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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


À BEIRA DO ABISMO / Anne Mather
À BEIRA DO ABISMO / Anne Mather

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Jake Howard e sua mulher, Helen, pareciam um casal perfeito. E só eles mesmos sabiam que seu casamento era quase uma farsa. Com a morte do pai, Helen viu no pedido de Jake a possibilidade de ter uma vida estável e luxuosa. Jake, que buscava a perfeição, não poderia desejar uma esposa mais bonita, sofisticada e discreta. Então, eles se casaram. Cada um dormia em seu próprio quarto, levava sua própria vida, tinha seus próprios amigos. Agora, três anos depois, Helen começava a detestar aquela união, onde não havia afeto, intimidade... nem sexo. E se ela trocasse tudo pela única coisa que lhe faltava: o amor?

 

 

 

 

O trem aproximava-se de King's Cross. Jake Howard deu-se conta, ao espiar pela janela, que já estava em Londres. O percurso de York até a capital levara aproximadamente duas horas e meia. Ele podia ter tomado um avião, mas gostava de viajar de trem. Lembrava-lhe a mocidade e suas primeiras impressões sobre a grande cidade.

O guarda bateu à porta de sua cabine individual e Jake mandou que entrasse.

— Faltam só cinco minutos até King's Cross, Sr. Howard. Precisa de mais alguma coisa? Quer mais uma bebida?

Jake recusou e deu-lhe cinco libras de gorjeta.

— Por favor, poderia providenciar para que a minha bagagem seja levada até meu carro?

— Claro, senhor e muito obrigado. Espero que tenha feito uma boa viagem.

O empregado sorriu polidamente e retirou-se. Depois que saiu, Jake juntou os papéis que examinara e guardou-os em sua pasta. Durante a viagem analisara o negócio com a Havilland e sentia-se confiante por não haver nenhum obstáculo para efetuá-lo. A Química Havilland logo faria parte da Fundação Howard, e isto o deixava muito satisfeito. Teria ainda que discutir alguns detalhes com Sinclair, pela manhã, mas era mera formalidade.

Acendeu um charuto e pousou a cabeça no encosto macio. Pelas janelas levemente embaçadas, podia ver as luzes da cidade brilharem intensamente. Já passavam das sete horas e o sol quase desaparecera. Era outono e fazia frio. Acabara de voltar da Califórnia, por isso se sentia duplamente atingido pelo frio.

Sorriu para si mesmo. Que estranho itinerário de volta, passando antes por Glasgow e York! Mas já era um hábito. Quando viajava para o exterior, não deixava de passar a primeira noite na Inglaterra com sua mãe em Selby, seguindo depois para Londres.

Irritou-se ao pensar em tudo que o esperava: sua limusine com chofer, sua casa num quarteirão elegante de Belgravia, e Helen, sua esposa...

Comprimiu os lábios ao pensar em Helen. Àquela hora, já devia ter recebido as flores que ele enviara de Glasgow, e sem dúvida estaria pronta à sua espera. Tragou profundamente o charuto e lembrou-se da decoração refinada de sua casa, antecipando o prazer da noite que passaria em companhia da esposa, quando então lhe contaria todos os pormenores da viagem.

E ela o ouviria. Helen sempre o fazia, pensou, e sentiu novamente a sensação de espanto experimentada três anos atrás, quando ela aceitou sua proposta de casamento.

Jake Howard lutou a vida toda para conseguir sucesso. Filho de um tecelão de Yorkshire, teve que trabalhar muito para vencer na vida, sempre preocupado em aperfeiçoar sua instrução, sem medir sacrifícios para isso. Tinha um encanto natural, pronto para ser usado sempre que houvesse necessidade. Adulava e era amável com pessoas que no fundo achava desprezíveis; encantava homens e mulheres e sua inteligência era suficientemente privilegiada para evitar que desse um passo em falso. Ao contrário de seu pai, não se interessava pela indústria têxtil. Desde muito jovem era fascinado pela química, e um diploma na Universidade de Leeds tinha lhe aberto caminho para suas conquistas mais importantes. Teve a sorte de conseguir um lugar como assistente de laboratório, em uma pequena fábrica perto de Selby, e, embora na época os amigos e parentes o julgassem um tolo por desperdiçar seu talento num laboratório tão inexpressivo, o pensamento de Jake estava muito além... Fazendo-se indispensável ao Sr. Quarton, diretor-gerente da firma, lisonjeando a Sra. Quarton, o convite que o patrão lhe fez para um cargo de direção foi uma conseqüência natural. Este era o primeiro passo para um dia vir a tornar-se sócio e Jake sabia perfeitamente disso.

Não escondia uma certa vergonha, um certo remorso pelo processo que o levara ao controle da Quartons, estimulando-o depois a fazer lances cada vez mais ousados. Quando chegou uma oferta, não teve escrúpulos em destruir a firma menor a fim de conseguir um lugar na diretoria de uma firma mais importante.

Depois deste passo as coisas ficaram mais fáceis, embora de certa maneira não tão satisfatórias. Ele havia se acostumado a usar muito bem seu cérebro e, mesmo agora, com sua própria Fundação e mais de um milhão de libras em capital e ações, recusava-se a delegar poderes.

Há três anos, quando tinha conhecido Helen, estava à procura de uma esposa, uma esposa conveniente, claro. Tinha havido muitas mulheres em sua escalada: secretárias, modelos, esposas de seus conhecidos, todas esforçando-se ao máximo para se tornarem indispensáveis a ele. Mas a despeito da quantidade, Jake estava à procura de qualidade. Como em tudo o mais, só o melhor serviria. E foi então que conheceu Helen Forsythe.

Jake tinha sido apresentado a seu pai há alguns anos e achava-o muito agradável, embora um tanto lento em tomar decisões. Ele era membro da alta sociedade inglesa. Gerald Forsythe era filho de um baronete, porém não herdara o título por ser mais jovem que o irmão. Mesmo assim, Gerald Forsythe tinha a posição social que Jake escolheria, se pudesse.

Entretanto, quando Gerald morreu num acidente de automóvel, depois de uma noite de azar num jogo de cartas, Helen e a família ficaram quase sem tostão. Helen poderia arranjar um emprego, mas faltava-lhe experiência. Até o acidente e o subseqüente escândalo, ela tinha estado praticamente noiva do playboy Keith Mannering. Keith tornou-se arredio após a morte de Gerald e Helen estava quase sem nada, só com uma pequena renda, herdada de sua avó materna, e com a qual teria que viver.

Helen havia tido uma ótima educação, numa escola na Suíça, e falava corretamente várias línguas.

Jake a encontrou por acaso no Teatro Shaftesbury. Ele e alguns amigos estavam no bar durante o intervalo, quando Helen entrou em companhia de Giles St. John e sua esposa, que era sua amiga desde o tempo escolar. Giles era grande amigo e sócio de Jake, e era natural que se cumprimentassem.

No grupo de Jake estava uma jovem da Embaixada Portuguesa, e ele teve a impressão de que Helen tinha sido muito fria diante das tentativas da garota em demonstrar que Jake era sua propriedade. Ele não podia imaginar Helen, com sua beleza loira escandinava, seu corpo alto, esguio e jovem e seus frios olhos azuis, agindo dessa maneira, e foi aí que teve uma idéia.

Telefonou a ela no dia seguinte, convidando-a para sair. Helen recusou, e continuou recusando nas semanas seguintes. Mas um dia ele telefonou e percebeu, pelo tom da voz dela, que alguma coisa não ia bem. Jake insistiu e ela concordou em sair para jantar com ele naquela mesma noite. Durante o jantar, ficou sabendo que a casa onde Helen vivia teria que ser vendida. Era muito cara para ser mantida, e ela não sabia para onde ir. Jake escutou, ofereceu conselhos e parou por aí.

Durante toda uma quinzena, continuou a telefonar, algumas vezes convidando-a para sair, outras só para perguntar como estava passando. Começou a notar, por uma sutil mudança de atitude, que ela estava começando a contar com aquelas chamadas. Então parou de ligar. Por uma semana inteira não telefonou uma única vez, como se estivesse muito ocupado com os negócios. Usou de estratégia, sem levar em conta que estava lidando com um ser humano, não com uma companhia.

Quando ligou para ela novamente, Helen estava desesperada. Foi então que fez a proposta. Não sentia nenhuma atração por ela; Helen era muito fria e controlada para excitar sua natureza sensual. Mas era ideal para o que pretendia.

Para começar, sua proposta de casamento abalou-a profundamente. Embora a idéia de se tornar sua mulher aparentemente não lhe tivesse ocorrido, ela não pareceu achar a idéia inteiramente absurda. Mas os termos, a maneira como ele os colocou, eram. Ele apenas explicou, muito secamente, que queria uma esposa... apenas no nome. Queria uma mulher para enfeitar sua mesa, receber os convidados quando fosse necessário e para testemunhar seu poder sobre as mulheres.

A proposta teve um efeito definitivo. Gelou suas pretensões em relação a ele — ultimamente ela vinha sendo bem menos reservada —, e Helen voltou a ser aquela mulher fria e distante que ele havia conhecido no bar do Teatro Shaftesbury.

Mais tarde ela aceitou — como Jake sabia que faria — e, por isso mesmo, ele passou a desprezá-la. Teria ficado com uma impressão muito mais favorável dela se o tivesse recusado, se tivesse demonstrado um pouco de fibra, resolvendo trabalhar para organizar seus negócios. Mas agora a via como uma criatura indefesa, pronta a aceitar um homem que não amava, apenas para não sujar as mãos.

Sua própria mãe tinha ficado horrorizada. O pai já era falecido e, embora desejasse trazer a mãe para Londres, para morar com ele, ela se recusava a abandonar a casa onde tinha sido tão feliz. Mas, apesar das divergências na maneira de encarar os fatos e da diferença de suas posições na sociedade, Jake considerava sua mãe a mulher mais admirável que havia conhecido.

Helen a conheceu no dia do casamento. Foi um grande acontecimento social — pago por Jake, naturalmente. Amigos importantes de Helen compareceram para lhe desejar felicidades. Jake se perguntava se Helen acreditava em suas desculpas por terem passado tanto tempo sem falar com ela. E também se aceitaria os convites apressados que agora lhe faziam. Ele estava consciente de que, casando com ela, possibilitava sua volta àquela sociedade privilegiada, onde o dinheiro vale mais que a própria pessoa.

A mãe de Jake estava deslocada na festa, pois Helen também não tinha nada em comum com ela. A Sra. Howard nunca fora de poupar palavras e deixou dolorosamente claro que Jake podia ter feito melhor escolha. Sua moral de classe trabalhadora se revoltava com aquele absurdo, pois podia perceber, por suas emoções, que ele não estava nem um pouco envolvido com aquela jovem fria e arrogante.

Entretanto, apesar do absurdo do começo, o arranjo estava fazendo bem para os dois. O trabalho de Jake o obrigava a viajar grande parte do tempo, e, durante aqueles três anos de casamento, tinham passado juntos apenas uns três meses. Helen tinha correspondido às expectativas de Jake. E o relacionamento deles, se não ultrapassou os limites da cerimônia, pelo menos era delicado — o que não se podia dizer dos casamentos de muitos de seus amigos.

Jake descobriu em Helen um gosto muito refinado para decoração, e sua casa no bairro de Belgravia era muito comentada. Sem precisar se preocupar com quanto ia gastar, Helen deixou voar sua imaginação e Jake sabia que os amigos o consideravam um homem de sorte por ter uma esposa tão talentosa e bonita.

Agora, o trem entrava em King's Cross e Jake já estava de pé, pegando seu casaco de pele de carneiro. Vestiu-o e passou os dedos pelos cabelos negros e sedosos. Era um homem alto, grande e forte, embora caminhasse com uma leveza de pantera. Não era bonito. O nariz tinha sido quebrado em brigas na escola e seus quarenta anos tinham cavado rugas em volta da boca e dos olhos. Aliás, talvez por isso mesmo, as mulheres pareciam achá-lo muito atraente — embora ele soubesse perfeitamente que o dinheiro ajudava a melhorar sua imagem.

Os freios seguravam as rodas de ferro e a enorme locomotiva chegou ao seu destino. Jake pegou a pasta e saiu para o corredor bem na hora em que o comissário apareceu carregando suas malas. Latimer, seu motorista, estava esperando na plataforma e cumprimentou educadamente o patrão, tocando de leve no boné.

— Boa noite, Sr. Howard. Fez boa viagem?

— Muito boa, obrigado, Latimer. E você, como vai? E sua mulher?

Era a acolhida habitual, a costumeira conversa enquanto atravessavam a plataforma para chegar ao carro muito grande e luxuoso que os esperava.

Jake entrou e esperou, acendendo mais um charuto e batendo os dedos impacientemente no volante. Agora que estava em Londres, queria chegar logo em casa. Fazia mais de três meses que tinha partido para os Estados Unidos.

Latimer acabou de acomodar a bagagem na mala do carro e, dando a volta, sentou-se ao lado de Jake, que sempre preferia guiar, a não ser quando tinha trabalho a fazer. O carro moveu-se suavemente e Jake, então, acalmou-se.

— E como vai a Sra. Howard, Latimer? — Jake reagiu rapidamente e freou quando um carrinho apareceu de repente na sua frente. — Ela recebeu minhas flores?

Latimer tossiu apressadamente, depois respondeu.

— Sim, senhor, recebeu. E acredito que está bem, sim, senhor. Eu acho que todos estão com um começo de resfriado, desde que houve essa mudança no tempo.

Jake concordou pensativo.

— E sua família? Vai bem? E seu filho, como vai indo? O que está na universidade. Você acha que ele vai escolher Física e Química?

— É o que ele pretende, senhor — Latimer falou animadamente. — Suas notas têm sido satisfatórias até agora. Ele está no terceiro ano, não sei se o senhor se lembra. E tenho certeza de que ficará contente por seu interesse.

Jake sorriu, levemente irônico. Duvidava que Alan Latimer fosse da mesma opinião. Como todos os jovens, era arrogante e, embora ficasse satisfeito com a possibilidade de trabalhar nos laboratórios da Fundação Howard, certamente não mendigaria tal posição. Jake admirava sua fibra. Alan era como ele: ansioso por triunfar e contrário às idéias retrógradas do pai sobre a posição das pessoas na vida.

A casa de Jake ficava na Praça Kersland — um casarão em estilo georgiano —, ladeada por grandes propriedades de empresários locais bem-sucedidos. Latimer e a família moravam no andar térreo, num apartamento que causava inveja a seus amigos e parentes; sua mulher era a governanta da casa.

Jake parou o carro na porta e desceu.

— O senhor ainda vai precisar de mim esta noite? — Latimer também tinha saído do carro.

Jake levantou a gola do casaco para se proteger do ar frio da noite.

— Acho que não, obrigado — respondeu abanando a cabeça. — Pode guardar o carro.

— Sim, senhor. — Latimer o cumprimentou e Jake deu meia-volta para subir os degraus da entrada, abrindo a porta com sua própria chave.

Entrou em um espaçoso hall, acarpetado em azul e amarelo-ouro, as paredes forradas com painéis de madeira e um lindo lustre de cristal. Era uma entrada muito elegante. À esquerda e à direita, portas almofadadas levavam à sala de jantar, ao salão de festas e ao escritório de Jake. Mas estavam fechadas e ele franziu a testa enquanto tirava o casaco, atirando descuidadamente a pasta no aparador. Onde estaria Helen? Ela sempre vinha recebê-lo! Será que não tinha escutado o barulho do carro? Nem a porta da rua se abrindo?

Estava atravessando o hall quando a porta no fundo das escadas — a que dava para a cozinha e para o apartamento dos empregados — se abriu, e a Sra. Latimer apareceu. Sorriu alegremente e pegou o casaco das mãos de Jake.

— Boa noite, senhor! E bem-vindo ao lar! Fez uma boa viagem?

— Boa, obrigado — respondeu Jake, esforçando-se para ser amável. — Como tem passado? — Enquanto falava, olhava impaciente em volta. — Onde está a Sra. Howard?

— Receio que tenha saído — respondeu a Sra. Latimer, corando violentamente.

Diabo, já percebi! Jake engoliu a raiva e perguntou, controlado:

— Para onde foi?

— Não tenho certeza, senhor. Ela não disse. Só sei que está com o Sr. Mannering.

— Mannering? — Jake estava atônito. — Keith Mannering?

— Acho que sim, senhor. — A Sra. Latimer estava atrapalhada. — Ah, o jantar já está pronto. Acho que deve estar com fome. Se... Se quiser lavar as mãos...

— Diga-me — Jake desapertou o nó da gravata e, interrompendo o que a mulher falava, perguntou: —, minha mulher sabia que eu ia chegar esta noite?

— Sabia, senhor. Suas flores chegaram de Glasgow ontem à tarde.

— Entendo. — Jake apertou os olhos, a sensação de volta ao lar que tinha sentido ao guiar seu carro se desvanecendo para dar lugar a um ressentimento feroz.

— Muito bem, Sra. Latimer. Vou tomar um chuveiro. Estarei pronto em... — consultou seu elegante relógio de ouro — digamos, uns vinte minutos.

— Sim, senhor.

Jake subiu as escadas, de dois em dois degraus, o sangue fervendo por todo o corpo. Abriu de um só golpe a porta do quarto, entrou e bateu a porta. Era um quarto muito agradável — marrom com cortinas e colcha de seda cor de damasco, combinando com uma parede forrada de ripas de carvalho. Iluminado apenas pelo abajur da mesinha de cabeceira, deveria agradar a Jake, mas não foi isso o que aconteceu. Sentia-se terrivelmente zangado, quase traído por Helen ter escolhido justamente aquela noite para sair. Nunca tinha feito isso antes. Sempre estava presente quando ele voltava de suas viagens de negócios, pronta para sorrir e escutar o que ele tinha a contar sobre os negócios, disposta a dar uma opinião ou um conselho, caso ele pedisse. Com os diabos, pensou, era para isso que ela estava ali. Ele a tinha "comprado" para servi-lo, e não para andar toda assanhada na companhia do maldito Keith Mannering!

Tirou toda a roupa e foi nu para o banheiro, abrindo o chuveiro e entrando embaixo sem se importar com a temperatura da água. Depois, à medida que a água foi esquentando, uma agradável sensação de aquecimento acalmou um pouco seus nervos tensos. Como ela ousava? Como se atrevia a deixar que seu nome se ligasse ao do homem que a havia abandonado três anos atrás, enquanto ele, Jake, estava fora do país? Deus, o que será que os amigos estavam comentando? O que estariam pensando?

Fechou a torneira do chuveiro e enrolou-se numa toalha imensa, enxugando-se automaticamente. Vestiu calças pretas de veludo cotelê, que moldavam os músculos de suas pernas, e uma camisa creme, de seda.

Impulsivamente, abriu a porta do quarto de Helen. Acendendo as luzes, observou ironicamente seu gosto tão feminino. No chão, havia um tapete branco muito fofo e macio, enquanto colcha e cortinas se completavam em delicadas nuances de rosa. A penteadeira estava coberta de vidros de perfume e havia um robe de chiffon, descuidadamente jogado ao pé da cama, provavelmente no lugar onde Helen o havia tirado. Jake mordeu com força o lábio inferior e rapidamente apagou as luzes e fechou a porta. Estava surpreso com a raiva que, de novo, o dominava inteiramente. Desejou fazer alguma coisa muito violenta para se vingar. Como ela ousava fazer isso a ele?, Perguntou-se novamente, enquanto descia a escada acarpetada e macia. Com que diabo de pessoa ela pensava estar lidando? Um desclassificado miserável, que não tinha sensibilidade alguma? Algum ignorante simplório que não se incomodava que sua esposa tivesse amiguinhos aristocratas? Não, por Deus! Não ele, Jacob Anthony Howard! Quando ele adquiria uma coisa, esta coisa era dele; não apenas quando quisesse vê-la e admirá-la, mas sempre!

Atravessou o hall azul e ouro e entrou na sala de estar de teto baixo e iluminado, que ia dar na sala de jantar. Era um cômodo muito agradável, um lugar para se ficar, completamente diferente do salão do outro lado do hall, onde ele recebia a maior parte das vezes. A mesa da sala de jantar era de madeira escura, com cadeiras forradas de couro escuro e macio. A Sra. Latimer tinha posto um lugar para ele, a toalha do jogo americano e as peças de prata refletindo na superfície polida da mesa.

Por alguns momentos Jake observou silenciosamente as arrumações da Sra. Latimer e depois, com um gesto de impaciência, foi até o móvel que servia de bar e serviu-se de uísque puro. Bebeu tudo de uma só vez e tornou a encher o copo, afundando-se numa das poltronas da outra sala.

Olhou em volta, perturbado, incapaz de acalmar-se. Nada tinha mudado. As cortinas de veludo turquesa harmonizavam perfeitamente com o verde-azulado do tapete macio, onde os pés afundavam luxuosamente. Num canto estava o equipamento de som, instalado no móvel de desenho exclusivo; no outro, o grande vídeo da televisão colorida. Estantes com livros ladeavam a lareira espaçosa, que quase nunca era usada, devido ao perfeito sistema de calefação central. Olhar a perfeita mistura de peças antigas e modernas deveria dar-lhe alguma satisfação, mas ele não conseguia apreciar nada. Estava se consumindo de ressentimento e raiva, e ficava furioso só de pensar que tinha voltado com tanto entusiasmo e esse entusiasmo tinha sido totalmente destruído pela atitude insensível de sua mulher. A Sra. Latimer apareceu e sugeriu cuidadosamente:

— Se o senhor desejar, poderei servir o jantar.

— Sim. Sim, muito bem — falou Jake, levantando-se abruptamente. — Já estou indo.

Terminou a bebida e deixou o copo vazio na mesa, antes de se dirigir para a sala de jantar. Sentado à mesa vazia, tentou mostrar-se interessado na comida que a Sra. Latimer tinha preparado. Ficou tentado a fazer-lhe perguntas sobre o cotidiano de Helen enquanto esteve ausente. Gostaria de saber se tinha visto Mannering muitas vezes e se ele tinha vindo em sua casa. Seu queixo enrijeceu. A idéia de Keith Mannering ali, em sua casa, era demais para que a admitisse sem violência.

Mas não disse nada e comportou-se como se a ausência de Helen não tivesse a menor importância. De qualquer forma, a Sra. Latimer tinha preparado sua refeição favorita — rosbife, batatinhas, pudim de legumes e torta de framboesa —, e ele não podia desapontá-la, recusando. Entretanto, se tivesse comido serragem não teria feito diferença. Bebeu um vinho tinto Bordeaux, que ajudou a empurrar a comida para dentro. Preferiu tomar café refestelado no sofá e, depois de dispensar a Sra. Latimer, ligou a televisão.

Raramente via televisão. Quando estava em casa, o que raramente acontecia, estava invariavelmente recebendo ou participando de reuniões sociais. E, nas noites em que podia relaxar um pouco, trazia trabalho para fazer em casa e se recolhia ao escritório, para se concentrar no ambiente luxuoso e tranqüilo.

Mas agora não estava com a menor vontade de trabalhar. Nem de estudar os contratos, como havia planejado, depois de ter contado a Helen o que tinha acontecido durante a viagem. Estava impaciente para que ela chegasse. Queria vê-la enfrentar toda sua ira e deixar claro de uma vez por todas que, como sua mulher, ela tinha certa posição a zelar e, por mais insatisfatório que fosse o relacionamento entre eles, ela tinha escolhido assim. E, por Deus, teria que honrá-lo!

Sem querer, estava lembrando da jovem com quem tinha estado tantas vezes nas últimas semanas. Louise Corelli... Sem dúvida, ela tinha contribuído para que sua permanência na Califórnia fosse mais agradável. Mas era muito diferente, concluiu, abafando sua consciência. Afinal de contas, ele era um homem, um homem com apetite e fora do país, a milhares de quilômetros de casa e dos amigos, longe de todos... Helen não. Ela estava ali, em Londres, onde cada gesto seu era comentado tanto pelos amigos quanto pelos inimigos.

A noite passou incrivelmente devagar e Jake se deu conta de que sua raiva aumentava a um ponto quase insuportável. Tinha desligado a televisão, depois de assistir a uma entrevista especialmente medíocre, e estava se servindo de mais uma generosa dose de uísque, quando ouviu a chave de Helen na fechadura.

Seu primeiro impulso foi correr para o hall e pedir uma explicação como qualquer pai autoritário, mas era muito versado em táticas políticas para gastar suas energias tão descuidadamente. Terminou então de se servir do uísque, bebeu metade de um só gole e levou a garrafa com ele, indo postar-se em pé, de frente para a lareira, um dos pés apoiados na grade de latão.

Helen na certa viu a luz, pois alguns minutos depois a porta da sala de estar se abriu e ela parou na soleira, olhando para ele.

De repente, ele se deu conta, com uma incontrolável clareza, que Helen estava especialmente linda naquela noite. Vestia um caftã azul pavão profundo, todo bordado com fios prateados, que ele havia trazido para ela há uns seis meses do Japão. Suas linhas severas emolduravam os seios redondos, as curvas suaves dos quadris e as pernas longas e bem-feitas. Que soubesse, ela nunca o havia usado antes, e isso o aborreceu terrivelmente. E pensar que se vestiu tão bem para Keith Mannering! Os lindos cabelos loiro-platinados estavam penteados em coque, à moda grega, enquanto alguns fios soltavam-se na altura das orelhas e acariciavam a nuca de desenho perfeito. Brincos pingentes de brilhantes enfeitavam suas orelhas, os mesmos que ele lhe dera no último aniversário.

Jake fez com que Helen baixasse os olhos ante a intensidade de seu olhar e ela entrou na sala obviamente hesitante.

— Alô, Jake — falou, colocando sua bolsa de contas numa mesinha com um cuidado exagerado. — Você parece bem-disposto. Fez boa viagem?

Jake controlou-se para não dar a resposta malcriada que estava em seus lábios.

— Sim, foi razoavelmente bem-sucedida — falou inexpressivamente.

— Oh, muito bem. — Helen foi forçada a levantar os olhos para ele; Jake percebeu seu olhar preocupado. — Eu... Bem, sinto muito não ter podido estar aqui quando chegou. Eu... Eu tinha um compromisso.

— Já ouvi dizer — falou Jake, engolindo o resto do uísque. Helen corou.

— Bem, tenho certeza de que a Sra. Latimer providenciou para você o melhor jantar...

— Para o diabo a Sra. Latimer! — A raiva contida de Jake explodiu.

Helen juntou as mãos.

— Por favor, Jake...

— Por favor o inferno! — Ele agitava o delicado copo de cristal nas mãos. — Por onde você andou?

— A Sra. Latimer deve ter-lhe dito... — falou Helen, procurando manter o sangue-frio.

— Não estou interessado no que a Sra. Latimer disse! — Jake interrompeu. — Quero saber onde você esteve, e com quem!

— Fui a uma festa — disse Helen com um gesto de desalento — com Keith Mannering.

O ódio de Jake era tanto que Helen já não falava, deixando-a perplexa com seu olhar.

— Sua cadela! — berrou. — Não sei como tem a tranqüilidade de ficar na minha frente e declarar que esteve com outro homem, principalmente Mannering!

Helen endireitou os ombros com esforço.

— E por que não? — perguntou secamente.

Jake apertou os olhos e jogou o copo em cima do aparador da lareira.

— Por que não? — repetiu ferozmente. — O que quer dizer com "por que não"? Você é minha mulher. Isto devia explicar tudo!

Helen girava no dedo o magnífico anel de brilhante que Jake lhe dera como presente de noivado. Seus olhos estavam baixos e, de repente, ele quis saber o que ela estaria pensando. Não precisou esperar muito.

— E quanto a você? — perguntou ela calmamente. — Você também é meu marido. Isso explica tudo o que faz?

A expressão de Jake era de contrariedade.

— Que diabo está querendo dizer?

Helen levantou as sobrancelhas escuras.

— Eu acho que é óbvio. Pensa que consigo ficar alheia a suas conquistas? Pensa que eu não fico constantemente enojada com suas... Digamos assim, confidencias bem-intencionadas?

Jake passou as mãos pelos cabelos negros e brilhantes.

— Meu Deus! — murmurou, virando as costas para ela e olhando sem ver as chamas da lareira. — E você acha que os meus... Atos... Lhe dão o direito de agir do mesmo modo?

— Não! — A breve resposta foi suficiente para que ele se voltasse rapidamente e a encarasse. — Não! — repetiu ela calorosamente. — Não sou como você! Não sou um animal cedendo a todos os instintos de seu corpo...

— E eu sou assim? — O tom de Jake era assustador.

Helen corou violentamente. Depois, mordendo o lábio respondeu:

— Honestamente, pouco me importa como você é. Mas não vejo motivos para se queixar do meu comportamento. No que me diz respeito, estes três últimos meses foram a gota d'água! Não vejo por que me afastar de meus amigos pelo simples fato de ter casado com você...

— Posso lembrar a você que estes... Digamos assim, "amigos" a abandonaram depois do acidente com seu pai? — observou Jake maldosamente.

Helen recuou como se ele tivesse lhe dado um bofetada.

— Essa é uma coisa muito mesquinha para se dizer — retorquiu com voz trêmula.

Jake encolheu os ombros largos, observando-a com surpresa. Era a primeira vez que a via emocionada. Normalmente não conseguia dela mais do que um controlado movimento de sobrancelhas, incapaz de alterar suas feições sempre serenas.

— Mas, apesar de tudo, verdadeira — comentou ele, os olhos fixos em seu rosto. — E agora o que vai me dizer? Que sou um grosso por mencionar uma coisa dessas? Que não tenho as maneiras daquele idiota intrometido do Mannering?

As longas pestanas de Helen esconderam os olhos azuis.

— Keith é um cavalheiro — falou, muito tensa.

Jake deu uma risada de desprezo.

— Ah, ele é? E qual seria a sua definição de cavalheiro? Imagino que é alguém que come ervilha com faca? Ou que faz amor de pijama, jamais pelado!

Helen respirou profundamente.

— Você é muito rude! — exclamou desanimada. — Vou dormir.

Jake atravessou a sala e, num instante, estava ao lado dela, movendo-se com uma agilidade surpreendente para um homem do seu tamanho.

— Ah, vai? — E, apertando os lábios, gritou: — Vai para a cama quando eu mandar, não antes!

Helen levantou a cabeça sem acreditar no que ouvia.

— Lembre-se, Jake, estamos no século XX! E você não é minha babá! Você não pode me obrigar a fazer o que quer, o tempo todo!

— Não posso? — falou furioso. — Eu não me fiaria nisso se fosse você!

Helen tentou sair da sala, mas Jake estava na frente, impedindo.

— Não gosto desse tipo de conversa, Jake. Preferia que não tivesse acontecido nunca.

— Nem eu! — respondeu duramente. — Mas deixe-me lembrá-la que sua ausência aqui esta noite foi a causa de tudo!

Helen suspirou.

— Estou exausta. Não podemos discutir isso amanhã de manhã? Nós estaremos... Bem... Estaremos mais razoáveis.

— O que está querendo insinuar? — Jake olhou firmemente para ela.

Helen fez um gesto expressivo mostrando o copo e a garrafa sobre o aparador da lareira, mas logo pareceu arrependida.

— Não quis insinuar nada — falou sem jeito.

— Pensa que estou bêbado? É isso? — Jake fez uma cara de zombaria. — Bom Deus, você nunca me viu bêbado, Helen!

— Nem gostaria. — Helen estremeceu. — E agora, tenho permissão de ir para a cama?

Jake afastou-se abruptamente do caminho, mas seu maxilar estava contraído.

— Não está interessada em ver o que eu trouxe para você dos Estados Unidos? Pensei que fosse esse o motivo que a levou a casar comigo... Os privilégios materiais da vida!

Helen olhou para ele como se fosse lhe dar uma bofetada. Não falou nada, mas suas mãos se crisparam. Então saiu da sala, atravessou o hall, com seu lindo tapete azul e ouro e seu lustre de cristal, que lançava prismas coloridos nos seus cabelos claros, e subiu as escadas para o quarto.

Jake a viu sair, com um ódio impotente, e voltou para o meio da sala, batendo a porta. Quando finalmente foi para a cama, a recém-aberta garrafa de uísque estava quase vazia.

 

Helen aplicava sombra nos olhos, com uma desagradável sensação de apreensão ao pensar na noite à sua frente. Estavam convidados para uma recepção na embaixada de um dos novos países africanos, e era a primeira noite que estaria com Jake desde a sua volta, a uma semana, dos Estados Unidos.

Ele se manteve completamente ocupado desde que chegou, trabalhando no escritório até altas horas da noite. Mesmo assim, foi uma semana muito difícil, pois o comportamento dos dois tinha sofrido uma ligeira modificação.

Antes da viagem de Jake à América eles costumavam conversar bastante. A maior parte das vezes sobre negócios, Helen tinha que admitir; mas o relacionamento entre os dois nunca foi tenso como era agora. E tudo por culpa dela. Será que era mesmo?

Pôs o pincel impacientemente em cima da penteadeira e olhou sua imagem no espelho, com cuidado. Era absurdo Jake pretender que ela abandonasse pessoas que tinha conhecido desde pequena, para freqüentar apenas seus sócios e esposas. É verdade que alguns deles — como Giles St. John, por exemplo — eram também amigos de Jake. Mas havia outros, que Jake desprezava por suas atitudes, mas que ela achava perfeitamente aceitável.

Procurou pelo rímel e começou a retocar os cílios. Keith Mannering estava nesta segunda categoria. Ela o conhecia há muitos anos, e houve um tempo em que pensou em se casar com ele. Mas agora isso pertencia ao passado. Eram somente bons amigos e era desprezível ver Jake insinuando que havia mais alguma coisa.

