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A CRUZ DO AMOR / Barbara Cartland
A CRUZ DO AMOR / Barbara Cartland

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A CRUZ DO AMOR

 

                   1964

Rena Colwell entrou na sala onde o pai costumava escrever os sermões, e foi para a escrivaninha que, no tempo de sua mãe, estava cheia de flores. Era uma linda sala.

Agora, o local parecia abandonado, com o papel de parede rasgado em vários lugares, as cortinas velhas e desbotadas.

Contudo, para Rena continuava sendo o lugar onde ela se sentia feliz e em segurança. Lá, estivera sempre na companhia das pessoas que amava.

Sua mãe morrera antes. A partir do momento em que fora sepultada e que o marido dissera as preces, ele cessara de ser o mesmo homem. Perdera toda a alegria de viver.

Prosseguira com a mesma actividade de pastor da igreja durante meses ainda, visitando os doentes da paróquia, enterrando os mortos. E, acima de tudo, lutando para que os jovens assistissem à cerimónia dominical. Essa sua luta tornava-se mais difícil no verão, quando eles preferiam jogos ao ar livre ou nadar no rio.

Rena achava que a nova geração não se interessava muito pelo futuro. Os adolescentes, pelos vistos, sentiam-se felizes com o que tinham.

E Rena não podia entender tal atitude, pois a aldeia era muito pobre, as crianças não frequentavam boas escolas, e raramente havia actividades sociais para entretê-las. Contentavam-se com o pouco que tinham.

Rena acreditava que, em grande parte, a razão dessa felicidade devia-se a seu pai, que estava sempre pronto a ajudar os habitantes locais na hora da desgraça.

No entanto, depois da morte da esposa, o velho pastor pareceu perder a energia, tornando-se menos activo em seu apostolado.

Rena detestava pensar dessa maneira, mas reconhecia ser a verdade.

Seu pai se tornara uma sombra do que havia sido no passado.

Alguns meses depois da morte da mulher, fora chamado para a casa de um agonizante, numa noite fria de inverno, com neve abundante. Contraíra uma gripe que piorava a cada dia.

Rena fez tudo o que podia para fazer com que o pai se sentisse melhor. Até lhe dera as mezinhas que aprendera a fazer com a mãe. Mas ele não reagia.

Reconhecia que o pai nunca fora muito forte, e seu tipo de vida em nada contribuía para que gozasse de melhor saúde. Era chamado continuamente em noites frias para atender doentes e agonizantes.

Ele fora capelão durante a guerra, e isso concorrera para piorar seu estado geral. às vezes conversava sobre suas experiências junto ao exército inglês. Embora não se queixasse, Rena tinha certeza de que sofrera muito por estar longe da Inglaterra. Não apenas um sofrimento físico, mas da mente e do coração.

E agora, quando inesperadamente ele começava a melhorar, ela encontrou-o morto na cama.

De manhã fora ao quarto do pai a fim de saber por que motivo não descera para tomar café, e notou que ele não respirava. Achou que talvez fosse imaginação sua, e que logo o pai reviveria e riria dela, por ter se assustado tanto. Mas, ao ver que o coração não batia se deu conta da realidade. Desesperou-se, ciente de que sua vida terminara também. Não poderia viver sem o pai.

Os habitantes da aldeia ficaram desolados, pois perdiam o melhor amigo, um amigo que nunca falhara nas horas difíceis. Todos choraram muito no funeral, repetindo constantemente:

O que vamos fazer sem ele? Como poderemos continuar vivendo?

Era de se esperar que se preocupassem. E Rena era a mais preocupada de todos, pela simples razão de que não tinha para onde ir e nem dinheiro.

A aldeia ficava numa parte esquecida do mundo, raramente era visitada por pessoas de outras regiões do condado. E isso porque a Casa-Grande, que fora habitada por dez ou mais gerações de condes, estava agora abandonada e negligenciada.

O último proprietário não tivera interesse nas pessoas que lá moravam; tinha poucos empregados, pois não tinha dinheiro. Herdara apenas a Casa-Grande de um antecessor, mas não meios para mantê-la.

Rena jamais se preocupara com o conde, pois na verdade não o conhecia. O homem vivia confinado na casa e nunca ninguém o vira cavalgando nos prados ou indo à aldeia. O homem morrera durante a noite, e só dias mais tarde os habitantes locais souberam de sua morte. Nem o pastor fora chamado.

Rena só esperava que, após a morte dele, viesse outro proprietário que se interessasse mais pela aldeia.

Porém, o que a preocupava acima de tudo, agora após a morte de seu pai, era a vinda do novo pastor, nomeado pelo bispo. Precisava desocupar a Casa Paroquial, e não tinha para onde ir.

O pai deixara a conta bancária quase vazia. O salário dele era muito reduzido, e mal dava para viver. E mesmo esse pequeno salário cessaria de ser enviado pelo bispo.

- O que poderei fazer? O que poderei fazer? - ela sussurrava.

Mas não obteve resposta.

Após a morte da mãe, cuidara do pai achando que ele seria eterno. Nunca pensara no facto de que chegaria o momento em que, sem dinheiro, seria forçada a ganhar a vida num mundo desconhecido.

Mas, como poderia pagar um lugar para dormir, caso tivesse de sair da aldeia?

Seu nervosismo aumentou ao receber a carta do bispo dizendo que lamentaria muito a morte do pastor, e que mandaria um substituto o mais depressa possível. Isso significava, embora o bispo não houvesse dito, que ela teria de desocupar a Casa Paroquial.

Sua pergunta era: para onde ir?

Londres ficava bastante longe, e raramente ela fora lá. Não podia se imaginar trabalhando numa loja da aldeia vizinha, lugar bastante pequeno e de pouco movimento. Tampouco ensinando crianças que em geral iam a escolas públicas.

"O que posso fazer? O que posso fazer?"

Seu pai sempre lhe dissera que, se rezasse, Deus atendia as suas preces. Mas agora parecia que Deus não a ouvia, ou suas preces não eram fervorosas.

"O que posso fazer? Leio muito mas não tenho diploma de professora. Adoro cavalgar mas não há cavalos nesta vizinhança."

O cavalo que possuíra morrera, havia três anos já. Agora, seria uma questão de tempo desocupar a Casa Paroquial quando o novo pastor aparecesse.

Tinha de começar a preparar as malas. Havia pouca coisa a levar. Alguns vestidos seus e de sua mãe. Estava consciente de que precisava andar bem vestida para arranjar um bom emprego.

Rena era uma moça bonita. Seus cabelos louros tinham um toque de dourado. Os olhos azuis da cor do céu eram enormes, talvez grandes demais para um rosto tão pequeno.

Como os pais não dessem festas em casa, poucas pessoas haviam percebido que a pequena Rena se transformara numa linda mulher. E, se andasse bem vestida, seria a moça mais atraente de qualquer reunião social.

"O que posso fazer?"

"Talvez trabalhar como empregada doméstica?" Mas a ideia de morar em casa estranha a apavorava. Sabia que a mãe ficaria chocada se viesse a saber que essa ideia lhe passara pela cabeça.

A sra. Colwell nascera numa família de certa projecção social. E os pais dela não ficaram nada felizes ao saber que a filha se apaixonara por um pastor da igreja, assistente do Vigário da paróquia que eles frequentavam aos domingos.

- Seu pai foi um dos homens mais lindos que conheci - ela dissera a Rena. - Ele disse que se apaixonou por mim no primeiro dia em que me viu entrando na igreja, na companhia de meus pais, seus avós.

- E vocês se amaram logo? - perguntara Rena.

- Acho que foi o que aconteceu. Mas não tive chance de falar com seu pai durante várias semanas. Porém um dia nos encontramos, e ele quase não disse uma palavra, tão nervoso estava. Apenas confessou que se impressionara com meu aspecto à primeira vista.

Rena rira muito enquanto a mão continuava:

- Pude entender perfeitamente, porque senti o mesmo. Queria falar mas não sabia o que dizer. No primeiro dia em que ele foi a nossa casa com o vigário, para tomar chá, nenhum de nós disse uma única palavra.

- Mas você ficou emocionada com a visita, mamãe?

- Tão emocionada que sonhei com ele todas as noites até nosso próximo encontro.

E levou muito tempo para que o jovem ministro da igreja tivesse coragem de se aproximar da filha do abastado proprietário de terras, para conversar com ela a sós.

Enfim um dia, quando houve uma grande festa na casa, a menina apaixonada encontrou um pretexto, não se lembrava bem qual fora, de mostrar ao jovem pastor o canteiro de morangos. E andaram sozinhos pelo enorme jardim que rodeava a mansão.

- Quanto tempo depois disso papai levou, mamãe, para dizer que a amava?

- Para mim pareceram milhares de anos. Confesso que eu amava seu pai, mas não tinha muita certeza se ele me amava.

- Finalmente um dia ele disse que a amava?

- Disse, e eu me senti arrebatada aos céus junto com ele. Espero, querida, que um dia isso aconteça com você - a sra. Colwell dissera à filha.

Seus pais eram as duas pessoas mais felizes que Rena conhecera. às vezes tinha a impressão de que se esqueciam da existência dela e de tudo o mais que havia no mundo, exceptuando-se o facto de que estavam juntos.

Pensando no passado, Rena imaginava que essa era a razão de os pais nunca darem festas. Eles se bastavam. As reuniões sociais, raras, só aconteciam em função do trabalho da igreja.

Quando as visitas iam embora, eles sentiam alívio porque ficavam sozinhos, não queriam mais ninguém além dos dois.

Porém isso não queria dizer que ela crescera sem receber amor. Mas, de que adiantava esse amor agora?

Quase instintivamente sentou-se à escrivaninha do pai. Sentia-se com se ele estivesse presente, e lhe fez a pergunta que a atormentava.

"O que posso fazer, papai? Aonde devo ir e a quem devo pedir ajuda? Assim que o novo pastor chegar, terei que desocupar a Casa Paroquial. No momento, não tenho dinheiro nem para ir a aldeia mais próxima. Isso sem falar em Londres, onde talvez possa arranjar algum emprego bom."

Ela suspirou e esperou ouvir o pai lhe falar o que deveria fazer.

Então, como se o conselho lhe tivesse sido enunciado em voz alta, Rena começou a pensar na cruz que fora encontrada na floresta, atrás da Granja, como era chamada a Casa-Grande.

Lembrava-se de que fora assunto das conversas na aldeia, quando trabalhadores da floresta a encontraram e pediram ao pastor que fosse vê-la.

- Parece-me bem estranho o aparecimento dessa cruz - a mãe de Rena dissera ao marido. - Mas os homens acham que tem algo a ver com religião. Você precisa ir lá para dizer se é alguma coisa sagrada ou não.

Rena tinha doze anos na ocasião. E recordava-se de ter ouvido o pai dizer que não tinha tempo, pois precisava preparar o sermão de domingo.

- Você precisa ir - a mulher insistira. - Afinal, é assunto relacionado à igreja.

E ele cedera, suspirando. Pegou o chapéu, beijou a mulher e embrenhou-se pela floresta.

O que os homens acharam era uma enorme cruz, rústica, mas sem a parte superior. Estava suja de lama. Porém, depois que eles a limparam, descobriram uma inscrição que tiveram dificuldade em decifrar.

Rena e a mãe foram ver a cruz alguns dias mais tarde. Estava circundada de árvores. Era primavera, e havia flores por toda a parte.

Como o local ficasse na outra extremidade da floresta, fazia-se necessário atravessar os jardins da Granja para chegar lá. Rena lembrava-se de que ficara encantada ao ver a Granja de perto, pela primeira vez. E se perguntara se algum dia teria chance de nadar no riacho que atravessava a propriedade dos condes.

Extasiara-se ao ver a cruz, e entendera por que o pai se interessara tanto pelo achado. A madeira era diferente de qualquer outra que conheciam. Rena viu a inscrição que convencera seu pai de que se tratava de uma verdadeira cruz.

Com paciência, o pastor conseguira decifrar palavra por palavra.

Todos vocês que precisarem de auxílio, o encontrarão quando orarem para mim.

- Isso foi o que me convenceu de que é na verdade uma cruz, apesar da falta da parte superior - o pastor dissera. - Acho que foi colocada lá há centenas de anos, quando a casa foi construída. Ou talvez até antes disso.

E ele dera instruções para que a cruz nunca fosse tirada do lugar, excepto se houvesse uma ordem especial do dono das terras.

E lá continuara a cruz, até o presente.

"Eu havia me esquecido dessa estranha cruz", Rena disse a si mesma. "Talvez se rezasse naquele lugar, encontraria auxílio, como outras pessoas o encontraram. Meu pedido será muito difícil de ser satisfeito, mas preciso fazer de tudo para ganhar algum dinheiro que faça com que eu não morra de fome."

Era primavera. Rena não levou casaco nem chapéu para atravessar a floresta. Quando avistou ao longe os portões da Granja, notou que estavam abertos. Haveria visitantes no local?, pensou. Não, era pouco provável.

Ela quase não se lembrava de como era a Granja. Passara por lá algumas vezes, e rapidamente.

Sabia que havia salas grandes e sumptuosas. Mas, para Rena, sala grande era qualquer recinto um pouco maior do que as pequenas salas de sua casa.

Ela notou que o jardim estava abandonado. Sendo primavera, os pássaros cantavam, de vez em quando, um coelho ou um esquilo cruzava os gramados.

Rena estava com pressa, o que não a impediu, contudo, de apreciar o frescor da relva enquanto o sol aquecia sua pele.

"Adoro o campo", dizia a si mesma. "Se tiver de morar em Londres a fim de trabalhar, terei saudades deste lugar e passarei meus dias ansiosa para voltar."

Deu um profundo suspiro, sabendo que voltar era mais ou menos um sonho, pois não haveria possibilidade de ela ganhar a vida na aldeia.

Continuou caminhando devagar, apreciando a vegetação e as flores. Logo deparou com o riacho. Foi quando viu a cruz na qual seu pai estivera tão interessado. Linda, com os ranúnculos desabrochando a seus pés.

O dourado do sol penetrando por entre a folhagem das árvores realçava a madeira escura da cruz, que parecia ainda maior do que na realidade era.

Todo o cenário tinha aspecto impressionante. E Rena achou que o pai tivera razão ao insistir que aquele seria o lugar perfeito para as pessoas levarem suas dificuldades e orar, pedindo auxílio.

- Como pode essa cruz me ajudar? - ela disse em voz alta.

Depois lembrou-se de que não era à cruz que pedia ajuda, e sim a Deus.

Teve certeza de que o pai tivera razão ao dizer:

- Qualquer que seja a prece, se vier do coração, será ouvida por Deus.

Rena ajoelhou-se na grama molhada, e rezou.

Achou que se Deus a ouvisse, com certeza a ajudaria.

De repente, ao lado dos ranúnculos, enxergou um espinheiro.

E pensou logo que, se a planta crescesse muito, cobriria a cruz.

Tirou então uma luva de jardinagem do bolso do paletó, calçou-a e decidiu arrancar a horrível planta pela raiz. Mas isso sem estragar as flores.

Ao fazê-lo notou, com espanto, que havia moedas junto à raiz.

Apanhou-as, limpou-as, e constatou que eram de ouro. Achou que sonhava. Em seguida olhou para a cavidade e viu mais moedas.

"Não deve ser verdade", dizia a si mesma. "Como puderam essas moedas vir parar aqui? Como é possível que a cruz seja sustentada por moedas?"

Eram moedas antigas e nada parecidas com as actuais.

Rena inclinou-se para pegar mais algumas.

Mas instintivamente, como se tivesse sido aconselhada pela própria cruz, concluiu que o tesouro que achara pertencia ao dono da Granja.

"Não posso roubar isso", pensou. "Seria um acto mau, pecaminoso, em especial porque tirado de lugar tão sagrado como o da cruz."

Ela limpou mais algumas moedas. Tinha certeza de que eram de ouro, do tempo da Regência, ou talvez do tempo da rainha Anna.

Seu pai era um conhecedor de moedas, um numismático na realidade, e se interessava pela transformação do dinheiro através dos tempos. Muitas vezes conversara sobre o assunto com ela.

E agora, Rena achava que aquelas moedas datavam, no mínimo, de cem anos atrás. E isso, com certeza, as tornava muito valiosas.

Foi então que se lembrou de algo. Alguém lhe dissera que um candidato à compra da Granja chegara dias atrás. Resolveu entregar-lhe o tesouro que encontrara.

Não que acreditasse na realização da compra. Muitas pessoas interessadas tinham vindo e saído, sem completar o negócio. Nenhuma delas fizera uma oferta para aquisição da velha casa.

"Só espero", Rena pensava, "que alguém decente a compre. E que gaste dinheiro reformando a igreja e, naturalmente, as casas da aldeia."

Ela soubera, pelo pai, que muitas pessoas interessadas haviam aparecido no decorrer dos anos, mas todas partiam sem mostrar o maior entusiasmo pela velha casa que permanecia até o presente fechada.

"Se houver mesmo um novo proprietário na Granja, talvez essa minha descoberta o animará a tornar o local habitável de novo. E ele ajudará os moradores da aldeia que desesperadamente precisam de emprego para sobreviver."

Com receio de que alguém mais visse o que ela acabara de achar, Rena recolocou o espinheiro no lugar. Não sem antes pegar em todas as moedas à vista.

Pelo facto de não querer pisar nos ranúnculos, o espinheiro não ficou bem enterrado como antes, o que ela achou muito bom, pois não cresceria tanto a ponto de cobrir a cruz.

Assim que terminou sua tarefa, ficou olhando para o lugar sagrado.

"Talvez minhas preces tenham sido atendidas", disse a si própria.

Depois riu de seu optimismo.

"Mas meu achado não deixa de ser animador. Se o novo proprietário for um homem generoso, quem sabe me dê ao menos uma dessas moedas que desenterrei do solo."

Logo Rena se deu conta de que, se houvesse mais, e tinha certeza de que havia, vendendo-as teria ao menos um pouco de dinheiro para ir a algum lugar procurar emprego.

Como se o pai a estivesse ouvindo, ela teve a impressão de escutar-lhe a voz dizendo que aquilo seria roubo, um acto que Deus condenava.

Roubo era algo que ele não toleraria, em particular vindo da própria filha.

"Tenho de ser honesta. E, embora seja um pouco cedo para tirar uma conclusão, o facto de eu ter achado o tesouro me faz acreditar que obtive resposta a minhas preces."

Porém logo pensou novamente que estava sendo optimista demais.

Ela atravessou a mata cerrada da floresta, e depois os jardins, tomando a direcção da Casa-Grande.

 

Como fazia muito tempo que Rena não via a Granja, esquecera-se do quanto era atraente, apesar de seu mau estado de conservação. Sem dúvida precisava de uma boa reforma.

As vidraças das janelas estavam quebradas e necessitavam de limpeza.

Tanto as janelas como os tijolos à vista eram muito velhos e muito lindos.

Ao olhar para a casa, Rena se perguntou por que motivo ela ficara tanto tempo sem ir até lá, para apreciá-la. Apesar da falta de jardineiros, os canteiros tinham um colorido impressionante devido à grande quantidade de flores das mais variadas tonalidades. A própria praga que crescia no meio dos gramados fazia parte do quadro:; não o prejudicava.

"Que casa linda", pensou. "Se não tivesse sido negligenciada por tantos anos, seria uma das mais lindas casas de toda a Inglaterra."

Havia uma boa distância a ser percorrida da velha ponte à entrada principal da casa. Um pouco além corria um riacho pelo jardim, que terminava num grande lago.

Várias vezes Rena pensara em nadar naquele lago. Mas como existia outro lago bem mais perto de sua casa, ela sempre evitara andar até lá.

Entre o lago e os jardins da Granja havia uma pequena floresta onde a mãe a levara muitas vezes quando ela era bem pequena. E lhe dissera que as fadas dançavam ali.

Após a morte da mãe, Rena não mais voltara ao local, achando que sofreria ao passear por lá sozinha. E também não desejava encontrar pessoas da aldeia num lugar que sempre considerava só seu e da mãe.

Não que fosse difícil evitar esses encontros. Poderia ter ido no fim da tarde, quando todos já tivessem voltado do trabalho e estivessem recolhidos em seus chalés.

Além do mais, os aldeões não pareciam interessados na Granja, pela simples razão de que não havia trabalho para ninguém lá, um trabalho que lhes garantisse meios de sobrevivência.

Por ser primavera, havia flores por toda a parte, sendo a maior parte delas margaridas e ranúnculos. Mas o ar estava perfumado com o aroma de lilases e madressilvas.

Desde menina sempre lhe havia dito que a Granja era mal-assombrada. Os mais velhos da aldeia insistiam que ouviam vozes estranhas quando visitavam o lugar. Quem sabe essa fora a razão que conservara tanto os adultos quanto as crianças afastadas do local.

E Rena lamentava agora ter sido tão idiota a ponto de não haver usufruído a beleza do que via agora.

"Talvez o novo dono faça com que a Granja volte à magnificência do passado", ela pensou.

Não seria muito difícil. Era só observar a casa para ver como fora negligenciada, e se convencer de como poderia facilmente voltar a ser linda de novo.

"Talvez um dia ruirá por terra, e tudo ficará perdido se não houver interesse de alguém para restaurá-la".

Mas seria um crime se isso acontecesse, porque casas como aquelas faziam parte da história da Inglaterra.

Rena notou que a porta da frente estava aberta. Tinha certeza de que não havia empregados na casa, de contrário teria ouvido alguma coisa.

