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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A HOSPEDEIRA / Stephenie Meyer
A HOSPEDEIRA / Stephenie Meyer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

O nome do Curandeiro era Vau Águas Profundas.

Por ser uma alma era por natureza tudo que era bom: compassivo, paciente, honesto, virtuoso e repleto de amor. Ansiedade era uma emoção incomum para Vau Águas Profundas.

Irritação era ainda mais raro. No entanto, como Vau Águas Profundas. Vivia dentro de um corpo humano, irritação era, ás vezes, inevitável.

Conforme os sussurros dos curandeiros estudantes zumbiam no canto distante da sala de operação, seus lábios se pressionavam em uma linha rígida. Essa expressão estava deslocada em uma boca mais acostumada a sorrir.

Darren, seu assistente regular, viu a carranca e lhe deu alguns tapinhas no ombro.

“Eles só estão curiosos, Vau,” ele disse tranquilizadoramente.

“Uma inserção é dificilmente um procedimento interessante ou desafiador. Qualquer alma na rua poderia fazê-lo em uma emergência. Não há nada para eles aprenderem observando hoje.” Vau se surpreendeu ao ouvir o tom ligeiramente irritado em sua normalmente calma voz.

“Eles nunca viram um humano adulto antes.” Darren disse.

Vau ergueu uma sobrancelha. “Eles são cegos e não vêem os rostos um do outro? Eles não tem espelhos?”

“Você sabe o que eu quero dizer – um humano selvagem. Ainda sem alma. Um dos insurgentes. “

Vau olhou para o corpo da garota inconsciente, deitada de barriga para baixo na mesa de operação. Piedade encheu seu coração ao se lembrar do estado em que seu pobre e quebrado corpo estava ao ser trazido pelos Rastreadores ao Hospital. Ela passou por tanta dor....

Claro que agora ela estava perfeita – completamente curada. Vau cuidou disso.

“Ela parece com qualquer um de nós.” Vau murmurou para Darren “Todos nós temos faces humanas e quando ela acordar será uma de nós também.”

“É que é excitante para eles, só isso.”

“A alma que implantarmos hoje merece mais respeito do que ter seu corpo hospedeiro bisbilhotado desse jeito. Ela já terá muito com o que se preocupar com a adaptação, não é justo fazê-la passar por tudo isso.” Por ‘isso” ele não queria dizer a adaptação. Ele ouviu o tom irritado voltar a sua voz.

Darren tentou acalmá-lo novamente “Tudo ficará bem. A Rastreadora precisa de informação e...”

Ao som da palavra Rastreadora, Vau deu um olhar à Darren que só podia ser descrito como fulminante.

Darren piscou em choque.

“Desculpe-me” Vau desculpou imediatamente “Eu não pretendi reagir tão negativamente. É só que eu temo por esta alma.”

Seus olhos moveram-se para o Cryotanque em sua bandeja ao lado da mesa. A luz estava fixa, vermelha, indicando que estava ocupado e no modo Hibernação.

“Essa alma foi especialmente escolhida para essa tarefa” Darrin disse de forma apaziquadora. “Ela é excepicional dentro os nossos – mais corajosa que a maioria. Sua vida fala por si. Eu acho que ela se voluntariaria se fosse possível perguntar a ela.”

“Quem entre nós não se voluntariaria se fosse pedido para fazer algo para o Bem Maior: Mas é esse o caso aqui? O Bem Maior? A questão não é a sua disposição mas sim o que é correto pedir a qualquer alma para agüentar.”

Os curandeiros estudantes estavam falando sobre a alma hibernando também. Vau podia ouvir os sussurros claramente, suas vozes estavam aumentando o volume agora, devido à excitação.

“Ela viveu em seis planetas;”

“Eu ouvi que foram sete.”

“Eu ouvi que ela nunca viveu dois períodos na mesma espécie de hospedeiros.”

”Isso é possível?”

“Ela já foi quase tudo, Flor, Urso, Aranha – “

“Erva, Morcego – “

“Até um dragão!”

“Eu não acredito – sete planetas?”

“Pelo menos sete. Ela começou na Origem.”

“Sério? Na origem?”

“Silencio, por favor”” Vau interrompeu “ Se vocês não conseguem observar profissionalmente e em silêncio, então eu terei que pedir para que se retirem.”

Embaraçados, os seus estudantes ficaram em silêncio e se afastaram um do outro.

“Vamos lá Darren.”

Tudo estava preparado. Os medicamentos apropriados estavam postos ao lado da jovem humana. Seus longos cabelos negros estavam protegidos sob a toca cirúrgica, expondo seu pescoço delgado. Profundamente sedada, ela respirava lentamente. Sua pele bronzeada não possuía marcas do seu ... acidente.

“Começar a seqüência agora, Darren.”

O assistente já estava aguardando ao lado do criotanque, sua mão apoiada nos botões. Ele puxou a aba de segurança e apertou o botão. A luz vermelha acima do pequeno cilindro cinza começou a pulsar. Piscando mais rápido a cada segundo, mudando de cor.

Vau concentrou-se no corpo inconsciente, ele fez uma incisão na base do crânio com movimento precisos e então para remover o excesso de sangue passou o spray com o medicamento, podendo assim abrir mais profundamente até expor os pálidos ossos no topo da coluna cervical.

“A alma está pronta, Vau.” Darren o informou.

“Eu também. Traga-a.”

Vau sentiu Darren com seu cotovelo e soube sem precisar olhar que seu assistente estará preparado com as mãos erguidas e esperando, eles trabalhavam juntos por muitos anos. Vau manteve o corte aberto.

“Envie-a para casa.” Ele suspirou.

As mãos de Darren eram visíveis agora, o brilho prateado de uma alma acordada acomodada em suas palmas.

Vau nunca via uma alma exposta sem se surpreender com a beleza delas.

A alma brilhava sob as luzes da sala de operação, mais forte do que os instrumentos prateados em sua mão. Como uma borracha viva, ela se girava e contorcia suavemente feliz de estar livre do cryotanque. Suas membranas, finas como penas, quase mil deles, balançando suavemente como fios de cabelo prateado. Apesar de todas serem adoráveis, essa pareceia particularmente graciosa para Vau Águas Profundas..

Ele não foi o único a reagir assim. Ele ouviu o suspiro de admiração de Darren e dos estudantes.

Gentilmente ele posicionou a pequena e brilhante criatura dentro da abertura que havia feito no pescoço da humana. A alma deslizou para dentro do espaço oferecido acomodando-se no espaço alien, Vau admirou a forma como a alma se apossou de sua nova casa. Suas membranas se firmaram em seus lugares abaixo dos nervos centrais, alguns se alongando e alcançando mais fundo até onde ele não podia ver, para baixo e para cima até o cérebro, os nervos óticos...Ela era muito rápida e segura nos movimentos. Logo somente uma pequena parte de seu corpo brilhante era visível.

“Bom trabalho.” Ele sussurrou para ela, sabendo que ela não podia ouvi-lo. A garota humana é que tinha os ouvidos e ela ainda dormia profundamente.

Era trabalho rotineiro terminar o serviço. Ele limpou e curou o corte aplicando o salvar e fechar incisões, e então passou o pó suavizador de cicatrizes pela linha que ficou no pescoço.

“Perfeito, como sempre.” Disse o assistente, que, por alguma razão desconhecida para Vau, nunca mudou o nome de seu hospedeiro humano, Darren.

Vau respirou fundo. “Eu me arrependo desse dia de trabalho.”

“Você somente está cumprindo seu dever de Curandeiro.”

“Essa é uma das raras ocasiões em que o Curandeiro cria as feridas.”

Darren começou a limpar a área, ele não parecia saber como responder. Vau estava cumprindo com sua vocação, isso era o suficiente para Darren,

Mas não suficiente para Vau Águas Profundas, que era um Curandeiro de verdade até o âmago do seu ser. Ele olhava ansiosamente para o corpo da jovem mulher, pacificamente sedada, sabendo que essa calma logo seria interrompida assim que ela acordasse. Todo o horror do final da vida da humana será trazido para essa inocente alma que ele acabou de colocar dentro dela.

Ele inclinou sobre o corpo e sussurrou em seu ouvido, Vau desejou fervorosamente que a alma dentro do corpo já pudesse o ouvir agora.

“Boa sorte, pequena viajante, boa sorte. Eu desejava muito que você não fosse precisar.”

 

 

 

 

                   Lembrada

Eu sabia que começaria pelo fim, e que o fim pareceria com a morte para esses olhos. Eu fui avisada.

 

Não estes olhos. Meus olhos. Meus. Essa era eu agora.

A linguagem que eu me descobri utilizando era estranha, mas fazia sentido. Ela era áspera, quadrada, cega e linear. Impossivelmente aleijada em comparação com as muitas que eu já usei, ainda assim consegui encontrar nela fluidez e expressão. Às vezes beleza. Minha linguagem agora. Minha língua nativa.

Com o genuíno instinto da minha raça, eu me atei firmemente ao centro de pensamento do corpo, me entrelacei com sua respiração, e refleti até que já não fossemos mais uma entidade separada. Era eu.

Não um corpo, meu corpo.

Eu senti o sedativo perdendo o efeito, e a lucidez tomando conta. Eu me preparei para a violência da primeira memória, que na verdade seria a última memória - os últimos momentos que esse corpo experimentou, a memória do fim. Eu fui cuidadosamente avisada sobre o que aconteceria agora. Essas emoções humanas seriam mais fortes, mais vitais do que os sentimentos de qualquer outra das espécies que eu já havia sido. Eu tentei me preparar.

 

A memória veio. E, assim como eu fui avisada, não era uma coisa para a qual eu podia ter me preparado.

Ela apareceu com cores fortes e barulho ensurdecedor. Frio em sua pele, a dor apertando seus membros, queimando-os. O gosto metálico era forte em sua boca. E havia essa nova sensação, um quinto sentido que eu nunca tive, isso pegou as partículas de ar e as transformou em estranhas mensagens, e em prazeres e avisos em seu cérebro - cheiros. Eles me distraiam, eram confusos para mim, mas não para a memória dela. A memória não tinha tempo para as novidades dos cheiros. A memória era de puro medo. O medo aprisionou seu corpo, empurrando os membros fracos, desajeitados para a frente, mas os impedindo ao mesmo tempo. Fugir, correr, era tudo o que ela podia fazer.

 

Eu falhei!

 

A memória que não era minha era tão assustadoramente forte e clara que abriu caminho no meu controle - ela superou a distância, o conhecimento de que essa era apenas uma memória e não eu. Mergulhada no inferno que era o último minuto de sua vida, eu era ela, e nós estávamos correndo.

Está tão escuro. Eu não consigo enxergar. Eu não consigo ver o chão. Eu não consigo ver minhas mãos espalmadas na minha frente. Eu corro as cegas e tento escutar o perseguidor que sinto atrás de mim, mas a pulsação atrás de meus ouvidos é tão alta que abafa todo o resto.

Está frio. Isso não devia importar agora, mas isso dói. Estou com tanto frio.

O ar em seu nariz era desconfortável. Mau. Um mau cheiro. Por um segundo, aquele desconforto me desconectou da memória, e depois eu fui sugada de novo, e meus olhos se encheram com lágrimas de horror.

Eu estou perdida, estamos perdidos. Acabou.

Eles estão bem atrás de mim agora, próximos e fazendo barulho. São tantos passos! Eu estou sozinha. Eu falhei.

Os Rastreadores estão chamando. O som de suas vozes faz meu estômago revirar. Eu vou vomitar.

"Está tudo bem. Está tudo bem". Um deles mente, tentando me acalmar, me desacelerar. A voz dela está perturbada pelo seu esforço para respirar.

"Tenha cuidado!", outro grita em aviso.

"Não se machuque", um deles pede. Uma voz profunda, cheia de preocupação.

Preocupação!

Calor subiu em minhas veias, e um ódio violento quase me fez engasgar.

Eu nunca senti emoções como essas em nenhuma das minhas vidas. Por outro segundo, meu nojo me afastou das lembranças. Um barulho alto, estridente perfurou meus ouvidos e pulsou em minha cabeça. O som arranhou minhas vias respiratórias. Havia uma dor fraca em minha garganta.

Gritando, meu corpo explicou. Você está gritando.

 

Eu fiquei congelada em choque, e o som se quebrou repentinamente.

Isso não era uma memória.

Meu corpo - ela estava pensando! Falando comigo!

Mas a memória estava mais forte, naquele momento, do que o meu choque. "Por favor!", eles choramingaram. "Há perigo à frente."

O perigo está atrás. Eu grito de volta em minha mente. Mas eu vejo o que eles querem dizer. Um fraco raio de luz, vindo sabe-se lá de onde, brilha no final do corredor. Não é a parede plana nem a porta trancada, o fim do caminho que eu temia e esperava. É um buraco negro.

O poço de um elevador. Abandonado, vazio e condenado, como o resto deste prédio. Uma vez um lugar escondido, agora, uma tumba.

Uma onda de alívio flui em mim enquanto eu corro em frente. Há um caminho. Não um caminho pra sobreviver, talvez, mas uma forma de vencer.

Não, não, não! Esse pensamento era só meu, e eu lutei para me afastar dela, mas nós estávamos juntas. E nós saltamos no abismo da morte.

"Por favor!" Os gritos estavam mais desesperados.

Eu sinto vontade de rir quando descubro que sou rápida o suficiente. Eu imagino suas mãos tentando me agarrar a apenas alguns centímetros das minhas costas. Mas eu sou tão rápida quanto preciso ser. Eu não paro nem quando o chão acaba. O buraco se ergueu pra me encontrar no meio do caminho.

O vazio me engole. Minhas pernas sem vida, inúteis. Minhas mãos pegam o ar, agarram-no, procurando por algo sólido. O frio sopra passando por mim como ventos de tornado.

Eu ouço a pancada antes de senti-la... O vento se foi...

E a dor está em todos os lugares... Dor é tudo.

Faça parar.

Não é alto o suficiente, eu me ouço cochichando através da dor.

Quando é que a dor vai acabar? Quando...?

 

A escuridão engoliu minha agonia, e eu estava franca de gratidão por essa memória ter chegado a um final mais que conclusivo. A escuridão tomou conta de tudo, e eu estava livre. Eu respirei fundo para me acalmar, tal como era o hábito deste corpo. Meu corpo.

Mas aí a cor apareceu de volta, a memória retrocedeu e me envolveu novamente.

Não! Eu entrei em pânico, temendo o frio e a dor a até o próprio medo.

Mas essa não era a mesma memória. Essa era uma memória dentro de uma memória - uma memória final, como uma última respiração - ainda assim, de alguma forma, ela era ainda mais forte do que a primeira.

A escuridão levou tudo menos isso: um rosto.

O rosto era tão alienígena para mim quanto os tentáculos de uma serpente sem rosto do meu último corpo hospedeiro seriam para esse meu novo corpo. Eu havia visto esse tipo de rosto nas imagens que me deram para que eu me preparasse pra esse mundo. Era difícil diferenciar um do outro, ver as pequenas variações de cor e formato que eram as únicas marcas de indivíduos. Pareciam os mesmos, todos eles. Narizes centralizados no meio de uma esfera, olhos em cima e boca embaixo, orelhas nos lados. Uma coleção de sensações, todas menos toque, concentradas em um lugar só. Pele sobre ossos, cabelos crescendo no topo e estranhas linhas peludas sobre os olhos. Alguns tinham pelos em baixo na mandíbula; esses eram apenas homens. As cores variavam em tons marrons, desde um creme pálido até um tom profundo quase preto. Fora isso, como diferenciar um do outro?

 

Esse rosto eu teria reconhecido entre milhões.

Esse rosto era um duro retângulo, o formato dos ossos fortes sob a pele. A cor era um leve marrom dourado. O cabelo era apenas alguns tons mais escuros do que a pele, exceto onde raios amarelos o atenuava, e cobria apenas a cabeça e as peculiares linhas de expressões acima dos olhos. A íris circular nos globos oculares brancos eram mais sombrios do que o cabelo, mas como o cabelo, refletia com luz. Havia pequenas linhas em torno dos olhos, e as memórias dela me diziam que as linhas eram de sorrir e apertar os olhos contra a luz solar.

Eu não sabia nada do que passava por bonito entre estes estranhos e, no entanto, eu sabia que essa face era bonita. Eu queria continuar a olhar para ele. Assim que eu percebi isso, ele desapareceu.

Meu, falou o pensamento alienígena que não deveria existir.

Mais uma vez, eu estava congelada, atordoada. Não deveria ter ninguém além de mim. E, no entanto este pensamento foi tão forte e tão consciente!

Impossível. Como ela ainda estava aqui? Isso era meu agora.

Meu, eu a repreendi, o poder e a autoridade que pertencia a mim somente flui através da palavra. Tudo é meu.

Então, por que estou respondendo á ela? Eu me perguntava quando as vozes interromperam meus pensamentos.

 

                       Bisbilhotado As vozes eram suaves e próximas e, apesar de só estar ciente delas agora, aparentemente eles estavam no meio de uma conversa sussurrada.

 

"Eu temo que seja demais pra ela", um disse. A voz era suave, mas era profunda, masculina. "É demais pra qualquer um. Que violência!" o tom deixava transparecer nojo.

"Ela gritou apenas uma vez", disse uma voz mais alta, fina, falando nisso com um traço de contentamento, como se ela estivesse vencendo uma discussão.

"Eu sei", o homem admitiu. "Ela é muito forte. Outros ficariam muito mais traumatizados, com muito menos motivos."

 

"Eu tenho certeza que ela ficará bem, tal como eu te disse".

"Talvez você tenha perdido o seu Chamado". Havia um tom estranho na voz do homem. Sarcasmo, minha memória nomeou. "Talvez você devesse ser uma Curadora, como eu".

A mulher fez um som de divertimento. Risada. "Disso eu duvido. Nós os Rastreadores preferimos um tipo diferente de diagnóstico."

Meu corpo conhecia esta palavra, este título: Rastreador. Isso enviou uma vibração de medo pela minha coluna vertebral. Uma reação excessiva. Claro, eu não tinha qualquer motivo para temer os Rastreadores.

"Eu às vezes me pergunto se a infecção da humanidade atinge aqueles da sua profissão," o homem refletiu, a sua voz ainda azeda com aborrecimento. "A violência é parte da sua escolha de vida. Um pouco do temperamento antigo do seu hospedeiro ficou para lhe dar satisfação no terror? "

Fiquei surpreendida com a sua acusação, pelo seu tom. Essa conversa era quase como... uma discussão. Algo que era familiar ao hospedeiro, mas que eu nunca tinha experimentado.

 

A mulher estava na defensiva. "Nós não escolhemos a violência. Nós a enfrentamos quando devemos. E é uma coisa boa para o resto de vocês que alguns de nós são suficientemente fortes para as coisas desagradáveis. Sua paz seria quebrada sem o nosso trabalho."

"Uma dia. Seu trabalho será em breve obsoleto, penso eu. "

"O erro dessa afirmação repousa sobre aquela cama."

"Uma garota humana, sozinha e desarmada! Sim, bastante ameaçador para a nossa paz."

A mulher respira fortemente. Um suspiro. "Mas de onde ela vem? Como é que ela aparece no meio de Chicago, uma cidade há muito civilizada, centenas de milhas de qualquer vestígio de atividade rebelde? Será que ela conseguiria sozinha? "

Ela enumerou as perguntas sem aparentemente procurar uma resposta, como se ela já as tivesse pronunciado muitas vezes.

"Esse é problema seu, não meu", disse o homem. "Meu trabalho é ajudar esta alma a adaptar-se ao seu novo hospedeiro sem dor desnecessária ou trauma. E você está aqui para interferir com o meu trabalho."

Ainda lentamente emergindo, adaptando-me a este novo mundo dos sentidos, só agora eu compreendia que eu era o tema da conversa. Eu era a alma de que falavam. Tratava-se de uma nova conotação para palavra, uma palavra que significava muitas outras coisas para o meu hospedeiro. Em cada planeta, demos um nome diferente. Alma. Eu suponho que era uma descrição apropriada. A força invisível que orienta o corpo.

"As respostas às minhas perguntas importam tanto quanto suas responsabilidades à alma."

"Isso é discutível".

Havia o som de movimento, e de repente a sua voz era um sussurro. "Quando ela vai se tornar consciente? A sedação deve estar a ponto de passar. "

"Quando ela estiver pronta. Deixe a em paz. Ela merece lidar com a situação do modo que ela achar mais confortável. Imagine o choque do seu despertar dentro de um hospedeiro rebelde ferido à beira da morte na tentativa de escapar! Ninguém deveria ter de suportar tais traumas em tempos de paz!" Sua voz aumentou com o aumento da emoção.

 

"Ela é forte." O tom da mulher era tranqüilizador agora. "Veja quão bem ela se saiu com a primeira memória, a pior memória. O que quer que a esperava, ela o suportou.”

"Porque ela deveria suportar?" O homem murmurou, mas ele não parecia esperar uma resposta.

A mulher respondeu assim mesmo. "Se estamos prestes a obter a informação de que precisamos -"

"Precisar seria a sua palavra. Eu escolheria o termo querer. "

"Então, alguém tem de assumir a hostilidade", ela continuou como se ele não tivesse interrompido. "E eu acho que, a partir de tudo que eu sei dela, ela poderia aceitar o desafio se tivesse havido qualquer forma de lhe perguntar. Do que você a chama?"

O homem não falou por um longo momento. A mulher esperou.

"Wanderer (Nômade)", ele finalmente e de má vontade respondeu.

"Apropriado", disse ela. "Eu não tenho quaisquer estatísticas oficiais, mas ela tem de ser um dos poucos, se não a única, que tem vagado tão longe. Sim, Wanderer encaixa muito bem até que ela escolha um nome novo para si mesma."

Ele não disse nada.

"Claro que ela pode assumir o nome do hospedeiro... Não encontramos correspondências nos registro com as impressões digitais ou os scans da retina. Eu não posso dizer-lhe qual nome era".

"Ela não vai pegar o nome humano," o homem murmurou.

Sua resposta foi conciliadora. "Todo mundo acha conforto do seu próprio jeito."

"Esta nômade precisará de mais conforto do que a maior parte, graças ao seu estilo de busca."

Houve uma acentuada nos sons de passos, destacado contra um chão duro. Quando ela falou de novo, a voz da mulher estava além da sala do homem.

"Você teria reagido mal ao inicio da nossa dominação", disse ela.

"Talvez você reaja mal à paz."

A mulher riu, mas o som era falso-não existia uma verdadeira diversão. Minha mente parecia bem adaptada para deduzir o verdadeiro significado de tons e inflexões.

 

"Você não tem uma clara percepção de que o meu trabalho implica. Longas horas debruçada sobre arquivos e mapas. Geralmente na mesa de trabalho. Não muito freqüentemente o conflito ou a violência que você imagina. "

"Há dez dias atrás você estava armada com armas mortíferas, perseguindo este corpo."

"A exceção, asseguro-o, não é regra. Não se esqueça, as armas, que lhe são repugnantes, poderão estar viradas contra você se nós, Rastreadores, não tivermos suficientemente vigilantes. O homem matar-nos alegremente sempre que tem a possibilidade de fazê-lo. Aqueles cujas vidas foram tocadas pela hostilidade nos vêem como heróis. "

"Você fala como se guerra fosse extraordinária."

"Para remanescentes da raça humana, é ".

Estas palavras eram fortes nos meus ouvidos. Meu corpo reagiu a eles; senti minha respiração acelerar, ouvindo o som do meu coração bombear mais alto do que era habitual. Ao lado da cama onde eu deitava, uma máquina que registrava os aumentos com um bipes discretos. O Curandeiro e a Rastreadora estavam muito envolvidos em seu desacordo para notar.

"Mas uma guerra que mesmo eles devem saber que foi perdida. Quais são os números? Um para um milhão? Eu imagino que você saberia."

"Nós estimamos que as chances são um pouco mais elevada em nosso favor", ela admitiu relutantemente.

O Curandeiro parecia estar satisfeito por deixar seu lado do desacordo permanecer com essa informação. Foi um momento de calma.

Eu usei o tempo vazio para avaliar a minha situação. Era muito óbvia.

Eu estava em uma instalação de Cura, recuperando-me de uma incomum inserção traumática. Eu estava certa de que o corpo que estava me hospedando estava completamente curado antes de ter sido dado a mim. Um hospedeiro danificado teria sido eliminado.

 

Eu considerei as opiniões conflitantes do Curandeiro e da Rastreadora. Segundo as informações que tinham me sido dadas, antes de fazer a escolha de vir aqui, o Curandeiro tinha razão. As hostilidades com os poucos remanescentes dos seres humanos haviam praticamente acabado. O chamado planeta Terra era tão pacífico e sereno como ele se parecia a partir do espaço, atrativamente verde e azul, envolvido em seus vapores brancos inofensivos. Como era o caminho da alma, a harmonia era universal agora.

As divergências verbais entre o Curandeiro e a Rastreadora estavam fora do perfil. Estranhamente agressivo para a nossa espécie. Fez-me questionar. Poderiam eles serem verdadeiros, os sussurros que ondulavam como ondas do pensamento do... do...

Eu estava distraída, tentando encontrar o nome para a minha última espécie hospedeira. Nós tínhamos um nome, eu sabia disso. Mas, já não ligado a esse hospedeiro, eu não conseguia lembrar da palavra. Nós usávamos uma linguagem muito mais simples do que esta, uma linguagem silenciosa de pensamento que conectava todos nós em uma grande mente. Uma conveniência necessária quando um estivesse preso para sempre no solo preto molhado.

 

Eu poderia descrever a espécie na minha nova língua humana. Temos vivido na superfície do grande oceano que cobria toda a superfície do nosso mundo - um mundo que tinha um nome, também, mas isso também se foi. Cada um de nós tinha uma centena de braços e em cada braço milhares de olhos, a fim de que, com os nossos pensamentos conectados, nem uma visão nas grandes águas passava despercebido. Não havia necessidade de som, então não havia maneira de ouvir. Nós sentimos as águas, e, com a nossa visão, nos dizia tudo que nós necessitamos de saber. Nós sentíamos os sóis, tantas léguas acima da água, e transformamos os seus gostos no alimento necessário.

Eu poderia descrever-nos, mas eu não podia nomear-nos. Eu suspirei pelo conhecimento perdido e, em seguida, retornei a minha reflexão para o que eu havia ouvido.

 

Almas não tinham, em regra, falar qualquer coisa além da verdade. Rastreadores, naturalmente, tinham necessidade para sua Profissão, mas entre as almas, nunca houve razão para uma mentira. Com minha última forma de linguagem de pensamento, teria sido impossível a mentira, mesmo que nós tivéssemos pretendido. No entanto, tal como nos foi assegurado, nós nos contávamos histórias para aliviar o tédio. Contar histórias era o mais honrado de todos os talentos, pois beneficiava todos.

Às vezes, fatos misturavam-se com ficção tão profundamente que, apesar de nenhuma mentira ser dita, era difícil lembrar qual era rigorosamente verdadeiro.

Quando nós pensávamos no novo planeta - Terra, tão seco, tão variado, e cheio com tanta violência, habitantes destrutivos nós mal podíamos imaginá-los - o nosso horror às vezes era dominado pela nossa emoção. Eles mesmos desenvolviam histórias rapidamente ao redor do novo tema emocionante. As guerras - guerras! nossa espécie tendo que lutar! - primeiro foram relatados com precisão e, em seguida, embelezadas e ficcionalizados. Quando as histórias conflitavam com as informação oficiais eu investigava por fora, eu naturalmente acreditava nos primeiros relatos.

Mas houveram sussurros disto: de hospedeiros humanos tão forte que as almas eram obrigadas a abandoná-los. Hospedeiros cujas mentes não poderia ser totalmente suprimidas. Almas que adquiriam a personalidade do corpo, e não o contrário. Histórias. Fortes rumores. Insanidades.

Mas que parecia ser quase a acusação do Curandeiro…

 

Eu negava o pensamento. O mais provável significado de sua censura era a antipatia que a maior parte de nós sentia pela Profissão dos Rastreadores. Quem iria escolher uma vida de conflitos e de perseguição? Quem seria atraído por um trabalho de perseguir hospedeiros relutantes e capturá-los? Quem teria o estômago para enfrentar a violência desta espécie particular, o homem hostil que matava tão facilmente, tão inconseqüentemente? Aqui, neste planeta, os Rastreadores tinham se tornado praticamente uma... milícia - meu novo cérebro forneceu o termo para o conceito desconhecido. A maioria acreditava que só as menos civilizadas almas, as menos evoluídas, as menos importantes entre nós, seriam atraídas para o caminho dos Rastreadores.

Ainda assim, na Terra os Rastreadores haviam ganhado uma nova posição. Nunca houve antes uma profissão que houvesse ido tão errada. Nunca antes tinha se transformado em uma feroz e sangrenta batalha. Nunca antes foram sacrificadas a vida de tantas almas. Os Rastreadores suportaram como um poderoso escudo, e as almas deste mundo estavam três vezes mais endividadas com eles: pela segurança espalharam o caos, pelo o risco de morte no final que eles enfrentaram de bom grado todos os dias, e pelos novos corpos que eles continuaram a fornecer.

Agora que o perigo era praticamente passado, verificou-se que a gratidão estava esmorecendo. E, para este Rastreador, pelo menos, a mudança não era agradável.

Era fácil de imaginar o que ela perguntaria para mim. Embora o Curandeiro estivesse tentando comprar-me tempo para se adaptar ao meu novo corpo, eu sabia que eu ia fazer o meu melhor para ajudar a Rastreadora. Boa cidadania era fundamental para cada alma.

 

Por isso, respirei profundo para me preparar. O monitor registrava o movimento. Eu sabia que eu estava um pouco temerosa. Eu odiava admitir isso, mas eu estava com medo. Para obter as informações necessárias à Rastreadora, eu teria de explorar as memórias violentas que me faziam gritar de horror. Mais do que isso, eu tinha medo da voz que eu ouvi em voz alta na minha cabeça. Mas ela estava omissa agora, como era certo. Ela era apenas uma memória, também.

Eu não deveria ter medo. Afinal de contas, era chamada de Wanderer agora. E eu merecia o nome.

Com uma outra respiração profunda, eu removi as memórias que me assustavam, enfrentando-os de frente com meus dentes cerrados.

Eu podia ignorar o final - isto não me perturba agora. Passando à diante, eu corria através da escuridão novamente, recolhendo-me, tentando não sentir. Era ainda mais rápido.

Uma vez que eu estava atravessando aquela barreira, não era difícil ser levada por coisas e lugares menos alarmantes, movendo-me para a informação que eu queria. Vi como ela veio para esta cidade fria, dirigindo a noite em um carro roubado de aparência indescritível. Ela andava pelas ruas de Chicago na escuridão, tremendo sob seu casaco.

Ela estava fazendo sua própria procura. Haviam outros como ela aqui, ou assim ela esperava.

 

Um em particular. Um amigo… não, um familiar. Não uma irmã… uma prima.

As palavras vieram mais e mais lentas, e de início eu não compreendi o porquê. Isto foi esquecido? Perdido no trauma de uma quase morte? Eu ainda estava lenta da inconsciência? Lutei para pensar com clareza. Essa sensação era desconhecida. Meu corpo continuava sedado? Senti-me alerta o suficiente, mas a minha mente esforçava-se sem sucesso para a resposta que queria.

Eu tentei um outro caminho de pesquisa, esperando por respostas mais claras. Qual era o seu objetivo? Ela iria encontrar… Sharon - eu pesquei o nome - e eles iriam…

Eu bati numa parede.

 

Era um vazio, um nada. Eu tentei circular em torno dela, mas não consegui encontrar as bordas do nada. Era como se a informação que eu procurava tivesse sido apagada.

Como se este cérebro tivesse sido danificado.

A raiva aparecia através de mim, quente e selvagem. Ofeguei de surpresa pela reação inesperada. Eu tinha ouvido falar da instabilidade emocional destes corpos humanos, mas isto era além da minha capacidade de antecipação. Em oito plenas vidas, eu nunca tinha sentido uma emoção tocar-me com tal força.

Eu senti o sangue pulsar pelo meu pescoço, martelando por trás dos meus ouvidos. Minhas mãos apertadas nos punhos.

As máquinas ao meu lado relataram a aceleração do meu batimento cardíaco. Houve uma reação no quarto: o toque acentuado dos sapatos da Rastreadora aproximou-se, misturava com um andar mais silencioso que devia ser o Curandeiro.

"Bem-vindo à Terra, Wanderer", disse a voz feminina.

 

                         Resistência “Ela não irá reconhecer o novo nome”, o Curandeiro murmurou.

Uma nova sensação me distraiu. Algo agradável, uma mudança no ar quando a Rastreadora chegou ao meu lado. Um cheiro, eu percebi. Algo diferente do que aquele quarto estéril, inodoro. O perfume, minha nova mente me disse. Floral, delicioso...

“Você pode me ouvir?” a Rastreadora perguntou, interrompendo minha análise. “Você está acordada?”

“Tome seu tempo”, o Curandeiro insistiu em uma voz mais macia do que ele tinha usado antes. Eu não abri meus olhos. Eu não quis ser distraída. Minha mente me deu as palavras que eu precisava, e o tom de voz que transmitiria o que eu queria dizer sem usar muitas palavras.

 

“Eu fui colocada em um hospedeiro danificado a fim de ganhar a informação que você precisa, Rastreadora?”

Havia um ofegar – surpresa e um ultraje misturado – e algo morno tocou minha pele, cobrindo minha mão.

“Claro que não, Wanderer,” o homem disse de maneira tranqüilizadora. “Mesmo uma Rastreadora tem limites.”

A Rastreadora ofegou novamente. Assobiou, minha memória corrigiu.

“Então porque esta mente não funciona corretamente?”

Houve uma pausa.

“Os exames eram perfeitos”, a Rastreadora disse. Suas palavras não eram tranqüilizadoras, mas argumentativas. Ela queria discutir comigo? “O corpo foi curado inteiramente”.

 

”Uma tentativa de suicídio que foi quase concluída com sucesso.” Meu tom era rude, ainda nervoso. Eu não estava acostumada a ira. Mas era duro contê-la.

“Tudo estava em perfeita ordem –“

O Curandeiro a interrompeu. “O que está faltando” ele perguntou. “Claramente, você acessou a fala”

“Memória. Eu estava tentando encontrar o que a Rastreadora queria”

Embora não houvesse nenhum som, havia uma mudança. A atmosfera, , que havia ficado tensa com as minhas acusações, relaxou.Eu me perguntei como eu sabia disso. Eu tive uma estranha sensação de que de algum modo eu estava recebendo mais do que os meus cinco sentidos me davam – quase um pressentimento de que havia outro sentido, qualquer coisa, não completamente aproveitada. Intuição? Aquela era quase a palavra certa. Como se alguma criatura necessitasse de mais do que cinco sentidos.

A Rastreadora limpou sua garganta, mas foi o Curandeiro que respondeu.

“Ah”, ele disse. “Não fique ansiosa sobre alguma dificuldade parcial em sua memória ...Isto é, bem , não que seja esperado, precisamente, mas não é nenhuma surpresa considerando todos os aspectos”.

“Eu não entendo o seu pensamento”

“Este hospedeiro era parte da resistência humana” Havia uma alusão de excitação na voz da Rastreadora agora.

“Aqueles seres humanos que estavam cientes de nós antes da inserção são mais difíceis de dominar. Este ainda resiste”

Houve um momento de silêncio enquanto eles esperavam minha resposta.

Resistindo? O hospedeiro estava bloqueando o meu acesso? De novo, o calor da minha fúria me surpreendeu.

“Eu estou corretamente atada?” Eu perguntei, minha voz distorcida porque veio através de meus dentes.

“Sim”, o Curandeiro disse. “Todos os oitocentos e vinte e sete pontos estão amarrados firmemente nas melhores posições”.

Esta mente usava mais das minhas faculdades do que o hospedeiro anterior. Deixando-me somente com cento e oitenta e um acessórios de reserva. Talvez o número de amarras fosse a razão para que as emoções sejam tão vívidas.

 

Eu decidi abrir meus olhos. Eu senti que precisava checar novamente as garantias do Curandeiro e ter certeza do resto de mim funcionava.

Luz. Brilhante. Dolorosa. Eu fechei meus olhos de novo. A última luz que eu tinha visto, tinha sido filtrada através da profundidade de cem oceanos. Mas estes olhos tinham visto coisas mais brilhantes e poderia agüentar. Eu abri-os um pouquinho, mantendo meus cílios encobrindo a pequena fenda.

“Você gostaria que eu desligasse a luz?”

“Não, Curandeiro. Meus olhos irão se ajustar”

“Muito bom”, ele disse, e eu compreendi que aquela aprovação significava a sua aceitação pelo meu casual uso do possessivo ’meus’.

Ambos esperavam calmamente enquanto meus olhos abriam devagar.

Minha mente reconheceu este como um quarto médio em uma instalação médica. Um hospital. As telhas do teto eram brancas com salpicos mas escuros. As luzes eram retangulares e do mesmo tamanho que as telhas, substituindo-as em intervalos regulares. As paredes eram de um verde claro – uma cor calmante, mas igualmente uma cor de doenças. Uma pobre escolha, em minha opinião rapidamente formada.

As pessoas eram mais interessantes do que o quarto. A palavra doutor soou em minha mente tão logo meus olhos se prenderam sobre o Curandeiro. Ele usava uma larga roupa de tom azul e verde, que deixavam seus braços descobertos. Desgastado. Ele tinha cabelos sobre seu rosto, uma cor diferente que minha memória chamou de vermelho.

Vermelho! Haviam sido três mundos desde que eu tivesse visto essa cor ou qualquer outra do mesmo grupo. Até mesmo este ruivo dourado me encheu de nostalgia. Sua face era genericamente humana para mim, mas o conhecimento em minha memória aplicou a palavra gentil.

Uma respiração impaciente chamou minha atenção para a Rastreadora.

Ela era muito pequena. Se ela tivesse ficado para, eu teria demorado mais tempo para percebê-la ao lado do Curandeiro. Ela não tirava os olhos de mim, uma escuridão em um quarto brilhante. Ela usava preto do queixo aos pulsos – um terno conservador com uma blusa de seda com uma grande gola por debaixo. Seus cabelos eram pretos, também. Ele era na altura de seu queixo e estava colocado atrás de suas orelhas. Sua pele era mais escura do que a do Curandeiro. Em um tom de azeitona.

As pequenas mudanças de expressões dos seres humanos eram tão minimalistas, mas eram tão difíceis de ler. Minha memória poderia dar nome ao olhar para o rosto dessa mulher. As sobrancelhas negras, tendões levemente salientes nos olhos criando um desenho familiar. Não exatamente raiva. Intensidade. Irritação.

“Com qual freqüência isso acontece?”, eu perguntei, olhando para o Curandeiro novamente.

“Não freqüentemente”, o Curandeiro admitiu. “Nós temos tão poucos hospedeiros maduros disponíveis agora. Os hospedeiros imaturos são inteiramente flexíveis. Mas você indicou que preferia começar como um adulto....”

“Sim”

“A maioria dos pedidos são o oposto. O período de vida humana é muito mais curto do que você está acostumada”

“Eu estou certa que versei sobre todos os fatos, Curandeiro. Você tratou com esta...resistência antes, você mesmo?”

“Eu mesmo só uma vez.”

“Conte-me os fatos do caso” eu pausei “Por favor” eu acrescentei, sentindo uma falta de cortesia do meu comando.

O Curandeiro suspirou.

A Rastreadora começou a bater seus dedos contra seu braço. Um sinal de impaciência. Não se importou em esperar por aquilo que desejava. “Isto ocorreu a quatro anos atrás”, O Curandeiro começou ”A alma envolvida tinha pedido um hospedeiro macho adulto. O primeiro a estar disponível era um humano que estivava vivendo no centro da resistência desde os primeiros anos da ocupação. O humano....sabia o que lhe aconteceria quando foi pego”

“Igual ao meu hospedeiro”

“Um, sim”. Ele limpou sua garganta. “Esta era somente a segunda vida da alma. Ele veio de um Mundo Cego.”

“Mundo Cego?” eu perguntei, levantando minha cabeça para o lado reflexivamente.

“Oh, desculpe, você não conhece os novos nomes. Este era um dos seus, não era?” Ele retirou um dispositivo do seu bolso, um computador, e escaneou rapidamente. “ Sim, seu sétimo planeta. No setor oitenta e um”

“Mundo Cego?” Eu disse novamente, minha voz agora era desaprovadora.

“Sim, bem, alguns que viveram lá preferem chamá-lo de o Mundo Cantante”

Eu acenei com a cabeça devagar. Eu gostei mais desse.

“E alguns que nunca viveram lá o chamam de o Planeta dos Morcegos”, a Rastreadora murmurou.

Eu virei meus olhos em direção a ela, sentindo-os estreitos enquanto minha mente dragava a imagem do vôo do pequeno e feio roedor ao qual ela se referiu.

“Eu assumo que você seja uma das nunca viveu lá, Rastreadora”, o Curandeiro disse calmamente. “ Nós chamávamos esta alma de Canção Corrida primeiro - esta era uma tradução fraca do seu nome.....o Mundo Cantante. Mas ele preferiu tomar o nome do seu hospedeiro, Kevin. Apesar de ele estar encaminhado para uma Carreira do Espetáculo Musical, ele disse se sentir mais confortável continuando com a linha de trabalho de seu hospedeiro, que era mecânico.

“Estes sinais eram um tanto quanto inquietantes para o Confortador que havia sido designado para ele, mas eles estavam dentro dos limites normais.

“Então Kevin começou a se queixar que ele estava perdendo alguns períodos de tempo, que algo estava escurecendo. Eles trouxeram-no de volta para mim e nós fizemos um extensivo teste para ter certeza que não havia nenhuma falha no cérebro do hospedeiro. Durante o teste, diversos Curandeiros anotaram diferenças em seu comportamento e personalidade. Quando nós o questionamos sobre isto, ele disse não ter nenhuma memória de determinados comportamentos e ações. Nós continuamos a observá-lo, junto com seu Confortador, e descobrimos que eventualmente o hospedeiro havia tomado controle do corpo de Kevin”.

“Tomando o controle?”. Meus olhos abriram largamente. “ Com a alma inconsciente? O hospedeiro pegou o coro de volta?”

“Triste, mas Kevin não era forte o bastante para suprimir o hospedeiro”

Não era forte o bastante.

Pensariam eles que eu era fraca também? Seria eu fraca, que eu não poderia forçar esta mente a responder minhas perguntas? Mais fraca ainda, porque seus pensamentos estavam vivos em minha cabeça onde só devia haver memórias? Eu sempre havia pensado em mim mesmo como forte. Mas esta idéia de fraqueza me fez vacilar. Fez-me sentir vergonha.

O Curandeiro continuou. “ Determinados eventos ocorreram, e foi decidido-“

“Quais eventos?”

O Curandeiro olhou para baixo sem responder.

“Quais eventos?” Eu perguntei de novo. “Eu acredito que tenho o direito de saber.”

O Curandeiro assentiu. “Você tem mesmo. Kevin....atacou fisicamente um Curandeiro quando não ele mesmo” Ele estremeceu. “Ele golpeou o Curandeiro ainda inconsciente com um golpe de seu punho e então encontrou um bisturi. Nós o encontramos inconsciente. O hospedeiro tentou retirar a alma de seu corpo”.

Eu levei um tempo para que pudesse falar. Mesmo assim, minha voz era só um sussurro.“ O que lhes aconteceu?”

“Felizmente, o hospedeiro era incapaz de permanecer consciente por muito tempo para causar um dano real. Kevin foi recolocado em um hospedeiro imaturo dessa vez. O problemático hospedeiro passou por um pequeno reparo e decidiu-se que não havia meios de salva-lo.

“ Kevin tem sete anos humanos agora e é perfeitamente normal...com exceção do fato de que ele manteve seu nome Kevin. Seus guardiões estão tomando grande cuidado para que ele tenha grande exposição a musica, e tudo esta indo muito bem....” As ultimas palavras soaram como se fosse um boa noticia – noticia que poderia de algum modo cancelar todo o resto.

“Por quê?” Eu limpei minha garganta então minha voz pôde ter novamente algum volume. “Por quê estes riscos não foram compartilhados?”

“Realmente”, a Rastreadora concluiu, “ É muito claro o que consta em toda a propaganda de recrutamento,que a assimilização dos hospedeiros humanos adultos é muito mais desafiador do que assimilar uma criança. Um hospedeiro imaturo é altamente recomendado”.

 

“A palavra desafiador não cobre completamente a história de Kevin”, eu sussurrei.

“Sim, bem, você preferiu ignorar as recomendações” Ela sustentou suas mãos em um gesto pacificador, quando meu corpo enrijeceu fazendo com que a tela dura da cama estreitasse produzindo um estalido baixo. “Eu não estou te culpando. A infância é extraordinariamente tediosa. E você claramente não é uma alma mediana. Eu tenho plena convicção de suas habilidades para segurá-la. Este é apenas outro hospedeiro. E eu estou certa que você terá o acesso total e todo o controle rapidamente”.

Baseada em minhas observações sobre a Rastreadora, eu estava surpresa de que ela tinha paciência para esperar por qualquer atraso, ou mesmo o meu período de adaptação. Eu senti o seu desapontamento com a minha falta de informação, e isso trouxe de volta o sentimento estranho de raiva.

“Não lhe ocorreu que você poderia obter as respostas que você procura através de você mesmo, através do corpo em que foi inserido? Eu perguntei;

Ela endureceu “Eu não sou uma Abandonadora”

Minhas sobrancelhas levantaram automaticamente.

“Outro apelido”, o Curandeiro explicou. “Para aqueles que não permanecem em seus hospedeiros por toda uma vida.”

Eu assenti em sinal de compreensão. Nós tínhamos o nome para isto nos meus outros mundos. Em nenhum mundo era alegre. Então eu parei de interrogar a Rastreadora e dei a ela o que eu poderia.

“Seu nome era Melanie Stryder. Ela nasceu em Albuquerque, Novo México. Estava em Los Angeles quando a ocupação se tornou conhecida, ela se escondeu em uma região selvagem por alguns anos antes de encontrar.....Hmmm. Desculpa. Eu tentarei novamente mais tarde. O corpo tinha vinte anos. Ela viajou para Chicago de....”, eu mexi minha cabeça. “Havia diversos estágios, não todos sozinhos. O veiculo foi roubado. Ela estava procurando por uma prima chamada Sharon, que por alguma razão ela esperava que ainda fosse humana. Ela tampouco encontrou nenhum contato antes de ela ser pega. Mas....” Eu me esforcei, lutando contra outra parede branca. “Eu acho....Eu não tenho certeza....Eu acho que ela deixou um bilhete....em algum lugar”.

“Então ela esperava que alguém a procurasse?” a Rastreadora perguntou ansiosamente.

“Sim. Ela estava....perdida. Se ela não tivesse se comprometido com....”, eu rangi meus dentes, verdadeiramente lutando agora. A parede estava negra, e eu não poderia dizer quão densa era. Eu golpeei de encontro a ela, o suor escorria por minha testa. A Rastreadora e o Curandeiro estavam muito quietos, permitindo que eu me concentrasse.

Eu tentei pensar em alguma coisa – o barulho, o estranho ruído que o motor do carro tinha feito, o nervosismo e a rápida adrenalina que surgia cada vez que as luzes de outro veiculo se aproximavam na estrada. Eu deixei a memória me carregar para longe, deixei –a saltar sobre a caminhada fria através da cidade, sob a proteção da escuridão da noite, deixei-a de sua maneira ir até o edifício onde eles tinham me encontrado.

Não eu, ela. Meu corpo estremeceu.

“Não se force além dos seus limites –“ o Curandeiro começou.

A Rastreadora o silenciou com um shhh.

Eu deixei minha mente discorrer sobre o horror de ser descoberta, a queimação do ódio contra os Rastreadores que subjugava quase tudo. O ódio era prejudicial, era a dor. Eu quase não suportava sentir. Mas eu deixei seguir o seu curso, esperando distrair a resistência, enfraquecendo as defesas.

Eu assisti cuidadosamente ela tentar se esconder e até ela perceber que não poderia. O bilhete fora rabiscado sobre os escombros com um lápis quebrado. Empurrei rapidamente sobre a porta. Não era qualquer porta.

“O padrão é a quinta porta ao longo da quinta sala no quinto andar. Sua comunicação está lá”

A Rastreadora tinha um pequeno telefone em sua mão, ela murmurou rapidamente nele.

"O edifício estava supostamente seguro”, eu continuei, “Eles sabiam que estava condenado. Ela não sabia como foi descoberta. Eles encontraram Sharon?”

Um arrepio de horror percorreu simploriamente meus braços

 

A pergunta não era minha.

A pergunta não era minha, mas passou naturalmente através de meus lábios como se fosse. A Rastreadora não percebeu nada de errado.

“A prima? Não, eles não encontraram nenhum outro humano”, ela respondeu, e meu corpo relaxou em resposta. “Este hospedeiro foi visto quando entrava no prédio. Desde que o edifício foi condenado, o cidadão que a viu entrando nele ficou preocupado. Ele nos chamou, e nos observamos o prédio para ver se nos poderíamos capturar mais do que um e então pareceu improvável. Você poderia encontrar um ponto de encontro?”

Eu tentei.

Muitas memórias, todas tão coloridas e afiadas. Eu vi milhares de lugares que eu nunca estive, ouvi o nome deles pela primeira vez. Uma casa em Los Angeles, alinhada com altas arvores fronteiriças. Uma clareira na floresta, com uma barraca e uma fogueira, fora de Winslow, Arizona. Uma praia rochosa no México. Uma caverna, uma entrada guardada por uma cortina de água, em algum lugar em Oregon.Barracas, cabanas, abrigos rudes. Com o tempo, os nomes foram ficando cada vez menos específicos. Ela não sabia onde ela estava, não que ela se importasse.

Meu nome era agora Wanderer, contudo suas memórias confundiam-se com as minhas.

Exceto que esta viagem era de minha escolha. Estes flashes de memória eram sempre tingidos com o medo da caçada. Não viajando, mas correndo.

Eu tentei não sentir pena. No lugar, eu trabalhei para focalizar as memórias. Eu não precisava ver onde ela estava, somente para onde ela estava indo. Eu me foquei nas imagens que traziam a palavra Chicago, mas nenhum pareceu ser nada além do que imagens aleatórias. Eu aumentei minha rede de busca. O que havia fora de Chicago? Frio, eu pensei, estava frio, e havia uma certa preocupação sobre isto.

Onde? Eu empurrei e a parede voltou.

Eu expirei com gosto. “Fora da cidade – na região selvagem.....um parque estadual, longe de qualquer habitação. Não é um lugar em que ela já tivesse ido antes, mas ela sabia como chegar até lá”.

“Em breve?” A Rastreadora perguntou.

 

“Breve”. A resposta veio automaticamente. “Há quanto tempo estou aqui?”

“Nós deixamos o hospedeiro curar por nove dias, para ter absoluta certeza que ela estava curada”, o Curandeiro me disse.

“A inserção foi hoje, no décimo dia”

“Dez dias.” Meu corpo sentiu uma onda de surpresa.

“Muito tarde” eu disse “Tanto para o encontro como para o bilhete”. Eu poderia sentir o hospedeiro reagindo a isso – pode sentir-lo demasiadamente forte. O hospedeiro estava quase......presunçoso. Eu captei as palavras que ela pensou em dizer, então eu deixei passar por mim e as disse, para aprender com elas “Ele não estará lá”

“Ele?” A Rastreadora ponderou o pronome. “Quem?”

A parede negra batia com mais força do que ela tinha usado antes. Ela estava uma fração de segundos atrasada.

De novo, uma face encheu minha mente. Um lindo rosto com uma pele dourada e olhos brilhantes. O rosto de um estranho que fez com que um enorme prazer surgisse dentro de mim quando eu o vi tão claramente em minha mente.

Embora a parede empurrasse para dentro do lugar junto com a sensação de ressentimento vicioso que acompanhava, não foi rápido o bastante.

“Jared”, eu respondi. Como se rapidamente estivesse vindo de mim, o pensamento que não era meu pôs seu nome por entre meus lábios “Jared está seguro”.

 

                             O sonho

Está muito escuro para estar tão quente, ou talvez muito quente para estar tão escuro. Um dos dois está fora do lugar.

Eu agacho na escuridão atrás de uma fraca proteção de um miserável arbusto e seu creosoto, suando toda a água contida em meu corpo. Foram quinze minutos desde que o carro deixou a garagem. Nenhuma luz se acendeu. A porta em formato grego estava aberta no tamanho de duas polegadas, deixando o frio do pântano fazer seu trabalho. Eu pude imaginar a sensação do ar úmido e fresco através da tela. Eu desejei que isto pudesse me alcançar aqui.

Meu estomago revirou, e eu apertei meus músculos abdominais para abafar o barulho. Estava quieto o bastante para que o murmúrio propagasse.

Eu estou com tanta fome!

Havia outra necessidade muito forte – outra estomago faminto que estava escondido em segurança muito longe dali, na escuridão, esperando sozinho na caverna áspera que era nosso refugio temporário. Um lugar apertado, entalhado como uma rocha vulcânica. O que ele fará se eu não voltar? Toda a pressão da maternidade sem nenhum de seu conhecimento ou experiência. Eu me sinto tão terrivelmente desamparada. Jamie está faminto.

Não há nenhuma casa perto desta. Eu tenho prestado atenção desde que o sol ainda estava branco de calor no céu, e eu não acho que exista algum cachorro por perto, também.

Eu abrando o meu agachamento, minha panturrilha esta gritando em protesto, mas eu continuo dobrando minha cintura, tentando ser menos do que o arbusto. A maneira mais simples é através da areia, um caminho claro sob as luzes das estrelas. Não há barulho de carros na rodovia.

Eu sei que eles irão perceber quando eles retornarem, os monstros que parecem com um belo casal em seus cinqüentas anos. Eles irão saber exatamente o que eu sou, e a procura começará imediatamente. Eu preciso ir para longe. Eu realmente espero que eles tenham ido esta noite para a cidade . Eu acho que é quinta feira. Eles mantêm nossos costumes tão perfeitamente, é tão difícil de ver a diferença. Foi por isso que eles venceram, aliás.

 

A cerca ao redor do jardim é somente na altura da cintura. Eu passo por cima facilmente, silenciosamente. A área é de pedregulhos, por isso eu tenho que andar com muito cuidado para não virar nenhuma com o meu peso. Eu supero os obstáculos da laje do pátio.

As cortinas estão abertas. A luz das estrelas é o suficiente para ver que as salas estão vazias, sem movimento. Este casal tem um estilo meio espartano. Assim é mais difícil de alguém se esconder. Naturalmente, não deixa nenhum lugar para que eu possa me esconder, também, mas se chegar ao ponto em que eu tenha que me esconder seria muito tarde de qualquer forma.

Eu tranquilamente abro a tela da porta, e depois o vidro da porta. Ambos deslizam silenciosamente. Eu coloco meu pé cuidadosamente sobre a telha, mas isto é apenas a força do habito. Ninguém espera por mim aqui.

O ar fresco parece o paraíso.

A cozinha é a minha esquerda eu posso ver o brilho do balcão de granito.

Eu puxo o saco de lona dos meus ombros e começo pelo refrigerador. Há um momento de ansiedade porque a luz vem quando a porta se abre mas eu encontro a tecla e a pressiono com meu dedo do pé. Meus olhos estão cegos. Eu não tenho tempo para deixar eles se ajustarem. Eu vou pela sensação.

Leite, fatias de queijo, sobras em um vazia de plástico. Eu espero que seja frango com arroz coisa que eu vi ele cozinhar para o jantar. Nós comeremos esta noite.

Suco, um saco de maçã. Cenourinhas. Estes permanecerão bons até de manhã.

Eu me apresso na dispensa. Eu preciso de coisas que se manterão por muito mais tempo.

Eu posso ver melhor enquanto eu recolho tudo que eu consigo carregar. Mmmm bolinhos de chocolate. Eu estou morrendo para abrir agora o saco, mas eu ranjo os meus dentes e ignoro a torção que meu estomago vazio faz.

O saco esta começando a ficar pesado muito rápido. E isto irá durar somente uma semana, mesmo se nós tomarmos cuidado. E eu não sei como ser cuidadosa. Eu quero me sentir empanzinada.Eu empurro barras de cereal em meus bolsos. Mais uma coisa. Eu me apresso para a pia e encho a minha cantina. Então eu ponho minha cabeça debaixo sob o fluxo e engulo a água direto do córrego.

A água faz ruídos impares quando bate no meu estomago vazio.

E eu começo a sentir o pânico agora que meu trabalho esta feito. Eu quero estar longe daqui. A civilização está morta.

Eu presto atenção no assoalho e na minha maneira de sair, me preocupo em tropeçar com minha pesada bagagem, razão pela qual eu não distingui a silhueta preta no pátio até que minhas mãos estavam na porta.

Eu escuto ele murmurar algo ao mesmo tempo em que um rangido de medo escapa da minha boca, eu giro para correr para a porta da frente, esperando que não esteja trancada, ou pelo menos que não seja difícil de destrancá-la.

Eu não dou nem dois passos, e uma mão dura agarra meus ombros e me puxa de volta contra seu corpo. Muito grande, muito forte para ser uma mulher. A voz baixa prova que tenho razão.

 

“Um som e você morre” ele ameaça grosseiramente. Eu estou chocada ao sentir uma fina, afiada bainha entrando na minha pele através do meu queixo.

Eu não compreendo. Eu deveria ter escolha. Quem era esse monstro? Eu nunca escutei que nenhum tenha quebrado as regras. Eu respondo do único jeito que posso.

“Faça”, eu cuspo através de meus dentes. ”Apenas faça. Eu não quero ser um parasita sujo!”

Eu espero pela faca e meu coração esta doendo. Cada batida tem um nome. Jamie, Jamie, Jamie. O que acontecerá com você agora?

“Inteligente” o homem murmura, e não soa como se ele estivesse falando comigo. ”Poderia ser uma Rastreadora. E isso significa uma armadilha. Como souberam?” O aço desaparece da minha garganta simplesmente para ser substituído por uma mão dura como ferro.

Eu mal conseguia respirar devido ao seu aperto.

“Onde estão o resto deles?" Ele perguntou espremendo.

”Sou somente eu!”eu respondi seco, Eu não poderia levá-lo até o Jamie. O que faria Jamie quando eu não voltasse? Jamie está faminto!

Eu arremesso meu cotovelo em seu estomago – e isto realmente machuca. Seus músculos do estomago são como ferro tão duro quanto a mão.

O que é muito estranho. Músculos como este, são produtos de uma vida difícil ou obsessão, e os parasitas não tem nenhum.

Ele nem ao menos respirou fundo ao meu golpe. Desesperada, eu enfio o salto do meu sapato no peito do seu pé. Isto o tira de guarda e ele balança. Eu puxo, me afastando, mas ele agarra a minha sacola, me empurrando de volta para o seu corpo. Sua mão aperta novamente minha garganta.

“Mal humorada para um corpo pacifista, não é?”

Estas palavras eram sem sentindo. Eu pensei que aliens eram todos iguais, Eu supôs que eles tinha trabalhos difíceis , também, depois de tudo.

Eu torço e agarro, tentando quebrar o seu abraço. Minhas unhas travam em seu braço, mas isto só faz ele apertar mais forte minha garganta.

“Eu vou te matar, sua ladrona de corpo miserável. Eu não estou blefando."

“Faça, então!”

De repente ele ofega, e eu imagino se algum dos meus membros fizeram contato. Eu não sinto nenhum machucado novo.

Ele solta meu braço e agarra meu cabelo. Era a hora. Ele está indo cortar a minha garganta. Eu me estico para a lâmina da faca.

Mas a mãos sobre a minha garganta ficam leves, e então seus dedos hesitam sobre meu pescoço, áspero e morno sobre a minha pele.

“Impossível”, ele sussurra.

Alguma coisa cai no chão com um barulho seco. Ele deixou cair a faca? Eu tento pensar em um jeito de pegá-la. Talvez se eu caísse. A mão sobre meu pescoço não é forte o bastante para me manter ou me deixar livre. Eu imagino se eu escutei onde a lâmina enterrou.

Ele me gira de repente. Há um clique e a luz cega o meu olho esquerdo. Eu ofego e tento automaticamente ficar longe dele. Sua mão se aperta em meu cabelo. A luz cintila em meu olho direito.

“Eu não posso acreditar” ele sussurra ”Você ainda é humana”

Suas mãos seguram meus rosto com ambas as mãos, e antes que eu pudesse sair, seus lábios pressionam duramente sobre os meus.

Eu congelei por meio segundo. Ninguém tinha me beijado na minha vida. Não um beijo verdadeiro. Somente meus pais davam beijos apressados na minha bochecha ou testa, há muitos anos atrás. Isto é algo que eu nunca pensei que sentiria. Eu não tenho certeza do que eu exatamente deveria sentir. Há muito pânico, muito terror, muita adrenalina.

Eu empurro meu joelho e faço uma pressão forte.

Ele bloqueia um gemido e eu estou livre. Em vez de correr para a frente da casa novamente como ele esperava. Eu me protejo sobre seus braços e corro através da porta aberta. Eu penso, eu posso correr mais do que ele, mesmo com a minha carga. Eu começo a avançar e ele ainda esta fazendo barulhos de dor. Eu sei pra onde estou indo – Eu não irei pegar um atalho que ele poderia ver na escuridão. Eu não deixei cair o alimento, e isso era bom. Eu pensei que a barra de granola seria uma grande perda.

“Espere” ele grita.

Cala a boca! Eu penso, mas não grito de volta

. Ele esta correndo atrás de mim. E eu posso ouvir sua voz chegando perto. “Eu não sou um deles!”

Certo Eu mantenho meus olhos sobre a areia e corro a toda velocidade. Meu pai costumava dizer que eu corria como um leopardo. Eu era a mais rápida em minha equipe de trilha, campeã do estado, antes do fim do mundo. “Me escute!” Ele ainda estava gritando alto.”Olhe! Eu irei provar. Somente para e olhe pra mim!”

Não é apropriado eu giro através da água e corro levemente através dos pequenos espinhais.

“Eu não pensei que tivesse restado mais alguém! Por favor, Eu preciso falar com você”

Sua voz me surpreendeu – era tão próxima.

“Me desculpe por ter lhe beijado! Aquilo foi algo estúpido! E que eu tenho vivido sozinho durante muito tempo!”

“Cala a boca!” Eu não sei dizer se falei alto, mas ele escutou. Ele estava chegando cada vez mais perto. Nunca ninguém tinha chegado tão perto. Eu forcei minhas pernas.

Há um baixo grunhido para ele respirar e ele acelera mais.

Alguma coisa atinge minhas costas e eu caí. Eu provo o gosto da sujeira em minha boca e eu estou pressa por algo tão pesado que mal posso respirar.

“Espera. Um . Minuto” ele grita mau humorado.

 

Ele controla seu peso e rola sobre mim. Ele abre meus braços, prendendo-os sobre suas pernas. Ele joga a minha comida. E eu tento me libertar dele.

“Olhe, olhe, olhe!” ele diz. Ele tira um pequeno cilindro de seu bolso de trás e torce a parte superior. Um feixe de luz dispara de uma das extremidades. Ele coloca a lanterna sobre seu rosto.

A luz faz com que sua pele fique amarela. E ele mostra seu osso molar através de um longo e fino nariz e de um queixo quadrado. Seus lábios estão esticados, sorrindo forçadamente, mas eu posso ver que eles são fartos, para um homem. Suas sobrancelhas e cílios são clareados pelo sol.

Mas não era isso que ele estava me mostrando.

Seus olhos, pareciam um liquido claro de um tom marrom avermelhado vistos pela iluminação da lanterna, brilhante mais do que uma reflexão humana.Ele passa a luz pelo seu rosto.

“Veja? Veja? Eu sou como você”

“Deixe-me ver seu pescoço” A suspeita é alta em minha voz. Eu não me permito acreditar que isso não passa de um truque. Eu não entendo o ponto da charada, mas eu tenho certeza que há uma. Não há mais esperança.

Seus lábios se contorcem. “Bem….Isto não irá ajudar em nada. Os olhos não são o bastante? Você sabe eu não sou um deles”.

“Por que você não me mostra sua pescoço?”

“Porque eu tenho uma cicatriz lá”, ele admitiu

Eu tento me contorcer embaixo dele novamente, e sua mão fixa no meu ombro. “Eu mesmo fiz”, ele explica. “Eu acho que eu fiz um bom trabalho, embora tenha ferido muito. Eu não tenho todo esse cabelo bonito para cobrir meu pescoço. A cicatriz me ajuda a se misturar”.

“Saia de cima de mim” Ele hesita, então ele levanta seu pé em um movimento fácil, não necessitando usar suas mãos para isto. Ele segura um pra fora, a um palmo de mim.

“Por favor não fuja. E, hum, eu agradeceria se você não me chutasse novamente, também”.

“Quem é você?” eu sussurrei.

Ele abriu um sorriso. “Meu nome é Jared Howe. Eu não tenho falado com outro humano por mais de dois anos, então eu tenho certeza que eu devo parecer.....um louco pra você. Por favor, me perdoe por isto e me diga qual é o seu nome.”

“Melanie” eu sussurrei

“Melanie” ele repetiu. ”Eu não posso explicar a você como estou encantado em te conhecer”.

Eu segurei a minha sacola fortemente, mantendo meus olhos sobre ele. Ele oferece sua mão para mim calmamente.

E eu a peguei.

E só no momento em que eu vejo minha mão se enrolar voluntariamente ao redor dele, é que eu acredito nele.

Ele me ajuda a ficar de pé e não solta a minha mão até que esteja completamente levantada.

“O que foi agora?” eu perguntei cuidadosamente.

“Bem, nos não podemos ficar aqui por muito tempo. Você poderia voltar comigo para casa? Eu deixei as minhas coisas. Você chegou primeiro à geladeira”,

Eu balancei minha cabeça.

Ele pareceu perceber o quão frágil eu sou, tão quebrável.

“Você irá me esperar aqui, então?” ele pergunta em uma voz gentil. “Eu voltarei bem rápido. Deixe-me pegar mais comida para nós.”

“Nós?”

“Você realmente acha que eu vou deixar você desaparecer?Eu irei te seguir se você disser não.”

Eu não queria ficar longe dele.

“Eu....”Como eu não poderia dizer a verdade para outro humano? Nós somos uma família – duas partes de uma extinta irmandade. “Eu não tenho tempo. Eu tenho que ir para muito longe....Jamie está esperando.”

“Você não esta sozinha”ele concluiu. Sua expressão mostrou desconcertada pela primeira vez.

“Meu irmão. Ele tem apenas nove anos , e fica tão amedrontado quando eu estou longe. E me levará metade da noite para chegar até lá. Ele não irá saber se fui pega. Ele está tão faminto”.

Como se fosse para confirmar a minha história o meu estomago roncou alto.

O sorriso de Jared voltou, mais brilhante do que antes. “Irá ajudar se eu der uma carona?”

“Uma carona?” eu repeti.

“Vamos fazer um acordo. Você espera aqui enquanto eu busco mais comida, e eu levarei você aonde você quiser ir com o meu jipe. É mais rápido do que correr – é mais rápido do que você correndo.”

“Você tem um carro?”

 

“Naturalmente. Como você acha que eu ando por aqui?”

Eu pensei nas seis horas que eu levei andando até aqui, e minha testa enrugou.

“Nos iremos voltar para o seu irmão em tempo” ele prometeu.”Não saia deste ponto, okay?

Eu concordei.

“E coma alguma coisa, por favor. Eu não quero ouvir o seu estomago mais uma vez.” Ele sorriu largamente, e seus olhos enrugaram-se nos cantos. Meu coração bateu forte, e eu sabia que eu iria esperar aqui a noite toda até ele voltar.

Ele continuava segurando a minha mão. Ele se foi bem devagarzinho, seus olhos não deixavam os meus. Ele deu um passo para trás, e então parou.

“Por favor não me bata.” Ele pediu, se inclinado para frente e agarrando meu queixo. Ele me beijou de novo, e nessa vez seus lábios eram mais suaves do que suas mãos, e quente, como uma noite quente no deserto.

Eu senti borboletas lançarem vôo em meu estomago e roubando minha respiração. Minha mão apertou ele instintivamente. Eu toquei a pele quente de suas bochechas, o áspero cabelo sobre seu pescoço. Meus dedos deslizaram sobre uma linha de sua pele, uma elevação, como em um pequeno cume formando um traço fino.

Eu grito.

Eu acordei coberta de suor. Mesmo antes de acordar, meus dedos estão sobre o meu pescoço, traçando uma pequena linha deixada pela inserção. Eu mal podia detectar o fraco monte rosa nas pontas de meus dedos. Os remédios que o Curandeiro tinham me dado funcionaram.

A pobre e mal curada cicatriz de Jared nunca tinha sido um bom disfarce.

Eu olhei rapidamente para a luz ao lado da minha cama, esperando minha respiração se acalmar, as veias cheias de adrenalina de um sonho real.

Um novo sonho, essencialmente tão igual aos outros que eu tinha tido ao passar dos meses.

Não, não um sonho. Certamente uma memória.

Eu pude sentir o calor dos lábios de Jared sobre os meus. Minhas mãos alcançaram sem a minha permissão, procurando através do amarrotado lençol, procurando por algo que eles não tinham encontrado. Meu coração doeu quando eles desistiram caindo na cama limpa e vazia.

 

Eu pisquei afastando a umidade indesejada de meus olhos. Eu não sabia o quanto mais disso eu poderia resistir. Como alguém pôde sobreviver a este mundo, com esses corpos cheios de memórias que não ficaram no passado como deveria? Com estas emoções que são tão estranhas que eu não poderia dizer o que havia sentido?

Eu estaria exausta amanhã, mas eu me sentia tão longe do sono que eu sabia que teria algumas horas antes que eu pudesse relaxar. Pelo menos eu cumpriria o meu dever e por um fim nisso. Talvez isto pudesse me ajudar a tirar da minha mente as coisas que eu preferiria não pensar.

Eu rolei para fora da cama e tropecei no computador sobre a mesa vazia. Levou alguns segundos para a tela brilhar em sinal de vida, e alguns outros segundos para abrir o meu programa de email. Não seria difícil descobrir o endereço da Rastreadora; eu só tinha quatro contatos: a Rastreadora, o Curandeiro, meu novo chefe, e sua esposa, minha Confortadora.

Havia um outro humano além do meu hospedeiro, Melanie Stryder. Eu digitei, não me incomodando em a cumprimentar.

Seu nome é Jamie Stryder, ele é seu irmão.

Por um momento de pânico, eu desejei que ela tivesse o controle. Por todo este tempo, eu nunca descobri sobre a existência desse garoto – não que ele não fosse importante para ela, mas porque ela protegeu ele mais ferozmente do que seus outros segredos. Será que ela tinha outros segredos tão grandes como este? Tão sagrado que os manteve somente em sonhos?Ela era tão forte? Meu dedos tremeram enquanto eu coloquei o resto das informações.

Ele deve ser um jovem adolescente agora.Talvez tenha treze anos. Eles viveram em um acampamento provisório, e eu acredito que seja ao norte da cidade na Caverna do Riacho, no Arizona. Aquilo foi há diversos anos atrás, pensei. Ainda, você poderia comparar o mapa com as linhas que eu relembrei antes. Como sempre, eu direi se obtiver algo a mais.

 

Eu mandei. E assim que foi enviado, o terror passou por mim.

O Jamie Não!

 

Sua voz em minha cabeça era tão clara como se fosse a minha própria voz. Eu estremeci de horror.

Mesmo enquanto eu lutava contra o medo do que estava acontecendo, eu me vi no desejo de mandar um email para a Rastreadora, outro, me desculpando por importuná-la com meus loucos sonhos. Para dizer a ela que eu estava parcialmente adormecida para prestar atenção na tola mensagem que eu havia mandado.

O desejo não era meu.

Eu desliguei o computador.

Eu odeio você! a voz gritou com ódio em minha cabeça.

“Então talvez você devesse ir embora.” Eu repreendi. O som da minha voz, respondendo ela alto, me fez estremecer de novo.

Ela não tinha falado comigo desde os primeiros momentos em que eu havia estado aqui. Não havia duvida que ela estava ficando mais forte. Como os sonhos.

E não tinha como questionar isto, eu iria visitar a minha Confortadora amanhã. Lágrimas de desapontamento e humilhação jorraram em meus olhos por causa desse pensamento.

Eu voltei para a cama, coloquei o travesseiro sobre o meu rosto e tentei pensar em nada.

 

                                 Desconsolada “Olá, Wanderer! Por que não se senta e fica confortável?”

Eu hesitei no solado da porta do consultório da Confortadora, um pé para dentro e um pé para fora.

Ela sorriu, somente um minúsculo movimento no canto da sua boca. Era muito mais fácil ler expressões faciais agora; as pequenas contrações musculares e mudanças haviam se tornado familiares através de meses de exposição. Eu podia ver que a Consoladora achava a minha relutância um tanto divertida. Ao mesmo tempo, eu podia sentir sua frustração por eu ainda ficar desconfortável ao vê-la.

Com um silencioso suspiro de resignação, eu entrei na sala pequena e vivamente colorida e tomei meu assento regular – o vermelho almofadado, o que ficava mais distante de onde ela sentava.

Os lábios dela se franziram.

Para evitar seu olhar, eu encarei através das janelas aberta as nuvens escapando para além do Sol. O débil cheiro de salmoura do mar soprava suavemente através da sala.

“Então, Wanderer. Já faz um tempo desde que você veio me ver.”

Eu encontrei seus olhos de maneira culpada. “Eu deixei uma mensagem sobre essa última consulta. Eu tive um estudante que requisitou um pouco do meu tempo...”

“Sim, eu sei.” Ela sorriu novamente com aquele diminuto sorriso. “Eu vi a sua mensagem.”

Ela era atraente para uma mulher mais velha, no que dizia respeito aos humanos. Ela tinha deixado seu cabelo ficar com um cinza natural – era macio, tendendo na direção do branco mais do que para o prata, e ela o usava longo, puxado em um frouxo rabo-de-cavalo. Seus olhos tinham uma interessante cor de verde que eu nunca tinha visto em mais ninguém.

“Desculpe-me,” eu disse, já que ela parecia estar esperando por uma resposta.

“Não tem problema. Eu entendo. É difícil para você vir aqui. Você deseja tanto que não fosse necessário. Nunca foi necessário para você antes. Isso te amedronta.”

Eu encarei o chão de madeira. “Sim, Consoladora.”

“Eu sei que te pedi para me chamar de Kathy.”

“Sim... Kathy.”

 

Ela riu levemente. “Você não está acostumada com nomes humanos ainda, está, Wanderer?”

“Não. Para ser honesta, isso parece... com uma rendição.”

Eu olhei para cima para vê-la acenar lentamente. “Bem, eu posso entender porque você, especialmente, se sentiria dessa maneira.”

Eu engoli ruidosamente quando ela disse isso, e encarei novamente o chão.

“Vamos falar sobre algo mais fácil por um momento,” Kathy sugeriu. “Você continua gostando da sua Profissão?”

“Continuo.” Isso era mais fácil. “Eu comecei um novo semestre. Eu me perguntava se iria ficar cansativo, repetir o mesmo material, mas até agora não ficou. Ter novos ouvintes faz as histórias ficarem novas outra vez.”

“Eu escuto coisas boas sobre você do Curt. Ele diz que a sua aula é uma das mais requisitadas na universidade.”

Minhas bochechas se esquentaram um tantinho com esse elogio. “É bom ouvir isso. Como vai o seu parceiro?”

“Curt está maravilhoso, obrigada. Nossos hospedeiros estão em excelente forma para a idade deles. Nós temos muitos anos a nossa frente, eu acho.”

Eu estava curiosa em saber se ela iria ficar nesse mundo, se ela iria se mudar para outro hospedeiro humano quando o tempo chegasse, ou se ela iria partir. Mas eu não queria fazer nenhuma pergunta que poderia nos mover para as áreas mais difíceis de discussão.

“Eu gosto de ensinar,” eu disse ao invés. “É de certa forma relacionado à minha Profissão com as Algas, então isso fica mais fácil do que alguma coisa que é desconhecida. Eu estou em dívida com Curt por ter me requisitado.”

“Eles tem sorte em ter você.” Kathy sorriu calorosamente. “Você sabe o quanto é raro um Professor de História ter experiência no currículo em ao menos dois planetas? Ainda assim você viveu por um semestre em quase todos eles. E a Origem, para começar! Não existe uma escola nesse planeta que não amaria roubar você de nós. Curt trama maneiras de mantê-la ocupada para que você não tenha tempo de considerar se mudar.”

“Professora Honorária,” eu a corrigi.

 

Kathy sorriu e então tomou um longo fôlego, seu sorriso desaparecendo. “Você não tem vindo me ver há muito tempo, eu estava me perguntando se os seus problemas estavam se revolvendo sozinhos. Mas então eu imaginei que talvez a razão para a sua ausência era que eles estavam piorando.”

Eu encarei as minhas mãos e não disse nada.

Minhas mãos eram de um marrom claro – um bronzeado que nunca desaparecia, quer eu passasse tempo no Sol ou não. Uma sarda escura marcava a pele logo acima do meu pulso esquerdo. Minhas unhas estavam cortadas curtas. Eu não gostava da sensação de unhas compridas. Elas eram desagradáveis quando roçavam de modo errado contra a pele. E meus dedos eram tão longos e finos – o comprimento adicional de unhas fazia elas parecerem estranhas. Até mesmo para uma humana.

Ela limpou sua garganta depois de um minuto. “Estou achando que a minha intuição estava certa.”

“Kathy.” Eu disse seu nome lentamente. Protelando. “Por que você manteve o seu nome humano? Isso a fez se sentir... mais unificada? Com a sua hospedeira, eu quero dizer?” Eu teria gostado de saber sobre a escolha do Curt também, mas era uma pergunta tão pessoal. Teria sido errado perguntar pela resposta para qualquer um além do Curt, até mesmo sua parceira. Eu me preocupei por já ter sido muito rude, mas ela riu.

 

“Céus, não, Wanderer. Eu já não te contei isso? Hmm. Talvez não, já que não é meu trabalho falar, mas sim ouvir. A maioria das almas com as quais eu falo não precisam de tanto encorajamento quanto você. Você sabia que eu vim para Terra em uma das primeiras colocações, antes que os humanos tivessem idéia alguma que nós estávamos aqui? Eu tinha vizinhos humanos dos dois lados. Curt e eu tínhamos que fingir sermos nossos hospedeiros por vários anos. Até mesmo depois de nós termos assentado a área próxima, você nunca sabia quando um humano podia estar por perto. Então Kathy se tornou quem eu era. Além do mais, a tradução do meu nome anterior tinha quatorze palavras de comprimento e não encurtava de modo bonito.” Ela deu risada. A luz do Sul inclinada através da janela capturou seus olhos e fez a reflexão verde prateado deles dançar na parede. Por um momento, as íris esmeraldas brilharam com todas as cores do arco-íris.

Eu não tinha idéia que essa gentil e acalentadora mulher tinha feito parte da linha de frente de combate. Eu demorei um minuto para processar isso. Eu nunca tinha levado Consoladoras muito à sério – nunca precisei antes. Eles eram para aqueles que tinham dificuldades, para os fracos, e eu me envergonhava por estar aqui. Saber da história de Kathy me fez sentir ligeiramente menos estranha com ela. Ela entendia sobre força.

“Isso a incomodou?” eu perguntei. “Fingir ser um deles?”

“Não, na verdade não. Veja bem,com essa hospedeira havia muito com o que se acostumar – havia tantas coisas que eram novidade. Sobrecarga sensorial. Seguir os padrões fixos era o máximo com o que eu poderia lidar no começo.”

“E Curt... Você escolheu ficar com o esposo da sua hospedeira? Depois de ter acabado?”

Essa questão era mais expositiva, e Kathy captou de primeira. Ela se mexeu em seu assento, puxando suas pernas para cima e cruzando-as debaixo de si mesma. Ela olhava ponderadamente para um ponto um pouco acima da minha cabeça enquanto respondia.