Passou brilho nos lábios, enquanto um véu de preocupação cobria seus olhos. Quantas vezes no passado ela passou pela vergonha de ouvir de uma pessoa "muito bem-intencionada" que Jake estava se encontrando regularmente com outra mulher? A princípio, sentia-se humilhada e diminuída; depois, teve que aceitar que não podia fazer nada. Jake era um homem muito sensual e sempre havia mulheres dispostas a satisfazer seus instintos. Sabia que essas mulheres não significavam nada para ele, pois nem bem começavam a fazer exigências e Jake as abandonava sem pensar duas vezes. Ele sabia ser cruel e Helen quase sentia piedade dessas mulheres.

Levantou-se da banqueta da penteadeira, observando o reflexo de sua figura no espelho. O negligê de renda branca revelava as curvas redondas e esguias de seu corpo, as pernas longas e perfeitas. Ela sabia, sem falsa modéstia, que era linda; Jake tinha se casado com ela por causa disso.

Com um suspiro, pegou as roupas de baixo que estavam em cima da cama, vestindo uma calcinha que modelou seus quadris arredondados. O vestido era muito simples e elegante, de crepe negro com um cinto de seda trançada. Marcava as linhas do busto, com um decote profundo. Estava colocando os brincos de brilhantes quando ouviu uma batida firme na porta. Tensa, respondeu:

— Pode entrar!

A porta se abriu e, pelo espelho, Helen viu Jake, muito atraente em seu smoking. Mesmo em roupas formais, havia alguma coisa primitiva nele, no modo de andar, no brilho arrogante e irônico de seus olhos negros. Parecia sereno e confiante e Helen percebeu que estava encarando aquela noite com muito otimismo. Para ele, era uma provocação, uma oportunidade para exercitar seus dotes inatos de influenciar pessoas. E ela sabia que Jake via aquela recepção como um passo para a Fundação Howard conseguir uma oportunidade de se fixar no novo país da África Negra. Ele já tinha filiais na África do Sul e na Rodésia, e os produtos do laboratório eram usados em todo o continente. Não importava quão poderoso ele se tornasse, Jake teria sempre aquela ambição e aquela personalidade absorvente.

Helen se sentiu revoltada ao constatar isto; sempre se sentia. Ela ainda não sabia por que tinha aceito aquela proposta de casamento, colocando-se na posição invejável, embora impossível, de esposa de Jake Howard. A natureza impiedosa e calculista dele, seu encanto instintivo e irresistível, sua completa autoconfiança, tudo nele lhe provocava repulsa, mas Helen sabia que as coisas tinham que ser assim. Se permitisse que ele a dominasse, seria uma experiência devastadora. E sempre tomou cuidado para que isso nunca acontecesse.

Agora ele a olhava de uma maneira insolente, seus olhos sustentando o brilho frio dos olhos dela.

— Você está... Bonita — falou, pensativo. — Mas tenho certeza que já sabe disso...

Helen conseguiu controlar a tensão que havia tomado conta dela.

— É sempre agradável ver nossa opinião reforçada — falou delicadamente, arrumando uma mecha que lhe caía nos ombros. Seus cabelos estavam presos por uma fivela de brilhantes no alto da cabeça e somente alguns fios, propositalmente soltos, caíam ao lado das têmporas e na nuca.

Jake inclinou a cabeça com ironia e tirou do bolso uma caixa de veludo bege.

— Tenho um presente para você — falou, levantando a tampa. — Gosta?

Estendeu a mão e Helen olhou o colar cintilante que descansava contra o forro de veludo azul-marinho. Era de platina, uma frágil corrente onde se misturava diamantes, esmeraldas e rubis. Era tão lindo que ela ficou sem fôlego, mas seu rosto continuou impassível.

— Muito obrigada — disse a guisa de resposta, dando um leve sorriso. — Quer colocar para mim?

Jake jogou a caixa em cima da cama.

— É claro — concordou. E, igualmente controlado, colocou o colar em volta do pescoço da esposa, prendendo o fecho com dedos ágeis e leves. — Pronto! Acho que combina com o seu vestido, não concorda?

Helen tocou as pedras frias com dedos hesitantes. Contra sua pele branca o colar tinha mais brilho, parecendo tomar emprestado o calor do seu corpo.

— Sim. É lindo — falou inexpressivamente.

Jake observou-a por um longo tempo, como se tentasse adivinhar a verdadeira reação dela ao presente. Depois, encolheu os ombros.

— Comprei em Nova York. Achei que ia gostar.

— E gostei. — Helen se inclinou para pegar sua bolsa de noite. — Está pronto?

Jake pegou uma estola de vison que estava ao pé da cama e ajudou-a a vesti-la.

— Sim, estou pronto. — Ajeitando a estola nos ombros de Helen, comentou: — Latimer já está tirando o carro. Quer um drinque antes?

— E você? Quer um? — perguntou Helen, olhando rapidamente para ele.

— Já tomei. — Um brilho irônico iluminou seus olhos.

Em baixo, Latimer os esperava pacientemente no hall. Ele deu boa-noite a sua patroa e abriu a porta para os dois, ao saírem da casa. Latimer guiava naquela noite. Era mais conveniente para Jake, pois haveria muita comida e bebida.

A Embaixada estava situada próxima a Bond Street e, quando chegaram, já havia uma fila de pessoas subindo os degraus baixos da porta de entrada. Não havia espaço para estacionar em frente do prédio e Latimer ia levar o carro para casa, esperando que o patrão o chamasse para apanhá-lo, mais tarde.

Jake ajudou Helen a sair do carro. Entraram em um hall de mármore onde empregados uniformizados orientavam os convidados para a chapelaria. Helen deixou Jake por um momento para guardar a estola e verificar se a maquilagem ainda estava tão perfeita quanto ao sair de casa. A chapelaria estava repleta de mulheres de todos os tipos e raças, vestidas nos trajes típicos mais originais. Helen só precisou de uma rápida olhada no espelho e logo reapareceu no hall de entrada.

Jake estava esperando por ela, mas não estava só. Um homem de meia-idade com um farto bigode falava animadamente, enquanto Giles St. John e sua esposa, Jennifer, escutavam, ao lado dele. Jennifer acenou energicamente quando a viu e Helen foi ao encontro do casal, muito animada.

— Helen, querida! — Jennifer beijou o rosto da amiga com afeto. — Faz anos que não vejo você. O que tem feito por aí, se escondendo?

Os olhos de Jake procuraram o rosto da esposa ligeiramente corado e Helen sentiu intensamente aquele olhar. Sabia que Jake era perfeitamente capaz de dar a impressão de que estava totalmente atento a um assunto, quando na verdade estava pensando em algo completamente diferente. E ela percebeu o seu interesse pelo que iria responder. Talvez esperasse que contasse a Jennifer que estava se encontrando com Keith Mannering.

Portanto, sorriu naquela sua maneira contida de ser e disse:

— Estive muito ocupada. E, depois, com a volta de Jake dos Estados Unidos... — Deixou que o resto da frase se diluísse num sorriso e num gesto impreciso, e logo Giles reclamou sua atenção.

— Você hoje está especialmente encantadora, meu amor — falou com ar de provocação, segurando sua mão mais tempo do que o necessário. — Onde achou esta quinquilharia? — Tocou o colar em seu pescoço com mão suave. — Garanto que não foi comprada nas Lojas Americanas...

Jake tinha acabado a conversa com o político de meia-idade e virou-se para ouvir o que estavam dizendo, com um riso divertido.

— Você acha mesmo? — perguntou em resposta ao comentário de Giles, pousando de propósito os olhos em Jennifer por um longo tempo. Olhou então para a esposa, com os olhos apertados. — As pessoas gostam de procurar a perfeição — comentou secamente, e Helen sentiu que seu rosto ficava rubro.

— Esta conversa está ficando um pouco ridícula, não acham? — perguntou Jennifer imediatamente. — Oh, Giles, descobriu mais alguma coisa a respeito daquele frasco?

Além de ser diretor de várias companhias, Giles era um entusiasta colecionador de antiguidades e Helen havia dado a ele, para que pesquisasse, um pequeno frasco de prata, que tinha ganhado de Jake como presente de aniversário e que, segundo diziam pertencera à própria Lady Hamilton.

Giles começou a explicar que ainda estava em fase de investigação, enquanto todos se dirigiam para o andar superior. Helen e Giles iam na frente dos outros. Helen ouvia Jake contando algum fato engraçado a Jennifer, que ria muito animada. Nas raras ocasiões em que se sentiu muito deprimida, a ponto de se queixar do marido para a amiga, Jennifer sempre ficou de seu lado, concordando que Jake a tratava de uma maneira abominável e que, pessoalmente, ela o achava desprezível. Entretanto, sempre que estavam reunidos, Jennifer tratava Jake como se o considerasse imensamente atraente. Pela primeira vez, naquela noite, esse comportamento irritava Helen. Olhou para trás, mostrando um pouco de seu aborrecimento. Jake percebeu o olhar e encarou-a por um longo e perturbador momento. Foi quando Jennifer tropeçou — por acidente ou de propósito, Helen não teve certeza — e apoiou-se nos braços de Jake, distraindo sua atenção.

Helen continuou subindo os degraus, mas um terrível sentimento a abalava, fazendo-a sentir um frio no estômago. Jake não havia contado nada para ela da sua viagem aos Estados Unidos. Na verdade, mal haviam conversado desde a volta dele, e era frustrante que esta constatação a ferisse tanto. Quando Giles deu um leve puxão em seus cabelos para chamar sua atenção, ela se voltou para ele com mais entusiasmo que o habitual, encantando-o com seu sorriso radioso. Estava dando ao caso mais importância do que merecia e fechou os ouvidos para as confidencias que Jennifer sussurrava. Giles parecia não se importar, por que ela deveria?

Os salões de recepção, no topo da escadaria, estavam repletos, com todos os convidados falando, rindo e servindo-se de bebidas, enquanto um mordomo anunciava as pessoas que entravam. Um dos auxiliares do embaixador saudou-os polidamente e os apresentou a outros altos funcionários da Embaixada. Depois, mais alguém chegou e eles foram deixados à vontade.

Helen viu que Jake olhava à sua volta, por cima do copo de uísque, com grande interesse. Conhecia aquele olhar. Era o olhar predatório do tigre quando se prepara para saltar sobre a presa, e sabia que àquela altura a mente de Jake estava ocupada somente com negócios. Confirmando isso, Jake pediu licença naquele exato momento, com o pretexto de falar com alguns políticos e sumiu no meio da multidão antes mesmo que alguém pudesse se opor. Jennifer olhou para a amiga com um olhar de piedade e comentou:

— Imagino que, agora, só vamos ver seu marido daqui a uma hora ou duas. Realmente, ele é o fim, não concorda?

Helen inclinou a cabeça, tocando a borda do copo com um dedo distraído. Depois concordou, calmamente.

— Acho que você tem razão.

Giles segurou uma de cada lado e comentou alegremente:

— Eu estou contente! Afinal, ele me deixou com as duas mulheres mais bonitas do salão!

Helen sorriu e Jennifer encolheu o nariz, enfastiada.

— Mas o que temos para fazer, querido? Pelo menos você... Não conhece ninguém interessante?

— Bem — falou Giles, olhando a sua volta —, conheço o presidente Lbari, ali adiante, com a mulher. Esteve em Cambridge comigo. A esposa é uma ótima pessoa. Parece que antes de casar era enfermeira.

Jennifer estava entediada.

— E quem é aquele homem de meia-idade que está nos encarando? Aquele, de cabelos grisalhos. Você o conhece?

Giles olhou em volta.

— Ah, está falando de Bertie Mallard. Sim! — E cumprimentou-o com a cabeça, respondendo ao aceno de mão do homem. — É lorde Mallard. Você já me ouviu falar dele, Jennifer, tenho certeza. É um grande conhecedor de mobiliário antigo.

— Céus! — exclamou Jennifer levantando os olhos para o alto.

— Fico emocionada! Será que ninguém interessante vem a estas recepções? Gente jovem?

— Mas é lógico que sim. — Giles terminou seu champanhe. — Venham comigo. Vamos dar umas voltas. A gente nunca sabe com quem pode topar!

Helen tinha necessariamente que acompanhá-los, mas no íntimo se sentia frustrada. Jennifer tinha razão. Jake era absolutamente o fim. Por que a trazia nestes lugares se sempre a deixava sozinha?

Andaram por ali durante quase uma hora, sem encontrar Jake, e Helen estava pegando seu quarto copo de champanhe quando uma mão firme pegou seu braço, e ela, dando meia-volta, encontrou Keith Mannering.

— Keith! — exclamou surpresa. — O que está fazendo aqui?

Jennifer e Giles também se voltaram. Giles conhecia Keith muito bem e ambos se cumprimentaram com naturalidade. Mas Jennifer deu a ele seu sorriso mais encantador.

— Keith, querido! — exclamou naquele seu jeito muito efusivo. — Que maravilha encontrar você! Garanto que Helen também está encantada. O marido dela a abandonou, e estamos nos sentindo meio perdidos, aqui sozinhos, não é, minha querida?

Helen olhou fixamente para Jennifer. A última coisa que desejava era que Keith imaginasse coisas. Ela gostava dele, eram amigos, mas era só. Não gostaria que fosse mais que isso.

Não que Keith não fosse atraente. Um pouco mais velho do que Helen, alto e magro, com cara de garotão, cabelos loiros e lisos formando uma ligeira onda, ele arrebatava os corações femininos, e Helen sabia disso.

Agora ele sorria, os olhos fixos nela.

— Na verdade, vim apenas para ver Helen, Jennifer. Consegui entradas para aquele concerto do Mahler que ela queria ver, e achei que podíamos combinar alguma coisa.

Helen fez um gesto hesitante.

— Oh... Ah, me lembro. Mas receio... Não sei, Keith. Isto é, quando falamos no concerto, Jake ainda estava nos Estados Unidos. Agora... Bem... Ele voltou e talvez seja desaconselhável.

Jennifer ouviu as desculpas de Helen impacientemente.

— Céus, Helen, e você acha que Jake pensaria em você se quisesse ir a algum lugar? Por Deus, ele não é seu carcereiro! Tome uma decisão: torne-se independente! Tenha seus próprios amigos. Ele tem os dele.

Helen apertou os lábios. Sabia que mais uma vez Jennifer tinha razão. Mesmo naquela noite, por exemplo, ela não o via mais desde que tinham chegado. Ele tinha transmitido a Giles a tarefa de tomar conta dela.

— Eu não sei, Keith... — começou a dizer, quando viu que ele ficou repentinamente tenso. Olhando para trás, deu com seu marido vindo até eles, com passo decidido. Tinha a expressão do gato que acabou de roubar o leite, mas seus olhos endureceram quando viu Keith Mannering, e uma expressão irônica substituiu o olhar desarmado.

— Bem, bem — falou naturalmente ao reunir-se a eles, deslizando os dedos em atitude de posse pelos braços macios de Helen, o que imediatamente a magoou. — É Mannering, não? O que um advogado de vida mansa como você está fazendo aqui?

A insolência era evidente no tom de sua voz, embora o que tivesse dito não fosse propriamente um insulto. Keith não era tão alto ou tão forte como Jake, e levava claramente certa desvantagem. Entretanto, Helen não pôde deixar de admirar o modo com que ele calmamente endireitou os ombros e respondeu:

— Na verdade, Howard, vim até aqui para ver sua mulher. Tenho entradas para um concerto que ela deseja assistir.

Os olhos de Helen desviaram-se do rosto jovem e corado de Keith para os traços duros e morenos de seu marido. Era evidente, pelo modo de Jake apertar seu braço, que a instantânea explicação de Keith o havia surpreendido. Mas ele nunca se desconcertava por muito tempo.

— Compreendo — respondeu então, aceitando um cigarro que Giles oferecia. — E por que você imaginou que eu não levaria minha mulher a esse concerto, se ela realmente estivesse interessada em ir?

Keith hesitou.

— Helen me disse que a música clássica não o emociona, Howard — ele disse claramente, fazendo com que Jennifer soltasse a respiração que estava retendo com uma breve exclamação.

— Então minha mulher disse isso? — Jake inclinou a cabeça para acender o cigarro no isqueiro que Giles apressadamente lhe oferecia, e continuou: — Você precisa me contar o que mais minha esposa disse de mim, Mannering. Estou muito interessado em saber a opinião dela sobre meus conhecimentos musicais...

— Jake, por favor! — Helen olhou para ele suplicante.

— Por favor o quê? — disse Jake, olhando-a friamente.

— Por favor, não faça uma cena! — respondeu Helen, controlada.

— Eu já... Eu já disse a Keith que não posso aceitar o convite.

— por quê? — Os olhos de Jake estavam indiferentes. — Eu a proibi de alguma coisa?

— Não! — Helen olhava à sua volta, desesperada. — Jake, não quero ir. — Ela apertava a bolsinha de miçangas nas mãos, consciente do olhar calculista de Jennifer e do olhar mais amigo de Giles. Agora, Keith parecia muito desapontado, e devia estar arrependido de ter criado tal situação. Mas ele nunca poderia imaginar que Jake reagisse daquela maneira. Não o conhecia como Giles o conhecia, e como Helen o conhecia!

— Mas eu insisto! — disse Jake, irredutível. — Afinal de contas, se seu... Se Mannering se deu ao trabalho de comprar as entradas, o mínimo que você pode fazer é aceitar. E quando é o concerto, afinal, Mannering?

Keith enfiou a mão um pouco desajeitadamente no bolso da calça.

— Na próxima quinta-feira. Dia vinte e três — falou um pouco tenso.

— Dia vinte e três? — Jake franziu a testa. — Ah, agora me lembro! Vai haver uma conferência no dia vinte e quatro, em Paris, e eu provavelmente estarei fora essa noite. Tenho certeza de que Helen apreciará sua companhia.

Helen olhou furiosa para ele, odiando-o por dispor de sua vida com tanta negligência. Por que estava fazendo isso? Ele não tinha gostado quando soube que ela saíra com Keith, na noite em que voltara de viagem dos Estados Unidos! Então, por que a empurrava para ele agora? Não tinha o menor sentido.

Jennifer soltou um profundo suspiro de tristeza e Giles pareceu ligeiramente aliviado com o rumo pacífico que os acontecimentos tinham tomado. Sugeriu que todos fossem até o bufê comer alguma coisa, e Keith aproveitou a oportunidade para se desculpar e sair, combinando telefonar outro dia para Helen.

Depois que ele saiu, um silêncio desagradável caiu no grupo. E mesmo quando Helen deparou com a deliciosa comida, que dava água na boca só de ver, não conseguiu reencontrar o apetite. Estava inteiramente consciente da desaprovação de Jake e dos outros. Ele se fechou num silêncio teimoso, respondendo às perguntas com monossílabos, criando sempre um ambiente tenso entre eles. Helen gostou quando o próprio embaixador veio conversar com eles e Jake tornou-se mais calmo e comunicativo em sua presença. Mas ele era sempre agradável quando se tratava de negócios, e Helen deduziu que o embaixador devia estar tornando as coisas mais fáceis para Jake, qualquer que fossem os planos que tivesse na cabeça.

Finalmente, saíram da recepção mais cedo do que haviam planejado e Jake preferiu tomar um táxi a chamar o motorista. Helen sentou-se muito tensa a seu lado, temendo a hora de chegar em casa e ficar a sós com o marido.

Quando chegaram, a Sra. Latimer já tinha se recolhido a seu apartamento e Jake telefonou para Latimer, avisando que não teria mais necessidade dele naquela noite.

Helen passeava nervosamente no living. Na penumbra, tudo ali parecia muito acolhedor. A Sra. Latimer havia deixado na mesinha ao lado do sofá alguns sanduíches e uma salada de frango, no caso de estarem com fome ao voltar.

Helen deixou cair a estola e inclinou-se para ligar a cafeteira. Essas tarefas triviais a distraíram da atmosfera pesada que Jake estava criando de propósito, e ela disse a si mesma que precisava permanecer calma. Afinal de contas, não tinha feito nada de errado, nada de que pudesse se envergonhar. Então por que teria que se sentir culpada?

Jake entrou passando a mão nos cabelos grossos e lisos. Tinha desabotoado o casaco do smoking e estava perturbadoramente atraente. Helen se sentou num sofá, aparentando frieza.

— Quer um pouco de café? — perguntou, erguendo os olhos.

Jake abanou a cabeça secamente, atravessou a sala até o bar e serviu-se de uma dose de uísque. Helen olhou cuidadosamente para ele, mas Jake estava de costas. Resignadamente, despejou o café em sua xícara. Tinha tomado muitos coquetéis de champanhe naquela noite e o café cheiroso e forte seria revigorante. Mas ainda estava na expectativa, não podia negar. Tentou se acalmar, lembrando que sempre fora capaz de enfrentar qualquer homem ignorante de Yorkshire, em qualquer época.

Mas, no caso, Jake não era nenhum ignorante, e ela sabia disso muito bem. A única pessoa que parecia ter alguma influência sobre ele estava a mais de trezentos quilômetros dali, em Selby, e Helen não tinha a menor vontade de apelar para a sogra. Sabia muito bem que ela desprezava tanto a sua pessoa quanto o tipo de vida que levava.

Agora Helen tomava uma segunda xícara de café e Jake, afastando-se do bar, parou diante da lareira. Seus dedos tremeram quando ela pôs mais um pouco de açúcar no café, mexendo-o com muita persistência antes de pousar a colherinha no pires. Evitava olhar para ele. Tinha receio daqueles olhos penetrantes e não queria que Jake percebesse quanto a perturbava com aquele modo de ser. Até agora Helen tinha enfrentado muito satisfatoriamente toda a situação. Mas também, reconheceu desalentada, até agora tinha concordado com tudo que ele disse ou pediu, e nunca havia dado nenhum motivo para que o marido a considerasse mais do que aquilo: a mulher que ele mantinha em sua casa de Londres e que recebia seus convidados. O fato dela usar sua aliança não era nada mais do que uma conveniência, em respeito às leis sociais do país.

Helen segurou a frágil xícara de porcelana nas mãos, sentindo o forte aroma do café moído recentemente. Ao cobrar seu direito de fazer amizade com um homem, havia, inadvertidamente, rompido as barreiras que ela mesma tinha erguido, como parte da estrutura de seu casamento.

Jake terminou seu uísque e Helen podia sentir seus olhos em cima dela, examinando a pele delicada de suas orelhas.

Com uma calma admirável, pousou a xícara na mesa e levantou-se, esperando que o silêncio fosse o único sinal externo de sua ira. Mas, quando virou-se, Jake falou com voz áspera:

— Onde pensa que está indo?

— Estou cansada, Jake — respondeu, passando a mão na testa. — Vou dormir.

— Você está sempre cansada — reclamou, sombrio. — Principalmente quando tem que enfrentar alguma coisa desagradável.

Helen tomou fôlego.

— Não vejo por que seja necessário dizer alguma coisa desagradável aqui — ela retrucou cuidadosamente. — Não fiz nada de que pudesse me envergonhar. Não sou criança, Jake, para ser repreendida pelos meus maus modos quando chego em casa. E se está aborrecido com aquela história do Keith, devia ficar zangado com você mesmo, que foi o único culpado.

— Para o inferno, que sou culpado! Meu Deus, Helen, você é uma pedra de gelo! Por que pensa que vou aturar isso?

Helen suspirou.

— Jake, não acha que já me humilhou bastante por hoje? Nem sei o que Giles e Jennifer devem estar pensando.

— Não sabe? — Jake olhou para ela muito sério. — Mas então não conhece seus amigos muito bem, não é? Você vê as pessoas apenas superficialmente. Nunca olha o que está por baixo, nunca percebe suas verdadeiras intenções...

— O que quer dizer? — perguntou Helen, indignada.

— Isso mesmo. Pobre velho Giles, desejando ter metade da minha agressividade e da minha facilidade em fazer amigos, e pobre Jennifer, que cada vez a despreza mais, por você mostrar tão pouca fibra.

Helen ergueu a cabeça.

— Jennifer nunca pensou uma coisa dessas! Ela acha você um grosso! Ela não gosta do seu jeito, tanto quanto eu.

Um sorriso amargo surgiu nos lábios de Jake, ao ouvir aquelas palavras veementes. Um sorriso de desprezo.

— Você é que pensa que ela acha isso! — falou com firmeza. — Não sabe que a sua amiga daria praticamente qualquer coisa para estar em seu lugar?

Helen ficou muito tensa.

— O que quer dizer?

— Quer dizer, minha aristocrata inocente — Jake pôs o copo no aparador da lareira com raiva —, que, pelo menos no que me diz respeito, Jennifer é uma cartada fácil, entendeu? Eu só teria que estalar os dedos...

A respiração de Helen estava ofegante, seus seios levantando e abaixando sob a seda negra do vestido.

— Você é... Você é desprezível! — falou com ódio. — E não acredito no que diz. Jennifer não é assim. Eu já disse que ela despreza você!

Jake parou na frente dela, as pernas abertas, olhando-a com crescente impaciência.

— Quer que eu prove? — perguntou friamente.

Helen levantou os olhos para ele, encarando-o por um longo minuto. Depois baixou o olhar diante da raiva que viu nos olhos dele.

— Oh, não! É lógico que, não!

— Por quê? — perguntou, zombeteiro. — Tem medo de que eu prove que tinha razão?

Helen sacudiu a cabeça, descontrolada. Ela não queria pensar. Não queria lembrar aquele momento, logo no começo da noite, nas escadas, quando ouviu Jennifer rindo com Jake. Por que então não estava preparada para acreditar naquilo! Mas não era verdade, não podia ser. Jennifer era sua amiga... Mas...

Ela se virou, pegando a bolsinha que estava no sofá.

— Vou para a cama — disse, insegura. — Não quero mais falar sobre isso.

Jake flexionou cansadamente os músculos do ombro.

— E, naturalmente, isso encerra a discussão — observou, zombeteiro.

Helen encaminhou-se para a porta.

— E o que temos mais a dizer? Eu simplesmente não consigo entender você. Queixou-se quando saí uma noite com Mannering, quando você voltou da América, e agora praticamente me força a ir a esse concerto com ele...

— Enquanto eu estava na América você costumava sair com Mannering, não é? — exclamou Jake. — Não ligou nem um pouco ao que os outros poderiam comentar. Bem, quando ficarem sabendo que eu mesmo arrumei este encontro com Mannering, a especulação sobre seu relacionamento com ele vai acabar. Ninguém faz Jake Howard de bobo, sem levar o troco, não se esqueça!

— O que está dizendo agora? — perguntou Helen, parando de repente.

Jake acendeu uma cigarrilha tirada da caixa entalhada em cima da mesinha.

— Você está cansada. Não vou perturbá-la com detalhes.

— Oh, Jake! — Helen olhou para ele trêmula, odiando seu ar de superioridade e de zombaria.

— Vá para a cama, Helen. Como disse, você não me entende. Mas entenderá, acredite em mim, entenderá!

Helen deu-lhe as costas abruptamente e saiu. Teve vontade de fazer frente à Jake, falando de suas escapadas, dos freqüentes casos que os outros contavam que ele tinha, mas não teve coragem. Pareceria ciúmes e, até então, esse tipo de emoção não a tinha perturbado. Quer dizer... Esta noite, depois daquele momento na escada, ela percebeu que a idéia de Jake fazer amor com outra mulher era vagamente desagradável...

 

O restaurante estava lotado àquela hora da tarde, cheio de mulheres sofisticadas fazendo uma pausa nas compras, todas conversando e rindo, criando um ambiente de elegância refinada e perfumes exclusivos. Helen estava lá, numa mesa com Jennifer St. John, tomando lentamente seu café, os olhos azuis passeando pelo salão, com uma ponta de cinismo.

Jennifer estava acabando de se servir da segunda fatia de bolo com chantilly e olhava com ar crítico para as curvas de seu corpo elegante.

— Realmente, preciso controlar esta minha atração por doces — comentou complacente, mergulhando a colher na espuma macia. — Eu odiaria virar uma gorducha simpática. A moda, hoje em dia, simplesmente não combina com proporções exageradas.

— Eu não acho que, por enquanto, você corra esse risco — replicou Helen amavelmente, voltando o olhar para a amiga. — Você me parece muito elegante.

Jennifer levantou as sobrancelhas.

— Eu sei, mas por quanto tempo me conservarei assim, se continuar a comer desse jeito? — suspirou. — Lembra-se quando estávamos na escola? Podíamos comer absolutamente quilos de coisas que engordam, que nosso peso continuava sempre o mesmo. Por que será que a gente começa a acumular peso quando vai ficando mais velha?

Helen recolocou a xícara no pires.

— Eu acho que é porque fazemos muito menos exercícios, perto do que fazíamos na escola. Eu me lembro como jogávamos tênis e hóquei!

— Oh, puxa, hóquei! É mesmo! — Jennifer murmurava pensativa. — Você era muito boa em hóquei, não era? Eu tinha sempre medo de que alguém confundisse minha perna com a bola...

Helen riu. Relembrar os tempos de colégio era sempre muito agradável. Naqueles dias ela e Jennifer eram muito unidas e, aparentemente, as coisas não tinham mudado tanto. Mas só aparentemente. Estavam casadas, naturalmente, e essa era uma boa razão. Mas não a única. Quantas vezes, hoje em dia, elas pareciam não ter quase nada em comum!

A conversa parou por um instante e então Jennifer perguntou inesperadamente:

— E Jake, como vai?

Helen levantou outra vez a xícara para tomar um gole de café.

— Muito bem, imagino. Está viajando.

— Viajando? Outra vez? — A ironia na voz de Jennifer era evidente.

Helen correu o dedo pela borda da xícara. Depois explicou com relutância:

— Ele está no norte da Inglaterra. Foi visitar o complexo químico de Lees Bay, em Northumberland.

Jennifer escutava atentamente.

— Entendo — observou pensativa e depois perguntou: — O que aconteceu naquela noite? Depois da recepção na Embaixada? Ele ficou muito aborrecido porque Keith apareceu lá?

Os olhos de Jennifer mostravam um estranho interesse e Helen ainda não sabia se ia satisfazer sua curiosidade. Depois do que Jake tinha dito de Jennifer, não adiantava ficar negando, sentia-se vagamente preocupada com ela, e perguntou-se se não era exatamente essa a intenção de Jake. Dividir para conquistar! Meneou a cabeça e recolocou a xícara no pires. Estava ficando desconfiada demais. Jennifer estava só curiosa, mais nada.

Então pensou cuidadosamente antes de responder com firmeza:

— Como poderia ficar aborrecido se ele mesmo insistiu para que eu fosse ao concerto com Keith?

— Quer dizer... — falou Jennifer, parecendo ligeiramente desapontada — que ele não se incomodou?

Helen suspirou.

— Não disse exatamente isso. Eu disse que Jake não devia se incomodar, pois ele mesmo insistiu para que eu fosse.

Jennifer tirou da bolsa uma linda cigarreira de ouro, ofereceu a Helen, que recusou, e, colocando um cigarro entre os lábios, falou impaciente:

— Acho que você permite que ele a domine de, uma maneira absurda. Eu não deixaria que Giles fosse tão tirano comigo.

— Jake não é tirano comigo — respondeu Helen umedecendo os lábios com a língua. — Nosso relacionamento funciona muito bem, eu acho.

— Como? Ele sempre foi um tirano e você sempre ficou em casa o tempo todo feito uma boba! — protestou Jennifer. — Você acha que eu deixaria Giles ir a todos esses lugares maravilhosos sozinho?

— E, dando uma tragada no cigarro, continuou: — Pois eu não deixaria. Insistiria em ir com ele.

— Você tem uma situação ligeiramente diferente da minha — respondeu Helen tranqüilamente. — Você ama Giles... E ele ama você.

Jennifer bateu a cinza no cinzeiro e, dando uma risadinha irônica, falou:

— Não estou tão certa se isso ainda é verdade — disse acidamente. — Oh, foi verdade uma vez. As razões que nos levaram ao casamento eram bastante verdadeiras, mas não duram, você sabe. Uma vez passado o encantamento da lua-de-mel, o que sobra? Uma existência, dia após dia, com um homem que acha que amor é algo que só se deve fazer à noite e sempre com as luzes apagadas!

— Jennifer! — Helen estava chocadíssima e isso transparecia na sua voz.

Apesar de ter uma vida infeliz, Helen sempre supôs que Giles e Jennifer combinassem perfeitamente um com o outro, e ouvir a amiga falar de uma maneira tão crua parecia completamente irreal. Não tinha a menor lógica.

Jennifer encolheu os ombros, impaciente.

— Sinceramente, Helen, não fique desse jeito! Não é o fim do mundo! Não foi aqui, agora, que descobri o que sentia. Isso já dura há anos! É que, de tempos em tempos, eu desabafo. E você simplesmente não estava por perto nas ocasiões em que fui bastante tola para falar de meus sentimentos.

— Mas... Por quê? — Helen não conseguia entender. — Céus, você tem tudo, Jennifer. Uma linda casa, seu próprio carro, bastante dinheiro, um marido que ama você...

— Mas estou cheia, Helen — exclamou Jennifer irritada, inclinando-se sobre a mesa na direção da amiga. — Cheia! Será que pode entender isso?

Helen sacudiu a cabeça, assustada com as maneiras da amiga, e se apoiou no encosto da cadeira.

— Você já está casada há cinco anos, Jennifer. É tempo de formar uma família...

— Como você é provinciana! — Jennifer fez um gesto de desânimo. — Uma família! Meu Deus, você acha que eu quero uma criança berrando dentro de casa? Acha que quero mais responsabilidade do que já tenho?

Helen mordeu o lábio.

— Não tinha idéia de que você pensava assim.

— Não penso... Pelo menos não a maior parte das vezes. O que já é uma sorte, não acha? — Jennifer recostou-se e respirou fundo. — Vamos tomar mais um café?

