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A FALHA FATAL / Irving Wallace
A FALHA FATAL / Irving Wallace

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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A partir de 1931, os japoneses empenharam-se agressivamente na expansão dos seus pontos de apoio no continente asiático, à custa dos chineses, enfraquecidos por conflitos internos, e em prejuízo dos interesses americanos e britânicos na região. Naquele ano, invadiram a Manchúria, transformando-a num estado-satélite do Japão. Depois da conquista da França e dos Países Baixos, em 1940, por Hitler, os japoneses aproveitaram a incapacidade da França para obrigá-la a concordar, sob ameaça, com a ocupação da Indochina francesa.

Em resposta, o Presidente Roosevelt exigiu, a 24 de julho de 1941, que as tropas japonesas se retirassem da Indochina - e, para reforçar a exigência, deu ordens, a 26 daquele mesmo mês, para que se congelassem todos os bens japoneses nos Estados Unidos e embargou o fornecimento de petróleo. Churchill tomou providências simultaneamente, e, dois dias depois, o governo holandês refugiado em Londres foi induzido a seguir-lhe o exemplo - o que significava, segundo comentara Churchill, que o “Japão fora privado, de um só golpe, dos vitais suprimentos de petróleo”.

Em discussões anteriores, já em 1931, reconhecera-se que esse golpe paralisador obrigaria o Japão a lutar, como única alternativa para o colapso ou abandono da sua política. É significativo que ele tenha adiado o ataque por mais de quatro meses, enquanto procurava negociar o cancelamento do embargo ao abastecimento do petróleo. Os Estados Unidos recusaram-se a cancelá-lo, a menos que o Japão se retirasse não só da Indochina como também da China. Nenhum governo, e muito menos o japonês, concordaria com tais condições. Assim, eram muitas as razões para se esperar guerra no Pacífico a qualquer momento, a partir da última semana de julho. Nessas circunstâncias, americanos e ingleses ganharam quatro meses, antes que explodisse o ataque japonês. Mas não se tirou muito partido desse intervalo para o preparo defensivo.

A 7 de dezembro de 1941, uma força naval de seis porta-aviões desfechou um ataque devastador sobre Pearl Harbor, a base naval americana nas Ilhas Havaí. O ataque foi feito antes da declaração de guerra, seguindo o precedente de Porto Artur, em 1904, o primeiro ataque do Japão na guerra que sustentou contra a Rússia.

Até começos de 1941, o plano japonês, em caso de guerra contra os Estados Unidos, consistia em usar sua frota principal no Pacífico sul juntamente com um ataque às Ilhas Filipinas, para enfrentar um avanço americano, pelo oceano, para auxiliar sua guarnição nas Filipinas. Era essa a atitude que os americanos esperavam dos japoneses.

Contudo, nesse ínterim, o Almirante Yamamoto concebera novo plano - um ataque de surpresa a Pearl Harbor. A força de ataque fez uma aproximação indireta pelas Ilhas Curilas, desceu sobre as Ilhas Havaí pelo norte, sem ser percebida, e desfechou o ataque antes do amanhecer, com 360 aviões, partindo de uma posição a quase 500 quilômetros de Pearl Harbor.

Dessa forma, abriu-se caminho para uma ininterrupta invasão naval de territórios americanos, britânicos e holandeses no Pacífico. Enquanto a principal força de ataque japonesa se dirigia, pelo nordeste, para as Ilhas Havaí, outras forças navais escoltavam comboios de tropas para o sudoeste do Pacífico.

Em Pearl Harbor, os alvos, em ordem de importância, eram: os porta-aviões americanos (os japoneses esperavam que até seis deles, no mínimo três, estivessem em Pearl Harbor); os couraçados dos Estados Unidos; os tanques de petróleo e outras instalações portuárias e os aviões nas bases principais em Wheeler, Hickam e Bellows Field.

A força tarefa principal reuniu-se a 22 de novembro na Baía de Tankan, nas Ilhas Curilas, dali partindo no dia 26. A 2 de dezembro ela recebeu informações de que as ordens de ataque estavam confirmadas, de modo que os navios foram ocultados. Estabeleceram que a missão seria abandonada se a frota fosse descoberta antes de 6 de dezembro, ou se se chegasse a um acordo de última hora em Washington.

Houve desapontamentos quando a 6 de dezembro, véspera do ataque, não se informou da presença de nenhum porta-aviões em Pearl Harbor. (Na realidade, um deles estava na costa da Califórnia, outro levava bombardeiros para Midway, outro acabara de entregar caças à Ilha Wake, enquanto outros três estavam no Atlântico). Todavia informou-se da presença de oito couraçados em Pearl Harbor, e sem a proteção de redes antitorpedos, de modo que o Almirante Nagumo decidiu prosseguir. Os aviões decolaram entre 06:00 e 07:15 h (horário do Havaí) da manhã seguinte, a cerca de 440 quilômetros diretamente ao norte de Pearl Harbor.

O ataque foi iniciado às 7:55h e prosseguiu até as 8:25h; então, uma segunda leva de bombardeiros de mergulho e de grande altura (high level) atacaram às 08:40h. Mas o uso dos bombardeiros-torpedeiros na primeira leva fora o fator decisivo. Dos couraçados americanos, 5 foram afundados e os outros três sofreram danos sérios. Dos aviões, 188 foram destruídos e 63 danificados. Os japoneses só perderam 23 aviões e 70 ficaram avariados - exceto os cinco mini-submarinos perdidos num ataque que fracassou redondamente. Das baixas humanas, os Estados Unidos tiveram 3.435 mortos ou feridos; enquanto que os números japoneses são mais incertos, sendo que os mortos não chegaram a 100. Os aviões japoneses que retornaram pousaram nos porta-aviões entre 10:30h e 13:30h.

O golpe deu três grandes vantagens ao Japão. A frota americana do Pacífico foi totalmente posta fora de ação. As operações no Pacífico Sudoeste ficaram a salvo de interferência naval, enquanto que a força-tarefa de Pearl Harbor podia agora apoiar estas últimas operações. Os japoneses passaram, então, a ter mais tempo para ampliar e fortalecer seu anel defensivo.

A falha fatal é que o ataque não atingira os porta-aviões dos Estados Unidos, seu alvo principal, e também não atingira os reservatórios de petróleo e outras instalações importantes, cuja destruição teria tornado muito mais lenta a recuperação americana, já que Pearl Harbor era a única base para toda a frota. Vindo de surpresa, antes de qualquer declaração de guerra, o ataque despertou tal indignação nos Estados Unidos, que reuniu a opinião pública em torno do Presidente Roosevelt, em violenta ira contra o Japão.

 

 

Durante o século XVI, o Shogun Hideyoshi trouxera paz e unidade a um Japão violentamente sacudido por guerra civil por mais de cem anos. Assumindo o poder supremo no Japão, Hideyoshi voltou-se para a conquista de outros mundos, e a Coréia parecia ser um degrau natural para a conquista da China. Assim é que, em 1592, depois que a Coréia se negara a permitir o trânsito de tropas japonesas pela península para atacar a China, Hideyoshi desfechou a primeira de suas duas invasões. Os exércitos japoneses arrastaram tudo à sua frente e logo dominaram todo o país. Mas Hideyoshi não lograra assegurar a segurança das suas comunicações marítimas, e uma esquadra de belonaves coreanas blindadas afundou sua frota. Cortando-lhe a linha de abastecimento, obrigou-o a retirar-se. Isto fez com que Hideyoshi sentisse a necessidade de controlar o mar e, quando tentou uma segunda invasão, seu plano foi quase idêntico ao usado em Pearl Harbor três séculos e meio depois. Enquanto diplomatas japoneses ainda conversavam em Seul, Hideyoshi atacou de surpresa. Os navios defensores foram destruídos e as tropas japonesas desembarcaram. Mas desta feita os chineses combatiam ao lado dos coreanos, e os exércitos japoneses encontraram desesperada resistência. Foram obrigados a recuar, sendo aniquilados quando tentaram, por mar, retornar ao Japão. Pela segunda vez, aprenderam os japoneses que o sucesso de uma campanha ultramarina dependia não só da qualidade das forças terrestres empregadas, mas também do domínio do mar. Diz-se que, em seu leito de morte, o derrotado Hideyoshi expressou arrependimento por haver causado a morte a tantos compatriotas em terras estrangeiras e promulgou seu famoso edito do isolamento. Como resultado, os japoneses ficaram isolados do resto do mundo por mais de 200 anos.

 

O longo período de reclusão chegou ao fim em julho de 1853, quando uma esquadra americana entrou na Baía de Tóquio sem permissão. Esse acontecimento está registrado nos anais japoneses como “O Dia das Naves Negras”. Impressionados pelo número e pelo tamanho dos canhões dos navios americanos, que se moviam, expelindo grossos rolos de fumaça, sem auxílio de velas e do vento, os senhores da guerra japonesa sentiram a necessidade de ter navios e canhões iguais. Esse exercício americano de diplomacia de canhoneiras provocou o fim da herança feudal japonesa, levando o país à sua modernização e ocidentalização, bem como a adquirir suas próprias “naves negras”. Por volta de 1897 os japoneses estavam encomendando e construindo belonaves mais depressa do que qualquer outro país, excetuando-se a Grã-Bretanha, e, pelo começo deste século, a Marinha Imperial Japonesa era tão grande e moderna quanto a de muitas das potências ocidentais, e quem a equipou foi a nata da juventude japonesa.

 

Passados quase trezentos anos depois da derrota de Hideyoshi, o Japão decidiu tentar nova invasão da China continental. A influência russa crescia na Coréia, onde os interesses comerciais do Japão eram de suma importância. Além disso, a Rússia adquirira em 1898 a fortaleza manchu de Porto Artur, e a intenção de ligá-la por ferrovia até a Europa, para o transporte de tropas e suprimentos, era encarada como uma ameaça à existência do Japão como estado independente. Em fins do século XIX a imprensa japonesa já falava de guerra com o Colosso do Ocidente, e as forças armadas japonesas experimentavam rápida expansão. A 10 de fevereiro a guerra foi formalmente declarada. Contudo, o primeiro tiro fora disparado quase 48 horas antes. Pearl Harbor, 38 anos depois, repetira Porto Artur.

 

Grandemente inferior ao seu imenso adversário russo em potencial humano e material, a esperança do Japão estava em conseguir o domínio do mar e o controle da Coréia logo de início. Com isso, os russos ficariam privados de qualquer porto sul-coreano de onde pudessem desfechar operações contra o Japão; as baías da costa ocidental da Coréia serviriam de bases para a frota japonesa, e as tropas nipônicas poderiam ser enviadas à Manchúria - tanto por mar como por terra, através da Coréia - antes que os russos tivessem tempo de trazer da Europa forças capazes de combatê-las. Para obter essas vantagens, o Japão atacou antes de declarar guerra. Um navio russo, ancorado no porto coreano neutro de Chemulpo, foi afundado e as tropas japonesas desembarcaram na Coréia. Entrementes, a principal frota japonesa comandada pelo Almirante Togo, rumava para Porto Artur. Pouco antes da meia-noite de 8 de fevereiro, três couraçados russos foram torpedeados por destróieres japoneses, que os atacaram quando ainda estavam fundeados. Ao meio dia do dia seguinte, desfechou-se outro ataque e quatro cruzadores russos foram atingidos. Togo, então, bloqueou o porto e quando, depois de um sítio de cinco meses, ele foi capturado pelas tropas japonesas, o resto da frota russa caiu-lhe nas mãos.

 

Vários meses antes que Porto Artur caísse, os russos haviam mandado sua frota principal, sediada no Báltico, para levantar o bloqueio. Foram precisos sete meses para essa armada chegar à zona de batalha, e ela foi aniquilada num só dia, nos Estreitos de Tsushima. Considerada, por alguns historiadores navais, como o maior combate marítimo desde Trafalgar, essa batalha histórica seu ao Almirante Togo o título de Nelson do Japão. Também aos olhos do mundo ela aumentou de tal modo o prestígio do Japão, que ele de pronto foi reconhecido como uma das grandes potências. Os frutos da vitória incluíam a Coréia, que se tornou ptotetorado japonês, e o controle virtual da parte sul da Mandchúria. Porém, o mais importante era algo menos palpável. Derrotando o colosso russo, o Japão destruíra o mito da invencibilidade do Homem Branco, e os japoneses não perderam tempo em tirar partido da situação.

 

Nos anos imediatamente após a guerra com a Rússia, o Japão passou a consolidar sua posição no Sudeste Asiático e a apertar seu domínio da Mandchúria meridional. Enquanto assim procedia, suas façanhas eram observadas, em Washington, com crescente apreensão. Embora na guerra com a Rússia o Japão recebesse apoio moral e financeiro dos Estados Unidos, suas atividades no Pacífico eram vistas com desconfiança. A afluência de trabalhadores japoneses para os Estados Unidos tornou maior o atrito e, na primavera de 1905, à crescente agitação para que se detivesse a imigração japonesa juntou-se a exigência para que se boicotassem as firmas nipônicas nos Estados Unidos. O Presidente Roosevelt, que insistia na necessidade de uma frota poderosa como o melhor meio de manter o Japão em xeque, considerava a reação antinipônica como provocadora e inconsistente com os sentimentos manifestados pelos que, havia pouco, se haviam recusado a apoiar o pedido que fizera de uma marinha mais forte. Contudo, pela assinatura de um acordo em 1908, no qual o governo japonês concordava em restringir a imigração de mão-de-obra japonesa para os Estados Unidos, houve um alívio na tensão, e cinco anos se passariam para que a questão da imigração se fizesse novamente sentir.

 

As duas décadas que se seguiram presenciaram um aumento espetacular no poderio industrial, comercial e econômico japonês. Durante esse período houve também um aumento gradativo no estado de tensão entre o Japão e os Estados Unidos, provocado pela competição pela supremacia naval no Pacífico Ocidental. Porém a corrida armamentista naval só começou, de verdade, em 1916, mas se prenunciara no começo do século. Com a aquisição do Havaí e das Filipinas pelos Estados Unidos, em 1898, a necessidade de uma frota poderosa para protegê-los tornara-se evidente para todos os americanos ponderados. E em seus sete anos no cargo de Presidente, Roosevelt conseguiu duplicar a esquadra dos Estados Unidos - embora não lograsse obter mais que uma fração dos navios que pedira. De sua parte, o Japão, havendo criado uma marinha bastante forte para obter o domínio dos mares e vencer os russos, continuou aumentando o poderio naval depois da vitória. Por volta de 1912 seus gastos com a esquadra atingiam a 35% do orçamento nacional, e teriam sido maiores se uma proposta para criar nova frota de oito grandes couraçados e oito formidáveis cruzadores não tivesse sido rejeitada. Só em 1920 é que esse programa de 8-8, como era chamado, foi sancionado, mas a expansão da Marinha Imperial já começara.

 

Embora estivesse preso por obrigações de tratado com a Grã-Bretanha, o Japão poderia ter permanecido neutro quando a Primeira Guerra Mundial estourou na Europa. Ele não era obrigado a participar do conflito, a menos que os germânicos atacassem possessões britânicas no Extremo Oriente, coisa que a Alemanha não fez. Mas o Japão decidiu alinhar-se com a Grã-Bretanha, e sua ajuda foi inestimável. Por conseguinte, no final da guerra, ele foi recompensado, recebendo todas as ilhas alemãs do Pacífico situadas ao norte do equador e que ocupara - as Carolinas, Pelew, Marshall e o grupo das Marianas. Dispondo de posição estrategicamente valiosa no meio do Pacífico, o Japão podia agora desafiar os Estados Unidos pelo controle daquele oceano. E assim como a corrida na construção de belonaves entre a Grã-Bretanha e a Alemanha fora um fator contribuinte para a Primeira Guerra Mundial também a rivalidade naval entre o Japão, Estados Unidos e Grã-Bretanha que se seguiu ameaçou desencadear outra guerra. Durante a década dos 20, o poderio naval japonês foi governado pelo acordo de 5-5-3, que significava que, para cada cinco navios de linha que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos construíssem, o Japão só podia construir três. O acordo, celebrado em Washington em 1922, relegava virtualmente o Japão à condição de terceira potência e conferia à Marinha Imperial o papel de força de dissuasão. De início, o representante japonês à conferência, Almirante Kato, exigia que a proporção da frota devia ser de 10-10-7. Mas os especialistas navais da época acreditavam que uma frota defensiva devia ser 50% mais forte que seus atacantes, e a concessão de uma proporção de 10-7 representaria a perda da margem de superioridade que poderia fazer toda a diferença entre a vitória e a derrota, se o Japão atacasse os Estados Unidos. Por conseguinte, em termos de couraçados, a proporção de 5-5-3 que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos haviam convencido o Japão a aceitar assegurava a superioridade ininterrupta dos Estados Unidos. Os porta-aviões, que decidiriam o domínio do Pacífico, nem sequer entraram em cogitação na conferência, porque eram pouquíssimos os existentes.

 

Durante alguns anos o Japão obedeceu à risca o acordo de Washington. A marinha ampliou-se praticamente aos limites por ele permitido. Por volta de 1930, as frações militaristas do Japão sonhavam com uma “Ásia para os asiáticos” sob domínio japonês. E como o acordo de 5-5-3 atrapalhava a expansão do poderio naval do Japão, houve um apelo para sua renúncia ou por uma proporção mais favorável. Nem uma coisa nem outra resultou da Conferência do Desarmamento realizada em Londres, em 1930, e, à medida que os ativistas começavam a ganhar o controle do governo japonês, a crítica que faziam deste e do antigo acordo aumentou. Outra Conferência de Desarmamento estava programada para Londres, em 1935, mas o clamor foi tal que se decidiu fazer uma conferência preliminar em 1934. Esta, que revelou ser a última tentativa de limitar as forças navais mediante tratado, estava fadada ao fracasso. As discussões arrastaram-se por dois meses, mas a representação japonesa parecia decidida a não chegar a qualquer acordo. O Japão exigia que se lhe reconhecesse o direito de se armar como lhe aprouvesse, como país soberano que era, e as sugestões para que se mantivesse a mesma proporção enquanto se buscava um compromisso foram todas rejeitadas. Naquele outono, o Japão declarou que qualquer prorrogação do Tratado de Washington seria inútil e notificou que se estava retirando dele. No Japão, o novo grupo de linha-dura de políticos militares triunfara; agora seria muito difícil deter a avalancha da guerra.

 

Uma vez eliminadas as restrições ao seu tamanho e composição, o Japão estava livre para ampliar a Marinha Imperial até onde o permitissem seus recursos financeiros e, por volta de 1941, ela era mais poderosa do que as frotas britânicas e americanas no Pacífico, reunidas. O Japão não só possuía os dois maiores couraçados que o mundo já vira, como também tinha dez porta-aviões, enquanto que os Estados Unidos só tinham três e a Grã-Bretanha um. Mais importante ainda é o fato de haver a Marinha Imperial adotado a estratégia de usar o porta-aviões como arma ofensiva, enquanto os Estados Unidos ainda pensavam que ele só tinha utilidade como proteção aérea para os couraçados.

 

Em 1931, o Japão ocupou a Mandchúria setentrional. Segundo os japoneses, eles foram obrigados a tomar essa decisão porque os chineses mostravam-se arrogantes e provocadores. Mas a rápida expansão das operações militares deixou claro que eles há algum tempo planejavam dominar a província. A verdadeira razão residia no fato de os ativistas, agora no controle do governo japonês, realizarem apelos freqüentes ao fervor patriótico do povo, pela expansão do Japão. Suas ilhas eram de excepcional beleza, mas seu terreno montanhoso carecia da matéria-prima para alimentar as indústrias modernas, das quais dependia sua população, que crescia assustadoramente. Era preciso cada vez mais território, e seis anos após a ocupação da Mandchúria os japoneses invadiram a China. A luta prosseguiu por oito anos, até 1945.

 

Por volta de 1939, o Japão estava inteiramente dedicado à guerra, e com imenso sucesso, na grande massa continental da Ásia. A facção ativista apertara seu domínio do governo. Mas à medida que os generais arrastavam o Japão cada vez mais para o interior da China setentrional, os almirantes viam que o país se aproximava sempre mais de um choque com a Rússia Soviética. Na sua opinião, se o Japão quisesse arriscar-se numa guerra com uma grande potência, então devia ser numa direção que lhe dava maior possibilidade de sucesso - e na qual se poderia explorar o poderio da Marinha Imperial. Desde que o Japão se comprometera numa campanha na China continental, parecia que a maneira lógica de concluí-la com sucesso seria empregar a Marinha ao longo da costa chinesa, em vez de deixar o exército avançar para o norte e correr o risco de um choque direto com a União Soviética. Os almirantes diziam que, numa série de operações combinadas, se poderia usar um exército relativamente pequeno de maneira eficaz e flexível contra os chineses, que eram numericamente superiores. Essas táticas deveriam trazer dividendos dobrados. Primeiro, havia menos possibilidade de o Japão se atolar numa guerra com duas grandes potências terrestres, cada qual com uma população muito maior do que a japonesa. Segundo, a presença da poderosa marinha japonesa operando no Sudeste Asiático defenderia as tentativas diplomáticas e comerciais de expansão naquela região. Os japoneses já vinham há algum tempo tentando aumentar seu comércio com as Índias Orientais Holandesas, que são ricas em petróleo, e à medida que a guerra na China se arrastava e tornava mais aguda a necessidade de petróleo e de outras matérias-primas, os próprios almirantes passaram a considerar essa área vital para eles.

 

Até 1938, os japoneses sempre consideraram a Rússia Soviética como o principal inimigo potencial do Japão. Mas o crescente ressentimento com a pressão diplomática aplicada pelos Estados Unidos para acabar a guerra com a China fez com que a Rússia fosse substituída pelos Estados Unidos. A Marinha Imperial, expandindo-se rapidamente, jamais tivera quaisquer dúvidas sobre quem seria o verdadeiro inimigo numa grande guerra. Os generais japoneses sentiam que o avanço pela China adentro levaria inevitavelmente ao choque com a Rússia, mais cedo ou mais tarde. Por outro lado, os almirantes japoneses sabiam que um avanço para o sul provocaria atrito com os Estados Unidos, e a guerra com este país seria marítima. Nem eles nem os almirantes americanos se compraziam com a perspectiva. Mas os generais é que tinham o controle nas mãos, e tacharam as negociações com os Estados Unidos como “diplomacia tola”.

 

Envaidecidos com as conquistas na China e sentindo-se todo-poderosos, os líderes do exército eram favoráveis à guerra e à promoção de uma “Esfera de Co-prosperidade do Grande Sudeste Asiático”. Hitler e Mussolini estavam insistindo para que o Japão se unisse a eles num pacto defensivo de três potências e os generais eram favoráveis a isso. A maioria dos almirantes era contra. Mas a situação mudou quando o Presidente Roosevelt ordenou que a frota americana do Pacífico deixasse seus portos na Costa Ocidental americana e se concentrasse em Pearl Harbor. Ele já impusera sanções econômicas ao Japão, e estas começavam a incomodar, mas os movimentos da frota americana sugeriam que o Presidente estava pensando numa intervenção armada. Quando, em julho de 1941, o comércio americano com o Japão foi suspenso e os bens japoneses nos Estados Unidos foram congelados, a guerra parecia iminente.

 

O Almirante Yamamoto

Isoruku Yamamoto foi nomeado Comandante-Chefe da frota combinada japonesa - a rengo Kantai - a 30 de agosto de 1939. O cargo era o mais alto comando executivo da Marinha Imperial e diz-se que Yamamoto, um abstêmio, ficou tão surpreso ao saber que fora escolhido para o posto, que bebeu um copo inteiro de cerveja num só gole. Duas semanas depois da nomeação, os alemães invadiram a Polônia e teve início a Segunda Guerra Mundial. Yamamoto sabia que cedo ou tarde o Japão seria envolvido e se dedicou de corpo e alma ao trabalho de preparação da Marinha Imperial para a guerra com seu costumeiro e implacável vigor. “Sob meu comando”, anunciou ele, “dar-se-á prioridade ao treinamento aéreo”. Começava a enfrentar o problema de como destruir a frota americana do Pacífico, se os políticos japoneses fossem tão insensatos a ponto de envolver o país numa guerra com os Estados Unidos.

 

Como Yamamoto era francamente contra tal guerra, era uma ironia que tivesse concebido e levado a cabo o plano de ataque a Pearl Harbor. A franqueza com que combatia a política que provocava risco de tal guerra já tinha feito com que os extremados políticos japoneses o acusassem de pró-americano e traidor. Quando Vice-Ministro da Marinha Imperial, fora ameaçado de assassinato devido ao que pensava sobre tal guerra. Yamamoto vira pessoalmente o poderio industrial dos Estados Unidos, quando estudava na Universidade de Harvard e, mais tarde, quando serviu como adido naval em Washington. Assim como a maioria do povo do Japão, ele acreditava que os japoneses eram uma raça predestinada, escolhida para desempenhar o papel dominante na Ásia. Contudo a realidade que tivera a oportunidade de ver o levava a recear as conseqüências de uma guerra com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Como Vice-Ministro da Marinha, sua opinião, muitas vezes expressa, era a de que tal guerra só poderia terminar em desastre. Então, como era possível que tivesse ideado o ataque devastador que a precipitaria? A resposta é que Yamamoto não tinha outra alternativa; era prisioneiro da história. Nascido de linhagem Samurai empobrecida, sua própria natureza exigia-lhe que seguisse as tradições do Bushido - o código de honra dos Samurais. O dever para com o Imperador e para com o Japão estava acima de tudo o mais. Como Comandante-Chefe, a responsabilidade de Yamamoto era a proteção da sua pátria. Se outros decidissem pela guerra, ele teria de estar pronto para ela.

 

Já em 1927, Yamamoto reconhecera a potência aérea como um elemento novo e crucial da estratégia naval, e quando foi nomeado para o novo porta-aviões Akagi, no ano seguinte, dedicou-se, como o disse um dos seus biógrafos, “aos problemas práticos implicados no desenvolvimento de teorias da guerra aérea”. Capitão aos 39 anos de idade, contra-almirante aos 44 e Vice-Ministro da Marinha em 1937, somente quando se tornou Comandante-Chefe é que pôde exercer influência no pensamento estratégico da Marinha Imperial. Depois da conferência do Desarmamento, em Londres, em 1934 - à qual Yamamoto fora o principal representante japonês - empenhou-se o Japão num amplo programa de construção de couraçados destinados a dar ao país a superioridade em grandes unidades navais. Foram feitos planos para quatro gigantescos couraçados, cada um equipado com nove canhões de 18.1 polegadas. (O primeiro desses monstros, o Yamato, ficou pronto em dezembro de 1941, e o segundo, o Musashi, oito meses depois. O terceiro vaso, o Shinano, era o maior porta-aviões do mundo, e a construção do quarto foi abandonada.) Como não era provável que os Estados Unidos construíssem navios que não pudessem passar pelo Canal do Panamá, uma liderança na tonelagem asseguraria a vitória do Japão em qualquer batalha naval que obedecesse ao conceito clássico. Na paz, os novos gigantes acentuariam a posição internacional do Japão e dariam grande poder de negociação com os Estados Unidos e Grã-Bretanha; numa emergência, eles serviriam como “garantia de ferro”.

 

Dos almirantes, apenas Yamamoto não confiava na construção desses grandes navios. Na sua opinião, eles já eram obsoletos antes mesmo de batidas suas quilhas. “Eles eram como os complicados amuletos que certas pessoas penduram em casa. Não tem qualquer valos comprovado; são puramente uma questão de fé, não de realidade. Na realidade, eles serão tão úteis ao Japão, numa guerra moderna, quanto uma espada de Samurai...” Na sua opinião, seriam os porta-aviões, cercados e protegidos por cruzadores e destróieres, que dariam a palavra final, nas batalhas navais do futuro. O dinheiro gasto nos monstruosos couraçados seria melhor empregado em porta-aviões e aviões.

 

Desafiado pelos seus colegas, Yamamoto insistia que os ataques por aviões transportando torpedos provavelmente se mostrariam o método mais eficiente para destruir couraçados. “A maior serpente”, disse ele citando um velho provérbio japonês, “pode ser vencida por um monte de formigas”. Pearl Harbor viria a justificar suas palavras.

 

A despeito da oposição, as imaginosas idéias de Yamamoto começaram a ser aceitas gradativamente. Por insistência sua, Construíram-se dois novos porta-aviões (o Shokaku e o Zuikaku, de 30.000 t e 34 nós); hidroaviões de longo alcance, capazes de transportar uma tonelada de bombas a uma distância de 1.200 km (e cujo desempenho, em 1938, numa incursão de Kigushy a Xangai, espantou as marinhas ocidentais), entraram em serviço. Protegido por grande segredo, começou-se a produzir um caça novo e revolucionário. (Esse avião, o Mitsubishi A6M Zero, dominaria o Pacífico durante dois anos). Nenhum desses desenvolvimentos foi conseguido sem dificuldades. As revistas americanas garantiam aos seus leitores que os navios e aviões japoneses não eram páreo para os dos Estados Unidos. Um artigo publicado na revista Aviation dizia que os pilotos japoneses eram os que sofriam mais baixas em todo o mundo. Além disso, concluía o mesmo artigo: “Os especialistas aeronáuticos dos Estados Unidos podem dizer com certeza que os principais aviões militares do Japão já são ou estão ficando obsoletos...” Outra revista dizia aos seus leitores: “A aviação naval japonesa consiste de quatro porta-aviões com 200 aparelhos. Tal como a avaliação que a Grã-Bretanha fez do poderio dos tanques “de papelão” da Alemanha, pouco antes de Dunquerque, que a avaliação internacional do poderio aéreo japonês estava muito errada.

 

Dois meses depois de tornar-se Comandante-Chefe, Yamamoto iniciara a primeira de uma série de mudanças no plano estratégico básico da Marinha Imperial. Em 1909, quando se formulara uma “Política de Defesa Nacional”, na qual os Estados Unidos se tornaram o hipotético Inimigo nº 1, fora prevista uma batalha decisiva no Pacífico Ocidental. Acreditando que os americanos tomariam a ofensiva no Pacífico Ocidental, os japoneses planejaram destruir a frota americana em águas territoriais. Numa linha interna dos Mares do Sul, situada nalgum ponto entre os grupos de Ilhas Marianas e Marshall, a Marinha Imperial travaria essa batalha, e durante mais de trinta anos ela treinou para isso. As belonaves japonesas foram especificamente projetadas para operar nos mares agitados que circundam o Japão e nunca se considerou seriamente a idéia de mandá-los até o longínquo Havaí. A primeira mudança de Yamamoto foi ampliar a proposta aérea da batalha para Leste, a fim de incluir as Ilhas Marshall. Como a mudança parecia insignificante e sem nenhuma importância aparente, o Estado-Maior da Marinha aceitou-a sem problemas.

 

A providência seguinte de Yamamoto foi tornar a Frota Combinada realmente merecedora desse nome. Quando assumiu o cargo, seus dois componentes estavam operando separadamente. Sob seu comando operacional direto, ele os reuniu, combinando porta-aviões, couraçados, cruzadores e vasos auxiliares numa única frota poderosa. Na primavera de 1940 foram preparadas as primeiras manobras que se realizariam sob seu comando, e, nestas, o Comandante-Chefe salientou a necessidade de se melhorar o treinamento em ataques por aparelhos lançados de porta-aviões. depois do que pôde observar, determinou que se intensificassem os treinamentos. Isto quase dois anos antes de Pearl Harbor, e o vigoroso programa de treinamento foi resultante do que estabeleceu Yamamoto; em dezembro de 1941, os pilotos navais japoneses haviam atingido grau muito elevado de competência.

 

Apoiando-se na crescente influência do poderio aéreo demonstrado pelas recentes manobras, Yamamoto agora empurrava as fronteiras da área de batalha do plano estratégico mais para leste - dessa vez, significativamente - até o Havaí. Uma vez mais o Estado-Maior da Marinha também não fez objeções. O Havaí sempre estivera incluído no plano diretor como a área de operações para uma força expedicionária avançada de submarinos. Já então, Yamamoto convencera-se de que os políticos arrastavam o Japão para uma guerra com os Estados Unidos. Mais cedo ou mais tarde, o exército japonês teria de mover-se para o sul, para romper o impasse na China, fazendo a escalada da luta inconclusiva ali para uma guerra por todo o Grande Sudeste Asiático. O Japão sofria desesperada escassez de combustível e se os recursos petrolíferos das Índias Orientais Holandesas fossem cortados, até mesmo seus aviões ficariam imobilizados. Entretanto, do jeito que Yamamoto via a situação, um movimento para o sul, contra as colônias britânicas e holandesas, representaria guerra com os Estados Unidos, e, embora se pudesse desprezar a frota americana do Pacífico como uma ameaça ao Japão propriamente dito, ela seria uma ameaça em potencial para as forças expedicionárias japonesas no sul. A única maneira de garantir suas linhas de comunicação seria destruir a frota americana na sua base. Yamamoto confidenciou para o Almirante Ryunsuke Kusaka: “Se recebêssemos ordens de lutar contra os Estados Unidos, talvez pudéssemos conquistar uma vitória fácil e manter nossa posição por uns seis meses ou um ano. Mas, no segundo ano, os americanos aumentarão sua força e nos será muito difícil continuar combatendo com quaisquer perspectivas de vitória final”. Ele não revelou a Kusaka o que tinha em mente, mas isso estava implícito no que disse.

