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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A MALDIÇÃO DOS WULF / Ronda Thompson
A MALDIÇÃO DOS WULF / Ronda Thompson

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A MALDIÇÃO DOS WULF

 

                             Inglaterra, 1820.

O sapatear impaciente de cascos. O barulho dos freios. O ranger do couro dos arreios. Todos os sons da caravana se preparando para partir. Elise Collins estava parada nas sombras, os vagões mal e mal distinguíveis através do denso nevoeiro londrino. Ela agarrou fortemente sua mala em um aperto que embranquecia os nós dos dedos e repetia sem parar a frase “eu sou uma aventureira” em sua mente.

 

Um alto rugido rompeu a noite. Elise pulou. Bom Deus, o que vaga pelo nevoeiro?

 

- Domador de Feras! – uma voz trovejou. – Venha ver Raja. Ele está muito agitado essa noite.

 

A porta do vagão mais perto de Elise se abriu. Uma pessoa saiu. Ela não conseguiu ver o rosto, mas a menos que a neblina e as sombras estivessem pregando peça na noite, ele era muito alto. A luz da lua dançava ao redor dele, iluminando-o em uma luz espiritual. Seus cabelos, que chegavam até os ombros, quase cintilavam como prata. Um palavrão baixo flutuou até ela pelo ar frio, desfazendo sua imagem de santo.

- Raja está mimado por minha companhia – o homem gritou – Esperava poder dormir, já que Nathan disse que conduziria para mim.

 

- A menos que mantenha o tigre quieto, nenhum de nós conseguirá dormir! – a voz forte rugiu. Deixe seu vagão vazio e viaje um pouco com Raja.

 

“Tigres?” – Elise engoliu o nó que se formou em sua garganta. Danny, o cavalariço de seu tio e o cúmplice de sua ousada fuga, não mencionou que havia animais selvagens entre o show ambulante. Talvez tivesse sido má idéia ter mandado Danny embora tão rapidamente quando ele a deixou em segurança nos subúrbios de Londres. Mas não, Elise havia tomado sua decisão. Devia seguir adiante com seus planos.

 

Contemplou o vagão agora vazio. Com sua capa escura cobrindo-a, ela deveria ser capaz de se infiltrar nele sem ser vista. Seu tio nunca pensaria em procurá-la entre tais pessoas. A caravana era sua grande chance de escapar. Reunindo sua coragem, Elise lançou-se na direção do vagão.

 

 

Sterling Wulf parou em frente das vigorosas barras dos vagões dos animais. Uma sombra escura andava de um lado a outro dentro do vagão. Leena, a pantera negra, já tinha uma certa idade e raramente dava problemas, mas Raja, um tigre siberiano, tinha mau temperamento a maior parte do tempo e precisava ser mimado.

 

- Quer que eu viaje com você, não é? – perguntou Sterling. – Você nada mais é do que um gatinho muito grande. Enquanto Raja caminhava nervosamente perante ele, Sterling sentia-se desconfortável como o tigre. Ele estava com os nervos à flor da pele desde que chegaram próximos de Londres e começaram com os shows noturnos. Londres trazia de volta muitas lembranças, e era perigoso para ele ser visto. E se alguém o reconhecesse? E a tentação de procurar pelos irmãos foi quase grande demais. Ele se sentiria bem mais seguro tão logo a troupe deixasse Londres para trás.

 

Raja esfregou seu grande corpo contra as barras. Sterling sacudiu a cabeça e colocou as mãos dentro do vagão, seus dedos percorrendo os pelos do animal. – Tudo bem, então. Eu viajarei com você, mas apenas por um tempinho.

 

- Gostaria que você me tratasse tão bem quanto o trata.

 

Ele se voltou e encontrou Mora, a encantadora de serpentes, olhando para ele. – Você deveria estar em seu vagão. – disse. – Philip dará o sinal para partirmos a qualquer momento.

 

Mora se aproximou dele de forma casual, suas jóias prateadas brilhando no escuro. - Esperava viajar em seu vagão essa noite – esperava que pudéssemos fazer muito mais do que dormir.

