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A Libertação da França
A Libertação da França

 

 

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RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A Libertação da França

 

                  

 

1o a 31 de Agosto de 1944

A libertação

Ao saber do rompimento das linhas em Avranches, o Marechal Von Kluge acorreu ao QG do 7o Exército, no Mans. Sua cólera explode em termos soldadescos.

 

A situação está “uma fantástica sujeira”. Deixando nas primeiras linhas a Panzer Lehr, o 7o Exército causou a destruição de sua melhor grande unidade móvel por uma chuva de bombas americanas. Recuando para sudeste, apesar das ordens formais, perdeu contato com a costa e abriu uma brecha na parede que com tanta dificuldade continha a invasão no Bocage (nome de duas antigas pequenas regiões no Oeste da França) normando. Aquilo que o Alto-Comando alemão temia acima de tudo, o desembocar das forças mecanizadas inimigas em terreno livre, é um fato consumado.

 

Aliás, Kluge não tem ilusões. Ele fulmina os executantes, devido a um velho hábito militar, mas sabe muito bem que aqui ou ali, mais cedo ou mais tarde, a ruptura da frente seria fatal. Transmitira ao OKW o memorando assinado por Rommel, um dia antes de ser ferido, sobre a impossibilidade de prosseguir a luta, e pede audiência ao Fuhrer para lhe propor a retirada da França, ao menos até o Sena. Hitler não só se recusa a recebê-lo, como lhe proíbe voltar à frente ocidental, dizendo que o estado de seus tímpanos não lhe permite viajar de avião.

 

No momento, trata-se de fechar a brecha de Avranches. Passando por cima do Oberstgruppenfuhrer Hausser, que ele não ousa destituir de seu comando, Kluge toma a direção tática do 7o Exército. Prescreve ao General Fahrmbacher, comandante do 25o CE, levantar uma barreira ao longo da baía do Monte Saint-Michel. As tropas que ocupam a Bretanha já perderam seus melhores elementos, a 3a e a 5a Divisões de pára-quedistas, a 77a, a 275a e a 353a Divisões de infantaria, etc. Mas Kluge acha conveniente enfraquecê-las ainda mais, em proveito de sua missão fundamental. “O fim da guerra - diz textualmente a última diretriz do OKW - depende do confinamento da invasão na Normandia”.

 

É tarde demais. Uma negligência alemã entregou aos americanos a porta de saída da província onde, desde 6 de junho, eles penam e derramam seu sangue. Tendo tomado Avranches, a 31 de julho, no meio de uma multidão de alemães em debandada, uma vanguarda da 4a Divisão Blindada chegou até a ponte de Sélune, na estrada de Pontorson, a 6 km ao sul da cidade. A ponte é uma obra de onze arcos baixos, sob os quais corre um rio de águas ligeiras, que vem da Suíça normanda e vai desaparecer na baía do Monte Saint-Michel, formando grandes meandros em torno do rochedo de Tombelaine. Os bombardeiros aliados esqueceram-no providencialmente no grande massacre das obras de arte francesas. Os alemães nem chegaram a miná-las. Ela foi atravessada mais ou menos às 7 horas da noite, pelo Comando de Combate do Coronel Clarke, que, do outro lado, pôs em situação de defesa a cidade de Pontaubault.

 

Patton volta

 

No dia seguinte, 1o de agosto, ao meio-dia, George Patton torna a entrar em cena, tomando o comando do 3o Exército. Patton tinha-se cansado de esperar na Inglaterra, até 6 de julho, mantendo nos alemães a idéia de que o verdadeiro desembarque ainda estava para ser feito, já que o general americano mais combativo ainda estava na base de partida. Autorizado a atravessar a Mancha com um pequeno núcleo de estado-maior, encarregado de diferentes missões provisórias, como a supervisão do 8o Corpo, ele foi instado a manter-se na penumbra, para prolongar a burla. O golpe fatal dado na Sicília no GI Bennett e a indignação com que encheu os corações das mães americanas continuavam a pesar na carreira de George Patton. Anunciando que, assim mesmo, iria dar-lhe um novo comando, Eisenhower o havia feito jurar que contaria até dez antes de abrir a boca e que apertaria os dedos quando se sentisse enraivado. Para ter novamente uma chance de combater, Patton ficaria até de joelhos.

 

O Plano Overlord previa a criação de dois grupos de exércitos, com o desdobramento dos dois exércitos que haviam participado do desembarque: o 21o Grupo, composto do 2o Exército britânico e do 1o Exército canadense, e o 12o Grupo, composto do 1o e 3o Exércitos americanos. O comando do primeiro estava designado a Montgomery, e o do segundo a Bradley, sendo comandantes de exército os tenentes-generais Sir Miles Dempsey, H.D.G. Crerar, Courtney Hodges e George Patton.

 

Dentro desta organização, a situação de Montgomery ficava ambígua. Havia sido combinado que, mesmo exercendo o comando de seu grupo de exércitos, ele continuaria a dirigir o conjunto das operações até o momento - setembro, em princípio - em que Eisenhower tomaria o comando direto das forças expedicionárias. Montgomery via com mau humor esta solução transitória e ilegítima. A respeito do comandante-chefe da coalizão, ele partilhava das opiniões que seu amigo Alan Brooke confiou a seu diário secreto: “Uma personalidade encantadora, um bom coordenador, mas não um verdadeiro chefe... Não conhece nada de estratégia... Quer comandar por si mesmo: a guerra se prolongará por seis meses...” Ike, segundo Monty, devia contentar-se com um posto vagamente supremo e deixar-lhe a condução prévia das operações.

 

O grupo de exércitos britânico começa a agir a 23 de julho. O grupo de exércitos americano faz-se esperar. No dia 25,  o First US Army tinha 22 divisões, atingia um milhão de homens, massa difícil de comandar, impossível de administrar nos moldes de um só exército. Bradley, no entanto, retardava dia a dia a decisão, temendo o momento em que teria como subordinado aquele de quem ele próprio havia sido subordinado: o brilhante, impulsivo, imprudente George Patton. “Não é por meu gosto”- dizia ele...

 

Por fim, Ike força Bradley, impõe-lhe a data de 1o de agosto como limite para o aparecimento do 12o Grupo de Exércitos. O 1o Exército continua com o 7o, o 19o e o 5o Corpos, com o maior número de divisões, os serviços de estados-maiores mais importantes. No 3o Exército são afetados o 8o, o 15o, o 12o e o 20o Corpos. Mas estes dois últimos tem na França somente algumas frações, e o 15o apenas acaba de surgir. O único que está pronto é o 8o Corpo, reforçado pelas divisões blindadas 4a e 6a, Divisões de infantaria 8a e 79a.  Patton lança-o na brecha. Ele apostou, com Montgomery, 5 libras esterlinas como estaria em Brest no sábado seguinte.

 

A única estrada é a de Pontorson. A única ponte é aquela do Pontaubault. Um rio de veículos se engolfa nesses 5 metros de calçamento: tanques, canhões automotores, caminhões, camionetas, jipes, carros de comando, equipamentos de ponte, tratores, ambulâncias andando à noite com todos os faróis acesos, como se a aviação não tivesse sido inventada. Todas as regras de marcha estão suspensas. Os elementos se inserem na coluna segundo a ordem em que se apresentam aos postos controladores e as unidades só se reorganizam na encruzilhada de estradas, que se abre em direção a Rennes, Dinan, Fougères, Combourg, Vitré e Laval. As quatro divisões do 8o Corpo atravessam o Sélune em 48 horas, seguidas, com a mesma rapidez, por duas divisões do 15o Corpo. Depois das terríveis chuvas de julho, o tempo tornou-se esplêndido. O Exército americano sai do marasmo a que tinha sido jogado pela guerra de formações. A grande quantidade de material guardada sob as redes de camuflagem, por falta de espaço para ser utilizada, retoma vida como um enxame de insetos reanimados pelo sol.

 

As ordens de Patton são a própria simplicidade: a 8a e a 4a Divisões Blindadas dirijam-se para Rennes; a 70a e a 6a Divisões Blindadas para Brest. Encontrando o comandante desta última unidade, seu amigo Bob Grow, que dirige o tráfego na estrada de Pontorson, ele bate em seu ombro e diz: “Tome Brest!”. E como Grow argumenta que está a 400 km de distância, Patton lhe responde: “Apesar disso, não vá me fazer perder as 5 libras que apostei com Monty!”.

 

Os planejadores da Operação Overlord contavam com uma campanha de inverno na França. Janeiro devia encontrar os exércitos aliados na linha Abbeville-Amiens-Laon-Reims-Troyes e a libertação da Europa ocidental não devia terminar antes do verão seguinte. Segundo este esquema, a Bretanha era a grande plataforma da invasão. Tinham sido previstos trabalhos de vulto, para melhorar suas comunicações defeituosas, e a construção de um grande porto abrigado no paredão natural de Quiberon. Todo o 3o Exército devia empenhar-se na conquista da península armoricana, enquanto, espalhando-se na direção do Loire, o 1o Exército cobriria seu flanco.

 

Mas as idéias evoluem. A audácia ganha terreno. Montgomery, escrupuloso em sua tática, empreendedor em sua estratégia, é o primeiro a vislumbrar caminhos mais rápidos para a vitória. A etapa bretã lhe parece inútil e a utilização de um exército de quatro corpos contra quatro velhas divisões alemães, injustificável. Patton pensa do mesmo modo e seus melhores subordinados pensam como ele. Comandando a 4a Divisão Blindada, chega a Rennes, na noite de 1o de agosto, o General John Wood, que encontra a cidade defendida, contorna-a e, em vez de dirigir-se para Vannes e Lorient, de acordo com as ordens que recebera, marcha para Angers. Lembrado na direção de Morbihan por seu comandante de corpo, Middleton, que se manteve fiel à prioridade dos portos bretões, ele obedece protestando: “Não era para Lorient que eu deveria ir, mas para Chartres”. O método e a inspiração se chocam. A manobra que vai precipitar o desenlace da batalha da França, nasce, na prática, do choque de dois estados de espírito.

 

A 3 de agosto, Montgomery escreve o seguinte: “Envio somente o 8o Corpo americano para a Bretanha”. Ainda é dizer muita coisa. Só uma parte da 8a DI avança até Rennes. A 79a DI inteira não põe um pé na Bretanha dirige-se para Laval e Le Mans. A 4a e 6a Divisões Blindadas são as únicas que se insinuam a oeste da linha Saint-Malo-Saint-Nazaire. Aliás, elas encontram, no mesmo local, uma infantaria com os 20.000 FFI organizados do Coronel Eon, que descera de pára-quedas na França antes de 6 de junho. Nove décimos da província libertam-se espontaneamente, abrem as estradas, entregam as cidades aos tanques americanos.

 

Com uma penada, Hitler declarou praças fortes todos os portos franceses: Dunquerque, Calais, Boulogne, Havre, Saint-Malo, Brest, Lorient, Saint-Nazaire, La Rochelle, Royan. Seu raciocínio, exposto no discurso de 31 de julho, não é absurdo. As tropas que ocupam os portos não tem mobilidade alguma, estão destinadas a uma destruição certa em campo raso; portanto, serão melhor empregadas mantendo fechados os portos marítimos da Europa e conservando as bases das quais poderá ressurgir a guerra submarina, depois que for posto em uso o tipo 21. Desapontado com a rápida queda de Cherburgo, o Fuhrer manda verificar os estados de serviço e sondar os estados de espíritos de todos os comandantes e, com exceção de alguns, exige que se faça um juramento especial.

 

Na Bretanha, portanto, os elementos dispersos do 25o CE recuam para os portos, em lugar de tentar escapar na direção leste. Um pouco mais de audácia, um pouco mais de confiança nos FFI talvez tivessem permitido tomar Lorient de um só golpe, mas faltou a ocasião. A 6a Divisão Blindada chega diante de Brest a 7 de agosto, mas não possui meios para dar assalto a uma praça tão importante - e Patton perde sua aposta. O cerco de Saint-Malo foi a única ação imediatamente empreendida por grupamento fornecido pela 83a DI. Com aproximadamente 12.000 homens, dos quais muitos nunca tinham pegado num fuzil, o Coronel Andreas von Aulock se entrincheirou nas duas margens do estuário do Rance. Intimado a render-se, responde que defenderá Saint-Malo até a última pedra.

 

A guerra de acelera

 

Os acontecimentos decisivos da batalha da França se desenrolam agora longe do Calvados e do Cotentin. O ímpeto de Patton, desviado para leste, só encontra diante de si o vazio. “É difícil - diz um comunicado - dar informações sobre o inimigo, porque não encontramos o inimigo...” O Perche, o Maine estão desertos de alemães. No máximo, dão-se choques com guardas de barreiras e são capturados soldados de intendência, sendo que muitos, diz uma testemunha, dão risadas, cantam de alegria, pela guerra terminada. Em toda parte, civis, policiais, rebeldes, guiam as colunas, apagando a impressão que os americanos tinham de uma libertação contra a vontade, dada algumas vezes pelos bocains (habitantes do Bocage normando), indignados ao ver os obuses não respeitarem as vacas. Em Laval, onde um batalhão alemão defende uma ponte, a polícia municipal conduz os americanos por uma barragem do Mayenne. No Mans, a 79a DI, transferida do 8o para o 15o Corpo, chega no dia 8, às 7 horas, adiantando-se à 5a Divisão Blindada, que avança pela margem esquerda do Sarthe. Algumas horas antes, a grande cidade, nó das comunicações do Oeste da França, era o QG e o entreposto central do 7o Exército alemão. A massa do 15o Corpo, comandada pelo Major-General Eade Haislip, lá chega menos de quatro dias depois de ter transposto a ponte de Pontaubault.

 

Ao menos uma vez a previsão de Hitler se realiza. Em terreno livre, com a cobertura de uma superioridade aérea esmagadora, a motorização integral dá asas ao exército americano, confere-lhe uma mobilidade análoga àquela que as Panzerdivisionen conheceram em 1940. Esta semelhança inspira aos generais aliados a tentação de cercar as forças alemães na Normandia, como Rundstedt e Bock haviam cercado as forças franco-britânicas em Flandres. Patton, cujo senso estratégico foi desenvolvido a partir de um profundo estudo da história militar, única grande escola dos grandes chefes, percebe rapidamente esta possibilidade excitante. “Não fiquem surpresos - diz a Haislip - se receberem ordem de marchar para nordeste ou mesmo para norte...”

 

Outra surpreendente analogia com 1940 é a estreiteza da garganta na qual se lança a invasão motorizada. No dia em que Patton atacou a ponte de Pontaubault, a largura da brecha atingia apenas uns 10 km. A frente alemã só está destruída na sua extremidade esquerda. Em todo o resto, aliás, suporta forte pressão e só se mantém à custa de insuportáveis perdas a longo prazo, apesar de, imediatamente, resistir. O 1o Exército canadense não chega a sair do grande subúrbio de Caen. O 2o Exército britânico está parado diante de Villers-Bocage. O 1o Exército americano anda de Torrigny a Villedieu-les-Poêles. A rota de Patton, como a de Guderian depois de Sedan, parece mais uma incursão do que uma exploração de uma vitória. Incita ao mesmo gênero de reação escolhida, em 1940, por Gamelin e Weygand: fechar a brecha. Enquanto os Aliados descobrem a possibilidade de um cerco ao inimigo, os alemães concentram seu pensamento no estrangulamento do corredor aberto em suas linhas e na captura dos elementos que dele se utilizaram. Hitler está convencido de que possui a chave de um triunfo no Oeste, isto é, a maneira de dar uma reviravolta decisiva no curso das hostilidades.

 

Uma consideração contribui para revigorar seu otimismo: a situação em que ele imagina o exército americano. Ele passa e mostra, como um talismã, um estudo de Sonderfuhrer Von Neurath, que descobre no mesmo “uma terrível confusão”. Os soldados, recrutados por dinheiro, sem saber por que lutam, são uns poltrões. Os oficiais são ignorantes e estúpidos. Além do mais, acrescenta Hitler, só existe um exército quando há conhecimento do terreno e ninguém ignora que os americanos estão fora de seu elemento. Uma derrota séria, causando a perda de seu material, será a prova disso.

 

A 3 de agosto, chega a La Roche-Guyon o adjunto de Jodl, General Warlimont, para supervisionar os preparativos do contra-ataque que deve cortar em dois a invasão. Às instruções que lhe deu pessoalmente, Hitler acrescentou a seguinte reflexão: “Diga ao marechal-de-campo que olhe para a frente e não para trás...” Uma suspeita cada vez maior pesa sobre Von Kluge - caso especial e particular do frenesi de ódio que o 20 de julho provocou nas fileiras nazistas. O Reichsleiter Ley, chefe da Frente de Trabalho, acaba de declarar que o corpo de oficiais é coletivamente culpado do atentado e que o povo alemão deve exercer sua vingança contra a classe aristocrática como um todo.

 

Para um empreendimento tão decisivo como a redução da garganta de Avranches, Hitler exige a maior concentração de meios possível. O 5o Exército Panzer (nova denominação do Panzergruppe West) substituirá suas 5 divisões blindadas por divisões de infantaria provenientes do Norte do Sena e fará sua transferência na região de Mortain. O 58o Corpo Blindado, reduzido à 9a Panzer, é chamado do sul da França. Com as quatro divisões blindadas somadas ao 7o Exército, atinge-se o total de dez, o mesmo de 1940. No mapa, uma massa de aço vai romper o estreito corredor que liga o exército de Patton, audaciosamente espalhado em forma de leque, às bases normandas.

 

Mas o quadro é fictício. Os movimentos prescritos por Hitler encontram dificuldades insuperáveis. O 58o PzK se choca com uma trama de destruição e emboscadas que tornam sua chegada em tempo útil totalmente impossível. As divisões de infantaria encarregadas de substituir as Panzer atrasaram-se tanto, por causa dos ataques contra as vias de comunicação, que nenhuma transpôs o Sena a 6 de agosto. Em lugar de 5 divisões blindadas a serem descontadas, o 5o Exército Panzer só pode fornecer uma, assim mesmo bastante desgastada por um mês de combates ininterruptos. Tendo a Panzer Lehr desaparecido, são, no fim das contas, apenas 4 as divisões blindadas que poderão tomar parte na grande manobra de Avranches. Não perfazem  mais que 150 tanques e canhões automotores.

 

Do lado americano, o prudente Bradley interveio, passando por cima do temerário Patton, para consolidar o flanco da brecha de Avranches. A 90a DI, destacada do 3o Exército, foi encarregada de tomar Saint-Hilaire-du-Harcouët, na entrada das gargantas do Sélune. É a mesma divisão que se revelou imprestável na batalha do Cotentin e que se tratava de dissolver. Ela surpreende por seu entusiasmo, cumpre sua tarefa e alarga o corredor. À sua esquerda, a massa do 1o Exército toma igualmente a ofensiva. O 7o Corpo conquista Mortain, contra uma fraca resistência alemã. O 19a e o 5o corpos, ao contrário, travam rude combate numa mata tão espessa quanto a do Cotentin. Mas as tropas americanas se habituam. Se bem que tenham sido retirados os tanques, inutilizáveis por causa do terreno, o 116o RI toma a cota 219 e infiltra-se em Vire. A conquista da infeliz cidade, meio destruída, prossegue em encarniçados combates de rua.

 

Assim, em instância de ofensiva, Kluge se vê destituído de suas bases de partida! Em seus telefonemas diários ao OKW, ele pede autorização para passar imediatamente ao ataque. Seus blindados estão escondidos a leste de Mortain, na floresta de Lande Pourrie, asilo fiel dos insurretos de Frotté. Ele não teme nem um pouco que a aviação americana os descubra e que sejam destruídos antes de entrar em combate. Hitler responde que a concentração de forças ainda não é suficiente. Jodl confirma, dizendo ao marechal-de-campo que, quanto mais ele permitir que os americanos penetrem no corredor, tanto mais prisioneiros fará...

 

O ataque, fixado para 7 de agosto, deve ser dirigido pelo General Barão Von Funck, comandando o 48o Corpo Blindado. Na véspera, Hitler telefona para Von Kluge dizendo que lhe envia 140 tanques suplementares, mas exige a substituição de Funck pelo chefe do 5o Exército Blindado, Heinrich Eberbach. Kluge protesta, desesperadamente. O que o Fuhrer pede significa um adiamento de pelo menos 24 horas, durante as quais podem acontecer todas as catástrofes. Além do mais, a meteorologia anuncia neblina para o dia seguinte. As chances alemães decuplicam, se a aviação aliada não tiver condições para intervir.

 

Hitler acaba deixando-se convencer. A hora H é mantida: o primeiro minuto de 7 de agosto.

 

O plano é simples. Três divisões blindadas na primeira linha: a 116a Pz SS, diante de Sourdeval; a 2a Pz diante de Saint-Barthélémy; a 2a Pz SS contra Mortain. Em segunda escala, pronta a explorar toda a abertura, a 1a Pz SS. O combinado é lançar-se direto sobre Avranches. Kluge não tem a menor idéia do que fará depois, mas Hitler está convencido de que o pânico tomará conta dos coligados e que a massa alemã poderá retornar ao norte e fazer cair a totalidade da frente inimiga. Os elementos que estão na Normandia talvez cheguem a embarcar a toda pressa. Os que saíram da província serão destruídos, um por um.

 

Mas falta coesão ao ataque. Ao norte, a 116a Pz SS, comandada pelo General Conde Schwerin, antinazista militante, nem se abala. No centro, a 2a Pz avança até o povoado de Mesnil-Adelée, onde sua marcha é estacada. Ao sul, os soldados da 30a Divisão americana, que guardava Mortain, escutam, no meio da noite, um barulho de lagartas que não são as do Sherman. A artilharia abre fogo por intuição, mas a 2a Pz SS força as barricadas, cerca um batalhão do 20o RI que se entrincheira na cota 317, atravessa as ruínas de Mortain e se mete na estrada de Saint-Hilaire-du-Harcouët. A alvorada envolta em neblina de acordo com as previsões da meteorologia, encontra os alemães a meio caminho daquela localidade.

 

De repente, a neblina desaparece. O céu de fuligem transforma-se, em poucos minutos, em um céu de anil. A reação dos alemães é extraordinária: espontaneamente, escondem seus tanques nos caminhos vazios, fazendo-os desaparecer nas folhagens, antes mesmo que os Typhoon britânicos e os Thunderbolt americanos tenham tido tempo de aparecer sobre o campo de batalha. A ofensiva pára por si mesma. Até o cair da noite, nada se mexe nas linhas alemães, enquanto os americanos fazem avançar suas reservas e preparam a reação. Hitler tinha prometido uma proteção aérea de 300 caças; nenhum deles atinge o céu normando.

 

Kluge sabe que a batalha de Avranches está perdida. Hitler recusa-se a reconhecê-lo. “O ataque não teve êxito - diz ele ao General Warlimont, que volta da frente oeste - porque o Senhor Marechal Von Kluge não quis que tivesse”. Mas a ofensiva será reiniciada. O próprio Eberbach a dirigirá e, desta vez, será ele, Adolf Hitler, que marcará o dia e a hora. Antecipando-se à nova ofensiva alemã contra Avranches, o 3o Exército canadense empreende, na noite de 7 para 8 de agosto, uma operação de grande estilo ao sul de Caen. O objetivo é Falaise. Montgomery deu ordem para que toda a infantaria subisse nos chassis dos canhões automotores e formou oito colunas blindadas, que, depois de uma frente de quatro veículos por coluna, passam como imensas serpentes de um lado a outro da longa estrada retilínea. Tanques-piloto e tanques caça-minas abrem o caminho. A iluminação é fornecida por um luar artificial, criado pelos projetores da DCA. Não foi levada em devida conta a poeira que cobre o campo de batalha e que obrigou a se renunciar de uma parte dos bombardeiros aéreos. O sucesso da primeira noite não é menos brilhante. Ao amanhecer, Tilly-la-Campagne, cercada, ainda resiste ferozmente, mas as cidades de Roquamcourt, Cramesnil, Saint-Aignan, etc., são tomadas de assalto. O avanço atinge de 4 a 5 km e duas divisões blindadas, a 1a canadense e a 1a polonesa, entram em linha para explorar a brecha.

 

Eberbach pede auxílio. Em lugar de lhe prometer reforço, Kluge tem que lhe dizer que o Fuhrer retira da frente de Caen 2 divisões blindadas e que ele, Eberbach, deve abandonar seu exército em perigo para ir dirigir a ofensiva contra Avranches. As ordens de Hitler arriscam o desmoronamento da ala direita, antes que a ala esquerda esteja pronta para atacar.

 

Mas o dia é menos propício para os britânicos que a noite. As duas divisões blindadas novatas, tanto uma quanto a outra, são desnorteadas pela violência da luta, e uma delas, a polonesa, é dizimada pelos bombardeiros americanos, devido a um erro de sinalização. A ofensiva prossegue em ritmo lento e esmorece a uns 12 km de Falaise. Abalada novamente, a frente alemã resiste mais uma vez.

 

Este meio sucesso defensivo excita o otimismo de Hitler. Enquanto ele insistia para atrasar a primeira ofensiva contra Avranches, irrita-se com os prazos que lhe são pedidos para a segunda. Kluge e Eberbach unem-se para lhe demonstrar que a data de 11 de agosto é totalmente impraticável e que os 124 tanques que lhes restam, dos quais 47 Tigre, não são suficientes para a tarefa. Exigem reforços e declaram que não estarão em condições de atacar antes de 20 de agosto.

 

Ora, o inimigo modifica o jogo. Enquanto discute com Rastenburgo sobre a maneira de cortar a invasão ao meio, o marechal Von Kluge faz uma terrível constatação: seus próprios exércitos na Normandia estão ameaçados de cerco.

 

A ameaça sobre Avranches havia colocado um problema ao Comando: devia fazer Patton voltar atrás para salvar suas comunicações com as praias normandas, ou podia arriscar um corte momentâneo do cordão umbilical do 3o Exército? A decisão tomada pessoalmente por Eisenhower, na mesma manhã em que os tanques alemães se aproximavam de Saint-Hilaire-du-Harcouët, foi de uma audácia calculada. O Serviço de Transportes Aéreos atingia uma capacidade diária de 2.000 toneladas, de sorte que as necessidades essenciais do 3o Exército podiam ser satisfeitas em qualquer hipótese. A reconquista da França podia continuar, apesar do último esforço de Hitler para reconstituir a frente da Normandia. Mas o ímpeto de Patton não tem mais como único objetivo estabelecer o “alojamento” previsto pelo Plano Overlord. A tenacidade com que os exércitos alemães se prendem ao terreno faz surgir uma formidável ocasião para cercá-los e capturá-los. Patton - que partiu de Brest - dirige-se não mais para Chartres, mas para Alençon, ajustando mais de 90 graus a seu eixo de marcha, alcançando os três quartos de quadrante sua rotação em sentido inverso aos dos ponteiros do relógio, a partir do rompimento de Pontaubault. Deve avançar até uma linha que passa por Carrouges e Sées. Vindo do norte, por Falaise e Argentan, o 1o Exército canadense o encontrará, fechando o cerco...

 

No momento em que começa este grande movimento giratório, o 3o Exército está espalhado por 400 km, da ponta de Finisterra à campanha do Mans. Ele se bate diante de Saint-Malo e depois rodeia a velha cidade em chamas. Empreende o cerco de Brest, para o qual destacou a 8a DI. Bloqueia Lorient e Saint-Nazaire, atinge o Loire de Nantes a Angers. Assim mesmo, dispõe facilmente das massas necessárias à execução de sua nova missão. Três corpos de exército estão disponíveis, totalmente ou em parte. O 15o CE, marchando sobre Alençon, representa o centro de gravidade, o marco de toda a operação. O 12o CE, está em condições de prolongá-lo em direção leste e o 20o CE de cobri-lo, ligando-o ao 1o Exército em direção a Domfront. Para contrariar a manobra, os alemães só tem alguns destacamentos de soldados da retaguarda e o 58o Corpo Blindado, a 9a Pz e a 708a DI chegando do centro da França em farrapos.