 

Não há dúvida de que a idéia de um ataque de surpresa a Pearl Harbor, que Yamamoto acalentava, se originara da ação do Almirante Togo em Porto Artur. Mas quem primeiro considerou tal possibilidade foi um almirante americano. Em 1932, o Almirante Frank A. Schofield, que então se reformava, sugerira que um inimigo imaginário poderia resolver concentrar uma força de porta-aviões e atacar o Havaí ou a costa ocidental dos Estados Unidos antes de declarar guerra. Até então se considerara que a força de 38 aviões baseada em Pearl Harbor era adequada para a sua defesa. Para provar isso, os porta-aviões recém-construídos, Saratoga e Lexington, singraram o Pacífico e, à 780 km de Oahu, 150 aviões foram lançados, antes que nascesse o sol de uma manhã enevoada. Os navios balouçavam nas águas agitadas, tal como aconteceria com os porta-aviões japoneses nove anos mais tarde. Surgindo das nuvens sobre o alvo, os aviões mergulharam em ataques simulados contra os navios ancorados em Pearl Harbor, considerando-se que os atacantes conseguiram pleno êxito. Esse resultado, por alguns dias, produziu consternação nos círculos navais americanos. Então, com a reforma de Shofield e com a imprensa preocupando-se com outros assuntos naquela serena época de paz, o nervosismo diminuiu e o problema foi convenientemente esquecido. Mas não por Yamamoto, que tinha plena consciência da importância do poderio aéreo.

 

Durante 1940, demonstrou-se habilmente no Mediterrâneo a viabilidade do uso de aviões transportadores de torpedos. Aos italianos, que tentaram afundar o cruzador HMS Gloucester na baía de Alexandria, cabe o crédito de serem os primeiros a tentar essa nova forma de ataque. Embora fracassasse, eles mostraram as possibilidades e os ingleses logo seguiram o exemplo. A 11 de novembro, a frota italiana fundeada na base de Taranto foi incapacitada, num audacioso ataque, por duas levas de velhos biplanos Swordfish de vôo baixo, que decolaram do porta-aviões HMS Illustrious. Com apenas uma perda de dois aviões britânicos, a marinha italiana recebeu um golpe do qual nunca se recuperou totalmente e, em pouco mais de uma hora, todo o domínio do poderio naval no Mediterrâneo passou para a Grã-Bretanha. Para Yamamoto, parecia que suas teorias haviam sido submetidas a testes e aprovadas. Concebia-se agora a “Operação Z”.

 

“Operação Z”: o plano de Pearl Harbor

As Ilhas Havaí, situadas no Pacífico Norte, ficam a 2.090 milhas náuticas a sudoeste de São Francisco. Como o nome sugere, a ilha principal é a Havaí, mas a capital, Honolulu, está situadas na ilha menor, Oahu, caracterizada por maciços montanhosos nas suas costas oriental e ocidental. Honolulu e a base naval americana de Pearl Harbor ficam entre essas montanhas. A população é uma mistura de caucasianos, japoneses, chineses e filipinos, grupos que se misturam com grande freqüência pelo casamento. Em 1941, cerca de 90% dessa população tinham cidadania americana.

 

Durante muitos anos os americanos haviam reconhecido que Pearl Harbor tinha todos os atributos naturais de uma baía convenientemente localizada para o deslocamento estratégico da Marinha dos Estados Unidos. E em agosto de 1919 ela foi inaugurada como base, embora a frota americana não ficasse sediada ali permanentemente, antes de 1940. “Pearl” nunca foi muito apreciada pelos marinheiros porque, como observou o Contra-Almirante Samuel E. Morrison: “Havia poucas brancas e os lojistas eram desonestos...” A base tampouco era popular entre os almirantes. À parte os problemas logísticos oriundos do fato de que ela precisava ser abastecida diretamente da costa ocidental dos Estados Unidos, a quase 5.000 km de distância, a segurança de uma baía fechada, e com uma única entrada, era uma preocupação que os importunava constantemente. Bastava afundar um só navio na única entrada para fechar a baía. Gastavam-se três horas para que a frota saísse da baía, através do canal de entrada, até mar alto, e, com a frota fundeada no porto, o congestionamento de navios, instalações de combustível e reparos, e, os armazéns de suprimento, faziam da baía um alvo sedutor para um ataque aéreo. Entretanto, em maio de 1940, quando Washington resolveu manter uma frota de batalha em águas havaianas, para deter os japoneses, não havia qualquer alternativa, em parte alguma da área, que oferecesse as mesmas facilidades que Pearl Harbor. O Almirante Joseph O. Richardson, Comandante-Chefe em maio de 1940, duvidou da sensatez da decisão de se basear uma frota mais ou menos “permanentemente” em Pearl. Ele argumentou que seria mais seguro voltar às bases melhores da costa ocidental dos Estados Unidos, mas quando levou suas objeções ao Presidente, Richardson foi destituído do comando e substituído pelo Almirante Husband E. Kimmel.

 

Ninguém da Marinha Imperial conhecia melhor os problemas de Pearl Harbor do que o Almirante Yamamoto. Pendurado no anteparo da sua cabina, na nave capitânea Nagato, havia um mapa atualizado da base e que trazia sinais do seu interesse especial. Numa gaveta fechada da sua mesa havia um impressionante sumário, encadernado, da grande quantidade de informações acumuladas pelo Serviço Japonês de Inteligência sobre a base. Com o título grandioso de Os Hábitos, Forças e Defesas da Frota Americana na Área Havaiana, esse volume continha descrições topográficas, cartas das águas havaianas, detalhes sobre instalações militares, navais e de defesa; horários pelos quais se podia estabelecer uma configuração das patrulhas aéreas e marítimas americanas; o ritmo do movimento dos navios e os procedimentos costumeiros sobre substituição e “licença” da tripulação, quando os navios estavam fundeados. Das suas páginas, Yamamoto podia tirar um quadro completo da vida diária da base. Como também sabia que a frota americana estacionada em Pearl Harbor estava lá somente para fins de treinamento, Yamamoto reconhecia que esse quadro da vida na base provavelmente não variaria muito, pois um programa de treinamento não permitia muita flexibilidade. Por necessidade, os navios operavam numa rotina regular - fazendo-se ao mar por períodos fixos, para se exercitarem, e permanecendo fundeados entre esses períodos. Contanto que se obedecesse ao programa de treinamento e que não se dessem ordens para qualquer deslocamento estratégico, deveria ser possível prever quando a maior concentração de belonaves estaria na baía. Além disso, a configuração da base, que impunha uma limitação tão rígida aos navios que entravam e saíam da baía, era tanto uma vantagem para o provável atacante como uma dor de cabeça para o comandante-chefe da frota dos Estados Unidos. A menos que os americanos fizessem alguns melhoramentos radicais nas defesas aéreas de Pearl Harbor, Yamamoto chegou à conclusão de que as possibilidades de sucesso de um ataque aéreo eram excelentes. Como vimos, perdendo apenas dois dos seus, os 24 aviões britânicos haviam afundado três couraçados italianos em Taranto; contando com o elemento surpresa, uma incursão em escala maior prometia prêmios ainda maiores em Pearl Harbor.

 

E mesmo o elemento surpresa não era de difícil obtenção, pois durante a maior parte do ano os ventos predominantes na área havaiana são os alísios de nordeste, os quais são desviados para cima pelos picos da Serra de Koolau, que domina o lado leste de Pearl Harbor, para formar bancos de nuvens em torno dos picos e fazendo chover a barlavento. Mas nos chamados meses chuvosos o vento, às vezes, muda para norte e sopra o vale. Quando isso acontece, há nuvens esparsas e às vezes chuvas sobre Honolulu e Pearl Harbor, bem como bancos de cúmulos sobre as montanhas. Tais condições poderiam oferecer abrigo para uma força incursora que se infiltrasse pelo norte e serviriam para confundir as defesas antiaéreas da base.

 

Do outro lado do mundo, a Marinha dos Estados Unidos, não ignorou a importância do ataque britânico a Taranto. Num memorando dirigido ao Secretário do Exército, Henry L. Stimson, o Secretário da Marinha, Frank Knox, disse: “O sucesso do ataque aéreo britânico, com torpedos contra navios fundeados, sugere medidas de precaução imediatas para proteger Pearl Harbor contra um ataque de surpresa, no caso de guerra entre os Estados Unidos e o Japão. O maior perigo é o torpedo aéreo. Deve-se dar a máxima prioridade à obtenção de aviões interceptadores, canhões antiaéreos e equipamento de radar adicional”.

 

Stimson concordou com isso, e o comando havaiano recebeu ordens de fortalecer suas defesas contra possível ataque aéreo de surpresa. Um mês depois, em dezembro de 1940, o Almirante Kimmel, comandante-chefe da frota baseada em Pearl Harbor disse a Washington que as “redes antitorpedos naquela base restringiriam o tráfego de navios, reduzindo a largura do canal”. Com essa decisão, Kimmel decretara a destruição da maioria dos seus grandes couraçados.

 

Mais ou menos na mesma época em que Kimmel rejeitava as precauções das redes antitorpedo, Yamamoto confidenciou, pela primeira vez, a seu chefe de estado-maior, Almirante Shigery Fukudome, as suas idéias para um ataque a Pearl Harbor. Até então preferira calar, embora o fato de ter iniciado vigoroso programa de treinamento para os pilotos dos seus porta-aviões fosse prova de que suas idéias se haviam cristalizado. Yamamoto guardara seu segredo. A justificativa que os pilotos e os capitães dos porta-aviões receberam sobre o objetivo do seu programa de treinamento aéreo, que simulava ataques a um vale fechado, foi a de que este era uma prática para apoiar operações do exército em terra. Idêntico apoio fora dado em 1937, em Nanking, pelos aviões lançados de porta-aviões da marinha, e Yamamoto achou que os pilotos careciam de experiência e treinamento em ataques contra alvos terrestres. Como um diretor de cinema à procura do local para um cenário adequado, o próprio Yamamoto percorreu a costa japonesa até descobrir o lugar que servia às suas necessidades. Ao sul de Kyushu, na baía de Kagoshima, o terreno apresentava fortes semelhanças com Pearl Harbor, e os porta-aviões da frota se dirigiam para lá. Mas, dia após dia, enquanto os aviões faziam vôos rasantes sobre a baía, para praticar o lançamento de bombas e torpedos a baixa altitude, ninguém ainda sabia do verdadeiro propósito do seu treinamento.

 

Intimamente, Yamamoto decidira-se numa coisa, o nome código para a projetada operação. Ela seria “Operação Z”, em homenagem ao famoso sinal “Z” do Almirante Togo, enviado na véspera da gloriosa batalha do estreito de Tsumisha, havia trinta e seis anos. “A Ascensão ou queda da nação está em jogo nesta batalha”. Esta era a maneira de Yamamoto venerar a memória do herói da sua juventude. Para transformar suas idéias em realidade, ele agora começava a solicitar a opinião do seu seleto grupo de colegas. O primeiro a quem recorreu foi o Contra-Almirante Takijuro Onishi, um dos poucos oficiais da Marinha Imperial que se interessava pela aviação e que, no final da guerra, viria a ser o organizador das primeiras unidades Kamikaze. Como chefe do estado-maior da 11a Frota Aérea de bombardeiros sediada em terra, Onishi já contemplava a idéia de um ataque ao Havaí, partindo das bases japonesas nas Ilhas Marshall - feito esse impossível devido à distância envolvida. Yamamoto estava certo de que a adesão de Onishi à sua idéia não seria prejudicada por pensamento operacional convencional, e se achasse que o plano era viável, ele o diria. Esboçou as partes essenciais do seu plano para Onishi. Yamamoto queria inutilizar a frota americana do Pacífico por um ataque de surpresa, como preliminar das operações destinadas à captura das áreas petrolíferas do Sudeste Asiático. Aparentemente, impassível, Onishi o escutou e, depois, pediu sua permissão para consultar o Comandante Minoru Genda, brilhante e experiente oficial do estado-maior aéreo, que estava servindo no porta-aviões Kaga, em Kyushu. Com 36 anos de idade, Genda acabara de completar um período como assistente adido naval em Londres, cargo que ocupava quando comunicou sobre a operação britânica em Taranto. Tal como Onishi e Yamamoto, Genda demonstrava acreditar na supremacia do poderio aeronaval e, devido à sua familiaridade com o ataque a Taranto, era de se esperar que fosse favorável à projetada “Operação Z”. Ele a estudou profundamente durante dez dias e depois apresentou suas conclusões a Onishi: “O plano é difícil mas não impossível”.

 

De início, Yamamoto pretendia concentrar seu ataque nos couraçados americanos. Ele sabia que os porta-aviões eram superiores como unidades de ataque, mas como a maioria dos americanos - assim como a maioria dos japoneses - ainda pensava que os couraçados eram a espinha dorsal da frota, ele achava que sua destruição representaria um golpe mais paralisante nos americanos. Também, no começo, acalentou a idéia de que os aviões atacantes não pudessem retornar aos seus porta-aviões. Lançando seus aviões fora do seu alcance operacional, os porta-aviões não precisariam aproximar-se tanto do Havaí, e podiam voltar a suas bases assim que os aviões decolassem. Depois do ataque, os pilotos poderiam fazer amerissagens forçadas e ser recolhidos por destróieres e submarinos. Genda não era favorável a nenhuma dessas duas idéias. Ele disse que o alvo básico deveria ser os porta-aviões americanos, por serem a maior ameaça potencial para a Marinha Imperial e, para obterem os melhores resultados, os porta-aviões japoneses teriam de se aproximar o máximo possível de Pearl Harbor. Uma forma suicida de ataque teria tido mau efeito psicológico sobre os pilotos, e num estágio crítico da guerra o Japão não podia dar ao luxo de perder aviões ou pilotos. Além disso, o retorno às bases sem os aviões poria os porta-aviões em risco, se os americanos contra-atacassem.

 

Um fator que favorecia a operação era a suficiência de porta aviões da Marinha Imperial. O Akagi, de 36.500 toneladas, era um dos mais formidáveis porta-aviões do mundo, maior ainda que o Lexington e o Saratoga, americanos, e depois da reforma por que passou, em 1936-1938, ele podia transportar 91 aviões idêntico ao Akagi. Dois porta-aviões menores, o Hiryu e o Soryu, que deslocavam respectivamente 17.300 t e 15.900 t, também estavam na ativa. Dois outros, de 25.675 t cada um, o Zuikaku e o Shokaku, deviam ser comissionados em agosto de 1941, o que elevaria a frota total de porta-aviões para seis.

 

Na opinião de Genda, todos eles deveriam ser empregados na “Operação Z”. Também fez mais duas observações a Onishi: somente os oficiais mais competentes e os pilotos mais bem treinados deviam ser escolhidos para a tarefa; a operação deveria ser mantida em completo segredo até o instante de se desfechar o ataque.

 

Com a aprovação de Yamamoto, Onishi pôs Genda a trabalhar num esboço do plano para a operação e, por volta de fins de março, ele começava a tomar forma. O ataque seria montado por uma força-tarefa especial, de aproximadamente 20 submarinos classe-I e 5 mini-submarinos com sua tela protetora, juntamente com a principal força de ataque montada em torno dos seis porta-aviões. Essa força de ataque tomaria um caminho indireto, que a colocaria a 360 km do Havaí. Dessa distância, os aviões decolariam dos porta-aviões, dirigindo-se a Pearl Harbor por um corredor aéreo onde, segundo se acreditava, as patrulhas aéreas americanas eram poucas e muito espaçadas. Seria preciso uma força estimada de 360 aviões, que deveria incluir bombardeiros de mergulho, bombardeiros de grande altitude, bombardeiros-torpedeiros e caças. Por serem mais destrutivos do que as bombas e mais certeiros a curta distância, os torpedos provavelmente seriam a mais eficiente arma a ser usada contra os navios americanos. Infelizmente isso criava um problema técnico. Pearl Harbor era tão rasa que os torpedos convencionais japoneses em uso atingiriam o fundo, se lançados da maneira normal. Como a profundidade das águas na baía de Taranto era de 12,60 m, ou menos, e os ingleses conseguiram afundar navios com torpedos lançados de avião, era evidente que o problema podia ser resolvido, pois Pearl Harbor tinha 13,50 m de profundidade. Quanto às bombas a serem utilizadas, teriam que ter mais de três vezes o seu peso normal, para perfurar a blindagem dos conveses dos couraçados americanos. Por último, para que o ataque tivesse sucesso, a surpresa era essencial. Sem o elemento surpresa haveria o risco de sérias perdas para a força-tarefa, durante sua longa e vulnerável viagem de retorno ao Japão. Para se ter certeza dessa surpresa, os Estados Unidos não deveriam saber da iminência das hostilidades.

 

O próprio Onishi calculava que a “Operação Z” tinha uns 60% de chance de sucesso; outros oficiais graduados que cooperaram na fase de planejamento não eram tão otimistas. Alguns, inclusive o Almirante Fukudome, considerava o plano francamente temerário, e quando o Estado-Maior geral da Marinha fez objeções à operação, a opinião dos seus membros de baseou principalmente nos pontos de vista de Fukudome. Mais tarde, ele admitiu que se tivesse sido encarregado do planejamento da “Operação Z”, e não Onishi, teria recomendado a Yamamoto que abandonasse a idéia. A despeito da falta de entusiasmo de Fukudome e das dúvidas de Onishi, Yamamoto estava convencido de que um assalto aéreo lançado de porta-aviões contra Pearl Harbor era viável. Em fins de março o planejamento já estava em estágio bem adiantado, surgindo então o problema de saber quem seria escolhido para comandar a força-tarefa montada para o assalto. É evidente que o próprio Yamamoto teria tido grande prazer em comandá-la pessoalmente. Mas isto não era possível; como comandante-chefe da frota combinada, tinha responsabilidades demais, tornando-se necessário nomear alguém subordinado a ele. A escolha recaiu no Contra-Almirante Chuichi Nagumo, velho marinheiro, obstinado e sem imaginação, que nada sabia de aviões ou de porta-aviões, mas que era o contra-almirante que encabeçava a lista de promoção. Tinha apenas especialização em navegação, e, ao saber que seria obrigado a levar uma gigantesca frota por milhares de quilômetros através do Oceano Pacífico, até quase às portas da fortaleza inimiga, reabastecer-se no caminho, passar completamente despercebido e obedecer a um horário rigoroso, ficou estarrecido. Como o êxito da operação dependia em grande parte do elemento surpresa, sentia que se algo saísse errado o Japão perderia grande parte da Marinha Imperial - e que ele seria o culpado. O que confortava Nagumo, com sua cara de coruja, era a idéia de que talvez o plano jamais se materializasse. A guerra com os Estados Unidos ainda não era coisa certa, e o plano não havia sido ainda aprovado pelo Alto Comando Nipônico.

 

A guerra torna-se inevitável

A despeito das esperanças de Nagumo, o Japão continuou a marchar inexoravelmente para a guerra com os Estados Unidos. Aproveitando-se da tomada da França pelos alemães, os japoneses fizeram seu primeiro avanço para além da China, em 1940. Afirmando que importantes suprimentos estavam chegando para as forças de Chiang Kai-shek através da Indochina francesa, eles insistiram que a fronteira indochinesa, no norte, precisava ser controlada por tropas japonesas. A pressão alemã sobre o governo francês de Vichy, combinada com as ameaças japonesas dirigidas ao governo da colônia, resultou na concordância deste com a ocupação do norte da Indochina. Então, quando as tropas ali se instalaram, mais pressão obrigou o governador a aceitar um “protetorado” de toda a Indochina, e os japoneses logo moveram-se para o sul, para tomar o resto do país. Das bases aéreas e navais na Indochina, agora à sua disposição, as tropas japonesas sentiam-se bem situadas para outros avanços, para o Sião, e o governo desse país foi convidado a imitar o exemplo da Indochina e aceitar a “proteção” de Tóquio.

 

“Se for preciso”- declarou o Ministro da Guerra Hideki Tojo, quando a decisão de ocupar a Indochina foi anunciada ao Parlamento japonês - “faremos a guerra contra a Grã-Bretanha e Estados Unidos”. Contudo, como era óbvio que nem um nem outro estavam preparados para entrar em guerra, a fim de recuperar a Indochina para os franceses de Vichy, essas palavras foram um desafio tão provocador como poderiam parecer. Nenhum dos dois países queria a guerra. Não obstante, o movimento de poderosas forças japonesas dentro de uma área crítica e estratégica do Sudeste Asiático despertou alarma, assim como irritação, e, 48 horas depois desta façanha japonesa, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Holanda congelaram os bens japoneses e aplicaram embargos comerciais ao Japão. Poucos dias depois, o Presidente Roosevelt proibiu todo e qualquer embarque de petróleo para o Japão. O governo holandês exilado em Londres seguiu-lhe o exemplo, proibindo o abastecimento pelos seus campos petrolíferos das Índias Orientais Holandesas. “A guerra econômica foi declarada”, disse um jornal japonês, em artigo que salientava a vulnerabilidade do país ao embargo petrolífero. Confrontado com um bloqueio econômico, o Japão enfrentava um estrangulamento lento mas certo. A menos que se levantasse o embargo petrolífero, a necessidade de se tomar os campos petrolíferos das Índias Orientais Holandesas era uma questão de vida ou morte para a Marinha Imperial. Tendo reservas de petróleo suficientes apenas para alguns meses, a questão não era tanto de saber se eles deveriam ser tomados, mas de quanto tempo restava até que fosse preciso fazer tal coisa. Diante dessa situação, os chefes navais disseram asperamente ao primeiro-ministro que isso devia ser resolvido o mais tardar até outubro: guerra ou paz, o Japão precisa de petróleo.

 

Fuminaro Konoye, primeiro-ministro, estava na linha de sucessão ao trono japonês. Dotado de maneiras requintadas e de todas as qualidades pessoais de um nobre japonês culto, não era o homem para liderar seu inquieto país naquela conjuntura.. Foi a impetuosidade de Konoye que colocou a nação numa posição de onde não havia nenhuma alternativa para a guerra e, tendo-o colocado nessa posição, ficara assustado com os espectros que invocara. Em Washington, o embaixador japonês, o caolho Almirante Nomura, lutava arduamente com problemas diplomáticos que estavam muito além da sua experiência de marinheiro, e não conseguia êxito algum com Cordell Hull, o Secretário de Estado americano. (Embora importantes interesses holandeses e britânicos estivessem em jogo, essas negociações eram assunto inteiramente deixado à alçada americana.) Em virtude do que vinha ocorrendo, a atitude dos Estados Unidos endurecera. Exigiam não só a evacuação das forças japonesas da Indochina, mas também que se retirassem da China. Porém os generais disseram a Konoye que uma retirada de tal magnitude não poderia ser feita sem destruir o moral do Exército Imperial; ele deveria recusar a proposta com firmeza. Quaisquer concessões deveriam partir dos Estados Unidos. Contudo, Cordell Hull era igualmente inflexível. Acreditava haver chegado o momento de ser firme; o Japão poderia ter paz com honra, mas teria de ser paz sem império. Hull lembrava-se da humilhação e do fracasso da Grã-Bretanha em Munique e decidira que os Estados Unidos não se empenhariam numa política de pacificação com o Japão. Estava também influenciado pela opinião predominante no país, de que a força do Japão se esgotara na China. (Isso era racionalização de desejo, alimentada pelos relatórios exagerados, enviados pelo governo de Chiang Kai-shek, sobre a escala da resistência e as baixas japonesas. Logo se veria que a verdade era que, em 1941, o Japão apenas se aproximava do seu pleno potencial militar e que somente parte dele fora comprometida na China.) Finalmente, quando os peritos americanos lhe informaram que as sanções econômicas dobrariam os japoneses, Cordell Hull decidiu manter-se firme; as forças americanas no Extremo oriente vinham sendo reforçadas, e ele achava que o fator tempo estava do lado dos Estados Unidos.

 

Com as negociações diplomáticas, em Washington, num impasse e com o ultimato dos chefes da Marinha pendendo sobre sua cabeça como uma espada de Dâmocles, Konoye tentou uma aproximação direta com os Estados Unidos. Por intermédio do embaixador americano em Tóquio, Joseph Grew, sugeriu uma conferência de cúpula no Havaí, entre ele próprio e o Presidente Roosevelt. Quando anunciada no Parlamento japonês, a proposta foi desacreditada, alegando-se que tal reunião desagradaria à Alemanha, aliada do Japão no Eixo - embora a junta militar que fazia objeções à visita não a vetasse realmente. Tampouco foi ela bem recebida nos Estados Unidos e quaisquer esperanças que Konoye possa ter tido para um confronto de alto nível extinguiram-se quando os Estados Unidos recusaram a proposta. A resposta americana, dada a 3 de setembro, estipulava que, antes de mais nada, era preciso que se estabelecesse substancial concordância entre os dois governos.

 

Pressionado pelo Alto Comando japonês para que tomasse uma decisão antes de outubro, e angustiado pela nota americana, Konoye procurou ouvir o Imperador. O primeiro-ministro compreendia que tinha pouca esperança de convencer os militares a abrir mão dos seus planos de ampliar as operações até o Pacífico Sul, mas esperava que Hirohito pudesse demovê-los disso. A 5 de setembro, na véspera da convocação de uma conferência imperial, Konoye teve uma audiência privada com o Imperador. Quando Hirohito foi informado da provável tendência dos acontecimentos ficou horrorizado. “Você quer dizer-me” - indagou incrédulo - “que os preparativos para a guerra estão tendo prioridade sobre as negociações diplomáticas?” Konoye admitiu que sim, e disse esperar que Sua Majestade interviesse. Sem mais cerimônias, o General Sugiyama e o Almirante Nagano, os chefes de estado-maior do exército e da marinha, foram convocados à imperial presença para enfrentar um interrogatório perspicaz.

 

“Quanto tempo demoraria para concluir uma campanha bem sucedida na região sul?”- perguntou o Imperador.

Sugiyama replicou que a estimativa era de três meses. O Imperador retrucou friamente que se lembrava de que Sugiyama lhe garantira que a guerra com a China seria breve; entretanto, passados quatro anos, a luta prosseguia acirrada. “O Chefe do Estado Maior” - escreveu Konoye, mais tarde - “curvou a cabeça, incapaz de responder”. Nesse ponto, o Almirante Nagano veio em socorro do colega.

 

“A situação era crítica”, disse ele ao Imperador. Admitiu que, como Sugiyama, era favorável à negociação com os Estados Unidos, mas era preciso fazer algo depressa. Se as negociações falhassem, seria seu dever cuidar para que o Japão tivesse preparado para o pior.

 

“Você que dizer”- perguntou o Imperador, procurando uma garantia franca, “que o Alto Comando está, como antes, dando precedência à diplomacia?” Tanto Sugiyama como Nagano asseguraram à Sua Majestade que assim era.

 

Na conferência Imperial, no dia seguinte, Hirohito permaneceu calado e aparentemente impassível, enquanto Konoye lia o plano de política nacional proposto pelo seu gabinete. Tradicionalmente, a “divina radiação” do Imperador o impedia de tomar parte ativa nos trabalhos, cabendo ao Barão Yoshimich Hara, Presidente do Conselho Privado, falar por Hirohito. “temos a impressão”, disse ele, na conferência, “que todas as esperanças de paz foram agora abandonadas e que ora se dá mais ênfase à guerra do que à diplomacia, no caminho futuro do Japão...” O Ministro da Marinha Imperial o velho Almirante Oikawa, apressou-se em tranqüilizar o Barão Hara, afirmando que a diplomacia ainda tinha prioridade sobre a guerra. Mas Sugiyama e Nagano nada disseram. Houve breve silêncio, e então, para espanto dos presentes, o próprio Imperador ergueu-se para falar à conferência. “Lamentamos profundamente”, disse ele, “que o Alto Comando não fosse capaz de esclarecer a questão na nossa presença”. Olhando um pequeno pedaço de papel que tirara do bolso, prosseguiu: “Nosso antepassado Meiji Tenno, certa vez escreveu um poema do qual lhes lerei agora um trecho: “Já que somos todos irmãos neste mundo, por que as ondas e os ventos estão tão inquietos hoje?” temos lido esse poema repetidamente e nos decidimos a fazer com que a idéia de paz de Meiji predomine no mundo”. Sua audiência estava visivelmente abalada - não pela significação daquelas palavras do Imperador, mas pelo fato de ele considerar a situação séria demais, senão, não se justificaria sua decisão de dizer alguma coisa - e o silêncio perdurou por alguns minutos, depois de Hirohito haver-se sentado novamente. Por fim, o Almirante Nagano ergueu-se, para assegurar ao Imperador que os membros do Alto Comando permaneciam leais ao trono; que estavam perturbados pelo receio de incorrer no desagrado do Imperador e que reconheciam a importância da diplomacia. Disse que ele e seus colegas só pensavam no uso da força das armas em último recurso. Depois disso a reunião foi suspensa, “numa atmosfera de tensão sem precedentes”, segundo Konoye.

 

A despeito da sua intervenção inédita, havia os que preferiam acreditar que o Imperador aceitara o “plano nacional” - ainda que com relutância. Ele fora anunciado e Hirohito não vetara formalmente o plano. Se poderia ter feito isso, é um questão de opinião. Ele praticamente fora até onde sua autoridade sutil e complexa o permitia, sem prejudicar sua posição de “Filho do Céu”. Além disso, até aquele momento o Imperador nada sabia do projetado ataque a Pearl Harbor, porque a despeito da sua aparente lealdade ao trono, tanto Sugiyama como Nagano o estavam iludindo. Em meados de agosto, os estados-maiores militares estavam preparando os detalhes finais para a guerra no Sul e as forças navais - que já haviam sido designadas para participar nessas operações - adestravam-se no apoio a operações de desembarque de assalto.

 

Os jogos navais anuais, jogados com modelos de navios no colégio naval de Tóquio, normalmente realizavam-se em novembro ou dezembro. Mas, devido à situação crítica, um aviso - enviado sob a autoridade conjunta do Chefe do Estado- Maior da Marinha e do Comandante-Chefe da Frota Combinada - antecipara os jogos de 1941 para meados de setembro. Três almirantes, sete vice-almirantes, seis contra-almirante, sete capitães e vinte comandantes se reuniram pontualmente em Tóquio, e os jogos começaram três dias antes da audiência de Nagano com o Imperador. Nenhum deles sabia que os jogos incluiriam o plano de Yamamoto para um ataque de surpresa a Pearl Harbor até que ele apresentou seu plano para a “Operação Z”, no dia 5 de setembro. Depois dos exercícios mais convencionais de operações de apoio, montadas em colaboração com o exército, ele esperava uma recepção controvertida e suas expectativas foram plenamente realizadas.

 

Mesmo nos debates preliminares, nenhum deles ficou muito entusiasmado com o plano. Praticamente todos eram concordes que ele era audacioso e alguns disseram mesmo que poderia ser viável. Mas a preocupação maior era saber quantos porta-aviões poderiam perder, e um laço de dados (que é a maneira de injetar os inexplicáveis azares em jogos de guerra) mostrou dois porta-aviões afundados. Praticamente ninguém fora do círculo íntimo de Yamamoto, e certamente nenhum dos oficiais graduados, mostrou-se favorável à empreitada. Não obstante, concordou-se em passar o plano como um jogo e a platéia preparou-se para debater a abordagem à Oahu. Para isso, o infatigável Genda elaborara três caminhos possíveis: uma rota sul, através das Ilhas Marshall; uma rota central, que passava ao sul de Midway, e uma rota norte - sendo que esta última afastava praticamente a probabilidade de encontrar outros navios. Como a maioria dos navios japoneses tinha alcances de cruzeiros relativamente curtos, teriam de ser reabastecidos a caminho do Havaí. As tempestades do Pacífico Norte, predominantes no outono e inverno, tornariam isso difícil, especialmente para os vasos de escolta menores, como os destróieres, que teriam de ser reabastecidos duas vezes. Por esta razão, o Almirante Nagumo expressou sua preferência pela rota sul. “O tempo estará contra nós”, disse ele. “Se você pensa assim”, observou Genda, “também os almirantes americanos terão a mesma idéia”. Nagumo concordou que o exercício deveria ser baseado numa aproximação pelo norte e, nesse caso, tomou-se a passagem norte, entre as Aleutas e Midway.

 

Para o exercício propriamente dito, os participantes foram divididos em duas equipes: uma azul, representando o Japão, e uma vermelha, representando os Estados Unidos. Na primeira tentativa julgou-se que o ataque fora um fracasso relativo. Tendo os americanos agido segundo a maneira prevista pelo Serviço Japonês de Inteligência, a equipe vermelha descobriu as forças de Nagumo na manhã do ataque e seus aviões foram interceptados por caças dos Estados Unidos. O árbitro decidiu que metade dos aviões de Nagumo foi derrubada, enquanto que dois porta-aviões foram afundados e outros navios ficaram seriamente danificados num contra-ataque que se seguiu. Não era provável que tal resultado fortalecesse os nervos do apreensivo Nagumo. A segunda passada foi mais bem sucedida. Aproximando-se diretamente pelo norte, num horário cuidadosamente escolhido, que dava à frota a proteção da escuridão, quando chegou aos limites operacionais dos aviões de reconhecimento americano, a força de Nagumo não foi descoberta e o ataque foi uma surpresa. Desta vez, os árbitros decidiram que as perdas americanas foram sérias e os japoneses escaparam quase ilesos.

 

Esse resultado não significava que a oposição à “Operação Z” diminuíra. Os almirantes continuavam convencidos de que a proposta era arriscada e provavelmente levaria aos limites dos recursos navais do Japão. O Estado-Maior Geral da Marinha já completara um plano que empregava toda a frota na invasão ao sul e era unânime e violentamente contrário ao empreendimento de Yamamoto. O Chefe do Estado-Maior, Almirante Nagano, tinha dúvidas ainda maiores. “Por que atiçar os Estados Unidos?” - argumentou ele.