 

Sterling encolheu os ombros – Talvez uma outra hora.

 

Ela colocou as mãos nos amplos quadris. – Você sempre recusa minhas ofertas. Você não gosta de mulheres?

 

Mulheres eram uma boa distração, Sterling admitiu, mas muitos diziam que elas eram, a grande maioria, uma maldição para o homem. Sterling sabia muito bem a verdade dessas palavras. Contudo, Mora não representava ameaça para ele, pelo menos para seu coração. Ela era mais velha do que ele, e não cheirava muito bem, mas tinha algum charme. Já fazia algum tempo que ele tinha se entregado aos seus desejos mais baixos. Sterling se sentiu tentado, mas hoje a noite o gatos exigiam sua atenção.

 

- Raja está nervoso e me pediram para acalmá-lo para que os outros possam dormir. Como já disse, talvez uma outra hora.

 

A encantadora de serpentes fez um som através do nariz, não diferente dos cavalos que batiam com os cascos no chão prontos para partir. – Você não pode me evitar para sempre, Domador de Feras. Estou curiosa para ver se a grande saliência em seu collant é realmente você ou se você aumenta seu charme com uma meia.

 

Sterling riu. Já passara o tempo em que ficava vermelho com conversa vulgar. E odiava usar os malditos collants quando se apresentava. Philip, o chefe da caravana, insistia, assegurando a Sterling que não apenas os homens gostavam de olhar provocativamente para os membros da companhia. Ele achava que Philip estava certo. Ele conseguia mais dinheiro do que o resto das apresentações, e as moedas nem sempre eram jogadas por homens.

- Hora de partir! – Philip gritou.

 

Despedindo-se de Mora, Sterling se colocou ao lado de Taylor, um velho com uma corcunda nas costas que cuidava dos animais da caravana - cavalos e feras igualmente. O homem sacudiu as rédeas e colocou o vagão em movimento. Raja rosnou em protesto.

 

- Já chega de explosões de raiva! – Sterling disse ao tigre. – Durma, Raja. Deus sabe que eu preferia estar deitado em minha cama a sentir esse banco duro em meu traseiro.

 

 

O balanço gentil do vagão a seduziu. Elise mal conseguia manter os olhos abertos. Ela havia jurado, não menos do que uma hora atrás, que estava muito amedrontada para relaxar, mas nada acontecera a ela. O homem não havia retornado ao vagão. Suas costas doíam e suas anáguas não a protegiam o suficiente da madeira dura debaixo de seu traseiro. Agora que seus olhos se acostumaram com a escuridão, percebeu a forma de uma cama.

 

Que mal haveria em descansar lá por um momento? Apenas o suficiente para aliviar a rigidez que estava se instalando em seus ossos? Elise se engatinhou e se elevou para a cama. Havia cobertores quentes e uma pele macia para se aninhar embaixo.

 

Com seus olhos observando cuidadosamente a porta, ela se esticou. Ela não dormiria, apenas descansaria. A cama tinha um cheiro. Um cheiro masculino. Domador de Feras. Que tipo de nome era esse para um homem, de qualquer modo? E ele seria tão alto quanto sua sombra? E os cabelos prateados? Talvez fosse um homem bem velhinho, esse Domador de Feras.

 

O último pensamento confortou Elise. Talvez ele fosse um vovozinho gentil que se alegraria em protegê-la e entregá-la em segurança na casa da tia em Liverpool. O balanço do vagão, o ploc-ploc estável dos cascos dos cavalos enquanto seguiam em frente combinaram para tranqüilizá-la. Ela estava segura, pelo menos por agora.

 

Sterling fechou a porta de seu vagão gentilmente. Não precisava fazer barulho para acordar aqueles que estavam dormindo dentro dos outros vagões. Despiu-se e deslizou para a cama, apenas para perceber que ela estava menor do que se lembrava. Um leve gemido elevou-se do espaço ao lado dele. Ele não estava só. Mora, a encantadora de serpentes, pensou Sterling. Achou que muitos homens se sentiriam lisonjeados em encontrar uma mulher esperando por eles na cama, mas ele não estava tão certo de que ao menos gostasse de Mora.

