Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A FORÇA DA INOCÊNCIA / Cathy Williams
A FORÇA DA INOCÊNCIA / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A FORÇA DA INOCÊNCIA

 

— Não tinha percebido que era uma luta.

— Não com você — admitiu Sophie, disposta a dizer a verdade. — Estava falando em lutar comigo mesma. É o que venho fazendo desde que... fizemos amor. Você não é um príncipe encantado. Mas eu... percebi... você sabe o que quero dizer...

— Talvez você pudesse me explicar.

Sophie suspirou. Dizer o que tinha a dizer, cara a cara com ele, era quase uma missão impossível, mas ela disse:

— Eu quero você. É loucura, mas é isso... 

 

Oito e meia da noite de domingo. Rafe ouviu o tele­fone tocar no escritório de sua casa. As negociações globais não respeitavam o horário inglês de trabalho e ele nunca descansava aos domingos: colocava em dia as pendências, ligava para a Austrália; em resu­mo, assegurava-se de que tudo corria bem.

Além disso, sabia quem estaria do outro lado da li­nha.

Com um suspiro que misturava prazer e frustra­ção, pegou o aparelho.

— Você está trabalhando, não está, Rafael? Quan­tas vezes já lhe disse para não trabalhar aos domin­gos?

— Oi, mamãe. - Sorrindo, girou a cadeira para olhar pela janela. No auge do inverno, não havia mui­to que pudesse ser visto, só as vagas formas do seu jardim dos fundos, grande para as casas londrinas, pequeno em comparação aos acres de terra em que crescera. — Como vai?

— Eu estou bem, mas você, ao contrário, está ba­talhando por uma pressão alta e uma morte prema­tura.

— Agradeço a informação. — Passou os dedos pelo cabelo curto e escuro. — Ninguém pode dizer que a vida de um homem de negócios não é cheia de perigo.

Ele ouviu distraidamente enquanto Claudia Loro

continuava a reprovar seu estilo de vida, perguntando-lhe pela saúde e pontuando suas respostas com exclamações e suspiros. Esta era uma rotina familiar que ele aceitava com tolerância. Nunca permitira que nenhuma mulher desse palpites em sua vida — e al­gumas cometeram o erro de tentar —, mas a mãe era diferente. Ouviu, mesmo ignorando a maioria dos conselhos.

Agora ela havia passado para o assunto seguinte. Falava da semana, das suas atividades e dos aconteci­mentos da pequena cidade onde vivia e que fora seu lar até que se mudasse para Londres há 14 anos. Ra­fael já desviara seu pensamento para Paul Glebe, do outro lado do mundo, cujo telefonema tinha gerado problemas que exigiam rápida solução se quisesse dar andamento a sua mais recente aquisição.

— Bem, não liguei para informá-lo sobre minha vida social...

— Por mais excitante que seja.

— Certamente bem mais divertida que a sua, que­rido.

— Minha vida, querida mamãe, é profundamente excitante. — Esticou as longas pernas e pensou no seu atual objeto de desejo. Um metro e setenta e cin­co, pernas compridas e cabelos até a cintura. Intelec­tualmente pouco excitante, mas fisicamente maravi­lhosa. Exatamente o tipo de que gostava. Para que um homem precisava de uma mulher com QI alto, já que tudo que queria nos momentos de lazer era dar ao cé­rebro ativo um bem merecido descanso? Em resumo, era exatamente o tipo de garota que sua mãe desapro­varia. Pensou então se valia a pena provocá-la con­tando esse detalhe divertido de sua vida particular, mas decidiu não fazê-lo.

— Tenho uma pequena surpresa guardada na man­ga para você...

A agradável imagem de Angela Street e suas lon­gas pernas evaporou-se; ele estremeceu diante da sú­bita mudança na voz da mãe. As surpresas usualmen­te implicavam um convite para alguma reunião com tantos amigos locais quantos pudesse reunir.

— Não posso ir — disse, secamente. Claudia igno­rou-o.

— Lembra-se de Grace Frey? Minha amiga que­rida?

— Difícil não lembrar. — A agradável imagem da beldade de cabelos longos foi substituída por uma mulher de quase cinqüenta anos, pequena e enérgica.

— Então, com certeza, lembra-se da filha dela, Sophie.

Rafe só faltou rosnar. Sophie era tão baixinha e tão absolutamente anti-feminina quanto a mãe. Cabelos revoltos, sardenta, roupas que pareciam saídas do lixo combinadas com o único objetivo de fazer com que a pessoa que as vestisse ficasse o menos atraente possível. A última vez que a vira tinha sido num churrasco. Sandálias baixas, saia larga e comprida combinando com um casaco que parecia pertencer ao avô.

— Aonde você está querendo chegar, mamãe?

— Direto ao seu escritório, para ser explícita. Rafe ainda tentava decifrar a charada quando

Claudia continuou:

— Ela acaba de mudar de emprego. Deixou aquele escritório horrível em que trabalhava e conseguiu uma vaga numa editora. Bem, para encurtar a histó­ria, uma das publicações inclui uma revista de negó­cios, que não está muito bem das pernas. Estão ten­tando reformulá-la, o que basicamente significa adi­cionar às chatas notícias financeiras histórias mais humanas.

— Já não estou entendendo nada. — Voltou-se para a mesa e trouxe o computador de volta à vida com um clique no mouse. O relatório que lia, antes de o telefone tocar, mais uma vez piscava à sua frente.

— Não, querido? Como é possível, com um cére­bro bem-dotado como o seu? Nesse caso, deixe-me explicar: Sophie tem que escrever uma reportagem sobre alguém importante no mundo dos negócios.

— Se ela ligar para a minha secretária, posso en­caixá-la para uma entrevista. — Uma entrevista de uma hora é bem melhor do que uma tarde com a turma.

— Não é exatamente uma entrevista, Rafael, mas... — A voz foi baixando até cair num profundo silêncio, e Rafe começou a examinar o relatório.

— Mas o quê?

— Algo assim mais detalhado.

— O que pode ser mais detalhado do que uma en­trevista? Ela senta em meu escritório por meia hora,

faz perguntas, anota as respostas em seu bloquinho, vai embora e escreve o artigo ou o que quer que seja. É claro que examinarei tudo o que escrever. Os fatos têm a sinistra capacidade de serem distorcidos nas mãos dos jornalistas.

— Quando eu digo mais detalhado, querido, refi­ro-me a mais detalhado mesmo. A missão é ser sua sombra por uns quinze dias: observar tudo o que faz, como faz e depois escrever um artigo sobre o homem por trás do império...

— Fora de questão.

— Naturalmente, seria um sucesso ter você na pri­meira edição. Você é rico, poderoso e leva uma vida aparentemente interessante.

— Eu disse não, mamãe, e pode transmitir o reca­do a ela.

— Ela começa amanhã. Prometi à Grace que aju­daria Sophie, e você não vai me deixar mal, Rafael.

Rafe, assim como vários homens, não tinha argu­mentos diante das imposições da mãe.

Respeito e amor pela mãe predominaram sobre a raiva, mas, na manhã seguinte, ele chegou mais cedo no escritório e não estava num de seus melhores dias. Na verdade, estava de péssimo humor. Não era co­mum Rafael Loro sentir-se impotente e não tinha a menor intenção de se resignar diante do inevitável. Não queria a garota colada nele como um cachorro ir­ritante e pretendia dizer-lhe isso claramente. Se não gostasse de sua atitude, podia procurar outra vítima.

Também não gostava da idéia de alguém acompanhando-o às reuniões. Será que ela pretendia que ele lhe desse a mão, assegurando-se de que ela estava bem? Sinceramente esperava que não porque, se fos­se o caso, seu despertar para a realidade seria brutal. Infeliz mas inevitável.

Ainda estava agitado quando o prédio começou a dar sinais de vida com as pessoas chegando ao traba­lho no horário normal.

Sophie, que havia passado bastante tempo deci­dindo o que vestir, estava ciente do humor dele antes mesmo de entrar na sala.

Parecia-lhe que todos no andar estavam conecta­dos aos humores do chefão. A secretária, Patrícia, avisou-a que ela ia enfrentar dificuldades.

— Pobre de você! Em dias normais ele pode ser bastante assustador, mas de mau humor é sem dúvida aterrorizante. Especialmente quando não se está acostumada.

Mas Patrícia Clark parecia estar acostumada. Era baixinha, em torno dos cinqüenta, bem vestida, tinha uma expressão calorosa que escondia um brilho de aço. Sophie imaginou que precisaria disso para traba­lhar com alguém como Rafael e estremeceu.

Essa era uma situação que não buscara: tinha sido levada a ela pelas respectivas mães e suas boas in­tenções. Sem dúvida, tinha marcado pontos na em­presa, mas pensar em ter que ficar na presença de um homem por mais de duas semanas causava-lhe mal-estar.

Olhou ansiosamente para si mesma, sem saber se vestira-se adequadamente. Não quis gastar num ter-

ninho um dinheiro que suara para ganhar. Sua saia comprida era escura, assim como a blusa de mangas compridas e o casaco. Prendera o indomável cabelo vermelho o melhor que pôde, usando uns mil gram­pos no processo e sua maleta era pequena e tinha uma aparência muito profissional.

— Escritórios fantásticos — disse educadamente, tentando não ficar boquiaberta enquanto era conduzi­da pelo corredor pomposamente atapetado, nos quais, dos dois lados, encontravam-se pessoas com ar atarefado. A área aberta tinha sido cuidadosamente planejada com divisórias; a mobília era de madeira e cromo e parecia absurdamente cara.

Em seu nervosismo, visualizava Rafael Loro ca­minhando por seu domínio, dando ordens e sorrindo gratificado enquanto todos agitavam-se à sua volta, em pânico. Aos oito anos, toda vez que ia com a mãe visitar a enorme casa de campo da família, ficava seguindo-o. Aos 14, ela adorava a distância o jovem de­cidido que era seguido por um cortejo de admirado­res, aos quais ele parecia tratar de forma divertida mas com uma certa dose de distanciamento. Sempre tivera esse tipo de personalidade. O tipo que atrai se­guidores. Voltando do colégio interno nas férias, sempre era recebido com realeza pelos membros de seu grupinho de ricos e privilegiados, a maioria tam­bém formada em colégios internos, antes de voar para universidades ou cursos em exóticas capitais eu­ropéias. Cinco anos mais moça do que ele, ela o te­mia e o admirava, ficava sempre perto dele já que suas mães eram muito amigas.

Somente quando ele lhe disse educadamente, na frente de seus amigos, que ela estava fazendo um pa­pel ridículo, se deu conta de que ele não gostava mes­mo dela. Fizera os estudos numa escola comum, sua casa era sombria, sua aparência indescritível e sua paixão cega era ridicularizada.

Desde então evitou-o. Quando o encontrava — normalmente nas festas de Natal na casa dele, às quais era obrigada a comparecer —, fazia questão de manter-se afastada, o que não era difícil já que as fes­tas de Claudia costumavam reunir muita gente.

Não podia imaginar o que a mãe planejava, mas Grace sempre o vira como um jovem educado e bem-sucedido, que não se acomodara e não vivia sob os louros do berço de ouro em que nascera.

Olhou as pessoas ocupadas, enquanto seguia Patrí­cia rumo aos escritórios da diretoria. O prédio era baixo e atarracado, construído de forma interessante em torno de um pátio central. O lugar era grande, e as salas dos diretores ficavam localizadas no mesmo an­dar, mas em outra ala.

— Trouxe você pelo caminho mais longo porque achei que seria interessante ver toda a empresa. Aca­bamos de passar pelo departamento financeiro.

Sophie balançou a cabeça, impressionada com o luxo e temendo chegar a seu destino.

O coração batia acelerado quando chegou diante da porta fechada, com uma simples placa dourada na qual constava o nome de Rafael.

— Pelo menos você é amiga da família e talvez melhore seu péssimo humor — disse Patrícia, simpá­tica.

Sophie considerou a observação totalmente equi­vocada. Tinha a sensação de conhecer a causa do pés­simo humor e não ficou surpresa ao ser recebida em uma atmosfera capaz de congelar o fogo.

— Obrigado, Patrícia — disse, analisando Sophie com o peso de seu olhar devastador.

Ele tinha olhos incríveis. A vivida memória da adolescente fantasiando sobre esses olhos fez com que o rosto adquirisse uma tonalidade desconfortá­vel. Olhos verdes, dramáticos, contrastando com a tez morena e cabelos pretos. Os olhos do pai, porque todo o resto vinha dos ancestrais italianos da mãe. O cabelo escuro, o tom de pele oliva, as feições fortes, agressivas, totalmente estrangeiras.

Controlou-se, sem se mover quando a porta foi fe­chada vagarosamente atrás dela. Patrícia pendurara seu casaco na sala ao lado. Sem ele, sentiu-se inade­quada e vulnerável sob o olhar intenso.

— Sente-se, Sophie — disse, finalmente, acenan­do para a cadeira.

Assim que se sentou, ele curvou-se e disse em voz baixa e cortante:

— Vou ser direto. Não quero você aqui, e a única ra­zão pela qual está sentada nessa cadeira é porque mi­nha mãe forçou-me. Sou um homem extremamente ocupado e não tenho tempo para cuidar de alguém an­dando atrás de mim como uma sombra por quinze dias.

Sophie recusou-se a encolher-se sob esse olhar frio, embora a essa altura não pudesse pensar em nada mais agradável do que ser tragada pela terra.

— Compreendo o quanto isso é inconveniente para você, mas tudo foi combinado também sem o meu consentimento.

Ele sorriu como se não acreditasse no que ela di­zia.

— Minha rotina é intensa. — Atirou-lhe um peda­ço de papel e ela passou os olhos nos horários, Era uma agenda que parecia não deixar espaço para res­pirar. — Você pode me acompanhar nas reuniões, embora eu não possa compreender o porquê disso. Trabalho duro, mas essa informação poderia ter lhe dado numa reunião de cinco minutos. — Rafe conti­nuou olhando-a com um rosto bonito e carrancudo, numa expressão indecifrável.

A mesma velha Sophia. Desajeitada, caladona e vestida no mesmo estilo horrível da mãe. Não ia ficar pajeando-a por causa de ligação entre mães.

— Eu já sabia que você era um workaholic...

— Trabalho muito. O que é bem diferente de ser um workaholic.

— Vou anotar isso. — Seus olhos azuis encararam os dele, e ele ficou impressionado em perceber como o olhar dela era tão decidido quanto o seu. Deve estar desesperada pelo emprego, pensou. Qualquer pessoa com um mínimo de orgulho já teria descartado a aventura.

— Bem, como vai você? — perguntou ele, mudan­do o assunto. Mas ficou irritado ao ver que a expres­são fria dela não se alterou diante de sua tentativa de cordialidade.

— Está realmente interessado em meu bem-estar ou está tentando ser gentil agora que já disse como se sente sobre a minha presença aqui?

— Depois eu lhe dou a resposta, certo? Reuniões me esperam. A primeira é com os diretores de uma companhia que planejo comprar. Movo-me rápido e não pretendo diminuir o ritmo para que você me acompanhe. Se insiste nessa ridícula missão, vai ter de me acompanhar. Não vou voltar para ver onde está.

— Não esperava que o fizesse. — Bem, o começo fora previsível. Ele a achou irritante e ela não gostou dele. Somando dois e dois, chegava-se à conclusão de que não ia ser fácil, mas ela decidiu simplificar o trabalho, sendo imparcial e escrevendo um artigo ho­nesto.

Com isso em mente, manteve o mesmo passo dele, sem fazer perguntas deixou suas impressões de lado.

Ele falou, andou e reagiu como um homem acostu­mado a dar ordens e ser obedecido. Não ficou surpre­sa: sempre agira assim, mesmo quando adolescente. Observou a reação das pessoas enquanto ele passava pelos escritórios, a forma como involuntariamente alteravam a linguagem corporal em sua presença. Sua personalidade parecia produzir um campo mag­nético, inspirando respeito e possivelmente medo.

— Seus dias são normalmente tão agitados? — perguntou, enquanto desciam no elevador.

— Onde está o seu bloquinho? Não devia anotar todas as minhas respostas? — A voz fria e aveludada causava-lhe arrepios na espinha.

— Não é assim que pretendo trabalhar. No final de cada dia preparo um relatório. Quando terminar, reúno as anotações e as submeto ao editor.

— Depois de mostrá-las para mim.

— Naturalmente nada será publicado sem a sua aprovação. — Francamente, não tinha pensado nisso, e agora que fora mencionado, ficou na dúvida se po­deria fazer uma descrição honesta. Ninguém gostava de ser retratado, com verrugas e tudo o mais, para que o mundo o examinasse. Quando estavam dentro do Jaguar com motorista, teve a chance de continuar a conversa. Ele abriu a pasta e tirou documentos que obviamente pretendia examinar, independentemente das suas perguntas.

— Pretendo redigir um artigo detalhado e franco. Isso o assusta?

Por um momento, Rafe ficou na dúvida se tinha ouvido bem. Fechou a pasta e virou-se lentamente para olhá-la.

— Se isso me assusta? Pareço um homem que se apavora facilmente?

Sophie levantou o queixo, apertando as alças da pasta.

— Todos têm seus medos.

— Segundo quem? Sophie Frey, a psicóloga?

— Não há necessidade de ser sarcástico.

— Há sim, quando você começa a tentar me anali­sar. Você pode me seguir e escrever factualmente so­bre o que vê. Mergulhar no campo da especulação não vai funcionar.

Sophie nada disse, e ele olhou-a com desdém.

— Nem pretendo deixar que seus sentimentos pessoais em relação a mim afetem o que quer que escreva.

— Meus sentimentos pessoais em relação a você? Eu não tenho nenhum sentimento pessoal em relação a você! Por acaso conheço você, ou melhor, por aca­so sei quem você é porque nossas mães são amigas há séculos, e é só!

— O que explica o comentário que fez quando en­trou em meu escritório.

— Que comentário? — Havia cautela na voz dela quando vasculhou o banco de memórias, tentando lembrar-se a que ele se referia.

— Que esse negócio foi feito sem o seu consenti­mento. O que implica dizer que não queria estar aqui assim como eu não quero. Irrita-me ter você ou quem quer que seja andando sempre dois passos atrás de mim. Qual a sua desculpa?

Sophie sentiu-se ruborizada. Precisou esforçar-se para lembrar que era uma adulta, uma mulher de 27 anos, que terminara uma faculdade, tivera namorados e trabalhara com outras pessoas por aproximadamen­te três anos. Esses olhos fixos nela e esse rosto sexy, carismático, não iriam reduzi-la à adolescente nervo­sa do passado.

— Minha desculpa é que não acredito em mexer os pauzinhos. Na verdade marquei pontos com a revista por conseguir entrevistá-lo, mas preferiria ter conseguido isso sozinha.

— Então, pensou ele, o ratinho desajeitado tinha dentes.

— Se isso é verdade, tiro o chapéu. Mas o que quer que escreva tem de ser imparcial.

— E você tem de ler o que eu escrever com impar­cialidade!

— Sou um homem muito justo. Pergunte a qual­quer um de meus funcionários.

— Entendo que está me autorizando a entrevistá-los?

— Por que não?

— Porque talvez você não goste de tudo o que eles têm a dizer.

— Nesse caso mandarei esquartejar alguns mise­ráveis e servi-los aos tigres que mantenho no jardim com esse propósito... — Rafael sorriu afetuosamen­te, e Sophie ficou sem ar.

— Acho que é a única forma de lidar com traidores — disse, superficialmente, embora o coração batesse como um trovão. — Em algum momento você já sen­tiu vontade de largar tudo? Quero dizer, você parece estar em atividade permanentemente. — Assim, de uma forma mais tranqüila a conversa voltava ao tri­vial.

— Gosto do que faço. Por que ia querer um tempo livre?

— Porque é exaustivo?

— Não me canso com facilidade.

— Posso perguntar como começou? Sei que her­dou a empresa, quando seu pai morreu, mas você ex­pandiu...

Em terreno firme, podia relaxar e ouvi-lo fazer um curto relato de sua ascensão.

Quando o carro parou diante de um prédio peque­no, mas de aparência imponente, tinha conseguido mapear a história. A história de um menino nascido numa família privilegiada, com uma mente brilhante e uma enorme ambição. Um bom pedaço da história ela já conhecia, tendo crescido na mesma cidade, mas não deixava de ser interessante ouvir a versão dele. Admitia pertencer à classe alta e isso lhe parecia ab­solutamente normal. Nunca tivera um estilo de vida suntuoso, embora não menosprezasse as portas que sua rica família tinha aberto. Tomou as rédeas da em­presa do pai e a partir daí começou o processo de ex­pansão.

— E o que vai fazer aqui? — perguntou Sophie, saltando do carro atrás dele, esforçando-se por acom­panhar suas longas passadas.

— Discutir a possibilidade de comprar uma pe­quena empresa de tecnologia que manteria sob a mi­nha administração por mais tempo do que o usual já que acho uma empresa de bom potencial.

— Ou seja...

— Ou seja, você agora está entrando numa zona si­lenciosa. Pode ser vista, mas não ouvida. Entendeu?

A quebra de gelo fora breve. Uma lição salutar: ele ditava as regras. O sorriso ocasional não era um con­vite à familiaridade. Nunca tinha sido. Quando ela era criança, ele a via como uma peste. Adulta, estava ainda mais distante da turma dele e ainda era vista da mesma maneira.

— Claro -— disse ela em tom neutro.


Ela planejara tomar notas, mas no final ficara apri­sionada pela força da personalidade dele. Alguns pontos foram levantados e debatidos, valores exami­nados, e vários dos diretores contorciam-se em seus assentos. Dois advogados de Rafe acompanhavam as discussões, interrompendo quando necessário, mas deixando o negócio ser conduzido por ele.

Seria essa uma atitude típica de qualquer homem em posição de poder ou esse era o seu estilo pessoal?

O almoço acabou sendo alguma coisa rapidamente engolida a caminho de outra reunião, e no final do dia ela se sentia como se tivesse sido atropelada.

Como alguém continuava a funcionar dia após dia num nível tão alto de adrenalina?

Essa foi a perguntou que lhe fez quando, um pou­co depois das 18h, preparava-se para sair. Pelo me­nos, a última hora tinha sido sossegada. Tivera a oportunidade de conversar com Patrícia e, escapan­do para uma das salas que tinha sido autorizada a usar temporariamente, começou a redigir parte do relatório.

Rafe levantou a cabeça e franziu as sobrancelhas. — Pensei que você já tivesse ido embora. O que ain­da faz aqui?

— Estou de saída. Só fiquei curiosa em saber se sua energia se esgota.

— Você já me fez essa pergunta. Devia tomar no­tas para não correr o risco de ficar se repetindo.

Sophie sentiu-se como uma criança cujo tempo expirou. Sabia que sua imagem combinava com o sentimento. Os cabelos tinham conseguido se libertar dos infernais grampos. A maquilagem, por mais rudi­mentar que fosse, desaparecera. Percebera que suas roupas eram inapropriadas. Na verdade, em duas das reuniões, vários jovens tinham-na olhado curiosos, como se estivessem confusos por sua esquisitice. Rafe não tinha dito nada, mas sabia que ele pensava o mesmo. E agora era hora de ir embora.

— Desculpe, não percebi o quão cheia é sua agen­da. A realidade parece bem mais corrida do que algu­mas notas numa folha de papel.

— Como eu disse, não vou diminuir meu ritmo para encaixar você.

— E como eu disse, não espero isso. — Ela entrou resoluta, pensando em como dar prosseguimento às perguntas.

Olhando-a, Rafe recostou-se e colocou as mãos atrás da cabeça. Ela tinha sido menos irritante do que ele esperava, mas fora a breve conversa no carro, ela falara muito pouco. Supôs que o tivesse observado, mas a maior parte do tempo ele tinha simplesmente esquecido de sua presença.

Entretanto, agora ela começava a irritá-lo porque ele percebia a sua ânsia em descobrir algo mais pes­soal, mais do que simplesmente o jeito como uma pessoa conduzia um império. Esse tipo de informa­ção era fácil de conseguir: usualmente trabalho duro e determinação de ferro diante de possíveis derrotas.

Mas se ela estava decidida a entrar num nível pes­soal, informações desse tipo não seriam suficientes. Deixou que ela se contorcesse por mais alguns mo­mentos.

— Se você já terminou por hoje, então realmente gostaria de voltar ao trabalho — disse Rafe educada­mente, mascarando seu aborrecimento por trás de um verniz de gentileza. — A não ser, é claro, que você queira observar em silêncio, enquanto examino esses relatórios.

— Não. — Sophie lançou-lhe um sorriso desajei­tado. — Posso voltar amanhã no mesmo horário?

— Se quiser, mas não vou estar aqui. Tenho um café-da-manhã no aeroporto com alguns banqueiros internacionais. A agenda é mais ou menos a mesma, receio. Talvez possa utilizar seu tempo de forma mais proveitosa dando uma olhada na empresa. Vou dizer a Patrícia para acompanhá-la.

— Está certo. Parece uma boa idéia.

— Ótimo. — Com isso, inclinou-se devotando a atenção aos papéis à sua frente. Estava ciente de sua presença, ainda pairando como um espectro na porta. — Pode ir, Sophie — disse, dando-lhe uma olhada rá­pida. — Tenho muito o que fazer antes de sair à noite.

— Mais clientes?

Rafe olhou para o relógio. — São... quase 18h30. Diria que seu dia de sombra chegou ao fim, não acha?

— Estava apenas tentando formar um quadro em minha cabeça de alguém cuja vida profissional nunca cessa. Sei que você provavelmente acha que estou sendo intrometida, mas para que eu tenha um retrato completo...

— Um retrato que se oponha a este que você tem no momento? De um workaholic viciado em ganhar dinheiro? — Rafe recostou-se e deu-lhe um olhar demorado. — Bem, lamento frustrar suas noções pre­concebidas, mas não tenho clientes hoje à noite. Você gostaria de vir comigo jantar com uma mulher? Ver como o magnata obcecado por poder aproveita seu tempo de lazer?

Sorria satisfeito diante do desconforto dela, quan­do a porta se fechou.

Pobre Sophie. Poderia ser um pouco diferente se não a conhecesse há tanto tempo, se ainda não a visse como a criança desajeitada e inexpressiva. Possuía um pouco mais de vivacidade agora, mas era difícil deixar de lado as impressões preconcebidas. Com um dar de ombros, concentrou-se na papelada e em cinco minutos tinha esquecido completamente de Sophie Frey.

 

O inverno, como sempre, estava durando mais do que o esperado. Ninguém que mora em Londres es­pera neve, embora isso pudesse ser agradável, mas ninguém também espera um dilúvio constante.

Rafe, mais ou menos isento ao desconforto do mau tempo, graças à conveniência de ter um motorista particular, contemplava os menos afortunados do lado de fora quando viu uma figura familiar na calça­da, a cabeça baixa, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco.

Chegou a pensar em fingir não tê-la visto, mas com um suspiro impaciente instruiu o motorista a parar.

Sophie, tentando proteger-se e desejando ter tido o bom senso de trazer o guarda-chuva, quase bateu na porta aberta do carro.

— Entre Sophie. — Rafe expressou outro sinal de aborrecimento quando ela se inclinou. — Que diabos está fazendo na rua sem guarda-chuva?

— Indo para casa — respondeu Sophie. — Como todo mundo.

— Pode entrar. — Afastou-se, consciente de que ela pingava.

— Desculpe. Estou ensopada. Tem certeza de que não tem problema? Isso é, não quero estragar o estofamento de seu carro.

— Feche a porta. Você está deixando a chuva en­trar.

Sophie bateu a porta com um sentimento de alívio. Qualquer coisa para escapar daquela chuva gelada. Tirou o casaco e colocou-o no chão, tentando ignorar os olhos verdes e frios dele.

— Obrigada. — Virou-se, tentando dar um sorriso agradável. — Não achei que você fosse ao escritório. Patrícia disse que provavelmente você fosse da últi­ma reunião direto para casa.

— Precisava concluir uns negócios. — A chuva ti­nha umedecido os cachos e transformado a cor vermelho-cobre dos cabelos dela em um esquisito tom de marrom. O rosto, desprovido de maquilagem, es­tava pálido e desanimado. Será que ela se olhava no espelho? — Onde você está hospedada?

Sophie deu-lhe o endereço, num subúrbio de Lon­dres, e Rafe estremeceu.

— Não tenho tempo para deixá-la. Salto primeiro e depois George pode levá-la para casa.

Sophie abriu a boca para discutir o assunto e de­pois sacudiu a cabeça. Tinha que perder o hábito de se sentir desajeitada na presença de Rafe, ao menos se queria desempenhar seu trabalho com algum ní­vel de competência. Ele ainda a via como uma criança, mas ela não podia permitir ser tratada da­quela maneira.

— Ótimo — disse friamente. — Você teve um dia produtivo?

— A previsão é favorável — disse Rafael, encostando-se na porta para poder olhá-la mais detidamente. — E você? Conseguiu visitar os diversos departa­mentos do escritório e ouvir fofocas a meu respeito?

— Parece que você é o chefe perfeito. Nenhuma palavra ruim a seu respeito, mas você não acha que eles se sentiriam inclinados a abrir os corações para uma completa estranha...

— Então, desapontamento nesse setor.

— Admito que meu editor ia gostar de alguma fo­foca — disse Sophie com sinceridade —, mas parece que você paga bem e trata seus funcionários com jus­tiça. Reuniões de grupos em bases regulares para que possam dar suas opiniões, academia de ginástica, bô­nus no final do ano e a lista continua.

— O que você esperava? Um tirano que acorrenta­va os funcionários às mesas e lhes dava apenas o bá­sico?

— Claro que não! Mas eu trabalhei num escritório. Sei que há sempre bandos de descontentes.

— Foi por esse motivo que abandonou o emprego? Por causa da política da empresa? — Embora tives­sem se encontrado socialmente vez por outra ao lon­go dos anos, sabia muito pouco sobre ela. A imagem que tinha dela era de alguém que chamava a atenção, mas não no bom sentido. — Você formou-se em Ar­tes — observou, lembrando-se da informação forne­cida pela mãe. Ele se lembrava de ter pensado que adivinharia o curso que tinha feito, levando em conta a aparência dela.

— Como você sabe?

— Minha mãe deve ter me contado. Por que saiu das artes para o trabalho burocrático?

— Porque era impossível encontrar um emprego em minha área — informou-o resumidamente. — E por que você não ficou contente em simplesmente as­sumir os negócios de seu pai? Era extremamente lu­crativo. Por que se sentiu compelido a expandi-lo a esse ponto?