 

Como Yamamoto ele também passara algum tempo naquele país, e respeitava a Frota do Pacífico e o potencial industrial americano.

 

“Concentremo-nos em tomar Java e em garantir nossos suprimentos de petróleo”, implorou ele. “Quando a frota americana do Pacífico chegar às nossas águas territoriais, então sim, nós a aniquilaremos”.

 

Como Yamamoto compartilhava plenamente do respeito pela marinha americana, ele estava convencido de que a única oportunidade do Japão era esmagá-la imediatamente. Se o Japão esperasse que os americanos reunissem suas forças, haveria toda a possibilidade de que destruíssem a frota japonesa primeiro. O Japão tinha porta-aviões suficientes para atacar Pearl Harbor ao mesmo tempo que invadia Java, argumentava ele. Por que não preparar as duas operações antes que a Frota do Pacífico pudesse atacar? Se a frota americana do Pacífico sofresse um golpe mortal, ela não poderia recuperar antes que o Japão tivesse ocupado as Filipinas, a Malaia e as Índias Orientais.

 

O Estado-Maior Geral da Marinha insistia em que o plano era arriscado demais. Sua única chance de êxito dependia de se pegar a frota americana de surpresa. Se não houvesse surpresa, o ataque seria um grande desastre. Mas a objeção subjacente era impressão de que a “Operação Z” contrariava o caráter estabelecido e tradicional da guerra naval. Os almirantes japoneses, assim como os americanos, britânicos ou alemães, estavam impregnados da formidável potência do couraçado. Seu conceito de guerra era o duelo com grandes navios de linha, e por essa exata razão a frota japonesa fora desenvolvida em torno dos dez couraçados de antes da guerra, que o colocavam numa proporção de 3 para 5 em potência de fogo com os Estados Unidos. Tão grande era a fé no poderio desses leviatãs e na invencibilidade de uma armada erguida em torno deles, que o Yamato e o Musashi estavam em construção, esperando-se que entrassem na ativa em inícios de 1942. Durante mais de 20 anos, o objetivo secreto da marinha japonesa fora definido como o aniquilamento da esquadra dos Estados Unidos e, repentinamente, os meios e a área para a realização dessa meta foram reconhecidos como uma batalha entre couraçados nas vizinhanças das Ilhas Marshall. Aqueles cuja confiança se baseava na doutrina do poderio insubmergível e estratégico dos couraçados desconfiavam da mudança para um ataque aéreo ao Havaí; também muitos dos que se opunham à “Operação Z” o faziam por estarem sinceramente convencidos de que era errado depender de uma arma, relativamente nova, que só tinha o bem sucedido ataque britânico em Taranto a recomendá-la.

 

Nagumo, o relutante comandante nomeado, apresentou outra objeção. Ele acreditava que os porta-aviões do Japão deveriam ser usados para apoiar a invasão das regiões petrolíferas vitais. Ao seu argumento acrescentou a observação profética de que mesmo o maior dos porta-aviões poderia ser incapacitado por algumas bombas. Suas palavras seriam lembradas nove meses depois, em Midway. Todavia, nem todos eram contrários ao plano. O contra-almirante Tamon Yamaguchi, um dos almirantes do setor aéreo, apoiava-o entusiasticamente. Se a frota do Pacífico permanecesse intacta, argumentava, como poderia o Japão explorar seu sucesso no sul? Oficiais mais jovens, excitados pela temeridade do plano, estavam francamente entusiasmados e queriam ampliar seu campo de ação. Desejavam que o ataque fosse seguido de um desembarque para tomar Pearl Harbor e ocupar Oahu. Isso resultou em outras discussões com o Estado-Maior Geral da Marinha, que afirmava que todos os transportes do Japão seriam necessários para as operações contra as Índias Orientais Holandesas e a Malaia. Não se podia abrir mão de nenhum deles para o que seria uma operação duplamente arriscada. Yamamoto ficou do lado do Estado-Maior nesse argumento. Como seria impossível ter as barcaças de desembarques até que se completassem as operações no sul, e como isto levaria talvez um mês, seria insensato tentar um desembarque em Oahu. Já então, os americanos teriam tido tempo para se recuperar do ataque aéreo a Pearl Harbor e a lentidão de um comboio anfíbio tornaria os primeiros desembarques extremamente vulneráveis a ataques aéreos e marítimos. Ademais, mesmo que os desembarques tivessem êxito, a manutenção de uma força em Oahu representaria um problema insuperável de abastecimento.

 

Durante todo o mês de setembro, os oficiais do Estado-Maior Geral da Marinha e do Quartel-General da Frota Combinada de Yamamoto se reuniram numa série de intermináveis discussões sobre os cometimentos operacionais para a guerra iminente. A “Operação Z” foi arquivada como algo com o qual ninguém podia concordar. Mesmo o Almirante Onishi voltara atrás, depois dos jogos de guerra, e tanto ele como o timorato Nagumo aconselharam sinceramente a Yamamoto que abandonasse a idéia. Yamamoto, que um sumário biográfico existente nos arquivos do Serviço americano de Inteligência descrevia como “excepcionalmente capaz, convincente... e um vencedor habitual no pôquer”, recusou o conselho dos seus colegas com apaixonada veemência. Por mais absurda que a “Operação Z” pudesse parecer, a confiança fanática de Yamamoto na validade dos seus argumentos era tal que, se tivesse de haver guerra com os Estados Unidos, ele estava preparado para apostar sua reputação e mesmo sua carreira, levando-a a cabo. Talvez não estivesse tão confiante, se conhecesse a eficiência da contra-inteligência americana.

 

Durante setembro, o estudo da equipe dos jogos de guerra, contendo a possibilidade do afundamento de dois porta-aviões, foi publicado e a controvérsia sobre os méritos de um ataque aéreo a Pearl Harbor penetrou até os oficiais que serviam na Frota Combinada. A 11 de outubro, para acabar com todos os boatos e altercações, Yamamoto convocou seus oficiais graduados para uma conferência na nave capitânia. Depois de um jantar cordial, pediu-lhes que apresentassem, extra-oficialmente, suas objeções à “Operação Z”. Encorajados por essa abordagem pouco ortodoxa, os que tinham objeções falaram das suas dúvidas. Grande parte da Marinha Imperial estaria comprometida numa operação perigosa; se fracassasse, a guerra estaria perdida antes mesmo de iniciada. Era preciso ficar atento à Rússia Soviética. Como a situação política deteriorara nos últimos dois meses, era de esperar que os americanos se estivessem preparando para enfrentar um ataque de surpresa. E se eles tivessem admitido a possibilidade da “Operação Z”, os japoneses talvez estivessem caminhando para a armadilha. O mar agitado naquela época do ano tornaria impossível o reabastecimento en route. Assim, os argumentos prosseguiram até que Yamamoto se ergueu e a conferência caiu em silêncio. Lenta e sardonicamente, mas com inequívoca determinação, o comandante-chefe anunciou que ouvira tudo com muito interesse. Alguns dos pontos apresentados eram importantes e ele os anotaria. Mas tendo estudado a situação estratégica durante longo período, chegara à conclusão de que a “Operação Z” era essencial para a grande estratégia do Japão. Por conseguinte, queria deixar bem claro que, enquanto fosse comandante-chefe da Frota Combinada, a operação contra Pearl Harbor seria realizada.

 

Depois disso não houve mais discussão - pelo menos na frota. Todos os oficiais superiores que serviam sob o comando de Yamamoto sabiam agora que, se os diplomatas não conseguissem um acordo com os Estados Unidos, e se Yamamoto pudesse fazer o que queria, a Marinha Imperial estaria comprometida com um ataque a Pearl Harbor. Mas a hierarquia naval, no Estado-Maior Geral da Marinha, ainda se opunha à “Operação Z”, e quando, em fins de outubro, esse organismo lhe enviou cinco objeções detalhadas ao seu plano, parecia que Yamamoto não conseguiria obter sua aprovação. Todavia, não seria por nada que Yamamoto era considerado um bom jogador de pôquer: um emissário, o Capitão Kameto Kuroshima, foi enviado a Tóquio com uma carta e com firmes instruções de não voltar sem obter a aprovação para a “Operação Z”. Na carta, Yamamoto escreveu: “A presença da frota americana no Havaí é uma adaga apontada para nossas gargantas. Se a guerra for declarada, a amplitude e profundidade das nossas operações no sul logo ficarão expostas a séria ameaça contra seus flancos.

 

“A operação no Havaí é absolutamente indispensável. A menos que seja realizada, o Almirante Yamamoto não estará muito confiante em que possa desincumbir-se das responsabilidades que lhe foram atribuídas. As numerosas dificuldades desta operação não a tornam impossível. As condições atmosféricas são o que mais nos preocupa, mas como há sete dias, num mês, em que se pode reabastecer no mar, a possibilidade de êxito não é de modo algum insignificante. Se tivermos boa fortuna, podemos estar certos do sucesso.”

 

“Se a operação no Havaí por acaso fracassar, isso significará simplesmente que a fortuna não está do nosso lado. Esse seria também o momento de se sustar definitivamente todas as operações...” A carta terminava dizendo: “Se este plano falhar, isso representará a derrota na guerra”. Quando Kuroshima a entregou ao Capitão Tomioka, chefe da Seção de Operações, este ficou visivelmente perturbado. Yamamoto jamais se teria expressado tão energicamente se não tivesse total confiança no sucesso. Mas Tomioka não era dos que se apavoram e as cinco objeções padronizadas à “Operação Z” foram reiteradas: O sucesso dependia unicamente da surpresa. Era uma operação de grande escala, empregando cerca de 60 navios. Esses navios teriam de partir um mês antes do início da guerra e era provável que atraíssem atenção. Era de se acreditar que as redes de Inteligência da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e da Rússia tivessem sido ampliadas. O Estado-Maior Geral da Marinha duvidava que se pudesse manter o segredo.

 

Admitiam que os americanos não partiriam diretamente rumo ao Japão, no começo da guerra; acreditavam que primeiramente eles estabeleceriam bases avançadas nas Ilhas Marshall e, então, tentariam a estratégia de tomar ilha por ilha. Isto queria dizer que a “Operação Z” não era vital, a ponto de ser executada independente do risco. Se não fosse levada a cabo, os japoneses teriam tempo de concentrar todas as suas forças numa batalha decisiva, para a qual vinham treinando há muito tempo. Seria mais sensato procurar essa batalha em águas familiares.

 

Quase todos os navios da Marinha que participassem da operação contra o Havaí teriam de ser reabastecidos no mar, os destróieres pelo menos duas vezes. As estatísticas meteorológicas mostravam que somente sete dias do mês apresentavam condições adequadas para o reabastecimento no mar, no Pacífico Norte. Se isso se mostrasse impossível, o ataque ao Havaí fracassaria e todos os navios envolvidos na operação teriam sido inutilmente desviados de outras operações planejadas. Uma dificuldade poderia levar à outra. Se o reabastecimento no mar fracassasse, seria preciso usar o rádio, perdendo-se o segredo.

 

A Seção de Inteligência Radiofônica do Estado-Maior Geral da Marinha sabia que a patrulha aérea diária dos americanos fora ampliada para 960 km de Oahu, o que queria dizer que a força-tarefa provavelmente seria descoberta. Como os porta-aviões tinham de se aproximar até 360 km de Pearl Harbor antes de desfechar seus ataques, havia considerável risco de um contra-ataque.

 

Qualquer indicação de que esse plano estava em andamento destruiria as negociações diplomáticas que se realizavam entre Estados Unidos e Japão.

 

Kuroshima refutava as objeções com os melhores argumentos de Yamamoto, mas, vendo que não estava conseguindo nada, pediu permissão para telefonar a Yamamoto. Ao voltar do telefone, disse ele: “O comandante-chefe, insiste em saber se o plano está aceito ou não”. Quando recebeu uma resposta neutra, Kuroshima prosseguiu energicamente: “Recebi ordens de lhe dizer que se o plano do Almirante Yamamnoto não for adotado, ele não poderá continuar como Comandante-Chefe da Frota Combinada; que ele se demitirá - e, com ele, todo o seu estado-maior”.

 

Esta era uma ameaça impressionante. O perturbado Tomioka sentia-se incapaz de enfrentá-la. Pedir a Kuroshima que esperasse enquanto levava a questão às autoridades superiores. Foi um momento de emoção - a hora das cartas na mesa. Yamamoto jogara a própria carreira na decisão, e só o Chefe do Estado-Maior poderia responder. Kuroshima esperou tenso na ante-sala do escritório de Nagano enquanto se tomava a decisão. Então Nagano apareceu e, abraçando Kuroshima disse: “Aprovarei o plano”. Era uma capitulação relutante, mas Yamamoto vencera; Nagano não estava preparado para ver o Japão entrar em guerra sem Yamamoto ao leme da Frota Combinada.

 

O dia era 3 de novembro de 1941; restavam 35 dias para se desfechar o ataque.

 

Atividades de espionagem em Oahu

O interesse japonês por Pearl Harbor remontava a 1898, quando os Estados Unidos anexaram as Ilhas Havaí. Durante algum tempo o Havaí teve pouca importância, do ponto de vista militar, mas como a vinda dos americanos fizera com que os Estados Unidos ficassem 4.800 km mais próximos da sua pátria, os japoneses passaram a olhar com desconfiança todas as atividades militares na região. Seu interesse tornou-se ainda maior, quando em Pearl Harbor se estabeleceu uma base naval. Por volta de 1932, ano em que o Presidente Hoover decidiu que boa parte da esquadra dos Estados Unidos ficasse em águas havaianas, por causa dos acontecimentos na Manchúria, já havia rede de espionagem em Honolulu. Como a população do Havaí incluía grande número de imigrantes japoneses, que para lá foram à procura de trabalho, a tarefa de enviar e recrutar agentes ali não foi muito difícil. Mas as autoridades americanas sabiam o que estava acontecendo, e, a partir de 1930, começaram a identificar os suspeitos entre os muitos japoneses ali residentes.

 

As mensagens captadas por estações radiofônicas japonesas secretas que monitoravam as radiocomunicações das frotas americanas do Pacífico e do Atlântico, juntamente com informações fornecidas por submarinos mandados para observar à profundidade de periscópio a Frota do Pacífico em suas áreas de treinamento, também contribuíram para elaborar o quadro que o Serviço japonês de Inteligência estava formando da atividade americana no Havaí e adjacências. O mesmo acontecia com informações fornecidas pelos adidos navais em Washington, por tripulações de navios que faziam escala em Honolulu, por representantes de firmas comerciais nas ilhas e pelos relatórios dos cônsules japoneses. Estes examinavam os jornais e ouviam as transmissões radiofônicas locais, colecionando diligentemente notícias que interessassem ao Serviço de Inteligência para transmitir a Tóquio. Nada havia de incomum ou inaceitável nisso. A maioria dos consulados e embaixadas está empenhada em alguma atividade colateral de Inteligência, enviando para seu país relatórios periódicos sobre o que descobrem. Os consulados americanos no Japão e no Sudeste Asiático faziam exatamente a mesma coisa que seus equivalentes japoneses em Honolulu e na Costa Oeste dos Estados Unidos. Aliás, as informações recebidas dos cônsules americanos em Saigon, Hainan, Cantão e Tsingtao foram de considerável valor, para descobrir a marcha do Japão para a guerra com o Ocidente.

 

Essa espionagem “legal” às vezes dava informações vitais; exemplo excelente disso é o relatório que chegou a Tóquio em 1940, dizendo que a frota americana havia abandonado seu ancoradouro ao largo de Lahaisin, na ilha de Maui. Essa valiosa informação estratégica foi fruto de descoberta que fez um dos agentes consulares do Japão em Honolulu, um sacerdote budista. Observara ele, durante três semanas, que os navios não estavam voltando aos seus ancoradouros normais. Ele não teve de envolver-se em nenhuma atividade suspeita para obter essa informação: tudo o que precisou fazer foi observar. Mas informações assim importantes raramente se tornam disponíveis por meios tão simples, e como a função normal dos cônsules e dos funcionários consulares não é a espionagem, tem-se que tomar muito cuidado para não comprometê-los, envolvendo-os em qualquer coisa ilegal. E, em qualquer país, a espionagem, no sentido aceito da palavra, é sempre considerada ilegal. Um círculo ilegal de espionagem pode ter ligações com o Serviço de Inteligência oficialmente conhecido, já que é preciso haver um canal pelo qual os agentes ilegais possam passar as informações conseguidas. Mas muitas vezes não existe esse contato, sendo mais freqüente que os funcionários que dirigem o sistema legal não estejam cientes de qualquer rede ilegal. Tampouco se desconhece que freqüentemente se estabelecem mais de uma rede de espionagem, cada qual trabalhando independentemente, e ignorando a existência de outra.

 

Em 1941, vários agentes secretos japoneses trabalhavam em Pearl Harbor e arredores. Mas a rede de espionagem do Japão não era nem tão eficiente nem tão grande como muita gente nos Estados Unidos foi levada a crer. Na caça aos suspeitos de atividades de espionagem realizada depois do ataque a Pearl Harbor, verificou-se que apenas umas doze pessoas haviam sido mandadas para o Havaí com aquela finalidade. Uma delas, que se passava por merceeiro, foi vista a falar com autoridade com oficiais superiores de belonaves japonesas em visita de cortesia a Honolulu, e, a julgar pela atitude respeitosa dos oficiais, ficou claro que era muito mais do que um simples comerciante. Outro era proprietário do Café Veneza, cabaré muito popular entre os marinheiros americanos devido às suas “dançarinas”. Quando ele foi revistado depois do ataque a Pearl Harbor, descobriu-se que as paredes do seu escritório particular estavam cobertas de fotografias autografadas de oficiais japoneses em uniforme. Entre elas estava uma do suposto “cabaretier”, em grande uniforme de oficial da Marinha Imperial. Um outro agente, que trabalhava como químico numa cervejaria em Honolulu e que era alcoólatra, costumava gabar-se em sua embriaguês, para os que quisessem ouvir, que não era o que aparentava e sim um oficial da marinha japonesa em missão secreta.

 

Operando sozinhos e com verbas para comprar segredos, se necessário, tais agentes eram obrigados a descobrir informações que não estivessem facilmente disponíveis para o sistema “legal” de espionagem. Mas, como eram poucos os segredos, no Havaí, cuja descoberta precisasse dos esforços de espiões treinados, sua contribuição para o Serviço japonês de Inteligência foi infinitesimal. Era possível ver claramente o que se passava em Pearl Harbor do Aiea Heights, ou de qualquer avião particular que se pudesse alugar no aeroporto John Rodgers, que ficava nas proximidades. Ademais, por cortesia da Marinha dos Estados Unidos, em geral havia várias visitas grátis à baía para quem quisesse, e um velho japonês teve permissão de montar uma barraca na entrada do Estaleiro Naval. Era possível ficar-se ali, e desfrutar de excelente visão da baía interna, pelo preço de um refrigerante. Assim, pode-se supor com segurança que foi pelas observações francas e por informações impressas, e não por relatórios de agentes secretos, que o Serviço de Inteligência da Marinha do Japão selecionou e coletou o material do qual se compilou o arquivo de Yamamoto sobre Pearl Harbor. Depois disso, um engenhoso estudo estatístico das observações revelou que os movimentos dos navios americanos obedeciam a um padrão; também idêntico estudo mostrara que as patrulhas aéreas se comportavam de um modo igualmente previsível - nunca mais de três de cada vez, cobrindo um quadrante que se estendia, no máximo, por 1.300 km ao norte e ao sul de Oahu. Fora dessa área havia um setor desguarnecido, pelo qual os aviões japoneses poderiam aproximar-se de Honolulu sem serem interceptados.

 

Outro agente secreto japonês, não incluído no sistema “legal” ou na rede de espionagem e que merece ser citado, era Otto Kuhn, um alemão recrutado em Tóquio em 1936. Kuhn afirmava ter sido oficial da marinha do Kaiser durante a Primeira Guerra Mundial. Isso pode ter sido verdade, mas na realidade ele era pouco mais do que um “garimpeiro de praia” à procura de vida fácil e lucrativa e pronto a aproveitar a chance de ir para o Havaí, onde viveria mais ou menos ociosamente, às custas dos japoneses. Tendo convencido a organização japonesa de Inteligência de que poderia ser útil, puseram verbas à sua disposição através de um banco alemão em Berlim. Esse dinheiro permitiu-lhe passar por um aposentado de posses; ele, sua mulher, Elfriede, que recebera treinamento superficial nos deveres de espionagem pelos alemães, e seus filhos, um rapaz e uma moça, instalaram-se numa casa confortável nos arredores de Honolulu. Nos três anos seguintes, Kauhn e Elfriede tentaram separadamente vários empreendimentos, mas nenhum deles teve sucesso. Somente graças às verbas japonesas à sua disposição é que puderam continuar vivendo com elegância e conforto. Até então não tivera de fazer nenhum trabalho para seus benfeitores, pois fora “plantado” em Honolulu para aguardar uma “emergência”.

 

Durante o outono de 1939, Otto Kuhn recebeu a visita de certo Capitão Ogawa, e seu papel de agente “secreto” foi confirmado. Kanji Ogawa era o “mestre-espião” da Seção 5 do terceiro Departamento Japonês (o departamento japonês de Inteligência da Marinha especializado em tarefas relativas aos Estados Unidos) e nessa época estava fazendo uma viagem de inspeção à sua organização, verificando sua eficiência e seu estado de prontidão. Mal entrado na casa dos quarenta, Ogawa era um dos poucos oficiais da Marinha Imperial cuja carreira fora dedicada exclusivamente aos deveres do Serviço de Inteligência. Capaz e ativo, previra a necessidade de informações exatas sobre Pearl Harbor. Kuhn parece tê-lo impressionado, e diz-se que Ogawa deixou o Havaí confiante de que o alemão prestaria bons serviços quando fosse “ativado”. Mas o mestre-espião ficou menos satisfeito com o que viu do homem responsável pela Inteligência “legal” em Honolulu: Gunji Kiichi, o Cônsul-Geral, era um velho diplomata com pronunciada aversão por espiões e espionagem - como a escassez de relatórios sobre questões de interesse para o Serviço japonês de Inteligência já mostrara. Escusando-se sob a alegação de que o trabalho de coleta de informações era de importância secundária, Kiichi o transferiu para Otagiro Okuda, seu vice-cônsul. Este tratou seriamente a sua responsabilidade, mas estava por demais preocupado com os trabalhos rotineiros para dedicar-lhe o tempo que Ogawa achava necessário. Entre o pessoal do consulado havia um oficial profissional do Serviço de Inteligência, mas como ele devia estar ali especificamente para observar as atividades dos refugiados coreanos no Havaí, o trabalho geral de Inteligência era feito por um dos secretários do consulado.

 

Ogawa achava que os melhoramentos no sistema teriam de ser precedidos pela remoção de Kiichi e, em outubro de 1940, o velho cônsul-geral foi chamado de volta a Tóquio. Na ausência de substituto, Okuda, o vice-consul , foi promovido a cônsul-geral em exercício, e assim que ele se livrou da influência inibidora de Kiichi, o campo de ação das atividades legais de espionagem do consulado se ampliou. Aumentou-se a vigilância em Pearl Harbor, recrutando-se dois dos nipo-americanos locais para observar mais atentamente as atividades da Frota do Pacífico. Um deles era um jovem chamado Richard Kotoshirodo, apelidado de “Masayuki”, que já era empregado como escriturário no consulado. Ele visitava semanalmente os pontos de observação sobre Pearl Harbor para ver os navios que estavam fundeados e onde. O outro recruta era um mal-vestido motorista de táxi, de meia idade, Yoshie Mikami. Conhecido pelos colegas motoristas como “Johnny, o Jap”, Mikami não tivera qualquer educação formal, mas, de um modo ou de outro, adquirira profundo conhecimento de assuntos navais, e como a maioria dos seus passageiros era de marinheiros, americanos que ele pegava no portão principal do Estaleiro Naval, esse conhecimento era inestimável. Levando-os para lugares de lazer no centro da cidade, ele arrancava-lhes habitualmente informações sobre questões que iam desde a espessura da blindagem dos seus navios ao calibre dos canhões. No devido tempo esses dados técnicos eram transmitidos ao consulado-geral, para serem incluídos nos relatórios que Okuda enviava para Tóquio.

 

Este, portanto, era o estado da espionagem japonesa no Havaí, quando Yamamoto decidiu que tinha de saber mais a respeito da frota americana baseada em Pearl Harbor e dos dispositivos de defesa em Oahu. A 5 de fevereiro, Ogawa foi chamado para uma conferência a bordo da nave capitânia Nagato, onde lhe deram as linhas gerais da “Operação Z”. Impressionado pela importância da operação projetada, Ogawa viu claramente que teria que aumentar a cobertura de espionagem do Havaí. Mas como? Ele dificilmente poderia suplementar seus agentes secretos colocando outros no tempo disponível. Por outro lado, quaisquer mudanças radicais no número e no pessoal do consulado-geral em Honolulu poderiam muito bem chamar a atenção e levar os americanos a apertar as medidas de segurança. Um caminho óbvio residia em ativar o “secreto” Kuhn. O alemão estava em dificuldades financeiras e, na esperança de receber mais dinheiro, recentemente procurara Okuda no consulado, sugerindo que devia “aparecer” e revigorar a cobertura de informações do Havaí. Okuda, que até então nada sabia da missão latente de Kuhn, pedira a Ogawa que lhe confirmasse o papel do alemão e expressou a opinião de que ele não era digno de confiança. Nas circunstâncias, Ogawa chegara à conclusão de que Kuhn não servia para o trabalho que tinha em mira.

 

Finalmente, decidiu-se que um oficial treinado da Inteligência, que falasse inglês e fosse especializado no reconhecimento de belonaves, devia ser mandado de Tóquio para o Havaí. O escolhido foi Takeo Yoshikawa, de 28 anos de idade, filho de um policial e que saíra da ativa na Marinha Imperial em 1936 - sob o pretexto de estar tuberculoso. (depois da guerra Ogawa disse que esse arranjo era comum, para o recrutamento de diplomatas “especialistas”. Oficiais da Marinha escolhidos eram reformados por motivos disciplinares ou de saúde. Então, depois de um período de ócio para encorajar um estado de espírito receptivo, eles recebiam cargos no Serviço Diplomático japonês e eram enviados para lugares onde seus conhecimentos navais fossem necessários ao Serviço de Inteligência.) Como civil, ele trabalhara na sede do Serviço de Inteligência da Marinha e, enquanto traçava os movimentos de navios da Marinha Real Britânica em águas asiáticas, leu tudo o que podia sobre belonaves, como o Jane’s Fighting Ships e o US Naval Institute Proceedings. Então, em 1940, depois de submeter-se com êxito a um exame de língua inglesa, Yoshikawa foi oficialmente aceito no Serviço Diplomático japonês como diplomata. Este o seu disfarce, e sua competência no reconhecimento de navios fez que nele recaísse a escolha de Ogawa para o trabalho no Havaí.

 

Ao mesmo tempo em que se decidia mandar Yoshikawa para Honolulu, Ogawa pedia ao Ministro do exterior que nomeasse um novo cônsul-geral para substituir Okuda e preencher a vaga criada com a retirada de Kiichi. Estipulou-se que o escolhido teria de ser um homem sob cuja supervisão benevolente o consulado de Honolulu pudesse transformar-se no ponto principal da espionagem no Havaí. Depois da devida deliberação, o Ministro decidiu que Nagao Kita, cônsul-geral no Cantão, seria o mais adequado para o posto.

 

Nascido em 1895, Kita era diplomata de carreira e passara a maior parte do seu tempo em postos sensíveis que mereciam interesse especial do serviço de Inteligência da Marinha: Amoy, Xangai, Cantão. Viúvo, apreciador de mulheres e sake, ele não era homem de brincadeiras, como se pode julgar pelo fato de ter adquirido o apelido de “o patrão” durante o tempo em que esteve como cônsul-geral em Xangai. Ele chegou a 14 de março de 1951 para tomar posse do consulado japonês em Honolulu; doze dias depois, chegava Yoshikawa. Aparecendo na lista de passageiros como “Vice-Cônsul Tadashi Morimura”, Yoshikawa viajara com distinção no navio Nitta Maru, e como ele parece ter pago uma soma dez vezes maior que o salário mensal de um vice-cônsul principiante, este fato parece ter provocado muitos comentários entre o resto do pessoal do consulado-geral de Honolulu. Também era estranho que não houvesse nenhum “Tadashi Morimura” no Anuário do Serviço Diplomático, e quando Kita e Okuda se esquivaram de responder perguntas a respeito do seu novo colega, a aura de mistério aumentou.

 

Yoshikawa, ou Morimura, como seria agora chamado, foi recebido por Okuda e levado diretamente ao escritório de Kita. Ali, a portas fechadas, os três discutiram suas ordens. Em suma, as ordens de Morimura eram para que se comportasse como diplomata, mas apresentasse relatórios semanais a Kita sobre a prontidão diária da frota americana na base; Okuda continuaria coletando informações de outras fontes conhecidas e Kita confrontaria todos os relatórios e os remeteria a Tóquio. Naquela noite, no Shuncho-ro (Restaurante Primavera), nos altiplanos que sobranceiam Pearl Harbor, os três homens brindaram ao êxito da sua missão.

 

Na aparência e nas maneiras, Yoshikawa não estava à altura de qualquer das idéias convencionais que se faz de um mestre-espião. Além disso, ele carecia de experiência, embora se pudesse considerar isso como uma vantagem, pois nunca aparecera em qualquer relação e adidos para despertar a curiosidade das agências de informações dos Estados Unidos. No consulado, somente Kita e Okuda sabiam o que ele estava fazendo; para o resto do pessoal, era um arrivista estouvado, indolente e beberrão, com quem o cônsul-geral era incomumente tolerante. Assim que se acomodou num trabalho nominal (estava oficialmente registrado no Departamento de Estado dos Estados Unidos como chanceler do Consulado japonês), ele só se parecia interessar em divertir-se. Passadas poucas semanas, Yoshikawa já fizera muitos amigos, era conhecido em todos os restaurantes e boates populares, começara a praticar esgrima no Daí Nippon Club e, entre breves aparecimentos no escritório, jogava golfe. À noite, ficava acordado até tarde, bebia muito e flertava com as garotas da casa de chá, muitas das quais ele levava a passeio por Pearl Harbor num barco de fundo de vidro. O Shuncho-ro era um dos seus lugares favoritos, onde vez por outra parecia ter bebido sake demais e o gerente o punha discretamente na cama, num quarto que dava para a baía e para o Campo Hickam, base aeronaval de Pearl. Poucos dos que conheceram o novo vice-cônsul nessa época o consideravam inteligente; a maioria o achava um bufão amável.

 

Yashikawa estava desempenhando muito bem o seu papel, pois não era nem o simplório nem o sibarita que fingia ser. Vivendo constantemente à sombra da contra-informação americana, ele escolhera a abordagem despreocupada à espionagem e seu papel de “playbly” era o disfarce que escolhera astutamente.

 

Tudo o que fazia servia ao propósito da sua missão, que encarava fatalisticamente com a submissão estóica de quem está simplesmente cumprindo seu dever. Ele próprio dizia que tudo o que sabia sobre Honolulu, desde que chegara, é que a “Seaview Inn” servia excelente sopa de peixe. Passados quinze dias já familiarizara com Oahu, e em poucos meses aprendera mais sobre as defesa de Pearl Harbor do que muitos americanos que ali serviam havia anos.

 

Para os motoristas de táxi de Honolulu, Yoshikawa era uma dádiva. Ele não sabia dirigir, e Kita prevenira-o para que não andasse sempre no mesmo veículo, por motivos óbvios. Por esta razão, preferiu não depender de Mikami como seu motorista. Passava grande parte do tempo vagando por Oahu, muitas vezes aparentemente sem destino, tomando ônibus e táxis ou andando como se houvesse algum panorama especial que quisesse ver. E os que lhe interessavam eram os panoramas de Pearl Harbor e dos campos de aviação. De pontos de observação escolhidos, ficava a fitar a baía lá embaixo, verificando o tempo necessário para a frota sair e a maneira como os navios se moviam, mas isso nunca por mais de alguns minutos em qualquer ponto determinado. Ele visava a evitar ser descoberto e, embora levasse consigo uma câmara fotográfica, era basicamente como turista, tampouco tomava notas ou fazia esboços; o que via em suas andanças ficava-lhe gravado na memória. A comunicação a Kita era feita à noite, quando o pessoal do consulado já estava em suas casas, dormindo.

 

O fato de Yoshikawa ter conseguido permanecer insuspeitado é um tributo à sua determinação e premeditação, bem como à sua habilidade como ator. Não eram poucos os órgãos de contra-informação americanos no Havaí e o consulado-geral japonês estava sob rigorosa observação. Mas nem uma única vez se desconfiou que Yoshikawa fosse alguma coisa diferente do que mostrava ser - um obscuro funcionário inferior que se divertia no Havaí. Kuhn estava na relação dos suspeitos, o mesmo acontecendo com o merceeiro e o oficial que se fazia passar por químico. Mas Yoshikawa, não. Sem se inquietar, ele manteve seu exaustivo programa de “observação” até outubro de 1941. E então, o ritmo acelerou.

