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A LINHAGEM DO SANTO GRAAL / Laurence Gardner
A LINHAGEM DO SANTO GRAAL / Laurence Gardner

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

A Linhagem do Santo Graal é uma notável realização na área de pesquisa genealógica. São raros os historiadores familiarizados com fatos tão bombásticos quanto os expostos neste livro. As revelações são absolutamente fascinantes e, sem dúvida, serão apreciadas por muitos como verdadeiros tesouros de iluminismo. Nelas se encontra a história vital daquelas questões fundamentais que ajudaram a dar forma à Igreja Cristã na Europa e nos Estados das Cruzadas.

Talvez algumas pessoas considerem de natureza herética alguns aspectos deste livro. É direito de qualquer indivíduo acalentar tal visão, uma vez que as exposições inerentes são um tanto alheias à tradição ortodoxa. Contanto, permanece o fato de que Chevalier Labhràn penetrou as profundezas dos manuscritos disponíveis e dos dados arquivais de qualquer domínio convencional. O conhecimento desvelado resultante é apresentado de maneira muito articulada, interessante e apaixonante.

Esta obra traz uma incrível visão dos séculos de alianças governamentais estratégicas, junto a engodos e intrigas inerentes. Durante cerca de dois mil anos, os destinos de milhões de pessoas têm sido manipulados por personalidades singulares, freqüentem ente caprichosas, que pervertem as aspirações espirituais de nossa civilização. Com riqueza de detalhes, o autor removeu as constrições do interesse tendencioso para relatar numerosas histórias suprimidas de nossa herança. Fazendo isso, ele ressuscita a história politicamente silenciada de uma dinastia real resoluta que a Igreja há muito se esforça por extinguir, para garantir interesses próprios. Agora, nesta nova era de entendimento, que a verdade prevaleça e que a Fênix resulta mais uma vez.

 

 

 

 

                   A QUEM SERVE O GRAAL?

Após a Revolta dos Judeus em Jerusalém, no I século da era cristã, os senhores romanos teriam destruí do todos os registros a respeito do legado de Davi da família de Jesus, o Messias. A destruição, porém, nunca foi completa, e alguns documentos relevantes foram guardados pelos herdeiros de Jesus, que trouxeram a herança messiânica do Oriente Próximo para o Ocidente. Como confirma a Enciclopédia Eclesiástica de Eusébio, bispo de Cesaréia, esses herdeiros eram chamados de Desposyni (antigo termo grego para "do Mestre"), um título sagrado reservado exclusivamente para aqueles da mesma descendência familiar de Jesus. Eles tinham o legado sagrado da Casa Real de Judá - uma linhagem dinástica existente ainda hoje.

No decorrer deste livro, estudaremos a extraordinária história dessa linhagem soberana, desvendando um detalhado relato genealógico do Sangue Real Messiânico (o Sangréal) em descendência direta de Jesus e seu irmão Tiago. Contudo, para abordarmos esse tema, teremos de considerar primeiramente as histórias bíblicas do Antigo e do Novo Testamento sob uma perspectiva diferente daquela normalmente transmitida. Não estaremos reescrevendo a história, mas remodelando relatos conhecidos - levando a história de volta à sua base original, em vez de perpetuar os mitos de estilo estratégico daqueles cujos interesses são tendenciosos.

Com o passar dos séculos, uma contínua conspiração governamental e da Igreja tem prevalecido acima do legado messiânico. Essa tendência aumentou quando a Roma Imperial desviou o curso do Cristianismo para servir a um ideal alternativo, e continua até o presente.

 

Muitos eventos históricos aparentemente não relacionados foram, na verdade, capítulos da mesma e contínua supressão da linhagem. Das guerras judaicas do 1o. século d.C., passando pela Revolução Americana do século XVIII e além, as maquinações têm sido perpetuadas por governos europeus e ingleses, em colaboração com a Igreja Católica Romana e a Igreja Anglicana. Em suas tentativas de restringir o direito nato real de Judá, os Altos Movimentos cristãos instalaram vários regimes próprios - tal como a própria Casa de Hanover, da Grã-Bretanha - SaxeCoburg - Gotha. Essas administrações foram forçadas a apoiar doutrinas religiosas específicas, enquanto outras foram depostas por pregar a tolerância religiosa.

Agora, na entrada de um novo milênio, é hora de reflexão e reforma no mundo civilizado - e para a realização dessa reforma é apropriado considerar os erros e os sucessos do passado. Para essa finalidade, não há registro melhor do que o existente nas crônicas do Sangréal.

A definição Santo Graal apareceu pela primeira vez na Idade Média, como um conceito literário, baseado (como veremos mais adiante) em uma série de erros de interpretação por parte de escrivões. O termo derivava imediatamente como uma tradução de Saint Grail e das antigas formas San Graal e Sangréal. A antiga Ordem do Sangréal, uma Ordem dinástica da Casa Real Escocesa de Stewart, era diretamente aliada à continental Ordem Européia do Reino de Sion, e os cavaleiros de ambas as Ordens eram adeptos do Sangréal, que define o verdadeiro Sangue Real (o Sang Réal) de Judá: a A Linhagem do Santo Graal.

Bem distinto de seu aspecto físico dinástico, o Santo Graal também tem uma dimensão espiritual. Ele tem sido simbolizado por muitas coisas, mas, como objeto material, costuma ser visto como um cálice, especialmente contendo (ou que já conteve) o sangue vital de Jesus. O Graal também já foi retratado como uma vinha, estendendo seus ramos através dos anais do tempo. O fruto da vinha é a uva, e da uva vem o vinho. Nesse sentido, os elementos simbólicos do cálice e o vinho coincidem, pois o segundo há muito é comparado como o sangue de Jesus. Na verdade, essa tradição está presente bem no coração do sacramento da Eucaristia (Sagrada Comunhão), e o sangue perpétuo do Graal, ou do cálice, representa nada menos que a duradoura linhagem messiânica.

Na cultura esotérica do Graal, o cálice e a vinha sustentam o ideal de "serviço", enquanto o sangue e o vinho correspondem ao eterno espírito de "cumprimento". A busca espiritual do Graal é, portanto, um desejo pelo cumprimento, prestando e recebendo serviço. Aquilo que é chamado de Código do Graal é, em si, uma parábola para a condição humana, da busca de todos nós, por meio do serviço.

O problema é que o preceito do código foi sufocado por um complexo avaro da sociedade, baseado na noção da "sobrevivência do mais forte". Hoje, é evidente que a riqueza, não a saúde, é um demarcador na trilha dos socialmente fortes, enquanto outro critério seria a obediência à lei. Acima dessas considerações, porém, há outra exigência: submeter-se à disciplina do partido enquanto se serve aos semideuses do poder. Esse pré-requisito nada tem a ver com a obediência à lei ou o comportamento adequado; depende totalmente de não balançar o barco nem se ater a opiniões não-conformistas. Aqueles que quebram as regras são considerados hereges, intrometidos ou criadores de encrenca, e como tais reputados por seu governo elementos socialmente impróprios. Conseqüentemente, a adequação social é conseguida quando se submete à doutrinação e se abandona a individualidade pessoal para que seja preservado o status quo administrativo. Sob qualquer padrão de reconhecimento, isso dificilmente seria descrito como um modo de vida democrático.

O ideal democrático é expressado como "Governo pelo povo para o povo". Para facilitar esse processo, as democracias são organizadas com base eleitoral, em que os poucos representam os muitos. Os representantes são escolhidos pelo povo para governar para o povo - mas o resultado paradoxal geralmente é o governo do povo. Isso é contrário a todos os princípios da comunidade democrática e nada tem a ver com serviço. Está, portanto, em oposição direta ao Código do Graal.

Em nível nacional e local, os representantes eleitos há muito tempo vêm conseguindo reverter o ideal harmonioso, colocando a si próprios sobre pedestais acima do eleitorado. Em virtude disso, os direitos individuais, as liberdades e o bem-estar são controlados por ditames políticos, que determinam quem é socialmente adequado e quem não é, em todos os momentos. Em muitos casos, isso implica até decisões sobre quem pode ou não sobreviver. Com essa finalidade, há muitos que almejam posições de influência pela pura gana de poder sobre os outros. Servindo a interesses próprios, eles se tomam manipuladores da sociedade, causando o enfraquecimento da maioria. O resultado é que, em vez ser servida da maneira justa, a maioria é reduzida a um estado de servidão.

Não é por acaso que, desde a Idade Média, o lema dos Príncipes de Gales tem sido Ich dien ("eu sirvo"). Tal lema nasceu diretamente do Código do Graal durante a Era do Cavalheirismo. Chegando ao trono real por linhagem hereditária em vez de eleições, era importante para os sucessores promover o ideal de serviço. Mas a que os monarcas realmente serviam? Ou melhor, a quem serviam? De um modo geral (e certamente através das eras feudais e imperiais), eles "governaram" em conluio com seus ministros e a Igreja. Governar não é servir, e faz parte da justiça, igualdade e a tolerância do ideal democrático. E portanto incompatível com a máxima do Santo Graal.

Assim, A Linhagem do Santo Graal não se restringe em conteúdo a genealogias e histórias de intriga política, mas suas páginas contêm a chave do Código do Graal essencial: a chave não só de um mistério histórico, mas também de um modo de vida. É um livro a respeito do bom e do mau governo. Explica como o reino patriarcal do povo foi suplantado pela tirania dogmática e pelo domínio ditatorial da Terra. É uma jornada de descobrimento através de eras passadas, com os olhos voltados para o futuro.

Nesta era da tecnologia dos computadores, de telecomunicações por satélite e da indústria espacial internacional, o avanço científico acontece a uma velocidade assustadora. À medida que cada estágio de desenvolvimento chega mais rápido, os indivíduos funcionalmente competentes emergirão como os "sobreviventes", enquanto o resto será considerado "inadequado" por um establishment impetuoso que serve às próprias ambições, mas não a seus súditos.

Mas o que tudo isso tem a ver com o Santo Graal? Tudo. O Graal tem muitas formas e atributos - como será revelado. Contudo, em qualquer forma que seja retratada, a busca do Graal é regida por um dominante desejo de honesta conquista. É a rota pela qual todos podem sobreviver entre os fortes, ou adequados, pois ele é a chave da harmonia e unidade em todo estado social e natural. O Código do Graal reconhece o avanço por mérito e respeita a estrutura da comunidade - mas acima de todas as coisas, ele é inteiramente democrático. Seja apreendido em sua dimensão física ou espiritual, o Graal pertence tanto a líderes como a seguidores, determinando que todos devem ser como um, em serviço comum e unificado.

Para alguém pertencer aos fortes, deve estar plenamente informado. Só por meio da conscientização podem ser feitas preparações para o futuro. O regime ditatorial não é uma rota de informação; é uma constrição com o objetivo de impedir o livre acesso à verdade. A quem, portanto, serve o Graal? Ele serve àqueles que, apesar dos contratempos, buscam - pois são os campeões do iluminismo.

 

                       ÍDOLOS PAGÃOS DO CRISTIANISMO

No decorrer de nossa jornada, confrontaremos um número de afirmações que podem, a princípio, parecer assustadoras, mas isso costuma acontecer quando se traz a história de volta às suas bases, pois a maioria das pessoas é condicionada a aceitar determinadas interpretações da história como fatos. Muito do que aprendemos de história é por meio de propaganda estratégica, seja ela motivada pela Igreja ou por política. Tudo é parte do processo de controle; separa os mestres dos servos e os fortes dos fracos. A história política tem sido escrita por seus mestres: os poucos que decidem o destino e a sina dos muitos. A história religiosa não é diferente, pois seu desígnio é implementar o controle pelo medo do desconhecido. Dessa forma, os mestres religiosos retiveram sua supremacia à custa de devotos que genuinamente buscam iluminação e salvação. Quanto à história política ou religiosa, é evidente que os ensinamentos estabelecidos chegam às raias do fantástico, mas mesmo assim raramente são questionados. Quando estes são menos do que fantásticos, porém, costumam parecer tão vagos que quase não fazem sentido, se examinados em qualquer nível de profundidade.

Em termos bíblicos, nossa busca do Graal começa com a Criação, conforme definida no livro do Gênesis. Em 1779, um consórcio de livreiros de Londres publicou uma obra gigantesca com 42 volumes, Universal History - que viria a ser muito reverenciada e que afirmava, com grande grau de convicção, que o trabalho de Criação de Deus começou em 21 de agosto de 4004 a.C. Surgiu, então, um debate a respeito do mês exato, pois alguns teólogos achavam que 21 de março seria uma data mais precisa. Todos concordavam, porém, que o ano estava correto, e aceitavam que só seis dias tinham passado entre o nada cósmico e o surgimento de Adão.

Na época da publicação, a Inglaterra se via em meio à sua Revolução Industrial. Era um período instável de extraordinárias mudanças e desenvolvimentos, mas, assim como no acelerado ritmo dos avanços da atualidade, pagou-se um preço. As preciosas artes e técnicas de outrora se tomaram obsoletas diante da produção em massa, e a sociedade se reagrupava para acomodar uma estrutura comunitária com base na economia. Uma nova estirpe de vencedores emergia, enquanto a maioria da população cambaleava num ambiente desconhecido que nada tinha a ver com os costumes e padrões de sua educação. Certo ou errado, esse fenômeno é chamado de Progresso, e o seu critério inflexível é aquele preceito do naturalista inglês Charles Darwin: a "sobrevivência do mais forte". O problema é que as chances de sobrevivência das pessoas costumam diminuir quando elas são ignoradas ou exploradas por seus mestres: aqueles mesmos pioneiros que forjam a rota do progresso, auxiliando (mas não garantindo) apenas a sobrevivência própria.

É fácil vermos hoje que a História Universal de 1779 estava errada. Sabemos que o mundo não foi criado em 4004 a.C. Sabemos também que Adão não foi o primeiro homem na Terra.? Essas noções arcaicas já estão ultrapassadas; mas para as pessoas no fim do século XVIII, essa impressionante história era o produto de homens mais esclarecidos do que a maioria e, portanto, presumivelmente correta. Vale a pena, portanto, fazermos a nós mesmos a seguinte pergunta, neste estágio: quantos fatos aceitos pela ciência e pela história atualmente também serão considerados ultrapassados à luz de futuras descobertas?

Dogma não é necessariamente verdade; é apenas uma interpretação fervorosamente divulgada da verdade, com base nos fatos disponíveis. Quando novos fatos influentes são apresentados, o dogma científico muda naturalmente, mas isso é raro de acontecer com o dogma religioso. Neste livro, estamos particularmente interessados nas atitudes e ensinamentos de uma Igreja Cristã que não presta atenção a descobertas e revelações, e que ainda mantém boa parte do dogma incongruente que remonta a tempos medievais. Como observou astutamente H. G. Wells no início da década de 1900, a vida religiosa das nações ocidentais "subsiste numa casa da história construída sobre areia".

A teoria da evolução de Charles Darwin em The Descent of Man, em 1871 não causou nenhum dano pessoal a Adão, mas a idéia de que ele seria o primeiro ser humano caiu por terra. Como todas as formas de vida orgânica no planeta, os humanos evoluíram por mutação genética e seleção natural, no decorrer de centenas de milhares de anos. O anúncio de tal fato encheu de horror a sociedade, orientada pela religião. Alguns simplesmente se recusavam a aceitar a nova doutrina, mas muitos caíram no desespero. Se Adão e Eva não eram os pais primordiais, não havia Pecado Original e, portanto, o próprio motivo do perdão não tinha fundamento!

A maioria entendera de maneira completamente errada o conceito de Seleção Natural. As pessoas deduziam que, se a sobrevivência era restrita aos mais fortes, então o sucesso devia depender de superar o próximo! Estava nascendo uma nova geração, cética e cruel. O nacionalismo egotista florescia como nunca antes na história, e as divindades domésticas eram veneradas como, no passado, adoravam-se os deuses pagãos. Símbolos de identidade nacional (como Britannia e Hibernia) se tomaram novos ídolos do Cristianismo.

Dessa base insalubre se gerou uma doença imperialista, e os países mais fortes e avançados reivindicaram o direito de explorar as nações menos desenvolvidas. A nova era da construção de impérios começava com uma luta indigna por domínio territorial. O Reich alemão foi fundado em 1871, com a amálgama de estados até então separados. Outros estados se juntaram para formar o Império Austro-Húngaro. O Império Russo expandiu-se consideravelmente e, na década de 1890, o Império Britânico já ocupava nada menos que um quinto de toda a massa territorial do globo. Aqueles eram os dias dos resolutos missionários cristãos, muitos dos quais enviados da Inglaterra da rainha Vitória. Com a estrutura religiosa gravemente ferida em casa, a Igreja procurava uma justificativa no exterior. Os missionários viviam particularmente ocupados na Índia e na África, onde as pessoas já tinham as próprias crenças e nunca tinham ouvido falar de Adão. Mais importante, porém: nunca tinham ouvido falar de Charles Darwin!

Na Inglaterra, um novo estrato intermediário na sociedade emergira dos empregadores da Revolução Industrial. Essa próspera classe média deixou a verdadeira aristocracia e a classe governamental muito longe do alcance do povo, efetivamente criando uma estrutura de classes - um sistema de divisões no qual todos tinham seu lugar designado. Os chefes e comandantes se refestelavam em empreendimentos arcádicos, enquanto os mercadores oportunistas competiam por espaço em meio ao consumo exacerbado. Os homens da classe trabalhadora aceitavam seu estado servil, com hinos de aliança, um sonho de Esperança e Glória, e um retrato de sua sacerdotisa tribal, Britannia, acima da lareira.

Os estudiosos da história sabiam que não tardaria até que os impérios começassem a mirar uns aos outros, e previam o dia em que os poderes concorrentes se digladiariam em feroz oposição. O conflito começou quando a França se empenhou em recuperar a Alsácia-Lorena da ocupação alemã, enquanto as duas guerreavam pelas reservas de ferro e carvão do território. A Rússia e o Império Austro-Húngaro se enfrentavam em luta pelo domínio dos Bálcãs e havia disputas resultantes de ambições colonialistas na África e em outros lugares. O pavio foi aceso em junho de 1914, quando um nacionalista sérvio assassinou o arquiduque Fernando, herdeiro do trono austríaco. Nesse ponto, a Europa explodiu numa grande guerra, fortemente instigada pela Alemanha. As hostilidades foram dirigidas contra a Sérvia, Rússia, França e Bélgica, e a contra-ofensiva era liderada pela Inglaterra. A luta durou mais de quatro anos, chegando ao fim com uma revolta na Alemanha, quando o imperador (Kaiser) Guilherme II fugiu do país.

Diante de todos os avanços tecnológicos de uma era industrialista, a história tinha feito pouco progresso em termos sociais. As conquistas da engenharia levaram a uma habilidade marcial sem precedentes, enquanto o Cristianismo se tornara tão fragmentado que já não mais se deixava reconhecer. O orgulho da Inglaterra permanecia intacto, mas o Reich alemão não se conformava em aceitar passivamente suas perdas. Seu despótico Führer (líder), Adolf Hitler, anexou a Áustria em 1937 e invadiu a Polônia dois anos depois. A segunda grande guerra - verdadeiramente uma Guerra Mundial - começava: a mais feroz disputa territorial até hoje. Durou seis anos e foi centrada nas crenças vitais da própria religião: os direitos de todos num ambiente civilizado.

Subitamente, a Igreja e o povo perceberam que a religião nada tinha a ver - nunca tivera - com patriarcas e milagres. Ela tinha a ver, isso sim, com a crença num modo humanitário de vida, numa aplicação de padrões morais e valores éticos, de fé e caridade, além da constante busca por liberdade e salvação. Finalmente, toda contenda geral e contínua a respeito da natureza evolucionária da descendência humana era deixada de lado; esse era o território dos cientistas e a maioria das pessoas podia relaxar e aceitar o fato.

A Igreja emergia como um oponente muito menos temível dos estudiosos, e o novo ambiente era mais agradável a todos os envolvidos. Para muitos, o texto da Bíblia já não tinha mais de ser considerado um dogma inviolável e venerado, por si. A religião estava incutida em seus preceitos e princípios, não no papel onde ela era impressa.

Essa nova perspectiva abria espaço para infinitas possibilidades especulativas. Se Eva realmente era a única mulher existente e seus três filhos eram homens, então com quem seu filho Set se uniu para gerar as tribos de Israel? Se Adão não foi o primeiro homem na Terra, qual seria o seu verdadeiro significado? Quem ou o que eram os anjos? O Novo Testamento também tinha seus mistérios. Quem foram os Apóstolos? Os milagres realmente aconteceram? E o mais importante: a Concepção Imaculada e a Ressurreição de fato tinham ocorrido da maneira descrita?

Consideraremos todas essas questões antes de seguirmos o caminho da linhagem do Graal em si. Na verdade, é imperativo conhecermos a origem histórica e o ambiente de Jesus para compreendermos os fatos de seu casamento e sua paternidade. À medida que avançarmos, muitos leitores estarão pisando em solo totalmente novo, mas que já existia antes de ser acarpetado e escondido por aqueles cuja motivação era suprimir a verdade para reter o controle. Só quando removermos o carpete do disfarce estratégico, teremos sucesso em nossa busca pelo Santo Graal.

 

                   LINHAGEM DOS REIS

De modo geral, já se reconhece que os capítulos iniciais do Antigo Testamento não representam o começo da história do mundo, como parecem sugerir. Mais precisamente, eles contam a história de uma família que se tornou uma raça compreendendo várias tribos - uma raça que se tornou à nação hebraica. Se Adão foi o primeiro de uma espécie, então ele deve ter sido o progenitor dos hebreus e das tribos de Israel. De fato, como descreve o livro, ele foi o primeiro de uma linhagem predestinada de governantes sacerdotais.

Dois dos mais intrigantes personagens do Antigo Testamento são José e Moisés. Cada um teve um papel importante na formação da nação hebraica e ambos têm identidades históricas que podem ser examinadas independentemente da Bíblia. Em Gênesis 41:39-43, lemos como José se tornou Governador do Egito:

Disse o Faraó a José: administrarás a minha casa, e à tua palavra obedecerá todo o meu povo; somente no trono eu serei maior que tu... Desse modo, fê-lo governar sobre toda a terra do Egito.

Referente a Moisés, em Êxodo 11:3, descobrimos também que:

Moisés era muito famoso na terra do Egito, aos olhos dos oficiais do Faraó e aos olhos do povo.

Entretanto, a despeito do status e de toda a proeminência, nem José nem Moisés aparecem em qualquer registro egípcio sob seus nomes bíblicos.

Os anais de Ramsés II (c.1304-1237 a.C.) especificam que o povo semita se assentou na terra de Gósen, explicando que também para lá se dirigiram os semitas vindo de Canaã, em busca de alimento. Mas por que os escrivãos de Ramsés mencionariam esse povoado do delta do Nilo em Gósen? De acordo com a cronologia padrão da Bíblia, os hebreus foram para o Egito uns três séculos antes da época de Ramsés e fizeram seu êxodo por volta de 1491 a.C., muito antes que ele chegasse ao trono. Assim, diante desse registro em primeira mão, vemos que a cronologia padrão da Bíblia está incorreta.   .

Tradicionalmente, presume-se que José foi vendido como escravo no Egito na década de 1720 a.C. e nomeado Governador pelo Faraó uma década ou duas depois. Mais tarde, seu pai Jacó (cujo nome foi mudado para Israel) e 70 membros da família o seguiram até Gósen para escapar da fome em Canaã. Apesar disso, Gênesis 47:11, Êxodo 1:11 e Números 33:30 fazem referências à "terra de Ramsés" (egípcio: "a casa de Ramsés") mas se tratava de um complexo de armazéns de grãos construídos pelos israelitas para Ramsés II em Gósen, uns 300 anos após a época em que, presumivelmente, se encontravam lá!

Ao que parece, a versão judaica alternativa é mais correta do que a Cronologia Padrão: José esteve no Egito não no início do século XVIII a.C., mas no início do século XV a.C. Lá, ele foi nomeado Ministro Chefe de Tutmósis IV (c.1413-1405 a.C.). Para os egípcios, porém, José (Yusuf, o Vizir) era conhecido como Yuya, e sua história é particularmente reveladora - não só em relação ao relato bíblico de José, mas também com respeito a Moisés. O historiador e lingüista nascido em Cairo, Ahmed Osman, fez um estudo profundo dessas personalidades em seu ambiente egípcio contemporâneo e as descobertas são de grande significado.

Quando o faraó Tutmósis morreu, seu filho se casou com a irmã, Sitamun (como era a tradição faraônica) para poder herdar o trono como o faraó Amenhotep III. Pouco depois, ele desposou também Tiye, filha do Ministro Chefe (JoséNuya). Foi decretado, porém, que nenhum filho de Tiye podia herdar o trono e, por causa da extensão de terras governadas por seu pai,

José, havia um medo geral de que os israelitas estivessem ganhando poder demais no Egito. Então, quando Tiye engravidou, foi passado um edito determinado que o bebê deveria ser morto ao nascer, se fosse menino. Os parentes israelitas de Tiye viviam em Gósen e ela possuía um pequeno palácio de verão, um pouco rio acima, em Zarw, para onde se dirigiu quando ia dar à luz. De fato, Tiye teve um menino, mas as parteiras reais conspiraram com ela e o colocaram à deriva num cesto de vime, que desceu o rio e foi parar na casa do meio-irmão de seu pai, Levi.

O menino, Aminadab (nascido em 1394 a.C.), foi devidamente educado na região a leste do delta pelos sacerdotes egípcios de Rá. Depois, na adolescência, ele foi viver em Tebas. Naquela época, sua mãe tinha adquirido mais influência do que a rainha mais velha, Sitamun, que nunca tivera um filho e herdeiro do faraó, só uma filha chamada Nefertite. Em Tebas, Aminadab não aceitava as divindades egípcias com sua miríade de ídolos; e assim ele introduziu a noção de Áton, um deus onipotente que não tinha imagem. Áton era, portanto, equivalente ao Adon dos hebreus (um título emprestado da língua fenícia e que significa "Senhor"), de acordo com os ensinamentos israelitas. Naquela época, Aminadab (o equivalente hebraico de Amenhotep: "Amon está alegre") mudou o nome para Akhenáton, que significa "Servo de Aton".

O faraó Amenhotep passou por um período com problemas de saúde e, como não havia um herdeiro homem direto da casa real, Akhenaton desposou sua meio-irmã Nefertite para ser co-regente durante o conturbado período. No devido tempo, porém, quando Amenhotep III morreu, Akhenaton pôde ascender ao trono como faraó, ganhando o título oficial de Amenhotep IV. Ele e Nefertite tiveram seis filhas e um filho, chamado Tutankháton.

O faraó Akhenaton fechou todos os templos dos deuses egípcios e construiu novos templos a Aton. Ele também administrava uma casa distintamente doméstica - muito diferente da norma real no antigo Egito. Ele se tomou impopular em muitas frentes, particularmente entre os sacerdotes da antiga divindade nacional, Amon (ou Amen) e do deus sol Rá(ou Re), o que resultou na proliferação de intrigas contra a sua vida. As ameaças de insurreição armada eram fortes, se ele não deixasse que os deuses tradicionais fossem venerados junto ao deus sem rosto, Áton. Mas Akhenaton recusou, e acabou sendo forçado a abdicar em favor de seu primo Smencare, que foi sucedido pelo filho de Akhenaton, Tutankhaton. Quando assumiu o trono aos 11 anos de idade, porém, Tutankhaton foi obrigado a mudar o nome para Tutankhamon, mas só viveu nove ou dez anos, morrendo ainda muito jovem.

Akhenaton, enquanto isso, foi banido do Egito. Ele fugiu com alguns seguidores para a remota segurança de Sinai, levando seu cetro real, encimado por uma serpente de bronze. Para os seus partidários, ele continuava sendo o monarca por direito (o herdeiro ao trono que lhe fora usurpado) e ainda era considerado por eles o Mose, Meses ou Mosis, que significa "herdeiro" ou "nascido de" - como no nome Tuthmosis (nascido da Verdade) e Ramsés (modelado por Rá).

Evidências do Egito indicam que Moisés (Akhenáton) conduziu seu povo de Pi-Ramsés (perto da moderna Kantra) para o sul, através do Sinai, e na direção do lago Timash. Era um território extremamente pantanoso e, apesar de passável a pé com certa dificuldade, qualquer cavalo ou carroça em perseguição cairia desastrosamente.

Entre os seguidores de Moisés estavam as famílias de Jacó-Israel: os israelitas. E, com a inspiração de seu líder, eles construíram o Tabernáculo e a Arca da Aliança no sopé do monte Sinai. Quando Moisés morreu, eles começaram a invadir a região abandonada por seus antepassados muito tempo atrás, mas Canaã (Palestina) tinha mudado consideravelmente nesse meio tempo, tendo sido infiltrada por ondas de filisteus e fenícios. Os registros falam de grandes batalhas marítimas e de poderosos exércitos marchando para a guerra. Finalmente, os israelitas (sob seu novo líder, Josué) tiveram sucesso e, após atravessar o Jordão, tomaram Jericó dos cananeus, garantindo uma posição segura em sua tradicional Terra Prometida.

Após a morte de Josué, o período de governo nas mãos de Juízes nomeados foi um rol de desastres, até que as tribos hebraicas e israelitas se uniram sob o primeiro rei, Saul, por volta de 1048 a.C. Futuramente, porém, com a conquista de Canaã mais completa possível, Davi de Belém se casou com a filha de Saul e se tomou rei de Judá (correspondente à metade do território palestino) por volta de 1008 a.C. Subseqüentemente, ele também adquiriu Israel (o equilíbrio do território) para se tomar rei geral dos judeus.

 

             NO PRINCÍPIO, JAYÉ E A DEUSA

Além das explorações militares dos israelitas, os compiladores do Antigo Testamento descreveram a evolução da fé judaica desde os tempos de Abraão. Não é a história de uma nação unificada devotada ao Deus Javé, e sim de uma seita tenaz que, a despeito de todas as dificuldades, esforçou-se para instituir a religião dominante de Israel. Na opinião deles, Javé era do sexo masculino, mas esse era um conceito sectário que originou muitos e graves problemas.

No cenário mais amplo contemporâneo, entendia-se geralmente que a criação da vida deveria emanar tanto de uma fonte masculina como de uma feminina. Outras religiões - no Egito, na Mesopotâmia e em outros lugares - tinham divindades de ambos os sexos. O deus masculino primário costumava ser associado ao solou ao céu, enquanto a divindade feminina primária tinha raízes na terra, no mar e na fertilidade. O sol dá sua força a terra e às águas, de onde surge a vida; uma interpretação muito natural e lógica.

Em relação a essas idéias teístas, um dos personagens mais flexíveis mencionados nos textos bíblicos é o filho do rei Davi, Salomão, célebre não só pela magnificência e esplendor de seu reino, mas por sua sabedoria. Muito tempo depois, o legado de Salomão seria crucial para a emergente cultura do Graal, pois ele foi o verdadeiro defensor da tolerância religiosa. Salomão foi rei séculos antes do período do cativeiro dos israelitas na Babilônia, e era uma parte importante do velho cenário.

Na era de Salomão, Javé tinha considerável importância, mas outros deuses também eram reconhecidos. Era uma época espiritualmente incerta, na qual, não raro, as pessoas apostavam em deidades alternativas. Afinal de contas, com tal pletora de diferentes deuses e deusas sendo homenageados na região, seria falta de visão depreciar todos, exceto um - pois quem podia afirmar que os devotos hebreus estavam certos?

Nesse sentido, a renomada sabedoria de Salomão era baseada no bom senso. Embora venerasse Javé, o Deus da seita de uma minoria, ele não tinha motivo para negar aos súditos o deus deles (l Reis 11:4-10). Ele próprio não abriu mão de suas crenças nas forças da natureza, independentemente de quem ou o que as liderasse.

A veneração da divindade feminina primária era muito comum e popular em Canaã, onde ela assumia a forma da deusa Astorete. Ela correspondia a Ishtar, a principal deusa dos babilônios. Como Inana, seu templo sumério ficava em Uruk (Ereque na Bíblia, atualmente Warka) no sul da Mesopotâmia, enquanto na Síria e Fenícia, regiões próximas, ela seria chamada de Astarte, segundo os antigos gregos.

O Santo dos Santos (Santuário interior) do Templo de Salomão supostamente representaria o ventre de Astorete (ou Asera, mencionada várias vezes no Antigo Testamento). Astorete era venerada abertamente pelos israelitas até o século VI a.C. Como senhora Asera, ela era esposa superior de EI, suprema divindade masculina, e juntos eles formavam o casal divino. Sua filha era Anat, rainha dos Céus, e seu filho, o rei dos Céus, era chamado He. Com o passar do tempo, os personagens separados de EI e He se fundiram para se tornaren Javé. Asera e Anat se tornaram uma, convertendo-se na consorte de Javé, conhecida como a Sekiná ou Matronit.

O nome Javé é uma transliteração posterior e um tanto anglicizada de Yahweh, por sua vez uma forma de raiz hebraica de quatro consoantes YHWH, à qual duas vogais foram correta ou incorretamente interpoladas. Originalmente, essas quatro consoantes (que futuramente se tornariam uma espécie de sigla para o Deus Único) representavam os quatro membros da família celeste: Y representava EI, o Pai; H era Asera, a Mãe; W correspondia a He, o Filho; e H era a Filha, Anat. De acordo com as tradições reais da época e da região, a misteriosa noiva de Deus, a Sekiná, também era reconhecida como sua irmã. No culto judaico da Cabala (uma disciplina esotérica que atingiu seu ápice nos tempos medievais), a imagem dual masculina/feminina de Deus era perpetuada. Enquanto isso, outras seitas reconheciam a Sekiná (ou Matronit) como a presença feminina de Deus na Terra. A câmara marital divina era o Santuário do Templo de Jerusalém, mas a partir do momento em que o Templo foi destruí do a Sekiná foi destinada a vagar pela Terra, enquanto o aspecto de Javé se restringia aos céus.

Em termos práticos, a solidificação do ideal hebraico do Deus masculino único só ocorreria após cinqüenta anos de cativeiro na Babilônia (c.586-536 a.C.). Quando os israelitas foram deportados pela primeira vez por Nabucodonosor, eram tribos efetivamente separadas e pertencentes à pelo menos duas ramificações étnicas principais (Israel e Judá), mas eles retomaram a Terra Santa com um propósito nacional comum, como "o povo escolhido de Javé".

Boa parte do que conhecemos hoje como o Antigo Testamento (a Bíblia hebraica) foi primeiramente escrito na Babilônia. Portanto, não é nenhuma surpresa que histórias sumérias e mesopotâmicas tenham se imiscuído à antiga tradição cultural judaica - incluindo relatos sobre o Jardim do Éden (o paraíso de Eridu), o Dilúvio e a Torre de Babel. O patriarca Abraão tinha migrado para Canaã, vindo de Ur dos caldeus (na Mesopotâmia), de modo que a fusão cultural era justificável; mas permanece o fato de que as histórias como de Adão e Eva de modo algum se restringiam à tradição hebraica. Nesse sentido, suas vidas e relevância histórica são discutidas extensivamente no livro Genesis of the Graal Kings.

Versões alternativas à versão bíblica de Adão e Eva podem ser encontradas nos escritos dos gregos, sírios, egípcios, sumérios e abissínios (antigos etíopes). Alguns relatos falam da primeira consorte de Adão, Lilith, antes de ele cair nos encantos de Eva. Lilith era serva da Sekiná e abandonou Adão porque ele tentou dominá-la. Fugindo para o mar Vermelho, ela gritou "Por que devo me deitar sob ti? Sou tua igual!" Um alto-relevo em terracota sumério, mostrando Lilith (aproximadamente de 2000 a.C.), retrata-a nua e alada, de pé sobre as costas de dois leões e segurando os bastões e anéis do governo divino e da sabedoria. Apesar de não ser uma deusa no sentido tradicional, seu espírito encarnado teria florescido na mais renomada amante de Salomão, a rainha de Sabá. Lilith é descrita no livro sagrado dos mandaens esotéricos do Iraque como a filha do Submundo e, por toda a história até os dias atuais, ela tem representado a ética fundamental da oportunidade da mulher.

Quando os israelitas retomaram da Babilônia para Jerusalém, os cinco primeiros Livros de Moisés foram compilados na Tora (a Lei) judaica. O resto do Antigo Testamento foi, entretanto, mantido separado. Durante muitos séculos, ele foi considerado sob diferentes graus de veneração e suspeito, mas, com o tempo, o livro dos Profetas se tomou especialmente significativo para o estabelecimento da herança judaica. O principal motivo para hesitação era que, embora os judeus fossem vistos como o povo escolhido de Deus, Javé não os tinha tratado de maneira muito gentil. Ele era seu Senhor tribal todo-poderoso e prometera ao patriarca Abraão exaltar a raça deles acima de todas as outras. E, no entanto, apesar de tudo isso, tiveram de enfrentar guerras, fome, deportação e cativeiro! Para contrabalançar as crescentes decepções da nação, os Livros dos Profetas reforçaram a promessa de Javé, anunciando a vinda de um Messias, como Rei ou Sacerdote ungido e que serviria ao povo, conduzindo-o à salvação.

Essa profecia era suficiente para garantir a reconstrução do Templo de Salomão e a Muralha de Jerusalém, mas não surgiu nenhum salvador messiânico. O Antigo Testamento termina nesse ponto no século IV a.c. Entretanto, a linhagem de Davi continuava, embora não ativamente reinando. E então, mais de 300 anos depois, começou um capítulo inteiramente novo da história soberana, quando o revolucionário herdeiro de Judá corajosamente se lançou no domínio público. Era Jesus Nazareno, o Rei de jure de Jerusalém.

 

                     HERANÇA DO MESSIAS

O Novo Testamento retoma a história nos últimos anos antes de Cristo. Mas o período intermediário e não relatado foi imensamente importante, pois montou a cena política na qual o aguardado Messias faria a sua entrada.

A era começou com a ascensão ao poder de Alexandre, o Grande, da Macedônia, que derrotou o imperador persa Dario em 333 a.C. Após destruir a cidade de Tiro, na Fenícia, ele marchou para o Egito e construiu sua cidadela de Alexandria. Com controle total do império persa, Alexandre prosseguiu pela Babilônia, dirigindo-se ainda mais para o leste, até finalmente conquistar o Punjab. Quando morreu prematuramente em 323 a.C., seus generais assumiram o controle. Ptolomeu Soter tomou-se o governador do Egito e Selêuco foi governar a Babilônia, enquanto Antígono dominou a Macedônia e a Grécia. Na virada do século, a Palestina também foi anexada ao Império de Alexandre.

Nesse ponto, uma nova força crescia na Europa: a República de Roma. Em 264, os romanos expulsaram os govemantes cartagineses da Sicília capturando também Córsega e Sardenha. O grande general cartaginês Aníbal retaliou, tomando Saguntum (atualmente na Espanha); e avançou com suas tropas pelos Alpes, mas foi impedido pelos romanos em Zama. Enquanto isso, Antíoco m (um descendente do general macedônio Selêuco) tomou-se rei da Síria. Até 198 a.C., ele já tinha se livrado das influências egípcias para se tomar mestre da Palestina. Seu filho, Antíoco IV Epífanes, ocupou Jerusalém - imediatamente provocando uma revolta liderada pelo sacerdote Judas Macabeu. Ele foi morto em batalha, mas os macabeus conquistaram a independência israelita em 142 a.C.

Numa luta contínua, os exércitos romanos destruíram Cartago e formaram a nova província de Roma do Norte da África. Outras campanhas deixaram a Macedônia, a Grécia e a Ásia Menor sob controle romano. Mas as disputas eclodiam em Roma porque as guerras de Cartago (ou púnicas) tinham arruinado os fazendeiros da Itália enquanto, ao mesmo tempo, enriqueciam a aristocracia, que construía grandes propriedades utilizando trabalho escravo. O líder democrata Tibério Graco adiantou propostas para uma reforma agrária em 133 a.C., mas foi assassinado pelo partido senatorial. Seu irmão assumiu a causa dos fazendeiros e também foi assassinado, sendo a liderança democrática passada para o comandante militar Caio Mário.

Em 107 a.C., Caio Mário era cônsul de Roma. Mas o Senado encontrou um campeão próprio: Lúcio Cornélio Sula, que depôs Mário e se tornou ditador em 82 a.C. Seguiu-se um horrível reinado de terror até o estadista democrata e general Caio Júlio César ganhar popularidade e ser devidamente eleito para o mais importante posto em 63 a.C.

Naquele mesmo ano, as legiões romanas marchavam até a Terra Santa, que já se encontrava em estado de tumulto sectário. Os fariseus, que observavam as antigas leis judaicas, bem mais estritas, tinham se revoltado contra a cultura grega, mais liberal. Fazendo isso, eles se opunham também à casta sacerdotal dos saduceus, e o ambiente intranqüilo deixava a região vulnerável a invasões. Vendo a oportunidade, os romanos, sob a liderança de Pompeu Magno (Pompeu, o Grande), subjugaram a Judéia e tomaram Jerusalém, tendo anexado a Síria e o resto da Palestina.

Enquanto isso, a hierarquia romana também sofria seus reveses. Júlio César, Pompeu e Crasso formaram o primeiro Triunvirato governante em Roma, mas sua administração conjunta sofreu quando César foi enviado à Gália enquanto Crasso supervisionava a situação em Jerusalém. Em sua ausência, Pompeu mudou suas tendências políticas, desertando os democratas e juntando-se aos aristocratas republicanos. Com o retorno de César, eclodiu a guerra civil. César foi o vitorioso ~m Fársalo, na Grécia, e acabou obtendo total controle das províncias imperiais quando Pompeu fugiu para o Egito.

Até aquela época, a rainha Cleópatra VII governava o Egito ao lado de seu irmão Ptolomeu XIII. Entretanto, César visitou Alexandria e conspirou com Cleópatra, que mandou assassinar o próprio irmão e começou a governar sozinha. César prosseguiu com suas campanhas na Ásia Menor e no Norte da África, mas ao retomar a Roma em 44 a.C. foi assassinado pelos republicanos nos idos de março. Seu sobrinho Caio Otávio formou um segundo Triunvirato com o general Marco Antônio e o estadista Marco Lépido. Otávio e Marco Antônio derrotaram os principais assassinos de César, Bruto e Cássio, em Filipe, na Macedônia, mas Marco Antônio abandonara sua esposa Otávia (irmã de Otávio) para ficar com Cleópatra. Isso levou Otávio a declarar guerra contra o Egito, vencendo na Batalha de Actium, o que levou ao suicídio de Marco Antônio e Cleópatra.

A Palestina, nesse ponto, era composta de três províncias separadas: Galiléia, ao norte, Judéia, ao sul e Samaria entre as duas. Júlio César tinha colocado o idumeu Antipater como Procurador da Judéia, com seu filho Herodes como governador da Galiléia, mas Antipater foi morto pouco depois, e Herodes foi chamado a Roma para ser nomeado rei da Judéia.

Para a maioria de seus súditos, Herodes era um usurpador árabe. Ele tinha se convertido a uma forma de Judaísmo, mas não era da sucessão de Davi. Na prática, a autoridade de Herodes se confinava à Galiléia,já que a Judéia era governada pelo procurador romano na Cesaréia. Entre os dois, o regime era rigoroso ao extremo, e mais de 3.000 crucificações sumárias foram feitas para forçar a população à submissão. Impostos proibitivos eram cobrados, a tortura se tornara uma prática comum e a taxa de suicídio entre os judeus subia de maneira alarmante.

Foi em meio a esse ambiente brutal que Jesus nasceu: um clima de opressão controlado por um monarca-marionete, apoiado por uma força ocupacional militar altamente organizada. Os judeus viviam desesperados pelo seu tão aguardado Messias ("Ungido" - do verbo hebraico maisach, "ungir"), mas nem se pensava que tal Messias fosse divino. O que as pessoas esperavam era um libertador que usasse a força para garantir-lhes a liberdade dos senhores romanos. Entre os famosos Pergaminhos do Mar Morto, o texto conhecido como a Regra de Guerra determina uma estratégia para a batalha final, chamando o Messias de comandante militar supremo de Israel.

 

               PERGAMINHOS RETRATADOS

Os Pergaminhos do Mar Morto são atualmente os recursos mais úteis para compreendermos a cultura judaica da era anterior aos evangelhos, mas foram descobertos por acaso em 1947. Um pastorzinho beduíno, Mohammed ed-Di'b, estava procurando uma cabra perdida nas cavernas de um penhasco de Qumrã, perto de Jericó, quando encontrou um número de antigos e altos potes de terra. Foram chamados arqueólogos profissionais e feitas escavações - não só em Qurnrã, mas também em Muraba e Mird, nas proximidades, e no deserto da Judéia. Muitos outros foram descobertos em 11 cavernas diferentes. Ao todo, os potes continham 500 manuscritos árabes e aramaicos - entre eles, escritos do Antigo Testamento e numerosos documentos de registros das comunidades, com algumas de suas tradições remontando a cerca de 250 a.C. Os Pergaminhos tinham sido escondidos durante a Revolta dos Judeus contra os romanos (entre 66 e 70 d.C.) e jamais recuperados. O livro do Antigo Testamento de Jeremias (32:14) Diz profeticamente: "Assim diz o Senhor dos Exércitos: Toma esta escritura... Tanto a selada como a aberta, e mete-as num vaso de barro, para que se possam conservar por muitos dias.

Entre os textos mais importantes dos manuscritos, o Pergaminho de Cobre traz um inventário, dando as localizações dos tesouros de Jerusalém e do cemitério do vale de Cedrom. O Pergaminho da Guerra contém um relato completo de táticas e estratégias militares. O Manual da Disciplina especifica as leis e a prática legal junto ao ritual habitual e descreve a importância de um Conselho dos Doze, designado para preservar a fé da terra. O fascinante Habacuc Pesher faz um comentário sobre as personalidades contemporâneas e desenvolvimentos importantes da época. Também faz parte da coleção um manuscrito completo de Isaías que, com cerca de 9 metros de comprimento, é o pergaminho mais longo, séculos mais velho que qualquer outro documento conhecido dos livros do Antigo Testamento.

Para complementar essas descobertas, outro achado significativo da era anterior aos Evangelhos tinha sido feito dois anos antes. Em dezembro de 1945, dois irmãos camponeses, Mohammed e Khalifah. Ali, estavam escavando em busca de fertilizantes num cemitério perto da cidade de Nag Hammadi, quando encontraram um grande pote selada contendo livros encadernados com couro. As folhas de papiro dos livros continham um sortimento de escrituras, compostas na tradição que futuramente seria conhecida como gnóstica (visão esotérica). Obras inerentemente cristãs, mas com tons judaicos, elas ficaram conhecidas como a Biblioteca de Nag Hammadi.

Os livros foram escritos na antiga língua cóptica do Egito, durante os primeiros anos da era cristã. O Museu Cóptico em Cairo certificou que eram, na verdade, cópias de obras muito mais velhas, originalmente compostas em grego. De fato, descobriu-se que alguns dos textos tinham origens muito remotas, incorporando tradições anteriores ao ano de 50 d.C. Os 52 tratados separados incluem vários textos religiosos e alguns Evangelhos até então desconhecidos. Eles costumam retratar um ambiente muito diferente daquele descrito na Bíblia. Sodoma e Gomorra, por exemplo, não são apresentadas como centros de perversidade e lascívia, mas como cidades de grande sabedoria e cultura. Servindo mais ao nosso propósito aqui, eles descrevem um mundo no qual Jesus narra pessoalmente a Crucificação e seu relacionamento com Maria Madalena atinge novas e elucidativas proporções.

 

A revolução em 168 a.C., na qual a casta sacerdotal dos Macabeus chegou à proeminência, foi grandemente impulsionada pela ação do rei Antíoco IV Epífanes da Síria, que impôs um sistema de culto grego à comunidade judaica. Posteriormente, os Macabeus consagraram o Templo novamente, mas, apesar do sucesso dos judeus contra Antíoco, muito dano social interno fora causado porque a campanha os tinha obrigado a lutar no sabá. Um núcleo de rigorosos judeus devotos conhecidos como os Hassídicos ("os piedosos") se opunha fortemente a isso e, quando a triunfante Casa dos Macabeus assumiu o controle e colocou seu rei e sumo sacerdote em Jerusalém, os hassídicos não só expressaram sua oposição, mas também saíram em massa da cidade para estabelecer sua comunidade "pura" nas proximidades do deserto de Qumrã. O trabalho de construção foi iniciado em 130 a.C.

Muitas relíquias da época já foram descobertas e, na década de 1950, mais de mil covas foram desenterradas em Qumrã. Um vasto complexo monástico da segunda habitação também foi exposto, com salas de reuniões, bancos de gesso, uma enorme cisterna de água e um labirinto de canais de água. Na sala dos escrivões havia poços de tinta e os vestígios das mesas onde os Pergaminhos eram estendidos - alguns com mais de cinco metros de comprimento. Foi confirmado por arqueólogos e estudiosos que o assentamento original fora danificado num terremoto e reconstruído pelos essênios no fim da era herodotiana. Os essênios formavam uma das três principais seitas judaicas filosóficas (as outras duas sendo os fariseus e os saduceus).       .

Muitos manuscritos bíblicos foram encontrados em Qumrã, relacionados a livros como Gênesis, Êxodo, Deuteronômio, Isaías, Jó e outros. Há também comentários a respeito de textos selecionados e vários documentos de leis e registros. Entre esses antigos livros estão alguns dos mais antigos escritos já encontrados, precedendo a qualquer fonte de onde a Bíblia tradicional tenha sido traduzi da. De particular interesse são certos comentários bíblicos compilados pelos escrivães que relacionam os textos do Antigo Testamento aos eventos históricos de sua própria época.Tal correlação é especialmente visível no comentário dos escrivães sobre os Salmos e alguns livros proféticos como Naum, Habacuc e Oséias.

A técnica aplicada para relacionar desse modo esses escritos do Antigo Testamento à era no Novo Testamento se baseava no uso do "conhecimento escatológico" - uma forma de representação codificada que usava palavras e passagens tradicionais às quais eram atribuídos significados especiais e relevantes ao entendimento contemporâneo. Esses significados só podiam ser compreendidos por aqueles que conheciam o código.

Os essênios eram treinados no uso desse código alegórico, que ocorre nos textos do Evangelho, particularmente em relação àquelas parábolas transmitidas pelas palavras "quem tem ouvidos para ouvir, ouça". Quando, os escrivães se referiam aos romanos, por exemplo, escreviam sobre os Kittim - ostensivamente um nome para os povos da costa mediterrânea, termo que também era usado para denotar os antigos caldeus, que o Antigo Testamento descreve como "os caldeus, nação amarga e impetuosa, que marcham pela largura da terra, para apoderar-se de moradas que não são suas" (Habacuc 1:6). Os essênios ressuscitaram a velha palavra e a usaram em sua época, e os leitores esclarecidos sabiam que Kittim era sempre uma referência aos romanos.

Para que os Evangelhos não fossem compreendidos pelos romanos, eles foram, em grande parte, construídos com camadas duplas de significado (escritura evangélica na superfície e informação política por baixo), e as mensagens cuidadosamente dirigidas geralmente se baseavam em códigos de substituição passados pelos escrivães. Entretanto, um conhecimento básico do código só se tornou acessível quando os Pergaminhos do Mar Morto foram descobertos recentemente. A partir de então, o entendimento da técnica críptica propiciou maior compreensão da inteligência política velada nos textos dos Evangelhos. O mais extenso trabalho nesse campo é o de uma renomada teóloga, a Dra Bárbara Thiering, conferencista da Universidade de Sydney, a partir de 1967.

A Dr Thiering explica o código de forma muito clara. Jesus, por exemplo, era citado como "a palavra de Deus". Assim, uma passagem superficialmente rotineira como em 2 Timóteo 2:9: "A palavra de Deus não está algemada" seria imediatamente compreendida como uma referência a Jesus - nesse caso indicando que Jesus não estava confinado. De modo semelhante, o imperador romano era chamado de Leão. Portanto, ser "salvo da boca do leão" significava escapar das garras do imperador e de seus oficiais.

O estudo dos Pergaminhos - particularmente o Pesharim, o Manual da Disciplina, a Regra da Comunidade e a Liturgia Angélica revela um número de definições em código e pseudônimos que costumavam ser mal compreendidos ou não considerados importantes. Por exemplo, os "pobres" não eram os cidadãos atingidos pela pobreza e marginalizados, e sim aqueles que tinham sido iniciados nos escalões mais altos da comunidade e, por causa disso, eram obrigados a abandonar suas propriedades e posses mundanas. "Muitos" era um título usado para os líderes da comunidade celibatária, enquanto "multidão" era uma designação do tetrarca (governador) regional e uma "concentração de gente" era um conselho governante. Os noviços no estabelecimento religioso eram chamados de "crianças" (filhos). O tema doutrinal da comunidade era conhecido como o Caminho e aqueles que seguiram os princípios do Caminho eram conhecidos como os Filhos da Luz.

O termo "leprosos" costumava ser usado para denotar aqueles que não tinham sido iniciados na comunidade superior, ou por ela denunciados. Os "cegos" eram aqueles que não partilhavam do Caminho e, portanto, não viam a Luz. Nesse sentido, os textos mencionando "cura de um cego ou cura de um leproso" referem-se mais especificamente ao processo de conversão ao Caminho. Livrar-se da excomunhão era descrito "ser ressuscitado" (um termo especialmente importante, ao qual retomaremos). A definição de "impuro" se referia principalmente aos gentios não circuncidados, enquanto o termo "doente" denotava as pessoas caídas em desgraça pública ou clerical.

Tais informações, ocultas no Novo Testamento, tinham considerável relevância quando foram escritas, e continuam tendo. Os métodos de disfarçar as verdadeiras significações incluíam alegoria, simbolismo, metáfora, símile, definição sectária e pseudônimos. Os significados ficavam totalmente claros, porém, para aqueles que "tinham ouvidos para ouvir".

Há, de fato, muitas formas semelhantes de jargão nas línguas modernas. Pessoas não totalmente familiarizadas com o português, por exemplo, podem ter dificuldade em entender expressões como "o Orador se dirigiu ao Gabinete", "os presentes se opuseram ao painel". Também nos termos do Novo Testamento, havia uma linguagem esotérica, que incluía nuvens, ovelhas, peixes, pães, corvos, pombas e camelos. Todas essas classificações eram pertinentes, porque se referiam a pessoas - assim como hoje usamos tubarão, touro, urso, etc. Hoje em dia nos referimos aos artistas de cinema como "estrelas", enquanto os investidores no mundo do entretenimento são chamados de "anjos". Como um leitor do futuro, digamos daqui a 2.000 anos, sem conhecimento dessas expressões, entenderia a frase: "O anjo estava converSando com as estrelas"?

Além disso, alguns termos esotéricos no Novo Testamento não descreviam apenas o status social das pessoas, mas eram títulos com especial relevância à tradição do Antigo Testamento. A doutrina que a comunidade considerava sua mensagem-guia era a Luz, e essa era representada por uma triarquia de alto escalão (correspondendo, respectivamente, a Sacerdote, Rei e Profeta) que retinha os títulos simbólicos de Poder, Reino e Glória. No patriarcado, o Pai era supremo e seus dois assistentes imediatos eram designados como seu Filho e seu Espírito.

 

                         ARMAGEDON

Alguns dos registros não-bíblicos mais importantes da era do Novo Testamento foram preservados nos escritos de Flávio Josefo, cujas obras Antiguidades Judaicas e Wars of the Jews foram escritas sob um ponto de vista pessoal, pois ele era o comandante militar na defesa da Galiléia durante a Revolta dos Judeus no primeiro século da era cristã.

Josefo explica que os essênios eram muito bem treinados na arte da cura e receberam seus conhecimentos terapêuticos sobre raízes e pedras dos antepassados. Realmente, o termo essênio pode se referir a essa especialidade, pois a palavra aramaica asayya significava médico e correspondia ao termo grego essenoi.

Uma crença fundamental dos essênios era que o Universo continha os dois espíritos cardeais de Luz e Escuridão. A Luz representava a verdade e a justiça, enquanto a Escuridão indicava a perversidade e o mal. O equilíbrio entre as duas no Cosmos era alcançado pelo movimento celestial, e as pessoas recebiam iguais proporções de cada espírito, conforme determinado pelas circunstâncias planetárias de seu nascimento. A batalha cósmica entre Luz e Escuridão era, assim, perpetuada na humanidade e entre uma pessoa e outra: algumas continham proporcionalmente mais Luz; outras, mais Escuridão.

Deus era considerado o governante supremo, acima dos dois espíritos cardeais, mas, para encontrar o Caminho da Luz, era preciso seguir uma longa e árdua trilha de conflito. Essa trilha culminava num confronto final de uma força contra outra num Tempo de Justificativa, posteriormente chamado de Dia do Julgamento. Acreditava-se que, à medida que esse momento se aproximava, as forças da Escuridão ganhavam forças durante um Período de Tentação. Aqueles que seguiam o Caminho da Luz se esforçavam para evitar a impendente avaliação, com a súplica "Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal".

Pela tradição, o Espírito da Escuridão era identificado com Belial (indigno), cujos filhos (Deuteronômio 13:13) veneravam outros deuses que não Javé. O Espírito da Luz era sustentado pela hierarquia e simbolizado por um castiçal de sete braços, o Menorá. Na época dos reis descendentes de Davi, o sacerdote de Zadoque era considerado o principal proponente da Luz.

Mas assim como o Espírito de Luz tinha seu representante na Terra, o da Escuridão também tinha. Era uma nomeação designada pelo Chefe dos Escrivães, cujo propósito era fornecer uma oposição formal dentro da estrutura hierárquica. Uma responsabilidade prioritária do designado Príncipe das Trevas era testar as iniciadas com o celibato, capacidade que lhe conferia o título hebraico de satanás ("Acusador"). O título equivalente em grego era diabolos ("Agressor"), originando a palavra "diabo" ou, em inglês, devil (a voz de satanás não era diferente da do advogado do diabo, que tenta os candidatos potenciais à canonização na Igreja Católica Romana).

No livro do Apocalipse (16:16), a grande guerra final entre Luz e Escuridão (entre o bem e o mal) é prevista para acontecer em Armagedon (Bar Megiddo: os Altos de Megido), um importante campo de batalha palestino, onde uma fortaleza militar guardava as planícies de Jezreel, ao sul das colinas da Galiléia. O Pergaminho da Guerra descreve em detalhes a iminente luta entre os Filhos da Luz e os Filhos da Escuridão.46 As tribos de Israel ficariam de um lado, com os Kittim (romanos) e várias facções do outro. No contexto dessa guerra intensa, porém, não há menção de um satanás onipotente - esse tipo de imagem mítica não fazia parte da visão que a comunidade tinha do Juízo Final. O conflito seria uma questão puramente mortal entre a Luz, que era Israel, e a Escuridão da Roma Imperial.

Muito tempo depois, a noção fundamental por trás desse antigo conceito foi adaptada pela emergente Igreja de Roma. A batalha simbólica de Bar Megiddo foi removida de sua localização específica e reaplicada a uma escala mundial, com Roma (a Escuridão) usurpando a Luz para seus propósitos. Para que o poder dos bispos católicos prevalecesse, foi estrategicamente declarado que o Dia do Juizo Final ainda não chegara. Aqueles que obedecessem aos princípios revisados da Igreja Católica Romana tinham a promessa de entrar no Reino dos Céus, santificados pelos bispos. A fortaleza local e temporal de Har Megiddo foi, portanto, investi da de toques sobrenaturais, de modo que a própria palavra Armagedon adquiriu um hediondo tom de terror apocalíptico. Implicava o temível fim de todas as coisas, de onde a única rota até a salvação era a absoluta obediência aos princípios de Roma. Foi, de fato, uma das mais engenhosas manobras políticas de todos os tempos.

 

           JESUS, FILHO DO HOMEM

           A CONCEPÇÃO IMACULADA

Os Evangelhos do Novo Testamento são escritos de maneira que não é comum em nenhum outro tipo de literatura. Entretanto, seu método de construção não foi acidental, pois eles tinham um propósito específico e não pretendiam relatar fatos históricos. O objetivo dos Evangelhos era transmitir uma mensagem evangélica (grego: eu-aggelos - "trazer boas notícias"). A palavra inglesa Gospel (evangelho) é uma tradução anglo-saxônia do grego, significando exatamente a mesma coisa.

O Evangelho original de Marcos foi escrito em Roma, por volta de 66 d.C. Clemente de Alexandria, o clérigo do século II, confirmou que ele fora divulgado numa época em que os judeus da Judéia se revoltavam contra a ocupação romana e estavam sendo crucificados aos milhares. O autor do Evangelho, portanto, obviamente se preocupava com a própria segurança e não podia apresentar um documento que fosse abertamente anti-romano; sua missão era espalhar as Boas Novas, não criar motivo para a condenação delas. O Evangelho de Marcos era uma mensagem de apoio fraterno, uma promessa de salvação independente para aqueles que viviam sob o jugo do domínio sufocante de Roma. Tal previsão de liberdade tranqüilizava o espírito das pessoas e aliviava parte da pressão dos governantes, cuja subjugação era sentida em todo o império.

Subseqüentemente, o Evangelho de Marcos se tomou uma fonte de referência para os Evangelhos de Mateus e Lucas, cujos autores se estenderam bem mais no tema. Por esse motivo, os três são conhecidos juntamente como os Evangelhos Sinópticos (grego: syn-optikos - "[ver] com os mesmos olhos"), embora se contradigam em alguns aspectos.

O Evangelho de João difere dos outros em conteúdo, estilo e conceito, sendo influenciado pelas tradições de uma seita comunitária específica. Ele não é, portanto, nem um pouco ingênuo em seu relato da história de Jesus e, conseqüentemente, teve seus seguidores, que preservaram a distinção entre ele e os Evangelhos Sinópticos. João também inclui inúmeros pequenos detalhes que não aparecem em outros lugares: um fator que levou muitos estudiosos a concluir que é um testemunho mais apurado, em termos gerais.

O primeiro Evangelho publicado, o de Marcos, não menciona a Concepção Imaculada. Os Evangelhos de Mateus e Lucas a destacam com variados graus de ênfase, mas a Concepção é totalmente ignorada em João. No passado, como agora, os clérigos, estudiosos e professores lidavam com a dificuldade de analisar o material variante, o que resultou em escolhas de crença baseadas num grupo de documentos que são muito vagos em determinadas partes. Conseqüentemente, alguns pedaços foram extraídos de cada Evangelho, a ponto de se criar um pseudo-evangelho totalmente novo. Aos estudantes se diz simplesmente que "a Bíblia diz isso", ou "a Bíblia diz aquilo". Para' estudar a Concepção Imaculada, os estudantes da Bíblia são instruídos a procurar Mateus e Lucas. Quanto a outros aspectos, a instrução é que se recorra ao Evangelho ou aos Evangelhos respectivos, como se todos fossem capítulos constituintes da mesma obra geral, quando, na verdade, não são.

Com o passar dos séculos, várias especulações sobre conteúdo bíblico se tomaram interpretações, sendo estabelecidas como dogmas pela Igreja. As doutrinas emergentes foram integradas à sociedade como se fossem fatos positivos. Alunos em escolas e igrejas raramente aprendem que Mateus dizia que Maria era virgem, mas Marcos não; ou que Lucas menciona a manjedoura onde Jesus foi colocado, enquanto os outros Evangelhos não; ou ainda que nenhum dos Evangelhos faz a mais vaga referência a um estábulo, que se tomou parte integrante da tradição popular. O ensinamento seletivo dessa espécie não se aplica só à Natividade em Belém, mas a muitos incidentes na vida conhecida de Jesus. As crianças cristãs aprendem uma história sutilmente compilada, que extrai os traços mais interessantes de cada Evangelho e os une num único conto bem elaborado, que nunca foi escrito.

O conceito da Concepção Imaculada, ou do nascimento imaculado de Jesus, é o verdadeiro âmago da tradição cristã ortodoxa. Mesmo assim, é mencionado apenas em dois dos quatro Evangelhos e em nenhum outro lugar no Novo Testamento. Em Mateus 1:18-23, lemos:

 

"Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente.

Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: 'José, filho de Davi, não temas receber Maria,tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles'.

Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus conosco."

 

O profeta mencionado é Isaías, que, em 735 a.C., quando Jerusalém se encontrava sob ameaça da Síria, proclamou ao perturbado rei Acaz: "Ouvi, agora, ó casa de Davi... Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel" (Isaías 7:13-14).41 Mas não há indicação alguma de que Isaías estivesse prevendo o nascimento de Jesus, mais de 700 anos atrás. Essa revelação de nada teria servido a Acaz, em seus momentos de desespero. Como muitos exemplos no Novo Testamento, esse ilustra o modo como os eventos dos Evangelhos costumavam ser interpretados para se adequar às ambíguas profecias.

Fora isso, a compreensão popular do texto do Evangelho se baseia em muitos outros conceitos errôneos. A palavra semítica traduzida como "virgem" era almah, que na verdade significava apenas uma "mulher jovem". A palavra comparativa denotando uma mulher virgem era bethulah. Em latim, a palavra virgo significava simplesmente "não-casada" e, com a implicação da moderna conotação de "virgem", o substantivo latino teria de ser qualificado pelo adjetivo intacta (i.e., virgo intacta), dando a idéia de inexperiência sexua1.

A virgindade física atribuída a Maria se toma ainda menos crível em relação às afirmações católicas dogmáticas de que ela era "sempre virgem". Não é segredo que Maria teve outros filhos, como se confirma em cada um dos Evangelhos: "Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas?" (Mateus 13 :55). Tanto em Lucas 2:7 como em Mateus 1:25, Jesus é citado como "o primogênito de Maria". A citação acima de Mateus, além do mais, descreve Jesus como "o filho do carpinteiro" (ou seja, o filho de José) e Lucas 2:27 se refere claramente a José e Maria como os "pais" de Jesus. Tanto Mateus 13:56 como Marcos 6:3 indicam que Jesus também tinha irmãs.

 

A descrição de Jesus como filho de um carpinteiro é outro exemplo de como uma linguagem posterior interpretou erroneamente o significado original. Não é uma tradução deliberadamente errada, mas mostra como algumas raízes hebraicas e aramaicas, envoltas em textos gregos, não possuem termos correspondentes em outras línguas. O termo traduzido como "carpinteiro" representa o sentido muito vasto do antigo grego, ho tekton, que é equivalente à palavra semítica naggar. Como explicou o estudioso semítico Dr. Geza Vermes, essa palavra descritiva talvez possa ser aplicada a um trabalhador de oficio, mas é mais provável que defina um estudioso ou professor. Certamente não descrevia José como um artesão da madeira; definia-o, isto sim, como homem de habilidades - um homem instruído e mestre de uma profissão. Na verdade, as melhores traduções de ho tekton dizem respeito a um Mestre Artesão ou um Mestre da Arte: um termo ainda usado na Maçonaria livre moderna.

Do mesmo modo, a menção em Lucas do bebê Jesus sendo colocado numa manjedoura gerou o conceito da Natividade num estábulo, completa com todos os animais típicos e em reverência. Mas não há base para essa imagem; nenhum estábulo é mencionado nos Evangelhos originais ou autorizados. Na verdade, em Mateus 2:11 vemos claramente que o menino Jesus estava deitado dentro de uma casa: "Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram."

Devemos observar também que as palavras exatas usadas em Lucas 2:7 explicam que Jesus foi colocado numa manjedoura porque não havia lugar "na hospedaria", não "em toda a área da hospedaria", como se subentende (a despeito do fato de não existirem hospedarias na região). O autor e biógrafo A. N. Wilson especifica, porém, que o texto original grego (do qual o Novo Testamento foi traduzido) na verdade diz que não havia "topos na kataluma" - denotando que não havia “ lugar na sala". Na realidade, era comum usarem manjedouras (gamelas para alimentar animais) na falta de berço.

 

                   MATRIMÔNIO DINÁSTICO

De acordo com a citação em Hebreus 7:14, Jesus era da tribo de Judá. É evidente, portanto, que pertencia à linhagem do rei Davi. As escrituras também dizem que Jesus era de Nazaré, mas isso não significa que ele tenha vindo da cidade de Nazaré. Embora Lucas 2:39 sugira que a família de José fosse de Nazaré, o termo nazareno (ou nazireu) era estritamente sectário e nada tinha a ver com o lugar.

Em Atos 24:5, São Paulo é acusado de sedição religiosa diante do governador de Cesaréia: "Este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo, sendo também o principal agitador da seita dos nazarenos". O termo árabe para cristãos é Nasrani e o Alcorão islâmico se refere aos cristãos como Nasara ou Nazara. Essas variantes derivam do hebraico Nozrim, um substantivo plural originário da descrição Nazire ha-Brit (Mantenedores da Aliança), uma designação da comunidade essênia em Qumrã, no mar Morto.

Na verdade, há controvérsias quanto à real existência do lugar chamado Nazaré na época de Jesus, pois não aparece nos mapas contemporâneos nem em livros, documentos, crônicas ou registros militares do período, de compilação romana ou local. Mesmo São Paulo, que narra em suas cartas muitas das atividades de Jesus, não faz alusão a Nazaré. Pelo que se saiba, Nazaré (que não aparece no Talmude hebraico) não tinha a menor importância antes da destruição de Jerusalém em 70 d.C., muito tempo depois da crucificação de Jesus.

João Batista e o irmão de Jesus, Tiago, eram nazarenos; mas o termo sectário equivalente mais antigo, nazireu, pode ser encontrado nas figuras de Sansão e Samuel, do Antigo Testamento. Os nazireus eram indivíduos ascéticos comprometidos por votos rígidos durante períodos predeterminados, como se vê em Números 6:2-21. Na era dos Evangelhos, os nazireus eram associados à comunidade essênia de Qurnrã - o ambiente de José e Maria. A comunidade observava certas estritas disciplinas em relação a noivado e matrimônio dinástico; por isso, devemos nos referir à virgindade de Maria nesse contexto específico.

Tanto Mateus 1:18 como Lucas 2:5 afirmam que Maria estava "desposada" com José, e a partir de então ela é chamada de "mulher" dele. Nesse sentido, a palavra "desposada" não significa noiva; o termo se refere a um matrimônio contratual.

Mas em quais circunstâncias uma mulher casada seria também virgem? Para responder a essa pergunta, devemos nos referir à palavra semítica original almah - que foi traduzida como "virgem" (de virgo) e incorretamente interpretada como virgo intacta.

Como vimos, o real significado de almah era "jovem mulher" (sem conotação sexual). Era perfeitamente possível, portanto, que Maria fosse ao mesmo tempo almah e esposa de José. Vejamos novamente como Mateus descreve o momento em que José descobre a gravidez de Maria, e tinha de decidir se a esconderia ou não. Seria perfeitamente normal para uma mulher casada engravidar, mas não era o caso de Maria.

Como esposa de um marido dinástico, Maria deveria se guiar pelas regras aplicáveis às linhagens messiânicas (ungidas) como as do rei Davi e do sacerdote Zadoque. Na verdade, Maria estava vivendo um período de provação estatutária, como uma mulher casada da hierarquia dinástica (um período nupcial em que as relações sexuais eram proibidas) e José ficaria publicamente embaraçado caso a gravidez dela fosse revelada. A situação foi resolvida somente quando o sumo sacerdote de Abiatar (o designado Gabriel) concedeu aprovação para o confinamento.

Desde os tempos do rei Davi, a dinastia de Abiatar (2 Samuel 20:25) foi estabelecida na hierarquia dos sacerdotes superiores. A linhagem de Zadoque era a herança sacerdotal primária e a de Abiatar era a segunda. Além dos títulos sacerdotais tradicionais, os essênios também preservaram os novos dos arcanjos do Antigo Testamento em sua estrutura governante. Daí, o sacerdote de Zadoque era também o arcanjo Miguel, enquanto o sacerdote de Abiatar (independentemente de seu nome pessoal) seria o anjo Gabriel. Sendo subordinado a Zadoque/Miguel (o Senhor: "como Deus"), Abiatar/Gabriel era o anjo designado do Senhor (o embaixador do Miguel/Zadoque). Esse sistema angélico aparece em detalhes no Livro 1 de Enoque 4:9, enquanto o Pergaminho da Guerra 9:15-17 identifica a ordem dos anjos de classe sacerdotal durante a era dos Evangelhos.

No relato de Lucas, foi pela intermediação do anjo Gabriel que a gravidez de Maria recebeu aprovação, tomando-se conseqüentemente sagrada. Tal fato ficou conhecido como a Anunciação, mas se tratava mais de uma questão de sancionar do que anunciar.

Antes do nascimento de Jesus, o sumo sacerdote de Zadoque (Miguel) era Zacarias. Sua esposa era Isabel, a prima de Maria, e seu assistente, o sacerdote de Abiatar (Gabriel), era Simeão, o Essênio. Foi ele quem concedeu o consentimento formal para o confinamento de Maria, embora ela e José tivessem desobedecido às regras do matrimônio doméstico.

É evidente que essas regras domésticas não eram banais, e eram totalmente diferentes da norma marital judaica. Parâmetros de operação eram explicitamente definidos, ditando um estilo de vida celibatário, exceto para a procriação de filhos e, mesmo assim, a intervalos determinados. Três meses depois de uma cerimônia de noivado, um Primeiro Casamento era formalizado para que o período da vida conjugal começasse no mês de setembro. As relações físicas eram permitidas, então, mas só na primeira metade de dezembro. Isso era para garantir que qualquer nascimento messiânico resultante ocorresse no mês do Perdão (setembro). Se a noiva não concebesse, as relações íntimas eram suspensas até o próximo dezembro, e assim por diante.

Quando a esposa em período probatório tivesse concebido, um Segundo Casamento era realizado para legalizar o matrimônio. Entretanto, a noiva ainda era considerada almah até a completude do Segundo Casamento, o qual, segundo Flávio Josefo, jamais era celebrado até o terceiro mês de gravidez. O propósito dessa demora era permitir a possibilidade de um aborto espontâneo. Os Segundos Casamentos, portanto, ocorriam no mês de março. O motivo de um pleno matrimônio não ser realizado até que a gravidez estivesse comprovada era acomodar a mudança legal de mulher por parte do marido, caso a primeira fosse estéril.

No caso de José e Maria, nota-se que as regras do matrimônio dinástico foram infringidas, pois Maria deu à luz Jesus na época errada do ano (domingo, 1o. de março, 7 a.C.). A união sexual deve ter ocorrido seis meses antes do dezembro designado, em junho de 8 a.C. - mais ou menos na época do noivado inicial- uns três meses antes do Primeiro Casamento em setembro. E foi assim que Maria não só concebeu como almah, mas também deu à luz como alma, antes do Segundo Casamento.

Confirmada a gravidez não-autorizada de Maria, José teria a escolha de não prosseguir até a cerimônia do Segundo Casamento. Para evitar o embaraço, ele poderia ter deixado Maria em custódia monástica ("deixá-la secretamente", como em Mateus 1:19), em que a criança pródiga seria criada pelos sacerdotes.

Mas, se a criança fosse um menino, seria o primeiro descendente de José na sucessão de Davi. Não faria sentido criá-lo como um órfão não identificado, deixando um possível irmão mais novo para se tomar seu substituto na linhagem real. A criança não-nascida de José e Maria seja certamente uma perspectiva importante e exigia um tratamento especial de exceção à regra geral. Assim, o anjo Gabriel teria aconselhado que, já que um legado sagrado estava em jogo, José prosseguisse até o Segundo Casamento: "porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo" (Mateus 1:20).

Seguindo as instruções, as regras normais teriam sido aplicadas novamente - a primeira sendo que não haveria contato físico entre marido e mulher até a criança nascer: "Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus" (Ma teus 1:24-25). Só o que os autores dos Evangelhos tinham a fazer era envolver toda a seqüência num véu de enigma, e isso era possível graças à profecia de Isaías, no Antigo Testamento.

 

                 DESCENDÊNCIA DO REI DAVI

Por mais estranho que pareça, o Evangelho de Marcos (nos quais tanto Mateus como Lucas se basearam) não menciona a Natividade. João 7:42 alude ao nascimento em Belém, mas não como um evento misterioso. Tampouco João sugere que a concepção de Maria seja virginal. Na verdade, o Evangelho se refere somente à descendência de Davi por parte de Jesus: "Não diz a Escritura que o Cristo vem da descendência de Davi e da aldeia de Belém, donde era Davi?" Até o Evangelho de Mateus, que implica a noção da Concepção Imaculada, começa com a afirmação: "Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão".

A Epístola de Paulo aos Romanos 1:3-4 se refere a "Jesus Cristo, nosso Senhor, o qual segundo a carne, veio da descendência de Davi e foi designado Filho de Deus". Novamente em Marcos 10:47 e Mateus 22:42, Jesus é chamado de "filho de Davi". Em Atos 2:30, Pedro, referindo-se ao rei Davi, chama Jesus de "um de seus descendentes [que] se assentaria no seu trono".

Levando tudo isso em conta, a divindade de Jesus é figurativamente retratada, enquanto sua descendência de Davi ("um de seus descendentes") é insistentemente declarada como fato.66 De fato, Jesus geralmente referia a si próprio como o Filho do Homem (como em Mateus 16:13). Quando um sumo sacerdote lhe perguntou se ele era realmente o Filho de Deus, Jesus disse: "Tu o disseste" - implicando que o sacerdote é quem afirmara aquilo, não ele (Mateus 26:63-64). Em Lucas 22:70, Jesus respondeu em termos praticamente idênticos: "Então, disseram todos: tu és o Filho de Deus? E ele lhes respondeu: Vós dizeis que eu sou".

 

                 A DISPUTA MESSIÂNICA

Um dos principais problemas de Jesus era o fato de ele ter nascido num ambiente de controvérsias quanto à sua legitimidade. Foi por esse motivo que Maria e José o levaram a Simeão o Gabriel para legitimá-lo, segundo a Lei (Lucas 2:25-35). Apesar do esforço dos pais, Jesus provocou uma reação mista e os judeus se polarizaram em duas facções opostas quanto à questão de seu status legal na linhagem real. Ele fora concebido no momento errado do ano e nascera antes que o matrimônio de José e Maria fosse formalizado por seu Segundo Casamento. Seis anos depois, seu irmão Tiago nasceu dentro das regras do matrimônio dinástico e não havia dúvida quanto à sua legitimidade. Por isso, as facções opostas tinham cada uma o seu Messias.

Os helenistas Gudeus ocidentalizados) afirmavam que Jesus era o Cristo legítimo (grego: Christos - rei), enquanto os hebreus ortodoxos contestavam o título, atribuindo-o a Tiago. O argumento persistiu por muitos anos, mas, em 23 d.C., José (pai dos dois candidatos) morreu; tornou-se imperativo, então, resolver a disputa de uma maneira ou de outra.

Por meio de um longo costume prevalecente, os reis de Davi eram aliados dos sacerdotes dinásticos de Zadoque, e o Zadoque prevalecente era parente de Jesus: João Batista. Ele se destacara em 26 d.C. com a chegada do governador romano Pôncio Pilatos. João Batista pertencia à persuasão hebraica, mas Jesus era um helenista. Assim, João apoiava Tiago, embora reconhecesse Jesus como legítimo, batizando-o no Jordão. Foi por causa da atitude de João que Jesus percebeu que deveria partir para a ação, pois, se a perspectiva de um novo reino judaico ganhasse força, ele certamente perderia para seu irmão Tiago. Diante dessa situação, ele resolveu criar o próprio grupo organizado de seguidores: um grupo que não seguiria nenhuma política social convencional. Sua visão era clara, baseada na lógica de que uma nação judaica dividida jamais derrotaria o poder de Roma. Mas ele também percebia que os judeus não cumpririam sua missão se permanecessem separados dos gentios (não-judeus nativos). A ambição de Jesus pelo reino de Israel era a de uma sociedade harmoniosa, integrada, mas ficou mais do que frustrada com os judeus inflexíveis, de rígidos princípios hebraicos.

Jesus sabia muito bem que a tradição previa que um Messias conduziria o povo à salvação, e sabia como tal Messias era desesperadamente aguardado. João Batista era recluso demais para desempenhar essa função. Tiago, por sua vez, pouco fazia pelos próprios intentos, além de desfrutar o conforto de Caifás e o apoio de João Batista. Assim, de uma posição antes reservada, Jesus entrou para o domínio público, decidido a dar ao povo seu tão esperado Messias. Afinal de contas, ele era o primogênito de seu pai, independentemente do que os sacerdotes e políticos obstinados dissessem sobre o assunto. Em pouco tempo, ele juntou seus discípulos, nomeou os doze Apóstolos (delegados) e começou seu ministério. Com isso, buscou a aceitação num mundo onde ele não via divisão por classe, convicção ou fortuna - promovendo um ideal de serviço nobre que deixaria uma marca no tempo.

 

             A MISSÃO INICIAL

             QUEM FORAM OS APÓSTOLOS?

A despeito de toda a sua aparente humildade, há muito pouco para se dizer de cândido ou pacifista sobre Jesus. Ele sabia muito bem que sua tarefa o tomaria impopular com as autoridades. Não só os romanos viriam atrás deles, mas também os próprios governantes judeus, os líderes legais, o poderoso Conselho do Sinédrio. Mesmo assim, Jesus fez sua entrada como devia, afirmando desde o início: "Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada" (Mateus 10:34).

Sob tais circunstâncias, parece estranho que um grupo de homens trabalhadores abandonasse seu sustento para seguir um líder que anunciava: "Sereis odiados de todos por causa do meu nome" (Mateus 10:22). Não havia um Cristianismo formal a ser pregado naqueles primeiros tempos, e Jesus não prometia lucros nem status. Entretanto, os Evangelhos parecem indicar que seus seguidores abandonavam quaisquer atividades que exercessem e o seguiam cegamente até o desconhecido para se tomarem "pescadores de homens". Quem foram, afinal, esses misteriosos Apóstolos? Alguma coisa dos códigos dos escrivães de Qumrã pode ser aplicada aos textos, que tome a identidade e o propósito deles mais compreensíveis?

Lucas (6:13 e 10:1) nos diz que Jesus nomeou 82 seguidores ao todo; 70 destes ele enviou para pregar e doze fizeram parte de seu círculo imediato, seus Apóstolos. Não é segredo para nenhum estudante da Bíblia que os Apóstolos andavam armados, embora as escolas dominicais ensinem o contrário. De fato, Jesus quis garantir essa habilidade marcial desde o princípio de sua campanha, dizendo: "o que não tem espada, venda a sua capa e compre uma" (Lucas 22:36).

Os quatro Evangelhos concordam que Simão foi o primeiro recruta; três Evangelhos também mencionam seu irmão André. Mas há um desacordo entre João e os Evangelhos Sinópticos quanto à forma precisa como esse recrutamento ocorreu. Teria sido ou no Mar da Galiléia

(o lago de Genesaré), onde os dois consertavam redes, ou num ritual de batismo em Betabara, além do Jordão. Além disso, os relatos diferem novamente quanto a quem estava presente, na ocasião. João 1:28-43 diz que João Batista estava lá, enquanto Marcos 1:14-18 afirma que tudo aconteceu enquanto João Batista estava na prisão.

O relato no Evangelho de João é sem dúvida mais correto, pois os primeiros discípulos foram recrutados em março de 29 d.C. Em Antiguidades Judaicas, Flávio Josefo da Galiléia (nascido em 37 d.C.) indica que Jesus começou seu ministério no 15°. ano do reinado de Tibério César, ou seja, 29 d.C. João Batista só caiu em descrédito um ano mais tarde, em março de 30 d.C (como se vê em João 3:24). Foi executado pelo sucessor de Herodes, o Grande, Herodes Antipas da Galiléia, em setembro de 31 d.C.

Em Lucas 5:11, encontramos a história do recrutamento de Simão, como é contada no relato de Marcos, mas sem menção a André. Na cena seguinte, estão Tiago e João, os filhos de Zebedeu. Marcos e Lucas declaram, então, que Jesus alistou também Levi. Em Mateus, porém, o discípulo seguinte não se chama Levi, mas Mateus. Em João, um dos primeiros recrutas é Filipe, que teria vindo de Betsaida, a cidade natal de Simão e André. Filipe, por sua vez, trouxe Natanael de Canaã ao rebanho; e, a partir daí, nada mais se fala de recrutamentos individuais.

É explicado a partir desse ponto que Jesus reuniu todos os seus discípulos e dentre eles escolheu doze delegados pessoais. Certas anomalias se tomam aparentes. Levi desaparece, assim como Natanael; mas Mateus aparece em todas as listas. Os Evangelhos de Mateus e Marcos mencionam o nome de Tadeu como um dos doze, enquanto os outros Evangelhos não o fazem; mas Lucas e os Atos incluem Judas, o irmão de Tiago, entre os doze, embora ele não apareça nesse contexto em nenhum outro lugar. Em Mateus e Marcos, também somos apresentados a Simão, o Cananeu, descrito em Lucas e Atos como Simão, o Zelote.

Marcos narra o modo como Jesus deu a Simão, irmão de André, o nome de Pedro pouco após se conhecerem; mas Mateus e Lucas indicam que ele já tinha esse nome. Com João, aprendemos que Simão e André eram os filhos de João (não-relacionado) e que Jesus se referia a Tiago e João (os filhos de Zebedeu) como Boanerges, ou Filhos do Trovão. Em Marcos e Lucas, Levi, o publicano é descrito como "um filho de Alfeu", enquanto a lista dos recrutas finais inclui Tiago, outro filho de Alfeu. Tomás, um Apóstolo freqüente nos Evangelhos, é mencionado em João e Atos como Dídimo (o Gêmeo). Sobram, então, apenas Filipe, Bartolomeu e Judas Iscariotes, cada um qualificado por todos os autores dos Evangelhos.

É evidente que os Apóstolos não eram um grupo de altruístas passivos, que abandonaram tudo para se juntar a um líder carismático (embora tivesse descendência real). Os prospectos de Jesus eram desconhecidos e, naquele estágio, ele ainda não tinha conquistado reputação divina. É, portanto, evidente, que alguma coisa vital está faltando nos Evangelhos. Entretanto, como eles foram compilados para não despertar a suspeita dos senhores romanos, boa parte de seu conteúdo foi retratada em linguagem esotérica para um público que saberia ler as entrelinhas.

Em muitas ocasiões, nossa atenção se volta para passagens textuais específicas com as palavras: "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça" (como, por exemplo, em Marcos 4:9). Nesse sentido, entramos agora no esclarecedor mundo dos textos dos escrivães do Novo Testamento e, abrindo a porta para os Apóstolos, descobrindo o formidável papel de Jesus como descendente messiânico do rei Davi.

 

                    TIAGO E JOÃO

Jesus se referia a Tiago e João (os filhos de Zebedeu) pelo nome grego descritivo de Boanerges: os Filhos do Trovão (Marcos 3:17). Esse é um exemplo positivo de informação críptica dirigida aos iniciados. Trovão e Relâmpago eram os títulos de dois ministros de alto escalão do Santuário. Os títulos simbólicos derivavam de referências aos fenômenos do monte Sinai, descritos em Êxodo 19: 16, quando trovão e relâmpagos envolveram a montanha e Moisés subiu do acampamento J2ara se encontrar com Javé. O Santuário era um emblema do Tabernáculo (Êxodo 25:8) e o Santuário Essênio era no Monastério de Mird, a 14,4 quilômetros a sudeste de Jerusalém - local de uma antiga floresta sacerdotal.

O homem conhecido por Jesus como Trovão era Jônatas Anás, filho de Anano, o alto sacerdote saduceu de 6 a 15 d.C. Jônatas (significando o que Javé deu) também era chamado Natanael (Dádiva de Deus), sendo essencialmente o mesmo nome. Seu contraponto e rival político, conhecido como Relâmpago, era Simão, o Mago (também chamado de Zebedeu ou Zebadias, significando o que Javé tem dado), o líder influente dos magos samaritanos. Ele é mais bem conhecido nos Evangelhos como Simão o Cananeu ou Simão, o Zelote.

Então, seriam Tiago e João os filhos do Trovão (Jônatas Anás) ou os filhos do Relâmpago/Zebedeu (Simão, o Mago)? A resposta é que eram as duas coisas - não por nascimento, mas por distinção. Como Boanerges, Tiago e João eram filhos espirituais (representantes) dos sacerdotes de Anano; também recebiam instruções de Simão, que estava destinado ao mais alto posto patriarcal - o de Pai da comunidade.