 

A campanha de Alençon é, novamente, diferente de todas as da Normandia que os americanos experimentam há dois meses. Pastos gordos, ricos haras se alternam com florestas majestosas, nas quais o troar dos canhões assusta bandos de corsas. O 15o Corpo foi reforçado pela 2a Divisão Blindada francesa, desembarcada a 3 de agosto na baía do Monte Saint-Michel. Leclerc, marchando com sua vanguarda, toma, intactas, as pontes de Alençon e, impaciente para atravessar a floresta de Ecouves, sai do seu itinerário e engarrafa a zona de marcha da 5a DB dos EUA. Argentan não está nem na zona americana nem na francesa, sua conquista foi deixada para os canadenses do 21o Grupo de Exércitos. Mesmo assim, uma patrulha francesa, requisitada por dois guardas locais, lá penetra no dia 13 de agosto, às 5 horas da tarde. Depois de ter feito flutuar, por um instante, a bandeira tricolor numa janela da Prefeitura, ela se retira. Falaise, contra a qual os canadenses acabam de iniciar sua ofensiva, está a 25 km. Duas horas de tanque!

 

A 11 de agosto, Kluge revela a Hitler a gravidade e a iminência da ameaça. Propõe que se retirem três divisões blindadas da saliência de Mortain, para lançar um contra-ataque, de leste a oeste, no flanco do 15o Corpo americano. Hitler aceita a princípio mas duvida de sua aplicação. Recusa-se a admitir o abandono da ofensiva contra Avranches e , consequentemente, só autoriza, na região de Mortain, um recuo limitado. Acha a idéia da manobra do marechal muito tímida. É preciso atacar em direção a sudeste, diretamente sobre o Mans, para cortar na base o avanço inimigo. Logo que seja aniquilado o 15o Corpo dos EUA, as Panzer darão meia-volta para leste e, passando por Mayenne, marcharão sobre Avranches, juntamente com as forças deixadas em volta de Mortain.

 

A visão de Hitler é fantasmagórica. As divisões blindadas que ele lança em todos os setores do horizonte reduzem-se a um punhado de tanques acompanhados por soldados esgotados. O abastecimento de combustível é mais do que precário. Sua mobilidade foi reduzida a pouca coisa pelo monopólio aéreo inimigo. O discípulo favorito de Guderian, o intrépido oficial que é Eberbach, diz isto ao Fuhrer, numa conversa particular: “É preciso lembrar o fato de que, na fase atual da lua, só nos podemos mover durante seis horas em 24 horas, de 3 às 9, e ainda sob a condição de que a bruma matinal não nos falte...” No entanto, Hitler é coerente quando se recusa a admitir suas considerações. Se as admitisse, só poderia concluir uma derrota total da Alemanha, isto é, seu fracasso e seu suicídio. Ele não luta mais para poupar seu país de um desastre. Ele prolonga seus dias.

 

Na noite do dia 12, as Panzer designadas começam a deixar a saliência de Mortain. A ordem de operações prevê que elas lançarão um ataque geral da região de Carrouges para a região de Sées, na noite de 14 para 15 de agosto. Mas trata-se de um plano visionário. Desde o dia 13, Eberbach teve que confiar à 116a Pz SS - 15 tanques - a defesa de Argentan. No dia seguinte, a 1a Pz SS - 30 tanques - é utilizada para fechar a frente de Carrouges em Ferté-Macé. A 2a Pz SS - 25 tanques - deve opor-se à 2a DB diante de Ecouché. A 10a Pz, que devia vir como reforço da região de Domfort, não pode fazer o movimento por falta de gasolina, e a 9a, que devia incorporar-se às forças de Eberbach, foi praticamente destruída pelos franceses na floresta de Ecouves. Em Rastenburgo, um poderoso grupamento de divisões blindadas se reúne, segundo o mapa do Fuhrer, para penetrar no flanco, temerariamente exposto, do 3o Exército americano. Na Normandia, alguns grupos de combatentes se espalham de Flers a Gacé, escondidos nos valados, capazes de uma resistência estática valorosa, mas incapazes de um movimento ofensivo. Do mesmo modo Napoleão, durante a retirada da Rússia, continuava chamando de corpo de exército a alguns punhados de oficiais reunidos em torno das águias, enquanto seus regimentos se tinham dissolvido na multidão de retardatários. Todos os chefes de campanha megalomaníacos passam pela mesma negação do real.

 

No dia 14 de agosto, o 21o Grupo de Exércitos retoma a ofensiva. Seis novos tapetes de bombas, depositados entre Quesnay e Tassily, tiram a 85a DI da ordem de batalha alemã. À noite, a 2a e a 4a Divisões canadenses estão a 7 km de Falaise, tão furiosamente bombardeada que o traçado das ruas desapareceu. Os poloneses estendem a ofensiva a leste de Dives, para aumentar a espessura do anel que se fecha em volta dos dois exércitos alemães apanhados na armadilha.

 

Desembarque-relâmpago na Provença. Cerco não realizado na Normandia.

 

Sobre o dia seguinte, 15 de agosto de 1944, Adolf Hitler dirá algumas semanas depois: “Foi o pior dia de minha vida...”  Mas o destino lhe reservava outros.

 

Durante a noite, milhares de pára-quedistas americanos e ingleses da 1a Divisão Aerotransportada descem na Provença. Às 8 horas da manhã, três divisões americanas desembarcam entre Cannes e Hyères. Começa a Operação Anvil-Dragoon, atrasada mais de uma vez, combatida por Churchill, mantida pelos americanos mais para desviar os ingleses dos Bálcãs do que por necessidade militar demonstrada.

 

Essencialmente, as forças que dela participam provêm do desmembramento do exército da Itália. A 28 de julho, em plena perseguição, depois da tomada de Livorno, Pisa e Siena, o 6o Corpo americano e o Corpo expedicionário Francês foram retirados do General Clark e levados ao sul da Itália para serem embarcados com destino à costa provençal. A 9a Divisão de Infantaria Colonial, que conquistou a ilha de Elba nos dias 17 e 18 de julho, a 1a e 5a Divisões blindadas, formadas na Argélia, vieram reunir-se às tropas francesas, que foram divididas em dois corpos de exército, destinados a formar, posteriormente, um exército. Juin, substituído apesar de sua brilhante conduta na campanha da Itália, desaparece da guerra ativa em proveito do General De Lattre de Tassigny. Além do mais, ele era hostil à Operação Anvil, considerando, com razão, a planície do Pó como o ponto estratégico da guerra, como o campo de batalha designado para conduzir “em pouco tempo a Viena, Praga e à linha do Elba”. Mas a política - a política pró-soviética de Roosevelt - e não a estratégica, decidiu de outra maneira.

 

A volta de tantos soldados franceses para o território da França é acompanhada de uma intensa vibração sentimental. Mas os preparativos, o embarque, a travessia de Anvil não lembram de longe as emocionantes peripécias da Operação Overlord. Trata-se, no entanto, de uma expedição extremamente importante, pondo em movimento perto de 2.000 navios de desembarque ou de carga e uma escolta naval de 300 vasos de guerra, entre os quais figuram veteranos da Normandia, como os couraçados Nevada, Texas, Oklahoma e Ramillies. Os comboios aproxima-se da costa francesa por oito rotas, que partem de Orã, Argel, Bizerta, Palermo, Tarento, Brindisi, Nápoles e Calvi. Nada atrapalha a passagem e a aproximação salvo, às 3h47, próximo à ilha do Levante, um patrulheiro alemão, o Escaburt, que uma única salva do destróier Somers põe fora de ação. Neste momento, além dos pára-quedistas da First Airbone, os “comandos” franco-marroquinos Roméo e Rosie desembarcam no cabo Negro e na ponta de Esquillon. Dois artifícios, levando grupos de pára-quedistas fictícios, dirigem-se também para Gênes e La Ciotat.

 

O bombardeio aéreo e naval começa de madrugada. Na hora em que o sol se levanta, o céu está coberto de nuvens, mas o mar está calmo e o boletim meteorológico, excelente. As ondas de assalto da 36a, da 45a e da 3a DI dos EUA se formam sem incidentes, respectivamente, diante de Saint-Raphaël, Saint-Tropez e Cavalaire. Todas juntas, sem a menor exceção, tocam a terra às 8 horas e um minuto, do cabo Cavalaire à calheta de Anthéor.

 

A costa mediterrânea é defendida pelo 19o Exército alemão, à frente do qual Von Sodenstern acaba de ser substituído pelo General Friedrich Wiese. Modificado, em proveito da frente da Normandia, o 19a está reduzido a sete divisões estáticas, nas quais não figuram mais do que 20 batalhões Osttruppen e a 11a Pz, que infelizmente se acha a oeste do Ródano na região de Montpellier. Desde as primeiras horas da manhã, parece ao Comando alemão que as fortificações imperfeitas da linha do Mediterrâneo e as tropas medíocres que as guarnece são incapazes de resistir à nova invasão.

 

O dia 15 de agosto, na Normandia, não foi de trégua. Os alemães retiram-se da saliência de Mortain, que os americanos reocupam, libertando os cercados da cota 317, mas sete corpos de exército estão comprimidos entre Flers e Dives, numa tripa de 50 km de comprimento e 20 de largura, onde, segundo o chefe do estado-maior do Grupo B, “a situação se grava de hora em hora”. O bolsão, der Kessel, ainda não foi fechado, mas seu abastecimento tornou-se extremamente difícil e os bombardeiros aliados mantém ali uma sangrenta confusão. Apesar disso, não é nem o desembarque na Provença, nem o combate desigual da Normandia que provocam a agitação, a cólera, a angústia de Adolf Hitler. É a apreensão e a convicção de uma nova traição: o comandante-chefe do Oeste, Marechal Von Kluge, desapareceu.

 

Ele dormiu, dia 14, em Meulles, perto de Vimoutiers, no PC de Dietrich. No dia seguinte, às 5h30, pôs-se a caminho de Nécy, perto de Falaise, PC de Eberbach. Não chegou e os apelos lançados à rádio volante que o acompanha fica sem resposta. Procura-se em todo o bolsão: nada.

 

Hitler não hesita em interpretar este desaparecimento. Comprometido na conjuração de 20 de julho, sabendo-se desmascarado e perdido, o Marechal-de-Campo Gunther von Kluge passou para o inimigo. Ele foi ao bolsão de Falaise para se render, ou, mais provavelmente, para tratar da capitulação de seu exército.

 

No início da tarde, Hitler se recusa a esperar por mais tempo. Ordena que o General Hausser tome, provisoriamente, o comando do Grupo de Exércitos B e procura um OB West capaz de jugular a traição de Von Kluge. Tendo hesitado um momento entre Kesselring e Model, escolhe o segundo, convocando-o imediatamente a Rastenburgo.

 

À uma hora da manhã, o desaparecido reaparece. Os Jabos incendiaram seu carro, destruíram seu rádio volante, mataram ou feriram seus companheiros de viagem. O Marechal-de-Campo von Kluge passou o dia escondido num campo de trigo, tomado da mesma paralisia que imobiliza suas tropas durante as horas diurnas. Ao cair da tarde, teve muita dificuldade em achar um transporte, depois foram necessárias várias horas para atingir Nécy, onde chegou humilhado, esfarrapado e moído. As boas vindas de Rastenburgo são um telegrama proibindo-lhe de voltar ao bolsão, ordenando-lhe dirigir a batalha do PC de Sepp Dietrich, sob a alta vigilância de uma nazista!

 

Kluge obedece, volta a Meulles. A experiência que acabou de viver lhe permite traçar a Jodl um quadro real de uma noite nas retaguardas da frente da Normandia: as estradas cobertas de uma multidão compacta; as colunas cortando-se umas às outras e imobilizando-se; engarrafamentos diante de pontes destruídas; a artilharia cansada e ensangüentando as encruzilhadas; o ronco ininterrupto da aviação inimiga; veículos em chamas atirando novas bombas... Jodl escuta com algum ceticismo. Abstêm-se de informar seu interlocutor sobre sua substituição iminente e limita-se a dizer-lhe que a retirada do bolsão de Falaise será, provavelmente, autorizada pelo Fuhrer.

 

Os canadenses estão em Falaise, os poloneses em Trun. Os ingleses invadem o vale do Orne. Na Bretanha, os americanos acabam com Saint-Malo, onde, faltando a seu juramento, Von Aulock iça a bandeira branca sobre a cidadela. Em direção à Paris, tomam Dreux. No Loire, toma Orleãs. Na Normandia, avançam para o fundo do bolsão; vão a Tinchebray, Barenton, Domfront... Tem-se a impressão de que tudo desmorona, que o fim começou...

 

Na realidade, uma das grandes ocasiões da guerra foi perdida pelos Aliados. De todos os setores da batalha da França, só um ficou inerte, o mais importante de todos, o de Argentan. O 15o Corpo americano não ultrapassou a linha de espera no dia 13 de agosto. Duas de suas divisões, a 5a Blindada e a 79a, foram retiradas do combate e enviadas para a região parisiense. O ramo sul do cerco que fecha o bolsão de Falaise parou por si mesmo. Magistralmente iniciado, o cerco do 7o Exército e do 5o Exército Blindado alemães fica inacabado. Os americanos dispersam-se em manobras mecânicas, em vez de se concentrarem na única coisa de importância na guerra: a destruição do inimigo.

 

Bradley é o autor deste extraordinário erro. E reivindica a autoria: “A decisão foi exclusivamente minha...” Desde o dia 13, Haislip tinha pedido autorização para prosseguir seu avanço, para sair da zona do 12o Grupo de Exércitos, tomar Argentan, unir-se ao 1o Exército canadense na direção de Falaise e fechar o cerco do inimigo. Patton, solicitamente, concorda, mas Bradley intervém: “Minhas instruções foram tão categóricas, que George, sem dizer nada, chamou as tropas de Haislip...”  Montgomery, comandante-chefe do teatro de operações, nada indagou, não deu uma ordem, e Eisenhower pairava em esferas muito elevadas para intervir no emprego de um simples corpo de exército. Bradley ficou como único juiz. “Eu estava perfeitamente satisfeito de ter atingido meu objetivo e repugnava-me a idéia de ter que designar um outro”. Homens de imaginação medíocre nunca são grandes soldados. Para Omar Bradley o objetivo era uma linha passando por Tincherbray-Ranes-Sées-Moulins-la-Marche - enquanto se travava de igualar Stalingrado, na Normandia, pela captura de dois exércitos alemães, e de apressar o fim da guerra, dando um golpe material e moral arrasador no inimigo.