— O quê? — Helen estava ausente. — Oh... Oh, sim, lógico! — Inclinou-se, pegou o bule e encarregou-se de encher as duas xícaras. Depois, forçou um leve sorriso enquanto entregava a Jennifer à xícara cheia. — Afinal, como é que chegamos a uma conversa tão mórbida? Garanto que há assuntos bem mais interessantes...

— Estávamos comentando as infidelidades de seu marido! — comentou Jennifer em voz baixa. — Que, você tem que concordar, são várias e freqüentes!

Helen enrubesceu. De vez em quando, Jennifer conseguia irritá-la e esta era uma dessas vezes. Desejou não ter aceitado o convite para tomar café. Mas a tarde parecia muito longa e achou que seria agradável sair um pouco de casa.

Como ela não respondesse, Jennifer suspirou e depois perguntou:

— O que há de errado com você, Helen? Não sei... Você parece esquisita! Costumava não se abalar tanto com os casos de Jake. O que está errado? O que aconteceu? Está começando a perceber que dinheiro não é tudo?

— Mas nunca achei que era!

— Bem — disse Jennifer, fazendo uma careta impaciente —, pare de ficar chocado com tudo o que eu digo. Estou deprimida e acontece que você está por perto, é só.

Helen tomou o café, tentando parecer fria e calma. Sem querer, as palavras de Jake voltaram à sua cabeça, e ela se flagrou observando a amiga sob um prisma diferente. E se Jake estivesse certo? E se Jennifer estivesse madura para ter um caso? Com ele?

As palmas das mãos de Helen estavam úmidas. Depois de três anos de casada, já devia estar habituada às inclinações sensuais de Jake, mas ainda não estava. E a idéia de Jennifer estar interessada nele era algo que não conseguia encarar. Suas reações não deviam ser absurdas, mesmo levando em conta o tipo de casamento incomum que tinha. Certamente Jennifer não iria nunca... Ora! Estava imaginando uma coisa que nunca iria acontecer. Mas... Não sabia por que, nunca mais poderia encarar Jennifer do mesmo modo. Aquela revelação tinha destruído algo irrecuperável!

Procurou desesperadamente alguma coisa para dizer e quebrar o silêncio constrangedor que havia caído entre as duas. Se não falasse alguma coisa depressa, Jennifer começaria a suspeitar que havia outras razões para Helen ter tido tanta dificuldade em falar sobre o marido naquela tarde.

Mas, felizmente, outra mulher se aproximou delas e cumprimentou-as com familiaridade. Era Mary Sullivan, mulher de um membro do Parlamento. Sentou por um momento, conversando sobre o tempo e as novas modas de outono. Quando levantou, já era hora de Helen ir também.

Enquanto se dirigiam para a porta, Jennifer perguntou naturalmente:

— Jake disse quando ia voltar? Gostaria de convidar vocês dois para jantar conosco, antes que ele suma novamente para mais uma viagem.

Helen controlou a vontade de responder que não sabia quando o marido voltaria, e respondeu calmamente:

— Muito obrigada, Jennifer. Acho que Jake estará em casa no fim da semana.

— Ah, que bom! — exclamou Jennifer enquanto colocava as luvas de pelica. — Domingo, então, está bem?

— Não vejo por que não, Jennifer — falou Helen apreensiva. — Posso telefonar para confirmar?

Jennifer voltou-se para Helen, surpresa com a resposta.

— Você está bem, não está, Helen? — perguntou subitamente. — Isto é... O que eu falei não preocupou você, preocupou?

— Lógico que não, Jennifer! — respondeu Helen, tentando sorrir. — Eu estou... Com uma pequena dor de cabeça. Acho que vou para casa, deitar um pouco.

— Sim, faça isso — Jennifer disse, parecendo aliviada. — E não se esqueça de telefonar confirmando o jantar de domingo.

— Não me esquecerei.

Helen sorriu mais uma vez e as duas despediram-se na porta do restaurante. Jennifer fez parar um táxi e foi embora, enquanto Helen seguiu a pé, vagarosamente, pela Oxford Street. Já passavam das seis e ela tinha dito a Sra. Latimer que queria o jantar as sete, mas agora não sentia muita fome. A conversa com Jennifer estava atravessada na sua garganta. Como é que Jake conseguiu ver, em tão pouco tempo, o que ela em anos não havia percebido? Nunca se considerou simplória, mas achava mesmo que Jennifer tinha um casamento feliz. Chegou até a invejá-la por ter um marido tão amável e sem problemas.

Mudou de direção e, impulsivamente, atravessou a rua e entrou no parque. O sol tentava furar as nuvens baixas e, embora soprasse um vento frio, sentia-se revigorada. Gostava do vento agitando seus cabelos. Era alguma coisa pura e estimulante, e ela andou com energia pela grama, a bolsa balançando.

Estava dando importância demais a tudo aquilo, pensou. Só porque seu relacionamento com Jake tinha se tornado mais pessoal ultimamente, não significava que alguma coisa tivesse mudado. Era apenas por causa do tempo de convivência. Não podia simplesmente querer passar a vida inteira sem mudanças de algum tipo. Afinal de contas, ela havia escolhido aquele modo de vida. Ninguém a tinha obrigado. Quando seu pai morreu — ela se recusava a considerar a hipótese de suicídio —, teve que escolher. E o impacto causado por seu casamento na família do pai tinha sido mais que satisfatório.

Quando voltou para casa, estava muito mais relaxada, e inclinada a acreditar que tinha feito uma tempestade num copo d'água. Nem mesmo as demonstrações de aborrecimento da Sra. Latimer, porque o jantar estava pronto há mais de uma hora, conseguiram provocar nela mais que um leve remorso. Mas desculpou-se tão amavelmente, que logo reconquistou a simpatia da mulher.

— Telefonaram para a senhora agora a pouco — avisou à senhora Latimer, enquanto Helen se sentava à mesma da sala de jantar e experimentava o coquetel de frutas que iniciava o jantar. — Era o Sr. Mannering.

— O Sr. Mannering? — repetiu Helen, descansando a colher no pires.

— Sim, senhora. — A Sra. Latimer cruzou as mãos de uma maneira significativa.

— E ele disse o que desejava? — Helen franziu a testa, levantando novamente a colher, mas sem o entusiasmo anterior.

— Não, senhora — disse a Sra. Latimer. — Ele pediu que, assim que chegasse, a senhora ligasse para ele.

— Está bem — Helen engoliu um pedaço de melão. O que Keith queria agora? A não ser que fosse para combinar a ida ao concerto. Mas ainda faltava uma semana.

Suspirando, meneou a cabeça e continuou a refeição.

— Muito obrigada, Sra. Latimer — falou, sorrindo levemente. — Vou ligar mais tarde.

Mas aquilo tinha estragado sua refeição e, embora tudo estivesse delicioso, ela perdeu completamente o apetite. Depois de conversar com Jennifer não tinha a menor vontade de ver qualquer pessoa. E se era essa a intenção de Keith, ele ia ficar desapontado.

Ligou para Keith no dia seguinte, por volta das cinco horas e encontrou-o em casa. Pareceu encantado em falar com ela e, depois das frases convencionais, disse:

— Jennifer me contou que Jake está fora, por isso quero saber se gostaria de jantar comigo hoje.

Helen suspirou, irritada. Jennifer não tinha perdido tempo, pensou unicamente. Se Keith tinha ligado para ela à noite, Jennifer devia ter telefonado para ele assim que saiu do restaurante. Sentiu uma ponta de ressentimento por Jennifer se meter em sua vida dessa maneira, mas depois abandonou a idéia. Afinal de contas, a amiga provavelmente achou que ela adoraria ter uma oportunidade de ver Keith outra vez. Ele não tinha ainda aceitado a idéia de que o que houve entre eles há três anos estava completamente acabado.

— Sinto muito, Keith — falou com a quantidade certa de tristeza na voz —, mas eu não pretendo sair hoje à noite.

— Melhor razão ainda para mudar de idéia — insistiu Keith. — Olhe, Helen, existe um novo lugar em Henley. Podíamos jantar lá, é só. Não precisamos voltar muito tarde, se preferir.

Helen hesitou diante da perspectiva de mais uma noite sozinha, as horas arrastando-se diante dela. A Sra. Latimer serviria o jantar e depois se retiraria. E ela teria que preencher sozinha as horas vazias, até resolver finalmente ir para a cama. Já não estava dormindo tão bem e não via vantagem em tentar dormir mais cedo. A imagem de Jake subitamente apareceu diante dos seus olhos. O que estaria ele fazendo esta noite? Será que passaria a noite sozinho na suíte do hotel? Duvidava muito. Era bem mais provável que tivesse convidado seus administradores e executivos para irem a alguma boate e, depois, passar a noite inteira fora... Impulsivamente, concordou:

— Está bem, Keith, eu vou. A que horas você vem me buscar?

— Será que as sete é muito cedo?

— Não, não — disse Helen depois de olhar as horas em seu elegante relógio de ouro. — Eu não acho — respondeu, calculando mentalmente o tempo que levaria para tomar banho e se vestir. — Está ótimo, Keith. Então você me pega aqui?

— Claro. Até daqui a pouco.

Keith desligou e Helen recolocou o fone no gancho. Agora que já estava comprometida, percebeu que realmente não tinha vontade de sair naquela noite. Se Keith não tivesse telefonado, provavelmente iria se distrair vendo televisão, ou talvez lendo aquele livro que tinha comprado há alguns dias. Mas, agora, tinha concordado em sair com um homem que, embora fosse um companheiro divertido, poderia muito bem lhe trazer problemas de ordem pessoal. Keith, assim como Jennifer, não aceitava que o envolvimento atual deles era completamente diferente do que tinham tido há anos atrás.

 

Descansou uma hora inteira no banho, depois vestiu uma blusa creme de renda e uma saia longa, de veludo azul escuro. A blusa tinha mangas amplas e um decole redondo profundo. A saia era aberta na frente até a altura do joelho, permitindo a provocante visão de uma perna perfeitamente torneada, cada vez que Helen andava. Prendeu os lindos cabelos loiro-platinados num farto coque, o que lhe dava um ar de maturidade, em vez de seu habitual ar juvenil. Já estava pronta quando a campainha da porta soou. Como já havia prevenido a governanta, a Sra. Latimer foi abrir a porta e convidou Keith a entrar.

Ele estava no hall, aguardando, quando Helen desceu arrastando uma capa de zibelina. E seus olhos se arregalaram, encantados, ao contemplar a linda imagem dela.

— Já se serviu de uma bebida? — perguntou Helen, deixando seu agasalho no braço de uma poltrona.

— Na verdade, não — falou Keith um pouco contrafeito. — Sua governanta não me reserva a melhor das acolhidas e, para dizer a verdade, tenho receio de tocar em qualquer coisa nesta casa sem permissão, de medo que me acusem de roubo.

Helen deu uma risadinha divertida.

— Tenho certeza de que está exagerando, mas não faz mal. O que vai tomar agora?

— Bem... — Keith olhou em volta, apreensivo. — Não tem perigo daquele seu marido... Aparecer por aí de repente? Isto é... Eu detestaria topar com o tigre em sua toca!

Helen balançou a cabeça ligeiramente impaciente.

— Agora sei que está exagerando — disse, andando em direção ao bar. — Vamos, o que deseja?

Keith ainda hesitou.

— Uísque, estaria ótimo — respondeu e depois apalpou os bolsos à procura de cigarros. Helen não aceitou e ele acendeu um, com mãos que, Helen reparou, não estavam totalmente firmes. A idéia de que ele achava Jake assustador era cômica; mas Helen percebeu que, para ele, não devia ser tão cômica assim. Ela já tinha visto homens bem mais firmes do que Keith Mannering serem anulados pela força da personalidade de Jake. Não era tanto pelo que ele dizia; era mais a maneira como dizia. E isso lhe dava tremenda influência sobre os outros.

O restaurante onde Keith a levou tinha sido inaugurado recentemente e dava para o rio. Era excessivamente moderno, todo envidraçado e decorado com madeira sueca. Embora Helen o achasse impressionante, não gostou muito do lugar. Preferia algo menor, com mais personalidade.

Mesmo assim, a comida era boa, e a conversa, estimulante. Keith gostava de trocar idéias sobre peças de teatro, livros e concertos que ambos tinham visto e Helen gostou de discutir com ele. Fazia muito tempo que não discutia arte com alguém, pois mesmo que Jake estivesse disponível por mais tempo, não acharia o assunto particularmente interessante. Em sua implacável subida para o sucesso, tinha muito pouco tempo para se dedicar às artes e, em conseqüência, seu gosto era grosseiro e sem estrutura. Ele só apreciava o que atingia sua natureza sensual, desprezando tudo o que exigisse uma procura mais profunda de significado, e só de vez em quando Helen descobria que concordavam com alguma coisa.

Keith levou-a de volta um pouco depois das dez e parou o carro em frente da casa. Voltando-se para Helen, pousou o braço atrás do assento dela e disse:

— Então, não vai me convidar para um café?

— Acho que não — respondeu Helen depois de consultar o relógio. — é que... — falou um pouco desajeitada — é que já é tarde e a Sra. Latimer já deve ter-se retirado há muito tempo.

— Eu sei. — Keith riu zombeteiro.

— Keith — Helen suspirou desanimada —, não vá tirando conclusões a meu respeito. Só porque saí com você algumas vezes não quer dizer que...

— Eu sei — disse Keith, impaciente. — Sei que você é casada! Bem, e daí? Que diferença isso faz para nós? Todos sabem...

— Não quero saber o que todos sabem — disse Helen, saindo do carro. — Muito obrigada pelo jantar. Ligue para combinar sobre o concerto na semana que vem.

— Não vai mudar de idéia? — perguntou Keith bastante contrariado.

— Sobre o concerto? Não. Por que mudaria?

— Não estava falando do concerto. Eu acho que você sabe disso — respondeu Keith friamente. — Está bem, Helen, boa noite.

— Boa noite, Keith.

Helen tirou a chave da bolsa e abriu a porta, enquanto Keith punha o carro em movimento e partia. Tirando o casaco, ela dirigiu-se até a cozinha e achou um bilhete da Sra. Latimer avisando que tinha deixado café e sanduíches na sala. Helen sorriu, contrariada. Obviamente, a governanta pensou que eles voltariam para cear. Franziu a testa. Aquilo a preocupava. Não gostava nada da idéia da Sra. Latimer estar especulando suas relações com Keith. Jake já tinha muitas suspeitas, não precisava de informantes. Será? Será que ele tinha pedido a ela que prestasse atenção as suas idas e vindas e o avisasse na volta?

Helen virou-se e voltou para a sala de estar. Vinha pensando na Sra. Latimer. Não era possível! Jake não faria uma coisa dessas! Viu a pilha de sanduíches sob o guardanapo de cambraia. Obviamente havia mais sanduíches do que uma pessoa poderia comer sozinha. Uma onda de impaciência a invadiu. Céus, não era mais criança! Se desejava ter amigos, por que não podia ter? Por que tinha que se submeter sempre às malditas falações? Ela e Keith se conheciam há muitos anos, muito antes de terem tido um envolvimento sentimental. Portanto, por que as coisas seriam diferentes agora?

Com os ombros caídos, ela se sentou, ligando a cafeteira automática e observando as minúsculas bolhas chocarem-se contra a superfície de vidro. A noite tinha se tornado amarga para ela, e não sabia por quê. Olhou o relógio. Um pouco mais que onze. O que Jake estaria fazendo agora? Onde estaria a estas horas?

Pegou uma xícara e serviu-se de café, acrescentando leite e açúcar. Por que estava se fazendo tais perguntas? Ela não se importava com ele. Nunca tinha se importado. Ou seria mais correto dizer que, quando começou a conhecê-lo melhor, passou a se interessar um pouquinho mais cada dia? Quando se casaram, era bem diferente. Naquela época, ainda estava envolvida no véu de tristeza provocado pela morte do pai. Foi uma época terrível, um choque violentíssimo! Eram tão unidos, tão dependentes um do outro! E ambos tão desprezados pela família! Cada um deles tinha seus amigos, naturalmente, mas seu pai era sempre tão jovial, tão encantador, que nunca ficou deslocado entre os amigos dela. E, só depois que ele morreu, Helen percebeu como as outras pessoas não significam nada naquela existência estranhamente artificial que levavam. Nem mesmo o abandono de Keith a tinha abalado tanto como imaginava. Mas, no fim, acabou aceitando que aquela fase de sua vida tinha terminado, e que, agora, ela estava começando uma fase nova.

Não sabia realmente quanto tempo tinha levado para se recuperar completamente. As longas ausências de Jake e seus súbitos regressos eram verdadeiras marcas em sua vida, cada vez mais reais, mais aceitáveis.

Pouco a pouco, começou a viver outra vez, dedicando-se a tornar seu lar o mais agradável possível, esforçando-se para ser a mulher que sabia que Jake queria. Mas não estava preparada para esse tipo de intimidade, esse aprofundamento dos pressentimentos, essa violação da concha que tinha construído à sua volta depois do casamento, e que imaginava inviolável. Não tinha levado em conta a natureza humana ao contemplar seu futuro. E, subitamente, descobriu que ela e Jake podiam reagir um ao outro, exatamente como as outras pessoas. Era uma enorme surpresa.

Terminou o café e, levantando-se da poltrona, foi caminhando lentamente até a estante onde estava instalado o equipamento de som. Tocando a superfície polida do imóvel, apertou o lábio inferior entre os dentes. Para Jake, ela era como aquele aparelho inanimado; um objeto, nada mais. E, até aquele momento, um objeto dócil.

Levantou os olhos e suspirou. Do que poderia reclamar? Estava bem alimentada, bem vestida, com possibilidade de comprar qualquer coisa que desejasse, mesmo sem pedir permissão a Jake. O que mais uma jovem poderia desejar?

E, depois, seu casamento era uma fonte constante de ressentimento para o irmão de seu pai, que não tinha filhos e sabia muito bem que, se Helen tivesse um, automaticamente ele iria herdar Mallins, quando o tio morresse.

Helen riu forçado. Só ela sabia como essa hipótese era remota...

 

Helen acordou com a exata impressão de que alguém a vigiava e, ao levantar a mão sonolenta para afastar os cabelos dourados dos olhos, viu Jake parado na porta do quarto, encostado indolentemente no batente. De terno azul-marinho, a sombra escura da barba por fazer, ele era perturbadoramente másculo, e Helen estremeceu sob as cobertas, puxando-as até o queixo numa atitude quase defensiva.

A expressão do rosto de Jake tornou-se cínica, ao perceber sua reação espontânea, e ele endireitou-se abruptamente.

— Não tenha medo — falou com descaso. — Eu não guiei a noite toda tendo pensamentos eróticos com você! Mas estou cansado, completamente exausto e queria falar com você antes de ir para a cama.

Helen tentou pôr em ordem seus sentimentos confusos.

— Por que... Por que você quer falar comigo? — perguntou, apreensiva.

Jake levantou os ombros musculosos, depois deixou-os cair num gesto de indiferença.

— Vamos viajar no fim de semana — disse calmamente. — Foi tudo combinado ontem à noite. Tentei telefonar, mas ninguém atendeu. Você saiu?

Helen não conseguiu evitar o rubor que invadiu seu rosto. Deitada ali daquela maneira, incapaz de se mover sem revelar alguma parte de seu corpo, sentia-se em completa desvantagem e gostaria de ter coragem de saltar da cama e se embrulhar no robe de chambre que estava aos pés de sua cama.

De repente, Jake entrou no quarto, seu olhar caindo na saia de veludo, que ela negligentemente deixara em cima de uma cadeira. Levantou a saia com olhar crítico, e a blusa de renda caiu de uma de suas dobras.

— Então você saiu a noite passada — observou secamente. — Será que eu poderia saber onde foi?

Helen suspirou desanimada.

— Você não é meu carcereiro, sabe muito bem disso, Jake — exclamou contrariada.

— Não sou? — Os olhos de Jake adquiriram uma expressão desagradável. — Então me diga... Quem é seu carcereiro?

— Quer fazer o favor de sair do meu quarto? — Helen ficou furiosa. — Eu quero me levantar.

— Levante-se! Não estou impedindo. — Jake cruzou os braços e parou na frente dela, olhando-a com ironia, os pés afastados, os olhos negros fixos nela, provocando-a para fazer o que ele estava sugerindo.

Helen deitou-se de bruços.

— Eu odeio você, Jake — soltou ferozmente.

— Por quê? Porque voltei e estraguei as coisas com seu amigo Mannering? Foi com ele que você saiu a noite passada, não foi? Oh, não se preocupe em responder. A Sra. Latimer já me disse.

— Então você pôs a Sra. Latimer para me espionar! — exclamou Helen virando outra vez de costas, a cabeça apoiada no travesseiro. — Como pôde ser tão mesquinho?

A expressão de Jake endureceu.

— Quando liguei a noite passada e não consegui que ninguém me atendesse, fiquei preocupado. Nada mais. Naturalmente, liguei para a Sra. Latimer, para saber onde você estava. O telefone podia estar com defeito, você podia estar doente... Qualquer coisa!

O rubor no rosto de Helen aumentou.

— Bem, mesmo assim... — começou ela se defendendo.

— Mesmo assim, nada! — Jake deixou cair os braços. — Mas não quero perder tempo com Mannering agora. Podemos tratar dele mais tarde. — Seu maxilar se apertou. — Desconfio que não está interessada em saber onde vamos passar o fim de semana.

Helen franziu a testa. Por causa da discussão, tinha esquecido do motivo que o fez voltar antes do previsto.

— É lógico que estou interessada — falou sem jeito.

Jake aproximou-se da cama e ficou de pé olhando para ela, com um brilho estranho nos olhos.

— Está mesmo? — E, depois de um momento, falou: — Ndana tem uma casa de campo. Ele e a mulher nos convidaram para um fim de semana com eles.

— Ndana? — repetiu Helen surpresa. — Mas... Mas ele não é...

— O embaixador de Tsaba? Sim, ele mesmo.

— Então era ele... A pessoa com quem você conversava na noite da recepção?

— Era ele. — Jake mexeu os ombros. — Agora compreende por que esse fim de semana é muito importante?

— Eu... Eu acho que sim — respondeu Helen, passando a mão pela testa. — Quando eles nos esperam?

— Para a ceia hoje à noite. Pensei que devíamos sair por volta das quatro.

— Está bem. — Helen mordeu o lábio. A perspectiva de um fim de semana no campo não era desagradável, mas precisava de mais tempo para se preparar. Ultimamente tinha se tornado muito introspectiva e não seria bom Jake começar a suspeitar que estava ficando insatisfeita com a vida.

Mas Jake interpretou mal seu olhar hesitante, pensando ser qualquer outra coisa, e o olhar dele tornou-se duro.

— O que está errado agora? — perguntou, irritado. — Você tinha outros planos com Mannering? Imaginou que eu não ia voltar antes da outra semana?

— Sim, eu tinha outro compromisso. — Helen estava trêmula e tentou calmamente explicar que tinha combinado jantar no domingo com Jennifer, mas Jake não esperou para ouvir o que ela tinha a dizer. Em vez disso inclinou-se sobre ela, prendendo-a com uma mão de cada lado. Seu rosto estava contraído, seus olhos frios e penetrantes.

— Estou lhe dando um aviso sincero, Helen — falou com violência na voz. — Não vou agüentar muito mais de você! Eu "possuo" você, ao menos fisicamente. E se nosso arranjo não a está mais satisfazendo, se você está começando a desejar um relacionamento físico com um homem, então eu poderei resolver. Será que deixei tudo bem claro?

Helen ficou de boca aberta.

— O que está querendo dizer?

— Oh, tenho certeza de que você entendeu perfeitamente — disse Jake endireitando-se, o rosto muito sério.

— Você... Você me dá nojo! — Helen estava ofegante.

— É verdade? Verdade mesmo? — Jake deu um sorriso arrogante. — Pois olhe, sua cadelinha mercenária, se eu fosse você não facilitaria muito!

Helen soltou um soluço nervoso, depois se virou e enterrou a cabeça no travesseiro. Nunca se sentira tão humilhada na vida e não agüentava olhar para o rosto magro e moreno do marido.

Jake deu um passo em direção à porta. Depois parou, voltou, agarrou os lençóis de seda e atirou-os aos pés da cama. O corpo delicado de Helen, coberto apenas por uma fina camisola de gaze, ficou exposto. Então Jake andou bruscamente até a porta, abriu-a e, antes de sair, olhou para trás com um olhar de desprezo.

— A visão de uma fêmea nua não é novidade para mim, Helen — comentou grosseiramente. E foi embora, batendo a porta.

 

Quando Helen conseguiu forças para sair da cama, a manhã já estava avançada, e uma bandeja de café estava na mesinha ao lado da cama, com torradas e café. A Sra. Latimer tinha trazido, mas Helen não teve o menor apetite, e a lembrança do fim de semana que a esperava a abalava cada vez mais.

Embaixo, a Sra. Latimer estava preparando o almoço e assobiou baixinho ao ver a bandeja intocada.

— Alguma coisa errada, senhora? — perguntou, ansiosa.

Helen suspirou e balançou a cabeça.

— Não, eu não estava com fome. Só isso, Sra. Latimer! Ah... O Sr. Howard disse se vai se levantar para o almoço?

— Levantar, senhora? — A governanta franziu o cenho. — O Sr. Howard não está deitado. Saiu logo depois de tomar café.

Helen sentiu uma violenta dor de cabeça.

— Quando... Quando foi isso? — perguntou. — Eu... Eu vi o sr. Howard mais ou menos às oito horas...

— Sim, senhora. Bem, ele tomou café e depois saiu. Pelo que sei, não vem almoçar.

— Entendo... — Helen sentia-se completamente confusa. — Sinto muito. Não devo ter entendido o que ele disse. E... Bem, não faça muita coisa para mim para o almoço, Sra. Latimer. Eu... Eu não estou com muita vontade de comer, hoje.

A Sra. Latimer olhou para ela, preocupada.

— Oh, Sra. Howard... — começou a falar muito atrapalhada.

— Sim? — perguntou Helen, voltando-se.

— Eu... Eu espero não ter feito nada errado, ao dizer para o sr. Howard que a senhora havia saído com o sr. Mannering. Ele... Bem... Ele queria falar com a senhora e eu tinha que dizer alguma coisa.

Helen apertou os lábios.

— Tudo bem, Sra. Latimer. Não é nenhum segredo — acrescentou brevemente.

— Se a senhora diz... — A Sra. Latimer suspirou aliviada.

Helen involuntariamente encolheu os ombros e, dando meia-volta, saiu da cozinha. Na sala de estar hesitou perto do bar, olhando pensativa as garrafas. Ela nunca tinha vontade de beber pela manhã, mas agora sentia que precisava de alguma coisa para ajudar a agüentar aquele aborrecimento.

Entretanto, voltou-se, a mão comprimindo o estômago. Não suportava a idéia. Pegando os jornais do dia, olhou os cabeçalhos sem muito interesse. Finalmente espichou-se em uma poltrona e acendeu um cigarro, dando uma longa tragada e tentando acalmar os nervos em frangalhos. Sabia muito bem que não tinha entendido mal o que Jake disse. Ele falou que ia dormir. Então, onde estava agora, e por quê? Será que esse fim de semana com Ndana ainda estava de pé?

Apagando o cigarro num cinzeiro, foi até o hall e, pegando o fone, discou o número do edifício da fundação Howard. Seus dedos estavam trêmulos enquanto procurava os números, mas finalmente ouviu a campainha tocando do outro lado. A recepcionista reconheceu imediatamente sua voz.

— Sim, Sra. Howard — disse ela. — O que a senhora deseja?

Helen passou a língua pelos lábios secos.

— Estou tentando encontrar meu marido. — Quis dar um tom despreocupado à voz. — Sabe se ele está no prédio?

— Acho que não, Sra. Howard. Ele estava aqui, mas já saiu.

— Oh... Oh, muito obrigada — falou Helen hesitante. — Será que você não sabe...

Mas, quando ia formular a pergunta, uma chave foi introduzida na fechadura, e a pesada porta moveu-se para dar entrada ao próprio Jake, que parou no hall espaçoso.

— Oh, está bem — disse Helen rapidamente. — Ele está chegando. Muito obrigada.

Pôs o fone no gancho e olhou para o marido muito sem jeito. Jake ainda vestia o mesmo terno azul-marinho, mas tinha feito a barba. Se não fossem as olheiras ela nunca diria que ele tinha guiado a noite inteira, desde Newcastle. Jake tinha um físico magnífico. Jogava muito tênis e golfe e sempre velejava bastante, embora Helen nunca tivesse ido com ele.

— Por que o pânico? — perguntou friamente, os olhos firmes nos dela. — Com quem estava falando?

Helen endireitou-se, pois havia se curvado para falar ao telefone, e caminhou para a sala, passando as mãos nos cabelos.

— Não há pânico algum — respondeu com voz tensa. — E eu estava falando exatamente com o escritório. Queria saber se seus planos... Tinham mudado.

— Meus planos? — Jake atravessou o hall, indo direto até o bar, na sala de estar, e tirou uma lata de cerveja do refrigerador. Engolindo a metade do que tinha despejado no copo de uma só vez, voltou-se para a. esposa e perguntou agressivo: — Mas por que eu mudaria meus planos?

— Eu pensei... — começou Helen torcendo as mãos — que depois desta manhã... Quero dizer...

— Está falando de nosso pequeno desentendimento? — perguntou com ironia, enquanto se afundava numa poltrona. — Afinal, por que isso haveria de mudar alguma coisa?

— Oh, Jake! — Helen teve vontade de lhe dar um belo tapa, para varrer aquela expressão zombeteira do rosto dele. Jake estava se divertindo às suas custas.

— Não leve tudo tão a sério, Helen — aconselhou-a calmamente.

— Pensei que era isso o que eu devia fazer! — exclamou, ferida pela zombaria de sua voz.

Os olhos de Jake brilharam.

— Talvez devesse mesmo — concordou lentamente. — Mas, de qualquer modo, nós já resolvemos tudo satisfatoriamente.

— Você resolveu! — gritou Helen zangada.

— Mas foi o que eu disse — respondeu Jake contrariado.

— Mas eu não! — Helen sentia-se impotente. — Olhe, Jake, não quero começar nova discussão, mas me recuso a ser tratada como uma criança imbecil! Sou uma mulher! Sou casada com você, sim! Como sua comida e gasto seu dinheiro! Mas até uma criada tem seus direitos!

Jake inclinou-se na poltrona de um modo indolente, recostando a cabeça morena no estofado macio e, por um momento, Helen sentiu uma onda de compaixão. Vê-lo assim, os olhos meio fechados pela preocupação, dando a impressão de vulnerável, perturbou-a de uma maneira totalmente diferente. Ficava difícil lembrar que Jake não era o que parecia ser e que ela estava lhe dedicando um sentimento que ele não tinha pedido, nem dado. Jake não era uma pessoa vulnerável; seria tola se acreditasse nisso.

— Muito bem — falou Jake meneando a cabeça contra o encosto de veludo —, não vamos mais falar sobre isso.

Helen juntou as mãos. Aquela não era exatamente a resposta que queria ouvir. Ele tinha conseguido evitar o assunto e ela não tinha disposição de recomeçar tudo de novo. Pelo contrario. Um sentimento de arrependimento começou a tomar conta dela, ao lembrar que, por sua culpa, ele não tinha dormido por mais de vinte e quatro horas.

As espessas pestanas subitamente fecharam-se sobre os olhos e Helen percebeu que o marido tinha adormecido. Olhou para ele meio incrédula, e estava a ponto de dar meia-volta e ir embora, quando alguma coisa a fez parar e olhar mais uma vez.

Nunca tinha visto Jake adormecido antes, e era impressionante a mudança em sua expressão. Parecia bem mais moço e de certo modo mais amável, com as linhas duras do rosto suavizadas pelo relaxamento do sono.

Olhou para ele por longos minutos, sem entender bem as razões que a levavam a isso. Teve vontade de afrouxar-lhe a gravata e o colarinho, mas receou que Jake acordasse e percebesse o que estava fazendo. Ela nunca havia tocado nele, nem ele a havia tocado, exceto nas raras ocasiões em que colocava um colar em volta do seu pescoço ou uma flor em seu vestido. Nunca havia feito nada que a obrigasse a tocar nele, mas agora estava com vontade.

Estremeceu. Talvez nunca tivesse reparado antes como a pele dele era bronzeada e firme; como seu cabelo era forte e negro. Imaginou como seria passar os dedos por seus cabelos ou acariciar aquela pele morena. Nunca antes em sua vida havia pensado assim com relação a um homem, e havia algo nesses pensamentos que a abalava. Ali estava um homem que ia atrás do que desejava sem a menor piedade, rindo das conveniências da vida... E, no entanto, ele conseguia despertar nela as mais perturbadoras emoções, numa hora em que devia estar odiando-o por toda a sua arrogância.

Com uma exclamação abafada, fugiu da sala. Simpatia era uma coisa, mas permitir que estes pensamentos ridículos tomassem conta dela era positivamente estupidez. Atravessou o hall e dirigiu-se para as escadas. Como Jake se divertiria se soubesse o que estava pensando! Não importava que ele estivesse zangado com seu envolvimento com Keith Mannering, ela sabia que o marido a considerava emocionalmente frígida. Não acreditava que estivesse em sua natureza sentir alguma coisa profundamente, exceto talvez o sofrimento natural pela morte do pai.

Ele sempre esteve por perto. Tinha conhecido diversas pessoas com quem ela convivera. Devem ter lhe contado que ela nunca permitira uma intimidade maior a nenhum homem, nem qualquer tipo de contato físico amoroso. Provavelmente essa fosse uma das razões pelas quais a escolheu para esposa. Tudo o que fosse de Jake Howard tinha de estar completo, em perfeitas condições.