 

“Sim, eu escolhi Curt – e ele me escolheu. Primeiramente, é claro, foi uma oportunidade aleatória, uma missão. Nós nos unimos, naturalmente, por passarmos tanto tempo juntos, compartilhando o perigo da nossa missão. Como o presidente da universidade, Curt tinha muitos contatos, veja bem. Nossa casa era uma instalação para inserções. Nós recepcionávamos muito. Humanos entrariam pela nossa porta e a nossa espécie sairia. Tudo isso tinha que ser muito rápido e silencioso – você sabe a violência que esses hospedeiros têm propensão. Nós vivíamos cada dia com o conhecimento de que podíamos encontrar um final a qualquer momento. Havia entusiasmo constante e medo freqüente.

“Todas muito boas razões do por que Curt e eu podemos ter formado ligação e decidimos permanecer juntos quando o sigilo já não era mais necessário. E eu poderia mentir para você, aplacar seus medos, dizendo a você que essas foram as razões. Mas...” Ela balançou sua cabeça e então pareceu se acomodar mais profundamente em sua cadeira, seus olhos me perfurando. “Em tantos milênios, os humanos nunca entenderam o amor. Quanto é físico, quanto está na mente? Quanto é acidental e quanto é o destino? Por que combinações perfeitas desmoronavam e casais impossíveis prosperam? Eu não sei as respostas mais do que eles sabiam. O amor simplesmente está aonde está. Minha hospedeira amava o hospedeiro de Curt, e esse amor não morreu quando a posse da mente mudou.”

Ela me observou cuidadosamente, reagindo com um ligeiro franzir de sobrancelhas quando eu desmoronei no meu assento.

“Melanie ainda está de luto por Jared,” ela declarou.

Eu senti minha cabeça concordar sem ter desejado a ação.

“Você está de luto por ele.”

Eu fechei meus olhos.

“Os sonhos continuam?”

“Todas as noites,” eu murmurei.

“Conte-me sobre eles.” Sua voz era suave, persuasiva.

“Eu não gosto de pensar neles.”

“Eu sei. Tente. Pode ajudá-la.”

 

“Como? Como vai me ajudar te contar que eu vejo o rosto dele toda vez que eu fecho meus olhos? Que eu acordo e choro quando ele não está lá? Que as memórias são tão fortes que eu já não posso mais separar as delas das minhas?”

Eu parei abruptamente, cerrando meus dentes.

Kathy puxou um lenço branco de seu bolso e o ofereceu para mim. Quando eu não me movi, ela se levantou, andou até mim, e o derrubou no meu colo. Ela sentou no braço da cadeira e esperou.

Eu agüentei teimosamente por meio minuto. Então eu agarrei furiosamente o pequeno quadrado de tecido e sequei meus olhos.

“Eu odeio isso.”

“Todo mundo chora em seu primeiro ano. Essas emoções são tão impossíveis. Nós todos somos crianças por um tempinho, quer nós queiramos isso ou não. Eu costumava chorar toda a vez que eu via um pôr-do-sol bonito. O gosto de pasta de amendoim fazia isso às vezes, também.” Ela deu um tapinha no topo da minha cabeça, então arrastou seus dedos gentilmente pelo cacho de cabelo que eu sempre mantinha enfiado atrás da minha orelha.

“Um cabelo tão bonito e brilhante,” ela notou. “Toda vez que eu te vejo está mais curto. Por que você faz isso?”

Já chorando, eu não senti que tinha muita dignidade para defender. Por que alegar que era mais fácil de cuidar, como eu geralmente alegava? Afinal de contas, eu tinha vindo aqui para confessar e conseguir ajuda – eu podia muito bem dar prosseguimento a isso.

“Isso incomoda ela. Ela gosta dele longo.”

Ela não arfou, como eu meio que esperava que ela fizesse. Kathy era boa em seu trabalho. Sua resposta estava só um segundo atrasada e somente ligeiramente incoerente.

“Você... Ela... ela ainda está tão... presente?”

A espantosa verdade saiu dos meus lábios. “Quando ela quer estar. Nossa história a entedia. Ela é mais inativa quando eu estou trabalhando. Mas ela está ali, sim. Às vezes eu sinto que ela está tão presente quanto eu.” Minha voz era somente um sussurro na hora que eu terminei.

 

“Wanderer!” Kathy exclamou, horrorizada. “Por que você não me contou que era tão ruim? Há quanto tempo está desse jeito?”

“Está ficando pior. Ao invés de desaparecer, ela parece estar ficando mais forte. Não é tão ruim quanto o caso do Curandeiro ainda – nós falamos do Kevin, lembra-se? Ela não tomou controle. Ela não irá. Eu não deixarei isso acontecer!” A altura da minha voz subiu.

“É claro que não irá acontecer,” ela me assegurou. “É claro que não. Mas se você está tão... infeliz, você devia ter me contado antes. Nós precisamos levá-la à um Curandeiro.”

Eu levei um instante, emocionalmente distraída como eu estava, para entender.

“Um Curandeiro? Você quer que eu Abandone?”

“Ninguém pensaria mal da sua escolha, Wanderer. É compreensível, se um hospedeiro é defeituoso –”

“Defeituosa? Ela não é defeituosa. Eu sou. Eu sou fraca demais para esse mundo!” Minha cabeça caiu em minhas mãos a medida que a humilhação me lavava. Lágrimas frescas jorravam dos meus olhos.

Kathy acomodou seu braço em volta dos meus ombros. Eu estava lutando tanto para controlar minhas emoções selvagens que eu não me afastei, apesar disso trazer uma sensação íntima demais.

Incomodava Melanie, também. Ela não gostava de ser abraçada por um alien. É claro que Melanie estava muito bem presente nesse momento, e insuportavelmente presunçosa quando eu finalmente aceitei seu poder. Ela estava regozijada. Era sempre mais difícil controlá-la quando eu estava distraída por uma emoção desse tipo.

Eu tentei me acalmar para que eu pudesse ser capaz de colocá-la em seu lugar.

Você está no meu lugar. Seu pensamento era fraco porém inteligível. Quão pior estava ficando; ela estava forte o bastante agora para falar comigo quando desejasse. Era tão ruim quanto aquele primeiro minuto de consciência.

Vá embora. É o meu lugar agora.

Nunca.

“Wanderer, querida, não. Você não é fraca, e ambas sabemos disso.”

“Hmph.”

 

“Me escute. Você é forte. Surpreendentemente forte. Nossa espécie é sempre a mesma coisa, mas você excede o padrão. Você é tão corajosa que me surpreende. Suas vidas passadas são provas disso.”

Minhas vidas passadas talvez, mas e essa vida? Aonde estava a minha força agora?

“Mas humanos são mais individualizados do que nós,” Kathy continuou. “Há muita variedade, e alguns deles são muito mais fortes que os outros. Eu realmente acredito que se qualquer outro tivesse sido colocado nessa hospedeira, Melanie teria acabado com ele em dias. Talvez seja acidental, talvez seja o destino, mas me parece que a mais forte da nossa espécie está sendo hospedada pela mais forte da deles.”

“Não diz muita coisa sobre a nossa espécie, diz?”

Ela escutou sentido por trás das minhas palavras. “Ela não está vencendo, Wanderer. Você é essa pessoa adorável ao meu lado. Ela é somente uma sombra no canto da sua mente.”

“Ela fala comigo, Kathy. Ela ainda pensa seus próprios pensamentos. Ela ainda mantém seus segredos.”

“Mas ela não fala por você, fala? Eu duvido que eu poderia dizer o mesmo se estivesse no seu lugar seu lugar.”

Eu não respondi. Eu estava me sentindo miserável demais.

“Eu acho que você deveria reconsiderar a re-implantação.”

“Kathy, você acabou de dizer que ela iria acabar com uma alma diferente. Eu não sei se acredito nisso – você provavelmente só está tentando fazer o seu trabalho e me confortar. Mas se ela é tão forte, não seria justo dá-la a outra pessoa porque eu não posso dominá-la. Quem escolheria ficar com ela?”

“Eu não disse isso para confortá-la, querida.”

“Então o que –”

“Eu não acho que essa hospedeira seria considerada para reutilização.”

“Oh!”

Um choque de horror golpeou a minha espinha dorsal. E eu não fui a única que ficou abalada pela idéia.

 

Eu imediatamente senti repulsa. Eu não desistia. Através das longas rotações ao redor do Sol no meu último planeta – o mundo das Algas, como elas eram conhecidas aqui – eu tinha esperado. Apesar da perseverança de estar enraizada tenha se desgastado muito antes do que eu achava que teria, apesar das vidas das Algas poderem ser medidas em séculos nesse planeta, eu não tinha Abandonado a vida do meu hospedeiro. Fazê-lo era um desperdício, um erro, um mau-agradecimento. Zombava da própria essência de quem as almas eram. Nós transformávamos nossos mundos em lugares melhores; isso era absolutamente essencial ou nós não os merecíamos.

Mas nós não éramos desperdiçadores. Nós transformávamos tudo o que pegávamos em coisas melhores, mais pacíficas e bonitas. E os humanos eram brutos e ingovernáveis. Eles tinham matado uns aos outros tão freqüentemente que o assassinato tinha se tornado uma parte aceitável da vida. As variadas torturas que eles inventaram nos poucos milênios que duraram tinham sido demais para mim; eu não tinha sido capaz de tolerar nem mesmo o árido panorama oficial. Guerras tinham se alastrado em praticamente todos os continentes.

 

Assassinato sancionado, ordenado e viciosamente eficaz. Aqueles que viviam em nações pacíficas tinham desviado o olhar enquanto os membros de sua própria espécie morriam de fome em suas soleiras. Não havia igualdade de distribuição dos abundantes recursos do planeta. Mais vil ainda, a prole deles – a próxima geração, que minha espécie quase cultuava pelo potencial deles – foi por vezes demais vítima de crimes hediondos. E não só cometidos por estranhos, mas cometidos pelos guardiões nos quais eles confiavam. Até mesmo a enorme esfera do planeta tinha sido posta em risco através de erros negligentes e gananciosos.

 

Ninguém poderia comparar o que tinha sido e o que era agora e não admitir que a Terra era um lugar melhor graças a nós.

Você assassina uma espécie inteira e então se congratula.

Minhas mãos se curvaram até cerrarem-se.

 

Eu poderia descartar você, eu lembrei à ela.

Vá em frente. Faça o meu assassinato oficial.

Eu estava blefando, mas a Melanie também estava.

Oh, ela pensava que queria morrer. Ela tinha se jogado no poço do elevador, afinal de contas.

Mas isso foi em um momento de pânico e defesa. Considerar isso calmamente em uma cadeira confortável era algo completamente diferente. Eu podia sentir a adrenalina – adrenalina sendo trazida pelo medo dela – sendo lançada através dos meus membros a medida que eu ponderava mudar para um corpo mais dócil.

Seria bom estar sozinha novamente. Ter a minha mente para mim mesma. Esse mundo era agradável de tantas maneiras originais, e seria maravilhoso ser capaz de apreciá-lo sem as distrações de uma pessoa sem importância desalojada e com raiva que deveria ter melhor juízo e não demorar-se sem ser desejada desse modo.

Melanie se contorceu, figurativamente, no retiro da minha cabeça a medida que eu tentava considerar isso de modo racional. Talvez eu devesse dar-me por vencida...

As próprias palavras me fizeram hesitar. Eu, Wanderer, dar-me por vencida? Desistir? Admitir fracasso e tentar novamente com um hospedeiro fraco e sem personalidade que não me daria trabalho algum?

Eu balancei minha cabeça. Eu mal podia suportar pensar naquilo.

E... esse era o meu corpo. Eu estava acostumada à sensação dele. Eu gostava do jeito como os músculos se moviam por cima dos ossos, a arqueação das juntas e o puxão dos tendões. Eu conhecia o reflexo no espelho. A pele tostada do Sol, os altos e elegantes ossos no meu rosto, a coroa de cabelos curtos e sedosos cor de mogno, o verde lamacento com castanho-claro dos meus olhos – essa era eu.

Eu queria a mim mesma. Eu não iria deixar o que era meu ser destruído.

 

                                     Seguida A luz foi finalmente esmorecendo do lado de fora das janelas. O dia, quente para Março, resistiu continuamente, como se relutante em acabar e deixar-me livre.

Eu assoava e torcida o lenço molhado em outro nó. "Kathy, você deve ter outras obrigações. Curt estará se perguntando onde você está."

"Ele vai entender."

"Eu não posso ficar aqui para sempre. E nós não estamos mais perto de uma resposta do que antes. "

"Reparações rápidas não são minhas especialidades. Você está decidida contra um novo hospedeiro - "

"Sim".

"Então lidar com isto vai levar algum tempo."

Eu cerrei meus dentes em frustração.

"E isso irá mais rapidamente e mais facilmente se você tiver alguma ajuda."

"Eu serei melhor nas nossas consultas, prometo.

"Isso não é exatamente o que eu quero dizer, embora eu espere que você vá fazer."

"Você quer dizer ajuda... de outro que não você?" Eu tremi em pensamento de ter que reviver a miséria de hoje com um estranho. "Eu tenho certeza que você está tão qualificada como qualquer Confortador - até mais."

"Eu não quis dizer outro Confortador." Ela transferiu o seu peso na cadeira e esticou duramente. "Quantos amigos que você tem, Wanderer?"

"Você quer dizer as pessoas no trabalho? Eu vejo alguns outros professores quase todos os dias. Há vários alunos com quem falo nos corredores… "

"Fora da escola?"

Eu a olhei com a expressão vazia.

"Hospedeiros humanos precisam de interação. Você não está acostumada a solidão, querida. Você partilhou todos os pensamentos de um planeta - "

"Nós não saíamos muito." Minha tentativa de humor saiu monótona.

 

Ela sorriu levemente e passou adiante. "Você está esforçando-se tão fortemente com o seu problema que é tudo em que você pode se concentrar. Talvez uma resposta seja não se concentrar tão fortemente. Você disse que Melanie ficava entediada durante o seu horário de trabalho… que ela é mais inativa. Talvez se você desenvolvesse algumas relações iguais, eles poderiam aborrecê-la também."

Eu contraí meus lábios pensando. Melanie, inativa pelo longo dia pareceu bastante desanimada pela idéia.

Kathy continuou. "Envolva-se com a vida, e não com ela."

"Isso faz sentido."

"E depois existem os interesses físicos que estes corpos têm. Eu nunca vi ou ouvi falar de algo igual a eles. Uma das coisas mais difíceis que nós do primeiro movimento tínhamos de conquistar era o instinto de acasalamento. Acredite em mim, os seres humanos notam quando você não o fez." Ela sorri de lado e revira seus olhos em alguma memória. Quando eu não reagi como ela esperava, ela suspirou e cruzou seus braços impaciente. "Oh, vamos lá, Wanderer. Você deve ter notado."

"Bem, é claro," Eu murmurei. Melanie moveu-se inquietamente. "Obviamente. Eu contei-lhe sobre os sonhos…"

"Não, eu não queria dizer apenas memórias. Você ainda não encontrou alguém que seu corpo tenha respondido no presente - puramente em um nível químico?"

Pensei em sua pergunta cuidadosamente. "Acho que não. Nem sequer percebi isso."

"Confie em mim", disse Kathy secamente. "Você perceberia." Ela balançou sua cabeça. "Talvez você devesse abrir os olhos e olhar em volta para isto especificamente. Poderia fazer-lhe muito bem."

Meu corpo recuou com o pensamento. Eu registrei a repugnância de Melanie, refletida em mim mesma.

Kathy leu a minha expressão. "Não a deixe controlar a forma como você interage com os seus, Wanderer. Não deixe que ela controle você".

Minhas narinas inflaram. Esperei um momento para responder, controlando a raiva com a qual eu nunca me acostumaria completamente.

 

"Ela não me controla".

Kathy levantou uma sobrancelha.

A raiva apertou minha garganta. "Você não foi procurar muito longe o seu parceiro atual. Esta escolha foi controlada?"

Ela ignorou a minha indignação e considerou a questão cuidadosamente.

"Talvez", ela disse finalmente. "É difícil saber. Mas você tocou no ponto." Ela retirou uma linha da bainha de sua camisa e, em seguida, como se percebendo que ela estava evitando o meu olhar, juntou as mãos resolutamente e alinhou os ombros. "Quem sabe o quanto vem de cada hospedeiro em particular em cada planeta específico? Como eu disse antes, penso que o tempo é provavelmente a sua resposta. Se ela for ficando gradualmente mais apática e silenciosa, isso permitirá que você faça outra escolha além deste Jared, ou… bem, os Perseguidores são muito bons. Eles já estão procurando por ele, e talvez você lembre de algo que ajude".

Eu não me movi enquanto afundava em seu pensamento. Ela não me pareceu perceber que eu estava congelada no lugar.

"Talvez eles encontrem o amor de Melanie e, em seguida, vocês podem ficar juntos. Se seus sentimentos são tão fervorosos como os dela, a nova alma sentirá a mesma coisa".

"Não!" Eu não estava certa de quem tinha gritado. Poderia ter sido eu. Eu estava cheia de horror também.

Eu me levantei, tremendo. As lágrimas que vinham tão facilmente, pela primeira vez não vieram, e minhas mãos tremeram nos punhos apertados.

"Wanderer"?

Mas eu virei e corri para a porta, lutando contra as palavras que não podiam sair da minha boca. As palavras que não poderiam ser minhas palavras. As palavras que não faziam sentido a menos que fossem dela, mas elas sentiam como minhas. Elas não poderiam ser minhas. Elas não poderiam ser faladas.

Isso é matá-lo! Isso é o faz deixa de ser quem é! Eu não quero mais ninguém. Eu quero Jared, e não um estranho em seu corpo! O corpo não significa nada sem ele.

Ouvi Kathy chamando o meu nome por trás de enquanto eu me dirigia para a estrada.

 

Eu não vivia longe do escritório da Confortadora, mas a escuridão da rua me desorientou. Eu andei por dois quarteirões antes de eu perceber que eu estava andando na direção errada.

As pessoas estavam olhando para mim. Eu não estava vestida para fazer exercícios, e eu não estava fazendo jogging, eu estava fugindo. Mas ninguém ligava para mim; elas educadamente desviaram o olhar. Elas achariam que eu era nova nessa hospedeira. Agindo do jeito que uma criança agiria.

Eu diminuí e passei a caminhar, me dirigindo ao norte para que eu pudesse dar uma volta sem passar pelo consultório da Kathy novamente.

Minha caminhada era só ligeiramente mais devagar do que uma corrida. Eu escutei os meus pés atingindo a calçada rápido demais, como se eles estivessem tentando coincidir com o ritmo de uma música dançante. Slap, slap, slap contra o concreto. Não, não era como batidas de bateria, era furioso demais. Como violência. Slap, slap, slap. Alguém batendo em outra pessoa. Eu estremeci com a imagem horrenda.

Eu podia ver a lâmpada sobre a porta do meu apartamento. Não tinha levado muito tempo para percorrer a distância. Mas eu não atravessei rua.

Eu me senti doente. Eu me lembrei de como era a sensação de vomitar, apesar de eu nunca ter vomitado.

A gelada umidade molhou a minha testa, o som oco tocou nos meus ouvidos. Eu estava bastante certa de que eu mesma iria passar por aquela experiência.

Havia capim ao lado da calçada. Ao redor de um poste de rua havia uma cerca - viva bem-aparada. Eu não tinha tempo para procurar por um lugar melhor. Eu tropecei até o poste e segurei a caixa de correio para me manter de pé. A náusea estava me deixando tonta.

Sim, eu definitivamente iria passar pela experiência de vomitar.

“Wanderer, é você? Wanderer, você está doente?”

 

Era impossível se concentra na voz vagamente familiar . Mas deixou as coisas piores, saber que eu tinha uma platéia a medida que eu inclinava meu rosto para perto do arbusto e violentamente colocava para fora minha refeição mais recente.

“Quem é o seu Curandeiro aqui?” a voz perguntou. Soava distante através zunido nos meus ouvidos. Uma mão tocou as minhas costas arqueadas. “Você precisa de uma ambulância?”

Eu tossi duas vezes e balancei minha cabeça. Eu tinha certeza de que tinha terminado; meu estômago estava vazio.

“Eu não estou doente,” eu disse a medida que me ajeitava para ficar de pé usando o poste de rua como apoio. Eu examinei para ver quem estava observando meu momento de vexame.

 

A Rastreadora de Chicago estava com seu celular na mão, tentando decidir para qual autoridade ligar. Eu dei uma boa olhada nela e me curvei novamente por sobre as folhas. De estômago vazio ou não, ela era a última pessoas que eu precisava ver agora.

Mas, enquanto meu estômago oscilava em vão, eu percebi que havia uma razão para a presença dela.

Ah não! Ah, não não não não não não!

“Por quê?” eu arfei, pânico e enjôo roubando a intensidade da minha voz. “Por que você está aqui? O que aconteceu?” As palavras muito desconsoladoras da Confortadora golpearam na minha cabeça.

Eu encarei as mãos que agarravam o colarinho do conjunto preto da Rastreadora por dois segundos antes de perceber que elas eram as minhas. “Pare!” ela disse, e havia ultraje em seu rosto. Sua voz se agitou.

Eu estava chacoalhando ela.

Minhas mãos se abriram e pousaram contra o meu rosto. “Me perdoe!” eu bufei de raiva.

“Sinto muito. Eu não sei o que estava fazendo.”

A Rastreadora olhou de cara feia para mim e alisou a parte da frente de sua roupa. “Você não está bem, e eu suponho que eu tenha te assustado.”

“Eu não estava esperando ver você,” eu sussurrei. “Por que você está aqui?”

 

“Vamos até a área de um Curandeiro antes de falarmos. Se você estiver com gripe, você deveria curá-la. Não há razão para deixar que ela desgaste o seu corpo.”

“Eu não estou com gripe. Eu não estou doente.”

“Você comeu comida estragada? Você deve informar aonde a comprou.”

A intromissão dela era muito irritante. “Eu não comi comida estragada, também. Eu estou saudável.”

“Por que você não faz uma checagem com um Curandeiro? Um exame rápido – você não deveria negligenciar a sua hospedeira. Isso é irresponsabilidade. Especialmente quando o cuidado médico é tão fácil e eficaz.”

Eu tomou um longo fôlego e resisti à vontade de chacoalhá-la novamente. Ela era uma cabeça inteira menor do que eu. Era uma luta que eu ganharia.

Uma luta? Eu dei as costas para ela e andei rapidamente em direção à minha casa. Eu estava perigosamente emotiva. Eu precisava me acalmar antes que eu fizesse alguma coisa imperdoável.

“Wanderer? Espere! O Curandeiro –”

“Eu não preciso de Curandeiro nenhum,” eu disse sem me virar. “Isso foi só... desequilíbrio emocional. Eu estou bem agora.”

A Rastreadora não respondeu. Eu me perguntei o que ela concluiu da minha resposta. Eu podia ouvir seus sapatos – saltos altos – batendo atrás de mim, então eu deixei a porta aberta, sabendo que ela iria me seguir. Eu fui até a pia e enchi um copo com água. Ela esperou silenciosamente enquanto eu limpava minha boca e cuspia. Quando eu terminei, eu me inclinei contra a bancada, encarando a pia.

Ela logo ficou entediada.

“Então, Wanderer... ou você ainda atende por esse nome? Eu não quero ser rude chamando você assim.”

Eu não olhei para ela. “Eu ainda atendo por Wanderer.”

“Interessante. Eu a tomava como alguém que escolheria o seu próprio.”

“Eu escolhi. Eu escolhi Wanderer.”

 

Há muito estava claro para mim que a moderada discussão que eu escutei no primeiro dia em que acordei na instalação do Curandeiro era culpa da Rastreadora. A Rastreadora era a alma mais confrontadora que eu encontrei em nove vidas. Meu primeiro Curandeiro, Vau, tinha sido calmo, bondoso, e sábio, até mesmo para uma alma. Ainda assim ele não fora capaz de resistir reagir à ela. Isso fez eu me sentir melhor quanto à minha própria resposta.

Eu me virei para encará-la. Ela estava no meu sofá pequeno, aconchegada confortavelmente como se fosse ficar para uma longa visita. Sua expressão era de satisfação consigo mesma, os olhos salientes divertindo-se. Eu controlei o desejo de fazer uma carranca.

“Por que você está aqui?” eu perguntei novamente. Minha voz era monótona. Contida. Eu não iria perder o controle novamente na frente dessa mulher.

“Já faz um tempo desde que eu ouvi notícias suas, então eu pensei em checar pessoalmente. Nós ainda não fizemos progresso no seu caso.”

Minhas mãos agarraram a margem da bancada atrás de mim, mas eu mantive o alívio selvagem longe da minha voz.

“Isso parece... zeloso demais. Além do mais, eu lhe mandei uma mensagem noite passada.”

Suas sobrancelhas juntaram-se daquele jeito que ela tinha, um jeito que a fazia parecer furiosa e irritada ao mesmo tempo, como se você, não ela, fosse responsável pela fúria dela. Ela puxou seu computador de bolso e tocou a tela algumas vezes.

“Oh,” ela disse duramente. “Eu não chequei meus e-mails hoje.”

Ela ficou quieta enquanto lia o que eu havia escrito.

“Eu mandei isso de manhã bem cedo,” eu disse. “Eu estava meio dormindo na hora. Eu não tenho certeza do quanto eu escrevi que é memória ou sonho, ou digitação-sonâmbula, talvez.”

 

Eu prossegui com as palavras – as palavras de Melanie – a medida que elas escorriam facilmente da minha boca; eu até mesmo acrescentei minha própria risada despreocupada no final. Era desonesto da minha parte. Comportamento vergonhoso. Mas eu não iria deixar a Rastreadora saber que eu era mais fraca que a minha hospedeira.

Dessa vez, Melanie não ficou presunçosa por ter me derrotado. Ela estava aliviada demais, agradecida demais por eu não ter, pelas minhas próprias razões insignificantes, entregado ela.

“Interessante,” a Rastreadora murmurou. “Mais um a solta.” Ela balançou sua cabeça. “A paz continua a nos iludir.” Ela não pareceu consternada pela idéia de uma paz frágil – de certa forma, isso pareceu agradá-la.

Eu mordi meu lábio com força. Melanie queria tanto fazer outra negação, alegar que o garoto era só parte de um sonho. Não seja estúpida, eu disse à ela. Isso seria tão óbvio. Mostrava como a natureza da Rastreadora era repelente por colocar eu e Melanie do mesmo lado de uma discussão.

Eu a odeio. O sussurro de Melanie era afiado, doloroso como um corte.

Eu sei, eu sei. Eu desejei poder negar que eu me sentia... de maneira semelhante. Ódio era uma emoção imperdoável. Mas a Rastreadora era... muito difícil de se gostar. Impossível.

A Rastreadora interrompeu a minha conversa interna. “Então, tirando a nova localização para examinar, você não pode me ajudar mais nos mapas de estrada?”

Eu senti meu corpo reagir à seu tom crítico. “Eu nunca disse que eles estavam sinalizados em um mapa de estrada. Isso é suposição sua. E não, eu não tenho mais nada.”

Ela estalou rapidamente sua língua três vezes. “Mas você disse que eles estavam se direcionando.”

“Isso é o que eu acho que eles estão fazendo. Eu não estou mais conseguindo nada.”

“Por que não? Você ainda não dominou a humana?” Ela riu alto. Riu de mim.

 

Eu virei minhas costas para ela e me concentrei em me acalmar. Eu tentei fingir que ela não estava lá. Que eu estava totalmente sozinha em minha austera cozinha, encarando pela janela o pedacinho de céu noturno, as três estrelas brilhantes que eu podia ver por ela.

Bem, tão sozinha quanto eu sempre estava.

Enquanto eu encarava os pequeninos pontos de luz na escuridão, as linhas que eu tinha visto repetidamente – nos meus sonhos e nas minhas memórias quebradas, surgindo em momentos estranhas e desvinculados – relampejarem na minha cabeça.

A primeira: uma lenta e bruta curva, então uma curva veloz para o norte, outra volta veloz para o outro lado, guinando de volta para o norte por um trecho mais longo, e então uma abrupta descida para o sul que se aplanava em outra curva rasa.

A segunda: um ziguezague de margens irregulares, quatro estradas íngremes em ziguezagues, o quinto ponto estranhamente embaçado, como se estivesse quebrado... A terceira: uma onda suave, interrompida por um desvio repentino que balançava um fino e longo dedo para o norte e de volta.

Incompreensivelmente, parecendo insignificante. Mas eu sabia que isso era importante para Melanie. Desde o começo eu sabia disso. Ela protegia esse segredo com mais força do que qualquer outro, quase quanto o garoto, seu irmão. Eu não tinha idéia de sua existência antes do sonho de ontem a noite. Eu me perguntei o que a teria feito interromper isso. Talvez a medida que ela ficava mais sonora na minha cabeça, ela perderia mais segredos para mim.

Talvez ela deixaria escapar, e eu veria o que essas linhas estranhas significavam. Eu sabia que elas significavam algo. Que elas levavam a algum lugar.

E naquele momento, com o eco da risada da Rastreadora ainda suspenso no ar, eu de repente percebi por que elas eram tão importantes.

 

Elas levavam de volta ao Jared, é claro. De volta à ambos, Jared e Jamie. Aonde mais? Qual outra localização poderia possivelmente ter algum significado para ela? Somente agora eu via que não eram de volta, porque nenhum deles nunca seguiu essas linhas antes. Linhas que tinham sido um mistério tanto para ela quanto para mim, até...

A parede foi lenta em me bloquear. Ela estava distraída, prestando mais atenção à Rastreadora do que eu. Ela se agitou na minha mente com um som atrás de mim, e foi assim que eu percebi a aproximação da Rastreadora.

A Rastreadora suspirou. “Eu esperava mais de você. Seu histórico parecia tão promissor.”

“É uma pena que você mesma não estivesse livre para a tarefa. Estou certa de que se você tivesse que lidar com uma hospedeira resistente, teria sido brincadeira de criança.” Eu não me virei para falar com ela. Minha voz permaneceu equilibrada.

Ela fungou. “As primeiras ondas eram desafiadoras o bastante até mesmo sem um hospedeiro resistente.”

“Sim. Eu mesma já passei por algumas dificuldades.”

A Rastreadora bufou. “As Algas foram difíceis de se lidar? Elas fugiam?”

Eu mantive minha voz calma. “Nós não tivemos problema no Pólo Sul. É claro, o Norte foi outra coisa. Foi mal manejado. Nós perdemos a floresta inteira.” A tristeza daquele tempo ecoou atrás das minhas palavras. Mil seres conscientes, fechando seus olhos para sempre ao invés de nos aceitar. Eles tinham enrolado suas folhas para longe dos Sóis e morreram de fome.

Bom para elas, Melanie sussurrou. Não havia veneno preso ao pensamento, somente aprovação a medida que ela saudava a tragédia na minha memória.

Foi tanto desperdício. Eu deixei a agonia do conhecimento, a sensação dos pensamentos morrendo que nos haviam assolado da dor da nossa irmã floresta, banhar pela minha cabeça.

Era morte de qualquer jeito.

A Rastreadora falou, e eu tentei me concentrar em uma só conversa.

“Sim.” Sua voz estava desconfortável. “Isso foi pobremente executado.”

 

“Você não pode ser cuidadosa demais quando se trata de repartir poder. Alguns não são tão cuidadosos quanto deveriam ser.”

Ela não respondeu, e eu escutei ela se mover alguns passos para trás. Todo mundo sabia que o passo em falso por trás do suicídio em massa pertencia aos Perseguidores, que, por causa das Algas não poderem fugir, tinham subestimado a habilidade delas de escapar. Eles tinham prosseguido de forma imprudente, começando a primeira colonização antes que nós tivéssemos números adequados instalados para uma assimilação em pleno funcionamento.

 

Quando eles perceberam do que as Algas eram capazes, do que elas estavam dispostas a fazer, era tarde demais. O próximo carregamento de almas em hibernação estava longe demais, e antes que elas chegassem, a floresta do norte foi perdida.

Eu encarei a Rastreadora agora, curiosa para julgar o impacto das minhas palavras. Ela estava indiferente, encarando o nada branco da parede nua do outro lado da sala.

“Sinto muito não podê-la ajudar mais.” Eu disse as palavras firmemente, tentando deixar clara a dispensa. Eu estava pronta para ter a minha casa para mim mesma novamente. Para nós mesmas, Melanie inseriu de forma malévola. Eu suspirei. Ela estava tão cheia de si mesma agora. “Você realmente não deveria ter se incomodado em vir para tão longe.”

“É o trabalho,” a Rastreadora disse, encolhendo os ombros. “Você é minha única missão. Até que eu ache o resto deles, eu posso muito bem ficar perto de você e esperar a boa sorte.”

 

                                     Confrontada “Sim, Apreciador do Sol ?”, eu perguntei, grata pela mão levantada ter interrompido meu discurso. Eu não me sentia confortável atrás do apoio do livro como eu usualmente ficava. Minha maior força, meu único e real credencial – já que o meu hospedeiro tinha sido pouco educado forma convencional, já que fugia desde o começo de sua adolescência – era minha experiência pessoal que geralmente eu usava nas aulas. Esta era a primeira história do mundo que eu lecionei neste semestre por qual eu não tinha memória para extrair. Eu estava certa que meus estudantes sentiam a diferença.

“Me desculpe por interromper, mas....” o homem de cabelo branco pausou, se esforçando para formular a sua pergunta “Eu não tenho certeza se entendi .Os Provadores de Fogo realmente...ingerem a fumaça das Flores Andantes? Como comida?” , ele tentou suprir o horror de sua voz. Este não era o lugar para uma alma julgar outra. Mas eu não estava surpresa pela sua reação, explicando a ele o que acontecia no Planeta das Flores.

Era sempre uma surpresa para mim como algumas almas se entregavam profundamente aos casos ocorridos em outros mundos que eles povoavam e simplesmente ignoravam o resto do universo. Mas, para ser justa, possivelmente Apreciador do Sol estava em hibernação quando o Mundo de Fogo tornou-se famoso.

“Sim, eles recebem os nutrientes essenciais através da fumaça. E nisto encontra-se a fundamental controvérsia e o maior dilema do Mundo do Fogo – e a razão para que o planeta não esteja fechado, apesar de ter havido certamente uma hora adequada para o seu povoamento.Há também uma alta porcentagem de transferência.

“Quando o Mundo do Fogo foi descoberto, o primeiro pensamento era dominar as espécies, os Provadores de Fogo eram a única espécie inteligente presente. Os Provadores de Fogo não consideravam as Flores Andantes como seus iguais – um preconceito cultural - e ao passar do tempo, depois da primeira onde de dominação, antes das almas constatarem isso, eles simplesmente assassinaram todas as criaturas inteligentes. Desde então, os cientistas do O Mundo do Fogo tem focado seus esforços em encontrar um substituição para a dieta alimentar dos Provadores de Fogo. Aranhas estão sendo transportadas para lá, para tentar ajudar, mas os planetas estão a milhares de anos luz distantes. Quando este obstáculo for superado, porque será logo, eu estou certa, haverá uma esperança de que as Flores Andantes possam igualmente serem assimiladas.Entretanto muito da brutalidade foi removida desta equação. Uma, ah, parcela foi queimada-viva, e claro, há outros aspectos.”

“Como eles puderam....”,a voz de Apreciador do Sol foi morrendo ficando incapaz de terminar. Outra voz completou o pensamento de Apreciador do Sol. “Parece um eco sistema muito cruel. Por que este planeta não foi abandonado?”

“Isto foi debatido, naturalmente, Robert. Mas nós não abandonamos planetas rapidamente. Há muitas almas para quem O Mundo do Fogo é o seu lar. Eles não serão expulsos contra a sua vontade. “Eu olhei por cima, para as minhas notas, em uma tentativa de acabar com a discussão.

“Mas isto é uma barbárie!”

Robert era fisicamente mais jovem do que os outros estudantes – perto da minha idade, de fato, mas verdadeiramente uma criança no fator mais muito importante, a Terra foi o seu primeiro mundo – a Mãe havia sido uma conquistadora da Terra, antes de ela se dividir. – e ele não parecia ter muitas perspectivas que as almas melhor-viajadas. Eu imagino como poderia ser nascer sobre uma esmagadora sensação e emoção de todos estes hospedeiros sem ter uma experiência prévia como contrapeso. Seria difícil encontrar objetividade. Eu tentei recordar isto e ser especialmente paciente como eu respondi a ele.

“Cada mundo é uma única experiência. A não ser quem já viveu naquele mundo é capaz de compreender....”

“Mas você nunca viveu no Mundo do Fogo,”ele me interrompeu “Você deve se sentir do mesmo modo.....A menos que você tinha alguma outra razão para saltar este planeta?Você foi quase em todos”

“Escolher o planeta é decisão privada e muito pessoal, Robert, como você pode experimentar algum dia.”

Meu tom fechou o assunto completamente.

Por que você não conta a eles? Você acha que é bárbaro – e cruel e errado. O que é meio irônico se você me perguntasse – o que você nunca faz. Qual é o problema? Você esta tão envergonhada por concordar com o Robert? Porque ele é mais humano que os outros?

Melanie encontrou sua voz e estava se tornando insuportável. Como eu poderia me concentrar no trabalho com as suas opiniões fazendo barulho em minha cabeça o tempo todo?

Na cadeira atrás de Robert uma sombra se move...

A Rastreadora vestindo preto como de costume, se inclinou para frente, sua intenção era saber qual era o tema da discussão.

Eu resisti ao impulso de a olhar com azedume. Eu não queria Robert, já olhando constrangido, confundisse a minha expressão e pensasse que era para ele. Melanie resmungou. Ela pensa que eu não irei resistir.Tendo a Rastreadora acompanhado silenciosamente cada passo nosso, foi muito educativo para Melanie, ele costumava pensar que não seria capaz de odiar ninguém mais do ela me odiava.

“Nosso tempo acabou” eu anunciei com alivio. “Eu preciso informar vocês que nós teremos um palestrante convidado na próxima terça-feira que será capaz de compensar a minha ignorância neste aspecto. Chama Suave, uma recente adição ao nosso planeta, ele esta aqui para nos dar toda a sua opinião pessoal sobre O Mundo do Fogo. Eu sei que vocês darão toda a cortesia que vocês me dão, e serão respeitosos com a idade muito nova de seu hospedeiro. Obrigada por seu tempo.”

A classe esvaziou lentamente, muitos dos estudantes conversavam um com outro enquanto recolhiam seus materiais.O que Kathy tinha dito sobre amizade correu em minha cabeça, mas eu não senti desejo de me juntar a eles. Eles eram estranhos.

Era assim que eu me sentia? Ou era Melanie que se sentia assim? Difícil de dizer.

 

Talvez eu era naturalmente anti-social.

Minha historia pessoal dava suporte a essa teoria, eu supus. Eu nunca me fixei forte o bastante para me manter em um planeta por mais de uma vida.

Eu observei Robert e Apreciador do Sol na porta da sala de aula, em uma discussão que parecia intensa. E eu poderia adivinhar qual era o assunto.

“As historias sobre O Mundo do Fogo sempre polemizam.”

Eu declarei calmamente.

A Rastreadora esta próxima ao meu cotovelo. A mulher que geralmente anunciava sua aproximação com o barulho alto dos seus sapatos. Eu olhei para baixo agora para ver as sapatilhas que ela estava calçando desta vez. – pretas, é claro.

Ela estava ainda menor sem seu salto extra, “Este não é o meu assusto favorito,” eu disse em uma voz branda. ”Eu prefiro ter experiência para poder compartilhá-la.”

“Fortes reações da classe.”

“Sim”

Ela olhou para mim esperançosa, esperando algo mais.Eu reuni minhas notas e coloquei-as de volta em minha bolsa.

“Você parece ter reagido muito bem”

Eu coloquei meus papeis na bolsa com cuidado, não virando.

“Eu imagino o por quê de você não ter respondido a pergunta”

Houve uma pausa enquanto ela esperava a minha resposta. Eu não respondi.

“Então....por que você não respondeu a pergunta?”

Eu voltei, não ocultei a impaciência em meu rosto. “Porque isto não era pertinente a lição, porque Robert precisa aprender algumas maneiras, e porque isso não é da conta de ninguém.”

Eu coloquei a minha bolsa sobre meu ombro e me dirigi à porta. Ela permaneceu ao meu lado, correndo para acompanhar as minhas longas pernas. Nós andamos pelo corredor em silêncio. Isto até que estivéssemos do lado de fora, onde o sol da tarde iluminava os montes de poeira no ar salgado, então ela falou novamente.

“Você acha que nunca irá fixar residência, Wanderer?Neste planeta, talvez?Você parece ter uma simpatia por seus....sentimentos”

Eu senti o insulto implícito em seu tom de voz. Eu não tinha certeza se ela queria me insultar, mas estava claro que ela tinha feito. Melanie se agitou rancorosamente.

 

“Eu não estou certa disso.”

“Me diga algo, Wanderer. Você tem pena deles?”

“De quem?” eu perguntei vagamente.” Das Flores Andantes?”

“Não, dos humanos”

Eu parei de andar, e ela parou rapidamente ao meu lado. Nós estávamos apenas a algumas quadras do meu apartamento, e eu me apressei com esperança de ficar o mais longe possível dela, embora eu não fosse convidá-la para entrar. Mas sua pergunta me pegou fora de guarda.

“Dos humanos?”

“Sim. Você tem pena deles?”

“Você tem?”

“Não. Eles eram uma raça completamente brutal. Eles foram afortunados por sobreviverem tanto tempo juntos.”

“Nem todos eram maus.”

“Era uma predisposição de sua genética. Brutalidade era parte de sua espécie.Mas parece que você sente pena deles.”

“Era muito a perder, você não acha?” eu gesticulei em torno de nos. Nós estávamos em um pequeno parque entre dois dormitórios cobertos de hera. O verde profundo da hera era agradável aos olhos, especialmente no contraste com os velhos e desgastados tijolos vermelhos. O ar era dourado e macio, e o cheiro salgado do oceano se modificou para uma fragrância doce como o mel das flores nos arbustos. A brisa acariciou a pele do meu braço, desnudando-a.

“Em suas outras vidas, você não podia sentir nada tão vívido. Você sentiu pena de qualquer uma que você tomou deles?”- sua expressão permaneceu rígida, sem se mover. Eu fiz uma tentativa de puxar ela, fazê-la considerar outro ponto de vista.

 

”Quais outros mundos você viveu?”

Ela hesitou, e então enquadrou seus ombros. “Nenhum. Eu só vivi na terra.”

Aquilo me surpreendeu. Ela era tão criança quanto Robert. ”Somente um planeta?E você escolhe ser uma Rastreadora em sua primeira vida?”

Ela concordou uma vez, com seu queixo rijo.

“Bem, bem, isso não me diz respeito.” Eu comecei a andar novamente. Talvez se eu respeitasse sua privacidade, ela me retornaria o favor.

“Eu falei com o seu Confortador”

Talvez não, Melanie pensou acidamente.

“O que?” eu ofeguei.

 

“Eu conclui que você tem tido mais problemas do que não conseguir as informações que queremos. Você tem que considerar tentar outra vez, em um hospedeiro mais flexível? Ela sugeriu aquilo, ou não?”

“Kathy não deveria ter lhe dito nada!”

A rosto da Rastreadora estava presunçoso. “Ela não precisou responder. Eu sou muito boa em ler expressões faciais humanas. Eu poderia dizer quando as minhas perguntas acertaram o nervo.”

“Como ousa? O relacionamento entre uma alma e sua Comforta–“

“É inviolável, sim, eu conheço a teoria. Mas os meio aceitáveis de investigação parecem não funcionar no seu caso. Eu preciso ser criativa.”

“Você acha que eu estou escondendo alguma coisa de você?”, eu perguntei, muito irritada para controlar a aversão de minha voz. “Você acha que eu revelei isso a minha Confortadora?”

Meu ódio não a perturbou. Possivelmente, dada a sua estranha personalidade, ela usaria estas reações.

“Não. Eu acho que você esta dizendo o que você sabe.....Mas eu acho que você não esta olhando tão profundamente quanto poderia. Eu já vi isto antes.Você esta criando simpatia pelo seu hospedeiro. Você esta deixando as memórias inconscientes dela direcionar os seus próprios desejos. E provavelmente já é muito tarde para isto. Eu penso que você ficará muito mais confortável mudando-se e talvez alguém tenha melhor sorte com ela.”

“Hah!” eu gritei.”Melanie comeria eles vivos!”

A expressão dela congelou.

Ela não tinha nenhuma idéia, não importa o que ela pensou ter distinguido de Kathy. Ela pensou que a influência de Melanie era apenas de memórias, que era inconsciente.

“Eu acho muito interessante você falar dela no tempo presente.”

Eu ignorei aquilo, tentando fingir que eu tinha me confundido. “Se você pensa que outra pessoa teria mais sorte em encontrar os segredos dela, você está errada.”

“É o único jeito de encontrar.”

“Você já tem alguém em mente?” eu perguntei, minha voz estava fria em aversão.

Ela sorriu. “Eu tenho a permissão para tentar. Não deve demorar. Eles irão segurar o meu hospedeiro para mim.”

Eu respirei fundo. Eu estava tremendo, e Melanie tão estava cheia de ódio que estava sem palavras. A idéia de ter a Rastreadora dentro de mim, mesmo que eu soubesse que não estaria aqui, era tão repugnante que eu senti o retorno da náusea da semana passada.

 

“É tão ruim para sua investigação que eu não seja uma Abandonadora.”

 

Os olhos da Rastreadora se estreitaram. “Bem, certamente isso contribui fortemente para um atraso. Historia nunca foi muito interessante para mim, mas acho que ficarei para o curso completo.”

 

“Você disse que era provavelmente muito tarde para obter mais alguma memória dela.” Eu relembrei a ela, esforçando para deixar minha voz calma. “Porque você não voltar pra onde você pertence?”

 

Ela desdenhou e sorriu apertado. “Eu estou certa que é muito tarde.....para uma informação voluntária. Mas se você não cooperar, ela meio que poderá me conduzir até eles.”

 

“Conduzir você?”

 

“Quando ela tiver todo o controle, e você não está mais do que enfraquecendo, uma vez Racing Song, agora Kevin.Se lembra dele?A pessoa que atacou o Curandeiro?”

 

Eu olhei fixamente para ela, olhos abertos, narinas infladas.

 

“Sim, é provavelmente apenas uma questão de tempo. Seu Confortador não lhe disse sobre as estáticas, ela disse? Bem, mesmo se disse, ela não poderia ter lhe dado as ultimas informações que nós temos acesso. A taxa de êxito a longo prazo para situação como a sua – uma vez que o hospedeiro humano começa a resistir – é de 20 por cento. Você não tem nenhuma idéia de algo pior? Eles estão mudando as informações dadas aos potencias colonos. Não haverá mais nenhum oferecimento de hospedeiro adulto. Os riscos são grandes demais. Nós estamos perdendo almas. Não irá demorar muito para ela falar com você, falar através de você, controlar suas decisões.”

 

Eu não tinha movido uma polegada nem tinha relaxado nenhum músculo. A Rastreadora se inclinou, esticando seus dedos dos pés para que pudesse colocar sua face perto da minha.

 

Sua voz tornou-se baixa e macia na tentativa de soar persuasiva.

 

“É isto que você quer, Wanderer? Perder? Desvanecer, ser apagada por outra consciência?Não ser mais do que um corpo hospedeiro?”

 

Eu não consegui respirar.

 

“Isto só vai piorar. Você não poderá ser você nunca mais. Ela irá expreme-la e você desaparecerá. Talvez alguém intervirá....Talvez eles movam você assim como fizeram com Kevin. E você se tornará alguma criança chamada Melanie que gosta de consertar carros um pouco mais do que compor musicas. Ou o que quer que ela faça.”

 

“A taxa de êxito esta abaixo de 20 por cento?” eu sussurrei.

 

Ela concordou, tentando suprimir um sorriso. “Você esta perdendo a si mesma, Wanderer. Todos os mundos que você já viu, todas as experiências que você coletou – eles não serviram para nada. Eu vejo na sua ficha que você tem potencial para maternidade.Se você pode ser mãe, está é a última coisa de todas que não pode ser desperdiçada.Por que você está se afastando?Você já considerou a maternidade?”

 

Eu me empurrei pra longe dela, minha face ruborizando.

 

“Desculpe-me,” ela murmurou, sua face estava sombria. “Isso foi grosseiro. Esqueça o que eu disse.”

 

“Eu estou indo para casa. Não me siga.”

 

“Eu tenho que te seguir, Wanderer. É o meu trabalho.”

 

“Por que você se importa tanto com algumas reservas humanas? Por quê? Como você justifica o seu trabalho? Nós vencemos! É hora de você se juntar a sociedade e fazer algo produtivo!”

 

Minhas perguntas, minhas implícitas acusações, não a perturbaram.

 

“Onde quer que as franjas de seu mundo toque o nosso haverá morte” ela falou as palavras pacientemente, e por um momento. Eu vi uma pessoa diferente em sua face. Isto me surpreendeu e me fez imaginar que ela acreditava profundamente naquilo que ela dizia. Parte de mim supôs que ela só escolheu ser uma Rastreadora porque ela ilicitamente implorava por violência. ”Mesmo perdendo uma alma para o seu Jared ou o seu Jamie, aquela será uma alma a mais. Até que haja paz total nesse planeta, meu trabalho estará justificado. Enquanto houver sobreviventes como Jared, eu preciso proteger a nossa espécie. Enquanto houver Melanies comandando almas embaixo do meu nariz...”

 

Eu me virei dando as costas para ela e me dirigi ao meu apartamento, com passos largos que a forçariam a correr para me acompanhar.

 

“Não perca a si mesmo, Wanderer!” ela gritou atrás de mim. ”O tempo está correndo contra você!” ela pausou, então gritou mais alto. “Me informe quando eu devo começar a te chamar de Melanie!”

 

Sua voz se perdeu enquanto a distância entre nós aumentou. Eu sabia que ela seguiria seu próprio ritmo. Esta foi uma desconfortável semana – vendo seu rosto na volta de cada aula, ouvindo seus passos atrás de mim em cada passeio diário – não era nada comparado ao que estava por vir, ela ia fazer da minha vida um inferno.

 

Eu senti como se Melanie estivesse saltando violentamente contra as paredes internas de meu crânio.

 

Vamos denunciá-la. Dizer que seu poder era algo inaceitável. Nos viola. É a nossa palavra contra a dela –

 

No mundo humano, eu lembrei a ela, quase que triste por não ter acesso a este recurso. Não havia poder, neste sentido. Todos trabalhavam juntos como iguais. Havia aqueles com muitas informações, em ordem, para mantê-las organizadas, e os conselhos que tomavam decisões a respeito das informações, mas eles não a removeriam de uma atribuição que ela queria. Você vê, isso funciona –

 

Quem se importa com como funciona se isso não nos ajuda? Já sei – vamos mate-la! A imagem retornou, a face da Rastreadora encheu minha cabeça.

 

Esse tipo de coisa é exato por que minha espécie é a responsável por este lugar.

 

Desce do salto. Você apreciará tanto quanto eu. A imagem retornou, a face da Rastreadora ficando azul em nossa imaginação, mas desta vez foi acompanhada de uma onda forte de prazer.

 

Esta é você, não eu. Minha afirmação era verdadeira, a imagem me deixou enjoada. Mas era igualmente arriscado ficar perto – e eu apreciaria muito nunca mais ter que ver a Rastreadora novamente.

 

O que nós faremos agora?Eu não vou desistir. Você não vai desistir. E essa desprezível Rastreadora não ira desistir!

 

Eu não respondi. Eu não tinha uma resposta pronta.

 

A minha cabeça estava quieta por um instante. Aquilo era muito bom.Eu desejei que o silêncio pudesse durar. Mas havia só um jeito de comprar a minha paz. Eu estava disposta a pagar o preço?Eu ainda tinha escolha?

 

Melanie se acalmou lentamente. Por um tempo eu estava de frente à porta, olhando para trás, examinando que eu nunca tinha voltado antes – artifícios humanos que não existiam em um mundo de paz – seu pensamento estava contemplativo.

 

Eu nunca tinha pensado em como vocês continuam a sua espécie. Eu nunca pensei que era assim.

 

Nós levamos isto muito seriamente, como você pode imaginar. Obrigada por seu interesse. Ela não estava incomodada, pela ponta de ironia no pensamento.

 

Ela estava meditando sobre esta descoberta enquanto eu liguei o computador e comecei a procurar por viagens. Foi um momento antes de ela ter ciência do que eu estava fazendo.

 

Aonde estamos indo? O pensamento teve um breve brilho de pânico. Eu senti sua consciência começar a se armar através da minha cabeça, seu toque era como uma escova macia de penas, procurando por qualquer coisa que eu estava escondendo dela.

 

Eu decidi salvar a sua busca. Eu estou indo para Chicago.

 

O pânico era maior agora. Por quê?

 

Eu estou indo ver o Curandeiro. Não confio nela. Eu quero falar com ele antes de tomar minha decisão

 

Houve um breve silêncio antes de ela falar novamente.

 

A decisão de me matar?

 

Sim, essa.

 

                                    Amada

 

“Você está com medo de voar?” A voz Rastreadora estava cheia de descrença. “Você já viajou no profundo espaço por oito vezes e você está com medo de pegar um vôo para Tucson, Arizona?”

 

“Primeiramente, eu não estou com medo. Segundo, quando eu viajei através do espaço eu não estava exatamente ciente de onde eu estava, devido estar em uma câmara de hibernação. E terceiro, este hospedeiro tem problemas com vôos.”

 

A Rastreadora rolou seus olhos em sinal de aversão. “Então tome remédios! O que você teria feito se o Curandeiro Vau não tivesse sido transferido para Saint Mary’s? Você dirigiria até Chicago?”

 

“Não. Mas esta opção de ir dirigindo me parece bem razoável. Eu irei tomá-la. Será muito bom ver um pouco mais deste mundo. O deserto pode ser impressionante –“

 

“O deserto é uma chateação”

 

“- e eu não estou com tanta pressa. Eu tenho muitas coisas para pensar, e eu irei apreciar ficar algum tempo sozinha.” Eu olhei intencionalmente para ela enfatizando a última palavra.

 

“Eu não compreendo a sua idéia de visitar o seu velho Curandeiro, de qualquer forma. Há muitos Curandeiros competentes aqui.”

 

“Eu me sinto confortável com o Curandeiro. Ele tem experiência com isto, e eu sinceramente não acho que tenho todas as informações que preciso”, eu lhe dei outro olhar significante.

 

“Não perca tempo, você precisa se apressar, Wanderer. Eu reconheço os sinais.”

 

“Perdoe-me se eu não considero a sua informação imparcial. Eu sei o suficiente sobre o comportamento humano para reconhecer os sinais de manipulação.”

 

Ela olhou furiosamente para mim.

 

Eu estava colocando no meu carro alugado todas as coisas que eu planejava levar comigo. Eu tinha roupas suficientes para uma semana para serem trocadas entre os banhos, e as coisas necessárias para uma higiene básica.Embora eu não estivesse levando muita coisa, eu estava deixando pouca coisa para trás. Eu tinha acumulado pouquíssimos pertences pessoais. Depois desses meses em meu pequeno apartamento, as paredes continuavam descascadas, as prateleiras vazias. Talvez eu nunca tivesse pensado em me estabelecer por aqui.

 

A Rastreadora estava plantada na calçada próxima a porta do passageiro aberta, me atacando com perguntas maliciosas e criticas enquanto eu estava escutando de longe. Pelo menos eu estava segura na minha convicção de que ela estava muito impaciente para me seguir na estrada. Ela poderia pegar um vôo para Tucson, apenas porque estava esperando me envergonhar com isso.Isto era um imenso alivio. Eu a imaginei me vigiando toda vez que eu parasse para comer, andando aleatoriamente do lado de fora do banheiro no posto de gasolina, suas inquisições incansáveis esperando por mim toda vez que meu veiculo parasse. Eu estremeci com esse pensamento. Se um corpo significasse ficar livre da Rastreadora.....bem, isso seria um bom motivo.

 

Eu tinha outra escolha também. Eu poderia abandonar por inteiro esse mundo como uma fracassada e me mudar para o meu décimo planeta. Eu poderia trabalhar para esquecer por completo essa experiência. A terra poderia ser apenas um pequeno ponto em meu impecável registro.

 

Mas para onde eu iria? Um planeta que eu já experimentei?O Mundo Cantante era um dos meus favoritos, mas desistir da visão e voltar a ser cega? O Planeta das Flores era adorável... contudo uma forma de vida baseada em clorofila não era muito emocionante.Eu me sentiria insuportavelmente lenta depois de algum tempo neste lugar humano.

 

Um novo planeta? Havia recentes aquisições – aqui na Terra ele chamavam os novos hospedeiros de Golfinhos na falta de uma comparação melhor, embora eles se assemelhavam mais a libélulas do que a mamíferos marinhos.Uma espécie altamente desenvolvida, e certamente inconstante, mas depois de minha longa estadia com as Algas, o pensamento de um outro planeta de água era repugnante para mim.

 

Não, ainda havia tanta coisa neste planeta que eu ainda não tinha experimentado. Em nenhuma parte do meu já conhecido universo chamou tanto a minha atenção do que a pequena sombra verde nesta rua silenciosa.

 

Ou me seduzido como o vazio céu do deserto, que eu tinha visto somente nas memórias de Melanie.

 

Melanie não compartilhou suas opiniões com as minhas. Ela estava muito quieta desde minha decisão de encontrar Vau Águas Profundas, meu primeiro Curandeiro. Eu não tinha certeza do que este desinteresse significava. Estaria ela tentando parecer menos perigosa, menos um problema? Estaria ela se preparando para a invasão da Rastreadora?Para a morte?

 

Ou estava se preparando para lutar comigo?Tentando assumir o controle?

 

Qualquer que fosse seu plano, ela se mantinha distante. Era uma presença fraca, observando da parte de trás da minha cabeça.

 

Eu fiz minha ultima viagem interior, procurando por qualquer coisa esquecida.O apartamento estava vazio.Havia somente a mobília básica que tinha sido deixada pelo ultimo inquilino. Os mesmos pratos ainda estavam nos armários, os travesseiros na cama, as lâmpadas na mesa. Se eu não voltasse, haveria pouca coisa para o inquilino seguinte jogar pra fora.

 

O telefone tocou quando eu já estava do lado de fora da porta, e eu voltei, mas eu estava muito atrasada. Eu já tinha ajustado o sistema de mensagem para responder no primeiro toque. Eu já sabia o que a pessoa que ligou ouviria: minha vaga explanação de que eu tiraria um semestre para descansar, e que minhas turmas estariam canceladas até se encontrar um substituto. Nenhuma razão dada.

 

Eu olhei para o relógio em cima da televisão. Mal tinha passado das oito horas da manhã. Eu estava certa que era o Curt no telefone, por ter recebido o meu único email ligeiramente mais detalhado que mandei noite passada. Eu senti culpa por não terminar o meu compromisso com ele, era como se eu o estivesse abandonando. Talvez esta etapa, deixar o meu trabalho, era como o prelúdio para a minha próxima decisão, minha grandessíssima vergonha. O pensamento era desconfortável. E me fez de má vontade escutar o que quer que a mensagem dizia, embora eu não estivesse com tanta pressa de ir embora.

 

Eu olhei em volta do apartamento vazio mais uma vez. Não havia nenhum sentimento de deixar algo para trás, nenhum apreço para estes quartos. Eu tinha um estranho sentimento de que neste mundo – não apenas Melanie, mas a esfera inteira deste planeta – não me quis, não importa o quanto eu queria isto.Eu apenas não conseguia criar raízes. Eu sorri estranhando o pensamento das raízes. Este sentimento era apenas algo absurdo e supersticioso.

 

Eu nunca tinha tido um hospedeiro que fosse apto para a superstição. Era uma sensação interessante, como saber se você esta sendo observada sem ser capaz de encontrar o observador só por sentir arrepios na nuca.

 

Eu fechei a porta firmemente atrás de mim mas não toquei no antigo cadeado. Ninguém iria perturbar este lugar até que eu estivesse retornado ou dado a alguém novo.

 

Sem olhar para a Rastreadora, eu entrei no carro. Eu não tinha muita prática em dirigir, e tampouco Melanie, então fiquei um pouco nervosa. Mas era certo que eu me habituaria rápido.

 

“Eu estarei esperando por você em Tucson”, a Rastreadora disse, se inclinando na janela aberta do passageiro enquanto eu liguei o motor.

 

“Eu não tenho duvidas.” Eu murmurei.

 

Eu encontrei os controles do painel na porta. Tentando esconder um sorriso, eu aperto o botão para o vidro começar a subir e observei ela pular para trás.

 

“Talvez....”ela disse, aumentando sua voz, quase gritando para que eu pudesse a ouvir sobre o ruído do motor e através da janela fechada.”Talvez tentarei a sua maneira. Talvez eu vejo você na estrada”.

 

Ela sorriu e encolheu seus ombros.

 

Ela apenas disse aquilo para me chatear. Eu tentei não deixar ela ver que tinha conseguido. Eu foquei meus olhos na estrada adiante e puxei com cuidado o freio.

 

Era fácil encontrar uma estrada sem trânsito e seguir então as placas de San Diego. Logo não haveria placas para seguir, então não poderia errar. Em oito horas eu estaria em Tucson. Não era tempo longo o bastante.

 

Possivelmente eu poderia passar a noite em uma pequena cidade ao longo da estrada. Eu podia ter certeza que a Rastreadora estaria adiante, esperando impacientemente, mas provável que estivesse me seguindo, uma parada seria um ótimo atraso.

 

Eu me encontro olhando o espelho retrovisor procurando por um sinal de perseguição. Eu estava dirigindo mais devagar do que qualquer outro carro, pouco disposto a alcançar o meu destino, e os outros carros me ultrapassavam sem parar. Não havia nenhum rosto que eu reconhecia enquanto se moviam adiante. Eu não deveria ter deixado a provocação da Rastreadora me incomodar, ela claramente não tinha temperamento para ir para qualquer lugar tão lentamente. Ainda assim....eu continuei a prestar atenção nela.

Eu estava a oeste do oceano, norte e sul acima do lindo litoral da Califórnia, mas eu nunca havia estado ao leste por toda essa distância. A civilização ficou para trás rapidamente, e eu logo fui cercada pelas colinas brancas e pelas rochas que eram precursoras às áreas desertas e vazias do deserto.

 

Era muito relaxante estar longe da civilização, e isto me incomodava. Eu não deveria achar a solidão tão bem vinda. Almas são sociáveis. Nós vivemos e trabalhamos e crescemos juntos em harmonia. Nós éramos todos iguais: calmos, amigos, honestos. Por que eu deveria me sentir melhor longe do meu tipo?Era Melanie que fazia eu me sentir desta forma?

 

Eu procurei por ela, mas a encontrei distante, sonhando na parte detrás de minha cabeça.

 

Isto era o melhor que tinha ocorrido desde que ela começou a falar novamente.

 

Os quilômetros passavam rapidamente. As rochas escuras, ásperas e as planícies empoeiradas cobertos de uma uniformidade monótona. Eu percebi que estava dirigindo mais rápido do que eu gostaria. Não havia qualquer coisa para manter minha mente ocupada aqui, então eu encontrei uma difícil protelação.Ausente, eu quis saber por que o deserto era muito mais colorido nas memórias de Melanie, tão mais atrativo.Eu deixei minha mente se encostar com a dela, tentando ver o que havia de tão especial sobre este ligar desértico.

 

Mas ela não via a terra escassa, morta e inoperante ao nosso redor. Ela estava sonhando com outro deserto, com canyons vermelhos, um lugar mágico. Ela não tentou me manter longe. De fato, ela pareceu estar quase inconsciente da minha presença. Eu me questionei de novo sobre o que o seu distanciamento significava.Eu não percebi nenhum pensamento de ataque.Eu senti mais, como uma preparação para o fim.

 

Ela estava vivendo em um lugar mais feliz em sua memória, como se estivesse dizendo adeus. Era um lugar que ela nunca me permitiu ver antes.

 

Havia uma cabine, uma engenhosa moradia dobrada em uma brecha na rocha vermelha, perigosamente perto de uma corrente de água. Um lugar improvável, longe de qualquer caminho ou trilha, construída em um lugar que parecia não fazer sentido algum. Um lugar áspero, sem algumas conveniências da tecnologia moderna. Ela se recordou rindo da primeira cisterna que tiveram para trazer água de debaixo da terra.

 

“Isso bate qualquer tubulação” Jared disse, a ruga entre seus olhos se aprofundou enquanto suas sobrancelhas ficavam juntas.Ele parecia preocupado com a minha risada. Ele estava com medo de eu não gostar?”Nenhuma pista, nenhuma evidência que nós estivemos aqui”.

 

“Eu amei” eu disse rápido. “É como um velho filme. É perfeito”.

 

Um sorriso que nunca de verdade deixava seu rosto – ele sorri mesmo enquanto dorme - cresceu largamente.

 

“Eles não lhe dizem as piores partes dos filmes. Vamos lá. Eu irei te mostrar onde a privada está –“

 

Eu escuto o eco do riso de Jamie através do canyon enquanto ele corre para nós. Seus cabelos negros balançam com seu corpo. Ele salta agora o tempo todo, este magro garoto com a pele escurecida pelo sol. Eu não tinha percebido quanto peso aqueles ombros estavam carregando. Com Jared, ele é positivamente leve. A expressão ansiosa desvaneceu, substituída por um sorriso largo. Nós somos ambos mais resistentes do que eu tinha dado crédito.

 

“Quem construiu este lugar?”

 

“Meu pai e meus irmãos mais velhos. Eu ajudei, ou impedi um pouco. Meu pai amava fugir de tudo. E ele não se importava muito com o convencional. Ele nunca se incomodou em descobrir de quem era e a quem pertencia atualmente ou qualquer tipo de incomodo.” Jared sorriu, jogando sua cabeça para trás.O sol deixou pequenos fios louros em seu cabelo. “Oficialmente, este lugar não existe. Conveniente, não?” Sem parecer pensar sobre isto, ele vence a distância e pega a minha mão.

 

Minha pele queima quando encontra a sua. Sinto uma coisa boa, mas acabo sentindo uma dor no meu peito.

 

Ele me toca sempre desta forma, parecendo sempre precisar tranqüilizar a si mesmo de que eu estou aqui. Ele parece não saber o que isso faz comigo, a simples pressão de sua quente palma da mão perto da minha? Seu pulso acelera em suas veias também?Ou ele está simplesmente feliz por não estar mais só?

 

Ele balança nossos braços enquanto andamos juntos embaixo da pequena defesa das árvores de choupo-do-canadá, seu verde tão vívido contra o vermelho que joga truques em meus olhos, confundindo meu foco. Ele esta feliz aqui, mais feliz do que em qualquer outro lugar, Eu me sinto feliz também. Este sentimento ainda é estranho.

 

Ele não tinha me beijado desde a primeira noite, quando eu gritei, descobrindo a cicatriz em seu pescoço. Ele não queria me beijar novamente? Eu devia beijá-lo?Será que ele não gostou daquele?

 

Ele olha pra baixo de mim e sorri, as linhas ao redor de seus olhos se enrugam em uma pequena rede. Eu penso se ele é tão bonito como eu penso que ele é, ou se é pelo fato de ele ser a única pessoa deixada no mundo além de Jamie e eu.

 

Não, eu não acho que seja isso. Ele é realmente bonito.

 

“O que você esta pensando, Mel?” ele pergunta “Você parece estar se concentrando em alguma coisa muito importante.”

 

Ele sorri.

 

Eu encolho meus ombros e meu estomago se agita. “Aqui é lindo”.

 

Ele olha ao nosso redor. ”Sim, mas por outro lado, não é o lar sempre bonito?”

 

“Lar”. Eu repeti a palavra quietamente.”Lar.”

 

“Sua casa também se você quiser”.

 

“Eu quero” Parece que cada milha que eu andei nos últimos três anos me levavam a este lugar. Eu nunca quero ir embora, apesar que sabemos que precisamos. Comida não cresce nas árvores. Não no deserto pelo menos.

 

Ele aperta a minha mão, e meu coração se espreme contra as minha costelas. È apenas uma dor, este prazer.

 

Havia uma sensação de falta de clareza quando Melanie pulou adiante, seus pensamentos dançando através do dia quente até horas depois que o sol se pôs atrás das paredes vermelhas do canyon. Eu fui adiante, quase hipnotizada pela estrada infinita a minha frente, os arbustos esqueléticos balançando em minha mente monotonamente entorpecida.

 

Eu espreitei um pequeno e estreito quarto. O colchão era apenas algumas polegadas longe da áspera parede de pedra.

 

Isto me dava um sentimento profundo, cheio de alegria ver Jamie adormecido em nossa cama real, sua cabeça encostada no suave travesseiro.Seus pés e braços magros se alastravam para fora da cama, deixando pequeno o quarto em que eu iria dormir.

 

Ele era muito maior na realidade do que como eu o via em minha cabeça.Quase dez anos, ele não seria uma criança para sempre. Exceto que ele sempre seria uma criança para mim.

 

Jamie respirava uniformemente, o som do sono. Não havia medo em seu sonho, neste momento pelo menos.

 

Eu fecho a porta quietamente e vou para trás do pequeno sofá onde Jared espera.

 

“Obrigada” eu sussurro, embora sabendo que mesmo que eu gritasse as palavras eu não acordaria Jamie agora. ”Eu me sinto mal. Este sofá é muito pequeno pra você. Talvez você devesse ir dormir na cama com o Jamie.”

 

Jared riu baixinho. “Mel, você é apenas alguns centímetros menor do que eu. Durma confortavelmente, por uma vez. Da próxima vez que eu estiver fora, eu irei roubar pra mim um saco de dormir ou algo parecido.”

 

Eu não gostei disso, por inúmeras razões. Ele iria nos deixar em breve? Ele iria nos levar para onde ele fosse?Ele não atribuía a este quarto como uma coisa permanente?

 

Ele deixa cair seu braço ao redor de meus ombros e me comprime contra o seu lado. Eu me afasto rápido, embora o calor de estar tocando ele, faça meu coração doer de novo.

 

“Por que este olhar severo?” ele pergunta.

 

“Quando você irá....quando nós iremos sair novamente?

 

Ele encolheu os ombros. “ Nós conseguimos o suficiente para alguns meses. Eu posso fazer algumas pequenas invasões se você quiser permanecer em um único lugar por enquanto. Eu estou certo que você está cansada de correr?”

 

“Sim, estou”, eu concordei. Eu respirei profundamente para fingir coragem. “mas se você for. Eu vou.”

 

Ele me abraçou apertado. “Eu tenho que admitir, que eu prefiro desse jeito, O pensamento de me separar de você....”ele riu baixinho. “Soaria loucura se eu dissesse que morreria aos poucos? Muito melodramático?”

 

“Não, eu sei o que você quer dizer.”

 

Ele devia se sentir da mesma forma que eu. Diria as mesmas coisas se pensasse em mim apenas como outro ser humano e não como uma mulher?

 

Eu percebi que esta era a primeira vez que estávamos realmente sozinhos desde o dia em que nos conhecemos – a primeira vez que havia uma porta fechada separando o sono de Jamie de nos dois. Tantas noites nós ficamos acordados, conversando em sussurros, contando nossas histórias, as histórias felizes e as histórias de terror, sempre com a cabeça de Jamie em meu colo. Me fez respirar mais forte, pela simples porta fechada.

 

“Eu não acho que você precise encontrar um saco de dormir, ainda não.”

 

Eu sinto seus olhos em mim, questionando, mas eu não posso encontrá-los. Eu estou constrangida agora, tão tarde. As palavras já saíram.

 

“Nós permaneceremos aqui até a comida acabar, não se preocupe. Eu dormi em coisas piores que este sofá.”

 

“Não é isso que eu quero dizer.”, eu digo, ainda olhando para baixo.

 

“Você quer uma cama, Mel. Eu não estou reclamando disso.”

 

“Não é isso que eu quero dizer, de novo”. Eu mal sussurrei. “Eu quero dizer que o sofá é abundantemente grande para Jamie. Ele não irá crescer tanto por um bom tempo. Eu posso dividir a cama com....você.”

 

Houve uma pausa. Eu queria olhá-lo, ler a expressão de seu rosto, mas eu estava muito mortificada. E se ele se ofendeu? Como eu estaria? Faria ele partir?

 

Seus dedos quentes levantam meu queixo. Meu coração bate mais forte quando nossos olhos se encontram.

 

“Mel, eu....”seu rosto, pela primeira vez, não tinha um sorriso.

 

Eu tentei afastar o olhar, mas ele prendeu meu queixo de um modo em que eu não podia escapar. Ele não sentia o calor entre o seu corpo e o meu?Era só no meu?Eu senti como se um sol fraco cintilasse entre nós – pressionado como uma flor entre as páginas de um livro grosso, queimando o papel. Será que ele sentia algo diferente? Algo ruim?

 

Depois de um momento, sua cabeça virou, era ele quem desviou o olhar agora, ainda mantendo seu aperto em meu queixo. Sua voz estava calma. “Você não é obrigada a isso, Melanie.Você não me deve nada.”

 

Foi difícil pra mim engolir. “Eu não estou dizendo....eu não quis dizer que eu me sinto obrigada. E....você não deve, tampouco. Esqueça se eu disse alguma coisa.”

 

“Provavelmente não, Mel.”

 

Ele suspirou, e eu quis desaparecer. Desistir – perder minha mente para os invasores se essa fosse a forma para apagar essa enorme tolice. Negociar o futuro para tentar apagar os últimos dois minutos.Qualquer coisa.

 

Jared respirou profundamente. Ele olha para o chão, seus olhos e seu queixo estão apertados. “Mel, não tem que ser assim. Só porque estamos juntos, só porque nos somos o último homem e a última mulher sobre a terra....”ele forçou as palavras, algo que eu nunca o vi fazer antes. “Isso não significa que você tenha que fazer algo que você não queira. Eu não sou o tipo de homem que esperaria...Você não tem que...”

 

Ele pareceu tão aflito, ainda franzindo as sobrancelhas, no que eu me encontro falando, embora eu saiba que é um erro antes que eu comece. “Não é o que eu quis dizer.” Eu murmurei. “Ter que, não é do que estou falando, e eu não penso que você é esse tipo de homem. Não. Claro que não. É só que – “

 

É só que eu o amo. Eu ranjo meus dentes antes que eu me humilhe mais. Eu deveria cortar minha língua fora antes que ela arruíne todo o resto.

 

“É só ...?” ele perguntou.

 

Eu tentei balançar a minha cabeça, mas ele ainda mantinha meu queixo apertado entre seus dedos.

 

“Mel?”

 

Eu me solto e agito minha cabeça ferozmente.

 

Ele se inclina para mais perto de mim, e seu rosto está diferente de repente. Há um novo conflito, e eu não reconheço essa sua expressão, e mesmo que eu não compreendesse completamente, apaga o sentimento de rejeição que estava fazendo meus olhos arderem.

 

“Você vai falar pra mim? Por favor?” Ele murmurou. Eu posso sentir sua respiração em minha bochecha, e faltam poucos segundos para eu não conseguir pensar em mais nada.

 

Seus olhos me fizeram esquecer que eu estava mortificada, e eu queria nunca mais ter que falar novamente.

 

“Se eu pudesse escolher qualquer um, qualquer um em tudo, para ficar presa em um planeta deserto, seria com você,” eu sussurrei. O sol entre nós estava queimando avidamente. “Eu sempre quero estar com você. E não apenas.....e não apenas conversar. Quando você me toca....” eu ouso deixar meus dedos acariciarem a pele quente de seu braço, e sinto como se chamas estivessem fluindo de suas pontas agora. Seu braço se aperta em torno de mim.Será que ele sente o fogo? “Eu não quero que você pare.”Eu quero mais pra ser exata, mas eu não consigo encontrar as palavras. Tudo bem. Já foi ruim o bastante ter admitido isto. “Se você não se sente da mesma maneira, eu entendo. Talvez não seja a mesma coisa pra você. Tá tudo bem.” Mentiras.

 

“Oh, Mel.” Ele suspirou em minha orelha, e traçou meu rosto até encontrar o dele.

 

Mais chamas em seus lábios, mais feroz do que os outros, intenso. Eu não sei o que estou fazendo, mas não pareço me importar. Suas mãos estão em meu cabelo, e meu coração está a ponto de entrar em combustão. Eu não posso respirar. Eu não quero respirar.

 

Mas seus lábios se movem para a minha orelha, e ele segurou meu rosto quando eu tentei beijá-lo novamente.

 

“Isso foi um milagre – mais do que um milagre – quando eu encontrei você, Melanie. Agora, se fosse me dado a chance de escolher entre ter o mundo de volta e ter você, eu não seria mais capaz de desistir de você. Nem mesmo para salvar cinco bilhões de vidas.”

 

“Isso é errado.”

 

“Muito errado mas muito verdadeiro.”

 

“Jared,” eu respiro. Eu tento alcançar seus lábios novamente. Ele se afasta, olhando como se tivesse alguma coisa para dizer. O que mais pode ser?

 

“Mas...”

 

“Mas?” Como pode ser mas? O que possivelmente seguiria todo este fogo quando se começa com mas?

 

“Mas você tem dezessete, Melanie. E eu tenho vinte e seis.”

 

“O que isso tem haver?"

 

Ele não respondeu. Suas mãos afagaram meus braços lentamente, espalhando o fogo.

 

“Você só pode estar brincando comigo.” eu me inclino de novo procurando seu rosto. “Você está preocupado com as convenções quando nós já passamos do fim do mundo?”

 

Ele engoliu alto antes de falar. “Algumas convenções existem por alguma razão, Mel. Eu não quero me sentir como uma pessoa má, como se eu estivesse tirando vantagem. Você é muito nova.”

 

“Ninguém é jovem mais. Qualquer um que sobreviveu por tanto tempo é velho.”

 

Há um sorriso no canto de sua boca. “Talvez você esteja certa. Mas isto não é algo com que devemos correr.”

 

“O que há para esperar?” eu exigi

 

Ele hesitou por um longo momento, pensando.

 

“Bem, por uma coisa, há algumas.....coisas práticas importantes a considerar.”

 

Eu imaginei se ele estava apenas procurando por uma distração, tentando protelar. Este é o jeito como ele se sente. Eu levanto uma sobrancelha. Eu não acredito no rumo que essa conversa tomou. Se ele realmente me quer, isto é sem sentido.

 

“Veja,”, ele explica, hesitante. Sobre a cor bronzeada de sua pele, ele parece corar.

 

“Quando eu estava estocando este lugar, eu não estava planejando por....visitas.O que significa.....”O resto veio muito rápido. “Controle de natalidade era a última coisa em minha mente.”

 

Eu senti minha testa franzir. “Oh.”

 

O sorriso tinha ido de seu rosto, e por um segundo houve um flash de raiva que eu nunca tinha visto. Isto fez ele olhar perigosamente de um jeito que eu nunca imaginei que poderia. “Este não é o tipo de mundo para o qual eu quisesse trazer uma criança a vida.”

 

As palavras afundaram-se, e eu me encolhi no pensamento de um bebê minúsculo, inocente abrindo seus olhos para este lugar. É ruim o bastante olhar os olhos de Jamie, para saber o que esta vida o trará, mesmo nas melhores e possíveis circunstancias.

 

Jared é de repente Jared outra vez. A pele em torno de seus olhos enruga. “Além do mais, nós teremos muito tempo pra ....pensar sobre isso.” Protelando outra vez, eu suspeito. “Você não percebeu que faz pouquíssimo tempo que estamos juntos. Até agora?Foi apenas há quatro semanas desde que nós encontramos.”

 

Isso me afunda. “Não pode ser.”

 

“Vinte e nove dias. Eu estou contando.”

 

Eu penso de novo. Não é possível que foi somente a vinte e nove dias desde que Jared mudou as nossas vidas. Parece que Jamie e eu estamos com Jared tanto tempo quanto nos estávamos sozinhos. Dois ou três anos, talvez.

 

“Nós temos tempo.” Jared disse novamente.