 

Seu perfume doce chegou até ele. Ele não se lembrava de que a encantadora de serpentes tivesse um cheiro particularmente atraente. Na escuridão, ele tocou em seus cabelos. Sedosos debaixo de seus dedos. Mora parecia raramente pegar em uma escova para escovar sua cabeleira.

 

Teria ela se esforçado tanto para satisfazê-lo? Porque ele estava satisfeito. Seu sangue se aqueceu nas veias. O desejo cresceu dentro dele. Sterling procurou pela boca dela na escuridão. Novamente se surpreendeu. Os lábios dela eram macios como pétalas debaixo dos dele, e seu hálito não fedia a alho. Ela suspirou, abrindo-se para ele. Ele se aproveitou totalmente do convite.

 

Que sonho mais estranho. Elise nunca havia sido beijada antes. Era agradável. Seja quem for que sua mente tenha conjurado parecia saber o que estava fazendo, o que a surpreendeu de modo estranho. Seu sonho não deveria incluir apenas sua experiência em tal assunto? Ele serpenteou sua língua dentro da boca dela, algo que ela nunca tinha pensado que um homem fizesse. Os lábios dele eram firmes, quentes, exigentes, mas exigindo o que ela não sabia ao certo.

 

Uma resposta, ela compreendeu logo depois, mas apenas porque ela sentiu uma. O calor inundou seu corpo, fixando-se entre suas pernas. Seus seios subitamente ficaram doloridos, seus mamilos ficaram eretos contra a sua dura camisa. E então as mãos dele estavam lá, cobrindo-os através do tecido de seu vestido. Elise acordou abruptamente. Subitamente percebeu que o homem que a beijava e a acariciava não era um sonho. Seu primeiro instinto foi gritar, mas então se lembrou das circunstâncias.

 

- Por gentileza tire suas mãos de cima de mim – disse contra os lábios dele.

 

Ele imediatamente se afastou, mas sua mão permaneceu onde a havia colocado. – Mora?

 

Sua voz era tão profunda e rica com ela se lembrava. – Esse não é o meu nome, e o senhor, sir, está tomando liberdades contra a minha vontade.

 

- Que diabos é isso? – Ele se afastou dela. Ela o ouviu tateando e viu uma faísca da pederneira, sua óbvia intenção era acender o lampião.

 

Um leve brilho inundou o vagão. Elise viu pela primeira vez o homem chamado Domador de Feras. Ele não era velho. Não tinha nada da aparência de um gentil vovozinho. Sua pela não era solta e enrugada, mas firme e macia. E havia muita pele exposta para seus olhos inocentes. O homem estava parado na frente dela completamente nu.

 

A mulher na cama de Sterling não era, e estava bem longe da realidade de ser, Mora a encantadora de serpentes. Os olhos dela eram enormes e tão verdes quando o campo na primavera. Seus cabelos, uma sedosa massa de cachos castanhos, caiam em selvagem confusão ao redor do pálido rosto oval. O corte de sua roupa, mesmo sendo um vestido simples, o sapato de pelica que aparecia debaixo da bainha, o fizeram compreender a história facilmente.

 

- Mudou de idéia, não foi?

 

Ela engoliu de modo audível. – C como? – murmurou

 

Ele sacudiu a cabeça. Já acontecera antes, diversas vezes na realidade. Sterling tinha uma regra sobre mulheres em sua cama. Apenas as plebéias, como ele, e nunca uma com a qual ele viesse a se importar. Mulheres jovens como essa que estava sentada em sua cama eram perigosas para um homem amaldiçoado. E ele era perigoso para ela, também.

 

- Você não é a primeira senhorita da sociedade que anseia por uma noite de aventuras em meu vagão. – disse. – Vou lhe dizer o que disse às outras: eu sou um artista, não um homem que pode ser comprado para uma noite de prazer. Encontre seu divertimento em outro lugar.

 

Os grandes olhos dela piscaram para ele, então abaixaram antes de se arregalarem. Sterling percebeu que estava parado nu na frente dela. Bem, inferno, como as outras mulheres, ela provavelmente queria saber sobre seu collant. Agora ela podia ver claramente que ele não os enchia para aumentar sua masculinidade.

