Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A invasão da Rússia
A invasão da Rússia

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A invasão da Rússia

 

                  

 

Barbarossa

Jamais foi lançada operação militar do porte ciclópico da Barbarossa. E nenhuma foi desfechada com tanto otimismo. “Só temos que meter o pé na porta da frente”, proclamou Hitler, “e todo o podre edifício desabará!”. Centenas de divisões seguiram a toda pressa as esmagadoras formações blindadas que penetravam com rapidez vertiginosa o coração da Rússia. Milhões de prisioneiros foram feitos; sangue e destruição, em escala nunca vista, pareciam confirmar a “conquista antes do Natal”. Mas o sucesso, tal como o fracasso, traz também problemas.

 

Choque de armas

 

É provável que a História venha a considerar o dia 27 de junho de 1941 como a data apocalíptica do calendário militar. Nenhum plano bélico do vulto da “Operação Barbarossa” havia sido até então executado, inclusive pela inexistência de técnica de organização, de transporte e de comunicações para aplicação em tão grande escala.

 

“Quando a ‘Operação Barbarossa’ for desfechada”, proclamou Hitler, “o mundo prenderá a respiração!”.

 

Mas tal não aconteceu, porque “o mundo” não estava interessado em questões muito afastadas dos círculos pessoais e quase domésticos. Os primeiros avanços da “Barbarossa” constituíram-se no maior espetáculo militar desde os acontecimentos de agosto de 1914, e a Europa Ocidental e os Estados Unidos observaram-nos com o tranqüilo desinteresse demonstrado pelo gado à passagem de um trem expresso. Mesmo aqueles que tinham por profissão a análise dos grandes eventos estavam mais interessados em calcular o grau de atrito a que o poderio alemão seria submetido antes do colapso inevitável da resistência russa, e, à medida que as pontas-de-lança blindadas alemães penetravam profundamente na Rússia, a impressão que deixava era de que a bazófia de Hitler, que a conquistaria antes do Natal, não era infundada.

 

“Basta arrombarmos a porta da frente”, dissera ele aos seus generais, “e toda a estrutura podre ruirá!”. Com o passar dos dias as linhas pretas estendendo-se cada vez mais para leste, nos mapas, o único exagero da declaração parecia residir no cálculo do esforço necessário contra “a porta da frente”. Além disso, não ocorria a dúvida que sempre surgira, no passado, no espírito dos militares quando diante de avanços tão rápidos. Parecia que ali não estavam ocorrendo recuos táticos, na tentativa de carregar o agressor para o fundo da armadilha - pois os exércitos russos vinham sendo enredados e aniquilados, e dentro das varreduras amplas das colunas blindadas estava o solo encharcado de sangue russo. Dezessete dias depois da primeira arremetida, 30.000 prisioneiros, 2.500 tanques, 1.400 caminhões e 250 aviões russos haviam sido capturados só na frente do Grupo de Exércitos Centro, enquanto que o serviço de reconhecimento informava que centenas de aviões russos haviam sido destruídos em terra.

 

Portanto, quando o Grupo de Exércitos Centro parou no Desna, no Ocidente como que morreram as esperanças quanto ao final do espetáculo, pois sensatamente era de crer que o poderio armado da Rússia estivesse virtualmente esmagado, e que os alemães estavam empenhados em trabalho de limpeza, reforçando tropas cansadas mas triunfantes, e preparando-se para a última e definitiva arremetida contra Moscou.

 

Os soldados alemães não viam as coisas assim, mas ao mesmo tempo não tinham que se preocupar muito com a situação. Era verdade que Ivã estava montando efetivos imediatamente à frente e já provara ser um combatente inflexível; não havia dúvida de que a luta difícil os aguardava - mas a vitória era tanto mais saborosa quanto mais duramente conquistada e, de qualquer modo, ela era coisa certa. Mais uma quinzena e o avanço recomeçaria com soldados descansados, depósitos reabastecidos e veículos substituídos - posto que haviam sido seriamente castigada, nas estradas difíceis, e muitas vezes quase inexistentes, da Rússia.

 

Mas o sucesso também traz problemas e, como John Keegan observa em sua brilhante análise do dilema com que Hitler se confrontava, no nível do Alto-Comando havia indecisão. O Fuhrer chegou mesmo a declarar-se nua encruzilhada difícil, no momento de decidir se visaria ao norte ou ao sul, depois de penetrar a chamada “Linha Stalin”.

 

Para espanto dos homens que estavam no Desna, eles viram-se privados do seu grande motivo de orgulho, e do seu escudo, o Grupo Panzer de Guderian, que, com fúria mal contida, e teve que se dirigir, em virtude de ordem recebida, para sudoeste, de volta a Kiev, enquanto que o 1o Grupo Panzer era mandado para o norte. E tinha início outra grande série de cercos, desta vez resultando em número muito maior de prisioneiros e despojos russos e numa vitória que, em termos de baixas, se constituía na maior catástrofe da história russa, e na maior realização isolada das armas alemães.

 

Mas perdera-se algo. Perdera-se tempo.

 

O Exército Vermelho

 

Quaisquer que fossem os motivos de Hitler para atacar a Rússia em junho de 1941, um era predominante: a certeza de que seria muito fácil a tarefa que teria de enfrentar. “Basta arrombarmos a porta da frente”, afirmava ele a Rundstedt, “e toda a estrutura podre ruirá!”

 

O que o teria levado a fazer uma estimativa tão errônea do seu adversário, que já era o maior poderio terrestre do mundo, como ele bem o sabia, pelas informações de seu serviço de inteligência sobre o número de soldados e a quantidade de armas que possuía? É verdade que em seus discursos e escritos ele salientava sempre a inferioridade natural dos eslavos em relação aos teutos, mas esses pensamentos destinavam-se exclusivamente ao consumo público. Hitler jamais permitiu que se contestasse qualquer julgamento que fizesse sobre questões de real importância. Poderia ele ter-se deixado influenciar pelas lembranças que tinha do desempenho do exército russo durante a Primeira Guerra Mundial, período importante da formação da vida de Hitler, quando todas as grandes vitórias da Alemanha haviam sido conquistadas na Frente Oriental, e a maior destas, que o mundo ocidental praticamente esquecera, tinha ocasionado a derrota da Rússia e a rendição das suas províncias mais ricas? Talvez sim; mas, por mais lamentável que a arte militar tzarista se tivesse revelado no começo daquela guerra, e apesar do espírito derrotista dos exércitos do Governo Provisório Russo, no fim do conflito, esses mesmos exércitos chegaram a atingir índices elevados em matéria de realização militar, tanto no ataque quanto na defesa, quando o soldado russo tradicionalmente mostrava o melhor de si. Além disso, Hitler conhecia suficientemente a História para saber que a Rússia conquistara o respeito de toda a potência européia com que havia lutado, e o Fuhrer era bastante realista para aceitar o fato de que os elementos militares russos - “volume de tropa, espaço, terra calcinada, “janeiro e fevereiro” aos quais se deveriam acrescentar também a bravura e a abnegação dos seus soldados - eram inerentes ao país e ao povo, independente do regime vigente. A longo prazo, esses elementos estavam fadados a se fazerem sentir.

 

Mas Hitler não pretendia que houvesse nenhum “a longo prazo”, tão convencido estava de que a guerra seria breve, em parte pela velocidade e poder de penetração de suas forças Panzer, em parte pelas vantagens que seus generais saberiam tirara dos erros que os russos cometeriam na direção das suas formações. Ele acreditava na anulação total da bravura demonstrada pelo soldado russo pelos erros de julgamento que o Alto-Comando soviético fatalmente haveria de cometer. O recente desempenho do Exército Vermelho na Finlândia, desempenho absurdamente fraco, mostrara que seu Alto-Comando estava sujeito a esses erros devido à natureza da estrutura de comando.

 

O Conde von Schlieffen, que traçara os planos alemães para a guerra de 1914, baseara seus cálculos na reputação de ineficiência do Estado-Maior-Geral russo. Isto levava Schlieffen a planejar um golpe decisivo contra os franceses enquanto se poderia esperar que os russos, seus aliados, ainda estariam nos estágios preliminares da mobilização.

 

Hitler, porém, não levou em conta coisa alguma do que estabelecia o antigo plano. Considerou, antes, uma falha fatal que admitia existir no Comando Militar Soviético, introduzida pelos líderes bolchevistas e ampliada por Stalin através de expurgo que fez realizar no exército em 1937-38.

 

Quanto a isto, Hitler, sem dúvida, tinha certa razão. A pergunta “Quem é que manda?” permanece não respondida entre o exército e o governo, até mesmo nos estados mais antigos; nos mais recentes, ela sugere sempre disputa, freqüentemente violenta, sobretudo nos estados de origem revolucionária. Se tal não acontecer na Rússia Soviética - um estado revolucionário que só foi salvo da extinção, provocada pela contra-revolução e pela invasão estrangeira, graças aos esforços do incipiente Exército Vermelho na Guerra Civil - é porque os líderes bolchevistas, desde os primeiros momentos da sua existência, tomaram o cuidado de encostar em cada oficial do Exército Vermelho (embora a palavra “oficial” não fosse usada, por ter sido proibida) um comissário ou assistente político para observar suas ações.

 

De acordo com este sistema, o comissário tinha sempre precedência sobre o soldado na área das decisões políticas, e teoricamente tinham ambos o mesmo poder de decisão na esfera dos assuntos militares. Para formar a oficialidade do Exército Vermelho, que de um punhado de “guardas revolucionários” de confiança passou a vários milhões em pouquíssimo tempo, a liderança bolchevista valeu-se dos serviços dos ex-oficiais tzaristas de formação e treinamento exatamente iguais aos daqueles que comandam os Exércitos Brancos, com os quais estavam em guerra. Essa dependência dos oficiais tzaristas continuaria até bem dentro da década de 1920, e mesmo depois que números suficientes de jovens comunistas ingressaram no exército, saídos das novas academias, ainda havia necessidade de ex-tzaristas nas fileiras superiores. Já então muitos tinham demonstrado, aparentemente para satisfação geral da liderança, lealdade para com a revolução e para com o estado comunista, entre eles Tukhachevsky, ex-oficial da Guarda do Tzar, que atingira, aos 25 anos, o comando de um dos exércitos bolchevistas, na Guerra Civil. Depois da Guerra Civil, os bolchevistas, não mais precisavam dos ex-oficiais tzaristas, que começaram a ser demitidos, mas Tukhachevsky, que dirigira o avanço sobre Varsóvia, em 1920, e esmagara o levante naval em Kronstadt, em 1921, já estava no caminho que o levaria ao comando-supremo do Exército Vermelho, na década seguinte.

 

Apesar da conversão de oficiais, como Tukhachevsky, à nova ideologia, e apesar da hostilidade de alguns comandantes completamente “vermelhos” ao sistema de comissariado, foi este o procedimento que o partido conservou durante toda a década de 1920 e até começos de 1930. Todavia, embora insistisse na necessidade da manutenção dos comissários, o partido pouco fazia no sentido de selecionar os elementos que se candidatavam ao cargo ou de educar os que já estavam em função. Como resultado, o comissário era em geral um funcionário honesto mas desqualificado para o exercício do cargo e em relação aos quais os líderes vermelhos mais enérgicos não revelavam muita tolerância.

 

O oficial soviético, por outro lado, sob a inspiração de Tukhachevsky e seus assistentes, foi gradativamente superando o comissário nas aptidões profissionais. Havia cooperação secreta com o exército alemão, cooperação que os germânicos acolhiam por precisarem realizar nas áreas russas o treinamento e as experiências com equipamento bélico proibido pelo “Tratado de Versalhes”; os russos, por sua vez, viam nessa cooperação a oportunidade de se adestrarem nas novas técnicas militares. Isto ajudou a fazer do Exército Vermelho, por volta do começo da década de 1930, um dos mais modernos do mundo. Ele começara a fazer experiências com desembarques aéreos de grandes unidades, tanto por aviões como por meio de pára-quedas, e a manobrar grandes formações de tanques, que eram essencialmente desenvolvimentos dos famosos protótipos Christie que a Rússia comprara ao projetista americano em 1931.

 

Esta profissionalização do Exército Vermelho recebeu o selo da aprovação partidária em março de 1934, quando finalmente o princípio do controle duplo foi abolido, limitando-se a atuação do comissário aos conselhos de educação política. No ano seguinte, os títulos formais de postos militares (durante a revolução substituídos por eufemismos como “especialistas de comando”) foram reintroduzidos, incluindo a nova distinção de marechal, à qual os cinco mais importantes líderes soviéticos foram promovidos. Estes eram Tukhachevsky; Voroshilov, Comissário da Defesa, veterano agitador político, ex-membro do 1o Exército de Cavalaria Vermelho e associado íntimo de Stalin; Yegorov, Chefe do Estado-Maior e ex-membro do 1o Exército de Cavalaria; Budenny, ex-suboficial tzarista promovido a general de cavalaria (também ex-membro do 1o Exército de Cavalaria); Clucher, outro ex-sargento Tzarista, herói da guerra civil, ex-consultor militar de Chiang-Kai-shek e comandante do semi-autônomo exército da Sibéria.

 

A crescente profissionalização do exército se fez acompanhar de profundas modificações que o transformaram numa corporação totalmente ativa. Até então, a infantaria do Exército Vermelho pertencera na maioria às formações da Milícia de Cidadãos, sediadas numa área urbana e cujos soldados só esporadicamente treinavam. As alterações introduzidas previam também o serviço obrigatório do conscrito, realizado de uma só vez, nas unidades formadas para o serviço realmente ativo, ao mesmo tempo que Stalin decretava a liberação de verba destinada ao adestramento de grandes massas de cidadãos civis em pontaria, saltos de pára-quedas (não de aviões, mas de arneses especiais ligados a elevadas torres) e na defesa civil.

 

Coincidia o aumento do contingente permanente do Exército Vermelho com as idéias que Tukhachevsky e dos generais soviéticos de mentalidade idêntica. Mas seu efeito foi menos eficaz na prática do que na teoria, pois ele introduziu no exército muitos camponeses descontentes com a coletivização da agricultura, iniciada em 1931, que demonstraram empenho muito pequeno durante o treinamento militar. Alguns oficiais graduados ficaram tão alarmados com a transformação do exército, por causa do comportamento das unidades conscritas, que começaram a surgir pedidos de modificação no programa. Na Sibéria, o Marechal Blucher conseguiu obter concessões, não estendidas, porém, ao resto do país.

 

Aliás, como teria Stalin concordado com isso, quando apenas havia acabado de completar o expurgo do partido e na NKVD (a Polícia Secreta)? Embora estivesse firmemente controlados estes dois órgãos, havia um terceiro, de igual importância, com possibilidade de o derrubar, se seus líderes assim o desejassem, o exército. Voroshilov, que ocupara o posto de Comissário da Guerra desde 1925, parecia ser leal, mas também era, profissionalmente, o de menor influência dos cinco marechais, e provavelmente era quem tinha o menor apoio, correspondente à sua posição, do corpo regular de oficiais. O restante, e o grosso das fileiras superiores do Exército Vermelho, pessoalmente nada deviam a Stalin Já de haviam iniciado na carreira das armas antes que estes subissem ao poder e sua promoção dependera mais dos próprios esforços ou da estima dos colegas do que da intervenção do partido ou de favores do ditador. Agora que estava excitado pela atmosfera gerada pelo expurgo do partido, acreditando um pouco nos perigos que ele próprio inventara, ou talvez embriagado pelo prazer de derramar sangue, não surpreende que Stalin estivesse decidido a não parar até que todos os seus inimigos, reais, potenciais ou imaginários, tivessem recebido uma bala na nuca.

 

Também é possível que Stalin tivesse conseguido provas da existência de uma conspiração contra seu domínio pessoal, sendo quase certo que a Gestapo tenha apresentado um dossiê falso, sugerindo que Tukhachevsky estava trocando informações secretas com o Estado-Maior-Geral alemão. Esses boatos permanecem incomprovados. Não obstante, Tukhachevsky se havia comportado insensatamente durante o expurgo do partido, sobretudo no decorrer de uma viagem que fizera à França - um deleite sem paralelo para um oficial soviético - e, o que era mais agourento, também fora acusado por um réu, durante um dos falsos julgamentos partidários, de ter estado em contato com Trotsky, já exilado. Seja qual for a verdade disso, ou de quaisquer alegações feitas contra ele ou qualquer outro oficial, Tukhachevsky foi um dos primeiros a serem presos e mortos. Ele e mais sete generais foram julgados e fuzilados nos dias 11 e 12 de junho de 1937.

 

Este episódio, pequeno mas brutal, instituiu e caracterizou o holocausto que se seguiria. Por volta do outono de 1938, como resultado de execuções sumárias e de aparatosos julgamentos falsos, o Exército Vermelho perdera quase metade dos seus oficiais: três dos seus cinco marechais; 13 dos 15 comandantes do exército; 57 dos 85 comandantes de corpo; 110 dos 195 comandantes-de-divisão e 220 dos 406 comandantes-de-brigada. Nos escalões inferiores, calcula-se que os golpes foram ainda mais pesados, embora de coronel a capitão as penas fossem quase sempre de prisão. No Alto-Comando, porém, político e militar, a morte era sentença quase certa. Os Subcomissários da Defesa, em número de 11, foram fuzilados, bem como 75 dos 80 membros do Soviete Militar, criado em 1934; todos os Comandantes Militares de Distrito e a maioria dos seus Chefes de Administração Política (isto é, comissários graduados).

 

O método adotado por Stalin na condução do expurgo deixou em todos a impressão de enorme confusão. Se, por um lado, eliminou muitos ex-oficiais tzaristas e comandantes revolucionários com larga folha de serviço prestados à revolução vermelha, por outro lado conservou em seus postos famosos ex-oficiais do regime deposto. Shaposhnikov, que estudara na Imperial Escola do Estado-maior-Geral e perdera as graças de Stalin em 1937, em substituição a Yegorov, de origem camponesa, e conseguiu manter-se no cargo durante vários anos, só se demitindo em virtude de problemas de saúde. Também os comandantes militares não sofreram mais que os políticos, já que os comissários também foram executados em número talvez muito maior. Em tal conjuntura, o melhor modo de sobreviver parece que era a associação com os elementos do 1o Exército de Cavalaria da época da Guerra Civil, a força anticossaca que dera apoio político a Stalin e cujos métodos de operar restrições por parte de Tukhachevsky.

 

Foi este o 1o Exército de Cavalaria que, depois do expurgo, subiu ao poder, por intermédio de seus dirigentes: Budenny, Timoshenko, Kulik e Zhukov. Todos desfrutavam da proteção de Stalin. Se antes lhe deviam muito, agora lhe deviam tudo, inclusive a vida. É, porém, duvidoso que Stalin, em troca dessa simpatia, recebesse a proteção que esperava: em Timoshenko ele tinha um comandante capaz, se não inspirado; em Zhukov, um general talentoso mas muito moço, sem a vivência necessária ao pleno desenvolvimento do espírito; em Budenny, uma figura de soldado apenas decorativa, com idéias táticas muito superficiais e concepções estratégicas obsoleta e, em Kulik, um Chefe do Departamento de Material Bélico (sucessor de Tukhachevsky) muito confuso, que advogava a retirada de armas automáticas leves do exército (alegando que eram inadequadas para os soldados) e a suspensão da produção de canhões antitanques e antiaéreos. Ele também interpretara mal as provas recolhidas pelos observadores do Exército Vermelho durante a Guerra Civil Espanhola (na qual grande parte do equipamento russo fora experimentada) sobre o uso de blindados, decidindo, baseado nas suas conclusões, dissolver as grandes formações blindadas que Tukhachevsky estivera organizando, e redistribuindo os tanques em pequenas unidades, entre a infantaria. O efeito desses erros de cálculo e, de modo mais geral, das comoções que lhes tinham dado origem, só foram percebidos fora da Rússia em 1940, depois que Stalin insensatamente declarou guerra à Finlândia.

 

A origem da conseqüente derrota, altamente “embaraçosa”, foi o desejo de Stalin de assegurar a transferência ou o arrendamento de território finlandês adjacente aos acessos às suas bases navais no Báltico. A recusa da Finlândia em concedê-lo levou ao rompimento de relações diplomáticas e, a 30 de novembro de 1939, a um ataque total russo pelo Istmo da Carélia, o corredor terrestre que liga o sul da Finlândia à região de Leningrado. Embora desfechado com o apoio de considerável volume de tropa, ele foi repelido, assim como os ataques ao longo da fronteira terrestre russo-finlandesa, acima e abaixo do Círculo Ártico. Somente no começo de fevereiro de 1940, depois da concentração de reforços da ordem de quase um milhão de soldados, e de prolongado bombardeio das posições defendidas pelos finlandeses na “Linha Mannerheim”, é que o Exército Vermelho finalmente conseguiu penetrar, obrigando os finlandeses a pedir a paz um mês depois. Essa eventual recuperação do prestígio perdido deveu-se à liderança e à habilidade de comando de Timoshenko, muito superiores às do comandante original na frente finlandesa, o Marechal Voroshilov, que, daí por diante, retornou ao trabalho de natureza política, muito mais adequado ao seu temperamento.

 

O padrão e o resultado da guerra finlandesa, na qual, durante todo um inverno, uma nação de três milhões e meio de habitantes não só contivera, como também cercara o exército de uma nação de mais de cem milhões, ridicularizando seus líderes, pouco fizeram para realçar o prestígio militar soviético. Aliás, foi tão ardente o entusiasmo despertado no Ocidente pelo desafio finlandês aos russos, que a Grã-Bretanha e a França quase intervieram do lado da Finlândia. Tivessem esses países feito tal coisa, sem dúvida teriam lamentado o resultado final, mas o resultado imediato acentuaria a sensação de frustração dos russos.

 

Contudo, a prazo mais longo, as lições da campanha finlandesa, ainda que difíceis de engolir de uma vez só, mostraram-se de grande utilidade para os russos. Os observadores estrangeiros - Hitler principalmente - concluíram que, pelo desempenho medíocre dos russos, suas falhas - exatamente as mesmas apresentadas contra o exército alemão da Primeira Guerra Mundial, bem inferior ao da Segunda - eram irremediáveis e que, em qualquer campanha maior, os russos amargariam os mesmos reveses de Tannenberg e dos Lagos Masurianos, em 1914. Ineficiência, falta de previsão, confusão: estes eram os defeitos com os quais qualquer inimigo da Rússia poderia contar, segundo tudo levava a crer, com toda a segurança e que só eram redimidos pela bravura do soldado comum.

 

Contudo, a Rússia e seu exército não desperdiçaram a lição recebida na Finlândia, tanto que, assinado o armistício, muito esforço foi desenvolvido no sentido de repensar todo o plano militar. Outra campanha, a travada por Zhukov contra os japoneses intrusos na fronteira mongólica com a Sibéria, em maio de 1939, e que quase passou despercebida no Ocidente, oferecera provas muito diferentes do valor do Exército Vermelho. Timoshenko, que assumira o comando de fato em lugar de Voroshilov, providenciou para que aquilo que um pequeno destacamento do Exército Vermelho realizou num conflito localizado se tornasse o padrão dos operações do exército. A vitória de Zhukov implicava o uso de grande quantidade de blindados, indício de que Timoshenko havia feito reviver o corpo de blindados – formações de duas divisões de tanques e uma divisão motorizada – que Tukhachevsky organizara antes de sua queda. Sob a influência desses acontecimentos e do novo comando, duas coisas de grande significação militar aconteceram: autonomia para os comandantes das forças armadas na tomada de decisões em assunto de natureza militar e a colocação dos comissários, pela segunda vez, como consultores políticos, apenas. Ao mesmo tempo, muitos dos oficiais aprisionados ou banidos durante o grande expurgo militar foram reintegrados e se emitiram novos regulamentos de treinamento, baseados na experiência da Guerra da Finlândia e nos relatórios das operações alemãs na Polônia e na França.