Somos apresentados, assim, a uma imagem muito diferente do prestígio social dos Apóstolos. Mesmo Tiago e João, que são identificados como "pescadores", tomam-se proeminentes na sociedade helenista. Mas por que foram retratados (além de Simão-Pedro e André) num ambiente de barcos de pesca? É aqui que entra a versão alternativa de João, pois a pescaria simbólica era parte tradicional do ritual do batismo.

Os gentios que buscavam afiliação com as tribos judaicas podiam participar do batismo, mas não ser batizados na água. Embora se juntassem aos candidatos batismais judeus no mar, eles só tinham permissão de receber bênçãos sacerdotais após serem içados a bordo de barcos, em grandes redes. Os sacerdotes que realizavam o batismo eram chamados de "pescadores". Tiago e João eram pescadores ordenados, mas Simão-Pedro e André estavam entre os leigos (pegadores de peixe). Numa alusão ao seu ministério mais liberal, Jesus lhes prometeu promoção canônica, dizendo: "Eu vos farei pescadores de homens" (Marcos 1:17).

Os Apóstolos obviamente não eram um bando de devotos simplórios, mas um influente Conselho dos Doze, guiados pelo supremo líder Jesus, o Cristo. Só muito depois, o seu título real, Jesus Cristo (Rei Jesus), foi erroneamente interpretado como sendo um nome próprio. É bom lembrarmos aqui que o Manual de Disciplina de Qunrã especifica a importância de um Conselho dos Doze em preservar a fé da terra.

 

                           SIMÃO ZELOTE

Simão, o Mago (ou Zebedeu), era o chefe dos Magos Manassés do Oeste,11 uma casta sacerdotal de filósofos samaritanos que apoiavam a legitimidade de Jesus. Foram seus embaixadores (os Reis Magos) que visitaram o menino Jesus em Belém. Simão era um mestre do entretenimento, e os manuscritos sobre sua vida lidam com questões de cosmologia, magnetismo natural, levitação e psicocinesia. Ele era um defensor convicto da guerra com Roma, e se tornou conhecido como Simão Kananites (grego: o "fanático"). Posteriormente, o nome seria traduzido erroneamente como Simão, o Cananeu.

Como Apóstolo de Jesus, Simão era sem dúvida o mais proeminente em termos de status social, mas era também um vivaz comandante zelote, e costuma ser chamado de Simão Zelote, ou Simão, o Zelote. Os zelotes eram lutadores da paz militantes decididos a se vingar dos romanos que tinham usurpado sua herança e seu território. Para as autoridades romanas, porém, os zelotes eram simplesmente lestai (bandidos).

Os Apóstolos, então, já assumem uma identidade mais feroz que a imagem costumeira que temos deles, mas seu propósito permanece o mesmo: apoiar e defender seus conterrâneos oprimidos, eles próprios, uma elite. Na maioria, eram sacerdotes, terapeutas e professores treinados; podiam exibir qualidades misericordiosas de cura e se apresentar como oradores de grande sabedoria e boa vontade.

 

                     JUDAS ISCARIOTES

Outro líder nacionalista bem nascido e de renome foi Judas, chefe dos escrivães. Os Pergaminhos do Mar Morto foram produzidos sob sua orientação e a de seu predecessor, o feroz Judas da Galiléia, fundador do movimento zelote. Afora essa base acadêmica, o Apóstolo Judas era o chefe tribal dos Manassés do Leste e um mestre de guerra de Qumrã. Os romanos tinham um apelido para ele: Judas Sicário (a sica era uma adaga curvada, mortal). A forma grega do apelido era Sikariotes (homem da adaga), e sua adaptação para Sicariote acabou se convertendo em "lscariotes". Embora sempre mencionado no fim das listas apostólicas, Judas Iscariotes seria o segundo, só perdendo para Simão Zelote.

 

                       TADEU, TIAGO E MATEUS

Tadeu é descrito como um "filho de Alfeu" e também é chamado de Judas (Theudas) em dois dos Evangelhos. Ele era um líder influente da comunidade e também um comandante zelote. Durante mais de cinqüenta anos, desde 9 a.C., Tadeu foi líder do Terapeutato, uma ordem ascética que evoluíra durante a ocupação egípcia de Qumrã. Tadeu era um confederado do pai de Jesus, José, e participou da revolta popular contra Pôncio Pilatos em 32 d.C.

Tiago, mencionado como outro "filho de Alfeu" , era na realidade Jônatas Anás, líder do Partido do Trovão. O nome James (Tiago, em inglês) é uma variante inglesa do nome Jacó, e o título nominal de Jacó era o título patriarcal de Jônatas. Assim como os nomes dos anjos e arcanjos eram preservados no sacerdócio superior, também os nomes patriarcais eram preservados pelos anciãos da comunidade. Estes eram liderados por um triunvirato de indivíduos especialmente nomeados, aos quais se aplicavam os nomes titulares de Abraão, Isaac e Jacó. Nesse contexto, Jônatas Anãs foi o patriarca Jacó por algum tempo (equivalente a James ou Tiago).

Quanto a Mateus (também chamado de Levi), ele também é descrito como um "filho de Alfeu". Na verdade, tratava-se de Mateus Anas (irmão de Jônatas) - sucessor como sumo sacerdote a partir de 42 d.C., até ser deposto por Herodes Agripa I. Mateus tinha profundo interesse na promoção da obra de Jesus e apoiava ativamente o Evangelho divulgado sob seu nome. Como sucessor de Jônatas, ele foi o chefe dos sacerdotes levitas e tinha o título nominal de Levi. Era também um publicano nomeado (funcionário fiscal de Jerusalém), responsável pela coleta de taxas dos judeus da Diáspora, assentados fora de sua terra natal, mas ainda passíveis de taxação. A renda da Ásia Menor era coletada pelos levitas e depositada na Tesouraria em Jerusalém. "Partindo Jesus dali, viu um homem chamado Mateus sentado na coletaria" (Mateus 9:9). De modo semelhante, em referência ao mesmo evento, "Viu um publicano chamado Levi assentado na coletaria" (Lucas 5:27).

Tadeu, Tiago e Mateus (Levi) são descritos como "filhos de Alfeu", mas não eram todos irmãos. Como em outros lugares, a palavra "filho" é usada para descrever uma posição de comissionado ou adjunto (ou assistente). O título "de Alfeu" não implicava relação a uma pessoa ou lugar, pois significava apenas "da Sucessão".

 

                     FILIPE, BARTOLOMEU E TOMÁS

Como é indicado em João 1 :45-49, Filipe era associado de Jônatas Anás (também conhecido como Natanael). Um prosélito gentio não-circuncidado,78 Filipe era o chefe da Ordem de Sem. O Evangelho cóptico de Filipe foi escrito em seu nome. Bartolomeu (também conhecido como João Marcos) era o companheiro evangélico e político de Filipe. Era chefe dos prosélitos e um funcionário do influente Terapeutato egípcio (a comunidade médica) em Qumrã.

Os Evangelhos falam pouco de Tomás, mas ele foi um dos evangelistas cristãos mais influentes, tendo pregado na Síria, Pérsia e Índia. Acabou morrendo a golpes de lança, por ordem de Mylapore, perto de Madras. Tomás (originalmente o príncipe à coroa, Filipe) nasceu na família de Herodes,81 mas perdeu sua herança quando sua mãe, Mariane II, divorciou-se de Herodes após tentar assassiná-lo. O meio irmão de Filipe, Herodes Antipas, se tornaria Tetrarca da Galiléia. Ridicularizando-o, os habitantes locais comparavam o príncipe Filipe a Esaú- o filho de Isaac que perdera os direitos natos e as bênçãos de seu pai para seu irmão gêmeo, Jacó (Gênesis 25:27) - e eles o chamavam de Teoma (aramaico para "gêmeo"): em grego, esse nome se tornou Tomás, às vezes traduzido como Dídimo (que também significa "gêmeo").

 

                   SIMÃO-PEDRO E ANDRÉ

Lidamos aqui com os dois Apóstolos freqüentemente considerados os mais proeminentes - nessa seqüência, porém, são apresentados por último. De fato, a ordem em que os Apóstolos são listados nesta seção representa o reverso daquelas apresentadas nos Evangelhos, porque personagens como Simão Zelote, Judas Iscariotes e Tadeu eram muito mais poderosos do que indicam suas posições no fim das listas. Mas os autores dos Evangelhos não organizaram os nomes por acaso, pois, agindo assim, desviaram a atenção dos romanos daqueles apóstolos que se destacavam na vida pública.

Por isso, as tabelas apostólicas geralmente começam com os membros menos influentes, Simão-Pedro e André, que eram aldeões essênios comuns e não tinham cargo público. No contexto de "pegador de peixe" e não "pescador", sua função no ritual do batismo era estritamente leiga: eles se encarregavam das redes, mas não realizavam nenhuma função sacerdotal (como conceder bênçãos), como era o caso dos "pescadores" ordenados Tiago e João.   .

Por tudo isso, a falta de destaque público de Simão-Pedro e André era de grande valia para Jesus. Tornava os dois irmãos mais disponíveis para ele do que os outros, que tinham trabalhos ministeriais e legislativos para realizar. O resultado foi que Simão-Pedro se tomou o braço direito de Jesus e era evidentemente um sujeito de certa solidez, recebendo o apelido de Celas (a Pedra). No Evangelho Nag Hammadi de Tomás, Jesus se refere a Simão Pedro como seu "guardião" e ele era, presumivelmente, o principal guarda costas de Jesus. Após perder a esposa, Simão-Pedro se tornou um proeminente evangelista e, apesar dos ocasionais desacordos com Jesus, foi grandemente responsável por perpetuar o Evangelho em Roma. Acabou se tornando mártir por crucificação durante a perseguição aos cristãos pelo imperador Nero.

 

             SACERDOTES E ANJOS

Já abordamos o fato de que a estrutura angélica era mantida dentro da hierarquia sacerdotal da comunidade de Qumrã, de modo que o sacerdote da posição mais alta não era apenas da dinastia Zadoque, mas também o arcanjo Miguel. Assim, ele era o Miguel-Zadoque (o Melquisedeque). A segunda posição era o Abiatar, que também era o anjo Gabriel. Vale a pena examinarmos melhor essa ordem angélica, pois ela nos esclarecerá melhor o status social dos Apóstolos. Nesse contexto, várias práticas costumeiras (tanto sacerdotal como patriarcal) se tornarão evidentes, conduzindo naturalmente a uma nova e plena compreensão dos milagres de Jesus.

O primeiro ponto a se observar é que nada há de espiritual ou etéreo na palavra "anjo". No original grego, aggelos (geralmente transliterado como angelos - latim: angelus) significava nada mais do que "mensageiro". O termo moderno "anjo" vem do latim eclesiástico, mas a palavra anglo-saxônia engel derivava originalmente do francês antigo, angele. Um anjo do Senhor era, portanto, um mensageiro ou, mais precisamente, um embaixador do Senhor. Um arcanjo era um embaixador sacerdotal do mais alto escalão (o prefixo are indicando "chefe", como em arquiduque ou arcebispo).

O Antigo Testamento descreve dois tipos de anjo, a grande maioria dos quais agia como seres humanos normais - como em Gênesis 19:1-3, quando dois anjos visitaram a casa de Ló, "[ele] fez assar uns pães asmos, e eles comeram". A maioria dos anjos no Antigo Testamento pertence a essa categoria não complicada, como o anjo que se encontrou com a esposa de Abraão, Hagar, na fonte, o anjo que deteve a jumenta de Balaão, o anjo que conversou com Manoá e sua esposa e o anjo que se sentou sob o carvalho com Gideão.

Outra classe de anjo parece ter sido a de algo além de um mero mensageiro, possuindo poderes temíveis de destruição. Esse tipo de anjo vingador aparece em 1 Crônicas 21:15-16: "Enviou Deus um anjo a Jerusalém para a destruir... Com a espada desembainhada na mão estendida contra Jerusalém". Vários anjos são descritos portando espadas, mas não como divinos, e não há a menor menção nos textos das graciosas asas tão freqüentemente reproduzidas. As asas, hoje muito familiares, foram imaginadas por artistas e escultores para simbolizar a transcendência espiritual dos anjos acima do ambiente mundano.

Isso nos leva a outra categoria dos assustadores fenômenos descritos no Antigo Testamento como algo que se erguia acima da terra por meio mecânico. Nunca eram chamados de anjos, e geralmente esses espetáculos flamejantes tinham rodas, como em Daniel 7:9: "O seu trono eram chamas de fogo, e suas rodas eram fogo ardente". Em Isaías 6:1-2, há um relato semelhante de um trono aéreo, e "Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas". Outra referência a esse tipo de equipamento ocorre em Ezequiel 1, em que todo o cenário - exaustivamente recontado - combina em tudo com os outros, incluindo fogo, rodas e anéis rotatórios e ruidosos.

Sem relação com a Bíblia, um antigo tratado oriundo de Alexandria, século III, intitulado A Origem, fala da imortal Sofia, e do governante Saboá, que "criou um grande trono sobre uma carruagem de quatro lados chamada Querubim... E sobre esse trono, ele criou alguns serafins em forma de dragão". Interessante é a narrativa em Gênesis 3:24 de que o Senhor colocou serafins (carruagens ou tronos móveis) e uma chamejante espada que se revolvia para proteger o Jardim do Éden.

O Querubim aparece novamente na antiga obra grega chamada A Hipóstase dos Arcontes, que trata dos Governantes da Inteireza e da Criação de Adão. Esta também fala de Saboá e sua charrete celeste: o Querubim. Há menção de um veículo semelhante em 2 Reis 2:11, quando Elias é levado por um carro de fogo, e outras descrições do tipo aparecem na obra suméria Épico de Gilgamesh, da terra mesopotâmica do antigo Iraque.

 

Não é o objetivo deste livro examinar a origem desses fenômenos, mas simplesmente apresentá-los como são descritos nos textos antigos. O certo, porém, é que essas carruagens voadoras (querubins) com seus acompanhantes serafins (auxiliares de fogo em forma de dragão) jamais foram descritas como tendo forma humana, como fazemos com os anjos. Foi o dogma cristão do medo, instituído pela Igreja Romana, que transformou os querubins e serafins em doces seres celestiais.

A despeito dessas espetaculares descrições do Antigo Testamento, os anjos do Novo Testamento eram, sem exceção, todos homens, e suas missões de oficio angélico, estritamente dinásticas. O Livro de Enoque (representando o sexto patriarca da linha de sucessão desde Adão) foi escrito no século 11 a.C. Ele previa uma restauração das dinastias messiânicas e estabelecia as regras básicas para a estrutura da hierarquia sacerdotal. Estava inclusa a premissa de que as sucessivas lideranças dinásticas carregariam os nomes dos anjos e arcanjos tradicionais para denotar seu posto e posição.

Nos dias do Novo Testamento do rei Davi, os sacerdotes superiores eram Zadoque, Abiatar e Levi (nessa ordem de precedência). Os essênios de Qurnrã preservaram devidamente seu legado sacerdotal usando aqueles nomes como títulos: Zadoque, Abiatar e Levi, como já vimos. Além disso, de acordo com o Livro do Enoque, os nomes angelicais eram retidos, sob voto, como marcas de posto sacerdotal, com a dinastia Zadoque sendo também a de Miguel; a de Abiatar de Gabriel e a de Levi de Sariel.

Portanto, devemos compreender que a batalha do arcanjo Miguel com o dragão, em Apocalipse 12:7, corresponde ao conflito entre a sucessão Zadoque e "a besta da blasfêmia": Roma imperial. A "segunda besta" era do estrito regime dos fariseus, que comprometiam as ambições dos judeus helenistas segregando judeus de gentios. A essa besta foi atribuído o número 666 (Apocalipse 13:8) - o oposto polar, numericamente avaliado, da energia espiritual da água na força solar.

Fora das famílias dinásticas (os chefes das sucessões reais e sacerdotais que tinham obrigação de casar para perpetuar suas linhagens), os indivíduos de altas ordens geralmente tinham de observar o celibato, como está detalhado no Pergaminho do Templo. Por esse motivo, havia poucos sacerdotes sendo treinados, e estes costumavam ser criados dentro de um sistema monástico que era dos filhos ilegítimos da comunidade. Jesus poderia ter se tomado um desses sacerdotes, cuja mãe tinha sido "deixada secretamente", não fosse a intervenção oportuna do anjo Gabriel.

Quando era hora de procriação, um dinasta sacerdotal (como o Zadoque) tinha de se omitir temporariamente de sua função ordenada e passar seus deveres religiosos para outro. Quando as relações físicas com sua esposa se completavam, ele novamente se afastava dela e retomava sua existência celibatária.

O Zadoque/Miguel do início da era dos Evangelhos era Zacarias (o marido de Isabel, prima de Maria). Seu assistente sacerdotal, Abiatar/ Gabriel, era Simeão. A história da licença procriadora é muito velada em Lucas 1:15-23, mas o fato de ele "perder a fala no Templo" significa, na verdade, que não podia falar em sua costumeira capacidade ordenada. Preocupado com a própria idade avançada, Zacarias o Zadoque, transferia sua autoridade sacerdotal para Simeão, o Abiatar, de modo que Isabel pudesse ter um filho. Esse filho foi João Batista, o qual, com o tempo, foi o sucessor na dinastia Zadoque.

Nos dias iniciais do ministério de Jesus, o chefe dos sacerdotes Levi era Jônatas Anás. Como chefe da dinastia levita, ele ocupava o terceiro posto de arcanjo, o Sariel, capacidade na qual era nomeado sacerdote do rei. Além desses três arcanjos supremos (embaixadores chefe), Miguel (o Zadoque), Gabriel (o Abiatar) e Sariel (Levi), havia também outros com títulos. de destaque. Essas posições, porém, não eram dinásticas e se denotavam pelos títulos representativos, Pai, Filho e Espírito. O Pai era o equivalente do papa romano nos tempos vindouros (Papa = Pai) - sendo o título romano copiado diretamente da fonte. original judaica. Em essência, o Filho e o Espírito eram seus assistentes físico e espiritual. A posição de Pai era eletiva e impedia seu detentor de determinados outros deveres. Por exemplo, quando Jônatas Anás se tomou o Pai, seu irmão Mateus (o Apóstolo) se tomou seu sucessor como chefe dos sacerdotes Levi da Sucessão. Assim, Mateus se tomou o Levi dos Alfeus.

Os sacerdotes Levi (levitas) agiam como subordinados dos arcanjos. Seu líder, porém, menor na dinastia Levi, era um sacerdote-chefe (distinto de um sumo sacerdote). Ele era angelicamente designado Rafael.

Seus sacerdotes superiores seguiam o estilo dos filhos originais de Levi (como explicado em Gênesis 29:34) e eram chamados de Coate, Gérson e Merari. O próximo sacerdote no escalão era Arnrã, seguido de Aarão, Moisés e a sacerdotisa Miriam. Estes, por sua vez, estavam acima de Nadabe, Abiú, Eliezer e Itamar - os filhos representativos de Aarão.

É nesse ponto que o aspecto primário do Código do Graal começa a emergir, pois o herdeiro à sucessão real de Davi não possuía título angélico e não estava em serviço sacerdotal. O rei era obrigado a servir ao povo, e era seu desejo expresso defendê-lo contra a injustiça instituída. O próprio nome Davi significa "amado" e, como um proponente dessa distinção, Jesus teria sido um ótimo rei. Era esse conceito real de serviço humilde que os discípulos leigos achavam tão difícil compreender em seu líder messiânico. Isso fica bem demonstrado em João 13:4-11, quando Jesus lavou os pés dos Apóstolos. Pedro questionou o ato, dizendo: "Nunca me lavarás os pés", mas Jesus insistiu, respondendo resoluto: "Eu vos dei o exemplo, para que, como eu fiz, façais vós também". Um ato tão caridoso não é a marca de um dinasta sedento de poder, mas sim um emblema de paternidade comum na natureza da verdadeira majestade do Graal.

 

                           ÁGUA E VINHO

Embora não sejam considerados históricos no sentido tradicional, os Evangelhos relatam a história de Jesus por meio de uma narrativa contínua. Às vezes, há concordância; outras vezes, não há; mas o objetivo sempre é transmitir uma mensagem social imperativa, com Jesus como catalisador. Entretanto, a mensagem não foi passada publicamente. É dito que Jesus costumava falar em parábolas, simplificando sua mensagem com um discurso alegórico. Para algumas pessoas, essas histórias moralistas pareceriam superficiais, mas seus tons sutis eram freqüentemente políticos, baseando-se em pessoas e situações reais.

Os Evangelhos foram compostos de maneira semelhante, e é importante reconhecer que muitas das histórias sobre Jesus são equivalentes às próprias parábolas, para o bem daqueles "com ouvidos para ouvir". Isso sempre fez com que fossem atribuídos tons sobrenaturais a eventos perfeitamente objetivos. Um bom exemplo ocorre em João 2:1-10: a história de Jesus substituindo água por vinho nas bodas de Canaã. Esse evento bem conhecido foi supostamente a primeira de muitas ações de Jesus pelas quais ele deixava clara sua intenção de romper com a tradição.

Embora fosse criado num regime severo que era influenciado por tradição e leis antigas, Jesus reconhecia que Roma jamais poderia ser derrotada enquanto existissem doutrinas extremas e concorrentes dentro da própria comunidade judaica. Não havia o Cristianismo naquela época - a religião de Jesus era o judaísmo e os judeus veneram a um Deus, mas eram divididos em várias facções, cada qual com um diferente grupo de regras comunitárias. Percebia-se, porém, de um modo geral, que Javé pertencia aos judeus, mas Jesus aspirava partilhar Javé com os gentios, de maneira que não os obrigasse a aceitar todas as premissas básicas do judaísmo ortodoxo.

Jesus não tinha muita paciência com os credos rigorosos dos grupos judeus, como os fariseus, e sabia que as pessoas não ficariam livres da opressão enquanto não abandonassem o sectarismo obstinado. Ele também sabia que um Messias era aguardado - um salvador que deveria iniciar uma nova era de libertação. Ele seria, portanto, um revolucionário em aparência, e se colocaria à parte da prática costumeira. Como herdeiro da Casa real de Davi, Jesus sabia que estava qualificado para ser esse Messias e que poucos ficariam surpresos se ele se manifestasse como tal.

O que Jesus não tinha era uma autoridade social designada; não era um rei em exercício nem um sumo sacerdote. Contudo, não prestava atenção a esses detalhes e começou a implementar mudanças ritualísticas, apesar de sua deficiência titular. Em sua primeira oportunidade, nas bodas de Canaã, ele hesitou dizendo: "Minha hora ainda não é chegada". Mas sua mãe ignorou a falta de titularidade e disse aos servos: "Fazei como ele vos disser".

O único relato desse episódio está no Evangelho de João, em que o incidente da água convertida em vinho é descrito como o primeiro milagre de Jesus. Mas o Evangelho não diz que eles "ficaram sem vinho", como se costuma citar erroneamente. O texto na verdade diz: "E quando eles queriam vinho, a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não têm vinho'. De acordo com o ritual descrito nos Pergaminhos do Mar Morto, a relevância disso é clara. No equivalente da Comunhão, só os celibatários plenamente iniciados tinham permissão de beber vinho. Todos os outros presentes eram considerados não santificados e só podiam passar pelo ritual purificador com água; entre estes se incluíam homens casados, noviços, gentios e todos os judeus leigos.

O texto do Evangelho continua: "Estavam ali seis talhas de pedra, que os judeus usavam para as purificações". A importância da ação de Jesus é que resolveu quebrar a tradição quando abandonou a água e permitiu que os convidados "impuros" provassem o vinho sagrado. O mestre-sala (grego: Architriclinos) não sabia "donde viera [o vinho] (se bem que o sabiam os serventes que haviam tirado a água)". Ele não comentou a respeito de nenhuma transformação miraculosa, apenas se disse surpreso pelo vinho melhor ser servido àquela hora. Como Maria declarou, ao mandar os servos obedecerem a Jesus, o episódio "manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele".

A comunhão com pão e vinho consagrados era uma tradição essênia antiga, e não um produto do Cristianismo, posterior. Com o tempo, a Igreja Cristã se apropriou do costume original como seu sacramento eucarístico, simbolizando o corpo e o sangue de Jesus de acordo com as referências do Evangelho à suposta instituição na Santa Ceia (como, por exemplo, em Mateus 26:26-28).

Representado com semelhante alegoria nos Evangelhos é o episódio conhecido como a Multiplicação que alimentou Cinco Mil Pessoas. A lei judaica era estrita, mas o novo ministério de Jesus tinha a intenção de abrir os corações. Normalmente, os gentios só tinham acesso ao ritual judaico se fossem convertidos convictos, comprometendo-se a observar os costumes judaicos (incluindo a circuncisão, no caso dos homens). Os pensamentos de Jesus, porém, voltavam-se para os gentios não-circuncidados: por que eles não podiam também ter acesso a Javé? Afinal de contas, ele já permitira que gentios impuros bebessem vinho consagrado em Canaã.

O conceito de um Deus partilhado por judeus e gentios se tomou a própria força vital da missão de Jesus. Mas era um ideal mais do que revolucionário; para os judeus radicais ortodoxos, aquilo era ultrajante, pois Jesus estava assumindo poder pessoal sobre suas prerrogativas históricas. Estava tomando Javé (o Deus do povo escolhido) acessível a todos, com poucos compromissos exigidos.

Como já vimos, os gentios que desejavam ser batizados no judaísmo passavam por um ritual em que, como "peixes", eram içados a bordo de barcos por "pegadores de peixe" para serem abençoados por "pescadores" sacerdotais. Numa transferência semelhante de imagens, os funcionários levitas do Santuário eram chamados de "pães". No rito da ordenação (a cerimônia de admissão ao ministério sacerdotal), os sacerdotes levitas ativos costumavam servir sete pães aos sacerdotes, enquanto aos candidatos celibatários ofereciam cinco pães e dois peixes. Havia certo simbolismo legal de importância nisso, pois embora os gentios pudessem receber o batismo como se fossem "peixes", a Lei era muito firme ao determinar que só os judeus podiam ter pães.

Mais uma vez, Jesus resolveu quebrar a convenção e permitir que os gentios impuros participassem do que normalmente era reservado para judeus que eram candidatos ao sacerdócio. Nesse sentido, Jesus fez sua concessão aos representantes dos não-judeus não-circuncidados da fraternidade de Cam (conhecida figurativamente como os Cinco Mil). Assim, ele conferiu à Multidão (órgão governante) acesso simbólico ao ministério, servindo-Ihes cinco pães e dois peixes dos candidatos sacerdotais judeus (Marcos 6:34-44).

No episódio conhecido como a Multiplicação para os Quatro Mil, os sete pães dos sacerdotes superiores foram oferecidos por Jesus à Multidão não-circuncidada de Sem (Marcos 8:1-10).

Nas cerimônias de batismo, os pegadores de peixe que apanhavam os peixes gentios primeiramente levavam os barcos a alguma distância da praia. Em seguida, os postulantes batismais entravam na água e vadeavam até os barcos. Quando tudo estivesse pronto, os pescadores sacerdotais deixavam a praia e se encaminhavam para os barcos atracados ao longo de um molhe - daí "caminhar sobre as águas". Nascido na tribo de Judá, não a de Levi, Jesus não tinha autoridade de sacerdote batismal; mesmo assim, desconsiderou as convenções para usurpar um título sacerdotal e caminhar sobre as águas até o barco dos discípulos (Mateus 14:25-26). Ele chegou a incitar Pedro a fazer a mesma coisa, mas este não pôde aceitar o desafio por medo de afundar sob as penalidades legais (Mateus 14:28-31).

Essa nova visão de nossa parte, tanto do sentido velado das palavras dos Evangelhos como das motivações políticas de Jesus, não detrai suas prováveis habilidades como curandeiro. Sendo ligado ao Terapeutato de Qurnrã, porém, ele não seria o único com tais capacidades. Entretanto, um médico carismático não era a imagem prevista de um Messias libertador, esperado para libertar o povo da opressão romana. O que era particularmente notável nesse protagonista radical era o fato de ter aplicado seu conhecimento médico com os indignos e impuros gentios; ele não restringia seus préstimos à sociedade judaica, como os fariseus e outros grupos preferiam. Essa forma de ministério social - um ministério de serviço nobre, conforme promovido pelo emergente Código do Graal, era perfeitamente indicativo do ideal messiânico de Jesus para um povo unificado.

 

                 O REI E SEU JUMENTO

Pouco depois de Jesus começar sua missão, João Batista foi preso porque tinha irritado Herodes Antipas, o governador da Galiléia. Antipas desposara Herodias, a mulher divorciada de seu meio-irmão, Filipe, e João Batista condenara repetidamente o casamento, declarando que era pecaminoso. Como resultado, foi aprisionado por um ano e finalmente decapitado. Após essa morte ignóbil, muitos de seus seguidores se aliaram a Jesus. Alguns achavam que João era o Messias esperado, mas

muitas de suas profecias não tinham se realizado e ele acabou sendo desconsiderado. Um dos motivos pelos quais as profecias de João se mostraram incorretas era a diferença entre os calendários solares e lunares usados, complicado pelo calendário juliano vindo de Roma.

Os essênios eram defensores do filósofo grego Pitágoras (c.5705 a.C.), que, em seu grande estudo das proporções matemáticas, buscava um sentido tanto no mundo físico como no metafísico, por meio de proporções matemáticas. No decorrer dos séculos, com o uso de sua metodologia, os eventos do mundo foram previstos com uma precisão surpreendente. Um evento específico previsto por esse método foi o início de uma nova Ordem Mundial, uma ocorrência que em muitos setores provaria ser o advento do Messias Salvador.

Os anos (que atualmente designamos como a.C.) já estavam, portanto, numa contagem regressiva predeterminada muito antes de Jesus nascer. Aconteceu, então, que a previsão messiânica desviara sete anos quando aplicada a Jesus, o que explica por que ele nasceu no ano 7 a.C. e não no ano estabelecido como O (754 AUC). Mas seu irmão Tiago de fato nasceu no ano certo, daí muitos o considerarem o herdeiro legítimo. Muito tempo depois, por meio de um novo sistema de datas romano, o ano O foi designado 1 d.C.

No movimento separado da rígida doutrina hebraica de João Batista, até o rei Herodes Agripa começou a considerar Jesus o herdeiro legal de Davi, deixando Tiago com pouca gente para defender sua causa. Com esse incentivo, Jesus decidiu acelerar sua campanha, mas agiu precipitadamente e cometeu a ofensa de irritar os governadores e anciãos.

Era um costume judaico de longa data ter um Dia do Perdão (Yom Kippur), no qual as pessoas podiam ser absolvidas de seus erros. O ritual solene ocorria no período equivalente a setembro, e o rito essênio era realizado pelo Pai na exclusão do Santo dos Santos (santuário interior) do templo monástico em Mird. Para testemunhar o perdão, o Pai tinha a permissão da companhia de um co-celebrante: um Filho simbólico. Em 32 d.e., o Pai era Simão Zelote, e seu Filho nomeado era o tenente imediato Judas Iscariotes (João 13:2 menciona o status de Judas como filho de Simão, mas o relacionamento exato dos dois e o significado sacerdotal não são claros).

Quando o ato do Perdão se completasse, três. assistentes eram autorizados a proclamar o fato, a partir de um local alto a oeste do templo, simbolicamente difundindo a palavra aos judeus residentes em outras terras (os judeus da Diáspora). Nessa ocasião, os assistentes nomeados eram Jesus (representando o rei Davi), Jônatas Anás (representando o grande místico Elias) e Tadeu (representando Moisés), correspondendo respectivamente aos papéis simbólicos de rei, sacerdote e profeta. Mas quando chegou o momento de Jesus fazer sua proclamação, ele não apareceu nos trajes de um rei, e sim na túnica de um sumo sacerdote: "Foi transfigurado diante deles; as suas vestes tornaram-se resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na terra poderia alvejar. Apareceu-lhes Elias com Moisés, e estavam falando com Jesus" (Marcos 9:2-4).

Em 32 d.C., Simão Zelote se desentendeu com as autoridades, após liderar uma revolta malsucedida contra o governador da Judéia, Pôncio Pilatos. O motivo da revolta era que Pilatos vinha usando fundos públicos para melhorar seu suprimento de água particular. Uma queixa formal fora apresentada no tribunal, mas os soldados de Pilatos assassinaram os queixosos conhecidos. Seguiu-se imediatamente uma insurreição armada, sob a liderança dos zelotes proeminentes, Simão Zelote, Judas Iscariotes e Tadeu. Talvez inevitavelmente, a revolta falhou e Simão foi excomungado por edito do rei Herodes Agripa. O adversário político de Simão, Jônatas Anás, pôde assim ascender ao supremo oficio de Pai.

Segundo a Lei, a excomunhão (a ser considerada execução espiritual, ou morte por decreto) levava quatro dias para a implementação completa. Nesse meio tempo, o excomungado vestia uma mortalha, era isolado e considerado "doente para morrer". Devido à sua posição patriarcal até então, Simão foi encarcerado na câmara funerária patrimonial em Qurnrã conhecida como o Seio de Abraão. Suas irmãs de devoção, Marta e Maria, sabiam que sua alma estaria condenada para sempre se ele não

fosse libertado (ressuscitado) ao terceiro dia; por isso, foram chamar Jesus, dizendo que Simão estava "doente" (João 11:3).

No começo, Jesus não tinha o poder de agir, pois só o Pai ou o sumo sacerdote podia realizar a ressurreição, e Jesus não tinha um oficio sacerdotal. Entretanto, Herodes Agripa se desentendeu com os governadores romanos, perdendo sua jurisdição para o beneficio temporário de seu tio, Herodes Antipas, que tinha apoiado a ação zelote contra Pilatos. Aproveitando a oportunidade, Antipas cancelou a ordem de excomunhão e instruiu para que Simão fosse "ressuscitado dos mortos". Jesus se viu num dilema. Ele era herdeiro pela linhagem real, embora sem título formal, mas queria ajudar seu amigo e fiel seguidor - e foi o que fez. Embora o momento para a morte espiritual (o quarto dia após a excomunhão) de Simão tivesse chegado, Jesus decidiu assumir uma função sacerdotal e realizar a libertação. Ao fazê-lo, ele confirmou a posição do espiritualmente morto Simão como a do Valete de Abraão, Eliazar (corrompido nos Evangelhos para Lázaro) e o chamou, sob o nome disfarçado, mandando-o sair do seio de Abraão.

Foi assim que Lázaro ressuscitou sem a sanção .oficial do novo Pai, ou do sumo sacerdote ou do Sinédrio. Jesus infringiu abertamente as regras, mas Herodes Agripa acabou obrigando Jônatas Anás a consentir com o fall accompli e, para o povo em geral, um evento sem precedentes era de fato um milagre.

Jesus tinha percebido exatamente o que queria e, com essa impressionante ação apoiando-o, só o que lhe restava era ser formalmente ungido e aparecer diante do povo como o verdadeiro Messias de forma que não pudesse ser contestada. O modo como o Messias Salvador deveria conquistar tal reconhecimento já tinha sido determinada, segundo a profecia de Zacarias (9:9) no Antigo Testamento: "Alegra-te muito, ó filha de Sião: exulta, ó filha de Jerusalém: eis que aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento".

Foram tomadas providências quando Jesus e seus discípulos estavam em Betânia durante a semana da Páscoa, março de 33 d.C. Primeiro (conforme relatado em Mateus 26:6-7 e Marcos 14:3), Jesus foi ungido por Maria de Betânia, que lhe passou um precioso nardo nos cabelos. Foi encontrado um animal de carga apropriado, que correspondesse à profecia de Zacarias, e assim Jesus entrou em Jerusalém montado num jumento. Há muito se supõe que esse foi um gesto de humildade - e realmente foi, mas consistiu em muito mais do que isso. Da época do rei Salomão até a deportação dos judeus para a Babilônia, depois da queda de Jerusalém em 586 a.C., os reis da dinastia de Davi tinham o costume de seguir até seus destinos montados em mula. O costume representava a acessibilidade do monarca aos mais inferiores de seus súditos - outro exemplo do código messiânico de serviço.

 

                         A RAINHA MESSIÂNICA

Costuma-se afirmar que em nenhuma parte do Novo Testamento é dito que Jesus se casou. Por outro lado, e talvez ainda mais importante, também não é dito que ele não se casou. Na verdade, os Evangelhos contêm um número de pistas específicas de seu estado de homem casado, e seria realmente incrível que ele permanecesse solteiro, pois os regulamentos dinásticos eram muito claros a esse respeito.

Como já vimos, as regras do matrimônio dinástico não eram banais. Parâmetros explicitamente definidos ditavam um estilo de vida celibatário, exceto para a procriação em intervalos regulares. Um período extenso de noivado era seguido por um Primeiro Casamento em setembro, depois do qual a relação física era permitida em dezembro. Se ocorresse a concepção, havia então uma cerimônia do Segundo Casamento em março para legalizar o matrimônio. Durante esse período de espera, e até o Segundo Casamento, com ou sem gravidez, a noiva era considerada, segundo a lei, um almah ("jovem mulher" ou, como erroneamente citada, "virgem").

Entre os livros mais pitorescos está o Cântico dos Cânticos – uma série de cantigas de amor entre uma noiva soberana e seu noivo. O Cântico identifica a poção simbólica dos esponsais com o ungüento aromático chamado nardo. Era o mesmo bálsamo caro que foi usado por Maria de Betânia para ungir a cabeça de Jesus na casa de Lázaro (Simão Zelote) e um incidente semelhante (narrado em Lucas 7:37-38) havia ocorrido algum tempo antes, quando uma mulher ungiu os pés de Jesus com ungüento, limpando-os depois com os próprios cabelos.

João 11:1-2 também menciona esse evento anterior, explicando depois como o ritual de ungir os pés de Jesus foi realizado novamente pela mesma mulher, em Betânia. Quando Jesus estava sentado à mesa, Maria pegou "uma libra de bálsamo puro de nardo, mui precioso, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os seus cabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume do bálsamo" (João 12:3).

No Cântico dos Cânticos (1:12) há O refrão nupcial: "Enquanto o rei está assentado à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume". Maria não só ungiu a cabeça de Jesus na casa de Simão (Mateus 26:6-7 e Marcos 14:3), mas também ungiu-lhe os pés e os enxugou depois com os cabelos em março de 33 a.c. Dois anos e meio antes, em setembro de 30 a.C., ela tinha realizado o mesmo ritual três meses depois das bodas de Canaã.

Em ambas as ocasiões, a unção foi feita enquanto Jesus se sentava à mesa (como define o Cântico dos Cânticos). Era uma alusão ao antigo rito no qual uma noiva real preparava a mesa para o seu noivo. Realizar o rito com nardo era maneira de expressar privilégio de uma noiva messiânica, e tal rito só se realizava nas cerimônias do Primeiro e do Segundo Casamento. Somente como esposa de Jesus e sacerdotisa com direitos próprios, Maria poderia ter ungido-lhe a cabeça e os pés com ungüento sagrado.

O Salmo 23 descreve Deus, na imagem masculina/feminina da época, como pastor e noiva. Da noiva, o salmo diz "Prepara-me uma mesa... Ungeme a cabeça com óleo".Os De acordo com o rito do casamento sagrado da antiga Mesopotâmia (a terra de Noé e Abraão), a grande deusa, Inana, tomou como noivo o pastor Dumuzi (ou Tammuz),106 e foi a partir dessa união que o conceito da Sekiná e Javé evoluiu em Canaã por meio das divindades intermediárias Asera e El Eloim.

No Egito, a unção do rei era o dever privilegiado das irmãs/noivas semidivinas dos faraós. Gordura de crocodilo era a substância usada na unção, pois era associada à destreza sexual, e o crocodilo sagrado dos egípcios era o Messeh, que corresponde ao termo hebraico Messias: "Ungido"}. Na antiga Mesopotâmia, o intrépido animal real (um dragão de quatro pernas) era chamado de Mus-hUs.

Era preferível que os faraós desposassem suas irmãs (especialmente suas meio-irmãs maternas com outros pais) porque a verdadeira herança dinástica era passada pela linha feminina. Alternativamente, primeiros de primeiro grau maternos também eram consideravam. Os reis de Judá não adotavam essa medida como prática geral, mas consideram a linha feminina um meio de transferir realeza e outras posições hereditárias de influência (mesmo hoje, o judeu verdadeiro é aquele nascido de mãe judia). Davi obteve sua realeza, por exemplo, casando-se com Micol, filha do rei Saul. Muito tempo depois, Herodes, o Grande, ganhou seu status real desposando Mariane da casa real sacerdotal.

 

Assim como os homens que eram designados para várias posições patriarcais assumiam nomes que representavam seus ancestrais - como Isaac, Jacó e José - também as mulheres seguiam sua genealogia e escalão. Seus títulos nominais incluíam Raquel, Rebeca e Sara. As esposas das linhas masculinas de Zadoque e Davi tinham o posto de Elisheba (Elizabeth, ou Isabel) e Miriam (Maria), respectivamente. Por isso a mãe de João Batista é chamada de Isabel e a de Jesus, Maria, nos Evangelhos. Essas mulheres passaram pela cerimônia de seu Segundo Casamento só quando estavam com três meses de gravidez, quando a noiva deixava de ser uma almah e se tomava uma mãe designada.

Como já vimos, as relações sexuais só eram permitidas em dezembro; maridos e mulheres viviam separados o resto do ano. No início de um período de separação, a esposa era classificada como uma viúva e deveria chorar por seu marido. Isso está descrito em Lucas 1:38, quando Maria de Betânia, na primeira ocasião, "estando por detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas". Uma vez que o período de viuvez simbólico estivesse estabelecido e durante esses longos períodos de separação, a esposa recebia a designação convencional de irmã, como hoje acontece com as freiras. Então, quem exatamente era Maria de Betânia, a mulher que duas vezes ungiu Jesus com nardo, segundo a tradição messiânica?

Para sermos precisos, ela jamais é chamada de Maria de Betânia na Bíblia. Ela e Marta são apenas chamadas de "irmãs" na casa de Lázaro de Betânia. O título completo de Maria era Irmã Miriam Madala ou, como é mais conhecida, Maria Madalena. Gregório I, Bispo de Roma (590-604), e São Bemardo, o abade cisterciense de Clairvaux (1090-1153), confirmaram que Maria de Betânia era Maria Madalena.

Na segunda ocasião em que Jesus foi ungido com nardo, Judas Iscariotes afirmou sua insatisfação pelo modo como as coisas estavam acontecendo. Declarou sua oposição (João 12:4-5) e abriu o caminho para a sua traição de Jesus. Após o fracasso da revolta dos zelotes contra Pilatos, Judas tinha se tomado um fugitivo. Jesus pouco lhe servia politicamente, pois não tinha influência com o Sinédrio; por isso Judas apelava para seu irmão incontroverso Tiago, que era membro do Sinédrio. Conseqüentemente, Judas não só não queria ver Jesus sendo ungido como Messias, mas sua aliança com Tiago o fazia ressentir o episódio. Jesus, porém, insistiu na importância de sua unção por Maria (Marcos 14:9): "Em verdade vos digo: onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua".

Fora o fato de Jesus provavelmente ter amado Maria Madalena, não há muita coisa nos Evangelhos que indiquem sua relação íntima até Maria aparecer com a mãe de Jesus e Salomé (a consorte de Simão Zelote) na Crucificação. Já no Evangelho de Filipe de Nag Hammadi, a situação é diferente, e o relacionamento entre Jesus e Maria é discutido abertamente:

 

"E a companheira do Salvador é Maria Madalena. Mas Cristo a amava mais do que a todos os discípulos, e costumava beijá-la freqüentemente na boca. Os demais discípulos se ofendiam com isso

e expressavam desagrado. Diziam a ele: 'Por que a amas mais do que a nós?'. O Salvador lhes respondia: 'Por que eu não vos amo como a ela? ... Grande é o mistério do matrimônio, pois sem ele o mundo nunca teria existido. A existência do mundo depende do homem, e a existência do homem depende do matrimônio'.

Como se não fossem as referências específicas à importância do casamento na passagem acima, a referência ao beijo na boca é particularmente relevante; mostra mais uma vez uma relação aos ofícios da sagrada noiva e do sagrado noivo, e não era marca de amor extra marital nem de amizade. Como parte do refrão nupcial real, esse tipo de beijo é o tema da primeira linha do Cântico dos Cânticos, diz: "Beija-me com os beijos de tua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho".

No Evangelho de João não há menções de bodas em Canaã, só de um banquete de casamento e da água e do vinho. Os discípulos estavam lá, assim como vários convidados, inclusive gentios, e outros que eram tecnicamente impuros. Essa, portanto, não era a cerimônia do casamento em si, mas a refeição sagrada que precedeu ao noivado. O costume era que houvesse um anfitrião formal (como aparece no relato); ele seria o mestre-sala do Banquete. A autoridade secundária cabia somente ao noivo e à sua mãe, e isso tinha grande relevância, pois quando surgiu a questão da comunhão com vinho, a mãe de Jesus disse aos servos (João 2:5): "Fazei tudo o que ele vos disser". Nenhum convidado teria esse direito de ordenar, o que deixa evidente que Jesus e o noivo eram o mesmo.

Essa comunhão de noivado (6 de junho de 30 d.C.) ocorreu três meses antes de Maria ungir Jesus pela primeira vez na casa de Simão (3 de setembro de 30 a.C.). As regras eram rígidas: só como noiva de Jesus, Maria teria permissão de fazer o que fez. Com seu Primeiro Casamento devidamente completado em setembro, ela também teria chorado pelo marido (como em Lucas 7:38) antes de partirem em sua separação estatutária. Antes, como almah comprometida, ela seria classificada de pecadora e mulher aleijada. O casal não teria tido uma união física até o próximo dezembro.

 

                 SUPRESSÃO DA EVIDÊNCIA DE CASAMENTO

Um dos motivos por que não há menção direta do estado civil de Jesus no Novo Testamento é que as evidências foram deliberadamente retiradas por decreto da Igreja. Isso foi revelado recentemente, em 1958, quando um manuscrito do Patriarca Ecumênico de Constantinopla foi descoberto num mosteiro em Mar Sabá, a leste de Jerusalém, por Morton Smith, professor de história antiga na Universidade de Columbia, EUA. Os trechos citados abaixo são de seus escritos subseqüentes.

Em meio a um livro das obras de Santo Inácio de Antioquia, havia uma transcrição de uma carta do Bispo Clemente de Alexandria (c.1502 d.C.). Era endereçada a seu colega, Teodoro, e incluía uma seção geralmente desconhecida do Evangelho de Marcos. A carta de Clemente decretava que parte do conteúdo original de Marcos deveria ser suprimida porque não coadunava com os requisitos da Igreja. A carta diz:

 

Pois mesmo que seja verdade, aquele que ama a Verdade não deve concordar com isso. Pois nem todas as coisas verdadeiras são a Verdade; tampouco aquela verdade que parece verdadeira às opiniões humanas deve ser preferível à verdadeira Verdade - aquela que é de acordo com a fé. A essas verdades ninguém deve dar ouvidos; tampouco, caso venham disseminar suas falsificações, deve-se concordar que o Evangelho secreto é de Marcos, e sim negar mediante juramento. Pois nem todas as coisas verdadeiras devem ser ditas a todos os homens.

 

Na seção removida do Evangelho, há um relato da ressurreição de Lázaro, mas nela Lázaro (Simão Zelote) chama Jesus de dentro da tumba mesmo antes que a pedra fosse removida. Isso deixa claro que o homem não estava morto no sentido físico, o que certamente joga por terra a insistência da Igreja que a ressurreição deve ser considerada um milagre sobrenatural. Além disso, o Evangelho de Marcos original não incluía detalhes dos eventos da Ressurreição e sua seqüela; terminava simplesmente com as mulheres fugindo do sepulcro vazio. Os doze versículos finais da Marcos 16, como publicados hoje, foram deliberadamente acrescentados numa data posterior.

A relevância disso é que o incidente com Lázaro era parte da mesma seqüência de eventos cujo clímax foi Maria Madalena ungindo Jesus em Betânia. Os Evangelhos Sinópticos não dizem o que aconteceu após a chegada de Jesus à casa de Simão, pois a ressurreição de Lázaro não está incluída neles; mas em João 11 :20-29, vemos:

 

Marta, quando soube que vinha Jesus, saiu ao seu encontro; Maria, porém, ficou sentada em casa... [Marta] Retirou-se e chamou Maria, sua irmã, e lhe disse em particular: 'O Mestre chegou e te chama'. Ela, ouvindo isso, levantou-se depressa e foi ter com ele.

 

Não há motivo aparente para o comportamento hesitante de Maria, embora, fora isso, a passagem pareça suficientemente objetiva. Mas o incidente é descrito com mais detalhes na parte de Marcos que foi oficialmente suprimida. Explica que Maria saiu da casa com Marta na primeira ocasião, mas foi admoestada pelos discípulos e lhe foi ordenado que entrasse e aguardasse a instrução do Mestre. O fato é que, como esposa de Jesus, Maria era comprometida por um estrito código de prática nupcial. Não tinha permissão de deixar a casa e cumprimentar o marido até que tivesse recebido seu consentimento expresso. O relato de João deixa Maria em seu lugar devido, sem explicação, mas o texto mais detalhado de Marcos foi estrategicamente removido da publicação.

A supressão da história de Lázaro é o motivo pelo qual os relatos da unção nos Evangelhos de Marcos e Mateus a mostram na casa de Simão, o leproso, e não na casa de Lázaro, como em João. Mas a descrição "Simão, o leproso" é simplesmente outra forma mais reservada de se referir a Simão Zelote (Lázaro); ele era classificado como "leproso" porque sua excomunhão o deixara horrivelmente impuro. Isso, por sua vez, explica o relato anômalo de um leproso recebendo amigos prestigiosos em sua bela casa. Entretanto, o fato resultante era que, com sua esposa grávida de três meses, Jesus não era apenas um Cristo Messiânico formalmente ungido quando entrou em Jerusalém montado num jumento; era também um futuro pai.

 

                 POLÍTICA E A PÁSCOA

Jesus entrou em Jerusalém com estilo; mantos e folhas de palmeira foram espalhados em seu caminho e o povo rejubilava: "Hosana ao filho de Davi" (Mateus 21:9). Mas devemos dizer que essa atividade frenética era por parte principalmente dos discípulos (conforme descrito em Lucas 19:36-39). Os ramos de palmeira espalhados tinham o objetivo de lembrar o povo da entrada triunfante em Jerusalém de Simão Macabeu, que libertou a Palestina do jugo da opressão síria em 142 a.C. Mas o rosto de Jesus não era muito conhecido na cidade; seu território familiar era a Galiléia e a região ao redor. De fato, em Mateus 21: 1 O, lê-se: "E entrando ele em Jerusalém, toda a cidade se alvoroçou, e perguntavam: Quem é este?"

Uma profecia de João Batista tinha determinado que em março de 33 d.C. haveria a proclamação do Messias Salvador e a restauração do verdadeiro Rei. Muitas coisas haviam sido cuidadosamente preparadas para esse momento - a unção, o jumento, as folhas de palmeira e assim por diante - mas nada importante aconteceu! De acordo com Marcos 11:11, Jesus entrou no Templo e "tendo observado tudo, como fosse já tarde, saiu para Betânia com os doze". Lucas 10:40 nos diz que os fariseus ordenaram aos discípulos que fossem repreendidos por criar tumulto. Mateus 21:12 acrescenta: "Tendo Jesus entrado no templo, expulsou todos os que ali vendiam e compravam; também derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas". Depois, retomou a Betânia. João (12:37) explica ainda que Jesus conversou com algumas pessoas na rua, seguindo-se que, "embora tivesse feito tantos sinais na sua presença, não creram nele".

Levando em conta todos esses fatos, a visita a Jerusalém foi um não evento infeliz. Jesus não recebeu a aclamação que esperava e percebeu que seus dias estavam contados, principalmente por ser ele conhecidamente ligado aos comandantes zelotes, Simão Zelote, Judas Iscariotes e Tadeu, que havia liderado a revolta contra Pilatos. Os escrivãos e sacerdotes "procuravam como o prenderiam, à traição, e o matariam" (Marcos 14: 1). Seu plano de criar uma Judéia idílica, livre da opressão romana, não dera certo porque seu sonho de unificar o povo não tinha a simpatia de seus conterrâneos sectários - principalmente dos fariseus e saduceus.

Também naquela época, uma grave cisão ocorria dentro do grupo apostólico. Simão Zelote não vinha se dando bem com JônatasAnás (Tiago de Alfeu) e a rivalidade política dos dois atingiu o ápice. Em seus respectivos papéis como Relâmpago e Trovão, os dois disputavam a suprema posição de Pai. Simão era o Pai desde março de 31 d.C., mas perdeu a supremacia para Jônatas por causa de sua excomunhão. Jônatas fora obrigado a endossar a ressurreição de Lázaro (pela qual Simão retomava à vida política e social), mas não estava disposto a abrir mão do poder que acabara de ganhar, especialmente quando Simão fora ressuscitado de maneira contrária às regras estabelecidas.

Também havia desacordo entre Jônatas e Jesus quanto a convertidos gentios batizados terem ou não de se submeter à circuncisão. Jesus era a favor de permitir aos convertidos uma escolha, mas Jônatas queria que a circuncisão fosse obrigatória. E, por fim, Jônatas rejeitava o plano zelote de uma guerra declarada contra Roma, enquanto Simão (sempre impulsivo em palavras e atos) promovia a visão marcial. Nisso, Jesus estava mais inclinado a apoiar Simão - não que ele procurasse especificamente uma solução militar, mas não gostava da atitude complacente de Jônatas.

Encurralado em meio a tudo isso estava Judas Iscariotes, decidido a ficar do lado de quem parecesse mais politicamente valioso. Judas tinha sido denunciado como um líder zelote e por isso sua única esperança era Jônatas, que, como o novo Pai, podia autorizar sua reabilitação política e negociar a favor dele com o governador romano, Pôncio Pilatos. Quanto à questão dos convertidos judeus serem circuncidados, Judas se opunha veementemente a Jesus e apoiava Jônatas. Ao mesmo tempo, Judas percebia que Simão se encontrava numa posição fraca: Simão enfrentaria acusações criminais (assim como Judas e Tadeu) por ter liderado a revolta zelote. Seria até possível que Jesus também fosse acusado ao lado deles, caso se provasse que ele apoiava ativamente a facção de guerra. Essa situação era uma provável saída para Judas, pois ele poderia trair a amizade de Jesus e revelar o paradeiro de Tadeu.

Pouco depois, chegava o tempo da celebração judaica da Páscoa, quando hordas de peregrinos se juntavam aos moradores de Jerusalém para o ritual do Cordeiro Pascal, de acordo com Êxodo 12:3-11. Nesse ínterim, sabemos que Jesus e seus Apóstolos se dirigiram à lendária sala superior onde fizeram a derradeira Santa Ceia. Mas há alguns elementos questionáveis nisso. Numa época em que todas as acomodações na cidade estavam lotadas devido à ocasião, como os Apóstolos poderiam obter uma sala tão grande para uso próprio? Como os zelotes fugitivos, Simão, Judas e Tadeu, podiam se dar ao luxo de andar tão livremente em Jerusalém enquanto eram procurados por liderar a recente revolta?

A resposta a essas perguntas pode ser encontrada nos Pergaminhos do Mar Morto, onde fica evidente que a Santa Ceia não ocorreu em Jerusalém, e sim em Qumrã. Na verdade, Josefo explica em The Antiquities of the Jews que os essênios não observavam os festivais judaicos tradicionais em Jerusalémll7 e, portanto, não seguiam o ritual do Cordeiro Pascal na Páscoa.

Mais de cento e sessenta anos antes, quando os piedosos hassídicos deixaram Jerusalém por Qumrã por volta de 130 a.C., seu novo ambiente se tomou uma Cidade Santa substituta. O costume foi preservado pelos essênios posteriores e, nesse contexto, eles freqüentemente se referiam a Qumrã como "Jerusalém" (Yuru-salem: Cidade da paz). Como se evidencia em um dos Pergaminhos do Mar Morto, conhecido como Regra da Comunidade, a famosa Santa Ceia corresponde, na verdade, ao Banquete Messiânico (a Ceia do Senhor). O fato de ela ter ocorrido ao mesmo tempo que a celebração da Páscoa em Jerusalém foi total coincidência, pois o Banquete Messiânico tinha um significado bem diferente. Os principais anfitriões do banquete eram o sumo sacerdote e o Messias de Israel. O povo da comunidade era representado por oficiais designados que, juntos, formavam o Conselho dos Apóstolos Delegados. A Regra estipula a ordem correta de precedência para os lugares à mesa e detalhes do ritual que deviam ser observados durante a refeição. Ela conclui:

 

E quando eles se reúnem para a mesa comunitária... E misturam vinho para beber, que nenhum homem estenda a mão para pegar o pão ou o vinho antes do Sacerdote, pois é ele quem abençoa os primeiros frutos de pão e vinho... E depois, O Messias de Israel estenderá as mãos sobre o pão, e então toda a congregação da comunidade dará bênçãos, cada um de acordo com seu escalão.

 

Chegado o momento da comunhão, Judas saiu da sala, ostensivamente, para dar esmolas aos pobres (João 13:28-30). Na verdade, ele foi cuidar dos arranjos finais para a traição de Jesus, enquanto Jesus - que sabia da intenção dele - disse: "O que pretendes fazer, faze-o depressa" (João 13:27). Ainda havia tempo, porém, para que a profecia de João Batista a respeito da restauração do verdadeiro Cristo se cumprisse, mas o prazo final era aquela noite: o equinócio venal de 20 de março de 33 d.C. Jesus sabia que se isso acontecesse sem uma proclamação feita a favor dele, sua ambição acabaria. A partir daquela noite não haveria esperança de satisfazer a predição messiânica e ele seria denunciado como fraude. Quando Judas saiu da sala, já era quase meia-noite.

Após o banquete, Jesus e os demais Apóstolos foram para o antigo mosteiro em Qurnrã, normalmente conhecido como o Monte das Oliveiras. O Evangelho de João e os Evangelhos Sinópticos não concordam quanto à ordem precisa dos eventos, mas seja como for, Jesus previu seu destino e esboçou aos companheiros quais seriam as reações deles. Ele declarou que até Pedro o negaria, diante da profecia não cumprida. Enquanto alguns dos discípulos de Jesus dormiam no jardim do mosteiro, Jesus caminhava entre eles (Mateus 26:36-45), angustiado por talvez não ter sido reconhecido como o Messias Salvador. A meia-noite passou, e chegaram Judas Iscariotes e os soldados. O jardim do Monte das Oliveiras era conhecido como o "Vale do óleo" (Getsêmani).

O sucesso do plano de Judas dependia de ele cair nas graças do Pai, Jônatas Anás. Se Judas planejou um jogo calculado ou se ele e Jônatas tinham feito algum acordo antes não se sabe. Mas quando o momento da prisão chegou, Jônatas certamente se aliou a Judas. Isso não é uma surpresa, pois a filha de Jônatas era casada com o sumo sacerdote fariseu, José Caifás, enquanto tanto Jônatas como Judas eram adversários políticos do amigo íntimo de Jesus, Simão Zelote. Com a prisão em Getsêmani concluída, "Assim, a escolta, o comandante e os guardas dos judeus prenderam Jesus, manietaram-no e o conduziram primeiramente a Anás; pois era sogro de Caifás, sumo sacerdote naquele ano" (João 18:12-13).

Parece estranho que Simão Zelote, que sem dúvida devia estar presente a esses eventos, não seja mencionado em nenhum dos Evangelhos. Porém, em Marcos 14:51-52, há uma referência específica e velada a uma pessoa que pode ser Simão: "Seguia-o um jovem, coberto unicamente com um lençol, e lançaram-lhe a mão. Mas ele, largando o lençol, fugiu desnudo". Fugir desnudo pode simbolizar o fato de Simão ter sido destituído de seu antigo alto escalão eclesiástico; enquanto sua descrição como "jovem" o relega ao seu novo status de demovido, como um noviço na Comunidade, após a excomunhão.

 

                                   CRUCIFICA-O!

O julgamento de Jesus nem sequer foi um julgamento devido, e o cenário, conforme apresentado nos Evangelhos, é cheio de ambigüidades. Mateus 26:57-59 descreve assim a situação: "E os que prenderam Jesus o levaram à casa de Caifás, o sumo sacerdote, onde se haviam reunido os escrivães e os anciãos. Mas Pedro o seguia de longe até o pátio do sumo sacerdote e, tendo entrado, assentou-se entre os serventuários, para ver o fim. Ora, os principais sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam algum testemunho falso contra Jesus".       .

Ainda que todos esses sacerdotes, escrivãos e anciãos estivessem, de alguma forma, convenientemente reunidos nas primeiras horas do dia, permanece o fato de que era contrário à lei que o Conselho se reunisse à noite. Lucas 22:36 indica que, embora Jesus fosse levado primeiramente a Caifás, o Sinédrio só se reuniu quando amanheceu. Mas isso ainda seria ilegal, pois o Sinédrio não podia se reunir durante a Páscoa.

Todos os Evangelhos afirmam que Pedra seguiu Jesus até a casa onde estava Caifás, então ele negou o mestre três vezes, conforme previsto. A casa, porém, não era na cidade de Jerusalém; era a casa da sacristia em Qurnrã. Na qualidade de sumo sacerdote prevalecente, Caifás necessariamente teria estado no Banquete Messiânico (como especifica a Regra da Comunidade) e, portanto, residiria na comunidade junto a outros funcionários do Sinédrio, na noite anterior à sexta-feira de Páscoa.

Todos os relatos concordam que Caifás entregou Jesus ao governador romano, Pôncio Pilatos, cuja presença facilitava o interrogatório imediato. Isso se confirma em João 18:28-31, fazendo surgiu ainda outra anomalia:

Depois, levaram Jesus da casa de Caifás para o pretório. Era cedo de manhã. Eles não entraram no pretório para não se contaminarem, mas poderem comer a Páscoa. Então, Pilatos saiu para lhes falar e lhes disse: "Que acusação trazeis contra este homem?" Responderam-lhe: "Se este não fosse malfeitor, não to entregaríamos". Replicou-lhe, pois, Pilatos: "Tomai-o vós outros e julgai-o segundo a vossa lei". Responderam-lhe os judeus: "A nós não nos é lícito matar ninguém".

Nesse aspecto, a verdade é que o Sinédrio tinha plenos poderes não só de condenar criminosos, mas também de decretar e implementar a sentença de morte, se necessário. Os Evangelhos também afirmam que Pilatos ofereceu suspender a sentença de Jesus porque "É costume entre vós que eu vos solte alguém por ocasião da Páscoa". Novamente, isso não é verdade. Nunca existiu esse costume. Embora os zelotes, Simão (Lázaro) e Judas, apareçam em eventos que levaram à prisão de Jesus, parece que Tadeu (o terceiro mais importante revolucionário) não é mencionado após a Santa Ceia. Mas ela entra na história, no julgamento. Tadeu era um assistente da Sucessão (de Alfeu), um assistente do Pai e, portanto, um devoto Filho do Pai. Em hebraico, a expressão Filho do Pai incorporaria os elementos Bar (Filho) e Abba (Pai) - por isso, Tadeu pode ser descrito como "Bar Abba"; e há um homem chamado Barrabás intimamente ligado à possibilidade da suspensão de Jesus por Pôncio Pilatos.

Barrabás é descrito em Mateus 27:16 como um "preso muito conhecido"; em Marcos 15:7 como alguém que tinha sido "preso com amotinadores, os quais em um tumulto haviam cometido homicídio"; em Lucas 23:19, como um homem que "estava no cárcere por causa de uma sedição na cidade e também por homicídio"; e em João 18:40 como "salteador". A descrição de João é um tanto vaga, pois todos os dias os ladrões ("salteadores") eram sentenciados à crucificação. Entretanto, a palavra traduzida não reflete verdadeiramente a implicação grega original, porque léstés não significa "ladrão", e sim "contra a lei". As palavras de Marcos apontam mais especificamente para o papel de insurgente de Barrabás na recente revolta.

O que parece ter acontecido é que quando os três prisioneiros, Simão, Tadeu e Jesus, foram levados a Pilatos, os casos dos dois primeiros eram simples; eram líderes zelotes conhecidos e tinham sido condenados desde a insurgência. Por outro lado, Pilatos achava extremamente difícil provar a acusação contra Jesus. De fato, Jesus só estava ali porque o contingente judeu o tinha passado para Pilatos para sentenciá-lo junto aos outros. Pilatos pediu à hierarquia que lhe fornecesse ao menos um pretexto - "Que acusação trazeis contra este homem?" - mas não recebeu resposta satisfatória. No desespero, Pilatos sugeriu que o levassem, acrescentando: "julgai-o segundo a vossa lei", ao que os judeus responderam com a falsa desculpa de "A nós não é lícito matar ninguém".

Assim, Pilatos se voltou para o próprio Jesus: "És tu o rei dos judeus?", perguntou; ao que Jesus replicou: "Vem de ti mesmo esta pergunta ou to disseram outros a meu respeito?"

Confuso, Pilatos continuou: "A tua própria gente e os principais sacerdotes é que te entregaram a mim. Que fizeste?"

O interrogatório prosseguiu até que finalmente Pilatos "voltou aos judeus e lhes disse: "Eu não acho nele crime algum" (João 18:38).

Nesse ponto, Herodes Antipas da Galiléia entrou em cena (Lucas 23:7-12). Ele não era amigo dos sacerdotes Anás e seu propósito era que Jesus fosse libertado para provocar seu sobrinho, o rei Herodes Agripa. Assim, Antipas fez um acordo com Pilatos para garantir a libertação de Jesus. O pacto entre Judas Iscariotes e Jônatas Anás foi portanto substituído, sem envolvê-los, por meio de um acordo entre o tetrarca herodiano e o governador romano. A partir daquele momento, Judas perdeu qualquer chance de perdão pelas atividades zelotes e seus dias estavam contados. De acordo com o novo arranjo, Pilatos disse aos anciãos judeus (Lucas 23:14-16):

 

Apresentastes-me este homem como agitador do povo; mas, tendo-o interrogado na vossa presença, nada verifiquei contra ele dos crimes de que o acusais. Nem tampouco Herodes, pois no-lo tomou a enviar. É, pois, claro que nada contra ele se verificou digno de morte. Portanto, após castigá-lo, soltá-lo-ei.

 

Se os membros do Sinédrio esperassem até depois da Páscoa, poderiam ter conduzido seu próprio julgamento em perfeita legalidade. Mas estrategicamente eles passaram a responsabilidade para Pilatos, porque sabiam que não havia uma acusação real para ser substanciada. Certamente não tinham barganhado pelo senso de justiça de Pilatos, nem pela intervenção de Herodes Antipas. Mas Pilatos conseguira derrotar seu próprio objetivo. Ele tentou conciliar sua decisão de libertar Jesus com a noção de que o gesto poderia ser considerado uma concessão de Páscoa e, ao fazê-lo, abriu a porta para uma escolha por parte dos judeus: Jesus ou Barrabás? Nesse momento, "toda a multidão, porém, gritava: Fora com este! Solta-nos Barrabás!" (Lucas 23:18).

Pilatos insistiu a favor de Jesus, mas os judeus gritavam: "Crucifica-o!" Novamente, Pilatos perguntou: "Que mal fez este? De fato, nada achei contra ele para condená-lo à morte". Mas finalmente cedendo ao senso de compromisso, mal orientado, Pilatos libertou Barrabás (Tadeu). Os soldados romanos colocaram uma coroa de espinhos sobre a cabeça de Jesus e o envolveram com um manto púrpuro. Pilatos o devolveu aos sacerdotes, dizendo: "Eis que eu vo-lo apresento, para que saibas que não acho nele crime algum" (João 19:4).

 

                PARA GÓLGOTA

Naquele momento, as coisas estavam indo bem para os anciãos de Jerusalém; seu plano tinha dado certo. O idoso Tadeu pode ter sido libertado, mas Simão e Jesus estavam em custódia, bem como Judas Iscariotes. Sem dúvida, o maior de todos os traidores era o Pai predominante, Jônatas Anás, o antigo apóstolo conhecido como Tiago Alfeu (ou Natanael). As três cruzes foram devidamente ergui das no Lugar da Caveira, o calvário (Gólgota) e preparadas para receber Jesus e os líderes zelotes da guerrilha, Simão Zelotes e Judas Iscariotes.

No caminho até a crucificação em Gólgota, ocorreu um evento significativo quando um misterioso personagem chamado Simão, o Cireneu, ofereceu-se para carregar a cruz de Jesus (Mateus 27:32). Muitas teorias tentam explicar quem teria sido esse cireneu, mas sua identidade verdadeira não é muito importante. O importante é que ele estava lá. Há uma interessante referência a ele num antigo tratado cóptico chamado O Segundo Tratado do Grande Seth, descoberto entre os livros de Nag Hammadi. Em meio à explicação de que houve uma substituição pelo menos para uma das vítimas da crucificação, o tratado menciona o cireneu, nesse contexto. A substituição aparentemente ocorreu de fato, pois o tratado declara que Jesus não morreu na cruz, como se presumia. O próprio Jesus teria dito: "Quanto à minha morte - suficientemente real para eles - lhes parecera real por causa de sua falta de compreensão e de sua cegueira".

O Alcorão islâmico (Capítulo 4, intitulado "Mulheres") especifica que Jesus não morreu na cruz, afirmando: "Contudo, eles não o mataram, nem o crucificaram, mas ele foi representado por alguém que lhe era semelhante... Na verdade, eles não o mataram". No século 11, também o historiador Basilides de Alexandria escreveu que a crucificação fora encenada (com Simão, o Cireneu, usado como substituto), enquanto o líder gnóstico, Mani (nascido perto de Bagdá em 214 d.C.), fazia exatamente a mesma afirmação.

No evento, porém, parece que Simão, o Cireneu, substituiu Simão Zelote, não Jesus. Evidentemente, a execução de dois homens como Jesus e Simão não passaria ignorada; por isso, uma estratégia foi implementada para ludibriar as autoridades judaicas (embora é bem possível que os homens de Pilatos tenham participado do subterfúgio). E essa estratégia contou com o uso de um veneno indutor de coma e a representação de um logro físico.

Se havia um homem capaz de arquitetar essa ilusão, ele era Simão Zelote, líder dos Magos Samaritanos e reconhecido como o maior Mago de sua época. Tanto os Atos de Pedra como as Constituições Apostólicas124 da Igreja contam a história de como, alguns anos depois, Simão levitou até ficar acima do fórum romano. Em Gólgota, porém, as coisas eram muito diferentes: Simão estava sob guarda e a caminho de ser crucificado.

Era necessário livrar Simão de seu destino - então, foi organizada uma substituição na pessoa do cireneu, que estaria mancomunado com o já libertado Tadeu (Barrabás). O logro começou a caminho de Gólgota quando, aceitando a cruz de Jesus, o cireneu conseguiu se imiscuir no meio da multidão. A troca em si foi feita no local da crucificação, facilitada pela confusão preparatória geral. Em meio à balbúrdia de erguerem as cruzes, o cireneu aparentemente sumira, mas na verdade estava no lugar de Simão. Nos Evangelhos, a seqüência seguinte de eventos é cuidadosamente velada, pois pouquíssimos detalhes são dados sobre os homens crucificados com Jesus; de fato, eles apenas são descritos como "ladrões".

E assim a encenação estava montada: Simão (Zelote), o Mago, conseguira sua liberdade e pôde, a partir daí, lidar com o restante dos procedimentos.

 

                   CRUCIFICAÇÃO

                   LUGAR DA CAVEIRA

Embora a crucificação geralmente seja descrita como um evento relativamente público, os Evangelhos afirmam (por exemplo, em Lucas 23:49) que os observadores foram obrigados a ver tudo "de longe". Em Mateus, Marcos e João, o lugar é chamado de Gólgota, enquanto em Lucas tem o nome de Calvário. Entretanto, ambos os nomes (hebraico: Gulgoleth, aramaico: Gulgolta, latim: Calvaria) derivam de palavras que significam "caveira" ou "crânio" e o significado de Gólgota, conforme dado nos Evangelhos, é claro: um "lugar da caveira".

Três séculos mais tarde, à medida que a fé cristã espalhava sua influência, vários lugares em Jerusalém e ao redor receberam um significado supostamente próprio do Novo Testamento. Em muitas ocasiões, tratava-se apenas de colocar um nome num local apropriado; era uma demanda do mercado turístico e dos peregrinos. Foi identificado, então, um devido Calvário; uma rota pela qual Jesus teria carregado a cruz foi traçada e um sepulcro conveniente marcado para representar a lendária tumba.

No contexto de toda essa criatividade, Gólgota (Calvário) se localizaria do lado de fora da Muralha de Herodes, a noroeste de Jerusalém. Era uma colina infértil, e foi escolhida por ter formato que lembrava vagamente uma caveira. Posteriormente, a tradição ocidental romantizou o lugar como sendo "uma colina verdejante e distante" - um tema sobre o qual muitos artistas produziram várias versões. Entretanto, apesar de todo esse idealismo fantasioso, nenhum dos Evangelhos faz menção alguma de uma colina. De acordo com João 19:41, o local era um "jardim" no qual havia um sepulcro particular que pertencia a José de Arimatéia (Mateus 27:59-60). Considerando a evidência dos Evangelhos, em vez do folclore popular, vemos que a crucificação não foi um espetáculo no alto de uma colina, com enormes cruzes projetadas contra o horizonte e uma multidão épica de espectadores. Pelo contrário, foi um evento modesto, num terreno controlado - um jardim exclusivo que era, de uma forma ou de outra, o "Lugar da Caveira" (João 19:17).

Os Evangelhos dizem muito pouco sobre o assunto, mas em Hebreus 13:11-13 encontramos algumas pistas importantes acerca do local:

 

Pois aqueles animais cujo sangue é trazido para dentro do Santo dos Santos, pelo sumo sacerdote, como oblação pelo pecado, têm o corpo queimado fora do acampamento. Por isso foi que também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta. Saiamos pois a ele, fora do arraial, levando a sua repreensão.

 

Com isso, deduzimos que Jesus sofreu "fora da porta" ou "fora do acampamento". Também há certa associação com um lugar onde os corpos dos animais sacrificados eram queimados. Essa referência é particularmente importante porque os lugares onde se queimavam os restos dos animais eram considerados impuros. De acordo com Deuteronômio 23:10-14, "fora do acampamento" era uma expressão para descrever áreas como fossas e latrinas públicas, lugares que eram tanto física como ritualmente impuros. No mesmo sentido, "fora da porta" definia vários outros locais impuros, incluindo cemitérios comuns. Além disso, os Pergaminhos do Mar Morto deixam claro que, por constituir um ato de deflagração andar por cima dos mortos, os cemitérios humanos eram identificados com o sinal de uma caveira. Portanto, naturalmente, o "local de um crânio" (Gólgota/Calvário) era um cemitério - um jardim sepulcral restrito que continha um sepulcro vazio sob os cuidados de José de Arimatéia.

Outra pista está em Apocalipse 11:8, que diz que Jesus foi crucificado na "praça da grande cidade que, espiritualmente, se chama Sodoma e Egito". Isso positivamente identifica o local do cemitério como sendo Qumrã, que foi designado Egito pelo Terapeutato, e associado geograficamente com o centro de Sodoma, no Antigo Testamento.

Quem, então, foi José de Arimatéia? Nos Evangelhos, ele é descrito como um "ilustre membro do Sinédrio, que também esperava o reino de Deus" (Marcos 15:43). Ele também era "discípulo de Jesus, ainda que secretamente, pelo receio que tinha dos judeus" (João 19:38). Mas embora a aliança de José com Jesus fosse mantida oculta dos anciãos judeus, ela não era segredo para Pôncio Pilatos, que aceitava, sem questionar, o envolvimento do homem com os afazeres de Jesus. Esse mesmo envolvimento não surpreendia Maria, a mãe de Jesus, nem Maria Madalena, Maria Cléopas ou Salomé. Todas estavam satisfeitas com os planos de José, aceitando sua autoridade sem comentários ou objeções.

Às vezes relacionado ao vilarejo de Arimé, na planície de Genesaré, Arimatéia era, na verdade, um título descritivo como muitos outros no Novo Testamento. Representava um status particularmente alto. Assim como Mateus Anás tinha a distinção sacerdotal de "Levi de Alfeu" (Levi da Sucessão), José era "de Arimatéia". Entretanto (como no título de Levi, de Mateus), José não era seu verdadeiro nome batismal. Arimatéia (como Alfeu) derivava de uma combinação de elementos hebraicos e gregos - nesse caso, o hebraico: ha ram ou ha rama (da altura ou do topo) e o grego: Theo (relacionado a Deus). Juntos, os dois termos significariam "do Mais Alto de Deus" (ha Rama Theo) e, como uma distinção pessoal, Alteza Divina.

Enquanto isso, sabemos que Jesus era o herdeiro do trono de Davi. O título patriarcal de José se aplicava ao sucessor imediato128 e, nesse sentido, com Jesus considerado o herdeiro, então seu irmão mais velho, Tiago, era o José designado. Assim, José de Arimatéia emerge como o próprio Tiago, irmão de Jesus. Não é nenhuma surpresa, portanto, que Jesus tenha sido sepultado num sepulcro que pertencia à sua farm1ia real. Tampouco é surpresa que Pilatos deixasse o irmão de Jesus cuidar de tudo ou que as mulheres da família de Jesus aceitassem os planos feitos por José (Tiago), sem questioná-los. O motivo pelo qual José ocultava do Sinédrio seu apoio a Jesus é evidente, pois ele tinha seus próprios seguidores entre todos os escalões da comunidade hebraica.

Desde a descoberta dos Pergaminhos do Mar Morto em Qurnrã, em 1947, as escavações prosseguiram até os anos 50. Nesse período, importantes descobertas foram feitas em várias cavernas. Os arqueólogos descobriram que uma caverna, em particular, tinha duas câmaras e duas entradas separadas, a uma boa distância entre si. O acesso à câmara principal era por meio de um buraco no caminho do telhado, enquanto a cavidade adjacente era acessível pelo lado. Da entrada no telhado, foram construídos degraus que desciam até a câmara e, para fechar a entrada contra água de chuva, uma grande pedra fora rolada para cobrir a abertura. De acordo com o Pergaminho de Cobre, esse sepulcro era usado como um depósito de tesouro, sendo assim chamado de Caverna do Homem Rico. Esse sepulcro do Príncipe José se localizava diretamente em frente ao Seio de Abraão.

A profecia de que o Messias entraria em Jerusalém montado num jumento não era a única feita a respeito do Messias no livro de Zacarias, no Antigo Testamento. Duas outras profecias - Zacarias 12: 10 e 13:6 diziam que ele seria esfaqueado, e sua morte lamentada por toda a Jerusalém, e que seria ferido nas mãos por causa de seus amigos. Jesus percebera que, sendo crucificado, seria qualificado em todos esses aspectos. Ele podia ter estourado o prazo segundo a profecia de João Batista, mas a crucificação lhe ofereceria outra chance. Assim, como vemos em João 19:36 a respeito de Zacarias: "E isso aconteceu para se cumprir a Escritura" .

A crucificação era ao mesmo tempo punição e execução: a morte por martírio se prolongava por muitos dias. Primeiro, os braços estendidos da vítima eram amarrados, pelos pulsos, a uma viga, que em seguida era encaixada horizontalmente como um poste de madeira colocado na vertical. Às vezes, as mãos eram traspassadas por pregos também, mas estes, sozinhos, seriam inúteis. Suspendido com todo o peso nos braços, um homem teria seus pulmões comprimidos e acabaria morrendo rapidamente sufocado. Para prolongar a agonia, a pressão no peito era aliviada quando os pés da vítima também eram traspassados e presos no poste. Presa assim, a vítima poderia permanecer viva por vários dias, possivelmente uma semana ou mais. Depois de algum tempo, para liberar as cruzes, os carrascos às vezes quebravam as pernas dos prisioneiros para aumentar o peso do corpo pendurado e acelerar a morte.

Naquela sexta-feira, equivalente a 20 de março de 33 d.C., não havia motivo para que qualquer um dos homens crucificados morresse no decorrer do dia. No entanto, deram vinagre a Jesus e, tendo-o tomado, ele "rendeu o espírito" (João 19:30). Pouco depois, um centurião espetou o flanco de Jesus com uma lança, e o fato de ele sangrar (o que se identificou como sangue e água) parecia indicar que ele estava morto (João 19:34). Na realidade, o sangramento vascular indica que um corpo está vivo, não morto. O Dr. A. R. Kittermaster, em seu relatório de 1979, intitulado A Medical View of the Calvary [Uma Visão Médica do Calvário], confirmou que "Morto ou vivo, o fluxo de água é difícil de explicar, mas o sangue não jorra de um ferimento feito por lança após a morte. Seria necessário fazer uma laceração muito grande para que saísse algum sangue de um corpo morto". Naquele momento, Judas e o cireneu estavam bem vivos, por isso quebraram-lhes as pernas.

Os Evangelhos não dizem quem deu o vinagre a Jesus na cruz, mas João 19:29 especifica que o recipiente estava pronto e esperando para ser usado. Um pouco antes na mesma seqüência (Mateus 27:34), é dito que a poção era "vinho com fel", ou seja, vinho azedo misturado com veneno de cobra. Dependendo das proporções, esse tipo de mistura pode induzir à inconsciência ou até causar morte. Nesse caso, o veneno não foi dado a Jesus em numa caneca, mas sim uma esponja e em doses medidas. A pessoa que o administrou foi, sem dúvida, Simão Zelote, que também deveria estar numa cruz.

Enquanto isso, José de Arimatéia estava negociando com Pilatos para remover o corpo de Jesus antes do Sabá e coloca-lo em seu sepulcro. Pilatos se surpreendeu por Jesus ter morrido em tão pouco tempo (Marcos 15:44): "Pi1atos admirou-se de que ele já tivesse morrido. E, tendo chamado o centurião, perguntou-lhe se havia muito que morrera". Para acelerar as coisas, José recitou para Pilatos uma regra judaica baseada em Deuteronômio 21:22-23 e confirmada no Pergaminho do Templo de Qurnrã: "Se alguém houver pecado, passível da pena de morte, e tiver sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não permanecerá no madeiro durante a noite, mas certamente o enterrarás no mesmo dia". Pilatos, então, sancionou a mudança do procedimento de pendurar um pecador (como se manifestava na crucificação) para o velho costume de enterra-lo vivo. Em seguida, voltou para Jerusalém, deixando José no controle de tudo (é possivelmente interessante que em Atos 5:30, 10:39 e 13:29, as referências à tortura de Jesus sempre se relacionem ao fato de ele estar "pendurado numa árvore").

Estando Jesus num estado de coma, aparentemente sem vida, e Judas e o cireneu com as pernas quebradas, os três foram descidos da cruz, tendo ficado lá menos da metade de um dia. O relato não diz que os homens estavam mortos; simplesmente faz referência à remoção de seus corpos, isto é, corpos vivos, e não cadáveres.

 

                 TRÊS HORAS DE ESCURIDÃO

O dia seguinte era o Sabá, sobre o qual os Evangelhos falam pouco. Só Mateus 27:62-66 menciona esse sábado, mas se refere simplesmente a uma conversa entre Pilatos e os anciãos judeus em Jerusalém, após o que Pilatos enviou dois guardas para vigiar a tumba de Jesus. Fora isso, os quatro Evangelhos continuam sua história a partir da manhã do domingo.

No entanto, se algum dia foi importante para o desenrolar dos eventos seguintes era justamente o sábado: o Sabá do qual pouco ouvimos falar. Esse respeitado dia de descanso e adoração era a chave do segredo de tudo o que aconteceu. Foi o que ocorreu no sábado que causou tamanho espanto nas mulheres, quando elas encontraram a pedra fora de posição, na madrugada de domingo. Em termos práticos, nada havia de assustador no deslocamento da pedra - qualquer um poderia tê-la movido. Na verdade, as próprias mulheres a teriam empurrado, pois não tinham motivo para prever um acesso impedido. O impensável era que a pedra fora movida no Sabá, um dia sagrado no qual era absolutamente proibido erguer qualquer peso. O mistério não estava no "ato" da remoção, mas no "dia" da remoção. Pois seria impossível que a pedra tivesse sido movida no Sabá!

Há alguma variação entre os Evangelhos quanto ao que realmente aconteceu no terceiro dia: o domingo. Mateus 28:1 diz que Maria e Maria Madalena foram até a tumba, enquanto Marcos 16:1 inclui também Salomé. Lucas 24:10 apresenta Joana, mas omite Salomé, enquanto João 20:1 fala de Madalena chegando totalmente sozinha. Marcos, Lucas e João afirmam que quando a mulher, ou as mulheres, chegaram, a pedra já tinha sido deslocada.

Em Mateus, porém, as duas sentinelas estavam de guarda e a pedra ainda se encontrava na mesma posição. Então, para assombro das mulheres e das sentinelas, "um anjo do Senhor desceu do céu, removeu a pedra e assentou-se sobre ela".

Na seqüência, fica evidente que Jesus não estava na tumba onde fora colocado. De acordo com Mateus 28:5-6, o anjo guiou as mulheres até a caverna. Em Marcos 16:4-5, elas entraram sozinhas e se viram diante de um jovem vestindo uma túnica branca. Lucas 24:3-4, porém, descreve dois homens dentro da caverna. E João 20:2-12 conta como Maria Madalena foi buscar Pedro e outro discípulo antes de entrar na caverna. Em seguida, depois que seus companheiros tinham ido embora, Maria encontrou dois anjos sentados dentro do sepulcro.

Na análise final, não fica claro se os guardas existiam ou não. O número de mulheres presentes varia entre uma, duas ou três. Talvez Pedro estivesse com elas, talvez não. Havia um anjo do lado de fora ou um jovem dentro do sepulcro; alternativamente, havia talvez. dois anjos dentro, que deviam estar sentados ou em pé. Quanto à pedra, possivelmente ela ainda estava na posição certa ao nascer do dia, ou talvez já tivesse sido removida.       .

Só há um denominador comum em tudo isso: Jesus não estava mais lá - mas mesmo isso não é certo. De acordo com João 20:14-15, Maria Madalena se afastou dos anjos e viu Jesus em pé, mas tomou-o por um jardineiro. Ela caminhou na direção dele, mas Jesus não a deixou se aproximar, dizendo: "Não me detenhas" (João 20: 17).

Esses são os quatro relatos nos quais se baseia toda a história da Ressurreição, e, no entanto, eles apresentam divergências em quase todos os detalhes. Por causa disso, séculos de polêmica vêm se arrastando quanto à questão de quem viu Jesus ressuscitado primeiro, Maria Madalena ou Pedro. Mas será que somos capazes de traçar o que de fato aconteceu depois que José (Tiago) deixou Jesus na tumba, na sexta-feira?

Inicialmente, o cireneu e Judas Iscariotes (com as pernas quebradas, mas ainda bem vivos) tinham sido colocados na segunda câmara da tumba. O corpo de Jesus ocupava a câmara principal. Dentro dos confins da câmara dupla, Simão Zelote já estava em seu posto, com lâmpadas e tudo de que precisasse para a operação (detalhe interessante, havia uma lâmpada entre os objetos encontrados dentro da caverna, nos anos 50).

Então, segundo João 19:39, Nicodemos chegou, "levando cerca de cem libras de um composto de mirra e aloés". Extrato de mirra era uma forma de sedativo de uso comum na prática medicinal da época. Mas para que tamanha quantidade de aloés? O suco de aloé, como explica a moderna farmacopéia, é um purgativo forte e de rápido efeito - exatamente o que seria necessário para Simão expelir o fel (veneno) do corpo de Jesus.

É um fato muito significativo que o dia após a crucificação era o Sabá. Na verdade, o tempo para toda a operação de "ressuscitar Jesus dentre os mortos" (libertá-lo da excomunhão) dependia da hora precisa que se considerava ter o início o Sabá. Naqueles dias, não havia um conceito para uma duração fixa de horas e minutos. O registro e a medida do tempo eram algumas das funções oficiais dos levitas que programavam o curso das horas pelas sombras no chão em áreas medidas. Além disso, desde cerca de 6 a.C., já se usavam os relógios de sol. Entretanto, nem as marcas no chão nem os relógios de sol tinham utilidade quando não havia sombra. Assim, havia doze "horas do dia" determinadas (luz) e, do mesmo modo, doze "horas da noite" (escuridão). As últimas eram medidas por sessões de oração levíticas (como as horas canônicas da Igreja Católica de hoje. Na verdade, a atual oração Angelus - feita pela manhã, ao meio-dia e na hora do pôr-do-sol - deriva da prática dos antigos anjos levitas). O problema, porém, era que à medida que os dias e noites ficavam mais longos ou mais curtos, eram necessários ajustes nos momentos em que as horas se sobrepunham.

Naquela sexta-feira específica da crucificação, era necessário um ajuste adiantado de três horas completas e, por causa disso, há uma discrepância notável entre os relatos de Marcos e João quanto à cronologia dos eventos naquele dia. Marcos 15:24 diz que Jesus foi crucificado na terceira hora, enquanto João 19:14-16 afirma que Jesus foi preparado para a crucificação por volta da sexta hora. Essa anomalia ocorre porque o Evangelho de Marcos usa a contagem de tempo helenista, enquanto o de João usa a hebraica. O resultado da mudança de tempo (como descreve Marcos 15:33) foi que "chegada à hora sexta, houve trevas sobre a terra até a hora nona". Essas três horas de escuridão eram apenas simbólicas; ocorreram dentro de uma fração de segundo (como acontece com as mudanças de tempo hoje quando atravessamos diferentes fusos horários ou quando avançamos ou atrasamos os relógios para o horário de verão). Assim, nessa ocasião, o fim da quinta hora foi imediatamente seguido pela nona hora.

A chave para a história da Ressurreição se encontra nessas três horas perdidas (as horas do dia que se tomaram horas da noite), pois o novo começo estabelecido para o Sabá era três horas antes da velha décima segunda hora - ou seja, à nona hora, que foi redefinida como décima segunda hora. Mas os magos samaritanos de Simão Zelote trabalhavam com uma estrutura de tempo astronômica e não implementaram formalmente a mudança de três horas até a décima segunda hora original. Isso significava que, sem quebrar as regras de não trabalhar no Sabá, Simão tinha três horas completas para realizar o que tinha de fazer, embora os outros já tivessem começado o sagrado período de descanso. Era tempo suficiente para administrar

 

os medicamentos a Jesus e cuidar das fraturas ósseas do cireneu. Judas Iscariotes não recebeu o mesmo tratamento misericordioso, sendo atirado de um penhasco, o que lhe causou a morte (como relatado em Atos 1:16-18). A referência anterior em Mateus 27:5, indicando que Judas se enforcou, aplica-se meramente ao fato de que, naquele momento, ele montou a cena para a sua ruína.

 

                         O TÚMULO VAZIO

Quando o Sabá começou, segundo o tempo dos magos (três horas depois do Sabá judaico padrão), ainda havia três hora noturnas antes de Maria Madalena chegar ao romper do dia e no início de uma nova semana. É irrelevante se havia ou não sentinelas em guarda aquela noite; qualquer ida e vinda de Simão e seus colegas seria feita por meio da segunda entrada, que ficava a certa distância. Se a pedra foi ou não removida também é irrelevante. O importante aqui é que, quando Jesus apareceu, ele estava vivo e bem.

Quanto ao anjo que moveu a pedra para as mulheres, em Mateus 28:3, lemos: "O seu aspecto era como um relâmpago, e a sua veste, alva como a neve". Como vimos, Simão (Mago) Zelote era politicamente classificado como "Relâmpago"; suas vestes eram brancas e, em seu escalão, ele era de fato um anjo. A frase poderia, portanto, ser interpretada mais literalmente como "Seu aspecto era o de Simão Zelote em sua veste sacerdotal". Mas por que isso seria uma surpresa tão grande para as mulheres? Porque elas achavam que Simão tinha sido crucificado e sepultado, com as pernas quebradas.

Não só Simão estava presente, mas também Tadeu: "Houve um grande terremoto porque um anjo do Senhor desceu do céu" (Mateus 28:2). Assim como Simão Zelote era classificado como Relâmpago (enquanto Jônatas Anás era o Trovão), Tadeu era, por sua vez, -designado como Terremoto (num jogo de imagens semelhante a respeito do monte Sinai, como em Juízes 5:5. Portanto, Simão e Tadeu eram os dois anjos encontrados por Maria (João 20:11-12). Simão também era o "jovem" em vestes brancas (Marcos 16:5), a descrição indicando seu recém demovido status como noviço, subseqüente à excomunhão de Lázaro.

O jardim onde Jesus foi crucificado ficava sob a jurisdição de José de Arimatéia (Tiago, o irmão de Jesus). Era uma área consagrada simbolizando o Jardim de Éden, o que fazia identificar Tiago com Adílo, o homem do Jardim. Assim, quando Maria viu Jesus e pensou que fosse o jardineiro, a inferência é que ela acreditava estar olhando para Tiago. O motivo de Jesus não deixar que ela o tocasse era que Maria estava grávida e, de acordo com as regras para as noivas dinásticas, ela não tinha permissão de ter contato físico com o marido naquele período.

É evidente que Maria e a maioria dos discípulos não tinham participado do subterfúgio daquela sexta-feira e do sábado. De fato, a intenção de Simão era permanecer misterioso; escapar da caverna funerária com vida e as pernas intactas contribuiria para a sua já grande reputação. Também interessava a Jesus que o seu reaparecimento espantasse a todos. No evento, o esforço conjunto - com o apoio de Tadeu, do cireneu e do irmão Tiago (José) - manteve de pé a missão após sua quase ruína, permitindo aos apóstolos continuar com seu trabalho. Se Jesus tivesse de fato morrido, seus discípulos se teriam dispersado, em medo e dúvida, e a causa teria morrido com ele. Mas do jeito que tudo transcorreu, a missão ganhou uma nova vida - cujo resultado foi o nascimento do Cristianismo.

 

               RESSUSCITADO DENTRE OS MORTOS

E se não há ressurreição dos mortos, então, Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé... Porque se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou...

Esse é a defesa da Ressurreição, apresentada como penhor de fé por São Paulo em 1 Coríntios 15:13-16. Admitamos que não constitui um argumento muito bom para algo que é tão fundamental para a fé cristã. De fato, é um argumento que depõe contra si mesmo. Se Paulo estivesse falando em termos espirituais, seus contemporâneos teriam aceitado suas palavras mais rapidamente, mas não foi o caso. Ele falava literalmente, referindo-se à noção de cadáveres voltando à vida, segundo a profecia no livro de Isaías (26: 19): "Os vossos mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão".

A imortalidade da alma (não a do corpo) era um conceito conhecido bem antes da época de Jesus. No antigo mundo grego, os seguidores do filósofo ateniense Sócrates (c.469-399 a.C.) já o divulgavam. No século IV a.C., Platão afirmava que a mente, não a matéria, era a raiz da realidade. Mesmo antes disso, Pitágoras (c.570-500 a.C.) divulgava a doutrina da reencarnação: a idéia de que, quando o corpo físico morre, a alma entra em outro corpo e começa uma nova vida.

Na verdade, a crença na reencarnação é comum em muitas religiões provenientes da mesma época, incluindo o Hinduismo e o Budismo.

Paulo, entretanto, não se referia à transmigração de almas; ele expressava uma crença na qual o Cristianismo se destaca como sozinho, como uma das maiores religiões - a noção de que uma pessoa morta pode voltar à vida, "em carne". O Credo dos apóstolos diz que Jesus foi "crucificado, morto e sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia". Estudiosos e pesquisadores há muito criticam a interpretação literal desse conceito e, em anos recentes, muitos clérigos também o contestam. Mas as velhas doutrinas são difíceis de exterminar e muitos sentem que abandonar esse conceito seria o mesmo que abandonar a ética intrínseca do próprio Cristianismo. Entretanto, se o Cristianismo tem uma base de valor (e certamente tem), essa base deve ser o código moral, somado aos ensinamentos de Jesus. Na verdade, os Evangelhos tratam desses padrões sociais e seus ensinamentos associados. Eles são a própria essência da Boa Notícia.

Afirma-se com freqüência que após quase 2.000 anos cerca de três quartos da população mundial não aceitam a idéia de ressurreição física. Muitos acham essa idéia mais perturbadora do que iluminada, o que faz com que a mensagem cristã seja severamente reprimida. Poucas religiões (ou quase nenhuma delas) contestariam o motivo magnânimo e inspirador do ideal de Jesus - um ideal de harmonia, unidade e serviço numa sociedade fraterna. Na verdade, não há uma base melhor para a religião; entretanto, a distorção de um dogma restritivo prevalece, junto a uma querela constante sobre questões de interpretação e ritual. Enquanto essas disputas continuarem, não poderá haver uma verdadeira harmonia; e uma sociedade eclesial dividida pouco mais pode oferecer a si própria e ao mundo do que um serviço limitado.

Um dos principais problemas associados à aceitação da ressurreição carnal de Jesus é que essa premissa é muito pouco defendida nos Evangelhos. Vimos que os versículos 9 a 20 de Marcos 16 foram estrategicamente acrescentados muito tempo depois que o Evangelho estava completo e publicado. E se o Evangelho de Marcos foi o primeiro dos Evangelhos Sinópticos, formando a base para os outros, então uma dúvida legítima pode pairar sobre a autenticidade dos versículos finais de Mateus e Lucas. Mas se ignorarmos tudo isso, para aceitarmos os quatro Evangelhos como são apresentados, deparamo-nos com um quadro muito vago no qual muitos detalhes são não só confusos mas conflitantes. Primeiro, Maria Madalena pensou que Jesus fosse outra pessoa. Depois, Pedro e Cléopas conversaram com ele por várias horas pensando que fosse um estranho. Só quando Jesus se sentou para comer com seus apóstolos, eles os reconheceram - momento em que ele desapareceu da vista de todos.

O que se destaca aqui é que o conceito da Ressurreição, como o conhecemos hoje, era completamente desconhecido entre as pessoas da época. Exceto por aqueles diretamente envolvidos com todo o cenário da crucificação, os discípulos estavam às cegas. Eles realmente acreditavam que seu mestre tinha morrido, e seu reaparecimento os espantaria de fato. Não eram os sacerdotes de alta posição como Simão, Levi e Tadeu, mas os apóstolos menos sofisticados como Pedra e André. No entanto, eles certamente teriam compreendido que a previsão de Jesus de como seu templo retomaria em três dias (João 2:19) nada tinha a ver com uma posterior interpretação européia fugiu completamente do simbolismo da morte.

Como vemos na história de Lázaro, um homem era considerado morto quando fosse excomungado - uma forma de morte espiritual por decreto. O processo levava quatro dias para a implementação, período em que o excomungado era considerado doente para morrer. Nesse sentido, Jesus fora formalmente denunciado pelo Sinédrio dos anciãos legais, pelo sumo sacerdote, José Caifás, e pelo novo Pai, Jônatas Anás. Sua excomunhão foi absoluta e, desde as primeiras horas da sexta-feira da crucificação, ele estava oficialmente "doente". O “único modo de escapar da morte" no quarto dia seria a prévia libertação (ressurreição) da denúncia por parte do Pai ou sumo sacerdote, motivo pelo qual Jesus insistiu em ressuscitar no terceiro dia. Em qualquer outro contexto, o período de três dias não tinha o menor significado. Mas com o sistema voltado firmemente contra ele, quem poderia realizar a ressurreição?

O único homem capaz de se encarregar do rito era o Pai deposto, o leal Simão Zelote. A despeito das maquinações em Jerusalém, a posição de Simão como o Pai ainda era respeitada por muitos, mas Simão fora crucificado com Jesus, ou pelo menos era o que a maioria dos discípulos acreditava. Entretanto, Simão ressurgiu, vivo e bem, com Jesus, o qual ele tinha "ressuscitado dentre os mortos" nas primeiras horas da manhã de domingo. Para aqueles que tinham participado do plano, a ressurreição de Jesus fora de fato um milagre e, como afirma o Evangelho: "Quando pois Jesus ressuscitou dentre os mortos, lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isso; e creram na Escritura e na palavra de Jesus" (João 2:22).

Foi Paulo (um hebreu convertido posteriormente) quem estabeleceu a doutrina da ressurreição de sangue e ossos, mas mesmo o seu entusiasmo não durou muito. No entanto, como tinha se expressado de maneira tão inflamada sobre o assunto e sustentado os próprios argumentos com contra-argumentos, como vimos antes ("se não há ressurreição dos mortos, então, Cristo não ressuscitou..." e assim por diante), Paulo era considerado um fanático pelo irmão de Jesus, Tiago, cujos nazarenos nunca tinham pregado a Ressurreição. De fato, desde aqueles tempos da inicial exaltação paulina, a Ressurreição diminuiu como fator de interesse fundamental. Isso fica totalmente claro nas posteriores Epístolas (cartas) de Paulo em outros livros do Novo Testamento, em que mal se fala em ressurreição.

Mais importante era o fato de Jesus ter-se decidido a sofrer por seus ideais, e Paulo tentou encontrar uma base explanatória mais forte para sua doutrina, declarando:

Se há corpo natural, há também corpo espiritual. A carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herdar a incorrupção. Eis que vos digo um mistério (1 Coríntios 15:44-50. É essencial lembrar que Jesus não era gentio nem cristão. Ele era um judeu helenista, cuja religião era o judaísmo radical. Com o passar do tempo, porém, sua missão original foi usurpada e dominada por um movimento religioso que assumiu seu nome para obscurecer seus herdeiros de fato. Esse movimento se centralizava em Roma e baseava sua autoridade auto-proclamada na afirmação de Mateus 16:18-19, na qual Jesus teria dito "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja". Infelizmente, a palavra grega petra (rocha), relacionada à Rocha de Israel, foi traduzida erroneamente como se fosse petros (pedra), referindo-se a Pedro134 (que chegou a ser chamado de Cefas: uma Pedra, como em João 1:42). Jesus estava, na verdade, afIrmando que a missão dele e de Pedro deveria ser fundamentada sobre a Rocha de Israel, não sobre o próprio Pedro. Independentemente disso, o novo movimento decretou que só aqueles que tivessem recebido autoridade passada diretamente de Pedro poderiam ser líderes da Igreja Cristã. Foi um conceito engenhoso, cuja intenção era restringir o controle geral a uma fraternidade seleta e auto-promotora. Os discípulos gnósticosl35 de Simão (Mago) Zelotes o chamavam de "a fé dos tolos".

O Evangelho de Maria Madalena confirma que, por algum tempo após Jesus ter ressuscitado dentre os mortos, alguns dos apóstolos ainda não sabiam e continuavam acreditando que o Cristo deles tinha sido crucifIcado. Os apóstolos "choravam continuamente, dizendo: 'Como poderemos nos achegar aos gentios e pregar-lhes o evangelho do reino do Filho do Homem? Se foram cruéis com ele, também não o serão conosco?'"

Como já tinha falado com Jesus no túmulo, Maria Madalena pôde responder: "Parai de chorar. Não há motivo para a dor. Tomai coragem, pois vossa graça estará convosco e em vossa volta, e vos protegerá".

Pedro, então, disse a Maria: "Irmã, nós sabemos que o Salvador te amava mais do que às outras mulheres. Fala-nos tudo o que lembrares que o Salvador só a ti e a ninguém mais dizia - tudo o que sabes dele e que nós não sabemos".

Maria contou-lhe o que Jesus tinha lhe dito: "Benditos sois vós, pois não tremeis diante da minha visão: pois onde está o pensamento, lá está também o tesouro". Depois, André respondeu, e disse aos irmãos: "Dizei o que quiserdes sobre o que acabastes de ouvir. De minha parte, não acredito que estas foram as palavras do Salvador". Pedro, concordando com André, disse: "Ele teria de fato falado em segredo a uma mulher, e não a nós livremente?" E com isso, Maria chorou e disse a Pedro: Pensas que são minhas as palavras, ou que não digo a verdade sobre o Salvador?

Levi respondeu, e disse a Pedro: 'Sempre foste inoportuno. Agora vejo que contradizes esta mulher, como se fosseis inimigos. Mas se o Salvador a achou digna, quem és tu, afinal, para rejeita-la? O Salvador certamente a conhece bem'.

Levi, como sabemos, era Mateus Anãs, um sacerdote e assistente de Alfeu. Sua opinião sensata era o produto do intelecto e de uma boa educação. Pedro e André, por outro lado, eram aldeões menos educados que, apesar do tempo passado com Jesus e os apóstolos mais cultos, ainda tinham visões antiquadas sobre a função da mulher. A atitude machista de Pedro acabaria alcançando uma posição de destaque na doutrina romanizada, baseada parcialmente em seu ensinamento.

Os primeiros bispos da Igreja Cristã alegavam ser sucessores apostólicos diretos de Pedro - tendo recebido a autoridade episcopal pela imposição pessoal das mãos. Mas esses mesmos bispos foram descritos no Apocalipse Gnóstico de Pedro como "secos como canais". O texto continua:

 

''Denominam a si próprios como bispos e diáconos, como se tivessem recebido sua autoridade diretamente de Deus... Embora não compreendam o mistério, vangloriam-se dizendo que o segredo da Verdade é deles, e somente deles".

Quanto à Ressurreição, o tema permanece um paradoxo, considerado de grande importância, quando não precisaria ser; e, no entanto, tem um significado expresso do qual a maioria das pessoas não está ciente. O Evangelho de Tomás cita Jesus dizendo: "Se o espírito ganhasse a existência por causa do corpo, seria um milagre dos milagres"

 

             A LINHAGEM CONTINUA

             TEMPOS DA RESTAURAÇÃO

Como já vimos, Maria Madalena estava no terceiro mês de gravidez na época da crucificação. Ela e Jesus haviam consumado seu Segundo Casamento na unção em Betânia, em março de 33 d.C. Além de obtermos essa informação diretamente de fontes do Evangelho, também é uma questão de cálculo direto. Um herdeiro do sexo masculino à sucessão dinástica era idealmente necessário para ter seu primeiro filho no seu quadragésimo aniversário ou perto dele (40 anos eram o período reconhecido da geração real). O nascimento de um filho e herdeiro dinástico devia sempre ser planejado para ocorrer no período equivalente a setembro - o mês mais sagrado do calendário judaico - e por esse motivo as relações sexuais só eram permitidas no mês de dezembro.

Os Primeiros Casamentos também aconteciam no mês sagrado de setembro - o mês que incluía o Dia do Perdão. Um casamento dinástico seria, portanto, teoricamente programado para o mês de setembro que caísse no trigésimo terceiro aniversário da noiva, com a atividade sexual iniciada no mês de dezembro imediatamente seguinte. Na prática, porém, havia sempre a chance de que a primeira criança fosse uma menina; para isso, então, eram tomadas providências no sentido de adiar o Primeiro Casamento para o trigésimo sétimo aniversário da noiva. Assim, a primeira chance de uma criança caía em seu trigésimo sétimo setembro. Se não houvesse concepção no primeiro dezembro, o casal tentaria novamente um ano depois - e assim por diante. Um menino que nascesse por volta do quadragésimo aniversário do marido era perfeitamente aceitável, dentro dos padrões de geração.

Tendo nascido o menino, o contato sexual entre os pais não era mais permitido por seis anos. Por outro lado, se a criança fosse uma menina, o período seguinte de celibato era limitado à três anos até os "Tempos da restauração" (o retomo do estado conjugal). Como vimos, o Segundo Casamento era consumado no mês de março após a concepção, quando a noiva estaria grávida de três meses.

De acordo com esses costumes e regras, o Primeiro Casamento de Jesus se deu em setembro de 30 d.C. (seu trigésimo terceiro setembro), a primeira ocasião em que Maria Madalena ungiu pela primeira vez os seus pés (Lucas 7:37-38). Portanto, não houve concepção naquele dezembro, nem no dezembro do ano seguinte. Mas em dezembro de 32 d.C., Maria concebeu e, como era seu dever, ungiu-lhe a cabeça e os pés em Betânia (Mateus 26:6-7, Marcos 14:3 e João 12:1-3), formalmente santificando seu Segundo Casamento em março de 33 d.C.

Contrariando as regras, Jesus tinha nascido em 1o. de março de 7 a.C., mas por questão de regularização, fora-lhe atribuída à data oficial de 15 de setembro, de acordo com as exigências messiânicas (é costume de alguns monarcas celebrar tanto o aniversário real como o oficial, em datas diferentes - como faz a rainha da Inglaterra, atualmente). Foi só no ano de 314 d.C. que o imperador romano, Constantino, o Grande, mudou arbitrariamente a data oficial do aniversário de Jesus para 25 de dezembro, ainda comemorado hoje, e com muitas pessoas acreditando que seu nascimento físico se deu de fato nesse dia.

Havia dois motivos para Constantino efetuar essa mudança. Em primeiro lugar, separava a celebração cristã de qualquer ligação com os judeus, sugerindo que Jesus era cristão e não judeu. Em segundo lugar, o reajuste do aniversário oficial de Jesus deveria coincidir com o costumeiro Festival do Sol pagão, chamado Sol Invictus. Entretanto, no cenário contemporâneo da época de Jesus, 15 de setembro de 33 d.C. (seis meses após a crucificação) foi seu trigésimo nono aniversário oficial, e naquele mês Maria Madalena teve uma filha. Ela recebeu o nome de Tamar (palmeira - assimilado em grego como Dâmaris), um nome tradicional da fanu1ia de Davi. Jesus deveria, então, entrar num estado de total celibato por três anos até os ''Tempos da restauração", como vemos em Atos 3:20-21.

Da presença do Senhor venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já vos foi designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca de seus santos profetas desde a Antiguidade.

Esse mês de setembro de 33 d.C. coincidiu com o restabelecimento formal de Simão Zelote como o Pai da Comunidade, momento em que Jesus foi finalmente admitido no sacerdócio - um ritual no qual ele figurativamente "ascendeu aos céus".

Embora reconhecido por muitos como o rei da descendência de Davi, Jesus vinha tentando entrar no sacerdócio e particularmente no santuário interior dos sacerdotes superiores: o alto monastério conhecido como o Reino do Céu. Com o Simão Zelote foi reinstituído, o desejo de Jesus se realizou: ele foi ordenado e levado ao Céu pelo Líder dos Peregrinos seu próprio irmão Tiago. Nesse contexto fraternal, Tiago, usando imagens do Antigo Testamento, era a designada Nuvem. Era uma nuvem que tinha conduzido os antigos israelitas até a Terra Prometida (Êxodo 13:21-22) e a aparição de Deus a Moisés no monte Sinai fora acompanhada não só por trovões e relâmpagos, mas também por uma nuvem (Êxodo 19:16). Portanto (assim como Trovão, Relâmpago e Terremoto), Nuvem era uma designação simbólica dentro da comunidade essênia.

A elevação de Jesus ao sacerdócio está registrada no Novo Testamento pelo evento conhecido como Ascensão. Jesus não era o único que falava em parábolas, mas também os autores dos Evangelhos, usando alegorias e paralelos que eram importantes para "aqueles com ouvidos para ouvir". Portanto, as passagens dos Evangelhos que parecem ser narrativas diretas (por mais sobrenatural que pareça o contexto) também são parábolas. Como Jesus disse aos discípulos (Marcos 4: 11-12):

A vós outros é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e ouvindo, ouçam e não entendam.

A Ascensão é apenas outra parábola, conforme descrita em Atos 1:9: "Ditas essas palavras, foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos". Enquanto Jesus partia para o sacerdotal reino do Céu, dois sacerdotes angélicos anunciaram que ele voltaria do mesmo modo:

Eis que dois varões vestidos de branco se puseram ao lado deles e lhes disseram: Varões galileus, porque estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o viste subir (Atos 1:10-11).

E assim Jesus abandonou o mundo cotidiano por três anos, período em que Maria Madalena, a mãe de sua filha, não teria contato físico com ele. Desde o sexto mês de gravidez, Maria tinha o direito de chamar a si própria de Mãe, mas quando sua filha nasceu e os três anos de celibato começaram, ela seria considerada viúva. Os filhos dinásticos eram criados e educados num centro comunitário monástico, onde viviam também suas mães (aquelas designadas viúvas ou aleijadas: mulheres celibatárias). Muito pouco se diz a respeito de Jesus nos Evangelhos porque ele também foi criado num ambiente conventual fechado.

 

                           A JESUS UM FILHO

O período de três anos da separação monástica de Jesus expirou em setembro de 36 d.C., após o que as relações sexuais com sua esposa foram novamente permitidas em dezembro.

Uma propriedade muito clara da linguagem usada no Novo Testamento é que as palavras, os nomes e títulos com significado cifrado são usados sempre com o mesmo sentido. Não só eles têm o mesmo significado cada vez, que são usados, mas também são utilizados sempre que esse significado é exigido. Sem dúvida, os estudos mais apurados até hoje nessa área de pesquisa foram os da Bárbara Thiering, baseados em informações contidas nos comentários dos Pergaminhos do Mar Morto acerca dos livros do Antigo Testamento. Esses comentários guardam os segredos dos pesharim (os caminhos para pistas vitais) e foram produzidos pelos eruditos escrivãos de Qumrã.

Em alguns casos, as derivações individuais de nomes ou títulos codificados podem ser complexas ou obscuras, mas geralmente são diretas, ainda que quase nunca óbvias. Com freqüência, as informações cifradas nos Evangelhos são anunciadas pela declaração de que são para "aqueles com ouvidos para ouvir" - uma frase que é um inegável prenúncio a uma passagem com um sentido oculto para aqueles que conhecem o código. As regras dominantes do código são fixas e o simbolismo permanece constante, como no caso do próprio Jesus.

Por meio do inerente pesher (singular de pesharim e significando "explicação" ou "solução") bíblico, Jesus é definido como a Palavra de Deus - termo já definido desde o início no Evangelho de João:

No começo a Palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus, e a Palavra era Deus... E a Palavra se fez homem e habitou entre nós (João 1:1, 14).

 

Não há variáveis nos textos dos Evangelhos: sempre que a expressão "a Palavra de Deus" é usada (com ou sem maiúscula, dependendo da tradução), significa que Jesus, ou estava presente ou era o tema da narrativa, como em Lucas 5:1, quando a palavra de Deus estava perto do lago.

A expressão também é usada em Atos para identificar o paradeiro de Jesus após a Ascensão. Assim, quando lemos que "[ouviram] os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus..." (Atos 8: 14), podemos entender imediatamente que Jesus estava em Samaria.

Conseqüentemente, quando lemos que "crescia a palavra de Deus" (Atos 6:7), entendemos que Jesus "crescia"; conforme simbolizado pelo pesher na parábola do Semeador e a Semente (Marcos 4:8): "Outra [semente], enfim, caiu em boa terra e deu fruto, que vingou e cresceu". Em suma, a referência nos Atos significa que "'Jesus [deu fruto e] cresceu", ou seja, ele teve um filho. Talvez não nos surpreenda que seu primogênito também se chamasse Jesus, e voltaremos a ele no momento oportuno.

Como exigiam as regras messiânicas, o nascimento ocorreu em 37 d.C. - o ano depois de Jesus retomar ao seu casamento, no "tempo da restauração". Depois do nascimento de seu filho, porém, Jesus estava destinado agora a nada menos que outros seis anos de celibato monástico.

Na Igreja Russa de Santa Maria Madalena, Jerusalém, há um magnífico retrato de Maria, que a mostra segurando um ovo vermelho, mostrando-o ao observador. Esse é o supremo símbolo da fertilidade e do novo nascimento. De modo semelhante, A Alegoria Secreta de Jan Provost (uma pintura esotérica do século XV) mostra Jesus com uma espada, junto à sua esposa Maria, que é coroada e usa uma vestimenta preta de uma sacerdotisa nazarena, enquanto deixa voar a pomba do Espírito Santo.

 

                 O JESUS MITOLÓGICO DE PAULO

Durante os anos da separação monástica de Jesus (o estado celestial), seus apóstolos continuaram a pregar - mas não tinham o intento de fundar uma nova religião. Embora a mensagem deles fosse radical, ainda eram judeus e queriam apenas reformas no judaísmo, com Pedro como líder evangélico das operações.

 

Em oposição direta ao crescente movimento estava Saulo de Tarso, um hebreu ortodoxo devoto, que era tutor do filho do rei Herodes Agripa. Saulo não tinha tempo para as visões helenistas liberais de Jesus; ele acreditava que os judeus eram superiores a todos os gentios, e considerava Tiago o verdadeiro Messias.

O ano de 37 d.C. trouxe mudanças administrativas em todo o Império Romano, e especialmente na Palestina. O imperador Tibério tinha falecido, e, o novo imperador, Caio Calígula, demitiu Pôncio Pilatos para nomear seu homem, Félix, governador da Judéia. Também removidos de suas posições foram José Caifás, o sumo sacerdote, e Simão Zelote, o Pai. Teófilo, irmão de Jônatas Anás, assumiu o posto de alto sacerdote, e uma administração inteiramente nova estava em andamento - mais dependente de Roma que antes.

Em 40 d.C., Jesus estava em Damasco, onde os líderes judeus participavam de uma conferência para discutir sua posição em relação a Roma. Assim como Jesus sabia que os judeus jamais poderiam derrotar Roma enquanto estivessem divididos dos gentios, Saulo de Tarso tinha certeza de que a associação com os gentios representava uma fraqueza que deixava os judeus vulneráveis e expostos. Saulo ficou particularmente irritado quando uma estátua de Calígula foi colocada dentro do Templo de Jerusalém uma afronta cuja culpa ele atribuía a Jesus e aos helenistas, os quais ele considerava serem os responsáveis por dividir a nação judaica. Ele também se dirigiu a Damasco para defender seu caso.

O relato em Atos sugere que Saulo foi a Damasco, Síria, com um mandato do sumo sacerdote em Jerusalém, mas isso não pode ser verdade. O Sinédrio judaico não tinha nenhuma jurisdição na Síria. É muito mais provável que Saulo, ligado à Casa de Herodes, estivesse de fato trabalhando em operação romana para suprimir os nazarenos. Entretanto, antes que Saulo tivesse a chance de se fazer presente à conferência, Jesus o deteve nas instalações monásticas. Quando Paulo chegou ao meio-dia, o sol estava a pique bem sobre a clarabóia do templo, e lá se encontrava Jesus, pronto para enfrentar o acusador. Depois, tendo ouvido o sermão persuasivo de Jesus, Saulo percebeu que se deixara cegar por dogmas sectários (Atos 9:8).

 

"Subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor; e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: 'Saulo, Saulo, por que me persegues?' (Atos 9:3-4)”.

Subseqüentemente, Jesus instruiu o discípulo Ananias para que fosse ensinar a Saulo, mas Ananias hesitou, acreditando que Saulo era um agente do inimigo: "Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém" (Atos 9:13). O discípulo, porém, obedeceu, dizendo: "Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo" (Atos 9:17).

O uso nas passagens acima das palavras "vista" e "caminho" é novamente cifrado, pois, como mencionado anteriormente, o tema doutrinal da comunidade era chamado de o Caminho. Depois das devidas instruções sobre o pensamento helenista, Saulo foi iniciado para que também pudesse ver claramente o caminho da salvação, unido aos gentios: "Imediatamente lhe caíram dos olhos como que, umas escamas, e tomou a ver. A seguir, levantou-se e foi batizado" (Atos 9: 18).

Dessa experiência, Saulo emergiu como um helenista totalmente convertido. Imediatamente, ele começou a pregar em Damasco – mas havia um problema, pois as pessoas não acreditavam que o homem que viera tão inflamado para desafiar o Messias agora o estivesse promovendo. Os judeus estavam confusos, desconfiados, e logo ficaram irados a ponto de ameaçar a vida de Saulo; os discípulos tinham de tirá-lo da cidade. No entanto, em 43 d.C., Saulo era um fervoroso evangelista, bem conhecido sob seu novo nome, Paulo, para ser associado popularmente a Pedro. No entanto, surgia agora um problema muito mais insidioso. Sua conversão fora tão traumática, sua mudança de opinião tão avassaladora, que Paulo considerava Jesus não só um Messias terreno com uma inspiradora mensagem social, mas também como o Filho de Deus encarnado: um senhor poderoso e celestial.

As viagens missionárias de Paulo o levaram até a Anatólia (Ásia Menor) e às áreas do leste mediterrâneo onde se falava o grego. Mas sua versão dramaticamente revista da Boa Notícia era que um surpreendente Salvador logo estabeleceria um regime mundial de perfeita justiça - contando com o apoio de escritos ambíguos do Antigo Testamento, como, por exemplo, do livro de Daniel 7:13-14. Quando foram escritos, esses textos nada tinham a ver com Jesus, mas eram suficientemente esclarecedores para Paulo, dando-lhe a inspiração necessária para a sua inflamada inventiva. Em sua empolgação, ele proclamava a Ira do Senhor com todo o zelo de um profeta do Antigo Testamento, fazendo afirmações ultrajantes que lhe garantiram uma atenção sem precedentes.

"Eu estava tendo, nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem.

Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem.”

 

Em 1 Tessalonicenses 4:16-17, Paulo declarou:

 

"Porquanto, o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.

Depois, nós, os vivos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e assim, estaremos para sempre com o Senhor.”

 

Por meio do ensinamento imaginativo de Paulo, surgiu todo um novo conceito de Jesus. Ele não era mais simplesmente o tão esperado Ungido, o Messias que reinstituiria a linhagem de Davi e libertaria os judeus da opressão na Palestina. Ele era agora o Salvador celestial do Mundo!

 

"... a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois nele foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e invisíveis...

Ele é a cabeça do corpo, da Igreja... Para em todas as coisas ter a primazia. Porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude (Colossenses 1:15-19).”

 

Enquanto Tiago e Pedro pregavam individualmente, usando imagens bem menos engenhosas, Paulo se desviara para o reino indecifrável da pura fantasia. Em seu entusiasmo desenfreado, ele inventou um mito inexplicável e desatinou a fazer profecias que jamais se cumpriram. Apesar de tudo isso, é Paulo - não Pedro nem Tiago - quem domina o corpus do Novo Testamento, além dos Evangelhos. Tamanho era o poder do ensinamento de Paulo que o Jesus missionário dos Evangelhos se transformou num aspecto de Deus Todo-Poderoso, e Jesus, o Cristo dinástico (o herdeiro real da Casa de Judá), perdeu-se totalmente na história religiosa.

A tarefa designada a Paulo era disseminar instruções judaico-helenistas entre os gentios da costa mediterrânea, e levar a mensagem de Jesus àqueles judeus que viviam fora de sua terra natal. Mas, em vez disso, ele ignorou o objetivo principal e (talvez inevitavelmente) acabou criando seu próprio culto. Para Paulo, a veneração e adoração de Jesus eram suficientes para garantir a redenção e a entrada no Reino do Céu. Todos os valores sociais professados e insistidos por Jesus foram deixados de lado na tentativa de Paulo de competir com uma variedade de crenças pagãs.

Em todo o mundo mediterrâneo, havia muitas religiões, cujos deuses e profetas supostamente nasciam de virgens e, de uma forma ou de outra, desafiavam a morte. Eram todos de origem sobrenatural e possuíam poderes fabulosos sobre os mortais comuns. Para fazermos justiça a Paulo, ele certamente teve problemas que Tiago e Jesus jamais enfrentaram em seu ambiente nativo. A rota de sucesso de Paulo, diante de todas as dificuldades, devia apresentar Jesus de maneira que transcendesse até esses ídolos para-normais. Mas, ao fazer isso, ele criou uma imagem de Jesus tão distante da realidade que a sociedade judaica o considerava uma fraude. Apesar de tudo isso, porém, foi o Jesus transcendente inventado por Paulo que mais tarde se tornou o Jesus do Cristianismo ortodoxo.

 

               O FILHO DO GRAAL

Nos primeiros anos da década de 40 d.C., Pedro se associou ao recém-convertido Paulo em Antioquia, Síria, enquanto Tiago e seus nazarenos continuaram operando em Jerusalém. Outra divisão nos escalões se tornou evidente quando Simão (o mago) Zelote montou uma base separada para sua seita gnóstica esotérica em Chipre.

Pedro fora o braço direito de Jesus e, como tal, deveria ter-se tornado o guardião de Maria Madalena durante os anos de sua separação (viuvez simbólica), mas, embora Pedro também fosse casado, ele pensava mal das mulheres e não estava preparado para ficar à disposição de uma sacerdotisa.

A opinião de Paulo sobre as mulheres era menos lisonjeira ainda e ele se opunha veementemente ao envolvimento delas em questões de religião. Os dois homens, portanto, deliberadamente excluíram Maria de seu novo movimento e, para garantir sua total alienação, publicamente a declararam herege, pois ela era uma amiga íntima da consorte de Simão Zelote, Helena-Salomé.

Nesse ínterim, Jesus e Maria reassumiram a condição de casados em dezembro de 43 d.C., seis anos depois do nascimento de seu filho. Jesus não parecia estar muito preocupado com Pedro e com a atitude de Paulo em relação à Maria, pois ele conhecia Pedro o suficiente e, sem dúvida, não hesitava em reconhecer o fanatismo de Paulo, gostasse disso ou não. Na verdade, Jesus parecia estar perfeitamente satisfeito por sua mulher estar associada à facção gnóstica de Simão e Helena (ou aos nazarenos de seu irmão Simão), em vez de se ligar ao ministério machista que estava sendo promovido por Pedro e Paulo. Afinal de contas, Maria (e também Marta) fora a irmã devotada de Simão (Lázaro) na Betânia e se davam muito bem. Nessa época Maria concebeu novamente. Na primavera de 44 d.C., Jesus embarcara numa missão a Galácia (na Ásia Menor central), com o prosélito chefe (líder dos convertidos gentios), João Marcos, talvez mais bem conhecido como Bartolomeu.

Nesse período, Tiago e seus Nazarenos se tomaram uma ameaça cada vez maior para a autoridade romana em Jerusalém. Como resultado direto, o apóstolo Tiago Boanerges foi executado por Herodes de Cá1cis em 44 d.C. (Atos 12: 1-2). Simão Zelote partiu para a retaliação imediata e mandou envenenar Herodes Agripa, mas foi obrigado a fugir, logo depois. Tadeu, porém, não teve a mesma sorte; ao tentar escapar atravessando o Jordão, foi pego por Cálcis e executado sumariamente. Isso deixou Maria, que estava grávida, numa situação precária, pois Cálcis sabia que ela era amiga de Simão. Ela foi pedir a proteção do ex-pupilo de Paulo, o jovem Herodes Agripa II (na época com 17 anos de idade), que providenciou para que ela fosse levada à propriedade dos Herodes na Gália, onde Herodes Antipas e seu irmão Arquelau estavam exilados.

Mais tarde naquele mesmo ano, Maria deu à luz seu segundo filho em Provença, e há uma referência específica a isso no Novo Testamento: "A palavra do Senhor crescia e se multiplicava" (Atos 12:24).154 Esse filho era o importante Filho do Graal e, após seu avô, ele foi chamado de José.

 

             REGISTROS OCULTOS E OS DESPOSYNI

Tendo cumprido sua obrigação dinástica de ter dois filhos homens, Jesus se viu devidamente liberado de quaisquer restrições e pôde levar uma vida normal mais uma vez. A partir de 46 d.C., seu filho mais velho, Jesus II, com 9 anos de idade, passou a receber a educação em Cesaréia. Três anos depois, ele passou pela cerimônia de seu Segundo Casamento em Provença. Segundo os costumes, simbolicamente ele nasceria de novo do ventre de sua mãe, quando tivesse 12 anos - seu Primeiro Ano como iniciado. Presentes estavam seu tio Tiago (José ha Rama Theo: "de Arimatéia"), que mais tarde levaria seu filho ao oeste da Inglaterra por algum tempo.

Em 53 d.C., Jesus Júnior foi oficialmente proclamado Príncipe da Coroa na sinagoga em Corinto, recebendo o devido título de Justus (o Justo - Atos 18:7). Com isso, ele era o sucessor formal de seu tio, Tiago, o Justo, como herdeiro real. Atingindo a maioridade aos 16 anos, Jesus Justo também se tomou o nazireu chefe, tendo direito à túnica preta do posto - usada também pelos sacerdotes de Ísis, a Deusa Mãe universal.

Seu pai, Jesus Cristo, foi a Roma passando por Creta e Malta, em 60 d.C. Enquanto isso, Paulo retomava a Jerusalém, tendo viajado extensivamente com Lucas, o médico. Chegando lá, porém, ele foi acusado de conspirar contra Jônatas Anás, que tinha sido assassinado pelo governador Félix. O governador foi enviado para julgamento diante do imperador Nero em Roma, e Paulo teve de ir junto. Algum tempo depois, Félix foi absolvido, mas Paulo permaneceu em custódia por causa da associação com seu ex-pupilo Herodes Agripa II, que Nero detestava. Nesse período, Jesus Justo também estava na cidade (Colossenses 4:11).

Mais ou menos na mesma época, mas bem longe dos perigos de Roma, o irmão mais jovem de Jesus Justo, José, tinha completado a educação numa escola druida e vivia na Gália com sua mãe. Posteriormente se juntou a eles Tiago, o tio de José, assumindo residência permanente no Ocidente, após fugir de Jerusalém em 62 d.C. Seus nazarenos tinham sido submetidos a uma perseguição brutal por parte dos romanos e o Sinédrio acusara Tiago de passar ensinamentos ilegais.Conseqüentemente, ele foi sentenciado a sofrer apedrejamento público e excomungado, sendo declarado espiritualmente "morto" pelos anciãos judeus. O então "honorável conselheiro" do Sinédrio e providencial Messias dos hebreus acabou caindo do próprio pináculo de graça civil e religiosa - um evento simbolicamente descrito como se ele tivesse de fato caído fisicamente do telhado do Templo.

Após perder toda a credibilidade espiritual aos olhos da lei, Tiago reassumiu seu título hereditário, Tiago ha Rama Theo, e seguiu para oeste para se juntar a Maria Madalena e seus colegas na Gália. De volta à Roma de Nero, Pedro chegava para assumir a responsabilidade pela seita paulina, na época conhecida como "os cristãos". Nero tinha desenvolvido um ódio irascível pelos cristãos e, para diminuir a quantidade deles, instituíra um regime fanático de perseguição. Sua forma favorita de tortura era amarrá-los a estacas nos jardins de seu palácio e transformá-los em tochas humanas à noite.

Antes de morrer, Paulo conseguiu transmitir uma mensagem a Timóteo de que Jesus estava em segurança, mas não disse onde. Alguns sugerem que Jesus seguiu os passos do apóstolo Tomás até a Índia, e ele teria morrido em Srinagar, Kashmir, onde um túmulo é atribuído a ele. Tal idéia surgiu de uma indicação em Kashmir, em 1894, de que Jesus era sinônimo de um profeta chamado Isa, ao qual o túmulo fora originalmente dedicado - mas a evidência, embora um tanto intrigante, está longe de ser conclusiva nesse aspecto.

Quando Tiago (José de Arimatéia) já estava permanentemente estabelecido no Ocidente, não tardou até que Simão Zelote conduzisse a maioria dos nazarenos para fora de Jerusalém em 65 d.C. Ele os levou para o leste do Jordão e se espalharam pela região da antiga Mesopotâmia (atual Iraque).

O regime de Nero tinha causado um considerável nervosismo político, e os temperamentos estavam perigosamente acirrados na Terra Santa. No início de 66 d.e., brigas esporádicas surgiam em Cesaréia entre os zelotes e os romanos. A hostilidade rapidamente se espalhou para Jerusalém, onde os zelotes ganhavam numerosas posições estratégicas. Eles preservaram a cidade por quatro anos, até que um fortíssimo contingente romano liderado por Flávio Tito chegou em 70 d.C., arrasando Jerusalém. Como Jesus tinha corretamente previsto muitos anos antes, o Templo ruiu e, com ele, tudo também ruíra. A maior parte dos habitantes foi dizimada; os sobreviventes foram vendidos como escravos e a Cidade Santa se tomou uma ruína vazia durante as seis décadas seguintes.

Na onda dessa destruição, a nação judaica se encontrava num grande estado de perturbação. Não só Jerusalém tinha caído, mas também Qurnrã e, com o passar do tempo, o último famoso bastião era a fortaleza de Massada, nas montanhas, a sudoeste do mar Morto. Lá, menos de mil judeus resistiam aos repetidos cercos de um poderoso exército romano, mas aos poucos iam ficando sem provisões e suprimentos. Em 74 d.C., a causa já estava perdida e o comandante da guarnição, Eliezer Ben Jair, organizou um programa de suicídio em massa. Só sobreviveram duas mulheres e cinco crianças.

Várias ondas de refugiados nazarenos abandonaram a Terra Santa para perpetuar sua tradição no norte da Mesopotâmia, na Síria e no sul da Turquia. O cronista Júlio Africano, escrevendo por volta de 200 d.C., quando residia na cidade de Edessa (hoje Urfa, na Turquia; não confundir com Edessa na Grécia), registrou detalhes do êxodo. No início da revolta, os governadores romanos tinham mandado queimar todos os registros públicos em Jerusalém para impedir um futuro acesso aos detalhes da genealogia da família de Jesus. Durante a revolta dos judeus, todos os registros foram facilmente confiscados pelas tropas romanas, que tinham ordens de destruir registros particulares também - destruir, aliás, qualquer evidência documentária relevante que pudessem encontrar. Mas, apesar de toda essa operação, a destruição não foi completa e certos documentos continuaram devidamente ocultos.

Ao escrever sobre essa erradicação proposital de documentos messiânicos, Africano afirmou: "Algumas pessoas precavidas tinham registros particulares próprios, tendo guardado nomes na memória ou recuperado-os de cópias, e se orgulhavam de preservar a lembrança de suas origens aristocráticas". Ele descreveu esses herdeiros reais como os Desposyni (herdeiros [ou pertencentes] do Senhor [ou Mestre]). Nos primeiros anos da era cristã, várias ramificações dos Desposyni eram perseguidas pela ditadura romana - primeiro pelo império, depois pela Igreja Romana. Eusébio confirmou que, nos tempos imperiais, os líderes Desposyni se tomaram chefes de suas seitas por meio de uma "progressão dinástica estrita". Mas, sempre que possível, eles eram perseguidos até a morte - caçados como malfeitores e mortos pela espada romana, por ordem imperial.

A verdade total sobre essa Inquisição seletiva certamente foi escondida, mas sua mitologia e tradição sobreviveram na cultura do Graal, nas cartas de tarô, no romance arturiano, nas canções dos Trovadores, na tapeçaria do Unicórnio, na arte esotérica e na contínua veneração pela herança de Maria Madalena. Tão poderosa tem sido a tradição que, ainda hoje, o Santo Graal continua sendo a suprema relíquia de uma busca. Mas tudo isso (por mais excitante ou romântico que pareça) é considerado herético pelo sistema eclesiástico ortodoxo. Por quê? Porque o mais importante objeto da perene busca representa assustadora ameaça a uma Igreja que dispensou a sucessão messiânica em favor de uma alternativa clerical auto-estabelecida.

 

                 MARIA MADALENA

                 NOIVA E MÃE REAL

Maria Madalena morreu em 63 d.C., com 60 anos, num lugar chamado La Sainte Baume, no sul da França. Ela é descrita no Novo Testamento como uma mulher "da qual saíram sete demônios" (Lucas 8:2), e antes, no mesmo Evangelho, ela é chamada de "pecadora". Mas, além disso, Maria é descrita em todos os Evangelhos como uma companheira favorita e leal de Jesus. No entanto, as descrições que Lucas faz de Maria são, mais uma vez, cifradas.

Antes do casamento, as Marias ficavam sob a autoridade do chefe dos escrivãos, que, na época de Maria Madalena, era Judas Iscariotes. O chefe dos escrivões era também o Sacerdote Demônio no. 7 e os sete sacerdotes demônios foram estabelecidos como um grupo de oposição formal àqueles sacerdotes que eram as sete luzes do Menorá. O dever deles era supervisionar as mulheres celibatárias da comunidade. Quando se casou, Maria Madalena obviamente foi liberada dessa condição. Por isso, "[dela] saíram sete demônios", e ela teve permissão de ter relações sexuais na base regular explicada antes.

Como já foi mencionado, seu casamento não foi comum, e Maria se sujeitou a longos períodos de separação conjugal do marido - períodos em que ela era classificada não como esposa, mas como uma "irmã" (no sentido devoto, como seria uma freira). Em sua condição de Irmã, Maria era apegada ao Pai, Simão Zelote (Lázaro). Também uma Irmã do Pai era Marta, cujo nome também era titular. Marta significava "senhora", e a diferença entre as Martas e Marias era que as primeiras tinham permissão de possuir propriedade, enquanto as Marias não. As Irmãs tinham o mesmo status comunitário que as viúvas (mulheres aleijadas), uma posição abaixo da almah. Portanto, uma almah (virgem) se casaria e seria promovida à Mãe, mas durante os períodos de separação conjugal ela seria demovida abaixo de sua posição de solteira.

O pai de Maria Madalena era o sacerdote chefe (subordinado ao sumo sacerdote) Siro, o Jairo. O sacerdote jairita presidia na grande sinagoga de mármore em Cafarnaum e sua posição era totalmente separada do Zadoque e do Abiatar. Era um posto hereditário desde os tempos do rei Davi, restrito aos descendentes de Jair (Números 32:41). Como confirma 2 Samuel 20:25-26: "Seva, o escrivão; Zadoque e Abiatar, os sacerdotes; e também Ira, o jairita, era ministro de Davi".

A primeira menção de Maria no Novo Testamento é, na verdade, a história de como ela ressuscitou dentre os mortos, como filha de Jairo em 17 d.C. Ressuscitar (simbolicamente, da escuridão eterna) tem a ver com elevação de status dentro do Caminho ou, como já vimos, uma libertação da morte espiritual, que era a excomunhão. Entretanto, como as mulheres não eram excomungadas, o evento de Maria foi claramente uma elevação iniciatória. Para os meninos, a primeira elevação era quando eles tinham 12 anos e para as meninas, 14. Como Maria foi elevada, ou ressuscitada no ano 17 d.C., isso significa que ela nasceu no ano III d.C. e era, portanto, nove anos mais jovem que Jesus; assim, quando entrou no contrato conjugal em 30 d.C., ela tinha 27 anos.

Tendo concebido em dezembro de 32 d.C., Maria tinha 30 anos no Segundo Casamento, ano em que (33 d.C.) ela deu à luz Tamar.

Quatro anos depois, nasceu seu filho Jesus, o jovem, e em 44 d.C. (quando ela tinha 41 anos), o segundo filho, José. Nessa época Maria se encontra em Marselha (Massília), onde a língua oficial foi o grego até o século V. Um fato não reconhecido, mas que deveria ser enfatizado, é que a língua de estilo aramaico de Jesus, dos apóstolos e todos os que tinham a ver com o judaísmo helenista foi fortemente influenciada pelo grego. Os hebreus, claro, usavam sua língua semítica específica. É por isso que termos como Alphaeus e ha Rama Theo são combinações de elementos gregos e hebraicos. Além disso, por causa dessa longa ocupação romana, essa outra cultura lingüística foi, até certo grau, incorporada. Foram feitos ajustes por respeito aos gentios (não-judeus) e aos prosélitos (gentios convertidos ao judaísmo) para que, dentro de todas as variáveis, houvesse um entendimento mútuo.

De acordo com a tradição gnóstica, Maria Madalena era associada à Sabedoria (Sofia), representada pelo Sol, Lua e um halo de estrelas. A gnose feminina de Sofia era considerada o Espírito Santo, representado na Terra pela Madalena, que fugiu para o exílio, carregando no ventre o filho de Jesus. João, em Apocalipse 12:1-17, descreve Maria e seu filho, e fala de sua perseguição, fuga e da contínua caça romana aos "restantes da sua descendência" (seus descendentes).

 

"Viu-se grande sinal no céu, a saber, uma mulher vestida do Sol com a Lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça, que achando-se grávida, grita com as dores de parto, sofrendo tormentos para dar à luz.

Viu-se também outro sinal no céu, e eis um dragão, grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete diademas.

E... O dragão se deteve em frente à mulher que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho quando nascesse.

Nasceu-lhe, pois, um filho varão [que há de reger todas as nações com cetro de ferro. E o seu filho foi arrebatado por Deus até o seu trono].

A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar...

Houve guerra no céu. Miguel e os seus anjos guerrearam contra o dragão...

E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente... Eles, pois, venceram-no por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram...

Quando o dragão se viu atirado para a terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho varão. E foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que voasse até o deserto, ao seu lugar.

Irou-se o dragão contra a mulher e foi guerrear com os restantes de sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus."

 

Além de Maria, entre outros migrantes à Gália, em 44 d.C., incluíam-se Marta e sua criada Marcela. Havia também Filipe, o Apóstolo, Maria Jacó Cléopas e Maria Salomé-Helena. O ponto de desembarque em Provença era Ratis, que mais tarde ficou conhecido como Les Saintes Maries de La Mer. Apesar da proeminência de Maria e Marta nos textos dos Evangelhos, elas não são mencionadas nos Atos, nem nas epístolas de São Paulo depois da partida delas para o Ocidente, em 44 d.C.

A Vida de Maria Madalena, escrita por Raban Maar (776-856), arcebispo de Mayence (Mainz) e Abbé de Fuld, incorpora muitas tradições sobre Maria, que remontam até bem antes do século V. Uma cópia do manuscrito de Maar foi descoberta na Universidade de Oxford na primeira década de 1400 e a obra é citada na Chronica Majora de Mateus Paris, por volta de 1190. Também está listada na Scriptorum Ecclesiasticorum Historia Literaria Basilae, em Oxford. Luís XI da França (1461-1483) insistia na posição dinástica de Maria na linhagem real da França. Santa Maria Madalena, do frade dominicano Pere Lacordaire (publicada depois da Revolução Francesa), é uma obra particularmente informativa, assim como La Légende de Sainte Marie Madeleine, de Jacobus de Voragine, arcebispo de Gênova (nascido em 1228). Tanto Voragine como Maar afirmam que a mãe de Maria, Eucária, tinha parentesco com a casa real de Israel (a casa real sacerdotal, e não a de Davi de Judá).

Outra importante obra de Jacobus de Voragine é a famosa Legenda Aurea (Lenda Dourada), um dos primeiros livros impressos em Westminster, Londres, por William Caxton, em 1483. Publicado anteriormente em francês e latim, Caxton foi persuadido por William, conde de Arundel, a produzir uma versão em inglês dos manuscritos europeus. É uma coletânea de crônicas eclesiásticas detalhando as vidas de figuras santas escolhidas. Altamente venerada, a obra era lida em público regularmente, nos mosteiros e igrejas medievais. Uma narrativa em particular da Legenda é sobre Santa Marta de Betânia e sua irmã, Maria Madalena:

 

"Santa Marta, anfitriã do Senhor Jesus Cristo, nasceu numa família real. O nome de seu pai era Siro, e de sua mãe, Eucária; o pai viera da Síria. Junto à sua irmã, por herança da mãe, Marta recebeu três propriedades: o castelo Madalena, Betânia e uma parte de Jerusalém. Após a Ascensão de nosso Senhor, quando discípulos tinham partido, ela, com o irmão Lázaro e a irmã Maria, e também São Máximo, embarcou num navio, no qual - graças à proteção de nosso Senhor - chegaram todos em segurança a Marselha. De lá, seguiram até a região de Aix, onde converteram os habitantes à fé".

 

O nome Madalena deriva do substantivo hebraico migdal (torre). Em termos práticos, a afirmação de que as irmãs possuíam três castelos é ligeiramente errônea, principalmente porque as Marias (Miriams) não podiam possuir propriedades. A herança conjunta na verdade se referia ao status pessoal; ou seja, elas herdaram altos postos comunitários (castelos/torres) de tutela, como em Miquéias 4:8170 - Magdaleder (Torre do rebanho).

O culto a Madalena mais ativo acabou sendo mantido em Rennesle-Château na região de Languedoc. Em outras partes da França havia muitos santuários dedicados à Santa Maria Madalena, entre os quais seu sepulcro em St. Maximus, onde a tumba de alabastro e o sepulcro eram guardados pelos monges cassianos no início do século V. A enigmática área de Rennes-Ie-Château tem fascinado muita gente desde o destaque que recebeu em 1982 por Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln em sua notável obra The Holy Blood and the Holy GraU, e Henry Lincoln em The Holy Place. Em nenhum outro texto, porém, os fatos surpreendentes da paisagem da região são mais bem transmitidos do que na obra-prima cartográfica do Chevalier David Wood, Genisis.

A ordem dos Cassianos tem uma história interessante. Embora São Benedito geralmente seja considerado o Pai do monasticismo ocidental, na verdade ele foi precedido por João Cassiano, que fundou seu mosteiro cassiano por volta de 410 d.C. (após os esforços comunais inovadores de Martinho, bispo de Tours e Honorácio, arcebispo de Arles). O significativo avanço em disciplina monástica por parte de Cassiano (a ser seguido por Benedito e outros) foi a sua separação e independência da organização da Igreja episcopal. Cassiano denunciou a tomada de ordens sagradas como uma "prática perigosa", e declarou que os monges deveriam "evitar os bispos, a qualquer custo". Inicialmente um eremita ascético em Belém,

João Cassiano estabeleceu suas duas escolas perto de Marselha - uma para homens e outra para mulheres. Assim, Marselha se tomou um centro conventual reconhecido: o berço do ritual das Candelárias, que sucedia à antiga procissão das tochas de Perséfone do Submundo. De modo semelhante, o Festival da Madona se originou na Basilica de São Vítor, em Marselha.

Outra importante sede madalena era a de Gellone, onde a Academia de Estudos Judaicos (o mosteiro de St. Guilhelm le Désert) floresceu durante o século IX. A igreja em Rennes-Ie-Château foi consagrada a Maria Madalena em 1059 e, em 1096 (o ano da Primeira Cruzada), a grande Basilica de Santa Maria Madalena foi iniciada em Vézelay. Foi aí que São Francisco de Assis fundou a Ordem dos Frades Menores Franciscanos (posterionnente os capuchinhos) em 1217. Foi também em Vézelay, em 1146, que o monge cisterciense São Bemardo de Clairvaux pregou a Segunda Cruzada ao rei Luís VII, à rainha Eleanor, aos cavaleiros e a uma congregação de cem mil pessoas. De fato, o entusiasmo das Cruzadas era intimamente ligado à veneração da Madalena.

As ordens dos cistercienses, dominicanos, franciscanos e várias outras da época seguiam, todas, um estilo de vida separado do episcopado da Igreja Romana. Mas todas tinham um interesse comum por Maria Madalena. Ao esboçar a Constituição para a Ordem dos Cavaleiros Templários em 1128, São Bemardo de Clairvaux mencionou especificamente um requisito de "Obediência a Betânia, o castelo de Maria e Marta". É, portanto, evidente que as grandes catedrais de Notre Dame da Europa, totalmente instigadas pelos cistercienses e Templários, foram dedicadas não à Maria mãe de Jesus, mas a Nossa Senhora, Maria Madalena.

 

         MULHER ESCARLATE - A MADONA NEGRA

Os antigos textos cristãos descrevem Maria Madalena como "a mulher que conhecia o todo". Era aquela a quem "Cristo amava mais do que a todos os discípulos"; ela era a apóstola "agraciada com conhecimento, visão e perspicácia maiores que as de Pedro" e a bem-amada noiva que ungiu Jesus no Casamento Sagrado (o Hieros Gamos) em Betânia.

Ignorando tudo isso, a Igreja Romana preferiu desacreditar Maria Madalena, numa tentativa de exaltar sua sogra, Maria, a mãe de Jesus.

Para isso, fez uso de comentários ambíguos no Novo Testamento - comentários que descreviam a Madalena não casada como uma "pecadora" (o que na verdade significava que ela era celibatária, uma almah aguardando o noivado). Os tendenciosos bispos, porém, decidiram que uma mulher pecadora deveria ser uma prostituta, e Maria foi assim rotulada.

Há um paralelo fascinante entre Maria e sua colega migrante Helena-Salomé. Como não gostava de mulheres (principalmente as cultas), Pedro sempre considerara Helena-Salomé uma bruxa. Não lhe importava o fato de ela ser próxima à mãe de Jesus e tê-la acompanhado na crucificação. Como consorte de Simão Zelote (Zebedeu), Helena também tinha sido a mãe conventual dos apóstolos Tiago e João Boanerges. Ao contrário de Maria Madalena, que era ligada à Ordem regional de Dan, Helena pertencia à Ordem tribal de Aser, que permitia às mulheres ter propriedade pessoal.

Helena também era suma sacerdotisa da Ordem de Éfeso (tendo o posto titular de "Sara") e podia usar a túnica vermelha das hierodulai (grego: "mulheres sagradas"). Pedro temia muito essas mulheres de altos escalões, pois elas eram uma ameaça à posição dele. Do mesmo modo, a Igreja Romana não reconhecia tal status cardeal nas mulheres, e elas eram classificadas como prostitutas e feiticeiras. Assim, a imagem antes venerada das hierodulai foi transformada e (por meio do francês e do inglês falados na Idade Média) elas se tomaram "meretrizes", sendo chamadas de "mulheres escarlates".

Maria Madalena era uma Irmã Superior da Ordem dos Nazireus (o equivalente a um bispo superior) e tinha o direito de usar roupa preta. Num paralelo à antiga reverência a Maria Madalena, um culto conhecido como a Madona Negra surgiu em Ferrieres em 44 d.C. Entre as muitas representações da Madona Negra que ainda existem, uma das mais belas estátuas pode ser vista em Verviers, Liege; ela é totalmente preta, com um cetro e uma coroa dourados, cercada pelo halo de estrelas de Sofia. O bebê que ela carrega também porta uma coroa dourada da realeza. Em contraste à imagem da Madona Negra, também era comum que Maria Madalena fosse representada usando um manto vermelho, geralmente sobre um vestido verde (representando a fertilidade). Um exemplo é o famoso afresco Santa Maria Madalena, de Piero della Francesca, de cerca de 1465, na catedral gótica de Arezzo, perto de Florença. Ela está vestida de maneira semelhante em Maria aos Pés da Cruz, de Botticelli. O vermelho (como o escarlate das hierodulai) indica o alto status clerical de Maria. Entretanto, o conceito das mulheres de capa vermelha ocupando alto posto enfurecia a hierarquia do Vaticano e, apesar da veneração à mãe de Jesus por parte da Igreja, foi determinado que ela não seria dignificada com o mesmo privilégio. Em 1649, os bispos chegaram a emitir um decreto determinando que todas as imagens da mãe de Jesus deveriam mostrá-la usando apenas azul e branco. O efeito de tal determinação foi de que a Santa Maria, embora exaltada pela Igreja, não tinha o reconhecimento eclesiástico dentro do sistema.

As mulheres foram totalmente impedidas de se ordenarem na Igreja Católica, e a negação geral às mulheres (exceto à mãe de Jesus) de qualquer status venerável jogou Maria Madalena ainda mais para trás. Pela mesma estratégia, os próprios herdeiros físicos de Jesus foram totalmente eclipsados e os bispos puderam reforçar sua reivindicação de autoridade sagrada por meio de uma sucessão auto-estabelecida de apenas homens. Essa não era uma descendência messiânica de Jesus, como deveria ter sido, nem ao menos uma descendência do príncipe ha Rama Theo, Tiago, o Justo (irmão de Jesus), mas uma sucessão criada a partir de Pedro, um essênio rústico e obstinado, que desprezava as mulheres.

Ao mesmo tempo, a Igreja em seus primórdios tinha de lutar contra a veneração bastante difundida à Deusa Universal (particularmente no ambiente mediterrâneo), o que se intensificou durante o período de disputas clericais envolvendo sexismo. Desde tempos pré-históricos, a Deusa aparecia em muitas formas e era conhecida por muitos nomes, incluindo Cibele, Diana, Deméter e Juno. Mas por mais que fosse personificada, ela sempre se identificava com Ísis, que seria a "Mãe Universal, senhora de todos os elementos, filha primordial do tempo, soberana de todas as coisas e manifestação única de tudo".

Para os antigos egípcios, Ísis era a irmã-esposa de Osíris, fundador da civilização e juiz das almas após a morte. Isis era especificamente uma protetora maternal e seu culto se espalhava por vastas áreas. Ela costumava ser retratada segurando seu filho Hórus, cujas encarnações eram atribuídas aos próprios faraós. É um fato bem estabelecido que a imagem familiar da Madona Branca é baseada nas representações de Ísis, a mãe amamentando. Foi ela quem inspirou a misteriosa Madona Negra, da qual existiam quase 200 imagens na França até o século XVI. Cerca de 450 representações já foram descobertas em todo o mundo. Mesmo a venerada padroeira da França, Notre Dame de Lumiêre (Nossa Senhora das Luzes), tem suas origens na Mãe Universal.A imagem da Madona Negra com seu filho tem sido um dilema constante para a Igreja - principalmente aquelas estátuas em igrejas e santuários notáveis na Europa continental. Em alguns casos, elas são inteiramente pretas, mas muitas têm apenas o rosto, as mãos e os pés pretos, embora não de caráter negróide. Algumas são exageradamente pintadas em tons de pele clara para combinar com a representação típica da Madona Branca, enquanto muitas simplesmente foram retiradas da vista do público. Algumas têm vestimentas modestas, mas outras são exibidas com vários graus de prestígios e soberania, com trajes e coroas suntuosamente decoradas. A Madona Negra tem sua tradição na rainha Ísis e suas raízes na Lilith pré-patriarcal. Ela representa, portanto, a força e a igualdade da mulher - uma figura orgulhosa, imponente e dominadora, em contraste à imagem estritamente subordinada da Madona Branca convencional, conforme é vista em representações nas igrejas da mãe de Jesus. Diziam que tanto Ísis como Lilith sabiam o nome secreto de Deus (um segredo conhecido também por Maria Madalena, "a mulher que conhecia o todo"). A Madona Negra, portanto, também representa a Madalena que, segundo a doutrina alexandrina, "transmitia o verdadeiro segredo de Jesus". Na verdade, o culto antigo de Madalena era intimamente associado aos locais da Madona Negra. Ela é negra porque a Sabedoria (Sofia) é negra, tendo existido nas trevas do Caos antes da Criação. Para o gnóstico de Simão Zelote, a Sabedoria era o Espírito Santo: a grande e imortal Sofia que gerou o Primeiro Pai, Yaldaboath, das profundezas. Sofia era a encarnação do Espírito Santo na rainha Maria Madalena, e foi ela que, segundo se diz, cumpriu a observância suprema da Fé.

 

                     MADALENA E A IGREJA

Desde os dias do movimento cristão ortodoxo, todos os veneradores do princípio feminino eram considerados hereges. Muito tempo antes do imperador Constantino, os Pais da Igreja, como Quinto Tertuliano, por exemplo, montaram a cena contra o envolvimento feminino, afirmando:

 

"Não é permitido para uma mulher falar na igreja nem batizar, tampouco lhe é permitido oferecer Eucaristia ou desejar qualquer função masculina, particularmente no ofício sacerdotal". No entanto, Tertuliano só seguia as opiniões expressadas por seus predecessores, notadamente Pedro e Paulo.No Evangelho de Maria, Pedro questiona o relacionamento de Maria com Jesus, dizendo: "Ele teria realmente falado secretamente com uma mulher, e não livremente conosco? Por que devemos mudar de idéia e dar ouvidos a ela?". Novamente, no tratado cóptico chamado Pistis Sophia (Fé Sabedoria), Pedro se queixa da pregação de Maria e pede a Jesus que a silencie, que não lhe permita comprometer sua supremacia. Mas Jesus repreende Pedro, e Maria confessa: "Pedro me faz hesitar. Tenho medo dele, porque ele odeia a raça das mulheres". Maria tinha bons motivos para temer Pedro, pois a atitude dele se tomava perfeitamente óbvia em muitas ocasiões - como no Evangelho de Tomás. Opondo-se à presença de Maria entre os discípulos, Simão Pedro disse a eles: "Deixai que Maria vá embora, pois as mulheres não são dignas de viver". No Evangelho de Filipe, Maria Madalena é considerada "o símbolo da sabedoria divina", mas todos esses textos foram excluídos pelos bispos porque eles comprometiam o domínio do sacerdócio exclusivamente masculino. O ensinamento de Paulo no Novo Testamento, entretanto, foi exposto sem hesitação:

 

"A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio (l Timóteo 2:11-12)".

 

Esses pronunciamentos autoritários eram particularmente úteis porque mascaravam o verdadeiro problema. A questão era que as mulheres tinham de ser excluídas a todo custo. Se não fossem, a presença de Madalena prevaleceria. Como esposa de Jesus, ela não só era a rainha messiânica, mas também a mãe dos verdadeiros herdeiros. Há nos Evangelhos nada menos do que sete listas das mulheres que acompanhava Jesus regularmente e, em seis destas, Maria Madalena é a primeira mencionada, até antes de sua mãe. Durante séculos após sua morte, o legado de Madalena permaneceu a maior das ameaças a uma Igreja temerosa que tinha desviado da descendência messiânica em favor de uma sucessão apostólica auto-estabelecida.

Diante do medo da Igreja de Maria Madalena, um novo documento especial foi produzido, determinando o que o bispo considerava a posição de Madalena dentro do esquema. Intitulado A Ordem Apostólica. Esse documento era a transcrição de uma suposta discussão entre os Apóstolos após a Santa Ceia e afirmava (diferentemente dos Evangelhos que tanto Maria como Marta estavam presentes, destruindo assim parte de seu próprio objetivo. Um extrato do suposto debate informa:

 

"João disse: 'Quando o Mestre abençoou o pão e o cálice, e lhes conferiu as palavras, Este é o Corpo e o meu Sangue, ele não ofereceu às mulheres que estavam conosco'. Marta disse: Ele não ofereceu a Maria, porque a viu rir"'.

 

Com base nessa história puramente Imaginária, a Igreja decretou que os primeiros Apóstolos tinham decidido que as mulheres não teriam permissão de se ordenarem porque não eram sérias! A essência dessa conversa falsa foi adotada como doutrina formal da Igreja e Maria Madalena foi declarada uma descrente.

 

         AS MULHERES E A SELEÇÃO DO EVANGELHO

O Novo Testamento, como o conhecemos, começou a tomar forma no ano de 367 d.C., quando uma seleção inicial de escritos foram compilados pelo bispo Atanásio de Alexandria. Dessa lista, certas obras foram aprovadas e ratificadas pelo Concílio de Hippo em 393 d.C. e o Concílio de Cartagc em 397 d.C.

A seleção, porém, seguiu vários critérios, o primeiro dos quais sendo que os Evangelhos canônicos deveriam ser escritos nos nomes dos apóstolos de Jesus. Mas essa regra parece ter sido desrespeitada desde e início. Embora Mateus e João fossem Apóstolos de Jesus, Marcos e Lucas não eram; ambos são apresentados nos Atos como futuros colegas de São Paulo. Por outro lado, Tomás e Filipe estavam entre os doze originais, mas os Evangelhos em seus nomes foram excluídos! Não apenas isso, mas foram também condenados à destruição e, em todo o mundo mediterrâneo, esses e outros livros foram enterrados e escondidos no século V. Subseqüentemente, o Novo Testamento foi submetido a vários cortes e emendas, até a versão que hoje conhecemos ser aprovada pelo Concílio de Trento, no norte da Itália, somente em 1545-63.

Só recentemente alguns dos antigos manuscritos foram desenterrados, sendo que a maior de todas as descobertas foi feita em 1945 em Nag Hammadi, Egito. Embora só fossem encontrados em tempos recentes, a existência desses livros não era segredo para os historiadores. Na verdade, alguns deles, incluindo o Evangelho de Tomás, o Evangelho dos Egípcios, o Evangelho da Verdade e outros, são mencionados nos escritos do século 11 de Clemente de Alexandria, Irineu de Lyon e Orígenes de Alexandria.

Qual foi o critério para a escolha dos textos dos Evangelhos? Foi, na verdade, uma regra totalmente machista, que excluía qualquer coisa que defendesse o status das mulheres na Igreja ou na sociedade comunitária. Como já mencionado, o aparente desprezo de Paulo e Pedro pelas mulheres foi usado para criar uma cena estrategicamente dominada pelos homens, mas até mesmo as frases citadas desses homens foram escolhidas com muito cuidado, ainda que fora de contexto. Na Epístola de São Paulo aos romanos, ele faz um menção especial às suas assistentes; Febe, por exemplo, a qual ele diz que "está servindo à Igreja" (16:1-2), e Júlia (16:15) e Priscila, que arriscou a vida pela causa (16:3-4). Na verdade, o Novo Testamento (mesmo em sua forma estrategicamente compilada) simplesmente pulula com mulheres discípulas, mas os bispos da Igreja Romana preferiram ignorá-las.

A Igreja tinha tanto medo das mulheres que foi instituída uma norma de celibato para todos os padres, que se tomou lei em 1138 - uma regra que os padres observam até hoje. O que incomodava realmente os bispos, porém, não eram as mulheres em si nem a atividade sexual era a perspectiva de intimidade sacerdotal com elas que causava o problema. Por quê? Porque as mulheres podem se tomar mães e a própria natureza da maternidade é a perpetuação das linhagens - um tabu que, a qualquer custo, tinha de ser separado da imagem necessária de Jesus.

Mas a Bíblia não sugeria isso. Na verdade, indicava bem o contrário. São Paulo chegou a dizer em sua Segunda Epístola a Timóteo (3:2-5) que um bispo deveria ser o marido de uma mulher e ter filhos, pois com família é mais bem qualificado para cuidar da Igreja. Embora, de um modo geral, os bispos decidissem seguir os ensinamentos de Paulo, desconsideraram totalmente essa diretriz explícita, ignorando até o estado civil de Jesus.

 

                     SENHORA DO LAGO

Em 633, um misterioso barquinho atracou no porto de Boulognesur-mer, no norte da França. Não havia ninguém a bordo, mas ele trazia uma estatueta com aproximadamente um metro, de uma Madona Negra com o bebê, junto a uma cópia dos Evangelhos em siríaco. Ninguém sabia de onde viera o barco, mas ele causou um grande furor e sua enigmática ocupante conhecida como Nossa Senhora do Sagrado Sangue se tornou a insígnia da catedral de Madalena de Notre Dame em Bouloglr - um objeto de considerável veneração até ser destruído na Revolução Francesa.

A Madona Negra de Boulogne reforçava a ligação entre Maria e o mar (latim: mare; francês: mer) na mentalidade popular, e o emblema da Maria do Mar (derivado da insígnia da catedral) era usado nos crachás dos peregrinos antes da época de Carlos Magno. Na verdade uma versão do objeto chegou à Escócia antes dos selos armoriais se tornarem comuns na Grã-Bretanha. Na Escócia do século XI, o Pone de Leith, em Edimburgo, incorporou seu emblema oficial numa representação de Maria do Mar e seu Filho do Graal num barco à vela protegido por uma nuvem: uma referência a Tiago (José de Arimatéia) que fora, um dia, a Nuvem: o Líder dos Peregrinos.

Por algum motivo, os estudiosos de heráldica preferiram ignorar importância desses emblemas femininos, assim como os compiladores de árvores genealógicas e registros parentais desconsideraram as linhagens femininas. Esse foi o caso particularmente nas eras georgiana e vitoriana na Grã-Bretanha, cujas crônicas fornecem a base de boa pane das informações insatisfatórias disponíveis hoje. Talvez a atual entrada na Era de Aquário traga um fim à história dominada pelo homem, mas, por ora, a maioria dessas obras é publicada em estilo e formato antigos. Pouca pesquisa é necessária, porém, para descobrir que o ideal do Noblesse Uterine (herança matrilinear da nobreza) era um conceito plenamente aceito durante a Idade das Trevas e a Idade Média.

Diz-se de um modo geral que a noção de heráldica (o porte de armas heráldicas e brasões da família) começou no século XII. Talvez isso se aplique à Inglaterra, mas os britânicos não inventaram o conceito, como os heráldicos gostariam que acreditássemos. As supostas autoridades no assunto, o Colégio dos Heráldicos e o Colégio das Armas, foram estabelecidas no fim do século XIV para controlar os registros dos portadores de armas. Era necessário que um cavaleiro portasse um brasão decorado para que fosse reconhecido, apesar de vestido da cabeça aos pés com cota de malha e armadura. O uso de bandeiras e outros emblemas indicando família ou região se originou em tempos mais remotos, em Flandres e norte da França.

Entretanto, a despeito disso, poucos na Grã-Bretanha já viram uma insígnia anterior ao século XII, particularmente não de origem feudal. O emblema do Porto de Leith é, portanto, exclusivo, com relação à data, e à associação não-feudal, feminina.

O manuscrito ricamente ilustrado de Raban Maar, A Vida de Maria Madalena, consiste em 50 capítulos encadernados em seis volumes. Entre outras coisas, ele conta como Maria, Marta e suas companheiras deixaram a costa da Ásia:

 

" ... E favorecidos por um vento leste, eles singraram pelo mar [Mediterrâneo] entre a Europa e a Ásia, deixando a cidade de Roma e toda a terra da Itália para a direita [norte]. E então, animadamente mudando o curso para a direita [norte], eles chegaram à cidade de Marselha na província gaulesa de

Vienne, onde o rio Rone encontra o litoral. Lá tendo invocado Deus, o Grande Rei de todo o Mundo - eles se separaram".

 

As bibliotecas de Paris contêm um número de manuscritos ainda mais antigo que o de Raban Maar, que dão testemunho da missão de Maria em Provença. Ela é mencionada especificamente num hino dos anos 600 (republicado nos registros da Acta Santo rum, emitida pelo jesuíta Jean Bolland, no século XVII). As companheiras de Maria, Maria-Salomé (Helena) e Maria Jacó (esposa de Cléopas), estariam enterradas na cripta de Les Saintes Maries, no Camargue. Muito antes de a igreja do século IX ser construída, sua antecessora era chamada Sanctae Mariae de Ratis, e perto da atual nave principal encontram-se os restos de uma escultura mostrando as Marias no mar.

A associação entre Maria Madalena e a Gália foi artisticamente retratada de duas maneiras: representativa e mística. Em alguns casos, ela aparece en voyage para Marselha, como nos relatos documentados. Talvez o exemplo mais importante desse estilo de reprodução seja aquele exibido na igreja de Les Saintes Maries: uma pintura de Henri de Guadermaris. Ela mostra a chegada das Marias num barco ao litoral de Provença e foi mostrada no Salão de Paris em 1886. Outro quadro famoso em estilo semelhante é A Viagem Marítima, de Lukas Moser, que faz parte do altar folhado em ouro e prata, Der Magdalenenaltar, na Katho/isches Pfarrant St. Maria Magdalena, Tiefenbronn, sul da Alemanha.

Maria também é mostrada movendo-se acima da Terra, para receber a iluminação celestial (como o romance apócrifo a descrevia fazendo todos os dias), ou sendo levada para oeste, como no Apocalipse. Um bom exemplo desse estilo de representação é Maria Madalena Levada pelos Anjos. Essa obra de arte feita por volta de 1606, por Giovanni Lanfranco, na Galleria Nazionale di Capodimonte, em Nápoles, mostra Madalena nua, junto a três anjos, pairando sobre uma desoladora paisagem européia.

Os restos mortais de Marta estão enterrados em Tarascon, na província francesa de Vienne. Cartas patentes de Luís XI de 1482 referem-se a uma visita do rei merovíngio Clóvis a esse túmulo no fim do século V. Os restos mortais de Maria Madalena foram preservados na Abadia de São Máximo, a cerca de 48 quilômetros de Marselha. Carlos 11 da Sicília, conde de Provença, desenterrou o crânio e o úmero (osso do braço) de Maria em 1279 para colocá-los em exibição em vitrinas de ouro e prata, onde permanecem até hoje. Alguns dos outros ossos e as cinzas de Maria foram guardados numa uma, mas sofreram atos de vandalismo durante a Revolução Francesa.

A caverna de solitude de Maria se encontra nas proximidades de La Sainte Baume. Foi essa caverna que Sire de Joinville visitou em 1254, quando retomava da Sétima Cruzada com o rei Luís IX. Logo depois, ele escreveu que eles "chegaram à cidade de Aix em Provença para homenagear a Abençoada Maria, que repousava a cerca de um dia de jornada de onde estavam. Fornos ao local chamado Baume, sobre uma rocha muito íngreme e escarpada, onde, segundo dizem, a Santa Madalena residiu num convento".

Três séculos antes, Wuillermus Gerardus, marquês de Provença, fez uma peregrinação até a caverna, enquanto a alta igreja da gruta em La Sainte Baume (com seus vários altares e belas esculturas de Maria Madalena) há muito tempo é um conhecido .lugar de peregrinação.

Aix-en-Provença, onde Maria Madalena morreu em 63 d.C., era a antiga cidade de Acquae Sextiae. Foram as termas de água quente em Aix (Acqs) que lhe deram seu nome - sendo acqs um derivativo medieval da antiga palavra latina aquae (águas). Na tradição Languedoc, Maria é lembrada como Ia Dompna dei Acquae: a Senhora das Águas. Para os gnósticos (assim como para os celtas), as mulheres que recebiam veneração religiosa eram freqüentem ente associadas a lagos, poços, fontes e termas. Na verdade, gnose (conhecimento) e sabedoria eram atribuídas ao Espírito Santo feminino que "pairava sobre as águas" (Gênesis 1:2).

Vimos anteriormente como os sacerdotes batismais da era dos Evangelhos eram descritos como "pescadores" e, desde o momento em que Jesus foi admitido no sacerdócio da Ordem de Melquisedeque (Hebreus 5), ele também se tornou um "pescador" designado. A linha dinástica da Casa de Judá foi, assim, estabelecida exclusivamente como de reis sacerdotes e, como ficaram conhecidos os descendentes de Jesus nas histórias do Graal, Reis Pescadores. As linhagens dinásticas de Jesus e Maria Madalena, emergentes dos Reis Pescadores, preservaram o maternal Espírito de Aix, para se tornarem a "família das águas": a Casa del Acqs.

A família era proeminente em Aquitaine - uma área com um nome que também tem suas .raízes em acquae ("águas") ou acqs, como também o tem o nome da cidade de Dax, oeste de Toulouse, que deriva de d 'Acqs . Nesse caso, as ramificações reais merovíngias, que se desenvolveram dos reis pescadores se tornaram condes de Toulouse e Narbonne, também príncipes do Septimanian Midi (o território entre a França e a Espanha).

Outra família, aparentada pela linha feminina, herdou a Igreja Céltica de Avalon, com Viviane deI Acqs reconhecida como rainha herdeira, no início do século VI. Subseqüentemente, na Bretanha, uma ramificação masculina correspondente da Provençal Casa del Acqs se tomou os Comtes (condes) de León d' Acqs, em descendência da neta de Viviane I, Morgana.

Desde a época em que Chrétien de Troyes escreveu seu conto, no século XII, de Ywain e a Senhora da Fonte (no qual a Senhora corresponde a Za Dompna de Z Aquae), a herança de Acqs persiste na literatura arturiana. O legado da família de Z Acqs, central ao tema do Graal, sempre esteve diretamente relacionado às águas salgadas e associado a Maria Madalena. Alternativamente, o nome du Lac era usado para indicar relacionamento com o sangue de Pendragon (sendo Zac, ou "lago", um pigmento vermelho da árvore-do-dragão - como na cor do Lago Escarlate). Em 1484, a obra Morte d'Arthur, de Sir Thomas Malory, usou essa segunda descrição, com Viviane II (Senhora da Fonte e mãe de Lancelot deI Acqs) devidamente classificada como a Senhora do Lago.

 

                   JOSÉ DE ARIMATÉIA

                   A CAPELA DE GLASTONBURY

Nos Annales Eeclesiastieae de 1601, o bibliotecário do Vaticano, cardeal Barônio, registrou que José de Arimatéia chegou em Marselha em 35 d.C. De lá, ele e sua companhia atravessaram até a Grã-Bretanha para pregar o Evangelho. Isso foi confirmado muito antes pelo cronista Gildas m (516-570), cujo De Excidio Britanniae afirmava que os preceitos do Cristianismo foram levados à Grã-Bretanha nos últimos dias do imperador Tibério César, que morreu em 37 d.C. Mesmo antes de Gildas, eminentes clérigos como Eusébio, bispo de Cesaréia (260-340), e Santo Hilário de Poitiers (300-367) escreveram sobre as primeiras visitas apostólicas à Grã-Bretanha. Os anos 35-37 apresentam, portanto, as mais antigas datas registradas do evangelismo cristão. Eles correspondem a um período pouco após a crucificação - antes da época em que Pedro e Paulo estavam em Roma e que os Evangelhos entrassem para o domínio público.

Um personagem importante do primeiro século d.C. na Gália foi São Filipe. Ele foi descrito por Gildas e William de Malmesbury como sendo a inspiração por trás da missão de José na Inglaterra. O De Saneto Joseph ab Arimathea afirma: "Quinze anos depois da Assumpção [ou seja, 63 d.C.], ele [José] foi até Filipe' o Apóstolo, entre os gauleses Freculfo, bispo de Liseux no século IX, escreveu que São Filipe enviou depois a missão da Gália para a Inglaterra, "para levar lá a boa notícia do mundo da vida e pregar a encarnação de Jesus Cristo".

Chegando ao oeste da Inglaterra, José e seus 12 missionários foram encarados com ceticismo pelos nativos bretões, mas cumprimentados com cordialidade pelo rei Arvirago de Silúria, irmão de Caractaco, o Pendragon. Em consulta a outros chefes, Arvirago concedeu a José doze medidas de terra em Glastonbury, cada uma considerada capaz, do ponto de vista agrícola, de sustentar uma família por um ano com um arado. - essa medida chamada hide, equivalia em Somerset (o condado de Glastonbury) a 100 acres (48,5 hectares). Aí eles construíram sua pequena e ímpar igreja em uma escala do antigo tabernáculo hebreu. Essas concessões permaneciam como posses de terra gratuita durante muitos séculos, como se confirma do Livro do Juízo Final de 1086: "A Igreja da Glastonbury tere suas próprias vilas com doze hides de terra que jamais pagaram imposto". Na era de José, as capelas cristãs ficavam escondidas nas catacumbas subterrâneas de Roma, mas quando a capela de Santa Maria foi construída em Glastonbury, a Grã-Bretanha pôde se gabar de ter a primeira igreja cristã de superfície no mundo.

Além dos relatos de José de Arimatéia em Glastonbury, outros falam de sua associação com a Gália e o comércio de estanho do Mediterrâneo. John de Glastonbury (compilador no século XIV de Glastoniensis Chroniea) e John Capgrave (superior dos frades agostinianos na Inglaterra, 1392-1464) citam um livro encontrado pelo imperador Teodósio (375-395 d.C.) no pretório de Jerusalém. De Saneto Joseph ab Arimathea, de Capgrave conta como José foi aprisionado pelos anciãos judeus depois da crucificação. Isso também é descrito no livro apócrifo, Atos de Pilatos . O historiador e bispo Gregório de Tours (544-595) também menciona o aprisionamento, após a crucificação, de José em sua História dos Francos e, no século XII, o episódio foi novamente contado em Joseph d'Arimathie, do cronista borgonhês Sire Robert de Boron, que escrevia a respeito do Graal.

O Magna Glastoniensis Tabula e outros manuscritos vão mais além, dizendo que José acabou escapando e foi perdoado. Alguns anos depois, ela estava na Gália com seu sobrinho, José, que fora batizado pelo apóstolo Filipe. O jovem José (segundo filho de Jesus e Maria) é tradicionalmente chamado de Josefes, nome que continuaremos a usar neste livro para diferenciá-lo de José de Arimatéia.

Muitos escritos valiosos e outras relíquias foram destruídos no incêndio de Glastonbury em 1184, e outros tantos foram perdidos com a dissolução por parte da Casa de Tudor 'dos mosteiros. No decorrer dessa posterior destruição, o abade Richard Whiting de Glastonbury foi assassinado em 1539 pelo servo do rei Henry VIII. Felizmente, cópias de alguns importantes manuscritos foram guardadas - uma das quais (atribuída a Gildas Ill) se refere a José de Arimatéia como um "nobre decurião". O arcebispo do século IX, Raban Maar, também o descreveu como um noblis decurion. Um decurião era uma espécie de supervisor de propriedades mineiras, e o termo se originou na Espanha, onde trabalhavam mineiros judeus nas célebres fundações de Toledo desde o século VI a.C. Não é impossível que o interesse mineiro de José fosse o principal motivo da generosa concessão feita pelo rei Arvirago. Afinal de contas, José era um artesão e mercador de metal bem conhecido: um Mestre Artesão (ho-tekton), assim como seu pai e os personagens do Antigo Testamento, Tubalcain e Hiram Abiff - ambos lembrados na moderna Franco-Maçonaria.