 

Um pânico abrupto, como um aviso, uma premonição, fez ser impossível para mim falar por um longo momento. Ele observava as mudanças em meu rosto com olhos preocupados.

 

“Você não sabe disso, você não pode saber quanto tempo nós temos. Você não sabe se nós deveríamos estar contando em meses ou dias ou horas.”

 

Ele sorriu, um sorriso morno, tocando seus lábios no lugar tenso onde minhas sobrancelhas se juntavam. “Não se preocupe, Mel..Os milagres não funcionam dessa maneira. Eu nunca irei perder você. Eu nunca vou deixar você ficar longe de mim.”

 

Ela me trouxe de volta ao presente- a faixa fina da estrada desenrolando através da área deserta do Arizona, cozinhando debaixo do escaldante sol do meio dia – sem escolher meu retorno. Eu olhei fixamente no lugar vazio adiante e senti um vazio dentro de mim.

 

Seu pensamento suspirou fracamente em minha cabeça: Você nunca sabe quanto tempo você terá.

 

As lágrimas que eu estava chorando pertenciam a nós duas.

 

                                       Descoberta

 

Eu dirigi rapidamente pela Interestadual 10 com o sol se pondo atrás de mim. Eu não vi muito além das linhas brancas e amarelas do pavimento, e um ocasional grande sinal verde apontando para um leste distante. Eu estava com pressa agora.

 

Eu não estava certa do por que de estar com pressa. Para estar livre disso, eu supus. Fora da dor, fora da loucura, fora da dor para amores perdidos e impossíveis. Para isso bastava sair desse corpo?Eu não poderia pensar nenhuma outra resposta. Eu ainda faria as minhas perguntas ao Curandeiro, mas senti como se a decisão já estivesse tomada. Abandonadora. Desistente. Eu testei as palavras em minha cabeça, tentando me acostumar com elas.

 

Se eu pudesse achar um jeito, eu manteria Melanie fora das mãos da Rastreadora. Seria muito difícil. Não, seria impossível.

 

Eu poderia tentar.

 

Eu prometi isto a ela, mas ela não estava escutando. Ela ainda estava sonhando. Desistindo, eu pensei, agora que desistir não faria diferença;

 

Eu tentei me afastar do canyon vermelho da cabeça dela, mas eu estava lá, também. Não importava o quão duro eu tentava ver os carros zumbindo ao meu lado, viajando em direção ao refúgio, a poucas nuvens finas acima da minha cabeça, eu não poderia ficar completamente livre de seus sonhos. Eu memorizei o rosto de Jared mais de mil ângulos diferentes. Eu assisti Jamie crescer rapidamente, se desenvolvendo repentinamente, sempre pele e ossos. Meus braços doeram para abraçá-los – não, o sentimento era afiado como a dor, lâmina afiada e violenta. Era intolerável. Eu tinha que sair.

 

Eu dirigi quase cega ao longo da estreita estrada de mão dupla. O deserto era de qualquer forma mais monótono e inoperante do que antes. Incolor. Eu poderia chegar em Tucson antes do jantar. Jantar. Eu não tinha comido ainda hoje, e meu estomago estrondou quando eu percebi isto.

A Rastreadora deveria estar esperando por mim lá. Meu estomago rolou então, a fome substituída momentaneamente por náusea. Automaticamente meu pé suavizou no acelerador.

Eu chequei o mapa no assento do passageiro. Em breve, eu alcançaria uma pequena parada em um lugar chamado Picacho Peak. Talvez eu parasse para comer algo lá. Adiaria ver a Rastreadora por alguns preciosos momentos.

 

Embora fosse um nome desconhecido - Picacho Peak – houve uma estranha e sufocada reação de Melanie. Eu não pude entender. Tinha estado aqui antes?Eu procurei pela memória, um sinal ou um cheiro que correspondesse, mas não encontrei nada. Picacho Peak. De novo, havia um ponto de interesse que Melanie repreendeu. O que essas palavras significavam pra ela? Ela recuou para longe suas memórias, me evitando.

 

Isto me fez ficar curiosa. Eu dirigi um pouco mais rápido, imaginando se a visão do lugar provocaria algo.

 

Um solitário pico da montanha – não enorme para os padrões normais, mas elevado acima dos baixos, colinas altas muito próximas de mim. – estava começando a tomar a forma de horizonte. Tinha uma forma incomum, distintiva. A atenção de Melanie crescia enquanto viajávamos, mas ela fingia indiferença quanto a isto.

 

Por que ela fingiu não se importar quando obviamente ela se importava?Eu era perturbada por sua força quando eu tentava descobrir algo. Eu não poderia ver nada a não ser a velha parede branca. Eu a senti mais densa do que o usual, embora eu tivesse pensado que tinha se ido.

 

Eu tentei ignorá-la, não querendo pensar a respeito – pensar que ela estava ficando forte. Eu observei o pico preferivelmente, seguindo a sua forma de encontro ao céu pálido, quente. Havia algo familiar nele. Algo que certamente eu reconheci, mesmo porque era obvio que nenhuma de nós tinha estado aqui antes.

 

Quase como se ela estivesse tentando me confundir, Melanie mergulhou em uma memória vívida de Jared, me pegando de surpresa.

 

Eu estremeço em minha jaqueta, esticando meus olhos para ver o brilho silencioso do sol morrendo atrás das árvores grossas, eriçadas. Eu digo a mim mesma de que não está tão frio quanto penso. Meu corpo não está acostumado com isso.

 

As mãos que estão de repente em meus ombros não me surpreendem, embora eu esteja receosa deste lugar estranho e de eu não ter escutado a sua aproximação silenciosa. Seu peso é muito familiar.

 

“Você é tão fácil de apanhar de surpresa”

 

Mesmo agora, há um sorriso em sua voz.

 

“Eu vi você vindo antes de você dar o primeiro o primeiro passo,” eu digo sem girar. “Eu tenho olhos atrás da minha cabeça.”

 

Dedos quentes afagam meu rosto da minha têmpora até o meu queixo, arrastando o fogo ao longo da minha pele.

 

“Você parece uma dríade escondida aqui nas árvores,” ele sussurra em minha orelha. “Um deles. Tão bonita que deve ser imaginação

 

“Nós devemos plantar árvores em torno da cabine”

 

Ele ri, e o som faz meus olhos fecharem e meus lábios sorrirem forçadamente.

 

“Não é necessário,” ele diz.”Você olha sempre para cá.”

 

“Diz o último homem na terra para a última mulher na terra, na véspera de sua separação.”

 

Meu sorriso desfaleceu enquanto eu falava. Os sorrisos não podem durar hoje.

 

Ele suspira. Ele respira em minha bochecha e esta fica morna comparada ao ar da floresta.

 

“Jamie pode se ofender com esta implicação.”

 

“Jamie ainda é um garoto. Por favor, por favor mantenha ele salvo.”

 

“Eu faço um acordo com você.” Jared oferta.”Mantenha-se segura, e eu farei o meu melhor. Caso contrário, nenhum acordo.”

 

Apenas uma brincadeira, mas eu não pude torná-la leve. Uma vez separados, não há nenhuma garantia.”Não importa o que acontecer,”eu insisti.

 

“Nada vai acontecer. Não se preocupe.” As palavras são quase sem sentindo. Um desperdício de esforço. Mas sua voz vale a pena ouvir, não importa a mensagem. Bem não importa aonde você se esconda. Eu sou incontrolável no esconde-esconde.”

 

“Você vai me deixar contar até dez?”

 

“Sem espiar.”

 

“Ok, eu aceito.” Eu murmuro, tentando disfarçar o fato de minha garganta estar cheia de lágrimas.

 

“Não tenha medo. Você ficará bem. Você é forte, você é rápida, e você é esperta.” Ele tentava convencer a si mesmo, também.

 

Por que eu estava deixando ele?É uma possibilidade tão remota que Sharon ainda seja humana.

         

Mas quando eu vi o rosto dela em um jornal, eu tive certeza.

 

Era apenas uma invasão normal, uma de mil. Tão usual que nos sentíamos isolados e seguros o bastante, ligamos a TV assim enquanto limpamos a despensa e a geladeira. Só para ter a previsão do tempo, não havia muito entretenimento na morta e chata reportagem de como tudo-é-perfeito que passava no jornal dos parasitas. Até que um cabelo chamou minha atenção – de um flash profundo, quase um vermelho cor de rosa que eu só tinha visto em uma pessoa.

 

Eu não pude olhar o seu rosto enquanto ela espreitava a câmera pelo canto do olho. O olhar teria dito, Eu estou tentando ser invisível, não me veja.Ela não andou lento o suficiente, trabalhando muito duramente para manter seu ritmo ocasional.Tentando desesperadamente se misturar.

 

Nenhum ladrão de corpo sentiria essa necessidade.

 

O que Sharon fazia andando ainda humana em uma cidade tão grande como Chicago?Haveria outros?Tentar encontrar ela não me parecia uma escolha, realmente. Se houvesse uma chance de haver mais humanos lá, nós os localizaríamos.

 

E eu tenho que ir sozinha. Sharon irá fugir de qualquer um exceto eu – bem, ela irá correr de mim, também, mas talvez ela irá parar por um momento suficiente para que eu possa explicar, Eu estou certa que sei o seu lugar secreto.

 

“E você?” eu perguntei a ele com uma voz grossa. Eu não estou certa, eu posso estar dando um adeus. “Você ficará a salvo?”

 

“Nem o céu nem o inferno podem me manter longe de você, Melanie.”

 

Sem me dar a chance de respirar ou de limpar as lágrimas frescas, ela jogou outra memória sobre mim.

 

Jamie se enrola em meus braços – ele não cabe mais da maneira que costumava caber. Ele teve que se dobrar, seus altos e magros membros ficam pra fora. Seus braços estão começando a ficar duros e fortes, mas nesse momento ele é uma criança, se mexendo, quase se escondendo. Jared está esquentando o carro. Jamie poderia não mostrar o seu medo se ele estivesse aqui. Jamie quer ser corajoso, ser como Jared.

 

“Eu estou com medo.” Ele sussurra.

 

Eu beijo seu cabelo escuro como a noite. Mesmo aqui entre as árvores afiadas, cheira como poeira e sol. Isso me faz sentir que ele é uma parte de mim, que para nos separar terão que rasgar a pele onde nos estamos ligados.

 

“Você ficará bem com o Jared.” Eu tenho que soar corajosa, se eu me sinto dessa forma ou não.

 

“Eu sei disso. Eu estou com medo por você. Eu estou com medo de você nunca voltar. Como papai.”

 

Eu vacilo. Quando papai não voltou- embora seu corpo eventualmente sim, tentando conduzir os Perseguidores para nós - foi o maior horror e medo e dor como eu nunca tinha sentido. E se eu fizer isso com Jamie outra vez?

 

“Eu voltarei. Eu sempre volto.”

 

“Eu estou assustado,” ele disse novamente.

 

Eu tenho que ser corajosa.

 

“Eu prometo que tudo ficará bem. Eu voltarei. Eu prometo. Você sabe que eu nunca quebraria uma promessa Jamie. Não pra você.”

 

Mexendo devagar. Ele acredita em mim. Ele confia em mim.

 

E outra memória.

 

Eu posso ouvi-los no assoalho abaixo. Eles me encontraram em minutos, ou segundos. Eu rabisco palavras em um pedaço sujo de jornal. É quase ilegível, mas se eles encontrarem, ele irá entender.

 

Não rápida o bastante. Te amo, amo Jamie. Não vá pra casa.

 

Não somente quebro seus corações como roubo seu refúgio, também. Eu imagino mentalmente nossa pequena casa no canyon abandonada, porque deve ser abandonada para sempre agora. Ou se não abandonada, um túmulo. Eu vejo meu corpo levando os Perseguidores para lá. Meu rosto sorrindo quando pegarmos eles lá...

 

“Basta.” eu digo alto, me afastando da dor da chicotada. ”Basta!Você se fez entender. Eu não posso viver sem eles agora. Isso te faz feliz?Porque não me deixa muitas escolhas, deixa?Só uma – me livrar de você. Você quer a Rastreadora dentro de você? Ugh!” Eu tenho asco desse pensamente como se o corpo que ela invadisse fosse o meu.

 

Há outra escolha. Melanie pensou suavemente.

 

“Verdade?” eu exijo com um forte sarcasmo. ”Me mostre uma.”

 

Olhe e veja.

 

Eu ainda estava olhando fixamente para o pico da montanha. Dominou a paisagem, um deslocamento de rochas de baixo pra cima repentino, cercada por um lisa vegetação rasteira. Seu interesse puxou meus olhos para o esboço, seguindo o desigual cume de duas pontas.

 

Uma curva lenta, áspera, então uma volta afiada ao norte, outro repentino giro para trás de outra maneira, torcendo de volta para o norte em um estiramento mais longo, e então um declínio abrupto para o sul que aplanou para fora em outra curva rasa.

 

Não norte e sul, da maneira que eu sempre tinha visto em suas poucas memórias, estavam para cima e para baixo. O perfil de um pico de montanha.

 

As linhas que conduziam para Jared e Jamie. Esta era a primeira linha, o ponto de partida.

 

Eu poderia encontrá-los.

 

Nós poderíamos encontrar eles, ela me corrigiu. Você não sabe todas as direções. Apenas como a cabana. Eu nunca lhe dei tudo.

 

“Eu não entendo. Para onde conduziremos? Como a montanha nos conduzirá?” Meu pulso batia forte como se eu estivesse pensando nele: Jared estava perto. Jamie dentro de meu alcance.

 

Ela me mostrou a resposta.

 

“São apenas linhas. E o tio Jeb é apenas um excêntrico velho. Um trabalhador louco, como o resto da família de meu pai.” Eu tento arrancar o livro das mãos de Jared, mas ele mal parece perceber o meu esforço.

 

“Um trabalhador louco, como a mãe de Sharon?” ele opõe, ainda estudando as marcas de lápis escuro que desfiguram a capa traseira do velho álbum de fotos. É uma coisa que eu não perdi em todas essas fugas. Mesmo os grafites que o maluco tio Jeb deixou em sua ultima visita, tem um valor sentimental agora.

 

“Ponto tomado,” Se Sharon continua viva, será porque sua mãe, a louca tia Maggie, pode dar ao louco tio Jeb o título de Mais louco dos irmãos loucos Stryder. Meu pai tinha sido somente ligeiramente tocado pela loucura Stryder – ele não teve nenhum depósito nos fundos da casa ou qualquer coisa assim. O resto deles, seus irmãos e irmãs, tia Maggie, tio Jeb, e tio Guy, eram os mais devotados na teoria da conspiração. Tio Guy tinha morrido antes dos outros desaparecem durante a invasão em um acidente de carro tão comum que mesmo Maggie e Jeb se esforçaram para fazer uma intriga sobre isso.

 

Meu pai sempre referiu a eles afetuosamente como Os Loucos. ”Eu acho que é tempo de nós visitarmos Os Loucos.” Papai anunciava, e então a mamãe gemia – razão pela qual tais anúncios tinham acontecido tão raramente.

 

Em uma das raras visitas a Chicago, Sharon tinha me prendido dentro do esconderijo de sua mãe. Nós fomos pegas – a mulher tinha armadilhas em todo lugar. Sharon era repreendida severamente e mesmo eu tendo jurado segredo algo que dizia que ela iria arrumar outro esconderijo.

 

Mas eu me lembro onde era o primeiro. Eu imaginei Sharon lá agora, vivendo como Anne Frank no meio de uma cidade inimiga. Nós temos que encontrá-la e trazê-la para casa.

 

Jared interrompeu meu pensamento sobre o passado. “Completamente loucos são exatamente o tipo de pessoas que iriam sobreviver. Pessoas que vêem Big Brother quando ele não existe. Pessoas que suspeitaram do resto da humanidade antes do resto da humanidade se tornar perigosa. Pessoas que possuem esconderijos prontos.” Jared sorriu forçadamente, ainda estudando as linhas. E então sua voz era mais pesada. “Pessoas como o meu pai. Se ele e meus irmãos tivessem se escondido um pouco e não lutado... Bem, eles ainda estariam aqui.”

 

Meu tom foi macio, escutando a dor dele. “Okay, eu concordo com a sua teoria. Mas estas Linhas não significam nada.”

 

“Me conte de novo o que ele disse quando ele desenhou isto.”

 

Eu suspirei. “Eles estavam discutindo – tio Jeb e meu pai. Tio Jeb estava tentando convencer ele de que alguma coisa estava errada, dizendo para ele não confiar em ninguém. Papai gargalhou. Jeb agarrou o álbum de fotos no fim da mesa e começou... quase entalhando as linhas na capa traseira com um lápis. Meu pai ficou louco, disse que minha mãe ficaria irritada. Jeb disse, “A mãe de Linda pediu que vocês todos fizessem uma visita, certa?Coisa estranha, meio do nada? Ficou triste quando só Linda pode ir? Fale você a verdade, Trev eu não acho que Linda se importará com nada quando ela voltar. Oh, ela pode atuar, mas você será capaz de perceber a diferença?”

 

Não fez sentido naquele tempo, mas o que ele disse entristeceu meu pai.Ele ordenou que meu tio Jeb saísse de casa. Jeb não saiu no inicio. Manteve o aviso para que não esperássemos antes que fosse tarde. Ele agarrou meus ombros e me puxou para o seu lado. “Não deixe apanhar você, querida,” ele sussurrou. “Siga essas linhas. Comece no inicio e siga as linhas. Tio Jeb manterá um lugar seguro pra você.”Isso foi quando meu pai o empurrou para fora da porta.

 

Jared inclinou ausente, ainda estudando. “O começo....o começo....Isso deve significar algo.”

 

“Faz?São apenas rabiscos, Jared. Isso não se parece com um mapa – não tem nenhuma conexão.”

 

“Há algo sobre o primeiro, embora. Algo familiar. Eu posso jurar que eu já o vi em algum lugar antes.”

 

Eu suspiro. “Talvez ele disse para a tia Maggie. Talvez ela tenha melhores direções.”

 

“Talvez,” ele disse, e continuou a olhar fixamente para os rabiscos do tio Jeb.

 

Ela me arrastou de volta em tempo, para uma memória muito, muito velha – uma memória que tinha escapado dela por um longo tempo. Eu estava surpresa em perceber que ela somente tinha colocado essas memórias, as velhas e as novas, juntas recentemente. Depois de eu estar aqui. Isso era por que as linhas tinham enganado o seu controle cuidadosamente apesar do fato de que era um dos mais preciosos segredos dela – porque da urgência de sua descoberta.

 

Nessa memória manchada, Melanie sentou no colo de seu pai com o mesmo álbum – ainda não esfarrapado. – abriu-o em suas mãos. Suas mãos eram minúsculas, seus dedos curtos e grossos. Era muito estranho recordar ser uma criança nesse corpo.

 

Estavam na primeira página.

 

“Você recorda onde isto está?” Papai perguntou, apontando o retrato cinzento e velho na parte superior da página. O papel parecia mais fino do que os das outras fotografias, como se desgastado – alisado e alisado e alisado – desde que algum tataravô tocou.

 

“É de onde nós Stryders viemos.”, eu respondi, repetindo o que fui ensinada.

 

“Certo. Aquele é o velho rancho dos Stryders. Você foi lá uma vez,mas eu aposto que você não recorda. Eu penso que você tinha apenas dezoito meses de idade.” Papai gargalhou. “Tem sido terra dos Stryders desde o começo mesmo….”

 

E então a memória própria do retrato. Um retrato que ela tinha visto mais de mil vezes sem nunca perceber. Ele era preto e branco, desvanecendo em cinzas. Uma pequena e rústica casa de madeira, muito além do outro lado do domínio do deserto, no primeiro plano, uma cerca de trilhos, algumas formas de cavalos entre a cerca e a casa. E então, atrás dela toda, distinta, um perfil familiar....

 

Havia algumas palavras, um letreiro, rabiscado em lápis através da beirada branca superior.

 

Rancho Stryder, 1904, a sombra da manhã de....

“Picacho Peak,” eu disse quietamente.

 

Ele irá entender, também, mesmo se ele nunca encontrar Sharon. Eu sei que Jared irá juntar tudo. Ele é mais esperto do que eu, e ele tem o retrato, ele provavelmente viu a resposta antes de mim. Ele pode estar tão perto...

 

O pensamento dela estava cheio de anseio e excitação que a parede branca em minha cabeça deslizou por inteiro. Eu vi a viagem inteira agora, vi ela, Jared e Jamie viajando cuidadosamente através do país, sempre a noite, imperceptíveis em seu carro roubado.Levou semanas.Eu vi onde ela os deixou em uma reserva arborizada fora da cidade, tão diferente do deserto vazio onde eles costumavam estar.O frio da floresta onde Jared e Jamie poderiam se esconder e esperar até se sentirem seguros de alguma forma – porque os ramos da árvores eram grossos e escondiam, ao contrário da espigada e pequena folhagem do deserto – também mais perigoso em seu estranho cheiro e som.

Então a separação, uma memória tão dolorosa que nós saltamos ela, vacilando. Veio em seguida um prédio abandonado onde ela tinha se escondido, observando a casa através da rua, era a sua chance. Lá, escondida entre as paredes ou em um porão secreto, ela esperava encontrar Sharon.

 

Eu não deveria deixar você ver isto, Melanie pensou. A fraqueza silenciosa de sua voz deu-lhe um pouco de fadiga. Um assalto as memórias, persuasão e coerção, tinham a cansado. Você irá contar onde encontrar ela.Você irá matá-la, também.

 

“Sim,” eu medito alto.”Eu tenho que fazer o meu dever.”

 

Por quê? ela murmurou, quase adormecida. Que felicidade isso lhe trará?

 

Eu não pude argumentar com ela, então eu não disse nada.

 

A montanha pareceu maior a nossa frente. Em momentos, nos estaríamos abaixo dela. Eu podia ver um pouco de um batente de descanso em uma loja de conveniência e um restaurante fast-food que era ao lado de um apartamento, espaço concreto – um lugar para decorar casas. Havia somente alguns na residência agora, com o calor do verão fazendo as coisas desconfortáveis.

 

O que fazer agora? eu quis saber. Paro para almoçar tarde ou jantar cedo? Encho o meu tanque de gasolina e continuo a ir para Tucson a fim de revelar minhas novas descobertas a Rastreadora?

 

O pensamento foi tão repulsivo que apertei meu maxilar de encontro com o peso repentino de meu estomago vazio. Eu pisei sobre o freio reflexivamente, um grito alto no meio de uma viela. Eu estava com sorte, não havia nenhum carro para bater atrás do meu. Não havia nenhum motorista para parar e oferecer sua ajuda e interesse. Neste momento, a estrada estava vazia. O sol batia no pavimento, fazendo-o brilhar fracamente e desaparecer em alguns lugares.

 

Isso não deveria sentir como uma traição, a idéia de continuar o meu curso direito e apropriadamente. Minha primeira língua, a língua da verdadeira alma que foi falada apenas em nosso planeta de origem, não havia nenhuma palavra para traídos ou traição. Ou fidelidade – porque sem a existência de uma oposição, o conceito não teria nenhum significado.

 

No entanto eu senti uma profunda culpa a respeito da Rastreadora. Seria errado dizer-lhe o que eu soube. Errado, como?Eu me opus ao meu próprio pensamento malévolo. Se eu parasse aqui e escutasse as sugestões sedutoras de meu hospedeiro, eu seria verdadeiramente um traidor. Isso era impossível. Eu era uma alma.

 

No entanto eu sabia o que queria, mais poderosa e vívida do que qualquer coisa que eu quis em todas as minhas oito vidas que eu vivi. A imagem do rosto de Jared dançava atrás de minhas pálpebras quando eu pisquei contra o sol – não as memórias de Melanie desta vez, mas as minhas memórias dela. Ela não forçou nada em mim agora. Eu mal poderia sentir ela em minha cabeça, como se ela esperasse – eu a imaginei segurando sua respiração, como se isso fosse possível – que eu tomasse a minha decisão.

 

Eu não poderia me separar deste corpo como ela queria. Esta era eu, mas do que eu nunca pretendi ser. Eu quis ou ela quis?Essa distinção era importante agora?

 

Em meu espelho retrovisor, um raio de sol distante do carro travou meu olho.

 

Eu movi meu pé do acelerador, indo lentamente para a pequena loja na sombra do pico. Havia somente uma coisa a fazer.

 

                                     A Volta

 

A campainha elétrica tocou, anunciando mais um visitante à loja. Eu comecei me sentindo culpada e bati minha cabeça atrás da prateleira de mercadorias que nós examinávamos.

 

Pare de agir como uma criminosa, Melanie recomendou.

 

Eu não estou SÓ agindo, eu respondi sombria.

 

As palmas das minhas mãos estavam frias sobre uma leve camada de suor, embora o pequeno quarto estivesse completamente quente. As janelas largas deixaram o calor do abundante do sol entrar, fazendo com que o ar condicionado trabalhasse ao máximo para manter o lugar frio.

 

Qual? eu exigi.

 

O maior, ela me disse.

 

Eu agarrei o pacote maior dos dois disponíveis, uma sacola de lona que parecia capaz de carregar mais do que eu poderia carregar. Então eu andei até o canto, onde havia garrafas de água.

 

Nós podemos carregar três galões, ela decidiu. Isso nós dá três dias para encontrá-los.

 

Eu respirei fundo, tentando dizer a mim mesmo que eu não iria adiante com isso. Eu estava simplesmente tentando pegar mais coordenadas dela, e só. Quando eu tiver toda a história, eu poderia encontrar alguém – um Rastreador diferente, talvez, um menos repulsivo do que esse atribuído a mim – e passar as informações adiante. Eu apenas estava sendo eficiente, eu prometi a mim mesma.

 

Minha tentativa inepta de mentir para eu mesma era tão patética que Melanie não prestou nenhuma atenção, não se preocupou. Deveria ser muito tarde para mim, como a Rastreadora havia alertado. Talvez eu devesse ter pego o atalho.

 

Muito tarde?Quem dera! Melanie resmungou. Eu não posso fazer nada se você não quiser fazer. Eu não posso nem mesmo levantar a minha mão! Seu pensamento era um gemido de frustração.

 

Eu olhei para a minha mão, descansando de encontro a minha coxa ao invés de levantando o galão de água como ela queria fazer urgentemente. Eu pude sentir sua impaciência, seu desejo quase desesperado de estar em movimento de novo. Funcionando outra vez como se a minha existência não fosse mais do que uma interrupção curta, uma estação desperdiçada agora no passado.

 

Ela bufou de raiva mentalmente, e então ela estava de volta ao trabalho. Vamos lá ela me incitou. Vamos indo!Ficará escuro em breve.

 

Com um suspiro, eu puxei a maior garrafa de água da prateleira pelo lacre. Quase caiu no chão antes de eu o travar contra a borda da prateleira mais baixa. Meus braços sentiram como se tivessem estalado na metade do caminho, nos punhos e cotovelos.

 

“Você está brincando comigo!” eu exclamei alto.

 

Cala a boca!

 

“Desculpe?” um pequeno homem se inclinou, outro cliente perguntou no final do corredor.

 

“Uh – Nada,” eu murmurei não encontrando seu olhar. ”Isto é mais pesado do que eu esperava.”

 

“Você gostaria de ajuda?” ele ofereceu.

 

“Não, não,” eu respondi apressadamente. ”Eu apenas pegarei um menor.”

Ele voltou para a sessão de batata frita.

 

Não, você não irá, Melanie assegurou-me. Eu carreguei cargas mais pesadas do que esta. Você nos deixouficar mole, Wanderer,ela adicionou com irritação.

 

Desculpe, eu respondi ausente, confusa pelo fato de ela ter usado meu nome pela primeira vez.

 

Levante com suas pernas.

 

Eu me esforcei com o galão de água, imaginado o quão longe eu poderia possivelmente carregar. Eu me controlei para chegar em frente a registradora pelo menos. Com grande alívio eu coloquei o peso sobre o balcão. Eu pus um saco sobre a água, e adicionei então uma caixa de barras de cereais, uma porção de rosquinhas, e um saco de salgadinhos da prateleira mais próxima.

 

Água é mais importante no deserto do que comida, e nós não podemos carregar tanto.

 

Eu estou com fome, eu interrompi. E essas coisas são leves.

 

As costas são suas, ela disse de má vontade, e então ordenou. Pegue um mapa.

 

Eu peguei o que ela queria, um mapa topográfico do país, sobre o caixa com o resto.

 

O caixa um homem de cabelos brancos e com um sorriso pronto, escaneou os códigos de barra.

 

“Fazendo alguma caminhada?”, ele perguntou agradavelmente.

 

“A montanha é muito bonita.”

 

“A trilha só começa aqui –“ ele disse, começando a gesticular.

 

“Eu encontrarei,” eu prometi rapidamente, puxando a carga pesada, mal equilibrada sobre o caixa.

 

“Saia antes do anoitecer, querida. Você não quer ficar perdida.”

 

“Eu irei.”

 

Melanie estava pensando acidamente sobre o bondoso e amável homem.

 

Ele estava sendo agradável. Ele foi sincero a respeito do meu bem estar. Eu a relembrei.

 

Você são todos assustadores, ela me disse ácida. Ninguém te disse para não falar com estranhos?

 

Eu senti um profundo puxão de culpa como eu respondi. Não há estranhos entre os minha espécie.

 

Eu não sou acostumada a não pagar pelas coisas, ela disse, mudando o assunto. Qual é o motivo de passar os produtos por aqui?

 

Inventário, claro. Ele não é obrigado a se lembrar de tudo que nós pegamos quando ele precisar pedir mais. E mais, qual é o ponto de dinheiro quando todo mundo é perfeitamente honesto? Eu pausei, sentindo a culpa de novo tão forte como uma dor real. Todos exceto eu, é claro.

 

Melanie recuou para longe de meus sentimentos, preocupada pela profundidade deles, preocupada que eu pudesse mudar de idéia. Em vez disso, ela se focalizou em seu desejo de estar longe daqui, para mover-se para o seu objetivo. Sua ansiedade me pegou, e eu andei mais rápido.

 

Eu carreguei a pilha até o carro e me sentei no chão ao lado da porta do passageiro.

 

“Deixe-me lhe ajudar com isso.”

 

Eu saltei para ver outro homem da loja, com uma sacola plástica nas mãos ao meu lado.

 

“Ah...obrigada.”eu finalmente me controlei, meu pulso batia atrás das minhas orelhas.

 

Nós esperamos. Melanie ficou tensa como se corresse, enquanto ele colocou nossas aquisições dentro do carro.

 

Não há nada a temer. Ele só está sendo amável.

 

Ela continuou a olhá-lo suspeitosamente.

 

“Obrigada,” eu disse novamente quando ele fechou a porta.

 

“O prazer foi meu.”

 

Ele andou para o seu veiculo sem olhar de relance para nós. Eu escalei até o meu assento e agarrei o saco de batata frita.

 

Olhe o mapa, ela disse. Espere até ele estar fora de vista.

 

Ninguém esta nos observando, eu prometi a ela. Mas, com um suspiro, eu abri o mapa e comi com uma mão. Era provavelmente uma boa idéia ter algum sentido de para onde iríamos daqui pra frente.

 

Para onde iremos? Eu pergunto a ela. Nós encontramos o ponto de partida, e agora?

 

Olhe ao redor, ela comandou. Se nós não podemos o ver daqui, tentaremos o lado sul do pico.

 

Ver o quê?

 

Ela colocou a imagem memorizada diante de mim: uma linha áspera em ziguezague, quatro ziguezagues apertados, um quinto ponto estranhamente brando, como se estivesse quebrada. Agora eu vi como deveria, uma escala irregular de quatro picos de montanha com o quinto parecendo quebrado....

 

Eu escaneei o horizonte, leste – oeste através do horizonte do norte. Era tão fácil que parecia errado, como se eu tivesse feito uma imagem acima e somente depois ver a silhueta da montanha que criou a linha nordeste no horizonte.

 

È aquele. Melanie quase cantou de excitação. Vamos lá!Ela me queria fora do carro, sobre meus pés, movendo-me.

 

Eu balancei a minha cabeça, dobrando-me sobre o mapa outra vez. O cume da montanha estava alto agora em uma distância que eu não podia adivinhar as milhas de distância entre o cume e nós. Não havia nenhum jeito de eu sair deste estacionamento e ir para o deserto vazio ao menos que eu não tivesse nenhuma outra opção.

 

Vamos ser racionais. Eu sugeri, traçando o meu dedo ao longo de uma fina fita no mapa, uma estrada anônima que se conectava com a auto-estrada algumas milhas ao leste e então continuava no sentido geral da distância.

 

Certo, ela concordou satisfeita. Quanto mais rápido melhor.

 

Nós encontramos a estrada não pavimentada facilmente. Era apenas uma cicatriz pálida de sujeira através das escassas moitas de arbustos, larga o suficiente para um veiculo. Eu tive pressentimento de que a estrada seria cobertas de vegetação com a falta de uso em uma diferente região – alguns lugares com vegetação mais vital, ao contrário das plantas do deserto que necessitam de décadas para recuperar de tal violação. Havia uma corrente oxidada esticada através da estrada, parafusado em um borne de madeira em uma extremidade, dado laços frouxos em torno de outro borne. Eu me movi rapidamente pela cadeia de montanhas e estacas na base do primeiro posto, apressando de volta para o meu carro, esperando que ninguém passasse e parasse o carro oferecendo ajuda. A estrada permaneceu desobstruída enquanto eu dirigia entre a sujeira e então corria mais rápido pela cadeia de montanhas.

 

Nós relaxamos quando o pavimento desapareceu atrás de nós. Eu estava contente que não havia aparentemente ninguém para mentir sobre isso, quer com palavras ou silêncio. Sozinha, eu não me senti traidora.

 

Melanie estava perfeitamente em casa aqui no meio do nada. Ela sabia os nomes de todas as plantas espinhentas ao nosso redor.Ela sussurrava seus nomes para si mesma, cumprimentando-as como velhas amigas.

 

Creosoto, ocotillo, cholla, prickly pear, mesquite...

 

Longe da estrada, dos ornamentos da civilização, o deserto parecia dar uma nova vida a Melanie. Embora ela apreciasse a velocidade e as sacudidas do carro – nosso veiculo não era alto o bastante para essa viagem off-road, porque os choques me lembravam os poços de sujeira – ela tinha um desejo ardente de estar sobre seus pés galopando no deserto escaldante.

 

Nós provavelmente teríamos que andar, e tudo era muito rápido para o meu gosto, mas quando essa parte chegar eu duvido que a satisfaria.Eu posso sentir o desejo real embaixo da superfície. Liberdade. Para mover seu corpo no ritmo familiar do seu passo longo como somente ela guiava. Por um momento, eu me permiti ver o que era uma vida sem corpo. Ser carregada por dentro, mas incapaz de influenciar o corpo ao seu redor.

 

Não ter escapatória. Não ter escolha.

 

Eu estremeci e foquei na estrada áspera novamente, tentando protelar a mistura de piedade e horror. Nenhum outro hospedeiro tinha me feito sentir tal culpa por ser o que eu era. Naturalmente, nenhum dos outros ficou para queixar-se sobre a situação.

 

O sol estava próximo ás pontas dos montes quando nos tivemos nossa primeira divergência. As sombras longas criaram estranhos padrões através da estrada, tornando-se duro evitar as rochas e as crateras.

 

Lá está! Melanie gritou de satisfação enquanto nós víamos uma formação mais distante ao leste: uma onda lisa de rocha, interrompida por um repentino impulso fraco, como um longo dedo contra o céu.

 

Ela queria voltar com tudo, não importa o que fizesse no carro.

 

Talvez nos devemos ir até o final do primeiro marcador. Eu apontei. A pequena estrada de terra continuava sinuosa mais ou menos no sentido certo, e eu estava apavorada para deixá-la. De que outra maneira eu encontraria o meu jeito de voltar a civilização?Eu não estava voltando?

 

Eu imaginei a Rastreadora neste exato momento quando o sol tocou a escuridão, uma linha ziguezagueando no horizonte ocidental. O que ela pensaria quando eu não chegasse em Tucson? Um espasmo de alegria me fez gargalhar alto.

 

Melanie pareceu apreciar igualmente a imagem da Rastreadora furiosamente irritada. Quanto tempo iria levar para que ela voltasse para San Diego e verificar se tudo tinha sido uma estratégia para se livrar dela? E depois, que passos tomaria quando verificasse que eu não estava lá?Quando eu não estivesse em lugar nenhum?

 

Eu não pude imaginar muito claramente onde eu estaria nesse momento.

 

Olhe, uma trilha. É espaçoso o bastante para o carro – vamos segui-lo. Melanie insistiu.

 

Eu não estou certa de que devemos ir nesse caminho.

 

Estará escuro em breve e nós teremos que parar. Você está perdendo tempo!Ela estava silenciosamente gritando sua frustração.

 

Ou ganhando tempo, se eu estiver certa. Além disso, é o meu tempo, não é?

 

Ela não respondeu em palavras. Ela pareceu se esticar dentro de minha mente, tentando alcançar a trilha.

 

Eu é que estou fazendo isso. E farei do meu jeito.

 

Melanie espumou sem palavras em resposta.

 

Por que você não me mostra o resto das linhas? Eu sugeri. Nós poderíamos ver se há algo visível antes de anoitecer.

 

Não. Ela vociferou. Eu irei fazer esta parte do meu jeito.

 

Você esta sendo infantil.

 

Novamente ela se recusou a responder. Eu continuei em direção aos quatro picos afiados, e ela de mau humor.

 

Quando o sol desapareceu atrás das montanhas, a noite lavou a paisagem abruptamente, em um minuto o deserto que estava laranja devido ao pôr do sol, era completamente negro. Eu demorei, minha mão remexia em torno do painel procurando pelo interruptor dos faróis.

 

Você enlouqueceu? Melanie assobiou. Você faz idéia do quanto os faróis são visíveis fora daqui? Alguém de certo irá nos ver.

 

Então, o que nós faremos agora?

 

Espero que o assento recline.

 

Eu deixei o motor inativo como se tentasse pensar nas opções além de dormir no carro cercada pelo vazio negro da noite no deserto. Melanie esperou pacientemente, sabendo que eu não encontraria nada.

 

Isto é loucura, você sabe. Eu disse a ela, estacionando o carro no arque e torcendo as chaves fora da ignição.

 

Tudo isso. Pode não haver ninguém por aqui. Nos não encontraremos nada e nós iremos nos desesperar nessa busca perdida. Eu tive um senso abstrato do perigo que nos estávamos planejando – vagando no calor, sem plano alternativo, sem volta. Eu sabia que Melanie compreendia os perigos muito mais claramente, mas ela mantinha uma resguarda cuidadosa.

 

Ela não respondeu minhas acusações. Nenhum desses problemas pareceu incomodar ela. Eu pude ver que ela preferia vagar sozinha no deserto pelo resto de sua vida do que voltar a vida que eu tinha antes. Mesmo sem a ameaça da Rastreadora, isto era preferível a ela.

 

Eu inclinei o assento para trás tanto quanto iria. Não era o suficiente para ser confortável. Eu duvidei que pudesse dormir, mas havia tantas coisas que eu não me permitiria pensar que minha mente era vaga e desinteressante. Melanie estava silenciosa, também.

 

Eu fechei os meus olhos, descobrindo uma pequena diferença entre minhas pálpebras e a noite sem lua, e eu me levei pela inconsciência com uma facilidade inesperada.

 

                                           Desidratada

 

“Okay! Você estava certa, você estava certa!” Eu disse as palavras alto. Não havia ninguém ao nosso redor para ouvir.

 

Melanie não estava dizendo “Eu te disse”. Não em tantas palavras. Mas eu podia ouvir as suas acusações em seu silêncio.

 

Eu continuo sem vontade de sair do carro, embora fosse inútil pra mim agora. Quando a gasolina acabasse, eu teria que sair Quando a gasolina acabou, eu tive que deixá-lo rodar por mais alguns momentos com o impulso restante até que mergulhou dentro de um raso desfiladeiro – um ribeirão feito pela ultima chuva.

 

Agora eu olhei fixamente através do pára-brisa liso e vasto, uma clareira desocupada, eu senti meu estomago se revirar de pânico.

 

Nós temos que nos mover, Wanderer. Está começando a ficar mais quente.

 

Se eu não tivesse desperdiçado mais do que um quarto do tanque de gasolina forçando o carro teimosamente sobre a mesma base para chegar ao segundo marco - só para encontrar o terceiro marco não visível e retroceder. – nós teríamos ido muito mais além do que esta camada fina de areia, tão perto do nosso próximo objetivo. Graças a mim, nós teríamos que viajar a pé agora.

 

Eu carreguei a água, uma garrafa por vez, e as coloquei na sacola, meus movimentos desnecessariamente deliberados, eu adicionei as barras de granola restantes bem lentamente. Tudo enquanto, Melanie doía-se para que eu me apressasse. Sua impaciência fez com que ficasse difícil para pensar, difícil para se concentrar em qualquer coisa. Como se algo fosse acontecer conosco.

 

Vamos, Vamos, Vamos, ela cantou até que eu me forçei, dura e inábil, para fora do carro. Minhas costas latejaram enquanto eu me endireitava. A dor vinha da noite mal dormida de ontem, não do peso dos pacotes, os pacotes não estavam pesados quando eu usei meus ombros para levantar.

 

Agora cubra o carro, ela instruiu, mostrando me imagens de como partir os galhos espinhosos de creosoto e palo verdes que estavam por perto e encobrir a parte superior de prata do carro.

 

“Por quê?”

 

Seu tom implicou que eu era uma completamente estúpida para não compreender. Para que ninguém nos encontre.

 

Mas e se eu quiser ser encontrada? Se não há nada fora daqui além de que calor e sujeira? Nós não temos como chegar em casa

 

Casa? ela questionou, jogando imagens tristes para mim: o apartamento vazio em San Diego, a expressão tediosa da Rastreadora, o ponto que marcava Tucson no mapa....um resumo dos fatos, um pequeno flash feliz do canyon vermelho deslizou acidentalmente. Onde seria isso?

 

Eu dei as costas ao carro, ignorando o seu conselho, eu já estava demasiadamente distante agora, eu não estava desistindo completamente da esperança de voltar. Talvez alguém encontrará o carro e então me encontrará. Eu poderia facilmente e honestamente explicar o que eu estava fazendo aqui para o meu salvador: eu estava perdida,...eu perdi o meu controle....perdi minha mente.

 

Eu segui a camada fina de poeira primeiro, deixando meu corpo cair em seu ritmo natural de passadas longas. Não era a maneira como eu caminhava nos passeios e na universidade - não era meu jeito de andar. Mas se ajustou ao terreno áspero e me movia facilmente para frente com uma velocidade que me surpreendeu até que eu me acostumei.

 

“O que aconteceria se eu não tivesse vindo para cá?eu quis saber enquanto andava mais adentro da solidão do deserto. “E se o Curandeiro Vau continuar em Chicago?E se meu trajeto não nos houvesse trago para tão perto deles?”

 

Era essa urgência, que me seduzia – o pensamento que Jared e Jamie poderiam estar bem aqui, em algum lugar deste lugar vazio – tornou impossível resistir a esse plano sem sentido.

 

Eu não estou certa, Melanie admitiu. Eu imagino que ainda tentaria, mas eu estava com medo enquanto havia tantas outras almas por perto. Eu ainda estou com medo. Confiando que você ainda pode matar eles dois.

 

Nós vacilamos juntas com o pensamento.

 

Mas estando aqui, tão próximo...eu tinha que tentar.. Por favor - e de repente estava apelando comigo, implorando me, sem nenhum traço de ressentimento em seus pensamentos - por favor não use isso para machucá-los. Por favor.

“Eu não quero....eu não sei se posso machucá-los. Eu preferiria...”

 

O que? Me matar? Do que dar alguns humanos dispersos para os Rastreadores?

 

De novo nós vacilamos no pensamento, mas minha revulsão contra a idéia a confortou. E me amedrontou mais do que acalmou ela.

 

Quando a camada fina começou a dobrar demasiadamente distante para o norte, Melanie sugeriu que nos esquecêssemos a planície, o trajeto cinzento que levaria direto a linha do terceiro limite, uma oriental ponta de rocha que pareceu apontar, como um dedo, para o céu sem nuvens.

 

Eu não gostei de ter deixado aquele caminho, exatamente como eu tinha resistido em deixar o carro. Eu poderia seguir este caminho de camada fina de volta a estrada, e da estrada de volta a rodovia. Era milhas e milhas, e eu levaria dias para atravessar, mas uma vez que saísse deste caminho eu estava definitivamente a deriva.

 

Tenha fé, Wanderer. Nós encontraremos tio Jeb, ou ele nos encontrará.

 

Se ele continuar vivo, eu adicionei, suspirando e deixando pendente para fora do meu simples trajeto a luta que era idêntica em cada direção. Fé não é um conceito familiar para mim. Eu não sei se eu engulo essa de fé.

 

Confiança, então?

 

Em quem?Você? Eu gargalhei. O ar quente cozinhou minha garganta quando eu inalei.

 

Apenas pense, ela disse, mudando o assunto, talvez nós vejamos eles nesta noite.

 

O anseio pertenceu a nos duas, um homem, uma criança, vindos de nossas memórias. Quando eu andei rápido, eu não estava certa de que estava completamente no comando de meus movimentos.

 

Estava ficando mais quente – e quente, e mais quente ainda. Suor lambuzou meu cabelo e o meu couro cabeludo e fez a minha pálida camisa amarela aderir desagradavelmente onde quer que tocasse.

 

Na tarde, as ventanias abrasadoras retrocederam, colando a areia em meu rosto. O ar seco sugou o suor, incrustando meu cabelo com grãos, e ventilando minha camisa para fora de meu corpo, moveu-se tão dura quanto um cartão de sal seco. Eu me mantive andando.

 

Eu bebi água mais freqüentemente do que Melanie queria. Ela odiava cada golinho que eu dava, ameaçando-me que nos poderíamos querer muito mais amanhã. Mas eu já tinha dado a ela tantos motivos hoje que não estava com humor para escutá-la. Eu bebi quando estava sedenta, que era a maioria das vezes.

 

Minhas pernas me moveram para frente sem nenhum pensamento da minha parte. O ritmo dos ruídos de meus passos era a musica de fundo, baixo e tediosa.

 

Não havia nada para ver, um torcido, frágil arbusto parecia exatamente igual ao próximo. O vazio homogêneo me embalava em uma espécie de entorpecimento – eu estava realmente ciente na forma das montanhas, silhuetas contra a palidez, do céu sem cor. Eu li seus esboços em cada pequeno passo, até que eu soubesse deles tão bem que eu poderia extrair de olhos fechados.

 

A vista parecia congelada neste lugar. Eu constantemente chicoteava minha cabeça ao redor, procurando pelo quarto limite – um grande formato côncavo do pico faltando uma parte, uma ausência de curva escavou por seu lado, aquele que Melanie tinha me mostrado somente esta manhã – como se a perspectiva havia mudado do meu ultimo passo. Eu esperei pelo ultimo indicio que era ele, porque nos seriamos afortunadas por ir tão longe. Mas eu tive uma sensação que Melanie estava mantendo mais de mim, e o fim de nossa jornada estava distante.

 

Eu lanchei minha barra de cereal a tarde pensativa, não percebendo até que estava muito tarde que eu tinha lanchado a última, meus olhos procurando a obscuridade para alguma forma de escapar. Nada vai te incomodar ao menos que você se incomode primeiro. Além de tudo, você é maior do que qualquer coisa aqui.

 

Outro flash de memória, nesta vez um cão de tamanho médio, um coyote, movimentou-se rápido em nossos pensamentos.

 

“Perfeito”, eu lamentei, me afundando para baixo em um agachamento, embora ainda estivesse receosa sobre a terra preta no chão. Quando o sol se pôs, a noite caiu com a mesma velocidade de ontem. Melanie estava preparada, pronta observando um lugar para parar.

 

Aqui, ela me disse. Nós teremos que ficar o mais longe possível da choupa. Você tem o sono agitado.

 

Eu olhei a aparência macia do cactus na falta de luz, tão grossa como ossos coloridos que se assemelhava a pele, eu murmurei: Você quer que eu durma no chão?Aqui?

 

Você vê outra opção? Ela sentiu meu pânico, e seu tom foi macio, como se com pena. Olhe – é melhor do que no carro. Além disso é uma campina. Está demasiado quente para que qualquer criatura seja atraído pelo calor do seu corpo e –

 

“Criatura?”eu exigi alto.”Criatura?”

 

Houve um breve e desagradável flash de insetos e serpentes em espirais em suas memórias.

 

Não se preocupe. Ela tentou me acalmar, quando eu me arqueei acima das minhas pontas do pés, longe de qualquer coisa que pudesse se esconder embaixo de mim. “Morta por cães selvagens”. Quem pensaria que terminaria assim.....tão trivialmente?Tão dramático. Morta pelas garras das das bestas do Planeta Nevoa... isso sim tinha alguma dignidade.

 

O tom de resposta de Melanie me fez imaginar ela rolando seus olhos. Pare de ser um bebê. Nada irá comer você. Agora deite-se e descanse um pouco. Amanhã será mais difícil do que hoje.

 

“Obrigada pelas boas noticias,”eu resmunguei. Ela estava se transformando em uma tirana Isso me fez pensar em um regra humana. Dê um dedo e pedirão um braço. Mas eu estava mais exausta do que eu percebi, e enquanto eu me estabelecia pouco disposta no chão, eu descobri ser impossível não cair na sujeira.

 

Parecia que apenas alguns minutos passaram, quando a manhã alvoreceu, cegando-me com o brilho e já quente o bastante para me fazer suar. Eu estava encoberta de sujeira e pedras quando eu acordei; meu braço direito dormiu embaixo de mim e eu não conseguia senti-lo. Eu os sacudi e busquei água.

 

Melanie não aprovou, mas eu a ignorei. Eu fui atrás da garrafa pela metade, e comecei a pensar das metades cheias e vazias até perceber uma coisa. Alarmada eu contei. Contei novamente, havia duas mais vazias do que cheias. Eu já havia usado mais da metade da reserva de água.

 

Eu disse que você estava bebendo demais.

 

Eu naum respondi, mas peguei as coisas sem dar o gole. Minha boca estava péssima, seca e com gosto de areia e bile. Eu tentei ignorar isso, tentei parar de pensar na minha língua de papel sobre meus dentes areiosos e continuei andando.

 

Meu estomago era mais difícil de ignorar do que a minha boca conforme o sol subia mais e mais alto. Ele girava e contorcia a intervalos regulares, antecipando refeições que não chegavam. Pela tarde, a fome havia passado de inconfortável a dolorosa.

 

Isso não é nada, Melanie me lembrou, Nós já estivemos mais famintas.

 

Você já. Eu respondi. Eu não tava a fim de ser a audiência para mais uma de suas memórias.

 

Eu já estava me desesperando quando boas noticias vieram. Quando eu girei minha cabeça pelo horizonte de forma rotineira, uma forma de bulbo, côncava surgiu a minha frente no meio da linha norte de um pequeno pico. A parte faltante era somente um recorte fraco deste ponto vantajoso.

Perto o bastante. Melanie decidiu, tão excitada quanto eu por fazer algum progresso. Eu girei para o norte ansiosamente, meus passos se alongaram. Mantenha-se alerta para o próximo. Ela lembrou uma outra formação para mim, e eu comecei estendendo minha cabeça ao redor imediatamente, embora eu soubesse que era inútil procurar cedo por isto.

Estaria ao leste. Norte e então leste e então norte outra vez. Aquele era o padrão.

 

A emoção de encontrar outro ponto me manteve em movimento apesar do cansaço das minhas pernas. Melanie me incitou, cantando incentivos quando eu diminui o ritmo, pensando em Jared e Jamie quando eu ficava apática. Meu progresso era constante, e eu esperei até que Melanie aprovasse cada gole de água, mesmo que o interior da minha garganta estivesse empolando.

Eu tive que admitir que estava orgulhosa de mim mesma por estar resistindo tanto. Quando a estrada de terra surgiu, pareceu como uma recompensa. Serpenteou para o norte, a direção que eu estava indo, mas Melanie estava nervosa.

Eu não gosto do jeito dessa estrada, ela insistiu.

A estrada era apenas uma linha amarelada através dos arbustos, definida somente pela leve textura e a falta de vegetação.As trilhas antigas de pneu fizeram uma depressão em dobro, centrada na única pista.

Quando ela virar para o lado errado, nós a deixaremos. Eu já estava andando para baixo, no meio das trilhas. É mais fácil do que ziguezaguear através do creosoto e prestando atenção para as cholla.

Ela não respondeu, mas seu desconforto me fez sentir um pouco paranóica. Eu mantive minha busca pelo resto da formação – um perfeito M, dois pontos de vulcões emparelhados – mas eu também observei o deserto ao meu redor mais cuidadosamente do que antes.

Porque eu estava prestando uma atenção extra, eu observei um borrão cinzento a uma distância longa antes mesmo de saber o que era. Eu quis saber se meus olhos jogavam truques em mim e pisquei contra a poeira nublando-os. A cor pareceu errada para uma rocha, e o formato muito sólido para uma árvore. Eu olhei de soslaio para o brilho, fazendo suposições. Então eu pisquei outra vez, e o borrão pulou de repente em uma forma estruturada, mais perto do que eu tinha pensado. Era algum tipo de casa ou edifício, pequeno e resistente de um cinza maçante.

A onda de pânico de Melanie me fez desequilibrar.

 

Relaxe eu disse a ela.Eu estou certa que está abandonada.

Como você sabe? Ela reteve tão duramente que eu tive que me concentrar em meus pés antes que eu pudesse movê-los para frente.

Quem poderia sobreviver aqui?Nós almas vivemos para a sociedade. Eu ouvi o tom amargo da minha explicação e sabia que era por causa de onde eu estava – fisicamente e metaforicamente no meio do nada.

Por que eu não pertencia à sociedade das almas?Por que senti como se eu não... como se eu não quisesse pertencer? Eu tinha realmente sido parte da sociedade que deveria ser minha, ou era por essa razão a minha longa fila de vidas vividas em transitoriedade? Eu tinha sempre sido uma aberração, ou era isto que Melanie me fazia sentir? Este planeta tinha me mudado, ou revelou-me para o que eu já era?

Melanie não tinha paciência para a minha crise pessoal – ela me queria o mais longe possível daquele edifício. Seus pensamentos arrancaram e torceram os meus, puxando-me para fora da minha introspecção.

Acalme-se, eu ordenei, tentando focalizar os meus pensamentos dos dela. Se há qualquer coisa que atualmente vive aqui, seria humano. Confie nisto, não há nada de ermitãs entre as almas. Talvez o seu tio Jeb –

Ela rejeitou esse pensamento asperamente. Ninguém poderia sobreviver em um lugar aberto como este. Sua espécie procuraria todo tipo de habitação, completamente.Quem quer que viveu aqui fugiu ou transformou-se em um de vocês. Tio Jeb teria se escondido melhor.

E se quem quer que viveu aqui tornou-se em um de nós eu assegurei a ela. Então eles deixaram este lugar. Somente um humano poderia viver deste jeito.... eu diminui a voz, rapidamente com medo, também. O quê? ela reagiu fortemente ao meu susto, nos congelando no lugar.Ela escaneou meu pensamentos, procurando por algo que pudesse ter me incomodado.

Melanie, e se há humanos por aqui – não tio Jeb e Jared e Jamie? E se outra pessoa nos encontrar?

Ela absorveu essa idéia lentamente, pensando. Você tem razão. Eles iram nos matar imediatamente. Claro.

 

Eu tentei engolir, para lavar o gosto de terror da minha boca seca.

Não haverá ninguém.Como poderia haver? ela raciocinou.Sua espécie é muito certinha.Somente alguém preparado para se esconder teria uma chance.Então vamos checar – você esta certa não haverá nenhum dos seus, eu estou certa que não há nenhum dos meus. Talvez nós poderemos encontrar algo útil, algo que nos poderemos usar como arma...

Eu estremeci em seus pensamentos das facas afiadas e das ferramentas longas de metal que poderiam ser transformadas em porretes. Nenhuma arma.

Ugh.Como essas criaturas frouxas nos venceram?

Discrição e números superiores. Qualquer um de vocês, mesmo os jovens, é cem vezes mais perigosos que um de nós. Mas você é como um cupim em um formigueiro. Há milhões de nós, todos trabalhando juntos em perfeita harmonia em rumo ao nosso objetivo.

Novamente, enquanto eu descrevia a unidade, eu sentia a sensação arrastando o pânico e desorientando. Quem eu era?

Mantivemo-nos no creosoto enquanto nos aproximávamos da pequena estrutura. Olhei para a casa, apenas uma barraca pequena ao lado da estrada, sem sugestão de toda ou qualquer finalidade. A razão para sua posição aqui era um mistério - este ponto não tinha nada a oferecer além de vazio e calor.

Não havia nenhum sinal de habitação recente. A armação da porta estava destruída, sem portas, somente alguns estilhaços de vidro aderindo-se a armação das janelas vazias. A poeira tomou conta de todo o piso. O cinza das paredes que resistiram pareciam se inclinar na direção do vento, como se sempre ventasse na mesma direção por ali.

Eu consegui conter a minha ansiedade e andei hesitantemente para a armação vazia da porta; nós devemos estar tão sozinhas aqui como estivemos o dia inteiro e ontem.

A sombra escura da entrada me atraiu para frente, triunfando meus medos com seu apelo. Eu ainda escutei atenta, mas meus pés moveram se adiante, com passos certos. Eu arremessei através da entrada, movendo-me rapidamente a um lado para ter a parede sobre as minhas costas. Isto era instintivo, um produto das aventuras de Melanie. Eu permaneci congelada lá, debilitada por minha cegueira, esperando meus olhos se ajustarem.

A pequena barraca estava vazia, como nós esperávamos que estivesse. Não havia mais sinais de ocupação em seu interior como fora. Uma mesa quebrada inclinava-se para baixo com suas duas pernas boas no meio do quarto, com uma cadeira de metal ao seu lado. Os remendos de concreto mostraram se através dos furos grandes do tapete gasto, sujo. Uma pequena cozinha alinhava a parede com uma pia enferrujada, uma fileira de armários – alguns sem portas – e um pequeno refrigerador que ficava na altura da cintura aberto, revelando seu interior preto mofado. O sofá estava de encontro a uma parede distante, todas as almofadas retiradas. Ainda montado em cima do sofá, somente um pouco curvada, estava uma armação impressa de cachorros jogando pôquer.

Acolhedor Melanie pensou, aliviada o bastante para ser sarcástica. Tem mais decoração que o seu apartamento.

Eu já estava me movendo para a pia.

Sonhe. Melanie adicionou utilmente.

Naturalmente seria desperdício ter água encanada neste lugar isolado; as almas controlam detalhes como aquele melhor do que deixar para trás tal anomalia. Eu ainda tive que torcer os botões antigos. Um quebrou em minha mão, oxidado.

Eu virei para os armários próximos, ajoelhando no tapete desagradável para espreitar com cuidado dentro. Eu me inclinei afastando e abri a porta, receosa, eu poderia estar perturbando um animal venenoso do deserto em sua toca.

O primeiro estava vazio, sem encosto, de modo que eu podia ver as tiras de madeira da parede exterior. O próximo não tinha porta, mas havia uma pilha de jornais antigos lá dentro, cobertos por poeira. Eu retirei um, curiosa, agitando a sujeira para o assoalho mais sujo, e li a data.

Da época humana., eu notei.Não era necessário data para me dizer isto.

“Homem queima filha de três anos até a morte”,o titulo gritava para mim, acompanhado por um retrato de uma criança de cabelos loiros angelicais.Está não era a primeira página. O horror detalhado aqui não era tão medonho para ter prioridade em sua cobertura.Abaixo estava a face de um homem procurado pelos assassinatos de sua mulher e de seus dois filhos de dois anos antes de impresso a data, a historia era sobre o possível descoberta do homem no México. Duas pessoas mortas e três feridas em um acidente de carro. Uma fraude e uma investigação por assassinato de um suicídio alegado de um proeminente banqueiro local. Uma confissão suprimida de molestar uma criança. Os animais de estimação encontraram a carnificina em um escaninho no lixo.

Eu me encolhi, empurrando o papel para longe de mim, de volta para o armário escuro.

Aquelas eram as exceções, não a regra. Melanie pensara quietamente, tentando manter o horror fresco da minha reação da infiltração de suas memórias daqueles anos, recolorindo-as.

Você pode ver como nós pensamos que poderíamos se capaz de melhorar?Como nós poderíamos ter suposto que talvez vocês não merecessem todas as coisas excelentes deste mundo?

Sua resposta foi ácida. Se você queria limpar o planeta, você poderia tê-lo explodido.

Apesar do que seus escritores de ficção cientifica sonham, nós simplesmente não temos a tecnologia.

Ela não achou a minha piada engraçada.

Apesar de eu adicionei que isso seria um grande desperdício. É um planeta encantador. Este deserto indizível exceto, claro.

Foi como percebemos que vocês estavam aqui, você sabe, ela disse, pensando nos títulos doentios da noticia outra vez. Quando o jornal da tarde não era mais nada do que inspiração humana – histórias interessantes, quando os pedófilos e os toxicomaníacos estavam fazendo fila no hospital para mudar a eles mesmos, quando tudo morfou em Mayberry, foi quando vocês revelaram seus segredos.

“Que alteração horrível!” eu disse seca, indo para o armário seguinte.

Eu puxei a parte de trás da porta dura e encontrei uma lata para biscoitos.

 

“Biscoitos!” Eu gritei, agarrando a caixa descolorida, metade despedaçada de Saltines. Havia outra caixa atrás dela, uma que parecia que alguém tinha pisado nela. ”Twinkies!” eu cantei.

 

Olhe Melanie incitou, apontando seu dedo mental para três fracos empoeirados de descolorante atrás do armário.

O que você quer descolorir? eu perguntei, já rasgando a caixa de biscoitos.Para jogar nos olhos de alguém?Ou esmagar a cabeça de alguém?

Para o meu prazer, os biscoitos, embora reduzidos a migalhas, ainda estavam dentro do plástico. Eu o rasguei e comecei a jogar as migalhas em minha boca, engolindo a metade mastigada.Eu não poderia tê-los em meu estomago rápido o bastante.

Abra uma garrafa e cheire, ela instruiu, ignorando o meu comentário. Isto era como meu pai estocava água na garagem. O resíduo descolorante a mantém por mais tempo.

Só um minuto eu finalizei um saco de migalhas e comecei outro. Eles estavam muito velhos, mas comparado ao gosto da minha boca, eram ambrosia. Quando eu terminei o terceiro eu percebi que o sal dos biscoitos rachavam as bordas e os cantos da minha boca.

Eu levantei um dos frascos de descolorante, esperando que Melanie estivesse certa. Meus braços estavam fracos e tremeram, incapaz de levantá-lo. Isto interessou a nós duas.Quanto nossa condição havia se deteriorado? Quanto nós seriamos capaz de ir?

O tampão do frasco estava muito apertado, eu imaginei se tinha derretido neste lugar. Finalmente eu fui capaz de torcer com meus dentes. Eu inalei na abertura cuidadosamente, não querendo especialmente exalar qualquer cheiro desagradável. O perfume químico era muito fraco. Eu inalei profundamente. Era água, definitivamente. Água parada, mofada, mas água do mesmo jeito. Eu tomei um pequeno gole. Não um córrego fresco da montanha, mas molhada. Eu comecei a beber avidamente.

Calma ai, Melanie advertiu, e eu tive que concordar. Nós tivemos sorte neste esconderijo, mas não tinha sentido desperdiçar. Apesar, de eu querer algo mais sólido agora que o sal tinha se aliviado. Eu virei para a caixa de Twinkies e lambi três dos bolos que estavam lá.

 

O último armário estava vazio.

Tão logo a dor da fome se foi ligeiramente, a impaciência de Melanie começou a escapar em meus pensamentos.

Sentindo nenhuma resistência agora, eu rapidamente carreguei o meu espólio em um pacote, lancei as garrafas vazias na pia para fazer o quarto. Os frascos de descolorante eram pesados, mas nele estava um peso de consolação. Significaria que eu não teria que me esticar e dormir novamente no chão do deserto sedenta de fome hoje a noite. Com a energia do açúcar começando a zumbir em minhas veias eu voltei para a tarde brilhante.

 

                                                   Falhamos

 

É impossível! Você errou! Confundiu a ordem” Não pode ser isso!

 

Eu encarava a distancia, doente de descrença que estava se transformando em horror.

 

Ontem de manhã eu comi o último Twinkie ressequido de café da manhã. Ontem a tarde eu encontrei o pico duplo e virei Lesta novamente. Melanie me deu a última formação que deveria encontrar. O fato de ser o último de deixou quase histérica de tanta felicidade. Noite passado eu bebi o último gole de água.

 

Esta manhã era só um borrão de memória de sol quente e esperança. O tempo estava acabando e eu havia buscado no horizonte o último marco com uma crescente sensação de pânico. Eu não conseguia ver nenhum lugar que se parecesse com a rocha plana cercada por dois picos, como dois sentinelas.

 

Algo assim ocuparia espaço, e as montanhas ao leste e norte eram grossas com dentes afiados. Eu não conseguia ver a rocha plana entre nenhuma delas.

 

Estamos no meio da manhã – o sol ainda estava ao Leste, bem nos meus olhos – eu parei apara descansar. Eu me sentia tão fraca que era assustador. Cada músculo no meu corpo doía, mas não era só da caminhada. Eu podia sentir a dor da exaustão e também a dor por dormir no chão, e essas dores eram diferentes da nova dor.

 

Meu corpo estava secando, e essa dor era dos meus músculos protestando contra essa tortura. Eu sabia que não conseguiria continuar por muito mais tempo.

 

Eu virei de costas para o leste para afastar o sol do meus rosto um pouco. Foi aí que eu vi.

 

A longa, plana rocha com as inconfundíveis sentinelas ao lado. Ali estava, tão longe que mais parecia uma miragem, flutuando sobre o deserto como uma nuvem escura. Cada passo que eu havia dado havia sido na direção errada. O último marco era oeste, mais a oeste do que eu já havia caminhado desde o inicio da aventura.

 

“Impossível” eu sussurrei.

 

Melanie estava congelado em minha cabeça, sem pensar, em choque, tentando desesperadamente rejeitar essa nova descoberta. Eu esperei por ela, meus olhos traçando as formas familiares, até que o peso da aceitação dela e sofrimento me derrubaram de joelho. O seu suspiro de derrota ecoou em minha cabeça e acrescentou ainda mais dor.

 

Minha respiração ficou irregular – um choro sem som e sem lágrimas. O sol queimava minhas costas, seu calor penetrando a escuridão do meu cabelo. Minha sombra era um pequeno circulo abaixo de mim quando eu consegui me controlar. Dolorida, eu me levantei.

 

Pequenas pedrinhas afiadas estava grudadas na minha perna. Eu nem me incomodei em as remover. Eu encarei a rocha flutuante me zombando no oeste por um longo tempo.

 

E finalmente, sem ter muita certeza do porquê eu fiz isso, eu comecei a caminhar para a frente. A única coisa que eu sabia era: foi eu quem andou, ninguém mais. Melanie era muito pequena no meu cérebro – uma pequena cápsula de dor enrolado em trono de si mesma. Não havia nenhuma ajuda dela.

 

Meus passos eram um lento crunch, crinch através do solo seco.

 

“Ele era só um velho lunático no final das contas,” eu murmurei para mim mesma. Um som estranho e um soluço forte abriu caminha pela minha garganta. A série de soluços continuou até eu sentir os olhos cheios de lágrimas e perceber que eu estava rindo.

 

“Nunca… nunca…. Jamais…. Houve nada aqui” Eu soluçava entre os espasmos de histeria. Eu tropeçava a frente como se estivesse bêbada, meus passos incertos deixando uma trilha torta atrás de mim.

 

Não! Melanie se livrou de sua miséria para defender sua fé e se agarrar a ela. Eu entendi alguma coisa errada. Minha culpa.

 

Eu ria dela agora. O som era levado pelo vento.

 

Espera, espera, ela pensava, tentando afastar minha atenção da ironia da história toda. Você acha que ... você acha que eles tentaram isso?

 

Sua onda me medo me pegou no meio de uma gargalhada, eu engasguei ar quente, meu peito latejando devido o meu ataque de histeria mórbida.

 

Quando eu consegui respirar novamente, qualquer traço do humor negro havia desaparecido.

 

Instintivamente, meus olhos varreram o deserto, procurando por alguma evidência de que eu não desperdicei minha vida.

 

A planície era impossivelmente vasta, maus eu não conseguia evitar de procurar por ... vestígios.

 

Não, claro que não. Melanie já estava se confortando, Jared é esperto demais. Ele nunca viria despreparado como nós. Ele nunca colocaria James em perigo.

 

Eu tenho certeza que você está certa, querendo acreditar tanto quanto ela, eu tenho certeza que ninguém em todo o universo seria tão estúpido. Além disso, ele provavelmente nunca veio procurar, ele provavelmente nunca entendeu. E eu gostaria que você não tivesse entendido também.

 

Meus pés continuavam a se mexer. Eu mal estava consciente dessa ação. Significava tão pouco ante a enorme distância a frente. E mesmo se nós fossemos magicamente transportadas para a base da rocha e daí? Eu tinha certeza absoluta que não havia nada lá. Ninguém nos esperava na rocha para nos salvar.

 

‘Nós vamos morrer” eu disse, surpreendentemente não havia medo na minha voz.

 

Sim. Ela estava calma também. Isso, a morte, era mais fácil de aceitar do que o fato de nossos esforços foram guiados pela insanidade.

 

“Isso não te incomoda?

 

Ela pensou por um momento antes de responder.

 

Pelo menos eu morri tentando. Eu venci. Eu nunca os entreguei. Eu nunca os machuquei. Eu fiz o melhor que eu pude pra encontrá-los, eu tentei manter minha promessa ..... eu morri por eles.

 

Eu contei dezenove passos até que eu conseguisse responder. Dezenove passos sem sentido, inúteis marcas na areia.

 

“Então por que eu estou morrendo? Eu perguntei”, a sensação de aperto voltando aos meus dutos lacrimais. “Imagino então que eu perdi, certo? É por isso?”

 

Eu contei 34 passos-tropeços até que ela tivesse a resposta para minha pergunta.

 

Não, ela pensou lentamente. Não me parece isso, Eu acho que, bem, eu acho que você está morrendo para ser Humana. Havia quase um sorriso em seus pensamentos quando ela percebeu o sentido duplo de sua frase. Depois de todos aqueles planetas e todos os hospedeiros que você deixou para trás você finalmente encontrou o lugar e o corpo que você seria capaz de morrer por eles, Eu acho que você encontrou seu lar, Wanderer.

 

Dez tropeções.

 

Eu não tinha energia o suficiente para abrir a boca mais. Que pena que eu não pude ficar mais tempo então.

 

Eu não estava certa da resposta. Talvez ela só estivesse tentando me fazer sentir melhor. Uma compensação por tê-la trazido para morrer aqui. Ela venceu, ela nunca desapareceu.

 

Meus passos começaram a falar. Meus músculos gritavam por misericórdia como se eu tivesse algum meio de aliviá-los. Eu acho que teria parado ali mesmo, mas Melanie como sempre, era mais forte do que eu. Eu podia senti-la agora, não só na minha cabeça mas em meus membros. Meus passo se ajeitou ficou mais reto e firme. Por pura força de vontade ela levava minha carcaça meio morta até o objetivo impossível.

 

Havia uma alegria inesperada pela luta sem propósito. Assim como eu a podia sentir ela podia sentir o meu corpo. Nosso corpo agora, minha fraqueza cedeu o controle a ela. Era para ela uma alegria poder sentir novamente. Até a dor da nossa lenta morte diminuiu em comparação.

 

O que você acha que tem lá? Ela perguntou enquanto marchávamos para o fim. O que você verá quando morrer?

 

Nada. A palavra era dura, seca e certa. Há uma razão para chamarmos de morte final.

 

As almas não tem crença em pós morte?

 

Nós temos tantas vidas. Qualquer coisa a mais seria esperar... muito. Nós morremos uma pequena morte toda vez que deixamos um hospedeiro. Vivemos novamente em outro. Quando eu morrer aqui, será o fim.

 

Houve uma longa pausa enquanto nossos pés se moviam mais e mais lentamente.

 

E quanto a você? Eu perguntei. Você ainda acredita em ago a mais mesmo depois disso? Meus pensamentos a levaram para o fim do mundo humano.

 

Bom, parece que há algumas coisas que não podem morrer.

 

Em nossas mentes seus rostos estavam mais próximos claros. O amor que sentíamos por Jared e Jamie parecia muito permanente. Naquele momento eu me perguntei se a morte poderia acabar com algo tão afiado e vital. Talvez esse amor viveria além com ela em alguma lugar saído de um conto de fadas com portões perolados. Não comigo.

 

Seria um alívio ver-me livre disso? Eu não tinha certeza. Eu sentia que era parte de quem eu era agora.

 

Nós só duramos amais algumas poucas horas. Mesmo a tremenda força mental de Melanie não podia pedir mais do que isso de nosso corpo que falhava. Nós mal conseguíamos ver. Não parecíamos conseguir pegar oxigênio no ar seco e expeli-lo novamente. A dor trazia gemidos partidos através de nossos lábios.

 

Você nunca teve nada tão ruim. Eu a incitei fracamente enquanto me arrastava para um pau fraco que era o galho de um arbusto. Nós queríamos chegar até os pauzinhos finos e ter um pouco de sombra antes de cair.

 

Não, ela concordou, nada ruim assim.

 

Nós conseguimos. A árvore morte jogou sua sombra teia de aranha sobre nós e nossas pernas caíram sob nós. Nos arrastamos para frente, querendo nunca encarar o sol novamente, Nossa cabeça virou para cima sem o nosso comando, buscando ar.

 

Após um tempo, longo ou curto nós não sabíamos. Nossas pálpebras estavam vermelhas e brilhantes mesmo fechadas. Não conseguíamos sentir a fraca teia de sombra, talvez ela houvesse se movido para longe de nós.

 

Quanto tempo mais? Eu a perguntei.

 

Eu não sei, eu nunca morri antes.

 

Uma hora? Mais?

 

Sua suposição é tão boa quanto a minha.

 

Onde tem um coiote quando se precisa de um?

 

Talvez tenhamos sorte... vítimas de uma besta com garras ou algo assim... Seus pensamentos se perderam incompreensivelmente.

 

Essa foi a nossa última conversa. Era muito difícil se concentras o suficiente para formar palavras. Havia mais dor do que pensávamos que devia ter. Todos os músculos de nosso corpo se faziam sentir, câimbras e espasmos enquanto lutavam com a morte.

 

Nós não lutávamos. Nós deixamos a mente vagar e esperamos, nossa memória indo e vindo das memórias sem nenhuma lógica.

 

Enquanto ainda estávamos lúcidas balbuciamos uma canção em nossa mente. Era a que usávamos para confortar Jamie quando o chão era muito duro ou o ar muito frio ou o medo muito grande para dormir. Nós sentíamos a cabeça dele apoiado em nossos ombros e as suas costas em nosso braço.

 

E então pareceu que era nossa cabeça apoiada contra o ombro de alguém e uma outra canção nos confortou.

 

Nossas pálpebras se tornaram escuras, não da morte, mas por que a noite havia caído e isso nos deixou triste. Sem o calor do dia nós provavelmente morreríamos mais lentamente.

 

Estava quente e silencioso por um tempo indeterminado. Então houve um som.

 

O som mal se fez notar. Nós não tínhamos certeza que não o tínhamos imaginado. Talvez fosse um coiote afinal de contas. Nós queríamos isso? Não sabíamos mais. Nós perdemos a linha de pensamento e esquecemos do som.

 

Algo nos sacudiu, puxou nossos braços insensíveis. Não conseguíamos formar as palavras para desejar que agora fosse mais rápido, mas era a nossa esperança. Nós esperamos pelo corte do dente. Ao invés disso, fomos viradas e sentimos nosso rosto virado para o céu.

 

Algo pingou em nossa face – molhado, frio e impossível. Pingou em nossos olhos, lavando a areia deles. Nossos olhos de entreabriram, piscando contra as gotas. Não nos importávamos com a areia em nossos olhos. Nosso queixo se ergueu, buscando desesperadamente, nossa boca se abrindo e fechando com fraqueza, pateticamente como um pássaro recém nascido.

 

Nós pensamos ter ouvido um suspiro.

 

Algo pressionou nossos lábios rachados, e a água aflorou. Nós nos engasgamos, tomamos cuidado para não inalá-la. Não que nos impostássemos de engasgar, mas não queríamos que afastassem a água de nós.

 

Nós bebemos até nossa barriga inchar e doer. A água acabou e gememos em protesto.

 

Outra borda foi pressionada em nossos lábios, e nós bebemos avidamente até estar vazia.

 

Nosso estomago explodiria se déssemos só mais um gole, mas piscamos tentando focar a visão para ver se achávamos mais. Estava muito escuro, não víamos uma única estrela, e então piscamos novamente e percebemos que a escuridão estava muito próxima para ser o céu.

 

Uma figura estava acima de nós mais escura que a noite. Houve um baixo som de pano se esfregando e areia sendo pisada, A figura se inclinou para longe de nós e ouvimos o som de um zíper que afastou toda a escuridão.

 

Como uma lamina, a luz feriu nossos olhos. Nós gememos em dor e nossas mãos se ergueram para proteger nossos olhos. Mesmo através das pálpebras a luz ainda estava muito clara. Quem quer que estava acima de nós ficou muito parado e naum disse nada.

 

Nós começamos a sentir a tensão no momento, mas ela estava longe de nós, fora de nós. Era difícil se importar com qualquer coisa que não a água em nossa barriga e onde podíamos encontrar mais. Nós tentamos nos concentrar para ver quem havia nos resgatado.

 

A primeira coisa que pudemos notar após minutos de cegueira e estrabismo, foi a brancura que saía da face escura, milhares de pontos brancos na noite. Quando nos demos conta que era uma barba,- como o papai Noel, pensamos caoticamente – uma outra face veio de nossa memória. Tudo se encaixou: o grande nariz pontudo, os largos ossos da bochecha, as grossas sobrancelhas brancas, os olhos envolvidos pela grossa pele enrugada. Apesar de só podermos ver partes da face, nós sabíamos o que a luz iria expor.

 

“Tio Jeb” nós engasgamos em surpresa. “Você nos encontrou.”

 

Tio Jeb acocorado perto de nós caiu para trás quando nos ouviu dizer seu nome.

 

“Olha só isso,” ele disse, e sua voz rouca trouxe de volta milhares de recordações. “Aqui está uma complicação.”

 

                                               Sentenciada

 

“Eles estão aqui?” nós cuspimos as palavras – elas saíram de nós como água de nossos pulmões, com força.

 

Depois da água isso era tudo o que importava. “Eles conseguiram?”

 

A expressão no rosto do Tio Jeb era impossível de ler na escuridão “Quem?” ele perguntou.

 

“Jamie! Jared!” Nosso sussurro queimou como um tiro. “Jared estava com o Jamie. Nosso irmão” Eles estão aqui? Eles vieram? Você os encontrou também?”

 

Ele não hesitou.

 

“Não” sua resposta foi curta, e não havia pena nela, nenhum sentimento.

‘Não” nós sussurramos. Nós não o estávamos repetindo, estávamos protestando contra termos sido resgatadas. Qual era o propósito? Nós fechamos nossos olhos novamente e escutamos à dor em nosso corpo, a deixamos afogar toda a dor em nossa mente.

 

“Olha” tio Jeb disse após um momento, “Eu, hã, tenho que resolver uma coisa. Você descanse um pouco e eu voltarei para você.”

 

Nós ouvimos os sons mas não os significados. Nossos olhos continuaram fechados. Não nos importávamos.

 

Eles se foram. Não havia como os encontrar, nenhuma esperança. Jared e Jamie desapareceram, algo que eles sabiam fazer, e nós nunca os veríamos novamente.

 

A água e o ar fresco da noite nos deixaram mais lúcida, o que nós não queríamos.