 

Não seria possível consertar tudo no pouco tempo disponível, como ficaria provado. O expurgo desfechara um golpe quase mortal na autoconfiança  do corpo de oficiais, coletiva e individualmente, tornando improvável a oficialidade de categoria média ou abaixo da média – por definição, a maioria – arriscar uma linha de ação independente quando em contato com o inimigo (aliás, a obediência extremamente rígida às ordens era uma das principais deficiências russas). Por outro lado, a propaganda partidária, apesar das humilhações da Guerra Finlandesa, fez que se desenvolvesse no soldado russo a impressão sem dúvida falsa de que o Exército Vermelho era imbatível, e que merecia por parte de todos a mesma confiança que depositavam na infalibilidade do julgamento do Politburo. Não obstante, até o verão de 1941, muita coisa se fez para restaurar o equilíbrio do Exército Vermelho e, independente do quanto estivesse por ser feito, só o seu tamanho e o volume do seu equipamento bastavam para fazer com que qualquer atacante em potencial parasse para pensar.

 

À parte a Osoaviahlim e as reservas treinadas, estas últimas produto do sistema de conscrição universal instituído em meados da década de 1930, o Exército Vermelho na primavera de 1941 tinha, em sua ordem de batalha, entre 230 e 240 divisões, a maioria das quais com efetivos completos; além disso, umas 170 estavam dentro do alcance da fronteira ocidental. A maioria dessas era formada das chamadas Divisões de Fuzileiros (infantaria), de cerca de 14.000 homens, sem muitos transportes mesmo hipomóveis. Quanto às divisões de tanques, haveria pelo menos 22 e no máximo 60, cada qual formada de dois regimentos de tanques, um de infantaria transportada em caminhões e um regimento de artilharia. Havia pelo menos 13 divisões motorizadas, nas quais esta proporção entre tanques e infantaria era inversa. Estes dois tipos de divisão eram os equivalentes exatos das Divisões Panzer alemãs – e das que mais tarde seriam chamadas de divisões Panzergrenadier – embora os russos conseguissem manter os efetivos de tanques de seus regimentos blindados num nível muito superior ao dos alemães.

 

Contudo, grande parte, se não a maior, do poderio ofensivo e defensivo do Exército vermelho foi anulada pelo estranho plano de deslocamento que Stalin impusera às formações de campanha no começo do verão de 1941. Naturalmente, as fronteiras da Rússia  naquele ano, e naquela estação, eram diferentes das que teria tido de defender dois anos antes, pois, em quase toda parte, elas estavam bem mais para oeste do que a linha de 1939. A anexação dos estados Bálticos – Lituânia, Letônia e Estônia – tinha trazido a fronteira russa até a fronteira norte da Prússia Oriental; a divisão da Polônia com a Alemanha avançara o setor central da fronteira quase até Varsóvia e no sul, a anexação da Bessarábia arrancada à Romênia em 1940, havia levado as tropas russas para a outra margem do Dniester até o Pruth. Por mais que a aquisição de todo esse território pudesse agradar a Stalin, não facilitava em nada as tarefas estratégicas dos seus generais, pois as novas fronteiras significavam que as antigas defesas de fronteiras haviam perdido qualquer sentido e passaram a situar-se, em certos lugares, a centena de quilômetros atrás da futura zona militar de operações.

 

Uma fronteira aberta, sem poderosas defesas e sem obstáculos naturais – rios largos, grandes lagos ou altas montanhas – exigem defesa em profundidade por forças equipadas e treinadas para travar guerra móvel. Grandes reservas, localizadas em pontos-chaves na rede de batalha, são um requisito para qualquer defesa bem sucedida; sem tais forças ao seu alcance, o comandante de fronteira aberta não se livra do pesadelo de uma penetração irresistível.

 

E Stalin condenou seus comandantes a viver debaixo desse pesadelo durante toda a primeira metade de 1941, pois, em lugar de destinar parte de suas forças para formar uma reserva estratégica, ele insistiu para que fossem todas deslocadas para postos avançados; não lhe sendo possível reconhecer que a conformação da fronteira russa, com suas muitas saliências e reentrâncias, tornava antieconômica a defesa de cada quilômetro, ele insistiu na guarnição de toda a sua extensão; e em lugar de reconhecer que certos trechos da fronteira necessitavam de menos defesa do que outros, como, por exemplo, a parte imediatamente a oeste dos impenetráveis pântanos do Pripet, ele espalhou suas divisões por pontos quase que eqüidistantes entre si de norte a sul, entre o Báltico e o Mar Negro.

 

Resta apenas indagar dos motivos que levaram Stalin a expor seu exército a perigo tão óbvio. Tem-se dito que seus motivos eram “formados de complacência, confiança e de uma espécie de nervosa precaução”: complacência alimentada pela propaganda por ele mesmo estimulada sobre a invencibilidade do Exército Vermelho; confiança de que a guerra poderia ser evitada, e nervosa precaução, denunciada no poderoso anteparo de soldados que fez colocar bem à frente, para que a reunião de tropas das Rússias central e oriental, atrás desse anteparo, pudesse ser feita despercebidamente. A esta lista de motivos poderíamos acrescentar a “realização de desejo”. Stalin não queria a guerra; fez ouvidos moucos às advertências sobre os perigos da guerra feitas pelos seus amigos e prováveis amigos (Churchill entre eles); Stalin cumpriu à risca os acordos de remessa de alimentos e matérias-primas devidos à Alemanha e proibiu seus comandantes de realizarem qualquer tipo de preparativo militar, por vital que fosse à segurança do seu próprio setor da frente, desde que os alemães pudessem interpretar como ato de provocação ou agressão.

 

Nas pegadas de Napoleão

 

Três caminhos levam ao coração da Rússia. Um deles margeia a costa do Báltico até Leningrado, a antiga São Petersburgo. O segundo, que Napoleão tomou em 1812, passa pelas velhas cidades polonesas de Minsk e Smolensk, até Moscou. O terceiro, situado ao sul dos Pântanos do Pripet, mas ao norte dos Cárpatos, é a estrada que vai do sul da Polônia até a região das terras negras da Ucrânia. O Pripet, uma área enorme, e quase impenetrável, de pântanos de água doce e de florestas, divide a fronteira russa estrategicamente em duas metades distintas: a setentrional e a meridional. Os Cárpatos protegem as fronteiras da Hungria e da Romênia, mais que as da Rússia, e seus cumes estão para oeste da fronteira internacional. À parte o Pripet e os Cárpatos, a Rússia não está protegida contra invasão, vinda da Europa, por quaisquer obstáculos naturais, pois, embora os três caminhos tradicionais de invasão atravessem largos rios, é difícil garantir a integridade de uma linha fluvial nos enormes espaços da estepe.

 

Mas isso não quer dizer  que seja fácil invadir a Rússia. Dois generais de gênio, Napoleão e Carlos XII, o rei sueco, perderam ali reputação conquistada em muitas batalhas, e os horrores da retirada do Grande Exército de Moscou em 1812 passaram a fazer parte do folclore europeu. Apesar de na época ser considerada um país extremamente atrasado, de economia desorganizada, dotada de pouquíssimas estradas, e muito ruins as existentes, a Rússia era tida como virtualmente imune aos perigos da conquista. Schlieffen, autor dos planos de guerra alemães no conflito que teve início em 1914, não tinha opinião diferente sobre aquele país. Entendia que os soldados alemães derrotariam os russos completamente, apesar da desigualdade de números, mas os resultados jamais passariam do que ele chamava de “vitórias comuns”, isto é, vitórias nas quais o exército derrotado não é nem sitiado nem encurralado, mas apenas obrigado a abandonar o campo de batalha. Ele dizia que o exército alemão não conseguiria obter resultados decisivos na Rússia porque os exércitos russos eram grandes demais para serem cercados e porque a paisagem russa era destituída de obstáculos contra os quais se pudesse imprensá-los. Portanto, eles sempre escapariam e, assim fazendo, atrairiam o invasor cada vez mais para dentro dos grandes espaços interiores russos, onde o clima, a terra calcinada e o cansaço da perseguição acabariam por lhe solapar a força. Foi baseado nessas razões que Schlieffen trocou as vitórias comuns no Leste pela campanha contra a França, taticamente mais desafiadora, porém estrategicamente menos arriscada, marcando, dessa forma, o início de uma guerra de duas frentes.

 

Hitler herdou de Schlieffen todos os problemas de uma situação de duas frentes. Mas, inicialmente, tal como Bismarck, procurou conduzir o problema em termos diplomáticos, e não militares. Desse modo, surgiu o pacto Molotov-Ribbentrop de 19 de agosto de 1939, pelo qual a Rússia e a Alemanha concordavam em não iniciar guerra de agressão entre si, e pelo qual também o território polonês foi rachado entre ambas. Para Hitler, o tratado de não-agressão assinado jamais passaria de mero expediente. Não é provável que ele acalentasse motivos doutrinários para um ataque à Rússia; em quase tudo, exceto em seu anti-semitismo, Hitler era completamente pragmático. Mas o bom senso lhe dizia que a própria magnitude dos seus sucessos, primeiro derrotando o exército polonês, depois vencendo os da Bélgica, da França e da Grã-Bretanha, fatalmente alarmariam a Rússia, fazendo-a adotar medidas, não para aplacar a Alemanha pela reafirmação de políticas de não-agressão, mas acelerando sua preparação militar. Sabemos hoje que Hitler estava errado a este respeito, pois durante todo o ano de 1940 e até o dia 22 de junho de 1941 a política de Stalin, embora compreendesse certas medidas defensivas, visava principalmente ao cumprimento meticuloso do pacto de não-agressão, aparentemente com espírito de fato apaziguador. Contudo, o sentido pragmático de Hitler lhe avisava que Stalin estava aproveitando o tempo, e se lhe permitissem ele alcançaria um nível de força militar que, empregado defensiva ou agressivamente, poderia ser demais para a Alemanha, no caos de um pega entre ambas.

 

A resistência continuada da Grã-Bretanha também enfatizava o perigo de uma inversão de aliança por parte da Rússia. Hitler estava mais irritado do que perturbado com a persistente recusa da Grã-Bretanha em admitir a derrota, já que o reino ilhéu estava evidentemente incapacitado para intervir no continente. Mas sua antiga tradição de potência marítima e a habilidade demonstrada nesse campo – a combinação de sua grande marinha com um pequeno exército contra os flancos costeiros da Europa – tornavam-na um fator que ele jamais poderia ignorar, mesmo quando o objetivo principal da sua estratégia sempre fora a conquista de poderosos aliados terrestres. Rússia e Grã-Bretanha haviam feito causa comum contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial, como tinha acontecido contra Napoleão. Durante quanto tempo a Rússia resistiria à tentação de renovar esses laços? Se ela sucumbisse a essa tentação, Hitler se defrontaria com a possibilidade não de uma guerra de duas frentes, mas de três, já que o apoio russo à Grã-Bretanha robusteceria as gestões do presidente americano no sentido de levar os Estados Unidos à guerra contra a Alemanha.

 

Mas não era preciso que as coisas seguissem essa seqüência. Pois, “se a Rússia sair do quadro”, como Hitler explicou aos seus chefes das forças armadas a 31 de julho de 1940, “a Grã-Bretanha também perderá os Estados Unidos, porque a eliminação da Rússia aumentaria muito o poderio do Japão no Extremo Oriente. Decisão: a destruição da Rússia tem de ser parte dessa luta – quanto mais cedo ela for esmagada, melhor”. Foi com este argumento que Hitler convenceu a todos da necessidade de rapidamente planejarem a Blitzkrieg contra o Exército Vermelho.

 

Naturalmente, ele não levou em conta os preliminares do que ainda era uma operação de contingência: interferir na condução das relações normais entre as duas ditaduras, relações estas regulamentadas pelo pacto de agosto de 1939 e por acordos subseqüentes, celebrados sobretudo por Ribbentrop e Molotov, em Moscou, em setembro de 1939. Foi nos termos desses acordos que Stalin anexara os estados bálticos, no começo de 1940, e a região fronteiriça da Bessarábia com a Romênia, em junho daquele ano.

 

Hitler nada teria objetado se Stalin tivesse parado por aí. Mas a anexação, feita pela Rússia, de parte da Bucovina romena, que estava fora do pactuado, deu a Hitler motivos para protesto e alarma. A Romênia, aliado em potencial, sob a liderança do fascista Antonescu, era única fonte de petróleo natural da Alemanha. Hitler estava decidido a preservá-la a qualquer preço, e para tanto toda a atividade diplomática germânica se desenvolveu no sentido de garantir os interesses da Alemanha na região, ainda que à custa da posição russa. A Hungria foi subornada com uma parcela do território romeno e a Romênia foi aplacada com o envio de tropas alemãs para proteger seus campos petrolíferos (garantia contra anexações que a Rússia viesse a querer realizar). Os russos foram informados de que essas medidas se destinavam a repelir qualquer intervenção britânica na região. Não obstante, Stalin assustou-se com tais iniciativas, como também com a invasão da Grécia pela Itália, em fins de outubro (que fracassou). Em meados de novembro, enviou Molotov a Berlim, para obter garantias de boa-vizinhança, mas Molotov não obteve êxito na missão. Se tivesse tomado conhecimento de que Hitler planejava uma rápida campanha balcânica para a primavera seguinte (“Operação Marita”), ele teria retornado à Rússia ainda mais inquieto com a situação nos Balcãs. Se tivesse, entretanto, adivinhado em que estágio se encontrava o planejamento da “Operação Barbarossa”, o codinome da projetada invasão da Rússia, talvez nem se atrevesse a voltar, pois esse plano jogava por terra toda a política diplomática de sua pasta.

 

Hitler teria falado pela primeira vez da intenção de atacar a Rússia com o General Halder, o Chefe do Alto-Comando do Exército (OKH), a 2 de julho de 1940 (dia em que deu ordem para a “Operação Leão-Marinho”, a invasão da Grã-Bretanha). Hitler nunca pretendeu seriamente invadir a Inglaterra, talvez porque desconfiasse da impossibilidade de a Luftwaffe vencer o Comando de Caças da RAF, ou talvez porque já tivesse escolhido mentalmente a Rússia – e foi nos planos para a Rússia que ele se concentrou daí por diante. A explanação do plano foi feita ao chefe da seção de operações do seu próprio Estado-maior, o OKW, General Jodl (que seria enforcado em Nuremberg, por seu papel no “preparo e execução de guerra de agressão”). Este, por sua vez, ao explicá-lo aos seus auxiliares diretos, a 19 de julho, provocou neles uma reação de descrença. Hitler havia incumbido Halder de preparar os planos, ordem esta que o Chefe do Estado-Maior do exército delegara ao General Erich Marcks. O plano de Marcks, apresentado a 5 de agosto de 1940, fixava as linhas gerais que o plano definitivo de invasão obedeceria.

 

Partia ele da suposição de que os russos não atacariam os alemães, embora fosse conveniente se o fizessem (Schlieffen fizera o mesmo juízo sobre os franceses antes de 1914, erroneamente, como se viu), e que a Wehrmacht (as Forças Armadas alemãs) desfrutaria de pequena superioridade em número de homens, uma superioridade flagrante em unidades blindadas e certa superioridade na qualidade do equipamento. Levando em conta a necessidade de manter guarnições nos países ocupados, Marcks calculou que a Alemanha deveria pôr em campo 110 divisões de infantaria, 24 divisões Panzer e 12 divisões motorizadas, contra 96 divisões de infantaria russas (os russos chamavam Divisões de Fuzileiros), 23 divisões de cavalaria e 28 brigadas blindadas (os alemães ainda ignoravam o restabelecimento dos corpos e divisões mecanizadas de Timoshenko). Marcks destinaria o grosso das divisões alemãs e dois Grupos de Exércitos centrais, um operando de sul para leste, na direção de Kiev, capital da Ucrânia, o outro na direção leste, da Polônia para Moscou, ao longo da grande rodovia lateral que passa por Minsk e Smolensk, caminho que Napoleão e seu Grande Exército haviam seguido em 1812. Haveria duas operações subsidiárias: a primeira, um avanço sobre Leningrado, partindo da mesma base de operações do mais setentrional dos Grupos de Exércitos centrais; a outra, um avanço sobre Kiev, feito por forças teuto-romenas, operando pela Bessarábia anexada. Todavia, os Grupos de Exércitos centrais eram os que teriam de fazer o plano funcionar; uma vez alcançados os objetivos iniciais, Moscou e Kiev, respectivamente, eles avançariam rapidamente um sobre o outro e completariam o cerco de tropas russas a oeste deles. Este último objetivo era a meta principal do plano de Marcks. O Exército Vermelho devia ser cercado e destruído entre os rios Dvina e Dnieper, tudo dentro do período de nove a dezessete semanas.

 

Este plano, mais tarde muito emendado, lançou as bases da estratégia alemã para a “Operação Barbarossa”, em particular as do exército alemão (como veremos, as concepções estratégicas do exército e de Hitler mais  tarde vieram a chocar-se, com resultados dignos de nota). Não obstante, o “Plano de Marcks” ainda era mais um esboço de planejamento do que propriamente uma diretiva operacional, e, embora continuasse trabalhando nalguns problemas isolados, o Alto-Comando da Wehrmacht (OKW), o Estado-Maior de Hitler para planejamento e operações, passou a dedicar-se aos preparativos práticos. A primeira tarefa  era fazer a transferência de grandes forças do teatro de guerra ocidental para o oriental que, a 24 de outubro de 1940, atingiam o total de 35 divisões. Esta gigantesca transferência de todo um Grupo de Exércitos, um dos três que em maio haviam sido lançados contra os Aliados ocidentais, foi explicada às partes interessadas, que por certo incluíam os russos, como se se tratasse de, apenas, dar a essas divisões áreas mais amplas de treinamento do que as encontradas no Ocidente, ao mesmo tempo que as afastava do perigo de ataque aéreo britânico. Na verdade, certa redisposição de forças entre a França e a Polônia era perfeitamente explicável, em termos militares, pois com três Grupos de Exércitos – o grosso e a nata das suas forças de terra – destacados para o oeste, a posição estratégica da Alemanha estava seriamente desequilibrada.

 

Com o codinome Aufbau Ost, estes trabalhos preliminares foram satisfatoriamente realizados pelo OKW. Ao mesmo tempo, sua seção de operações preparava um estudo do ponto de vista estratégico do problema da invasão, a ser apresentado a Hitler. As conclusões a que ele chegou diferiam das do OKH: em lugar de recomendar a concentração do principal esforço ao longo do eixo Minsk-Smolensk, a estrada para Moscou, o OKW achava que o exército alemão invasor deveria ser dividido em três grupos mais ou menos iguais, dirigidos respectivamente contra Leningrado, no norte, e Kiev, no sul, bem como contra Moscou, no centro. Isto poderia parecer apenas uma diferença técnica de tratamento dos dois Estados-Maiores, não fosse o fato de o OKW também fixar que seus três grupos deviam manter contato permanente entre si, nos flancos, avançando em linha. Esta sugestão, embora protegesse contra certos riscos óbvios, certamente levaria o exército alemão à conquista de apenas “vitórias comuns” que Schlieffen relutara tanto em empreender havia trinta anos.

 

Entrementes, o Alto-Comando do Exército (OKH) passara o verão aperfeiçoando as linhas gerais traçadas por Marcks e, em fins de novembro, apresentou as conclusões a que chegara com a rigorosa lógica do “Jogo de Guerra”, um exército tático em grande escala e com mapas, um dos venerados métodos militares alemães de finalizar planos. Recomendavam, em suma, essas conclusões, conforme palestra feita por Halder, o Chefe do Estado-Maior do Exército, para uma platéia que incluía Hitler, uma fusão de elementos do plano original do OKH com elementos do plano do OKW, ou seja, um avanço com três Grupos de Exércitos, e não com dois, mais com ênfase no esforço para Moscou. O trecho principal da palestra de Halder foi o seguinte:

 

“Os centros de armamento russo mais importantes estão na Ucrânia, em Moscou e Leningrado. A área operacional será dividida em duas partes, norte e sul, pelos Pântanos do Pripet; na metade sul, a rede rodoviária é ruim; ao norte, as ligações rodoviárias e ferroviárias são melhores na área Varsóvia-Moscou. Este setor norte também está mais fortemente guarnecido de tropas soviéticas, agrupadas na direção de tropas soviéticas agrupadas na direção da linha de demarcação teuto-soviética (dividindo em dois a Polônia ocupada). O Dnieper e o Dvina são as linhas mais orientais que os russos têm de defender e um recuo maior desprotege suas regiões industriais. Teremos que impedir qualquer concentração de resistência a oeste desses rios, por meio da penetração de cunhas blindadas.

 

“Uma força de assalto particularmente poderosa terá de atacar de Varsóvia para Moscou. Dos três Grupos de Exércitos propostos, o setentrional estabelecerá seu ponto básico em Leningrado, o meridional em Kiev, e do último Grupo de Exércitos, um exército avançaria de Labun, outro de Lemberg (lwow) e um outro da Romênia. O alvo de toda a operação será o Volga e a região de Arcangel: 105 divisões de infantaria e 32 divisões Panzer e motorizadas (Panzergrenadier) seriam empregadas, com elementos fortes destas (dois exércitos) seguindo inicialmente na segunda leva”.

 

Com base nesta exposição, os dois Estados-Maiores, OKH e OKW, prepararam em conjunto a diretiva final. Ela foi apresentada a Hitler a 17 de dezembro de 1940 e emitida apenas em nove cópias, supersecretas, no dia seguinte. Todavia, da noite para o dia Hitler alterou fundamentalmente o que os seus consultores militares haviam estipulado. A divisão de forças entre os três Grupos de Exércitos permaneceu intacta, bem como suas tarefas iniciais. Mas assim que os exércitos russos que defendiam a Rússia Branca (Bielo-Rússia – a região a leste da Polônia e ao norte do Pripet) tivessem sido destruídos, elementos poderosos do Grupo de Exércitos Centro seriam destacados para ajudar o Grupo de Exércitos Norte a apossar-se da costa do Báltico e de Leningrado. Somente depois de completada aquela operação é que se iniciaria o avanço que o OKH considerava decisiva.

 

Aí estava o ingrediente crucial da “Operação Barbarossa”, como Hitler passou a denominar oficialmente a Diretiva Operacional n° 21. Contudo, ela continha muitas outras coisas. O norte da Rússia seria invadido por um exército de montanha, operando da Finlândia, provavelmente em cooperação com o exército finlandês. O exército romeno, já efetivamente controlado pelos alemães, forneceria grandes contingentes para flanquear o avanço do Grupo de Exército Sul na direção de Kiev. A fronteira eventual do avanço alemão foi fixada na linha Volga-Arcangel, além da qual a “última área industrial que restava da Rússia nos Urais pode ser eliminada pela Luftwaffe, se necessário”.

 

Os efetivos dos três Grupos de Exércitos foram fixados. Integrariam o Grupo de Exércitos Norte o 16o  e o 17o Exércitos, de 18 divisões de infantaria, o 1o Panzergruppe, mais tarde chamado Exército Panzer; este contava com três divisões Panzer e três motorizadas, e era comandada pelo General Hoeppner. O Comandante do Grupo de Exércitos era o Feldmarechal Ritter von Leeb.

 

O Grupo de Exércitos Centro, comandado pelo Feldmarechal von Bock, era formado pelos 4o e 9o Exércitos, e mais 24 divisões de infantaria. Sua ordem de batalha completava-se com os 2o e 3o Panzergruppen, comandados por Guderian, o grande teórico dos tanques, e Hoth, que dividiam entre si 7 divisões Panzer e 7 divisões motorizadas.

 

O Grupo de Exércitos Sul, sob o comando do Feldmarechal von Rundstedt, o “Cavaleiro Negro do Exército Alemão”, consistia dos 6o, 11o e 17o Exércitos, dos 3o e 4o Exércitos romenos e do 1o Panzergruppe de Kleist. O 11o Exército e os dois exércitos romenos marchariam destacados do corpo principal, que se concentraria a leste de Lublin e Cracóvia, alinhados ao longo do rio Pruth, no extremo sul. A força total de Rundstedt atingia 31 divisões, das quais 5 eram Panzer e 3 motorizadas. Portanto, relativamente, ela era a mais fraca em blindados.

