundos para compreender o sentido das palavras de Dymik. Emitiu um som confuso e precipitou-se sobre o cabo.

Para Dymik o ataque veio de surpresa. Soltou a corda e levantou os braços. Geletzer caiu sobre ele. Dymik perdeu o equilíbrio e cambaleou. Geletzer fez avançar o punho e atingiu o cabo no ouvido. Alguém gritou uma ordem. O grupo parou. Dali a pouco os outros também pararam.

Dymik tinha caído ao chão. Geletzer estava deitado sobre ele e investia com os punhos contra o adversário. O cabo encolheu as pernas, depois as fez avançar e comprimiu-as contra o peito de Geletzer. O astronauta muito magro foi atirado para trás. Dymik pôs-se de pé com a agilidade de um gato.

Quis precipitar-se sobre Geletzer, mas dois homens barraram-lhe o caminho. Tiveram de segurá-lo. Geletzer voltou a levantar-se, fungando. O cachecol pendia para fora da gola da jaqueta. Um vermelho febril cobria seu rosto.

Rhodan e Atlan, que se encontravam do outro lado do veículo, aproximaram-se. Dymik quis livrar-se das pessoas que o seguravam, mas já não tinha forças para superar dois homens. Geletzer estava parado, com os ombros caídos.

Rhodan imediatamente avaliou a situação.

— Por que brigaram? — perguntou em tom enérgico.

— Ele me atacou! — gritou Dymik. — Caiu sobre mim porque percebi que não estava puxando mais a corda.

— Ele está mentindo, senhor — fungou Geletzer. — Estava na minha frente. Fiquei observando-o por algum tempo e notei que só se segurava na corda.

— Os senhores fizeram parar o transporte — constatou Rhodan. — Seu comportamento representa uma infração às regras da disciplina. Cabo Dymik, o senhor vai mudar de lugar. Passará a puxar a corda de trás, do outro lado. Geletzer, o senhor ficará aqui.

— Mande alguém observá-lo, senhor — gritou Dymik.

A respiração de Geletzer era ruidosa. Havia um brilho febril em seu rosto. Os olhos estavam arregalados. Rhodan chegou perto dele e tomou seu pulso.

— O senhor está doente — constatou. — Não pode continuar a puxar a corda.

— Não estou doente — protestou Geletzer, enquanto Dymik ia se afastando. — É apenas o frio, senhor. Nunca pude suportar o frio.

— Volte a cobrir o rosto com o cachecol — ordenou Rhodan. — E entre imediatamente no carro.

Geletzer não resistiu ao ser levado para o interior do veículo de esteira.

— Daqui a pouco teremos mais doentes — disse Atlan em voz baixa, dirigindo-se ao amigo. — Muitos homens já estão com pequenas partes do corpo congeladas.

— Sei — respondeu Rhodan. — Mas nesta altura não podemos desistir. A operação reboque está progredindo melhor do que eu esperava. Já percorremos três milhas. Não acredito que a área de influência dos gurus chegue muito longe.

— É possível que ocorra outro incidente como este, e isso me deixa preocupado — confessou o arcônida. — O que vamos fazer se vários homens se envolverem numa briga? O frio e o cansaço podem causar psicoses de vários tipos.

O frio envolvia Rhodan como se fosse uma manta de gelo. Não havia nenhum lugar aquecido. Ficou preocupado ao lembrar-se de Mory. Fazia votos de que ela e Kasom atingissem uma zona mais quente antes que fosse tarde.

— Vamos, almirante — disse em voz baixa. — Temos de continuar.

Atlan caminhou a seu lado. Era uma figura alta e magra, que mesmo naquele momento, em que estava totalmente encapuçado, irradiava uma dignidade toda especial.

Rhodan conseguiu esboçar um sorriso débil.

Nada parecia ser capaz de quebrar o orgulho de um arcônida.

Nem mesmo um frio de sessenta graus.

 

Icho Tolot movimentava-se com a regularidade de uma máquina. Gucky e Geco, os ratos-castores, estavam sentados nas costas do halutense e seguravam-se.

Gucky endireitou o corpo, para olhar para trás. O frio fazia doer as juntas. Tolot deixara os outros bem para trás. Se havia necessidade, era capaz de correr mais depressa que qualquer outra criatura. Os ratos-castores eram muito mais sensíveis que os seres humanos. Não teriam resistido a uma marcha mais lenta pela região fria.

— Não vejo mais ninguém — piou Gucky. — A única coisa que aparece no meio desta terrível bruma verde é a esfera da Crest.

Geco ficou calado. Não queria mostrar que estava com medo. Encolhera a cabeça, para proteger-se do vento gelado.

Tolot contornava habilmente os acidentes do terreno. Seus olhos avistavam qualquer cratera que houvesse pela frente. Graças ao seu metabolismo fantástico, quase não sofria os efeitos do frio. Poderia permanecer durante meses numa área como esta.

— Está vendo alguma coisa? — perguntou Geco.

Gucky sacudiu a cabeça.

— Acho que deveríamos percorrer mais algumas centenas de metros — sugeriu. — Por aqui logo soprará uma tempestade que provavelmente será mais forte que qualquer outra que já vimos.

O outro rato-castor levantou-se gemendo. Ficaram com os braços dados e saíram caminhando sobre suas pernas curtas para fora da área periférica da região fria.

 

Os pés de Redhorse tocaram numa coisa mole e afundaram. Abriu os olhos e seus pensamentos vieram à tona da consciência. Percorrera os últimos metros em estado de semi-inconsciência. Redhorse olhou para o chão. Estava atravessando uma camada verde-suja de alguns centímetros de espessura.

Era neve! Redhorse por pouco não soltou a corda, de tanta raiva e decepção que sentiu. Logo agora tinham de penetrar numa área coberta de neve. Só lhes restava esperar que a mesma não fosse tão alta a ponto de impedir o avanço dos veículos.

Sete homens já tinham sido postos fora de ação. Um deles fora levado para junto do astronauta que tinha a perna fraturada e se encontrava no interior do blindado de esteira. Os outros arrastavam-se com os ombros caídos atrás dos grupos que puxavam as cordas. Estavam totalmente exaustos.

Redhorse acreditava que a cada hora outros homens teriam de desistir. Seu número aumentaria muito depressa.

E além de tudo havia a neve. Parecia que o outro veículo também estava encontrando dificuldades, pois tinha ficado uns cinquenta metros para trás.

Redhorse enviara dois homens que não estavam tão cansados para explorar o terreno. Mandou que fossem revezados a breves intervalos, para que o maior número de homens tivesse oportunidade de desfrutar um descanso bastante duvidoso.

Redhorse arrastava os pés pela neve. Esta não tinha caído em toda parte. Enquanto a camada de neve não aumentasse mais, não havia perigo de o veículo ficar encalhado. O capitão não demorou a constatar que até estavam avançando melhor.

Nos últimos minutos a força do vento tinha aumentado. A imagem de um terrível furacão surgiu na mente de Redhorse. Fazia votos de que não tivessem de enfrentar um fenômeno desse tipo, pois não tinham forças para resistir a uma tempestade de neve.

Nas bordas das crateras menores a neve estava derretida. Redhorse concluiu que o ar quente devia subir de lá debaixo. Estava decidido a entrar com seus homens em um dos túneis subterrâneos para fazer uma pausa prolongada, caso não houvesse alternativa.

Redhorse bem que gostaria que os canhões dos eskies ou dos gurus disparassem de novo. Não agüentava mais o ruído monótono dos pés que se arrastavam. O rangido e as batidas do veículo eram um verdadeiro martírio. Os homens não fizeram nenhum ruído que interrompesse a monótona cortina sonora. Já não praguejavam quando tropeçavam. Não se queixavam e não se insultavam uns aos outros.

Tinham-se tornado quase indiferentes.

A única coisa que restava era o frio — além de um monstro de dezoito toneladas, que pesava sobre os ombros de cada um dos homens.

Avançavam através do vento cortante e da neve que chegava aos tornozelos. A caminhada transformara-se numa viagem fantasmagórica, num verdadeiro martírio. Figuras verdes, totalmente envoltas nas roupas, que mal conseguiam manter-se de pé e tropeçavam com uma freqüência cada vez maior, movimentavam-se à velocidade de um quilômetro por hora através de uma paisagem na qual não parecia haver um único lugar aquecido.

“Quatro quilômetros”, pensou Redhorse. “Talvez cinco.”

À sua frente alguém cambaleou e abandonou a fileira; era uma pessoa anônima, com a gola levantada e o cachecol esvoaçante. Os outros teriam de puxar o peso que cabia a este homem, até que o mesmo recuperasse as forças e pudesse ajudar de novo. Provavelmente nunca mais voltaria ao seu lugar. Apesar das duas jaquetas que vestia, a corda tinha esfolado o ombro de Redhorse. Mas ele quase não sentia nenhuma dor.

As esteiras foram avançando preguiçosamente pela neve, alisaram-na e abriram trilhas cheias de sujeira na superfície. A elas misturavam-se as marcas dos pés de quatrocentos homens, que puxavam as cordas em grupos de dez ou quinze.

“Quatro quilômetros”, voltou a pensar Redhorse.

O que vinha a ser um único dos seus passos doloridos? Qual era o avanço que representava?

Mais um homem soltou a corda. Afastou-se cambaleante e caiu ao chão. Dois astronautas que já tinham abandonado as fileiras levantaram-no e lhe deram apoio. Um terceiro ocupou o lugar dele.

O vento trazia cristais de gelo e tangia a neve em nuvens finas rentes ao solo.

— Parem! — quis gritar Redhorse, mas sua voz não passou de um grasnado.

O veículo parou. As figuras de olhos afundados cercaram Redhorse.

— Vamos parar perto da próxima cratera — disse Redhorse. — Iremos para baixo da superfície e procuraremos um lugar quente para descansar.