Observou angustiada sua imagem no espelho da penteadeira. Realmente era assim que ele a via? Sua beleza escandinava seria apenas um belo contraste para o tipo moreno dele? E será que Jake a considerava tão fria como os icebergs? Será que, afinal de contas, ela era esse tipo de mulher?

 

Meia hora mais tarde, enquanto repousava no quarto, Helen ouviu uma pancada leve na porta, e foi ver quem era. Encontrou a Sra. Latimer carregando uma bandeja e, recuando um passo, permitiu que ela entrasse. A governanta colocou a bandeja numa mesinha baixa dizendo:

— Trouxe seu almoço, senhora. O Sr. Howard está dormindo no sofá e acho que a senhora não gostaria que eu o incomodasse. Claro, se preferir que eu sirva a refeição lá...

— É lógico que não, Sra. Latimer. Está muito bem. — Helen sorriu brevemente. — Na verdade, eu ia lhe pedir para não perturbar meu marido. Ele está muito cansado.

— Sim, senhora. Mais alguma coisa?

Helen olhou para a bandeja, tentando se interessar pela comida.

— Não, está tudo ótimo, obrigada — respondeu evasivamente. Então a Sra. Latimer inclinou-se educadamente e saiu, fechando a porta.

Depois dela sair, Helen consultou seu relógio de pulso e suspirou. Já passavam quinze minutos de uma hora, e ela deveria começar a fazer a mala.

Dirigindo-se ao seu imenso guarda-roupa, abriu as portas de correr e examinou os numerosos vestidos a sua frente. Que espécie de fim de semana seria aquele? As pessoas chamavam de casa de campo qualquer tipo de casa. Uma vez, convidada por Jennifer e Giles para um fim de semana, descobriu que a mansão deles em Wiltshire era tão luxuosa e sofisticada quanto o apartamento na cidade.

Será que os Ndana tinham uma casa pequena mas luxuosa, ou um refúgio menos pretensioso fora da cidade?

Suspirou, hesitante. A melhor coisa era levar roupas para enfrentar qualquer eventualidade. Não tinha a menor intenção de perguntar a Jake e acabar tendo mais um atrito com ele.

A Sra. Latimer voltou para buscar a bandeja e franziu a testa ao ver Helen atrapalhada, tentando dobrar um vestido de noite para colocar na mala.

— Eu poderia fazer isso, senhora! Se a senhora separasse o que pretende levar, teria prazer em arrumar tudo.

Helen levantou os olhos para ela e sorriu.

— Bem, obrigada, Sra. Latimer. Mas, como pode ver, eu praticamente já terminei. A mala do Sr. Howard já está pronta?

— Sim, senhora. Já arrumei tudo esta manhã depois que o Sr. Howard me avisou que ele e a senhora passariam o fim de semana fora.

— Entendo. — Helen esfregou as mãos. — O Sr. Howard ainda não acordou?

— Não sei, senhora. Não estive na sala. Acho que logo ele virá tomar banho e mudar de roupa. Quer que o acorde?

— Não — disse Helen, sacudindo a cabeça —, não será necessário, Sra. Latimer. Eu acordarei meu marido, se ele ainda estiver dormindo, o que eu duvido. — E franziu a testa, cm dúvida. — Só espero que eu esteja levando tudo que vou precisar.

— Afinal de contas — falou sorrindo a criada —, são só dois dias, senhora. E duvido que façam muita cerimônia lá em Llandranog!

— Llandranog! — exclamou Helen surpresa. — Isto não fica em Gales?

— Sim, senhora.

— Quer dizer... Esta casa para onde vamos fica em Llandranog?

— Sim, senhora. O Sr. Howard não falou para a senhora?

Helen ruborizou-se.

— Não... Não. Na verdade eu também não me preocupei em perguntar. Resolvemos... Bem... Outros assuntos. — Balançou a, cabeça, confusa. — Não tinha calculado que íamos tão longe!

— Não tão longe, afinal — comentou a Sra. Latimer, encolhendo os ombros. — Espero que usem a via expressa. Só quando chegarem em Gales é que vão encontrar algumas estradas com muitas curvas. Tom e eu fomos uma vez ate lá, em uma de nossas férias. É realmente uma linda região.

Helen franziu o nariz.

— No verão, quem sabe, Sra. Latimer. Mas estamos em outubro. Olhe o tempo! — Uma garoa forte começara a cair na hora do almoço, e agora tudo parecia ensopado e sombrio.

A Sra. Latimer riu com franqueza.

— Bem, eu não me preocuparia, se fosse a senhora. Com o Sr. Howard ao volante não terá problema algum.

Helen quase comentou que não era só com a viagem que estava preocupada. Mas desistiu. Não daria certo fazer a Sra. Latimer sua confidente. A governanta devia lealdade a seu patrão, afinal de contas. E, por mais que gostasse de Helen e a respeitasse, Jake sempre teria sua preferência. Tomou um chuveiro e se vestiu antes de descer. Pôs uma calça comprida de veludo cotelê, verde-azeitona, e uma blusa de gola rolê no mesmo tom, o que fez a pele rosada de seu pescoço sobressair deliciosamente. Prendeu os cabelos loiros com uma fita de veludo, deixando que caíssem soltos nos ombros. Carregava nos braços o casaco que ia vestir. Era o seu preferido, de camurça creme, as golas, punhos e barra ornada com pele dourada. Uma olhada no relógio mostrou que passava um pouco das três, quando atravessou o vestíbulo e entrou na sala de estar. Encontrou lá a Sra. Latimer colocando uma bandeja de chá na mesinha ao lado do sofá.

Ela se ergueu e, quando Helen se deu conta de que o marido não estava mais lá disse:

— O Sr. Howard achou que a senhora ia gostar de um pouco de chá antes de sair.

Helen atirou seu casaco no braço de uma poltrona.

— Foi muito amável — comentou com um leve sarcasmo, e a Sra. Latimer olhou espantada para ela, mas não encontrou nada de revelador na fisionomia de Helen.

Apesar de tudo, o chá foi bem-vindo, Helen tinha que reconhecer. Estava tomando a segunda xícara quando Jake apareceu, muito alto e perturbador, vestido com calças de camurça muito justas, que marcavam a musculatura rija de suas pernas, e um suéter de malha. Estava todo de preto e sua pele morena e cabelos escuros ficavam ainda mais acentuados. Helen se perguntou se ele não teria um pouco de sangue espanhol nas veias. Então sorriu levemente. A mãe dele ficaria muito ofendida se soubesse o que Helen estava pensando. Ela tinha muito orgulho de sua ascendência de Yorkshire.

Jake percebeu o olhar divertido de Helen e imediatamente ficou tenso.

— Exatamente, o que é tão engraçado? — perguntou sombriamente. Helen imediatamente controlou-se.

— Nada importante. — Colocou a xícara no pires. — Está pronto ou ainda quer tomar um pouco de chá?

Jake hesitou, e depois enfiou os braços no casaco de pele de carneiro que trazia pendurado no ombro.

— Estou pronto — respondeu secamente. — Onde está a sua mala?

— Minhas malas... Ainda estão lá em cima.

— Malas? — Jake sacudiu a cabeça, impaciente. — Por Deus, o que está levando?

— Bem, como você não me disse como eram os Ndanas, nem que o chalé deles ficava no País de Gales, nem que tipo de recepção teríamos, tive que me preparar para qualquer eventualidade!

— Entendo. Mas a Sra. Latimer deve ter-lhe dito... — Quando ela concordou com a cabeça, ele mordeu os lábios, pensativo. — Então tudo bem. Vou buscá-las. A mala do carro não ficará transbordando com o que eu estou levando.

Ia dizer obrigada, mas quando abriu a boca Jake já tinha saído, subido as escadas e ficado fora do alcance de sua voz. Quando voltou. Helen tinha vestido o casaco e estava parada no hall, as mãos nos bolsos, a cabeça levantada em direção à escada.

— Tem mais alguma coisa para fazer? — perguntou, descendo as escadas.

Helen franziu o nariz.

— Acho que não... Oh! Oh. Sim! O convite para jantar no domingo! Tenho que cancelar. — Na confusão daquele dia, ela acabou se esquecendo completamente de Jennifer.

A expressão do rosto de Jake endureceu.

— Você tem um compromisso para jantar, no domingo? — perguntou friamente.

Helen teve vontade de mostrar a língua para ele, tal a expressão de impaciência em sua voz.

— Sim — falou decididamente —, sim, eu tenho!

Jake alcançou a porta com passos largos.

— Bem, então cancele! — ordenou rudemente. E, abrindo a porta, carregou as malas para fora, com mau humor.

A Sra. Latimer olhou para Helen com reprovação, mas ela não estava disposta a lhe dar qualquer explicação.

— Vou apenas dar um telefonema, Sra. Latimer. Pode ir. Acho que já sabe que estaremos de volta no domingo à noite.

— Sim, senhora. — Seu tom de voz era seco. — Com licença, senhora.

Helen a viu sair, impaciente, e depois tirou o fone do gancho. Por sorte, Jennifer estava cm casa, e imediatamente atendeu.

— Mas, querida, isso é novidade! — exclamou depois que Helen deu as explicações. — Nunca soube que ele levasse você em suas viagens!

— Nem eu! — Helen deu um suspiro resignado. — Mas obviamente é algo especial, e ele quer dar a impressão de que é um homem especialmente bem casado, acho.

— E você acha que vai gostar? — Jennifer parecia horrorizada. — Quero dizer... Querida, um chalé no País de Gales, a quilômetros da civilização! Deus, que perspectiva!

Helen respondeu qualquer coisa amável e Jennifer voltou à carga:

— Quero dizer, não seria tão mau se você e Jake... Bem... Se vocês fossem realmente casados. Seria até divertido, não acha? Mas conhecendo seu marido, suspeito do pior. Você provavelmente será entregue à mulher do embaixador, enquanto Jake e o homem vão discutir negócios o tempo todo. Ou então os dois vão sair para alguma casa noturna e vocês duas vão ficar chupando o dedo. — Ela bocejou e em seguida desculpou-se. — Honestamente, querida, não posso entender por que você concordou em ir. Deixe que ele trate de seus negócios sozinho!

— Olhe, eu tenho que ir — falou apressadamente, ao ouvir os passos de Jake. — Ligo para você quando voltar.

— Oh, muito bem! — Jennifer parecia irritada. — Mas não se queixe se voltar com pneumonia ou frieira! Ou com ambas!

— Não se preocupe! — Helen desligou rapidamente. Jake olhou para ela irritado.

— Bem? Agora está pronta?

— Sim. — Helen levantou a cabeça desafiadoramente. Não ia permitir que ele a intimidasse daquela maneira! Não deu explicação alguma, justamente porque ele esperava uma.

Eles iam viajar na Ferrari. Jake usava o carro grande na cidade. Mas, quando ele mesmo estava guiando, qualquer que fosse a distância, preferia sempre o carro esporte, muito elegante. Helen tinha andado naquele carro uma meia dúzia de vezes e, mesmo assim, por curtas distâncias. Como Jennifer tinha dito tão bem, aquele fim de semana era uma novidade, e Helen só podia imaginar que era porque Jake precisava exibir um casamento sólido, mostrando a Ndana que era digno de confiança. Os políticos africanos eram geralmente homens ligados à família e consideravam a atitude liberal do mundo ocidental em relação ao sexo um símbolo de uma sociedade decadente.

 

Durante a primeira hora de viagem, Jake estava muito absorvido na estrada para prestar atenção em Helen. Chovia muito e, na hora do rush, o tráfego de uma tarde de sexta-feira era muito complicado. Mas uma vez passado o grande movimento, já na via expressa, Jake acomodou seu corpo numa posição mais confortável, esticando as longas pernas e acendendo uma cigarrilha. Então, deu um rápido olhar em direção à esposa e disse:

— O que foi que Mannering disse?

— Mannering?

Os dedos fortes de Jake apertaram o volante e ele disse amigavelmente:

— Não tente bancar a esperta comigo, Helen. Já devia saber, depois de tanto tempo, que não funciona. Perguntei o que foi que Mannering disse quando você avisou que não ia poder jantar com ele no domingo.

— Oh, isso! — Helen sacudiu os ombros contrariada.

— Sim, isso! — A voz de Jake agora estava áspera.

— Ele não disse nada! — ela retrucou.

— Helen, eu aviso...

— Pelo amor de Deus, Jake — Os olhos de Helen brilhavam de indignação. — Pare de agir como um pai ranzinza! Para sua informação, eu não tinha compromisso algum com Keith Mannering para jantar no domingo!

— E espera que eu acredite?

— Faça como quiser! — Helen voltou sua atenção para a estrada, irritada por ter permitido que ele a deixasse tão furiosa.

— Então para quem você estava telefonando?

— Oh, por Deus! — Helen se virou para ele, revoltada. — Por que eu tenho que dizer para você com quem estava conversando? Que importância tem isso? Eu não pergunto sobre suas atividades... Por que você quer saber tudo sobre as minhas?

Subitamente um caminhão apareceu na pista e Jake teve que frear rapidamente, pois o pesado veículo praticamente bloqueou a estrada. O incidente, por um momento, diminuiu a tensão entre eles. Helen teve que reconhecer que Jake era ótimo motorista. Manobrou o poderoso carro com tal habilidade, que ela teria apreciado muito, em outras circunstâncias. Na verdade, todo aquele fim de semana podia ser uma agradável experiência, pois ela nunca tinha estado antes em Gales. Olhando de lado para Jake, imaginou quantas moças não dariam praticamente tudo para estar no lugar dela — vendo as coisas de uma forma completamente superficial, é claro. Surpreendeu-se avaliando o marido por um ângulo puramente físico e teve que reconhecer que ele era um espécime masculino extremamente atraente.

Com determinação, ficou olhando para fora da janela, para a cortina implacável de água que os envolvia. Desde a volta de Jake dos Estados Unidos, já há três semanas ela estava tomando cada vez mais consciência dele. Tentou reavivar o sentimento de repulsa, onde sempre se refugiava quando considerava a natureza implacável do marido. Ele não era como os homens com quem se acostumara a conviver, disse a si mesma orgulhosamente. Era grosseiro e cruel, satisfazendo seus apetites de macho da maneira que melhor lhe conviesse, ignorando os códigos de honra e decência que ela tinha sido ensinada a respeitar. As mulheres podiam-lhe servir para um propósito muito útil, mas, como pessoa, ele tinha muito pouco tempo para elas. Qualquer mulher que fosse bastante tola para se envolver com Jake Howard não deveria esperar nada dele. Apenas ela, como sua esposa, tinha recebido um pouco de seu olhar indiferente; ela era intocável, protegida, sustentada, mas somente enquanto fosse completamente obediente e inocente. Era o que parecia. E se fosse tola o bastante para imaginar que sua posição lhe dava alguma vantagem sobre qualquer outra mulher, não tinha dúvidas de que Jake faria tudo o que pudesse para dissuadi-la.

O caminhão colocou-se no acostamento e Jake pisou no acelerador, passando todos os veículos que estavam a sua frente com uma facilidade que era, em si mesma, excitante. Viajaram em silêncio por algum tempo, cada um ocupado com seus pensamentos, mas Helen foi sacudida de sua apatia quando Jake, saindo da via expressa, pegou uma estradinha onde havia indicações para um grande hotel, cujas luzes brilhavam alegremente pelas janelas embaçadas pelo frio.

— Acho que poderíamos jantar — observou Jake brevemente, desapertando o cinto de segurança. — Sei que é muito cedo, deve ser seis e meia, mas evitará que paremos mais tarde, em lugares que não conhecemos.

Helen concordou com a cabeça e, soltando o seu cinto de segurança, saltou do carro aliviada. Era bom esticar as pernas. Nem a chuva forte podia estragar aquele momento. Levantou a gola do casaco, emoldurando seu rosto com a pele macia e, depois que Jake trancou o carro, acompanhou-o por alguns metros em direção à entrada iluminada do prédio.

Lá dentro estava confortavelmente aquecido. Deixaram seus casacos na portaria e foram direto para o restaurante.

Jake falou pouco durante a refeição e Helen fez alguns comentários sobre a comida. Tinha que falar alguma coisa, nem que fosse para provar aos vizinhos interessados que eles falavam um com o outro.

Finalmente, quando estavam tomando licor com café, e Jake fumando um charuto Havana muito perfumado, ela falou, animada:

— Se quer saber, eu estava falando com Jennifer. Foi ela quem nos convidou para jantar, domingo à noite!

Jake não respondeu nada e Helen ficou nervosa.

— Você ouviu o que eu disse? — perguntou em voz baixa e irritada.

— Sim, ouvi, Helen. — Jake levantou os olhos negros para ela.

— Bem, não tem nada a dizer?

— O que você quer que eu diga?

Helen apertou os lábios, constrangida, percebendo que estava a ponto de explodir em lágrimas. Que ridículo! Só porque Jake tinha resolvido ficar carrancudo por causa da briga, ela, mais uma vez tinha cedido e dado a ele outra oportunidade de humilhá-la.

Sem responder, afastou a cadeira, levantou-se e saiu rapidamente da sala. Pegou seu casaco num cabide no hall de entrada e, jogando-o descuidadamente nas costas, saiu, hesitando um pouco quando uma lufada de chuva a castigou sem piedade. Não podia ficar ali, na entrada do hotel. Enfiou os braços nas mangas e enfrentou a chuva, respirando com esforço ao receber o impacto do vento gelado.

Andou às cegas em direção à Ferrari, mas naturalmente estava trancada e ela não tinha a chave. Fechou bem o casaco, meteu as mãos nos bolsos e, tentando evitar que seus lábios tremessem, mordeu-os. Nunca tinha se sentido tão miserável em toda a sua curta vida.

O barulho da porta do hotel se fechando fez com que Helen se voltasse, apreensiva. Viu Jake andando a passos largos para o carro.

Olhou para ela, furioso, percebendo seu cabelo ensopado, caindo grudado no rosto, seus ombros frágeis curvados, sua boca cerrada e seu rosto abatido. Sem uma palavra, abriu o carro e, pegando-a pelo braço, jogou-a lá dentro. Depois, bateu a porta com força e, andando rapidamente, deu a volta e sentou-se do outro lado, passando a mão pelos cabelos negros e grossos que, molhados, ficavam ondulados.

Quando Jake se virou para ela, Helen esperou ofegante as palavras zangadas que viriam. Mas, quando já estava a ponto de explodir, ele finalmente falou em voz baixa e relutante:

— Muito bem, Helen, sinto muito!

Helen virou o rosto para ele, os olhos abertos e incrédulos.

— Você... Você sente muito? — repetiu com voz fraca.

— Sim! Sim, droga, o que mais você quer que eu diga? Está bem, sou um miserável! Não acreditei em você. Agora acredito.

— Oh, Jake!

Para seu desespero, sentiu lágrimas quentes deslizando pelos cílios o correndo traiçoeiramente rosto abaixo. Ele deve ter suspeitado que algo estava errado quando Helen colocou as palmas das mãos no rosto, tentando esconder sua tristeza, pois acendeu a luz de dentro do carro, olhando para ela com um brilho estranho no olhar.

— Pelo amor de Deus, Helen! — falou impetuosamente. — Eu já disse que sinto muito! Não chore, pelo amor de Deus! Eu não mereço isso, acredite!

— Não se preocupe — respondeu Helen, enquanto abanava lentamente a cabeça de um lado para o outro. — Já passa — insistiu, as palmas da mão contra a boca.

— Ah, Helen... Mulher... Fique quieta! — gemeu ele muito baixinho e depois passou o braço sobre seus ombros, puxando-a para perto. Helen enterrou o rosto em seu peito. Era a primeira vez que ficava tão perto dele e, por alguns minutos, sentiu-se bem apenas por estar ali, na segurança envolvente de seus braços.

Mas, aos poucos, conforme as lágrimas iam rareando, Helen tomava consciência de outras sensações, que eram igualmente desastrosas para sua paz de espírito. O calor do corpo de Jake penetrava a lã fina do suéter, e ela estava intensamente sensível ao contato daquele corpo forte e àquele cheiro limpo, forte e másculo. Por mais que soubesse que devia se afastar dele e enxugar os olhos, não desejava isso.

No fim, a iniciativa foi tomada pelo próprio Jake que, segurando-a pelos ombros, recolocou-a com carinho, mas também com firmeza, no seu banco. Então, apagou a luz que ainda estava acesa, pôs uma cigarrilha entre os lábios, acendeu-a com movimentos firmes e, finalmente, deu partida no carro.

A poderosa máquina ganhou vida. Olhando de relance por cima dos ombros, ele viu que o caminho estava livre. Fez meia-volta e dirigiu-se para a saída. Ninguém mais falou e, logo, as luzes da via expressa os envolviam.

Helen continuava imóvel, trêmula e consciente de que, pela primeira vez, não tinha achado indesejável o contato com um homem...

 

A estrada se desenrolava diante deles, molhada e brilhante, com suas curvas persistentes. Tinham deixado para trás a relativa simplicidade da via expressa já há algum tempo, e penetravam mais e mais na região selvagem e montanhosa, onde nem ao menos um vilarejo interrompia o caminho solitário. Talvez não fosse tão sombrio à luz do dia. Mas, com a chuva ininterrupta e a quase completa escuridão, tudo parecia um pouco enervante.

Depois que deixaram o estacionamento do hotel, Jake falou pouco e, mesmo assim, só para pedir a Helen que verificasse o mapa, para garantir que não estavam no caminho errado. Imaginava se ele não estaria arrependido daquele carinho momentâneo na porta do hotel. Dava para ver que, agora, não havia em seus olhos nenhum sinal de simpatia. Mas Jake estava muito ocupado, usando toda a sua habilidade para evitar que o poderoso carro derrapasse nas curvas perigosas do caminho. De tempos em tempos, ele praguejava baixinho, quando tinha que mudar a marcha para diminuir a velocidade.

Tudo o que Helen desejava era chegar depressa a seu destino. Queria se ver livre daquela intimidade proporcionada pelo carro; livre da presença perturbadora de Jake; livre da penetrante intimidade de seus pensamentos, que prendiam toda a sua atenção em Jake, a ponto dela perceber que estava observando detalhes: suas pestanas espessas, o perfil irregular, o jeito do cabelo crescer na nuca, os pêlos nos pulsos, os punhos do suéter, e o relógio de ouro que brilhava. Isso nunca a tinha perturbado antes, e ficou aborrecida por sentir tal atração, quando sabia que somente há duas noites atrás...

Tremeu involuntariamente e ele a olhou de relance.

— Frio? — perguntou com voz inexpressiva.

Helen negou, balançando a cabeça.

— Um anjo passou por mim — brincou, fingindo despreocupação. — Quanto tempo ainda falta para chegarmos?

— Achei que, a estas horas, já estaríamos lá — falou, depois de consultar o relógio. E, franzindo a testa, acrescentou: — Tem certeza de que estamos na estrada certa?

Helen inclinou-se para frente e tirou o mapa do porta-luvas. Acendeu então a luz interior e rapidamente investigou o lugar onde deveriam estar.

— Esta é a estrada de Llandranog — assegurou com firmeza. — Tem que ser!

— Tem mesmo? — Jake não parecia convencido. — Droga! Por que não sinalizam melhor as estradas? Devemos ter andado uns vinte quilômetros desde que eu vi a última placa.

— Podemos não ter visto as placas, no escuro — sugeriu Helen, prudentemente. — E, depois, está chovendo...

— Muito obrigado, já percebi! — Jake estava irritado.

Helen apagou a luz do carro e mergulhou mais uma vez no silêncio. Mas, depois de um instante, ela se ergueu em seu lugar e apontou, animada:

— Estou vendo luzes. Olhe! Ali! Está vendo também?

Jake olhou para ela, tranqüilo.

— Sim, estou vendo. Mas não parece uma vila. Parece mais uma casa isolada.

— Bem, pode ser Llandranog! — comentou Helen encolhendo os ombros. — De acordo com o mapa...

— Está bem, está bem. — Jake guiou o carro para o lado direito do caminho, para evitar a curva fechada e perigosa. Agora, podiam ver as luzes muito claramente. Como Jake disse, as luzes eram muito poucas para um povoado.

— Quem sabe estão todos na cama? — sugeriu Helen.

— Às nove e meia? — Jake olhou para ela, contrariado. — Duvido muito de uma coisa dessas. Você não?

— Então talvez fosse melhor você mesmo verificar o mapa! — retrucou Helen, ferida pelo sarcasmo dele.

— Talvez fosse mesmo! — respondeu Jake e, em seguida, freou mansamente o carro. — Você está vendo a mesma coisa que eu?

Helen olhou pelas janelas onde a água escorria. Agora que estavam mais perto dava para ver claramente que as luzes eram de uma casa. Ela não estava à beira da estrada, mas a certa distância, com acesso por um caminho lamacento.

— Há um nome na placa em cima do portão — disse Helen esperançosa, apontando com o dedo.

Jake suspirou conformado, olhou-a por um momento e depois inclinou a cabeça.

— Está bem, está bem. Vou ver o que está escrito lá. — Abriu a porta e pulou para fora. Imediatamente sua bota de camurça entrou até o tornozelo na lama e Helen o ouviu praguejando antes de bater a porta e sair se equilibrando no chão escorregadio até o portão.

Helen teve vontade de rir, mas se controlou. A idéia de Jake pisando descuidadamente na lama de repente parecia irresistivelmente cômica. Talvez fosse a reação ã tensão da viagem. Mas, fosse o que fosse, não podia deixar Jake perceber que tinha achado engraçado seu acidente. Só esperava que ele não estivesse muito zangado ao voltar.

Entretanto, suas esperanças foram por água abaixo. Jake vinha zangado, furiosamente zangado, e entrou no carro rapidamente, sem ao menos se preocupar em limpar um pouco as botas.

— Você tem alguma idéia do que está escrito na tabuleta em cima do portão? — perguntou, a luz iluminando seus traços duros. — Diz, adivinhe só... Llangranog! Fazenda Llangranog! Entendeu?

Helen franziu a testa, confusa.

— Quer dizer que este é o chalé?

Jake levantou os braços para o céu, num gesto impotente de desespero.

— Não! — respondeu. — Não quero dizer que é este o chalé! Quero dizer que aquela casa é a Fazenda Llangranog! Não Llandranog!

Helen ficou boquiaberta e arregalou os olhos ao perceber o engano.

— Quer dizer... Quer dizer... Esta é a estrada para Llangranog e não para Llandranog?

Jake tamborilava os dedos no volante.

Eu quero dizer? Você deveria saber! Você está com o mapa!

Helen pegou imediatamente o mapa e abriu-o em seus joelhos com dedos trêmulos. Seguiu a linha do caminho percorrido por eles desde que deixaram a via expressa, achando sem muita dificuldade a estrada montanhosa cheia de curvas que tinham seguido. Mas seus dedos tremeram ao perceber que realmente ela havia seguido os sinais para Llangranog, por engano. Não pensou que existissem dois nomes tão parecidos. E como a estrada para Llangranog era mais larga, não tinha percebido um desvio para Llandranog, um pouco mais atrás.

Jake tinha seguido o movimento de seu dedo com os olhos e, quando ela olhou para ele, viu algo parecido com exasperação em seu rosto.

— Há quantos quilômetros saímos de nossa rota? — perguntou pacientemente, e Helen voltou novamente sua atenção para o mapa.

— Uns... Uns vinte quilômetros — declarou, desapontada.

Jake suspirou e recostou-se no assento, acendendo um charuto.

— Está bem — falou com calma —. Vamos voltar.

— Eu... Eu sinto muito. Não pensei que pudessem existir dois nomes tão parecidos!

— Nem eu. — Jake deu um sorriso meio forçado. — E não posso culpar só a você. Eu também olhei a sinalização.

— Obrigada — disse Helen, e sorriu levemente.

Jake balançou a cabeça meio desanimado e, ligando a chave, deu partida no motor. Mas, quando engatou a marcha e soltou a embreagem, as rodas traseiras giravam inutilmente. Com determinação, engatou a marcha-a-ré, mas novamente as rodas giraram inutilmente na lama.

— Oh, Deus! — Os dedos de Jake apertaram o volante. — Agora, como vamos sair deste inferno?

Helen mordia desesperadamente os lábios. Não podia deixar de reconhecer sua culpa e gostaria de poder ajudar de algum modo. Jake abriu de novo a porta e pulou para fora, mas desta vez Helen não achou nada engraçado vê-lo patinar na lama. Ele bateu a porta e foi até a parte traseira do carro, dando pontapés nos pneus, com a ponta da bota. Então voltou e ordenou:

— Sente na direção, Helen, e solte o freio. Ponha na marcha e pise no acelerador quando eu mandar, entendeu?

— Entendi. — Ela sentou-se obedientemente no assento do motorista, mas seus pés não alcançavam os pedais. — Espere! — gritou, ansiosa. Jake voltou, os cabelos ensopados e um pouco enrolados, agora.

— O que foi? — perguntou rapidamente.

— O banco está muito longe para mim. Não pode empurrá-lo um pouco para a frente?

Jake suspirou. Inclinando-se, colocou o banco um pouco mais para frente.

— Assim está bom?

— Está ótimo! — respondeu Helen depois de experimentar.

— Bom. Agora vamos em frente, certo? E não se esqueça. Quando eu disser "pronto", você pisa no acelerador!

— Sim, Jake. — Helen estava muito cordata.

Jake voltou para a traseira do carro e, olhando pelo espelho retrovisor através do vidro embaçado e molhado, ela podia vê-lo apoiando-se no pára-lama do carro.

— Pronto! — gritou, e Helen, soltando a embreagem, pisou firme no acelerador.

Mas as rodas giravam no mesmo lugar e ela ouviu a exclamação de raiva de Jake antes dele gritar:

— Chega! Chega! Desligue.

Helen inclinou-se na janela e viu Jake vindo em sua direção Estava coberto de lama, da cabeça aos pés, e o risinho tolo que ela tinha engolido antes explodiu, incontrolável. Imediatamente Helen comprimiu a boca com a mão, horrorizada com o que tinha feito, mas não antes que ele visse sua risada.

Jake parou ao lado da janela, olhando zangado para ela.

— Está achando muito engraçado, não é?

Helen meneou a cabeça, mal ousando falar.

— Você... Você está todo coberto de lama, Jake — falou, muito sem jeito. — Sinto muito, mas você está realmente engraçado.

— Ah, é? — Jake passou as mãos molhadas no rosto. — Muito bem, beleza, tente você, então!

— Eu? — Helen olhou para ele, incrédula. — Não pode estar falando sério!

— E por que não? Você nos pôs nesta embrulhada. Agora vai nos tirar dela!

— Não vou me atolar na lama só para você poder rir também! — disse ela, voltando para seu lugar.

Jake hesitou. Depois, olhou para o caminho que ia até Llangranog e que ainda estava com as luzes acesas.

— Talvez o dono da fazenda possa nos ajudar a sair daqui. Depois desta última tentativa estamos completamente atolados.

Helen ficou tão aliviada, por ver que ele não ia forçá-la a empurrar o carro, que apoiou a idéia entusiasticamente.

— Oh, sim, talvez! Quem sabe ele tem um trator, uma corda, ou coisa parecida. Ele podia nos puxar para fora. Oh, é uma ótima idéia!

— Bom — falou Jake, abrindo a porta do carro. — Achei que você ia gostar muito da idéia. Vá até lá e fale com ele!

— Eu? — Helen ficou com a boca entreaberta. — Ir até a fazenda?

— Sim! — Jake acendeu uma cigarrilha. — Ficarei aqui, para o caso de aparecer alguém.

Helen mordia o lábio.

— Mas não posso ir até a fazenda — insistiu. — É muito longe! Céus, pode haver alguém escondido por aí!

— Neste temporal? Eu duvido — falou Jake, complacente.

— Oh, você não pode estar falando sério! — Helen olhou para ele, esperançosa. — Está dizendo isso só para me assustar! Acho muito mesquinho!

— Falo sério, Helen. — Jake desabotoou o casaco deliberadamente. — Você vai fazer isso! Você vai.

— Pois me recuso! — disse Helen, e levantou a cabeça teimosamente.

— Sc recusa? Realmente se recusa?

Sem dar qualquer aviso, Jake inclinou-se sobre ela, abriu a porta e empurrou-a para fora, jogando o casaco em suas mãos e batendo a porta, trancando-a por dentro para que ela não pudesse entrar.

Helen estava horrorizada, mas seu bom senso fez com que primeiro vestisse o casaco, antes de bater freneticamente nas janelas.

— Jake, deixe de ser miserável! Deixe-me entrar! Estou ficando completamente ensopada!

— Corra até a fazenda, então! — gritou para ela. — Vá em frente! O exercício vai lhe fazer muito bem!

Helen hesitou, sem saber o que fazer. Conhecia Jake muito bem para saber que ele estava falando sério. Mas não podia acreditar! Como podia subir até uma casa desconhecida e pedir ao dono que os ajudasse a sair do atoleiro? Podia ser um homem sozinho, alguma pessoa muito perigosa!

Ela tremia e olhava para Jake, fumando despreocupadamente, dentro do carro esporte. Odiava-o com todas as forças! Arqueando os ombros, levantou a gola do casaco e olhou, através das sombras, o caminho que subia — e, lá em cima, a casa da fazenda. Como seria o caminho? Montanhas de bichos caminhando para cima e para baixo povoaram sua imaginação.

Estava apavorada, mas não adiantava nada ficar ali de pé, esperando que Jake mudasse de opinião. Ela já devia saber, a esta altura, que ele nunca jogava limpo, a não ser com suas próprias regras. E só porque era mulher, não devia esperar dele nenhuma consideração.

Com relutância, virou-se e caminhou em direção à alameda; lágrimas de ódio, humilhação e medo corriam-lhe pelo rosto. A casa parecia muito longe! Mas não tinha escolha: ou subia o caminho todo ou ficava do lado de fora do carro, possivelmente durante horas!