 

As divisões Panzer, em relação a 1939, eram menos numerosas, em termos de tanques. Isto se devia à formação de toda uma nova série de divisões Panzer, medida determinada pela retirada de quadros das divisões já existentes. Os resultados não foram de todo prejudiciais, pois os efetivos originais, em tanques, das divisões Panzer – quase 400 % eram altos demais, e muitos dos tanques (Mark II e mesmo Mark III e Mark IV), era um complemento melhor, quando contrabalançado por um volume bem maior de infantaria. Portanto, a nova composição de uma divisão Panzer  (Divisão Blindada, em 1941 era a seguinte: um regimento de tanques, de dois (às vezes três) Abteilungen, com 150 a 200 tanques; dois regimentos motorizados de fuzileiros (Schützen) (que em breve seriam chamados Panzergrenadier), de dois batalhões cada um, com os soldados transportados em veículos blindados de meias-lagartas, e um batalhão de reconhecimento de motociclistas. A artilharia, também motorizada, compreendia dois regimentos de campanha, um médio e um antitanque. O Q-G Divisionário controlava um batalhão de carros blindados de reconhecimento e uma pequena esquadrilha de aviões de observação. As divisões de infantaria motorizadas contavam com organização semelhante, embora, carecessem de tanques e tivessem um regimento adicional de infantaria. A função dessas divisões era acompanhar os Panzer e suplementar sua infantaria orgânica no ataque concentrado, ou sempre que houvesse muito trabalho de limpeza em bolsões de resistência isolados.

 

A quantidade de elementos mecanizados nesses dois tipos de formação os distinguia muito das divisões de infantaria comuns. O equipamento destas últimas praticamente não diferia do da infantaria do Kaiser, em 1914. Baterias de artilharia e escalões de suprimentos de primeira linha puxados a cavalo, batalhões de “pés de poeira” com pesadas mochilas – não era com estas formações que os alemães venceriam agora batalhas de cerco. Mas, como os acontecimentos de 1940, na França, haviam mostrado, era a velocidade alcançada pelas pontas-de-lança blindadas que contava na nova guerra, ao estilo alemão. Enquanto a infantaria garantisse a manutenção de um avanço regular de 30 ou 40 km por dia, os Panzer podiam correr o risco de avançar até 100 km. Nessas condições, só tinham de resistir por dois ou três dias nos locais atingidos, para que a infantaria, mais lenta, os alcançasse.

 

O término da concentração desta vasta coleção de divisões mecanizadas para a “Operação Barbarossa” estava marcado para 15 de maio. Elas avançariam para leste em quatro levas. A primeira, quando a diretiva para a “Barbarossa” fosse emitida, estaria a postos. A segunda chegaria em meados de março; a terceira, em meados de abril e quarta em fins de abril. Quando se chegasse a este ponto, já não seria possível disfarçar mais a importância do deslocamento. Mas antes que se completasse a concentração planejada, o desenvolvimento livre dos planos de Hitler para o teatro de operações do leste foi brutalmente interrompido por acontecimentos nos Balcãs. Em fins de março, um grupo de oficiais nacionalistas e antinazistas do exército iugoslavo, liderado pelo General Merkovitch, derrubou a regência do Príncipe Paulo, pró-nazista, e denunciou a assinatura do “Tratado Tripartite”, que subordinava seu país à Alemanha, Itália e Japão. Hitler, que começava a impacientar-se com a falta de sucesso dos italianos na sua guerra particular com a Grécia, decidiu intervir direta e decisivamente nos Balcãs. Tropas que haviam sido destinadas à  “Operação Barbarossa” foram reagrupadas e realinhadas. Emitiu-se nova diretiva e, a 6 de abril, teve início a campanha balcânica, de pequena duração.

 

A Iugoslávia capitulou a 17 de abril; os exércitos gregos que lutavam na frente albanesa capitularam a 20 de abril; o governo grego aceitou a derrota quatro dias depois e, nesse mesmo dia, a força expedicionária britânica enviada da África por Churchill, para ajudar os gregos assim que os alemães intervieram, começou sua retirada, em parte através da ilha de Creta, que caiu em mãos alemãs como resultado de dispendiosa operação aeroterrestre, a 26 de maio.

 

Contudo, a campanha balcânica não resultou na transferência pura e simples de mais território para mãos alemãs. Esta – considerado particularmente o significado estratégico do território tomado – era bastante importante. Mas, de importância maior e mais crucial foi o atraso imposto ao início da “Operação Barbarossa”. Planejada para iniciar-se a 15 de maio, só na segunda metade de junho poderia ser desfechada – um atraso de cinco semanas – semanas estas que, como Hitler e o mundo mais tarde reconheceriam, talvez tenham sido a diferença entre o sucesso e o fracasso para o exército alemão na Rússia. Cinco semanas é uma enorme parcela do curto verão russo.

 

O próprio Hitler, embora irritado com o atraso provocado pela campanha balcânica – e de início realmente enfurecido pela “perfídia” da Iugoslávia – não ficou de modo algum abalado por ela a ponto de decidir não prosseguir com seus planos. A “Barbarossa” deixara de ser uma imposição apensa prática, para transformar-se numa verdadeira obsessão. O codinome – o apelido de um imperador alemão que conduzira seus exércitos na Terceira Cruzada contra os eslavos pagãos, no século XII – deixa entrever a significação histórica que Hitler se atribuía, e opressiva e impiedosamente preparava o modo como se daria a sua revelação. Ele o transmitira a seus comandantes das forças armadas, num discurso pronunciado em março daquele ano:

 

“A guerra contra a Rússia se reveste de características que não podem permitir cavalheirismos: a luta é de ideologia e diferenças raciais e terá de ser conduzida de maneira implacável e inflexível. Todos os oficiais terão de se livrar de sentimentos obsoletos. Sei que a necessidade do emprego desses meios na guerra está além da compreensão dos senhores generais, mas... Insisto peremptoriamente para que minhas ordens sejam executadas sem oposição. Os comissários (russos) são portadores de ideologias diretamente contrárias ao nacional-socialismo, tendo por isso de ser liquidados. Os soldados alemães culpados de violação do direito internacional... serão desculpados. A Rússia não participou da Convenção de Haia, portanto não tem direitos, nos termos da mesma”.

 

Para muitos, no exército alemão, tais sentimentos eram intoleráveis, mas nenhum deles esboçou qualquer reação. As ordens seriam, pela maioria, obedecidas dentro desse espírito. Para os oficiais das SS, do partido e do Estado que estariam envolvidos na administração e exploração do território russo capturado, o discurso de Hitler simplesmente deixava explícitos os planos que há muito eles vinham preparando. Nas suas mãos a Rússia viria a sofrer a morte, provocada por milhares de “pequenas feridas”.

 

A grande penetração

 

A breve noite de verão de 21 para 22 de junho de 1941 – o solstício de verão, uma das datas místicas das SS – passou quietamente por toda a extensão da fronteira da Rússia com a Europa ocidental. O expresso Belim-Moscou atravessou-a na hora certa e os postos aduaneiros permaneceram abertos.

 

Às 03:30 h intensa barragem de artilharia caiu sobre ela, e as tênues defesas avançadas da Rússia desapareceram debaixo de espessa cortina de fumaça. Logo após, a massa inicial de infantaria e de blindados alemães partiu para o ataque. Um Q-G avançado russo comunicou-se com um comando superior: “Estão atirando contra nós. O que faremos?” “Vocês devem estar loucos”, foi a resposta, “e por que seu comunicado não está em código?”

 

Contrariamente, porém, à crença geral, os russos não foram tomados inteiramente de surpresa, a 22 de junho; mais exatamente, os escalões mais graduados não foram. Timoshenko, provavelmente com a aprovação de Stalin, na realidade mandou um aviso de alerta aos Estados-Maiores dos distritos militares, advertindo-os da probabilidade de um ataque alemão ao amanhecer do dia seguinte dando-lhes ordens para que pusessem suas unidades em alerta.

 

Este aviso chegou tarde demais para que pudessem ser tomadas providências efetivas contra o ataque. Na verdade, a maioria das formações russas não recebeu aviso algum do ataque, e foi vencida em suas posições. Isto não é de surpreender. As defesas das fronteiras, que o Exército Vermelho só começara a fazer em setembro de 1939 (e, no setor sul, nas antigas províncias romenas, somente em junho de 1940), não estavam organizadas, nem em resistência, nem em profundidade. Resistência e profundidade – mais uma grande reserva para contra-ataque – são essenciais para absorver um assalto blindado, e a Rússia não tinha nada disso. A “Linha Stalin”, embora bastante fortificada em alguns trechos, estava muito atrás da fronteira pós-1939 para poder dar-lhe resistência, fato que era agravado pelo deslocamento que Stalin ordenara ao Exército Vermelho, quase que todo linearmente feito. Contudo, onde quer que as unidades estivessem escalonadas, em qualquer profundidade, o Alto Comando russo as mandava avançar para deter a invasão nos primeiros dias. Esse tipo de decisão fazia apenas o jogo dos atacantes.

 

A estratégia alemã na frente central, ao longo da estrada Minsk-Smolensk para Moscou, era simples: cercar o máximo possível as tropas russas que defendiam a área, isolando sua linha de retirada para leste, sobre os rios Dvina e Dnieper, e destruí-las. Daí por diante, o Grupo de Exércitos Centro deveria apossar-se da “Ponte Terrestre” entre as nascentes do Dvina e do Dnieper (que correm, respectivamente, para o Báltico e para o Mar Negro) e atravessá-la a caminho de Moscou.

 

A primeira fase do ataque do Grupo de Exércitos Centro passou-se com um sucesso quase enervante. Seu contingente de apoio da Luftwaffe, a Luftflotte (Frota Aérea) 2, destruíra grande quantidade de aviões da Força Aérea Vermelha em terra e quando encontrava oposição no ar, produzia-lhe pesadas baixas. Contra os pilotos e aviões da qualidade e experiência dos da Luftwaffe, os russos, cuja nova geração de caças modernos apenas acabava de entrar em serviço, não eram rivais. Em terra, a sua infantaria, sempre valente, não tinha armas para resistir à penetração das poderosas colunas Panzer; seus fuzis antitanques não podiam penetrar a blindagem de um Mark IV, e seu canhão antitanque de 47 mm – excelente arma, que os próprios alemães mais tarde adotariam entusiasticamente – ainda não havia sido distribuído em quantidade. Assim é que as divisões do Grupo de Exércitos Centro, embora tivessem iniciado suas operações com uma travessia de assalto de rios – o Niemen no setor norte, e o Bug no setor sul da frente – não encontraram  dificuldade alguma na obtenção de um ponto de apoio na outra margem, e em ganhar terreno rapidamente. Brest-Litovsk, a fortaleza de fronteira, onde os alemães haviam ditado a paz para os bolchevistas 23 anos antes, resistiu durante quase uma semana. Contudo, não deteve o avanço, embora bloqueasse importante travessia do Bug, já que os alemães haviam deixado ali apenas uma divisão para entretê-los (praticamente como tinham feito em Maubeuge, a caminho do Marne, em 1914), enquanto construíam uma travessia alternativa mais ao sul.

 

Essa penetração era muito perigosa para os russos que se encontravam na frente do Grupo de Exércitos Centro, e que formavam os 3o, 4o, 10o e 13o Exércitos, já que a fronteira russa, a fronteira pós-1939 que Stalin insistira em guarnecer cerradamente em toda a sua extensão, dobrava para oeste naquele ponto, encontrando um grande saliente, chamado saliente de Bialystok, em cujo lado oposto havia tropas alemãs que, deslocando-se também da Prússia oriental, criava grave ameaça de cerco para todo o exército russo que estava na zona de operações do Grupo de Exércitos Centro.

 

A avaliação que von Bock fez dos resultados dos dois primeiros dias de combate levou-o a crer que, para escapar a iminência de cerco, as tropas russas situadas do lado oposto talvez estivessem, por ordem do Alto Comando, abandonando suas posições e fugindo para leste, com a intenção de restabelecer suas defesas no Dvina-Dnieper. Nessa conformidade, ele comunicou ao Alto Comando do Exército (OKH) que os Panzergruppen, em particular o Panzergruppe 3 de Hoth, deveriam abandonar sua missão e fechar a pinça em torno de Minsk – a 320 km das suas linhas de partida – avançando a seguir diretamente para Smolensk sobre o Dnieper, mais outros 200 km adiante. Mas o OKH, temendo o isolamento do Panzergruppe no decurso de tal arremetida – e o isolamento leva à destruição na Blitzkrieg – insistiu para que ele obedecesse à diretiva original: o fechamento da pinça primeiramente em torno de Minsk e, só mais tarde, ao redor de Smolensk. Assim, o Panzergruppe 3 começou a fechar a 24 de junho.

 

Era já evidente que os russos, em fuga, não estavam realizando retirada estratégica. Haviam apenas abandonado posições insustentáveis. As novas posições para as quais haviam fugido, entre os braços constritores dos Panzergruppen e as divisões em marcha dos 4o e 9o Exércitos, eram igualmente ruins.

 

Os russos não podiam vencer em velocidade as colunas blindadas alemãs, que, avançando 80 km por dia, e mais, eram as mais rápidas formações militares do mundo. Todavia, os temores do OKH de que, se tivessem permissão de avançar sem levar em conta suas comunicações com a retaguarda, os Panzer se estendessem excessiva e perigosamente, agora começavam a mostrar-se verdadeiros, pois os russos, apanhados na armadilha e lutando, por isso, desesperadamente, estavam encontrando pontos fracos nos braços da pinça, particularmente no formado pelo Panzergruppe 2, de Guderian, e escapando, através desses pontos fracos, para sudeste. Este desenvolvimento não era nada agradável para o OKH, porque as formações em fuga se dirigiam naturalmente para o Pripet, onde, espreitando do interior daquelas impenetráveis fortalezas, provavelmente se constituiriam em séria ameaça aos escalões de abastecimento alemães, quando estes passassem por ali, dias depois.

 

A 25 de junho, diante desses dois perigos – o isolamento de unidades do Panzergruppe 2 e a criação de uma ameaça para a retaguarda do exército – o OKH deu ordens para que os 4o e 9o Exércitos combatessem o inimigo mais de perto. O objetivo disso era obter por meio de bala o que se obtivera pelo efeito moral na luta com os franceses, em 1940 – a destruição da capacidade de resistência do inimigo. Cercados, os soldados russos não se comportavam como os franceses em iguais circunstâncias. Com freqüência, continuavam lutando até a morte.

 

Assim é que, por volta ainda de 25 de junho o Grupo de Exércitos Centro sustentava fogo em nada menos de três batalhas de cerco: a de escala menor, em torno da fortaleza de Brest-Litovsk; em torno de Bialystok, onde seis divisões russas haviam sido cercadas no avanço inicial; e em torno de Volkovysk, onde outras seis divisões encontravam-se cercadas.

 

A 29 de junho, o Grupo de Exércitos engajou em mais outra batalha de cerco, destinada a subjugar um grande bolsão, logo a oeste de Minsk, e no qual cerca de 15 divisões, algumas refugiadas da fronteira, e outras, reforços vindos do interior da Rússia, haviam sido encurraladas. No dia seguinte, reduzira-se tanto a resistência nos bolsões de Bialystok e Volkovysk, que podiam ser retirados, com segurança, grandes contingentes dos efetivos de infantaria dos cordões que os cercavam; estes poderiam ser enviados para tapar as brechas existentes no laço blindado que se apertava em torno do bolsão de Minsk.

 

Contudo, somente a 9 de julho é que o bolsão de Minsk finalmente sucumbiu à pressão alemã, cuja infantaria ainda tinha muita distância a percorrer, pela mais escassa e atroz rede rodoviária, para ajudar os Panzer.

 

O OKH despachara ordens para o estágio seguinte a 1o de julho, e, com estas ordens, uma diretiva subordinando os Panzergruppen de Hoth e Guderian a Kluge que, ao entregar seu comando, já designado 2o Exército, ao General von Weichs, passou a comandar o 4o Exército Panzer. As primeiras ordens que recebeu em seu novo posto foram no sentido de preparar seu exército para “penetrar na direção de Moscou”. Nessa conformidade, o Panzergruppe 2 devia  forçar uma travessia do Dnieper ao sul de Smolensk, seguir a linha da rodovia Minsk-Moscou (infelizmente para os comandantes de Panzer, que imaginavam dirigir seus tanques por uma verdadeira Autobahn, grande parte desta ainda era apenas de terra batida) e tomar as Alturas do Yelna, na curva do rio Desna. O Panzergruppe 3, no flanco norte, deveria permanecer no eixo em que estava e prosseguir ao longo do Alto Dvina até Vitebsk, onde deveria atravessá-lo e tomar o terreno ao norte de Smolensk. Os exércitos de infantaria, 2o (ex-4o ) e 9o , insistiriam em seus esforços para se manterem o mais perto possível das pontas-de-lança blindadas. O apoio da Luftwaffe continuaria sendo o mesmo de antes: o Fliegerkorps II apoiando os exércitos no sul e o Fliegerkorps VIII os do braço norte da pinça.

 

A operação começou a 3 de julho, antes que a infantaria dos dois exércitos em marcha, do Grupo de Exércitos, tivesse tido tempo de esmagar a última resistência russa no bolsão de Minsk. O avanço para Smolensk, de início, foi organizado, forçosamente, como uma operação blindada, mas não demorou que esbarrasse na oposição até então encontrada. O Panzergruppe 2 foi detido quando tentava atravessar o Beresina, perto de Borisov, na principal rodovia Minsk-Smolensk. Pelo menos na opinião do Estado Maior do Grupo de Exércitos  Centro, travessias subsidiárias em Rogachev, no Dnieper e em Polotsk, no Dvina, não ofereciam eixos alternativos aceitáveis para avançar. Esta situação criou problemas muito sérios ao desenvolvimento de operações de Blitzkrieg. Encontraram-se os germânicos diante de duas soluções insatisfatórias: aceitar o atraso e esperar a chegada da infantaria, ou empenhar os blindados num ataque ao estilo da infantaria contra as posições defendidas pelo inimigo. A espera da infantaria acarretaria perda de tempo que o inimigo poderia aproveitar para melhorar suas posições e convocar reservas; mas um assalto ao estilo da infantaria eqüivalia a expor unidades de blindados e motorizadas, altamente treinadas (Panzergrenadier, como em breve seriam chamadas), a baixas que não poderiam ser compensadas com facilidade.

 

Bock decidiu correr o risco de sofrer baixas, mas, acertadamente, resolveu concentrar os blindados do Panzergruppe 2 antes de tentar o ataque, que seria desviado para o setor de Mogilev, no Dnieper, e arremeteria contra Smolensk, percorrendo estradas secundárias. A qualidade da resistência criada pelos defensores russos dessa linha fluvial vital tornaria mais fácil planejar do que realizar essa missão: somente a 10 de julho, uma semana depois de iniciada a operação, é que as unidades do Panzergruppe 2 conseguiram obter pontos de apoio na outra margem.

 

Todavia, já então o Panzergruppe 3 havia conseguido importante penetração no caminho norte para Smolensk, tendo destruído as defesas russas no Dvina e estabelecido importante cabeça-de-ponte em Vitebsk. De tal forma este desenvolvimento pareceu promissor a Bock, que ele, por momentos, pensou em levar boa parte do Panzergruppe 2 a participar na exploração partindo desse ponto. Mas os informes sobre terrenos difíceis fizeram com que ele não desse as ordens necessárias, e quando o terreno ficou seco, já os Panzer de Guderian haviam conquistado sua própria cabeça-de-ponte perto de Mogilev.

 

Lutas muito duras nas cabeças-de-ponte norte e sul, entre 11 e 13 de julho, levaram finalmente à verdadeira penetração pela qual Bock, Hoth e Guderian tanto ansiavam. O Panzergruppe 3, de Hoth, foi particularmente rápido em se afastar do rio e pôde colocar uma divisão na estrada Smolensk-Moscou a 15 de julho. No dia seguinte ele enviou uma divisão à cidade, capturando-a imediatamente, para surpresa sua e dos defensores. Quando as outras pontas-de-lança do Panzergruppe chegaram em Yelan, a 80 km a sudeste de Smolensk, a 17 de julho, já o novo bolsão estava quase completo. Dentro dele havia grupos de divisões russas – 67 perto de Mogilev, 34 perto de Vitebsk e um grande corpo, de 12 a 14 divisões, a leste de Smolensk. Nenhuma delas poderia ameaçar quase sem munição e praticamente isoladas das fontes de reabastecimento. Contudo, era preciso impedir que escapassem e obrigá-las a se renderem sem demora.

 

Como acontecera antes, deveria caber à infantaria dos 2o e 9o Exércitos a maior parte do trabalho, mas suas divisões estavam a cerca de 300 km atrás dos blindados avançados, nesse estágio da batalha, em meados de julho, e não podiam andar mais depressa: o máximo que se podia pedir delas era que percorresse 32 km por dia. Com isso, os cordões, apressadamente feitos com tanques, veículos de meias-lagartas e Panzergrenadieren a pé, não puderam impedir que grupos de soldados russos escapassem para leste. Em certo local;, no vale do Dnieper, vasto trecho do terreno ficara completamente desguarnecido, porque os recursos de Guderian estavam todos empregados em outro local. Por essa brecha, grande número de russos, muitos ainda em unidades formadas, conseguiram escapar. Não se pode dizer que eles tenham escapado para um lugar seguro – porque parte alguma da Rússia Ocidental poderia ser considerada segura no verão de 1941 – mas pelo menos podiam lutar mais uns dias. Somente a 27 de julho é que pôde ser erguida uma barreira perfeita em torno de todo bolsão, e só a 5 de agosto é que toda resistência russa dentro dele silenciou.

 

Isto deveu-se, em parte, ao fato de ter sido a brecha do Dnieper usada, durante o período em que permanecera aberta, não só como meio de fuga, mas também como canal para reforço e abastecimento, o que os alemães demoraram a perceber. Essa descoberta definiu um quadro dado pelo serviço de inteligência, que insinuava que a resposta russa seria muito mais resoluta ao desafio da Blitzkrieg, muito mais do que a que os alemães haviam encontrado no Ocidente. Diante da arremetida alemã e do colapso palpável das suas defesas fronteiriças em quase toda parte, passadas apenas algumas horas – sem falar da quebra do mito das defesas inexpugnáveis e da invencibilidade do Exército Vermelho – a liderança russa não perdera a cabeça. Foi criado um conselho executivo de guerra (GOKO) a 23 de julho, formado por Stalin, Voroshilov (Comissário da Defesa), Béria (Chefe da NKVD, a polícia Secreta do Estado), Molotov (Comissário de Assuntos Exteriores) e Malenkov (representante de Stalin na máquina partidária). Diretamente subordinado a esta Comissão de Defesa do Estado, surgiu um Estado Maior militar operacional, o Stavka, que, quando da sua reorganização, a 10 de julho, era formado por Stalin, Molotov e Voroshilov do lado do partido, e por Timoshenko, Budenny, Shaposhnikov, Chefe do Estado-Maior-Geral, e Zhukov, o vencedor da batalha de Kholkin-Gol, contra os japoneses, em 1939. Essa composição mista, de partido e exército, do Stavka era não só uma convenção comunista, como também refletia a reimposição do controle político direto sobre o exército do comando militar. O Comando Duplo (isto é, a divisão de responsabilidades entre oficial e comissário) foi reintroduzido no Exército Vermelho a 16 de julho.

 

Outra reintrodução, embora de tradição política mais antiga, foi a execução dos generais fracassados (oficialmente caracterizados como “culpados”): o Comandante da Frente Ocidental, General Pavlov, cujas linhas de defesas tão pouco resistiram ao avanço do Grupo de Exércitos Centro, foi fuzilado no começo de julho, juntamente com seu Chefe do Estado-Maior e com o Chefe do Serviço de Comunicações. Eles não seriam as últimas vítimas, tampouco as mais graduadas: unidades do NKVD – “destacamentos de segurança de retaguarda” – foram colocadas atrás das linhas de batalha russas para interceptar qualquer um – indivíduos ou unidades formadas – que as abandonasse sem ordem.