Espiou o interior. Não tocou a campainha; não havia empregados lá, quem atenderia à porta?

Corriam boatos na aldeia de que alguém tinha chegado para ver a Granja, mas não se sabia se esse visitante viera sozinho ou com a família. Porém de uma coisa Rena estava segura; se o homem tivesse contratado empregados, ela saberia.

Por não ouvir ruído algum, entrou. Como o exterior da casa, o interior também precisava de mais cuidados. Uma espessa camada de poeira cobria as escadas e o assoalho de madeira das salas. Os tapetes estavam cinzentos de tanto pó, como também os móveis.

Rena pensou logo na mãe que gostava tanto de móveis antigos. Ela ficaria horrorizada ao ver o estado em que se encontravam móveis tão preciosos. Pareciam ser peças francesas.

O silêncio era absoluto. Com certeza o novo candidato à compra, do qual se falava na aldeia, havia desistido do negócio, horrorizado com a má conservação do lugar.

Por outro lado, se ele ainda continuasse lá, estaria na cozinha preparando o café da manhã, pois sem dúvida passara a noite na casa, ou viajando.

No instante em que chegou a essa conclusão, Rena ouviu um ruído na sala de jantar. Teve um segundo de hesitação. Mas sua curiosidade venceu. Em vez de sair e tocar a campainha da porta da frente, foi até a sala de jantar.

Era exactamente como seu pai descrevera. Ele estivera lá havia oito anos, acompanhando uma pessoa que chegara de Londres para inspeccionar a Granja. E seu pai soubera mais tarde que a idéia era reformar a casa e transformá-la numa espécie de hotel de fim de semana, para hóspedes que desejassem escapar das cidades grandes.

Seria um lugar de repouso também, onde viajantes poderiam passar uns dias e gastar algum dinheiro antes de voltar a suas casas.

Mas nada fora feito porque a pessoa encarregada de inspeccionar o local chegara à conclusão de que seria impossível transformá-lo numa estância para férias. Ele declarara não haver nada na aldeia que prendesse a atenção das pessoas residentes em outras partes do país. Ou, pior ainda, de pessoas provenientes do exterior, que considerariam o lugar um dos menos atraentes da Inglaterra.

Rena lembrava-se agora de que o pai não discutira com o homem, apenas o ouvira. E dera graças ao bom Deus pelo facto de não se fazer da Granja um hotel de divertimentos, o que acabaria com a paz da aldeia.

Agora, já na sala de jantar, recordava-se do que o pai dissera a ela assim que se despedira do inspector:

- Talvez eu esteja errado, mas fico contente por não se transformar isto num lugar de divertimento para os que têm medo da quietude e da paz do campo. É um local valioso para nós, e esperamos que pessoas daquela espécie não nos incomodem.

O pastor falara mais consigo mesmo do que com a filha. E agora Rena lembrava-se de que ele ficara radiante ao saber que a Granja continuaria exactamente como sempre fora, e que ninguém aviltaria a casa e as redondezas.

- A Granja pode estar cheia de pó, pode necessitar de reparos - ele dissera à filha -, mas é parte de nossa aldeia, e não a dividiremos com ninguém mais. E, sem dúvida, não com um idiota como o homem que veio de Londres.

E naquele instante o escárnio da voz dele pareceu soar de novo aos ouvidos de Rena.

"Meu pai gostava das coisas como estavam", ela reflectiu.

Contudo, não podia deixar de admitir que agora pareciam bem piores. A mesa precisava de polimento e o consolo da lareira tinha uma camada grossa de pó.

Rena ouviu um ruído de novo. Imaginou que talvez fosse o tal comprador.

Curiosa, foi à cozinha. Para sua enorme surpresa, viu um homem lidando para acender o fogo a lenha.

Consciente da presença dela, o homem disse:

- Talvez você possa fazer com que este maldito fogão acenda! Estou ansioso para tomar o café da manhã, e a lenha teima em não pegar fogo.

- Deixe-me tentar - Rena insistiu, sorrindo. - Esses fogões velhos são problemáticos, às vezes.

Quando o homem virou-se, Rena viu que era jovem e muito atraente.

- Se você conseguir acender esse fogo, poderei tomar meu café da manhã. Estou morrendo de fome. Já comi quase tudo o que trouxe comigo. Acho que esta horrível cozinha é tão sem recursos como o resto da casa.

- Se for o novo dono, sinto muito que tenha essa opinião. - Rena sorriu. - Mas um dia foi uma das mais lindas casas da Inglaterra.

- Acho que precisamos nos apresentar. Mas, antes disso, eu ficaria muito grato por qualquer auxílio que você pudesse me proporcionar.

- Preciso agora de um pedaço de papel. Pode encontrar em uma das gavetas da mesa. Depois, com gravetos e fósforos, acenderei o fogo.

- Suponho que eu deveria saber fazer isso - o rapaz falou. - Mas, francamente, não estou acostumado a cozinhar para mim.

- Então vá arranjar o que lhe pedi. E prometo que não ficará faminto por muito tempo ainda.

Em minutos, Rena acendeu o fogo. Pôs água para ferver numa velha panela e colocou dois ovos que o rapaz trouxera consigo.

Enquanto esperava, ele sentou-se na beirada da enorme mesa que enchia quase toda a área da cozinha.

Rena não prestava muita atenção nele, mas concentrava-se na refeição que preparava.

O homem trouxera numa cesta meio filão de pão e um bom pedaço de manteiga. Prontos os ovos, Rena colocou tudo em pratos que encontrou num armário.

Mandou que ele os levasse à sala de jantar enquanto tentaria encontrar café ou chá em qualquer lugar da cozinha.

- O que você prefere? - ela perguntou.

- Ficarei grato por qualquer coisa que me der - o homem respondeu. - Eu deveria convidá-la para comer comigo. Mas estou com tanta fome que minha vontade é devorar tudo o que está sobre a mesa.

- Não estou com fome - Rena explicou. - Comi antes de sair de casa.

Isso não era verdade, pois comera apenas pedaços de presunto que sobraram do jantar da noite anterior; e foi comendo enquanto atravessava a floresta.

Agora ali, ao lado do desconhecido, achava estranho ele não ter curiosidade em saber a razão de sua presença na casa.

Ela enfim encontrou o café que procurava, em um dos armários; mas só esperava que não tivesse gosto de mofo. Pelos vistos, pareceu que não, pois o homem tomou-o com evidente prazer, e disse:

- Acho que você não é real e sim uma fada que apareceu aqui para me salvar. Eu estava morrendo de fome.

- Apenas sinto que a maioria da louça boa tenha sido roubada. Sempre achei um erro deixar esta linda casa desabitada. Apesar de bem fechada, há pessoas que sempre arranjam um meio de entrar para roubar.

- Acho que devo ser muito grato por não terem levado os quadros e peças do mobiliário - o homem declarou.

- Então é o novo dono! - exclamou Rena. - Achei, mas me ensinaram que era rude fazer perguntas desse tipo.

O homem riu muito.

- à fada que me alimentou e me deu de beber, coisa que eu não conseguiria Ter sem o auxílio dela, posso apenas dizer que me considero muito feliz por a ter encontrado.

Rena sorriu e disse:

- Foi puro acaso. Passei perto algumas vezes mas não cheguei até aqui por saber que a casa estava vazia. Agora, espero que o novo proprietário se anime ao ver tudo o que pode ser feito.

- É o que espera que eu faça?

- É o novo proprietário? - Rena indagou, surpresa. - Sussurrava-se na aldeia que você... que o senhor havia chegado, mas eu não tinha muita certeza. Trouxe algo para lhe mostrar. Uma agradável surpresa, penso, depois das dificuldades que o senhor teve com a cozinha.

- Acertou - o homem concordou. - Sou o novo proprietário e confesso que, mesmo antes de ter chegado aqui, sabia que minha herança não haveria de ser alguma coisa para se receber de braços abertos. Trata-se de uma casa grande demais e dispendiosa, para se usar como moradia.

- Mesmo? - Rena suspirou. - Muitas vezes pensei que seria interessante ver esta casa criar vida de novo e não mais deixada como está agora, gradualmente caindo em ruínas até que não sobre nada dela, e nem dos lindos jardins.

- Acho que o que você diz é verdade, mas há um grande empecilho intransponível.

- E qual é esse empecilho, posso saber?

- Vou resumir em uma palavra apenas. Dinheiro! Dinheiro para tornar a casa habitável. Dinheiro para contratar jardineiros, fazendeiros, arrendatários, empregados e, naturalmente, dinheiro para comprar cavalos que encham minhas estrebarias.

- Isso seria maravilhoso! - Rena gritou. - Sempre quis cavalgar pelos campos, mas como meu pai recebia muito pouco da igreja, nunca tivemos condições de comprar um cavalo.

O jovem homem riu e fitou-a atentamente.

- Está por acaso me dizendo que seu pai era o antigo pastor?

- Era. Meu pai, o reverendo Colwell, morreu há um mês mais ou menos. E meu nome é Rena Colwell. Ele trabalhou como pastor da aldeia e conhecia esta casa havia mais de vinte anos. Agora, quando o bispo mandar para cá outro ministro da igreja, eu terei de ir embora.

- Se eu tivesse condições financeiras, convidaria você para me ajudar a restaurar a casa a fim de torná-la outra vez linda como foi no passado.

- E eu adoraria ajudá-lo. Mas o senhor fala como se considerasse impossível viver aqui.

- E é. Estive viajando a serviço da Marina de Sua Majestade, e não tinha idéia de como seria minha vida no futuro até o instante em que, voltando à Inglaterra, soube, para meu espanto, que eu era o descendente directo do último conde que herdou isto há trinta ou quarenta anos atrás, penso.

- Acho que há mais tempo ainda - Rena corrigiu-o. - Mas que maravilha para o senhor, ter herdado esta casa!

- De início achei que se tratava de um conto de fadas. Mas logo constatei que minha herança, além do título, era simplesmente nada, com excepção da casa e dos arredores.

- Quer dizer que o senhor não tem parentes?

- Só alguns, muito velhos, que com certeza sabem tanto quanto eu sabia até então. Nada!

- E o que pretende fazer?

- Francamente, não sei. Quando soube que esta casa vinha com o título, fiquei exultante por ter um lugar onde morar, e terras. Mas agora que vi tudo, desapontei.

Pelo modo de falar Rena pôde perceber que o pobre homem estava de facto desapontado com o que encontrara.

- O senhor tem chance de vender parte das terras, pelo menos. Não digo a totalidade mas parte - Rena sugeriu.

- Foi o que pensei, mas tudo se encontra em tão mau estado que não sei se conseguiria comprador. Isso se pudesse mesmo vender, o que sei que não será possível. Meus bens devem passar para o próximo conde, embora considerando-se o facto de que os vários condes que vieram antes de mim jamais tenham se preocupado com isto. O último conde, que morreu com a idade de noventa anos, nunca morou aqui. Preferiu viver no norte da Inglaterra onde dois de seus antepassados haviam vivido antes. - O conde sorriu ao acrescentar: - Nenhum dos condes da família quis morar aqui, por isso as terras e a casa ficaram no estado em que estão.

- Com certeza o senhor poderá remediar o mal - Rena declarou.

O conde sorriu sarcasticamente e replicou:

- Não tenho dinheiro. O que economizei de meu salário de marinheiro foi pouco. Não ganhava muito. Para deixar esta casa habitável serão necessários milhares de libras. O pior de tudo é que, conforme já lhe disse, não posso vender nada, porque a propriedade deverá passar para o próximo conde da família, que pode ser ou não meu filho. Mas, com toda a certeza, não será meu filho, pois não tenho condições financeiras que permitam que me case. - Houve um momento de silêncio antes que ele dissesse: - Portanto, se eu não tiver um filho, a casa continuará em ruínas, como esteve nos últimos cem anos.

Foi então que Rena resolveu falar sobre sua descoberta.

- Vim aqui para lhe dizer que encontrei algo em sua propriedade que desejo lhe entregar.

Enquanto falava ela tirou do bolso três das moedas que encontrara junto ao espinheiro. E as pôs sobre a mesa. O sol, que entrava pela janela, as fez brilhar.

O conde ficou estático.

- São moedas antigas - disse. - Muito antigas! Eu diria que datam de cem anos ou mais. Onde as encontrou.

- Na raiz de um espinheiro. E as trouxe para entregar ao verdadeiro dono, o senhor.

- Não pensou em guardá-las para si?

- Como já lhe disse, meu pai era pastor da igreja. E uma das coisas que me ensinou foi não roubar, ou melhor, não me apoderar de coisas que não me pertencem.

- Foi muita bondade sua trazer essas moedas valiosas para mim - o conde disse. - Mas, como pode imaginar, para restaurar esta casa precisarei de muito mais que isso. Digamos, de milhares dessas moedas.

- Há muitas outras no lugar. Por esse motivo vim aqui depressa a fim de lhe contar sobre meu achado. O senhor deve ir ao local antes que alguém descubra o tesouro.

O conde encarou-a, intrigado.

- Sim - Rena explicou. - Há um espinheiro crescendo ao pé da cruz, prejudicando a beleza do cenário, com as anémonas rodeando o lenho sagrado.

- Mal posso acreditar no que me diz - o jovem conde falou, pondo a mão na testa. - Está tentando me fazer imaginar que talvez haja mais moedas iguais a estas no mesmo lugar?

- É o que espero - Rena declarou. - E isso resolveria seu problema.

- Quer me levar a esse lugar? - o conde pediu. - Como pode imaginar, quero saber logo se há mais desse tesouro aguardando ser descoberto.

- É o que espero. Tenho impressão de que as moedas foram colocadas por uma pessoa grata, pela razão de suas preces terem sido atendidas.

- Por isso você foi rezar aos pés da cruz? - o conde perguntou.

- Foi. Como o senhor, estou sem dinheiro. Meu pai morreu e preciso encontrar um meio de subsistência..

- Que tal irmos lá juntos, agora mesmo? - sugeriu o conde. - Se a cruz está em minhas terras, podemos verificar se há mais moedas lá.

- É o que eu esperava que o senhor dissesse, pelo simples motivo de que muitas pessoas visitem o local e podem descobrir as moedas caso haja mais, o que acredito que sim.

- Muito bem. Vamos agora.

- Mas iremos por um caminho mais discreto - sugeriu Rena. - Se as pessoas da aldeia o virem indo para perto da cruz, no próprio dia de sua chegada, acharão estranho.

- Antes de tudo diga-me uma coisa. Por que essa cruz está em minhas terras e não foi levada ao cemitério? Ou à igreja?

- Porque meu pai decidiu que fosse deixada lá, onde fora encontrada. Embora falte a parte de cima, meu pai achou que se tratava de uma cruz, por causa da inscrição. De quando em quando as pessoas da aldeia vão lá para pedir favores.

O conde levantou-se imediatamente e Rena conduziu-o ao local, porém seguido por um atalho atrás da Granja, pouco usado pelos caminhantes. Tiveram de atravessar o riacho através de uma ponte rústica de madeira, construída pelos trabalhadores nas terras de Sua Senhoria.

E chegaram ao lugar da cruz, que se erguia majestosa entre as árvores, e que estava rodeada de flores.

Rena ajoelhou-se e rezou, agradecendo a Deus por ter encontrado o dinheiro e também o homem, a quem o dinheiro pertencia.

E pediu que o achado ajudasse não apenas o conde, mas outras pessoas também, incluindo-a.

Enquanto rezava de olhos fechados, o conde permaneceu ao lado dela observando a cruz. Mas, no instante em que Rena abriu os olhos, viu-o andando na direcção da cruz, pisando inevitavelmente nas flores. O conde puxou o espinheiro que por sinal agora estava muito mais fácil de ser removido. Em seguida começou a enterrar as mãos no solo úmido para ver se encontrava alguma coisa.

Rena ficou preocupada. E se não houvesse mais nada? A ida até o local da cruz teria sido em vão? Ela rezou, pedindo a Deus que os ajudasse.

De súbito, o conde deu um grito de alegria. Rena arregalou os olhos. Ele tinha nas mãos um punhado de moedas de ouro, sujas de terra. Parecia um sonho.

- Suas orações foram atendidas, e tenho certeza de que há muito mais embaixo desta terra - ele afirmou.

- Será verdade o que está acontecendo? Será mesmo verdade?

- É verdade. Veja! - O conde estendeu a mão cheia de moedas de Ouro. - O que temos a fazer agora é voltar já para a Granja. Ninguém do lugar pode saber o que encontramos aqui. Mais tarde trarei pessoas peritas no assunto, que poderão remover todas as moedas sem danificá-las.

Assim dizendo, ele colocou o espinheiro no lugar, passou o braço em volta da cintura de Rena, e ambos voltaram para casa. Seguiram pelo mesmo caminho da ida, entre as árvores e atravessando a velha ponte de madeira que os levou para o outro lado.

Quase em casa, o conde disse:

- Não sei como lhe agradecer. Você me salvou, ao menos por agora. O que eu sentia ao chegar aqui era só desespero, devido ao estado em que encontrei a casa e o que havia dentro dela. De qualquer forma, tudo me parece um conto de fadas. Estou encantado com sua descoberta, Rena. Sinto-me bem longe do estado de angústia em que me viu ao chegar aqui.

- O senhor acha mesmo que haverá junto à cruz dinheiro suficiente para a reforma da Granja, e para deixá-la como foi no passado? - Rena perguntou, muito emocionada.

- Não posso acreditar que nossa sorte seja assim tão grande. Mas, qualquer quantia em dinheiro, neste momento, será de incrível ajuda para mim. Isso me dará chance de planear sobre meu futuro. E a você, mais uma vez muito obrigado.

- Agradeça a meu pai. Foi ele quem guiou meus passos até lá. E Deus permitiu que tudo isso acontecesse.

- É emocionante demais para ser verdade! - o conde exclamou. - Só quero que me prometa não revelar a ninguém nossa descoberta.

- É claro que não contarei nada a pessoa alguma - Rena prometeu. - Essas moedas são suas, como também todas as que estiverem escondidas sob a terra. Seria terrível alguém vir a saber, e começasse a escavacar por toda a parte, na esperança de encontrar algo.

- Tem razão - concordou o conde. - Mas agora é melhor que você volte para casa. Sua família ficará apreensiva com seu atraso, sem saber o que houve.

- Todos de minha família morreram. Aliás, fui à cruz para pedir auxílio, pois preciso arranjar um emprego para viver.

- Se tivermos sorte - o conde comentou -, você não terá necessidade de trabalho, a menos que seja um trabalho muito interessante.

Rena sorriu e disse:

- Agora o senhor está esperando demais. Não vamos exagerar. Se encontrar mais algumas moedas que lhe permitam viver com conforto, na Granja ou em algum lugar modesto, já será óptimo. Não acha?

Houve uns minutos de silêncio. Em seguida, o conde perguntou:

- O que você pretende fazer?

- Eu me sentirei muito feliz se minhas preces forem atendidas. E, se o senhor tiver paciência comigo e me abrigar por alguns dias, posso ao menos ter tempo para pensar no que fazer na hora em que precisar sair da Casa Paroquial. Isso acontecerá quando o bispo designar outro pastor para a aldeia.

Silêncio de novo.

Mas, ao chegarem mais perto da Granja, o conde sugeriu:

- Nesse meio tempo, se você estiver mesmo querendo um emprego, deixe-me oferecer-lhe um. Preciso de governanta, e quero uma, se eu puder pagar, que transforme a Granja num lugar habitável.

Rena deu um grito de alegria.

- Eu rezarei para que esse sonho se realize. Pode levar um século, mas se pudermos fazer com que a Granja volte a ser o que era, se pudermos ajudar outras pessoas como fomos ajudados, então acho que meu pai estava absolutamente certo ao me inspirar para eu ir orar aos pés da cruz. E absolutamente certo em não ter deixado que a cruz fosse levada para outro lugar. - Depois de uma pausa, ela acrescentou: - Oh, espero muito que meu pai esteja vendo o tesouro que nós encontramos.

A última frase saiu de seus lábios com grande espontaneidade.

Mais uma vez, silêncio.

Depois, o conde disse:

- Espero muito que seu desejo, ou prece, como queira chamá-lo, se transforme em realidade.

 

Quando chegaram à Granja, encontraram a porta conforme a haviam deixado, destrancada. O conde abriu-a e Rena disse:

- Se vou ser sua governanta, e é algo que adoro ser, a primeira coisa a fazer é lhe preparar o almoço. O senhor trouxe algum mantimento?

O conde riu e disse:

- Antes de tudo, Rena, não me chame de senhor. Ok? Chame-me de você, como fez quando nos conhecemos, e antes de saber que eu era conde. Quanto aos mantimentos, está querendo demais de mim. Pensei no café da manhã, mas não no almoço.

- Muito bem. Nesse caso, me dê algum dinheiro e eu irei à aldeia comprar qualquer coisa. Não garanto que possa fazer um banquete, mas prepararei uma refeição simples.

- E eu serei grato pelo que você preparar. - Ele pôs a mão no bolso e tirou algumas libras. - Isso chega?

- Oh, é mais do que suficiente. Comprarei também coisas para o jantar. Como governanta, não posso permitir que o senhor... que você passe fome.

- Espero que não se assuste ao constatar que meu estômago é maior do que eu, quando deixou a Marinha. Aqui fora, não temos a mesma fartura. Porque também não temos dinheiro.

- Nunca duvidei sobre a alimentação no navio - Rena comentou. - Sempre achei que a Marinha era bem gerenciada, bem melhor do que muitas casas.

- Tem razão. Agora, olhando para trás, reconheço que a comida era excelente, o navio limpo. Tudo brilhava, o que infelizmente não posso dizer de minha casa!

- Talvez possa dizer mais cedo do que espera. Mas insisto que não seja impaciente.

- Ao entrarmos, notei que havia correspondência perto da porta. Deve ter caído da caixa de cartas para dentro.

- O carteiro com certeza passou enquanto estávamos fora. Tocou a campainha e, quando viu que não havia ninguém em casa, teve o bom senso de deixar as cartas na caixa.

O conde apanhou-as e exclamou:

- Penso não ser necessário dizer que o primeiro envelope que peguei é uma conta! Como não se trata de nada agradável, vou antes almoçar para depois ler.

Rena riu muito.

O conde abriu a Segunda carta e, pela expressão do rosto dele, Rena achou que devia se tratar de algo confidencial. E foi para a cozinha.

Olhou por toda a parte a fim de ver se havia qualquer coisa para comer. Não viu quase nada, mas achou que encontraria verduras na horta. Sabia que algumas cresciam, apesar da falta de cultivo.

"Vou precisar de todo o dinheiro que ele me deu", pensou. "Providenciarei coisas para o jantar e para o café da manhã".

E achou que quanto mais depressa andasse com seu trabalho, melhor. Havia muito a ser feito naquela cozinha suja, cheia de pó.

"Posso ser a governanta. Mas, pensando bem, para tomar conta da casa toda, preciso de ajuda. E isso não se consegue sem dinheiro."

Porém, apesar de todos os problemas, seu coração sorria de alegria só em pensar no que tinham encontrado aos pés da cruz. E sabia que com isso conseguiria alimentar o conde até que ele decidisse sobre o que fazer da vida.

Rena saiu pela porta dos fundos. O conde não a viu sair. Havia apenas uma mercearia na aldeia e o dono estava sempre se queixando que os habitantes locais viviam à sua custa.

- Se cobrasse dele o preço justo - o merceeiro dissera muitas vezes ao pastor -, poderia viver muito melhor. Mas como deixá-los que morram de fome, o que acontecerá se tiverem de pagar o valor real da mercadoria?

- Somos muito gratos a você - Rena ouvira o pai dizer com frequência. - Tenho esperança que alguns encontrarão trabalho e lhe pagarão o que devem.

- Esse dia jamais chegará, reverendo.

Mas esse mercieiro nunca abandonara a aldeia, pelo que o pastor era muito grato, pois fornecera aos aldeões, especialmente às crianças, alimento suficiente para mantê-los vivos.

Muitos habitantes locais trabalhavam em aldeias vizinhas. Isso acontecia na primavera e no verão. Mas no inverno era quase impossível achar trabalho.

Rena esperava que agora, após haverem descoberto bastante dinheiro debaixo da cruz, o conde empregasse grande número de pessoas. Ela já tentava seleccionar famílias nas quais pudesse confiar, para recomendar ao patrão.

"Oh, por favor, meu Deus", rezava, enquanto ia para a aldeia, Permita que haja muitas moedas ainda lá. Fico tão deprimida ao constatar que as crianças são os seres que mais sofrem."

Rena sempre amara crianças. Lembrava-se, quando tinha apenas três anos de idade, de ter dividido os presentes de Natal com elas. Como ficaram contentes ao ganhar um ursinho ou biscoitos, coisas que suas famílias jamais poderiam comprar.

"Se houver suficiente dinheiro, esta aldeia será a mais feliz do país."

Logo se deu conta de que não devia contar com tanto dinheiro, assim tão depressa. Era verdade que descobrira um presente caído do céu. E agora só podia rezar para que o dinheiro encontrado durasse bastante.

Chegou à mercearia e encontrou-a bem provida. O dono havia estado na cidade na véspera, para compras. Havia víveres de todos os tipos. E ela escolheu grande quantidade deles. Não apenas para um dia, mas para dois ou mais dias. Sempre, contudo, procurando não gastar muito.

- Não vai comer tudo isso, vai? - o merceeiro lhe perguntou, enquanto Rena separava o que desejava.

- Não - ela respondeu. - É para o novo proprietário da Granja que acabou de chegar. Acho que todos daqui vão ter um bom patrão no futuro.

- Ouvi dizer que alguém havia chegado - o homem disse, fitando-a com surpresa. - Mas não sabia que era o dono da Granja.

- Correu boato de que não existiam mais descendentes - Rena comentou -, mas todos estavam errados. Como ele era marinheiro, não se encontrava no país, e apenas agora foi localizado.

- Boas notícias - disse o homem. - Naturalmente, se ele abrir a Granja, terá de arrumar muitas coisas, e isso é bom para todos nós.

- É o que o conde espera fazer. Mas marinheiros nunca têm muito dinheiro, raramente ficam ricos.

- É verdade - comentou o homem. - Porém ele sempre pode transformar a Granja num hotel. É suficientemente grande para isso.

- Tenho certeza de que Sua Senhoria não pensou em tal hipótese. Contudo, vou lhe falar sobre essa sua sugestão. Porém, antes de tudo, a casa precisa ser restaurada e os jardins reformados. E isso leva tempo e custa dinheiro.

- De facto - o homem concordou com um aceno de cabeça. - Durante anos ninguém morou lá e, se quiser saber, muitas pessoas têm medo que o tecto desabe sobre elas ou sobre os fantasmas. Sem dúvida há fantasmas que se arrastam pela casa assim que o sol se põe.

- Agora você está me assustando - Rena protestou, porém rindo muito. - Não apenas a mim como a Sua Senhoria. Prometi a ele cuidar da casa. Mas, depois de sua afirmação, vou ter medo que os fantasmas comam as deliciosas coisas que eu fizer, antes que Sua Senhoria tenha chance de prová-las.

- Contanto que ele pague as contas..., tudo bem. Diga a Sua Senhoria que há muito mais aqui. Com ou sem fantasmas, um homem precisa comer, morando em casa grande ou pequena.

- O que é absolutamente certo - Rena concordou.

Antes de sair ela pegou mais um pedaço de carne e pagou a compra. Ficou só com alguns shillings na bolsa. Mas sabia que o conde lhe daria mais dinheiro para as compras do dia seguinte, caso fosse necessário.

Rena entrou pela porta dos fundos, certa de que o conde nem a vira sair. Mas, tão logo colocou as compras sobre a mesa da cozinha, ele apareceu, comunicando.

- Foi bom você chegar logo. Teremos visitas esta tarde. Penso que ficarão só para o chá, mas é possível que passem a noite aqui.

- Você não devia permitir isso! - Rena exclamou. - Ainda não tivemos tempo de inspeccionar os quartos. E, se estiverem como as salas aqui embaixo, será impossível hospedar qualquer pessoa.

Como o conde não respondesse, Rena preocupou-se. Teria ficado ofendido? Mas logo ele disse:

- Preciso ser honesto e dizer a você que o homem que vem aqui é extremamente rico. Conheci-o na Índia. E quando ele soube, penso que através dos jornais, que eu herdara um título, começou a me ver com outros olhos. Está ansioso para conhecer a residência de meus ancestrais.

- E vai ficar bem desapontado, se espera encontrar luxo, como é de se supor - observou ela.

- É o que eu penso também - o conde assentiu. - Contudo, pelo modo como falou comigo na última vez em que nos vimos, suspeito que tentava descobrir um meio de nos encontrarmos de novo. Talvez já soubesse da herança. O homem me procura por uma razão, uma única razão.

- E qual é essa razão tão especial para achá-lo? - indagou Rena, curiosa. - Se quer ver uma mansão ancestral, vai ficar muito desapontado com a Granja, até que tenhamos tempo de limpar tudo.

- Sim, eu sei, mas você se esquece, Rena, de que agora tenho um título e de que sou muito diferente, na opinião dele, do marinheiro pobre que convidou para um baile que ofereceu em homenagem à filha. O que esse homem verdadeiramente quer, e tenho certeza de que é o que vai me dizer quando chegar aqui, é que me case com essa filha.

- E por que deverá você se casar com uma mulher, a menos que se apaixone por ela?

- A menina é feia e sem graça. Mas é sua única filha. E ele não tem filho homem para lhe herdar a fortuna. Eu soube, na América, que é um dos novos milionários do petróleo. Ele fez fortuna da noite para o dia.

- Quer dizer que é capaz de querer reformar a Granja e lhe dar dinheiro para que você possa morar aqui, na esperança de ser seu sogro?

- Exactamente! - exclamou o conde. - E é algo que não tenho intenção de aceitar. Se um dia eu me casar, Rena, será por amor. E seremos felizes, eu e minha mulher, mesmo sem dinheiro.

Rena bateu palmas e concordou:

- É o que você deve fazer, é o que meu pai aconselharia. Mas, pensando bem, será difícil não aceitar a proposta, se o homem lhe prometer restaurar a Granja fazendo-a tão magnífica como no passado. Suponha que ele lhe ofereça dinheiro suficiente para você comprar cavalos, cachorros de caça, dando-lhe a oportunidade de ser um verdadeiro gentleman. Vai aceitar?

O conde não respondeu. Foi até a janela e ficou olhando para o jardim, agora em estado deplorável.

Colocando nos armários os mantimentos que trouxe da aldeia, Rena disse mais:

- Acho que se a moça te amar, com o tempo você acabará amando-a também.

Rena quis acrescentar: e amando o dinheiro dela. Mas achou que seria um comentário grosseiro demais.

Ao voltar da janela, ele respondeu de maneira categórica, sem hesitação:

- Não me venderei, como diz a Bíblia, por um quilo de carne. Embora eu saiba que, nesse caso, serão quilos e mais quilos de carne. Prefiro morrer de fome a me ver casado com uma mulher que não amo, e ser subserviente a um homem com o qual não tenho nada em comum a não ser o facto de nós dois acharmos que o dinheiro é essencial à vida.

- É claro que tem razão. Papai concordaria com isso, palavra por palavra. Só podemos pedir a Deus para permitir que haja sob a cruz quantia suficiente para você viver com conforto, mesmo que seja num único quarto, deixando o resto da casa como está.

Houve uns minutos de silêncio antes de ele responder:

- Não vou me vender por causa de uma casa que está caindo aos pedaços, ou de um jardim que não tem quase nada além de ervas daninhas.

- Mas você tem de viver - insistiu Rena. - E não é fácil,. Hoje em dia, viver sem dinheiro.

- É verdade - o conde concordou. - Mas espero que você tenha encontrado, para mim, dinheiro suficiente que me permita viver aqui, mesmo com o tecto caindo, e o assoalho quebrando sob nossos pés.

- É sua intenção ficar na Granja?

- Não tenho outro lugar para morar, no momento. Meus pais morreram. Possuo alguns parentes no norte da Inglaterra, pessoas que não vejo há anos. - Havia desespero na voz dele ao prosseguir: - Actualmente, não tenho mais um navio esperando por mim. Ao menos aqui há um tecto sobre minha cabeça e uma governanta que vai me servir um almoço.

Ele falava assim com a intenção de fazer Rena rir. Mas, ao invés, ela disse:

- Tudo o que você falou soa muito como uma aventura. No entanto, precisa se lembrar de que esta casa está ficando mais velha ano após ano, e muito delapidada. O pessoal da aldeia predizia que o tecto iria ruir no último Natal, quando tivemos muita neve. Por um milagre, isso não aconteceu. Porém duvido que resista mais um inverno.

- Sei perfeitamente o que você quer dizer. Contudo, considero-me muito feliz por ter herdado esta propriedade depois que todo o mundo acreditava não haver mais condes em meu condado. E feliz também por ter encontrado vocês e moedas escondidas na velha cruz. Acredito que, no futuro, haverá mais surpresas esperando por nós.

- Vamos agora às coisas práticas - sugeriu Rena. - Você espera duas pessoas esta tarde. Posso providenciar o chá, mas quero que me ajude a limpar os quartos, embora duvide que seus hóspedes queiram passar a noite aqui.

- Então que voltem para o lugar de onde vieram - o conde protestou rispidamente. - De qualquer forma, tenho certeza de que a razão da visita de meu amigo é me prometer a restauração da casa, fazendo-a recuperar o esplendor do passado. Com a condição, claro, de eu partilhar todo o luxo com a filha dele, como minha esposa.

Rena começou a preparar o almoço. Observando-a, o conde notou como suas mãos eram alvas contra a madeira escura da mesa da cozinha. Um raio de sol fazia com que seus cabelos parecessem fios de ouro.

- Enquanto você me ajudar, sei que não sofrerei fome - ele disse. - Se minha visita desapontar quanto à sua posição nesta casa, isso tornará mais fácil para mim lhe dizer que não desejo casar com a filha dele.

- Acha que a jovem quer se casar com você? - Rena perguntou.

- Tenho a impressão de que ela pensa que um título de nobreza seja a melhor coisa que o dinheiro poderá lhe comprar. O pai tem muito orgulho de ser milionário, e acredita que possa ter tudo o que deseja. Ele acha que o dinheiro compra todas as coisas no mundo.

- Imagino que haja muitas pessoas que pensam como ele. Meu pai sempre dizia que, apesar de sermos pobres, podemos apreciar as belezas da vida.

- Tais como, por exemplo?

Com um sorriso, Rena respondeu:

- O sol, a lua, as estrelas. Além disso, há muitas outras coisas que nos fazem felizes, e que não são obtidas através do dinheiro.

O conde fitou-a atentamente, e depois riu.

- É algo que espero que me diga. Que outras coisas? Estou pensando que você não é real, mas parte da árvore mágica que apontou para mim na floresta. Os raios do sol, coisa que talvez ignore, estão deixando seus cabelos da cor de ouro.

- Um ouro que, infelizmente, você não pode usar como usará as moedas - ela comentou, sorrindo. - Quanto ao casamento, espero que não se precipite por enquanto. Algo pode acontecer no futuro e, casando-se agora por conveniência, talvez prejudique sua boa sorte.

- Garanto-lhe que não desejo me casar com ninguém. E, acima de tudo, não com uma mulher que está sendo vendida pelo pai.

- Tenho pena dela! Quem sabe a moça nem tenha idéia de como o pai é ambicioso.

- Você vai ter chance de julgar os factos por si mesma - o conde respondeu. - Como não tenho condições de impedir essa visita, os dois estarão aqui na hora do chá. Acho que vão querer passar a noite, pois a distância entre a Granja e Londres é grande. Meu amigo milionário dará como desculpa para isso o cansaço dos animais e o perigo de viajar à noite.

- mas eles não podem pernoitar aqui! - exclamou Rena. - Os quartos devem estar em terrível estado; não podem ser usados enquanto não se fizer uma boa limpeza.

- Ontem eu dormi num deles. Mas estava tão cansado que teria dormido até numa estrebaria. Agora, quando penso, reconheço que estava cheio de pó. A cama não era má, mas havia apenas água fria nas torneiras. Meus hóspedes acharão o lugar muito sem graça e conforto, tenho a certeza.

- Sem dúvida. Portanto, se você tiver bom senso, mande-os de volta para Londres na primeira oportunidade.

- Ele é o tipo de homem que, quando põe uma idéia na cabeça, não desiste facilmente. Por isso ficou milionário. Tenho até medo de acabar entrando na igreja de braço dado com Matilde, sem me dar conta do que estou fazendo. - Após uma pausa, ele acrescentou: - E se eu disser que você é minha mulher? Que acha?

Passada a surpresa, Rena respondeu:

- Considerando-se o estado em que se encontra a Granja, ele pensará que você se casou com uma mulher muito relaxada.

- Então, o que posso dizer?

Rena teve a impressão de que o conde lhe suplicava auxílio. Pensou um pouco e sugeriu:

- Talvez seja melhor dizer que sou uma parente sua e estou aqui para ajudá-lo. Ou, se seu amigo insistir no casamento, diga-lhe que estamos noivos. E acrescente que não pode se casar enquanto não tiver dinheiro para restaurar a casa, deixando-a digna de um homem com o título que você possui.

- Isso me parece bom, soa mesmo como verdade! Assim será impossível a ele forçar a filha, sabendo que estou noivo de outra mulher.

- Ou então, se preferir, fale que sou sua governanta.

- Se o homem tiver um resquício de inteligência, o que tem e muita, verá logo que você é bonita demais, jovem demais, para ser uma governanta. Vai imaginar que está aqui por outras razões.

- Muito bem, então. - Rena já se impacientava com tanta indecisão. - Fale que estamos noivos e, como já disse, que apenas aguardamos a reforma da casa para nos casarmos.

- Só posso lhe dizer que aprecio muito essas qualidades - Rena comentou. - Mas outra coisa posso lhe dizer também, é que não temos comida suficiente para jantar. E, se desejar levá-los a um restaurante - o mais perto fica a três quilómetros daqui - previno-o desde já que a comida é razoável, mas longe da qualidade esperada por milionários.

- Não se preocupe. Não tenho intenção de convidá-los para jantar. Quero jantar sozinho com você. Posso ver, pelas coisas que comprou, que nosso jantar será excelente.

- Isso é um desafio? - Rena sorriu. - Mas suplico-lhe, não permita que suas visitas fiquem para jantar. Se pretende convidá-los, então vá à mercearia a fim de comprar mais comida.

- Não pretendo insistir para que fiquem e tenho a impressão de que, quando ficar bem claro que não desejo me casar com Matilda, os dois voltarão para Londres.

- Desejo que as coisas sejam tão fáceis como pensa. Mas sempre ouvi dizer que milionários ficam milionários porque, quando põe na cabeça que vão ser ricos, ninguém os segura.

- Aguarde até conhecer o sr. Wyngate - o conde disse. - Ele é exactamente o tipo de homem que você esperaria ver num novo milionário. A filha, como já lhe disse, é feia e não tem nada que a favoreça a não ser a conta bancária do pai.

- Agora você está sendo maldoso - censurou-o Rena. - Mas ao mesmo tempo estou certa de que vá ter dificuldade em rejeitar o que o homem lhe oferecer para reformar a Granja, que voltaria a ser como foi há centenas de anos atrás. Papai disse que, quando chegou na aldeia como pároco, a Granja tinha aspecto bem melhor do que o actual. Sempre me surpreendi como os habitantes locais, apesar de quase não ter o que comer, a protegem contra ladrões e malfeitores.

- Por que fazem isso? - indagou o conde.

- Porque consideram a Granja também deles, e esperam que um dia haverá pessoas importantes dormindo nos sumptuosos quartos e usando as salas de recepção.

- Acho patético eles pensarem assim. Devem ter-se desapontado ao me ver chegando aqui sem nada. Eu, por meu lado, me surpreendi ao passar de marinheiro a conde. Sem dúvida fiquei atónito por ter sido localizado por causa do meu nome. Contudo, sinto-me tal qual um usurpador. Como posso fazer com que esta casa volte a ser o que era centenas de anos atrás?

- Para resolver esse problema, diga sim ao que for sugerido por seu amigo.

O conde deu um soco na mesa.

- Com os diabos que direi sim. Espere até vê-la! Não quero ser maldoso, mas Matilda jamais terá aspecto de condessa, mesmo coberta de diamantes da cabeça aos pés.

- Muito bem - Rena concordou. - Deixe as coisas como estão e vamos rezar para que aquilo que a cruz nos deu até agora seja apenas uma amostra do que está ainda escondido sob as anémonas.

- Falando no assunto, sugiro que escondamos de todos o que você descobriu. Se souberem de alguma coisa, começarão a escavacar toda a área à busca de ouro, destruindo a vegetação. Mas tenho a impressão, como você também deve ter, de que não haverá muito mais sob a cruz.

- Entendo o que diz - concordou Rena. - Se eles começarem a escavacar e a escavacar, as árvores cairão e não restará nada dessa maravilhosa floresta.

- Concordo. Então, o que deveremos fazer é ir lá à noite, só você e eu. Com o luar, pelo menos até o fim deste mês, não precisaremos de mais luz. esCavacaremos com cuidado para não prejudicar a beleza natural do lugar.

- Você está certo, absolutamente certo! - Rena exclamou. - É o que faremos. Eu não poderia aguentar ver a mata e a cruz que significou tanto para papai, destruídas, talvez até por acidente, pelas pessoas ávidas da descoberta do ouro.

- Tudo bem. Então, quando meus amigos forem embora esta noite, e se você não estiver muito cansada, iremos até à cruz procurar mais moedas. Assim, tomaremos cuidado para que as ávidas por dinheiro não estraguem nossa floresta.

- E eu odiarei ver destruído aquilo de que papai tinha tanto orgulho.

- Faremos tudo sozinhos, sem contar nada a ninguém - o conde declarou.

Rena foi trabalhar na cozinha, e meia hora mais tarde chamou-o.

- Seu almoço está pronto, milorde. Ficarei muito desapontada se não gostar da minha comida.

- Sente-se à mesa comigo. Poderemos conversar sobre o que faremos depois. Mas uma coisa é certa...

- O quê?

- Precisamos nos livrar das visitas assim que houver chance. Para lhe dizer a verdade, estou muito interessado no que já encontramos, e quero examinar bem as moedas antes de irmos lá à noite.

- Acho que deve fazer isso - Rena concordou.

- Você, Rena, trouxe novo sentido à minha vida, coisa de que precisei muito desde o minuto em que cheguei aqui. Para ser franco, fiquei desanimado ao ver o estado deplorável da casa. Mas agora talvez tenhamos chances de torná-la habitável e, se conseguirmos, será graças a você.

- Não, a meu pai. Foi idéia dele deixar a cruz onde foi encontrada. Talvez, anos atrás, uma família houvesse decidido esconder seus tesouros lá.