 

Nós nos viramos e enterramos nossa face na areia novamente. Estávamos tão cansadas, muito além do ponto da exaustão de forma mais profunda, um estado ainda mais doloroso. Claro, nós podíamos dormir. Tudo o que precisávamos fazer era não pensar. Nós podíamos fazer isso.

 

Fizemos.

 

Quando acordamos. Ainda era noite, mas o amanhecer estava ameaçando na parte leste do horizonte – as montanhas estavam avermelhadas. Na nossa boca, o gosto de areia e a principio tivemos certeza eu havíamos sonhado com tio Jeb. É claro qeu foi um sonho.

 

Nossa mente estava mais clara esta manhã e notamos a forma estranha perto da nossa bochecha – algo que não era cacto ou pedra. Nós tocamos e era rígido e macio. Nós apertamos, e um delicioso som de água veio lá de dentro.

 

Tio Jeb era real e ele nos deixou um cantil.

 

Nós nos sentamos cuidadosamente, surpresas quando não nos partimos em dois como um frágil pedaço de pau. Na verdade nós sentíamos melhor. A água deve ter tido tempo de agir por partes do nosso corpo. A dor era suportável, e pela primeira vez em muito tempo sentimos fome.

 

Nossos dedos estavam rígidos e descoordenados enquanto tentávamos abrir a boca do cantil. Não estava completamente cheio, mas havia água o suficiente para encher o nosso estomago – devia ter encolhido.

 

Nós bebemos tudo, chega de racionar. Largamos o cantil na areia onde caiu com um barulho seco, alto no silencio do deserto. Nós suspiramos, preferindo a inconsciência, e deixamos nossa cabeça cair em nossas mãos. E agora?

 

“Por que você deu água à coisa, Jeb?” uma voz irritada exigiu saber perto das nossas costas,

 

Nós nos viramos, nos torcendo ajoelhadas. O que nós vimos fez nosso coração acelerar e nossa apatia foi embora.

 

Havia oito humanos em um meio circulo em volta de onde eu estava ajoelhada, em baixo da arvore. Não havia duvida que eram humanos, todos eles. Eu nunca vi faces contorcidas nesse tipo de expressão – não na minha espécie. Esses lábios torcidos com ódio, afastados mostrando os dentes, como animais selvagens. Essas sobrancelhas baixas sobre os olhos queimando de fúria.

 

Seis homens e duas mulheres, alguns deles muito grandes, a maioria maiores do que eu. Eu senti o sangue abandonar minha face quando percebi por que as suas mãos estavam naquela posição estranha – apertadas na frente deles, cada um balançando um objeto. Eles estavam armados. Alguns com facas – pequenas facas como as que eu mantinha na cozinha, e algumas maiores, uma enorme e ameaçadora, o tipo de faca que não tinha utilidade nenhuma em uma cozinha. Melanie me deu um nome: facão.

 

Outros seguravam longas barras, algumas de metal outras de madeira. Porretes.

 

Eu reconheci ti Jeb entre eles. Em suas mãos um objeto que eu nunca havia visto pessoalmente somente nas memórias de Melanie, como o facão. Era um rifle.

 

Eu vi horror, mas Melanie via maravilhada o número de humanos, oito humanos sobreviventes. Eles pensou que Jeb estaria sozinho, na melhor das hipóteses com uns dois mais. Ver tantos de sua espécie vivos a encheu de alegria.

 

Você é uma idiota, eu a disse, Olhe para eles. Veja eles.

 

Eu a forcei a vê-los sob a minha perspective: a ver as formas ameaçadoras. Eles podiam ter sido humanos, mas nesse exato momento eles eram alguma outra coisa. Bárbaros, monstros.

 

Eles estavam sobre nós, querendo sangue. Havia uma sentença de morte em cada par de olhos. Melanie viu tudo isso e , apesar de resistir, teve que admitir que eue estava certa. Neste momento seus amados humanos estavam em seu pior aspecto – com as histórias que lemos na cabana abandonada. Nós estávamos olhando para assassinos.

 

Nós devíamos ter morrido ontem, seria mais esperto.

 

Por que tio Jeb nos manteria vivas para isso? Um arrepio passou por mim ao pensar nisso. Eu busquei nas histórias que eu havia lido sobre as atrocidades humanas. Eu não tinha estomago para elas. Talvez eu devesse ter me concentrado melhor, eu sabia por que os humanos deixavam suas vitimas vivas por um período mais longo, as coisas que eles queriam de suas mentes e corpos....

 

É claro que veio a minha mente, o único segredo que eles poderiam querer de mim. O único que eu nunca poderia dar a eles. Não importasse o que eles fizessem comigo. Eu teria que me matar antes.

 

Eu não deixei Melanie ver o segredo que eu protegeria. Eu usei suas próprias defesas contra ela e joguei uma parede em minha mente para esconder a informação que eu pensava agora, pela primeira vez desde a inserção. Não havia tido motivo para pensar nisso antes. Melanie não estava nem um pouco curiosa sobre o que havia do outro lado da parede; ela não fez o menor esforço para quebrar a defesa.

 

Havia muito mais importantes preocupações agora.

 

Importava se eu protegesse o segredo dela? Eu não era forte como Melanie eu naum tinha duvidas que ela poderia sobreviver a tortura. Quanta dor eu suportaria até dar a eles qualquer coisa que eles quisessem?

 

Meu estomago revolveu-se. Suicídio era uma idéia repulsiva – pior ainda por que seria assassinato também. Melanie sofreria a tortura e a morte também. Eu esperaria até que não houvesse nenhuma opção.

 

Não, ele não podem. Tio Jeb nunca deixaria eles me machucarem.

 

Tio Jeb não sabe que você está aqui. Eu a lembrei.

 

Diga a ele!

 

Eu me concentrei na face do homem mais velho. A grossa barba branca me impedia de ver sua boca, mas seus olhos não queimavam como os dos outros. Pelo canto dos meus olhos eu pude ver alguns homens mudarem o olhar de mim para ele.

 

Eles estavam esperando para ouvir a resposta a pergunta que me fez notar a presença deles.

 

Tio Jeb olhava para mim, ignorando-os.

 

Eu não posso dizer para ele Melanie. Ele não irá acreditar. E se eles pensarem que estou mentindo eles acharão que eu sou um Rastreadora. Eles devem ter experiência o suficiente para saber que só uma Rastreadora viria aqui e contaria uma mentira, uma história com o intuito de se infiltrar.

 

Melanie reconheceu a verdade em meus pensamentos. A simples menção a palavra Rastreador a fez se encolher com ódio, e ela sabia que esses estranhos teriam a mesma reação.

 

Não importa. Eu sou uma alma – é o suficiente para eles.

 

O homem com o facão, o maior dos homens aqui, com cabelos negros, pele muito branca e com olhos vividamente azuis – fez um som de nojo e cuspiu no chão. Ele deu um passo a frente, lentamente erguendo o facão.

 

Melhor rápido do que lentamente. Melhor que seja essa mão bruta ao invés da minha que nos matará. Melhor que eu não morresse como uma criatura violenta responsável pela morte não só minha mas a de Melanie também.

 

“Espera aí Kyle” as palavras de Jeb saíram lentas, quase casuais, mas o grandalhão parou. Ele endureceu a expressão ainda mais e se virou para encarar o tio de Melanie.

 

“Por quê? Você disse que se certificou. É um deles.”

 

Eu reconheci a voz – era a mesma que perguntou a Jeb porque ele havia me dado água.

 

‘Bem, é, ela é mesmo. Mas é meio complicado.”

 

“Como?’ Um homem diferente perguntou. Eles estava ao lado do grandão Kyle, e eles se pareciam tanto que só podiam ser irmãos.

 

“Veja bem, essa aqui é minha sobrinha também.”

 

“Não mais, não é não.” Kyle disse firmemente. Ele cuspiu novamente e deu mais um passo deliberado em minha direção, a lamina pronta. Eu vi pelo movimento em seus ombros que palavras não mais o parariam. Eu fechei os olhos.

 

Dois sons de metálicos e alguém arfou. Meus olhos se abriram novamente.

 

“Eu disse espera Kyle.” A voz do tio Jeb ainda soava relaxada mas o rifle estava firme em suas mãos e apontava para as costas de Kyle, que havia congelado a alguns passos de mim, seu facão parado acima de seu ombro em um movimento pausado.

 

“Jeb” o irmão perguntou “O que você está fazendo?”

 

“Afaste-se da garota Kyle.”

 

Kyle virou de costas para nós encarando Jeb com fúria. “Não é uma garota Jeb!”

 

Jeb deu de ombros, a arma continuou firme nas mãos dele apontada para Kyle. “Há coisas a serem discutidas.”

 

“O doutor pode aprender algo com a coisa.” Uma grossa voz feminina sugeriu.

 

Eu me encolhi ao ouvir as palavras, ouvindo nelas o meu maior medo. Quando Jeb me chamou de sobrinha ainda agorinha eu estupidamente deixei uma chama de esperança aflorar – talvez houvesse sido pena. Eu fui estúpida. Morte era a única piedade que eu poderia esperar dessas criaturas.

 

Eu olhei a mulher que havia falado, surpresa de ver que ela era tão velha quanto Jeb, talvez mais velha. Seus cabelos eram cinzas ao invés de branco razão pela qual eu não notei sua idade antes. Seu rosto era uma massa de rugas que formavam uma expressão de raiva. Mas havia algo familiar nos traços dela.

 

Melanie fez a conexão em sua mente entre essa face velha e outra, mais suave.

 

‘Tia Maggie? Você aqui? A Sharon – ‘ Essas palavras eram todas da Melanie, mas elas saíram pela minha boca e eu fui incapaz de impedi-las. Compartilhando por tanto tempo no deserto a fez mais forte ou me fez mais fraca. Ou talvez eu estava me concentrando para ver de que lado o golpe da morte viria.

 

Eu estava preocupada com a morte e ela tendo uma reunião familiar.

 

Melanie só chegou na metade de sua exclamação surpresa. A muito mais velha mulher chamada Maggie se lançou para frente com uma velocidade que ia contra sua imagem exterior. Ela não ergueu a mão que segurava a barra, essa era a mão que eue estava observando, então eu não vi a mão livre se erguer para me estapear com força bem na cara.

 

Minha cabeça foi e voltou. Ela me bateu de novo.

 

“Você não irá nos enganar, parasita. Nós sabemos como vocês trabalham. Nós sabemos o quão bem vocês podem nos imitar.”

 

Eu senti o gosto de sangue na minha bochecha.

 

Não faça isso de novo! Eu briguei com Melanie. Eu disse que era isso que eles iriam pensar.

 

Melanie estava muito chocada para responder.

 

“Opa Maggie, ‘Jeb começou em um tom apaziguador.

 

“Não começa Jeb, seu velho idiota! Ela provavelmente guiou uma legião deles para nós.” Ela se afastou de mim me medindo com o olhar como se eu fosse uma cobre pronta para dar o bote. Ela parou ao lado do irmão.

 

‘Eu não vejo ninguém.’ Jes respondeu. “HEY!” ele gritou, e eu me encolhi com a surpresa. Eu não fui a única. Jeb sacudiu a mão em um cumprimento “AQUI!”

 

“Cala a boca!” Maggie grunhiu, empurrando o peito dele. Apesar dela ser forte – eu bem o sabia – Jeb nem se moveu.

 

“Ela está sozinha, Mag. Ela estava praticamente morta quando eu a encontrei – ela ainda não está em grande forma. Esses centípedes não se sacrificam desse jeito. Eles já teriam vindo a mais tempo para a resgatar. Seja lá o que ela for, ela está sozinha.

 

Eu via a imagem do inseto, longo com várias patas na minha cabeça, mas eu não fiz a conexão.

 

Ele está falando de você, Melanie explicou. Ela colocou a imagem do feio inseto ao lado de uma imagem de uma alma prateada e brilhante, eu não via semelhança.

 

Eu imagino como ele sabe a aparência de vocês. Melanie pensou distraída. Só recentemente Melanie havia visto a aparência de uma alma.

 

Eu não tinha tempo de ficar refletindo como ela. Jeb estava andando na minha direção, e os outros atrás dele, bem próximos. Kyle colocou as mãos no ombro de Jeb, pronto para o segurar ou o tirar do caminho, eu não saberia dizer. Jeb passou a arma para sua mão esquerda e estendeu a direita para mim. Eu o olhei assustada, esperando pela pancada.

 

“Venha.” ele me apressou gentilmente “Se eu pudesse carregar você até tão longe, eu a teria levado para casa ontem a noite. Você vai ter que andar mais um pouco.”

 

Não” Kyle rosnou.

 

“Eu a levarei.”Jeb disse, e pela primeira vez havia uma rudeza em sua voz. Por baixo da barba sua mandíbula se apertou.

 

“Jeb!” Meggie protestou.

 

“O lugar é meu, Meg. Eu farei o que bem entender.”

 

“Velho tolo.” Ela disse.

 

Jeb se agachou e pegou minha mão que estava fechada sobre a minha coxa e me levantou, não com violência, mas como se ele estivesse co pressa. No entanto, isso não era ainda mais cruel? Prolongar a minha vida pelos motivos que eles tinha?

 

Eu me balancei sem equilíbrio; Eu não conseguia sentir minhas pernas muito bem. Só câimbras como agulhadas conforme o sangue descia.

 

Houve um murmúrio de desaprovação atrás dele. Veio de mais de uma boca.

 

“Okay, seja lá o que você for,” ele disse para mim, sua voz ainda gentil. “Vamos sair daqui antes que fique mais quente.”

 

O que parecia ser o irmão de Kyle pôs uma mão sobre o braço de Jeb.

 

“Você não pode simplesmente mostrar para a coisa onde nós moramos, Jeb.”

 

“Eu imagino que não fará diferença.” Maggie disse rudemente “Não terá a chance de contar a ninguém.”

 

Jeb suspirou e puxou um lenço do seu pescoço, estava totalmente escondida pela barba.

 

“Isso é idiotice.” Ele murmurou, mas colocou o tecido sujo, enrijecido por causa do suor, em volta de meus olhos.

 

Eu fiquei perfeitamente parada enquanto ele a colocava em meus olhos, lutando contra o pânico que aumentava quando eu não via os meus inimigos. Eu não podia ver, mas eu sabia que foi Jeb quem colocou uma mão nas minhas costas para me guiar; nenhum dos outros teria sido tão gentil.

 

Nós fomos em frente, em direção ao norte, eu acho. Ninguém falou – só havia o som da areia sendo pisada. O solo era reto mas eu tropeçava em minhas pernas insensíveis várias vezes.

 

Jeb era paciente, sua mão que me guiava era quase cavalheiresca.

 

Eu senti o sol nascer enquanto andávamos. Alguns passos eram mais rápidos do que outros. Alguns passaram por nós até que eu não fui capaz de ouvi-los mais. Parecia que a minoria havia ficado para trás. Não devia parecer que eu precisava de muitos guardas – eu estava a ponto de desmaiar de fome, e hesitava a cada passo; minha cabeça girava e parecia vazia.

 

“Você não planeja contar a ele, planeja?” Era a voz de Maggie, veio de alguns passos atrás de mim, e parecia uma acusação.

 

“Ele tem o direito de saber.” Jeb respondeu. A teimosia era clara em sua voz.

 

“Não é uma coisa justa o que você está fazendo, Jebediah.”

 

“A vida não é justa, Magnolia.”

 

Era difícil decidir quem era mais assustador dos dois. Jeb, que parecia querer me manter viva? Ou Maggie que foi quem sugeriu o doutor- sugestão que me deixou cheia de náusea – mas que parecia mais preocupada com crueldade do que o irmão?

 

Andamos em silêncio por algumas horas. Quando minhas pernas falharam e eu caí, Jeb se abaixou com o cantil e me deu água, como ele fez a noite passada.

 

“Avise-me quando você estiver pronta.” Ele me disse. Sua voz soava gentil, mas eu sabia que essa era uma interpretação errada.

 

Alguém suspirou impacientemente.

 

“Por que você está fazendo isso Jeb?” Um homem perguntou, era um dos irmãos. “Para o Doc [Nota da Tradutora: diminutivo de doutor]? Você poderia ter dito isso ao Kyle. Você não precisava ter apontado a arma para ele.”

 

“Kyle precisa ter uma arma apontada para ele mais constantemente.” Jeb murmurou.

 

“Por favor me diz que isso não por causa de afeição;” o homem continuou “Depois de tudo o que você viu....”

 

“Depois de tudo o que eu vi, se eu não tivesse aprendido compaixão eu não valeria muito, mas não, não tem nada a ver com compaixão, se eu tivesse tido compaixão por essa criatura eu a teria deixado morrer.”

 

Eu me arrepiei sob o ar quente.

 

“Então por quê?” O irmão de Kyle perguntou.

 

Houve um longo silêncio e então a mão de Jeb tocou a minha. Eu a agarrei, precisando do suporte para me levantar. Sua outra mão voltou às minhas costas e continuamos a andar.

 

“Curiosidade.” Jeb disse em uma voz baixa.

 

Ninguém respondeu.

 

Enquanto eu andava, eu considerava alguns fatos que eu já sabia. Um, eu não era a primeira alma que eles haviam capturado, havia uma rotina aqui. Esse “Doc” já havia tentado tirar algumas respostas dos outros antes de mim. Dois, ele não obteve sucesso. Se qualquer alma tivesse esquecido-se do suicídio e cedido sob tortura eles não precisariam de mim. Minha morte teria sido piedosamente rápida.

 

Estranhamente, eu não conseguia me fazer esperar por uma morte rápida, ou tentar visualizar esse final. Teria sido mais fácil, eu só teria que dizer uma mentira, dizer que eu era uma Rastreadora, dizer que meus colegas estavam procurando eles, ameaçando eles. Ou dizer a verdade, que Melanie vivia dentro de mim, e que ele havia me trago até aqui. Eles veriam nisso outra mentira, e uma tão irresistível – a idéia que um humano podia sobreviver a implantação – tão irresistível que eles achariam que eu era um Rastreadora ainda com mais certeza do que se eu simplesmente dissesse isso; Eles imaginariam que era uma armadilha, se livrariam de mim rapidamente e procurariam outro lugar para viver, bem longe daqui.

 

Você está certa. Melanie concordou É o que eu faria.

 

Mas eu não estava em sofrimento ainda, então as duas formas de suicídio eram difíceis de abraçar, meu instinto de sobrevivência manteve minha boca fechada. A memória do meu último encontro com a Confortadora, Melanie me desafiando a removê-la, um impulso suicida parecido, mas somente um blefe. Eu lembro de ter pensado o quão difícil seria contemplar a morte de uma cadeira confortável. Noite passada Melanie e eu desejamos a morte, mas a morte havia estado à centímetros de nós, era diferente agora que eu estava de pé novamente.

 

Eu também não quero morrer. Melanie suspirou Mas talvez você esteja errada. Talvez não seja por isso que eles estão nos mantendo vivas. Eu não entendo por que eles iriam.... Ela não queria ver as coisas que eles poderiam fazer conosco. – eu tenho certeza que ela poderia imaginar coisas muito piores do que eu. Que resposta eles quereriam de você tanto assim?

 

Eu nunca direi. Nem a você nem a nenhum humano.

 

Uma declaração corajosa. Mas eu ainda não estava com dor....

 

Mais uma hora passou – o sol estava diretamente sobre nossas cabeças. O calor dele como uma coroa de fogo sob meu cabelo – quando o som mudou. Os sons de passos que eu mal ouvia mais virou ecos a minha frente.

 

Os pés de Jeb ainda batiam sob a areia como os meus, mas alguém a nossa frente já havia chegado num terreno diferente.

 

“Cuidado agora.” Jeb me avisou. “Cuidado com a cabeça.”

 

Eu hesitei, não sabendo pelo que esperar. Sua mão deixou minhas costas e pressionou minha cabeça para baixo, me dizendo para me abaixar. Eu me inclinei para frente. Meu pescoço estava duro.

 

Ele me guiou para frente novamente, e eu ouvi nossos passos fazerem os mesmos sons de ecos. O solo não parecia com areia, mas não parecia solto, como pedras. Era reto e sólido.

 

O sol havia ido embora – eu não o sentia me queimar mais. Eu dei mais um passo, e um ar diferente tocou a minha face. Não era uma brisa – EU me movia para ele.

 

O vento seco do deserto foi embora. O ar estava parado e frio. Havia um certo quê de umidade que eu podia sentir.

 

Havia tantas perguntas na minha cabeça e na de Melanie. Ela queria perguntas a delas, mas eu mantive o silêncio Não havia nada que nós pudéssemos dizer que nos ajudaria.

 

“Okay, você pode se erguer.” Jeb me disse.

 

Eu levantei a cabeça lentamente. Mesmo com a venda nos olhos eu podia dizer que não tinha luz. Estava completamente negro em volta dos limites do lenço. Eu podia ouvir os outros atrás de mim, batendo o pé impacientemente, esperando que nós andássemos para frente.

 

“Por aqui,” Jeb disse, e ele estava me guiando novamente. Nossos passos ecoavam de volta rapidamente – o lugar onde estávamos devia ser bem pequeno. Eu encolhi minha cabeça instintivamente.

 

Nós demos mais alguns passos para frente e então fizemos uma curva fechada que parecia nos levar de volta por onde viemos.

 

O chão começou a encurvar para baixo, uma descida. O ângulo foi ficado maior a cada passo, e Jeb me deu suas mãos grossas para que eu não caísse. Eu não sei por quanto tempo eu tropecei e escorreguei pela escuridão. A caminhada provavelmente pareceu maior do que era devido ao meu terror.

 

Nós viramos novamente, e então o chão se inclinou para cima, minhas pernas estavam tão dormentes e duras que Jeb teve meio que me empurrar para cima. O ar ficou mais úmido conforme andávamos, mas a escuridão não mudou. Os únicos sons eram dos passos próximos.

 

O caminho se estabilizou e começou a girar e torcer como uma serpente.

 

Finalmente, finalmente, havia uma luminosidade por cima e por baixo da venda. Eu queria que escorregasse eu estava com muito medo para removê-la eu mesma. Eu achava que não estaria tão aterrorizada se eu pudesse pelo menos ver onde eu estava e quem estava comigo.

 

Com a luz veio barulho. Um barulho estranho, um murmúrio baixo, parecia mais com uma cachoeira.

 

O murmúrio ficou mais alto quando andamos mais. E quanto mais perto chegávamos menos parecia com água. Era muito variado, alguns sons baixos, outros altos. Se não estivesse tão descoordenado, eu acharia que era a música que contávamos no Mundo Cantante. A escuridão da venda se encaixava nessa memória, a memória da cegueira.

 

Melanie entendeu a cacofonia antes de mim, eu nunca havia ouvido esse som antes pq eu nunca havia estado com humanos antes.

 

É uma discussão ela percebeu, Parece com muitas pessoas discutindo.

 

Ela se sentiu atraído pelo barulho. Havia mais pessoas aqui então: Mais do que as oito que nos surpreenderam? Que lugar era esse?

 

 

Mãos tocaram a parte de trás do meu pescoço, e eu tentei me afastar delas.

 

“Calma.” Jeb disse. Ele removeu a venda dos meus olhos.

 

Eu pisquei lentamente, e as sombras ao meu redor faziam formas que eu podia entender agora, rudes e desiguais rochas, um teto, o chão empoeirado e gasto. Nós estávamos abaixo da terra em uma caverna natural. Não devíamos estar muito fundo. Pareceu que havíamos andado para cima mais do que para baixo.

 

As paredes e teto de rocha eram de um marrom arroxeado escuro, e estavam cheio de buracos largos e desiguais, como queijo suíço. As pontas dos buracos mais baixos estavam gastos, mas sobre minha cabeça as pontas estavam afiadas. A luz vinha de um buraco grande acima de nós. Era a entrada, a porta para algum lugar mais claro. Melanie estava ansiosa, maravilhada pelo conceito de mais humanos. Eu dei um passo para trás, pensando que a escuridão fosse melhor do que a visão.

 

Jeb suspirou, “Desculpe.” Tão baixo que somente eu devia ter ouvido.

 

Eu tentei engolir e não consegui. Minha cabeça começou a girar, mas isso podia ser por causa da fome. Minhas mãos estavam tremendo quando Jeb me puxou com ele através do buraco grande. O túnel se abriu em uma câmera tão grande que a principio eu não conseguia aceitar o que meus olhos me diziam. O teto era muito alto e muito claro, como um céu artificial. Eu tentei ver o que o iluminava, mas doeu nos meus olhos, a luz era muito clara.

 

Eu esperava que a discussão ficasse mais alta, mas abruptamente parou. O piso era escuro. Eu levei um minuto para entender as sombras a minha frente.

 

Uma multidão. Não havia outra palavra para isso – havia uma multidão de humanos congelados em seus lugares e silenciosos, todos me encarando com as mesmas expressões cheias de ódio.

 

Melanie estava muito chocada para fazer qualquer outra coisa além de contar. Dez, quinze, vinte, vinte e cinco, vinte e seis, vinte e sete.

 

Eu não me importava em quantos eram. Eu tentei dizer a ela que não importava, não precisaria de vinte deles para me matar. Para nos matar. Eu tentei fazer ela ver a delicadeza de nossa situação, mas ela estava além de avisos agora, perdida neste mundo humano que ela nunca sonhou existir.

 

Um homem deu um passo para frente, e meus olhos foram direto para as mãos tentando ver a arma que ele carregaria. Suas mãos estavam fechadas em punhos, mas vazias.

 

Meus olhos, se ajustando a luz, percebeu o tom bronzeado de sua pele e o reconheceu.

 

Sufocando na onda de esperança que me encheu, eu ergui meus olhos para a face do homem.

 

                                             Disputada

 

Foi demais, para nós duas, vê-lo ali após ter aceito que nunca mais o veríamos, após ter acreditado que nós o havíamos perdido para sempre. Fiquei congelada, incapaz de reagir.

 

Eu queria olhar para Tio Jeb e entender o porquê daquela resposta arrasadora que ele nos havia dado no deserto, mas eu não conseguia mover meus olhos. Eu olhava para o rosto de Jared sem entender.

 

Melanie reagiu diferentemente.

 

“Jared” ela chamou através de nossa garganta muito machucada, o som quase um coaxo.

 

Ela me arrastou para frente, assumindo o controle, como ela havia feito no deserto, a única diferença é que agora foi pela força. Eu não a consegui parar rápido o bastante. Ela se jogou para frente e ergueu os braços para tocá-lo. Eu gritei um aviso para ela em minha cabeça, mas ela não estava escutando.

 

Ela mal percebia que eu estava lá.

 

Ninguém tentou impedi-la exceto eu. Ela estava a centímetros dele e ainda não via o que eu vi. Ela não viu como o seu rosto havia mudado nos longos meses de separação, como endureceu, as linhas de expressão em direções diferentes agora. Ela não percebeu que o sorriso inconsciente dele não caberia mais nesse novo rosto.

 

Somente uma vez ela havia visto o seu rosto obscurecido e perigoso e não era nada comparada a expressão que ele usava agora. Ela não viu, ou talvez não ligou.

 

O alcance dele era maior que o meu. Antes de Melanie conseguir tocá-lo, o braço dele se ergueu e as costas de sua mão bateram em nossa face. O golpe foi tão forte que meus pés se ergueram do chão antes do meu corpo cair no chão. Eu ouvi o barulho seco que meu corpo fez ao bater forte no chão, mas eu não senti.

 

Meus olhos giraram na orbita e um som de sinos tocou em meus ouvidos. Eu lutei contra a tontura que ameaçava que deixar inconsciente.

 

Idiota, idiota. Eu a disse Eu disse para você não fazer isso!

 

Jared está aqui, Jared está vivo, Jared está aqui. Ela estava incoerente, repetindo as palavras como se fosse a letra de uma música.

 

Eu tentei focalizar meus olhos, mas o teto estranho me cegava. Eu girei minha cabeça para longe da luz e engoli um soluço quando o movimento enviou pontadas de dor à lateral do meu rosto. Eu mal conseguia lidar com a dor desse golpe espontâneo, que esperança eu tinha que suportar uma tortura intensiva e calculada?

 

Houve um som de pés se movendo, meus olhos instintivamente procuraram pela ameaça e eu vi tio Jeb parado sobre mim. Ele me ofereceu uma mão, mas ele hesitou, olhando para longe de mim. Eu ergui minha cabeça um centímetro para ver o que ele via.

 

Jared caminha em nossa direção, e sua expressão era a mesma bárbara da dos homens no deserto – só que mais bonita do que assustadora. Meu coração falhou e bateu sem ritmo e eu queria rir de mim mesma. Importava o quão belo ele era, o quanto eu o amava? Se ele iria me matar?

 

Eu olhei para sua expressão assassina e tentei manter a esperança de que a ira iria se sobrepor a crueldade, mas o verdadeiro desejo de morrer havia me deixado.

 

Jeb e Jared se encararam por um longo momento. O maxilar de Jared duramente pressionado, a face de Jeb estava calma. A confrontação silenciosa acabou quando Jared subitamente deu um suspiro exalado de raiva contida e deu um passo para trás.

 

Jeb alcançou minha mão e colocou sua outra mão nas minhas costas para me ajudar a levantar. Minha cabeça girou e doeu; meu estomago se contorceu, e se não estivesse vazio há dias, eu teria vomitado.

 

Parecia que meus pés nem tocavam o chão, meu passo falhou eu quase caio, Jeb me ergueu segurando firme meus cotovelos para não me deixar cair.

 

Jared observava tudo rangendo os dentes. Como uma idiota, Melanie quis se mover novamente em direção a ele. Mas eu já havia superado o choque e estava menos estúpida do que ela. Ela não passaria por mim novamente. Eu a prendei atrás de todas as barras que consegui criar.

 

Fique quieta. Você não consegue ver que ele me detesta? Qualquer coisa que você disser vai piorar as coisas. Nós estamos mortas.

 

Mas Jared está vivo, Jared está aqui. Ela cantarolou.

 

A quietude na caverna se dissolveu; sussurros vinham de todos os lados, ao mesmo tempo, como se eu tivesse perdido alguma deixa. Eu não conseguia entender nada dos murmúrios.

 

Meus olhos percorreram a multidão de humanos – todos eram adultos, nenhum menor, nenhuma figura mais jovem entre eles. Meu coração doeu com a ausência, e Melanie lutou para fazer a pergunta. Eu a silenciei com firmeza.

 

Não havia nada para se ver aqui, somente raiva e ódio nos rostos estranhos ou a raiva e ódio no rosto de Jared.

 

Até que um homem abria caminho pela massa que murmurava. Ele era magro e alto, sua estrutura óssea mais obvia quando ele se movia do que a dos outros. Seu cabelo era curto, castanho claro ou loiro escuro.

 

Não havia raiva em seu rosto, razão pela qual eu mantive os olhos nele.

 

Os outros abriram caminho para ele como se esse homem tivesse algum status. Só Jared não se afastou, ele se manteve onde estava e mantinha seus olhos em mim. O homem alto deu a volta por Jared sem se incomodar com o obstáculo em seu caminho.

 

“Okay, okay.’ Ele disse em uma voz estranhamente alegre enquanto circundava Jared e parou para me encarar. “Eu estou aqui. O que vocês têm aí?”

 

Foi tia Maggie quem respondeu, aparecendo ao lado dele.

 

“Jeb encontrou a coisa no deserto. Costumava a ser nossa sobrinha Melanie. Parece estar seguindo as direções que ele deu a ela.” E deu um olhar maldoso para Jeb.

 

“Mm-hm” o homem alto e esquelético murmurou, seus olhos me avaliando curiosamente. Era estranho, ele parecia aprovar o que via. Eu não conseguia entender por que ele iria aprovar algo.

 

Meu olhar se afastou dele para outra mulher – uma jovem que também estava ao seu lado, sua mão apoiada em seu braço – meus olhos atraídos pelo cabelo flamejante.

 

Sharon – Melanie gritou.

 

A prima de Melanie viu o reconhecimento em meus olhos e sua expressão se enrijeceu. Eu empurrei Melanie para o fundo da minha mente . Shhhhh!

 

“Mn – hm’ o homem alto disse novamente. Ele ergueu uma mão para o meu rosto e pareceu surpreso quando eu me afastei, me encolhendo ao lado de Jeb.

 

“Está tudo bem” o homem alto disso, sorrindo em encorajamento, “Eu não irei lhe machucar.”

 

Ele avançou em direção ao meu rosto novamente. Eu me encolhi ao lado de Jeb novamente, mas Jeb fez uma pressão com seus braços em torno de mim e me empurrou para frente, gentilmente.

 

O homem alto tocou minha mandíbula abaixo da minha orelha, seus dedos mais gentis do que eu esperava, e virou o meu rosto de lado. Eu senti seus dedos traçando a linha na parte de trás de meu pescoço, e eu percebi que ele estava examinando a cicatriz da minha inserção.

 

Eu observei Jared com o canto dos olhos. O que esse homem estava fazendo claramente o irritava, e eu achei que sabia por que – ele devia odiar essa linha rosada no meu pescoço.

 

Jared franziu a testa, mas eu me surpreendi ao ver que um pouco da raiva havia diminuído, suas sobrancelha unidas em uma expressão que parecia que ele estava confuso.

 

O homem alto deixou sua mãos caírem e ele se afastou de mim. Seus lábios pressionados, em seus olhos uma expressão de desafio.

 

“Ela parece bem sadia, exceto pela recente exaustão, desidratação e desnutrição. Eu acho que você colocou água o bastante dentro dela para que a desidratação não vá interferir. Ok, então” Ele fez um movimento estranho, inconsciente com a mão, como se afastasse os outros. “Vamos começar.”

 

Então suas palavras e o breve exame se encaixaram e eu entendi – esse homem de aparência gentil que havia acabado de prometer não me machucar era o doutor.

 

Tio Jeb deu um pesado suspiro e fechou os olhos.

 

O doutor esticou a mão, me convidando a pegá-la. Eu fechei minhas mãos em pulsos atrás de minhas costas. Sua boca franziu, mas não em raiva. Ele estava considerando o que fazer.

 

“Kyle, Ian?” ele chamou, virando a cabeça para achar as pessoas que ele chamou.

 

Meus joelhos falharam quando os dois irmãos de cabelos negros grandalhões se aproximaram.

“Eu acho que precisarei de ajuda. Talvez se vocês carregarem – “ o médico, que não parecia assim tão alto do lado de Kyle começou a dizer.

 

“Não.”

 

Todo mundo se virou para ver quem havia dito isso. Eu não precisei olhar, eu reconhecia a voz. Eu olhei para ele mesmo assim.

 

As sobrancelhas de Jared estavam franzidas com força sobre seus olhos, seus lábios torcidos em uma expressão estranha. Tantas emoções misturadas passavam pelo seu rosto que era difícil acompanhar. Raiva, desafio, confusão, ódio, medo... dor.

 

O médico piscou, seu rosto ficando sem expressão com a surpresa. “Jared? Algum problema?”

 

“Sim.”

 

Todos esperaram. Ao meu lado, Jeb estava segurando os cantos da boca para baixo, contendo um sorriso. Se era isso o velhote tinha um senso de humor muito estranho.

 

“E qual é o problema?” o doutor perguntou.

 

Jared respondeu pelos dentes. “Eu te direi o problema, Doc. Qual a diferença entre deixar você fazer o seu trabalho e Jeb colocar uma bala na cabeça da coisa?”

 

Eu tremi. Jeb deu uns tapinhas de conforto em meu braço.

 

O doutor piscou. “Bem” foi tudo o que ele disse.

 

Jared respondeu sua própria pergunta. “A diferença é, se Jeb matar a coisa, pelo menos a morte será limpa.”

 

“Jared” a voz do doutor era apaziguadora, a mesma que ele usou comigo. “Nós aprendemos tanto todas as vezes, Talvez dessa vez....”

 

“Háh!” Jared ironizou “Eu não vejo muito progresso sendo feito, Doc.”

 

Jared irá nos proteger, Melanie pensou fracamente.

 

Era difícil se concentrar para pensar nas palavras Não nós, só o seu corpo.

 

É o suficiente... A voz dela parecia vir de longe, fora da minha cabeça dolorida.

 

Sharon deu um passo para frente para ficar meio na frente do doutor em uma posição estranhamente protetora.

 

“Não há sentido em perder essa oportunidade” ela disse segura “ Todos nós percebemos que isso é difícil para você Jared, mas no final das contas essa decisão não é sua. Nós temos que considerar o que é melhor para a maioria.”

 

Jared olhou ameaçadoramente para ela “Não.” A palavra um rosnado.

 

Eu podia dizer que ele não sussurrou a palavra, mas foi o que pareceu para mim, tudo estava, de repente, muito quieto. Os lábios de Sharon se moviam, apontando um dedo para o Jared viciosamente, mas tudo o que eu ouvia era um baixo murmúrio. Nenhum deles deu um passo, mas eles pareciam estar se afastando de mim.

 

Eu vi os irmãos se aproximarem de Jared com expressões raivosas. Eu senti minhas mãos se erguerem em protesto, mas elas só se torceram sem se erguer. O rosto de Jared ficou vermelho enquanto ele falava, os tendões em seus pescoço visíveis enquanto ele gritava, mas eu não ouvia nada.

 

Jeb soltou meu braço e eu vi o cinza do cano do rifle balançar perto de mim. Eu tentei me afastar dele, apesar de não estar apontada para mim. Daí eu me desequilibrei e eu vi o cômodo se mover lentamente para um lado.

 

“Jamie” Eu suspirei enquanto a luz se apagava em meus olhos.

 

O rosto de Jared estava de repente muito perto, se inclinando sobre mim com uma expressão feroz.

 

“Jamie?” Eu suspirei novamente, dessa vez uma pergunta. “Jamie?”

 

A voz grossa de Jeb responder de algum lugar distante.

 

“O garoto está bem. Jared o trouxe para cá.”

 

Eu olhei para a face atormentada de Jared, rapidamente desaparecendo na nevoa que cobria meus olhos.

 

“Obrigado.”

 

E então eu me perdi na escuridão.

 

                                   Vigiada

 

Quando ao recobrei a consciência, não havia desorientação. Eu sabia exatamente onde estava, genericamente falando, e mantive meus olhos fechados e minha respiração calma. Eu tentei aprender o máximo possível da minha situação sem revelar que já estava acordada.

 

Eu estava com fome. Meu estomago torcia e revirava e fazia barulhos estranhos. Eu duvidada que esses barulhos fossem me entregar – eu estava certa de que ele fez esses barulhos mesmo comigo dormindo.

 

Minha cabeça doía ao extremo. Era impossível dizer se doía devido a exaustão ou pelas pancadas que recebeu. Eu estava deitada sobre uma superfície dura. Dura ... circular. Não era reta, mas curvada, como se eu estivesse deitada em uma sopeira rasa. Não era confortável. Minhas costas e quadris doíam de ficar curvada nessa posição. Essa foi a dor que deve ter me acordado; eu me sentia longe de descansada.

 

Estava escuro – eu podia dizer sem ter que abrir os olhos. Não completamente escuro, mas muito escuro. O ar estava ainda mais úmido do que antes – úmido e corrosivo, com um toque acre peculiar que parecia grudar no fundo da minha garganta. A temperatura era mais fria do que no deserto mas a umidade fazia quase tão desconfortável quanto. Eu estava suando novamente, a água que Jeb me deu escapando pelos poros.

 

Eu podia ouvir minha respiração ecoando de volta para mim de alguns poucos centímetros de onde eu estava. Podia ser que eu estivesse perto de alguma parede, mas eu sentia que estava em um espaço muito pequeno. Eu ouvi com a maior atenção possível, e parecia que minha respiração ecoava da outra parede também;

 

Sabendo que eu provavelmente ainda estava em algum lugar do sistema de cavernas que Jeb me trouxe, eu tinha uma boa idéia do que eu veria quando abrisse os olhos. Eu tinha que estar em algum buraco, um daqueles roxos escuros e irregulares, como queijo.

 

Eu estava silenciosa, exceto pelos barulhos que o meu corpo fazia. Com medo de abrir os olhos, confiava em meus ouvidos e tentava ouvir mais e mais detalhes por cima do silencio. Eu não consegui ouvir ninguém mais, e isso não fazia sentido. Eles não me deixariam sem um guarda, deixariam? Tio Jeb e seu rifle unipresente, ou alguém menos simpático. Me deixar sozinha não encaixava em suas personalidades, seu medo e ódio natural pelo o que eu era.

 

A não ser que...

 

Eu tentei engolir mas o terror fechou minha garganta. Eles não me deixariam sozinha a não ser que eu estivesse morta ou tivessem se certificado de que eu morreria. A não ser que houvesse lugares nessas cavernas de onde ninguém sairia.

 

As imagens que eu estava formando em minha mente mudavam tão rapidamente que me deixaram tonta. Eu me via no fundo de um fosso profundo ou emparedada em uma tumba fria. Minha respiração se acelerou, provando o ar e procurando estagnação, algum sinal de que meu ar estava acabando. Os músculos em volta dos meus pulmões se expandiam, enchendo-se de ar para o grito que estava no caminhão. Eu forcei meus dentes fechados para evitar que ele saísse.

 

Certeiro e próximo. Algo foi posto no chão ao lado da minha cabeça.

 

Eu estremeci e o som disso era assustador no pequeno espaço. Meus olhos de abriram. Eu me encolhi e me afastei do barulho sinistro, me apertando contra a parede de rocha encurvada. Minhas mãos erguidas para protegerem meu rosto e bati minha cabeça contra o teto baixo.

 

Uma luz fraca iluminava a saída perfeitamente redonda da pequena bolha-caverna em que eu estava encolhida. O rosto de Jared estava meio iluminado enquanto ele se inclinava em direção a abertura, um braço esticado em minha direção. Seus lábios estavam apertados de raiva. Uma veia em sua testa pulsava conforme ele observava minha reação de penico.

 

Ele não se moveu; só me encarava furiosamente enquanto meu coração recomeçava e minha respiração se acalmava. Eu o encarava também, lembrando do quão silencioso ele podia ser – como uma assombração ele queria.

 

Não me surpreendeu que eu não o houvesse escutado sentado em guarda do lado de fora da minha cela. Mas eu tinha ouvido alguma coisa. Ao lembrar disso, Jared enfiou seu braço mais para o fundo, e o barulho se repetiu. Eu olhei para baixo. Aos meus pés um pedaço de plástico duro quebrado servia como uma bandeja, e em cima ....

 

Eu me lancei para a garrafa aberta de água. Eu mal percebi a torção de nojo nos lábios de Jared quando eu coloquei a garrafa na boca. Eu sabia que iria me incomodar mais tarde, mas tudo o que me importava agora era a água. Eu imaginei se alguma vez mais na minha vida eu iria desvalorizar o liquido novamente. Dado o fato de que parecia que minha vida não ia ser prolongada, então não.

 

Jared desapareceu , atrás da entrada circular. Eu podia ver um pedaço da manga da sua camisa e nada mais. A fraca luz vinha de algum lugar ao lado dele. Era uma luz de um azul artificial.

 

Eu já havia bebido metade da garrafa quando um cheiro me informou que a água não era o único presente. Eu olhei para a bandeja novamente.

 

Comida. Eles estavam me alimentando?

 

Foi o pão – um rolo irregular e escuro – que eu cheirei primeiro, mas também havia uma tigela com um líquido claro e cheiro de cebolas. Ao me inclinar mais próxima, eu vi pedaços mais escuros no fundo. Ao lado havia três tubos curtos e grossos. Eu imaginei que fossem vegetais, mas eu não reconheci qual. Demorou somente um segundo para eu fazer essas descobertas, mas mesmo nesse curto tempo, meu estomago quase pulou pela minha boca tentando alcançar a comida.

 

Eu ataquei o pão. Era muito denso cheio de sementes inteiras que grudavam nos dentes. A textura era estranha mas o sabor maravilhosamente rico. Eu não conseguia lembrar de ter provado nada tão gostoso na minha vida, nem mesmo os Twinkies amassados. Minha mandíbula trabalhava o mais rápido que podia, mas eu engolia a maior parte do pão só metade mastigado.

 

Eu podia ouvir cada bocada bater no meu estomago com um som de indigestão. Comer não era tão bom quanto eu imaginei que seria. Após tanto tempo vazio, meu estomago reagia à comido com desconforto.

 

Eu ignorei isso e passei para o líquido – era sopa. Essa desceu fácil. Além da cebola o sabor era suave. Os pedaços verdes na sopa eram suaves e esponjosos. Eu bebi direto da tigela e desejei que ela fosse mais funda. Eu a virei no ar para ver se não havia ficado nenhuma gota.

 

Os vegetais broncos eram crocantes na textura e madeirescos no sabor. Algum tipo de raiz. Não satisfaziam tanto quanto a sopa nem tão gostoso quanto o pão, mas eu agradeci pelo seu volume. Eu não estava cheia – nem perto – e provavelmente teria começado a comer a bandeja se achasse que fosse capaz de mastigar o plástico.

 

Não me ocorreu que eles não deviam estar me alimentando até que eu terminei. A não ser que Jared tenha perdido a confrontação com o médico. Mas se esse fosse o caso porque Jared estaria mantendo guarda?

 

Eu empurrei a bandeja quando eu a esvaziei. Eu fiquei pressionada contra a parede no fundo enquanto Jared a recolhia. Dessa vez ele não olhou para mim.

 

“Obrigada.” Eu sussurrei quando ele desapareceu novamente. Ele não disse nada, não houve mudança em sua expressão. Nem mesmo a ponta da manga aparecia agora, mas eu tinha certeza de que eles estava lá.

 

Eu não acredito que ele me bateu, Melanie refletia, seu pensamente mais incrédulo do que reprovador. Ela ainda não havia superado a surpresa ainda. Eu não me surpreendo nada, claro que ele havia me batido.

 

Eu já me perguntava onde você estava. Eu respondi. Não seria muito educado me meter nessa confusão e depois me abandonar.

 

Ela ignorou o meu tom de reprovação. Eu não imaginei que ele fosse capaz, independente do que. Eu não acho que eu poderia ter batido nele.

 

Claro que poderia se ele tivesse chegado até você com olhos refletores, você teria feito o mesmo. Você é naturalmente violenta.Eu a lembrei das suas fantasias de estrangular a Rastreadora. Isso parecia ter acontecido há meses atrás mas eu sabia que haviam sido somente dias. Faria sentido ter demorado mais, era preciso tempo para se meter em uma situação tão desastrosa quanto a minha.

 

Melanie tentou considerar imparcialmente. Eu acho que não. Não Jared.... e Jamie, eu jamais bateria em Jamie mesmo se ele fosse.... Ela não continuou, odiando o fim do pensamento.

 

Eu considerei isso e descobri ser verdade. Mesmo se a criança se tornasse algo mais, ou alguém mais, nenhuma de nós duas jamais ergueria a mão para ele.

 

Isso é diferente. Você é como... uma mãe. Mães são irracionais por aqui. Muitas emoções envolvidas.

 

Maternidade é sempre emocional – até mesmo para vocês Almas.

 

Eu não respondi essa.

 

O que você acha que vai acontecer agora?

 

Você é a expert em humanos Eu a lembrei. Não deve ser uma coisa boa o fato de eles estarem nos dando comida. Eu só consigo pensar em um motivo para eles quererem nos manter fortes.

 

Os poucos dado que eu recordava das brutalidades histórias humana dançaram na minha cabeça misturadas com as do velho jornal que lemos noutro dia. Fogo – essa era péssima. Melanie havia queimado todas as pontas dos dedos uma vez, em um estúpido acidente, pegando uma panela que ela não sabia que estava quente. Eu lembrava de como a dor a havia surpreendido, aguda e intensa. Tratada rapidamente com gelo, géis e remédio. Ninguém havia feito de propósito, prolongado o sofrimento por um longo tempo...

 

Eu nunca tinha vivido em um planeta onde tais atrocidades ocorriam. Este era realmente o lugar do melhor e do pior – as mais belas sensações, as emoções maravilhosas.... os desejos mais malévolos, as vontades cruéis. Talvez ambos fossem necessários, talvez sem os baixos não havia como alcançar os altos. Seriam as almas as exceções a isso? Será que os humanos seriam capazes da luz sem ter a escuridão?

 

Eu... senti algo quando ele bateu em você.... Melanie interrompeu. As palavras vieram lentamente, como se ela não quisesse pensar nelas.

 

Eu também senti algo. Incrível como o sarcasmo era natural agora, depois de passar tanto tempo com Melanie. Ele tem a mão pesada, não?

 

Não foi isso que eu quis dizer. Tipo.... Ela hesitou por um longo momento, e então o resto das palavras vieram de uma só vez. Eu achava que era só eu – a forma que nós sentíamos por ele. Eu achei que estava no controle disso. Os pensamentos atrás das palavras eram mais claros do que as palavras.

 

Você achou que foi capaz de me trazer até aqui por que VOCÊ queria muito. Que você estava me controlando e não o contrário. Eu tentei não ficar aborrecida. Você achou que estava me manipulando.

 

É. O desgosto em sua voz não era por eu estar aborrecida, mas por ela não gostar de estar errada. But...

 

Eu esperei.

 

E veio atropelado novamente. Você está apaixonada por ele também, separada de mim. É diferente da forma que eu me sinto. Outro amor. Eu não vi isso até ele estar lá conosco, até que você o viu pela primeira vez. Como isso aconteceu? Como um verme de quatro centímetros se apaixona por um ser humano?

 

Verme?

 

Desculpe. Imagino que você tem meio que....membros.

 

Na verdade não. São mais antenas. E eu sou bem maior do que quatro centímetros quando as antenas estão estendidas.

 

Que seja, a questão é: ele não é da sua espécie.

 

Meus corpo é humano. Eu a disse. Eu estou presa a ele, eu sou humana também. E a forma como você vê Jared nas suas memórias... Bem, a culpa é sua.

 

Ela refletiu sobre isso por um momento, e não gostou.

 

Então se você tivesse ido a Tucson e pego outro corpo você não o amaria mais agora?

 

Espero, realmente, que sim.

 

Nenhuma de nós duas ficamos felizes com minha resposta. Eu apoiei a cabeça sobre o joelho. Melanie mudou de assunto.

 

Pelo menos Jamie está seguro. Eu sabia que Jared poderia tomar conta dele. Se eu tivesse que deixá-lo eu não podia ter deixado em melhores mãos... Eu queria poder vê-lo.

 

Eu não vou pedir isso! Eu estremeci ao pensar na resposta que ESSE pedido receberia.

 

Ao mesmo tempo, eu ardia querendo ver o rosto do garoto também. Eu queria ter certeza de que ele estava aqui, realmente seguro – que eles estavam o alimentando e cuidando dele do jeito que a Melanie nunca fará novamente. Do jeito que eu, mão de ninguém, queria cuidar dele. Ele tinha alguém para cantar para ele a noite? Para contar histórias? Esse novo, e irritado, Jared pensaria nessas coisas? Ele teria alguém para se agarrar quando estivesse com medo?

 

Você acha que eles o dirão que eu estou aqui? Melanie perguntou.

 

Isso o ajudaria ou o magoaria? Eu perguntei de volta.

 

Seu pensamento foi um suspiro. Eu não sei... Eu gostaria de dizer a ele que eu mantive a minha promessa.

 

Você certamente manteve. Eu sacudi a cabeça maravilhada. Ninguém pode dizer que você não voltou, como sempre.

 

Obrigada por isso. Sua voz estava fraca. Eu não soube dizer se ela estava querendo agradecer pelas minhas palavras ou pelo ato de trazer ela.

 

Subitamente eu me senti exausta, e eu podia dizer que ela estava também. Agora que meu estomago tinha se acalmado um pouco e eu o sentia quase metade cheio, o resto das dores não eram fortes o suficiente para me manter acordada. Eu hesitei antes de me mover, com medo de fazer qualquer barulho, mas meu corpo queria se desenrolar e se esticar. Eu fiz isso o mais silenciosamente que pude, tentando encontrar espaço na bolha o suficiente para mim. Eu tive que quase meter o pé para fora do buraco para isso. Eu não gostei de fazer isso, preocupada que Jared pudesse ouvir o movimento perto dele e achar que eu estava tentando escapar, mas ele não reagiu de forma alguma. Eu acomodei o lado bom do meu rosto contra meu braço, tentei ignorar como a parede curvada incomodava minha espinha, e fechei os olhos.

 

Eu acho que dormi, mas se eu dormi não foi profundamente. O som de passos ainda estava longe quando eu acordei completamente. Dessa vez eu abri os olhos de uma vez. Nada mudou – eu ainda podia ver a difusa luz azul pelo buraco redondo; eu ainda não podia ver se Jared estava lá fora. Alguém estava vindo para cá – era fácil ouvir os passos se aproximando. Eu puxei meus pés da abertura, me movendo o mais silenciosamente que eu podia, e me enrolei na parede do fundo novamente. Eu adoraria poder me erguer, me faria sentir menos vulnerável, mais preparada para o que quer que estivesse vindo. O teto baixo da bolha mal teria me deixado ajoelhar.

 

Houve um flash de movimento fora da minha prisão. Eu vi parte do pé de Jared quando ele se levantava silenciosamente.

 

“Ah, aqui está você.” Um homem disse. As palavras soaram tão altas após o vazio silencioso que eu pulei. Eu reconheci a voz. Um dos irmãos que eu havia visto no deserto – o que carregava o facão, Kyle.

 

“Nós não vamos permitir isso Jared.” Era uma voz diferente, mais razoável. Provavelmente o irmão mais novo, Ian. As vozes dos irmãos eram muito parecidas, ou seria se Kyle não estivesse sempre quase aos gritos, seu tom sempre carregado de raiva. “Todos nós perdemos alguém – diabo, nós perdemos todo mundo. Mas isso é ridículo.”

 

“Se você não quer deixar com Doc, então a coisa tem que morrer.” Kyle acrescentou, sua voz um rugido.

 

“Você não pode manter isso prisioneiro aqui. “Ian continuou.” Eventualmente, irá escapar e todos nós seremos expostos.”

 

Jared não falou, mas deu um passo para o lado ficando diretamente na frente da abertura da minha cela. Meu coração batia forte e rápido quando eu entendi o que os irmãos estavam dizendo. Jared venceu. Eu não seria torturada. Eu não seria morta – não imediatamente pelo menos. Jared estava me mantendo prisioneira. Prisioneira parecia uma linda palavra sob essas circunstancias.

 

Eu disse que ele iria nos proteger.

 

“Não dificulte as coisas Jared.” Disse uma nova voz masculina que eu não reconheci. “Tem que ser feito.”

 

Jared não disse nada.

 

“Nós não queremos machucar você Jared. Somos todos irmãos aqui. Mas nós o machucaremos se você nos obrigar.” Não havia blefe na voz de Kyle. “Saia daí.”

 

Jared continuou imóvel.

 

Meu coração começou a bater mais rápido do que antes, batendo contra minhas costelas, fazendo difícil eu respirar. Melanie estava incapacitada de medo, incapaz de formar frases coerentes.

 

Eles iriam machucá-lo. Esses humanos lunáticos iam atacar um dos seus.

 

“Jared... por favor.’ Ian disse.

 

Jared não respondeu.

 

Uma passada pesada – uma investida – e o som de algo pesado acertando algo sólido. Um arfar, um som de sufocamento.

 

“Não!” eu gritei, e me lancei para a abertura da cela.

 

                                       Designada

 

A borda da saída de rocha estava gasta, mas arranhou minhas palmas e canelas quando eu engatinhei por ela.

 

Doía, rígida como eu estava, ficar ereta, e minha respiração falhou. Minha cabeça girou já que o sangue desceu, Eu só procurava por uma coisa – onde Jared estava, para que eu pudesse me colocar entre ele e seus atacantes.

 

Todos pararam congelados em seus lugares, me encarando. Jared estava encostado de costas na parede, seus punhos fechados, mas abaixado, junto ao corpo. Na frente dele, Kyle estava debruçado sobre si mesmo, a mão no estomago, Ian e um outro o davam cobertura alguns passos atrás, suas bocas abertas em choque. Eu tirei vantagem da surpresa deles e em dois longos passos me postei entre Kyle e Jared.

 

Kyle reagiu primeiro. Eu estava a menos de meio metro dele, e seu instinto inicial foi de me afastar. Sua mão agarrou meu ombro e me empurrão em direção ao chão. Antes que eu pudesse cair algo segurou meu pulso e me ergueu. Assim que ele percebeu o que havia feito, Jared soltou meu pulso como se minha pele fosse de ácido.

 

“Volte lá para dentro.” Ele rosnou para mim. Ele empurrou meu ombro também, mas não tão forte quanto ode Kyle.

 

O empurrão me levou aos tropeços a dois passos de distancia do buraco na parede.

 

O buraco era um circulo negro em um corredor fino. Fora da pequena prisão a caverna maior parecia exatamente igual, só que maior e mais alta, um tubo ao invés de uma bolha. Uma lâmpada pequena – alimentada pelo que eu não podia imaginar – iluminava o corredor fracamente do chão. Lançava estranhas sombras nos traços dos homens, as transformando em monstros assustadores.

 

Eu dei um passo em direção a eles novamente, dando as costas para o Jared.

 

“É a mim que vocês querem” eu disse diretamente para Kyle, “deixem ele em paz.”

 

Ninguém disse nada por um longo segundo.

 

“Inseto trapaceiro.” Ian finalmente murmurou, olhos arregalados com horror.

 

“Eu disse, volte para lá.” Jared sibilou atrás de mim.

 

Eu me virei parcialmente, não querendo perder Kyle de vista. “Não é sua obrigação me defender às suas custas.”

 

Jared esfumaçou, uma mão se erguendo novamente para me empurrar de volta a cela.

 

Eu desviei dele, o movimento me colocando perto dos que queriam me matar.

 

Ian agarrou meus braços segurando-os nas minhas costas. Eu lutei instintivamente, mas ele era muito forte. Ele dobou minha juntas muito forte e eu gemi.

 

“Tire suas mãos dela.” Jared gritou, e atacou.

 

Kyle o segurou e o girou em um abraço, forçando seu pescoço para frente. O outro homem agarrou um dos braços de Jared que se debatia.

 

“Não o machuque.” Eu arranhei. Eu lutei contra as mãos que me aprisionavam.

 

O cotovelo livre de Jared bateu o estomago de Kyle, que esgasgou e afrouxou o aperto, Jared se torceu para longe dele e então voltou, dando um soco no nariz de Kyle. Sangue escuro espirrou na parede e lâmpada.

 

“Acaba com a coisa, Ian.” Kyle gritou. Ele abaixou a cabeça e correu em direção a Jared, o jogando contra o outro homem.

 

“Não” Jared e eu gritamos ao mesmo tempo.

 

Ian largou meus braços e suas mãos foram para o meu pescoço, tirando todo o meu ar. Eu enfiei as unhas em suas mãos, ele apertou mais forte, me erguendo do chão.

 

Doía – as mãos estrangulando, o pânico dos meus pulmões. Era agonizante. Eu me contorci, mais para me livrar da dor do que das mãos assassinas.

 

Click, click.

 

Eu só ouvi esse som uma vez antes, mas eu reconheci. E os outros também. Todos pararam, Ian com suas mãos fechadas fortes em meu pescoço.

 

“Kyle, Ian, Brandt – afastem-se!”Jeb ordenou.

 

Ninguém se moveu – somente as minhas mãos, ainda unhando e meus pés sacudindo no ar.

 

Jared subitamente se livrou dos braços imobilizados de Kyle e correu para mim. Eu vi seu punho voando na direção da minha face e fechei os olhos.

 

Um som alto soou atrás de mim, bem próximo. Ian gemeu e me soltou no chão, eu me larguei lá no chão aos pés dele, desesperada por ar. Jared se afastou após um olhar de raiva em minha direção e foi ficar ao lado de Jeb.

 

“Vocês são convidados aqui garotos, e não se esqueçam disso.” Jeb grunhiu ‘Eu disse para não sair procurando pela garota. Ela é minha convidada também, por ora, e eu não levo numa boa os meus convidados matando outros convidados.”

 

“Jeb” Ian reclamou acima de mim, sua voz abafada pela mão que cobria sua boca. “Jeb. Isso é loucura.”

 

“Qual o seu plano?” Kyle perguntou. Seu rosto todo respingado de sangue, uma visão macabra e violenta. Mas não havia evidencia de dor em sua voz, só raiva controlada. “Nós temos o direito de saber. Nós temos que decidir se esse lugar ainda é seguro ou se é hora de ir. Então... por quanto tempo você vai manter a coisa como bicho de estimação? O que você vai fazer com a coisa quando parar de brincar de Deus? Todos nós merecemos as respostas para essas perguntas.”

 

As incríveis palavras de Kyle ecoaram atrás da pulsação na minha cabeça. Manter-me como um bichinho de estimação? Jeb me chamou de convidada.... Outra palavra para prisioneira? Seria possível que existissem dois humanos que não me queriam morta? Se sim, não era nada menor do que um milagre.

 

“Não tenho suas respostar Kyle,” Jed disse. “Não depende de mim.”

 

Eu duvidava que qualquer outra resposta de Jeb os teria deixado mais confusos. Todos os quatro homens, Kyle, Ian o que eu não conhecia e até Jared o encaravam com choque. Eu, ainda no chão respirando fundo aos pés de Ian, desejava poder voltar para o buraco nem ser notada.

 

“Não depende de você?” Kyle finalmente ecoou, ainda surpreso. “De quem então? Se você está pensando colocar isso em votação, já foi feito. Ian, Brandt e eu viemos por o resultado em ação.”

 

Jeb sacudiu sua cabeça – um movimento curto, ele não tirou os olhos dos homens a frente dele.

 

“Não depende de votação. Essa ainda é a minha casa.”

 

“De quem então!?” Kyle gritou.

 

O olhar de Jeb recaiu sobre Jared “A decisão é de Jared.”

 

Todos, eu incluída, encaramos Jared.

 

Ele olhou embasbacado para Jeb, tão surpreso quanto o resto, e seus dentes de uniram com um som audível. Ele lançou um olhar de puro ódio na minha direção.

 

“Jared.” Kyle perguntou, encarando Jeb novamente, “ Isso não tem sentido!” Ele estava descontrolado agora,

Quase cuspindo de raiva. “Ele é o mais parcial de todos! Por quê? Como ele pode ser racional sobre isso?”

 

“Jeb, eu não sei...” Jared murmurou.

 

“Ela é sua responsabilidade Jared.’ Jeb disse em um tom de voz firme. “Eu vou te ajudar, claro, se houver mais problemas como esse, e a manter os olhos nela e tudo o mais. Mas para tomar decisões a responsabilidade é sua.’ Ele ergueu uma mão para silenciar o protesto de Kyle. “Veja dessa forma Kyle, se nós tivéssemos encontrado a sua Jodi em uma expedição e a trouxéssemos você gostaria que eu ou Doc ou qualquer outro decidisse o que fazer com ela?

 

“Jodi está morta.” Kyle sibilou, sangue pingando da sua boca. Ele me olhou com basicamente a mesma expressão que Jared me havia usado.

 

“Bem, se o corpo dela vagasse por aqui, iria depender de você. Você gostaria que você de outra forma?”

 

“A maioria – “

 

“Não, minha casa, minhas regras. Jared interrompeu abruptamente “Sem mais discussões sobre isso. Sem mais tentativas de execuções. Vocês três podem espalhar – é assim que funciona daqui por diante. Regra nova.”

 

“Mais uma?” Ian murmurou baixo.

 

Jeb o ignorou ‘Se, por mais improvável que seja, algo assim acontecer novamente, a quem quer que o corpo pertencia tem o poder de decidir.” Jeb apontou o cano da arma na direção de Kyle, então apontou para o corredor atrás dele. “Saia daqui. Eu não o quero ver em nenhum lugar perto daqui novamente. E deixe todo mundo saber que esse corredor é área além dos limitas, ninguém tem nenhuma razão para ficar aqui exceto Jared e se eu pegar alguém rondando, eu vou perguntar depois. Entendeu? Vai. Agora.” Ele apontou a arma para Kyle novamente. Eu fiquei maravilhada quando vi os três assassinos imediatamente se moverem para o corredor, sem nem ao menos pausar para olhar para mim ou para Jared.

 

Eu realmente queria acreditar que a arma nas mãos de Jeb era um blefe. Desde a primeira vez que eu o vi Jeb não demonstrou nada mais que bondade. Ele nunca me tocou com violência; nem mesmo me olhou com hostilidade. E agora parecia que ele era uma das duas pessoas que não queriam me ferir. Jared pode ter lutado para me manter viva, mas era óbvio que ele estava em conflito com ele mesmo. Eu sentia que ele podia mudar de idéia a qualquer hora.

 

Pela sua expressão, era claro que ele queria acabar com tudo isso – especialmente agora que Jeb colocou a decisão sob seus ombros. Enquanto eu fazia essa analise Jared me encarava com desgosto em cada linha de expressão.

 

No entanto, por mais que eu quisesse crer que Jeb estava blefando, quando eu vi os três homens desaparecer na escuridão para longe de mim, ficou óbvio que não havia como ele estar blefando.

 

Na posição em que ele estava, Jeb devia ser tão mortal e cruel quanto o resto deles, se Le não houvesse usado aquela arma antes – para matar, não ameaçar – ninguém o teria obedecido daquela forma.

 

Tempos de desespero, Melanie suspirou. Nós não podemos nos dar ao luxo de sermos gentis no mundo que vocês criaram. Nós somos fugitivos, uma espécie em perigo de extinção. Cada escolha é uma escolha de vida ou morte.

 

Shhhh, eu não tenho tempo para um debate. Eu preciso me concentrar.

 

Jared encarava Jeb agora, de modo relaxado, já que os outros haviam se ido. Jeb até mesmo sorria por baixo de sua espessa barba, como se ele tivesse gostado do conflito. Humano estranho.

 

“Por favor, não coloque isso sobre mim, Jeb.”Jared disse. “Kyle está certo sobre uma coisa – Eu não posso tomar uma decisão racional.”

 

“Ninguém disse que você tem que decidir nesse instante. Ela não vai a lugar nenhum.” Jeb olhou para mim, ainda sorrindo. O olho mai perto de mim – o que Jared não podia ver- se fechou rapidamente e então fechou. Uma piscada. “Não depois de todo trabalho que ela teve para chegar aqui. Você tem muito tempo para pensar sobre o assunto.”

 

“Não há nada para pensar. Melanie está morta. Mas eu não posso – eu não consigo Jeb, é só...” Jared não pareceu conseguir terminar a frase.

 

Diz para ele!

 

Eu não estou pronta para morrer nesse instante.

 

“Não pense sobre o assunto então.” Jeb disse a ele. “Talvez você pense em algo depois. Se dê algum tempo.”

 

“O que você vai fazer com a coisa? Nós não podemos vigiar a coisa vinte e quatro horas.”

 

Jeb balançou a cabeça. “É exatamente o que teremos que fazer por um tempo. As coisas vão se acalmar. Nem mesmo Kyle consegue manter uma ira assassina por mais do que algumas poucas semanas.”

 

“Algumas poucas SEMANAS? Nós não podemos manter guarda aqui por semanas. Nós temos outras coisas - .”

 

“Eu sei, eu sei.” Jeb suspirou. “Eu vou dar um jeito.”

 

“E isso é só metade do problema.” Jared olhou para mim novamente, a veia em sua testa pulsava. Onde nós manteremos a coisa? Não é como se nós tivéssemos uma cela.”

 

Jeb sorriu para mim novamente, “Você não vai nos dar problema, vai?” Eu o encarei muda.

 

“Jeb!” Jared murmurou, aborrecido.

 

“Oh, não se preocupe com ela. Primeiro, nós a vigiaremos, Segundo, ela nunca acharia o caminho para fora daqui – ela vagaria perdida até esbarrar em alguém. O que nos leva à numero três: Ela não é estúpida.” Ele ergueu um grossa sobrancelha para mim. ‘Você não vai sair procurando por Kyle ou o resto deles, vai? Eu não acho que eles gostam muito de você”

 

Eu só o encarei, suspeita de seu tem de conversação, leve e descontraído.

 

“Eu gostaria que você não falasse com a coisa assim.” Jared murmurou.

 

“Eu fui criado em um mundo mais educado garoto. Eu não consigo evitar. “Jeb pôs uma mão no ombro de Jared, dando-lhe tapinhas leves.

 

“Olha, você teve uma noite cheia. Deixa eu assumir a vigia daqui. Durma um pouco.”

 

Jared parecia a ponto de objetar, mas então olhou para mim novamente e sua expressão endureceu.

 

“O que você quiser, Jeb. E.... Eu não – Eu não vou aceitar essa responsabilidade, mate a coisa se você achar que é o melhor.”

 

Eu me encolhi.

 

Jared franziu o cenho diante a minha reação, então se virou abruptamente e se foi pelo mesmo caminhos que os outros haviam ido. Jeb o observou ir. Enquanto ele estava distraído eu engatinhei de volta ao meu buraco.

 

Eu ouvi Jeb se acomodar lentamente no chão ao lado da abertura. Ele suspirou e se espreguiçou, estalando algumas juntas. Após alguns minutos ele começou a assobiar baixinho, ela uma melodia alegre.

 

Eu me curvei sobre meus joelhos dobrados, pressionando minhas costas contra o recesso mais ao fundo da pequena cela. Tremores começaram da base de minhas costas e subiram pela minha espinha. Minhas mãos tremeram, e meus dentes bateram, apesar do calor.

 

“Deitar e dormir um pouco é bom.” Jeb disse, eu não sabia se para mim ou para si mesmo.

 

“Amanhã será um dia difícil.”

 

Os tremores passaram após algum tempo – meia hora talvez. Quando eles se foram, eu me sentia exausta. Eu decidi seguir o conselho de Jeb. Apesar do chão estar ainda mais inconfortável do que antes, eu estava inconsciente após alguns segundos.

 

O cheiro de comida me acordou. Dessa vez eu estava grogue e desorientada quando abri os olhos. Um instintivo pânico fez minhas mãos tremerem antes de eu estar totalmente consciente.

 

A mesma bandeja estava no chão ao meu lado, o conteúdo idêntico. Eu podia ver e ouvir Jeb. Ele estava sentado na frente da caverna, de perfil, olhando para frente, para o longo corredor e assobiando levemente.

 

Guiada pela forte sede, eu me sentei e agarrei a garrafa aberta de água.

 

“Dia” Jeb me cumprimentou com um movimento de cabeça.

 

Eu congelei, minha mão na garrafa, até que ele virou a cabeça novamente e voltou a assobiar.

 

Só agora, não tão desesperadamente sedenta como antes, é que eu notei o estranho gosto da água. Combinava com o sabor acido do ar, mas ligeiramente mais forte. O sabor forte permaneceu na minha boca. Eu comi rapidamente, dessa vez deixando a sopa por último. Meu estomago reagiu melhor hoje, aceitando a comida com mais graça, ele quase não fez barulho.

 

Porem, meu corpo tinha outras necessidades, agora que as mais fortes haviam sido saciadas. Eu olhei ao redor pela minha escura e apertada cela. Não havia muitas opções visíveis. Mas eu não conseguia conter o meu medo e fazer o pedido, mesmo para o bizarramente amigável Jeb.

 

Eu me balançava para frente e para trás, debatendo. Meus quadris doíam de ficarem curvados no formato curvado da caverna.

 

“Hmmm,” Jeb disse. Ele estava olhando para mim novamente, sua face com uma cor ainda mais profunda sob o cabelo branco. “Você está enfiada aí dentro por um tempo já... você precisa sair?”

 

Eu concordei com um movimento de cabeça.

 

“É, uma caminhada será bom.” Sua voz estava animada ”Bom, é melhor eu te avisar, nós teremos que passar pela... é tipo a praça centra, por assim dizer. Não se preocupe, eu acho que todo mundo deve ter entendido a mensagem a essa altura.” Inconscientemente ele acariciou o cano da sua arma.

 

Eu tentei engolir. Minha bexiga tão cheia que doía, impossível de ignorar. Mas passear bem no meio da colméia de assassinos raivosos? Ele não podia simplesmente me trazer um balde? Ele mediu o pânico em meus olhos – viu a forma que eu automaticamente me meti mais no fundo da caverna – e seus lábios se contraíram em especulação. Então ele se virou e começou a caminhar para o corredor. “Siga-me.”, ele disse, sem olhar para ver se eu obedecia.

 

Eu tive uma visão bem vivida de Kyle me encontrando aqui sozinha, e estava atrás de Jeb antes de um segundo passar, me arrastando torta através da abertura com minhas pernas endurecidas, andando rápido para alcançar Jeb. Eu me senti ótima e péssima me erguendo novamente – a dor era aguda, mas o alívio era maior.

 

Eu estava perto dele quando chegamos ao final do corredor; escuridão cobria a saída oval. Eu hesitei, olhando para a lâmpada no chão que havíamos deixado para trás. Era a única luz na caverna escura. Ele queria que eu a pegasse?

 

Ele me ouviu parando e se virou para espiar por cima do ombro. Eu apontei em direção da luz, e olhei de volta para ele.

 

“Deixe aí. Eu lhe guiarei.” E estendeu a mão para mim.

 

Eu olhei para a mão por um momento e então, sentindo a urgência na minha bexiga, eu coloquei minha mão na sua palma levemente mal a tocando – da forma que eu teria tocado um cobra se por ventura fosse forçada a fazer.

 

Jeb me guiou através da escuridão com passos rápidos e seguros. O longo túnel seguido por uma série de curvas em direções opostas. Quando nós fizemos mais uma curva fechada em V, eu soube que estava sendo guiada em círculos. Eu tinha certeza que era proposital e era a razão pela qual Jeb não me deixou levar a lâmpada.

 

Ele não queria que eu conhecesse muito sobre como encontrar minha saída nesse labirinto. Eu estava curiosa sobre esse lugar, como ele virou o que era agora, como Jeb o encontrou e como os outros acabaram aqui. Mas eu me forcei a ficar de boca fechada, parecia que ficar de boca fechada era minha melhor aposta agora. Pelo que eu esperava, eu não sabia. Alguns dias a mais de vida? Só uma cessação da dor? Havia alguma coisa a mais para mim? Só o que eu sabia é que eu não estava pronta para morrer, como eu havia dito a Melanie antes; meu instinto de sobrevivência era tão desenvolvido quanto o dos humanos.

 

Nós fizemos outra curva, e a primeira luz nos atingiu. A frente, uma fenda alta e apertada brilhava com luz vindo de uma outra sala. Essa luz não era artificial como a lâmpada da minha cela. Era muito branca, muito pura. Nós não conseguiríamos nos mover lado a lado pela fenda, então Jeb foi primeiro, me mantendo atrás dele, mas perto.

 

Uma vez passada a fenda – e capaz de ver novamente – eu removi minha mão da mão dele, ele não reagiu, só colocou a mão agora livre de volta na arma.

 

Nós estávamos em um túnel curto, e uma luz mais clara brilhava através de um rude e tosco arco, como um vão de porta. As paredes eram da mesma rocha arroxeada. Eu podia ouviram vozes agora. Estavam baixas, menos urgente do que da ultima vez que eu ouvi um murmúrio de uma multidão humana. Ninguém estava nos esperando hoje. Eu só podia imaginar a resposta a minha aparição com o Jeb.

 

Minhas palmas estavam frias e úmidas; minha respiração saía aos solavancos. Eu me aproximei o mais perto que pude de Jeb sem o tocá-lo.

 

“Relaxa.” Ele murmurou, sem se virar. ‘ Eles estão com mais medo de você do que você deles.”

 

Eu duvidava disso. E mesmo se houvesse algum meio de que isso fosse verdade, o medo rapidamente virava ódio e violência no coração humano.”

 

“Eu não deixarei ninguém te machucar.” Jeb murmurou quando alcançamos o arco. “Enfim, é melhor eles se acostumarem com isso.”

 

Eu queria pergunta o que ele queria dizer com isso, mas ele entrou no outro cômodo. Eu entrei atrás dele, meio passo de distância, mantendo o meu corpo escondido atrás do corpo dele o máximo que eu podia. A única coisa pior do que entrar nesse cômodo era a idéia de cair e me encontrar sozinha aqui.

 

Silencio imediato se seguiu a nossa entrada.

 

Nós estávamos na gigantesca e clara caverna de novo, a mesma que ele me levou no primeiro momento. Ha quanto tempo havia sido aquilo? Não fazia idéia.

 

O teto ainda estava muito claro para eu poder ver o que o iluminava. Eu não havia notado antes, mas as paredes eram inteiras – dúzias de aberturas irregulares dando em túneis adjuntos. Algumas das aberturas eram enormes, outras só passavam um homem, se tanto. Algumas eram naturalmente irregulares, outras se não tivessem sido totalmente feitas por mãos humanas, foram pelo menos moldadas.

 

Várias pessoas nos observavam por essas cavidades, paralisadas no ato de ir e vir. Mais pessoas estavam na área aberta, seus corpos pausados nos mais variados movimentos que a nossa entrada interrompeu; uma mulher estava abaixada estendendo a mão para seus cadarços, O braço sem movimento de um homem que parecia ter estado convencendo outros do seu ponto de vista. Outro homem perdeu um pouco do equilibro ao ser pego no ato de andar, seu pé pisou muito forte ao tentar se manter em pé, o barulho de sua queda foi o único som no vasto espaço. Ecoou por todo o cômodo.

 

Era fundamentalmente horrível da minha parte se sentir aliviada pela terrível arma nas mãos de Jeb... mas eu senti.

 

Eu sabia que sem ela nós provavelmente teríamos sido atacados. Esses humanos não deixariam de machucar Jeb se fosse para me pegar. Mas nós podíamos ser atacados mesmo com a arma. Jeb só poderia atirar em um de cada vez.

 

A imagem na minha mente se tornou tão pavorosa que eu não podia suportar. Eu tentei me focar no que acontecia ao meu redor, o que já era ruim o suficiente.

 

Jeb parou por um momento, a arma segura na altura de sua cintura, apontando para frente. Ele olhou por todo o cômodo, parecendo olhar para cada pessoa ali nos olhos por um momento. Havia menos de vinte pessoas ali, não demorou muito. Quando ele estava satisfeito com a sua observação, ele se foi em direção a parede esquerda da caverna.

 

Com o sangue pulsando forte nas minhas têmporas, eu segui sua sombra. Ele não andou diretamente através da caverna, mas se manteve perto da curva da parede. Eu me perguntei sobre o que desse caminho até que percebi um grande quadrado de chão mais escuro que ficava no centro do piso – um espaço muito grande; ninguém estava sobre esse quadrado, eu nem conseguia imaginar a razão da anomalia.

 

Houve alguns pequenos movimentos enquanto circulávamos o cômodo silencioso. A mulher inclinada se ergueu, se torcendo para nos olhar ir. O homem que gesticulava cruzou os braços. Todos os olhos se apertaram, e todas as expressões se fecharam com raiva. No entanto, ninguém se moveu em nossa direção, e ninguém falou.

 

O que quer que seja que Kyle e os outros falaram sobre o confronto com Jeb pareceu ter tido o efeito que Jeb esperava. Enquanto passávamos eu notei Sharon e Maggie nos olhando por uma grande abertura. Sua expressões ilegíveis, os olhos frios. Elas não olhavam para mim, só para Jeb. Ele as ignorou;

 

Pareceu anos quando finalmente alcançamos o lado oposto da caverna. Jeb se dirigiu para uma saída de tamanho mediano, negra em comparação com a luminosidade desse cômodo. Os olhos nas minhas costas fizeram meu pescoço se enrijecer, mas eu não ousava olhar para trás. Os humanos ainda estavam em silencio mas eu temia que eles ainda pudessem nos seguir.

 

Foi um alivio entrar na escuridão da nova passagem. A mão de Jeb tocou meu cotovelo para me guiar, e eu não me afastei. O murmúrio de vozes recomeçou atrás de nós.

 

“Isso foi melhor do que eu esperava.” Jeb murmurou enquanto me guiava pela caverna. Suas palavras me surpreenderam, e eu fiquei feliz de não saber o que ele imaginava que podia ter acontecido.

 

O chão se inclinou para baixo sob meus pés. A frente uma luz tímida me mantinha da total cegueira.