 

Além de providenciar sobre o exercício da autoridade, no nível mais alto e no mais baixo, Stalin e o Stavka também estabeleceram, a 10 de julho, uma estrutura mais realista de comando em campanha. Três novas Frentes foram criadas (uma “Frente” russa eqüivalia a um Grupo de Exércitos Ocidental), com volume de tropa aproximadamente idêntico ao dos três Grupos de Exércitos alemães que a elas se opunham. O Grupo de Exércitos Sul (Rundstedt) era agora confrontado pela Frente Sudoeste, comandada pelo Marechal Budenny, que, intelectualmente, não se igualava a Rundstedt, mas era uma figura carismática do período heróico do Exército Vermelho da Guerra Civil; para seu comissário político, Stalin nomeou Nikita Kruschev, homem de sua confiança e ex-agente da coletivização na Ucrânia. O Grupo de Exércitos Centro (Bock) passou a receber combate de nova Frente Ocidental, comandada por Timoshenko, e o Grupo de Exércitos Norte, por uma Frente Noroeste, sob o comando de Voroshilov.

 

Todavia, de toda essa reformulação nada resultou que amenizasse o mais premente problema da Rússia, que era basicamente a falta de pessoal bem treinado na frente de batalha e de equipamento que nas circunstâncias pudesse merecer boa classificação. Em meados de julho, suas baixas haviam atingido proporções espantosas. Mais de 3.000 aviões de sua força aérea haviam sido destruídos nos cinco primeiros dias. Em terra, as baixas foram maiores ainda: das 164 divisões vermelhas identificadas, o OKH afirmava, a 8 de julho, ter destruído 89, ou mais de metade. Esses números, que num exame superficialmente realizado parecem exagerados, ganham autenticidade incontrastável diante do que o Grupo de Exércitos Centro demonstrou haver conseguido: a captura de 300.000 prisioneiros, 2.500 tanques e 1.400 canhões, desmantelando virtualmente, no processo, quatro exércitos soviéticos. Na batalha do bolsão de Smolensk, que começara quando Stalin reorganizou seu Alto-Comando, o Grupo de Exércitos Centro fez mais 310.000 prisioneiros, tomando 3.200 tanques e 3.100 canhões. Grande parte do equipamento era de segunda categoria – poucos dos novos tanques T-34 ou KV-I haviam entrado em serviço – mas  o pior é que não restava muita coisa nos arsenais para compensar essas perdas. Quanto às baixas em homens, estas só podiam ser substituídas por convocações das reservas ou das fileiras ainda em treinamento da Osoaviakhim. As formações perdidas eram substituídas através da criação de unidades de Opolchenie, a “milícia do povo”.

 

Apesar, porém, dos desastres e dos desacertos de grande parte da máquina militar, havia poucos informes de rendições voluntárias em grande escala. O apelo de Stalin para que se travasse uma “Guerra patriótica” calara bem fundo no espírito do povo, tradicionalmente muito ligado às coisas de sua pátria – os soldados russos rendiam-se quando tinham de render-se, e às vezes isso acontecia em grandes números. A maioria dos relatórios alemães da campanha salientam sua pertinaz recusa em depor as armas, só fazendo quando completamente cercados e sem munição.

 

Mas, para os alemães, no momento, o estado moral russo não era o mais importante. A soma de vitórias conquistadas, o dimensionamento do resultado dessas conquistas tendo em vista o futuro da operação, pois não só o Grupo de Exércitos Centro vinha colecionando resultados, isso tudo chegara a aturdir os germânicos.

 

O Grupo de Exércitos Norte, o mais fraco dos três, com apenas 20 divisões de infantaria e um só Panzergruppe, o de n° 4, comandado por Hoeppner, recebera como objetivo, na diretiva da “Operação Barbarossa”, a conquista de Leningrado. Tinha também que se apossar da costa do Golfo da Finlândia e destruir as forças russas que fosse encontrando pelo caminho. Como a oposição dos russos ao ataque do Panzergruppe 4, a 22 de julho, consistia de, apenas, uma divisão de fuzileiros que ocupava uma frente de 65 km, foi-lhe muito fácil penetrar rapidamente as defesas. Marchando em três colunas – o 18o Exército ao longo da costa, o Panzergruppe 3 no centro e o 16o Exército à direita, flanqueando as divisões mais setentrionais do Grupo de Exércitos Centro, ele penetrou rapidamente a Lituânia e, a 30 de junho, havia conquistado cabeças-de-ponte sobre o Dvina, ao longo do qual deveria estar a “Linha Stalin”. Varando-a, o Panzergruppe, depois de um ou dois movimentos falsos, chegou a Ostrov, do outro lado da fronteira russa, pré-1939, com a Letônia, a 4 de julho. Dez dias depois, sem se deter diante das concentrações russas com que foi esbarrando, o 41o Corpo do Panzergruppe 4 chegou à linha do Luga, o último obstáculo fluvial importante antes de chegar a Leningrado, situado a apenas 96 km da cidade.

 

O Grupo de Exércitos Sul, comandado pelo mais ortodoxo e talvez o mais impressionante dos oficiais generais alemães, o Feldmarechal Gerd von Rundstedt, enfrentara, do mesmo modo irresistível, as defesas russas no seu setor, ao sul do Pripet. Esse Grupo de Exércitos era misto, formado de uma massa de manobra setentrional de divisões de infantaria alemãs e de um Panzergruppe, o n° 1, tendo ao sul uma força de divisões romenas e um corpo húngaro. Estas tropas estrangeiras eram mal equipadas com armas francesas, fornecidas durante os anos da Pequena Entente. Cabia a estas divisões-satélites realizar uma penetração a leste dos Cárpatos, e depois marchar paralelamente aos exércitos alemães que avançavam pela estepe da Ucrânia. Seu objetivo era Kiev, um dos mais importantes centros industriais da URSS.

 

À penetração inicial do setor atribuído ao Grupo de Exércitos, realizado no começo de julho, seguiu-se um dos poucos contra-ataques em larga escala, montados pelo Stavka durante as primeira semanas do desastre. O 5o Exército russo, que se refugiara no Pripet, e o 6o Exército, que operava na imensa estepe, tentaram, acertadamente em termos de bom senso tático, cortar a cabeça da ponta-de-lança alemã, representada pelo Panzergruppe l, que avançava sobre Kiev em ataques concêntricos. Mas, na prática, as inexperientes formações russas mostraram-se incapazes de conter os alemães, que logo formavam flancos defensivos e, depois de reunir forças suficientes, rechaçavam os atacantes. O esforço russo salvou dois dos seus exércitos – o 12o e o 26o – do cerco, mas não alcançou o objetivo almejado. Ao contrário, mal deteve o avanço do Grupo de Exércitos, cujos Panzer, desimpedidos, tornaram a avançar velozmente, chegando a 16 km de Kiev a 11 de julho.

 

Os resultados da luta nas frentes dos três Grupos de Exércitos foram espetaculares. Os Grupos de Exércitos Norte e Sul chegaram à distância que um tanque poderia percorrer num dia, até seus objetivos principais, apenas um mês após o início da batalha. No setor do Grupo de Exércitos Centro, a luta resultara em grandes levas de prisioneiros e em baixas sem precedentes numa guerra, além de bater novos recordes em velocidade de avanço: a 15 de julho as pontas-de-lança do Grupo de Exércitos Centro estavam a quase 800 km a leste do ponto de onde haviam partido a 22 de junho. Era natural que esses resultados levassem o OKH e o OKW, na pessoa de Hitler, a crer que a “Batalha da Rússia” estava em quatro semanas praticamente terminada, e que só restava impedir a fuga de mais formações do derrotado Exército Vermelho para o leste. Todavia, ao decidirem como fazer isso e como atribuir tarefas às formações vitoriosas do Ostheer, - o Exército de Leste – seus comandantes viriam a entrar em sérias dissensões.

 

Hitler e seus generais discordam

 

A confiança de Hitler em seu poder de raciocínio militar desenvolveu-se a pouco e pouco. Ele provou estar certo – e seus generais não – quando revelou que a invasão da Renânia, em 1936, e da Áustria, em 1938, pelo exército alemão, não sofreria qualquer oposição. Também provou estar mais certo que seus generais ao prever o desenrolar e a duração da Blitzkrieg contra a Polônia, em 1939. Apesar de tudo isso, Hitler ainda não se sentia suficientemente seguro para, em questões estratégicas de grande envergadura, impedir que o Alto-Comando do Exército prevaricasse durante meses, no decorrer do inverno de 1939-40, sobre os planos para a invasão do Ocidente. As restrições do Alto-Comando não se restringiam à natureza ou sincronização do ataque. Eram feitas também à necessidade de sua efetivação, e até, como no caso de von Leeb, à sua moralidade. Tanto Brauchitsch, o Comandante-Chefe, como Halder, o Chefe do Estado-Maior (do OKH), tentaram persuadir Hitler, não uma vez, mas várias, de que a invasão da França pela Alemanha, sendo um ataque de uma potência mais fraca a outra mais forte, estava fadada a terminar em desastre. Mesmo depois de Hitler ter desprezado tais receios peremptoriamente, os generais procuraram protelar o início da operação, propondo planos palpavelmente irresolutos e avançando objeções técnicas às propostas mais promissoras inclusive do próprio Hitler.

 

Acontece que a vitória alemã no oeste, pela perfeição com que foi levada a efetivar-se, contribuiu muito para firmar o conceito de Hitler como estrategista, tanto aos seus próprios olhos como aos dos seus generais, pelo menos por algum tempo. Aliás, teria sido inconveniente pensar o contrário, para homens prontos a receber o bastão de Feld-marechal  das suas mãos (doze foram promovidos e nenhum deles recusou). Contudo, no fundo os estrategistas militares alemães tinham dúvidas sobre o talento de Hitler, no nível que eles denominam operativ, nível intermediário entre o da tática e o da estratégia: o nível em que as grandes decisões estratégicas são realmente levadas a cabo, apesar dos esforços do inimigo para frustá-las – em suma, no mais difícil de todos os níveis. O domínio da habilidade operativ, afirmavam os cérebros das forças alemãs, só depois de longos anos de experiência e treinamento, na paz e na guerra, seria perfeito, já que seu exercício exigia a mais íntima familiaridade com o funcionamento de todas as formações subordinadas de um exército. Hitler carecia, ou parecia carecer, dessa familiaridade. Daí as restrições que os generais faziam à qualidade do seu raciocínio militar, restrições que se apoiavam sobretudo nas demonstrações de insegurança que ele dava com freqüência no decorrer das operações no oeste. Uma destas demonstrações de insegurança está suficientemente constatada na decisão que tomou de deter as formações blindadas a pouca distância do perímetro de Dunquerque, no dia 26 de maio de 1940, quando a destruição da Força Expedicionária britânica estava ao alcance da Wehrmacht. Como sabemos, Hitler foi levado a tomar essa decisão a conselho de Rundstedt, um dos mais respeitados – e mais ortodoxos – líderes do exército alemão. Este fato, porém, não era do conhecimento dos militares, que viam em Hitler um homem dotado de espantosa perspicácia estratégica, mas inadequado para o controle de forças em campanha.

 

Realmente, seria estranho que tivessem qualquer outra opinião, independente das evidências, pois não é de conhecimento de causa e sensatez a demonstração que dá o Chefe de Estado que tenta dirigir por controle remoto operações militares de grande envergadura (como Hitler viria a fazer durante meses, e mesmo anos, até o fim da guerra). Também  era contrário aos interesses da Generalität alemã admitir que tal coisa fosse possível, pois significaria abrir mão de direitos e responsabilidades inerentes ao comandante de campo de batalha admitir que um homem, diante de um mapa, avaliasse melhor o moral de seus comandados, a força ou as debilidades do inimigo e determinasse, ainda a distância, todas as alternativas de uma batalha. A admissão desse fenômeno por parte do comandante eqüivalia a um esvaziamento total do cargo, a um rebaixamento à condição de simples mensageiro da vontade do Comandante Supremo.

 

A breve duração de todas as campanhas até então realizadas pela Wehrmacht havia impedido muita intervenção de Hitler na sua administração. Fator idêntico, ou talvez mais importante, fora a maneira extremamente fácil como os grandes planos estratégicos haviam sido postos em prática e obtido os resultados esperados. Durante o primeiro mês da “Operação Barbarossa” parecia que o padrão talvez viesse a repetir-se: a grande visão estratégica do Führer desenrolando-se majestosamente sob a direção perita do militar profissional, para quem seu criador olhava apenas de maneira benevolente e encorajadora.

 

Por volta de meados de julho começaram a surgir os primeiros sinais de que a alegre divisão de trabalho estava prestes a ruir por terra. Dados o caráter de Hitler e o vulto da campanha russa, não poderia ter acontecido outra coisa. Os números envolvidos e as distâncias a serem cobertas eram tão maiores aos que o exército alemão enfrentara até então; os objetivos a serem alcançados, tão dispersos; a meta a ser atingida tão mais grandiosa, que nenhum planejador, por mais atilado que fosse, e nenhum plano, por mais amplo que fosse, poderiam prever todas as contingências. Ao contrário, habilidades operativ da mais elevada ordem seriam necessárias para que ao inimigo fosse arrancada a vitória dentro dos limites de tempo instituídos por Hitler. Daí a maneira incipiente e inábil demonstrada pelas forças agora espalhadas pela estepe.

 

O meio de intervenção de Hitler nos assuntos militares era o OKW (Oberkommando der Wehrmacht), sobretudo na seção deste chamada Wehrmachtführungstab, dirigida por Jodl. Pelo menos no início, as responsabilidades do OKW não iam à atividade operacional e, na verdade, não deviam estender-se ao controle das operações na Rússia (embora assim o fizesse em “setores do OKW” como na África do Norte e, por estranha sutileza, na Finlândia). O controle diário dos exércitos em campanha era exercido pelo OKH (Oberkommando des Heeres), o Alto-Comando do Exército. Mas, naturalmente, era no OKW que Hitler realizava diariamente duas conferências sobre a situação, e era ali que os oficiais do OKH apresentavam seus relatórios.

 

Os dois oficiais chefes do OKH, Brauchitsch e Halder, embora, a princípio, lutassem bastante pela autonomia operacional do exército, não revelaram caráter suficientemente forte, infelizmente para o exército, para conseguir essa autonomia. Halder, o Chefe do Estado-Maior, era bastante inteligente para ver o que iria acontecer, ou melhor, o que estava realmente acontecendo, em virtude da sistemática intervenção de Hitler nas atribuições do OKH, mas era incapaz de combatê-lo. Brauchitsch, a quem cabia também opor-se a essa intervenção, era o último oficial de quem isto seria de esperar, já que construíra sua carreira bajulando Hitler. Indicado como sucessor de Fritsch, demitido por falsas acusações de imoralidade, em 1938, Brauchitsch imediatamente concordou com a remoção de vários outros oficiais generais, que seus novos senhores consideravam inaceitáveis. Daí em diante, não manifestou nunca disposição para discutir nada que viesse de Hitler. A única vez que se encorajou a arriscar um mas, recebeu uma espinafração tão forte, que decidiu nunca mais arriscar-se.

 

Mas, seja qual for o objeto preponderante no comportamento dos generais germânicos, deu-se inevitável diferença de opinião entre ele e seus comandantes em campanha. Este choque de opinião assemelha-se muito ao que deu também no Alto-Comando Aliado na França, três anos depois, quando, após a destruição do Westheer (o Exército de Oeste), na Normandia, Montgomery e Eisenhower discordaram sobre a melhor maneira de explorar a primeira vitória obtida. Montgomery era por uma “Frente Estreita”, um avanço ao longo de um eixo nordeste, tendo tropas britânicas como ponta-de-lança e apoiado por todos os recursos em transportes e abastecimento à disposição dos Aliados, visando a penetrar a Muralha Ocidental alemã e capturar o Ruhr, seu centro industrial. Eisenhower, preocupado com os efetivos das forças inimigas que haviam escapado à destruição ou ao cerco na Batalha da Normandia, e temeroso de que os recursos logísticos dos Aliados não pudessem estender-se até onde Montgomery queria levá-los, defendia um avanço de “Frente Ampla”, para que os exércitos aliados se pegassem com o inimigo na maior frente possível, abrissem vários caminhos até a Alemanha e tomassem bases de onde pudessem envolver o Ruhr, em lugar de penetrá-lo

 

Esta analogia não é lá muito perfeita, porque, como veremos, Hitler procurava para o problema russo solução muito mais drástica do que a que Eisenhower buscava para o seu; mas Montgomery e os generais alemães esposavam pontos de vista e atitude igualmente radicais, ao mesmo tempo que, no respeitante à logística havia importantes similaridades entre as duas situações, que passaram despercebidas, a de 1941 e a de 1944. Isso porque o exército alemão se via em grande parte obrigado ao uso das estradas para transportar seus suprimentos, tal como aconteceria com os Aliados em setembro de 1944. O caso primeiro não se devia aos efeitos destrutivos dos seus ataques aéreos contra o sistema ferroviário russo, e sim à necessidade de reduzir a bitola dos trilhos russos (159 cm) para o padrão europeu ocidental (143 cm). Todavia, tal como acontecia com Montgomery, os líderes dos Panzer não queriam saber de queixas sobre as dificuldades de transportar suprimentos, por estradas ruins, semidestruídas pela guerra, de bases distantes até uma linha de frente que não parava de mudar de lugar.

 

A primeira vez que Hitler insinuou raciocínio que o levaria a sérios conflitos com seus generais foi a 8 de julho, quando deixou claro estar pensando em tentar capturar a Ucrânia, em lugar de Moscou e Leningrado, aparentemente por causa dos resultados econômicos que isto oferecia. A medida, porém, envolvia uma inversão das prioridades estratégicas estipuladas pela Ordem da “Operação Barbarossa”(Diretiva do Führer n° 21), que prescrevia a destruição do Exército Vermelho da Rússia ocidental como seu primeiro objetivo, a tomada de Leningrado e a costa do Báltico com objetivo n° 2, vindo Moscou em terceiro lugar, a menos que circunstâncias formidáveis possibilitassem a montagem de operações simultâneas dirigidas contra duas cidades ao mesmo tempo. De qualquer modo, a Ucrânia só depois de tudo isso realizado é que seria visada.

 

Já em meados de julho era evidente que a destruição do exército russo seria tentada não apenas através de pinças dos Panzer. Particularmente perturbadora era a presença de um remanescente da força de proteção soviética, representada pelo 5o Exército, dentro dos Pântanos do Pripet. Exames posteriores revelariam que seu poder de ataque era pequeno, mas as ameaças representadas por ele contra os flancos do Grupo de Exércitos Centro, situado ao norte dos pântanos, e do Grupo de Exércitos Sul, postado ao sul dele, eram o bastante para subentender que as linhas de comunicação de retaguarda desses dois grandes agrupamentos corriam perigo. Além disso, as próprias linhas de comunicação do 5o Exército soviético, que o ligavam ao interior, continuava, abertas.

 

A 19 de julho Hitler emitiu importante Diretiva, destinada a esclarecer a situação, reiterando que o objetivo básico da operação era destruir o Exército Vermelho a oeste da linha Dnieper-Dniester, particularmente o 5o Exército Vermelho, no Pripet, e os 6o e 12o Exércitos,  na Ucrânia, mas estipulava que estas tarefas tinham de ser realizadas através do desvio par o sul de grande parte dos efetivos de Panzer do Grupo de Exércitos Centro. Ele concertaria ataques com as forças do flanco norte (o 6o Exército alemão e o Panzergruppe 1 de Kleist) do Grupo de Exércitos Sul. O resto dos blindados do Grupo de Exércitos Centro entraria em contato com o Grupo de Exércitos Norte e apressaria a marcha sobre Leningrado.

 

Estava em curso nova interferência de Hitler no controle operacional em escala maciça. Mas nem Brauchitsch nem Halder tentaram discutir o problema com ele naquele momento. Aliás, é perfeitamente possível que ainda uma vez estivessem de acordo com ele, com referência ao curso dos acontecimentos. Quem reagiria, violentamente, contra a tentativa de cercear o alcance da penetração nas fracas defesas russas e a progressão para leste, seriam os comandantes de nível mais inferior, notadamente os comandantes de Panzer e, em particular, Guderian, do Panzergruppe 2.

 

Mas eles ainda não tinham meios de fazer chegar seus sentimentos a Hitler, que, cada vez mais alarmado com a intransigência das formações russas cercadas, e talvez já começando a comparar as virtudes da aquisição de território com a destruição de forças inimigas, emitiu, a 23 de julho, um suplemento à Diretiva do Führer n° 33, que insistia na importância da destruição de forças. Ela adiava o ataque a Moscou até que as operações de limpeza em torno de Smolensk tivessem terminado, e teria posteriormente confiado a missão às formações de infantaria. Como as unidades avançadas de infantaria do Grupo de Exércitos Centro ainda estavam pelo menos a uns 350 km da capital, este trecho da Diretiva pretendia claramente expressar mais aspiração do que uma real intenção.

 

Todavia, a principal concentração de forças russas continuava sendo a da frente do Grupo de Exércitos Centro, comandada pelo Marechal Timoshenko, que desfecharia contra ele uma arremetida vigorosa mas inoportuna, na terceira semana de julho. Na luta que se seguiu, as unidades Panzer de Guderian e Hoth sofreram baixas que não podiam sofrer, já que apenas o desgaste provocado pelo avanço reduzira seus efetivos de tanques em 50 %.

 

Aí estavam provas de apoio da opinião de Hitler, que o OKH de modo algum refutava, de que “os russos não serão vencidos em encontros de grandes proporções, não se entregam em grandes levas, porque simplesmente não sabem reconhecer quando estão batidos. Portanto, eles têm de ser esmagados aos bocados, por meio de pequenas operações táticas”(26 de julho). De acordo com esse raciocínio e com linhas gerais estipuladas no suplemento à Diretiva n° 33, Brauchitsch expediu ordens detalhadas ao Q-G operacional.

 

No tocante às operações do Grupo de Exércitos Centro, ficou por ele estabelecido que esse grupo primeiramente destruiria o 5o Exército soviético no Pripet, usando os Panzergruppen. Guderian, que fora chamado do seu posto de comando para receber essas ordens, numa conferência dos comandantes de Exército do Centro, no Q-G de Novi Borisow, ficou ressentido com o que naturalmente considerava mau emprego dos seus tanques. Entretanto, tendo também sido promovido a comandante de exército nessa reunião (sendo, por isso, seu Panzergruppe rebatizado Armeegruppe Guderian), ele decidiu não prender-se às instruções que lhe foram delineadas na conferência. Nessa decisão, ele seria muito ajudado pelo fato de que sua promoção o libertava do controle de Kluge, o comandante do 4o Exército; ambos se detestavam mutuamente. Essa promoção subordinava-o apenas a Bock, cujo Q-G estava consideravelmente mais à retaguarda que o de Kluge e cujas idéias sobre a guerra blindada se assemelhavam mais às suas.

 

A técnica que Guderian escolheu como meio para descumprir as ordens que lhe pareciam erradas pertence a uma venerável tradição na história das desobediências militares. Ele iniciou a batalha de modo que se tornou impossível, pelo menos pela maneira como se apresentaram os acontecimentos, livrar suas forças até que tivesse vencido. O ponto onde ele resolveu organizar a “ação de retardamento” foi Roslavl, uma pequena cidade situada a 110 km a sudeste de Smolensk, entre o Desna e o Dnieper, onde as estradas para Moscou, Leningrado e Kiev se encontram.

 

Os motivos alegados por Guderian, à parte conquistar um ponto nodal tão valioso, era o rompimento do que ele declarou ser uma concentração ameaçadora de divisões russas em torno da cidade. As divisões, talvez em número de quatro ou cinco, por certo existiam, mas parece improvável que fossem a ponta-de-lança de grande contra-ataque, como Guderian insistia em chamá-las. Na realidade, elas haviam sido reunidas para penetrar o bolsão de Smolensk, fosse para livrar ou para reforçar as unidades ali presas.

 

A recorrer a essa evasiva, ele forçou a aprovação, implícita ou explícita, de Bock, seu comandante de Grupo de Exércitos, que não poderia ver com bons olhos um desenvolvimento de forças capaz de lhe arrebatar o papel principal na frente russa. Também houve aprovação tácita do OKH, cujo representante, comparecendo ao Q-G de Guderian a 31 de julho, lhe dissera indiretamente que o exército não seria hostil a certa resistência, na linha de frente, à tendência de Hitler de intrometer-se em assuntos operacionais.

