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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CAMINHO DO ALTAR / Violet Winspear
A CAMINHO DO ALTAR / Violet Winspear

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A CAMINHO DO ALTAR

 

Ao entrar no Clube Cassandra, em Mayfair, Beth, lembrou-se da estranha história que madame Lilian havia lhe contado. Ali, na Curzon Street, dizia-se que perambulava o espírito de uma florista que deixava no ar um perfume de violeta.

Ela sacudiu as gotas de chuva de seu casaco de peles, achando que, numa noite como aquela, certos lugares de Londres tinham de fato uma aparência mal-assombrada, que dava asas à imaginação.

Havia um grande espelho vitoriano no vestíbulo do clube, e ela parou em frente a ele por um momento para se admirar, seus olhos eram muito grandes para o rosto delicado. Com aquele ar ansioso e inseguro, ela parecia vulnerável demais, apesar do casaco de peles que cobria o seu vestido longo de seda.

Beth o comprara numa loja de artigos de segunda mão, e era a primeira vez que o usava. Tivera esperanças de que ele lhe desse um ar mais seguro, porém não havia como esconder o fato de que estava se sentindo muito nervosa.

Quando telefonara para marcar aquele encontro com o grego Alexis Apollonaris, ele lhe dissera que estaria no clube às nove da noite, em ponto. Não precisou explicar por que desejava vê-lo, ele já esperava que ela fosse procurá-lo.

O clube localizava-se na Curzon Street, e era uma das casas de jogos mais antigas e sofisticadas da cidade. O atual proprietário o havia decorado de novo, devolvendo-lhe a mesma aparência que tivera no tempo vitoriano, usando móveis de mogno e de metal. A escada que levava ao escritório do proprietário era vermelha, e dava num corredor com belos lustres de cristal.

Ao percorrer o corredor silencioso em direção à porta do escritório, Beth sentiu as pernas trêmulas de apreensão. Ouvia um murmúrio distante de vozes vindas das salas de carteado, onde turistas milionários se divertiam, arriscando grandes fortunas.

Ela não sabia como iria convencer Alexis Apollonaris a ter paciência com Justin, mas estava determinada a tentar. De qualquer modo, ele não poderia tratar-lhe mal, uma vez que lhe propusera casamento, há dois anos. A menos, é claro, que guardasse rancor por ela ter recusado a proposta.

Ao chegar diante da porta, ficou parada por um momento, reunindo coragem para se defrontar com ele. Não o via há muito tempo, e precisou de todas as suas forças para pressionar a campainha. Um som estridente quebrou o silêncio, e ela girou a maçaneta, entrando na sala onde Alexis a esperava.

Ele estava de pé, os ombros largos se destacando contra as cortinas cor de vinho que cobriam as janelas, deixando a chuva e a escuridão do lado de fora.

Com um ar dominador, Alexis mediu-a da cabeça aos pés, tornando o ambiente ainda mais tenso. Imediatamente, Beth começou a se sentir incomodada diante daqueles olhos ameaçadores, que davam a impressão de nunca terem conhecido a ternura. A linha do nariz era totalmente reta, um traço distinto dos gregos. Os lábios davam a impressão de jamais terem articulado uma palavra. A figura daquele homem emanava uma força que invadia toda a sala, e isso deixou Beth com medo.

— Então nos encontramos de novo, srta. St. Cyr. — O tom áspero e metálico com que Alexis falou oprimiu ainda mais o coração dela. — Quanto tempo faz desde que nos vimos pela última vez? Dois anos, creio, se não me falha a memória.

Que a memória dele nunca falhava, disso ela tinha certeza. E, mesmo antes de falar, Beth podia pressentir que sua voz iria trair o estado de nervos em que se encontrava.

— Eu... creio que deve ser isso mesmo, sr. Apollonaris — disse com voz rouca, sentindo a garganta muito seca.

— Parece que você está precisando de uma bebida, minha querida.

Ele foi até o bar e pegou uma garrafa de vinho e duas taças. Apesar de ser um homem alto e forte, seus movimentos eram harmoniosos. Alexis serviu a bebida com mãos firmes, embora Beth soubesse da raiva que ardia dentro dele.

— Sente-se — ordenou ele, num tom imperativo, apontando para uma cadeira revestida de couro, próxima à sua mesa de trabalho. — E, por favor, fique à vontade.

Ele estava sendo irônico, pois tinha consciência do nervosismo dela.

Beth se aproximou da cadeira e sentou-se, mas não tirou o casaco porque temia que aqueles olhos fitassem o seu vestido de seda.

Devia ter ido jantar com madame Lilian, mas havia lhe telefonado inventando a desculpa de que não estava se sentindo muito bem. Porém, naquele exato momento, sozinha com Alexis Apollonaris, sentia mesmo uma espécie de vertigem.

— Tome um pouco — disse Alexis, colocando a taça com vinho em suas mãos. — Você está muito pálida, querida. Daqui a pouco estará com uma aparência melhor!

— Obrigada — ela murmurou.

O gole do requintado vinho desceu-lhe macio pela garganta. Se era mesmo verdade o que contavam, Alexis tinha tido uma infância repleta de privações mas era evidente que, agora, não dispensava nenhuma das vantagens que o dinheiro podia lhe proporcionar. Justin estava equivocado quando dizia que o único prazer daquele homem era ganhar dinheiro. Não, ele também sabia gastá-lo muito bem.

— Está se sentindo melhor? — Após ter-se sentado atrás da mesa, Alexis olhou para ela, e sua figura parecia tomar conta de toda a sala.

Como pudera imaginar que conseguiria convencê-lo de que Justin merecia uma chance, quando na verdade seu irmão era um trapaceiro que devia ser punido?

— O vinho é muito bom — ela conseguiu dizer. Não sabia como começar a conversa sobre o motivo que a levara até ali. Seria melhor não ter vindo. Agora, entretanto, era muito tarde para voltar atrás.

— Quer que eu facilite um pouco as coisas para você? — Alexis Apollonaris inclinou-se mais para a frente. — Você veio até aqui a pedido do farsante do seu irmão, certo? Então, ele quer se proteger atrás da saia da irmã, hein? Ele a empurra para dentro da arena, enquanto fica sentado num balcão de bar, confiante de que sairá impune dessa situação toda, porque a mocinha cairá nos braços da fera. Não é isso?

— Não é bem assim, Sr. Apollonaris.

O olhar dele parecia penetrá-la: Era o ardente olhar de um daqueles gregos de corpo perfeito que inspiraram escultores como Rodin. Um homem de muita fibra, que havia feito a própria fortuna e que não estava nem um pouco disposto a abrir mão de uma soma de dinheiro roubado, que chegava a milhares de dólares.

— Então me explique, srta. St. Cyr — pediu ele, num tom levemente sarcástico. — Eu seria capaz de jurar que seu irmão a está servindo numa bandeja, em troca de livrar a própria pele.

Beth estremeceu. Sabia que a impressão que estava dando era exatamente essa, a de que estava se oferecendo em troca da promessa de que Justin não seria processado.

— Eu... vim tentar fazê-lo compreender por que Justin é do jeito que é. Ele não tem a sua força de caráter... Para o senhor, perdoar as fraquezas de um rapaz sem juízo não deve mesmo ser fácil...

— Mocinha, não adianta querer me agradar com elogios. O que você não deve esquecer é a força da minha ira. — Ele falou de maneira incisiva, e Beth teve então a confirmação de que aqueles modos gentis, na verdade, encobriam um coração de pedra. Alexis levantou-se e encheu novamente a taça dela de vinho.

— O senhor tem todo o direito de estar furioso, mas... acha que recuperaria seu dinheiro mandando Justin para a prisão?

— Dificilmente. — Os olhos de Alexis cintilaram. — Mas teria a satisfação de ver aquele ladrão atrás das grades. Você não gosta que o chame assim, não é, Beth? Estou vendo, pela sua expressão, o desgosto que isso lhe traz. Mas você não pode esperar que eu deixe isso tudo de lado. Nesse caso, eu não me chamaria Alexis Apollonaris. Nas minhas veias de grego corre o sangue turco também. Você sabe o que isso significa, não? Além disso, ainda sou defensor da ekthekissis.

Ela tomou um gole de vinho e o olhou, sem entender.

— Ekthekissis, na língua grega, significa justiça vindicativa, isto é, lei é lei, e se existe é para ser cumprida e respeitada.

Beth suspirou, desanimada. Justin estava mesmo em maus lençóis. Nenhum gesto de clemência partiria daquele homem.

— Meu irmão está arrependido e apavorado com a perspectiva de ir para a prisão. Será que não entende o que vai acontecer com ele depois do convívio forçado com criminosos de verdade? Ele não planejou nenhum crime, é apenas um jovem imprudente que tem a febre do jogo no sangue. Se fosse realmente desonesto, teria encontrado uma maneira astuta de encobrir o roubo.

— A falta de esperteza tornou-o ainda mais desprezível. Por que se preocupa com um irmão como o seu? Acha que ele se importa com mais alguém além dele mesmo? Uma temporada na prisão talvez o ensine a ser menos egoísta e presunçoso.

— O senhor está sendo muito severo. Por acaso nunca se viu numa situação de precisar defender um irmão desajuizado? — Beth fez um esforço para sufocar o choro.

— Sou filho único... de mãe solteira — murmurou ele com um olhar sombrio.

Os cabelos de Beth, presos num coque atrás da cabeça, pareceram-lhe chamar a atenção.

— Na Grécia, não é fácil ser filho de uma mulher que não tem uma aliança de ouro no dedo. Minha mãe era uma pastora. Cuidava de um rebanho de cabras nas colinas, onde as flores silvestres perfumam o ar. Ela se apaixonou por um estrangeiro, que, assim como veio, partiu, deixando-a com uma criança no ventre. Temendo o escárnio dos aldeões, ela manteve a gravidez em segredo e deu à luz nas colinas, longe de tudo e de todos. Minhas roupas de bebê foram peles de cabras e minha mãe carregava-me nas costas, enquanto apascentava o rebanho. Cresci correndo pelas colinas, entre os animais.

Um sorriso passou pelos lábios dele.

— Acho que eu me achava um cabrito, durante os primeiros dois anos de vida, e embora levasse uma vida dura era muito sadia também. Adaptei-me ao tempo bom e ao tempo ruim. Aprendi a sobreviver e a me defender das zombarias das outras crianças da aldeia, que sabiam que eu não tinha pai. Minha mãe era muito bonita, mas nunca se casou. Um grego raramente propõe casamento a uma mulher que perdeu a virgindade com outro homem. A medida que fui crescendo, comecei a ficar curioso, a respeito do estranho que era meu pai, mas minha mãe nunca me falou nada sobre ele. Desconfio que ela também nunca tenha sabido o nome dele. Eles se encontraram, sentiram-se atraídos um pelo outro, e então fizeram amor, sob as estrelas... E agora, passados trinta e seis anos, nós nos defrontamos nos aposentos particulares do meu clube e, em sua ingenuidade, ou talvez no desdém que sente por mim, você me pede para deixar de lado o roubo de uma quantia enorme do dinheiro que adquiri após tantas adversidades. Aliás, você sabe qual foi o valor do desfalque?

Beth corou.

— Sei. Justin me contou. — As palavras saíram como se tivessem sido arrancadas dela.

— Eu ia descalço à escola, mocinha. Aos dezessete anos já dirigia caminhões de transporte pesado, carregando e descarregando mercadorias nos cais dos mais diferentes portos. Trabalhava vinte horas por dia, na esperança de melhorar a sorte. E fui bem-sucedido, sem nunca ter roubado um tostão de ninguém.

Ela baixou os olhos, envergonhada. Nunca reprovara a maneira afrontosa com que Justin referia-se àquele homem, talvez devido ao rancor que guardava dele por causa de Cathlamet. Jamais se conformara com o fato de a casa dos St. Cyr ter passado para as mãos de Alexis. Jamais se esquecera da amargura que a dominara quando soube que ele havia se tornado o proprietário da casa onde ela nascera, e na qual tivera uma infância e uma adolescência muito felizes.

Na noite do enterro de seu pai, o procurador da família lera diante dela e de Justin o testamento deixado por ele, no qual explicava que Alexis Apollonaris, depois de muita insistência, aceitara ficar com os títulos de propriedade de Cathlamet. A casa fora empenhada por uma soma tão alta que resgatá-la estava fora das possibilidades da família St. Cyr. Em troca desses títulos, dizia ele, havia recebido de Alexis a quantia suficiente para que os filhos pudessem concluir seus estudos.

Por que seu pai não havia tirado os filhos das escolas grã-finas, explicando-lhes com sinceridade a situação? Beth se perguntava com tristeza. Por que não lhes contara que os rendimentos que possuíam não lhes permitiam mais o luxo de morar numa casa como Cathlamet, com criados para servi-los e ótimos cavalos no estábulo? Por que lhes ferira o amor-próprio, permitindo que fossem educados às custas de um estranho, que agora se dava o direito de julgar o comportamento deles?

— Sua mãe ainda é viva, sr. Apollonaris? — Era a primeira vez que sentia vontade de saber alguma coisa sobre a família dele, porque Alexis sempre dera a impressão de ser um desses homens feitos por si mesmos, de rocha pura, e não de carne e osso como todos os mortais.

— Sim, minha mãe ainda é viva. — Ele se expressava de maneira categórica, e o leve sotaque grego parecia dar mais significado às suas palavras. Tudo que fazia ou dizia deixava à mostra o espírito determinado que o impulsionava na direção do sucesso pessoal, da superação das condições adversas e da realização de todas as suas ambições.

— Sua mãe mora em Cathlamet? — Ela se esforçava para não demonstrar o ressentimento que sentia ao imaginar uma pessoa estranha vivendo naquela casa maravilhosa, construída com as mesmas pedras claras que faziam da Catedral de York um monumento à beleza, passeando por seus jardins perfumados ao som do vento nas árvores dos morros próximos.

Beth adorava Cathlamet. Ali, várias gerações da família St. Cyr viveram, amaram e morreram. Defrontar-se com o homem que agora tinha o direito de fazer o que bem entendesse com Cathlamet exigia-lhe um esforço quase sobre-humano.

Alexis fitou-a como se estivesse lendo seus pensamentos.

— Minha mãe prefere viver em seu próprio país, onde pode sentir o sol quente na pele. Ela não tem nenhuma vontade de ser a senhora de uma casa tão grande, rodeada de muros de pedras, num lugar onde o vento sopra sem descanso.

Beth semicerrou os olhos. Ouvi-lo falar assim era mais uma punhalada em seu coração.

— Você pode visitar Cathlamet quando quiser, Beth. Quase tudo continua como antes. — A voz de Alexis não mostrava nenhuma emoção.

— A casa não significa mais nada para mim — Ela respirou fundo, tentando não pensar mais em Cathlamet.

Olhou para Alexis Apollonaris. A pele bronzeada destacava-lhe os olhos cor de mel, brilhantes e firmes. Como convencer aquele homem a desistir? De repente, sem saber por quê, Beth teve certeza daquilo que antes apenas suspeitava. O meio sorriso estampado nos lábios dele mostrava-lhe que ela não estava enganada.

Astuto com as pessoas e com tudo que se referia a dinheiro, Alexis sabia que Justin, mais cedo ou mais tarde, trabalhando no Clube Cassandra, acabaria se servindo de uma parte da renda do clube. Seu irmão seria incapaz de resistir à tentação do dinheiro fácil, num lugar onde o tilintar das moedas e dos dados fazia-o mudar de dono a todo instante.

— O senhor sabia que ele ia fazer isso, não sabia? — Os olhos dela reluziram como cristal no rosto pálido e assustado.

— Que ele ia fazer o quê, minha querida? — Alexis formulou a pergunta de maneira tão inocente que ela teve vontade de lhe atirar o vinho no rosto.

— Sabe muito bem a que me refiro.

— Não sei, não.

— O senhor planejou tudo!

— O que está querendo dizer, Beth?

— Não pronuncie o meu nome, por favor! Não gosto de ouvi-lo da sua boca.

— E uma pena, porque ele combina muito bem com você. Aliás, também combina com o seu sobrenome. Você sabia que o meu nome do meio é Adans, e que em grego ele significa duro como diamante?

Beth levantou-se num impulso, mas quando atirou o vinho Alexis já não se encontrava mais no mesmo lugar. Rápida e instintivamente, ele tinha se desviado e a bebida se esparramou em cima da mesa, molhando os papéis que havia sobre ela, inclusive uma agenda de couro onde estavam gravadas as iniciais do nome dele.

No silêncio que se seguiu, ela ouviu o próprio coração bater dentro do peito. Desta vez, Alexis lhe diria, num tom de voz distante, que, em troca da liberdade do irmão, ela teria que renunciar à sua.

 

Não acha que está agindo de uma forma um tanto infantil? — Alexis aproximou-se de Beth e tomou a taça vazia de sua mão. — Você parece ter a mesma impetuosidade de seu irmão, Beth, e qualquer comportamento agressivo tem que ter suas conseqüências.

— Vai... me fazer pagar, não é mesmo? — Ela recuou, encostando-se na mesa. Havia um tom de desafio na voz dela.

O olhar de Alexis a fez estremecer. Devagar, ele examinou-a de cima a baixo. Primeiro a boca, depois o pescoço, em seguida a curva dos seios, meio à mostra sob o casaco de pele. Embaraçada, Beth tentava pensar em alguma forma de sensibilizar aquele grego, mais alto que a maioria dos homens, que tivera uma vida difícil, convivendo com a fome, o frio e o desprezo. Sem dúvida, ela nada conseguiria se continuasse se mostrando fria e desdenhosa. Assim como jamais conseguiria ler nos olhos dele qualquer sentimento que, porventura, lhe estivesse na alma.

— Puxa, eu nunca tinha pensado nisso!

— O senhor deve ser mestre na escola da falsidade, na arte de tramar armadilhas para os ingênuos.

— Está insinuando que fui eu a serpente que colocou a tentação no caminho de seu irmão?

— Esse é um dos artifícios do demônio, não é mesmo? — ela o desafiou.

— Quer dizer então que, além de ser o grego maldito que tomou a sua casa, eu agora me transformei também num demônio? — perguntou ele, irônico, sem deixar transparecer qualquer sentimento.

— Por que foi que ofereceu a Justin a direção do clube? Não foi por generosidade, foi? Sabia muito bem que ele gostava de jogar cartas e apostar em cavalos. Justin não se sente vivo a menos que esteja jogando, e o senhor sabia disso!

— Talvez eu pretendesse provar que são os privilégios que corrompem, não a pobreza.

— Se é assim, eu sou irmã de Justin. Portanto, não faz sentido querer... — Beth interrompeu a frase, com medo da resposta de Alexis.

— Querer me casar com você? — completou ele. — Acha então que a estive perseguindo nos últimos dois anos?

— Não... — Ela ficou desconcertada com a zombaria.

— Então, o que está insinuando?

— Que o senhor, por eu ser uma St. Cyr, gostaria de me possuir como um dos objetos de Cathlamet. Não é verdade, sr. Apollonaris? O senhor fez fortuna, mas ainda deseja as pompas de um cavalheiro. O juízo que faz de meu pai não interessa, porque, apesar de haver terminado sua carreira como um jogador, ele nasceu como um cavalheiro.

— E você acha que estou tentando inverter a ordem das coisas? Que, por ter nascido um especulador, eu desejo agora me tornar um cavalheiro?

— Sim, é isso.

— Tendo você como esposa, não é?

— Nada mais faria sentido.

— Então, para satisfazer a minha ambição, eu armei uma cilada para seu irmão?

— Não foi isso o que fez?

— Digamos que eu tenha... feito um jogo.

Beth deixou escapar um suspiro. A verdade lhe doía, mas era preferível ouvi-la a cultivar a incerteza.

— Essa perspectiva é tão alarmante assim para você? Alexis se aproximou dela e enfiou as mãos por baixo do casaco, segurando-a nos quadris e olhando-a nos olhos. Beth sentiu um calafrio, mas não se mexeu.

— Haverá compensações, sabia? — continuou ele. — Você não vai mais ter que trabalhar para uma cartomante, nem que fazer as suas roupas durarem até ficarem fora de moda. Você será conhecida como a senhora de Cathlamet, e eu não comunicarei o desfalque de seu irmão à polícia. Creio que a pena para roubo é bem rigorosa... enquanto a sua, em minhas mãos, poderá ser menos desagradável.

Com gestos delicados, Alexis puxou o casaco de peles para trás e estudou-lhe a silhueta esbelta envolta no vestido creme.

— Você tem o requinte e a aparência de uma dama, Beth. E por ser um homem rico, que se pode dar ao luxo de obter o melhor, eu a escolho como esposa. Lembra-se da primeira vez em que nos vimos?

— Sim. Lembro-me.

Os olhos dele se estreitaram. Então, como se fosse para castigá-la, ele a puxou para os seus braços fortes. Beth aspirou o cheiro da colônia máscula e sentiu-se meio inebriada.

— Fique sabendo, moiya, que cada alfinetada sua será retribuída com um beijo. E você não gosta nem mesmo de pensar nisso, não é?

Beth conseguiu enfrentar o olhar que Alexis lhe dirigia. Desde que o vira pela primeira vez, em Cathlamet, ele passara a agir como uma sombra em sua vida. Sem dúvida, tinha planejado o momento em que ela se encontraria prisioneira em seus braços.

— Vou ter que... me casar com o senhor? — perguntou, com voz quase inaudível.

— Está sugerindo algum outro tipo de compromisso?

— Eu... não tenho experiência nessas questões, sr. Apollonaris, mas se o que quer realmente é... dormir comigo...

Após um longo silêncio, ela sentiu as mãos fortes apertarem seus ombros.

— Nunca mais fale comigo desse jeito, Beth, entendeu?

Ela o encarou, notando a fúria nos olhos ardentes. Finalmente tinha conseguido abalá-lo. Seu coração enterneceu-se quando se deu conta de que aquele grego poderoso possuía o mesmo senso forte de moralidade que fizera a mãe dele sair de sua aldeia depois de ter ficado grávida de um estranho.

— Tanto Justin como eu passamos a viver num inferno desde que o senhor entrou em nossas vidas! — Beth não se permitiria fraquejar diante daquele homem.

A resposta de Alexis foi cumprir sua ameaça. Ela tentou empurrá-lo, mas foi inútil. Os braços fortes eram como cordas de aço e ela não pôde evitar o beijo prometido. Beth sabia muito pouco a respeito de sexo. Nenhum homem que encontrara antes fora capaz de romper suas defesas. Mas Alexis rompeu todas as suas barreiras pressionando-a fortemente contra o corpo musculoso. Meio tonta, tentou afastá-lo. Mas ele passou a beijar seu pescoço e quanto mais ela fugia daquela boca mais insistente ele se tornava.

"Oh, que ele me beije, que me possua", pensou ela. Nunca deixaria de desprezá-lo pela cilada que armara para Justin, pela peça que pregara nele. Então, relaxou o corpo, lembrando-se de que um caçador sempre se envaidecia com o tormento de sua caça.

Alexis afastou-se bruscamente.

— Você parece feita de gelo — murmurou.

— Esperava que eu me derretesse?

— Dê-me tempo, moiya. Nós, os gregos, somos famosos pela nossa persistência.

— E a sua parte turca, é famosa pelo quê? — A proximidade em que se encontravam fazia todo seu corpo fraquejar. Como impedir que um homem como aquele conseguisse o seu intuito? A sabedoria grega, como Justin dissera, levava Alexis Apollonaris a conseguir tudo o que queria.

— Isso você vai saber dentro de pouco tempo, quando for morar em Cathlamet comigo.

— Está muito seguro de si mesmo, não acha, sr. Apollonaris?

— Sugiro que me chame de Alexis, agora que passamos a nos conhecer melhor.

Os olhos dela faiscaram de raiva.

— Se eu encontrasse uma maneira de tirar Justin de suas garras, o senhor não teria como botar as mãos em mim

— Isso seria uma pena. — Ele segurou-a pelos ombros. — Agrada-me saber que você é uma moça que preservou seu corpo. Como já lhe disse, os gregos não fazem nenhuma questão de se casar com uma mulher que tenha se deixado usar... A vida de minha mãe foi infeliz, porque ela foi descuidada em seus afetos.

A pele de Beth arrepiou-se com o contato das mãos fortes e quentes, e seu senso de castidade sentiu-se ofendido com essas liberdades que ele estava tomando, como se já a possuísse.

— Parece que a história vai se repetir. Ele ergueu as sobrancelhas.

— Como assim?

— Espero ser tão infeliz quanto sua mãe. Não pode confiar que eu sinta algum afeto pelo senhor!

— De fato. Mas você sente um afeto muito grande por Cathlamet, não é? Você estará lá quando as rosas começarem a florir em junho. Isso deverá deixá-la mais feliz.

— Em junho? — repetiu ela, apavorada. — Mas só faltam algumas semanas!

Ele a soltou e pegou o calendário que havia sobre a mesa.

— Acho até que sou capaz de encontrar algum tempo para me casar com você em maio. Que tal?

Beth ficou sem fala, paralisada. Não, não era um sonho ruim, embora assim parecesse. Tudo era tão real quanto a chuva que tamborilava nas vidraças, tão real quanto o cheiro do charuto que Alexis Apollonaris acabara de acender.

— Vou ter que levar você até sua casa.

— Não... posso tomar um táxi.

— Faço questão. — Ele estava parado junto à cortina cor de vinho, tal como ela o vira uma hora antes, ao entrar na sala. Muita coisa tinha acontecido até então. Ele a havia dominado...

— Pretende mesmo obrigar-me a casar com o senhor não é? — Estas palavras lhe pareceram destituídas de realismo. No entanto, eram as palavras mais significativas que ela já havia pronunciado.

— Não é bem assim. Eu lhe dei uma opção.

— Não me deu opção nenhuma. Isso é chantagem! Ele sacudiu os ombros e deu uma tragada no charuto.

— Na vida, é preciso determinação para se conseguir o que se quer. Esta é a única maneira de mudar o rumo das coisas. O seu irmão, por exemplo, poderia ser um vencedor, e não um derrotado: se prestasse um pouco de atenção nas pessoas, se se desse ao trabalho de estudar o modo de ser de seus semelhantes. Em vez disso, vive trancado dentro de si mesmo. É um egoísta.

— Talvez o egoísmo seja um traço de família — rebateu ela. — Não acha que eu poderia estar usando nosso casamento para desfrutar sua fortuna?

— Se estivesse atrás de minha fortuna, Beth, você teria aceitado o pedido que lhe fiz, dois anos atrás.

— Talvez na época eu não soubesse que trabalhar para se sustentar pudesse ser tão desagradável. Mas hoje eu sei que comprar um casaco de peles de segunda mão não dá tanto prazer quanto ser presenteada com um novo, por um pretendente afortunado.

Alexis olhou de relance para o casaco de pele de lince que ela usava.

— O único traço de família que você tem em comum com seu irmão é o tom da pele. Aliás, você deve ficar encantadora num casaco de pele de marta, champanhe. Podemos comprar um na Grécia, durante a viagem que faremos para o casamento, já que nunca serei capaz de convencer minha mãe a vir para a Inglaterra.

— Mas como o senhor é insolente! — Beth odiou-o com todas as suas forças ao ver o ar vitorioso dele. — Comprar e vender pessoas deve ser mais um tipo de comércio para um grego! Não se sente nem um pouco envergonhado de estar me comprando?

Ele balançou a cabeça.

— Realmente, não tenho por que me envergonhar. Estou fazendo um ótimo negócio. Você vale cada centavo que estou pagando. Vale ainda mais do que isso.

— Quanto cinismo, meu Deus! — Beth estava furiosa. — O senhor é uma prova de que o diabo cuida bem de seus filhos!

— Quem sabe não seja ele o meu pai. — Alexís riu. — Dizem que os deuses e os sátiros ainda caminham pelas colinas gregas, e, pelo jeito como está me olhando, parece que está enxergando em mim uma daquelas figuras humanas de chifres curtos e pernas de bode.

— Eu... Espero que não quebre a sua palavra no que diz respeito ao meu irmão.

— Um grego nunca quebra a palavra empenhada, Beth. Trato é trato. — O ar zombeteiro dele foi substituído por uma expressão séria.

— Quer dizer que estou diante de um comerciante honesto...

— Por acaso, você preferia ouvir de mim palavras de amor? Gostaria que eu lhe dissesse que me lembra aquele lírio que flutua no lago dos jardins de Cathlamet?

Beth olhou-o com atenção. O rosto de Alexis era igual àqueles que os gregos antigos cunhavam em suas moedas. O terno cinza lhe caía com perfeição. Classificá-lo como um homem bonito era muito pouco diante da harmonia, da perfeição e da força que emanava de seu corpo atlético.

— Eu... gostaria de ir para casa agora. — Beth percebeu que de nada adiantaria continuar com aquela conversa repleta de agressões recíprocas.

— Vamos, eu a levarei.

Mas ele continuou imóvel durante alguns segundos. Beth sentiu-se mais uma vez presa àqueles olhos cor de mel, que pareciam exercer um estranho fascínio sobre ela. Mexeu-se inquieta e foi até a porta, tentando torcer a maçaneta.

— A porta só abrirá depois que eu pressionar um botão que há embaixo de minha mesa.

Ela ficou parada perto da porta, enquanto ele ia até a mesa.

— Você ainda terá que aturar a minha companhia por mais algum tempo, Beth. Por isso, não adianta fazer essa cara de quem quer sair correndo para salvar a própria pele.

— Se pudesse, era isso mesmo que eu faria.

— E deixar o seu querido Justin apodrecendo na cadeia? Já apertei o botão, querida. Saia agora, enquanto ainda é tempo. Não a estou detendo. Saia e sinta-se livre como um pássaro.

Beth olhou para a porta e sentiu um impulso quase incontrolável de fazer exatamente o que ele sugeria. "Por que não?", pensou. Afinal, Justin não merecia aquele sacrifício. Ele era mesmo egoísta e irresponsável, e certamente já estava planejando o próximo golpe, certo de que a irmãzinha estava disposta a tudo para livrá-lo do pior.

Mas era impossível deixar de vê-lo como o doce garotinho de cabelos loiros, companheiro inseparável de suas brincadeiras de infância, das cavalgadas pelos campos, das pescarias nos riachos...

— E então, não vai?

— Estou esperando que me leve até em casa.

Beth estremeceu com o ar frio da noite. Sentia os respingos da chuva em seu rosto, enquanto observava o luxuoso Monza que saía do estacionamento do clube. A porta do lado do passageiro se abriu, e ela entrou no carro confortável.