 

A 23 de outubro, o Tatsuta Maru chegou a Honolulu, trazendo do Japão dois visitantes que foram diretamente para o consulado. Um deles fingia ser um oficial do Ministério das Relações Exteriores japonês, viajando com passaporte diplomático que disfarçava sua verdadeira identidade de oficial do Serviço de Inteligência da Marinha; o outro era um estafeta que escoltava a mala diplomática. O homem do Serviço de Inteligência viera “liquidar” a rede de espionagem secreta, o que fez comunicando aos interessados que encerrassem seus negócios e assegurassem sua presença no navio japonês que partiria de Honolulu a 1o de novembro. A mala diplomática continha um envelope selado e 14.000 dólares e, numa nota que estava junto, Kita recebeu ordens para que o envelope selado e o dinheiro fossem entregues ao “reserva” Kuhn. A mensagem de Kuhn, naturalmente, eram suas ordens de “ativação” e Kita decidiu que Yoshikawa é que deveria fazer-lhe a entrega.

 

Cônscio do perigo potencial para seu disfarce, Yoshikawa não estava gostando da tarefa. Mas para Kuhn a mensagem foi o choque da sua vida. Tudo o que ele queria era um dinheiro fácil, e a idéia de vir a ter participação capital num negócio como aquele não era atraente. A mensagem de Tóquio lhe dizia para inventar um sistema de sinalização e preparar-se para importante trabalho. Como precisava de dinheiro, Kuhn decidiu que teria de obedecer. Nesse caso, o sistema imaginado por Kuhn era um dos sinais visuais destinados a desviar a frota japonesa que se aproximava do Havaí se a esquadra americana, ou parte desta, tivesse deixado Pearl Harbor nos dias imediatamente anteriores ao domingo, 7 de dezembro. O sistema se baseava nas informações obtidas por observações de periscópio, feitas por três submarinos ocultos ao largo de Oahu, de três posições na costa. Esta informação seria então transmitida pelo rádio para a frota. Luzes da casa e uma fogueira seriam usadas à noite; durante o dia, modelos de formas diferentes seriam mostrados. Acontece que o sistema não foi necessário e Kuhn foi preso.

 

Na manhã de 1o de novembro, o Taiyo Maru atracou em Honolulu. Notava-se claramente a ausência da atmosfera carnavalesca e as cenas de hula; os oficiais da imigração levaram mais tempo para inspecionar os que desembarcavam. Com as nuvens da guerra acumulando-se, todos os navios mercantes japoneses que se dirigiam para os Estados Unidos tiveram suas viagens canceladas. Mas esse navio fora especialmente fretado para levar para suas terras as pessoas que haviam ficado retidas no Japão ou no Havaí.

 

Sem que as autoridades americanas soubessem, a viagem do Taiyu Maru fora feita por outras razões, nada humanitárias. Partindo do Japão, ele traçara a rota da força-tarefa do Almirante Yamamoto e levava consigo dois jovens oficiais da Marinha Imperial disfarçados de taifeiros: Suguru Syzyki, membro do estado-maior do Almirante Nagumo, e Toshihide Maejima, do estado-maior do Vice-Almirante Gunishi Mikawa, nomeado comandante do grupo de couraçados e cruzadores da força-tarefa. Em lugar de seguir sua rota regular, o Taiyu Maru seguira a rota norte, entre Midway e as Aleutas, por ordens do Estado-Maior Geral da Marinha japonesa. Durante a travessia, Suzuki e Maejima registraram dados sobre ventos e pressões atmosféricas e observaram quantos navios encontravam no caminho. Não se avistou nenhum durante toda a viagem.

 

A 2 de novembro a tripulação teve permissão de desembarcar e Suzuki foi diretamente para o consulado, para avistar-se com Kita, avisado as sua chegada por um telegrama enviado por Ogawa. Kita foi informado de que “o dia” estava-se “aproximando rapidamente”. Antes de sair, Suzuki também entregou ao cônsul-geral uma longa relação de perguntas urgentes sobre as defesas de Pearl Harbor. Yoshikawa foi chamado e, naquela tarde, quando Kita embarcou no Taiyu Maru - ostensivamente para supervisionar a repatriação dos cidadãos japoneses, no seu papel de cônsul-geral - Suzuki recebeu um pacote contendo as respostas à maioria delas. A mais importante de todas era a primeira pergunta: “Normalmente, em que dia da semana haveria maior número de navios em Pearl Harbor?” “Domingo”, respondeu Yoshikawa.

 

Juntamente com suas respostas, Yoshikawa enviara a Suzuki uma coleção de outros documentos, inclusive esboços de Pearl Harbor, um plano de atracação e a disposição nos Campos Hickam e Wheeler de aviação. Estes seriam de valor inestimável para os pilotos de Yamamoto, embora seja provável que a aquisição mais valiosa fosse um conjunto de cartões-postais comprados numa das lojas de Honolulu. Custando um dólar, esses cartões mostravam uma completa vista panorâmica, aérea, de Pearl Harbor. Menos de cinco semanas depois, todo piloto japonês que atacou a base tinha um conjunto desses colado na carlinga de seus aviões. (Os cartões haviam sido reproduzidos em fotocópias e divididos em quadrados, que foram designados aos aviões, e todo piloto sabia quais os navios que poderia encontrar na área do seu alvo.)

 

Com Suzuki e Maejima a bordo, o Taiyo Maru zarpou de Honolulu a 5 de novembro. O extrovertido ex-tenente e o perdulário alemão que ali permaneceram ainda tinham um papel a desempenhar. Mas faltando pouco mais de um mês para o ato culminante, a cobertura de espionagem da área do alvo estava virtualmente completa.

 

O gigante adormecido

A 27 de janeiro de 1941 (poucos dias depois que Yamamoto confiou seu plano a Onishi), o Dr. Ricardo Rivera-Schreiber, enviado do Peru ao Japão, visitou a Embaixada dos Estados Unidos para transmitir uma informação que recebera numa festa diplomática. Num momento de indiscrição, um intérprete japonês exclamou: “A esquadra americana desaparecerá”. Delicadamente interrogado sobre onde ela desapareceria - San Diego? Não. São Francisco? Não. Pacífico Sul? Não - O intérprete, recuperando a pose, calou-se e saiu, pedindo desculpas. Pensando sobre o comentário, Schreiber admitiu que ele só podia estar falando de Pearl Harbor. Como o intérprete conseguiu essa informação ainda é um mistério. Pode ter sido uma adivinhação inspirada pelo álcool, mas a visita de Schreiber resultou na imediata transmissão de um aviso codificado para o Departamento de Estado, pelo embaixador dos Estados Unidos no Japão, Sr. Joseph Grew: “Meu colega peruano disse a um membro da embaixada que ouvira de uma fonte japonesa que as forças militares japonesas estavam planejando um ataque de surpresa, e em massa, a Pearl Harbor, em caso de “dificuldades” entre o Japão e os Estados Unidos; que o ataque envolveria o uso de todos os recursos militares japoneses. Meu colega disse que foi levado a transmitir essa informação por ter ela vindo de boa fonte, embora o plano parecesse fantástico”. Em Washington o despacho de Grew foi entregue ao Serviço de Inteligência da Marinha, para “informação, avaliação e comentários”. Dali ele foi remetido, a 1o de fevereiro, para o Almirante Kimmel, Comandante-Chefe da Frota do Pacífico, acompanhado do seguinte comentário dos especialistas: “A Divisão de Inteligência da Marinha não dá crédito a esses boatos. Segundo os dados conhecidos sobre a atual disposição e emprego das forças navais e do exército japonesas, não parece haver nenhum plano de ataque a Pearl Harbor, seja iminente ou para o futuro previsível”.

 

Em frases pomposas e desdenhosas, os especialistas do Serviço de Inteligência concordavam com o embaixador peruano: o boato era fantástico demais para que se lhe dispensasse consideração. Independentemente e sem saber do despacho de Grew, dois oficiais no Havaí haviam chegado à conclusão de que Pearl Harbor não era de modo algum inviolável. A 16 de fevereiro de 1941, o Contra-Almirante Patrick L. N. Bellinger, Encarregado da Defesa Aérea de Pearl Harbor, escrevera ao Chefe das operações Navais expressando sua preocupação com a falta de aviões modernos, peças e pessoal: “...Fiquei surpreso em ver as Ilhas Havaí, importante posto avançado naval, operando sem recurso nenhum. Quanto mais olhava, mais a situação me parecia pior...” Dois meses depois, Bellinger e o comandante da Força Aérea do Exército no Havaí, Major-General Frederick L. Martin, completaram uma profética apreciação conjunta, prevendo a direção, o poderio e a estratégia que uma força japonesa atacante usaria. O tempo mostraria que sua previsão era correta.

 

Analisando a provável estratégia japonesa, Martin e Bellinger previram que os japoneses provavelmente usariam seis porta-aviões, que se aproximariam de Oahu pelo norte e que a hora mais vantajosa para se desfechar um ataque aéreo seria ao amanhecer. Quando tal ataque ocorresse, os japoneses sem dúvida fariam todo o possível para usar do fator surpresa. Os dois observaram que, no passado, o Japão jamais fez preceder qualquer operação hostil de uma declaração de guerra. Tampouco era agora seguro esperar-se qualquer aviso prévio do Serviço de Inteligência dos Estados Unidos: os submarinos e aviões japoneses poderiam muito bem chegar às águas havaianas antes que a inteligência tivesse compilado elementos sobre suas intenções hostis.

 

O relatório prosseguia dizendo que, até que se tenha cometido um ato de guerra, as forças americanas provavelmente não tomariam qualquer medida ofensiva se descobrissem uma força-tarefa japonesa a caminho do Havaí. Por outro lado, se ela fosse descoberta, haveria tempo para dispersar os navios na baía e colocar as defesas de Oahu de prontidão. Estar prevenido seria o mesmo que estar acautelado, e se a hipotética força-tarefa soubesse haver perdido o elemento surpresa, seria improvável que se arriscasse numa batalha. Assim, para frustrar tal ataque, Bellinger e Martin recomendavam que as patrulhas aéreas realizassem uma busca completa e exaustiva de 360 graus, na área do Havaí, durante o dia. Para isso, a Força Aérea no Havaí precisava de “180 aviões tipo B-17D ou outros bombardeiros quadrimotores de igual alcance operacional”. Como a Força Aérea do Exército não tinha 180 Fortalezas-Voadoras e as que tinha estavam comprometidas nas Filipinas e no Atlântico, só havia 12 B-17 no Havaí quando os japoneses atacaram, a 7 de dezembro.

 

O profético documento chegou a Washington a 20 de agosto, tendo em anexo uma carta do General Martin, em que ele dizia: “Nosso inimigo mais local [Japão] provavelmente poderá trazer um máximo de seis porta-aviões para atacar Oahu. Portanto, o ataque pela manhã bem cedo é o seu melhor plano de ação. Eles também devem reconhecer que, para evitar que sejam descobertos por navios amistosos, o caminho de aproximação mais provável é pelo norte”. Esse sumário poderia ter sido escrito por Yamamoto que, naquele exato momento, dava os retoques finais aos planos para a “Operação Z”.

 

Em meados da década de 1930, os japoneses inventaram novo tipo de equipamento de criptografia. Essencialmente, ele dependia de uma máquina tão original na sua construção e tão singular no desenho dos seus componentes criptográficos que parecia ser o máximo que o engenho humano poderia conseguir, como o ideal para obter um código inviolável. Por volta de 1937, a maioria dos despachos estava sendo transcrita em criptograma pela nova máquina e durante mais de dois anos grande parte das informações captadas pelos postos americanos que monitoravam o tráfego radiofônico japonês não tinha quase valor nenhum. Com o cheiro acre da guerra já no ar, os americanos concluíram que a segurança nacional dependia de saber o que os japoneses estavam fazendo e um pequeno grupo de criptólogos pôs-se a tentar desenredar o código. Em fins de 1940 eles o conseguiram, e as recepções radiofônicas voltaram a ser inteligíveis. O código diplomático recebeu o nome secreto de “Púrpura”, escolhendo-se o melodramático nome “Magic” para toda a operação que implicava na gravação, decifração e tradução.

 

Não há dúvida de que a decifração do sistema de código foi um dos golpes mais brilhantes nos anais da Inteligência. Como isso foi feito até hoje é um mistério. Os japoneses não sabem, e o punhado de oficiais americanos que sabem não dizem nada. Uma coisa é certa: nenhum oficial japonês entregou os seus segredos. Como era baseado na criptografia usada pela Marinha Imperial, o deslindamento da criptografia naval pode ter levado à violação do código diplomático. Neste caso, pode ser que o Almirantado Britânico tenha fornecido o “Know-How”. A Marinha Real britânica, com sua longa associação com a Marinha Imperial, pode ter recebido informação privilegiada. Também se aventou uma teoria mais improvável, a de que se tenha descoberto o cadáver de um oficial da marinha japonesa que tivesse consigo um livro de código.

 

Qualquer que fosse o meio usado para decifrar o código, o fato de os americanos poderem ler as mensagens altamente secretas dos japoneses valia mais do que doze Yoshikawa em Honolulu. Eventualmente isto mostrou ser a maior vantagem isolada dos Estados Unidos na guerra do Pacífico. Mesmo antes de Pearl Harbor, as mensagens que Yoshikawa enviava de Pearl Harbor eram todas anotadas no código “Púrpura” e lidas pelos americanos. Infelizmente, a “Magic” não se transformara ainda num instrumento perfeito de informação. Suas intercepções rigidamente protegidas estavam restritas a estreito círculo de pessoas situadas em altos níveis e em geral eram consideradas como mensagens puramente diplomáticas, que não revelariam, necessariamente, quaisquer intenções militares. Ao mesmo tempo, a sensação de que o Japão estava satisfatoriamente “coberto” criava um sentimento de segurança. Supondo que as mensagens “Magic” serviriam como aviso prévio das intenções japonesas, permitindo que se tomassem as contramedidas preventivas adequadas a tempo, o Presidente Roosevelt e seus conselheiros passaram a depender dela. Conta-se que Napoleão dissera que “um espião no lugar certo vale vinte mil soldados”. O Japão tinha Yoshikawa em Pearl Harbor; os Estados Unidos não tinham seu equivalente em Tóquio ou em Kure, e a confiança na “Magic” como instrumento de aviso tornou-se em parte responsável pela complacência com que as autoridades americanas se aproximaram da crise final.

 

Tanto a marinha como o Exército dos Estados Unidos tinham organizações especiais para lidar com intercepções radiofônicas estrangeiras. No Departamento da Marinha, a seção que lidava com a “Magic” era conhecida como Unidade de Segurança das Comunicações; era comandada pelo Capitão Laurence F. Safford e tinha uma equipe de 300 funcionários. Para se decifrar o código “Púrpura” com rapidez era preciso uma complicada máquina especial de criptografia e, em 1941, só existiam quatro; duas delas estavam em Washington - uma com o Exército e a outra com a Unidade de Segurança das Comunicações; uma terceira estava nas Filipinas e a quarta, em Londres, oferecida à Grã-Bretanha em troca do código secreto alemão, no começo da guerra. Uma quinta máquina estava sendo construída para o Havaí, mas Yamamoto atacou antes da sua entrega.

 

Caso não pudesse ser decifrada no local, uma mensagem radiofônica interceptada numa das estações de intercepção espalhadas entre Washington e as Filipinas era remetida a Washington. Muitas vezes as mensagens eram enviadas a Washington por via aérea, o que freqüentemente as atrasava. A tradução do japonês para o inglês também era um ponto de estrangulamento; às vezes se levava até dois meses para que as mensagens estivessem disponíveis para distribuição ao pequeno número de pessoas constantes da lista de recipientes. Apenas o Secretário da Guerra, Cordell Hull; o Chefe do Estado-Maior, General Marshall; o Secretário da Marinha, Frank Knox; o Diretor do Serviço Militar de Inteligência, o Chefe da Divisão de Planos de Guerra, o Diretor do Serviço de Inteligência da Marinha e, naturalmente, o Presidente tinham acesso às mensagens “Púrpura”. Limitando-se o número de pessoas que sabiam que o código diplomático fora decifrado, era menor a probabilidade de que os japoneses descobrissem o fato e mudassem o código. Em particular o Almirante Kimmel e o mais graduado oficial do exército em Oahu foram deliberadamente omitidos da lista de recebimento de qualquer informação escolhida das intercepções e até então, no tocante às autoridades sediadas em Pearl Harbor, a “Magic” não existia.

 

Durante todos os nove meses de 1941, os relatórios interceptados e que haviam sido radiografados pelo consulado japonês em Honolulu seguiram um padrão coerente, que não causava nenhuma preocupação em Washington. Os movimentos rotineiros das unidades navais vinham sendo registrados há algum tempo, mas Yoshikawa e Kita ainda não haviam assentado bem a mão. Todavia, a 24 de setembro uma mensagem de Tóquio alterou completamente o caráter dos relatórios do consulado: “Tóquio para o Cônsul-Geral Honolulu, 24 de setembro de 1941. Daqui por diante gostaríamos que nos fizesse relatórios sobre os navios seguindo as diretrizes abaixo:

 

1 - As águas de Pearl Harbor devem ser divididas aproximadamente em cinco subáreas:

       Área A: Águas entre Ilha Ford e o Arsenal.

       Área B: Águas adjacentes, a sul e a oeste da Ilha Ford. Esta área está no lado oposto à Área A.

       Área C: East Loch.

       Área D: Middle Loch.

       Área E: West Loch e as vias aquáticas comunicantes.

2 - Quanto às belonaves e porta-aviões, gostaríamos que nos informasse sobre os que estão fundeados... atracados, em bóias e nas docas. Indique sucintamente os tipos e classes. Se possível, gostaríamos que nos indicasse inclusive se há dois ou mais navios ao longo do mesmo cais”. (Esta mensagem foi decifrada a 9 de outubro de 1941.)

 

Não poderia haver mais significativo do que essa mensagem e os relatórios subseqüentes. Antes de 24 de janeiro, os relatórios rotineiros de Honolulu sobre os navios mantinham Tóquio informado da força e da composição da Frota do Pacífico. Depois dessa data, o Consulado de Honolulu começou a informar a localização exata de porta-aviões, couraçados e cruzadores em Pearl Harbor, bem como os movimentos de entrada e saída da base. Por que? Porque Tóquio precisava da informação para planejar um ataque de surpresa, e dadas as condições de localização de Pearl Harbor, a explicação racional era de que o ataque deveria ser aéreo.

 

Durante todo o mês de novembro de 1941, as mensagens da “Magic” mostraram que o interesse japonês por Pearl Harbor se intensificara. No dia 15, Honolulu recebeu ordens para aumentar a freqüência dos seus relatórios sobre “Navios no Porto” para dois por semana. A 29, Tóquio pediu relatórios mesmo quando não houvesse movimento de navios. Em várias mensagens salientou-se a necessidade de guardar segredo, havendo freqüentes referências ao dia 29 de novembro como sendo a data limite. Algumas das mensagens mais importantes só foram decifradas a 4 e 5 de dezembro, em Washington. Não obstante, ainda havia tempo para transmitir as importantes revelações para o Almirante Kimmel. Entretanto, nem ele, nem o General Walter C. Short, Comandante do exército no Havaí, receberam qualquer insinuação da existência dessa prova irrefutável do ataque iminente.

 

Em Tóquio, o Embaixador Joseph Grew não estava sob nenhuma falsa impressão sobre a maneira como corriam as coisas. As ambições militaristas do General Tojo eram do conhecimento de toda a gente, e a tensão aumentou rapidamente assim que ele substituiu Konoye como Primeiro-Ministro de um novo governo. Numa transmissão radiofônica a 2 de setembro, o Coronel Mabushi, Chefe da Seção de Imprensa do Exército, denunciou a Grã-Bretanha e os Estados Unidos pelos seus “crimes imperdoáveis” de tentarem estrangular o Japão, privando-o de matérias-primas e congelando seus bens. E, com o passar das semanas, os jornais japoneses tornaram-se cada vez mais provocadores. Os Estados Unidos “devem suspender a ajuda à China, devem cancelar a ordem de congelamento, devem reconhecer a Manchúria”. Para prevenir o Departamento de Estado contra a aceitação de qualquer teoria baseada em que a exaustão dos recursos econômicos japoneses redundaria no colapso militar do Japão, Grew enviou um longo despacho para Washington, falando da possibilidade de o Japão adotar medidas com tão dramática e perigosa subitaneidade que tornariam inevitável a guerra com os Estados Unidos: “... o Japão preferirá até mesmo um hara-kiri nacional a ceder às pressões estrangeiras...” Quinze dias depois, Grew tornou a cabografar, chamando atenção para a necessidade de vigilância contra um ataque naval e militar japonês repentino.

 

Entrementes, as intercepções da “Magic” do tráfego diplomático entre a Embaixada Japonesa em Washington e Tóquio não deixavam dúvida de que os japoneses se dirigiam para seu ataque secreto. Em novembro de 1940, o Príncipe Konoye nomeara o Almirante Kichisaburo Nomura como seu “embaixador de boa vontade” nos Estados Unidos. Homem de boa índole e presumido, de 62 anos de idade, a única qualificação real para o cargo residia no fato de haver ele conhecido o Presidente Roosevelt quando este era Subsecretário da Marinha, época em que Nomura funcionara como adido naval em Washington e era amigo do Almirante William W. Pratt, ex-Chefe das Operações Navais. Namura aceitara, pouco percebendo o que estava recebendo. Assim que as coisas começaram a endurecer, ele pediu que o substituíssem, a fim de retornar ao Japão. A 5 de novembro, Tojo ofereceu “paz por negociação” aos Estados Unidos, e ostensivamente para ajudar Nomura, Saburo Kurusu, um diplomata experimentado, voou para Washington.

 

Tanto a decisão como a escolha do novo emissário espantaram o Departamento de Estado. Kurusu fora Embaixador Japonês na Alemanha, na época da conclusão do Pacto Tríplice (Alemanha-Itália-Japão), sendo, de fato, ele quem o assinou pelo Japão. Era verdade que uma intercepção feita pela “Magic” mostrara que Nomura precisava de ajuda, pois ele dissera ao Ministro do Exterior Japonês, Togo, que não mais podia suportar a tensão de “toda essa impostura”. Mas parecia estranho que se mandasse Kurusu para substituir o velho Almirante, se o Japão esforçava-se por uma reaproximação. O mistério tornou-se mais denso quando se traduziu uma mensagem de Tóquio para a embaixada - datada do mesmo dia da nomeação de Kurusu: “Devido a várias circunstâncias, é absolutamente necessário que todas as providências para a assinatura desse acordo [uma referência à proposta de Tojo para a paz, ao preço da satisfação de todas as ambições do Japão] devem estar prontas até o dia 25 deste mês...” A 11 de novembro e, novamente, a 15 e 16, outras mensagens enviadas de Tóquio haviam salientado a importância da data de 25, que era “absolutamente inalterável... um prazo definitivo”. Ademais, a 14 de novembro, uma mensagem interceptada, de Tóquio ao Cônsul-Geral em Hong-Kong, dizia que se as negociações de Washington fracassassem, o Japão “destruiria completamente o poderio britânico e americano na China”.

 

A 20 de novembro, Kurusu encerrou suas conversações no Departamento de Estado e seis dias depois de uma visita à Casa Branca, cabografou a Tóquio dizendo que seu “fracasso e humilhação” foram “completos”. De Tóquio veio a resposta compadecida: “... vocês dois envidaram esforços sobre-humanos... portanto, as negociações serão interrompidas de facto... Mas não quero que dêem a impressão de que elas já estão canceladas...” A necessidade de se manter a aparência de que as negociações prosseguiriam foi novamente salientada em outro cabograma, a 29 de novembro, e em conversações telefônicas transpacíficas, a 27 e 30 do mesmo mês, entre Kurusu e o Ministério das Relações Exteriores japonês.

 

Um prazo limite fora salientado durante todas as negociações, depois do qual “as coisas começariam a acontecer automaticamente”. Entretanto, as ações automáticas, depois do colapso de negociações tão vitais, só poderiam significar atos de guerra. Além disso, o despacho para Hong-Kong dissera claramente que o Japão iria à guerra com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, se as conversações fracassassem realmente. Essa mensagem foi decifrada a 26 de novembro, dia em que Cordell Hull entregou a Kurusu e Nomura a nota americana que encerrava efetivamente as conversações. Dois dias depois, quaisquer dúvidas que ainda restassem de que a diplomacia fracassara totalmente deveriam ter sido eliminadas, quando se recebeu a tradução do telegrama dizendo que as negociações seriam “... interrompidas de fato”. Daí em diante, pela repetida ênfase dada à importância de se conservar uma aparência de continuação das negociações, Tóquio deixava claro que a surpresa era essencial para o que “iria acontecer automaticamente”. Como os antecedentes históricos sugeriam que o Japão costumava iniciar suas guerras com um ataque de surpresa, o que estava por acontecer não constituía mistério. Fazendo-se uma revisão após os acontecimentos, deveria ter sido óbvio que Pearl Harbor seria o objetivo desse ataque.

 

Havia quaisquer outras alternativas? Na verdade, o Japão só tinha dois objetivos certos no Pacífico - a Frota do Pacífico e o Canal do Panamá. Entretanto, para seus propósitos estratégicos no Pacífico ocidental, os danos causados no Canal do Panamá nada significariam, comparados com a incapacitação da frota do Pacífico. Estando essa frota baseada em Pearl Harbor, a dedução lógica deveria ter reduzido os objetivos do Japão no Pacífico a um só.

 

A resposta mais drástica a uma relação internacional tensa é uma declaração de guerra. Excetuando-se a guerra, a medida mais decisiva é o rompimento de relações diplomáticas. Nessas circunstâncias os embaixadores são chamados de volta e suas embaixadas são oficialmente fechadas. Não obstante, parte do pessoal da embaixada pode muito bem permanecer no país e a inviolabilidade das embaixadas fechadas é plenamente respeitada. Ao mesmo tempo, os consulados continuam funcionando normalmente, porque prevalece a idéia de que eles não são parte da organização diplomática. Por conseguinte, o material secreto das embaixadas e consulados fica inviolado durante o período de rompimento das relações diplomáticas. Contudo, se a guerra for declarada, o quadro é muito diferente. As embaixadas e consulados são imediatamente tomados e seu pessoal é mantido sob custódia enquanto aguarda o repatriamento. Assim, quando a guerra parece iminente, os embaixadores e cônsules costumam assegurar-se de que nada que seja secreto possa cair em mãos inimigas. Conseqüentemente, as ordens para destruir códigos, criptogramas e correspondência só podem significar uma coisa - que a guerra está próxima.

 

Para os japoneses, o código “Púrpura” tinha a mais alta classificação de segurança e nunca lhes ocorreu a possibilidade de que ele estivesse comprometido. Somente suas embaixadas e os consulados mais importantes, em lugares como Manila, Cingapura e Bataan, tinham uma das máquinas especiais necessárias para cifrar e decifrar o código; as comunicações secretas com os outros consulados eram feitas em códigos menos seguros. Decididos a preservar o segredo das suas intenções, mas preocupados com a segurança dos códigos inferiores dos consulados que não estavam equipados para lidar com o “Púrpura”, os japoneses inventaram um código especial de “Ventos”. Duas mensagens criando esse código foram interceptadas pela “Magic”e sua interpretação como um aviso das intenções japonesas de ir à guerra foi, posteriormente, objeto de discussão nos Estados Unidos. Uma mensagem de Tóquio para a Embaixada japonesa em Washington, datada de 18 de novembro, dizia: “Quanto à transmissão de uma mensagem especial numa emergência. No caso de emergência (perigo de romper nossas relações diplomáticas) e de corte nas comunicações internacionais, o seguinte aviso será acrescentado no meio do noticiário radiofônico em língua japonesa transmitido diariamente em ondas curtas:

 

1 - No caso de relações Japão-Estados Unidos em perigo: Higashi no kaze ame (Vento Leste com Chuvas).

2 - Relações Japão-URSS: Kitano kaze kumore (Vento Norte Nublado)

3 - Relações Nipo-Britânicas: Nishi no kaze hare (Vento de Oeste Bom).

Este aviso seria dado no meio e no final do boletim meteorológico, e cada sentença será repetida duas vezes. Quando este for ouvido, favor destruir todos os papéis em código...”

 

Seguiu-se outra mensagem a 19 de novembro: Quando nossas relações diplomáticas estiverem tornando-se perigosas, acrescentaremos o seguinte, no começo e no fim das nossas transmissões gerais de informações:

 

1 - Relações Japão-Estados Unidos: “Higashi.”

2 - Relações Japão-Rússia: “Kita.”

3 - Relações Nipo-Britânicas (incluindo Tailândia, Malaia e Índias Orientais Holandesas): “Nishi.”

 

A relação acima será repetida cinco vezes e incluída no começo e no fim. Retransmitida para Rio de Janeiro, Buenos Aires, Cidade do México e São Francisco.”

 

A primeira mensagem foi decifrada a 28 de novembro, e a segunda, a 26 de novembro. Ambas receberam prioridade na decifração, mas como haviam sido truncadas na transmissão, o tradutor americano demorou muito para decifrar o que elas realmente significavam. Contudo, assim que se soube do seu conteúdo, as estações do exército e da marinha que faziam o trabalho de monitores receberam ordens de dar atenção espacial às transmissões japonesas e telefonar para Washington imediatamente, se ouvissem qualquer das palavras do código dos “Ventos”. Às 8:30h das manhã de 4 de dezembro, o Capitão-de-Corveta A. D. Krammer, da Unidade de Comunicações de Segurança, entrou no escritório do Capitão Safford e disse: “Aí está.” Na sua mão estava uma mensagem em teletipo informando que a frase japonesa para Vento Leste com Chuvas, significando guerra ou rompimento de relações diplomáticas com os Estados Unidos, fora usada.

 

Se essa mensagem era autêntica ainda é um mistério. (Pode ser uma coincidência o fato de que os boletins meteorológicos transmitidos de Tóquio às 22:00h, hora de Greenwich, informassem: “Em Tóquio, vento norte ligeiramente mais forte, possibilidade de tempo mais nublado amanhã, ligeiramente nublado e tempo bom...”. A 8 de dezembro não havia muita dúvida de que o código dos ventos foi usado quando, no meio de um resumo noticioso, o locutor interrompeu e disse que daria um boletim meteorológico especial: “Vento de Oeste, Bom; Vento de Oeste Bom.” Isto naturalmente significava um rompimento de relações diplomáticas do Japão com a Grã-Bretanha. Na Investigação do Congresso, subseqüente ao ataque a Pearl Harbor, o teletipo de Krammer e vários outros documentos relacionados não puderam ser encontrados. Para os que acreditavam que o Presidente e alguns dos seus colegas de alto nível sabiam da iminência de um ataque japonês, bem como de onde e quando ele viria, o desaparecimento desses documentos sugeria que pessoas situadas em altos cargos queriam destruir a prova desse conhecimento.

 

Quatro outros avisos de último minuto da “Magic” merecem ser citados porque, subseqüentemente, foram reconhecidos como avisos cruciais. Sua importância apóia-se não no seu conteúdo, que deixava claro como água que o Japão entraria em guerra com os Estados Unidos a 7 de dezembro, mas na hora em que os poucos privilegiados viram as mensagens que davam conta da decisão que eles tomaram. O primeiro aviso, que se tornou conhecido como a “mensagem-piloto”, foi decifrado por volta das 15:00h de 6 de dezembro - sábado. O segundo, conhecido como a mensagem das “14 partes” - uma versão incrivelmente insincera das gestões japonesas no sentido de assegurar a paz na Ásia, a despeito das obstruções criadas pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha - foi decifrado por volta das 21:00h do mesmo dia. O terceiro dizia sucintamente a Nomura e Kurusu para apresentarem uma nota, que já estava nas suas mãos, ao Departamento de Estado às 13:00h do dia 7. Esta mensagem foi ouvida às 4:40 h da manhã, seguindo-se rapidamente um aviso final para destruição de códigos.

 

Essas mensagens deveriam ter completado o quadro existente no Serviço de Inteligência. Por volta das 15:00h, hora de Washington, sábado, 6 de dezembro - 21 horas antes do próximo nascer do sol no Havaí - Washington sabia que o Japão optara pela guerra com os Estados Unidos. De manhã cedo, no domingo, a dedução era de que o Japão atacaria naquele dia. Mas nenhum aviso foi mandado para o Havaí, onde a Frota do Pacífico desfrutava um pachorrento fim de semana. Dentro de doze horas, o Presidente Roosevelt, há muito convencido de que os Estados Unidos deviam lutar ao lado da Grã-Bretanha na batalha pela democracia, resolvera seu problema de como convencer o Congresso a aprovar uma declaração de guerra. Os japoneses desfecharam os primeiros tiros e a 7 de dezembro ele pôde levar uma nação, totalmente incitada, à guerra.

 

A fase de preparação

Enquanto Yamamoto dava os retoques finais no plano para a “Operação Z”, intensificou-se o treinamento das tripulações aéreas dos porta-aviões. Este era o seu mais urgente problema e ele foi complicado pela necessidade de se manter segredo absoluto. Não era possível explicar aos aviadores para o que estavam treinando. Entretanto, diferentes tipos de aviões - bombardeiros de grande altitude, bombardeiros-torpedeiros, bombardeiros de mergulho e caças - tinham de ser unidos numa força de assalto capaz de voar em formação para atacar dentro de um horário rígido. Mas não havia tempo para isso, se se quisesse que a operação ficasse pronta até fins de novembro. Felizmente a área de treinamento em Kagoshima era ideal para aquele fim. Com um vulcão de 1.200 metros de altura na baía representando a Ilha Ford, e a cidade de Kagoshima simulando o estaleiro naval, a coisa funcionava como se fosse o alvo projetado.

 

Os agricultores da região reclamavam de que o barulho constante dos motores fazia com que as galinhas parassem de pôr ovos, mas, em fins de setembro, já aceitavam, resignados os acontecimentos. Quatro vezes por dia, todos os pilotos praticavam decolagens e pousos dos seus porta-aviões. Em seguida, os bombardeiros-torpedeiros passavam fragosamente sobre a Montanha Shiro, faziam mergulhos rasantes sobre o Vale Iwasaki e seguiam seu curso coleante até as costas da baía. Ali, voavam bem baixo e lançavam seus torpedos na água. Entrementes, em outros locais, em Kyushu, os bombardeiros de mergulho estariam ensaiando suas técnicas - mergulhar verticalmente da altura de 1.500 m e subir abruptamente no último minuto possível. Até essa época, 600 m fora o ponto mais baixo aceitável para lançar as bombas. Mas, para garantir precisão exata, os pilotos foram instruídos para não saírem do seu mergulho até que tivessem descido aos 450 m. Os exercícios sucessivos e o ponto de lançamento a alcançar logo pagaram dividendos e a precisão dos bombardeiros de mergulho melhorou. Era mais difícil improvisar os bombardeios de grande altitude. Os aviadores da marinha tinham uma folha triste de bombardeios de grande altitude, até mesmo na China, onde a oposição aérea era insignificante. Yamamoto criticara seu desempenho e dissera que eles não tinham muita possibilidade de conseguir tiros certeiros sobre um alvo em movimento, como um navio, por exemplo. Mas acreditava que a proporção de bombas certeiras melhoraria se os ataques se limitassem a alvos fixos. A dificuldade estava nas miras dos bombardeiros, muito toscas, em comparação com as dos americanos e britânicos. A mira dependia unicamente de boa visão e intuição. Esta podia ser desenvolvida pela prática, e aperfeiçoada colocando-se os melhores bombardeadores no avião principal de cada esquadrão. Quando esses “atiradores” apertassem o botão de lançamento, o resto dos seus esquadrões faria o mesmo. Com isso, um padrão de bombas teoricamente enforquilharia o alvo. Numa competição de bombardeio realizada em outubro, cinco bombardeiros de grande altitude acertaram 50% dos lançamentos contra um navio-alvo que se deslocava em ziguezague a grande velocidade. Calculou-se que, contra um navio ancorado, 80% das suas bombas acertariam o alvo.

 

O treinamento dos aviadores não era o único problema a ser enfrentado. Em março, o comandante Genda esboçara as dificuldades técnicas apresentadas pelo próximo ataque. A menos que a Frota do Pacífico mudasse seus costumes, os navios americanos estariam atracados em pares, de modo que seria impossível atingir com torpedos os navios que ficavam do lado de dentro. Além disso, o ancoradouro era tão estreito que os navios do lado de fora estavam a apenas 500 metros da costa oposta da baía, apinhada de prédios altos, guindastes e outras obstruções de estaleiros. Outra dificuldade se devia ao fato de Pearl Harbor só ter 12 metros de profundidade. Como os torpedos japoneses haviam sido projetados para mergulhar pelo menos 21 metros abaixo da superfície, seria preciso fabricar novos torpedos que não se enterrassem inofensivamente na lama do fundo, depois de lançados do avião. Como os couraçados americanos seriam um alvo prioritário, também se teria de produzir e experimentar bombas capaz de penetrar sua espessa blindagem de convés para determinar a melhor altitude para seu lançamento.

 

Cientistas e técnicos trabalharam febrilmente para resolver esses problemas. Não havia muitas dificuldades na fabricação de uma bomba capaz de perfurar a blindagem, mas não foi tão fácil aperfeiçoar um torpedo que corresse em águas rasas desde seu lançamento. Depois de experiências aparentemente intermináveis, decidiu-se por um desenho que prometia 80% de eficácia quando lançado de uma altura de 7,50 m a 15 m, a uma velocidade de 150 nós no máximo. A decisão de se adotar esse desenho veio apenas a tempo. Sua produção começou em meados de setembro, mas sua totalidade não estava pronta quando os primeiros navios da força-tarefa partiram do Japão, e o porta-aviões Akagi teve de esperar até 18 de novembro para receber o restante. Então, quando o Akagi chegou ao ponto de encontro com o resto da esquadra, os torpedos restantes foram distribuídos aos outros porta-aviões.

 

Entrementes, o treinamento dos pilotos de bombardeiros-torpedeiros prosseguia. Durante outubro eles entraram em forma e foram informados de que terminara seu treinamento “preliminar” numa batalha simulada da frota em alto-mar, e que a fase seguinte seria o treinamento avançado de ataques de torpedo em águas rasas contra navios ancorados. Poucos deles viram qualquer significado no novo programa de treinamento. Evidentemente, os alvos fixos eram menos importantes do que os em movimento - simplesmente porque estes últimos eram mais difíceis de se atingir. Mas as ordens que se seguiram logo os desenganaram. Para este tipo de ataque eles tinham de voar pouco acima da cidade de Kagoshima e, assim que passavam sobre a grande loja Yamagataya, tinham de descer a 20 metros de altura, manter o avião nivelado a uma velocidade de 150 nós e lançar um torpedo simulado contra um alvo situado a apenas 500 m da costa da baía. Essas ordens contradiziam quase todo o regulamento de segurança que os pilotos tinham aprendido a respeitar. Voar a 150 nós a poucos metros do nível do mar: o menor erro de cálculo faria o avião chocar-se com a água. E isso não era tudo. Depois de lançar seus torpedos, eles tinham de subir abruptamente, ao mesmo tempo que faziam uma curva fechada para a direita. Todo o exercício exigia uma equilíbrio delicado entre a audácia e cuidado.

 

Os bombrdeiros-torpedeiros praticavam diariamente o novo exercício, e os cidadãos de Kagoshima se acostumaram aos vôos rasantes sobre a cidade. Cada piloto fez mais de 50 vôos de treinamento e, nos milhares de vôos realizados, poucos foram os acidentes.

 

Para dirigir o ataque, no dia, seria preciso um homem que combinasse as habilidades de piloto de primeira classe com as qualidades comuns de liderança. Por recomendação de Genda, seu amigo e companheiro de academia, o Comandante Mitsuo Fuchida foi nomeado. Aos 29 anos de idade, Fuchida tinha 3.000 horas de vôo e era veterano da guerra na China. Apaixonadamente entusiasmado pela aviação e extrovertido, ele era essencialmente um homem de ação. Genda, com quem ele tinha de trabalhar, em estreito contato, era, antes de tudo, um oficial de estado-maior.

 

Genda não suportava os tolos, e impacientava-se com aqueles cujas unidades eram menos capazes do que a sua. Por outro lado, Fuchida tinha uma personalidade discreta a atraente. Juntos, Genda e Fuchida completavam-se esplendidamente, e o relacionamento que mantiveram contribuiu bastante para o êxito do treinamento que a “Operação Z” exigia. Como Fuchida escreveu, mais tarde: “Genda estabeleceu o roteiro. Meus pilotos e eu o produzimos.”

 

O roteiro exigia uma sincronização de frações de segundo e precisão exata. Isto significava que todo piloto devia saber exatamente o que fazer, quando e onde. Obviamente, o reconhecimento dos alvos designados a cada um era da máxima importância. Para este fim, construiu-se um modelo de Pearl Harbor e do terreno adjacente, que foi colocado a bordo do porta-aviões Akagi em fins de outubro. Genda convocou os pilotos, em grupo, a comparecer a bordo do Akagi, informou-lhes de que se objetivava um ataque a Pearl Harbor e mostrou-lhes o modelo. Ficava agora claro o propósito dos exercícios de ataques simulados contra alvos estacionários.

 

Depois de lembrar-lhes de que a segurança era vital para o sucesso da operação, Genda explicou-lhes as linhas gerais do plano que interessavam aos pilotos. Falando no seu costumeiro tom monótono e inexpressivo, ele disse que havia duas possibilidades. Se se conseguisse fazer o ataque de surpresa, os bombardeiros-torpedeiros atacariam em primeiro lugar, seguidos logo depois pelos bombardeiros de grande altitude e, por último, pelos bombardeiros de mergulho - que abririam caminho melhor no meio da fumaça dos primeiros ataques. Se não se conseguisse a surpresa, haveria um “assalto em massa”, liderado pelos caças, que se esforçariam por ganhar o controle aéreo sobre o alvo, antes que os bombardeiros iniciassem sua tarefa. Cada método exigia técnica e táticas diferentes. A decisão quanto ao tipo a ser usado seria difícil porque a escolha, provavelmente, teria de ser feita a 3.000 metros, durante a aproximação de Oahu. Ninguém podia deixar de impressionar-se com o sucinto exame dos detalhes essenciais feito por Genda, e até mesmo os pilotos mais fatalistas confessaram ter sentido um calafrio de medo.

 

A 5 de novembro, Yamamoto emitiu sua “Ordem nº 1 das Operações Altamente Secretas”: seu preâmbulo dizia: “O Império Japonês declarará guerra aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha e aos Países Baixos. A guerra será declarada no Dia-X. Esta ordem entrará em vigor no Dia-Y. No Leste, a esquadra americana será destruída e as linhas de comunicação americana para o oriente serão cortadas...” Um ataque a Pearl Harbor deixara de ser um simples sonho. O único problema agora era estabelecer quando ocorreria ele. Para resolver isto, o Almirante mandou chamar o meteorologista da frota, Comandante Kanai Ota. Era preciso levar-se em conta a fase da Lua e o dia da semana, e Ota sugeriu 10 de dezembro como o Dia-Y, pois aquele seria o dia em que "cairia a escuridão da lua”. Mas 10 de dezembro no Japão seria 9 de dezembro no Havaí - uma terça feira. E Yamamoto sabia que a Frota do Pacífico normalmente saía de Pearl Harbor às segundas-feiras, retornando às sextas-feiras, depois dos exercícios. Como provavelmente haveria poucos navios em Pearl Harbor na terça-feira , escolheu-se o domingo mais próximo.

 

Também a 5 de novembro realizou-se uma conferência imperial em Tóquio. Numa breve sessão foram aprovadas duas “propostas” contendo as “exigências definitivas” do Japão. Elas deviam ser entregues ao Departamento de Estado pelo Almirante Nomura e por Kurusu, o enviado especial. Nenhum dos presentes esperava que essas exigências fossem aceitas pelos americanos e o verdadeiro propósito da reunião era instruir as forças armadas do Japão para que “estivessem prontas para lutar no começo de dezembro”.

 

Estava agora tudo pronto. A 6 de novembro houve o último ensaio da operação projetada. Seis porta-aviões e 350 aviões encenaram um ataque simulado contra um alvo situado a 320 km da zona de lançamento - duplicando, tanto quanto possível, as condições que encontrariam em Oahu. O exercício correu bem e, embora Yamamoto estivesse muito ocupado para observá-lo, sua mensagem de congratulações foi transmitida a toda a frota: “Kokegi wa, inigoto nari” (O ataque foi esplêndido). No dia seguinte, o relutante Almirante Nagumo, que ainda tinha esperanças de que algo acontecesse para cancelar a operação, recebeu a “Ordem de Operações nº 2”: O Dia-Y seria 8 de dezembro de 1941 - domingo, 7 de dezembro no Havaí. “A força-tarefa, mantendo seus movimentos e estreito segredo, se reunirá na Baía de Tankan a 22 de novembro”, ordenou Yamamoto. (A Baía de Tankan, também chamada Baía Hitokappu e Tankappu-Wau, fica situada nas Curilas, a cadeia de ilhas situada a norte de Hokkaido, a mais setentrional das Ilhas Nacionais Japonesas).

 

Nas suas bases, os navios da força-tarefa foram despojados da aparelhagem que não era essencial e aprontados para a ação. Tudo o que não era essencial foi retirado, para abrir espaço dos conveses de pouso dos porta-aviões, todo espaço vazio foi ocupado com tambores de óleo. Da sua nave capitânia, o porta-aviões Akagi, ancorado em Yokosuka, no Mar Interior, Nagumo deu instruções para que as “operações de batalha” deveriam estar prontas a 20 de novembro. No dia 11 daquele mês, o Contra-Almirante Natomi Ugaki, que substituíra Fukudome como Chefe do Estado-Maior da Frota Combinada, fez um arrebatado discurso para os oficiais da nave capitânia da força-tarefa. “Uma esquadra gigantesca... reuniu-se em Pearl Harbor”, disse ele. “Essa frota será totalmente destruída num só golpe, no exato momento em que se iniciarem as hostilidades. Se este plano [a “Operação Z”] falhar, nossa marinha amargará o triste destino de jamais poder levantar-se. O sucesso de um ataque de surpresa contra Pearl Harbor será o Waterloo da guerra que se seguirá. Por esta razão, a Marinha Imperial está reunindo a nata do seu poderio, em navios e aviões, para assegurar o sucesso. É evidente que a enorme indústria pesada dos Estados Unidos engajará imediatamente no esforço de guerra, acelerando a construção de navios, aviões e outros materiais bélicos. Ainda levará meses para que eles mobilizem seu potencial humano contra nós. Se garantirmos a supremacia estratégica logo de início, atacando e tomando todos os pontos-chave de um só golpe, enquanto os Estados Unidos ainda estão despreparados, podemos fazer pender a balança de operações posteriores a nosso favor”. Curvando-se cerimoniosamente, ele concluiu: “O céu será testemunha da retidão da nossa luta.”

 

Todos os interessados agora trabalhavam segundo o horário detalhado no plano de Yamamoto. Entre 18 e 20 de novembro, uma semana antes da partida do primeiro porta-aviões de Nagumo, 27 dos grandes submarinos classe “I” do Japão zarparam das suas bases, em Kure e Yokosuka, em grupos de três. Cada um desses grandes submarinos tinha de estar em posição ao redor de Oahu antes de iniciado o ataque a Pearl Harbor. Se o ataque de Nagumo fracassasse e as belonaves americanas tentassem escapar para o Pacífico, os submarinos ainda poderiam causar-lhes grandes danos. Se houvesse necessidade, eles permaneceriam em águas havaianas para bloquear Pearl Harbor, interceptar quaisquer esforços e abastecimento americanos que viessem da costa ocidental da África. Os últimos cinco a partir levavam consigo a arma secreta do Japão - 5 mini-submarinos que deviam penetrar em Pearl Harbor pouco antes do amanhecer do dia do ataque e permanecer submersos durante todo o ataque aéreo. Então, ao pôr-do-sol, quando os americanos julgassem que a ação terminara, eles emergiriam e fariam um ataque de surpresa. Esses pequeninos vasos nasceram de um plano para se criar o “torpedo-humano”, sugerido durante a guerra russo-japonesa. A idéia previa a criação de uma típica arma suicida japonesa, que garantiria um tiro certeiro, lançando-se um torpedo, pilotado por um homem, de um submarino-base. De início, alegando-se que era um desperdício de pessoal treinado, o plano foi rejeitado. Mas quando se elaborou um método de recuperação dos submarinos, conseguiram convencer a Yamamoto de que a idéia tinha seus méritos e, por volta de 1941, 20 “mini” haviam sido construídos. Deslocando 46 toneladas, com 23,50 m de comprimento e 1,80 m de diâmetro, eles tinham um alcance de cruzeiro de 16 horas (280 km) e podiam permanecer submersos até 5 horas. Cinco deles foram designados para a operação contra Pearl Harbor; cada um foi equipado e transportado às vizinhanças de Pearl, preso ao convés de um submarino-base classe “I”, sendo tripulado por dois voluntários. Nenhum desses jovens poderia alimentar a esperança de voltar vivo ao Japão. Sua missão exigia o mesmo espírito de auto-sacrifício que a dos pilotos kamikaze, lá para o fim da guerra, e eles aceitaram seu destino de boa vontade. Numa festa a bordo do submarino-base Katori, pediram ao Almirante Mitsumi Shimuzu, o comandante da frota de submarinos, permissão para atacar por sua própria iniciativa, em vez de esperar pelo pôr-do-sol. “Alguns de nós estarão tão excitados que podem entregar o jogo”, disse o seu líder. Shimuzu relutou em mudar o plano, mas por fim concordou: cada comandante poderia atacar quando quisesse; se preferisse atacar ao mesmo tempo que os aviões, poderia fazê-lo.

 

Todas as precauções foram tomadas no sentido de ocultar a partida da força-tarefa. Para que ninguém deduzisse que os navios rumariam para o norte, distribuíram-se tanto uniforme tropicais como de inverno. Para contrabalançar o êxodo de tantos aviões, as unidades da força aérea sediadas nas proximidades receberam ordens de fazer vôos extras sobre as cidades. Os estabelecimentos navais da região foram instalados a conceder licença aos homens, para que as áreas normalmente freqüentadas por marinheiros ainda parecessem estar cheias deles. Com isso, os observadores estrangeiros concluiriam que a frota Combinada não só permanecia no Japão como metade da sua tripulação estava de licença.

 

Ao partirem do Japão, os navios da força-tarefa receberam ordens de manter rígido silêncio de rádio. Preparou-se um plano para mascarar a conseqüente diminuição de tráfego radiofônico que se estabeleceria quando a força “Z” estivesse a caminho, criando-se um tráfego falso durante várias semanas. A troca dos sinais de chamada radiofônicos da frota, realizada a 1o de novembro, também serviu para confundir as estações monitoras americanas num momento crítico. O resultado é que a maior parte das informações obtidas pelo Serviço de Inteligência americano, resultante de análise do tráfego radiofônico durante o mês de novembro, mostrou-se fatalmente desorientadora. A 17 de novembro, quando a frota de Nagumo rumava para a Baía de Tankan, Washington e Honolulu foram informados de que “a maioria dos porta-aviões japoneses está na área Kure-Sasebo”. A 27 de novembro, quando a força-tarefa já estava bem adiantada no caminho do Havaí, os porta-aviões foram colocados “em águas territoriais”. Depois disso, o Serviço de Inteligência americano teve de admitir que suas equipes de monitores haviam perdido a pista da principal frota japonesa. Quando, em fins de novembro, o Almirante Kimmel perguntou ao oficial superior do Serviço de Inteligência da Marinha em Pearl Harbor qual, no seu entender, seria a posição da frota, este respondeu que “julgava que ela estivesse em águas territoriais”, mas não sabia realmente do seu paradeiro. À sarcástica pergunta de Kimmel: “Você quer dizer que ela podia aparecer próximo de Diamond Head e você não saberia?”, respondeu: “Torceria para que fosse descoberta antes disso.” Como os navios de Nagumo já haviam passado da metade do caminho, rumo ao seu objetivo, o ardil de Yamamoto funcionara bem.

 

Na tarde de 17 de novembro, Yamamoto subiu a bordo do Akagi para se despedir da oficialidade da força-tarefa e desejar-lhe boa sorte. Depois de um discurso breve, e bastante sombrio, em que avisou para que se preparasse para enfrentar “tremenda resistência americana”, Yamamoto encerrou dizendo: “Creio que esta operação será um sucesso”. Como, por costume ritualístico, um comandante-chefe normalmente expressava simples esperança de sucesso de uma operação projetada, tomou-se a linguagem positiva de Yamamoto como expressão de positiva confiança. Encorajados, seus oficiais fizeram um brinde à próxima batalha e ao Imperador: “Banzai! Banzai! Banzai!”

 

Naquela noite, os navios da força-tarefa que se haviam reunido na Baía de Saeki fizeram black-out, levantaram âncoras e zarparam. Outros saíram da baía subindo e descendo a costa para se dirigirem ao ponto de encontro. Ao todo, havia 31 navios - 6 porta-aviões, 2 couraçados, 2 cruzadores pesados, um cruzador leve, 3 submarinos, 9 destróieres e 8 petroleiros pesadões:

Porta-aviões (Vice-Almirante Chuichi Nagumo): Akagi, Kaga, Soryu, Hiryu, Zuikaku e Shokaku.

Força de Apoio (Vice-Almirante Sentaro Omori): Cruzador Leve: Abukuma. Destróieres: Tanikase, Hamakaze, Urakaze, Asakaze, Kasumi, Arare, Kagero, Shiranuhi e Akigumo.

Força de Abastecimento (Capitão do Kyokuto Maru): Petroleiros: Kyokuto Maru, Kyokuyo Maru, Kenyo Maru, Kokuyo Maru, Shinkoku Maru, Toho Maru, Toei Maru e Nippon Maru.

 

Três submarinos também haviam partido antecipadamente para reconhecimento da rota à frente da força-tarefa de Nagumo; além disso, dois destróieres, o Akebono e o Ushio, foram encarregados de destruir a base aérea americana na Ilha Midway, simultaneamente com o ataque a Oahu. A 22 de novembro, todos eles estavam no interior desolado e escarpado da Baía de Tankan, em Etorufu, a maior das Curilas.

 

As Curilas, as 16 “ilhas fumegantes”, assim chamadas por estarem invariavelmente envoltas em névoa, não aparecem nos folhetos turísticos. Estão situadas a 1.600 km ao norte de Tóquio, cercadas de mares turbulentos. Ali vivem uns poucos pescadores, subsistindo com dificuldade numa região singularmente desagradável. Contudo, eram perfeitas para a “Operação Z”, o sonho do esconderijo ideal de todo pirata. Completamente isoladas, com neve caindo intermitentemente de cinzentos céus de inverno, a mais poderosa frota de porta-aviões ali lançou âncoras para esperar novas ordens.

 

A 22 de novembro, Nagumo convocou seu estado-maior a bordo do Akagi, onde se montara um modelo de Pearl Harbor. O Capitão-de-Corveta Suzuki, recém-chegado de viagem a Honolulu, lhes daria informações. Suzuki nada tinha de novo a revelar, mas, como qualquer informação de primeira mão era avidamente acolhida nesse momento, sua platéia estava particularmente atenta. Depois de falar do hábito da esquadra americana de fazer week-end em Pearl Harbor, ele descreveu os campos de aviação e fez uma estimativa do poderio aéreo americano em Oahu. (Aliás, uma superestimativa: Suzuki dissera que haviam 455 aviões em Oahu; só havia 231 em toda a região havaiana). Nagumo permaneceu calado até que Suzuki terminasse seu relatório; mas a série de perguntas que lhe fez deu a impressão de que estava transbordante de medo. Se Yamamoto estava confiante, Nagumo, por certo, não estava. O que dizia ele da possibilidade de serem descobertos a caminho de Oahu? Não seria possível que a esquadra americana não estivesse em Pearl Harbor? Qual era a possibilidade de retaliação depois do ataque? Não foi fácil tranqüilizá-lo a respeito de todos esses pontos. Suzuki só podia repetir o que já dissera ao Estado-Maior Geral da Marinha e a Yamamoto, em Tóquio: que as probabilidades pareciam ser favoráveis aos japoneses. E quanto aos porta-aviões baseados em Pearl Harbor, ele não podia dar garantias. Era mais provável que esses alvos prioritários não fossem envolvidos no ataque, sendo este o fato que mais preocupava Nagumo. Na manhã seguinte, 23 de novembro, bem cedo, todos os comandantes e o pessoal importante de navios da força-tarefa subiram a bordo do Akagi para uma conferência especial. Havia ainda alguns que não sabiam do segredo da sua missão; aliás, alguns até pensavam estar em mais um exercício. Todas as ilusões dissiparam-se quando Nagumo lhes deu a razão por que a força se reunira na Baía de Tankan. Não era absolutamente certo que eles atacariam Pearl Harbor, disse ele, pois estavam ainda esperando as ordens definitivas de Tóquio. Se as delicadas negociações que se realizavam em Washington fossem bem sucedidas, a força-tarefa retornaria ao Japão; mas se fracassassem, o ataque seria realizado. A operação seria difícil, mas seu êxito era imperioso para os planos bélicos do Japão.

 

Em Washington, os diplomatas já temiam o fracasso das negociações. Os chefes dos Estados-Maiores do Exército e da Marinha já haviam aconselhado Roosevelt que evitasse a guerra o máximo possível. Mas os três sabiam que ela não poderia tardar muito e, segundo a imprensa americana, “todos os homens, desde Rangum a Honolulu, estavam de prontidão”. Através das mensagens captadas pela rede “Magic”, Washington sabia que o Ministério das Relações Exteriores japonês estipulara o dia 29 como prazo definitivo, depois do que “as coisas ocorrerão automaticamente”. As inferências eram de que em fins de novembro teria início o primeiro de uma série de acontecimentos a partir dos quais o Japão não poderia recuar. E isto só podia significar uma coisa: guerra. O resultado é que as coisas começaram a acontecer um pouco mais cedo, quando, a 25 de novembro, Yamamoto ordenou a Nagumo que partisse para o Havaí.

 

Zarpa a força-tarefa

A viagem decisiva começou antes do alvorecer de 26 de novembro. Quando os navios levantaram ferros, o ataque ainda não estava definido. Mas a decisão final para a guerra foi tomada naquele dia. Yamamoto a antecipara em 24 horas. (Mais tarde o Primeiro-Ministro Tojo afirmou que não sabia da partida da força-tarefa. É possível, pois Tojo era do exército. Mas, quer a marinha o tenha mantido informado ou não, Tojo, sem dúvida, sentia a iminência da ação beligerante japonesa). Em Washington, Kurusu e Nomura entregaram a oferta final japonesa ao Secretário de Estado Cordell Hull, a 20 de novembro. O Japão retiraria suas tropas do sul da Indochina se lhe garantissem livre acesso às matérias-primas e ao petróleo das Índias Orientais Holandesas e o reinício dos embarques de petróleo americano. O Japão permaneceria na Indochina setentrional e na China, mas o restante do Sudeste Asiático seria considerado zona neutra; o apoio americano ao Generalíssimo Chiang Kai-shek deveria cessar. Seis dias depois, Cordell Hull entregou-lhes a resposta americana. Conforme os japoneses a interpretavam, ela era nada menos que um ultimato. Não havia quaisquer concessões; o memorando apenas reiterava uma atitude inflexível. Como requisito prévio para o cancelamento das sansões, os japoneses devem retirar-se não só da Indochina, mas de toda a China. O que os Estados Unidos queriam era que eles abandonassem tudo o que haviam tomado desde janeiro de 1931. Isso não podia sequer ser levado em consideração (era como o japonês via a coisa) sem perda de prestígio. A nota demonstrava claramente, disse Tojo, que os americanos eram “insinceros”; a própria existência do Japão estava sendo ameaçada. O resultado final é que se convenceu ao Imperador autorizar a aprovação de leis para enfrentar uma situação de emergência.

 

Segundo a constituição japonesa, era preciso a permissão do Imperador para que se iniciassem as hostilidades. E dentro dos limites rigidamente circunscritos à sua disposição, Hirohito esforçava-se por encontrar uma fórmula para evitar a guerra com os Estados Unidos. Havia meses ele mostrava-se apreensivo com a maneira como Tojo e, depois, a marinha estavam se portando. A 29 de novembro, com os porta-aviões de Nagumo já a três dias da Baía de Tankan, convocou-se uma reunião no Palácio Imperial para que Tojo pudesse ser interrogado sobre a crise. (O protocolo não permitia que o próprio Imperador participasse da conferência, mas seus conselheiros expressaram suas reservas.) Tojo estava obstinado: a guerra com os Estados Unidos era inevitável. De qualquer modo, as possibilidades de vitória eram maiores do que os céticos pensavam. Destruindo a Frota do Pacífico e tomando o Sudeste Asiático, o Japão ficaria com uma área independente e ampla. Eventualmente os americanos compreenderiam ser inútil continuar a luta, e o conflito terminaria com relativa rapidez.

 

Um Imperador mais resoluto poderia ter intervindo nesse ponto. Mas Hirohito preferiu não fazê-lo. Ele podia exercer influência sobre políticos individualmente, mas não podia ditar a política e, por tradição, seu direito de intervenção estava restrito ao arbitramento, quando houvesse desacordo sobre uma questão vital no gabinete. Talvez com a tênue possibilidade de que assim fosse, ele chamou o Almirante Shimada, Ministro da Marinha, e o Almirante Nagano, Chefe do Estado-Maior da Marinha, para uma audiência privada, um dia antes da Conferência Imperial, marcada para 1o de dezembro. Ele lhes disse ter ouvido que a Marinha Imperial não estava pronta para a guerra e, portanto, não estava inteiramente confiante das possibilidades de sucesso numa guerra contra os Estados Unidos. Esta era a opinião que o irmão do Imperador, o Príncipe Takamatzu, que era oficial da marinha, expressara. Era verdade isso? Eles o tranqüilizaram, dizendo que a Marinha estava bem preparada e “relativamente” confiante.

 

Quando a Conferência Imperial se iniciou, na ala leste do palácio, no dia seguinte, Tojo, que fora informado da essência da audiência particular do dia anterior, deixou claro, nos seguintes termos, que seu governo estava decidido a entrar em guerra com os Estados Unidos:

“É evidente que não podemos vencer nossas disputas por meios diplomáticos. Por outro lado, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, os Países Baixos e a China recentemente aumentaram sua pressão econômica e militar sobre nós... Tendo as coisas chegado a este ponto, só nos resta entrar em guerra contra os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e os Países Baixos...”

 

Sua majestade tinha razão em estar preocupada, disse o Primeiro-Ministro, mas a guerra era absoluta e urgentemente necessária. Todos os aspectos haviam sido estudados e o Japão jamais estaria em melhor posição, para vencer, do que neste momento. Na improvável eventualidade de que os americanos decidissem aceitar os pedidos de paz do Japão, assegurou ao Imperador, ele estava preparado para cancelar o ataque. A seguir, o Ministro das Relações Exteriores, Shigenoru Togo, falou confirmando a opinião de Tojo de que a diplomacia fora aos limites. Finalmente, os dois chefes das forças armadas (Sugiyama pelo exército e Nagano pela marinha) pronunciaram discursos nos quais disseram que os soldados, marinheiros e aviadores da nação ardiam “no desejo de dar suas vidas”, e aguardavam as ordens do Imperador.

 

A questão que agora confrontava o Imperador não era saber se haveria guerra, mas quando as hostilidades teriam início. Togo, o Ministro das Relações Exteriores, já entrara em choque com Nagano quanto ao momento de desfechar a “Operação Z”, e sua preocupação sem dúvida influenciara Hirohito. Quando Togo lhe perguntou quando achava que a guerra devia começar, porque o Japão teria de encerrar suas negociações diplomáticas e fazer uma declaração formal, Nagano lhe respondeu que se planejara um ataque de surpresa. E o suplente de Nagano, Vice-Almirante Ito, acrescentara: “Não queremos pôr fim às negociações até que as hostilidades tenham começado - para obter o máximo efeito possível do ataque inicial”. Quando a Conferência Imperial concordou virtualmente que a guerra era inevitável, discutiu-se a viabilidade de se prosseguir as negociações em Washington enquanto o Japão desfechava um golpe devastador no Pacífico. A primeira sugestão era de que as negociações deviam terminar de modo a dar aos americanos uma hora e meia de aviso prévio. Contudo, depois de outros debates, decidiu-se que esse prazo era perigosamente longo, devendo ser reduzido. Por fim se concordou que deveria haver “pelo menos meia hora entre a apresentação de uma declaração formal de guerra em Washington e o bombardeio de Oahu. Inquieto com o resultado da conferência, mas constitucionalmente impotente, o Imperador aceitou as decisões do seu governo e assinou a decreto que levava o Japão irrevogavelmente à guerra. Segundo o Secretário do gabinete, Naoki Hoshino, a hora exata em que o Japão “desligou as luzes da paz na Ásia” foi às 16:12h daquele dia.

 

Às 10:30h de 2 de dezembro, quando o Gabinete em Tóquio ratificou a decisão tomada no dia anterior, os navios de Nagumo já estavam a caminho há sete dias. Até agora a viagem fora calma. O tempo era ideal: céus nublados, ventos fracos e má visibilidade. A velocidade de cruzeiro fora mantida nos12 nós, que era o máximo para os lentos petroleiros. Os porta-aviões avançavam em duas linhas paralelas, com os couraçados Kirishima e Hiei à ré, enquanto os cruzadores pesados Tone e Chikuma estavam colocados a vários quilômetros de distância, de ambos os lados. Para garantir o silêncio telegráfico, os transmissores radiofônicos foram selados e as mensagens entre os navios eram transmitidas por bandeiras e lâmpadas de sinalização. Não obstante, era preciso haver alguma comunicação telegráfica, pois seria loucura supor que a viagem pudesse ser coordenada sem ela. Os sinais de ondas curtas do japão podiam ser captados pelos navios mais altos, mas para os mais baixos - especialmente os submarinos - isso era impossível, por causa da curvatura da Terra. Para resolver este problema, os técnicos de rádio de Nagumo tiveram de recorrer a um subterfúgio. Os sinais de alta freqüência (ondas curtas), captados por um dos porta-aviões, eram retransmitidos simultaneamente em baixa freqüência. Os navios menores podiam captar esses sinais de freqüência mais baixa, e o negócio funcionou quase à perfeição, porque nenhuma das estações monitoras americanas estavam procurando sinais japoneses na faixa de baixa freqüência. Todavia, o que conta na guerra é o inesperado (o êxito total da “Operação Z” é um dos melhores exemplos dessa máxima), e essa pequena brecha na segurança radiofônica poderia ter prejudicado toda a operação. A 29 de novembro, o navio de luxo Lurline, capitânia da Linha Natson, rumando de São Francisco para Honolulu, estava três dias distante do Havaí. Distraindo-se com o equipamento de rádio do Lurline, que era extremamente sensível, o oficial do serviço de rádio, Grogan, um irlandês de 47 anos, captou sinais fracos que não conseguia identificar. Grogan, sem o saber, dera com a única brecha na segurança de Nagumo e durante vários dias ele e seus colegas acompanharam a força-tarefa japonesa em sua missão clandestina. Nem Grogan nem o Capitão do Lurline podiam resolver o mistério. Mas desconfiavam que as transmissões partiam de uma fonte que se esforçava por ocultar seus movimentos, e concluíra, que haviam descoberto uma força-fantasma dirigindo-se furtivamente para o Havaí. Quando Lurline atracou em Honolulu, as autoridades navais americanas receberam um relatório e, como aconteceu com os outros pedaços do quebra-cabeças do Serviço de Inteligência, não lhe deram atenção. Nada se fez e outro aviso foi ignorado.