 

- Oh, meu Deus! – ele a ouviu sufocar, o que o agradou um pouco. – Acho que você não entendeu. Eu não entrei furtivamente em seu vagão; bem, eu entrei furtivamente em seu vagão, mas não pela razão que você arrogantemente pressupôs.

 

Já que a jovem senhorita parecia que ia desmaiar, Sterling pegou a pele que cobria sua cama e a enrolou na cintura. – Espero que o seu cocheiro esteja seguindo discretamente atrás da caravana, como aconteceu com as outras como você no passado. Para que quando eu a jogar para fora, na noite, você não se encontre em uma aventura ainda mais perigosa.

 

- Me jogar para fora? – ela levantou a cabeça rapidamente – Você não pode me jogar para fora. Eu não tenho nenhuma proteção.

 

- Coragem e estupidez andam de mãos dadas. – Sterling disse calmamente, embora se sentisse muito longe de estar calmo. A jovem o afetava mais do que ele queria admitir. Fazia anos desde que ele provara da inocência e a jovem exalava isso. Os lábios dela, cheios e inchados dos beijos, atraiam seus olhos e os prendiam. A boca dela se movia, mas ele não conseguia ouvir as palavras.

 

- Fale alto – ele ordenou. – Não consigo entender seu balbucio histérico.

 

O rosto dela enrubesceu. Ele conhecia bem a expressão arrogante. Os ricos a aprendem muito cedo. Ele arqueou uma sobrancelha de modo similar.

 

- Eu não estou histérica. – a mulher disse mais rigorosamente. – Estou chocada e nauseada por você ter se infiltrado em minha cama e tomado liberdades vulgares comigo.

 

A sobrancelha dele se elevou ainda mais: - Sua cama?

Um lindo rosado se espalhou em seu rosto – Quer dizer, sua cama – ela se corrigiu. – Talvez eu deva explicar minha presença aqui.

 

Sterling notou a mala colocada no chão do vagão. – Faça-o rapidamente. Quanto mais nos afastarmos de Londres, mais você terá de andar para retornar.

 

Ela endireitou suas costas. – Não posso voltar. Devo me colocar a sua mercê.

 

Ela não se levantou e se atirou a seus pés, e também não abaixou o queixo. Pelo menos as mãos dela estavam tremendo enquanto ela brincava com o laço que zombava do termo vestido de trabalho. Sterling se ressentiu dela imediatamente. Ela era um lembrete. Um lembrete de tudo que ele havia perdido.

 

- O vagão não está se movendo muito rápido. A queda quando você pular não fará mais do que arranhar seus sapatos.

 

Sua tentadora boca caiu. – Você, sir, não é um cavalheiro.

 

Ele permitiu que seus olhos vagassem por ela da cabeça aos pés. – Você já tinha descoberto isso. Saia logo antes que me sinta tentado a prová-lo novamente.

 

O homem era rude, grosso demais. Ele a encarava com seus preocupados olhos cinzentos como se fosse ela que tivesse tomado liberdades com ele. Seus cabelos não eram prateados, mas loiros, umas poucas mechas mais claras do que o resto. Ele era alto, e um pouco intimidador, ela tinha de admitir. Mas se recusava a demonstrar medo. Os animais, Elise ouvira dizer, sentem o medo e sentem-se inclinados a reagir com a emoção. Esse homem com uma pele amarrada ao redor dos quadris, parecendo um Viking, provavelmente tem a mentalidade simples de uma fera.

 

- Eu tenho dinheiro – ela disse. – Eu pagarei a você.

 

Uma de suas sobrancelhas escuras se levantou novamente. – Me pagará para que?

 

A boca dela ressecou subitamente, seus olhos perigosamente perto de se moverem sobre sua carne musculosa. – Para passagem segura até Liverpool.

 

Ele riu. Seus dentes eram brancos e certos, ela notou. Vê-los expostos em seu beneficio não a agradou. Ele se aquietou pouco depois.

 

- Quanto?