Ninguém respondeu. Os olhos ardentes fitaram Redhorse. “Até parece uma matilha de lobos”, pensou este, deprimido. E ele mesmo, Don Redhorse, era o chefe da matilha.

— Compreenderam? — gritou.

Tinham compreendido. Voltaram aos seus lugares, caminhando pesadamente. Dali em diante Redhorse convenceu-se de que conseguiriam arrastar o carro voador para fora da região fria.

Nem que tivessem de rastejar de quatro.

 

A explosão levantou neve e pedras. Fez tremer os tímpanos de Rhodan. O lampejo deixou-o ofuscado por um instante. Quando voltou a abrir os olhos, viu uma nuvem de fumaça levantar-se a vinte metros de distância.

Alguém tinha disparado um canhão contra eles.

O local do disparo poderia ser qualquer uma das crateras que se espalhavam pela planície.

O veículo parou. Centenas de homens abrigaram-se atrás de rochas maciças ou simplesmente atiraram-se ao chão. Rhodan tinha suas dúvidas de que isso adiantasse alguma coisa se realmente houvesse um ataque. Acreditava que fora apenas um tiro de advertência.

Atlan aproximou-se.

— Parece que estamos nos aproximando da área proibida — disse o arcônida.

Rhodan examinou a área que se estendia à sua frente. Havia duas crateras extensas nas imediações. Se prosseguissem na mesma direção, passariam entre elas.

— Se quisermos mudar de direção, teremos de contornar as crateras — disse Rhodan. — Isso representará uma boa demora. A volta que teríamos de fazer poderá representar o fracasso da operação.

— Parece que os eskies não concordam em que andemos entre as crateras — disse Atlan. — Deve haver instalações importantes por lá.

Rhodan sabia perfeitamente que a situação começava a tornar-se desesperadora. Nas próximas duas horas o frio e o cansaço colocariam muitos homens fora de ação. Se contornassem as crateras, gastariam quase uma hora. Rhodan viu-se diante de uma decisão difícil.

— Não vamos mudar de direção — disse depois de algum tempo.

— Era o que eu esperava; não pensava que você fosse decidir outra coisa — respondeu Atlan. — Acho que de qualquer maneira perderemos o carro.

Rhodan baixou a cabeça, para reduzir a área de impacto do vento que soprava com uma violência cada vez maior. Sabia que Atlan provavelmente não estava errado. Se prosseguissem na mesma direção, os eskies veriam nisso uma provocação. Abririam um fogo implacável de suas posições ocultas.

— Acho que deveríamos deixar o veículo para trás — sugeriu Atlan. — Sem o carro todo mundo tem uma chance de escapar. Parece que o Capitão Redhorse está tendo um pouco mais de sorte que nós.

— Vamos continuar a puxar o carro — disse Rhodan em tom decidido.

Atlan levantou a cabeça.

— Não se precisa ter um dom especial para prever uma forte tempestade — disse. — Você está assumindo uma grande responsabilidade, bárbaro.

— Estou mesmo — respondeu Rhodan.

Deu ordem para que continuassem a puxar. Os homens não formularam nenhuma objeção. Fizeram força nas cordas. O veículo rolava pesadamente através da neve. A granada abrira uma fresta no chão. Tiveram de levar o veículo de esteira em torno do local da explosão. Depois disso tornou-se mais fácil puxar o veículo. Rhodan mandou que os grupos que puxavam nas cordas marchassem diretamente na direção das duas crateras. O caminho que passava entre as mesmas devia ter seus cinquenta metros de largura.

Rhodan esperava que a qualquer instante fosse dado outro tiro, mas os eskies permaneceram em silêncio. Certamente queriam esperar até que tivessem certeza de que não errariam o tiro, ou então tinham mudado seus planos. Talvez tivessem medo que os desconhecidos pudessem aliar-se aos gurus. A tensão fez com que por um instante o frio se tornasse mais suportável. Rhodan pôs-se a observar as bordas, das crateras. As mesmas erguiam-se dois ou três metros acima do chão. Havia cortes profundos, que pareciam ter sido abertos à força de explosivos. Rhodan teve a impressão de que era por lá que os eskies transportavam suas armas para a superfície.

O grupo foi-se aproximando lentamente das crateras. As mesmas pareciam abandonadas. Rhodan ficou com os olhos semicerrados, mas por mais que se esforçasse não notou nenhum movimento.

O caminho pelo qual estavam seguindo entrara num ligeiro declive, motivo por que estavam avançando mais depressa. Rhodan viu que no interior das crateras a neve estava parcialmente derretida. Por lá a temperatura devia ser suportável.

Olhou para o outro veículo. Redhorse levava uma boa dianteira. Seu grupo passava à esquerda das crateras. Rhodan sentia-se cada vez mais impaciente, à espera de que o halutense voltasse. Será que Tolot os perdera, ou a região fria era tão extensa que ainda não tinha atingido a extremidade da mesma?

A explosão da segunda granada arrancou Rhodan de suas reflexões. Desta vez a mesma atingiu o chão bem atrás deles.

— Vamos para a frente! — gritou Rhodan antes que os homens pudessem parar.

Já se encontravam entre as crateras, mas o estreitamento ainda ficava uns duzentos metros à sua frente. Se fossem obrigados a voltar, o veículo estaria perdido.

Parecia que os homens começaram a puxar ainda mais depressa. O carro voador gemia e sacolejava. Deixou um rastro largo e feio na neve, que se misturou com as marcas dos pés dos homens.

Seguiu-se um tiro quase imperceptível. Rhodan viu um dos homens que caminhavam à frente para explorar o terreno cair de joelhos. Seu parceiro atirou desesperadamente os braços para o alto.

Rhodan compreendeu que um atirador dos eskies tinha atirado no homem. O batedor que não tinha sido ferido voltou correndo, à procura de Rhodan. Este soltou a corda e foi ao seu encontro.

— Eles matarão todo mundo — disse o mesmo em tom indiferente. — Grossan está muito mal.

— Morreu? — perguntou Rhodan com a voz tranqüila.

Seu interlocutor sacudiu a cabeça.

— Foi atingido na perna — disse em tom resignado. — Não pode andar mais.

Rhodan pôs-se a refletir. Ao que tudo indicava, este tiro também fora disparado unicamente a título de advertência. Os eskies não queriam matar.

— Vamos colocar Grossan no carro — ordenou Rhodan.

— E depois, senhor? — perguntou o Coronel Cart Rudo, que apareceu a seu lado.

Rhodan hesitou. Era possível que tudo dependesse de que possuíssem nervos mais fortes que os outros. Se os eskies perceberem que estamos animados de uma vontade firme, talvez cedam.

— Não voltaremos — disse Rhodan.

— Vamos deixar o veículo, senhor? — perguntou outro oficial.

— Não — respondeu Rhodan. — Por enquanto não temos motivo para isso.

Grossan foi colocado no veículo blindado. Depois o grupo prosseguiu a marcha. Rhodan preferiu não mandar dois homens à frente. Já conheciam o caminho. Além disso, para os eskies o gesto representaria uma provocação.

Em certos lugares a passagem entre as crateras estava coberta de gelo. Os pés dos homens que puxavam a corda não encontraram apoio. O grupo passou a deslocar-se cada vez mais devagar. Além de tudo, tinham de prestar atenção para que o pesado veículo não escorregasse para dentro de uma cratera.

As bordas da cratera quebravam o vento. O frio não era tão intenso. O grupo que puxava as cordas redobrou seus esforços.

De repente Rhodan viu alguns vultos encapuçados aparecerem na parede oposta da cratera que ficava à sua esquerda. Eram sete eskies ao todo. Passavam entre as rochas e aproveitavam qualquer acidente do terreno para abrigar-se. Levavam armas compridas, que tinham certa semelhança com fuzis.

Rudo, que puxava a corda atrás de Rhodan, soltou um grito de alerta.

— Já os vi, coronel — disse Rhodan em tom tranqüilo.

Tão depressa como tinham aparecido, os eskies voltaram a desaparecer nas profundezas. Uma arma automática começou a matraquear. Vários tiros atingiram o veículo. Os projéteis que ricocheteavam produziam um forte chiado. Um homem soltou um grito. Os projéteis dos eskies não conseguiam perfurar a blindagem do veículo versátil.

O fogo logo foi suspenso. Os terranos já tinham atingido ao centro da passagem entre as crateras. Nesse lugar as bordas tinham sido desmontadas. Rhodan pôde olhar para o interior da cratera, mas não conseguiu distinguir os detalhes.

Um vulto enorme apareceu do outro lado da passagem. Rhodan pensou que fosse um eskie, mas logo reconheceu Icho Tolot. O halutense aproximava-se em saltos enormes. Até parecia que não tinha a menor dificuldade em reconhecer os homens totalmente encobertos, pois dirigiu-se prontamente ao grande terrano.

Ergueu-se bem à frente de Rhodan.

— A cerca de duas milhas e meia daqui a área de influência dos gurus começa a chegar ao fim — informou. — Larguei os ratos-castores por lá.

— Experimentou uma arma? — perguntou Rhodan.

— Naturalmente — respondeu o halutense. — Gucky queimou um buraco no chão. Está tudo em ordem. Acontece que nas áreas periféricas haverá terríveis furacões.

— Era o que eu receava — respondeu Rhodan. — Faça o favor de transmitir a informação ao outro grupo. Os homens devem saber que seus esforços não são inúteis.

Tolot não perdeu tempo. Colocou os braços de salto no chão e saiu em disparada, levantando a neve.

— O senhor ouviu, coronel? — perguntou Rhodan, olhando por cima do ombro.

Rudo soltou uma estrondosa gargalhada. O regresso de Tolot provocara uma exaltação perfeitamente compreensível entre os homens, que se puseram a puxar as cordas com entusiasmo redobrado.

— Vamos correr o resto do caminho — gritou o comandante da Crest II.

 

Melbar Kasom parou. Havia uma expressão preocupada em seu tosto, enquanto fitava sua acompanhante.