— Coloque o cinto de segurança — ordenou Alexis.

Ela obedeceu, sem protestar. Ao ajustá-lo, refletia sobre uma triste coincidência: a prisão do cinto simbolizava seu estado de espírito.

— Nunca lhe ocorreu que certas coisas são inevitáveis? — perguntou ele, olhando-a de lado, antes de dar a partida. — Pergunte à cartomante, que ela lhe confirmará isso.

— O nome dela é madame Lilian. Não gosto que se refira a ela com ironia.

— Eu, irônico? Por que acha que chamei o meu clube de Cassandra? Os gregos não são imunes às superstições.

— Clube Maquiavel seria muito mais adequado!

Alexis sorriu e não disse mais nada. Beth ficou observando os limpadores do pára-brisa em movimento. Decidiu que iria consultar madame Lilian. Quem sabe encontraria nas estrelas uma indicação de como ajudar Justin, sem ter que se tornar propriedade de Aléxis Apollonaris.

Sem dúvida, ela não seria nada além de mais uma das suas propriedades. Seria apenas mais um símbolo de status para um bem-sucedido empresário grego que tivera como mãe uma humilde pastora de cabras. Beth suspirou amargurada.

— Anime-se, querida. Nosso casamento não será nenhum fim de mundo.

— E que a noite não foi das mais agradáveis, concorda?

O carro parou em frente ao edifício alto onde Beth tinha o seu pequeno apartamento.

— Não vou convidá-lo a entrar. Preciso ficar um pouco sozinha...

Ele segurou-a delicadamente pelos ombros.

— Beth, precisamos fazer planos para o nosso casamento. Por isso, teremos que nos ver de novo muito em breve. Vamos jantar juntos na quinta-feira? Estarei livre nesse dia.

— E quem lhe disse que eu também estarei?

— E não? — Os olhos dele se detiveram no seu rosto pálido, e depois na boca bem-feita. Então, Alexis se inclinou inesperadamente e a beijou de leve nos lábios. — Não precisa tremer assim, querida, não lhe vou fazer nenhum mal.

— Nenhum mal será maior do que me tornar sua mulher apenas para satisfazer um capricho mesquinho, aproveitando-se da minha situação de desvantagem.

— Pode ter certeza de que um dia a farei mudar de idéia. Telefonarei para combinarmos o jantar de quinta-feira. Se sua patroa precisar de você, diga-lhe que já tem compromisso.

A palavra compromisso fez com que Beth sentisse um frio no estômago.

— Deixe-me subir, por favor... Estou muito cansada.

— Por causa das emoções de hoje? Bem, pelo menos você poderá dormir sossegada quanto ao seu irmão...

Alexis soltou-a e ela saiu rapidamente do carro para o ar frio e úmido da noite. Subiu correndo os degraus da frente do prédio e entrou, sem se voltar para trás. Só então ouviu o ronco do carro partindo.

 

A sala onde madame Lilian fazia suas adivinhações era fascinante. No toldo, todo decorado com a pintura dos signos do Zodíaco, a balança de Libra se destacava. Beth havia perguntado o motivo desse destaque, e madame Lílian lhe explicara que a balança com seus dois pratos simbolizam a própria vida. Em cada pessoa há uma parcela do bem e outra do mal, no destino de todos há a fortuna e o infortúnio. Ora os pratos da balança pendem para um lado ora para outro, e é isso que determina o rumo da vida das pessoas, dissera ela.

— Mas isso tudo não é apenas suposição? — perguntara Beth. — Não somos nós quem fazemos as nossas próprias vidas, tanto para o bem como para o mal?

— Não espere que uma vidente concorde com isso — madame respondera altivamente. — Nós sabemos melhor do que ninguém que nossas vidas têm que seguir um rumo certo. E, ao longo do caminho, embora possamos fazer escolhas que entrem em oposição com a força magnética que nos guia, sofreremos as conseqüências da escolha que fizermos.

Essas explicações não modificaram, em nada, o ceticismo de Beth em relação a tudo aquilo. Ela era jovem demais na época e trabalhava havia pouco tempo com madame Lilian. Mas, depois de dois anos convivendo com a vidente, tinha passado a respeitá-la e às pessoas que acreditavam na astrologia, na quiromancia e na leitura das cartas do Tarô.

Madame Lilian era bem-falante e gostava de mostrar aos clientes o significado de cada coisa. Recusava-se no entanto a falar sobre a tábua ouija, alegando apenas que ela era um artifício nocivo que ligava as pessoas às regiões das trevas.

Bem no centro da sala, sobre um pentagrama de cinco estrelas desenhado no piso, ficava uma mesa redonda coberta por um tecido branco. Sobre ela, brilhava a bola de cristal, feita de berilo, uma pedra semipreciosa. A armação de sua base era de marfim, gravado com nomes e símbolos místicos. Um par de castiçais antigos, também sobre a mesa, e um incenso queimando num dos cantos da sala aumentavam a atmosfera exótica, mística e repousante do aposento.

Aquele ambiente, sem dúvida, dispunha as pessoas que ali entravam a buscar uma resposta quanto ao futuro, a ouvir com fé as previsões de madame Lilian. Mas Beth era testemunha de seus poderes impressionantes, provavelmente um resultado da combinação de uma percepção extra-sensorial com o dom da persuasão.

Havia ainda o fascínio da aparência de Madame. Ela era alta e costumava usar um vestido longo e bem solto, verde jade, com correntes e colares de contas e talismãs em volta do pescoço. Sua figura lembrava a de uma feiticeira. Seu rosto comprido possuía um estranho encanto, era rude e ao mesmo tempo doce. Naqueles dois anos Beth se apegara muito a ela.

Entretanto, nunca havia pedido a madame Lilian que lesse sua sorte nas cartas do Tarô. Imaginava que nada na sua vida poderia ter sido pior do que o golpe de ver Cathlamet passando para as mãos de um desconhecido, de ter sido obrigada a abandoná-la, de ter perdido o direito de viver lá.

Quando Alexis Apollonaris aparecera na sua frente, Beth impressionou-se com seu ar enigmático e estranho. Como nunca antes tinha conhecido nenhum grego, começou a desejar jamais cruzar com algum outro. Até mesmo o nome dele, quando foi pronunciado pelo procurador da família, lhe soara ameaçador. Agora, aquelas más impressões se confirmavam, só que de forma ainda mais chocante.

— Não, não posso! — Beth pensou em voz alta, incapaz de se controlar.

— Que foi que você disse, minha filha? — Madame Lilian entrou na sala, as correntes chocalhando sobre os seios proeminentes.

Beth voltou-se para ela, com uma expressão aflita no rosto. Ao ouvir as sonoras badaladas do Big Ben, resolveu pôr à prova os poderes de percepção da clarividente. Ficou parada, de queixo erguido, porque sabia que essa era a postura que facilitava o exame das feições. Assim, deixou bem visíveis as olheiras profundas que contrastavam com a palidez luminosa de sua pele.

— Querida, você está sendo ameaçada!

— Como assim, Madame? — Embora Beth sempre tivesse se mostrado reservada, ela agora queria e necessitava de orientação. Em outras ocasiões, conseguira enfrentar e superar preocupações, mas desta vez sentia-se terrivelmente perdida, não sabia que atitude tomar.

— Você está sendo ameaçada, Beth, e de uma maneira impiedosa. — Madame aproximou-se dela e segurou-lhe as mãos com delicadeza. — Estão frias como gelo. Isso é sinal evidente de uma ansiedade muito profunda. Trata-se de alguma coisa relacionada com seu irmão, não é?

— Sim. — Beth estremeceu.

— E é uma coisa que precisa ser resolvida sem demora. Seu irmão é o Valete do grupo de cartas, Beth. No momento em que o conheci, soube que ele iria evocar um demônio.

Beth ficou com a respiração suspensa e não ofereceu resistência quando Madame a conduziu à mesa onde ficava a bola de cristal, coberta pelo tecido de seda branca. Ela acendeu os castiçais e fechou as cortinas para impedir a entrada da luz do sol.

— Você é como uma filha para mim. Magoa-me vê-la assim tão atormentada. Mas confie em mim, que eu a ajudarei a resolver o seu problema.

Madame Lilian sentou-se e descobriu a bola. Ela era lavada todas as noites com uma infusão de ervas e vinagre, para que, à luz de velas, tivesse aquele brilho tão intenso.

Beth sabia que a clarividente não via imagem alguma na bola. O que ela pretendia ao fitá-la era criar uma atmosfera de auto-hipnose, de meditação. Muitas vezes, os clientes saíam dali, após as revelações que ouviam, num estado de intensa euforia.

"Quero apenas saber como lidar com o demônio que Justin conjurou", pensava Beth, enquanto madame Lilian se concentrava mirando a bola.

— Sei que seu irmão Justin já lhe causou muitas preocupações e que você conseguiu superá-las muito bem. Mas desta vez é diferente, não é mesmo? Fale sobre este outro homem que está interferindo na sua vida — ordenou Madame, sem desviar o olhar.

Beth teve um estremecimento que fez seu coração bater meio descompassado.

— Como é que... a senhora sabe?

— Isso não vem ao caso, minha filha. Descreva o homem.

— A senhora quer dizer fisicamente?

— Não. Fale-me sobre a personalidade dele.

— Tem um coração tão duro que, se por acaso alguém tropeçasse nele, teria que mandar engessar o pé!

— Entendo. — Madame lançou-lhe um olhar. — Ele é tão ruim assim?

— Ao menos parece.

— Você acha que ele não tem um lado bom, Beth?

— Bem... Não dá para ter certeza, mas...

— Isso quer dizer que ele não é exatamente uma pessoa má?

— Oh, não! Não é. — Por algum motivo estranho, Beth ficou chocada com a insinuação.

— Seria correto dizer que ele exerce alguma influência sobre você?

Beth concordou com um gesto de cabeça. Achou que seria mais fácil se contasse tudo a madame Lilian, mas queria ver até onde aquele jogo de adivinhações a levaria. Isso parecia combinar com a confrontação do Clube Cassandra, talvez assim alguém pudesse ser testemunha da audácia daquele homem ao lhe propor casamento. Ao mesmo tempo, aquela encenação toda lhe dava a ilusão de que quem sabe tudo não passasse de um sonho ruim do qual ela fosse prisioneira.

— Deixa ver.

Madame fixou novamente os olhos cor de jade na esfera reluzente. Daí a pouco seu rosto ficou inexpressivo como se ela tivesse entrado em transe, a mente vagando, longe dali. A sala estava mergulhada no silêncio, não se ouvia nem o tique-taque de um relógio, pois a proximidade do apartamento à Abadia de Westminster permitia a madame Lilian se orientar pelos ponteiros do Big Ben. Beth podia ouvir as batidas do próprio coração. Agora entendia por que tanta gente recorria a soluções misteriosas.

— Seu irmão está em débito com esse homem — Madame falou, fazendo uma pequena pausa. — Mas é você quem vai ter que pagar!

Beth apertou o rosto entre as mãos.

— Como a senhora sabe disso?

— Se eu dissesse você não ia acreditar — a senhora brincou. Beth sorriu.

— Depois de dois anos trabalhando com a senhora, eu não devia ficar tão surpresa. Mas é que, apesar disso, até hoje Madame não tinha lido a minha sorte.

— Talvez porque a sorte de jovens atraentes como você esteja estampada em seus rostos, minha filha. O que esse homem quer de você como pagamento?

— Como foi que... adivinhou, Madame?

— É simples, Beth. Você tem um irmão encantador, mas fraco, que trabalha num antro de jogos de azar. Estava nas cartas que um dia ele se meteria em encrencas, e depois deixaria a solução por conta da irmã. Você está atormentada e passou uma noite sem conseguir dormir. Quando isso acontece com os jovens, sempre transparece no rosto deles, ao contrário dos velhos, que de qualquer maneira têm sempre uma aparência decrépita. No caso de mulheres jovens é constante a possibilidade do surgimento de homens igualmente jovens, envoltos na bruma do horizonte, dispostos a lhes roubar o sono. Como vê, não foi preciso muita adivinhação.

Madame fez uma pausa e fitou-a diretamente nos olhos.

— O que ele está querendo? Quer fazer amor com você?

— Muito mais que isso — Beth respondeu, com voz rouca. — Disse que terei de me casar com ele, do contrário Justin irá para a cadeia. Meu irmão está apavorado, e eu não sei o que fazer... Estou desesperada!

— A soma em questão é muito alta?

Beth revelou o valor do desfalque. Mas, estranhamente, não conseguia contar a madame Lilian quem era o homem que na sala particular do seu clube estabelecera tão impiedosamente o seu preço.

— Então, ele está fazendo chantagem emocional? Beth concordou.

— No entanto, você nega que ele seja uma pessoa má.

— Ele raciocina matematicamente. Diz que uma coisa se compensa com outra. Concorda em perder a soma que Justin lhe roubou... contanto que se case comigo.

Madame Lilian olhou-a pensativamente, enquanto brincava com seus anéis de pedras grandes.

— Ele é um desconhecido para você, minha filha?

— Não, exatamente.

Beth recordava-se da beleza e distinção daquele rosto moreno, realçado pela camisa branca com gravata cinza, os pulsos fortes dentro dos punhos fechados com abotoaduras de ouro. Não, Aléxis Apollonaris não era um homem sem qualidades. Era cortês, possuía um estilo próprio de vida e não se curvava ao próprio destino. Fizera-se por si mesmo, mas não exibia o ar presunçoso da maioria dos novos-ricos, nem humilhava ninguém com manias de grandeza. Entretanto, para Beth, ele era a pessoa mais destrutiva do mundo. Sim, pois forçá-la a um casamento sem amor era o mesmo que arruinar todas as suas esperanças, todas as suas ilusões.

— Quer dizer então que ele não lhe é inteiramente estranho? Beth confirmou com um gesto de cabeça.

— Quem é ele, minha filha? Não quer me dizer seu nome!

— Eu... prefiro não dizer.

— Eu o conheço?

— Acho que sim, madame Lilian.

— Está bem, Beth, respeito o seu desejo de manter o nome dele em segredo. Pelo jeito, ele deve ser alguém importante... talvez uma personalidade ilustre.

— Ele é um homem cujo nome costuma aparecer nos jornais.

— Um homem de negócios?

— É.

— Então, ele deve ser bem mais velho que você, não é? É por isso que você não gosta da idéia de se casar com ele?

— Ele não é assim tão mais velho, mas eu... não acho correto me casar com um homem por interesse, sem amor.

— Ah, então chegamos ao "X" da questão! — Madame Lílian recostou-se na cadeira, e todo o seu rosto ficou na penumbra, onde, ainda assim, se destacava o brilho de seus olhos perspicazes. — E claro, minha filha. Está escrito nos seus olhos o quanto você é romântica e sensível. E é por isso que seu irmão irresponsável consegue impressioná-la. Você, sem dúvida, sempre se lembra dele como um garotinho travesso de cara suja. Entretanto, a realidade é outra: ele é um jovem desonesto que deveria ser mandado para alguma colônia penal, onde poderia pagar sua pena sem envolver as pessoas da família. Costumavam fazer isso antigamente, e muitas vezes valia a pena.

Madame Lilian ficou em silêncio durante alguns minutos, e Beth pôs-se a olhar para o reflexo das chamas das velas na bola de cristal e teve a intuição do que a clarividente ia lhe sugerir. Mas onde iria conseguir dinheiro para mandar Justin para fora do país?

— Faça um empréstimo, Beth — disse Madame, lendo os seus pensamentos. — Vá a uma financiadora de boa reputação e peça um empréstimo. Você assinará um contrato que exigirá certa percentagem de juros sobre a quantia solicitada. Muita gente faz isso, minha filha. Não é nenhuma vergonha.

— Não, não posso fazer isso! — Beth reagiu, assustada. Depois do que acontecera com seu pai, levado à falência e à desonra pelo endividamento, não admitia nem pensar naquela idéia.

— Bom, se você não acredita no seu próprio senso de responsabilidade financeira, Beth, então já sabe qual é a solução.

— Eu... poderia desafiá-lo, não poderia? — Beth falou, sem acreditar muito na possibilidade do que propunha. — Quem sabe ele não deixaria tudo por isso mesmo!

— Não acredito que você esteja falando sério, minha filha. Um homem de coração de pedra concedendo um perdão desinteressadamente? Pense bem.

Beth mordeu o lábio.

— Conheço uma excelente instituição financeira que a atenderá muito bem — madame Lilian continuou. — Você não tem do que se envergonhar. Eu mesma fiz um empréstimo há algum tempo. Foi quando resolvi me estabelecer como vidente. Como você sabe, não sou nenhuma trapaceira, mas isso não é suficiente. Os clientes só levam a sério alguém com o dom da visão sobrenatural se ele estiver envolto numa atmosfera de misticismo. E eu queria ser uma profissional respeitada. Mas, para manter meu local de trabalho da forma que achava conveniente, precisava de uma quantia razoável e eu não dispunha de um tostão. Então, resolvi recorrer a essa financeira, que me foi indicada por um amigo. Eles trabalham com seriedade, têm um sistema aceitável para o parcelamento da dívida e não são de pressionar o cliente além do normal na cobrança dos juros.

Ela se inclinou para a frente e encarou Beth.

— Dos males, seria o menor, você não acha? Você tem a própria vida para viver. Esse homem com quem você não quer se casar e esse irmão que só lhe causa ansiedade não têm nenhum direito de dirigir a sua vida.

— Mas eu nunca tomei dinheiro emprestado! — Beth começava a se sentir atraída pela idéia. — E se eu não conseguir saldar a dívida?

— Não diga isso, Beth. — Madame parecia ofendida. — Você tem um emprego excelente aqui comigo, e eu lhe pago um salário muito bom. Claro que poderá saldar a dívida. Como já lhe disse, essa financeira tem uma ótima reputação. Além disso, o meu nome consta nos livros de clientes preferenciais, de forma que a minha ficha vai facilitar as coisas para você.

— Uma mulher não precisa ser casada para a levarem a sério nesses lugares? — perguntou Beth, receosa.

— Atualmente não, minha filha. As mulheres agora já são consideradas como pessoas normais e capazes, e não mais como complementos do sexo masculino, se bem que algumas pessoas ainda pensam que existe essa limitação. A mim me parece que esse magnata é uma delas! Imagino só a audácia dele, querer a sua juventude e a sua inocência em troca da perfídia de seu irmão! Ele deve ser um monstro, apesar de você tentar justificá-lo.

— Ele é um homem habituado a negociar — explicou Beth, com a mente tomada pela expressão resoluta daquele rosto de guerreiro, que os verdadeiros homens de negócios acabam adquirindo no gosto das batalhas e na busca inflexível da vitória.

— E ele acha que está fazendo um bom negócio casando-se com você?

Beth deu de ombros.

— Não sou tão ruim assim. Ele sabe muito bem do meu desprezo por ele, e que nunca me teria como mulher por minha livre e espontânea vontade.

— Se ele é mesmo tão insensível como você diz, isso não deve incomodá-la. — Madame olhou-a de soslaio. — No pé em que as coisas estão, ele a transformará numa escrava e lhe atirará sempre na cara a alegação de que está no seu direito de que a comprou com o dinheiro que seu irmão roubou dele. Nunca mais você terá orgulho de si mesma. Já pensou nisso?

— Sim. Já pensei. — Beth levou as mãos à cabeça, desanimada. — Sinto-me como se estivesse sonhando, de tão irreal que tudo isso me parece. Entretanto, sei que não posso contar com a possibilidade de acordar de repente.

— Não é à-toa que você está se sentindo assim, Beth. Sem alarmar meus clientes, nunca procuro dissuadi-los da crença de que o diabo existe e que está sempre pronto a infernizar nossas vidas. Algo me diz que esse homem estranho tem parte com o demônio, pois existe uma zona de escuridão em torno de você, come se uma imensa sombra estivesse sendo projetada sobre você. Afaste-se da influência dele o mais rápido possível, pois, do contrário, você estará perdida!

— Oh, por favor não me diga isso... — Beth murmurou, as sustada.

— E para o seu próprio bem, minha filha. Você é jovem e precisa ser amada, não possuída. A escravidão foi abolida entre nós desde o século passado.

— Mas ele quer uma resposta até quinta-feira à noite. O que posso fazer?

— Deixe por minha conta.

Madame Lilian levantou-se e caminhou até o armário onde guardava a bolsa. Abriu-a e pegou uma carteira onde havia uma variedade de cartões com endereços e números de telefones comerciais. Finalmente, encontrou o que procurava, e entregou a Beth um velho cartão amassado.

— Vá ver essa gente — falou. — Tire a tarde de folga, Beth, e tome emprestada a quantia suficiente para pagar uma passagem de navio até a Austrália para seu irmão. A vida é dura por lá, mas quem sabe assim ele toma jeito. Reserve você mesma a passagem, pois do contrário ele gastará o dinheiro em outra coisa qualquer. Ele deverá ir de navio mesmo, pois os aviões chegam ao seu destino rápido demais. E pelo que você me disse a respeito desse magnata, imagino que ele é bem capaz de mandar vigiar muitos aeroportos à espera da chegada de seu irmão. Ele pode mandar prendê-lo e trazê-lo de volta, e é exatamente isso que você quer evitar, não é mesmo, querida?

Beth concordou e olhou para o cartão que tinha nas mãos. Detestava a idéia de pedir esse empréstimo, mas, realmente, aquela era a única saída plausível para ela e para Justin. Sem dúvida, seu irmão concordaria prontamente com a viagem. Ele era capaz de fazer qualquer coisa para se livrar de Alexis. E embora houvesse a possibilidade de aquele grego maldito mandar verificar as listas de passageiros dos navios, um pedido para que Justin fosse detido pelo comandante teria muito menos possibilidade de ser atendido.

Além disso, Beth tinha a impressão de que a determinação de Alexis em querer ver Justin atrás das grades não era assim tão grande. O que ele queria de fato era se apossar dela. O delito do irmão era apenas um pretexto.

— Beth, quem não arrisca... — Madame murmurou.

— Bem, não me resta mesmo outra escolha...

— Assim você vai matar dois coelhos com uma só cajadada, minha filha.

Beth balançou a cabeça, concordando. Indo para a Austrália, Justin teria uma chance de se emendar. De qualquer forma, maior ansiedade do que aquela ele não poderia mais lhe provocar. Haveria uma distância de meio mundo entre os dois homens, e ela então ficaria em posição de dizer a Alexis Apollonaris que fosse para o inferno, onde era o seu lugar!

Sentiu uma pontadinha de remorso ao pensar em Cathlamet, mas, afinal, tratava-se apenas de uma casa, um edifício de tijolos e pedras... Que, aliás, se tornaria uma prisão, se ela voltasse para lá como esposa de Alexis.

Ela colocou-se de pé, decidida.

— É isso que vou fazer. É melhor ficar devendo à financeira do que ao homem de quem lhe falei. Os donos da empresa certamente são menos impiedosos do que ele!

— Muito bem, Beth, estou gostando de ver. Agora prepare um café, enquanto telefono para a companhia de navegação para saber se há algum navio de partida para a Austrália, e o preço da passagem. Esse seu irmão desajuizado já lhe causou problemas demais.

— Será que é isso mesmo que devo fazer? — Beth perguntou, ainda um pouco hesitante.

— Isso está escrito nas linhas tortas do seu destino — madame Lilian afirmou, séria.

 

O telefone tocou, estridente, fazendo vibrar os nervos de Beth. Ela tinha acabado de sair do banho, e correu para atendê-lo, enquanto amarrava o cinto de seu roupão.

— Alô? Pois não.

— Srta. St. Cyr? É da Elias Mercantile. O dono da financeira deseja falar com a senhorita.

Beth sentiu seu coração disparar, apertado dentro do peito. A Elias Mercantile era a financeira onde ela fizera o pedido de empréstimo de várias centenas de libras, concedido rapidamente após a apresentação de madame Lilian como avalista. No contrato que ela tinha assinado constava que o pagamento seria feito em prestações mensais, cujo valor, para seu alívio, não era alto demais.

— Alguma coisa errada, senhor? — Beth sentiu frio de repente e enrolou melhor o roupão em volta do corpo molhado.

— A senhorita parece nervosa. — A voz do outro lado da linha era grave e áspera, com um sotaque estrangeiro que a fez estremecer e segurar-se na mesa do telefone, para não perder o equilíbrio.

— Algum problema?

Beth olhou estupefata para o telefone. Não era possível que dois homens falassem exatamente da mesma maneira e no mesmo tom. No entanto, a telefonista tinha dito com todas as letras que se tratava do dono da Elias Mercantile.

— Por favor, com quem estou falando? — perguntou, respirando com dificuldade.

— Você não reconhece a minha voz, Beth? Considerando o relacionamento especial que temos, isso me deixa um tanto decepcionado!

— Alexis Apollonaris? Não, não é possível!

— Sou eu sim — disse ele bem próximo ao fone.

— O senhor... não é o diretor da Elias Mercantile, é? — conseguiu perguntar.

— Entre outras coisas, sou.

— Oh, não! Meu Deus!

— O equivalente do nome Elias, em grego, é Apollo, minha querida. E, se você tivesse estudado melhor os clássicos na escola grã-fina que freqüentou, teria chegado a essa conclusão sozinha. Não que eu queira ter qualquer semelhança com o deus Apollo, mas é que o nome dele faz parte de meu sobrenome. Mas que destino caprichoso esse nosso, não Beth? Você foi tomar dinheiro emprestado para mandar seu irmão para longe do meu alcance logo na minha companhia, hein?

"Pelo menos Justin estava a salvo", Beth pensou. Ele tivera a sorte de conseguir lugar num navio para Cingapura e agarrara-se com unhas e dentes à oportunidade de deixar seus problemas para trás. Não ficara nem um pouco embaraçado por Beth ter sido obrigada a contrariar seus princípios e fazer um empréstimo a seu favor. Ele a abraçara com força e saíra em disparada para tomar o trem que o levaria a Southampton, de onde partiria o navio.

— Mandarei um cartão-postal — disse, atirando-lhe um beijo. Beth agora se dava conta de que o irmão devia saber muito bem que a Elias Mercantile era uma das empresas de Alexis Apollonaris, a conceituada e fidedigna financeira tão recomendada por madame Lilian, que enxergava tudo em sua bola de cristal, menos a cilada na qual ela acabara de se meter. Beth se recompôs com dificuldade.

— Por acaso pensou que eu ia aceitar pacificamente os termos da sua proposta de casamento?

— O que eu pensei ou deixei de pensar não vem ao caso. Mas eu a preveni que promessa de grego é dívida. Realmente, você não teve muita sorte vindo bater à minha porta em busca do empréstimo para mandar seu irmão para fora do país. Trabalhou rápido e com eficiência, o que aumentou minha admiração por você. No entanto, tem de admitir que agora está duplamente em débito comigo.

— Miserável! — murmurou Beth, sentindo uma vontade louca de bater o telefone e sair correndo, numa fuga sem destino.

— Lamento por você, Beth, pode crer. O que aconteceu deve mesmo ter sido muito desagradável e lhe causado um enorme desapontamento. Da próxima vez, diga à orácula para quem você trabalha que procure se concentrar mais na bola de cristal. Sei que ela foi cliente da Elias Mercantile, por isso estou certo de que foi ela quem planejou tudo.

— Madame Lilian achou que seria uma saída honrosa para mim.

— Ela leu também as cartas do Tarô?

— O senhor é um demônio! Sua sorte só pode ser coisa do diabo, sabia?

— Se é isso o que você acha... — Ele riu, sarcástico. — Nós temos alguns assuntos de interesse comum para tratar, por isso passarei aí dentro de mais ou menos uma hora. Iremos jantar juntos, está bem? Esteja pronta, sim?

Sem esperar resposta, Alexis desligou. Beth ainda ficou segurando o fone ao ouvido, meio atônita, mas só ouvia o sinal eletrônico indicando linha desocupada. Colocou o fone no gancho e caminhou até o sofá, com as pernas bambas. Sentou-se e abraçou uma almofada, procurando algum conforto. Tudo fora em vão. Ela continuava presa àquela teia tramada pelo irmão.

Desde o começo uma espécie de premonição dizia-lhe que ela não iria conseguir iludir Alexis Apollonaris e agora, passado o choque da surpresa, parecia apenas que as coisas seguiam seu próprio curso. Era fácil perceber que ele não era um homem convencional, e que gostava de projetos que envolvessem riscos. Assim, nada mais lógico do que ser proprietário de uma financeira, um tipo de negócio arriscado.

Ele certamente achara engraçado o fato de ela, uma pessoa tão ingênua em negócios, ter-se tomado cliente da Elias Mercantile. Não restava dúvida de que ele havia levado a melhor, esse grego de aço que aprendera a não ligar para a estima das pessoas, contanto que fosse respeitado. Alexis crescera enfrentando a crueldade dos que faziam pouco de uma criança, unicamente por ela ser filha de um pai ignorado.

A armadura que o protegia aumentara de tamanho junto com o menino, centímetro por centímetro, até envolvê-lo totalmente, de tal forma que nada mais pudesse penetrar em seu coração.

— Ele é inabalável, indestrutível, mas eu não sou — Beth disse Para si mesma.

Dentro de uma hora Alexis Apollonaris estaria ali. Vinha buscá-la, certo de que se casaria com ela, quer ela quisesse ou não. Como ele afirmara, ela estava de novo em débito com ele. Tinha caído definitivamente em suas garras e agora só lhe restava mostrar dignidade. Sempre se orgulhara de ser uma mulher correta e honrada. Portanto, não havia motivos para de repente deixar de andar com a cabeça erguida.

Foi até o quarto, abriu o guarda-roupa e deu uma olhada em seus vestidos. Separou um preto discreto, com um delicado friso branco na gola. Iria usá-lo. Alexis Apollonaris certamente entenderia o recado. Não tinha o que comemorar ante a perspectiva de casamento com um homem que só pensava em dinheiro sem reservar nenhum espaço para o amor.

O preto lhe caía bem mesmo, porque realçava sua pele clara. Puxou os longos cabelos loiros, prendendo-os em um coque, atrás da cabeça. Depois, pintou os lábios e colocou um par de brincos de pérolas. Olhando-se no espelho, reparou que a apreensão havia dilatado suas pupilas, fazendo diminuir a área ocupada pelas íris acinzentadas.

Era isso que Alexis Apollonaris queria: a sua tonalidade loira para contrastar com a cor morena de sua pele, a sua linhagem nobre para compensar a sua origem desconhecida. Até mesmo a rebeldia que emanava do brilho dos seus olhos, o nariz afinado, a boca em forma de coração, e o queixo bem desenhado ela sabia que eram do agrado de Alexis.