 

Entrementes, a frota japonesa dirigia-se inexoravelmente para sua presa. Nagumo, oprimido pelo suspense desde que os navios partiram da Baía de Tankan, não conseguia livrar-se do medo obsedante de ser descoberto e ainda tinha esperanças de receber uma mensagem de Tóquio cancelando a operação. Entretanto a sorte estava do seu lado. Quanto mais a frota se aproximava do Havaí, piores se tornavam os ventos e mais agitados os mares. Homens eram arrastados dos conveses, mas não se parava para salvar os marinheiros que se afogavam. Tampouco houve qualquer diminuição na velocidade quando denso nevoeiro caiu, envolvendo os navios em lúgubre silêncio. Aceitava-se o perigo de colisões; nessa operação decisiva, em que as frações de segundo eram importantes, a frota precisava manter-se no horário, e o nevoeiro pelo menos lhe dava proteção. Dentro dos porta-aviões, os pilotos debruçavam-se sobre mapas, estudavam modelos, em escala, dos seus alvos e discutiam a missão diante de copos de sake. A intervalos de algumas horas, mensagens codificadas enviadas pelo consulado de Honolulu, e retransmitidas por Tóquio, davam as últimas informações sobre as atividades em Pearl Harbor. Nas salas de rádio os japoneses mantinham-se a postos 24 horas por dia nas transmissões das estações havaianas. Teriam descoberto a aproximação da sua armada? Como as estações de Honolulu continuavam a transmitir seus programas normais de tempo de paz, parecia que os americanos não desconfiavam da sua existência.

 

Parecia que os americanos não desconfiavam de nada; sua atenção fora desviada. O navio capitânia da linha NYK, Tatsuta Maru, zarpara de Yokoama a 2 de dezembro, parecendo destinar-se a São Francisco. A missão plausível desse navio de luxo, de “trocar americanos evacuados do Oriente por cidadãos japoneses dos Estados Unidos”, fora amplamente divulgada pela imprensa americana. O navio devia chegar aos Estados Unidos a 14 de dezembro e, a 3 do mesmo mês, o New York Times tomou esse fato “como indicação de que, tocante ao Japão, provavelmente nada aconteceria por algum tempo”. Mas a viagem era uma manobra falsa. Antes que o Tatsuta Maru zarpasse, seu capitão recebeu uma carta que deveria ser aberta à meia-noite do dia 7 de dezembro. Nela estava a ordem de retornar ao Japão, observando silêncio telegráfico na volta.

 

Os relatórios sobre comboios japoneses no Pacífico Sul e concentrações de tropas na Indochina também serviram para desviar os olhos americanos do Havaí. A 28 de dezembro, o New York Times especulou: “Parece ser uma campanha na Tailândia”, e no número que rodou a 1o de dezembro, o Time lembrou aos seus leitores que o “Enviado Kurusu e o Embaixador Nomura” receberam ordens do Gabinete japonês para prosseguirem nas conversações em Washington. “Pelo menos as conversações adiavam a guerra.” Os acontecimentos precipitavam-se velozes, e quando este artigo chegou às bancas já era obsoleto.

 

Às 17:30h de 2 de dezembro (hora do Japão), um aviso de Yamamoto acabou com as poucas esperanças de Nagumo de cancelamento do ataque. A mensagem cifrada dizia Niitaka-Yama Nabore [Suba o Monte Niitaka], a frase-código que anunciava que as negociações haviam fracassado e a guerra era certa. Seguia-se o número “1208”, significando que o começo das hostilidades fora marcado para 8 de dezembro (data no Japão, equivalente a 7 de dezembro no Havaí, devido à diferença do fuso horário). Em Honolulu, Otto Kuhn estava experimentando seu sistema de sinalização para que Yoshikawa o aprovasse; no escritório do consulado-geral japonês, Kita queimava papéis; cônsules e embaixadores em outras cidades por todo o Sudeste Asiático faziam o mesmo.

 

Já então, a tensão na própria força-tarefa aumentava. A frota acabara de passar por Midway, onde se considerava grande a possibilidade de ser descoberta por uma patrulha americana. Mas a sorte dos japoneses continuou e, com entusiasmo mal contido, os marinheiros e aviadores começaram os preparativos finais para a batalha.

 

Em Tóquio ainda havia uma questão melindrosa a ser solucionada. De acordo com o Artigo 1o da terceira Convenção de Haia, da qual o Japão era signatário, era obrigatória uma declaração formal de guerra antes do início de hostilidades. O Imperador insistia que o Japão obedeceria à letra o direito internacional, e como fazer isso sem alertar os Estados Unidos era tarefa que tinha posto à prova muitas mentes do Ministério das Relações Exteriores. Yamamoto protestou vigorosamente, dizendo que a entrega, antes do ataque, de qualquer nota diplomática que o sugerisse, ainda que de leve, prejudicaria o seu êxito. Se o Imperador insistisse em alertar o inimigo, então era melhor chamar a frota de volta. Na sexta-feira, 6 de dezembro (data do Japão), com os telegramas chegando em quantidade ao Ministério das Relações Exteriores confirmando a destruição dos códigos secretos nos consulados por todo o Sudeste da Ásia e EUA, a questão de uma declaração formal de guerra tornara-se vital. Para a Marinha, não podia decorrer mais de meia hora entre a entrega da nota que devia ser interpretada como a notificação da existência de um estado de guerra entre o Japão e os Estados Unidos e o ataque; o Primeiro-Ministro Togo mantinha-se firme em favor de um intervalo de pelo menos duas horas. Quando se chegou a um acordo, faltavam menos de 60 horas para a agressão a Pearl Harbor. “Se a nota fosse entregue às 13:00h de domingo, hora de Washington, haveria tempo suficiente para o começo das hostilidades?” - indagou Togo. Falando em nome do Estado-Maior Geral da Marinha, e de Yamamoto, o Almirante Ito respondeu enfaticamente: “A margem de tempo será suficiente”.

 

Nagumo ainda estava distante quarenta e três horas do ponto em que os aparelhos seriam lançados dos porta-aviões, quando a frota de submarinos chegou ao seu destino. Os 27 submarinos classes “I” fizeram uma dura viagem por mares agitados, antes de convergirem para o Havaí, a fim de tomarem posição em torno de Pearl Harbor. O que se encontrava mais próximo, estava a apenas 10 km de Oahu, e o mais distante, a 160 km, defendendo a frota de superfície. Eles haviam sido enviados para fazer reconhecimento de informações radiofônicas para a força de ataque, se parecesse ter sido ela descoberta, e para participar da batalha depois do ataque aéreo. Ao chegarem ao Havaí, eles deviam emergir somente à noite; durante o dia, submergiriam à profundidade de periscópio. Em cinco deles, as tripulações dos mini-submarinos prepararam-se para sua missão sacrifical dentro da baía - perfumando-se como que para o hara-kiri ritualístico (nove deles realmente morreram - o único sobrevivente foi o Tenente Kazuo Sakamaki, capturado quando seu submarino encalhou) para que pudessem “morrer gloriosamente, como flores de cerejeira caindo ao solo”. (A flor de cerejeira era o emblema da Marinha Imperial.)

 

Para Nagumo, o “ponto sem volta” foi alcançado à meia-noite de sexta-feira, 6 de dezembro (hora do Japão). À parte a condição de que ele deveria estar pronto para voltar se as negociações diplomáticas em Washington se mostrassem bem sucedidas, suas ordens permitiam-lhe abandonar a missão se fossem descobertos antes de 6 de dezembro. Tudo parecia indicar que a frota não fora descoberta. Não tinha havido nenhum sinal de avião; os submarinos e destróieres de escolta não deram com qualquer navio; nenhum relatório de qualquer coisa adversa lhe tinha chegado das organizações de inteligência; a rádio de Honolulu continuava transmitindo os swings então populares. Só uma questão perturbava o estado de espírito de Nagumo: o paradeiro dos porta-aviões americanos. A princípio, Yamamoto esperava que até seis porta-aviões caíssem na armadilha de Pearl Harbor. Em meados de novembro, suas informações eram que o Yorktown, o Hornet, o Lexington e o Enterprise estavam baseados no Havaí e que o Saraotga deveria juntar-se a eles. Nagumo fora informado de que este último ainda estava em qualquer parte da costa ocidental dos Estados Unidos. Ignorando que Yorktown e o Hornet haviam sido transferidos para o Atlântico, ele esperava encontrar quatro porta-aviões em Pearl Harbor - pelo menos três, se um deles estivesse em exercícios. Todavia, segundo um relatório enviado por Yoshikawa, a 5 de dezembro, não havia nenhum em Pearl Harbor. Onde estavam eles? Talvez à sua procura!

 

No sábado, com os navios da força-tarefa adequadamente reabastecidos, os petroleiros partiram rumo a um ponto de encontro para depois do ataque. Entrementes, Yoshikawa ainda estava ativo, e, durante a manhã, Tóquio transmitiu suas últimas informações sobre Pearl Harbor. Havia 7 couraçados e 7 cruzadores na baía, disse ele. Mas nenhum porta-aviões. Cinco dos couraçados estavam no porto havia uma semana, dois voltaram no dia anterior. Como era um fim-de-semana, nenhum dos couraçados provavelmente zarparia antes da segunda-feira e estariam na baía quando os japoneses atacassem. Seguindo o mesmo raciocínio, o porta-aviões Lexington, que partira do Havaí com cinco cruzadores pesados, na sexta-feira, provavelmente não voltaria. Contudo, a escolta do Enterprise, que deixara a baía uma semana antes, acabara de voltar, havendo boa chance de que o porta-aviões pudesse entrar na baía naquele mesmo dia. Não havia notícias do Yorktown nem do Hornet. Às 21h, quando Yoshikawa enviou seu último relatório sobre o movimento de navios, a maioria das suas deduções fora confirmada: “Navios ancorados às 18:00h: 9 couraçados, 3 cruzadores, 3 tenders de submarino e 17 destróieres. No dique: 4 cruzadores, 3 destróieres. Todos os porta-aviões e cruzadores pesados estavam em alto mar...” A contagem não era exata, mas as diferenças eram mínimas. Como de costume, Kimmel trouxera a maior parte da sua frota de volta à base para o fim-de-semana. Faltavam apenas os porta-aviões. Talvez felizmente para o sombrio Nagumo, o serviço japonês de inteligência não sabia que o Enterprise estava tentadoramente perto de Oahu. (Alguns dos seus aviões partiram do porta-aviões para a Ilha Ford no sábado, para caírem vítimas do ataque japonês na manhã seguinte).

 

Pouco depois do meio-dia, com a força-tarefa a pouco mais de 800 km do alvo, todos os tripulantes foram chamados ao convés. Em posição de sentido, oficiais e marinheiros ouviram em tenso silêncio o decreto de guerra do Imperador, seguido de uma mensagem de Yamamoto, imitando seu herói Togo - e Nelson: “A ascensão ou a queda do Império depende de nós nesta batalha. Devem todos cumprir rigorosamente seu dever.” A bandeira de batalha do Sol Nascente, que Togo hasteara pela última vez em sua nave capitânia, Mikasa, nos Estreitos de Tsushima, havia 36 anos, foi então hasteada no mastro do Akagi. Seguiram-se discursos patrióticos, entremeados de brados de “Banzai”. Os navios - seguindo um rumo que os levava para o sul, começaram a aproximar-se do ponto de onde os aviões decolariam. Como a descoberta agora representaria desastre certo, as horas que se seguiram foram de enorme tensão. Parecia, porém, que a fortuna, uma vez mais, favorecia os japoneses. Nenhuma patrulha americana foi encontrada. Dentro de poucas horas, quando a noite envolveu os atacantes, a tensão diminuiu.

 

Nas primeiras horas da manhã de domingo, Tóquio retransmitiu o último relatório do Havaí. Não havia porta-aviões em Pearl Harbor, mas os couraçados ainda estavam lá. Não havia balões de barragem para proteger a esquadra americana (como se temia que pudesse acontecer); tampouco havia indícios de redes antitorpedos protegendo os couraçados. A confirmação da ausência dos porta-aviões americanos era má notícia, mas o resto era bom. Bem assim o boletim meteorológico sobre as condições nas proximidades de Oahu - cortesmente transmitido pela estação de rádio de Honolulu de hora em hora. As condições para o lançamento dos aviões não eram muito promissoras, mas, uma vez em vôo, não haveria qualquer problema: “Havaí, cairás como um rato numa ratoeira: , confiou ao seu diário o Almirante Matome Ugaki, chefe de estado-maior de Yamamoto.

 

Os submarinos foram os primeiros a entrar em ação. Honolulu fora dormir discutindo o Natal que se avizinhava, e o apelo do Presidente Roosevelt ao Imperador Hirohito para evitar a guerra, quando os submarinos-base lançaram seus minipassageiros. Por volta das 3:45h da manhã, um oficial de guarda no caça-minas costeiro USS Condor - que se dirigia lentamente para a barreira de Pearl Harbor, atrás de outro caça-minas, o USS Antares - divisou um objeto suspeito à sua frente. O Antares, navio-alvo, que rebocava pesada barcaça de aço, esperava a abertura da barreira. Pelo binóculo, ele viu que o objeto que balouçava na água, e parecia estar seguindo o Antares, era um pequenino submarino com sua torre semi-submersa, e como os submarinos americanos estavam proibidos de operar submersos na área, era evidente que aquele não tinha o direito de estar ali. O Condor avisou ao destróier Ward, que prontamente se dirigiu ao ataque. Quando o destróier se lançou sobre o misterioso pigmeu, um avião que voltava da patrulha lançou uma bomba de fumaça para marcar sua posição. Quando o Ward reduziu a distância para 100 metros, abriu fogo, errou e lançou bombas de profundidade. Eram 6:45h da manhã e, num alvorecer sombrio, começava a guerra do Pacífico.

 

Para permitir que o Antares e o Condor entrassem em Pearl Harbor, as portas da baía haviam sido abertas pouco antes das 06:00h; só às 08:45h é que foram fechadas. Embora o Ward comunicasse prontamente o que encontrara ao quartel-general da Marinha dos Estados Unidos, ninguém ficou particularmente interessado. Aliás, o pessoal ainda discutia a fato descansadamente, quando o primeiro dos bombardeiros-torpedeiros mergulhou sobre Oahu. A entrada de Pearl Harbor estava aberta havia quase três horas, e dois dos mini-submarinos conseguiram entrar na baía. O sucesso do ataque aéreo posteriormente obscureceu os esforços malogrados dos submarinos japoneses, mas como nem os submarinos grandes nem os miniaturas conseguiram causar quaisquer danos, esta parte da “Operação Z” só pode ser considerada um fracasso.

 

Pouco antes do amanhecer, com a Lua ainda intermitentemente oculta pelas nuvens, a frota de superfície chegou à zona de decolagem, a 370 km ao norte de Oahu. Nos conveses dos porta-aviões, os aparelhos, já alinhados, aceleravam os motores, enquanto a frota reduzia a velocidade, arfando nas águas agitadas. Nagumo, ainda ansioso quanto ao que se encontraria em Pearl Harbor, decidia agora correr um risco que o plano não levava em conta. Às 05:00h da manhã, um hidroavião de cada um dos dois cruzadores, Chikuma e Tone, foram lançados por catapulta para reconhecimento da área. Uma hora depois os aviões de reconhecimento ainda não haviam voltado, e o tempo parecia estar piorando. Era evidente que demoraria um pouco lançar a força de ataque aéreo e, quanto mais cedo se fizesse isso, menores as probabilidades de se perder o vital elemento surpresa. Ao decidir, porém, lançar os aviões mais cedo, Nagumo ignorou a sincronização que Tóquio decidira para a entrega da declaração de guerra em Washington. Entre a hora em que Nomura e Kurusu entregaram sua nota ao Departamento de Estado e aquela em que as primeiras bombas começaram a cair sobre Pearl Harbor haveria menos do que os 30 minutos de intervalo prescritos por Tóquio. Mas para Nagumo esta consideração era secundária; sua tarefa agora era assegurar-se de que a operação fosse um sucesso. Ele deu a seguinte ordem para o Comandante Fuchida: “Levante vôo de acordo com os planos”. A seguir, voltando-se para o Comandante Genda, disse: “Daqui em diante o fardo está sobre seus ombros.”

 

As tripulações já estavam de prontidão junto aos seus aparelhos e muitos dos pilotos ostentavam o branco hashi-maki - a faixa de tecido colocada em volta da cabeça, que simbolizava tranqüilidade diante da morte. Os veteranos, aqueles que já tinham muitas horas de vôo, demonstravam apenas certa tensão, sem qualquer sombra de medo. Mas nos jovens oficiais que mal tinham completado seu treinamento havia um medo misturado com emoção. Enquanto esperavam, sentiam gelar no estômago o desjejum de antes da batalha, composto de bolinhos de arroz e chá verde. O dia talvez lhes trouxesse uma vitória gloriosa, mas sabiam que poderiam não estar vivos para desfrutá-la. Mas os dados estavam lançados. Precisamente às 06:00h Fuchida lançou-se fragorosamente pelo convés do Akagi, levantando vôo, enquanto a tripulação reunida gritava três cerimoniais Banzais. O resto do seu esquadrão levantou vôo atrás dele rapidamente. Em quinze minutos, 43 caças, 49 bombardeiros de grande altitude, 51 bombardeiros de mergulho e 40 bombardeiros-torpedeiros haviam sido lançados com segurança. Foi um lançamento recorde. Nos exercícios em Kyushu e com boas condições atmosféricas, o melhor tempo de lançamento nunca fora inferior a 20 minutos. Agora, não só se reduzira o tempo como também só houvera duas baixas. Um bombardeiro teve problemas com os motores e um caça caiu no mar do balouçante convés do Hiryu. Quando a força de ataque fez um círculo e se dirigiu rumo a Oahu, Nagumo tinha todas as razões para se sentir satisfeito. Até aquele momento, toda a sensação de medo e toda a apreensão mostravam-se inteiramente infundadas.

 

“To-to-to”

Eram 06:15h da manhã de 7 de dezembro no Havaí. Honolulu ainda dormia, no domingo que passaria à história como o “Dia da Infâmia”.

 

Praticamente assim que a primeira leva de 181 aviões de Fuchida levantara vôo, deixando apenas 2 baixas, já as tripulações a bordo dos porta-aviões estavam trazendo mais aparelhos para a pista de lançamento. Ao todo, haveria 353 aviões participando do ataque, a maior concentração de poderio aeronaval da história da guerra até então. Além da força de ataque, 39 caças proporcionavam uma cobertura protetora sobre a frota, ficando outros 40 aparelhos de reserva. Ao verem o último avião afastar-se veloz, todos os homens da força-tarefa sentiram com orgulho que este era um momento histórico para o Japão. Esperando na sala de operações do Akagi pelas primeiras notícias de Fuchida, Genda registrou ter sentido um renovar de confiança. “Senti-me maravilhosamente livre de qualquer problema”, disse ele, “toda a ansiedade desaparecera”. Com um pouco menos de confiança, Yamamoto no Nagato, fundeado no Mar Interior, e com sombria apreensão em Tóquio, os almirantes do Estado-Maior Geral da Marinha também aguardavam notícias. Não só as suas carreiras, mas também o destino do Japão dependiam da armada aérea de Fuchida, que agora se aproximava de Pearl Harbor, a milhares de quilômetros de distância.

 

A primeira mensagem recebida foi do piloto de um dos hidroaviões que Nagumo despachara uma hora antes da primeira leva de atacantes. Pearl Harbor estava repleta de navios americanos e não havia sinal de qualquer alerta. Então, às 07:49h, o rádio de Fuchida crepitou: “To-to-to”. “To” é a primeira sílaba da palavra japonesa que significa “atacar”, o que indicava que a primeira leva fora empenhada no ataque. Minutos depois veio a notícia em código, de que tudo estava bem, que se conseguira total surpresa, “Tora, Tora, Tora” [Tigre, Tigre, Tigre], e que Nagumo prontamente retransmitiu para o Japão. Mas, por alguma anomalia telegráfica, as transmissões de baixa freqüência de Fuchida já estavam sendo captadas, lá. Em Tóquio, e no Nagato, os almirantes ouviram com calma satisfação. A mensagem ergueu a cortina para a guerra nos Oceanos Pacífico e Índico. Tão logo foi recebida, aviões japoneses prepararam-se para atacar alvos espalhados numa frente de milhares de quilômetros. Comboios de navios repletos de tropas e esperando, com as caldeiras acesas, partiram para sete invasões diferentes de territórios aliados. E as tropas japonesas moveram-se para posições a fim de atacar vários objetivos previamente planejados.

 

No Akagi, o chefe do estado-maior de Nagumo voltou-se para seu almirante e curvou-se cerimoniosamente. Em Kure, na sala de operações do Nagato, Yamamoto recebeu a notícia fleumaticamente. Sua única reação foi dizer a um dos oficiais: “Verifique cuidadosamente a hora do ataque. É muito importante saber quando começou. Ele parece ter-se iniciado antes do que esperávamos”. Yamamoto ainda não sabia que o ultimato japonês não fora ainda entregue em Washington. Possivelmente por suspeitar disso, estava ansioso por deixar clara a inocência da Marinha Imperial. Na verdade, a culpa, se se pode dividir culpa quando o funcionamento de uma trama monstruosa sai errado, cabia ao serviço diplomático japonês. Devido à inépcia, Washington perdeu a chance de alertar Pearl Harbor; devido à inépcia americana, em Washington, talvez ocasionada pelo fato de a crise vir-se arrastando há muito tempo, Pearl Harbor sangrou. O memorando japonês, em 14 parágrafos, que concluía dizendo: “O governo japonês lamenta notificar, por meio desta, que só pode considerar impossível chegar-se a um acordo”, só foi decifrado e datilografado na manhã de domingo na Embaixada japonesa, mais tarde do que fora planejado. Na rede “Magic” ela fora captada durante a noite e as interceptações americanas estavam cinco horas na frente dos japoneses, na tradução da mensagem. Duas horas antes que Fuchida mandasse o sinal “Tora, Tora, Tora”, a declaração de guerra poderia ter chegado às mãos daqueles que, em Washington, tinham acesso às mensagens “Púrpura”. Quando essa gente a viu, já os aviões de Fuchida tinham arrasado a maior parte da frota americana do Pacífico.

 

Na área da batalha, as condições meteorológicas melhoravam gradativamente, à medida que os aparelhos se aproximavam do alvo. Sintonizando seu rádio na estação de Honolulu pouco depois das 07:15h, Fuchida ouviu o boletim meteorológico com sinistra satisfação: “Parcialmente nublado, com nuvens quase que apenas sobre as montanhas”. Era uma promessa de relativa visibilidade com a vantagem da proteção das nuvens. Ele não seria desapontado. A verde ilha de Oahu despertou para um belo dia ensolarado; sobre Honolulu, o céu estava azul, com brancas nuvens esparsas. Bancos de cúmulos sobre as montanhas e havia um agradável vento norte pelo qual vieram os aviões ostentando o símbolo do Sol Nascente. Para os japoneses era perfeito, especialmente porque poucos oficiais e soldados das forças americanas em Oahu estavam ali para desfrutar da beleza da manhã. A despeito da crescente tensão com o Japão, o modo de vida descansado não se alterara no Havaí, tendo havido as costumeiras reuniões sociais na noite anterior. Para a maioria, a manhã de domingo servia apenas para acertar o sono. Somente um punhado de homens precisava estar em serviço.

 

Mas na estação de radar de Opana, os soldados rasos Joseph Lockard e George Elliot traçaram o rumo de um avião não identificado que se aproximava de Oahu e aparecera na sua tela às 06:45h. Opana era uma das cinco estações móveis de detecção instaladas em pontos estratégicos em torno do perímetro de Oahu. Elas estavam ligadas a um centro de informação de aviso aéreo em Fort Shafter, que mantinha um registro do que era captado e, num domingo normal, era de se esperar que Lockard e Elliot localizassem uns 25 aviões de controle durante as suas quatro horas de serviço, pela manhã. Os operadores é que decidiam mais ou menos como dirigir a Opana; como era uma estação afastada, a disciplina não era rígida e a atitude para com o que a tela do radar revelava em geral era bastante descuidada. Assim, não se julgou importante a presença de um avião solitário, que na realidade era um dos dois hidroaviões de reconhecimento de Nagumo. Mas quando a tela do radar mostrou o que parecia ser grande número de aviões a 180 km de distância para o norte, Lockard e Elliot decidiram informar Fort Shafter. Eram então 07:00h e, quando telefonaram para o centro de aviso aéreo, o oficial de dia, um tenente jovem e inexperiente que estava ali apenas para treinamento, disse-lhes: “podem deixar”. O que eles tinham visto devia ser uma patrulha do Campo Hickam ou possivelmente um esquadrão de “Fortalezas-Voadoras B-17” que deviam chegar da Califórnia. (E realmente 12 desses grandes bombardeiros se aproximavam, do nordeste, naquele exato momento. Mas os aviões que apareciam na tela da estação de Opana estavam um pouco mais para leste, eram muito mais numerosos e estavam bem mais perto.) Eram agora 07:51h, e a poderosa força de ataque de Fuchida estava a 45 minutos de distância. Ainda havia tempo para alertar a ilha, para os pilotos levantarem vôo e enfrentar os invasores, e para os marinheiros equiparem os canhões dos navios. Era a última chance para os americanos em Pearl Harbor, mas quando o que a tela de radar de Opana mostrou foi considerado um esquadrão de “Fortalezas-Voadoras”, essa chance lhes fugiu das mãos.

 

Com uma velocidade máxima de uns 320 km/h, os aviões de Fuchida eram primitivos, lentos e vulneráveis, segundo os padrões atuais. Mas, naquela manhã eles talvez fossem tripulados pelos mais bem treinados e melhores pilotos navais do mundo. Fuchida, que decolara do Akagi, dirigia seu grupo de 49 bombardeiros transportando bombas de 700 kg para perfurar blindagens. Voando à sua direita, no comando de 40 bombardeiros-torpedeiros “Kate”, estava o comandante Shigeharu Murata, também do Akagi, À esquerda de Fuchida, comandando 51 bombardeiros de mergulho “Val”, cada um transportando uma bomba de 200 kg, estava o Capitão-de-Fragata Kuichi Takahashi, do Shikoku. E voando acima deles, e escolta de caças de 43 “Zeros”, comandada pelo Capitão-de-Fragata Shigeru Itaya, igualmente do Akagi. Esses três homens eram veteranos; seus pilotos, a nata do setor aéreo da frota japonesa; todos fanaticamente comprometidos, numa manhã de domingo, com a morte e a destruição. (Murata, Takahashi e Iatya foram todos mortos durante a guerra, mas Fuchida sobreviveu, transformando-se em um ministro Protestante).

 

O ataque real deveria durar 10 minutos, e havia dois planos para o mesmo. Se fosse evidente a completa surpresa, os bombardeiros-torpedeiros de Murata atacariam primeiro; seguir-se-iam os bombardeiros de Fuchida, e os bombardeiros de mergulho de Takahashi cuidariam do Campo Hickam e das bases aéreas da Ilha Ford. Contudo, se lhes parecesse que os americanos houvessem sido alertados, os bombardeiros de mergulho de Takahashi atacariam primeiro e em seguida os bombardeiros de Fuchida bombardeariam os canhões antiaéreos, cujas posições seriam reveladas quando os aviões de Takahashi passassem roncando pela base. Finalmente, na confusão resultante, os bombardeiros-torpedeiros atacariam as belonaves na baía. A operação estava marcada para começar às 07:55h e Fuchida, lançando um sinal luminoso, indicaria o método a ser usado. Um sinal indicava ataque surpresa; dois sinais mostrariam que o plano alternativo seria usado.

 

Uma hora e quarenta minutos depois de decolarem dos porta-aviões, os pilotos de Fuchida passaram sobre a costa norte de Oahu; eram 07:45h. A 3.000 metros abaixo deles estava a ilha calma e tranqüila, banhada pela cor suave de um amanhecer excepcionalmente belo, e envolta em paz dominical. Nos campos de pouso, os caças e bombardeiros americanos estavam colocados em fileiras, arrumados como brinquedos no chão de uma creche; na baía, nem sinal de fumaça de qualquer dos navios. Tudo parecia dormir, e nessa atmosfera de negligência, refletiu Fuchida, jamais o simbólico Sol Nascente pareceu mais auspiciosos para o Japão. “Abaixo de mim”, escreveu ele, mais tarde, “estava toda a Frota do Pacífico, numa formação com que jamais ousara sonhar nos meus sonhos mais otimistas. Eu já vira todos os navios alemães reunidos na baía de Kiel e também os couraçados franceses, em Brest. E finalmente vi nossos próprios navios de guerra reunidos para revista, perante o Imperador, mas nunca vi navios, mesmo na maior paz, ancorados a uma distância de menos de 500 a 1.000 metros uns dos outros. Uma frota bélica deve sempre estar alerta, pois nunca se pode excluir totalmente um ataque de surpresa. Mas era difícil compreender o quadro que via lá embaixo. Será que os americanos nunca ouviram falar em Porto Artur?”

 

Com a rádio de Honolulu ainda transmitindo música ligeira, Fuchida sentiu que a surpresa era total e, abrindo a cúpula do seu avião, disparou um único sinal; luminoso. Virtualmente a única coisa errada em toda a operação, porém, inconseqüente, ocorria agora. Um dos comandantes da escolta de caça, cuja visão fora momentaneamente obscurecida por uma nuvem, não acusou reconhecimento do sinal e Fuchida disparou outro sinal luminoso para alertá-lo. Mas dois foguetes eram o sinal de que não se obtivera a surpresa, uma ordem para que os aviões bombardeiros atacassem primeiro. Ansiosos por começar, Takahashi levou seus 57 bombardeiros de mergulho até 4.500 metros de altitude e os dividiu em dois grupos. Então, liderado por Takahashi, um grupo dirigiu-se para a Ilha Ford e o Campo Hickam, enquanto o segundo grupo, do Tenente Akira Sakamoto, descia contra a base aérea de Wheeler. Murata, comandando os bombardeiros-torpedeiros, sabia que Takahashi se enganara na leitura do sinal. Mas como ele já descera quase ao nível do mar, para iniciar seu ataque aos couraçados, não lhe restava outra alternativa senão completar sua parte na operação o mais depressa possível. Mas o fato de os bombardeiros de mergulho atacarem pouco antes dos bombardeiros-torpedeiros não fez diferença alguma; a surpresa fora tão paralisante, que houve pouca oposição aos dois. Nos dois minutos que restavam, depois de disparados os sinais luminosos e antes que a primeira bomba fosse lançada, Fuchida sentiu isso. Foi então que ele ordenou ao seu rádio-operador que transmitisse o sinal previamente combinado: “To-to-to”.

 

Para os japoneses, a destruição da capacidade americana de revidar, atacando sua armada aérea, era de suma importância e todos os 51 bombardeiros foram destacados para essa tarefa. Sem nenhuma oposição aérea, os “Zeros” puderam participar do ataque, fazendo varreduras de metralhadoras dos campos, atrás dos aviões de Murata. No Campo Wheeler, que constituía a maior ameaça potencial, acreditava-se haver mais de 50 caças, P-40 e P-36, sendo essencial que fossem postos fora de ação o mais breve possível. Abrigos de terra de 3 metros de altura, em forma de U, haviam sido erguidos para protegê-los, mas o medo de sabotagem local, que era maior do que o temor de um ataque externo, anulou sua utilidade. Para facilitar o trabalho de vigia de uma guarda armada, os caças haviam sido alinhados em filas, diante dos seus hangares. Sakamoto desceu fragosamente sobre eles. Os aviões americanos eram um alvo dadivoso. Um quarto da base foi incapacitado no primeiro assalto, e quando os “Zeros” de Itaya apareceram, não demorou muito para que ela toda se transformasse num inferno. Assim que um dos aviões americanos foi atingido, transformou-se numa nuvem de chamas, incendiando o que lhe estava próximo, e o outro a seguir, até que toda a área diante dos hangares parecia um rio de labaredas. Antes de terminado o ataque, um terço dos aviões fora destruído, os hangares haviam sido arrebentados, blocos de alojamentos destruídos e várias centenas de homens mortos e feridos. O Campo Wheeler revidou, mas as vantagens pesavam muito para o outro lado. Quando os bombardeiros e caças finalmente se foram, o Campo Wheeler era só caos e ruínas. Para os pilotos japoneses, que naquela manhã pensavam estar voando para o fim, a operação fora mais fácil do que os exercícios a que se submeteram para realizá-la.