— Como se sente, Mory? — perguntou.

Mory esforçou-se para sorrir.

— Já está um pouco mais quente, não está? — perguntou Mory.

— Está, sim — respondeu o ertrusiano. — O que me preocupa no momento é esta parede escura.

Mory Rhodan-Abro virou a cabeça e lançou os olhos pela planície. A parede escura era uma nuvem gigantesca, que se aproximava, aumentando constantemente. Seu aspecto deixou Mory deprimida. A diminuição do frio já lhe dera novas esperanças, mas agora havia um novo perigo pela frente.

— O que será isso, Melbar Kasom?

— Na área limítrofe entre a região fria e a região quente deve haver tempestades violentas — disse Kasom. — Acredito que dentro em breve estaremos enfrentando um furacão.

Mory olhou para trás. Quase chegava a parecer desolada.

— Que pena que perdemos o contato com os outros — disse em tom queixoso.

— Por enquanto escapamos ao congelador — disse Kasom, tentando ser engraçado. — Certamente haveremos de resistir a um redemoinho ligeiro.

Um golpe de ar gelado fez com que a esposa de Rhodan tivesse uma pequena amostra daquilo que Kasom acabara de chamar de torvelinho ligeiro. Continuaram a andar. Kasom carregara-a por algumas centenas de metros. Mory sabia que tinha um protetor no qual poderia confiar, mas nem mesmo um gigante como este era invencível.

— Acho que vamos ter um furacão de verdade — disse o especialista da USO. Dali a pouco pigarreou numa atitude embaraçada.

— Sou um idiota! — exclamou. — Ainda terei de aprender a guardar meus pensamentos só para mim.

Numa situação diferente, Mory se teria divertido com a confusão em que estava Kasom. Mas naquele momento uma força mágica, parecia atrair seu olhar para a parede de nuvens. Nas zonas periféricas da cortina escura viam-se torvelinhos que se estendiam até as montanhas distantes.

— Se tivéssemos um carro voador, poderíamos fugir — disse Kasom em tom indiferente. — Acontece que esta tempestade é mais rápida que nós. Talvez poderíamos escapar dela, se recuássemos para a região fria.

— Esta não!— protestou Mory. — Será preferível ficarmos escondidos por algumas horas numa cratera.

Um sorriso triste apareceu no rosto de Kasom. Desta vez não revelou o que estava pensando. Tinha certeza de que nas cavernas subterrâneas havia soldados do exército eskie, que acabara de ser derrotado. Seu próprio destino e o da esposa de Rhodan seria bastante duvidoso, caso se tornassem prisioneiros desses seres. Kasom achou que seria preferível enfrentar a tempestade que se aproximava na superfície do nível verde.

Pôs as mãos embaixo dos braços de Mory e passou a arrastá-la mais depressa. O frio diminuía rapidamente. Kasom acreditava que dali a pouco atingiriam uma área na qual as temperaturas fossem superiores a zero.

Kasom sentia-se orgulhoso porque Rhodan lhe confiara a esposa, mas a responsabilidade representava uma carga psíquica para ele. Preferiria conduzir cem homens a um lugar seguro que a esposa do Chefe.

Diante de seus olhos a paisagem mudou para uma tonalidade verde sombria. A camada de nuvens subiu pela linha do horizonte, dando a impressão de que iria esmagar tudo que se encontrava à sua frente. Kasom rememorou o fato de que se encontrava na face interna de uma casca oca. Mil quilômetros acima de sua cabeça o envoltório do centro formava o céu artificial do nível verde. Normalmente as condições gravitacionais reinantes no interior do primeiro plano deveriam ser bem diferente. Kasom perguntou-se que tipo de forças teriam usado os construtores dessa estação.

Uma rajada de vento muito violenta interrompeu seus pensamentos. Era o prenúncio do furacão. Kasom preferiu não conversar a este respeito com Mory. Tinha certeza de que a esposa de Rhodan sabia perfeitamente o que os esperava. A primeira rajada de vento foi seguida por duas outras, e finalmente um golpe de vento mais prolongado passou por cima deles. Cristais de gelo de flocos de neve foram tangidos em sentido quase horizontal sobre a paisagem. Kasom olhou para trás e viu o céu artificial muito claro do outro lado da planície. Mas a região fria estava envolta numa luz verde-escura.

— Procure não respirar pela boca — disse Kasom.

A tempestade arrancava suas palavras da boca, mas viu Mory acenar com a cabeça, o que era um sinal de que ela o compreendera. As primeiras nuvens passaram velozmente por cima de suas cabeças. A nevada começou a tomar-se mais forte.

Kasom continuou a seguir em direção às montanhas distantes. Por lá devia ser mais quente, se bem que não podia ter certeza se as temperaturas extremas não provocariam tempestades também por lá.

Kasom parou junto a uma pequena formação rochosa.

— Vamos esperar aqui até que a tempestade passe — sugeriu. — Podemos proteger-nos entre as rochas. A violência do furacão será menor.

— Não, Kasom — disse Mory. — Acho que devemos prosseguir enquanto pudermos. Por aqui ainda faz tanto frio que a tempestade poderá transformar-se num furacão. Tenho medo de que haja uma tempestade de neve que dure algumas horas.

Kasom sabia que a incumbência que recebera dava-lhe o direito de obrigar Mory a seguir suas ordens, mas hesitava em impor suas sugestões pela força. Além disso, as objeções da esposa de Rhodan tinham sua razão de ser.

Prosseguiram sem interrupção. Kasom teve o cuidado de fazer com que Mory ficasse do lado oposto àquele do qual soprava o vento. Desta forma poderia protegê-la até certo ponto contra a fúria da tempestade, graças ao seu corpo enorme.

Por pouco uma fenda coberta de neve não escapou à atenção do ertrusiano. A visibilidade era inferior a duzentos metros, e escurecia rapidamente. Kasom levantou Mory e saltou por cima da fenda.

Logo atrás da mesma estendia-se uma vala de pelo menos vinte metros de largura. Kasom lançou um olhar desconfiado para o interior da mesma, mas não viu sinal dos eskies.

— Lá embaixo estaremos mais protegidos — gritou para Mory.

Desceram pela encosta, até atingir o fundo da vala. A neve quase chegava aos joelhos de Mory. Em cima deles uivava o furacão que só estava começando. Os pensamentos de Kasom giravam em torno do vale. Este levava em linha reta para as montanhas, que naquele momento estavam escondidas atrás das nuvens. Era possível que se tratasse de um velho túnel, que tinha desabado há algum tempo sob o fogo de artilharia dos gurus.

De repente o chão cedeu sob o peso de Kasom. A reação deste foi imediata, mas já era tarde. Foi escorregando para dentro de uma cova, arrastando neve, pedras e Mory Rhodan-Abro.

 

Quando se encontrava a cinquenta metros do carro voador, Icho Tolot percebeu que não havia ninguém por perto. O veículo parecia abandonado no meio de uma paisagem desolada. Mas não era possível que quatrocentos homens tivessem desaparecido sem mais aquela.

Será que o grupo de Redhorse tinha desistido e resolvera prosseguir sem o veículo? Ou os homens tinham sido atacados?

O halutense aproximou-se cuidadosamente do veículo blindado de esteira. Contornou o mesmo e finalmente descobriu os rastros que os homens tinham deixado na neve. Os mesmos levavam diretamente para uma das crateras. Tolot pôs-se a refletir por um instante. Será que os terranos tinham ido voluntariamente para lá, ou teriam sido obrigados?

O halutense era um ser que costumava decidir depressa. Não estava habituado a pedir conselhos a outras pessoas. Por isso nem pensou em voltar para junto do grupo de Rhodan a fim de informar o mesmo sobre o desaparecimento dos astronautas.

Tolot sabia que só havia um meio de descobrir alguma coisa sobre o destino do grupo de Redhorse. Teria de seguir os rastros na neve e, se necessário, entrar na cratera.

Depois de ter caminhado alguns metros, Tolot descobriu uma arma estranha. Estava coberta por crostas de gelo e certamente tinha sido inutilizada. Não tinha nenhuma utilidade para Tolot. Atirou-a para longe. Os rastros levavam a um corte na borda da cratera. O halutense foi prosseguindo devagar. Desde o dia em que se encontrara com os terranos, não tinha motivo para queixar-se de não estar encontrando aventuras em número suficiente.

Atravessou o corte aberto na borda e olhou para dentro do funil que se abria à sua frente. A cratera não era redonda, mas alongada. Tinha desabado num lugar, em que uma torrente de pedras se tinha precipitado para o fundo. As rochas que tinham ficado assemelhavam-se a enormes corcovas.

Não havia neve na parede interna da cratera. Tolot já não tinha a menor dúvida de que encontraria o grupo de Redhorse por ali. O halutense iniciou a descida. Não se apressou, pois o chão em que pisava era escorregadio e pouco firme. À medida que descia, o calor aumentava. A cratera foi-se estreitando. Tolot continuou a descer cuidadosamente. Não conseguiu evitar que algumas pedras menores se soltassem e rolassem para baixo.

Fosse quem fosse que se encontrava lá embaixo, Tolot não conseguiria ocultar sua presença do mesmo. Mas isso não o deixou preocupado. As armas dos eskies não poderiam tornar-se perigosas para ele.

Quando chegou ao fundo da cratera, Tolot constatou que da superfície vinha bastante luz para que pudesse distinguir os detalhes. Viu dois túneis que se afastavam em sentidos opostos.

“Tenho que resolver em qual dos dois vou entrar”, pensou.

Escolheu o da esquerda e entrou imediatamente. Pelos seus cálculos, a temperatura devia ficar apenas alguns graus abaixo de zero. O ar que veio ao seu encontro até parecia tépido. A escuridão era quase completa.

De repente duas sombras saltaram sobre Tolot. Viu vultos confusos que o cercavam. Soltou um grito terrível e agarrou o primeiro atacante. Teve a maior facilidade em atirá-lo para cima.