 

Kluge não pode deixar de duvidar do descanso que lhe foi conferido. Devorado pela inquietação, toma a responsabilidade de, sem autorização de Hitler, ordenar a retirada do bolsão. A evacuação começa na noite de 16 para 17. Os veículos motorizados devem ser abandonados por falta de gasolina. A marcha é lenta, no meio da obscuridade, em estradas estragadas e atravancadas de destroços. O sol se levanta diante de imensas colunas hipomóveis do 7o Exército, bloqueadas a oeste do Orne, diante da ponte de Putange, única passagem do rio. Kluge cria uma diversão, atrai para outro lado a aviação aliada, fazendo atacar Bourg-Saint-Léonard, na abertura do bolsão. A 2a Pz SS consolida o corredor da evasão, expulsando a 30a DI dos EUA da elevação que domina a passagem do Dives, em Chambois. Por outro lado, durante o dia, 45 bombardeiros Heinkel, transformados em transportes, conseguem depositar no bolsão alguma quantidade de munições e um pouco de gasolina para os últimos tanques. O Marechal Kluge exerce seu comando, até o fim, como soldado hábil e experimentado.

 

Suas horas estão contadas. Model aparece, na manhã do dia 17, confirmando a aprovação do OKW à evacuação do bolsão de Falaise, mas trazendo para Kluge uma carta sem rodeios: “O Senhor - diz Hitler - não mais está em condições de exercer o comando do Oeste. Peço-lhe que volte a ficar à minha disposição”.

 

Kluge se recolhe para responder. Depois conversa tranqüilamente com seu chefe de estado-maior, Blumentritt, pede seu carro para as 5 horas e despede-se gentilmente de seu sucessor. A carta que deixa para Hitler começa assim: “Quando estiverdes lendo estas linhas, não existirei mais...”  Exime-se da responsabilidade do desastre da Normandia e deseja a Model mais felicidades do que teve. “Se a situação fosse outra e se as novas armas nas quais tendes tanta esperança não vos trouxerem o sucesso esperado, então, meu Fuhrer, deveríeis decidir acabar com a guerra. O povo alemão sofreu de maneira indescritível; é tempo de acabar com tantos horrores”.

 

No da seguinte, ao entrar em Metz, o Marechal Von Kluge manda parar o carro. O motorista vê que ele leva à boca uma cápsula. E conduz ao hospital um moribundo. Aquele que tirou uma última chance dos conjurados de 20 de julho reúne-se a eles no Além.

 

Do lado aliado, reconhece-se o erro de Bradley e decide-se fechar o bolsão.

 

O 1o Exército canadense ataca em direção a Saint-Lambert. Os americanos formam um corpo provisório, que ataca de Bourg-Saint-Léonard até Chambois. A resistência ainda é valorosa. No dia 18, à noite, a junção ainda não foi feita e uma massa de inimigos escapa atravessando o Dives, entre Trun e Chambois. A ação recomeça dia 19. Os bosques ardem, incendiados por obuses de fósforo. Esta soberba região normanda, terra de haras e de castelos, está envolta num véu infecto de fumaça fétida, misturada a uma poeira de terra e chuva. As estradas desaparecem debaixo de uma quantidade incrível de destroços. Os povoados são  lugares de horror, onde dominam os incêndios e a podridão humana, tem um dos cheiros mais repugnantes da natureza, o de animais em decomposição. Os alemães defendem-se com obstinação. Somente no fim da tarde é que a 1a Divisão Blindada polonesa os expulsa do monte Ormel, imenso pilar arborizado, que mantinha aberto o caminho da evasão. Vindo de Chambois, cujos tratores abrem as ruas afastando de qualquer jeito escombros e cadáveres, o 317o RI dos EUA reúne-se a eles. O bolsão está fechado.

 

Cinco dias de atraso! Mais da metade dos 120.000 homens que lá estavam pôde sair. Os Aliados deixaram passar a espetacular vitória que teria sido a capitulação de dois exércitos alemães em campo raso.

 

Apesar de tudo, a presa ainda é substancial. O bolsão, que não é mais o de Falaise, representa um retângulo de uns 10 km de comprimento, entre a via férrea de Caen e o de Dives, e uns 12 de largura, entre uma linha de Nécy-Crouy e uma linha de Argentan-Chambois. Mais de 50.000 alemães estão amontoados lá, muitos debandados, resignados, arrasados, só aspirando à captura. Um estado-maior de exército, um estado-maior de grupamento blindado, quatro estados-maiores de corpo de exército, uma dezena de estados-maiores de divisão são uma boa presa. Mas a batalha não foi conduzida. Os poloneses, abandonados em seu monte Ormel, perdem contato com os canadenses. Chove, a aviação não sai e até o esforço terrestre foi relaxado. O bolsão foi fechado muito tarde, e, além disso, mal fechado. Os enérgicos chefes que ele aprisiona decidem reabri-lo.

 

Na noite de 19 para 20, o comandante do 2o Corpo de Pára-quedistas, Eugen Meindl, organiza duas colunas, às quais dá ordem de avançar no maior silêncio. O comandante do 7o Exército, Hausser, coloca-se no meio de uma delas, com uma metralhadora no ombro. O Dives é transposto a vau, perto de Saint-Lambert, no sopé de uma colina sobre a qual se divisam as silhuetas dos blindados inimigos. Descobrindo que o monte Ormel está ocupado, Meindl contorna-o e avança até Coudehard, próximo ao renomado povoado de Camembert. Encontra Hausser, que já tendo perdido um olho na entrada de Moscou, acaba de ter o mandibular despedaçado por uma bala e se desfaz em sangue. Num buraco feito por um obus, os dois generais improvisam com a 2a e a 9a Pz SS - 20 tanques ao todo - um ataque para reabrir o bolsão. Depois, Meindl coloca seus feridos, inclusive Hausser, em caminhões pintados com cruzes vermelhas, e lança-os, em pleno dia, na estrada de Vimoutiers. O combate cessa para deixá-los passar.

 

Mahlmann, comandante da 353a DI; Von Luttwitz, comandante da 2a Pz; Meyer, comandante da 2a Pz SS, etc., escapam do bolsão nas mesmas condições de Meindl. Em vez de rica colheita que poderiam ter feito, os Aliados apanharão somente três generais, um dos quais Elfeldt, sucessor de Von Choltitz à frente do 84o Corpo.

 

O contra-ataque de Meindl, ao norte do monte Ormel, reabriu uma passagem. Alguns milhares de homens e até alguns veículos, transpondo o Dives na ponte de Saint-Lambert, ainda utilizável, conseguem evadir-se na noite de 20 para 21. Uma chuva diluviana aumenta a obscuridade. Meindl estabeleceu-se no ângulo do bosque de Coudehard, na base do monte Ormel, sobre o qual os poloneses dormem esgotados. Os soldados de Meindl dormem também, inclusive as sentinelas extenuadas. O general ainda se mantém de pé. Ele próprio orienta para Vimoutiers os grupos de soldados que surgem silenciosamente no meio da noite e da chuva. Uma hora antes do amanhecer, os sobreviventes de um batalhão de granadeiros contam que ninguém vem mais atrás deles. Meindl acorda seus homens, manda-os embora, espera até 5 horas em ponto, e parte, por sua vez, a pé, quase sozinho. Terminou a batalha da Normandia.

 

O fim de Vichy

 

A derrota alemã na Normandia poderia ter sido mais completa e mais brilhante. Mas, pelo menos, foi decisiva. A batalha da França e a própria França estão completamente perdidas para a Wehrmacht.

 

Muitos homens saíram do bolsão de Falaise. Mas os que lá ficaram, mortos ou cativos, representavam a elite dos combatentes, e os dois exércitos que lá estavam foram praticamente destruídos. As Panzerdivisionen, que arcaram com o maior peso da luta, não são mais que vestígios. A 116a está reduzida a 500 homens, a 2a SS a 450, a 12a SS a 300, e assim por diante. A 1a e a 10a SS não mais possuem um só tanque.

 

No entanto, ainda são essas unidades de elite que resistem. As outras debandam. Um rebanho humano sai por uma ponte de Ruão, meio consertada. Bandos de soldados atravessam o Sena em tudo o que pode flutuar, inclusive tonéis de cidra vazios, e lutas sangrentas ocorrem por causa das raras embarcações. A Feldgendarmerie dirige os fugitivos para a região de Amiens, onde são reagrupados e rearmados.

 

As retaguardas partem. A retirada de Paris começa. Os QGs de Saint-Germain e de La Roche-Guyon vão se abrigar no concreto de Margival. Model, de quem Hitler esperava um milagre, não passa de um chefe abatido, gemendo com as dores de seus muitos ferimentos, o que não faria no delírio da vitória. Ele dissolve o 7o Exército, funde os restos deste ao 5o Exército Blindado, que restitui a Eberbach, e, de acordo com a diretrizes de Hitler, ordena-lhe chegar a Touques por Trouville, Lisieux e Gacé. No entanto, avisa ao OKW que qualquer esperança de uma resistência ao sul do Sena é fantasia e, para evitar um desastre geral, pede 30 divisões novas, entre as quais 9 blindadas. Estas só poderiam ser retiradas da frente russa: Model, que acaba de chegar de lá, sabe, melhor que ninguém, da impossibilidade de dispor de um só batalhão.

 

O 5o Exército Blindado deve juntar-se ao 1o Exército, encarregado de cobrir a região parisiense, passando pela linha de Avre, isto é, Verneuil e Nonancourt, estabelecendo-se de Dreux a Orleãs. Posteriormente, aquele último deve espalhar-se pelo Yonne, para ligar-se ao 19a Exército, recuado da costa mediterrânea. Uma frente contínua, cobrindo os alvos de lançamento de bombas aéreas, seria construída, assim, do Havre até Besançon.

 

O 1o Exército, comandado pelo general de infantaria Kurt von der Chevallerie, ocupava a costa Atlântica, do Loire aos Pirineus. Portanto, deve bater em retirada através da maior parte da França, para desempenhar o papel estratégico que lhe foi conferido. Mas está impotente para realizá-lo! Cada um de seus corpos de exército compõe-se de uma única divisão de tropas estáticas, cuja mistura chega até um 950o Regimento indiano, organizado pelo ativista Chandra Bose. Uma ordem de 16 de agosto, ditando o recuo das formações não combatentes para leste da linha Orleãs-Clermont-Ferrand, já jogou às estradas 100.000 homens e mulheres da Wehrmacht, que só tem como meio de transporte as próprias pernas. Dois dias depois, as formações combatentes se põem em movimento para segui-las, com exceção das guarnições deixadas nos portos. Os impedimentos das estradas, as rupturas das pontes e o cansaço da resistência tornam a marcha extremamente lenta. A 28 de agosto, uma semana depois do início da retirada, a maior parte do 64o CE, vindo da região de La Rochelle, ainda não ultrapassou Poitiers. Um encontro geral havia sido marcado em Orleãs, mas até aí os americanos ultrapassaram os alemães, cuja única saída é prosseguir caminho para leste, para encontrar o 19o Exército.

 

No encalço dos soldados alemães, todo o Sudoeste e todo o Centro da França se libertam espontaneamente. Trata-se de uns trinta departamentos, cobrindo 5 das 12 regiões militares nas quais o General Koenig tentou enquadrar a massa confusa das forças francesas do interior: B (Bordéus), R3 (Montpellier), R4 (Toulousse), R5 (Limoges), R6 (Clermont-Ferrand). As autoridades insurrecionais, constituídas em resistências, saem, tumultuadamente, da clandestinidade. Argel nomeou comissários da República, prefeitos e subprefeitos, mas influências comunistas ou anarquistas prevalecem em muitas províncias, e a libertação é, em quase todo lugar, acompanhada da tomada revolucionária do poder.

 

Um historiador, utilizando os métodos de Taine na descrição dos aspectos mais íntimos da Revolução Francesa, certamente fará reviver dentro de alguns anos esse episódio estranho e terrível. Atualmente, isto é impossível, e fracassaram todos aqueles que o tentaram. Os arquivos dessa nova anarquia espontânea, os autos desse novo Terror estão sepultados num grande segredo. O número de indivíduos executados sumariamente, com ou sem uma imitação de justiça nunca pôde ser estabelecido, nem mesmo aproximadamente. Infelizmente, não há a menor dúvida de que crimes abomináveis foram cometidos em massa, sem outra justificativa que não a semelhança dos crimes igualmente bestiais e sádicos cometidos pela Gestapo, pela milícia francesa e por certas unidades das Waffen-SS.

 

Serão necessários vários meses para que seja restabelecida a autoridade nos departamentos meridionais e para que a repressão dos casos de colaboração seja entregue exclusivamente aos tribunais regulares.

 

Vichy está no limite do maquis de Auvergne. Teme-se uma incursão dos maquisards e o seqüestro do Marechal Pétain. A 7 de maio, o velho é transferido, no meio de forte escolta alemã, para o castelo de Voisins, propriedade do Conde de Fels, perto de Rambouillet. Quinze dias depois, os alemães mudam de idéia e, pretextando um desembarque iminente no Norte da França, decidem levar de volta à sua capital termal aquele que ainda tem o título de chefe do Estado francês. Pétain exige voltar por Nancy, Epinal, Dijon, Lião e Saint-Etienne. Por causa de uma visita feita, no mês anterior, a Paris e Ruão, ele ainda é saudado com aclamações. Isso fortifica sua convicção de que encarna, como sempre, a legitimidade e de que conserva o amor do povo francês, o que encoraja a enviar a De Gaulle uma carta na qual lhe oferece uma participação no poder durante alguns meses, passados os quais, feita a transição, ele se retirará, para acabar seus dias num retiro sossegado. Nenhuma resposta jamais será dada a este monumento de candura.

 

Junho e julho escoam-se sem choques. Cercas de arame farpado em volta do Hôtel du Parc dão a Vichy um ar de estado de sítio, mas a quietude exterior não é perturbada. Os dramas franceses se desenrolam fora: na Normandia assolada; no Vercors, onde o levante da Resistência se afogou em sangue; em Oradour-sur-Glane, onde toda a população foi exterminada pela divisão Das Reich; ou ainda na estrada onde Georges Mendel foi assassinado por milicianos, em represália ao assassinato do Ministro de Informações, Philippe Henriot, cujo assassino, chamado Demoulin, foi morto, dias depois, num assalto a um banco, no Boulevard Haussmann. Desde 1940 a França tinha sido relativamente poupada da tormenta mundial. De repente, a guerra multiplica as maneiras de abatê-la; mas a estação de águas que a desgraça transformou em seu centro político continua um oásis.