 

Independente da atitude de Kluge, Bock ou Halder, ou mesmo de Hitler, parece improvável que Guderian tivesse concordado com qualquer decisão que dispersasse os grupos Panzer que operavam no que ele considerava ser o eixo decisivo, nem com um plano que os desviasse ainda que temporariamente para outras frentes. Afinal de contas, Guderian praticamente criara as forças Panzer sozinho, por certo estava mais intimamente identificado com os princípios da tática da Blitzkrieg do que qualquer outro general alemão, e tinha confiança ilimitada na sua eficácia. Para o general dos Panzer, a constante preocupação quanto à segurança dos próprios flancos ou tentativas de alcançar objetivos secundários, de passagem, eram igualmente odiosas. O que contava era a velocidade ao longo da linha de ataque principal, pois era isto que deixava o inimigo sem fôlego, provocava a desorganização em suas fileiras, aumentava o espanto dos seus soldados, cortava suas linhas de aproximação da frente ameaçada e destruía a infra-estrutura do seu sistema de abastecimento e transporte. Por todos os motivos, Guderian opunha-se previsivelmente ao encerramento do avanço sobre Moscou, agora situada a 350 km das patrulhas avançadas das suas tropas Panzer. Elas haviam percorrido 700 km em seis semanas. Levaria mais tempo para capturar Moscou?

 

Todavia, na mesma noite em que Guderian iniciou a ofensiva de Roslavl, chegou outra Diretiva do Führer, a de n° 34, afirmando que Hitler reconsiderando assunto tratado na anteriormente baixada, determinava que os grupos Panzer do Grupo de Exércitos Centro não deviam ser emprestados a qualquer outro setor das forças em operação. O parágrafo principal dizia o seguinte: “O desenrolar da situação nos últimos dias, o aparecimento de forças inimigas mais poderosas na frente e nos flancos do Grupo de Exércitos Centro, as condições do abastecimento e a necessidade de dar aos Panzergruppen 2 e 3 cerca de dez dias para restaurar suas unidades, tornam necessário adiar temporariamente as outras tarefas e objetivos”. Os Grupos de Exércitos Norte e Sul teriam de se arranjar com as forças então sob seu comando e avançar.

 

O raciocínio de Hitler, ainda que diferisse do esboçado na diretiva, não ficara claro. Contudo, pode ser que ele tivesse aceito a inevitabilidade de certo adiamento nesse momento (o sistema logístico alemão estava muito desorganizado e, por certo, não poderia abastecer os Panzer num avanço de 320 km), e decidiu aproveitar o tempo do adiamento para uma visita aos Q-G de operação para colher impressões pessoalmente das circunstâncias e ouvir opiniões. A 4 de agosto, ele visitou o Grupo de Exércitos Centro, em Novi Borosow. Embora não o soubesse, foi uma visita arriscada, pois a equipe de Bock incluía vários membros daquele grupo de jovens oficiais que estavam planejando (ainda que de modo amadorístico) derrubar Hitler do poder. Como não pretendia fazer violência contra ele, e como, naturalmente, os guardas SS não permitiam que se aproximassem dele, seus esforços nessa ocasião fracassaram. Não obstante, era um presságio do que viriam a tentar, com crescente determinação, nos três anos seguintes.

 

De sua parte, Hitler fez questão de entrevistar separadamente cada um dos comandantes de exército em Novi Borosow, para que o conjunto das objeções à sua estratégia não superasse a defesa que ele fazia da mesma. Era uma precaução sensata: quando perguntou a Bock, Guderain e Hoth (comandante do Panzergruppe 3) quanto tempo cada um deles precisaria para preparar seu avanço sobre Moscou, Bock declarou-se pronto para iniciar imediatamente, mas Guderian pediu uma quinzena e Hoth, três semanas. Reunidos, eles foram incapazes de oposição convincente ao plano de Hitler, e, mesmo de obter dele a promessa de envio de quantidades satisfatórias de tanques ou peças sobressalentes para substituir os destruídos ou desgastados na avanço. E isto, apesar da extraordinária confissão de Hitler a Guderian, de que “Se tivesse sabido que os números dos efetivos de tanques russos que você deu em seu livro (Achtung! Panzer! 1937) eram de fato verdadeiros, creio que não teria começado esta guerra”. Hoth, cujo Panzergruppe 3 realizara tanto ou mais que o de Guderian, reagiu ao protesto de Hitler contra o avanço sobre Moscou preparando obedientemente seu Panzergruppe para transferência para a frente do Grupo de Exércitos Norte. Nem Guderian nem Bock, nem mesmo o OKH, que agora apoiava firmemente a opção de Moscou, mostraram a mesma flexibilidade. Na verdade, durante o espaço de tempo chamado de “interregno de 19 dias”, Guderian pouco fez de positivo após a visita de Hitler ao Q-G do Grupo de Exércitos Centro; seu objetivo, ao que parece, teria sido conservar o máximo de forças na frente de Moscou perto de Roslavl, enquanto se desviava relutantemente para a direita, na direção do Grupo de Exércitos Sul, como um gesto de obediência às ordens de Hitler.

 

O Alto-Comando russo parece ter compartilhado a opinião de Guderian, pois manteve seus maiores efetivos na frente do Grupo de Exércitos Centro e enviou grande número de reservas a Timoshenko, o comandante daquele setor. Contudo, nessa época, as reservas raramente passavam de grupos de homens treinados à pressa, reforçados por quadros de unidades de treinamento vindas do interior, ou as divisões já desfalcadas na luta. Estes foram os tipos de reservas que reforçaram a Frente Sudoeste, comandada por Budenny, que começava a assediar o Stavka com pedidos para evacuar o 5o Exército da sua posição no Pripet, e juntá-lo à sua força disponível. O Stavka, porém, fez-lhe ver que se o ataque alemão cessara, ainda que momentaneamente, isto se devia, pelo menos em parte, à presença do 5o Exército nos flancos internos dos Grupos de Exércitos Centro e sul. Por isso, não permitiu que Budenny o recusasse, embora ordenasse a criação de outra grande formação, a Frente de Bryansk, que ocuparia a brecha existente entre os comandos de Budenny e Timoshenko.

 

Acontece que não era acertada a decisão do Stavka, embora apoiada em razões certas. Qualquer interpretação das intenções alemãs, em termos dos métodos da Blitzkrieg, que pareciam haver-se tornado sua ortodoxa tática e estratégica, apontaria Moscou como o objetivo do seu esforço, no estágio secundário da campanha. Mas o que o Stavka não podia saber é que Hitler passara a duvidar da validade dos métodos da Blitzkrieg nas vastidões russas. À parte a opinião que tinha sobre os russos, de que teriam que ser derrotados e esmagados aos bocados, em pequenas operações táticas, Hitler se sentia bastante atraído pelas presas de grande significação econômica representadas pelas regiões do Báltico e da Ucrânia. A perda destas regiões de tal modo afetaria nos russos a capacidade de produção de recursos bélicos, dizia ele, que as batalhas pela sua posse seriam tão decisivas quanto qualquer outra batalha de cerco dos seus setores mais fortemente defendidos.

 

Mas, o OKH e o OKW, temporariamente concordes, após uma reunião entre Halder e Jodl, a 7 de agosto, conseguiram convencer Hitler a emitir uma alteração da Diretiva do Führer n° 34, a 12 de agosto. Essa alteração visava ao reinício do avanço sobre Moscou, para talvez no final daquele mês. Mas quando o Grupo de Exércitos Norte sofreu alguns reveses locais, a oeste de Leningrado, três dias depois, isto tornou a despertar nele o medo de não conquistar esses prêmios materiais muito valiosos e fê-lo emitir outra contra-ordem, destacando divisões Panzer do Grupo de Exércitos Centro para a Frente Norte.

 

Para Bock, essa ordem era uma “exigência impossível”, pois as divisões blindadas a serem destacadas ou estavam sendo renovadas ou em combate com os russos, e assim Bock procurou o apoio de Halder. Este, vendo que Brauchitsch não se dispunha a agir, reuniu os oficiais mais jovens da seção de operações e pediu que preparassem uma apreciação por escrito. Concluíram esses oficiais que um ataque a Moscou ainda oferecia a melhor oportunidade de terminar a campanha de maneira rápida e decisiva. Halder a transmitira e mandara o Coronel Heusinger, principal autor da apreciação solicitada, conferenciar com Jodl. A conversa que mantiveram embora só conheçamos a versão de Heusinger, dá bem uma idéia da atmosfera reinante nos dois Q-G rivais (embora temporariamente aliados). Jodl declarou que “Hitler tem uma aversão instintiva a seguir o mesmo caminho de Napoleão. Moscou lhe dá uma sensação sinistra. Receia a possibilidade de luta de rua em rua, com a cidade em chamas, e que nessa luta possa o exército perder-se”. Heusinger alegou que, apesar disso, o exército alemão tinha de se bater ali, e quando Jodl objetou que a intuição do Führer “em geral estava certa”, Heusinger focalizou o caso de Dunquerque, afirmando que “uma vez mais perderemos uma oportunidade decisiva”.

 

Hitler reagiu de duas maneiras à apreciação dos oficiais de operação do OKH: emitiu, através de Jodl, uma nova instrução estratégica que mandava os dois Grupos de Exércitos externos avançar para seus objetivos, Leningrado e Kiev – a Criméia – a bacia do Donetz, e o Grupo de Exércitos Centro ajudá-los em seu avanço; estipulava, em particular, “uma operação concêntrica, partindo dos flancos internos dos Grupos de Exércitos Sul e Centro, contra o 5o Exército soviético”. Ele também preparou e enviou a Brauchitsch, o Comandante-chefe, um estudo tático da campanha que censurava o exército em geral (e Brauchitsch em particular); o primeiro pela inépcia demonstrada em manobrar as forças móveis e o último por não ter “o domínio necessário”. Halder instou com Brauchitsch que se demitisse, afirmando que faria o mesmo se ele quisesse, mas o desalentado feldmarechal (expressando um sentimento que explica perfeitamente o motivo por que o exército alemão, sob sua liderança, só apresentava resquícios da sua velha e altaneira independência) recusou-se a formular o pedido de demissão alegando que não seria aceito e que, portanto, nada adiantaria.

 

Guderian, o mais insistente advogado da ofensiva de Moscou, negava-se  peremptoriamente a calar-se, por estar convencido de que seus Panzer poderiam chegar à capital e que, à sua aproximação, os russos, agrupando tudo para defender a sede do governo e centro de suas comunicações, se exporiam em massa ao ataque decisivo. Halder, que levava a Bock e a seus subordinados no Grupo de Exércitos Centro, a 23 de agosto, a decisão de Hitler, persuadido pela entusiástica exposição de Guderian, concordou em que este o acompanhasse de volta ao Q-G em Rastenburg, para que este a apresentasse pessoalmente a Hitler. Ambos partiram imediatamente.

 

Chegando a tempo de comparecer à reunião vespertina de Hitler, eles foram recebidos por Brauchitsch, que para princípio de conversa foi logo dizendo: “Proíbo-lhe de mencionar a questão de Moscou ao Führer. Já se deu ordem para a operação contra o sul (o ataque a Kiev). O problema agora é apenas a maneira como deverá ser realizada. É inútil discutir”. Com isso, Guderian “pediu permissão” para retornar à frente, mas Brauchitsch insistiu para que ele informasse a Hitler sobre a situação do seu Panzergruppe, “mas sem mencionar Moscou”. Assim fez Guderian, mas com tantas insinuações sobre o que entendia ser o objetivo principal”, que o próprio Hitler tocou no assunto. Instado a falar, Guderian esboçou a estratégia do “ataque central” com toda a precisão e capacidade de persuasão que podia, pormenorizando todos os passos a serem dados. Hitler ouviu-o até o fim, e depois, numa resposta que incluía a frase “meus generais nada sabem sobre os aspectos econômicos da guerra”, que Guderian não ouvira antes, explicou a vantagem econômica que via na captura da região industrial meridional, desde Kiev até Kharkov, e de neutralizar a Criméia, de onde, segundo temia, a Rússia poderia montar ataques aéreos aos campos petrolíferos romenos.

 

Vendo que os cortesões de Hitler lhe negavam qualquer palavra de apoio, e concordavam. Com gestos e sussurros, com tudo o que Hitler dizia, Guderian desistiu de argumentar. Nem Brauchitsch nem Halder o haviam acompanhado à conferência. Mas quando, na manhã seguinte, Guderian pôs Halder a par do que se passara, falando-lhe inclusive de sua decisão de concordar inalterável, do Führer de mudar o eixo do ataque para Kiev, e de seu pedido, aceito por Hitler, para que seu Panzergruppe entrasse em combate intacto, Halder teve o que Guderian descreveu como “total colapso nervoso”.

 

Perseguido por suas recriminações e, aliás, alcançado por elas, pois Halder comunicaria uma versão muito prejudicial dos acontecimentos ao Q-G do Grupo de Exércitos Centro enquanto Guderian ainda estava a caminho, este chegou ao seu Panzergruppe a 24 de agosto, com o propósito de terminar a operação de Kiev de modo rápido e cabal, para ter tempo de reiniciar um ataque “decisivo” a Moscou antes que o tempo realmente esfriasse. O exército alemão só teria mais dois meses e meio à disposição.

 

A batalha no sul

 

O Grupo de Exércitos Sul, que passara ao papel principal na tentativa de Hitler de destruir o Exército Vermelho, vinha fazendo até então campanha mais ou menos obscura. Malograra no intento de conseguir uma penetração rápida e profunda, em parte devido à falta de blindados, pois ele controlava só um Panzergruppe (o n° 1, comandado por Kleist), em parte por estar sobrecarregado por um grupo de divisões-satélites de várias nacionalidades e por uma mistura de equipamentos, na maioria obsoletos. Em ordem ascendente de importância, estas divisões estrangeiras eram: uma divisão motorizada eslovaca, um corpo motorizado húngaro (de três brigadas), um corpo expedicionário italiano (de três divisões), o 4o Exército romeno, com 13 divisões, e outro Corpo romeno, de tropas de cavalaria e de montanha, sob comando alemão.

 

Mas o fracasso que colhera na tentada penetração também se devera à largura da frente em que se batia, quase 1000 km, de norte a sul. Além disso, a frente não estava de modo algum mal defendida, pois quatro exércitos russos cobriam a posição apoiados por quatro corpos mecanizados e mais dois de reserva. Complicada e difícil era também a multiplicidade de objetivos que a “Operação Barbarossa” dera a Rundstedt. Sua ala norte, carregando o grosso das unidades alemãs, teria de forçar a fronteira e dividir seu eixo de avanço, o 6o Exército e o Panzergruppe 1 de Kleist avançando para leste, para o Dnieper, abaixo de Kiev, enquanto o 17o Exército se dirigia para sudeste, até o Dnieper, abaixo de Vinnitsa. Então, as duas garras da pinça se encontrariam do outro lado do rio e se fechariam firmes em torno dos russos cercados por elas. Enquanto isso, a ala sul, composta do 11o Exército e das formações-satélites, depois de haver protegido o flanco da ala norte contra qualquer tentativa russa de realizar manobra de envolvimento, se dirigiria para leste, romperia a resistência russa na Ucrânia meridional, se apossaria da costa do Mar Negro e formaria uma frente ao longo do rio Dnieper.

 

Estes planos eram sem dúvida ambicioso, sobretudo porque o eixo de avanço da ala norte, pelo menos de início, estava bastante restrito, pois se localizava entre os Pântanos do Pripet, ao norte, e os Cárpatos, ao sul. Se o general Kirponos, Comandante russo do Distrito Militar de Kiev, tivesse empreendido bem o plano de cobertura, poderia perfeitamente ter martelado Rundstedt por várias vezes durante a passagem através do apertado caminho que vinha seguindo, e talvez até mesmo o tivesse detido. Mas, como estava acontecendo em outros locais, ele permitiu que suas forças de cobertura só aos poucos fossem chegando para a batalha desde o primeiro dia, em lugar de agrupá-las para um maciço contra-ataque. Assim, ele assistiria à destruição de todas elas.

 

A primeira parte de sua idéia era boa, sugerindo que ele estudara a Blitzkrieg alemã contra a França e sentira a melhor maneira de neutralizá-la – o que, naturalmente, é feito penetrando o flanco das colunas blindadas enquanto estas estão passando, se possível com força blindada igual ou maior. Por isso, ele determinou que os outros três corpos mecanizados que estavam de reserva se juntassem ao seu 22o Corpo Mecanizado em Rovno. Mas, antes que se pudessem concentrar, ele foi obrigado a empenhar o 22o em combate. Esse corpo foi consumido, porque suas guarnições inexperientes e seus veículos obsoletos não eram adversários para os veteranos de Kleist com seus tanques Mark IV. Além disso, quando atacados, os alemães normalmente faziam o jogo que em breve se tornaria familiar aos esquadrões de blindados britânicos no deserto ocidental: recuar para atrair o inimigo até uma linha impenetrável de canhões de 88 mm. Foi assim que outro corpo mecanizado de Kirponos, o 15o , que partira para o ataque de sua área de concentração no sul, também foi destruído com rapidez. E quando as três divisões foram trazidas da reserva para a zona de batalha, nos dias 25 e 26 de junho, também foram seriamente marteladas, obrigadas a ceder terreno e abandonar homens e equipamentos em profusão. Várias dessas perdas se deveram à inépcia da liderança. “O Comissário de Corpo, Vashugin, recebeu ordens de Kirponos para montar um contra-ataque com uma divisão e meia de tranques tiradas do IV Corpo de Vlasov, levou os tanques para um pântano, onde tiveram de ser abandonados. Vashugin suicidou-se”. O Stavka, preocupado com a rapidez com que Kirponos estava acabando com seus blindados, deu-lhe ordem a 30 de junho, para recuar para a fronteira de 1939, que era fortificada, e “organizar uma defesa vigorosa com ênfase em artilharia antitanque”.

 

Todavia esta não seria a última tentativa da Frente Sudoeste de amputar a ponta do ataque dos Panzer de Kleist. Na segunda semana de julho, o 5o Exército, que fora obrigado a recuar da sua posição de cobertura da fronteira para os Pântanos do Pripet meridional, saiu daquela região impenetrável para atacar o Panzergruppe 1 perto de Zhitomir. No mesmo instante, o 6o Exército russo atacou na direção de Berdichev, ao norte, tentando unir-se ao 5o. Os alemães, que em dois anos de conflito haviam desenvolvido táticas gerais consideráveis, puderam escapar desse ataque violento e concentrado, muito embora a princípio estivessem em inferioridade numérica. O tanque T-34, que os alemães viriam a respeitar, tanto que pensaram em copiá-lo e produzi-lo em massa para suas divisões Panzer, apareceu pela primeira vez nesse contra-ataque. Desta feita, porém, o controle tático defeituoso e o poder de penetração do canhão antiaéreo de 88 mm, disparando com elevação zero, anularam seu efeito. Seriamente maltratado, o 6o Exército recuou para o sudoeste, enquanto o 5o Exército se retirou novamente para o norte, para os Pântanos do Pripet, onde sua presença dificultaria seriamente o desenvolvimento da estratégia alemã nas seis semanas seguintes – apesar do fato de que seu poder de ataque fora muito enfraquecido. As conseqüências da retirada excêntrica do 5o Exército ainda não estavam claramente visíveis, pelo menos para o Estado-Maior do Grupo de Exércitos Sul, que tinha os olhos voltados para o desenvolvimento russo à sua frente. Budenny, o brilhante mas teimoso cavalariano que a 10 de julho Stalin nomeara para comandar a Frente Sudoeste, tendo Nikita Kruschev como seu comissário político, optara pela concentração do grosso das suas forças disponíveis, que aumentavam a cada dia, com os reforços enviados por Stalin, no que ele considerava o setor mais vulnerável e vital da frente de batalha, em dois pontos muito distantes um do outro: Kiev e Uman. Kiev, a capital da Ucrânia, e antiga capital da Rússia, era decididamente o mais tentador desses dois pontos nodais. Todavia, Rundstedt resolveu que ela não deveria ser atacada. Suas razões eram várias, mas coerentes: a cidade estava fora do eixo principal dos avanços dos dois Grupos de Exércitos, situado mais ou menos numa direção sudeste, para o Mar Negro e as partes baixas dos grandes rios do sul da Rússia, o Bug, o Dnieper e o Donetz. Seria preciso importante desvio de forças para investir contra ela e capturá-la, pois a cidade era grande e bem defendida; além disso, essa operação envolveria algumas das divisões Panzer em luta muito cerrada, quando perdiam eficiência, e num momento em que deveriam estar aprofundando a penetração alemã. Por isso, ele deu ordens para que as duas divisões Panzer mais próximas, as 13a e 14a , comandadas pelo general Mackensen, só atacassem se as oportunidades fossem as mais favoráveis.

 

Enquanto isso, Rundstedt estava sondando uma abertura mais ao sul. Embora não fosse um general de Panzer (sendo o mais antigo dos generais, na ativa, do exército alemão, seu raciocínio tático fora formado muito antes de o tanque haver atingido a maioridade) ele, não obstante, sabia permitir certa autonomia a seus comandantes de Panzer, e quando Kleist o alertou para um ponto vulnerável que percebera na linha russa que protegia a ferrovia principal na frente de Budenny, ele lhe deu permissão para explorá-la. Kleist atravessou-a rapidamente e avançou para leste, para flanquear as áreas de concentração em torno de Uman, vindo pelo norte. Apesar da ameaça que esta penetração representava para as forças russas ali concentradas, Stalin e Budenny continuaram a reforçá-las, ao tempo que se preparavam para desfechar outro dos malfadados contra-ataques que haviam custado tão caro ao Exército Vermelho, no mês anterior. A força destacada para este novo ataque era o 26o Exército, que, com negligência típica dos oficiais de Estado-Maior russos da primeira Guerra Mundial, permitiu que sua ordem de operações caísse em mãos inimigas. Quando seu contra-ataque começou, a 20 de julho, os alemães o dispersaram facilmente, sobretudo devido à imperfeita maneira frontal com que foi desfechado.

 

A tendência das operações de Kleist começou a tornar-se clara até mesmo para os russos. Era evidente que ele se dirigia para a ferrovia Kiev-Dnepropetrovsk, cuja posse isolaria Uman pela retaguarda. A 25 de julho os tanques mais avançados de Kleist entraram em Novo Ukraina, e a 30 do mesmo mês estavam firmemente estabelecidos na ferrovia, entre aquela cidade e Kirovo, situada ao norte. O único caminho de fuga, ainda aberto aos 6o , 12o e 18o Exércitos, depois desse golpe, situava-se a sudeste, ao longo do curso inferior do rio Bug até o Mar Negro, em Nikolaev. Ele oferecia uma oportunidade que os russos pareciam estar decididos a recusar, e por volta de 3 de agosto estava claro que eles haviam esperado demais. Schobert, o comandante alemão da ala direita, ou “satélite”, do Grupo de Exércitos Sul, depois de conquistar cabeças-de-ponte na outra margem do Bug, conseguira encontrar um modo de flanquear uma decidida força russa que bloqueava duas das suas próprias divisões e mandou-as descer o rio até Pervomaisk. Foi ali, a 3 de agosto, que elas entraram em contato com os elementos avançados do 14o Corpo Panzer, que Kleist enviara para o sul, especialmente para encontrar-se com elas.

 

A região do Uman transformou-se num bolsão, ou caldeirão (Kessel), como o exército alemão o chamava. A tarefa seguinte era fechar firmemente seus lados porque, como sempre acontecia com os cordões feitos apenas por unidades blindadas e motorizadas, as posições de bloqueio dos alemães ainda não eram à prova de fugas. Somente a 8 de agosto, quando as divisões de infantaria dos 11o e 17o Exércitos finalmente ficaram à frente dos blindados, após dias de marcha em estradas abomináveis e sob um sol escaldante, é que Rundstedt se convenceu de que realizara um cerco igual aos conseguidos pelos exércitos de Bock na Frente Central. As baixas que ele infligira ao inimigo montaram a 15 divisões de infantaria, 5 blindadas e 103.000 prisioneiros.