Há muitos e muitos anos, um cavaleiro normando, que construíra Cathlamet numa gleba que lhe fora dada pelo rei como recompensa por sua valentia no cerco de York, obrigou a filha de um cavaleiro saxão a se casar com ele. Beth fora com o pai, quando criança, a uma igreja em York, onde ele lhe mostrara num vitral colorido o desenho da esposa saxã ajoelhada num genuflexório. Beth lembrava-se bem da semelhança que havia entre aquela mulher loira e ela própria. Os genes saxões em combate com os genes normandos haviam produzido alguns descendentes de cabelos claros e olhos acinzentados. Ela era um deles.

Apesar de não ostentar vaidade, no íntimo Beth sabia que Aléxis Apollonaris admirava a sua beleza e que esse era um dos motivos pelos quais estava tão determinado a possuí-la.

Prendeu a respiração ao imaginar que talvez ele conhecesse a história da moça saxã, levada para Cathlamet na garupa do cavalo de um normando. Era o tipo de história que agradaria a um homem forjado das origens humildes para uma posição de todo-poderoso.

Nada melhor que ser proprietário de uma financeira para desfrutar o prazer de jogar com a vida das pessoas, de ser senhor do bem e do mal. Indignou-se com esse pensamento, a ponto de ficar com as faces avermelhadas. Foi então que a campainha tocou.

Abriu a porta com má vontade. Alexis entrou, olhando-a como se já fosse o seu dono.

— Você está muito bonita, moiya. — Ele se aproximou dela e Beth recuou instintivamente, imaginando que talvez ele fosse selar sua posse com um beijo. — Não se assuste, querida. Não vou estragar sua maquiagem, nem desmanchar seus cabelos. Ainda não. Tome isso. Coloque-o no casaco.

Ele lhe entregou uma caixa de tampa transparente, dentro da qual havia um ramalhete de orquídeas.

— Obrigada. — Ela ergueu a tampa, satisfeita por poder olhar para as flores e não para os olhos dele. Porém, ao tirar as orquídeas da caixa, ficou embaraçada ao deparar-se com um broche lindíssimo em forma de borboleta, desenhada com reluzentes pedras azuis e verdes. — O senhor não devia...

— Isso não custou todo o dinheiro do mundo — ele brincou. — Além do mais, é costume se presentear a moça com quem vai se casar, não é mesmo?

— É que... trata-se de um caso... — Beth interrompeu-se e tentou disfarçar sua dor, mordendo o lábio inferior ao espetar um dedo no prendedor do broche.

— Cuidado, querida. Assim você não chega inteira até o altar. Alexis pegou de cima da cadeira o casaco de pele de lince que ela havia usado na noite em que tinham se encontrado e olhando-o, com a testa franzida, disse:

— Vou-lhe comprar um de marta, bem bonito.

— Gosto deste mesmo. Comprei-o numa loja de roupas usadas, é verdade, mas gostei dele assim que o vi. E, se quer saber, casacos de pele de marta não fazem o meu gênero.

— Logo, logo você mudará de idéia, meu bem. — Alexis tirou as orquídeas e o broche das mãos trêmulas de Beth, prendeu a jóia no casaco e depois colocou-o sobre os ombros dela.

— O senhor nunca admite que alguém o contrarie, não? — perguntou ela, com o rosto erguido e um olhar altivo.

— Nem sempre isso é possível. Mas você há de convir que um marido rico é melhor do que um marido pobre. O amor numa cabana pode parecer muito bonito num romance, mas na realidade não significa nada, a não ser frio e fome.

— Eu... tenho certeza de que um amor verdadeiro pode superar todas as dificuldades.

— Na teoria, tudo é possível, minha cara. Mas, na prática, o amor, como as rosas, só pode florescer à luz do sol. Sobre a pobreza, posso falar por experiência própria. — O tom dele tornou-se áspero.

— Vi com meus próprios olhos como o lado bondoso e gentil de minha mãe foi endurecendo com as dificuldades da vida. Ela era uma garota quando fez a bobagem de entregar-se ao calor dos braços do homem errado. Mas ela nunca pôde se esquecer desse erro, pois a minha vinda ao mundo dificultou muito mais as coisas.

— É por isso que não gosta muito das pessoas? — Beth sentia pena do menino que tivera que enfrentar tantas agruras para se transformar no adulto forte e poderoso de agora. A armadura de Alexis não era visível como a de um cavaleiro normando, mas sem dúvida ele a possuía.

— Você acha que é necessário gostar das pessoas? Existem algumas que respeito pela perspicácia e outras que admiro pela aparência. E muitas que desprezo totalmente por suas mentes limitadas. Sou um ser humano, moiya, e nas circunstâncias em que vivi, felizmente, tornei-me imune à hipocrisia. Não sofro da doença social de dizer coisas bonitas na frente das pessoas, para depois apunhalá-las pelas costas. Resumindo, Beth, não uso nenhuma máscara de polidez para encobrir pensamentos desagradáveis.

— Para um grego, o senhor se expressa muito bem em francês, sr. Apollonaris. — Que a máscara que ele usava não era de falsidade, isso Beth sabia muito bem.

— Por favor, minha querida, daqui para a frente, me chame de Alexis e trate-me por você. — Ele olhou-a bem firme nos olhos, avisando que não admitiria recusa. — Esse formalismo não se justifica. Saiba que a considero tão minha quando Cathlamet. Você é parte daquela casa. Não tem nada a ver com este lugar de paredes sujas cheirando comida pelos corredores, com o barulho de rádio transmitindo futebol e discussões em voz alta.

Ele segurou-a pelos ombros com firmeza, mas sem machucá-la.

— Pelo amor de Deus, criança, será que não entende que prometi a seu pai que haveria sempre um lugar para você em Cathlamet? Apesar de ter sido um homem desatinado, ele a amava muito. E ficou com o coração despedaçado ao saber que você iria ficar privada de seu lar. Acha que se não fosse por você, eu estaria conservando aquela mansão de pedras?

Beth olhou para o rosto moreno de Alexis e seu coração começou a bater mais forte dentro do peito, mas não podia se deixar impressionar assim tão facilmente.

— Eu... sabia que tinha sido por isso que me propôs casamento antes. Sabia que era por causa da sua consciência...

— A minha consciência que se dane!

Ele a segurou com força e a beijou com violência. A sensação de ter sido invadida por uma corrente elétrica, portadora de luz e calor, percorreu todo o seu corpo. Naquele exato momento, Beth teve certeza de que Alexis era um conquistador igual àquele que construíra Cathlamet.

Quando seus lábios se separaram, Beth estava completamente aturdida, zonza e ofegante. Não conseguia dizer coisa alguma, nenhuma palavra lhe ocorria.

— Minha consciência não teve nada a ver com isso — ele falou baixinho. — Trata-se apenas dos meus sentidos. Você é a mulher que eu quero, e você será a minha esposa.

— Mesmo sabendo que eu não o amo? — Beth conseguiu argumentar.

— A que amor você está se referindo? Aquele dos livros de histórias? Aquela paixão entre almas gêmeas? — Ele riu. — O que sentimos, Beth, sentimos com o corpo. Não existe no homem ou na mulher nenhum órgão místico, do contrário já teria sido localizado pela ciência. Nossos desejos provêm da carne. E o que há de errado nisso?

Enquanto falava, Alexis ia-lhe acariciando o rosto, e de vez em quando descia com delicadeza as pontas dos dedos por seu pescoço, lhe provocando arrepios.

— Eu sei que você reage aos meus toques, Beth. Estou sentindo a sua pulsação acelerada.

— Nossos corações também disparam quando estamos assustados...

— Quer dizer então que eu a assusto? — Ele sorriu, parecendo se divertir com a idéia. — Chega de conversa. Vamos embora daqui. Você está precisando relaxar um pouco. Reservei para nós uma mesa no Torre de Rubi, um restaurante grego cuja comida é de dar água na boca. — Pegou-a pela mão, puxando-a em direção à porta.

— Venha, vamos jantar!

O carro de Alexis estava estacionado diante do prédio. Ao entrar,

Beth reparou na cor cinza do estofamento luxuoso e do sóbrio revestimento interno.

— E a minha cor preferida — afirmou Alexis, olhando-a no fundo dos olhos.

Ela estremeceu. Sabia que à sua maneira ele a estava cortejando de um modo ao mesmo tempo sutil e audacioso.

Até então, Beth não tinha tido nenhuma experiência com homens e nem sonhado com o repicar dos sinos do casamento. Será que os sinos tocavam nos casamentos gregos? Sem dúvida, Aléxis Apollonaris ia fazer questão de uma cerimônia típica de sua terra natal.

"Eu vou me casar com esse homem!", pensou Beth, tomada de pânico. "Ele acha que o meu amor por Cathlamet pode compensar a falta de amor entre nós!"

— Você gosta de comida grega? — perguntou ele, voltando-se para ela, ao parar o carro num sinal vermelho.

— Não sei, nunca experimentei — ela respondeu, mexendo nervosamente com o cinto de segurança que a mantinha presa ao lado dele.

— Pois tenho certeza de que você vai gostar.

Ele arrancou novamente, rumando para a parte mais tranqüila de West End. Alexis dirigia da mesma forma como tudo o mais que fazia: com determinação e precisão, sem nenhum sinal de nervosismo.

Beth não estava com fome, e nem mesmo o cheiro gostoso da comida dos outros freqüentadores lhe despertou o apetite.

O maitre levou-os até uma mesa isolada, que ficava embaixo de um belíssimo mural de motivos gregos, onde um cocheiro de biga segurava com firmeza e elegância uma parelha de cavalos rebeldes.

Beth olhou para o rosto do homem do mural e viu nele a mesma definição de feições, de força e de confiança que se refletiam no rosto do homem sentado à sua frente.

— Posso sugerir? Experimente um prato típico — Alexis falou.

— Peça para mim. — Ela procurou não demonstrar interesse pelo cardápio. — Vou deixar por sua conta... Não é você que agora toma conta da minha vida?

— Mas como você faz drama! Muitas mulheres adorariam estar no seu lugar, comendo num restaurante como este...

— Pena que eu não seja uma delas. Se você esperava ver-me deslumbrada com tudo isso, perdeu seu tempo.

— Não esperava nada que não estivesse dentro das minhas possibilidades, moiya — retrucou Alexis, enquanto passava os olhos pelo cardápio. O garçom se aproximou, com o bloco de anotações, e ele fez o pedido em grego, voltando-se a seguir para ela. — Como você acha que seu irmão vai se virar em Cingapura, longe da sua fonte de rendas e da irmãzinha salvadora?

Beth olhou-o com seriedade, sentiu-se como uma mosca presa numa teia de aranha.

— Será que o senhor... hã... você... não poderia ser um pouco menos maldoso? Deve ter parte com o diabo para se divertir assim com a infelicidade alheia.

— Quem sabe não serei eu o próprio filho do diabo? — Aléxis olhou-a com sarcasmo. — Para quem não tem coragem de encarar a verdade dos fatos, acreditar no sobrenatural é um consolo, não?

— Você por acaso conhece o significado da palavra verdade? — ela perguntou, encarando-o.

— Existem dois tipos de empresários, sabia? — Ele partiu um pão em forma de vara com as mãos. — Existem os que abusam da confiança e os que inspiram confiança. Sou acionário de muitas companhias e nunca fui acusado de desonestidade por ninguém. Você me odeia por causa de Cathlamet, eu sei. Mas a hipoteca da casa veio parar nas minhas mãos legalmente, sem que eu desse um passo para isso. Seu pai precisava de dinheiro e, como o meu negócio é fornecê-lo, assim o fiz. Infelizmente boa parte dele foi parar nas mesas de jogo, e ele foi se endividando cada vez mais, e sempre precisando de novos empréstimos para saldar suas dívidas. Se ele não tivesse freqüentado meu clube, teria caído nas mãos de alguém que lhe teria tomado até as roupas do corpo. Pode estar certa disso, eu conheço bem os exploradores do ramo.

Alexis sustentava o desafio de Beth com um olhar prolongado e dominador.

— Se eu tivesse uma filha, querida, construiria um lar para ela, ao invés de perdê-la no jogo. Ponha um pouco da culpa em seu pai. Afinal, foi ele quem a privou de Cathlamet.

— Você não acha que é um negócio sujo dirigir clubes onde homens jogam fora a própria vida?

— Não costumo encorajar, nem receber bem, freqüentadores do tipo de seu pai.

— Tem certeza? — Beth corou, pois não havia como negar o vício febril que o pai tinha pelo jogo. — Por que então permitiu que ele freqüentasse o seu clube?

— Você sabe a resposta, Beth.

— Então, por favor, confirme.

— Noite após noite, eu o via jogando sua herança fora, numa mesa de jogo, e me perguntava como ele podia fazer uma coisa dessas. Ficava observando-o, até meio fascinado. Ele vinha ao Cassandra, com ares de cavalheiro e deixava um pouco de sua história entre as cartas e os dados. Os donos dos clubes não criam os jogadores, eles é que precisam dos lugares onde se perder. Eu, por minha vez, era um homem deserdado da sorte, que tinha decidido fazer fortuna. — Alexis levou as mãos ao rosto. — Quer saber como me tornei proprietário do Cassandra?

— Se quiser me contar, conte. — Beth procurava não demonstrar interesse, mas, sem dúvida, gostaria de saber. Afinal, o Clube Cassandra fora uma espécie de segundo lar para seu pai.

— Eu estava com um navio carregado de tecidos que deveria ir para a China. Mas surgiu um negócio e acabei trocando a carga pelo clube. Quando assumi a direção, Geoffrey St. Cyr, um dos mais assíduos freqüentadores, já se encontrava muito endividado. Eu o achei meio confuso, mas gostei dele. Os cavalheiros ingleses costumam ser afáveis e simpáticos.

— Ao contrário dos gregos...

— Será que algum dia, como seu marido, ouvirei de sua boca algum elogio?

— Um homem que se impõe como marido não pode esperar muita coisa, não é mesmo?

— Você está chicoteando o cavalo errado, querida — ele falou, olhando para o mural. — Ainda não lhe ocorreu que, casando-se comigo, você estará recuperando todas as coisas que seu pai jogou fora, e ainda muito mais?

— Não sou uma mercenária como o senhor, sr. Apollonaris — ela desdenhou. — Sua lei é o dinheiro, não?

— Eu o respeito, só isso. — As feições de Alexis tornaram-se duras. Ele enfiou a mão no bolso do paletó, tirou uma caixinha e estendeu-a para ela. — Experimente para ver se serve. Quem sabe, depois de começar a usá-lo, você resolve me chamar pelo primeiro nome.

— O que é? — perguntou ela, sabendo muito bem o que havia dentro da caixa.

— Abra.

— Não, não vou abrir.

— Então deixe que eu mesmo abro. — Ele tirou a caixa das mãos dela e mostrou um anel no seu leito de cetim. Dois rubis idênticos reluziam engastados numa armação de ouro muito brilhante. — Brilhantes têm um brilho frio, esmeraldas são espalhafatosas e opalas trazem má sorte. Por isso escolhi rubis, que brilham como chamas incandescentes. Dê-me sua mão!

Beth permaneceu com as mãos fechadas sobre o colo, desafiando aquele olhar enfurecido. Ele não podia obrigá-la a aceitar o anel num lugar público, com todas aquelas pessoas olhando... Ou será que podia? Beth já não tinha mais certeza de nada.

 

As pedras do anel brilhavam como fogo, na palma da mão de Alexis.

— Existem coisas que precisamos fazer, Beth, por bem ou por mal. Você, por exemplo, precisa usar este anel. Além disso, ele vai ficar lindo em contraste com a alvura de sua pele, e um pouquinho de vaidade torna qualquer mulher mais feminina. Vamos, Beth, dê-me sua mão.

— Eu... não sou nenhuma criança...

— Então pare de se comportar como se fosse.

— Não gosto de usar anéis... Eles me incomodam.

— Você vai ter que se acostumar com este, por isso é bom começar já. Estenda a mão!

O tom de voz e o olhar de Alexis tinham se tornado mais imperativos, e ele parecia não ligar nem um pouco para o fato de estar despertando a atenção dos ocupantes das mesas vizinhas. Embaraçada, Beth estendeu a mão, e ele lhe enfiou o anel no dedo.

— Pronto, querida. Não é melhor assim, sem cenas?

— Não estou nem um pouco feliz, se quer saber.

— Pois faça um esforço. Será melhor para nós dois.

O garçom aproximou-se trazendo o vinho que lhe fora encomendado. Tirou a garrafa do balde de gelo, segurando-a com um guardanapo, e mostrou o rótulo a Alexis, que o aprovou com um gesto de cabeça.

— O vinho tem a mesma idade da minha noiva — comentou. O rapaz olhou para Beth e sorriu, respondendo qualquer coisa em grego. Depois abriu a garrafa, encheu as taças e afastou-se discretamente. Curiosa, ela quis saber o que o garçom havia dito.

Alexis ergueu a taça e contemplou a bebida através do cristal.

— Disse que serei um homem de sorte se minha noiva for tão doce quanto o vinho.

Ela corou.

— Pena que eu não seja.

— Quem sabe? A vida nos reserva surpresas, não?

— Uma mulher pode ser meiga sem alegrias? Estou levando isto adiante porque não tenho escolha. Estou aqui, usando este anel, porque fui forçada. Mas não pode esperar que um animal capturado comece de repente a lamber a mão daquele que o aprisionou.

— Você está interpretando mal minhas aspirações, Beth. Não estou querendo ser bajulado.

— O que quer então? — perguntou ela, olhando-o nos olhos, irritada.

— Exatamente o que já tenho.

— E o que é que já tem?

— Você. Yasas! — Ele levou a taça aos lábios e tomou o vinho em grandes goles, de uma maneira muito sensual, como se a estivesse sorvendo, saboreando seus lábios, seu corpo. Depois pousou a taça vazia sobre a mesa. — Minhas decisões não são influenciadas pelos sentimentos, é bom você saber disso.

— Desejo de vingança não é um tipo de sentimento? — A certeza de que aquele casamento baseava-se na vingança fez Beth sentir um gosto amargo na boca, que encobria toda a doçura do vinho.

— E mais que um sentimento, é um impulso natural, apesar de ter aparência de maldade.

— Mesmo quando a vítima é inocente e não tem nada a ver com a história?

— Não é esse o seu caso, moiya. Afinal, você também é minha devedora.

— E o que foi que tomei de você? — perguntou ela, espantada. — Nós nos encontramos tão poucas vezes.

— De fato! — ele falou, parecendo não querer continuar com a conversa, olhando para uma mulher sentada numa mesa próxima. O vestido da moça tinha um decote enorme. — O corpo da mulher foi feito para a intimidade, não para exibições públicas. — Olhou com ar de aprovação para o vestido de Beth.

O garçom trouxe o prato de entrada. Eram fatias de peixe defumado acompanhadas de berinjela, alcachofra e azeitonas grandes. Pãezinhos de gergelim também foram servidos.

— Nós chamamos esse pão de Kalouria. — Alexis partiu um pedaço de pão e mastigou-o com prazer. — Ele é feito diariamente e não se usam embalagens plásticas para conservá-lo. Não é à-toa que os ocidentais estão se tornando um tanto artificiais em suas emoções e em seu comportamento. Um bom pão é o esteio da vida.

Beth resolveu experimentar um pedaço e compreendeu o que ele estava querendo dizer. Aquele grego parecia ter sempre razão, apesar da maneira peculiar com que falava e a indiferença pelas reações das pessoas quanto às opiniões que manifestava.

— Vai insistir para que tenhamos uma cerimônia grega de casamento? — Beth. perguntou, buscando coragem num gole de vinho.

— Claro, pedhi mou. — Ele estalou os dedos para o garçom, o que significava mais pão.

— Espero que ela não seja longa e complicada — disse Beth, cortando nervosa uma fatia de peixe.

Ele fez um gesto negativo com a cabeça.

— Os casamentos gregos são muito bonitos, você verá. Nós vamos nos casar na Grécia.

— Na Grécia! — exclamou Beth. — Oh, mas deve haver igrejas neste país onde possamos... nos casar.

— Sem dúvida, mas, como eu já lhe disse, quero que minha mãe assista ao casamento, e ela nunca viria até aqui só para isso. Você vai gostar do meu país. Lá o sol está sempre brilhando.

— Tudo precisa ser à sua maneira, não é mesmo? — Beth olhou-o, ressentida. — Nunca leva a vontade dos outros em consideração?

— Às vezes, levo sim. Você tem pessoas muito queridas aqui na Inglaterra, ou apenas alguns parentes distantes? Gosto muito de minha mãe, e ela ficará feliz em assistir ao nosso casamento. Para ela será uma espécie de compensação por algo que ela não teve. Eu sei que você é capaz de entender, Beth, você não é uma pessoa egoísta.

— Realmente não sou. Não estaria nesta enrascada se pensasse um pouco mais em mim.

— Você diz coisas tão agradáveis ao seu noivo! — ironizou ele. — Dizer que se encontra numa enrascada significa que se acha numa situação da qual não pode sair, não é?

— Obviamente, você não vai me deixar livre desta.

— Você fala como se fosse a mocinha dos filmes de bangue-bangue, amarrada aos trilhos do trem — comentou ele com uma risada áspera. — Está esperando ser salva no último momento, não é? Não sou o mocinho com seu cavalo branco, moiya, mas também não sou o vilão... Não acredita?

— Também não sou nenhuma heroína. Mas a perspectiva de me casar com um estranho me apavora.

— Ora, Beth, deixe disso. Se você temesse realmente o desconhecido, não trabalharia com uma vidente, a renomada madame Lilian.

— Essas coisas são motivos de riso para você, claro! Acha que madame Lilian só diz besteiras, não é?

— Você está enganada, Beth. Nós, gregos, somos muito supersticiosos. Na cidade de Delfos existe um oráculo a que todos costumam recorrer e muitas moças da aldeia ainda conservam certas tradições esquisitas relacionadas ao amor. Elas fazem de tudo para saber quando aparecerá o homem maravilhoso que fará de suas vidas uma aventura. Os clientes de madame Lilian também buscam esse tipo de resposta?

— De vez em quando, sim. Mas a maioria deles procura uma forma de solucionar problemas profissionais e financeiros.

— Pelo jeito ela não costuma acertar muito, do contrário teria enxergado meu rosto na bola de cristal.

— E que você deve possuir uma aura muito forte de autoproteção. "Realmente, estou diante de um homem especial", pensou Beth.

Os videntes são sensíveis a todos os tipos de influência e certamente a força de Alexis impedira madame Lilian de visualizá-lo. Essa irradiação de força era evidente não só nas feições dele, como também na sua constituição física, no brilho do olhar, na cor dourada das íris em contraste com os cílios longos e negros.

Enquanto pensava, Beth via os garçons se movimentarem. Um se aproximou da mesa deles e levou embora os pratos e talheres usados. Dali a pouco trouxe, sobre um carrinho, um pernil de carneiro disposto no centro de um bonito arranjo de legumes variados. A apatia em que ela se encontrava foi substituída por um apetite súbito. Não fez nenhuma objeção quando o garçom fatiou uma boa porção de carne e colocou-a em seu prato, junto com batatas assadas, couve-flor e cenouras.

— Quer molho, senhora?

— Sim, por favor. — Enquanto olhava o garçom despejar o molho escuro e fumegante em seu prato, Beth reparou que Alexis a observava, provavelmente achando graça na sua disposição repentina pela comida.

— Não espere por mim — disse ele. — A comida deve ser apreciada enquanto ainda está quente... Assim como nossos outros apetites.

Mas ela esperou até que ele fosse servido, esforçando-se para não demonstrar nenhuma reação àquele último comentário. Não tinha a pretensão de se achar conhecedora dos homens, mas sabia instintivamente que a sensualidade de Alexis Apollonaris tinha a força da sua ambição, mesma ".

Quando cortou a carne e viu os rubis cintilarem em sua mao, Beth compreendeu que Aléxis ia exigir que o casamento deles se consumasse de fato, não admitindo que ficasse apenas numa espécie de simulação legal.

— Você gosta de carne de carneiro — ele perguntou.

— Gosto. Desde que não seja um daqueles sacrificados.

— Está fazendo uma alusão a você mesma, não?

— Não é isso que sou? Uma ovelha sacrificada?

— Não, querida. Você é uma ovelhinha apetitosa, de cabelos loiros, o]hos cinzentos e corpo convidativo — retrucou ele, olhando-a com languidez e levando em seguida uma fatia de carne à boca.

Beth corou e baixou os olhos. Ele já estava começando a cobrança pelos débitos de Justin.

Como sobremesa foi servida uma torta de uvas do campo, recém-saída do forno, com creme de chantilly. Estava deliciosa e Beth não conseguiu deixar de elogiá-la.

— Que bom que a minha princesa gostou de alguma coisa — Aléxis disse sorrindo — Tudo o que comemos eram pratos típicos gregos, menos esta sobremesa. Eu a conheci no restaurante de um amigo norte-americano, que me forneceu a receita. O cozinheiro da Torre de Rubi prepara-a especialmente para mim quando venho jantar aqui. Até que enfim podemos dizer que temos algumas coisas em comum, moyia. A cozinheira que contratei para Cathlamet sabe preparar esssa torta com perfeição; aliás este foi um dos requisitos para a contratação. Quem sabe agora, você começa a tomar gosto pelo nosso casamento...

— O que foi feito de Sarah, a antiga cozinheira? — Beth sentiu um aperto no coração, pois lembrou-se da mulher trabalhando na espaçosa cozinha com armários de madeira, panelas e louças de barro. Reviu a mesa enorme com grandes gavetas, o fogão antigo, um dos primeiros industrializados, e as lâmpadas presas em ganchos no teto caiado.

Sentiu vontade de voltar àquela casa, mas sabia que quando o fizesse já seria como esposa de um homem quase estranho e que provavelmente nunca se deixaria conhecer.

Perdida em pensamentos, Beth nem se lembrava mais da pergunta que fizera quando a voz de Alexis trouxe-a de volta à realidade.

— Sarah não quis continuar trabalhando lá. Disse que ia morar com a filha. Claro que algumas coisas estão mudadas, isso foi inevitável. Contratei outro homem para cuidar dos estábulos, e há também alguns cavalos novos. A casa sofreu uma pequena reforma, mas não foi feita nenhuma mudança que alterasse o ambiente. Sou considerado uma pessoa de bom gosto, sabia?

Alexis passeava os olhos pelos cabelos e o rosto de Beth enquanto falava, com ar de satisfação, como que demonstrando que a considerava mais uma prova de seu bom gosto. Ela devia se sentir lisonjeada com isso, no entanto o que lhe passava pela cabeça era a consciência de estar sendo avaliada como um objeto de valor. E era o que faltava a Cathlamet, certamente o que daria alma àquele lugar e vida às paredes lavadas pela chuva, às torres de pedras que ficavam acima dos telhados.

De repente, um alvoroço tomou conta do salão de refeições. Um dos fregueses começou a tossir sem parar e ia ficando cada vez mais vermelho. Muitos se levantaram, olhando de longe, outros se aproximaram, alguns cochicharam, mas ninguém fazia nada. A mulher que o acompanhava estava petrificada em seu lugar, apavorada.

Alexis olhou para um lado e outro e correu até o homem. Com rapidez e firmeza, inclinou a cabeça dele para trás, enfiou o dedo em sua garganta e tirou alguma coisa para fora. Três minutos depois, o homem já estava respirando normalmente e a cor do rosto também tinha voltado, mas Alexis continuava lá, de pé, ao lado dele.

Do seu lugar, Beth acompanhava a cena, com a respiração suspensa. A mulher finalmente levantou-se, foi até Alexis e abraçou-o. Ele inclinou a cabeça e lhe disse alguma coisa, em voz baixa, e afastou-a com delicadeza.

Enquanto Alexis voltava, Beth olhava-o, com admiração. Todos no restaurante haviam se limitado a olhar para o homem, impotentes ou então alarmados, mas ele agira sem qualquer hesitação.

Tinha um ar de satisfação, mas logo estava novamente sentado ao lado dela, tomando com naturalidade o seu café.

— Ele engasgou-se com um pedaço de fruta — disse. — Foi um pedaço de laranja. Estão indo embora agora. Eu aconselhei à mulher dele que o levasse ao hospital para ver se não lhe arranhei a garganta. Quando eu estava na escola, no curso primário, uma criança também se engasgou com um pedaço de laranja, e ao removê-lo a professora arranhou sua garganta, o que acabou se transformando numa infecção séria.

— Você é um homem imprevisível, Alexis.

— Oh, não acredito! Finalmente você está me tratando pelo primeiro nome, não esperava isso tão cedo.

Beth ficou sem jeito, pega num flagrante, mas rapidamente voltou à defensiva.

— Por isso não. Posso me controlar da próxima vez, já que frustrei suas expectativas. O que eu quis dizer é que você assume o controle da situação de uma forma imprevisível. Mas não pense que eu vou permitir que você controle minha vida. Quero continuar trabalhando, em vez de ficar o tempo todo em casa como um bichinho de estimação.

— Deixe de bobagens, menina! — Alexis fez um gesto de impaciência e empurrou um prato com doces sírios e fondants, na direção de Beth. — Coma um desses doces, moiya. Aproveite as vantagens da idade e desse corpo esbelto para se deliciar com as doçuras da vida. Além disso, não se preocupe com uns quilinhos a mais. A minha parte turca aprecia muito as mulheres cheinhas.

— Não tenho nenhuma obrigação de me preocupar se o estarei agradando ou não — falou Beth, furiosa, sentindo ímpetos de atirar na cara dele aquele anel, ou melhor, aquele grilhão de luxo, antes de sair correndo dali.

— Você não sabe o que está perdendo! — Ele pôs um doce na boca e mastigou-o com prazer.

— Mas sei o que estou ganhando! Um algoz arrogante e cínico que nem se dá ao trabalho de levar em consideração o que eu digo.

— Acalme-se, Beth. As verdades não precisam ser reafirmadas a toda hora, elas acabam se impondo com o tempo.

— Oh... — Beth fechou os olhos. Nem sabia o que dizer. Pegou a bolsa, afastou a cadeira e levantou-se. — Vou até o toalete... e espero encontrá-lo fulminado por um raio quando voltar.

Chegou ao toalete tremendo de raiva e caiu num choro convulsivo. Depois enxugou as lágrimas com força, ciente de que não poderia fazer nada. Se saísse correndo da Torre de Rubi e fosse se refugiar no seu apartamento, sabia que ele chegaria lá antes dela, pronto para reclamar sua propriedade.