 

A 8 de agosto, Laval sai de Vichy às escondidas. De Paris, vai, no dia 12, para Nancy, onde Edouard Herriot, presidente da Câmara dos Deputados, simulando uma loucura mansa, se fez internar num hospício. O encontro dos dois políticos amedrontados foi banhado de lágrimas. O plano de Laval consiste em convocar a Assembléia Nacional de 1940, junto à qual pensa receber os Aliados e negociar com De Gaulle. Da mesma forma que Pétain depois de ter perpetuado o petainismo, Laval pensa em retirar-se imediatamente e, a rigor, asilar-se, depois de ter restabelecido a legalidade republicana. Mas, ao contrário do Marechal, só pensa num retiro temporário. Ele apenas acaba de ultrapassar a casa dos 60 e não pode admitir mais do que um eclipse em sua brilhante carreira.

 

A tentativa fracassa completamente. Depois da efusão da libertação, Herriot, levado a Paris. Mostra-se reticente. Os hitleristas, que não tem razão alguma para preparar o futuro da França, prendem o presidente da Câmara e enviam-no aos arredores de Berlim. Em seguida, intimam Laval a transferir seu governo para Belfort. Laval se recusa, declarando que vai esperar os Aliados no Hotel Matignon. A coação lhe responde. A 17 de agosto, às 23 horas, um comboio da Gestapo transporta-o para o Leste. “Não sou mais do que um prisioneiro” - diz ele, subindo no carro.

 

A vez de Pétain chega três dias depois. A 20 de agosto, às 7 horas, um soldado alemão quebra a golpes de barra de ferro a porta de seu quarto. As sentinelas, no vestíbulo do Hôtel du Parc, estão com as metralhadoras carregadas e caixas de granadas abertas. Mas Pétain lhes proibiu qualquer resistência desesperada. Ele sai firme e pálido, ao lado do núncio e do ministro da Suíça, que convocou, para lhes transmitir um protesto contra o seqüestro de que é vítima. “Não é para exercer essa função que me tornei oficial...” - diz em voz alta o General Von Neubronn. Um pequeno grupo de fiéis entoa a Marselhesa, enquanto a coluna de viaturas alemães que leva o Marechal e a Sra. Philippe Pétain parte debaixo de uma chuva fina. Acabou-se a vida de Vichy como capital.

 

Toulon, Marselha, Montélimar, Lião

 

Na Provença, as operações aliadas se desenvolvem com uma rapidez inesperada. Os focos de resistência costeiros são muito reduzidos. A ligação entre as forças desembarcadas e as forças pára-quedistas foi estabelecida desde a primeira noite. O general alemão Neuling, comandando o 62o Corpo de reserva, foi capturado em Draguignan, com seu estado-maior. Um destacamento blindado, chamado Task Force Butler (Força Tarefa Butler), lança-se em direção a Grenoble pela Estrada Napoléon. A 3a DI dos EUA toma Brignoles e dirige-se para Aix. A 45a chega ao vale do baixo Durance e marcha para Avinhão. A 36a segue a TF Butler. O Comando alemão chama, desesperadamente, na margem esquerda do Ródano, sua única força de manobra, a 11a Panzer, mas todas as pontes estão destruídas e a passagem dos tanques nas embarcações improvisadas é terrivelmente lenta. O 19a Exército, o Grupo G e o OB West não tem qualquer ilusão sobre suas chances de repelir ou mesmo conter a nova invasão. Propõem a ruptura do combate e a retirada imediata do Sul da França.

 

No dia 17, Hitler se resigna a este cruel abandono. A ala esquerda do 19o Exército e os remanescentes do 62o Corpo se retirarão para a Itália e se reunirão às forças do Marechal Kesselring. Os dois outros corpos, o 4o da Luftwaffe e o 85o, recuarão, um pela margem direita e outro pela margem esquerda do Ródano. A situação é trágica. As ferrovias foram impedidas. As Cévennes e os Alpes são redutos de maquis. Nas colunas em retirada, o número de não-combatentes é três maior que o dos combatentes, sendo que nenhum exército tem maior quantidade de emboscados e de parasitas do que as tropas de ocupação da Riviera. Nas estradas, cobertas por uma multidão compacta, encontra-se até uma coluna de auxiliares tonquinenses, que, chamados à Europa para combater a Alemanha, passaram a seu serviço. Duas ameaças pesam sobre essa horda: a aviação e o rápido avanço dos americanos nos Alpes. Eles podem descer em direção ao Ródano, pelos vales do Aygues, do Drôme, do Isère e interceptar o 19o Exército. O comandante do Grupo G, Blaskowitz, ao transmitir ao 19o a decisão do Fuhrer, acrescenta: “Tentem atingir a região de Chalon-sur-Saône. É uma questão de horas. Daqui por diante, não receberão mais qualquer ordem”.

 

As guarnições de Toulon e de Marselha foram excluídas da ordem de recuo. Devem, de acordo com o ditado popular, defender até o último cartucho os Festungen que o Fuhrer lhes confia. Mas as forças não estão à altura da missão. Toulon é mantida pela 242a Divisão de posição, do General Basler, e Marselha, pela 244a, do General Schäffer. Tanto uma quanto outra são grandes unidades de segunda ordem, contando com batalhões de Osttruppen e grande proporção de homens idosos ou estropiados. Incapazes de qualquer movimento tático, logo, de qualquer defesa ligeira, só podem estender uma tênue rede humana em volta do vasto perímetro das duas grandes cidades.

 

A conquista de Toulon e Marselha foi reservada para as tropas francesas. Missão ingrata. Manterá na costa as divisões do General De Lattre, enquanto as forças americanas libertarão grandes faixas do território francês. A conquista de Toulon só foi prevista para Dia D + 20 e a de Marselha para Dia D + 40, isto é, respectivamente, 5 e 25 de setembro. Em conjunto, aliás, o desenvolvimento de Anvil-Dragoon foi previsto num ritmo lento e majestoso. Não se pretende chegar a Lião antes do Dia D + 90, isto é, 15 de novembro. Uma grande superestimação das forças adversárias ditou este calendários.

 

Mas os americanos não o respeitam. O Durance foi transposto a 19 de agosto, em Oraison, pela TF Butler, enquanto sua ultrapassagem só estava prevista para 30 de setembro. De Lattre foi obrigado a apressar também suas operações contra Toulon e Marselha, a fim de que as forças francesas pudessem marchar, o mais cedo possível, para a Borgonha e a Alsácia. O comandante do 7o Exército, Alexander Patch, a quem continua substituindo até a constituição do 6o Grupo de Exércitos, dá seu consentimento.

 

O cerco de Toulon começa a 20 de agosto, antes que o segundo escalão do exército francês tenha terminado de desembarcar. As montanhas muito escarpadas que cercam a cidade fazem da investida uma série de escaladas por caminhos tortuosos ou encostas cobertas de mato. Enquanto a 1a DFL entra em violentos combates para tomar Hyères, a 3a DIA, dirigida por Monsabert, contorna a cidade, atingindo o mar em Bandol e Sanary.

 

Cercado, o grande porto de guerra é atacado por mar, terra e ar. Uma poderosa esquadra franco-americana, incluindo o velho Nevada e o Lorraine, mais velho ainda, bombardeiam a península de Saint-Mandrier e as baterias do cabo Sicié. O governador alemão, Almirante Ruhfus, pensava engarrafar o porto afundando no canal o couraçado Strasbourg e o cruzador La Galissonière, desencalhados depois do afundamento de 1942: 35 B-25 impedem isso, fazendo com que sejam recolhidos ao arsenal as duas belonaves. Em terra os alemães resistem com fanatismo. A batalha se desenrola sob um calor sufocante, uma poeira intensa, no meio dos pinheirais em chamas. Mas a  entrada da 19a DIC em combate e o desdobramento da artilharia possante não deixam aos defensores nenhuma chance de resistir. Os franceses tomam em escalada, os três fortes que comandam Toulon, Caumes, Faron, Coudon, e infiltram-se na cidade pelo barranco de Dardennes. A 2 de agosto, apesar das resistências locais, a cidade é deles.

 

O reduto é a península de Saint-Mandrier, ferrolho do porto. O Almirante Ruhfus lá se refugia. A quase ilha é esmagada sob 785 toneladas de bombas e mais de 8.500 projeteis da marinha de calibres 138 e 340. Ruhfus capitula a 28 de agosto, com os últimos defensores de Toulon, 1.800 marinheiros e soldados.

 

Nessa data, Marselha já fora libertada. O ataque só estava programado para depois da tomada de Toulon, mas Monsabert, impaciente para não deixar que os americanos “colhessem sozinhos nas estradas da França a saudação da glória libertadora”, apressa-se. Da encruzilhada da estrada de Le Camp, envia a Marselha uma parte da 3a DIA, um grupo de tabors marroquinos em um Combat Command da 1a DB. Invadida pelo norte e pelo sul, Aubagne cai no dia 21. O subúrbio de Saint-Julien é atingido no dia seguinte. De Lattre, inquieto ao ver um punhado de homens penetrar num mar de casas, proíbe, provisoriamente, que se atravesse o Jarret, riacho que separa Marselha de seus subúrbios, mas o 7o RTA, do Coronel Chapuis, se deixa envolver pela multidão. No dia 23, às 8 horas, chega ao Boulevard de La Madeleine, que o conduz a Canebière. Às 10 horas, está no Vieux Port, dividindo em dois as defesas alemães. O oficial de informações de Chapuis, capitão-capelão Crosia, entra no posto central, e, com a maior simplicidade, telefona ao General Schäffer para convidá-lo a render-se. O governador alemão aceita uma entrevista com Monsabert, no Forte Saint-Jean, mas a capitulação incondicional que lhe é exigida o faz resistir. A trégua é rompida. Às 19h30 recomeça a batalha de Marselha.

 

Não é surpreendente que esta batalha de Marselha seja a mais agitada de toda a guerra. Desenrola-se no meio de uma multidão superexcitada, que passa, num minuto, da inconsciência do perigo ao pânico. Terrivelmente desarrumados, 500 FFI, que chegarão a 20.000 coma vitória, lutam ao lado das forças regulares. Monsabert, com seu uniforme de 1939, instalou-se na Prefeitura, na Rua Saint-Ferréol, numa verdadeira “terra de ninguém”, e é preciso ziguezaguear entre as bombas para chegar até ele. Canebière, bombardeada pelo canhão do Forte Saint-Nicolas, está cheia de bondes destruídos, ainda ligados aos fios. A colina de a Basílica de Notre-Dame-de-la-Garde são tomadas de assalto, diante de milhares de basbaques.

 

No dia 27, Schäffer julga que esgotou seus meios de defesa. O número de prisioneiros é duas vezes maior do que em Toulon; 37.000, entre os quais 700 oficiais. É claro que a batalha teria sido muito mais longa se a guarnição estivesse imbuída do fanatismo pregado por Hitler.

 

A 1.000 km da Provença, um terceiro porto foi cercado: Brest. A 25 de agosto, o 8o Corpo dos EUA atacou o campo fortificado, com a ambição de apoderar-se dele em cinco dias. Se bem que não se tenha enterrado nas ruínas da cidade, o general pára-quedista Ramcke opõe formidável energia à superioridade material do adversário. Brest só cairá a 19 de setembro, e num tal estado, que seu porto só será utilizável depois de meses de trabalho. A sorte do 19a Exército alemão se decide no vale do Ródano. A excelente resistência dos Alpes, organizada e comandada por oficiais de carreira, torna tão fácil a marcha para Grenoble e para a fronteira italiana, que o 6o Corpo dos EUA pode concentrar a maior parte de suas forças, para interceptar as colunas inimigas que sobem penosamente em direção a Lião.

 

A 22 de agosto, a retirada alemã é cortada, ao norte de Montélimar. A TF Butler, precedendo a 36a Divisão, atinge a RN 7 e sobe com sua artilharia para a floresta de Marsanne, que domina o vale de cerca de 500 metros de profundidade. Magnífico belvedere. Toda a região se estende diante das bocas dos canhões americanos: as duas margens do Ródano, o Drôme encontrando o grande rio, a estrada e a via férrea da margem esquerda distanciando-se na pequena planície fértil do Loriol e depois aproximando-se, no povoado de Coucourde, para atravessarem, juntas uma da outra, o desfiladeiro conhecido como Porta de Montélimar. O 19o Exército é atacado no desfiladeiro. Parece inevitável uma capitulação em campo raso.

 

Mas os chefes e uma parte das tropas alemães conservam a energia. São repelidas várias tentativas americanas de tomar Montélimar, pelo vale do Roubion. Tendo consolidado esse pilar, Wiese reúne a 11a Pz e a 198a DI sob o comando de Von Wietersheim e dá-lhe ordem de reabrir a qualquer preço a estrada de Lião. Os movimentos são extraordinariamente difíceis, as ligações se rompem a todo momento, velhos caminhões a gasogênio constituem a única motorização e os elementos que vão combater devem abrir caminho à força, no meio da confusão que atravanca a RN 7. Um, dois, três, quatro ataques de dia e de noite fracassam. Mas o Comando americano comete o mesmo erro que em Falaise: tira o essencial do combate, não põe todas as suas forças a apertar a corda que passou no pescoço do inimigo. Em vez de chamar para Montélimar sua 45a Divisão e tudo o mais que possa combater, Truscott retira a TF Butler, para enviá-la, em reconhecimento, ao vale do Isère. Torna-se fraco no lugar e no momento decisivos.

 

No dia 26, às 8 horas da manhã, Wietersheim avisa a seu chefe que Coucourde foi retomada e a estrada reaberta. A retirada recomeça até que uma cheia inesperada do Drôme deixa momentaneamente inutilizáveis os dois vaus, que, depois da destruição das pontes, constituem o único meio de atravessar o rio. O escoamento do 85o CE só pôde recomeçar no dia 27 ao meio-dia. A artilharia americana, atirando das alturas de Marsanne, descarrega sobre a coluna alemã uma terrível fuzilaria que destrói os veículos, faz voar as carretas, arrasa as parelhas, amontoa na estrada um magma extraordinário de ferragens retorcidas e de corpos esmagados. “Um sonho de artilheiros”, diz a história oficial americana. Mas enérgicos oficiais do estado-maior forçam a passagem, lançam literalmente ao Drôme os restos do 19a Exército.