Começou a caminhar pela trilha, evitando as manchas escuras no chão, que poderiam ser qualquer coisa. O vento soprava em seus cabelos e a chuva os grudava na cabeça. Helen sentia-se completamente infeliz. Pela primeira vez desejou ter ouvido o conselho de Jennifer e ter dito a Jake que fizesse aquela viagem sozinho. Por que ela devia se sujeitar a esse tratamento? Só para agradar a ele? Não seria tão mau se Jake agisse como um cavalheiro. Mas lá estava ele, sentado confortavelmente no carro, enquanto ela enfrentava este caminho horrível, no meio de uma verdadeira tempestade.

Ao se aproximar da sede da fazenda, ouviu o barulho dos animais num curral próximo e o latido de um cachorro anunciando sua chegada. Mas o que era mais perturbador: atrás dela, escutou o som de uma respiração pesada e de passos na lama.

O pânico tomou conta de Helen e ela começou a correr desesperadamente em direção às janelas protegidas por cortinas, atrás das quais a luz quente brilhava. Quando já estava alcançando a porta, uma mão firme agarrou seu braço e ela quase perdeu o fôlego ao ver Jake, passando na frente para bater na porta.

— Você... Você, seu porco! — sussurrou ela. — Seu miserável! Esteve me seguindo o tempo todo?

Jake levantou as sobrancelhas espessas, o rosto moreno irônico iluminado pelas luzes da casa.

— Mas é lógico! Não pensou que eu ia deixar você vir até aqui sozinha, pensou?

— Mas... Mas... — Helen estava completamente desorientada. — Por que então me obrigou a vir, afinal de contas? Por que não podia me deixar no carro?

— Você gostaria de ser deixada lá? — perguntou, mexendo os ombros. — Sozinha, no escuro, naquela estrada solitária?

— Bem...

— Quis dar uma lição em você, foi só isso. — Jake deu um ligeiro sorriso. — E acho que consegui, não concorda?

— Oh, eu odeio você! — gritou Helen. Mas, na mesma hora, a porta se abriu e vários cachorros pularam em suas pernas.

O homem que tinha aberto a porta ordenou com autoridade aos cachorros que entrassem, depois olhou com curiosidade para seus visitantes enlameados.

— Sim? — falou, franzindo a testa.

Jake deu um passo à frente.

— Sinto muito incomodá-lo a esta hora, mas meu carro caiu numa valeta, bem em frente à sua entrada. Imaginei que talvez o senhor pudesse nos arranjar uma corda — continuou apressadamente. — Eu... eu sei que é tarde e uma noite horrível, mas... Bem... Como pode ver, minha mulher e eu estamos ensopados.

O homem olhou pensativo para o rosto esperançoso de Helen e para o jeito como tremia, incontrolavelmente. Então, dando um passo para trás, disse repentinamente:

— É melhor que entrem. Parece que sua mulher não acharia tão absurdo tomar uma xícara de chá...

— Oh, muito obrigada! — Helen adiantou-se prontamente, um sorriso de gratidão iluminando seu rosto.

O velho fazendeiro levantou modestamente os ombros.

— Não é nada — retrucou, fechando a porta atrás deles e levando-os até uma sala confortável, onde uma enorme lareira brilhava alegremente, enchendo o aposento de calor e de um agradável aroma de madeira queimando.

A mulher dele era pequena e rechonchuda, como deve ser a esposa de um fazendeiro. Depois de se apresentarem como Sr. e Sra. Morgan

— Helen e Jake deram seus nomes também —, a mulher desapareceu para buscar um pouco de chá, enquanto o marido perguntava a Jake o que tinha acontecido.

— Vocês não são os primeiros a cometerem esse erro — respondeu sorrindo quando Jake contou a respeito da confusão de nomes. — Sempre temos problemas por causa disso. — Franziu a testa, preocupado. — Bem, eu poderia pegar o trator e puxar seu carro para fora, mas vai levar tempo, e esses amigos com quem vão passar o fim de semana devem estar preocupados. Talvez o melhor seja telefonar e explicar tudo o que aconteceu. Se quiserem, podem passar a noite aqui. De manhã, quando a chuva tiver parado, vocês irão facilmente para Llandranog. No escuro... Bem, são capazes de errar o caminho novamente.

Jake olhou para Helen rapidamente. Depois respondeu:

— É muita bondade, senhor, mas não podemos lhe dar esse trabalho...

— Ora, garanto que a Sra. Morgan vai concordar comigo: não e trabalho nenhum! — O velho fazendeiro sorriu amigavelmente. — Não recebemos muitas visitas por aqui e nossos filhos já estão criados e têm suas próprias famílias. Lugar existe bastante. Tenho certeza de que a Sra. Howard não achará agradável descer aquele caminho outra vez hoje à noite, não é mesmo, minha querida?

Helen mordeu o lábio e olhou para Jake, sem saber o que responder. Não podia pensar em nada mais agradável do que ficar ali ao lado daquele fogo reconfortante durante o resto da noite e depois ir para uma cama confortável, sem ter que enfrentar novamente o mau tempo. Mas o que Jake estaria pensando? Será que preferia seguir em frente? Afinal, os Ndana não eram amigos comuns.

Jake parecia preocupado. Tinha tirado seu abrigo de pele de carneiro e estava sentado do outro lado do fogo, secando os cabelos que, despenteados, caíam atraentemente em sua testa. Ele também parecia aquecido e mais calmo.

— Eu... Eu não sei o que dizer... — Helen tinha começado a falar.

— Realmente, acho melhor irmos em frente, sr. Morgan. Vai lhe causar muito transtorno...

A Sra. Morgan entrou naquele momento, trazendo uma bandeja com um bule de chá, quatro xícaras e uma terrina com um delicioso caldo de carne. Serviu um pouco de caldo em pratos fundo, enquanto o marido contava a ela o que tinham conversado. Então, ela disse:

— Bem, podem ter certeza, não é transtorno algum. Como Owen disse, nós até gostamos de um pouco de companhia Vocês não podem, sinceramente, querer ir mais longe, hoje à noite.

— Será... — Helen olhou para Jake que nossos amigos têm telefone? — perguntou, meio indecisa.

Os olhos negros de Jake fixaram-se intensamente nos dela.

— Sim, eles têm telefone — respondeu com firmeza.

— Então... Não podíamos fazer... Como o sr. Morgan diz, e ficarmos? — Helen tentou um sorriso. — Afinal, vai ser bem mais fácil achar o chalé pela manhã.

— Disso eu sei — falou Jake secamente, o maxilar apertado. — Mas pensei que você quisesse chegar logo lá.

— Eu? Não especialmente. — Helen não compreendeu o que ele estava querendo dizer. — Por quê?

Os olhos de Jake brilharam numa fração de segundo.

— Muito bem, se você prefere... — concordou afinal.

Helen tentou controlar sua impaciência. Jake estava deliberadamente deixando que a decisão partisse dela. Por quê?

— Ótimo. Fico muito feliz em poder ficar aqui — declarou então, decidida.

— Bem, então vou até o carro buscar as malas.

— Não, espere, rapaz! — O Sr. Morgan também se levantou. — Está chovendo muito. Tenho certeza de que, por uma noite, vão conseguir se arranjar sem as suas coisas. Dilys pode conseguir alguma coisa para sua mulher vestir, tenho certeza, e eu tenho pijamas que vão servir em você.

Jake hesitou. Depois pareceu tomar uma decisão, pois sentou-se novamente e terminou o chá que a Sra. Morgan havia servido para ele.

— Muito bem. Tenho certeza de que apreciaremos sua gentileza, não é, Helen?

Helen concordou, mas gostaria de ter acrescentado que, embora apreciasse o que os Morgan estavam fazendo, não apreciava muito a atitude do marido. Ele parecia estar se divertindo às suas custas com alguma coisa, sua primitiva má vontade dando lugar a uma indiferença cínica, difícil de entender.

A Sra. Morgan pegou os casacos e levou-os para secarem na cozinha, e o sr. Morgan levou Jake até o telefone, para que fizesse a chamada. Helen sentou-se ao lado da lareira, o cabelo quase totalmente seco e brilhando, dourado, com a luz do fogo. Sentia-se aquecida e satisfeita. Quando a Sra. Morgan voltou, conversou animadamente com ela sobre sua casa em Londres e o terrível estado em que estava o tempo. A mulher, por sua vez, falou dos seus cinco filhos, todos já criados, e contou que, agora, tinha dezenove netos. Helen demonstrou interesse e, quando Jake voltou, ela estava distraída vendo o álbum de retratos da família, ladeada pelos dois velhos.

— Está tudo resolvido — disse ele, assim que entrou na sala. — Eles nos esperam pela manhã, logo após o café.

— Bom, bom — o Sr. Morgan concordou com um aceno de cabeça e aceitou uma cigarrilha que Jake lhe ofereceu.

Podia ter sido uma noite agradabilíssima, mas Helen estava intensamente consciente da atitude de Jake, e ficou imaginando uma maneira de mostrar que não estava gostando nada daquilo. Mais tarde a Sra. Morgan saiu para providenciar o quarto e Helen surpreendeu-se ao ver que eram quase onze horas.

— Nós não devemos deixá-los acordados até esta hora, Sr. Morgan — disse ela, olhando para seu anfitrião. — Tenho certeza de que amanhã tem que se levantar muito cedo.

— Não tão cedo como costumava, Sra. Howard. Meus filhos fazem a maior parte do serviço pesado. Agora sou "o velho". — Ele riu divertido.

Finalmente a Sra. Morgan voltou.

— Quando quiserem, eu lhes mostrarei o quarto — falou sorrindo. — Deixei lá algumas roupas de dormir, mas vocês é que resolverão se querem usá-las. — Levantou as sobrancelhas, provocante. Pela primeira vez, Helen sentiu uma ponta de apreensão.

Mas é lógico! Como não tinha pensado nisso antes? Para os Morgan, eles eram um casal normal! Olhou para Jake e teve a impressão de que suas pestanas se apertaram levemente ao encará-la. Seu animal!, ela queria gritar. Você sabia! Foi por isso que me olhou tão bem-humorado antes! Oh, por que não pensei nisso?

Como era óbvio que a Sra. Morgan esperava que eles se recolhessem, Helen levantou-se deprimida de sua cadeira e Jake a seguiu para fora da sala. Tanto ela quanto Jake tinham tirado as botas enlameadas e deixado embaixo para secar.

O quarto que a Sra. Morgan havia destinado a eles era enorme, de teto muito alto, e tinha uma cama imensa, que Helen só conhecia de ver em antiquários. Em cima dos travesseiros havia uma camisola enorme e um pijama de flanela.

— Acho que vão ficar confortáveis aqui — disse a Sra. Morgan ansiosamente. — Coloquei bolsas de água quente embaixo das cobertas e há mais cobertores naquele banco, se sentirem frio. — Depois, olhando para os dois maliciosamente, concluiu: — Mas acho que não vão sentir frio, não é mesmo? Gente jovem como vocês! Quando Owen e eu éramos jovens, costumávamos nos manter sempre aquecidos. — Ela riu pensativamente. — Agora, nós precisamos de cobertor elétrico...

Jake sorriu.

— Tenho certeza de que está perfeito para nós, Sra. Morgan.

— Sim, acho que sim. Agora, o banheiro fica do outro lado do corredor. É aquela porta ali — apontou —, e há bastante água quente se quiserem tomar banho pela manhã.

— Muito obrigada! — Helen esforçou-se para dizer alguma coisa e, com mais um sorriso de simpatia, a Sra. Morgan foi embora, desejando-lhes boa-noite ao fechar a porta.

Só então Helen virou-se para Jake, com uma expressão de completa frustração no rosto.

— Você sabia! — murmurou furiosa. — Sabia que os Morgan nos dariam um quarto de casal...

Jake baixou os olhos para ela, divertido com sua expressão assustada.

— É lógico que eu sabia. E, se tivesse juízo, você deveria ter pensado nisso também. Mas estava tão envolvida pela sensação de calor e bem-estar que não parou para pensar, não foi? Bem feito para você! Nós não temos somente um quarto; temos também somente uma cama! E eu, já vou avisando, não pretendo dormir no chão!

 

Helen olhou para ele, incrédula.

— O que está querendo dizer?

Jake andou lentamente pelo quarto atapetado.

— O que você acha que estou querendo dizer? Creio que fui bastante claro.

— Você... pretende... — Helen falava infelicíssima, torcendo as mãos nas costas — pretende usar a cama?

Jake se virou para ela. Estava ao lado da cama e levantou o pijama de flanela do travesseiro, olhando para ele com zombaria. Levantou-o, fingindo surpresa.

— Agora, o que você acha que é isso aqui? — perguntou rindo.

Helen apertou os lábios.

— Oh, pare de fazer gracinha, Jake! — disse, irritada. — O que vamos fazer?

Jake sentou-se do outro lado da cama e começou a desabotoar a camisa, diante do olhar horrorizado de Helen.

— Eu não sei o que você vai fazer, Helen, mas eu vou para a cama. Como sabe, não dormi nada a noite passada e não tenho a menor intenção de ter a mesma sorte esta noite.

— Mas, Jake... — Helen estendeu uma mão indefesa, andando inquieta pelo quarto. — Não podemos dormir juntos aqui!

Jake deu de ombros, tirando a camisa e revelando um dorso forte e bronzeado, com cabelos escuros que lhe davam um ar muito másculo. Helen afastou os olhos, atrapalhada. Ela nunca o tinha visto sem camisa, nem em roupas de banho. Mas, pelo tom bronzeado de sua pele, era óbvio que ele não tinha passado o tempo todo nos Estados Unidos dentro de um quarto de hotel. Sua voz estava tensa quando explodiu.

— Por favor, Jake! Ponha o paletó do pijama!

Jake jogou descuidadamente o pijama para o pé da cama. Depois se deitou de costas, estendendo os braços por baixo da cabeça, completamente à vontade.

— Você pode usá-lo. Eu nunca durmo de roupa.

— Você... — Helen estava completamente em pânico. — Você não quer dizer que... Quer...

— Não quero dizer? — Jake voltou o rosto para ela, os olhos negros brilhando e se divertindo com sua expressão de confusão total. — Não quero dizer que durmo pelado? Não... Não vou chocar sua alma puritana a esse ponto!

Helen foi até a penteadeira, deixando lá a bolsa e tirando a fita de veludo que prendia seus cabelos, que, então, caíram como uma cortina de fios platinados e leves sobre seu rosto. Com as mãos, penteou-os para trás, olhando no espelho seu reflexo sem nenhum prazer.

Jake sentou-se e bocejou.

— Quer usar o banheiro primeiro? — perguntou com naturalidade, e ela repentinamente virou-se para ele.

— Você está adorando, não está? Não se importa nem um pouco com os meus sentimentos!

A expressão do rosto de Jake endureceu e ele levantou-se.

— Ora, Helen, você nos colocou nesta situação, é sua obrigação enfrentar tudo da melhor maneira possível.

— Mas não podemos dormir na mesma cama!

— E por que não? — Seus olhos aprisionaram os dela, e Helen corou violentamente. — Ao contrário do que você pensa, eu realmente acho que existem coisas mais importantes do que... Meus instintos de macho... Foi assim que você se referiu, não foi? No momento, a única coisa que quero é dormir!

Helen, relutante, aproximou-se da cama, levantando a camisola. Era de flanela e alguns números maior que o seu manequim. Largou a roupa outra vez sobre o travesseiro e os lábios de Jake se moveram, num ligeiro sorriso.

— Eu, se fosse você, apostaria no pijama! Ao menos ele tem um cinto... — comentou friamente.

Helen apertou os lábios, contrariada. Depois falou:

— E você? O que vai vestir?

— Não se preocupe — disse Jake, encolhendo os ombros. — Eu me viro.

— Não quero ir ao banheiro — comentou Helen, depois de ficar um pouco indecisa. — Você vai... e eu vou direto para a cama.

Jake olhou longamente para ela e depois concordou.

— Muito bem, Modesty Blaise! Mas, por favor, não leve muito tempo.

Helen esperou até que a porta estivesse fechada e, então, apressadamente tirou calça, suéter e calcinha. A calça do pijama era muito grande para ela, mas, como o próprio Jake disse, ao menos tinha um cordão e ela o amarrou firmemente em volta da cintura antes de enfiar o paletó enorme.

Nem se interessou em ver como tinha ficado; afastou as cobertas e entrou no leito enorme. Seus pé encontraram a bolsa de água quente e ela suspirou feliz. Em outras circunstâncias, se sentiria completamente aquecida e confortável.

Jake voltou alguns minutos depois e entrou no quarto sem bater, o que a deixou ressentida. Mas não disse nada. Só olhou para ele significativamente.

— Bem, eu não bateria para entrar no quarto de minha esposa, não acha? — ele comentou ao perceber sua indignação.

Helen não disse nada e virou as costas para ele, bem na beirada da cama.

Então, depois de levantar os ombros, ele foi apagar a luz. Logo depois ela sentiu que a cama cedia ao peso dele.

Afastou-se o mais que pôde, ficando espremida num lado da cama, o corpo rígido e contraído, com medo de que ele resolvesse ignorar o que tinha dito.

Depois de alguns minutos, ouviu sua respiração tornar-se mais regular e constatou, com um ridículo senso de anticlímax, que Jake estava dormindo...

Helen teve a impressão de que levou horas para adormecer. Dormir colada à beira do colchão não era realmente uma posição confortável para uma pessoa relaxar. Sua indignação aumentou, quando Jake moveu-se lentamente em seu sono e se deitou de costas, espalhando-se no espaço que ela havia deixado, nem ao menos percebendo que se encostava em seu corpo imóvel.

Helen ficou com os olhos bem fechados, desejando que ele se afastasse, mas Jake parecia completamente indiferente a ela. Provavelmente, pensou revoltada, não estranhava a presença de uma mulher na cama, mas ela sempre havia dormido sozinha... Lágrimas quentes de auto-compaixão brotaram de seus olhos.

Finalmente, por pura exaustão, ela acabou dormindo, até que o barulho da Sra. Morgan, carregando uma bandeja com o chá, a perturbasse. Mesmo assim, relutava em se mexer. Quando abriu os olhos, descobriu por que tinha se sentido tão aquecida e confortável: devia ter sentido frio durante a noite e tinha se aconchegado a Jake. Agora mesmo estava apoiada em suas costas, o braço em cima dele.

Com uma exclamação de surpresa, apressadamente retirou o braço e se sentou na cama, tentando retribuir o sorriso amável da Sra. Morgan. Jake nem se mexeu e a mulher falou baixinho:

— Não está mais chovendo, Sra. Howard. Agora, me diga, dormiu bem?

Helen enrubesceu, ajeitando o enorme pijama junto ao corpo.

— Muito bem, obrigada — respondeu delicadamente. — E obrigada pelo chá.

— Ora, não foi nada — falou a senhora, descansando a bandeja ao lado da jovem. — O que seu marido prefere para o café? Ovos com bacon? Algumas salsichas, talvez?

— Isso... seria ótimo, Sra. Morgan — respondeu, aflita para que a mulher saísse e ela pudesse saltar da cama antes que Jake acordasse.

— Estou vendo que dividiram o pijama — continuou a Sra. Morgan animada, e Helen percebeu que ela estava pensando que Jake estava com a calça. Portanto, em vez de desiludi-la, Helen simplesmente sorriu e esperou que saísse.

Mas logo ficou óbvio que a Sra. Morgan não tinha nenhuma pressa de sair. Ela começou a arrumar as coisas sem nenhuma necessidade, abrindo as cortinas, ajeitando a penteadeira, até Helen ter vontade de gritar, de tão nervosa.

Com esforço, concentrou sua atenção no chá, bebendo o líquido quente vagarosamente. Mas o barulho constante no quarto acabou acordando Jake e ele abriu os olhos, de início um pouco surpreso por ver Helen a seu lado, na cama. Então um sorriso divertido iluminou seu rosto, antes que seus olhos percorressem o quarto e dessem com a Sra. Morgan.

— Ah, acordou, finalmente! — exclamou ela, rindo alegremente. — Trouxe para os dois uma bandeja com chá, e sua esposa me disse que o senhor gostaria de bacon com ovos, está bem?

Jake levantou, apoiando-se nos cotovelos. Para Helen, era perturbador vê-lo assim, calmo e com olhos sonolentos, os cabelos despenteados, a barba de uma noite, deixando o maxilar azulado. Sentia intensamente a proximidade de seu corpo quente, sob as cobertas.

— É exatamente o que eu preciso — respondeu Jake, sorrindo para a amável galesa. — Se não for muito trabalho...

— Mas não é trabalho algum! — A Sra. Morgan cruzou os braços sobre os amplos seios. — Dormiu bem?

Jake olhou de relance para Helen, mas ela estava de costas, colocando a xícara vazia na bandeja. Deu uma resposta aceitável à Sra. Morgan e então houve um momento de silêncio, enquanto ela parecia esperar que um deles dissesse mais alguma coisa. Quando ninguém mais fez qualquer comentário, relutando ela encaminhou-se para a porta.

— A refeição estará pronta dentro de meia hora. Isto convém a ambos?

— Será perfeito, mas não prepare nada para mim — disse Helen. — Não costumo comer de manhã. Apenas uma torrada...

— E nada mais? — A mulher estava escandalizada. — E você tão magrinha? O que você precisa é de um bom café da manhã, é o que sempre digo.

— Realmente, Sra. Morgan, não tenho fome. — Helen não podia enfrentar um café com ovos, naquela manhã, por nada deste mundo!

— Está bem. — A bondosa mulher fez um gesto impaciente. — Se insiste... Mas vou preparar bastante torradas. E tenho uma geléia caseira que você vai gostar.

— Maravilhoso! — Helen forçou mais um sorriso que, para seu alívio, foi tomado pela Sra. Morgan como despedida. Saiu, fechando a porta atrás dela, e Helen deu um suspiro antes de se preparar para sair da cama.

— Espere! — Jake pegou seu pulso, impedindo-a de sair da cama. — Por que essa pressa? Está muito frio lá fora!

— Eu ia levantar antes de você acordar se a Sra. Morgan não tivesse insistido em ficar por perto — respondeu Helen expressivamente.

— E o que a deteve? — perguntou Jake, recostado no travesseiro com graça felina, ainda segurando o pulso dela.

— A Sra. Morgan pensou que tínhamos dividido o pijama — respondeu, muito ruborizada. — Se eu tivesse levantado ela teria visto que não era bem assim!

— E isso teria envergonhado a Sra. Morgan? — perguntou Jake sorrindo. — Pois tenho a impressão que não.

— Teria me embaraçado — disse Helen mordendo o lábio. — E, agora, quer fazer o favor de largar meu braço?

Jake não tomou conhecimento de seu pedido.

— Esta situação é novidade, não é? — continuou ele, olhando para ela pensativamente. — Estarmos juntos na cama, depois de três anos de casados.

Helen olhou muito zangada para ele, tentando sem sucesso se libertar.

— Pois acho que não é novidade para você — exclamou irônica.

— Não?

— Não. — Helen ainda tentava soltar seu pulso daqueles dedos firmes.

— Quero saber por que você acha que não é novidade para mim — falou ele, a voz fria e determinada.

Helen olhava para ele, impotente, desejando não ter feito aquele tipo de comentário. Vivia dizendo coisas erradas.

— Jake, por favor, você está me machucando! Nós não temos muito tempo. A Sra. Morgan disse que o café estará pronto em meia hora...

— Para o inferno, a Sra. Morgan! — Jake levantou-se, apoiando no cotovelo, e forçou-a a se recostar no travesseiro, aumentando a pressão em seu pulso. — Bem... — sua voz estava rouca — não vai me contar o que sua mente tão inocente pensou de mim agora?

Helen movia a cabeça de um lado para o outro.

— Você... Você, seu animal! — Seus seios arfavam. — Eu... Eu vou gritar!

— Você poderia. Mas não vai. Imagine o que a Sra. Morgan pensaria se você gritasse.

Helen olhava para ele, indefesa.

— Jake, por favor... Deixe-me sair! Isto é... Isto é... — Helen se calou. Estava perigosamente consciente da proximidade dele e da intimidade da situação. E, embora dissesse a si mesma que queria escapar, uma parte de seu ser resistia a essa saída lógica e sensata.

— Isto é... O quê? — Os olhos de Jake estavam presos aos dela, não perdendo nada da emoção que transparecia em seu rosto.

— O quê? — perguntou friamente. — Inconseqüente? Talvez perigoso? — Deu uma risadinha. — Oh, Helen! Quem você pensa que está tapeando? Honestamente, você pensa que não sei o que se passa dentro dessa linda cabecinha? Pensa que não percebi como você se sentiu quando eu a consolei ontem à noite, no estacionamento? — Seu tom de voz agora era de desprezo. — Pensa que não conheço bastante as mulheres para perceber quando elas ficam interessadas num homem? Toda essa absurda indignação... Essa raiva fingida! É tudo falso! E só tem uma finalidade... Uma finalidade apenas: fazer com que eu me interesse por você do mesmo modo que está interessada em mim!

— Como ousa dizer uma coisa dessas! — exclamou Helen, horrorizada. — Como ousa sugerir uma coisa dessas! — Ela estava fora de si de tanta raiva. — Não julgue os outros pelos seus próprios padrões!

— E por que não? — O olhar ardente de Jake passeava pelo rosto dela, descendo pelo pescoço até onde a gola do imenso pijama se abria. — Não é verdade?

O corpo todo de Helen ardia sob aquele olhar e, então, subitamente ele a soltou, saindo da cama e vestindo a calça de camurça sobre a sunga com a qual tinha dormido.

Helen ficou no mesmo lugar onde ele a deixara, um braço levantado para esconder os olhos, sem perceber que lágrimas de humilhação estavam prestes a saltar. Não importava quanto protestasse; tinha que admitir que ele não estava muito longe da verdade. Ela estava envolvida com ele como nunca estivera com nenhum outro homem, e reconheceu isso. Estava completamente esgotada: tinha ciúmes dele! Prendeu a respiração. O terrível significado dessa palavra não estava perdido para ela e, deitando-se de bruços, enterrou o rosto no travesseiro para que Jake não visse a sua vergonha.

Jake acabou de se vestir e passou uma mão experiente na linha do maxilar.

— Vou precisar fazer a barba — comentou prosaicamente, e mais uma vez Helen sentiu ódio dele, por esquecer tão depressa o que tinha acontecido. Os sentimentos dele não a incluíam e ela sentiu uma dor na boca do estômago quando pensou que Jake era capaz de dormir na mesma cama com ela, sem tentar nada. E era duplamente humilhante quando pensava na natureza sensual que ele tinha. Seria ela tão sem atrativos para ele?

— Não quero amolar você, mas a Sra. Morgan falou em meia hora. — Lá estava Jake falando com ela, de pé, ao lado da cama, olhando-a, meio enterrada nas cobertas. — Pensei que fosse levantar.

— Vá embora! — Sua voz estava abafada e insegura.

— Muito bem. — A voz de Jake era indiferente. — Só queria deixar você usar o banheiro primeiro.

— Vá para o inferno!

Helen enterrou ainda mais o rosto nos travesseiros e, com um levantar indiferente de ombros, Jake andou lentamente até a porta.

— A propósito — falou, ao pôr a mão na maçaneta —, é melhor que você ponha um pouco de chá na minha xícara, para a Sra. Morgan não pensar que você é uma esposa muito indiferente!

Um dos travesseiros de Helen bateu na porta, mas ela já estava fechada. Helen ajoelhou-se na cama, os lábios apertados. Ele sempre tinha que ter a última palavra, pensou ressentida, e pulou apressadamente da cama, vestindo suas roupas.

Quando Jake voltou, Helen estava se penteando no espelho, e ele veio atrás dela, penteando seu próprio cabelo com as mãos. Não tinha feito a barba e a sombra azulada estava agora mais pronunciada. Ele passou a mão pela barba crescida e disse:

— É melhor se apressar. Não temos muito tempo.

Helen virou-se e dirigiu-se para a porta, enquanto Jake, tranqüilamente, ia até a cama e ajeitava as cobertas, para dar um pouco de ordem. As últimas reviravoltas de Helen na cama tinham soltado os lençóis e cobertores e estava tudo numa incrível desordem.

— Eu detestaria dar uma impressão errada... — comentou Jake zombeteiramente, ao perceber o olhar interrogativo de Helen.

Helen saiu dali fervendo, convencida de que nada poderia abalar Jake.

 

Ele comeu fartamente, observado por Helen e pela Sra. Morgan, cada uma com uma espécie de interesse. Para Helen, satisfeita com seu café com torradas, era nauseante ver como ele engolia vorazmente o suco de frutas, os cereais, o bacon, os ovos, as salsichas, os tomates, as torradas com geléia e chá, e ela se perguntava se algum dia conseguiria readquirir a calma indiferença que via nele. Nada parecia perturbar Jake, a não ser momentaneamente. E, claro, naquela manhã as linhas de preocupação tinham sumido de seus olhos, tornando seu rosto moreno vivo e atraente.

O Sr. Morgan veio do celeiro logo depois da refeição para despedir-se e, depois de terem dado adeus à Sra. Morgan, desceram pela trilha até a estrada.

— Pedi a meu filho, David, que viesse até aqui com o trator — falou o Sr. Morgan, enquanto patinavam na lama, que logo estaria seca sob o inesperado sol. — Acho que não terá mais nenhuma dificuldade, agora que o tempo está melhor e claro.

— Eu apreciei muito o que o senhor e sua esposa fizeram por nós — falou Jake calorosamente. — Tenho certeza de que nosso fim de semana não poderia ter tido um começo melhor, não é mesmo, Helen?

— Oh... ah, sim! — As palavras pareciam morrer em sua garganta, mas Helen esforçou-se para parecer animada.

David Morgan logo conseguiu tirar a Ferrari da vala.

— Isso é que é carro, filho! — comentou o Sr. Morgan, olhando o interior com interesse. Sorriu para Jake. — Aposto que você corre bastante com ele.

— Nessas estradas? — perguntou Jake, sorrindo. — Dificilmente!

— Mas não foi por isso que você caiu na vala, a noite passada?

— Mais ou menos — disse Jake, depois de alguma hesitação e de olhar para Helen significativamente. — Bem, precisamos ir.

O Sr. Morgan recusou-se a aceitar qualquer pagamento pela pousada daquela noite e Jake subiu no carro, guardando a carteira, inconformado. O possante motor se pôs em movimento e, depois de mais uma despedida, eles partiram.

Helen recostou-se em seu banco, sentindo-se repentinamente fraca. Na verdade, aquele incidente tinha sido muito cansativo.

— Jake não disse nada até chegarem à estrada que ia até Llandranog e Helen começou a ficar apreensiva sobre os próximos problemas. E se os Ndana não fossem pessoas de seu nível? E se não conseguisse se entender com eles? Se Jake fizesse o que Jennifer tinha sugerido e desaparecesse com o embaixador, deixando-a com a mulher dele...

Mas não deixou transparecer nenhuma de suas ansiedades para Jake, que parecia completamente mergulhado em seus pensamentos. A Sra. Morgan tinha secado e escovado seus casacos, não havendo mais sinal de lama neles. E, a não ser pela barba por fazer de Jake e pelo rosto sem pintura de Helen, ninguém diria que tinham passado a noite na fazenda.

Finalmente, passaram por um pequeno vilarejo, aninhado agradavelmente num vale, e Helen apontou para uma placa de sinalização.

— Bem, como aqui é Llandranog, o chalé deve ser para este lado — observou Jake, seguindo pelo primeiro caminho que saía da vila.

Era uma manhã muito clara, o sol expulsando as nuvens e realçando um céu muito azul; embora o vento fosse muito fresco, era revigorante. Jake entrou por um portão de ferro trabalhado e se aproximou de uma pequena casa, coberta de hera e cercada de trepadeiras. Correndo ao lado da casa havia um regato, a água cascateando entre as pedras prateadas.

— Oh, mas é lindo! — exclamou impulsivamente Helen, e Jake olhou para ela, bem-humorado.

— Quantos dormitórios você acha que tem? — perguntou despreocupadamente, e imediatamente as faces de Helen tornaram-se escarlates.

— Você quer dizer... Será que eles pensam... — Helen calou-se, aflita. O olhar de Jake endureceu.

— E se eles pensarem? O que é que tem? Não aconteceu nada esta noite, e você estava muito confortável quando acordei, às seis horas da manhã, com os latidos dos cachorros.

Helen saiu abruptamente do carro e, no mesmo instante, a porta da casa se abriu e Ndana e sua mulher surgiram. Seus rostos negros eram simpáticos e acolhedores, e as preocupações de Helen sumiram na mesma hora.

— Então, finalmente você chegou, homem! — falou Ndana, sorrindo largamente, aproximando-se para cumprimentar Jake quando ele saiu do carro. — Já estávamos começando a duvidar.

Jake apertou a mão de Ndana calorosamente e bateu em seu ombro com familiaridade, o que não deixou dúvidas em Helen: aqueles dois se conheciam melhor do que ela imaginava.

— Mas que viagem, Lucien — comentou Jake, ironicamente. — Deus! Será que você e Rose não podiam ter arranjado um refúgio em Notting Hill ou em St. John's Wood?

Lucien Ndana ria, divertido.

— Mas, Jake, você sabe muito bem que nós gostamos de voltar para a selva sempre que podemos!

Jake deu uma gargalhada e Rose Ndana acompanhou-o. Por um momento, Helen sentiu-se completamente isolada. Obviamente, Jake conhecia a mulher de Ndana muito bem, e ela também tinha intimidade com ele, a julgar pelos olhares brincalhões que trocavam. Mas como estivesse obviamente grávida, esses olhares eram meramente de amizade.

Lucien olhou para trás de Jake, naquele momento, e sorriu para Helen. E, como se só naquele momento se lembrasse de sua mulher, Jake pegou no braço de Helen e, trazendo-a para o grupo, apresentou-a com muita delicadeza.