— Parem! — gritou alguém. — Acho que é Kasom.

— Redhorse? — resmungou Tolot.

— O halutense — disse alguém em tom de alívio. — Tudo bem, Tolot. Pensamos que fossem os eskies que nos tinham descoberto.

Tolot voltou a colocar no chão o homem que se debatia em seus braços.

— O senhor sempre costuma agarrar as pessoas desse jeito? — perguntou o terrano.

Tolot sentiu-se satisfeito porque estava satisfeito. Provavelmente os homens nunca lhe teriam perdoado a alegria que estava demonstrando. Reprimiu seus sentimentos.

— O que veio fazer aqui embaixo, Capitão Redhorse? — perguntou.

— Fizemos uma pausa — respondeu Redhorse. — Por aqui está mais quente. Os homens precisavam descansar.

— O carro está abandonado na superfície — objetou Tolot. — Não deixou ninguém de sentinela.

— Cuide do veículo se quiser — respondeu o oficial em tom irritado. — Não arriscarei a vida de alguns homens por causa de um simples carro voador.

Tolot percebeu que tinha ido longe demais. O orgulho dos terranos constantemente dava origem a mal-entendidos entre ele e estes seres.

— Estive com o grupo de Rhodan — esquivou-se. — Por lá está tudo em ordem. Os efeitos da paraonda terminam a cerca de duas milhas e meia daqui. Já transportei os dois ratos-castores a uma região mais quente.

As notícias de Tolot produziram o mesmo resultado que tinham causado no grupo de Rhodan. Os homens pareciam adquirir nova vida. A indiferença abandonou-os. Para Tolot essa mentalidade era um fenômeno. Muitas vezes já tentara descobrir por que o menor estímulo mental pode produzir uma transformação completa num terrano.

— Quer dizer que levaremos cerca de duas horas para sair da região fria — disse Redhorse em tom pensativo. — Acho que ainda teremos forças para isto.

Todo mundo concordou. Tolot teve a impressão de que os terranos prefeririam abandonar imediatamente o lugar relativamente quente em que se encontravam para voltar a arrastar o carro voador.

— Quantos homens estão fora de ação em seu grupo, capitão? — perguntou Tolot.

— Quando paramos, eram dezessete — disse Redhorse. — Acredito que depois da pausa pelo menos dez deles possam voltar ao trabalho.

— Irei na frente com os que estão mais fracos nos dois grupos — ofereceu Tolot.

Redhorse concordou. Diante de seu apelo, apresentaram-se nove homens que se julgavam incapazes de continuar a puxar o veículo. Tolot saiu do túnel juntamente com eles, a fim de recolher os doentes do grupo de Rhodan.

Dali a dez minutos Redhorse e os outros homens também saíram. Voltaram à superfície. Dali a pouco o veículo voltou a movimentar-se aos solavancos e prosseguiu numa velocidade pouco superior a um quilômetro por hora.

 

Kasom atirou-se sobre a figura delicada de Mory Rhodan-Abro, a fim de protegê-la das pedras que desabavam sobre eles. Uma verdadeira avalanche deslizou para cima de suas costas. Kasom encolheu a cabeça e cerrou os dentes. De repente viu-se envolvido por um silêncio medonho. Mal se ouvia o rugido da tempestade.

Mory fez um movimento. Kasom respirou fortemente e pôs-se de joelhos. Uma luz fraca vinha da borda da cova. Mory perdera seu cachecol. O rosto estava à mostra.

— Será que é uma armadilha? — cochichou.

Kasom sacudiu a cabeça.

— Não acredito — respondeu. — Tenho certeza de que a vala já foi um túnel. Deve haver outras depressões. Teremos de voltar à superfície..

— Para isso teremos de sair deste buraco — ponderou Mory.

Kasom tirou o cachecol e entregou-o a Mory.

— Amarre à frente do rosto — ordenou em tom enfático. — Quando sairmos daqui, a tempestade de gelo desabará sobre nós com uma violência muito maior.

Mory obedeceu. O ertrusiano ergueu-se e examinou a cova. O único problema seria evitar um novo deslizamento de terra quando saíssem.

Kasom levantou a esposa de Rhodan do chão.

— Vou empurrá-la para cima — disse. — Puxe-se para a superfície e afaste-se alguns metros do local do desabamento. E possível que, quando eu sair, o chão fofo venha ceder.

Segurou-a nos quadris e levantou-a sem o menor esforço. Mory demonstrou grande habilidade ao puxar-se para fora da cova. Dali a pouco Kasom viu a silhueta de seu busto.

— Tudo bem, Melbar! — gritou Mory. — Agora é sua vez.

Kasom desligou o microgravitador e pôs-se de joelhos. Depois deu um salto para cima. A cova foi ficando embaixo dele. Kasom calculara o salto de maneira a só precisar abrir as pernas para chegar à superfície. Só havia um perigo. Em torno do local do desabamento o chão era pouco firme e poderia ceder sob o peso de seu corpo.

Quando seus pés tocaram o chão, houve um ligeiro abalo. Kasom deu três saltos para afastar-se da área perigosa.

A fúria da tempestade penetrava no valo. Mory estava de pé a alguns metros de distância, na borda do valo. Kasom correu para junto dela e puxou-a encosta acima.

Quando chegaram à superfície, a fúria da tempestade os fez estremecer. Nuvens verde-escuras passavam acima de sua cabeça. O vento chiava e uivava ao quebrar-se em algumas formações rochosas. A neve tangida pelo vento envolvia as duas figuras.

— Segure-se! — gritou Kasom.

O furacão investiu contra eles com a fúria de um animal selvagem, esfacelou suas vestes e ameaçou comprimir o ar para fora dos pulmões de Mory. Se não fosse Kasom, a mesma não conseguiria avançar um passo. O especialista da USO atirou a cabeça para trás e firmou o corpo contra o vento. A neve e o gelo ardiam em sua face. A paisagem mergulhou na neve, nas nuvens que corriam rente ao solo e nas rajadas de chuva de pedra. Com os olhos semi-cerrados, Kasom procurou um caminho por onde pudessem passar. O centro do furacão ficava alguns quilômetros atrás deles. Naquele lugar seria impossível avançar.

Mory cambaleou. Kasom segurou-a. Levantou-a e passou a carregá-la. Fez uma pergunta, mas suas palavras foram engolidas pelo rugido da tempestade. As vestes dos dois seres humanos estavam cobertas por uma crosta de neve. Kasom avançava a largos passos através das fúrias da intempérie.

O furacão parou de repente. Kasom parou, espantado. Estava bem mais quente. Uma chuva forte caiu sobre eles. Kasom colocou a mulher no chão. A chuva batia ruidosamente na rocha, carregando a neve e o gelo.

— Está chovendo — disse Kasom.

Sua voz soava que nem uma fanfarra. A região fria ficara definitivamente para trás.

O ertrusiano abriu os braços, fechou os olhos e esticou o rosto na direção da chuva tépida.

 

O segundo veículo foi saindo de uma nuvem de neve, gelo e chuva de pedra. O Capitão Don Redhorse estava tão cansado que nem conseguiu soltar um grito de triunfo, mas a certeza de que o grupo de Rhodan também conseguira sair da região fria deixou-o muito satisfeito. Nos últimos minutos o calor aumentara constantemente. Redhorse sabia que se movimentavam na periferia de um furacão que soprava com uma força incrível. Durante a última hora foram obrigados a parar várias vezes e abrigar-se atrás do veículo, de tão violenta que era a tempestade.

Mas a certeza de que logo estariam em segurança dera forças tremendas aos homens. A temperatura subia constantemente. No momento estava em dez graus abaixo de zero.

— Vamos em frente! — berrou Redhorse.

Os dois veículos rolavam pela intempérie a apenas vinte metros um do outro. Redhorse, que nas últimas duas horas não soltara a corda, viu uma figura encharcada aparecer à sua frente.

Era Henderson.

Sorriu para Redhorse.

— Arranjei um resfriado, cacique — disse.

— Dê um espirro — disse Redhorse.

Depois passou a dirigir-se ao grupo que puxava a corda.

— Parem! — gritou.

Os oficiais reuniram-se entre os dois veículos de esteira. Rhodan subiu numa rocha. Redhorse seria capaz de jurar que nunca mais esqueceria o quadro dessa figura esbelta com as vestes molhadas.

Rhodan sacou uma pequena arma energética e apontou-a para uma pedra que se encontrava à sua frente. Os homens acompanhavam seus movimentos numa atitude que quase chegava a ser devota.

Rhodan comprimiu o botão, e a pedra desmanchou-se numa nuvem de fumaça.

— Já estamos fora da zona submetida à influência paranormal dos gurus — disse Rhodan. Os senhores tiveram um desempenho formidável. Fico-lhes grato por isso.

Os oficiais da Crest II fitaram-no em silêncio, à espera das palavras que ainda iria dizer.

— Não vale a pena voarmos através da tempestade com os carros voadores — disse Rhodan.

— Apontaremos as armas narcotizantes montadas no interior desses veículos para a cidade de pedra, deixando os gurus expostos por alguns minutos aos seus raios. — Fez um sinal para dois homens. — Verifiquem se os propulsores dos blindados estão funcionando.

— Assim que as armas narcotizantes estiverem funcionando a toda força — prosseguiu — avançaremos com os carros voadores até o lugar em que se encontra a C-11. E muito importante que consigamos retirar pelo menos uma nave da área de influência dos gurus. Enquanto isso os outros tripulantes procurarão alcançar a Crest II numa marcha forçada.

— Através de todo esse frio? — protestou alguém que se encontrava em ponto mais afastado.

— Não conseguiremos, senhor.

— Assim que os gurus perderem os sentidos, os efeitos de suas energias psi cessarão — respondeu Rhodan. — Daqui a pouco a temperatura na região fria voltará a normalizar-se.