 

Este sucesso alemão no setor superior da frente do Grupo de Exércitos Sul liberou o setor inferior, o costeiro, para os romenos. O foco mais tentador para o ataque era a base naval de Odessa e, assim, o Stavka decidiu defendê-la até o fim. Começou por ordenar a construção de uma área de defesa com três linhas de profundidade, com instalações para mais de cem batalhões. O 4o Corpo romeno chegou às proximidades da fortaleza no começo de agosto e completou o sítio dessas defesas formidáveis no dia 14 daquela mês. A cidade encontrava-se isolada por terra, mas o sítio, que duraria 64 dias, cobraria baixas insuportáveis para os romenos, que já haviam sofrido pesadas perdas nas lutas da fronteira.

 

A batalha de Odessa, como acontecia com muitos cercos, viria a transformar-se num caso separado. Em seus primeiros momentos, contudo, teve um efeito crítico sobre a luta em geral na frente de Budenny, pois a decisão do Stavka de concentrar forças dentro das suas linhas representaria sérias dificuldades para a defesa do Bug e do Dnieper. O fato era ainda mais sério porquanto, no mesmo instante, permanecia desguarnecida outra brecha que se abrira ao norte de Kiev, por volta de meados de julho, quando as Frentes Central e Sudoeste começaram a separar-se sob a pressão alemã. Kiev, uma vez a mais importante concentração de tropas russas, em toda a frente de batalha, encontrava-se entre o Báltico e o Mar Negro, estava tentadoramente vulnerável a um cerco duplo.

 

Stalin e o Stavka, que não desconheciam o risco que corriam de serem isoladas as Frentes Central e Sudoeste, determinaram a criação, a 16 de agosto, da nova Frente de Briansk, para fechar a brecha entre as duas. O comando da Frente criada foi entregue ao General Yemerenko, embora recebesse apenas dois exércitos de infantaria, mais a promessa de outros que já haviam enfrentado o inimigo.

 

Entrementes, o Stavka concedeu a Budenny a permissão que a dias vinha pedindo para retirar todas as suas unidades da margem oeste para leste do Dnieper. O 37o Exército ficaria em Kiev, enquanto o 5o Exército, finalmente liberado da sua vigília no Pripet, e o 14o Exército, uma formação composta de unidades já cansadas de lutar, recebiam ordens para formar uma frente ao longo da linha Kharkov-Konotop-Chernigov, como precaução adicional contra qualquer tentativa dos alemães de penetrar a brecha entre os Comandos Central e Sudoeste.

 

Essa ameaça estava em curso, pois Guderian, que já redeslocara seu Panzergruppe para um eixo mais meridional, estava pronto para dirigi-lo rumo a Kiev. Mas, no mesmo dia em que Guderian deixara o Q-G de Hitler, malograda a tentativa de convencê-lo a avançar contra Moscou, Stalin informou a Yemerenko sobre a importância que Stavka dava ao contra-ataque que ele iria desfechar. Stalin falou-lhe dos novos equipamentos que lhe seriam enviados: vários batalhões de tanques T-34 e alguns dos novos foguetes Katyusha, um morteiro de vários canos que disparava projéteis leves, estabilizados por aletas e dotados de grandes ogivas explosivas. A dissolução da Frente Central, a 25 de agosto, contribuiu com mais dois exércitos para sua ordem de batalha, os 13o e o 21o. Infelizmente, essa dissolução levou Yemerenko a crer que também era responsável pela defesa dos caminhos que levavam a Moscou – uma advertência ambígua de Shaposhnikov, o Chefe do Estado-Maior, quanto às intenções alemãs, encorajou-o a crer nisso – o que fez que dividisse a força que tinha sob sua direção, enviando a melhor parte da mesma ao que viria a ser uma frente completamente passiva.

 

A 29 de agosto, Guderian comunicou, impassível que seu 24o Corpo Panzer fora atacado pelo sul e pelo oeste. Ele se referia à abertura da contra-ofensiva de Yemerenko. Embora apoiada pelo grosso da força aérea tática que restava ao Exército Vermelho – cerca de 500 aviões – ela não chegou a tomar impulso. O 21o Exército, a ponta-de-lança do ataque, foi rapidamente flanqueado pela esquerda e pela direita, respectivamente pelo 4o Exército de Kluge e pelo Panzergruppe 2 de Guderian. Obrigado a recuar apressadamente, ele levou consigo várias das suas unidades de apoio, deixando imensas brechas na frente, através das quais unidades motorizadas alemãs logo começaram a infiltrar-se com rapidez e em grandes números.

 

Enquanto Guderian penetrava as defesas setentrionais de Kiev, Keist, cujo Panzergruppe realizara um cerco tão bem sucedido em Uman, o estava redeslocando para atacar na direção norte, em manobra convergente. Enquanto era feita a transferência de tropas, as unidades de reconhecimento do Panzergruppe estabeleceram uma série de pequenas cabeças-de-ponte do outro lado do Dnieper, entre Cherkassy e Kremenchug, setor defendido apenas pelo 38o Exército de Infantaria russo. Sua frente era longa demais e o equipamento de que dispunha não era próprio para combater os Panzer de Kleist. Além disso, sua retaguarda estava sob ameaça de ataque desfechado por unidades do 6o Exército de Reichenau, que avançava para leste, depois da conquista final do bolsão de Uman.

 

Na última semana de agosto, portanto, todos os indícios indicavam o cerco iminente de Kiev pelos alemães e, realizado o cerco, uma catastrófica derrota russa na Frente Sul. Mas Stalin continuava rejeitando todas as sugestões para que se retirassem as tropas da região ameaçada antes que fosse tarde demais, ou mesmo para que se deslocassem para posições mais defensáveis. Ao contrário, ele procurou aumentar a guarnição da capital ucraniana, até mesmo com o sacrifício de setores mais sensíveis da frente. Como resultado desta sua determinação, quase um milhão de homens cairiam em mãos alemãs ou escapariam delas por um triz.

 

Das duas pinças que formavam o avanço de blindados, a do Panzergruppe 2 de Guderian tinha mais distância a percorrer e luta mais árdua pelo caminho. Aliás, seu avanço em combate foi extraordinariamente arriscado, porque expunha cada vez mais o seu flanco esquerdo a um ataque do leste. Algumas vezes, enfrentou esse risco por distâncias enormes. Se os russos estivessem suficientemente organizados para desfechar contra-ataques coordenados, poderiam muito bem tê-lo destruído. Mas, por mais ferozmente dispostos que os russo se mostrassem, os sinais da desorganização a que dois meses de combate os haviam reduzido logo se salientavam. Eram espantosas as demonstrações de desorientação apresentadas: a 26 de agosto, a 3a Divisão Panzer conseguiu capturar intacta uma ponte de 750 m de comprimento, sobre o rio Desna, em Novgorod Severski. Guderian, no seu relatório estranhamente inexpressivo da operação, descreve o feito, realizado por um tenente do 6o Regimento Panzer, como “surpreendente e muito agradável”. Igualmente notável é a nota de pé de página contida em seu relato dos acontecimentos a 3 de setembro: naquele dia, os comandantes das 3a e 17a Divisões Panzer, Model e o Ritter von Thoma, o primeiro dos quais viria a ser feldmarechal e o segundo seria capturado como comandante do Afrika Korps, foram feridos em ação. Comandar da frente, um hábito desses jovens e “novos” generais, era muito mais perigoso contra um inimigo que, ao contrário dos franceses em 1940, dificilmente se entregava.

 

Durante os 18 dias seguintes o Panzergruppe de Guderian enfrentaria batalha muito confusa esforçando-se quase todo o tempo para vencer não só a oposição inimiga, mas também os obstáculos provocados pelas chuvas fortes: rios transbordantes, pontes inundadas e muitos quilômetros de lama líquida que cobria o leito de estradas ruins e escassas. Muitas vezes as suas formações motorizadas moviam-se apenas pouco mais depressa do que as divisões de infantaria do 2o Exército que avançavam para o centro, sobre a Frente Sudoeste à sua direita.

 

Enquanto Guderian descia do norte, Kleist, no sul, estava manobrando seu Panzergruppe, para um eixo convergente. Seu objetivo era assestar seus blindados contra o extremo norte da grande curva do Dnieper e forçar travessias. Como o rio entre Cherkassy e Kremenchug era defendido apenas por um Exército de Fuzileiros russos (os exércitos russos eram menores que os alemães e não tinham blindados), era improvável que as dificuldades táticas para conquistar cabeças-de-ponte fossem muito grandes. Aliás, somente a 12 de setembro é que Kleist, por fim, conseguiu garantir uma passagem adequada, destruindo, para tanto, o 38o Exército russo. A 16 de setembro, em Lokhvitsa, a 160 km ao norte de Kremenchug, seus tanques encontraram-se com os de Guderian. Passados alguns dias, as divisões de infantaria dos dois Panzergruppen avançaram para fechar as brechas no cordão blindado. Atrás delas, o 17o Exército, movendo-se para o norte, à esquerda de Kleist, e o 2o Exército, movendo-se para o sul, à direita de Guderian, aumentaram a pressão sobre o bolsão de Kiev. Entrementes, o 6o Exército de Reichenau, marchando de Uman para leste, trabalhava para comprimir o bolsão ao longo da sua face ocidental, enquanto que os 2o e 4o Exércitos Aéreos de Kesselring e Löhr infligiam baixas espantosas às grandes massas de soldados russos.

 

Por volta de 26 de setembro, a batalha de Kiev estava praticamente terminada. Naquele dia, o serviço noticioso oficial alemão anunciou que o bolsão rendera 665.000 prisioneiros, 884 tanques e 3.718 canhões russos. Cinco exércitos e 50 divisões russos haviam sido destruídos. Os russos têm contestado esses números, afirmando que suas perdas totalizaram apenas 175.000. É violento o contraste dos números. Embora a contagem alemã seja espantosamente grande, os relatórios da época sugerem que sua estimativa é mais convincente do que a russa.

 

Mais importante do que as tentativas de computar as baixas é indagar por que o Alto-Comando russo teria permitido que tantos soldados permanecessem em posições claramente arriscadas durante mais de uma quinzena, antes da queda. Este verdadeiro desastre, tão amargo para os soviéticos, tem sido, desde o discurso anti-stalinista que Kruschev pronunciou em 1956, motivo de muita discussão pública na União Soviética. Como Comissário Político da Frente Sudoeste, Kruschev é sem dúvida uma testemunha suspeita, sobretudo porque punha sempre em confronto a inepta recusa de Stalin de retirar as guarnições de Kiev com o êxito que conseguiu em evacuar grandes quantidades de equipamento industrial da área ameaçada. Não obstante, é verdade que ele apoiou Budenny nos protestos que fez contra as ordens de Stalin no sentido de resistir – protestos que levaram à “transferência” de Budenny, a 13 de setembro, para um posto honorário na Frente de Reserva. Mas a remoção de Budenny não calou a oposição expressada pela Frente Sudoeste, que protestava contra as ordens recebidas até o momento em que foi sitiada. Apenas 24 horas depois de completado o cerco é que Stalin cedeu. Foram poucos os que se aproveitaram da medida; muitos dos que tentaram fugir foram mortos ao passar pelas linhas alemãs, inclusive vários generais, entre estes Kirponos, o comandante da Frente.

 

O destino dos soldados russos capturados fora de Kiev foi lamentável. Alemanha e Rússia não estavam obrigadas pela convenção de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros, embora seja normalmente aceito, em todas as guerras, que um inimigo capturado seja alimentado e agasalhado. O exército alemão, deliberadamente ou por omissão, não observou esses padrões durante os primeiros meses da “Operação Barbarossa”. Dos quatro milhões de russos aprisionados entre junho de 1941 e fevereiro de 1942, mais de meio milhão morreu só em novembro de 1941 e janeiro de 1942. Muitos já haviam sucumbido por negligência ou por ferimentos não tratados. Daí por diante, nenhum russo se entregava mais, preferindo resistir até a morte.

 

Inversamente, o soldado alemão, ciente do medo e do ódio que as notícias que esse tratamento de prisioneiros despertara entre os russos, muitas vezes também preferiam lutar até a morte, a correr o risco de ser capturado. A guerra sem quartel, que Hitler desejara, não demorara a tornar-se realidade.

 

Enquanto a batalha de Kiev prosseguia feroz, outros setores da Frente Sul começavam a ceder ao ataque alemão. Um foco importantíssimo da luta era Odessa, o porto do Mar Negro      , que fora atacado pelos romenos a 5 de agosto. Ali, os defensores russos: fuzileiros navais, soldados e marinheiros do Exército Marítimo Especial do General Petrov, que fora criado à pressa, resistiriam até 16 de outubro e infligiriam 100.000 baixas aos seus sitiantes. Depois da queda da cidade, ela seria incorporada à Romênia, como capital da nova província romena de Transniestria, distinção esta que, com permitisse a muitos habitantes de Odessa reiniciarem seus agradáveis hábitos pré-revolucionários de vida, mostrou-se muito popular na cidade.

 

De importância militar muito maior foi a iniciativa do 11o Exército de Rundstedt, então comandado pelo General von Manstein (que se tornaria muito conhecido dos russos), que pôde fustigar o estuário do Dnieper, entre 21 e 29 de setembro, e avançar até a garganta da península da Criméia. Este avanço ameaçou derrubar todas as defesas russas dos rios meridionais – Donetz e Don – e dos seus grandes centros industriais. Impunha-se então, como problema estratégico importante, saber se Hitler encorajaria Rundstedt a prosseguir na direção que levava, ou se ele ouviria os argumentos favoráveis à renovação do ataque no centro ou no norte. Kharkov? Moscou? Leningrado? A decisão sobre as operações contra esta última cidade, o mais palpável de todos os objetivos entregues a um comandante alemão, vinham-se mostrando tão difíceis quanto quaisquer outras que Hitler tivera de tomar durante toda a campanha, e até então ainda não chegara a uma solução satisfatória do “problema de Leningrado”. E este continuaria destorcendo o raciocínio estratégico de Hitler.

 

O cerco de Leningrado

 

Leningrado é indubitavelmente uma capital. O esplendor de seus prédios, as características de suas ruas e avenidas, a sua dramática paisagem urbana, tudo afirma que a cidade foi planejada e construída para servir de sede a um governo. E realmente o foi, pelo Grande Tzar, Pedro I, no começo do século XVIII, num local saneado dos pântanos do rio Neva e charcos costeiros do Golfo da Finlândia. Leningrado é também porto de mar, o mais importante da Rússia, e centro do seu poderio naval em águas ocidentais. O traço dominante da cidade é o seu ocidentalismo. Construída por Pedro como sua “janela” para a Europa de Luís XIV, Leningrado – Ex-Petrogrado, ex-São Petersburgo – era, quando lhe bateu às portas a fúria de Hitler, a mais ocidental de todas as cidades russas. Suficientemente ocidental para, em 1917, servir de geratriz a uma série de crises políticas de alcance e intensidade jamais vistos na Europa desde a Revolução Francesa – começando com a manifestação de descontentamento na assembléia constitucional e acabando numa revolução completa.

 

Em 1918, a transferência da sede do governo de Leningrado para Moscou, embora tornasse menor a importância da cidade, não reduziu o orgulho de seus habitantes nem lhes feriu o título de sociedade mais requintada e arejada da Rússia Soviética. Isto tampouco significou que o governo soviético daí por diante desse menos valor a Leningrado ou se preocupasse menos com a sua segurança e com o espírito de seus habitantes do que os tzares com São Petersburgo. O temperamento político da organização partidária de Leningrado – que, na opinião de Moscou, apresentava certa inconstância – era a preocupação perene de Stalin, e em fim da década de 1930 a defesa da cidade se transformaria numa obsessão para ele. Foi por desejar pôr mais distante do mundo exterior a fronteira da cidade, que Stalin fez exigências territoriais inaceitáveis aos finlandeses em 1939, travando, por isso, guerra com eles e, depois de humilhantes derrotas naquele inverno, anexando, finalmente, grandes áreas do Istmo da Carélia e da região fronteiriça ao norte do lago Ladoga. (Este lago, um dos maiores da Europa, está situado imediatamente atrás de Leningrado e quase isola a cidade do interior).

 

Estas anexações feitas por Stalin, se obedeceram a relevantes razões militares, não levaram em conta a probabilidade de a Finlândia vir a tentar a recuperação do que lhe fora tirado, e o faria quando a Rússia fosse menos capaz de impedi-lo. Em suma, em troca de pequena vantagem concreta, Stalin fizera desnecessariamente um inimigo que, de acordo com as expectativas e simultaneamente com a invasão da Rússia pela Alemanha, mandou seus soldados cruzar a fronteira em junho de 1941. O exército finlandês não era grande, mas sabia como derrotar os russos, cujas reservas, de qualquer modo, estavam ocupadas em frentes mais importantes. Além disso, as tropas finlandesas foram ajudadas por contingentes de tropas alemãs, em seu flanco norte, formando o Norwegen Armee, comandado pelo General Dietl e consistindo dos 3o, 26o Corpos e do Corpo de Montanha. Ao todo, seis divisões. Essas tropas desembarcaram no dia 8 de junho, seguindo-se a mobilização geral da Finlândia, decretada a 16 de junho, e a declaração de guerra, feita a 25 do mesmo mês.

 

Os alemães contavam muito com a ajuda dos finlandeses, pois acreditavam que estes, assim como eles próprios, ansiavam por desfechar um golpe mortífero contra os soviéticos. Os acontecimentos, porém, revelariam estarem eles enganados e este respeito. Os finlandeses estavam de fato ansiosos por combater e satisfeitos por terem, a seu lado os alemães, mas seus objetivos eram puramente nacionais e muito limitados. Mannerheim, o líder finlandês, resolvera que tão logo fossem esses objetivos alcançados, o exército finlandês pararia.

 

Os objetivos dos alemães nessa frente, delineados na diretiva da “Operação Barbarossa”, seriam a destruição das forças inimigas que operavam na área do Mar Báltico e a tomada de Leningrado e Kronstadt, a base naval incrustada numa ilha na foz de Neva. Estas tarefas eram consideráveis, já que a distância da fronteira leste da Prússia Oriental a Leningrado era de 800 km, distância que cresceria muito se o caminho a seguir fosse pela costa, como exigia o plano. A força destacada para constituir o Corpo de Exércitos Norte fazia dele o mais fraco dos três grupos: 20 divisões de infantaria, distribuídas pelos 16o e 18o Exércitos, três divisões blindadas e três motorizadas pertencentes ao Panzergruppe 4 do General Hoeppner. O que havia de mais extraordinário nesse Grupo de Exércitos era que tanto seu comandante, Ritter von Leeb, como o comandante de um  de seus exércitos, Kuchler, do 18o , haviam sido demitidos por Hitler depois da crise Blomberg-Fritsch, conseguido recuperar as suas graças durante a campanha no ocidente.

 

O planejamento tático da operação do Grupo de Exércitos Norte era relativamente complicado, pois a conformação do setor do território soviético que ele tinha de atacar tornava improvável que ele conseguisse realizar um cerco importante, ao mesmo tempo que os dois rios, o Niemen e o Dvina, davam aos russos obstáculos fluviais defensáveis que passavam por sobre a linha de avanço. Ademais, esta linha de avanço era seriamente reduzida, nas proximidades de Leningrado, pelos lagos Peipus e Ilmen, por entre os quais o Grupo de Exércitos Norte teria de dirigir seu ataque final. Havia considerável força russa para escorar o seu ataque: o 8o , 11o e 27o Exércitos, na fronteira, que, com apoios e reservas, totalizavam 28 divisões de infantaria e três corpos mecanizados, com um efetivo de 1.000 tanques. A Frente Noroeste, à qual essas unidades foram subordinadas tão logo começou a guerra, era comandada pelo Coronel-General Kuznetsov (que mais tarde seria substituído por Voroshilov), um soldado competente, ainda que não fosse excepcionalmente brilhante.

 

Leeb solucionou o problema do movimento de tropa colocando as formações blindadas no centro da sua frente, com os exércitos de infantaria nos flancos. Entendia que, como não tivesse esperanças de organizar movimentos de pinças em grande escala, deveria tentar destruir a frente russa com ataques violentos, profundos e repetidos, com blindados, ao longo de uma única linha de penetração. Esperava  que a devastação produzida por estes golpes deixassem os russos que não tivessem sido atingidos pelos seus blindados tão arrasados, que a infantaria alemã, seguindo os Panzer o mais de perto possível, pudesse proteger seus próprios flancos, fazer prisioneiros em quantidade e apossar-se de objetivos geográficos importantes. Leeb pretendia levar seu Panzergruppe diretamente sob seu comando, o que significava que ele estaria em contato freqüente com os comandantes de corpo de Hoeppner. Um destes, Erich von Manstein, era um soldados dotado de qualidades que o iriam tornar mundialmente famoso.

 

Os primeiros objetivos do Panzergruppe além da fronteira da Prússia Oriental eram as pontes sobre o Dvina, o rio mais largo da região costeira do Báltico. (A anexação da Cidade Livre de Memel, feita por Hitler antes da guerra, favorecia muito as travessias do Niemen, o rio que antes delimitava a fronteira leste da Prússia Oriental). Estas pontes situavam-se a 240 km da linha de partida de Hoeppner, por territórios que, embora os russos tivessem tido muito pouca oportunidade de fortificar, desde a anexação da Lituânia e Letônia, em 1940, não obstante formavam poderosa zona defensiva, sobretudo pelo volume de tropa da guarnição russa. Na verdade, a primeira notícia que Hoeppner obteve sobre as possibilidades dessa operação, a 22 de junho, dava conta de que poderosa coluna blindada russa vinha ao encontro das pontas-de-lança do seu 56o Corpo Panzer, na junção rodoviária de Kedaynyay, do outro lado da fronteira. Por sua vez, a velocidade do inimigo é que poupara aos alemães uma colisão frontal: quando os tanques do 56o Corpo chegaram ao local, já a coluna russa havia passado por ele. Deixando o 41o Corpo Panzer para cuidar da situação ali, Manstein acelerou sua divisão na direção do Dvina. Na manhã de 26 de junho, os primeiros tanques da 7a Divisão Panzer invadiram Daugavpils e tomaram suas duas pontes. O avanço constituíra uma realização espantosa, mesmo pelos padrões dos Panzer, pois cobriu pelo menos uns 60 km diários, durante quatro dias. Hoeppner apressou o 41o Corpo que, desde que o 56o Corpo o deixara, cercou e destruiu por completo a força blindada russa que tanto o alarmara a 22 de junho. A seguir, ordenou a tomada de cabeças-de-ponte a jusante do local onde estava o 56o Corpo, em Daugvpils. A 1o de julho isto já estava feito e, por conseqüência, os alemães já controlavam 30 km da margem oposta do Dvina.

 

Usou-se de meios improvisados para trazer combustível e munição suficientes para reabastecer o Panzergruppe para o segundo estágio do seu avanço, iniciado no dia seguinte, 2 de julho. Os novos objetivos estavam na “pequena ponte terrestre” entre os dois lagos, Peipus e Ilmen, ao longo de uma linha que demarcava a velha fronteira da Rússia com a Letônia, e que provavelmente estaria protegida pela fortificação da “Linha Stalin”. Os três pontos da linha cuja conquista tinha grande importância eram, de norte para sul, Pskov, Ostrov e Opochaka, todos no rio Velikaya, que desemboca no lago Peipus.

 

O primeiro desses pontos, Ostrov, foi tomado a 4 de julho, sem qualquer oposição, pois, ao que parece, os russos esperavam que os alemães alinhassem seu avanço mais para o norte, reunindo por isso seus blindados em torno de Pskov. Quando a desviaram para o sul, para travar combate com o 41o Corpo, a 5 de julho, essa força foi quase totalmente destruída: 140 dos seus tanques ficaram perfurados ou queimados no campo de batalha, ao norte de Ostrov. Pskov caiu imediatamente nas mãos do 41o Corpo, enquanto o 56o Corpo avançava sobre Opochka.

 

O Panzergruppe 4 já percorrera metade da distância na estrada para Leningrado. Neste ponto, porém, seu avanço desenvolvia-se lentamente, em parte devido às dificuldades em manter o fluxo de suprimentos para as unidades avançadas, em parte por duas outras razões mais importantes: uma ampla faixa de terreno “impassável para tanques”, situada ao longo do eixo de avanço das divisões Panzer, e o efeito perturbador da crise do Alto-Comando, em julho, sobre a direção tática do Grupo de Exércitos Norte.