O De Sancto Joseph afirma que a igreja de Santa Maria, de José de Arimatéia, fora dedicada "no trigésimo primeiro ano depois da Paixão de Nosso Senhor" [ou seja, 64 d.C.]. Isso bate com o ano 63 d.C. como sua data de inauguração, conforme nos diz William de Malmesbury. Mas quanto ao fato de que a dedicação era a Santa Maria (freqüentemente considerada a mãe de Jesus), há muito tempo se argumenta que uma igreja já teria sido consagrada a ela uns quinze anos antes de sua Assunção e séculos antes da criação de qualquer culto à Virgem Maria. Como se confirma nas Crônicas de Mateus Paris, dos séculos XII e XIII, porém, 63 d.C. foi exatamente o ano em que a outra Maria, Maria Madalena - morreu em La Sainte Baume.

Entre as visitas que José fez à Grã-Bretanha, duas foram muito importantes para a Igreja e citadas posteriormente por numerosos clérigos e correspondentes religiosos. A primeira (descrita pelo cardeal Barônio) foi logo após a captura inicial de José pelo Sinédrio, depois da crucificação. Essa visita em 35 d.C. combina exatamente com um relato de São Tiago, o Justo, na Europa, o que não é uma surpresa, já que José de Arimatéia e São Tiago eram a mesma pessoa. O reverendo Lionel S. Lewis (vigário de Glastonbury na década de 1920) também confirmou, a partir de seus anais, que São Tiago se encontrava em Glastonbury em 35 d.C. A segunda visita de José foi após o apedrejamento e a excomunhão (morte espiritual) em 62 d.C. de Tiago, o Justo, em Jerusalém. Cressy, um monge beneditino que viveu pouco depois da Reforma, escreveu:

 

''No quadragésimo primeiro ano de Cristo (ou seja, 35 d.C.), Tiago, voltando da Espanha, visitou a Gália, a Bretanha e as cidades dos venezianos, onde pregou o Evangelho, e retomou a Jerusalém para consultar a Virgem Bendita e São Pedro acerca de questões de grande peso e importância".

 

As "questões de peso e importância" mencionadas por Cressy diziam respeito à necessidade de uma decisão sobre receber ou não os gentios incircuncisos na Igreja Nazarena. Como primeiro bispo de Jerusalém, Tiago, irmão de Jesus, presidiu a reunião do Concílio que tratou do debate.

Muitas antigas tradições se referem a São Tiago em Sardenha e Espanha, mas geralmente são atribuídas ao São Tiago errado. Isso ocorre porque o apóstolo Tiago Boanerges (às vezes chamado de São Tiago, o Maior, distinto de Tiago de Alfeu - Menor) desaparece do Novo Testamento por muito tempo.

Equívocos causados pelas aparentes anomalias e definições duplicadas a respeito de José de Arimatéia e São Tiago, o Justo, acabaram provocando discussões entre os bispos no Concílio da Basiléia em 1434. Como resultado, os países resolveram individualmente cada qual seguir suas diferentes tradições. São José é o mais lembrado em relação à história da Igreja na Grã-Bretanha, enquanto São Tiago é venerado na Espanha. Mesmo assim, as autoridades inglesas cederam ao associá-lo à monarquia e a Corte Real em Londres se tomou o Palácio de São Tiago.

O debate dos bispos se seguiu a uma disputa anterior no Concílio em Pisa em 1409 sobre o tema da antiguidade cronológica das Igrejas nacionais na Europa. Os principais contendores eram a Inglaterra, a França e a Espanha. A vencedora foi a Inglaterra, pois a igreja em Glastonbury foi fundada por José/Tiago "statim post passionem Christi" (pouco depois da Paixão de Cristo). Desde então, o monarca da França era intitulado Sua Cristianíssima Majestade, enquanto na Espanha o título era Sua Digníssima Majestade Católica. O título ferozmente competido de Sua Santíssima Majestade, no entanto, era reservado para o rei da Inglaterra. Registros do debate Disputio super Dignitatem Angliae et Galliae in Concilio Constantiano - dizem que a Inglaterra ganhou a disputa porque o santo não só ganhara de Avirago terras na região oeste do país, mas também fora enterrado em Glastonbury. A possibilidade de que outro São Tiago (Boanerges, ou Tiago, o Maior) poderia ter visitado a Espanha em determinada época não era relevante para o debate.

Tendo determinado que José/Tiago foi enterrado em Glastonbury, devemos descobrir por que a Estoire del Saint Graal cisterciense afIrma que ele foi sepultado na Abadia de Glais na Escócia. Isso não é tão contraditório quanto parece, pois na época da morte de José os escoceses gaélicos ainda não tinham se estabelecido nas Terras Altas à oeste (Dalriada), mas constituíam uma população tribal da Irlanda do Norte (Ulster) que se infiltrara no sudoeste da Grã-Bretanha. As áreas no oeste do país colonizadas pelos primeiros escoceses costumavam ser chamadas coletivamente de Escócia (terra dos escoceses), quando o extremo norte da Grã-Bretanha era chamado de Caledônia. Além disso, a palavra glais (tão comum nos antigos nomes escoceses) vem de um antigo dialeto irlandês, e significa "riacho" ou "córrego". O nome Douglas, por exemplo, deriva de dubh glais (riacho escuro). A Glastonbury original foi criada em meio a baixadas aquosas, e era chamada de Ilha de Glais. Portanto, o local do sepulcro de José na Abadia de Glais na verdade se referia à Abadia de Glastonbury.

No primeiro século d.C., a ilha principal da Grã-Bretanha (Inglaterra, País de Gales e Escócia) era conhecida como Albion. Os irlandeses a chamavam de Alba - um nome que posteriormente se restringiu ao norte escocês depois que os escoceses da Irlanda se estabeleceram nas Terras Altas ocidentais de Dalriada. No decorrer do século X, Alba tinha sido adaptado para Albany, e o nome alternativo, Escócia (ou Scotia), surgiu cerca de um século depois.

 

                       O DOMÍNIO DO GRAAL

A distinção de José (hebraico: Yosef, que significa "ele acrescentará") era conferida ao filho mais velho de cada geração na sucessão de Davi. Quando um filho dinástico da Casa de Judá (com qualquer nome pessoal) se tornava o Davi, seu filho mais velho (o príncipe da coroa) se tomava o José. Se não houvesse um filho no momento da sucessão (ou se o filho tivesse menos de 16 anos de idade), então o irmão mais velho do Davi assumiria temporariamente a distinção de José. Ela seria passada para o herdeiro legítimo assim que houvesse um filho maior de idade. Acrescentado a ela, havia o título ha Rama Theo (Arimatéia) da Divina Alteza - equivalente ao título principesco atual de Alteza Real.

Dentro das sucessões judaicas reais, sacerdotais, angélicas e patriarcais, havia numerosos títulos dinásticos e hereditários, além de várias distinções de ofício e nomeação. Assim, era possível que qualquer indivíduo adulto fosse conhecido por uma série de nomes diferentes, de acordo com o contexto do momento. Como vimos, Mateus também era Levi em sua condição oficial. Zacarias era o Zadoque e, portanto, angelicamente Miguel. Jônatas Anás (às vezes chamado de Natanael) também era Tiago de Alfeu (o Jacó da Sucessão) e, além disso, o Elias. Foi simplesmente por causa dessa estrutura hierárquica e patriarcal que Tiago, o Justo, irmão de Jesus, também ficou conhecido como José de Arimatéia (ha Rama Theo) - o José (ele acrescentará) de Divina Alteza. Em períodos diferentes, sempre houve, claro, outros Josés de Arimatéia. Agora, de posse desses fatos relacionados, devemos examinar a situação sob uma perspectiva diferente - a da pura cronologia.

Exceto por alguns termos descritivos vagos, o Novo Testamento não fornece uma verdadeira pista sobre o que José de Arimatéia tinha a ver com a família de Jesus; tampouco menciona a idade de José. Fora das escrituras, porém, presume-se que ele tenha sido o tio da mãe de Jesus. Pinturas e livros ilustrados, conseqüentemente, representam-no já como um senhor idoso na década de 30 d.C. Numerosos relatos escritos, das mais variadas fontes, registram que José chegou a Glastonbury trinta anos depois, em 63 d.C. Além disso, a História da Igreja de Cressy (que incorpora os registros do mosteiro de Glastonbury) afirma que José de Arimatéia morreu em 27 de julho de 82 d.C.

Se a mãe de Jesus, Maria, nasceu por volta de 26 a.C., como se presume, ela teria cerca de dezenove anos quando Jesus nasceu. No momento da crucificação, ela estaria com cinqüenta e poucos anos. Se José fosse tio dela, ele deveria ser uns vinte anos mais velho - o que o deixaria com setenta e poucos naquela época. Entretanto, trinta anos depois (aparentemente com mais de cem anos) ele estaria começando uma nova vida como evangelista e decurião no Ocidente! Como se isso não bastasse, os registros afirmam que ele morreu vinte anos depois.

Obviamente, nada disso faz sentido, e o aspecto hereditário da distinção de José de Arimatéia precisa ser aplicado. Portanto, como já determinamos, o José de Arimatéia da época da crucificação era Tiago, o Justo, nascido em 1 d.C. Ele morreu em 82 d.C., após ter sido formalmente excomungado em Jerusalém, vinte anos antes.

É também evidente que as origens e a farm1ia da mãe de Jesus não são expostas na Bíblia. Isso não é uma surpresa, já que a interpretação da Igreja da herança de Maria é que ela foi um produto da Conceição Imaculada. As principais fontes a respeito da Maria não são os Evangelhos canônicos, mas as escrituras apócrifas, O Evangelho de Maria e o Protoevangelho. Muitas das grandes representações artísticas da vida e da famí1ia de Maria se baseiam nesses escritos, como a famosa obra O Encontro de Ana e Joaquim (os pais de Maria), de Albrecht Düfer. O trabalho geralmente considerado mais minucioso acerca do assunto é A Leggenda di Sant Anna Madre della Gloriosa Vergine Maria, e di San Gioacchino (A história de Santa Ana, mãe da Bem-aventurada Virgem Maria, e de São Joaquim). Essa obra associa os pais de Maria à Casa Real de Israel, mas não menciona José de Arimatéia como seu tio.

Foi, na verdade, por meio de um conceito bizantino do século IX que a Igreja promoveu pela primeira vez a idéia de José ser o tio de Maria. Antes disso, não há menção dele como tal. O conceito surgiu numa época em que os temerosos e supercautelosos concílios da Igreja estavam debatendo o conteúdo aprovado do Novo Testamento. Se José de Arimatéia pudesse ser mantido como um personagem secundário na estrutura da sucessão de Davi, e se não fosse associado à linhagem messiânica principal, seus descendentes reais não poderiam abalar a estrutura apostólica auto-atribuída dos bispos romanos.

Com essa estratégia, a existência do filho de Jesus e Maria, Josefes, também foi convenientemente disfarçada no Ocidente. Ele geralmente era descrito como filho de José de Arimatéia, ou às vezes seu sobrinho (que, sem dúvida, era). Em qualquer desses papéis, ele não era uma ameaça ao esquema ortodoxo e, de fato, as duas definições de seu relacionamento (filho e sobrinho) tinham uma base genuína, pois ele era herdeiro da distinção ha Rama Theo.

Quando Jesus se tomou o Davi, seu irmão Tiago se tomou o José. Essa situação só mudou quando Jesus, o jovem, atingiu a idade em que podia herdar o título. Depois da morte de Jesus, o Cristo, seu filho mais velho, Jesus, o Justo, tomou-se o Davi. Seu filho mais novo, Josefes (o irmão do novo Davi), passou a ser o José - o designado príncipe à coroa ha Rama Theo. Mas até então, enquanto seu irmão Jesus Justo (chamado Gais or Gésu nas histórias do Graal) estava no exterior, em Roma e Jerusalém, o pai adotivo e tutor legal de Josefes foi seu tio Tiago, o prevalecente José de Arimatéia.

Posteriormente, o primogênito de Jesus Justo foi Galains (chamado Alain na tradição do Graal). De acordo com o costume do matrimônio dinástico, Jesus Justo tinha se casado primeiramente em setembro de 73 d.C.; sua esposa era uma neta de Nicodemos. O legado do parentesco de Davi (que seria representado como o Domínio do Graal) foi prometido a Galains e, com o tempo, formalmente passado a ele por seu tio e guardião, Josefes. Mas Galains se tomou um celibatário convicto e morreu sem filhos. Assim, a herança do Graal reverteu para a linhagem menor de Josefes - passando para seu filho Josué, do qual descendem os reis pescadores da Gália.

Como mencionado anteriormente, José de Arimatéia estivera na Grã-Bretanha com o filho mais velho de Maria, Jesus Justo, 12 anos de idade, em 49 d.C. Esse evento é bem lembrado na tradição do oeste da Inglaterra e evidenciado na famosa canção de William Blake, Jerusalém. As histórias contam como o jovem Jesus caminhou pela costa de Exmoor e foi até a vila Mendip de Priddy. Como aqueles pés da realeza realmente "caminharam sobre o verde das montanhas da Inglaterra" (embora os pés do filho e não do pai), uma pedra em memória de seus pais, Jesus e Maria Madalena, foi colocada na parede sul da Capela de Santa Maria, Glastonbury. Essa pedra, que permanece no local da capela original, do primeiro século d.C., tem a inscrição "Jesus Maria" e, com o tempo (sendo uma das relíquias mais veneradas da abadia), tomou-se um lugar de oração para peregrinos na Idade Média. A capela original foi iniciada em 63 d.C. (imediatamente depois da morte de Maria Madalena), e os velhos anais afirmam que Jesus consagrou pessoalmente a capela em honra de sua mãe. Portanto, foi a Madalena (não a Maria, mãe de Jesus Cristo) que a capela de Glastonbury foi dedicada por seu filho mais velho, Jesus Justo, em 64 d.C.

 

                   O ESCUDO DO DIGNÍSSIMO

Quando Maria Madalena morreu, em 63 d.C., seu filho Josefes já era bispo de Saraz. Em Morte d'Arthur, de Malory, Saraz (Sarras) é apresentado como o reino do rei Evelake, mencionado na história de Galahad, filho de Lancelot. O conto começa quando Galahad herda um escudo sobrenatural do Cristo, e encontra o misterioso Cavaleiro Branco:

 

"E em pouco tempo apareceu Galahad, quando o cavaleiro branco dele se aproximou pelo eremitério, e os dois se cumprimentaram cortesmente. 'Senhor", disse Sir Galahad, 'por este escudo, muitas maravilhas se sucederam.' 'Senhor', disse o cavaleiro, 'aconteceu no trigésimo segundo ano após a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo que José de Arimatéia, o gentil cavaleiro, que tirou Nosso Senhor da Cruz sagrada, partiu de Jerusalém com um grande grupo dos seus. E ele pelejou até chegar a uma cidade chamada Sarras. E na época em que lá chegou, havia um rei chamado Evelake, que fazia uma grande guerra contra os sarracenos, e especialmente um sarraceno, que era primo de Evelake, um rei rico e poderoso, que marchou por estas terras, e seu nome era Tolleme le Feintes. Assim, um dia os dois se encontraram em batalha...'."

Saraz era Sahar-Azzah, na costa mediterrânea - talvez mais bem conhecida como Gaza, o antigo centro filisteu onde Sansão encontrou seu fim (Juízes 16).

Não há registros de um rei Evelake, mas o nome é uma variante literária do título Avallach, encontrado em várias genealogias de soberanos e santos. Era uma palavra sujeita a muitas formas diferentes (como Abalech, Arabach e Amalach), mas todas derivadas do termo egípcio-grego Alabarch. Novamente, a palavra não representa um nome (nem sobrenome ou nome de família), mas um título. São Jerônimo (340-420 d.C.), tradutor da Bíblia para o latim, dizia que Tibério Alexandre, o procurador da Judéia a partir de 46 d.C., era filho de Alexandre Lisímaco, alabarch de Alexandria. Em essência (embora politicamente aplicado a magistrados responsáveis pela justiça entre os judeus), o termo alabarch indicava um líder (chefe) de comunidade.

O conto do Cavaleiro Branco dizia (como vimos acima) que o inimigo sarraceno de Evelake era Tolleme le Feintes (Tolomeu, o fingido, ou falso), também mencionado em The Antiguities, de Josefo:

 

"Tolomeu, o arquiladrão, foi finalmente trazido em correntes, e morto; mas não sem antes ter espalhado mal e destruição entre os idumeus e árabes" .

 

A pessoa diante da qual Tolomeu foi apresentado era o procurador da Judéia, Cúspio Fado (o antecessor de Tibério Alexandre), que mandou executar Tolomeu por volta de 45 d.C.

 

O Cavaleiro Branco continuou sua história, contando que o bispo Josefes informou ao rei Evelake que este seria morto por Tolleme le Feintes, a menos que abandonasse a crença na velha lei e acreditasse na nova lei: "E então, lá, ele lhe mostrou a fé verdadeira da Santíssima Trindade". Evelake se converteu imediatamente, e o Escudo do Digníssimo lhe foi dado de presente, o que lhe permitiu derrotar Tolleme. Posteriormente, Josefes batizou o rei Evelake antes de sair para pregar o Evangelho na Grã-Bretanha.

A força do enigmático escudo branco estava em sua cruz vermelha, e num véu místico que ia diante do escudo, com o nome de Jesus. Isso faz lembrar a conversão do filho de Vespasiano. Conforme narrado na Vindicta Salvatoris , ele foi curado de lepra por um sudário etéreo que trazia a efigie do Messias.

Para concluir, o Cavaleiro Branco relatou que, seguindo as instruções de Josefes, o escudo foi guardado com toda a segurança pelo santo eremita Nacien. Ficou com ele numa abadia após sua morte, para ser resgatado um dia por Sir Galahad. Nas palavras do bispo Josefes, pouco antes de morrer: "O último de minha linhagem o usará em volta do pescoço, e com ele realizará muitas maravilhas".

Em De Sancto Joseph e outras fontes, Nacien (ou Nacion) é descrito não como um eremita, mas como um príncipe da Média. Historicamente, o príncipe Nascien, de Septimanian Midi, era o ancestral do século V dos reis francos merovíngios, e entre seus descendentes também se incluíam os Senescais (Stewards, ou servos) de Dol e Dinan, na Bretanha. Esses poderosos mordomos-mor eram descendentes da mãe de Lancelot, Viviane II del Acqs, rainha dinástica de Avalon, e foram os progenitores da mais influente linhagem dos desposyni - a Casa Real Escocesa de Stewart.

 

                   MISSÕES APOSTÓLICAS NO OCIDENTE

Uma das pessoas mais prestativas a Maria Madalena em Provença foi seu amigo Simão Zelote, que, não mais na condição de Pai ativo, assumiu o título que lhe fora dado por Jesus na ressurreição - o do ecônomo (mordomo) de Abraão Eliezer ou Lázaro. Sob esse nome, ele se tornou o primeiro bispo de Marselha e sua estátua está na igreja de São Vítor. Uma passagem da nave da igreja dá para uma capela subterrânea (localizada na antiga residência de Lázaro), que era fortemente guardada pelos monges, nos primeiros dias. Foi Lázaro (também conhecido como o Grande Máximo) quem enterrou Maria Madalena em seu sepulcro original de alabastro, em St. Maximin, 63 d.C. Antes disso, ele estivera em Jerusalém e Antioquia por algum. tempo e, depois da morte de Maria, voltou a Jerusalém e à Jordânia antes de retomar e se juntar a José de Arimatéia.

Na Grã-Bretanha, porém, Lázaro era mais conhecido por seu nome apostólico, Simão Zelote. Niceforo (758-829), o patriarca de Constantinopla e historiador bizantino, escreveu que "São Simão, sobrenome Zelo te, viajou pelo Egito e África, depois pela Mauritânia e por toda a Líbia, pregando o Evangelho. E a mesma doutrina ele ensinou aos povos do mar Ocidental e das ilhas chamadas britânicas".

 

Aproximadamente cinco séculos antes, em 303 d.C., o bispo Doroteu de Tiro tinha escrito em suas Synopsis de Apostole que "Simão Zelote pregava o Cristo por toda a Mauritânia e África Menor. Acabou sendo crucificado nas ilhas britânicas, morto e sepultado". Os Annales Ecclesiasticae do cardeal Barônio, de 1601, também confirmam o martírio de Simão na Grã-Bretanha. Ele foi crucificado pelos romanos, sob as ordens de Cato Deciano, em Caistor, Lincolnshire. Por pedido do próprio santo, porém, seus restos mortais foram posteriormente colocados junto com os de Maria Madalena, em Provença.

Também associado a José de Arimatéia na Grã-Bretanha era o tio de Rerodes Agripa, Aristóbulo, que fora um especial aliado de Maria Madalena quando ele recebeu proteção em Vienne, fora de Lyon. Alguns comentaristas sugerem que um Aristóbulo mais jovem (o segundo marido da fatal dançarina Salomé) era confederado de Maria, mas na época estava ocupando o cargo de regente para o rei, na Altnênia Menor. O Aristóbulo Coiteto é descrito nos textos que o citam na Grã-Bretanha; eles se referem devidamente a ele como Arwystli Ren (Aristóbulo, o Velho) e a cidade de Arwystli em Powys recebeu seu nome. Ele era irmão de Herodes Agripa I, Herodes de Cálcis e Herodias (a mãe de Salomé).

Os escritos do clérigo romano, Hipólito (nascido por volta de 160 d.C.), apresentam Aristóbulo como um bispo dos bretões. Cressy afirma que ele era um bispo na Grã-Bretanha, ordenado pelo próprio São Paulo. A Martirologia da Igreja Grega afirma que Aristóbulo foi martirizado na Grã-Bretanha "após ter construído igrejas e ordenado diáconos e padres para a ilha". Esse fato é confirmado por Santo Ado (800-874), arcebispo de Vienne, em Adonis Martyrologia. Anteriormente, em 303 d.C., São Doroteu, bispo de Tiro, escreveu que Aristóbulo estava na Grã-Bretanha quando São Paulo enviou cumprimentos à sua casa em Roma: "Saudai os da casa de Aristóbulo" (Romanos 16:10). E a obra jesuíta Regia Fides afirma também: "É absolutamente certo que antes de São Paulo chegar a Roma, Aristóbulo se encontrava na Grã Bretanha". Na verdade, ele foi executado pelos romanos em Verulamium (S1. Albans) em 59 d.C.

Além de ser conhecido como José de Arimatéia, São Tiago, o Justo era chamado de Ilid pelos cronistas do país de Gales. Ele era o patrono de Llan Ilid em Gwent, tendo fundado uma missão em Cor-Eurgian. O Cwydd to St. Mary Magdalene, no Gestyn Ceriog, refere-se a José como Ilid, assim como o manuscrito de The Sayings of the Wise, ou os ditos dos sábios. O nome Ilid é considerado uma variante do hebraico Eli (que significa "meu Deus" ou "elevado"). A Achan Sant Prydain (Genealogia dos Santos da Grã-Bretanha) diz que "veio com Brân, o Abençoado de Roma, para a Grã-Bretanha, Arwystli Hen, Ilid, Cyndaff - homens de Israel- e Maw ou Mawan, filho de Cyndaf'.

O arquidruida de Silúria, Brân, o Abençoado, casou-se com a filha de José de Arimatéia, Ana (Enygeus), que às vezes é mencionada arbitrariamente como uma "consabrina" da bem-aventurada Maria (nesse caso, a mãe de Jesus). Como José já foi erroneamente descrito como tio de Maria, acredita-se que a palavra "consabrina" talvez denote uma prima. Na prática, porém, a palavra era muito obscura e denotava nada mais que uma parenta mais nova. Era, portanto, o termo perfeito para ser usado em relacionamentos genealógicos não-específicos, ou quando se considerava necessário que estes permanecessem velados.

Em 51 d.C., Brân foi feito refém e levado a Roma com Caractaco, o Pendragon. Residente em Roma, Gladys, a filha mais nova de Caractaco, casou-se com o senador Rufu Prudente e se tomou Cláudia Rufina Britânica (como confirma o poeta romano, Marcial, por volta de 68 d.C.). A outra filha de Caractaco era Santa Eurgen de Llan llid (esposa de Salog, Senhor de Salisbury). O afamado filho de Caractaco, príncipe Lino, se tomou primeiro bispo nomeado de Roma. Em sua segunda epístola a Tunóteo 4:21 (Novo Testamento), Paulo escreve: ''Êubulo te envia saudações; o mesmo fazem Prudente, Lino, Cláudia e os irmãos todos". Êubulo (eu-boulos: "bem precavido" ou "prudente") era uma variação de Aristóbulo (aristo-boulos: "o mais bem precavido" ou "mais nobre em conselho").

Na Grã-Bretanha, as atividades de José de Arimatéia eram mantidas por um círculo fechado de doze anacoretas celibatários (devotos reclusos). Quando um deles morria, era substituído por outro. Nas histórias do Graal, esses anacoretas eram chamados de "os irmãos de Alain (Galains)", que era um dos membros. Nessa condição, eles eram filhos simbólicos de Brân, o patriarca (o Pai na antiga ordem, ao contrário da nova intitulação de bispo de Roma). Por isso, em parte da literatura, Alain é definido como o filho de Brân (Bron). Entretanto, após a morte de José em 82 d.C, o grupo se desintegrou - principalmente porque o controle romano tinha mudado para sempre o caráter da Inglaterra.

Já vimos que uma grande confusão reinava por causa dos vários nomes atribuídos a José (José de Arimatéia, São Tiago, o Justo, Ilid e assim por diante), mas é evidente que certas obras do folclore popular contribuíram muito para confundir ainda mais a questão das linhagens descendentes após essa época. Tais obras incluem Brutos, as Trifades, o Mabinogion, e Cycles of the Kings. Historicamente, são todas importantes por não serem inteiramente fictícias, e a maioria das tradições é, por sua própria natureza, baseada em fatos antigos. Mas esses contos são propositadamente românticos em construção e, como resultado, muitos historiadores céticos os atacaram cruelmente. Igualmente lamentável é o fato de outros escritores terem se deixado levar exageradamente por essas obras semi-imaginativas. Conseqüentemente, uma boa dose de informações impossíveis do ponto de vista genealógico está contida em livros que parecem se basear em fontes fidedignas.

Infelizmente também, a literatura romântica dá pouca atenção à cronologia correta, e os personagens relevantes se espalham aleatoriamente pelos textos aventurosos. The High History of the Holy Graal (A Grande História do Santo Graal - c.1220) é um bom exemplo disso, dizendo que Percival (um seguidor de Artur, no século VI) era neto de José de Arimatéia, do século I: "Bom cavaleiro ele era, pois sua linhagem vinha de José de Arimatéia, e esse José era o tio de sua mãe".

Pedro nunca foi formalmente nomeado bispo de Roma. Lino nomeado por Paulo em 58 d.C. (enquanto Pedro ainda estava vivo: Constituições Apostólicas) - foi, portanto, o primeiro papa.

 

                   O NOVO CRISTIANISMO

                  O BOM REI LÚCIO

Em meados do século II, o rei Lúcio, bisneto de Arvirago, reviveu o espírito dos primeiros discípulos na Grã-Bretanha. Ao fazê-lo, ele foi considerado aquele que "aumentou a luz" dos primeiros missionários de José e, como tal, ficou conhecido como Lleiffer Mawr (O Grande Luminar). Sua filha, Eurgen, proporcionou o primeiro elo entre as duas sucessões principais de Davi - uma de Jesus e a outra de Tiago (José de Arimatéia) quando casou com Aminadab, o bisneto de Jesus e Maria Madalena na descendência de Josefes, que tinha se tomado o bispo nazireu de Saras (Gaza).

Lúcio reconheceu abertamente o Cristianismo em Winchester em 156 d.C. e sua causa foi exaltada em 177 d.C. por uma perseguição romana em massa dos cristãos na Gália. Esta foi particularmente imposta nas antigas regiões de Herodes, Lyon e Vienne, onde Santo Irineu e 19 mil cristãos foram condenados à morte 30 anos depois. Durante a perseguição, muitos cristãos gauleses fugiram para a Grã-Bretanha, principalmente para Glastonbury, onde procuraram o auxílio do bom rei Lúcio. Este, por sua vez, foi procurar Eleutério, bispo de Roma, para pedir conselhos (isso, é claro, se deu antes dos dias da Igreja Romana Imperial). Lúcio escreveu com toda franqueza a Eleutério, pedindo instruções para seu governo cristão.

A carta em resposta, contida no Sacrorum Concilio rum Collectio, ainda existe em Roma. Eleutério sugeriu que um bom rei sempre tinha a liberdade de rejeitar as leis de Roma, mas não a lei de Deus. O trecho seguinte é uma tradução:

"Os fiéis cristãos, como todo o povo do reino, devem ser considerados filhos do rei. Vivem sob a tua proteção... Um rei é conhecido por seu governo, não pelo poder que ele retém sobre a terra. Enquanto tu governares bem, serás um rei. Se não fizeres isso, o nome do rei não perdurará, e perderás o nome de rei" .

John Capgrave (1393-1464), o mais erudito dos frades agostinianos, e o arcebispo Ussher, em sua obra, De Brittanicarum Ecclesiarum Primordiis, contam que Lúcio enviou os missionários Medway e Elfan a Roma, para transmitir sua mensagem pedindo conselhos. Eles retomaram com os emissários do bispo, Fagano e Duvano (que os anais galeses mencionam como Fagan e Dyfan), cuja jornada foi confirmada por Gildas no século VI. O Venerável Bede de Jarrow (673-735) também escreveu a respeito do apelo do rei, mencionado na Crônica Anglo-saxônica.

Fagan e Dyfan reinstituíram a velha ordem dos anacoretas em Glastonbury, e desde então é atribuído a eles o crédito da segunda fundação do Cristianismo na Grã-Bretanha. Em seguida, a fama de Lúcio se espalhou muito. Ele já era reconhecido como o construtor da primeira torre de Glastonbury em St. Michael's Tor, em 167 d.C., e agora a igreja em Llandaff foi dedicada a ele como Lleurwgg, o Grande.

Mais impressionante ainda, Lúcio foi o responsável pela fundação do primeiro arcebispado cristão em Londres. Uma placa em latim acima da lareira na sacristia da igreja de St. Peter, Cornhill, na parte velha de Londres, diz:

 

"No ano de nosso Senhor , Lúcio, o primeiro rei cristão desta ilha hoje chamada de Grã -Bretanha, fundou a primeira igreja em Londres, bem conhecida como a Igreja de St. Peter [São Pedro] em Cornhill; e fundou lá a sede do arcebispado, e fez dela a igreja metropolitana e principal de seu reino. E assim, ela permaneceu pelo espaço de quatrocentos anos até a chegada de Santo Agostinho... E então, a sede e o pálio do arcebispado foram transladados da referida igreja de St. Peter em Cornhill para Dorobenia, hoje chamada de Canterbury".

O conselho dado pelo arcebispo Eleutério em resposta ao apelo do bom rei Lúcio é fascinante, pois respeita totalmente o princípio de serviço que permeia o Código Messiânico do Graal. Os reis das dinastias do Graal na Grã-Bretanha e na França sempre trabalharam com esta base: eram os Pais Comuns do povo, nunca governantes das terras (o segundo título era um conceito particularmente feudal e imperial que comprometia completamente o Código). Eles compreendiam, por exemplo, a importante diferença entre ser rei dos francos e rei da França, ou reis dos escoceses e reis da Escócia. Por isso, os monarcas do Graal eram capazes de valorizar suas nações, em vez de valorizar os clérigos e políticos.

A partir do momento em que uma monarquia nacional se torna regulamentada por Atos do Parlamento e decretos da Igreja, os títulos de rei ou rainha são inúteis. Sob tais circunstâncias, ninguém tem autoridade suficiente para se equiparar com a da Igreja ou Parlamento e, portanto, ninguém pode agir em nome do povo. Os reis do Graal eram definidos como Guardiões do Reino e, nesse sentido, o conselho do bispo Eleutério a Lúcio foi ao mesmo tempo profundo e iluminado: "Todas as pessoas do reino devem ser consideradas filhos do rei. Vivem sob a tua proteção".

 

                     SÃO MIGUEL

A Capela de São Miguel (Tor Chapel Of St. Michael), Glastonbury, foi estabelecida pelo rei Lúcio em cima de um antigo sítio pagão. Trilhas históricas conduzem a esse lugar, vindo do Monte de São Miguel, Marazion – e passando por várias igrejas de São Miguel: em Brentor, Burrowbridge Mump, Othery e mais além. Recentemente, os autores Paul Broadhurst e Hamish Miller lançaram um livro fascinante, The Dance of the Dragon, que identifica o eixo São Miguel/Apolo desde a Irlanda, passando pelo sudeste da Inglaterra, França, Itália, Grécia e Israel.

São Miguel, a quem tantas igrejas foram dedicadas, não era um clérigo tradicional nem um santo mártir, mas é o equivalente ao arcanjo Miguel, mencionado apenas uma vez no Novo Testamento (Apocalipse 12:7). Em seu livro escrito no primeiro século d.C., The Wars of the Jews, Flavius Josephus confirmou que os essênios de Qumrã juraram preservar os nomes dos anjos em sua hierarquia sacerdotal. O portador do título angélico Miguel era o sacerdote Zadoque. Descendente do Zadoque original da era do rei Davi, o Miguel da época de Jesus era João Batista, que herdara o posto de seu pai Zacarias.

Até aquele momento, o rei de jure da descendência de Davi sempre fora categorizado separadamente dos sacerdotes angélicos Miguel, Gabriel, Sariel e Rafael. No entanto, tanto as linhagens Zadoque como as de Davi eram estritamente dinásticas, mas quando João Batista morreu, não deixou sucessor. Jesus tentou em diversas ocasiões ganhar reconhecimento como sacerdote; ele até se promoveu visivelmente como tal no evento que ficou conhecido como Transfiguração. Mas só na Ascensão seu sacerdócio foi formalizado, quando ele foi levado ao Reino do Céu (o alto monastério) para se tomar sumo sacerdote (Hebreus 3:1) na Ordem de Melquisedeque (Hebreus 5:6). Sua função dinástica se tomou duplamente messiânica: a de rei sacerdote (ou como dizem as histórias do Graal, um Rei Pescador). Pela primeira vez desde a era de Davi e Zadoque, os títulos reais e angélicos se juntavam em um, sendo Jesus tanto o Davi como o Miguel:

 

"Onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo se tomado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (Hebreus 6:20)".

Fragmentos do documento do príncipe Melquisedeque encontrados entre os Pergaminhos do Mar Morto indicam que Melquisedeque e Miguel eram a mesma pessoa. É essa representação que aparece no livro do Apocalipse quando o arcanjo Miguel (o poder Zadoque descendente do Messias) luta com o dragão da opressão romana. De modo semelhante, o documento Qurnrã Damasco confirma que os títulos de Zadoque e Melquisedeque eram equivalentes e sustentavam um ao outro. Em essência, como Zadoque era a suprema designação de sumo sacerdote, e como Melqui (ou Ma1co) significava rei, é evidente que o título de Melquisedeque indicava a inter-relação rei/sacerdote.

Hebreus 7:14 descarta totalmente a noção interpretada do Evangelho acerca da concepção imaculada, confirmando que o verdadeiro pai de Jesus era José: "Pois é evidente que nosso Senhor procedeu de Judá, tribo à qual Moisés nunca atribuiu sacerdotes". Também é explicado que a lei a respeito do sacerdócio foi mudada para acomodar a nova distinção angélica de Jesus (Hebreus 7: 12).

Desde então, a sucessão dinástica de Melquisedeque (Melqui-Zadoque) dependia da linha masculina de Jesus, descendendo através dos Reis Pescadores. Essa era a linhagem do Sangréal de Davi - Sangue Real de Judá, conhecida mais romanticamente como a Fannlia do Graal. No princípio, eles não eram monarcas propriamente ditos (de facto), mas reis sacerdotes por direito (de jure). Somente no século V (quando o rei pescador descendente Faramund se casou com a princesa Argotta, herdeira dos francos sicambros) a linhagem cristã começa sua impressionante ascensão à proeminência.

Não é coincidência a presença de São Miguel registrada na região da Comuália (Inglaterra) por volta de 495 d.C. e na Gália por volta de 580. Cada descendente mais velho na linhagem do Graal era o Miguel dinástico, e a cidade de Marazion (na Comuália) tinha origens judaicas - seu nome (que significa mercado de Sião) é um sinônimo de Jerusalém. Do outro lado de Marazion, numa espécie de calçadão com baixa maré, fica o monte de São Miguel - o local de um antigo mosteiro celta. Ele se tornou um convento beneditino no século VIII e era o nome de uma cela da abadia de St. Michel (São Miguel), na Bretanha.    

 

                           ASCENSÃO DA IGREJA ROMANA

Em 66 d.C., um sacerdote novato, Flavius Josephus, foi nomeado comandante em defesa da Galiléia. Ele tinha sido treinado para o sacerdócio fariseu, mas aceitou o serviço militar quando os judeus se rebelaram contra os senhores romanos. Josephus acabou se tomando o mais importante historiador da época e seus escritos, traduzidos para o inglês com os títulos de The Wars of the Jews e The Antiquities of the Jews, dão-nos uma boa idéia da longa e complexa história da nação desde os tempos dos patriarcas até os anos da opressão romana. No contexto de sua obra, é interessante observarmos sua referência a Jesus. Ela o coloca firmemente dentro da estrutura histórica do tempo, mas sem a menor menção de sua divindade ou de alguma imagem das escrituras:

 

"Foi mais ou menos nessa época que Jesus surgiu - um homem sábio, se é que se pode chamá-Io de homem, pois era um realizador de milagres. Um professor de quem os homens recebiam o conhecimento com prazer, e para si ele atraiu muitos dos judeus, além de muitos dos gentios. Ele era o Cristo; e quando Pilatos - por sugestão dos principais homens dentre nós - condenou-o à crucificação, aqueles que o amavam desde o início não o abandonaram, pois ele apareceu a eles vivo novamente, no terceiro dia - exatamente como os santos profetas haviam previsto, além de outras dez mil coisas maravilhosas acerca dele, igualmente previstas. E a seita cristã - cujo nome vem dele continua em plena existência ainda hoje".

O opus erudito de Josephus, com mais de 60 mil linhas manuscritas, foi escrito durante os anos 80 d.C., quando ele estava em Roma, de onde surgira o Evangelho de Marcos, um pouco antes. Embora Pedro e Paulo tenham sido executados durante o regime de Nero, os textos dos Evangelhos da época não eram, de fato, anti-romanos. Na verdade, os primeiros cristãos eram mais propensos a culpar os judeus (em vez de Pilatos) pela perseguição de Jesus e, como a revolta dos judeus de 66-70 d.C. falhou, eles acreditavam firmemente que Deus tinha mudado sua Aliança para, agora, com os cristãos.

A despeito disso, a posição dos cristãos no Império Romano cada vez mais expandido era precária; eles eram uma minoria, sem status legal. Da crucificação de Pedro, ordenada por Nero, até o Edito de Milão, em 313 d.C. (quando o Cristianismo foi oficialmente reconhecido), houve nada menos que 30 bispos cristãos de Roma nomeados. O primeiro bispo, nomeado por Paulo ainda nos dias de Pedro, em 58 d.C., foi o príncipe Lino da Grã-Bretanha, filho do rei Caractaco (às vezes, Lino é descrito como escravo, mas isso foi uma propaganda posterior impetrada pela Igreja, e retomaremos esse assunto mais adiante por ser de extrema importância).

Por volta de 120 d.C., as nomeações individuais tinham se tomado a prerrogativa da eleição de grupos e os candidatos tinham de ser cidadãos de Roma. Na época do bispo Higino (136 d.C.), havia pouca ou nenhuma ligação entre os cristãos paulinos e os seguidores da doutrina judaica de Jesus. Estes últimos haviam se assentado principalmente na Mesopotâmia, na Síria, no sul da Turquia e no Egito - além dos movimentos estabelecidos na Grã-Bretanha e na Gália. Enquanto isso, os cristãos de Roma eram constantemente suprimidos porque suas crenças aparentemente desafiavam a divindade tradicional dos Césares (imperadores). Com o passar do tempo, a supressão se tomou ainda mais severa, até chegar às proporções experimentadas no reinado de Nero e se transformar em perseguição deflagrada.

A religião prevalecente de Roma imperial era politeísta (culto a muitos deuses) e tinha emanado grandemente da veneração de deidades naturais como as das florestas e das águas. Enquanto Roma crescia à condição de Estado, os deuses de seus vizinhos etruscos e sabinos tinham sido incorporados. Entre eles se incluíam Júpiter (o deus do céu) e Marte (o deus da guerra). Os cultos de origem grega também foram assimilados e, a partir de 204 a.C., as orgias de Cibele (a deusa asiática da terra) se tomaram evidentes, logo emuladas pelos rituais hedonistas de DionísiolBaco (o deus do vinho). À medida que o Império Romano se espalhava para o leste, o culto esotérico de Ísis, a Mãe Universal, também foi introduzido, junto à veneração persa de Mitra (deus da luz, da verdade e da justiça). Por fIm, a religião solar síria de Sollnvictus (o inconquistado e inconquistável sol) se tomou a grande crença geral. Sua visão do Sol como supremo doador da vida fazia com que todos os outros cultos se incluíssem nela, sendo o imperador a encarnação terrestre da divindade.

Em meados do século II, os nazarenos originais (seguidores dos ensinamentos de Jesus e Tiago) não só eram impopulares com as autoridades romanas, mas também eram rechaçados pelos cristãos paulinos - particularmente por Irineu, bispo de Lyon (nascido c. 120 d.C.). Ele os condenava como hereges por afirmarem que Jesus era um homem, e não de origem divina, conforme ditava a nova Fé. Na verdade, ele chegou a declarar que o próprio Jesus praticava a religião errada e estava pessoalmente enganado em suas crenças! Irineu escreveu a respeito dos nazarenos, que ele chamava de ebionites (pobres), dizendo:

 

"Eles, como o próprio Jesus e como os essênios e Zadoques de dois séculos antes, deixam-se guiar pelos livros proféticos do Antigo Testamento. Rejeitam as epístolas de Paulo e rejeitam o apóstolo Paulo, chamando-o de apóstata da Lei".

 

Como forma de retaliação, os nazarenos da Igreja originada com os desposyni denunciavam Paulo como um "renegado" e "falso apóstolo", afirmando que seus escritos idólatras deveriam ser totalmente rejeitados.

Em 135 d.C., Jerusalém foi novamente massacrada pelos exércitos romanos - dessa vez sob ordens do imperador Adriano - e os judeus sobreviventes se espalharam. Aqueles que permaneceram na Palestina se contentavam (em seu desespero diante da derrota militar final) em se ocupar somente com a lei e a religião rabínica. Enquanto isso, a seita paulina (agora totalmente separada de suas origens judaicas) estava se tomando cada vez mais problemática aos olhos das autoridades.

Tendo alcançado o pico de sua glória na era de Adriano (117-138 d.C.), o imperialismo romano começou a declinar com Cômodo. Seu governo ineficiente (180-192 d.C.) incitou muita desunião, levando a uma guerra civil que durou décadas, jogando vários generais uns contra os outros e contra o governo central. Um conflito surgiu quanto a quem deveria usar a coroa, e facções rivais do exército começaram a escolher soberanos próprios. O imperador Lúcio Severo (193-211 d.C.) conseguiu restaurar parte da ordem com o uso judicioso da Guarda Pretoriana (exército pessoal do imperador), mas sua disciplina não durou muito. Durante todo o século m, as disputas internas deixaram as fronteiras do império abertas, vulneráveis a ataques dos sarracenos da Pérsia e dos gados das regiões do mar Negro.

Em 135 d.C., o imperador Maximino decretou que todos os bispos e sacerdotes cristãos deveriam ser aprisionados, seus bens pessoais confiscados e suas igrejas incendiadas. Os cativos foram sentenciados a várias formas de punição e escravidão, incluindo servidão penal nas minas de chumbo em Sardenha. Ao chegarem, cada cativo teria um olho arrancado e o pé esquerdo e o joelho direito danificados para restringir seus movimentos. Além disso, os homens seriam castrados. Se isso não fosse suficiente, eles seriam acorrentados da cintura aos tornozelos para que não pudessem ficar eretos, e as correntes seriam permanentemente soldadas. Como se poderia esperar, a maioria não sobreviveu por mais que alguns meses. Naqueles dias, ser cristão era perigoso, mas ser um líder conhecido era um atestado de morte pessoal.

Na época do imperador Décio (249 d.C.), os cristãos tinham se tornado tão rebeldes que foram declarados criminosos, e a perseguição em massa a eles começou com base oficial. Isso continuou até o reinado de Diocleciano, que se tomou imperador em 284 d.C. Este acabou com qualquer vestígio de procedimento democrático e instituiu uma monarquia absoluta. Os cristãos eram obrigados a oferecer sacrifícios ao divino imperador e sofriam as mais duras punições por desobediência. Foi decretado que todas as casas de reunião dos cristãos fossem demolidas, e os discípulos que oferecessem assembléias alternativas seriam condenados à morte. Toda propriedade da Igreja foi confiscada pelos magistrados, enquanto todos os livros, testamentos e doutrinas escritas da fé foram queimados em praça pública. Cristãos de qualquer estirpe não podiam exercer cargo público e os escravos cristãos não tinham a menor esperança de liberdade. A proteção da lei romana foi suspensa e aqueles que contestavam os editos eram queimados vivos lentamente ou comidos por animais nas arenas.

Diocleciano tentou rechaçar as persistentes agressões dos invasores bárbaros, descentralizando o controle e estabelecendo duas divisões do império. A partir de 293 d.C., o império ocidental passou a ser administrado da Gália, enquanto o oriental se centralizava em Bizâncio, na (atual) região noroeste da Turquia. Mas os ataques continuaram, em particular com novas invasões ocidentais por parte das tribos germânicas dos francos e alemânicos, que anteriormente não tinham conseguido atravessar o Reno. Os romanos já não eram mais um poder invasor; agora eram eles as constantes vítimas de insurgência de todos os lados.

Um dos mais cruéis perseguidores no regime de Diocleciano foi Galério, governador das províncias orientais. Ele ordenou que qualquer pessoa que não venerasse o imperador acima de tudo fosse executada de forma dolorosa. Pouco antes de sua morte em 311 d.C., porém, Galério emitiu um surpreendente decreto de tolerância, dando aos cristãos o direito de "se reunir em seus conventículos sem medo de serem molestados". Depois de dois séculos e meio de terror e supressão, os cristãos entravam numa nova era de liberdade condicional.

Em 312 d.C., Constantino se tomou imperador no Ocidente - governando em conjunto com Licínio no Oriente. Nessa época, o Cristianismo tinha aumentado consideravelmente em número de seguidores e florescia na Inglaterra, Alemanha, França, Portugal, Grécia, Turquia e todos os cantos do domínio romano. Na verdade, os evangelistas cristãos eram mais capazes de subjugar os bárbaros do que as legiões de Roma - mesmo em lugares distantes como a Pérsia e a Ásia Central. Não era preciso muita imaginação para Constantino perceber que, enquanto seu império se desmoronava, poderia haver algum mérito prático em abraçar o Cristianismo. Ele via no Cristianismo uma força unificadora que certamente poderia ser usada para vantagem estratégica dele mesmo.       .

Embora Constantino fosse o sucessor de seu pai, ele tinha um rival para a suprema posição imperial, na pessoa de seu cunhado, Maxêncio. Em 312 d.C., seus exércitos se encontraram na ponte Milvian (ligeiramente fora de Roma) e Constantino foi vitorioso. A campanha foi a melhor oportunidade para ele estabelecer sua afiliação pessoal com o Cristianismo, e ele anunciou que tinha tido a visão de uma cruz no céu, acompanhada pelas palavras "com este sinal, conquistas". Os líderes cristãos ficaram muito impressionados que um imperador romano marchasse para a vitória portando a bandeira deles.

Constantino mandou chamar o idoso bispo Miltíades. O propósito do imperador não era se filiar à Fé sob a autoridade do bispo de Roma, mas assumir a Igreja Cristã em sua totalidade. Uma de suas primeiras instruções foi de que os pregos da cruz de Jesus lhe fossem trazidos - um dos quais ele afixaria à sua coroa. Seu pronunciamento subseqüente ao estupefato Miltíades mudaria para sempre a estrutura do Cristianismo: "No futuro, nós, como Apóstolo de Cristo, ajudaremos a escolher o Bispo de Roma". Declarando-se Apóstolo, Constantino proclamou que o magnífico Palácio Laterano seria a futura residência dos bispos.

Quando Miltíades morreu em 314 d.C., ele foi o primeiro bispo de Roma em uma longa sucessão a ter morte natural. De repente, o Cristianismo tinha se tomado respeitável e era aprovado como religião imperial (na verdade, a Religião Imperial). Constantino subseqüentemente se tornou César de todo o Império Romano, em 324 d.C., e passou a ser conhecido como Constantino, o Grande.

Para substituir Miltíades, Constantino. (quebrando a prática tradicional) escolheu seu associado, Silvestre, como primeiro bispo imperial. Ele foi coroado com grande pompa e cerimônia - uma grande diferença dos obscuros procedimentos comuns ao antigo ritual cristão. Os dias de medo e perseguição tinham acabado, mas o preço alto por essa liberdade era a veneração ao imperador - precisamente o que os predecessores cristãos tentavam, com tanto afinco, evitar. Os sacerdotes existentes não tinham escolha na questão e eram instruídos a aceitar que sua Igreja estava agora formalmente atrelada ao império. Era agora a Igreja de Roma.

Silvestre estava entusiasmado demais para perceber a armadilha à qual estava levando os discípulos de São Pedro. Ele só via a rota da salvação oferecida por Constantino. Embora esse passo monumental garantisse aos cristãos o direito de andar e se pronunciar livremente entre a sociedade, sua hierarquia estava encerrada em ouro, jóias e todo o aparato que o próprio Cristo negava. Muitos seguidores da Fé se sentiam ultrajados, pois seus líderes tinham sido seduzidos e corrompidos pelo próprio regime que banira seus ancestrais. Eles declaravam que o novo status de aceitabilidade não era uma vitória da conversão; era uma nuvem maligna de derrota absoluta - uma profanação de todos os princípios considerados tão sagrados.

Até aquele ponto, a mensagem cristã vinha ganhando apoio em todos os setores. Aqueles que pregavam o Evangelho sabiam que Constantino e seus predecessores estavam seriamente enfraquecidos diante do sucesso gradual e evidente do Cristianismo. Afinal de contas, aquele fora o motivo pelo qual o pai de Constantino tinha se casado com a princesa cristã da Grã-Bretanha, Elaine (Santa Helena). Silvestre e seus colegas em Roma talvez tenham considerado a nova aliança uma manobra politicamente segura, mas os emissários no campo a viam exatamente como era: um suborno estratégico por parte do inimigo. Afirmavam que a mensagem espiritual de São Pedro fora subvertida pela idolatria de um poder ganancioso, no esforço de impedir sua queda imperial. Em termos reais, o verdadeiro propósito do Cristianismo tinha sido anulado pelo novo regime. Após quase três séculos de esforço e luta, o ideal de Jesus fora totalmente abandonado entregue em uma bandeja para ser devorado por seus adversários.

À parte os vários cultos, os romanos vinham venerando seus imperadores como deuses descendentes de outros deuses, como Netuno e Júpiter. No Concílio de Arles, em 314 d.C., Constantino reteve seu status divino, introduzindo o Deus onipotente dos cristãos como seu patrono pessoal. A partir daí, ele lidou com as anomalias da doutrina, substituindo certos aspectos do ritual cristão pelas tradições pagãs familiares de adoração ao sol, além de outros ensinamentos de origem síria e persa. Em suma, a nova religião da Igreja Romana fora construída como um híbrido para agradar a todas as facções influentes. Com essa estratégia, Constantino almejava uma religião comum e unificada (Católica significa universal), sendo ele próprio o líder.

 

                             SANTA HELENA

Desde a publicação original de A Linhagem do Santo Graal, em 1996, vários leitores têm mencionado que o retrato que o livro faz da herança real de Santa Helena difere do que é ensinado pela Igreja. E difere mesmo, pois o caso de Santa Helena é um bom exemplo de como as histórias pessoais têm sido manipuladas para satisfazer aos interesses estratégicos dos bispos. Por isso, vale a pena examinarmos o modo como o ensinamento propagandista se desenvolveu, nesse sentido.

A palavra "propagandista" não é usada levianamente aqui, pois os ensinamentos da Igreja a respeito de Santa Helena de fato faziam parte da estratégia do Congregatio Propaganda Fide. Esse colégio especialmente nomeado da propaganda dos cardeais foi estabelecido em 1662 pelo papa Gregório XV, e seu único propósito era "incutir a todo custo" dogmas da Igreja, por meio de seus professores e historiadores aprovados, sempre que tais dogmas discordassem dos fatos tradicionais e registrados.

Antes dessa época, as informações publicadas a respeito do direito inato da imperatriz Helena eram obtidas a partir de registros britânicos. No que tange à Inglaterra, foi somente em 1776 que o historiador inglês Edward Gibbon promoveu a ficção romana do nascimento de Helena, ao lançar sua obra History of the Decline and Fali of the Roman Empire. A isso se seguiu uma vindicação em 1779, depois que seus relatos espúrios dos primeiros anos do Cristianismo foram criticados por estudiosos acadêmicos, mas Gibbon se convertera ao Catolicismo em 1753 e não hesitou em representar Helena de acordo com a doutrina oficial. Segundo Gibbon, Helena fazia parte de uma família de estalajadeiros na cidadezinha de Naissus, nos Bálcãs. Posteriormente, ele confessou que esse detalhe era apenas uma conjectura, mas mesmo assim suas afirmações originais têm sido aceitas literalmente por historiadores e autores de enciclopédias.

Todos os registros anteriores a Gibbon na Grã-Bretanha dizem que a princesa Elaine (greco-romano: Helen; romano: Helena) nasceu e foi criada em Colchester e ficou famosa por sua capacidade político-administrativa. Seu marido, Constâncio, foi proclamado imperador de York (Caer Evroc). Antes disso, em 290 d.C., ele tinha ampliado o arcebispado de York a pedido de Helena e foi subseqüentemente sepultado em York. Em reconhecimento à peregrinação de Helena à Terra Santa em 326 d.C, a igreja de Helena da Cruz foi construída em Colchester, onde o brasão da cidade foi estabelecido como sua cruz, com três coroas de prata no lugar das armas.

Desde a época da Reforma, e principalmente depois que o Colégio de Propaganda foi instituído, Roma assumiu um programa estruturado de desinformação sobre muitos aspectos da história da Igreja, que prosseguiu com intensidade cada vez maior. Na prática, porém, a visão romana reestruturada de Helena é extremamente vaga, com vários relatos se contradizendo. Muitos clérigos defendem a teoria dos Bálcãs, como apregoada por Gibbon; alguns afirmam que Helena teria nascido na Nicomédia e outros ainda dizem que ela era natural de Roma.   .

Independentemente dos registros britânicos, as informações de Roma anteriores a 1662 também defendem a herança britânica de Helena – bem como outros escritos na Europa. Entre eles havia a Epístola, do século XVI, do escritor alemão Melancthon, que escreveu: "Helena foi sem dúvida uma princesa britânica". Os registros dos jesuítas (mesmo o livro jesuíta Pilgrim Walks ín Rome) afirmam, ao detalhar o nascimento de Constantino na Grã-Bretanha: "Uma das maiores glórias da Inglaterra católica é contar com Santa Helena e Constantino entre seus filhos - sendo Santa Helena a única filha do rei Coilus" .

O documento romano mais citado para apoiar a mensagem antibritânica é um manuscrito do fim do século IV (após a morte de Helena), de autoria de Amiano Marcelino, do qual as informações originais a respeito de Helena (c.248-328 d.C.) realmente desapareceram! Há, no entanto, uma espúria nota de margem, dos idos do século XVII, que cita os detalhes aprovados pela Igreja nos quais os seguidores de Gibbon e outros baseiam suas opiniões.

Em meio a tudo isso, a única pessoa que a Igreja e seus diligentes eruditos preferiram ignorar foi o próprio cardeal de Roma, Barônio, o bibliotecário do Vaticano que compilou os Annales Ecclesiasticae de 1601. Nessa obra, ele diz explicitamente: "Deve ser louco o homem que, diante da antiguidade universal, recuse-se a acreditar que Constantino e sua mãe eram bretões, nascidos na Grã-Bretanha".

 

                   RELIGIÃO E A LINHAGEM

                  O DEBATE DA TRINDADE

Pelo conteúdo de muitos livros a respeito do início do Cristianismo, podemos facilmente imaginar que a Igreja Romana era a verdadeira Igreja de Jesus, enquanto as outras crenças relacionadas a ele seriam heréticas e profanas. Isso está longe da verdade; muitas ramificações do Cristianismo eram, na verdade, menos pagãs que a Igreja política de Roma. Elas desprezavam os ídolos e artimanhas opulentas do ideal romano e foram proibidas por decreto imperial. Os gnósticos, em particular, foram condenados como pagãos por insistir que o Espírito era bom, mas a Matéria era impura. Essa distinção certamente não combinava com as atitudes altamente materialistas da nova Igreja.

Também havia aqueles da tradição nazarena, que defendiam a causa original de Jesus em vez dos excêntricos e exuberantes ensinamentos de Paulo, tão prontamente adotados por Roma. Esses cristãos judaicos da escola tradicional controlavam muitas das principais igrejas do Oriente Próximo durante o reinado de Constantino. Além disso, eram liderados simplesmente pelos descendentes da própria família de Jesus: os herdeiros desposyni do Senhor.

Em 318 d.C., uma delegação de Desposyni viajou até Roma e, chegando ao recém-instituído Palácio Laterano, os homens foram recebidos pelo bispo Silvestre. Por meio de seu principal porta-voz, Joses (descendente do irmão de Jesus, Judas), os delegados argumentaram que a Igreja deveria, por questão de justiça, ter sede em Jerusalém, não em Roma. Eles afirmavam que o bispo de Jerusalém deveria ser um verdadeiro herdeiro Desposynos, enquanto os bispos de outros centros importantes (como Alexandria, Antioquia e Éfeso) também deveriam ser aparentados. Suas exigências, claro, foram em vão, pois Silvestre não estava em posição de contradizer os decretos do imperador. Os ensinamentos de Jesus tinham sido superados por uma doutrina mais adequada às exigências imperiais e, em termos bem claros, Silvestre informou aos homens que o poder de salvação não se encontrava mais com Jesus, mas sim com o imperador Constantino!

O imperador sabia, sem dúvida, que Jesus tinha sido venerado por Paulo como Filho de Deus, mas não havia espaço para que esse conceito persistisse. Jesus e Deus tinham de se fundir em uma entidade única para que o Filho fosse identificado com o Pai. Sucedeu-se, porém, que Deus foi formalmente definido como Três Pessoas em Uma: uma divindade compreendendo três partes iguais e co-eternas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esses aspectos (pessoas) da Trindade tinham uma semelhança perturbadora com os três títulos sacerdotais, o Pai, Filho e Espírito, usados muito tempo antes pelos essênios em Qurnrã.

Alguns bispos, porém, opunham-se a esse novo dogma. Muitos dos delegados eram teólogos cristãos da velha escola, que pregavam que Jesus era o Filho, e que o Filho fora criado na carne por Deus, mas não era - ele próprio - Deus. O porta-voz líder dessa facção era um idoso sacerdote líbio de Alexandria, chamado Ário. Mas quando Ário se levantou para falar, Nicolas de Mira desferiu-lhe um soco no rosto, acabando com a oposição.

O credo niceno da Trindade de Deus foi estabelecido como a base para a nova, reformada, fé cristã ortodoxa. Os seguidores de Ário (conhecido a partir de então como arianos) foram banidos. Alguns delegados, incluindo o bispo Eusébio de Cesaréia, estavam preparados para chegar a um acordo, mas aquilo era inaceitável e eles foram impelidos a aceitar plenamente o novo credo. E assim, com Deus designado como Pai e Filho, Jesus foi convenientemente passado para trás como figura de importância prática. O imperador era agora considerado a divindade messiânica - não só a partir daquele momento, mas por uma herança reservada para ele "desde o início dos tempos".

Com sua estrutura revisada, a Igreja Romana se sentiu em segurança contra o surgimento de qualquer linha cristã alternativa. De fato, com o Jesus histórico estrategicamente deixado para trás, a religião cristã, dizia-se, recebera seu nome de um homem chamado Cresto, que, em 49 d.C., fora um dos primeiros protagonistas em Roma. Havia agora apenas dois objetos oficiais de adoração: a Santíssima Trindade de Deus e o próprio Imperador - o novo Salvador nomeado do Mundo. Qualquer um que contestasse isso seria declarado herege e os cristãos que tentassem manter a lealdade a Jesus como o Cristo Messiânico seriam proclamados pagãos pela Igreja Imperial.

Além disso, era costume através das gerações que o atual bispo de Roma nomeasse seu sucessor antes de morrer, mas essa tradição foi mudada quando Constantino se auto proclamou Apóstolo de Deus na Terra. Tornou-se, então, direito do imperador ratificar nomeações, e os vários candidatos freqüentemente sofriam violência, gerando grandes ondas de derramamento de sangue nas ruas. A teoria da Sucessão Apostólica foi mantida, mas a candidatura era apenas uma farsa, pois os bispos de Roma passaram a ser escolhidos dentre os próprios candidatos do imperador.

Em 330 d.C., Constantino declarou Bizâncio a capital do Império Oriental (bizantino), mudando-lhe o nome para Constantinopla. No ano seguinte, ele convocou um Concílio Geral naquela cidade para ratificar a decisão do Concílio de Nicéia. Nessa ocasião, a doutrina de Ário (que vinha ganhando um significativo número de adeptos) foi formalmente declarada blasfema. O controle da Igreja pelo imperador era parte integrante de seu estilo autocrático; seu governo era absoluto e a Igreja nada mais era que um departamento de seu império. Silvestre podia ser o bispo nomeado de Roma, mas seu nome mal apareceu em uma seqüência de eventos instigada por Constantino e que mudaria para sempre a natureza e o propósito do Cristianismo.

Com essa forma de Cristianismo romano estabelecida como nova religião imperial, um edito ainda mais totalitário seria passado pelo imperador Teodósio, o Grande (379-395 d.C.). Em 381 d.C., um segundo Concílio Ecumênico de Constantinopla foi convocado com o propósito de acabar com a oposição ariana. Teodósio achava difícil implementar seu exclusivo direito divino de nomeação messiânica enquanto os arianos ainda pregavam que o Filho (Jesus) fora criado por Deus e que o Espírito Santo tinha passado do Pai para o Filho. Esse conceito tinha de ser esmagado e Jesus precisava ser permanentemente removido do reconhecimento.

Foi, portanto, decretado pela Igreja que a doutrina da Trindade de Deus deveria ser aceita por todos: Deus era o Pai, Deus era o Filho e Deus era o Espírito Santo. Não poderia mais haver contestação!

 

               DECLÍNIO DO IMPÉRIO

Nesse período, contudo, a tradição nazarena foi mantida. Desde os tempos das primeiras revoltas judaicas, os nazarenos tinham conservado sua religião sob a liderança dos Desposyni. Eles floresciam na Mesopotâmia, no leste da Síria, no sul da Turquia e na Ásia Central. Totalmente separados do Cristianismo artificial do Império Romano, tinham uma fé mais próxima dos ensinamentos originais de Jesus do que quaisquer outros e uma base essencialmente judaica, em vez de um envolvimento idólatra com adoração ao solou outros cultos de mistérios. Na verdade, os nazarenos eram os mais puros dentre os verdadeiros cristãos; seu modo de entender a Trindade era simples: Deus era Deus e Jesus era um homem - um Messias herdeiro da sucessão de Davi. Eram absolutamente enfáticos quanto a isso e repudiavam qualquer noção de que a Bem-aventurada Maria fosse Virgem.

 

Ao mesmo tempo, havia outros que, embora dispostos a aceitar a doutrina do Deus Trino, ainda retinham uma crença na divindade de Jesus. A visão deles divergia consideravelmente da dos nazarenos, pois acreditavam no que Paulo tinha dito - que Jesus era o filho biológico de Deus. Isso deu margem a outro credo, que surgiu por volta de 390 d.C., e ficaria conhecido como o Credo dos Apóstolos. Começava: "Creio em Deus Pai Todo-poderoso e em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor". Essa reintrodução declarada de Jesus dificilmente conduziria ao imperador como Salvador, mas dali a alguns anos Roma foi saqueada pelos godos e o império ocidental entrou em declínio.

Nesse ponto, um novo protagonista emergiu na disputa pela Trindade: Nestório, patriarca de Constantinopla desde 428 d.C. Em harmonia com os nazarenos, Nestório afirmava que a questão de Jesus ser Deus ou Filho de Deus era totalmente irrelevante, pois era óbvio que ele tinha nascido em circunstâncias naturais, de um pai e de uma mãe. Com base nessa premissa, Nestório se colocava contra seus colegas católicos, que já traziam Jesus de volta à cena desde que o império começara a cair. Eles se referiam a Maria como a Theotokas (grego: "portadora de Deus") ou Dei Genitrix (latim: "geradora de Deus"). Como resultado, o preceito nazareno-nestoriano de que Maria era uma mulher como qualquer outra foi condenado pelo Concílio de Éfeso (431 d.C.) e ela passou a ser venerada como uma mediadora (ou intercessora) entre Deus e o mundo mortal. Quanto a Nestório, ele foi declarado herege e banido, mas logo se viu entre amigos no Egito e na Turquia, estabelecendo a Igreja Nestoriana em Edessa, em 489 d.C. Foi aí que Júlio Africano registrou, anteriormente, a destruição proposital por parte dos romanos dos documentos desposyni de herança real, mas também confirmou a existência de contínuos relatos particulares de linhagem descrevendo a seita familiar de Davi como sendo mantida por uma "sucessão dinástica estrita".

A partir de meados do século V, a Igreja de Roma continuou no Ocidente, enquanto a Igreja Ortodoxa Oriental emergia de seus centros em Constantinopla, em Alexandria, em Antioquia e em Jerusalém. O debate sem solução acerca da Trindade tinha criado um grande abismo entre as facções e cada uma afirmava representar a verdadeira Fé. A Igreja de Roma foi reformada pelos administradores municipais nomeados: os cardeais - um título derivado do latim cardo (pivô) - dentre os quais havia 28 no Vaticano.

Enquanto a Igreja de Roma estava sendo reestruturada, o império ocidental ruiu - demolido pelos visigodos e vândalos. O último imperador, Rômulo Augusto, foi deposto pelo chefe germânico Odoacer, que se tomou rei da Itália em 476 d.C. Na falta de um imperador, o então Bispo Supremo, Leão I, ganhou o título de Pontifex Maximus (sumo pontífice ou construtor de pontes). No Oriente, porém, a história foi diferente e o império bizantino estava destinado a florescer por mais mil anos.

À medida que o poder de Roma desmoronava, o Cristianismo romano também sucumbia. Os imperadores se identificavam com o Deus Cristão, mas os imperadores tinham falhado. Sua supremacia religiosa passara para as mãos do sumo pontífice, mas sua religião já era uma minoria, em um cenário cristão de gnósticos, de arianos, de nazarenos e da crescente Igreja Celta.

 

             OS REIS FEITICEIROS

Nos últimos anos do império em declínio, a maior de todas as ameaças à Igreja Romana surgiu de uma linha real dos desposyni, na Gália. Tratava-se da dinastia merovíngia: descendentes masculinos dos Reis Pescadores, com uma herança feminina sicambra. Os sicambros eram assim chamados por causa de Cambra, uma rainha tribal que vivera aproximadamente em 380 d.C. Eram originariamente da Cítia, norte do mar Negro, sendo chamados de Newmage (Nova Aliança).

A Biblioteca Nacional de Paris contém um fac-símile da altamente afamada Fredegar’s Chronicle - uma extensa obra histórica do século VII, da qual o original foi compilado em 35 anos. Uma edição especial do manuscrito de Fredegar’s foi dada de presente à ilustre Corte dos Nibelungos e reconhecida pelas autoridades do Estado como história oficial e completa. Fredegar (que morreu em 660) era um escrivão borgonhês e a sua Crônica abrangia o período dos primeiros dias dos patriarcas hebreus até a era dos reis merovíngios. Ela citava numerosas fontes de informação e referência cruzada, incluindo os escritos de São Jerônimo (tradutor do Antigo Testamento para o latim), do arcebispo Isidoro de Sevilha (autor da Enciclopédia do Conhecimento) e do bispo Gregório de Tours (autor de A História dos Francos).

 

Em 452 d.C., o bispo Leão I de Roma e um contingente desarmado de monges enfrentaram o temível Átila, o Huno, e seu exército às margens do rio Pó, no norte da Itália. Naquela época, o império de Atila se estendia do Reno até a Asia Central. Suas hordas bem equipadas estavam preparadas com charretes, escadas, catapultas e todo tipo de aparato marcial para atacar Roma. A conversação durou poucos minutos, mas o resultado foi que Atila ordenou a seus homens que saíssem do acampamento e recuassem para o norte. O que de fato se passou entre os dois homens nunca foi revelado, mas, depois do episódio, Leão, o Grande, estaria destinado a exercer poder supremo. Algum tempo antes, em 434 d.C., um enviado do imperador bizantino Teodósio II se defrontara com o temível huno em circunstâncias semelhantes, às margens do rio Morava (sul da moderna Belgrado). Ele deu a Atila o equivalente contemporâneo a milhões de dólares como resgate pela paz no Oriente. O acordo do bispo Leão foi provavelmente o mesmo (ver Malachi Martin, The Decline and Fall of the Roman Church. Também, para uma leitura adicional acerca do assunto, ver Norman J. Buli, The Rise of the Church, Heinemann, Londres, 1967).

 

O Prólogo de Fredegar afirma que suas pesquisas foram mais minuciosas que aquelas dos autores por ele citados. Ele diz: "Julguei necessário ser mais detalhista em minha determinação de alcançar a acuidade... Por isso incluí (como fonte de material para um trabalho futuro) todos os reinados dos reis e sua cronologia".

 

Para desenvolver tal acuidade, Fredegar, que vivia nas graças com a realeza de Borgonha, fez uso de seu privilegiado acesso a uma variedade de registros da Igreja e anais do Estado. Ele conta que os francos sicambros (de onde veio o nome da França) eram assim chamados por causa de seu chefe, Frâncio, morto em 11 a.C.

No século IV, os francos sicambros estavam na terra do Reno, para onde tinham se mudado da Panônia (oeste do Danúbio), em 388 d.C., sob a liderança de seus chefes, Genobaud, Marcomer e Sunno. No decorrer do século seguinte, seus exércitos invadiram a Gália romana e dominaram a área que é hoje a Bélgica e o norte da França. Foi nessa ocasião que a filha de Genobaud, Argotta, casou-se com o rei pescador Faramund (419-430 d.C.), freqüentemente citado como o verdadeiro fundador da monarquia francesa. Faramund era neto de Boaz-Anfortas (a quem retomaremos) na sucessão messiânica direta do filho de Josué, Aminadabe (na linhagem de Cristo), que se casou com a filha do rei Lúcio, Eurgen (na linhagem de Arimatéia).

Faramund, porém, não era o único parceiro conjugal com uma herança messiânica. A própria Argotta descendia da irmã de Lúcio, Athildis, que se casou com o chefe sicambro Marcomer (oitavo na descendência de Frâncio), por volta de 130 d.C. Assim, a sucessão merovíngia, que se originou de Fararnund e Argotta, era duplamente desposyni.

 

O pai de Argotta, Genobaud, Senhor dos francos, foi o último homem de sua linhagem - portanto, o filho de Faramund e Argotta, Clodion, tornou-se devidamente o próximo Senhor dos francos na Gália. Em 488 d.C., o filho de Clodion, Meroveus, foi proclamado Guardião em Toumai e foi a partir dele que a linhagem ficou famosa como à dinastia mística dos merovíngios, chegando à proeminência de reis dos francos. Eles reinavam não mediante coroação ou nomeação criada, mas por uma tradição aceita que correspondia ao direito messiânico de gerações passadas.

Apesar das cuidadosas genealogias listadas em sua época, a herança de Meroveus é estranhamente obscura nos anais monásticos. Embora fosse o filho legítimo de Clodion, ele é citado pelo historiador Prisco como uma procriação da criatura marinha arcana, o Bistea Neptunis. Evidentemente, havia algo muito especial acerca do rei Meroveus e de seus sucessores sacerdotais, pois eles recebiam uma veneração especial e eram grandemente conhecidos por seu conhecimento esotérico e habilidades ocultas. No século VI, Gregório de Tours afirmou que os chefes francos na linha feminina sicambra de sua ancestralidade não eram exatamente conhecidos por sua cultura ascética; porém, essa culta dinastia (que ele chamava de "a mais proeminente e nobre linhagem de sua raça") emergiu na antiga tradição dos nazireus para se tomar conhecida como a dinastia dos reis feiticeiros de cabelos compridos.

No Antigo Testamento (Números 6:3,5,13), os nazireus eram judeus, como Simão e Samuel, comprometidos por estritos votos de obrigação:

 

"Abster-se-á de vinho e de bebida forte...

Todos os dias do seu voto de nazireado não passará navalha pela cabeça; até que se cumpram os dias para os quais se consagrou ao Senhor, santo será, deixando crescer livremente a cabeleira...

Esta é a lei do nazireu".

 

Os votos do nazireu eram válidos durante períodos específicos. Na tradição essênia, os períodos de absoluto celibato também eram implementados. O posto de nazireu-chefe era tradicionalmente ocupado pelo príncipe da coroa de Davi, que usava o preto cerimonial. Nessa capacidade, o chefe real da ordem costumava ser Tiago, o Justo, o irmão de Jesus, e os sucessivos Príncipes à Coroa de Judá, de jure, mantinham o status e suas responsabilidades.

Independentemente de sua herança judaica, os merovíngios não eram judeus praticantes, tampouco o eram outros cristãos não-romanos cujas crenças tinham se originado do Judaísmo. O bispo católico Gregório de Tours os descreveu como "seguidores de práticas idólatras", mas os merovíngios não eram pagãos no sentido de não serem iluminados. Na prática, seu culto espiritual não era muito diferente dos cultos druidas e eles eram grandemente reverenciados como professores esotéricos, juízes, curandeiros pela fé e clarividentes. Embora fossem intimamente associados aos borgonheses, os merovíngios não eram influenciados pelo arianismo e seu sistema exclusivo não era gaulês / romano nem teutônico. De fato, dizia-se que era algo inteiramente novo e sua cultura parecia ter surgido do nada.

Os reis merovíngios não governavam a terra, nem eram politicamente ativos; as funções governamentais eram realizadas por seus prefeitos do palácio (ministros chefes), enquanto os reis se ocupavam mais das questões militares e sociais. Entre seus principais interesses estavam a educação, a agricultura e o comércio marítimo. Eles eram estudantes ávidos da prática de realeza correta na antiga tradição, e seu modelo reverenciado era o rei Salomão, o filho de Davi. Suas disciplinas se baseavam muito na escritura do Antigo Testamento, mas, apesar disso, a Igreja Romana os proclamou irreligiosos.

Não só os merovíngios eram próximos dos primeiros nazireus, mas também mantinham outros antigos costumes dos tempos bíblicos. De acordo com a tradição essênia, os meninos "renasciam" aos 12 anos de idade quando, vestindo uma túnica simples, passavam por uma encenação ritualística de nascimento - um Segundo Nascimento (como mencionado anteriormente, em relação a Jesus Justo). Simbolicamente, o menino nascia novamente do ventre de sua mãe e era instalado em sua posição comunitária. A realeza merovíngia seguia uma prática semelhante: os filhos dos reis ganhavam o direito hereditário da realeza dinástica pela iniciação no 12o aniversário. Não havia necessidade de outra coroação, mais tarde. A dinastia não era a de reis "criados", mas sim uma sucessão de reis naturais, cuja intitulação era automática por meio de nomeação santificada. Como já vimos, os merovíngios não eram da descendência de Cristo, mas também descendiam de Tiago (José de Arimatéia) pela irmã e pela filha do rei Lúcio.

O costume essênio do Segundo Nascimento é evidenciado nos Evangelhos, embora de maneira muito obscura, e foi completamente mal compreendido na tradução. Em Lucas 2:1-12, a cerimônia do Segundo Nascimento de Jesus se confunde cronologicamente com seu nascimento real. Como no Evangelho de Mateus, Lucas narra a Natividade (o Primeiro ou verdadeiro nascimento de Jesus) durante os últimos dias do reinado de Herodes, o Grande, que morreu em 4 a.C. Mas Lucas também diz que Cireneu (Quirino) era governador da Síria na época, e que o imperador César Augusto tinha implementado um censo nacional. Na realidade, Cireneu nunca foi governador da Síria enquanto Herodes ainda estava vivo; ele foi nomeado para o cargo em 6 d.C. quando, segundo Josefo em Antiguidades Judaicas, houve uma contagem da população na Judéia conduzida por Cireneu, a pedido de César Augusto. Esse é o único censo registrado na região; na época de Herodes não houve nenhum. O censo foi feito 12 anos depois do Primeiro Nascimento de Jesus (real) - precisamente no ano de seu Segundo Nascimento (iniciatório).

Esse erro foi, por sua vez, responsável pela confusão cronológica que cerca a história de como Jesus se perdeu no Templo quando estava em Jerusalém com seus pais (Lucas 2:41-50). O evento é relatado como se ocorresse quando Jesus tinha 12 anos de idade, mas deveria, na verdade, estar relacionado ao seu "décimo segundo ano". Isso equivaleria a doze anos após seu nascimento na comunidade. Na Páscoa daquele ano, Jesus teria 24 anos (ou 23, de acordo com seu aniversário oficial em setembro). Nessa época, ele estaria passando de iniciado para homem, mas, em vez de acompanhar seus pais às respectivas celebrações, ele ficou para trás para discutir os negócios de seu Pai, sendo seu Pai espiritual, na época, o sacerdote Eliezer Anás.

Durante toda a sua infância, Jesus foi associado a professores e astrônomos brilhantes - em particular, aos Magos filósofos, que eram muito admirados pelos reis merovíngios. Nos tempos merovíngios, os três reis magos da Natividade foram nomeados para se tomarem os santos padroeiros de Cologne, dos francos, recebendo os nomes espúrios de Gaspar, Melquior e Baltazar.

Os reis merovíngios eram renomados feiticeiros ao estilo dos magos samaritanos, e eles acreditavam firmemente nos poderes ocultos do favo de mel. Como o favo de mel é feito naturalmente de prismas hexagonais, os filósofos o consideravam a manifestação da harmonia divina na natureza. Sua construção era associada à visão interior e à sabedoria, conforme é detalhado em Provérbios 24:13-14:

 

''Filho meu, saboreia o mel, porque é saudável... Então, sabe que assim é a sabedoria para a tua alma"

 

Para os merovíngios, a abelha era uma criatura das mais sagradas e, sendo um emblema sagrado da realeza egípcia, ela se tomou um símbolo da sabedoria. Cerca de 300 pequenas abelhas douradas foram encontradas presas ao manto de Childeric I (filho de Meroveus) quando sua tumba foi desenterrada em 1653. Napoleão também as mandou prender na túnica que usou em sua coroação, em 1804. Ele reivindicava seu direito por ser descendente de Tiago de Rohan-Stuardo, o filho natural (legitimado em 1677) de Charles II Stuart, da Grã-Bretanha, com Marguerite, duquesa de Rohan. Os Stuarts, por sua vez, tinham direito a essa distinção porque eles e seus parentes condes da Bretanha descendiam do irmão de Clodion, Fredemundo - portanto (aparentados com os merovíngios), também eram descendentes dos reis pescadores, por Faramund. A abelha merovíngia foi adotada pelos Stuarts exilados na Europa, e as imagens de abelhas ainda são encontradas em alguns copos e jarros de vidro jacobitas.

Quando o filho de Meroveu, Childeric, morreu em 481 d.C., foi sucedido por seu filho de 15 anos, Clóvis. Nos cinco anos que se seguiram, ele conduziu seus exércitos para o sul das Ardenas, expulsando os galo-romanos; de modo que, em 486, seu reino incluía centros como Reims e Troyes. Os romanos conseguiram manter um reino em Soissons, mas Clóvis derrotou seus contingentes, e o govemante romano Siágrio fugiu para a corte dos visigodos, do rei Alaric II. Com isso, Clóvis ameaçou entrar em guerra contra Alaric, e o fugitivo foi entregue para execução. Com vinte e poucos anos de idade, tendo tanto os romanos como os visigodos a seus pés, Clóvis estaria destinado a se tomar a figura mais influente no Ocidente.

Naquela época, a Igreja Romana tinha muito medo da crescente popularidade do arianismo na Gália, enquanto o Catolicismo corria sérios riscos de acabar na Europa Ocidental, onde a maioria dos bispos ativos era ariana. Clóvis não era católico nem ariano; por isso, ocorreu à hierarquia romana que a ascensão de Clóvis poderia ser usada em vantagem da Igreja. De fato, inadvertidamente, Clóvis os ajudou ao desposar a princesa de Borgonha, Clotilde, no centro da Madona Negra de Ferrieres.

Embora os borgonheses fossem tradicionalmente arianos em suas crenças, Clotilde era católica e se empenhou em evangelizar, pregando a sua versão da Fé. Por algum tempo, ela não conseguiu promover a doutrina para o seu marido, mas sua sorte mudou em 496 d.C. O rei Clóvis e seu exército travaram batalha contra a tribo dos alemães perto de Cologne e, pela primeira vez em sua ilustre carreira militar, o rei merovíngio estava perdendo. Em um momento de desespero, ele invocou o nome de Jesus no mesmo instante em que o rei alemão foi morto. Com a perda de seu líder, os alemães fraquejaram e bateram em retirada; Clotilde não perdeu a oportunidade de afirmar que Jesus tinha causado a vitória merovíngia. Clóvis não estava plenamente convencido disso, mas sua esposa mandou chamar imediatamente Remy, bispo de Reims, e providenciou o batismo de Clóvis.

Em sua justa aliança ao líder, cerca de metade dos guerreiros merovíngios seguiram Clóvis até a pia batismal. A notícia de que o alto potentado do Ocidente tinha se tomado católico se espalhou, o que seria de enorme valor para o bispo Anastásio em Roma. Uma grande onda de conversões veio em seguida, e a Igreja Romana foi salva de um colapso quase inevitável. Na verdade, não fosse o batismo do rei Clóvis, a principal religião da Europa Ocidental poderia ser hoje a ariana, em vez da católica. Entretanto, a complacência real não foi uma barganha unilateral; em troca do acordo do rei em ser batizado, as autoridades romanas juraram aliança a ele e a seus descendentes. Prometeram que um novo Santo Império seria estabelecido sob o regime dos merovíngios. Clóvis não tinha motivo para duvidar da sinceridade da aliança romana, mas sem querer ele se tomou o instrumento de uma conspiração por parte dos bispos contra a linhagem messiânica. Com a bênção da Igreja, Clóvis pôde entrar com suas tropas na Borgonha e em Aquitânia. Calcula-se que, em virtude disso, os arianos seriam obrigados a aceitar o Catolicismo, mas os romanos também tinham em mente algo mais duradouro um plano para manobrar estrategicamente os merovíngios até retirá-los do cenário, deixando o bispo de Roma com poder supremo na Gália.

 

Após uma série de conquistas militares, o rei Clóvis morreu em Paris, com 45 anos de idade. Foi sucedido por seus filhos, Teodorico, Clodomiro, Childebert e Lothar. Nessa época, 511 d.C., o domínio merovíngio estava dividido em reinos separados. Teodorico reinou na Austrásia (de Cologne a Basiléia), com a sede de seu governo em Metz. De Orléans, na Borgonha, Clodomiro supervisionava o vale Loire e oeste de Aquitânia, ao redor de Toulouse e Bordeaux. Childebert foi o sucessor na região do Sena, de Neustria a Armórica (Bretanha), sendo Paris sua capital; e Lothar herdou o reino entre Scheldt e o Somme, com seu centro em Soissons. Essas décadas de governo conjunto foram tempestuosas; os conflitos continuavam contra as tribos góticas, e acabaram permitindo a penetração merovíngia no leste de Aquitânia, sendo Borgonha totalmente absorvida no reino.

Lothar foi o último dos quatro irmãos a morrer, em 561, quando já tinha se tornado rei geral. Seus filhos Sigeberto e Chilperic foram os sucessores, e a linhagem de Chilperic se estabeleceu em quatro gerações com Dagoberto II, que se tomou rei da Austrásia em 674. Até então, um conselho de bispos tinha estendido a autoridade e as imunidades da Igreja, ao mesmo tempo que reduzia os poderes de taxação e administração geral por parte da casa real. Conseqüentemente, as províncias-chave do reino merovíngio se viram sob supervisão imediata dos prefeitos do palácio, que, por sua vez, eram aliados íntimos dos bispos católicos. O desmantelamento romano da supremacia merovíngia estava começando.

 

               OS PENDRAGONS

                 CORTE DOS REIS PESCADORES

Os francos sicambros, de cuja linha feminina tinham surgido os merovíngios, eram associados à Arcádia Grega antes de migrar para as terras do Reno. Como já vimos, eles chamavam a si próprios de Newmage (a Nova Aliança), como os essênios de Qumrã foram, um dia conhecidos. Esse legado arcádico foi o responsável pelo misterioso monstro do mar (o Bistea Neptunis), simbolicamente definido nos registros ancestrais merovíngios. O senhor do mar relevante era o rei Palas, um deus da antiga Arcádia, cujo predecessor fora o grande Oceano. Na verdade, o conceito remonta aos antigos reis da Mesopotâmia, que teriam nascido de Tiâmat, a grande mãe das águas salgadas primordiais.

Dizia-se que o monstro marinho imortal estava sempre encarnado em uma dinastia de antigos reis, cujo símbolo era um peixe. Este se tomou um emblema dos reis merovíngios, junto ao Leão de Judá e à flor-de-lis, que foi introduzida no fim do século V pelo rei Clóvis para denotar a linhagem real da França. Antes disso, o familiar trifólio judaico simbolizava a aliança da circuncisão. Tanto o leão como a flor-de-lis foram posteriormente incorporados às armas reais da Escócia.

Nas histórias arturianas, a linhagem soberana de Davi era representada pelos Reis Pescadores da FaIllilia do Graal e a linhagem patriarcal era denotada pelo nome Anfortas, um título simbólico adaptado de In fortis (latim: "em força"). Identificava-se com o nome hebraico Boaz, o bisavô de Davi (também significando "Em força"), que é lembrado na moderna Franco-Maçonaria.

O nome Boaz fora dado ao pilar esquerdo do Templo do rei Salomão (1 Reis 7 :21 e 2 Crônicas 3: 17). Seus capitéis, bem como os capitéis do pilar direito, Jaquim, eram decorados com romãs de bronze (1 Reis 7:41-42 - um símbolo de fertilidade masculina, como vemos em Cântico dos Cânticos 4: 13. Não é por acaso que os famosos quadros de Botticelli, A Madona da Romã e A Madona do Magnificat mostram o menino Jesus segurando uma romã aberta, madura. Na verdade, de 1483 a 1510, Botticelli (mais exatamente, Sandro Filipepi) foi Nautonnier (timoneiro) do Prieuré Notre Dame de Sião, uma sociedade esotérica com ligações com o Graal. Na tradição do Graal da época de Botticelli, o senhor marinho arcádio, Palas, manifesta-se no rei Penes: "Meu nome é Penes, rei da terra estrangeira e primo próximo de José de Arimatéia". Sua filha, Elaine, era a Portadora do Graal de le Corbenic (le Cors beneicon: o Abençoado em Corpo) e mãe de Galahad por Lancelot deI Acqs.

Nas histórias tradicionais do Graal há uma consistência de nomes de origem judaica (ou aparentemente judaica), tais como Josefes, Lot, Elinant, Galahad, Bron, Urien, Hebron, Penes, Joseus, Jonas e Ban. Em quase todas as lendas, incluindo os relatos posteriores, do século XV, de Sir Thomas Malory, ocorrem digressões acentuadas em relação aos reis pescadores. Além disso, há muitas referências a José de Arimatéia, rei Davi e rei Salomão. Até o sacerdote Judas Macabeu (que morreu em 161 a.C.) é mencionado. Com o passar dos anos, muitos acharam estranho que esse bem-nascido herói sacerdotal da Judéia seja tratado com tanta estima em uma história aparentemente cristã:

 

"'Senhor Cavaleiro', disse ele a Messire Gawain, 'rogo-vos que conquisteis este escudo; do contrário, eu vos conquistarei... Pois ele pertenceu ao melhor cavaleiro de sua fé e que foi sempre... 'mais sábio'

'Quem, pois, foi ele?' , perguntou Messire Gawain. 'Judas Macabeu foi ele...'

'Dizeis a verdade', disse Messire Gawain, 'e qual é o vosso nome?'

'Senhor, meu nome é Joseus, e sou da linha de José de Abarimacie. O rei Pelles é meu pai, que se encontra na floresta, e o rei Pescador é meu tio'''.

 

Alguns historiadores de arte afirmam que as romãs nesses quadros indicam a ressurreição por meio de associações clássicas com a história de Perséfone. Ela era a antiga deusa grega (filha de Zeus e Deméter) que foi levada ao Submundo por Hades (Plutão). Uma condição para o seu resgate seria que ela passasse apenas uma parte de cada ano subseqüente na superfície da Terra, e que o seu retorno anual fosse marcado pela regeneração da vida natural que caracteriza a primavera. Essa história é uma alegoria do ciclo de crescimento e morte da vegetação e nada tem a ver com a ressurreição física dos mortos. Tal conotação foi dada aos quadros de Botticelli por um sistema temeroso, que desejava esconder os fatos. Botticelli foi um grande estudioso do Graal, um esotérico de autoridade e elaborador de cartas de tarô. Suas sementes de romã representam a fertilidade de acordo com as romãs do Cântico dos Cânticos e os capitéis do Templo de Salomão, que foi construí do cerca de mil anos antes de Jesus ser crucificado.

 

É sabido que alguns dos cavaleiros atribuídos ao rei Artur eram baseados em personagens reais - particularmente Lancelot, Bors e Lionel, ligados à ramificação del Acqs da FamI1ia do Graal. E quanto aos outros? As indicações são de que muitos tinham origens reais, embora não necessariamente da era arturiana.

Quando a maioria dos romances do Graal foi escrita, na Idade Média, os judeus não eram muito amados na Europa. Dispersados da Palestina, muitos tinham se assentado em várias partes do Ocidente, mas, sem terra para cultivar, eles recorriam ao comércio e às finanças. Tais práticas não eram bem recebidas pelos cristãos, por isso os empréstimos foram proibidos pela Igreja de Roma. Nessas circunstâncias, o rei Edward I mandou expulsar todos os judeus da Inglaterra em 1209, exceto os médicos qualificados. Nesse clima, é evidente que os escritores (na Grã-Bretanha ou na Europa continental) não achariam natural ou politicamente correto usar uma série de nomes que soassem judaicos para seus heróis, cavaleiros e reis locais. Os nomes, porém, persistem, desde aqueles dos antigos protagonistas, como Josefes, até o posterior Galahad.

Nas primeiras histórias do Graal, Galahad era identificado pelo nome hebraico de Gileade. O Gileade original era filho de Micael, o trineto de Nahor, irmão de Abraão (1 Crônicas 5:14). Gileade significa "uma montanha de testemunho"; a montanha chamada monte do Testemunho (Gênesis 31:21-25). Seguindo os passos de Bemardo de Clairvaux, o abade de Lincolnshire, Gilberto da Holanda comparava o Galahad arturiano diretamente com a família de Jesus nos Sermões dos Cânticos cistercienses. Os escritores cristãos não teriam exaltado nomes de herança judaica a altas posições em um ambiente de heróis cavaleiros, a menos que seus nomes já fossem conhecidos e bem estabelecidos. Evidentemente, porém, os personagens tinham algum fundamento histórico, embora sua origem temporal tivesse sido forçosamente alinhada, por causa dos romances.

 

                                   CAMELOT

Desde 700 a.C., aproximadamente, as tribos celtas (keltoi, significando "estranhos") da Europa Central foram se estabelecendo na Grã-Bretanha e, durante a Idade do Ferro, sua cultura se desenvolveu a um estágio avançado até eles controlarem toda a baixa Grã-Bretanha. Na sucessão dos séculos, a eles se juntaram outras ondas de celtas europeus. Os últimos colonizadores foram os das tribos belgas, que penetraram a região sudeste. Os antigos habitantes se espalharam para o norte e o oeste, estabelecendo lugares como Glastonbury, em Somerset, e Maiden Castle, em Dorset. Quando os romanos chegaram nos últimos anos antes de Cristo, os celtas foram deslocados ainda mais para o oeste, apesar de sua longa resistência, com líderes formidáveis como Caractaco e Boudicca (Vitória). Os romanos chamavam os antigos bretões de pretani, um nome derivado da língua cymric, do antigo País de Gales, na qual toda a ilha dos celtas era chamada de B'rith-ain, significando Terra da Aliança.

Os romanos tiveram um sucesso considerável em sua conquista da Grã-Bretanha, mas nunca conseguiram derrotar os pictos da Caledônia, no extremo norte e, por causa disso, o imperador Adriano (117-138 d.C.) construiu uma grande muralha atravessando o país para separar as culturas. Uma maioria celta ao sul da muralha se adaptou ao modo romano de vida, mas seus inflamados primos do norte continuaram lutando, bem como os escoceses gaélicos da Irlanda do Norte.

No País de Gales, os antigos govemantes de Powys e Gwynedd descendiam da Avallach na linhagem de Beli Mawr (Billi, o Grande), um soberano dos bretões no primeiro século a.C. Esse é um bom exemplo de personagem cuja origem temporal é freqüentem ente confusa por causa das fábulas que cresceram em tomo dele. Seu neto era o arquidruida Brân, o Abençoado (genro de José de Arimatéia). Em virtude de sua associação histórica, Beli e Brân costumam ser confundidos com os irmãos de período anterior, Belino e Breno (filhos de Porrex), que disputaram o poder no norte da Grã-Bretanha por volta de 390 a.C. e eram considerados deuses, na velha tradição céltica.

Mais confusão em potencial advém do fato de Brân, o Abençoado, ser freqüentemente citado como pai de Caractaco. Eles eram de fato contemporâneos no primeiro século d.C., mas o pai de Caractaco era Cymbeline de Camulod. A persistente anomalia tem gerado infinitas complicações em livros a respeito das linhagens na Idade das Trevas, mas a causa é facilmente explicada.

O pai de Brân, descendente de Beli Mawr, era o rei Llyr (Lear). Algumas gerações depois, porém, em uma sucessão vinda do rei Lúcio, os nomes se repetiram nos séculos III e IV, quando o chefe galês, Llyr Llediath, era o pai de outro Brân, pai de Caradawc (uma variante do nome Caractaco). Outra causa de confusão está no fato de que Brân, como arquidruida, era o Pai patriarcal designado. Em termos simbólicos, portanto, Brân teria de fato sido o "pai" de Caractaco, assim como Eliezer Anás e Simão Zelote eram os pais espirituais de Jesus na Judéia.

Do nome Beli (ou Billi) é que deriva parcialmente o Billingsgate de Londres. Seu descendente, Avallach, era neto da filha de José de Arimatéia, Ana, esposa do arquidruida Brân, o Abençoado. A própria esposa de José também se chamava Ana (que significa "graça"). Como já discutimos anteriormente, Avallach era um título descritivo e, do mesmo modo, o nome Reli também era titular, denotando um "senhor soberano". Como tal, era repetido na dinastia, e equivalente ao termo bíblico Reli (avô paterno de Jesus).

Outro descendente de Beli Mawr era o rei Llud (de onde o Ludgate de Londres recebeu o nome). Ele foi o progenitor das casas reais de Colchester, Silúria e Strathclyde, e sua família contava com importantes casamentos com a linhagem de Tiago/José de Arimatéia. Dentre os príncipes galeses na sucessão de Arimatéia, surgiram os fundadores e governantes locais da Bretanha, uma região dos francos que antes se chamava Armórica ([terra] de frente para o mar). Outra muita antiga linhagem de Davi, progredindo por Ugaine Mar (século IV a.C.), mantinha o domínio da Irlanda, como os Grandes Reis (Ard Rí) de Tara.

O neto do rei Lud, o poderoso Cymbeline (pai de Caractaco), era o Pendragon da Grã-Bretanha continental durante a época em que Jesus ainda vivia. O Pendragon, ou Dragão Chefe da Ilha (Pen Draco Insularis), era o rei dos reis e guardião da ilha celta. O título não era dinástico; os Pendragons eram nomeados dentre a casta real celta por um conselho druida de anciãos. Cymbeline governava as tribos belgas dos Catuvellauni e Trinovantes, de sua sede em Colchester, o mais impressionante forte da região na Idade Média. Naquela ocasião, Colchester era chamado de Camulod (romanizado como Camulodunum) - do termo celta camuloi, que significa "luz curvada". Esse povoamento fortificado se tomou mais tarde o modelo para a corte de nome semelhante, e de natureza também transiente, de Camelot, no romance arturiano.

 

A obra francesa do século XIII Sone de Nansai identifica a esposa de José como uma princesa nórdica.

O antiquário de Henrique VIII, John Leland, em 1542 identificou o forte da Idade Média nas montanhas em South Cadbury, Somerset, como Camelot, principalmente porque algumas vilas das proximidades incluíam o nome do rio Camelo Escavações em Cadbury na década de 1960 revelaram os vestigios de uma sala de banquetes da Idade das Trevas, mas embora ela fosse bastante atraente para a indústria do turismo, nada havia nela que pudesse ser associado a Artm: Na verdade, mais de 40 construções de idade e tipo semelhantes foram encontradas só no sudoeste da Inglaterra, e há mais em outros lugares do país. Ver Michael Wood, In Search of the Dark Ages, BBC Books, Londres, 1981, capo 2, p. 50.

Ao norte dos domínios de Cymbeline, em Norfolk, o povo conhecido como iceno era governado pelo rei Prasutago, cuja esposa era a famosa Boudicca (Boadicea). Ela conduziu a grande, porém malsucedida, revolta tribal contra o domínio romano a partir de 60 d.C., usando seu famoso grito de batalha Y gwir erbyn y Byd (A Verdade contra o Mundo). Foi imediatamente em seguida que José de Arimatéia veio da Gália para construir sua igreja em Glastonbury, a despeito do imperialismo romano.

O conceito do dragão - como no Pendragon - em termos de realeza emerge diretamente do crocodilo sagrado (o Messeh) dos egípcios e do Mus-hus da velha Mesopotâmia. Os faraós e os reis babilônios eram ungidos com gordura de crocodilo e, assim, obtinham a fortitude do Messeh, de onde vem o termo hebraico Messias (o ungido). A imagem do intrépido Messeh evoluiu até se tornar o dragão, que por sua vez tornou-se um emblema de realeza poderosa. Os romanos imperiais portavam um dragão purpúreo em seu estandarte, e esse é o símbolo descrito em Apocalipse 12:3, quando Miguel enfrenta o "dragão de sete cabeças". Como já vimos, o dragão nesse exemplo era Roma: conhecida historicamente como a Cidade dos Sete Reis (o número de reis governantes antes da formação da República).

Após a retirada romana da Grã-Bretanha em 410 d.C., a liderança regional se reverteu para os chefes tribais. Um desses foi Vortigem de Powys, no País de Gales, cuja esposa era a filha do ex-govemador de Roma, Magno Máximo. Assumindo pleno controle de Powys até 418 d.C., Vortigem foi eleito Pendragon da ilha em 425 d.C. e usou muito bem o emblema do dragão, que subseqüentemente se tomou o Dragão Vermelho de Gales.

Nessa época, várias ramificações de reis tinham surgido nas linhagens de Arimatéia, de sua filha Ana e do marido dela, Brân, o Abençoado. Entre os mais proeminentes desses reis locais estava Cunedda, o governante nortista de Manau, pelo Estuário de Forth. Numa ramificação familiar paralela, havia o sábio CoeI Hen, líder dos "Homens do Norte" (os Gwyr-y-Gogledd). Lembrado com carinho nas rimas infantis como Velho Rei Cole, ele governou as regiões de Rheged a partir de sua sede em Carlisle (Cumbria), a fortaleza Camu-lot ao norte. Outro notável líder foi Ceretic, descendente do rei Lúcio. De sua sede em Dumbarton, ele governou as regiões de Clydesdale. Junto com Vortigern, esses três reis foram os soberanos mais poderosos na GrãBretanha do século V. Foi das famílias deles que vieram também os santos celtas mais poderosos, e essas famílias ficaram devidamente conhecidas como as Santas Famílias da Grã-Bretanha.

 

Em meados do século V d.C., Cunedda e seus filhos conduziram seus exércitos até o norte do País de Gales para expulsar colonizadores irlandeses indesejáveis a pedido de Vortigem. Ao fazer isso, Cunedda fundou a Casa Real de Gwynedd na região litorânea galesa a oeste de Powys. Os pictos da Caledônia, no extremo norte, aproveitaram-se da ausência de Cunedda e iniciaram uma série de ataques na fronteira marcada pela muralha de Adriano. Um exército de mercenários germânicos jutos, liderados por Hengest e Horsa, foi imeditamente engajado para repelir os invasores, mas tendo cumprido esse encargo com sucesso, eles voltaram a atenção para o extremo sul e se apoderaram do reino de Kent. Outras tribos germânicas, os anglos e os saxões, subseqüentemente invadiram a Europa. Os saxões tomaram o sul, desenvolvendo os reinos de Wessex, Essex, Middlesex e Sussex, enquanto os anglos ocuparam o resto da região desde o estuário Sevem até a Muralha de Adriano, incluindo Northumbria, Mercia e East Anglia. O conjunto ficou conhecido como Inglaterra (terra dos anglos), e os novos habitantes chamavam a península celta, a oeste, de Gales (em inglês, Wales - derivado de weallas, que significa "estrangeiros").

Como a Irlanda era separada pelo mar da tempestuosa ilha britânica, ela se tomou o perfeito refúgio para monges e eruditos. Alguns dizem que Eire-land (Irlanda) significa "terra da paz", mas o antigo nome derivava mais diretamente de Eire-amhon (pai do rei Irial de Tara), que se casou com Tamar, a filha do rei Zedequias de Judá, por volta de 586 a.C. (Eire também era o nome da esposa Tuatha Dé Danann do rei Ceathur, que reinou na mesma época).

 

Uma cultura singular e indígena se desenvolveu na forma do Cristianismo celta. Ela surgiu basicamente do Egito, da Síria e da Mesopotâmia com preceitos que eram distintamente nazarenos. A liturgia era em grande parte alexandrina e, como os ensinamentos de Jesus (em vez de sua pessoa) formavam a base da Fé, o conteúdo mosaico do Antigo Testamento foi devidamente mantido. As velhas leis judaicas de casamento eram observadas, bem como as celebrações do Sabá e da Páscoa, enquanto a divindade de Jesus e o dogma romano da Trindade não tinham lugar na doutrina. A Igreja Celtanão tinha bispos diocesanos, mas ficava sob a direção dos abades (anciãos monásticos) e era organizada em cima de uma estrutura de clã, com suas atividades se concentrando na erudição e na aprendizagem.

Cunedda ficou no norte do País de Gales e, após a morte de Vortigem, em 464 d.C., foi o Pendragon seguinte, que também se tornou o comandante militar dos bretões. O detentor desse último cargo tinha o título de o Guletic.

Quando Cunedda morreu, o genro de Vortigern, Brychan de Brecknock, tornou-se o Pendragon, e o Ceretic de Strathclyde, o Guletic militar. Enquanto isso, o neto de Vortigem, Aurélio - um homem de considerável experiência militar - retomou da Bretanha para dar peso às forças contrárias à incursão saxônia. Em sua condição de sacerdote druida, Aurélio era o designado Príncipe do Santuário de Âmbrio - uma câmara sagrada, simbolicamente modelada a partir do Tabernáculo Hebraico (Êxodo 25:8 - "E me farão um santuário para que eu possa habitar no meio deles"). Os Guardiães de Âmbrio recebiam o título individual de Ambrósio e vestiam mantos escarlates. De seu forte em Snowdonia, Aurélio, o Ambrósio, mantinha a defesa militar do Ocidente e foi o próximo Guletic quando Brychan morreu.

 

                 SÃO COLUMBA E MERLIN

No início do século VI, o filho de Brychan (também chamado Brychan) se mudou para o Estuário de Forth como príncipe de Manau. Lá ele fundou outra região de Brecknock em Forfashire, à qual o povo galês se referia como Breichniog no norte. A base de seu pai fora em Brecon, País de Gales - por isso, a fortaleza norte era chamada de Brechin. A filha de Brychan II se casou com o príncipe Gabràn dos escoceses de Dalriada (as terras altas do oeste), o que resultou em Gabràn se tornando senhor do Forth, herdando um castelo em Aberfoyle.

 

Naquela época, os irlandeses gaélicos estavam em disputa com a casa de Brychan e, sob o comando do rei Cairill de Antrim, lançaram um ataque contra os escoceses de Manau em 514. A invasão foi bem-sucedida e a área do Forth ficou sob controle irlandês. Brychan requisitou a assistência de seu genro, o príncipe Gabràn, e do comandente Guletic, Aurélio. Em vez de tentarem remover os irlandeses de Manau, os líderes decidiram lançar uma ofensiva direta por mar contra Antrim. Em 516, a frota escocesa de Gabràn partiu do Estreito de Jura com as tropas de Aurélio. Seu objetivo era o castelo do rei Cairill, o formidável forte na montanha em Dun Baedàn (Badon Hill). As forças do Guletic foram vitoriosas, e Dun Baedàn foi dominada. Em 560, o cronista Gildas (516-570) escreveu a respeito dessa batalha em sua obra De Excidio COllquestu Britanlliae (A Queda e a Conquista da Grã-Bretanha), e a grande batalha é citada tanto nas crônicas escocesas como nas irlandesas.233 Alguns anos depois da Batalha de Dun Baedàn, Gabràn se tomou rei dos escoceses em 537, montando sua corte das terras altas do oeste em Dunabb, perto de Loch Crinan.

Naquela época, o Pendragon era o bisneto de Cunedda, o rei galês Maelgwyn de Gwynedd. Este foi sucedido nessa nomeação pelo filho do rei Gabràn, Aedàn de Dalriada, que se tomou rei dos escoceses em 574 e foi o primeiro rei britânico a ser instituído com ordenação sacerdotal, quando foi ungido por São Columba.

Nascido na realeza, em 521, Columba tinha o direito de ser rei na Irlanda - mas abandonou seu legado para se tomar monge, freqüentando uma escola eclesiástica em Moville, County Down. Ele fundou mosteiros em Derry e nos arredores, mas sua maior obra estava destinada a ser nas terras altas do oeste e nas ilhas Dalriada dos escoceses, depois que ele foi expulso da Irlanda em 563. Columba formara um exército contra o injusto rei de Sligo, o que culminou em sua prisão em Tara e posterior exílio quando ele tinha 42 anos de idade. Com 12 discípulos, ele partiu para lona e estabeleceu o famoso mosteiro de Columba. Posteriormente, mais ao norte, na Caledônia, a herança real de Columba foi bem recebida pelo rei Bruide dos pictos e ele se destacou como estadista político na corte druida. Com uma frota de navios à sua disposição, Columba visitou a ilha de Man e a Islândia, montando escolas e igrejas em todo lugar por onde passava - não só na Caledônia e nas ilhas, mas também na Northumbria inglesa (Saxônia).

Na época, as terras baixas escocesas (abaixo do Forth) consistiam em 13 reinos separados. Faziam fronteira com o reino de Northumbria ao sul e com o domínio dos pictos ao norte. Embora estivessem geograficamente fora do País de Gales, as regiões de Galloway, Lothian, Tweeddale e Ayrshire eram governadas por príncipes galeses. Uma dessas regiões dinásticas acima da muralha de Adriano era a de Gwyr-y-Gogledd (Homens do norte), cujo chefe era o rei Gwenddolau.

Pouco antes da ordenação real de Aedàn por Columba, o rei Rhydderch de Strathc1yde tinha matado o rei Gwenddolau numa batalha perto de Carlisle. O campo de batalha ficava entre o rio Esk e Liddel Water, acima da muralha de Adriano (aí, no Fosso de Liddel, foi baseado o conto arturiano de Fergus and the Black Knight, ou Fergus e o Cavaleiro Negro). O conselheiro chefe de Gwenddolau (o Merlin da Grã-Bretanha) era Emrys de Powys, filho de Aurélio. Após a morte de Gwenddolau, porém, o Merlin fugiu para Hart Fell Spa, na floresta caledônia, para buscar em seguida refúgio na corte do rei Aedàn, em Dunadd.

O título de Merlin (aplicado ao vidente do rei) já era muito usado na tradição druida. Antes de Emrys, o Merlim nomeado era Taliesin, o Bardo, marido de Viviane I del Acqs. Quando ele morreu, em 540, o título passou para Emrys de Powys, o famoso Merlin da tradição arturiana. Merlin Emrys era um primo mais velho do rei Aedàn, o que lhe dava o direito de requisitar que o novo rei partisse para a ação contra o matador de Gwenddolau. Aedàn, portanto, aqui~sêeu e demoliu a corte de Aleut, de Rhydderch, em Dumbarton.

Naqueles dias, o centro urbano mais importante no norte da Grã-Bretanha era Carlisle. Tinha sido uma proeminente cidade-guarnição romana e, em 369 d.C., era uma das cinco capitais provinciais. Em Life of St. Cuthbert, Bede se refere a uma comunidade cristã em Carlisle, muito anterior à penetração anglo-saxônica da área. Um pouco ao sul de Carlisle, perto de Kirkby Stephen, em Cumbria, encontra-se a ruína do Castelo Pendragon. Carlisle também era chamada de Cardeol ou Caruele nos tempos arturianos, e foi aí que alguns escritores do Graal, como Chrétien de Troyes, identificavam a segunda corte real do rei Artur. A obra The High History 01 the Holy Grail se refere especificamente à corte de Artur em Carlisle, que também apatece na obra francesa Suit de Merlin e nos contos britânicos Sir Gawain and the Carl of Carlisle e The Avowing of King Arthur.

O supremo posto de Pendragon durou 650 anos, mas em todo esse tempo o único Pendragon que nunca existiu foi Uther Pendragon, o lendário pai do rei Artur. Pelo menos, não existiu com esse nome, embora o pai de Artur fosse realmente um renomado Pendragon, como veremos.

 

                   REI ARTUR

                    O HISTÓRICO SENHOR DA GUERRA

Afirma-se com freqüência que a primeira referência feita a Artur vem de um monge galês do século IX, Nênio, cuja Historia Brittonum cita Artur em numerosas batalhas identificáveis. Mas Artur já era registrado muito antes de Nênio, na obra Life of St. Columba, do século VII. Ele também é mencionado no poema celta Gododdin, escrito por volta de 600.

Quando o rei Aedàn de Dalriada foi ordenado por São Columba, em 574, seu filho mais velho e herdeiro (nascido em 559) era Artur. Em Life of St. Columba, o abade Adamnan de lona (627-704) contava como o santo tinha profetizado que Artur morreria antes de suceder a seu pai. Adamnan confinnou que a profecia estava correta, pois Artur foi morto em batalha alguns anos depois da morte do próprio Columba, em 597.

Acredita-se, de um modo geral, que o nome Artur (ou, em inglês, Arthur) derive do latim Artorius, mas isso é um erro. O nome arturiano era puramente celta, emergindo do irlandês, também originalmente Artur. No século m, os filhos do rei Art eram Connac e Artur. Os nomes irlandeses não eram influenciados pelos romanos e a raiz do nome inglês Arthur pode ser encontrada no século V a.C., quando Artur mes Delmann era rei dos Lagain.

Em 858, Nênio fez uma lista de várias batalhas nas quais Artur foi vitorioso. Os locais incluem a Floresta da Caledônia, ao norte de Carlisle (Cat Coit Celidon), e o monte Agned - o forte de Bremênio nos Cheviots, de onde os anglo-saxões foram expulsos. Também é mencionada a batalha de Artur às margens do rio Glein (Glen) em Northumbria, onde a c1ausura fortificada era o centro de operações desde meados do século VI. Outros campos de batalha arturianos citados são a Cidade da Legião (Carlisle) e o distrito de Linnuis - a velha região da tribo Novantae, ao norte de Dumbarton, onde Ben Arthur se projeta acima de Arrochar, às margens de Loch Long.

 

Para colocannos Artur em seu contexto correto, temos de compreender que os aparentes nomes de Pendragon e Merlin eram, na verdade, títulos.

Aplicavam-se a mais de um indivíduo com o passar dos anos. O pai de Artur, rei Aedàn mac Gabràn dos escoceses, tornou-se o Pendragon porque era neto do príncipe Brychan. Nessa linhagem, a mãe de Aedàn, Lluan de Brecknock, descendia de José de Arimatéia. Nunca existiu um Uther Pendragon, embora apareça nas árvores genealógicas da era Tudor, século XVI. O nome Uther Pendragon foi inventado no século XII pelo romancista Geoffiey de Monrnouth (futuro bispo de St. Asaph) e a palavra gaélica uther (ou uthir) era simplesmente um adjetivo que significava "terrível". Historicamente, só houve um Artur filho de um Pendragon: Artur mac Aedàn de Dalriada.

No seu 16o. aniversário, em 575, Artur se tornou o Guletic (comandante) soberano das forças britânicas e a Igreja Celta aceitou sua mãe, Ygema del Acqs, como Grande Rainha dos reinos celtas. A mãe dela (na linhagem hereditária de Jesus e Maria Madalena) era Viviane I, rainha dinástica de Avalon de Borgonha. Os sacerdotes, portanto, ungiram Artur como Grande Rei dos bretões, seguindo a ordenação de seu pai como rei dos escoceses. Entretanto, na época em que concebia Artur por Aedàn, Y gema (Igraine) estava casada com Gwyr-Llew, Dux de Carlisle. A Scots Chronicle, crônica dos escoceses, registra o evento nos seguintes termos:

 

"Becaus at ye heire of Brytan was maryit wy tane Scottis man quen ye Kinrik wakit, and Arthure was XV yere ald, ye Brytannis maid him king be ye devilrie of Merlynge, and yis Arthure was gottyn onn ane oyir mannis wiffe, ye Dux of Caruele".

 

Na Historia Regum Britanniae (História dos Reis da Grã-Bretanha), de Geoffiey de Monmouth (c.1147), Gwyr-Llew, o Dux de Caruele (Senhor da guerra de Carlisle), foi literalmente impelido para a porção mais ao sul do oeste do país e se tornou Gorlois, duque da Cornuália. Esse ajuste de nomes foi considerado necessário porque o padroeiro nonnando de Geoffrey era Robert, conde de Gloucester. A Historia foi financiada por dinheiro normando, sob a exigência expressa de incutir o rei Artur na tradição inglesa, embora ele não aparecesse na Anglo-Saxon Chronicle.

 

Embora fosse apresentada como um relato factual, a obra de Geoffrey é reconhecidamente incorreta em muitos aspectos. O historiador William de Malmesbury a chamava de "material duvidoso" e William de Newburgh foi mais longe ainda, dizendo: "Tudo o que o homem se deu ao trabalho de escrever acerca de Artur e seus predecessores é inventado".

Muitos foram os que se surpreenderam com o duque Gorlois da Comuália, de Geoffrey, porque não havia duques na Inglaterra no século VI. O antigo título de Dux era muito diferente da posterior nobreza ducal; era uma distinção estritamente militar, não implicando nenhum direito de posse feudal. Outra anomalia era a afirmação de Geoffrey de que o Artur do século VI nascera no castelo de Tintagel; pois não existia nenhum castelo em Tintagel até o primeiro conde da Cornuália construir um no início do século XII. Antes, havia somente um mosteiro celta em ruínas no local.

Outra confusão quanto ao filho do Pendragon se manifestou no País de Gales, e a tradição persiste ainda hoje. Havia de fato um Artur em Gales no século VI; ele foi o único outro Artur da realeza da época, mas não era filho de um Pendragon nem o Artur das histórias do Graal. Esse outro Artur foi ordenado príncipe de Dyfed por São Dubrício em 506, embora ele e seus antepassados fossem inimigos dos galeses nativos. Ele era descendente da deserdada realeza Déisi, expulso da Irlanda no fim do século IV. Quando as tropas romanas deixaram o sul de Gales em 383 d.C., os líderes Déisi partiram de Leinster para se assentar em Dyfed (Demetia). Artur, príncipe de Dyfed, aparece como um notório tirano em The Lives of the Saints (nos contos de Carannog e outros), e costuma ser retratado como um intruso regional encrenqueiro.

No romance arturiano, a confusão entre o Artur escocês e o galês surgiu principalmente por causa da ligação com Merlin. Como já vimos, Merlin Emrys era filho de Aurélio. Mas a esposa de Aurélio era irmã de Artur de Dyfed, Niniane. Aurélio a desposara num esforço para reprimir as invasões dos Déisis em Powys, mas sua estratégia não durou muito. Isso significava, claro, que Merlin Emrys era sobrinho de Artur de Dyfed e, ao mesmo tempo, primo do Pendragon Aedàn mac Gabràn, além de ser o guardião escolhido do filho Aedàn, Artur de Dalriada.

De acordo com os Annales Cambriae (Anais de Gales) do século X, Artur pereceu na batalha de Camlann - mas a qual Artur os anais se referem? certamente não ao Artur de Dalriada, pois há registro dele na Escócia depois desse evento. O Red Book of Hergest (uma coletânea de contos populares galeses), do século XV, diz que a batalha de Camlann foi travada em 537, e o provável local era Maes Camlan, ao sul de Dinas Mawddwy. Nesse caso, é perfeitamente possível que Artur de Dyfed tenha lutado lá. Ele era conhecido por liderar incursões tanto em Gwynedd como em Powys. Definitivo, porém, é que Artur de Dalriada participou de uma batalha posterior em Camelon, a oeste de Falkrik. As crônicas dos pictos e dos escoceses (Chronicles of the Picts and Scots) se referem a esse conflito no norte como a Batalha de Camelyn. Ele também lutou posterionnente em Camlana (ou Camboglanna), próximo à Muralha de Adrianoa batalha que trouxe sua destruição.

Geoffrey de Monmouth resolveu ignorar todos os locais geográficos, situando sua batalha fantasiosa às margens do rio Camel, na Cornuália. Geoffrey também associou a batalha irlandesa de Badon Hill (Dun Baedàn) com a batalha em Bath, porque esse segundo lugar fora conhecido como Badanceaster.

Em Life of Saint Columba, o abade Adamnan diz que, no fim do século VI, o rei Aedàn dos escoceses tinha consultado São Columba a respeito de seu sucessor por direito em Dalriada, perguntando: "Qual dos [meus] três filhos deverá reinar: Artur, Eochaid Find ou Domingart?" Ao que Columba respondeu:

 

"Nenhum dos três será governante, pois morrerão todos em batalha, destruí dos pelos inimigos; mas se tu tens outros filhos mais novos, faze-os vir a mim."

 

Um quarto filho, Eochaid Buide, foi chamado e o santo o abençoou, dizendo a Aedàn: "Este é teu sucessor". O relato de Adamnan continua:

 

"E foi assim que, tempos mais tarde, na época devida, tudo se realizou confonne previsto; pois Artur e Eochaid Find foram mortos após um intervalo de tempo não muito grande na batalha de Miathi. Domingart foi morto na Saxônia e Eochaid Buide sucedeu ao pai no trono."

 

Os Miathi (confonne menciona Adarnnan) eram uma tribo de bretões que se dividiram em dois grupos e se estabeleceram ao norte das muralhas de Antonino e Adriano, respectivamente. A Muralha de Antonino se estendia entre o Estuário de Forth e o de Clyde. A Muralha de Adriano cortava a região mais baixa entre o Estuário Solway e Tynemoth. Em 559, os anglos tinham ocupado Deira (Yorkshire), expulsando os Miathi para o norte. Até 574, os anglos também tinham se espalhado até Bernícia, Northumbria. Alguns dos Miathi resolveram ficar próximos da muralha mais baixa e viver lá da melhor maneira possível, enquanto outros migraram para o norte mais distante, assentando-se além da muralha mais alta.

O principal posto dos Miathi do norte ficava em Dunmyat, na fronteira da moderna Clackmannanshire, no distrito de Manau, região do Forth. Lá, eles tiravam a sorte com os colonizadores irlandeses, o que os tomou muito impopulares com os escoceses e galeses. Apesar da derrota do rei Cairill em 516, em Badon Hill, Antrim, os irlandeses continuavam problematicamente obstrutivos em Manau. Conseqüentemente, as forças do Guletic fIzeram nova incursão em Ulster, em 575.

O segundo ataque em Dun Baedàn é mencionado por Nênio, que descreveu corretamente a presença de Artur, enquanto o relato de Gildas se refere à batalha anterior de 516, citando também corretamente Ambrósio Aurélio como comandante. Nênio, porém, dá mais crédito a Artur do que este merecia, pois, nessa segunda ocasião, os escoceses foram derrotados e o pai de Artur, o rei Aedàn, foi obrigado a se submeter ao príncipe Baedàn mac Cairill, em Ros-na-Rig, Belfast.

Após a morte do rei Baedàn mac Cairill, em 581, Aedàn dos escoceses finalmente conseguiu expulsar os irlandeses de Manau e do Forth. Mais tarde, em 596, a cavalaria de Artur expulsou os irlandeses de Brecknock, dos escoceses. O rei Aedàn esteve presente às batalhas, mas os irmãos mais novos de Artur, Brân e Domingart, foram mortos em Brechin, na planície de Circinn.

No confronto com os irlandeses em Manau, as tropas do Guletic também tinham de lidar com os bretões Miathi. Conseguiram explusar muitos, forçando-os a voltar ao seu território no sul; mas os que ficaram após a partida das tropas enfrentaram os pictos, que invadiam seu domínio. No fim daquele século, os pictos e os Miathi se uniram contra os escoceses, enfrentando-os na batalha de Camelyn, ao norte da muralha de Antonino. Mais uma vez os escoceses foram vitoriosos e os pictos expulsos para o norte. Posteriormente, uma fundição de ferro das proximidades foi chamada de Furnus Arthuri (fogo de Artur) para celebrar o evento. Ela foi uma atração que durou muito, sendo somente demolida no século XVIII, com o advento da Revolução Industrial.

Três anos depois de Camelyn, os escoceses enfrentaram os Miathi do sul e os anglos de Northumbria. Esse confronto foi um evento prolongado, ocupando dois campos de batalha - sendo o segundo conflito o resultado de uma retirada escocesa do primeiro. Inicialmente, as forças se encontraram em Camlanna, um velho forte romano nas montanhas, próximo à Muralha de Adriano. Diferentemente do primeiro confronto, porém, a batalha de Camlanna foi um completo fiasco para os escoceses. Aceitando uma tática divisionária dos Miathi, eles permitiram que os anglos os atacassem por trás, numa investi da em direção a Galloway e Strathclyde. A infeliz definição de Cath Cam/anna passou a ser aplicada a muitas batalhas perdidas a partir daí.

Poucos meses antes, o rei anglo, Aethelfrith de Bemícia, tinha derrotado o rei Rhydderch em Carlisle, adquirindo assim novo território ao longo do Solway. As forças de Dalriada, sob o comando de Aedàn e Artur, sofreram certa pressão para interceptar e deter o avanço dos anglos para o norte. Aparentemente, eles teriam formado forças imensas, oriundas dos escalões dos príncipes galeses, e obtiveram o apoio de Maeluma mac Baedàn de Antrim, o filho de seu antigo inimigo. Naquela época, os irlandeses viviam ameaçados pela possibilidade de uma invasão anglo-saxônica.

 

               MODRED E MORGANA

É importante observarmos que o rei Aedàn era um cristão da igreja celta da Sagrada Família de São Columba. De fato, os escoceses de Dalriada costumavam ser associados com a Sagrada Família, que era baseada na tradição nazarena, mas incorporava alguns costumeiros rituais druidas e pagãos.

 

Artur, porém, tornara-se obcecado pelo Cristianismo romano, a ponto de começar a ignorar sua cavalaria de Guletic como exército sagrado. Essa disposição gerou um considerável distúrbio dentro da Igreja Celta, pois, afinal de contas, Artur estava destinado a ser o próximo rei dos escoceses. Os anciãos estavam particularmente preocupados, temendo que ele tentasse implementar um reino romanizado em Dalriada, e foi por isso que Artur se tornou um inimigo de seu próprio filho, Modred, arcebispo da Sagrada Família. Modred tinha ligações com o rei saxão Cerdic de Elmet (a parte oeste de Yorkshire), e Cerdic era aliado de Aethelfrith, de Bernícia. Não foi dificil, portanto, persuadir Modred a se voltar contra seu pai no campo de batalha e aliar-se aos anglos em sua tarefa de impedir que o reino escocês perdesse sua antiga herança druida.

E foi assim que, quando os escoceses enfrentaram os anglos e Miathi em Camlana, em 603, Aedàn e Artur se viram não só contra o rei Aethelfrith, mas também contra seu próprio príncipe Modred. O confronto inicial em Camlanna foi curto e as tropas celtas se viram obrigadas a correr atrás dos anglos, que já tinham passado por elas. Eles se encontraram novamente em Dawston-on-Solway (na época chamada Degsastan, em Liddesdale) e as crônicas de Holyrood e de Melrose (Chronicles of Holyrood e Chronicles of Melrose) se referem ao local da batalha como Dexa Stone. A chegada do arcebispo Modred com os invasores desencorajou seriamente o espírito celta, e foi aí que Artur (com 44 anos) caiu junto a Maeluma mac Baedàn.

A batalha, que começou em Camlanna e terminou em Dawston, foi uma das mais violentas na história dos celtas. Os anais de Tigernach (Tigernach Annals) a chamam de "o dia em que metade dos homens da Escócia caiu". Embora Aethelfrith fosse vitorioso, sofreu perdas pesadas. Seus irmãos Teobaldo e Eanfrith foram mortos, junto a todos os seus homens, e o rei Aedàn abandonou o campo após perder dois filhos, Artur e Eochaid Find, e seu neto, o arcebispo Modred.

Aethelfrith nunca chegou a Strathclyde, mas seu sucesso em Dawston permitu que o território de Norhumbria se estendesse para o norte, até o Estuário de Forth, incorporando Lothian. Dez anos depois, em 613, Aethelfrith sitiou Chester e colocou Cumbria inteiramente sob controle anglo. Isso criou um abismo geográfico permanente entre os bretões galeses e os de Strathc1yde. Os anglos mércios se espalharam para o oeste, empurrando os galeses para trás do que se tornou a linha demarcatória do dique de Offa, enquanto os saxões de Wessex invadiram a região além de Exeter, anexando a península sudoeste.

Com o passar do tempo, as regiões celtas antes conjuntas de Gales, Strathc1yde e Dumnonia (Devon e Cornuália), ficaram totalmente isoladas uma das outras, e a Família de São Columba atribuiu a culpa a Artur. Ele tinha falhado em seu dever como Guletic e Grande Rei. Seu pai, o rei Aedàn de Dalriada, morreu cinco anos após a tragédia de Camlanna, o que, segundo dizem, abriu a porta para a conquista final da Grã-Bretanha pelos anglo-saxões. Os dias do domínio celta tinham acabado e, depois de mais de seis séculos de tradição, Cadwaladr de Gales (vigésimo sexto na linhagem de José de Arimatéia) foi o último Pendragon.

Na onda das derrotas de Artur em Camlanna e Dawston Guntas chamadas de di Bellum Miathorum: a batalha dos Miathi), os velhos reinos do Norte não mais existiam. Os escoceses, fisicamente separados de seus antigos aliados em Gales, percebemm que seu único meio de salvar a terra de Alba (Escócia) em uma aliança com os pictos da Caledônia. Isso foi feito em 844, quando o afamado descendente de Aedàn, o rei Kenneth MacAlpin, uniu os pictos e escoceses como uma nação. Os registros da ordenação de Kenneth sustentam sua posição verdadeimmente importante na linhagem familiar, referindo-se a ele como descendente das minhas de Avalon.

Se Modred tivesse sobrevivido, ele certamente teria se tomado Pendmgon, pois em um grande favorito dos druidas e da Igreja Celta. A mãe de Artur, Ygema, em a irmã mais velha de Morgause, que se casou com Lot de Lothian, o governador de Orkney. Lot e Morgause eram os pais dos irmãos Gawain, Gaheries e Gareth, de Orkney. Morgause também era (assim como Ygerna) irmã mais nova de Viviane II, a consorte do rei Ban le Benoic, um descendente desposyni de Faramund e dos Reis Pescadores. Viviane e Ban eram os pais de Lancelot del Acqs.

Após a morte de seu primeiro marido, o Dux de Carlisle, Ygema se casou com Aedàn de Dalriada, legitimando Artur antes que a este fossem conferidos seus títulos. Por meio dessa união, as linhagens de Jesus e Tiago/José de Arimatéia se combinaram em Artur pela primeira vez em quase 350 anos. Apesar de suas falhas, foi por isso que Artur se tomou tão importante para a tradição do Gmal.

A avó materna de Artur, Viviane I, foi a minha dinástica de Avalon, uma parenta dos reis merovíngios. Sua tia, Viviane II, em a Mantenedora oficial do Misticismo Celta e essa herança passou, no momento certo, para a filha de Ygema, Morgana. Artur em casado com Guinevere, da Bretanha, mas ela não pôde ter filhos. Por outro lado, gerou Modred, com Morgana. Registros antigos, como o Promptuary of Cromarty, sugerem que Artur também teve uma filha chamada Tortolina, mas na verdade ela em sua neta (filha de Modred). A meia-irmã de Artur, Morgana (também conhecida como Morgaine ou Morgan le Faye), em casada com o rei Urien de Rheged e Gowrie (Goure), que nos romances arturianos é chamado de Urien de Gore. O filho deles era Ywain, fundador da Casa Bretã de Léon d' Acqs, que tinha o título de Comte (conde). Por direito, Morgana era uma Sagrada Irmã de Avalon e alta sacerdotisa celta. Os textos da Real Academia Irlandesa se referem a ela como "Muirgein, filha de Aedàn em Belach Gabráin".

Alguns autores consideram a relação sexual de Artur com sua meia-irmã, Morgana, incestuosa, mas a Grã-Bretanha celta não considerava a situação por esse ângulo. Naquela época, prevalecia o conceito da natureza dual de Deus, bem como o antigo conceito da sagrada irmã-noiva. Nesse sentido, a oração dos celtas começava: "Nosso Pai-Mãe nos céus" e, acompanhando-a, havia ritos especificamente definidos que denotavam a encarnação mortal da entidade dupla "macho/fêmea". Com a manifestação terrestre da deusa Ceridwin, Morgana representava o aspecto feminino, enquanto Artur, como seu meio-irmão por parte de mãe, era seu verdadeiro parceiro na tradição estabelecida desde os tempos dos faraós.

No festival de Beltane, em maio, Artur foi pego como um deus em forma humana e obrigado a participar de um ritual de relação sagrada entre os aspectos gêmeos do Pai-Mãe encarnado. Considerando-se a presumida divindade de Artur e Morgana durante esse rito, qualquer criança do sexo masculino que nascesse dessa união seria considerada o Cristo celta, e ungido como tal. Por isso, embora Artur estivesse destinado a se tornar o tema proeminente da história romântica, seu filho Modred era quem teria a mais alta posição espiritual; ele era o designado Cristo da Grã-Bretanha, o arcebispo ordenado da Sagrada Família e um rei pescador ungido.

Em sua maturidade, Artur manteve a tradição romana, mas foi o arcebispo Modred quem se esforçou para amalgamar os velhos ensinamentos celtas com os da Igreja Cristã, tratando os sacerdotes druidas e cristãos com igualdade. Foi essa diferença essencial entre pai e filho que os dispôs um contra o outro. Artur se tornara essencialmente romanizado, enquanto Modred mantinha a tolerância religiosa na verdadeira natureza da tradição do Graal. Apesar do extraordinário sucesso da carreira inicial de Artur, sua eventual tendência católica o fez trair seu juramento celta de aliança. Como Grande Rei dos bretões, ele deveria ser o defensor da Fé, mas em vez disso impunha ao povo rituais específicos. Quando ele e Modred pereceram em 603, a morte de Artur não foi lamentada pela Igreja Celta, mas ele nunca será esquecido. Seu reino caiu porque ele ignornou os códigos de lealdade e serviço. Sua extrema negligência facilitou a conclusão da conquista saxônica, e seus cavaleiros vagarão pela terra devastada até que o Graal seja devolvido. Ao contrário do que se vê em todos os mitos e lendas, foi o arcebispo Modred (não Artur), prestes a morrer, quem foi tirado do campo pelas Santas Irmãs de sua mãe, Morgana.

 

                           AS SANTAS IRMÃS

Na Historia de Geoffrey de Monmouth, as nove santas irmãs de Morgan le Faye são citadas como guardiãs da ilha de Avalon. Já no primeiro século d.C., o geógrafo Pompõnio Mela escrevia acerca das nove misteriosas sacerdotisas que viviam sob voto de castidade na ilha de Sein, fora da costa da Bretanha, perto de Carnac. Mela falou a respeito dos poderes que elas tinham de curar os doentes e prever o futuro, semelhante à história de Morgana del Acqs, alta sacerdotisa celta com poderes proféticos e terapêuticos. A Igreja Romana, porém, não tolerava tais atributos em uma mulher e, por isso mesmo, os monges cistercienses foram obrigados a transformar a imagem de Morgan le Faye na Vulgata do Ciclo Arturiano.

Os cistercienses eram precisamente identificados com os Cavaleiros Templários de Jerusalém, e a cultura do Graal nasceu diretamente do ambiente dos templários. Os condes de Alsace, Champagne e Léon (aos quais eram associados escritores como Chrétien de Troyes) eram filiados à Ordem, mas a Igreja Católica ainda influenciava o domínio público. Conseqüentemente, as mulheres não tinham direito algum de exercer funções eclesiásticas ou sagradas e, para reforçar isso, desde meados do século XIII, Morgana (herdeira dinástica e santa irmã celta de Avalon) passou a ser retratada como malévola feiticeira. No poema inglês Gawain and the Green Knight (escrito por volta de 1380), é a ciumenta Morgana que transforma Sir Bercilak no Gigante Verde, para assustar Guinevere.

De maneira semelhante à prática matriarcal dos pictos, a dinastia de Avalom de Morgana se perpetuava na linha feminina. A diferença era que as filhas da rainha ocupavam as posições superiores - e não os filhos; assim, a honraria era eternamente feminina, em conceito. Originando-se da mesma linhagem de Jesus, as rainhas nominais de Avalon, em Borgonha, surgiam paralelamente aos reis merovíngios, enquanto outras importantes ramificações eram as linhagens masculinas das sucessões reais de Septimania e Borgonha.

O filho de Morgana, Ywain (Eógain), fundou a nobre casa de Léon d' Acqs, na Bretanha, e posteriormente as armas de Léon portavam o Leão negro de Davi em um escudo de ouro (em termos heráldicos: "Ou, um leão à solta, sable"). A província também tinha o mesmo nome porque léon era o termo espanhol de Septimania para "leão". A grafia inglesa apareceu no século XII, como uma variante do anglo-mmcês liun. Até o século XIV, o lorde escocês Lyon, rei de Arms, ainda era chamado de Léon Héraud.

Alguns livros sugerem que o filho de Ywain, conde Withur de León d' Acqs (geralmente abreviado como d' Ak), seja o mesmo que Uther Pendragon, por causa da semelhança de seus primeiros nomes. Mas, na verdade, Withur era um nome basco, derivado do irlandês Witur, cujo equivalente na língua da Cornuália era Gwythyr. Não tinha relação com Uther que, como mencionado anterionnente, derivava de um adjetivo gaélico com o significado de "terrível"

O Comité (condado) de León foi estabelecido por volta de 530, na época do rei bretão Hoel I. Ele descendia de Arimatéia, pela linhagem galesa, e sua innã. Alienor, era a esposa de Ywain.

Naquela época, havia dois níveis de autoridade na Bretanha. No decorrer de uma imigração prolongada da Grã-Bretanha, Dumnonia fora fundada, em 520, mas ainda não era um reino. Então surgiu uma linhagem de reis como Hoel, mas não eram reis da Bretanha, e sim dos bretões imigrantes. Durante todo esse período, a região pennaneceu como província merovíngia e os reis locais eram subordinados à autoridade franca pelos condes nomeados com o título de Comites non regis. O supremo senhor franco da Bretanha (540-544) era Chonomore, um nativo do estado franco. Como autoridade merovíngia para supervisionar o desenvolvimento da Bretanha por parte dos colonizadores. Os antepassados de Chonomore eram prefeitos do palácio de Neustria, e ele era o herdeiro Comte de Pohor. Com o tempo, os descendentes da tia de Ywain, Viviane II, tomaram-se condes gerais da Bretanha.

A Bretanha tem grande destaque no romance arturiano. Em Paimpont, cerca de 48 quilômetros de Rennes, na floresta encantada de Broceliande, de onde se estende o Vale Sem Retomo, era que Morgana confinava seus amantes. Também se encontram a Tenna mágica de Barenton e o Jardim da Alegria de Merlin, embora a maioria das histórias de Broceliande fossem, na verdade, transpostas de relatos muito mais antigos do histórico Merlin Ernrys, na floresta caledônia da Escócia.

 

               ILHA DE AVALON

Como indicado no romance de Geoffrey de Monrnouth, Avalon era tradicionalmente associada ao Outro Mundo mágico. Foi lá que o lendário Artur se deixou seduzir pelas donzelas em sua eterna morada. Morgan le Faye prometeu curar as feridas de Artur se ele ficasse na ilha, e nada sequer foi dito a respeito de sua morte. A implicação, portanto, é que ele voltaria um dia.

Quando Geoffrey escreveu sua história, certamente não tinha idéia do furor que ela causaria. Não só o relato estava errado em vários aspectos como ele ainda sugeriu uma possível Segunda Vinda do rei. Isso e mais o poder secreto que ele atribuía às mulheres eram inaceitáveis para a Igreja Romana, e o escritor de uma época posterior, Sir Thomas Malory, tomou uma rota de conciliação. Ele simplesmente narrou Bedevere colocando Artur, ferido, em uma barca cheia de mulheres que o levariam a Avalon. Depois, Bedevere caminhou por uma floresta até encontrar uma capela onde o corpo de Artur fora enterrado.

Embora a Avalon de Geoffrey se localizasse no Outro Mundo da tradição celta (A-vaiou Avilion), sua interpretação era mais relacionada a escritos clássicos acerca das Ilhas Afortunadas, onde as frutas cuidavam de si próprias e as pessoas eram imortais. Em termos mitológicos, lugares assim sempre ficavam "além do mar ocidental". Em nenhum momento os antigos escritores identificavam um local para a ilha mística; ela não precisava estar em nenhum lugar específico - certamente não dentro do domínio mortal, pois seu encanto era o de um eterno paraíso. Em termos literais, porém, a ilha era associada à história da Avalon borgonhesa e às senhoras do Lago: as rainhas Viviane, da Casa del Acqs.

Tudo isso mudou em 1191, quando a ilha de Avalon foi subitamente identificada com Glastonbury, em Somerset. A definição dessa localização em terra se justificava pelo fato de Glastonbury estar em uma baixada aquosa, e das vilas de Godney e Meare, próximas a lagos, remontarem ao ano 200 a.C., aproximadamente. Entretanto, por causa da anomalia geográfica, o nome Vale de Avalon se tomou uma alternativa popular. Antes dessa data, não havia uma ligação reconhecida entre Artur e Glastonbury, exceto por uma breve menção feita por Cardoc de Llancarfan. Em 1140, ele escreveu que o abade de Glastonbury fora instrumental na libertação de Guinevere do rei Melwas de Somerset, mas ele não sugeriu que Glastonbury fosse Avalon. Aliás, ninguém sugeriu.

O que aconteceu em 1191 foi que os monges de Glastonbury fizeram uso da tradição arturiana de maneira que impressionaria os especialistas de marketing da atualidade. Desde então, alguns escritores rotulam as ações deles como fraude, enquanto outros tentam explicar que os próprios monges foram iludidos pelas circunstâncias. Qualquer que seja a verdade nesse caso, eles não só salvaram sua abadia de extinção, mas também fizeram nascer toda uma nova tradição de Glastonbury. A abadia tinha sido muito danificada pelo incêndio de 1184 e o rei Henry II começou a financiar a reconstrução. Quando ele morreu, em 1189, seu filho Richard I assumiu o trono, mas ele tinha mais interesse em aplicar os recursos do Tesouro na Cruzada a Terra Santa. Como resultado, o financiamento para Glastonbury parou, deixando o abade e seus monges sem dinheiro algum. Assim, o que eles fizeram foi cavar um buraco entre alguns monumentos saxões ao sul da Capela Senhora, onde, para espanto de todos, encontraram os supostos restos mortais do rei Artur e da rainha Guinevere!

Aproximadamente 4,8 metros abaixo do solo, em uma canoa de carvalho, eles desenterraram os ossos de um homem alto, junto com alguns ossos menores e uma mecha de cabelos dourados. Essa descoberta em si não seria de grandes conseqüências, mas os monges tiveram sorte, pois pouco acima do ataúde de madeira parecia ter existido uma cruz de chumbo, incrustada em pedra. A cruz trazia a inscrição: Hic Iacet Sepultus Inclytus Rex Arthurius In Insula Avalonia Cum Uxore Sua Secunda

 

Wenneveria (Aqui jaz O renomado rei Artur na ilha de Avalon, com sua segunda esposa Guinevere). Não só eles tinham encontrado a sepultura de Artur, mas também convenientemente uma prova escrita de que Glastonbury era a ilha de Avalon.

As autoridades da Igreja Romana, porém, não ficaram nem um pouco felizes por Guinevere ser descrita como a segunda esposa do rei, e afirmaram que a inscrição obviamente estava incorreta. Isso criava um problema imediato, mas logo depois a lenda ressurgia, milagrosamente alterada em ortografia e formato. Dessa vez, ignorava totalmente Guinevere, cumprindo melhor as exigências: Hic lacet Sepultus lnclitus Rex Arturius ln Insula Avalonia (Aqui jaz o renomado rei Artur na ilha de Avalon).

Não se sabe ao certo por que os monges escavaram naquele lugar específico - e mesmo que tenham encontrado os ossos como afirmaram, nada havia neles que os associasse ao rei Artur. A identificação só vinha pela inscrição na cruz de chumbo; o latim, porém, era claramente da Idade Média, diferente do latim arturiano, assim como o inglês de hoje é diverso do da era Tudor.

Quaisquer que fossem os fatos, o propósito dos monges foi alcançado e, após uma bem-sucedida campanha publicitária, milhares de peregrinos vinham a Glastonbury. A abadia enriqueceu substancialmente com as doações e o complexo foi reconstruído como planejado. Quanto aos alegados ossos de Artur e Guinevere, foram depositados em duas urnas pintadas e guardados numa tumba de mármore preto diante do grande altar.

Os restos mortais se transformaram numa atração tão popular que os monges resolveram se beneficiar ainda mais de sua armadilha para turistas. Era evidente que se os ossos de Artur criavam tanta agitação, então as relíquias de um ou dois santos teriam um impacto semelhante. Assim, eles começaram a escavar novamente e, logo, outras descobertas foram anunciadas: os ossos de St. Patrick e St. Gildas, além dos restos mortais do arcebispo Dunstan, que, como sabiam muitas pessoas, encontravam-se na catedral de Canterbury havia 200 anos!

Quando Henry VIII dissolveu os mosteiros, a abadia de Glastonbury contava com dezenas de relíquias, incluindo um fio do vestido de Maria, uma lasca da vara de Aarão e uma pedra que Jesus se recusara a transformar em pão. Com a dissolução, porém, os dias de atividade monástica da abadia cessaram e as supostas relíquias desapareceram sem traços. Desde aquela época, ninguém jamais viu os alegados ossos de Artur e Guinevere; só o que resta é um aviso indicando o local da tumba. Para muita gente, porém, Glastonbury sempre será associada a Avalon. Alguns preferem a idéia de Tintagel, de Geoffrey, enquanto outros apostam em Bardsey ou na Ilha Sagrada. Entretanto, a despeito da real Avalon em Borgonha, é óbvio que o Outro Mundo celta era um reino mítico, com uma tradição remontando a tempos imemorais.

Se a ilha mística existia no plano mortal, então devia ser parecida com aquele paraíso eterno que a tribo pré-goidélica Fir Bolg chamava de Arunmore. De Connacht, Irlanda, os Fir Bolg ordenaram seu rei Oengus mac Umóir, no santuário insulano atemporal, nos antigos dias a.C. Era para esse lugar que os guerreiros fugiam após serem derrotados pelos Tuatha Dé Danann, na lendária batalha de Magh Tuireadh. A Ilha Encantada ficaria no mar entre Antrim e Lethet (o trecho de terra entre o Clyde e o Forth). Arunmore era a ilha de Arran, o tradicional lar de Manannan, o deus do mar. Arran também era chamada de Emain Ablach (o lugar das maçãs) e essa relação foi perpetuada em Life of Merlin, que se referia especificamente à Insula Pomoru - a ilha das Maçãs.

 

                         INTRIGA CONTRA A LINHAGEM

                         A IGREJA EM EVOLUÇÃO

Separada da Igreja Bizantina, a Igreja de Roma desenvolveu o tema do Credo dos Apóstolos algum tempo depois do ano 600. Foram incorporadas passagens que ainda hoje são familiares: Deus se tornou o "criador de céu e da terra" e, em uma representação que nada tem a ver com a Bíblia, Jesus (que "padeceu sob Pôncio Pilatos") "desceu à mansão dos mortos". antes de ressuscitar ao terceiro dia. O Credo, nessa época, também introduziu o conceito da Santa Igreja Católica e da Comunhão dos Santos.

Durante os séculos VI e VII, a suposta crença herética nestoriana se espalhou até a Pérsia, o Iraque e o sul da Índia - alcançando até a China, onde os missionários chegaram à corte imperial do imperador T'ang T'ai-tsung, em 635. Ele se sentiu tão inspirado pela nova doutrina que mandou traduzir o credo nestoriano para o chinês e sancionou a construção de uma igreja e um mosteiro comemorativos. Quase um século e meio mais tarde, em 781, um monumento em homenagem a Nestório foi erguido em Sian-fu.

Enquanto isso, os arianos (que também negavam a divindade de Jesus) tinham desenvolvido uma forte influência na sociedade européia. A história cristã usa o termo "bárbaro" para descrever arianos como os godos, visigodos (godos do oeste), ostrogodos (godos do leste), vândalos (Wends), lombardos e borgonheses, mas a descrição se refere a nada mais que diferenças culturais; ela não implica que esses povos fossem rufiões pagãos. A hostilidade declarada dos tais bárbaros para com Roma e Bizâncio não era mais bárbara do que o imperialismo romano selvagem, e na maior parte do tempo eles eram mais defensivos do que agressivos. Embora tivessem sido outrora totalmente pagãs (como os próprios romanos), essas tribos, na maioria, já tinham se tornado seguidoras de Ário no século IV. Da Espanha e do sul da França, através da Ucrânia, a maior parte da Europa germânica era cristã ariana no século VII.

 

Outra doutrina que, até certo ponto, tornara-se associada aos nestorianos e arianos era remanescente do culto de Prisciliano d' Á vila, do século IV. Seu movimento cristão alternativo tinha começado no noroeste da Espanha, fazendo significativas incursões em Aquitânia. Fundamental para a crença prisciliana - que veio do Egito, da Síria e da Mesopotâmia - era a mortalidade da Bem-Aventurada Maria, idéia contrária à sua imagem semidivina na Igreja Romana. Prisciliano fora executado em 386 d.C. em Trier (norte de Metz), e seu corpo foi transferido posteriormente para sepultamento na Espanha.

Diante dessas alternativas ao Cristianismo ortodoxo que se alastravam, a Igreja Católica ia perdendo sua proeminência no Ocidente. O Catolicismo estava cercado e infundido de várias outras formas de Fé. Entretanto, elas geralmente se baseavam em tradições judaicas, em vez do conceito paulino que fora adotado e adaptado por Roma. Com exceção de algumas facções com base espiritual dentro do movimento gnóstico, elas retinham crenças próximas à tradição dos desposyni, promovendo a doutrina nazarena da humanidade de Jesus e pregando sua mensagem, em vez de venerar sua pessoa.

Paralelamente à estrutura cerimonial da Igreja Romana, uma seita erudita evoluiu às margens do Catolicismo. Era um movimento dinástico (encabeçado por Martinho de Tours) que negava o episcopado e se baseava em antigos conceitos egípcios e orientais, de um modo geral. A sociedade essênia em Qumrã tinha uma existência solene e regulada – um estilo de disciplina religiosa que fora perpetuado nas regiões dos desertos. Essa mesma exclusão, essencial para a existência monástica, fosse ela aplicada a comunidades pequenas ou aos eremitas ascéticos (eremoi), era perfeitamente apropriada para uma vida de estudo e contemplação.

Provavelmente, o pioneiro monástico São Martinho (316-397 d.C.) seja mais bem lembrado por ter partido seu manto em dois, para dividi-lo com um mendigo nu. Natural de Panônia, Martinho foi um bom soldado no exército imperial antes de fixar residência em Poitiers, e estabeleceu o primeiro grande mosteiro da Gália, em Marmoutier. Por volta de 371 d.C., ele foi nomeado bispo de Tours, mas continuou sua existência monástica. Futuramente, Martinho se tornaria o santo padroeiro da França.

Um dos primeiros missionários da Europa nas ilhas britânicas foi São Germano d' Auxerre, que visitou a Grã-Bretanha no século V, e foi o professor de S1. Patrick, da Irlanda. Filho de um diácono da igreja celta, Patrick fora capturado por piratas, quando ainda era menino. Depois de algum tempo como escravo, ele fugiu para a Gália, onde foi treinado para ser missionário, nos mosteiros de Lérins e Auxerre. Em 431 d.C., ele retomou à Grã-Bretanha, e começou sua missão em Northumbria.

 

Os ensinamentos de Patrick eram diferentes em muitos aspectos dos ensinamentos de Roma, e seus escritos indicam uma distinta tendência para as tradições dos arianos e nestorianos. Ele não era apreciado pela Igreja Católica, cujos governadores afirmavam categoricamente que Patrick não servia para o sacerdócio. Patrick baseava seus ensinamentos somente nas escrituras. Ele não tinha tempo para a autoridade estrita dos bispos romanos, pois se interessava muito mais pela fraternidade da Igreja Celta adversária.

Uma das figuras de maior destaque no estabelecimento de mosteiros europeus foi São Benedito (c.480-544 d.C.). Natural de Spoleto, Itália, Benedito fixou residência numa remota caverna nas florestas, perto de Roma. Mais tarde, ele encontrou um retiro mais agradável no belo monte Cassino (uma colina proeminente entre Roma e Nápoles), que era, na verdade, o local de um velho templo de Apolo. O lugar pagão não agradava aos bispos católicos, mas a Benedito logo se juntou um grande grupo de discípulos, dentre os quais Gregório, o Grande, bispo de Roma entre 590-604. Em relativamente pouco tempo, o grupo beneditino ganhou considerável influência nas questões políticas - especialmente em seus esforços para conciliar os godos com os belicosos lombardos da Itália.

A Ordem de São Benedito promovia a devota reverência, a observância estrita das horas de oração e a prática das posses comuns no ambiente monástico de aprendizado, sob a supervisão de um abade residente. Com o tempo, Benedito fundou 12 mosteiros, cada um com 12 monges, e ele geralmente é considerado o Pai das ordens monásticas no Cristianismo ocidental. Desde aqueles tempos remotos, os beneditinos eram grandemente responsáveis por manter altos padrões de educação, arte sacra e música na Europa. Essa era da evolução da Ordem Beneditina assinala o começo do que às vezes se chama de Era dos Santos - um período que, na tradição romana católica, podemos dizer que ainda se estende até hoje.

Enquanto a Igreja Romana se ocupava obsessivamente com dogmas e estrutura eclesiástica, a Igreja Celta mostrava um interesse pelos corações e mentes das pessoas. Em 597, o Cristianismo celtajá estava tão difundido que o bispo Gregório de Roma enviou o monge beneditino, Agostinho, * à Inglaterra, especificamente para estabelecer a Igreja Romana mais firmemente no país. Sua chegada foi deliberadamente marcada para logo depois da morte do proeminente Pai da Sagrada Família, o gentil São Columba. Agostinho começou seu trabalho no sudeste da Inglaterra (mais precisamente em Kent), onde a esposa do rei local, Aethelbert, já era católica convicta. Em 601, Agostinho foi proclamado o primeiro arcebispo de Canterbury e, dois anos depois, ele tentou se tomar Primado da Igreja Celta também. Entretanto, tal investida só poderia dar errado, num sistema que permanecia mais nazareno do que romano. Na verdade, o plano de Agostinho não era a unificação das igrejas, e sim a subjugação estratégica de uma igreja tradicional que Roma tinha declarado mais ou menos herege.

Somente em 664, no Sínodo de Whitby, em North Yorkshire, Roma conseguiu a primeira vitória doutrinal sobre a Igreja Celta. O principal debate era acerca da data da Páscoa, pois o sumo pontífice tinha resolvido que a Páscoa cristã não devia mais ser formalmente associada à Passagem, ou à Páscoa dos judeus. Contra todos os costumes prevalecentes e contra toda a tradição celta, os bispos católicos conseguiram o que queriam - eliminando para sempre os históricos vínculos judaicos e celtas. Tradicionalmente, porém, o festival da Páscoa na Grã-Bretanha não era uma celebração de Passagem no estilo judaico, nem coisa alguma ligada a Jesus. A Páscoa, ou, em inglês, Easter, representava tanto em nome como em época, Eostre, a deusa da primavera, cujo feriado era observado muito antes de qualquer associação com o Cristianismo.

Depois do Sinodo, a Igreja Católica aumentou sua força na Grã-Bretanha, mas a Igreja Celta não podia ser suprimida sem uma declaração expressa de guerra contra a Irlanda. No entanto, os dias do imperialismo romano estavam contados e nenhum exército que a Igreja Romana pudesse montar derrotaria as ferozes tropas dos reis irlandeses. A Igreja Celta, conseqüentemente, permaneceu muito ativa na Grã-Bretanha e a Sagrada Família de São Columba acabou se tomando a sede eclesiástica dos reis dos escoceses.

Em meio a tudo isso, o maior problema do bispo de Roma era sua incapacidade de ganhar supremacia sobre as casas reais da Grã-Bretanha celta. Roma tinha experimentado uma dose de sucesso potencial com a conversão do rei Artur, mas Artur morrera e a herança nazarena do título druida permanecia firme por causa dos sucessores de seu meio-irmão Eochaid Buide. Pouco depois da ascensão de Eochaid, em 610, o bispo Bonifácio IV adotou o novo título romano de Papa, uma alternativa a ser chamado de "construtor de pontes" (pontífice). Foi uma tentativa clara e positiva de competir com a antiga distinção celta de Pai, herdada da tradição essênia. Mas quando a nova supremacia papal foi testada em Dianoto, abade de Bangor, ele respondeu que nem ele nem seus colegas reconheciam tal autoridade. Eles estavam preparados, disse, para reconhecer a Igreja da Deus, "mas quanto à obediência, nós sabemos que nenhum dos quais vocês chamam de Papa (ou Bispo dos bispos) pode exigir". Uma carta local escrita ao abade de lona, em 634, referia-se inegavelmente a St. Patrick (o Pai prevalecente) como "Nosso Papa".

 

No decorrer dos séculos, várias tentativas foram feitas para negar a herança sacerdotal e patriarcal da Igreja Celta (que era suficientemente autoritária para causar preocupação no Vaticano). As ordens sagradas católicas romanas deveriam depender da Sucessão Apostólica, mas nenhuma sucessão dessa espécie podia ser comprovada, pois o apóstolo Pedro (em que a sucessão supostamente se apoiava) nunca tivera um cargo formal. O primeiro bispo nomeado de Roma foi o príncipe Lino, da Grã-Bretanha, filho de Caractaco, o Pendragon, e, conforme registrado nas Constituições Apostólicas da Igreja, Lino iniciou a verdadeira sucessão, tendo sido ordenado por São Paulo enquanto Pedro ainda vivia, no ano 58 d.C.

Posteriormente, em 180 d.C., Irineu, bispo de Lyon, escreveu: "Após fundar e construir a Igreja de Roma, os Apóstolos deixaram seu ministério sob a supervisão de Lino". Em tentativas de velar a herança real de Lino, costumava-se descrevê-Io como um escravo inferior, mas isso não tirou o espinho do flanco da Igreja e, por causa disso, a doutrina papal tem de ser considerada "infalível" quando emana do trono. Sem essa doutrina, todo o conceito de uma progressão estruturada de bispos superiores na sucessão apostólica, desde Pedro, cairia por terra, pois Pedro nunca foi bispo de Roma ou de qualquer outro lugar.

O bispo Teodósio tentou forjar um vínculo apostólico em 820, ao anunciar que os restos mortais de Tiago Boanerges (São Tiago, o maior) tinham sido desenterrados em Compostela, na Espanha. Em 899, o resultante santuário em Santiago (São Tiago) se tomou uma grande catedral, destruída pelos mouros em 997, e reconstruída em 1078. Mas era conhecimento comum do Novo Testamento que Tiago Boanerges (irmão de João) fora executado em Jerusalém por Herodes de Cálcis, em 44 d.C. (Atos 12:2). Portanto, era mais provável que os ossos descobertos (se é que pertenciam a alguém chamado Tiago) fossem do discípulo Tiago Cleofas, que veio para o Ocidente com sua esposa Maria Jacó, na jornada de Madalena. Mesmo essa é uma possibilidade remota, porém, e já foi sugerido - de modo nada convincente - que as relíquias e a posterior herança de Santiago de Compostela pertencessem a Prisciliano d' Ávila.

 

                         CISMA NO CRISTIANISMO

A cisão final de Roma com a Igreja Oriental ocorreu em 867, quando a segunda anunciou que mantinha a verdadeira Sucessão Apostólica. O primeiro Concílio do Vaticano discordou, e então Fótio, o patriarca de Constantinopla, excomungou o papa Nicolas I de Roma!

Isso provocou novas brigas quanto à definição da Trindade. Os católicos da cristandade ocidental decidiram ratificar o que era chamado de Artigo Filioque, introduzido no Concílio de Toledo em 598. Ele declarava que o Espírito Santo procedia "do Pai e do Filho" (latim: filioque). A Igreja Oriental afirmava o contrário, dizendo que o Espírito procedia "do Pai pelo Filho" (grego: dia tou huiou). Era um ponto de discussão teológica intangível e até extraordinário, mas aparentemente bom a ponto de dividir no meio o Cristianismo formal. Na realidade, claro, tratava-se apenas de uma desculpa trivial para perpetuar o debate acerca de quem deveria controlar politicamente a Igreja, Roma ou Constantinopla. O resultado final foi à formação de duas igrejas distintas a partir da original.

Com o passar do tempo, a Igreja Oriental mudou relativamente pouco. De sua primazia em Constantinopla, ela continuou seguindo rigidamente os ensinamentos das escrituras e seu foco de culto se tornou o ritual da Eucaristia (dar graças) com pão e vinho.

O Catolicismo, por outro lado, passou por numerosas mudanças: novas doutrinas foram acrescentadas e velhos conceitos adaptados ou mais bem substanciados. A partir do século XII, sete sacramentos passaram a ser considerados capazes de personificar a graça de Deus na vida física de uma pessoa (embora nem todos fossem necessários para a salvação individual). Eram classificados como: batismo, primeira comunhão, crisma, confíssão e penitência, ordenação em ordens sagradas, a solenização do matrimônio e a unção dos enfermos e dos moribundos (a extremaunção ou os ritos finais). Foi declarado também que o pão e o vinho da Comunhão eram realmente transformados, na consagração, no corpo físico e no sangue de Jesus (a doutrina da Transubstanciação).

Assim como a Igreja Romana de Constantino começara como um híbrido, também a sua estrutura permaneceria composta. Novos métodos e ideologias foram introduzidos para manter um eficiente controle das congregações a distância, numa sociedade católica que se expandia. Dessa forma, o Catolicismo romano evoluiu de maneira estritamente regulada, e algumas doutrinas que hoje parecem ser tradicionais são, na verdade, implementos recentes. Foi só na era vitoriana que certos aspectos do credo católico (até então apenas implícitos) foram determinados como itens explícitos de fé. A doutrina da Imaculada Conceição, por exemplo, só foi expressada formalmente em 1854, quando o papa Pio IX decretou que Maria, a mãe de Jesus, também fora concebida livre do pecado original. A Assunção de Maria ao Céu só foi definida na década de 1950 pelo papa Pio XII, enquanto o papa Paulo VI proclamou Maria como Mãe da Igreja em 1964.

Tais decretos foram possíveis graças à afirmação de autoridade da "infalibilidade do papa". O dogma referente a isso foi proclamado no primeiro Concílio do Vaticano em 1870, quando se afirmou, sem tolerância a contestações, que "o papa é incapaz de errar ao definir questões pertinentes ao ensinamento da Igreja e à moralidade!"

 

                   CONTROLE DA ARTE RELIGIOSA

A Igreja Católica Romana não pretendia apenas manter o controle dos registros históricos e da literatura romântica. Na verdade, os bispos tinham em mira qualquer coisa que parecesse contrária às suas noções dogmáticas e, com isso em mente, implementaram uma correção ortodoxa que passou a regulamentar toda a esfera criativa. Que a Madona sófosse representada em branco e azul já foi comentado, mas havia outras regras que governavam a arte sacra em geral. Alguns artistas, como Botticelli e Poussin, conseguiram introduzir elementos simbólicos em suas obras - algo que os não iniciados não compreenderiam; mas em termos gerais, a arte de boa parte da Europa era limitada por rígidas orientações do Vaticano.

Desde os primeiros dias da Igreja Romana, os parentes masculinos de Jesus representavam um problema que, no entanto, foi facilmente contornado quando a Igreja os empurrou para trás na tradição, enquanto Maria, a mãe de Jesus, foi trazida para a frente. O desafortunado José (pai de Jesus e Tiago e o verdadeiro elo na sucessão real) foi deliberadamente deixado de lado, enquanto o culto à Virgem Maria cresceu fora de proporção. Por meio dessa estratégia considerada, o conhecimento público da contínua linhagem de Judá foi convenientemente suprimido.

A Igreja estipulou regras quanto a quem podia ser retratado em arte e como Ana, mãe de Maria, raramente aparecia em quadros com sua filha, porque sua presença detrataria Maria de seu estado divino. Se a presença visível de Ana fosse essencial, ela era colocada numa posição subordinada. Santa Ana e a Madona, de Francesco da San Gallo, é um bom exemplo de como a mãe se senta atrás da filha. A visão de Santa Ana de Cesi mostra Ana ajoelhada diante de uma visão de Maria. A Virgem e o Menino com Santa Ana, de Leonardo da Vinci, é astutamente feito de maneira que mostra Maria sobre o joelho da mãe, ficando na frente dela. De modo semelhante, Ana aparece atrás da filha em A Família da Virgem, de Pietro Perugino.

 

O marido de Maria, José, e o pai dela, Joaquim, geralmente eram confinados a posições inferiores ou ao fundo, nos trabalhos artísticos. Os dois personagens criavam problemas porque suas funções paternais eram contrárias à alegada Imaculada Conceição. Os afrescos de Taddeo Gaddi (morto em 1366) preferiam reduzir Joaquim, mostrando-o em seu momento menos dignificado. Ele foi freqüentemente reproduzido no momento em que o sumo sacerdote Issacar o expulsava do Templo, achando que poderia ter oferecido um cordeiro para um banquete quando ainda não era pai. Na Sagrada Família de Michelangelo, Maria é elevada a um trono central, enquanto seu marido José recosta sobre uma balaustrada ao fundo, aparentemente contemplando alguma outra coisa não relacionada ao tema principal.

A Igreja adoraria negar que a Bem-aventurada Maria sequer se casou, mas os artistas não podiam fugir da clareza dos Evangelhos. Entretanto, não havia espaço para sugestões de contato fisico entre José e Maria. Por esse motivo, José costumava ser representado como alguém consideravelmente mais velho que sua esposa - perdendo cabelo e não se interessando muito por sua família, como em A Adoração dos Pastores, de Ghirlandajo (c.1485). O famoso quadro Doni Tondo, de Michelangelo (1504), também apresenta um José bem calvo e de barba branca, assim como O Descanso da Família na Fuga para o Egito, de Caravaggio. Na verdade, José costumava ser mostrado praticamente como um enfermo, sentindo-se desconfortável e apoiado em uma muleta, enquanto Maria estava sempre bela e serena, como em A Sagrada Família de Paolo Veronese.

 

Quando José foi canonizado na Espanha, no século XVI, a situação mudou um pouco para o beneficio dele. Entretanto, por meio de um simbolismo sutil, ele era retratado apenas como pai adotivo de Jesus, carregando sempre um lírio para expressar a pureza de seu relacionamento com Maria. O renomado quadro Sposalizio, de Rafael, mostrando o casamento de Maria e José, encaixa-se nessa categoria - mostrando um lírio no topo do cajado de José, embora o mostre um pouco mais jovem do que se costumava.

 

Assim como o lírio era o símbolo aceito da virgindade de Maria, a rosa era o símbolo de sua beleza. Freqüentemente, ela era representada segurando uma rosa, ou num jardim de rosas, como na Madona de Cesare di Seso, e A Madona e a Roseira, de Martin Schoen. Os dois conceitos derivam do Cântico dos Cânticos 2: 1 - "Eu sou a rosa de Sharom, o lírio dos vales". Desde tempos muito remotos, o lírio era chamado dejleur de Marie, e foi por esse motivo que o gladíolo (em sua forma judaica dejlorde-lis) era adotado pelos reis merovíngios para significar sua descendência messiânica na França.

A presença necessária de José era causa de certa dificuldade para os artistas reproduzindo a Natividade. Mas a dificuldade foi superada em pinturas do século XVI, como A Natividade, de Alessando Moretto, que o mostrava idoso e usando um cajado para se firmar. Às vezes, José parece até senil, ou adormecido, como no quadro de Lorenzo di Credi. De uma forma ou de outra, esse descendente real da Casa de Davi foi constantemente reduzido à função de observador supérfluo (como em A Adoração dos Magos, de Hans Memling) e raramente lhe deram a chance de fazer parte de alguma ação relevante. Além disso, em quadros como Repouso no Egito, de Van Dyck, José mal parece capaz de exercer qualquer ação - parecendo prestes a cair aos pés de Maria e se juntar ao pai dela, Joaquim, no caminho oficial ao esquecimento.

 

                         ENTRAM OS CAROLÍNGIOS

Em meados do século VII, Roma estava em posição de começar a desmantelar a sucessão merovíngia na Gália - um plano que, como vimos anteriormente, foi elaborado no batismo do rei Clóvis. Em 665, o prefeito do palácio em Austrásia (posto equivalente ao de primeiro-ministro) se encontrava firmemente sob controle papal. Quando o rei Sigeberto II morreu, seu filho Dagoberto tinha apenas cinco anos de idade, e o prefeito Grimoaldo resolveu agir. Para começar, ele seqüestrou Dagoberto e o levou à Irlanda, para viver exilado entre os escoceses gaélicos. Depois, não esperando rever o jovem herdeiro, Grimoaldo disse à rainha Immachilde que seu filho tinha morrido.

O príncipe Dagoberto foi educado no mosteiro Slane, perto de Dublin, e se casou com a princesa Matilde quando tinha 15 anos. Subseqüentemente, ele foi a York sob a tutela de St. Wilfred. Mas Matilde morreu e Dagoberto resolveu retomar para a França, para enorme surpresa de sua mãe. Nesse meio tempo, Grimoaldo tinha colocado seu filho no trono de Austrásia, mas Wilfred de York e outros espalharam a notícia da traição do prefeito e a Casa de Grimoaldo foi devidamente desacreditada. Tendo casado pela segunda vez, e agora com Gizelle de Razes, uma sobrinha do rei visigodo, Dagoberto foi reinstituído em 674 (depois de uma ausência de quase 20 anos) e a intriga romana sofreu um revés - mas não por muito tempo.

O reinado de Dagoberto II foi curto, mas eficaz; seu principal sucesso foi centralizar a soberania merovíngia, mas o movimento católico estava firmemente decidido a negar sua herança messiânica, porque ela obscurecia a supremacia do Papa. Entre os inimigos invejosos de Dagoberto estava seu poderoso prefeito, Pepino de Heristal, o Gordo. Dois dias antes do Natal de 679, Dagoberto estava caçando perto de Stenay, nas Ardenas, quando foi confrontado pelos homens de Pepino e morto com lanças empalado a uma árvore. A Igreja de Roma aprovou rapidamente o assassinato e logo entregou a administração merovíngia de Austrásia ao ambicioso prefeito.

Pepino, o Gordo, foi sucedido por seu filho ilegítimo, o bem conhecido Carlos Martel (o “Martelo”), que ganhou reconhecimento por rechaçar a invasão moura perto de Poitiers, em 732. Em seguida ele apoiou a empreitada romana, obtendo controle de outros territórios merovíngios. Quando Martel morreu, em 741, o único merovíngio com alguma notável autoridade era o sobrinho de Dagoberto II, Childerico III. O filho de Martel, Pepino, o Breve, era o prefeito de Neustria. Até aquele ponto (exceto pela questão com Grimoaldo), a monarquia merovíngia tinha sido estritamente dinástica; a sucessão hereditária era um direito automático e sagrado – uma questão na qual a Igreja não podia se meter. Mas essa tradição estava destinada à superação, tão logo Roma agarrasse a oportunidade de “criar” reis por meio da autoridade papal. Em 751, Pepino, o Breve, aliado ao papa Zacarias, garantiu a aprovação da Igreja para a sua coroação como rei dos francos, no lugar de Childerico. Para facilitar esse processo, um documento fraudulento foi produzido, que decretava que o papa era o representante escolhido pelo próprio Cristo na Terra, e só ele tinha o direito de nomear reis. O documento se chamava Doação de Constantino. E diziam que ele tinha sido escrito e assinado por Constantino havia 400 anos. Como já foi comprovado muitas vezes, a partir da Renascença, a Doação (assunto discutido em detalhes em Realm of the Ring Lords) era uma farsa gritante. No entanto, permitia que o tão esperado ideal da Igreja fosse realizado e, a partir daquele momento, os reis só eram endossados e coroados por prerrogativa romana, auto-investida de autoridade.

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Assim, Pepino se tomou rei com a bênção do Papa, e Childerico foi deposto. O voto de aliança feito pela Igreja Romana, em 496 d.C., ao rei Clóvis e seus descendentes, foi quebrado. Depois de quase dois séculos e meio, a Igreja estava em posição de usurpar o antigo legado da linha­gem merovíngia e assumir controle do reino franco, ordenando seus próprios reis. Childerico foi publicamente humilhado pelos bispos. Seu cabelo (longo, segundo a tradição nazarena) foi cortado brutalmente curto e ele ficou aprisionado num mosteiro, onde morreu quatro anos depois.

Assim começava uma nova dinastia de reis franceses, os carolíngios ­cujo nome vinha do pai de Pepino, Carlos (Carolus) Martel.

Como não podia ser de outra forma, as histórias da época eram com­piladas pelos escrivães do Vaticano, ou por outros que seguiam a autoridade do mesmo. O resultado inevitável foi que os relatos da vida de Dagoberto foram suprimidos a ponto de ele não existir nas crônicas. Só dali a mil anos os verdadeiros fatos de sua existência viriam a público novamente. E só então ficou evidente que Dagoberto tinha um filho chamado Sigeberto, que foi salvo das armadilhas dos prefeitos em 679. Após o assassinato de seu pai, ele foi levado à casa de sua mãe em Rennes-Ie-Chateau, em Languedoc. Na época da deposição de Childerico, Sigeberto (efetivamente Sigeberto III) tinha se tomado o Conde de Razes, sucedendo seu avô materno, o visigodo Bera II. Com o tempo, a linhagem merovíngia deposta desde Sigeberto incluía o primeiro famoso cruzado, Gofredo de Bouillon, defensor do Santo Sepulcro.

 

                     REIS DOS JUDEUS

Após serem derrotados por Carlos Martel na década de 730, os mouros islâmicos se retiraram para a cidade de Narbonne, no sul da França, que se tomou sua base para maior resistência militar. Isso representava um problema difícil e prolongado para Pepino, o Breve, que foi buscar a assistência dos judeus de Narbonne. Ele finalmente conseguiu o apoio deles, mas por um preço. Os judeus concordaram em lidar com o problema se Pepino garantisse o estabelecimento de um reino judaico dentro do território de Borgonha - um reino que teria como líder um descendente reconhecido da Casa Real de Davi.

Pepino concordou e os judeus derrotaram os mouros dentro da cidade. O reino judaico de Septimania (os Midi) foi, então, estabelecido em 768, de Nimes até a fronteira espanhola, com Narbonne como capital. O antigo governador da região era o merovíngio Teodorico IV (Thierry), que foi tirado do poder em Neustria e Borgonha por Carlos Martel, em 737. Teodorico (conhecido pelos mouros como Makir Theodoric) era casado com a irmã de Pepino, o Breve, Alda. Foi o filho deles, conde Guilherme de Toulouse, quem ascendeu ao novo trono como rei de Septimania, em 768. Guilherme era não só da linhagem merovíngia, mas também um Potentado reconhecido de Judá, detentor da distinção de Isaac no patriarcado.

O filho de Pepino, Carlos, era o governante que ficou conhecido como Carlos Magno, o Grande. Como rei dos trancos a partir de 771 e imperador do Ocidente desde 800, Carlos Magno se alegrava em confirmar o direito de Guilherme à soberania dinástica em Septimania. A nomeação também foi reconhecida pelo califa de Bagdá e, com relutância, pelo papa Estevão em Roma. Todos reconheciam o rei Guilherme da Casa de Judá como verdadeiro sucessor na linhagem do rei Davi. Guilherme foi grandemente influenciado pelo ascetismo de São Benedito e fundou seu próprio mosteiro em Gellone. Em 791, ele instituiu sua famosa Academia Judaica de São Guilherme, sendo posteriormente mencionado pelo cronista do Santo Graal, Wolfram von Eschenbach.

O herdeiro e filho mais velho de Guilherme e sua esposa Guibourg foi o príncipe Bernardo de Septimania; seus outros filhos eram Heriberto, Bera e Teodorico. Bernardo se tornou camarista imperial e era o segundc em autoridade, a serviço do imperador carolíngio. Ele foi o estadista franco líder, a partir de 829, e se casou com a filha de Carlos Magno, Dhuada no palácio imperial de Aix-La-Chapelle, em junho de 824. Os dois tiveram dois filhos: William (novembro de 826) e Bernardo (março de 841). William se tornou um proeminente líder militar e Bernardo II segurava as rédeas de Aquitânia, rivalizando com o rei Luís II em poder e influência na região.

Mais de 300 anos depois, a sucessão de Davi ainda existia nos Midi espanhóis, embora o reino já não funcionasse mais como um Estado separado dentro de outro Estado. Em 1144, o monge inglês Theobald de Cambridge afirmaria (ao iniciar uma acusação de assassinato ritual contra os judeus de Norwich):

 

"Os chefes e rabinos entre os judeus que vivem na Espanha se reúnem em Narbonne, onde a Semente Real reside, e onde eles são tidos no mais alto apreço".

 

Em 1166, o cronista Benjamin de Tudela relatou que ainda existiam propriedades significativas mantidas pelos herdeiros de Davi:

 

"Narbonne é uma cidade antiga da Tora... Lá habitam sábios, magnatas e príncipes, liderados por Kalonymos, filho do grande príncipe Todros, de abençoada memória, um descendente da Casa de Davi, como mostra sua árvore genealógica. Ele possui legados e outras propriedades em terra herdadas dos governantes do país, e ninguém pode privá-lo de tais coisas".

 

                       O SANTO IMPÉRIO ROMANO

O rei Carlos Magno expandiu grandemente os territórios francos, e por lidar com os saxões também se tornou rei dos lombardos. Em 800, ele foi coroado imperador do Ocidente pelo papa Leão III. Com essa estratégia, a Igreja de Roma inaugurava um novo domínio imperial - um domínio em controle de território que compreendia boa parte da Europa Ocidental e Central. O sucessor de Carlos Magno foi Luís I (o Piedoso), e após sua morte, em 840, a unidade do império ficou comprometida por seus filhos rebeldes. Finalmente, após três anos de contendas, o reino se dividiu em três, com o Tratado de Verdu de 843. O reino do Meio incluía Itália, Lorraine e Provença. No Oeste estava a França, e no Leste a Germânia.