 

Do lado de lá, todos convergem para Lião, alemães e Aliados. Wiese manda que o 4o Corpo da Luftwaffe ocupe a aglomeração lionesa, a fim de que o 85o possa atravessá-la sem embaraço. Os americanos chegam por Grenoble e Valença. Os franceses, tendo realizado a conquista de Marselha e atravessado o Ródano em condições mirabolantes, chegam por Saint-Etienne e pela garganta de Arbresle. As FFI da região R1, sob o comando do Coronel Descour, articulam-se em três grupamentos de uma lado e de outro da grande cidade. Mais uma vez o 19a Exército alemão parece estar destinado à captura.

 

Mas ainda escapará - graças à falta de coordenação de seus perseguidores. Durante três dias, uma multidão extenuada, levando consigo grupos de milicianos de uniformes negros, atravessa Lião e dirige-se para Bourg pela margem do Saône. A insurreição urbana não se desenvolve, menos por causa de uma repressão feroz, que se irrita até o último momento, do que por falta de encorajamento por parte das autoridades francesas e aliadas. A 1o de setembro, o cortejo de fugitivos termina. No dia 2 de setembro, da alvorada ao anoitecer, debaixo de chuva, um pequeno elemento de engenharia faz tranqüilamente explodir todas as pontes do Ródano e quase todas as do Saône. Domingo, 3 de setembro, a 1a DFL, com fuzileiros navais à frente, entra em Lião. Mas, dos 209.000 homens que começaram a  retirada, o General Wiese fez escoar 130.000 pela brecha de Belfort.

 

Paris terá a mesma sorte de Varsóvia?

 

A segunda e a terceira cidades francesas foram tomadas ao inimigo em uma semana. Mas sua libertação foi precedida e, por antecipação, eclipsada pela libertação de Paris.

 

Ela tardou. Desde o início de agosto, qualquer um dos três corpos de Patton estava preparado para entrar em Paris. O Plano Overlord dispunha de outra maneira. Paris devia cair não com um assalto direto, mas com um cerco. O Comando aliado se opunha a entrar num labirinto urbano e temia os estragos que uma batalha de rua deveria causar a um patrimônio artístico dessa ordem. Do ponto de vista mais realista, os serviços de logística calculavam que o abastecimento de Paris libertada exigiria 4.000 toneladas por dia, equivalente a três dias de gasolina, que seria preciso retirar dos transportes militares, em detrimento das operações. Portanto, Paris devia cair como um fruto maduro, em meados de outubro. Não parece que se pensou no que representariam dois meses de espera, para 4 milhões de homens, mulheres e crianças sem receber víveres e sem reservas alimentares, até mesmo sem gordura sobre os ossos.

 

O problema de Paris era igualmente difícil para os alemães. Defender a cidade, com intenção de mantê-la, exigia grandes efetivos e fixava a frente no Sena, em desacordo com as recomendações do Estado-Maior. Hitler, no entanto decidiu que seria deixada uma guarnição na capital francesa, com ordem de lutar até o último homem. Seu sacrifício, acarretando o da cidade, devia facilitar o estabelecimento de uma posição de resistência no Somme e no Marne, propiciar à Wehrmacht um precioso descanso.

 

Hitler procurou um homem para se enterrar nas ruínas de Paris. O comandante da praça era um inválido de guerra, de boa família, o General Barão Von Boineburg-Langsfeld, que a 20 de julho se havia distinguido por prender com rapidez os SS e os SD. O chefe do pessoal do OKW, Burgdorf, propôs para substituí-lo, o General Dietrich von Choltitz, recentemente exonerado do comando do 84o Corpo por um erro que não cometera. Hitler fez questão de dar, ele mesmo, suas ordens a um soldado de que lhe elogiavam a energia. A 7 de agosto, Choltitz se pôs a caminho de Rastenburgo, sem o menor pressentimento do papel para o qual o chamava a confiança do Fuhrer.

 

Alguns historiadores da Libertação de Paris maltrataram Choltitz, apresentando-o como um veterano atordoado. Não é generoso nem verídico. Produto da Reichswehr do Tratado de Versalhes, muito gordo, sofrendo do coração, usando monóculo, Choltitz era um soldado inteligente e capaz, em certo momento o mais jovem general-de-divisão do Exército alemão. Sistematicamente avesso à política, como quase todos os oficiais de carreira, a princípio ele não era hitlerista nem anti-hitlerista, mas começou a refletir quando viu o abismo em que o Terceiro Reich precipitava a Alemanha. Jovem general de origem modesta, ousou interrogar o Marechal Von Manstein a respeito do golpe militar tramado contra Hitler. Manstein, muito inteligente e de grande caráter, tinha escolhido o caminho da obediência. Aconselhou-a a seu irmão mais moço, sem no entanto lhe esconder seu profundo pessimismo e a aversão que tinha pelo tirano. Choltitz escutou esta voz impregnada de autoridade. Não se tinha pelo menos interrogado sobre os limites do dever, antes de receber o comando da Grande Paris.

 

Entrando no Wolffschanze, depois da revista doravante regulamentar, ele se achou na presença “de um velho de cabelos grisalhos, encurvado e trêmulo”, do qual apertou a mão com precaução, seguindo a recomendação de Burgdorf. Agüentou toda a história do nacional-socialismo, e, depois, quando Hitler chegou à narrativa do 20 de julho, assistiu a uma crise de demência sanguinária. “O tremor de seu corpo balançava violentamente a mesa diante da qual estava sentado. A espuma, literalmente, lhe subia à boca... Tive a impressão de me encontrar diante de um louco”.

 

As ordens escritas dadas a Choltitz não demonstravam sinais dessa demência. Atribuíam-lhe poderes de um governador de praça cercada por diferentes frações da Wehrmacht. Subordinavam-no diretamente ao OKW, multiplicando, ao mesmo tempo, as recomendações sobre as relações que devia manter com o OB West, a polícia, o embaixador Abetz, etc. Ordenavam-lhe que livrasse Paris dos emboscados; “aterrorizar todos aqueles que não sejam servidores efetivos da frente”. Enfim, pediam-lhe que garantisse a segurança da Grande Paris contra qualquer insurreição, sabotagem, ato de terrorismo, mas sem apelar, particularmente, para a piromania e para o terror.

 

Quando, a 9 de agosto, Choltitz chega a seu posto, Paris está calma. Os parisienses, bem informados, aguardam o resultado da batalha da Normandia. As fábricas funcionam. Alguns trens chegam, alguma correspondência é distribuída, as salas de espetáculos estão abertas, as crianças brincam nos parques, as margens do Sena estão cobertas por uma multidão que se distrai na ilusão de uma praia, mas o abastecimento é difícil, as estações de metrô fecham uma após a outra e a corrente elétrica só é restabelecida meia hora por dia. A mudança dos serviços e dos estados-maiores da Wehrmacht continua. As auxiliares femininas, chamadas “ratas cinzentas”, desaparecem. A Gestapo, o comando da Kiegsmarine e da Luftwaffe, o Militarbefehlshaber Frankreich partiram ou estão de partida. Choltitz, soldado de frente, alegrava-se de começar a caça aos emboscados, mas pensava arregimentá-los em formações de alerta, e é para novos esconderijos que eles saem!

 

Os colaboracionistas partem também. O Conselheiro da embaixada Schweidemann desencadeou o pânico, avisando ao Fuhrer da imprensa parisiense, Jean Luchaire, que o Exército alemão poderia ser levado a deixar Paris a qualquer momento. Drieu La Rochelle se suicida, alguns valentes, como Brasillach e Suarez, ficam para responder por sua atitude, mas os outros, Brinonm Doriot, Lichaire, Jeantet, Rabattet, Cousteau, etc., desaparecem. Levam como consolo as imprecações de Abetz: “Nós voltaremos. Encontramos armas terríveis, entenderam, armas terríveis. O coração estremece quando se sabe o que elas vão fazer da França... O mais tardar no Natal, estaremos de volta”.  Como era de esperar, os meios militares do General Von Choltitz são fracos. Dos quatro antigos regimentos da 325a Divisão de Segurança, guarnição normal de Paris, três foram enviadas para desaparecer na Normandia. A quarta se dispersa nos 36 pontos de apoio organizados em toda a região. A única tropa móvel é um batalhão, do qual duas companhias estão de bicicletas e que, além de 17 tanques datando de 1917, possui um 75 mm da mesma leva, com capacidade para 68 tiros. Choltitz consegue interceptar 17 tanques Pantera em marcha para a frente, mas deve devolvê-los, com exceção de quatro, a uma injunção do grupo de exércitos. Seus efetivos, contando com os soldados de intendência e os adolescentes de 15 a 17 anos que servem na DCA, chegam a 30.000 homens. É fantasia pedir que guarneçam duas linhas de defesa externa e, ao mesmo tempo, policiem uma aglomeração de 4 milhões de habitantes.

 

Sendo sua missão teórica totalmente impossível, Choltitz se determina uma missão prática, que consiste em manter abertas as rotas indispensáveis às tropas alemães. Ela é tanto mais essencial porque as pontes de Paris são as únicas intactas, e a cidade, isenta de bombardeios, é o pivô da batalha. A manutenção da tranqüilidade na aglomeração parisiense é, consequentemente, um imperativo. Para a França, o problema de Paris reveste-se de importância primordial. É a obsessão daquele que tem consciência de assumir a responsabilidade histórica da pátria numa hora decisiva e dramática: Charles De Gaulle. Seu novo contato com a terra natal realizou-se a 14 de junho, em Bayeux. Recebeu uma ovação modesta, deu provas de soberania, organizando a administração das regiões libertadas, e, logo no dia seguinte, voltou a Argel. Alguns dias depois, nova viagem, o levou à Itália, onde recebeu a bênção do Papa. Depois, tendo satisfeito uma condição imposta por Roosevelt, perguntando se sua visita seria bem-vinda, voou para Washington. Seis semanas antes, respondendo a seu embaixador pró-De Gaulle, John Winant, o Presidente tinha dito o seguinte: “Se alguém pudesse dar-me um certificado provando que De Gaulle é um representante do povo francês, eu poderia negociar com ele. De outro modo, não pretendo mudar de opinião”. Desde então, as autoridades americanas analisaram os sentimentos das populações francesas e, segundo Cordell Hull, chegaram à conclusão de que De Gaulle era reconhecido no país como “autoridade provisória”. A política americana conformou-se a esta constatação.

 

De Gaulle traz de Washington uma declaração pela qual o Governo dos Estados Unidos reconhece que “o Comitê Francês de Libertação está qualificado para exercer a administração da França”. O espectro do AMGOT desaparece - sem que, no entanto, seja dissipada a profunda desconfiança que está na base do caráter e é ao mesmo tempo a força e a fraqueza do general.

 

Agora, Paris! Paris, chave da França, único pedestal do poder! De Gaulle se impacienta. Soube da intriga Laval-Herriot, e está convencido de que ela cresceu sob as bênçãos dos Estados Unidos. Acha urgente voltar “para reunir a Nação, que sai do abismo”. A 18 de agosto, sai de Argel, por Casablanca e Gibraltar. Incidentes no avião e um atraso técnico fazem-no supor que se tenta interceptá-lo, talvez livrar-se dele, o que fará surgir, em seguida, uma série de versões emocionantes sobre esta grande volta. Na realidade, o Comitê conjunto dos chefes de estado-maior, respondendo a uma pergunta do SHAEF, deu a conhecer que não via objeção na viagem e que o General Eisenhower deveria receber o General De Gaulle como o comandante-chefe das forças francesas.

 

A entrevista realizou-se no dia 21. Eisenhower, diante de seus mapas, expõe a situação militar depois da vitória de Falaise. É excepcionalmente boa. O inimigo perdeu 30 divisões e as forças que lhe restam estão em farrapos. Ao sul de Ruão, o 1o Exército canadense e o 2o Exército inglês expulsam os fugitivos de Falaise, enquanto o 1o Exército dos EUA toma as passagens do Sena, entre Vernon e Elbeuf, para cortar a retirada dos alemães. O plano previa um tempo de parada no rio, mas Ike decidiu economizar um atraso inútil, devido ao estado do adversário. Na antevéspera à noite, debaixo de uma chuva torrencial, uma patrulha do 313o RI, dirigida por um sargento White, encontrou, perto de Mantes-Gassicourt, um pontilhão semidestruído. Utilizou-o com água até o pescoço, seguido pelo regimento, tirado de seu sono. Os pontoneiros acorreram e toda a 79a DI passou para a margem direita com a artilharia e os blindados. A 4a e a 7a DI fazem o mesmo, em Melun e em Montereau. Todo um corpo de exército se prepara para marchar em direção ao Marne, enquanto outros elementos do exército de Patton se dirigem rumo a Troyes e Dijon, para unir-se ao 7o Exército.

 

Mas De Gaulle continua com sua idéia fixa: Paris. Os argumentos de que se vale são de ordem exclusivamente militar: os Aliados travessam o Sena a jusante e a montante de Paris; por que não na própria Paris? Evitar um assalto frontal teria sentido na hipótese de haver uma defesa poderosa e encarniçada, mas sabe-se que a guarnição alemã é muito fraca. “Alguns tiros de canhão e Paris será tomada...” Isto significa que o centro de comunicações mais importante da Europa ocidental, os recursos de uma grande aglomeração industrial, provavelmente 62 pontos intactos, cairiam, com poucos gastos, nas mãos dos Aliados.