- Mal posso acreditar que isso esteja acontecendo comigo. Parece um conto de fadas, como quando soube que eu era o único membro sobrevivente da família. Achei, de início, que se tratava de uma brincadeira.

- Mas não foi - disse Rena. - Agora você é um conde, e a Granja esperava por sua vinda.

- Jamais sonhei que algo assim acontecesse comigo. Depois que meus pais morreram, fiquei sozinho no mundo, pois sou filho único. Trabalhei como marinheiro num navio, com muitos outros homens ansiosos como eu para conhecer o mundo, especialmente porque não tinham um lar. Como eu.

- O que aconteceu com seus pais? - Rena quis saber.

- Meu pai morreu quando eu tinha apenas três anos de idade e minha mãe me criou. Moramos com uma velha parenta de minha mãe, que detestava viver só. Por conhecer tão pouco do mundo, resolvi entrar na Marinha. Fiquei tão insistente que minha mãe teve de ceder. Nunca esquecerei de meu entusiasmo quando o navio em que eu trabalhava entrou no mar.

- Você ficou plenamente feliz!

- Suponho que essa seja a palavra certa, feliz - o conde repetiu. - Recebi as coisas como vieram e me senti radiante quando conheci o oriente. Estávamos em um dos navios de sua Majestade designado para mandar mensagens de diferentes partes do mundo. Recebi excelente educação, pois felizmente morávamos perto de uma boa escola. E, entre uma multidão de marinheiros, eu fui o escolhido para mandar à Inglaterra os relatórios sobre todos os lugares que visitávamos, e sobre a atitude dos diferentes povos do mundo em relação à Grã-Bretanha.

- Deve ter sido emocionante - comentou Rena. - Naturalmente posso entender isso, porque você é bem diferente da maioria dos ingleses que conhecem muito pouco do mundo além de seu próprio país, e que não têm interesse nenhum por nossa história.

- Sua opinião me envaidece, Rena. Mas, francamente, reconheço que é verdade o que acabou de dizer. A maior parte dos ingleses acha que não existe nada, a leste, a oeste ou a norte da Inglaterra, que mereça atenção.

- E você pensa que nosso país é importante, embora bastante pequeno? - Rena indagou.

- Sem dúvida. Vou lhe dizer uma coisa, pode ter orgulho de ser inglesa e ter orgulho de nossa rainha. Em quase todos os lugares onde estive como marinheiro, me senti importante porque era inglês. Eu e os outros companheiros éramos recebidos com entusiasmo, e todos mostravam satisfação por nós os termos visitado.

- Mas possuímos inimigos também, não?

- Naturalmente - o conde confirmou. - Os russos sempre sentiram inveja de nós, e sempre tiveram medo de nos enfrentar numa guerra.

- bem, graças ao bom Deus por isso. Acho a guerra uma coisa horrível e espero que no futuro tenhamos uma paz duradoura.

- Espero também - disse o conde.

- Garanto que você vencerá a batalha desta noite. Papai costumava dizer que a arma mais importante era acreditar no que era certo, no que era bom. E lutar por isso. Tenho certeza de que essa será sua arma.

O conde fitou-a atentamente, mas não respondeu.

Contudo, Rena achou que os olhos dele brilhavam.

Pôs-se a pensar, então, que talvez tivesse sido entusiasta demais, lisonjeira demais.

 

Rena e o conde almoçaram na sala de jantar.

- Estou lhe dando muito trabalho - ele disse. - Poderíamos ter comido na cozinha. Seria bem mais fácil para você.

- Minha mãe ficaria chocada se soubesse uma coisa dessas. Você é um conde, pessoa importante, e precisa sentar-se na sala de jantar.

- Um conde sem dinheiro nenhum no bolso. - Ele riu muito. - Não posso me considerar importante. Mas reconheço que sua mãe tinha razão. É necessário manter-se as aparências, mesmo que seja com grande esforço de nossa parte.

Ele comeu o que Rena lhe preparara, e achou o almoço delicioso.

Quando ela trouxe a sobremesa, uma compota de frutas variadas com creme, mal acreditou no que tinha diante de si.

- Você está me mimando demais - comentou. - Mas há ainda uma coisa sobre a qual desejo lhe falar antes que as visitas cheguem. Porém primeiro quero saborear cada bocado dessa sobremesa.

- Fico muito contente por você ter gostado da minha comida. Mamãe e papai sempre quiseram que eu cozinhasse bem. Quando tive idade suficiente, insistiram que eu cuidasse da cozinha da casa e eram bastante críticos acerca do que eu fazia.

- Como resultado, pode agora encontrar trabalho como banqueira em qualquer lugar.

- Pensei nisso, naturalmente. Pensei em todas as minhas possibilidades até você me convidar para ser sua governanta.

Assim que acabou de comer a sobremesa, o conde disse:

- O que tenho a lhe falar tem de ser antes de as visitas chegarem, como já disse.

- E o que é?

- Pensei em apresentá-la como minha noiva. Mas não acho a idéia boa.

- Quer isso dizer que pretende se casar com a moça rica? - ela perguntou, surpresa.

- Claro que não. Jamais faria algo tão idiota, tão desagradável. O que estou pensando é que, se Wyngate pretende restaurar minha casa, deixarei que o faça. Não acho que ele dirá abertamente que irá fazer isso só se eu me casar com Matilda. E não sou a tal ponto orgulhoso a ponto de não aceitar as migalhas da mesa de um milionário. Mesmo que ele faça pouco para a Granja, o pouco que fizer será bom.

- E o que vai dizer sobre mim?

- Que você está me ajudando, e que é casada com um primo meu. Eu a apresentarei como sra. Colwell e direi que me considerei muito feliz por encontrá-la morando aqui na aldeia. Esse encontro foi possível porque sua mãe era muito amiga da minha mãe. Direi também que sua mãe casara-se com um pastor da igreja e que, por morarem muito longe uma da outra, poucas oportunidades tiveram de conviver.

- Pensou em tudo isso? Incrível! - ela exclamou.

- Quis explicar por que motivo você morava aqui sem acompanhante. E, ao mesmo tempo, para tornar claro que estávamos juntos por causa da amizade existente entre nossas famílias, e não por laços do coração.

- Você é ridículo - Rena riu muito. - Tudo se parece com aquele tipo de novela que eu não tive permissão de ler quando jovem demais, e que achei entediante quando fiquei mais velha.

- Bem, se tudo acontecer como pretendo, valerá a pena um pequeno esforço para tornar esta casa melhor. Ficarei grato por isso. Mas não ao preço de sacrificar minha liberdade.

Rena divertia-se com a idéia dele. Porém achava pouco provável que o homem rico, ambicioso, que estava por chegar, decidido a dar um título à filha, fosse apanhado de surpresa.

Duvidava que ele ajudasse o conde sem ter certeza de que não receberia em troca o que desejava.

Contudo, resolveu não discutir sobre o modo como o conde desejava apresentá-la. Sobretudo pelo facto de ela estar desacompanhada.

Como se lesse seus pensamentos, ele disse:

- Se achar mais prudente, poderá ir a sua casa à noite. Afinal, ainda não há sinal do novo pároco, no momento.

- É verdade - Rena concordou. - Talvez seja melhor eu ir para casa hoje.

Mas no íntimo isso a desapontou. Ficar na Granja era algo novo, emocionante. Se fosse para casa naquela noite, perderia grande parte do prazer.

Contudo, o mais importante era ajudar o conde. E ele se pudesse obter algum dinheiro sem se comprometer, tudo bem, ela o ajudaria.

Após Tomarem café, Rena levou a louça para a cozinha. Lavou-a, enxugou-a e colocou-a nos armários.

A cozinha já estava bastante limpa. Mas o que Rena realmente queria era ver o assoalho das salas brilhando.

"Vai haver bastante dinheiro na floresta", dizia a si mesma. "O conde pagará uma mulher da aldeia para limpar o assoalho e as janelas dos cómodos que estiverem sendo usados."

Rena já concluíra que as melhores salas do andar térreo eram a sala de jantar, e a sala de visitas. A primeira lhe pareceu razoavelmente acolhedora. Mas a sala de visitas tinha aspecto triste. Se fosse arrumada, o tecido do sofá e das poltronas lavado, o aspecto melhoraria.

Infelizmente nada disso poderia ser feito antes da chegada das visitas. Mas logo ela se deu conta de que, quanto pior a aparência da casa, mais chances teria o milionário de tentar conseguir seu intento. E se perguntava se o conde teria forças para recusar uma fortuna em favor de sua casa, qualquer que fosse o preço a pagar.

Mas, e a liberdade?

"Naturalmente que ele quer ser livre", dizia a si mesma. - "Nenhuma jovem deseja se amarrar, a menos que esteja terrivelmente apaixonado."

Mas a tentação era grande, e ela só rezava para que o conde tivesse forças para dizer não.

Tão logo terminou de arrumar a cozinha, Rena foi ao jardim apanhar algumas flores para enfeitar o lugar onde iriam tomar chá com as visitas. Escolheu uma sala pequena, mas acolhedora, com vista para o jardim.

Limpou os tapetes, tirou o pó e começou a imaginar como havia sido aquela sala no passado, com mulheres de vestidos luxuosos conversando ao som de música suave, executada por mestres do piano. Tinha a impressão de que ainda sentia o aroma de perfumes caros.

Depois de arrumada, cheia de flores, a sala ficou tão atraente que Rena não teve dúvida de que o sr. Wyngate gastaria qualquer quantia para fazer o resto da casa tão convidativo como o daquela sala, se não mais.

Ao atravessar o corredor cruzou com o conde e pediu:

- Numa coisa eu insisto: não convide, sob qualquer pretexto, seus amigos para passar a noite aqui. Os quartos estão em péssimo estado. O seu é o melhor de todos, embora precise também de uma boa limpeza.

- Eu fecho os olhos quando estou me despindo, e aprecio a vista enquanto me visto - o conde respondeu.

- Muito sensato. Mas não pode pedir a seus hóspedes que façam o mesmo. Se sempre viveram à sombra do luxo, não saberiam como usar esses artifícios.

Ambos riram muito e depois o conde acrescentou:

- Bem, foram eles que quiseram vir aqui. Se o que virem os chocar, o problema não é meu.

- A que horas deverão chegar? - indagou Rena.

- Se vierem directamente de Londres, devem estar chegando. A menos que tenham parado no caminho para almoçar. Portanto, não poderemos dar uma volta pelo jardim ou nadar no lago, que é o que eu gostaria de fazer agora. É melhor nos prepararmos para recebê-los de braços abertos.

Embora o conde estivesse ansioso pela chegada das visitas, Rena lamentava não poder percorrer a casa, os jardins e a floresta com ele, antes de anoitecer.

Havia muito ainda que Rena gostaria de lhe mostrar. Por mais negligenciada que a casa estivesse, a natureza tinha sua própria maneira de conservar o mundo exterior viçoso e lindo, durante a primavera.

Agora, quase verão, as árvores cobertas de folhagem, as flores desabrochando no meio dos gramados, e as águas do riacho arrebentando contra a rocha, eram coisas mais lindas do que quaisquer outras que o dinheiro pudesse comprar.

"É a própria Natureza, e quem poderia pedir mais?"

De súbito apavorou-se à ideia de que o conde pudesse desistir de tudo e partir para outros lugares da Inglaterra, esquecendo-se da casa em mau estado que lhe pertencia.

"Oh, Deus", ela orava. "Não permita que isso aconteça."

Meia hora mais tarde ouviu-se o som de rodas de carruagem na porta da frente.

Rena, que dava os últimos retoques na sala, soube que as visitas haviam chegado. Ouviu em seguida vozes no hall e foi ao encontro dos recém-chegados.

Um homem baixo conversava com o conde.

Vestia-se com apuros, e via-se que suas roupas eram caras. Não negava ser milionário. Não porque seu alfinete da gravata brilhasse, ou porque o anel que usava no dedo mínimo fosse valioso, mas havia como que uma aura, ou talvez uma força emanando dele dizendo que se tratava de um milionário.

A filha, elegantemente vestida, estava ao lado. As pérolas em volta do seu pescoço e o diamante dos brincos fizeram com que Rena visse com clareza que ela era filha de um homem muito rico.

Ambos, pai e filha, falavam animadamente com o conde quando ela apareceu. E ambos a olharam surpreendidos.

- Quero apresentá-los a uma pessoa que tem me ajudado muito, tão logo cheguei aqui - disse o conde. - É a sra. Colwell, casada com meu primo, que mora no norte da Inglaterra. Rena vai lhes contar em que estado encontrei a casa. Pior do que ela mesma esperava. - E, dirigindo-se a Rena, ele acrescentou: - Nossos hóspedes fizeram a viagem de Londres até aqui em tempo recorde. Agora precisamos lhes mostrar os horrores com que me deparei ao chegar, e deixá-los ver, com os próprios olhos, o que acontece quando uma propriedade, tal qual uma linda mulher, é negligenciada.

O conde riu, mas o visitante fitava-o atentamente, sem rir.

Virando-se para Rena o conde disse, terminando com as apresentações:

- Esses são meus amigos, Rena, o sr. Wyngate e sua encantadora filha Matilda, que veio junto com o pai para ver as ruínas que nos chocaram de maneira tão impressionante.

Rena apertou a mão das visitas. E só naquele instante se deu conta de que não usava aliança. Pôs imediatamente a mão esquerda no bolso. Precisaria providenciar uma aliança o mais depressa possível.

- Espero que tenham feito boa viagem - ela disse. - Acho que a duração é de duas horas, mesmo com animais ligeiros. Mas é tão agradável visitar o campo que o esforço vale a pena.

- É exactamente o que eu estava pensando - comentou o sr. Wyngate. - Eu queria muito ver a estranha casa que meu amigo herdou. Mas agora concluo que foi um prazer duvidoso.

O homem observava a poeira do hall enquanto falava. Rena acompanhou-lhe o olhar e imaginou que três empregados levariam no mínimo uma semana para limpar apenas o hall e os corredores.

E as janelas? E as escadas? As passadeiras haviam perdido a cor e estavam rasgadas em vários lugares.

- Agora quero que me mostrem a casa que, posso ver com um golpe de vista, precisa de muita coisa para ser habitada - o sr. Wyngate falou num tom de voz brusco.

- Acho que antes tem de descansar um pouco depois da fatigante viagem - o conde sugeriu. - Um copo de vinho o reanimará. Venha comigo até a sala, o único lugar arrumado até agora. Verá a casa toda mais tarde.

- Eu não diria não a um copo de vinho. E acho que Matilda aceitaria também um.

- Eu acho tão maravilhoso estar no campo! - Matilda exclamou. - Poderei ir ao jardim?

- É claro que poderá - Rena respondeu. - Terei prazer em lhe mostrar o que foi um dia um lindo jardim mas que faz hoje a alegria dos coelhos e dos passarinhos.

- Esses bichinhos devem estar muito felizes em ter um lugar só para si - Matilda disse.

- Espero que aprecie a liberdade. Quando eu era criança, teria adorado ter esse espaço todo só para mim.

As duas mulheres saíram, deixando os homens a sós.

- Sente-se - disse o conde. Foi em seguida providenciar o vinho.

- Assim é melhor para conversarmos.

- Estou aqui há apenas dois dias - o conde explicou. - Não posso fazer milagres e, mesmo que pudesse, não tenho condições económicas para tal.

- Sua prima arrumou esta sala com muito gosto - Wyngate comentou. - Se ela decorar o resto da casa da mesma maneira, você acha que ficará aqui ou prefere voltar para o mar?

- Minha vida de marinheiro está encerrada. Gostei de percorrer o mundo, coisa que não teria feito senão fosse pela Marinha. Mas agora prefiro terra firme. Mesmo esta mansão, cujo tecto poderá cair em minha cabeça a qualquer momento, é preferível aos balanços das ondas do mar.

- Posso entender suas razões - observou Wyngate. - Mas esta casa é inabitável. Como pode morar do jeito que está?

- Isso é exactamente o que minha prima não pára de dizer. Mas a resposta é simples. Não tenho aonde ir.

- É sobre isso que vim lhe falar. Entendo que, sem sua prima, este lugar seria vazio e depressivo. E suponho que lhe custaria uma boa quantia em dinheiro para restaurá-lo.

- Muito mais do que tenho - respondeu o conde. - Com as regras que foram estabelecidas por meus antecessores, não poderei vender a propriedade, que deverá passar aos filhos que não terei, porque também não possuo condições para me casar. Portanto, a casa continuará assim. Pode ruir por terra, mas como posso evitar que isso aconteça?

Houve alguns minutos de silêncio antes de o sr. Wyngate responder:

- Seria tudo muito simples se você tivesse dinheiro. Embora a quantia seja considerável para a reforma, acho que vale a pena ser gasta. A casa merece. É uma herança importante não só para você, mas para seus filhos, quando os tiver.

- Está sendo muito optimista. - O conde deu uma gargalhada. - Como posso constituir família e tornar este lugar habitável?

- Minha filha sempre o achou muito atraente - o sr. Wyngate enfim chegou ao ponto onde queria chegar. - Não posso pensar num melhor presente de casamento para vocês dois do que pôr esta casa em ruínas e toda sua propriedade em ordem.

- Acho que o que me sugere deve ser julgado por sua filha e por mim. Se formos nos casar, precisamos nos amar, do contrário tudo consistirá numa grande farsa. Vi sua filha apenas uma vez. Portanto, por favor, dê-nos uma chance de nos conhecermos melhor. Quem pode saber o que acontecerá no futuro?

- É muito sensato, meu filho., não posso negar. Vou providenciar homens para trabalhar aqui e, quando a metade do serviço estiver pronta, conversaremos sobre negócios. Estou certo de que o resultado será satisfatório para ambos.

- Realmente pensa assim? - indagou o conde, atónito.

- É claro que penso - o milionário replicou. - Eu não teria ficado rico como fiquei se não tivesse palavra, ou se decepcionasse os que me ouviam. Mandarei imediatamente trabalhadores de Londres, e sei escolher pessoal. Quando você vir o resultado, ficará satisfeito, e Matilda também.

- Não sei o que dizer - contestou o conde. - Sabe tanto quanto eu, que um casamento sem amor pode ser um desastre para a mulher e para o homem. Conforme já disse, vi sua filha somente uma vez, e o mesmo sucedeu com ela.

- Mas vocês podem se ver constantemente durante as obras, e as marteladas o acordarão bem cedo pela manhã - declarou o sr. Wyngate. - Estou disposto a ficar na Inglaterra durante algum tempo. Aluguei uma casa grande e confortável em Park Lane. Matilda e eu viremos aqui regularmente para ver o progresso das obras, e antes do fim do verão acho que iremos ouvir os sinos da igreja local, pela qual passamos, anunciando um casamento.

- Não tenho idéia do que lhe responder - disse o conde. - Afinal, o que está planeando, pode não acontecer. Há sempre uma possibilidade de sua filha, que por sinal é muito atraente, vir a conhecer um homem e a se apaixonar por ele. As mulheres gostam de escolher seus maridos, e não se casam com um homem escolhido para elas, por outras pessoas!

- Minha filha é diferente. Faz o que eu quero. E sabe que decidirei melhor do que ela sobre o que deve fazer.

- Se quer realmente me ajudar a deixar esta casa tão perfeita quanto foi um dia, posso apenas agradecer-lhe do fundo de meu coração. E esperar que não se sinta lesado nunca, quaisquer que forem as consequências.

- Quando você e Matilda morarem aqui e tiverem muitos filhos, serei o homem mais feliz deste mundo. A razão pela qual me tornei um milionário deve-se ao facto de que acredito no que faço. Até agora nunca apostei em cavalo perdedor.

- Eu gostaria muito de dizer o mesmo - declarou o conde. - Mas posso apenas dizer que lhe sou muito grato.

- Guarde suas palavras de gratidão até ver o final das obras. Sei que isso acontecerá muito antes do que pensa.

- Espero que sim. Afinal, você é um exemplo vivo do que um homem pode conseguir, com sua persistência.

- Tem razão - concordou o sr. Wyngate de maneira pomposa. - No instante em que vi você, soube que poderíamos ser amigos.

Foi com dificuldade que o conde segurou-se para não dizer que fora seu título que fizera o homem pedir para ser apresentado, numa festa nos Estados Unidos.

Os americanos fizeram grande estardalhaço ao saber sobre a herança que ele ignorara ser sua, durante anos.

Mesmo assim, foi só depois que voltou à Inglaterra que o conde teve certeza mesmo de que herdara o título com a propriedade, incluindo a casa quase em ruínas.

Agora havia uma chance de que a casa voltaria a ser o que fora quando construída.

Contudo, seria prudente aceitar a oferta do milionário?

Como se adivinhasse seu pensamento, o sr. Wyngate disse:

- Ouça bem, meu filho, se você recusar minha oferta, se arrependerá pelo resto da vida. Precisa aprender, como eu aprendi, a agarrar as oportunidades quando elas aparecem, e a nunca deixar de fazer o que puder para obter o que deseja da vida. É loucura recusar uma boa oferta que lhe fazem.

- Tem razão, naturalmente que tem razão. Mas receio lhe dizer sim, quando penso que o mais prudente seria lhe dizer que vou pensar.

- Não posso acreditar que seja tão tolo! - O sr. Wyngate insistia. - Arrisque, rapaz, aproveite quando a oportunidade aparece. Foi o que fiz em minha vida inteira. Não me importa lhe dizer que arrisquei inúmeras vezes, mas quase sempre consegui resultados satisfatórios. Quase sempre fui vencedor. E não posso acreditar que, no seu caso, acabarei de mãos vazias.