 

Elise havia prendido uma pequena bolsa de moedas dentro de sua capa. Ela tateou pelas dobras e retirou a bolsa, depois entregou para ele. – Não é muito, mas é tudo que tenho.

 

Seus longos dedos tocaram os dela durante a troca e enviou outro arrepio pela espinha dela. Ele segurou a bolsa como se a pesasse, então franziu as sobrancelhas – Eu aposto que isso não é suficiente para pagar suas despesas até tão longe. Mas é o bastante para ter sua garganta cortada e seu corpo jogado em um buraco por alguém com menos escrúpulos. Ele jogou a bolsa de volta para ela. – Junte suas coisas e saia.

 

Espontaneamente, lágrimas encheram seus olhos. Elise podia ter medo do homem, mas tinha mais medo de ser forçada a sair na noite. Sozinha, nas estradas escuras, ela seria uma presa fácil para ladrões, ou pior.

 

- Por favor – ela murmurou – Você é minha única esperança de escapar.

 

O homem ergueu a cabeça, observando-a pensativamente. – Escapar? De quem você está fugindo?

 

Amedrontada ou não, Elise havia sido criada de maneira apropriada. – Não seria correto contar isso a você quando nem mesmo sei seu nome,

 

Ele riu. – Eles me chamam de Domador das Feras, e se você se importasse com o que é correto, com toda a certeza não estaria aqui.

 

Sua rudeza acabou de arruinar os nervos já esgarçados dela – Ninguém nunca lhe ensinou boas maneiras?

 

As rodas atingiram uma pedra e o arremessou pelo vagão. Ele acabou parado ao lado dela. Elise se arrastou para trás – longe da nudez dele, do calor que irradiava do corpo poderoso. Apesar de sua grosseria, ele não falava como o sotaque cockney como muitos dos plebeus. Sua estrutura óssea era boa. Nariz reto. Mandíbula forte, maçã do rosto alta e lábios bem definidos.

 

- Boas maneiras não colocam comida em meu estômago, ou roupas em meu corpo. – Seu rosto estava perigosamente perto – Qual é o seu nome?

 

Ousaria dizer a ele? Ocorreu a Elise que ele poderia usar sua verdadeira identidade para ganho próprio e perda dela. Ele poderia enviá-la de volta ao tio na esperança de receber uma recompensa, ou pior, raptá-la me exigir um alto resgate por ela.

 

- Elise – respondeu com rigor.

 

- Elise.

 

Ele disse seu nome como se o saboreasse. Disse de uma maneira que a fez se sentir sem fôlego e fez seu coração bater mais rapidamente dentro do peito.

 

- O nome é certo para você.

 

Ela gostaria que ele saísse da cama e, pelo amor de Deus, se vestisse de forma apropriada. Raramente ela conseguia olhar para ele sem que seus olhos não ficassem vagando com vontade própria.

 

- Domador de Feras não é adequado a você. Você tem um nome de batismo?

 

- Você está fugindo da conversa. De quem você deseja fugir, Elise?

 

Novamente, o som de seu nome nos lábios dele provocou uma estranha reação. Uma agitação em seu estômago. – Não posso discutir meus problemas com um homem cujo nome de batismo eu desconheço. – ela insistiu.

 

Ele encolheu os ombros, chamando sua atenção para seus largos e nus ombros. – Se não temos mais nada a discutir, então é hora de você ir embora.

 

Quando ele começou a se levantar, Elise agarrou seus braços. Foi um erro. Senti-lo a abalou. Sua carne era musculosa e sua pele quente e suave ao toque. Ela retirou sua mão.

 

- Tudo bem, vou lhe dizer por que devo escapar. Meu tio me prometeu em casamento a um homem com quem não quero me casar.

 

A resposta dele foi um ruído de divertimento. – Fugindo de uma vida de luxos e mimos, é? Julgando pelo corte de suas roupas e pelo modo como seu nariz está empinado até o teto, você não apenas sabe que é seu dever assegurar um marido rico, como foi treinada para isso desde garotinha.