 

“Aposto que você nunca viu nada como esse meu lugar aqui.” A voz de Jeb estava mais alta agora, de volta ao tom de conversa casual de antes. “É realmente impressionante, não é?”

 

Ele pausou brevemente, para o caso de eu responder, e então continuou.

 

“Encontrei isso aqui nos anos setenta. Bem, o lugar me encontrou. Eu cai pelo teto do cômodo maior – provavelmente devia ter morrido da queda, mas eu sou muito resistente para o meu próprio bem. Demorou até encontrar a saída. Eu estava com fome o suficiente para comer pedra quando eu consegui. Eu era o único no rancho nessa época, então não havia ninguém para mostrar, eu explorei cada canto e buraco, e eu vi as possibilidades. Eu decidi que era uma boa carta para manter na manga, só por precaução. É assim que nós, Stryders, somos – nós gostamos de estar preparados.”

 

Nós passamos a tímida luz – vinha de um buraco do tamanho de um punho, fazendo um pequeno circulo de luz no chão. Quando este ficou para trás eu pude ver outro ponto de luz a frente.

 

“Você provavelmente estar curiosa sobre como todas essas coisas se formaram.” Outra pausa, mais curta que a anterior. “ Eu sei que eu fiquei. Eu fiz uma pequena pesquisa. Isso são tubos de lava – dá para acreditar? Isso costumava a ser um vulcão. Não exatamente morto, como você verá daqui a pouco. Todas essas cavernas e buracos são bolhas de ar que ficaram presas na lava resfriada. Eu tive um bocado de trabalho nelas pelas últimas décadas. Algumas coisas foram fáceis – juntas os tubos para fazer corredores. Outras partes exigiram mais da minha imaginação. Você viu o teto do cômodo maior? Aquilo me tomou anos.”

 

Eu queria perguntar como, mas eu não consegui. Silencio era mais seguro.

 

O piso começou a descer em um ângulo mais acentuado. O terreno era irregular, mas seguro o suficiente. Jeb me guiava por ele confiantemente. Conforme descíamos mais e mais para baixo, o calor e a umidade aumentavam.

 

Eu enrijeci ao ouvir outro murmúrio de vozes, dessa vez vindo de frente. Jeb acariciou minha mão gentilmente.

 

“ Você irá gostar dessa parte – a sempre a preferida de todos.” Ele prometeu.

 

Um arco, vasto, brilhava com luz em movimento. Era da mesma cor do que a do cômodo maior, pura e branca, mas brilhava em um ritmo dançante estranho. Como todas as outras coisas que eu não entendia nessas cavernas, aquilo me assustou.

 

“Aqui estamos.” Jeb disse entusiasmado, me empurrando pelo arco. “O que você acha?”

 

                                     Visitada

 

Antes de qualquer coisa eu senti o calor – a umidade, como uma parede de vapor, ar pesado passava por minha pele. Minha boca se abriu automaticamente e eu tentei puxar o ar denso. O cheiro era mais forte do que antes – o mesmo sabor metálico que ficava na garganta e que a água possuía. O murmúrio de vozes baixas e sopranas pareciam vir de todos os lados ecoando nas paredes.

 

Eu olhei ansiosa pela nuvem de umidade, tentando ver de onde as vozes vinhas. Era iluminado aqui, o teto era brilhante como no grande salão, só que mais baixo. A luz dançava no vapor, criando uma cortina brilhante que quase me cegava. Meus olhos lutavam para se ajustar e eu apertei a ao de Jeb em pânico. Eu me surpreendi pelos murmúrios não terem parado imediatamente quando nós entramos, talvez eles também não pudessem nos ver.

 

“É meio apertado aqui.” Jeb disse se justificando, empurrando o vapor em frente de seu roso ao falar. Sua voz estava em um tom conversional e alta o bastante para me fazer pular. Ele falou como se nós não estivéssemos cercados. E o murmúrio continuou, ignorando a voz dele. “Não que eu esteja reclamando” Ele continuou.” Eu estaria morto se esse lugar não existisse. A primeira vez que eu fiquei preso nessa caverna, claro, e agora, nós nunca teríamos encontrado lugar melhor para nos esconder. Sem encontrar esse lugar, todos estaríamos morto, certo?”

 

Ele me cutucou com o cotovelo, num gesto conspiracional.

 

“Muito conveniente, a forma que ele se apresenta. Eu não poderia ter planejado melhor se eu o tivesse esculpido eu mesmo.”

 

Sua risada limpou uma parte do vapor e eu vi o cômodo pela primeira vez.

 

Dois rios corriam pelo espaço escuro. Era esse o barulho murmurante que eu ouvia- a água passando pelas rochas vulcânicas roxas. Jeb falava como se estivéssemos sozinhos por que estávamos mesmo.

 

Era na verdade nó um rio e um pequeno riacho. O riacho era mais próximo, um fio raso corria prateado pela iluminação do teto. Uma voz feminina e baixa saía dele ao correr pelas rochas. A voz masculina vinha do rio, assim como os vapores que se erguiam de buracos na base da parede mais distante. O rio era negro, submergido por baixo do piso da caverna, exposto por erosões largas que havia na caverna. Os buracos tinham uma aparência escura e perigosa, o rio mal era visível e corria violentamente para um destino invisível e imaginável.

 

A água parecia borbulhar, tanto era o calor e vapor produzido por ele. O som, também era de água fervendo.

 

No teto várias estalactites pingando nas estalagmites abaixo de nós. Três deles haviam se encontrado formando uma coluna fina e negra entre os dois rios.

 

“Tem que se ser cuidadoso aqui. “Jeb disse. “A corrente é forte no rio quente. Se você cair, já era. Aconteceu antes.” Ele sacudiu a cabeça lentamente, sua face sombria.

 

O rio subterrâneo parecia horrível para mim. Eu imaginei ser pega pelas águas escaldantes e estremeci.

 

Jeb pôs a mão levemente no meu ombro. “Não se preocupe, Só cuidado onde pisa e você ficará bem, bem,” ele disse, apontando para o final da caverna, onde o raso riacho corria em um corredor ‘a primeira caverna ale é a sala de banho. Nós cavamos no chão para fazer uma agradável, e profunda banheira. Há horários certo para os banhos, mas privacidade não é um problema – é totalmente escuro. A sala é agradável e morna devido a proximidade do rio, mas a água não irá te queimar como o rio. Há uma outra caverna passando ela, através de uma caverna. Nós aumentamos a entrada para ficar mais confortável, esse cômodo é o mais ao final do fluxo de água, depois dali a água vai subterrânea, e nós o usamos como a latrina, Conveniente e sanitário.”

 

Sua voz assumiu um tom conivente, como se ele se desse credito pela criação da natureza. Bem, ele descobriu e melhorou o lugar – imagino que o orgulho era justificável.

 

“Nós não gostamos de desperdiçar baterias, e a maioria de nós já conhece o chão de cor, mas como é a sua primeira vez, você pode se guiar com isso.”

 

Jeb puxou uma lanterna do bolso e ergueu para mim. A visão dela me lembrou do deserto, de quando ele me encontrou e a usou para checar meus olhos. Eu não sabia porque a lembrança me entristeceu.

 

“Não perca a cabeça achando que o rio te levará para fora daqui, depois que submerge ela não volta a superfície.” Ele me avisou.

 

Como ele parecia estar esperando algum gesto de concordância ao seu aviso, eu mexia cabeça uma vez. Tirei a lanterna das mãos dele lentamente, tentando não fazer movimentos súbitos e o deixar nervoso.

 

Ele sorriu em encorajamento.

 

Eu segui suas instruções rapidamente – o som da água correndo não estava aliviando o meu desconforto. Era estranho estar longe da vista dele. E se alguém tivesse se escondido nessas cavernas, adivinhando que eu teria que vir aqui eventualmente? Jeb ouviria o som da briga por cima da cacofonia produzida pelos rios?

 

Eu iluminei todos os cantos da sala de banho, mas não achei nada que justificasse meus medos. A banheira de Jeb era mais como uma piscinha que banheira e negra como tinta. Mergulhada, uma pessoa ficaria totalmente invisível pelo tempo que conseguisse segurar o fôlego. Eu me apressei para o outro cômodo, estar longe de Jeb estava me deixando completamente tomada pelo terror – eu não conseguia respirar normalmente, eu mal conseguia ouvir sobre o som da minha pulsação atrás do meu ouvido.

 

Eu estava mais correndo do que andando quando voltei para o cômodo com os dois rios. Encontrar Jeb lá, ainda parado na mesma posição, ainda sozinho, foi como um bálsamo para os meus nervos excitados. Minha respiração e coração diminuíram. O porquê de esse estranho homem ser um conforto para mim eu não entendi. Eu imagino que seja pelo que Melanie disse; tempos desesperadores.

 

“Bem impressionante, hein?” Jeb perguntou, um sorriso orgulhoso em seu rosto. Eu concordei com a cabeça novamente, e devolvi a lanterna. “Essas cavernas são uma grande benção.” Ele disse enquanto andávamos de volta para a passagem escura. “Nós não seriamos capazes de sobreviver como um grupo assim se não fosse por elas. Magnólia e Sharon estavam bem em Chicago, mas esconder dois era realmente forçar a sorte. É gostoso ter uma comunidade novamente. Me faz sentir bem humano.”

 

Ele pegou meu cotovelo novamente enquanto subíamos para fora.

“Desculpe-me pela hmmm acomodação que nós te colocamos. Foi o lugar mais seguro que eu consegui pensar. Estou surpreso em como foi rápido para os rapazes te encontrar. ‘Jeb suspirou. ‘Bem, Kyle é bem....motivado. Mas eu imagino que tudo seja pelo melhor. É melhor se acostumar com as coisas. Talvez nós possamos encontrar um lugar mais adequado para você. Eu vou pensar nisso... Mas enquanto eu estive com você, não é necessário ficar metida naquele buraco apertado. Você pode sentar no corredor comigo se preferir. Mas com Jared...”

 

Ele não precisou continuar. Eu ouvi o tom de desculpas com surpresa, era muito mais bondade do que eu esperava, mais compaixão pelo inimigo do que eu achei que essa espécie era capaz de demonstrar. Eu meio que acariciei as mãos de Jeb para que ele percebesse que eu havia entendido e que eu não causaria problemas. Eu sabia que Jared preferia me manter longe do seu campo de visão.

 

Jeb não teve problemas em entender minha comunicação silenciosa. “Boa garota.” Ele disse. “Nós vamos dar um jeito nisso tudo. Doc pode se concentrar em cuidar dos humanos. Eu acho que você é tão mais interessante viva.”

 

Nossos corpos estavam próximos o suficiente para ele me sentir tremer. “Não se preocupe. Doc não vai te incomodar agora.”

 

Eu não consegui parar de tremer. Jeb só podia prometer por agora. Não havia garantias que Jared não ia decidir que os meus segredos eram mais importantes do que proteger o corpo de Melanie. Eu sabia que esse destino me faria desejar que Ian tivesse tido sucesso na outra noite.”

 

Eu engoli, sentindo o machucado parecia ir por toda a extensão do meus pescoço até o interior da garganta.

 

Você nunca sabe quanto tempo terá. Melanie havia dito alguns dias atrás. Quando meu mundo ainda estava sob controle. Suas palavras ecoaram em minha mente quando entramos no grande salão, a praça principal da comunidade humana de Jeb. Estava lotada, como no primeiro dia, todo mundo ali nos encarou com olhos que brilhavam com raiva e traição quando olhavam para Jeb e com um brilho assassino quando olhavam para mim.

 

Eu mantinha meus olhara nas pedras sob meus pés.

 

Pelo canto dos meus olhos eu podia ver que Jeb segurava a arma erguida novamente. Era só uma questão de tempo, eu pensei. Eu podia sentir isso na atmosfera de ódio e medo. Jeb não poderia me proteger por muito mais tempo.

 

Foi um alivio chegar ao corredor que levava ao labirinto. Eu poderia ficar sozinha lá dentro.

 

Atrás de mim um sibilo furioso, como um ninho de cobras, ecoava pela caverna. O som me fez desejar que Jeb me guiasse mais rapidamente pelo labirinto. Jeb reprimiu uma risada. Ele parecia ficar mais estranho quanto mais tempo eu passava com ele. Seu senso de humor me mistificava tanto quanto suas motivações.

 

”Fica meio tedioso aqui, sabe.” Ele murmurou para mim, ou para si mesmo. Com Jeb, era difícil dizer. “Talvez quando eles superarem terem sido ameaçados por mim, eles vão perceber que apreciam a excitação que eu estou promovendo.”

 

Nosso caminho parecia uma serpente torcida. Não era familiar, talvez ele tenha pego outra rota para eu continuar perdida. Pareceu levar mais tempo do que antes, mas finalmente eu pude ver a fraca luz azul da lâmpada brilhando depois da próxima curva.

 

Eu cruzei os braços me abraçando, pensando se Jared estaria ali novamente. Se estivesse, eu sabia que ele estaria com raiva. Eu tinha certeza que ele não aprovaria o fato de Jeb ter me levado para um passeio, por mais necessário que houvesse sido.

 

Tão logo nós fizemos a curva eu vi que havia uma figura apoiada contra a parede ao lado da lâmpada. Lançando uma longa sombra sobre nós, mas obviamente não era Jared. Minha mão automaticamente agarrou o braço de Jeb, um espasmo automático de medo.

 

E então eu realmente olhei para a figura que nos esperava. Era menor do que eu – foi assim que eu soube que não era Jared – e mais magra. Pequeno – mas alto o bastante e rijo. Mesmo na luz difusa azul eu podia ver que sua pele estava tingida marrom pelo sol, e que seu cabelo sedoso preto agora caía além do queijo.

 

Meus joelhos falharam

 

Minhas mãos- agarradas em Jeb por medo, agora buscavam apoio.

 

“Pelo amor de Deus!” Jeb exclamou, obviamente irritado. “Ninguém aqui é capaz de manter um segredo por mias de 24 horas? Que diabos. Bando de fofoqueiros...” Ele continuou em resmungos

 

Eu nem ao menos tentei entender o que Jeb estava dizendo; eu estava concentrada na mais terrível batalha da minha vida – ou de todas as vidas que eu vivi.

 

Eu podia sentir Melanie em cada célula do meu corpo. Minhas células nervosas coçavam em reconhecimento a sua presença familiar. Meus músculos antecipavam a sua direção. Meus lábios tremiam, tentando se abrir. Eu me inclinei em direção, meu corpo fazendo o que meus braços não faziam.

 

Melanie havia aprendido muitas coisas das vezes que eu cedi ou perdi o comando para ela, e eu realmente tive que lutar contra ela – tão forte que suor começou a brotar em minha testa. Mas eu não estava morrendo no deserto agora, nem estava fraca e tonta e surpresa com a aparição de alguém que eu considerava perdida.

 

Eu sabia que esse momento chegaria. Meu corpo estava resistente, rapidamente curado – eu estava forte novamente. A força de meu corpo deu força ao meu controle a minha determinação.

 

Eu a afastei de meus membros, a afastei de todos os locais em que ela havia se agarrado, a enfiei no fundo recesso da minha mente, e a acorrentei lá. Sua derrota foi súbita e total. Aaah, ela suspirou, e foi quase um gemino de dor.

 

Eu me senti estranhamente culpada por ter vencido. Eu já sabia que ela era mais que um hospedeiro resistente que não ia embora. Nós nos tornamos companheiras, confidentes até durante as últimas semanas – desde que a Rastreadora nos uniu contra um inimigo comum. No deserto, com a faca de Kyle sobre minha cabeça, eu fiquei feliz por não ter sido eu a matar Melanie, mesmo lá, ela já era mais do que um corpo para mim. Mas agora parecia muito além disso. Eu me arrependi de a ter causado dor.

 

Era necessário, porém, e ela não parecia entender isso. Suas reações eram muito selvagens, muito emocionais. Ela nos meteria em problemas.

 

Você precisa confiar em mim agora Eu a disse Eu estou tentando nos manter viva. Eu sei que você não quer acreditar que os seus humanos não nos machucariam...

 

Mas é o Jamie, ela sussurrou. Ela ansiava pelo garoto com tamanha intensidade que meus joelhos enfraqueceram novamente.

 

Eu tentei olhá-lo imparcialmente – esse garoto de expressão casmurra apoiado contra a parede do túnel com os braços cruzados firme em seu peito. Eu tentei vê-lo como um estranho e planejar minha resposta ou falta de resposta, dependendo.

 

Eu tentei, mas falhei. Era Jamie, tão lindo e meus braços – meus, não os da Melanie – ansiavam para abraçá-lo. Lágrimas cobriram meus olhos e correram pelo meu rosto. Eu só esperava que elas ficassem invisíveis na luz fraca.

 

“Jeb” Jamie disse – uma saudação rouca. Seus olhos passaram rapidamente por mim e se afastaram.

 

Sua voz estava tão profunda! Como ele podia estar tão mais velho? Eu percebi, com culpa, que eu havia perdido seu aniversário de catorze anos. Melanie me mostrou o dia, foi no dia em que ela sonhou com ele. Ela lutou muito para o manter longe de sua mente, longe de mim, durante essa dia, mas em sonhos ele veio assim mesmo. E eu enviei um e-mail para a Rastreadora.

 

Eu estremeci agora em descrença ao ver minha aspereza.

 

“O que ta fazendo aqui, garoto?” Jeb exigiu.

 

“Por que você não me contou?” Jamie exigiu em resposta.

 

Jeb permaneceu em silencio.

 

“Isso foi idéia de Jared?” Jamie pressionou.

 

Jeb suspirou. “Okay, você sabe. Que bem isso faz: Nós só queríamos – “

 

“Me proteger?’’ ele interrompeu, ríspido.

 

Quando ele ficou tão amargo? Era minha culpa? Claro que era.

 

Melanie começou a chorar em minha cabeça. Estava me distraindo, era alto – a voz de Jamie e Jeb ficando mais baixa.

 

“Ótimo. Jamie. Você não precisa ser protegido. O que você quer?”

 

Essa aceitação rápida pareceu surpreender Jamie. Seus olhos passavam de mim para Jeb com incerteza.

 

“Eu – eu quero falar com ela – com a coisa.” ele finalmente disse. A incerteza deixou sua voz mais alta.

 

“Ela não fala muito.” Jeb disse. “Mas fique a vontade para tentar.”

 

Jeb removeu meus dedos do seu braço, quando se libertou, ele virou, encostou-se à parede mais próxima e sentou, ele buscou uma posição confortável. A arma balançava em seu colo. A cabeça de Jeb finalmente descansou na parede e seus olhos se fecharam. Em segundos parecia que ele estava dormindo.

 

Eu fiquei onde estava, tentando manter os olhos longe de Jamie e falhando.

 

Jamie se surpreendeu de novo com a concordância rápida de Jeb. Ele observou o homem ir para o chão com olhos muito abertos, o que o fazia parecer mais jovem. Após alguns momentos de imobilidade de Jeb, Jamie olhou para mim, seus olhos se apertando.

 

O jeito que ele me encarava – raivoso- tentando se controlar e ser mais adulto, mas também mostrando medo e dor tão claramente – fez Melanie soluçar ainda mais alto e meus joelhos tremerem. Ao invés de arriscar ter mais um colapso, eu me movi lentamente para a parede do túnel do lado oposto de onde Jeb havia sentado. Eu sentei e abracei meus joelhos, tentando ficar o menor possível.

 

Jamie me observava com olhos cautelosos e deu quatro lentos passos em direção a mim até que ficou bem a frente. Seu olhar correu por Jamie, que não havia movido ou aberto os olhos, e então Jamie se ajoelhou ao meu lado. Seu rosto subitamente intenso, e fez com que ele parecesse mais adulto do que qualquer outra expressão até agora. Meu coração doeu pelo homem triste no rosto do garoto.

 

“Você não é a Melanie,” ele disse baixo “Mas está no corpo dela.”

 

Era tão mais difícil não responder para ele, por que EU queria falar. Ao invés eu só balancei a cabeça em concordância.

 

“O que aconteceu com o seu....com o rosto dela?”

 

Eu estremeci. Eu não fazia idéia do como eu estava, mas podia imaginar.

 

“Quem fez isso com você” ele pressionou. Com um dedo hesitante ele quase tocou a lateral do meu pescoço. Eu fiquei imóvel, não sentindo nenhuma vontade de me afastar DESSA mão.

 

“Tia Maggie, Jared e Ian.” Jeb listou em uma voz tediosa. Nós dois pulamos ao ouvi-lo. Não havia se movido e seus olhos ainda estavam fechados. Ele parecia tão relaxado como se tivesse respondido a pergunta de Jamie sonhando.

 

Jamie esperou por um momento, e então voltou sua atenção para mim com aquela expressão intensa.

 

“Você não a Melanie, mas você sabe todas as memórias dela e tal, certo?”

 

Eu concordei novamente.

 

“Você sabe quem eu sou?”

 

Eu tentei engolir as palavras, mas elas escaparam pelos meus lábios. “Você é Jamie.” Eu não tinha como evitar o tom carinhoso.

 

Ele piscou surpreso por eu ter quebrado o silencio. Mas então assentiu. “Certo.” Ele sussurrou.

 

Nós dois olhamos para Jeb, que permanecia parado, e voltamos a olhar um para o outro.

 

“Então você lembra o que aconteceu com ela?”

 

Eu estremeci e então assenti com a cabeça.

 

“Eu quero saber.” Ele murmurou.

 

Eu fiz um gesto de não com a cabeça.

 

“Eu quero saber.” Jamie repetiu. Seus lábios tremeram. “Eu não sou nenhuma criancinha. Me diz.”

 

“Não é… agradável.” Eu falei baixinho, incapaz de me conter. Era muito difícil negar o que esse garoto queria.

 

Suas sobrancelhas retas se abaixaram. “Por favor” ele sussurrou.

 

Eu olhei para Jeb. Parecia que ele estava espiando pelos cílios, mas eu não tinha certeza.

 

Minha voz era um suspiro suave. ”Alguém a viu entrar em um prédio fora dos limites. Eles sabiam que havia alguma coisa errada. Eles chamaram os Rastreadores.”

 

Ele se encolheu com o nome.

 

“As Rastreadores tentaram fazer ela se render. Ela fugiu. Quando eles a encurralaram ela pulou em um fosso de elevador.”

 

“Eu estremeci diante da memória dolorosa e a face de Jamie ficou branca sob o bronzeado.

 

“Ela não morreu?”

 

“Não, nós temos Curandeiros muito competentes. Eles a curaram rapidamente. Então me colocaram dentro dela. Eles esperavam que eu os contasse como ela sobreviveu tanto tempo.” Eu não tinha a intenção de ter falado tanto. Jamie pareceu não notar meu deslize, mas os olhos de Jeb se abriram e me encaravam.

 

Nenhuma outra parte dele se abriu, mas Jamie não notou.

 

“Por que vocês não a deixaram morrer?” ele perguntou. Ele teve que engolir forte; havia uma ameaça de soluço em sua voz. Isso era mais doloroso de ouvir por que não era o som que uma criança faria, mas a agonia completamente consciente de um adulto. Era tão difícil não por as minhas mãos sobre suas bochechas. Eu queria abraçá-lo e implorar para que Le não ficasse triste. Eu fechei as mãos, forte, e tentei concentrar nas suas perguntas. Os olhos de Jeb passaram pelas minhas mãos firmemente fechadas e voltou para meu rosto.

 

“Eu não participei dessa decisão, eu não sei “Eu murmurei. “Eu ainda estava em um tanque de hibernação no espaço quando tudo isso aconteceu.”

 

Jamie piscou de surpresa. Minha resposta não era o que ele esperava, e eu o vi lutando contra uma nova emoção. Eu olhei para Jeb, seus olhos brilhando de curiosidade. A mesma curiosidade, apesar de mais discreta, venceu sobre Jamie. “De onde você estava vindo?” ele perguntou.

 

Apesar de tudo, eu sorri de seu interesse ”Muito longe. Outro planeta.”

 

“Qual era-“ ele começou a perguntar, mas foi interrompido por outra pergunta.

 

“Que diabo?” Jared gritou para nós, imobilizado de fúria no ato de fazer a curva no túnel. “Que droga Jeb’ nós concordamos em –“

 

Jamie se ergueu rapidamente “Jeb não e trouxe aqui. Mas VOCÊ deveria.”

 

Jeb suspirou e lentamente levantou. Ao fazer isso, a arma rolou de seu colo para o chão. Parou a alguns centímetros de mim. Eu me afastei inconfortável.

 

Jared teve uma reação diferente. Ele lançou-se em minha direção, percorrendo todo o caminho do túnel em passos rápidos. Eu me apertei contra a parede e cobri meu rosto com meus braços. Espiando por entre os cotovelos eu o vi pegar a arma do chão.

 

“Você está tentando nos matar?” ele quase gritou para Jeb, empurrando a arma no peito do velho.

 

“Acalme-se Jared” Jeb disse em uma voz cansada. Ele pegou a arma com uma mão. “Ela não tocaria nessa coisa se eu a deixasse sozinha aqui com ela a noite toda. Você não consegue ver isso? “Ele sacudiu o punho da arma na minha direção, e eu me encolhi mais ainda. “Não é nenhuma Rastreadora essa aqui.”

 

“Cala a boca Jeb, só cale a boca.”

 

“Deixa ele em paz.” Jamie gritou ‘Ele não fez nada errado.”

 

“Você!” gritou de volta, se virando para a figura magra e irritada. “Você saia daqui nesse momento, ou Deus me segure.”

 

Jamie apertou os punhos e não se moveu.

 

Os punhos de Jared também se fecharam.

 

Eu estava enraizada no lugar em choque. Como eles podiam gritar assim um com o outro? Eles eram família, o laço entre eles mais forte do que qualquer laço de sangue. Jared não bateria no Jamie – ele não podia! Eu queria fazer alguma coisa, mas eu não sabia o que fazer. Qualquer coisa que chamasse a atenção deles para mim os faria mais irritados.

 

Pela primeira vez, Melanie estava mais calma do que eu. Ele não machucará Jamie, ela pensou segura, Impossível.

 

Eu olhei para eles, se encarando como inimigos e entrei em pânico.

 

Nós não devíamos ter vindo para cá. Veja como nos os deixamos infelizes.

 

“Você não devia ter tentado esconder isso de mim.” Jamie disse entre dentes. “E você não devia ter machucado ela.” Uma de suas mãos apontou para o meu rosto.

 

Jared cuspiu no chão. “Isso aí não pé a Melanie. Ela nunca voltará Jamie,”

 

“É o rosto dela.” Ele insistiu.”E o pescoço dela. Os machucados não te incomodam?”

 

Jared deixou as mãos caírem. Ele fechou os olhos e respirou fundo. “ Ou você sai agora Jamie e me dê espaço, ou eu farei você ir. Eu não estou blefando. Eu não consigo lidar com mais nada agora, ok? Eu estou no meu limite. Então será que podemos ter essa conversa mais tarde? Ele abriu os olhos novamente, estavam cheios de dor.

 

Jamie olhou para ele e a raiva escorreu lentamente de seu rosto. “Desculpe” ele murmurou após um momento.

 

“Eu irei... mas eu não estou prometendo não voltar.”

 

“Eu não consigo pensar nisso agora. Vai, Por favor.”

 

Jamie estremeceu. Lançou mais um olhar para mim, e saiu, seu passo, rápido e largo, trouxe mais dor para mim pelo tempo que eu perdi.

 

Jared olhou para Jeb. “Você também” ele disse m uma voz firme.

 

Jeb rolou os olhos ”Eu não acho que você teve descanso o suficiente para ser honesto. Eu manterei o olho-“

 

“Vai”

 

Jeb franziu a testa, pensando. “Okay. Está bem.” Ele começou a descer pelo corredor.

 

“Jeb?” Jared o chamou.

 

“Sim?”

 

“Se eu pedisse para você atirar na coisa agora mesmo, você o faria?”

 

Jeb continuou andando lentamente, sem olhar para nós, mas suas palavras foram clara. “Eu seria obrigado. Eu sigo minhas próprias regras. Então, não peça a não ser que seja o que realmente quer.”

 

Ele desapareceu na escuridão.

 

Jared o olhou ir. Antes que ele pudesse se virar para mim, eu me enfiei em meu santuário inconfortável e me encolhi no canto do fundo.

 

                             Entediada

 

Eu passei todo o resto do dia, com uma breve exceção, em silêncio.

 

Essa exceção ocorreu quando Jeb trouxe comida para Jared e para mim várias horas depois.

 

Quando ele colocava a bandeja na entrada da minha minúscula caverna, ele sorriu para mim.

 

“Obrigada.” Eu suspirei.

 

“De nada.” Ele me disse.

 

Eu ouvi Jared ranger, irritado pela nossa pequena troca de palavras.

 

Esse foi o único som que ele fez o dia inteiro. Eu tinha certeza que ele estava lá fora, mas nem uma respiração vinha para confirmar essa convicção.

 

Foi um dia muito longo – muito cheio de câimbras e chato. Eu tentei toda posição imaginável, mas eu não conseguia me esticar confortavelmente de forma nenhuma. A base da minha coluna começou um latejamento constante.

 

Melanie e eu pensávamos muito em Jamie. Na maioria das vezes nos preocupávamos se havíamos o machucado vindo para cá. O que significava manter uma promessa comparado a isso?

 

O tempo perdeu o significado. Podia ser dia, podia ser noite – eu não tinha referencias aqui presa embaixo da terra. Melanie e eu esgotamos os temas de conversa. Nós passávamos pelas nossas memórias apaticamente, como mudando de canal sem parar para assistir nada em particular. Eu escorreguei uma vez, mas claro que não caí, a cela era desconfortável demais até para isso.

 

Quando Jeb finalmente voltou, eu podia tê-lo beijado. Ele se inclinou na minha cela com uma sorriso esticando suas bochechas.

 

“Hora de dar outra volta?” ele me perguntou.

 

Eu assenti com firmeza.

 

“Eu a levo.” Jared grunhiu. “Me dê a arma.”

 

Eu hesitei, agachada na boca da minha caverna. Até que Jeb assentiu com a cabeça para mim.

 

“Vá em frente.” Ele me disse.

 

Eu saí, dura e sem equilíbrio, e peguei a mão que Jeb oferecia para me equilibrar. Jared fez um som de revulsão e virou o roso para o outro lado. Ele apertava a arma forte, suas juntas esbranquiçadas sobre o punho da arma, Eu não gostava de vê-la nas mãos dele. Incomodavas mais do que ver nas mãos de Jeb.

 

Jared não fez nada para melhorar as coisas para mim, como Jeb havia feito. Ele andava pelo túnel escuro sem esperar eu alcançá-lo. Era difícil – ele não fazia muito barulho e não me guiava, então eu tive que andar com uma mão esticada para frente, tentando não bater nas rochas. Eu caí duas vezes no chão irregular. Outra vez, eu acelerei o passo em um túnel reto e cheguei tão perto dele que minha mãos tocaram suas costas, antes de eu perceber que não havia tocado parede nenhuma ele deu um salto para frente, se afastando de meus dedos com um sibilado irritado.

 

“Desculpa” eu sussurrei, sentindo meu rosto ficar vermelho e quente.

 

Ele não responder, mas acelerou o passo então seguir ficou ainda mais difícil. Eu fiquei confusa quando, finalmente, alguma luz apareceu a minha frente. Nós pegamos um caminho diferente? Essa não era luz brilhante da caverna maior. Era pálida e prateada. Mas a passagem apertada parecia a mesma... Só quando eu entrei na caverna gigante, cheia de ecos é que eu vi o que causou a diferença.

 

Era noite. A luz que brilhava fracamente acima de nós imitava a luz da lua e não a do sol. Eu aproveitei a luz menos cegante para examinar o teto, tentando decifrar seu segredo.

 

Alto, muito alto acima de mim, milhares de pequenas luas brilhavam sua luz difusa até o distante piso. As luazinhas estava distribuídas sem padrão, algumas mais distantes do que outras. Eu sacudi a cabeça, mesmo olhando diretamente para elas agora, eu ainda não conseguia entender.

 

“Vamos.” Jared ordenou irritado, vários passos distante de mim.

 

Eu me assustei e acelerei para acompanhar. Lamentei ter deixado minha atenção vagar. Eu podia ver o quanto o irritava ter que falar comigo.

 

Eu não esperava a ajuda de uma lanterna quando nós chegamos no cômodo com os rios e não recebi. Lá também estava fracamente iluminado, como a caverna maior, mas só com umas vinte mini luas. Jared contraiu a mandíbula e encarou o teto enquanto eu entrava hesitantemente no cômodo com a piscinha escura. Eu imaginava que se eu tropeçasse e caísse na quente corrente subterrânea e desaparecesse, Jared veria isso como caridosa intervenção do destino

 

Eu acho que ele ficaria triste, Melanie discordou enquanto eu tentava achar meu caminho apalpando a parede. Se nós caíssemos.

 

Duvido. Ele podia se lembrar da dor de perder você, mas ele ficaria feliz se EU desaparecesse.

 

Só por que ele não te conhece. Melanie falou baixo e sumiu, como se de repente estivesse exausta. Eu fiquei parada. Surpresa. Eu não tinha certeza, mas parecia que Melanie havia acabado de me fazer um comprimento.

 

“Mova-se.” Jared latiu do outro cômodo. Eu fui o mais rápido que a escuridão e o meu medo deixavam.

 

Quando nós voltamos, Jeb estava esperando próximo a lâmpada azul, aos seus pés dois grandes e gordos cilindros e dois retângulos irregulares. Eu não os havia percebido antes. Talvez ele tivesse ido buscá-los enquanto estávamos fora.

 

“Você vai dormir aqui ou eu? Jeb perguntou a Jared em um tom casual.

 

“Eu vou.” Ele responder de modo curto. “E eu só preciso de um colchonete.”

 

Jeb ergueu uma grossa sobrancelha.

 

“Não é um de nós Jeb. Você me encarregou disso, então, não se mete.”

 

“Ela também não é um animal, garoto. E você não trataria um cachorro assim.”

 

Jared não respondeu. Seus dentes contraídos.

 

“Nunca o tomei por um homem cruel.” Jeb disse suavemente. Mas recolheu um dos cilindros e colocou nas costas, pegou um dos retângulos – um travesseiro- e colocou embaixo do braço.

 

“Desculpa querida.” Ele disse ao passar por mim, pondo a mão no meu ombro de modo confortador.

 

“Para com isso.” Jared rosnou.

 

Jeb deu de ombros e foi-se. Antes de ele sumir no corredor, eu me apressei em desaparecer dentro do meu buraco; eu me meti no canto mais escuro me encolhendo em uma bola que eu esperava , fosse pequena o bastante para que ninguém visse.

 

Ao invés de se posicionar silenciosamente e invisível do lado de fora do túnel, Jared posicionou o colchonete diretamente na frente da boca da minha prisão. Ele apalpou o travesseiro algumas vezes, possivelmente tentando esfregar na minha cara que ele tinha um. Ele deitou no colchão e cruzou os braços sobre o peito. Essa era a parte dele que eu podia ver pelo buraco – só os braços cruzados e metade de seu estomago.

 

Sua pele estava com o mesmo bronzeado dourado que perseguiu meus sonhos pelo último meio ano. Era estranho ter esse pedaço de sonho transformada em realidade sólida a menos de um metro de mim. Surreal.

 

“Você não vai conseguir passar por mim.” Ele avisou. Sua voz mais suave do que antes – sonolenta. “Se você tentar “ ele bocejou “Eu vou matar você.”

 

Eu não respondi, o aviso me atingiu como um insulto. Por que eu tentaria passar por ele? Para onde eu iria? Para as mãos dos bárbaros esperando por mim lá fora, todos esperando para eu fazer algo idiota assim? Ou, se eu conseguisse passar por eles, voltar ao deserto que quase me matou? Eu imaginava do que ele me imaginava capaz. Que plano ele achava que eu tinha para destruir seu mundo? Eu parecia assim tão poderosa?Não era obvio o quanto pateticamente sem indefesa eu era?

 

Eu podia dizer que ele estava dormindo porque ele começou a se virar da forma que Melanie se lembrava dele ocasionalmente fazer. Ele só dormia assim agitado quando ele estava incomodado. Eu observava seus dedos apertarem e relaxarem, e me perguntava se ele estava sonhando que seus dedos estavam sobre o meu pescoço.

 

Os dias que se seguiram – talvez uma semana, era impossível ter certeza – foram muito quietos. Jared era como uma parece silenciosa entre mim e qualquer outra coisa do mundo, boa ou ruim.

 

Não havia som a não ser o da minha respiração, de meus próprios movimentos; não havia outra visão a não ser a caverna negra em volta de mim, o circulo de luz difusa, a bandeja familiar com as mesmas rações, as breves e ocasionais visões de Jared; nenhum toque a não ser o das pedras na minha pele; nenhum sabor a não ser a amarga água, o duro pão a sopa rasa e a raiz amadeirada.

 

Era uma combinação estranha: terror constante, desconforto físico persistente e monotonia excruciante. Dos três, o tédio de matar era o mais difícil de suportar. Minha prisão era uma câmera de depravação sensorial.

 

Juntas, Melanie e eu nos preocupávamos em enlouquecer.

 

Nós duas ouvimos vozes em nossas cabeças, ela apontou. Isso nunca é um bom sinal.

 

Nós vamos esquecer como se fala, eu me preocupada. Quanto tempo tem que alguém falou conosco?

 

Quatro dias atrás você agradeceu Jeb pela comida e ele disse de nada. Bem, eu acho que foram a quatro dias atrás. Quatro longas dormidas atrás, pelo menos. Ela pareceu se eriçar. Para de roer unhas – eu levei anos para cortar esse habito.

 

Mas as longas e afiadas unhas me incomodavam. Eu não acho que nós precisamos nos incomodar com os maus hábitos.

 

Jared não deixou Jeb trazer a comida mais, em seu lugar alguém trazia a comida e a deixava no final do túnel e Jared a pegava. Eu recebia a mesma comida- pão, sopa e vegetais – duas vezes ao dia. Às vezes havia coisas extras para Jared, comida embalada com nomes que eu reconhecia – Red Vines, Snickers, Pop-Tarts. Eu tentei imaginar como os humanos conseguiam tais delicias.

 

Eu não esperava que ele fosse compartilhar, claro. Mas eu me perguntava se ele achava que eu esperava que sim. Um dos meus poucos entretenimentos era ouvi-lo comer esses mimos, por que ele sempre o fazia com ostentação, talvez esfregando na minha cara, como ele fez com o travesseiro da primeira vez.

 

Uma vez, Jared lentamente abriu um pacote de Cheetos – exibido como sempre – e o rico cheiro que queijo temperado artificial se espalhou pela caverna.... delicioso, irresistível. Ele comeu um lentamente, me deixando ouvir cada mordida crocante.

 

Meus estomago roncou alto, e eu ri de mim mesma. Eu não ria a tanto tempo. Eu tentei lembrar de quando havia sido a última vez – só a crise histeria no deserto, e isso não contava. Mesmo antes de eu vir aqui, não havia muita coisa que eu achasse engraçado. Mas isso me pareceu hilário por alguma razão – meus estomago roncando por um pequeno Cheeto – e eu ri novamente. Um sinal de loucura, com certeza.

 

Eu não sei como a minha reação o ofendeu, mas ele se levantou e desapareceu. Após um longo tempo eu o ouvi comendo o Cheetos novamente, mas a distância. Eu espiei pelo buraco e o vi nas sombras no final do corredor, de costas para mim. Eu enfiei a cabeça rápido para dentro com medo dele virar e me ver. Daí por diante ele ficou no final do corredor na maior parte do tempo. Só a noite que ele vinha se deitar na frente da minha prisão.

 

Duas vezes ao dia, ou a noite, eu não sabia ao certo – eu ia até a cômodo com os rios, era o ponto alto do dia já que era a única vez em que eu podia me esticar e sair da posição incomoda que a caverna me forçava. A cada vez que eu tinha que voltar para a bolha era mais difícil do que da última.

 

Três vezes aquela semana, durante as horas de dormir, alguém veio nos checar.

Da primeira vez foi Kyle.

 

O pulo ligeiro de Jared para ficar de pé me acordou. “Saia daqui.” Ele avisou, segurando a aram firme.

 

“Só checando” Kyle disse. Sua voz estava longe mas alta e grosseria o suficiente para eu saber que não era o irmão. “Algum dia desses você pode não estar aqui. Algum dia você pode estar dormindo muito profundamente.”

 

A única resposta de Jared foi carregar a arma. Eu ouvi a risada de Kyle enquanto ele ia embora.

 

As outras duas vezes eu não soube quem era. Kyle novamente, ou talvez Ian, ou alguém cujo nome eu não sabia. Tudo o que eu sei é que duas vezes mais eu acordei com Jared se erguendo com a arma apontada em direção ao invasor. Palavras não foram ditas. Seja quem for, só estava checando. Quando eles iam Jared rapidamente voltava a dormir. Eu levava mais tempo para acalmar o coração.

 

Da quarta vez, foi diferente.

 

Eu não estava dormindo profundamente quando Jared acordou, rolou e ficou de joelhos em um movimento rápido. Ele se levantou com a arma nas mãos e um xingamento nos lábios.

 

“Calma” uma voz murmurou distante. “Eu vim em paz.”

 

“O que quer que você esteja vendendo eu não estou comprando.” Jared grunhiu.

 

“Eu só quero conversar”. A voz chegou mais perto. “Você tá enterrado aqui, perdendo todas as discussões importante... Nós sentimos falta das duas opiniões. “

 

“Com certeza”. Jared disse sarcasticamente.

 

“OH, abaixe a arma. Se eu estivesse planejando te atacar eu teria trago quatro a mais comigo.”

 

Houve um curto silencio, e quando Jared falou novamente havia uma ponta de humor negro em sua voz. “Como vai o seu irmão esses dias?” ele perguntou. Jared pareceu se divertir com a pergunta, o relaxava cutucar seu visitante. Ele sentou e se apoiou na parede metade na frente da minha caverna, ele estava relaxado, mas com a arma ainda pronta.

 

Meu pescoço doeu, parecendo compreender que as mãos que o haviam apertado e machucado estavam muito próximas.

 

“Ele ainda está fumegando por causa do nariz.” Ian disse. “Ah, bem, não é a primeira vez que é quebrado, eu o direi que você lamente.”

 

“Eu NÃO lamento.”

 

“Eu sei, ninguém nunca lamenta bater em Kyle.”

 

Eles riram juntos, havia em senso de camaradagem que parecia fora de lugar com a arma apontada por Jared. Mas, laços feitos nesse lugar desesperados era muito forte. Mais forte do que sangue.

 

Ian sentou-se no colchonete, próximo a Jared. Eu podia ver seu perfil, uma sombra negra contra a luz azul. Eu notei que seu nariz era perfeito – reto, aquilino, o tipo de nariz que eu havia visto em fotos de esculturas famosas. Isso significava que os outros o achavam mais tolerável que seu irmão o qual tinha o nariz freqüentemente quebrado? Ou ele era melhor em reflexos?

 

“Então, Ian, o que você quer? Não só uma desculpa para Kyle, eu imagino.”

 

“O Jeb lhe contou?”

 

“Eu não sei sobre o que você está falando.”

 

“Eles desistiram das buscas. Até mesmo os Rastreadores.”

 

Jared não comentou, mas eu consegui sentir a áurea de tensão ao seu redor.

 

“Nós mantivemos a vigilância próxima, mas eles nunca pareceram muito ansiosos. As buscas nunca se afastaram muito de onde nós abandonamos o carro, e pelos últimos dias eles estavam claramente procurando por um corpo e não uma sobrevivente. Então, duas noites atrás nós tivemos sorte – a equipe de busca deixou algum lixo no aberto, e um bando de coiotes invadiu seu acampamento base. Um deles estava chegando atrasado e surpreendeu os animais. Os coiotes atacaram o Rastreador e o arrastou uns bom metros antes dos outros ouvirem os gritos e vierem o resgatar. Os outros rastreadores estavam armados, claro. Eles assustaram os coiotes facilmente, e a vitima não estava seriamente machucado, mas o acontecido parece ter respondido para eles o que deve ter acontecido com a nossa convidada aqui.”

 

Eu me perguntei como eles conseguiam espiar os Rastreadores – ver tanto. Eu me senti estranhamente exposta com essa idéia. Eu não gostei da imagem em minha mente; os humanos invisíveis, observando as almas que eles odiavam. A idéia fez os cabelos na minha nuca se arrepiarem.

 

“Então eles fizeram as malas e se foram. Os Rastreadores encerraram as buscas. Todos os voluntários foram para casa. Ninguém esta procurando pela coisa.” Seu perfil virou para mim, e eu espremi contra a parede, esperando que tivesse muito escuro para me ver, que, assim como o seu rosto, eu fosse somente uma sombra escura. “Eu acho que eles devem ter declarado isso aí como oficialmente morta, se eles manterem as coisas como nós fazíamos. Jeb ta dizendo “Eu disse” para todo mundo que fique parado o suficiente para ouvir.”

 

Jared resmungou algo incoerente, eu só consegui entender o nome Jeb. Então ele inalou profundamente, e disse. “Tudo bem então. Acho que é o fim, certo?”

 

“É o que parece” Ian hesitou por um instante e disse. “Exceto... Bem, provavelmente não é nada.”

 

Jared ficou tenso novamente. Ele não gostava de ver sua inteligência editada. “Continua”

 

“Ninguém além de Kyle se incomodou muito, e você sabe como Kyle é.”

 

Jared assentiu com um som.

 

“Você é que tem os melhores instintos para essas coisas, eu queria a sua opinião. É por isso que eu vim aqui e me infiltre na área restrita.” Ian disse levemente, mas então sua voz assumiu um tom sério novamente. “Veja bem, havia esse lá... um Rastreador com certeza – carregava uma Glock.”

 

Eu levei um segundo para entender a palavra usada. Não era um vocabulário conhecido de Melanie. Quando eu entendi que ele falava de uma arma, o tom invejoso na sua voz me deixou enjoada.

 

“Kyle foi o primeiro a notar como esse se destacava, Não pareceu importante para os outros – certamente não no processo de tomar decisões. Oh, tinha sugestões claro, muitas pelo que pudemos ver, mas ninguém parecia ouvir. Queria que pudéssemos ter ouvido o que dizia...”

 

Minha pele se arrepiou novamente.

 

“Enfim, Ian continuou, “Quando eles cancelaram as buscas, esse lá não ficou muito satisfeito. Você sabe a forma como esses parasitas são sempre... agradáveis? Esse era estranho – foi o mais próximo que eu já vi deles chegarem em uma discussão. Não uma discussão de verdade, por que nenhum dos outros responderam, mas o irritado parecia estar discutindo com eles. O grupo de Rastreadores se foram.”

 

“E o que não estava satisfeito:” Jared perguntou.

 

“Entrou no carro e dirigiu até metade do caminho para Phoenix. Então voltou para Tucson. E então dirigiu para o Leste novamente.

 

“Ainda procurando”

“Ou muito confuso. A coisa parou na loja de conveniência no pico. Falou com o parasite que trabalha lá, apesar dele já ter sido interrogado.”

 

“Huh.” Jared suspirou. Ele parecia interessado agora, se concentrando no quebra-cabeça.

 

“ Então a coisa foi para uma caminhada, escalou o pico – coisa idiota. Devia estar fervendo usando preto da cabeça aos pés.”

 

Um espasmo correu meu corpo, eu me vi agachada e não mais sentada no chão, encolhida contra a parede. Minhas mãos instintivamente subiram para proteger meu rosto. Eu ouvi um sibilo alto ecoar na bolha, e só depois que ele desapareceu é que eu percebi que havia sido eu.

 

“O que foi ISSO? “Ian perguntou, surpresa em sua voz.

 

Eu espiei pelos meus dedos e vi ambas as faces inclinadas no buraco me olhando. Ian era só uma sombra, mas parte da luz iluminava as feições duras de Jared. Eu queria ficar muito parada, invisível, mas tremores que eu não podia controlar me sacudiam violentamente.

 

 

Jared se afastou e voltou com a lâmpada em suas mãos.

 

“Olhos os olhos da coisa.” Ian murmurou “Está assustado.”

 

Eu podia ver ambos os rostos agora mas era no de Jared que eu fiquei, Seu olhar apertado concentrado em mim, calculando. Eu imaginava que ele estava pensando no que Ian disser, procurando o que poderia ter levado a essa reação.

 

Meu corpo não parava de tremer.

 

Ela nunca vai desistir, Melanie gemeu.

 

Eu sei, eu sei, Eu gemi de volta.

 

Quando o nosso desgostar dela virou medo? Meu estomago revirava e contorcia. Por que ela não me deixava morta como o resto deles: Quando eu estivesse morta, ela ainda me procuraria?

 

“Quem é a Rastreadora de preto?” Jared subitamente latiu para mim.

 

Meus lábios tremeram, mas eu não respondi. Silencio era mais seguro.

 

“Eu sei que você pode falar” Jared grunhiu ‘Você fala com Jeb e Jamie. E agora, você vai falar comigo.”

 

Ele subiu o buraco da caverna, surpreso do quão baixo o teto era, ele teve que ficar de joelhos, o que não o agradou, ele com certeza preferiria ficar em pé sobre mim. Não havia lugar para eu fugir. Eu já estava enfiada no canto mais distante, a caverna mal tinha espaço suficiente para nós dois. Eu podia sentir sua respiração sob minha pele.

 

“Conte-nos o eu você sabe.” Ele ordenou.

 

                             Abandonada

 

“Quem é a Rastreadora de preto? Por quê ainda está procurando?” O grito de Jared era ensurdecedor ecoando de todos os lados. Eu me escondi por trás nas minhas mãos esperando o golpe.

 

“Ah – Jared?” Ian murmurou “Talvez você devesse me deixar...”

 

“Fique fora disso.”

 

A voz de Ian chegou mais perto, e as rochas fizeram um som áspero quando ele tentou se aproximar pelo buraco já meio lotado. “Você não consegue ver que está muito assustada para falar? Deixe a coisa em paz por um momen – “

 

Eu ouvi algo arranhar o chão quando Jared se moveu, e então um barulho seco. Ian xingou. Eu espiei pelos dedos e vi que Ian não estava mais visível e que Jared estava de costas para mim.

 

Ian cuspiu e rosou “Essa já é a segunda”, e eu entendi que o golpe direcionado para mim foi desviado pela interferência de Ian.

 

“Eu estou pronto para ir para a terceira.” Jared murmurou e se voltou para me encarar, trazendo a luz com ele, ele tinha agarrado a lâmpada com a mãos que havia batido em Ian. A caverna parecia brilhante após tanto tempo na escuridão. Jared falou novamente, estudando minha face na nova luminosidade.

 

“Quem. É. A. Rastreadora? “

 

Eu deixei minhas mãos caírem e olhei em seus olhos impiedosos. Incomodava-me o fato de que um outro alguém havia sofrido pelo meu silencio – mesmo que fosse alguém que havia tentado me matar.

 

A expressão de Jared se suavizou um pouco ao ver a mudança na minha. “Eu não preciso te machucar.” Ele disse baixo, não muito seguro do que dizia. “Mas eu preciso saber a resposta a minha pergunta.”

 

Essa nem ao menos era a pergunta certe – não um segredo que eu quisesse proteger.

 

“Me conta.” Ele insistiu, seus olhos com frustração e infelicidade.

 

Eu era mesmo uma covarde? Eu preferia acreditar que era – que o meu medo da dor foi o que me motivou a falar. Mas a verdade era que eu falei por um motivo muito mais patético. Eu queria agradá-lo, esse humano que me odiava tanto.

 

“A Rastreadora” eu comecei, minha voz rouca e fraca. Eu não havia falado em um longo tempo.

 

Ele interrompeu, impaciente. “Nós sabemos que é uma Rastreadora.”

 

“Não, não uma Rastreadora.” Eu sussurrei. “MINHA Rastreadora.”

 

“Como assim SUA Rastreadora?”

 

“Designada para mim, me seguir. Foi por causa dela que –” Eu me controlei antes de dizer o que significaria a minha morte. Parei antes de dizer NÓS. A grande verdade que eles veriam como a grande mentira – brincando com seus mais profundos desejos e sua mais profunda dor. Ele nunca veria que seus desejos pudessem ser verdade. Ele só veria uma mentirosa perigosa olhando para ele pelos olhos que ele amava.

 

“A razão?” ele exigiu.

 

“A razão de eu ter fugido.” Eu respirei. “A razão de eu ter vindo para cá.”

 

Não inteiramente verdade, mas na inteiramente mentira.

 

Jared me encarava,, sua boca semi aberta, enquanto ele tentava processar isso. Pelo canto do meu olho eu podia ver Ian olhando do buraco novamente, seus vividos olhos azuis arregalados de surpresa. Havia sangue escuro sobre seus lábios pálidos.

 

“Você fugiu de uma Rastreadora? Mas você é um deles.” Jared lutou para se recompor, para voltar ao interrogatório. “Por que a coisa seguiria você? O que queria?”

 

Eu engoli; o som estranhamente alto. “Ela queria você. Você e o Jamie.”

 

Sua expressão se enrijeceu. “E você estava tentando a trazer aqui?”

 

Eu sacudi a cabeça. Eu não... eu, eu” Como eu podia explicar? Ele nunca aceitaria a verdade.

 

“O que?”

 

“Eu não.. queria dizer a ela. Eu não gosto dela.”

 

Ele piscou confuso de novo. “Vocês tipo, não tem que gostar de todo mundo?”

 

“Supostamente. “ eu admiti, envergonhada.

 

“Para quem você contou sobre esse lugar?” Ian perguntou sobre os ombros de Jared.

 

“Eu não pude contar – eu não sabia... Eu só via as linhas. As linhas no álbum. Eu as desenhei para a Rastreadora... mas nós não sabíamos o que eram. Ela ainda acha que é o mapa de uma estrada.” Eu não conseguia parar de falar. Eu tentei fazer as palavras saírem lentamente, para me proteger de algum lapso.

 

“Como assim você não sabia o que elas eram? Você está aqui.” As mãos de Jared vieram em minha direção, mas caíram no meio do caminho.

 

“Eu, eu estava tendo problemas em acessar as memórias dela. Eu não entendia... eu não conseguia acessar tudo. Havia paredes. É por isso que a Rastreadora foi designada para mim. Esperando eu desbloquear o resto.” Falei demais. Muito. Eu mordi minha língua.

 

Ian e Jared trocaram um olhar. Eles nunca haviam ouvido nada assim antes. Eles não confiavam em mim, mas queriam acreditam que isso era possível. Eles queriam muito.

 

A voz de Jared saiu com súbita rudeza. “Você foi capaz de acessar minha cabana?”

 

“Não por um longo tempo.”

 

“E você contou para a Rastreadora.”

 

“Não.”

 

“Não? Por que não?

 

Por que ... quando eu finalmente pude lembrar... eu não QUERIA contar para ela.”

 

Os olhos de Ian congelaram arregalados.

 

A voz de Jared mudou, ficou baixa, quase carinhosa. Muito mais perigosa do que os gritos. “ Por que você não queria contar/”

 

Minha mandíbula fechou forte. Não era O segredo, mas mesmo assim, era um segredo que ele teria que arrancar de mim. Nesse momento minha determinação teve pouco a ver com auto-preservação, mas muito com orgulho. Eu NÃO iria dizer para esse humano que me desprezava que eu o amava.

 

Ele viu o desafio em meus olhos, e pareceu entender o que ele precisaria fazer para arrancar essa resposta de mim. Ele decidiu pular a pergunta – ou talvez voltar para ela mais tarde.

 

“ Por quê você não foi capaz de acessar tudo? Isso é... normal?”

 

Essa pergunta era muito perigosa também. E pela primeira vez eu disse uma mentira.

 

“Ela caiu de muito alto. O corpo estava danificado.”

 

Mentir não vinha fácil para mim; essa mentira soou totalmente falsa. Jared e Ian reagiram ao falso tom: a cabeça de Jared pendeu para um lado e a uma sobrancelha escura de Ian se ergueu.

 

“Por que a Rastreadora não está desistindo da busca?” Ian perguntou.

 

Eu estava exausta. Eu sabia que eles podiam continuar com isso a noite toda, iriam continuar isso a noite toda se eu continuasse a responder, e eventualmente eu cometeria um erro. Eu me aconcheguei a parede e fechei os olhos.

 

“Eu não sei.” Sussurrei. “Ela não é como as outras almas. Ela é... irritante.”

 

Ian deu uma risada – um som sobressaltado.

 

“E você – você é como as outras... almas?”Jared perguntou.

 

Eu abri os olhos e o olhei estranhando por um momento. Que pergunta idiota, eu pensei. Então eu fechei os olhos e enfiei a cara nos joelhos, abraçando minha cabeça.

 

Ou Jared entendeu que eu não falaria mais nada ou o seu corpo tava reclamando da posição. Ele gemeu algumas vezes enquanto saía do buraco, levando a lâmpada com ele. E então gemeu baixo ao se espreguiçar.

 

“Isso foi inesperado.” Ian murmurou.

 

“Mentiras, é claro.” Jared murmurou de volta. Eu mal conseguia ouvir as palavras. Eles provavelmente não percebiam como o som ecoava para dentro da bolha. “Só que ... eu não consigo entender por que quer que nos acreditemos nisso – aonde está tentando nos levar.”

 

“Eu não acho que está mentindo. Bem, exceto pela aquela vez. Você notou?”

 

“Parte da atuação.”

 

“Jared. Quando você conheceu um parasita que podia mentir sobre qualquer coisa? Exceto um Rastreador?”

 

“O que a coisa provavelmente é.”

 

“Tá falando sério?”

 

“É a melhor explicação.”

 

“Ela – Essa aí é a coisa mais distante de uma Rastreadora que eu já vi. Se um Rastreador tivesse alguma idéia de como nos encontrar teria trazido um exercito.”

 

“E não encontraria nada. Mas ela – a coisa entrou não foi?

 

“Quase foi morta meia dúzia de vezes e...”

 

“Ainda está respirando não está?”

 

Eles ficaram quietos por um longo tempo. Tanto tempo que eu comecei a pensar em me mover, mas eu não queria fazer barulho ao deitar. Eu queria que Ian fosse embora para eu poder dormir. A adrenalina me deixou acabada quando saiu do meu sistema.

 

“Eu acho que eu vou falar com o Jeb” Ian eventualmente suspirou.

 

“Oh, ESSA é uma ótima idéia.” Jared comentou cheio de sarcasmo.

 

“Você se lembra da primeira noite? Quando pulou entre você e Kyle? Aquilo foi bizarro.”

 

“Só estava tentando arrumar um jeito de escapar.”

 

“Dando o sinal verde para Kyle matar-la? Bom plano.”

 

“Funcionou.”

 

“A arma de Jeb funcionou. Ela sabia que ele estava vindo?”

 

“Você está penando demais Ian. É isso que a coisa quer.”

 

“Eu não acho que você está certo. Eu não sei por quê... mas eu ao acho que a coisa quer que nos pensemos muito nela. Eu ouvi Ian se levantando. “Sabe o que é realmente doido?’ ele perguntou, sua voz não era mais um sussurro.

 

“O que?”

 

“Eu me sinto culpado – muito mesmo – vendo ela se encolher por nossa causa. Ver as marcas pretas no pescoço dela.”

 

“Você não pode deixar a coisa te fazer isso.” Jared estava subitamente perturbado “Não é humano. Não se esqueça disso.”

 

“Só porque não é humano você acha que isso significa que ela não sente dor?” Ian perguntou enquanto sua voz sumia na distancia. “Que ela não sente exatamente como uma garota que apanhou ... de nós?”

 

“Controle-se” Jared sibilou atrás dele.

 

“Te vejo por aí, Jared.”

 

Jared não relaxou por um longo tempo após Ian sair, ele caminhou por um tempo, para lá e para cá, e então sentou no colchonete, bloqueando minha luz, e murmurava incompreensivelmente para si mesmo. Eu desisti de esperar para ele dormir, e me estiquei o melhor que pude. Ele se sobressaltou ao som de movimento e então começou a murmurar novamente.

 

“Culpado!! Deixando se abalar. Igual ao Jeb, ao Jamie. Não posso deixar isso continuar. Idiotice deixar a coisa viver.”

 

Arrepios se ergueram em meus braços, mas eu tentei ignorá-los. Se eu entrasse em pânico toda vez que eu pensava em me matar, eu nunca teria um momento de paz. Eu virei de bruços tentando mudar a posição da minha coluna, e ele se sobressaltou novamente devido ao barulho. Eu tinha certeza que ele ainda estava refletindo quando eu finalmente dormi.

 

Quando eu acordei, Jared estava sentado no colchonete onde eu podia vê-lo, cotovelos nos joelhos, sua cabeça descansando em um punho.

 

Não parecia que eu havia dormido por mais do que uma hora ou duas. Mas eu estava muito dolorida para voltar a dormir. Ao invés disso fiquei pensando na visita de Ian, preocupada que Jared iria ficar ainda mais em cima de mim depois da reação estranha de Ian. Por que Ian não podia ter ficado de boca fechada a respeito de se sentir culpado? Se ele sabia que era capaz de sentir culpa ele não devia sair por aí estrangulando pessoas. Melanie estava irritada com Ian também, e nervosa sobre o resultado de seus escrúpulos.

 

Nossas preocupações foram interrompidas após alguns minutos.

 

“Sou eu.” Eu ouvi Jeb dizer “Não se exalte.”

 

Jared ergueu a arma.

 

“Vá em frente e atire em mim, garoto. Vá em frente.” A voz de Jeb chegava mais parto a cada palavra.

 

Jared suspirou e abaixou a arma.

 

“Por favor, vá embora.”

 

“Preciso falar com você,” Jeb disse, amuado, ao sentar ao lado de Jared. “Olá, você.” Ele disse em minha direção, balançando a cabeça.

 

“Você sabe que eu odeio isso.” Jared murmurou.

 

“Sei.”

 

“Ian já me contou sobre os Rastreadores.”

 

“Eu sei. Eu estava falando agorinha com ele sobre isso.”

 

“ótimo. Então o que você quer?”

 

“Não é bem o que EU quero, é mais o que todo mundo precisa. Nosso estoque de tudo está baixo. Nós precisamos de uma grande pilhagem para o estoque.”

 

“Oh.” Jared murmurou, esse assunto não é o que ele estava esperando. Após uma curta pausa ele disse, “Manda Kyle.”

 

“Okay.” Jeb disse, se preparando para levantar. Jared suspirou. Parece que a sua sugestão havia sido um blefe. Ele retirou-a assim que Jeb a aceitou.

 

“Não. Kyle não. Ele é muito...”

 

Jeb riu. “Quase nos colocou em problemas sérios da ultima vez que saiu sozinho, né? Não é do tipo que pensa antes. E que tal Ian?”

 

“Ian pensa DEMAIS.”

 

“Brandt?”

 

“Ele não é bom em longas excursões. Começa a entrar em pânico depois de algumas semanas. Comete erros.”

 

‘“Okay, você me diga quem então.”

 

Os segundos passaram e eu ouvia Jared expirar e inspirar de vez em quando como se ele fosse dar uma resposta e então desistia.

 

“Ian e Kyle juntos?” Jeb sugeriu “ Talvez um equilibre o outro.”

 

Jared grunhiu “Como da outra vez? Okay, okay, eu sei que tem que ser eu.”

 

“Você é o melhor. Jeb concordou. “Você mudou nossas vidas quando apareceu por aqui.”

 

Melanie e eu assentimos para nós mesmas, isso não nos surpreendia.

 

Jared é mágico. Jamie e eu estávamos perfeitamente seguros com os instintos de Jared nos guiando. Nunca chegamos perto de sermos pegos. Se fosse Jared em Chicago, eu tenho certeza que ele teria entrado e saído livremente.

 

Jared inclinou o ombro em minha direção. “E quanto a ...?”

 

“Eu a vigio quando eu puder. E eu espero que você leve o Kyle com você, vai facilitar a coisas.”

 

“Não será o suficiente – sem o Kyle e com você vigiando quando puder. Ela... a coisa não vai durar muito tempo.”

 

Jeb deu de ombros. “Eu farei o meu melhor. É só isso que eu posso fazer.”

 

Jared começou a balançar a cabeça para frente e para trás.

 

“Quanto tempo mais você pode ficar aqui?” Jeb perguntou.

 

“Eu não sei.” Jared suspirou.

 

Houve um longo silêncio. Após alguns minutos Jeb começou a assobiar bem baixo.

 

Finalmente Jared deixou escapar um longo suspiro que eu não percebi que ele estava segurando.

 

“Eu parto hoje à noite.” As palavras foram lentas, cheias de resignação, mas também alivio. Sua voz até mesmo mudou um pouco, menos defensiva. Quase como deveria ter sido até antes de nós aparecermos por aqui. Deixando uma responsabilidade sair de seus ombros para colocar uma mais bem-vinda em seu lugar. Ele estava desistindo de me manter viva, deixando a natureza- ou melhor, a justiça da multidão – seguir seu curso. Quando ele retornasse e eu estivesse morta, ele não teria nenhuma responsabilidade sobre isso. Ele não lamentaria. Tudo isso eu podia ouvir nas três palavras.

 

Eu conhecia a hipérbole humana para dor – coração partido. Melanie se lembrava de ter usado a frase ela mesma. Mas eu sempre a tomei por uma hipérbole, uma descrição para algo que não tinha nenhuma relação com o corpo. Então eu não estava esperando pela dor no meu peito. A náusea sim, o nó na garganta também, e sim, lágrimas queimando nos meus olhos. Mas que sensação era essa, que sentia como se meu peito estivesse rasgando. Não tinha lógica.

 

E não era só rasgando, mas torcendo e puxando em diferentes direções, por que o coração de Melanie também partiu, e era uma sensação separada. Um coração duplo para uma mente dupla. O dobro de dor.

 

Ele está partindo, ela chorava. Nós nunca o veremos novamente. Ela nem levou em consideração o fato de que íamos morrer.

 

Eu queria chorar com ela, mas alguém tinha que manter a cabeça. Eu mordi minha mão para conter os gemidos.

 

“É provavelmente o melhor.” Jeb disse.

 

“Eu preciso ir organizar algumas coisas...” A mente de Jared já estava longe, muito longe desse corredor claustrofóbico.

 

“Eu assumo aqui, então. Faça uma viagem segura.”

 

“Obrigado. Acho que o verei quando o ver. Jeb.”

 

“Acho que sim.”

 

Jared passou a arma para Jeb, se ergueu, bateu a poeira em suas roupas e então partiu, indo pelo corredor em seu passo apressado, sua mente em outras coisas. Nem ao menos um olhar em minha direção, nem um pensamento acerca do meu destino.

 

Eu ouvi o som de seus passos sumindo, então, esquecendo que Jeb estava lá, eu apertei o rosto em minhas mãos e chorei.

 

                                         Libertada

 

Jeb me deixou chorar sem interromper. Ele não fez comentários durante os soluços e nem durante o período em que fiquei assoando. Só quando eu já estava totalmente em silencio por uma meia hora é que ele falou.

 

“Ainda acordada aí?”

 

Eu não respondi. Eu estava muito habituado ao silêncio.

 

“Você que sair daí para se esticar?” ele ofereceu. “Minha coluna já está doendo só de pensar nesse buraco estúpido.”

 

Ironicamente, considerando minha semana de silencio enlouquecedor, eu não estava no espírito para companhia. Mas essa oferta eu não podia recusar. Antes de poder pensar no assunto, minhas mãos estavam me puxando para a saída.

 

Jeb estava sentado de pernas cruzadas no colchonete. Eu o observei esperando por alguma reação enquanto eu esticava meus braços e pernas e ombros, mas ele estava com os olhos fechados. Como da vez que Jamie veio visitar, ele parecia dormindo.

 

Quanto tempo fazia que eu não via James: E como ele estava agora? Meu coração já doído, deu um pequeno apertão.

 

“Se sente melhor?” Jeb perguntou, seus olhos se abrindo.

 

Eu dei de ombros.

 

“Vai ficar tudo bem, sabe.” Ele deu um sorriso grande esticando a face toda. “Aquelas coisas que eu disse para o Jared, bem, eu não vou dizer que eu menti, porque é tudo verdade se você olhar por um certo ângulo, não é bem a verdade mas é o que ele precisava ouvir.”

 

Eu só o encarava; eu não entendi uma palavra do que ele estava dizendo.

 

“Enfim, Jared precisa de uma pausa disso, não de você, criança.” Ele adicionou rapidamente, “mas dessa situação. Ele vai ganhar mais perspectiva quando ele estiver fora.”

 

Eu imaginava como ele sabia quais palavras iam me magoar, e mais que isso, por que ele se importava se as palavras dele iriam me machucar, ou mesmo por que ele se importava com minhas dores. Sua bondade comigo era mais assustadora de alguma forma por que eu não a entendia. Pelo menos as ações de Jared faziam sentido. As tentativas de Kyle e Ian de me matar, a vontade do doutor de me torturar – esses comportamentos eram lógicos. Não bondade. O que Jeb queria de mim?

 

“Não fique taciturna,” Jeb pediu.”Há um lado bom nisso. Jared estava sendo muito teimoso sobre você, e agora que ele está temporariamente fora da história, podemos fazer as coisas mais confortáveis.”

 

Minhas sobrancelhas se franziram enquanto eu tentava entender o que ele queria dizer.

 

“Por exemplo” ele continuou.”Esse lugar nós normalmente usamos como deposito, Agora, quando o Jared e os rapazes voltarem nós poderemos arrumar um lugar novo para você. Algo um pouco maior talvez? Algo com uma cama?’ ele sorriu de novo enquanto balançava a oferta em frente de mim.

 

Eu esperei ele remove-la, dizer que estava brincando. Ao invés disso seus olhos – da cor de um jeans desbotado – ficaram muito, muito gentis. Algo em sua expressão trouxe o nó de volta a minha garganta.

 

“Você não precisa voltar para o buraco, querida.” A pior parte passou.”

 

Eu descobri que não podia duvidar da honestidade em seu rosto. Pela segunda vez em uma hora eu coloquei meu roso nas mãos e chorei.

 

Ele levantou e, meio sem jeito, colocou as mãos em meus ombros. Ele não parecia confortável com lágrimas.

 

“Pronto, pronto.” Ele murmurava.

 

“Eu me controlei mais rapidamente agora. “Agora, nós teremos que ficar por aqui até Jared com certeza tiver ido e não irá nos pegar.” Ele sorriu de modo conspiratório. “Então nós vamos nos divertir um pouco.”

 

Eu me lembrei que sua idéia de diversão geralmente envolvia confrontos armadas.

 

Ele riu de minha expressão. “Não se preocupe com isso. Enquanto estamos esperamos você pode muito bem descansar. Eu aposto que mesmo esse colchonete fininho vai parecer muito confortável para você agora.”

 

Eu olhei do rosto dele para o colchonete no chão e voltei.

 

“Vá em frente.” Ele disse “Você está com a aparência de alguém que precisa dormir. Eu vou ficar de olhos nas coisas.”

 

Comovida, uma nova umidade surgiu em meus olhos, eu me afundei no colchonete e deitei minha cabeça no travesseiro. Era o paraíso, apesar de Jeb o chamar de fino. Eu me estiquei inteira, esticando meus dedos dos pés e os tocando com os dedos das mãos. Eu ouvia as juntas estalarem. Então eu me larguei no colchão. Parecia que estava me abraçando, apagando todos os pontos dolorido. Eu suspirei.

 

“Faz bem ver isso.” Jeb murmurou, “É como uma parte das suas costas coçando que você não consegue coçar saber que alguém sob seu teto está sofrendo.”

 

Ele se acomodou no chão alguns centímetros distante de mim e começou a cantarolar baixinho. Eu estava dormindo antes dele terminar a primeira estrofe.

 

Quando acordei, eu sabia que havia dormido profundamente por muito tempo, mais do que jamais havia dormido desde que cheguei aqui. Nada de dores, nenhuma interrupção assustadora. Eu teria me sentido excelente, se não fosse o fato de que acordar no travesseiro me lembrava de que Jared havia ido embora. Ainda tinha o cheiro dele. E era um cheiro bom, Ada parecido com o meu cheiro.

 

Agora só em sonhos. Melanie disse desamparada.

 

Eu lembrava do meu sonho vagamente, mas eu sabia que havia sido com Jared, como sempre ocorria quando eu dormia profundamente suficiente para sonhar.

 

“’Dia criança” Jeb disse, parecendo animado.

 

Eu afastei as pálpebras para olhar para ele. Teria ele sentado contra a parede a noite toda? Ele não parecia cansado, mas eu me senti culpada por monopolizar as melhores acomodações.

 

“Os rapazes se foram.” Ele disse entusiasmado. “Que tal uma turnê?” Ele acariciou a arma presa na cintura inconscientemente.

 

Meus olhos se arregalaram, olhando para ele com descrença. Uma turnê?

 

“Hey, não fique nervosinha. Ninguém vai te incomodar. E você eventualmente vai precisar saber os caminhos por aqui.”

 

Ele ergueu a mão para me ajudar a levantar. Eu a tomei automaticamente. Minha cabeça girando enquanto eu tentava processa o que ele estava dizendo. Eu precisaria saber o caminho por aqui? Por quê? E o que ele quis dizer com ‘eventualmente’? Por quanto tempo ele esperava que eu durasse?

 

Ele me puxou em pé e me guiou para frente. Eu havia esquecido como era me mover pelos túneis escuros com uma mão me guiando. Era tão fácil – andar quase não necessitava de concentração.

 

“Vejamos” Jeb murmurou. “Talvez a ala direita, estabeleceu um lugar decente para você. E então as cozinhas..” Ele continuou planejando sua turnê, cncituando enquanto íamos pela caverna estreita até o túnel claro que ia dar no cômodo maior. Quando o som de vozes nos alcançou eu senti minha boca ficar seca. Jeb continuou falando comigo, ou não percebendo ou ignorando meu medo.

 

“Eu aposto que as cenouras estarão brotando hoje,” ele estava dizendo enquando me levava para a praça central. A luz me cegou, e eu não podia dizer quem estava lá, mas eu podia dizer que seus olhos estavam em mim. O súbito silêncio era sinistro como sempre.

 

“É.” Jeb continuou.” Eu sempre acho tão bonito. Um brotinho verde é sempre um prazer ver.”

 

Ele parou e apontou para eu olhar. Eu olhei naquela direção mas meus olhos demoraram a se ajustar. Demorou um momento, mas então eu vi do que ele estava falando. E eu também vi que havia cerca de quinze pessoas aqui hoje, todas me olhando de modo hostil. Mas eles estavam ocupados.

 

O escuro e amplo quadrado que ficava no centro da caverna não estava mais escuro. Metade dele estava coberto de brotos verdes, como Jeb havia dito. ERA bonito. E incrível.

 

Pudera ninguém ficar naquele espaço. Era um jardim.

 

“Cenouras?” eu murmurei.

 

Ele respondeu no tom de voz normal “Só essa metade que está verde. A outra metade é espinafre. Deve britar em alguns dias.”

 

As pessoas no cômodo voltaram ao trabalho, ainda me olhando de vez em quando, mas se concentrando no trabalho mais do que em mim. Agora era fácil entender oq eu eles fazia, e entender os barris sobre rodas e os irrigadores – agora que eu reconhecia o jardim.

 

“Irrigando?’ eu sussurrei novamente.

 

“Isso mesmo. Resseca muito rápido nesse calor.”

 

Eu assenti em concordância. Ainda era cedo, eu imaginava, mas eu já estava suando. O calor que emanava da luminosidade acima se espalhava pela caverna. Eu tentei examinar o teto novamente, mas era muito claro para encarar. Eu puxei a barra da camiseta de Jeb e apontei para o teto. “Como?”

 

“Jeb sorriu, parecendo super animado com a minha curiosidade. ‘Do mesmo jeito que mágicos fazem – com espelhos criança. Centenas deles. Demorei um tempão para colocá-los lá. É bom ter uma ajuda extra quando eles precisam ser limpados. Veja bem, só havia quatro aberturas no teto para ter a luminosidade que eu queria. O que você achou dele?”

 

Ele pôs os ombros eretos, orgulhoso.

 

“Brilhante” eu sussurrou “Incrível.”

 

Jeb sorriu e assentiu, gostando da minha reação.

 

“Vamos continuar.” Ele sugeriu “Muito o que fazer hoje.”

 

Ele me guiou por um túnel novo, largo, naturalmente no formato de um tubo que saía da caverna grande.

 

Esse era território novo. Meus músculos se retesaram, eu me movia com pernas rígidas, sem dobrar os joelhos.

Jeb deu uns tapinhas em minha mão, mas fora isso ignorava os meus nervos. “Isso aqui é na maior parte dormitório e deposito. Os tubos são mais próximos a superfície aqui, então é melhor para obter alguma luz.” Ele apontou para uma rachadura no teto.

 

Nós alcançamos uma bifurcação, só que não era bem uma Bifurcação, pois havia várias passagens.

 

“Terceira a esquerda.” Ele disse, e olhou para mim intensamente.

 

“Terceira a esquerda?” eu repeti.

 

“Isso mesmo. Não esqueça. É fácil se perder por aqui, e isso não seria bom para você. O povo aqui preferiria te esfaquear a de apontar a direção correta.”

 

Eu estremeci. “Obrigado.” Eu murmurei com um pouco de sarcasmo.

 

Ele riu como se minha resposta o divertisse. ‘Não há motivo para se ignorar a verdade. Não a faz pior dizer em voz alta.’

 

Não a fazia melhor também, mas eu não disse isso. Eu estava começando a gostar disso. Era bom ter alguém com quem conversar. Jeb era, se nada mais, boa companhia.

 

“Um, dois, três” ele contou, e então me levou pelo terceiro corredor a esquerda. Nós passávamos por várias entradas redondas cobertas por variada portas improvisadas. Algumas cobertas com tecido, outras papelão emendado. Um buraco tinha duas portas de verdade – uma madeira vermelha e a outra metal prateado – apoiada sobre a entrada.

 

“Sete” Jeb contou, e parou em frente de um circulo menor, o ponto mais alto era só alguns centímetros acima da minha cabeça. Essa protegia a privacidade com uma cortina verde jade – do tipo que se vê dividindo espaços em elegantes sala de estar. Havia um padrão de botões cor de cereja atravessando a seda.

                                                                                                                                                                      

Esse foi o único lugar que eu consegui pensar por agora. O único que está decente para ser habitado por um humano. Vai continuar vazio por algumas semanas, e pensaremos em algo melhor quando for preciso.”

 

Ele dobrou a cortina para o lado, e uma luz mais clara do que a do corredor nos iluminou. O quarto revelado me deu uma estranha sensação de vertigem – possivelmente por ser muito mais alto do que largo. Lá dentro a sensação era de se estar em uma torre ou em um silo, não que eu já houvesse estado em algum desses lugares, mas foram essas imagens que Melanie comparou. O teto, duas vezes mais alto que a largura, era cheiro de rachaduras. Isso parecia perigoso – instável. Mas Jeb não mostrava medo de soterramento e me guiava mais para dentro. Havia um colchão de casal no chão, com cerca de um metro de espaço sobrando ao lado dele. Os dois travesseiros e os dois cobertores torcidos em duas pilhas em cada lado do colchão, fazendo parecer que o quarto era ocupado por duas pessoas.

 

Um poste de Madeira estava enfiado horizontalmente em dois buracos, uma ponta em cada buraco, fazendo um cabideiro, onde estavam penduradas algumas camisetas e dois pares de jeans. Um banquinho de madeira estava encostado na parede ao lado do cabideiro improvisado, e no chão abaixo do banco uma pilha de livros usados.

 

“Quem?” eu perguntei a Jeb, sussurrando novamente. Esse lugar tão obviamente pertencia a alguém que eu não sentia mais que estávamos sozinhos.

 

“Um dos rapazes em excursão. Não estará de volta por um tempo. Nós vamos encontrar alguma coisa até lá.”

 

Eu não gostei – não do quarto, mas da idéia de ficar nele. A presença do dono era forte apesar dos poucos pertences. Seja lá quem fosse não ia ficar feliz de me ter ali. Ele odiaria.

 

Jeb pareceu ler minha mente – ou talvez a expressão em meus rosto fosse tão clara que ele não precisava.