 

Em suas Memórias, De Gaulle falará do embaraço que pensa ter notado em seu interlocutor. Logo vê a confirmação de suas suspeitas: a posição do comandante-chefe não é ditada unicamente por considerações militares; os “anglo-saxões” procuram um pretexto para disputar com ele, De Gaulle, a consagração que tem o direito de esperar na aclamação de Paris. Mas, de fato, os autores do Plano Overlord nunca procuraram excluir os franceses da libertação de sua capital. Nos primeiros dias de 1944, o planejador Frederick Morgan escrevia o seguinte: É de suma importância que, entre as primeiras tropas a chegarem a Paris, estejam franceses. A anexação da 2a DB, unidade degaullista por excelência, ao exército da Normandia correspondia a esta intenção. É verdade que ela foi deixada em linha diante de Argentan, enquanto várias divisões americanas marchavam para Dreux e Chartres, mas no momento em que estas disposições tinham sido tomadas a entrada em Paris só era esperada para muitas semanas depois e ninguém ainda se preocupava em saber se os libertadores chegariam pelo norte, pelo oeste ou pelo sul. Por outro lado, os argumentos técnicos do General De Gaulle não podiam deixar de impressionar Eisenhower. A gravidade da derrota alemã tornava supérfluo o cerco. Quando De Gaulle saiu do acampamento de Eisenhower, encolerizado por não levar um consentimento, sua causa já estava quase ganha. “Não creio que seja mais desejável - escreveu, na mesma noite, Ike a Marshall - adiar a ocupação de Paris”. Bradley concluía o mesmo: “Nós podemos e devemos entrar”. E dizia aos jornalistas de seu acampamento que eles eram bastante numerosos para se encarregarem sozinhos da reconquista de Paris. Montgomery, sozinho, continuou a sustentar o adiamento da libertação “até que seja uma proposição militar segura”. Mas Monty estava obcecado pela pressa de limpar de suas rampas de lançamento os arredores do mar do Norte. As V1 continuavam devastando Londres e eram esperadas as V2 supersônicas, de um dia para o outro.

 

Além disso, a 21 de agosto, a questão de Paris não é mais a mesma: iniciou-se a insurreição de Paris.

 

As greves começaram dia 10, com uma defecção bastante duvidosa de um parte do pessoal das estradas de ferro. No dia 15, fato sem precedentes, os guardas-civis deixam o serviço, desaparecem das ruas. Choltitz desfaz-se em ameaças, mas aceita realizar o contrato firmando entre o cônsul-geral da Suécia, Raoul Nordling, e a administração alemã, para libertação dos prisioneiros, de quem se teme o massacre in extremis. Assim, 4.000, incluindo várias centenas que já viajam nos trens de deportação, saem de La Santé, Fresnes, Drancy, Saint-Denis, Compiègne, etc. Na véspera de uma dura prova, o governador da Grande Paris devolve ao adversário uma parte de seus chefes - decisão que, para ser justificada diante do Fuhrer, o deixaria confuso.

 

A aproximação da libertação só faz intensificar a luta surda e complexa que se desenrola nos estados-maiores da Resistência. O motivo é o futuro regime da nação francesa. Sairá da longa prova, da luta clandestina, de tanto heroísmo e sacrifício um sistema comunista ou uma democracia liberal? A resposta está em suspenso para a maior parte de Paris.

 

Para os comunistas o caso está claro: é preciso que um poder insurrecional receba De Gaulle na capital e, esperando despojá-lo completamente, coloque-o num papel figurativo. Ao invés de serem evitados, os sofrimentos, as tragédias, os incêndios, os rios de sangue, criarão o ambiente revolucionário, constituirão a crença popular que o Partido Comunista se encarregará de fazer valer. Ele dispõe de forças e influências consideráveis. É um dos seus, Bastien, que abate o primeiro oficial alemão assassinado em Paris. Outro é o violento Breton Tanguy, chamado Coronel Rol, que comanda as FFI do Departamento do Sena. Dominam o Comitê parisiense de Libertação e o Comitê Militar, COMAC, de que um dos três membros é um comunista inscrito, outro criptocomunista e o terceiro um aristocrata embriagado de populismo. Nem suas forças combatentes, nem seu número de fuzilados são tão grandes quanto pretendem. Mas eles constituem a ala móvel, que nos períodos revolucionários arrasta tudo.

 

Os dirigentes não comunistas da Resistência compreendem a manobra, sentem o perigo. Aprovam a recusa franco-inglesa de lançar armas de pára-quedas nas zonas urbanas, tanto quanto a decisão tomada pelo General Koenig, de refrear a guerrilha, para diminuir as represálias que ela acarreta. Os homens de Argel, começando pelo delegado-geral do Governo Provisório, Alexandre Parodi, não ignoram que a tática dos comunistas visa De Gaulle, único obstáculo no caminho do poder. Eles temem a insurreição de Paris pela mesma razão que leva os vermelhos a desejá-la. Mas as acusações a que se expõem são mortais, as pressões que sofrem são impiedosas.

 

A 15 de agosto, o adjunto militar de Parodi, Chaban-Delmas, volta, pela Normandia, de uma missão de informações em Londres, com o alibi de um piquenique. Ele sabe que a intenção dos Aliados é de não tomar Paris antes de algumas semanas, o que torna ainda mais alarmante a evolução que ele verifica na greve geral e na insurreição. O apelo lançado por ele é angustiado: “Avisem a população pela BBC, com clareza e precisão, a fim de evitar uma nova Varsóvia...”

 

É tarde demais! A 17 de agosto, o Conselho Nacional da Resistência se reuniu numa casa de Vanves. Parodi constata que os extremistas passam por cima dele e que, contra a sua vontade, a insurreição vai estourar. Mais vale ordená-la do que sofrê-la!

 

No dia 19 começam, nas ruas de Paris, as hostilidades contra os veículos e os soldados da Wehrmacht isolados. O acontecimento principal, que orienta todo o levante, é a ocupação da Chefatura de Polícia pelos guardas. Lá se entrincheiram, com um punhado de armas e alguns recipientes de gasolina, para fabricar coquetéis Molotov. Reconhecem, com entusiasmo, o Prefeito Luizet, que Argel lhes designara. Fato capital, precedente aceito pelos comunistas sem medir seu alcance. Na verdade, eles jogarão esta partida sem autoridade nem determinação. Seus chefes são homens golpistas, guerrilheiros, mas não revolucionários. Em Paris, em agosto de 1944, não houve um Lenine. O destino da França, a sorte da Europa teriam sido diferentes.

 

Estourando no dia seguinte à libertação dos prisioneiros políticos, a insurreição poderia ter levado Choltitz à conclusão de que uma repressão sem piedade seria, doravante, a única atitude conveniente. Nada disso. As instruções que ele dá são débeis: “A vida civil deve ser prejudicada o menos possível... Os grupos de combate observarão atitude prudente e compreensiva diante de uma juventude superexcitada...” A utilização de armas pesadas e o emprego de obuses explosivos pelos tanques são proibidos. Choltitz minimiza a insurreição, mostrando que nenhum dos imóveis ocupados pelos alemães foi atacado e que todas as pontes estão sob seu controle. A missão que ele determinou, assegurar a livre circulação das tropas que atravessam Paris, continua sendo cumprida. Ele acha que, tomando medidas extremas contra os insurretos, a comprometeria mais do que a facilitaria.

 

Um tal ponto de vista é fictício. Os acontecimentos que se desenrolam a 19 de agosto são terrivelmente alarmantes. Na maioria dos bairros e nas comunas suburbanas, soldados alemães são mortos e incendiados os veículos. Além da Chefatura de Polícia, todos os edifícios das administrações são ocupados. A insurreição não é muito intensa, mas se instala e se espalha. O comandante da Grande Paris adverte o presidente do Conselho Municipal, Pierre Taittnger, de que vai ser obrigado a ser cruel, mas suas ameaças terminam em considerações sentimentais sobre a beleza de Paris e a tristeza  que teria fazendo correr o sangue das lindas parisienses. Não são frases de um chefe resoluto.

 

Trégua, barricadas e chegada da 2a DB

 

Depois de um dia escaldante, aproxima-se uma tempestade. A Chefatura de Polícia, cidadela da insurreição, foi bombardeada por alguns tanques e, se bem que tenha repelido uma tentativa de infiltração, é visível que sua capacidade de resistência é bem pequena.

 

O pânico tomou conta das fileiras de seus defensores: dos 2.000 guardas-civis que ocuparam o edifício pela manhã, sobram 500. Suas armas automáticas, uns 30 fuzis-metralhadoras, não tem munição para mais do que dois minutos de fogo. Às 17 horas, Pisani, chefe de gabinete de Luizet, telefona para sua mulher, dizendo: “Não sairemos vivos...” Às 18 horas, Parodi, do lado de fora, ordena a retirada: os sitiados respondem que é impossível. Todas as saídas estão sob fogo inimigo.

 

Neste momento, verifica-se um acontecimento importante: o cônsul Nordling recebe um chamado telefônico do prefeito destituído Bussière, em pessoa, sem qualquer dúvida, preso em seu apartamento, mostrando-lhe a situação desesperadora da Chefatura de Polícia e pedindo-lhe que faça o possível para salvar seus defensores. Nordling se faz receber por Choltitz, no Hotel Meurice, onde fica sabendo que a Chefatura deve ser atacada no dia seguinte, ao amanhecer, depois de uma preparação aérea da qual participarão 30 aviões, que ainda estão em Bourget. Observa que as bombas cairão na Saint-Chapelle e, na sorte, propõe uma trégua. Milagre! Choltitz concorda e as condições que ele próprio formula são incríveis. Aceita discutir com as autoridades da Resistência e até recebê-las com salvo-conduto. Compromete-se a não atacar os edifícios ocupados por aqueles a que ele mesmo chama de “os patriotas”. Sua pretensão é estabelecer um modus vivendi para os dias que se vão seguir.

 

Talvez não se reconheça mais o quanto foi temerária a conduta de Choltitz. O 20 de julho só tinha feito um mês. Um dos mais ilustres marechais alemães tinha-se suicidado, na antevéspera, por saber que a simples suspeita de ter conversado com o inimigo o destinava à forca. A desconfiança de Hitler tinha tomando caráter feroz. Choltitz tinha testemunhado pessoalmente seu delírio e, ao mesmo tempo, avisado de que uma lei de reféns garantia a obediência dos generais, já que disso dependia a sorte de suas famílias. A trégua podia representar para o Exército alemão certas vantagens; portanto, ser tecnicamente defensável. Mas é quase inacreditável que Choltitz tenha tomado a responsabilidade de concluí-la sem submeter o assunto ao Marechal Model, seu comandante-chefe, ou ao OKW, com o qual tinha comunicação telefônica instantânea.

 

No dia seguinte, 20 de agosto, a trégua foi proclamada nas ruas de Paris por auto-falantes franceses e alemães. Parodi recusou um contato pessoal com Choltitz e o apelo francês, redigido em nome do Conselho Nacional da Resistência e do Governo Provisório, limita-se a pedir “o cessa-fogo contra as tropas de ocupação até a evacuação total de Paris”. No mais, a trégua não impede a extensão da insurreição. A Câmara Municipal, ponto alto das revoluções parisienses, foi ocupada no início do dia. Mas como acontecera na Polícia, o Prefeito de Sena, designado por De Gaulle, assume suas funções sem muita dificuldades. A trégua logo recebe aplicação imprevista. À tarde, diante do Ministério da Guerra, o automóvel em que estavam Parodi e dois de seus auxiliares foi interceptado numa barreira alemã. Um oficial da Gestapo apresenta-se como voluntário para fuzilar os três homens, na hora, mas Choltitz manda levá-los ao Hotel Meurice e, quando ele invocam a trégua, dá ordem de libertá-los. Ele enrubesce quando Parodi deixa no ar a mão que ele estende “de oficial para oficial”, mas não volta atrás em sua decisão. O delegado-geral sai livre - mas exposto à suspeitas dos extremistas, que verão nessa sua prisão no Boulevard Saint-Germain um estratagema para estabelecer contato pessoal que Parodi fingira não aceitar.

 

Na Chefatura de Polícia, a trégua foi uma mensagem de salvação. Em Paris, foi acolhida com satisfação e algumas vezes com entusiasmo. No CNR, a única voz em contrário foi a do representante do Partido Comunista, Villon. Mas seus colegas se enganam ao ver em seu voto uma simples manifestação de princípio. Para os comunistas a trégua é uma catástrofe. Quando se diz a um de seus chefes que isso salva a vida de 200.000 parisienses, ele responde, que a revolução bem merece esse preço.

 

No dia seguinte, o Partido Comunista e sua camuflagem, a Frente Nacional, cobrem Paris de cartazes delirantes: “A trégua é uma armadilha dos boches! O povo de Paris quer lutar! Chega de boches! Nada de perdão!” O CNR está abalado com esta violência. Quando se reúne, sob um calor sufocante, numa pequena sala sem ar na Praça Denfert-Rochereau, explodem violentas discussões. Chaban-Delmas defende a trégua, sucesso inesperado que evita o esmagamento da insurreição e constitui um reconhecimento da Resistência pelo inimigo. Villon explode: “Nunca vi um general francês tão covarde!” Parodi protesta contra o ultraje, mas como cedeu três dias antes, desencadeando uma insurreição que desaprova, cede novamente, denunciando uma trégua que julgava providencial. Sua desculpa é a mesma: evitar deixar-se superar pelos extremistas, conservar as aparências de autoridade.

 

De repente, surge uma palavra de ordem: “Cubram Paris de barricadas!” Rol-Tanguy logo acrescenta este grito de morte: “Um boche para cada um!”

 

A trégua nem ao menos quebrou o entusiasmo insurrecional. Paris, é claro, protege-se com barricadas, mas a maioria se levanta nas ruas por onde os alemães não passam mais e quase todas são obras de marketing romântica, mais do que verdadeiras fortificações. Durante os dias 21 e 22 vêem-se fogos de combate, nos quais abundam os casos de heroísmo irrefletido, mas a intensidade da luta decresce durante o dia 23. No dia 24, uma coluna blindada que atravessa Paris enfrenta um tiroteio próximo ao Rond-Point, replica, incendeia o Grand-Palais, envolve os Champs-Elysées num terrível véu de fumaça, mas, em conjunto, o dia é ainda mais calmo que o precedente. A Resistência sofre a falta de armas e de munições e os Aliados se abstêm, sabiamente de lançá-las de pára-quedas no adro de Notre-Dame, como lhes foi solicitado. Os alemães não deixam seus pontos de apoio, de tal forma que os contatos com os beligerantes são raros. Por outro lado, a maior parte de Paris está efetivamente em estado de autolibertação. Os jornais clandestinos da véspera gritam em plenos pulmões e, dependendo ou não da Delegação-Geral, as autoridades da Resistência estabelecem suas leis.