Rafe reconheceu a tática. Sentia-se pouco à vonta­de falando de si mesma; então, respondia de forma resumida e monossilábica antes de mudar de assunto. Não podia culpá-la. Quando tinha demonstrado o menor interesse nela? Mas já que seriam forçados a conviver por duas semanas, qual o ser humano nor­mal que não demonstraria algum tipo de interesse?

— O desafio. O que você acha?

— Não posso escrever um artigo sobre o que pen­so sobre você. Preciso escrever um artigo baseada no que observo e no que você me conta.

— Ninguém gosta de acomodar-se. Expandi os ne­gócios porque precisava flexionar meus músculos in­telectuais.

Era uma resposta dentro de uma não-resposta. Sim, fornecia fatos em poucas palavras, mas o desa­fio mencionado permanecera sem resposta. E Sophie teve a sensação de que ele estava bastante consciente do fato e não tinha a menor intenção de fazer nada a respeito. Ele era muito fechado, e fazê-lo se abrir, que era o que seu editorial queria, exigiria muito cui­dado.

Precisaria deixá-lo à vontade e talvez então ele deixasse escapar algum comentário que revelasse algo sobre si.

Ajudava que ele a visse como uma criança irritan­te que tinha crescido. Apesar do interesse superficial que havia expressado a seu respeito, sabia que ele no fundo não dava a mínima.

Tentou não se sentir magoada ou insultada. De certa forma, quase preferia o desprezível toque de impaciência, o olhar que mal a notava, ao olhar que lhe lançava agora. Olhos verdes, frios e objetivos, como se ela fosse a coisa menos sexy que já cruzara seu campo de visão.

Sophie decidiu que não ligava muito para isso. O objetivo era fazê-lo se abrir.

— Bem, sempre é bom estabelecer desafios para si mesmo — disse Sophie, desejando que a voz tivesse atingido o nível correto de encorajamento e entusias­mo. — Na verdade, foi o que disse a mim mesma quando terminei trabalhando num escritório.

A voz de Rafe era educada:

— Então o sonho de transformar-se num novo Picasso nada era comparado com os desafios de dominar um sistema de arquivos e lidar com o Power Point.

A resposta sarcástica irritou-a:

— Na verdade, nunca sonhei em ser um novo Picasso. Não me graduei em Artes; estudei desenho gráfico e ilustração.

— Entendo que o escritório no qual trabalhou não tinha nenhum departamento que pudesse fazer uso de suas habilidades, não é isso?

Sophie sorriu com relutância.

— Não são muitos os escritórios de advocacia que têm, embora eu tenha adquirido algum conhecimento básico de direito de família.

Seu rosto mudou quando ela sorriu.

— Chegaremos a minha casa em cinco minutos — disse ele, abruptamente — e recomendo que entre e ponha algo seco. Não quero ser responsabilizado por mandar você para casa em roupas ensopadas para que pegue uma pneumonia.

— Nesse caso, assumo a responsabilidade dizendo a você que estou ótima e mudo de roupa quando che­gar em casa. Caso não tenha notado, não costumo an­dar por aí carregando uma muda extra de roupa na bolsa.

Rafe não sabia se achava a resposta irritante ou espirituosa. Com certeza ela não era a coisinha silen­ciosa que esperava. Por outro lado, estava super atrasado e não estava disposto a ouvir alguém tentando ter uma conversa séria sobre escolhas de vida.

— Chegamos. — O carro tinha parado na frente de uma sofisticada casa e Rafe já abria a porta. — Não pretendo debater o assunto. Minha mãe sempre deixa umas roupas quando vem me visitar. Podem não combinar com seu estilo jovem, mas diria que ficaria melhor com elas do que agüentando outros quarenta minutos encharcada. Tenho que sair esta noite e es­tou atrasado. George pode me deixar no teatro e de­pois levá-la para casa. Decida.

O bom senso venceu o orgulho. Sentiu-se horrivel­mente desconfortável. Suas roupas estavam coladas ao corpo como uma película gelada de filme e só Deus sabia o que estava acontecendo com o casaco no chão. Provavelmente desenvolvendo uma bonita camada de mofo enquanto ele falava.

— Muito obrigada — disse Sophie, saindo rapida­mente do carro enquanto ele caminhava à sua frente. A chuva pesada tinha se tornado fina, e ela apenas jo­gou o casaco por cima do corpo para manter o ritmo das passadas dele.

George, com quem Rafe obviamente tinha uma re­lação próxima, caminhou na direção do que ela ima­ginou fosse a cozinha e ela foi deixada pingando no hall.

— Siga-me — comandou Rafe, sem se dar ao tra­balho de olhar à volta.

Mal deu-lhe a oportunidade de apreciar o ambien­te, mas pelo que pôde notar enquanto corria atrás dele, era impressionante e causou-lhe uma certa sur­presa. Ela esperava um apartamento de solteiro com cromo, madeira, mobília cara, muito couro por toda parte e pinturas abstratas nas paredes. Entretanto, es­tava surpresa ao ver que a casa era aconchegante, sem um toque de cromo. O piso era de madeira, é cla­ro, mas com a patina do tempo aparecendo.

Gostaria de dar uma olhada em alguns dos aposen­tos, mas ele já tinha chegado a um quarto que a mãe obviamente usava quando o visitava.

— Roupas — disse, abrindo um armário. — Mais nas gavetas. O banheiro é logo ali. — Fez sinal para um banheiro na suíte. — Você tem que estar pronta em meia hora se eu quiser chegar ao meu encontro no horário. E deixe suas roupas. Vou pedir a Anya para cuidar delas amanhã quando chegar.

— Anya?

— Minha governanta. Você não achou que eu cui­dava deste lugar sem ajuda, pensou?

— Não pensei sobre isso — respondeu Sophie, sem piscar os olhos. — Serei rápida.

E foi. Praticamente não teve tempo para deliciar-se no banho, e esse era um banheiro feito para deli­ciar-se. A banheira era funda, e alguém tinha com­prado um estoque de mini-sabonetes deliciosos e po­tes de espumas de banho cheirosas. Claudia, deduziu. Esses pequenos toques eram femininos, e ela vinha regularmente a Londres visitar o filho, portanto devia ter cuidado desses detalhes que ele jamais teria con­siderado.

A não ser, é claro, que outra mulher tivesse se en­carregado dos detalhes.

Sophie enxugou-se rápido, a mente brincando com essa possibilidade. Seu editor queria despertar o inte­resse do leitor, e isso seria sem dúvida muito interes­sante. Ele era fotografado com bastante freqüência junto a alguma mulher adornando seu braço — não uma, mas uma sucessão delas. Sabonetinhos em po­tes de vidro e essa jarra de porcelana de pot-pourri falavam de alguém um pouco mais permanente do que uma marca na cabeceira da cama.

E ele não teria o menor problema em ter a mulher que quisesse, pensou, colocando a primeira roupa que encontrou. Era dono de um incrível sex appeal.

Lembrou-se do tempo em que o via na casa da mãe ou andando pela cidade durante as férias. Mesmo da inocente perspectiva de uma adolescente, ficava atô­nita com o sucesso que ele fazia com o sexo oposto. E os anos tinham sido bondosos com ele. Ele ainda ti­nha aquele porte atlético, mas agora havia algo de mais poderoso, e sua personalidade agressiva estava estampada em seu rosto. Ela, pessoalmente, achava isso desestimulante, mas nem todas as mulheres pen­savam assim.

Vestiu o modelo menos formal. Uma saia reta marrom, uma blusa, um colete de cashmere caramelo. Desistiu de prender o cabelo, deixando-o desas­trosamente encaracolado em torno do rosto e nas cos­tas. O efeito geral não era nenhuma catástrofe/e ela estava no horário. De fato, antes do horário.

Rafe chegou no topo das escadas e fez uma pausa, um pouco assombrado com a transformação.

— Adiantada — disse, descendo a escadaria e dan­do o nó na gravata ao mesmo tempo. — Não é uma característica que encontrei com freqüência nas mu­lheres.

Sophie virou-se ao som da voz e olhou-o enquanto ele caminhava lentamente em sua direção. Abriu a boca para dizer algo, mas nada saiu. A garganta esta­va seca e o estômago agia estranhamente.

A voz racional em sua cabeça dizia que, sim, ele estava incrivelmente bonito. Camisa branca, calça preta, gravata-borboleta, casaco preto que vestia ca­sualmente enquanto descia a escada. Seu corpo, por outro lado, reagia como se o visse pela primeira vez.

— Vou chamar George. Não se mova. Volto em dois minutos.

— Mover-me? — Sophie duvidava que suas per­nas fossem capazes de exercer uma função absoluta­mente normal como essa.

Só quando ele desapareceu do hall seu bom senso finalmente retornou. Se não conseguia controlar sua patética reação à masculinidade dele, então não tinha outra escolha a não ser admitir a derrota e entregar o trabalho para outra pessoa. O pensamento era tenta­dor, mas correr de um desafio em sua primeira mis­são seria assinar sua sentença de morte, e ela queria muito o emprego.

Não que ela gostasse do homem. O invólucro era bom, mas o conteúdo a mantinha fria.

Com essa consciência embutida na cabeça, ela es­tava agindo de forma mais normal, quando ele surgiu com George a tiracolo.

Sua voz soou controlada quando sentou-se no car­ro e fez as perguntas normais e educadas sobre o que ia ver e se a saída de hoje seria classificada como tra­balho ou prazer. Todo o tempo ela tinha que se con­trolar para não ficar olhando-o fixamente. No escuro, o rosto fino dele era todo sombras e ângulos. Conse­guiu sentar-se bem afastada, mas ainda estava cons­ciente da pequena distância que impedia que seus joelhos se tocassem. Se não fosse tão patético, seria até engraçado.

— Algumas vezes as linhas entre trabalho e pra­zer se sobrepõem — ele dizia em sua voz profunda, perfeitamente fria e controlada. — A peça será boa, tenho certeza, e a rede de comunicações será incal­culável.

— E é claro que isso é o mais importante, não é mesmo? — comentou Sophie, de forma mais ácida do que pretendia. Ele foi rápido em percebê-lo, pela entonação de sua voz.

— É assim que os negócios funcionam, Sophie. Isso a surpreende? Talvez você desaprove o fato de que jantares e viagens com os clientes sejam métodos de azeitar as engrenagens. Quando sou convidado a sair, quase sempre estou consciente de que existe um subtexto, que os restaurantes caros são formas de mostrar que eu devo lembrar-me deles se me en­contrar numa posição em que possa lhes prestar um favor.

— E isso incomoda você?

— Por que deveria? Numa escala menor, acontece todo dia com todos nós.

— Eu não tenho o hábito de amaciar pessoas pen­sando que elas me podem ser úteis um dia.

— Que ato heróico!

— Não há nada heróico nisso. Só não gosto da idéia de usar as pessoas.

— Você quer dizer que você é a mesma em qual­quer situação... — Ele olhou para seu rosto sincero e a nuvem de cabelos em espiral que o emolduravam e sentiu um surpreendente interesse. Os lábios suaves estavam unidos numa linha apertada e a desaprova­ção irradiava em ondas. Não havia muitas mulheres que o desaprovassem, pensou de repente. Na verda­de, a maioria fazia das tripas coração para que ele no­tasse todas suas qualidades. Era diferente ser con­frontado com alguém que não se encaixava no mode­lo. Especialmente, pensou, quando se tratava de uma situação temporária.

— Gosto de acreditar nisso.

— E se eu dissesse que não gosto de mulheres dis­cutindo comigo, a não ser numa sala de reuniões, você modificaria suas reações? Nem mesmo se sua missão pesasse na balança...?

— Você está dizendo que devo concordar com tudo o que diz ou então vai se recusar a deixar que eu o acompanhe? Isso é uma ameaça? Acho muito triste que você prefira estar rodeado de pessoas sempre di­zendo sim! Ou talvez esteja se referindo a pessoas do sexo oposto! E isso? Você gosta de mulheres para se­rem vistas e não ouvidas, e se são ouvidas devem te­cer elogios! — Ela borbulhava de raiva. Percebeu que estava inclinada na direção dele, tremendo.

Olhando para ela, Rafe ficou na dúvida se caía na gargalhada ou continuava com seu discurso chauvinista irritantemente arrogante só para ver até onde podia ir. Havia algo de estimulante em sua reação. Não sabia se ela se dava conta ou não, mas era a pro­va de que de fato recusava-se a ser manipulada.

Ela também estava bonita, assim exaltada. As ma­çãs do rosto estavam coradas, e o cabelo desordenado dava-lhe a aparência de uma criança zangada.

— Era uma pergunta hipotética — disse Rafe, le­vantando a sobrancelha de forma divertida. — É cla­ro que não me rodeio de pessoas que só dizem sim.

— Mas aposto que não há muitas mulheres que discordem do que diz — Sophie devolveu-lhe. — Ex­cluindo as que você encontra nas salas de reunião. — Afastou-se; ele a estava provocando, acabara de per­ceber. Era irritante. Como podia desempenhar bem seu trabalho se ele nem ao menos a levava a sério? O que Claudia e a mãe dela tinham visto como uma vantagem — o fato de não ser um estranho para ela — na verdade não funcionava a seu favor.

— Em geral, não sou tão desagradável quando es­tou na companhia de uma mulher — disse lentamen­te, acompanhando o movimento de suas mãos que pegavam o cabelo e o torcia fazendo coque. Não fun­cionou. Eles se soltaram. Para alguém que parecia não demonstrar o menor sinal de vaidade, devia ter tosado todo o cabelo há tempos. Talvez — brincou com essa idéia absurda — sua idéia unidimensional sobre ela não fosse tão acurada quanto imaginara.

— Mas voltando ao assunto — meditou, os olhos ainda percorrendo-lhe o rosto —, elas normalmente não ficam provocando discussões.

— Eu não estava discutindo com você. Estava dando voz a minhas opiniões.

— Claro! Grande diferença. — Lamentou que já tivessem chegado ao teatro. — Uma mulher que gos­ta de discussões é meio caminho andado para ser uma víbora, e não existem muitos homens que apreciem víboras.

Sophie ficou de queixo caído. Decidiu que não ia deixar que ele risse à sua custa.

— Vou registrar isso — disse, com sarcasmo. — Agora, sobre amanhã. A que horas quer que eu che­gue? Patrícia imprimiu uma lista das reuniões para os próximos dias e vi que sua primeira reunião é às 9h30 em High Wycombe. Devo encontrá-lo lá ou gostaria que eu fosse primeiro ao escritório?

— É um encontro delicado. — Rafe franziu as so­brancelhas. Lembrou-se de que não pensava no sr. Beardsman havia algum tempo.

— O que quer dizer com delicado?

— Quero dizer que não quero você por perto. — O carro parou devagar próximo à calçada repleta de pessoas. A chuva tinha diminuído, mas apesar disso, a maioria carregava guarda-chuvas e vestia casacos com capuz.

Ele começou a abrir a porta e ela colocou a mão no braço dele. — Por que não?

— Porque... — Rafe balançou a cabeça, exaspera­do. — Ah, pelo amor de Deus, Sophie. Por que não faz alguma coisa que valha a pena? Vá tomar chá com minha mãe, e as duas podem falar a meu respeito até cansar.

— Por que não quer que eu esteja presente na reu­nião? Algum negócio ilegal?

A boca de Rafael contorceu-se sem conseguir es­conder o divertimento. — Sim — disse, grave — é tudo altamente ilegal, e não quero você lá para estra­gar meu disfarce.

— Muito engraçado, Rafe. Por que não tenta me tratar como adulta?

— Ok. Encontre-me lá às 9hl5. Vou antes e peço ao George para pegar você em casa. Satisfeita?

— Muito. Obrigada. — Ela reclinou-se e deu-lhe um sorriso orgulhoso. — Tenha uma ótima noite!

Ela sentiu-se curiosamente viva. O projeto ia bem, disse a si mesma, por isso estava cheia de entusias­mo. A imagem de Rafe, vestido para matar, flutuou em sua cabeça e ela afastou-a às pressas. Ele não era um homem para ela, era o objeto de uma pesquisa.

Ainda assim, foi mais cuidadosa ao vestir-se na manhã seguinte. Em vez de usar seu traje habitual — saia rodada e colete —, vestiu calça cinza e uma blu­sa de lã justa da mesma cor com botões que eram pe­quenas pérolas desabotoados até o busto. Usara essa roupa algumas vezes em seu antigo escritório. Aban­donou os diversos grampos que não serviam para nada e fez uma trança não muito arrumada — se algu­mas mechas caíssem, não pareceria tão apropriado.

Com a pasta e o casaco seco, chegou no pequeno e pobre prédio sentindo-se o protótipo de uma exe­cutiva.

Sua mãe, pensou, ficaria assustada e agradavelmente surpresa com a imagem. Grace sempre quis que a filha trabalhasse no campo das artes. O trabalho na editora lhe era mais simpático do que fora o escri­tório de advocacia, mas para ela tudo que essencial­mente não exigisse criatividade seria um desperdício do talento da filha.

Sophie resolveu comportar-se de acordo com sua imagem e assegurar-se de que não haveria nenhum ataque emocional de qualquer espécie. Daí o sorriso formal no rosto quando cumprimentou Rafe, que a saudou com um aceno. Perto dele estava um homem idoso, pequeno, gorducho, com olhos ansiosos e gen­tis e um terno cinza brilhante limpo, mas velho. A sala da frente estava vazia e, com exceção de uma jo­vem lidando com dois telefones, não havia nenhum sinal de atividade por perto. Não era um lugar que pu­desse estar associado com o empreendedor Rafael Loro, embora ele não parecesse pouco à vontade no ambiente. Parecia impaciente, apresentando-a rapi­damente e depois interrompendo as formalidades ao olhar para o relógio.

— Quero isso resolvido o mais rápido possível, Bob — disse, praticamente empurrando-os em dire­ção a uma porta ao lado da sala. — Já conversamos o suficiente e agora quero uma resposta.

Sophie seguiu-os, observando a linguagem corpo­ral dos dois. O homem idoso demonstrava derrota, enquanto Rafe, eloqüente, demonstrava aquela ener­gia infinita que podia ser bem enervante.

— É uma decisão muito séria, sr. Loro — disse Bob, assim que a porta fechou-se atrás deles. Enxu­gou a testa com um lenço. Sentada atrás dele, ela não podia ver-lhe a expressão do rosto, mas pela voz po­dia dizer que a transação que estava sendo concluída não era do agrado do homem idoso.

— Não é assim tão séria, Bob. — A voz de Rafe demonstrava que o assunto já tinha sido discutido inúmeras vezes. — Sua empresa não tem a menor es­perança de salvação. Você tem dívidas a torto e a di­reito. Teve que dispensar a maioria de seus funcioná­rios, e os que ficaram sabem que talvez não recebam salário. Estou me oferecendo para tirar-lhe todos es­ses problemas das mãos.

— É uma empresa familiar, sr. Loro. Meu avô construiu isso do nada.

— E odiaria ver que foi parar na mão de pessoas que podem ser muito impessoais quando exercem sua atividade.

E assim prosseguiram por uma hora e meia. Rafe, brutalmente realista e determinado; o homem idoso tentando encontrar um jeito de tornar a venda menos desagradável.

Finalmente Rafe olhou para o relógio e levantou-se. Não apertaram as mãos dessa vez. Simplesmente olhou sem emoção para Bob e disse em voz baixa:

— Não há mais o que discutir. Ou você vende ou não vende. Estou lhe dando exatamente uma semana para discutir minha oferta com sua família. Se con­cordar, organizarei todas as reuniões necessárias com os advogados. Se não... — Deu de ombros, dirigindo-se para a porta. — O mundo está cheio de tubarões, e, se pensa que sou um deles, então deixe-me dizer-lhe que há muitos com dentes bem mais afiados.

— Como pôde? — Sophie acusou-o, assim que es­tavam de volta ao carro. George tinha ficado nas re­dondezas, obviamente avisado com antecedência de que a reunião não demoraria o dia inteiro.

— Como eu pude o quê? — A voz de Rafe era fria.

— Aquele pobre velho. Ele estava absolutamente intimidado.

— Sua tarefa é me acompanhar, Sophie, não ofere­cer sugestões sobre como devo conduzir meus negó­cios. Meu aviso é que deve cuidar do que conhece.

— Eu conheço decência.

— Você não conhece nada — disse, frio. Virou-se para ela assim que entraram no carro. — A vida não é um aconchegante casulo. É estar um passo à frente no jogo. Tome nota, Sophie, porque isso é importan­te. Cheguei aonde cheguei porque estou à frente do jogo. Não é um crime e não é um pecado; é a vida.

— Você quer dizer que está à frente do jogo à cus­ta de outras pessoas!

Rafe olhou para o rosto vermelho irritado. Deveria dar de ombros e deixar que ela ficasse com seus con­ceitos errados. Afinal, desde quando se sentia com­pelido a justificar seu comportamento? Para sua mãe, talvez, mas mesmo ela sabia que os negócios não lhe diziam respeito.

— Estou salvando Bob de um destino pior. A em­presa existe há décadas, e a cada ano a demanda por mobília feita a mão, muito cara, se torna menor. Ele não pode competir com as imitações baratas e isso é um fato, quer você goste ou não. Então aí está uma simples equação para você: ou Bob vende para mim e minha oferta é a mais generosa que ele vai receber ou vai afundar, ver cada um de seus poucos bens esca­par-lhe pelos dedos e encontrar-se mergulhado em dívidas, que não são poucas.

— Então por que está tão interessado em com­prá-la?

Rafe suspirou, irritado.

— Por que está tão interessada no resultado de um negócio que vai deixar para trás em poucos dias?

— Porque reflete o que você é! Motivo pelo qual estou aqui. Para saber mais sobre você. — Seus olhos azuis encontraram-lhe os olhos verdes e algo dentro dela mexeu. Isso era verdade? A pergunta permane­ceu dentro dela; só um pensamento, nada alarmante, só...

Ela deu-lhe um sorriso radiante, conciliatório.

— Sou muito bisbilhoteira. Sei que não gosta dis­so, mas pode atribuir ao meu trabalho...

— Ok. Aí vai uma pergunta: o que observou sobre o prédio?

Sophie franziu a testa, desconcertada.

— Parecia um pouco velho e muito quieto...

— E também localizado num terreno abandonado, concorda?

— Você está comprando o negócio de família da­quele pobre homem por causa do terreno?

Rafe ficou vermelho, irritado consigo mesmo por estar dando explicações sobre algo que definitiva­mente não era da conta dela. O que estava acontecen­do com ele? A garota era como um cachorro danado, pequeno, cheio de energia, e extremamente irritante. Além do mais, aquele olhar horrorizado, acusador, estava dando-lhe nos nervos.

— Pode me dizer qual é o seu problema?

— O que você vai fazer com o terreno? Está no meio do nada!

— Vou ficar com ele por um tempo e depois pre­tendo transformá-lo num shopping.

— Certo. Deixe ver se entendi bem: aquele pobre homem idoso, que provavelmente passou toda a vida trabalhando para o negócio da família, vai ter tudo demolido por um magnata que quer fazer dinheiro fá­cil construindo um monte de lojas feias?

Os lábios de Rafe estreitaram-se.

— Ninguém fala comigo desse jeito! — A voz dele era como uma chicotada, que Sophie ignorou. Como também ignorou a expressão hostil do rosto.

— Fazer dinheiro é a única motivação para você?

— É a única coisa que motiva a grande maioria da raça humana. Negue se puder.

— Não é a única motivação. Existem outras coisas na vida! Divertir-se, por exemplo!

— O que fez ontem à noite?

— Ontem à noite? Nada, por quê?

— E a noite retrasada?

— Acho que assisti à TV.

— O que vai fazer hoje à noite?

— Já sei aonde quer chegar, Rafe! Mas pelo me­nos minha vida não gira em torno de trabalho!

— Nem a minha. Na verdade, é pura diversão. Vou jantar com amigos no Romano em Fulham amanhã à noite. Por que não vem conosco? Afinal, você precisa ter um quadro completo, não é mesmo? A não ser que já tenha compromisso. A não ser que alguém impor­tante em sua vida tenha convidado você para sair.

Sophie olhou de cara feia para ele, e ele lançou-lhe um olhar de puro prazer.

— E então? Preparada para aceitar o desafio? Já que quer saber tudo sobre mim, qual é o problema com essa tarefa?

— Basta dizer o horário.

 

Forçada a aceitar o convite para jantar com Rafe e os amigos, Sophie se pegou na hora do almoço fazendo algo que raramente fazia, ou seja, comprar roupas.

Ela crescera com a mãe martelando em sua cabeça que um vestido bonito não "fazia" uma garota. Sop­hie passou sua adolescência acompanhando as ami­gas a lojas, olhando enquanto experimentavam vá­rios modelos, que normalmente não tinham intenção de comprar, e resistindo às tentativas de persuasão de que seguisse o mesmo caminho.

— Sinceramente não vejo por quê — disse, em di­versas ocasiões. — Sinto-me bem vestida assim. — Tinha se tornado uma espécie de mantra tão profun­damente entranhado que ela nunca se achou diferente das outras adolescentes, embora fosse. Agora, mais velha, ainda se recusava a ceder aos modismos passa­geiros — alguns ridículos e desconfortáveis —, mas tinha plena consciência de que, fazendo isso, torna­va-se diferente das mulheres de vinte e poucos anos que se vestiam com o intuito de chamar a atenção.

Chamar a atenção nunca fizera parte de sua lista de prioridades.

Nunca teve muita dificuldade em arranjar amigos e namorados e disse a si mesma, com orgulho, que a negativa em seguir o fluxo da moda era uma marca da força de seu temperamento.

Até agora.

A zombaria de Rafe quanto à ausência de vida so­cial estava evidente na forma com que olhara para ela, como se não a considerasse uma mulher. E claro que isso não tinha importância, mas ainda assim... causava raiva.

Um péssimo motivo para fazer compras, pensou, olhando para o que tinha comprado impulsivamente cinco horas antes.

Turquesa era uma cor muito ousada, especialmen­te considerando que estavam em pleno inverno, em­bora na hora Sophie tivesse sido persuadida pela ven­dedora a achar que era vibrante. A descrição era atraente porque essa era uma palavra que nunca usara para se descrever e por ser exatamente o que queria passar para o arrogante filho-da-mãe.

Então aqui estou eu, pensou mal-humorada, a feliz proprietária de um vestido turquesa de stretch. Segu­rou-o com as pontas dos dedos e olhou para os sapa­tos de salto alto dentro da caixa. A fantasia de tirar da cara de Rafe aquele sorriso convencido agora parecia absurda. Quem ligava se ele passasse cada segundo do que restava de sua missão sorrindo convencido?

Antes que ela deixasse o escritório, ele dera instru­ções precisas sobre a localização do restaurante, como se não acreditasse que ela fosse capaz de dizer ao motorista para onde ia. Também dissera que ela podia levar uma companhia se quisesse. Precisaria ser cega para não ver o sorrisinho abafado que acom­panhou seu aparentemente bem-intencionado co­mentário.

Decidiu vestir o caro vestido turquesa que com­prara, e quase se convenceu de que se sentiria bem dentro dele.

Uma hora e meia depois, olhou seu reflexo no es­pelho com o coração apertado.

Não estava olhando para Sophie Frey. Sophie Frey, com suas roupas largas e confortáveis, sem maquilagem, desaparecera. Era outra pessoa. O cabelo vermelho caindo em ondas, rimei e delineador real­çando os enormes olhos azuis e o corpo, normalmen­te escondido, exibindo curvas que ela mal tinha no­ção de possuir. Os sapatos tornavam suas pernas mais compridas e finas.

Decidiu que seria uma bênção não ter que condu­zir nenhuma conversa sensata pois não estava se sen­tindo muito sensata nessa roupa.

Os pais dela estavam errados, pensou enquanto sentava no táxi, apertando sua carteira preta. As rou­pas desconfortáveis não faziam o menor sentido no dia-a-dia, mas certamente tinham a capacidade de mudar a personalidade das pessoas. Ela sentia-se sexy!

O restaurante aonde chegou 15 minutos depois es­tava lotado e parecia ser uma casa. Só uma discreta placa demonstrava ser um restaurante.

Sophie sentiu pânico ao entrar. Então o promoter tirou seu casaco e xale e a sexy Sophie estava de vol­ta, sorrindo confiante ao chegar à mesa de Rafe.

Não se lembrava de nenhuma vez em que a con­versa tivesse parado por sua causa. Na escola, sempre tinha sido a garota sem-graça. Nunca fora uma amea­ça para as amigas, nem uma das garotas desejadas pe­los garotos pela maneira como se movia porque lhes tinha feito promessas com o olhar. Ninguém lhe pres­tava atenção. Na verdade, tinha chegado à conclusão de olhar o mundo como alguém que assiste a um jogo. Mais tarde, por volta dos vinte anos, teve namo­rados e todos eram caras legais, do tipo que você apresenta aos pais e sabe que eles vão gostar deles tanto quanto você.

Quando aproximou-se da mesa cheia sentiu-se como uma daquelas garotas e, era loucura, gostava da sensação.

Não conhecendo ninguém, procurou por Rafe. O coração disparou quando os olhos verdes encontra­ram os seus. O silêncio foi quebrado pelas apresenta­ções.

— Você está atrasada — disse Rafe, assim que ela se sentou. — Achei que era uma dessas mulheres que sempre são pontuais...

— Culpa do motorista — mentiu Sophie, levando o copo de vinho aos lábios, sem fitá-lo. Apesar de tonta com tanta apresentação, não só reparou no quarto ele estava deslumbrante, como também perce­beu a bonita loura sentada a seu lado. Angela Street não havia sido apresentada como namorada, mas com certeza encaixava-se na descrição. Alta, loura, olhos azuis, debruçava-se possessiva sobre ele, os braços encostados, seu top de seda insinuando, pro­vocante, o que guardava para mais tarde.

— Talvez o taxista tenha ficado temporariamente em choque ao ver você nesse... como direi... ousado microvestido. — Rafe permitiu-se olhá-la com um instinto puramente masculino. Quando ela entrou, ele já dera uma olhada atenta. Tinha sido sua imagi­nação ou a mesa inteira ficara quieta? Ele, certamen­te, tinha ficado momentaneamente mudo diante da visão. Mudo e um pouco surpreso, porque a última coisa que esperava era uma sereia em um vestido que parecia tatuado no corpo.

— Ele não viu a ousadia do vestido porque eu es­tava usando um casaco preto, pesado e fora de moda. — Rafe tinha virado de costas para a loura e, pelo canto dos olhos, Sophia pôde ver a cortina de cabelo louro platinado caindo, enquanto Angela se esforça­va para atrair-lhe de volta a atenção.