 

“Opa, calma.” Ele disse “ Não se preocupe com isso. Essa é a MINHA casa, e esse é só um dos meus quartos de hóspedes, Eu digo quem é e quem não é hospede aqui. Nesse momento, você é minha hospede, e eu estou te oferecendo este quarto.,”

 

Eu ainda não gostava, mas não ia chatear Jeb. Eu me prometi não perturbar nada ali, se isso significava dormir no chão.

 

“Bem, vamos continuar. Não esquece: terceira a esquerda, sétima entrada.”

 

“Cortina verde.” Eu acrescentei.

 

“Exatamente.”

 

Jeb me levou de volta pelo grande cômodo do jardim, até o outro lado, através do maior túnel de saída. Quando passamos pelos irrigadores, eles se enrijeceram e se viraram, com medo de me ter pelas costas.

 

Esse túnel era bem iluminado, os buracos por onde a luz entrava eram muito regulares para serem naturais.

 

“Nós estamos ainda mais perto da superfície agora. Fica mais seco, mas fica mais quente também.”

 

Eu percebi isso quase que imediatamente. Ao invés de cozidos no vapor agora estávamos sendo assados. O ar era menos compacto e parado. Eu podia sentir o gosto da poeira do deserto. Havia mais barulho a frente. Eu tentei me preparar para a reação inevitável. Se Jeb insistia em me tratar como ... como uma humana, como uma hospede bem vinda, que teria que me acostumar. Não havia motivo para eu ficar nervosa toda vez. Meu estomago começou a contorcer infeliz novamente.

 

“Por aqui é a cozinha.” Jeb me disse.

 

A princípio parecia que estávamos em outro túnel, um lotado de pessoas. Eu me pressionei contra a parede tentando manter distância. A cozinha era um longo corredor com um teto alto, mais alto do que largo, como o meu novo quarto. A luz era forte e quente. Ao invés de pequenos buracos nas rochas, esse lugar continha enormes buracos abertos.

 

“Não dá para cozinhar durante o dia, claro. Fumaça, sabe. Então nós meio que mantemos isso aqui como o corredor da bagunça até anoitecer.”

 

Toda a conversação parou abruptamente, então as palavras de Jeb soaram claras para todo mundo ouvir. Eu tentei me esconder atrás dele, mas ele continuava a andar para frente.

Nós interrompemos o café da manhã, ou talvez o almoço.

 

Os humanos – cerca de uns vinte – estavam muito próximos aqui. Não como na caverna grande. Eu queria manter meus olhos no chão, mas não conseguia parar de os passar pelo cômodo. Só por precaução. Eu podia sentir meu corpo se tencionar, querendo correr, mas para onde eu correria eu não fazia idéia.

 

Dos dois lados do corredor, havia longas pilhas de rochas. Na maior parte brutas, pedras vulcânicas roxas, com uma substância mais clara – cimento? – entre elas. Criando costuras, as mantendo juntas. No topo dessas pilhas diferentes pedras, marrons na cor e retas. Estavam coladas com a coisa cinza também. O produto final era uma superfície relativamente reta, como um balão ou uma mesa. Era óbvio que tinham ambas as utilidades.

 

Os humanos sentavam em algumas, apoiavam-se em outras. Eu reconheci o pão que eles seguravam suspendido em cima da mesa e no meio caminho para a boca, congelados em descrença ao ver Jeb e sua turnê de uma pessoa. Algumas delas eram familiares. Sharon, Maggie, e o doutor eram o grupo mais próximo de mim. A prima e tia de Melanie encaravam Jeb furiosamente – eu tinha a estranha convicção que eu podia ter ficado de cabeça para baixo e cantado canções da memória de Melanie a plenos pulmões e elas ainda assim não olhariam para mim – mas o doutor me olhava com olhos com curiosidade franca e quase amigáveis, o que me fez gelar até os ossos.

 

No fundo do cômodo-corredor, eu reconheci o homem alto com cabelo negro e meu coração disparou. Eu achava que Jared supostamente havia levado os irmãos hostis com ele para o trabalho de Jeb de me manter viva ficasse mais fácil. Pelo menos era o mais novo, Ian, que havia, tarde demais, desenvolvido uma consciência – o que não era tão ruim quanto se fosse o Kyle. No entanto, essa consolação não diminuiu meu ritmo cardíaco.

 

“Todo mundo satisfeito já?” Jeb perguntou alto e sarcasticamente.

 

“Perdemos o apetite.” Maggie murmurou.

 

“E quanto a você,” ele disse, virando para mim. “com fome?

 

Um baixo grunhido passou pela nossa audiência.

 

Eu sacudi a cabeça negativamente – um gesto curto mas claro. Eu nem ao menos sabia se estava com fome, mas eu sabia que eu não conseguiria comer em frente dessa multidão que adoraria ME devorar.

 

“Bem, eu estou.” Ele resmungou. Ele foi até o corredor entre os balcões, mas eu não segui. Eu não suportava a idéia de estar ao alcance dos outros. Eu fiquei pressionada contra a parede onde estava. Só Maggie e Sharon observavam ele ir até uma grande vasilha de plástico e pegar um pão. Todos os outros observavam a mim. Eu tinha certeza de que se eu movesse um milímetro eles teriam dado o bote. Eu tentei não respirar.

 

“Bem, vamos continuar.” Jeb sugeriu com a boca cheia enquanto caminhava de volta para mim. “Ninguém aqui parece poder se concentrar no almoço. Facilmente distraídos esses aqui.”

 

Eu observava os humanos esperando movimentos súbitos, não realmente vendo seus rostos agora que já havia reconhecido alguns. Então só quando Jamie se levantou foi que eu o vi. Ele era uma cabeça menor do que os adultos ao seu lado, mas mais alto que duas crianças menores que estavam no balcão no seu outro lado. Ele pulou rapidamente do seu lugar e seguiu Jeb. Sua expressão apertada, contraída, como se ele estivesse tentando resolver uma equação difícil de cabeça. Ele me examinou pelos olhos apertados enquanto se aproximava de Jeb. Agora eu não era a única que segurava a respiração. Os olhares dos outros iam dele para mim.

 

Oh, Jamie. Melanie pensou. Ela odiava a expressão triste e adulta em seu rosto, e eu provavelmente odiava ainda mais. Ela não se sentia tão culpada como eu por tê-la colocado lá.

 

Se ao menos nós pudéssemos a remover. Ela suspirou.

 

É tarde demais. O que nós podíamos fazer para arrumar isso agora?

 

Era só uma pergunta retórica, mas eu me peguei tentando responde-la e Melanie também.

 

Não encontramos nada no breve segundo que procuramos, não havia nada a encontrar, eu tinha certeza. Mas nós duas sabíamos que continuaríamos procurando quando terminássemos essa turnê burra e tivéssemos uma chance de pensar. Se nós vivêssemos tanto tempo.

 

“O que é garoto?” Jeb perguntou sem olhar para ele.

 

“Só me perguntando o que você está fazendo.” Jamie respondeu, sua voz tentando soar neutra, mas falhando.

 

Jeb parou quando ele chegou até mim e virou para olhar para Jamie. “Levando ela por uma turnê. Como eu sempre faço para os recém chegados.”

 

Houve outro grunhido baixo.

 

“Posso ir?”Jamie perguntou.

 

Eu vi Sharon balançar a cabeça fervorosamente, sua expressão revoltada. Jeb a ignorou.

 

“Não me incomoda... Se você se comportar.”

 

Jamie deu de ombros”Sem problemas.”

 

Eu tive que me mover – cruzar os dedos a minha frente. Eu queria tanto tirar o cabelo bagunçado de Jamie dos seus olhos e o abraçar forte. Algo que certamente não pegaria bem.

 

“Vamos.” Jeb disse para nós dois. Ele nos levou de volta por onde havíamos vindo. Jeb andava de um lado e Jamie do outro lado. Jamie parecia tentar olhar para o chão, mas ele ficava me dando umas espiadas – assim como eu não conseguia evitar de espiar ele. Sem pré que nossos olhares se encontravam nós olhávamos para longe de novo. Nos estávamos na metade do grande corredor quando ouvimos passos rápidos atrás de nós. Minha reação foi instantânea e impensada. Eu pulei para o lado do corredor, arrastado Jamie para o lado, de forma que eu ficasse entre ele e quem quer que estivesse vindo para me pegar.

 

“Hey.” Ele protestou, mas não empurrou meu braço.

 

Jeb foi tão rápido quanto eu. A arma saiu da sua cintura com velocidade invisível. Ian e o doutor, ambos ergueram as mãos sobre as cabeças.

 

“Nós podemos nos comportar também,” o médico disse. Era difícil acreditar que esse homem de fala mansa com a expressão amigável era o torturador local; ele era ainda mais aterrorizante para mim devido o exterior benigno. Uma pessoa estaria em guarda em uma noite escura e sinistra, se prepararia. Mas em um dia claro e luminoso? Como ela fugiria se ela não visse nenhum perigo para se esconder dele?

 

Jeb encarou Ian, o cano da arma acompanhando o seu olhar.

 

“Eu não vim caçar problemas Jeb. Eu me comportarei tão bem quanto Doc.”

 

“Ótimo.”Jeb disse curtamente. Guardando a arma. “Só não me teste. Eu não atiro em ninguém ha muito tempo, e eu meio que sinto falta da emoção.”

 

Eu engasguei. Todo mundo se virou e viu minha expressão horrorizada. O médico foi o primeiro a rir, mas mesmo Jamie se juntou a ele logo depois.

 

“É uma piada.” Jamie suspirou para mim. Sua mão foi para o lado quase que para pegar a minha, mas ele rapidamente a enfiou no bolso dos shorts. Eu deixei meu braço cair também.

 

“Bem o dia está passando.”Jeb disse, ainda meio suspeito. “Vocês vão ter que se apressar, por que eu não vou esperar.” Ele começou a andar antes mesmo de terminar de falar.

 

                                         Nomeada

 

Eu fiquei bem perto de Jamie, ligeiramente na frente. Eu queria ficar o mais longe possível dos dois homens nos seguindo. Jamie andava em algum lugar no meio, não muito seguro de onde ele queria ficar.

 

Eu não fui capaz de me concentrar direito no resto da turnê. Minha atenção não estava focada no segundo espaço de jardim que ele me levou – o que tinha milho crescido até a cintura no calor brilhante de espelhos – e nem na caverna larga mas de teto baixo chamada “sala rec” (rec de recreação* nota da tradutora*). Essa era totalmente negra, e bem no fundo, subterrânea, mas ele me disse que eles traziam luzes quando eles queriam jogar. A palavra ‘jogar’(em inglês play=jogar E brincar*nota da tradutora*) não fazia sentido para mim, não aqui com nesse grupo de sobreviventes raivosos e tensos, mas eu não o pedi para explicar. Havia mais água aqui, um riacho minúsculo e sulfúrico que Jeb disse que eles usavam como uma segunda latrina por que a água não dava para beber.

 

Minha atenção estava dividida entre os homens andando atrás de nós e o garoto do meu lado. Ian e o doutor realmente se comportaram surpeendemente bem. Ninguém me atacou por trás – e eu imaginava se maus olhos iam colar na minha nuca de tento eu tentar ver se eles estavam prestes a fazer isso. Eles só seguiam quietos, as vezes falando entre si com vozes baixas. Seus comentários giravam em torno de nomes que eu conhecia e apelidos para lugares e coisas que podiam ou não estar nas cavernas. Eu não entendia nada.

 

Jamie não disse nada, mas olhava para mim muito. Quando eu não estava tentando manter os olhos nos homens eu o estava observando também. Isso deixava pouco espaço para admirar as coisas que Jeb me mostrava, mas ele não parecia notar minhas preocupações.

 

Alguns dos túneis eram muito longos – as distâncias escondidas em baixo da terra impressionantes. Às vezes completamente escuros, mas Jeb e os outros nunca nem pausaram, claramente familiares com o caminho, e acostumados a viajar na escuridão. Era mais difícil para mim agora do que quando eu e Jeb estávamos sozinhos. No escuro qualquer barulho parecia com um ataque. Ate a conversa casual de Ian com o doutor pareciam um disfarce para um movimento nefasto.

 

Paranóica. Melanie comentou.

 

Se for esse o preço para nos manter viva, que seja.

 

Eu queria que você prestasse mais atenção no tio Jeb, isso é fascinante.

 

Faça o que você quiser com o seu tempo.

 

Eu só posso ouvir e ver o que você ouve e vê, Wanderer, ela me disse. Então ela mudou de assunto. Jamie parece okay, não acha? Não muito infeliz.

 

Ele parece… cauteloso.

 

Nós estávamos entrando em alguma luz após a maior pista até agora na umidade escura.

 

“Aqui é parte mais ao sul do sistema de tubos.” Jeb explicava enquanto andava. ”Não muito conveniente, mas tem boa luz o dia todo. Por isso nós fizemos aqui o hospital. É aqui que Doc trabalha.”

 

No momento em que Jeb anunciou onde estávamos, meu corpo congelou e minha juntas travaram; eu estagnei, meus pés plantados no chão. Meus olhos, abertos em terror, iam do rosto de Jeb para o rosto do doutor.

 

Tudo isso foi uma enganação? Esperar pelo teimoso Jared sair para nos trazer até aqui: Eu não conseguia acreditar que eu havia andado até aqui de vontade própria.

 

Que idiota! Melanie estava tão pasma quanto eu. Nós bem que podíamos ter nos embrulhado de presente para eles!

 

Eles me encaravam de volta, Jeb sem expressão, o doutor parecendo tão surpreso quanto eu- mas não atemorizado.

 

Eu teria me afastado brutamente do toque de mãos que eu senti em meu braço, se a mão não fosse tão familiar.

 

“Não” Jamie disse, sua mão hesitante logo abaixo do meu cotovelo. “Não, está tudo bem. Mesmo. Não é tio Jeb?” Jamie olhou para o velho. “Tá tudo bem, certo?”

 

“Claro que sim” Os olhos azuis pálidos e Jeb estavam calmos e claros “ Só te mostrando o meu lugar criança, só isso.”

 

“Do que vocês estão falando?” Ian resmungou atrás de nós, parecendo irritado por não estar entendendo.

 

“Você achou que nós a traríamos aqui de propósito, para Doc?” Jamie disse para mim, ao invés de responder a pergunta de Ian. “Nós não faríamos isso. Nós prometemos a Jared.”

 

Eu encarei sua face honesta, querendo acreditar.

 

“Oh!” Ian disse ao entender, e então riu.” Não era um plano ruim. Eu estou surpreso de não ter pensado nisso.”

 

Jamie olhou feio para o grandalhão e deu um tapinha confortador em meu braço antes de remover a mão. “Não fique assustada.” Ele disse.

 

Jeb continuou de onde ele havia parado. ‘Então esse cômodo grande aqui tem algumas macas no caso de alguém se machucar ou ficar doente. Nós temos tido sorte nesse sentido. Doc não tem muito com o que trabalhar em uma emergência. Jeb riu para mim. “O seu pessoal jogou todos os nossos medicamentos fora quando tomaram conta das coisas. Difícil conseguir pegar as coisas que precisamos.”

 

Eu assenti levemente; o movimento distraído. Eu ainda estava rodopiando, tentando me equilibrar. Essa sala parecia inocente o bastante como se fosse só usada para cura, mas fazia meu estomago se contrair e torcer.

 

“O que você sabe sobre medicação alien?” o doutor perguntou de repente, sua cabeça inclinada para o lado. Ele observava o meu rosto com expectativa curiosa.

 

Eu o encarei sem palavras.

 

“Oh, você pode falar com o Doc.” Jeb me encorajou. “Ele é um cara bem decente, todas as coisas consideradas.”

 

Eu balancei a cabeça uma vez. Eu tencionava responder a pergunta do doutor, dizer a ele que eu não sabia nada, mas eles não entenderam.

 

“Ela não vai revelar nenhum segredo” Ian disse amargo “Vai, querida?”

 

“Modos, Ian.” Jeb latiu.

 

“É um segredo? “ Jamie perguntou, cuidadoso com evidente curiosidade.

 

Eu balancei a cabeça de novo. Todos me olhavam confusos. Doc balançou a cabeça também, lentamente, decepcionado.

 

Eu respirei fundo, então suspirei. “Eu não sou Curadora. Eu não sei como eles – os remédios- funcionam. Só sei que funcionam – eles curam, não só tratam os sintomas. Sem tentativa e acerto. Claro que os remédios humanos foram descartados.”

 

Todos os quatro me encaravam sem expressão. Primeiro eles ficaram surpresos quando eu não respondi, e agora estavam surpresos por que eu respondi. Humanos eram difíceis de agradar.

 

“Seu pessoal não mudou muito as coisas que deixamos para trás.” Jeb disse pensativamente após um momento “Só as coisas médicas, e as naves ao invés de aviões. Fora isso, as coisas parecem ser as mesmas de antes... na superfície.”

 

“Nós viemos para experimentar, não para mudar.” Eu suspirei. “A saúde tem prioridade sobre essa filosofia, no entanto.”

 

Eu fechei minha boca com um som audível. Eu tinha que ser cuidadosa. Os humanos dificilmente queriam uma lições sobre a filosofia das almas. Que sabia o que os iria irritar? Ou o que os fariam perder a frágil paciência:

 

Jeb assentiu, ainda pensativo, e então nos levou para frente. Ele não estava mais tão entusiasmado enquanto continuava a turnê pelas cavernas conectadas na área médica, não tão envolvido na apresentação. Quando nós viramos e voltamos pelo corredor escuro ele parou de falar completamente. Foi uma caminhada longa e silenciosa. Eu pensei no que eu disse, procurando por algo que pudesse ter ofendido. Jeb era muito estranho para eu entendê-lo. Os outros humanos, hostis e suspeitos pelo menos fazia sentido. Como eu podia esperar entender Jeb?

 

A turnê terminou abruptamente quando nós entramos na enorme caverna onde os brotos de cenoura faziam um tapete verde no chão escuro.

 

“O show acabou” Jeb disse amuado, olhando para Ian e para o Médico. “Vão fazer algo útil.”

 

Ian rolou os olhos para o médico, mas ambos se viraram com tranqüilidade e foram em direção a grande saída – a que levava até a cozinha. Jamie hesitou olhando eles irem mas sem se mover.

 

“Você vem comigo” Jeb o disse, ligeiramente menos mau humorado ‘Eu tenho um serviço para você.”

 

“Okay” Jamie disse. Eu podia ver que o agradava ter sido escolhido.

 

Jamie caminhava ao meu lado novamente enquanto íamos em direção ao dormitório. Eu me surpreendi que Jamie sabia exatamente onde estávamos indo. Jeb estava ligeiramente atrás de nós, mas Jamie parou imediatamente em frente à cortina verde que cobria a entrada do sétimo quarto. Ele afastou a cortina para mim mas ficou no corredor.

 

“Tudo bem se você ficar aí quietinha um pouco?” Jeb me perguntou.

 

Eu assenti, agradecia pela idéia de poder me esconder de novo. Eu entrei pela abertura e então dei alguns passos, não muito certo do que fazer. Melanie se lembrou que haviam livros aqui, mas eu jurei não tocar em nada.

 

“Eu tenho coisas para fazer garoto.” Jeb disse para Jamie “Comida não se arranja sozinha, sabe. Topa um serviço de guarda?”

 

“Claro.” Jamie disse com um grande sorriso. Seu magro peito inflou ao respirar fundo.

 

Meus olhos se arregalaram ao ver o rifle de Jeb ir para as mãos ansiosas de Jamie.

 

“Você é louco?” Eu gritei. Minha voz tão alta que eu não reconheci. Parecia que eu estava sussurrando há séculos.

 

Jeb e Jamie olhavam para mim, chocados. Eu estava no corredor com eles em um segundo. Eu quase peguei a arma das mãos do garoto. O que me impediu não foi o fato de que esse movimento provavelmente me mataria. O que me parou foi o fato de eu ser muito mais fraca do que humanos nesse sentido, mesmo para salvar o garoto eu não conseguia me fazer tocar na arma. Ao invés disso eu me virei para Jeb.

 

“No que você está pensando? Dar a arma para uma criança? Ele podia se matar!”

 

“Jamie já passou por coisas o suficiente para ser chamado de homem, eu acho. Ele sabe como lidar com uma arma.”

 

Os ombros de Jamie se aprumaram ao ouvir as palavras de Jeb e ele segurou a arma mais firme no peito.

 

Eu me embasbaquei ante a estupidez de Jeb “Esse eles vierem me pegar com ele aqui? Você pensou que isso pode acontecer? Isso não é uma brincadeira. Eles irão machucar ele para me pegar.”

 

Jeb permaneceu calmo, seu rosto plácido. “Não acho que eles irão aparecer hoje. Aposto nisso.”

 

“Bem, eu não apostaria!”

Eu estava gritando de novo. Minha voz ecoava pelas paredes do túnel – alguém com certeza iria escutar, ma eu não me importava. Melhor que eles viessem enquanto Jeb ainda estava aqui.”Se você tem tanta certeza, então me deixe aqui sozinha. Deixe o que tiver que acontecer aconteça. Mas não coloque Jamie em perigo!”

 

“É com a criança que você está preocupada, ou só com medo dele virar a aarma contra você?”

 

Jeb perguntou, sua voz quase languida. Eu pisquei, minha raiva esquecida. Esse pensamente nem ao menos me ocorreu. Eu olhei abobalhada para Jamie, encontrei seu olhar surpreso, e vi que a idéia era chocante para ele também.

 

Eu levei um minuto para recuperar minha linha de debate, e quando eu recuperei, a expressão de Jeb havia mudado.Seus olhos estavam intensos, sua boca pressionada – como se ele estivesse prestes a encaixar a última peça em um quebra-cabeça frustrante.

 

“Dê a arama para Ian ou qualquer um dos outros, eu não ligo.” Eu disse, minha voz lenta e equilibrada. “Só deixe o garoto fora disso.”

 

O súbito enorme sorriso no rosto de Jeb me lembrou, estranhamente, se um gato dando o bote. “É a minha casa criança, e eu faço o que eu quiser. Eu sempre faço.”

 

Jeb virou de costas e sumiu pelo corredor, assobiando. Eu o observei ir, minha boca permanecia aberta. Quando ele desapareceu, eu virei para Jamie, que me observava com uma expressão casmurra.

 

“Eu não sou criança.” Ele murmurou em um tom mais profundo do que o normal, seu queixo erguido de modo desafiante. “Agora... você devia... entrar no seu quarto.” A ordem não foi muito severa, mas não havia mais nada o que fazer. Eu havia perdido a discussão de longe.

 

Eu sentei com minhas costas contra a rocha que formava um dos lados da abertura – o lugar de onde eu podia me esconder atrás da cortina meio aberta mas ainda observar Jamie. Eu envolvi meus joelhos com os braços e comecei a fazer o que eu sabia que faria até essa situação insana continuasse: Eu me preocupei.

 

Eu também aprumei os ouvidos e olhos para perceber algum tipo de aproximação, para me preparar. Não importava o que Jeb disse, eu evitaria que alguém desafiasse Jamie. Eu me entregaria antes da pessoa pedir.

 

Isso, Melanie concordou sucintamente.

 

Jamie ficou parado no corredor por alguns minutos, a arma firme em suas mãos, não muito seguro de como fazer o seu trabalho. Ele começou a caminhas, indo e vindo na frente da cortina, mas ele pareceu se sentir meio idiota depois de alguns passos. Então ele sentou no chão ao lado da abertura. A arma eventualmente se acomodou em suas pernas cruzadas, e seu queixo em suas mãos. Após um longo tempo, ele suspirou.

 

Servir como guarda não era tão excitante quanto ele esperava. EU não ficava entediada o olhando. Após cerca de uma ou duas horas, ele começou a olhar para mim novamente com movimentos rápidos. Seus lábio se abriram algumas vezes, e então ele pensava melhor no que quer que ele estivesse prestes a dizer. Eu apoiei meu queixo nos joelhos e esperei enquanto ele lutava com si mesmo. Minha paciência foi recompensada.

 

“O planeta de onde você estava vindo antes de estar na Melanie.” Ele finalmente disse “Como era lá? Era igual aqui?”

 

A direção de seus pensamentos me pegou de surpresa. “Não,” eu disse. Só com Jamie aqui parecia natural falar normalmente ao invés de sussurrar. “Não, era muito diferente.”

 

“Você me diria como era lá?” ele perguntou, inclinando a cabeça para o lado do jeito que ele fazia quando ele estava muito interessado em uma das histórias de ninar da Melanie.

 

Então eu o contei.

 

Eu disse tudo sobre o planeta das Algas. Eu contei a ele sobre os dois sois, a órbita elíptica, as águas cinzas, a permanência imóvel das raízes, a incrível visão de mil olhos, as infinitas conversas silenciosas que todos podiam ouvir.

 

Ele ouvia com olhos bem abertos e sorriso fascinado.

 

“Há mais lugares?” ele me perguntou quando o silencio caiu, tentando pensar em alguma coisa que eu houvesse perdido, “As Algas são o único outro tipo de alien?”

 

Eu ri, “Dificilmente. Não mais do que eu sou a única alma nesse mundo.”

 

“Me conta”

 

Então eu falei sobre os Morcegos no Mundo Cantante – como era viver uma um musical cego, como era voar. Eu contei a ele sobre o Planeta das Nevoas – como era ter pelo grosso e quatro corações para se manter aquecido, como construir abrigo sendo uma besta com garras.

 

Eu comecei a falar sobre o Planeta das Flores, sobre as cores e a luz, mas ele me interrompeu com uma nova pergunta.

 

“E os carinhas verdes, com a cabeça triangula e os grandes olhos negros? Os de Roswell e tal. Eram vocês?”

 

“Não, não éramos.”

 

“Era tudo mentira?”

 

“Eu não sei – talvez sim, talvez não. É um universo grande, e há muitas populações por lá.”

 

“Como vocês vieram aqui então – se vocês não eram os homenzinhos verdes, quem eram vocês? Vocês tinham que ter corpo para se mover, certo?”

 

“Certo.” Eu concordei surpresa com o entendimento dele das coisas. Eu não devia ter me surpreendido – eu sabia o quão esperto ele era, sua mente como uma esponja sedenta. “Nós usamos nossa forma Aranha no inicio.”

 

“Aranhas?”

 

Eu contei a ele sobre as Aranhas – uma espécie fascinante. Brilhante, as mais incríveis mentes que nós já nos deparamos, e cada Aranha tinha três mentes. Três cérebros, um em cada segmento do corpo. Ainda não encontramos um problema que eles não pudessem solucionar. E, no entanto, eles eram tão friamente analíticos que eles raramente surgiam com problemas eles mesmos. De todos os nossos hospedeiros, foram as Aranhas que nos melhor receberam. Eles mal notaram a diferença, e quando perceberam. Eles apreciaram a direção que tomávamos. As poucas almas que haviam caminhado na superfície no planeta das Aranhas antes da implantação nos disse que era frio e cinza – não admira que as Aranhas só enxergavam em preto e branco e tinham um senso de temperatura limitado. As Aranhas viviam pouco, mas os jovens nasciam com todo o conhecimento que os pás tinham, então nenhuma conhecimento era perdido.

 

Eu vivi com eles um período de vida e então parti sem desejo de voltar. A incrível claridade de pensamento, as respostas fáceis que vinham a qualquer pergunta sem esforço, a marcha e dança de números não eram substitutos para emoção e cor, as quais eu mal reconhecia naqueles corpos. Eu imaginava como qualquer alma podia ficar feliz lá, MS o planeta tem sido auto-suficiente por milhares de anos em anos terrestres, Ainda estava aberto para receber almas só porque as Aranhas se reproduzem tão rapidamente – grandes sacos de ovos.

 

Eu comecei a contar para Jamie como a ofensiva havia sido feita lá. As aranhas eram nossos melhores engenheiros – as naves construídas por eles viajavam silenciosamente e indetectáveis através das estrelas. Os corpos das Aranhas eram quase tão úteis quanto suas mentes: quatro longas pernas para cada um dos três segmentos – razão pela qual eles ganharam esse apelido aqui na Terra – e doze mãos com dedos em cada perna. Esses dedos com seis juntas eram longos, finos e fortes, capazes dos mais delicados procedimentos. Com cerca do tamanho de uma vaca, mas curtos e magros, as Aranhas não tinham problemas com a primeira inserção. Eles eram mais fortes do que os humanos, mais espertos também, e preparados, o que os humanos não eram....

 

Eu parei abruptamente no meio da sentença, quando eu vi o brilho cristalino na bochecha de Jamie. Uma grande gota de água salina rolava lentamente pela bochecha mais próxima de mim.

 

Idiota, Melanie me reprovou. Você não pensou no que essa história significaria para ele?

 

E VOCÊ não pensou em me avisar antes?

 

Ela não respondeu. Sem duvida presa no desenrolar da história como eu.

 

“Jamie”eu murmurei. Minha voz estava angustiada. A visão de suas lágrimas haviam feito uma coisa estranha na minha garganta. “Jamie, eu sinto muito. Eu não pensei.”

 

Jamie sacudiu a cabeça. “Tudo bem. Eu perguntei. Eu queria saber como tinha acontecido.” Sua voz estava rouca, tentando esconder a dor.

 

Foi instintivo, o desejo de me inclinar e enxugar a lágrima. Eu tentei a principio ignorar-lo, eu não era a Melanie. Mas a lágrima ficou ali, imóvel, como se nunca fosse cair. Os olhos de Jamie fixos na parede branca, e seus lábios trêmulos.

 

Ele não estava longe de mim. Eu estiquei a mão e passei o dedo na bochecha, a lágrima espalhou na pele e desapareceu. Agindo por instinto novamente, eu deixei minha mão na bochecha quente, acariciando seu rosto.

 

Por um curto segundo, ele fingiu me ignora. Então rolou na minha direção, seus olhos fechados, seus braços alcançando. Ele se enrolou do meu lado,sua bochecha no vão do meu ombro, onde antes encaixava melhor, e chorou.

 

Essas não eram lágrimas de crianças e isso as faziam mais profundas – fazia ainda mais sagrado e doloroso o fato de ele chorá-las em frente de mim. Esse era o choro de um homem no funeral de toda sua família. Meus braços em volta dele, não se encaixando tão bem quanto antes, e eu chorei também.

 

“Me desculpe.” Eu ficava repetindo. Eu me desculpava por tudo. Por ter encontrado esse planeta. Por termos o escolhido. Por eu ter sido colocada no corpo da irmã dele. Por a ter trago de volta e machucado ele novamente. Por ter feito ele chorar com minhas histórias insensíveis.

 

Eu não o soltei mesmo quando sua angústia diminuiu, eu não estava com pressa de deixá-lo. Parecia que o meu corpo estava faminto por isso desde o inicio, mas eu nunca havia entendido a fome. O laço misterioso entre mão e criança – tão forte nesse plante – não era um mistério para mim mais. Não havia laço maior do que um que exigia sua vida pela vida de outro. Eu entendia isso, mesmo antes. O que não entendi era POR QUÊ. Agora eu sabia por que uma mãe daria sua vida pela de sua criança, e esse conhecimento para sempre modularia a forma que eu via o universo.

 

“Eu tenho certeza que te ensinei melhor do que isso, criança.”

 

Nós nos separamos com um pulo. Jamie levantou, mas eu me enrolei mias ainda, me pressionando contra a parede.

 

Jeb se abaixou e pegou a arma que nós dois havíamos esquecido no chão. “Você tem que cuidar de uma arma melhor do que isso Jamie.” Seu tom era muito gentil – o que aliviava a critica. Ele se esticou para bagunçar o cabelo de Jamie. Jamie se encolheu sobre a mão de Jeb, seu rosto mortificado, vermelhíssimo.

 

“Desculpe” ele murmurou, e se virou como se para fugir. Ele parou após um passo, no entanto, e girou para olhar para mim. “Eu não sei o seu nome.” Ele disse.

 

“Eles me chamam de Wanderer(Nômade, * nota da tradutora*),” eu suspirei.

 

“Wanderer?”

 

Eu assenti.

 

Ele assentiu também e então se afastou. A sua nuca ainda estava vermelha.

 

Quando ele se foi Jeb sentou-se onde Jamie havia sentado, e, como Jamie, ele colocou a arma no colo.

 

“Nome bem interessante esse seu.” Ele me disse. Ele parecia estar de volta ao humor falador. “Talvez algum dia você me dirá como o conseguiu. Aposto que tem uma boa história. Mas é meio que grande, não acha? Wanderer?”

 

Eu o encarei.

 

“Se importa se eu te chamar de Wanda? Flui melhor.”

 

Dessa vez ele esperou por uma resposta. Finalmente eu dei de ombros. Não me importava se ele me chamasse de ‘criança’, ‘garota’ ou algum outro apelido humano estranho. Eu acreditava que a intenção era bondosa.

 

“Okay, então Wanda. Ele sorriu, feliz pela sua invenção. “É legal ter apelido para você. Me faz sentir como se fossemos velhos amigos.”

 

Ele sorriu, seu sorriso grande e esticador de bochecha, e eu não pude evitar de sorrir de volta, apesar de meu sorriso ser mais pesaroso do que feliz. Era para ele, supostamente, ser meu inimigo. Ele provavelmente era insano.

 

E ele ERA meu amigo. Não que ele não fosse me matar se as coisas chegassem nisso, mas ele não ia gostar. Com humanos, o que mais se pode esperar de um amigo?

 

                                       Decifrada

 

Jeb colocou as mãos atrás da cabeça e olhou para o teto escuro, sua expressão pensativa. Seu humor conversador ainda não tinha passado.

 

“Eu andei pensando muito sabe – sobre ser pego. Vi acontecer mais de uma vez, cheguei perto algumas vezes eu mesmo. Come seria, eu me pergunto. Iria doer ter alguém enfiado na sua cabeça? Eu vi ser feito, sabe.”

 

Meus olhos abriram com surpresa, mas ele não estava olhando para mim.

 

“Parece que vocês usam algum tipo de anestesia, mas isso é um chute. Ninguém estava gritando em agonia nem nada, então não devia ser torturante.”

 

Eu enruguei o nariz. Tortura. Não, essa era uma especialidade dos humanos.

 

“Aquelas histórias que você estava dizendo ao garoto eram muito interessante.”

 

 

Eu reagi e ele riu. “É, eu estava ouvindo. Fuxicando, eu admito. E não lamento – coisa boa hein, e você não me falaria comigo do jeito que fala com Jamie. Eu realmente me impressionei com os morcegos e as plantas e as aranhas. Dá a um homem o que pensar. Sempre gostei de ler sobre essas histórias doidas e ficção cientifica. Comia essas coisas. E o garoto é como eu – ele leu todos os livros que eu tinha, duas , três vezes cada. Deve ser uma delicia para ele ter algumas novas histórias. Com certeza para mim é. Você é uma boa contadora de histórias.”

 

Eu mantive meus olhos baixos. Mas eu me sentia suavizando, baixando a guarda um pouco. Como qualquer um dentro desses corpos emotivos eu era uma otária com elogios.

 

“Todo mundo aqui pensa que você nos caçou para nos dedurar para os Rastreadores.”

 

A palavra lançou uma onda de choque por mim. Minha mandíbula enrijeceu e meus dentes cortaram minha língua. Eu podia sentir o gosto do sangue.

 

“Que outro motivo poderia ter?” ele continuou, sem notar minha reação, ou a ignorando. “Mas eles estão presos em noções fixas. Eu sou o único com perguntas... quer dizer, que tipo de plano é era esse, vagar pelo deserto nem ninguém para te dar reforço? Ele riu. “Vagando (*em inglês Wandering) – acho que essa é sua especialidade né, Wanda?”

 

Ele se inclinou em minha direção e me deu uma leve cotovelada. Com muita incerteza meus olhos iam do chão para ele e para o teto e de volta ao chão. Ele riu novamente.

 

“ Aquela caminhada chegou próximo de um suicídio na minha opinião. Definitivamente não é o Modo Operante de um Rastreador, se você sabe o que eu quero dizer. Eu tentei racionalizar. Usar a lógica, sabe: Então se você não tinha reforço, e eu não vi sinal nenhum disso, e você não tinha como voltar, então seu objetivo era diferente. Você não ter sido muito oral desde que chegou aqui, exceto com o garoto, mas eu ouvi o que você DISSE. Meio que parece para mim que a razão que você quase morrer lá fora foi por que você estava determinada a encontrar o garoto e Jared.”

 

Eu fechei meus olhos.

 

“Só que, por que VOCÊ se importaria?” Jeb perguntou, se esperar resposta, só refletindo. “Então, é assim que eu vejo: ou você é uma excelente atriz – tipo uma super-Rastreadora, uma espécie nova, mais sutil do que os outros – com algum plano que eu não consigo entender ou você não está atuando. A primeira opção parece uma explicação complicada para o seu comportamento, lá e agora, e eu não engulo essa. Mas se você não está atuando...”

 

Ele pausou por um momento.

 

“Passei muito tempo observando o seu pessoal. Eu ficava esperando eles mudarem, sabe, quando eles não precisassem mais atuar, por que não havia mais nenhum de nós. Eu continuei observando e esperando, mas eles continuaram agindo como humanos. Ficaram com os corpos da sua família, indo para piqueniques no bom tempo, plantando flores, pintando quadros e todo o resto. Eu fiquei me perguntando se vocês não estavam meio que se tornando humanos. Se nós não tínhamos alguma influencia afinal de contas.”

 

Ele esperou, me dando a chance de responder. Eu não respondi.

 

“Vi uma coisa alguns anos atrás que ficou comigo. Homem e mulher, muito velhos, bem, seus corpos eram de um casal idoso. Juntos há tantos anos que a pele ao redor das alianças havia endurecido. Eles estavam de mãos dadas, e ele a beijou na bochecha, e ela enrubesceu sob as rugas. Ocorreu-me então que vocês continuam tendo todos os sentimentos que nós temos, por que vocês são realmente humanos, não só mãos controlando bonecos.”

 

“É” eu suspirei. “Nós temos todas as emoções. Emoções humanas. Esperança, magoa, e amor.”

 

‘Então, se você não está só atuando... bem, então eu juraria que você os ama, VOCÊ, Wanda, não só o corpo de Mel.”

 

Eu coloquei minha cabeça em meus braços. O gesto podia até parecer como uma admissão, mas eu não me importava. Eu não podia suportar mais.

 

“Então, mas isso é você. Mas eu me pergunto sobre minha sobrinha também. Como foi para ela, como seria para mim. Quando colocam alguém na sua cabeça, você simplesmente... some? É apagado? Como se estivesse morto? Ou é como dormir? Você estaria consciente do controle? E o que te controla estaria consciente de você? Você ficaria preso lá, gritando lá dentro?

 

Eu continuei sentada muito quieta, tentando manter meu rosto sem expressão.

 

“Claramente suas memórias e comportamento, ficam para trás. Mas sua consciência... Eu não iria sem lutar. Diabos, eu sei que eu tentaria ficar – nunca fui do tipo que aceitava não como resposta, qualquer um pode confirmar. Eu sou um lutador. Todos nós aqui somos. E, sabe, eu consideraria Mel uma lutadora também.

 

Ele não moveu os olhos do teto, mas eu olhava para o chão, o encarava, memorizando seus padrões na poeira cinza arroxeada.

 

“É, eu tenho pensado nisso muito.”

 

Eu podia sentir seus olhos em mim agora, apesar da minha cabeça ainda estar abaixada. Eu não me movi, exceto pela respiração lenta. Custou-me muito manter a respiração controlada. Eu tive que engolir o sangue que ainda corria na minha boca.

 

Por que nós sempre o consideramos louco? Mel se perguntou Ele vê tudo. Ele é um gênio.

 

Ele é ambas as coisas.

 

Bem, talvez isso signifique que nós não precisamos mais esconder as coisas. Ele sabe. Ela estava esperançosa. Ela havia estado quieta ultimamente, ausente quase na metade do tempo. Não era tão fácil para ela se concentrar quando estava relativamente feliz. Ela venceu a batalha para nos trazer aqui. Os segredos dela não estavam mais em risco; Jared e Jamie jamais seriam traídos pelas memórias dela.

 

Sem a briga, era difícil para ela encontrar vontade para falar, mesmo comigo. Eu podia ver que a idéia da descoberta – de ter outro humano ciente da existência dela – a revigorava.

 

Jeb sabe, sim. E por acaso isso muda alguma coisa?

 

Ela pensou na forma que os outros humanos olhavam para Jeb. Certo. Ela suspirou, Mas eu acho que Jamie.. bem, eu não acho que ele saiba ou imagina, mas eu acho que ele sente. A verdade.

 

Você pode estar certa. Veremos se isso faz algum bem a ele ou a nós.

 

Jeb só conseguiu ficar em silencio por alguns segundos, e então estava falando de novo, nos interrompendo.

 

“Coisa muito interessante. Sem muito BANG BANG como nos filmes que eu costumava gostar, mas ainda assim muito interessante. Eu gostaria de ouvir mais sobre aquelas aranhas. Eu estou realmente muito interessado... muito curioso, com certeza.”

 

Eu respirei fundo e ergui a cabeça. “O que você quer saber/”

 

Ele sorriu para mim de forma acolhedora. Seus olhos se enrugando em meia luas. “Três cérebros, hein?”

Eu assenti.

 

“Quantos olhos?”

 

“Doze – um em cada junta da perna e do sopro. Nós não tínhamos pálpebras, só um monte de fibras, como cílios de lã de aço – para protegê-los.

 

Ele assentiu, seus olhos brilhando. “Havia pelo, como tarântulas?”

 

“Não. Meio que... armadura – escamas, como um réptil ou um peixe.”

 

Eu relaxei contra a parede, me acomodando para uma longa conversa.

 

Jeb não me decepcionou nesse sentido. Eu perdi a conta de quantas perguntas ele me fez. Ele queria detalhes – a aparência das Aranhas, seu comportamento, e como eles lidaram com a Terra. Ele não evitou os detalhes da invasão, pelo contrario, ele quase perecia gostar mais dessa parte do que do resto. Suas perguntas vinham rápido no rastro das minhas respostas, e seus sorrisos eram freqüentes. Quando ele estava satisfeito com as Aranhas, horas depois, ele quis saber tudo sobre as Flores.

 

“Você não explicou sobre esses.” Ele me lembrou.

 

Então eu disse sobre o mais clamo e bonito dos planetas. Quase toda vez que eu parava para respirar ele me interrompia com uma pergunta. Ele gostava de tentar adivinhar a minha resposta antes de eu falar e não parecia se incomodar em errar.

 

“Então vocês comiam moscas? Aposto que sim – ou talvez algo maior, como um pássaro- como um pterodátilo!”

 

“Não, usávamos a Liz do sol para nos alimentarmos, como a maior parte das plantas aqui.”

 

“Bem, isso não é lá tão divertido.”

 

As vezes eu me pegava rindo com ele. Nós estávamos indo para os dragões quando Jamie apareceu com jantar para três.

 

“Oi Wanderer” ele disse, ligeiramente embaraçado.

 

“Oi Jamie” eu respondi, ligeiramente tímida, não muito certa se ele se arrependeria da proximidade que compartilhamos. Eu era, afinal de contas, um dos bandidos.

 

Mas ele sentou próximo de mim, entre eu e Jeb, cruzando as pernas e colocando a bandeja no meio de nós. Eu estava faminta, e parei com a falação. Eu peguei a vasilha de sopa e a eliminei em alguns goles.

 

“Devia ter sabido que você estava sendo só educada no salão da bagunça hoje. Tem que falar quando você estiver com fome, Wanda. Eu não sou nenhum leitor de mente.”

 

Eu não concordei com essa ultima parte, mas eu estava muito ocupada com a boca cheia de pão para responder.

 

“Wanda?” Jamie perguntou.

 

Eu assenti, para que ele soubesse que eu não me incomodava.

 

“Meio que combina com ela, não acha?” Jeb estava tão orgulhoso de si mesmo que eu me surpreendi que ele não tenha se cumprimentado para dar efeito.

 

“É, eu acho.” Jamie disse, “ Você estavam falando sobre os dragões?”

 

“É.” Jeb o disse entusiasmado. “mas não do topo lagarto. Eles são feitos de uma geléia. Mas podem voar. Bem, mais ou menos. O ar é muito denso, meio que gelatinoso também. Então é quase como nadir. E eles podem respirar ácido – isso é quase tão legal quanto fogo, não acha?”

 

Eu deixei Jeb explicar a Jamie os detalhes enquanto eu comia mais do que a minha parte e secava a garrafa de água. Quando minha boca estava livre, Jeb recomeçou com as perguntas.

 

“Agora, esse ácido...”

 

Jamie não fazia perguntas como o Jeb fazia, e eu fui mais cuidadosa sobre o que dizer com ele aqui. Mas, dessa vez, Jeb não perguntou nada que pudesse a levar a algum assunto delicado, se era coincidência ou deliberado, eu não sabia.

 

A luz lentamente enfraquecia até o corredor ficar preto. Então estava prateado, uma pequena, fraca reflexão da lua que era o suficiente, quando meus olhos se ajustaram, para eu poder ver o homem e o garoto ao meu lado.

 

Jamie se aproximou quando a noite chegou. Eu não percebi que estava penteando os cabelos dele com os dedos, até ver Jeb olhando para minha mão. Então cruzei os braços ao redor do meu corpo.

 

Finalmente, Jeb bocejou um bocejo enorme, que fez Jamie e eu fazermos o mesmo.

 

“Você conta bem uma história Wanda.” Jeb disse quando nós terminamos de nos alongarmos.

 

“É o que eu fazia... antes. Eu era professora, na Universidade de San Diego. Eu ensinava Historia.”

 

“Uma professora!” Jeb repetiu excitado. “Isso não é incrível? Taí lago que podemos usar por aqui. A garota de Meg, Sharon ensina para as três crianças, mas tem muito com o que ela não pode ajudar. Ela fica mais confortável com matemática e similares. Mas história-“

 

“Eu só ensinava NOSSA história.” Eu interrompi. Esperar ele tomar fôlego parecia que não ia funcionar. “Eu não ajudaria como professor por aqui. Eu não tenho nenhum treinamento.”

 

“Sua história é melhor que nada. Coisas que nós humanos precisamos saber, visto que nós vivemos um universo muito mais populoso do que imaginávamos.”

 

“Mas eu não era uma professora de verdade” eu o disse, desesperada. Ele honestamente achava que alguém quereria ouvir minha voz, e muito menos ouvir minhas histórias? Eu era meio que professora honorária, quase uma palestrante convidada. Eles só que quiseram... bem, por causa da história que vem com o meu nome.”

 

“Era por essa mesma que eu ia perguntar.” Jeb disse complacente “Nós podemremos falar sobre sua experiência lecionando mais tarde. Agora- por que eles te chamam de Wanderer? Eu ouvi um monte de nomes estranhos, Águas Secas, Dedos no Céu, Caindo de Cabeça para Baixo – esses misturados com Pamelas e Jimmys. Vou te dizer, é o tipo de coisa que dexia um homem doente de curiosidade.”

 

Eu esperei até ter certeza de que ele havia terminado. ‘Bem, normalmente a coisa funciona assim: uma alma tentará um planeta ou dois – dois é a média – e então se acomoda em seu lugar favorito. Eles simplesmente mudam dentro do mesmo planeta para outro hospedeiro, quando o anterior está próximo da morte. É muito desorientador mudar de um corpo para o outro. A maioria das almas odeia isso. Alguns nunca mudam do planeta em que nasceram. Ocasionalmente, alguém tem dificuldade em encontrar um bom lugar para si, e tentam uns três planetas, eu conheci uma alma que havia tentado quatro antes de se decidir pelos Morcegos. Eu também gostei de lá – suponho que foi o mis próximo que estive de me acomodar. Se não fosse pela cegueira....”

 

“Em quantos planetas você viveu?” Jamie perguntou em uma voz sussurrada. De algum jeito, enquanto eu falava, sua mão encontrou a minha.

 

“Esse é o meu nono.” Eu disse, apertando seus dedos gentilmente.

 

“Wow, nove!” Ele murmurou.

 

“É por isso que eles queriam que eu ensinasse. Qualquer um pode falar sobre as estatísticas, mas eu tenho experiência pessoal na maioria dos planetas que nós .....tomamos.” Eu hesitei nessa última palavra, mas não pareceu incomodar Jamie. “Só há três nos quais eu nunca vivi – bem, agora quatro. Eles acabaram de abrir um novo mundo.”

 

Eu esperava que Jeb iria saltar cheio de perguntas sobre o novo mundo, ou sobre os que eu não visitei, mas ele só brincava com a ponta da barba, distraído.

 

“Por que você nunca ficou em lugar nenhum?” Jamie perguntou.

 

“Eu nunca encontrei um lugar que eu gostasse o suficiente para ficar.”

 

“E a Terra? Você acha que ficará aqui?”

 

Eu queria sorrir para a confiança dessa criança – até parece que eu teria chance de mudar de hospedeiro. Como se eu ainda fosse ter a chance de viver por mais um mês.

 

“A Terra é... muito interessante.” Eu murmurei “É mais difícil do que qualquer lugar que eu já vivi.”

 

“Mias difícil do que o lugar com o ar congelado e as bestas com garras?” ele perguntou.

 

“De certa maneira sim.” Como eu poderia explicar que o Planeta Nevoa só atacava do exterior, nunca do interior.

 

Atacada, Melanie zombou.

 

Eu bocejei. Eu não estava falando sobre você, eu disse a ela. Eu estava pensando nessas emoções instáveis, sempre me traindo. Mas você me atacou SIM. Empurrando suas memórias para mim daquele jeito.

 

Eu aprendi minha lição. Ela me assegurou secamente. Eu podia sentir o quão intensamente consciente da mão na minha.

 

Havia outra emoção lentamente crescendo nela que eu não reconhecia. Algo no limite da raiva, com uma ponta de desejo e uma porção de desespero.

 

Ciúme, ela me esclareceu.

 

Jeb bocejou novamente “Eu estou sendo tremendamente rude, eu acho. Você deve estar acabada – andou o dia todo e agora eu te mantendo acordada até metade da noite. Preciso ser um hospede melhor. Vamos Jamie, vamos embora e deixar Wanda dormir um pouco.”

 

Eu estava exausta. Como se tivesse tido um dia muito longo, e pelas palavras de Jeb, não era só na minha imaginação.

 

“Okay, tio Jeb.” Jamie se ergue e então ofereceu a mão para o mais velho.

 

“Obrigado, garoto.” Jeb gemeu ao levantar. “E obrigado a você também” ele acrescentou em minha direção “Foi a melhor conversa que já tive em --- bem, provavelmente em toda minha vida. Descanse sua voz Wanda, por que minha curiosidade é uma coisa poderosa. Ah aí está ele! Já era hora.”

 

Só então que eu ouvi o som de passos se aproximando. Automaticamente, eu me encostei na parede e me arrastei até o fim da caverna-quarto, e então me senti ainda mais exposta por que o luar era mais forte lá dentro.

 

Eu me surpreendi por esta ser a primeira pessoa a aparecer, o corredor parecia ser casa de muitos.

 

“Desculpa Jeb. Eu fiquei conversando com Sharon e então eu meio que perdi a noção.”

 

Era impossível não reconhecer essa voz, gentil e tranqüila. Meus estomago rolou, instável e eu desejei que estivesse vazio.

 

“Nós nem percebemos, Doc.” Jeb disse. “Nós estávamos tendo o melhor momento das nossas vidas aqui. Algum dia você tem que fazer ela lhe contar algumas das histórias dela – coisa boa. Não hoje a noite, claro. Ela está bem acabada. Veremos você de manhã.”

 

O doutor estava esticando um colchonete na frente da entrada da caverna, assim como Jared fazia.

 

“Fique de olho nisso.” Jeb disse, colocando a arma ao lado do colchonete.

 

“Você está bem Wanda?” Jamie perguntou. “Você está tremendo.”

 

Eu não havia percebido, mas todo o meu corpo tremia. Eu não respondi – minha garganta parecia inchada.

 

“Opa, opa.” Jeb disse em uma voz calmante. “Eu perguntei a Doc se ele não se importava em pegar um turno. Você não precisa se preocupar com nada. Doc é um homem honrado.”

 

O médico deu um sorriso sonolento. “Eu não irei te machucar... Wanda, certo? Prometo. Eu só ficarei de olho enquanto você dorme.”

 

Eu mordi meus lábios, e os tremores não pararam.

 

Jeb pareci achar que tudo estava acertado, porém. “Boa Noite Wanda. Boa Noite, Doc.” Ele disse enquanto se encaminhava para o corredor.

 

Jamie hesitou, olhando para mim com uma expressão preocupada. “Doc é legal.” Ele prometeu em um sussurro.

 

“Vamos criança, ta tarde.”

 

Jamie se apressou atrás de Jeb.

 

Eu observei o médico depois que eles haviam ido, esperando por alguma mudança. A expressão relaxada de Doc não mudou, e Le não tocou na arma. Ele esticou sua grande figura no colchão, seus tornozelos e pés ficando de fora. Deitado ele parecia bem menos, ele era tão magrinho.

 

“Boa noite.” Ele murmurou.

 

Claro que eu não respondi. Eu o observei sobre o fraco luar, contando o tempo de sua respiração, comparando com o ritmo do som da minha pulsação forte em meus ouvidos. Sua respiração foi ficando mais lenta e mais profunda, e então ele começou a roncar baixinho;

 

Podia ter sido atuação, mas mesmo se fosse, não havia muito que eu pudesse fazer. Silenciosamente eu fui para o fundo do quarto, até eu sentir a ponta do colchão nas minhas costas. Eu prometi que não perturbaria o lugar, mas não faria mal nenhum se eu dormisse na pontinha da cama...O chão era grosso e tão duro.

 

O som do ronco baixo do médico era confortador, mesmo se produzido para me acalmar, pelo menos eu sabia exatamente onde ele estava na escuridão.

 

Viver ou morrer, eu decidi que era melhor dormir. Eu estava morta de cansaço, como Melanie diria. Eu deixei meus olhos se fecharem. O colchão era mais macio do que qualquer coisa que eu tinha tocado desde que vim para cá. Eu relaxei me afundando....

 

Houve um baixo som de arrastar de pés – dentro do quarto comigo. Meus olhos se arregalaram e eu podia ver uma sombra entre o teto iluminado pela lua e eu. Lá fora, os roncos do médico continuaram sem interrupção.

 

                               Confessada

 

A sombra era enorme e disforme. Se debruçou sobre mim chegando perto do meu rosto. Eu acho que tencionava gritar, mas o som ficou preso em minha garganta, e tudo o que saiu foi um guincho se fôlego.

 

“Shhh, sou só eu.” Jamie sussurrou. Algo grande e redondo rolou de seus ombros e caiu macio no chão. Quando caiu eu pude ver sua sombra verdadeira contra a luz do luar.

 

Eu respirava fundo, com minha mão em volta da garganta.

 

“Desculpe.” Ele sussurrou, sentando na ponta do colchão “Eu acho que isso foi bem idiota, eu estava tentando não acordar o Doc – nem ao menos pensei em quanto eu te assustaria. Você está bem?” Ele segurou de leve o meu tornozelo, que era a parte de mim mais próxima a ele.

 

“Claro.” Eu soltei, ainda sem ar.

 

“Desculpe.” Ele murmurou novamente.

 

“O que você está fazendo aqui Jamie? Você não devia estar dormindo?”

 

“É por isso que eu estou aqui. Ti Jeb estava roncando de um jeito que você não acreditaria. Eu não agüentava mais.”

 

Sua resposta não fez sentido para mim. “Você não normalmente dorme com Jeb?”

 

Jamie bocejou e se abaixou para desamarrar o colchonete que ele havia jogado no chão. ”Não, eu normalmente durmo com Jared. Ele não ronca. Mas você sabe disso.”

 

Eu sabia.

 

“Por que você não dorme no quarto de Jared então? Você está com medo de dormir sozinho?” Eu não o culparia por isso. Eu parecia estar sempre aterrorizada por aqui.

 

“Com medo.” Ele zombou ofendido. “Não. Esse É o quarto do Jared. E meu.”

 

“O que?” eu arfei. “Jeb me colocou no quarto do Jared?”

 

Eu não conseguia acreditar. Jared me mataria. Não, primeiro ele mataria Jeb e depois me mataria.

 

“O quarto é meu também. E eu disse a Jeb que você podia dormir aqui.”

 

“Jared vai ficar furioso.” Eu sussurrei.

 

“Eu posso fazer o que quiser com o meu quarto” Jamie respondeu rebelde, mas então mordeu o lábio. “Nós não vamos contar. Ele não precisa saber.”

 

Eu assenti. “Boa idéia.”

 

“Você não se importa de eu dormir aqui, se importa? O tio Jeb é realmente alto.”

 

“Não, eu não me importo. Mas Jamie, eu não aço que você devia.”

 

Ele franziu a testa, tentando ser forte e não magoado. “Por que não?”

 

“Porque não é seguro. Às vezes pessoas vêm me procurar a noite.”

 

Seus olhos se arregalaram. “Vem?”

 

“Jared sempre mantinha a arma e eles iam embora.”

 

“Quem?”

 

“Eu não sei – às vezes Kyle. Mas outros certamente ainda estão por aqui.”

 

Ele assentiu “Mais uma razão para eu ficar aqui. Doc pode precisar de ajuda.”

 

“Jamie –“

 

“Eu não sou criança Wanda. Eu posso tomar conta de mim mesmo.”

 

Obviamente discutir só o faria mais teimoso. “Pelo menos fique com a cama” eu disse, me rendendo. “Eu dormirei no chão. O quarto é seu.”

 

“Isso é errado, você é a convidada.”

 

Eu bufei baixo “Há. Não, a cama é sua.”

 

“De jeito nenhum.” Ele deitou no colchonete, cruzando os baços firmemente no peito.

 

Novamente eu vi que discutir era a técnica errada com Jamie. Bem, essa eu podia facilmente retificar quando ele estivesse dormindo. Jamie dormia tão profundamente que era quase um coma. Melanie o carregaria para qualquer lugar enquanto ele estivesse apagado.

 

“Você pode usar o meu travesseiro.” Ele me disse, apontando para o próximo do lugar onde eu estava deitada. “Você não precisa se encolher no canto aqui.”

 

Eu bufei, mas me arrastei para o topo da cama.

 

“Isso mesmo.” Ele aprovou. “Agora, você poderia me jogar o travesseiro do Jared?”

 

Eu hesitei prestes a pegar o travesseiro sob minha cabeça, ele pulou, se inclinou sobre mim e agarrou o outro travesseiro. Eu bufei de novo.

 

Ficamos deitados por um tempo, ouvindo o baixo ressonar da respiração do médico.

 

“Doc tem um rouco bom, né?” Jamie sussurrou.

 

“Não irá te manter acordado.” Eu concordei.

 

“Você está cansada?”

 

“Sim.”

 

“Oh”

 

Eu esperei ele dizer algo mais, mas ele ficou quieto.

 

“Havia alguma coisa que você queria me perguntar?” Ru perguntei.

 

Ele não respondeu imediatamente, mas eu podia senti-lo lutando, então eu esperei.

 

“Se eu te perguntar uma coisa, você me diria a verdade?

 

Foi a minha vez de hesitar. “Eu não sei tudo.” Eu avisei.

 

“Você saberia essa. Quando estávamos conversando – eu e Jeb... ele estava me dizendo umas coisas. Coisas que ele pensou mas que eu não sei se estão certas.”

 

Melanie de repente estava muito LÁ, em minha cabeça.

 

O sussurro de Jamie era difícil de ouvir, mais baixo que a respiração. “Tio Jeb acha que Melanie pode ainda estar viva. Aí dentro com você, quero dizer.”

 

Meu Jamie. Melanie suspirou.

 

Eu não disse nada para nenhum dos dois.

 

“Eu não sabia que isso podia acontecer. Isso acontece?” Sua voz cortou e eu podia ouvir que ele estava lutando contra as lágrimas. Uma dor afiada se espalhou pela região do meu peito.

 

“Acontece Wanda?’

 

Diz para ele. Por favor diz para ele que eu o amo.

 

“Por que você não quer me responder?” Jamie estava realmente chorando agora, mas tentando abafar o som.

 

Eu engatinhei para fora da cama, me apertando entre o duro espaço entre o colchão e o colchonete, e lancei meus braços por cima de sue peito tremulo. Inclinei minha cabeça contra seu cabelo e senti suas lágrimas mornas em meu pescoço.

 

“A Melanie ainda está viva Wanda? Por favor?”

 

Ele era provavelmente uma ferramenta. O velhote devia o ter mandado só para isso; Jeb era esperto o suficiente para ver como Jamie quebrava minhas defesas. Era possível que Jeb estava buscando confirmar sua teoria e não se opunha a usar o menino para isso. O que Jeb faria quando ele estivesse certo dessa perigosa verdade? Como ele usaria essa informação? Eu não achava que ele me queria mal, mas eu podia confiar no meu próprio julgamento? Humanos eram criaturas enganosas, traidoras. Eu não podia antecipar seus esquemas obscuros quando essas coisas eram impensáveis na minha espécie.

 

O corpo de Jamie tremia ao meu lado.

 

Ele está sofrendo, Melanie chorou. Ela lutava para ganhar controle, sem conseguir. Eu não poderia culpar Melanie se isso for um grande erro, eu sabia de quem eram as palavras que eu falei.

 

“Ela prometeu que voltaria, não foi?” eu murmurei. “A Melanie quebraria uma promessa?”

 

Jamie me abraçou pela cintura e me apertou por um tempo. Após alguns minutos ele sussurrou, “Te amo, Mel.”

 

“Ela também te ama. Ela está feliz por você estar aqui e seguro.”

 

 

Ele ficou quieto tempo o suficiente para as lágrimas em minha pele secarem.

 

“É assim com todo mundo?” Jamie murmurou longo tempo após eu já achar que ele estava dormindo. “Todo mundo fica?”

 

“Não” eu disse tristemente. “Não, Melanie é especial.”

 

“Ela é corajosa e forte.”

 

“Muito”

 

“Você acha que” Ele pausou para limpar o nariz ‘você acha que papai ainda está lá, também?

 

Eu engoli, tentando mover o nós que se formou em minha garganta, não funcionou.

 

“Não Jamie. Eu não acho que ele ficou, não como Melanie.”

 

“Por quê?”

 

“Por que ele trouxe os Rastreadores para acharem vocês. Bem, a alma dentro dele levou. Seu pai nunca teria deixado isso acontecer se ele ainda estivesse lá. Sua irmã nunca me deixou ver onde a cabana era – ela nem ao menos me deixou saber que você existia por longo tempo. Ela não me trouxe aqui até ter certeza que eu não machucaria vocês.”

 

Era muita informação. Só quando eu terminei de falar é que eu percebi que o médico não estava roncando mais. Eu não podia ouvir o som da sua respiração. Idiota. Eu me xinguei internamente.

 

“Wow.” Jamie disse.

 

Eu sussurrei em seu ouvido, tão perto que não havia modo do médico ouvir.

 

“Sim, ela é muito forte.”

 

Jamie se esticou para meu ouvido, e pareceu confuso, e então olhou para a entrada da caverna. Ele deve ter percebido a mesma coisa que eu, pois virou o rosto para o meu ouvido e sussurrou também, mais suave do que antes.

 

“Por que você faria isso? Não nos machucar? Não é isso que vocês querem?”

 

“Não, eu não quero machucar você.”

 

“Por quê?”

 

“Sua irmã e eu passamos muito tempo juntas. Ela compartilhou você comigo. E eu meio que ..... comecei.. comecei a amar você também.”

 

“ E Jared também?”

 

Eu apertei os dentes por um segundo, desgostosa dele ter feito a conexão tão facilmente. “Claro que eu não quero que nada ruim aconteça a ele também.”

 

“Ele te odeia” Jamie disse, claramente lamentando o fato.

 

“É, todo mundo odeia.” Eu suspirei. “Não posso os culpar.”

 

“Jeb não odeia e nem eu.”

 

“Você pode vir a odiar depois de pensar um pouco mais.”

 

“Mas você nem estava aqui quando eles tomaram conta. Você não escolheu minha mãe ou meu pai ou a Melanie. Você estava no espaço, certo/”

 

“Sim, mas eu sou o que sou Jamie. Eu faço o que almas fazem. Eu tive muitos hospedeiros antes de Melanie e nada me impediu de tomar vidas, de novo e de novo. É como eu vivo.

 

“A Melanie te odeia?”

 

Eu pensei por um minuto. “Não tanto quanto no inicio.”

 

Não. Eu não te odeio de forma alguma. Não mais.

 

“Ela diz que não me odeia mais.” Eu murmurei.

 

“Como... como ele está?

 

“Ela está feliz por estar aqui. Está feliz de ver você. Ela nem ao menos se importa que eles vão nos matar.”

 

Jamie se enrijeceu sob meus braços. “Eles não podem. Não se Mel ainda está viva!”

 

Você o chateou. Melanie reclamou. Você não precisava dizer isso.

 

Não vai ser mais fácil para ele se ele estiver despreparado.

 

“Eles não irão acreditar nisso Jamie. Eles pensarão que eu estou mentindo para te enganar. Eles só vão querer me matar ainda mais se você os disser isso. Só Rastreadores mentem.”

 

A palavra o fez estremecer.

 

“Mas você não está mentindo. Eu sei disso. “ ele disse após um momento.

 

Eu estremeci agora.

 

‘“Eu não deixarei que eles a matem.”

 

Sua voz, apesar de baixa como um respiro, estava forte com determinação. Eu estava paralisada pelo pensamento dele ainda mais envolvido nessa situação comigo. Eu pensei nos bárbaros que viviam conosco. A idade dele o protegeria quando ele tentasse me proteger? Eu duvidei. Meus pensamentos estavam embaralhados tentando encontrar um jeito de fazê-lo mudar de idéia sem atiçar sua teimosia.

 

Jamie falou antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele estava subitamente calmo, como se a resposta estivesse bem ali na frente dele. “Jared vai pensar em alguma coisa. Ele sempre pensa.”

 

“Jared também não vai acreditar em você. Ele será o que ficara com mais raiva.”

 

“Mesmo se ele não acreditar, ele vai te proteger. Só por precaução.”

 

“Veremos.” Eu murmurei. Eu acharia as palavras perfeitas depois – a discussão que não podia parecer uma discussão.

 

Jamie ficou quieto, pensando. Eventualmente sua respiração diminuiu e sua boca abriu. Eu esperei até ter certeza de que ele estava mais profundamente dormindo e então fique em cima dele e muito cuidadosamente o movi do chão para a cama. Eles estava mais pesado do que antes, mas eu consegui. Ele não acordou.

 

Eu coloquei o travesseiro de Jared de volta a onde pertencia e então me estiquei no colchonete.

 

Bem, eu pensei. Eu acabei de me lançar para os leões. Mas eu estava muito cansada para me importar no que isso faria comigo amanhã. Em segundos eu estava inconsciente.

 

Quando eu acordei, as rachaduras no teto estavam iluminadas com a luz do sol, e alguém estava assobiando. O assobio parou.

 

“Finalmente.” Jeb murmurou quando meus olhos abriram.

 

 

 

Eu deitei de lado para poder olhar para ele, quando me movi a mão de Jamie escorregou do meu braço. Em algum momento da noite ele me buscou – bem, não eu, a irmã dele.

 

Jeb estava encostado contra o umbral natural da porta, seus braços cruzados contra o peito.

 

“Bom dia” ele disse. “Dormiu o bastante/’

 

Eu espreguicei, decidi que estava bem descansada e então assenti.

 

“Hey, não me dê tratamento silencioso de novo.” Ele reclamou, carrancudo.

 

“Desculpe.” Eu disse. “Eu dormi bem, obrigada.”

 

Jamie se moveu ao som da minha voz.

 

“Wanda?” ele perguntou.

 

Eu fiquei ridiculamente emocionada por ter sido o meu apelido besta que ele disse ainda meio dormindo.

 

“Sim?”

 

Jamie picou e afastou os cabelos dos olhos. “Oh, oi tio Jeb.”

 

“Meu quarto não é bom o bastante para você criança?”

 

“Você ronca muito alto.” Jamie disse e então bocejou.

 

“Eu não te ensinei nada? Desde quando você deixa um hospede e uma dama dormir no chão?”

 

Jamie sentou rapidamente, encarando ao redor, desorientado.

 

“Não chame a atenção dele.” Eu disse a Jeb “Ele insistiu em ficar no colchonete, eu o movi quando ele dormiu.”

 

Jamie bufou. “Mel sempre costumava fazer isso também.”

 

Eu abri os olhos levemente para ele, tentando passar um aviso de precaução.

 

Jeb de eu risinho. Eu olhei para ele, e ele tinha a mesma expressão felina de bote de ontem. A expressão ‘solucionando quebra-cabeças’. Ele andou até a cama e chutou a extremidade do colchão.

 

“Você já perdeu sua aula matutina. É capaz de Sharon ficar irritada com isso, então mexa-se.”

 

“Sharon está SEMPRE irritada.” Jamie reclamou, mas se levantou rapidamente.

 

“Vai logo criança.”

 

Jamie olhou para mim novamente, então se virou e desapareceu pelo corredor.

 

“Agora” Jeb disse assim que ficamos sozinhos. “Eu acho que essa baboseira de babá já continuou por tempo o suficiente. Eu sou hum homem ocupado. Todo mundo é ocupado por aqui – muito ocupado para ficar brincando de guarda. Então hoje você vai ter que vir comigo enquanto eu cumpro minhas tarefas.”

 

Eu senti minha boca abrir de surpresa. Ele me encarava, sem sorrir.

 

“Não fique tão assustada.” Ele reclamou. “Você ficará bem.” Ele acariciou a arma. “ Minha casa não é lugar para bebês.”

 

Eu não podia discutir contra ISSO. Eu respirei fundo e forte três vezes, tentando acalmar os nervos. O sangue pulsava tão forte que em comparação a voz dele parecia baixa.

 

“Vamos Wanda, o dia ‘tá correndo.”

 

Ele virou e saiu do quarto.

 

Eu fiquei parada por um momento, e então fui atrás dele. Ele não estava blefando – já estava invisível após a primeira curva. Eu corri atrás dele, horrorizada pela idéia de que eu podia encontrar alguma outra pessoa nessa ala obviamente habitada. Eu o alcancei antes dele alcançar a grande interseção de túneis. Ele nem ao menos olhou para mim quando eu diminuí o passo ao lado dele para continuar.

 

“Já ta na hora do campo nordeste ser plantado. Nós teremos que trabalhar no solo primeiro. Espero que não se incomode em sujar as mãos. Depois que terminarmos eu vou ver se você consegue se limpar. Você precisa.” Ele cheirou alto, e então riu.

 

 

Eu senti minha nuca ficar quente, mas eu ignorei essa última parte. “Eu não me importo de sujar as mãos.” Eu murmurei. Pelo que eu lembrava o campo nordeste era for a do caminho. Talvez pudéssemos trabalhar sozinhos.

 

Assim que chegamos a grande praça, começamos a passar por humanos. Todos encaravam, furiosos como sempre. Eu começava a reconhecer a maioria deles: a mulher de meia idade com a longa trança que eu havia visto na irrigação ontem. O homem baixo com a barriga redonda e fino cabelo quase bege, e bochechas vermelhas que estava com ela. A mulher de aparecia atlética com a pele cor de caramelo era a que estava amarrando o sapato da primeira que eu saí durante o dia. Outra mulher de pele escura com lábios grossos e olhos sonolentos que havia estado na cozinha, próximo as duas crianças de cabelos negros – seria ela a mãe deles?

 

Agora passamos Maggie; ela lançou um olhar de desgosto a Jeb e ficou a cara para mim. Nós passamos um homem pálido, com aparência doente e cabelos brancos que eu tinha certeza que nunca havia visto antes.

 

Então nós passamos por Ian.

 

“Oi Jeb.” Ele disse bem humorado “O que ta planejando?”

 

“Trabalhar no solo no campo norte.” Jeb rosnou.

 

“Quer ajuda?”

 

“É bom se fazer útil.” Jeb resmungou.

 

Jeb encarou isso como uma concordância e começou a caminhar atrás de mim. Me arrepiava inteira sentir os olhos dele nas minhas costas.

 

Nós passamos um jovem que não devia ser muitos anos mais velho que Jamie – seu cabelo preto destacava se com a pele cor de oliva.

 

“Oi Wes.” Ian o cumprimentou.

 

Wes nos observou em silencio enquanto passávamos. Ian riu da expressão dele. Nós passamos Doc.

 

“Oi Doc.” Ian disse.

 

“Ian” Doc assentiu. Em suas mãos um grande pedaço de massa. Sua camisa estava coberta com farinha escura e grossa. “Bom dia Jeb. Bom dia Wanda.”

 

 

“Bom dia.” Jeb respondeu.

 

Eu assenti desconfortável.

 

“Vejo vocês por aí.” Doc disse, indo com sua massa.

 

“Hã, Wanda?” Ian perguntou.

 

“Minha idéia.” Jeb o disse. “Combina com ela, eu acho.”

 

“Interessante” foi tudo o que Ian disse.

 

Nós finalmente chegamos ao campo norte, onde minhas esperanças foram massacradas. Havia mais pessoas ali do que nas passagens – cinco mulheres e nove homens. Todos pararam o que estavam fazendo para nos olharem desgostosos, naturalmente.

 

“Não os dê atenção.” Jeb murmurou para mim.

 

Jeb seguiu seu próprio conselho; ele foi até uma pilha bagunçada de ferramentas encostada na parede mais próxima, enfiou a arma na correia presa a sua cintura, e pegou duas pás e uma picareta.

 

Eu me sentia exposta com ele tão longe. Ian estava a um passo atrás de mim – eu podia ouvi-lo respirar. Os outros continuavam a me encarar, suas ferramentas ainda em suas mãos. Eu não perdi o fato de que as picaretas e enxadas que tão partiam a terra podiam facilmente quebrar um corpo. E parecia, pelos olhares, que eu não era a única com essa idéia.

 

Jeb voltou e me passou uma pá. Eu segurei no punho de madeira suave sentindo seu peso. Após ver a sede de sangue nos olhos dos humanos era difícil não pensar na ferramenta como uma arma. Eu não gostava da idéia. Eu duvidava que conseguisse ergue-la assim, mesmo para impedir um golpe.

 

Jeb deu a Ian a picareta. A peça afiada de metal escurecido parecia mortal em suas mãos. Precisei de toda minha força de vontade para não sair correndo.

 

“Vamos ficar no canto do fundo.”

 

Pelo menos Jeb me levou para o canto menos movimentado da longa e ensolarada caverna. O trabalho que ele passou para Ian era o de pulverizar os pedaços rocha compactos do solo, enquanto eu virava-os revelando a terra mais solta por baixo, e Ian, quebrava os pedaços totalmente os transformando em solo usável.

 

Observando o suor escorrer pela pele branca de Ian – ele havia removido a camisa após alguns segundos sob o calor seco da luz dos espelhos – e ouvindo a respiração forte de Jeb atrás de mim, eu podia ver que eu tinha o trabalho mais fácil. Eu queria ter alguma coisa mais difícil para fazer, algo que me impedisse de ficar distraída com os movimentos dos outros humanos. Cada movimento deles me fazia estremecer.

 

Eu não podia fazer o trabalho de Ian – eu não tinha aqueles braços grossos e músculos fortes nas costas necessários para quebrar o solo duro. Mas eu decidi fazer o que eu podia do trabalho de Jeb. Pré quebrar os pedaços em pedaços menores para facilitar. Ajudou um pouco – mantinha meus olhos ocupados e me cansou o que fazia eu me concentrar em mover meu corpo.

 

Ian trazia água para nós vez ou outra. Havia uma mulher – baixa e branca, eu a havia visto na cozinha ontem – que parecia ter o trabalho de trazer água para os outros, mas ela nos ignorava. Ian sempre trazia o suficiente para três. Eu achava essa consideração dele desconfortável. Ele realmente não desejava mais a minha morte? Ou só estava procurando uma oportunidade? A água sempre tinha um gosto estranho aqui – sulfúrica e velha – mas agora esse sabor parecia suspeito. Eu tentei ignorar a paranóia o máximo possível.

Eu estava trabalhando duro o bastante para manter os olhos ocupados e a mente vazia; eu não notei quando acertamos a final da última fileira. Eu só parei quando Ian parou; Ele se alongou, erguendo a picareta acima da cabeça com as duas mãos e estalando suas juntas. Eu me encolhi da picareta, mas ele nem viu. Eu percebi que todos pararam também. Eu olhei para a terra revirada, igual em todo o piso, e percebi que o campo estava completo.

 

“Bom trabalho.” Jeb anunciou em uma voz alta para o grupo. “Nós semearemos e irrigaremos amanhã.”

 

O cômodo se encheu de conversas e barulhos, conforme as ferramentas eram empilhadas contra a parede novamente. Algumas conversas eram casuais. Algumas ainda eram tensas por minha causa. Ian ergueu a mão para a minha enxada, e eu a entreguei a ele, sentindo meu humor cair ainda mais, eu não tinha duvidas que eu estava incluída no “nós” de Jeb. Amanhã seria tão difícil quanto hoje.

 

Eu olhei para Jeb amuada, e ele estava sorrindo em minha direção. Havia uma zombaria em seu sorriso que me fazia crer que ele sabia o que eu estava pensando – e não só sabia do meu desconforto mas se divertia com ele.

 

Ele piscou para mim, meu louco amigo. Eu percebi de novo que isso era o melhor que se podia esperar de uma amizade humana.

 

“Te vejo amanhã, Wanda.” Ian gritou do outro lado do cômodo e riu para si mesmo.

 

Todo mundo o encarou.

 

                                             Tolerada

 

Era verdade que eu não cheirava bem.

 

Eu perdi a conta de quantos dias eu havia passado aqui – fazia mais de uma semana já? Mais de duas? – e em todos eles eu suava dentro dessas roupas que eu havia usado no deserto. Tanto sal havia secado nessa camiseta de cotton que ela estava meio enrijecida. Ela costumava a ser amarela pálida, agora estava numa cor escura, roxa como as rochas aqui, e cheias de manchas. Meu cabelo curto estava duro e embaraçado, eu podia senti-lo em todas as direções, com um nó no topo como um ninho. Eu não tinha visto meu rosto recentemente, mas imaginava que tinha dons tons de roxos: o roxo da caverna e o roxo dos machucados curando.

 

Então eu entendia a lógica de Jeb – sim, eu precisava de um banho. E uma troca de roupa também, para fazer o banho valer a pena. Jeb me ofereceu algumas roupas de Jamie para usar enquanto minhas roupas secavam, mas eu não queria estragar as poucas roupas de Jamie as esticando. Felizmente ele não tentou me oferecer nada de Jared. Eu acabei com uma velha, mas limpa blusa de flanela de Jeb que tinha as mangas cortadas, e uma calça de moletom que ninguém mais quis.

 

Tudo isso dobrado e empilhado em meus braços com uma grande e disforme barra - de uma coisa que cheirava esquisito e que Jeb afirmava ser sabonete caseiro de cactos – enquanto eu me encaminhava com Jeb para o cômodo com os dois rios.

 

Novamente nós não estávamos sozinhos, e novamente eu fiquei desapontada por isso.

 

Três homens e uma mulher – a das tranças – estavam enchendo baldes com água do rio menos. Um som alto de água espalhada de risadas vinha da sala de banho.

 

“Nós esperaremos a nossa vez.” Jeb me disse.

 

Ele se encostou à parede. Eu fiquei rígida do lado dele, inconfortávelmente consciente dos quatro pares de olhos em mim, mesmo eu mantendo os meus próprios olhos no fluxo escuro de água que corria pelo chão poroso.

 

Após uma espera curta, três mulheres saíram da sala de banho, seus cabelos molhados pingando ainda – a atlética com pele cor de caramelo, uma jovem loira que eu não lembrava de ter visto antes, e a prima de Melanie, Sharon. Suas risadas pararam abruptamente assim que elas nos viram.

 

“Tarde, moças.” Jeb disse, tocando sua testa, como se tivesse um chapéu.

 

“Jeb” a mulher caramelo respondeu secamente.

 

Sharon e a outra garota nos ignoraram.