- Se pensa assim - o conde respondeu -, só posso lhe dizer obrigado. Muito obrigado mesmo. E, quanto mais cedo se iniciar o trabalho, mais emocionado ficarei por ter a casa habitável para mim e para meus filhos, quando e se os tiver.

Dando pancadinhas nas costas do conde, o sr. Wyngate disse:

- Agora fala com sensatez. Como eu, sabe ver onde está um bom negócio. Mas se, como imagino, não tem um lugar confortável para nós passarmos a noite, Matilda e eu voltaremos para Londres. Porém, logo que os pedreiros começarem a derrubar as paredes, o que acontecerá em dois ou três dias, voltaremos para apressá-los e para ter certeza de que estão fazendo tudo exactamente como você deseja.

Ele falava com tanta determinação, que o conde concluiu que essa fora a principal qualidade que o fizera rico.

- Agora, quero percorrer a casa toda - o sr. Wyngate disse. - Quero ver todos os cómodos para ter uma idéia de quantos homens deverão ser contratados para começar com o trabalho assim que eu der ordem.

Sentindo-se como se estivesse sonhando, e que nada daquilo estivesse acontecendo, o conde levou seu hóspede para conhecer a casa.

Começaram por subir ao telhado e de lá apreciar a propriedade. Depois desceram, abrindo cómodo por cómodo. Finalmente chegaram ao subsolo onde ficavam a sala de jogos, o arsenal, o jardim de inverno, e a sala de música.

Tudo o que restava do jardim de inverno eram o piso e grande quantidade de cascos de vidro.

Foram depois ao salão de baile e a outra sala que com certeza fora no passado a galeria de arte. Mas todas as teclas tinham sido roubadas. Sobravam nas paredes apenas as marcas dos quadros.

- Telas famosas é algo que você não pode recuperar - comentou o sr. Wyngate. - MAs há muitas obras de pintores modernos que poderão ocupar o lugar do que foi roubado. E as próximas gerações que morarem aqui serão tão orgulhosas delas como seus antepassados um dia o foram do que possuíam.

- Pelo que posso deduzir, meus antepassados negligenciaram demais este lugar. Li os nomes dos autores dos quadros roubados e me deu vontade de saber por onde andavam esses quadros.

- Esqueça! Esqueça! - o sr. Wyngate insistia. - Vou escolher quadros para sua galeria de arte e também para a sala de recepção.

- Reconheço que vai contribuir enormemente para embelezar minha casa - comentou o conde. Apenas espero que não retire tudo o que pôs quando o próximo conde ocupar este lugar.

- Isso é algo que não me preocupa, pois o próximo conde me chamará de vovô.

O conde reconheceu ser essa a resposta que deveria ter esperado. Não disse nada, contudo. E os dois homens foram para outra sala, tão nua como as demais.

Durante todo esse tempo, Rena e Matilda passeavam pelo jardim. Chegaram até a piscina.

- Está vendo? - observou Rena. - A piscina também foi abandonada. Seria bom podermos nadar aqui, como se fazia cem anos atrás.

- Adoro nadar - comentou Matilda. - Nos Estados Unidos, as mulheres nadam quase tanto quanto os homens. Mas penso que o mesmo não acontece em Londres.

- Acho que temos muitas piscinas no país. Porém, para que haja a aprovação do povo, as mulheres devem usar roupas de banho de tecido grosso, e cobrir o corpo talvez mais do que um vestido de baile cobriria.

Matilda riu muito e declarou:

- Sei disso. Minha roupa de banho é grossa e nada confortável. Por isso prefiro nadar nua.

- E seu pai permite? - indagou Rena, escandalizada.

- Ele não sabe - Matilda confessou. - Sempre que há uma piscina nos lugares onde nos hospedamos, espero até ele ir praticar seus desportos e depois vou nadar. Volto ao meu quarto e me visto como uma dama de respeito.

- Você é muito esperta - Rena riu com gosto. - Mas cuidado para ele não a apanhar um dia antes que se vista.

- Meu pai ficaria furioso se isso acontecesse. Ele insiste que me comporte como uma perfeita dama. Por isso quer que eu tenha um título de nobreza.

- É o que você deseja? - Rena estava curiosa em saber.

- O que desejo é me apaixonar por alguém que também esteja apaixonado por mim. Assim seremos muito felizes, porque nos amamos. - Ela suspirou antes de prosseguir: - Não me importaria de não ter todo o dinheiro para viver. Ou de não ter uma casa enorme que seria fria e vazia, a menos que houvesse amor.

- Então o que você realmente deseja é se apaixonar por alguém. É isso? - Rena sussurrou.

- Se lhe contar uma coisa, promete guardar segredo? Promete não contar nada a papai?

- É claro que prometo. Qualquer coisa que você me contar, guardarei como segredo. Não contarei a ninguém.

- Muito bem então. - Matilda respirou fundo. - Estou apaixonada. E amo esse homem como ele me ama.

Enquanto falava ela olhava para trás, com medo de que alguém a pudesse escutar.

Baixando bem a voz, quase num sussurro, Rena perguntou:

- E seu pai sabe disso?

- Não! Claro que não! Prometa que não vai contar nada a ele.

- Prometo! Mas espero que você saiba que seu pai é muito ambicioso em relação ao casamento, e quer que se case com um homem de prestígio.

- Sei disso - Matilda respondeu. - Daí estarmos aqui. Ele quer que eu tenha um título de nobreza. De preferência duquesa. Mas, se não for possível, condessa.

- O homem que você ama tem um desses títulos?

- Claro que não! É apenas senhor, e eu serei apenas senhora.

- Seu pai ficaria muito zangado se você dissesse que queria se casar com esse homem?

- Sem dúvida. Prometa mais uma vez que não vai contar a ele o que lhe disse.

- Já falei que prometo. E repito mil vezes se desejar. Tudo é tão emocionante! Porém receio que seus sonhos nunca se realizem.

- Farei tudo para que se transformem em realidade. Mas temos de ter paciência. Se eu fugir agora para me casar com o homem que amo, papai cortará minha mesada. - Matilda baixou a voz novamente como se receasse que alguém a estivesse ouvindo. - Estamos economizando dinheiro e estou tentando conseguir o mais possível de papai sem que ele desconfie de nada. Quando tivermos uma quantia suficiente, nos casaremos e nos esconderemos num lugar onde papai não possa nos encontrar. E lá ficaremos até que ele nos perdoe, o que sei que acontecerá mais cedo ou mais tarde.

- Você é muito valente - disse Rena. - Muitas mulheres não teriam coragem de fazer isso, tendo um pai decidido como o seu.

- Sou filha dele, e tão decidida quanto ele - Matilda respondeu. - Mas você pode entender por que papai não pode descobrir nada até que estejamos prontos para fugir. Entende, não? - Um sorriso iluminou-lhe as faces. - Mas tenho certeza, porque nos amamos muito, de que seremos mais felizes do que qualquer outro casal do mundo.

- Tenho certeza disso - Rena observou. - Se eu puder ajudá-la, talvez escondendo-a ou evitando que seu pai desconfie do que você está fazendo, conte comigo. Pode confiar em mim.

- Fiquei certa disso no momento em que a vi. Não tive ninguém com quem conversar sobre o assunto durante muito tempo. E soube, assim que entrei nessa casa, que o conde não sentia nada por mim. Nem mesmo afecto. Mas, quando vi você, concluí que era a mulher que ele desejaria ter como esposa.

- Como pode dizer isso? - Rena estava intrigada. - Mal nos conhecemos.

- Bem, espere e verá! - Matilda falou, com um sorriso. - Mas, por favor, tenha cuidado com o que disser a papai sobre mim. Se ele souber que estou apaixonada por Cecil, ou que Cecil me ama, encontrará um meio de fazê-lo sair do país ou até matá-lo. - Ela deu um suspiro. - Papai está acostumado a conseguir o que deseja. E sempre consegue, essa é a verdade.

- Você precisa ser muito esperta, Matilda. Muito, muito esperta.

- Como filha de meu pai, é exactamente o que sou. Esperta. Muito, muito esperta.

 

Quando se separou de Matilda, Rena continuou pensando sobre a jovem, e imaginou se algum dia ela poderia ser feliz.

Chegara à conclusão, havia muito tempo já, de que o dinheiro destruía tudo o que era lindo, agradável e confortável da vida. O dinheiro podia liquidar com uma pessoa mais depressa do que qualquer outra arma. Ela pensava na situação de Matilda, que não lhe parecia muito animadora. Sabia que o pai queria um título de condessa para a filha. E sabia também que John - como teria de chamar o conde dali por diante, pois fingira ser sua prima - não pretendia se casar com Matilda.

Tudo se lhe apresentava terrivelmente complicado.

Achava impossível encontrar um meio de Matilda ser feliz e de John ter suficiente dinheiro para restaurar a Granja.

"Que posso fazer? Que posso fazer?", ela se perguntava.

Tinha certeza de que o sr. Wyngate procurava um meio de forçar John a se casar com sua filha. Porém Matilda só queria estar com seu Cecil.

Rena não prestara atenção a nada durante o jantar, pois seus pensamentos continuavam com Cecil e não com o que estava acontecendo.

"Que situação estranha", reflectia. "Pelos vistos, eu sou a única pessoa não envolvida no caso."

Mas, bem no fundo de sua mente, havia a pergunta sobre o que fazer, como viver, e de quando deveria sair da Granja.

Ocupava-se agora arrumando os quartos e saletas da casa.

Num dos quartos achou que a cama estava em lugar errado. Deitada, a pessoa não podia ver o sol da manhã entrando pela janela.

Em outro cómodo, uma saleta, embora achasse que nunca seria usada, achou que o aspecto era frio demais. Não um lugar acolhedor onde se podia sentar em volta do fogo, conversando ou lendo.

A biblioteca era um local onde Rena ainda não fizera uma tentativa de remodelação. Os livros pareciam jogados, como se o consulente tivesse procurado algo e depois abandonado tudo, sem ficar satisfeito. Rena tinha certeza de que havia lá livros de autores famosos, de grande valor. Não mencionara o caso a John, porque ele já tinha muito em que pensar.

De uma coisa Rena estava certa, a de evitar uma conversa com o sr. Wyngate,. Pois sabia que a única razão de ele estar lá era cuidar do casamento da filha com um conde. Com John.

Então, mesmo antes de o casamento se realizar, contrataria os melhores construtores do país para pôr a casa em ordem, tornando-a decente antes de ser habitada.

"Estou começando a amar esta casa", Rena pensou, enquanto arrumava outro quarto. Escovou os tapetes, tirou o pó dos móveis. "Tenho certeza de que pode se transformar em algo precioso. Terminando o trabalho da restauração, pessoas virão de todo o país com o fim de visitá-la. Se John cobrar a entrada, poderá ganhar muito dinheiro."

O problema era o sr. Wyngate. Ele, homem esperto, manobraria a situação para que John não tivesse outra saída a não ser se casar com Matilda, uma vez terminada a reforma.

Pai e filha passaram a noite num hotel da aldeia, modesto mas limpo, recomendado por Rena. Mas os dois foram à Granja para o café da manhã.

Inesperadamente, acabada a refeição, o sr. Wyngate manifestou desejo de ver o jardim. Assim, disse, teria uma idéia da dimensão da propriedade. Como o conde não se prontificasse a acompanhá-lo, Rena ofereceu-se.

- Posso levá-lo - falou. - Havia flores lindas no passado, claro, mas acredito que um bom jardineiro porá o jardim em boa forma no espaço de alguns meses. O verão na Granja é uma das paisagens mais belas do condado.

- Bem, então venha me mostrar tudo - disse o sr. Wyngate. - Diga-me o que gostaria que fosse feito, e informarei meus homens.

Ele olhava para John enquanto falava, a fim de tornar bem claro que tinha tudo em suas mãos. Bastaria uma palavra do conde, declarando que se casaria com Matilda, e o futuro da Granja seria bem diferente do estado actual.

Como John não dissesse nada, o sr. Wyngate levantou-se e disse a Rena:

- Estou às suas ordens. Como mulher, explique-me o que deseja. John me dirá mais tarde onde quer que seja construída a pista de corridas.

- Quero flores por toda a parte. Tenho vontade de chorar quando vejo a que ficou reduzido esse jardim.

- Não vai precisar de chorar enquanto eu estiver a seu lado - ele disse. - Muitas mulheres choraram em meus ombros e fiz as lágrimas secarem no instante em que lhes dei um cheque. Em alguns casos, esqueceram-se até de me agradecer.

- Talvez então possa me ajudar a encontrar um emprego - Rena pediu. - Com sua recomendação, aposto que arranjarei trabalho numa escola, em lojas, ou em qualquer outro lugar.

- Prometo que lhe darei referências que façam com que todas as portas lhe sejam abertas.

- É muita amabilidade sua. Tornaremos a falar sobre o assunto quando eu estiver pronta a sair daqui. Mas uma coisa quero garantir ao senhor, será um trabalho árduo fazer com que este lugar fique tão lindo como antes.

- Acredito - o sr. Wyngate concordou. Olhando para a filha e para John, ele acrescentou: - Vocês dois aí fiquem pensando no que é melhor para a Granja. Acho que seria interessante que fizessem uma lista dos cómodos que desejam restaurados em primeiro lugar, como o quarto, a sala de música, o salão de baile e a galeria de arte.

Dizendo isso ele e Rena saíram. Foi evidente que agira assim de propósito, para que Matilda e John ficassem sozinhos.

Se John não propusesse casamento naquela hora, o prepotente Wyngate talvez tivesse muito a dizer quando voltasse.

Rena começou por sugerir que os jardineiros, antes de tudo, livrassem os gramados das ervas daninhas. Em seguida chamou a atenção dele para a fonte, em terrível estado. Já não jorrava água havia anos.

Os dois caminharam até quase aos limites da propriedade onde se encontrava um chalé, agora em ruínas.

- Devia ter sido um lugar apropriado para a pessoa descansar, depois de ter dançado durante horas - comentou Rena.

- Você quer com isso dizer que era este o lugar onde seu namorado a trazia para beijá-la, certo de que ninguém os veria?

- Infelizmente, quando esse chalé estava de pé, eu ainda não tinha nascido. - Rena riu muito. - Agora, no estado em que se encontra, seria impossível ser usado. Mas, sem dúvida, quando reconstruído juntamente com o salão, poderia ser oferecido um baile para Matilda conhecer cavalheiros charmosos vindos de Londres. Garanto que muitos deles gostariam de beijá-la aqui.

- O problema é que minha filha nunca se interessa pelos homens que escolho para ela. - Agora o sr. Wyngate falava com irritação.

- Acho difícil um pai saber escolher um homem para a filha. Naturalmente a escolha cabe a ela. E é tolice casar-se com alguém, a menos que exista um grande amor.

Rena falava como se estivesse se referindo ao caso de Matilda e John. E não ficou surpreendida quando o sr. Wyngate protestou, num tom de voz cheio de revolta:

- Matilda amará e se casará com o homem que eu escolher. Que mulher é capaz de escolher o marido certo, quando o pai é um milionário? Os homens que Matilda conhece vão querer se casar com ela por causa de meu dinheiro. Sei o que é melhor para minha filha, sei quem a fará feliz, não apenas por curto espaço de tempo mas por toda uma existência. Por isso ela tem de aprender a me obedecer.

Após alguns segundos, Rena encheu-se de coragem e disse:

- Acho que o senhor está se achando mais importante e mais poderoso do que realmente é. O amor vem do coração, e somente Deus pode fazer uma pessoa se apaixonar.

- Fala sério? Acha mesmo que o amor é algo divino?

- Claro que é. Foi cristo quem trouxe o amor ao mundo, e é esse o amor que todos procuram, desde então. Se não for encontrado nesta vida, será encontrado em outras vidas que virão.

- Você está absolutamente errada - o sr. Wyngate protestou energicamente. - O casamento foi feito para as mulheres terem filhos que carregarão consigo o nome e a posição do pai.

- Isso é o que o senhor pensa. Eu acredito que o amor vem de Deus. Quando duas pessoas se apaixonam, acontece algo divino que não pode ser preterido pelo dinheiro, posição, ou qualquer coisa considerada importante aos olhos do mundo. O amor vem do coração, e é obra de Deus.

- Você está errada! Totalmente errada! Mas temos outro assunto importante a encarar no momento. Quero que me diga até onde vão as terras da Granja.

- Precisamos antes de atravessar a floresta. Quando chegarmos no alto da colina poderei lhe mostrar como é grande a propriedade do conde.

E os dois seguiram em fila indiana, pois o atalho era estreito. Quando Rena ficou de novo ao lado do sr. Wyngate, apontou para longe e disse:

- Lá. Acho que as terras da Granja se estendem por mais trinta quilómetros. Aquela planície ali adiante é própria para plantações.

- Coisa que não existe no momento - comentou o Sr. Wyngate.

- Claro que não. Ninguém quer plantar, ninguém se preocupa com isso. O senhor pode ver que há uma enorme gleba de terra boa para cultivo. E seria interessante se cuidar do caso.

- Sem dúvida, mas o gasto é grande também. Você acha que John terá um dia condições para isso?

- Não vai ser fácil. Mas como no seu caso, outras pessoas também têm capacidade de vencer na vida. Quantas vezes o senhor teve de encontrar saídas para problemas complicados, parecendo intransponíveis? Quantas vezes? E conseguiu uma solução, não foi? Outras pessoas quererão seguir seu exemplo. Algum dia o senhor será convidado a escrever suas memórias, e contará como começou e como venceu na vida, quando muitas vezes deve ter pensado que iria soçobrar.

- Tive muita sorte, não nego. Mas ao mesmo tempo usei o cérebro. E, quando queria uma coisa, convencia-me de que iria conseguir. E consegui.

- Não tenho dúvida de que usava o cérebro, por isso ficou famoso e rico. O problema é que muita gente não faz o mesmo, e não obtém o que deseja.

- Trabalhei muito desde jovem - ele declarou. - E Sempre com sucesso porque me convencia de que teria sucesso. Houve momentos em que desanimei, mas a sorte estava a meu lado e venci.

- Posso ver que venceu, e agora precisa ajudar outros a fazer o mesmo. há muitas pessoas que têm medo de arriscar, por isso nunca vão adiante. Mas o senhor é valente, não tem medo de ir à luta. E venceu.

- Você me entende, não, Rena? Daí meu querer que minha filha, pois não tenho filho homem, seja tão esperta quanto eu fui.

- Mas será impossível. O senhor é uma excepção. Chegou ao topo embora tendo de transpor obstáculos. Como pode uma mulher o mesmo, quando o que deseja é sentir segurança, ser amada, e deixar a pessoa que ela ama cuidar do trabalho? O senhor há-de querer netos que nasçam do amor, porque, num lar sem amor, uma criança nunca será feliz.

- Quero netos, se um dia os tiver, que tenham minha determinação para vencer na vida.

- Tenho certeza que terão - declarou Rena. - Mas não deve forçá-los a nada, não deve assustá-los. A ajuda para vencer na vida também vem de Deus.

O sr. Wyngate fitou-a intrigado, e depois disse:

- Não me admiro que pense assim, é filha de pastor. Esqueci-me desse detalhe. Os ministros da igreja sempre acham que Deus faz milagres, que Deus faz pelos homens o que os homens deveriam ter feito por si mesmos.

- Tem razão até certo ponto. - Rena riu. - Mas parece-me que o senhor só pensa em fazer fortuna. No entanto, conheço casais extremamente felizes porque acreditam que o amor que um sente pelo outro veio de Deus. Por mais pobres que sejam, vivem bem, porque foram abençoados pelos céus.

- No meu ponto de vista, tudo isso é tolice! Todo o mundo quer dinheiro, luta pelo dinheiro. Com dinheiro compra-se a felicidade.

- Não vou discutir com o senhor, pois é um homem de sucesso. Mas o que eu gostaria de ver um dia era essa terra diante de nós produzir, como produziu no passado.

- Num passado bem passado - o sr. Wyngate riu sardonicamente. - Mas vamos adiante, mostre-me mais. E o lago?

O lago ficava a grande distância de onde estavam. E para lá foram os dois. O sr. Wyngate falava o tempo todo, observava tudo, como se calculasse o que iria gastar na restauração.

Da região do lago, ele teve uma vista da torre, bem delapidada. E notou que um lado da casa parecia fora de prumo, com todas as janelas quebradas. Mas não disse nada.

- suponho que este lago possa ser usado pelas pessoas da aldeia, dispostas a agir pelo privilégio de nadar aqui - ele enfim sugeriu.

- Se tiverem dinheiro. Os habitantes locais querem trabalhar, mas não encontram trabalho. Muitos foram empregados por um fazendeiro cujas terras ficam a dois quilómetros de distância. Mas continuam fazendo parte da Granja, e isso vem acontecendo durante gerações. Porém é muito triste ver o grande número de chalés que já ruiu por terra. Que maravilha seria alguma pessoa fazer a Granja voltar ao que era, para assumir a posição que sempre ocupou no condado e, quiçá, na própria Inglaterra. - E havia muita determinação na voz dela ao prosseguir: - Nossa aldeia foi sempre admirada e respeitada. Havia muitas referências a ela nos livros históricos, e posso indicar-lhe alguns, se quiser lê-los.

- Tenho muito tempo para pensar, pouco tempo para ler.

Rena resolveu voltar à Granja. Os Dois atravessaram a floresta, o pomar, e entraram no jardim.