— Acho que sua namorada quer falar com você — informou Sophie, educadamente.

Por um breve momento, Rafe ficou irritado quan­do Angela segurou-lhe o punho, os longos dedos acariciando-o através da lã fina da calça. Dois meses atrás, ficaria excitado. Agora, mexeu-se de forma a que ela removesse a mão.

— Nunca poderia imaginar que você possuísse algo tão... pequeno — disse Rafe, olhando Sophie enquanto bebia o resto do vinho. — O que aconteceu com as saias rodadas e os casacos de vovô?

Sophie corou, consciente de que sempre que ele a vira ela estava vestida com roupas confortáveis.

— Decidi dar uma folga para elas. Se você não fa­lar logo com sua namorada, acho que ela vai ter um ataque. — Virando-lhe as costas e com as maçãs do rosto ainda ardendo por conta de seu tom zombeteiro, Sophie tomou parte na conversa geral.

Em poucos minutos estava ciente da dinâmica do grupo. Paul e Emily Hass eram amigos da universida­de, e isso dizia muito sobre Rafe pois ele ainda se dava com pessoas que conhecera havia muito tempo. Era fácil para ele encontrar pessoas com quem tinha crescido, já que a mãe ainda morava na mesma cida­de e as reuniões anuais eram sempre uma fonte de reencontro. Sophie tinha presenciado algumas dessas festas. As garotas, agora esposas e mães, ainda flerta­vam com Rafe quando os maridos não estavam olhando, e os garotos, ao virarem homens, perdiam cabelos e ganhavam barrigas. Como ela não fazia parte do grupo privilegiado e era mais jovem, ficava feliz em observar de longe.

Devia ser difícil para ele manter contato com os amigos da universidade, e ela repensou sua convic­ção de que esforço era algo que Rafe não despendia em relação à raça humana.

Joe Marciano e a mulher, Florence, ambos quarentões, eram amigos de trabalho. Eram afáveis, influen­tes e ansiosos por discutir o mercado de imóveis, as dores de cabeça causadas por ter dois filhos adoles­centes e os planos de mudar-se para o exterior. Era um grupo heterogêneo.

E para melhorar, Adrian Walsh, sentado à sua frente. Sua atenção era lisonjeira e conveniente por­que lhe dava a oportunidade de afastar-se de Rafe. Quando ele perguntou onde se escondera todos esses anos, quando devia saber que ele estava à sua procu­ra, Sophie riu.

— Estive escondida num escritório poeirento de advocacia. — Ela sorriu, tentando jogar charme e, ao mesmo tempo, contra sua vontade, prestar atenção a Rafe, que mantinha o resto do grupo atento a uma das histórias engraçadas que contava sobre suas negocia­ções.

— E antes disso?

— Universidade de arte.

— Você pinta?

Sophie fez seu discurso sobre arte ilustrativa e como isso diferia da arte acadêmica. Estava ciente de que Angela murmurava algo para Rafe e do riso bai­xo dele, e por um segundo seu estômago deu um nó.

— Que pena! — dizia Adrian. — Sempre sonhei em ter meu retrato pintado.

— O que seria muita vaidade! — respondeu Sophie, satisfeita ao vê-lo rir alto diante de sua reprimenda. Estavam flertando, o que era algo que nunca tinha feito antes, e era divertido. Sentia-se agradavelmente embriagada. Todos ignoraram o cardápio de sobremesas e ela achou que tinha pedido café, embora não tivesse certeza.

— É, você está coberta de razão. Muito fútil! Te­nho 34 anos, mas no fundo ainda sou uma criança que gosta da idéia de se ver pendurado numa parede da casa. O que acha? Eu seria um bom modelo?

— Sophie não gosta de louros, Adrian. — A voz de Rafe era suave mas incisiva.

— Desculpe? — disse ela, virando-se para ele. Ele estava tão perto que ela podia sentir-lhe a respiração no rosto. Ele fitava Adrian, com uma ponta de sorriso para diminuir a irritação.

— Além disso, o que aconteceu com a beleza espa­nhola com quem estava há poucas semanas?

— Galopou de volta para a Espanha — disse Adrian, melancólico — , deixando um coração par­tido.

— O coração de quem, especificamente? — brincou.

A tensão dissipou-se e a conversa tornou-se bem-humorada, com Rafe relaxando e pedindo a conta.

Estava desapontada que a noite tivesse terminado. Devolveria o vestido ao armário e sabe-se lá quando teria a oportunidade de fazer uma segunda aparição.

Numa súbita onda de autopiedade, estendeu a mão para pegar o resto de vinho enquanto todos se levan­tavam para ir embora e sentiu a mão de Rafe envol­ver-lhe a cintura.

— Acho que já bebeu o bastante.

— Não me interessa o que você pensa — murmu­rou Sophie, olhando-lhe os longos dedos finos e sen­tindo uma onda de rebelião crescendo dentro de si.

— Bem, de manhã você vai se importar com o que pensa de si mesma. — Conduziu-a pela cintura até a porta e, quando saíram, a escuridão foi bem-vinda por disfarçar as pernas bambas.

Quanto tinha bebido? Pensara ter sido um copo ou dois, mas o eficiente garçom mantinha o copo sempre cheio. Viu que estava apoiada em Rafe e tentou se afastar, mas o braço dele parecia uma garra.

Os casais já tinham partido nos táxis, e Adrian deu-lhe um beijo no rosto sussurrando que entraria em contato.

Depois, os três estavam na calçada enquanto George pacientemente esperava no Jaguar, o protótipo da discrição.

— Preciso de um táxi — disse Sophie. Parecia que não havia muitos por perto, o que a obrigaria a andar, e ficava enjoada só de pensar nisso.

— É, precisa — disse Angela, olhando diretamen­te para Sophie. — Você está péssima. Meu Deus, Rafe, ela existe?

— Cale a boca, Angela. — A voz dele foi como uma chicotada, e Sophie ficou constrangida. Uma Cinderela, tão pouco habituada a beber, que estava praticamente caindo depois de algumas poucas taças! Angela só tinha bebido água mineral. Sophie lembra­va-se vagamente de ouvi-la discursar sobre a dieta à qual tinha aderido já que o mundo dos modelos era muito competitivo e um grama a mais representava a diferença entre o sucesso e o fracasso. Na hora tinha pensado que era tolice abrir mão de coisas que davam prazer. Infelizmente, agora desejava ardentemente ter tido o bom senso de controlar a ânsia de degustar o fantástico vinho branco em tamanha quantidade. Ao contrário dela, Angela estava impecável, nenhum fio de cabelo fora do lugar.

— Então arranje um táxi para ela — disse Angela, zangada. — Quando você me disse que ela viria co­nosco, eu não tinha idéia de que você ia ter de ser sua babá! — Ficou com os olhos cheios d'água.

— Vamos deixar você em casa, — A voz de Rafe era áspera. — Depois levo Sophie para casa.

— Isso é ridículo — gritou Angela. — Por que ela não pode ir para casa sozinha? E nós? Pensei que fos­semos passar a noite juntos.

— Ligo para você de manhã. — Sem mais preâmbulos, colocou Sophie no banco traseiro, esperou que? Angela entrasse, bateu a porta e sentou-se na frente.

O percurso até o apartamento de Angela foi no mais absoluto silêncio. Sophie encostou a cabeça na janela e fechou os olhos, não querendo ver o ressentimento no rosto da outra mulher, o que era perfeita­mente compreensível. Quanto a Angela, sua noitada tinha se reduzido a uma noite de solidão, já que o ho­mem que deveria estar a seu lado estava ocupado, do outro lado da cidade, entregando uma convidada de última hora embriagada. Já sentia uma dor de cabeça, se instalando.

Estava ciente do carro parando e da porta batendo quando Rafe levou Angela até a porta do prédio. Ao abrir o olho, viu que a briga que Angela começara do lado de fora do restaurante ainda continuava. Só An­gela gesticulava e falava. Ele estava parado, as mãos nos bolsos, a cabeça ligeiramente inclinada para o lado.

Ela voltou a fechar os olhos para não ver a cena de­primente. Sabia que devia se levantar e dizer a ele que estava bem, que podia ir para casa sozinha, mas não conseguia. As pernas pareciam gelatina e o ál­cool fazia efeito: estava sonolenta.

A última coisa de que se lembrava era de ter sido tirada do carro carregada no colo. Por Rafe. Isso a despertou mais rápido do que um balde de água ge­lada.

— Coloque-me no chão! Sou capaz de andar! Sem preâmbulos, ele a depositou no chão e espe­rou que ela tentasse se equilibrar.

Quanto tinha bebido? Quatro taças. Não mais do que isso. E ele contara, ciente de cada gole, embora de costas para ela. Deveria tê-la impedido de tomar o último, deveria ter percebido, pela entonação da voz e pelo brilho dos olhos, que não estava acostumada a beber e terminaria desse jeito, incapaz de voltar sozi­nha para casa.

Olhou enquanto ela dava uns passos trôpegos em direção à porta; pegou-a e jogou-a nos ombros, igno­rando as mãos tentando socar-lhe as costas.

— Eu... Eu... Como ousa? Desça-me imediatamente!

— Onde estão as chaves?

— Não posso pegá-las desse jeito, posso?

— É claro que pode. Passe as chaves, porque não vou botar você no chão. Não quero ser responsabili­zado se você cair e quebrar alguma coisa.

Sophie, desajeitada, conseguiu pegar as chaves. Só Deus sabia o que as pessoas diriam vendo-a as­sim. Jogada no ombro de um homem como um saco de batatas.

— Estou ficando enjoada — resmungou.

— Agüente firme. Qual o seu andar?

— Segundo. — Se pensou que ele ficaria ame­drontado diante da perspectiva de ter que continuar representando o papel de homem das cavernas subin­do dois lances de escadas, ficou desapontada porque ele fechou a porta e carregou-a como se ela fosse uma j pluma.

A casa estava escura e quieta. Era uma grande casa vitoriana, dividida em vários pequenos apartamen­tos, cada um grande o suficiente para acomodar uma pessoa pouco exigente. Sophie tivera sorte em conse­gui-lo, pois o preço era tão razoável quanto o local.

Ficou quieta quando ele enfiou a chave na fecha­dura e a abriu, e suspirou aliviada quando ele colo­cou-a na cama. Ele evitara acender a luz do lustre, optando pela da mesinha-de-cabeceira.

— Vou preparar um café.

— Não precisa. — Lutou para sentar-se na cama, consciente do espetáculo deprimente oferecido ainda de casaco e no desprezível vestido turquesa que não causava a boa impressão de antes. — Obrigada por me trazer e desculpe... por ter estragado sua noite. — Disse cada palavra com cuidado e depois caiu nos travesseiros e cobriu o rosto com o braço.

O sono começava a seduzi-la quando sentiu estar sendo sacudida e levantada de volta à posição senta­da, o que lhe causava tontura e dor nos olhos.

— Tome isso.

— Por que você ainda está aqui?

— Tome os remédios; caso contrário, a ressaca amanhã vai ser pior. — Colocou-lhe os comprimidos em uma das mãos, o copo d'água na outra. — Agora vamos tirar o casaco. — Ele não lhe deu tempo para protestar, virando-a de lado para tirá-lo. — Isso. Agora os sapatos. — Ele estava agachado perto da cama, olhando-a. Devia estar furioso por ter que mu­dar os planos devido ao que aprontara, mas parecia estar se divertindo ao ver seu rosto chateado e o cabe­lo ondulado caindo em seus ombros e costas.

— Não sei qual é a graça! — Soltou um soluço, o que era irritante, e continuou a encará-lo.

— Não foi exatamente assim que imaginei passar a noite — falou Rafe, sentando-se na cama perto dela.

— Eu sei. Sinto muito. — Constrangimento e cul­pa a invadiram, seguidos por raiva porque não havia necessidade de tê-la colocado como um pacote no quarto. Ela não havia pedido nada e quanto mais ele se demorasse, mais humilhada se sentiria. Também lembrou-se da ironia ao dizer que não queria ser res­ponsável por ela cair e se machucar. Como se ela fos­se um bebê precisando de alguém que a ajudasse! — Sua namorada estava muita zangada e não a culpo — disse Sophie, louca para se ver livre dele. — Meu bom Deus, estou enjoada. Por favor, vá embora.

— Você precisa tirar o vestido. Onde você guarda sua... o que quer que use para dormir? — Levantou-se e encaminhou-se para a cômoda em cujas gavetas não havia nada que ele identificasse como algo com que uma mulher dormisse. Demorou alguns minutos para entender que não estava lidando com o tipo de mulher com a qual estava habituado, mas com uma mulher cujas roupas não pareciam pertencer ao sécu­lo XX. Renda preta e calcinhas sexy não fariam parte da lista de vestimentas, embora tivesse quebrado sua rotina hoje à noite. Olhou e viu que ela tinha dormido e por alguns segundos contemplou a figura turquesa, o braço ainda protegendo o rosto, o peito subindo e descendo ritmadamente. O vestido tinha subido e as coxas estavam expostas, assim como a roupa de bai­xo.

Sentiu algo comprimi-lo e continuou a busca nas gavetas até encontrar algo grande, velho, esgarçado e definitivamente pouco atraente, que poderia ser clas­sificado como a roupa de dormir da Cinderela.

Provavelmente teria um ataque na manhã seguin­te, mas depois o agradeceria profundamente por não tê-la deixado dormir naquele vestido apertado. E ela era sua responsabilidade. Afinal, as mães dos dois eram amigas íntimas! Ela tinha sido impingida a ele, mas, agora que estava aqui, tinha a obrigação de cui­dar para que ficasse bem. O que sua mãe diria se pu­desse ver a situação? O que diriam ambas as mães?

Ela não acordou quando ele tirou a película de fil­me colada a seu corpo. Soltou alguns gemidos, mas era maleável como uma boneca de pano, e assim pôde tirar-lhe o vestido pelos ombros macios e alvos, sardentos como o rosto.

A contração que sentira antes voltou quando ti­rou-lhe o vestido e percebeu que não usava sutiã sem alças sustentando-lhe os seios. Firmes, alvos como o resto do corpo, coroados com mamilos rosa­dos. Ele já tinha visto seios suficientes em sua vida para saber como eram, mas sentiu o rosto ruborizar e estava feliz que a luz do quarto fosse fraca, no caso de ela acordar.

Depois pensou que, se ela acordasse, o constran­gimento adolescente ficaria patente e ela o esbofetearia.

Essa era a garota da casa ao lado? A mulher com um gosto duvidoso para se vestir? Aquela que o se­guia contra sua vontade e sentia-se segura para dar opinião mesmo quando ele não estava interessado?

Ele despiu-a em tempo recorde, mas cuidadosa­mente, para não acordar o tigre adormecido. O corpo dele reagia; tentou controlar-se dizendo para si mes­mo que estava extremamente irritado ao se ver no pa­pel de babá de uma criança que não conseguia con­trolar a bebida e ignorando esses seios, ao passar a camisola larga pela cabeça dela. Tarefa cumprida, afastou-se e caminhou em direção à porta antes de parar para dar uma última espiada na silhueta deitada de barriga para baixo. Fora do ar e ressonando. Não importava ter tirado o vestido dela, murmurou para si mesmo; o fato de roncar — mesmo que suavemente — provocaria a mesma reação escandalizada.

Num impulso, rabiscou algumas palavras e deixou o bilhete na cômoda. Não tinha como não vê-lo ao acordar.

Ela viu. Mais ou menos na mesma hora em que a lembrança da noite anterior começou a passar em sua cabeça como um filme, iniciando com a entrada no restaurante e terminando ao ser levada no colo para o apartamento por um irritado Rafe que tinha visto seus planos com Angela destruídos pelo seu senso de res­ponsabilidade.

Gemeu, sentou-se, mas, enquanto pensava em sair da cama para pegar o bilhete dele, percebeu que não mais estava com seu vestido. Estava com sua camisola velha e gasta, e como a única pessoa que a acompa­nhara até o apartamento fora Rafe...

Um calor percorreu-a dos pés à cabeça, passando por todo o corpo. Corpo que estivera espremido na­quele vestido justo, corpo sem sutiã que estivera es­premido naquele vestido...

Ela quis pular da cama para pegar o bilhete, mas a cabeça não permitia nenhum movimento brusco. Pre­cisava ir aos poucos, dando a si mesma tempo para pensar no desastre da noite anterior.

Tinha sido a princesa do baile, ou pelo menos as­sim se sentira — especialmente quando aquele suave vinho branco começou a fazer efeito. Lembrava-se de sentir-se relaxada, de estar risonha e ser cortejada por um homem bonito de cabelos louros. Rafe sentara-se a seu lado. Isso tinha sido a mosca na sopa, mas ela o ignorou, embora consciente de estar a poucos centímetros dele. E depois Angela, subindo pelas pa­redes ao constatar que ia voltar para casa sem compa­nhia.

À luz do dia, os acontecimentos pareciam bem di­ferentes. Ela tinha se sentido uma pessoa diferente, é verdade, mas tinha agido como uma tola, comportando-se de um jeito totalmente contrastante com sua personalidade e terminando a noite precisando ser acompanhada como uma adolescente cujo comporta­mento fugira ao controle. Sua mente parou antes de prosseguir: não se lembrava do que tinha acontecido, mas sua imaginação estava louca para inventar deta­lhes.

O coração ficou mais apertado depois de ler o bilhe­te. Nenhuma recriminação. Apenas um comando gen­til de que deveria descansar de manhã e encontrá-lo para o almoço num restaurante italiano em Knightsbridge pois precisava conversar com ela.

Durante o que restava da manhã, a mente de Sophie ficou agitada, tentando adivinhar o que poderia ser essa conversinha. De qualquer forma, não seria nada de bom. No pior dos casos, ela iria embora ainda mais humilhada do que já se sentia. Mais do que se sentira quando era uma adolescente apaixonada e ele lhe dissera, educado mas decidido, para sumir.

Mas ela não podia fugir. Mais cedo ou mais tarde ia esbarrar com ele em um dos churrascos de verão ou em uma das festas de Natal que a mãe dele organiza­va e que sempre se sentira coagida a comparecer. E depois havia o trabalho, um favor da mãe dele. Fugir deixaria sua mãe em maus lençóis, a mãe dele mal, a editora mal e ela também, embora achasse que não ia perder o sono com isso caso fosse a única pessoa en­volvida.

Achando estar presa numa armadilha, seguiu para o restaurante pontualmente às onze e meia da manhã. Pelo menos a cabeça não doía, mas o estômago assu­mira seu lugar, contorcendo-se em nós quando o ôni­bus deixou-a perto demais do restaurante para seu gosto.

Tinha voltado a colocar suas roupas confortáveis, num esforço consciente de distanciar-se da pessoa da noite anterior. Estava até carregando a pasta, embora não conseguisse conceber uma situação em que pu­desse querer tomar notas.

Viu Rafe assim que entrou. Um bar dominava uma parede do restaurante, que fugia ao convencional, e lá estava ele, sentando numa banqueta de bar tendo à frente um copo de alguma coisa.

E estava lindo. Lindo, sexy, chique. Sophie pensa­ra no que dizer, como deveria pedir desculpas por seu comportamento, mas, olhando para ele, sabia que qualquer justificativa seria um enorme erro. Ele não queria ou precisava de uma mulher choramingando em seu ombro como uma criança. Se ele a via como uma obrigação e queria encerrar o acordo informal, então qualquer demonstração de comportamento vul­nerável só lhe reforçaria a decisão, e realmente seria horrível que ele pensasse nela como uma mulherzinha que precisava ser resgatada.

Depois pensou nele tirando-lhe o vestido, as mãos roçando-lhe o corpo nu enquanto ela dormia e preci­sou de todas as forças para não tremer enquanto se­guia em direção ao bar.

— Oi — disse sorridente, os olhos desviando-se dele.

— Está se sentindo bem? — perguntou Rafe, dan­do um gole e olhando-a por sobre a beirada do copo com aqueles olhos verdes.

— Bem, você sabe, a cabeça estava latejando de manhã, mas nada que uns dois analgésicos não resol­vessem! — Esperava que as palavras demonstras­sem experiência. — Devo sentar no bar ou tem uma mesa reservada para nós? Lugar badalado, não é mesmo? Mas era de se esperar, considerando que é em Knightsbridge.

— Uma mesa, eu acho. — Ele parecia estar fazen­do um contato visual invisível mas óbvio com al­guém, pois assim que terminou de falar surgiu um garçom com os cardápios debaixo do braço.

Ele deixou que ela caminhasse à sua frente e suspi­rou. Tinha pensado em ignorar tudo que acontecera na noite anterior, mas tinha decidido o contrário. Nunca se prestara ao papel de babá antes, mas que es­colha tinha? Ela não era uma estranha cuja irritante presença podia dispensar ou, provavelmente, delegar à secretária a tarefa de dispensá-la enquanto ele con­tinuava sua intensa rotina de trabalho. Em condições normais, não teria pensado duas vezes sobre o que aconteceria com ela se a dispensasse. Ele a teria eli­minado como inapropriada para o trabalho.

Teve um flashback em que a viu tão frágil quanto uma boneca de pano enquanto a despia e a momentâ­nea reação ao ver aqueles seios, inocentemente ex­postos.

Franziu as sobrancelhas, irritado por ter se lembra­do daquele momento em que seu autocontrole tinha voado pela janela e tinha sido substituído por algo sombrio, confuso e alterado.

— Certo — disse ele, abruptamente, puxando a ca­deira para poder cruzar as pernas —, precisamos con­versar.

 

Sophie sentiu o estômago contrair-se. Lembrou-se daquele sentimento mareado que experimentara quando era adolescente e tinha viajado para a França num programa de intercâmbio. Só que dessa vez sem o feliz conhecimento de que mais cedo ou mais tarde o navio atracaria e o enjôo desapareceria. Suspeitava que o que Rafe diria a perseguiria para sempre.

Ela segurou a vontade de começar a pedir descul­pas e se justificar e lhe ofereceu um sorriso educado.

— Normalmente não me sentiria inclinado a dis­cutir incidentes embaraçosos... — Rafe inclinou-se, os cotovelos na mesa, seu fabuloso rosto triste, mas decidido. — Entretanto, precisamos conversar sobre o que aconteceu a noite passada.

Sophie suspirou fundo e disse:

— Lamento se o embaracei na frente de seus amigos.

Ela achava que ele aproveitaria a deixa e começa­ria abordando esse ponto, mas ele recostou-se na ca­deira e olhou para ela divertido, o que era ainda mais irritante do que a resposta que previra. O instinto lhe dizia para expressar seu aborrecimento, mas o bom senso felizmente prevaleceu e ela franziu o cenho.

— Não vejo qual é a graça...

— Por que você imagina que o seu comportamen­to ou o de qualquer outra pessoa pode me embaraçar? Além disso, garanto que já vi coisas bem piores. Não... você me surpreendeu, mas eu não fiquei emba­raçado.

— Eu o surpreendi! Como? Ela ficou temporaria­mente mais calma diante da reação prosaica dele.

Se ele não ia recriminá-la pelo comportamento ri­dículo, então qual seria o assunto dessa, digamos as­sim, conversa?

Rafe demorou a responder. Pela primeira vez, não estava com pressa, pois o compromisso que tinha no início da tarde fora cancelado pelo diretor da empre­sa por causa de um vírus no computador. Fez os pedi­dos com calma e esperou que a garçonete servisse um copo de vinho. Notou que Sophie só bebia água.

— Você quer uma resposta comprida ou uma ver­são reduzida? — Tomou um gole do vinho e olhou-a por cima da borda do copo. O olhar dela queria evitar o assunto, mas, na ausência dessa possibilidade, sa­bia que ela escolheria a resposta comprida. A expe­riência com as mulheres levara-o há tempos a con­cluir que elas adoravam ouvir falarem sobre elas sempre que possível.

Ficou surpreso quando ela deu de ombros e disse numa voz entediada que, já que ele ia dizer de qual­quer jeito, ele podia decidir o quão elaborada seria a resposta.

— Você me surpreendeu quando apareceu quase desnuda...

Sophie enrubesceu.

— Eu não estava quase desnuda! Na verdade, a vendedora me garantiu que era um modelo muito atual! Eu não sou exatamente uma anciã, você sabe. Não tenho que viver confinada em vestidos de man­gas compridas descendo até os tornozelos.

— Não, mas normalmente é assim que você se veste — comentou Rafe, divertindo-se com a tentati­va dela de autodefesa. Na verdade, divertindo-se com a sensação desconhecida de fazer uma refeição du­rante o dia sem ter de olhar constantemente os pon­teiros do relógio marcando seu tempo livre. — Va­mos colocar desta forma: toda vez que vi você no passado em uma das pequenas reuniões de minha mãe...

— As reuniões de sua mãe nunca não pequenas.

— Você tem razão. Mas, voltando ao assunto, nunca vi você vestida com nada menor do que uma saia comprida ou uma calça larga, mesmo no auge do verão.

Sophie experimentou um momento de verdadeiro horror ao pensar nele olhando para ela tendo ao lado uma moça sofisticada, bem vestida e chique e vendo-a em suas habituais vestimentas folgadas, que sempre julgara serem perfeitamente adequadas para uma fes­ta no auge do verão inglês.

— Nunca entendi o porquê de andar no campo ten­tando me equilibrar em saltos altos finos e vestidos justos. Faz mais sentido usar roupas confortáveis — replicou.

— Confortáveis — concordou, e ela olhou-o, en­tendendo que para ele confortável era o mesmo que sem-graça. — Então foi uma surpresa vê-la chegar naquela roupinha azul. Acho que devo me sentir lisonjeado por ter usado aquele vestido em minha ho­menagem... — Rafe não fazia idéia de que maligno pensamento o levara a tal comentário, mas sentiu um choque quando ela corou. Fez com que ela parecesse ao mesmo tempo desafiante e encabulada.

Ela sentira atração por ele quando criança, seguindo-o com seu olhar de cachorrinho sem dono toda vez que ele chegava para as férias. Ele brincava com a idéia de que talvez essa atração ainda estivesse pre­sente, adormecida, esperando por uma oportunidade conveniente para ressurgir... E que melhor oportuni­dade haveria que este confinamento forçado com ele por um período de duas semanas?

— Não foi em sua homenagem, Rafe — disse Sophie, calma. — Sei que provavelmente você acredita que toda mulher quer chamar-lhe a atenção, mas comprei aquele vestido porque não queria fazer feio diante dos seus amigos. — Havia sinceridade em sua voz. — Sei que não me visto no auge da moda. Culpe meus pais. Eles sempre me disseram que o que conta­va era o interior, que era triste seguir a moda cega­mente só porque todo mundo o fazia. Mas você me convidou para uma reunião social e não sou estúpida. Sei que muitas pessoas não compartilham minhas opiniões. Você, por exemplo.

A acusação, vinda do nada, cessou qualquer pen­samento divertido. Ele apertou os olhos e olhou para ela por breves segundos.

— Pode me explicar aonde está querendo chegar?

— Meu trabalho aqui — se ainda tenho um traba­lho aqui, pensou — é observar você. Não apenas o homem de negócios, mas formar uma opinião sobre você como um todo, o quadro completo, por assim dizer.

— E seu quadro completo é... ? — A voz dele era fria o suficiente para parar um rinoceronte desembestado, o que sugeria que ele achava razoável verbali­zar opiniões sobre ela, mas não aceitava quando a si­tuação se invertia. Bem, se essa conversinha girava em torno de mandá-la para o espaço, então ela bem que poderia sair por cima.

— Que você é inteiramente focado e motivado no que diz respeito ao trabalho. Diria motivado demais, mas é claro que é uma opinião pessoal. — Podia sen­tir que tinha conseguido despertar o interesse dele quando a comida foi servida. Ravióli para ela e peixe para ele, ambos de dar água na boca. Ela pegou a massa com o garfo, evitando o contato visual.

— Prossiga. Sou todo ouvidos.

Engraçado, pensou, como o significado das pala­vras a encorajava, enquanto o tom de voz fazia o in­verso.

— Acredito que você não se permita desenvolver nenhum relacionamento duradouro com uma mulher, tendo em vista seu estado civil. — A voz tremeu diante do silêncio dele. Respirou fundo.

— Ou talvez eu seja daquela rara raça de homem que não vê motivos para apressar algo importante como o casamento só porque a sociedade decidiu que está na hora — concluiu Rafe.

— Não é a impressão que me passa.

— Você está excedendo os limites na tentativa de escrever uma boa matéria.

Sophie arriscou um olhar. A expressão dele não era definível, mas a boca não sorria.

— Não é isso, Rafe.

— Ótimo. Bem, que tal assumirmos um compro­misso? Você expressa suas opiniões, mas eu não vou tolerar que desenvolva especulações sem propósito a meu respeito. Em outras palavras, você imprime fa­tos, não pedaços de ficção que teceu numa tentativa de entender minha personalidade. Entendeu?

— Onde termina o fato e começa a ficção?

— Fato: trabalho muito. Ficção: sou alguém que não se diverte. Fato: sou solteiro. Ficção: porque tra­balho demais para pensar em casar e acomodar-me numa casa no subúrbio, com duas crianças, cachorro e uma amante na cidade. Fato: raramente tiro férias. Ficção: porque não sinto prazer no lazer. Está seguin­do meu raciocínio?

— Por que teria uma amante sendo casado? — perguntou Sophie, chocada com o cinismo contido na frase.

— Ah, pelo amor de Deus, Sophie. — Rafe des­cansou os talheres, recostou-se e atirou o guardanapo ao lado do prato. — Seu pai era pastor, mas sem dúvida você deve ter crescido sabendo como o mundo funciona!

— Talvez funcione assim nos meios em que você circula...

— É da natureza do homem. Os seres humanos não são criaturas monogâmicas. Se quer minha opi­nião honesta, as pessoas se casam por razões erradas, daí o alto índice de divórcios!

— Razões erradas como amor? Afeição? Dedica­ção?

— Você não está esquecendo uma razão vital? — A boca curvou-se num sorriso inteligente que cau­sou-lhe arrepios na espinha. — A velha luxúria, infe­lizmente, costuma ser confundida com outros nobres sentimentos, e aí reside o problema. Os relaciona­mentos começam bem porque você mal pode esperar para transar sempre com alguém, achando que será algo maravilhoso e duradouro. Depois o fator luxúria começa a ir por água abaixo, e antes que perceba, a coisa toda degringolou, e o resultado é sempre igual: dois adultos inimigos, crianças infelizes e, normal­mente no caso dos homens, pagamento de pensão até o dia da morte.

— Posso publicar isso? — perguntou Sophie, e ele lançou-lhe um olhar irritado.