— Quando os gurus acordarem, voltarão ao ataque — objetou o Coronel Cart Rudo.

— Quando isso acontecer, a C-11 já deverá encontrar-se num lugar seguro — explicou Rhodan. — Uma vez de posse da nave-girino, poderemos manter os habitantes de Tatá sob controle e a uma distância segura.

Ouviram os motores dos veículos entrarem em funcionamento. Os homens prorromperam em manifestações de júbilo.

Rhodan saltou da pedra sobre a qual estava parado. Chamou Redhorse.

— Mande disparar foguetes luminosos — ordenou. — Os outros verão e se juntarão a nós.

Redhorse saiu correndo. Antes que pudesse cumprir a ordem, Tolot e seus companheiros chegaram. Redhorse tirou a pistola de sinalização que se encontrava no veículo e carregou um pente inteiro. Os tiros foram subindo obliquamente. Redhorse recarregou a arma e disparou em sentido oposto. Os foguetes luminosos não seriam vistos de muito longe, já que o céu estava muito nublado.

Enquanto isso Rhodan estava tomando todas as providências para dar início ao bombardeio da fortaleza. As armas narcotizantes foram cuidadosamente ajustadas, a fim de evitar tiros em falso que dessem aos gurus oportunidade de fugir.

Rhodan achou preferível só iniciar o bombardeio quando todos os náufragos tivessem alcançado os veículos. Os tripulantes que não resistiriam a uma segunda marcha, nem mesmo em condições normais, foram colocados nos veículos de esteira.

Os tripulantes da Crest II que ainda faltavam só levaram alguns minutos para chegar. Kasom e a esposa de Rhodan estavam entre eles. Finalmente chegaram os mutantes Wuriu Sengu, Ivã Goratchim e Ralf Marten.

Rhodan dirigiu-se a Redhorse.

— Não vejo sinal dos dois ratos-castores. Mande formar um comando que sairá à procura de Gucky e Geco.

Redhorse escolheu sete homens que se encarregariam das buscas. Tolot e Melbar Kasom saíram por conta própria. Instantes depois da partida do grupo de busca, os oficiais foram informando que seus subordinados estavam todos no local.

— Não podemos esperar mais — disse Rhodan. — E possível que os gurus já tenham avançado para nossas naves.

As armas narcotizantes foram guarnecidas. Rhodan e Atlan estavam de pé entre os dois veículos. Os dois oficiais incumbidos de operar as armas estavam à espera das ordens de Rhodan.

— Tomara que estes raios produzam efeito nos gurus! — disse Atlan.

— Não demoraremos a saber — respondeu Rhodan. — Se os propulsores dos veículos falharem logo após a decolagem, isto será sinal de que fracassamos.

Dali a alguns segundos as armas narcotizantes entraram em atividade.

 

O General Zseht-Agberat-Ly mandou que seu ajudante fizesse uma ligação com o Comando Supremo. Sabia qual era a causa da impaciência que se apossara dele. Atribuía a mesma aos objetos voadores desconhecidos, que estavam pousados na planície que se estendia à frente da fortaleza, cobertos por uma camada de gelo. O quadro exercia uma atração toda especial sobre o general.

Sem que se desse conta disso, tinha esperança de ser investido no comando de um destacamento que pudesse ser levado aos objetos voadores não identificados. Em sua opinião era inútil ficar atrás dos canhões, à espera do novo ataque que os inimigos deviam estar planejando.

— O quartel-general está na linha, general — disse o ajudante.

Ly pegou o telefone e disse seu nome.

— O que deseja? — perguntou uma voz arrogante. — Aqui fala o Comandante Supremo Telsh-Dgromas-Go.

A raiva fez com que o pescoço de Ly se dobrasse para trás. Ly teve de fazer um grande esforço para não dizer uma verdade a esse menino convencido.

— Tudo está calmo na planície — disse. — Acho que deveríamos suspender a segunda onda e enviar um comando aos objetos voadores desconhecidos. Talvez possam ser-nos úteis. Os tripulantes devem estar mortos.

— Sua tarefa consiste em comandar o forte blindado avançado do setor três — disse Go em tom sarcástico. — Não lhe compete apresentar sugestões fantasiosas ao comando supremo.

Ly perdeu o controle dos nervos.

— Sugestões fantasiosas? — gritou em tom zangado. — Será que o senhor quer esperar até que o inimigo aproveite a chance que nunca mais voltará?

— O que quer mesmo, general? Uma condecoração? — perguntou Go.

Ly desligou. Não adiantava argumentar com um Telsh-Dgromas. Go provavelmente não possuía nenhuma experiência de combate. Na opinião de Ly era um teórico, que nunca saíra do quartel-general durante uma batalha.

— Está aborrecido, general? — perguntou o ajudante.

— Estou — confirmou Ly. — Mas não tem importância.

Absorto em seus pensamentos, pôs-se a contemplar a planície endurecida sob a ação do gelo. Os atacantes estavam escondidos. Era possível que nas crateras mais distantes ainda houvesse alguns comandos especiais que ficavam de olho na fortaleza. Certamente chegaria a hora em que o inimigo se perguntaria por que os habitantes da cidade de pedra não demonstravam nenhum interesse nas gigantescas esferas especiais. Não demoraria a interessar-se ele mesmo. Ly acompanhara os acontecimentos com a maior atenção. As esferas espaciais tinham atravessado um fogo de artilharia muito intenso do inimigo sem que tivessem sofrido nada.

Na opinião do general, seria recomendável fazer ao menos um teste. Poderiam atirar algumas granadas contra as esferas, para verificar se o material resistia ao bombardeio.

Berra acordou, levantou-se de um salto e foi caminhando lentamente na direção em que estava Ly. Como sempre, seu uniforme parecia um tanto desleixado. As correias do capacete de aço tinham saído do lugar. Berra era um individualista, mas também era um bom artilheiro — provavelmente o melhor que havia na fortaleza.

— O senhor falou pelo telefone com alguém, general? — perguntou em tom indiferente.

Ly limitou-se a acenar com a cabeça. Gostaria que Berra voltasse ao seu lugar. Para um oficial que já atingira o posto mais elevado do forte não era bom conversar com um soldado que não pertencesse a uma família célebre.

— O que será que esses caras do quartel-general estão esperando? — perguntou Berra, agitando nervosamente os braços curtos. — Por que não enviam tropas para essas coisas estranhas? Poderíamos dar-lhes cobertura com os canhões, para evitar a interferência do inimigo.

— Diga isso a Go — recomendou Ly.

— A Telsh-Dgromas-Go? — Berra fez questão de ressaltar cada palavra.

— Isso mesmo — disse Ly. — Um homem que pertence a uma família muito conhecida.

— Está bem — resmungou Berra e deu as costas ao general.

Foi voltando lentamente ao seu lugar.

De repente Zseht-Agberat-Ly sentiu uma forte dor na nuca. Olhou para o ajudante. Este fitava-o com uma expressão de perplexidade. Ly ficou apavorado ao ver o soldado cair para a frente sem dizer uma palavra. Fez um grande esforço e virou a cabeça para o lugar em que estavam os artilheiros. Estavam todos encolhidos em seus assentos. Berra era o único que continuava de pé. Balançava e estava com a boca muito aberta, como se não conseguisse respirar direito.

Estamos sendo atacados, pensou Ly.

Deu um passo em direção ao telefone — mas nunca chegou a completá-lo. Antes de perder os sentidos, viu o primeiro artilheiro cair ao chão. Os objetos começaram a girar diante dos olhos de Ly. De repente tudo ficou preto e Ly caiu num abismo sem fim.

 

Os dois carros voadores ergueram-se como se de repente tivessem ficado muito leves. Rhodan dera ordem para que os pilotos se mantivessem junto à superfície, para evitar que os veículos fossem avariados numa eventual queda. As duas máquinas voadoras eram valiosas demais para que pudesse arriscar-se a perdê-las em virtude de um erro de avaliação.

Os homens começaram a ficar inquietos. Rhodan formara três grupos fortes, que avançariam em marcha forçada em direção à Crest II assim que os dois carros voadores conseguissem penetrar livremente na área de influência dos gurus.

Rhodan não tirava os olhos dos veículos. Já se encontravam a cem metros de distância. Dali a pouco eram duzentos metros, trezentos. Rhodan respirou aliviado. As armas narcotizantes estavam produzindo efeito.

Enquanto os dois veículos se afastavam, Rhodan ficou cada vez mais preocupado com os dois ratos-castores. O grupo de busca ainda não tinha voltado. Tolot e Kasom também estavam fora. Rhodan mandou que o Capitão Henderson e mais dois homens ficassem para trás, a fim de aguardar os que tinham saído à procura de Gucky e Geco. Mais tarde Rhodan mandaria uma nave-girino recolhê-los. Deu ordem de partida.

Saíram sob uma chuva torrencial. A tempestade continuava a uivar pela planície, dando a impressão de que nunca queria amainar. Os homens avançavam rapidamente, pois não precisavam puxar mais os veículos. Rhodan esperava alcançar a Crest II em menos de uma hora. Os efeitos dos raios narcotizantes não durariam muito mais que isso.

Rhodan mandou que todos os astronautas que estivessem muito fracos fossem colocados nos dois veículos. Sua esposa também se encontrava a bordo de um dos veículos blindados. Quase vinte homens estavam com pneumonia. A maior parte dos que tinham sido colocados a bordo dos veículos sofrera congelamentos em certas partes do corpo. Assim que estivessem novamente a bordo da nave-capitânia, os doentes receberiam o tratamento de que precisavam.

Rhodan esperava que este momento não estivesse muito distante.

Goratchim, Atlan e Redhorse estavam caminhando a seu lado. Os outros oficiais e mutantes se haviam reunido a grupos diferentes. O frio ainda era desagradável, mas a chuva tépida fazia subir rapidamente a temperatura na zona submetida à influência dos gurus.