 

“Okay, Wanda.” Ele disse quando elas passaram. “É todo seu.”

 

Eu o lancei um olhar sombrio, e caminhei cuidadosamente no cômodo escuro.

 

Eu tentei me lembrar a forma do piso – eu tinha certeza que havia alguns centímetros até a beirada da água. Eu tirei meus sapatos primeiro, para sentir com os pés a água.

 

Era tão escura. Eu me lembrei da aparência da piscina, como se tivesse tinta preta nela- cheia de sugestões sobre o que poderia se esconder ali – e estremeci. Mas o quanto mais eu esperasse mais tempo eu passaria aqui, então eu pus as roupas limpas perto dos meus sapatos, segurei o sabão fedido, eu fui cuidadosamente em frente até encontrar a base da piscina.

 

A água estava fresca comparada com o ar quente da outra caverna. Já fazia muito tempo que qualquer coisa parecia fresca para mim. Ainda completamente vestida nas minhas roupas sujas. Eu mergulhei até a cintura. Eu podia sentir a corrente do riacho nos tornozelos. Eu fiquei feliz de a água ser corrente – teria sido péssimo mergulhar suja como eu estava - se fosse esse o caso.

 

Eu mergulhei mais até estar imersa até os ombros. Eu esfreguei o são pelas roupas, esse talvez era o único jeito de as deixar limpas novamente. Onde o sabão tocava minha pele, ardia levemente.

 

Eu tirei as roupas ensaboadas e as esfreguei por baixo d’água. Então as torci e mergulhei novamente na água, até não ter jeito de ainda ter suor ou lágrimas nela, as torci novamente e as estiquei no chão próximo a onde eu achava que meus sapatos estavam.

 

O sabão queimava na pele nua, mas a sensação era suportável porque significava que eu podia ficar limpa novamente. Quando eu terminei de me ensaboar minha pele ardia toda, e meu coro cabeludo parecia escaldado.

 

Eu senti os lugares onde os machucados estavam, a pele ali estava mais sensíveis – sinal de que ainda não haviam curado. Eu fiquei feliz de colocar o sabão ácido no chão e mergulhar meu corpo várias vezes na água, como eu havia feito com as roupas.

 

Foi com uma sensação de alivio e arrependimento que eu saí da piscina. A água era muito agradável, assim como a sensação de limpeza, mesmo ardendo um pouco na pele. Mas eu já havia tido o máximo que podia da escuridão total e das coisas que eu imaginava na escuridão. Eu apalpei em torno até achar as roupas secas, as vesti rapidamente, enfiei os pés enrugados nos sapatos. Carreguei as roupas úmidas com uma mão e o sabão na outra entre dois dedos.

 

Jeb riu quando eu saí, olhando para a forma que eu segurava o sabão.

 

“Arde um cadinho, né? Estamos tentando arrumar isso.” Ele ergueu a mão, protegida pela barra da camiseta e pegou o sabão.

 

Eu não respondi a sua pergunta por que nós não estávamos sozinhos, havia uma fila esperando silenciosamente atrás dele – cinco pessoas, todos do campo de plantação norte.

 

Ian era o primeiro da fila.

 

“Sua aparência está muito melhor” ele me disse, mas eu não pude dizer pelo tem dele se ele estava surpreso ou irritado por isso. Ele ergueu um braço, estendendo um longo e pálido dedo em direção ao me pescoço, eu me encolhi e ele deixou a mão cair. “Desculpe sobre isso.” Ele murmurou.

 

Ele queria dizer por me assustar agora ou por machucar meu pescoço? Eu não conseguia imaginar que ele estava se desculpando por tentar me matar. Certamente ele ainda me queria morta. Mas eu não ia perguntar. Eu comecei a andar, e Jeb se movimentou atrás de mim.

 

“Então, hoje não foi tão ruim” Jeb disse enquanto andávamos pelo corredor escuro.

 

“Não tão ruim.” Eu murmurei. Afinal de contas, ninguém havia tentado me matar, isso era um ponto positive.

 

“Amanhã será ainda melhor.” Ele prometeu “eu sempre gosto de plantar – ver o milagre das sementes com a aparência morta que possuem tanta vida dentro delas. Me faz sentir que mesmo um velho acabado pode ter algum potencial nele ainda. Mesmo que seja só ser fertilizante.” Jeb riu da própria piada.

 

Quando nós chegamos a grande caverna jardim, Jeb me pegou pelo cotovelo e me guiou para o leste ao invés de oeste.

 

“Nem tente me convencer que você não está com fome depois de toda essa cavação.” Ele disse. “Não é trabalho meu prover serviço de quarto. Você vai ter que comer onde todo mundo come.”

 

Eu fiz uma carranca olhando para o chão, mas o deixei me guiar para a cozinha.

 

Foi uma coisa boa que a comida era a mesma coisa que sempre, por que se, milagrosamente, um filé mignon, ou um saco de Cheetos tivessem se materializado, eu não teria sido capaz de sentir o gosto. Custava toda a minha concentração me fazer engolir – eu odiava fazer mesmo o mínimo barulho no total silêncio que se seguiu a minha aparição. A cozinha não estava lotada, só dez pessoas nos balcões, comendo seus pães duros e tomando suas sopas aguadas. Mas eu matei toda a conversação novamente. Eu me perguntava por quanto tempo as coisas ficariam assim.

 

A resposta foi exatamente quatro dias.

 

Levou-me a mesma quantidade de dias para entender o que Jeb pretendia, a motivação por trás da mudança de anfitrião educado à distribuidor de tarefas.

 

O dia após o preparo do solo eu passei semeando e irrigando o mesmo campo. Era um grupo diferente de pessoas que no dia anterior, eu imaginei que havia algum tipo de esquema de rotação de tarefas.

 

Maggie estava nesse grupo e a mulher de pele caramelo, mas eu não sabia o seu nome. A maioria trabalhou em silêncio. O silencio não era natural – um protesto contra a minha presença.

 

Ian trabalhou conosco quando obviamente não era vez dele, e isso me incomodava.

 

Eu tinha que comer na cozinha. Jamie estava lá, e ele era exceção ao total silencio. Eu sabia que ele era muito sensitivo para não ter notado o silencio estranho, mas ele deliberadamente o ignorava, parecendo fingir que Jeb e eu éramos as únicas pessoas no cômodo. Ele falava sobre seu dia na aula de Sharon, reclamando um pouco de ter sido chamado a atenção quando falou fora de hora na aula, e reclamando das tarefas que ela havia passado como punição. Jeb brigou com ele sem muita força. Os dois faziam um excelente trabalho fingindo que tudo estava normal.

 

Eu não tinha habilidades de atuação. Quando Jamie me perguntou sobre o meu dia, o melhor que eu podia fazer era encarar meu prato e murmurar respostas de uma palavra. Isso parecia entristecê-lo, mas ele não me forçava muito.

 

A noite a história era diferente – ele não parava de forçar a falar até que eu implorasse para dormir. Jamie reclamou seu quarto, tomando o lado de Jared na cama e insistindo para que eu dormisse no dele.

 

Era basicamente assim que a Melanie se lembrava das coisas, e ela aprovou o arranjo.

 

Jeb também, “Me economiza o trabalho de ter que ficar achando alguém para ser guarda. Mantenha a arma perto e não esqueça que está ali.” Ele disse a Jamie.

 

Eu protestei novamente, mas tanto o garoto quanto o homem se recusaram a me ouvir. Então Jamie dormia com a arma do lado do corpo oposto a mim, e eu me horrorizava e tinha pesadelos por causa dela.

 

No terceiro dia de tarefas, eu trabalhei na cozinha. Jeb me ensinou como trabalhar na dura massa de pão, como dar forma e a deixar crescer, e mais tarde, como alimentar o fogo no fundo do grande forno de pedra quando estava escuro o bastante deixar a fumaça sair.

 

No meio da tarde Jeb saiu.

 

“Eu vou buscar mais farinha.” Ele disse, brincando com a correia que segurava a arma em sua cintura.

 

As três mulheres silenciosas que estavam ajoelhadas ao nosso lado não olharam para cima. Então ele girou e saiu antes que eu pudesse me mover.

 

Eu fiquei congelada ali, sem respirar. Eu encarava as três mulheres – a jovem loira da sala de banho, e da trança e a mãe peso pesado – esperando para elas perceberem que elas podiam me matar agora. Sem Jeb, sem arma, minhas mãos presas na massa-cola – nada para impedi-las.

 

Mas elas continuaram batendo a massa e a dando forma, parecendo não perceber essa verdade.

 

Após um longo momento, eu voltei a trabalhar. Se eu ficasse muito parada elas poderia notar algo errado. Jeb ficou longe uma eternidade. Talvez ele quisesse dizer que ele precisava fabricar mais farinha. Essa parecia a única explicação para sua ausência prolongada.

 

“Levou tempo, hein?” a mulher da trance disse quando ele voltou. Então eu confirmei que não foi minha imaginação.

 

Jeb deixou cair um pesado saco no chão com um barulho seco. “Tem muita farinha ali. Você tente carregar, Trudy.”

 

Trudy bufou. “Imagino que tenha feito muitas pausas para descansar até chegar aqui.”

 

Jeb sorriu para ela. “Com certeza.”

 

Meu coração, que estava batendo com as asas de um beija-flor, diminuiu o ritmo.

 

O dia seguinte nós estávamos limpando os espelhos no cômodo onde ficava o campo de milho. Jeb me disse que era algo que eles tinham que fazer constantemente já que a umidade e a poeira faziam com que a luz ficasse muito difusa para alimentar as plantas. Foi Ian, trabalhando conosco novamente, foi quem escalou a instável escada de madeira enquanto eu e Jeb mantínhamos a base da escada firma. Era uma tarefa difícil dado o peso de Ian e o pobre equilibro da escada caseira. No final do dia meus braços estavam doloridos e ligeiramente trêmulos. Eu nem ao menos notei, até que havíamos terminado e íamos para a cozinha, que a correia onde Jeb mantinha a aram estava vazia.

 

Eu engasguei alto, meus joelhos rígidos, meu corpo parou totalmente.

 

“O que houve Wanda?” Jeb perguntou muito inocentemente.

 

Eu teria respondido se Ian não estivesse ao lado dele, observando meus estranho comportamento com fascinação em seus vividos olhos azuis.

 

Então eu só deu um olhar de descrença e reprovação, e então lentamente continuei a andar ao lado dele, balançando a cabeça. Jeb riu.

 

“O que foi isso?” Ian murmurou para Jeb, como se eu fosse surda.

 

“Vai saber.” Jeb disse, ele mentia como só um humano podia mentir, suavemente e com tranqüilidade.

 

Ele era um bom mentiroso, e eu comecei a imaginar se deixar a arma para trás hoje era uma forma de me matar sem ter que fazer o serviço ele mesmo. A amizade estaria toda na minha cabeça? Outra mentira?

 

Esse era o meu quarto dia comendo na cozinha. Jeb, Ian e eu caminhamos pelo cômodo longo e quente – uma multidão de humanos conversando baixo sobre os eventos do dia – e nada aconteceu.

 

Nada aconteceu.

Não houve silencio súbito. Ninguém parou para nos encarar. Ninguém pareceu nos notar.

 

Jeb me levou até um canto vazio e então foi buscar pão para três. Ian se acomodou perto de mim, casualmente virando para a garota do seu outro lado. Era a jovem loira – ele a chamou de Paige.

 

“Como vão as coisas? Se agüentando bem sem o Andy?” Ele perguntou a ela.

 

“Eu estaria bem se não estivesse tão preocupada.” Ela disse, mordendo o lábio.

 

“Ele estará de volta logo,” Ian a assegurou, “Jared sempre traz todo mundo de volta. Ele tem um talento. Nós não tivemos nenhum acidente, nenhum problema desde que ele apareceu. Andy vai ficar bem.”

 

Meu interesse se acendeu quando ele mencionou Jared – e Melanie, que andava meio sonolenta esses dias, acordou – mas Ian não disse mais nada. Ele só a confortou com um toque nos ombros de Paige e virou para pegar sua comida com Jeb.

 

Jeb sentou-se ao meu lado e observou a sala ao redor com um profundo senso de satisfação, claro em sua expressão. Eu olhei para a sala também, tentando ver o que ele via. As coisas deviam ser assim antes de eu aparecer. Hoje, no entanto, isso parecia não os incomodar. Eles deviam ter se cansado de me deixar interromper suas vidas.

 

“As coisas estão se acalmando.” Ian comentou com Jeb.

 

“Sabia que iriam. Nós somos razoáveis aqui.”

 

Eu franzi a testa.

 

“É verdade, por enquanto.” Ian disse, rindo. “Meu irmão não está por perto.”

 

“Exatamente.” Jeb concordou.

 

Era interessante para mim que Ian se contava entre os razoáveis. Será que ele havia notado que Jeb estava desarmado? Eu estava queimando de curiosidade, mas eu não ia arriscar falar nada, para o caso dele não ter reparado.

 

A refeição continuou como havia começado. A novela que era eu parecia ter terminado.

 

Quando a refeição acabou Jeb disse que eu merecia um descanso. Ele me acompanhou até a minha porta, o cavalheiro de novo.

 

“Boa tarde, Wanda.” Ele disse, tocando no chapéu imaginário.

 

Eu respirei fundo tomando coragem. “Jeb, espere.”

 

“Sim?”

 

“Jeb...” eu hesitei, tentando achar um jeito educado de falar. “Eu... bem, talvez seja idiotice minha, mas eu meio que achava que fossemos amigos.”

 

Eu observei atentamente seu rosto procurando algo que indicasse que ele estava prestes a mentir, mas o que eu sabia sobre mentiras?

 

“Claro que somos Wanda.”

 

“Então por que você está tentando me matar?”

 

Suas sobrancelhas se uniram com surpresa. “Querida, por que você pensaria isso?”

 

Eu listei minhas evidencias. “Você não trouxe a arma hoje. Ontem me deixou sozinha.”

 

Jeb sorriu. “Eu achava que você odiava a arma.”

 

Eu esperei a resposta.

 

“Wanda, se eu quisesse você morta, você não teria durado o primeiro dia.”

 

“Eu sei.” Eu murmurei, começando a me sentir embaraçada sem saber por quê. “Por isso que isso tudo é tão confuso.”

 

Jeb riu feliz “Não, eu não quero você morta! Essa é a questão criança. Eu estava os acostumando a vê-la por aí, fazendo-os te aceitar sem que eles percebessem. É como ferver um sapo.”

 

Minha testa franziu ao ouvir a excêntrica comparação.

 

Jeb explicou “Se você joga um sapo em uma panela de água fervendo ele pulará fora imediatamente. Mas se você colocar o sapo em água fria e lentamente a aquecer o sapo não percebe o que está acontecendo até ser tarde demais. Sapo fervido. É só uma questão de trabalhar aos poucos.”

 

Eu pensei nisso por alguns segundos – pensando em como os humanos haviam me ignorado no almoço hoje.Jeb os acostumou a mim. O entendimento me deixou surpreendentemente com esperanças. Esperança era uma coisa idiota na minha situação, mas eu senti mesmo assim, colorindo minha percepção ainda mais.

 

“Jeb?”

 

“Sim?”

 

“Eu sou o sapo ou a água?

 

Ele riu “Eu vou deixar essa para você decifrar. Auto-avaliação faz bem para a alma.” Ele riu dessa vez, mais alto, e se virou para partir. “O trocadilho não foi intencional.”

 

“Espere – posso perguntar mais uma?”

 

“Claro. Eu diria que é a sua vez depois de tanta coisa que eu perguntei para você.”

 

“POR QUÊ você é meu amigo Jeb?”

 

Ele pressionou os lábios por um segundo, considerando sua resposta.

 

“Sabe, eu sou um homem curioso” ele começou, e eu assenti. “Bem, eu observei você almas por um longo tempo, mas nunca tive a chance de falar com eles. Eu tinha tantas perguntas gritando cada vez mais alto. Além do que, eu sempre achei que se uma pessoa quiser ela pode se dar bem com praticamente todo mundo. Eu gosto de testar minhas teorias. E vê, aqui este você, umas das garotas mais legais que já conheci. É realmente muito interessante ter uma alma como amiga, e me faz senti super especial que eu tenha conseguido isso.” Ele piscou para mim, fez uma reverencia e se foi,

 

Só por que agora eu entendi o plano de Jeb, não fez as coisas mais fáceis quando ele o punha em prática.

 

Ele nunca mais levou a arma, Eu não sabia onde estava, mas eu me senti agradecida por Jamie não dormir mais com ela, pelo menos isso. Eu ficava meio nervosa em ter Jamie comigo desprotegido, mas eu decidi que ele estava em menor perigo sem a arma. Ninguém sentiria a necessidade de machucar ele se ele não fosse uma ameaça. Além disso, ninguém veio me procurar novamente.

 

Jeb começou a me enviar em pequenas tarefas. Ir na cozinha pegar mais um pão, ele ainda estava com fome. Ir buscar um balde de água, esse canto do campo está seco. Buscar Jamie na aula, Jeb precisava falar com ele. Os brotos de espinafres já estão prontos? Vá e veja. Eu ainda lembrava do caminho para as cavernas no sul? Jeb tinha uma mensagem para Doc.

 

Toda vez que eu tinha que cumprir um desses simples comandos eu ficava soando de medo. Eu me concentrava em ficar invisível e caminhava o mais rapidamente que podia sem correr pelos cômodos e corredores. Eu tendia a abraças as paredes e manter os olhos baixos. Ocasionalmente eu parava as conversas como eu sempre fazia, mas na maior parte das vezes eu era ignorada. A única vez que eu me senti em perigo imediato de morte foi quando eu interrompi uma aula de Sharon para pegar Jamie. O olhar de Sharon pára mim parecia o olhar que era seguido por atitudes hostis. Mas ela deixou Jamie ir após eu ter engasgado o pedido e quando nós estávamos sozinhos, Jamie segurou minha mão e me disse que Sharon sempre fazia aquela cara quando alguém interrompia sua aula.

 

A pior de todas foi quando eu tive que encontrar Doc, por que Ian insistiu em me mostrar o caminho. Eu podia ter recusado, eu acho, mas Jeb não parecia ter problemas com o arranjo, e isso significava que Jeb confiava que Ian não ia me matar. Eu não estava muito confortável em testar essa teoria, mas parecia que o teste era inevitável. Se Jeb estivesse errado em confiar em Ian, então Ian ter sua oportunidade logo.

 

Então eu fui com Ian pelo longo túnel sul como se estivesse em um julgamento pela minha vida. Eu sobrevivi a primeira metade. Doc recebeu sua mensagem. Ele pareceu surpreso de me ver acompanhada por Ian. Talvez tenha sido minha imaginação mas eu achei tê-los visto trocar um olhar cheio de significância. Eu meio que esperei eles me jogarem em uma das macas de Doc. Esses cômodos ainda me faziam sentir nauseada.

 

Mas Doc somente me agradeceu e me dispensou como se estivesse ocupado. Eu não podia imaginar o que ele estava fazendo – ele tinha vários livros abertos e pilhas e mais pilhas de papeis contendo rascunhos.

 

No caminho de volta, a curiosidade superou o meu medo.

 

“Ian?” eu perguntei, tendo um pouco de dificuldade em dizer o nome pela primeira vez.

 

“Sim?” ele parecia surpreso por eu ter dirigido a palavra a ele.

 

“Por que você ainda não me matou?”

 

Ele bufou “Essa foi direta.”

 

“Você podia, sabe? Jeb poderia ficar irritado, mas eu não acho que ele atiraria em você.” O que eu estava dizendo? Parecia que eu o estava convencendo. Eu mordi a língua.

 

“Eu sei.” Ele disse, seu tom de voz complacente. Ficou tudo quieto por um momento, somente os sons de nossos passos ecoando baixos e abafados nas paredes.

 

“Não me parece justo “Ian finalmente disse “ Eu andei pensando nisso muito, e eu não vejo como matar você faria algo de bom. Seria como executar um soldado pelos crimes de guerra de um general. Veja bem, eu não engulo todas as teorias loucas de Jeb – seria com acreditar, claro, mas só por que você quer que alguma coisa seja verdade não quer dizer que seja. Mas, esteja ele certo ou errado, você não parece nos querer mal. Eu tenho que admitir que você realmente parece gostar do garoto. É muito estranho ver. Enfim, contando que você não nos coloque em perigo, parece... crueldade matar você. O que é mais um desajustado por aqui?”

 

Eu pensei no significado de ‘desajustado’ por um instante. Foi a mais verdadeira descrição de mim que eu já ouvi. Onde eu já me ajustei? Que estranho que fosse Ian, dentre todos os humanos, que tivesse esse tipo de sensibilidade e gentileza interior. Eu não percebi que crueldade pareceria uma coisa negativa para ele.

 

Ele esperou em silencio enquanto eu considerava tudo isso.

 

“Se você não quer me matar, então por que veio comigo hoje?” eu perguntei.

 

Ele pausou novamente antes de responder.

 

“Eu não tenho certeza se...” ele hesitou. “Jeb acha que as coisas se acalmaram, mas eu não estou completamente seguro disso. Ainda há algumas pessoas... enfim, Doc e eu ficamos de olhos sempre que pudemos. Só por precaução. Enviar você pelos corredores sul me pareceu forçar sua sorte um pouco demais. Mas é isso que Jeb faz, ele força a sorte o máximo que for possível.”

 

“Você e Doc estão tentando me proteger?”

 

“Mundo estranho, né?”

 

Demorou alguns segundos até eu conseguir responder.

 

“O mais estranho de todos.” Eu finalmente concordei.

 

                                       Compelida

 

Mais uma semana se passou, ou talvez duas – parecia bobagem manter noção de tempo por aqui, onde era tão irrelevante – e as coisas só ficaram mais estranhas para mim.

 

Eu trabalhava com os humanos todo dia, mas nem sempre com Jeb. Algumas vezes Ian estava comigo, às vezes Doc, e em alguns dias só Jamie. Eu trabalhava nos campos, fazia pão, e esfregava balcões. Eu carregava água, fazia sopa de cebola, lavava roupas no final da piscina negra, e queimava minhas mãos fazendo aquele sabão ácido. Todos faziam suas partes, e como eu não tinha o direito de estar aqui, eu tentava trabalhar duas vezes mais que os outros. Eu nunca ganharia direito a um lugar aqui, mas eu tentava fazer da minha presença um peso menor.

 

Eu descobri mais sobre os humanos a minha volta, ouvindo-os. Eu aprendi seus nomes, pelo menos. A mulher pele de caramelo era a Lily, e ela era de Filadelfia. Ela tinha um senso de humor seco e se dava bem com todo mundo por que nunca se irritava. O jovem com cabelo negro enrolado, Wes, a olhava muito, mas ela não parecia perceber isso. Ele só tinha dezenove, e havia vindo de Eureka, Montana. A mulher de olhos sonolentos era Lucina, e as duas crianças dela eram o Isaiah e Freedom (Liberdade *nota da tradutora) – Freedom havia nascido bem aqui nas cavernas pelas mãos de Doc. Eu não via muito esses três, eu tinha a impressão que a mãe deles os mantinham o mais longe de mim possível. O careca das bochechas vermelhas era o marido de Trudy, Geoffrey. Eles estavam sempre com outro homem mais velho, Heath, que era amigo de Geoffreu desde a infância; os três fugiram da invasão juntos. O homem pálido com cabelo branco era Walter. Ele estava doente, mas Doc não sabia o que havia errado com ele – não tinha como descobrir, não sem testes e um laboratório, e mesmo se Doc conseguisse diagnosticar o problema ele não tinha remédios para tratá-lo. Conforme os sintomas avançavam Doc começou a achar que era alguma forma de câncer. Isso me machucava, - ver alguém morrer de algo tão facilmente tratável. Walter se cansava facilmente, mas estava sempre alegre. A mulher loira – seus olhos negros contrastantes – a que havia levado água para os outros lá no campo, no primeiro dia, era a Heidi.

 

Travis, John, Stanley, Reid, Carol, Violetta, Ruth Ann.... Eu sabia todos os nomes pelo menos. Eram 35 humanos na colônia, com seis deles na expedição, incluindo Jared. Vinte e nome humanos nas cavernas agora, e um alien que não era bem vindo.

 

Eu também aprendi mais sobre meus vizinhos.

 

Ian e Kyle dividiam a caverna que tinha aporta de verdade no meu corredor. Ian tinha ido dormir com Wes em outro corredor em protesto a minha presença lá, mas voltou após duas noites. As outras cavernas próximas também estavam vazias. Jeb me disse que os seus ocupantes tinham medo de mim, o que me fez rir.

 

Vinte e nove cascavéis com medo de um rato? Agora Paige havia voltado, na entrada ao lado, na caverna que ela dividia com seu parceiro, Andy, de quem ela lamentava a ausência. Lily e Heidi estavam na primeira caverna, mas os lençóis floridos; Heath com a segunda, a do papelão; e Trudy e Geoffrey estavam na terceira com uma colha listrada.

 

Reid e Violetta estavam em uma caverna abaixo da minha, sua privacidade protegida por um tapete estilo oriental. A quarta caverna nesse corredor pertencia a Doc e Sharon e a quinta a Maggie, mas nenhum desses três havia retornado. Doc e Sharon eram companheiros e Maggie. E Maggie, em seus raros momentos de humor, brincava com Sharon dizendo que havia levado o fim da humanidade para Sharon arrumar o homem perfeito: toda mãe queria um médico para sua filha.

 

Sharon não era a garota que u havia visto nas memórias de Melanie. Teria sido os anos vividos com a sóbria Maggie que a havia transformado nessa versão um pouco mais colorida de sua mãe? Apesar de seu relacionamento com Doc ser mais novo nesse mundo do que eu, ela não mostrava nenhum dos efeitos suavizadores de um novo amor.

 

Eu sabia da duração de seu relacionamento por Jamie – Sharon e Maggie raramente esqueciam quando eu estava em um cômodo com elas, e suas conversas eram cuidadosas. Elas ainda eram a mais forte oposição a mim, as únicas que eu ainda podia sentir uma tremenda hostilidade ao me evitar.

 

Eu perguntei a Jamie como Sharon e Maggie haviam chegado aqui. Elas haviam encontrado Jeb sozinhas e chegado antes de Jamie e Jared? Ele pareceu entender que a verdadeira pergunta era se os esforços de Melanie em encontrá-las haviam sido em vão?

 

Jamie me disse que não. Quando Jared o mostrou o bilhete de Melanie, explicando que ela havia se ido – ele levou um momento até conseguir volta a falar depois de dizer essa última parte, e eu pude ver em seu rosto o quando esse momento havia sido duro para ele e Jared – eles decidiram procurar por Sharon eles mesmos.

 

Maggie manteve Jared na ponta de uma espada antiga enquanto ele se explicava, foi por pouco. Não levou muito para Maggie e Jared decifrarem as linhas de Jeb. Os quatro chegaram às cavernas antes de eu mudar de Chicago para San Diego.

 

Quando eu e Jamie falávamos de Melanie não era difícil como deveria ser. Ela era sempre parte dessas conversas – diminuindo sua dor, me acalmando, apesar dela ter pouco a dizer. Ela raramente falava agora, e quando ela falava era uma conversa muda, de vez em quando eu não tinha certeza se era ela pensando ou eu. Mas ela se esforçava por Jamie, Quando eu a ouvia era sempre com ele. Quando ela não falava, nós sempre a sentíamos lá.

 

‘Por que a Melanie está tão quieta agora?”Jamie me perguntou tarde uma noite. Por um milagre ele não estava me enchendo de perguntas sobre Aranhas e Comedores de Fogo. Ambos estávamos cansados – havia sido um longo dia colhendo cenouras. Minha coluna estava com nós.

 

“É difícil para ela falar. Custa muito mais esforço do que para eu e você. Ela não tem nada que ela queira muito falar.”

 

“O que ela faz o tempo todo?”

 

“Ela escuta, eu acho, eu não tenho certeza.”

 

“Você a pode ouvir agora?”

 

“Não.”

 

Eu bocejei, e ele ficou quieto. Eu achei que estivesse dormindo. E já estava indo nessa direção também.

 

“Você acha que ela irá embora? De verdade?” Jamie suspirou. Sua voz falhou um pouco.

 

Eu não era uma mentirosa, e eu não acho que poderia mentir para ele mesmo se que fosse. Eu tentei não pensar nas implicações dos meus sentimentos por ele. Por que o que importava se o maior amor que u já havia sentido em todas as minhas nove vidas, a primeira noção de família, de instinto maternal, era por uma forma alien para mim? Eu afastei o pensamento.

 

“Eu não sei.” Eu disse a ele. E então, por que era verdade, eu acrescentei. “Espero que não.”

 

“Você gosta dela como gosta de mim? Você a odiava como ela odiava você?”

 

“É diferente de como eu gosto de você. E eu nunca realmente a odiei, nem mesmo no inicio. Eu tinha muito medo dela, e estava com raiva por que por causa dela eu não podia ser como todo mundo. Mas eu sempre, sempre admirei a força dela, e Melanie é a pessoa mais forte que eu já conheci.”

 

Jamie riu. “VOCÊ tinha medo DELA?”

 

“Você não acha que sua irmã pode ser assustadora? Lembra daquela vez que você subiu muito alto no canyon e quando você voltou, ela “teve um chilique raivoso” como Jared disse?”

 

Ele riu da memória. Eu fiquei feliz dele ter se distraído da sua pergunta dolorosa.

 

Eu estava firme no propósito de manter a paz com todos os meus novos companheiros em todas as formas que eu pudesse. Eu achava que estava disposta a fazer qualquer coisa, não importasse o quão cansativo ou fedorento fosse, mas eu estava errada.

 

“Então, eu estava pensando.” Jeb me disse um dia, talvez umas duas semanas que todo mundo havia se ‘acalmado’.

 

Eu estava começando a odiar essas palavras de Jeb.

 

“Você lembra daquilo que eu disse sobre você talvez ensinar um pouco por aqui.?”

 

Minha resposta foi curta. “Não.”

 

 

Minha recusa lançou uma estranha onda de culpa por mim. Eu nunca recusei um Chamado antes. Eu me sentia meio que egoísta ao fazer isso. Obviamente não era a mesma coisa. As almas nunca teriam me pedido para fazer nada tão suicida.

 

Ele franziu a testa para mim, suas sobrancelhas juntas. “Por que não?”

 

“O que você acha que Sharon vai achar disso?” eu perguntei com a voz passiva. Era só um exemplo, mas talvez o mais forte.

 

Ele assentiu, ainda franzindo a testa, aceitando o meu argumento.

 

“É pelo bem maior.” Ele resmungou.

 

Eu zombei “O bem maior? Isso seria me matar.”

 

“Wanda, isso seria falta de visão” ele disse, como se meu argumento tivesse sido uma séria tentativa de persuasão. “O que nós temos aqui é a chance de aprender. Seria desperdício deixar isso passar.”

 

“Eu realmente não acho que alguém queria aprender comigo. Eu não me importo em falar com Jamie ou com você – “

 

“Não importa o que eles querem.” Jeb insistiu. “É o melhor para eles. Igual chocolate versus brócolis. Eles devem aprender mais sobre o universo – sem mencionar nos nossos novos ocupantes.”

 

“Como isso os ajudaria Jeb? Você acha que eu sei de algo que possa destruir as almas? Mudas a maré? Jeb, acabou.”

 

“Não acaba enquanto estivermos aqui.” Jeb me disse, rindo para eu saber que ele estava brincando comigo. “Eu não espero que você vire uma traidora e nos dê nenhuma super arma. Eu só acho que nós devíamos saber mais sobre o mundo em que vivemos.”

 

Eu estremeci à palavra ‘traidora’. “Eu não poderia lhe dar uma arma mesmo se eu quisesse Jeb. Nós não temos uma grande fraqueza, um calcanhar de Aquiles. Nenhum arquiinimigo no espaço para vocês pedirem auxílio, nenhum vírus que nos apagaria da face da Terra e mantivesse vocês vivos, Desculpe.”

 

“Não se incomode então.” Ele me deu um soco leve brincando. “Você pode se surpreender sabe? Eu te disse que fica entediante por aqui. As pessoas podem querer suas histórias mias do que você pensa.”

 

Eu sabia que Jeb não ia deixar isso de lado. Jeb era capaz de aceitar derrota? Eu duvidada.

 

Nas horas das refeições eu normalmente sentava com Jeb e Jamie, se Jamie estivesse ocupado ou na escola, Ian sentava perto, mas nunca realmente conosco. Eu ainda não conseguia aceitar completamente a idéia de seu papel auto proclamado de meu guarda costas. Parecia bom demais para ser verdade, e baseado na filosofia humana, claramente falsa.

 

Alguns dias depois que eu recusei o pedido de Jeb para ensinar aos humanos “para seu próprio bem”, Doc veio sentar conosco durante a refeição da tarde.

 

Sharon permaneceu onde estava, no canto mais distante de mim. Seu vivo cabelo preso em um coque apertado, então eu podia ver seu pescoço rígido e ombros retos, tensa e infeliz. Isso me fez querer ir embora imediatamente, antes que Doc dissesse o que ele intencionava dizer para mim.

 

Mas Jamie estava comigo r segurou a minha mão quando viu o familiar pânico em meus olhos. Ele estava desenvolvendo a habilidade de sempre pressentir meus instintos de fugir. Eu suspirei e fiquei onde estava. Devia ter me incomodado mais o fato de ser uma escrava das vontades desse menino.

 

“Como vão as coisas?” Doc perguntou com a voz casual, ficando perto de mim no balcão.

 

Ian, alguns centímetros longe de nós, se virou e parecia que ele era parte do grupo.

 

Eu dei de ombros.

 

“Fizemos sopa hoje.” Jamie anunciou. “Meus olhos ainda estão ardendo.”

 

Doc ergueu um par de mãos muito vermelhas. “Sabão.”

 

Jamie sorriu “Ganhou.”

 

Doc fez uma reverência zombeteira e então virou para mim. “Wanda, eu tenho uma pergunta para você...” Ele deixou as palavras sumirem.

 

Eu ergui as sobrancelhas.

 

“Bem, eu estava pensando... De todos os planetas que você está familiarizada quais espécies são fisicamente mais parecidas com os humanos?

 

Eu pisquei “Por quê?”

 

“Só tradicional curiosidade biológica. Eu andei pensando em seus Curadores... Onde eles conseguem o conhecimento para curar, e não para tratar os sintomas como você disse?” Doc estava falando mais alto do que o necessário, sua voz macia indo mais longo de que o usual. Várias pessoas olharam para cima – Trudy, Lily, Walter...

 

Eu cruzei os braços apertado em volta de mim, tentando ocupar menos espaço. “São duas perguntas diferentes.” Eu murmurei.

 

Doc sorriu e gesticulou com uma mão para que eu continuasse.

 

Jamie apertou minha mão.

 

Eu suspirei. “Os Ursos no Planeta das Nevoas, provavelmente.”

 

“Com as bestas com garras?” Jamie murmurou?

 

Eu assenti.

 

“Como eles são similares?” Doc perguntou.

 

Eu rolei os olhos, sentindo as instruções de Jeb por trás das palavras, mas continuei. “Eles são mais próximos aos mamíferos Fe várias maneias. Pêlos, sangue quente. O sangue deles não PE exatamente como o de vocês, mas faz essencialmente a mesma coisa. Eles possuem emoções similares, a mesma necessidade de interação social, criatividade...”

 

“Criatividade?” Doc se inclinou fascinado – ou fingindo fascinação. “Como assim?”

 

Eu olhei para Jamie. “Você sabe. Por que não diz a Doc?”

 

“Eu posso falar alguma coisa errada.”

 

“Não vai não.”

 

Ele olhou para Doc, que assentiu.

 

“Tipo assim, eles tem essas mãos incríveis” Jamie ficou imediatamente entusiasmado. “Meio que com juntas duplas – elas viram para os dois lados. “ Ele flexionou os seus próprios dedos, tentando vira-los para fora. “Um lado é macio, como minhas palmas, mas o outro lado afiado. Eles cortam o gelo – esculpem o gelo. Eles fazem cidades que são castelos de cristal que nunca derretam. É lindo né Wanda?” Ele virou para mim buscando confirmação.

 

Eu assenti. “ Eles vêem diferentes cores – o gelo é cheio de arco Iris. As cidades deles eram um motivo de orgulho. Eles sempre estavam tentando deixá-las mias bonitas. Eu conheci um urso que se chamava... bem... alguma coisa como Tecelão dos Brilhos, mas soava melhor na língua deles, que o gelo parecia saber o que ele queria e se moldava conforme ele sonhava. Eu o conheci uma vez e vi suas criações. É uma das minhas mais belas recordações.”

 

“Eles sonham?” Ian perguntou baixo.

 

Eu sorri levemente. “Não tão vividamente quanto os humanos.”

 

“Como os seus Curandeiros conseguem o conhecimento sobre a fisiologia de uma nova espécie? Eles vieram a este planeta preparados. Eu vi quando começou – via pacientes terminais saindo do hospitais em perfeito estado....” Na testa estreita do médico um V se formou ao franzir a testa. Ele odiava os invasores, como todo mundo, mas diferentemente dos outros ele também os invejava.

 

Eu não queria responder. Todo mundo estava escutando agora, e essa não era um conto de fadas sobre os Ursos que esculpiam gelo. Essa era a história da derrota deles.

 

Doc esperou, ainda de cenho franzido.

 

“Eles... eles levam amostras.” Eu murmurei.

 

Ian sorriu ao entender. “Abdução alienígena.”

 

Eu o ignorei. Doc pressionou os lábios “Faz sentido.”

 

A sala silenciosa me lembrou da primeira vez que eu entrei aqui.

 

“Onde sua espécie começou?” Doc perguntou. “Você lembra? Quero dizer, como espécie, você sabe como ela evoluiu?”

 

“A Origem.” Eu respondi assentindo. “Ainda vivemos lá. Foi onde eu nasci.”

 

“Isso é meio que especial.” Jamie acrescentou. “É raro encontrar alguém da origem, certo? A maioria das almas tenta ficar por lá, certo Wanda?” ele não esperava pelas minhas respostas. Eu estava começando a lamentar ter respondido suas perguntas de forma tão completa todas as noite. “Então, quando alguém se muda, faz eles meio que.. quase uma celebridade? Ou membro da família real?

 

Eu sentia minhas bochechas ficando quentes.

 

“É um lugar legal” Jamie continuou. “Cheio de nuvens, com um monte de camadas coloridas. É o único planeta onde as almas podem viver fora de um hospedeiro por muito tempo. Os hospedeiros na Origem são bem bonitos também, com asas e tentáculos e grandes olhos prateados.”

 

Doc estava inclinado para frente com seu rosto em suas mãos. “Eles lembram a relação hospede-parasita começou? Como a colonização começou?”

 

Jamie olhou para mim, dando de ombros.

 

“Nós sempre fomos assim.” Eu respondi ainda não de boa vontade. “Desde que somos inteligentes o suficiente para nos conhecermos, pelo menos. Nós fomos descobertos por outra espécie – os Abutres, é assim que nós os chamamos por aqui, se bem que mais pela personalidade do que pela aparência. Eles... não eram bons. Então nós descobrimos que podíamos nos unir a eles assim como com os nossos hospedeiros originais. Uma vez que nós os controlamos, nós usamos sua tecnologia. Nós dominamos o planeta deles primeiro, e depois o Planeta do Dragões e o Mundo Veraneio – lugares adoráveis onde os Abutres também não haviam sido muito gentis. Nós começamos a colonizar, nossos hospedes se reproduziam muito mais lentamente do que nós e o período de vida era curto. Começamos a explorar mais fundo no universo...”

 

Eu parei, consciente dos muitos olhos no meu rosto. Só Sharon continuava olhar para o outro lado.

 

“Você fala quase como se estivesse lá.” Ian observou. “Há quanto tempo atrás isso aconteceu?”

 

“Depois dos dinossauros, mas antes dos humanos. Eu não tenho certeza, mas eu lembro algumas coisas que a mãe da mãe da minha mãe se lembrava.”

 

“Quantos anos VOCÊ tem?” Ian perguntou. Se inclinando em minha direção, seus brilhantes olhos azuis penetrantes.

 

“Eu não sei em anos terrestres.”

 

“Uma estimativa?” ele pressionou.

 

“Milhares de anos.” Eu dei de ombros. “Eu perdi a noção dos anos passados em hibernação.”

 

Ian se afastou surpreso.

 

“Wow, isso é ser velha.” Jamie comentou.

 

“Mas no real sentido eu sou mais nova do que você.” eu murmurei para ele. “Nem um ano ainda, eu me sinto como uma criança o tempo todo.”

 

Os lábios de Jamie se ergueram levemente. Ele gostava da idéia de ser mais maduro do que eu.

 

“Como é o processo de envelhecimento da sua espécie?” Doc perguntou. “A média de vida?”

 

“Não temos uma.” Eu o disse. “Desde que tenhamos um hospedeiro saudável, nós podemos viver para sempre.”

 

Um murmúrio baixo passou pela caverna– raiva? Medo? Nojo? Eu não saberia dizer. Eu vi que minha resposta havia não havia sido muito esperta. Eu entendia o que essas palavras significariam para eles.

 

“Que ótimo.” A palavra, baixa e furiosa veio da direção de Sharon, mas ela não havia se virado. Jamie apertou minha mão, vendo em meus olhos novamente o desejo de fugir. Dessa vez eu libertei minha mão.

 

“Eu não estou mais com fome.” Eu sussurrei, apesar do pão ainda estar quase intocado no balcão, eu me inclinei e, tocando a parede, escapei.

 

Jamie me seguia de perto. Ele me alcançou na grande praça jardim e me entregou o resto do pão.

 

“Foi muito interessante, sério.” Ele me disse. “Eu não acho que ninguém está muito chateado.”

 

“Jeb que pôs Doc nisso né?”

 

“Você conta histórias bem. Assim que todo mundo descobrir isso eles irão querer ouvir. Assim como eu e Jeb.”

 

“E se eu não quiser contar a eles?”

 

Jamie franziu a sobrancelha. “Bem, então eu imagino que você não deva contar. Mas parece que você não liga de contar histórias.”

 

“É diferente. Você gosta de mim.” Eu podia ter dito Você não quer me matar, mas as implicações disso o chatear.

 

 

“Quando as pessoas te conhecerem elas gostarão de você. Ian e Doc gostam.”

 

“Ian e Doc não gostam de mim Jamie. Eles só estão morbidamente curiosos.”

 

“Dá na mesma.”

 

“Ugh” eu rosnei. Nós estávamos em nosso quarto agora. Eu afastei a Cortina e me joguei no colchão. Jamie sentou ao meu lado e abraçou os joelhos.

 

“Não fique com raiva.” Jamie pediu. “A intenção de Jeb é boa.”

 

Eu grunhi.

 

“Não vai ser tão ruim.”

 

“Doc vai fazer isso toda vez que eu for para a cozinha, não vai?”

 

Jamie assentiu timidamente. “Ou Ian. Ou Jeb.”

 

“Ou você.”

 

“Todos nós queremos saber.”

 

Eu suspirei e virei de barriga para cima. “O Jeb sempre consegue fazer as coisas o jeito dele?”

 

Jamie pensou por um instante. “Basicamente, sim.”

 

Eu mordi um grande pedaço de pão. Quando terminei de mastigar, eu disse. “Eu acho que vou comer aqui de hoje em diante.”

 

“Ian vai te perguntar amanhã quando você estiver no campo de espinafres. Jeb não o está obrigando, ele quer perguntar.”

 

“Que maravilha.”

 

“Você é bem boa com sarcasmo. Eu achei que os parasitas – quero dizer as almas – não gostavam de humor negro. Só das coisas felizes.”

 

“Aprendemos rápido aqui.”

 

Jamie riu e pegou a minha mão. “Você não odeia aqui odeia? Você não está se sentindo miserável, está?”

 

Seus grandes olhos chocolate estavam perturbados.

 

Eu pressionei sua mão em meu rosto. “Eu estou bem.” eu o disse, e naquele momento, era inteiramente verdade.

 

                                           O Retorno

 

Sem nunca ter realmente concordado eu virei a professor que Jeb queria.

 

Minha “aula” era informal. Eu respondia perguntas toda noite após o jantar. Eu descobri que enquanto eu estivesse disposta a fazer isso, Ian e Doc e Jeb me deixariam em paz durante o dia para cumprir minhas tarefas. Nós sempre nos juntávamos na cozinha, eu gostava de ajudar a assar o pão enquanto falava. Isso me dava uma desculpa para pausar antes de responder uma pergunta difícil e algum lugar para olhar quando eu não queria encontrar o olhar de alguém. Na minha cabeça, isso se encaixava, minhas palavras as vezes eram perturbadoras, mas minhas ações eram sempre para o bem deles.

 

Eu não queria admitir que Jamie estava certo. Obviamente as pessoas não GOSTAVAM de mim, eles não podiam, eu não era uma delas. Jamie gostava de mim, mas isso era uma reação química estranha longe de ser racional.

 

Jeb gostava de mim, mas Jeb era louco. O resto deles não tinha essa desculpa.

 

Não, eles não gostavam de mim. Mas as coisas mudavam quando eu começava a falar.

 

A primeira vez que eu percebi isso foi na manhã após eu ter respondido as perguntas de Doc no jantar. Eu estava na negra sala de banho, lavando roupas com Trudy, Lily e Jamie.

 

“Você poderia me passar o sabão por favor, Wanda?’ Trudy perguntou a minha esquerda.

Uma corrente elétrica correu pelo meu corpo ao ouvir o som do meu nome dito por uma voz feminina. Entorpecida, eu passei o sabão para ela e enfiei a mão na água para tirar o acido.

 

“Obrigada.” Ela disse.

 

“De nada.” Eu murmurei. Minha voz falou na última silaba.

 

Eu passei por Lily no corredor um dia depois indo encontrar Jamie antes do jantar.

 

“Wanda.” Ela disse assentindo.

 

“Lily.” Eu respondi, minha garganta seca.

 

Logo não eram só Doc e Ian fazendo perguntas a noite. Surpreendeu-me quem eram os mais vocais: o exausto Walter, seu rosto um preocupante tom de cinza, super interessado nos Morcegos do Mundo Cantante. Heath, normalmente quieto, sempre deixando Trudy e Geoffrey falar por ele, era bem falador durante as noites. Ele possuía fascinação pelo Mundo do Fogo, e apesar de ser um dos meus menos favoritos ele me enchia de perguntas até ouvir tudo o que eu podia dizer sobre eles.

 

Lily estava interessada no funcionamento mecânico das coisas – ela queria saber sobre as naves que nos levavam de planeta a planeta, sues pilotos, seus combustíveis. Foi para Lily que eu expliquei sobre os cryotanques – algo que todos já haviam visto mas que poucos entenderam seu propósito. O tímido Wes, geralmente sentado perto de Lily, perguntava não sobre os outros planetas, mas sobre esse. Como funcionava? Sem dinheiro, sem recompensa pelo trabalho – como a sociedade das almas sobrevivia assim? Eu tentei explicar que não era tão diferente da vida nas cavernas. Não trabalhavam todos sem dinheiro e dividindo tudo produzido igualmente?

 

“É.” Ele me interrompeu, balançando a cabeça. “Mas é diferente aqui – Jeb tem uma arma para os folgados.”

 

Todo mundo olhou para Jeb, que picou, e todo mundo riu.

 

Jeb ficava de plantão. Ele não participava, só sentava pensativo no fundo da sala, ocasionalmente rindo. Ele estava certo sobre o fator entretenimento, estranhamente, pois todos nós tínhamos quatro pernas, a situação me lembrava das Algas. Havia nomes específicos para cada Chamado, como Confortador, Curandeiro, Rastreadora. Eu era Contadora de Histórias, então a transição para professora aqui na Terra não foi grande mudança, pelo menos em termos de profissão. Era basicamente a mesma coisa na cozinha a noite, com o cheiro de fumaça e pão assando. Todo mundo estava preso aqui, tanto quanto uma planta. Minhas histórias eram uma coisa nova, algo para pensar além do normal – as repetitivas tarefas, as mesmas pessoas, as memórias e os rostos que traziam tristezas, o mesmo medo e desespero que eram companheiros deles por muito tempo. E assim, a cozinha sempre ficava cheia nas minhas lições casuais. Somente Sharon e Maggie ficavam suspeitas e ausentes.

 

Foi mais ou menos na minha quarta semana como professora informal que a vida nas cavernas mudou de novo.

 

A cozinha estava lotada, como sempre. Jeb e Doc eram os únicos que faltavam, além das duas de sempre. No balcão perto de mim havia uma bandeja metálica com massas de pão já enroladas e inchadas. Prontas para ir ao forno assim que a bandeja que já estava lá ficasse pronta. Trudy checava constantemente para garantir que nada queimaria.

 

Eu tentava, sempre que possível, fazer Jamie falar por mim quando ele conhecia a história bem. Eu gostava de ver o entusiasmo iluminar seu rosto, e o jeito que as suas mãos desenhavam no ar. Essa noite, Heidi queria saber mais sobre os Golfinhos, então eu pedi a Jamie responder essa o melhor que ele pudesse. Os humanos sempre falavam com tristeza

Quando perguntava sobre uma nova aquisição. Eles viam os Golfinhos como espelhos de sim mesmos em seu primeiro ano de ocupação. Os olhos escuros de Heidi, que não combinavam com os cabelos tão loiros que eram quase brancos, estavam cheios de simpatia quando ela perguntou sobre eles.

 

“Eles parecem mais com enormes dragões do que com peixe, né Wanda? “Jamie quase sempre pedia confirmação, mas nunca esperava resposta. “Eles são meio que de couro, mas com três, quatro ou cinco pares de asas, dependendo da idade deles certo? Então eles meio que voam pela água, a água lá é mais leve, menos densa do que aqui. Eles têm cinco, sete ou nove pernas, dependendo do sexo, certo Wanda? Eles tem três sexos diferentes. Eles tem mão realmente longas com dedos duros e fortes que podem construir todo tipo de coisa. Eles fazem cidades embaixo da água com as plantas duras que crescem lá, parecido com arvores, mas não exatamente arvores. Eles não são tão evoluídos quanto nós, né Wanda? Eles nunca fizeram uma espaçonave ou, tipo telefones para comunicação. Humanos são bem mais avançados.”

 

Trudy tirou a bandeja de pães assados e eu me inclinei para colocar a outra bandeja dentro do forno quente. Precisava de um bocado de equilíbrio para fazer isso certo.

 

Enquanto eu suava em frente do forno, eu ouvi uma comoção do lado de fora da cozinha, ecoando pelo corredor de algum lugar das cavernas. Era difícil, com toda a acústica desse lugar, julgar distancias.

 

“Hey!” Jamie gritou atrás de mim, e eu virei a tempo de ver a parte de trás da sua cabeça enquanto ele corria para fora. Eu me ergui e dei um passo em direção a ele instintivamente querendo segui-lo.

 

“Espera.” Ian disse “ Ele vai voltar. Diga-nos mais sobre os Golfinhos.”

 

Ian estava sentado no balcão ao lado do forno – um lugar quente que eu não teria escolhido – o que o fazia perto o bastante para me alcançar e tocar meu pulso. Eu removi meu braço diante o contato inesperado, mas não me afastei.

 

“O que está acontecendo lá fora?” Eu perguntei. Eu podia ouvir um tipo de conversa – eu achava que podia até identificar a voz de Jamie animada.

 

“Ian deu de ombros. “Quem sabe?Talvez Jeb...” Ele deu de ombros novamente, como se não estivesse interessado o suficiente para se importar, mas havia uma tensão em seus olhos que eu não entendi.

 

Eu sabia que ia descobrir logo, então dei de ombros também, e comecei a explicar sobre o relacionamento familiar complexo dos Golfinhos enquanto ajudava Trudy a enfiar os pães em sacos plásticos.

 

“Seis dos ... avôs, por assim dizer, ficam com as larvas durante os primeiros estágios de desenvolvimento enquanto os três pais trabalham com SEUS seis avôs na construção de uma nova ala na casa para os jovens habitarem quando foram moveis,” eu estava explicando, meus olhos nos pães a minha frente ao invés de na audiência quando eu ouvi um som de sobressalto no fundo da sala. Eu continuei automaticamente procurando com os olhos para ver quem eu havia incomodado. “Os avôs restantes....” Ninguém estava chateado comigo. Todas as cabeças estavam voltadas na mesma direção. Meus olhos foram para entrada escura. A primeira coisa que eu vi foi a figura esguia de Jamie, segurando o braço de alguém. Alguém tão sujo, dos pés a cabeça, que ele quase não era visível contra a parede escura. Alguém muito alto para ser Jeb, e, além disso, Jeb estava atrás de Jamie. Mesmo a distancia eu podia ver que os olhos de Jeb estavam apertados e seu nariz enrugado, como se ele estivesse ansioso – uma emoção rara em Jeb. Eu podia ver, também, que Jamie estava jubilante de alegria.

 

“Lá vamos nós.” Ian murmurou ao meu lado, sua voz quase inaudível sobre o som das chamas.

 

O homem sujo que Jamie ainda segurava deu um passo a frente. Uma de suas mãos se ergueu lentamente como um reflexo involuntário e se fechou em punho.

 

Dele veio a voz de Jared – sem qualquer inflexão, neutra. “O que significa isso Jeb?”

 

Minha garganta fechou. Eu tentei engolir e a encontrei bloqueada. Eu tentei respirar e não tive muito sucesso. Meu coração batia acelerado e fora de ritmo.

 

Jared! A voz exultante de Melanie soava alta. Ela estava vivida e radiante. Jared voltou para casa!

 

“Wanda está nos ensinado tudo sobre o universo.” Jamie explicou, sem perceber o tom de fúria de Jared, ele estava muito excitado para prestar atenção.

 

“Wanda?” Jared repetiu em uma voz baixa que era quase um rosnado.

 

Havia mais figura sujas no corredor atrás dele. Eu só os notei quando eles repetiram o rosnado indignados.

 

Uma cabeça loira se ergueu na audiência congelada. Paige se levantou “Andy!” ela gritou e tropeçou nas pessoas sentadas a sua volta. Um dos homens sujos foi para frente de Jared e a segurou quando ela quase caiu sobre Wes. “Oh, Andy!” ela chorou, o tom de sua voz me lembrando o de Melanie.

 

A reação de Paige mudou a atmosfera momentaneamente. A multidão silenciosa começou a murmurar, a maioria se erguendo. O som era de boas vindas agora, enquanto a maioria ia cumprimentar o retorno dos viajantes. Eu tentei ler as estranhas expressões enquanto eles forçavam sorrisos em seus lábios e espiavam furtivamente a mim. Eu percebi após uns longos segundos – o tempo parecia congelado a minha volta – que a expressão que me confundiu era CULPA.

 

“Vai ficar tudo bem Wanda.” Ian murmurou quase um sopro. Eu olhei para ele, procurando ver a mesma culpa em seu rosto. Não encontrei nada, só uma ameaça defensiva em seus olhos muito vividos enquanto ele encarava os recém chegados.

 

“Que diabo é isso gente?” uma nova voz gritou.

 

Kyle – facilmente identificável pelo tamanho – estava abrindo caminho por Jared e indo em MINHA direção.

 

“Vocês estão deixando a coisa contar suas mentias? Ficaram todos loucos? Ou a coisa trouxe os Rastreadores até aqui? São todos parasitas agora?”

 

Muitas cabeças de abaixaram envergonhados. Somente alguns mantiveram o queixo erguido, seu obros firmes: Lily, Trudy, Heath, Wes.... e mesmo o frágil Walter.

 

“Pega leve, Kyle.” Walter disse em sua fraca voz.

 

Kyle o ignorou. Ele andou com passos determinados em minha direção, seus olhos, do mesmo tom cobalto do irmão, brilhando de raiva. Eu não conseguia manter meus olhos nele – eles continuavam indo para a forma escura de Jared, tentando ler seu rosto camuflado.

 

O amor de Melanie corria por mim como um lago que explodia com correntezas, me distraindo até mesmo do bárbaro irado que estava chegando perto rapidamente.

 

Ian entrou na minha frente, tampando minha visão. Eu estiquei o pescoço para conseguir ver Jared.

 

“As coisas mudaram enquanto você estava fora, irmão.”

 

Kyle parou súbito, seu rosto cheio de descrença. “Os Rastreadores vieram Ian? É isso?”

 

“Ela não é um perigo para nós.”

 

Kyle apertava os dentes, e pelo canto dos olhos eu o vi pegar algo nos bolsos. Isso capturou minha atenção. Eu me encolhi esperando uma arma. As palavras saíram atropeladas em um sussurro engasgado “Não fique no caminho dele Ian.”

 

Ian não respondeu meu apelo. Eu fiquei surpresa pela ansiedade que isso me causava, o quanto eu não queria que ele se machucasse. Não era o profundo instinto de proteção que eu sentia por Jamie ou mesmo por Jared. Eu só sabia que Ian não devia se machucar tentando me proteger.

 

A mão de Kyle voltou a se erguer, e uma luz brilhou. Ele apontou-a para o rosto de Ian, a manteve lá por um segundo. Ian nem se moveu.

 

“Então é o que?” Kyle exigiu, colocando a lanterna de volta do bolso, “Você não é um parasita. Como a coisa te pegou?”

 

“Acalme-se e nós te diremos.”

 

“Não.”

 

A contradição não veio de Kyle, mas de trás dele. Eu observei Jared caminhar lentamente em nossa direção pelos espectadores silenciosos. Ao chegar perto, Jamie ainda agarrado em seu braço, com uma expressão transtornada, eu podia ler a expressão de Jared bem sob a camada de sujeira. Mesmo Melanie, toda delirante de alegria com seu retorno seguro, não pode deixar de compreender a expressão de desprezo ali.

 

Jeb desperdiçou seus esforços nas pessoas erradas. Não importava que Trudy e Lily falassem comigo, que Ian se colocava entre mim e seu irmão, que Sharon e Maggie não me agrediam. O único que devia ser convencido, havia, afinal, se decidido.

 

“Eu não acho que ninguém precisa se acalmar.” Jared disse entre os dentes. “Jeb” ele continuou, sem olhar para ver se o velho o havia seguido, “me dá a arma.”

 

O silencio que seguiu suas palavras foi tão tenso que eu podia sentir a pressão em meus ouvidos. No momento que eu pude ver seu rosto eu sabia que havia acabado. Eu sabia o que tinha que fazer agora, Melanie estava de acordo. O mais quieta que eu pude eu dei um passo para o lado e ligeiramente para trás, para que eu pudesse livrar Ian. Então fechei os olhos.

 

“Acontece que eu não a tenho comigo.” Jeb disse.

 

Eu espiei para ver Jared virando para confirmar a afirmação de Jeb.

 

A respiração de Jared saía alta e raivosa. “Ok” ele murmurou. Ele deu mais um passo em minha direção “Vai ser mais lento desse modo. Seria mais piedoso se você encontrasse essa arma rápido.”

 

“Por favor, Jared, vamos conversar.” Ian disse, pisando firme no chão já sabendo a resposta.

 

“Eu acho que já teve muito conversa.” Jared rosnou “Jeb deixou isso comigo e eu tomei minha decisão.”

 

Jeb limpou a garganta alto, Jared se virou de lado para olhar para ele novamente.

 

“O que?” ele exigiu “Você fez a regra Jeb.”

 

“É, bem, isso é verdade.”

 

Jared se virou para mim novamente. “Ian sai da frente.”

 

“Ora, ora, segura aí um momento.” Jeb continuou. “Se você se lembra, a regra era que a quem quer que o corpo pertencesse teria o direito de tomar a decisão.”

 

Uma veia na testa de Jared pulsava visivelmente. “E?

 

“Parece para mim que alguém mais aqui tem o direito tão forte quanto o seu. Talvez ainda maior.”

 

Jared olhava para frente, processando isso. Após um lento momento, compreensão ergueu suas sobrancelhas. Ele olhou para o garoto ainda segurando o braço dele.

 

Toda a alegria havia escorrido do rosto de Jamie, deixando em seu lugar choque horrorizado.

 

“Você não pode Jared.” Ele engasgou. “Você não deve. A Wanda é boa. Ela é minha amiga. E Mel! E quanto a Mel? Você não pode matar ela. Por favor! Você tem que – “ ele parou, sua expressão agoniada.

 

Eu fechei os olhos novamente tentando bloquear a imagem do sofrimento dele da minha mente. Já era quase impossível não ir até ele. Eu segurei meus músculos, prometendo a mim mesma que não ajudaria se eu me movesse agora.

 

“Então.” Jeb disse em um tom casual, casual demais para a situação, “você pode ver que Jamie não está de acordo. Ele tem tanto direito quanto você.”

 

Não houve resposta por tanto tempo que eu tive que abrir meus olhos novamente.

 

Jared olhava no rosto angustiado e amedrontado de Jamie.

 

“Como você deixou isso acontecer Jeb?” ele sussurrou.

 

“Há SIM necessidade de nós conversarmos” Jeb disse “Por que você não toma um banho primeiro. Talvez você se sinta mais disposto após um banho.”

 

Jared olhava intensamente o homem mais velho, seus olhos cheios de choque e dor da traição. Eu só possuía comparações humanas para tal choque. Cesar e Brutus. Jesus e Judas.

 

A tensão insuportável durou por mias um longo minute, e então Jared sacudiu o braço fazendo Jamie o largar.

 

“Kyle” Jared latiu, se virando e saindo pelo corredor.

 

Kyle deu um olhar cortante ao irmão e seguiu Jared.

 

Os outros membros imundos da expedição foram atrás deles em silencio, Paige firme nos braços de Andy. Os outros humanos, os que haviam se envergonhado de ter me aceitado, saíram atrás deles. Somente Jamie, Jeb, e Ian ao meu lado, Trudy, Geoffrey, Heath, Lily, Wes e Walter ficaram.

 

Ninguém falou até o eco dos passos sumir completamente.

 

“Wow!” Ian suspirou “Essa foi por pouco. Pensou rápido hein Jeb.”

 

“Inspiração no desespero. Mas nós não estamos fora do mato ainda.” Jeb respondeu.

 

“E eu não sei disso? Você não deixou a arma em nenhum ligar obvio né?”

 

“Não. Imaginei que algo assim estava para acontecer.”

 

“Pelo menos isso.”

 

Jamie estava tremendo, sozinho no espaço deixado pelos que saíram. Cercada pelos que eu contava entre meus amigos, eu me senti capaz de andar até ele. Ele lançou seus braços em minha cintura, e eu acariciei suas costas com minhas mãos tremulas.

 

“Tá tudo bem.” Eu menti em um suspiro “Tudo certo.” Eu sabia que nem um idiota acreditaria nisso e Jamie não era idiota.

 

“Ele não vai te machucar” Jamie disse, lutando contra as lágrimas que eu podia ver em seus olhos “Eu não vou deixar.”

 

“Shhh” eu murmurei.

 

Eu estava em choque – eu podia sentir meu rosto congelado em uma expressão de horror. Jared estava certo – como Jeb deixou isso acontecer? Se eles tivessem me matado naquele primeiro dia, antes de Jamie me ver... Ou na primeira semana enquanto Jared me manteve isolada de todas, antes de Jamie e eu nos tornarmos amigos.... Ou se eu tivesse ficada calada sobre Melanie... Era muito tarde para isso. Meus braços se apertaram em volta da criança.

 

Melanie estava tão passada quanto eu. Minha pobre criança.

 

Eu DISSE que era uma má idéia contar tudo para ele. Eu a lembrei. Que bem isso fará a ele quando nos matarem? Vai ser horrível. Ele vai ficar traumatizado e assustado e devastado –

 

Melanie me interrompeu. Chega. Eu sei, eu sei. Mas o que nós podemos fazer?

 

Não morrer eu suponho.

 

Melanie e eu pensávamos nas chances que tínhamos de sobreviver e sentimos desespero.

 

Ian confortou Jamie nas costas – eu pude sentir o movimento reverberar pelos nossos corpos.

 

“Não agonize por isso garoto,” ele disse. “Você não está nisso sozinho.”

 

“Eles só estão chocados, só isso.” Eu reconheci a voz de Trudy atrás de mim. “Uma vez que tenhamos a chance de explicar, eles verão a razão.”

 

“Ver a razão? O Kyle?” Alguém sibilou.

 

“Nós sabíamos que isso ia acontecer.” Jeb murmurou “A coisa vai assentar. Tempestades passam.”

 

“É melhor você ir achar essa arma,” Lily sugeriu calmamente “Essa noite pode ser bem longa. Wanda pode ficar comigo e com Heidi –“

 

“Eu acho melhor a mantermos em algum outro lugar,” Ian discordou. “Talvez nos túneis sul? Eu fico de olho nela. Jeb me dá uma força?”

 

“Eles não a procurariam comigo.” A oferta de Walter foi só um suspiro.

 

Wes falou por cima das palavras de Walter “Eu fico com você Ian. Há seis deles.”

 

“Não.” Eu finalmente consegui dizer. “Não. Isso não está certo, Você não deviam lutar entre si. Vocês todos pertencem aqui, juntos. Não lutando, e não por minha causa.”

 

Eu afastei os braços de Jamie da minha cintura, segurando seus pulsos quando ele tentou me impedir. “Eu só preciso de um minuto sozinha.” Eu disse a ele, ignorando todos os olhares em mim. “Eu preciso ficar sozinha.” Eu virei minha cabeça para encontrar Jeb. “E você assim podem discutir isso sem a minha presença. Não é justo – discutir estratégias na frente do inimigo.”

 

“Epa, não seja assim.” Jeb disse.

 

“Deixe-me ter um tempo para pensar Jeb.”

 

Eu me afastei de Jamie, soltando suas mãos. Eu senti uma mão em meu obro e me assustei, era só Ian.

 

“Não é uma boa idéia você ficar vagando por aí sozinha.”

 

Eu me inclinei para ele e tentei abaixar minha voz para Jamie não ouvir.

 

“Por que prolongar o inevitável? Vai ser mais fácil ou mais difícil para ele?”

 

Eu sabia a resposta para minha última pergunta. Eu girei sobre a mão de Ian e corri em direção a saída.

 

“Wanda!” Jamie chamou.

 

Alguém rapidamente o falou para ficar quieto. Não havia passos atrás de mim. Eles devem ter visto a sabedoria em me deixar ir. O corredor estava escuro e deserto. Se eu tivesse sorte eu passaria pela grande praça sem ser vista.

 

Em todo o meu tempo aqui, a única coisa que eu nunca descobri foi a saída. Eu passei por todos os túneis e nunca vi nenhuma abertura. Eu pensei nisso agora enquanto circundava o jardim na grande caverna. Onde a saída poderia estar? E então eu pensei nisso: Se eu pudesse descobrir isso, eu seria capaz de partir?

 

Eu não conseguia pensar em nada que valesse a pena partir – certamente não o deserto me esperando lá fora, mas também não a Rastreadora, nem o Curandeiro, nem minha Confortadora, não a minha vida de antes que havia deixado uma impressão muito fraca em mim. Tudo que realmente importava para mim estava aqui. Jamie. E apesar de saber que ele iria me matar, Jared. Eu não conseguia me ver deixando eles para trás.

 

E Jeb. Ian. Eu tinha amigos aqui. Doc, Trudy, Lily, Wes, Walter, Heath. Humanos estranhos que podiam ver além do que eu era e ver algo que eles não precisavam matar. Podia ser só curiosidade, mas eles estavam dispostos a ficar ao meu lado contra o resto de sua família de sobreviventes. Eu balancei a cabeça pensando enquanto me localizava com as mãos nas rochas. Eu podia ouvir outros na caverna, do lado oposto de mim. Eu não pausei, eles não podiam me ver ali,e eu havia encontrado a rachadura que eu procurava.

 

Afinal de contas, só havia um lugar para eu ir agora. Mesmo que eu pudesse ter adivinhado onde ficava a saída eu ainda iria pegar esse mesmo caminho. Eu entrei no corredor completamente obscuro e fui.

 

                               Indecisão

 

Eu tateei de volta até o meu buraco-prisão.

 

Já fazia semanas e mais semanas desde que eu havia estado nesse corredor em particular, eu não havia estado aqui desde a manhã depois de Jared ter partido e Jeb ter me libertado. Parecia-me que enquanto eu estava viva e Jared nas cavernas era aqui que eu deveria ficar.

 

Não havia luz difusa para me receber. Eu tinha quase certeza que estava na última parte – as curvas e voltas ainda eram vagamente familiares. Eu deixei minhas mãos descerem pelas paredes o mais baixo que eu alcançava, procurando a entrada da caverna. Eu não estava decidida a entrar lá dentro, mas ao menos me daria um ponto de referência, eu saberia que estava mesmo no lugar que deveria estar.

 

Mas acontece que eu não tinha a opção de entrar na minha cela.

 

No momento em que meus dedos sentiram a entrada rústica da caverna, meu pé acertou um obstáculo e eu tropecei, caindo de joelhos. Eu pus as mãos na frente para evitar a queda, e elas pousaram em algo com um barulho diferente, partindo algo que não era rocha e que não devia estar aqui.

 

O som me sobressaltou, o objeto inesperado me assustou. Talvez eu tenha feito uma curva errada e não estava nem perto do meu buraco. Talvez eu estivesse no quarto de alguém. Eu revi o caminho que fiz me perguntando como eu podia ter errado tão feio. Enquanto isso eu escutava com atenção buscando por alguma reação a minha queda, ficando absolutamente parada na escuridão.

 

Não havia nada – nenhuma reação, nenhum som. Só havia escuridão e umidade, como sempre, e tão quieto que eu sabia que devia estar sozinha.

 

Cuidadosamente, tentando fazer o mínimo de barulho eu comecei a apalpar a minha volta.

 

Minhas mãos estavam presas em alguma coisa. Eu as puxei, traçando o contorno do que parecia uma caixa de papelão – uma caixa com uma folha barulhenta de plástico no topo que as minhas mãos furaram. Eu senti o que havia dentro da caixa e havia mais plástico – retângulos pequenos que faziam muito barulho quando eu mexia neles. Eu afastei a mão rapidamente, temendo chamar atenção sobre mim.

 

Eu lembrei de ter achado que tinha encontrado a entrada da caverna. Eu procurei a esquerda e encontrei mais pilhas de caixas de papelão naquele lado. Eu tentei encontrar o topo da pilha e tive que me erguer – era mais alta que minha cabeça. Eu procurei até achar a parede, e então o buraco, exatamente onde eu achava que estava. Eu tentei entrar nela para me certificar que era o mesmo local – um segundo naquele piso curvado e eu saberia com certeza – mas eu não pude passar da entrada. Estava, também, lotado de caixas.

 

Eu explorei com as mãos, voltando pelo corredor. Eu descobri que podia ir ainda mais ao fundo da passagem, estava coberta com caixas misteriosas.

 

Enquanto eu explorava o piso, tentando entender, eu encontrei algo diferente do que as caixas de papelão. Era um material grosso, uma saca cheia de algo pesado que fazia um barulho bem distinto quando eu o mexi. Eu ergui a saca, o barulho não era alto, então não me alarmei, esse barulho não avisaria ninguém da minha presença.

 

De repente, tudo se esclareceu. Foi o cheiro que me fez entender. Enquanto eu brincava com o material tipo areia eu senti um cheio familiar. Me levou de volta a minha cozinha em San Diego, até o armário no lado esquerdo da pia. Em minha cabeça eu podia ver claramente o saco de arroz cru, o copo plástico que eu usava para medição, a comida atrás dele....

 

Uma vez que eu entendi o que eu tinha nas mãos tudo ficou claro. Eu ESTAVA no lugar certo. Jeb não havia dito que era um deposito? E Jared não havia acabado de retornar de uma longa expedição? Agora, tudo o que eles haviam roubado durante as semanas estavam enfiados aqui até serem utilizados.

 

Muitos pensamentos correram por minha cabeça ao mesmo tempo.

 

Primeiro, eu percebi que estava cercada de comida. Não pão grosso e sopa rala de cebola, mas COMIDA. Em algum lugar ali podia haver pasta de amendoim. Biscoitos com gotas de chocolate. Batatas fritas. CHEETOS.

 

Assim que eu me imaginei encontrando essas coisas, as saboreando, ficar satisfeita pela primeira vez desde que eu deixei a civilização, eu me senti culpada. Jared não havia arriscado a vida e gasto semanas se escondendo e roubando para me alimentar. Essa comida era para outros.

 

E se essas caixas não fossem to? E se eles ainda forem trazer mais? Seria Jared e Kyle quem as trariam? Eu não precisava de muita imaginação para visualizar a cena que se desenrolaria caso eles me encontrassem.

 

Mas não era por isso que eu estava aqui? Não era exatamente sobre isso que eu precisava pensar sozinha? Eu deslizei pela parede. A saca de arroz fazia um bom travesseiro. Eu fechei os olhos – desnecessário na escuridão – e fomos debater.

 

Okay Mel. E agora?

 

Eu fiquei feliz de encontrá-la ainda acordada e alerta. Confrontos traziam a sua força. Só quando as coisas estavam indo bem é que ele se afastava.

 

Prioridades. Ela decidiu. O que é mais importante para nós? Ficar viva? Ou Jamie?

 

Ela sabia a resposta; Jamie, eu afirmei, suspirando alto. O som da minha respiração ecoando pelas paredes.

 

Concordo. Nós provavelmente duraríamos mais um tempo de deixássemos Jeb e Ian nos proteger. Isso irá ajudá-lo?

 

Talvez. Ele se machucaria mais se nós simplesmente desistíssemos? Ou se nós arrastarmos essa situação e acabar mal, o que parece inevitável?

 

Ela não gostava disso. Eu podia senti-la dando voltas, buscando alternativas.

 

Tentar fugir? Eu sugeri.

 

Improvável, ela decidiu. Além disso, o que nós faríamos lá fora? O que diríamos a eles?

 

Nós imaginamos juntas – como eu explicaria meus meses de ausência? Eu podia mentir, inventar uma história, ou dizer que eu não lembrava. Eu imaginei a face cética da Rastreadora. Seus olhos estufados cheios de suspeita, e sabia que minha tentativa de mentir e enganar falharia.

 

Eles pensarão que eu tomei conta, Melanie concordou. Então eles vão tirar você e colocar ela.

 

Eu me mexi incomodada, como se mudar de posição fosse me afastar da idéia. Então eu segui a linha de raciocínio dela. Ela os contará sobre esse lugar e os Rastreadores virão.

 

O horror da idéia passou por nós duas.

 

Certo, então escapar está fora.

 

Certo, ela murmurou, as emoções tornando seus pensamentos instáveis.

 

Então a decisão é... rápido ou lento? O que o magoaria menos?

 

Enquanto eu me focasse em ser prática eu conseguia manter o tom de negócios. Melanie tentava imitar meus esforços.

 

Eu não estou certa. De um lado, logicamente, o quanto mais passarmos juntos o pior vai ser nossa... separação para ele. Só que, se nós não lutarmos e só desistirmos... ele não vai gostar disso. Ele se sentiria traído.

 

Eu olhei para os dois lados que ela apresentou, tentando ser racional.

 

Então... rápido, mas temos que fazer o nosso melhor para não morrer?

 

É, cair lutando.

 

Lutando... Fabuloso. Eu tentei imaginar isso – violência contra violência. Erguer minha mão para atacar alguém. Eu podia até formar as palavras, mas ver a cena era impossível.

 

Você consegue, ela encorajou. Eu vou ajudar.

 

Obrigada, mas não obrigada. Tem que ter outra forma.

 

Eu não te entendo Wanda. Você desistiu da sua espécie completamente, você está disposta a morrer pelo meu irmão, você ama o homem que eu amo e que irá nos matar, e mesmo assim não deixa esses costumes que são completamente impraticáveis aqui.

 

Eu sou quem eu sou Mel. Eu não poso mudar isso mesmo que tudo o mais mude. Você se prende a si mesma, deixe-me fazer o mesmo.

 

Mas se nós vamos-

 

Ela teria continuado a discutir, mas nós fomos interrompidos. Um som de passos contra as rochas ecoaram de algum ponto no corredor.

 

Eu congelei – todas as funções corporais interrompidas, exceto a minha cabeça, e mesmo assim ela só funcionava lenta e vagamente – e escutei. As esperanças de que eu houvesse imaginado o som desapareceu rápido, em segundos, eu pude ouvir mais passos chegando mais perto.

 

Melanie manteve a calma, eu estava perdida em pânico.

 

Levanta, ela mandou.

 

Por quê?

 

Você não vai lutar, mas pode correr. Você tem que tentar alguma coisa – por Jamie.

 

Eu voltei a respirar, baixo e superficial. Lentamente eu fui me inclinando para frente até está pronta para me levantar e correr. Adrenalina corria pelos meus músculos, fazendo-os flexíveis, eu seria mais rápida que a maioria que tentasse me pegar, mas para onde eu correria?

 

“Wanda?” alguém suspirou baixo “Wanda? Você está aqui? Sou eu.”

 

“Jamie! O que você está fazendo? Eu disse que precisava ficar sozinha.”

 

O alivio era claro em sua voz quando ele falou, agora não mais sussurrando tão baixo. “Todo mundo está procurando por você, Bem, você sabe, Trudy e Lily e Wes – sabe, esse todo mundo. Só que não podemos deixar ninguém perceber o que estamos fazendo. Ninguém pode nem imaginar que você estava sumida. Jeb está armando de novo. Ian está com Doc. Quando Doc estiver livre, ele vai falar com Jared e Kyle. Todo mundo escuta Doc. Então você não precisa se esconder. Todo mundo está ocupado, e você deve estar cansada....”

 

Enquanto ele falava ele caminhava para mim até que seus dedos tocaram meu braço, e ele pegou a minha mão.

 

“Eu não estou me escondendo Jamie. Eu disse que eu precisava pensar.”

 

“Você podia pensar com Jeb por perto não?”

 

“Para onde você quer que eu vá? Para o quarto de Jared? É aqui que eu devo ficar.”

 

“Não é mais.” A teimosia familiar estava voltando.

 

“Por que todo mundo está tão ocupado?” eu perguntei tentando distraí-lo. “O que Doc está fazendo?”

 

Minha tentativa não deu certo; ele não respondeu. Após um minuto de silencio, eu toquei sua bochecha “Olha, você devia estar com Jeb. Diga aos outros pararem de me procurar. Eu vou ficar por aqui um tempo.”

 

“Você não pode dormir aqui.”

 

“Eu já dormi aqui antes.”

 

Eu senti sua cabeça balançar em minhas mãos.

 

“Eu vou pegar colchonetes e travesseiros, pelo menos isso.”

 

“Eu não preciso de mais de um.”

 

“Eu não vou ficar com Jared enquanto ele está sendo babaca desse jeito.”

 

Eu grunhi internamente. “Então fiquei com Jeb e os roncos. Você faz parte do grupo, pertence a eles, não a mim.”

 

“Eu fico onde eu quiser.”

 

A ameaça de Kyle me encontrando aqui estava forte. Mas argumentar com isso só faria Jamie ficar ainda mais firme no propósito de ficar e me proteger.

 

“Ótimo, mas você tem que pedir permissão para Jeb.”

 

“Mais tarde. EU não vou atrapalhar Jeb hoje.”

 

“O que Jeb está fazendo?”

 

Jamie não perguntou. Só agora é que eu percebi que ele deliberadamente não respondeu a minha primeira pergunta. Havia algo que ele não queria me contar. Talvez os outros estivessem ocupados tentando me encontrar também. Talvez a volta de Jared os tenha feito voltar a opinião original sobre mim, pareceu isso na cozinha quando eles me olharam cheios de culpa.

 

“O que está acontecendo Jamie?” eu pressionei.

 

“Eu não posso te contar.” Ele murmurou. “E não vou contar.” Seus braços me abraçaram pela cintura e sua cabeça deitou em meu ombro. “Tudo vai ficar bem” ele me prometeu, sua voz rouca.

 

Eu passei a mão por suas costas e acariciei seu cabelo “Okay.” Eu disse, concordando em aceitar o seu silencio. Afinal de contas eu tinha meus segredos não tinha? “Não fique chateado Jamie. Seja lá o que aconteça será sempre o melhor. Você vai ficar bem.” Enquanto eu dizia as palavras eu desejava que fosse verdade.