 

Choltitz, no Hotel Meurice, ganha tempo. No dia 17, recebeu ordens de destruir as pontes, mas conseguiu anulá-la demonstrando que elas são necessárias para a retirada das tropas alemães. A nova ordem que lhe chega, dia 19, é assinada pelo próprio Hitler: “Paris deve ser transformada em um monte de ruínas, Trümmerfeld. O general-comandante deve defendê-la até o último homem e sepultar-se sob as ruínas...” Choltitz agradece ironicamente ao OB West pelo Schönen Befehl e presta contas nestes termos: “Mandei colocar três toneladas de explosivos na Notre-Dame, duas toneladas no Louvre, uma tonelada nos Inválidos e farei voar a Torre Eiffel, para que seus destroços obstruam a Sena”. Mas nem se mexe.

 

No mundo, a insurreição de Paris desperta uma onda de entusiasmo - e, ao mesmo tempo, faz nascer dúvidas. O desenvolvimento de uma situação revolucionária numa cidade que preparou tantas revoluções inquieta aqueles que medem a ameaça comunista cada vez maior na esteira da derrota alemã. Diante de Varsóvia, numa situação inversa, os Sovietes fazem alto, por várias semanas, para permitir que os SS exterminem os anticomunistas poloneses, mas este realismo vigoroso não está na maneira de ser dos ocidentais. Temem a vergonha que cairá sobre eles se deixarem esmagar os rebeldes parisienses e só libertarem uma Paris reduzida a cinzas.

 

Leclerc, designado libertador, se agita. Desde o dia 14 de agosto, quando a metade do 15o Corpo iniciou o combate diante de Argentan, ele mandou perguntar a Patton quando a 2a DB se dirigiria, por sua vez, para Paris. Sua impaciência aumentou quando sua divisão foi transferida do 15o para o 5o Corpo e do 3o Exército para o 1o. No dia 21, ele não se contém. Dá ordem ao Tenente-Coronel De Guillebon para tomar um destacamento do 1o Spahis marroquino, 150 homens e 30 veículos, com o estandarte de sua guarda, e ir imediatamente para Paris. A missão foi definida em dois itens: “1. Representar o Exército francês na capital libertada; 2. Exercer as funções de Autoridade Territorial francesa à espera da chegada dos titulares”. A expedição cria uma tempestade no Estado-Maior. O 3o Exército pergunta ao 1o qual é a coluna que se arrasta por suas estradas já engarrafadas. O oficial enviado por Leclerc para explicar a iniciativa a seu comandante de corpo, Leonard Gerow, traz a seu chefe uma nota intransigente: “A 2a Divisão Blindada (francesa) - diz Gerow - está sob meu comando para todos os fins e nenhuma parte dela poderá ser utilizada pelo senhor, exceto na execução de missões aprovadas por mim”. A nota termina com a ordem de chamar Guillebon imediatamente de volta.

 

A situação de Leclerc é embaraçosa. Quase uma recusa de obediência, adia a execução e corre ao PC de Bradley para apelar. De seu lado, Koenig e De Gaulle agem com todas as forças que possuem, o segundo pretendendo até retirar a 2a DB do comando de Eisenhower para lançá-la em direção a Paris. Mas basta uma palavra dos americanos para pregar Leclerc ao solo, privando-o de combustível.

 

A tarde do dia 22 termina. Leclerc espera Bradley, que conferencia com Eisenhower, mas cai a noite e, a qualquer momento, ele deverá tomar novamente seu Piper Cub, voltar a seu PC e executar a ordem de Gerow... Enfim Bradley aparece e, de repente, tudo se esclarece. A decisão de dirigir a 2a DB para Paris foi tomada pela manhã, e foi unicamente para obter a ratificação do comandante-chefe que Bradley voou até Granville. Ike fez mais do que concordar. Deu ordem para que fossem encaminhadas para Paris 26.000 toneladas de víveres e de carvão, das quais 3.000 toneladas iriam de avião, a título de socorro de urgência. A única recomendação é a seguinte: não deve haver “combate pesado” dentro da própria cidade. “Se esta condição não pudesse ser realizada, o avanço deveria ser estancado, tomando-se posição defensiva...”

 

Muitas outras divisões americanas estavam melhor colocadas que a 2a DB para se encarregar da libertação de Paris Ela devia vir de Sées e de Alençon. Ou seja um percurso de 200 km, enquanto todo o 7o Corpo dos EUA, compreendendo especialmente uma divisão blindada, se encontrava amontoada perto de Corbeil, a somente 50 km. Ike, demonstrando a inutilidades das suspeitas de que as intenções americanas eram objeto, tomou todas as precauções para que a honra da reconquista não fosse menor para os franceses. A 4a DI dos EUA, encarregada de apoiar o movimento de Leclerc, alinhou-se à direita e atrás, para tomar as passagens do Sena e libertar a parte oriental da aglomeração parisiense. O objetivo assinalado para a 2a DB foi Notre-Dame. Para que as cores britânicas não ficassem ausentes, Eisenhower pediu a Montgomery que mandasse um destacamento. O inglês, homem intratável, não compareceu.

 

Famosa em seu contexto histórico, a marcha sobre Paris não é um modelo de tática e de cooperação interaliada. Gerow deu a Leclerc dois itinerários: um por Mortagne, Châteauneuf-en-Thymerais, Maintenon, Rambouillet e Versalhes; outro por Nogent-le-Rotrou, Chartres, Nemours e Palaiseau. Nenhum deles foi totalmente respeitado. Leclerc levou o esforço principal de oeste para sul, da estrada de Ramboullet à estrada de Etampes, decisão infeliz que o fez cair, em Arpajon, sob a mais forte resistência alemã. No fim da tarde do dia 24, o Coronel De Langlade, comandando o grupamento do Oeste, atravessou a ponte de Sèvres e penetrou com 15 tanques em Boulogne-Billancourt, enquanto a maior parte da divisão, os grupamentos Dio e Billotte, combate ainda na altura de Fresnes, a uns 12 km da porta de Orleãs. Mas Langlade, sem comunicações, pára, não ousando aventurar-se de noite em Paris.

 

Durante este tempo, a impaciência e a irritação tomam conta de Gerow e Bradley. Desde a véspera estão sem a menor notícia de Leclerc, completamente desaparecido. Contavam que Paris fosse tomada antes do meio-dia; esperança perdida. Para Bradley, a explicação é simples: o entusiasmo da multidão e a embriaguez dos libertadores atrasam o avanço da 2a DB. “Não podia esperar - dirá ele - que os franceses dancem no caminho de Paris. Para o inferno com o prestígio! Mandei dizer a Barton que entre em Paris, quer os franceses apareçam ou não”. Bradley acrescenta: “Quando os rapazes de Leclerc souberem andarão mais depressa”. Na realidade, o próprio Leclerc não teve conhecimento da ordem de Bradley. O dia tinha sido duro e a “dança” bastante viril, pois custou à 2a DB 317 mortos, feridos e desaparecidos e 252 tanques e veículos motorizados destruídos. Leclerc está longe de distrair-se nos postos avançados, tentando comunicar aos combatentes a pressa que De Gaulle lhe havia recomendado na véspera em Rambouillet. No fim do dia, ele se encontra numa encruzilhada vizinha a Croix-de-Berny. Um destacamento comandado pelo Capitão Dronne desvia-se para a estrada principal, depois de um reconhecimento lateral, Leclerc ordena a seu chefe entrar em Fresnes e penetrar em Paris pelo caminho que encontrar livre. Dronne obedece, mete-se por Hay-les-Roses, Bagneux, Cachan, Arcueil, pelas ruas estreitas do 13o Distrito, atravessa o Sena na Ponte de Austerlitz e chega à Câmara Municipal, um pouco antes da meia-noite, com uma seção de infantaria em camionetas e os tanques leves Montmirail, Romilly e Champaubert.

 

Uma hora depois, graças a um milagroso restabelecimento da corrente elétrica, os sinos de todas as igrejas de Paris começam a badalar. Choltitz está em comunicação telefônica com o grupo de exércitos, com Speidel na linha. Ele aproxima da janela o telefone: “Está ouvindo? Sim, os sinos! O exército franco-americano entra em Paris. O Marechal Model tem ordens a me dar?”. “O Marechal tem o outro fone”. “Quero falhar-lhe”. “Não. O Marechal encarrega-me de dizer que não tem nada a falar com você”. “Então, adeus. Encarregue-se da minha mulher e de meus filhos”.

 

A noite está prodigiosamente calma. Nem um só tiro quebra o silêncio. A manhã não traz logo o despertar da história. Este 25 de agosto anuncia-se de anil e ouro, mas as ruas desertas dormem até tarde. Durante a noite, Choltitz ordenou a sua tropas que atravessassem o Sena, por isso a última etapa da marcha libertadora só foi dificultada pelas multidões em delírio. Barton deu ao 12o de Infantaria, da 4a Divisão, a honra de entrar em Paris, já que tinha perdido 1.000 homens em Mortain: o regimento apodera-se das estações ferroviárias de Austerlitz, Vincennes, Lião, e chega à Cité ao meio-dia. Langlade, com a 2a DB, avança passando pelo Arco do Triunfo e pelos Champs-Elysées; Billotte alcança a Praça do Châtelet; Dio divide seu grupo em duas colunas, uma que se dirige para a escola Militar pelo cais do Sena, outra que marcha para a estação de Montparnasse, os Inválidos e o Palais Bourbon. Os alemães, sem condições de disputar a rua, defendem-se nos edifícios que ainda ocupam. O Hotel Majestic, a Escola Militar, o Ministérios dos Negócios Estrangeiros e a Kommandantur da Praça da Ópera são tomados depois de combates mais ou menos intensos. Ao meio-dia, a bandeira tricolor flutua no alto da Torre Eiffel pela primeira vez depois de quatro anos. Às 10 horas, o Coronel Billotte envia um ultimato ao General Choltitz, por intermédio do cônsul Nordlin. Choltitz recusa-se a recebê-lo, mas seu ajudante-de-ordens, Tenente Von Arnim, dá a entender que sua resistência será simbólica e que prisioneiro, ordenará a rendição dos pontos de apoio. Em conseqüência, ao ataque ao Hotel Meurice começa às 15h30, pela Rua Rivoli, vindo da Praça do Châtelet. O hotel, defendido por uma seção de infantaria, é invadido depois de rápido combate. “De repente - narra Choltitz - a porta se abre e um civil superexcitado, com o dedo no gatilho da metralhadora, irrompeu em meu escritório. Apontou a arma contra mim, gritando repetidas vezes: Sprechen deutsch? (Fala alemão?) Tranqüilamente, respondi: “Provavelmente melhor do que você”. Dito isso, entrou, por sua vez, um oficial, um major (o comandante de La Horie), compreendeu a situação, pegou o civil exaltado pela gola e jogou-o fora. Os cronistas franceses da libertação de Paris não aceitaram esta versão e compuseram uma cena histórica muito mais honrosa para o “civil superexcitado”, que na realidade era o Tenente Karcher, das FFL. Choltitz, além disso, engana-se ao menos num detalhe, ao mesmo tempo que omite um fato desagradável para ele: Karcher estava fardado e levou como lembrança as dragonas do comandante da Grande Paris.

 

Do Meurice, Choltitz é levado à Câmara Municipal. Leclerc lhe dita os termos da capitulação, mas Rol-Tanguy exige, em nome das FFI, ser parte contratante num texto que constitua a ata da Libertação de Paris. Leclerc, mal informado sobre negócios políticos, aceita até que o nome do chefe comunista figure antes do seu na fórmula modificada. De Gaulle o criticará severamente por isso.

 

Transferido para a Estação Montparnasse, PC de Leclerc, Choltitz vence um desmaio, depois manda levar a seus pontos de apoio a ordem de rendição. Todos obedecem, inclusive duas cidadelas do Senado e da Praça da República. Imensas filas de prisioneiros seguem pelas ruas no meio de um povo que, ao vê-los, passa da alegria à fúria. Os crimes que seriam de esperar de uma multidão trabalhada pelos extremistas dão ao célebre dia da Libertação o terrível halo das grandes jornadas revolucionárias. Prisioneiros são assassinados, inocentes linchados, colaboradores presumíveis são massacrados ou torturados, mulheres são enforcadas ou violentadas, as prisões esvaziadas por um momento, logo se enchem, e outras são improvisadas segundo o capricho dos chefes de bando. Os comunistas, privados da destruição de Paris, encontram sua nova chance na paixão e no ódio.

 

Sua idéia mestra é de que Paris se libertou sozinha, por uma insurreição popular de que eles foram os animadores. Seu plano consiste em conservar e consolidar os grupamentos armados que fizera nas calçadas, contra uma quinta-coluna imaginária. A 2a DB não demorará a tornar-se em sua propaganda oral, uma tropa de pretorianos que frustra ao povo de Paris sua vitória.

 

Mas De Gaulle é De Gaulle. A segurança em si, a arrogância, a identificação com o Estado, que o tornaram tão incômodo durante todo o tempo das hostilidades, auxiliam-no mais do que nunca numa situação cheia de perigos. O CNR pretendia recebê-lo na capital libertada e conduzi-lo à Câmara Municipal, para proclamar em seu nome a República Social. De Gaulle recusa: em vez de seguir o CNR, precede-o, eclipsa-o e logo o apaga. Seu desfile pelos Champs-Elysée é uma obra-prima de psicologia popular. As balas que estouram em volta de sua carcaça impassível, até Notre-Dame, contribuem para sua consagração. Ele terá dias de ansiedade. Permitirá que se cometam crimes que, mais tarde, constituirão elementos contrários a ele em acusações impiedosas. Mas salva o essencial. Atravessa o perigoso hiato. Mantém a continuidade da nação.

 

A guerra continua. No dia seguinte à libertação de Paris, o 21o Grupo de exércitos atravessa o baixo Sena e dirige-se para o Passo de Calais. A 27 de agosto, o 3o Exército força o Marne em Château-Thierry. No último dia do mês, o Somme e o Mosa são atingidos, simultaneamente, em Amiens e Commercy. A resistência é praticamente nula. O inimigo foge e, alcançado, rende-se. Os estados-maiores calculam que o Exército alemão do Oeste perdeu, desde 6 de junho, mais de um milhão de homens, mortos, feridos e prisioneiros. Os Aliados desembarcaram 2.100.000 homens e 460.000 veículos, maré ribombante que avança numa embriaguez de invencibilidade.

                                                                                      

 

                      

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