— Ela é linda, Jake! — comentou Lucien, depois de olhar algum tempo para Helen. — Mas não me surpreende... Tudo o que você escolhe tem que ser o melhor! — Com relutância, soltou a mão de Helen. — Espero que você se divirta neste fim de semana, Helen. Nós prometemos não falar de negócios o tempo todo!

— Tenho certeza de que vou gostar muito — disse Helen, procurando sorrir. — Gosto da sua casa. É encantadora!

Rose Ndana falava pouco mas sorria amigavelmente. E, quando todos entraram em casa chegando ao vestíbulo cheio de flores e com paredes forradas de mogno, ela sugeriu mostrar a Helen o quarto deles, enquanto Jake iria com Lucien tomar um drinque.

— Acho uma boa idéia. Jake pode pegar as malas depois — falou ela.

— Oh, Mujari vai pegá-las — retrucou Rose calmamente, guiando Helen escada acima. Olhando para trás, Helen viu que Jake estava entregando as chaves do carro a um negro enorme, vestido com roupas comuns e, por cima delas, um imenso avental branco. Rose, adivinhando os pensamentos de Helen, explicou:

— Mujari faz de tudo por aqui. é maravilhoso! E é também bastante útil como guarda-costas!

— Seu marido precisa de um guarda-costas? — perguntou Helen, surpresa.

Rose encolheu os ombros. Ela era menor que Helen, mais magra também, e seus ombros eram estreitos.

— Em meu país, todos os estadistas necessitam de um guarda-costas — comentou calmamente. — Não que eles sempre funcionem. Assassinos em geral escolhem a hora certa.

— Que assustador! — exclamou Helen, espantada.

— A gente se acostuma — replicou Rose com simplicidade.

— Pronto... Aqui está seu quarto. Gosta?

O coração de Helen pulou no peito quando Rose abriu a porta, bem depois do topo da escada, e deixou que Helen entrasse na frente. Era um quarto grande, claro e agradável, com mobília clara, colcha e cortinas estampadas. Havia duas camas.

— É... — Helen deu um suspiro de alívio — é mesmo lindo!

Rose sorriu encantada.

— Fico feliz que tenha gostado. Agora vamos, venha conhecer as crianças!

Helen ficou surpresa. Rose não parecia ter idade para possuir uma família!

— Você já tem filhos?

— Sim. Jake não contou a você? Três... e, naturalmente... — Sorriu, olhando para seu ventre crescido.

Helen sentiu que estava ficando vermelha.

— Não, Jake não me disse. Onde eles estão?

— Lá no quarto de brinquedos, com a babá. Lisa. Venha que eu quero apresentá-los a você.

Rose seguiu à frente, pelo hall revestido por painéis de madeira, e entrou num quarto no fundo do corredor, onde uma moça esguia e de cabelos ruivos estava fazendo o possível para controlar três crianças muito excitadas.

— Entre, Helen — disse Rose sorrindo. — Esta é Lisa. Lisa, esta é a Sra. Howard, a mulher de Jake Howard.

Lisa endireitou-se para encarar Helen. Tinha a mesma altura de Helen, mas era mais magra, com ombros e ancas estreitos. Duas das crianças ainda agarravam suas mãos, uma das quais não devia ter mais do que uns dez ou onze meses, as pernas ainda inseguras, enquanto o menino devia ter por volta de três anos. A terceira, uma menina de quatro ou cinco anos, tinha corrido para a mãe quando Rose entrou no quarto.

— Como vai? — murmurou a moça educadamente, mas não havia calor em seus olhos. Pelo contrário, encarava Helen de maneira hostil, e ela não podia entender por quê.

Rose parecia não perceber a tensão no ambiente e perguntou, alegre:

— O que acha dos meus queridos? — Olhou para a pequena que se agarrava a sua saia. — Esta é Ruth, aquele é Joseph, o que está com Lisa. O bebê chama-se James. — Sorriu e abaixou-se para pegar o caçula. — Alô, queridinho. Está sendo bonzinho com Lisa?

Helen tentou recuperar o controle, sob o olhar crítico da babá.

— São lindos! — E estava sendo sincera. — Todos bonitos, rechonchudos e adoráveis.

— Sim, são mesmo! — exclamou Rose, satisfeita. — Eu e Lucien temos muito orgulho deles. E Lisa é um tesouro, claro!

— Tenho certeza que sim. — Helen umedeceu os lábios com a língua. — Está há muito tempo com a Sra. Ndana, Lisa?

— Dois anos — respondeu Lisa indiferente.

— Desde que chegamos à Inglaterra — explicou Rose. — E espero que Lisa vá conosco para Tsaba, quando tivermos que voltar. Não é mesmo, Lisa?

— Eu gostaria muito — falou Lisa calorosamente.

Helen notou que, quando olhava para a patroa, Lisa tinha outra expressão, talvez mais amigável... Rose tocou delicadamente em seu ombro e depois virou-se para Helen.

— Bem, vamos voltar. Os homens devem estar imaginando onde nos metemos.

Foi só quando estavam descendo as escadas que Helen lembrou de alguma coisa que Rose havia dito. Quando apresentou Helen a Lisa, ela a chamou de Sra. Howard! E, depois, explicou que Helen era a esposa de Jake Howard. Como se Lisa conhecesse Jake... como Jake!

Helen sentiu um aperto no coração. Será que Lisa conhecia seu marido? Será que o conhecia bem? E, como era óbvio que Jake já tinha visitado os Ndana outras vezes, por que a trouxera com ele desta vez?

 

Embaixo, os homens estavam sentados diante do fogo, na sala de estar, copos de cerveja na mão, conversando animadamente. Levantaram-se quando Helen e Rose entraram, mas Helen evitou o olhar do marido, olhando para Lucien e pedindo que lhe contasse algo sobre a história daquela casa encantadora.

Lucien era muito amável, interessado na história do lugar, e contou como a casa tinha sido transformada de um velho moinho do século VIII numa residência com todos os confortos modernos. Helen estava interessada mas era difícil evitar que seu pensamento especulasse sobre o relacionamento de Jake com os Ndana, e por que tinha resolvido trazê-la para este fim de semana. Contrariamente às idéias de Jennifer, parecia não haver razão para que ele fingisse um relacionamento normal com ela para esta gente, pois era óbvio que eles o conheciam muito bem. Jake nunca tinha mostrado desejo de apresentá-la a seus amigos, salvo em jantares formais que ofereciam em casa, na praça Kersland. Então, por que ela tinha sido convidada? Por que o relacionamento de Jake com a babá dos Ndana, Lisa, estava azedando? Seria porque, como com as outras, ela também estava exigindo demais dele?

Helen apertou os lábios e deu uma rápida olhada em direção a Jake. Não estava olhando para ela naquele momento e Helen pôde observá-lo, frustrada.

Por que ele tinha que ter aquele magnetismo irresistível, que atraía as mulheres como mariposas para a luz? O que havia neste homem, que tinha lutado implacavelmente durante toda a sua vida para chegar ao topo, que tinha tido sucesso em seus esforços, que nunca tinha tido uma lição de diplomacia na vida, e que passava por cima de qualquer um que ficasse em seu caminho, que tinha a capacidade de convencer cada mulher que encontrava que ela possuía as qualidades necessárias para domá-lo?

Distraída, Helen aceitou um cigarro de Lucien e inclinou a cabeça para acendê-lo no isqueiro que ele oferecia. Respirando profundamente, esforçou-se para prestar atenção no que Lucien dizia. Mas estava muito preocupada com aquela cabeça morena inclinada para Rose, e com aquela atenção que ele dedicava ao que ela estava dizendo. O que ela estava dizendo? A vontade de saber devorava Helen por dentro. E, então, percebeu espantada que estava sentindo ciúmes, intensos ciúmes. Desesperadamente, virou-se para Lucien e sugeriu:

— Não poderíamos dar uma volta lá fora? Eu adoraria andar no sol. A antiga roda do moinho ainda existe?

— Sim, ainda está lá — respondeu Lucien, meneando a cabeça. — Mas um tanto dilapidada, eu acho. Se quer andar um pouco, nós todos podemos ir. Hei, Jake, quer espichar um pouco as pernas?

— Não sei. — Jake olhou para eles descuidadamente. — E você, Rose?

Rose bateu no ventre.

— Não estou com muita disposição — respondeu, desanimada. — Acho que prefiro ficar aqui, perto do fogo, até a hora do almoço.

— Bem, então é melhor que eu fique fazendo companhia a Rose — falou Jake, enterrando as mãos nos bolsos, confortavelmente instalado. Falava tranqüilamente e Helen sentia que tinha os olhos fixos nela. Mas recusou-se a levantar os seus, e então ele encolheu levemente os ombros. — Quer que eu fique com você, Rose?

Rose sorriu, um sorriso quente e cheio de intimidade.

— Eu não gostaria de afastá-lo de sua linda esposa — respondeu, indecisa.

— Não deixe que isso a preocupe muito — falou Jake secamente, a expressão do rosto subitamente endurecida. — Helen pode se ajeitar muito bem sem a minha companhia.

Helen olhou então para ele e viu um brilho irônico em seu olhar.

— Tem toda a razão! — Helen falou alegremente, e teve a satisfação de ver nos olhos do marido uma ponta de impaciência, diante de sua insolência.

Lucien Ndana parecia não perceber nada de errado e, depois que Helen pegou seu abrigo, saíram para o luminoso sol de outono. Apesar das expectativas em contrário, Helen realmente se divertiu. Lucien era uma companhia muito estimulante. E, junto com a história do moinho, ele contou um pouco a história de seu país, Tsaba, situado no centro da África. Para Helen, os costumes tribais eram fascinantes, e logo estavam mergulhados numa conversa sobre cultura africana, que durou até voltarem para casa.

O almoço foi servido por Mujari, apresentado a Helen quase como uma pessoa da família. As crianças não comiam com os pais e, por isso, estavam somente os quatro à mesa. Felizmente, Lucien foi quem mais falou. E, embora Jake fizesse um ou dois comentários para Rose, ele não olhou nem uma vez para Helen, e ela reconheceu que estava satisfeita com isso.

Depois do almoço, os homens se retiraram para o escritório de Lucien para discutir o novo projeto. E, como Rose sempre deitava um pouco após as refeições, Helen foi deixada entregue a si mesma. Vestindo novamente o casaco, andou até o vilarejo, entrou na lojinha local e comprou alguns doces para as crianças. Depois, voltou sem pressa, chegando justamente na hora em que Rose trazia para a sala uma bandeja de chá.

— Aproveitou bem seu descanso? — perguntou Helen sorrindo.

— Sim, obrigada — respondeu Rose também sorrindo. — Sinto muito tê-la deixado sozinha por tanto tempo. Onde esteve?

Helen colocou o pacote de doces na mesinha baixa em frente ao fogo.

— Eu fui até a loja da vila. Aqui estão alguns doces para Ruth, Joseph e James.

— Mas que gentileza! — Rose bateu no assento do sofá ao seu lado. — Venha, sente aqui perto de mim. Não tivemos ainda muita chance de conversar. Conte-me, quando você e Jake pretendem ter um filho?

— Oh... Bem... — Helen estava fortemente ruborizada. — Nós ainda realmente... Não pensamos. — Helen gaguejou, confusa.

— Mas já estão casados há três anos, não? — perguntou Rose, preocupada. — Não quer formar uma família?

Helen umedeceu os lábios secos com a língua.

— Claro... Claro que quero... — murmurou brandamente. — Só que... Bem, não é conveniente, pelo menos por enquanto.

— E por quê? — Rose era insistente e curiosa.

Helen balançou a cabeça, muito atrapalhada. O que poderia responder? Aceitou a xícara de chá que Rose lhe estendia e imaginou, com um sentimento de histérica alegria, o que ela diria se soubesse a verdade sobre seu casamento. Ou talvez até soubesse e estivesse somente observando as reações de Helen.

Helen teve a impressão de que não. Rose não era esse tipo de pessoa. Para ela, ter filhos era a coisa mais natural do mundo, e ser casada sem filhos era uma coisa inconcebível.

O som de vozes no hall aliviou a situação e Helen ficou especialmente alegre quando Jake e Lucien entraram na sala. Os olhos de Lucien brilharam quando ele viu a bandeja de chá com bolinhos.

— Chegamos bem na hora! — observou alegremente. — Venha, Jake, experimente um destes bolos. São a especialidade de Mujari, acredite ou não!

Jake veio se sentar em uma poltrona, ao lado de Helen, aceitando preguiçosamente uma xícara de chá e um bolinho. Era óbvio que ele, com os Ndana, se sentia em casa, apesar de nunca ter estado naquela casa antes.

Lucien sentou-se na cadeira em frente e disse:

— Sugeri a Jake que venha comigo para Tsaba, no mês que vem, quando terei que voltar para a Assembléia.

O coração de Helen deu um salto. Será que Jake estava planejando viajar outra vez?

— E por quanto tempo você planeja ficar fora, Lucien? — perguntou Rose, enquanto tomava um gole de chá. — Eu não quero que você esteja em Tsaba quando o bebê nascer.

— Ora, Rose — respondeu Lucien sorrindo —, o bebê só é esperado para daqui a três meses. Até lá, já estarei de volta há muito tempo.

— Esses homens! — Rose fez uma careta para Helen. — Sempre indo para algum lugar! Eles nem se preocupam com suas pobres mulheres, levando uma vida solitária e triste sem eles!

Bem que Helen concordava, mas evitou fazer qualquer comentário. Jake então olhou intensamente para ela, forçando-a a encontrar seu olhar.

— Bem? — perguntou ele. — O que você acha, Helen?

— Tenho certeza de que deve ser alguma coisa importante, para você ir até Tsaba — falou com admirável controle pois, por dentro, uma massa de ressentimentos tomava conta dela. — Quando planeja viajar? — perguntou, levantando as sobrancelhas.

— Está vendo? — Lucien riu divertido e olhou para Rose. — Vê como Helen está bem treinada? Ela não faz nenhuma objeção, embora seu marido esteja planejando uma viagem de seis semanas para a África Central! O que me diz disso?

Helen ficou vermelha. Era essa a impressão que dava a sua resposta? A concordância obediente de uma esposa-boneca, muito bem treinada? Apertou os lábios e baixou os olhos para a xícara que estava em suas mãos. Mais uma vez, Jake a tinha humilhado, embora sem dizer nada.

Rose parecia indignada.

— Helen não tem três filhos para cuidar, Lucien. Ela é livre. Pode ir e vir quando quiser, ter os amigos que preferir.

Lucien olhou para ela com reprovação.

— Lisa é perfeitamente capaz de tomar conta das crianças. Você não precisa ficar em casa o tempo todo — disse.

— E onde posso ir? — queixou-se Rose. — Como posso usar lindas roupas com esta aparência?

— Ora, Rose! — exclamou Lucien, balançando a cabeça.

Rose curvou os ombros e calou-se, silenciando qualquer protesto que porventura estivesse tentada a fazer.

Helen recolocou a xícara na bandeja, o senso de injustiça crescendo dentro dela. Podia entender o ressentimento de Rose, sua sensação de viver à parte da vida do marido. Helen tinha sentido a mesma coisa.

Um silêncio pesado caiu sobre eles e Helen, determinada, levantou-se.

— Eu poderia tomar um banho? — perguntou a Rose, e ela achou que Rose gostou de mudar de assunto.

— Mas é lógico! — respondeu ela. — Mujari já pôs suas malas no quarto. Você sabe onde fica.

— Sim. — E, com um leve sorriso, Helen saiu da sala. Era um alívio escapar da presença de Jake, e mergulhou na banheira cheia de água morna, que ela mesma preparou.

A qualquer momento, teria que sair dali. Já estava quase escuro lá fora, com a noite de outono envolvendo o chalé. Rose tinha dito que o jantar seria servido às oito, depois que ela e Lucien tivessem passado uma hora com as crianças. Portanto, ainda tinha muito tempo. Embrulhada apenas no roupão de banho, voltou para o quarto. Mas, quando entrou, encontrou as luzes acesas e Jake acomodado numa das camas.

Ficou muito vermelha e sem jeito ao dar com ele. E, subitamente, ajustou o roupão ao corpo, depois de fechar a porta.

— Você demorou... — comentou sério, os olhos sonolentos.

Helen dobrou a toalha e pendurou-a perto de uma pequena pia, num canto do quarto.

— Sinto muito. — Sua voz saiu fria e polida. — Eu não sabia que estava esperando para usar o banheiro.

— Temos dois banheiros. Se quisesse, eu podia ter usado o outro — respondeu Jake firmemente. — Não, eu estava esperando para falar com você, em particular.

— Ah, sim? — Helen pegou uma escova e começou a escovar vigorosamente seus cabelos leves e brilhantes.

Seu jeito indiferente deve ter irritado o marido, que disse, zangado:

— Droga! É sim! Quero saber o que deu em você desde que chegamos aqui. — Ele pôs as pernas no chão e se sentou. — Não me diga que é por causa dessa viagem para a África! Você ficou esquisita muito antes da gente falar nela. Além disso, você devia ter imaginado que a viagem estava dentro de meus planos.

Helen controlou seu impulso de atirar a escova nele. Jake estava calmamente sentado na cama, perguntando por que ela agia de maneira estranha, quando Helen bem sabia que ela tinha razões de sobra para suspeitar dos verdadeiros motivos que o levaram a trazê-la àquela casa.

— Diga-me uma coisa antes — disse, muito tensa. — Por que insistiu em me trazer aqui? Pensei que fosse para impressionar os Ndana, mas é óbvio que não precisa impressioná-los. Então por que me trouxe para cá? Necessidade de proteção, talvez?

Jake proferiu uma exclamação zangada e, ficando em pé, aproximou-se dela com passos largos, fazendo-a virar-se para ele.

— O que está querendo insinuar? — perguntou, zangado. — Por que eu precisaria de proteção?

Helen estava assustada e tentou manter o sangue-frio ao menos externamente.

— Você sabe muito bem!

— Eu não tenho a menor idéia do que você está falando.

— Não tem mesmo? — Agora, a voz de Helen até tremia. — Aposto que vai negar que conhece a babá dos Ndana, Lisa.

— Lisa! Lisa Harding? — Jake ficou muito sério. — Não, claro que não vou negar. Eu a conheço!

— Oh! — Helen sacudiu a cabeça. — Claro! Eu devia ter imaginado que você estava preparado para isso. Seria muito estúpido dizer que não conhece alguém nesta casa, não é?

— Helen, pelo amor de Deus, o que há?

— A moça me odeia — falou Helen, endireitando os ombros. — Quando fui apresentada a ela, ficou muito claro. Ela realmente me odeia. E só pode haver uma explicação para isso...

— Oh, Deus! — Jake agarrou seus ombros com mãos fortes e zangadas, os dedos apertando firmemente sua carne por baixo do roupão. — Está bem, está bem, eu conheço Lisa. E até admito que saí com ela algumas vezes. Mas isso foi há anos. A verdade é que fui eu que arranjei este emprego para ela, com os Ndana. Mas, desde então, não tive mais nada com ela.

— E espera que eu acredite? — A respiração de Helen estava irregular. — Você... Você obviamente visitou os Ndana muitas vezes. E esta é a primeira vez que me trouxe...

Jake levantou os olhos para o céu.

— Olhe, Helen, Lisa Harding não significa nada para mim. Por que eu ia mentir? E, de qualquer modo, você nunca se importou. Está fazendo isso só para que eu não possa reclamar do seu envolvimento com aquele sem-vergonha do Mannering!

— Eu não tenho nada a ver com Mannering! — respondeu Helen agitada, levantando a cabeça.

— Não mesmo? — comentou Jake, irônico. — Quer me dizer que ele nunca a tomou nos braços... Nunca beijou você?

— Mas é claro que não! — Seu rosto queimava.

— Então como foi que você o amarrou? O que é que ele lucra com a situação?

Helen sentia o sangue fervendo, a raiva substituindo o medo que sentia dele.

— Talvez possa interessar a você saber que existem relacionamentos entre um homem e uma mulher que não têm o sexo como intermediário!

— Verdade? — Os olhos de Jake brilhavam. — Uma associação meramente espiritual!

— Você pode chamar assim, se quiser!

— Então o que Mannering lucra desta associação?

— Nada. — Helen levantou as sobrancelhas. — Ele não lucra nada... Pelo menos, nada material. Nós só partilhamos das mesmas opiniões...

— Em vez de camas, é isso? — Os olhos negros de Jake brilhavam perigosamente.

— Você tem que levar tudo para o lado físico, não é? — exclamou furiosa, o rosto em brasa. — Não pode se imaginar trocando idéias com alguém do sexo oposto, pode? Não... Você acha que só os homens têm o dom de discutir com inteligência.

— Oh, não, eu não penso isso! — respondeu Jake, zangado. — Mas conheço Mannering, e tenho absoluta certeza de que não está tão satisfeito com essa amizade platônica como você parece estar. O que há, Helen? O que está faltando nesse seu lindo corpo, que não deixa você apreciar um relacionamento normal e sadio?

Helen abafou um soluço.

— é assim que você chama o relacionamento que tem com mulheres como Lisa Harding? — perguntou, revoltada. — Um relacionamento normal e sadio?

Jake baixou os olhos para ela, os lábios com um sorriso de desprezo. Então, seus olhos escureceram ainda mais, ao se fixarem em seus seios, que mal apareciam pelo decote do roupão. Seus dedos, que tão cruelmente haviam segurado os ombros dela, subitamente escorregaram até seu pescoço, e Helen tentou escapar. Mas os dedos se apertaram e, de repente, ela mal podia respirar.

— Eu já agüentei demais de você — disse Jake com voz rouca.

Helen engolia com dificuldade.

— Você está me machucando — disse em voz muito baixa, quase num murmúrio.

— Estou mesmo? — Os olhos dele estavam dentro dos dela e Helen sentiu as pernas bambas, enquanto ela se derretia toda com aquele olhar.

— Jake, pare! — murmurou quase sem fôlego.

Jake chegou mais perto, seu corpo rijo tocando o dela.

— Mas você está tremendo! — Inclinou a cabeça, roçando a boca no pescoço dela. — Eu posso acabar com isso... — E, então, sua boca estava sobre a dela e os lábios de Helen se entreabriram, irresistivelmente.

Seu beijo, que a princípio era delicado, transformou-se num beijo urgente, apaixonado, destruindo todas as ilusões inexperientes de Helen de como um beijo deveria ser. Jake era um expert quando se tratava de despertar uma mulher. Suas mãos deslizaram possessivamente pelas costas dela até os quadris, e ele a abraçou com o corpo inteiro, tornando-a consciente de seus desejos.

Helen queria resistir. Gostaria de ter-se livrado de seus braços para provar a ele que não podia ser dominada daquela maneira. Mas era inútil fingir. O calor de seu corpo musculoso e magro, a perturbadora sede de sua boca, as deliciosas carícias de suas mãos, tudo a deixava mais fraca e presa a ele. Desprezou-se quando seus próprios braços impetuosamente o abraçaram, seus dedos sentindo a incrível vitalidade da nuca e dos cabelos dele. Ela perdeu a noção de tempo e espaço, as carícias a seduzindo a tal ponto que nada mais importava senão ele... Seu urgente desejo por ela. Helen também o desejava. Seu corpo ansiava pelo dele e, quando Jake a levantou nos braços e a carregou para a cama, uma sensação de felicidade a dominou inteiramente.

Estava com os olhos fechados, mas abriu-os quando ele a pousou na cama. Então viu algo que fez seu sangue gelar. Os olhos de Jake não estavam mais doces e perturbadores, mas frios e indiferentes. Helen teve uma terrível sensação de vergonha e, instintivamente, protegeu o corpo com o roupão, querendo fechar os olhos para fugir da acusação que via nos olhos dele.

— Agora me diga — falou, violento. — Mannering nunca tocou em você?

Helen balançava a cabeça de um lado para o outro, tremendo... Apesar do calor que percorria seu corpo.

— Nunca! — sussurrou, atormentada. — Nem ninguém!

Jake olhou para ela longamente.

— O que está tentando? — perguntou selvagemente. — Me provar isso?

— Eu não minto, Jake — disse Helen trêmula, quase chorando. Jake passou a mão na testa e, sem uma palavra, saiu do quarto. Helen ficou na cama, numa espécie de torpor, agoniada, temendo a hora em que Jake voltasse para trocar de roupa para o jantar. Lembrava de tudo o que acontecera e sabia das implicações que surgiriam dali. Mas era impossível ter uma noção exata da realidade em relação a tudo o que acontecera. Sentiu-se privada de toda sua energia, o langor causado pelos beijos de Jake ainda dominando seus sentimentos.

Finalmente, decidiu reagir. A última coisa que queria era que Jake voltasse e imaginasse que estava deitada ali à sua espera. Ele poderia desprezá-la. Mas não tanto quanto ela mesmo se desprezava.

Ela, Helen Forsythe, que sempre desprezou as mulheres que se atiravam sobre os homens, tinha provado que não era melhor que nenhuma delas.

Decidida, pulou para fora da cama. Não ficaria ali se lamentando. A última coisa que Jake esperaria dela, agora, era uma reação. Mas ia reagir... Não ia tornar as coisas ainda piores, deixando-o pensar que o culpava pelo que tinha acontecido. Já se comportava como se a última meia hora nunca tivesse existido. E, de algum modo, recuperaria a ilusão perdida de total desinteresse.

Por causa disso, cuidou especialmente da maquilagem, escurecendo as pálpebras e os cílios e acrescentando brilho aos lábios. Depois escolheu o vestido que ia usar: um longo azul, com um decote fundo e mangas fartas. Nunca tinha usado aquele vestido, que realçava seu tipo muito nórdico e aumentava sua aparência de fragilidade. Usava brincos de ouro e um medalhão que se aninhava, provocante, entre seus seios.

Quando se olhou no espelho, antes de descer, sabia que nunca tinha estado tão bonita. E, assim, foi capaz de parecer segura, quando era bem o contrário que sentia.

Jake ainda não tinha voltado para se trocar e ela desceu as escadas, indecisa, temendo o encontro mas ao mesmo tempo desejando que ele a visse.

Mas, quando chegou à sala, encontrou apenas Lisa Harding, vestida elegantemente num caftã verde, que ia muito bem com seus lindos cabelos ruivos. Pareceu surpresa ao ver Helen, e baixou os olhos, escondendo o brilho que havia neles.

Helen, entretanto, estava resolvida a agir naturalmente.

— Onde estão os outros? — perguntou, depois de cumprimentar a jovem delicadamente.

Lisa juntou as mãos, a hostilidade evidente em suas maneiras reservadas.

— Estão com as crianças — respondeu polidamente. — Meus patrões geralmente passam estas horas com os filhos, e o seu marido invariavelmente também encontra tempo para isso. Ele gosta muito de crianças!

— Compreendo — respondeu Helen, inclinando levemente a cabeça. Depois continuou em voz baixa, olhando ao redor, esforçando-se para permanecer calma: — Eu não sabia...

As narinas de Lisa dilataram-se.

— Posso lhe oferecer uma bebida? Tenho certeza de que a Sra. Ndana aprovaria.

— Bem... — Helen teve uma pequena hesitação — sim, obrigada. Cherry seria ótimo!

— Seco ou doce?

— Seco, por favor. — Helen mordeu o lábio inferior. — Gosta de trabalhar para os Ndana?

Lisa derramou o cherry no cálice sem mostrar muito interesse e estendeu-o para Helen, indiferente.

— Gosto muito. Foi Jake quem me arranjou o emprego — respondeu friamente.

— Sim, ele me contou — respondeu Helen, sentindo-se um pouco tensa.

— Contou? — Lisa parecia incrédula. — Eu conheço Jake há muitos anos. Nasci em Leeds. Nos encontramos lá, em uma festa, há dez anos.

— Tanto tempo assim? — Helen parecia surpresa. Afinal de contas, há dez anos ela só tinha quinze anos.

— Sim. — Lisa apertou os lábios. — E conheço também a mãe dele.

Lisa tomou um pequeno gole de cherry.

— Este cherry é especialmente bom, e a temperatura está perfeita.

— Sem dúvida! Você deve ser especialista nesse tipo de coisa!

Helen estava chocada com o tom de desprezo que havia na voz da moça, mas procurou esconder o que estava sentindo.

— Devo mesmo? — perguntou enfim, com voz suave.

Lisa encolheu os ombros magros.

— Diga-me, Sra. Howard — falou, enfrentando-a —, a senhora nunca fica aborrecida?

— Aborrecida? — Helen levantou os olhos. — Por que eu deveria ficar aborrecida?

— Jake sempre viajando... — mais uma vez ela encolheu os ombros — deixando a senhora sozinha. Nunca teve vontade de arranjar um emprego, alguma coisa?

A testa de Helen foi vincada por uma pequena ruga.

— Ah, entendo. Bem, sim, eu acho que algumas vezes sinto um pouco de tédio. Mas não muitas vezes. Gosto muito de ler... Vou ao teatro... A exposições de arte! O meu tempo é quase totalmente ocupado.

Lisa fez um pequeno muxoxo.

— Com todas as mulheres que Jake tinha para escolher, foi escolher logo um lírio do vale como a senhora!

— Acho que está se tornando um tanto insolente, srta. Harding — disse Helen, depois de passar o dedo vagarosamente pela borda do cálice e escolher cuidadosamente as palavras.

Lisa estava descontrolada.

— Pouco me importa o que você pensa. Jake devia ter tido mais sensibilidade! E a mãe dele concorda comigo!

— Ah, concorda? — Helen ergueu as sobrancelhas. — Mas as mães não podem escolher as esposas para os filhos, podem? Você está esquecendo que Jake é um homem muito independente. Não posso imaginar, de jeito nenhum, que ele faça alguma coisa que não queira, você pode?

Lisa enrubesceu.

— Era o seu ambiente que ele queria! Não você!

Helen forçou-se a sorrir.

— Isso pode ter sido verdade, Lisa — falou com determinação. — Mas, honestamente, você acredita que ainda é verdade, agora? — O jeito ligeiramente zombeteiro de seus lábios foi suficiente para exasperar a outra, e Helen percebeu que tinha escolhido exatamente o caminho certo para anular o ataque de Lisa. Correu a mão pelos quadris, realçando a curva suave de seu corpo. — Diga, você acha que este vestido fica bem em mim?

Lisa murmurou uma praga e desapareceu pela porta; Helen deu um suspiro de alívio. Pelo menos naquela pequena escaramuça tinha sido a vencedora.

Lucien e Rose apareceram logo depois, aprovando com a cabeça ao verem que Helen já estava tomando alguma coisa.

— Foi Lisa quem me serviu — explicou Helen, levantando o cálice. — As crianças já foram dormir?

— Oh, Lisa vai acomodá-los — explicou Lucien sorrindo. — Ela sempre tem a última palavra.

— É mesmo? — Helen inclinou a cabeça, pensativa. Naquele exato momento, Jake entrou na sala.

Ele tinha tomado banho, feito a barba e vestia um terno escuro, muito elegante — a calça perfeitamente cortada, destacando a musculatura das pernas. Estava de camisa azul-clara e gravata combinando, e seus cabelos negros estavam penteados, mas ligeiramente enrolados na altura do colarinho. Era mesmo um homem perturbadoramente atraente, transpirando masculinidade, pensou Helen abalada, sentindo que em seu estômago a sensação de aperto era cada vez mais forte.

Durante a refeição, ela sentiu seu olhar constantemente posado nela, revelando uma expressão pensativa e curiosa. Estava apavorada, temendo o momento em que se recolheriam para dormir e ficariam novamente sozinhos. Não conseguiria suportar mais o desprezo dele.

Lisa não fez companhia a eles durante o jantar, e Rose explicou que, embora a tivesse convidado, ela preferiu comer em seu quarto. Helen sentiu alívio. A antipatia de Lisa era uma coisa sem a qual ela passava muito bem!

Depois do jantar, a pretexto de um jogo de xadrez, os homens se retiraram para o escritório de Lucien, e Helen ficou mais uma vez sozinha com Rose. Felizmente, a televisão prendeu a atenção de Rose, evitando mais perguntas indiscretas.

A noite se arrastou vagarosamente, deixando Helen cada vez mais inquieta. Finalmente, depois que Mujari trouxe uma bandeja com café e sanduíche, por volta das dez horas, pediu licença e percebeu que Rose também estava cansada.

— Estes homens! — exclamou Rose, balançando a cabeça. — Eles não ligam nem um pouco para nós! — Mas riu enquanto falava, e Helen sabia que não estava falando seriamente.

 

No quarto, depois de passar pelo banheiro, Helen vestiu sua camisola e enfiou-se na cama. Tinha sido um estranho dia e tinha certeza de que não dormiria facilmente.

Seus pensamentos iam da próxima viagem de Jake à África até sua conversa na hora do jantar com Lisa. Ou até a atitude pensativa de Jake durante toda a noite, ou, mais importante que tudo, até o comportamento dele naquele quarto, horas atrás. Talvez tivesse sido ela a responsável por tudo aquilo, pensou suspirando. Ela o tinha provocado e Jake tinha reagido de um jeito que deixava fora de qualquer dúvida que ela não era mais indiferente a ele.

Deliberadamente, virou-se de bruços e tentou tirar da cabeça qualquer pensamento que tivesse relação com ele, mas era praticamente impossível. Os sons da noite chegavam até ela: o ruído do vento através das copas das árvores, o som do riacho correndo entre as pedras, o pio de uma ave noturna. Então, ouviu o barulho da porta abrindo e fechando e percebeu que Lucien e Jake vinham dormir.

Imediatamente, ficou imóvel. Quando a porta do quarto se abriu, fingiu ressonar profundamente, para que ele pensasse que estava dormindo. Jake acendeu a luz do abajur entre as camas. Abrindo um olho, ela viu que ele estava tirando as roupas. Fechando novamente os olhos, esperou que terminasse, apagasse a luz e entrasse na cama dele.