 

Verdade, ela sabia que conseguir um bom casamento era o melhor que a maioria das mulheres de seu nível social poderia esperar, a maior aspiração que tinham na vida, mas Elise não era esse tipo de mulher. Ela tinha aprendido a fina arte de ser uma dama porque o tio havia insistido, mas sempre ansiou por uma vida mais cheia de aventuras. Elise não tinha amigas como outras jovens de sua idade. A alta sociedade londrina pouco se importava com seu tio frio e impessoal, e ele menos ainda com ela. Raramente eram convidados para as melhores festas, e se alguém os convidava apenas por dever, seu tio nunca comparecia, ou permitia que ela comparecesse também. Seu tio nem mesmo a havia apresentado à sociedade de maneira apropriada, mas ao invés disso ele agiu pelas suas costas e definiu seu futuro.

 

- O homem com quem ele quer me casar é velho – ela murmurou. – E muito sem atrativos.

 

- Os ricos geralmente o são. Os jovens e belos duques são agarrados muito rapidamente, você sabe.

 

Ele se divertia com ela. O homem se recusava a levar sua situação de forma séria. – Quatro esposas – ela disse, levantando o queixo – Ele já teve quatro esposas, e todas morreram.

 

A informação o fez arquear a sobrancelha. Ela se perguntou por que suas sobrancelhas e cílios eram tão escuros quando seus cabelos eram da cor do trigo maduro. – Infelizmente para elas, mas não para você se o homem tem riquezas e títulos.

 

Uma onda de calor inundou sua face – Felizmente? Você não ouviu o que eu disse? Temo que o homem seja um assassino!

 

Ele correu a mão pelos cabelos muito cumpridos, depois pôs de pé. – E eu acho que sua imaginação a levou a fazer essa tolice. – Ele se agarrou em uma placa que corria pela extensão do teto do vagão e olhou para baixo para ela.

 

A pele que ele usava ao redor da cintura certamente cairia sem muita provocação. Elise percebeu que se isso acontecesse ela estaria encarando bem...Oh Deus, por que o homem não encontrava algo mais decente para vestir enquanto eles conversavam?

 

- Você não viu o modo como ele me olhava – ela insistiu, e estremeceu com a lembrança. Sir Winston Stoneham frequentemente abria e fechava as mãos de maneira inconsciente enquanto estava em sua companhia. Elise sentia que ele certamente desejava machucá-la fisicamente.

 

O olhar prateado do Domador de Feras a percorreu. – Ele olhava para você do mesmo modo que eu estou fazendo agora?

 

Enquanto ele a apreciava, audaciosamente, como se a despisse, outro calafrio a percorreu. O modo como ele olhava para ela era o mesmo, mas ainda assim não era. – Não – ela decidiu – Você me olha como se quisesse me engolir inteira. Ele, tenho certeza, adoraria me mastigar um pouco primeiro.

 

Para sua surpresa o homem jogou a cabeça para trás e riu.

 

- Você considera que a vontade doentia de uma pessoa em relação à mim é divertida? – ela perguntou de lábios apertados.

 

Ele se acalmou e se inclinou para ela, suas mãos ainda segurando a placa acima. – Sua mãe deveria ter lhe dito que o desejo sexual sempre aparece primeiro entre um homem e uma mulher, depois, se tiverem sorte, o amor.

 

Ela desviou os olhos dele, sabendo que suas palavras vulgares a faria enrubescer. – Minha mãe está morta, sir. Meu pai, também, ou lhe asseguro que não estaria nessa terrível situação.

 

- Sterling.

 

Seus olhos interrogaram os dele.

 

- Sterling é meu nome de batismo. Sir é um titulo dado a homens muito mais privilegiados e civilizados do que eu.

 

- E seu sobrenome?

 

- E o seu? – ele contra-atacou.

 

Ela pressionou os lábios.

 

- Então é simplesmente Elise e Sterling – ele disse.

 

A curiosidade a atacou – Por que você me disse o seu nome?

 

Ele soltou o aperto na placa acima dele e se voltou, presenteando-a com suas fortes e largas costas. Os músculos ondularam quando ele se abaixou para pegar a camisa no chão.