A fúria da tempestade já tinha diminuído. Rhodan receava que a nova mudança climática pudesse causar novos furacões. O clima artificialmente manipulado do nível verde estava numa confusão tremenda.

Rhodan perguntou-se se os gurus sabiam qual era o papel que eles desempenhavam no primeiro nível do mundo oco. Lamentava não ser capaz de entrar em contato com uma das duas raças.

Conseguiram percorrer duas milhas sem qualquer incidente. Os homens sabiam o que estava em jogo e usavam suas últimas reservas de energia. Já não fazia tanto frio, mas a temperatura ainda ficava alguns graus abaixo de zero.

Quando ainda se encontravam a cerca de quatro milhas das espaçonaves, uma posição dos eskies abriu fogo contra eles. Mas as primeiras explosões ocorreram a uma distância tão grande atrás deles que não poderiam representar qualquer perigo.

Os terranos procuraram abrigar-se entre as rochas e nas crateras menores. Rhodan, Redhorse e Goratchim estavam agachados atrás de algumas rochas.

— Devem estar em uma das crateras, senhor — disse Redhorse em tom zangado. — Trata-se de um único canhão.

— Estão nos atrasando — disse Rhodan. — Precisamos passar bem depressa por eles.

Goratchim rastejou em torno da rocha atrás da qual estava abrigado.

— Não consigo ver a posição deles, senhor — informou. — Se pudesse, seria facílimo colocar o canhão fora de combate.

— Temos de pegar alguns homens para limpar a cratera — disse Rhodan. — Seria um absurdo marchar numa frente larga de dois mil homens.

Redhorse piscou com os olhos. Seu rosto assumiu uma expressão arrojada.

— Acho que com dez homens conseguirei, senhor.

— Está bem, capitão — concordou Rhodan. — Procure apressar-se.

O oficial saiu rastejando por trás das rochas. Goratchim fez menção de acompanhá-lo, mas Rhodan segurou o mutante pelo braço.

— Por enquanto não, Ivã — disse. — Sua hora ainda vai chegar.

Rhodan fazia votos de que os dois veículos já tivessem atingido a C-11. Certamente a nave-girino não demoraria a subir. Rhodan achou que seria muito arriscado mandar a C-11 atacar a cratera que continuava ocupada pelos eskies. Isto provavelmente levaria os mesmos a lançar um ataque em grande escala.

Rhodan tinha certeza de que Redhorse seria capaz de resolver o assunto num estilo mais conveniente.

Uma granada caiu nas imediações. Os artilheiros desconhecidos tentavam a sorte, procurando acertar por acaso, pois não tinham mais nenhum alvo diante dos olhos.

Rhodan fez girar o corpo e sentou, encostando-se à rocha. Ficou satisfeito ao notar que a temperatura subia rapidamente. Lembrou-se dos dois ratos-castores. Fazia votos de que já tivessem sido encontrados.

As explosões pararam.

— Não é possível que Redhorse já tenha alcançado a posição deles — disse Goratchim em tom de espanto.

Como que numa confirmação de suas palavras, ouviu-se o matraquear de armas portáteis. O estampido das explosões vinha de longe. Ao que parecia, os eskies tinham passado a usar atiradores de elite. Rhodan relembrou o trecho de meia milha, coberto de neve, que Redhorse teria de percorrer para atingir a posição dos eskies.

Será que o fogo era dirigido ao capitão e aos homens que o acompanhavam?

 

Redhorse estava agachado no início de um grande valo. Pôs-se a refletir. Se os eskies não fossem tolos, estariam observando principalmente a depressão na qual se encontrava, pois parecia ser a única possibilidade de aproximar-se de sua posição.

Don Redhorse acreditava que no valo devia haver um grupo de eskies fortemente armado, que só esperava o aparecimento de um grupo de assalto. Era de espantar que os eskies se tivessem recuperado com tamanha rapidez dos efeitos dos raios — se é que tinham sido atingidos pelos mesmos.

O capitão fez um sinal para seus quatro companheiros.

— Vamos sair do valo — decidiu. — Poderemos avançar uns cem metros junto à cratera mais próxima, sem sermos descobertos. Depois disso teremos de nos proteger atrás das rochas.

— Por que não ficamos no valo? — perguntou um dos homens.

— Porque tenho certeza absoluta de que por lá já estão à nossa espera, Chartell — disse Redhorse. — Quando tivermos percorrido mais ou menos metade do caminho, vamos separar-nos. Budnick e eu nos aproximamos da posição da cratera pela frente, contornamos a mesma e atacamos de trás.

— Parece simples — disse Budnick em tom sarcástico.

— Chartell! O senhor, Veyron e Trahart farão uma manobra desvacionista do lado esquerdo. Basta disparar ao acaso contra a posição dos eskies para mantê-los ocupados.

— Não demorarão a descobrir que é apenas um ataque simulado — ponderou Veyron.

Redhorse sorriu.

— Naturalmente. É o que nós queremos. Nesse caso se convencerão de vez de que estamos avançando pelo valo.

A um sinal do capitão saíram do valo e correram abaixados junto à borda de uma grande cratera. Por enquanto não havia perigo de serem descobertos. Quando tinham contornado a cratera, Redhorse apontou em silêncio para três rochas escarpadas de um metro de altura, que se erguiam na neve a cinquenta metros do lugar em que se encontravam.

De repente os fuzis dos eskies começaram a matraquear. Os homens estenderam-se no chão.

— Isto não é conosco — exclamou Redhorse e voltou a pôr-se de pé. — Vamos embora!

Chegaram sãos e salvos às rochas escarpadas.

Redhorse mandou que Chartell, Veyron e Trahart fossem para o lado esquerdo da posição dos eskies.

— Assim que eles começarem a atirar, sairemos dos abrigos e aproximamo-nos da cratera — explicou Redhorse.

Os três astronautas desapareceram. Budnick, um técnico de maxilares salientes e olhos incolores, fitou Redhorse com uma expressão pensativa.

— Tenho uma sensação estranha no estômago, capitão — confessou.

— Comigo é mais embaixo — disse Redhorse com um sorriso e rastejou em torno da rocha. Admirou-se de não estar sentindo um frio tremendo, pois suas vestes molhadas estavam incrustadas de gelo.

Ouviu Budnick bem atrás de si. De vez em quando os fuzis dos eskies crepitavam. Uma granada solitária explodiu bem ao longe. Redhorse e Budnick encontravam-se a duzentos metros do canhão dos eskies.

Redhorse parou atrás de uma rocha redonda.

— Vamos ficar aqui até que os outros entrem em ação — disse.

Havia manchas vermelhas na face de Budnick. Sua cabeça balançava que nem a de um ancião. Era um sinal evidente de que o corpo estava debilitado pelo esforço excessivo. Redhorse acreditava que ele mesmo não deveria causar uma impressão muito melhor. Tirou um pedaço de alimento concentrado, abriu a embalagem e dividiu as duas barrinhas de substância branca com Budnick. Quase chegou a deleitar-se com o concentrado que se desmanchava em sua língua. Budnick tossiu baixinho. Em meio à tosse ouviram o chiado característico das armas energéticas.

— Está começando — disse Redhorse em tom calmo.

Pegou a arma e pôs-se em movimento. Budnick ficou bem a seu lado. O técnico olhava constantemente para trás, como se o inimigo os perseguisse em vez de estar à sua frente. Os esconderijos eram melhores do que Redhorse esperara. Corriam de uma depressão para outra, de um bloco de pedra para o seguinte. Quando se encontravam a cinquenta metros da cratera, dobraram para a direita. Redhorse esperava ver a qualquer momento figuras encapuçadas nas bordas da cratera, com armas longas nas mãos — se é que os eskies possuíam mãos. Mas não aconteceu nada. Chartell, Veyron e Trahart atiravam que nem uns loucos, derretendo rochas inteiras na borda da cratera.

Um único fuzil eskie respondia ao ataque aparentemente furioso.

Redhorse e Budnick tinham atingido o centro da posição dos eskies. Redhorse resistiu à tentação de subir na borda e dar uma olhada para dentro da posição. Budnick fungava que nem uma locomotiva a vapor, mas agüentou.

— Não devemos forçar demais a sorte — disse Redhorse depois de algum tempo.

Budnick deixou cair os braços. Piscava com os olhos de tão cansado que estava. Rastejaram lado a lado pela borda da cratera acima. Redhorse sentia as batidas do coração. Gostaria de saber quantos metros o separavam do inimigo.

Budnick foi o primeiro a chegar ao ponto mais alto. Espiou para baixo por entre as rochas e permaneceu imóvel. Redhorse rastejou para perto dele. Já podia ver a posição.

A cratera estava pela metade de rochas desabadas. O pequeno canhão dos eskies encontrava-se sobre um montão de destroços bem no centro da cratera. Estava envolto na penumbra, tal qual as figuras encapuçadas que o cercavam. A distância que o separava dos dois homens não era superior a quarenta metros.

— Ali estão eles — cochichou Budnick e levantou a arma.

Redhorse empurrou o braço do técnico para baixo.

— Não atire nos eskies — ordenou. — Vamos destruir o canhão deles e dar um sinal aos outros. Os eskies fugirão.

Budnick emitiu um ruído ininteligível. Ambos fizeram pontaria para o canhão, com uma estranha arma negra que parecia um compasso gigante de cabo negro.

O canhão ficou incandescente. Redhorse viu que os eskies desapareceram imediatamente num corredor subterrâneo. O oficial levantou-se de um salto e pegou a pistola de sinalização. Fez subir três foguetes luminosos.

Budnick já estava descendo pela borda da cratera. Do outro lado apareceram três homens que atiraram os braços para o alto. Eram Chartell, Veyron e Trahart.

Redhorse viu os dois mil homens da Crest II sair dos esconderijos. Olhou para dentro da cratera e certificou-se de que por enquanto os eskies não pensavam em revidar ao golpe. Seguiu Budnick.