— Não palavra por palavra, mas pode usar a idéia geral.

— Como uma desculpa para seu estado civil...

— Ninguém precisa de desculpa para continuar solteiro. Apenas de uma dose saudável de juízo.

— Talvez você não tenha encontrado a mulher certa — meditou Sophie, arriscando um olhar. Ela não podia imaginar Rafael Loro com a mulher certa porque isso significaria perder o controle, tornar-se vulnerável. Rafe e vulnerável eram duas palavras que não combinavam. Era o mesmo que tubarão e meigo. Não pôde evitar um sorriso e Rafe, que nunca perdia nada, logo percebeu.

— Eu também quero rir da piada. — É claro que ela era inocente, assim como o dia era comprido. Isso ficava claro nas fórmulas românticas, mas ele ainda achava irritante sentir aquele olhar de piedade, como se ela tivesse conseguido encontrar a chave secreta para o sentido da vida. Olhou de cara feia e procurou com os olhos um garçom para que pudesse pedir um bule inteiro de café.

— Não tem piada. Então você continua solteiro não porque acredita no casamento ou porque está es­perando a mulher certa. Você não se casou por ser contra a instituição do casamento.

Rafe inclinou a cabeça para o lado.

— Você é lógica quanto a suas roupas e eu sou ló­gico no que diz respeito às mulheres.

Sophie ficou na dúvida se ele pretendia ser ofensi­vo ou se tinha sido apenas uma colocação incons­ciente de palavras. Não tinha importância. O efeito era o mesmo. Ela ainda se sentiu incomodada.

— Por isso você sai com mulheres como Angela? — aventurou-se.

Rafe virou-se para encará-la.

— Caso você não tenha notado, ela é muito sexy.

— Mas tinha que admitir que ela não era assim tão sexy, já que ele não foi procurá-la ontem, embora ti­vesse tempo. Isso só provava seu argumento de que a luxúria era uma fase passageira. Havia seis meses ele queria possuí-la a todo instante. Pensou com algum grau de satisfação que mantinha controle sobre suas emoções e, conseqüentemente, controle de sua vida. Depois, ocorreu-lhe que a mulher sentada à sua fren­te provavelmente iria dar início a outro debate sobre o assunto. Era surpreendente ter permitido que ela expressasse suas opiniões. Decidiu que isso era uma prova de como era razoável. Afinal de contas, ela es­tava desempenhando seu trabalho.

Também percebeu que ainda não tinha dado início à conversinha que estava determinado a ter e agora estava arriscado a atrasar-se para seu encontro das 15h00.

— Ela não parece muito desafiante.

— Não, talvez não seja mentalmente desafiante...

E o olhar de Rafe parecia dizer que isso não signi­ficava que ela fosse profundamente desafiante em outros setores.

— Ela já foi apresentada a Claudia?

Ele pareceu horrorizado e sorriu de maneira conspiratória para Sophie.

— Você conhece a minha mãe. O que acha? Sophie pensou que de repente havia uma intimida­de entre eles que era um pouco exasperante.

— Talvez gostasse dela — disse, neutra, e o sorri­so dele alargou-se. Quando ele ria daquele jeito, sem cinismo ou deboche, ficava superatraente.

— Ou talvez não. Fico com a última opção. — O sorriso transformou-se numa gargalhada. — A últi­ma vez que levei uma mulher para casa, uma mulher bem parecida com Angela, por sinal, tive que sofrer o desconforto de ver minha mãe conversar sobre os te­mas mais fúteis possíveis, e quando ficou a sós comi­go, soltou vários suspiros de desapontamento e acon­selhou-me a pensar melhor antes de me envolver a sério com ela. Pobre Fione Bluthe-White. Só durou mais uma quinzena.

Sophie não pôde se controlar. Caiu na gargalhada, imaginando a cena. Claudia era afiada como uma faca.

Sua risada era tão saudável quanto suas opiniões, pensou Rafe, desconcertado por alguns segundos. Não era de natureza extrovertida nem do tipo que vi­rasse o centro das atenções, mas havia uma tamanha sinceridade em tudo que dizia e fazia que era anima­dora.

Olhou para o relógio. Seguindo a direção do olhar, Sophie disse com ironia:

— Desculpe. Você deve voltar para o escritório. Sei que normalmente tem reuniões à tarde.

— Tive um cancelamento. Raymond Slater está fora do ar por causa de um vírus no computador.

— Que falta de consideração! — provocou Sop­hie, e ele respondeu com um sorriso irônico.

— Exatamente o que eu penso.

— Pode me dizer qual foi o resultado de sua reu­nião com Bob Beardsman? Sei que não vou estar por perto para ver o resultado, mas tenho interesse em sa­ber. Ele decidiu vender para você?

— Nada ainda foi decidido.

— Bem, você vai ter que me contar... não que nos­sos caminhos se cruzem num futuro próximo... — Sua voz ficou fraca e sentiu um calafrio percorrê-la, o que era tolice. — Você pretendia ter uma conversa comigo. Você tem tempo? Prefere deixar para segun­da-feira?

— Estarei fora na segunda. — Como o tempo pas­sou rápido.

— É importante?

Rafe pensou nela, em sua inocência, em suas idéias românticas. Muito importante.

— É — disse. Tinham terminado o café e a conta tinha sido trazida, mas em vez de pagar, pediu mais dois cafés e uma fatia de bolo de chocolate com cre­me. Esperava que ela recusasse, mas depois de um momento de surpresa, parecia feliz da vida. Na ver­dade, os olhos iluminaram-se quando a sobremesa chegou, e apesar de saber que tinha que terminar a conversinha que precisava ter com ela, agora em tem­po recorde, não pôde resistir e perguntou como con­seguia evitar a irritante queixa feminina de estar numa dieta perpétua.

— Não sendo muito vaidosa, acho — disse Sophie encolhendo os ombros e apreciando cada colherada da pecaminosa, calórica e deliciosa torta. — Essa é outra vantagem de vestir-se com roupas confortáveis e largas, está vendo? Elas podem esconder uma mul­tidão de pecados.

Não que houvesse algum à vista na noite passada, pensou Rafe, lembrando-se de como o vestido estava colado ao corpo esbelto. Percebeu que ela o olhava curioso e também percebeu que ele tinha mergulhado no silêncio, contemplando-a, lembrando-se do vesti­do e da remoção dele.

Afastou os pensamentos inconvenientes.

— Não sei direito como começar. — Sophie ficou com o garfo suspenso no ar. O coração contraiu-se. O almoço tinha sido bem melhor do que esperara. De­via saber que a camaradagem temporária era a calma­ria antes da tempestade porque Rafael Loro não era homem que evitasse levantar uma questão. De repen­te, o bolo deixou de ser tão saboroso quanto há pou­cos minutos, embora ela terminasse de comê-lo.

— Normalmente eu não faria tal discurso se... — franziu a testa e olhou-a pensativo — ...não fôssemos conhecidos de longa data.

Bem, não tinha resposta para isso, certo? Sophie olhou-o confusa e já planejando o que diria a seu che­fe sobre sua tarefa malsucedida.

E como seria entrar em outro escritório, um que não contasse com a presença dinâmica de Rafe... Foi tomada por um sentimento de temor.

— Olha, vou dizer de uma vez. Observei você a noite passada... e você não percebeu o sinal, não é?

— Sinal? — Os olhos ficaram arregalados, tentan­do descobrir o que ele estava tentando dizer.

— Um sinal sobre como Londres é na verdade. É uma selva, e você não é um animal selvagem. Vi isso claramente a noite passada. Você estava vestida de um jeito que atrairia o olhar de um cego, bebeu de­mais e estava provocante.

Sophie ficou boquiaberta e ruborizada ao começar a decifrar o rumo da conversa.

— Eu... eu não estava... provocante.

— Adrian Walsh estava dando em cima de você, Sophie. Normalmente eu não me sinto responsável pelo comportamento de outras pessoas, mas, como disse, conheço você desde que era criança...

— Mas não sou mais criança! — O ligeiro rubor ti­nha se transformado em duas vermelhas manchas de raiva nas bochechas. — Posso tomar conta de mim mesma! Não precisa se sentir responsável!

— Você está tentando me convencer de que é capaz de tomar conta de si mesma, depois de eu ser obrigado a levá-la em casa e colocá-la na cama? Você tem idéia da situação em que se colocou?

— Eu era perfeitamente capaz de ir para casa sozi­nha!

— Mentira. Você mal conseguia andar em linha reta.

Será que todos pensavam do mesmo jeito? Que ela tinha se unido ao grupo de elite e comportara-se como uma caipira, fazendo papel de idiota?

— Cheguei em casa e já tinha uma mensagem na secretária eletrônica. Adrian querendo seu telefone. O que você disse a ele?

— Não disse nada, só conversei. Não tenho culpa se ele interpretou mal! E você não pode culpar minhas roupas — acrescentou, num lampejo de esperte­za. — Angela não estava exatamente agasalhada! Você se sente responsável por ela também? Na ver­dade você se sente responsável por toda mulher de saia curta e bebendo um pouco?

— Não seja ridícula.

— Não estou sendo ridícula! Só estou tentando fa­zer com que compreenda que não precisa se sentir responsável por mim. — Ela podia acrescentar que isso era um insulto. — Você vive me chamando de ajuizada. Agora está me tratando como uma criança. Decida-se! Ou eu sou uma adulta ajuizada ou uma criança irresponsável!

Rafe sacudiu a cabeça impaciente e depois enca­rou-a, chocado.

— O que teria acontecido se Adrian tivesse levado você para casa e não eu?

Ela sabia exatamente aonde ele queria chegar com aquela pergunta inocente e sentiu a pele queimar. Ten­tou pensar em algo mordaz, mas ele foi mais rápido:

— Adrian é um predador, e predadores não têm um instinto cavalheiresco.

— Farinha do mesmo saco... — murmurou, e Rafe inclinou-se, a boca estreitando-se.

— O que quer dizer?

— Nada. — Abaixou os olhos, evitando os dele, mas podia sentir o olhar cortante. Foi preciso um grande esforço para controlar as emoções e pensar que estava recebendo para preparar uma reportagem e precisava agir profissionalmente. — Obrigada por sua consideração e pelo conselho. Vou lembrar-me no futuro. — Toda vez que eu quiser me sentir humi­lhada e insegura, acrescentou para si mesma.

— De jeito nenhum.

— De jeito nenhum o quê?

— De jeito nenhum você vai fazer um comentário desses a meu respeito sem explicar-se. E não finja que não sabe a que me refiro. Você falou de mim como se eu fosse da mesma laia do Adrian. Está insi­nuando que eu também sou um predador?

— Se a carapuça lhe serviu...

— Então eu vou fazer questão de vesti-la. — Incli­nou-se na direção dela e a postura do seu corpo pare­cia trazê-lo perigosamente para perto. — Mas não serve e quero que me diga por que acha que serve.

Sophie deu de ombros.

— Acho que os dois vêem as mulheres como uma brincadeira e não como parceiras em potencial. Pelo menos, isso é o que parece quando ouço você falar do Adrian. Não tenho uma opinião a esse respeito.

— Adrian não teria despido você e deixado seu apartamento. Acredite-me.

— Então por que convive com ele, se tem uma opi­nião tão desfavorável a seu respeito?

— Fiz alguns negócios com ele. Ele é web desig­ner e, acredite ou não, tem um fantástico senso de hu­mor. Qualidade valiosa e rara nos ambientes de tra­balho. Isso, entretanto, não significa que sou como ele. — Por alguma razão era irritante vê-lo agrupado na mesma categoria que alguém que era divertido, mas um jogador inveterado. E ele tinha se desviado do assunto, que era ensinar — gentilmente é claro — uma ou duas verdades sobre como cuidar de si pró­prio num mundo perverso.

Ele podia imaginar como Grace devia estar nervo­sa de preocupação por sua filha estar morando em Londres.

Sempre tinha sido uma mãe superprotetora. O que tinha na cabeça quando mandou Sophie para a cidade sozinha? Não sabia que uma jovem inocente podia ser alvo fácil para um sem-número de mulherengos e pervertidos?

— Ok — Sophie concordou de imediato. — Pode­mos ir? Sei que você deve estar com a agenda cheia o resto do dia. Pensei, na verdade, em usar a sala vaga de seu escritório para editar o que escrevi até agora.

Rafe, ainda furioso com a imprudência de Grace em deixar a filha perdida em Londres, mal ouviu Sophie, que foi forçada a repetir a pergunta.

— É claro, não vou dar seu telefone para Adrian — comentou.

Sophie abriu a boca para dizer que cabia a ela de­cidir se entraria em contato com Adrian ou não, mas achou melhor ficar quieta. Por que criar mais atrito? É claro que se sentia ofendida por ele estar se colo­cando na posição de conselheiro, por ela ser muito ig­norante e ingênua para cuidar de si própria, mas por outro lado podia ficar sem a atenção de um mulheren­go. Perguntou-se o quanto seria capaz de cuidar de si mesma, embora não fosse admiti-lo nem morta. Rafe passando-lhe um sermão encerrava o assunto.

— Está bem.

Ficou surpresa com a reação dele a uma resposta inofensiva. Em vez de relaxar, sua expressão ficou mais sombria. — Será que isso é porque você já tem um homem a reboque? Tenho bastante experiência com mulheres para saber que algumas vezes elas es­condem segredos que não querem que os outros co­nheçam, e geralmente esse tipo de segredo é homem.

Sophie demonstrou-se insultada, enraivecida com a acusação e pensou que talvez ele tivesse perdido o juízo. Ele descontraiu-se.

— Só para me certificar. — Pediu a conta enquan­to ela o olhava, incrédula. — Você estava perguntan­do se pode usar aquela sala. Claro. Ou pode usar a minha. Estarei fora o resto da tarde e, como disse, na segunda, estarei fora todo o dia. Você é mais do que bem-vinda se quiser me acompanhar, mas teria de li­dar durante sete horas com um time de advogados in­crivelmente chatos.

Sophie pensou se "incrivelmente chatos" ficava próximo de "incrivelmente arrogantes".

O homem nunca parava de surpreendê-la: quando começava a relaxar, ele vinha com um lembrete bru­tal de como podia ser desagradável. Devia saber des­de o começo que as histórias dos dois eram muito in­terligadas para que ele não a visse como uma criança. Ela precisava ser vista como uma igual, e algumas vezes parecia que ele fazia isso, para em seguida vol­tar atrás. Que irritante!

Observou-o num silêncio de pedra, enquanto pa­gava a conta, rejeitando sua oferta de dividir a conta sem ao menos olhá-la.

— Só por curiosidade — perguntou, fria, quando andavam em direção ao Jaguar estacionado perto do restaurante —, o que vai acontecer quando minha ta­refa terminar e você não estiver mais por perto para ficar de olho em mim e me dar conselhos? Acha que eu posso sucumbir ao primeiro pervertido por ser muito inocente?

— Não, se prestar atenção aos meus conselhos — disse Rafe, abrindo a porta do carro para ela e espe­rando até que ambos tivessem entrado para conti­nuar. — Você precisa aprender a ter cuidado. Uma jovem atraente com pouca roupa e bastante embria­gada funciona como um ímã para qualquer homem que queira tirar vantagem.

— Não posso acreditar no que estou ouvindo.

— Acredite, não é da minha natureza dizer aos ou­tros como se comportar...

— Mas você faz isso.

— Tenho outra opção? — Abriu os braços de for­ma magnânima e Sophie teve vontade de listar todas as opções que ele tinha, inclusive ficar longe de sua vida privada, mas sabia que nenhum protesto iria detê-lo em sua cruzada. — Minha mãe ia querer isso. Quem sabe...? — Ele levantou o ombro elegante e deu-lhe um sorriso desconsolado. — Talvez por isso tenha me recomendado você.

— Essa é a... coisa... mais prepotente que ouvi na vida.

— Você diz isso, mas faz sentido... — Ela o enca­rou como se fosse explodir de raiva a qualquer ins­tante. As bochechas estavam coradas e ela tremia. Rafe pensou nas mulheres com quem saía, as lindas Angelas que deslizavam elegantes pela vida, pare­cendo raramente reagir às situações que a vida lhes apresentava. Sophie era um mundo à parte. Parecia reagir a qualquer nuance. Nunca tinha visto nada pa­recido.

Em um minuto bateria nele. Podia ver pela manei­ra como apertava os punhos no colo, como se quises­se voltar atrás e não demonstrar suas emoções.

E o que faria se ela batesse nele?

Não ia ser a primeira vez. E das outras vezes ele ti­nha simplesmente virado as costas. Mulheres histéri­cas deixavam-no frio. Entretanto, dessa vez...

Fitou-a chocado por baixo dos cílios.

— Nova em Londres. Inexperiente. Minha mãe devia saber que seria bom para você que eu ficasse de olho durante umas duas semanas.

Sorriu com tamanha gentileza protetora que Sophie teve vontade de gritar. Em vez disso, emitiu um som inarticulado, estrangulado.

— Não sou inteiramente inexperiente, Rafe — disse entre dentes. — Enquanto você estava adicio­nando milhões à conta bancária, eu não estava em casa tricotando e indo para a cama às nove da noite.

A expressão de Rafe mudou, olhando-a com gran­de interesse, e ela teve vontade de se esbofetear por ter respondido à provocação dele. Ele exercia esse poder sobre ela.

— Não?

— Não. — Sophie extinguiu-lhe a curiosidade com um olhar apagado.

— O que estava fazendo? — Balançou a cabeça e olhou-a, sério. — Você me decepciona, Sophie Frey. Nunca pensei que você fosse uma criança des­trambelhada.

— Eu não sou uma criança destrambelhada! Olha, nem sei por que estamos falando sobre isso! — Com uma enorme sensação de alívio, viu George estacio­nando onde ela iria saltar antes que Rafe continuasse seu caminho. Rafe, seguindo a direção de seu olhar, ficou desapontado por já terem chegado.

Quantas vezes tinha xingado o trânsito de Londres e jurado que escaparia para um lugar mais civilizado as­sim que pudesse? Agora, quando um engarrafamento teria lhe permitido continuar essa conversa esclarece­dora, tinham conseguido chegar em tempo recorde.

Lembrou-se de que era melhor assim pois já estava atrasado.

Sua mão já estava na maçaneta da porta antes que o carro parasse.

— Chegamos!

— Estou vendo. Tente não sofrer um colapso dian­te de tanta emoção por escapar de nossa conversa. — Não podia se lembrar de outra ocasião em que um mulher estivesse tão ansiosa por escapar de sua com­panhia. E a conversa era sobre ela!

Sophie, com a porta aberta e um pé do lado de fora, podia sentir-se generosa no momento da partida. Virou-se e sorriu. Afetuosamente, assim esperava.

— Não seja tolo! Não estava tentando escapar de você. Estou muito grata por sua preocupação. Pode ter certeza de que vou contar em casa como você está se comportando como um pai. Vejo você na terça-feira!

Rafe ainda estava furioso com o insulto, por mais merecido que fosse, quando a porta do carro bateu, deixando-o com o sentimento desconfortável de que a pessoa de quem menos esperava isso tinha lhe pas­sado a perna.

 

O final de semana de Sophie foi longo o suficiente para botar as coisas em ordem. O discurso lamentá­vel de Rafe tinha caído como um raio em sua cabeça porque ele era a última pessoa do mundo de quem ela esperava qualquer sentimento de consideração e preocupação. A última pessoa, na verdade, de quem queria receber essas atenções porque, vindas dele, representavam um insulto.

Mas que só poderiam derrubá-la se ela permitisse.

Ela devia aceitar seu conselho bem-intencionado e ignorar a voz persistente em sua cabeça dizendo que Angela, a mulher linda, de pernas longas e unhas compridas, jamais seria objeto de uma proteção paternal. É verdade, ela não previu isso, mas, pensando melhor, era inevitável. Ele não a queria por perto, es­tava preso à imagem que tinha de uma adolescente desajeitada olhando para ele a distância. Então, de­pois da antipatia inicial, se posicionara como a figura mais velha, mais sábia, o conselheiro maduro cuja obrigação era protegê-la debaixo de suas asas.

O vestido azul colado, o álcool e o inesperado in­teresse de Adrian não tinham ajudado, pelo menos não no que dizia respeito à sua independência.

Ela teria de provar a ele, no tempo que restava, que não era mais aquela adolescente. Que nunca tinha sido aquela adolescente. Tivera uma tola atração por ele, mas nunca fora patética ou desamparada e não estava sendo assim agora.

Esperava a chegada dele na terça-feira, fortificada por um bom senso à moda antiga, um olhar maduro e por três dias sem ele por perto, quando a secretária Patrícia entrou correndo no escritório onde Sophie trabalhava temporariamente rabiscando num bloco e pensando em como poderia mostrar seus melhores ângulos.

Até então, sempre tinha visto Patrícia calma e co­medida, mesmo quando Rafe dava ataques, gritando ordens sem parar e movendo-se à velocidade da luz.

Sua aparência agora, agitada, causava preocupação.

— É o sr. Loro!

Sophie sentiu-se empalidecer quando todos os pensamentos maduros que vinha diligentemente pro­cessando voaram pela janela.

— O que aconteceu, Patrícia? Um acidente? Ele... ele está bem? — Teve a visão de Rafe preso entre metais, seu corpo estraçalhado e sem vida. Seu corpo inteiro era um feixe de nervos expostos.

— Ah, querida. Deixei você preocupada à toa. — Patrícia respirou lentamente e fechou a porta, sentan­do-se em frente à mesa. — É... bem, o sr. Loro ligou para avisar que não vem hoje nem provavelmente du­rante toda a semana...

Sophie achou que ia desmaiar de alívio. A sensa­ção foi seguida por uma profunda irritação, pois Pa­trícia tinha feito uma tempestade num copo d'água ao agir de forma tão exagerada.

— Algum problema na reunião de ontem? — per­guntou, relaxada. — Deve ter sido complicada se teve de ficar mais alguns dias. — Essa era a aura de invencibilidade que ele tinha criado ao redor, e era quase impossível para ela imaginar uma situação que ele julgasse complicada.

— Não, nenhum problema. É só que... ele telefo­nou para dizer que não está bem. Pode imaginar meu choque! O sr. Loro nunca faltou um dia, em todos es­ses anos. Sempre teve a saúde de um... um...

— Touro? — ajudou Sophie. — O que ele tem?

— Aparentemente pegou um vírus. — Patrícia permitiu-se um sorrisinho. — Eu diria que é até bom saber que afinal ele é humano. Espero que não colo­que isso em seu artigo!

— Tenho certeza de que ele iria rabiscar essa ob­servação, se eu a colocasse. Ele pode se sentir insul­tado por alguém dizer que afinal ele é humano. — disse Sophia, sorrindo.

— O motivo de eu ter voado até aqui é que ele exi­giu que você fosse vê-lo.

— Exigiu o quê?

— Exigir talvez não seja a palavra certa...

— Você quer dizer que ele ordenou que eu fosse até a casa dele. Por quê? — Como se ela não soubes­se. O que ele achava que ela ia aprontar sem ele por perto? Uma greve dos funcionários? Achava por aca­so que ela os encorajaria a abandonar as ferramentas de trabalho e usar o prédio para uma festa rave?

— Não sei. Essa é uma situação inusitada. Ele mencionou alguns documentos de que precisa mas, sinceramente, eu poderia levá-los ou poderia arranjar alguém que os levasse. — Parecia estar diante de um problema matemático fora de seu domínio, insolúvel.

— Quando ele quer que eu vá? — perguntou Sophie, resignada. — Rápido, o mais rápido possí­vel ou já?

— Já, eu acredito. — Patrícia depositou uma pilha de documentos na mesa e levantou-se com um riso de compreensão. — Boa sorte! Ele não está no melhor dos humores.

Como se alguma vez estivesse, pensou Sophie.

Como sempre, o tempo estava feio em Londres. A garoa que a saudara pela manhã ao sair decidira dar uma folga mas não deixava ninguém com a ilusão de que tivesse ido embora. O céu ainda estava carregado e havia o cheiro de umidade no ar.

Felizmente, não precisava se preocupar com o transporte público desta vez.

Patrícia tinha convocado George, que esperava na recepção. Então, só teve que dar uma corridinha rápi­da até o Jaguar e entrar no abençoado calor do carro. Manteve, por alguns minutos, uma conversa superfi­cial e depois mergulhou no silêncio, feliz de olhar através da janela. Irritou-se por Rafe tê-la intimado a percorrer metade de Londres. Não estava levando sua função de babá muito a sério? O que deveria fazer a seguir? Relatórios escritos sobre seus próprios movi­mentos para que ele pudesse checá-los e certificar-se de que ela estava se comportando? Ela é que o estava seguindo, pelo amor de Deus!

O trânsito estava pesado. A chuva tinha transfor­mado as ruas numa massa de carros e táxis que se mo­viam em intervalos curtos e lentos. Demoraram uma hora até chegar ao destino.

Sophie não tinha idéia do que a esperava. Mas com certeza quem a recebia não era um Rafe com a barba por fazer, atendendo a porta de pijama. Ela ficou pa­rada, desnorteada com a visão. Ele virou as costas e começou a andar em direção a um aposento.

Sophie seguiu-o num passo rápido até uma sala que parecia desenhada para descansar elegantemente e não para trabalhar. As janelas amplas tinham corti­nas vermelhas com persianas vitorianas abertas para permitir o máximo de luz natural. O grande sofá enorme para a maioria das salas, cabia perfeitamente nessa e tinha se transformado numa cama, com os travesseiros empilhados no canto. Uma mesa requin­tada que devia ficar no centro do aposento tinha sido arrastada para perto e estava coberta de papéis, lap-top, celular e vários artigos de escritório.

Sophie fez uma pausa na porta, olhando tudo, até que Rafe disse, irritado:

— Não fique parada aí feito uma idiota. — Tinha se jogado em uma das cadeiras perto da lareira e olhava-a de cara feia.

Tirada de seus pensamentos, Sophie olhou na dire­ção dele, para as pernas morenas e um pedaço do pei­to exposto pelo roupão de banho.

— Você não deveria estar devidamente... vestido, já que não está bem? — Originalmente tinha pensado em discutir assim que chegasse, perguntando por que ele achava que tinha o direito de chamá-la para sua casa, acusando-o de ofendê-la com seu esforço de manter o olho nela, como se ela tivesse sete e não vinte e sete anos.

Os planos foram eliminados pela seminudez. Achava difícil olhar para ele, com medo de que um olhar distanciado se transformasse num olhar ávido, devorador.

— Você quer dizer de terno? — perguntou, sarcás­tico. — O que, é claro, é a vestimenta apropriada para quem está doente em casa. — A voz estava rouca e Sophie, reprovando-se, entrou na sala. Normalmente, sua natureza misericordiosa teria sido despertada, mas, mesmo doente, Rafe ainda conseguia intimidá-la.

— Quis dizer que talvez devesse vestir algo mais quente.

— Estou fervendo.

— Talvez esteja com febre. — Ela sentou-se em uma das cadeiras, colocando os papéis no colo e a bolsa no chão.

— Talvez.

— Tomou algum remédio?

— Não costumo ter remédios para gripe em casa. Acredite ou não, é a primeira vez que me lembro de ter ficado doente, desde que era criança. Pode sentar mais perto? Minha garganta dói, e ficar gritando não vai ajudar. Na verdade, você podia sair e comprar al­guns comprimidos ou qualquer coisa que as pessoas tomem em situações como essa.

— A situação chama-se estar gripado. É um acon­tecimento anual para a maioria de nós. — Olhou para baixo porque sentia que ia rir e tremia só de pensar na reação que ele teria. Pobre Rafe, disse para si mesma. Claro que devia ser difícil lidar com a idéia de doen­ça. Germes normalmente o evitavam como uma pra­ga! Esse pensamento deu-lhe ainda mais vontade de rir. Ela levantou-se e mexeu na bolsa, certificando-se de que o rosto estava perfeitamente composto quan­do finalmente virou-se para olhá-lo.

— Vou dar uma saída e comprar remédios. Você prefere algo líquido ou comprimidos?

— O que for mais forte — resmungou ele. — Te­nho que estar, de pé amanhã à tarde para uma reunião muito importante.

— Não diga isso para mim, diga para seu vírus—in­formou Sophie, encaminhando-se para a porta. — Embora — disse por cima do ombro — eles tenham o péssimo hábito de não prestar atenção.

— Tem uma farmácia bem na esquina — respon­deu ele. E ela esperou estar fora da casa antes de dei­xar que o riso fluísse.

Voltou e encontrou Rafe exatamente onde o deixa­ra. Estava cochilando, mas abriu os olhos assim que ela entrou.

— Você devia tentar dormir — disse Sophie, ti­rando uma caixa da bolsa e lendo as instruções. — Você estava cochilando. Seu corpo está avisando que precisa descansar.

— Não seja ridícula. Eu estava quase terminando um relatório quando você entrou. Meu corpo vai des­cansar quando eu disser que deve descansar e nem um minuto antes. É esse o remédio? Traga aqui.

— Se você não tiver cuidado — disse Sophie, an­dando na direção dele —, vai se transformar num ve­lho rabugento, Rafael Loro. Estalando os dedos, dan­do ordens e resmungando.

— Não brinque com a sorte, Sophie. Nossas mães podem ser amigas, mas não agüento mais essa sua psicologia barata. E outro aviso: existe uma tênue li­nha entre exigir e implicar.

Mas sua voz estava descontraída quando pegou o vidro. Os dedos se roçaram e Sophie colocou-lhe a mão na testa.

— Nossa, você está com febre! Ande, me dê o vi­dro.

— Na verdade, prefiro comprimidos. — Entregou-lhe o vidro e ela olhou-o incrédula. — Não gosto muito de xaropes.

— Azar o seu. Não vou voltar à farmácia. Está co­meçando a chover e faz muito frio. — Pegou o vidro, encheu uma medida generosa e olhou enquanto ele tomava tudo fazendo careta.

— Pronto. Satisfeita?

— Você não está tomando esse remédio para o meu bem, Rafe, mas para o seu! — Afastou-se de­pressa, falando de costas para ele. — E você precisa ir para a cama. Ficar sentado aí, semidespido e fin­gindo que está trabalhando, só vai prolongar o resfriado. — Virou-se e olhou-o firme, os braços cruza­dos. Ele podia não gostar que ela lhe desse bronca, podia agora adicionar víbora à lista de outros char­mosos atributos que lhe conferia. — Não estou impli­cando com você, mas se você insistir em se comportar como um garotinho, então vai ser assim que vou lhe tratar! — Valia a pena ver a expressão de incredu­lidade no rosto dele. Mulheres não implicavam com ele, não lhe davam bronca e certamente nunca disse­ram que ele estava agindo como uma criança!

— Suponho que não posso impedi-lo de tentar tra­balhar, mas vou só dizer uma coisinha: quanto mais trabalhar agora, mais difícil será sair da cama ama­nhã. Estou surpresa que seu corpo tenha agüentado tanto até avisar que precisa de uma trégua!

— Alguma vez considerou a carreira de inspetora? — Rafe tinha redescoberto o poder da palavra. — Ou talvez alguma função num presídio? — Levantou e amarrou o roupão. — Traga esses documentos que Patrícia mandou. Acho que minha febre pode agüen­tar um pouco de trabalho. Parou na frente dela e sor­riu. — Você representa o papel de sargento muito bem, sabia?

— E você o de paciente rebelde, sabia?

Ela podia ouvi-lo rindo baixinho enquanto ela pe­gava a bolsa, os papéis e o laptop dele, sem o qual ela duvidava que ele pudesse sobreviver por mais que al­guns minutos.

Inspetora? Policial de presídio? Sargento? As maçãs do rosto ardiam quando ela o seguiu e ele de­sapareceu em uma das portas.

Isso não fazia parte de seu trabalho! Certo, ela de­via segui-lo, acompanhar seus movimentos para po­der escrever uma reportagem sobre a rotina dele, mas bancar a enfermeira? Sair na chuva para comprar re­médios para febre e gripe?

Ela espiou pela porta aberta, ainda fumegando, e ficou paralisada.

Era um quarto grande. Enorme. Duas paredes for­radas de madeira passavam a sensação de aconchego, assim como a mobília escura e as cores masculinas vermelho-escuro e azul. A cama estava desfeita, os lençóis, travesseiros e coberta caoticamente espalha­dos. E no meio do quarto, lá estava ele, de costas, o corpo não mais parcialmente coberto pelo roupão que tinha sido descartado e estava misturado à roupa de cama.

Sophie teve o sentimento desorientador de tudo funcionar em câmera lenta por segundos, para depois acelerar até que o quarto parecesse girar em velocida­de máxima.

Pelo menos tinha tido a decência de manter a cue­ca samba-canção, mas isso só acentuava a perfeição do corpo, a largura dos ombros, a cintura estreita, o comprimento das pernas.

Engoliu em seco, os olhos arregalados. Deve ter feito barulho porque, para seu horror, ele virou-se e olhou-a, não fazendo nenhuma menção de se cobrir.

— Ótimo. Você trouxe as minhas coisas. — An­dou em sua direção e ela afastou-se alguns centíme­tros, apertando o laptop e os papéis contra o peito, como um escudo protetor.

Seu corpo era indecentemente masculino/Magro, pêlos escuros no peito, o abdômen firme e reto, om­bros cujos músculos saltavam quando se movia. Afastou o olhar e limpou a garganta.

— Você se importa de... colocar a roupa, Rafe?

Rafe parou.

— Você não está envergonhada, está? Na verdade, estava pronto para ir para a cama. Ei, você pode olhar para mim. Não estou nu.

Ele sabia que isso era um truque infantil. Tinha cronometrado a retirada do roupão com precisão imaginando qual seria sua reação e ela não o estava desapontando. Parecia estar rezando, pedindo a Deus para salvá-la. E se continuasse apertando o laptop com aquela força, os dedos nunca mais deixariam de ficar dobrados.

Ele só podia creditar essa atitude tão infantil ao té­dio de ter sido forçado a aceitá-la ou ao desejo de apreciar o delicado colorido em suas bochechas, a sombra de emoção no rosto que ele tinha recente­mente descoberto.

Com um suspiro, encaminhou-se para a cama, en­trou debaixo das cobertas e olhou quando ela tentou juntar forças para se aproximar suficientemente dele.

— Você veria o mesmo na praia. Se a deixei en­vergonhada, peço desculpas. De qualquer forma, você tem razão. Melhor ficar aqui no quarto, por mais que odeie admitir.

Sophie arriscou-se a olhar.

— Você não vai vestir um... pijama?

— Não tenho nenhum. Nem todo mundo tem. — Sorriu inocentemente, o suficiente para fazê-la en­tender que ele sabia exatamente aonde levava esse comentário: direto para seu quarto e a atitude cava­lheiresca mudando-lhe as roupas. Sophie preferiu ig­norar.

Depositou o laptop na cama junto com os docu­mentos que Patrícia enviara e deu um passo atrás. Es­tava achando cada vez mais irritante estar aqui, na casa.dele, no quarto dele. Ele estava entediado e essa era uma situação perigosa para um homem que sem­pre funcionava a pleno vapor.

Não havia necessidade de se despir quando sabia que ela o seguiria.

— Você quer mais alguma coisa? — perguntou, e rapidamente reformulou a pergunta: — Quero dizer, tenho que ir embora, mas posso trazer água... você vai precisar tomar o remédio novamente, dentro de quatro horas...

— Comida — disse Rafe sucinto, ligando o lap­top.

— Desculpe?

— Você perguntou se eu queria alguma coisa. Co­mida. Não comi nada hoje de manhã.

— Você quer comida! — perguntou, boquiaberta.

— É preciso se alimentar quando se está gripado. Por quê? Vai dar muito trabalho? Sua missão não é ficar comigo todo o tempo?

— É, mas...

— Não estou pedindo que faça nada extraordiná­rio. Apenas ovos e torrada, talvez...

— Cozinhar para você não faz parte de minhas ta­refas — disse decidida.

— Estou doente. Uma febre altíssima. Você mes­ma disse. Parece que nós magnatas somos presas fá­ceis para coisas que fogem a nosso controle. É um aspecto interessante que podia abordar em seu artigo. O toque humano que você estava tão ansiosa em explorar...

— Você não está com uma febre altíssima! — Mas a atenção dele estava de novo concentrada na tela do laptop e, bufando Sophie foi para a cozinha, perguntando-se como tinha se colocado em tal situação.

Devia emitir algum sinal que alertava as pessoas à sua volta de que fazia o tipo mãezona. Sempre que uma das amigas passava mal, era a ela que chama­vam, e lá ia ela fazer as compras e preparar o chá. Isso era ótimo para amigos, pensou mal-humorada, mas quando se tratava de Rafael Loro, cheirava a abuso.

A cozinha dava para o jardim dos fundos e era uma interessante mistura de mobília simples — uma ado­rável e gasta mesa de pinho, cadeiras — e aparelhos domésticos de última geração. Levou um tempo para localizar o que precisava, vários outros para fazer funcionar a torradeira e a máquina de café e uma meia hora até estar de volta ao quarto, levando uma bandeja com ovos mexidos, torrada, suco e café, ta­lheres e guardanapo.

E ele ainda não tinha se vestido. Estava sentado na cama, a coberta enrolada na parte inferior do corpo deixando o torso exposto e nem ao menos parcial­mente escondido pelo laptop que colocara de lado, esperando pela bandeja.

Sentindo-se como se trabalhasse no serviço de quarto de um hotel, Sophie, mal-humorada, colocou a bandeja na cômoda e, ignorando suas perguntas, re­mexeu as gavetas até encontrar uma camiseta verde-escura, que jogou-lhe em cima.

— Você não vai querer adicionar à gripe queima­duras de terceiro grau por derrubar café quente em cima de você, vai? — perguntou, meiga. Rafe, obe­diente, enfiou a camiseta.

— Melhor assim?

— Aqui está o seu pedido. — Sophie colocou-lhe a bandeja no colo e afastou-se enquanto ele emitia ruídos apreciativos.

— Que cheiro bom! Posso reconhecer uma deusa doméstica a um quilômetro e meio de distância. — Atirou-se à comida com entusiasmo, o que indicava germes bastante famintos. Sophie se perguntou se ele estava tão doente quanto pretendia parecer e chegou à conclusão de que, como a maioria dos homens, es­tava apenas fazendo tempestade em copo d'água. O que era compreensível, considerando que ele não conseguia reconhecer um vírus, nunca tendo sido vi­sitado por um.

— Sente-se — ordenou, concentrando-se nos ovos e torradas. — Estou pouco à vontade vendo você de pé e de braços cruzados.

— Eu estava apenas tentando comportar-me de acordo com minha imagem de sargento. — Teve vontade de se esbofetear por ter explodido, suas pala­vras soando como uma queixa petulante e infantil e não, como era sua intenção, como um comentário sarcástico. — Patrícia estava preocupada com você. Gostaria que eu lhe telefonasse para dizer que você está bem?

— Se eu estivesse bem, estaria no escritório — disse, irritado. — Está uma delícia! Pode preparar os ovos sempre que quiser.

Sophie recolheu a bandeja, esperando enquanto ele retirava a xícara de café.

— Obrigada, mas dispenso a tarefa.

Rafe ficou irritado com o comentário. Tão irritado quanto se sentia vendo-a tentando equilibrar a bande­ja em uma das mãos e pendurar a bolsa com a outra.

— Pelo amor de Deus, dá para sentar? Não é pos­sível que não possa alterar a rotina de seu dia milimetricamente calculado!

Sophie ficou tão surpresa com a agudeza da ordem que obedeceu. Sentou-se. Na cama, perto dele, a ban­deja no colo e a bolsa nos pés.

— Ok, não fazia parte de seus planos estar aqui, mas agora que está, por que não aceita a situação e tira proveito dela? Afinal de contas, na situação em que me encontro sou só ouvidos.

— Está certo. — Viu que ele esticava as pernas de­baixo da coberta e passou a língua nos lábios. — Aí vai uma pergunta: por que pediu que eu viesse? Por que eu? Se queria alguém para lhe fazer engolir re­médios para a gripe e preparar o café-da-manhã, não acha que Angela seria a opção óbvia? Quero dizer, como ela vai se sentir, sabendo que estou aqui? Ou você podia ter pedido a Patrícia para trazer os docu­mentos...

— Imagino que pudesse pedir a Patrícia para vir, mas não... não ia funcionar. — Dobrou os braços atrás da cabeça. — Temos um relacionamento amigável, mas que obedece a linhas rígidas estabelecidas entre nós. Ela se sentiria extremamente desconfortá­vel aqui em casa, vendo-me como um inválido.

— Até parece que você está seriamente doente! E Angela?

O sorriso desapareceu do rosto imediatamente e ele franziu as sobrancelhas.

— Não, não ia funcionar de jeito nenhum.

— Por quê? — Sophie não podia imaginar nada melhor do que ser cuidada pelo namorado, sabendo que toda ação solícita vinha do amor e da afeição e de um real desejo de ajudar. O rosto desanuviou-se.

— Você sabe. Angela adoraria circular pela minha casa, assumindo o papel de dona-de-casa e tirando minha febre. Sua habilidade culinária pode ser posta em dúvida, mas ela teria aproveitado a ocasião.

— E você não gostaria de encorajá-la.

— Brilhante dedução, "meu caro Watson". Além disso, suas habilidades como secretária são nulas e preciso que faça algumas cartas para mim...

Ficou preparando as tais cartas até a hora do almo­ço. A essa altura, ele tinha pelo menos retornado seu centro de operações para a sala de estar e se vestido com algo menos alarmante do que o roupão. As car­tas que prometera levar no máximo uma hora trans­formaram-se na correção de vários relatórios, inter­rompidos por ligações telefônicas que Rafe insistia em atender, apesar de reclamar da dor de garganta.

Quando o telefone voltou a tocar, Sophie esticou a mão e impediu-o de pegá-lo.


— Deixe comigo. — Desse jeito, ia ter sorte se saísse ao anoitecer e precisava ir embora. Não apenas porque tinha trabalho seu, incluindo fazer um relató­rio para a empresa informando o andamento de sua missão, mas não se sentia à vontade por estar gostan­do da companhia dele. Esse era um lado da persona­lidade de Rafe que não havia percebido antes: uma leve vulnerabilidade que era encantadora.

Sophie não queria que nada a encantasse. Encanta­mento podia produzir um artigo interessante, mas em nada ajudava seu equilíbrio.

Esperava outro cliente desprezível, daqueles im­possíveis, exigindo falar com o chefão, e desenvolve­ra uma estratégia para terminar a ligação antes que isso gerasse outro dilúvio de cartas. Em vez disso, ouviu a voz inconfundível de Claudia Loro.

Claudia reconheceu-lhe a voz e ficou claro, desde a primeira pausa, que se perguntava o que a filha da amiga fazia na casa de seu filho.

E Claudia, sendo Claudia, foi direto ao ponto e aguardou a resposta.

— Estou... — Sophie olhou desesperada para Rafe, sussurrando: É sua mãe. Seu olhar não ajudou em nada. — Estou... aqui... fazendo o meu trabalho...

— Na casa dele? Quanta dedicação!

— Não! Quero dizer... fui trabalhar de manhã, mas Rafe não está muito bem e...

— E você decidiu tomar conta dele. — Claudia pa­recia satisfeita. — Acredito que não seja nada sério ou então eu saberia. Provavelmente um resfriado. Você sabe como os homens são: uns bebês.

Sophie olhou para Rafe e deu um sorrisinho força­do. — É, ele é mesmo um bebê — concordou, since­ra. — Resmungando e implorando por analgésicos a cada dois minutos.

— Mas foi tão gentil de sua parte correr para a sua cabeceira.

— Mas eu não corri! Na verdade, fui obrigada a vir. Rafe queria uns documentos...

— É mesmo? Qualquer serviço de entrega poderia desempenhar essa tarefa. Não que um toque pessoal não seja muito melhor, minha querida. É claro que é! E aposto que ele fez você cozinhar para ele também...

— Não exatamente cozinhar. Só uns ovos mexi­dos, mas eu já estava saindo quando você ligou. Como está mamãe? Se falar com ela, diga que lamen­to não ter telefonado nos últimos dias e prometo que ligo hoje à noite. Vou passar para o seu filho. Parece que ele está com dor de garganta, embora ainda não tenha perdido a voz. — Entregou o telefone para Rafe e continuou sentada, na esperança de que ele fosse fazer sinal para que ela saísse enquanto conver­sava com a mãe. Ele não agiu assim. Obviamente não precisava de privacidade e ela podia entender o por­quê, já que basicamente só ela falava. Rafe respondia com monossílabos. Uma pessoa curiosa não seria ca­paz de descobrir nada pelas respostas. Parecia que es­tava conversando com alguém numa língua estranha.

— Preciso ir — disse Sophie, assim que ele desli­gou. — Quer que eu pegue alguma coisa antes de ir?

— Já notou como as mães têm a incrível capacida­de de inspirar sentimentos de culpa? — Rafe olhou para ela com ar brincalhão e Sophie estava distraída o suficiente para devolver-lhe o sorriso.

— Sempre — concordou ela. Já estava se sentindo culpada por negligenciar a mãe, não tendo telefonado e já prevendo os comentários ou o silêncio, quando ligasse mais tarde. A mãe sempre adotava um discur­so no qual proclamava aversão pelas crianças que saíam de casa e sentiam-se obrigadas a telefonar um certo número de vezes durante a semana, mas Sophie percebia a ansiedade sempre que deixava de ligar por dois dias. Era estranhamente encantador.

— É como se eu tivesse que telefonar assim que pensasse em algo.

— Estou surpresa por Claudia não ter se oferecido para vir cuidar de você.

— Mas ela se ofereceu e eu disse que estava em boas mãos...

— Mentira! — Não, é claro que não disse, pois teria escutado. Não tinha dito nada tão provocante.

— Não me diga que você vê esse comentário como um insulto?                                                            

É claro que não, mas isso faria com que a mãe dele tirasse conclusões erradas. Ele mesmo percebera a surpresa de Claudia pela presença de Sophie na casa dele, tomando conta dele, um homem que nunca tinha pedido isso a mulher alguma.

Ele normalmente ficaria com raiva de qualquer suposição, mas...                                                        

Rafe olhou para Sophie através dos olhos semifechados. Ela estava franzindo a testa ligeiramente. Ele já tinha se acostumado com esse pequeno sinal. Usualmente era o prenuncio de uma de suas explo­sões internas, como uma formalidade antes de abrir a boca para falar.

Ele não esperava que isso acontecesse, mas acon­teceu. Para ele, ela se transformara de uma irritação em uma coceirinha que ele gostava de sentir.

— Minha mãe nos convidou para passar o final de semana em Cornwall — disse, para quebrar o silên­cio. — Sua mãe também vai estar lá, com duas outras coleguinhas de bridge. Ela acha que o saudável ar li­torâneo vai me fazer bem... e aceitei por nós dois.

 

Isso era um pesadelo.

Sophie olhou seu reflexo, no vidro da janela, nada disposta a apreciar a paisagem do lado de fora que já estava escura de uma sexta-feira às nove e meia da noite.

Contra sua vontade, presa como uma minhoca no anzol, deixou-se persuadir a ir para Cornwall, graças aos esforços conjuntos da mãe que dizia estar com saudades da filha, de Claudia que declarara a idéia esplêndida, não deixando margem para negativas, e de Rafe, que, por razões desconhecidas, parecia se­guir a linha de pensamento da mãe.

E ali estava ela.

Alegando ter coisas a fazer, conseguira escapar da carona de Rafe e tomou o trem, mas desde que chega­ra não tinha como escapar dele.

Tinha sido recebida como um "filho pródigo" pela mãe, por Claudia e por duas senhoras que conhe­cia da cidade. Rafe, que parecia totalmente recupera­do, olhava a distância, mas ela estava muito cons­ciente de sua presença, as mãos enfiadas nos bolsos, encostado na parede.

Na presença de Claudia e da mãe, voltara a se sen­tir como uma adolescente, consciente do perigoso sex appeal de Rafe, sensível a qualquer palavra dita por aquela voz rouca e aveludada. A conversa durante o jantar tinha sido agradável, mas ela não conseguia fi­car indiferente à presença dele, sentado a seu lado, passando as travessas, os dedos esbarrando nos seus, por acaso, vez por outra, a coxa centímetros apenas afastada da sua, o que lhe dava vontade de espremer as pernas... E não havia discussões sobre trabalho para disfarçar o que sentia. A mãe e Grace passaram alguns minutos demonstrando interesse em saber como estava desenvolvendo a tarefa, mas esperavam que ela e Rafe simplesmente aproveitassem o final de semana, e isso envolvia não mencionar trabalho. Para Rafe parecia ótimo. Na verdade, era difícil reconhe­cer um workaholic nesse homem descontraído. Ela, ao contrário, se perguntava aonde tinha ido parar sua personalidade calma.

Quando as quatro senhoras se retiraram para tomar café e jogar bridge, a tensão se afrouxou e pensou que podia escapar para o quarto e refletir sobre a ter­rível descoberta de se sentir perigosamente atraída por Rafael.

Não compreendia como tinha conseguido se enga­nar.

Isso não fazia todo o sentido do mundo desde o início? A maneira como ele a deixava nervosa? A maneira como seus olhos o fitavam sempre que esta­va distraído? A maneira como se sentia viva na com­panhia dele, mesmo quando estavam discutindo e di­zendo sempre a si mesma não gostar dele...

E a maneira como seu corpo reagira ao vê-lo vesti­do apenas com o roupão? Como se pegasse fogo.

E, como se isso não bastasse, tinha percebido os olhares velados de conspiração entre Claudia e sua mãe.

Ostensivamente sua mãe se retirara para dormir havia uma hora, alegando estar exausta e com a des­culpa extra de talvez estar ficando resfriada.

Agora, agindo por instinto, decidira procurar Rafe. Se ela tinha percebido os olhares, ele também devia tê-los percebido. E a idéia de que ele achasse que as mães estavam tentando uni-los fez com que ficasse apavorada. E se ele achasse que ela estava por trás disso? Talvez tivesse confessado à mãe por telefone, como uma garotinha, que se sentia atraída por ele, o que as tinha encorajado a manipulá-lo para um ro­mance improvável. Afinal, quando era garota, não olhava pala ele com olhos de adoração?

A mente foi de A a Z com uma rapidez incrível. Vestiu a calça jeans e uma camiseta com as mãos trê­mulas e desceu para a sala de estar, onde ele devia es­tar, deixando a cozinha livre para que elas jogassem.

Conhecia bem a casa, embora a tivesse visitado havia anos. Quando o pai ainda estava vivo, ou seja, quando ainda era adolescente. Era uma daquelas charmosas casas brancas, numa rua estreita, perto do porto. Parecia pequena do lado de fora, mas tinha vá­rios aposentos, alguns com uma vista esplêndida do mar.

Sabia que devia evitar a cozinha. Ouvia as risadas e a conversa que sempre acompanhavam as partidas de bridge. Para Claudia, jogar cartas a sério era um pecado. Apostas eram feitas entre piadas e fofocas, salgadinhos, taças de vinho ou xícaras de chá, de­pendendo da hora do dia.

Apesar da aparência antiga, a casa era muito mo­derna, com aquecimento central ligado ao máximo. Podia andar descalça no piso de madeira, mas tinha preferido calçar os chinelos.

A sala de estar, como todos os outros cômodos, era pequena mas sofisticada. Claudia tinha muito bom gosto e se empenhara ao máximo em decorá-la. Como investimento, tinha sido uma compra fantásti­ca, antes que Cornwall se tornasse popular entre os ricos e famosos.

Era uma vergonha que fosse usada tão pouco. Du­vidava que Rafe viesse com freqüência.

Parou na porta da sala e olhou para o objeto de seus pensamentos.

Rafe estava sentado na frente da lareira, o perfil voltado para ela, as pernas compridas esticadas, a ca­beça jogada para trás e os olhos fechados. Sophie en­trou em pane e teve que respirar fundo. Bateu de leve e entrou, não dando a si mesma a chance de ter medo e fugir para a segurança do quarto.

Ele abriu os olhos e virou-se.

Como era possível um homem ficar sexy em rou­pas tão comuns? Ele vestia uma calça cinza desbota­da e uma camisa velha, mas mesmo assim estava di­vino.

— Você não ia dormir? — perguntou, olhando fi­xamente enquanto ela se movia para sentar-se na ca­deira perto da lareira. — Seduzida pelo glamour de uma xícara de chocolate quente e um bom livro?

Sophie corou.

— Pensei em deixar você trabalhar um pouco, além disso, não posso ir à cozinha.

— Como pode ver, não tenho trabalhado muito. — Ele se inclinou e botou mais lenha no fogo que amea­çava apagar. — Você acha que vou ser levado para o mau caminho se ficar um dia sem trabalhar? — per­guntou. O que não tinha dito é que estava achando ótimo tirar uns dias inesperados de folga. Pela pri­meira vez. Começava a achar que recentemente não tinha tido muitas novidades em sua vida: cada ângulo planejado, controlado, até mesmo as mulheres.

— Com certeza. Você pode enlouquecer e come­çar a achar que existe uma vida lá fora que não envol­ve conduzir um império.

Rafe sorriu, sem tirar os olhos dela, e ela sentiu um arrepio na espinha. Isso a seduzia, pensou, nervosa, não bebida quente e um bom livro.

— Você tem senso de humor. Já lhe disseram isso? Um humor seco e sem obviedades.

Sophie ignorou os sinais de aviso que começaram a soar. Ele não estava flertando, disse a si mesma, es­tava conversando. Era apenas a combinação de estar em Cornwall, com o barulho da brisa do mar batendo nas janelas e o timbre da voz, que fazia com que pa­recesse flerte.

E provavelmente sua hipersensibilidade, sua ante­na ligada absorvendo ondas que não existiam, excitando-a.

— Meu senso de humor é absolutamente normal. Talvez não esteja acostumado a mulheres com qual­quer senso de humor.

— Muito esperta. Por acaso tem a ver com Ange­la?

Sophie ficou vermelha.

— Foi um comentário geral. Não conheço Angela. Como poderia julgá-la? Aposto que é uma boa pes­soa.

— Não achei graça.

Sophie olhou para o fogo e não respondeu.

— Vamos, Sophie. Pode dizer o que pensa. Afinal, não sou eu quem estou dissecando você para produzir uma interessante história humana.

— Não estou dissecando você! — Seus olhos vol­taram-se para os dele que estavam risonhos e sorriu relutante. — Você fez de novo. Está me atrapalhando — disse, triste.

— Agora admitiu.

— Vim aqui para conversar com você sobre... — Como ia introduzir o assunto das mães e aqueles olhares cruzados sem perder o fio da meada? Com ele olhando para ela daquele jeito. Ele teria consciên­cia do efeito que lhe causava?

— Mas já que você mencionou Angela, como vai ela?

— Não tenho a menor idéia. Tive de terminar a re­lação. Na verdade, ontem.

Sophie olhou-o, surpresa.

— Não há motivo para parecer tão chocada — dis­se Rafe irritado. — Nunca iríamos acabar na igreja.

— É, mas ela parecia interessada em você. Pobre­zinha!

— Por que pobrezinha! Aposto que ela logo vai achar um substituto — A crítica estampada em seu rosto pôs fim ao clima entre eles. — Eu fiz-lhe um fa­vor — disse, perguntando-se o porquê de se dar ao trabalho de justificar o comportamento. — Quanto mais tempo ficássemos juntos, mais ela faria fanta­sias de permanência.

— Estou pasmada com sua lógica.

Nada de divertido nessa opinião, pensou Rafe exasperado. Em que século ela vivia?

— E para ser honesto, eu a teria deixado louca em semanas. Duvido que exista uma mulher na face da Terra que possa conviver com minha agenda de trabalho.

— Talvez tenha razão — concordou, o que o tor­nou mais exasperado. Abriu a boca para continuar a discussão, mas depois pensou: aonde essa conversa terminaria?

— Você disse que veio aqui para falar comigo. Aposto que não era só um bate-papo.

— Na verdade, era sobre... bem, sobre mamãe e Claudia.

Rafe olhou para Sophie, atônito.

— O que aconteceu com elas?

— Notou algo diferente nelas?

— Nada. Tudo igual. A mesma conversa sobre quem foi visto onde e por quê, quem está doente e de como o bazar foi uma dor de cabeça... nada diferente. Por quê?

— Estive pensando.

— Não, você não estava apenas pensando. — Per­cebeu-lhe o embaraço e ficou intrigado. Sophie Frey, descobrira, não fazia comentários por fazer. Como qualquer outra mulher, um comentário provocante sempre tinha a intenção de obter alguma resposta dele, capturar-lhe o interesse, continuar o jogo de caça que adultos sofisticados pareciam gostar de jo­gar. Que ele sempre tinha gostado de jogar.

— Está bem. Não sei como explicar, mas acho que você precisa conversar com sua mãe sobre nós... Quero dizer, fazer com que ela entenda...

— Não tenho idéia do que você está falando — disse Rafe inclinando-se, agora realmente intrigado.

— Não seja estúpido. Você deve ter notado os olhares que trocaram toda a noite, olhando para nós e depois uma para a outra como se... como se...

— Ah. Agora que você mencionou, eu percebi uma atitude meio conivente entre elas. Na verdade, pensando melhor, perguntaram como a gente estava se entendendo e falaram de como era maravilhoso es­tarmos em Cornwall... — Como cavalheiro que era, Rafe decidiu dar a Sophie a chance de seguir essa li­nha de pensamento.

— E o que você disse a elas?

— Que estávamos nos entendendo às mil maravi­lhas.

— O que não é verdade! — gritou Sophie. — Você odeia que eu o siga todo o tempo, fica irritado quando faço perguntas. Por acaso mencionou que agora cis­mou que eu não posso tomar conta de mim mesma e posso ser enganada por algum homem inescrupuloso buscando uma transa fácil?

— Não diga isso. Esse é o tipo de linguagem que não combina com você!

— Você deveria ter sido honesto com elas. Sabe como são. Agora vão achar... que existe algo entre nós dois. Posso ver na cara delas! — As palavras saí­ram e soaram ridículas. Olhou para as mãos e alisou as coxas, acalmando-se. Mesmo que ele tivesse von­tade de explodir numa gargalhada, pelo menos agora estava avisado de que o que quer que sua mãe e Clau­dia estivessem tramado, ela não tinha nenhuma parti­cipação.

— Que loucura! Minha mãe sabe que você não é o tipo de homem por quem eu me interessaria, assim como sua mãe sabe que você se sente atraído por... bem... por mulheres como Angela...

— Talvez ela deseje um tipo de mulher diferente para mim... — murmurou Rafe, suave.

Sophie molhou os lábios. O rosto dele era só ângu­los e sombras e tão, tão atraente. Levantou-se, deses­perada por escapar aos sentimentos que a invadiam. Tentando agir como uma ganhadora do Oscar de atriz, disse:

— Pode ser, mas você tem que tirar-lhe essa idéia da cabeça.

— Por quê?

A palavra caiu como uma pedra na água. Ela olhou-o, atônita, quando ele se levantou e deu algu­mas passadas até onde ela estava sentada. Inclinou-se, colocando as mãos nos braços da cadeira, aprisionando-a.

— P-porque...

— Porque nada disso é verdade? Porque não tenho o menor interesse em você? Porque você não sente nada por mim?

— Claro!

— Tem certeza? — Ele percorreu-lhe a face com o dedo e a sensação fez com que quase desmaiasse. — Porque não estou...

Sophie congelou. Havia uma sensação de sonho no que estava acontecendo que fez com que pensasse que se respirasse ou piscasse tudo desapareceria numa nuvem de fumaça. Acordaria e tudo voltaria ao normal. Respirou, piscou e ele ainda estava ali, e o dedo dele ainda lhe causava arrepios.

— Não seja absurdo! — gaguejou, virando a cabe­ça. Ele segurou-lhe o queixo e puxou-lhe o rosto para que voltasse a fitá-lo.

— Não estou sendo absurdo, Sophie. Estou sendo realista. Por que esconder? Diga que você não se sen­te nem um pouco atraída por mim e vou embora ago­ra e você pode fingir que nada disso aconteceu. — É claro que ele não iria e ele sabia. Essa era uma daque­las suas novas experiências. Ele a desejava. Desejava o desafio que ela representava. O desejo dele era tão poderoso que parecia uma lava, queimando-lhe as veias. Era irresistível.

Sophie abriu a boca para falar. Sabia que ele ia beijá-la e, com um suspiro, fechou os olhos e entre­gou-se ao toque dos lábios dele, suaves a princípio e depois famintos, explorando-lhe a boca, as línguas se tocando.

Ela gemeu e envolveu-lhe o pescoço, saboreando-lhe o gosto delicado da boca. O coração batia como um tambor e seu corpo reagia de uma forma total­mente nova. Os seios doíam, e sabia que estava úmi­da entre as pernas.

Se as mãos dele soltassem seus cabelos e se aven­turassem por outros lugares, sabia que iria explodir, e ela não queria parar. Mas parou. Quando a voz de Claudia se fez ouvir, aproximando-se.