De fato, ele apagou mesmo a luz. Mas, em vez de ir para sua cama, veio para a dela, e Helen percebeu a presença dele ali, em pé no escuro, olhando para ela.

Ficou completamente imóvel, mas sua respiração irregular deve tê-la traído, porque ele disse brandamente:

— Chega pra lá...

— Sua cama é lá... — Helen reagiu.

— Esta é a minha cama — falou com voz rouca.

E, sem esperar permissão, Jake entrou debaixo das cobertas, seu corpo quente chegando bem perto dela... Helen entrou em pânico e tentou sair da cama pelo outro lado, mas o braço dele a impediu.

— Não resista, Helen — disse Jake sussurrando, sua boca procurando a curva delicada do pescoço dela. — Não sabe que hoje quase me deixou louco? Meu Deus... Eu desejo você!

Helen tentou desesperadamente se libertar dele, mas em vão. Jake era mais forte e, além de tudo, o desejo tão antigo de provar o fruto proibido estava dentro dela.

 

Uma vez mais antes da madrugada Jake a despertou novamente, a boca quente e insistente e, desta vez, Helen não resistiu. Respondeu tão avidamente quanto ele, sem se preocupar com as conseqüências.

Era o seu homem, seu marido, e ela o amava com todas as forças do seu ser.

Mas, quando a manhã chegou e o quarto foi iluminado pela pálida luz dourada do sol, Jake tinha desaparecido. A outra cama permanecia arrumada, sinal de que seu marido dormira junto com ela.

 

Helen rolou na cama preguiçosamente e olhou o relógio. Ficou surpresa ao descobrir que já eram dez e meia e, imediatamente, pulou da cama, tremendo ao sentir o ar frio contra seu corpo quente. Foi até o banheiro e tomou um chuveiro rápido. Depois vestiu uma calça azul-marinho e uma malha listrada e, deixando os cabelos soltos, desceu as escadas.

Mujari estava sozinho no living, reavivando o fogo que ameaçava apagar. Ao vê-la, sorriu. Helen hesitou um momento, depois perguntou:

— Onde estão todos, Mujari?

— A Sra. Rose está na cozinha — disse ele, depois de franzir a testa. — O sr. Lucien e o sr. Jake estão fora. — E riu novamente. — Quer que avise a Sra. Rose?

— Não é necessário, Mujari. Já estou aqui. — Rose entrou vagarosamente na sala. — Você dormiu bastante, Helen. Jake disse para não incomodá-la.

Um rubor repentino tomou conta do rosto de Helen e Rose, discretamente, agitou um dedo para ela, com malícia.

— Vamos, nada de desculpas comigo — disse ela. — Entendo perfeitamente, acredite. — E riu carinhosamente. — Jake é um homem tão atraente que até eu poderia me apaixonar por ele.

Helen não sabia o que responder, mas perguntou, do jeito mais natural que conseguiu:

— Hum... Onde estão os dois, Lucien e Jake?

— Foram dar uma volta — explicou Rose, fazendo um gesto. — Visitar a vila, eles disseram. Acho que estão é conversando sobre negócios outra vez. Lucien está muito interessado em ter um complexo de Jake, em Tsaba. Vai criar uma porção de empregos e trazer para o país tanto prestígio quanto dinheiro.

— Entendo — Helen respondeu. — E Lucien disse quando pretende partir?

— Nos próximos dias, creio eu. Por quê? Você quer que Jake vá embora tão depressa?

Helen balançou a cabeça, desconsolada. Até agora não ousara pensar o que queria. Nem ao menos sabia o que ia acontecer. Como explicar seus receios a Rose, que naturalmente considerava seu casamento normal? Sabia como Jake era com as mulheres que exigiam demais dele. E ele nunca tinha dito que a amava! Tinha dito, sim, que a desejava; mas isso era muito diferente!

Por um momento permitiu-se recordar as últimas poucas horas que passou nos braços de Jake. Tinha sido uma visão maravilhosa do que podia ser o amor entre um homem e uma mulher. Nunca sonhou que tal êxtase pudesse existir, ou que Jake pudesse ser tão paciente, ensinando-a a se abandonar de uma maneira que agora a envergonhava só de lembrar. Rose olhava para ela curiosa, e comentou:

— É claro que você não deseja que ele vá. Mas por que não vai com ele?

— O que disse? — perguntou Helen, incrédula.

— Disse para você ir com ele. E por que não? Você não tem que ficar na Inglaterra, tem? Não tem compromissos, tem?

— Não, mas... — Helen prendeu uma mecha dos cabelos atrás da orelha. — Eu... Eu não sei...

— Eu não teria dúvidas, se fosse comigo. — Rose encolheu novamente os ombros. — Sem isso aqui — bateu em seu ventre —, eu iria, sem a menor sombra de dúvida!

— Iria mesmo? — Helen parecia indecisa. — Oh, claro! É o seu país, seu lar!

Rose insistiu.

— É. Mas vim para cá com Lucien. E não precisava. Poderíamos ter ficado em Luanya, a capital do país, que é onde moramos. Poderia ter ficado lá, e Lucien me visitaria regularmente.

— Mas você é a esposa do embaixador! Tem que acompanhá-lo!

— Talvez sim, talvez não — falou Rose, depois de respirar fundo. Mas eu não deixaria Lucien muito longe da vista...

Helen sorriu. A cabeça de Rose era muito simples. Ela não tinha a menor idéia das complicações que tinham aparecido na vida de Helen, antes tão ordenada.

Jake e Lucien chegaram na hora do almoço, quando Helen estava sozinha no living e Rose na cozinha, supervisionando a refeição. Lucien entrou primeiro, esfregando as mãos para esquentá-las.

— Alô, sua dorminhoca! — saudou alegremente. — A que horas acordou?

— Às dez e meia — respondeu Helen, séria, um pouco temerosa do momento em que Jake ia aparecer na porta.

— Dez e meia! — Lucien parecia muito escandalizado. Estava fazendo algum comentário sobre as vantagens de deitar cedo e acordar cedo quando Jake entrou na sala.

Estava com a mesma calça preta de camurça com que viera na viagem e uma camisa de seda verde-malva, clara. Um casaco cinza-chumbo de camurça pendia descuidadamente de seus ombros, e ele pareceu a Helen mais alto e forte do que nunca, mas claramente preocupado.

Helen olhou aflita para ele, mas não conseguiu adivinhar o que estava pensando. Jake era do tipo que não demonstrava o que sentia e ela começou a ficar apreensiva. Um frio apertou a boca de seu estômago. Como era estúpida por imaginar que o que haviam partilhado tinha, para ele, um significado especial. Conservou os olhos baixos, olhando intensamente para suas mãos que descansavam no regaço. E mesmo quando Lucien lhe ofereceu um cherry ela mal levantou a mão, pegando o cálice delicadamente e segurando-o no colo.

Lucien saiu para falar com Rose e os nervos de Helen ficaram tensos. E agora? Que tipo de comentário demolidor viria?

Mas Jake não disse nada de imediato, tomando sua cerveja e servindo-se de uma segunda dose. Então, veio para perto da lareira, olhando para ela com olhos penetrantes e soltando uma exclamação impaciente, quando viu que Helen não dizia nada, nem olhava para ele.

— Helen — ele estava sério —, preciso falar com você.

— Não agora — disse ela, bebendo um gole de cherry. — Eu... Ah... Onde vocês foram hoje de manhã?

— Helen! — exclamou Jake com voz atormentada. — Olhe para mim!

Mas, justamente nesse momento, Lisa Harding entrou na sala, sorrindo alegremente para Jake.

— Jake! Então você voltou! A Sra. Ndana disse que você tinha ido passear com o marido dela. Vi você tão pouco neste fim de semana!

Jake fez um movimento de ombros, como se estivesse se desculpando.

— Foi uma visita muito curta. — Sua voz saiu naturalmente. — Vamos voltar hoje mesmo, logo depois do almoço.

— Oh, Jake! — insistiu Lisa carinhosamente. — Mas você vai nos ver em Londres, não vai?

Helen levantou-se subitamente.

— Com licença — falou, sentindo-se ligeiramente enjoada. Apesar da tentativa de Jake de segurar seu braço, conseguiu se desvencilhar dele e ir direto para o quarto, atirando-se na cama, sem se importar se estava amassando as roupas. Naquele momento, o que queria era morrer...

O som da voz de Rose chamando por ela trouxe-a de volta à realidade. Estava avisando que o almoço estava pronto e Helen sabia que tinha que descer e se comportar naturalmente.

A refeição parecia não acabar mais e, quando terminou, ela ficou imensamente satisfeita ao ver Mujari colocando as malas na Ferrari.

— Bem, Jake, foi bom ver você — falou Lucien calorosamente. — Telefono na segunda-feira, quando voltar para a cidade, e combinaremos os detalhes finais, entendido?

— Ótimo, Lucien. Até logo, Rose!

— Até breve, Jake! Até breve, Helen. Guie com cuidado!

A Ferrari afastou-se suavemente e Helen acenou até perdê-los de vista. Depois, recostou-se em seu lugar e pôs um braço na testa. Comportar-se naturalmente tinha exigido dela um grande esforço, e agora se sentia esgotada.

Jake guiou por diversos quilômetros em silêncio e, quando finalmente chegaram à estrada principal, falou:

— Bem, agora vamos conversar, certo?

Helen sacudiu a cabeça nervosamente.

— Mas o que temos para conversar?

Jake soltou uma praga baixinho.

— Helen, deixe de se fazer de desentendida. Você sabe perfeitamente bem o que devemos conversar. É sobre ontem à noite!

— Eu... Eu preferia não falar nisso, se não se incomoda. — Helen respirou fundo.

— Bem, mas me incomodo! — falou impetuosamente. — Pelo amor de Deus, Helen, pelo menos me dê a oportunidade de pedir desculpas!

— Pedir desculpas? — Helen olhou espantada e confusa para o marido.

— Sim! Com os diabos, pedir desculpas! Deus, eu não sei o que aconteceu comigo! E, depois, quando descobri que você era... Bem.... Virgem, nem assim deixei você em paz. — Suas mãos apertavam o volante. — Não sei se vai acreditar, mas não acontecerá outra vez!

— Jake, por favor! — Helen reteve o fôlego. — Pare de fazer um caso sério disso! Eu... Eu não sou mais uma criança, afinal de contas. Eu... Eu sabia o que estava fazendo.

— Sabia? Sabia realmente? — Jake mordia violentamente o lábio inferior. — Não se preocupe em me acalmar! Sei que sou um porco! Mas pode acreditar, não estou nem um pouco orgulhoso!

Helen torcia as mãos.

— Por favor, Jake! Isto é ridículo! Não há necessidade de pedir desculpas depois de...

Jake olhou rapidamente para o rosto pálido da esposa.

— Por que você não me xinga, ou qualquer outra coisa? Eu mereço. Por que recebe tudo com uma horrível indiferença?

Helen desviou rapidamente o olhar. Ele pensava que era indiferente! Oh, Deus, se ao menos ela fosse!

Depois disso, fez-se silêncio por um longo tempo e, uma vez entrando na via expressa, Jake aumentou bastante a velocidade e logo estavam nos arredores da cidade.

A Sra. Latimer os recebeu quando chegaram à Praça Kersland, e perguntou se já tinham jantado.

— Não — respondeu Jake sacudindo a cabeça —, ainda não. Mas não se preocupe comigo. Eu... Eu vou sair.

O rosto de Helen ficou sombrio. Ele ia sair.

Tinha vontade de gritar: "Não vá! Fique comigo! Me ame como ontem"

Mas, naturalmente, não teve coragem. Em vez disso, falou calmamente:

— Não faça nada para mim, também, Sra. Latimer. Eu... Eu acho que vou direto para a cama. Uma xícara de café e um sanduíche bastam.

A Sra. Latimer retirou-se para preparar a ligeira ceia de Helen e Jake ficou parado, indeciso, no hall. Tinha levado as malas para cima e agora olhava pensativo para Helen, os olhos escuros e brilhando.

— Você parece muito cansada — falou em voz baixa. — Sinto muito...

— Oh, pare com isso! — A voz de Helen estava ligeiramente irritada. Não podia suportar aquela solicitude dele. — Pelo amor de Deus, deixe-me em paz.

Jake olhava para ela, hesitante.

— Helen, não deixe que isso... Estrague as coisas...

— Estrague outras coisas! Estrague outras coisas! — Helen infundiu à voz um proposital tom dramático. — O que eu poderia estragar? Céus, Jake, em que século você pensa que vivemos? Atribua o que aconteceu às circunstâncias... Ao vinho particularmente bom que nós andamos tomando. Era um bom vinho, não?

— Helen! — A voz de Jake era tensa, agora. — Pare com isso!

— Parar com o quê? Falar sensatamente do que acontece todos os dias em circunstâncias bem menos favoráveis? Você é muito antiquado, Jake. Eu nunca acreditaria, mas você é!

— Helen! — Jake agarrou-a pelos ombros e a sacudiu com força. — Pare com isso! Não pense que pode me enganar, comportando-se desta maneira! Sei melhor do que ninguém o que fiz! Tudo o que eu quero, agora, é me afundar em uísque, até não conseguir mais pensar... Muito menos sentir!

Helen soltou-se dele.

— Então vá! Eu não me incomodo...

Jake ficou grudado no lugar.

— O que você vai fazer?

— Eu? — Helen estava tendo imensa dificuldade em controlar as lágrimas que estavam quentes em seus olhos. — Eu disse à Sra. Latimer que ia me deitar cedo.

Jake parecia muito preocupado.

— Posso ficar tranqüilo? É isso mesmo que vai fazer?

— E por que não? — Helen pôs a mão no corrimão da escada. — Parece que não existe mais nada para fazer, não acha?

Jake passou a mão pelo cabelo e subitamente ela o achou muito jovem e de certo modo, vulnerável. Mas isso era ridículo, pensou imediatamente, e ficou revoltada. Não havia nada de vulnerável em Jake Howard!

— Bem, se tem certeza que está tudo bem...

— Lógico que tenho certeza! — Helen ergueu orgulhosamente a cabeça. — Ah, a propósito... Quando você parte para Tsaba?

— Na quarta-feira, provavelmente. — Jake levantou os ombros ligeiramente. — Por quê? Você prefere que eu não vá? — E seus olhos brilharam muito negros.

— É completamente indiferente para mim, você ir ou ficar — respondeu Helen com um aceno de mão, fingindo um grande desprezo.

Como se isto bastasse para ele, Jake virou-se e caminhou com passos firmes até a porta, batendo-a com força.

 

Helen estava dormindo e tendo um sonho terrível. Vinha andando na chuva, subindo pela trilha enlameada que levava à fazenda dos Morgan, mas quando chegou perto não era mais a fazenda dos Morgan, e sim sua casa na Praça Kersland, curiosamente afastada da vizinhança. Parou, pôs a mão na cabeça e espiou. Lá estava, do lado de fora, o carro de Jennifer; um terrível pressentimento tomou conta dela. Subiu correndo os degraus da entrada, entrou no hall e, agora, podia até ouvir risos, uma porção de risos femininos, vindo do andar de cima. Subiu a escada vagarosamente, temendo o que ia descobrir, mas empurrada por uma terrível urgência de descobrir a verdade. Escancarou a porta do quarto de Jake e ele lá estava... Com uma mulher na cama... Quando a mulher se virou, Helen viu que não era Jennifer, mas Lisa Harding.

— Não! — Helen tinha consciência de ter repetido esta palavra várias vezes seguidas, desesperada, sem acreditar no que via. Lisa a agarrara cruelmente pelos ombros e a sacudia, sacudia, sacudia...

— Helen! Helen! Calma! Você está bem. Você está bem! Está... Aqui... Em casa.

Helen abriu os olhos com dificuldade, a luz fraca do abajur iluminando o rosto do homem que, inclinado sobre ela, a sacudia delicadamente para que acordasse. Estava ofegante, respirando com dificuldade, muito abalada, como se tivesse corrido léguas, o rosto molhado de lágrimas.

Piscou várias vezes, a respiração foi normalizada, até que reconheceu o rosto ansioso do marido.

— O que... O que é? O que aconteceu? — perguntou Jake, acomodando-a nos travesseiros macios. — Você estava tendo um pesadelo? — perguntou ele, sentando-se do lado da cama, ajeitando médias úmidas do cabelo dela para trás das orelhas. — Você estava muito assustada. — Sorriu, os olhos muito carinhosos, como jamais Helen tinha visto.

— Eu... Eu sinto muito! — Helen pôs a mão na cabeça. — Eu... Eu nunca tive isso antes.

— Eu sei. Acho que é ressaca deste maldito fim de semana — disse Jake, os olhos muito negros, balançando a cabeça contrariado. — Está bem agora?

Helen respirou fundos, seus olhos ávidos, apaixonados, grudados nele, percebendo todos os movimentos do marido. O cabelo de Jake estava despenteado pelo sono, e ele vestia um robe de seda azul-marinho. Não parecia ter passado a noite bebendo, como tinha dito que ia fazer.

— Já vou, então — disse Jake, levantando-se. — Boa noite, Helen.

— Espere! — Helen levantou-se, apoiada no cotovelo, e segurou os dedos dele. — Jake... Não vá!

O rosto de Jake ficou vermelho.

— Pensei que você estivesse melhor agora... — E então, ao encontrar os olhos dela, murmurou atormentado: — Pelo amor de Deus, Helen, você não sabe o que está pedindo!

— Eu sei... — Helen levou a mão dele até os lábios, mas Jake livrou-se dela subitamente, andando rápido para a porta. Sem olhar para trás, saiu e bateu a porta, deixando um vazio atrás dele, o vazio que Helen sentia em seu coração por tanto desprezo.

 

A estação de trens de Selby não era dos lugares mais inspirados, numa noite úmida de novembro, e Helen deu graças por estar protegida pelo calor do casaco de pele de carneiro e do terninho de lã grossa. Levava somente uma pequena valise e, após apresentar seu bilhete, saiu para arranjar um táxi. Tinha o endereço da Sra. Howard no caso de precisar se comunicar com ela, e deu-o ao motorista, acomodando-se no banco, esperando ansiosa o momento de chegar lá.

Não sabia realmente porque tinha tido a idéia de ir até a casa da mãe de Jake. Talvez fosse a atitude de Jennifer.

Tinha acordado naquela manhã com um terrível sentimento de culpa e, pouco a pouco, lembrou dolorosamente de tudo o que tinha feito. Mesmo agora, ficava envergonhada, quando recordava o momento em que Jake a rejeitara.

Durante o café solitário, fumando alguns cigarros, tentou avaliar a sua situação e acabou chegando à única conclusão possível: não podia mais continuar vivendo com Jake, sabendo que ele a desprezava, e tinha medo de que sua fraqueza pudesse criar nova situação para ser mais uma vez humilhada. Ia pedir a ele o divórcio e, depois, de alguma maneira se arranjaria. Estas coisas de hoje em dia não eram tão difíceis e não se incomodava em ser citada como a parte culpada.

Então, deu-se conta de que não poderia mais continuar vivendo na casa de Jake. Tinha que encontrar outro lugar para morar. Mas onde? E com quem? A idéia de um quarto solitário era assustadora, mas poderia até virar realidade. Afinal, ela não podia esperar que Jake a sustentasse. E, depois, era uma pessoa sadia, e não havia razão nenhuma para que não arranjasse um emprego.

Pensou então na viagem que ele faria para a África. Se pudesse ficar fora de seu caminho até lá, quando ele estivesse de volta já teria readquirido o equilíbrio. Neste momento sentia-se emocionalmente instável, incapaz de enfrentar mais discussões.

Então telefonou para Jennifer e disse o que pretendia fazer. Obviamente, Jennifer ficou muito abalada. Mas, como ela não tinha idéia das verdadeiras causas, sua opinião também não valia muito.

— Mas, querida! — exclamou. — Você sabe como Jake é há anos! Por que esta decisão de destruir seu casamento agora? Céus! Sempre pensei que você não dava bola para o que ele fazia!

Helen engoliu em seco.

— Talvez eu esteja farta de um relacionamento tão artificial — respondeu cuidadosamente. — Talvez eu queira um casamento de verdade... Uma família!

— Oh, Deus, Helen! Você não pode estar falando sério!

— E por que não?

— Por quê? Bem, querida, porque você não é o tipo. Eu não posso imaginar você gostando de todas as desagradáveis funções que a maternidade exige. E pense só em ficar grávida! Eu pergunto: quem gosta de ficar feia durante nove meses?

Os dedos de Helen apertavam o fone. Queria gritar: "Eu! Eu gostaria! Desde que fosse o filho de Jake, eu gostaria!" Mas acabou não dizendo nada, e deixou Jennifer falar. Depois, sentou-se durante longo tempo e ficou olhando o telefone.

Foi então que teve a idéia. Se fosse para Selby, na casa da mãe de Jake, ele não descobriria onde ela estava. E, certamente, nem pensaria em procurá-la lá. Ele ia para Tsaba e. Assim que tivesse deixado o país, ela voltaria para Londres, arrumaria suas coisas e entregaria o caso para um advogado.

As janelas molhadas do táxi mostravam o cenário cinza das ruas. Esta era a cidade natal de Jake, o lugar onde tinha nascido, estudado e descoberto que era inteligente.

Helen suspirou. Era chocante que em todos aqueles anos de casamento ela nunca tivesse ido para Selby.

Pensou na acolhida que teria da mãe de Jake. Já tinha planejado tudo o que ia dizer. Afinal, a Sra. Howard nunca quis que ela se casasse com o filho. Mas será que entenderia sua preocupação, sabendo que Jake ia procurá-la em Londres? Será que a forçaria a voltar? Compreenderia que, neste momento, ela não estava em condições de agüentar isso?

A Sra. Latimer tinha olhado estranhamente para ela, quando saíra com a valise. Dera uma desculpa boba, de que estava levando livros para um hospital, mas tinha certeza de que a governanta não tinha acreditado.

Voltando ao presente, viu que já tinham deixado a avenida e passavam por ruas mais estreitas. Filas de casas com terraços ladeavam as ruas e Helen estava sentada muito tensa no banco lendo atentamente o nome das ruas.

Finalmente viu o nome que procurava: Harrison Terrace, e lá estava o número trinta e sete.

Helen bateu na porta. As janelas protegidas por cortinas de renda nada revelavam do interior, e ela sentia o coração pulsar violentamente. Entretanto, agora a porta se abria. Uma velha senhora apareceu e Helen, prestando atenção, reconheceu a Sra. Howard, com seus traços firmes.

— Sim? — perguntou calmamente e, depois, engasgou e levou a mão à boca. — Meu bom Deus, é... Helen, não é? Aconteceu alguma coisa? Algum acidente? Jake está doente?

Helen sacudiu vigorosamente a cabeça.

— Não, não, nada disso. Jake nem sabe que estou aqui. Ele... Ele está muito bem.

A Sra. Howard franziu a testa, mostrando toda a sua surpresa, e depois recuou abruptamente.

— Acho que é melhor entrar, então.

— Obrigada. — Helen entrou no hall estreito, que ia da frente até a parte de trás da casa.

A Sra. Howard fechou a porta da rua e depois abriu outra porta.

— Pode entrar aqui — falou, ainda desconfiada.

A sala era a que tinha a cortina de rendas, que Helen vira da rua. Era fria e pouco aconchegante, sem lareira, muito arrumada e limpa. Obviamente, muito pouco usada.

— Oh, por favor, tenho certeza de que não era aqui que a senhora estava. Não podemos ir para lá? — falou Helen timidamente.

A Sra. Howard hesitou.

— O que você quer me dizer vai levar muito tempo?

— Acho que sim — falou Helen suspirando.

A mãe de Jake mordeu o lábio.

— Oh. bem — ela relutou. — Está certo, vamos para a cozinha. Certamente lá está bem mais quente.

A cozinha era tão grande quanto a outra sala, com uma lareira muito agradável, poltronas e um nicho, onde estavam uma pia e o fogão. A Sra. Howard fez um gesto para que Helen se sentasse numa das poltronas e só então pareceu notar a maleta que ela segurava, pois franziu novamente a testa. Depois disse:

— Vou pôr uma chaleira no fogo para o chá.

Helen sorriu e se afundou na poltrona, desabotoando o casaco. De repente sentiu-se exausta e aquela pequena saleta parecia o lugar mais aconchegante do mundo. Sentia-se mais confiante ali, e também mais segura. Segura para não fazer papel de tola na frente do filho daquela mulher.

A Sra. Howard voltou e ficou diante dela, esfregando uma mão na outra, apreensiva:

— Agora vamos, moça, o que há de errado?

Helen respirou fundo.

— Não quer também se sentar?

— Está bem — falou, encolhendo os ombros. — Vamos... Agora me conte o que há.

Helen procurou o melhor jeito de começar a contar.

— Antes de tudo, devo dizer à senhora que Jake e eu vamos nos divorciar.

— O quê? — A Sra. Howard parecia espantadíssima. — Mas ele nunca me falou nada sobre isso!

— Não... — Helen inclinou a cabeça. — Bem, isso foi resolvido muito de repente. Para falar a verdade, Jake ainda não concordou realmente.

— Vamos, moça, como vai conseguir um divórcio de Jake se ele ainda nem concordou?

Helen sacudiu a cabeça, desanimada.

— Bem, eu quero o divórcio, Sra. Howard. E isso é tudo. Oh, eu sei que a senhora não queria que ele se casasse comigo, no começo. Bem, a senhora tinha razão. Nós não combinamos.

— Entendo. — A Sra. Howard levantou-se para fazer o chá no bule de porcelana. — Mas por que está aqui?

Helen umedeceu os lábios secos.

— A noite passada... A noite passada houve algo. Então... Eu saí de casa. Quis ficar fora de Londres até ele partir para Tsaba, e eu sei que ele nunca pensaria em me procurar aqui.

— Tsaba? — perguntou a Sra. Howard, voltando com a bandeja de chá. — O que é isso?

— É um país... Na África Central. Jake é amigo do embaixador.

A Sra. Howard franziu novamente a testa.

— Oh, sim, me lembro agora. O nome não é Ndana, ou coisa parecida? Jake levou Lisa Harding para trabalhar na casa deles.

Helen sentiu um frio na boca do estômago.

— Isso mesmo — concordou, disfarçando o nervosismo. — Bem... Bem, Jake irá para lá na quarta-feira, eu acho. Se... Se eu pudesse ficar aqui até que ele deixasse a cidade...

— Ficar aqui? — A Sra. Howard estava completamente atônita.

— Mas por que aqui? Certamente você tem amigos que poderiam hospedá-la. Nunca ouvi uma coisa dessas! Vir até aqui para me pedir que fique do seu lado, contra o meu filho!

— Não! Não é isso. — Helen pôs sua xícara de lado, impaciente. — Não entendo, pensei que a senhora fosse ficar contente!

— Por quê? Porque o casamento de Jake está fracassando?

— Seu casamento comigo! Sim.

— Eu achei que Jake fosse feliz — falou a Sra. Howard, muito séria. — Ele sempre parecia bastante satisfeito quando vinha me visitar.

Helen levantou-se.

— Então não quer me ajudar.

A Sra. Howard também levantou-se.

— Agora calma! Calma, moça — falou com firmeza. — Eu nunca disse uma coisa dessas. Mas não pode esperar entrar na minha casa, detonar uma bomba dessas e não encontrar nenhuma reação. Bom Deus, não pertencemos ao seu mundo londrino, muito moderno. Em Selby, um casamento representa mais do que coisas escritas num pedaço de papel!

— Significa mais do que isso para mim também — protestou Helen rapidamente. — E por isso mesmo, quero o divórcio.

A Sra. Howard estava muito confusa.

— Mas não entendo. Eu sempre tive a impressão de que tinha se casado com Jake... Bem, porque ele poderia garantir para você uma vida boa para sempre! O que aconteceu agora? Será que outro cara apareceu com uma proposta melhor?

Helen ficou muito pálida, e então a Sra. Howard pareceu se arrepender do que tinha dito.

— Está bem, está bem — falou. — Eu retiro o que disse. Mas tem que admitir que não estava apaixonada por Jake quando se casou com ele.

— Eu sei. — Helen sentou-se outra vez na poltrona. — E acho que me casei com ele pelas razões que a senhora disse, só que eu o escolhi por uma razão muito especial. Eu sabia que ia deixar a família de meu pai horrorizada. — Levantou os olhos para a mãe de Jake. — Eles não o aceitaram, sabe, porque ele não é da mesma classe. São daquela velha linha aristocrática, com terras, e todo o resto! Jake é o oposto de tudo aquilo em que meu tio acredita, e casei com ele também por isso.

— Entendo! — A Sra. Howard sentou-se também e deu um profundo suspiro. — E agora quer ficar livre?

— A senhora pode chamar assim... — falou Helen depois de uma leve indecisão.

— Então por que não podia esperar até que ele fosse para Tsaba? Certamente alguns dias a mais não fariam tanta diferença, depois de três anos.

— Não! — Helen continuava irredutível. — Eu... eu tinha que ir embora. Sinto muito, mas é assim. — Sua voz sumiu pela emoção e a Sra. Howard levantou-se mais uma vez, levando embora a bandeja e procurando evitar o desespero de Helen.

Quando voltou, Helen já tinha recuperado o controle, e a Sra. Howard, em pé, olhou para ela pensativamente.

— Você pode ficar — resolveu subitamente. — Pode dormir no quarto de Jake. Ele não vai precisar.

— Obrigada! — Helen se levantou também. — Muito obrigada!

A Sra. Howard meneou a cabeça, duvidando.

— Não me agradeça. Nem ao menos sei se estou fazendo a coisa certa. Mas você está tão abalada que não é hora de discutir. Vamos, vou mostrar o quarto e, depois vejo alguma coisa para você comer.

Helen concordou abanando a cabeça, não falando nada. Havia alguma coisa forte e sólida na Sra. Howard. Como Jake, ela não tinha tempo para fingimentos.

 

A srta. Frazer desmanchou-se em lágrimas e Jake descansou o queixo na mão, apoiando o cotovelo na mesa de trabalho. Olhava a jovem resignadamente e depois suspirou, com mal contida impaciência.

— Muito bem, srta. Frazer, muito bem — falou lentamente. — Sinto muito. Vamos ver isso outra vez. Agora, conseguiu chegar até as análises químicas? Bom! Então poderemos recomeçar dali. — Consultou os papéis em sua escrivaninha e começou mais uma vez a ditar, e a jovem, sentada à sua frente, voltou a anotar freneticamente em seu bloco de taquigrafia.

A secretária de Jake, Linda, tinha faltado e ele pediu à secretária geral dos administradores para substituí-la. Embora Sheila Frazer fosse uma boa secretária, não estava à altura de Linda, e Jake, impaciente para acabar seu trabalho e sair do escritório, não estava com disposição de ser tolerante. Acabou perdendo a paciência e repreendeu asperamente a secretária.

Finalmente, o ditado terminou e Jake jogou para o lado os papéis, irritado. Depois ordenou:

— Pode levar os papéis para que o Sr. Mainwaring assine. Vai conseguir ler sua taquigrafia, não?

— Eu... Eu acho que sim, senhor. — E a srta. Frazer levantou-se infeliz. — é só isso, senhor?

Jake mordia o lábio e olhava para o teto distraído, enquanto ela falava.

— O quê? Oh... Oh, sim, sim, é só isso. Sinto muito se a maltratei. — Seus olhos estavam frios e indiferentes.

Sheila Frazer sorriu.

— Não se preocupe, Sr. Howard. Muito obrigada.

Jake balançou a cabeça, viu-a sair pela porta que levava ao escritório de sua secretária e, então, empurrando a cadeira, ficou de pé.

Foi até a imensa janela que dava para a cidade. Seus escritórios ficavam na cobertura do prédio e, dali, tinha uma vista magnífica. Virando para dentro, olhou sem entusiasmo seu escritório. Amplo e claro, com tapetes macios azul-escuros, móveis de mogno, era o exemplo de como deveria ser um escritório comercial, e ele sempre tinha tido muito orgulho dele, sabendo que era o cabeça, o cara que mandava em tudo aquilo.

Mas, hoje, não sentia prazer em nada. Sentia-se mal, com uma ligeira dor de cabeça, que nada tinha a ver com o pouco sono da noite anterior. Durante toda sua vida, não tinha desejado nada que não estivesse dentro de suas possibilidades. Poder, posição, sucesso, dinheiro. Tudo isso ele tinha desejado e conseguido, mas o que desejava agora era inatingível.

Soltou uma praga e se afundou de novo na poltrona, amargo. Fechou os olhos por um momento, tentando afastar as imagens que invadiam o seu pensamento, mas em vão. Jake Howard era um homem que sempre se orgulhara de ser capaz de manobrar qualquer situação ou qualquer pessoa. E, no entanto, tinha conseguido estragar completamente seu casamento!

Inclinou-se para frente, apoiando os braços na escrivaninha, tentando entender por que não tinha percebido o que estava acontecendo com ele até que fosse tarde demais. Quando voltou dos Estados Unidos, e soube que Helen tinha saído com Mannering, ficou furioso, mas achou que não passava disso: raiva! Não tinha imaginado nem de leve que essa raiva pudesse ter origem naquela tortura que se chama ciúmes. Mas, com o passar das semanas, tinha ficado mais e mais patente que sua vida inteira estava sendo abalada por aquela força primitiva. Naturalmente, ele custava a aceitar a evidência, ainda. Por que deveria? Tinha imaginado Helen uma mulher fria, distante e superficial, indiferente ao aspecto sexual do casamento.

Mas, gradualmente, seus sentimentos foram envolvidos, quase contra sua vontade, e ele se vira vigiando-a, desejando-a, sentindo necessidade dela até que não conseguiu mais agir sensatamente. Mas nada disso desculpava seu comportamento.