- Penso que lhe mostrei tudo - disse ela, depois de longo silêncio. - Como pode concluir, há muito para se fazer aqui. Mas tenho certeza de que, uma vez feito, consistirá nu enorme avanço no ponto de vista de alguém que ame a evolução histórica do país, não desejamos que essa importante parte da história fique perdida para sempre.

O sr. Wyngate não deu uma palavra, e Rena imaginou que ele estivesse calculando quanto custaria fazer com que a Granja voltasse ao resplendor do passado. Foi só quando chegaram à casa que ele disse:

- Quero lhe agradecer por ter me mostrado a propriedade. Agora vou providenciar a execução de seu desejo.

- Vou começar pondo a casa em ordem. Depois o jardim e, enfim, a área.

- Vai mesmo começar com a Granja? - ela indagou, ainda duvidosa.

- Vou. E, assim que estiver pronta, iremos assistir ao casamento de minha filha. . Conforme você me disse, até lá o bispo já terá nomeado um pastor para tomar o lugar de seu pai. Prometo que a cerimónia será algo que todo o pessoal se lembrará pelo resto da vida.

Rena sentiu um frio na espinha. Pelos vistos, o senhor Wyngate continuava com a idéia de fazer John se casar com sua filha. Tudo bem, se ambos assim o quisessem. Naturalmente cabia a John aceitá-la ou não como esposa. E a ela aceitar John, o que era bem pouco provável, de acordo com a confissão que Matilda lhe fizera.

Mas, o que poderia John fazer? O que poderia ele fazer quando a casa estivesse restaurada, os campos cultivados, e os aldeões, que quase morriam de fome, tivessem trabalho e fossem prósperos como sempre quiseram ser?

Como poderia John recusar?

Ao mesmo tempo Rena pensava com horror ver duas vidas alterando seus destinos por se verem forçadas a um casamento de conveniência.

Quando chegaram à casa, Wyngate foi para a saleta e Rena ao encontro de John. Ele se ocupava limpando a sala de música. Estava coberta de pó devido ao facto de todas as janelas terem os vidros quebrados, permitindo que a poeira entrasse livremente.

O piano achava-se em estado deplorável.

- Por que está fazendo isso? - Rena lhe perguntou.

- Porque Wyngate quer reunir o pessoal da aldeia a fim de comunicar o que pretende fazer. Não há outra sala bastante grande onde caiba todo mundo. Você sabe melhor do que eu que existe uma na antiga escola, bastante grande, mas está em pior estado do que esta.

- Posso ajudar você - disse Rena. - Eu não sabia que o sr. Wyngate queria conversar com os aldeões. Não me falou nada sobre isso.

- Acho que ele deseja mesmo reformar a Granja - comentou John.

- Sem dúvida, mas quer também que você se case com Matilda.

- Ele não pode me forçar. Pode?

- Receio que tentará - Rena respondeu: - E, se você recusar, ele irá embora, deixando-nos no estado em que estamos agora.

- Falei com os homens que vieram aqui hoje - disse John. - Eles consideram o trabalho quase impossível, mas, se forem bem pagos, com certeza tentarão.

- Querem começar já?

- Muitos virão amanhã. Deixarei que comecem. Afinal... esse casamento forçado só terá lugar, se tiver, quando a casa for habitável; e isso levará tempo.

Rena sentiu um peso no coração. Se o sr. Wyngate gastar uma fabulosa soma de dinheiro na casa, será difícil a John ou a Matilda recusar satisfazer-lhe o desejo. E logo estarão entrando na igreja de braços dados.

Mas ao mesmo tempo Rena achava que seria loucura John dizer ao milionário, agora, que não se casaria. Tudo estaria perdido.

- Os trabalhadores vão mesmo chegar amanhã? - ela indagou.

- Um exército de homens. E, se você pensar que vou impedi-los de trabalhar, está enganada. Vamos ver o que podem fazer, e ser gratos pelos pequenos favores que vierem para nosso lado.

John falava com tanta firmeza que Rena achou que seria impossível discutir com ele. Mas imaginou de repente que, se o sr. Wyngate era esperto como parecia ser, encontraria um meio, no último momento, de obter o que desejava em troca do dinheiro que iria gastar.

"Que posso fazer para ajudar?", ela se questionava.

"Posso, isso sim, rezar para que John encontre um meio de agradecer, sem precisar se casar com Matilda, que por sua vez nunca aceitaria se casar sem amor, estando apaixonada como estava por Cecil."

Enquanto reflectia sobre tudo isso, John voltara a se ocupar da limpeza da sala. O assoalho se encontrava tão esburacado que ela achava quase impossível colocar cadeiras para que as pessoas da aldeia se sentassem. Mas não quis aborrecer John falando disso. E pôs-se a limpar o piano, embora duvidasse que se pudesse tirar um som daquelas cordas.

Recordou-se então de que havia um piano na Casa Paroquial, que pertencera a seu pai.

Pensou em sugerir que se levasse o piano para a Granja, um piano que agora era seu. Se o novo pároco quisesse um, que o comprasse.

De súbito, lembrou-se de que não havia ninguém para preparar o chá, e foi à cozinha.

Não pedira a nenhuma mulher da aldeia que a ajudasse, mas encontrou duas na cozinha.

- Ouvimos falar que a Granja iria ser restaurada, então viemos para dar uma ajuda - uma das mulheres disse.

- Que amáveis! - Rena exclamou. - A senhora sempre foi muito bondosa, sra. Percival. E sei que papai era muito grato à senhora, sra. Butler.

- Sofri muito com a morte dele - declarou a sra. Butler. - Só espero que o novo pároco faça alguma coisa pelas crianças. Meu marido dizia ontem mesmo que era uma tristeza o bispo nunca ter providenciado uma escola dominical para elas. Isso sem se falar num serviço religioso decente para nós, adultos.

- É verdade - Rena admitiu. - Mas ele deve estar sem auxiliares no momento, e talvez não considere nossa aldeia bastante importante como as outras.

- Bem, não concordo. Acho que somos importantes - uma das mulheres disse. - E, quando a Granja estiver restaurada, garanto que virão pessoas de toda a Inglaterra para vê-la.

- Sabem o que eu penso que seja o melhor para se fazer? - a outra mulher retrucou. - É derrubar tudo e construir uma nova casa e novos chalés. Estão esperando um exército de homens, não estão? Eles podem executar o trabalho.

- Isso é loucura! - Rena exclamou. - Afinal, a Granja e nossa aldeia fazem parte da história da Inglaterra. Meu pai tinha muito orgulho de ser o pastor de uma das aldeias mais antigas do país.

- E uma das piores, no aspecto - uma das mulheres interferiu. - Tenho vergonha de meu chalé quando minhas amigas vêm me visitar. Elas olham para a Granja e perguntam, rindo: "O que é aquilo ali? Parece uma casa assombrada."

As duas mulheres riram:

- Minhas amigas falam coisa pior - uma das mulheres comentou. - Nem posso repetir o que dizem. Mas a verdade é que ninguém se preocupa connosco agora que nosso pároco morreu.

- Acho que todos vão ficar surpreendidos quando virem o que acontecerá num futuro próximo. Mas, de qualquer maneira, muito obrigada pelo auxílio que me deram. Tem sido difícil para mim limpar a casa e ao mesmo tempo cozinhar.

- Trouxemos alguma coisa para seu jantar - uma das mulheres informou. - E também carvão, que encontramos no pátio, para conservar o fogo aceso. Se quiser, poderemos vir amanhã de manhã a fim de ajudá-la a preparar o café.

- Vocês são muito amáveis. Venham mesmo, se puderem. E rezem para que nossos planos de recuperação da Granja dêem certo.

- Rezaremos, e vamos esperar que pelo menos a igreja seja arrumada. O vento de ontem à noite arrancou um pedaço do telhado e derrubou uma janela.

- É terrível saber que ninguém tenha vindo nos ajudar - Rena comentou. - Papai pediu ao biso que fizesse alguma coisa para a conservação da igreja, mas ele respondeu que isso cabia ao dono da Granja fazer. E vocês devem saber muito bem que Sua Senhoria não tem dinheiro suficiente para obra tão dispendiosa.

- Nós entendemos, mas o bispo deveria encontrar alguém com dinheiro para executar o trabalho - uma das mulheres protestou. - Afinal, nós não podemos morrer de fome.

- Talvez tenhamos sorte e alguma pessoa apareça - explicou Rena. - Vamos rezar para que as coisas melhorem. Amanhã mandarei outra carta ao bispo, e quem sabe ele nos mande um pastor, ao menos para celebrar a cerimónia religiosa nos domingos.

- Vamos esperar que o bispo a ouça. O problema é que ninguém se importa que seu pai tenha morrido. Todos esperam que nós também desapareçamos, e assim a falta de assistência religiosa na aldeia não pesará na consciência de ninguém.

A mulher que acabara de falar estava furiosa. Pegou a bolsa e se foi, sem esperar que Rena lhe desse alguma explicação.

A outra mulher começava a se movimentar quando Rena lhe perguntou:

- Quanto Sua Senhoria lhes deve pela comida? Ele pagará imediatamente, se me disser quanto custou.

- Eu diria mais ou menos quinze shillings - ela disse. - Mas, se ele quiser ser generoso, poderá nos dar mais sete por nosso trabalho.

- Muito bem. Vou providenciar o pagamento. E muito obrigada por terem sido tão bondosas.

- Se tivermos um momento livre, voltaremos amanhã - ela comunicou. - É muita coisa você cuidar desta enorme casa sozinha. Viremos ajudá-la.

"São todas tão bondosas", Rena pensou. "Mas era o que eu esperava de pessoas que gostaram tanto de papai e mamãe. E sei que eles também gostaram muito de seus paroquianos. Mas, pensando bem, como podem as coisas continuar do jeito que estão? A única saída seria John se casar com Matilda, apesar de ser contra sua vontade. Porém ela nunca o amaria como ama Cecil."

Rena tentou afastar da mente essas considerações para pensar no jantar. Assim teriam o que comer. Talvez John encontrasse na adega alguma bebida a fim de tomar a refeição mais festiva.

Pensou em seguida em sugerir, delicadamente, ao sr. Wyngate e a Matilda que jantassem no hotel, insistindo que a comida seria bem melhor que a dela. Mas talvez, por conta própria, eles se retirassem logo após o chá.

Rena pôs as xícaras na bandeja e deu graças ao bom Deus por ter encontrado quatro em perfeito estado. Estranhou, porque tudo o que estava intacto fora roubado, considerando-se que só encontrara na cozinha e no resto da casa coisas quebradas, a louça desbeiçada.

De qualquer maneira podia entender, pois o local estava abandonado havia anos.

Os quadros sumiram, mas os livros permaneciam ainda lá, como também mais móveis do que ela esperara encontrar. Alguns necessitando de conserto, mas recuperáveis.

Era verdade que ela ainda não inspeccionara todos os cómodos. Espiara muitos deles da porta. Sabia que precisavam de limpeza, isso sem dúvida. Os tapetes necessitavam ser sacudidos e alguns lavados, antes de ser recolocados no lugar.

"Precisamos de um batalhão de homens para arrumar tudo", ela reflectia. "Não entendo como o sr. Wyngate pretenda restaurar a casa contratando apenas uma firma. Se tivesse me perguntado, eu lhe teria dito que no mínimo dez firmas seriam necessárias, sem se contar os homens que reconstruiriam parte do prédio."

Ela deu um profundo suspiro.

Em seguida, como se alguém lhe tivesse dito o que fizesse, rezou para que, por um milagre, a Granja voltasse a ser o que fora anos atrás.

A casa mais admirada, mais magnífica de toda a Inglaterra.

 

Cansada, Rena subiu para se deitar.

Todos gostaram muito do jantar que ela preparara. E John encontrara bastante bebida na adega. Milagrosamente, as pessoas que haviam entrado na Granja para roubar, não descobriram a adega. Ou talvez tivessem tido de descer ao porão, no escuro.

E, embora a comida fosse simples, o champanhe foi excelente, como também o vinho servido durante o jantar.

Quando Rena se dirigiu à cozinha a fim de lavar a louça, estava exausta.

O sr. Wyngate perguntara a John se ele e a filha podiam passar a noite lá. Para não ser rude, John respondera que sim, embora soubesse que os quartos não estavam em condições de receber hóspedes.

No próprio quarto, Rena fechou a porta e se despiu. A porta se abriu logo depois e Matilda entrou, dizendo:

- Adivinha o que aconteceu.

- O quê?

- Cecil está aqui - Matilda sussurrou.

- Cecil? - Por segundos Rena não se lembrou de quem era Cecil. Depois, pela expressão do olhar de Matilda, concluiu que se tratava de seu amado. - Por que ele veio? Onde está ele?

- Lá embaixo. Depois do jantar, saí para tomar um pouco de ar, e vi-o. Achei que Cecil não devia ter vindo, mas não deixei de ficar radiante em vê-lo. Que poderemos fazer, Rena? Onde poderemos escondê-lo? Se papai o vir, e desconfiar que veio para me buscar, ficará furioso. Papai é capaz de tudo, até de brigar com Cecil e feri-lo fisicamente.

- Tenho certeza de que seu pai não faria isso - Rena insistiu. - Mas, de qualquer maneira, ele não devia ter vindo sem prevenir.

- Cecil ouviu dizer em Londres que papai havia contratado homens para reformar a Granja. E você sabe porquê, não, Rena? Você sabe por quê! Ele vai me forçar a casar com John. Amo Cecil e não quero me casar com John, mas sei que papai fará de tudo para conseguir o que deseja. Daí ele estar tentando tornar a casa perfeita, a qualquer custo. Mas eu não me casarei com John. Amo Cecil e ele me ama, por isso veio aqui. Quando o vi, senti que ele tentava impedir que eu fosse infeliz pelo resto da minha vida.

Rena abraçou-a e disse:

- Vamos pensar no caso com cuidado. Entendo que vocês se amam, mas sabe como seu pai ficará furioso se lhe disser que pretende se casar com Cecil em vez de John.

- É claro que eu quero me casar com Cecil. Eu o amo! Nunca serei feliz com outro homem. - Matilda estava quase em pranto.

- Seja sensata e tenha calma. A primeira coisa que teremos de fazer é encontrar um lugar para Cecil dormir. Ele não deverá ficar aqui. Será arriscado e seu pai pode vê-lo.

- Então, aonde terá de ir? Veio de Londres com a finalidade de me levar de volta. Mas, naturalmente, não tem dinheiro para ficar num hotel e eu não tenho nada comigo no momento. Papai fará tudo o que for possível para mandá-lo embora, mesmo que seja preciso usar a força.

Rena achou que Matilda exagerava, mas também sabia que o sr. Wyngate queria que a filha se casasse com um homem que tivesse um título. Por essa razão queria restaurar a Granja.

- Meu pai está mesmo mandando homens aqui para trabalhar na casa? - Matilda perguntou. - Cecil soube, pelo gerente da firma, amigo dele, que seriam enviados trinta homens imediatamente. Talvez outros chegarão mais tarde. E Cecil soube que virão também alguns arquitectos com a missão de garantir a perfeição da obra.

Rena sentiu tristeza por causa de Matilda mas igualmente também por si própria, pois, uma vez casado, John não precisaria mais dela na Granja. Deveria partir sozinha pelo mundo afora, à procura de trabalho.

- Sei o que Cecil na verdade deseja - Matilda continuou. - Quer que eu fuja com ele. Mas como poderemos fugir sem dinheiro? E, além disso, tenho certeza de que papai me acharia em qualquer lugar, e me castigaria.

- Que ficará furioso, não há a menor dúvida - concordou Rena. - Acho que seu amigo Cecil não deveria expor você a problemas tão sérios.

- Para ser franca, o que eu mais desejo no momento é mesmo fugir com ele. Limparia o chão para ganhar dinheiro, se fosse necessário, ou dormiria sob as árvores, contanto que pudesse estar com Cecil. Ele diz que me ama e que fará qualquer coisa no mundo para não me perder.

- Vamos fazer o seguinte - disse Rena. - Agora é muito tarde para falarmos sobre o assunto tão desagradável como o de você fugir sem dinheiro, arriscando viver sem conforto. Mas...

- Que posso fazer? - interrompeu-a Matilda.

- Eu ia dizer que poderemos conversar amanhã quando estivermos menos cansadas. As coisas não parecerão tão assustadoras como agora.

- Como podem não parecer assustadoras? Cecil veio para me contar o que papai planeia, e quer me levar embora. Agora, o mais importante é fazermos o possível para que papai não saiba que ele está aqui.

- É claro que precisamos tomar alguma providência - Rena concordou. - O melhor de tudo, por enquanto, é ele ire dormir na Casa Paroquial onde estará seguro e onde terá certo conforto. Amanhã conversaremos melhor, e talvez encontraremos uma solução viável.

Rena vestiu um penhoar, calçou chinelos e desceu com Matilda.

- Onde está Cecil? - perguntou.

- Na sala de música. Acho que John andou limpando a sala hoje e deixou a porta aberta. Por isso Cecil entrou em casa sem passar pela porta da frente.

- Vamos até lá - disse Rena. - Mas ande na ponta dos pés para que ninguém nos ouça.

Rena pegou uma vela, acendeu-a, e para lá se dirigiu acompanhada de Matilda Nenhuma das duas tinha idéia de por onde andava o sr. Wyngate.

Receosa que ele ainda não estivesse na cama, Rena resolveu apagar a vela para não chamar a atenção. Era noite de lua cheia e a claridade seria suficiente para encontrarem Cecil. De mãos dadas, as duas mulheres foram à sala de música. A porta estava entreaberta.

Quando entraram, viram Cecil na janela olhando o jardim. Matilda correu ao encontro dele.

- Trouxe Rena para ajudar-nos - ela sussurrou. - Rena é muito bondosa e compreensiva. Sabe como queremos estar juntos.

- Sei quem você é - Cecil comentou. - Matilda me escreveu dizendo como havia sido boa desde o instante em que ela chegou aqui. Mas quando eu soube do número de empregados contratados para vir restaurar a casa, concluí por que motivo o pai de Matilda estava tão ansioso em terminar com o trabalho.

- Ele quer que eu me case com John - queixou-se Matilda. - Mas amo Cecil e nós queremos viver juntos.

- Prometo que você não será forçada a se casar com o conde - disse ele. - Vim aqui para levá-la comigo.

- Por favor, por favor - suplicou Rena -, tenham cuidado. Sei que se amam e que querem estar juntos. Mas o pai de Matilda pretende restaurar a casa simplesmente porque deseja que a filha se case com John e que more aqui.

- Sei disso - Cecil respondeu. - Mas nós nos amamos muito e queremos nos casar. Seremos felizes juntos.

- Sei que serão - Rena concordou. - Mas, se fugirem juntos, o sr. Wyngate pode, com apoio legal, trazer a filha de volta. E providenciará para que vocês nunca mais se vejam.

Matilda deu um grito de horror e escondeu o rosto no ombro de Cecil. Ele abraçou-a e disse:

- Não se preocupe, querida. Nunca permitirei que isso aconteça. Mas sua amiga está sendo bastante sensata dizendo que devemos agir com cuidado. E, naturalmente, preciso me esconder até ver o que irá se passar.

- Fico contente em constatar que você pensa como eu - comentou Rena. - E pode ir à Casa Paroquial que ainda me pertence por enquanto. Lá encontrará uma cama confortável onde dormirá com sossego. Amanhã de manhã, depois de nós lhe levarmos o café, poderá sentar-se na sala e arquitectar um plano para você e Matilda.

- Tem razão, Rena. Seu conselho é muito razoável. - E, dirigindo-se a Matilda, ele ainda acrescentou: - Agora vá para a cama, e reze para que possamos ser felizes como desejamos e para que encontremos um meio de sair dessa confusão. Então eu serei seu e você será minha.

- Aqui está a chave da Casa Paroquial - disse Rena, entregando-lhe a chave. - Você encontrará tudo de que precisa nos armários, e velas na gaveta da mesa da cozinha.

Pegando a chave, Cecil agradeceu:

- Muito obrigado. Deus a abençoe por pensar em mim. Você é a pessoa mais bondosa que conheci. Tenho certeza de que Matilda e eu seremos felizes, mas tenho também certeza de que não irá ser fácil.

- Nada é fácil neste mundo - comentou Rena -, porém temos de achar um meio de vocês poderem viver juntos. Mas, por favor, não faça nada apressadamente até que possamos conversar mais sobre o caso.

- Farei tudo o que você me recomendar, Rena - prometeu Cecil. - E muito obrigado mais uma vez por ter arrumado um lugar para eu passar a noite, um travesseiro para pousar minha cabeça.

- Agora os deixo a sós a fim de que possam se despedir. - Declarou Rena, retirando-se. Olhou para trás e viu Matilda e Cecil se beijando.

Ela ia subindo para o quarto quando deparou com John. Passou-lhe pela cabeça que ele poderia ir à sala de música. Seria horrível se encontrasse Cecil ainda por lá.

- Eu não estava com sono e desci para apanhar um livro na biblioteca - ela disse.

- Não devia ler a esta hora da noite - John aconselhou-a. - O sr. Wyngate já foi para a cama e eu ia dar uma última olhada no trabalho que fiz hoje.

- Antes que faça isso - Rena apressou-se em dizer, sabendo que, se ele fosse à sala de música, encontraria talvez os dois namorados se beijando -, quero lhe falar sobre uma coisa. Vamos ao salão. Lá estaremos mais à vontade. Como já está limpo, coloquei algumas flores nos vasos e o aspecto é acolhedor.