Rafe levantou-se. A ereção pulsava.

Moveu-se até a porta, para evitar que a mãe entras­se e Sophie, apavorada, começou a se compor. As mãos tremiam e os mamilos estavam rijos e força­vam-lhe a camiseta.

— O que vocês estão fazendo, crianças? — ouviu Claudia perguntar interessada, e Sophie imediatamen­te pulou da cadeira, encaminhando-se para a porta.

— Trabalhando. — Se seu sorriso fosse um pouco mais largo, o rosto rasgaria.

— Trabalhando? A essa hora?

— Bem, na verdade... — começou Rafe, e Sophie interrompeu-o.

— Achei que seria uma boa idéia mostrar a Rafe o que já fiz. A reportagem, sabe? Ele quase não fica no escritório e eu não tive muito tempo de alinhavar as coisas, então preciso que ele diga se prefere que corte alguns trechos.

— Claro, querida. Bem, não queria perturbá-los. — disse, parecendo desapontada.

— Mas você não está nos perturbando! Na verda­de, eu já ia subir — interrompeu Sophie.

— Queria saber quais os planos dos dois para ama­nhã. Só espero que não inclua trabalho! Você está aqui para um merecido descanso! — disse ao filho. — Nós quatro planejávamos acordar cedo e ir para a cidade e depois almoçarmos por lá, se o tempo per­mitir. Vocês dois gostariam de nos acompanhar?

A resposta de Rafe saiu tão rápido que não deu tempo a Sophie de colocar a mente em funcionamen­to. Ouviu-o declinar a oferta, dizendo que sairiam so­zinhos e que prometia não trabalhar.

O que pareceu satisfazer Claudia não satisfez Sop­hie. Ela virou-se para ele, furiosa, logo que a mãe dele voltou para a cozinha.

— Por que disse isso?

— Minha mãe nos interrompeu. Odeio ser inter­rompido. Odeio negócios pendentes.

— Eu não sou um negócio pendente.

— Talvez não. Nesse caso, podemos sair com elas, embora aposte que a última coisa que querem é que nós as acompanhemos. De qualquer forma, eu gosta­ria de ler o que você escreveu. Afinal, o réu precisa de uma chance para expor seu ponto de vista...

— Nada será publicado sem o seu ok. Não trouxe a matéria comigo, apenas meu arquivo com notas. — Lutava para encontrar as palavras certas e retornar ao comentário irritante sobre negócio pendente, e Rafe, lendo seus pensamentos, decidiu ajudá-la.

— E para que você fique em paz, serei um perfeito cavalheiro. — Pegou-lhe o cabelo desalinhado, o rosto desconfiado e baixou os olhos. Ela esperava atacá-lo, mas estava em terreno desconhecido. Ela reagira tão entusiasticamente quanto ele. Tinha sido mútuo. E deixara-o querendo mais, muito mais, mas bufar como um touro excitado faria com que ela cor­resse e ele não queria isso, a não ser que fosse na di­reção dele.

— Ou podíamos aceitar o convite de minha mãe. Chá às dez horas, conversas sobre a festa da primave­ra... — Ele deu um sorriso inocente.

— Vou lhe mostrar minhas anotações e discuti-las com você e depois, se não se importar, gostaria de ir sozinha à cidade. Preciso comprar umas coisas.

— Negócio fechado. Preciso trabalhar. Poderia aproveitar a calma antes que voltem do passeio.

Sophie mal sabia o que esperar na manhã seguinte. Passara a noite agitada pensando no que acontecera. Simples: ele a beijara e ela desmoronara. Não era tola. Sabia que ele tinha uma vasta experiência com o sexo oposto e que não precisara de muito esforço para fazê-la sentir-se daquele jeito. Também sabia que não deveria ter acontecido, mas para que tentar fechar a porta do estábulo quando o cavalo já tinha fugido? Tinha duas opções: ficar se culpando ou aproveitar o final de semana da melhor forma possí­vel, sabendo que só tinha que escrever o artigo e de­pois sair do escritório e da vida dele para sempre.

Também não fazia sentido ficar obcecada com o que ele tinha dito sobre sentir-se atraído por ela. Não queria dizer nada. Eleja devia ter dito as mesmas pa­lavras um milhão de vezes para mil mulheres diferentes. Seu trabalho não era analisar-lhe as motivações, seu trabalho era proteger-se, já que sabia como ele podia ser perigoso.

O primeiro passo para se proteger era se vestir o menos sexy possível.

Jeans desbotados, sapatos masculinos já que ia an­dar bastante depois que terminassem de trabalhar, blusão grosso marrom, duas trancas. Impossível que um homem, acostumado a sair com as mais lindas mulheres do país, fosse olhar duas vezes para uma garota de trancas.

Sophie olhou-se no espelho e riu, zombando de si mesma. Pegou as anotações e desceu. Passava um pouco das 9h e para sua surpresa todas tinham partido e Rafe já estava acordado, tomando café e lendo os jornais.

Virou-se assim que ela entrou na cozinha, e o co­ração de Sophie perdeu o compasso. Ele estava de calças cinza e um colete preto e puxara uma das ca­deiras para descansar os pés. O Financial Times e o celular na mesa. O workaholic em descanso, pensou, tentando ficar imune ao sex appeal dele. Comportou-se como um cavalheiro, oferecendo-lhe café-da-manhã — que recusou — e apenas em cafezinho — que aceitou. A noite anterior parecia ter sido esquecida. Pensara que ele faria alguma referência ao que acon­tecera, com seu jeito crítico, mas nada. Sophie não sabia se devia se sentir aliviada ou desapontada, e de­cidiu que estava aliviada.

— A que horas elas saíram? — perguntou, educada.

— Há uns dez minutos. Ofereci-me para levá-las, mas pareceram preferir a excitação de ir no carro ve­lho da Edith. — Ele podia comportar-se desse jeito e iria fazê-lo, se necessário fosse. Falar banalidades, até que a tensão entre os dois crescesse. Esse era um jogo que nunca tinha jogado. Percebeu, surpreso, que nunca tinha se empenhado em conquistar uma mu­lher. No passado os dois conheciam o jogo e aonde chegaria. Com essa mulher... ela poderia dar-lhe um soco se ele tentasse avançar.

Conversaram sobre nada em especial durante o café e depois ele pediu para ver o texto.

— Você não vai entender a taquigrafia. Mas eu leio para você. — Abriu o arquivo, totalmente profis­sional. — Pretendo concentrar-me em seu passado e na educação universitária. Também vou listar todos os seus sucessos profissionais.

— E os fracassos?

— Você os teve? — Suas extensas pesquisas não mostravam nenhum.

— Não até agora — respondeu, com um sorrisinho malicioso.

A mudança na atmosfera foi tão sutil que Sophie pensou estar imaginando coisas, porque quando vol­tou a olhá-lo, seu rosto estava impassível.

— Bem... então vou ler o que eu anotei... — Ela ci­tou os tópicos do artigo, certificando-se de que todos os fatos estavam corretos. — Depois vou tentar tor­ná-lo mais humano. Você aparece nas colunas sociais com diferentes mulheres, mas eu pretendo humanizá-lo, pintar você como alguém que trabalha muito, mas basicamente ainda aprecia os prazeres que todos nós apreciamos.

— Que são?

— Agradar sua mãe dizendo que seu trabalho é em parte motivado pelo orgulho que sente em dar conti­nuidade aos negócios de seu pai etc. Obviamente dei­xou feridos no caminho, como por exemplo os pobres coitados que sofrem em conseqüência de algumas de suas transferências de controle...

— Detalhes de negócios são inaceitáveis, Sophie. São confidenciais. Se quiser escrever um artigo sobre as pobres pessoas que foram lesadas, pode fazê-lo se­paradamente, mas tenha em mente que a maioria des­ses pobres coitados ganhou bastante dinheiro. Pensei que você tivesse superado o estereótipo do monstro sem coração.

— Não estou dizendo que você é um monstro sem coração. Simplesmente que você é o exemplo típico dos que conseguiram sucesso. Não se alcança esse patamar sendo gentil e bondoso. Só sendo cruel e preparado para lidar com quem quer que ameace ar­ruinar seus planos.

— Não é um traço muito atraente — disse, frio.

— Talvez você não seja uma pessoa muito atraen­te. — Sophie sentiu o coração disparar. Tinha sido uma afirmação provocante, mas ele preferiu ignorá-la, pedindo que seguisse adiante.

— Também pretendo abordar sua reputação com as mulheres. — Esperou que ele discutisse esse pon­to, mas ele não o fez. — As pessoas gostam de ler so­bre os ricos e famosos, sobre como e onde vivem, o que vestem e, em se tratando de alguém como você, jovem, poderoso, solteiro e atraente, gostam de ler sobre a vida amorosa.

— E o que pretende escrever?

— Você sabe. Nada com que não concorde. Natu­ralmente, não vou citar nomes e farei o possível para não mostrá-lo como alguém condenável.

— Que boazinha...

Os olhos eram indecifráveis e Sophie vacilou.

— É isso. Ainda tenho que revisar alguns detalhes e prepará-lo para que você o leia no final da próxima semana. Se não se importar, vou dar uma volta.

Desejou que ele dissesse algo, mas ele apenas olhou-a e concordou. Sophie subiu as escadas sentin­do-se péssima. Ele estava louco para se ver livre dela, a tal ponto que não tinha mais disposição para discu­tir. Guardou o arquivo e procurou um xale e luvas na mala. O dia estava lindo, mas gelado. Caminhar iria lhe fazer bem, porque a cabeça estava girando com suposições dolorosas.

Ela o tinha acompanhado, visto todos os seus de­feitos e ainda assim se sentia seduzida. Ele a tinha beijado, o mundo dela tinha vindo abaixo e só podia se culpar.

Agora, ele mal podia esperar para livrar-se dela. Depois do beijo, ele, sem dúvida, teria prosseguido com seu processo de sedução se a hora e o lugar fos­sem diferentes, se ela tivesse se atirado nos braços dele e implorado que continuasse. Mas ela tinha se afastado. Por que ele se importaria com alguém que queria distância? O oceano dele estava cheio de pei­xes. Por que tentar pegar um que não mordera a isca?

Localizou o xale, enrolou-se, ainda perdida em seus pensamentos. Para que fazer papel de tola se não fosse em grande estilo?, pensou amarga. Isso fez com que sua paixão adolescente parecesse um passeio no parque. Fechou a mala e levantou-se, as pernas doendo de ter ficado tanto tempo de cócoras, quando ele falou da porta:

— Bem produtivo, não? Transformar-me num predador.

Girou a cabeça e o viu encostado na soleira, sério.

— Quando você sabe, melhor do que ninguém, que eu jamais obrigaria uma mulher a agir contra sua vontade... Ou você é muito covarde para encarar a verdade?

— Você devia estar trabalhando. Ele entrou no quarto e fechou a porta.

— Está na hora de eu tecer meus comentários so­bre você, Sophie Frey. E você vai escutar, queira ou não.

 

— Não tenho que escutar nada!

— Não tem, mas vai. Porque não tem escolha. — Trancou a porta e guardou a chave enquanto Sophie olhava incrédula.

— Você não pode fazer isso!

— Já fiz. —Ela tinha conseguido escapar até a porta, o que não adiantava muito, já que não podia abri-la. Nada como uma casa antiga, onde as portas têm chave.

— Quero que me diga por que procura denegrir minha imagem.

— Não é verdade!

— Não? Sou um workaholic e desprezo o sexo oposto. Uso as mulheres e as descarto.

Sophie levantou o queixo e encarou-o.

— Só digo o que vejo.

— E?

— Angela. Uma hora ela fazia parte de sua vida, no momento seguinte foi riscada de seu caderninho.

— E isso me torna um...?

— Um amante em quem não se pode confiar. — A palavra amante caiu no silêncio entre eles, de forma íntima e provocadora. Tarde demais percebeu que deveria ter escolhido uma palavra mais inofensiva, talvez pessoa, porque agora a cabeça registrava cenas de Rafe e Angela juntos, rolando na cama. Sentiu-se mal, como uma boneca de pano jogada no chão.

— E o meu ponto de vista? Ou seus preconceitos pessoais me proíbem de tê-lo?

— Não tenho preconceitos pessoais... — disse ela num fiapo de voz.

— Falamos sobre eles depois. No momento, va­mos falar sobre o meu ponto de vista.

Ela sabia que deveria temer a acusação de parcia­lidade. Era a pior coisa que podia dizer a respeito dela, considerando-se que ela deveria escrever uma matéria sobre ele, mas no momento estava ocupada diante da promessa de ele abordar o tópico desses preconceitos pessoais. Ou melhor, a ameaça. Assus­tou-se diante da possibilidade de ele derrubar suas defesas para expor... o quê! Que se sentia terrivel­mente atraída por ele? Ou pior, que estava se apaixo­nando?

Olhou-o como um rato olha um gato pronto para dar o bote.

— Você parece achar que uso as mulheres como brinquedos...

— E não usa?

— O fato de não sair com uma mulher com o único propósito de fazer dela minha companheira para sem­pre não significa que as uso como brinquedos. — Rafe encontrava dificuldade em manter a calma. — Olhe, meus relacionamentos podem não levar ao altar, mas eles me satisfazem e, o que é mais importante, às mu­lheres também.

— Não deve ser tão agradável pensar que um rela­cionamento tem futuro quando não tem.

— Você não está julgando a partir do seu ponto de vista? Você parece achar que um relacionamento não tem sentido a não ser que termine em casamento, e está assumindo que o resto da população feminina concorda com você. Acredite ou não, existem várias mulheres que só querem se divertir. E se divertem co­migo tanto quanto eu me divirto com elas, e reconhe­cemos que a diversão é temporária. — Os argumen­tos faziam sentido, então, por que explicar-se? Sacu­diu a cabeça impaciente. — Não venha me dizer que todo namorado que teve você considerou como um possível marido.

— Claro que não! — Todos os namorados? Sophie podia contar nos dedos de uma das mãos o número de namorados que teve e nunca tinha saído com nenhum deles apenas por atração física.

— Não acredito.

— Na verdade, pouco me importa se acredita. — retrucou. Ele sorriu, demonstrando uma descrença tão arrogante que ela teve vontade de bater nele. Es­pecialmente porque ele tinha razão. Ela se importava — e muito. Senão, por que estaria tão magoada por ele julgá-la idiota? Inexperiente? Alguém que preci­sava que tomassem conta dela? Transpirava e sabia que, se a porta estivesse aberta, fugiria.

— Você não se importa? — Caminhou devagar em sua direção, contente com o fato de que ela não tinha para onde correr. — Se você é indiferente a mim, por que toda vez que chego perto você se comporta como um coelho assustado?

— Quando chega perto?

— É uma metáfora. Faz perguntas pessoais. Toca em assuntos delicados. — Podia sentir a eletricidade entre eles e pela sua respiração acelerada e a expres­são de pânico nos olhos, sabia que ela também sentia a energia. Podia não admitir, mas estava escrito em seu gestual.

Sentiu-se excitado.

— Não respondo a perguntas... quer dizer, tento evitar tópicos pessoais porque... porque... — As nari­nas tremeram ao sentir-lhe o cheiro forte, másculo, indisfarçável apesar da colônia. Era como cheirar um incenso poderoso, que alterava a razão. Sentiu-se tonta, seus pensamentos pareciam desconectados das cordas vocais.

— Porque eu deixo você confusa?

— Não! — Ainda bem: recuperara a voz.

— Que vergonha! — Rafe sacudiu a cabeça mas os olhos não deixaram de encará-la. — Porque eu gostaria de acreditar que deixo você confusa...

Sophie prendeu a respiração, dando tempo para se recompor do efeito que as palavras causavam, sem mencionar a proximidade dele.

— Evitei conversas... pessoais com você porque... — Porque toda vez que você fala sobre coisas pes­soais, me envolvo ainda mais... porque você faz com que meu coração fique acelerado... — porque não é minha função compartilhar com você minha vida pessoal. A matéria é sobre você, sobre o que o mobi­liza...

— Posso dizer o que me mobiliza? — Curvou-se, colocou as palmas das mãos na porta, formando uma gaiola viva, sexy, da qual ela não tinha chance de es­capar. — Curiosidade. É o que mobiliza todo homem de negócios. Forçar os limites, descobrir possibilida­des, abrir caminhos...

Sophie tentou concentrar-se no que ele dizia, mas estava aprisionada na montanha-russa de suas emo­ções. Se ele se afastasse, poderia se controlar. Com ele plantado a poucos centímetros dela, respirar já era um esforço e pior ainda era conter suas emoções des­controladas.

— Você é curiosa?

— Claro que sou. Não faz parte da natureza hu­mana?

— O que a deixa curiosa?

— Como assim?

— O que atiça sua curiosidade?

— Devíamos falar sobre você. Esse é meu traba­lho.

— Esqueça o trabalho. A porta está trancada e quero saber sobre você. Responda. O que torna Sophie Frey curiosa?

— As coisas normais. — A voz fraca era a perfeita representação de como se sentia, pensou. — Gostaria de viajar, conhecer o mundo, novas culturas, esse tipo de coisa.

— Que nobres intenções. Uma resposta sensível.

— Porque sou uma pessoa sensível.

— O que me leva a pensar se nunca ficou curiosa sobre como seria compartilhar essa sua sensibilida­de... deixar-se levar sem pensar nas conseqüências.

— Por que faria isso?

— Porque seria legal! — Sabia que ele estava sen­do irônico. Fazer algo sem pensar nas conseqüências era algo que nunca tentara. Tinha dinheiro, comprava e vendia empresas, comandava um império e dormia com as mulheres sempre de olho nas conseqüências, sempre mantendo o controle. A possibilidade de ter essa mulher na frente dele, sem saber o que ia aconte­cer porque ela era um tipo com o qual não estava acostumado a lidar, excitava-o. Os olhos baixaram dos lábios para os seios que se moviam devido à rapi­dez da respiração. Sabia como eram esses seios. Só não lhes conhecia a textura, o gosto.

Quase gemeu.

— Divertimento tem um preço — sussurrou Sophie e ele concordou, embora não estivesse disposto a dei­xar-se persuadir.

— E às vezes vale a pena pagar o preço, concorda? Não teve a oportunidade de responder porque ele cobriu-lhe a boca, persuasivo.

A batalha entre o bom senso e a loucura durou poucos segundos e ela cedeu, entregando-se comple­tamente ao desejo ardente. Estava apaixonada por esse homem e por que não permitir-se um pouco de prazer? O coração e a consciência se uniram e ela correspondeu ao beijo, colocando os dedos em seu pescoço, nos cabelos, deliciando-se.

Quando ele a pegou no colo para levá-la para a cama, ela não protestou, assim como não emitiu um som quando ele ficou de pé e tirou a roupa, ficando nu, a masculinidade ereta.

Os olhos dela se deleitaram. Era puro sexo e Rafe nunca tinha sentido o corpo responder de forma tão dramática. Pegou-lhe a mão com a sua, guiando-a até sua ereção, jogando a cabeça para trás com um gemi­do quando ela o tocou, primeiro envergonhada, de­pois com crescente confiança.

Ele a tinha desafiado a pular no trem, com destino desconhecido, jogar a precaução ao vento e experi­mentar uma excitação nova. Sentiu como se ele esti­vesse pulando no trem. Enfiou-lhe os dedos entre os cabelos e ficou sem respiração vendo-a manuseá-lo, levando-o às alturas.

— Chega. — Os olhos se encontraram, os dela interrogativos. Ele sorriu, consciente de que nesse mo­mento exato ambos sabiam quem estava no controle. — Estou quase... — murmurou.

Os olhos de Sophie escondiam promessas, o que produzia efeito quase tão excitante quanto a boca.

— Sua danadinha! — Ajudou-a a tirar a camiseta.

Os olhos dele demonstraram uma faminta aprecia­ção. Esses seios perfeitos, os mamilos duros, implo­rando para serem lambidos. Mas primeiro tirou-lhe toda a roupa, inclusive a calcinha. O corpo dela era perfeito. Pele alva, o cabelo entre as pernas provando que era uma ruiva autêntica.

Quando curvou-se para lamber um dos mamilos rosados, sentiu-se como alguém ajoelhando-se em homenagem a uma deusa. Nenhuma chance de apres­sar a experiência.

Sua missão era provar cada pedacinho dela, e ia cumpri-la cuidadosamente. Começando pelos seios que beijou, adorando a maciez da pele, antes de deli­ciar-se com os mamilos, chupando-os, colocando-os na boca até que ela estremecesse.

— Isso não é justo. Você está me enlouquecendo.

— É mútuo — respondeu Rafe, os olhos fitando-a com enorme prazer. Deitou de costas, puxando-a para cima para que os seios se movessem, balançan­do, excitando-o num desafio erótico para que ele capturasse um desses mamilos e continuasse chu­pando-os.

Ela girou para uma posição na qual pudessem pro­porcionar prazer um ao outro. Ela circulou-lhe a ere­ção com a boca e ele se perdeu na doçura de mel entre suas pernas.

Nunca tinha existido outra mulher antes dela, as­sim ele se sentiu enquanto sua língua lambia o botão de flor. Fechou os olhos, deleitando-se com o gosto dela em sua boca, as mãos segurando as perfeitas, re­dondas e pequenas nádegas.

Podia sentir os seios contra ele e por um instante retirou as mãos de onde estavam para massageá-los, apertando os mamilos entre os dedos, adorando o jei­to como ela estremecia a cada toque.

Só pararam quando os dois perceberam que ti­nham que fazê-lo pois senão chegariam ao clímax.

E pareceu tão natural quando finalmente chega­ram.

Cada poro de seu corpo, cada batida de seu cora­ção esperava recebê-lo, e quase perdeu a respiração quando ele a penetrou.

Sophie sentiu os frêmitos de prazer e ficou choca­da com tamanha intensidade quando finalmente ele explodiu dentro dela.

Rafe parecia também ter experimentado a mesma sensação. Ficou paralisado por poucos segundos. Deitou de costas, os olhos fechados, e ela sentiu-se segura o suficiente para olhá-lo sem esconder o amor nos olhos, apenas levantando a guarda quando ele vi­rou de lado e sorriu.

— Bem, isso adiciona novos dados ao seu objetivo de conhecer o meu eu verdadeiro... — Sorriu, colo­cando uma mecha de cabelo atrás da orelha dela, os dedos tocando sua pele sensível atrás do lóbulo.

— Eu diria que uma jornalista não deve se envol­ver com um entrevistado porque não se deve misturar trabalho a prazer...

— Mas você não vai dizer, vai? — Ele parou de sorrir, alarmado diante da hipótese de ela voltar a ser a cautelosa e prudente Sophie.

— Como eu poderia?

— Não poderia mesmo — murmurou ele com sa­tisfação —, pelo menos enquanto eu ainda sinto seu gosto em minha língua... — Sentiu-se gratificado ao vê-la corar. — Além disso, somos mais do que sim­plesmente jornalista e entrevistado. Temos uma his­tória.

— Não é bem uma história.

— Não vamos subestimá-la. Mesmo não nos en­contrando regularmente, sempre fui informado de seus movimentos por minha mãe.

Sophie entendeu o que ele queria dizer.

— O vilarejo da fofoca. — Ele tinha parado de acariciar-lhe a orelha e agora circundava-lhe o mamilo com o dedo. Era surreal estarem deitados, nus, os corpos suados em conseqüência da paixão. Surreal e ao mesmo tempo absolutamente natural.

E isso era a expressão do amor, pensou. Pelo me­nos para ela.

Estremeceu: se elas soubessem... Já seria ruim se soubessem que tinham transado. Pior ainda se desco­brissem que para ela tinha sido bem mais do que um ato carnal.

Viu que os olhos dele estavam pensativos, mirando-a, mas num piscar de olhos a expressão tinha de­saparecido, substituída por algo mais banal.

— Você tem um corpo fabuloso — murmurou. Sophie recusava-se a levar isso a sério.

— Você diz isso para todas.

— Não é verdade.

— Talvez porque elas já saibam.

— Talvez porque eu nunca diga o que não acho.

— Ah, então nenhuma delas tinha o corpo bonito. — Sophie moveu a cabeça, considerando essa opção.

— Não estou me referido ao corpo em si, mas ao que uma mulher faz com ele...

Sexo e flerte. Era a isso que se resumia a diversão sobre a qual se referira antes, diversão sem compromisso. Ela tinha gostado e não pretendia estragar o momento.

— Certo.

— Quem lhe ensinou? — Rafe mantinha a voz bai­xa e meiga, mas não se sentia nada meigo ao imagi­ná-la na cama com outro homem.

— Me ensinou? — perguntou Sophie, surpresa. Compreendeu que havia feito amor com abandono, confiante, e não tinha aprendido isso com ninguém. Mas o homem deitado a seu lado tinha despertado o que de melhor havia em si. — Ninguém me ensinou. Quero dizer... Não sou a pessoa mais experiente da face da Terra.

— Explique-se.

— Você quer saber quantos namorados tive? — Sophie riu, atônita, mas quando ele confirmou com a cabeça, não havia nada de divertido na expressão da­quele rosto.

— Bem... um, se você quer mesmo saber. — Dro­ga, não havia por que ter vergonha.

— Quem era?

— Uma pessoa qualquer. — Aproximou-se mais dele porque o toque em seu mamilo a estava deixan­do excitada.

— Uma pessoa qualquer? Não acredito.

— Por que não?

— Porque você não faz amor com qualquer um. Ele deve ter sido importante.

— E foi. — Sophie pensou no adorável e atencio­so Matthew, que a pedira em casamento e com quem quase se casou até perceber que afeição, amizade e sexo agradável não eram ingredientes que bastas­sem para um casamento feliz. Talvez ele também tivesse percebido porque não houve choros e deses­pero diante de sua recusa; só a aceitação calma pela qual se sentira profundamente agradecida. — Saí­mos durante 18 meses e ele foi o homem mais gentil que conheci.

— Mas a gentileza não funcionou. — O homem mais gentil que conheceu? Rafe trincou os dentes num sorriso compreensivo antes de perceber, satis­feito, que "gentil" era um insulto quando aplicado a um homem. Era o mesmo que chato embrulhado num papel de presente. — Você trabalhou com ele?

— Não, mas o conheci por intermédio de uma ami­ga do trabalho. No início, éramos apenas amigos, até que a relação ficou... séria. — Sophie deu-lhe um sor­riso sexy. — Por que está falando sobre isso? — Ela acariciou-lhe o peito.

— Pensei que as mulheres gostassem de conversar depois do sexo.

Sophie pensou que obviamente ele não dava im­portância às mulheres para quem sexo com ele era uma ocorrência sem importância. Sim, ele tinha sido maravilhoso, mas ficaria limitado a esse quarto. Era culpa dela ter enveredado pelo caminho do amor, mas não ia incorrer no erro de envolver-se ainda mais. O sexo entre eles seria como o encontro de dois navios no meio da noite, se cruzando antes de voltar cada um à sua órbita. Assim é que tinha que ser.

— Para que falarmos se podemos fazer amor? ela fez beicinho.

— Você faz isso bem.

— O quê?

— Esse beicinho. — Sentia a ereção e desejava tocá-la. — Para que a pressa?

— As distintas senhoras podem chagar a qualquer momento...

— E?

— Seria péssimo. Hum, péssimo mesmo. — Ela desceu a mão e acariciou-o, sentindo-o crescer. Era uma criança com um brinquedo novo, mas queria esse brinquedo para sempre e, se isso não fosse pos­sível, então queria brincar com ele, armazená-lo em seu banco de memórias para que pudesse lembrar dele por toda a vida. Afrouxou os dedos e depois guiou-lhe a mão para a parte de seu corpo já úmida, esperando por ele, gemendo quando ele cobriu-lhe o sexo e começou a mover a palma da mão por sobre sua feminilidade sensível.

— Você tem razão — sussurrou, explorando-a com os dedos. — Melhor manter isso entre nós...

Sophie calou-se e Rafe imediatamente percebeu a mudança sutil na atmosfera.

— Não há nada para manter entre nós — disse, calma. Ela acariciou-lhe os ângulos e contornos do rosto. — Você tinha razão em dizer que devemos go­zar a vida. Mas será só hoje e depois... depois cada um de volta a seus mundinhos... — Céus, por que es­tou tão séria? Fechou os olhos e beijou-o na boca, sentindo-lhe o gosto.

Por alguns segundos, Rafe olhou-a, sem entender o que sentia, querendo prolongar a conversa, mas a boca era convincente demais. Retribuiu o beijo com sofreguidão, apertando-lhe as costas enquanto as mãos exploravam rudes as linhas macias das coxas e a suavidade de cetim do estômago, quando ouviu vo­zes na casa.

Sophie demorou um pouco mais para ouvir os sons; deu um pulo e sentou-se.

— Voltaram.

— E o vento. Sabe como são essas casas velhas. Um sopro de vento e tudo começa a sacudir. — Apal­pou-lhe o seio, esfregando o mamilo com o dedo; de­pois inclinou-se para tomá-lo na boca, roçando-o com a língua.

Sentiu que ela voltava a relaxar, enquanto afaga­va-lhe os cabelos.

Mas não havia como não ouvir o barulho no andar de baixo, seguido pela voz de Claudia chamando por eles. Sophie foi tomada de pânico e pulou da cama procurando as roupas jogadas no chão.

— Levante! — gritou, histérica. — Ou você vai me dizer que casas velhas podem gritar?

Rafe botou as pernas para fora da cama, mas antes que pudesse mover-se, Sophie jogou as roupas em sua direção.

— Ande logo, vista-se! Ai, meu Deus... — As últi­mas palavras transformaram-se num gemido quando os passos se aproximaram e alguém bateu na porta.

— Sophie, você está aí? A porta da frente estava trancada...

— Já estou indo, Claudia! — Rafe se arrumava às pressas, vestira a calça e mexia nos bolsos.

— A chave! Rápido. Ou então melhor se escon­der... em algum lugar... no armário.

— Não vou caber nessa coisa.

— Então contorça-se!

— Você está bem? — Claudia parecia preocupada.

— Claro! — Ela estendeu a mão. — A chave.

— Não consigo achar.

Sophie ficou boquiaberta. Ele procurava no bolso da camisa.

Deus do céu, pensou, quanto tempo um homem inteligente demora para encontrar uma chave num bolso?

— Procure direito! — ordenou ela. Com um sus­piro exasperado, foi até onde as roupas tinham sido jogadas e ficou de quatro, procurando a chave no chão.

— Encontrei! — Ela virou-se a tempo de pegá-lo sorrindo enquanto abria a porta.