Durante aquele fim de semana tudo tinha explodido e ele se encontrou numa situação sem saída. Suas ações haviam destruído o precário relacionamento que eles poderiam ter mantido. Lembrando-se da mágoa nos olhos dela, na véspera, pela manhã, desprezava-se novamente.

Escondeu o rosto nas mãos ao lembrar do medo dela na noite anterior. Que terrível pesadelo a teria feito gritar daquela maneira durante o sono? Que tipo de monstro pensava que ele era? E quando, ainda apavorada, Helen lhe pedira para ficar, ele não conseguiu. Agora sabia muito bem que não podia mais confiar em si, no que dizia respeito à mulher.

Com os maxilares muito apertados, levantou-se impetuosamente.

Não conseguia mais ficar ali. Queria ir para casa, ver Helen, tentar explicar o que o tinha feito agir assim, até cavar esse abismo entre os dois. Será que poderia fazê-la ver que seu envolvimento com Keith Mannering estava acabando com ele? Que não importava o que tivesse acontecido antes, que agora ele estava apaixonado por ela, e não podia entender a vida sem ela?

Lembrou das mulheres que conhecera e seus lábios se apertaram. Desde que voltara dos Estados Unidos, não tinha nem ao menos olhado para outra mulher, quanto mais dormido com uma. Ele, Jake Howard, estava preso nas mesmas malhas em que jurara nunca se deixar prender!

Desceu pelo elevador, respondendo automaticamente aos cumprimentos atenciosos de seus funcionários. O porteiro abriu a porta de seu carro e cumprimentou-o respeitosamente, tocando na aba do boné. Tudo estava exatamente como sempre tinha sido, mas não lhe dava mais qualquer prazer.

Guiou para casa, na praça Kersland. Entrou no hall luxuoso, percebendo que a Sra. Latimer tinha trocado as flores do jarro do móvel de entrada. Logo ela apareceu e sorriu amavelmente para ele.

— Boa tarde, senhor!

Jake olhando rapidamente seu relógio, viu que era pouco mais de meio-dia.

— Boa tarde, Sra. Latimer. — Jake estava impaciente. — Onde está minha mulher?

A Sra. Latimer dobrou cuidadosamente o casaco que ele tinha jogado de lado.

— A Sra. Howard não está em casa, senhor. Ela saiu por volta das dez horas.

— Droga! — exclamou Jake, muito decepcionado. — Ela disse onde ia? E a que horas volta?

— Ela levou uma maleta com ela. Disse que ia levar uns livros velhos para um hospital...

— Que livros? — interrompeu Jake, os olhos duro como aço. — Que hospital?

— Eu não sei, senhor. Como eu disse, ela já estava saindo quando me disse.

— Deus Todo Poderoso! — Jake passou a mão pela nuca, esticando a camisa de seda em seu peito forte. Uma terrível ansiedade estava tomando conta dele, e ele se sentiu fisicamente doente.

— Devo servir agora seu almoço, senhor...

— Almoço! Almoço! — gritou Jake. — Não quero comer. — Depois, vendo o rosto desolado da Sra. Latimer, concordou: — Bem, então um sanduíche, nada mais.

— Sim, senhor. — Preocupada, ela pendurou o casaco no armário do hall e depois desapareceu na porta que levava a seus domínios. Jake ficou onde ela o tinha deixado e, então, impulsivamente pegou o telefone.

Olhando um livrinho ao lado, achou o número de Jennifer e discou impacientemente. Uma criada atendeu e, em poucos momentos, a voz despreocupada de Jennifer veio pelo fio.

— Jake, querido, que maravilha! Será que telefonou para me convidar para o almoço? Eu estou livre!

Jake esperou que ela acabasse de rir e disse:

— Eu quero saber se você sabe onde Helen está.

— Helen? Helen? — Jennifer estava atônita. — Mas ela não está com você?

— Se estivesse eu estaria ligando para você?

— Não, é lógico que não. Sinto, querido. E não... Não, eu não sei onde ela está. Desencontrou-se dela?

— Pode ser. — Jake mal podia controlar seu mau humor.

— Oh, querido! — A voz de Jennifer parecia insinuar alguma coisa.

— O que está querendo dizer?

— O quê, querido? — Jennifer fingiu ignorância.

— Foi o jeito como você falou "Oh, querido". O que há por trás disso?

— Oh, nada! — Jennifer parecia indecisa. — Somente... Somente coisas...

— Que coisas? — Jake estava começando a pensar que, se Jennifer estivesse dentro de seu alcance, poderia estrangulá-la.

— Somente uma coisa que Helen me falou esta manhã no telefone, querido.

— Helen ligou para você? Esta manhã?

— Sim, querido! Ela não disse para você?

— Eu não estava aqui — falou sombriamente. — Bem, o que foi que ela disse?

— Eu realmente não sei se devo contar, querido. Quero dizer... Podia ter sido dito em confiança, afinal de contas.

— Jennifer, eu exijo...

— Oh, querido! — Jennifer riu levemente. — Adoro esse seu jeito mandão! — Depois, deu um suspiro. — Na verdade, ela me disse que estava pensando em deixar você.

— Em o quê? — Jake não acreditava.

— Em deixar você, querido. É, eu também fiquei surpresa.

Jake podia sentir a raiva crescer dentro dele.

— E ela disse por quê?

Jennifer ficou indecisa.

— Não. Acho que ela estava muito deprimida. O fim de semana em Gales parece que não fez muito bem a ela. Mas o que aconteceu? Foi tudo terrivelmente maçante?

Jake contraiu as mãos.

— Talvez — respondeu. — Então, você não tem a menor idéia de onde ela está agora?

— De jeito nenhum, querido. A menos que... Que...

— A menos que o quê? — perguntou Jake, irritado.

— A menos que ela esteja na casa de Keith!

— Mannering? — Jake sentiu o ódio envolvê-lo como se fosse uma coisa física, dentro dele.

— Bem, estou apenas sugerindo, querido. Ela... Gosta dele, não gosta?

— Gosta? Eu não sei de nada — Jake respondeu friamente. — Então, viu a Sra. Latimer entrando com o sanduíche e respirou fundo. — Sim, sim, calculo que ela possa estar lá.

— Avise-me quando encontrá-la, sim? — Jennifer tentou prender a sua atenção. — Jake, Jake ainda está aí?

— Sim, sim, Jennifer, até logo.

Desligou antes que se visse tentado a dizer mais do que deveria e olhou pensativo para a Sra. Latimer. A mulher levou a bandeja para a sala e colocou-a na mesinha em frente a lareira, endireitando-se quando Jake entrou. Ele viu a expressão ansiosa em seu rosto e perguntou:

— Está absolutamente certa de que a Sra. Howard não disse para onde ia?

— Não, senhor. — A Sra. Latimer sacudiu a cabeça. — Mas eu não me preocuparia. Ela muitas vezes almoça fora.

— Almoça? Com quem? — Jake estava preocupado.

— Quase sempre com a Sra. St. John. E algumas vezes com... o Sr. Mannering.

— Oh, sim, Mannering! — Jake riu cinicamente. — Diga-me... O que acha do relacionamento da Sra. Howard com o sr. Mannering?

— Oh, senhor! — A Sra. Latimer ficou muito espantada.

Jake insistiu, muito sério.

— Bem?

— Não é da minha conta especular uma coisas dessas, senhor.

— Não, mas deve ter a sua própria opinião. — Jake estava irresistivelmente determinado a descobrir, sem se preocupar com conveniências. — Bem?

— Ela mal o conhece, senhor!

— Quando estive fora, nos Estados Unidos, ela passou algumas noites fora?

— Somente em Wiltshire, senhor. Com o sr. e a Sra. St. John. Ela me deixou o telefone, no caso do senhor ligar.

— Entendo. — Jake se afundou na poltrona, a cabeça latejando de dor. — Portanto, em sua opinião, minha esposa não poderia estar lá.

— Lá onde, senhor?

— Com Mannering?

A Sra. Latimer estava horrizada.

— Com o sr. Mannering, senhor? Céus, por que o senhor pensa que ela poderia estar lá?

Jake balançou a cabeça, pensativo.

— Eu não sei — murmurou. Depois, passando a mão pelos olhos, exclamou: — Deus, estou exausto!

— Então por que não descansa um pouco esta tarde, senhor? Quando a Sra. Howard chegar eu...

Foi interrompida pelo toque do telefone. Jake pulou da cadeira e já estava no hall antes da campainha soar novamente.

— Sim — falou rápido. — Howard falando.

— Jake? É você? Aqui é Lucien.

— Oh, Deus, Lucien! Sim. O que há?

— Alguma coisa errada, homem? — A voz de Lucien parecia preocupada.

— Não... Não, nada.

— Bem, estou ligando para avisar que a minha secretária já reservou as passagens e todo o resto. Partimos às sete da manhã de quarta-feira...

— Olhe, Lucien... — Jake hesitou — olhe, não tenho certeza se poderei embarcar nesse prazo.

— O quê? Por quê? Não está me passando para trás, não é, Jake?

— Deus, não! — Jake agitava a mão no ar. — Olhe, que tal se eu pedisse a Martindale para acompanhar você?

— Mas eu pensei que estivesse ansioso para ver o local, você mesmo! — Lucien parecia magoado.

— Eu estava... Eu estou! Mas aconteceu uma coisa.

— Mais importante do que este negócio? Deve ser grande, homem!

— E é, Lucien. — Jake respirou fundo mais uma vez. — Helen desapareceu.

— O quê?

— Eu disse que Helen desapareceu...

— Eu ouvi, Jake. Mas por quê? O que está errado?

— Não posso explicar agora. — Jake olhou à volta para ver se a Sra. Latimer estava escutando, mas ela tinha voltado para a cozinha logo depois do telefone tocar. — Olhe, vou me comunicar com Martindale e combinar tudo com ele.

— E você poderá juntar-se a ele em mais alguns dias! — exclamou Lucien. — Não, deixe, Jake, vou cancelar a viagem por enquanto. — Ela pode ser adiada por algum tempo, claro que pode. Mas me avise logo que souber de Helen, sim? Gostaria de poder ajudar em alguma coisa.

— Não há nada que você possa fazer. Mas obrigado do mesmo modo, Lucien. Eu agradeço muito.

— Não há nada para agradecer, homem.

Jake respondeu mais alguma coisa e depois desligou, olhando por um momento para o telefone e depois voltando para a sala. Mas a idéia de comer sanduíches o repugnou e, servindo-se de uma generosa dose de uísque, subiu para o quarto.

Afrouxou a gravata e entrou. Quem sabe um chuveiro aliviaria sua cabeça? Naquele momento, sentia-se completamente arrasado. E foi então que viu a carta. Estava presa no travesseiro de sua cama, rígida e branca contra o fundo damasco.

Jake engoliu o resto de uísque de uma só vez e agarrou a carta, rasgando apressadamente o envelope. O bilhete dentro era depressivamente curto e muito claro. Dizia simplesmente:

"Eu não posso continuar aqui depois do que aconteceu. Não tente me encontrar. Entrarei em contato com você quando encontrar um lugar para morar. Helen".

Jake leu o bilhete duas vezes; depois, picou-o em pedacinhos, olhando sem ver a paisagem da janela. "Eu não posso continuar aqui depois do que aconteceu." As palavras de Helen rodavam e rodavam em sua cabeça. Devia saber que uma mulher com o temperamento de Helen não poderia aceitar as desculpas que ele pedira. Para ela, ele era um predador, tomando o que desejava, sem a menor preocupação com as conseqüências. Nunca mais ela confiaria nele.

Arrancou a gravata e deixou-a cair no chão. Em seguida, tirou a roupa toda e foi para o banheiro, deixando que a água refrescante corresse pelos seus cabelos e pelo corpo.

Quando finalmente saiu, seu cérebro estava alerta outra vez e ele conseguia pensar coerentemente. Mas, apesar de tudo, a dor de cabeça continuava, e também sua preocupação: onde estaria Helen?

Vestiu um terno azul-escuro e desceu novamente. Resolveu visitar Keith Mannering. Não importava se Helen estava ou não envolvida com ele, tinha que saber se ela comentara com ele seu casamento.

Keith estava no escritório e ficou claramente perturbado quando Jake apareceu, introduzido por uma amável secretária.

— Não tenho muito tempo... — começou timidamente. — Meu pai está me esperando em...

— O que tenho a dizer não vai tomar muito tempo — respondeu Jake, interrompendo-o. — Você viu Helen desde que nós voltamos de Gales?

— Gales? Mas eu nem sabia que vocês iam para Gales!

— Está certo, está certo, acredito. — Jake pôs uma cigarrilha entre os dentes. — Mas, agora, diga-me exatamente qual é seu interesse por minha mulher.

Keith ficou vermelho.

— Eu pensei que você sabia... Ao menos... Somos amigos, é só. Bons amigos!

— Entendo. — Jake acendeu a cigarrilha e deu uma tragada. — E não teria outros planos?

— Ela é casada com o senhor, Sr. Howard! — respondeu Keith, muito tenso.

— Sim, eu sei. — Jake soltou uma longa baforada, a fumaça azulada flutuando sobre as suas cabeças, muito frio e controlado.

E então, com um gesto abrupto, esticou a mão e agarrou a parte da frente da camisa, com punhos de aço, puxando o outro homem para perto dele.

— Eu acho... — protestou Keith agitadamente. — Não pode entrar aqui e...

— Posso fazer exatamente o que quiser! — disse Jake com voz clara. — E se descobrir que encostou a mão em minha mulher, eu desmonto você! Será que fui bastante claro?

Soltou Keith tão abruptamente quanto o agarrou e o jovem balançou um pouco antes de recuperar o equilíbrio.

— Eu podia processá-lo por agressão! — exclamou, indignado.

— Pois tente! — respondeu Jake ironicamente. E, girando nos calcanhares, saiu do escritório.

 

Durante o resto do dia ele ficou ocupado com o trabalho. Tinha que voltar ao escritório e, uma vez lá, resolveu tudo com a mesma firmeza que mostrou no escritório de Mannering, mas por dentro estava obcecado com a preocupação de descobrir onde Helen estaria. De vez em quando ele a odiava por tê-lo abandonado sem nem ao menos deixar um endereço; mentalmente, repassava todos os amigos, tentando lembrar de algum para quem ela poderia apelar.

Mas, fora Jennifer, não havia mais ninguém a quem ela apelaria. Helen não era o tipo da pessoa que despejava suas atribulações em cima de qualquer um. E ele não acreditava que ela procuraria alguém do ambiente sofisticado que freqüentavam.

A pior hora do dia foi depois do jantar, quando a Sra. Latimer saiu para cuidar de suas obrigações e ele ficou sozinho cm casa. Andou sem destino, recolocando um enfeite aqui, uma coisa lá, ligando a televisão e logo desligando, desinteressado dos assuntos rotineiros. Nunca tinha imaginado exatamente como uma casa podia parecer vazia, e percebeu, com incrível precisão, como Helen devia se sentir quando ele estava fora.

Mas era diferente, pensou irritado. Era o que ela queria, afinal. E tinha provado isso, abandonando-o agora!

Finalmente, levou para o quarto uma garrafa de uísque, e já era novamente dia, antes que conseguisse raciocinar de novo..

 

Helen entrou cm sua casa na Praça Kersland com algum temor. Sabia que mais cedo ou mais tarde teria que voltar e, como tinha passado mais de uma semana e Jake já devia ter partido para Tsaba, sentia-se razoavelmente segura.

A Sra. Howard não queria que ela voltasse. Depois da antipatia mútua do começo, um respeito verdadeiro e uma sincera amizade tinha nascido entre as duas, e Helen começou a perceber que a mãe de Jake estava realmente triste por ela querer o divórcio.

Nos primeiros dias conversaram muito sobre a vida de Jake quando criança, e Helen teve uma idéia mais clara do caráter dele. A Sra. Howard tinha um profundo orgulho do filho, mas nunca tinha mudado sua vida. Por causa dessa constância, Jake não havia mudado também. Continuava com o mesmo desdém que tinha antes pelos esnobes, embora usasse o próprio sistema que desprezava em seu próprio benefício.

Helen tinha ouvido histórias do pai dele, e o modo como eles haviam se sacrificado para poder mandar Jake para a universidade; começou a entender por que Jake desprezava tanto os aristocratas que tinham tido tudo na mão desde que nasceram.

Mas, apesar de tudo, ele tinha vencido. Jake estivera nos lugares certos, nas horas certas, e sua inteligência superior ajudou-o muito. Teve sucesso onde outros falharam porque era obcecado, não permitindo que nada nem ninguém o afastasse de seu caminho.

Só raramente a mãe de Jake mencionou as mulheres na vida dele. Contou sobre Verônica Quarton, e a maneira como tinha se atirado para conseguir Jake. Os Quarton ainda moravam na cidade. O Sr. Ouarton estava agora aposentado, enquanto a esposa continuava a ter seus casos com homens mais jovens.

Todas essas coisas tinham moldado o caráter de Jake, a opinião dele a respeito das mulheres. Tinham lhe ensinado a tomar o que lhe ofereciam, sem dar nada em troca.

Mas depois de alguns dias, as perguntas da Sra. Howard se tornaram mais pessoais. Estava tentando descobrir qual a verdadeira razão para ela querer abandonar Jake, mas Helen não podia contar os fatos, nem mesmo para a sogra. Portanto, fez todos os preparativos para voltar, calma mas firmemente, e a Sra. Howard não tentou impedi-la.

Helen fechou a porta da rua silenciosamente. A última coisa que queria era encontrar a Sra. Latimer antes de empacotar suas coisas. Não podia suportar uma porção de perguntas. Por enquanto, pretendia se hospedar discretamente num pequeno hotel e, então, começaria a procurar um apartamento ou mesmo um quarto em alguma casa.

Subiu as escadas cuidadosamente. Mas, no alto da escada, parou hesitante em frente à porta do quarto de Jake. O desejo de ver o quarto do marido pela última vez impeliu-a a abrir a porta. Mas, ao fazer isto, recuou atônita.

O quarto estava num completo caos. Roupas espalhadas desordenadamente pelo chão, jogadas pelas cadeiras e mesinha. As cortinas estavam fechadas, mesmo àquela hora do dia, e o cheiro de cigarro e álcool enchia o ambiente.

Balançando a cabeça, penalizada, deu um passo para entrar no quarto, mas uma voz áspera gritou selvagemente:

— Fora! Eu já disse, Sra. Latimer, vá para o diabo! Fora!

Helen parou, horrorizada. Depois pondo a mão na garganta, entrou um pouco mais no quarto. Agora podia ver que a cama, que ela imaginou estar cheia de roupas, com os lençóis numa incrível desordem, estava na verdade ocupada. Jake lá estava, entre as roupas amarrotadas, a barba de vários dias, os olhos fechados para evitar a luz que entrava pela porta aberta.

— Fora! — gritou novamente, e pôs o braço na frente dos olhos, para então abri-los lentamente. — Eu disse... — calou-se de repente quando viu Helen, seus olhos apertando-se, descrentes. — Oh, Deus! — ele murmurou baixinho. — Deus, estou vendo coisas!

Helen hesitou apenas por um momento e, depois, deu alguns passos até a cama, olhando para ele, sem entender nada.

— Não está vendo coisas, Jake. Pelo amor de Deus, há quanto tempo você está assim? — Seu olhar caiu sobre as garrafas de uísque ao lado da cama, os copos sujos na mesinha de cabeceira. Olhou de novo para ele, um olhar de compaixão iluminando os olhos azuis.

Jake abriu novamente os olhos e, soltando um suspiro, embrulhou-se nas cobertas. Estava nu da cintura para cima, a parte inferior do corpo enrolada nos lençóis.

— Vá embora, Helen — falou violentamente. — Saia do meu quarto! Você não mora mais aqui, lembra?

Helen ficou na dúvida durante um segundo. Depois com decisão, tirou o casaco e jogou-o numa cadeira próxima. Foi até a janela e, afastando as cortinas, deixou que o sol fraco de novembro invadisse o quarto. Abriu então as janelas e um vento frio entrou, dissipando o ar viciado. Virou-se para Jake, que enterrava o rosto no travesseiro.

— Eu já disse para você sair daqui! — gritou ele, zangado. — Não preciso de sua piedade!

— Mas não tem mesmo! — respondeu Helen. — Bom Deus, você deve ter feito uma viagem incrível!

Jake rolou na cama e protegeu os olhos com as mãos.

— Feche estas cortinas e dê o fora!

— Não!

Helen não deu importância a ele e continuou catando suas roupas amassadas do chão. Jogou todas no hall da escada, pensando que pediria depois à Sra. Latimer para cuidar delas. Então, voltou para perto da cama.

— Levante! — disse, olhando para ele, as mãos nos quadris. — Vou fazer a sua cama.

— Com os diabos, vai nada! — Jake tentou se sentar na cama, e agora ela podia ver as linhas de preocupação e cansaço em seu rosto. — Helen, me responda uma coisa. O que está fazendo aqui?

Helen encolheu os ombros.

— Eu... Eu vim buscar as minhas coisas — falou francamente. — Pensei que você estivesse em Tsaba, a essas horas.

— Onde é que você esteve? — Jake olhava magoado para ela.

— Em Yorkshire — respondeu. — Selby, para ser mais precisa. E agora vai se levantar?

Jake olhava pra ela, espantado.

— Está querendo dizer que ficou com minha mãe todo esse tempo?

— É isso mesmo. Mas não pretendo conversar agora. — Helen virou-se decidida para a porta, pegando seu casaco pelo caminho. — Estarei lá em baixo se quiser conversar.

— Helen... — sua voz estava despreocupada — você... Você não vai desaparecer outra vez?

Helen parou na porta, o rosto corado ao ver aquele olhar.

— Não até que você esteja vestido, pelo menos — prometeu alegre, mais alegre do que se sentia, e desceu as escadas.

No living, encostou as palmas de suas mãos trêmulas no rosto quente. Um louco pressentimento estava tomando conta dela, e a excitação não deixava que ficasse parada.

Andava incessantemente pela sala e parou quando um barulho atrás dela a fez virar-se e dar com o rosto redondo da Sra. Latimer.

— Oh, Sra. Howard! — exclamou emocionada. — Estou tão contente de ver a senhora!

— Está mesmo, Sra. Latimer? — falou Helen sorrindo.

— Oh, sim senhora, sim!— A Sra. Latimer olhava para ela com olhos arregalados, como se não pudesse acreditar no que via. — O Sr. Jake tem estado quase louco de tristeza. — E, pondo uma mão na garganta, continuou: — Nós... Tom e eu não conseguíamos nem chegar perto dele. Ele tem estado no quarto todos esses dias, sem comer nada, não atendendo telefonemas, só bebendo sem parar. Oh, a senhora não tem idéia do que tem sido, Sra. Howard! Eu quase chamei a mãe dele, mas ele jurou que nos despediria se nos metêssemos.

Helen foi até perto dela, bondosamente.

— Que terrível para vocês! — falou carinhosamente. E, para seu espanto, a Sra. Latimer rebentou em lágrimas.

— Sinto muito, Sra. Howard — soluçava ela. — Mas considero muito o Sr. Jake, e vê-lo lá, tão infeliz e deprimido, se matando com aquela bebida...

— Muito bem, Sra. Latimer. — Helen mordeu o lábio, emocionada com o sentimento da governanta. — Vá agora e prepare um chá para nós.

— Nós, madame? Para a senhora e...

— E eu! — respondeu uma voz atrás delas. As duas se voltaram surpresas. Jake estava apoiado no batente da porta, a água brilhando em seus cabelos, indicando que acabara de sair do chuveiro. Tinha feito também a barba e tentado alisar o cabelo, que, Helen notou inconseqüentemente, precisava de um corte. Mas não tinha se vestido. Estava embrulhado no roupão, que chegava até os joelhos.

— Oh, senhor! — A voz da Sra. Latimer tremia.

— Vá e faça o chá — disse Jake em voz baixa, e a Sra. Latimer passou por ele apressadamente, como um coelhinho obediente.

Helen, por sua vez, sentiu-se repentinamente nervosa. Tinha parecido tão fácil pensar o que ia dizer a ele quando descesse. Mas, agora que Jake estava lá, não conseguia articular uma só palavra.

Jake ficou olhando para ela pensativamente. Depois, inclinou-se e tirou da caixa sobre a mesinha uma cigarrilha, que acendeu com o isqueiro de mesa. Quando se ergueu, seus olhos se fixaram novamente em Helen e ele disse em voz baixa e arrebatada:

— Por que não me disse para onde tinha ido?

— Eu... eu... — começou Helen sem jeito — eu não queria que você me encontrasse. Achei que, se ficasse fora de seu caminho até você partir para Tsaba...

— Mas por que... — Sua voz estava mais firme, e os músculos faziam o maxilar ficar saltado. — por que estava assim tão apavorada?

Helen inclinou a cabeça.

— Há quanto tempo você está... Bebendo? — perguntou suavemente, mudando de assunto.

Jake se afundou descuidadamente numa poltrona, os olhos duros.

— Isso importa?

— O que quer dizer com isso?

— Isso mesmo. — Jake respirou profundamente e olhou para a ponta brilhante de sua cigarrilha. — Olhe, Helen... Estive pensando, enquanto tomava o chuveiro. Lá em cima... Bem, eu acho que... Fiquei surpreso ao ver você. Mas o choque inicial passou e estou imaginando exatamente por que você apareceu por aqui. Quero dizer... Bom... Veio buscar suas coisas. Mas não deixe que a minha situação preocupe você. Estou perfeitamente bem, como pode ver...

— Não está bem coisa nenhuma! — explodiu Helen calorosamente. — Sabe muito bem que não está. A Sra. Latimer...

— Oh, a Sra. Latimer! — falou Jake, irônico. — A Sra. Latimer e uma mulher velha. Não pode entender.

— Pois acho que ela entende muito bem! — exclamou Helen trêmula, a primitiva excitação dando lugar a um terrível medo.

— Você tem direito a ter sua opinião, claro. — Jake bateu a cinza do cigarro na lareira.

— Jake! — O grito de Helen era uma mistura de dor e exasperação. — Por favor! Pare de falar assim!

— Por quê? — Os olhos dele se apertaram. — Como espera que eu me comporte, Helen? Você entrou aqui silenciosamente, como um ladrão!

— Não é nada disso.

— Então por que foi para a casa de minha mãe, responda? — Seus lábios se apertaram. — Oh, não se preocupe, porque eu sei! Foi lá porque sabia que eu não teria a mínima chance de encontrar você. Realmente, o último lugar em que eu a procuraria seria no meu próprio quintal, e você sabia disso. Vá para o inferno!

Helen respirou fundo antes de falar:

— Bem, e o que tem isso de mal? — Balançou a cabeça. — Sua mãe foi muito boa.

— Aposto que sim! — Jake mordia pensativamente a cigarrilha. — E o que disse a ela? Que desculpa deu para fugir desse jeito?

— Não dei desculpa nenhuma. Disse a ela que queria o divórcio.

— Para o inferno, se disse mesmo! — Jake se levantou da cadeira de uma só vez. — E eu não fui nem consultado, é isso? Planejava combinar todos os detalhes enquanto eu estivesse fora do pais?

Colocado desta maneira, tudo parecia tão frio, tão calculado, que Helen não podia fazer mais nada senão ficar em silêncio e deixar que toda a raiva dele caísse sobre ela.

Jake jogou os restos da cigarrilha na grade da lareira, andando rapidamente até o móvel das bebidas, mas Helen chegou lá antes dele, bloqueando seu acesso.

— Não! — falou ela desesperada, segurando os braços dele. — Por favor, Jake, escute um pouco!

Jake abaixou os olhos para as mãos delicadas, que seguravam a fazenda de toalha de seu roupão.

— Já escutei você demais, Helen — murmurou com voz rouca. — Primeiro você diz a Jennifer que vai me abandonar, depois à minha mãe! Quanto você acha que eu poderei agüentar?

— Mas, Jake, pensei que seria o melhor caminho... — murmurou consciente da força dos braços musculosos, debaixo de seus dedos.

— Por quê? — perguntou ele, revoltado. — Por causa do meu procedimento?

— Não. Por causa do meu! — gritou Helen, desesperada.

Jake olhou para seu rosto pálido com olhos atormentados.

— Diga outra vez! — ordenou bruscamente.

— O quê? — Helen sacudiu a cabeça sem entender.

— Essa história sobre o seu comportamento! Mas que diabo você está falando? Afinal, você está mesmo apaixonada por Mannering?

Helen abriu a boca, espantada. Depois protestou:

— Você sabe muito bem que não!

Jake libertou-se dela e depois passou a mão pelos cabelos.

— Então, pelo amor de Deus, do que está falando?

Helen umedeceu os lábios secos com a língua.

— Naquela... Naquela noite... — murmurou miseravelmente — quando você veio ao meu quarto...

— Você está falando aqui... Nesta casa?

— É lógico! — Helen estava trêmula. — Oh, Jake você deve saber o que aconteceu!

Jake franziu a testa.

— Sim, eu sei — falou vagarosamente. — Abandonei você.

Helen levantou ligeiramente os ombros.

— É isso mesmo! — murmurou ela, as faces queimando ao lembrar da humilhação.

Jake passou a mão na nuca, impaciente.

— Mas, Helen — falou, revoltado —, eu sou um homem, não um santo! Você pediu o impossível!

Helen levantou o olhar para aqueles olhos negros, seus olhos azuis mostrando uma profunda dor.

— Pedi? — murmurou, magoada. — Então está tudo terminado... Não é?

Jake soltou uma exclamação.

— Mas tem que ser assim? — insistiu ele. — Helen, sei que eu mereço todo seu desprezo! Mas, se isso pode consolar você, minha única desculpa é que eu amo você, e eu nunca disse isso a nenhuma mulher!

Helen olhou para ele com os olhos arregalados, sem poder acreditar no que ouvia.

— Você... Me... Ama?

Jake olhou para ela durante um longo tempo e perdeu o controle, agarrando-a com violência, puxando-a para junto de si, juntando sua boca com a de Helen, beijando-a com toda a agonia acumulada naqueles dias sem ela.

Helen retribuía seus beijos avidamente, não deixando que levantasse a cabeça, mergulhando na onda de sensualidade que ele despertava nela. Seu corpo estava grudado ao de Jake, seus braços em volta da cintura dele, abraçada a ele com tal abandono que desmanchou para sempre as dúvidas de que ela não era uma mulher quente e apaixonada.

Quando finalmente Jake levantou o rosto, estava pálido e havia agonia em seus olhos.

— O que você pensa que está fazendo? — murmurou secamente. — Deus, Helen, se não quer agüentar as conseqüências, então é melhor sair daqui bem depressa!

Helen continuou a olhar para ele apaixonadamente, os braços em volta da cintura do marido, acariciando suas costas.

— Você não vai se ver livre de mim assim tão fácil! — sussurrou, beijando o canto de sua boca.

Jake olhou espantado para ela, um brilho de esperança nos olhos.

— Você não quer ir? Helen, não brinque comigo!

— Não estou brincando, querido, eu amo você! — falou carinhosamente, roçando os lábios em seus cabelos negros. — Foi tudo um terrível mal-entendido. Eu tinha pensado que você... tinha me desprezado!

— Aquela noite em seu quarto? — Jake puxou-a para si, incapaz de controlar o desejo que crescia nele. — Helen, se ao menos você soubesse o que senti naquela noite! Sabe, eu me culpei por causa de seu pesadelo. Eu me desprezei amargamente por me aproveitar de você, por forçar você a me aceitar!

— Mas, na manhã seguinte, você estava tão frio! — acusou Helen.

— Qualquer um estaria, não? — falou Jake, sorrindo levemente. — Meu Deus, pensei... Agora você finalmente conseguiu! O que eu queria era me ajoelhar na sua frente e dizer que estava arrependido, que nunca mais isso aconteceria... E você dizendo o tempo todo que não tinha importância! Isso me deixou louco! — Jake enterrou o rosto na nuca de sua mulher. — Helen, nestes últimos dias vivi num verdadeiro inferno! Não conseguia comer, não conseguia dormir! Estava convencido de que tinha perdido tudo!

Helen encostou o rosto no peito forte do marido.

— Quando cheguei aqui, hoje, e encontrei você daquele jeito, imaginei isso mesmo. Rezei para estar certa. Mas, quando você desceu a escada, tão frio, indiferente, eu queria morrer!

Jake sacudiu a cabeça.

— Você não me conhece bem, Helen. Tive que esconder o que sentia. Eu não podia agüentar sua piedade! Quando você apareceu no quarto, aquela hora, pensei que estava tendo alucinações.

— Oh, Jake, que bobos nós fomos! — exclamou Helen, estremecendo ao pensar no perigo que haviam corrido.

— Sim, mas agora acabou. — Jake a afastou com determinação, amarrando melhor a faixa do roupão. — Agora vou lá em cima me vestir e levarei você para almoçar no restaurante mais caro da cidade!

Helen ergueu para ele seus lindos olhos azuis.

— Eu preferia que você não fizesse isso — murmurou mansamente. — Não quero dividir você com um montão de gente. Não podíamos almoçar aqui mesmo?

Os olhos de Jake escureceram.

— É o que você quer?

— Oh, sim, por favor! — insistiu Helen. Depois, virou as costas para ele e inclinou a cabeça. — Jake... esta viagem a Tsaba...

Jake puxou-a para perto, encostando as costas dela em seu peito.

— Não vai haver mais viagens — falou, determinado. — Ou, se houver, você irá junto! O que acha de uma lua-de-mel na África Central? — Sua boca roçava a nuca de esposa carinhosamente.

— Nós já tivemos nossa lua-de-mel — respondeu Helen, a respiração incerta.

— Oh, não, não tivemos! — respondeu Jake, as mãos deslizando possessivamente pelo corpo dela. — Mas teremos, meu amor, teremos...

 

 

                                                                  Anne Mather

 

 

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