 

Takahashi, liderando o outro grupo de bombardeiros de mergulho, despencara contra o Campo Hickam alguns minutos antes que as bombas começassem a cair em Wheeler. Como acontecera com esta última base, seu objetivo era a fileira de aviões arrumados diante dos hangares. Hickam era uma base de bombardeiros. Entre os 70 aparelhos ali estacionados, havia 12 das novas “Fortalezas-Voadoras”. Os mapas do Campo Hickam recebidos pelos pilotos de Takahashi mostraram estar obsoletos. (Nesse caso, Yoshikawa e seus agentes parecem ter errado). Mas isso não deteve os atacantes, e, antes que Takahashi tivesse terminado, a maioria dos bombardeiros americanos estava inutilizada. A mesma coisa aconteceu na base aérea da Marinha, em Kaneohe, numa base de hidroaviões situada na costa leste de Oahu, e na base aérea dos Fuzileiros Navais, em Ewa, na Ilha Ford, que ainda não estava pronta. Situavam-se a poucos minutos de vôo de Pearl Harbor, e em todas elas a totalidade dos aviões americanos disponíveis estava em terra.

 

Ironicamente, coube a um oficial do estado-maior do Almirante Bellinger, Comandante Logan Ramsey, que juntamente com o General Martin se queixara tão amargamente da falta de prontidão havia quase um ano, a tarefa de transmitir da Ilha Ford o aviso dramático: “Ataque Aéreo a Pearl Harbor! Não é exercício! Não é exercício!” Sua transmissão foi seguida, às 08:00h, por um aviso do Almirante Kimmel: “Isto NÃO é um exercício”. Captado por uma estação da Marinha, na Baía de São Francisco e retransmitido para Washington, onde foi prontamente entregue ao Secretário da Marinha, Frank Knox, a notícia de Ramsey sobre o ataque chegou às mãos do Presidente Roosevelt e de Cordell Hull pouco antes das 14:00h, de Washington. Naquele exato momento, Nomura e Kurusu estavam diante do escritório de Hull, esperando para entregar o ultimato do Japão. Enquanto esperavam, a principal fase do ataque estava sendo realizada. Os “Kates” de Murata, dividindo-se em dois grupos, iniciaram sua corrida rasante e veloz para os couraçados, pouco depois das oito horas. Cada piloto recebera um alvo separado. No primeiro ataque, o Califórnia, o Oklahoma e o West Virgínia foram atingidos por um ou mais torpedos. No segundo, o cruzador Helena foi atingido e o lança-minas Ogala, atracado ao seu costado, emborcou. No ataque seguinte o cruzador Raleigh e o navio-alvo Utah receberam dois torpedos cada um, em rápida sucessão. Mas no mesmo instante em que os bombardeiros-torpedeiros desceram, em sua segunda corrida, alguns dos bombardeiros de mergulho que se haviam enganado com o sinal de Fuchida mergulhavam verticalmente contra os navios. Foram feitos oito ataques separados, partidos de diferentes pontos, contra os grandes couraçados, e a mira dos pilotos foi boa. O resultado foi catastrófico. Com um ruído ensurdecedor, as caldeiras e o paiol de proa do Arizona explodiram, fazendo chover pedaços de aço na área adjacente, e o óleo ardente dos seus tanques cobriu as águas de chamas. Explosões maciças, resultantes de outros ataques, rasgavam o ar, jatos d’água erguiam-se e um manto espesso de fumaça negra flutuava sobre Pearl Harbor; no mar, marinheiros feridos se agitavam debilmente.

 

Voando em círculos sobre a baía, Fuchida decidiu ser chegado o momento de os seus bombardeiros de grande altitude entrarem em ação, e seus 49 aviões formaram uma só coluna. “Nem uma só bomba deve ser lançada descuidadamente”, dissera ele aos seus pilotos. “Se necessário, façam duas, três ou mesmo quatro passagens sobre o alvo”. (No caso, eles seguiram fielmente as instruções, e o próprio Fuchida passou três vezes sobre o Califórnia antes de lançar sua bomba.) depois de passar sobre a baía a 3.600 m de altitude, a longa linha de bombardeiros voltava-se para a direita e invertia o rumo para permitir uma segunda passagem dos que haviam esperado. Mas já então os americanos haviam começado a recuperar-se do choque, e quando os bombardeiros voltaram, foram recebidos pelo fogo antiaéreo dos canhões dos navios e de terra. Tudo cinza-escuro dos projéteis que explodiam em torno dos aviões japoneses distraíram alguns dos pilotos, e muitos tiveram de voltar para nova passagem antes de lançar suas bombas. Dois foram derrubados. Um deles, inutilizado por tiro certeiro, mergulhou, na vã tentativa de chocar-se contra seu alvo. Da sua passagem pelo alvo, Fuchida disse: “Deitei-me no chão para ver as bombas cair... quatro delas, num padrão perfeito, caíram verticalmente com o destino do demônio. Esqueci-me de tudo, na emoção de vê-las cair na direção do alvo. Elas ficaram tão pequenas quanto sementes de papoulas e finalmente não consegui mais vê-las no exato momento em que pequeninos jatos brancos de fumaça apareceram no navio e próximo dele...”

 

Lançadas as suas bombas, Fuchida subiu para 4.500 metros e continuou voando em círculo, tentando avaliar os danos. Já então, o fogo antiaéreo, especialmente dos navios, e da área dos estaleiros, tornara-se tão forte, que era difícil penetrar o véu de fumaça para ver o que se passava lá embaixo. Não obstante, do que ele podia vislumbrar, era evidente que a baía fora transformada num cemitério e que quase todos os couraçados estavam afundando ou em chamas. Às 08:40h, seu rádio-operador informou que a segunda leva cruzara a costa leste de Oahu, e, antes de voltar para Akagi, ele viu os bombardeiros recém-chegados iniciarem seu ataque. Segundo o programa, eles estavam com 15 minutos de atraso. Sob o comando do Capitão-de-Fragata Shigekazu Shimazaki, do Zuikaku, os 170 aviões dessa leva haviam decolado quando Fuchida ainda estava a caminho de Pearl Harbor e chegaram antes que a primeira leva tivesse terminado, isso devido ao grande número de incursões que os bombardeiros de Fuchida tiveram de fazer sobre seus alvos. O próprio Fuchida planejara dar instruções de alvo aos esquadrões que chegavam, mas tal não foi necessário, e a escassez de combustível o impedia de permanecer ali por muito mais tempo.

 

Excetuando-se alguns desgarrados, os aviões da primeira leva estavam retornando, sozinhos ou em pequenos grupos, para o ponto de encontro a 36 km a noroeste de Oahu, por volta das 08:45h. Ali, os bombardeiros voaram em círculos para orientar os caças que, por terem rádios de baixa potência e não terem navegadores, estivessem em dificuldade em voltar aos seus navios-base. Como se esperava que os aviões americanos pudessem segui-los, e assim localizar a força-tarefa, preparara-se um complicado plano de despistamento para a viagem de volta. Um grupo dirigiu-se para oeste de Oahu, para cobrir uma distância de 48 km antes de voltar novamente rumo norte; outro grupo seguiu um rumo que o levava 32 km para o sul, antes de fazer um longo círculo na direção norte. O próprio Fuchida, sem combustível suficiente para qualquer manobra de despistamento, depois de permanecer no teatro de operações até o final da tragédia, retornou pelo caminho direto. E antes de deixar a área da batalha, fez alguns vôos no local, para certificar-se de que nenhum avião desgarrado ficara para trás. Próximo do ponto de encontro, ele viu dois “Zeros” voando a esmo, e estes três aviões foram os últimos dos atacantes a descer. Em alto mar, Nagumo levara seus porta-aviões para 64 km mais próximo de Pearl Harbor, desde a manhã. Ele não pretendera chegar a menos de 320 km de Oahu, mas sabia que alguns quilômetros extra poderiam fazer uma grande diferença para um aviões com pouco combustível ou avariado por fogo inimigo.

 

Na breve calmaria entre o final dos ataques da primeira leva e o começo dos da segunda, os americanos estiveram preparando-se febrilmente para o segundo golpe. Quando o grupo de Shimakazi mergulhou sobre eles, esse trabalho frenético teve de parar. Mas a segunda leva de pilotos não teve tanta facilidade quanto seus predecessores. O grupo recém-chegado de bombardeiros de mergulho, comandados pelo Capitão-de-Fragata Takashigi Egusa, do Soryu, consistia de 80 bombardeiros de mergulho “Val”, cuja missão original fora destruir os porta-aviões americanos. Frustrados nessa intenção, eles haviam sido desviados para atacar os couraçados que haviam escapado ao ataque da primeira leva. Rolos de fumaça sobre a baía impediam que os aviões divisassem os alvos. Mas Egusa decidira que, nas circunstâncias, seria melhor atacar os navios que estavam mostrando as barragens mais ferozes e dirigiu seus esquadrões diretamente contra os lugares onde a artilharia era mais densa. Entrementes, os bombardeiros de nível de Shimazaki se concentravam sobre o Campo Hickam, a Ilha Ford e a base aérea de Kaneohe. Trinta e seis “Zeros” haviam acompanhado a segunda leva, para prestar cobertura, mas nenhum caça americano levantou vôo para enfrentá-los. Seu comandante, o Tenente Fusata Iida, de 28 anos, decidiu conduzi-los num ataque de varredura contra Kaneohe. Este foi o último vôo de Iida, um veterano beberrão que sobrevivera a três anos de combates na China. A artilharia de terra americana era muito mais eficiente do que ele esperava, e quando seu “Zero” foi atingido, ele o colocou num mergulho, estraçalhando-se contra um hangar em chamas. Antes de fazê-lo, parece que teve tempo de avisar seus pilotos para interromperem o ataque enquanto ele morria segundo o código do Bushido. Um colega oficial lembrava-se de que o último conselho de Iida aos seus homens fora dado ainda aquela manhã: “A coisa mais importante para um soldado que é um verdadeiro samurai é sua última determinação. Se, por exemplo, eu for fatalmente atingido em meu tanque de combustível, assestarei meu avião de modo a causar a maior destruição possível e, sem pensar em sobrevivência, me lançarei contra o alvo”. Assim, Iida morreu segundo seus princípios, e não foi o único aviador japonês a encontrar a morte desta maneira. No Campo Hickam, pelo menos um piloto imitou-lhe a forma espetacular de deixar este mundo, sombrio presságio do aparecimento dos loucos Kamikazes.

 

O segundo ataque de Shimazaki, como o de Fuchida, durou cerca de uma hora. Suas baixas foram maiores, 6 caças e 14 bombardeiros de mergulho, mas os couraçados menos danificados e vários cruzadores e destróieres que até então não haviam sido tocados foram atingidos. O couraçado Nevada, de 29.000 toneladas, estava tentando escapar para o mar aberto e foi atacado enquanto se movia com dificuldade para o canal externo, com enorme rombo, feito por um torpedo, no seu costado. Para os japoneses, o afundamento dessa massa de aço para fechar a barra de Pearl Harbor era uma oportunidade boa demais para se perder. Portanto, não é de espantar que os bombardeiros de mergulho se concentrassem no vaso atingido e houve pelo menos cinco impactos diretos. Contudo, o Nevada não afundou. Compreendendo o perigo, o Contra-Almirante William Furlong mandou dois rebocadores tirá-lo do canal e, com a ajuda destes, ele foi deliberadamente encalhado no lado oeste do canal, onde não fecharia a entrada ou saída da frota do Pacífico da baía.

 

Os japoneses decidiram ir embora por volta das 09:45h. Eles se retiraram, abandonando Oahu a um holocausto e algum tempo se passou antes que os americanos compreendessem que tudo acabara. Artilheiros nervosos derrubaram três dos seus próprios aviões, que decolaram do Enterprise, mais tarde, pois julgaram que fosse japoneses.

 

Os aviões da primeira leva de Fuchida começara, a retornar por volta das 10:00h; os da segunda, duas horas depois. O tempo piorara. A agitação do mar e a violência dos ventos dificultaram o pouso. Alguns dos pilotos, tensos e cansados, pousaram mal. Entretanto, as baixas gerais foram, surpreendentemente, ainda menores do que Yamamoto esperara. Vinte e nove aviões perderam-se durante o combate real; alguns outros estavam tão avariados que tiveram de ser lançados ao mar para manter o convés desimpedido para os que vinham atrás. Dois bombardeiros radiografaram ao Zuikaku, dizendo que haviam perdido a direção e pediam a posição da força-tarefa. Como os navios ainda mantinham estrito silêncio telegráfico, não se respondeu. A última mensagem dos bombardeiros dizia que o combustível estava acabando e que eles cairiam no mar. O relatório de Fuchida para Nagumo foi: “Quatro couraçados definitivamente afundados e danos consideráveis infligidos aos campos de pouso. A despeito da crescente oposição, recomendo outro ataque”. Para ele, oportunidade igual não tornaria a repetir-se. Excetuando-se seus canhões antiaéreos, os americanos haviam sido despojados da capacidade de retaliação e este era o momento para a operação de “limpeza” da base. Os aviões estavam sendo rearmados e reabastecidos; a maioria dos pilotos estava ansiosa por voltar e acabar com a obra destrutiva. Mas Nagumo decidira dá-la por encerrada. Um tanto enfadonhamente, ele anunciou ter chegado à conclusão de que “se alcançara o resultado esperado”. Sua declaração tinha um toque de decisão que mostrava como sua mente estava funcionando. Ele jamais fora vencido. Entretanto, cumprira o que pediram dele e se saíra bem. Portanto, não iria continuar a arriscar sua sorte.

 

Às 13:00h, hastearam-se bandeiras de sinal no mastro do Akagi, ordenando que a força-tarefa se dirigisse rumo norte, e os porta-aviões começaram a voltar com a mesma rapidez com que haviam vindo. Perdera-se uma oportunidade de ouro.

 

Oahu sob ataque

Ninguém, em Oahu, fez um relato, ponto por ponto, do ataque japonês. A urgência do momento proibia que se fizesse qualquer outra coisa exceto lutar e limpar os danos. Assim, o registro americano da batalha está contido nas histórias dispersas de centenas de pessoas e nos relatos oficiais, ditados enquanto a baía ainda borbulhava com o ar que escapava dos cascos dos navios afundados. Como todos os historiadores sabem, tal registro nunca é muito exato. (Alguns observadores chegaram a ver caças Messerschmitt, ostentando a suástica, em ação sobre Oahu a 7 de dezembro). A 15 de fevereiro de 1942, num relatório entregue ao Secretário da Marinha, Frank Knox, observava-se que, embora houvesse concordância quanto aos principais acontecimentos, havia muitas declarações conflitantes nos relatos dos comandantes dos navios que se encontravam na baía, referentes ao ataque. No que todos concordavam é que a “Operação Z” fora executada com notável perícia. “devo dizer...[que]...foi uma manobra militar muito bem executada”, testemunhou o Almirante Kimmel. “Pondo-se de lado a inominável traição que ela representou, os japoneses fizeram um trabalho excelente”.

 

O próprio Kimmel levantara cedo na manhã do ataque. Abstêmio por hábito e enérgico por natureza, planejara uma partida de golfe com o General Short, o Comandante do exército no Havaí. Depois de uma semana extenuante, que atingira o ponto culminante no dia anterior, com prolongada discussão sobre a disposição da Frota (se ela devia ficar dentro da baía ou ser mandada para alto mar), o Comandante-Chefe sentia a necessidade de espairecimento. A partida de golfe da manhã de domingo não se realizou. Por volta das 07:30h, quando estava prestes a sair de casa, O telefone tocou. Era o Comandante Murphy, oficial de dia do quartel-general, chamando para informar que o destróier Ward lançara bombas de profundidade contra um submarino submerso próximo da barreira de entrada da baía. E como Kimmel ordenara que todos os submarinos submersos próximos de Pearl Harbor deviam ser tratados como hostis, o comandante do Ward agira corretamente. Não obstante, o incidente teria de ser investigado e Kimmel concluiu ser necessária a sua presença no quartel-general da frota. Cinco minutos depois, quando estava para sair, Murphy tornou a telefonar; o Ward envolvera-se em outro incidente, com um sampan que pescava bem dentro das águas proibidas. No meio da conversa, um funcionário entrou gritando que aviões japoneses estavam atacando Pearl Harbor, e o oficial de dia transmitiu a informação a Kimmel. Largando o fone, o almirante saiu correndo de casa para ver o ataque pessoalmente.

 

Do seu jardim em Makalapa Heights, ele viu os aviões japoneses mergulharem sobre a base naval e ouviu a explosão das bombas e o matraquear de metralhadoras durante o que lhe devem ter parecido os mais longos minutos da sua vida. Ele não podia saber, ali parado, angustiado e em horrorizada descrença, que testemunhava não só a morte da sua Frota do Pacífico, mas o fim da Era do Couraçado. Os japoneses estavam demonstrando o surgimento da Era do Poderio Aeronaval. Ironicamente, era por ter compreendido o perigo potencial do avião contra os grandes navios que Kimmel chegara à conclusão de que seria preferível deixar a frota do Pacífico no porto, naquele fim de semana. Quando o porta-aviões Enterprise partiu da Ilha de Wake para entregar aviões e o Lexington partiu para reforçar Midway, a frota perdeu sua proteção aérea. Sem nenhum dos seus porta-aviões, ela seria mais vulnerável em alto mar do que nos seus ancoradouros em Pearl Harbor, onde os navios pelo menos teriam a proteção dos aviões do exército, sediados em terra. Ou pelo menos Kimmel assim acreditava.

 

Quando o almirante chegou ao seu quartel-general, por volta das 08:10h, a primeira leva de aviões de Fuchida aproximava-se do ponto culminante do seu ataque. Os bombardeiros-torpedeiros faziam vôos rasantes sobre Pearl Harbor, rumo aos couraçados; bombas explodiam sobre a base; bombardeiros de mergulho desciam fragosamente contra seus alvos; ensurdeciam o matraquear e o zunido das balas de metralhadoras; o ronco dos motores de caças em vôo baixo, aparentemente varrendo tudo à sua frente; irrespirável o ar, com o cheiro acre de fumaça. Todos esses sons, cheiros e visões misturavam-se numa insuportável confusão de barulho e caos e, para a maioria dos americanos ali presentes, a experiência foi momentaneamente paralisante. O próprio Kimmel mal podia compreender o desastre. Aturdido de espanto, o que podia fazer era ver seus navios serem reduzidos a escombros. Da janela do seu escritório, ele ouvia, acima do espocar incessante das bombas, o clangor, como de uma imensa bigorna, dos mortíferos torpedos de Murata ao penetrarem profundamente nos seus navios, e via as coleantes nuvens de fumaça dos seus incêndios.

 

Todos estavam espantados pela eficácia do ataque que, segundo se supunha, devia partir de um porta-aviões, no máximo dois. Naquela manhã de domingo, até mesmo Kimmel não teria crido que tão elevada proporção do poderio total de ataque do Japão estivesse espreitando além do horizonte. A Marinha Imperial era menor do que a dos Estados Unidos, e, embora esta estivesse dividida entre dois oceanos, o poderio combinado da Frota americana do Pacífico e das frotas da Comunidade Britânica e dos Países Baixos era indubitavelmente superior à do Japão. Mas com a inestimável vantagem da surpresa, Yamamoto jogara com dados viciados. E, quando as notícias do caos em que a baía se encontrava começaram a chegar até seu quartel, a total destruição do Arizona, o Oklahoma que adernara e o afundamento do Califórnia, Kimmel sabia que o Japão era o senhor do Pacífico, pelo menos temporariamente. Ele talvez tivesse alimentado a esperança de uma chance para vingar-se. Mas, no íntimo, deve ter sabido que sua carreira profissional terminara ao correr para o jardim da sua casa e ver a onda de aviões ostentando o símbolo do Sol Nascente em suas asas.

 

Muitos foram os feitos de bravura naquele dia, alguns dos quais foram agraciados com a concessão de 14 Medalhas de Honra, 53 Cruzes Navais, 4 Estrelas de Prata e 4 Medalhas da Marinha e do Corpo de Fuzileiros Navais. Meninos transformaram-se em homens e homens em heróis no espaço de uma hora. Uma vez vencida a surpresa, os americanos fizeram o máximo para revidar. Mas, despreparados, estavam em desvantagem. No Campo Hickam, os homens ignoravam as varreduras dos japoneses e trabalhavam furiosamente para dispersar os aviões. Alguns caíram, outros lhes tomaram o lugar. Dois trabalhadores japoneses ajudaram um artilheiro a montar seu canhão e ficaram a municiá-lo enquanto ele disparava. Do lado oposto dos hangares, um homem manteve um feixe incessante de tiros com uma metralhadora que montara no nariz de um bombardeiro. Quando um dos “Zero” de Itaya transformou o bombardeiro numa mortífera armadilha de chamas, o artilheiro nem sequer pensou em sair. Mesmo depois de as chamas terem invadido o nariz do avião se podia ver o risco vermelho das suas balas traçadoras subindo aos céus.

 

Do Campo Wheeler, dois jovens oficiais, os Tenentes Welch e Taylor, decolaram em seus caças e se dirigiram direto para o esquadrão de bombardeiros japoneses. Quando voltaram para se reabastecer, Taylor havia sido ferido e as metralhadoras de Welch tinham enguiçado; mas os dois foram responsáveis por três aviões japoneses abatidos. Welch e Taylor não estavam sozinhos. Um ou dois outros aviões americanos conseguiram levantar vôo no breve momento de calma que o espaço entre dois ataques japoneses permitiu, e também eles se saíram muito bem. As “Fortalezas Voadoras”, a caminho de Oahu, chegaram sobre o Campo Hickam no meio do ataque. Eram as B-17 cuja chegada, já esperada, fizera com que se ignorassem os sinais aparecidos na tela de radar de Opana. Os aviões não estavam voando em formação e, depois de uma viagem de 14 horas, as tripulações estavam cansadas. Em algumas, o combustível estava acabando, e todas vinham desarmadas. Rompendo as nuvens para se aproximarem do Campo Hickam, elas foram visadas pelos “Zero”, e quando os aviadores olharam lá para baixo, perceberam que se destinavam para o inferno. O fato de os pilotos terem conseguido pousar seus grandes aparelhos em tais condições é um tributo a eles. Mas todos pousaram, a maioria em Hickam, um em outro campo de aviação na costa sudeste de Oahu, e outro, ainda, numa pista para pousos de emergência numa das praias no noroeste da ilha.

 

Dezoito bombardeiros de mergulho que haviam decolado do Enterprise também sobrevoaram Oahu durante o ataque, e 13 deles pousaram bem no campo da Baía de Kaneohe, embora não sem considerável resistência dos que guarneciam os canhões em terra. Nove deles, que ainda estavam intactos, foram reabastecidos e armados com bombas de 200 kg cada um e, às 12:10h, partiram à procura da frota japonesa. Seis B-17 haviam sido enviadas meia hora antes, para reconhecimento, na direção sul e não encontraram nada. Os aviões do Enterprise partiram na direção certa, mas nada viram. Ninguém pensou em pedir ao centro de aviso aéreo de radar informações sobre os japoneses, que já retornavam à base. Se tivessem feito isso, a frota de Yamamoto poderia ter sido descoberta, pois a Opana traçara cuidadosamente o rumo dos aviões que voltava, à força-tarefa japonesa.

 

Como explicamos no capítulo anterior, o que aconteceu nos campos de aviação poderia ser considerado como incidental ao ataque aos navios. A explosão do Arizona fez mais de mil mortos, e o óleo em chama dos seus tanques de combustível cobria toda a área em torno do navio atingido. Todavia este era um perigo insignificante, comparado com o que poderia suceder, se o petroleiro da frota, o Neosho, que estava ancorado próximo do Maryland e do Oklahoma, fosse atingido. Carregado de gasolina de aviação de elevada octanagem, o Neosho foi o primeiro navio a partir, e esta providência valeu ao seu comandante, o Capitão John S. Philipps, uma bem merecida Cruz Naval. Na imensa confusão que se seguiu ao início do ataque, Philipps percebeu logo o perigo que seu navio representava. Mas enquanto o Neosho se punha em movimento, o Oklahoma era atacado e, em questão de minutos, o couraçado adernou suavemente e emborcou. O Neosho mal podia mexer-se, tanto destroço havia no mar. Enquanto se afastava, dois aviões torpedeiros desceram para lançar seus torpedos contra dois outros couraçados. Desviados pelo fogo dos canhões do Neosho, seus torpedos por pouco não acertam o petroleiro. Entrementes, o West Virgínia , atingido por vários torpedos, começava a afundar; o Maryland fora atingido por uma bomba que penetrara seu convés, abrindo enorme rombo no lado esquerdo da proa; o Califórnia adernava perigosamente para bombordo, e o Pennsylvania lançava densos rolos de fumaça carregada de óleo. Por tida a parte, homens saltavam dos navios em chamas.

 

Outra ameaça surgiu no auge da batalha aérea. Um dos mini-submarinos emergiu a uns 700 metros do tender de hidroaviões Curtiss, em cujo convés um dos bombardeiros de mergulho caíra. Os canhões de meia dúzia de vasos dispararam quando a torre do submarino apareceu. Mas o submarino não foi afundado pela artilharia. Manobrando para a posição, o destróier Monaghan lançou suas bombas de profundidade e, depois, duas mais. Com seus dois tripulantes, o casco arrebentado e cheio de lama, esse submarino foi recuperado nas operações de salvamento subseqüentes. Um novo cais estava em construção em Pearl Harbor, e depois de um serviço fúnebre militar perante o mini-submarino, ele foi lançado no concreto que agora faz parte das defesas permanentes da base naval de Pearl Harbor. Assim que esse submarino foi destruído, divisaram outro que se dirigia para um dos cruzadores americanos. Virando-se rapidamente, o Monaghan lançou mais duas bombas de profundidade e outra mancha de óleo escureceu as águas; o segundo mini-submarino fora afundado.

 

A maioria da tripulação estava presa no casco tombado do Oklahoma. Mais de 400 homens morreram nele, mas 32 foram salvos pelos operários do Estaleiro Naval, que abriram rombos na blindagem do couraçado. Outros homens estavam presos no velho Utah, um navio-alvo desarmado, que também adernou. A tarefa de abrir buracos no casco blindado do Utah foi mais fácil do que no do Oklahoma, mas em ambos o trabalho foi bastante prejudicado pelas constantes varreduras.

 

Todos os 7 couraçados que estavam ancorados ao longo da margem sul da Ilha Ford foram danificados no primeiro golpe desferido pelo grupo de Fuchida. Quatro deles estavam ancorados juntos, dois a dois, e somente os que estavam do lado de dentro, mais perto da praia, o Maryland e o Tennessee, escaparam do torpedeamento. Todos foram atingidos por uma ou mais bombas. O único dos couraçados que saiu durante o ataque foi o veterano Nevada, de 25 anos de idade, e classificado como “além do limite da idade”. Seus canhões antiaéreos foram dos primeiros a entrar em ação, mas isso não fez que os japoneses o deixassem em paz. Pouco antes de o Arizona explodir, o Nevada foi atingido por um torpedo, no lado esquerdo da proa, e uma bomba caiu em seu tombadilho. Quando o Arizona explodiu e a água em torno do Nevada se cobriu de óleo em chamas, o oficial mais graduado de bordo decidiu que teria mais a chance de salvá-lo se o levasse para mar aberto. Com certa dificuldade, o navio rodeou o Arizona e o barco de reparos, Vestal, que estivera ancorado ao lado do Arizona antes do ataque e que agora estava coberto de combustível em chamas. Quando o Nevada começou a deslocar-se lentamente pelo canal, tornou-se o alvo número um. Uma após outra, as bombas começaram a explodir nas suas proximidades, enquanto os bombardeiros de mergulho desciam a pequena distância dele, para o pegarem bem. Seis das bombas foram certeiras, causando-lhe grande danos, e o navio afundou lentamente ao atingir águas rasas.

 

O couraçado Califórnia, de 36.600 toneladas, atracado perto do Nevada, foi atingido por dois torpedos logo no começo do ataque. Com seu convés inferior inundado, e grandes rombos em vários pontos do casco, ele começou a afundar. Como outros navios posteriormente relacionados como afundados em seus ancoradouros, o Califórnia foi perfurado antes que as portas estanques pudessem ser fechadas. Mais tarde, durante a guerra, houveram navios americanos que foram muito mais visados do que os estacionados em Pearl Harbor, mas estavam de prontidão para a batalha e puderam mover-se sozinhos, mesmo com toda uma parte destruída. Em Pearl Harbor, nenhum dos navios estava de prontidão, por isso afundaram. Isto é particularmente válido quanto ao Califórnia. Os canhões do couraçado entraram em ação, mas o navio estava sem energia e por isso a munição tinha de ser levada aos canhões à mão. Então, quando o óleo em chamas, que saía dos tanques de combustível, envolveu o navio, parecia haver pouca probabilidade de salvá-lo, e deu-se a ordem de “abandonar navio”. Aliás, o Califórnia permaneceu três dias à tona, até que finalmente afundou, ficando somente as estruturas superiores à mostra. Como o Nevada, o Califórnia sobreviveria para tornar a lutar. Com a exceção do Arizona e do Oklahoma, o mesmo aconteceu com os demais navios danificados no ataque.

 

Dos outros navios, que estavam na baía quando do ataque, o Departamento da Marinha dos Estados Unidos anunciou que três destróieres, Cassin, Downes e Shaw, foram perdidos. Mais tarde revelou-se que nenhum deles fora “perdido”, embora os três ficassem seriamente avariados. E se eles não estivessem imobilizados em dique seco, é provável que tivesse, escapado com tão poucos danos como os outros destróieres ancorados na baía. Sete cruzadores estavam na baía quando do ataque, não nove, como os japoneses acreditavam. Três foram atacados e o Raleigh levou a pior. Atracado do lado norte da Ilha Ford, junto do Utah, era possível que alguns dos pilotos de Fuchida o tivessem tomado por um couraçado. Torpedeado, bombardeado e alvo de varreduras constantes, o Raleigh realmente afundou. Mais seis meses se passariam até que o tornassem novamente navegável. O Helena, que os japoneses confundiram com o couraçado Pennsylvania, ficou pouco menos avariado. (Erro compreensível, pois o Helena estava no ancoradouro normalmente ocupado pelo navio maior, porque o Pennsylvania estava em dique seco. Menos compreensível foi confundir o Oglala com o Arizona.) O terceiro cruzador a ser avariado, o Honolulu, escapou com danos relativamente leves e pôde navegar dentro de um mês.

 

Como era de esperar, os danos não se limitariam aos alvos militares. Houve, por isso, mais de cem baixas civis. As metralhadoras dos “Zeros”, em vôo rasante, atingiram carros nas estradas, e fragmentos de aço de projéteis explodidos se espalhavam por toda a parte. Mas a população portou-se bem, e soldados e civis, naquele dia, puderam sentir quanto é precária a separação de dois momentos tão distintos - Paz e guerra. Operários do Estaleiro Naval, muitos deles filhos de pais orientais, apresentaram-se voluntariamente para ajudar. Foram usados no combate a incêndios, na limpeza de escombros provocados por bombas etc. Na baía, os barcos não combatentes colaboraram bastante. Os rebocadores comerciais foram usados para tirar o navio-oficina Vestal do lado do Arizona e para encalhar o massacrado Nevada, depois da sua corrida pelo canal. Até mesmo um navio usado para recolher sucata entrou pesadamente em ação. Como dispusesse de bombas de água, foi empregado no combate à fogueira em que se transformou a plácida baía.

 

Nunca se determinou com precisão qual o primeiro vaso de guerra da marinha americana a disparar contra os aviões de Fuchida, embora muitos navios reivindicassem essa equívoca honra. Os destróieres Tucker, Bagley e Blue estavam igualmente convencidos, individualmente, de terem disparado o primeiro tiro. O mesmo acontecia com os oficiais e tripulantes dos cruzadores Helena e Raleigh; assim também os comandantes de vários navios menores. Contudo, se havia dificuldades em decidir qual o navio que atirou primeiro, não houve dúvidas quanto ao primeiro encontro entre indivíduos. Para investigar um informe de que havia restos de um avião japonês flutuando na baía, o lança-minas Montgomery enviou sua baleeira a motor. O avião lá estava, e o piloto agarrava-se a uma asa danificada. Quando o barco do Montgomery se aproximou dos escombros, o japonês recebeu ordens de se entregar. Não houve outra reação além de um olhar sombrio; a ordem foi repetida, acompanhada de gestos, enquanto o barco se aproximava mais. Quando o nipônico estava prestes a ser içado para bordo, viu-se que ele sacava uma pistola do seu blusão. Mas, antes que pudesse usá-la o timoneiro matou-o.

 

Na tarde de domingo, Pearl Harbor só estava certa de uma coisa - que os japoneses voltariam, de onde quer que estivessem. Os canhões de 14 polegadas do couraçado Pennsylvania estavam assestados para a entrada da baía, e todo marinheiro e trabalhador das docas que estivesse apto, esforçava-se por deixar os navios pouco atingidos prontos para a batalha. Na cantina do cais, uma vitrola automática tocava repetidamente “Não quero incendiar o mundo”; a bordo do Maryland, a banda recebera ordens de tocar música marcial no tombadilho, para elevar o moral. O fogo ainda grassava no West Virgínia e nas suas proximidades, e muita chama havia nos escombros retorcidos do Arizona. No Oklahoma, adernado, equipes de salvamento abriam buracos no seu fundo, para liberar os homens presos no casco. Outros travavam luta insana para manter o Califórnia flutuando. Em terra, o exército preparava-se para repelir uma invasão e sentinelas nervosas tornavam perigoso o menor movimento em qualquer parte da ilha. Homens da infantaria, artilharia e força aérea, que estariam mais bem empregados no trabalho de reparo de aviões danificados, deslocavam-se para pontos-chave e cavavam trincheiras.