 

O terreno em questão era um cinturão pantanoso ao longo da margem oposta do rio Velikaya, na velha fronteira russo-lituana. O ponto mais difícil ficava a leste de Opochka, de onde o 56o Corpo Panzer de Manstein devia liderar um ataque na direção de Novgorod, no rio Luga, a linha de defesa mais externa de Leningrado. Várias tentativas feitas para atravessar os pântanos logo provaram a inviabilidade do plano e, por isso, o 56o foi desviado para o norte, para juntar-se ao 41o Corpo perto de Ostrov. Contudo, ele também estava encontrando certa dificuldade para avançar, dificuldade que aumentaria se as duas formações Panzer tentassem compartilhar do mesmo eixo. Assim, decidiram os germânicos transferir o 41o Corpo para nordeste, para a costa do Báltico, onde ele abriria nova cabeça-de-ponte sobre o Luga, nos trechos mais firmes dos baixios costeiros. Entrementes, o Corpo de Manstein deveria encarregar-se da cabeça-de-ponte do 41o em Ostrov e dali abrir seu avanço para Novgorod.

 

O plano não satisfazia a Manstein, que acreditava que, a todo custo, o Panzergruppe devia manter-se unido e ser usado para desfechar um golpe único e vigoroso – pensamento ortodoxo sobre a Blitzkrieg. Mas nem Hoeppner nem Leeb, por mais que simpatizassem com seu raciocínio, tinham liberdade para dar as ordens necessárias. A partir de meados de julho, Leeb fora instruído para ajudar a avançar a ala esquerda do Grupo de Exércitos Centro, tarefa que envolvia a transferência da infantaria do 16o Exército de seu flanco direito para o setor esquerdo do Grupo de Exércitos Centro. Por sua vez, esta diversão deixava Manstein desprotegido, e Leeb impossibilitado de autorizar qualquer penetração especialmente profunda ou rápida dos seus tanques na direção de Leningrado. Aliás, em fins de julho, Leeb teve de estipular que qualquer avanço continuado do 56o Corpo de Manstein se realizasse sempre na companhia de poderosa escolta de infantaria, da qual só se desligaria depois de destruir as concentrações soviéticas que ameaçassem o avanço dos tanques nas vizinhanças do lago Ilmen.

 

O encontro que se seguiu foi sangrento e exaustivo, sobretudo para a infantaria. No começo de agosto, Leeb decidiu abandonar a idéia que acalentara e que ainda obsedava os frenéticos líderes das divisões Panzer: um ataque relâmpago contra a cidade de Leningrado. Substituiu a idéia inicial por um projeto de envolvimento duplo da cidade, feito pelos dois corpos Panzer, apoiados nos dois flancos pelos 18o e 16o Exércitos de Infantaria, todos agindo de acordo com os finlandeses, que avançariam para o sul, ao longo do Istmo da Carélia, e para sudeste, rodeando a margem interna do lago Ladoga.

 

O papel inicial dos alemães nesse plano consistia em romper o último obstáculo importante na estrada para Leningrado, o rio Luga, que corre para noroeste desde o lago Ilmen até o Golfo da Finlândia. Eles já controlavam cabeças-de-ponte na outra margem, a apenas 96 km de Leningrado. Agora a tarefa era concentrar grandes forças dentro dessas cabeças-de-ponte e esmagar os escalões russos que guarneciam a linha fluvial. Estas forças, pertencentes à Frente Noroeste, dividiam-se em três setores: Kingisepp, onde três divisões de infantaria estavam postadas; o Luga, defendido por outras três, e o oriental, perto do lago Ilmen, defendido por uma divisão reunida às pressas e por uma brigada de montanha. Além destas, havia também soldados extraviados e unidades fragmentadas, mas que somavam muito duvidoso auxílio à defesa.

 

Seus efetivos de combate eram realmente baixos e, embora os soldados russos lutassem com a bravura de sempre, quando os alemães atacaram, a 8 de agosto, a carência de artilharia e de blindados os colocavam em desvantagem irremediável. Por volta de 11 de agosto o setor de Kingisepp fora praticamente rompido e o comandante da linha fluvial, Popkov, pensava em retirar-se, embora não soubesse para onde e não tivesse retaguarda para protegê-lo. O 56o Corpo de Manstein, que Leeb liberara do flanco direito, dirigia-se para a brecha de Kingisepp e, quando chegasse lá, Popkov não poderia mais escolher entre partir e ficar. Mas, naquele momento, a moribunda defesa russa experimentou um alívio temporário, pois seu 38o Exército, parte da guarnição da fronteira finlandesa que rumara para o sul, sem direção e ao redor da margem leste do lago Ilmen, apareceu repentinamente no flanco desprotegido do 16o Exército de Leeb, assustando-o seriamente. Embora a força atacante fosse composta principalmente de cavalaria, Leeb mandou que Manstein voltasse prontamente da sua missão a Kingisepp, uma jornada de mais de 160 km que o 56o Corpo acabara de completar. O 38o Exército foi rapidamente repelido e o avanço alemão logo recuperou o ímpeto. Novgorod caiu a 16 de agosto e Chadovo no dia 20 do mesmo mês. Apesar, porém, da chegada de novo Corpo Panzer (39o) do Panzergruppe 3 – parte da redistribuição de blindados que Hitler ordenara, depois da conferência com Guderian em Rastenburg – o 56o Corpo de Manstein teve tanta dificuldade em avançar quanto o XLI Corpo que, a 21 de agosto, chegara a Krasnogvardeisk, a apenas 48 km de Leningrado. Leeb decidiu que o corpo, trocando a direção do ataque, se desviasse para o sul, a fim de juntar-se a Manstein perto de Novgorod, destruindo assim a resistência que impedia o avanço do 56o Corpo e cercando o que lhe parecia ser consideráveis forças russas ainda em posição no Luga ou prestes a dali se retirarem. Esta junção se completou a 31 de agosto e o cerco deu como resultado cerca de 20.000 prisioneiros.

 

A batalha para sitiar Leningrado chegava agora ao seu estágio final. “Cercar” ainda era o princípio operativo, pois Hitler não dera ordens para capturar a cidade. Mas, mesmo para fazer isto eficazmente, havia necessidade de cooperação dos finlandeses, que relutavam em cruzar as fronteiras de 1939, as quais haviam recuperado totalmente. A 22 de agosto, o OKW pediu a Mannerheim que fizesse suas tropas avançar pelo Istmo da Carélia, para flanquear Leningrado pelo norte e unir-se aos alemães que estavam a leste da cidade. Mannerheim só no dia 27 de agosto respondeu ao OKW, dizendo encontrar-se preparado para reunir-se aos alemães no Svir, pequeno rio que corre entre a extremidade sul do lago Ladoga e o lago Onega, a leste, mas não iria além desse ponto (o Svir fica logo adiante da fronteira russo-finlandesa de 1939). Inteiramente desconcertado, Keitel, do OKW, foi ao encontro de Mannerheim a 4 de setembro, na esperança de o dissuadir. Mas Mannerheim manteve-se irredutível, argumentando que “não tinha efetivos” para avançar na direção de Leningrado. Embora fosse verdade que a linha da fronteira contava com defesas permanentes, todos viam que ele relutava em atacar por motivos políticos: por mais improvável que pudesse parecer, no momento, que a Finlândia teria um dia de se haver novamente com uma Rússia Soviética renascida, a cautela exigia que os finlandeses não exigissem da Rússia mais do que esta exigira da Finlândia, no fim da guerra, no ano anterior. É nessas convenções tácitas que se apoiam os acordos internacionais mais importantes.

 

Assim, o Grupo de Exércitos Norte via-se na contingência de ter de completar o cerco de Leningrado com seus próprios recursos, recursos que a Diretiva n° 35, baixada pelo Führer em 5 de setembro, diminuiu bastante naquela área, ao estabelecer que a captura de Moscou deveria ser imediatamente considerada medida da mais alta prioridade. Essa mudança de plano – ou reversão ao plano original – implicava a transferência da maior parte dos blindados de Leeb para o Grupo de Exércitos Centro, a fim de acelerar sua arremetida pela rodovia de Moscou. Além disso, a cidade de Leningrado, pelo sul, estava prodigiosamente bem protegida por três linhas de obstáculos e de posições preparadas. Os alemães haviam rompido a primeira dessas linhas entre 19 e 21 de agosto, mas a segunda e a terceira permaneciam. Já de si formidáveis, elas eram constantemente melhoradas pelo povo de Leningrado.

 

Apesar do poder dessas defesas – formadas de 1.000 km de terraplenos, 650 km de fossos antitanques, 300 km de abatises de madeira, 5.000 casamatas e 600 km de obstáculos de arame farpado – Leeb decidiu tentar um assalto direto, embora ciente de que, com isto, se chocava com os desejos de Hitler, pois ainda que o Führer não tivesse dado a palavra final sobre o futuro de Leningrado – ele falara em obrigar seus três milhões de habitantes a fugir pelo território aberto até as linhas russas e a morrer de fome dentro da cidade – seu desejo de evitar uma batalha nas ruas era do conhecimento de todos os do nível de Leeb no exército. A partir de 8 de setembro, o Grupo de Exércitos Norte, já sem a maioria dos seus tanques (o 39o Corpo permanecera com ele, mas o Panzergruppe 4 partira ao encontro de Bock), começou a acossar as linhas russas. Neste primeiro dia ele obteve o seu mais importante êxito, a captura de Schlusselburg, na lago Ladoga, que cortou as comunicações de Leningrado com o resto da Rússia, por terra. Só se podia chegar à cidade pelo lago Ladoga, depois disso.

 

A partir daí, a luta progrediu com muita lentidão. No dia 11 de setembro os alemães conseguiram um ponto de apoio nas colinas de Dudernof, que lhes dava uma vista dominante das “cúpulas e torres douradas” daquele ponto, situado a apenas 12 km do centro da cidade. Mas a luta foi violenta: a 10 de setembro, uma divisão Panzer teve no comando três oficiais diferentes, em virtude de ferimentos dos dois primeiros. Hitler sentiu-se obrigado a permitir que as divisões Panzer destinadas a Bock ficassem um pouco mais com Leeb. Mas, a 17 de setembro, ele insistiu no avanço para leste, e desse momento em diante o ataque alemão perdeu impulso. Os russos podiam, assim, agradecer a si mesmos e a Hitler por esse golpe de sorte. Eles haviam lutado com extraordinária tenacidade e com o que parecia ser uma total despreocupação com perdas de homens e equipamentos. Como é que sua defesa foi tão bem organizada?

 

Isto se deveu em parte, ao nível raramente alto de organização política existente na cidade: cerca de 200.000 dos seus habitantes pertenciam ao partido Comunista e 300.000 à Liga da Juventude Comunista, isto é, em cada seis pessoas, uma era iniciada nos métodos partidários de controle administrativo. Muitos outros pertenciam, direta ou indiretamente, à Osoaviakhim. Portanto, havia um grande núcleo de cidadãos controlados, treinados e prontos para cumprir deveres de emergência. Além destes, os operários dos estabelecimentos fabris da cidade encontravam-se já bem organizados, o que dava à liderança partidária local a certeza de poder contar com o apoio de todos, filiados ou não ao partido, na luta contra o invasor.

 

Uma das primeiras medidas para utilizar a força desse considerável potencial humano, treinado ou não, na defesa da cidade foi tomada a 27 de junho, quando o Soviete Municipal de Leningrado (equivalente a uma câmara municipal) promulgou um decreto mobilizando toda a população masculina, entre 16 e 50 anos, e feminina, entre 16 e 45 anos, para trabalhos de defesa. Está claro que os números teoricamente postos em disponibilidade por esse decreto eram grandes demais para serem empregados de maneira útil, e o Soviete Municipal, na prática, não convocou a população em massa. Não obstante, o recrutamento mobilizou numeroso contingente e o pôs em ação tão logo se manifestou a ameaça a Leningrado. No começo de julho teve início a construção do tríplice anel de proteção em torno da cidade. À frente destes, uma linha dupla de fortificações menores já havia sida cavada, tendo sido aumentada durante o período de crise, enquanto que, a partir de agosto, um sistema complicado de barricadas, obstáculos rodoviários e casamatas e pontos fortes ocultos foi construído nos distritos adjacentes da cidade. “Inevitavelmente, os conscritos sofreram as dificuldades impostas pelo trabalho de fortificação. Nem sempre as pessoas nele empenhadas tinham treino e aptidão, por falta de condicionamento físico, para o tipo de serviço a executar. Os trabalhos exigiam de 12 a 15 horas de atividade contínua, dormir em galpões ou sob telheiros e, vez por outra, debaixo do fogo da artilharia inimiga. Aqui e ali repontavam avanços inimigos, e tudo se agitava para contê-lo. A um trabalho completado correspondia uma marcha forçada imediata, de 10 a 20 km, para outro local de construção, de um modo geral  feita sem o auxílio de ferramentas adequadas. As mulheres viam-se a braços com as dificuldades da feitura de pesados obstáculos de concreto destinados à contenção dos tanques. Muitas pessoas careciam de roupas e sapatos adequados para o trabalho. As mulheres com freqüência apareciam com roupas e sapatos leves, de verão”. Apesar de tanto desconforto e cansaço, as turmas trabalhavam com entusiasmo, e as fortificações, embora não fossem inteiramente intransponíveis, confinaram a penetração final alemã, até Leningrado, a uma frente estreita demais para lhe permitir o desenvolvimento de um ataque bem sucedido à cidade.

 

Leningrado, isolada, tinha de fornecer seus próprios recursos para as defesas passiva e ativa e, devido às pesadas baixas sofridas pelas divisões regulares nos arredores da cidade, durante os meses de julho e agosto, as formações organizadas com membros da população viriam a desempenhar papel decisivo na redução da velocidade da carga alemã, e finalmente na sua contenção. Batalhões de Destruição, destinados a atacar pára-quedistas inimigos, foram organizados a partir de 24 de junho, e por volta de 5 de julho atingiam seus efetivos a 17.000 homens. Contudo, já então estava em vias de organização uma força bem maior, um exército de 200.000 milicianos, organizados em 15 divisões. Este plano mostrou-se excessivamente ambicioso, porque o alistamento de tão grande número reduziria a produção das muitas e importantes fábricas de Leningrado a nível baixíssimo. Mas, entre os dias 5 e 15 de julho, foram organizadas três divisões – as 1a, 2a e 3a Opolchenie – que, embora destreinadas, mal equipadas e na maioria das vezes comandadas por gente nomeada pelo partido, e que só raramente eram oficiais da reserva, foram lançadas quase que de imediato na batalha. A 19 de julho formou-se uma quarta divisão.

 

Pouco depois Voroshilov, o comandante da Frente Norte, decidiu que as futuras divisões Opolchenie teriam o título de “Guardas”, palavra esta de alto prestígio, evocativa, das unidades de elite da Guarda dos tzares, que fora banida desde a revolução. Quatro destas Divisões de Guardas foram formadas entre 24 de julho e 13 de agosto, também logo despachadas para a frente, que se aproximava rapidamente da cidade. Mais tarde Stalin aproveitaria melhor a idéia de Voroshilov, conferindo o título de “Guardas” às unidades que tinham sobressaído em ação. Este título se tornaria honra muito cobiçada, e haveria até Exércitos de Guardas.

 

Mas, apesar de tudo quanto seus habitantes fizeram em defesa da cidade, Leningrado acabou isolada do resto da Rússia. Em meados de setembro, parecia que os defensores da cidade sucumbiriam ao ataque final alemão. Krasnoe Selo, a Versalhes russa, caiu a 10 de setembro, e a 14 do mesmo mês os tanques avançados do 41o Corpo Panzer penetraram o último anel de fortificação nas colinas de Pulkovo e prepararam-se para descer ao coração da cidade.

 

Depois de muita indecisão, Hitler finalmente chegara à conclusão de que Leningrado não devia ser assaltada. Além de seu tamanho, havia a resistência dos seus prédios, pois, sendo uma cidade de estilo ocidental e construída numa escala monumental, seus prédios públicos e grande parte dos particulares eram de construção muito mais sólida do que os da maioria das cidades russas. Os vários canais da cidade faziam dela um obstáculo militar de primeira ordem e que ameaçava engolfar grandes números de soldados em troca de pequeno resultado material. Não obstante, Leeb, o comandante do Grupo de Exércitos Norte, tentou um golpe de mão entre 6 e 14 de setembro, cujo primeiro sucesso levou Hitler a suspender a aplicação da Diretiva n° 35, que ordenava a transferência de todos os blindados para o Grupo de Exércitos Centro. Mas o fracasso do golpe, evidente a 14 de setembro, levou-o novamente a proibir a penetração da cidade. Na sua opinião, bastava que Leningrado estivesse rigorosamente cercada. Intenso bombardeio aéreo e de artilharia iniciaria o arrasamento da cidade, e os habitantes que escapassem aos bombardeios morreriam fatalmente de fome.

 

De fato, durante o inverno de 1941-42 quase um milhão de habitantes de Leningrado morreriam de fome, frio ou de doenças provocadas pelas terríveis condições de vida. Apesar da construção de uma “estrada de gelo” sobre o lago Ladoga, foi impossível transportar para a cidade suprimentos suficientes para prover com o mínimo necessário à sobrevivência até mesmo àqueles que estavam na linha de frente. À população de um modo geral, os que desenvolviam atividade de defesa civil, e particularmente aos velhos, que tinham de permanecer em suas casas geladas, a ração de alimento distribuída era puramente simbólica. Apesar de tantas vicissitudes, a população de Leningrado estava determinada a defendê-la a qualquer preço. E foi essa determinação – obrigando os alemães a engajar forças consideráveis na Frente Norte e a mantê-las por tempo superior ao permitido pelo raciocínio militar mais sensato – o grande agente de frustração do esforço final de Hitler em 1941: a captura de Moscou.

 

Derrota às portas de Moscou

 

Antes da queda de Kiev (15 de setembro), e antes ainda que Leningrado fosse completamente cercada (8 de setembro), Hitler finalmente cedera aos argumentos – e também às suas inspirações interiores – dos que insistiam que o exército alemão, ou o Ostheer que formava a sua maior parte, devia abandonar aquilo que parecia, cada vez mais, campanha periférica, nas alas norte e sul, e concentrar tudo, reservas, suprimentos e blindados, num avanço final contra Moscou, que, segundo os argumentos, e as inspirações, continuava sendo o grande centro das comunicações militares russas, a sede do governo civil russo, o símbolo da resistência russa. O ataque a Moscou abrigaria os soviéticos, por motivos estratégicos, políticos e emocionais, a concentrar o melhor das forças que ainda lhes restassem na defesa da capital. Os alemães julgavam, e esperavam, que a batalha que se seguiria destruiria o Exército Vermelho como força combatente, e acabaria com a guerra no leste de um só golpe.

 

A Diretiva do Führer n° 35, que transmitia a notícia da mudança de opinião de Hitler aos seus comandantes de Grupos de Exércitos, não formulava um conjunto tão amplo de objetivos para a operação. Ela simplesmente dizia que se organizaria um ataque contra o Grupo de Exércitos de Timoshenko (isto é, a Frente Ocidental Russa) e que começaria o mais breve possível, calculado para fins de setembro. Para dar-lhe o necessário poder de penetração, os Grupos de Exércitos Norte e Sul deviam colocar forças importantes sob o controle de Bock. Essas “forças importantes” eram o Panzergruppe 4, de Hoeppner destacado do Grupo de Exércitos Norte, e o Panzergruppe 2, de Guderian, tirado ao Grupo de Exércitos Sul. Portanto, Bock disporia de três Panzergruppen, os dois mencionados e o Panzergruppe 3, de Hoth, que também havia ajudado no ataque de Leeb a Leningrado. Além dos blindados, Bock teria três exércitos “de marcha”, os 9o, 4o e 2o .

 

Seu objetivo primeiro seria cercar a maior parte possível do “Grupo de Exércitos de Timoshenko”. A operação se iniciaria com um envolvimento duplo, encontrando-se as duas pinças a leste de Viazma, o que traria os tanques avançados para pouco mais de 160 km de Moscou, sobre a estrada principal que leva à capital, vindo do oeste. O Panzergruppe 2, de Guderian, ou mais propriamente, seu 2o Exército Blindado (Panzer Armee), como fora rebatizado, tentaria idêntico envolvimento a “sudeste de Roslavl” (quer dizer, em torno de Briansk), avançando para nordeste com seus tanques para unir-se    à infantaria do 2o Exército, que avançaria para leste. Esses objetivos, ou disposições, receberam forma definitiva na “Ordem de Operação” do Grupo de Exércitos (de codinome “Tufão”), emitida por Bock a 19 de setembro. Restava apenas reunir a força necessária, de homens e materiais. Mas a tarefa do reforço e, mais ainda, a do abastecimento começavam a ser assediadas por duas dificuldades. As ferrovias, embora operando nas linhas principais até Smolensk e Roslavl, que eram lugares situados atrás da linha de frente, estavam operando com capacidade muito aquém da de tempo de paz. Somente 15.000 km, muito pouco para a área da Rússia Ocidental, foram convertidos para a bitola européia, e as ferrovias eram vitais para os preparativos da grande ofensiva, já que a Rússia não dispunha de rede rodoviária, nem o exército alemão tinha os depósitos que lhe teriam permitido acumular suprimentos em quantidades e com a necessária velocidade para cumprir a pauta de Hitler para a batalha. Além disso, neste estágio da campanha, muitos dos caminhões existentes já estavam em estado de conservação ruim, tal como acontecia com boa parte dos veículos blindados, pois as enormes distâncias que foram obrigados a percorrer, em marchas e contramarchas, nas suas missões lhe cobravam elevado tributo. Fazia-se necessário grande quantidade de peças sobressalentes, tendo em vista que as divisões Panzer estavam reduzidas a menos de um quarto dos seus efetivos de tanques.

 

Contudo, chegaram reforços e suprimentos suficientes para permitir que Bock iniciasse a ofensiva mais ou menos a tempo, a 2 de outubro. Os russos que se opunham à concentração de Bock, e que praticamente não contavam com a ajuda de reconhecimento aéreo, foram tomados de surpresa; além disso, como seus efetivos eram consideravelmente inferiores aos que sua ordem de batalha exigiam, começaram logo a ceder terreno. Pertenciam eles a três Grupos de Exércitos: o Ocidental, cujo comando Koniev tirara de Timoshenko desde que a Diretiva n° 35 de Hitler fora emitida; o de Briansk, sob o comando de Yeremenko, e a Frente de Reserva, comandada por Zhukov, que distribuía avaramente os seus reforços. Os golpes vibrados por Bock estavam sendo aparados por 15 exércitos soviéticos, mas seus efetivos combinados não chegavam a meio milhão de homens, muitos dos quais reservistas ou conscritos recém-saídos de suas aldeias. Apesar de sua organização em profundidade – Zhukov manteve permanentemente quatro exércitos na chamada “Linha de Viazma”, - a defesa russa não era particularmente forte; aliás, sob vários aspectos, que só depois de iniciada a luta se evidenciaram, ela foi organizada de modo a facilitar, e não a resistir, um ataque alemão bem executado.

 

A 2 de outubro teve início o ataque, e logo penetrou a frente soviética. A 7 de outubro, segundo testemunho russo, as principais forças das suas Frentes Ocidental e de Reserva – os 19o , 24o , 30o  e 32o Exércitos – haviam sido cercadas, entre Viazma e Smolensk, pelas velozes alas Panzer da principal concentração de Bock. Zhukov viria a escrever o seguinte sobre a situação do dia 7 de outubro: “Em essência, todos os caminhos para Moscou estavam abertos”, o que dá bem a medida do desamparo russo, diante de um ataque alemão decidido e bem planejado. Seus soldados cercados, embora tivessem lutado – e continuariam a fazê-lo – com grande coragem dentro do bolsão, careciam da habilidade de montar o único tipo de contra-ataque violento e coordenado que pode desequilibrar um inimigo experimentado e fazê-lo recuar. Aliás, eles também se ressentiam da falta de armas pesadas e veículos blindados.