Chegando à sala, John acendeu várias velas.

- Quero lhe mostrar algo - ela disse. - É um tanto assustador, mas acho que você precisa saber.

John fitou-a, surpreso.

Quando se sentou no sofá, ele sentou-se ao lado.

- Conte-me o que a preocupa - insistiu John. - Sem dúvida há muita coisa que preocupa a todos nós.

- Ouvi dizer que o sr. Wyngate contratou trinta homens de Londres para vir aqui amanhã, com o fim de restaurar esta casa e fazê-la voltar ao que foi no passado.

- Verdade? - John parecia bastante surpreso. - Achei que ele faria isso só se eu me comprometesse a casar com a filha. Mas não tenho intenção de me casar com Matilda. Como já lhe disse antes, e repito agora, ninguém poderá me forçar a tal. Não me casarei com Matilda! Ponto final!

- É sobre isso mesmo que desejo lhe falar - disse Rena. - Matilda tampouco quer se casar com você, porque quer se casar com um homem que ela ama e que se chama Cecil.

- Como sabe disso? - O conde estava atónito.

- Sei porque o rapaz acabou de chegar. A idéia dele é tirá-la desta casa o mais depressa possível. Apesar de estarem sem dinheiro, pretendem se casar.

- Você está me dizendo que ela ama esse homem? - John perguntou, após uma pausa.

- Matilde o adora, e me confessou que prefere morrer a se casar com você.

- Que franqueza crua! - John riu muito. - Mas como também não tenciono me casar com ela, nada poderia ser melhor.

- Porém não se esqueça de que a situação se tornará bem mais difícil se eles fugirem como Cecil deseja. Isso porque o sr. Wyngate ficará simplesmente furioso e tentará trazer a filha de volta. Como Matilda é menor de idade, acho que legalmente poderá agir assim.

- Entendo seu ponto de vista. Mas ao mesmo tempo desejo que eles sejam felizes juntos, contanto que não haja envolvimento de minha parte.

- Você sabe muito bem, John, que o sr. Wyngate está fazendo tudo isso porque quer que a filha tenha um título e more com a pompa e o luxo que só o dinheiro pode dar.

- O que, naturalmente, não irá acontecer se ela fugir com outro homem - John terminou o pensamento de Rena.

- Claro que não. Pelo que sei, Cecil é um rapaz simples, sem título algum a não ser o de senhor. Um título de conde, para o sr. Wyngate, é o mesmo que atingir as alturas.

- Boa descrição - comentou John às gargalhadas. - Atingir as alturas com meu título, neste momento, não me leva a lugar nenhum.

- Mas você precisa entender que é por causa da certeza que ele tem desse casamento com Matilda que está trazendo toda essa gente de Londres. Conforme Cecil contou, dois arquitectos também virão para garantir que a Granja fique perfeita como no passado.

John deu um suspiro e replicou:

- Como eu gostaria de ver minha casa igual ao que foi no passado; mas sei que isso só seria possível ao preço de minha liberdade e felicidade.

- E eu diria que o mesmo acontece com Matilda - interpôs Rena. - Ela ama muito o homem que acabou de chegar, e que eu mandei para a Casa Paroquial para passar a noite, a fim de que ninguém o visse. Porém considero errado eles fugirem amanhã. Feito isso, o pessoal vindo de Londres voltará para lá de mãos vazias.

- Que problema difícil de se resolver! - exclamou John. - O melhor que tenho a fazer é ir conversar com esse recém-chegado para descobrir quem é ele e se tem meios de sobrevivência com a esposa. Porque, se o rapaz levar Matilda e não tiver dinheiro, o pai a deixará morrer de fome até que ela volte e seja forçada a se casar comigo. Sendo a moça menor de vinte e um anos, o pai ainda tem todo o poder sobre a filha.

- As coisas parecem ficar cada vez piores. - Rena deu um longo suspiro. - Sinto-me como se estivesse nadando num mar revolto sem saber como retornar à praia.

- Suas comparações são sempre muito interessantes. - John riu. - Porém, mesmo no meio de tantas dificuldades, adoro ter você comigo.

- E eu adoro estar aqui - respondeu Rena. - Tudo é tão emocionante! Apesar de também muito perigoso, e precisamos ter cuidado com o que fizermos.

- O que vou fazer - declarou John - é conversar com esse homem e ver se ele tem uma solução para o problema, afora levar Matilda daqui. Isso, nós dois sabemos, significa deixar a Granja no exacto estado em que se encontra neste momento.

- Fico pensando que, se ele tivesse esperado um mês ou dois, teria sido bastante melhor no referente à Granja - comentou ela. - Mas também iria ser bem mais difícil para você evitar esse casamento, no estágio, adiantado da reforma.

- É verdade - John concordou. - Por sinal, o sr. Wyngate estava falando esta manhã em outras melhorias que podem ser feitas depois de terminada a casa. Ele mencionou até uma pista de corrida que, sem dúvida, seria bem aceite na vizinhança.

- Naturalmente que seria. Você já pensou, John, como as coisas ficariam bem mais fáceis se você e Matilda se casassem?

- Responderei a essa pergunta em outra ocasião. Agora sugiro que vá para a cama enquanto vou ver o recém-chegado. Não sei se ele quer conversar comigo a esta hora da noite, mas...

- Nossa história tem um novo capítulo cada dia. - Rena sorriu. - Se chegarmos a um final feliz, terei certeza não apenas de que Deus no céu ouviu minhas preces como também de que os anjos estavam do nosso lado.

- Estão, garanto - disse John. - Você precisa persuadi-los a que me ajudem como a ajudam.

- Sabe que é o que desejo. A pior coisa do mundo, para qualquer pessoa, é casar com alguém que não ama.

- É o que sempre pensei - concordou John. - Mas também temos de nos lembrar de que a necessidade atrai o demónio.

- Não! Não! - Rena protestou. - Deixe o demónio fora disso, não o encoraje.

- Tenho a impressão de que ele está farejando nossa porta, por mais que estejam tentando mantê-lo à distância.

- O que precisamos fazer é usar a cabeça. Papai sempre falava assim quando tinha de enfrentar algum problema na aldeia. E insistia que, além disso, se fazia necessário rezar muito. Aí então viria a resposta a nossos problemas. Porque invariavelmente há uma resposta a qualquer problema.

- E ele sempre acertou pensando de maneira óptimista? - indagou John.

- Por mais incrível que possa parecer, acertou. Sempre levavam a ele os maiores problemas da aldeia. E papai invariavelmente encontrava uma solução. E não apenas a resposta que a pessoa desejava, mas uma resposta que afastava a dificuldade para bem longe.

- Então espero que, quando eu encontrar uma resposta a meus problemas, o recém-chegado também encontre uma ao dele.

- Eu rezarei para ambos, mas em especial para você que tem sido tão corajoso! Tem de vencer no fim.

John deu um profundo suspiro mas não respondeu. Foi para a porta e Rena acompanhou-o. Em seguida sussurrou:

- Vou sair pela sala de música a fim de que ninguém me veja. Não tenho idéia de onde o sr. Wyngate se encontra neste momento.

- Deve ter ido para a cama. Mas é melhor estarmos sempre preparados para os imprevistos que podem estar escondidos em qualquer canto da casa.

- Espero que não estejam agora - declarou John.

E ele saiu, sem fazer o menor ruído.

Rena subiu as escadas às escuras. Andava com cuidado devido ao mau estado dos degraus. O silêncio na Granja era absoluto.

Ela tirou o penhoar, fechou a janela e deitou-se.

Por causa das agitações do dia, e de seu cansaço excessivo, achou que não iria dormir logo. Contudo, assim que caiu na cama, adormeceu.

Não se escutava barulho algum, exceptuando-se o ocasional riflar de asas de um pássaro nas árvores.

E ela ainda dormia placidamente quando a lua desapareceu no céu e os primeiros raios do sol surgiram no nascente. Sonhava que John a beijava, e sentia o coração palpitar de alegria e arrebatamento.

"Eu te amo! Eu te amo", ela repetia, em sonho.

E então, quando abriu os olhos, viu que os lábios de John estavam colados aos seus. Por segundos, imaginou que ainda dormia. Mas, dormindo ou acordada, vibrava de alegria. John estava tão perto que lhe era impossível raciocinar, podia apenas sentir a maravilha daqueles momentos.

De súbito se deu conta de que não se tratava de sonho. Tudo era real. Os lábios de John se achavam de facto colados aos seus.

- Eu te amo! Eu te amo, Rena! - ele dizia. - Enfim posso lhe fazer essa confissão. Oh, querida, diga que também me ama!

- Eu... amo... você - ela balbuciou.

- É o que eu queria ouvir. Esperei muito, com receio de não haver retribuição de sua parte.

Ele beijou-a de novo. Agora apaixonadamente, quase avidamente, e Rena achava impossível pensar em outra coisa além do êxtase daqueles beijos. Enfim disse:

- Pensei que estivesse sonhando.

- Não, amor, tudo é real. Eu sou real, você é real, e finalmente posso dizer que te amo - John repetia.

- Mas... o que aconteceu? O que você tem a me revelar?

- Quero lhe confessar o que desejei fazer há muito tempo; foram séculos para mim. Como posso me casar com você desde o primeiro instante em que a vi? Eu te amo, amor, e precisava lhe dizer isso.

- Mas, o que aconteceu? - Rena perguntou mais uma vez.

- O que aconteceu? - John começou a explicar. - É muito simples. Você achou parte do dinheiro, e agora já tenho o suficiente para nos casarmos. Não seremos ricos, mas não morreremos de fome.

- Mas como? Por quê? O que mais encontrou?

- Aquilo que você mesma me mostrou aos pés da cruz.

- Tinha me esquecido completamente da cruz - murmurou Rena, aturdida.

- Imaginei que tivesse se esquecido, porque nunca mais a mencionou - respondeu John com um sorriso. - Encontrei mil libras e acho que há mais. Não o suficiente para reconstruirmos a Granja, mas o bastante para ficarmos juntos. Além disso, procurei um trabalho que nos permitirá viver melhor.

- O dinheiro da cruz! - Rena exclamou. - Eu havia me esquecido disso. Tem acontecido tanta coisa nesse meio tempo!

- E você estava certa quando me disse que talvez houvesse mais dinheiro. E, como lhe falava havia pouco, acho que deve haver ainda muito mais. Ao menos o suficiente para nos casarmos já. Por mim, a Granja pode cair aos pedaços contanto que sobre um pedacinho para nos abrigar com relativo conforto.

- Isso é mesmo verdade? Você encontrou mais dinheiro aos pés da cruz, junto ao espinheiro?

- É a mais pura verdade. E agora tenho o suficiente para lhe perguntar se quer me dar a honra de ser minha esposa.

- Sabe que a resposta é sim, John. Eu amei você desde o dia em que o conheci.

- O mesmo aconteceu comigo. E cada dia eu ficava mais agoniado por não poder lhe dizer como era maravilhosa, e por não poder beijá-la como posso agora.

John não esperou pela resposta. Beijou-a até que ambos se sentissem como se flutuassem. E todas as dificuldades do mundo foram esquecidas.

Enfim ele ergueu a cabeça.

- Não vou esperar mais - disse. - Nós casaremos assim que encontrarmos um ministro da igreja que fará você minha. E nunca a deixarei se separar de mim!

- É o que também desejo. Mas preciso saber como tudo isso aconteceu tão inesperadamente, a ponto de eu mal poder acreditar que seja verdade.

- Mas é verdade - insistia John. - Por isso, antes de ir para a cama, tive de vir a seu quarto para dizer quanto te amo e quanto te desejo!

- Ficou fora a noite toda? Deve estar exausto!

- Estou emocionado demais, excitado demais!

- Conte-me exactamente o que houve.

John sentou-se na cama e começou a falar.

- Fui à Casa Paroquial e encontrei Cecil quase indo para a cama. Acho que ele estava no quarto de seu pai, e parecia se sentir muito à vontade. Bem, quero dizer, com se estivesse na própria casa.

John fez uma pausa e Rena insistiu:

- Vamos! Quero saber exactamente como tudo se passou.

- Disse a Cecil que eu não tinha intenção de me casar com Matilda. E ele me disse que os dois se amavam havia muitos anos e que ele pretendia levá-la embora, não se importa com a opinião do sr. Wyngate.

- E o que mais disse Cecil?

- Que um batalhão de homens vinha de Londres hoje para pôr a Granja em ordem o mais depressa possível. Supliquei-lhe que não se apressasse em tomar medidas drásticas. Expliquei-lhe que era minha vantagem ter a casa arrumada, por não ter onde morar. E falei que ele podia se casar com a mulher que amava.

John beijou Rena e deu a conversa por encerrada. Porém ela insistiu:

- Continue! Quero saber o que veio depois.

- Muito bem. Conversamos durante algum tempo ainda e Cecil concordou em não tomar providências, pelo menos por uma semana ou duas, enquanto ele pudesse ficar na Casa Paroquial e bem acomodado com estava.

- Continue! - Rena prosseguia insistindo.

- Sugeri que ele expusesse suas intenções ao sr. Wyngate quando algum trabalho na Granja já estivesse pronto. Foi aí que Cecil tomou a palavra dizendo que, se Wyngate tentasse impedir o casamento, eles fugiriam e se esconderiam num lugar seguro. E, enquanto Cecil descrevia seus planos, tive a impressão de ouvir a voz de seu pai me dizendo o que eu deveria fazer. Afinal, estava no quarto dele, não estava?

- Meu pai mandou que você voltasse ao local das moedas? Foi isso?

- Exactamente! - concordou John. - Tenho certeza de que foi seu pai que me disse que as moedas ainda existentes na cruz me forneceriam o suficiente para eu pedir a você que fosse minha mulher.

- Eu teria dito sim, mesmo sem as moedas.

- Acredito. Mas eu te amo muito, Rena, para permitir que sofra as agruras da pobreza. O que aconteceria se eu não tivesse dinheiro no bolso e nem um tecto sobre nossas cabeças.

- E depois, o que mais?

- Aí encontrei uma pá e botas de seu pai que me serviram bastante bem. Disse boa-noite a Cecil e rumei para a floresta. Felizmente, por ser noite de lua cheia, pude ver muito bem a cruz ao lado do riacho. Encontrei o espinheiro, arranquei-o e vi logo três moedas de ouro. esCavaquei e escavaquei. Cada vez que enterrava a pá no solo encontrava outras moedas. Quando vi que era impossível carregar mais, trouxe o que calculei rapidamente que seria mais ou menos mil libras.

- Tanto assim? - Rena sussurrou.

- Tenho quase certeza. As moedas aumentavam de valor no decorrer dos anos.

- Foi bom ninguém ter aparecido enquanto você estava lá - comentou Rena.

- Foi bom mesmo. Mas o dinheiro era seu, Rena. Rezei para achá-lo a fim de poder me casar com você. Como poderia pedir-lhe que fosse morar comigo na Granja, nas condições em que o local se encontrava?

- Eu ficaria feliz com você até sem dinheiro, John. Mas acho maravilhoso pensar que poderemos morar na Granja mesmo que o sr. Wyngate não faça nada, uma vez sabendo que a filha não vai ser condessa.

- Agora o que vou sugerir é que os homens que virão hoje façam algum trabalho. Cecil ficará quieto na Casa Paroquial até o momento em que nós dermos ao sr. Wyngate a notícia de nossos casamentos.

- Ele ficará furioso! - Rena exclamou. - Absolutamente furioso! Se fosse possível dar a Matilda meu título de condessa, eu ficaria muito feliz sendo apenas senhora.

- Você é tão linda que merece ser condessa.

- Uma coisa me perturba, John. Não acho muito justo fazer o sr. Wyngate gastar tanto dinheiro para depois descobrir que a filha nunca terá o título que ele tanto deseja.

- Matilda será muito feliz com Cecil. Achei o rapaz extremamente simpático e honesto, e acredito que ele ama Matilda quase tanto quanto eu amo você.

- Eu também tive essa impressão - Rena concordou. - Mas, como não se trata de um homem importante, o sr. Wyngate jamais o aceitará como genro.

- O que devemos fazer, embora não lhe pareça justo, é esperar até que uma parte da casa seja restaurada para darmos a notícia de que haverá um casamento logo, apesar de não ser o casamento que ele espera.

Rena estava silenciosa. Pensava o tempo todo que seu pai não aprovaria aquele modo de agir. Ele acharia errado ter a Granja restaurada de um modo não muito honesto.

Mas ao mesmo tempo, pelo facto de John ter encontrado o suficiente para mantê-los juntos e vivos, nada mais lhe parecia de grande importância.

- Eu te amo! - ela murmurou, fitando-o nos olhos.

- E eu adoro você! - John sussurrou, os lábios nos dela.

- Eu te amo de todo o meu coração! - Rena repetiu.

 

Quando Rena desceu, olhou pela janela e viu carroções no pátio. Homens movimentavam-se em volta deles.

"Já chegaram", pensou.

Ao entrar na cozinha, imaginou que o sr. Wyngate teria muito a conversar com a turma, portanto não se preocuparia com a filha e nem com o casamento.

Ela começou a preparar o café da manhã. E supôs logo que precisaria providenciar comida para todos, incluindo os pedreiros. Em tal caso teria necessidade de contratar algumas mulheres da aldeia a fim de ajudá-la. E aproveitaria a oportunidade para arranjar também pessoas que a auxiliassem na limpeza da casa.

"Há ainda muito a fazer", dizia a si mesma. "Precisamos de criadagem dentro da casa tanto quanto fora."

Mas não achou que poderia dizer isso ao sr. Wyngate.

Quando ele desceu para o café, contente pela chegada da turma de Londres, falou apenas sobre o que pretendia que se fizesse em primeiro lugar.

Nem dirigiu a palavra à filha, que entrou na sala do jantar um pouco mais tarde que os outros. Estava corada e com um aspecto tão bom que Rena concluiu logo que já havia estado na Casa Paroquial, visitando o homem que amava.

Sabendo que o sr. Wyngate ficaria furioso se viesse a saber que a filha queria se casar com um plebeu, Rena resolveu conversar acerca da Granja. Assim ele se esqueceria de Matilda.

- Diga-me o que pretende fazer em primeiro lugar - perguntou.

E o sr. Wyngate descreveu com minúcias suas idéias. Rena e John reconheceram que ele agia com muito critério e inteligência.

Estavam ainda tomando café quando ouviram vozes no hall.

John disse:

- Acho que são os dois arquitectos. Soube pelos homens aí fora que tinham vindo juntos, mas pararam no hotel para tomar o café da manhã.

- Que pena - declarou Rena. - Poderiam ter tomado café aqui.

- Deixe-me tornar uma coisa bem clara, Rena - informou o sr. Wyngate, - esses arquitectos comerão na aldeia. Não devem entrar na casa a não ser para fiscalizar as obras e ver se os pedreiros estão fazendo o que determinei.

- Muito bom - concordou John. - Há pouco, ouvi-os conversando sobre a colocação da torre num lugar que me pareceu diferente daquela que você determinou.

- Se fizeram isso, ficarei bastante zangado! - o sr. Wyngate exclamou. - Disse uma centena de vezes que queria a torre bem no centro do telhado. Aliás, um detalhe bem importante em construção tão alta e tão grande como esta. Mas, como você deve saber, John, boa parte do telhado deve ser consertada antes da tentativa de se colocar a torre.

- Concordo com você. Acho boa idéia a sua de conservar uma torre. Assim, a Granja será montada a grande distância. Além disso, a vista lá de cima é magnífica. Essa foi a intenção de quando a construíram inicialmente.

- Acredito - o sr. Wyngate disse. - Torres eram muito populares numa fase da história da Inglaterra. E lamento muito as casas não terem mais torres agora. Afinal, devia ser interessante ao dono subir a qualquer hora para fiscalizar suas terras, a fim de ver se não foram invadidas.

O conde riu.

- Qualquer pessoa teria dificuldade de ver lá de cima todas as terras que possuo. Minha propriedade é imensa.

- Você devia ter homens guardando o local - aconselhou o sr. Wyngate. - E homens armados.

- Oh, não! - exclamou Rena, revoltada. - Com isso não concordo. Papai ficaria chocado com a idéia de homens matando uns aos outros. Alguns com certeza estariam apenas apanhando um pouco de capim nos campos para alimentar o gado, ou correndo atrás de algum cachorro fugitivo. Pior ainda seria impedir que uma criança subisse na cerca para apanhar flores ou para ver os esquilos correndo pela floresta.

Enquanto ela fez uma pausa a fim de ganhar fôlego, o sr. Wyngate tomou a palavra:

- As pessoas que vivem nesta aldeia, dependentes do dono das terras, têm de aprender a se comportar e a se capacitar de que o acto de invadir propriedade alheia deve ser punido severamente.

Horrorizada com as palavras do sr. Wyngate, Rena olhou para John como a lhe pedir socorro. Mas este limitou-se a sacudir a cabeça ligeiramente, num gesto negativo, acto esse que passou despercebido ao milionário.

Rena achou que aquele tipo de conversa ia se tornar perigosa, por isso levou o assunto para lado mais ameno:

- Essa sua idéia de conservar a torre no alto da Granja é excelente. Lembro-me de meu pai dizendo como tinham papel importante as torres, quando ele era criança. Verdadeiros mirantes. Papai comentava que, no passado, muitos paroquianos da redondeza, e alguns de lugares mais distantes, tinham torres em suas residências para que não apenas pudessem ver os invasores como também ter certeza de que seus cavalos não haviam pulado a cerca, desaparecendo para sempre.