 

Boatos fantásticos eram comuns. Dizia-se que trabalhadores japoneses haviam feito sinais direcionais nos canaviais; dizia-se que carros dirigidos por sabotadores japoneses locais haviam bloqueado deliberadamente a estrada Honolulu-Pearl Harbor. (O FBI local, posteriormente, ignorou tais atos de sasbotagem). Dizia-se que os japoneses estavam desembarcando em diferentes locais da costa, ao norte, ao sul, a leste e a oeste. (Com seus outros compromissos, o Japão não podia montar uma invasão do Havaí, quanto mais abastecê-la e defendê-la). Pouco depois do meio-dia, o General Short, que instalara seu quartel-general num túnel de armazenagem de material bélico, disse ao governador que a ilha teria se ser posta sob lei marcial. Sem o tácito consentimento do Presidente, o governador não podia concordar, e às 12:40h fez-se um chamado telefônico para o Presidente Roosevelt. Quando Short disse que não podia dar-se ao luxo de correr riscos, o Presidente concordou em que se decretasse a lei marcial.

 

Foi mais ou menos nesse momento que um mensageiro chegou de bicicleta ao quartel-general de Kimmel, com um cabograma de Washington. A mensagem (que fora enviada para Kimmel e Short) chegara pelo “meio mais rápido”, pelos canais comerciais, e informava a Kimmel que os japoneses estavam apresentando um ultimato às 7:30h, hora de Honolulu. Em conseqüência, as forças de defesa da ilha deviam “estar de prontidão”. Como a mensagem não trazia qualquer indicação de que fosse especial ou urgente, ele ficara num dos compartimentos do escritório da RCA em Honolulu desde as 07:33h. A entrega dos cabogramas havia sido suspensa durante o ataque. O mensageiro que o entregou era japonês (americano mas de origem japonesa) e levou quase quatro horas para passar pelos obstáculos rodoviários até o quartel-general de Kimmel. Ao chegar às mãos do Almirante, seu interesse era puramente histórico e Kimmel o jogou na cesta de lixo.

 

Contando as perdas

Num ataque que durou uma hora e cinqüenta minutos, os japoneses conseguiram explêndida vitória, ao aplicar um golpe demolidor à frota do Pacífico dos Estados Unidos. Ao meio-dia de 7 de dezembro de 1941, Pearl Harbor estava desarmada, sob densa nuvem de fumaça. Um exame dos danos mostrou que 8 couraçados, 3 destróieres e 8 navios auxiliares, totalizando 300.000 toneladas, haviam sido imobilizados. Além disso, muitas das instalações em Hickam, Wheeler e outros campos de aviação haviam sido destruídas; o mesmo acontecendo com 96 dos 321 aviões da força aérea do Havaí. Somente sete aparelhos podiam voar imediatamente. Mais de metade dos aviões da marinha que ali se encontravam também havia sido colocada fora de combate. As baixas, somente nos navios, totalizaram 1.763 oficiais e praças (sem contar as baixas de civis), e este número, registrado imediatamente após o ataque, foi elevado para 2.335 pelas perdas em terra; mas isto só em mortos. Muitos oficiais e praças ficaram feridos; muitos morreram dias ou semanas depois; alguns se recuperaram e voltaram à luta; outros foram para casa, com suas pensões e cicatrizes.

 

Como se poderia explicar essas perdas terríveis? A surpresa era uma resposta simples demais. Atacando sem aviso e com 351 aviões, os japoneses sobrepujaram as forças americanas em Oahu. De certo modo, os americanos facilitaram isso. Quase todos os couraçados da frota do Pacífico encontravam-se na baía; os aviões estavam convenientemente agrupados nos campos de pouso. A falta de alerta era indesculpável, especialmente quando tão grande progresso fora feito na detectação por radar da aproximação de aviões, desde o exercício do Almirante Schofield, em 1932. Mas grande parte da destruição foi resultado direto da nova técnica de guerra aérea, explorada habilmente por Yamamoto. Os almirantes americanos não acreditavam que aviões pudessem lançar torpedos com tanto êxito nas águas rasas de Pearl Harbor. Os japoneses pensavam diferentemente, e provaram seu argumento. Os almirantes americanos também duvidavam de que as bombas pudessem penetrar na maciça couraça de convés; uma vez mais os japoneses mostraram que estavam errados.

 

Mas o triunfo japonês estava longe de ser completo. Ao fracassarem em destruir qualquer dos porta-aviões americanos, eles divulgaram uma arma que seria a sua ruína. O que aconteceu em Pearl Harbor obrigou os EUA a reformular as velhas táticas de guerra. Um exame retrospectivo da tragédia levou alguns a afirmar que os japoneses não só afundaram um monte de “ferro-velho obsoleto”, como também destruíram eficazmente as velhas teorias do couraçado. Porque o Enterprise, o Lexington e o Saratoga escaparam, o porta-aviões forçosamente substituiu o couraçado como navio de linha da Frota do Pacífico. A força-tarefa composta de porta-aviões tornou-se, automaticamente, a principal arma naval. Quase que imediatamente, a Marinha dos Estados Unidos começou a usá-la com grande habilidade - no Mar de Coral, em Midway, em Guadalcanal, Rabaul, nas Ilhas Marshall e em Truk. O Enterprise escapara por um triz. Ao voltar da Ilha de Wake, ele só se salvou por um atraso providencial, quando sua escolta de destróieres teve dificuldades em rebastecer-se nas águas agitadas. Mesmo assim, ele estava a apenas 320 quilômetros de Oahu, quando Fuchida dirigiu a primeira leva de aviões atacantes.

 

Por não terem destruído as oficinas de Oahu, os japoneses cometeram outro erro. Elas seriam valiosas no reparo dos navios atingidos. Além disso, os tanques de petróleo, onde estava armazenado o fluido vital da frota, ficaram intactos. Esses tanques estavam na superfície e eram extremamente vulneráveis. Sua destruição teria forçado o retorno aos Estados Unidos do resto da Frota americana, ficando então com os japoneses o completo comando do Pacífico durante meses. Esses meses poderiam ter feito toda a diferença na consolidação da posição do Japão no Sudeste Asiático. (E, quanto a isso, pode-se dizer que a sorte estava do lado dos americanos. Se o petroleiro Neosho, ancorado perto dos tanques de armazenagem de combustível na Ilha Ford, tivesse sido atingido, ele não só transformaria os quatro couraçados ancorados nas proximidades, Maryland, Tennessee, Oklahoma e West Virgínia, num inferno, como também, provavelmente, teria incendiado os reservatórios de combustível. Atentos à caça maior, os pilotos de Fuchida permitiram que ele escapasse.

 

Embora os danos pudessem ter sido maiores, o ataque aéreo deve, não obstante, ser considerado um sucesso japonês. (No 25o aniversário do ataque a Pearl Harbor, o ex-comandante [então General] Genda descreveu o ataque como “uma página imortal dos anais dos acontecimentos militares do mundo”. “Mas”, acrescentou ele, “politicamente foi um grande erro, porque levou à capitulação do Japão...”) O mesmo não poderia dizer do papel desempenhado pelos submarinos. Os 27 submarinos classe “I” e os cinco mini-submarinos, colocados em torno de Oahu, falharam totalmente na sua missão. Os “mini” não deram o golpe de misericórdia em nenhum dos navios atingidos dentro da baía, nem os grandes afundaram qualquer dos navios americanos que saíam dela. O Enterprise e sua escolta de três cruzadores ofereciam alvos particularmente tentadores, mas parece que os tripulantes dos submarinos japoneses não estavam nem tão bem treinados nem eram tão agressivos quanto os aviadores de Fuchida. Um submarino classe “I” e quatro dos “mini” foram afundados, enquanto que o comandante do quinto “mini” encalhou-o e rendeu-se. Somente os nove homens que perderam a vida nos cinco mini-submarinos foram honrados. Condecorados postumamente e promovidos dois postos, foram colocados no lugar de honra dos grandes heróis. Assim, esta fase da “Operação Z” não foi o sucesso que poderia ter sido. Como resultado, o departamento japonês de submarinos perdeu prestígio e não conseguiu as verbas que poderiam tê-lo ajudado a desenvolver-se. Mais tarde, na guerra, muitos dos submarinos foram reduzidos ao papel de navios de abastecimento para as guarnições japonesas isoladas nas Ilhas Salomão.

 

Quando o supercauteloso Nagumo decidiu que o objetivo da operação fora alcançado, diz-se que ele citou um provérbio japonês: “Yudann Kaiteki”(A negligência é o maior inimigo). Uma vez cumprida a tarefa, sua grande preocupação era retornar ao Japão com a frota intacta. Parte da cautela de Nagumo originava do fato de que o Japão não podia dar-se ao luxo de perder navios. Os americanos poderiam construir outros, mas a limitada capacidade industrial japonesa estava restrita pela escassez de materiais estratégicos e de técnicos. Fazia ele então uma guerra, por causa dessas limitações, em que um dos objetivos era não trocar golpes com o colosso industrial dos EUA. Segundo o Serviço japonês de Inteligência, os ianques ainda tinham grande número de bombardeiros em condições de operar, e, para Nagumo, era temerário ficar ao alcance de aviões americanos sediados em terra. Fuchida, enraivecido pela prudência do seu comandante, nunca deixou de lamentar a decisão de não permitir que seus pilotos desfechassem novo ataque. “Se tivéssemos destruído totalmente Pearl Harbor e o Enterprise, ou o Lexington, ou os dois”, disse ele mais tarde, “a guerra no Pacífico teria sido muito diferente”. Muitos dos almirantes americanos têm concordado com ele. O Almirante Nimitz, que substituiu Kimmel como Comandante-Chefe da Frota do Pacífico, escreveu: “Futuros estudiosos da nossa guerra naval no Pacífico inevitavelmente chegarão à conclusão de que o comandante japonês da força-tarefa de porta-aviões perdeu a oportunidade de ouro, ao limitar seu ataque a Pearl Harbor a uma operação de um só dia, e pela escolha muito restrita dos objetivos”.

 

O Secretário da Marinha Frank Knox, imediatamente foi ao local para ver pessoalmente o que acontecera. Naquela manhã de domingo ele estivera a portas fechadas com Cordell Hull e Henry Stimson discutindo a situação crítica que se desenvolvia entre seu país e o Japão, enquanto dois visitantes estavam sentados na ante-sala esperando para avistar-se com Cordell Hull - o caolho Embaixador Almirante Nomura e o “enviado especial” do Japão Kurusu. Quando a conferência terminou, Knox retornou ao seu escritório e mal sentara quando o Chefe das Operações Navais, Almirante Harold B. Stark, entrou afoitamente com o dramático aviso de Ramsey. Knox o leu e exclamou: “Meu Deus, não pode ser verdade! Isto deve referir-se às Filipinas!” “Não senhor”, disse o Almirante Stark. “É Pearl.”

 

Eram 13:45h, e Knox fez um chamado telefônico urgente para Pearl Harbor. A seguir, pegou o telefone da Casa Branca e falou com o Presidente . “Não me lembro das suas palavras exatas”, disse Knox mais tarde. “Naturalmente ele estava espantado. Acho que expressou incredulidade...” Quando o Presidente desligou, Knox foi avisado de que se completara a ligação para Pearl Harbor e falou com o Contra-Almirante C. C. Bloch, que lhe fez um relato conciso dos danos que pôde, então, constatar. Depois da conversa, Knox correu à Casa Branca, para uma reunião extraordinária com o Gabinete do Presidente, que fora convocado para debater os termos da mensagem de guerra que o Presidente devia pronunciar perante o Congresso e a nação americanos no dia seguinte. “Preciso saber o que aconteceu a Pearl Harbor”, disse Knox, “quero saber todos os detalhes; eu vou até lá”.

 

Entrementes, Nomura e Kurusu haviam chegado à sala de espera do escritório de Cordell Hull às 14:05h. Antes de serem recebidos, Roosevelt já falara com Hull. “Cordell”, disse ele bruscamente, “Knox acaba de telefonar-me dizendo que os japoneses atacaram Pearl Harbor”. “Isso já foi confirmado?” - perguntou Hull cautelosamente. “Não, ainda não”, respondeu o Presidente, “recebi a notícia de Knox.” “Gostaria de ter sua confirmação antes de avistar-me com Nomura e Kurusu. Eles estão à minha espera aqui na sala em frente”, disse Hull.

 

Exatamente às 14:20h, os dois japoneses foram recebidos. Eles se curvaram e apresentaram a nota. Nomura explicou que haviam recebido instruções para entregá-la às 13:00h em ponto. Desculpou-se pelo atraso, que atribuiu a dificuldades na sua decifração. Hull tomou o documento das mãos de Nomura, ajeitou os óculos e começou a ler. (Naturalmente ele já conhecia o seu conteúdo. Mas, como disse posteriormente, não podia dar indicações de que já sabia e teve de fingir que estava lendo a nota). Era a resposta japonesa ao memorando de Hull datado de 26 de novembro, uma recusa cabal das propostas dos Estados Unidos e uma miscelânea de justificativas e injúrias. “Desde o começo do caso chinês”, dizia a nota, “devido ao fato de a China não compreender as verdadeiras intenções do Japão, o governo japonês se tem esforçado pela restauração da paz... Por outro lado, o governo americano, sempre se atendo à teoria e ignorando as realidades, e recusando-se a ceder um milímetro em seus princípios impraticáveis, provocou indevido atraso nas negociações... Uma atitude tal que ignora as realidades e impõe as próprias opiniões egoístas a outrem, dificilmente servirá ao propósito de facilitar a realização de negociações... Por conseguinte... o governo japonês lamenta não poder aceitar a proposta”. Os olhos de Cordell Hull faiscaram ao fitar os nervosos enviados do Japão. “Em meus cinqüenta anos no serviço público”, disse-lhes ele, “nunca vi um documento mais cheio de falsidades e distorções infames - falsidades e distorções infames tão imensas que jamais pensei, até hoje, que qualquer governo neste planeta fosse capaz de pronunciá-las”.

 

Nomura e Kurusu saíram, pálidos e calmos. Sua tarefa estava cumprida; haviam realizado útil trabalho de procrastinação que ajudara a preparar o caminho para o ataque. Eles sabiam muito bem que o Japão entraria em guerra com os Estados Unidos, mas até sua morte, ambos asseguravam ignorar os detalhes e que não sabiam que a “Operação Z” atingiria seu ponto culminante em meio às suas negociações. Mas quer Nomura e Kurusu tenham sido conhecedores ou não do fato, o atraso na entrega da nota eliminou o seu propósito. O Imperador Hirohito não obteve o que desejava e o que foi universalmente considerado um golpe traiçoeiro unificou uma América terrivelmente dividida e isolacionista. Ao avaliar as perdas relativas para os americanos e as vantagens obtidas pelos japoneses com a operação contra Pearl Harbor, provavelmente foi este o fator mais importante a longo prazo. O Almirante Chuichi Hara, comandante da Quinta Divisão Japonesa de Porta-Aviões, Shokaku e Zuikaku, disse ironicamente depois da guerra: “O Presidente Roosevelt deveria ter-nos dado medalhas”.

 

Durante dez anos, o Japão só tivera vitórias sobre inimigos fracos e as novas do ataque espantaram o povo japonês tanto quanto o americano. A emoção era forte quando o quartel-general imperial em Tóquio anunciou que o exército e a marinha japonesa haviam “entrado em estado de guerra com as forças americanas e britânicas” e o rádio transmitiu notícias da vitória em Pearl Harbor, misturadas com um desfile de marchas patrióticas. As ruas estavam apinhadas e a multidão cantava o hino nacional, Kimigayo; milhares dirigiam-se à praça do Palácio Imperial, para fazerem vênias e invocar a ajuda dos divinos ancestrais da nação. Jornaleiros percorriam as ruas agitando sinos e matracas para anunciar edições comemorativas dos jornais Asahi, Yomiuri e Nichi-nichi. “O Japão NÃO é mais um País Pobre!” gritavam as manchetes. “A História Está Agora do Lado do Eixo... 100 Milhões são Todos heróis.” “Chegou o dia da marcha dos nossos 100 milhões de compatriotas... O dia que aguardávamos com impaciência chegou...” escreveu o redator do Mainichi, e não há dúvida de que o redator do Nichi-nichi refletia o estado de espírito nacional ao dizer: “Nossa Senha hoje é ‘As Forças Imperiais são invencíveis!’”.

 

Assim nasceu o mal do excesso de confiança que posteriormente, nos anos negros do Japão, seria adequadamente chamado de o “Mal da Vitória”. A presunção e a subestimativa arrogante do que haviam conseguido eventualmente resultaram na ruína dos japoneses. Em última análise, a derrota do Japão pode ser atribuída a esse vírus. Bem no fundo do caráter nacional japonês existe um traço de irracionalidade e de impulsividade, combinado com vigoroso senso de oportunismo. Muitas vezes indecisos e vacilantes, os japoneses sucumbem facilmente à presunção e a falta de racionalidade freqüentemente os leva a confundir o desejo, o sonho, com a realidade. O resultado é que eles fazem coisas sem ponderar adequadamente sobre os riscos; só quando o resultado se revela um fracasso é que eles pensam racionalmente sobre seus atos, e isto, normalmente, visando a encontrar desculpa para o fracasso. O tremendo risco assumido em Pearl Harbor deu aos japoneses a maior vitória que estavam destinados a ter. Em dezembro de 1941, o Sol Nascente do Japão brilhava com maior intensidade que nunca. Ele não começou a se pôr imediatamente, mas seria inevitável o seu ocaso. A longa guerra que se seguiu foi travada com toda a habilidade e bravura e também com a insensata brutalidade que avulta do complexo caráter japonês. Mas a Marinha Imperial nunca mais alcançaria o sucesso que os aviadores de Fuchida lhe deram em Pearl Harbor.

 

As bombas que caíram sobre Pearl Harbor repercutiram em explosões em Hong Kong, na Tailândia e em Kota Bharu, na fronteira da Tailândia e Malaia. Em ataques simultâneos, os japoneses arremeteram contra uma área que ia do Havaí à Tailândia. Às 8 horas da manhã, hora de Honolulu, as forças-tarefas japonesas começaram a executar as partes que lhes incumbiam no plano havia muito tempo preparado em Tóquio. Segundo o General Tojo, Pearl Harbor era apenas um incidente num dia a partir do qual começaria a ser marcada a nova era. Mas passaram-se umas oito horas, depois do ataque, para que o decreto Imperial fosse publicado, declarando oficialmente que o Japão estava empenhado no maior jogo da história: Nós, pela graça do Céu, Imperador do Japão, ocupando o trono de uma linhagem eterna, conclamamo-vos, bravos e leais súditos.

Por meio deste, declaramos guerra aos Estados Unidos da América e ao Império Britânico.

Soldados e oficiais de nossas forças armadas farão o máximo na condução da guerra; ... toda a nação, como vontade unificada, mobilizará sua força total para que nada falhe na consecução dos nossos objetivos de guerra...

Ansiosos por realizarem sua desmedida ambição de dominar o Oriente, Estados Unidos e Grã-Bretanha...têm agravado os distúrbios no Leste Asiático. Ademais, essas duas potências, induzindo outros países a seguirem-lhes o exemplo, aumentaram seus preparativos militares em todos os lados do nosso Império para nos desafiar. Eles têm obstruído, por todos os meios o nosso comércio pacífico, e finalmente recorreram ao rompimento das relações econômicas, ameaçando gravemente a existência do nosso Império...

Sendo esta a situação, nosso Império, para garantir sua existência, não tem outro recurso senão apelar para as armas e esmagar os obstáculos no seu caminho...”

 

Essas palavras não representavam necessariamente os sentimentos de Hirohito, assim como o Discurso do Soberano, na abertura do Parlamento Britânico, não representa os do monarca britânico. Não obstante, nesse momentoso documento havia uma frase que fora inserida por vontade expressa do Imperador: “Foi verdadeiramente inevitável, embora longe de nossos desejos, que nosso Império terçasse armas com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha”.

 

Nos Estados Unidos, o Presidente Roosevelt, comparecendo perante o Congresso no dia seguinte, falou-lhe do “ataque não provocado e covarde” ocorrido num dia “que viverá na infâmia”. Foi um feito desonroso e, devido à “distância entre o Havaí e o Japão, é evidente que o ataque foi demoradamente planejado. Enquanto isso, deliberadamente, iludir os Estados Unidos com falsas expressões de esperança pela continuação da paz”.

 

“Ademais”, prosseguiu o Presidente sombriamente, “O ataque... causou pesados danos às forças armadas americanas... muitos perderam a vida...” O Presidente narrou em linhas gerais os ataques que se seguiram ao de Pearl Harbor: Malaia, Hong Kong, Guam, Filipinas, Wake, Midway. A Câmara disse: “Toda a nossa nação sempre se lembrará do furioso ataque desfechado contra nós”. Nesse momento houve uma explosão de vivas. “Não importa o tempo que demoraremos para responder a esse ato premeditado”, prosseguiu o Presidente, “o povo americano, em nome da justiça desta causa, lançará todo o seu poderio até a vitória total. Não só nos defenderemos ao máximo como asseguraremos de que essa forma de traição nunca mais nos porá em perigo... Conquistaremos o triunfo inevitável - com a ajuda de Deus. Peço ao Congresso que declare... um estado de guerra.”

 

Em Londres, Winston Churchill falou à Câmara dos Comuns de modo idêntico: “Empregaram-se todas as circunstâncias da traição japonesa, calculada e característica...” declarou ele. Em Berlim, Adolf Hitler falava ao “Reichstag” que um Roosevelt “mentalmente enfermo” provocara o Japão a declarar guerra. “O aliado asiático da Alemanha”, disse ele, “desfechou um golpe no falsificador americano que violara as regras da decência.” E em Roma, Benito Mussolini falou à vociferante multidão na Piazza Venezia que “o bem sucedido assalto” no Pacífico “demonstrara o espírito dos soldados do Sol Nascente” e que a Itália estava agora unida ao “heróico Japão”.

 

Em Tóquio, Tojo falou à nação japonesa pelo rádio pouco depois da publicação do decreto Imperial. Repetindo o tema geral deste, o primeiro ministro japonês afirmou que “o Japão fizera o máximo para impedir a guerra. O Japão nunca perdera uma guerra em 2.600 anos”, disse ele, “e eu lhes prometo a vitória final”. Havia algum tempo os japoneses estavam cientes de que uma crise com os Estados Unidos se aproximava rapidamente e, depois do primeiro choque, eles ficaram sincera e entusiasticamente a favor da guerra. Enquanto o rádio despejava boletins falando do irresistível progresso das armas japonesas no Sudeste Asiático, os jornais exultavam. “O futuro do Japão estava garantido”, diziam eles. O Japan Times afirmava que os Estados Unidos, reduzidos à posição de terceira potência naval, estavam agora “trêmulos”. Adotando o mesmo tema, um porta-voz do Estado-Maior Geral da Marinha previu, durante uma entrevista pelo rádio, que o “Tio Sam” seria obrigado a capitular nas escadarias da Casa Branca. A julgar pelo sucesso das operações por todo o Sudeste Asiático, essa possibilidade parecia ser válida. Aparentemente nada podia deter os guerreiros do Sol Nascente.

 

A 24 de dezembro, o primeiro dos navios do Almirante Nagumo chegava ao Japão, depois de sua triunfal operação de 29 dias. Os porta-aviões Soryu e Hiryu, acompanhados dos cruzadores Tone e Chikuma e dos destróieres Urikaze e Tanikaze, haviam-se separado da força principal para apoiar a invasão da Ilha de Wake. Entre 21 e 23 de dezembro, esses navios fizeram ataques quase que constantes a Wake, enquanto o resto da frota retornava à pátria por mares agitados. (Depois de 14 dias de ataques aéreos e navais, a guarnição de fuzileiros navais dos Estados Unidos, com 400 homens, foi vencida a 22 de dezembro.) O Akagi e o Kaga chegaram a Kure na véspera do Natal; no dia seguinte, chegaram o Shokaku e o Zuikaku e, três dias depois, o Hiryu e o Suryu retornaram das suas operações na Ilha de Wake. Todos os navios receberam tremenda ovação e os aviadores foram saudados com os termos mais exuberantes. Fuchida, em especial, era o herói do momento. Cumprimentado, banqueteado e tratado como celebridade, ele recebeu a mais alta honra a que um japonês podia aspirar, quando o Imperador expressou o desejo de ouvir um relato em primeira mão do ataque. O Almirante Nagano, chefe do Estado-Maior Geral da Marinha, que inicialmente se opusera ao plano de Yamamoto, agora dizia com entusiasmo que a operação fora “esplêndida”. Preparou uma audiência real, para a apresentação de Nagumo, Fuchida e Shimazaki (que liderara a segunda leva do ataque). A audiência, que devia durar 15 minutos, demorou 45. “Havia algum navio-hospital em Pearl Harbor?” perguntou Hirohito a Fuchida. “E o senhor, por acaso, atingiu esse navio?” “Não”, respondeu ele, nervoso, falando diretamente para o Imperador e, com isso, criando uma brecha no protocolo. “Derrubou-se algum avião civil ou de treinamento desarmado?”, indagou o Imperador ansiosamente. “Não”, tornou a responder Fuchida, hesitante. Quando a audiência terminou, Fuchida disse que o ataque a Pearl Harbor fora menos trabalhoso do que narrá-lo ao Imperador.

 

Durante toda a quinzena de festejos e celebrações que se seguiu ao retorno da frota, era perceptível o silêncio do Almirante Yamamoto. Embora fosse sua a vitória que se festejava histericamente por todo o Japão, Yamamoto permaneceu indiferente à exuberante disposição festiva que o cercava. Seus olhos estavam cautelosamente fixados no futuro e ele escreveu à sua irmã: “Bem, finalmente a guerra começou. Mas, a despeito de toda a algazarra que anda por aí, poderemos perdê-la...”Apesar de uma carta de congratulações do Imperador (algo que o deixou espantado), ele continuava inquieto. Antes de Pearl Harbor, apenas um punhado de oficiais da marinha americana havia escutado falar de Isoruku Yamamoto. Mas, depois de 7 de dezembro de 1941, seu nome estava na boca de todos. Para os americanos, ele transformou-se na personificação do mau japonês, no agressor traiçoeiro, no homem que não só concebera o ataque a Pearl Harbor, mas também o planejara, e, em sua arrogância, acreditava poder ditar a paz na Casa Branca. E essa imagem perdurou até sua morte, em Bougainville.

 

Em seu momento de glória, Nagumo rebateu firmemente as críticas de Yamamoto, de que não lograra infligir qualquer dano aos porta-aviões americanos e de que não destruíra os reservatórios de combustível em Oahu. Obedecera suas ordens à letra, afirmou Nagumo; destruíra os couraçados e outras instalações militares em Pearl Harbor. Quanto aos porta-aviões americanos, nada sofreram por estarem em alto mar quando do ataque. Mas a guerra era assim. Se os porta-aviões de Nagumo se tivessem dirigido rumo ao sul das Ilhas Marshall, em lugar de retornar pelo norte, teriam localizado o Enterprise e o Lexington. Nagumo procedeu assim, ao retornar, porque sua frota estava com pouco combustível e o local de encontro com os petroleiros fora previamente marcado na rota do norte. Não há dúvida de que essa decisão foi uma sorte para os Estados Unidos, pois nenhum dos dois porta-aviões teria sido páreo para a força-tarefa japonesa. Mesmo que tivesse encontrado o Enterprise e o Lexington ao mesmo tempo, Nagumo poderia ter lançado 350 aviões contra seus 131. E, com uma superioridade de quase 3 para 1, não há dúvida de que os porta-aviões americanos teriam sido afundados.

 

Com minúsculas perdas, o Japão infligiu um dano tremendo à frota do Pacífico. Como resultado, a Marinha Imparial pôde percorrer livremente o Oceano Pacífico como um cardume de tubarões assassinos. Todavia, houve um elemento irônico na vitória. O plano de guerra dos Estados Unidos, preparado com vistas a um conflito com o Japão, exigia o abandono das Filipinas e outros postos avançados americanos no começo das hostilidades, bem como uma batalha decisiva com a frota japonesa, nas vizinhanças das Ilhas Marshall ou das Carolinas Ocidentais, dentro de seis a nove meses. Se Yamamoto tivesse sabido disso, teria compreendido que o ataque a Pearl Harbor não era necessário. O local em que os americanos planejavam travar a batalha estava de acordo com a estratégia nacional e para a qual a Frota Combinada japonesa vinha treinando havia trinta anos. A decisão de atacar Peral Harbor só foi tomada porque se acreditava que a Frota do Pacífico se dirigiria imediatamente para o Pacífico Ocidental, para ameaçar as operações japonesas no sul.

 

Se o ataque foi um erro, a longo prazo, ou não, Nagumo falhou em não tirar pleno partido do que, certamente, foi uma operação de rara precedência na história. Seu criador tinha plena consciência dos perigos e numa carta a um amigo, escrita pouco depois do Ataque, disse: “Esta guerra nos trará muitos incômodos no futuro. O fato de havermos conseguido pequeno êxito não quer dizer nada. E porque o obtivemos com tanta facilidade, agradou a todos. Pessoalmente, não creio que seja bom preparar propaganda para encorajar a nação. As pessoas devem ponderar sobre as coisas e compreender o quanto a situação é séria...

 

Em meados de seis meses, quatro dos preciosos porta-aviões de Yamamoto, o Akagi, o Kaga, o Soryu e o Hiryu, estavam no fundo do mar, baixas da Batalha de Midway. A maré da guerra no Pacífico virara, e em 1944, no golfo de Leyte, a Marinha Imperial foi reduzida a uma simples “frota de aquário”. Fiel às suas tradições, ela lutou magnificamente, mas no final da batalha, deixara de existir. Nos últimos momentos da guerra, o imponente couraçado de Yamamoto, o Nagato, onde ele esboçou a “Operação Z”, era um casco bombardeado. Genda sobreviveu, vindo a ser o Chefe do Estado-Maior de uma nova força aérea japonesa e membro do parlamento japonês. Fuchida, seriamente ferido em Midway, quando o Akagi foi afundado, também sobreviveu à guerra e se fez pastor protestante. Mas a maioria dos que participaram do ataque a Pearl Harbor foi destruída no holocausto que ele desencadeou. Nagumo, cuja decisão de recuar será durante muito tempo assunto de discussão acadêmica, cometeu suicídio em Saipan. Numa cabana que um dos seus oficiais incendiou, ele se matou com um tiro e seu corpo não foi encontrado. Yamamoto morreu honrosamente em combate enquanto tentava restaurar a confiança das tropas japonesas e a crença na vitória final. No começo de abril de 1943, ele partiu, num bombardeiro japonês camuflado, da base aérea de Rabaul, acompanhado do seu estado-maior, que ia em outro bombardeiro, numa viagem para levantar o moral nas bases avançadas do Pacífico Sul. Depois da derrota avassaladora em Midway e da dispendiosa evacuação de Guadalcanal, a sensação de invencibilidade resultante fora seriamente solapada e o encorajamento de Yamamoto era de extrema necessidade.

 

Mas sua missão não passara despercebida, e durante a tarde de 17 de abril um aviso urgente fora enviado de Washington a Guadalcanal. “Washington Altamente Secreto. Secretário da Marinha para Controle de Caça Henderson. Almirante Yamamoto, acompanhado de chefe de estado-maior e vários oficiais generais da Marinha Imperial, incluindo cirurgião da Grande Frota, partiram de Truk esta manhã... Almirante e comitiva viajando em dois “Betty” [bombardeiros japoneses] escoltados por seis “Zekes” [caças]... Itinerário: Chegada a Rabaul 16:30h, onde passarão a noite. Partida ao alvorecer para Kahili, onde chegarão às 09:45h... Esquadrão 339 de “P.38” deve a todo custo chegar lá e destruir Yamamoto e estado-maior na manhã de abril, 18... Presidente dá extrema importância a esta operação... [Assinado] Frank Knox, Secretário da Marinha.”

 

Naquela noite, tripulações americanas de aviões trabalharam febrilmente nos preparativos da missão. Uma tempestade tropical caía sobre Guadalcanal, mas o amanhecer do dia 18 de abril foi de céu azul e limpo, e pouco depois das 07:00h 16 “Lockheed Lightnings” decolaram da pista improvisada, rodearam a ilha e rumaram para Bougainville.

 

Metidos entre seis caças japoneses, os dois bombardeiros de Yamamoto também se dirigiam para Bougainville, pelas 09:30h, haviam atravessado a costa ocidental, estando a apenas 15 minutos do seu destino. Só quando os pilotos dos bombardeiros viram quatro “Lightnings” se aproximando é que perceberam o perigo. Mas então os bombardeiros mergulharam para a floresta e os “Zekes” japoneses se prepararam para interceptar os americanos. Era tarde demais. Quando o avião de Yamamoto se nivelou a 120 metros acima da copa das árvores já os quatro “Lightnings” tinham o emblema do Sol Nascente na sua alça de mira. O piloto fez manobras de desvio em vão; duas rajadas breves do canhão e tudo acabou. Deixando escapar fumaça negra, o bombardeiro espatifou-se contra as árvores, envolvendo-se rapidamente em chamas. Yamamoto, o grande estrategista, estava morto e mais de 2.000 americanos mortos em Pearl Harbor haviam sido vingados. E talvez ele não desejasse sobreviver a um Japão humilhado pela derrota.

 

Pearl Harbor continua sendo uma lição de guerra, mesmo agora, quando vivemos a era nuclear. A aterradora lição de Pearl Harbor continuará pelos anos a lembrar-nos que o inesperado pode acontecer, e muitas vezes acontece.

 

 

                                                                  Irving Wallace

 

 

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