 

“Eu não sei o que esperar.” Ele suspirou.

 

Enquanto eu encarava a escuridão, não vendo nada em particular, tentando entender o que ele não me dizia, uma luz fraca chamou minha atenção no final do corredor – fraca, mas bem real no fim do corredor.

 

“Shhh” eu sussurrei. “Alguém está vindo. Rápido, se esconda atrás das caixas.”

 

A cabe4ça de Jamie se ergueu rapidamente, em direção a luz que estava ficando mais forte a cada segundo.

 

“Eu não vou me esconder.” Ele disse “Fique atrás de mim Wanda.”

 

“Não!”

 

“Jamie!” Jared gritou “Eu sei que você está aí atrás.”

 

Eu não sentia mais minhas pernas. Tinha que ser Jared: Teria sido tão mais fácil para Jamie se fosse Kyle que me matasse.

 

“Vai embora.” Jamie disse para ele.

 

A luz amarela acelerou a velocidade e se tornou um circulo na parede aposta.

 

Jared virou a curva, a lanterna em sua mão revistando o chão. Ele estava limpo, usando uma camiseta vermelha que eu reconhecia – estava pendurada no quarto onde eu vivi por semanas e era uma visão familiar. Seu rosto também era familiar – continha a mesma expressão desde que eu havia chegado aqui.

 

O facho de luz acertou meu rosto e me cegou; eu sabia que a luz refletiu brilhantemente o prateado no fundo dos meus olhos, por que Jamie deu um pequeno pulo, mas então ele se posicionou mais firmemente do que antes.

 

“Afaste-se da coisa!” Jared rugiu.

 

“Cala a boca!” Jamie gritou de volta. “Você não a conhece! Deixe-a em paz!”

 

Ele se agarrava em mim enquanto eu tentava afastar suas mãos. Jared veio igual a um touro. Ele agarrou a parte de trás da camisa de Jamie e o afastou de mim. Ele o segurou pelo tecido, sacudindo-o enquanto gritava.

 

“Você está sendo um idiota” Não consegue ver como está sendo usado?”

 

Instintivamente, eu me meti entre os dois. Como eu imaginei meu avanço fez ele soltar Jamie. Eu não precisava e nem queria as outras coisas que aconteceram – a forma que o cheiro familiar dele agredia os meus sentidos nem o jeito que o contorno do seu peito sentia sob as minhas mãos. “Deixe Jamie em paz” eu disse, desejando ser mais como a Melanie queria que eu fosse – que minhas mãos fossem firmes, que minha voz soasse forte.

 

Ele agarrou meus pulsos com uma mão e me jogou contra a parede. O impacto me pegou de surpresa, tirou o meu ar. Eu bati na parede para o chão, aterrissando nas caixas, fazendo um tremendo barulho por cauda dos plásticos.

 

A pulsação martelava alto em minha cabeça enquanto eu pousei sem jeito sobre as caixas, e por um momento eu vi estranhas luzes passarem em frente aos meus olhos.

 

“Covarde!” Jamie gritou para Jared. “Ela não machucaria você para salvar a própria vida” Por que você não a deixa em paz?”

 

Eu ouvi as caixas se moverem e senti as mãos de Jamie em mim. “Wanda? Você está bem Wanda?”

 

“Estou” eu consegui dizer, ignorando a latejar em minha cabeça. Eu podia ver seu rosto ansioso sobre mim levemente iluminado pela lanterna, que Jared devia ter derrubado. “Você tem que ir agora Jamie,” eu sussurrei “Corre.”

 

Jamie sacudiu a cabeça firmemente.

 

“Fique longe disso!” Jared gritou e agarrou Jamie pelos ombros e o afastou novamente de mim. As caixas caíram em cima de mim como uma avalanche. Eu me virei de costas cobrindo a cabeça com os braços, uma mais pesada pegou bem osso do ombro, e eu gritei de dor.

 

“Para de machucar ela.” Jamie gritou.

 

Houve um barulho surdo e alguém gemeu de surpresa.

 

Eu lutei para me libertar das caixas pesadas, me erguendo em um cotovelo, tonta. Jared tinha uma mão no nariz, e algo escuro escorria pelos lábios. Seus olhos estavam arregalados de surpresa. Jamie estava à sua frente com ambas as mãos fechadas em punhos, um expressão furiosa em seu rosto.

 

A expressão de Jamie mudava enquanto ele olhava para Jared em choque. Magoa tomou o lugar da raiva – magoa e um sentido de traição tão forte que rivalizava com a expressão de Jared na cozinha.

 

“Você não é o homem que eu pensei que era.” Jamie disse baixo. Ele olhou para Jared como se ele estivesse muito distante, como se houvesse uma parede entre eles, e Jamie estivesse isolado em seu lado.

 

Os olhos de Jamie se encheram de lágrimas e ele virou a cabeça para o lado, envergonhado de mostrar fraqueza em frente a Jared. Ele se afastou com movimentos rápidos.

 

Nós tentamos, Melanie pensou tristemente. O coração dela doía pelo garoto, mesmo que ela quisesse que eu voltasse meus olhos para o homem. Eu a dei o que ela queria.

 

Jared não estava olhando para mim. Ele encarava a escuridão pela qual Jamie havia desaparecido, sua mão ainda cobrindo o nariz.

 

“Aw, droga.” Ele gritou de repente. “Jamie! Volta aqui.”

 

Não houve resposta. Jared lançou um rápido olhar em minha direção – eu me encolhi, apesar de que sua fúria parecia ter esvanecido – então pegou a lanterna e foi atrás de Jamie, chutando uma caixa que estava em seu caminho.

 

“Me desculpa, ok? Não chora garoto.” Ele gritava mais pedidos de desculpas irritados enquanto fazia a curva e me deixava deitada da escuridão.

 

Por um longo momento tudo o que pude fazer foi respirar. Eu concentrei no ar entrando e saindo e entrando. Depois de sentir que eu estava respirando de novo, eu tentei me levantar. Levou alguns minutos para lembrar de como mover as pernas, e mesmo quando eu lembrei, elas estavam tremulas e ameaçavam me derrubar, então eu sentei contra a parede novamente. Escorregando até encontrar o saco de arroz. Eu fiquei ali e avaliei minhas condições.

 

Nada estava quebrado – exceto talvez o nariz de Jared. Eu balancei a cabeça lentamente. Jamie e Jared não deviam estar brigando. Eu os estava causando tanto tumulto e infelicidade. Eu suspirei e voltei a minha avaliação. Havia um ponto grande nas minhas costas dolorido, e o lado do meu rosto dava a impressão de cru e umidade onde ele bateu na parede. Doeu quando eu toquei e senti umidade morna em meus dedos, mas esse era o pior. Os outros ferimentos eram arranhões e machucados leves.Eu estava inesperadamente aliviada.

 

Eu estava viva. Jared teve sua chance de me matar e não a utilizou, ao invés disso preferiu ir atrás de Jamie, para acertar as coisas. Então seja lá qual for o dano que eu esteja fazendo ao relacionamento deles, não era irreparável.

 

Foi um dia longo – o dia já havia sido longo mesmo antes de Jared e os outros aparecerem, e isso aprecia ter sido a anos atrás. Eu fechei os olhos onde estava e dormi sobre o arroz.

 

                                       Ignorância

 

Era desorientador acordar na escuridão absoluta, eu havia me acostumado com a luz do sol me dizendo que era manhã. A princípio eu pensei que ainda devia ser noite, mas então, sentindo a ardência no rosto e a dor nas costas, eu lembrei onde estava.

 

 

Ao meu lado eu podia ouvir uma respiração baixa e tranqüila, não me assustei, era um som familiar. Eu não me surpreendi que Jamie tenha voltado e dormido ao meu lado noite passada.

 

Talvez tenha sido a mudança na minha respiração que o tenha acordado ou foi só por que nossos horários estavam sincronizados, mas segundos após eu ter acordado ele deu um suspiro.

 

“Wanda?”

 

“Aqui.”

 

Ele suspirou aliviado.

 

“Nossa, é escuro aqui.” Ele disse.

 

“É.”

 

“Será que já é fora do café da manhã?”

 

“Não sei.”

 

“Eu estou com fome. Vamos ver.”

 

Eu não respondi.

 

Ele interpretou meu silencio corretamente, “Você não tem que se esconder aqui, Wanda” ele disse, após esperar um momento para eu responder. “Eu falei com Jared noite passada. Ele vai parar de implicar com você – ele prometeu.”

 

Eu quase sorri. Implicar comigo.

 

“Você irá comigo?” Jamie pressionou. Sua mão encontrou a minha.

 

“É isso mesmo que você quer?” eu perguntei.

 

“Sim, tudo vai ser igual à antes.”

 

Mel? É melhor assim?

 

Eu não sei. Ela estava dividida. Ele sabia que não podia ser objetiva, ela queria ver Jareb.

 

Isso é loucura, você sabe.

 

Não tão louco quanto o fato de você querer vê-lo também.

 

“Ok, Jamie.” Eu concordei. “ Mas não fique chateado quando não for a mesma coisa de antes, ta? Se as coisas.... bem, ficarem feias, não se surpreenda.”

 

“Vai dar certo, você vai ver.”

 

Eu o deixei me guiar pelos corredores, me levando pela mão. Eu me abracei quando chegamos na grande caverna; eu não fazia idéia de como as pessoas reagiriam a mim hoje. Quem sabe o que havia sido dito ontem enquanto eu dormia? Mas o jardim estava vazio apesar do sol brilhar, refletido nos milhares de espelhos, me cegando momentaneamente.

 

Jamie não estava interessado na caverna vazia, Seus olhos estavam em meu rosto, ele puxou um grande volume de ar quando a luz tocou o meu rosto.

 

“Oh, você está bem? Isso dói muito?”

 

Eu toquei meu rosto levemente, A pele parecia grossa – terra grudada no sangue. Latejava onde os meus dedos tocavam.

 

“Não muito.” Eu murmurei, a caverna vazia me fazia sentir estranha- eu não queria falar muito alto. “Onde está todo mundo?”

 

Jamie deu de ombros, seus olhos ainda apertados olhando meu rosto. “Ocupados, eu acho.” Ele não baixou a voz. Isso me lembrou da noite passada, do segredo que ele não me contaria. Minhas sobrancelhas se uniram.

 

O que você acha que ele não está nos dizendo?

 

Eu sei o que você sabe Wanda.

 

Você é humana. Você não devia ter intuição ou algo assim?

 

Intuição? Minha intuição me diz que nós não conhecemos esse lugar tão bem quanto achávamos, Melanie disse.

 

Foi um alivio ouvir vozes normais vindo da cozinha. Eu não queria ver ninguém – exceto a vontade doentia de ver Jared, claro – mas os túneis vazios combinado com o conhecimento de algo estava sendo escondido de mim, me deixava nervosa.

 

A cozinha não estava nem metade cheia – o que era estranho para essa hora do dia. Mas eu mal notei isso por que o cheio se sobrepunha a qualquer pensamento.

 

“Oooooh” Jamie gemeu “Ovos!”

 

Jamie me puxava mais rápido agora, e eu não relutei em manter a velocidade dele. Nós nos apressamos, estômagos roncando, até o balcão onde Lucina estava com uma bandeja de plástico nas mãos.

 

O café da manhã normalmente era “sirva-se você mesmo” , mas café da manhã normalmente era pão.

 

Quando ela falou foi olhando somente para o garoto “Eles estavam mais gostosos uma hora atrás.”

 

“Eles vão estar gostosos agora também.” Jamie discordou entusiasmado “Todos já comeram?”

 

“Já. Eu acho que eles levaram uma bandeja para Doc e os outros....” Lucina não completou, e seus olhos passaram por mim pela primeira vez, os olhos de Jamie fizeram a mesma coisa,. Eu não entendi a expressão no rosto de Lucina – desapareceu muito rapidamente, sendo substituída por algo diferente quando ela notou as marcas no meu rosto.

 

“Sobrou muito?” A vontade de Jamie parecia um pouco forçada agora.

 

Lucina virou e se abaixou, retirando uma panela de metal do fogão quente na parte baixa do forno. “O quanto você quer Jamie? Tem bastante.” Ela disse sem se virar.

 

“Finja que eu sou o Kyle,” ele disse rindo.

 

“Uma porção tamanho Kyle então.” Lucina disse, mas quando ela sorriu, seus olhos estava infelizes.

 

Ela encheu uma das vasilhas de sopa até a boca com os ovos mexidos e ligeiramente borrachudos, se ergueu e passou para Jamie.

 

Ela me olhou novamente, e ESSE olhar eu entendi.

 

“Vamos sentar ali Jamie,” eu disse o afastando do balcão.

 

Ele me olhou surpreso “Você não vai querer?”

 

“Não, Eu estou –“ eu ia dizer ‘bem’, mas o meu estomago roncou desobedientemente.

 

“Wanda?” ele olhou para mim e depois para Lucina, que estava com os braços cruzados.

 

“Eu vou comer pão.” Eu murmurei, tentando o afastar.

 

“Não. Lucina, qual o problema? “ ele olhou para ela, ela não se moveu. “Se você já acabou, eu assumo.” Ele sugeriu, seus olhos se apertando e sua boca assumindo um ar teimoso.

 

Lucina deu de ombros e colocou a colher no balcão. Ela foi embora lentamente sem olhar para mim de novo.

 

“Jamie” eu disse com urgência e baixo “Essa comida não é para mim. Jared e os outros não arriscaram suas vidas para que eu tivesse ovos no café da manhã. Pão está ótimo.”

 

“Não seja estúpida Wanda. Você mora aqui agora, assim como nós. Ninguém se importa que você lave as roupas deles ou asse o pão. Além disso, esses ovos não vão durar muito, se você não comê-los agora eles serão jogados fora.”

 

Eu senti todos os olhares queimando na minha nuca.

 

“Alguns podem preferir isso.” Eu disse ainda mais baixo. Ninguém além de Jamie poderia ouvir.

 

“Esquece isso.” Jamie rosnou. Ele pulou sobre o balcão e encheu outra vasilha com ovos e ergueu para mim. “Você vai comer tudinho.” Ele me disse resolvido.

 

Eu olhei para a vasilha. Minha boca encheu de água. Eu afastei a vasilha alguns centímetros de mim e cruzei os braços.

 

Jamie franziu a testa, “Ótimo” ele disse, e afastou sua vasilha “Você não come. Eu não como.” Seu estômago roncou alto. Ele cruzou os braços.

 

Nós nos encaramos por dois longos minutos, ambos os estômagos roncando enquanto sentíamos o cheiro dos ovos. De vez em quando seus olhos espiavam a comida pelo canto dos olhos. Foi isso que me venceu – o olhar desejoso dele.

 

“Tá bom.” Eu bufei. Eu deslizei a vasilha de volta para ele e peguei a minha. Eles esperou até que eu desse primeira colherada primeiro. Eu segurei o gemido quando registrei o sabor com a língua. Eu sabia que os ovos frios e emborrachados não eram a melhor coisa que eu já havia comido, mas era assim que parecia. Esse corpo vivia para o presente.

 

 

Jamie teve uma reação similar. E então começou a comer tão rápido que não parecia que ele estava respirando. Eu o observava para garantir que ele não engasgasse.

 

Eu comi mais lentamente, esperando que pudesse convencê-lo a comer do meu quando ele terminasse. Foi aí que eu finalmente percebi a atmosfera da cozinha.

 

Era de se esperar que com a excitação dos ovos após meses de monotonia um certo clima de celebração. Mas o ar estava sombrio, as conversas murmuradas. Seis uma reação a cena da noite passada?

 

As pessoas estavam olhando para mim, algumas aqui e ali, mas eles não eram os únicos a conversar nesse murmúrio sério, e os outros não prestavam a mínima atenção a mim. Além disso, ninguém aprecia com raiva ou culpado ou tenso ou nenhuma das emoções que eu esperava.

 

Não, eles estavam tristes. Desesperança era o que se via em cada rosto.

 

Sharon foi a última pessoa que eu notei, comendo em um canto distante, na dela, como sempre.

 

Ela comia tão composta e mecanicamente que a principio eu não notei as lágrimas escorrendo por seu rosto. Elas caiam na comida e ela comia sem notar.

 

“Tem algo errado com o Doc?” eu sussurrei para Jamie, com medo. Eu andava tão paranóica – e se isso não tivesse nada a ver comigo? A tristeza no cômodo parecia parte de algum drama humano do qual eu não fazia parte. Era isso que estava mantendo todo mundo ocupado? Aconteceu algum acidente?

 

Jamie olhou para Sharon e suspirou antes de responder, “Não, Doc está bem?”

 

“Tia Maggie? Ela se machucou?”

 

Ele negou com a cabeça.

 

“Onde está Walter?”eu perguntei, ainda falando baixo. Eu me sentia ansiosa coma idéia de alguém aqui estar machucado, mesmo alguém que me odiasse.

 

“Eu não sei, ele está bem com certeza.”

 

Eu percebi que agora Jamie estava tão triste como todo mundo.

 

“O que é Jamie? Por que você está triste?”

 

Jamie olhou para seus ovos, comendo-os lentamente e deliberadamente agora, e não me respondeu. Ele terminou em silencio. Eu tentei passar o que tinha na minha vasilha para ele, mas ele olhou com tal expressão que eu comi o resto sem mais resistência.

 

Nós colocamos nossas vasilhas no grande saco plástico para vasilhas sujas. Estava cheio, então eu recolhi o saco do balcão. Eu não sabia o que estava acontecendo nas cavernas hoje,, mas lavar a louça devia ser uma atividade segura.

 

Jamie me acompanhou, seus olhos alertas. Eu não gostava disso. Eu não permitiria que ele agisse como guarda costas se a necessidade surgisse. Mas aí o meu guarda costas regular apareceu quando nós estávamos chegando ao grande campo e eu não precisei me preocupar mais.

 

Ian estava imundo; poeira marrom o cobria dos pés a cabeça, nos pontos em havia suor a poeira estava negra. As manchas, no entanto, não disfarçavam a exaustão. E eu não me surpreendi ao ver que ele estava tão para baixo quanto qualquer um dos outros. Mas a poeira me deixou curiosa. Não era a roxa das cavernas, Ian esteve lá fora essa amanhã.

 

“Aí estão vocês.” Ele disse ao nos ver. Ele andava com pressa, suas longas pernas cortando a distância facilmente. Quando nos alcançou ele não diminuiu o passo, mas me pegou pelo cotovelo e me apressou para frente. “Vamos nos enfiar aqui por um minuto.”

 

Ele me empurrou para o túnel apertado que levava ao campo leste, mas não fundo no túnel, só para ficarmos na escuridão onde estávamos invisíveis. Eu senti a mão de Jamie pousada levemente no meu outro braço.

 

Após meio minuto, vozes profundas ecoaram pela caverna grande. Não irritadas – sombrias, deprimidas como todos os rostos que eu vi essa manhã. As vozes passaram por nós, bem perto da entrada onde estávamos e a mão de Ian ficou tensa em meu cotovelo. Eu reconheci a voz de Jared e Kyle. Melanie lutava contra meu controle, e meu controle ia embora. Nós duas queríamos ver o rosto de Jared. Ainda bem que Ian nos segurava.

 

“... não por que nós o deixamos continuar fazendo isso. Acabou, pronto.” Jared ia dizendo.

 

“Ele realmente achou que tinha conseguido dessa vez, ele estava tão certo... ah bem, isso vai valer a pena se algum dia ele descobrir.” Kyle discordou.

 

“SE.” Jared disse. “Que bom que nós encontramos aquele conhaque. Doc vai secar a garrafa até o final da noite no ritmo que está ido.”

 

“Ele vai desmaiar logo logo” Kyle disse, sua voz começando a sumir na distancia. “Eu gostaria que Sharon....” e então eu não pude ouvir mais nada.

 

Ian esperou até que as vozes haviam sumido completamente, e então mais alguns minutos antes de finalmente soltar o meu braço.

 

“Jared prometeu,” Jamie murmurou para ele.

 

“É, mas Kyle não.” Ian respondeu.

 

Eles caminharam de volta para a luz. Eu segui lentamente atrás deles, não muito certa do que estava sentindo.

 

Ian notou pela primeira vez o que eu carregava. “Nada de louças agora.” Ele me disse “Vamos dá-los a chance de se limpar e sair de vista.”

 

Eu pensei em perguntar por que ele estava tão sujo, mas provavelmente, como Jamie, ele se recusaria a responder. Eu me virei para olhar o túnel que levava aos rios, especulando.

 

Ian fez um som raivoso.

 

Eu olhei para ele, assustada, e então entendi o que o havia irritado- só agora que ele viu meu rosto.

 

Ele ergueu uma mão como que para erguer meu queixo, mas eu me afastei.

 

‘“Isso me deixa doente” ele disse com uma voz que parecia mesmo nauseada. “E pior, se eu não tivesse ficado para trás eu podia ter feito isso.”

 

Eu balancei a cabeça. “Não é nada Ian.”

 

“Eu não concordo com isso.” Ele murmurou, e então falou com Jamie. “Você nãomdevia estar na escola? É melhor que as coisas voltem ao normal o mais rápido possível.”

 

Jamie rosnou “Sharon vai estar um pesadelo hoje.”

 

Ian sorriu “Sacrifique-se pelo grupo garoto. Eu não te invejo.”

 

Jamie suspirou “Fique de olho na Wanda.”

 

‘“Pode deixar.”

 

Jamie foi se virando para nos olhar até desaparecer por outro túnel.

 

“Aqui, me dá isso.” Ian disse, puxando o saco de louças de mim antes que eu pudesse responder.

 

“Elas não estão pesadas.” Eu disse para ele.

 

Ele sorriu de novo. “Eu me sinto idiota aqui com as mãos vazias enquanto você carrega isso. Renda-se ao cavalheirismo. Vamos – vamos relaxar em algum lugar for a do caminho até a barra estar limpa.”

 

Suas palavras me perturbaram. O que o cavalheirismo tinha a ver comigo? Ele caminhou até a caverna com o campo de milho, e então até O campo de milho por entre as fileiras. Eu o segui até ele parar, em algum lugar no meio do campo, colocar o saco no chão e sentar na terra.

 

“É, isso é mesmo fora do caminho.” Eu disse enquanto sentada no chão ao lado dele, cruzando as pernas. “Mas nós não devíamos estar trabalhando?”

 

“Você trabalha demais Wanda. Você é a única que nunca tira uma folga.”

 

“Assim eu tenho o que fazer.”

 

“Todo mundo está tirando o dia de folga hoje, então você também devia.”

 

Eu olhei para ele com curiosidade. As luzes dos espelhos lançavam sombras cruzadas ao passarem pelas espigas. Sobre as linhas tipo zebra e sobre a poeira, seu rosto muito branco estava cansado.

 

“Você parece como alguém que trabalhou.”

 

Seus olhos se estreitaram “Mas, eu estou descansando agora.”

 

“Jamie não me diz o que está acontecendo.”

 

“Não, e nem eu irei.” Ele suspirou, “Não é nada que você queria saber.”

 

Eu olhava para o chão, para a terra roxa e marrom, e meu estomago rolava e torcia. Eu não podia imaginar nada pior do que não saber, mas talvez eu tivesse pouca imaginação.

 

“Não é muito justo” Ian disse após um momento de silencio. “ já que eu não respondi sua pergunta, mas tudo bem se eu fizer uma?”

 

Fiquei feliz com a distração. “Vá em frente.”

 

Ele não falou imediatamente, então eu olhei-o para ver o motivo da hesitação. Ee estava olhando para baixo, para a poeira nas costas de suas mãos.

 

“Eu sei que você não é mentirosa. Eu sei disso agora. Eu acreditarei em você, independente da resposta.”

 

Eu esperei novamente, enquanto ele olhava a sujeira em sua pele.

 

“Eu não engoli a história de Jeb antes, mas ele e Doc estão bem convencidos... Wanda?” ele perguntou olhando para mim “Ela ainda está aí com você? A garota cujo corpo você usa?”

 

Isso não era o meu segredo mais – Jamie e Jeb sabiam da verdade. Nem era o segredo que realmente importava. De qualquer forma eu confiava que Ian não iria falar sobre isso para ninguém que poderia me matar. “Sim.” Eu o disse. “Melanie ainda está aqui.”

 

Ele assentiu. “Como é isso? Para ela? Para você?”

 

“é... frustrante, para nós duas. No inicio eu daria tudo para ela desaparecer como ela devia. Mas agora.... eu me acostumei com ela,” eu sorri sem graça “As vezes é bom ter companhia. É mais difícil para ela. Ela é como uma prisioneira de muitas formas. Presa em minha cabeça. Mas ela prefere o cativeiro do que desaparecer.”

 

“Eu não sabia que havia essa escolha.”

 

“E não havia no inicio. Até que os humanos descobriram o que estava acontecendo não havia resistência. Essa é a chave, parece. Saber o que vai acontecer. Os humanos que foram pegos de surpresa não lutaram.”

 

“Então se eu fosse pego…”

 

Eu avaliei sua expressão severa – o fogo em seus olhos brilhantes.

 

“Eu duvido que você desaparecesse. As coisas mudaram no entanto. Quando eles pegar um humano adulto ela não os oferece como hospedeiros agora. Muitos problemas.” Eu dei um meio sorriso “Problemas como eu. Ficando mole, simpatizando com o hospedeiro, me perdendo...”

 

Ele pensou nisso por um longo tempo, às vezes olhando para o meu rosto, as vezes para as espigas e as vezes para nada em particular.

 

“O que eles fariam comigo então se eles me pegassem agora?” ele finalmente perguntou.

 

“Eles ainda fariam a inserção eu acho. Para tentar pegar informações. Provavelmente colocariam um Rastreador dentro de você.”

 

Ele estremeceu.

 

“Mas não te manteriam como hospedeiro. Encontrando a informação ou não você seria... descartado.” A palavra era difícil de dizer, a idéia me enjoava. Estranho – geralmente eram as coisas humanas que me enojavam. Mas eu nunca olhei para essa situação do ponto de vista do corpo antes, nenhum outro planeta me forçou a isso. Um corpo que não funcionava bem era rapidamente e de forma indolor descartado como um carro que não andava. Qual o propósito de mantê-lo? Havia estados mentais que também deixavam o corpo inutilizável: vícios mentais perigosos, ânsias malevolentes, coisas que não podiam ser curadas e faziam do corpo perigoso. Ou, é claro, uma mente com uma vontade muito forte para ser controlado. Uma anomalia nesse planeta.

 

Eu nunca havia visto o horror de se tratar um espírito forte como um defeito tão claramente como agora, olhando nos olhos de Ian.

 

“E se eles pegarem você?” ele perguntou.

 

“Se eles perceberem quem eu sou... se alguém ainda estiver procurando por mim...” eu pensei na minha Rastreadora e estremeci como ele havia feito. “Eles me tirariam daqui e me colocariam em outro corpo. Alguém jovem, maleável. Eles esperariam com isso que eu pudesse ser eu mesma novamente. Talvez me mandassem para outro planeta – me afastar das más influencias.”

 

“Você seria você mesma novamente?”

 

Eu o olhei nos olhos “Eu sou eu mesma. Eu não me perdi para Melanie. Eu me sentiria exatamente como me sinto agora, mesmo como Flor ou Urso.”

 

“Eles não te descartariam?”

 

“Não a uma alma. Nós não temos pena de morte, ou nenhum tipo de pena. Seja lá o que eles fizessem seria para me salvar. Eu costumava pensar que eles realmente não precisavam de punição, mas agora eu tenho a mim mesma como prova contra essa teoria. Eles provavelmente estariam certos em de descartar. Eu sou uma traidora, certo?”

 

Ian pressionou os lábios. “Eu diria mais uma expatriada. Você não está contra eles, você só deixou a sociedade deles.”

 

Nós ficamos quietos novamente. Eu queria acreditar no que eles dizia. Eu considerei a palavra expatriada... tentando me convencer que eu não era nada pior.

 

Ian exalou alto. “Quando Doc estiver sóbrio, ele vai dar uma olhada no seu rosto.” Ele alcançou o meu rosto e pôs a mão sobre meu queixo, dessa vez eu não me afastei. Ele virou minha cabeça de lado para poder examinar o ferimento.

 

“Não é sério. Eu tenho certeza que parece pior do que é.”

 

“Tomara – por que parece horrível.” Ele suspirou e espreguiçou. “Acho que nos escondemos por tempo suficiente para Kyle se limpar e estar inconsciente agora. Quer ajuda com a louça? ’

 

Ian não me deixou lavar a louça no riacho como eu sempre fazia, ele insistiu para irmos até o fundo da sala de banho escura, onde eu ficaria invisível.

 

Eu lavava a louça na parte rasa na piscina escura enquanto ele limava a imundície deixada pelo trabalho misterioso. Então ele me ajudou com as últimas vasilhas. Quando terminamos, ele me escoltou de volta até a cozinha, que estava começando a se encher com a multidão para o almoço.

 

Mais perecíveis estavam no cardápio: fatias macias de pão brando, pedaços de queijo cheddar, círculos de Bologna rosado. As pessoas se alimentavam com abandono. Apesar de o clima deprimido persistir na forma como os ombros estavam baixos, a falta de sorrisos.

 

Jamie esperava por mim no nosso canto de sempre. Dois sanduíches duplos na frente dele, mas ele não estava comendo. Seus braços estavam cruzados no peito enquanto ele esperava por mim. Ian observou sua expressão com curiosidade mas foi buscar sua própria comida sem fazer perguntas.

 

Eu rolei os olhos para a teimosia de Jamie e dei uma mordida. Jamie começou a comer também no momento em que eu dei a primeira mordida. Ian voltou rápido, e nós comemos em silêncios. A comida estava tão boa que era difícil imaginar um assunto para conversa – ou qualquer coisa que ocupasse a boca.

 

Eu parei no segundo, mas Jamie e Ian comeram até estarem gemendo de dor. Ian parecia prestes a ter um colapso. Seus olhos lutavam para ficar fechados.

 

“Volta para a escola garoto.” Ian disse para Jamie.

 

Jamie o avaliou “Talvez eu devesse assumir...”

 

“Vai para a escola.” Eu disse a ele. Eu queria que Jamie ficasse longe de mim hoje.

 

“Nos veremos mais tarde, okay? Não se preocupe sobre… bem, com nada.”

 

“Claro.” Uma mentira de uma palavra não devia ser tão obvio. Ou talvez eu só estivesse sendo sarcástica novamente.

 

Assim que Jamie se foi, eu me virei para o sonolento Ian. “Descanse. Eu ficarei bem – eu vou para algum lugar bem escondido. No meio do campo de milho ou algo assim.”

 

“Onde você dormiu noite passada?” ele perguntou, seus olhos surpreendentemente afiados sobre suas pálpebras meio abertas.

 

“Por quê?”

 

“Eu posso dormir lá agora, e você pode ficar escondida do meu lado.”

 

Nós estávamos murmurando, quase suspirando. Ninguém prestava atenção.

 

“Você não pode me vigiar todo segundo.”

 

“Quer apostar?”

 

Eu dei de ombros, desistindo “Eu estava... eu voltei para o buraco. Onde eu fiquei no inicio.”

 

Ian franziu a testa, ele não gostou. Mas ele levantou e liderou o caminho até o corredor armazém.

 

A praça principal estava ocupada a gora, várias pessoas se movendo pelo jardim, todas muito sérias encarando o chão. Quando nós estávamos sozinhos no corredor escuro, eu tentei discutir com ele.

 

“Ian, qual o propósito disse? Não irá magoar Jamie ainda mais se eu continuar viva? No final das contas será melhor para ele se...”

 

“Não pense assim Wanda. Nós não somos animais. Sua morte na é inevitável.”

 

“Eu não acho que você seja um animal.” Eu disse baixo.

 

“Obrigado. Eu não disse isso como uma acusação, mas. .. Eu não te culparia se pensasse.”

 

Esse foi o fim da nossa conversa, foi aí que nós dois vimos a difusa luz azul vindo por trás da próxima curva.

 

“Shhh, espere aqui.” Ian suspirou.

 

Ele pressionou meu ombro levemente. Então foi em frente, sem tentar esconder os passos.

 

“Jared?” eu o ouvi dizer fingindo surpresa.

 

Meu coração pesou no peito, a sensação era mais de dor do que de medo.

 

“Eu sei que a coisa está com você.” Jared respondeu. Ele levantou a voz de modo que qualquer pessoa entre aqui e a praça principal poderia ouvir. “Apareça, de onde quer que você esteja.” Ele chamou, sua voz rouca e cheia de zombaria.

 

                                   Traída

 

Talvez eu devesse ter corrido. Mas ninguém estava me segurando agora, e mesmo que a voz dele estivesse ria e nada agradável era a mim que ele chamava. Melanie estava ainda mais ansiosa do que eu enquanto eu me encaminhava em direção a luz azul. Eu hesitei ao virar a curva.

 

Ian estava a alguns passos de mim, posicionado de forma a reagir contra qualquer tipo de movimento hostil de Jared.

 

Jared estava sentado no chão, em um dos colchonetes que Jamie e eu havíamos deixado ali. Ele parecia ainda mais cauteloso do que Ian, mas só pelos olhos, sua postura era mais relaxada,

 

“Relaxa” Jared disse para Ian. “Eu só quero conversar. Eu prometi ao garoto, e eu vou manter a palavra.”

 

“Onde está Kyle?”

 

“Roncando. Sua caverna pode desabar devido às vibrações.”

 

Ian não se moveu.

 

“Eu não estou mentindo Ian. E eu não vou matar a coisa. Jeb está certo, Não importa o quanto bagunçada essa situação seja, Jamie tem tanto direito quanto eu, e ele foi totalmente iludido, então eu duvido que ele vai me dar o sinal verde.”

 

“Ninguém foi iludido.” Ian rosnou.

 

Jared abanou com a mão afastando a discussão. “Não corre nenhum perigo comigo, esse é o meu ponto.” Pela primeira vez ele olhou para mim, avaliando como eu me imprensava contra a parede, vendo minhas mãos tremerem. “Eu não vou te machucar novamente.” Ele disse para mim.

 

Eu dei um pequeno passo em frente.

 

“Você não tem que falar com ele se não quiser Wanda.” Ian disse. “Isso não é uma obrigação ou uma tarefa. Não é obrigação sua, você pode escolher.’

 

Jared ergueu a sobrancelha – as palavras de Ian o confundiram.

 

“Não, eu falarei com ele.” Eu dei mais um curto passo, Jared virou a palma da mão para cima e moveu os dedos, me encorajando a aproximar.

 

Eu caminhava lentamente, cada passo um movimento individual seguido por uma pausa. Eu parei a meio metro dele. Ian me seguia como uma sombra, firme ao meu lado.

 

“Eu gostaria de falar com a coisa sozinho, se você não se importar.” Jared disse.

 

“Eu me importo.”

 

Eu pus minha mão levemente em seu braço. “Não, Ian, tudo bem. Vá dormir um pouco. Eu ficarei bem.”

 

Ian examinou meu rosto, com duvida no olhar. “Isso não é nenhum desejo de morte é? Poupando o garoto?” ele perguntou.

 

“Não, Jared não mentiria para Jamie sobre isso.”

 

Jared me olhou furtivamente quando eu disse seu nome com confiança.

 

“Por favor, Ian. Eu quero falar com ele.”

 

Ian me olhou por um longo minuto, e então olhou muito sério para Jared. Ele pronunciou cada palavra como uma ordem.

 

“O nome dela é Wanda, não coisa. Você não a tocará. Qualquer marca que você deixar nela eu farei o dobro em você.” Eu tremi ao ouvir a ameaça.

 

Ian se voltou abruptamente e saiu pelo corredor escuro.

 

Fez-se silencio por um momento e nós dois observávamos o lugar vazio por onde ele desapareceu. Eu olhei para o rosto de Jared primeiro enquanto ele ainda olhava para o corredor. Quando ele se virou e encontrou o meu olhar, eu olhei para o chão.

 

“Wow. Ele não está brincando mesmo, né?”

 

Eu a levei como uma pergunta retórica.

 

“Por quê você não se senta?” ele me disse, batendo no colchonete.

 

Eu deliberei por um momento, então fui sentar na mesma parede que ele mas perto do buraco na parede, colocando todo o espaço do colchão entre nós. Melanie não gostou, ela queria sentar perto dele, para que eu pudesse sentir o cheiro e o calor dele. EU não queria isso – e não por que eu estivesse com medo dele me machucar, ele não parecia irritado no momento. Eu simplesmente não queria ficar próximo a ele. Alguma coisa em meu peito doía aos tê-lo tão perto – tê-lo me odiando tão perto.

 

Ele me observava, sua cabeça inclinada para o lado, eu só pude cruzar o olhar com o dele por segundos e então tive que olhar para o outro lado.

 

“Desculpe pela noite passada – pelo seu rosto. Eu não devia ter feito isso.”

 

Eu encarava minhas mãos cruzadas no colo.

 

“Você não precisa ter medo de mim.”

 

Eu assenti, sem olhar para ele.

 

Ele resmungou. “Eu achei que você havia dito que falaria comigo.”

 

Eu dei de ombros. Eu não conseguia encontrar minha voz com o peso do antagonismo entre nós.

 

Eu o ouvi se mover. Ele engatinhou no colchão ate estar do meu lado – do jeito que Melanie queria. Muito perto – era difícil pensar direito, respirar normal – mas eu não conseguia me afastar. Estranhamente, pois era isso que ela queria – Melanie ficou irritada de repente.

 

O que? Eu perguntei, estranhando a intensidade da emoção dela.

 

Eu não gosto dele perto de você. Não está certo. Eu não gosto do jeito que você quer ele perto.

 

Pela primeira vez desde que abandonamos o deserto juntas eu sentia ondas de hostilidade vindo dela para mim. Eu fiquei chocada. Isso não era muito justo.

 

“Eu só tenho uma pergunta.” Jared disse, nos interrompendo.

 

Eu olhei para ele e então me encolhi – tanto devido a dureza em seu olhar como do ressentimento da Melanie.

 

“Você por provavelmente adivinhar o que é. Jeb e Jamie passaram a noite inteira tagarelando comigo...”

 

Eu esperei pela pergunta, encarando o saco de arroz, meu travesseiro da noite passada. Em minha visão periférica eu vi sua mão se ergue, e me espremi contra a parede.

 

“Eu não vou te machucar,” ele disse de novo, impaciente, e pôs a mão grossa em meu queixo, virando o meu rosto para ele.

 

Meu coração se acelerou quando ele me tocou, e havia muito umidade nos meus olhos. Eu pisquei tentando limpa-los.

 

“Wanda” ele disse meu nome lentamente – sem disposição, dava para notar pelo tom de voz. “Melanie ainda está viva aí – ainda é parte de você? Diga-me a verdade.”

 

Melanie atacou com a força bruta de uma bola de demolição. Era fisicamente doloroso, como uma dor de cabeça que se alastrava pelo corpo, exatamente nos pontos onde ela forçava.

 

Pare com isso! Você não consegue entender?

 

Era tão obvio na linha de seus lábios, nas linhas em volta de seus olhos. Não importava o que nós disséssemos.

 

Ele já me considera uma mentirosa. Eu disse para ela. Ele não quer a verdade – ele só que evidencia, algo para provar para Jamie e Jeb que sou mentirosa, um Rastreadora, para que ele tenha permissão para me matar.

 

Melanie se recusava a responder e a acreditar em mim, foi uma batalha mantê-la quieta.

 

Jared observava o suor brotando na minha testa, o estranho tremor que correu por minha espinha, e seus olhos se apertaram. Ele segurou firme no meu queixo, não me deixando esconder o rosto.

 

Jared, eu te amo, ela tentou gritar. Eu estou aqui.

 

Meus lábios não se moveram, mas eu me surpreendi por ele não conseguir ler as palavras facilmente nos meus olhos.

 

O tempo passava lentamente enquanto ele esperava por minha resposta. Era agonizante ter que encarar seus olhos, ter que ver o desgosto ali. Como se isso não fosse o bastante a raiva de Melanie continuava a me cortar por dentro. Seu ciúme corria amargamente por meu corpo deixando-o poluído.

 

 

Mia tempo se passou e as lágrimas se acumularam de forma que eu não pude mais conte-las. Elas escorreram pelas minhas bochechas até a mão de Jared. Sua expressão não mudou. Finalmente, eu não agüentei mais. Fechei os olhos e forcei a cabeça para baixo. Ao invés de me machucar, ele soltou meu queixo.

 

Ele suspirou, frustrado.

 

Eu esperava que ele fosse embora. Eu encarava minhas mãos novamente, esperando por isso. Meu coração marcava os minutos. Ele não se moveu. Eu não me movi. Ele parecia gravado em rocha ao meu lado. Combinava com ele, essa imobilidade de pedra, combinava com a expressão rígida e a crueza de seus olhos.

 

Melanie refletiu sobre esse Jared, comparando-o com o homem que ele costumava a ser. Ela se lembrou de um doas dias de esconderijo, um dia normal...

 

“Arrr!” Jared e Jamie gemeram juntos.

 

Jared se joga no sofá de couro e Jamie se esparrama no carpete. Eles estão assistindo um jogo de basquete na televisão de tela grande. Os parasitas que viviam nessa casa estavam no trabalho e nós já havíamos enchido o jipe com tudo que podíamos carregar. Tínhamos horas para relaxar até que precisássemos desaparecer novamente.

 

Na TV, dois jogadores estão em discutindo educadamente na linha lateral. O câmera está perto; nós podemos ouvir o que eles dizem.

 

“Eu acredito que eu fui o último a tocar na bola – ela é sua.”

 

“Eu não tenho tanta certeza. Eu não gostaria de ter nenhum vantagem injusta. É melhor esperarmos o tira teima.”

 

Os jogadores apertaram mãos, se cumprimentando com tapinhas nos ombros.

 

“Isso é ridículo.” Jared resmunga.

 

“Não suporto isso.” Jamie concorda, espelhando o tom de Jared perfeitamente, ele soa mais parecido com Jared a cada dia – uma das muitas formas que sua adoração à seu herói havia tomado. “Não tem mais nada passando?”

 

Jared passa pelos canais até encontrar um campo com pistas de corridas. Os parasitas estavam tendo as Olimpíadas no Haiti. Pelo que pudemos ver, os aliens estavam todos excitados com isso. Muitos deles tinham bandeiras olímpicas em casa. Mas não é a mesma coisa. Todo mundo que participa ganha uma medalha. Patético.

 

Mas não tem como arruinar uma corrida de cem metros. Esportes individuais são melhores do que quando eles tentam competir um contra o outro diretamente. Eles agiam melhor estando separados.

 

“Mel, vem relaxar.”Jared chama.

 

Eu estou parada na porta de trás por habito, não me preparando para fugir. Não por medo. Só hábito, nada mais.

 

Eu vou at6é Jared. Ele me puxa para o seu colo e acomoda minha cabeça sobre o seu queixo.

 

“Confortável?” ele pergunta.

 

“Sim.” Eu respondo, por que estou realmente, completamente confortável, aqui, na casa de um parasita.

 

Papai costumava dizer muitas coisas engraçadas – como se estivesse falando uma língua própria: Vinte e três Skeedoo, dia salada, estacionado intrometido, caixa-banda fresca, assento gato-pássaro, chaleira chocolate e algo sobre a vovó chupando ovos. (*nota da tradutora*Não se preocupe se não entendeu, eu Tb não entendi) Um dos meus favoritos era; seguro como casas.

 

Me ensinado a andar de bicicleta, minha mão preocupada :”Calma Linda, essa rua é segura como casas.” Convencendo Jamie a dormir se a luz acesa “É seguro como casas aqui filho, nenhum monstro por quilômetros.”

 

Então de repente o mundo se transformou em um pesadelo hediondo, e a frase virou uma piada de humor negro para Jamie e mim. Casas eram o lugar mais perigoso que conhecíamos.

 

Escondidos na moita, observando um carro sair da garagem. “Você acha que os parasitas vão demorar fora?” “De jeito nenhum – esse lugar é seguro como uma casa. Vamos dar o fora.”

 

E agora, eu posso sentar aqui e assistir televisão como há cinco anos atrás e Mamãe e papai estivessem no outro cômodo e eu nunca tivesse que fugir e me esconder com Jamie e um monte de ratos enquanto ladrões de corpos procuravam pelos ladrões que fugiram com um saco de pão e uma vasilha de espaguete frio.

 

Eu sabia que mesmo se nós tivéssemos sobrevivido por vinte anos sozinhos nós nunca encontraríamos esse sentimento sozinhos. O sentimento de segurança. Mas do que segurança até – felicidade. Segura e feliz – duas coisas que eu não imaginei que fosse sentir novamente.

 

Jared nos fazia sentir assim sem tentar, só por ser Jared.

 

Eu respirei o cheiro se sua pele e senti o calor do seu corpo.

 

Jared faz tudo parecer seguro, tudo feliz. Até mesmo casar.

 

Ele ainda me faz sentir segura, Melanie percebeu, sentindo o calor onde os nossos braços estavam separados por poucos centímetros, Mesmo que ele não saiba que eu estou aqui.

 

EU não me sentia segura. Amar Jared me fazia senti menos segura do que qualquer outra coisa que eu pudesse pensar. Eu me perguntava se Melanie e eu amaríamos Jared se ele sempre tivesse sido como ele era agora, e não o sorridente Jared de nossas memórias, o que havia ido a Melanie cheio de esperança e milagres. Teria ela o seguido se ele fosse assim duro e cínico? Se a perda do seu pai sorridente e de seus irmãos o tivessem deixado frio da forma que a perda de Melanie havia feito?

 

Claro. Mel estava segura. Eu teria amado Jared de qualquer forma. Mesmo assim, o lugar dele é comigo.

 

Eu me perguntei se isso também era verdade para mim. Eu o amaria se ele fosse assim nas memórias dela?

 

Então eu fui interrompida. Sem nenhum aviso, Jared começou a falar, como se estivéssemos no meio de uma conversa.

 

“Então, por causa de você, Jeb e Jamie estão convencidos que é possível ter algum tipo de consciência depois de ser pego. Ambos têm certeza que a Mel continua por aqui.”

 

Ele apontou com o punho para minha cabeça. Eu me encolhi, e ele deixou a mão cair.

 

“Jamie acha que ela fala com ele.” Ele rolou os olhos. “Não é muito justo brincar com o garoto desse jeito – mas claro isso considerando ética que obviamente não se aplica.”

 

Eu envolvi os braços em torno de mim mesmo.

 

“Jeb, no entanto, faz um certo sentido – e é isso que está me matando. O que você está procurando? A busca dos Rastreadores não foram direcionadas e nem mesmo suspeitas. Eles pareciam estar procurando só por você não por nós. Então talvez eles não soubessem o que você planejava. Talvez você seja autônoma? Alguma coisa disfarçada. Ou…”

 

Era mais fácil ignorá-lo quando eles especulava tão bobamente. Eu me concentrei no meu joelho. Eles estavam sujos, como sempre, preto e roxo.

 

“Talvez eles estejam certos – sobre a parte de não matar você pelo menos.”

 

Inesperadamente seus dedos passaram de leve sobre os pelos arrepiados que suas palavras haviam causado no meu braço.

 

Sua voz estava macia quando ele falou novamente “Ninguém vai te machucar. Desde que você não cause problemas...” Ele deu de ombros “Eu posso entender o ponto de vista deles, e talvez, de alguma forma doentia, fosse mesmo errado, como eles dizem. Não há justificativa... exceto que Jamie...”

 

Minha cabeça se ergueu – seus olhos estavam profundos, observando minha reação. Eu me arrependi ter mostrar interesse o voltei a olhar meu joelho.

 

“Me assusta ver como ele está ficando apegado. Eu não devia tê-lo deixado para trás, eu nunca imaginei... E eu não sei o que fazer sobre isso. Ele acha que Mel ainda está viva aí. Como ele vai se sentir quando...”

 

Eu percebi que ele disse ‘quando’ e não ‘se’. Não importava que promessas ele me fazia, ele não achava que eu iria durar muito.

 

“Estou surpreso por você ter ganho Jeb,” ele refletiu mudando de assunto. “Ele é um velho vivido, vê mentiras facilmente. Até agora.”

 

Ele pensou por um minuto.

 

“Você não é muito de conversa né?”

 

Houve outro longo silencio.

 

Suas palavras vieram uma um fluxo continuo agora, “A parte que fica me incomodando é e se eles estiverem certos? Como eu vou saber? Eu odeio como a lógica deles faz sentido para mim. Tem que haver outra explicação.”

 

Melanie lutou novamente para falar, não tão fortemente como antes, dessa vez sem esperança de conseguir vencer. Eu mantive meus lábios e meus braços parados.

 

Jared se moveu, desencostando da parede de modo que seu corpo estava virado em minha direção. Eu observei o movimento com o canto do olho.

 

“Por que você está aqui?” ele murmurou.

 

Eu espiei o seu rosto. Estava gentil, carinhoso, quase como Melanie se lembrava. Eu sento meu controle escapando, meus lábios tremiam. Manter meus braços no lugar tomava toda minha força. Eu queria tocar seu rosto. EU queria. Melanie não gostava nada disso.

 

Se você não me deixa falar, pelo menos mantenha suas mãos para você. Ela sibilou.

 

Eu estou tentando. Desculpe. Eu lamentava mesmo. Isso a estava magoando. Nós duas estávamos magoadas, magoas diferentes. Era difícil dizer quem estava pior no momento.

 

Jared me observava com curiosidade.

 

“Por quê?” ele perguntou suavemente. Sabe, Jeb tem essa idéia louca que você está aqui por cauda de Jamie e de mim. Não é maluquice?”

 

Minha boca se abriu um pouco; eu rapidamente mordi meu lábio inferior.

 

Jared se inclinou para frente lentamente e pegou meu rosto com suas mãos. Meus olhos se fecharam.

 

“Você não vai me dizer?”

 

Eu sacudi a cabeça, sem ter certeza de quem fez isso. Era eu dizendo não irei falar, ou Melanie dizendo não posso falar? Suas mãos se apertaram sobre minha mandíbula. Eu abri os olhos, e seu rosto estava a centímetros do meu. Meu coração flutuava, meu estomago caiu – eu tentei respirar, mas meus pulmões não obedeciam. Eu reconheci a intenção nos seus olhos; eu sabia como ele iria se mover, exatamente como era a sensação dos seus lábios. Mas ainda assim para mim isso era novo, um novo chocante.

 

E sua boca pressionou a minha.

 

Eu acho que a intenção era só tocar os lábios nos meus, de leve, mas as coisas mudaram quando nossas peles se encontraram. Sua boca ficou dura e rude, sua mãos firmaram meu rosto enquanto sua boca se movia contra a minha com movimentos urgentes. Era tão diferente de lembrar, tão mais forte. Minha cabeça girava incoerente.

 

O corpo se rebelou. Eu não mais o controlava – estava me controlando. Não era Melanie - o corpo era mais forte do que nós duas. Nossas respirações ecoavam alto: a minha selvagem e sem ritmo, a dele forte, quase um rosnado.

 

Meus braços se libertaram do meu controle. Minha mão esquerda alcançou o seu rosto, seu cabelo.

 

Minha mão direita foi mais rápida. Não era minha.

 

O punho de Melanie acertou a mandíbula dele, afastando o rosto dele do meu com um som seco de carne contra carne.

 

A força do soco não foi forte o bastante para afastá-lo muito, mas ele se afastou de mim no instante que nossos lábios não estavam mais unidos, avaliando com choque a minha expressão chocada.

 

Eu olhei para o punho ainda fechado, com tanta repulsa como se eu tivesse encontrado um escorpião crescendo no meu braço. Um soluço de repulsa saiu da minha garganta. Eu agarrei o punho direito com a mão esquerda, tentando impedir Melanie de usar meu corpo para violência novamente.

 

Eu olhei para Jared. Ele estava olhando para o punho que eu segurava também, o choque indo embora, surpresa tomando seu lugar. Naquele instante sua expressão estava totalmente aberta. Eu podia facilmente ler seus pensamentos que eram claros em seu rosto.

 

Não era isso que ele estava esperando. Ele tinha sim expectativas, isso era obvio de se ver. Isso havia sido um teste. Eu teste que ele achou que estava pronto para avaliar. Um teste que os resultados ele havia antecipado com confiança. Mas ele se surpreendeu.

 

Isso significava que falhou ou um sucesso?

 

A dor no meu peito não foi uma surpresa. Eu já sabia que um coração partido era mais que uma expressão.

 

Em uma situação de ‘lute ou fuja’, eu nunca tive escolha, sempre será fugir para mim. Como Jared estava entre mim e o corredor, eu me ajoelhei e me lancei para dentro do buraco cheio de caixas.

 

As caixas se amassaram e rasgavam conforme eu as pressionava contra a parede, e o chão. Eu abri espaço pelo espaço impossível, passando por cima das caixas mais pesadas e amassando as outras. Eu senti seus dedos arranharem meu pé quando ele tentou agarrar meu tornozelo, e eu chutei uma das caixas mais pesada entre nós. Ele gemeu, e o desespero era como uma mão apertando meu pescoço, eu tive a intenção de machucá-lo de novo. Não era minha intenção atacar. Eu só queria fugir.

 

Eu não ouvi meu próprio choro, mesmo alto como estava, até que eu não pude ir mais fundo e o som das caixas e plásticos pararam. Quando eu ouvi a mim mesma, ouvi os soluços, lágrimas correndo em agonia, eu fiquei mortificada. Tão mortificada, tão humilhada. Eu estava horrorizada comigo mesma, pela violência que eu permiti correr pelo meu corpo, conscientemente ou não, mas não era por isso que eu chorava; Eu chorava por que havia sido um teste e, idiota, idiota, idiota e emocional criatura que eu era; eu queria que tivesse sido real.

 

Melanie também estava em agonia também, e era difícil separar a dupla dor, eu me senti como se fosse morrer, ela sentia como se fosse morrer por que, para ela, havia sido real. De tudo que ela havia perdido com o fim do mundo dela, há tanto tempo atrás, ela nunca havia se sentido traída. Quando o pai dela levou os Rastreadores atrás das crianças, ela sabia que não era ELE. Não houve traição, só dor. O pai dela estava morto. Mas Jared estava vivo e era ele mesmo.

 

Ninguém te traiu, estúpida. Eu gritei para ela. Eu queria que a dor dela parasse. Era demais o peso extra da dor dela. A minha era suficiente.

 

Como ele pode? Como? Ela disse, me ignorando.

 

Nós chorávamos, além do nosso controle.

 

Uma palavra nos trouxe de volta do limite da histeria.

 

Da entrada do buraco, a voz rouca e baixa de Jared – baixa e estranhamente infantil – perguntou, “Mel?”

 

                                   Abreviada

 

“Mel?” ele perguntou novamente, a esperança que ele não queria sentir colorindo seu tom de voz.

 

Minha respiração aos soluços, pós-choque.

 

“Você sabe que isso foi para você, não para a ... coisa. Você sabe que eu não estava beijando a coisa.”

 

Meu soluço seguinte foi mias alto, um gemido doloroso. Por que eu não podia ficar quieta? Eu tentei segurar a respiração.

 

“Se você está aí, Mel....” ele pausou.

 

Melanie odiou o ‘se’. Outro soluço vinha dos meus pulmões, e eu engasguei.

 

“Eu te amo” Jared disse. ”Mesmo se você não estiver aí, se você não puder me ouvir. Eu te amo.”

 

Eu segurei a respiração, mordendo meu lábio até sangrar. A dor física não me distraiu tanto quanto eu queria.

 

Ficou silencioso fora do buraco, e silencioso dentro também enquanto eu ficava azul. Eu ouvia intensamente, concentrando nos sons. EU não queria pensar. Não havia som. Eu estava torcida na mais impossível posição. Minha cabeça era o ponto mais baixo, o lado esquerdo do meu rosto pressionado no chão de rocha. Meus ombros apertando a ponta de uma caixa, o direito mais alto que o esquerdo. Meu quadril angulado na posição oposta, com meu osso direito encostando na parede.

 

A luta com as caixas havia deixado hematomas, eu podia senti-los se formando. Eu sabia que tinha que arrumar um jeito de explicar para Ian e Jamie que eu havia feito isso comigo mesma, mas como? O que eu diria? Como eu diria que Jared havia me beijado como um teste? Como dar um choque em um rato de laboratório para ver sua reação?

 

Por quanto tempo mais eu seria capaz de ficar nessa posição? Eu não queria fazer nenhum barulho mas eu sentia que minha espinha partiria a qualquer momento. A dor ficava mais insuportável a cada segundo. Eu não suportaria ficar em silencio por muito tempo. Um gemido já estava lutando para sair pela minha garganta.

 

Melanie não tinha nada paras me dizer. Ela estava quieta trabalhando em seu alivio e fúria. Jared finalmente falou com ela, reconheceu sua existência. Ele tinha dito que a amava. Mas ele tinha me beijado. Ela estava tentando se convencer que não havia razão para ficar magoada, tentando acreditar em todas as razões por que isso não era o que parecia. Tentando, mas não conseguindo. Eu podia ouvir tudo isso, mas ela conversava internamente. Ela não estava falando comigo, estava me ‘dando um gelo’, infantil.

 

Eu senti uma raiva não familiar dela. Não como no inicio, quando eu a temia e a queria erradicada da minha mente. Não, eu senti o meu próprio senso de traição agora. Como ela podi8a estar com raiva de MIM? Como isso fazia sentido? Como era a minha culpa se eu me apaixonei por ele depois dela forçar as memórias dele em mim? Eu me importava com o fato dela estar sofrendo, mas minha dor não significava nada para ela. Ela gostava do fato. Humanos são cruéis.

 

Lágrimas, muito mais fracas do que as outras, corriam por meu rosto em silencio. A hostilidade dela por mim fervia em minha mente.

 

Abruptamente, a dor em minhas costas era demais.

 

“Ung” Eu gemi, empurrando a rocha e as caixas tentando sair. Eu não me importava com o barulho mais, eu só queria sair. Eu jurei a mim mesma que eu nunca entraria aqui novamente – morrer era melhor. Literalmente.

 

Era mais difícil sair do que foi entrar, Eu me torcia e tentava virar até que senti que estava piorando as coisas, me torcendo como um pretzel. Eu comecei a chorar de novo, como uma criança, com medo de nunca sair dali.

 

Melanie suspirou, Engancha o seu pé na entrada do buraco e se puxe para fora. Ela sugeriu.

 

Eu a ignorei, lutando para livrar meu torso de um canto particularmente afiado. Me apertando as costelas.

 

Não seja infantil. Ela resmungou.

 

Nossa, excelente conselho, vindo de você.

 

Eu sei. Ela hesitou. Okay, desculpa. Olha, eu sou humana. É difícil ser justa as vezes. Nós nem sempre sentimos a coisa certa, fazemos a coisa certa. O ressentimento ainda estava lá, mas ela estava tentando perdoar e esquecer que eu havia dado uns amassos no amor dela – era assim que ela via a coisa toda.

 

Eu enganchei meu pé na beirada do buraco e puxe. Meu joelho bateu no chão e eu usei o apoio para erguer meu quadril, foi mais fácil esticar a perna e firmar meu outro pá. Finalmente minhas mãos encontraram o chão e eu engatinhei de rá, caindo no colchonete, eu fiquei deitada lá por um momento, de barriga para baixo, respirando. Eu já tinha certeza que Jared havia ido embora, mas eu não me certifiquei disso imediatamente. Só respirava até me sentir preparada para erguer a cabeça.

 

Eu estava sozinha. Eu tentava me segurar no alivio e esquecer a tristeza do fato. Era melhor estar sozinha, menos humilhante.

 

Eu me encolhi no colchonete, pressionando o rosto no tecido. Eu não estava com sono, mas estava cansada. O peso esmagador da rejeição de Jared era tão pesado que me deixou exausta. Eu fechei os olhos e tentei pensar em coisas que não me fariam chorar novamente. Qualquer coisa menos no olhar de Jared quando ele se afastou de mim...

 

O que Jamie estava fazendo agora? Ele sabia onde eu estava, ou estava procurando por mim? Ian dormiria por um bom tempo, ele parecia tão exausto. Kyle acordaria logo? Ele viria me procurar: Onde estava Jeb? Eu não o havia visto o dia todo. O Doc estava mesmo bebendo até a inconsciência? Isso não combinava com ele....

 

Eu acordei lentamente, despertada pelo ronco do meu estomago. Eu fiquei deitada quieta por alguns minutos, tentando me orientar.

 

Era noite ou dia? Por quanto tempo eu dormi ali sozinha?

 

Meu estomago não seria ignorado por muito mais tempo e eu rolei e fiquei de joelhos. Eu devia ter dormido por muito tempo para estar com tanta fome, perdido uma ou duas refeições.

 

Eu considerei comer algo da pilha de suprimentos do buraco – afinal de contas eu já havia danificado quase tudo, talvez até destruído alguma coisa. Mas isso só me faria sentir ainda mais culpada. Eu iria pegar alguns pães na cozinha.

 

Eu estava meio chateada – além da dor principal – por ter ficado aqui em baixo sozinha por tanto tempo e ninguém ter vindo me procurar – que atitude vaidosa; por que alguém se importaria com o que acontecesse comigo: - então eu fiquei aliviada e feliz por ver Jamie sentado na entrada da caverna grande, suas costas viradas para o mundo humano atrás dele, obviamente esperando por mim.

 

Meus olhos se acenderam e os dele também. Ele se ergueu, alivio em seu rosto.

 

“Você está bem.” Ele disse, e adoraria que isso fosse verdade. “Quer dizer, eu não achei que Jared estivesse mentindo, mas ele disse que achava que você queria ficar sozinha, e Jeb disse que não era para eu ir checar você e que era para eu ficar aqui para ele me ver e garantir que eu não ia lá dentro de ver, mas mesmo eu achando que você não estava machucada nem nada, era difícil não saber com certeza, sabe?”

 

“Eu estou bem.” Eu disse. Mas abri os braços buscando conforto. Ele me abraçou pela cintura e eu fiquei surpresa de notar que quando estávamos de pé sua cabeça alcançava meu ombro.

 

“Seus olhos estão vermelhos.” Ele murmurou. “Ele foi cruel com você?”

 

“Não.” Afinal de contas, as pessoas não eram intencionalmente cruéis com ratos de laboratórios, eles só queriam informações.

 

“Seja lá o que você disse a ele eu acho que ele acredita em nós agora. Sobre Mel. Como ela se sente?”

 

“Ela está feliz por isso.”

 

Ele assentiu satisfeito. “E você?”

 

Eu hesitei, procurando por uma resposta que fosse verdadeira. “Dizer a verdade é mais fácil para mim do que tentar escondê-la.”

Minha evasão pareceu o satisfazer.

 

Atrás dele, a luz no jardim estava vermelha e sumindo. O sol já havia se posto no deserto.

 

“Eu estou com fome.” Eu disse a ele, e desfiz nosso abraço.

 

“Eu sabia que você estaria. Eu guardei comida para você.”

 

Eu suspirei. “Pão está bom.”

 

“Desiste Wanda. Ian diz que você se auto-sacrifica muito para o seu próprio bem.”

 

Eu fiz uma careta.

 

“Eu acho que ele tem razão. Mesmo se todos nós quisermos você aqui, você não vai pertencer a não ser que você querer.”

 

“Eu nunca pertencerei. E ninguém realmente me quer aqui, Jamie.”

 

“Eu quero.”

 

Eu não discuti com ele, mas ele estava errado. Não mentindo, por que ele acreditava no que dizia. Mas o que ele realmente queria era Melanie. Ele não nos separava do jeito que devia.

 

Trudy e Heidi estavam assando pão na cozinha e dividindo uma maçã verde brilhante e apetitosa. Elas revezavam as mordidas.

 

“Bom te ver Wanda” Trudy disse sinceramente, cobrindo sua boca enquanto falava já que ainda estava mastigando. Heidi assentiu em cumprimento, seus dentes mordendo a maçã. Jamie me cutucou, tentando ser discreto, me mostrando que as pessoas me queriam aqui. Ele não levava esses gestos como cortesia comum.

 

“Você guardou Cida para ela?” ele perguntou ansioso.

 

“Guardei.” Trudy disse. Ela se inclinou ao lado do forno e voltou com uma bandeja de metal nas mãos. “Mantive-a quente. Mas provavelmente está meio ruim e duro agora, mas é melhor do que o normal.”

 

Na bandeja um pedaço de carne vermelha bem grande. Minha boca começou a salivar, mesmo enquanto eu rejeitava a porção.

 

“É muito.”

 

“Nós temos que comer tudo que for perecível nos primeiros dias.” Jamie me encorajou.” Todo mundo come até ficar doente. É tradição.”

 

“Você precisa da proteína,” Trudy acrescentou. “Nós ficamos com rações por tempo demais. Eu estou surpresa de todo mundo estar saudável.”

 

Eu comi minha proteína enquanto Jamie me observava com olhos de águia cada mordida e cada engolida. Eu comi tudo para agradá-lo apesar do meu estomago doer de tanta comida.

 

A cozinha começou a encher novamente quando eu estava terminando. Alguns tinham maçãs – todos dividindo com alguém. Olhos curiosos examinavam o lado machucado do meu rosto.

 

“Por que todo mundo está vindo para cá?” eu murmurei para Jamie. Estava escuro lá fora, a hora do jantar já passada.

 

Jamie me olhou passado por um segundo. “Para ouvir você ensinar.” Seu tom de voz acrescentava a palavra, ‘lógico”.

 

“Você está brincando!”

 

“Eu te disse que nada havia mudado.”

 

Eu olhei a minha volta. Não estava completo. Nada de Doc, e nenhum dos viajantes que haviam retornado, o que significava nada de Paige. Nada de Jeb, nem Ian nem Walter. Alguns outros também estavam ausentes: Travis, Carol, Ruth Ann. Mas ainda assim, havia mais gente do que eu imaginaria se eu tivesse considerado uma volta a rotina depois de um dia tão anormal.

 

“Nós podemos voltar aos Golfinhos? Foi onde paramos.” Wes perguntou, interrompendo minha avaliação do cômodo. Eu podia ver que ele havia tomado para si a função de inicializador e que não estava vitalmente interessado nos ciclos de vida de um planeta alien.

 

Todos olharam para mim com expectativa. Aparentemente a vida não mudaria tanto quanto eu pensei.

 

Eu peguei a bandeja de pão das mãos de Heidi e me virei para colocá-la no forno. Eu comecei a falar de costas para todos.

 

“Então... é...o terceiro grupo de avôs... Eles tradicionalmente servem a comunidade. Na terra eles seriam algo como produtores, fazendeiros, na maioria. Eles cultivam um tumor que parece uma planta de onde eles tiram leite....”

 

E a vida continuou.

 

Jamie tentou me dissuadir de dormir no corredor de suprimentos, mas sua tentativa não era tão forte. Não havia outro lugar disponível. Teimoso como sempre, ele insistiu em dormir comigo. Eu imaginava que Jared não tinha gostado da idéia, mas como eu não havia o visto no dia seguinte nem no outro, eu não pude verificar a teoria.

 

Era estranho de novo fazer minhas tarefas com os seis viajantes de volta – como quando Jeb me levou pelos túneis pela primeira vez. Olhares hostis, silêncios raivosos. Era mias difícil para eles do que para mim – EU estava acostumada. Eles, por outro lado, não estavam acostumados a forma que todo mundo me tratava. Por exemplo, quando eu trabalhava no campo de milho e Lily me agradeceu por algo os olhos de Andy se arregalaram com a troca de palavras. Ou quando eu estava esperando na sala de banho pela minha vez com Heidi e Trudy e Heidi começou a brincar com o meu cabelo. Estava crescendo, caindo nos meus olhos e eu estava planejando cortar de novo. Heidi estava tentando encontrar um estilo para mim, jogando as mechas de um lado para o outro. Brandt e Aaron – Aaron era um homem mais velho, o mais velho a ter ido na viajem e eu não lembrava de tê-lo visto antes – saíram e nos encontrou lá, Trudy rindo de alguma atrocidade que Heidi estava tentando criar no topo da minha cabeça, e ambos os homens ficaram verdes e passaram lentamente por nós.

 

Claro que essas coisinhas não eram nada. Kyle estava de volta nas cavernas agora e apesar dele obviamente estar sobre ordens de me deixar em paz sua expressão deixava claro que essa restrição era repugnante para ele.

 

Eu estava sempre com alguém quando cruzava com ele, e eu me perguntava se essa não era a única razão para ele não ter feito nada além de me olhar com desprezo e curvar os dedos em garras. Isso trazia todo o pânico de volta da primeira semana que eu passei aqui, e eu teria sucumbido – voltado a me esconder evitando áreas populosas – mas algo mais importante que os olhares assassinos de Kyle chamaram minha atenção naquela segunda noite.

 

A cozinha encheu novamente – eu não tinha certeza se era por interesse nas minhas histórias ou se pelas barras de chocolate que Jeb distribuía. Eu dispensei a minha, explicando para um infeliz Jamie que eu não conseguiria falar e comer ao mesmo tempo. Eu suspeitava que ele iria guardar uma para mim teimoso como ele era.

 

Ian estava de volta ao seu lugar quente ao lado do forno, e Andy também estava lá, olhos cheio de suspeitas, ao lado de Paige. Nenhum dos outros, incluindo Jared, estavam lá. Doc também estava ausente, e eu me perguntava se ele ainda estava bêbado ou talvez com ressaca. E de novo, Walter não estava lá.

 

Geoffrey, marido de Trudy, foi o primeiro a me questionar essa noite. Eu fiquei satisfeita, apesar de não demonstrar, por ele parecer ter se unido ao grupo de humanos que me toleravam. Mas eu não pude responder suas perguntas bem, o que era uma pena, suas perguntas eram como as de Doc.

 

“Eu realmente não sei nada sobre Cura,” eu admiti.”Eu nunca fui a um Curandeiro antes.... desde que eu cheguei aqui. Eu nunca havia ficado doente. Tudo o que eu sei é que nós não escolhemos um planeta a não ser que pudéssemos manter o corpo hospedeiro perfeito. Não há nada que não possa ser curado, desde um simples corte e um osso quebrado à doenças. Velhice é a única causa de morte agora. Mesmo humanos saudáveis só vivem até certo período. E há acidentes, imagino, mas eles não ocorrem muito com almas. Nós somos cuidadosos.”

 

“Humanos armados não é acidente.” Alguém murmurou. Eu estava embalando bisnagas quentes e não vi quem falou e não reconheci a voz.

 

“É verdade.” Eu concordei.

 

“Então você não sabe o que eles usam para curar doenças? O que há nas medicações?” Geoffrey pressionou.

 

Eu sacudi a cabeça. “Lamento. Não era algo que me interessasse quando eu tinha acesso a informação. Infelizmente eu não dei o devido valor. Boa saúde é algo que é simplesmente dado em todo planeta em que vivi.”

 

As bochechas de Geoffrey ficaram ainda mais vermelhas que o normal. Ele olhou para baixo, meio que com raiva. O que eu havia dito que o ofendeu?

 

Heath sentado ao lado dele deu tapinhas em seu ombro. Houve um silencio carregado na sala.

 

“Uh – sobre os Vultures....” Ian disse – as palavras forçadas, uma mudança de assunto deliberada. “Eu não sei se eu perdi essa parte mas eu não lembro de você explicando por que você disse que eles não eram ‘gentis”.”

 

Não era algo que eu havia explicado, mas eu tinha certeza que ele não estava realmente tão interessado – essa havia sido a primeira pergunta que ele havia conseguido pensar.

 

Minha aula informal terminou mais cedo que o normal. As perguntas eram na maioria das vezes feitas por Ian e Jamie, as perguntas de Geoffrey havia deixado todos preocupados.

 

“Bem, nós levantaremos cedo amanhã, então...” Jeb disse após um silencio desconfortável, dispensando. As pessoas se levantaram e espreguiçavam, falando em vozes baixas não muito casuais.

 

“o que eu disse?” eu murmurei para Ian.

 

“Nada. Eles estão pensando na mortalidade.”

 

Meu cérebro humano deu uma daquelas deduções que os humanos chamam de intuição.

 

“Cadê Walter?” eu perguntei, ainda murmurando.

 

Ian suspirou novamente. “Na ala sul. Ele não está muito bem.”

 

“E por que ninguém me disse nada?”

 

“As coisa tem sido difíceis para você ultimamente, então...”

 

Eu balancei a cabeça impaciente. “O que ele tem?”

 

Jamie estava ao meu lado agora, e segurou a minha mão.

 

“Alguns dos ossos de Walter se partiram. Eles estão muito frágeis.” Ele disse em uma voz abafada. “Doc tem certeza que é câncer – em seu estágio final.”

 

“Walt deve ter mantido a dor em segredo por muito tempo,” Ian acrescentou sombriamente.

 

Eu estremeci “Então há nada a ser feito? Nada mesmo?”

 

Ian negou com a cabeça, mantendo os olhos brilhantes nos meus. “Não por nós. Mesmo se nós não estivéssemos presos aqui não haveria muita ajuda para ele. Nós nunca curamos essa.”

 

Eu mordi meu lábio contra a sugestão que eu queria fazer. É claro que não havia nada a fazer por Walter. Qualquer um desses humanos preferiria morrer lentamente e em dor a trocar suas mentes pela cura do corpo. Eu podia entender isso... agora.

 

“Ele perguntou por você” Ian continuou. “Bem, ele diz seu nome as vezes; é difícil dizer o que ele quer – Doc está mantendo ele bêbado por causa da dor.

 

“Doc se sente muito mal por ter usado tanto do álcool ele mesmo,” Jamie disse. “Péssima hora para os dois.”

 

“Eu posso ver ele?” eu perguntei. “Ou isso deixará os outros infelizes?”

 

Ian franziu a testa e bufou “Isso seria bem a cara de alguns por aqui, se irritar por causa disso.” Ele sacudiu a cabeça. “Mas quem liga, certo? Se é a vontade final de Walt…”

 

“Certo.” Eu concordei. A palavra ‘final’ fez meus olhos arderem. “Se me ver é o que Walter quer, então eu acho que não importa o que os outros acham ou se eles vão ficar com raiva.”

 

“Não se preocupe com isso – eu não vou deixar ninguém te aborrecer.” Os lábios brancos de Ian se pressionaram em uma linha fina.

 

Eu me sentia ansiosa. Como se quisesse olhar em um relógio. O tempo havia parado de significar muito para mim, mas eu me sentia presa a um limite de tempo agora. “Está muito tarde para ir hoje? Nós o perturbaríamos?”

 

“Ele não está dormindo horas regulares. Nós podemos ir ver.”

 

Eu comecei a andar imediatamente, arrastando Jamie por que ele ainda segurava a minha mão. A sensação de tempo passando, de final e finitude, me empurrando para frente. Ian me alcançou rápido com suas pernas longas.

 

Na grande caverna iluminada pelo luar nós passamos por outros que não nos deram atenção. Eu estava sempre com Jamie ou Ian e não causava curiosidade, mesmo nós não indo para os túneis de costume.

 

A única exceção foi Kyle. Ele congelou quando viu seu irmão comigo. Seus olhos brilhavam ao ver a mão de Jamie na minha e seus lábio torceram em uma expressão de desgosto.

 

Ian ergueu os ombros ao ver a expressão do irmão – sua boca se curvou em um espelho da de Kyle – e ele deliberadamente pegou minha outra mão. Kyle fez um som como se ele estivesse prestes a vomitar e virou de costas para nós.

 

Quando nos estávamos na escuridão do longo corredor sul, eu tentei soltar minha mão mas Ian a segurou com mais força.

 

“Eu gostaria que você não o deixasse com mais raiva ainda.” Eu o disse.

 

“Kyle está errado. Estar errado é quase um habito dele. Ele vai demorar mais que todo mundo para superar isso, mas isso não significa que nós temos que pegar leve por causa dele.”

 

“Ele me assusta.” Eu admiti em um sussurro. “Eu não quero que ele tenha ainda mais motives para me odiar.”

 

Ian e Jamie apertaram minhas mãos ao mesmo tempo. E falaram simultaneamente.

 

“Não tema” Jamie disse.

 

“Jeb deixou a opinião dele bem clara.” Ian disse.

 

“Como assim?” eu perguntei olhando para Ian.

 

“Se Kyle não puder aceitar as regras de Jeb então ele não será mais bem vindo aqui.”

 

“Mas isso é errado. Kyle pertence aqui.”

 

Ian bufou ‘Ele vai ficar.... então ele vai ter que aprender a lidar com isso.”

 

Nós não falamos mais enquanto andávamos pelo longo corredor. Eu estava me sentindo culpada – parecia ser uma emoção constante por aqui. Culpa, medo e coração partido. Por que eu vim?

 

Por que, estranhamente, você pertence aqui também. Melanie suspirou. Ela estava muito consciente do calor das mãos de Ian e Jamie nas minhas. Onde mais você teria isso?

 

Lugar nenhum, eu confessei, me sentindo ainda pior Mas isso não me faz pertencer, não do jeito que você pertence.

 

Nós estamos juntas nessa Wanda.

 

Como se eu precisasse ser lembrada...

 

Eu estava um pouco surpresa de a ouvir tão claramente. Ela havia ficado quieta pelos últimos dois dias, esperando, ansiando, esperançosa de ver Jared novamente. Claro que eu eu fiquei similarmente ocupada.

 

Talvez ele esteja com Walter. Talvez era lá que ele estivesse. Melanie pensou esperançosa.

 

Não é por isso que estamos indo ver Walter.

 

Não. Claro que não. Seu tom estava arrependido, mas eu percebi que Walter não significava muito para ela como para mim. Naturalmente ela estava triste por ele estar morrendo, mas ela aceitou isso desde o inicio. EU, por outro lado, não conseguia aceitar. Walter era meu amigo, não dela. Foi eu que ele havia defendido.

 

Uma daquelas luzes difusas azuis nos recebeu quando chegamos a ala hospitalar. (Eu sabia agora que as lanternas eram a luz solar, deixadas no sol durante o dia para carregar.) Nós nos movíamos em silencio e devagar.

 

Eu odiava esse cômodo. No escuro com as estranhas sombras parecia ainda mais proibido. Havia um cheiro novo – o quarto cheirava a decadência e álcool e bílis.

 

Duas das macas estavam ocupadas. Os pés de Doc na ponta de um, eu reconheci seu leve ronco. No outro, aparentando fraqueza e desconsolo, Walter nos observava aproximar.

 

“Está bem para uma visita, Walt?” Ian sussurrou quando os olhos de Walter foram na direção dele.

 

“Ungh” Walter gemeu. Seus lábios caídos, a face mole, sua pele brilhava levemente devido a unidade.

 

“Você precisa de alguma coisa?” Eu murmurei. Eu libertei minhas mãos – elas ficaram entre eu e Walter.

 

Seus olhos rodaram sem foco. Eu dei um passo para frente.

 

“Há alguma coisa que possamos fazer por você? Qualquer coisa.”

 

Seus olhos rodaram ater ele encontrar meu rosto. Abruptamente eles focaram além do estupor da bebida e da dor.

 

“Finalmente”, ele disse. Sua voz fraca e assobiante. “Eu sabia que você viria se eu esperasse. Oh, Gladis, eu tenho tanta coisa para te contar.

 

 

Segunda Parte

 

 

                                    Necessitada

 

Eu congelei e olhei rapidamente por trás dos ombros para ver se tinha alguém atrás de mim.

“Gladys era a esposa dele.” Jamie sussurrou. “Ela não escapou.”

“Gladys,” Walter disse para mim, alienado da minha reação. “Você acredita que eu arrumei um câncer? Quais as chances hein? Nunca fiquei doente a minha vida toda...” Sua voz foi sumindo até eu não conseguir mais ouvir mas seus lábios continuaram a se mover. Ele estava muito fraco para erguer a mão, seus dedos se esticaram em direção a mim.

Ian me cutucou para ir em frente.

“O que eu devo fazer?” suor brotava na minha testa e não tinha nada a ver com a umidade quente.

“... vovô viveu até cento e um anos,” Walter continuou, audível novamente. “Ninguém nunca teve câncer na minha família, nem mesmo primos. A sua tia Regan teve câncer de pele não foi?”

Ele olhou para mim confiante...

 

                                                                                CONTINUA  

 

 

                      

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