Isso era tudo o que ela significava agora: a propriedade de um homem que avaliava as coisas e as pessoas pelo seu valor financeiro. Ele tinha observado pacientemente o seu pai se arruinar, então intervira e se apossara do que restara dos bens dos St. Cyr, Cathlamet e ela mesma.

"Miserável!", ela pensou, saindo resignada do toalete e encontrando-o já no vestíbulo do restaurante com o seu casaco de pele na mão.

A aragem suave da noite proporcionou-lhe uma súbita sensação de bem-estar e o céu coalhado de estrelas pareceu-lhe anunciar que, apesar de tudo, ainda havia alguma perspectiva de luz e beleza. Pararam perto do carro e Alexis respirou fundo aquele ar que continha uma promessa de verão.

— Seu país é bonito, Beth, e algo me diz que ele tem muito para nos oferecer.

— Sem dúvida! Não é aqui que a cada dia você acumula mais riqueza?

Alexis olhou para ela e abriu a porta do carro com uma expressão contrariada.

— Entre.

Ela entrou e se encolheu no banco, instintivamente temendo a proximidade física daquele homem forte e atraente. Afastaram-se da Torre de Rubi e depois de alguns minutos, rodando em silêncio, Beth observou que o caminho que estavam tomando não levava a Earl's Court, mas ao centro da cidade de Londres. Para onde ele a estaria levando? Esperava que não fosse para alguma boate. A última coisa que queria era dançar com ele, ver-se envolvida pelos seus braços.

Entraram numa rua próxima a Piccadilly Circus e ele estacionou o carro junto ao meio-fio.

— Esta noite tão agradável me dá vontade de caminhar. Vamos andar um pouco?

Beth aceitou sem discutir. Um passeio a pé só lhe poderia fazer bem. Apesar de já ser tarde, ainda havia muitas pessoas na rua, Provavelmente atraídas pelo espetáculo de luzes de Piccadilly.

Alexis pegou a mão de Beth e prendeu-a em seu braço.

— Escute os pássaros — disse ele, enquanto andavam a esmo pela rua. Os bichinhos estavam nos telhados dos prédios, despertos por causa da iluminação intensa do centro da cidade. — Como vê, querida, os seres vivos são capazes de se adaptar às circunstâncias em que vivem.

— É verdade. Mas me dá pena ver esses pássaros agitados, sem conseguir dormir, enquanto no campo seus companheiros estão mergulhados num sono tranqüilo. Essa forma de sobrevivência não é natural.

— Realmente. No entanto, é aqui que eles encontram o seu sustento. Mas não se esqueça de que há muitas gerações eles passam suas vidas nos telhados de Piccadilly. Não conhecem a sobrevivência saudável do campo, por isso essa daqui tornou-se natural para eles. Ao contrário do que ocorre apesar desses dois anos que viveu em Londres, muitas vezes sente-se uma estranha, não é mesmo?

— Às vezes, sim. Mas estou me adaptando.

— Acho que você nunca deixou de pensar em Cathlamet e na vida que levava lá, totalmente diferente daqui. Mas seu sonho agora será realizado. Cathlamet espera por você.

Beth sentiu um aperto no coração. Então era essa a razão pela qual ele a trouxera até Piccadilly. Queria que ela ouvisse os pássaros da meia-noite, porque sabia que isso despertaria nela a saudade da casa onde várias gerações de sua família haviam vivido...

Beth falou, então, com ironia:

— Ah, você está se preocupando com o meu bem-estar? Não me disse que nunca fazia nada motivado por sentimentos?

Alexis não respondeu. Com a cabeça levemente inclinada para trás, parecia muito atento ao gorjeio dos pássaros noturnos. Uma expressão triste apoderou-se de seu rosto.

Beth sentiu uma vontade repentina de acariciá-lo, confortá-lo. Mas ele deve ter notado, pois logo interrompeu-a, dizendo:

— Vamos embora. Já está tarde.

Caminharam com passos largos até o carro. Lá, Beth sentiu-se mais confortável e sua tensão diminuiu um pouco.

— Suponho que você já esteja tomando as providências, certo? — perguntou ela, querendo testá-lo.

— Quanto ao casamento?

— Sim... Espero que não seja sua intenção transformá-lo num acontecimento social.

— Não se preocupe. Já lhe disse que essas coisas não fazem o meu gênero. Nós nos casaremos em Atenas e depois navegaremos até Dovima, uma ilha que possuo no Mar Egeu. Passaremos nossa lua-de-mel lá.

— Entendo. Você não está precisando da minha opinião para nada, não é mesmo?

— Gostaria que você escolhesse o seu vestido de noiva.

— Vamos nos casar na igreja?

— Claro!

— Sua mãe vai aprovar esse seu casamento com uma moça inglesa?

— Sem dúvida, ela preferiria uma noiva grega. Mas, como ela sempre acha que tudo que faço é bem-feito, tenho certeza de que a receberá muito bem.

— Oh, Alexis... por favor — ela suplicou —, vamos desistir desse projeto maluco. Não é possível sermos felizes assim.

— Nossa felicidade não me preocupa muito. Sou exigente quanto ao nosso bem-estar, isso sim.

O carro estacionou suavemente junto à calçada da casa de Beth. Ela soltou o cinto de segurança, abriu a porta do carro e saiu correndo até os degraus da entrada do prédio. Ainda estava remexendo na bolsa, à procura da chave, quando Alexis alcançou-a e virou-a de frente para ele, envolvendo-a num abraço. Ela o empurrou e olhou para ele, irritada.

— Você só pensa em si mesmo. E se eu estiver desejando encontrar um pouco de felicidade? Isso não conta?

— Você não acredita que possa ser feliz comigo?

— Com você? — Ela o olhou, incrédula com a pergunta. — Eu sou sua noiva apenas por causa de um trato, não se lembra? Fui comprada!

— Claro que me lembro. — Alexis pegou a cabeça dela entre as mãos e, segurando-a pela nuca, beijou-a.

Beth sentiu-se desfalecer. Porém, a razão alertava-a de que não devia demonstrar nenhuma fraqueza. Tentou repeli-lo, mas os braços fortes a seguravam, possessos. Deixou-se então beijar com uma deliberada e falsa passividade. De repente, ele a soltou, praguejando em grego.

— Eu derreterei seu gelo, querida. Teremos muito tempo pela frente.

— Sem o calor da paixão nenhum gelo se derrete, Alexis. — inclinando a cabeça para trás, ela o olhou com altivez.

— Você não perde por esperar. Eu lhe garanto. — O grego sorriu.

— Agora vá para cama, pedhi mou. Entrarei em contato com você.

— Ele segurou-lhe a mão e tocou-a de leve com os lábios. Depois virou as costas e seguiu para o carro.

Beth entrou em casa e fechou a porta. Ouviu o som do carro se afastando, rumando para o seu apartamento luxuoso em cima do Clube Cassandra, o lugar onde homens fracos como seu pai e Justin tornavam-se vítimas da astúcia de pessoas como Alexis Apollonaris.

Ela se perguntava o que Alexis faria diante da sua recusa em aceitar a imposição daquele casamento. Sem dúvida, ele faria Justin sofrer a humilhação de ser trazido de volta à Inglaterra como um prisioneiro.

A decisão cabia a ela: sabia que o casamento com Alexis era a única forma de impedir que o brasão dos St. Cyr fosse desonrado por seu irmão, cuja irresponsabilidade poderia levá-lo a ser condenado como criminoso.

Justin estava agora em alto-mar, talvez jogando fora, no cassino do navio, o dinheiro que custara a ela tanto sacrifício. Enquanto subia os degraus da escada daquele prédio velho, Beth maldizia o apego que sentia pelo irmão egoísta e pela tradição de honradez dos St. Cyr.

Ela olhou em volta, conformada. Num futuro muito próximo estaria dizendo adeus a Earl's Court e deixando para trás aqueles corredores com cheiro de verdura cozida. Viajaria para Atenas a fim de se unir em matrimônio a um homem que nunca dissera que a amava.

 

A perfeição do vestido de noiva deixava Beth ainda mais triste. Qualquer moça apaixonada daria tudo para se casar usando um vestido como aquele.

Não tinha nada a ver com os modelos tradicionais, compridos e com cauda. Era todo confeccionado em renda gulpure, sobre fundo de cetim. A saia ia até o meio da canela e o corpete, em forma de coração, ajustava-se à cintura delgada de Beth, destacando-lhe o colo gracioso.

Ela fora ao ateliê do costureiro indicado por Alexis, na South Moulton Street, e ele se encarregara da confecção não só do vestido como também de todo o seu enxoval. Discutir com Alexis, censurando-lhe a indicação, teria sido inútil. Ele sempre encontrava um jeito de fazer valer sua opinião, pois, além do apego à tradição grega de que os homens são os chefes da casa, possuía também o dom natural do comando. Encarregara-se de encomendar, pessoalmente, tudo o que havia de melhor para a moça com quem ia se casar.

Beth colocou na cabeça a grinalda de flores miúdas, depois abriu a caixa de couro branco que lhe havia sido entregue, havia cerca de uma hora, na porta de seu quarto, por um dos funcionários do hotel. Sobre o fundo almofadado de cetim, brilhava um maravilhoso colar de pérolas. Tirou-o com cuidado da caixa e prendeu-o ao pescoço. Leu novamente o bilhete que viera acompanhando o presente:

“Que as pérolas sejam suas únicas lágrimas. Os sorrisos, guarde-os para mim. Não se incomode ao olhar pela janela e ver a chuva caindo nos telhados. Aqui em meu país todos acreditam que chuva no dia do casamento traz sorte e fertilidade".

Beth olhou para a sua imagem refletida no espelho, enquanto ouvia o som da chuva batendo nas vidraças daquele hotel localizado em frente à Colina de Marte. Ali o apóstolo Paulo pregara sobre o amor, mas era o amor de um Deus que não se confinava em templos, nem se lançava à vingança, quando tinha sua vontade contrariada.

O som da chuva a fez recordar-se da noite em que fora ao Clube Cassandra suplicar a Alexis que perdoasse seu irmão. Mas, ao invés disso, a espada vingativa daquele grego voltara-se contra ela, e a dor que sentia no peito agora era como se ela ainda estivesse cravada no seu coração.

Aquela dor contínua dos últimos dias às vezes subia-lhe à garganta, e Beth então era tomada pela vontade incontrolável de chorar. Mas o choro não a aliviava. O nervosismo, o medo, o ressentimento ainda persistiam. A cada batida de seu coração, a cada tique-taque do relógio, mais se aproximava o momento em que o carro nupcial viria buscá-la.

Ela e Alexis haviam chegado a Atenas na noite anterior, mas tudo o que pôde ver na cidade, através da janela do táxi que os transportara do aeroporto até o centro, foi o Partenon iluminado.

— Sua mãe... seus amigos... Eles não vão estranhar o fato de ainda não me conhecerem? De nunca me terem visto? — ela tinha se esforçado em perguntar, imaginando que ele entenderia a sugestão de que adiassem o casamento.

Alexis balançara a cabeça.

— Na Grécia, aceita-se com naturalidade o casamento de estranhos. Minha mãe e meus amigos se contentarão com o simples fato de me estar casando. Acho que eles já tinham perdido a esperança de me verem diante do altar.

— Oh... Por quê? — Momentaneamente, ela ficou curiosa a respeito desse aspecto da vida dele. Sem dúvida, muitas mulheres haviam passado por sua vida, pois ele era um homem muito atraente, além de bem-sucedido no mundo dos negócios. Realmente, surpreendia o fato de ele ainda estar solteiro.

— Por eu não ter tido irmãs, eles acham que o casamento nunca me preocupou e que então fiquei mal-acostumado. Aqui na Grécia, por uma questão de orgulho e de honra de família, um irmão deve esperar que suas irmãs se casem para depois procurar uma eventual esposa. Muitos de meus compatriotas fazem isso até hoje. Trabalham com afinco para proporcionar às irmãs um dote que atraia um pretendente e, às vezes, ficam numa situação financeira tão difícil que acabam tendo que desposar uma moça que não tenha dote. No interior, o dote pode se constituir de um rebanho de ovelhas ou de cabras, ou talvez de um par de bons cavalos. Mas, nas cidades, o que conta é o dinheiro mesmo ou bens em imóveis.

— O mercado do casamento... —Beth murmurou com amargura. — Se você não fosse rico, não poderia estar se casando comigo, pois sabe muito bem que não possuo nenhum dote.

— Você tem o dote que me interessa. — Ele sorriu. — Como você mesma disse, sou suficientemente rico para escolher a mulher que quiser. Muitos de nossos costumes sem dúvida lhe parecerão estranhos, pois até eu, um grego, fico abismado ao ver em muitas aldeias as populações ignorantes e insensíveis aos costumes modernos transformarem a vida de moças, que caem em desgraça, por perderem a virgindade fora do casamento, num inferno. Sim, moiya agora sou um homem rico e posso me dar ao luxo de usar roupas finas, comer boas comidas, ter propriedades e me casar com a moça que eu quero. Mas não posso apagar o meu passado da memória.

O táxi rumava para o centro da cidade, para a praça da Constituição. Alexis exclamou alguma coisa em grego e continuou:

— Não me esqueço da minha infância, quando não podia brincar com as outras crianças porque era tão marginalizado quanto a minha mãe. Tudo por causa da língua venenosa daquelas matronas vestidas de negro que se sentavam à porta de suas casas e ficavam cochichando sobre a vida das mulheres mais jovens. Às vezes, os outros meninos atiravam pedras em mim, e as meninas me xingavam de nomes que tinham ouvido da própria boca de seus pais. Quando me xingavam eu chutava a terra, erguia o queixo e jurava comigo mesmo que um dia... um dia eu voltaria para a Grécia e me casaria com uma moça que todos os homens invejariam.

Ele riu com amargura.

— A moça é você, Beth. E amanhã, diante de um altar, você se tornará minha.

Lembrando-se daquelas cenas, enquanto se olhava no espelho, Beth não via em seus olhos nem expectativa nem entusiasmo, mas dor e tristeza. Sobressaltou-se ao ouvir batidas na porta de seu quarto. Quando a abriu deparou-se com uma mulher. Ela era grega, poucos anos mais velha do que Beth e estava muito elegante num conjunto de seda azul e com um bonito chapéu de palha repleto de pequenas flores presas na aba...

— Olá — disse a moça em inglês, seu rosto simpático abrindo-se num sorriso maroto. — Sou Kara Savidge, amiga de seu noivo. Meu marido e eu viemos buscá-la para levá-la à igreja de São Nicolau.

— Oh... — Beth deu um passo atrás, sem saber o que fazer ante a chegada inesperada da jovem. Alexis não havia mencionado nada, apenas dissera que, um pouco antes das onze, viriam apanhá-la de carro para conduzi-la até a igreja.

Kara consultou o seu relógio.

— Ainda temos alguns minutos de folga. Posso entrar para conversarmos um pouco? — perguntou a moça. — Você, sem dúvida, deve estar muito nervosa, como todas as noivas, ainda mais sabendo que vai se casar numa igreja grega! Aliás, vamos dar um retoque na maquiagem para disfarçar melhor a sua palidez?

— Oh, sim. Entre. — Beth abriu mais a porta para que a moça entrasse na sala de estar.

— Lucan, meu marido, está nos esperando no saguão — Kara explicou, com um sorriso simpático nos lábios. — Ele é inglês, mas de descendência irlandesa. Você tem sangue inglês puro, não é? Seus cabelos são tão lindos! Alexis me lembra muito meu irmão, por isso não fiquei surpresa ao ver que ele escolheu uma moça loira para esposa. Meu irmão Paul também se casou com uma moça inglesa. Os homens gregos costumam sentir forte atração por mulheres loiras, embora a maioria acabe se casando mesmo com morenas, que é a cor natural do povo grego.

— Meu tipo de cabelo não é muito jeitoso — Beth disse, com um sorriso sem graça. — Invejo as mulheres gregas como você, que têm os cabelos naturalmente ondulados.

Kara tinha cabelos muito escuros, e estava usando brincos de ouro em forma de argola nas orelhas. Ela não era exatamente bonita, mas tinha uma expressão forte, um jeito cativante e amigo. Seus grandes olhos escuros revelavam preocupação. Ela até parecia estar adivinhando a verdade sobre aquele casamento.

— Isso de trazê-la diretamente para Atenas, sem lhe dar tempo algum para se acostumar ao clima e aos costumes, é coisa de Alexis. — Kara tocou delicadamente o braço de Beth. — Os homens gregos são mesmo estranhos, não acha? Em público, parecem tão altivos e distantes, ao passo que na intimidade são tão ardentes. Como sabem odiar, e como sabem amar! Nem sempre compreendem as necessidades das mulheres, e nem mesmo acham que as mulheres tenham necessidades diferentes das deles. Sei muito bem, thespinis, que o amor de um grego pode ser uma espécie de cativeiro, pois tenho acompanhado a vida amorosa de meu irmão.

Beth sentiu seus nervos se distenderem um pouco. As palavras de Kara davam-lhe o conforto da compreensão de alguém, pois de fato ela era muito cativante.

Percebendo o ar pensativo e melancólico de Beth, Kara mudou de assunto.

— Você ainda não conheceu a mãe de Alexis, não é? Ela nunca saiu daqui. Esta é a primeira vez que você vem à Grécia?

Beth balançou a cabeça, afirmativamente, sem se dar conta de que estava virando nervosamente o anel de rubi no dedo.

— Alexis me falou sobre ela, mas é a mãe dele, e nós... Naturalmente, sempre falamos bem de nossos pais, não é? Você a conhece?

— Sim. Lucan e eu a conhecemos quando passamos umas férias em Dovima, a ilha que Alexis comprou.

— Que tipo de pessoa ela é? — Beth tentou falar com naturalidade, mas na verdade já havia formado uma imagem preconcebida de sua futura sogra, imaginando-a uma mulher possessiva e seca, que provavelmente não gostaria dela por não ser grega como Alexis. — Você... gostou dela?

— Senti admiração por ela — Kara respondeu. — A vida não foi muito boa para ela, até Alexis se transformar num homem bem-sucedido e poder lhe dar todas as coisas com que sonhara quando moça. Ela mora na ilha, mas não na vila principal. Alexis deve ter lhe contado que construiu duas casas na ilha, depois que a comprou, não?

Beth discordou balançando a cabeça.

— Ele não me falou muita coisa sobre a ilha. Tudo o que sei é que... vamos passar a nossa lua-de-mel lá.

— Você vai gostar da ilha. — Kara sorriu de maneira tranqüilizadora. — Tudo o que havia nela, quando Alexis a comprou, eram os restos de um antigo castelo veneziano. Era uma espécie de forte, com torres de vigia, usado na defesa contra os piratas. As fortes muralhas venezianas circundam a própria vila, pois Alexis construiu a casa dentro delas. O restante das ruínas foi transformado em jardins ou deixado intacto como atração. Você verá esculpido na muralha o Leão de São Marcos, que Lucan diz ser um brasão muito adequado para Alexis.

— E mesmo? — Beth sorriu. — Por que acha que seu marido pensa assim?

— Em primeiro lugar, porque ele é muito irlandês, apesar de ter nascido na Inglaterra, e os irlandeses são apegadíssimos às histórias sobre os nobres. Em segundo lugar, porque ele diz que Alexis é um homem com coração de leão. Como você sabe, ele teve que lutar muito por cada centímetro do caminho que o conduziu ao sucesso e à fortuna. Ele começou do nada, dispondo apenas da inteligência e da sua energia, e agora ele tem... uma moça como você.

— Como eu? — Beth sentiu-se envaidecida. — Estou é morta de medo que a mãe dele não me aprove por eu não ser grega.

— Os gregos são mesmo muito bairristas quando se trata de casamento — Kara admitiu. — Mas se você amar Alexis acabará conquistando-a, pode estar certa disso.

Beth sentiu um aperto no coração ao pensar na palavra amor, mas procurou esconder a tristeza que sentiu desviando os olhos para o relógio que havia na parede.

— Não está na hora de irmos? — perguntou.

— Sim. — Kara aproximou-se de Beth e segurou-lhe as mãos. — Acalme-se, querida. Os casamentos gregos são muito menos formais que os britânicos. As pessoas que passam pela rua entram na igreja quando ficam sabendo que um casamento está sendo realizado, e os noivos não ficam sozinhos no altar, pois os convidados têm permissão de fazer companhia a eles e assistem à cerimônia de perto. É até parecido com uma festa.

— Alexis disse que seria uma cerimônia bem simples. Quantos convidados irão?

— Cerca de duas dezenas. — Kara apertou as mãos dela. — Você tem que entender que ele tem amigos pessoais e de negócios em Atenas, e todos esperam vê-lo casar. E uma questão de philotimo, uma palavra grega que significa orgulho e honra. Ter philotimo é importante para um grego, e para isso é necessário que a moça com a qual ele vai se casar seja casta. E a sua família, e seus amigos?

— Meu único irmão está viajando para o exterior. — Beth sentiu o rubor subir-lhe às faces. — Tenho alguns amigos em Londres, mas eles trabalham para viver e não puderam comparecer ao meu casamento em Atenas.

— Você deve estar se sentindo sozinha — Kara concluiu, solidária. — Fico contente por Lucan e eu podermos ficar com você. Acho que vai gostar dele. Bem, deixe-me dar uma última olhada em você, para ver se está tudo em ordem. Kara examinou Beth da cabeça aos pés.

— Seu vestido é lindo! A simplicidade do estilo combina com você, e as flores da grinalda realçam a graça de seus cabelos. O colar também é lindo.

— Foi presente de Alexis. — Beth passou os dedos pelo colar. — Na Inglaterra existe uma superstição popular que diz que as pérolas trazem má sorte.

— Psiu! Você não deve falar em má sorte no dia do casamento! — Kara fez o sinal da cruz. — Você vai levar um buquê de flores? — perguntou, olhando em volta à procura dele.

— Sim, de orquídeas. Alexis providenciou para que elas fossem guardadas sob uma temperatura especial aqui no hotel. Eu mesma irei buscá-las no balcão de recepção. Isso tudo... é tão estranho! Na Inglaterra, o buquê é entregue na manhã do dia do casamento, junto com um tabuleiro repleto de cravos para os convidados. As damas de honra correm para lá e para cá com suas roupas vistosas, e o rádio toca músicas, enquanto os sanduíches e o café são preparados. — Ela suspirou, trêmula. — Eu... mal acredito que dentro de meia hora estarei casada!

— Você se sentirá mais calma na igreja, segurando o braço de Alexis — Kara falou, conduzindo-a em direção à porta. — Venha vamos descer. Lucan está nos esperando.

Beth sentiu as pernas tremerem ao acompanhar Kara até o elevador. Tinha tomado uma xícara de café, mas não conseguira comer mais do que a metade de um biscoito. Tentou se convencer de que estava se sentindo assim, tão fria e insegura, por estar mal alimentada.

"Queira Deus que eu não desmaie no altar", pensou. Os convidados certamente a considerariam uma tola por desmaiar ao se casar com um homem de tanta riqueza, poder e philotimo.

Será que Alexis se orgulhava realmente de tê-la trazido para Atenas para ser sua esposa, depois de tê-la comprado em troca da dívida de Justin? Do dinheiro que tinha escapado por entre os dedos de seu irmão como se fosse água?

No saguão do hotel, Kara apresentou-a a Lucan, um homem alto e bem-apessoado. Ao vê-las, ele se aproximou com passos largos. Tinha olhos cinzentos, rosto bronzeado e cabelos avermelhados, lembrando a cor da pele da raposa. Não era um exemplo de beleza, mas certamente não passava despercebido. Talvez não fosse sempre gentil, mas tinha todo o jeito de um cavalheiro.

— Até que enfim... — falou com a voz grave. — Pensei que vocês duas não fossem mais descer.

Depois de fazer as apresentações, Kara pediu ao marido:

— Querido, vá até o balcão e pegue com o recepcionista o buquê de Beth. Ele está guardado numa redoma com ar condicionado para que as orquídeas não sofram com o calor.

Ele ergueu uma sobrancelha e olhou para Beth com ar zombeteiro.

— Espero que o frescor das flores contraste com o ardor da noiva

— falou ele, dirigindo-se à recepção.

— Lucan tem um senso de humor constante — Kara explicou.

— Acho que é por isso que se dá tão bem com Alexis. Ao mesmo tempo, possui uma forte veia do misticismo irlandês. Eu o adoro. Mas não existe nenhuma maneira de convencê-lo de que nem sempre pode ficar falando tudo que lhe vem à cabeça. E você? Está apaixonada por Alexis, não?

Beth ficou desconcertada com a pergunta, sem saber o que responder. Imediatamente, Kara fez uma expressão de pesar.

— Ora, que pena! Alexis, como meu irmão Paul, saiu à procura de sua Helena e acabou se metendo numa batalha de Tróia. Estou vendo que as coisas entre vocês andam complicadas.

— É verdade — Beth concordou cabisbaixa.

Lucan voltou com o buquê, indiferente aos olhares curiosos dos outros hóspedes. Entregou-o a Beth e os três saíram para a rua, indo até a limusine que os levaria à igreja de São Nicolau.

Beth sentia frio, apesar do lindo casaco de pele de marta que trazia sobre os ombros. Segurava com cuidado o buquê de orquídeas, enquanto ouvia Lucan Savidge contar sobre a ilha onde ele e Kara viviam com os filhos gêmeos. As crianças tinham ficado em casa, aos cuidados da babá, uma moça antilhana.

— Nós não perderíamos o casamento de Alexis por nada deste mundo — ele brincou.

— Como foi que vocês o conheceram? — Beth quis saber.

— Já faz alguns anos. As minhas plantações estavam arruinadas pela falta de chuva e eu precisava de dinheiro para poder fazer um novo plantio. Poderia ter pedido ajuda ao meu cunhado, mas não queria envolver a família num negócio arriscado. Fui então procurar a Elias Mercantile e foi aí que conheci Alexis. Ele me apoiou do começo ao fim, apesar do risco do empreendimento. Mas felizmente tudo correu bem e todos nós saímos ganhando. Agora a Baía do Dragão é um exemplo de prosperidade e com isso o bem-estar de meus filhos está garantido e o dos filhos deles também. Imagine só! Tudo graças a um homem que não tinha um tostão quando era menino.

Sem se virar, Beth sentiu o olhar de Lucan examinando-lhe o perfil. Será que ele estava adivinhando que agora ela era o brinquedo caro que Alexis tenha comprado para se desforrar da infância sem brinquedos?

— Realmente, vocês devem ser muito gratos a Alexis...

Beth interrompeu-se ao avistar a igreja branca de cúpula azul e janelas redondas de vitrais coloridos. Seu coração começou a bater disparado. Dentro de poucos minutos estaria unida para sempre a Alexis Apollonaris.

Quando os sinos começaram a tocar, enchendo o ar de vibrações graves, Beth fechou os olhos e respirou fundo, aceitando o seu destino.

 

Alexis estava esperando no interior da igreja, próximo da entrada. Acompanhava-o uma mulher de ar muito distinto, que Beth adivinhou ser a mãe dele. Ela era relativamente alta e tinha o rosto afilado e marcado, mas conservava ainda traços da beleza exuberante que devia ter tido quando jovem. Seus olhos escuros e meio tristes olharam Beth de maneira tranqüila e acolhedora, e não do jeito penetrante que ela temia.

O casaco tinha ficado no carro e, apesar de não ter se molhado com a chuva, Beth sentia-se encharcada de friagem. Não sabia se sorria ou não para a mãe de seu noivo. Uma sensação estranha de irrealidade, como se estivesse sonhando, a impedia de tomar atitudes.

— Deixe-me apresentá-la a minha mãe — Alexis falou. — Agora há pouco ela me dizia que, já que eu tinha ido tão longe para buscar uma noiva, ela esperava que, para compensar, eu tivesse escolhido uma moça encantadora. — Ele sorriu para as duas mulheres, uma vestida de noiva, e a outra com um sóbrio vestido preto e os cabelos negros mechados por fios grisalhos presos num coque à altura da nuca.

Meio tímida, Magda Apollonaris se aproximou de Beth, segurou-lhe o rosto e a beijou nas duas faces.

— Faça meu filho feliz — disse ela, com um forte sotaque.

— Eu... vou tentar — Beth respondeu, sem ousar olhar para Alexis.

Momentos depois, eles caminharam de braços dados para o altar. Em meio à penumbra repousante em que imagens douradas e prateadas cintilavam à luz das velas, Beth estava ciente de que todos os olhares convergiam para eles.

No ar havia uma mistura de perfumes: dos cravos nas lapelas dos homens, e das velas acesas na igreja. A mãe de Alexis seguia atrás, e o padrinho, ao lado, vestido tão sobriamente como Alexis.

Logo que atingiram o altar, todos os convidados se aproximaram, reunindo-se em torno deles. O sacerdote iniciou a cerimônia, entoando cânticos nupciais. Beth lembrou-se então da recomendação que Alexis lhe fizera durante a viagem de avião para Atenas. Ele explicara que, a certa altura da cerimônia, quando o sacerdote entoasse "A mulher deve submeter-se ao homem", ele faria um sinal afirmativo com a cabeça, dísfarçadamente, e ela lhe daria um pisão no pé. Tratava-se de uma brincadeira incorporada ao ritual. Com isso os convidados se divertiam, achando muita graça.

Quando chegou o momento, Alexis deu-lhe a deixa. Fez o gesto com a cabeça, e obedientemente, Beth pisou-lhe o pé. No mesmo instante todos começaram a rir. A descontração momentânea aliviou-lhe o coração, mas suas mãos ainda transpiravam quando trocaram as alianças.

Beth ficara surpresa ao saber que a Igreja grega não condenava o divórcio. Isso provavelmente se devia ao fato de que a maioria dos casamentos entre eles era arranjada, não havendo portanto muitas garantias de que marido e mulher viessem a se amar. Na verdade, um grego, se quisesse, podia se casar até três vezes.

Depois da troca das alianças foi a vez das coroas nupciais, feitas de couro fino imitando ramos de oliveira, unidos por uma fita branca. O padrinho segurou-as acima da cabeça dos noivos, enquanto os cantos finais eram entoados. Em seguida, o casal, conduzido pelo sacerdote, realizou a chamada dança nupcial, que consistia em dar voltas ao redor do altar ao som de uma música de ritmo mais marcado.

Durante a dança, os convidados jogaram arroz, pétalas de rosa e amêndoas nos noivos, criando uma confusão de risos e cochichos. Beth entendeu por que Alexis havia dito que um casamento grego era menos formal que um inglês. Com pétalas de rosa e grãos de arroz nos cabelos e no vestido, Beth tomou alguns goles do vinho que o padre lhe ofereceu, antes de beijar, junto com Alexis, a Bíblia prateada que ele lhes estendeu.