Sophie ficou de pé, morta de vergonha quando Claudia olhou o filho descabelado, o rosto corado e as roupas vestidas de qualquer jeito. O botão da calça dela ainda estava desabotoado, e Sophie colocou as mãos na frente para esconder a prova do crime.

— Claudia! Vocês voltaram cedo.

— Cedo demais, pelo que vejo. — Levantou as so­brancelhas exprimindo total compreensão.

— Não é o que você está pensando... Rafe estava apenas... saindo... Na verdade, ele veio para corrigir meu relatório. — Olhou Rafe esperando que ele confirmasse, o que parecia totalmente absurdo, já que o homem não tinha nem conseguido vestir-se. Estava sem camisa e sem sapatos. A não ser que Claudia ti­vesse perdido o juízo nas últimas horas, jamais acre­ditaria que o filho tivesse vindo até o quarto para dis­cutir negócios sem camisa e sapatos. No inverno.

— Não há necessidade de temer meu rubor virginal, Sophie. — Claudia sorriu e piscou. Vindo de uma mulher de comportamento aristocrático, a pisca­da era quase... indecente.

— Eu... — Sophie ensaiou um olhar desesperado em direção a Rafe, que não parecia apressado em aju­dá-la a sair da situação em que a colocara abrindo a porta para a mãe.

— Vou deixá-los e esperamos vocês lá embaixo. Planejáramos almoçar na cidade, mas a artrite de Maggie se manifestou e pareceu melhor comprar al­guma coisa e comer em casa. Não que eu espere que os dois jovens estejam interessados na saúde dela.

Sophie sorriu, desajeitada.

— Querido, talvez seja uma boa idéia colocar uma camisa quando resolver descer. — Claudia sorriu. Sophie desejou que nenhuma outra piscada estivesse a caminho.

— Tudo sua culpa! — acusou-o assim que Claudia saiu, munida sabe Deus com que histórias de roman­ce e paixão para compartilhar com Grace. — Por que não fez o que eu disse? Por que não me deu a chave e se escondeu?

— No armário?

— No armário, debaixo da cama! Em qualquer lugar! — explodiu. Pegou a camisa e jogou-a.

— Por que está tão exaltada?

— Por que eu estou exaltada? O que você acha? — Sophie cruzou os braços e passou-lhe a mensagem através dos olhos: Não é óbvio? — Foi bom, mas como disse, foi só ...

— Por uma noite? — ajudou-a Rafe. Sophie corou, mas manteve-se firme.

— Isso.

— Por uma tarde — emendou ele — considerando que não há chance de progredir até a noite.

— Isso mesmo. Especialmente considerando que Grace e Claudia estão na mesma casa! Não sei como você pode ser tão... tão... estúpido! Eu disse que tinha percebido a troca de olhares. Sua mãe deve estar pen­sando que formamos um casalzinho, e agora minha mãe provavelmente acha o mesmo. Quero dizer, não lhe ocorreu que abrir uma porta trancada, vestido só de calça, não seria uma boa idéia?

— Reação automática, suponho. Uma chave, uma porta e pimba. — Saboreou a sensação nova de ser confrontado por uma mulher agonizando diante do fato de ele ser seu amante.

— O que vai fazer? Você nos meteu nessa confu­são, agora tire-nos dela!

— Eu não nos coloquei nessa confusão, Sophie. Fazer amor foi uma opção mútua, e esse é o motivo de estarmos nessa situação. Caso contrário, o grupo teria voltado e eu estaria trabalhando e você cami­nhando na praia. Corrija-me se estou errado.

Sophie não concordou nem discordou. Apenas fi­cou parada parecendo um anjinho perdido. Com a calça desabotoada.

— Não importa. O que faremos?

Rafe esfregou o queixo pensativo, olhou-a demoradamente em silêncio e soltou um profundo suspiro.

— Não temos muita escolha. Vamos ter que seguir o fluxo. Pelo menos enquanto durar o final de sema­na, querida, temos um relacionamento...


 

O dia, que começara tão bem, agora parecia esten­der-se por um horizonte sem fim.

Como não tinha pressa de descer, levando-se em conta que supostamente tinham embarcado num rela­cionamento excitante e romântico, Sophie tomou um banho. Supôs que Rafe estivesse fazendo o mesmo. Talvez se os dois chegassem de banho tomado, Clau­dia podia pensar que tudo fora fruto de sua imagina­ção.

Deitada na água morna, Sophie, relutante, decidiu esquecer a idéia. Ia seguir o plano de Rafe: um jogo de faz-de-conta.

— Você não recebeu uma sentença de morte. Fin­gimos e depois nos separamos de comum acordo. Acontece, caso não tenha percebido. Ou é isso ou en­tão dizer que estávamos apenas nos divertindo um pouco.

Sophie arrepiou-se diante da possibilidade de a mentira vir à tona. Sua mãe, a pessoa mais crédula do mundo, ficaria desapontada achando que a filha fize­ra sexo apenas porque cedera ao desejo. Não queria desapontar a mãe nem Claudia. Naturalmente iam in­terpretar o comportamento de Rafe como normal, já que era homem, seguindo a idéia preconceituosa de que homens e mulheres obedecem a diferentes regras. Um homem à solta é visto como à procura da mulher certa. Uma mulher à solta é uma perdida. Sua mãe ia ficar seriamente preocupada achando que a fi­lha tivesse aberto mão de seus princípios, e Sophie não poderia contar-lhe a verdade pois seria admitir o fato patético de estar apaixonada por ele.

Enxugou-se e vestiu a roupa mais desleixada que encontrou para encarar a turma. Jeans e uma camisa larga cinza que tinha sido do pai e pela qual tinha uma afeição especial.

Rafe tinha descido antes dela.

Podia ouvir sua fala lenta, sexy, na cozinha. Pôde ouvir o que dizia ao aproximar-se.

— Estamos só começando, mãe — dizia com um certo contentamento na voz. O homem, aparente­mente, era um ator, além de ser um magnata. Talvez as duas coisas fossem concomitantes. Sophie entrou na cozinha onde as quatro mulheres estavam senta­das à mesa, tomando chá. Rafe estava de costas para ela.

— Concordo plenamente! — disse Sophie, indo direto para o bule e se servindo de uma xícara de chá, embora preferisse café.

— Nunca pensei que eu e Tom nos casássemos e olhem para nós! Sempre o vi como "o garoto da casa ao lado", um irmão, até que uma noite saímos sozi­nhos, começamos a conversar e foi como se um novo mundo surgisse! — contou Edith.

Sophie quase engasgou diante da idéia de ver Rafe como um irmão.

— É, acontece — concordou Rafe. Foi até onde Sophie estava, colada no chão. Colocou o braço em volta de seu pescoço e brincou com seus cabelos. Ela tentou sorrir e parecer o mais natural possível en­quanto a mente voava até o momento em que diplo­maticamente informariam terem encerrado a relação.

— Mas em geral não acontece — comentou ela, voltando ao planeta Terra. — Quero dizer, as pessoas têm relacionamentos que não costumam durar. Espe­cialmente em Londres.

— Por que especialmente em Londres? — pergun­tou Rafe, interessado. Conseguiu soar indulgente e irritantemente sexy.

— As coisas são diferentes em Londres. — Sophie tentou ignorar o jeito com que enrolava seus cabelos com o dedo. Olhou para a mãe, determinada a pre­pará-la para a decepção. — Não é uma cidadezinha acolhedora. É um lugar grande onde todos se mo­vem em compassos diferentes, assim como os rela­cionamentos.

— Com certeza nem todo mundo, querida. Ou en­tão ninguém em Londres se casaria — disse Grace.

— Poucas pessoas se casam.

— A não ser que seja uma relação genuína — Rafe deu-lhe um abraço afetuoso e ela podia ter chutado ele.

— Concordo! — disse Claudia, retirando da saco­la comida suficiente para alimentar o dobro das pes­soas na cozinha. — Você não deve tornar-se cética só porque está em Londres.

Grace acrescentou:

— E não deve achar que o mesmo vai acontecer com você, só porque as pessoas a seu redor entram e saem de relacionamentos. Você não é do tipo que se deixa influenciar.

O que, felizmente, mudou o rumo da conversa para a pressão social, deixando tempo para que Sop­hie tentasse afastar-se de Rafe. Seus esforços foram em vão. Ele simplesmente apertou-a mais até que ela foi forçada a dar-lhe uma cotovelada. Funcionou e ela escapou rápido, antes que ele se recuperasse.

— Não precisa me ajudar, Sophie. Tenho andado muito preguiçosa e comprei comida já pronta: salada e frios. Não é exatamente adequada para o tempo frio, mas podemos comer com pão quentinho.

— Bem, temos o ensopado para esta noite, Claudia — disse Maggie, que começou a colocar a mesa, frustrando os planos de Sophie. — E vocês dois? Vão comer conosco ou vão sair?

Quem diria que essas mulheres, depois de décadas de experiência, ainda tivessem tantas idéias românti­cas? Por enquanto, nenhuma delas tinha aceitado seus comentários sobre a rapidez com que os namo­ros se desfaziam. Rafe não tinha ajudado, pelo con­trário, adicionara lenha à fogueira coletiva!

— Acho que vamos enfrentar o frio e ir até a cida­de — disse Rafe, enquanto ela ainda estava proces­sando os prós e contras de ficar ou sair. — Melhor mudar de roupa. Está muito frio!

— E essa comida toda? Vocês não vão ficar cha­teadas?

Só respondeu depois de estacionar. Virou-se para ela, repousando o braço no câmbio. Cem por cento concentrado. Teria que colocar isso em seu artigo, pois ele era um especialista na arte. Tinha-o visto em ação, percebido de imediato essa habilidade de hip­notizar. Tinha a capacidade de convencer as pessoas a ouvi-lo e concordar com ele.

Motivo pelo qual ela não cometeu o erro de enca­rá-lo.

— Eu não estava fingindo, Sophie. Eu queria con­tinuar a tocá-la. Não exatamente daquele jeito, garan­to, mas não apaixonadamente, o que seria um pouco demais na frente de nossas mães, concorda?

Ela não olhava para ele, mas o corpo já reagia. Era assim que ele fazia. Usaria o tom persuasivo para di­zer que não tinha nada errado em tocar, explorar um ao outro, afinal ambos gostavam... A vida não era curta demais para dispensar as experiências sensuais que se ofereciam? Curta demais para renúncias? E é claro que ela ouviria, entenderia seu ponto de vista e temporariamente esqueceria o fato de que ela não era o tipo invejável de ser humano que vive o momento, que era do tipo pé no chão, que planeja tudo.

— Acho que devíamos conversar sobre isso du­rante o almoço — foi tudo o que ela disse, ainda olhando a pitoresca rua com suas fachadas charmo­sas que conseguiam ser ao mesmo tempo rústicas e sofisticadas.

— Ok — disse ele, sem insistir. Céus, queria que ela olhasse para ele, saber o que pensava, mas ela não cedia. O que começava a deixá-lo frustrado. Sabia que não precisava insistir com uma mulher que não estava a fim, mas algo o levava a prosseguir. Sophie já saíra do carro e andava, parecendo muito concentrada.

— Não conheço nenhum lugar por aqui para co­mer — disse, parando quando ele a alcançou.

— Podemos ir a qualquer lugar onde uma mesa nos separe. Assim, talvez se sinta inclinada a me olhar quando eu falar com você.

Sophie corou, mas não mordeu a isca. Dirigiu-se para um/?«£>.

Sentaram-se perto da janela.

— Que menu fascinante, não acha?

Ele a olhava com expressão divertida. Tinha des­cartado o menu e estava debruçado sobre a mesa pas­sando levemente os dedos por sua superfície.

— Olha, não quero discutir com você. Só não pos­so me comportar como sua amante na frente da mi­nha mãe, principalmente quando cheguei à conclusão de que o que fizemos não... bem, não se repetirá. E não me venha com princípios vitorianos e vida no sé­culo XXI. Sei tudo isso. Sei que tudo o que diz faz sentido para você, mas...

— Minha mãe pediu que ficássemos mais uns dois dias e eu concordei.

— Você fez o quê! Quando ela pediu isso?

— Antes de você descer. Cometi o erro de entrar na cozinha para saber se elas queriam alguma coisa da cidade.

— Mas isso significa...

— Não, não significa. Estou disposto a contar que foi uma aventura, que somos amigos e que sexo ape­nas complica as coisas. Existe um milhão de manei­ras de tirar você de uma situação em que sente a repu­tação indo por água abaixo. Deixe a elas o benefício da dúvida. Por mais que gostem da idéia de estarmos vivendo uma ligação romântica, são grandinhas o su­ficiente para saber que a vida nem sempre é assim.

— Não é o que estavam dizendo. — Sophie pediu o mesmo que ele, pois não ia perder tempo consul­tando o menu já que o apetite tinha sumido.

— Deixe que eu cuido disso. Minha sensibilidade quanto ao que os outros pensam de mim é zero, e mi­nha mãe me conhece o suficiente para compreender que não há a menor chance de um relacionamento en­tre nós dois, que não íamos querer destruir nossa ami­zade por causa de sexo. Que, na verdade, é digno de apreciação abrirmos mão de um relacionamento se­xual a favor de um platônico. Aposto que você con­corda com isso...

— Definitivamente. — Ele tinha razão, mas não podia deixar de sentir uma ponta de desapontamento por ele ter parado de insistir tão... rápido.

A comida e o vinho chegaram. Rafe mudou de as­sunto e fez perguntas triviais sobre o trabalho e as pessoas com quem trabalhava. Coisas chatas. Quan­do tudo o que queria... Não, pode parar, disse a si mesma.

— Se quiser, digo a minha mãe que você prefere voltar para Londres. Posso usar o trabalho como des­culpa. Afinal, o relatório exige atenção.

Sophie olhou-o, curiosa.

— O que me faz pensar no que acontecerá com os seus relatórios se você decidir tirar uns dias de folga.

Já começava a escurecer quando saíram e ele lhe vestiu o casaco, estremecendo ao roçar dos dedos.

— Às vezes é mais sensato não pensar. — Sophie observou que ele parecia cansado e, pela primeira vez, percebeu que afinal ele era humano. Podia recar­regar as baterias e a energia na tomada toda noite, mas ficava exausto como o resto da raça humana.

— Você conduz um império, é dono de tudo. Você devia ter o direito de tirar quanto tempo quisesse. Quero dizer, não é como nós, mortais.

— É isso o que pensa? Que não sou como a maio­ria dos mortais?

— Cl-claro que não... — Não foi ela mesma que teve a experiência de sentir que ele era um homem de carne e osso? Não tinha tocado aquele maravilhoso corpo mortal, cada centímetro dele? Suspirou fundo. — Só quis dizer que não precisa prestar contas a nin­guém...

— Só a mim mesmo, e sou um bocado exigente.

— Por que escolheria Cornwall para descansar? E no inverno?

— Surgiu a oportunidade. Pareceu uma boa idéia. Gosto deste lugar, principalmente no inverno, quan­do os turistas são raros e o tempo é imprevisível. É um bom antídoto para uma alma cansada. O que lhe parece essa confissão?

— Você não precisa... voltar para Londres comi­go. — Não queria privá-lo do descanso. A situação a tornava desconfortável, e sua solução era escapar. Talvez ele também se sentisse desconfortável, embo­ra dissesse que ainda a queria por perto. Talvez nunca tivesse tirado férias.

— Não, eu devo voltar. Lembra-se do Bob, um dos clientes que visitamos? Você, na época, me atacou como um bull terrier porque eu queria comprar a em­presa dele que estava localizada num terreno conve­niente...

— Claro que me lembro. A empresa de móveis.

— Ele concordou com o negócio.

— Vai vender para você?

— Surpreendente. Ele chegou à conclusão de que era melhor vender a empresa para mim, por um preço satisfatório, do que ir à falência. Em outras palavras viu a luz no fim do túnel.

— Em outras palavras, viu a tocha que você segu­rava e sacudia na frente dele, enquanto o convencia de que estava vendo a luz no fim do túnel.

— Adoro a maneira como você expressa suas idéias. — Rafe riu e ela se deu conta de que não ti­nham rido desde que deixaram o quarto. Ela o tinha responsabilizado e ele havia estoicamente mantido o controle. — Chegamos a um acordo amigável, diga­mos assim.

— Qual?

— Ele me vendeu e eu vou construir o shopping center, mas será mais um shopping de mobílias e Bob ficará encarregado de desenhar os móveis junto com meu time de arquitetos. Ele ficou contente com o re­sultado.

Sophie olhou-o, surpresa.

— Você quer dizer que sacrificou seus planos pelo bem dele?

— Quero dizer que chegamos a um acordo que me satisfez. E isso, entre outras coisas, pode ser concluí­do se ambos voltarmos para Londres de manhã.

— Acho que posso ficar mais uns dias...

— Não concorde com nada que não queira, a não ser que queira contar às nossas queridas velhotas que o casal perfeito não é bem o que parece, e aí terá de enfrentar os olhares conspiratórios e muitas piadas sobre o verdadeiro amor.

Sophie sorriu. Tinha exagerado? Não seria a pri­meira vez desde que o encontrara.

— Acho que posso lidar com isso. E talvez isso me ajude a retratá-lo melhor. No trabalho e de férias. Ver o que faz quando está relaxando.

Ver a situação pelo ângulo profissional imediata­mente a deixou mais à vontade diante da perspectiva de dois ou três dias extras na companhia dele. Tinha trazido o laptop e teria bastante tempo para terminar o trabalho. Fazia sentido. Ou não?

— Não acho boa a idéia de dar-lhes falsas esperan­ças e agirmos como se estivéssemos apaixonados. — Riu, satisfeita por parecer natural. — Afinal, não so­mos adolescentes. Ninguém espera dois adultos agin­do como adolescentes.

— Você é quem sabe.

— O que quer dizer com isso?

— Quero dizer que serei o cavalheiro perfeito.

— Ótimo. — Ela acreditaria nele? Sim. Porque, por mais que a quisesse, não a queria o suficiente, não o suficiente para travar uma guerra com seu auto-controle. Pensou se ele seria capaz de amar tanto uma mulher a esse ponto. Amar de verdade exigia abrir-se, tornar-se vulnerável, e Rafe jamais faria isso. A falta de expectativa na situação em que se encontrava deixou-a desesperada.

Ao voltarem encontraram um bilhete. Parece que a energia tinha voltado, pois as quatro mulheres ti­nham decidido passear na praia.

— No escuro? No frio? O que deu nelas?

— Praia à noite pode ser uma experiência relaxante.

— É mesmo? Quer café?

— Sim para as duas perguntas.

— Você parece exausto.

— É? Deve ser influência do lugar.

— O território parece ter muita influência sobre você.

— Por exemplo? — Ele não sabia dizer com exati­dão quando acontecera, mas acostumara-se com suas perguntas. Olhou-a enquanto preparava o café. Seus movimentos eram calmos e comedidos. Até chegar perto dele. Então tudo ficava tenso. Incrível.

— Descanso... Relax...

— Talvez não o descanso, mas tenho meus méto­dos de relaxamento. — Como previa, ela deixou esse comentário ambíguo sem resposta. — Eu leio, ouço música, vez por outra vejo TV...

— O que costuma ler?

— Biografias. Livros sobre guerras. Vários jornais por dia. Música — qualquer uma —, embora tenha uma queda por jazz. Televisão... bem, isso é mais di­fícil.

— Isso porque quando as notícias terminam chega a hora de reality shows, reprises e novelas?

— Confesso que as novelas costumam ser extre­mamente tristes ou irreais.

— Você vê novelas?

Rafe deu um daqueles sorrisinhos que levavam sua pulsação ao espaço.

— De vez em quando. Quando estou em casa. Ser­ve para relaxar, o que não acontece com freqüência porque não sou como os demais mortais e não faço o que as pessoas comuns fazem.

— Se tivesse uma família esperando, talvez achas­se mais fácil. Quero dizer, teria uma razão para não passar tanto tempo trabalhando...

— Está fazendo essa observação como profissio­nal tentando descobrir o que me excita ou está sim­plesmente deixando aflorar sua curiosidade feminina quanto ao meu estado civil?

— Faz diferença? A resposta não seria a mesma? — Seria capaz de perguntar qualquer coisa só sob o ponto de vista profissional? Cada pergunta, cada comentário envolveria a intimidade que experimentaram e o reco­nhecimento do sentimento que nutria por ele.

Por alguns segundos, Rafe ficou quieto.

— Por que as mulheres ficam tão ansiosas em des­cobrir por que não tenho uma mulher? Ou melhor, uma mulher importante! Aposto que, se estivesse sendo entrevistado por um homem, ele jamais me fa­ria essa pergunta. Gosto da minha vida. Talvez esteja certa. Talvez se tivesse uma família no rancho, me uniria ao êxodo em massa às 17h30 para correr para meu espaço acolhedor com cheiro de comida feita em casa. Se funcionasse assim tão bem, não haveria di­vórcios. Não, junto com a mulherzinha em casa vem uma infinidade de problemas. A gloriosa criatura com a qual sonhamos passar o resto da vida pode ra­pidamente tornar-se uma víbora e a comidinha feita em casa... bem, começa bem, mas em quanto tempo os livros de receita são substituídos por comida con­gelada? Tenho um grande amigo cuja vida foi sim­ples durante anos. Morava com uma garota muito bo­nita e se casaram. Em dois anos, as coisas tinham se tornado tão insustentáveis que começaram a freqüen­tar sessões com um conselheiro matrimonial para sa­ber o que tinha dado errado.

— Por que fizeram isso, quando podiam conversar com você, que obviamente tem todas as respostas?

— Nem todas — respondeu ele sorridente, queren­do que não estivessem separados pela mesa, mas agra­decido pois assim não perderia o controle e não tenta­ria tocá-la. Insistir com uma mulher determinada a afastar-se não fazia seu gênero, mas essa mulher...

Apenas o suficiente para dizer o que você já sabe. Afinal de contas, parece especialista em analisar mi­nha personalidade. Não sou do tipo casamenteiro. Na verdade, só de pensar em casamento, estremeço. Mi­nha mãe pode estar excitada diante da perspectiva de uma garota que ela conhece e aprova. Talvez você te­nha razão, talvez ela esteja sonhando com bolos de casamento e planejando que chapéu usar, mas... — Deu de ombros, achando que não precisava terminar a frase.

Sophie captou a mensagem. Era um aviso de que não estava a fim de compromisso. Podia ter casos, mas não podia amar e não queria fazer promessas que não pretendia cumprir.

Não havia por que repetir o óbvio!

— O que nos deixa onde estávamos, antes que mi­nha mãe pegasse a gente... in situ, digamos assim. Somos duas pessoas que se desejam.

Sophie abriu a boca para negar e fechou-a. Não podia negar, seria uma mentira. Ela sabia e ele tam­bém, motivo pelo qual estava tão ansioso por estabe­lecer seus parâmetros, para evitar mal-entendidos.

— Quero que cumpra a promessa de se comportar como um cavalheiro.

— E eu que você pare de se esconder e venha para mim...

 

Rafe se comportava como o perfeito cavalheiro. Sophie se perguntava por que tinha concordado em ficar mais alguns dias. Estava ficando louca só de tê-lo por perto, embora ele não mais tentasse tocá-la sempre que tinha oportunidade. Em vez disso, estava sendo atencioso e o "tocar" tinha sido substituído pelo olhar, o que era quase tão sedutor. Conversava com todas, era charmoso, brilhante, mas os olhos fi­cavam grudados nela todo o tempo, como se falasse apenas com ela.

E agora, um pouco antes das sete da noite, tinha que ouvir a mãe falando sobre ele:

— O jeito como ele olha você, querida... — Grace estava deitada, olhando enquanto a filha se maquilava, vestida com uma roupa nova. Mãe e filha tinham saído juntas com o objetivo de fazer compras. O des­leixo da noite anterior levara a mãe a pensar que ela precisava de um novo guarda-roupa, apesar das nega­tivas veementes de Sophie de que não precisava an­dar toda arrumada.

Agora, vestida com uma saia de lã e uma camiseta justa, Sophie encontrou o olhar da mãe no espelho.

— Ele não olha para mim, mãe.

— Olha sim, e de maneira sedutora.

— Ele é um homem muito ligado na aparência fí­sica. Quero dizer, ele gosta... bem... — Sophie hesi­tou em esclarecer tudo. Algumas coisas não podiam ser ditas para a mãe. Preferiu mudar de assunto. — Pensei que eu não gostasse desse tipo de roupas, que eu aprovasse roupas confortáveis, porque o que está dentro é que conta. Sinto-me uma tola — O que que­ria dizer que se sentia exibindo-se, quando o que que­ria era manter o controle e encaixar-se no simples­mente amigos.

— Você está o máximo. Além disso, a roupa é confortável, mas também feminina. Posso estar erra­da, mas acho Rafe o tipo de homem que gosta de mu­lheres bem vestidas.

— Estou pouco me lixando para o que Rafe gosta!

— Por isso sente-se tão à vontade perto dele.

A mãe havia interpretado mal o que dissera. Mas não havia muito a ser dito quando a mãe começava a fazer uma análise da importância de sentir-se à von­tade junto ao parceiro, sem precisar fingir, sabendo que ele a aceitava. Sophie começava a pensar se não seria a única pessoa sã no mundo, ou ao menos nesta casa em Cornwall.

— Cá entre nós, Claudia e eu estávamos começan­do a duvidar que vocês dois um dia se acertariam.

— Quer dizer que as duas ficavam fofocando so­bre nós?

— Não gosto da palavra fofocando — disse Grace, calma, levantando-se para ajeitar a filha e lançando-lhe um olhar de aprovação. — Claro que falamos sobre vocês. Claudia e eu somos amigas e amamos mui­to os dois. — Acariciou os cabelos da filha.

— O que é maravilhoso. Mas como eu disse, nós não buscamos nada permanente. Ele é o tipo de ho­mem que não assume compromissos. Gosta de se di­vertir, e, para um homem como Rafe, há sempre mui­ta diversão.

— Veremos — murmurou Grace.

— Veremos mesmo! — disse Sophie, cínica, en­quanto Grace saía do quarto, mas achava que a mãe nem tinha ouvido.

Não havia sinal de Rafe, e ao chegar à cozinha, viu que a mesa não estava colocada para seis.

— Decidimos comer algo leve e jogar bridge — comunicou Claudia, olhando Sophie e balançando a cabeça para Grace.

— Estou vendo e imagino que vocês armaram tudo. A ida ao shopping. A roupa nova. Vocês são transparentes como... água!

— Apenas duas mulheres mais velhas divertindo-se. Você não vai nos negar isso, vai? Agora quieta. Rafe está esperando.

— Esperando? Onde?

— Achei que vocês dois deveriam ter uma refeição romântica. Afinal, ficaram conosco todo o dia. Uni­mos esforços e preparamos peixe, legumes, pudim.

— E conseguimos que Annie lavasse os pratos para nós. Aparentemente o Natal deixou-a sem tos­tão. — Annie era a moça que limpava a casa quinze-nalmente.

— É tão bom ter vocês dois aqui que gostamos de mimá-los — disse Claudia, e todas concordaram. Sophie estava aprisionada num mundo em que não ti­nha mais controle sobre o que acontecia com ela.

— Rafe está esperando na sala de estar. E não que­ro que venham à cozinha. Divirtam-se.

— E deixe-nos tentar jogar, se pudermos parar de falar! — disse Edith, servindo vinho. Sophie duvida­va que pudessem se concentrar com os copos cheios até a borda. Mandaram-na embora e nenhuma delas, concluiu, lia mentes. Se lessem, saberiam que a últi­ma coisa que queria era uma refeição romântica com Rafe.

Ele aguardava na sala de estar.

— Ah, você chegou. Parece que fomos manipula­dos. — Os olhos a percorreram. Ela parecia... apetitosa, como uma criança teimosa vestida com roupas elegantes, e o fato de não ter noção disso a tornava mais atraente. Não tinha consciência do impacto que causava nos homens. Ele desejou beijar-lhe o rosto, mas ficou onde estava, olhando-a. Ela viria até ele.

— Você sabia disso?

— Claro. Há meia hora minha mãe foi a meu quar­to e revelou que jantaríamos a sós. Por que não se senta? Vou pegar uma bebida. — Não esperou a res­posta.

Ele estava superatraente. Tinha trocado o estilo casual por calças escuras e um blusão preto, que o tornavam elegantíssimo.

— Aproveite.

— Aproveite o quê?

— A noite. Goste ou não, elas se empenharam, seria deselegante não apreciar o esforço.

Sophie tomou o vinho e suspirou.

— Odeio ser manipulada.

— Eu também. Mas podemos nos divertir enquanto estamos aqui. Estamos sozinhos: podemos parar de fingir e falar de trabalho, se preferir.

— Você não se importa que as coisas estejam fugindo ao controle, não é? Passei mais de uma hora com minha mãe e ela está... bem, com a cabeça na nuvens! — Sophie tomou o resto do vinho, o que, a menos, fazia com que ficasse mais animada.

— Agüente até irmos embora.

— Fácil falar...

— Não, na verdade não é. — Levantou-se e sentou-se a seu lado. — Em vez de reclamar, por que não relaxa? Nada vai mudar! Elas acham que somos u casal e pode ser desconfortável para você, mas aceito que a opinião delas não nos obriga a nada. Não esta mos sendo levados ao cartório mais próximo no espaço de dois dias.

— Muito obrigada. Mas não estou acostumada como você a ignorar o sentimento dos outros e faze o que eu quero.

— Não vou iniciar outra guerra de palavras com você. Só digo o seguinte: vamos para a sala de jantar saboreamos a refeição preparada com amor para nó e conversamos como dois adultos civilizados se que você se enfureça por causa desses malditos prin­cípios aos quais está acorrentada!

Sophie ficou pálida. Pela primeira vez ele dizia claramente o que pensava.

— Não estou acorrentada a meus princípios! — defendeu-se, zangada, esperando uma discussão. Mas ele levantou-se e encaminhou-se para a porta.

— Não vou discutir com você. Vamos jantar, agra­decer e amanhã partimos cedinho.

Sophie seguiu-o até a sala de jantar. Era pequena e aconchegante. A mesa estava posta com a melhor louça e velas.

De repente viu as coisas sob a perspectiva de Rafe. Não queria decepcioná-las por enquanto.

Por outro lado, insistia em ser honesta e acabara... exagerando...

Olhou para o rosto frio de Rafe e o coração doeu. Ela o advertira para parar com o flerte e as provoca­ções e ele obedecera. O homem à sua frente era o mesmo que encontrara ao chegar ao escritório, para uma tarefa que nenhum dos dois desejava. Ele tinha ficado cheio dela e ela não podia culpá-lo.