Com exceção de Carlos Magno, que definiu a França como um domínio imperial e cultural, os carolíngios foram monarcas incompetentes ao extremo. Seus nobres se tomaram semi-independentes, enquanto os escandinavos (normandos) puderam invadir o norte da França e criar a Normandia. O último rei carolíngio foi Luís V (o Indigno). Ele foi sucedido por Hugo Capeto, o duque da França, em 987, e assim começava a dinastia dos capetíngeos, que reinaria até 1328.

Quando os capetíngeos sucederam ao trono da França, o título imperial eletivo passou para os reis germânicos da linhagem saxônia e, a partir do século XI, os imperadores eram principalmente da sucessão de Hohenstaufen. Com o devido tempo, eles se tomaram tão poderosos que disputavam com o papado a supremacia na Europa. A principal disputa começou em 1075, com uma contenda - chamada de Controvérsia da Investidura - acerca de quem exatamente tinha o direito primário de investir bispos em troca por seus votos de lealdade.

No contexto dessa luta contínua contra o domínio do Vaticano, os partidários dos Hohenstaufen anti-romanos ficaram conhecidos como gibelinos (nome derivado de seu castelo, em Waiblingen). Seus rivais pró-romanos eram chamados de guelfos (ou Guelphs, de Welf, duque da Bavária). Os gibelinos mantiveram sua posição proeminente até os Hohenstaufens serem militarmente derrotados por uma aliança papal em 1268. A partir daquele momento, o império se tomou o Santo Império Romano, e os imperadores emergentes eram invariavelmente os Habsburgos - uma família originária da Suíça, no século X. Desde 1278, os Habsburgos eram os governantes da Áustria, e em 1516 também herdaram a coroa espanhola. Durante cinco séculos, eles foram a mais proeminente de todas as casas européias, e governaram o Santo Império Romano, quase continuamente, até sua abolição em 1806.

 

                   TEMPLO DO GRAAL

                     LEGADO DO SANGRÉAL

De todos os temas arturianos, o mais romântico é o do Santo Graal, e, no entanto, por causa de sua longa tradição, ainda não se sabe ao certo sua localização no tempo. As três teorias mais importantes o atribuíram ao pri­meiro século da era cristã, ao período arturiano ou à Idade Média. Essen­cialmente, o Graal é atemporal.

O Graal tem sido simbolizado por muitas coisas: um cálice, uma bandeja, uma pedra, uma urna, uma aura, uma jóia ou uma videira. Às vezes ele é tangível, com guardiões vigiando-o ou donzelas que zelam por ele, mas geralmente é etéreo, aparecendo de diversas formas, incluindo a do próprio Jesus. Alguns de seus poderes são os de rejuvenescimento. conhecimento e provisão. Assim como Jesus curava, ensinava e provia, o mesmo faz o Graal. Seu nome varia entre Graal, Saint Graal, Seyn; Grayle, Sangréal, Sankgreal, Sangrail, Sank Ryal e, claro, em inglês. Holy Graal; mas, independentemente da definição, seu espírito permane­ce bem no centro da realização.

Apesar de uma origem ao mesmo tempo romântica e sagrada, as histórias do Graal permanecem uma heresia não-proclamada, sendo asso­ciadas a tradições pagãs, a blasfêmia e a mistérios profanos. Além disso, a Igreja Romana condenou veementemente o Graal por causa de suas fortes associações femininas, particularmente com o ethos do Amor Romântico (Amour Courtois) na Idade Média. As noções românticas do cavalheiris­mo e as canções dos trovadores eram desprezadas por Roma porque colo­cavam a mulher num pedestal de veneração, contrário à doutrina católica. Um motivo muito mais forte, porém, para a relutância da Igreja em aceitar a tradição do Sangréal deriva da linhagem especificamente messiânica da Família do Graal.

Em sua função mais popular, o Santo Graal é identificado como o cálice usado por Jesus na Santa Ceia. Após a crucificação, ele suposta­mente foi enchi do com o sangue de Jesus por José de Arimatéia. Esse conceito surgiu pela primeira vez no século XII, mas sua perpetuação se deveu em grande parte graças à publicação de Holy Graal, de Alfred, lorde Tennyson, em 1859.

Foi Sir Thomas Malory quem primeiro usou as palavras Holy Grayle em sua adaptação da obra Francesa Le Saint Graal, no século XV. Malory se referia ao "cálice sagrado", mas também escreveu do Sankgreal como sendo o "abençoado sangue de Cristo", com as duas definições aparecendo na

mesma história. Além dessas menções, Malory não descreveu o Graal dizendo apenas que ele apareceu em Camelot "coberto de uma seda branca finíssima". Foi visto por Lancelot numa visão e depois por Galahad. No relato de Malory, os campeões do Graal são Bors, Percival, Lancelot e seu filho Galahad, o último descrito como "umjovem cavaleiro da linhagem dos reis e da família de José de Arimatéia, sendo neto do rei Pelles".

A tradição medieval conta que José de Arimatéia levou o Santo Graal à Grã-Bretanha, enquanto lendas ainda mais antigas diziam que foi Maria Madalena a primeira a levar o Sangréal a Provença. É um fato significativo que, antes do século XV, a maioria dos romances a respeito do Graal vinha da Europa continental. Mesmo os contos como Peredur, do País de Gales, derivavam de textos europeus. As lendas celtas da Irlanda e do País de Gales falavam de caldeirões, e foi em parte por causa disso que o Graal começou a ser interpretado como um cálice ou uma taça.

      

Entretanto, a noção não era inapropriada, pois o sangue real só poderia ter sido transportado dentro de alguma espécie de receptáculo.

O mais antigo relato escrito de le Seynt Graal vem do ano de 717, quando um eremita britânico chamado Waleran teve uma visão de Jesus e do Graal. O manuscrito de Waleran foi mencionado por Heliand, um monge francês da abadia de Fromund, por volta de 1200; também por John de Glastonbury em Cronica sive Antiquitates Glastoniensis Ecclesie, e mais tarde por Vincent de Beauvais, em sua Speculum Historiale, de 1604. Cada um desses textos conta que Jesus deixou um livro nas mãos de Waleran, que começava assim:

 

"Eis o Livro de Tua Descendência;

Aqui começa o Livro do Sangréal”.

 

No domínio público, o Graal literário só apareceu na década de 1180, quando foi descrito simplesmente como um "graal"; não era explicado como uma relíquia sagrada nem associado ao sangue de Jesus. Em seu le Conte de Graal - Roman de Perceval, Chrétien de Troyes diz:

 

"Uma donzela chegou com os escudeiros, segurando entre as mãos um graal... E quando entrou... acompanhou-a uma luz tão brilhante que as velas perderam seu fulgor. Depois dela, veio uma donzela segurando uma bandeja de prata. O graal que a precedera era de ouro refinado, e estava cravejado de pedras preciosas de muitos tipos... O jovem [percival] as viu passar, mas não ousou perguntar acerca do graal e quem seria servido dele".

 

Nessa primeira ocasião, no castelo do Rei Pescador ferido, o graal não é descrito como um cálice, nem associado a sangue. Mais adiante na história, porém, Chrétien explica:

"Não penseis que ele [o Rei Pescador] do graal tira um lúcio, uma lampréia ou um salmão; o santo homem se sustenta e revitaliza sua vida com uma única hóstia. Tão sagrado é o graal, e o homem tão espiritual, que de nada mais ele precisa para sua subsistência do que a hóstia de uma Missa, que vem com o graal".

Se o graal de Chrétien era suficientemente grande para acomodar um peixe grande, obviamente não era um cálice nesse contexto, mas uma terrina de bom tamanho. Seu mistério, porém, está no fato de servir uma única hóstia da Missa. Em outras partes da obra de Chrétien, há menção de cem cabeças de javali servidas em graais, enquanto, por volta de 1215, o abade de Froidmont, centrando-se nessa explicação, descreveu o graal como um prato fundo usado pelos ricos.

Até aí, não havia elo algum entre o graal do Rei Pescador e o tradicional Sangréal. Mas na década de 1190 o escritor borgonhês, Sire Robert de Boron, mudou essa situação como seu poema Joseph d'Arimathie - Roman de l'Estoire dou Saint Graal. Ele redefiniu o Rei Pescador de Chrétien (antes contemporâneo do rei Artur) como Bron (um parente por casamento de José de Arimatéia) e rec1assificou a relíquia como le Saint Graal: um "cálice de sangue sagrado".

Segundo De Boton, José obteve o cálice da Passagem de Pilatos e recolheu o sangue de Jesus quando o tirou da cruz. Ele foi aprisionado pelos judeus, mas conseguiu passar o cálice ao seu cunhado, Hebrom, que viajou até os Vales de Avalon. Lá, ele se tornou Bron, o Rei Pescador. Bron e sua esposa Enygeus (irmã de José) tiveram 12 filhos homens, 11 dos quais se casaram, enquanto o décimo segundo, Alain, permaneceu celibatário. Enquanto isso, José se juntou à família no exterior e construiu uma távola em honra ao Graal. Ao redor dessa távola, havia um assento especial chamado de Siege Perilous. Ele representava o assento de Judas Iscariotes e era reservado para Alain. Em histórias posteriores, o Siege Perilous . seria reservado para o cavaleiro virgem Galahad, em volta da Távola Redonda de Camelot.

Aproximadamente na mesma época de Joseph d 'Arimathie, de Boron, surgia outra obra relacionada, de um escritor conhecido como Wauchier. Era uma continuação da história de Chrétien, mas nesse relato o Graal adquiria um aspecto diferente, uma função física:

 

"Então, Gawain viu entrando pela porta o rico Graal, que servia aos cavaleiros e rapidamente colocava um pão diante de cada um. Também cumpria o oficio do mordono: servia vinho e enchia grandes taças de fino ouro, e cobria as mesas com elas. Tão logo terminava essa tarefa, servia sem demora, em cada mesa, comida numa grande bandeja de prata. Sir Gawain observou tudo isso, e se maravilhou pelo modo como o Graal os servia. Intrigou-se por não ver nenhum outro serviçal, e mal se atrevia a comer".

 

Em alguns aspectos, a versão de Wauchier uniu as histórias de Chrétien e Boron. Os cavaleiros do rei Artur aparecem, mas o autor também falou acerca da tradição de José de Arimatéia. Explicou que o descendente lineal de José era Guellans Guenelaus, o falecido pai de Percival, e que, de acordo com textos anteriores, a mãe de Percival era uma viúva.

A história conhecida como Perlesvaus, ou a Grande História do Santo Graal, é uma obra franco-belga, escrita por volta de 1200. Ela é muito específica a respeito da importância da linhagem do Graal, afirmando que o Sangréal é o repositório da herança real, reiterando assim o importante princípio dinástico do manuscrito de Waleran, do século VIII. Em Perlesvaus, o Graal não é definido como um objeto material, mas sim como uma aura mística que contém várias imagens <k significado messiânico. Nessa obra, o Corpus Christi da hóstia de Chrétier emerge como a contínua presença do Cristo.

Quanto ao simbolismo da taça, ou do cálice, vemos em Perlesvau...

 

"Sir Gawain vislumbra o Graal, e lhe parece que haja um cálice dentro, embora ao mesmo tempo não haja".

 

Gawain, Lancelot e Percival aparecem na obra Perlesvaus e a pergunta premente é: "a quem o Graal serve?" Só com essa pergunta, Perciva consegue curar a ferida do Rei Pescador e trazer de volta fertilidade as Terras Devastadas e estéreis. Em Perlesvaus, o rei pescador (rei sacerdote) se chama Messios, denotando sua posição messiânica. Outros relatos se referem ao rei pescador Anfortas (efetivamente o mesmo nome do bisneto do rei Davi, Boaz, ambos com o significado de "Em força" - daí a identificação da linhagem de Davi). Alternativamente, o rei pescador às vezes é chamado de Pelles (de Palas, o antigo Bistea Neptunis dos registros ancestrais merovíngios).

A não menos importante característica de Perlesvaus é sua evidente referência aos Cavaleiros Templários. Na ilha dos Imortais, Percival chega a um salão de vidro e é recebido por dois Mestres. Um reconhece sua familiaridade com a descendência real de Percival. Então, batenda palmas, os Mestres chamam outros 33 homens em "vestes brancas", cada um portando "uma cruz vermelha no meió do peito". Percival também leva uma cruz vermelha dos Templários em seu escudo. O conto e basicamente arturiano, mas se desenrola em um período posterior, em uma época em que a Terra Santa está nas mãos dos sarracenos.

Também do início do século XIII é o importantíssimo romance da Graal, Parzival, escrito pelo cavaleiro da Bavária, Wolfram von Eschenbach. Mais uma vez a associação com os Templários é evidente, pois os Cavaleiros do Templeise são descritos como guardiôes do Templo do Graal, localizado no monte da Salvação (Munsalvaesche). Aqui. o Rei Pescador preside a Missa do Graal e é especificamente descritc como um Rei Sacerdote ao estilo de Jesus, dos merovíngios e dos reis dos escoceses. Munsalvaesche há muito é associada à fortaleza nas montanhas de Montségur na região de Languedoc, sul da França.

Wolfram afirmou que a história do Graal de Chrétien estava errada, citando como sua fonte Kyôt le Provenzale, um adido templário que havia escrito a respeito de um antigo manuscrito do Graal provindo da Arábia. Era de autoria do estudioso Flegetanis, que ele dizia ser:

 

"Um erudito por natureza, descendente de Salomão, e nascido de uma família que sempre fora israelita até o batismo se tomar nosso escudo contra o fogo do inferno".

Assim como Perlesvaus, a obra Parzival de Wolfram dá grande ênfase à importância da linhagem do Graal. Wolfram também introduziu o filho de Percival, Lohengrin, o Cavaleiro do Cisne. Na tradição de Lorraine, Lohengrin era marido da duquesa de Brabant (Baixa Lorraine). Parzival explica que o pai de Percival era Gahmuret (e não Guellans, como no relato de Wauchier) e que o rei pescador na época de Percival era Anfortas, filho de Frimutel, filho de Titurel. A irmã do rei pescador, Herzeylde, era mãe de Percival: a "senhora viúva" da tradição. Expondo extensivamente os vários atributos místicos do Graal, o texto cita como sua portadora a rainha da Família do Graal, Repanse de Schoye, declarando:

 

"Ela vestia seda da Arábia, e carregava, num pano de seda verde, a perfeição do paraíso terrestre, tanto as raízes como os galhos. Era uma coisa que os homens chamam de Graal, que transcendia qualquer ideal terreno".

Apesar da referência a raízes e galhos, dizia-se que o Graal era uma "pedra de juventude e rejuvenescimento". E chamado de Lapsit Exillis (às vezes Lapis Elixis), uma variante de Lapis Elixir, a pedra filosofal dos alquimistas. Wolfram explica:

 

"Pelo poder dessa pedra, a Fênix queima até as cinzas, mas as cinzas rapidamente a trazem de volta à vida. Assim, a Fênix troca de plumagem, após o que retoma brilhante e fulgente como antes".

 

No sacramento da Eucaristia do rei pescador, a Pedra do Graal registra os nomes daqueles chamados a seu serviço, mas não é possível para todos ler essesl nomes:

"Ao redor da extremidade da pedra, uma inscrição em letras diz o nome e a linhagem daqueles que, donzelas ou meninos, são chamados para fazer a jornada até o Graal. Ninguém precisa apagar a inscrição, pois logo que ela é lida, desaparece" .

 

Em termos muito semelhantes (cuja relevância é totalmente explicada em Gênesis of the Grail Kings), o Novo Testamento (Apocalipse 2: 17) diz:

 

"Ao vencedor, dar-lhe-ei o maná escondido [ali­mento divino, como na Eucaristia], bem como lhe darei uma pedra branca, e sobre essa pedra es­crito um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe".

 

Wolfram (que também escreveu acerca de Guilherme de Gellone, rei de Septimania) dizia que o manuscrito Flegetanis original era guardado pela Casa de Anjou, uma casa nobre que era intimamente aliada aos Tem­plários. Ele também afirmava que Percival também tinha o sangue de Angevin. Em Parzival, a corte do rei Artur fica na Bretanha, enquanto em outra obra Wolfram localiza o castelo do Graal nos Pireneus. Ele também menciona a duquesa de Edimburgo (Tenabroc) como fazendo parte da co­mitiva da rainha do Graal.

A obra cisterciense Vulgata do Ciclo, de aproximadamente 1220, con­tém a Estoire dei Graal, a Queste dei Saint Graal e os Livres de Lancelot, bem como outros contos de Artur e Medin. Nessas histórias, as descrições do Graal são fortemente influenciadas por Chrétien e De Boron, enquanto a antiga grafia "Graal" é reinstituída. Na Estoire, a história de José de Arimatéia é prolongada para incluir seus dias na Grã-Bretanha, enquanto seu herdeiro, o bispo Josefe de Saraz, é identificado como o chefe da fratemidade do Graal. Bron (o rico pescador de Boron) reaparece como o Rei Pescador na Estoire. O Graal, por sua vez, tomou-se o miraculoso escuele (prato) do Cordeiro Pascal. Tanto na Estoire como em Queste, o castelo Graal é simbo­licamente chamado de "le Corbenic" (o Abençoado em Corpo).

Os Livres de Lancelot (que apresentam Gawain na primeira instân­cia) expandem a história de Galahad, detalhando-o como o filho de Lance­lot pela filha de Pelles. Ela é a princesa do Graal, Elaine le Corbenic, e Pelles é o filho do rei pescador ferido, enquanto no relato posterior de Malory o próprio Pelles é o rei.

O rei Artur certamente recebeu menções no início da literatura a res­peito do Graal, mas foi só no século XIII, com a Vulgata do Ciclo, que ele se tomou firmemente associado ao tema. Entretanto, depois da queda da Terra Santa, em 1291, as lendas do Graal desapareceram da arena pública. Somente no século XV, Sir Thomas Malory reviveu o tema com seu conto The Sankgreal: The Blessed Blood of Our Jesus Christ.

 

                     A PEDRA FILOSOFAL

Já vimos que o filho mais novo de Jesus e Maria Madalena, Josefes, freqüentou escola druida. As instituições educacionais daquele tipo eram internacionalmente renomadas; havia nada menos que 60 escolas e universidades assim na Europa, contando com uma freqüência total de mais de 60.000 estudantes. Os sacerdotes druidas não faziam parte da Igreja Celta, mas eram um elemento definido, coeso na estrutura da sociedade gaélica : na Gália, na Grã-Bretanha e na Irlanda. Foram descritos pelo escritor Strabo, no primeiro século a.C., como "estudantes da natureza e filosofia moral". E ele continuou, dizendo:

 

"Acredita-se que eles sejam os mais justos dos homens, e por isso se confiam a eles julgamentos em decisões que afetam tanto indivíduos como o público geral. Em termos remotos, eles também arbitravam nas guerras, sendo capazes de apaziguar adversários no momento em que a batalha ia ser travada; casos de assassinato são freqüentemente levados a eles para julgamento".

 

O siciliano Diodoro, outro escritor da época, descrevia os druidas como grandes "filósofos e teólogos, que são tratados com uma honraria especial". Dizia-se que os druidas também eram excepcionais estadistas e adivinhadores. Um antigo texto afirma que:

 

"Os druidas são homens de ciência, mas também são homens de Deus, desfrutando um relacionamento direto com as divindades e capazes de falar em nome delas. Eles também podem influenciar o destino, fazendo seus consulentes observarem regras positivas ou tabus ritualísticos, ou determinando os dias que devem ser escolhidos ou evitados para qualquer ação que seja contemplada".

 

Em épocas posteriores, a Igreja Romana procurava qualquer desculpa para denunciar os sacerdotes druidas e os monges da Igreja Celta, encontrando a marca do pecado em seus penteados. Tanto os sacerdotes como os monges deixavam os cabelos longos e esvoaçantes a partir da parte de trás da cabeça, com a parte da frente raspada de uma têmpora à outra. O emergente clero romano, porém, adotava um penteado alternativo: um círculo de cabelos curtos em tomo do restante da cabeça totalmente raspada, representando uma coroa sagrada. De acordo com Roma, o estilo celta de cor"": o cabelo era um símbolo herege dos Magos, e a Igreja o condena como "o penteado de Simão, o Mago".

Quando Diodoro escreveu a respeito dos bretões no primeiro século a.C., referiu-se às obras do escritor grego Hecateus, de três séculos antes, chamando-os de hiperbóreos (povo originário do outro lado do Vento Norte). Ele conta que o deus Apolo visitava um templo hiperbóreo "a cada 19 anos: o período no qual as estrelas retomam ao mesmo lugar no céu". Esse ciclo astronômico de 19 anos era usado pelos druidas para cálculos de calendário, como confirma o velho Calendário de Coligny, encontrado no Departamento Francês de Ain, norte de Lyon, em 1897.

O Calendário (uma tábua de bronze fragmentada) remonta ao primeiro século da era cristã e é o mais longo documento desenterrado na Gália. Ele dá uma tabela com 62 meses consecutivos (cerca de cinco anos solares), tendo cada mês 29 ou 30 dias. Os dias de cada mês se relacionam entre si, com períodos inerentes de escuridão e luz, e mencionando também dias auspiciosos ou não auspiciosos. No geral, o Calendário de Coligny indica uma significativa competência em ciência astronômica, parecida com a dos antigos babilônios.

A Astronomia era de suma importância para os druidas, que, segundo se dizia, "tinham muito conhecimento das estrelas e seus movimentos, do tamanho do mundo e da terra, e de filosofia natural". Eles também acreditavam em reencarnação (a transmigração de almas) - um aspecto do antigo pitagorismo. Muito tempo atrás, precisamente no século VI a.C., Pitágoras fundou uma das primeiras escolas de mistérios. Nesse ambiente, foi desenvolvido um modelo do Universo que se baseava corretamente no fato de que a Terra gira em torno do Sol (o princípio heliocêntrico). Mas ainda muito tempo depois, no século XVI, o astrônomo polonês Nicolau Copérnico foi ameaçado de excomunhão, e pior, por sua crença nesse conceito. Ao apresentar sua teoria, Copérnico sofreu um verdadeiro massacre por parte da Igreja Católica, que insistia que a Terra era o centro do Universo. Para os antigos druidas, com seu avançado conhecimento dos corpos celestes, a idéia de um Universo com a Terra em seu centro era impensável.

Em comum com os Magos samaritanos da era de Qumrã, os druidas eram praticantes de avançada numerologia e cura. Durante o período dos Evangelhos, os essênios de Qumrã tinharn um especial interesse pela matemática que governava a ordem do Cosmos. Sua cultura era, em grande parte, dominada pelo pensamento pitagórico, herdado por meio dos Magos de Manassés do Oeste - uma seita fundada por Menahem em 44 a.C.

 

Um sucessor de Menahem como Líder dos Magos foi o colega de Maria Madalena, Simão (o Mago) Zelote, cujos gnósticos supostamente possuíam uma sabedoria única e esotérica (chamada Sapientia) que transcendia o Cristianismo.

Um documento gnóstico encontrado em Chenoboskion, Egito, e conhecido como Tratado de Hermes Trismegisto, diz:

 

"É, portanto, por graus que os adeptos entram no caminho da imortalidade, e obtêm um conceito do

Ogdoad, que por sua vez revela o Ennead".

 

O Ogdoad ("óctuplo") corresponde ao céu das estrelas, fora dos céus individuais dos planetas, e o Ennead ("nônuplo") se refere ao grande céu exterior do Universo. O céu separado da Terra era chamado de Hebdômada ("sétuplo"). Para os gnósticos, os céus eram áreas estritamente estratificadas de espaço em volta da Terra, dos planetas e das estrelas. Embora os céus estivessem sujeitos à sua mitologia, a compreensão lógica dos gnósticos tinha pouca relação com o princípio cosmológico da posterior Igreja Romana, que por séculos insistia que a Terra era chata, e que o Céu era simplesmente "acima" (algumas escolas sugeriam que o Céu - também chato - era sustentado acima da Terra por pilares invisíveis).

Hermes Trismegisto era o nome dos neoplatonistas gregos para Tot, o deus egípcio reverenciado como fundador da alquimia e da geometria. Seguindo os ensinamentos de Platão (c.429-347 a.C.), os neoplatonistas afirmavam que o intelecto humano não tinha relação com o mundo material, e que a espiritualidade individual aumentaria em relação ao desprezo do indivíduo pelos valores terrenos. A relevância de Hermes era que seu conhecimento especial supostamente representaria a Sabedoria Perdida de Lameque (sétimo na sucessão de Caim, filho de Eva - Gênesis 4: 18-22). Assim como Noé salvou várias formas de vida do grande Dilúvio, também os três filhos de Lameque, Jabal, Jubal e Tubalcaim, preservaram as antigas sabedorias da ciência criativa, gravadas em dois monumentos de pedra: os Pilares Antediluvianos. Um dos filhos era matemático, o segundo pedreiro, e o terceiro artífice. Hermes descobriu um dos pilares, transcrevendo sua geometria sagrada numa tábua de esmeralda que fora herdada por Pitágoras, o qual também descobriu o segundo pilar.

A associação entre o conhecimento sagrado do Cosmos e uma tábua de esmeralda lembra Parzival, de Wolfram, em que o Graal é identificado como uma pedra e comparado a uma jóia de esmeralda. Além disso, uma inscrição da tábua de esmeralda de Hermes aparece em algumas cartas de tarô:

 

"Visita as partes interiores da terra; por retificação tu encontrarás a pedra escondida".

 

Pela associação com a Pedra enigmática, o Graal tem sido identificado com a alquimia - a ciência da concentração de correntes vitais e forças vitais. Na época da Inquisição Católica, os alquimistas tomavam cuidado para velar sua arte por trás dos símbolos de metalurgia - dizendo que estavam tentando apenas converter metais básicos em ouro. Na verdade, os alquimistas eram metalurgistas da mais alta ordem, mas, em termos filosóficos e metafisicos, eles estavam mais interessados na transformação da pessoa mundana (chumbo) em uma espiritualmente iluminada (ouro). Assim como o ouro era experimentado e testado no fogo, também o espírito humano era tentado no crisol da vida - e o agente para essa iluminação era percebido como o Espírito Santo.

Como não seria de surpreender, essa doutrina de perfeição humana pela iluminação era considerada herética pela Igreja, cujos ensinamentos ela transcendia. Embora fundada sobre uma base judaico-cristã, a tradição do Graal era comparada à alquimia, e portanto considerada heresia. A pedra escondida foi descrita na obra de alquimia Rosarium Philosophorum, em termos de geometria:

 

"Faze um círculo do homem e da mulher, e disso desenha um quadrado, e do quadrado um triângulo. Faze um círculo, e terás a pedra filosofal".

 

Assim como a pedra filosofal, o Graal é identificado como a chave do conhecimento e a soma de todas as coisas. Em sua forma nominal como o Graal, a raiz etimológica vem do velho termo mesopotâmico Gra-al, que seria o "néctar da suprema excelência". Também deriva da palavra grega gar, que significa "pedra", portanto gar-al é a taça de pedra. Como já vimos, o sacerdócio de Jesus era o de Melquisedeque (Hebreus 5:6-7), que está reproduzido na porta norte da Catedral de Chartres. Lá, na Porta dos Iniciados, Melquideseque é o anfitrião de Abraão (de acordo com Gênesis 14:18-20), e carrega uma taça que contém o maná escondido (alimento espiritual, ou pão de cada dia) da pedra sagrada.

 

A Liga dos Pedreiros, que construiu Chartres e outras catedrais francesas, era chamada de "os Filhos de Salomão". Hiram Abiff, o arquiteto do Templo do rei Salomão, era um alquimista hermético - descrito como "um artífice dos metais". Seu antigo precursor foi Tuba1cain (Gênesis 4:22), o filho de Lameque e professor de todos os que se seguiram. Na Franco Maçonaria, Hiram Abiff é identificado como o Filho da Viúva, e nas histórias do Graal o constante epíteto de Percival é exatamente o mesmo. A viúva original da linhagem do Graal era Rute, a moabita (heroína do livro de Rute, no Antigo Testamento), que se casou com Boaz para se tornar a bisavó de Davi. Seus descendentes eram chamados de Filhos da Viúva.

O princípio subjacente de Hermes Trismegisto era "Como é em cima, assim é embaixo", o que denota que a harmonia da proporção terrestre é representativa de seu equivalente universal - em outras palavras, essa proporção terrestre é a imagem mortal da estrutura cosmológica. Da menor célula à mais vasta das galáxias, a repetitiva lei geométrica prevalece, e isso já era compreendido nos tempos mais remotos.

 

                       OS SÍMBOLOS SAGRADOS DO GRAAL

                       O CÁLICE E A VIDEIRA

Em sua representação como uma pedra ou jóia, o Santo Graal é o repositório da sabedoria espiritual e do conhecimento cosmológico. significando "realização". Como um prato ou bandeja, ele carrega a hóstia da Eucaristia ou o Cordeiro Pascal e simboliza o ideal de "serviço". A representação mais popular como um cálice contendo o sangue de Jesus é, porém, uma imagem puramente feminina. Para a Igreja, os cálices sagrados tinham associações pagãs e a imagem do Graal foi relegada às convenientes asas da mitologia.

Na tradição pagã, o Graal era comparado aos caldeirões místicos do folclore celta: as cornucópias da plenitude, que reservavam os segredos da provisão e do renascimento. O pai dos reis-deuses irlandeses, Dagda da Tuatha Dé Danaan, tinha um caldeirão que só cozinhava para heróis. Do mesmo modo, a cornucópia de Caradoc não fervia carne para os covardes. O pote da deusa Ceridwen continha uma poção de grande conhecimento e os deuses galeses Matholwch e Brân possuíam receptáculos semelhantes. A semelhança do nome Brân ao de Bron o Rico Pescador já foi citada com freqüência, com a sugestão de que talvez um tenha derivado do outro.

O recipiente do mistério para os antigos gregos era o Krater. (Em contextos mundanos, um krater era uma tigela de pedra para misturar vinho.) Em termos filosóficos, o Krater continha os elementos da vida e Platão fazia referência a um krater que continha a luz do sol. Os alquimistas também tinham seu recipiente do qual nasceu Mercúrio, o filius philosophorum (filho dos filósofos) - uma criança divina que simbolizava a sabedoria do vas-uterus, enquanto o recipiente hermético era chamado de "ventre do conhecimento". É esse aspecto uterino da enigmática taça que é tão importante na ciência do Graal.

A medieval Litania de Loretto chegou a descrever Maria, a mãe de Jesus, como vas espirituale (recipiente espiritual). Na cultura esotérica, o ventre era identificado como o "recipiente de luz" e era representado por uma taça ou um cálice. Os santuários pré-históricos de 3500 a.C. associam a figura com o ventre da Deusa Mãe. O símbolo reverso masculino era uma lâmina ou um chifre, ordinariamente simbolizado como uma espada, embora sua representação mais poderosa fosse na fabulosa mitologia do Unicórnio. No Salmo 92:10, lemos: "Tu exaltas o meu poder como o do boi selvagem". Assim como o Leão de Judá, o lendário Unicórnio era emblema da linhagem real ungida de Judá, emergindo como as armas heráldicas da Escócia. O Santo Graal passou a ser comparado com um recipiente ou uma taça, porque se dizia que ele transportava o perpétuo sangue de Jesus, e, assim como os kraters e caldeirões continham seus vários segredos, também O sangue de Jesus (o Sangréai) deveria estar contido numa taça.

Em Parzival, lemos que a rainha do Graal "carregava... a perfeição do paraíso terrestre, tanto as raízes como os galhos". De acordo com o Evangelho de João (15:5), Jesus disse: "Eu sou a videira, vós os ramos". No Salmo 80:8, lê-se: "Trouxeste uma videira do Egito, expulsaste as nações e a plantaste".

A linhagem dos reis merovíngios era chamada de A Videira, e a Bíblia classifica os descendentes de Israel como uma Videira - a linhagem de Judá sendo descrita extensivamente como a "planta dileta" do Senhor (Isaías 5:7). Na verdade, algumas representações artísticas de Jesus o mostram num lagar, acompanhado pela frase "Eu sou a videira verdadeira" (João 15:1). Alguns emblemas do Graal e marcas d'água mostram um cálice contendo cachos de uvas: a fruta e as sementes da videira. Da uva é feito o vinho - e o vinho da Eucaristia é o símbolo eterno da linhagem messiânica.

Nas lendas originais do Graal havia constantes referências à Família do Graal, à dinastia do Graal e aos guardiões do Graal. Lendas à parte, os Cavaleiros Templários de Jerusalém eram de fato os Guardiões do Sangréal. A relacionada Prieuré Notre Dame, de Sião, tornou-se aliada à linhagem merovíngia em particular, e o descendente merovíngio Gofredo de Bouillon. duque da Baixa Lorraine, foi ordenado como Defensor do Santo Sepulcro e rei de Jerusalém em 1099.

Independentemente das taças e das pedras, a importância do Graa: existe em sua definição como o Sangréal. Daí vem San Greal = Saro Graal = Saint Grayle = Santo Graal. Mais corretamente é o Sang Real - o sangue real, carregado no cálice uterino de Maria Madalena. Foi ela quem inspirou a Dompna (Grande Senhora) dos trovadores, que eram tão maltratados pela Inquisição, e eles a chamavam de Graal do Mundo.

Conforme detalhado na literatura medieval, o Graal era identificado com uma família e uma dinastia. Era a Videira desposyni de Judá, perpetuada no Ocidente pelo sangue de Jesus. Essa linguagem incluía os reis pescadores e Lancelot del Acqs. Descendía até os reis merovíngios dos francos e os reis Stewart dos escoceses, incorporando reputadas figuras como Guilherme de Gellone e Gofredo de Bouillon.

Descendente do irmão de Jesus, Tiago/José de Arimatéia, a família do Graal fundou a Casa de Camulod (Colchester) e a Casa Nobre de Gales. Notáveis nessas linhagens foram o rei Lúcio, Coel Hen, a imperatriz Helena, Ceredig Gwledig e o rei Artur. O legado divino do Sangréal foi perpetuado nas casas soberanas e mais nobres da Grã Bretanha e Europa, ainda existentes hoje.

Uma vez estabelecido o fato de que a Videira representa a linhagem messiânica, concluímos que o vinhedo é o lugar onde as vinhas florescerão. Aproximadamente dois séculos depois do Concílio de Constance, em 1417, o arcebispo Ussher deArmagh (o compilador da cronologia da Bíblia) comentou acerca dos registros do Concílio. Desses, ele repetiu textualmente: "Logo após a paixão de Cristo, José de Arimatéia pôs-se a cultivar o Vinhedo do Senhor, isto é, a Inglaterra".

Pelos anais da genealogia dos santos e do pedigrée bárdico, fica evidente que a linhagem messiânica do Sangréal chegou à Grã-Bretanha da Gália, no primeiro século da era cristã. No Vinhedo do Senhor, a linhagem floresceu até se tomar a Casa Nobre de Gales e dessa antiga raiz surgiram os chefes Gwyr-y-Gogledd das regiões ao norte.

Em paralelo, outra ramificação da Videira se juntou aos grandes reis de Camulod e Silúria. Não foi por acaso que o príncipe Lino, filho de Caractaco, tomou-se o primeiro Bispo de Roma. Tampouco foi um jogo das circunstâncias que Helena (princesa Elaine de Camulod), filha de CoeI II da Grã-Bretanha, casou-se com o imperador Constâncio. Por meio dessa aliança, Roma se atrelou à sucessão real Judéia, que ela tanto tentou suprimir de outras maneiras. O filho de Santa Helena era Constantino, o Grande, e, tendo uma mãe cristã celta de linhagem desposyni, ele não tardou a se autoproclamar o verdadeiro Messias, embora os predecessores de seu pai fossem selvagens perseguidores do movimento cristão.

 

                  O REBENTO DE JESSE

Apesar de afirmarem ter descoberto os ossos de Artur e Guinevere, mesmo os inventivos monges da Glastonbury não produziram coisa alguma que pudesse ser o Santo Graal - mesmo porque o Graal ainda não tinha sido definido como uma relíquia cristã antes das escavações dos monges. Embora De Boron não perdesse tempo em identificar o Santo Graal como o cálice da Santa Ceia, os monges nunca tinham ouvido falar disso; não havia menção de Cálice Sagrado na Bíblia ou em qualquer outra escritura ortodoxa. Além disso, como quase todas as lendas do Graal provinham de fora da Inglaterra, nada havia de substancial que associasse o Graal a Glastonbury, exceto pela ligação com José de Arimatéia.

Assim, para não ficarem esquecidos, os monges anunciaram a descoberta de um par de galhetas que teriam sido enterradas com José. Elas já tinham sido mencionadas (por volta de 540) pelo rei Maelgwyn de Gwynedd, tio de São Davi, que escreveu:

 

"José tinha consigo, em seu sarcófago, duas galhetas brancas e prateadas com o sangue e o suor do profeta Jesus".

 

As galhetas são reproduzidas em vitrais na Igreja de São João, Glastonbury, na Igreja de Langport, em Somerset, e num crucifixo retratado em Plymtree, Devon - mas nunca foram exibidas em público, se é que de fato existiram. Assim, essa falta de comprovação visível gerou, séculos mais tarde, uma nova tradição em Glastonbury - mais aprazível aos olhos: o Espinheiro encantado. Em 1520, a literatura local descrevia um espinheiro em Wearyall Hill que dava folhas e brotava na época do Natal e também em maio. O espinheiro foi destruído durante a guerra civil de Cromwell (1642-1651), mas alguns brotos foram replantados na área, e cada planta floresceu novamente do mesmo modo. Botânicos especializados detectaram que o espinheiro não era nativo da Inglaterra, e parecia ter uma origem levantina - o que acabou despertando uma nova mitologia em Somerset.

 

Em 1716, um estalajadeiro local afirmou que a planta incomum tinha brotado do cajado de José de Arimatéia, que ele plantara para desabrocho ­no Natal (não que as festas de dezembro fossem relevantes na época dele. Só 300 anos mais tarde Constantino ajustaria a data do aniversário de Je­sus para coincidir com o solstício de inverno). A noção de que o cajado de José se abriria em flor provinha de um verso profético em Isaías 11:1: "Do tronco de Jessé [que era pai de Davi] sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo". Em algumas obras de arte da Igreja e em escritos ­apócrifos, o cajado em flor da linhagem real é representado na mão do pai ­de Jesus, José.

 

Foi só no século XIX, com a obra ldylls ofthe King, ou idílios do rei, de Alfred, lorde Tennyson, que Glastonbury foi especificamente associado ao Santo Graal. A água avermelhada incomum do Poço de Giz de Glastonbury (na verdade, tingida de vermelho pelo óxido de ferro) foi prontamente relacionada ao sangue de Jesus. O poço foi rebatizado com o nome de Poço do Cálice (Chalice Well), e diziam que a cor da água se devia ao conteúdo do Graal, que José teria enterrado nas proximidades. A famosa ­tampa do poço, decorada em ferro ao estilo da arte celta, foi elaborada pelo arquiteto Frederick Bligh Bond, depois da Primeira Guerra Mundial. A des­peito da variedade de relíquias santas e arturianas em Glastonbury (algumas verdadeiras e outras inventadas), a relação de José de Arimatéia com a Grã-Bretanha é muito mais bem comprovada historicamente. Foi tema de debate em vários Concílios da Igreja na Europa, dando aos ingleses ­possibilidade de alegar uma origem cristã muito anterior à de Roma. No Concílio de Pisa, em 1409, houve até uma controvérsia a respeito de quem teria vindo primeiro ao Ocidente, José ou Maria Madalena. Hoje em dia ­seria surpreendente se a Igreja admitisse que sequer eles vieram.

 

                         TARÔ E O GRAAL

A misteriosa lança branca com sangue na ponta, que geralmente acom­panhava o Graal nas lendas, seria a arma que espetou a virilha do Rei Pescador. Ela era identificada com a lança bíblica de Longino, que derramou ­sangue de Jesus na crucificação. A lança e mais uma taça, uma espada e um prato (ou bandeja) constituíam os Símbolos Sagrados do Castelo do Graal.

Muitos leitores perguntam a respeito da origem de Longino, pois embora seu nome seja bem conhecido como o do centurião com a lança, não é mencionado nos Evangelhos. Na verdade, o nome aparece no apócrifo Atos de Pilatos 15:7 (às vezes chamado de Atos de Nicodemos), que foi omitido do Novo Testamento. Na prática, porém, Longino não era um nome próprio; era a forma latinizada da palavra grega Longynx, que significava "lanceiro".

Depois da primeira Inquisição Católica do papa Gregório IX, em 1231, as histórias do Graal foram condenadas pela Igreja. Não chegaram a ser denunciadas como heresia, mas todo material relacionado ao Graal foi suprimido. Como resultado, a tradição mudou para um simbolismo disfarçado particularmente o das cartas de tarô. Estas surgiram no norte da Itália, em Marselhas e em Lyon, no século XIV. Parte do trabalho mais interessante surgido recentemente acerca do tarô, e também acerca do simbolismo gráfico em geral, vem da autora americana Margaret Starbird. Seus textos, nesse sentido, têm total concordância com os preceitos da tradição do Graal.

Os quatro naipes dos Arcanos Maiores do tarô eram as Espadas, as Copas, os Pentáculos e os Bastões (Varinhas). Eles correspondiam aos Símbolos Sagrados do Graal: Espada, Cálice, Bandeja e Lança. Com o tempo, os naipes foram redefinidos como Paus, Espadas, Ouros e Copas, usados no baralho de cartas para jogos, hoje em dia. As espadas eram originalmente uma lâmina (o símbolo masculino); o naipe de copas era um cálice da igreja alternativa (o símbolo feminino); o de ouros era um valioso disco em um pentáculo (também representando um prato ou bandeja de servir); e o naipe de paus (denotando a contínua linhagem de Davi) era representado como o Rebento em flor de Jessé.

Desde os tempos mais remotos, os símbolos eram usados para identificar a unidade sagrada da câmara nupcial. O símbolo em forma de V do cálice feminino e o V invertido da lâmina masculina (sexos opostos) se juntavam (um acima do outro) no familiar sinal do X. Esse era o Sinal sagrado original da Cruz, e era usado como a marca de batismo e iniciação muito antes de Jesus. Como confirmam os Pergaminhos do Mar Morto, ele era colocado na testa daqueles que gemiam por Jerusalém (Ezequiel 9:4), e era concedido no mais alto grau de iniciação comunitária ao Santuário.

Sob influência romana posterior, uma nova cruz foi elaborada: a cruz latina ereta da Igreja de São Pedro, com sua alta sanefa. Os cristãos mantiveram seu antigo X, porém, percebendo que a cruz latina representava a tortura romana. Assim, a original se tomou um sinal de heresia aos olhos de Roma. Essa imagem herética é perpetuada até hoje como uma ligação à carne e ao diabo, como em filmes pornográficos classificados com um "X". Na verdade, seu significado anti-sistema foi incorporado para uso em escolas, no processo de marcar com um X as respostas erradas.

Embora a cruz de São Pedro tenha sido latinizada, a tradição de seu irmão foi mantida pelo glifo X original: a cruz de Santo André. André foi crucificado em Patras, perto do mar Negro, onde tinha trabalhado com os Cítios antes que estes começassem seu movimento para o oeste, até a Irlanda e a Caledônia. Como resultado, ele se tomou o santo padroeiro da Escócia, e sua cruz se tomou o famoso símbolo nacional do país. Roma não gostou do ressurgimento desse antigo artefato esotérico, e foi bolada uma história para explicar que André morrera numa cruz em forma de X.

 

Posteriormente, criou-se uma cruz conciliatória - a familiar cruz cen­trada ereta, não-cruciforme, não esotérica. Ela se tomou a cruz de São Jorge, cujo culto foi trazido ao Ocidente pelos Cruzados. Depois da Convenção de Genebra, em 1864, ela se tomou o símbolo da agência internacional Cruz Ver­melha - uma inversão de cores da bandeira suíça.

 

Os poderes dos inquisidores do papa aumentaram em 1252, quando foram autorizados julgamentos secretos, tortura e morte na fogueira. Na Espanha, a perseguição dos hereges visava particularmente aos judeus apóstatas e muçulmanos, a partir de 1478. A Inquisição Roma­na do papa Paulo III contra os protestantes começou em 1542. O "rio subterrâneo" do Graal reteve sua identidade por meio de marcas d'água secretas e símbolos estilizados. Por causa de sua simplicidade, o sím­bolo do X era amplamente usado - às vezes abertamente, porém, com astúcia. Na Madona da Romã, de Botticelli, um anjo usa uma fita vermelha em X no peito. Em sua Madona do Livro (1483), Maria usa um X vermelho no justilho, enquanto o menino Jesus segura três fle­chas douradas em miniatura. Eram os símbolos misteriosos das Três Flechas da Iluminação - uma imagem dos alquimistas misteriosos.

 

Os segredos do tarô eram guardados em 22 cartas de trunfo: os Arcanos Maiores. A palavra "trunfo" nesse contexto deriva do velho termo francês trompe, correspondende à trombeta que figurativamen­te dividiu a Igreja de Pedro. Os trunfos do tarô são chamados de O Livro de Thoth, * uma expressão da sabedoria secreta.

 

A Igreja de Roma condenava os naipes menores, mas proibia expressamente os trunfos porque eram considerados blasfemos. Na verdade, nada havia de anticristão nas cartas, embora fossem decididamente anti-sistema. O Cristianismo do tarô era o da antiga cultura do Graal, não do Catolicismo. O fato de ciganos e outros grupos usarem as cartas de tarô para adivinhação nada tinha a ver com seu propósito original, mas foi por esse uso secundário que a propaganda da Igreja conseguiu impregnar uma imagem sinistra às cartas.

As cartas modernas de jogar ainda retêm o Curinga do tarô. Ele é um bobo-da-corte, ou um louco; mas, mesmo assim, sempre vence. Seu legado vem de 1 Corintos:

 

"O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são pensamentos vãos. Portanto, ninguém se glorie nos homens (3:20-21). Nós somos loucos por causa de Cristo (4:10)" .

 

Uma representação literária do Curinga aparece em Perzival, o homem simples que obtém sucesso naquilo em que os mais sofisticados falharam. Outras figuras de tarô deixaram sua marca no mundo. Uma destas, e muito importante, é o símbolo feminino da Justiça. Ela é a Virgem, a donzela das estrelas, com sua espada de duas pontas e a balança de Libra. A representação, na verdade, tem mais a ver com discriminação do que com justiça - mostrando o equilíbrio e a harmonia da natureza de um lado, enquanto o outro exerce a autoridade judicial. A carta original mostrava a tênue posição da Igreja do Graal contra a severidade da Inquisição Romana, e era conhecida como a carta de Madalena.

Outras cartas associadas a Maria Madalena eram A Torre, O Mundo e A Força. Na tradição do Graal, A Torre (ou Casa de Deus) representava o Magdal-eder (ou Torre do rebanho, como em Miquéias 4:8), e não era diferente de uma torre do jogo de xadrez. Atingida por um raio, ou atacada misteriosamente de outra forma, A Torre simbolizava a má sorte da Igreja esotérica nas mãos do cruel sistema romano.

O espírito de Maria Madalena também se manifestava em O Mundo. De pé ou dançando dentro de uma guirlanda oval, nua ou vestida, a mulher segurava um cetro ou outra marca de soberania. A figura era semelhante à imagem de Madalena subindo ao céu, em Livro das Horas, 1490.

A carta A Força normalmente mostrava uma mulher dominando um leão ou sustentando um pilar quebrado. Algumas cartas tinham as duas imagens. A primeira era o Leão de Judá, e a segunda o Pilar de Boaz ("em força") do Templo de Salomão. De qualquer forma, a mulher era a responsável pela sucessão real:

 

“Porém a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido para sempre (2 Samuel 7:16)”.

 

Em alguns baralhos antigos, o desenho de um Graal era incorporado na imagem dessa carta, e a mulher era identificada como Maria Madalena. A imagem representava a continuação da linhagem de Davi, como se vê no Salmo 89:4: “Para sempre estabelecerei a tua posteridade e firmarei o teu trono de geração em geração”.

 

                   GUARDIÕES DA RELÍQUIA SAGRADA

                   OS CAVALEIROS CRUZADOS

Desde o início da dinastia carolíngia na França, no século VIII, a Igreja começou a implementar um novo domínio territorial, com seus reis marionetes na linha de frente, por toda a Europa Ocidental e Central. Esse domínio se tomaria o Santo Império Romano, que persistiu até 1806. Durante esse período, a história imperial era compilada pelos escrivães do Vaticano, ou por outros que seguiam a autoridade do Vaticano. O resultado inevitável foi que os relatos da vida do rei merovíngio assassinado, Dagoberto, foram suprimidos a ponto de ele não existir nas crônicas. Só dali a mil anos os verdadeiros fatos de sua vida viriam a público, e só no século XVII se tomou evidente que Dagoberto tinha um filho chamado Sigeberto, cujos descendentes incluíam o famoso cavaleiro cruzado Gofredo de Bouillon, Defensor do Santo Sepulcro.

Na época da conquista normanda da Grã-Bretanha, em 1066, os merovíngios da Gália vinham sendo ignorados havia uns 300 anos. Durante seu reinado, porém, eles tinham estabelecido um número de costumes governamentais que ainda prevaleceram. Uma das inovações merovíngias era um sistema de supervisão regional pelos oficiais chefes chamados Comtes (condes). Como assistentes dos reis, os condes agiam nas funções de chanceleres, de juízes e de líderes militares. Não eram diferentes dos condes celtas da Grã-Bretanha, embora a natureza dos dois grupos titulares mudasse para incorporar posse de terra nos tempos feudais.

No século XI, os condes de Flandres e Boulogne ganharam proeminência na sociedade flamenga. Levando em conta a herança de Davi por parte de Gofredo de Bouillon, seria apropriado que ele (irmão do conde Eustácio III de Boulogne) se tomasse o designado rei de Jerusalém depois da Primeira Cruzada. Essa ventura militar foi incitada em 1095 pela tomada muçulmana de Jerusalém, após o que o papa Urbano I criou um espetacular exército, liderado pelos melhores cavaleiros na Europa. A idéia foi particularmente inspirada por Pedro, o eremita que conduziu uma malfadada cruzada dos camponeses, levando homens, mulheres e crian­ças através da Europa para reconquistar a Terra Santa. A maioria não chegou ao destino, e milhares foram massacrados en route por malfeitores e soldados transviados do império bizantino. Nas cartas do tarô esotérico, o eremita (uma alusão a Pedro) é representado com uma lan­terna iluminando o caminho.

Na onda do infortúnio do eremita, o exército do papa Urbano foi coordenado por Ademar, bispo de Le Puy, e na vanguarda estava Robert, duque da Nonnandia, junto com Estevão, conde de Blois, e Hugo, conde de Vernandois. O contingente flamengo foi liderado por Robert, conde de Flandres, e incluía Eustácio, conde de Boulogne, com seus irmãos Gofredo de Bouillon e Baldwin. O sul da França estava representado por Raymond de St. Giles, conde de Toulouse.

Naquela ocasião, Gofredo de Bouillon era duque da Baixa Lorraine. Ele tinha sucedido ao título por meio de sua mãe famosa, Santa Ida, de quem ganhou o castelo e as terras de Bouillon - propriedades que ele hipotecara com o bispo de Liege, para que este financiasse sua campanha na Terra Santa. No decorrer da Primeira Cruzada, Gofredo tinha se torna­do seu comandante-geral e, com o sucesso final, em 1099, ele foi proclama­do rei de Jerusalém. No evento, ele preferiu não usar a dignação de rei, assumindo, isto sim, a distinção alternativa de Defensor do Santo Sepulcro.

Das oito Cruzadas, que duraram até 1291 no Egito, na Síria e na Pa­lestina, só a Primeira Cruzada de Gofredo foi bem-sucedida, mas mesmo ela foi marcada por excessos de tropas irresponsáveis, que usavam sua vitória como desculpa para massacrar muçulmanos nas ruas de Jerusalém. Não só Jerusalém era importante para os judeus e cristãos, mas também se tornara a terceira Cidade Santa do Islã, depois de Meca e Medina. Como tal, a cidade é o centro de acirradas disputas até hoje.

A Segunda Cruzada, a Edessa, liderada por Luís VII da França e pelo imperador germânico Conrado III, fracassou miseravelmente. Mais ou menos cem anos depois do sucesso inicial de Gofredo, Jerusalém caiu no­vamente, desta vez nas mãos do poderoso Saladin, em 1187. Isso acarretou a Terceira Cruzada, sob a liderança de Filipe Augusto da França e Richard da Inglaterra (Ricardo Coração de Leão), mas os dois não conseguiram recuperar a Cidade Santa. As Quarta e Quinta Cruzadas se centraram em Constantinopla e Damietta. Jerusalém foi reivindicada brevemente após a Sexta Cruzada do imperador Frederico II, mas acabou finalmente sendo concedida ao sultão do Egito em 1244. Luís IX, então, liderou as Sétima e Oitava Cruzadas, mas não conseguiu reverter a situação. Em 1291, a Pa­lestina e a Síria se encontravam sob firme controle muçulmano, e as Cruza­das acabaram.

 

Durante essa era das cruzadas, várias Ordens de cavaleiros surgiram, incluindo a Ordre de Sion (Ordem de Sião), fundada por Gofredo de Bouillon em 1099. Havia também a Ordem dos Cavaleiros Protetores do Santo Sepulcro e os Cavaleiros Templários. Gofredo de Bouillon morreu em 1100, pouco depois de seu triunfo em Jerusalém, e foi sucedido como rei por seu irmão mais novo, Baldwin de Boulogne. Dezoito anos depois, Baldwin foi sucedido, em 1118, por seu primo Baldwin II du Bourg. De acordo com as versões ortodoxas, os Cavaleiros Templários se formaram naquele ano como os Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Salomão. Eles teriam sido reunidos por um grupo de nove franceses, que fizeram votos de pobreza, castidade e obediência, e juraram proteger a Terra Santa.

O historiador franco Guilherme de Tiro escreveu, no auge das Cruzadas (por volta de 1180), que a função dos Templários era salvaguardar as estradas para os peregrinos. No entanto, devido à enormidade de tal obrigação, é inconcebível que nove homens pobres conseguissem cumpri-Ia sem alistar novos recrutas até voltarem para a Europa em 1128. Na verdade, havia muito mais na Ordem do que o relato de Guilherme nos passa.

Os Cavaleiros já existiam fazia alguns anos quando se começou a dizer que sua Ordem fora fundada por Hugues de Payens, um primo e vassalo do conde de Champagne. A função deles certamente não era patrulhar as estradas, e o cronista do rei, Fulk de Chames, não os descreveu assim. Eles eram os diplomatas de linha de frente do rei em um ambiente muçulmano e, nessa condição, esforçavam-se para corrigir as ações indevidas dos Cruzados contra os indefesos súditos do sultão. O bispo de Chames escreveu a respeito dos Templários em 1114, chamando-os de Milice du Christi (Soldados de Cristo). Naquela época, os Cavaleiros já estavam ordenados no palácio de Baldwin, localizado numa mesquita que ficava no lugar do Templo de Salomão. Quando Baldwin se mudou para a fortaleza coberta na Torre de Davi, o espaço do Templo foi deixado inteiramente para a Ordem dos Templários.

Hugues de Payens foi ao mesmo tempo o fundador e o primeiro Grão Mestre da Ordem. Seu segundo-em-comando era o cavaleiro flamengo Gofredo Saint Omer, enquanto outro recruta era André de Montbard, parente do conde de Borgonha. Em 1120, Fulk, conde d' Anjou (pai de Geoffrey Plantagenet), também se juntou à Ordem, e foi seguido em 1124 pelo senhor feudal de De Payens, Hugues, conde de Champagne. Evidentemente, os Cavaleiros não eram pobres, e não existe nenhum registro desses ilustres nobres patrulhando as estradas infestadas de beduínos, para proteção dos peregrinos.

 

A tarefa de ministrar para os peregrinos era, na verdade, realizada pelos Hospitalários de São João de Jerusalém. Já os Cavaleiros Templários eram um grupo muito seleto e uma unidade especial. Eles tinham feito um juramento especial de obediência - não ao rei ou ao seu líder, mas ao abade cisterciense, São Bernardo de Clairvaux (morto em 1153, que tinha ligações com o conde de Champagne. Na verdade, foi em uma ­terra doada pelo conde que Bernardo construiu o mosteiro cisterciense de Clairvaux em 1115. Foi São Bernardo quem revitalizou a Igreja Celta da Escócia e reconstruiu o mosteiro de Columba em Iona. Foi também São Bernardo quem, a partir de 1128, traduziu pela primeira vez a geometria sa­grada dos Pedreiros do rei Salomão, e pregou a Segunda Cruzada em Vézelay ­para o rei Luís VII e uma congregação de 100.000. Em Vézelay ficava a grande Basílica de Santa Maria Madalena, e o juramento dos Cavaleiros Templários a São Bernardo exigia a "Obediência de Betânia - o castelo de Maria e Marta".

 

Não há coincidência no fato de a obra de Chrétien de Troyes, le Conte dli Graal (século XII), ser dedicada a Filipe d' Alsace, conde de Flandres. Tampouco foi por acaso que Chrétien foi patrocinado e incen­tivado em sua tarefa pela condessa Maria e a Corte de Champagne. A cultura do Graal nasceu diretamente desse antigo ambiente Templário e a obra Periesvaus retratava os Cavaleiros como guardas de um gran­de e sagrado segredo. Parzivai, de Wolfram, os definia como os Guardiões da Família do Graal.

 

                 SANTUÁRIO DA ARCA

Embaixo e à grande profundidade do Templo de Jerusalém se encon­trava o grande complexo do estábulo do rei Salomão, que permanecera selado e intacto desde os tempos bíblicos. O enorme abrigo subterrâneo foi descrito por um Cruzado como um "estábulo de magnífica capacidade, tão grande que podia abrigar mais de 2.000 cavalos". Abrir esse gigantesco repositório era a missão secreta original dos Cavaleiros Templários, pois São Bernardo sabia que ele continha a riqueza de Jerusalém do Antigo Testamento, incluindo a Arca da Aliança, que, por sua vez, continha o maior de todos os tesouros: as Tábuas do Testemunho.

 

Podemos nos perguntar por que essas relíquias da época de Moisés se tomaram objeto de uma missão tão bem guardada, chefiada por um abade cisterciense e pela flor da nobreza flamenga. Os escritos de hoje, aprovados pela Igreja, dizem que as tábuas de Moisés continham os Dez Mandamentos gravados em pedra pelo próprio Deus; entretanto, a substância desses bem conhecidos decretos de disciplina moral dificilmente constituíra um segredo. Na verdade, as tábuas procuradas pelos Cavaleiros eram particularmente importantes, pois traziam muito mais do que os conhecidos Mandamentos. Inscritas nelas vinham também as Tábuas do Testemunho; a equação cósmica: a divina lei de número, medida e peso.

A arte mística de ler as inscrições foi obtida pelo sistema críptico da Qabala (cabala).

Os Dez Mandamentos eram outra coisa. Eram os preceitos que Deus entregou primeiramente a Moisés e ao povo no monte Sinai (Êxodo 20 a 23), acompanhados por uma série de instruções verbais. E Deus disse a Moisés (Êxodo 24: 12):

 

"Sobe a mim, ao monte, e fica lá; dar-te-ei tábuas de pedra, e a lei, e os mandamentos que escrevi, para os ensinares".

 

Há três itens separados aqui: tábuas de pedra; uma lei; mandamentos. Deus disse ainda: "E porás na arco o Testemunho, que eu te darei" (Êxodo 25:16). Mais adiante, em Êxodo 31:18: "... deu a Moisés as duas tábuas do Testemunho, tábuas de pedra".

As tábuas originais foram quebradas por Moisés quando ele as jogou ao chão (Êxodo 32:19). Depois, Deus disse a Moisés (Êxodo 34:1):

 

"Lavra duas tábuas de pedra, como as primeiras; e eu escreverei nelas as mesmas palavras que estavam nas primeiras tábuas, que quebraste".

 

Subseqüentemente, Deus reiterou verbalmente os Mandamentos, e disse a Moisés: "Escreve estas palavras", e Moisés "escreveu nas tábuas as palavras da aliança, as dez palavras" (Êxodo 34:27-28).

Havia uma clara definição entre as Tábuas do Testemunho (escritas por Deus) e os Dez Mandamentos (separadamente escritos por Moisés). Durante séculos, a Igreja deu a entender que a Aliança dos Dez Mandamentos era a parte importante do conjunto, em conseqüência do que as verdadeiramente importantes Tábuas do Testemunho foram estrategicamente ignoradas.

 

Seguindo de Êxodo 25, instruções precisas para a construção da Arca são dadas em grandes detalhes. De modo semelhante, os métodos para o seu transporte também são especificados, além de especificações para roupas e calçados a serem usados pelos portadores e observadores. O desenho e os materiais para o Tabernáculo, local onde a Arca seria guardada, também são minuciosamente descritos, como na composição do altar interior. Como se tudo isso não bastasse, Êxodo 37-40 continua narrando como essas instruções foram seguidas à risca, repetindo tudo, detalhe por detalhe. Não havia espaço para erros, nem qualquer desvio das instruções passadas. Todo o trabalho de construção foi confiado a Bezalel, o filho de Uri Ben Hur de Judá.

Construída exatamente de acordo com as descrições no Antigo Testamento, a Arca se mostra não só como um cofre muito bem elaborado, mas também como um condensador elétrico, construído de madeira resinosa e forrado duplamente por dentro e por fora com ouro. Os fatos já foram afirmados muitas vezes tanto por cientistas como por teólogos. As placas individuais, carregadas positiva e negativamente, podem produzir várias centenas de volts suficientes para matar um homem. Uzá sentiu isso na própria pele quando tocou a Arca (2 Samuel e 6:6-7 e I Crônicas 13:9-10). Além disso, a Arca também parece ser um eficiente transmissor de sons, por meio do qual Moisés teria se comunicado com Deus (Êxodo 25:22).

Os Dez Mandamentos foram e são escritos, mencionados, discutidos e ensinados. Nunca foram segredo para ninguém, diferentemente das Tábuas do Testemunho. Essas preciosas tabulações foram colocadas na Arca auto-protetora para serem guardadas pelos levitas. Após o dramático transporte através da Jordânia e da Palestina (Josué e I Samuel), ela foi levada para Sião (Jerusalém) por Davi. Seu filho, o rei Salomão, mandou o mestre-pedreiro Hiram Abiff construir o Templo, e a Arca foi posta no Santo dos Santos. O acesso era proibido, exceto para inspeção ritual pelo sumo sacerdote, uma vez por ano.

Exceto por algumas breves referências, essa é a última informação que a Bíblia dá a respeito da Arca da Aliança. Alguns boatos sugerem que ela foi levada para a Etiópia (Abissínia), mas, em Apocalipse 11:19, há uma indicação de que ela permaneceu no Templo do Céu. Sem dúvida, a Arca e as Tábuas eram as posses mais valiosas de Jerusalém, mas, quando Nabucodonosor da Babilônia destruiu o Templo (por volta de 586 a.C.), nenhuma delas apareceu na lista de itens pilhados.

Naquela época, o sumo sacerdote de Jerusalém era Hilquias, cujo filho era Jeremias, o profeta (Jeremias 1:1), também o capitão da Guarda do Templo. Antes da invasão de Nabucodonosor, Hilquias instruiu Jeremias a ordenar a seus homens que escondessem os tesouros do templo nos estábulos subterrâneos - incluindo a Arca da Aliança. A ordem foi cumprida, e a Guarda formou uma Ordem de elite do Templo, para reter o registro dos guardados sagrados. Assim, quando São Bemardo e De Payens estabeleceram sua Ordem, mais de 1.500 anos depois, seus Cavaleiros nomeados sabiam precisamente o que estavam procurando, e onde.

Os leitores de A Linhagem do Santo Graal freqüentemente perguntam quando exatamente a Ordem do Templo de Jerusalém foi fundada, já que existe muita controvérsia quanto ao ano geralmente atribuído de 1118. Na realidade, porém, pode-se dizer que a fundação no século XII foi uma reconstituição da Ordem, pois ela foi originalmente fundada por Hilquias e Jeremias muito tempo antes, em 586 a.C.

Em 1127, a busca dos Templários já tinha terminado. Eles conseguiram pegar não só a Arca e seus conteúdos, mas uma riqueza inimaginável de ouro em barras e tesouros escondidos, todos seguramente empilhados sob o solo, muito tempo antes da demolição romana e da pilhagem no ano 70 d.C. Foi só em 1956 que uma evidência confirmatória do tesouro de Jerusalém veio à luz, na Universidade de Manchester. A decifração do Pergaminho de Cobre de Qurnrã se completou naquele ano e revelou que um "tesouro indeterminável", além de uma vasta pilha de ouro em barras e os outros valores, tinha sido enterrado sob o Templo.

À luz do tremendo sucesso dos Templários, Hugues de Payens foi chamado por São Bemardo para comparecer a um Concílio em Troyes. O concílio seria presidido por um embaixador do papa, o Cardeal Legate da França. Hugues e uma companhia de cavaleiros deixaram, então, a Terra Santa, levando a auspiciosa descoberta, e São Bemardo anunciou que a missão de Jerusalém estava cumprida. Ele escreveu:

 

"O trabalho foi realizado com a nossa ajuda, e os Cavaleiros foram enviados numa missão pela França e Borgonha, sob a proteção do Conde de Champagne, na qual todas as precauções estão sendo tomadas contra qualquer interferência por parte de autoridades públicas ou eclesiásticas”.

 

A corte de Champagne em Troyes estava bem preparada para o trabalho da tradução críptica e, em prontidão, já vinha patrocinando por muito tempo uma escola influente de estudos cabalísticos. O Concílio de Troyes aconteceu em 1128, quando São Bernardo se tomou o padroeiro e protetor oficial dos Cavaleiros Templários. Naquele ano, eles ganharam o status de Ordem Soberana, e sua sede em Jerusalém se tomou o centro governante da cidade capital. A Igreja estabeleceu os Cavaleiros como uma ordem religiosa e Hugues de Payens foi formalmente ordenado Grão-Mestre.

Diferente da Cruz dos Templários (vermelha com fundo branco), os Hospitalários de São João usavam um padrão de cores distinto (prata com fundo preto), no mesmo desenho. Seu hospital de peregrinos em Jerusalém foi fundado antes das Cruzadas, por volta de 1050. Depois da queda de Acre, que encerrou as Cruzadas em 1291, os Hospitalários foram forçados a abandonar a Palestina. Foram para Rodes e Chipre, acrescentando ven­turas seculares e militares às suas atividades, e a partir de 1530 ficaram estabelecidos como os Cavaleiros de Malta. Uma dissidência, regulamen­tada em 1888, criou a Associação de Ambulância da Grã-Bretanha, que ainda usa o mesmo distintivo.

Depois do Concílio de Troyes, a ascensão dos Templários à proemi­nência internacional foi incrivelmente rápida. Eles começaram a se engajar na alta política e em diplomacia em todo o mundo ocidental e se tomaram conselheiros de monarcas e parlamentares. Apenas onze anos mais tar­de, em 1139, o papa Inocêncio II (outro cisterciense) concedeu aos Ca­valeiros independência internacional de obrigação a qualquer autoridade, exceto a ele próprio. Independentemente de reis, cardeais ou governos, o único superior da Ordem era o papa. Mesmo antes disso, porém, eles tinham recebido vastos territórios e substanciais propriedades, da Grã­-Bretanha à Palestina. A Anglo-Saxon Chronicle, crônica anglo-saxônica, afirma que quando Hugues de Payens visitou Henry I da Inglaterra, "o rei o recebeu com muita honra, e lhe deu ricos presentes". O rei espanhol, Alfonso de Aragão, passou um terço de seu reino para a Ordem e toda a cristandade estava aos pés deles.

 

                         NOTRE DAME

Quando a notícia da incrível descoberta dos Templários se espalhou, os Cavaleiros passaram a ser reverenciados por todos e, apesar da riqueza de Jerusalém, grandes doações eram feitas a eles, vindas de todos os lados. Nenhum preço era alto demais para garantir afiliação e, uma década depois de seu retorno, os Templários eram provavelmente o órgão mais influente que o mundo já conheceu até hoje. Entretanto, apesar das prodigiosas posses da Ordem, individualmente os Cavaleiros eram comprometidos por um voto de pobreza. Qualquer que fosse sua condição social, todo Templário era obrigado a assinar um termo abrindo mão de suas posses - e, mesmo assim, os filhos dos nobres se perfilavam para entrar na Ordem. Sendo tão bem custeados, os Templários estabeleceram a primeira rede de bancos internacional, tornando-se os financiadores do Levante e de praticamente todo trono na Europa.

À medida que a Ordem crescia em posição, a fortuna dos cistercienses também aumentava e, 25 anos depois do Concílio de Troyes, eles já tinham mais de 300 abadias. Mas não parou nisso, pois o povo da França testemunhou, então, o mais espantoso resultado do conhecimento dos Templários acerca da equação universal. A silhueta da cidade começava a mudar, enquanto as catedrais a Notre Dame, com seus majestosos arcos, erguiam-se da terra. A arquitetura era fenomenal - impossível, alguns diziam. As ogivas pontudas atingiam alturas incríveis, cobrindo espaços inimagináveis, com seus arcobotantes e abóbadas trabalhadas. Tudo se estendia para cima e, apesar das milhares de toneladas de pedra ricamente decoradas, a impressão geral era de uma falta de peso mágica.

Seguindo as referências das Tábuas do Testemunho, a lei cósmica e sua geometria sagrada eram aplicadas pelos pedreiros templários para construir os mais belos monumentos sagrados a agraciar o mundo cristão. Na porta norte da Notre Dame de Chartres (o Portão dos Iniciados), uma escultura em relevo em uma pequena coluna mostra a Arca da Aliança sendo transportada. A inscrição pode ser traduzi da como: "Aqui, as coisas seguem o seu curso; devereis trabalhar pela Arca".

As catedrais foram construí das na mesma época, embora algumas tivessem levado mais de um século para se completar em todos os estágios. Notre Dame em Paris foi iniciada em 1163, em Chartres em 1194, em Reims em 1211 e em Amiens em 1221. Outras da mesma era foram construídas em Bayeux, Abbeville, Rouen, Laon, Evreux e Etampes. Em concordância com o princípio hermético, "acima, como abaixo", as plantas combinadas das cate­drais de Notre Dame replicam a constelação de Virgem. De todas elas, dizem que Notre Dame de Chartres é a que está no solo mais sagrado.

Notável entre as autoridades na história de Chartres é Louis Charpentier, cuja pesquisa e textos têm contribuído muito para a nossa compreensão da arquitetura gótica em geral. Ele diz que em Chartres as correntes telúricas estão em seu ponto mais alto e o local era conhecido por sua atmosfera divina mesmo nos tempos dos druidas. Tão venerado é o lugar de Chartres que ela é a única catedral onde não foi enterrado nenhum rei, bispo, cardeal, cônego ou qualquer outro em seu subsolo. O altar original foi construído acima da "Grotte des Druides", que abrigava um dólmen sagrado e era identificado com o Ventre da Terra.

Um dos maiores mistérios da arquitetura gótica é o vidro usado nos vitrais das catedrais. Eles apareceram pela primeira vez no início do século XII, mas desapareceram subitamente cem anos depois. Nada do tipo fora visto até então, e nada igual foi criado desde aquela época. Não só a luminosidade dos vitrais góticos é maior do que qualquer outra, mas também as qualidades que o vidro tem de aumentar a luz são muito mais eficazes. Diferentemente dos vitrais de qualquer outra escola arquitetônica, o efeito interior produzido pelos vitrais góticos é o mesmo, esteja a luz do lado de fora forte ou fraca. Mesmo no crepús­culo, o vidro retém sem fulgor mais do que qualquer outro.

O vidro gótico também tem o poder singular de transformar raios ultravioletas nocivos em luz benéfica, mas o segredo de sua fabricação nunca foi revelado, embora fosse sabido que ele continha um produto da alquimia hermética. Os indivíduos empregados para aperfeiçoar o vidro eram matemáticos filosóficos persas, como por exemplo Ornar Khayyam, cujos adeptos diziam que seu método incorporava o Spiritus Mundi - o fôlego cósmico do Universo. Só muito recentemente, como é explicado em Genesis ofthe Grail Kings, o processo secreto de manufaturação ficou conhecido - um processo que possui implicações estonteantes que vão muito além dos vitrais em si.

Por toda a parte nas catedrais góticas, as obras de arte arquitetônicas proliferam, mostrando a história bíblica e passagens dos Evangelhos, nas quais muita atenção é dada à vida de Jesus. Algumas das outras ainda visíveis hoje foram feitas depois do século XN, mas, durante a verdadeira era gótica, não houve uma única reprodução da crucificação. Com base nos escritos anteriores aos Evangelhos, que foram encontrados em Jerusalém, os Templários negavam a seqüência da crucificação como está descrita no Novo Testamento e, por esse motivo, nunca reproduziram a cena. O vitral do século XII na frente oeste de Chartres inclui um medalhão da crucificação, mas ele foi transferido de outro local numa data posterior - provavelmente da St. Denis, bem ao norte de Paris. Há vitrais herdados por meios semelhantes em outras catedrais de Notre Dame.

 

Além do ouro em barras de Jerusalém, os Templários também encontraram uma riqueza de manuscritos antigos em hebraico e siríaco, proporcionando relatos em primeira mão que não tinham sido censurados pelas autoridades eclesiásticas. Diante disso, tomou-se claro o fato de que os Cavaleiros possuíam uma visão e um discernimento que eclipsavam o Cristianismo ortodoxo uma visão que lhes dava a certeza de que a Igreja tinha interpretado erroneamente tanto a Concepção Imaculada como a Ressurreição. Eles eram, no entanto, considerados altamente pios, e eram firmemente apegados aos papas cistercienses da época.

Em tempos posteriores, porém, o conhecimento antes reverenciado dos Templários causou sua perseguição por parte dos papas de outras Ordens, e pelos selvagens frades dominicanos da Inquisição. Foi nesse ponto da história do Cristianismo que o último vestígio do pensamento livre desapareceu. Nem o conhecimento especial nem o acesso a certas verda­des serviam contra a nova linha dura de Roma. Foi assim que também sumiram ­todos os traços do aspecto feminino, só restando a Virgem Maria para represen­tar todas as mulheres. Na prática, seu status semidivino de Madona Virgem a distanciava tanto das outras que nenhuma era representada. Mas, apesar disso um raio de esperança prevaleceu, pois outra luz feminina brilha das catedrais de Notre Dame, onde a veneração a Maria Madalena continua sendo crucial ao tema. O lindo vitral de Madalena em Chartres tem uma inscrição que diz "Doa­do pelos carregadores de água" - os Aquarianos. Maria era a portadora de. Santo Graal, e sem dúvida ela se tornará muito mais proeminente com a grande nova inspiração da Era de Aquário: a era de renovado intelecto, sabedoria e a Lei Universal da Arca.

 

 

               IRMANDADE DO TERCEIRO GRAU

As catedrais de Notre Dame e as mais importantes construções góti­cas foram basicamente o trabalho dos Filhos de Salomão - uma sociedade de pedreiros (maçons) instruídos pela Ordem Cisterciense de São Bernardo.

São Bernardo tinha traduzido a geometria sagrada dos pedreiros do rei Salomão, os quais, sob ordens de seu mestre, Hiram Abiff, eram classificados por graus de conhecimento e proficiência. Salomão tinha procurado especificamente c rei Hiram de Tiro, em busca da assistência de Hiram Abiff, um arquiteto e artífice, qualificado em geometria sagrada. Embora Tiro fosse um renomado centro de adoração à deusa, Hiram Abiff se tornou o desenhista-chefe e Mestre Pedreiro para o templo de Javé. Em virtude disso, ele estava destina­do a ser uma figura simbólica chave, na futura Franco-Maçonaria.

Outras irmandades maçônicas da França medieval eram os Filhos do Pai Soubise e os Filhos de Mestre Jacques. Quando a Inquisição contra os Templários, liderada pelos dominicanos no século XIV, estava em seu ápi­ce, essas sociedades também corriam perigo. Sendo praticantes da Arte Maçônica, eles tinham informações privilegiadas a respeito do funcionamento da geometria sagrada e da Lei Universal, de acordo com o nível do progresso de cada um. Havia três graus: Companheiro Aprendiz, Companheiro Realizado e Companheiro Mestre - assim como hoje há três graus principais na moderna Franco-Maçonaria especulativa. Por isso, depois da Inquisição dos Templários, um severo interrogatório para extrair as informações mais vitais ou secretas é freqüentemente chamado de Terceiro Grau.

 

Embora se diga que a moderna Maçonaria derivou das sociedades medievais da Europa, a Arte tem origens muito mais remotas. Inscrições gravadas no obelisco egípcio no Central Park, Nova York, foram identificadas como símbolos maçônicos da época do faraó Tutmósis III (c.1468-1436 a.C.). Ele foi o trisavô de Moisés. Tutmósis (herdeiro de Tuth/ Tot) foi o fundador de uma influente sociedade secreta de estudiosos e filósofos, cujo propósito era preservar os mistérios sagrados. Em épocas posteriores, os magos samaritanos eram membros da Ordem, sendo ligados ao Terapeutato egípcio, uma comunidade ascética em Qumrã. Foi do Egito que Moisés (Akhenaton) introduziu o conceito de adoração em templo aos israelitas, quando criou o Tabernáculo em Sinai. De modo semelhante, a própria noção do sacerdócio era egípcia - herdada originalmente da antiga Suméria. Antes do Tabernáculo de Moisés, os patriarcas judeus usavam altares simples de pedra do lado de fora como locais de reverência e sacrifício, como aqueles erguidos por Noé (Gênesis 8:20) e Abraão

(Gênesis 22:9).    .

Um segundo obelisco egípcio do Templo do Sol (conhecido, por algum motivo obscuro, como a Agulha de Cleópatra - tendo relação com a rainha Cleópatra VII, embora seja anterior a ela mais de mil anos) se encontra no dique do Thames, em Londres. Ele tem 20,88 m de altura e pesa 186 toneladas. Os dois obeliscos de granito eram originalmente pilares da entrada do Templo em Heliópolis, mas foram levados para Alexandria em 12 a.C., depois para Londres e Nova York em 1878 e 1881, respectivamente.

Em sintonia com a prática egípcia de colocar pilares eretos nas entradas dos templos, Hiram Abiff introduziu o mesmo tema na varanda do Templo do rei Salomão em Jerusalém. Os pilares, com seus capitéis arredondados, eram semelhantes aos desenhos próprios da adoração à deusa, em Tiro, e aos símbolos de fertilidade dedicados a Astarte em Canaã. Os pilares de Jerusalém se chamavam Jaquim e Boaz (1 Reis 7:21 e 2 Crônicas 3:17). Foram construídos ocos para servir como repositórios para arquivos e rolos constitucionais da arte dos pedreiros. Além disso, embora o Templo fosse dedicado a Javé e projetado principalmente para abrigar a Arca da Aliança, sua construção não era limitada ao princípio hebraico masculino de Deus: o templo fora construído basicamente obedecendo ao costume tradicional e incorporava energias geométricas masculinas e femininas.

O Templo foi completado em sete anos, quando Hiram foi assassinado e colocado numa cova rasa. Sua morte teria sido o resultado de sua recusa em divulgar os segredos do Pedreiro Mestre aos trabalhadores não esclarecidos. Hoje, a morte simbólica de Hiram representa significativamente a cerimônia de Terceiro Grau da Franco-Maçonaria; o candidato é derrubado e erguido novamente da escuridão de sua cova com o uso do aperto secreto do Mestre Maçom ("pedreiro-mestre").

A moderna Franco-Maçonaria é mais especulativa do que operativa, mas mesmo na época de Hiram a sociedade dos artífices ao qual ele pertencia tinha lojas próprias, bem como símbolos e senhas. Um símbolo evidente era a espátula (do pedreiro), um emblema usado pelos pitagóricos e essênios, também encontrado nas catacumbas de Roma, onde há representações de iniciação maçônica pintadas nas tumbas dos perseguidos Innocenti.

 

                 MASSACRE EM LANGUEDOC

A oeste e noroeste de Marselha, no Golfo de Lion, estende-se a velha província de Languedoc, onde, em 1208, o povo foi repreendido pelo papa Inocêncio III por comportamento anticristão. No ano seguinte, um exército papal de 30.000 soldados entrou na região, sob o comando de Simão de Montfort. De maneira deliberadamente enganosa, eles usavam a cruz vermelha das Cruzadas a Terra Santa, mas seu propósito era muito diferente. Na verdade, os soldados tinham sido enviados para exterminar a seita ascética dos cátaros (os Puros), os quais, segundo o papa e o rei Filipe II da França, eram hereges. O massacre durou 35 anos, levando dezenas de milhares de vidas e culminando com a horrenda matança no seminário de Montségur, onde mais de 200 reféns foram amarrados em estacas e queimados vivos em 1244.

Em termos religiosos, a doutrina dos cátaros era essencialmente gnóstica; eles eram indivíduos notavelmente espiritualizados, que acreditavam que o espírito era puro, mas a matéria física os conspurcava. Embora suas convicções não fossem ortodoxas em comparação com as pérfidas perseguições de Roma, o medo que o papa tinha dos cátaros vinha, na verdade, de algo muito mais ameaçador. Dizia-se que eles eram os guardiões de um grande e sagrado tesouro, ligado a um conhecimento fantástico e antigo. A região de Languedoc era aquela que formava substancialmente o reino judeu de Septimania, no século VIII, e estava mergulhada nas tradições de Lázaro (Simão Zelote), enquanto os habitantes consideravam Maria Madalena a Mãe-Graal da cristandade.

Como os Templários, os cátaros eram expressamente tolerantes com a cultura judaica e a muçulmana. Eles também defendiam a igualdade dos sexos mas, por tudo isso, foram condenados e violentamente suprimidos pela Inquisição Católica (instituída formalmente em 1233) e acusados de todos os tipos de blasfêmia e desvio sexual. Contrariando as acusações, as testemunhas convocadas só trouxeram evidências da Igreja do amor dos cátaros e de sua devoção inabalável ao ministério de Jesus. Eles acreditavam em Deus e no Espírito Santo, recitavam o Pai Nosso e tinham uma sociedade exemplar, com um sistema próprio de assistência social, incluindo hospitais e escolas de caridade. Chegaram até a traduzir a Bíblia para a sua língua, a langue d'oc (daí o nome da região), e a população de não-cátaros também se beneficiou de seus esforços altruísticos.

Em termos práticos, os cátaros eram simplesmente não-conformistas, pregando sem licença e não necessitando de padres nomeados nem das igrejas suntuosas de seus vizinhos católicos. São Bernardo tinha dito que "Nenhum sermão é mais cristão que o deles, e sua moral é pura" - mas, mesmo assim, os exércitos papais vieram, disfarçados como santos missionários, para erradicar a comunidade dos cátaros.

O edito de aniquilação se referia não só aos cátaros místicos, mas a todos os que os seguiam - o que incluía a maior parte do povo de Languedoc. Naquela época, embora fosse geograficamente uma parte da França, a região era na verdade um Estado independente. Politicamente, ela era mais ligada à fronteira norte da Espanha, tendo o conde de Toulouse como seu soberano. Eram ensinadas as Línguas Clássicas, além de Literatura, Filosofia e Matemática. De um modo geral, a área era rica e comercialmente estável, mas tudo isso mudaria em 1209, quando as tropas do papa chegaram ao sopé dos Pireneus. Em alusão ao centro de Languedoc em Albi, a selvagem campanha foi chamada de Cruzada Albigense - pelo menos é o que se diz. Entretanto, o nome tem uma implicação muito mais importante. Albi era, na verdade, uma variante do velho termo europeu ylbi (um elfo do sexo feminino) e os cátaros se referiam ao Sangréal messiânico como o Albi gens: a linhagem dos elfos.

 

De todos os cultos que floresceram nos tempos medievais, o dos cátaros era o menos ameaçador, e o fato de eles terem alguma ligação com um conhecimento antigo em particular não era novidade; Guilherme de Toulouse de Gellone, rei da Septimania, tinha estabelecido sua academia judaica mais de quatro séculos antes. Entretanto, esse fato (somado à noção de que os cátaros guardavam um tesouro insuperável, de maior significado histórico do que a raiz do Cristianismo) levava Roma a uma única conclusão: a Arca, as Tábuas do Testemunho e os manuscritos de Jerusalém deviam estar escondidos em Languedoc. Isso seria suficiente para abalar o conceito fundamental da Igreja Romana ortodoxa. Só havia uma solução para um regi­me desesperado e fanático - e assim, a ordem se espalhou: "Mate-os todos!"

 

               O REINO DOS ESCOCESES

               A PERSEGUIÇÃO DOS TEMPLÁRIOS

A pseudocruzada terminou em 1244, mas se passariam mais 62 anos até que o papa Clemente V e o rei Filipe IV estivessem em posição de molestar os Cavaleiros Templários em sua busca pelo tesouro arcano. Em 1306, a Ordem de Jerusalém já era tão poderosa, que Filipe IV da França os via com certa preocupação; ele devia muito dinheiro aos Cavaleiros e estava praticamente falido. Além disso, ele temia o poder político e esotérico dos Templários, que certamente era muito maior do que o dele. Com o apoio do papa, o rei Filipe perseguiu os Templários na França e se empenhou em eliminar a Ordem em outros países. Os Cavaleiros estavam sendo presos na Inglaterra, mas ao norte da fronteira, na Escócia, as bulas papais não surtiam efeito, pois o rei Robert, o Bruce, e toda a nação escocesa foram excomungados por levantar armas contra o genro de Filipe, o rei Edward II da Inglaterra.

Até 1306, os Cavaleiros sempre tinham agido sem interferência papal, mas Filipe conseguiu mudar essa situação. Após um edito do Vaticano proibindo-o de cobrar impostos do clero, o rei francês providenciou a captura e o assassinato do papa Bonifácio VIII. Seu sucessor, Benedito XI, também morreu em circunstâncias muito misteriosas, sendo substituído em 1305 pelo candidato de Filipe, Bertrand de Goth, arcebispo de Bordeaux, que se tomou o papa Clemente V. Com um novo papa sob seu controle, Filipe apresentou sua lista de acusações contra os Cavaleiros Templários. A acusação mais fácil era a de heresia, pois todos sabiam que os Cavaleiros não aceitavam a visão da crucificação e não usavam a cruz latina ereta. Também era sabido que as questões diplomáticas e comerciais dos Templários os faziam se envolver com judeus, gnósticos e muçulmanos.

Em 13 de outubro de 1307, uma sexta-feira, os partidários de Filipe atacaram, e os Templários foram capturados por toda a França, sendo levados à prisão, interrogados, torturados e queimados. Testemunhas compradas eram chamadas para testemunhar contra a Ordem, e algumas declarações verdadeiramente absurdas foram feitas. Os Templários eram acusados de numerosas práticas consideradas profanas, incluindo necromancia, homossexualismo, aborto, blasfêmia e magia negra. Uma vez tendo dado seu depoimento, sob circunstâncias que envolviam suborno ou coerção, as testemunhas desapareciam sem deixar traços. Mas, apesar de tudo isso, o rei não alcançou seu objetivo primário, pois o tesouro continuou inacessível para ele. Seus vassalos tinham vasculhado toda a área de Champagne e Languedoc, mas o tempo todo a maior parte do tesouro estava escondida nos cofres do Tesouro de Paris.

 

Naquela época, o Grão-Mestre da Ordem era Jacques de Molay. Sabendo que o papa Clemente V era um peão do rei Filipe, Molay providenciou para que o tesouro de Parias fosse removido numa frota de 18 galeras de La Rochelle. A maioria desses navios singrou para a Escócia (alguns foram para Portugal), mas Filipe não sabia disso e negociou com vários monarcas para que os Templários também fossem perseguidos fora da França. Subseqüentemente, ele obrigou o papa Clemente a proibir a Ordem em 1312 e, dois anos depois, Jacques de Molay foi queimado na estaca.

Edward II, da Inglaterra, relutava em se voltar contra os Cavaleiros, mas sendo genro de Filipe, viu-se numa posição difícil. Assim, ao receber uma instrução clara do papa, ele concordou com a ordem da Inquisição. Muitos Templários foram presos na Inglaterra, suas terras e preceptorias confiscadas e depois passadas para os Hospitalários de São João.