Finalmente, estavam casados. Aturdida, Beth caminhou de volta para a entrada da igreja, apoiada no braço do marido. Logo os convidados os rodearam, abraçando-os, beijando-os e desejando-lhes boa sorte. Alguns até enxugaram uma ou outra lágrima quando os noivos saíram na chuva em direção ao carro, que os levaria até o cais, onde o barco de Alexis aguardava por eles.

Logo que o automóvel se afastou da igreja, Alexis pegou o casaco de peles e colocou-o sobre os ombros de Beth. No aconchego do gesto e na proximidade dos braços dele, ela sentiu a intenção de possessividade.

— Você esteve encantadora — ele falou.

— Espero ter desempenhado bem o meu papel e impressionado os seus convidados como você desejava — Beth respondeu, vestindo o casaco e lembrando-se da expressão de conforto da mãe de Aléxis ao segurar junto de si as coroas nupciais que o filho lhe entregara.

— Minha mãe gostou de você...

— Eu... também gostei dela. — Realmente fora um alívio constatar que Magda Apollonaris não correspondia à imagem de mãe ranzinza, ciumenta e dominadora que ela esperava com temor.

— Já que você gostou dela, não quer gostar um pouco de mim também? Sou filho de minha mãe, portanto não devo ser tão desqualificado assim, como você imagina.

Beth olhou-o, achando graça, enquanto ele pegava sua mão para admirar a aliança.

— Quando os convidados chegarem ao barco, para a recepção, procure agir como uma noiva de verdade e não como uma carpideira chorona — ele continuou.

— Você sabe muito bem que eu não queria nenhuma recepção...

— Ora, moiya, seria uma descortesia não servirmos um bolo com champanhe aos convidados no dia do nosso casamento. Seja razoável, querida!

— Os meus desejos são infantis e a sua palavra é sempre lei, não é mesmo?

Ele riu, sem negar a acusação, e segurou a mão de Beth com mais força.

— Está com receio de que seus amigos percebam que fui obrigada a me casar com você?

— Prefiro vê-los pensando que você gosta de ser minha esposa. Do contrário, a paz de espírito de minha mãe estaria ameaçada. Além disso, não sou tão insensível assim, a ponto de não me incomodar se começarem a espalhar que a obriguei a se casar comigo.

— Está querendo dizer que tenho nas mãos o poder de magoá-lo? — Ela sorriu como se estivesse diante de uma descoberta fundamental. — Estava começando a achar que não havia nenhuma fenda nessa sua armadura.

— Meu ponto fraco são as coisas que dizem respeito a minha mãe. — A expressão dele se tornou séria. — E fique sabendo que, se de alguma forma você a magoar, pagará caro por isso.

Beth baixou os olhos, pensando em tudo o que ele e sua mãe haviam sofrido juntos. Aquela mulher de fibra lutara sozinha para alimentar, vestir e educar o filho. Agora era a vez dele cuidar para que nada lhe faltasse.

Lembrou-se de Kara Savidge dizendo do ardor que os gregos podiam sentir, quando amavam. De fato, era com ardor que Aléxis amava e queria proteger a mãe.

— Nunca me passaria pela cabeça magoar sua mãe — Beth tentou tranqüilizá-lo. — Apesar de não ter nenhuma obrigação de me tratar com delicadeza, ela foi muito gentil. E me aceitou, sendo eu uma estranha. Isso eu nunca esquecerei.

— Mamãe a aceitou por minha causa. Sou tudo o que ela tem, e agora, que você faz parte de mim, ela tem a você também — ele falou num tom duro, e segurou-a pelo queixo, obrigando-a a encará-lo. — Um grego não quer que a mulher sinta medo dele, mas ele espera que ela compreenda que lhe pertence, uma vez que se tornaram marido e mulher. Você me pertence, Beth. Cada fio de seu cabelo é meu, cada centímetro de sua pele alva, cada gota de seu suor e cada lágrima de seus olhos. Essa posse agora está consumada e você não tem por onde fugir, moiya.

Enquanto falava, Alexis foi abrandando a voz e ao final levou a mão dela aos lábios e beijou-a, carinhosamente.

— Numa praia existem milhares de conchinhas, muitas delas se destacam pela beleza. As pessoas brincam com elas durante algum tempo, depois as jogam na água ou as abandonam na areia. Até que um dia se encantam com uma delas e não querem mais se desfazer dela. Resolvem guardá-la e a levam para casa como uma propriedade. Foi isso que aconteceu com você, Beth. Encontrei-a perdida, encantei-me com você e agora você é uma propriedade da qual cuidarei com todo o carinho. Não é melhor assim do que fazer juras de amor eterno e depois quebrá-las, como muitos fazem?

— E os corações? Não se podem quebrar, mesmo sem juras? — Beth perguntou.

— Você acredita realmente, moiya, que o coração seja sede das paixões?

Beth corou ao ver um sorriso brincando nos olhos dele.

— Eu... estava me referindo ao amor...

— Amor? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Já ouvi falar bastante, mas até hoje não o conheci.

— Não é porque não teve essa sorte que pode desdenhar dos que amam — ela retrucou, logo em seguida estremecendo com o contato da mão forte lhe acariciando o pescoço.

— Sei que o nosso relacionamento não daria um grande romance de amor — ele disse pausadamente. — Mas posso lhe oferecer, a título de romance, a nossa viagem de barco até Dovima. E pena que esteja chovendo, mas a chuva não durará muito tempo, e você poderá ver a beleza do Egeu, o mar das ilhas, para onde alguns homens navegam e nunca mais voltam. Quando o sol se põe no Egeu, é como se ele tingisse o mar de dourado. Você vai ficar fascinada, moiya.

— Nas atuais circunstâncias, nada seria capaz de me fascinar.

— Querida, não lhe passou ainda pela cabeça que você está querendo o impossível? É melhor se conformar e deixar de lamentações. O que está feito, está feito.

— Impossível me conformar, Alexis.

— Você pode escolher. Aceitará a sua sorte por bem ou por mal.

— Estou pronta para o sacrifício, você sabe disso. Mas não me exija um ar postiço de felicidade.

— Beth, olhe só para você mesma. Está usando um casaco de pele de marta e pérolas, e seu marido é um homem que possui uma ilha e goza do respeito de pessoas como os Savidge e do irmão de Kara, que é dono da Companhia de Navegação Stephanous. Eu não sou um joão-ninguém! Qual é então o sacrifício que você está fazendo ao se casar comigo? Considera que foi rebaixada na escala social?

— Não.

Ele afrouxou os braços, desanimado, momentaneamente derrotado. Ela apenas o olhava, sem dizer nada. Mas logo Alexis sacudiu a cabeça e retomou seu ar decidido.

— Bem, como dizemos na Grécia, a castidade é um prêmio reservado ao vencedor. Essa será apenas a primeira coisa que você me dará.

— E se você estiver enganado, Alexis? — Beth desafiou-o com ar altivo, na esperança de estar plantando uma semente de dúvida na mente dele.

— Deixe comigo que dessas coisas eu entendo, Beth.

— Talvez você se sentisse mais seguro se eu fosse uma moça grega — ela replicou. — Mas sou inglesa, e entre nós está um pouco fora de moda querer que as mulheres se mantenham virgens até o casamento, enquanto os homens se divertem à vontade antes de se casarem. Essa exigência hipócrita, felizmente, está sendo superada.

— Acredito que sim, Beth, e não tenho dúvidas de que muitas inglesas gostam, como você disse, de se divertir. Mas não preciso ser clarividente para adivinhar o seu caráter. Você é muito exigente, querida, e não ia se entregar ao primeiro que lhe aparecesse à frente. Você é daquele tipo que espera pela chegada do cavaleiro impetuoso montado no seu cavalo branco, com a armadura prateada brilhando ao sol. Aliás, o que você não perdoa em mim é justamente o fato de a ter feito abandonar o seu sonho.

— Para você eu não passo de uma tola ingênua, não é mesmo? Ele balançou a cabeça.

— Não, você é uma idealista, uma sonhadora.

Até certo ponto, ele tinha razão. Bem no fundo, ela desejava que Justin um dia pudesse ser como Alexis: bem-sucedido, forte e confiante.

— Você precisa de alguém que a proteja — prosseguiu ele. — Do contrário, poderia ser maltratada por algum homem inescrupuloso que se aproveitaria de você. Felizmente, estou agora do seu lado e nada de ruim lhe acontecerá.

— Você diz isso para aliviar seu sentimento de culpa, Alexis.

— Meu sentimento de culpa?

— Sim, porque você é grego e tudo o que faz visa a acumular philotimo, de forma a impressionar seus amigos e inimigos.

Ele a olhou com os olhos semicerrados.

— Você não sabe nada sobre philotimo, querida. Não se arrisque a dar palpites sobre o que não entende.

— Estou me arriscando e pisando em terreno perigoso desde que o conheci, Alexis, isso sim. Pisei em areia movediça no dia em que você esteve em Cathlamet para receber os títulos de propriedade de meu pai. Eu não sabia que isto iria ocorrer até o dia em que ele morreu e o advogado nos contou. Mas não fiquei surpresa, pois você não era nenhum cavaleiro com trajes de montaria, não era como os amigos com quem meu pai gostava de beber. Eu devia ter adivinhado nesse dia que você iria envolver-me na sua sombra escura.

— Você não sabe a injustiça que está cometendo, Beth. Eu não arruinei seu pai. Ele era autodestrutivo. Destruiu-se a si mesmo. Apenas juntei os pedaços que ele tinha espalhado sobre as mesas de jogo. Mas já falamos sobre isso, e não posso fazer nada se você se recusa a acreditar em mim. Um dia você saberá da verdade de forma a não poder mais duvidar de minhas palavras, tenho certeza.

— Tomara! Quem sabe assim você passará de vilão a herói, não é?

— Vamos mudar de assunto. Quando estivermos sozinhos em Dovima eu lhe darei a primeira lição sobre como viver realisticamente, querida.

— Mas a sua mãe estará lá...

— Minha mãe ficará em Atenas com uma amiga durante as duas semanas de nossa lua-de-mel.

— Entendo. — Beth estremeceu quando se deu conta de que ia ficar sozinha com Alexis. Olhou para os seus ombros largos e sentiu-se indefesa. Olhou para as mãos fortes e ágeis e viu o brilho da aliança que proclamava o direito dele de passá-las por seu corpo. Ao olhar para os olhos cor de mel, percebeu que Alexis estava lendo seus pensamentos, como se ela os tivesse escrito na testa.

— Sim, estaremos a sós, com exceção dos empregados que cuidam da vila — ele disse. — Não temos vizinhos, apenas as cabras e os golfinhos que nadam a pouca distância nas praias. Esteja preparada para o que der e vier, querida.

Alexis falou com uma sensualidade deliberada, inclinando-se na direção dela e farejando-a como que para sentir o perfume de sua pele e de seus cabelos. Beth sentiu envolver-se pela força magnética dele, e quando Alexis lhe tomou o rosto entre as mãos e lhe beijou os olhos, um de cada vez e depois a boca, ela não opôs resistência. Estava meio paralisada, uma espécie de tontura obscurecendo tudo à sua volta.

Quando ele se afastou, Beth fitou-o diretamente nos olhos e viu os reflexos dela própria nas pupilas escuras de Alexis, dilatadas pela excitação sexual que o invadia.

Mas ela não se renderia àquele ardor, pois não havia nada de profundo naquele ímpeto de busca que não brotava de nenhum sentimento especial, mas apenas da necessidade física. A cerimônia na igreja, com suas luzes e incensos, não tinha sido o ápice de seus sonhos românticos.

Assim pensando, Beth deixou escapar um suspiro dos lábios. Ele estreitou os olhos.

— Ainda bem que sou paciente, querida, o que não acontece com a maioria dos meus compatriotas. Um outro, no meu lugar, provavelmente já a teria segurado pelos ombros e a sacudido com raiva, por causa desse desprezo pelo homem que agora é seu marido. Os beijos, moiya, são apenas o prelúdio da paixão.

— Paixão! — Beth olhou para ele com desdém. — Isso é tudo que sou para você... Um objeto de prazer!

— Exatamente, querida. E que mal há nisso? Você devia estar se sentindo lisonjeada em vez de ofendida. Pode deixar que com o tempo irá gostar muito disso.

— Você nada mais tem que nervos de aço e coração de pedra, como todos os homens que se fazem sozinhos.

— Mas não se esqueça de que em minhas veias corre sangue oriental, rico de sensualidade. Esse é um dom que não convém a nenhuma mulher desprezar, não é mesmo?

— Principalmente, se a mulher tiver pretensões de ser uma das concubinas do harém do grão-senhor, não é mesmo?

— Sem dúvida. — Ele riu. — Estou gostando de ver sua capacidade de afastar-se da realidade, querida. Não é de admirar que seu irmão tenha conseguido com a maior facilidade convencê-la de que eu pretendia tê-la a qualquer custo.

Alexis recostou-se no banco e, no silêncio que se seguiu, podiam ouvir a chuva tamborilando na lataria do carro.

— Fique sabendo, madame Apollonaris, que por causa da senhora nunca tive o menor propósito de levar seu irmão à prisão. De que adiantaria isso, além de magoá-la? — Ele arqueou as sobrancelhas. — Mas você foi até meu clube acreditando, conforme ele inventara, que eu só não tomaria alguma medida contra ele se recebesse você em troca. Você me acusou de armar uma cilada para ele, quando na verdade o que fiz foi dar a ele o único emprego para o qual ele tem a qualificação necessária: o de estar entre jogadores, que apreciam o jeito polido e matreiro de pessoas como Justin. — Alexis fez uma pausa, antes de prosseguir.

— Minha querida menina, nunca pretendi exigir você em troca da liberdade dele. Mas ele a convenceu disso. Não armei ciladas para nenhum dos dois. Você, na sua ingenuidade, veio se oferecer a mim, e eu, como grego que sou, não pude recusar os presentes dos deuses. Além disso, querida, você é exatamente o tipo de mulher que me agrada e me apareceu num momento de desgosto com a vida de solteiro. É normal que você seja minha mesmo que não me ame. — Ele fez um gesto de displicência. — Mas não vamos mais falar de amor, que isso é um enigma!

Beth olhava-o sem poder acreditar no que estava ouvindo.

— Quer dizer então que eu podia ter saído do Clube Cassandra como uma pessoa livre... livre desse pagamento tão pesado?

Alexis sorriu.

— Então eu... podia ter voltado para casa naquela noite e telefonado a Justin dizendo que ele não precisava temer o pior? — Seu coração batia tão forte que a fazia sentir falta de ar.

— Digamos que sim.

— Mas você me fez acreditar justamente o contrário. Disse-me que a liberdade de meu irmão estava nas minhas mãos!

— É verdade — ele teve o descaramento de concordar.

A raiva que Beth sentiu a fez descontrolar-se. Tirou a aliança do dedo e atirou-a no rosto dele.

— Faça bom proveito dessa maravilha — ela falou, furiosa. — Nunca quis me casar com você... E não vou continuar casada!

— Vai, sim, meu amor. — Os olhos dele adquiriram um brilho ameaçador. — Você não vai me fazer de tolo diante dos convidados. Se você não se comportar como deve, mandarei uma mensagem de poucas palavras ao comandante do navio em que seu irmão está viajando, informando-o de que tem um ladrão a bordo. O que vai acontecer depois, você já sabe.

— Você não faria... — Beth interrompeu-se ante a dureza de pedra do rosto de Alexis e dos olhos frios como aço. Ele não estava falando por falar.

— Experimente — disse ele. — Se você se afastar de mim quando chegarmos ao cais, hoje mesmo seu querido irmão deixara de ser um homem livre. O jogo acabou, Beth. Você se casou comigo e agora é minha mulher. E continuará sendo, porque sei que não quer a desgraça de Justin.

— Você continua blefando, Alexis!

Ele balançou a cabeça.

— Não estou mais, pedhi mou. Quando foi me procurar no Clube Cassandra, você era Beth St. Cyrr. Neste exato momento você é madame Apollonaris. E se tiver amor à pele de seu irmão, como imagino que tem, você subirá a bordo do Stella Maris comigo e sorrirá para meus amigos como uma esposa apaixonada e submissa. Certo?

Dizendo isso, ele tomou a mão de Beth e recolocou a aliança no seu dedo. As mãos dela estavam geladas e tremiam. Seu coração continuava batendo desorientado.

— Seu demônio! — ela exclamou. Alexis esticou os ombros para trás.

— Foi assim que você me chamou nio Clube Cassandra, e é por ter acreditado nisso que agora está aqui comigo. Quando pintamos uma pessoa de preto ela se torna mesmo temível. Pelo menos, para quem a pintou.

Os olhos de Beth encheram-se de lágrimas. Ela virou a cabeça para o outro lado, tentando reprimi-las.

Nem bem tinham se unido em matrimônio e o antagonismo entre eles já se fazia presente, pesado como a chuva forte que caía.

 

Quando chegaram ao barco, os convidados já estavam todos lá, esperando-os. Beth compreendeu por que a viagem de carro parecera interminável. O motorista certamente tinha recebido ordens para fazer o percurso mais longo possível, de forma que os convidados pudessem chegar antes deles para recebê-los a bordo do Stella Maris.

Beth cumpriu à risca seu papel. Durante toda a recepção usou uma máscara de sorrisos, conseguindo esconder a angústia intensa que comprimia seu coração. Ao final das duas horas em que o champanhe correra solto, as várias taças que tomou tinham-lhe trazido um certo relaxamento.

Na despedida, Kara Savidge abraçou-a cordialmente, olhando-a dentro dos olhos.

— Venha nos visitar em nossa ilha, Beth. Você vai gostar. Os bosques, que se perdem de vista, estão plantados com árvores que produzem madeira para móveis e a praia é um sonho de tão linda. E mais bonitos ainda são os nossos gêmeos, Terence e Shann. Seria até bom que fosse sozinha, porque quem sabe uns dias na Baía do Dragão não dariam um tempo para as coisas entrarem nos eixos, não é?

Quando tudo silenciou e o barco içou as velas, Beth ficou de pé perto da amurada e se lembrou do convite de Kara, desejando estar rumando para a Ilha do Dragão em vez de Dovima, ou em qualquer outra direção que a levasse para bem longe daquele casamento que só lhe trazia vantagens materiais em prejuízo das riquezas profundas de um possível amor.

A chuva tinha cessado e a luz do sol banhava o mar de dourado. A água dançava, ondulante, à passagem do barco, um caíque feito sob encomenda. Era mais comprido e um pouco mais largo do que as embarcações gregas desse tipo. Também o convés do pavimento inferior era mais espaçoso. Pintado de azul-claro brilhante, possuía no costado o desenho de uma estrela simbolizando seu nome, Estrela do Mar. As paredes do interior eram marchetadas com mogno, a mais nobre das madeiras para os gregos, e os móveis de estilo vitoriano davam sensação de conforto e recriavam, como no Clube Cassandra, a atmosfera do Velho Mundo.

Ao lembrar-se do Clube Cassandra, Beth precisou segurar-se com força na amurada. O desconcerto de ter caído sem necessidade naquela cilada diabólica enchia-a de desânimo, a ponto de sentir as pernas fraquejarem. O pior de tudo era a inexistência de um caminho de volta, o sentimento de impotência absoluta que isso a levava.

Estranhamente, seria bem melhor que pudesse ainda acreditar que Alexis tinha um coração de pedra, pois assim o sacrifício dela se justificaria e ela teria pelo menos o conforto de imaginar-se útil para o irmão, a fiadora de sua liberdade. Agora, porém, ali de pé no convés do Stella Maris, ela nada mais era do que uma moça ingênua castigada pelo espírito do desprendimento.

De repente, tudo começou a girar. Trechos da cerimônia de casamento apareciam desencontrados em sua mente. Ela não conseguiu mais se segurar. Soltou um grito e caiu para fora do barco. Ao ser encoberta pela água cor de jade, Beth já não tinha mais consciência de nada. Quando voltou a si, o sol já batia em seus olhos e acima dela estava um rosto masculino muito sério, com os cabelos molhados, pingando água. Virou-se para o lado e os vômitos a fizeram colocar para fora uma quantidade enorme de água salgada. As mãos fortes de Alexis a amparavam enquanto ela vomitava, tonta e nauseada.

Ele praguejou alguma coisa em grego e falou, severo:

— Não imaginei que a sua infelicidade fosse assim tão desesperada.

Beth fechou os olhos e uma exaustão absoluta a invadiu. Tinha o corpo completamente largado quando ele a levantou nos braços e a carregou até a cabina principal. Percebeu que ele a estava colocando deitada sobre a cama e, então, tudo escureceu novamente à sua volta.

Ao recobrar a consciência, sentiu um gosto de conhaque ardendo na boca. Abriu os olhos e viu Alexis de pé ao seu lado, olhando-a. Dali a pouco, quando o corpo gelado começou a se aquecer pelo efeito do conhaque, deu-se conta de que estava completamente nua embaixo das cobertas.

— Você... tirou... minhas roupas? — perguntou, desconcertada.

— Não está pensando que chamei um dos rapazes da tripulação para tirá-las, está? — ele falou, nervoso. — Sua irresponsável! Você pulou no mar de uma altura que poderia ter-lhe provocado uma parada cardíaca!

Aos poucos, Beth foi compreendendo sobre o que ele estava falando. Sobressaltou-se ao sentir de novo o choque do impacto com a água.

— Eu... devo ter desmaiado... — disse com voz débil. — Fiquei tonta antes de cair...

— Não é verdade. — Ele balançou a cabeça. — Você se atirou ao mar.

— Não! — Beth sacudiu a cabeça freneticamente. — Eu não faria uma coisa dessas...

— Não faria? — Com os dentes cerrados, ele olhou para o rosto pálido de Beth. — Felizmente, ouvi você gritar e também pulei na água. Foi muito interessante mergulhar no mar no dia de meu casamento para trazer de volta minha querida esposa para o barco. Pelo amor de Deus, Beth, o que deu em você?

Ela balançou a cabeça, cansada.

— Se eu tivesse me atirado, você acha que eu gritaria? — Beth não sabia ao certo o que tinha acontecido. Lembrava-se de que sua mente estava girando, girando... imersa em pensamentos, perto da amurada, enquanto Alexis discutia ali perto com um dos rapazes da tripulação.

De novo, ela se sentiu tragada por um redemoinho. Sacudiu a cabeça com força para se livrar daquela sensação e levou a mão ao ombro, certificando-se de que a dor que a afligia era bem real.

— Dói? — Alexis afastou a mão dela, examinou a região machucada do ombro e fez uma expressão contrariada. — Acho que fui eu quem fez isso quando a arrastei para o barco.

— Você me arrastou? Como um peixe? — Ela deixou escapar um riso nervoso, prestes a se transformar num soluço. — Desculpe, Alexis... acho que bebi champanhe demais e fiquei confusa com... com todo aquele incenso que houve na igreja. Acho que isso tudo foi demais para mim...

— Demais para você, mocinha? — Ele enfiou os dedos nos cabelos desgrenhados. — E eu? Como acha que me sinto depois dessa que você fez?

— Alexis... — Ela olhou-o suplicante. — Eu... eu não fiz isso de propósito... Acredite em mim.

— Sei muito bem o que você pretendia. Você queria fugir dos laços de nosso casamento, mas a forma extrema que você escolheu não foi a melhor, pois o instinto de sobrevivência é muito mais forte do que as maquinações destrutivas de uma mente confusa. Por isso, seu corpo repudiou o gesto deliberado e você gritou por socorro. E se eu a tivesse deixado ir parar nas profundezas do Mar Egeu, hein?

Beth ficou aterrorizada diante da idéia. Embora não soubesse explicar direito como tinha caído no mar, sabia que não tinha feito nada deliberadamente.

Alexis caminhou até a janela e ficou de costas para ela, com um tremor sacudindo-lhe o corpo.

— Você está ensopado! — Beth exclamou. — Tire logo essa roupa... Você pode ficar doente!

— Não seria essa uma boa solução? Eu pegaria uma pneumonia incurável e logo logo você ficaria livre de mim. Muito melhor que se afogar no mar, não? Você se tornaria uma viúva jovem, virgem e afortunada.

— Alexis... Mas que coisa horrível você está dizendo... Como se eu quisesse que você morresse...

— E não seria bom? — Ele se virou para encará-la e suas feições foram iluminadas de repente pelo clarão de um relâmpago que entrou pela vigia do barco. A chuva havia recomeçado, trazendo com ela uma tempestade marítima. Um trovão ribombou. Beth encolheu-se debaixo das cobertas, o rosto pálido emoldurado pelos cabelos úmidos.

— O que você fez com meu vestido de noiva? — ela perguntou.

— Seu vestido de noiva? Por que haveria de se interessar por ele?

O rosto pálido de Beth corou.

— Era um vestido tão bonito... deve ter ficado todo estragado.

— Ficou mesmo. Mas meu terno também ficou — ele disse, dirigindo-se para a porta. — Agora procure dormir um pouco. E não se preocupe com a tempestade. O Stella Maris foi construído para suportar também o mau tempo. Quando chegarmos a Dovima eu a acordarei.

— Alexis...

— Sim? — Ele virou-se para olhá-la.

— Eu... sinto muito o que aconteceu...

— Deixe isso pra lá e durma. Um bom sono a fará se sentir melhor.

Ele saiu da cabina e fechou a porta. Beth continuou deitada, sem se incomodar com os cabelos úmidos. A cada relâmpago e trovão que se sucediam ela se encolhia na cama. Mas não demorou muito, adormeceu, embalada pelo sobe-e-desce do caíque.

Foi acordada por Alexis, como ele havia prometido. As luzes da cabina estavam acesas e o barco não mais jogava. Vestido com um suéter preto de gola alta e uma calça clara, ele trazia nas mãos uma xícara fumegante de café.

— Vamos, sente-se e tome isto. Depois vá se vestir. A ilha já está à vista. Devemos chegar dentro de uns quinze minutos.

Beth sentou-se na cama e pegou a xícara. Sua garganta estava ressequida e a boca ainda meio salgada. Tomou o café com tanto gosto que até parecia ser esta a sua bebida preferida.

— Arrume-se e venha para o convés — Alexis falou e saiu de novo.

Beth estranhou o jeito lacônico dele, porém não se deixou perturbar. O café a havia reanimado e ela se levantou da cama com pernas firmes. Suas malas tinham sido levadas para o navio, enquanto ela se encontrava na igreja se casando com Alexis, e agora suas roupas estavam ali, à mão. Tomou um banho rápido e vestiu uma calça comprida, com um pulôver de malha de algodão.

Enquanto penteava os cabelos diante do espelho, pensou em seu vestido de noiva. Alexis, em sua fúria, certamente o havia jogado ao mar, uma vez que ali entre as suas coisas ele não se encontrava.

Virou-se um pouco de lado para ver como estava seu ombro direito, que ainda doía, e viu uma marca grande, bem arroxeada. De repente, olhando-se no espelho, Beth estremeceu.

— Será possível que tentei mesmo me matar? — ela se perguntou, baixinho. Caso isso fosse verdade, sua mente se recusava a lembrar. Madame Lilian explicara certa vez que os seres humanos podem ficar à mercê de impulsos aparentemente incompreensíveis. Por causa de algum acontecimento traumático, guardado no nível do inconsciente e não superado durante a vida, "uma pessoa pode ser levada a ações absolutamente destoantes de seu comportamento normal", ela dissera.

Beth prendeu os cabelos atrás da cabeça, depois passou um pouco de blush nas maçãs do rosto para disfarçar a palidez. Dez minutos tinham passado, desde que Alexis a acordara, quando chegou ao convés do Stella Maris. Estava a milhares de milhas daqueles aposentos em Westminster, onde madame Lilian lia as cartas do Tarô e tentava devassar os véus que encobriam o destino de cada pessoa.

O destino dela, agora, era o homem alto e moreno que a aguardava ali no convés. A pouca distância avistavam-se os despenhadeiros de Dovima. A tempestade cessara como por encanto e o pôr-do-sol tingia o horizonte de uma profusão de tons vermelho, dourado e púrpura. Os rochedos pareciam esculpidos em fogo petrificado. A beleza extasiante do cenário fez Beth se emocionar.

Com algum custo ela postou-se ao lado de Alexis, que então desviou o olhar das águas douradas cortadas pela proa do caíque.

— Estas ilhas já foram centros comerciais dos venezianos e também as suas bases navais — ele falou. — A luz do dia, Dovima se aquece ao sol como um grande leão dourado. Foi a solidão dela, em meio ao mar, que me atraiu.

Ele já havia mencionado uma outra vez a palavra solidão.

Sem dúvida, esse devia ser um sentimento muito familiar a Alexis, apesar de todo o seu sucesso financeiro, Beth supôs. Essa ilha no Mar Egeu devia fazer parte de seu mundo, muito mais que o clube da Curzon Street ou a casa de pedras em Yorkshire, de onde desejava nunca ter saído.

O caíque circundou a baía da ilha e ancorou diante de um cabo formado de rochas elevadas. Um bote foi lançado às águas para que ela e o marido pudessem chegar à terra.

Um elevador levou-os para cima dos penhascos, onde um jipe as esperava para conduzi-los à vila. O motorista, um criado de cabelos pretos e encaracolados, enquanto dirigia o veículo pelo terreno acidentado, vez ou outra olhava Beth com curiosidade.

"Então essa é a esposa inglesa do patrão... essa moça pálida, encapotada num casaco de pele, como se estivesse com muito frio", Beth imaginou que o rapaz estivesse pensando.

"E o sorriso dela, onde está? E por que está sentada separada do marido, quando deveriam estar bem juntos?", ela podia ler as perguntas nos olhos dele. Um dos marinheiros do caíque também a olhara de maneira semelhante, como se não a aprovasse.

Ela podia compreender o sentimento deles... Claro que eles teriam preferido ver seu patrão se casando com uma moça da nacionalidade deles, de cabelos escuros e pele morena, muito mais de acordo que ela com aquele cenário.

Beth ficou ressentida. Pensou que eles mudariam de idéia se a vissem montada num cavalo, galopando pelos campos, os cabelos esvoaçando ao vento, os olhos iluminados de prazer. Em seu próprio ambiente ela era tão ativa e cheia de vitalidade quanto qualquer moça grega. Adorava aqueles verões longos e idílicos em que os trigais cresciam fartos nas encostas dos morros. Era seu costume sair de casa ao romper da aurora, para não desperdiçar nenhum momento do dia. Jovem, despreocupada e inconsciente da febre do jogo de seu pai e Justin, ela tinha sido uma outra pessoa.