Na verdade, provavelmente ficara tão surpreso quanto ela ao saber do jantar, mas em vez de lutar contra o destino, aceitara e agora... agora estava ob­viamente farto dela, farto de seu comportamento in­compreensível. Num minuto se jogava para ele, no outro retrocedia como se a vida estivesse em jogo.

— Desculpe se estraguei suas mini-férias.

— Esqueça. Devia saber que ficar seria um erro. — disse, servindo mais vinho.

— Desculpe.

— Qual o motivo de estar se desculpando, dessa vez?

Sophie deu um profundo suspiro. Com apenas quatro velas iluminando a sala, era impossível ler-lhe a expressão do rosto, mas a voz dizia tudo.

— Passei mensagens desencontradas. Não sei o que pensa sobre mim, mas...

— Chega, Sophie. O que penso sobre você não tem importância.

Mas tinha. No momento nada era mais importante.

— Claro que tem. Não gostaria que pensasse que não sou profissional. — Ou uma idiota, imbecil, pen­sou. Alguém grandinha o suficiente para saber o que queria, mas incapaz de controlar seu comportamento. Alguém cuja competência profissional estava sendo sobrepujada por sua estupidez, imaturidade e incon­sistência emocional.

— Não se preocupe. Não vou contar para seu che­fe que transamos. Pode ter certeza de que vai embora com seu artigo completo e seu orgulho intacto.

Annie serviu a entrada e Sophie olhou para o prato de sopa, sabendo que não tinha o direito de tentar conversar com Rafe e, se tentasse, temia não obter resposta. A sopa tinha um cheiro delicioso, mas o apetite sumira.

— Coma — ordenou Rafe.

— Pare de me dar ordens.

— Então aja como adulta.

Sophie olhou-o com raiva, e era mais fácil lidar com a raiva do que com o sentimento de culpa.

— Agir como adulta seria ouvir e fazer exatamen­te o que estipula.

— Pode traduzir do jeito que quiser.

Ele não parecia ter problemas com o apetite. Podia não gostar da companhia, mas quanto à sopa e ao pão não tinha problemas... Olhava para Sophie como se ela fosse uma estranha, alguém com quem tinha de compartilhar a refeição, o que exigia grande esforço.

— E você não dá a mínima para o que eu acho. É isso?

O silêncio a enfureceu mais ainda. Como ela não tinha jogado o jogo do jeito dele, ele a descartara. Atacou a sopa e curtiu a raiva. Era muito mais fácil ficar zangada com ele do que consigo mesma.

— Vou dizer depois que ler o artigo. Gostou da sopa?

— Estava ótima.

— Incrível o que se pode comprar pronto hoje em dia. Quase torna a arte culinária redundante, concorda?

— Nunca pensei sobre isso. — Isso era o que que­ria. Nada pessoal. Mas não estava satisfeita. Não queria vê-lo sério. Não queria conversas impessoais.

— Não? — perguntou sem interesse, e ela imagi­nou que ele olharia para o relógio. Nada muito óbvio, apenas um lembrete de quanto tempo ainda teria de suportar sua presença.

Ela não queria que ele tentasse levá-la para a cama. Ele podia rir de seus princípios maçantes, mas eles a poupariam de ser machucada.

— Pensei que, morando sozinha, fosse descobrir esses pequenos truques, no que se refere a comida.

— Posso dizer o mesmo sobre você.

— Quase nunca como em casa.

— Desculpe, esqueci. Isso porque você não está acorrentado a nenhum princípio sombrio.

— Você ficou ofendida com o comentário? Che­guei perto da verdade...

— É, tenho princípios. Funciono segundo meus próprios códigos do que é certo e errado.

— E quando alguma emoção entra pela janela, você não consegue lidar com ela. E ainda me diz que não está acorrentada a seus princípios. Um tanto quanto hipócrita, não acha? Já lhe ocorreu que mes­mo sua mãe gostaria que aproveitasse a vida? Talvez fique mais satisfeita do que ao pensar que você está em Londres passando os sábados sozinha enquanto espera que o "Homem da Sua Vida" entre porta adentro e a peça em casamento.

Sophie ficou vermelha. Por mais que o odiasse pelas acusações, a mente recusava-se a tratá-las com desprezo que mereciam. Em vez disso, pensou que talvez ele tivesse razão. Era isso o que a mãe sentia? Que ela estava enclausurada num mundo imaginário, esperando pelo Príncipe Encantado, e enquanto isso via televisão, limpava as teias de aranha e comia co­mida congelada sozinha?

— Ela só está contente porque pensa que vamos nos casar! O que não é de admirar, graças ao seu teatrinho!

— Ah, pelo amor de Deus.

Mais dez minutos de pesado silêncio enquanto Annie entrou para recolher os pratos e servir o prato principal.

A acusação de hipocrisia teve tempo suficiente para fermentar em sua cabeça.

O que estava acontecendo? Por que ele a fazia comportar-se de um jeito que a surpreendia? Lutou para assumir as rédeas do autocontrole e, quando An­nie serviu o peixe, descobriu que era capaz de dar um sorriso decente. Desde que não prestasse atenção à ri­gidez do rosto dele.

— Achei maravilhoso o que fez pelo Bob — disse, neutra, procurando um assunto que não provocasse discussões. — Sei que preferiria que eu não mencio­nasse nada específico em meu artigo, mas pode me autorizar a usar isso?

— Se quiser. Silêncio.

— O peixe está delicioso. — Mais silêncio. — E suponho que vá passar toda a refeição em silêncio. — disse educada. — Um pouco infantil, não concorda?

Infantil? Rafe quase engasgou. Além do mais, nunca tinha sido tachado de infantil por ninguém. Nem quando criança.

— Você é a mulher mais complicada, mais impre­visível que já encontrei!

— Vou aceitar isso como um elogio. Melhor do que tola, chata e hipócrita.

— Não me lembro de ter usado esses adjetivos para descrevê-la.

Ficou aliviada por ele dirigir-se a ela. Qualquer coisa, menos aquele olhar frio e aquele tom de voz desprezível.

— Você deu a entender que eu era uma caipira que precisava ser cuidada.

— Você não tem experiência do mundo. Adrian poderia ter comido você e cuspido no café-da-manhã.

E você não?, pensou. Claro que sim, mas havia uma grande diferença. No caso dele, ela teria gostado da experiência, sacrificaria a miséria de ser rejeitada pelo prazer de ter sido desejada, mesmo que por um curto espaço de tempo. O que sentia era medo, e que tipo de vida levaria se permitisse que a cabeça tomas­se todas as decisões emocionais por ela? Uma vida feliz e excitante com alguém que preenchesse todas as exigências no papel, mas nunca na prática?

— E daí?

— E daí? — explodiu Rafe. Afastou o prato e Sophie levantou as sobrancelhas.

— Pensei que não pudéssemos deixar nada no prato.

Rafe ignorou-a. Cruzou os braços e, se não fosse o jeito como trincara os dentes, pareceria estar sob con­trole.

Estaria com ciúmes?

— Ele era bonito... — disse, segurando o queixo com a mão, com um olhar distante. — Arrojado.

— O que só prova como você é inexperiente. Qualquer uma com um mínimo de experiência sabe­ria de cara que Adrian é um artista.

— E você não? — perguntou Sophie, interessada.

— Sou honesto com as mulheres. E quando estou com elas dou tudo de mim. Diga se não concorda... Parece que ficou muda.

— Você quer que eu lhe dê uma nota como...

— Pode dizer. Amante. Sei que quer distância da situação, mas não pode esquecer o que tivemos... — Sentiu que ficava excitado, louco para fazer amor com ela, mergulhar naquela doçura molhada de mel que sabia ser capaz de excitar. Será que ela também estava ficando molhada, desejando-o...? Ainda bem que havia uma mesa a separá-los, porque sua ereção era visível.

Sophie respirou fundo e olhou-o nos olhos.

— Você quer que eu dê uma nota para você como amante. É isso? Não se acha meio convencido?

— Obrigado.

— Ainda não dei minha opinião.

— Claro que sim. Caso contrário, não me acharia convencido.

Sophie mal percebeu a chegada de Annie. Não po­dia tirar os olhos de Rafe. Não se sentia como um coelho encurralado. Sentia-se poderosa. Não ia fugir novamente, correndo em pânico, procurando um can­to para se esconder e olhando a vida passar como expectadora. O medo do desapontamento e da infelici­dade era mais tolerável do que o medo que sentira quando ele se afastara dela.

— Você é bom. Não, ótimo. Embora, como co­mentou antes, eu não tenha condições de julgar.

Rafe provou a sobremesa.

— Experimente — disse, estendendo a colher.

E se ela soubesse dar aquela olhada fatal? Podia tentar. Hoje se entregaria a seus desejos. Eles tinham vencido seu mecanismo de proteção, e não podia ig­norá-lo. Queria Rafe e para o diabo com o bom senso, com a lógica e com a consciência limpa. De um jeito ou de outro, sabia que nunca mais os teria. Ou ela permitia que ele virasse as costas pensando coisas horríveis a seu respeito, pensando que ela estava amarrada a rígidos princípios e incapaz de sacudi-los, ou então começaria a aproveitar o que se lhe ofe­recia e ia embora quando sentisse que começava a aborrecê-lo. Quanto tempo duraria? Não fazia idéia. Uma semana? Um mês? Seis meses?

Abriu os olhos e viu-o a poucos centímetros dela, fixando-a.

Deliberadamente, lambeu a colher. Nada aconte­ceu.

Será que seu gesto tinha sido ridículo e não sedutor?

Pior — e era difícil imaginar algo pior —, talvez ele estivesse tão desestimulado por seu comporta­mento que não fazia diferença se ela lambia uma co­lher devagar ou depressa ou mesmo se subisse na mesa e fizesse um strip-tease. Simplesmente ele não estava mais interessado.

Os pensamentos vieram à sua cabeça com a velo­cidade da luz. Estava olhando para si mesma e o via rindo dela, de sua imitação desajeitada de uma vamp... vendo na atitude dele sentimentos que iam do nojo ao enfado e desejo não constava do menu, por­que ela o tinha cortado.

Seus instintos disseram-lhe que perguntasse algo sobre ser fotografado para o artigo, fingir serem dois adultos civilizados que tinham tido um breve flerte e ponto final.

Ou podia beijá-lo.

Colocou-lhe a mão no pescoço e saiu do ar. A boca ainda tinha o gosto da sobremesa. Achou que ele se afastaria. Fechou os olhos para não ver a reação.

Ele correspondeu ao beijo, a boca faminta.

Claro que mais cedo ou mais tarde iam precisar de ar, e Sophie esperava que ele não fizesse perguntas. Não teve sorte. Ainda inclinado sobre a mesa, Rafe foi o primeiro a se separar e ela abriu, relutante, os olhos.

— Importa-se de dizer o que está acontecendo?

— Não posso mais lutar.

— Não tinha percebido que era uma luta.

— Não com você — admitiu Sophie, disposta a di­zer a verdade ou ao menos uma parte dela. — Estava falando em lutar comigo mesma. É o que venho fa­zendo desde que... fizemos amor. Você não é o tipo de homem com o qual uma mulher sonha. Pelo me­nos não uma garota com a cabeça no lugar. Mas eu... percebi... você sabe o que quero dizer...

— Sei? Não tenho certeza. Talvez você pudesse me explicar.

Sophie suspirou. Dizer o que tinha a dizer manten­do contato visual era quase uma missão impossível, mas ela disse:

— Eu quero você. É loucura, mas é isso.

— Não tenho certeza de gostar da parte referente à loucura... mas quanto ao resto... — Beijou-a profun­da e carinhosamente até que ela gemesse, a boca pro­curando a dele cada vez que ele se afastava.

— Devíamos agradecer... a todos pela refeição maravilhosa... — ela sugeriu.

— Tenho certeza de que compreenderão se desa­parecermos sem formalidades — murmurou Rafe, di­rigindo-se para a porta e esperando por ela. O café foi esquecido e, como eleja tinha descoberto, essas ca­sas antigas tinham fechaduras.

 

Sophie olhou pela janela do escritório. O artigo RAFE LORO — O HOMEM POR TRÁS DO MITO estava emoldurado na parede, testemunha de sua pri­meira tarefa bem-sucedida. Toda manhã, ao cami­nhar para a mesa, lá estava ele, o que a fazia sorrir. Quando trabalhava, podia senti-lo perto, encorajan­do-a. Ele estava no exterior, mas retornaria à Ingla­terra na tarde seguinte e ela o encontraria, ouviria so­bre a viagem aos EUA e, em circunstâncias normais, jantariam, conversariam, antecipando a hora em que as palavras dessem lugar ao encontro de seus corpos numa cama gigante, agora familiar.

Em circunstâncias normais.

No início, dizia a si mesma que nunca teriam o tipo de relacionamento que os outros qualificavam como normal; não devia ficar pensando no fim, pois com um homem como Rafe era preciso apreciar o momento e não esperar nada além.

Mas as semanas se passaram e ela acabou se acos­tumando com a falsa segurança. Aprendera a não fa­lar sobre o futuro e a não fazer planos. Assim, quando terminasse, ao menos estaria mentalmente preparada ou o mais preparada que pudesse, pois a cada dia fi­cava mais apaixonada.

Isso mantinha em segredo. Rafe não podia lidar com várias situações e a primeira da lista era ouvir uma mulher declarando seu amor.

E ela não queria perdê-lo. Ainda não. Não quando ainda havia um amanhã. Dizia a si mesma, repetidas vezes, que perceberia quando ele começasse a se can­sar dela. Seria capaz de sentir e tomaria a decisão ne­cessária, dar o primeiro passo.

Talvez, dizia ocasionalmente, não esperasse até esse ponto. Talvez terminasse apenas para poupar Claudia e Grace do desapontamento, porque quanto mais envolvida emocionalmente, mais aumentariam as aspirações delas de um final de contos de fadas.

Tinham-nos visitado quatro vezes em dois meses e sempre que perguntavam sobre o casamento, Sophie desconversava.

Mas o momento ideal para terminar nunca chega­va. Ele abria a porta, acendia as luzes do apartamento e ela se comovia. Seus lábios se encontravam, os bra­ços envolviam-lhe o pescoço e seu corpo colava-se ao dele, estremecendo a cada toque, como da primei­ra vez.

O destino tinha uma forma perversa de assegurar-se de que a felicidade nunca abusasse de sua hospita­lidade.

Rafe tinha enviado uma mensagem antes de deixar a América, uma daquelas sexy que a deixavam teme­rosa de que alguém pudesse ler. Devia encontrá-lo no apartamento dele, de preferência usando o terninho que ganhara de aniversário; e por baixo, quanto me­nos melhor.

Pensar em fazer qualquer coisa desse tipo nesse momento a deixava enjoada.

Olhou para a bolsa onde repousava o fim de seu sonho. Um momento iluminado que durou cinco se­manas até o final do trabalho. Nada mais. Ela estava tranqüila, pois sempre eram precavidos. Mas essa manhã ela lembrou de que houve uma única vez, na primeira vez em que estiveram juntos, em que não usaram nada. Depois de voltarem de Cornwall, tinha ido ao médico e começara a tomar pílulas. Ganhou peso, o que atribuiu aos métodos contraceptivos. Além do mais, Rafe não tinha dito que alguns quilinhos extras a tornavam mais sexy?

Não tinha ficado preocupada ao comprar o kit de teste de gravidez porque atribuía a menstruação irre­gular ao uso da nova pílula.

Até pouco tempo atrás, quando o mundo parou.

Rafe a esperava às dez da noite. Normalmente te­ria ido mais cedo para o apartamento dele, já que ele tinha lhe dado as chaves havia alguma semanas, pois achava ridículo marcar encontros quando tudo que queria era chegar em casa e encontrá-la à sua espera. Teria visto televisão, deleitando-se com a expectati­va à medida que se aproximava a hora de encontrá-lo.

Em vez disso, ficou dando voltas no seu aparta­mento, parando a cada 15 minutos para olhar o reci­piente. Tomou banho e colocou um jeans e um blusão. Ligou a televisão pois precisava de companhia, mas não conseguia se concentrar, não podia pensar em outra coisa a não ser no que diria a Rafe. Tinha de contar. Não podia desaparecer da face da Terra, e mesmo que pudesse, não achava que poderia deixá-lo sem dar-lhe a chance de saber que ia ser pai.

Pegou um táxi e esperou, rezando para que ele se atrasasse, que ela caísse dormindo e adiasse o mo­mento terrível e ao mesmo tempo desejando que ele chegasse mais cedo para que pudesse contar e acabar de vez com a história.

Não queria ficar imaginando a reação dele, mas não podia evitar.

Não havia feito uma vez um comentário sobre mu­lheres que ficam grávidas para agarrar um homem? E ela concordara com ele.

Ficou histérica quando ouviu o som da chave. Ti­nha deixado as luzes apagadas e apenas os abajures acesos.

Escutou os passos em direção à sala de estar, achando que ele esperava... o quê? A expressão de prazer em seu rosto ao vê-lo? Os olhos brilhantes de boas-vindas? Certamente não esperava encontrá-la enroscada na cadeira, perto da lareira, vestida em oposição ao quanto menos melhor.

Ele parou na porta observando a cena e caminhou lentamente em sua direção.

Quando parou perto dela, sorriu daquele jeito que sempre a deixava enlouquecida e pelo espaço de pou­cos segundos ficou tentada a aproveitar a última noi­te antes de contar a novidade.

— Trouxe algo para você. — Tirou do bolso uma caixa azul-marinho. Um porquinho de porcelana. Ela tinha lhe contado que colecionava porcos de porcelana e ele tinha rido, mas desde então, sempre que via­java, trazia um para adicionar à coleção dela.

— Obrigada.

— O que aconteceu?

— Preciso lhe contar uma coisa.

— Devo buscar uma bebida antes? — Ele sorria, os olhos curiosos.

Várias, pensou Sophie.

— Não. Apenas sente-se.

— Qual o problema?

— Primeiro, quero dizer que não vou me casar com você. — Ele abriu a boca e Sophie fez sinal para que ficasse calado.

— Foi bom, Rafe...

— Foi?

— Por favor, não me interrompa. — Os olhos des­viaram-se dos dele. Não conseguia suportar a intensi­dade do olhar. — É importante que acertemos uns de­talhes. Ambos sabíamos que nosso relacionamento não ia durar para sempre... isso só acontece quando duas pessoas se casam, e eu não quero me casar com você. — A mentira deixou-lhe um gosto amargo na boca, mas era uma mentira necessária.

— Não sei o que a levou a isso, Sophie...

— Nada levou a isso. O tempo foi o responsável.

— Quando falei com você ontem parecia ansiosa em me ver...

Podia perceber que ele tentava adivinhar o que es­tava acontecendo.

— Algo aconteceu e você vai me contar. — Ele le­vantou-se e começou a andar pela sala, como se houvesse muita energia dentro dele para ficar parado. — Tem a ver com Grace. Ou Claudia. Ou ambas. Elas disseram alguma coisa para você? Algum aviso? Não, isso não faz sentido. Por que o fariam? Estão supersatisfeitas por estarmos saindo.

— Não, Rafe.

— Então o que é? — Tirou o paletó e arregaçou as mangas, agitado. Ficou estático e encarou-a. Havia pensado numa possibilidade e a avaliava.

— Rafe...

— Existe outra pessoa?

Antes que pudesse abrir a boca, ele se aproximara, inclinando-se.

— Não — afirmou ela, antes que ele desse início a uma série de acusações despropositadas. — Claro que não existe outra pessoa! Como eu teria tempo para isso?

— O que é então? Por que não pára de fazer misté­rio e diz logo?

— Estou grávida.

As palavras caíram como uma bomba. Prendeu a respiração, esperando pela explosão. Nada. Afastou-se dela e sentou-se no sofá. Por alguns segundos odiosos, não a olhou, apenas olhou à frente, o rosto isento de qualquer emoção.

Choque, horror, raiva... ela não sabia o que se pas­sava.

— Você está grávida — disse ele finalmente, fitando-a.

— Sei que é um choque. Eu só... bem, só fiz o teste hoje, descobri... foi naquela primeira vez... um acidente... quem imaginaria que... pudesse...? — Puxa­va ansiosa a barra do blusão. — Nunca tive a inten­ção de engravidar, você precisa acreditar. Por isso disse que não me casaria com você...

— Porque está grávida do meu filho? — Deu uma risada. — Que razão engraçada. Você não tem esco­lha, Sophie.

— O que quer dizer?

— Quero dizer que nenhum filho meu será ilegíti­mo. Queira ou não, você vai se casar comigo.

— Não seja ridículo. — Sim, havia aventado esta possibilidade e a rejeitado porque casar com alguém pelas razões erradas era condenar o casamento ao fra­casso. Há alguns meses, teria achado uma tragédia ser mãe solteira, mas ele tinha lhe dado força e auto­confiança, o suficiente para saber que, por mais difí­cil que fosse, seria capaz de cuidar de tudo sozinha. E seria bem melhor do que prendê-lo num casamento sem amor, culpando-a por isso, buscando prazer fora de casa e justificando a infidelidade por ter sido for­çado a tomar uma atitude. Um pássaro com asas cor­tadas — e ela seguraria a tesoura. Não! A perspectiva a revoltava.

— Não, não vou. Um casamento sem amor não é casamento, e qualquer criança que seja criada por pais que não se amam acabará infeliz. Sem mencio­nar que não seria justo. Não, o melhor é nos separar­mos. Você vai poder ver a criança sempre que quiser. Nunca vou tentar impedir.

— Fora de questão.

— Não me diga o que vou fazer! — explodiu. — Você não pode me arrastar até o altar e me forçar a dizer aceito!

— Tente. Estou falando sério, Sophie. Meu bebê vai se chamar Loro e terá todas as vantagens oriundas desse sobrenome.

— Mas e o amor? — gritou Sophie.

— Prefere outra alternativa?

— Que alternativa?

— Não lhe ocorreu que eu poderia brigar na justi­ça pela custódia?

Não, mas ocorria agora, e olhou-o aterrorizada até que ele suspirou e levantou-se.

— Poderia, mas não faria. — Caminhou até ela e sentou-se no banquinho. — Nem todo casamento co­meça com fogos de artifício — disse, sisudo, os olhos verdes fixando-a.

— Eu sei, mas deveria ao menos começar com... com... Você não faz o gênero casamenteiro e eu não poderia viver sabendo que o forcei a se amarrar quan­do seu coração queria ser livre. E não poderia aceitar que você tivesse uma vida extraconjugal.

— O que a faz pensar que eu quero ser livre e pre­cisaria de uma vida extraconjugal?

Sophie sentiu o coração perder o compasso e disse a si mesma para não ser tola e não começar a interpre­tar a pergunta dele de forma a transformar-se em algo que queria desesperadamente ouvir.

— Porque sei.

— Você pode ficar entediada.

— Posso. — Só se fizesse frio no inferno. Desilu­dida, sim. Magoada, com certeza. Mas entediada, nunca. Se tédio era tudo que tinha que esperar de um casamento com Rafe, então seria um preço muito bai­xo a pagar.

— Por mais entediada que fique, não vai procurar outra pessoa. Você se dá conta disso, não é?

— Regras distintas? Não que isso faça diferença, se a situação surgir.

— Vai surgir. — Rafe levantou-se e andou até a la­reira, recostando-se e olhando para Sophie. Ainda es­tava totalmente composto, mas havia algo mais. Não podia perceber o que era. Pressentia uma incerteza, embora não fosse evidente em sua expressão. Mas ao longo das semanas tinha aprimorado a habilidade de interpretá-lo, embora não pudesse descobrir o motivo de sua insegurança.

— Mas não existirão regras distintas. Os olhos de Sophie arregalaram-se.

— É inconcebível aceitar? Se eu achasse que ia precisar sair com outras mulheres, não me casaria — concluiu, irritado.

— Mas... e se você se cansar de mim? Você não foi feito para permanência. Já me disse isso.

— Não me lembro.

— Claro que disse, Rafe. Isso sempre ficou claro.

— Bem, eu disse que não vou sair com outras mu­lheres e você vai ter de acreditar.

— Você está dizendo que a paternidade é tão im­portante para você que aceitaria o sacrifício?

— Uma criança precisa de estabilidade emocional. E além disso...

— Além disso? — Pronto, ia começar a imaginar coisas de novo.

— Diversão pode conduzir a outras coisas, mais profundas.

— O que isso quer dizer? Está parecendo uma charada.

Para um homem cujo domínio da língua inglesa sempre a surpreendia, ele com certeza encontrava di­ficuldades agora. Ou então a mente dele tinha ficado bloqueada.

— Passamos bons momentos juntos. Sexualmente nos damos bem...

— Perfeito, quando se trata apenas de sexo!

— Você teve a chance de falar, agora deixe que eu fale sem interrupções. — Esperou alguns segun­dos, como se certificando de que o palco era só seu. — E nos damos bem. Não pode negar isso, pode? Então não me diga que não podemos fazer um casa­mento funcionar, algo sólido para que nossa criança se sinta segura. Muitos casamentos começam com bem menos.

Mas você continuaria preso numa armadilha, pen­sou Sophie. Claro, no início, tudo ficaria bem. Teria a gravidez, a excitação de sermos pais, e depois? Desde quando gostar do outro e se dar bem são sufi­cientes para manter um casamento? Não discutiriam noite e dia, mas só afeição não bastaria. Será que não podia enxergar? Não bastaria para ela e muito menos para ele. Embora não quisesse admitir, começaria a procurar aventuras, porque a não ser que sexo se transformasse em algo mais profundo, acabava tor­nando-se corriqueiro. Caso se casassem, acabaria ha­vendo ressentimento. E mesmo com as melhores in­tenções do mundo, que macho de sangue quente iria sentar-se e lidar com o ressentimento com um sorriso nos lábios?

Sofreria da dupla agonia de ver o ressentimento crescer, sabendo que seu amor nunca seria corres­pondido.

— Pare de balançar a cabeça. Estou apelando para o seu senso lógico. Mas não importa. Vamos nos casar!

— Não! — Olhou para ele, decidida. — Mas com­preendo o que diz. Sei que é importante para você que... nossa criança tenha o privilégio de conviver com os pais... — Nossa criança. Não importa a con­fusão em que se envolvera, estava alegre por estar grávida do homem que amava. Ele estava muito quie­to e afastou-se dela. — E por isso talvez...

Rafe não disse nada.

— Não quer saber?

— Diga.

Desejou que ele ao menos a olhasse enquanto ela falava, mas ele não o fez. Olhava concentrado para o chão. A idéia não lhe ocorrera antes, mas parecia fa­zer sentido.

— Você tem razão. Nos damos bem e obviamente isso é importante. Então ouça minha idéia: Podemos morar juntos. — Teve vergonha de sugerir a coabitação, mas se consolou com o fato de ele ter proposto casamento, o que era um passo bem maior, e na ver­dade o que ela oferecia era o melhor dos dois mun­dos. Ele gostava que as coisas fizessem sentido, e isso fazia sentido. — Em resumo, dessa forma estare­mos juntos quando o bebê nascer e ao mesmo tempo não é um compromisso como casamento. Se em al­gum momento começar a ter outras idéias, não have­rá divórcio, nenhum vínculo legal. Estou disposta a assinar um acordo para que tenha certeza de que não vou pedir pensão.

— E tudo isso porque você acha que um casamen­to sem amor não vale nada...

— Acabaríamos fazendo um ao outro infeliz a lon­go prazo. Estou lhe oferecendo uma opção razoável.

— E se houver amor de uma das partes?

— O que quer dizer?

— Quero dizer que não quero ficar longe de você. Sophie sentiu o sangue subir-lhe ao rosto, e mesmo então estava receosa de acreditar no óbvio. Estava di­zendo que a amava? O que mais podia significar?

— Você não precisa mentir para mim.

— Você já devia saber que nunca me sinto forçado a nada. — Lá estava a antiga arrogância, o que lhe deu vontade de rir, porque descobrira ao longo do tempo que essa arrogância fazia parte de uma nature­za encantadora. Mas ele ainda hesitava, e ela prendeu a respiração, esperando que ele continuasse tentando parar o redemoinho em sua cabeça.

Ele sentou-se no banquinho. Será que poderia olhar para aquele banquinho sem se lembrar dessa tarde?

— Não sei quando aconteceu... Percebi logo que me sentia atraído por você e estou envergonhado de confessar que isso aconteceu por você ser tão dife­rente das mulheres com quem eu saía.

— Ou seja, eu era uma novidade. Como um brin­quedo. — Não conseguia se sentir insultada. Não quando a olhava de um jeito que a fazia se derreter.

— Um brinquedo maravilhoso. Um brinquedo que tinha a capacidade de se tornar diferente a cada ins­tante... — Ele brincou com os seus dedos. — Eu co­mecei querendo dormir com você, depois descobri que gostava de conversar com você, escutar o que ti­nha a dizer, e finalmente você começou a me influen­ciar. Foi por sua causa que fechei aquele negócio com Bob. Você me fez ver as coisas de uma forma di­ferente. Eu tentava me convencer de que ainda era li­vre, mas você não me saía da cabeça. Quando fomos para Cornwall... agarrei a chance com todas as for­ças, e quando fizemos amor e minha querida mamãe bateu na porta... fiz questão de abri-la. Sabia como ia reagir, e era isso que eu desejava. Não queria termi­nar o que tínhamos nem queria que fosse algo às es­condidas. Foi somente agora, quando estava fora há três dias, que me dei conta.

Sophie estava aturdida.

— Nunca quis você fora da minha vida, precisava de você, eu estou apaixonado.

— Você se apaixonou por mim — repetiu exta­siada.

— Então, como vê, não quero me casar porque você está grávida. — Levantou-se e caminhou até onde estava o paletó e entregou-lhe outra caixa, esta menor. — Planejava dar-lhe isso esta noite.

Os dedos de Sophie tremiam ao abrir a caixa, e lá estava. Um anel. Pequeno, elegante, com três dia­mantes. A coisa mais linda que já vira.

Olhou para ele e abraçou-o.

— Sim! Sim, sim, sim!

— Então você aceita?

— Rafe, eu amo você. Há séculos. Nunca pensei... que você pudesse corresponder ao meu amor e por isso não queria que se sentisse forçado a casar comi­go... — Contornou as linhas de seu lindo rosto. — Acho que não existe ninguém mais feliz no mundo neste momento.

— Minha querida — murmurou ele, segurando-lhe a mão e levando-a aos lábios. — Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para que nunca exista nin­guém no mundo mais feliz do que você.

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

           Voltar à Página do Autor