Na Escócia, porém, a história foi bem diferente: a bula papal foi totalmente ignorada. Muito tempo antes, em 1128, Hugues de Payens conhecera o rei David I dos escoceses logo depois do Concílio de Troyes, e São Bernardo de Clairvaux integrava a Igreja Celta, com sua abastada Ordem Cisterciense. O rei David concedeu a Hugues e seus Cavaleiros as terras de Ballantradoch, próximas ao Estuário de Forth (hoje a vila do Templo), e eles estabeleceram sua sede principal em South Esk. A Ordem, então, foi promovida e encorajada por sucessivos reis, particularmente William, o Leão. Tratos consideráveis de terra eram passados para os Cavaleiros (especialmente nas cercanias de Lothian e Aberdeen) e os Templários também tomaram posse de propriedades em Ayr e no oeste da Escócia. Um grande contingente lutou em Bannockburn, em 1314, ganhando grande proeminência em Lorne e Argyll. Desde o período de Robert, o Bruce, cada sucessivo herdeiro Bruce e Stewart era um Cavaleiro Templário por nascimento e, em viturde disso, a linhagem real escocesa compreendia não só reis sacerdotes, mas também reis sacerdotes cavaleiros.

 

                     BANQUO E MACBETH

Desde a época dos merovíngios depostos, a mais importante dinastia reinante na sucessão dos desposyni foi a Casa Real de Stewart, da Escócia, cuja herança era parte escocesa e parte bretã. Quanto à ancestralidade escocesa, um dos personagens mais importantes era Banquo, o Thane de Lochaber, do século XI.

 

Depois de Kenneth MacAlpin ter unificado os pictos e escoceses, em 844, cada rei destes últimos herdava a coroa por meio da descendência tanista, de acordo com o costume dos pictos. Embora os escoceses seguissem sua realeza por sucessão pela linha masculina, a tradição dos pictos sempre fora matrilinear. Foi, portanto, elaborado um arranjo no qual as princesas dos pictos se casavam com reis escoceses, mantendo assim o status quo, enquanto a descendência não era estabelecida em uma linhagem familiar. Os reis eram escolhidos antecipadamente dentre os filhos, sobrinhos e primos em linhas paralelas de descendência de uma fonte comum. Nesse caso específico, a fonte comum era o rei Kenneth. A grande vantagem desse arranjo seletivo era que os mais novos nunca chegavam à coroa como aconteceu para o prejuízo da Escócia em épocas posteriores, quando o sistema foi abolido.

Após quase 200 anos de sucessão tanista alternada na descendência escocesa, ocorreu uma feroz disputa quando a tradição foi abolida pelo rei Malcolm II. Em vez de passar o trono devidamente a seu primo mais novo, Boede de Duff (Dubh), ele decidiu que alguém de sua prole herdaria a coroa. O problema era que Malcolm não tinha filho, mas sim três filhas, dentre as quais Bethoc, a mais velha, era casada com Crinan, arcebispo da Sagrada Família de São Columba. Como o próprio Columba, Crinan descendia da realeza Tir Conaill da Irlanda. A segunda filha de Ma1colm, Donada era esposa de Findlaech MacRory, Mormaer de Moray, enquanto Olith (a mais jovem) era casada com Sigurd II, príncipe nórdico e Jarl (conde) de Orkneys. Havia uma complicação adicional, porque a irmã do rei Ma1com, Dunclina, era casada com Kenneth de Lochaber que, pela estrutura do tanistrado, tinha um direito secundário à coroa como primo de Boede, descendente de Kenneth MacAlpin.

Os filhos desses vários casamentos estavam todos na corrida para o trono quando Ma1colm II morreu em 1034 e, entre esses filhos, o herdeiro mais próximo à sucessão era o filho de Dunclina, Banquo (Banchu), Thane de Lochaber. Entretanto, de acordo com os desejos de Ma1colm, o filho de sua filha mais velha, Bethoc, sucedeu ao trono como rei Duncan I. Sendo também o filho e herdeiro do arcebispo Crinan (morto pelos vikings em 1045), Duncan se tornou o primeiro rei sacerdote da Escócia, no estilo dos antigos merovíngios da Gália. Esse conceito do monarca como representante soberano e patriarca religioso permaneceu no cerne da cultura escocesa dali em diante.

 

Antes da morte de Malcolm, uma revolta contra a sucessão planejada fora instigada por Gruoch, filha mais velha do tanista lógico Boede de Duff, que não tinha filhos vivos. Conseqüentemente, o rei Malcolm matou Boede, deixando Gruoch com uma significativa reivindicação soberana segundo as regras do tanistrado. Com isso, ela impôs uma oposição ferrenha contra o rei, que respondeu matando seu marido, Gillacomgen de Moray. Gruoch (que estava grávida, na época) fugiu, buscando a proteção de seu primo, Macbeth, o filho de Donada e Findlaech por casamento. Pouco depois, em 1032, ela se casou com seu protetor e se tomou lady Macbeth.

Quando Malcolm III morreu, Gruoch convenceu Macbeth a desafiar a sucessão de seu primo Duncan. Ela não era a única a se ressentir de Duncan, e violentas revoltas se sucederam, lideradas por vários chefes de clãs. Nem o influente Banquo de Lochaber, um capitão do exército de Duncan, podia conter os tumultos. Um conselho militar foi convocado, no qual Macbeth ganhou controle das tropas do rei, conseguindo aplacar a revolta. Com isso, ele acabou se tomando mais popular que o próprio rei, elevando ainda mais as ambições de lady Macbeth, que sabia que a coroa estava ao alcance de seu marido. Mas e quanto ao rei Duncan? A verdade a respeito da morte dele, em 1040, ainda é incerta. A história diz que ele foi morto numa briga em Bothnagowan (Ptigaveny, perto de Elgin), enquanto a literatura romântica conta que ele foi assassinado no castelo de Macbeth. Seja qual for a verdade, Macbeth se tomou rei ao sul e a oeste do Tay, enquanto seu primo Thorfinn de Caithness (filho de Olith e Sigurd) governava o resto da Escócia.

Por dezessete anos, Macbeth governou um reino ordeiro, enquanto sua esposa era a anfitriã de uma corte sempre popular. No começo, porém, Thane Banquo tentou reconquistar a coroa para o filho de Duncan, Malcolm Canrnore, príncipe de Cumbria. No decorrer da disputa, Macbeth matou dois filhos de Banquo e preparou uma emboscada para Banquo e seu filho mais velho, Fleance. Banquo foi morto na luta, mas Fleance escapou para o castelo do príncipe Gruffyd ap Llewelyn de Gwynedd (noroeste do País de Gales). Lá ele se tomou o primeiro marido da filha de Gruffyd, Nesta, com quem ficou algum tempo. Depois da morte de Fleance, Nesta se casou com Osbern Fitz Richard de León.

Durante todo o reinado de Macbeth, Malcolm persistiu com sua reivindicação, ganhando o apoio de Thorfinn e, em 1057, seus exércitos conjuntos forçaram a retirada de Macbeth em Lumphanan. Reconhecendo a derrota absoluta, lady Gruoch Macbeth cometeu suicídio e, pouco depois, Macbeth foi morto. Thorfinn também morreu em batalha e sua esposa, Ingibjorg, foi obrigada a desposar Malcolm Canrnore. Apesar da vitória, Malcolm não ascendeu à coroa imediatamente, pois o grupo de Macbeth ainda tinha o controle e colocou o filho de lady Grouch, Lulach (de seu primeiro marido, Gillacomgen) no trono. Poucos meses depois, porém, Lulach foi morto em Strathbogie e, em 1058, Ma1colm III Canmore foi proclamado rei dos escoceses.

As histórias de Macbeth, lady Macbeth e Banquo têm sido tratadas com muita parcimônia pelos historiadores, mas seu status lendários vive na popular peça de Shakespeare baseado em Chronicles of Englande. Scotlande and Irelande de Raphael Holinshed (morto em 1580). Macbeth de Shakespeare foi escrito quase seis séculos depois do evento histórico. Portanto, ao construir as profecias das três irmãs estranhas, o dramaturgo já sabia exatamente o que acontecera na história. Quando consultam seus augúrios no começo da história, as bruxas informam a Macbeth que ele será rei. Elas também dizem a Banquo que, embora ele nunca chegue a reinar, gerará uma linhagem de futuros reis - o que de fato ele fez.

 

 

 

                 OS HIGH STEWARDS

O nome Stewart deriva da distinção de "Steward" - senescal, mordomo-mor - usada na Idade Média, na Escócia. Os primeiros Stewarts se tornaram reis dos escoceses em 1371 e a ramificação real posterior adotou a forma adaptada para o francês, Stuart (como o fizeram outras ramificações). Desde seus primeiros dias, sabia-se que os Stewarts eram descendentes de Banquo de Lochaber, e essa descendência, através desse nobre Thane (pelo rei Alpin, pai de Kenneth I), aparecia na lista de todas as genealogias relevantes. Também era um fato, porém, que os Stewarts surgiram dos Senescais do século XI de Dol, na Bretanha. Em termos soberanos, seus legados conjuntos foram de enorme importância, pois sua linhagem escocesa era da sucessão de Arimatéia, enquanto sua herança bretã era a do próprio Jesus, através dos reis pescadores.

 

O precursor pré-escocês da linhagem bretã foi Alan, Senescal de Dol e Dinan, um contemporâneo de Banquo e Macbeth no segundo quarto do século XI. Os filhos de Alan eram Alan e Flaald (Stewards hereditários de Dol) e RhiwalIon (Senhor de Dol). O filho mais velho, Alan (Alanus Siniscallus), foi comandante na Primeira Cruzada e aparece no Cartulário de St. Florent como um benfeitor da abadia. Seu irmão Flaald (Fledaldo) era o barão de S1. Florent e se casou com Aveline, filha de Amulf, Seigneur de Hesdin de Flandres. O terceiro irmão, lorde Rhiwallon, tomou-se abade de St. Florent de Saumur em 1082.

Os registros de fidalguia citam Aveline como a esposa do filho de Flaald, Alan, mas esse dado está incorreto. Alan Fitz Flaald nasceu com o título de "de Hesdin" herdado de sua mãe, Aveline (Ava). Ela é descrita no Cartulário de São Jorge (Cartulary of St. George), Hesdin, como sendo de uma idade que podia consentir que seu pai desse de presente propriedades inglesas para os priores em 1094. Quando Seigneur Amulf (irmão do conde Enguerrand de Hesdin) entrou para a Cruzada em 1090, Aveline se tomou sua assistente e herdeira na Inglaterra. Ela recebeu o título de Domina de Norton (Senhora de Norton) e seu filho era Alan Fitz Flaald de Hesdin, barão de Oswestry no reinado do rei Henry I. Alan casou-se com Adeliza, filha do Sheriff Warine de Shrophsire, herdando, portanto, o mesmo posto. Ele também fundou o convento de Sporle, em Norfolk, como uma célula de St. Saumur.

Os filhos de Alan, o Steward, eram William e Jordan FitzAlan. William sucedeu aos títulos de Oswestry e Shropshire depois da morte de seu primo Alan, e os condes Fitz Alan de Arundel descendiam dele. Jordan herdou a senescalia de Dol e também as terras de Tuxford, Burton e Warsop na Inglaterra. Alan também teve uma filha, Emma, que se casou com Walter, Thane de Lochaber- o filho de Fleance (filho de Banquo) e da princesa Nesta de Gwynedd. O filho deles, Alan de Lochaber, casou-se com sua prima, Adelina de Oswestry (filha de Alan Fitz Flaald) e eles foram os pais de Walter Fitz Alan (morto em 1177), que se tornou o primeiro High Steward da Escócia.

Alguns mapas publicados da genealogia Stewart identificam erroneamente Walter, o High Stewart, com seu avô Walter, Thane de Lochaber. Esse erro surgiu porque uma forma alternativa do nome Alan era Flan, o que se confundiu com Fleance, o nome do filho de Banquo.

Na verdade, o segundo Walter Fitz Alan é que foi nomeado como Grande Senescal Escocês do rei David I (1124-1153). Walter chegou à Escócia por volta de 1138 e recebeu do rei David I terras em Renfrewshire e East Lothian. Ao se tornar o High Stewart da Escócia, Walter obteve a mais alta das posições concedidas e também se tornou Chanceler das Rendas do Tesouro. Esse último posto trouxe a Fesse Chequey ao armorial dos Stewarts: o chequey representa a tabela xadrez que era usada para cálculos monetários, e daí deriva o termo inglês moderno Exchequer, aplicado ao Departamento do Tesouro Nacional.

Durante o reinado do neto de David, Malcolm IV, Walter fundou o convento de C1uniac Paisley e foi nomeado Comandante do exército do rei. Em 1164, a costa de Renfrew foi invadida por 160 navios de guerra nórdicos do poderoso Somerled, Thane das ilhas. Os navios continham mais de 6 mil guerreiros determinados a conquistar, mas, chegando à terra firme, foram derrotados por um contingente muito menor sob o comando dos Cavaleiros Pessoais de Walter. Na biblioteca do Corpus Christi College, Cambridge, há um manuscrito do monge Willliam de Glasgow que dá um testemunho pessoal da batalha de Renfrew, em 1164. O monge afirma que Somerled foi morto no início da luta, após o que os invasores foram massacrados. A batalha também está descrita em Chronicles of Man, of Holyrood and of Melrose.

De todos os reis escoceses, o jovem Malcolm IV (conhecido como o Donzelo) foi o mais fraco, o que ele provou quando cedeu os valiosos territórios de Cumbria a Henry II da Inglaterra. Em seguida, ele foi a Toulouse, quando tinha 14 anos, e passou o resto de seus outros dez anos no exterior. Foi bom para a Escócia que Walter, o Steward, estivesse lá para administrar as questões políticas, militares e financeiras no lugar do rei.

 

Malcolm IV foi sucedido por seu irmão William, em 1165; ele era um personagem muito mais forte, recebendo o apelido de "O Leão". Um pouco depois de sua ascensão, William tentou recuperar Northumberiand e Cumberland de Henry II em Alnwick, em 1174. Nessa época, o rei Henry da Inglaterra era casado com Eleanor de Aquitânia (a ex-esposa de Luís VII da França), mas seus filhos (com a aprovação de Eleanor) ficaram do lado de William dos escoceses na disputa de Cumbria, voltando-se contra o pai no campo de batalha. No evento, William foi derrotado e capturado, sendo posteriormente obrigado a assinar o Tratado de Falaise, reconhecendo o rei inglês como Senhor Supremo da Escócia. William ficou sob custódia e, mais uma vez, Walter, o High Steward, assumiu as rédeas.

Walter Fitz Alan morreu em 1177 e foi sucedido por seu filho Alan como o 2o. High Steward. Em 1189, Alan entrou para a Terceira Cruzada com o filho e sucessor de Henry II, Richard I Coeur de Lion (Ricardo Coração de Leão). Antes de partir para a Terra Santa com Alan, o rei Richard declarou nulo o Tratado de Falaise, reafirmando o direito da Escócia à independência. Alan, o Steward, morreu em 1204 e seu filho Walter se tomou o 3°. High Steward do filho e herdeiro de William, Alexander II. Esse Walter foi o primeiro a usar o nome Stewart, e também foi ele quem elevou o convento Paisley ao status de abadia em 1219. Em 1230, ele já era Justiciar, no norte de Forth, além de chanceler.

O rei seguinte, Alexander III, tomou-se um dos monarcas mais impressionantes da Escócia, embora, no começo, seu reinado estivesse sujeito à regência papal do 4o. High Steward, o filho de Walter, Alexander. Naquela época, os invasores nórdicos estavam causando problemas e, em 1263, a frota do rei norueguês Haakon chegou a Clydeside. Eles foram derrotados na batalha de Largs pelas forças escocesas sob o comando de Alexander Stewart, que foi recompensado ganhando o domínio de Galloway.

O rei Alexander III se casou com Margaret, filha de Henry lU Plantageneta da Inglaterra, e, para manter a paz com o rei da Noruega, sua filha, a princesa Margaret da Escócia, casou-se com o futuro rei Eric II. Infelizmente, ela morreu de parto pouco tempo depois - dois anos antes da morte de seu pai, que não deixou herdeiros do sexo masculino. Isso significava que a única herdeira ao reino dos escoceses era a neta de Alexander, a Donzela da Noruega, que tinha apenas três anos de idade. E assim o 5o. High Steward, Sir James (filho de Alexander Stewart) se tomou Regente na Escócia.

Os escoceses começaram a se preocupar com o fato de sua nação ficar sob o governo da Noruega. O bispo de Glasgow foi procurar o tio da Donzela, rei Edward I da Inglaterra, para conselhos, mas por causa das aspirações dos Plantagenetas quanto ao controle da Escócia, a resposta de Edward foi previsível. Ele sugeriu que Margaret, Donzela da Noruega, se casasse com seu filho Edward Caernarvon e foi trazida para a corte Plantageneta inglesa. Edward I considerava sua sugestão um positivo noivado, mas os escoceses não viam a proposta como um compromisso.

 

Quatro anos depois, porém, foi decidido que a jovem herdeira seria trazida para a Escócia, a qualquer custo.

Em setembro de 1290, Margaret, a rainha dos escoceses, que se tinha sete anos de idade, singrou para a sua terra soberana, mas morreu de maneira súbita e misteriosa quando seu navio chegou a Orkney. Na seqüência dessa tragédia, Sir James Stewart se empenhou em manter a paz, mas as emergentes guerras de sucessão e independência estavam destinadas a infestar a Escócia por muitos anos.

 

                       ROBERT, O BRUCE

Os três principais contendores à herança de Margaret eram Jolm Comyn (descendente do rei Donald Ban), John Balliol (descendente do rei David, conde de Huntingdon) e Robert Bruce, Senhor de Annandale (outro descendente do rei David). Bruce era o favorito inicial, mas Edward I da Inglaterra se autoproclamou Senhor Supremo da Escócia, considerando o suposto noivado de seu filho. Ele ganhou permissão de alguns nobres escoceses de abjudicar e, por meio de manobras políticas, assumiu o controle das fortalezas-chave da nação. Em seguida, com um comitê especialmente formado, o qual ele chamava de "os mais sábios da Inglaterra", Edward fez sua seleção. O conselho Plantageneta insistia que o novo rei dos escoceses estivesse preparado para governar abaixo do rei da Inglaterra. Robert Bruce era a escolha dos escoceses, mas ele se recusava a se submeter a Edward, afirmando:

"Se eu puder obter o mencionado reino por meus direitos e com um tribunal fiel, muito bem. Do contrário, ao ganhar o reino, eu jamais o reduzirei à servidão."

 

John Balliol, por outro lado, concordou com a exigência e, por isso,tomou-se o rei nomeado, fazendo o juramento necessário:

"Eu, John, rei da Escócia, serei honesto e fiel a vós, lorde Edward, pela graça de Deus, rei da Inglaterra, o nobre e superior Senhor do reino da Escócia, pela qual zelarei por vós."

 

Balliol ganhou o trono em 1292, quando o High Steward ainda era Sir James Stewart. Sir James era partidário de Robert Bruce e um feroz oponente do rei Edward e de Ballio!. Edward obrigou Balliol a fornecer dinheiro e tropas para o exército inglês - um gesto que levou muitos a formar um movimento de resistência marcial, sob a liderança do cavaleiro nascido em Paisley, Sir William Wallace. Com o apoio de James Stewart, Wallace teve sucesso inicialmente, levando Edward a depor Balliol em 1296 e a começar a governar a Escócia sozinho. Wallace teve uma boa vitória em Stirling em 1297, sendo subseqüentemente proclamado Governador da Escócia, mas no ano seguinte ele foi derrotado pelos arqueiros de Edward em Falkirk. Em 1305, ele foi capturado e executado pelos ingleses, que empalaram sua cabeça na ponte de Londres e mandaram o resto do corpo em pedaços a cidades na Escócia e no Norte.

Daquele momento em diante, um novo líder assumiu a causa dos escoceses. Era Robert, o Bruce, o herdeiro e sucessor de Robert Bruce, o contendor. Ignorando o pretensioso interesse dos Plantageneta, os escoceses coroaram Robert I Bruce em 1306. Edward II invadiu a Escócia em 1314, e Bruce o derrotou em Bannockburn e declarou a independência de sua nação.

 

                     A CASA REAL DE STEWART

Sir James Stewart morreu três anos após a coroação de Bruce e foi sucedido por seu filho Walter Stewart, o 6°. High Steward. Walter tinha comandado a ala esquerda do exército escocês em Bannockburn, auxiliado pelo cavaleiro Bruce no campo de batalha. No ano seguinte, Walter se casou com a filha do rei Robert, Marjorie. Alguns meses depois, Robert foi para a Irlanda, deixando Walter Stewart como seu regente na Escócia, mas Marjorie morreu ao cair de seu cavalo, menos de um ano após se casar. Quando morreu, ela estava grávida, mas o bebê, Robert, foi salvo pelo parto cesariano e, no devido tempo, tornou-se o 7°. High Steward. Com 19 anos, Robert era o regente do filho de Bruce, o rei David II, ocupando o cargo até David chegar à idade de assumir, em 1341.

Pouco depois, Edward III Plantageneta começou a Guerra dos Cem Anos com a França. David decidiu ficar do lado da causa francesa, mas foi derrotado e capturado pelos ingleses em Nevill's Cross, em 1346. Ficou em custódia por onze anos, tempo em que Robert, o High Steward, assumiu o controle na Escócia. O rei David foi libertado em 1357, mas não sem antes entrar num acordo com Edward III. Dirigindo-se ao Parlamento escocês, David anunciou que, se morresse sem herdeiros, a coroa da Escócia passaria para o rei da Inglaterra, mas a resposta ecoou em alto e bom tom: "Enquanto um de nós puder usar armas, jamais permitiremos que um inglês seja nosso rei". A partir daquele momento, David foi ignorado pelos escoceses e, quando morreu sem herdeiro em 1371, o povo resolveu fazer a própria escolha para o seu sucessor.

Havia somente um homem para essa posição - aquele que vinha governando a Escócia havia anos e cujos ancestrais tinham sido reis inferiores por seis gerações. Era Robert Stewart, o 7o. High Steward.

Em 26 de março de 1371, a Casa Real de Stewart foi fundada pelo rei Robert II. Pela primeira vez, desde Artur mac Aedàn de Dalriada do século VI, as principais sucessões do Graal da Grã-Bretanha e da Europa tinham se juntado na realeza dos escoceses, e o antigo legado real dos Stewarts se realizava.

 

                 A ERA DO CAVALHEIRISMO.

                 GUERRA E PESTE NEGRA

O século XIV foi um período de grande tumulto e desordem geral na Grã-Bretanha e na Europa continental. Foi um século não só de contínuas guerras mas também de pestes, uma das quais tirou a vida de quase um terço da população da Inglaterra. No fim do século XIII, os escoceses viviam continuamente perturbados pela Casa de Plantageneta, mas, em 1314, Robert, o Bruce, derrotou os invasores ingleses em Bannockbum Subseqüentemente, em 1328, a independência da Escócia foi formalmente reconhecida por Edward II no Tratado de Northampton.

Pouco depois, a Inglaterra entrou em guerra com a França. A luta fa: instigada por uma disputa entre Edward II e o rei francês, de que Edward (que também era duque de Aquitânia) era tecnicamente um vassalo quanto a determinadas propriedades na França. Edward se recusava a reconhecer a autoridade primária da coroa ftancesa nesse aspecto, o que levou a rei Carlos IV da França a tomar alguns dos territórios de Edward na Gasconha (1324). Como retaliação, Edward ameaçou cessar o comércio com Flandres e formou uma aliança com o duque de Borgonha. A ironia era que Edward II era casado com a irmã do rei, Isabela, que se tornou tão impopular na Inglaterra por causa da disputa que, em 1325, ela voltou para a França. Lá, ela e seu amante inglês, Roger Mortimer, conde de March, planejaram depor e assassinar Edward II em 1327.

No ano seguine, Carlos IV (o último capetíngeo) morreu, e uma nova dinastia começou com seu primo, o duque de Valois, que se tornou Filipe VI. Mas a herança de Filipe foi desafiada pelo novo rei da Inglaterra, Edward III. Em conseqüência do assassinato de seu pai (instigado por sua mãe), Edward declarou que ele próprio era o verdadeiro rei da França, sendo o neto do pai de Isabela, Filipe V. Em 1330, Edward III mandou executar Mortimer e confinou Isabela em um convento. Em 1346, ele levou seus arqueiros a Crecy e estraçalhou as fileiras de cavaleiros franceses com uma saraivada de flechas.

Naquele mesmo ano - em meio ao tumulto geral de batalha e peste - nascia a Era do Cavalheirismo. Segundo a tradição, em 1348, o rei Edward notou alguns dos membros da corte rindo quando a condessa de Salisbury deixou cair a liga, na presença deles. Aparentemente, Edward pegou o objeto e o colocou na própria perna, dizendo: "Honi soit qui mal y pense" (Vergonha daqueles que vêem nisso um mal). Foi assim que teve início a Ordem da Liga, usando o comentário do rei como lema (traduzido alternativamente, e de modo errado, como "Que venha o mal para aquele que pensa o mal"). Edward, cujos torneios se tornaram muito conhecidos, escolheu 24 cavaleiros (além de seu filho) com os quais inaugurou a Ordem. A tradição romântica da Távola Redonda do rei Artur era seu modelo para a igualdade cavaleirosa, e um Código de Cavalheirismo foi estipulado, segundo o qual os cavaleiros deveriam servir a Deus e ao rei, travar batalha pelos seus bons nomes e respeitar e defender a honra das senhoras (esse tema é abordado com mais detalhes no livro Realm of the Ring Lords).

O filho mais velho de Edward m era Edward, príncipe de Gales (designado por futuros historiadores como o Príncipe Negro por causa da cor de sua armadura). Em Crecy, ele ganhou três plumas (penas), além do lema Ich dien (eu sirvo), e desde então estes têm sido os emblemas dos príncipes de Gales. Durante oito anos, o Príncipe Negro governou Aquitânia, cruel e grandemente temido. Na Inglaterra, porém, ele era um notável expoente do cavalheirismo, e sua reputação introduziu um elemento de grande romance num período tétrico de guerras contínuas e doenças.

 

                 ROMANCE ARTURIANO

As lendas românticas do rei Artur, que serviram de modelo para a Era do Cavalheirismo, pouco tinham a ver com o Artur histórico - um Ard Ri (Grande Rei) e senhor da guerra celta, cujos guerreiros guletic eram de uma reputação temível no século VI. Entretanto, as histórias do Graal trouxeram Artur ao domínio público e, quando a Nobre Ordem da Liga, da Inglaterra, foi fundada por Edward III em 1348, os cavaleiros de Artur viraram cavalheiros, homens galantes, porém guerreiros campeões, usando armadura. A grande Távola Redonda (c. 5,5 metros) de carvalho, usada na era Plantageneta, está pendurada hoje em Castle Hall, Winchester. Testes de carbono revelam qUõ: ela remonta ao reinado de Henry III (1216-1272), mas a pintura arturiana simbólica foi acrescentada depois, provavelmente durante o reinado Tudor de Henry VIII.

Já abordamos o Artur histórico num capítulo anterior, mas agora é apropriado examinarmos o Artur lendário, que tanto inspirou a Era do Cavalheirismo - o Artur cuja história nasceu quando Geoflfrey de Monrnouth produziu sua exuberante Ristoria Regum Britanniae, por volta de 1147. Comissionado pelo conde normando de Gloucester, Geoffrey transpôs Artur mac Aedàn dos escoceses de Dalriada para um ambiente a oeste da Inglaterra. Ele também transformou Gwyr-Llew, Dux de Caruele, em Gorlois, duque da Comuália, além de inventar Uther Pendragon e introduzir vários outros temas que se adequassem às exigências feudais. Em meio a tude isso, uma das introduções mais românticas de Geoffrey foi a espada mágica de Artur, Caliburn, que teria sido confeccionada na ilha de Avalon.

Em 1155, o poeta de Jersey, Robert Wace, compôs o Roman de Broc (História de Brutus). Era uma versão poética da Ristoria de Geoffrey baseada numa tradição de que a civilização na Grã-Bretanha fora fundada por volta de 1130 a.C. pelo príncipe Brutus de Tróia. Uma cópia do poema de Wace, que incluía a primeiríssima referência aos Cavaleiros da Távola Redonda, foi apresentada a Eleanor de Aquitânia. Nessa notável obra, a rainha Guanhumara de Geoffreios aparecia mais corretamente com e nome de Gwynefer (do gaélico Gwen-hwyfar: "bom espírito") e a espada Calibum de Artur recebeu o nome de Excalibur.

Por volta de 1190, o padre Layamon, de Worcestershire, compilou uma versão inglesa do poema de Wace, mas antes disso um romance mais excitante surgira na França. Seu autor era Chrétien (que significa "cristão") de Troyes, cujo mentor era Marie, condessa de Champagne. Chrétien transformou a tradição já aventurosa de Artur na lenda totalmente inspirada e deu a Gwynefer o nome mais poético de Guinevere. Seus seis contos relacionados aparecem por volta de 1175, e foi no conto de Lancelot, intitulado Le Chevalier de La Charrette, que Camelot apareceu pela primeira vez como a corte real. Chrétien freqüentava os círculos aristocráticos, e histórias como Yvain - le Chevalier au Lion baseavam-se em vários personagens nobres de Léon do século VI ao XI. As distintas armas heráldicas dos condes de León d' Acqs incorporavam um leão preto sobre um escudo dourado, e os condes eram conhecidos como os Cavaleiros do Leão.

Foi nessa ocasião que os escritores europeus continentais começaram a amalgamar a literatura arturiana com as histórias do Santo GraaI. A pedido do conde Filipe d'Alsace, Chrétien abriu seu famoso conto de Percival em Le Conte dei Graal (A História do Graal). Mas Chrétien morreu enquanto escrevia a história, e o trabalho foi concluído por outros escritores.

O próximo a trabalhar com a cena arturiana foi o poeta borgonhês Robert de Boron. Seus versos escritos na década de 1190 incluem Joseph d'Arimathie - Roman l'Estoire dou Saint Graal. Entretanto, diferentemente da história de Chrétien do Sangréal, a de Boron não era contemporânea ao rei Artur. Em essência, ela se concentrava mais na estrutura temporal de José de Arimatéia.

Mais ou menos da mesma época, surgiu um manuscrito anônimo intitu1ado Perlesvaus. Essa obra tinha origens entre os Templários e declarava que José deArimatéia era o tio-avô de PercivaI. Depois, por volta de 1200, aparecia o conto Parzival, uma história detalhada e mais profunda da Família do Graal, escrita pelo cavaleiro da Bavária, Wolftam von Eschenbach.

O rei Artur ganhou maior destaque por uma série de cinco histórias do período de 1215-1235, as quais ficaram conhecidas como o Vulgate Cycle, ou o cicIo da Vulgata. Escritas pelos monges cistercienses, essas obras apresentavam o filho de Lancelot, Galahad, cuja mãe era a filha do rei pescador, Elaine le Corbenic. O maior cavaleiro de Artur, Percival, também continuou sendo um dos personagens centrais. O Cycle reteve a Excalibur de Wace como a espada de Artur e estabeleceu o tema de sua aquisição da espada pelas mãos da Senhora do Lago. Nesse ponto, a história de Artur tirar uma espada de uma pedra nada tinha a ver com Excalibur. A origem dessa lenda é um incidente totalmente separado na história de Robert de Boron, Merlin, e foi só no século XIX que Excalibur e a pedra se encontraram.

Durante todo esse período de cultura franco-européia, o rei Artur teve pouca proeminência na Grã-Bretanha, exceto por breves aparições em obras como o Black Book of Carmarthen, do século XIII. Geoffrey de Monmouth afirmara que a cidade galesa de Carmarthen tinha esse nome por causa de Merlin (como Caer Myrddin: Sede de Merlin), mas, na verdade, o nome nada tinha a ver com Merlin; derivava do nome romano do povoamento, Castra Maridunum.

 

O poema inglês Arthour and Merlin apareceu no fim da década de 1200 e, de Gales, cerca de 1300, veio o Book of Taliesin, que mostrava Artur no Outro Mundo sobrenatural. Ele também apareceu no White Book of Rhydderch (c. 1325) e no Red Book of Rergest (c. 1400). A obra galesa Triads incluia algumas referências arturianas, assim como a Four Branches of the Mabinogi, que foi traduzida no século XIX do galês para o inglês por lady Charlotte Guest e publicada com o título revisado de The Mabinogion.

Foi só no século XV (cerca de 800 anos depois da época do Artur histórico) que todas as lendas se consolidaram no formato geral que conhecemos hoje. Isso ocorreu nos escritos compilados de Sir Thomas Malory de Warwickshire. Eles foram impressos em 1485 com o título de Morre d'Arthur (Morte de Artur). Sendo um dos primeiros livros publicados em imprensa por William Caxton, o ciclo arturiano de Malory foi considerado a obra padrão a respeito do tema, embora devamos admitir que ela não é um relato original de coisa alguma. A obra foi encomendada por Margarer Beaufort de Somerset, mãe do homem que, por força de armas naquele mesmo ano, tomou-se o rei Henry VII, o primeiro da Casa de Tudor.

Foi também nesse mesmo período que Uther Pendragon e Artur começaram a aparecer em genealogias recém-compiladas, mas havia um motivo claro para isso. Quando Henry VII (filho de Edmund Tudor de Richmond) usurpou o trono Plantageneta de Richard III, seu único direito à sucessão era através de sua mãe, a trineta de Edward III. Para apresentar sua herança Tudor de maneira favorável, Henry encomendou novas genealogias para mostrar uma descendência impressionante da Casa nobre de Gales. Entretanto, ao preparar esses mapas, os genealogistas tentaram acrescentar uma centelha de intriga e, para atiçar as coisas, os nomes de Uther eArtur foram introduzidos numa linhagem relacionada da Cornuá1ia.

Os famosos contos de Malory eram uma compilação das tradições mais populares de várias fontes. Todos os nomes familiares foram usados e, para agradar a Henry Tudor, Camelot foi situado em Winchester, Hampshire. Além disso, os velhos contos foram fortemente incrementados e muitas novas histórias foram criadas. Uma das mais proeminentes foi o romance entre Lancelot e Guinevere. Os princípios cavalheirescos eram cruciais na narrativa de Malory, embora ele próprio tivesse um passado criminoso, tendo sido preso por furto, estupro, roubo de gado, dívidas, extorsão e tentativa de assassinato do duque de Buckingham. Em várias ocasiões entre 1451 e 1470, ele foi trancafiado nas celas de Coleshill, no castelo de Co1chester, em Ludgate, Newgate e na Torre de Londres.

Malory colocou Artur firmemente na Idade Média e seus personagens trocaram as vestimentas celtas pela armadura reluzente. Ele intitulou seu livro inspirado de The Whole Book of King Arthur and His Noble Knights of the Round Table, ou o Livro Completo do Rei Artur e seus Nobres Cavaleiros da Távola Redonda. Ao todo, havia oito histórias interligadas, cujos títulos traduzidos seriam: A História da Távola Redonda, A Nobre História do Rei Artur e do Imperador Lúcio, A Nobre História de Sir Lancelot do Lago, A História de Sir Gareth, O Livro de Sir Tristào de Lyonesse, A História do Sangréal, O Livro de Sir Lancelot e da Rainha Guinevere e A Triste História da Morte de Artur.

Desde a época de Sir Thomas Malory, as lendas arturianas se tornaram parte integrante da herança britânica. Elas ganharam uma vida nova com o advento do romantismo no século XIX: um movimento fortemente nacionalista que recorria à nostalgia vitoriana pelos Anos Dourados perdidos. Durante essa era, o poeta premiado Alfrede, lorde Tennyson, escreveu seu famoso Idylls of the King, e os temas arturianos eram muito evidentes nos quadros marcantes da Irmandade Pré-Rafaelita.

 

                 A FELIZ INGLATERRA

Os turbulentos tempos medievais costumam ser considerados a era que viu florescer a Merrie Englande - a feliz Inglaterra - um rótulo que persiste apesar das severas pestes e dificuldades da época. Na verdade, a descrição pouco tinha a ver com o fato de a Inglaterra ser "feliz" (em inglês, merry). A descrição deriva mais exatamente de Maria Jacó (Santa Maria, a Cigana), ou como ficou conhecida na língua inglesa, Mary Jacob, que viera para a Europa Ocidental com Maria Madalena em 44 d.C. Além da veneração da Madalena, o culto de Maria, a Cigana, foi difundido na Inglaterra durante a Idade Média. O nome Mary é uma forma inglesa (baseada numa variante grega) do nome egípcio Mery, que significa "amada" (hebraico: Miriam). Como já vimos, o nome era associado ao mar (latim: maré; francês: mer) e à água em geral, como numa poça ou lagoa. Conseqüentemente, Maria, a Cigana, era identificada com a deusa Afrodite, que diziam ter nascido da espuma do mar.

 

Maria Jacó (esposa de Cléopas, segundo João 19:25) era uma sacerdotisa do primeiro século d.C. e às vezes é chamada de Maria, a Egípcia. Seu voto de matrimônio era chamado de Merrie (novamente de "amada") - de onde provavelmente deriva o verbo inglês "to marry" (casar). Fora da doutrina católica, o Espírito Santo era considerado feminino e já era associado à água. Freqüentemente representada com uma cauda de peixe, Santa Maria, a Cigana, era uma tradicional merri-maid (no inglês moderno, mermaid, sereia) e tinha o nome atributivo de Marina. Ela é representada junto a Maria Madalena (la Dompna del Aquae) num vitral na Igreja de St. Marie em Paris. Como Donzela Mariana (em inglês moderno, maid ou maiden = donzela), seu culto aparece nas lendas de Robin Hood, enquanto a encarnação de Maria Madalena aparece na tradição celta como Morrigan, a grande rainha do Destino. A identificação individual das duas Marias geralmente é confusa porque elas são associadas a Provença e ao mar.

 

Nos primeiros dias do Cristianismo, o imperador Constantino proibiu a veneração à Maria, a Cigana, mas seu culto continuou e foi introduzido na Inglaterra, vindo da Espanha. Maria Jacó-Cléopas tinha chegado a Ratis (Saintes Maries de La Mer) com Maria Madalena e Maria Helena-Salomé, como está detalhado em Os Atos de Madalena e na antiga História da Inglaterra, na biblioteca do Vaticano. Seu emblema mais significativo era a concha, representada de maneira tão vívida junto ao seu status de Aftodite, no famoso quadro de Botticelli, O Nascimento de Vênus. Ainda hoje, os peregrinos em Compostela carregam as conchas do peixe afiodisíaco até a suposta tumba de São Tiago, em Santiago. Maria, a Cigana - meretriz sagrada e cultora do amor - era ritualisticamente retratada pelos anglo-saxões como a Rainha de Maio; e seus dançarinos, os Homens de Maria, realizam seus ritos sob o nome adaptado de Morris (Mary S. ou "de Maria") nas festividades rurais inglesas. Outra referência aos Homens de Maria é encontrada nos rebeldes Merrie Men das lendas de Greenwood.

 

                     A ESCÓCIA E O GRAAL

Muitas das famílias escocesas que se gabam de descendência normanda são, na verdade, de origem flamenga.308 Seus ancestrais foram ativamente incentivados a emigrar para a Escócia durante os reinados de David I, Malcolm IV e William, o Leão, nos séculos XII e XIII. Uma política de povoamento deliberado foi implementada porque os flamengos tinham muita experiência em comércio, agricultura e desenvolvimento urbano, sendo a sua chegada estratégica na Escócia, algo bem diferente da indesejável invasão normanda da Inglaterra. Famílias como Balliol, Bruce. Comyn, Douglas, Fleming, Graham, Hay, Lindsay e muitas outras têm suas origens heráldicas em Flandres. Recentemente, uma pesquisa excelente vem sendo conduzida nessa área pelo historiador Beryl Platts.

 

Houve poucos normandos de destaque na Escócia medieval, mas uma família que teve grande proeminência desde o século XI foi a de St. Clair. Henrique de St. Clair foi um Cruzado, junto com Gofredo de Bouillon. Mais de dois séculos depois, seu descendente (também Henrique de St. Clair) foi um comandante dos Cavaleiros Templários na batalha de Bannockbum. Os St. Clairs (que se tomariam os condes Sinclair de Caithness) eram a herança viking por meio dos duques da Nonnandia e dos Jarls (condes) de Orkney. Após a Inquisição dos Templários e seu assentamento na Escócia, os St. Clairs se tomaram os embaixadores escoceses tanto na Inglaterra como na França. Henry de St. Clair (filho de Henrique, o Cruzado) era um Conselheiro Particular e sua irmã, Richilde, casou-se com um membro da família Chaumont, parentes de Hugues de Payens, o Grão-Mestre original dos Templários.

 

O legado dos Templários dos St. Clairs é particularmente evideme ao sul de Edimburgo, perto do centro original dos Templários em Ballantradoch. Lá, na vila de Roslin, encontra-se a capela Rosslyn, do século XV, que à primeira vista parece uma miniatura de uma catedral gótica com suas janelas arqueadas e pontudas e arcobotantes encimados por elaborados pináculos. Uma inspeção mais apurada, porém, revela que ela é uma estranha combinação de estilos nórdicos, celtas e góticos.

Os St. Clairs receberam o baronato de Roslin de Malcolm III Canmore em 1057 e, no século seguinte, construíram seu castelo nas vizinhanças. Nas profundezas abaixo dessa fortaleza, dizem que há cofres selados que ainda contêm parte do tesouro dos Templários trazido da França durante a Inquisição Católica. Quando a Frota dos Templários escapou da costa da Bretanha, em 1307, a maioria dos navios, com sua valiosa carga, foi para a Escócia passando pela Irlanda e pelas ilhas ocidentais.309 Alguns, no entanto, foram para Portugal, onde os Templários se tomaram reincorporados como Cavaleiros de Cristo. O famoso navegador português Vasco da Gama, pioneiro da rota do Cabo até a Índia em 1497, era um Cavaleiro de Cristo, enquanto anteriormente o príncipe Henry, o Navegador (1394-1460), fora o Grão-Mestre da Ordem.

Além dos fugitivos franceses, a Escócia também recebeu os Templários que fugiam da Inglaterra, onde sua sede, desde 1185, era em Temple, ao sul de Fleet Street, Londres. Desde sua proscrição no século XIV, o lugar tinha sido ocupado por dois Colégios de Advogados: o Inner Temple e o Middle Temple. Nas proximidades se encontra a igreja redonda dos Templários, do século XII, enquanto Temple Bar, o portão de Westminster para a Cidade, ficava entre Fleet Street e Strand.

Desde a época em que Roslin passou para os St. Clair, proeminentes membros da família foram enterrados lá, com exceção de Rosabelle, esposa do barão Henrique, o Cruzado. Ela se afogou perto da praia, deixando uma lúgubre lembrança, como lembrou Sir Walter Scott no século XIX. Em sua obra The lady of the Last Minstrel, ele escreveu:

 

"E cada Sinclair foi lá enterrado, Com vela, livro e repique; Mas as cavernas marinhas repicavam, E os ventos selvagens entoavam O canto da doce Rosabelle."

 

Em seus primeiros anos, os barões St. Clair de Roslin pertenciam a mais alta nobreza escocesa e faziam parte dos confederados mais próximos dos reis. No século XIII, Sir William de St. Clair foi xerife de Edimburgo, Lothian, Linlithgow e Dumfries, além de ser o Judiciar nomeado para Galloway. O rei Alexander III também o escolheu como pai adotivo do principe da coroa da Escócia.

Após a morte de Robert, o Bruce, em 1329, um posterior Sir William de St. Clair partiu levando o coração de Bruce numa uma de prata. Com Sir James Douglas e outros dois cavaleiros, ele queria enterrar a uma em Jerusalém, mas ao chegar à Andaluzia, no sul da Espanha, o grupo foi confrontado pela cavalaria dos mouros. Não vendo saída, os quatro homens atacaram o inimigo invencível e foram mortos. Os mouros ficaram tão impressionados com a coragem dos cavaleiros e devolveram a uma para a Escócia, onde o coração de Bruce foi enterrado na abadia de Melrose.

Foi um descendente chamado William Sinclair, conde de Caithness, Grande Almirante e Chanceler da Escócia, que fundou a capela Rosslyn em 1446. A família de St. Clair (tendo adaptado o nome para Sinclair no fim do século XIV) era a eminente guardiã dos reis (o Sangréal - sangue real) na Escócia. Cinco anos antes, o rei James II Stewart também tinha nomeado William para o posto de Patrono Hereditário e Protetor dos Maçons escoceses. Não eram maçons-livres especulativos, mas operativos, pedreiros ativos e proficientes na aplicação de matemática e geometria arquitetõnica. Nesse posto, William podia chamar os melhores artesãos e construtores no país. Quando a fundação de Rosslyn estava pronta, o trabalho de construção começou (1450) e a capela foi completada em 1486 pelo filho de William, Oliver. Ela deveria ser parte de uma igreja colegiada maior, mas o restante nunca foi construído, embora as fundações ainda sejam visíveis.

Apesar de sua idade, a capela está em ótimas condições (passando por reformas atualmente) e ainda é usada regularmente. O prédio tem 10,7 m x 21 m, a altura do telhado sendo de 13,4 m. Centenas de entalhes em pedra enfeitam as paredes e tetos. Todas contam histórias da Bíblia e mostram numerosos símbolos maçõnicos e exemplos de iconografia dos Templários. Há espadas, bússolas, espátulas, esquadros e marretas em abundância, além de várias imagens do Templo do rei Salomão. A capela Rosslyn tem um visual extraordinariamente estimulante e proporciona uma experiência espiritual que os visitantes não podem perder. O historiador e biógrafo Andrew Sinclair escreveu extensivamente a respeito da história de Rosslyn e dos Sinclairs, incluindo um relato detalhado da viagem transatlântica da frota de Sinclair em 1398, muito antes da suposta descoberta da América por Cristóvão Colombo. Realmente, há vários entalhes originais mostrando espigas de milho americanas em Rosslyn, o que confirma o fato.

 

Além das imagens judaicas e esotéricas, a mensagem cristã também e evidente, com uma variedade de imagens em pedra. Há também constantes traços do Islã, e o conjunto geral é estranham ente unido numa estrutura pagã de serpentes e dragões ondulantes e árvores dos bosques. Em todo lugar, c rosto feroz do Homem Verde espia do meio da folhagem em pedra dos pilare; e arcos, simbolizando as contantes forças da terra e o ciclo de vida. E tudo isso é envolto num vasto conjunto de trutas, ervas, folhas, especiarias, flores, videiras e as emblemáticas plantas do paraíso do jardim. A cada centímetro, Rosslyn provavelmente é a igreja decorada de forma mais extravagante no país, embora não haja uma obra que possa ser considerada arte por arte. Cada gravura e entalhe esculpido tem um propósito e cada propósito se relaciona ao seguinte, enquanto, apesar da ambigüidade da cena, uma harmonia quase mágica reina em toda a parte.

O nome St. Clair deriva do latim Sanctus Clarus, que significa Luz Santa, e, acima de tudo, Rosslyn é a capela mais representativa do Santo Graal, tendo a suprema busca mística em suas imagens. Os Cavaleiros Templários eram os Guardiões da Família do Graal e o escudo da família de St. Clair trazia uma cruz preta caliciforme sobre um fundo prateado, denotando seu portador como Cavaleiro do Graal. Em Rosslyn e em outras partes da Escócia, esculturas em paredes e tumbas dos Cavaleiros do Graal contêm o emblema de um Cálice com pé alto, e o receptáculo voltado para a frente. Nele, a Cruz Rósea (com seu desenho da flor-de-lis) significa que o vasuterus contém o Sangue Real.

 

                     A PEDRA DO DESTINO

Não só eram os Cavaleiros do Graal e Templários os Guardiões do Sangréal Stewart na Escócia, mas também se tomaram os protetores da Pedra do Destino (a Pedra de Scone). Esse mais sagrado de todos os tesouros escoceses fora levado à Escócia da Irlanda por Fergus Mór mac Erc (o primeiro rei de Dalriada), no século V, vindo originariamente de Judá para a Irlanda por volta de 586 a.C. A venerada relíquia sagrada seria a Pedra da Aliança, conhecida como o travesseiro de Jacó (Gênesis 28:18-22), sobre a qual Jacó deitou a cabeça e viu a escada que subia ao Céu em Betel. Num sonho, Deus prometeu a Jacó que sua semente geraria a linhagem da realeza a ser seguida - a linha que se tomaria, no devido tempo, a sucessão de Davi.

Quando os judeus foram perseguidos por Nabucodonosor da Babilônia, Matanias, filho do rei Josias (e descendente direto de Davi), foi ordenado em Judá. Conhecido como rei Zedequias, ele ascendeu ao trono de Jerusalém em 598 a.C. Doze anos depois, Jerusalém caiu sob o poder de Nabucodonosor, quando Zedequias foi levado para a Babilônia e cegado (Jeremias 39:6-7,52:10-11). Seus filhos foram assassinados, mas sua filha Tamar foi levada para a Irlanda (através do Egito e da Espanha) pelo profeta Jeremias, filho do sumo sacerdote de Jerusalém, Hilquias. Ele levou a Pedra da Aliança, que ficou conhecida como Lia Fáil (Pedro do Destino). Em latim, ela era a Saxum Fatale.

A princesa Tamar (Teamhair/Tea) deu o nome a Tara, a sede dos Grandes Reis da Irlanda, e se casou com Eire-arnhon, príncipe da Cítia - pai do Ard Rí (Grande Rei) Irial, ancestral de Ugaine Már (Ugaine, o Grande). Subseqüentemente, no decorrer de um milênio, os sucessores de Irial foram ordenados na presença da Pedra Sagrada. A herança irlandesa, então, prosseguiu para a Escócia, onde a relíquia de Judá se tornou sinônimo dos reis de Dalriada. O rei Kenneth I MacAlpin (844-859) acabou transferindo a Pedra para a abadia de Scone, quando unificou os escoceses e os pictos. Na época de William, o Leão (morto em 1214), a Pedra do Destino testemunhou quase cem coroações em descendência soberana do rei Zedequias.

Ao se autoproclamar Senhor da Escócia, em 1296, Edward I da Inglaterra roubou o que julgava ser a Pedra do Destino. Mas o que ele de fato pegou foi um pedaço de arenito da porta de um mosteiro, que desde então repousa sob o trono da coroação na abadia de Westminster em Londres. Esse pedaço de entulho mede 66 cm x 28 cm e pesa quase 152 quilos. Os selos reais dos primeiros reis escoceses mostram uma rocha de ordenação muito maior, mas não era a Pedra Sagrada do Destino - como tampouco o era o entulho medieval do rei Edward. A verdadeira Pedra do Destino seria menor, mais naturalmente arredondada, como de basalto preto gravado, não arenito cortado à mão. Ela foi escondida pelo abade cisterciense de Scone em 1296, e continua escondida desde então. A tradição columbana diz que, ao ocultar a Pedra, o abade profetizou que um dia Miguel retomaria para a sua herança. É importante notarmos que o desenho do X, que se tornou tão detestado pela Igreja Romana, era identificado com o arcanjo Miguel (Melquisedeque) desde os tempos do Antigo Testamento. A herança de São Miguel foi a dinastia dos sumos sacerdotes Zadoques - um legado que prevaleceu na contínua linhagem messiânica. A relação de Santo André com a Cruz em X foi um adendo posterior.

Não é surpreendente que as autoridades escocesas jamais tentassem recuperar a pedra falsa da Inglaterra. Até Robert, o Bruce, recusouse a aceitá-la em 1328 no Tratado de Northampton. Depois que alguns jovens escoceses removeram a pedra de Westminster, atravessando com ela a fronteira no Natal de 1950, ela acabou retomando a Londres sem a menor agitação. Quanto à Pedra verdadeira, o reverendo J. MacKay Nimmo da Igreja de São Columba, Dundee, declarou: "Quando a Escócia conseguir se autogovemar, a Pedra reaparecerá... Até lá, continuaremos a guardar esse antigo símbolo de nossa identidade nacional".

 

O recente retomo parlamentar do artefato da simulação não é da menor conseqüência para a Escócia. Além disso, mesmo que aceitemos :: simbolismo da pedra de Westminster como sendo emblemática da nacionalidade escocesa, ela não voltou para a posse dos escoceses. Significa simplesmente que os oficiais da Coroa a mantêm na Escócia em vez de em Londres, sob a condição de que será levada de volta para futuras coroações em Westminster. Em suma, a pedra em exibição no castelo de Edimburgo constitui um gesto absolutamente vazio, que perpetua abertamente o ideal coercivo do rei Edward I, confrontando os escoceses como um lembrete diário de sua posição histórica subjugada.

 

                        JOANA D' ARC

Durante o século XV, enquanto a capela Rosslyn estava sendo construída, o Grande Timoneiro da Prieuré Notre Dame de Sião era René d'Anjou. Ele foi o conde de Bar, Provença, Piedmont e Guise; também o duque da Calábria, Anjou e Lorraine. Adicionalmente, era um rei titular de Jerusalém,já que pertencia à Casa de Lorraine de Godefroi de Bouillon. Em sua condição como Timoneiro, René foi sucedido por sua filha Yolanda, cujos sucessores incluíam Botticelli e Leonardo da Vinci. A filha de René, Margaret, casou-se com o rei Henry VI da Inglaterra.

Foi René d' Anjou quem deu a Cristóvão Colombo sua primeira comissão naval, e é de René que deriva a familiar Cruz de Lorraine. A cruz, com suas duas barras horizontais, tomou-se o símbolo duradouro da França Livre e foi o emblema da Resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Entre as mais valiosas posses de René havia uma taça egípcia de cristal vermelho, que ele obteve em Marselha. Ela teria sido usada no casamento de Jesus e Maria Madalena, contendo a inscrição (traduzida):

 

"Aquele que beber bem, verá Deus. Aquele que beber tudo de um só gole verá Deus e a Madalena."

 

O trabalho literário de René d' Anjou, intitulado Batalhas e a Ordem da Cavalaria e o Governo dos Príncipes, existe hoje na tradução do Manuscrito Rosslyn-Hay na biblioteca do Senhor William Sinclair. É a mais antiga obra existente de prosa escocesa e sua capa de carvalho encadernada de couro traz o nome "Jhesus : Maria: Johannes" (Jesus: Maria : João). Similarmente, uma inscrição de pedreiro na abadia de Melrose diz: "Jhesus: Mari : Sweet Sanct John".

 

São João (o "discípulo bem-amado" de Jesus) era grandemente venerado pelos Cavaleiros do Graal e os Templários. Ele foi a inspiração dos Hospitalários de São João de Jerusalém e da futura Associação de Ambulância da Grã-Bretanha. É significativo que o Evangelho de João não mencione a Concepção Imaculada, mas só a descendência de Davi de Jesus. E mais importante, ele traz o único relato do Novo Testamento das bodas de Caná, historicamente significativo (João 2:1-11). Interessante que o manuscrito Rosslyn simbolize São João como uma serpente gnóstica e um emblema do Graal.

Entre os colegas de René d' Anjou estava a famosa Donzela de Orléans, Jeanne d'Arc (Joana d'Arc). Nascida em 1412, Joana era filha de um fazendeiro de Domrémy no ducado de Bar. No ano seguinte, Henry V (provavelmente o mais sedento de poder de todos os monarcas ingleses) se tornou rei da Inglaterra. Ele era descrito por seus nobres como um guerreiro frio e sem coração, embora a propaganda histórica lhe tenha conferido o manto de um herói patriota. Na época de sua ascensão, a guerra Plantageneta contra a França tinha cessado, mas Henry resolveu reviver a reivindicação que Edward III fizera do reino da França. Ele fez isso com base no fato de que a mãe de Edward, um século atrás, era filha do rei Filipe IV.

Henry V, com 2 mil soldados e 6 mil arqueiros, varreu a Normandia e Rouen, derrotando os franceses em Agincourt, em 1415. Subseqüentemente, ele foi proclamado regente da França no Tratado de Troyes. Com o auxílio da infiel rainha ftancesa, Isabau, Henry se casou com a filha do rei ftancês, Catarina de Valois, e planejou derrubar o irmão dela, o Delfim, que era casado com a irmã de René d' Anjou, Maria. Entretanto, Henry V morreu dois anos depois, assim como o rei Carlos VI da França. Na Inglaterra, o herdeiro ao trono era o filho de Henry, ainda um bebê, cujos tios - os duques de Bedford e Gloucester – se tornaram Senhores da França. O povo ftancês se preocupava com suas perspectivas para o futuro, mas nem tudo estava perdido, pois logo surgiu a inspirada Joana d'Arc. Em 1429, ela apareceu na fortaleza de Vaucouleurs, perto de Dornrémy, anunciando que tinha recebido ordens dos santos para sitiar os ingleses em Orléans.

Com 17 anos de idade, Joana partiu para a Corte Real em Chinon, junto com o cunhado do Delfim, René d'Anjou. Chegando lá, no Loire, ela proclamou sua missão divina de salvar a França dos invasores. A princípio, a Corte resistiu às ambições militares de Joana, mas ela conseguiu o apoio de Yolanda de Aragão, que era sogra do Delfim e mãe de René d' Anjou. À Joana foi confiado o comando de mais de 7 mil homens, incluindo a prestigiosa Guarda Real Escocesa dos Gendannes Ecossais e os mais proeminentes capitães da época. Com René d' Anjou ao seu lado, Joana e suas tropas destruíram o bloqueio em Orléans e derrotaram a guarnição inglesa. Em poucas semanas, o vale Loire estava de volta em mãos fumcesas e, em 17 de julho de 1429, Carlos, o Delfim, foi coroado na catedral de Reims pelo arcebispo Regnault de Chartres.

 

Menos de um ano após seu sucesso, a Donzela de Orléans foi capturada enquanto sitiava Paris, e o duque de Bedbord providenciou para que ela fosse julgada por Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, que a condenou à prisão perpétua, vivendo de pão e água. Quando Joana se recusou a se submeter ao estupro por parte de seus captores, o bispo a pronunciou uma feiticeira ingrata e, sem outro julgamento, ela foi queimada viva na velha Praça do Mercado em Rouen, em 30 de maio de 1431.

Quando o delfim foi coroado em Reims, a corajosa pastora de Lorraine tinha ficado ao lado do novo rei, com sua bandeira já famosa. que trazia os nomes: "Jhesus : Maria", os mesmos que aparecem na pedra sagrada na capela de Glastonbury ("Jesus: Maria"); que se repetem (ao lado do de São João) no manuscrito Rosslyn-Hay ("Jhesus : Maria") e que estavam gravados na abadia de Melrose ("Jhesus : Mari"). Todos os nomes se relacionam ao casamento de Jesus e Maria Madalena e à perpétua linhagem do Santo Graal.

 

                 A AMÉRICA ANTES DE COLOMBO

Mencionamos acima que Cristóvão Colombo foi mantido por René d' Anjou, enquanto outro de seus patrocinadores foi Leonardo da Vinci, que tinha bons contatos com famílias proeminentes, como os Médicis. Entretanto, a origem da família de Colombo é muito mais significativa do que dizem os livros de história. Certamente, ele é mais bem conhecido como o descobridor oficial da América, mas não foi o primeiro a fazer a viagem, como fica evidente na capela Rosslyn.

Colombo (filho de Domenico Colombo e Suzanna Fontanarossa) nasceu em Gênova, Itália, em 1451. Entrando para o serviço com o capitão de Porto Santo de Madeira, ele se casou com a filha do capitão, Felipa Perestrello, em 1478. Subseqüentemente, dirigiu-se à corte portuguesa com a idéia de chegar à Ásia singrando para o oeste. Seu pedido de fundos foi rejeitado pelo rei João II, que contratou Ferman Dulmo para explorar o Atlântico, de acordo com a sugestão de Colombo.

Colombo fez uma segunda tentativa com os monarcas espanhóis, o rei Femando II de Aragão e sua esposa, rainha Isabela de Castela. No entanto, como o plano português já estava em andamento, Colombo foi rejeitado novamente. Em 1492, Dulmo retomou, mas sem informações a respeito de novas terras. Colombo, então, confrontou mais uma vez Fernando e Isabela, e dessa vez conseguiu o apoio deles. Em 3 de agosto de 1492, ele zarpou de Palos com três caravelas: Nina, Pinta e Santa Maria.

      

Oito meses depois, Colombo retomava a Barcelona, mas não com as sedas e especiarias previstas do Oriente. Em vez disso, ele estava acompanhado por seis nativos de pele marrom, carregando pérolas, estranhas frutas, ouro e pássaros exóticos. Ele tinha descoberto um excitante Novo Mundo do outro lado do mar, e o papa declarou que essas ricas terras pertenceriam à Espanha. O nome América só surgiria dali a cinco anos. Era derivado do navegador florentino, Américo Vespúcio (Amerigo Vespucci), que partiu para as terras continentais do sul em 1497.

Quando voltou, Colombo relatou que tinha aportado na ilha Watling (hoje San Salvador, Bahamas). Tinha visitado Hispaniola (Haiti e República Dominicana) e Cuba. Fernando e Isabela ficaram maravilhados e ofereceram ao seu herói um assento na corte espanhola. Sua segunda viagem (1493-96) o levou a Guadalupe, Antígua, Porto Rico e Jamaica. A terceira viagem (1498) levou Colombo a Trindade, no continente sul-americano. E então, em 1499, os colonos do Haiti se revoltaram contra o comando dele. Conseqüentemente, um novo governador espanhol foi nomeado, e Colombo voltou à Europa acorrentado. Sua última viagem, em 1502-04, foi para a exploração costeira de Honduras e Nicarágua, mas apesar de sua hora de glória, ele morreu na pobreza, dois anos mais tarde, em Valladolid. Colombo foi enterrado em Sevilha, e em 1542 seus restos mortais foram removidos para Hispaniola.

Essa excitante história marítima é bem conhecida. O que não é conhecido é o fato de que a descoberta do Novo Mundo não foi por acaso. Colombo estava plenamente equipado com mapas de navegação detalhados antes de zarpar. Eles tinham sido feitos em travessias atlânticas anteriores e certificados na corte espanhola por John Drummond, cujo avô tinha estado na América em 1398. Drummond era parente dos condes Drummond de Perth, onde os registros confirmam que ele estivera com Fernando e Isabela em 1492. Tanto Colombo como Drummond tinham vivido na ilha da Madeira. O pai de Drummond, John (o Escocês) Drummond, chegara lá em 1419, junto com o sogro de Colombo, Bartolomeu Perestrello.

O pai de John, o Escocês, era Sir John Drummond de Stobhall, Justiciar da Escócia. A irmã de Sir John, Anabella, era a esposa do rei Robert III Stewart dos escoceses. A esposa de Sir John era Elizabeth Sinclair, cujo sobrinho, William Sinclair, foi o fundador da capela Rosslyn. O pai de Elizabeth, Henrique Sinclair, barão de Roslin, conde de Orkney, conduziu uma bem-sucedida expedição transatlântica, quase um século antes de Colombo - e mesmo ele não foi o primeiro.

Os ancestrais nórdicos de Henry Sinclair tinham explorado o Atlântico já no século X. No Book of Icelandic Saga (exemplar existente datando de 1320), de Hauk, Leif Ericsson é descrito como tendo atravessado o Atlântico até o encontro com Wineland, o Bom, em 999. De fato, os navegantes de Orkney tinham chegado à terra firme no Ocidente enquanto Henry ainda era vivo. Seus relatos afirmavam que os nativos de um lugar distante chamado Estotilalands plantavam milho e exportavam peles e enxofre para a Groenlândia.

Estotilands era o lugar que acabou sendo chamado de Nova Scotia (Nova Escócia), no Canadá. Os navegantes de Orkney também falavam de uma região ao sul chamada Drogio. Os nativos de Drogio

corriam nus sob os ventos quentes, mas, do outro lado do mar, as pessoas eram refinadas. Sua terra era rica em ouro, e elas tinham cidades e grandes templos dedicados a seus deuses. Esses vários relatos foram confirmados quando os viajantes chegaram às ilhas do Caribe, e mais adiante, Flórida e México - o lar dos índios astecas. Ignorando completamente essas antigas descobertas, a tradição diz que o império asteca não foi explorado até a chegada do conquistador espanhol Hernán Cortez, em 1519.

A partir de 1391, o mestre da frota de Sinclair foi o capitão do mar veneziano, Antonio Zeno. Os Zenos eram uma das mais antigas famílias de Veneza e eram notáveis almirantes e embaixadores do século VIII. Antes de Sinclair e Zeno atravessarem o oceano, Henry assinou um contrato com sua filha, Elizabeth, e o marido dela, Sir John Drummond. O acordo foi selado em Roslin em 13 de maio de 1396. Ele dava a Sir John e à Elizabeth o direito às terras norueguesas de Henry, caso este perecesse na expedição.

Em maio de 1398, a frota de Sinclair zarpou. Eram 12 navios de guerra e cem homens, alguns dos quais já tinham feito aquela viagem. Seu primeiro porto foi Nova Scotia, onde eles pararam no cabo Blomidon, na baía de Fundy. Ainda hoje, os índios miquemaque falam da chegada dos navios do grande deus Goolscap, que lhes ensinou a respeito das estrelas e como pescar com redes. Quando voltou a Veneza, Antonio Zeno escreveu que, naquele lugar, ele tinha visto rios de betume correndo para o mar e uma montanha que cuspia fumaça de sua base. Nova Scotia certamente é um lugar muito rico em carvão, e há veios costeiros expostos de. betume, onde correm ribeiros de carvão, em Asphalt. Nas proximidades, resíduos pastosos no subsolo freqüentemente ardem sob as colinas do cabo Smokey. Em Louisburg, no cabo Breton, há um primitivo cânon, encontrado em 1849. É do tipo veneziano usado por Zeno e de um estilo que já era obsoleto na época de Colombo.

De Nova Scotia, Sinclair continuou rumo ao sul, na direção da terra de Drogio. Evidências da jornada podem ser vistas em Massachusetts e Rhode Island. Em Westford, Massachusetts, onde morreu um dos cavaleiros de Henry, a cova ainda é discernível. Incrustada na borda de uma rocha, há uma efigie de 2,10m de um cavaleiro do século XIV usando cota de malha e um manto do tipo que cobria a armadura. A figura porta uma espada do século XIV e um esculdo com a heráldica de Pentland. A espada do cavaleiro está quebrada abaixo do cabo (indicando o costume de quebrar a espada para que ela fosse enterrada com o cavaleiro) - igual à que se encontra aos pés de Percival, nas histórias do Graal.

Em Newport, Rhode Island, há uma torre medieval de dois andares, bem preservada. Sua construção (um octógono dentro de um círculo e oito arcos ao redor) é baseada no modelo circular das igrejas dos Templários. Vestígios semelhantes são encontrados na capela Orphir, do século XII, em Orkney. A arquitetura de Newport é escocesa e seu desenho está reproduzido na Igreja de St. Clair, Corstorphine, onde a filha de Henry Sinclair tem seu memorial. Rhode Island só foi fundada oficialmente em 1636, mas sua fundação não foi um evento casual. No escritório de registros públicos em Londres, um texto datado de quatro anos antes descreve a "torre redonda de pedra" em Newport. Propunha que a torre fosse usada como guarnição para os soldados de Sir Edmund Plouden, que colonizou a área.

Mais de 50 anos após a expedição de Sinclair, Cristóvão Colombo nascia em meio à Era dos Descobrimentos, na Europa. Em Portugal, ele se tornou Cavaleiro de Cristo na renovada Ordem dos Templários, assim como seus contemporâneos Vasco da Gama, Bartolomeu Dias e Fernão de Magalhães. Ele também pertencia à Ordem dos Crescentes (fundada por René d' Anjou) - também conhecida como Ordem do Navio. Os cavaleiros Crescentes eram particularmente interessados em questões de navegação, mas tinham sido condenados pela Igreja por insistir que o mundo era redondo!

Graças a John Drummond e outros, Colombo sabia precisamente para onde estava indo - e não era à Ásia. Mapas do Novo Mundo transatlântico já existiam em seus círculos dos Templários. Especificamente, ele teve acesso ao novo Globo do Mundo, que foi completado em 1492, precisamente o ano em que ele partiu em sua expedição. Ele era sócio de negócios em navegação de um certo João Afonso Escórcio - apelido do homem mais conhecido como John Drummond.

 

                   HERESIA E INQUlSIÇÃO

                   O MARTELO DAS BRUXAS

Depois da perseguição dos Cavaleiros Templários e seus aliados, o Santo Oficio da Inquisição Católica continuou com seu trabalho, principalmente na França e na Itália. Os inquisidores nomeados pelo papa eram essencialmente frades dominicanos de hábito preto e frades franciscanos de hábito cinza. Seu poder era considerável e eles criaram uma reputação terrivel por causa de sua crueldade. A tortura adquiriu sanção papal em 1252 e os julgamentos eram secretos. As vítimas que confessavam heresia eram aprisionadas e queimadas, enquanto aquelas que recusavam a confissão recebiam o mesmo tratamento por desobediência.

No século XV, a Inquisição já tinha perdido parte de seu impacto, mas um novo ímpeto surgiu na Espanha a partir de 1480, quando a ira da Inquisição espanhola foi dirigida principalmente contra os judeus e os muçulmanos. O Grande Inquisidor era o brutal dominicano Tomás de Torquemada, confessor oficial de Fernando II e da rainha Isabela. Alguns anos após sua implementação, porém, a Inquisição espanhola começou a visar a outro culto apóstata. A opressão resultante duraria mais de dois séculos - não só na Espanha, mas por toda a Europa cristã. As presas inocentes eram descritas como "os mais diabólicos hereges a conspirar para a destruição da Igreja Romana".

Em 1484, dois dominicanos, Heinrich Kramer e James Sprenger, publicaram um livro chamado Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas). Essa obra malévola, porém imaginativa, fornecia detalhes de como identificar uma nova e hedionda ameaça dos praticantes da magia satânica. O livro era tão convincente que, dois anos mais tarde, o papa Inocêncio VIII emitiu uma bula para autorizar a supressão dessa seita blasfema. Até aquele ponto, o culto conhecido como bruxaria não consistia uma ameaça a ninguém, contando apenas com a continuidade de rituais pagãos e ritos de fertilidade feitos pelas classes dos camponeses. Em termos reais, era pouco mais que o vestígio de uma crença primitiva no poder divino das forças naturais, centrado principalmente em Pã, o maroto deus arcadiano dos pastores. Pã era tradicionalmente descrito com pernas, orelhas e chifres de um bode, mas os criativos dominicanos tinham outras idéias do Chifrudo que tocava flauta. Eles enegreceram sua imagem a ponto de faze-lo parecer o próprio diabo, e os frades invocavam uma passagem das ordenações do Exodo (22: 18-19), que dizia:

 

"A feiticeira não deixarás viver. Quem tiver coito com animal será morto."

 

Assim, por meio de uma evidente aplicação errônea do texto bíblico, eles condenavam os cultistas de Pã primeiro como bruxos e, depois, como pessoas que praticavam orgias hediondas com um animal. Como todos os inquisidores eram homens, foi determinado que a bruxaria devia ser uma forma de depravação associada à insaciável lascívia das mulheres!

A palavra inglesa witch (bruxa) deriva de uma antiga variante de willow - inglês para salgueiro - a árvore da Deusa Tripla da Lua (donzela, mulher e anciã). Dizia-se que os adoradores do salgueiro possuíam poderes sobrenaturais de adivinhação (como vemos nas três bruxas em Macbeth, de Shakespeare), e isso possibilitava à Igreja incluir toda espécie de Mago, cigano e cartomante em sua classificação aleatória de bruxaria. Na verdade, a definição revisada era tão abrangente que quase todo mundo que não observasse estritamente o dogma ortodoxo vivia sob suspeita de ser praticante das artes negras (esse tema é abordado com mais profundidade em Realm of the Ring Lords).

Embora alguns indivíduos não-conformistas fossem pegos na rede, como método de evitar julgamentos justos, as caças às bruxas eram, de um modo geral, dirigidas contra as indefesas classes rurais. As desafortunadas vítimas eram estranguladas, afogadas ou queimadas vivas, após serem acusadas de venerar o diabo em orgias noturnas e se chafurdar com espíritos malignos. Enquanto isso, as pessoas das classes privilegiadas que possuíam verdadeiras habilidades esotéricas e conhecimento hermético eram obrigadas a realizar suas atividades em segredo, escondidas em suas lojas e clubes subterrâneos.

 

                           A REVOLTA PROTESTANTE

Durante os primeiros anos dessa perseguição, o monge dominicano Johann Tetzel implementou um esquema lucrativo para abastecer os cofres do Vaticano. O plano envolvia o perdão dos pecados, que até então eram expiados por meio de penitência e jejum, recitação do rosário e outros atos de contrição. O conceito de Tetzel substituía essas penalidades tradicionais por indulgências - declarações formais de absolvição garantida, disponivel mediante pagamento em dinheiro. Aprovada por decreto papal, a venda de indulgências logo se tornou uma fonte de considerável renda para a Igreja.

Durante séculos, o clero ortodoxo e suas Ordens monásticas associadas tinham sofrido uma série de medidas ultrajantes impostas por uma hierarquia que se tornava cada vez mais corrupta. Passando por tudo isso, eles tinham obedecido a sucessivas imposições do Vaticano da maneira mais leal possível; mas a troca da salvação cristã por dinheiro era demais para ser tolerada. A prática foi, por isso mesmo, abertamente contestada. Em outubro de 1517, um monge agostiniano e professor de Teologia na Universidade de Wittenberg, Alemanha, pregou um protesto escrito na porta de sua igreja local - um ato de objeção formal, destinado a dividir a igreja ocidental permanentemente em duas. Ao receber a repreensão papal, ele publicamente ateou fogo nela e foi excomungado. Seu nome era Martinho Lutero e seus seguidores ficaram conhecidos como protestantes.

A tentativa de Lutero de reformar uma prática específica da Igreja acabou gerando uma Reforma em escala muito maior, estabelecendo uma sociedade cristã alternativa, fora do controle do Vaticano. Na Inglaterra, a conseqüência mais significativa da resultante reforma foi a rejeição formal da autoridade do papa e sua substituição como chefe da Igreja inglesa pelo rei dos Tudor, Henry VIII. No devido tempo, isso culminou no estabelecimento da Igreja independente da Inglaterra, sob a rainha Elizabeth I, que foi excomungada por Roma em 1570. A dissidência formal da Escócia do limitado vestígio de controle papal ocorreu em 1560, sob a influência do reformista protestante John Knox.

Não foi por acaso que o protesto de Martinho Lutero encontrou apoio em alguns círculos muito influentes, pois Roma tinha muitos inimigos em altos lugares. Entre esses ferrenhos inimigos estavam os Cavaleiros Templários e as sociedades secretas herméticas, cujas artes misteriosas tinham sido condenadas pela Inquisição Católica. A verdade não era que Lutero tivesse conseguido o apoio de outros, mas que fora de bom grado o instrumento de um movimento já ativo que se empenhava em desmantelar a rígida dominação internacional do papa.

A rompimento protestante com Roma facilitava um ambiente de liberdade de pensamento, que culminaria nas conquistas da Sociedade Real da Grã-Bretanha e fomentaria os ideais culturais e intelectuais da Renascença. Na verdade, o movimento da Alta Renascença de 1500-1520 proporcionava o cenário perfeito para a posição de Lutero contra os bispos politicamente motivados. Começava a era do indivíduo e da dignidade humana; a era em que Leonardo da Vinci, Rafael e Michelangelo desenvolveriam a harmonia da arte clássica à sua mais perfeita forma; a era em que a empolgação pelo aprendizado do conhecimento pagão reemergia numa explosão de cores, atravessando novas fronteiras da ciência, da arquitetura e dos projetos. Acima de tudo, a Reforma ia contra todas as aspirações para a recriação do supremo domínio de Roma Imperial.

Desde que a Igreja Católica tinha deposto os reis merovíngios no século VIII, havia um movimento calculado para refletir prévias glórias por meio do Santo Império Romano, convenientemente inventado. Mas a Reforma comprometia tudo isso, pois as nações da Europa se polarizavam e dividiam. A Alemanha, por exemplo, separou-se no norte predominantemente protestante e no sul católico romano. Como resultado, a Inquisição espanhola contra os judeus e muçulmanos se estendeu também aos protestantes. Inicialmente, eles foram caçados principalmente nos Países Baixos, mas, em 1542, uma Inquisição romana oficial contra todos os protestantes foi estabeleci da pelo papa Paulo III. Como não podia ser de outra forma, os protestantes levantaram as armas.

Os poderosos Habsburgos católicos, que governaram a Espanha e o império, sofreram o maior impacto da retaliação protestante, levando um golpe devastador quando a armada espanhola do rei Filipe II se espalhou aos quatro ventos em 1588. Além disso, eles sofreram também com a extensa revolta protestante na Holanda, iniciada em 1568, e a guerra de 30 anos na Alemanha, um conflito iniciado em 1618, quando os protestantes boêmios se rebelaram contra o governo Habsburgo da Áustria. Eles ofereceram sua coroa para o príncipe alemão Frederico V, palatino eleitor do Rena. Ele era sobrinho do líder francês huguenote, Henri de la Tour d' Auvergne, Duc de Bouillon. Quando ele aceitou a honra da Boêmia, porém, despertou a fúria do papa e do Santo Império Romano e a longa guerra começou. Durante a luta, a causa da Boêmia ganhou o apoio da Suécia, junto com a França protestante e a Alemanha. Com o passar do tempo, os territórios imperiais foram severamente devastados, a ponto de o imperador ficar com um controle meramente nominal dos estados germânicos.

Em 1562, os protestantes franceses (huguenotes) se levantaram contra sua própria monarquia católica, fazendo surgir guerras civis (que duraram até 1598) que ficaram conhecidas como as Guerras de Religião. A Casa de Valois estava no poder, mas o regente da França era a florentina Catarina de Médici. Ela era neta do papa Clemente VII e grandemente responsável pelo notório Dia do Massacre de 24 de agosto de 1572, de São Bartolomeu. Nesse fatídico dia, mais de 3mil huguenotes foram mortos em Paris, enquanto outros 12 mil eram mortos em toda a França. Tal fato agradou visivelmente o papa Gregório XIII, que enviou uma mensagem pessoal de congratulações à corte francesa!

Proeminente nas Guerras de Religião foi a nobre família francesa de Guise. Embora fossem líderes da Santa Liga Católica, os membros dessa família não eram amigos da dinastia Valois governante. Na verdade, eles disputavam a legitimidade da sucessão dos Valois e reivindicavam seu direito ao trono por descenderem do imperador Carlos Magno pela Casa de Lorraine. Isso era um problema para as tropas escocesas na França porque, após sua participação ativa na vitória de Joana d' Arc em Orléans, eles tinham fornecido por algum tempo uma guarda de elite para a Casa de Vale A Guarda Escocesa dos Compagnie Gendarmes Ecossais não tinha otrgação religiosa com os católicos nem com os protestantes, mas tinha, is, sim. uma aliança de compromisso com os reis Valois por meio de sua incorporação formal.

O dilema era porque o rei James V Stewart tinha se casado com Maria de Guise, e a atual rainha Mary dos escoceses era a filha do casal. Em 1558, ela se casou com o filho mais velho de Catarina de Médice, o delfim dos Valois, François. Assim, os desafortunados soldados escocese, foram pegos no meio do conflito francês e obrigados, em nome da honra. a apoiar a Casa de Valois. contra a de Guise, embora tivessem anteriormente liderado o exército do irmão de Maria de Guise, François, para resgatar Calais dos ingleses em 1558. Na verdade, além de serem uma guarda dos Valois, eles eram partidários tradicionais da Casa de Lorraine, a mais alta de Guise. Levando em conta toda essa situação, a Guarda estava numa posição realmente difícil.

O problema dos escoceses para equilibrar esse conflito de interesse foi finalmente resolvido quando a dinastia Valois se extinguiu. A partir de 1589, a França começou um período de dois séculos de governo por parte da Casa de Bourbon, com a qual a Guarda Escocesa não tinha compromisso formal.

Desde os primeiros dias dos reis francos, os administradores papais tinham conseguido afastar qualquer instituição poderosa que ameaçasse o Santo Império Romano em evolução. Mas, subitamente, ela se viu confrontada por um oponente imprevisto - uma imagem renovada e de modo geral mais aceitável de si própria - uma paralela e independente Igreja Cristã. Além disso, o movimento de oposição era mantido pelas mesmas vítimas da perseguição e da alegada heresia que o Vaticano julgava ter reprimido. Na nova e iluminada Era da Razão, os protestantes emergiam sob a bandeira unificada da Cruz Vermelha (Rósea) - um emblema incorporado no selo pessoal de Martinho Lutero.

Os rosa-cruzes (como se intitulam) pregavam a liberdade, a fraternidade e a igualdade. Viviam desafiando constantemente a opressão tirânica e acabariam se tornando instrumentais na revolução americana e na francesa. Após a Reforma, a Ordem Rosa-cruz foi grandemente responsável pelo estabelecimento de um novo ambiente de consciência espiritual. As pessoas descobriram que a história apostólica dos bispos romanos era uma ultrajante fraude e que a Igreja tinha deliberadamente sabotado a história de Jesus. Também ficou evidente que os Rosa-cruzes (como os cátaros e Templários antes deles) tinham acesso a um conhecimento antigo com mais substância do que qualquer coisa promulgada por Roma.

Contra o peso desse impacto, a única defesa de Roma era continuar com suas bem testadas declarações de heresia. Ameaças de violência foram mandadas contra todos os que se opusessem à doutrina católica. Na verdade, era preciso encontrar uma nova acusação - que não fosse tão leve quanto a de heresia, suficiente no passado. Os opositores do Catolicismo, fossem eles quem fossem, eram definidos como adoradores do diabo e a Inquisição do Martelo das Bruxas foi implementada contra uma imaginária conspiração satânica promulgada pelos feiticeiros. O problema era que ninguém sabia realmente quem eram esses supostos feiticeiros - e assim, uma série de julgamentos e testes ridiculamente trágicos foi elaborada para extermina-los. No meio de tudo isso, a rigida seita puritana se tomou politicamente aliada à estratégia romana, implementando suas próprias caças às bruxas na Inglaterra e na América. Por um periodo de 250 anos, mais de um milhão de homens, mulheres e crianças inocentes foram assassinados pela autoridade delegada dos caçadores de bruxos.

 

                             A ORDEM DA ROSA-CRUZ

Em 1614 e 1615, dois tratados conhecidos como os Manifestos Rosa-cruz surgiram na Alemanha. Eram eles o Fama Fraternitatis e o Confessio Fraternitatis. A eles se seguiu, em 1616, um romance do mesmo tema, chamado O Casamento Químico, escrito pelo pastor luterano Johann Valentin Andreae. Os primeiros Manifestos eram de autores a ele relacionados, se não do próprio Andreae, que era um alto funcionário da Prieuré Notre Dame de Sião. As publicações anunciavam uma nova era de Iluminismo e liberação hermética, na qual determinados segredos universais seriam desvendados e conhecidos. Diante do advento da Sociedade Real científica dos Stuarts, algumas décadas mais tarde na Grã-Bretanha, pode-se dizer que as profecias estavam suficientemente corretas, mas na época vinham veladas em alegoria. Os escritos se centravam nas viagens e nos aprendizados de um misterioso personagem chamado Christian Rosenkreuz, um Irmão da Cruz Rósea. Seu nome foi claramente criado para ter um significado rosa-cruz, e ele era descrito usando a equipagem dos Templários.

O enredo de O Casamento Químico se passa no castelo mágico da Noiva e do Noivo: um palácio cheio de efigies de leões, onde os cortesãos são estudantes de Platão. Num ambiente digno de qualquer romance do Graal, a Virgem Acendedora de Lampiões faz com que todos os presentes sejam pesados na balança, enquanto um relógio indica os movimentos dos céus e o Velo de Ouro é apresentado aos convidados. O tempo todo toca uma música de corda e trombeta, e reina um clima de romântico cavalheirismo, com cavaleiros de Ordens Sagradas presidindo. Embaixo do castelo há um rnisterioso sepulcro que contém estranhas inscrições, enquanto do lado de fora, no porto, encontram-se 12 navios da Pedra Dourada, cada um com sua bandeira individual do zodíaco. Em meio a essa curiosa recepção, uma peça de fantasia é conduzida para contar a intrigante história de uma princesa sem nome que lançada ao mar numa arca de madeira, casa-se com um príncipe de origens igualmente obscuras, fazendo com que uma herança real usurpada seja restaurada.

Combinada com as duas publicações anteriores, O Casamento Químico tem um significado ligado ao Graal óbvio. A Igreja, por isso mesmo, não perdeu tempo em lançar todo o peso de sua condenação contra os Manifestos. O ambiente era mítico, mas, para ilustrar a cena, os rosa-cruzes só usavam um único castelo em suas representações: o castelo de Heidelberg, a abadia do Leão Palatino - o lar do príncipe Frederico do Reno e sua esposa, princesa Elizabeth Stuart, filha do rei James VI dos escoceses (James I da Inglaterra).

Apesar do despertar rosa-cruz da Reforma, a Irmandade da Ordem da Rosa-cruz tinha uma história muito antiga, remontando à Escola Egípcia de Mistério do Faraó Tutmósis III (c.1468-1436 a.C.). Os velhos ensinamentos foram disseminados por Pitágoras e Platão, chegando mais tarde à Judéia por meio do Terapeutato egípcio ascético, que presidia em Qurnrã, na época anterior a Jesus. Aliados ao Terapeutato estavam os magos samaritanos de Manassés do Oeste, cujo chefe era o líder gnóstico Simão (o Mago) Zelote, um confederado convicto de Maria Madalena, um essênio da diáspora e o avô de Maria Madalena. A descendência de Menahem era dos sacerdotes da família de Judas Macabeu, tão reverenciado na história do Graal arturiana de Gawain.

O "discípulo amado", João Marcos (promulgador do Evangelho de João e também conhecido como Bartolomeu), era um especialista em medicina preventiva e curativa e ligado ao Terapeutato egípcio (gerando o cognato "terapêutico"). Foi por causa disso que João se tomou o santo reverenciado dos Cavaleiros Hospitalários de Jerusalém. João Marcos era o discípulo que Jesus encarregou de cuidar de sua mãe na crucificação

"Dessa hora em diante, o discípulo a tomou" (João 19:27). Algumas Bíblias - incluindo a Versão Autorizada do rei James - erroneamente acrescentam uma ou mais palavras (geralmente em itálico): "... a tomou para casa". Mas a palavra "casa" não era aplicável ao texto original do Evangelho. Na verdade, João foi encarregado de ser paraninfo (assistente pessoal) de Maria. e em vez de levá-la "para casa", ele teria levado Maria para as amas do Terapeutato (um paranymphos era, em termos exatos, aquele que na cerimônia conduzia a noiva até o noivo).

 

O símbolo dos curandeiros do Terapeutato era uma serpente – a mesma que é mostrada (junto ao emblema do Graal da Cruz Rósea) para indicar São João no manuscrito Rosslyn-Hay do rei René d'Anjou. A serpente gnóstica da sabedoria é usada como parte da insígnia do caduceu de muitas associações médicas internacionais da atualidade. Foi por causa da particular proximidade de João com a família de Jesus que ele reconheceu o verdadeiro significado das bodas sagradas em Caná. A dinastia real de Jesus tinha grande mérito, mas a de Maria Madalena também. Ela era a original Notre Dame des Croix, a portadora do vaso messiânico, a Senhora da Luz - e é no cálice dela que a Cruz Rósea do Sangréal é sempre encontrada.

Entre os notáveis Grão-Mestres rosa-cruzes havia o poeta e filósofo italiano Dante Alighieri, autor de A Divina Comédia, por volta de 1307. Um dos mais ávidos estudantes de Dante foi Cristóvâo Colombo, que, além de seu patrocínio pela corte espanhola, era bancado também por Leonardo da Vinci, membro da Ordem dos Crescentes de René d' Anjou (uma retomada de uma antiga Ordem das Cruzadas, estabelecida por Luis IX). Outro proeminente Grão-Mestre era o Dr. John Dee, astrólogo, matemático, agente do serviço secreto e conselheiro pessoal da rainha Elizabeth I. Também o advogado e escritor de filosofia Sir Francis Bacon, Visconde St. Albans, foi Grão-Mestre no início do século XVII. Sob o rei James VI Stuart, Bacon se tomou o Procurador-Geral da Grã-Bretanha e lorde Chanceler. Por causa da contínua Inquisição, ele se preocupava muito com a perspectiva do assentamento católico em grande escala na América, o que o fez se envolver de modo particular com a colonização transatlântica britânica, incluindo a famosa viagem do Mayjlower em 1620. Entre os colegas rosa-cruzes de Bacon estava o notável médico e filósofo teólogo de Oxford, Robert Fludd, que auxiliou na tradução para o inglês da Versão Autorizada da Bíblia do rei James.

Em 1307, os rosa-cruzes tinham sido formalmente inaugurados na Escócia pelo rei Robert, o Bruce, que escolheu certos Templários e Hospitalários para serem fundadores dos Irmãos Mais Velhos da Rosacruz. A Ordem foi herdada por seus descendentes da Casa Real de Steward e, na era Stuart da Grã-Bretanha, século XVII, os rosa-cruzes eram inseparavelmente ligados à Sociedade Real científica. Essa academia incluía mestres e acadêmicos como Robert Boyle e Sir Christopher Wren, . que tinham destaque na Ordem da Rosa-cruz. Os objetivos e as ambições da Ordem, com eminentes estudiosos como Sir Isaac Newton, Robert Hooke, Edmond Halley e Samuel Pepys, eram claros: avançar o estudo e a aplicação da antiga ciência, da numerologia e da lei cósmica. Os rosa-cruzes também se empenhavam em encorajar os ideais do Terapeutato egípcio promovendo assistência médica para os pobres. Não é coincidência que a agência de maior influência no campo da emergência médica em todo mundo (conforme estabelecido na Convenção de Genebra de 1864) seja identificada por sua familiar Cruz Vermelha.

Na época do rei Charles I, a Ordem Rosa-cruz estava bem estabelecida em vários países, incluindo Grã-Bretanha, França, Alemanha e Holandz. O trabalho da Ordem progrediu muito por algum tempo, independentemet'te da condenação papal emitida por meio de decretos do Vaticano. Contra esse progresso, porém, um novo inimigo visava à fraternidade erudita um inimigo cujos esforços perniciosos se concentravam para atrasar o avanço espiritual e tecnológico por tempo indeterminado. Os puritanos estavam chegando.

É um fato triste que, sempre que as ações pérfidas de um regime são suprimidas, outro regime de igual iniqüidade é criado no lugar. Foi isso que aconteceu com a separação da igreja inglesa de Henry VIII de Roma. Não tardou para que Henry fechasse mosteiros e vendesse as terras deles para classes mercantes; mas não era como se os cultos monges da Inglaterra tivessem a menor afinidade com a Igreja Católica episcopal. De modo semelhante, ao estabelecer a Igreja Anglicana Protestante (a Igreja da Inglaterra), a filha de Henry, a rainha Elizabeth I, apressou-se em impor seu controle absoluto aos católicos de Irlanda. Ela vendeu Ulster para as Associações da Londres, cujos mercadores forçaram os irlandeses a se tornarem seus servos ou a abandonar sua terra natal.

Henry VIII não se tornou protestante, como é freqüentemente sugerido; na verdade, ele tinha denunciado Martinho Lutero em seus escritos. O que ele fez foi cortar a parte inglesa da Igreja do controle papal. Isso facilitou seu divórcio de Catarina de Aragão (a filha de Fernando e Isabela, da Espanha). Também permitiu que ele tivesse acesso à riqueza da Igreja e às propriedades na Inglaterra. Quando o conselho dos reformistas protestantes assumiu as rédeas depois da morte do rei, o povo não ficou feliz, mas sua felicidade diminuiu ainda mais quando Mary Tudor se casou com Filipe da Espanha e começou a queimar protestantes na Inglaterra. Bloody Mary (ou Maria, a Sanguinária) morreu antes que ocorresse uma grande revolta pública, e sua meia-irmã Elizabeth acalmou o furor, criando a Igreja Anglicana Protestante. Foi o medo de que a Irlanda fosse usada para incitar uma invasão espanhola da Inglaterra que motivou suas ações, mas um fim a curto prazo raramente justifica um meio a longo prazo, e as tristes repercussões dos atos de Elizabeth ainda podem ser sentidas.

 

Quaisquer que fossem os motivos de Henry e Elizabeth, seus esforços aumentaram grandemente o poder das classes mercantes, que se aliaram aos protestantes holandeses para suprimir as pretensões comerciais internacionais. A resposta de Filipe II foi a grande Armada, mas esta foi repelida com a considerável ajuda das condições climáticas. A Inglaterra emergia como uma nação religiosamente independente, com a Igreja Anglicana firmemente estabelecida, mas muita coisa havia mudado desde que Martinho Lutero se pronunciou quase um século antes.

A Igreja Anglicana, com sua estrutura episcopal, tomou-se tão pouco tolerante com outras denominações quanto a Igreja de Roma. Na época do rei Charles I Stuart (1625-1649), ela já era decididamente antagonista em relação a qualquer um que ousasse questionar seu dogma. Como uma irônica repetição da história dos Templários, cientistas, astrônomos, matemáticos, navegadores e arquitetos rosa-cruzes se tomaram as vítimas do pernicioso sistema protestante. Os clérigos anglicanos os chamavam de pagãos, ocultistas e hereges, assim como a Igreja de Roma fazia. Na verdade, a queda do rei Charles I teve muito mais a ver com sua tolerância religiosa e sua ligação com aqueles grandes homens de conhecimento e erudição avançada do que os livros ortodoxos nos ensinam.

Se os cientistas ocultos da alta sociedade eram perseguidos pela sua própria Igreja nacional, havia pouca esperança para os praticantes dos velhos costumes nos estratos mais baixos da sociedade - aqueles que tinham sido tachados de bruxos pela Inquisição. Eles viviam com medo dos extremistas protestantes, -assim como tinham temido os católicos, e a seita protestante que mais se assemelhava ao fanatismo da Inquisição era a própria seita que se dividiu do episcopado anglicano para se tomar mais religiosamente "pura". O que esses puritanos conseguiram, porém, foi se transformar em idólatras intolerantes, desprovidos de qualquer intelecto espiritual. Na verdade, eram tão antidemocráticos em suas crenças que seu chefe preliminar era um déspota brutal que fazia até Tomás de Torquemada parecer um cordeirinho. Foi durante os anos do selvagem protetorado de Oliver Cromwell, a partir de 1649, que os astrônomos e matemáticos foram forçados a se esconder debaixo do solo, como o Colégio Invisível. Foi só em 1660, após a Restauração de Stuart, que os rosa-cruzes apareceram abertamente em público mais uma vez, com o rei Charles II como seu novo patrono e promulgador da Sociedade Real.

 

                 CASA DOS UNICÓRNIOS

                 A UNIÃO DAS COROAS

A Casa Real de Stewart da Escócia surgiu de uma união conjugal das linhagens hereditárias de Jesus e de seu irmão Tiago - originando-se na fonte dos merovíngios de um lado e dos reis celtas da Bretanha de outro.

Os Stewarts emergiram, portanto, como uma dinastia verdadeiramente singular e são conhecidos há muito tempo como a Casa dos Unicómios. Já vimos que o chifre do unicómio era simbolicamente equivalente à lâmina nas histórias do Graal, e ambas representavam o cálice "masculino" em contraste ao "feminino".

Junto ao Leão de Davi de Judá e à flor-de-lis franco-judaica, o unicórnio desposyni foi incorporado às Armas Reais. O unicórnio correspondia ao Jesus viril e era relacionado à imagem messiânica ungida do Salmo (canção sagrada) 92:10. De fato, o animal místico era um dos mais importantes símbolos dos cátaros albigenses, que foram tão cruelmente perseguidos pela Inquisição inicial. Nas lendas medievais, o Unicórnio sempre foi associado à fertilidade e à cura, e as tapeçarias da Renascença o mostram com a cabeça no colo da noiva real. Isso é uma alusão ao antigo texto ritual do Casamento Sagrado (o Hieros Gamos): "O rei vai com a cabeça erguida ao colo sagrado'', como é expressado no rito poético da antiga Mesopotâmia: a terra de Noé e Abraão.

Os cátaros acreditavam que somente o chifre sacro do unicómio podia purificar as falsas doutrinas que fluíam da Igreja Romana, e nesse sentido a reverenciada criatura costumava ser reproduzida com o chifre mergulhado num rio ou fonte. Outras descrições mostram o unicómio preso num jardim enclausurado - confinado, mas bem vivo. Os sete painéis de tapeçaria de La Dame à la Licorne, no Museu Cluny, em Paris, vieram originalmente de Lyon medieval. Os sete painéis flamengos intitulados Caçada dos Unicórnios, na c1ausura do Museu Metropolitano, Nova Iorque, são do século XVI, de Languedoc, e mostram o unicórnio sendo caçado e perseguido. Depois de capturado, ele é sacrificado, mas depois aparece vivo novamente no jardim da noiva. Essa é uma reprodução direta da história de Jesus.

O simbolismo mitológico do unicórnio era central às assim chamadas heresias de Provença, que foram tão brutalmente condenadas pela Igreja. Não foi por acaso que a fabuloso animal da linhagem do Graal encontrou seu lugar como guardião do Leão nas Armas da Escócia, junto ao sinal de X da unidade entre masculino e feminino - a bem conhecida Cruz Nacional, popularmente identificada como a cruz de Santo André.

Quando Robert II Stewart (neto de Robert, o Bruce) fundou a Casa Real Escocesa em 1371, a sucessão ficou com seus herdeiros no Parlamento escocês. As Casas Plantagenetas de York e Lancaster acabaram lutando pela dominação na Inglaterra, mas perderam para os Tudors. Na França, a dinastia Valois travou constantes guerras contra pretendentes rivais, e os Valois foram sucedidos pelos Bourbons. Mas durante todo esse tempo, os Stewarts mantiveram sua posição dinástica ininterrupta (a história completa da Casa Real de Stewart é relatada na obra do HRH Príncipe Michael de Albany, The Forgotten Monarchy of Scotiand).

Antes que os High Stewards se tomassem reis escoceses, suas ramificações familiares estavam bem posicionadas em termos de status nobre e, com o passar do tempo, eles adquiriram títulos em Lorne, Innermeath.. Atholl, Lennox, Doune, Moray e outros lugares. No fim do século XVI, o nome Stewart tinha se tomado Stuart na linhagem real - uma mudança ocorrida por meio da ligação francesa através dos Stewarts Seigneurs d' Aubignie e do primeiro casamento de Mary, rainha dos escoceses, como o Delfim, pois não existia a letra "w" no alfabeto francês.

Depois da morte de Elizabeth Tudor da Inglaterra, que não teve filhos, as coroas da Escócia e da Inglaterra se uniram em 1603. James VI dos escoceses era bisneto de James IV e da irmã de Henry VIII, Margaret. Era considerado, portanto, o parente vivo mais próximo de Elizabeth, e por isso mesmo foi convidado como sucessor. Na verdade, a Inglaterra tinha um herdeiro apropriado ao trono, Edward Seymour, lorde Beauchamp. por descendência da filha de Henry VII, Mary. Entretanto, embora muitos gostassem de reconhecer uma legítima sucessão paralela de Henry VII, outros se sentiam indignados com o fato de o rei dos escoceses ser rei da Inglaterra. Não tinham objeção à união das coroas, mas prefeririam que a situação fosse reversa, ou seja, um monarca inglês governando a Escócia. Como resultado, uma das maiores conspirações políticas da história foi montada contra James e os reis Stuart. Quando James VI dos escoceses chegou a Londres para se tomar também James I da Inglaterra, ele se viu confrontado por dois problemas imediatos. O primeiro relacionava-se à religião. Tanto a Escócia como a Inglaterra se haviam definido como nações protestantes, mas James tivera uma formação presbiteriana enquanto a Inglaterra era anglicana. A segunda dificuldade era que a administração de Westminster era totalmente inglesa, e os escoceses nascidos antes da ascensão de James, em 1603, não podiam exercer funções no governo. Isso significava que ele teria de esperar pelo menos 16 anos até que um escocês aparecesse em Westminster!

Depois de muitas tentativas frustradas de obter o controle da Escócia, o Parlamento inglês tinha descoberto um caminho estratégico para a possessão escocesa - que talvez já tivesse sido elaborado antes do convite à sucessão feito a James. Com James assentado nos tronos unidos. uma solução para a ambição de longa data foi elaborada: (a) os futuros reis da Grã-Bretanha permaneceriam sediados em Londres, o que restringia a influência escocesa mesmo nas questões da Escócia; (b) Westminster poderia, se julgasse necessário, dissolver o tradicional Parlamento triplo escocês; (c) no momento apropriado, os Stuarts seriam desacreditados e depostos; e (d) um monarca marionete escolhido em Westminster substituiria a sucessão escocesa. O resultado dessa estratégia seria a submissão total da Escócia ao governo inglês, uma ambição que tinha prevalecido desde a era Plantageneta de Edward I. E foi exatamente isso Q que aconteceu em 1688, quando o rei James VII (11) teve seu trono usurpado e foi mandado para o exílio pela Igreja e os conspiradores parlamentares.

 

Antes disso, em 1560, a Igreja Presbiteriana da Escócia (Presbyterian Kirk - regulamentada por anciãos em vez de bispos) tinha se tomado a Igreja Nacional do país. Ao sul da fronteira, a Igreja Anglicana existia desde a autorização por parte de Elizabeth I dos Trinta e Nove Artigos da doutrina inglesa em 1563. Assim, quando os Stuarts sucederam como monarcas gerais da Grã-Bretanha, eles supostamente deveriam manter duas importantes igrejas, sem que uma ofendesse a outra. Era uma tarefa impossível, principalmente porque o rei seria o Chefe da Igreja da Inglaterra. Para atingir um equilíbrio, os Stuarts fundaram a Igreja Episcopal Escocesa, que introduzia uma estrutura parecida com a dos bispos protestantes, paralela à equivalente anglicana. Mas os reis tinham, então, uma terceira Igreja para manter, o que complicava as coisas ainda mais. Acima de tudo isso, havia outra complicação. Além de serem reis da Grã-Bretanha, os Stuarts eram também reis da Irlanda (o Estado Livre irlandês só seria estabelecido em 1921), tendo, portanto, responsabilidades com o povo irlandês, que era tradicionalmente católico.

Elizabeth I tinha governado sem consultar o Parlamento com freqüência, e deixara a Coroa com dívidas consideráveis. Conseqüentemente, o rei James foi obrigado a implementar uma taxação mais alta. No entanto, ao aprovar essa medida, o Parlamento insistiu que ele não governasse no estilo autocrático de Elizabeth. Na verdade, estipulou uma série de restrições que praticamente deixavam o rei sem poderes individuais. James respondeu declarando que, segundo a tradição escocesa, ele não prestava contas a nenhum Parlamento, mas somente a Deus e à nação. Era seu dever, afirmou, manter a Constituição Escrita da Escócia em nome do povo e assumir posições contrárias ao Parlamento e à Igreja, se elas se fizessem necessárias. Diferentemente da Escócia, porém, a Inglaterra não tinha uma Constituição Escrita (como ainda não tem), e nada protegia os direitos e as liberdades do povo. Existia apenas uma tradição feudal que investia as classes altas feudais de poder de terras.

Durante toda a era Stuart, as diferenças religiosas entre as facções rivais da Igreja Cristã se faziam muito evidentes. Ao instituir os Atos de Uniformidade com respeito ao Book of Common Prayer (Livro da Oração Comum), James VI (I) irritou os católicos e incitou no Parlamento o Golpe da Pólvora contra ele. Por outro lado, ao introduzir a sua Versão Autorizada da Bíblia, fez com que os protestantes afirmassem que ele estava do lado de Roma. Não havia modo de um rei Stuart satisfazer os anglicanos, presbiterianos, episcopais e católicos sem ser plenamente tolerante com todos. O Problema era que o Parlamento anglicano não reagia bem a essa tolerância, principalmente quando ela se estendia inclusive aos judeus.

Quando o filho de James, Charles I, ascendeu ao trono, sua preocupação imediata era a natureza discriminatória do Parlamento de Westminster. Os ministros estavam tão envolvidos em disputas religiosas e territoriais que tinham esquecido a administração do país. Charles, então, dissolveu o problemático Parlamento em 1629 e instituiu uma administração nova. Com isso, ganhou uma considerável popularidade; também conseguiu equilibrar o orçamento nacional pela primeira vez em séculos. Em seis anos, ele era mais favoravelmente aceito do que qualquer monarca desde Henry VII (1485-1509) - mas quando os dogmáticos puritanos ascenderam ao poder. o reinado de Charles ruiu.

As estritas doutrinas dos bispos anglicanos desagradavam a grandes setores da comunidade. Assim, não era de se surpreender que o povo estivesse prontamente disposto a seguir seus pregadores puritanos locais, que denunciavam o episcopado em geral. O rei Charles fez o que pôde para resguardar a reputação anglicana, mas só conseguiu alienar muitos partidários potenciais. Durante a disputa com a Espanha, Charles se aliou à França, casando-se com a filha de Henry IV, Henrieta Maria, e isso irritou tanto a Igreja Anglicana como os puritanos, pois Henrieta era católica.

 

                         GUERRA CIVIL

Depois de onze anos de auto-suficiência, Charles foi obrigado a reconvocar seu Parlamento em 1640. Isso gerou vários problemas com a Igreja da Escócia, cujos anciãos não-episcopais tinham se sentido ofendidos pela tentativa do arcebispo de Canterbury de impor o Livro Anglicano de Orações na Escócia presbiteriana. Em Westminster, os ministros puritanos imediatamente impugnaram o arcebispo Laud por traição, e ele foi decapitado junto com o assistente de Charles, o visconde Strafford. Os puritanos, então, resolveram abolir o conselho da Câmara da Estrela do rei e organizaram o Grande Protesto: uma lista de queixas contra o próprio rei.

Tendo amainado o problema escocês, Charles se viu confrontado por mais problemas no ano seguinte, desta vez na Irlanda. Lá, os católicos estavam reagindo violentamente contra a presença de protestantes britânicos que, aos milhares, estavam sendo encorajados a migrar para Ulster. O rei Charles tentou criar um exército para aplacar a insurgência, mas o Parlamento se recusou a financiá-lo, achando que Charles poderia voltar o exército contra eles. Então, em 1642, quando Charles tentou prender cinco membros do Parlamento por comportamento obstrutivo, os portões de Londres se fecharam firmemente contra ele, e o resultado foi a guerra civil.

Em Nottingham, o rei levantou um contingente de Cavaliers Reais. enquanto Oliver Cromwell - um ambicioso MP - assumiu o comando das forças parlamentares. Sua cavalaria se encontrou com as forças do rei em Edgehill, mas a batalha terminou de maneira indefinida. Diferentemente dos exuberantes Cavaliers, o grupo de Westminster era de fato puritano. principalmente com seus cabelos bem curtos, o que lhes rendia o apelido de Roundheads ("cabeças redondas"). Simultaneamente, os soldados com peitoral do Cromwell eram chamados de Ironsides ("flancos de ferro").

Após Edgehill, os Roundheads estabeleceram a Solene Liga e Aliança com a Igreja da Escócia, prometendo introduzir o prebiterianismo na Inglaterra, se a Kirk (Igreja da Escócia) fornecesse mais soldados. Isso e mais uma taxa de 30,000 por mês (equivalente a cerca de 2,000,000 por mês, convertido para o valor atual) era suficiente para ganhar o apoio da Kirk e, como resultado direto, Cromwell derrotou as tropas reais em Marston Moor, em 1644.

No ano seguinte, o novo exército modelo do Parlamento derrotou Charles novamente em Naseby. Só nessa ocasião, porém, os soldados da Igreja da Escócia descobriram a verdadeira natureza de seus colegas puritanos. Antes, eles os viam simplesmente como outros protestantes não-episcopais, semelhantes à sua sociedade presbiteriana - mas agora estavam abrindo os olhos. Chegavam relatos de que os Roundheads tinham massacrado todas as mulheres irlandesas encontradas no campo das forças reais depois da batalha de Naseby, e eles mutilavam as mulheres inglesas com facas. Quanto aos homens escoceses, eles os prendiam, arrancavam-Ihes os olhos, cortavam-Ihes as orelhas e pregavam suas línguas. No sul, o povo tinha apoiado a causa puritana em grande número, mas agora aquela seita aparentemente moderada era vista sob uma nova luz - como um exército de perseguidores fanáticos comparáveis aos selvagens inquisidores católicos do Santo Oficio na Europa. Esses mesmos puritanos fanáticos logo estariam perseguindo seus próprios seguidores com um espírito de vingança no esforço de exterminar bruxos e feiticeiros!

Foi apenas uma questão de tempo até o rei Charles ser forçado a se render, e em 1646 ele ficou sob custódia parlamentar em Newark. Mais tarde, naquele mesmo ano, ele começou negociações com a Igreja Presbiteriana da Escócia, totalmente constrangida. Os anciãos reconheciam que, ao apoiar os puritanos, eles tinham colaborado com a queda de sua própria dinastia real (diferentemente dos episcopais escoceses, que tinham permanecido fiéis à Coroa). Mas era tarde demais para remediar a situação, e embora constituíssem um exército escocês contra Cromwell, ele o derrotou em Preston, em agosto de 1648. No início do ano seguinte, em 30 de janeiro de 1649, o rei Charles I foi julgado em Westwinter Hall e decaptado em Whitehall. Em seguida, o exército puritano varreu a Irlanda, matando milhares de cidadãos inocentes - uma atrocidade pela qual todo o infeliz povo inglês fora culpado.

Sem rei, o Parlamento inglês estabeleceu um período interino conhecido como Commonwealth (literalmente, Comunidade ou República), e em 1650 Cromwell derrotou o filho do rei falecido, Charles, príncipe de Gales, em Dunbar. Independentemente desse incidente, os escoceses coroaram Charles II em Scone, em 1o. de janeiro de 1651, e ele enfrentou mais uma vez as tropas de Cromwell em Worcester. Perdeu novamente, mas conseguiu escapar para a França.

Dois anos depois, em 1653, Oliver Cromwell dissolveu tanto o Parlamento como o próprio Commonwealth. Nomeando a si próprio lorde Protetor, ele governava somente com força militar, e seu protetorado era muito mais severo do que qualquer regime já experimentado até então. Ele ordenou que o Livro Anglicano de Orações fosse proibido, bem como qualquer forma de celebração no Natal e na Páscoa. As propriedades eram confiscadas, a educação restringida e a liberdade de expressão suprimida. O adultério passou a ser punido com a morte, e as mães solteiras eram aprisionadas. Esportes e diversões foram declarados blasfemos, as estalagens foram fechadas e lli encontros e reuniões, proibidos. Multas punitivas eram impostas à vontade pelos soldados. Aqueles que ainda ousavam rezar pediam uma "rápida volta à proteção da Lei Comum".

Quando Oliver Cromwell morreu, em 1658, seu legado despótico caiu nas mãos de seu filho Richard. Felizmente, ele não tinha a ambição de seu pai, não tardando em convidar Charles II a voltar aos seus reinos. A Restauração de Charles Stuart ao trono ocorreu em 1660, onze anos depois da execução de seu pai.

Charles se revelou um rei habilidoso e popular. Ele reformou a Igreja Anglicana e manteve uma sociedade em que todas as denominações religiosas eram igualmente aceitas. Entretanto, apesar desses avanços, os políticosanglicanos e o clero ainda perseguiam sua meta imperiosa. Não lhes importava o que o rei pensasse, eles não tinham a menor intenção de mostrar tolerância com as outras convicções religiosas, particularmente com os judeus ou católicos. Além disso, como Charles era casado com a portuguesa Catarina de Bragança, eles insistiam em afirmar que ele devia ter uma inclinação para a Igreja Romana. Assim, o Parlamento outorgou a Lei Padrão restritiva em 1673 e 1678, impedindo quem não fosse anglicano de ocupar cargos governamentais ou públicos.

 

                               O COLÉGIO INVISÍVEL

Não é nenhum segredo - embora talvez não seja do conhecimento geral - que as primeiras Lojas maçônicas na Grã-Bretanha tinham uma associação direta com a Casa de Stuart. Oriundo da graduação arquétipa dos pedreiros (maçons) medievais de acordo com níveis de profeciência, um conceito simbólico de Maçonaria ritualizada evoluiu durante o reinado de Charles I. As primeiras induções às Lojas maçônicas livres (ou especulativas) foram registradas por volta de 1640. O movimento era fortemente centrado na aquisição estruturada de conhecimento de ciências inexploradas, boa parte do qual fora preservada na Escócia desde a época dos Templários originais e dos monges cistercienses.

 

Na Inglaterra dos Stuarts, os primeiros maçons livres de Charles I e Charles II eram homens de filosofia, astronomia, arquitetura, química e aprendizado avançado em geral. Muitos eram membros da academia científica mais importante do país, a Sociedade Real, que tinha recebido o título de Colégio Invisível quando seus fundadores eram forçados a se reunir em locais subterrâneos durante o protetorado de Cromwell. A natemidade foi estabelecida no reinado de Charles I em 1645 e incorporada sob decreto real de Charles II em 1662, depois da Restauração. Entre os primeiros membros da Sociedade, estavam Robert Boyle, Isaac Newton, Robert Hooke, Christopher Wren e Samuel Pepys.

Basta considerarmos os feitos da Sociedade Real para percebermos que, como os antigos Templários, eles eram agraciados com um conhecimento especial. O filósofo naturalista Robert Boyle (1627-1691) era um renomado alquimista, estudante de Nostradamus e uma autoridade em cultura do Graal. Boyle apoiava o astrônomo e matemático Galileu Galilei em sua defesa do princípio heliocêntrico de Copémico do sistema solar. Ele fez muitas descobertas a respeito das propriedades do ar e formulou a notável Lei de Boyle. Seu colega, o fisico Robert Hooke (1635-1703), inventou o cabelo de relógio, a bomba de ar dupla, o medidor de ácido muriático e o barômetro marinho. Também pertencia à fraternidade o astrônomo e geômetra Edmond Halley, que calculou o movimento de corpos celestes e previu corretamente as aparições regulares futuras do cometa de Halley.

Isaac Newton (1642-1727) foi um dos maiores cientistas de todos os tempos, renomado particularmente por anunciar a Lei da Gravidade e as definições da força orbital. Foi um notável alquimista, aperfeiçoou o cálculo, elaborou as Leis de Movimento e inventou o telescópio refletor. Um dos mais importantes estudos de Newton foi referente à estrutura dos reinos antigos, e ele citava a preeminência da herança judaica como um arquivo de conhecimento divino e de numerologia. Newton estava totalmente a par da Lei Universal, da geometria sagrada e da arquitetura gótica. Embora fosse um homem profundamente espiritualizado e uma autoridade em religião antiga, ele rejeitava abertamente o dogma da Trindade e a divindade de Jesus, afirmando que o Novo Testamento tinha sido distorcido pela Igreja antes de sua publicação. Newton não só foi um presidente da Sociedade Real, mas também Timoneiro da Prieuré Notre Dame de Sião.

A Ordem original de Sião tinha sido inaugurada pelos Cavaleiros Templários para acomodar judeus e muçulmanos dentro de sua organização cristã e, até 1188, eles tinham o mesmo Grão-Mestre. Embora os primeiros Templários tivessem afiliação cristã, eles eram os expoentes da tolerância religiosa, o que lhes permitia ser diplomatas influentes tanto nas comunidades judaicas como nas islâmicas. Entretanto essa associação liberal com judeus e muçulmanos foi denunciada como heresia pelos bispos e serviu para a excomunhão, por parte da Igreja de Roma, dos Cavaleiros Templários, em 1306.

A partir de 1188, a Ordem vinha sendo reestruturada, e evoluiu para seguir um caminho mais específico de lealdade à linhagem merovíngia da França. Os Templários, por outro lado, eram particularmente interessados em apoiar a emergente sucessão Stewart. Na prática, as duas Ordens operavam em íntima associação, pois se interessavam essencialmente pela mesma linhagem raiz.

Outro proeminente membro da Sociedade Real era Sir Christopher Wren (1632-1723), o arquiteto de obras como St. Paul's Cathedral, Royal Exchange, Greenwich Hospital (o Colégio Naval Real), Royal Greenwich Observatory e numerosas outras igrejas, salões e monumentos. Ele também foi um aclamado matemático e professor de astronomia. Wren era Grão-Mestre da Ordem esotérica dos Rosa-cruzes, assim como o foram Robert Boyle e o lorde Chanceler, Sir Francis Bacon. Outros Grão-Mestres rosa-cruzes foram Benjamin Franklin (1706-1790), que distinguiu a eletricidade positiva da negativa, e Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos da América (1801-1809).

Os historiadores modernos têm o infeliz hábito de exaltar determinadas virtudes de homens grandiosos e inteligentes e de ignorar totalmente as fontes de sua sabedoria. Eles são explicitamente descritos como artistas, cientistas, políticos ou qualquer outra coisa; mas de Leonardo a Newton, e de Newton a Franklin, seus interesses comuns eram a alquimia hermética e a Arte Sagrada. Na verdade, suas várias revelações não eram necessariamente descobertas em primeira mão; eram, isso sim, produto do estudo das leis cósmicas e equações de origens muito antigas. Como um grupo, os homens eram capazes de se auxiliar mutuamente com traduções, experimentos e desenvolvimento. A história de Newton e da queda da maçã pode acrescentar um toque de humor à Lei da Gravidade, mas ele admitiu que sua verdadeira fonte de inspiração tinha sido Música das Esferas, de Pitágoras, escrita no século VI a.C.

Na Grã-Bretanha, e seu posterior exílio, os reis Stuart estavam bem na frente da Maçonaria escocesa, que se baseava nos mais antigos de todos os conhecimentos arcanos e na Lei Universal. Sua herança bretã era intimamente aliada às famílias nobres de Boulogne e Jerusalém, e sua origem era grandemente inspirada nos Templários. Não é surpresa, portanto, que tivesse surgido durante os reinados de Charles I e Charles II (que representavam um problema para os ignorantes puritanos e a Igreja Anglicana) o Colégio Invisível da Sociedade Real - um colégio que no breve período do patronato Stuart revelou algumas das maiores descobertas científicas de todos os tempos.

 

                           LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

                           JACOBITAS

Em termos religiosos, é impossível classificar os primeiros Stuarts em qualquer denominação; eles eram simplesmente cristãos. Entretanto, um a um, eles foram as vítimas dos ciúmes de diferentes igrejas, com cada facção rival tentando impor sua ambição contra as outras. Até o irmão e sucessor do rei Charles II, James VII (II), declarar-se católico, nenhum rei Stuart podia se rotular pessoalmente uma coisa ou outra. Apesar dessa inclinação pessoal, é evidente que o rei James foi o mais tolerante na história da Grã-Bretanha. Ele não só evitava impor qualquer persuasão, mas fazia exatamente o contrário - chegou a emitir uma Declaração escrita de Liberdade de Consciência, propondo o ideal de liberdade religiosa para todos:

 

"Somos da constante opinião de que a Consciência não deve ser restringida, nem as pessoas forçadas em matéria de mera religião. Isso sempre foi contrário à nossa inclinação, como acreditamos ser também o interesse dos governos destruí dos pela intolerância, tendo o comércio prejudicado, a população esvaziada e os estrangeiros desencorajados. E finalmente, a intolerância jamais obteve o fim para o qual foi empregada...

Também declaramos que é nossa vontade real e nosso gosto que, a partir de agora, a execução de todas as espécies de leis penais (em questões eclesiásticas) por não ir à Igreja, não receber um sacramento, por qualquer não-conformidade à religião estabeleci da, ou por razão do exercício da religião desta ou daquela maneira, seja imediatamente suspensa; e que a posterior execução das ditas leis penais seja, a partir de agora, suspensa... E para que, pela Liberdade assim concedida, a Paz e a Segurança de nosso Governo nessa prática não sejam postas em risco, julgamos apropriado, e o mesmo julgamento esperamos de nossos amáveis súditos, que todos tenham a liberdade de buscar e servir a Deus de sua maneira e a seu modo".

 

Ao lançar essa Declaração em 4 de abril de 1687, James esperava pôr um fim a toda idolatria, em favor da indulgência compassiva. O que o rei não percebia era que nem ele nem o povo tinham liberdade de tomar decisões nesse sentido. Naquela época, dois grupos políticos ativos (partidos) tinham se desenvolvido em Westminster, e cada um era conhecido pelo apelido que lhe fora dado pelo outro. Havia os Whigs (os arruaceiros) e os Tories (os ladrões) - sendo os últimos os herdeiros da posição da realeza. Os Whigs eram essencialmente aqueles que pertenciam ao abastado sistema dos proprietários de terra, e quando James emitiu a Declaração, eles eram a maioria. Eles não só condenavam o rei, mas ainda o depuseram formalmente por ousar reconhecer as crenças alternativas dos católicos, dos presbiterianos, dos judeus, dos quakers e de outros. Eles baseavam seu argumento na tolerância que James tinha com os católicos, embora sua aceitação aos judeus seria realisticamente um alvo mais óbvio para os cristãos anglicanos convictos. É evidente, portanto, que a perseguição a ele tinha pouca relação com assuntos religiosos; o motivo mais importante era justamente o fato de o rei ter desafiado o direito do Parlamento de impor sua vontade ao povo.

Isso nos leva de volta, claro, ao início do livro, com a noção de Serviço. Em essência, o rei James estava agindo de pleno acordo com o Código do Graal- um código que obriga as pessoas com autoridade, seja ele em posição eleita ou hereditária, a se ocupar não dos poderes de seus cargos, mas sim dos deveres desses mesmos cargos.

Tentando conceder igualdade de religião, o rei James tentou cancelar a Lei Padrão restritiva de 1673 e 1678, que obrigava todos os que tinham cargo público a entrar em comunhão com a Igreja da Inglaterra. Essa lei acabou sendo revogada em 1828-9 para o beneficio dos católicos. Mais tarde, em 1858, as cláusulas também se afrouxaram em relação aos judeus. Atualmente, na Grã-Bretanha, todas as denominações religiosas (cristãs ou não) têm o mesmo direito de culto, de acordo com a consciência de cada indivíduo, exatamente como pretendia o rei James VII (II), 300 anos atrás. São poucos os que hoje diriam que James estava errado em sua visão de tolerância; ele simplesmente estava à frente de seu tempo.

Entretanto, nem toda a hierarquia anglicana se opunha ao rei James. Entre outros, ele recebia o apoio do arcebispo Sancroft, de Canterbury, e dos bispos de Bath e Wells, de Ely, de Gloucester, de Norwich, de Peterborough, de Worcester, de Chichester e de Chester. Quando James foi deposto, todos esses perderam sua sé e suas incumbências. Desde então, a história tem sido manipulada para sugerir que James foi deposto porque era católico. Na verdade, ele foi derrubado para garantir poder a um Parlamento que não tinha sido eleito pelo voto democrático do povo.

Com a saída de James, o trono foi oferecido conjuntamente ao Magistrado Chefe holandês, William de Orange, e à sua esposa (filha de James), Mary. Mas, na ocasião, regras rígidas foram estipuladas. A Declaração de Direitos de 1689 afirmava que os futuros monarcas só poderiam reinar com consentimento parlamentar, e que os MPs deveriam ser eleitos livremente. Na verdade, os MPs da época certamente não eram eleitos. Apenas um número limitado de proprietários de terra, todos homens, que desfrutavam altas rendas, tinha direito a voto, e a Casa dos Comuns estava longe de ser característica da população que supostamente ela representava.

Embora a rainha Mary fosse protestante, os ministros se preocupavam com o relacionamento de William com Roma. A Holanda era a principal província do norte das Terras Baixas independentes, mas já tinha sido ligada ao Santo Império Romano, e era um fato conhecido que o exército de William se constituía basicamente de mercenários católicos. Foi por essa razão que a Lei do Acordo foi promulgada em 1701 com o intuito de garantir o trono da Grã-Bretanha somente para protestantes - uma Lei que ainda vale hoje, embora tenha sido aprovada na Casa dos Comuns por uma maioria de apenas um voto!

Depois que James foi deposto, a Casa dos Lordes determinou que, como havia um pacto legal entre o rei e o povo, o trono "não estava vago" (embora tampouco estivesse tecnicamente ocupado). Foi sugerido que uma regência seria o melhor modo de preservar o reino durante o resto da vida de James Stuart.

Mas o invasor holandês William de Orange convocou uma convenção parlamentar em Londres, em 26 de dezembro de 1688. Com seus guardas armados dentro e ao redor da Casa, ele declarou que não tinha intenção de se tornar regente; tampouco consentiria em dividir o governo. Sua declaração foi tão veemente que houve um medo imediato de guerra, e muitos pensaram que ele tomaria a Coroa, de um jeito ou de outro. Uma conferência de pânico foi marcada entre os Lordes e os Comuns, resultando em uma nova decisão: talvez o trono não estivesse vago, afinal de contas!

No momento em que escrevo isto, o atual príncipe de Gales enfrenta um dilema pessoal envolvendo a religião e a Igreja. Desde a era Tudor, os monarcas ingleses têm sido designados como Defensores da Fé - isto é, da fé protestante anglicana. O HRH Príncipe Charles afirmou, porém, que como futuro rei nestes tempos cosmopolitas, ele preferiria ser classificado simplesmente como um Defensor da Fé - em geral, de qualquer tendência. Há nisso alguns significativos ecos do desafortunado rei James VI (II) e de sua Declaração de Liberdade de Consciência. No entanto, muito pouco mudou nos últimos 300 anos. Os monarcas britânicos ainda são os Chefes da Igreja, e a atual hierarquia anglicana é tão protetora e separatista quanto seus predecessores do século XVII. Apesar do fato de os Estados Unidos da América e outras nações ocidentais terem Constituições Escritas formais que garantem os direitos e liberdades individuais, os britânicos ainda não têm essa proteção. Isso significa que o Parlamento e a Igreja retêm o domínio supremo da monarquia (e, portanto, do povo), enquanto a Declaração dos Direitos e a Lei do Acordo prevalecerem.

Quando William III e Mary II ascenderam juntos ao trono britânico. um ambíguo legado Stuart era inerente. Mary era filha do rei James VII (II) com sua primeira esposa, Anne Hyde de Clarendon. William (cujo pai era William de Nassau) era filho da filha do rei Charles I, Mary. No entanto. apesar dos aparentes elos, os escoceses não estavam satisfeitos com a perda de seu rei dinástico legítimo. Em 1689 (o ano seguinte ao que James foi deposto) ocorreu o primeiro levante jacobita. O visconde Graham de Claverhouse, Grande Prior dos Cavaleiros Templários na Escócia (e conhecido como Bonnie Dundee), liderou um contingente de homens das Terras Altas (Highlanders) contra as tropas do governo em Killiecrankie, em 27 de julho. Embora a investida escocesa tivesse sucesso, o visconde Dundee foi mortalmente ferido na batalha. Em 18 de agosto, os Highlanders tiveram menos sorte em Dunkeld. Depois, no dia 10. de julho de 1690, os homens de Orange, do rei William, derrotaram as tropas da restituição de James VII na batalha de Boyne, na Irlanda.

Em meio a tudo isso, os Campbells e alguns outros clãs escoceses decidiram ganhar as graças dos novos monarcas, auxiliando na supressão governamental dos leais jacobitas (eles eram chamados de jacobitas porque o nome James deriva do latim Jacobus/Jacomus, sendo originalmente Jacó em hebraico - daí Jacob-itas). O rei William ordenou que todos os Chefes das Terras Altas deveriam fazer um Juramento de Aliança a ele, mas a maioria relutava em obedecer; seus reis sempre tinham jurado fidelidade à nação, e não o contrário. Para forçar a questão, Sir John Dalrymple, secretário de Estado da Escócia, teve a permissão de processar um clã relutante, para dar o exemplo aos outros. Ele escolheu os MacDonalds de Glencoe, que não tinham cumprido o prazo do juramento de aliança, que era 1o. de janeiro de 1692. O idoso chefe do clã dos MacDonald, Maclain, tinha tentado fazer o juramento em Fort Williams, em 30 de dezembro, mas não havia nenhum oficial da Coroa presente, e como resultado ele só conseguiu obedecer em 6 de janeiro, quase uma semana depois.

 

Diferentemente de alguns outros clãs, os MacDonalds não tinham força militar e eram uma presa fácil. Seu povoado ficava incrustado entre as altas montanhas de Glencoe, mais uma armadilha geográfica do que uma fortaleza natural. Em 1°. de fevereiro, Dalrymple enviou duas companhias do regimento de Argyll, sob o comando de Robert Campbell de Glenlyon, para exterminar o clã, que nada suspeitava. Chegando no disfarce de uma missão pacífica, os soldados se alojaram nas casas das hospitaleiras famílias por muitos dias. De repente, na terrível manhã de 13 de fevereiro, eles eliminaram todos os MacDonalds que encontravam, não poupando nem as mulheres, os velhos e os jovens. O horrendo massacre, porém, teve o efeito contrário do desejado. Em vez de intimidar os clãs a apoiar o novo regime, fê-los formar uma forte confederação jacobita contra o cruel holandês e seu governo.

 

                         TRATADO DA UNIÃO

Quando a rainha Anne sucedeu a William III em 1702, a maioria dos escoceses não mostrou entusiasmo, embora ela fosse irmã da falecida rainha Mary. Anne tinha desertado seu pai, o rei James, para apoiar seu cunhado, William de Orange. Ela era um anátema para os Stuarts e nunca tinha visitado a Escócia. Em 1706, Anne anunciou a intenção de dissolver o Parlamento escocês. Os ministros escoceses reagiram dizendo que tal ato seria ilegal de acordo com a lei escocesa. Eles citaram sua Constituição Escrita, a Declaração de Arbroath de 1320, que afirmava que, se um monarca decidisse:

 

"Tornar a nós ou a nosso reino submissos ao rei da Inglaterra ou aos ingleses, nós nos mobilizaremos imediatamente para expulsá-lo como inimigo e subversor de seus próprios direitos e dos nossos, e faremos de outro homem, que saiba nos defender, nosso rei".

 

Estava claro que o plano de Anne submeteria o reino à dominação inglesa de Westminster. Mas embora os escoceses não pudessem expulsar a rainha inglesa, eles tinham o direito legal de apresentar uma Declaração de Segurança (1706), que, de acordo com a Constituição, lhes permitia não aceitar o herdeiro escolhido de Anne. Com isso, eles retinham a liberdade de eleger um soberano escocês de uma linhagem real que não fosse escolhida pela Inglaterra. Enquanto isso, ficava cada vez mais evidente que Anne teria de escolher um herdeiro, em vez de dar à luz um. Ela chegou a conceber 18 vezes, mas só cinco nasceram, e só um sobreviveu aos primeiros anos, e mesmo assim morreu com 11 anos de idade. No evento, a rainha escolheu para sucedê-la a eleitora alemã, Sofia.

 

Apesar da Declaração de Segurança, Anne conseguiu o que queria. Ela propôs restrições comerciais aos escoceses e ameaçou-os com uma invasão militar em alta escala. Em março de 1705, Westminster criou a Lei do Estrangeiro, que determinava que os escoceses deveriam aceitar" Sofia de Hanover como a sucessora nomeada de Anne, ou o comércio entre o norte e o sul cessaria: a importação de carvão, linho e gado para a Inglaterra estaria proibida e, por outro lado, não haveria mais exportação de mercadorias inglesas para a Escócia.

Em 1o. de maio de 1707, o Parlamento escocês foi suspenso, e as Coroas da Escócia e da Inglaterra se tornaram uma, com Westminster assumindo o controle do novo Reino Unido da Grã-Bretanha segundo os termos do Tratado da União. Independentemente disso, os membros da aliança ignoraram o regime imposto; eles formalmente renunciaram à rainha Anne e proclamaram seu meio-irmão, James Francis Edward Stuart, a verdadeiro rei dos escoceses. Ele era filho e herdeiro de James VII (XII) com sua segunda esposa, Mary d'Este de Modena. James VIII (como seu pai antes dele) era católico, mas os membros presbiterianos da aliança pouco se importavam com a religião individual de seu rei. Diferentemente do sistema inglês, os monarcas escoceses não eram chefes de nenhuma igreja nacional. Tanto os presbiterianos como os episcopais estavam muito mais interessados em preservar sua casa real tradicional fora da supremacia inglesa.

Com o Tratado da União, os escoceses tinham permissão de manter sua igreja própria, além de seu sistema legal separado. Entretanto, várias medidas parlamentares foram introduzi das para a desvantagem dos escoceses em relação aos ingleses. Mas os escoceses não eram os únicos à mercê dos poderes regulamentares; o povo inglês tinha sofrido com a taxação atroz de William e Mary sobre luz e ar, iniciado em 1695. O imposto sobre cada janela além de seis em todas as casas, no valor de cinco libras por ano, durou 156 anos. Ainda hoje podem ser vistas janelas elevadas, que evitavam imposto, principalmente em áreas rurais.

Quando a rainha Anne morreu, em 1714, sua escolhida Sofia de Hanover já tinha morrido também. Os ministros Whigs ordenaram, então, o filho de Sofia, George, eleitor de Hanover, para o trono da Grã-Bretanha - a despeito dos fortes protestos do banco dos Tóris. Para a conveniência dos oligarcas Whig, o rei George I só falava alemão, e passava a maior parte de seu tempo no exterior. As rédeas da administração nacional eram controladas principalmente pelo lorde do Tesouro, Robert Walpole. Ele se tornou o primeiro efetivo Primeiro-Ministro, e desenvolveu a idéia antidemocrática do Gabinete (um círculo interno de ministros que se reuniam em particular fora da Casa para controlar a política do governo). A partir daquele momento, o povo não tinha voz ativa nas questões de seu próprio governo, nem a maioria dos MPs, controlada pelos Whigs ("chicotes"), cujo nome provinha dos assistentes dos Mestres Caçadores, de acordo com as exigências do Gabinete (ou Gabinete das Sombras).

Fora da Escócia, muitos Tóris de Westminster e seus partidários tentavam substituir Anne por James Francis Edward Stuart. Ele era o herdeiro legal à sucessão escocesa, e tinha sido seu titular o rei James VIII desde 1707. No entanto, os Whigs estrategicamente ignoraram James porque ele se recusava a se vincular à Igreja Anglicana. Os partidários da realeza escoceses e ingleses tentaram ganhar a Coroa para James Stuart em 1715, mas sua revolta limitada não foi bem-sucedida, e assim James voltou ao continente para continuar seu exílio francês em St. Germain-en-Laye, perto de Paris.

 

                       BONNIE PRÍNCIPE CHARLES

Em 1727, George 11 de Hanover sucedeu ao seu pai como rei da Grã-Bretanha. O segundo importante levante jacobita ocorreu 18 anos depois, em 1745, quando Charles Edward Stuart (Bonnie Príncipe Charles) contestou a sucessão alemã da Grã-Bretanha. O clero escocês o apoiou totalmente. Em um domingo, 24 de setembro daquele ano, a Igreja Episcopal simbolicamente coroou o rei Charles III na abadia de Holyrood House (Casa da Santa Cruz). Representantes das igrejas católica e presbiteriana também estavam presentes para testemunhar e aprovar o evento.

Apesar do fato de James VIII ainda estar vivo, ele tinha formalmente transferido seus interesses para seu filho, na Declaração em 23 de dezembro de 1743:

 

"Estimamos para nosso serviço, e para o bem de nossos reinos e domínios, nomear e indicar, como agora nomeamos, constituímos e indicamos, nosso querido filho, Charles, Príncipe de Gales, como único regente de nossos reinos de Inglaterra, Escócia e Irlanda, e de todos os nossos outros domínios durante a nossa ausência".

O príncipe Charles estava ansioso para restaurar o Parlamento e a Constituição. Ele estava igualmente determinado a que os ingleses deveriam ter direitos idênticos de liberdade política e religiosa. Em sua primeira proclamação, emitida em Edimburgo em 9 de outubro, de 1745, Charles Edward afirmou:

 

“Com respeito à pretensa União das duas nações, o rei não pode ratificá-la, uma vez que observou repetidos protestos contra ela, de cada um dos reinos”

 

Pouco depois de sua coroação figurativa, Charles foi investido como Grão-Mestre da Ordem do Templo de Jerusalém e, ao fazer o juramento. ele declarou:

 

"Vós podeis estar certos de que quando tiver meus plenos poderes, eu elevarei a Ordem ao que ela era nos dias de William, o Leão".

 

Após o início vitorioso na batalha de Prestonpans, os escoceses mar­charam para o sul. Avançando até Derby, eles não tinham idéia do pânico que assolara Londres e a Casa de Hanover. George II tinha até carrega­do uma barca no Tâmisa com as jóias da Coroa, pronto para uma rápida fuga para a Alemanha. Os políticos se apressaram em espalhar uma pro­paganda para convencer os jacobitas ingleses e galeses de que Charles jamais chegaria à capital- e funcionou; os reforços previstos pelo prín­cipe não se materializaram.

Como os escoceses ainda não tinham enfTentado o principal contin­gente do rei George, sob o comando do duque de Cumberland, lorde George Murray persuadiu os chefes dos clãs de que uma retirada estratégica era necessária. De volta à Escócia, dizia ele, todos poderiam se reagrupar e enfTentar Cumberland no território deles. Após algumas rusgas no cami­nho, os escoceses finalmente se encontraram com o poderoso exército em Culloden Moor, perto de Invemess, em 16 de abril de 1746. Mas, apesar de todo o seu sucesso anterior, os escoceses estavam muito cansados e famin­tos para ter um bom desempenho. Erraram nos cálculos e foram completa­mente derrotados.

Ironicamente, se não fosse pela propaganda ministerial no sul, os Highlanders poderiam de fato ter marchado desde Derby e tomado a ca­pital facilmente: "Teu ancestral estava enganado", disse o futuro George V a Murray, duque de Atholl. "O exército jacobita deveria ter continuado dire­tamente até Londres, e um Stuart seria hoje o rei da Escócia e da Inglater­ra, cada país tendo o seu Parlamento."

 

                 ASSASSINATO DE CARÁTER

Para a maioria das pessoas na Grã-Bretanha, o objetivo de James VII de liberdade religiosa para todos era uma inovação muito bem-vinda. Agra­da o senso de liberdade individual. Era, portanto, imperativo aos olhos dos Whigs que, para preservar seu domínio, eles denegrissem a memória do rei James e dos Stuarts. Lançaram um ataque totalmente em nível pessoalvisando em primeiro lugar à esposa de James, a rainha Mary d'Este. Ela era filha de Alfonso IV, duque de Modena, mas os hanoverianos decidiram retratá-la como uma filha ilegítima do papa!

Não havia muito a ser dito contra o irmão e predecessor imediato de James, Charles lI, que era muito bem visto pela opinião pública. Mas James VI (1) e Charles I eram outros bons alvos. Os anais de Cromwell foram vasculhados, para que fosse encontrado algum conteúdo devidamente crítico. James VI era conhecido por todos como o Salomão britânico, mas os Whigs lhe deram o novo nome de o Mais Sábio Tolo na Cristandade. Sua infeliz doença intestinal era usada para criar a impressão de que ele era um glutão vulgar, e a mais comum de todas as acusações dos caçadores de bruxas puritanos foi lançada contra ele, a de má conduta sexual.

Fora essas coisas, a grande popularidade do príncipe Charles Edward Stuart era uma ameaça enorme a George II, por isso o príncipe se tornou o principal objeto dos ataques hanoverianos. Enquanto o duque de Cumberland prosseguia com sua violenta subjugação das Terras Altas escocesas depois de Culloden, o Bonnie era retratado na Inglaterra como um traiçoeiro estimulador de guerras, rotulado de usurpador perigoso embora na verdade a família dele é que tinha sido usurpada. Não tardou para que toda a cena se voltasse contra o de jure rei dos escoceses. Dizia-se que ele era um bêbado e odiava as mulheres; sua vasta prole (exceto Charlotte de Albany) foi excluída dos livros de história britânica, bem como suas numerosas companhias femininas, exceto por um casamento com a princesa Luisa de Stolberg, com quem não teve filhos, e seu relacionamento com a mãe de Charlotte, Clementina Walkinshaw. Na verdade, seus ocasionais ataques de asma e epilepsia reforçavam a imagem de embriaguez.

A história tradicional na Inglaterra ainda descreve o príncipe como um problemático peão de Roma, mas ele não era nada disso. Seu relacionamento com o papa nada tinha de amistoso, e ele se converteu formalmente ao Protestantismo anglicano quando tinha 29 anos de idade. Subseqüentemente, ele escreveu:

 

"Para tornar mais autêntica a minha renúncia da Igreja de Roma... Fui a Londres no ano de 1750, e naquela capital fiz uma abjuração solene da religião romana, e abracei a religião da Igreja da Inglaterra" .

 

Após a morte de Charles Edward, em 1788, vários relatos de sua vida foram compilados de fontes hanoverianas. Existem atualmente numerosas biografias publicadas, na maioria, adaptadas umas das outras. Intencional­mente ou não, essas biografias geralmente se baseiam nos relatos inventados pela máquina de propaganda de Hanover. A Escócia, porém, conserva ­seu legado de orgulho no Bonnie. Os registros da Europa também transmi­tem uma imagem muito diferente de Charles Edward e seus descendentes legítimos; descrevem uma linhagem real resoluta, que foi estrategicamente ­velada pelo governo britânico até tempos recentes.

Os ingleses agora aguardam a perspectiva de Sua Alteza Charles. príncipe de Gales, tomar-se seu rei Charles III da Casa de Windsor. Ao ­mesmo tempo, muitos escoceses ainda insistem em uma nova independência. Um possível primeiro passo nesse sentido foi a recente reinstituição do Parlamento escocês, mesmo que ainda subordinado a Westminster. A Escócia já tem uma tradicional Constituição Escrita que poderia ser reimplementada, se não melhorada, em um ambiente independente - e essa Constituição dá à nação o direito de escolher seu próprio monarca e ao mesmo tempo rejeitar o domínio da Inglaterra.

Se a sua alteza atual Charles, príncipe de Gales, de fato se tomar rei da Grã-Bretanha, é improvável que os escoceses nacionalistas acei­tem prontamente um segundo Charles III. Após a coroação de sua mãe, a rainha Elizabeth II, eles protestaram, e com razão, porque nunca ti­nham tido uma Elizabeth I, já que Elizabeth Tudor tinha reinado na In­glaterra, mas não na Escócia.

A atual Casa Real, portanto, enfrenta um dilema considerável. Assim como ele mudou seu antigo nome germânico em 1917, de Sax-­Coburg-Gotha para Windsor, com o intuito de acalmar a nação inglesa durante a Primeira Guerra Mundial, ela talvez seja obrigada a dar mais um passo diplomático. Assim como o avô do príncipe Charles, Albert, duque de York, tomou-se o rei George VI, é perfeitamente possível que o próximo rei da Grã-Bretanha seja coroado não como Charles III e sim George VII. Alternativamente, uma vez que a Igreja e o Parla­mento dão as cartas, é possível que o príncipe Charles seja simples­mente ignorado - principalmente se ele não satisfizer a exigência anglicana com relação à defesa da fé. Essas são obviamente noções especulativas, mas será interessante ver o que acontece.

 

                       O SANGRÉAL HOJE

                       A CONSPIRAÇÃO DA LINHAGEM

Hoje em dia, compreende-se que a história oficial se baseia geralmente em registros de propaganda. Ela foi originalmente compilada para satisfazer as necessidades da época em que era escrita, em vez de oferecer um registro correto dos eventos. Em suma, ela é, de modo geral, uma versão adaptada da verdade. Por exemplo, a versão histórica inglesa da batalha de Agincourt, em 1415, difere consideravelmente do ponto de vista francês. De modo semelhante, a percepção cristã das Cruzadas não deve ser a mesma dos muçulmanos. Há pelo menos dois lados em cada história.

Em 1763, o jornalista John Wilkes acusou o governo de George III de distorcer os fatos nos discursos do rei. Hoje, essas acusações são mais comuns, mas Wi1kes foi preso e trancafiado na Torre de Londres. Naqueles dias, não havia liberdade de expressão ou opinião; porém, durante esse mesmo período de restrições, uma enorme quantidade de história aprovada pelo governo foi escrita.

Aos poucos, no decorrer do século XX, os registros oficiais de nobreza foram revisados para corrigir uma multiplicidade de erros em edições passadas. Mas muitos dos erros (alguns ainda não corrigidos totalmente) não eram equívocos, e sim manipulações deliberadas. Como resultado direto da política hanoveriana (de George e Vitória), por exemplo, há muito se afirma que na Grã-Bretanha a sucessão Stuart se tomou extinta no exílio. Os livros de história britânicos são praticamente unânimes ao afirmar que Charles Edward Stuart não tinha esposa quando morreu, nem um herdeiro legítimo do sexo masculino. Mas esses livros estão errados, e os re­gistros na Europa continental contam uma história muito diferente.

De acordo com a opinião doutrinal inglesa, o atual herdeiro à Casa Real de Stuart é Franz, duque de Bavária, que herdaria as honras escoce­sas em virtude da última vontade e do testamento do irmão mais novo e católico de Charles Edward, o cardeal Henry, duque de jure de York. Esse testamento supostamente nomeava Carlos Emmanuel IV de Sardenha como o sucessor Stuart. Por meio de casamentos na linha feminina descendente do irmão de Carlos Emmanuel, Victor Emmanuel I, o atual Franz da Bavária. sucede ao seu pai, o falecido duque Albrecht, contando (nesse sentido) com uma ancestralidade um tanto tênue de Henrietta, filha de Carlos I. O fato, porém, é que o testamento do cardeal Henry Stuart não mencionava Carlos Emmanuel como seu sucessor. Isso é uma completa fantasia que entrou nos livros de história, mas foi originalmente um engano intencional por parte dos políticos do governo de George - um engano perpetuado pelos posteriores ministros vitorianos.

Desde o momento em que o eleitor de Hanover começou a reinar como rei George I da Grã-Bretanha, em 1714, tomou-se politicamente neces­sário suprimir ou esconder muitas informações a respeito de determinadas famílias, e destacar a linhagem de outras. A Casa de Stuart foi particularmente atacada para que se justificasse a entrada da sucessão alemã. Ainda hoje, os livros de história repetem o absurdo elaborado na época e também depois, para desacreditar a dinastia Stuart e suas famílias associadas. As confabulações foram tão bem feitas que sua tendência é prevalecer enquanto os autores históricos continuarem a copiar um do outro.

Charles Edward Stuart se casou em 1772 com a princesa Luisa Maximiliana, filha de Gustavo, príncipe de Stolberg-Guedern. Em 1784, porém, uma dispensa papal para o divórcio foi obtida após o caso de Luisa com o poeta italiano Vittorio, conde Alfieri. Luisa fora declarada estéril pelos médicos, e, depois de alguns anos de casamento, ela deixou Charles, em 1780, para viver com seu amante. O divórcio costuma ser descrito como o fim da vida de casado para Charles Edward, mas não foi.

Os arquivos Stuart em Roma e Bruxelas revelam que; em novembro de 1785, Charles se casou novamente - dessa vez com a condessa de Massilan, na Santi Apostoli, em Roma. A condessa era Marguerite Marie Thérese O'Dea d'Audibert de Lussan - uma prima por descendência do tio-avô de Charles, o rei Charles II. Até 1769, ela vivia com seu tio-avô, Louis Jacques d' Audibert, arcebispo de Bordeaux. A avó paterna de Marguerite, Thérese, marquesa de Aubignie, era filha de Tiago de Rohano Stuardo, príncipe de Bovéria, marquês de Aubignie. Ele era o filho natural (legitimado em 1667) do rei Charles IIMarguerite, duquesa de Rohan. Por parte da mãe, Marguerite de Massillan, descendia através dos condes de Lussan.

Em novembro de 1786, a condessa, então com 37 anos, deu à luz um filho, Édouard Jacques Stuardo (Edward James Stuart), que ficou conhecido como conde Stuarton. Embora não fosse novidade na Europa, a notícia do filho legítimo e herdeiro de Charles Edward foi imediatamente suprimida pelo governo hanoveriano em Westminster. Desde então, esse filho tem sido totalmente ignorado pelos historiadores acadêmicos na Grã-Bretanha.

Naquele mesmo mês, a filha de Charles Edward e Clementina Walkinshaw de Barrowfield, Charlotte de Albany (nascida em 1753), encontrou-se com o irmão do rei George III, William, duque de Gloucester, na casa do príncipe Santa Croce, em Roma. Preocupada com sua posição como filha legítima de Charles Edward, Charlotte informou William de Gloucester acerca do nascimento real, e pediu seus conselhos. O duque disse que a posição de Charlotte estava provavelmente segura, mas a principal preocupação dele era uma carta que fora enviada ao pai de Charlotte pelo rei George III em 1784, sugerindo que Charles Edward poderia retomar à Grã-Bretanha do exílio como conde de Albany (Escócia). Charles não aceitara o convite, mas a questão agora se complicava com o filho recém-nascido, que poderia pensar diferente ao se tomar o segundo conde Stuarton, no devido tempo.

Quando o príncipe Charles Edward morreu, uma trama envolvendo a substituição de testamentos permitiu que as notícias do casamento e do nascimento fossem escondidas do público britânico - um golpe que foi perpetuado na era Hanover-Saxe-Coburg.

Em 1784, Charles fez um testamento nomeando seu irmão, o cardeal Henry, duque de jure de York, como seu herdeiro real, enquanto Charlotte de Albany seria a única beneficiária de suas propriedades. Isso está muito bem documentado nas biografias históricas, mas o que esses relatos não mencionam é que aquele não era o testamento final de Charles. Foi substituído por outro antes de sua morte. O Parlamento georgiano não escondeu apenas esse último testamento, mas também o motivo de sua existência.

Para estabilizar a posição do rei George III seus políticos acharam prudente acabar com o problema da popularidade Stuart na Grã-Bretanha, declarando extinta a linhagem escocesa, especialmente porque os jacobitas tinham sido tão úteis na Guerra Americana da Independência (17751783). Um grande número de escoceses destituídos tinha emigrado para a América após a brutal derrota dos Highlanders, depois de Culloden. Não conseguiram reconquistar a independência em casa, mas continuavam com sua causa no outro lado do Atlântico, auxiliando os colegas americanos a garantir sua liberdade do controle hanoveriano.

Em 30 de janeiro de 1788, o de jure rei Charles III (lembrado carinhosamente como Bonnie Príncipe Charlie) morreu no Palazzo Muti, em Roma. Ele tinha 67 anos de idade. Pouco antes de sua morte, tinha escrito seu último testamento. As testemunhas, em 13 de janeiro de 1788, foram o padre dominicano O'Kelly e o abade Consalvi, ambos executantes. O testamento declarava que o filho e a filha de Charles, Edward e Charlotte, eram co-herdeiros. Edward sucederia às Honras Reais em seu 16o. aniversário, e o cardeal Henry seria regente interino.

Após a morte de Charles Edward, porém, seu ambicioso irmão Henry não perdeu tempo em se autoproclamar rei Henry I dos escoceses (IX da Inglaterra). Para sustentar essa reivindicação, ele mostrou não o testamento de Charles de 1788, mas o anterior, de 1784, que interessava ao governo da Grã-Bretanha, já que o cardeal Henry provavelmente não teria filhos. Tanto O'Kelly como Consalvi participaram da intriga em troca de uma rápida promoção na Igreja. Pouco depois, o primeiro se tornou Procurador Dominicano, enquanto o abade era promovido a cardeal. Charlotte de Albany ganhou uma casa em Frascati, e o Palazzo Muti ficou para Marguerite de Massilan e o príncipe Edward. Também envolvido no esquema estava o abade James Placid Waters ("águas plácidas"), procurador dos beneditinos em Roma.

Declarando-se de jure, Henry tentou anular a cláusula de regência imediata no testamento de seu irmão. Mas, em janeiro de 1789, Henry fez um testamento no qual tentou emendar sua estratégia egoísta para o futuro: todas as suas posses e status hereditário passariam para o príncipe Edward James - isto é, "para meu sobrinho, conde Stuarton". O cardeal Ercole Consalvi e o cardeal Angelo Cesarini foram as testemunhas e os executantes do testamento, como afirmam em suas memórias.

Subseqüentemente, Henry perdeu boa parte de sua riqueza na Revolução Francesa e durante o avanço de Napoleão nos estados papais. Em 1799, ele se tornou um pensionista da Coroa Britânica, ganhando 15,000 por ano (cerca de 150,000 anuais, hoje), mas em troca ele deveria reescrever seu testamento. Em uma reunião com o príncipe Edward, a condessa Marguerite e o papa, os novos termos do testamento foram concordados. Ele foi escrito em 1802, mas a herança ainda ficava para o príncipe Edward. O documento revisado simplesmente substituía as palavras "para meu sobrinho, conde Stuarton" por "em favor daquele príncipe a quem por direito lhe cabe, em virtude da relação consangüínea de jure".

Quando Henry Stuart morreu, em julho de 1807, o rei George e o Parlamento britânico decidiram que o segundo testamento era, na verdade, menos apropriado do que o primeiro. Assim, ignoraram o documento de 1802 e recorreram ao testamento original de Henry, de 1789 - mas a imprensa declarou que Henry tinha deixado o legado para o seu parente, o conde Stuarton (ou seja, Edward James, claro). No entanto, ninguém na Inglaterra pensava em descobrir quem esse parente, o conde Stuarton, poderia ser. Um exemplo de uma típica declaração da imprensa é o da Gentleman’s Magazine, de setembro de 1807:

 

"Ele [Henry] possuía, antes de 1798, uma coleção muito valiosa de curiosidades em sua vila, onde muitos escritos esparsos e interessantes manuscritos a respeito da desafortunada Casa de Stuart se encontravam entre os ornamentos de sua biblioteca. Em seu testamento, feito em janeiro de 1789, ele tinha deixado os últimos para seu parente, o conde Stuarton, mas, em 1798, foram todos pilhados pelos jacobinos franceses e italianos em Roma, ou confiscados pelos comissários franceses para as bibliotecas e museus de Paris".

 

Na verdade, os manuscritos da biblioteca não tinham sido levados pelas pessoas acusadas; alguns se encontram hoje no Vaticano, alguns em bibliotecas romanas e outros ficaram com o governo britânico. De qualquer forma, de acordo com as memórias dos executantes de Henry, os cardeais Cesarini e Consalvi (na Bibliotheque National, Paris), a coleção da biblioteca de Henry tinha pouca relevância como legado individual, uma vez que ele deixara tudo o que possuía para seu "sobrinho, Conde Stuarton".

Esse fato à parte, e tendo se livrado do primeiro obstáculo, os ministros hanoverianos mostraram o testamento corrido de Henry, de 1802. Graças à sua natureza dúbia, os termos do testamento ("em favor daquele príncipe a quem por direito lhe cabe, em virtude da relação consangüínea de jure")332 tinham sido estrategicamente empregados para favorecer Carlos Emmanuel IV, ex-rei de Sardenha. Ele tinha abdicado recentemente para entrar para a Ordem dos Jesuítas, e assim o legado Stuart passou convenientemente para um monge que, era óbvio, não tinha filhos! Carlos Emmanuel escreveu para o Parlamento do rei George, denunciando a nomeação, pois sabia que os Stuarts estavam vivos e bem de saúde. Na verdade, morando com ele em Sardenha desde 1797, Marguerite e seu filho Edward eram residentes em sua casa, às margens do Corso, em Roma. A carta, porém, foi ignorada em Westminster, e toda a questão foi abafada na Inglaterra. A história hoje registra o desvio na sucessão Stuart, vindo de Sardenha, através de Modena, até a Bavária. A realidade é que a legítima Casa Real de Stuart (Stewart) ainda existe hoje, e há muito tempo tem um interesse ativo na administração constitucional européia.

Em 1809, surgiu uma disputa pelas lealdades soberanas entre os dois filhos de George III. Ela ficou conhecida como a Guerra dos Irmãos. O príncipe Edward, duque de Kent (o pai da rainha Vitória), era um maçom livre, enquanto seu irmão, o príncipe Augusto Frederico, duque de Sussex, era Cavaleiro Templário. O problema de Edward era que os colegas templários de seu irmão apoiavam os Stuarts, e ele tentou fazer com que eles mudassem sua aliança para com a Casa reinante de Hanover. Não conseguiu, mas chegou a um acordo, criando uma espécie de loja ao estilo dos Templários dentro da estrutura maçônica existente. Ela ficava sob os auspícios do protetorado de Kent, e seguia o Rito de York inglês da Maçonaria, enquanto os Templários originais seguiam o Rito escocês, do protetorado do príncipe Edward James Stuart, 2o. conde de Albany.

Enquanto os Stuarts exilados estavam na França e na Itália, eles se envolveram profundamente com o crescimento geral e a disseminação da Maçonaria, sendo os patronos do Rito escocês exportado, que tinha graus mais altos e guardavam mistérios mais profundos que outros sistemas maçônicos. Proeminente nesse movimento era o primo e mentor de Charles Edward, o conde de St. Germain. O envolvimento dos Stuarts era firmemente baseado nos direitos e privilégios estabelecidos, com um desejo de iniciar irmãos na verdadeira antiguidade e no pedigrée da Arte.

Na Inglaterra, o inerente segredo das lojas semelhantes a clubes forneciam a perfeita facilidade para intrigas ocultas contra os Whigs e a sucessão alemã. Por todo o país, as sociedades jacobitas e as lojas Tóri foram se tomando intimamente ligadas - o que as transformou em alvos prioritários para a Inteligência Whig, cujos agentes do serviço secreto se infiltravam nas fraternidades. Em anos mais recentes, a maçonaria inglesa ignorou a intriga política, tomando-se mais preocupada com a representação alegórica e os códigos de amor fraterno, fé e caridade. Na Europa, porém, muitas lojas intelectuais de base científica no estilo tradicional ainda existem.

Em 1817, um Dr. Robert Watson comprou em Roma alguns dos documentos do cardeal Henry a respeito da dinastia Stuart. Ele pagou 23.00 (equivalente à cerca de 619.00 atuais), e se preparou para publicar seu conteúdo. Mas, antes que tivesse uma chance de fazer isso, os arquivos foram confiscados pela polícia papal e levados a Londres, de modo que seu conteúdo nunca se tomou conhecido. Algum tempo depois, o médico recebeu pagamento de Westminster por ter sido privado de sua propriedade. Não contente com isso, Watson insistiu em seu direito aos documentos - e foi encontrado morto (supostamente por suicídio) em 1838. Os documentos nunca apareceram em domínio público. O Jacobite Peerage Register, de 1904, registra que aquilo foi feito especificamente para evitar que o conteúdo dos documentos fosse revelado a Carlos Emmanuel de Sardenha.

 

Assim como o cardeal Henry, o abade Waters também perdeu suas posses e se tornou pensionista do rei George. Waters, um executante para Charlotte de Albany, era a custódia de vários outros documentos dos Stuarts - e essa custódia constituía a rota para a sua futura renda hanoveriana. Em 1805, o abade foi obrigado a entregá-los ao governo britânico. Depois de muito tempo, alguns foram depositados no castelo Windsor, onde estão até hoje. Quanto ao resto, o paradeiro é convenientemente desconhecido.

Em virtude dessas aquisições documentárias, parecia fácil que o príncipe Edward James fosse totalmente excluído dos registros históricos na Grã-Bretanha. Mas não era o caso na Europa continental, onde ele aparece em documentos guardados pelos fiduciários Stuarts, e também nos textos de René, do visconde Chateaubriand, do abade James Waters, da princesa Caroline Murat e de outros. Embora os Stuarts sejam ignorados pelas autoridades britânicas desde a morte do cardeal Henry, os descendentes do príncipe Edward James, conde Stuart, 2o. conde de Albany, têm tido participação ativa em questões sociais, políticas, militares e soberanas nos últimos dois séculos. Freqüentemente, aconselham os governos em assuntos constitucionais e diplomáticos em um esforço de promover os ideais de serviço público e tolerância religiosa, de acordo com sua casa reinante, e se interessam particularmente por questões de comércio, guerra e educação.

Em 1888, o neto do príncipe Edward, Charles Benedict James Stuart, 4o. conde de Albany, tinha planejado visitar a Grã-Bretanha. Ele deveria ir a uma Exibição Stuart na Nova Galeria, em Londres, patrocinada pela Ordem da Rosa Branca e cujos principais organizadores eram Bertram, conde de Ashburnham e Melville Massue, marquês de Ruvigny. Mas a exibição foi totalmente prejudicada pelos agentes hanoverianos, e o príncipe Charles Benedict foi encontrado assassinado na Itália.

Não houve nenhuma exposição em 1888, mas no ano seguinte ocorreu uma exibição bem diferente. Em vez de homenagear os Stuarts, como estava planejado, a exibição foi promovida para celebrar o bicentenário da Revolução Whig, que tinha deposto James VII (II) e os Stuarts em 1688. A nova patrocinadora da exibição era a própria rainha Vitória, e o evento foi usado como um disfarce para obtenção de mais documentos valiosos do legado Stuart. Expulsos de seu patronato, lorde Ashburnham e o marquês de Ruvigny dirigiram seus futuros interesses para as sociedades cavalheirescas da Europa: a Ordem do Reino de Sião, os Cavaleiros Protetores do Santo Sepulcro e a Ordem do Sangréal.

Apesar dos esforços da rainha Vitória para suprimir a popularidade dos Stuarts, houve uma significativa revitalização dos jacobitas no fim do século XIX. Os conselheiros da rainha tentaram enfatizar a tênue reivindicação de Vitória à descendência Stuart para a exclusão da própria herança escocesa dos Stuarts. Como resultado, o Thane Banquo e a linhagem escocesa do rei Alpin desapareceram dos registros Stuart revisados pelos hanoverianos. Lorde Lyon, rei de Anns, escreveria, mais tarde: "O relato tradicional da família de Banquo, Thane de Lochaber, e através dela da descendência dos antigos reis da Escócia, é hoje desacreditada". Desde aquela época, a linhagem bretã dos ­Stuarts é enfatizada - por que alguém deveria desacreditar uma linha de descendência para promover outra é algo além da compreensão normal.

Os futuros membros da família real escocesa foram proeminentes na resistência belga durante a Segunda Guerra Mundial. Hubert Pierlot, pri­meiro-ministro da Bélgica, era um amigo íntimo dos Stewarts, que tinham ­voltado à grafia original do nome em 1892. Naquele ano, eles se mudaram para o Château du Moulin, nas Ardenas belgas, onde viveram até 1968. Esse castelo fora dado originariamente à família em 1692 pelo rei Luís XIV.

Em 1982, a cidade de Bruxelas homenageou os Stuarts com uma grande recepção. E em 14 de dezembro de 1990, os tabeliães de Bruxelas assina­ram, registraram e autenticaram uma Carta atualizada da Casa Real de Stewart, detalhando a completa descendência da família desde os tempos de Robert, o Bruce, até hoje.

Atualmente existem várias linhagens descendentes do príncipe Edward James, 2o. conde de Albany. Elas incluem os condes de Derneley e os duques de Coldingham. De maior destaque, porém, na principal linha da des­cendência legítima de Charles Edward Stuart e seu filho Edward James, é o 7o. conde de Albany: pincipe Michael James Alexander Stewart, duque de Aquitânia, conde de Blois, chefe da Sagrada Família de São Columba, Grande Comandante Cavaleiro da Ordem do Templo em Jerusalém, Grande Oficial Patrono da Sociedade Internacional de Oficiais da Comissão para o Commonwealth e Presidente do Conselho Europeu de Príncipes.

A primeira descendência Stewart vem do pai do rei Artur, rei Aedándos escoceses, de um lado, e do príncipe Nascien do Midi de Septimania, de outro. Sua descendência escocesa é ainda mais antiga, passando do rei Lúcio e Silúria a Brân, o Abençoado, e Tiago/José de Arimatéia, enquanto a suces­são Midi se origina da linha masculina ancestral dos merovíngios pelos reis pescadores até Jesus e Maria Madalena. Juntando as linhagens a partir de seu ponto inicial no primeiro século a.C., a descendência está na sucessão da Casa Real de Judá. Essa é uma linhagem verdadeiramente única de sangue soberano do rei Davi em uma das descendências-chave que compõem a A Linhagem do Santo Graal.

 

                 A COROA DA AMÉRICA

Sob as ruas de Roma, as catacumbas da era pagã guardam os restos mortais de mais de seis milhões de cristãos. Se fossem colocadas em uma fileira única, as passagens se estenderiam por 880 quilômetros. Ironicamente, o fanatismo das Inquisições foi responsável por mais de um milhão de vidas porque as vítimas supostamente "não eram" cristãs!

No decorrer dos séculos, milhões de judeus foram perseguidos e mortos como resultado do anti-semitismo iniciado pela então recente Igreja Cristã. Tal ato foi perpetrado principalmente sob o disfarce da acusação de deicida, e se descontrolou totalmente durante o holocausto no início da década de 1940. Além disso, dezenas de milhões de vidas russas (soviéticas) foram perdidas durante a brutal ditadura de Stálin - um totalitarismo autocrata que desprezava toda forma de religião. Grandes números como esses ultrapassam os limites da imaginação, mas essas lembranças não podem ser confinadas a regimes selvagens do passado. Os feudos religiosos em todo o mundo continuam como eram no distante passado, e a limpeza étnica da Inquisição ainda é evidente hoje em dia.

Na teoria, o Comunismo foi introduzido para realizar uma ambição socialista, mas o sonho logo morreu quando a gigantesca máquina chegou ao poder por meio da opressão militar. O capitalismo, por outro lado, é igualmente cruel porque venera os balancetes acima do bem-estar das pessoas. Como resultado, milhões são condenados a morrer de fome nas regiões mais pobres, enquanto vastas montanhas de comida são empilhadas em outros lugares. Mesmo nos Estados Unidos, onde a Constituição promove os ideais de liberdade e igualdade, vemos um abismo cada vez maior entre os grupos privilegiados e subordinados. Comunidades ricas estão agora fechando-se atrás de barricadas, em ambientes encerrados atrás de muralhas, enquanto os sistemas de assistência social do Ocidente entram em falência.

A história tem comprovado muitas vezes que o governo absoluto dos monarcas ou ditadores é um caminho para a disparidade social. Entretanto, a alternativa democrática do governo eleito também se mostra freqüentemente desigual. Mesmo os parlamentos eleitos podem se tomar egotistas e ditatoriais em um mundo onde aqueles com o poder de servir se consideram os mestres. Além disso, em países como a Grã-Bretanha, que têm uma estrutura política multipartidária, o povo freqüentemente se depara com o governo de ministros que chegaram ao poder com os votos de uma minoria. Nessas circunstâncias, quem defende os direitos individuais? Os sindicatos, alguns dirão - mas, independentemente de tais organizações também serem politicamente parciais, elas ainda estão sujeitas ao controle governamental. Embora possam ter um peso de afiliação, os sindicatos não têm autoridade final para se equipararem ao parlamento. No que diz respeito ao sistema judicial, seu propósito é zelar pela justiça legal, não moral.

 

Outros na Grã-Bretanha citam Sua Majestade, a Rainha, como a guardiã do povo; mas o país tem uma monarquia parlamentar na qual o soberano reina somente com o consentimento de Westminster. Na falta de uma Constituição escrita, os monarcas britânicos não têm o poder de defender direitos e liberdade individuais. O atual herdeiro ao trono realmente tentou superar as restrições, ocasionalmente dizendo o que pen­sa, só para sofrer recriminações por parte do sistema. Como uma criança vitoriana, ele deve ser visto "e não ouvido, enquanto os banqueiros, industrialistas e advogados controlam o destino da nação.

Freqüentemente ouvimos políticos citando a Constituição britânica, como se ela realmente existisse como um privilégio documentado, mas não existe. Ela é simplesmente um acúmulo de velhos costumes e prece­dentes que dizem respeito a sanções parlamentares, somadas a um nú­mero de leis específicas definindo determinados aspectos. Desde que a Declaração de Arbroath da Escócia, em 1320, foi anulada pelo Tratado da União da Inglaterra, em 1707, a mais antiga Constituição escrita ain­da existente é a dos Estados Unidos. Ela foi adotada em 1787, ratificada em 1788 e efetivada em 1789. Naquele mesmo ano começou a Revolu­ção Francesa, que aboliu o feudalismo e a monarquia absoluta na França, influenciando a política em boa parte da Europa. Nos dois séculos depois da Revolução, a França e outros Estados europeus (sendo a Inglaterra uma notável exceção) adotaram constituições escritas para proteger os direitos e as liberdades individuais. Mas quem defende essas constitui­ções em nome do povo?

Uma alternativa popular à monarquia absoluta ou à ditadura foi encontrada no republicanismo. A República dos Estados Unidos foi cri­ada basicamente para libertar a nação emergente do despotismo da Casa de Hanover, da Inglaterra. Seus cidadãos, porém, ainda se fascinam com o conceito da monarquia. Por mais republicano que seja o espírito, a necessidade de um símbolo central permanece. Nem uma bandeira nem um presidente podem cumprir esse papel unificador, pois em virtu­de do sistema partidário os presidentes são sempre politicamente moti­vados. O republicanismo foi criado sobre o princípio do status fraterno, mas a sociedade ideal sem classes nunca poderá existir em um ambien­te que promove amostras de eminência e superioridade por graus de riqueza e posses.

Na maioria das vezes, aqueles responsáveis pela Constituição moral­mente inspirada dos Estados Unidos eram Rosa-cruzes e maçons - perso­nagens notáveis como George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, John Adams e Charles Thompson. O último, que desenhou o Grande Selo dos Estados Unidos da América, era um membro da Socieda­de Filosófica Americana de Franklin - parente do Colégio Invisível da Inglaterra. A imagem do Selo está diretamente relacionada à tradição alquí­mica, herdada da alegoria do antigo Terapeutato egípcio. A águia, o ramo de oliveira, as flechas e os pentagramas são símbolos ocultos dos opostos: bem e mal, masculino e feminino, guerra e paz, escuridão e luz, etc. No verso (como se repete na nota do dólar) está a pirâmide truncada, indicando a perda da Velha Sabedoria, cortada e forçada para os subterrâneos pela Igreja. Mas acima disso estão os raios da luz da esperança, incorporando o olho que tudo vê, usado como símbolo durante a Revolução Francesa.

Ao estabelecer sua república, os americanos não puderam escapar do ideal de uma monarquia paralela - um foco central de apego patriótico, apolítico. Na verdade, ofereceram a George Washington a realeza, mas ele não aceitou porque não tinha uma herança qualificada imediata. Ele, então, recorreu à Casa Real de Stuart. Em novembro de 1782, quatro americanos chegaram ao Palazzo San Clemente em Florença, a residência de Charles III Stuart no exílio. Eram eles o Sr. Galloway de Maryland, dois irmãos chamados Sylvester da Pensilvânia e o Sr. Fish, um advogado de Nova York. Eles foram conduzidos a Charles Edward por seu secretário John Stewart. Também presente estava o Honorável Charles Hervey- Townshend (futuro embaixador britânico) e a futura esposa do príncipe, Marguerite, condessa de Massilan. A entrevista (que girou em torno do dilema transatlântico contemporâneo) está documentada nos arquivos do Senado americano e nos Manorwater Papers. Escritores como Sir Compton Mackenzie e Sir Charles Petrie também descrevem a ocasião em que Charles Edward Stuart foi convidado a ser o rei dos americanos.

Alguns anos antes, Charles tinha sido procurado também pelos homens de Boston, mas, quando a guerra da Independência acabou, George Washington enviou seus próprios emissários. Teria sido uma grande ironia se a Casa de Hanover perdesse as ex-colônias norte-americanas para os Stuarts - mas Charles declinou a oferta por várias razões, uma das quais foi sua falta de um herdeiro legítimo do sexo masculino na época. Ele sabia que sem um sucessor legítimo os Estados Unidos poderiam facilmente recair para Hanover quando de morresse, o que derrotaria todo o esforço de Independência.

 

                   PRECEITO DO SANGRÉAL

Desde aqueles dias, muitos outros eventos radicais têm ocorrido: a Revolução Francesa, a Revolução Russa, duas grandes Guerras Mundiais e mais uma série de mudanças, enquanto os países mudam de um estilo de governo para outro. Enquanto isso, disputas civis e internacionais continuam como na Idade Média. Elas são motivadas por comércio, política, religião e qualquer outra bandeira usada para justificar a constante luta por controle territorial e econômico. O Santo Império Romano desapareceu, os Reichs alemães falharam e o império britânico ruiu. O império russo caiu no Comunismo, que por sua vez também se desgraçou e acabou, enquanto o Capitalismo titubeia na beira da aceitabilidade. Com o fim da Guerra Fria. a América enfrenta uma nova ameaça ao seu superpoder, dos países do Pacífico. Enquanto isso, as nações da Europa se unem no que parecia uma comunidade econômica bem equilibrada, mas que já está sofrendo das mes­mas pressões do costume individual e da soberania nacional que abalaram o Santo Império Romano.

Sejam as nações governadas por regimes militares ou parlamentos eleitos, autocratas ou democratas, e sejam elas descritas formalmente como monarquistas, socialistas ou republicanas, o produto final é sempre o mesmo: poucos controlam o destino dos muitos. Em situações ditatori­ais, essa é uma experiência natural, mas não deveria ser o caso em uma instituição democrática baseada no princípio do voto da maioria. A verda­deira democracia é o governo pelo povo para o povo, em forma direta ou representativa, ignorando as distinções de classe e tolerando as visões das minorias. A Constituição americana estabelece um ideal para essa forma de democracia, mas de modo semelhante a outras nações há sem­pre um grande setor da comunidade que não é representado pelo grupo que está no poder.

Como os presidentes e primeiros-ministros são politicamente compro­metidos, e como os partidos políticos assumem respectivos turnos no poder, o resultado inevitável é uma falta de continuidade para as nações envolvi­das. Isso não é necessariamente ruim, mas não há uma instituição contínua confiável para defender os direitos civis e as liberdades do povo em condi­ções de uma sempre mutável liderança. A Grã-Bretanha pelo menos retém uma monarquia, mas é politicamente restrita, e portanto ineficiente em seu papel de Guardiã do Reino. Os Estados Unidos, por outro lado, têm uma Constituição Escrita, mas ninguém tem o poder de defender os princípios dela contra os sucessivos governos que deliberadamente visam apenas aos próprios interesses políticos.

Será que há uma resposta para essa anomalia - uma que traga não só um raio de esperança, mas também uma luz brilhante para o futuro? Certamente há, mas sua energia depende daqueles que estão em serviço governamental e compreendem seu papel de representantes da sociedade, e não líderes dela. Junto à administração política, um defensor constitucio­nal nomeado pode ter a autoridade de denunciar as potenciais disparidades e infrações da Constituição. Isso pode ser feito do modo previsto por George Washington e os Pais Americanos. Seu plano original era ter um Parlamen­to democrático, combinado com uma monarquia constitucional operante, não submissa ao Parlamento nem à Igreja, mas comprometida com o povo e sua Constituição escrita. Em um ambiente assim, a soberania ficaria por conta do povo, enquanto o monarca (como um Guardião operante do Rei­no) faria um juramento de fidelidade à nação - não o inverso, como no caso da Grã-Bretanha, em que a nação presta homenagem à soberania do Parlamento e da monarquia.

 

A ambição não realizada dos Pais Americanos era que os ministros do governo fossem eleitos pelo voto da maioria, mas que suas ações fossem dirigi das dentro dos limites da Constituição. Como a Constituição pertence ao povo, seu defensor - como via George Washington - deveria ser um monarca cuja obrigação não é para com a política ou religião e sim a nação soberana. Pelo sistema natural de hereditariedade (nascer e ser criado para a tarefa), esse Guardião Constitucional proporcionaria uma continuidade de representação pública através de sucessivos governos. Nesse sentido, tanto os monarcas como os ministros seriam servos da Constituição em nome da Comunidade do Reino. Esse conceito de governo moral é a verdadeira essência do Código do Graal, e existe dentro dos limites da possibilidade para toda nação civilizada.

Um primeiro-ministro britânico afirmou recentemente que não era o trabalho dele ser popular! Isso não é verdade. Um ministro popular é um ministro em que se pode confiar, e ter confiança eleitoral é algo que facilita o processo democrático. Nenhum ministro pode honestamente expor um ideal de igualdade na sociedade, se ele for considerado dono de privilégios especiais, superior à sociedade. A estrutura de classes é sempre decidida a partir de cima, nunca de baixo. Por isso, aqueles que se encontram em pedestais feitos por si próprios deviam saltar deles, em nome da harmonia e da unidade. Jesus não estava se humilhando quando lavou os pés dos Apóstolos na Santa Ceia; ele foi elevado ao reino de um verdadeiro Rei do Graal- o reino da igualdade e nobre serviço. Esse é o eterno preceito do Sangréal, e se expressa nas histórias do Santo Graal.com extrema clareza: Só quando se pergunta "a quem o Graal serve?" é que a ferida do rei pescador pode ser curada e a terra devastada recuperar a fertilidade.

 

                                                                                Laurence Gardner 

 

 

                      

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