Teve um sobressalto quando sentiu Alexis segurar sua mão.

— Daqui a pouco você verá a velha muralha veneziana que circunda a vila. Deixei-a intacta, pois teria sido um crime derrubá-la. Como sua mão está fria, querida! Espero que não tenha pegado um resfriado. Isso atrapalharia um pouco a nossa lua-de-mel!

Beth contraiu os músculos do rosto e cerrou os dentes. Ele não a deixava esquecer de que ela representava para ele unicamente a posse de um objeto de prazer, de que ela era tão propriedade dele como aquela ilha e a vila que ele havia construído.

O veículo de repente passou por entre duas colunas altas de pedras do mesmo tipo das que formavam a muralha que rodeava a vila.

— Chegamos! — Alexis exclamou. — Estamos em casa!

Era ele quem tinha chegado em casa. Beth estava a milhares de quilômetros de tudo o que lhe era familiar. Assim que o jipe parou, ele desceu rapidamente e um grande cachorro peludo veio correndo fazer festa para Alexis, plantando nele as suas grandes patas, enquanto abanava a cauda enorme.

— Ajax, meu velho amigo, eu também senti a sua falta! — Aléxis virou-se para Beth com um sorriso. — Ele é um gigante velho e manso, por isso não tenha medo dele.

— Nunca tive medo de nenhum animal de quatro patas — ela retrucou, afagando o pescoço do cachorro e permitindo que ele cheirasse o seu casaco de peles, quase a derrubando.

— Tenha bons modos, Ajax, do contrário vou transformá-lo num tapete! — Alexis brincou com o cão, colocando o braço em volta do ombro de Beth e apontando para a vila. — Talvez isto não seja nenhuma Cathlamet, mas ela também é agradável, você verá.

O sorriso de Beth foi reticente. As luzes projetavam sombras misteriosas nas paredes e nas janelas da grande casa grega, e o ar da noite tinha um cheiro de pinho. Beth respirou fundo, sentindo-se melhor.

— E meu Kastello — Alexis murmurou. — Meu castelo marinho construído sobre as ruínas de um velho forte veneziano. Mas o seu interior tem todo o conforto da vida moderna.

Entraram na casa pela porta principal, bastante recuada, porque era assentada sobre paredes muito espessas, fazendo lembrar uma caverna. Tratava-se de um recurso de construção que visava proteger a propriedade contra terremotos, freqüentes naquelas regiões gregas. Tapetes de cores alegres estavam dispostos sobre o piso de ardósia do hall de entrada. No centro havia uma pedra enorme que, conforme Alexis explicou, era um símbolo de boas-vindas. O hall secundário era tão comprido que a sua extremidade se perdia nas sombras. Num dos lados destacava-se um fogão em forma de minarete, feito de ferro forjado e revestido com ladrilhos formando mosaicos.

— Esses fogões turcos são fascinantes, e o seu calor é precioso no inverno — Alexis disse, tocando nos ladrilhos.

Beth olhou em volta com os olhos arregalados. Embaixo das janelas e sob lustres de vidro colorido, um sofá, coberto de peles, parecia suficiente para acomodar pelo menos meia dúzia de pessoas. O estilo rústico dava a impressão de tratar-se de uma herança dos bárbaros. O coração dela bateu com força, excitado. Sem dúvida, havia uma forte veia oriental no homem que construíra e mobiliara aquela casa.

Como tudo era diferente de Cathlamet! Uma atmosfera exótica e sensual contrastava com o ambiente sombrio criado pelos móveis de carvalho e as paredes de pedras de Yorkshire. Beth tentou encontrar algum defeito naquela casa na ilha de Dovima, mas o senso estético a impediu e ela ficou fascinada por tudo, mais ainda pelo efeito dos ícones prateados dispostos sobre uma estante lateral, cuja solidez combinava com a dos outros móveis.

Seguidos pelos criados que transportavam as bagagens, eles subiram a escada de corrimão de ferro trabalhado. No topo dela, Beth olhou para baixo, maravilhada com a singularidade de tudo aquilo, de uma beleza requintada, prodigiosa, exótica. Era como se Aléxis estivesse se compensando da infância espartana, avara.

— Ficou impressionada? — ele perguntou, divertido.

— Bem, você chamou esta casa de seu castelo, não? Sem duvida, ela é um reflexo da sua personalidade. Quem sabe a tentativa de obter na prática a legitimização de uma ambição aristocrática, não é mesmo?

Ela o olhou, consciente de todas as diferenças que havia entre eles: de descendência, de cultura, de sexo. Repentinamente sentiu-se tomada de uma fraqueza estranha. De imediato, ele a tomou nos braços e a carregou até um enorme quarto de dormir.

 

Lá estava Beth na vila onde ia passar a sua lua-de-mel, aquele tempo romântico de descobertas e alegrias. Mas que às vezes trazia desapontamento mesmo para os recém-casados apaixonados.

Refrescou a pele com um nebulizador de água-de-colônia, vendo, pelo espelho da penteadeira, a cama de madeira oriental marchetada de madrepérola e envolta em cortinado. Tratava-se de uma cama turca, conforme Alexis lhe explicara, com um sorriso divertido, ao ver que ela procurava desviar os olhos do leito.

— Parece vinda de um harém – ela desdenhara.

Tirou com um lenço de papel o excesso de batom dos lábios. Não queria que eles se destacassem demais pelo contraste com a sua palidez. Depois, foi até o guarda-roupa e escolheu um vestido verde. Após vesti-lo, prendeu os cabelos em um coque na nuca e colocou no pescoço o colar de pérolas que usara no dia do casamento.

Aspásia, a criada, entrou no quarto, trazendo o chá que Beth havia pedido que preparasse. Ela próprja tinha trazido na mala uma caixa de chá preto, pois seria muito penoso passar duas semanas inteiras sem tomar sua bebida preferida. Até apreciava o café, mas gostava mesmo era de chá. Pegou a xícara fumegante e agradeceu a mulher com um murmúrio.

Tinha descoberto que a criada falava um pouco de inglês, o suficiente para que pudessem se entender. Aspásia lhe dissera que trabalhava há bastante tempo para a mãe de kyrios, mas que estaria a disposição dela nas duas semana seguintes.

A moça tinha uma aparência interessante. Os cabelos eram trançados e presos no alto da cabeça e usava um vestido de mangas bufantes com avental branco.

Beth viu que Aspásia reparava em seu vestido verde, cuja cor e estilo, assim como as demais roupas de seu enxoval, combinavam perfeitamente com a cor de seus cabelos.

— Tem roupas lindas, kyria — ela falou, passando os olhos pelos trajes pendurados nos cabides. Depois voltou-se para Beth com os olhos semicerrados, pensativa. — Nós não sabíamos que kyrios ia se casar... A mãe dele ficou muito surpresa — ela disse, propositalmente devagar.

— Eu... espero que madame Apollonaris não tenha ficado muito... aborrecida — Beth retrucou.

Aspásia deu de ombros, depois passou a mão pelos cabelos.

— O kyrios é tudo para ela... Na noite em que o barco trouxe a notícia do casamento, ela chorou. O caíque, aliás, sempre vai e volta com provisões e correspondência.

— Entendo. — Beth tomou o resto do chá pensando no que tinha acabado de ouvir. — Sinto muito que a notícia a tenha deixado transtornada. Sei que ela foi inesperada, mas madame se mostrou muito afável na igreja. Ela me pareceu uma mulher de coração muito bom.

— Não se esqueça de que ela é uma mulher grega...

— Você quer dizer que ela teria preferido que seu filho se casasse com uma moça grega? — Beth esforçou-se para perguntar. — Imagino como madame Apollonaris deve estar se sentindo. Lamento muito, mas não posso fazer nada.

Beth ficou olhando pensativa para a aliança no seu dedo.

— Sabemos que na Inglaterra é costume as pessoas se casarem sem um noivado longo.

— E verdade... — De repente Beth se deu conta do que a criada estava insinuando. Alexis era um grego rico, um homem com quem muitas mulheres gostariam de se casar a fim de viverem luxuosamente, na fartura de roupas bonitas e jóias.

Não bastava tudo e agora mais isso. Beth sentiu raiva. Mas, antes que pudesse se defender, as portas altas do quarto se abriram e Alexis entrou, muito elegante em seu traje de noite.

— Vim buscá-la para jantar... Ah, você já está pronta! — Olhou-a de cima a baixo. — Está encantadora! — Estendeu a mão para ela. — Está parecendo Afrodite, a deusa do mar.

O acesso de raiva havia tido o poder de fazê-la sentir-se viva novamente. Foi com vigor que caminhou até onde Alexis a esperava. E ao descer ao lado dele os degraus da escada uma pulsação vital vibrava em seu corpo, coberto pelo vestido bordado com contas cintilantes.

Aspásia era sem dúvida muito íntima de madame Apollonaris e devia estar acostumada a tratá-la com familiaridade. Mas isso não justificava que ela a colocasse numa situação de ter que defender seu direito de estar naquela casa. Não queria comprar a inimizade de Aspásia, mas a jovem devia aprender que um comportamento como aquele não era adequado para uma criada pessoal.

Beth entendia das regras de procedimento dos criados, pois crescera no meio deles. Na sua casa, no passado, somente babá Davis tinha permissão para fazer comentários mais pessoais.

— Alexis, não preciso de criada. Por que não dá a Aspásia uma licença, para que ela fique esses dias com a família dela?

— Isso ofenderia minha mãe. — Ele lhe dirigiu um olhar intrigado e parou perto do jardim de inverno no centro do hall. — Aspásia ficou aqui para servi-la. E, a julgar pela sua aparência, ela fez um bom trabalho.

— Eu me vesti sozinha — disse ela, áspera. — Não preciso de criada e, além disso...

Ele franziu as sobrancelhas, quando ela parou de falar e mordeu o lábio.

— Aspásia disse alguma coisa que não devia?

— Não gosto de diz-que-diz — Beth falou, com o queixo erguido e com um brilho de irritação nos olhos. — Mas o seu pessoal parece achar que me casei com você por causa de seu dinheiro, imagine só!

— Ah, então é isso? Mas que golpe para mim! Eu que esperava tanto que as pessoas achassem que você tinha se casado comigo por causa de minhas maneiras encantadoras!

— Alexis, você pode se dar ao luxo de fazer piada disso, mas eu não quero ser rotulada de interesseira!

— Você pode não querer e nem gostar, pedhakimou, mas tem que concordar que o rótulo não está muito longe da verdade. — Ele tomou-lhe a mão. — Venha, depois do jantar você vai se sentir mais relaxada e vai se incomodar menos com o que possam estar dizendo sobre nós.

— Aspásia disse que sua mãe ficou transtornada quando recebeu a notícia de que você ia se casar comigo... uma garota inglesa.

— Sem dúvida. — Ele a conduziu à sala de jantar. — Mas ela não foi amável com você na igreja? Sendo grega, minha mãe é fatalista e aceita o que tem que ser.

— A culpa desse desgosto é sua, Alexis. Eu estou aqui por determinação sua, você sabe disso muito bem!

— Talvez. — Ele puxou uma das cadeiras de encosto alto da mesa e mandou-a sentar-se. Depois, abaixou a cabeça e beijou-a na boca, de leve. — Você tem um rosto encantador, sabia? — Beth sentiu o hálito quente dele e desviou o olhar, fixando-o no lindo arranjo de flores colocado no centro da mesa, enquanto lutava consigo mesma para manter-se imune à proximidade dele. — Não gosta de receber elogios? — Alexis perguntou, sentando-se de frente para ela.

— Imagino que você deve estar se sentindo na obrigação de fazê-los — ela respondeu, num tom de voz calmo e frio. Você deve ter muita prática na arte de derrubar as defesas de uma garota.

— Ah, então é isso o que estou fazendo, Beth? Pensei que estivesse me comportando como um homem em lua-de-mel.

Súbito o corpo dela se esquentou e um rubor intenso subiu-lhe às faces. Ela não conseguiria deixar de olhar para Alexis. Não havia dúvida de que ele possuía aquela qualidade indefinível chamada presença. Ele certamente tinha dominado a arte da sofisticação, pois era difícil vislumbrar nele o menino do qual as outras crianças zombavam. Não, era melhor não tentar ver menino nenhum no homem que a fitava com olhar sensual e possessivo, Beth alertou-se.

— Amanhã lhe mostrarei Dovima — ele falou. — Os venezianos deixaram seus vestígios por toda parte. Eram cruzados e capitães da fortuna, mercadores e invasores. Pode-se dizer que o Leão de São Marcos deixou a sua marca nas ilhas dos mares gregos quase que durante trezentos anos. Se pensarmos bem, veremos que existem traços de raças esquecidas em todos nós.

Alexis falou durante quase todo o jantar e Beth ouvia-o com interesse. Ela compreendeu que ele havia lido muito, e que sua mente ágil alimentava-se dos mais variados tipos de conhecimento. Como ela suspeitava, ele conhecia a história de York e já havia examinado detalhe por detalhe toda a linda catedral. Como ela, costumava comparecer às Vésperas, ofício divino realizado à tardinha.

O delicioso vinho que beberam durante a refeição acabou deixando Beth completamente descontraída. Realmente, Alexis tinha o dom de ser gentil e encantador quando queria.

Depois que terminaram a sobremesa, sorvete de café guarnecido com nozes torradas em pedaços, eles foram tomar café num saloni branco e dourado. Beth ficou extasiada com tanta beleza e requinte. No chão, havia um tapete bordado com mil flores e, no teto, os candelabros de cristal também imitavam delicados ramos de flores. Os móveis eram de madeira clara, as poltronas de veludo castanho-tostado, e as cortinas cor de marfim emolduravam as janelas por onde entrava um perfume que lhe pareceu muito familiar.

Ela respirou fundo e se sentiu transportada de volta a Cathlamet. Aquele perfume era o mesmo que exalava do grande canteiro de nicotinas rubras que havia embaixo das janelas e que enchia a sala de estar nas noites quentes.

— Não pode ser... — Beth murmurou. — As nicotinas também crescem na Grécia?

— Agora crescem. Eu trouxe algumas mudas dos jardins de Cathlamet e as replantei aqui, sob a sombra daquelas árvores próximas das janelas, para que o sol não queimasse suas raízes. Parece que deu certo, não?

Beth olhou-o, espantada.

— Mas isso é... surpreendente!

— Surpreendente? — Ele arqueou as sobrancelhas. — Você me acha assim tão insensível e sem imaginação?

— Acho. É essa a impressão que você dá. — Ela se sentou meio de lado, para aspirar melhor aquele perfume nostálgico da Inglaterra. Assim, seu perfil lembrava um camafeu, emoldurado pelo encosto fulvo da poltrona.

— Mesmo esta noite? — ele perguntou, caminhando sobre o tapete florido. Beth negou-se a olhá-lo, tentando escapar do magnetismo que ele exercia sobre ela.

— A insensibilidade faz parte de você... Você não seria Aléxis Apollonaris se permitisse que o coração o governasse.

— Pelo menos você admite que eu tenho um coração.

— Todo mundo tem, não? — ela retrucou, procurando dar à sua voz um tom frio e distante, uma atitude em que sempre fora bem-sucedida para manter os amjgos de Justin a distância. Aqueles rapazes turbulentos que freqüentavam Cathlamet deixavam-na indiferente. À companhia deles ela preferia montar seu cavalo e cavalgar sozinha pelos campos. Não, nenhum deles tinha conseguido perturbá-la... Ao contrário desse grego alto e moreno que a tomara para si naquela igreja deslumbrante, em meio ao odor de incenso e à luz tremulante das chamas das velas.

De repente, Beth percebeu que Alexis estava de pé ao seu lado. Com a leveza e a agilidade de um felino, provavelmente aprendidas na infância entre as colinas e os animais, ele tinha caminhado até ela sem se fazer notar.

Ficou tensa ao sentir as mãos dele acariciando seu pescoço, os dedos tocando no colar de pérolas.

— Alegro-me que você esteja usando o colar esta noite. — Ele abaixou a cabeça e Beth sentiu o hálito dele em sua nuca. — Ele me faz lembrar de como você estava linda na igreja esta manhã. Você está se sentindo casada, moiyal

Ela sentiu as veias do pescoço pulsarem mais rápido, diante daquele contato possessivo do marido, e entrou em pânico.

— Não faça isso! — Incapaz de se controlar, Beth pôs-se de pé num salto e afastou-se dele, como se estivesse se livrando do bote de um animal selvagem. Suas pupilas estavam enormes, dilatadas pelo pavor.

— Está pedindo que eu não me aproxime de você? — Ele falou sério e devagar, contendo a raiva, e olhando fixamente para o rosto pálido de Beth. — Vamos, querida, não acha que isso é querer demais de um homem recém-casado?

— Você... sabe muito bem como me sinto a seu respeito...

Ela não queria suplicar, nem se rebaixar. Por isso, achou melhor sair dali em busca de abrigo na noite enluarada e perfumada. Andou apressada pelo terraço de pedra segurando a saia longa do vestido e desceu a escada que levava ao jardim. Sabia que na realidade não ia conseguir fugir dele, mas pelo menos lhe demonstraria que não queria a sua companhia. Se tivesse algum orgulho, Alexis por certo não iria querer se impor à força.

Naquele jardim estranho, ela não sabia para onde estava indo. De repente, deu com uma espécie de pátio onde as sombras de estátuas incompletas se elevavam entre as árvores. Era como se ela estivesse num jardim encantado. E, em qualquer outra ocasião, ela teria ficado fascinada.

A parada momentânea diante da estátua de um homem sem rosto fez com que Alexis ganhasse tempo e a alcançasse. Soltou um grito assustado quando as mãos dele a seguraram pelos ombros, fazendo-a girar para encará-lo. Beth soltou o corpo, abandonando-o, como que esperando que ali mesmo ele a possuísse, exercendo os seus direitos de marido.

Alexis abraçou-a com força, de um jeito protetor e tranqüilizante.

— Não posso acreditar que você me despreze tanto assim. Confie em mim. Você não tem nada a temer, moiya. Quando um homem toma uma mulher por esposa, ele não tem mais o direito de dormir sozinho, numa cama solitária. Os olhos da esposa devem ser para ele um livro aberto e os lábios o poço em que ele bebe a água da vida. Esqueça seus temores, Beth, e seja para mim a minha mulher.

Esquecer... Como ela podia se esquecer de que ele a comprara? Ela era tão propriedade dele quanto aquela ilha e Cathlamet.

Quando ele a tomou nos braços e a levou de novo para dentro de casa Beth tentou protestar, mas foi em vão. Era inútil se debater, pois Alexis era muito mais forte do que ela. A melhor defesa possível seria manter-se passiva. Um homem vibrante como ele gostaria de ter nos braços uma parceira receptiva e não uma mulher que o aceitasse com indiferença.

Chegaram ao quarto, onde ele a pôs de pé no chão. Beth viu que os lençóis da cama já estavam puxados e que sua camisola e seu robe estavam estendidos sobre ela.

Uma certa tristeza a invadiu. A partir de agora não desfrutaria mais a intimidade de seu próprio quarto. Alexis teria o direito de entrar e sair quando bem entendesse. Poderia ficar olhando-a enquanto ela se despisse. Entraria no banheiro, enquanto ela estivesse tomando banho, pois ele era a mais íntima das pessoas... Ele era o seu marido.

Ficaram se fitando em silêncio. Beth pretendia não demonstrar nenhuma emoção, mas seus olhos suplicavam, seus lábios tremiam, como que implorando pela clemência que ele não concederia. Para um grego, a esposa é a carne de sua própria carne.

— Sei que você ficará envergonhada de se despir diante de mim — ele disse com voz grave, apontando para uma porta que se ligava a outro quarto. — Eu a deixarei sozinha para que você se prepare. Mas não vá dormir, hein, Beth! Eu a acordarei.

Ela não se mexeu enquanto Alexis se encaminhava para a porta em forma de arco, bem recuada, como todas as portas e janelas da casa. Quando ele a abriu, Beth pôde ver um quarto de paredes brancas e aparência quase monástica. Dentro dele havia um divã baixo, coberto por uma colcha com desenhos em preto e branco e tapetes felpudos espalhados pelo assoalho de madeira. Ele logo fechou a porta e Beth finalmente ficou sozinha, respirando ofegante, com as palavras dele ecoando em sua mente.

Ela olhou em volta, como se estivesse sonhando encontrar um lugar para onde pudesse fugir. Mas a casa ficava numa ilha, a muitas e muitas léguas do continente.

Não havia mais nada a fazer senão curvar-se àquela cruel realidade. Ela era, agora, uma mulher recém-casada em sua noite de núpcias.

Beth preparou-se para receber o marido com o coração batendo violentamente dentro do peito. O robe de renda, com bordados árabes, tinha um número infindável de botões pequenos, de cima a baixo, e Beth abotoou-os um por um, com dedos trêmulos, até ficar totalmente envolvida pelo traje. Então, foi até o espelho e examinou a própria imagem. Mal reconhecia aquela figura esguia envolta em muita renda, com os cabelos loiros ainda brilhantes na pouca luz do aposento.

"Pois seja o que Deus quiser", pensou, sentindo-se paralisada ao ouvir os passos de Alexis aproximando-se. O olhar felino que ele lhe lançou pareceu dominá-la. A postura firme mostrava que Alexis não sentia, como ela, nenhum receio e nenhuma insegurança. O amor certamente não tinha para ele segredo algum.

— Como você está linda, moiya! — ele falou.

Por um breve momento, ela imaginou ter sentido na voz dele uma nota de ternura. Ele se aproximou e começou a desabotoar lentamente o robe dela, olhando-a nos olhos, enquanto os dedos lhe tocavam com suavidade a pele macia.

— Este traje é como uma parte de você, mas eu quero tê-la nua nos meus braços — ele murmurou. — Quero a sua pele sedosa, quero acariciar o seu corpo inteiro. Transformarei em brasa a sua inexperiência amorosa. Mesmo que amanhã você me considere um predador, ao invés de um amante.

Quando chegou nos botões ao nível dos quadris, ele a deitou na cama, e prendendo-a com o peso de uma de suas pernas, desabotoou rapidamente os botões restantes e arrancou-lhe o robe, jogando-o ao chão.

Rapidamente, Alexis jogou-se na cama, deitando-se ao lado dela. Deslizou a mão por cima do tecido macio da camisola, percorrendo-lhe o pescoço, os seios, a cintura, o ventre e as coxas, indo até os pés. Depois, começou a fazer o mesmo trajeto, de volta, enfiando a mão por baixo da camisola.

Beth não conseguia mais se controlar. Sentia-se a ponto de desfalecer, mas ainda podia conter os gemidos de prazer que lhe apertavam a garganta.

Quando a mão não podia mais caminhar, Alexis livrou-a da camisola. Olhou-a com admiração por um momento.

— Você é a mulher mais linda e atraente que já vi — falou baixinho. Depois lhe pousou suavemente os lábios no pescoço e começou a beijá-la devagar, descendo de novo. Enquanto beijava-lhe os seios, ele tirou o próprio robe. Seus corpos então se encontraram, os pêlos fartos e macios das coxas daquele homem musculoso e viril afagando-a. Beth nunca tinha imaginado que seu corpo fosse um dia capaz de atraí-la daquele jeito. Sentiu-se invadida de um desejo desesperado, quase selvagem, de que as mãos e os lábios de Alexis continuassem acariciando-a.

Ela queria odiar o que ele estava fazendo, queria sentir desprezo por si mesma por experimentar aquela necessidade doce e premente de se abandonar ao corpo e à vontade de Alexis.

Viu a expressão de desejo e de prazer no rosto dele enquanto a acariciava, até transformá-la inteiramente em chamas ardentes. Tinha esperado se manter passiva nos braços dele, mas agora não havia mais lucidez alguma que a detivesse. Ela estava completamente dominada, inconsciente, nenhuma barreira se interpunha entre a sua consciência e o abandono.

Alexis a manteve cativa, segurando-a com os olhos e com as mãos durante um longo e delicioso momento, e então trouxe o calor de sua boca sobre seus lábios. A língua dele confundiu-se com a dela, sugando-a com ânsia. Beth quase desmaiou de prazer e agarrou-se a ele. Todo o seu corpo estremeceu quando as mãos fortes e firmes tocaram a única peça de roupa que ela ainda usava. De repente, um rasgo de consciência ainda a alertou.

— Não, não faça isso... — suplicou.

Mas Alexis não se deteve. Completamente nua, arrepiada de alto a baixo, ela o desejava, desesperada.

Presa no cerco dos braços de Alexis, ela sentia a sua incrível força masculina. Palavras em grego e em inglês eram derramadas em seus ouvidos. Arqueou o corpo de encontro ao dele e seus dedos se enterraram nos cabelos negros. Nada mais havia no mundo, além daquele prazer nunca antes imaginado.

Após um intervalo de abandono e relaxamento, Alexis beijou-a na boca e tudo começou novamente. Beth tinha perdido a sua reserva, a excitação fácil esquentava seu sangue ao menor toque.

Ele só adormeceu de manhãzinha com a luz do dia entrando suave pelas frestas da janela.

Deitada languidamente em seus braços, Beth ouvia-lhe a respiração e sentia os movimentos que ele fazia durante o sono. Olhando-o, acariciou levemente o corpo moreno que a levara ao clímax do prazer e excitação. Surpreendeu-se ao ser invadida por uma onda de ternura.

Quando Beth finalmente adormeceu, com os braços fortes segurando-a, enlaçando-a pela cintura, um sorriso brincava em seus lábios. Ela agora era a propriedade na qual Alexis Apollonaris tinha se estabelecido, com a mesma garra e tenacidade que tinha usado para dobrar o próprio destino, com a mesma inteligência e força que empregara para construir uma vida frondosa em cima das rochas da pobreza.

Beth, a loira platinada tão disputada, que tantos desejos despertara com aquela boca em forma de coração, corpo esbelto e pele alva, pertencia agora ao homem do qual tinha desejado nunca ver a sombra. Enquanto dormia, ele a segurava bem junto de si, como se temesse ser apanhado de surpresa durante o sono, como se ela fosse abandoná-lo, fugindo de seus braços.

 

Quando Beth despertou, Aspásia estava de pé ao lado de sua cama, segurando uma bandeja. Examinava-a atentamente, de modo que ao abrir os olhos seus olhares se cruzaram.

Afastando os cabelos em desalinho da testa, Beth sentou-se na cama e sentiu as faces corarem. Sabia que uma antiga tradição grega fazia com que se expusesse publicamente o lençol da noite de núpcias do casal, para que se comprovasse a virgindade da moça. Desejou fervorosamente não ter de passar por esse vexame. Entretanto, era possível que a mãe de Alexis tivesse pedido a Aspásia para se certificar da virgindade da noiva do filho.

— A kyria dormiu muito bem — Aspásia murmurou, num tom que não era de pergunta, nem afirmação.

— Dormi, sim... — Beth olhou para o relógio da mesa-de-cabeceira e espantou-se ao ver a hora. Eram três da tarde. O ventilador do teto girava refrescando o ar. — Oh, é essa hora mesmo?

— É — respondeu Aspásia, séria. — Trouxe o seu almoço, uma vez que a hora do café já passou há muito tempo. Vai comer na cama, senhora?

— Não. Antes vou tomar um banho. — Beth empurrou as cobertas para o lado, esquecendo-se de que estava sem a camisola. Corou de novo ao deparar-se com o olhar indagador da criada.

Passou apressada por Aspásia e entrou no banheiro, informando, antes de fechar a porta, que ia almoçar no terraço. Quando a água começou a correr por seu corpo ela pôs-se a lembrar de cada momento da noite passada com Alexis. Com uma sensualidade quase inconsciente, ensaboou-se com o sabonete perfumado, enquanto recordava os beijos que ele lhe distribuíra pelo corpo.

Os músculos abdominais se retesaram e as pálpebras ficaram pesadas com aqueles pensamentos. Não havia como negar o prazer que sentira nos braços fortes e possessivos de Alexis. A masculinidade experiente e erótica estava presente em cada centímetro dele e fora através dela que Beth fizera com o corpo uma viagem incrivelmente excitante.

"Isso vai acontecer de novo", pensou ela ao se enxugar, arrepiada. Muitas e muitas vezes, iria se deitar naqueles braços fortes e juntos fariam amor. E ela ia querer o desejo dele, ia se regalar ao ouvir as palavras ardentes em grego que ele pronunciaria. Ao ver diante do espelho da parede suas pupilas dilatadas, perguntou-se se acaso ele já não haveria entrado à força em seu coração.

Isso era algo difícil de saber, era algo em que ela nem ousava pensar. O amor podia ser um grande mistério, uma emoção estranha e assustadora, e muitas vezes, conforme lera nos livros, confundia-se com a paixão.

Diante do altar da igreja grega, no dia anterior, ela se sentira como uma estranha. Abordo do Stella Maris ficara tão desesperada que se perturbara fisicamente, a ponto de ter caído ao mar.

Olhou para sua imagem refletida no espelho e viu outra vez o hematoma em seu ombro, causado talvez por Alexis ao mergulhar na água para salvá-la.

Na verdade, Beth nunca havia considerado Alexis um monstro. Ele era, sim, uma força que ameaçava sua liberdade e sua independência. Mas nunca chegaria a ponto de se atirar na água, conscientemente. Não seria capaz dessa loucura. Entretanto, havia ocorrido àquela luta no Mar Egeu, ela debatendo-se nas águas à procura de ar.

"Não pense mais nisso!", dissera ele. Durante a noite toda conseguira tirar de sua mente os acontecimentos infelizes.

Com espanto, Beth se deu conta de que ele simplesmente a tinha feito feliz. Ainda havia aquele ardor em seu corpo, sua pele e seus cabelos brilhavam e, no fundo de seus olhos, resplandecia uma centelha de alegria.

Ela se sentia plena de vida. Era como se o dia anterior nunca tivesse existido. Como se ela não tivesse nascido até a última noite. Amarrando o cinto do robe, voltou ao quarto e viu que as janelas tinham sido abertas para o terraço, onde seu almoço estava servido sobre uma mesa coberta por um grande guarda-sol.

Foi até a extremidade do terraço, circundado por uma grade de ferro, aquecida pelo calor. Nunca tinha visto sol tão ardente. O mar azul profundo, cor de safira, cintilava com seu brilho. Ali em Dovima a vida era totalmente diferente da vida que ela conhecera antes, quando ainda não sabia que faltava nela alguma coisa vital e empolgante.