O técnico soltou um grito e apontou para o céu coberto de nuvens. Uma esfera de sessenta metros de diâmetro estava descendo na paisagem de neve que nem um fantasma.

— É a C-11— disse Redhorse em tom solene.

Dali a trinta minutos os gurus acordaram.

 

Tinham voltado. E ainda estavam vivos. Os estranhos seres que o General Zseht-Agberat-Ly acreditara estivessem mortos aglomeravam-se em torno da espaçonave.

Ly só teve uma noção confusa de tudo isso. Teve de segurar-se na borda da fresta para não cair de novo. O cansaço pesava tremendamente sobre ele. Seus pensamentos pareciam embotados.

Só sabia de uma coisa. Precisavam evitar que os desconhecidos retornassem aos seus objetos voadores e se afastassem da área de influência dos habitantes da fortaleza.

“Preciso levantar e falar com Go”, pensou Ly.

Todos os músculos de seu corpo doíam quando, apoiado nas pernas e na cauda, se obrigou a dar um passo. Alguns dos artilheiros já se mexiam. Berra tinha rastejado para junto de seu canhão e tentava ajustar a mira com uma das mãos.

Ly ficou apavorado ao dar-se conta de que levariam algum tempo para voltar a coordenar suas forças a ponto de poderem arriscar um ataque. Olhou pela fresta.

Quase todos os desconhecidos tinham desaparecido no interior da grande esfera. Os dois objetos voadores menores já tinham decolado. Ly teve a impressão de que se locomovia através de uma massa viscosa, de tamanha dificuldade que tinha em caminhar. Quando atingiu o telefone, seu ajudante despertou do estado de rigidez em que se encontrava.

Ly olhou para o quadro e escolheu a cor de Go. Encontrou a tecla correta e comprimiu-a. Levantou o fone. Teve de fazer um grande esforço para levá-lo até a cabeça.

— Ly — disse. — General Ly falando.

O telefone estava funcionando, mas ninguém respondeu. O general quase enlouqueceu, de tão desesperado que se sentia. Não poderia evitar a decolagem da gigantesca esfera contando apenas com alguns homens quase mortos. A primeira onda teria de ser acionada mais uma vez.

Voltou a dizer seu nome. Finalmente uma voz fina respondeu. Estava tão deformada que Ly teve dificuldade em perceber que era a de Go.

— O que aconteceu? — perguntou Go.

— Todos os habitantes da fortaleza estão inconscientes.

Por um instante Ly deleitou-se com a perplexidade do Comandante Supremo. Fez uma pausa mais comprida do que seria necessário — era sua pequena vingança pessoal contra Go.

— Fomos atacados com armas desconhecidas — disse finalmente. — Os desconhecidos aproveitaram a oportunidade para voltar às suas naves. Daqui a pouco estarão fora do nosso alcance.

Contrariando a expectativa de Ly, Telsh-Dgromas entrou em ação imediatamente.

— Vamos acionar a primeira onda — decidiu Go. Parecia refletir por um instante. — Ainda não temos um número suficiente de membros dos grupos de irradiação que despertaram da inconsciência.

— Pegue outras pessoas — limitou-se Ly a recomendar.

Sentiu que Go estava hesitando.

— Pessoas sem treinamento? — perguntou Go. — Isso pode dar origem a incidentes graves.

Ly quase destroncou o pescoço.

— Incidentes? — repetiu em tom exaltado. — Acho que o senhor deveria pensar nos desconhecidos que estão escapando e provavelmente voltarão dentro em breve com os inimigos. Acho que não preciso dizer quais serão as conseqüências.

— Não — confirmou Go.

Ly ouviu Go berrar algumas ordens e desligou. Tudo dependia de que agissem depressa. O general voltou cambaleante para junto da fresta e olhou para a planície.

Todos os desconhecidos tinham desaparecido no interior da gigantesca esfera.

Ly ouviu um movimento atrás de si. Virou a cabeça e viu que Berra, o primeiro-artilheiro, estava a seu lado.

— O que foi que Go disse, general? — perguntou.

— Quer detê-los. Se necessário usará forças não treinadas.

— A sugestão foi sua, não foi?

— Foi — respondeu Ly. — Foi minha idéia.

Permaneceram em silêncio, lado a lado, e olhavam pela fresta. Pela primeira vez Zseht-Agberat não sentiu nenhuma antipatia pelo artilheiro. Talvez fosse o perigo repentino que estava criando uma ligação entre eles.

— Os artilheiros estão começando a acordar aos poucos — disse Berra. — Fomos os primeiros a acordar, general.

— O senhor acordou antes de mim — disse Ly.

Berra deu-lhe as costas.

— Prepararei as baterias — informou.

Enquanto estava se afastando, o General Ly viu o grande objeto voador desprender-se do solo. Estremeceu. Fazia votos de que a tentativa de Go fosse bem sucedida.

Sacudiu a cabeça, espantado.

Era a primeira vez que desejava que um Telsh-Dgromas fosse bem sucedido.

A gigantesca esfera foi ganhando altura rapidamente. Pelos cálculos de Ly, deveria sair da área de influência da fortaleza dentro de instantes. Se não acontecesse um milagre, isso seria inevitável.

 

A Crest II estava coberta por uma camada de gelo de um metro de espessura. A nave estava transformada num enorme esquife de gelo. Em seu interior a temperatura quase não tinha subido. O gelo acumulado na face externa da nave impedia o bom funcionamento dos rastreadores e uma observação exata do que se passava na cidade de pedra.

Rhodan deixou-se cair numa poltrona ao lado do Coronel Cart Rudo. Qualquer coisa em que tocassem estava fria como gelo. A maior parte das máquinas estava funcionando a toda força. Dentro de algum tempo o calor aumentaria o suficiente para poderem trocar de roupa.

Mas no momento Rhodan só estava interessado na decolagem. Teriam de escapar o mais depressa possível para uma área segura, antes que os gurus acordassem e voltassem a atacar com suas forças paranormais.

Rudo examinou às pressas os diversos controles. Ainda não podia executar as manipulações necessárias. Em todos os setores da nave os técnicos estavam trabalhando o mais depressa que podiam. Finalmente veio o sinal de que a nave estava em condições de decolar. Rhodan fez um sinal para o epsalense. Numa questão de segundos a nave-capitânia desprendeu-se do solo.

— Recolheremos as duas naves-girino fora da área de influência dos gurus — decidiu Rhodan. — No momento o mais importante é escaparmos dos habitantes da fortaleza.

Depois de terem percorrido quatro milhas, algumas das máquinas falharam de repente. Rudo fitou Rhodan com uma expressão de desespero.

— Estão acordando — exclamou Atlan. — Acelere com tudo que ainda nos resta, coronel.

A Crest II voltou a perder altitude, mas conseguiu percorrer mais uma milha. Vista de baixo, devia ter o aspecto de um iceberg voador. O gelo que se ia derretendo parecia uma cortina molhada caindo na planície.

Rhodan não tirava os olhos do altímetro.

Quando se encontravam a sessenta metros do solo, saíram da influência dos gurus. A Crest II deu um salto para a frente. Rhodan ouviu Rudo respirar aliviado.

Dali a pouco chegaram as mensagens das duas naves-girino, que também estavam em segurança. Rhodan pediu uma ligação direta com a C-11.

— Viu o grupo de reconhecimento? — perguntou.

— Vimos — respondeu alguém. — Icho Tolot encontrou os dois ratos-castores. Estavam inconscientes.

— Estão feridos?

— Ainda não sabemos. O halutense encontrou Gucky e Geco nas proximidades de uma cratera.

— Desça e recolha os tripulantes que ainda faltam — ordenou Rhodan. — Depois disso recolheremos as duas naves auxiliares.

— O que será que os habitantes da fortaleza vão fazer, senhor? — perguntou o Major Hefrich, que estava entrando na sala de comando.

Rhodan fitou o engenheiro-chefe com uma expressão pensativa.

— E difícil saber. Parece que no momento estamos em segurança.

— Na minha opinião estamos muito perto de Tatá — objetou Atlan.

— Assim que as duas naves-girino tiverem entrado em nosso hangar, abandonaremos esta área — prometeu Rhodan. — Tentaremos avançar para o nível seguinte. Mas antes disso vamos pousar em algum lugar para descansar.

Levantou-se e Hefrich ocupou seu lugar. Saiu em companhia de Atlan e Rudo. Rudo esfregou o tórax enorme.

— Anseio por um bom banho e roupas quentes, senhor — disse.

— É o que está acontecendo com todo mundo — observou Atlan.

Dali a dez minutos a C-11 e a C-18 voltaram ao seu hangar. Os homens totalmente exaustos foram levados às enfermarias. A camada de gelo que cobria a Crest II já se tinha derretido.

Rhodan tirou as roupas molhadas e tomou um chuveiro quente. Sentiu-se aliviado ao lembrar-se de que só houvera um morto. Alguns homens ainda corriam perigo de vida, mas se recebessem os medicamentos de que precisavam estariam recuperados dentro de alguns dias.

Trajando um novo conjunto-uniforme, Rhodan voltou à sala de comando. O estado de espírito dos homens mudara abruptamente. Até mesmo Gucky já estava em forma de novo.

Rhodan sabia perfeitamente que só tinham ganho mais um pouco de tempo. Teriam de abandonar o nível verde dentro de pouco tempo, para procurar auxílio em algum dos níveis superiores — mesmo que este só viesse em forma de informações.

Na opinião de Rhodan, o verdadeiro perigo do nível verde eram os gurus. Os desconhecidos que tinham construído este mundo os haviam levado para lá de propósito. Os eskies eram um mistério. Estes seres não combinavam com o ambiente. Será que sua finalidade consistia exclusivamente em manter os gurus constantemente em estado de alarme? Rhodan não acreditava nisso. Esta reação dos gurus poderia ser alcançada de forma bem mais simples.

Aqueles seres encapuçados, dos quais só tinham tido uma visão de relance, deviam desempenhar um papel diferente.

Já se tinha certeza de que os senhores de Andrômeda tentavam destruir qualquer intruso que se aproximasse de sua galáxia. Um sistema sofisticado de armadilhas invencíveis estendia-se em torno da nebulosa.

Era um projeto de proporções tão gigantescas que a simples idéia provocou calafrios em Rhodan. Aquilo só poderia ter sido obra de uma raça de superseres imortais. Mas as próprias armadilhas não provavam que os habitantes da nebulosa de Andrômeda tinham medo de qualquer forasteiro que estivesse em condições de atravessar o espaço aparentemente infinito que separava as galáxias? Será que os senhores da ilha, conforme eram chamados pelo drung, tinham um ponto fraco?

Gucky aproximou-se arrastando os pés. Pôs as mãos nos quadris. Abanou ostensivamente o rabo.

— A ponta de meu rabo está congelada — piou em tom indignado. — Um dos robôs médicos raspou os cabelos e passou uma pomada.

Por mais que se esforçasse, Rhodan não viu sinal deste tratamento.

— Você é muito sensível — disse Rhodan.

— Muito sensível? — Os olhos de Gucky chamejaram. — O que você queria que eu dissesse se Redhorse afirmou que eu parecia um enorme picolé num cabo quando fui carregado para dentro da nave-girino?

— Redhorse gosta de fazer comparações bem vivas — disse Rhodan para acalmar o rato-castor.

— Namil — chiou Gucky.

— O que quer dizer isso? — perguntou Rhodan.

— Mulher velha — respondeu Gucky com a voz estridente. — Estou me referindo a Redhorse.

— Desde quando você fala a língua dos cheienes? — perguntou Rhodan.

Gucky revirou os olhos.

— Cheiene? — Fez um gesto de desprezo. — Eu estava falando comanche.

 

O General Ly afastou-se da fresta e foi para o telefone. Seu ajudante já tinha feito uma ligação com o quartel-general. Ly sentia-se como um velho — e andava como se realmente fosse.

— Mande suspender, Go — disse. — Mande suspender a primeira onda, antes que aconteça um desastre. Os objetos voadores desconhecidos escaparam. Já se encontram fora de nossa área de influência.

— Não, não, não! — gritou Go fora de si.

— O senhor está usando elementos não treinados — lembrou Ly em tom indiferente. — Mande suspender a operação.

— Serei deposto — lamentou-se Go. — Perderei meu posto por causa da falha que houve.

— Sei — disse Ly. — Esperava que isso me desse alegria. Acontece que estou com medo. Medo de que os desconhecidos voltem com nossos velhos inimigos para atacar a cidade de pedra.

— Foi por causa da maldita sugestão que o senhor fez — disse Go em voz chorosa. — O senhor disse que deveríamos...

— Pare com isso — interrompeu Ly com a maior calma. — Mandei gravar nossas conversas. Além de incompetente o senhor é burro, Go.

O Telsh-Dgromas praguejou amargurado e desligou.

Apoiado sobre a cauda, Ly passou os olhos pela fileira de canhões que guarnecia o forte blindado do setor três. Não conseguia livrar-se da impressão de que em comparação com os recursos de que dispunha o inimigo essas armas não valiam quase nada.

— Alguma ordem, general? — perguntou Berra, o primeiro-artilheiro.

— No momento não — respondeu Ly. — Temos de esperar até que o pessoal do quartel-general decida alguma coisa.

Ly sentiu a tensão que dominava os artilheiros. Todos sabiam que os desconhecidos tinham escapado. Temiam a vingança dos forasteiros. De onde vinham eles?

Os gigantescos suportes de rocha em que até então haviam confiado os habitantes da fortaleza de repente pareciam estar em perigo por causa da presença dos seres misteriosos. Talvez a esta altura aquilo que o inimigo não tinha conseguido em setenta e três batalhas estaria ao seu alcance.

— O que está pensando, general? — perguntou Berra.

— Estou preocupado — confessou Ly. — Teremos de ser muito cautelosos. Acho que temos tempos difíceis pela frente.

— Acha que haverá um ataque?

— Isso depende do que os desconhecidos vieram fazer por aqui. É possível que nunca tivessem tido a intenção de atacar a fortaleza e não o façam. Mas também não se pode excluir a possibilidade de se aliarem com o inimigo.

— Se o estado de inconsciência em que caíram todos os habitantes da cidade foi causado por alguma arma desconhecida, realmente temos motivo para preocupar-nos — disse Berra.

— E possível que sejamos obrigados a abandonar a fortaleza — disse Ly em tom pensativo. — Precisamos ficar na pista dos forasteiros para descobrir quais são suas intenções.

Berra apontou para o telefone. Ly compreendeu o gesto.

— Dentro em breve haverá algumas modificações no quartel-general — profetizou. — Acho que os novos chefes não terão medo de quebrar certos tabus para proteger nossa segurança.

— O senhor seria o homem indicado para assumir o quartel-general — disse Berra.

Ly fitou-o com uma expressão de surpresa. Nunca esperara que Berra lhe fosse fazer um elogio como este.

— Sou muito velho — disse em tom pensativo. — Há poucos instantes, quando estava falando com Go, percebi que estou muito cansado para participar de conflitos mais intensos.

— Ninguém é velho demais — desde que queira alguma coisa — retrucou Berra.

Ly foi caminhando lentamente em direção à fresta e olhou pela mesma. A planície estendia-se diante de seus olhos. Era um quadro ao qual estava acostumado desde a infância. Um dia morreria por ali. Um vento tépido passava pela fresta. A paisagem voltava a aquecer-se.

Ly estava pensando na observação que Berra acabara de fazer.

— Acho que não quero — disse.

Inclinou o pescoço esbelto para trás.

— Não — completou. — Tenho certeza absoluta de que não quero.

 

O platô rochoso subia a dois mil metros de altura. Sobressaía de uma das gigantescas colunas de apoio que se estendiam até o céu artificial. Nas extremidades o platô era apoiado por colunas menores.

A plataforma tinha dez quilômetros de largura e mais ou menos outro tanto de comprimento.

Rhodan fizera pousar a Crest II ali de propósito. Lá em cima os eskies não lhes poderiam fazer nada. A plataforma ficava bem atrás da frente de combate e longe da área de influência dos gurus.

Logo após o pouso da nave, Rhodan convocara os oficiais e demais pessoas responsáveis para discutir a situação.

Os homens tinham chegado a um acordo em dois pontos. Cada nível do mundo oco chamado Horror representava uma armadilha criada pelos desconhecidos. A Crest II não poderia demorar a abandonar o nível verde e tentar chegar mais perto da superfície do planeta.

Em relação aos outros pontos havia divergências. Surgiram numerosas teorias sobre os eskies e os gurus. E as sugestões sobre a forma pela qual poderiam avançar para o plano seguinte não foram menos numerosas.

Rhodan logo percebeu que as discussões intermináveis não levariam a nada. Suspendeu a reunião.

Estava em seu camarote, juntamente com a esposa, Atlan e Icho Tolot. O corpo do halutense quase chegava a preencher totalmente o pequeno recinto. Tivera de fazer um grande esforço para passar pela porta.

— Admitindo que haja um meio de chegar à superfície, — disse Atlan — para onde iremos? Será que na estação do transmissor encontraremos um meio de regressar à nossa galáxia?

— Sem dúvida — respondeu Tolot. — Já teríamos conseguido voltar do sistema de Gêmeos, se a regulagem que eu fiz não tivesse sido modificada à força.

Mory deu uma risada.

— Não consigo livrar-me da impressão de que o senhor se divertiu à nossa custa — disse, dirigindo-se a Tolot. — Sua sede de aventura bem que poderia levá-lo a isso.

— Conheço meus limites — disse Tolot com a voz tranqüila.

— No interior deste sistema maluco também deve haver um comando do transmissor — disse Rhodan. — Se conseguirmos encontrá-lo, precisaremos ter cuidado para que não saiamos na estação mais próxima, mas em nossa galáxia.

Atlan sorriu. A conversa parecia diverti-lo.

— Quem sabe se não estamos aprisionados num círculo infernal incontrolável? Quando tivermos passado por todos os transmissores, reiniciamos o circuito no sistema de Gêmeos.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Nunca chegaremos a este ponto. Acabaríamos ficando presos numa das armadilhas.

— Realmente só existe um meio; temos de voltar — confirmou Tolot. — No momento não temos a menor chance de chegar a Andrômeda.

Aquilo quase chegava a soar como um paradoxo. Para aumentar as chances de atingir a galáxia vizinha, teriam de afastar-se dela e voltar à galáxia de origem. Na opinião de Rhodan era um absurdo preocuparem-se com o regresso à Via Láctea. Antes de mais nada teriam de chegar à superfície de Horror.

— No momento estamos relativamente seguros nesta plataforma de rocha — disse. — Daremos um descanso à tripulação. Depois tentaremos o avanço para um nível mais elevado.

Atlan levantou-se.

— Pode parecer estranho. Sei que em cada uma das estações de transmissor para as quais somos levados enfrentamos algum perigo, mas não gostaria de deixar de fora uma única que fosse.

Rhodan acenou com a cabeça; parecia pensativo. Compreendia as palavras do arcônida. Atlan já estivera em inúmeros planetas e mantivera contato com as raças mais estranhas. Acumulara um volume de experiências muito maior que qualquer outra criatura humana.

Mas a atração do desconhecido continuava viva em sua mente.

A cintilância de uma galáxia desconhecida o atraía por cima de um abismo imenso. Uma voz baixa, mas inconfundível, vinda da eternidade, parecia chamá-lo. Rhodan sabia que ele o seguiria. A velha tendência de desvendar o desconhecido, inata no ser humano, era mais forte que nunca.

E enquanto existissem seres humanos, os mesmos se guiariam por esta tendência...

 

                                                                                            Willian Voltz  

 

                      

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