O sr. Wyngate riu. E disse:

- Aposto que isso seria uma tragédia naqueles dias. Mas, falando em cavalos, logo que este lugar estiver habitável, acho que John apreciaria ganhar, como presente de Natal ou de aniversário, cavalos de raça que fariam a admiração de todos no condado.

- A idéia é tentadora - John confessou.

O sr. Wyngate virou-se para a filha e prometeu:

- Você, minha querida, cavalgará a mais preciosa e veloz das montarias. Causará inveja às mulheres que forem às casadas ou que pensem que os próprios cavalos sejam os melhores do lugar.

Matilda não respondeu. Porém, com medo que ela dissesse algo desagradável, Rena apressou-se em convidar todos a subir.

- Vamos ao telhado, vamos ver o lugar onde os arquitectos irão colocar a torre. Poderemos depois comparar a vista de agora com a vista futura, quando tivermos condições de enxergar até o mar.

- É claro que enxergaremos - confirmou o sr. Wyngate. - A torre será colocada no local mais alto da construção. Fico contente por você apreciar minha idéia, Rena, Como também nosso anfitrião apreciará, quando tudo estiver terminado.

Rena notou que John a fitava, com o pensamento longe. Para evitar qualquer comentário agressivo da parte dele, ela insistiu no convite.

- Se todos já acabaram de tomar café, venha comigo ao telhado. Assim John terá chance de dizer aos arquitectos que o sr. Wyngate está pronto a dar suas últimas ordens.

- Penso que os pedreiros já estejam lá em cima trabalhando - disse John. - Naturalmente é muito importante que conheçam bem o homem que os contratou e que os trouxe até aqui.

Ele não esperou que o sr. Wyngate respondesse. Levantou-se, pronto para subir ao telhado.

- Vocês todos, se terminaram - Rena insistia -, venham comigo. Sei que se trata de uma subida difícil e bem exaustiva. Mas vai ser emocionante ver o que foi planeado. - Ninguém deu opinião, e ela prosseguiu: - Porém precisam ter cuidado onde pisam. O chão não é muito seguro. Estive lá uma vez e constatei isso. É fácil enfiar o pé numa laje quebrada, o ferimento causado, dito por pessoas que o sofreram, é muito doloroso.

- Teremos cuidado - Matilde prometeu. - Naturalmente que devemos ver o que meu pai está planeando, e dar nossa opinião. Acho, francamente, que uma torre muito alta seria horrível.

- Concordo com você - disse John. - É algo em que não pensei antes. Talvez possamos persuadi-lo a não deixar a torre tão alta como ele deseja. Estragaria a arquitectura da casa.

John olhava para Rena enquanto falava, e ela se viu obrigada a dar uma opinião.

- Você tem razão - ela concordou. - Uma torre não é tão importante assim numa casa linda como esta. Na verdade, poderia prejudicar a estrutura. - E depois, olhando para Matilda, ela pediu: - Veja se você pode conversar com seu pai a deixá-la menor.

- O problema é - Matilda respondeu sorrindo - que papai sempre quer tudo mais imponente, maior do que o dos outros. Por exemplo, por eu não ser tão alta quanto ele desejaria, ficou terrivelmente desapontado.

- Que bobagem! - John exclamou, sorrindo. - Você tem a estatura exacta para sua idade e é perfeitamente proporcional, considerando-se seu tipo físico.

- Muito obrigada - respondeu Matilda. - Eu apenas gostaria que isso fosse verdade, ou que papai gostasse de mim como sou, em vez de me querer diferente.

Matilda olhou para trás enquanto falava, temendo que o pai ouvisse, caso ele estivesse também subindo as escadas.

Por saber que o madeiramento dos degraus estavam podres, Rena insistia:

- Subam mas tomem cuidado! Prestem atenção onde pisam e não se apressem. Precisam mesmo tomar cuidado. Estes degraus estão cheios de buracos, e é fácil ficar com o pé preso.

- Eu acho tudo isto muito emocionante - comentou Matilda, parecendo bastante interessada. Depois baixou a voz e acrescentou: - Como eu gostaria que Cecil pudesse ter vindo connosco. Sei que ele iria adorar.

- Cecil virá em outra ocasião - observou Rena também num sussurro.

Rena notara, durante o café, que Matilda quase não falara, com certeza pensando no homem que estava na Casa Paroquial. Ela não prestara a mínima atenção à conversa.

"Matilda precisa ter muito cuidado", reflectia Rena. "Será um desastre o pai descobrir que Cecil se acha escondido na vizinhança, e que ela está pronta a fugir com o namorado a qualquer momento."

Ao se levantar da mesa, depois do café, Rena não pudera deixar de pensar no problema adicional que lhe caíra nos ombros. Como se precisasse de mais um! Mas ao mesmo tempo tinha de ser honesta consigo mesma, pois o facto de Matilda amar Cecil ajudava na solução de seu problema. John não queria se casar com Matilda, mas também não queria feri-la.

Era verdade que, se ela fugisse com John, e Matilda com Cecil, os quatro poderiam ser vítimas da vingança do sr. Wyngate. Porém, de qualquer modo, todos os quatro teriam a consciência tranquila. Sabiam que ninguém estava magoado, o que aconteceria se John se visse forçado a se casar com uma mulher que ele não amava, e que não amava.

De qualquer maneira, Rena preocupava-se com o que viria a acontecer num futuro próximo. Pensava em como o sr. Wyngate ficaria enraivecido ao saber que a própria filha recusara um título que ambicionara tanto para ela, só porque queria se casar com um homem que, na sua opinião, não passava de um criado. Um homem que não tinha dinheiro e nem nada a oferecer a não ser seu coração.

Esse problema, Rena não podia deixar de pensar, era pior que qualquer outro.

Nas escadas, ela ficou um pouco atrás e John alcançou-a.

- Eu te amo - ele sussurrou.

- Eu também te amo - Rena respondeu. - Mas tenha cuidado. Se o sr. Wyngate descobrir alguma coisa, toda esta gente será posta pela porta fora e nem um centímetro da Granja ficará restaurada.

- Estou tendo cuidado - John garantiu-lhe.

Porém Rena acho que, se alguém observasse o olhar dele, perceberia a expressão de amor; seria impossível não reconhecê-la.

Rena continuou a subir as escadas, notando que a passadeira precisava de reparos.

Matilda foi para perto dela e segurou-lhe a mão. Parecia estar a precisar de carinho e de força.

Rena, naquele instante, se perguntava se estavam agindo acertadamente permitindo que o sr. Wyngate restaurasse a casa. Terminada a obra, viria inevitavelmente a saber a verdade, que nem John e nem sua filha pretendiam fazer o que ele planeara com todos os detalhes.

"Talvez até lá", reflectia Rena, "as coisas estejam melhores do que no momento. Se eu rezar, e rezar, como papai recomendava, quem sabe os céus me atendam e nada seja tão tenebroso como se apresenta agora."

Eles subiram um lance de escadas e pararam no patamar para tomar fôlego.

- Por que será que o primeiro conde, o que construiu esta casa, a fez tão grande e tão alta? - perguntou Matilda.

- Possivelmente como seu pai - respondeu Rena -, quis que a torre dominasse a paisagem para que todos que viessem à Granja se sentissem pequenos e inferiores ante algo tão grandioso.

Matilda riu muito e disse:

- Sua explicação é lógica. Mas, para subir essas escadas todos os dias, o tal conde precisava ser muito forte. Garanto que, ao atingir idade avançada, passou a dormir no andar térreo.

- Creio que sim. Afinal, ele era o Senhor Todo-Poderoso, e podia escolher o que bem entendesse deixando para seus subalternos o restante.

- Você tem uma resposta a tudo, não, Rena? - E, num tom de voz bem baixo, ela acrescentou: - Será que tem uma resposta para meu problema?

- Espero encontrar uma - respondeu Rena, também na surdina.

- O que estão cochichando, vocês duas? - Era John que agora estava bem perto delas. - Se estiverem falando mal de mim, as jogarei do topo do telhado. E irão mergulhar na grama lá embaixo.

- Não estávamos falando mal de você, tampouco de outras pessoas - retrucou Rena. - Só porque é dono desta casa, pensa que é maravilhoso?

Rindo, ele protestou:

- Eu me sentiria de facto maravilhoso se minha casa não estivesse no estado em que está. Só em subir essas escadas arrebentadas acho que vou chegar em cima sem fôlego.

- Não comece a nos desanimar - observou Rena. - Você já esteve lá em cima, já viu tudo, agora é nossa vez. Vamos ver se é mesmo difícil subir até o topo.

- Verá que é. Se quiser, posso carregá-la, Rena.

John brincava, e Rena respondeu de maneira que só ele pudesse ouvir.

- Quero, sim, mas não agora.

Os olhos de John brilharam. Ele desejou beijá-la. Rena percebeu, e foi com dificuldade que virou o rosto dirigindo-se a Matilda.

- Vamos! - disse. - Temos ainda muitos degraus a galgar.

- Eu cuido de Você - John falou, solícito, indo para bem perto de Rena. Tocou-lhe a mão, e ela sentiu um frenesi percorrer-lhe o corpo.

Ouviram-se vozes. Era o sr. Wyngate que também subia, acompanhado dos dois arquitectos.

- Se tivessem perguntado minha opinião - John murmurou no ouvido de Rena - eu diria que estavam começando a restauração da casa pelo lado errado.

- Como assim?

- Aprendi na Marinha que o casco é a parte mais importante do navio. Precisa ser forte e capaz de carregar não apenas o resto do navio como quem está dentro.

- Você quer dizer que o sr. Wyngate deveria ter começado pelo porão, para depois ir subindo vagarosamente até o topo?

- Foi o que quis dizer. Acho, por exemplo, que ele está errado em se preocupar tanto com a torre sem antes saber se o telhado é seguro.

- Falou isso a ele?

- Tentei, mas Wyngate nunca ouve ninguém, a não ser sua própria voz.

- Talvez por isso tenha conseguido sucesso na vida. - Rena achava que John estava sendo indelicado ao fazer essas considerações sobre o pai de Matilda, embora ela não estivesse ouvindo.

Mas, como se adivinhasse o teor da conversa, Matilda opinou:

- Papai sempre faz o que deseja. E, por ser muito capaz, sempre obtém sucesso em tudo o que empreende.

- Naturalmente - concordou John -, e nós o admiramos muito pelo que fez, e podemos entender o motivo de ele às vezes se ressentir por ter de esperar para conseguir o que deseja, em vez de conseguir tudo no momento em que tencionava obter.

- É exactamente como papai se sente. E, em nove casos num total de dez, está com a razão. Portanto, não podemos culpá-lo por ter tanto orgulho de si mesmo.

- Não o culpo. Ao contrário, admiro-o - replicou John. - E vamos deixá-lo começar lá por cima para depois ir descendo devagar até o porão.

- Se devagar, não posso garantir - declarou Matilda. - Papai quer que as coisas sejam feitas até antes de ele ordenar. Como os que trabalham com ele sabem disso, apressam-se sempre em cumprir-lhe as ordens.

- Não me surpreende o facto de ele ter obtido tanto sucesso na vida.

A essa hora já estavam quase no topo. Em mais alguns minutos no telhado.

Estava, como Rena logo notou, em péssima condição. Mas os homens já haviam começado a trabalhar lá, e ardósias tinham sido colocadas numa das extremidades do edifício. Mas na frente estava a torre que o sr. Wyngate teimava em desprezar. Queria uma na parte mais alta da Granja.

Os trabalhadores iniciavam a remoção da velha torre que ocupara aquele lugar havia anos. Estava em terrível estado.

Ao lado dela via-se uma pilha de tijolos novos.

- Que confusão! - comentou John.

- Pensei que fossem construir uma nova torre - comentou Rena.

- Eu também pensei - observou Matilda. - Papai lhes falou mil vezes que deviam construir uma nova, muito maior que a velha. Mas me parece que estão apenas remendando a velha, e conservando o mesmo tamanho.

- Se quer a minha opinião - disse John -, eles acharam mais fácil consertar o que já estava feito do que construir uma coisa nova.

Talvez tenham achado as pretensões do sr. Wyngate grandiosas demais, não havendo de forma alguma espaço suficiente no telhado - aventou Rena.

- Eu acho que não queriam trabalhar muito - insistiu John com um sorriso.

Nesse momento o sr. Wyngate e os dois arquitectos se juntaram ao grupo.

Haviam subido as escadas logo atrás deles.

Tão logo pisou no telhado, o sr. Wyngate berrou:

- Diabos! Não foi isso que eu ordenei! Pedi que se triplicasse o tamanho da torre, indo de um lado para outro do telhado. Não lhes falei apenas uma vez, mas vinte vezes!

- Bem, podemos começar tudo de novo - um dos arquitectos disse. - De facto, a torre que estava aí não combinava com o resto da construção. Deve ter sido construída muito tempo depois da casa.

- Tem razão - o outro arquitecto concordou. - Mas também acho que, se o sr. Wyngate quer uma torre maior, será necessário verificar antes se o telhado resiste.

- Já lhes disse - o sr. Wyngate insistiu, zangado - que não quero uma pequena torre redonda, mas uma muito grande, uma que possa ser ocupada por muitas pessoas ao mesmo tempo, sem dificuldade. O que fizeram até agora foi ridículo! Na verdade, o que fizeram pode ser jogado fora.

Enquanto falava, ele foi para o lado da torre e bateu com a bengala na parede recém-concluída.

- Cuidado, sir! - um dos arquitectos preveniu-o. - Essa parede me parece muito pouco segura.

- É claro que é insegura. A torre não devia ter continuado aí, para início de conversa. E, quanto mais depressa for removida, melhor. - O sr. Wyngate estava furioso e bateu novamente com a bengala na velha torre.

Ouviu-se no mesmo instante um ruído seco no telhado, bem debaixo do pé dele. Antes que se pudesse tomar qualquer providência, o sr. Wyngate escorregou, deu um grito de horror e sumiu.

Ninguém falou nada, ninguém respirava. Segundos mais tarde Matilda gritou:

- Papai! Papai caiu!

John foi imediatamente à porta de entrada do telhado. Ia descer para o lugar onde o sr. Wyngate devia ter caído.

Os dois arquitectos seguiram-no.

Da porta, disse a Rena:

- Ele com certeza está muito machucado. É melhor que você e Matilda desçam também para chamar o médico da aldeia.

- Farei isso - Rena respondeu prontamente.

John e os dois homens desapareceram.

- Você ouviu o que John falou - Rena disse a Matilda. - Vamos procurar o médico. Ele mora na aldeia vizinha, mas não sei se estará em casa no momento. Precisamos tentar encontrá-lo.

- Acho que eu devia ficar com papai - Matilda sugeriu.

- Pode deixar seu pai com John e com os arquitectos. Se estiver muito machucado, eles o porão na cama. E não há nada que se possa fazer por ora além de encontrar o médico.

As duas desceram o mais depressa que puderam. A passadeira rasgada e os buracos dos degraus não lhes permitiram andar mais rapidamente.

Chegaram lá abaixo junto com os outros homens, todos se prontificando a procurar o médico. Porém Rena achou melhor ela mesma fazer isso, pois conhecia a aldeia. Contudo, precisava de condução, pois a distância a percorrer era mais ou menos a de um quilómetro.

Matilda quis ir junto, porém Rena sugeriu:

- Acho melhor você ir à Casa Paroquial contar a Cecil o que se passou. Ele deve querer vê-la, pois espera notícias sobre nossas actividades desta manhã.

- Tudo bem - respondeu Matilda. - Mas depois quero voltar à Granja para ver meu pai.

Rena apontou a Matilda a direcção da Casa Paroquial e foi à residência de um fazendeiro conhecido seu que possuía vários cavalos.

O homem não cedeu facilmente. Não queria perder tempo indo à procura do médico. Mas Rena suplicou, dizendo que toda a aldeia estava ansiosa pela reforma da Granja. Ele então concordou, insistindo em ir sozinho.

- Diga ao médico que é um caso urgente - ela pediu. - Nosso amigo caiu de grande altura.

- Faço isso por você, Rena. Não faria por qualquer pessoa num dia em que me vejo ocupado como hoje. Além do mais, o cavalheiro estava gastando dinheiro para restaurar a Granja, coisa que todos nós queremos muito.

- E eu ficarei muito grata por sua gentileza. Papai também ficaria, se estivesse entre nós. Ele sempre dizia que você era um homem muito bom.

O fazendeiro pareceu embaraçado com o elogio, mas sem dúvida ficou muito contente.

Rena voltou depressa para a Granja. Tinha certeza de que o sr. Wyngate não achava falta da filha, pois devia estar desacordado, a se considerar pela gravidade da queda.

Rena chegou à porta da casa quase sem fôlego. Abriu-a e, para sua grande surpresa, não havia ninguém no hall.

"De certo levaram-no ao quarto em cima", pensou.

Enquanto subia as escadas viu John vindo ao seu encontro. Parou onde estava, esperando que ele se aproximasse. E disse logo:

- Mandei um amigo meu à procura do médico. Talvez ele demore um pouco para encontrá-lo. Nunca se sabe onde o médico pode estar.

John apertou-lhe a mão.

- O que tenho a lhe contar, Rena, é muito triste. Precisa ser corajosa.

- O que houve?

- O sr. Wyngate está morto! Ao cair, bateu com a testa num lugar onde antes havia uma lareira. Quando chegamos perto, ele não respirava mais.

- Oh, John, que coisa horrível!

- Eu sabia que você ficaria desolada. Mas não há nada que possamos fazer, Rena, além de esperar o médico, mesmo sabendo que a vinda dele será inútil.

John levou Rena à sala de jantar. Em seguida foi à cozinha e disse às duas mulheres, que lá haviam ido para ajudar, que preparassem um chá.

Por sorte ele encontrou um resto do vinho da noite anterior. Não seria necessário ir à adega. Encheu um copo e forçou Rena a beber, o que ela fez sob protesto. Mas tomou o chá com prazer.

- Ele está morto mesmo? - perguntou, quando as mulheres voltaram para a cozinha.

- Acho que sim. E você ficará encarregada de contar isso a Matilda.

- O facto de o homem que Matilda ama estar a seu lado, torna as coisas bem mais fáceis para ela do que se estivesse completamente só.

- Deixo isso por sua conta, Rena. Quanto a mim, enquanto o médico não chega, providenciarei os arranjos para o sepultamento. Depois, suponho que deva mandar embora todo o pessoal encarregado da obra.

Neste exacto momento Matilda e Cecil entravam na sala. John levantou-se.

- Rena ia agora mesmo buscá-la - disse.

- Os homens lá fora já nos contaram o que aconteceu - Matilda falou. - Papai está mesmo morto? Custa-me acreditar.

John tomou-a pela mão e a fez sentar-se.

- Lamento lhe dizer, minha cara, que não há nada a ser feito. Mandamos chamar o médico, mas duvido que ele possa fazer alguma coisa.

- Nunca pensei que isso pudesse acontecer com papai - Matilda sussurrou.

- Agora, querida - disse Cecil abraçando-a -, prometa que vai ser corajosa. Quero que fique na Casa Paroquial comigo enquanto espera o desenrolar dos acontecimentos.

- Quero ficar perto de papai. Acho que ele desejaria que eu fizesse isso.

- Concordo com você, Matilda - declarou John. - E sei que será corajosa. - Após uma pausa, ele continuou: -Detesto ter de incomodá-la neste momento com assuntos de negócios. Mas seu pai estava pagando pelo serviço desses homens. Compete a você decidir se quer mandá-los de volta a Londres ou se prefere que continuem com o trabalho, conforme seu pai planeara.

Antes de Matilda responder, Cecil adiantou-se, dizendo:

- Preciso falar com Matilda. Querem, por favor, nos deixar a sós?

- Claro. E faremos aquilo que vocês decidirem.

John e Rena se retiraram.

- Acho que Cecil é um homem muito sensato - John comentou enquanto se dirigia com Rena para a saleta. - Matilda reagirá bem ao drama, por estar com ele.

- Tudo foi tão repentino, tão terrivelmente inesperado! - Rena exclamou. - Ainda não posso acreditar que tenha acontecido.

- Sinto o mesmo - John concordou. - Foi uma queda horrível. Na verdade, mataria um homem bem mais jovem. Wyngate não teria chance de sobreviver. - Ele abraçou-a e beijou-a, dizendo: - Eu te amo. E, pensando bem, nada me importa muito, contanto que você esteja viva. Agora podemos nos casar logo que descobrirmos um pastor; não quero esperar mais do que for absolutamente necessário.

- Oh, John, tem certeza de que é a atitude certa a se tomar? Naturalmente que precisamos enterrar o sr. Wyngate antes.

- Sem dúvida. E faremos isso. Tenho bastante dinheiro para nossa lua-de-mel, e esse será nosso próximo passo. Quero você só para mim. Não quero pensar em nada além de você, e não quero que pense em nada além de mim.

- Não desejo outra coisa, John. Estaremos sempre juntos daqui por diante, e tudo o que acontecer no futuro aguentaremos juntos. Mas o que me consola é que temos um tecto sobre nossas cabeças.

- Graças a você, querida, possuímos dinheiro suficiente para nossa lua-de-mel. E então lhe provarei o quanto a amo. Mesmo não tendo outra coisa além de você, me considerarei o homem mais feliz do mundo.

Ele beijou-a de novo. E Rena sentiu-se carregada às nuvens. Nada importava a ela, excepto o facto de que um pertencia ao outro.

 

                                                                                Barbara Cartland  

 

                      

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