Agora sentia-se nua como nunca. Regalou-se com essa sensação, desfrutando o prazer de cada gole do suco de uva e de cada bocado de comida.

A sobremesa estava se decidindo entre comer damascos ou pêssegos, quando uma risca dividindo um dos pêssegos chamou-lhe a atenção. Ao pegá-lo, as duas metades se separaram. No centro de uma delas, onde devia estar o caroço, havia um pequeno embrulho em papel alumínio.

Prendeu a respiração ao desembrulhá-lo e encontrou um rubi em forma de coração, acompanhado de uma fina corrente de ouro.

— Espero que você tenha gostado — murmurou uma voz por trás dela.

Virou-se rapidamente e viu Alexis de pé ao lado da porta que dava para o terraço, a tez morena se destacando pelo contraste com a calça e a camiseta brancas.

— É lindo... — ela falou, estremecendo à simples proximidade dele. Ambos pareciam as mesmas pessoas da véspera, porém uma mudança profunda havia se operado neles. Os olhos sorridentes de Alexis demonstravam a sua consciência desse fato.

— Você dormiu como um bebê, hein? — Ele se inclinou e ela ergueu involuntariamente a cabeça oferecendo-lhe os lábios. Ele a beijou e fez com que ela se levantasse para abraçá-lo.

— Está tudo bem? — ele perguntou, acariciando-lhe os cabelos e olhando-a com carinho.

Ela corou. Sabia a que ele estava se referindo. Alexis sorriu passando-lhe os dedos na face, como se estivesse gostando de sentir a quentura de seu rubor. — Então, você gostou do presente?

Ela confirmou com um gesto de cabeça.

— Você é sempre imprevisível, Alexis.

— Considere esse rubi o sangue de meu coração — ele murmurou. E tomando-o de suas mãos, pendurou-o em seu pescoço. O vermelho ardente do rubi destacou-se contra a pele branca do colo de Beth.

— Sempre a achei encantadora, moiya — ele continuou, num tom de voz grave. — Mas ao olhar para você agora vejo uma incandescência que me aquece e me atrai ainda mais. Acho que nossa noite de núpcias foi agradável para nós dois, não foi?

Beth brincou com o coração de rubi e o fitou com timidez, absolutamente segura de que nenhum homem jamais a conheceria como Alexis tinha conhecido. Certa vez perguntara a madame Lilian se os homens e as mulheres se conheciam de existências anteriores. Naquele momento, parecia que ela e Alexis já tinham estado juntos debaixo daquele sol grego, muitíssimo tempo atrás. A comunhão entre eles afigurava-se tão perfeita que era como se as células da pele de um fossem iguais às do outro, como se as batidas do coração dele obedecessem ao mesmo ritmo das do dela.

— Ontem você estava cheia de temores e de pesares — ele disse. — Será que se foram, de uma vez para sempre?

— Quase todos — ela respondeu, com sinceridade. — Sempre lamentarei o fato de Justin ter-lhe roubado, isso é inevitável.

— E compreensível, pois você é jovem, orgulhosa e romântica — ele falou, espalmando as mãos. — Agora quanto aos receios... fale-me sobre eles!

— Eu... sempre sentirei medo...

— Medo, Beth?

Ela segurou o rubi com força.

— Tenho medo de que você pense... quando estivermos fazendo amor... que eu estou lhe pagando...

Ele praguejou e, sem fazer nenhum esforço, levantou-a nos braços e levou-a para o quarto, para a mesma cama onde um havia apagado as lembranças mais tristes do outro. De novo, um desejo intenso de prazer os dominou, encobrindo os resquícios de ressentimento.

Chamas de erotismo arderam entre eles quando seus lábios se uniram e ele a pousou suavemente na cama, arrumada de novo com lençóis limpos, recendendo a limão.

— Ah, o fogo doce desses olhos. — Alexis aninhou o rosto de Beth entre as mãos e ficou fitando seus olhos durante um longo tempo. O olhar dela era sonhador e os lábios estavam entreabertos, preparados para seus beijos. Mas ao receber o primeiro deles ela murmurou:

— Nós não devemos... não assim no meio do dia!

— Esta é a hora da sesta, minha mulherzinha convencional. — Ele riu, carinhoso. — Quem seria louco a ponto de desperdiçar este momento? Nós?

— Por que isso, Alexis? — Ela estava deitada, submissa, enquanto ele desatava o cinto de seu robe.

— Você e eu, moiya, esperamos muito tempo para ficarmos juntos.

— Oh... — Os olhos dela se encheram de arrependimento, enquanto Alexis tirava a camiseta e desafivelava o cinto de suas calças. — Você não vai me perdoar pela minha recusa inicial, vai, Alexis?

Ele sacudiu a cabeça, resoluto.

— Você nos fez perder muito tempo, moiya, esperando até que aquele seu irmão aproveitador a empurrasse para mim. — Ele se inclinou sobre ela e acariciou-lhe o corpo. — Não, não vou perdoá-la por todas as sestas como esta que passamos longe um do outro.

— E se a criada voltar? — Embora preocupada, o corpo de Beth também estava desejoso daquele contato.

Os carinhos se intensificaram e ela logo os devolveu com a mesma intensidade. Como se tivesse pago uma grande soma por ela, Alexis admirava-a, enquanto as suas mãos exploravam sem pressa a textura delicada de sua pele. Deteve-se nas curvas suaves da boca, reparou no brilho alvo dos dentes, admirou os lindos cabelos que emprestavam um mistério sensual aos olhos. Encantou-se com o modo como seus cabelos captavam a luz e a maneira como as cavidades sedosas, abaixo das clavículas, formavam sombras engraçadas.

Beth ardia de paixão entre os braços fortes. Trazia no rosto a expressão sedutora de uma mulher muito experiente na arte do amor.

— Sua boca é adorável — ele murmurou, beijando-a sensualmente. — Tem corpo de menina, mas é mulher da cabeça aos pés. Você é minha para sempre, querida, não importa o que aconteça... Mesmo que me odeie.

— Odiá-lo? — Ela o enlaçou pelo pescoço e sentiu o calor e a excitação tomarem conta do corpo másculo. — Eu nunca vou sentir isso por você, Alexis.

— E o que você diz, moiya, e é o que eu desejo também. Porém tudo é possível quando se trata de nós dois. Mas você é minha e eu a adoro! — Alexis começou a falar em grego, seus carinhos se tornaram mais vibrantes, e ele a possuiu.

O tempo pareceu parar. Só os dois existiam no mundo e Beth teve a sensação de estar segurando em seus braços toda a força da vida.

A excitação entre eles foi mais possante que da vez anterior. O corpo bem-feito de Beth já não era mais novo no prazer e estava se tornando exigente. Alexis estava tão cheio de desejo e era tão hábil na arte de conduzi-la, que o desfecho lembrava uma cascata caindo no âmago do seu ser.

O sol estava se pondo. Iluminado pelos raios dourados que penetravam no quarto, Alexis parecia uma figura de bronze em contraste com a alvura de sua esposa, o rosto pousado em meio aos cabelos emaranhados da companheira.

— Seu cheiro é o de um trigal que tomou sol o dia todo — ele murmurou. — Você é meu campo de surpresas douradas, pedhakimou.

— Por que eu o surpreendo, Alexis? — Com o corpo ainda unido ao dele, ela sentia uma descontração intensa, uma espécie de prazer animal originado da descoberta do próprio corpo.

— Porque você é tão ardente quanto as mulheres gregas!

— Isso é um elogio ou uma confissão? — ela perguntou em tom de brincadeira. Mas logo ficou curiosa em saber sobre as outras mulheres que ele havia conhecido. — Houve muitas mulheres em sua vida?

— Nem sempre fui casado — ele brincou. — E minha mãe não concebeu um filho com inclinações para o celibato. Houve mulheres de quem gostei e outras que admirei... Mas só depois que a conheci é que senti vontade de abrir mão da minha liberdade.

— É estranho, mas eu também detestava a idéia de ficar presa a um homem. Quando cavalgava pelos campos, desejava nunca me comprometer com ninguém para não ter que abrir mão do meu espírito de liberdade. Eu preferia até cavalgar sem sela, para que o cavalo pudesse se sentir tão livre quanto eu.

— Como eu já disse, pedhakimou, nunca tive esperanças de um dia possuí-la assim tão intensamente. — Ele se ergueu e olhou-a de alto a baixo, à luz avermelhada que banhava o quarto. — Você tem consciência da forma integral como se entregou a mim?

Ela sorriu e o acariciou no rosto.

— Estar com você é como cavalgar livre pelos campos. Você tem alguma coisa do espírito indomável da natureza, Alexis. Como as rochas, você possui um toque de mistério que encanta o espírito. Aliás, quando vai a Cathlamet?

Após um momento de silêncio, ele se afastou dela e se levantou da cama. Beth percebeu que o magoara.

— O que houve, Alexis? — Ela se sentou na cama, esforçando-se para decifrar a expressão do rosto dele. O quarto agora estava mergulhado na penumbra, as sombras dispersavam a pouca luz do sol que ainda entrava pela janela. — Alexis, fale comigo!

— Estamos em Dovima para vivermos a nossa lua-de-mel — ele falou, meio triste. — Você não poderia se esquecer um pouco de Cathlamet?

— Claro que posso. Desde que você não me peça para esquecê-la de uma vez por todas. — Ela se ajoelhou de maneira quase suplicante. — Não me peça para tirar Cathlamet do coração. Pensei que íamos construir nosso lar, naquela casa.

— Quem sabe! — Alexis voltou, apanhou suas roupas e foi para o quarto adjacente. Depois que fechou a porta, Beth vestiu o robe e foi descalça até o terraço, cujo piso e grade de ferro ainda conservavam um pouco do calor do dia.

Ela se debruçou na balaustrada e ficou ouvindo o murmúrio distante do mar, aspirando o ar impregnado do aroma da resina dos pinheiros que cobriam a ilha. No alto as estrelas já pontilhavam o céu lilás.

Era compreensível que Alexis quisesse passar algum tempo na Grécia, afinal sua mãe morava ali e era natural que ele quisesse estar com ela.

O que Beth não podia suportar era a idéia de não voltar a morar em Cathlamet, depois de ter acalentado este sonho, estimulada pelas promessas que ele lhe fez. Ela não só adorava as pedras cor de mel daquela casa, como também tinha gravado para sempre na mente cada nicho e cada greta existente nela. Não esqueceria nunca o seu quarto, todo decorado com papel de parede alegre, em que os desenhos de pássaros, ramos e folhas de tons suaves criavam uma atmosfera de fantasia. Nem a cama torneada em madeira, em estilo século XVIII, com um dossel sustentado por colunas estreita^, o tecido do acolchoado combinando com as cortinas das janelas.

Dois belos tapetes persas destacavam-se sobre o assoalho cor de mel e uma estante, onde ela arrumava os livros de literatura, ocupava boa parte de uma das paredes. Havia também uma mesinha de madeira, onde ela guardava sua coleção de leques de sedas e rendas.

Na galeria de arte predominavam esculturas de Crinling Gibbons. As guarnições das portas, trabalhadas artesanalmente, despertavam a admiração dos visitantes. No jardim de inverno a abóboda de vidro era para os olhos um céu colorido.

Diante da casa, cujas dependências recebiam a luz do sol em profusão, estendia-se um amplo jardim. Bastava fechar os olhos para visualizar com nitidez o piso de carvalho da casa inteira, os bancos do hall, feitos da mesma madeira, as cadeiras revestidas de tecidos estampados. Podia-se até sentir o calor e ouvir o estalido das toras de madeira ardendo na enorme lareira de mármore irlandês, nos dias gelados.

Nada era mais bonito que a silhueta exótica e ao mesmo tempo romântica daquelas torres circulares contra o céu noturno. Havia ainda o prazer de deixar-se ficar no Quarto do Pavão, assim chamado porque no teto havia a pintura de um vistoso pavão de penas azuis.

Beth adorava Cathlamet com a mesma intensidade com que Alexis adorava a Grécia. Talvez houvesse aí um antagonismo que a harmonia física deles não conseguiria superar. Ele era grego com a mesma ardência e força com que ela era inglesa.

Beth só se dera conta da amplitude de sua paixão por Aléxis depois do contato físico que tivera com ele. Entretanto, estava determinada a lutar pelo prazer de voltar a morar em Cathlamet, apesar da vontade de submeter-se inteira a Alexis, ante a moleza que a invadia quando estava em seus braços. Agora que estava casada tinha de novo direitos legais sobre Cathlamet e não abriria mão deles.

A brisa fresca do mar soprava seus cabelos e estimulava seus planos. Primeiro ela tentaria persuadi-lo, utilizando os argumentos da razão. Se não desse certo e ele continuasse insistindo em fixar residência na Grécia, faria então uso dos seus encantos femininos, tornar-se-ia insinuante e aparentemente dócil, o conquistaria a ponto de que a felicidade dele consistisse em satisfazer seus mínimos desejos. Beth sorriu consigo mesma. No final das contas, era até interessante estar casada. Por mais forte e exigente que fosse o homem, ele podia ficar à mercê da fragilidade da mulher. Contanto que a amasse, Alexis certamente a trataria com delicadeza, temeroso de maltratar sua pele macia, de ferir sua sensibilidade.

Sorrindo, voltou para o quarto. Arrumou a cama, alisando cuidadosamente os lençóis, e colocou os travesseiros no lugar. Aspásia viria dentro de pouco tempo para preparar seu banho. Era melhor não permitir que ela testemunhasse os desarranjos da batalha do amor recém-vivida.

Havia algo naquela moça que a deixava irritada. Tê-la sempre por perto era como estar fornecendo ao inimigo as informações secretas. Estava convencida de que Aspásia observava cada movimento seu com a finalidade de apresentar a madame Apollonaris um relatório completo de seu comportamento na lua-de-mel.

Pelo menos Aspásia não ia poder informar à mãe de Alexis que a esposa dele era relutante. Era evidente que seu filho estava recebendo uma resposta afetiva intensa da parte da esposa inglesa, se era isso que a preocupava tanto. Ela devia conhecer o filho melhor do que ninguém, e por certo desejava para ele uma esposa que o acolhesse com entusiasmo, que lhe dedicasse amor para abrandar as feridas antigas e as rejeições da infância.

Enquanto acertava a colcha sobre a cama, Beth ficou meio zonza ao recordar-se da felicidade delirante que sentira nos braços do marido. De como fora levada às alturas, quase enlouquecida de prazer pelas mãos que lhe acariciaram o corpo, pelos beijos sensuais que a fizeram gemer e segurar com força aquele corpo forte e musculoso.

Invadida pela lembrança, ela se jogou na cama envolvendo o próprio corpo com os braços, sentindo as vibrações de um prazer cujo ardor ainda não se tinha apagado. Seu coração começou a bater acelerado ao recordar os segredos íntimos que tinha compartilhado com Alexis. Até parecia que ele estava ali novamente, ao seu lado. As pontas dos dedos formigavam e os bicos dos seios intumescidos pressionavam a seda do robe.

Aquele prazer enchia-a de uma emoção tão intensa que as lágrimas marejaram-lhe os olhos. Era inacreditável, mas Alexis a possuía mesmo sem estarem juntos. O corpo moreno e forte preenchia cada milímetro de sua mente, trazendo-lhe de novo a sensação de seus beijos e de suas carícias.

— A kyria está triste?

Surpreendida, Beth olhou para cima e viu os olhos atentos de Aspásia, reparando nas lágrimas que lhe escorriam pelas faces.

— Ora... Não!

— Mas a kyria está chorando...

— Não estou triste, já falei. — Beth sentou-se e percebeu que Aspásia reparava na colcha estendida.

— A kyria não precisava ter-se dado ao trabalho de arrumar a cama — a moça falou com o olhar sombrio e penetrante. — Fazer isso é minha obrigação.

— A sua obrigação é não ser tão insolente! — De repente, Beth perdeu a paciência com Aspásia. — Já que não tem cama para arrumar, me prepare um banho com sais de pinho. E me diga uma coisa: madame Apollonaris lhe deu ordens para me vigiar?

Aspásia se fez de desentendida.

— Não entendo o que a kyria diz quando fala depressa.

— Você entendeu muito bem. Faça o favor de ir tratar do meu banho.

— Ne, senhora.

Assim que Aspásia entrou no banheiro, Beth foi ao guarda-roupa para escolher o vestido que ia usar para o jantar. Ela não ia permitir que aquela xereta lhe dissesse o que devia ou não usar. Pegou um vestido de chiffon de seda opalescente e um par de sapatos prateados, lembrando-se de que era o mesmo traje que havia usado na noite anterior, quando fugira de Alexis, correndo para o jardim de estátuas de pedra.

Estranhamente, não conseguia se lembrar muito bem dos acontecimentos anteriores aos momentos de amor, apesar de tão recentes. Teria mesmo sentido ter tanto medo de Alexis? Sorriu ao prender os cabelos para que as pontas não se molhassem enquanto tomava banho.

Quando Aspásia saiu do banheiro, disse-lhe:

— Diga à cozinheira que me prepare o chá. Basta colocar no bule duas colheres pequenas de chá e água fervente até o meio, entendeu?

— Ne, senhora. — Aspásia inclinou a cabeça, e saiu do quarto. Beth percebeu que ela tinha ficado ressentida. Certamente, era do tipo de criada que gostava de estar a par dos segredos da patroa, por isso estava se sentindo frustrada. Se a moça estivesse realmente espionando para madame Apollonaris, como ela suspeitava, seria melhor contar a Alexis, que, mais do que ninguém, tinha motivos de sobra para não querer que coisas desagradáveis fossem parar nos ouvidos da mãe.

Beth mergulhou o corpo na banheira, desfrutando a tepidez da água perfumada durante um bom tempo. Depois, secou-se com a toalha felpuda e macia, vestiu o robe e voltou para o quarto. Assim que entrou assustou-se. Aspásia estava levando de volta para o guarda-roupa o vestido de chiffon.

— O que está fazendo? — Beth perguntou, enfurecida. A moça se virou e olhou-a com uma expressão altiva.

— A kyria tem lindos vestidos de alta costura comprados pelo patrão. Então, deve usá-los, em vez de deixá-los enfeitando o guarda-roupa.

— Mas que atrevimento! — Beth atravessou o quarto e estendeu a mão para pegar o vestido. — Não estou acostumada ao clima grego e quero vestir alguma roupa fresca. Me dê o vestido, senão vou chamar o kyrios e fazer com que ele a despeça agora mesmo!

— O kyrios não me despediria, pois estou a serviço da mãe dele. — Aspásia olhou Beth de cima a baixo. — Os ingleses não podem entender a lealdade que há entre os gregos — falou com ar de desprezo.

— Entendo muito bem a ligação que existe entre meu marido e a mãe dele — Beth retrucou, sentindo os nervos retesarem. — Mas, se você está pensando que ele colocaria os desejos dela na frente dos meus, está muito enganada.

— Ah, é? Por quê, hein? Por causa... daquilo?! — Aspásia apontou para a cama. — Por acaso a senhora está achando que é a primeira mulher na vida do kyrios?

— Posso não ser a primeira mulher, mas sou a primeira esposa na vida dele! — Beth levou de novo a mão para pegar o vestido, mas Aspásia puxou-o rapidamente para trás, arrancando-o dos dedos de Beth e fazendo com que o fino chiffon de seda se rasgasse. Aspásia ficou momentaneamente desajeitada. Mas logo em seguida pareceu se recuperar e jogou o vestido rasgado nas mãos de Beth.

— Foi a senhora quem fez isso! Não pode pôr a culpa em mim. A senhora teve um acesso de raiva e tentou arrancar o vestido das minhas mãos!

Beth ficou atônita, segurando o vestido, e Aspásia saiu correndo do quarto. Meio minuto depois Alexis entrou pela porta escancarada.

— Você teve uma discussão com a criada? Ela passou voando por mim, em lágrimas, falando alguma coisa sobre um vestido rasgado e dizendo que você a estava culpando... Ah, é esse aí o tal vestido?

Ela atravessou o quarto e se aproximou de Alexis, furiosa. Então, Aspásia lhe rasgara o vestido e ainda punha a culpa nela... Mas Alexis parecia divertir-se com a situação. Era melhor não estragar seu bom humor.

— Parece... que não estou me saindo muito bem com a criada de sua mãe — procurou falar com naturalidade. — Ela queria que eu usasse um de meus vestidos mais finos e tivemos uma pequena discussão por causa disso. Estou começando a perceber como vocês gregos são obstinados.

— Infelizmente, minha mãe costuma deixar Aspásia fazer tudo o que ela quer. — Alexis pegou o vestido rasgado. — E uma pena. Ele é mesmo muito bonito. Mas você tem outros, não é? Depois veremos se há alguma costureira na ilha que possa consertá-lo.

Beth percebeu que Alexis não estava querendo encompridar a história, e que aquele também não era o momento propício para falar sobre a suspeita de que estava sendo vigiada.

Enquanto ela foi escolher outro vestido, Alexis sentou-se numa das poltronas, como se pretendesse permanecer ali enquanto ela se vestia.

Beth pegou no guarda-roupa um vestido de seda com gola tipo mandarim. Sorriu ao tentar adivinhar se ele resistiria à tentação de vê-la nua, ou se o jantar acabaria ficando para mais tarde.

Muito elegante em seu traje de noite, Alexis ficou observando-a silenciosa e atentamente, enquanto ela tirava o robe e vestia as roupas de baixo.

— Está gostando do espetáculo? — ela perguntou, sem jeito, indo até a penteadeira para soltar e pentear os cabelos. Pelo espelho viu que ele estava sorrindo.

— Esse é um privilégio meu, não? — Alexis falou com orgulha. — Você é minha da cabeça aos pés, querida.                                       j

— Você é um demônio e ainda por cima possessivo, Alexis. -_ Ela riu. Prendeu os cabelos com uma presilha de madrepérola –do lado esquerdo e deixou-os soltos do outro lado. Depois, se pautou levemente.

Alexis continuou observando-a languidamente enquanto ela vestia as meias e calçava os sapatos prateados. Ela já ia pegar o vestido, quando ele se levantou e se aproximou, segurando-a por trás e beijando-a no pescoço.

— Eu a tornei minha para sempre — murmurou junto ao seu ouvido. — Se você fosse para longe de mim... se fosse para o outro lado do mundo, ainda assim saberia que me pertence.

— E por que eu iria querer deixá-lo? — Ela se arrepiou com o contato dos lábios dele. — Estou muito feliz aqui.

— Tome cuidado com o que você diz, Beth. Nós, gregos, evitamos proclamar a nossa alegria em voz alta, pois esta seria uma forma de desafiar o destino. Pessoalmente, me guio pelo mandamento de Apolo, que o homem deve viver como se tivesse apenas mais um dia para desfrutar a luz do sol.

— Você é fatalista — ela disse com carinho. — Você me surpreende. Sobre certas coisas tem um conhecimento tão aprofundado e sobre outras, tão primitivo.

— O meu lado primitivo é você quem traz à tona. E fica toda feliz com isso, não é mesmo?

"Sim", o coração dela respondeu. Ela estava incrivelmente maravilhada em desfrutar o lado animal e indomável de Alexis, apesar de saber que num momento de cólera não veria nisso nenhum encanto.

— Agora estou com muita fome — ele falou, sério. — Por isso vou guardar meus impulsos primitivos para depois do jantar.

Ele riu, um riso solto, e beijou-a novamente no pescoço. Depois, soltou-a.

— Quer que eu a ajude a se vestir?

Beth sentiu que ele a olhava com ternura, enquanto a ajudava pôr o vestido azul, que combinava com o tom acinzentado de seus olhos. Colocou também no pescoço a corrente de ouro com o pendente de rubi.

— Seus olhos são tão lindos como o luar refletido na água — ele disse, tomando-lhe o rosto entre as mãos.

— Meu marido é um poeta primitivo. — Ela sorriu. — Não será por acaso o próprio Apolo?

Ele estreitou os olhos, que se tornaram ardentes.

— Apolo, o deus do sol, era apenas grego. Eu sou mais perigoso que ele, porque tenho nas veias sangue turco também. Por isso, você sempre verá em mim lampejos de guerreiro e lembranças de haréns. Esteja preparada para ser a mulher de um homem assim.

— Farei o possível. — Seu coração batia descompassado, como acontece quando se sente uma forte emoção. — Eu soube disso logo que nos conhecemos. No entanto, estou aqui com você, Alexis. Você fez as coisas ao seu modo, é certo, mas não se esqueça de que houve a minha concordância.

— Admiro os britânicos, porque sempre foram corajosos — ele respondeu sorrindo.

Então os dois deram-se os braços e desceram para jantar.

 

O jantar, servido no belo saloni branco e dourado, foi tipicamente grego. O prato de entrada eram dolmathes, charutos de carne moída com arroz, temperados com ervas frescas, envoltos em tenras folhas de parreira. O vinho tinto que o acompanhava aumentava-lhe o sabor.

— Que tal?

Alexis observava Beth enquanto ela comia, a luz das velas refletindo em seus olhos. Estavam sentados um de frente para o outro, na mesa redonda localizada numa área de piso rebaixado do saloni, no qual as janelas abertas deixavam entrar o ar fresco e perfumado da noite.

— Humm... Estou com tanta fome! Deve ser o ar da ilha.

— Entre outras coisas... — Alexis levou a taça de vinho aos lábios, os olhos brilhando, divertidos. — Você sabia que as ilhas gregas são circundadas por rochedos elevados que criam uma espécie de anel de prata quando vistas do ar?

— E por isso que você gosta tanto das ilhas, Alexis? De certa forma, elas simbolizam a sua própria natureza.

— Você acha minha natureza parecida com a das rochas. É isso?

— É. Jamais me enganaria supondo que a suavidade é a sua marca principal, Alexis. Aliás, se assim fosse, se não houvesse em você a profundeza dos sedimentos rochosos, você não seria tão fascinante. Na base da sua construção estão as rochas, a dureza, como suporte do homem afortunado de hoje, não é?

— E você me admira por causa disso, pedhimou?

— A maioria das mulheres admira a força, a coragem e a auto-disciplina dos homens de sucesso. — Ela lhe sorriu por cima da borda da taça. — Você, além de ter essas qualidades, é implacável também. Entretanto, admito que você tenha o direito de ser assim.

— Obrigado, querida. Fico muito grato com tanta compreensão — ele brincou. — Mas, e se eu for implacável com você?

— O que você quer dizer com isso, Alexis? — Beth sentiu o coração bater mais forte e a imagem de Cathlamet veio-lhe à mente. Logo teriam que discutir sobre o assunto, mas ela não queria estragar o jantar naquele momento. Haveria muito tempo para isso e era melhor não conturbar a harmonia daquela tarde de amor que ainda persistia.

— No sentido mais óbvio, moiya, que eu sou grego e você é inglesa, por isso, inevitavelmente, teremos divergências. Em alguns casos cederei, mas em outros não.

— Terei direito às pequenas vitórias. Entretanto, as grandes você vai reservar para você mesmo, não é isso?

— Pretendo ser o senhor de minha própria casa. Você por acaso gostaria que fosse de outra forma, Beth? Você continuaria a admirar a força de meu caráter se eu me transformasse num homem fraco, dominado por uma mulher voluntariosa?

— Eu jamais poderia dominar você. — Beth riu da simples idéia, pois até a aparência de Alexis excluía essa possibilidade.

O poder estampava-se nas suas feições, e a força e a resistência física emanavam de seu corpo. E, apesar da proximidade que haviam experimentado, a presença dele ainda lhe infundia um toque de medo.

A intimidade que desfrutara daquele corpo, na verdade não havia lhe dado acesso à sua mente. De certa maneira Alexis ainda continuava sendo o estranho vindo de uma terra distante que passara a lhe dirigir a vida, assim como tomara posse de Cathlamet, sem entretanto ter pela casa nenhuma afeição. Aliás, quem esperaria que um grego se interessasse por uma velha mansão de campo nos arredores de Yorkshire?

A refeição prosseguiu com carne de carneiro assada servida com legumes ligeiramente refogados e um molho suculento. O vinho foi trocado por outro mais forte e Beth percebeu que se não se precavesse estaria um pouco alta ao final do jantar.

Ao afastar a taça, viu Alexis franzir as sobrancelhas.

— Não gostou do vinho?

— E um pouco forte para mim — ela respondeu, sorrindo. — Não sou muito forte para beber. Um pouco a mais de bebida já me sobe à cabeça.

— Não se preocupe. Se você não estiver conseguindo andar, eu a carregarei até o quarto. Vamos, erga a taça e beba comigo...

— Alexis, está querendo me embebedar?

— Só quero que você fique descontraída, querida. Estamos em lua-de-mel e cada momento deve ser bem aproveitado. Não deve haver nenhuma sombra de preocupação para estragar nossos momentos juntos, assim como nenhuma partícula estranha macula a pureza deste vinho, feito de uvas silvestres de Dovima.

— Está bem — Beth concordou, tomando um gole de vinho. — Como posso me recusar a acatar seu pedido quando você volta para mim o seu philotimo?

— Então, você conhece essa palavra grega?

— Olhei no dicionário e descobri que se trata da derivação de uma palavra que significa poder e talento fora do comum. Você tem essas qualidades, não tem, Alexis?

— Tenho? — Ele sorriu. — Você vai ter que aprender a minha língua, Beth. Não vai ser muito difícil, pois as raízes dela estão emaranhadas na sua própria língua. Existe um professor extraordinário de línguas em Atenas. Foi com quem aprendi inglês, e acho que seria bom você ter aulas com ele também. O que você acha?

Beth tomou um grande gole de vinho, enquanto reunia coragem para tocar no assunto.

— Alexis, quer dizer que quando deixarmos Dovima nós vamos morar em Atenas?

— Tenho um bom apartamento lá, de modo que seria a coisa mais sensata a fazer. — Ele cortou vagarosamente um pedaço da carne em seu prato. — Você tem alguma coisa contra? Ela respirou fundo.

— Eu esperava... eu... achava que talvez pudéssemos morar em Cathlamet... Pelo menos uma parte do ano! Será que não podemos?

Ele continuou mastigando devagar, como se hesitasse em responder à pergunta.

— Alexis, por favor, diga que sim! — Ela olhou fixamente para o homem que a tivera nos braços durante a tarde. Ele não podia ser tão cruel a ponto de dizer que morar em Cathlamet era um sonho impossível.

— Sugiro que conversemos sobre esse assunto durante o café. Primeiro vamos saborear a sobremesa, está bem?

— Por quê? Sua decisão a respeito de Cathlamet não será a que estou esperando, será? — Beth tentou falar calmamente, mas sua voz tremia. Não queria nem pensar no que estava por acontecer. O jeito dele dava a entender que toda aquela maravilhosa harmonia que tinham descoberto juntos iria por água abaixo quando começassem a falar sobre Cathlamet. Como ela reagiria se ele lhe dissesse que tinha decidido vender a casa?

A sobremesa foi servida. Apesar da aparência saborosa do flan de frutas gelado, Beth precisou se esforçar para comer um pouquinho de doce.

Alexis observava-a sem a censurar e nem disse nada até que entraram na sala onde o café foi servido. Ele ficou de pé perto da janela, com a xícara de café na mão. Beth porém, sentou-se numa poltrona, calada, consciente do poder resoluto da figura alta do marido, delineada contra o branco da parede e o teto azul de onde pendia um lustre em forma de sino.

De algum lugar, além das janelas, o som de uma música grega enchia o ar da noite, com acordes inseparáveis de alegria e tristeza.

A música parecia dizer que a vida de uma mulher com um homem grego nunca seria uma acomodação, mas uma ilha de felicidade onde as sombras espreitavam, trazendo prazer e sofrimento em igual proporção.

Beth colocou a xícara de café sobre a mesinha de centro, e passou nervosamente os dedos pelos cabelos procurando encontrar palavras com que pudesse interrogá-lo sem no entanto, criar um clima desfavorável. Mas ele se antecedeu, falando lentamente, com voz grave:

— Seus cabelos são realmente muito bonitos, moiya. Reluzem como o prateado da asa de um falcão.

A música continuava. Nos pinheiros as cigarras cantavam em coro. Beth não sabia o que responder. Pousou os olhos sobre o tapete cor de marfim, depois voltou-se para as lâmpadas com bases de ônix branco e a seguir olhou para os móveis esculpidos a mão. Finalmente, deteve-se num nicho onde um busto esculpido em marfim tinha a cabeça meio encoberta pela sombra.

De repente, estremeceu ao ouvir o click de um isqueiro acompanhado por uma nuvem de fumaça de charuto que veio em sua direção.

— Diga o que está pensando, Beth. Nós já tomamos café e eu prometi que responderia às suas perguntas sobre Cathlamet.

Sem tirar os olhos do nicho, Beth perguntou se eles poderiam passar uma parte do ano em Cathlamet.

— Infelizmente, isso agora é impossível.

Beth ficou atônita. Se não tinha grandes esperanças, também não esperava ouvir uma resposta assim tão cruel e insensível. Olhou para Alexis magoada e perplexa e viu por entre a fumaça um rosto de bronze.

— Infelizmente, por quê? As pessoas precisam ter coração para sentirem-se tristes. Acho que esse não é o seu caso. Então, por que está tão preocupado em ferir meus sentimentos?

Sentindo uma dor extrema, ela resolveu implorar.

— Por que faz tanta objeção quanto a passarmos algum tempo lá? Você sabe o quanto eu gosto de Cathlamet! Fiquei com o coração partido quando descobri que meu pai não podia mais mantê-la... Alexis, por que então não a vendeu imediatamente, já que não pretendia viver lá? Você a conservou como um trunfo, só para que eu me casasse com você? Isso é tudo o que Cathlamet representa para você?

Alexis deu uma longa baforada no charuto e olhou-a angustiado. De repente, enfiou a mão no bolso do paletó e tirou de dentro dele um envelope.

— E melhor você dar uma olhada nisso.

Beth pegou o envelope onde havia uma comunicação via telex. A mensagem estava escrita em grego, mas uma palavra se destacava: Cathlamet.

Seu olhar voltou-se rapidamente para o rosto de Alexis, envolto em fumaça.

— Por favor, traduza isso para mim.

— Antes disso, Beth, sugiro que você tome um conhaque. — Com o charuto preso nos dentes, Alexis foi até o bar e serviu conhaque para os dois.

Beth pegou o seu copo com a mão esquerda, enquanto ainda segurava o telex com a outra mão.

— Agora diga — murmurou ela, sem esconder a ansiedade que sentia.

Alexis encarou-a e não fez menção de pegar de volta o telex.

— Já sei as palavras de cor — disse. — Aí diz que Cathlamet foi destruída por um incêndio... e que muito pouca coisa da casa ficou de pé.

Ela não acreditou no que ouviu. Aquilo não podia ser verdade! Cathlamet tinha feito parte de sua vida desde o dia em que ela nascera. No inverno e no verão, em todas as estações, ela sempre se mantivera forte e indestrutível. Ficava um pouco acima da aldeia de Wychley, cuja estrada levava até o Cinturão de Carvalho, a velha hospedagem local que funcionava em frente às casas de pedras. Algumas delas eram revestidas de pedras arredondadas, o que dava um contraste bem pitoresco. A própria rua era asfaltada com pedras planas e lisas e as calçadas, bem estreitas. Numa antiga igreja normanda, construída com pedras escuras, várias lojas funcionavam.

Ela caminhara tantas vezes por lá, passando pela Charneca de Hedda e depois pela tradicional tecelagem de janelas de vidro fosco e paredes guarnecidas com madeira. O jardim público da aldeia era florido de calêndulas e todo verão ela ia apanhar um punhado delas para levar para casa, porque o jardineiro de Cathlamet não permitia que elas crescessem lá.

— Não... — Ela sacudiu a cabeça. — Como Cathlamet pôde se incendiar?

Alexis apagou o charuto e sentou-se ao lado dela.

— Vamos, moiya, tome o conhaque. Ele lhe fará bem.

Mas os pensamentos de Beth estavam distantes de Alexis. Vagavam novamente pela casa onde passara os primeiros anos de sua vida. Como aquele piso de carvalho cor de mel podia ter virado cinzas, juntamente com as janelas de vidros coloridos que retratavam os lendários soldados e amantes da família St. Cyr? E os trabalhos de entalhe em madeira, os bancos antigos, as cadeiras de couro com encosto alto? Ela não podia acreditar que aquelas portas altas não se abririam mais exibindo as salas amplas, onde cortinas de brocado cor de marfim pendiam das janelas.

— Não pode ser! — Seus olhos imploraram para que ele dissesse que tudo não passara de uma brincadeira, que logo iria levá-la de volta a Cathlamet. Mas, ao invés disso, Alexis colocou o copo de conhaque nos seus lábios e obrigou-a a bebê-lo.

— A casa está destruída — ele disse, sustentando o seu olhar — Pela informação que recebi, só restaram algumas paredes em pé...

Beth estremeceu novamente.

— Como os monumentos gregos?

— Receio que sim, Beth. — Ele a fez tomar mais um pouco de conhaque.

— Quando foi que isso aconteceu, Alexis? Como?

Ele explicou que os materiais de pintura tinham sido os responsáveis pelo incêndio, provocado, ao que tudo indicava, por uma ponta de cigarro esquecida acesa no depósito de materiais.

— Mas a companhia de seguros descobrirá a causa verdadeira — finalizou ele, tomando o resto do conhaque que tinha no copo.

Enquanto o choque da notícia se espalhava por seu corpo, Beth estudava o telex, com os olhos presos na única palavra que ela compreendia: Cathlamet.

Quando a imagem do incêndio dominou sua mente, um forte estremecimento sacudiu-a.

— Quando foi que você recebeu... isto? — Ela dirigiu a Aléxis um olhar desolador. — A notícia veio pelo caíque, junto com sua correspondência?

Ele pareceu hesitar.

— Eu a recebi no hotel, na manhã do dia do nosso casamento. Beth absorveu aquelas palavras, e de repente sentiu como se o fogo a estivesse consumindo também.

— Por que não me contou? Eu tinha o direito de saber!

— Fiquei preocupado...

— Preocupado com quê, Alexis? — Ela fixou os olhos no rosto dele. — Você achou que eu seria capaz de desistir do nosso casamento?

— Havia essa possibilidade — ele admitiu. — Sei muito bem que Cathlamet foi uma das razões pelas quais você se casou comigo.

— Realmente, isso é verdade.

Beth sentiu necessidade de descarregar toda a sua frustração sobre ele. A dor que experimentava não tinha nenhuma relação com a raiva que sentira quando a casa fora parar nas mãos de Alexis. Na época, ele era um desconhecido, mas agora estava mais perto dela do que nunca e entretanto não fora capaz de confiar-lhe aquela tragédia no dia do casamento. Ele ficara a seu lado, no altar da igreja grega, com o horrível telex guardado no bolso, durante toda a cerimônia.

— Sim, Alexis, eu não teria mais nenhum motivo para me casar com você — ela disse friamente. — Meu irmão estava fora de seu alcance, e você sabia muito bem que, se tivesse me mostrado o telex, eu por certo não teria me casado com você. Mas isso iria atrapalhar todos os seus planos, não é? A sua mãe e os amigos não iriam compreender o motivo de sua noiva inglesa ter ficado tão transtornada por causa da destruição de uma casa de vários séculos...

— Pare com isso, Beth! — Ele estendeu a mão para tocá-la, e ela a empurrou num acesso de raiva.

— Você só pensa em si mesmo... no seu odioso senso de philotimo! Respeito próprio, cabeça erguida, amor à honra. Isso é o que importa para você, não é, Alexis?

Ele concordou.

— Sim, é. Mas não vi nenhuma vantagem em estragar tudo. Sabia muito bem o quanto aquela casa significava para você, porém, um dia, todos nós temos que crescer, Beth. Era hora de você se tornar minha esposa, de viver sua vida como uma mulher adulta. Embora o fato de Cathlamet perecer nas chamas tenha sido trágico, compreendi que isso havia sido decretado pelo destino.

Beth olhou-o fixamente, as palavras de Alexis servindo como combustível para intensificar a indignação que ardia dentro de si.

— Por acaso não foi você mesmo quem mandou incendiar a casa? — ela perguntou, gritando, descontrolada.

Alexis ficou com a respiração suspensa e fechou a mão com força em volta do copo, até as juntas de seus dedos ficarem brancas. O silêncio que se seguiu só foi interrompido quando ele atirou com raiva o copo no chão.

— Como se atreve a insinuar uma coisa dessas?

Beth sentiu-se momentaneamente assustada com a expressão de ódio do rosto dele, mas procurou não recuar.

— Você pode me recriminar por pensar assim? — perguntou em tom de desafio. — Essa seria uma maneira de você me manter aqui na Grécia.

— O incêndio que destruiu Cathlamet não foi proposital. — Ele ainda estava com uma expressão sombria. — A reforma estava adiantada porque eu pretendia que ficássemos lá sempre que eu pudesse passar algum tempo na Inglaterra. Eu imaginava que soubesse que a maior parte de meus negócios se encontra aqui em meu país. Nós nunca poderíamos morar permanentemente em Cathlamet, mas ela poderia ter sido a nossa casa de férias. Esta é a verdade.

Um senso de justiça dizia a Beth que ele estava falando a verdade, mas isso não aliviou seus sentimentos, nem aplacou a fúria que sentia por ele não lhe ter falado nada sobre o incêndio.

— Você não tinha o direito de esconder isso de mim! — disse ela, levantando-se do sofá e afastando-se dele. — Eu nasci lá, Alexis. Cresci em Cathlamet e adorava cada canto daquela casa. Como o incêndio deve ter aterrorizado os habitantes da aldeia! Deus, não suporto nem pensar nisso!

Ela enterrou o rosto entre as mãos e Alexis aproximou-se, mas sem tocá-la.

— Talvez eu tenha errado em não lhe contar, Beth. Mas, falando com sinceridade, tive as minhas razões para isso. Há um provérbio grego que diz: "Existem coisas que são tão perigosas que não devem ser faladas". E foi isso o que pensei na manhã do dia do nosso casamento.

Ele respirou profunda e fortemente.

— O fato de eu receber a notícia naquela manhã foi como um presságio. Era algo perigoso demais para se falar, e eu tive que esperar até que fosse seguro fazê-lo.

— Seguro? — Beth tirou as mãos do rosto e encarou-o. — O que você quer dizer com seguro, Alexis? E ter esperado até que eu chegasse à ilha? Depois que tivesse me levado para a cama?

— Ah, Beth — ele murmurou, quase num lamento. — Isso não é maneira de falar sobre o que houve entre nós.

— Sobre a nossa noite de amor? — ela perguntou cinicamente. — Não creio que a destruição de Cathlamet tenha estado em sua mente durante um momento sequer daquela noite. Afinal, mais uma vez você tinha atingido um de seus objetivos. E foi a isso que dedicou toda a sua vida, não? Aconteça o que acontecer, você sempre procurará se vingar do desprezo que recebeu quando criança. O que pretende mostrar é que se fez sozinho, partindo do nada, tomando por esposa a filha de um nobre a quem ajudou a arruinar.

— Droga, isso não é verdade! — Ele olhou furioso para ela, prestes a perder o controle. — Seu pai era um jogador insaciável, impelido a destruir não apenas a si mesmo como também àqueles que deveria proteger. Ele foi acumulando dívidas no Clube Cassandra e, quando finalmente me recusei a continuar bancando o jogo, ele foi para outra casa de jogos e continuou jogando até não restar um único tijolo de Cathlamet para ser empenhado. Recuperei os títulos de propriedade da pessoa que tinha ficado com eles.

Alexis fez uma pausa e passou a mão nos cabelos negros, despenteando-os. — Sim, moiya, quando eu a vi pela primeira vez, você estava perto dos estábulos, treinando um cavalo jovem, segurando-o por uma rédea comprida. Era um potro de pêlo escuro que corria em sua volta, em grandes círculos. Você não reparou em mim, porque estava totalmente concentrada naquilo que estava fazendo. Entrei em sua casa com a intenção de devolver aqueles títulos de Cathlamet, mas seu pai estava bêbado, e eu então tive a certeza de que seu lar iria parar de novo nas mãos de um proprietário de clube...

Ele fez outra pausa e prosseguiu:

— Ah, sim, eu sou um proprietário de clube, Beth, mas tenho os meus princípios de honra, apesar de você achar o contrário. Quando nos encontramos no hall de Cathlamet eu era o senhor da casa, é verdade. A partir daquele momento vocês passaram a ser sustentados por mim... Mas não porque eu me sentisse satisfeito por estar por cima de um cavalheiro inglês arruinado! Eu desprezava a falta de caráter dele, mas não senti nenhum prazer em assistir à sua deterioração. E naquele momento mesmo decidi que não ia permitir que ele arruinasse também a sua vida, Beth.

— Mas que nobreza de caráter, Alexis!

Eles se fitaram, como se estivessem novamente na casa que ele havia tomado para si. Beth sentiu uma onda de tristeza e de pesar invadindo-a. Não havia mais nada no mundo que pudesse considerar como seu. Ela não passava de uma esposa que Alexis havia comprado.

Olhou para Alexis e viu seu rosto mais fechado do que nunca, como se todos os músculos fossem de ferro. Não notou naquele semblante nenhuma solidariedade pelo desaparecimento de Cathlamet. De repente, não se conteve mais e o esbofeteou duas vezes no rosto, deixando-lhe marcas profundas nas faces.

— Você acha que o dinheiro pode comprar tudo... que ele pode compensar a perda de tudo o que é querido a alguém! Cathlamet era importante para mim, e... e você fica aí como... como se só um estábulo tivesse pegado fogo, e não a minha casa!

— Sua casa? — ele repetiu. — Você me disse em Londres que depois que a casa caiu em minhas mãos você deixou de considerá-la parte de sua vida.

— Isso foi antes de eu... — Ela mordeu com força o lábio inferior.

— Antes de você se casar comigo — ele complementou ironicamente. — Mas, quando se tornou minha esposa, aquela casa grande e maravilhosa voltou a ser de vital importância para você... Puxa, mas como você é criança! Será que não aprendeu nada sobre a vida durante as horas que passamos juntos?

— Sim — ela respondeu em tom de desafio. — Compreendi que você só se importa com o meu corpo! Você não liga a mínima por eu... por eu estar sofrendo tanto com o que aconteceu a Cathlamet!

— Claro que eu me importo...

— Por causa dos prejuízos? Você pagou um preço alto por mim, não foi Alexis? Por certo almeja obter lucro com cada centavo de dracma que desembolsou. Por isso deve estar furioso com a perda de Cathlamet.

— Sim. Estou mesmo furioso! — Com os dentes cerrados, Aléxis se aproximou dela. Beth recuou, sentindo um certo pânico ao se dar conta do que havia falado. Mas ele bem que merecia ouvir tudo aquilo, disse a si mesma enquanto continuava a recuar.

— Se tivesse as lembranças que tenho de uma casa como a em que cresci, você certamente se mostraria mais compreensivo — Beth disse com a intenção de feri-lo. — Mas você nasceu no campo. Portanto, é incapaz de entender um sentimento como o meu!

Um silêncio pesado se seguiu às suas palavras. Um silêncio que precisava ser quebrado com palavras ofensivas. Mas ela preferiu sair correndo!

 

Com o coração batendo disparado, Beth subiu a escada e foi para o quarto. Caiu num choro convulsivo, jogando-se na cama.

Teve a impressão de ter chorado horas a fio. Quando pareceu que as lágrimas tinham se esgotado, ela percebeu que o desejo violento de esbofetear Alexis tinha desaparecido por completo, uma paz estranha a invadia.

Ao colocar-se de pé, sentia-se fraca e sem forças nas pernas. Precisou se esforçar para se trocar e ir ao banheiro lavar o rosto manchado. Era como se aquele choro a tivesse lavado por dentro, livrando-a de todas as tristezas por que tinha passado na vida, como se todo aquele tempo elas tivessem se acumulado dentro dela, à espera da hora de serem liberadas. Ela agora estava livre de qualquer compromisso. Com o incêndio, o débito com Alexis tinha sido quitado.

Ao voltar para o quarto viu que alguém havia trazido uma bandeja com um bule de chá, uma xícara, creme, açúcar e biscoitos.

Ainda trêmula, encheu a xícara de chá e o adoçou bem. O líquido quente ajudou-a a se acalmar um pouco, e ela se sentou numa poltrona, com os olhos ardendo por causa do choro. Através da janela aberta, admirou a propriedade de Alexis, da qual também fazia parte. Sim, ela não passava de uma propriedade que ele gostava de ver ornada com rendas e seda, para agrado de seus olhos e satisfação de seu corpo.

As lágrimas começaram a voltar, mas Beth fez um esforço para contê-las, tomando grandes goles de chá. Muito melhor que chorar seria elaborar um plano de ação para sair daquela ilha.

Pedir a Alexis que a deixasse ir, em termos civilizados seria inútil. Isso só serviria para deixá-lo alerta quanto ao que ela tinha em mente. Embora provavelmente ele desconfiasse que ela pretendia ir embora, ele contava com o seu pessoal para impedi-la já que isso só era possível de barco.

Mas Beth tinha uma carta escondida na manga. Ela sabia do ressentimento que Aspásia sentia por ela, e o utilizaria em benefício próprio. Ainda bem que não havia mencionado a Alexis a suspeita de que a criada a estava espionando, observando-a como um gato observa um camundongo, enquanto espera o momento de dar o bote.

Depois que terminou de tomar o chá, juntou algumas coisas que seriam necessárias para a partida. Colocou numa bolsa uma troca de roupas íntimas e uma blusa, e verificou se havia dinheiro suficiente na carteira. A seguir, escondeu a bolsa entre as roupas do armário e abriu a porta do quarto, bem devagar.

Não havia ninguém no corredor. Ela sabia que Alexis a deixaria sozinha para que pudesse chorar à vontade, por isso não daria por sua falta.

Andando pé ante pé, tomou o rumo do quarto de Aspásia, que ficava no andar superior.

Bateu levemente na porta e logo depois a criada apareceu, atando o cinto do robe. Seus cabelos escuros estavam soltos, e o rosa-pálido que usava a fazia parecer mais amigável e suave.

Mas Beth não podia se deixar enganar. Já havia se defrontado com a verdadeira Aspásia. Sem dúvida, ela era a pessoa a quem devia se dirigir, caso quisesse mesmo sair de Dovima.

— Deseja alguma coisa, senhora?

— Sim... Posso entrar? Não quero ser vista.

Os olhos de Aspásia se aguçaram no mesmo instante e ela escancarou a porta para que Beth pudesse entrar. Fechou-a logo em seguida e ficou de pé, de costas para ela, com o olhar inquiridor fixo na patroa.

— Quero ir para o continente amanhã de manhã — Beth procurou falar com naturalidade. — Você pode arranjar alguém que possa me levar? Tenho dinheiro e lhe pagarei uma boa quantia.

Aspásia não se mostrou surpresa com o pedido. Apenas olhou Beth de cima a baixo, com frieza.

— Por que quer partir, kyria! — perguntou com um brilho insolente nos olhos, como se soubesse da cena que se passara na sala. — Não gosta de estar casada com o kyrios!

— Isso não vem ao caso...

Beth fez um esforço para controlar a antipatia que sentia por Aspásia. Sentia-se desconfortável por precisar da ajuda dela para abandonar Alexis.

— Ninguém vê com bons olhos a minha permanência por aqui, inclusive madame Apollonaris. Portanto, você não corre nenhum perigo, ninguém suspeitaria de você, pois é de confiança.

— O casamento dele com a senhora a desagradou muito. — Aspásia enfiou a mão no bolso do robe e tirou um maço de cigarros e um isqueiro. Com os olhos fixos em Beth, colocou um cigarro entre os lábios, acendeu-o e soprou a fumaça sobre ela. — Teve uma grande discussão com ele, não foi?

Beth recusou-se a responder. A mulher sorriu sarcasticamente e soprou mais fumaça no ar. Beth estava a ponto de empurrar Aspásia para o lado e voltar correndo para o seu quarto, quando a criada deu um passo ameaçador em sua direção.

— A senhora discute com o kyrios como uma criança caprichosa. Tem muita sorte por ele conter a mão e não lhe ensinar que a obrigação da esposa é agradar o seu homem. A senhora não o merece!

— E você só presta para bisbilhotar as conversas alheias e espionar as pessoas. Deixe-me sair daqui...

— A senhora não quer sair da ilha? Posso fazer com que um amigo meu a leve daqui... — Aspásia tragou com força o cigarro. — Amanhã, hein?

— Cedo? Sem que meu marido saiba?

— Meu amigo fará tudo que eu pedir. A senhora o viu no caíque quando veio para Dovíma.

— Ele é um dos marinheiros?

— Ne, madame.

O sorriso cínico de Aspásia forneceu a Beth a resposta que ela estava procurando.

— Entendo! — exclamou ela, recuando involuntariamente. — Então, a mãe de kyrios me odeia tanto assim?...

— A mãe de kyrios não precisou me dizer nada a respeito do que sente pela senhora. — Aspásia bateu a cinza do cigarro. — Eu sei dos seus sentimentos porque também compartilho deles... Imagine se uma virgenzinha branca e frágil poderia satisfazer os desejos de um homem como o kyrios! Que disparate! Ele tem mesmo zoikos, porque é um homem que se destaca dos outros. Tudo teria terminado rápida e definidamente se ele não tivesse sentido o ímpeto corajoso de se atirar na água para salvá-la. Kristos me contou que a senhora parecia um gato semi-afogado, com o vestido de noiva estragado e os cabelos repletos de algas marinhas!

Aspásia desatou a rir e Beth sentiu um arrepio de medo, como uma advertência de que estava de novo correndo perigo de vida. A bordo do Stella Maris esse sexto sentido não tinha funcionado. Atordoada com o vinho e todo o ritual do casamento, nem tinha percebido quando uma mão, suspensa à altura de seu ombro a empurrara por cima da amurada para o mar. Mas agora os seus pensamentos, claros como um cristal, a aconselhavam a sair daquele quarto o mais rápido possível.

Quando ela procurou alcançar a maçaneta da porta, Aspásia saltou sobre ela e agarrou-a pelos cabelos, puxando-os com tanta força que Beth gritou de dor.

— Não grite de novo. — Aspásia aproximou a brasa do cigarro no rosto dela. — Eu bem que gostaria de queimar a sua bela pele, mas isso despertaria suspeitas quando fosse encontrada nos rochedos que ficam abaixo da vila. Sim, kyria, meu amigo a ajudará a fugir do kyrios. Só que será para sempre. Todos os que comparecerem ao funeral sentirão muita pena da moça inglesa que caiu do penhasco na lua-de-mel!

Aspásia riu de novo e deu outro puxão nos cabelos de Beth.

— Não haverá nenhuma suspeita, kyria. Todos se lembrarão que no caíque a senhora teve uma tontura e caiu no mar.

— O que vai ganhar com isso?

Certa de que a mulher era louca, Beth achou melhor mantê-la falando. Pessoas como ela gostavam de falar sobre si mesmas.

— O kyrios logicamente ficará muito triste e precisará de alguém que o console pela perda da jovem esposa. A mãe dele gosta muito de mim, sabia? Por ela, teria sido eu a mulher escolhida para se casar com seu filho. — Enquanto falava, Aspásia olhou para o cigarro, e levou-o aos lábios para dar a última tragada. — O kyrios é um homem rico, mas não pertence à aristocracia, não é mesmo? A mãe dele agora vive com todo o conforto, mas já foi pastora de cabras. Então, por que não posso ser boa o suficiente para ele?

— Sem dúvida, você está à altura dele — Beth falou com cautela. — Você foi muito inteligente ao fingir que conhecia muito pouco o inglês. Na verdade, você fala muito bem a minha língua.

— Sei disso. — Aspásia sorriu e examinou com desdém o rosto de Beth, tenso pelo medo e contorcido pela dor que ela sentia na raiz dos cabelos. — A senhora não tem nenhuma dificuldade em me entender, tem?

Beth só podia rezar para que Alexis viesse à sua procura e descobrisse que ela estava ali, literalmente nas garras de Aspásia.

— Como eu queria aprender inglês, a mãe do kyrios providenciou para que eu tivesse aulas. — Aspásia olhou mais uma vez para o cigarro, que tinha chegado ao fim. — Por que eu não teria direito de ser ambiciosa? Tenho boa aparência e meus cabelos são tão bonitos quanto os seus!

— Por favor, me largue. Se o seu amigo me levar até o continente, prometo que vocês nunca mais ouvirão falar de mim...

— O kyrios sairia à sua procura. — Com um gesto nervoso, Aspásia jogou fora o cigarro apagado e tentou tirar com a mão livre um outro de dentro do maço, no bolso do robe. Quando sentiu afrouxar-se a pressão em seus cabelos, Beth não hesitou, puxou a cabeça com força, soltando-se e acertou um golpe no nariz da criada.

Aspásia gritou de dor e Beth abriu a porta e saiu correndo do quarto, gritando o nome de Alexis.

Beth nunca se esqueceria da alegria que sentiu ao vê-lo subir correndo a escada em sua direção. Nem da segurança que a confortou quando ele a segurou como se nenhum bem lhe fosse tão caro na vida.

Num instante, todos os criados se juntaram em volta deles, e Beth contou desarticuladamente o que tinha acontecido. Alexis deixou-a com o mordomo e foi imediatamente à procura de Aspásia.

Ao ver a indignação dele, dissiparam-se, de uma vez por todas, as dúvidas que Beth alimentava quanto ao amor do marido. Desta vez as lágrimas que lhe escorreram pelas faces foram de alívio e alegria. Ela entendeu perfeitamente bem por que Alexis ainda estava encolerizado quando a polícia partiu numa lancha, levando Aspásia e o marinheiro Kristos.

Na manhã seguinte, no quarto, ele ficou andando de um lado para outro, como se fosse uma pantera enjaulada. Queria saber por que ela havia ousado pensar em fugir dele.

— Nunca acreditei que você chegasse a esse ponto — ele rosnou.

— Por que não? — Enrodilhada na cama, Beth olhava-o, com a luz maravilhosa do amor brilhando em seus olhos acinzentados.

— Porque você sabe tão bem quanto eu que pertencemos um ao outro e que essas briguinhas bobas por causa de tijolos, ardósias e pedras jamais poderão nos separar. Ao correr na minha direção, no patamar da escada, você estava procurando desesperada a sua outra metade, você não entende isso? Quando a tomei nos braços moiya, eu a tomei em meu coração. E espero fazer isso dia e noite, durante muitos e muitos anos, se os deuses nos concederem um longo tempo de vida.

— Mas você nunca me disse isso. Eu... não sei ler as mentes das pessoas, apesar de ter trabalhado com madame Lilian.

— Realmente, você vai ter que aprender grego. — Ele se aproximou dela e a pegou nos braços, como se ela fosse uma criança. — Quando a seguro em meus braços e lhe falo de amor, eu o faço em grego... Falo em grego, sem pensar. Se eu a amo? Claro que amo! Desde que a vi pela primeira vez, com o sol cintilando, como agora, em seus lindos cabelos.

Os braços dele se apertaram em volta dela, possessivamente.

— Empreguei o seu irmão em meu clube para que houvesse alguma ligação entre nós. E não porque eu quisesse, como você afirmou, que ele me roubasse. Como ele era seu irmão, pedhakimou, pensei que fosse um sujeito de bom caráter. Todos nós podemos nos enganar em alguma coisa, não é?

Beth pressionou o rosto contra o pescoço dele e o beijou.

— Alexis, acha realmente que eu teria desistido de você se me contasse que Cathlamet tinha se incendiado? — Depois de todas as tempestades emocionais, Beth estava se sentindo completamente em paz.

— Esse era um risco que eu não queria correr de jeito algum. Eu não ia permitir que nada se interpusesse entre nós no dia do nosso casamento... nada!

— Nem mesmo a desaprovação de sua mãe quanto a mim?

— Minha mãe acabará por aceitá-la. Aliás, não acredito que ela tenha encorajado Aspásia a prejudicá-la. — Alexis olhou-a no fundo dos olhos, como se precisasse eliminar a última sombra que ainda pairava entre eles. — Minha mãe é uma mulher religiosa e nunca teria nos acompanhado à igreja se nutrisse uma verdadeira aversão por você.

Beth acreditou nele. Finalmente, acreditou que a felicidade que compartilhavam quando estavam na companhia um do outro era integral, preenchendo cada minuto dos seus dias.

— Eu te amo — ele disse em inglês. — Logo você vai aprender a minha língua e compreenderá o que digo quando fizemos amor. No fundo, sempre serei um grego, mas quando tivermos um filho, quero que ele tenha o charme dessa inglesinha encantadora — ele cochichou ao seu ouvido.

Beth sorriu. Eles sempre se lembrariam da maneira como ela tinha corrido para os braços dele, liberta da garota tola que procurava fantasmas do passado nas ruínas de Cathlamet.

Alexis era agora o seu abrigo, forte e indestrutível.

 

                                                                                Violet Winspear  

 

                      

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