 

Simultaneamente, Guderian havia realizado cerco idêntico na metade sul da frente do Grupo de Exércitos Centro, em torno da cidade de Briansk. Uma coluna do seu Panzergruppe 2, dirigida para o norte, para cair sobre Orel, entrou em contato com a infantaria marchadora do 2o Exército a 9 de outubro, deste modo cercando e subjugando completamente dois outros exércitos russos, o 3o e o 13º. Ao todo, nessas duas batalhas – Viazma-Briansk – os alemães afirmaram ter capturado 657.000 prisioneiros, 1.341 tanques e 5.396 peças de artilharia. Surpreendentemente, os russos demonstraram, nesse passo da luta, por várias vezes, pouco aguerrimento, rendendo-se com facilidade: e nesta informação do serviço de inteligência é que Hitler viria a basear suas previsões excessivamente otimistas das possibilidades do seu avanço sobre Moscou.

 

Tivesse “lido” a batalha com espírito receptivo, ele teria encontrado provas de um tipo muito diferente de combatividade dos russos. Guderian, em vista à sua 4a Divisão Panzer, a 8 de outubro, após um combate travado no dia 6 daquele mês, quando os tanques T-34 apareceram pela primeira vez contra suas tropas, verificou que “as descrições... da nova manobra tática dos tanques russos eram muito inquietantes. Nossas armas defensivas disponíveis naquele período só tinham êxito contra os T-34 quando as condições eram raramente favoráveis. O canhão de 75 mm de cano curto do Mark IV só era eficaz, contra o T-34, se o pegasse pela retaguarda, assim mesmo se o tiro fosse colocado na grade situada acima do motor, para destruí-lo; era preciso grande habilidade para pôr o Mark em posição que permitisse tal tiro. Os russos nos atacavam frontalmente com a infantaria, enquanto mandavam seus tanques, em grandes formações, contra nossos flancos. Eles estavam aprendendo”. Mas agourento ainda, anotou ele em seu diário de guerra, a 6 de outubro, era a primeira nevada do inverno que se aproximava, que logo se derreteu, mergulhando as estradas novamente em uma lama líquida. Nesse estágio da campanha, era difícil identificar o preferível: se um outono prolongado, com suas chuvas que tanto prejudicavam o movimento, ou uma geada prematura que pudesse endurecer o terreno com rapidez suficiente para permitir uma arrancada final para o objetivo.

 

Do lado russo, esses indícios encorajadores foram abafados pelo efeito de nova seqüência de desastres. Os dirigentes soviéticos criaram, mais baseados em decreto que na preparação adequada, uma derradeira disposição defensiva, a “Linha de Mozhaisk”, situada a 69 km a oeste de Moscou, e nomearam mais um comandante para a Frente Ocidental – mas desta vez uma autêntica vocação para a atividade da guerra, embora ainda só parcialmente conhecida: Zhukov.

 

Cavalariano da Guerra Civil e especialista em ataques blindados da campanha nipo-soviética, ao novo comandante foi entregue a direção do que todos consideravam apenas uma “defesa frouxa”, no máximo uma retirada estratégica, para reproduzir a denominação que os teóricos lhe aplicavam. Bastante arriscada para se organizar com tropas inexperientes e mal equipadas – Guderian disse que ela era um modo invariável de criar confusão – a estratégia a ser desenvolvida só com a maior das dificuldades é que poderia ser aplicada com os remanescentes destroçados, que era tudo o que lhe restava, de Smolensk e Viazma-Briansk. Contudo, ele vislumbrou no padrão do ataque germânico motivo de certo alento e esperança. Este lhe parecia menos agressivo no centro, na estrada principal Moscou-Minsk, onde a resistência oferecida pelos seis exércitos cercados no bolsão de Viazma vinha roubando velocidade à progressão do Panzergruppe 4 e do 9o Exército. Nos flancos, o eixo que se dirigia para Kalinin, no norte, pelo qual se movia o Panzergruppe 3, e em Tula, no sul – o objetivo de Guderian  - havia forças de cobertura russas ainda organizadas. Portanto, ele ainda tinha esperanças de que essas duas pinças, que ameaçavam cercar Moscou, pudessem ser retardadas até a chegada do inverno – as nevascas deviam começar em seis semanas – e dos reforços para detê-las.

 

Essa esperança se dissiparia instantaneamente, com os acontecimentos de 14 de outubro, quando o Panzergruppe 3, de Hoth, penetrou a proteção russa no eixo norte, invadiu Kalinin e atravessou-a na direção do Mar de Moscou, o lago artificial situado a 110 km ao norte da cidade. Não se pôde evitar que essa notícia, já de si arrasadora para o Alto-Comando, chegasse aos habitantes da capital: a 16 de outubro e nos dias seguintes, ela disparou um pânico e um êxodo que só puderam ser detidos com implacáveis medidas de segurança. Talvez quase meio milhão de moscovitas estavam em trabalhos forçados nas defesas ocidentais nesse momento e, mesmo que quisessem, não poderiam ter batido em retirada. Foi entre os que não estavam em casa, que o moral mais sofreu.

 

Embora a situação viesse a piorar, o moral da população civil melhorou vigorosamente depois dessa crise. Isto se deveu a muitos fatores, entre os quais se deve incluir o extraordinário discurso de Stalin (Discurso da Santa Mãe Rússia) às tropas reunidas na Praça Vermelha, no aniversário da Revolução de Outubro, que invocou, num estilo que qualquer teórico marxista teria condenado com indignação, todos os heróis nacionais da Rússia, pré, pós e até mesmo anti-revolucionários – numa tentativa calculada, e em grande parte bem sucedida, de persuadir aqueles que o ouviam de que aquela era uma guerra que devia ser travada em defesa da Rússia, por todos os russos, e não apenas pelo comunismo, pelos membros do partido.

 

Mas discursos não detêm tanques, e, embora os Panzer estivessem muito espalhados pelo terreno, as pontas-de-lança alemãs continuaram avançando para Moscou ao longo dos flancos norte e sul – para Klin e Istra, para Tula e Stalinogorsk. Contudo, segundo os padrões dos Panzer, o movimento era desesperadamente lento, não só porque os russos, ainda que terrivelmente enfraquecidos, os combatiam palmo a palmo, como também porque as estradas continuavam liqüefeitas e o terreno, alagado. Somente no começo de novembro é que as primeiras geadas rigorosas do inverno endureceram o terreno o bastante para o Alto-Comando pensar seriamente em organizar sua arremetida final contra as torres e cúpulas do Kremlin, a apenas 60 km de distância.

 

Eles tinham de levar em conta uma diminuição muito grave no poder de combate das suas forças. Embora as divisões marchadoras ainda conservassem cerca de 65% dos seus complementos, os efetivos de infantaria orgânica das divisões Panzer e motorizadas tinham declinado em 50% - e estes “seguidores de tanques” eram vitais para o progresso dos blindados – enquanto que seus efetivos em tanques haviam diminuído em 65%. Foi pensando nesses números que o Alto-Comando do Exército alemão se reuniu em Orsha, onde estava o Q-G do Grupo de Exércitos Centro, a 13 de novembro. Estavam presentes Halder, Chefe do Estado-Maior-Geral, e vários chefes de Estado-maior de corpos e de exércitos. A pergunta que Halder lhes fez era simples: deveriam os alemães prosseguir na ofensiva, ou deveriam aceitar o fato de que a chegada iminente do “General Dezembro” tornava mais sensato parar-se para passar o inverno? Sodenstern, Chefe do Estado-Maior de Rundstedt no Grupo de Exércitos Sul, foi o primeiro a responder. Defendeu uma parada imediata, pelo menos na Ucrânia, onde as pontas-de-lança alemãs haviam penetrado muito mais profundamente do que em qualquer outro lugar e corriam o risco de ficar isoladas se não pudessem consolidar o que haviam conquistado. Griffenberg, Chefe do Estado-Maior de Leeb no Grupo de Exércitos Norte, falou em nome de um comando que já se tornara estático. Defendeu também uma parada. Somente o Chefe do Estado-Maior de Bock, Brennecke, apresentaria argumentos favoráveis à continuação da ofensiva contra Moscou, que ele descreveu como necessidade militar e psicológica. E acrescentou: “O perigo de não lograrmos sucesso deve ser levado em conta, mas seria muito pior ficar na neve e no frio, em terreno aberto, a 50 km do objetivo tentador”. Halder concordou. Acontece que Hitler já decidira que o estágio final da ofensiva teria lugar, de modo que a Conferência de Orsha perdeu todo o sentido de execução. Contudo, a divisão de opiniões que ela expressou foi do maior interesse para o Alto-Comando, assim como para os estudiosos da campanha.

 

O estágio final do avanço sobre Moscou teve início a 16 de novembro. Para tanto, Bock fez o Panzergruppe 4 recuar através de seu eixo na direção do Panzergruppe 3 (agora comandado por Reinhardt). Isto deixava o 4o Exército de Kluge, que era fraco em blindados, com uma frente mais ampla que antes, e o Panzergruppe 2, de Guderian, praticamente sozinho. A direção-geral do avanço alemão era para o nordeste, e seu objetivo, evidente para os russos, era cercar Moscou com um envolvimento duplo. Apesar da chegada de alguns reforços do interior, em homens e material, e da eliminação da maioria dos comandantes incompetentes, os russos a princípio não puderam deter o ataque alemão em qualquer frente ampla. Em Tula, que Guderian estava, pela segunda vez, tentando capturar, a guarnição pôde rechaçar seu exército para os arredores da cidade, ameaçando-o com perdas que ele preferia não sofrer. Por isso, ele desviou suas colunas blindadas para os arredores da cidade e inclinou-se por um golpe dirigido mais num sentido norte, contra as vias de acesso de Moscou. E no flanco norte, onde os russos se esforçavam por consolidar uma linha defensiva ao longo do Canal do Volga e do Mar de Moscou, o 9o Exército, entretanto, conseguiu penetrar até a linha do canal, enquanto o Panzergruppe 3 entrou em contato com ela, ao sul de Dimotrov, mais ou menos ao mesmo tempo, a 27 de novembro. No dia seguinte, a 7a Divisão Panzer pôde realmente estabelecer uma cabeça-de-ponte na margem oposta, mas desesperados contra-ataques russos anularam quaisquer possibilidades de abrir um caminho ali.

 

O esforço alemão entrou então em ponto de crise. Em Krasnaya Polyana (a aldeia de Tolstoi), na frente do Panzergruppe 3, eles estavam a apenas 30 km de Moscou; o 4o Exército, com seus postos avançados em Butsevo, encontrava-se a 40 km da cidade; Guderian, a 98 km, ao sul. Há registros de que as tropas alemãs se aproximariam tanto, nos dias seguintes, que chegariam a ver as torres do Kremlin brilhando à luz do sol matutino e que algumas patrulhas chegaram a penetrar os subúrbios adjacentes de Moscou. Se conseguiram, essas incursões significaram as últimas energias de um exército que expirava às portas da cidade. O inverno russo, com toda a sua crueldade, inimaginável para um ocidental, desencadeou violento ataque, e as perdas que infligia, somadas às que um Exército Vermelho, já mais resistente e reforçado, causava, detiveram os ataques alemães, um após outro. O Panzergruppe de Guderian não progrediu mais depois de sua investida contra Kashira, a 25 de novembro, num último esforço para penetrar a parte leste de Moscou e tomar a cidade pela retaguarda. Dois dias depois, Guderian ordenou a retirada. Após o dia 29 de novembro não houve virtualmente nenhum movimento de avanço, fosse pelo 9o Exército ou pelo Panzergruppe 3. Bock, escrevendo a Halder a 1o de dezembro, explicou as dificuldades do seu Grupo de Exércitos. “Depois de outras lutas sangrentas, a ofensiva resultará em ganho restrito de terreno e destruirá parte das forças do inimigo, mas é muito improvável que tudo isso redunde em sucesso estratégico. A idéia de que o inimigo que confronta o Grupo de Exércitos se encontra à beira do colapso é puramente fantástica, pelo que mostra o resultado da luta na última quinzena. Permanecer fora das portas de Moscou, onde os sistemas ferroviário e rodoviário estão conectados com quase toda a Rússia Oriental, significa, para nós, luta defensiva intensa contra um inimigo que apresenta vasta superioridade numérica. Portanto, maior ação ofensiva parece ser insensata e sem propósito, especialmente quando se aproxima o momento em que as tropas estarão totalmente esgotadas fisicamente”.

 

Aliás, esse momento já havia chegado. Os soldados alemães das divisões de combate mostravam-se quase incapazes de se moverem quanto mais de combater. A maioria não tinha roupas de inverno, além de seus capotes, que praticamente não protegiam contra os ventos penetrantes que sopravam da estepe, e era obrigada a usar suas botas justas e com solas ferradas de aço, garantia de enregelamento dos pés. Nos hospitais de campanha, os casos de enregelamento eram mais numerosos que os de ferimento, e porque Hitler proibira a provisão de agasalhos de inverno, para que os preparativos para uma campanha de inverno não deprimissem o moral, era certo que a incidência dos casos de enregelamento continuaria aumentando. Embora os soldados improvisassem agasalhos, vestindo os uniformes de faxina, feitos de brim, sobre os de serviços, e, entre os dois uniformes, bastante papel amassado, tal improvisação não podia salvar o Ostheer do rigoroso inverno russo.

 

O Exército Vermelho, ao contrário do que sucedia com o germânico, era bastante ajudado pelo inverno. Tradicionalmente os meses de frio eram a sua mais destruidora arma contra qualquer invasor, mas a neve e as nuvens também forneciam valioso anteparo que ocultava os trabalhos de reunião de reforços. Até então eles não tinham sido muito úteis, pois não havia reforços disponíveis. Mas de repente estes começaram a aparecer em quantidade e Zhukov os estava reunindo para um contra-ataque que salvaria Moscou. A história de como ele veio a receber essas divisões é fascinante.

 

A Rússia, mesmo nos tempos de tzares, sempre mantivera um grande exército na Sibéria, para defender suas fronteiras com a China, Manchúria, Mongólia e Coréia. Fora este exército que combatera os japoneses em 1904-5. O governo soviético mantivera e finalmente aumentara esse Exército do Extremo Oriente que, sob o comando do Marechal Blucher, adquiriu status de semi-autonomia e elevado nível de eficiência. Ele viria a combater os japoneses por duas vezes, em virtude das constantes discordâncias com os nipônicos sobre a demarcação exata da fronteira entre a Mongólia, protegida pela Rússia, e a China, ocupada pelos japoneses. Da última vez, a desavença ganhou proporções muito grandes, dando lugar à batalha de Kholkhin-Gol.

 

Daí por diante, embora mantivessem relações diplomáticas com os japoneses, os russos passaram a vê-los como agressores em potencial e a manter o Exército do Extremo Oriente no mais alto estado de prontidão e muito bem equipado. Seus efetivos sempre estiveram entre 30 e 40 divisões, com poderoso complemento de tanques e aviões, e durante todos os desastres do verão e de começos de outono de 1941 o Exército do Extremo Oriente conservou esses efetivos.

 

Contudo, a partir de julho, o Kremlin passou a receber informações de que o Japão realizava preparativos para desfechar uma ofensiva em larguíssima escala e contra objetivos muito distantes do território soviético. Diante disso, passaram a cogitar os russos da transferência de efetivos da Sibéria para o Ocidente. Esses relatórios partiam de um homem extraordinário, Richard Sorge, agora feito herói (póstumo) da União Soviética, jornalista alemão nazista, aparentemente patriota, que trabalhava em Tóquio.

 

Não há dúvida de que Sorge era alemão, mas, comunista convicto, durante muitos anos funcionou como agente do Serviço de Inteligência russo. Revelando muita habilidade, fizera-se amigo do embaixador alemão em Tóquio, conseguindo, desse modo, trânsito livre na embaixada germânica, e, valendo-se dos bons ofícios de um colaborador, freqüentava também o gabinete japonês. Desse modo, ele conseguiu informar-se do ataque iminente a Pear Harbor e transmitir a notícia a Moscou, talvez já a 3 de outubro. O mais extraordinário – pois a maior dificuldade de um agente talvez seja o problema da credibilidade – é que foram  levados em linha de conta os seus relatórios. Assim é que, a partir de outubro, primeiramente aos poucos, mas depois em grandes levas, reforços foram transferidos da Sibéria para defender Moscou. Os siberianos, excelentemente treinados e equipados, sobretudo bem agasalhados, chegaram em condições de resistir ao inverno mais rigoroso e a fazer valer a sua presença na defesa da capital.

 

Com esses esforços, que envolviam cerca de 18 divisões, 1.700 tanques e 1.500 aviões, Zhukov pôde formar três novos exércitos. O 1o de Choque, o 10o e o 20o de Koniev, que comandava a nova Frente de Kalinin, formada com os 22o, 29o e 31o Exércitos, estava resistindo com êxito em torno do Mar de Moscou e do Canal do Volga. Zhukov pretendia lançar suas novas tropas para oeste, de pontos de partida situados ao norte e sul de Moscou, e pagar aos alemães, com a mesma moeda, tudo quanto haviam feito nas batalhas de cerco do verão.

 

O plano, que recebeu a concordância dos Estados-Maiores de Campanha e Central, e por fim a de Stalin, estipulava um ataque por três Frentes: Kalinin (Koniev), Ocidental (Zhukov) e Sudoeste (Timoshenko). A Frente de Zhukov faria o esforço principal. Na sua ala norte, o 1o Exército de Choque e o 20o Exército, ambos novos, dirigiam um ataque, também a ser montado pelos 30o e 16o Exércitos, diretamente contra as posições dos Panzergruppen e tentariam unir-se com os 31o e 29o Exércitos da Frente de Kalinin. A parte central da Frente de Zhukov agiria de forma suficientemente ofensiva para bater as tropas alemãs que a ela se opusessem, enquanto que a ala sul, o 50o e o 10o Exércitos, em cooperação com a Frente Sudoeste de Timoshenko, atacariam o Panzergruppe de Guderian.

 

O ataque foi desfechado a 6 de dezembro, dois dias depois que Kluge, comandante do 4o Exército, decidira abandonar quaisquer esforços ofensivos e um dia depois de Guderian haver tomado a mesma decisão. De início o avanço não foi rápido, mas tomava impulso regularmente. No norte, o avanço mais profundo, no primeiro dia, foi o do 30o Exército de Lelyushenko, que chegou até a rodovia Moscou-Leningrado, ameaçando a ligação do Panzergruppe 3 com o 4o Exército. Por volta de 9 de dezembro ele chegara a Klin e, com seu 1o Exército de Choque, parecia estar prestes a realizar um cerco. O 16o e o 20o Exércitos, respectivamente comandados por Rokossovsky e Vlasov (o primeiro viria a ser marechal e herói da União Soviética, e o segundo dirigiria um exército emigrado contra sua pátria e morreria tachado de traidor) equilibraram a progressão. Por volta de 13 de dezembro, essas duas colunas haviam reconquistado Istra..

 

Ao mesmo tempo, as formações russas opostas a Guderian estavam varando mais promissoramente as posições alemãs. O 13o e o 40o Exércitos, pertencentes à Frente Sudoeste, de Timoshenko, haviam penetrado a face sul do arco que o Panzergruppe 3 abrira em novembro, e por volta de 9 de dezembro passou a ameaçar sua principal linha de abastecimento, a ferrovia Orel-Tula. Entrementes, o 50o e o 10o Exércitos assediavam a face norte do referido arco, conseguindo aumentar a brecha que haviam feito entre o flanco esquerdo de Guderian e o direito de Kluge. A pressão inexorável resultou num deslocamento constante do 4o Exército de Kluge para oeste, deslocamento que se acelerou depois de 18 de dezembro, quando o 33o e o 43o Exércitos se juntaram à ofensiva.

 

As notícias de outras Frentes russas eram igualmente encorajadoras. No extremo sul, a 28 de novembro, o Grupo de Exércitos de Rundstedt (perigosamente superestendido) fora expulso de Rostov-sobre-o-Don, que capturara a 23 de novembro, deslocando-se com os russos em seu encalço até o rio Mius, bem a oeste, onde conseguiu estabelecer uma linha para atravessar o inverno. No norte, a Frente Kalinin, de Koniev, depois de luta desesperada contra o 9o Exército alemão, recapturara a cidade que lhe dera o nome, e avançou para o sul, ao longo da linha do Volga superior, na direção de Rzhev.

 

Por volta do Natal de 1941, já os russos haviam recuperado quase todo o território tomado pelos alemães no último estágio da ofensiva contra Moscou, que, pelo visto, havia fracassado. O próprio Hitler, por certo, era dessa opinião, tanto que a 8 de dezembro ele emitira a Diretiva do Führer n° 39, que decretava uma posição defensiva na Frente Oriental, como resultado da chegada do inverno e da “conseqüente dificuldade em levar suprimentos para lá”. A 17 de dezembro, sua máquina de propaganda anunciou que a frente talvez tivesse de ser reduzida em alguns lugares. Era o reconhecimento de que estava havendo retirada, e que esta continuaria. Mas Hitler não estava de modo algum disposto a aprovar a retirada como meio de absorver o ímpeto do avanço russo. Embora muitos dos seus generais lhe viessem implorar permissão para se retirarem para posições onde pudessem abrigar-se melhor e reabastecer suas tropas, Hitler fuzilou a seguinte resposta: “Qualquer concordância por parte do Alto-Comando com uma retirada geral resultaria, inevitavelmente, na repetição dos desastres de 1812, quando o exército de Napoleão fora destruído pelas nevascas e pelos cossacos”.

 

Como desconfiasse de que seus comandantes descumpririam a ordem contra a retirada, determinou ele uma série de demissões, a mais importante das quais foi a do Comandante-chefe, Brauchitsch, cujo posto ele próprio assumiu, completando a sujeição do exército ao seu controle pessoal, controle que iniciou em 1934. As outras demissões foram de modo a punir os que lhe haviam falhado em campanha: Leeb e Bock foram destituídos, assim como Guderian, o mais insubordinado, embora indispensável, dos comandantes de Panzer; Hoeppner também perdeu o comando, enquanto que Rundstedt foi transferido para um posto calmo, no ocidente. Trinta e oito comandantes de corpo ou de divisão foram removidos a um só tempo. Não há registro de expurgo tão dramático de comandantes (fora da Rússia), desde que Joffre destituíra a metade dos seus generais, em 1914.

 

O paralelo entre a campanha francesa de 1914 e a campanha russa de 1941 pode ser levado mais longe, já que as razões para os primeiros desastres que se abateram sobre os defensores, em ambos os casos, são, em certos aspectos, muito parecidas. O exército francês e o russo haviam seguido uma doutrina tática muito defeituosa. Ambos careciam do apoio que as fortificações de fronteira teriam que emprestar a sua defesa (os russos por estarem ocupando território estrangeiro, distante das fortificações de fronteira, e os franceses por votarem verdadeiro desprezo a posições táticas, por mais fortes que fossem). Ambos deslocavam seus exércitos de um modo que, como careciam de reservas em profundidade, tornava infinitamente mais fácil a tarefa do inimigo.

 

As razões de recuperação dos dois exércitos também apresentam semelhanças. Ambos fizeram o inimigo estender-se excessivamente, mantendo-se coeso durante toda a longa retirada. Ambos preservaram o moral de seus soldados. Os comandantes desses exércitos fizeram também das capitais de seus países o bastião de onde dispararam o contra-ataque decisivo no momento crítico. Mas, ao ressaltar essas semelhanças, não as queremos levar longe demais. Por muito doloroso que fosse o sofrimento do exército francês durante a Batalha das Fronteiras e a Retirada para o Marne, em 1914, a extensão de suas dores e o inesperado da recuperação demonstrada não podem ser medidos pelos mesmos instrumentos de avaliação empregados para medir o que se deu com o exército russo. Quase quatro milhões de soldados soviéticos caíram prisioneiros dos nazistas, metade dos quais sucumbiram antes mesmo de iniciada a Batalha de Moscou. O fato de terem os remanescentes do Exército Vermelho encontrado força, e fé, para fazer meia volta, deter e finalmente repelir os invasores alemães dá a medida da enorme resistência do russo, do seu profundo amor a seu país e do ódio que os alemães fizeram despertar em seu peito.

 

A Batalha de Moscou não seria, porém, nem mesmo o começo do caminho para a vitória. Os russos teriam ainda de amargar mais um ano de desastres e retiradas antes que pudessem dirigir-se para oeste, para retomar os pedaços calcinados da sua pátria e libertar os sobreviventes da ocupação alemã.

                                                                                      

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades