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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A BANHISTA SOLITÁRIA / Carlos Cunha
A BANHISTA SOLITÁRIA / Carlos Cunha

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A BANHISTA SOLITÁRIA

 

 

Frequentadora daquela praia, ela é sempre a primeira a nela chegar e só quando uma chuva forte cai que deixa de ir até lá. Por mais cedo que seja o primeiro banhista que lá chega, nunca encontra aquela praia deserta. Ela sempre já está lá, deitada em sua esteira, seja ou não um dia de sol.

Aquela bela mulher é um enigma para todos. Ninguém tem conhecimento do lugar em que ela mora, se tem uma família ou alguma ocupação na vida. Quando é abordada, por um banhista mais atrevido, ela mantém um recato elegante, mas nunca deixa de ser educada. Tem para ele um sorriso aberto e está sempre pronta para uma boa conversa que fale de literatura, artes, política ou qualquer outro tema de seu interesse. Com sua voz suave e melodiosa ela dialoga, com a pessoa a qual está dando atenção, deixando ela abismada com a profundidade de suas idéias e da cultura que demonstra ter. Ele a escuta admirado e cheio de encantamento, sem conseguir tirar os olhos das formas sensuais que o corpo dela tem.

Já quando a conversa tem a intenção curiosa de saber algo sobre sua vida, toma o rumo de uma cantada ou se a pessoa com a qual conversa se mostra vazia e desinteressante, ela desconversa e interrompe o que ela fala com muito tato e sem ofendê-la.

No fim da tarde ela dobra com muito charme a esteira, pega as suas coisas e caminhando pela areia vai para casa.

 

Já faz mais de três meses que o Cláudio Luis a viu pela primeira vez. Foi numa manhã clara de verão em que ele resolveu ir á praia e lá chegou quando os primeiros raios de sol estavam surgindo. Ela estava deitada na areia, bem perto da água, e ele imediatamente ficou deslumbrado.

Achou que era a mulher mais linda e atraente que ele já vira em toda a sua vida. As ondas suaves, daquele mar calmo, quebravam no corpo dela enchendo-o de espuma branca, que no mesmo instante transformava-se em água clara e escorria por ele acariciando a sua pele dourada. Seus cabelos encaracolados e longos, que tinham a cor do mel, estavam cheios de areia e seus fios flutuavam sobre a água quando ela voltava para a imensidão azul.

O vai e vem das ondas batendo em seu corpo parecia não a incomodar, mas sim que ela se deleitava com a carícia da água quando ela atingia as suas pernas muito longas e corriam por suas coxas grossas, subindo por sua barriga até atingirem os seios fartos e rijos que ela tinha protegido pelo minúsculo sutiã vermelho do biquíni que usava.

A suavidade que ele via na pele dela não era ofuscada pela água, que por ela escorria, mas sim destacada pelo refletir sereno dos raios fracos e suaves do sol que se abria.

O sentimento de solidão que pairava naquela praia, o murmúrio doce das águas trazido por uma brisa calma e a visão maravilhosa daquela bela mulher fez com que no mesmo instante ele se sentisse apaixonado.

Cláudio Luis passou aquele dia todo na praia. Viu quando ela, por várias vezes, entrou na água e com vigorosas braçadas nadou com muita classe e segurança. Na metade do dia quando ela foi comer alguma coisa em um restaurante que ficava ali perto, como o sol estava mito quente ele procurou uma sombra e ficou nela esperando a sua volta.

Só no fim da tarde, quando ela foi embora, ele deixou a praia. Foi ai que se lembrou dos compromissos a que havia faltado e percebeu que sentia fome. Viu então que naquele dia tinha se esquecido até de comer.

E foi assim por toda a semana seguinte. Ele deixou de lado tudo o que tinha de fazer para passar o dia observando aquela linda mulher.

Quanto mais a apreciava, e com isso mais apaixonado se sentia maior se tornava à dificuldade que tinha de se aproximar dela. Sentia-se inibido pela segurança que ela transmitia, além de ficar tímido e retraído por causa da beleza dela que era excessivo.

Quando ele chegava perto dela perdia toda á autoconfiança e a desenvoltura que adquirira por toda uma vida. Sentia-se um menino confuso e cheio de receios, que morria de medo de fazer algo que a ela desagradasse.

E assim os dias foram passando, até que finalmente o destino o ajudou.

 

Ele tinha notado que ela sempre, mais ou menos na mesma hora, deixava a praia e ia ao mesmo restaurante almoçar. Um dia, quando a viu levantar-se da areia para ir até lá, foi até ele e sentou-se em uma mesa na qual poderia observá-la com discrição e sem ser por ela notado. Lá ele viu quando o garçom veio atendê-la, o prato de frutos do mar que pediu e embevecido admirou a classe que ela tinha ao fazer a sua refeição e o prazer que sentia ao saborear o que comia.

Quando ela terminou o seu almoço, fumou calmamente um cigarro e se dirigiu calmamente para a porta de saída do restaurante, ele notou que ela tinha deixado alguma coisa sobre a mesa. Foi até lá e viu que era um livro que tinha esquecido.

Apressado chamou o garçom, deu a ele uma nota de cinquenta reais e lhe disse que podia ficar com o troco. Saiu então, todo afobado atrás dela. Antes que ela pudesse alcançar a praia, ele a interpelou e lhe disse:

 

- Senhorita, por favor. Não é seu este livro que ficou na mesa que você almoçava?

 

- Sim, ele é meu. Como posso ter esquecido. Há alguma maneira de eu agradecer ao senhor por me tê-lo trazido?

 

- Ora, não há o que agradecer. Mas se você faz mesmo questão, a melhor maneira é se ficarmos amigos. Eu ficaria muito feliz com isso.

 

E de fato foi o que aconteceu. Nos dias que se seguiram, viram-se muitas vezes. Ele a cada momento estava mais apaixonado e ela gostava do respeito, da fineza e acima de tudo da maneira educada e gentil com que a tratava.

Ela percebia claramente o que acontecia com ele e sabia que devia dele se afastar, mas não era capaz. Tinha consciência de estar sendo inconsequente e nada podia fazer porque estava amando aquele homem.

Sabia do quanto era impossível aquele amor e do sofrimento que causaria a ele, e a si própria, quando ele soubesse da verdade. De quem ela era realmente.

Só que não podia fazer nada. A atração que sentia por ele era muito forte e isso a fazia sentir-se desesperada. Precisava afastar-se dele, mas não conseguia.

 

Uma tarde ele finalmente criou coragem e lhe falou do seu amor por ela. Tomou-a nos braços e seus lábios se beijaram com paixão. Ela emocionada tremia de prazer nos braços dele e correspondia aquele beijo tão esperado e ao mesmo tempo tão temido.

Quando ele colocou carinhosamente e afoito a mão em sua perna, e com ela começou a subir acariciante por sua coxa, ela empurrou com as duas mãos o seu peito e disse desesperada, com o rosto todo molhado pelas lágrimas que escorriam dos seus olhos:

 

- Não Cláudio, pelo amor de Deus, não. Você não entende, é impossível. Eu sou uma mulher sem juízo, não devia ter deixado ás coisas chegarem até onde chegaram.

 

Ainda dizendo essas palavras, ela deu as costas para ele e saiu correndo. O pranto que a sufocava era cheio de desespero e repleto de dor. Ele ficou ali paralisado. Não conseguia compreender a reação dela e muito menos o que tinha acontecido.

 

Dois dias depois, na sala de um luxuoso apartamento na zona sul, um homem estava sentado pensativo. Seus olhos estavam fundos e seu semblante cansado. Ele olhava para o nada com a sua mente vazia e a alma pesada de tanto sofrimento que o afligia.

Sua dor era causada pelo mesmo motivo que na maioria das vezes, vem a ser a razão de um homem encontrar a sua felicidade. Ele estava amando, só que no seu caso isso era terrível por se tratar de um amor impossível.

Ele pegou um copo e colocou nele uma generosa dose de uísque. Só que dele não bebeu. Ficou parado a olhar aquele líquido amarelado durante um longo tempo. Sua mente estava vazia e o seu semblante expressava desconsolo, um enorme desespero e muita dor.

Depois de muito tempo largou o copo, sem tocar na bebida que nele pusera, e foi para o quarto.

Lá se sentou em frente do espelho de uma rica penteadeira de madeira escura e sua mão tremula abriu uma das gavetas. Dela ele tirou uma linda peruca loura e ajustou-a em sua cabeça com perfeição. Pegou um estojo de couro, todo trabalhado, que estava sobre ela e o abriu. Dele tirou a maquiagem que precisava e começou á aplicá-la em seu rosto. Conseguiu, depois de muito tempo e com um trabalho meticuloso, esconder as olheiras, disfarçar a cor pálida da qual o seu rosto era tomado e criar uma imagem diferente da do homem amargurado e cheio de desespero que ali se sentou.

Olhou para o espelho e o que viu nele refletido foi uma linda mulher. Ele achou que a transformação estava perfeita e então abriu uma segunda gaveta. Dela tirou um pequeno e delicado revolver e o encostou no próprio peito. Puxou o gatilho e seus olhos se esbugalharam no momento em que um pequeno buraco se abriu no lugar em que a bala penetrou.

No outro dia pela manhã um jornal, de pouca circulação, publicou uma pequena nota em sua página policial sobre o ocorrido.

 

"Na tarde de ontem, o mais conceituado e bem pago transformista da noite carioca foi encontrado morto em seu apartamento. A polícia notificou que a sua morte ocorreu por ele haver cometido suicídio. Não há informação alguma que indique o motivo que levou um dos maiores e mais fantásticos artistas do Rio de Janeiro a por fim em sua própria vida. Todas as pessoas, que vivem ou trabalham na noite, estão consternadas com o ocorrido e lamentam a perda de uma pessoa tão criativa e digna de respeito em sua arte".

 

Carlos CunhaAutoria & Produção Visual