 

- Eu também sou órfão. – admitiu. – Considerando-se isso, não há distinção de classes entre nós.

 

- É por isso que você está aqui? Entre essas pessoas? Vivendo essa vida?

 

Enfiando a camisa, ele se voltou. – Estou aqui porque é aqui que desejo estar, e não estamos conversando sobre mim. Não sou o intruso nesse vagão.

 

Elise estava determinada a convencê-lo de que seu apuro era uma ameaça honesta. – Meu tio é responsável por fazer o acordo. Ele tem consciência de que ao me deixar a mercê do homem que concordou em pagar o preço pedido por mim, ele estará me colocando em perigo. O dinheiro é mais importante para ele do que eu sou, ou jamais serei. Sou um embaraço para ele.

 

O olhar de Sterling a varreu novamente. – Não vejo defeito físico em você. Qual é a reclamação dele?

 

Quando um homem veste uma camisa, mesmo que seja uma roupa grosseira, ele deveria abotoar os primeiros três botões, pensou Elise. A camisa de Sterling pendia aberta, permitindo que ela tivesse a mesma visão de seu peito nu, apenas que agora sua pele dourada contrastava de forma bela contra a cor clara da camisa.

 

- Meu pai desgraçou sua família casando-se por amor. Minha mãe vinha de um lar modesto. Meu avô era um educador. Não acho que meu tio tenha perdoado seu irmão por causar um escândalo, e uma vez que meu pai não estava mais disponível para ser ridicularizado, meu tio jogou seu ressentimento sobre mim.

 

- Uma criança não deveria ser amaldiçoada pelos pecados de seu pai. – o brilho duro nos olhos dele se suavizou. Significaria que seu coração também amoleceu?

 

- Você não pode me mandar de volta – ela implorou. – Não para aquele homem terrível, para o destino horrível que me aguarda.

 

- E o que a aguarda em Liverpool?

 

Ela não viu outra solução a não ser honesta com ele. – Minha tia. Não foi me permitido que eu a visse desde a morte de meus pais, mas acredito que ela me receberá. Ela vive uma vida modesta, imagino, mas não tenho medo de trabalho pesado. Sou educada. Espero encontrar emprego como educadora.

- Educadora? – um sorriso sarcástico se formou em seus lábios – Sim, esse é um serviço pesado.

 

- Você me ajudará? – ela insistiu. – Você permitirá que eu viaje com a caravana até Liverpool?

 

- E o que a faz pensar que estamos indo para Liverpool?

 

- Danny, o cavalariço de meu tio, disse que escutou um dos atores reclamando da longa jornada que tinham pela frente, e que Liverpool era um dos destinos da caravana.

 

- Bem, é verdade – ele admitiu. – Mas a viagem é longa. Se você ficar, terá de merecer sua passagem.

 

A esperança renasceu dentro dela – O dinheiro, o pouco que tenho, é seu.

 

Ele sacudiu a cabeça. – Guarde sua pequena poupança. Você disse não ter medo de serviço pesado. Veremos.

 

Trabalho? Queria dizer que ela teria de ficar no leva e traz? Talvez cozinhar e limpar? Bem, Elise não estava acostumada a esse tipo de trabalho, mas conseguiria fazê-lo.

 

- Concordo. Trabalharei pela minha passagem.

 

Ela achou que um ligeiro sorriso passou por seus lábios sensuais antes dele dizer: - Preciso dormir. Amanhã eu a apresentarei aos outros. Deixe que eu fale com eles.

 

Elise concordou, aliviada por não ser jogada para fora do vagão na escuridão. Mas havia um problema. Ele precisava descansar e só havia uma cama.

 

- Eu durmo no chão – ela decidiu, embora a idéia não parecesse atraente. Ela imaginava se conseguiria dormir no pequeno vagão com um estanho, um que já havia tomado liberdades com ela. Ela começou a se levantar, mas ele a empurrou de volta.

 

- Eu durmo no chão... por hoje – acrescentou.

 

“Por hoje” tinha um enorme significado. Por hoje e depois ela seria obrigada a dormir no chão? Por hoje e então ela seria forçada a compartilhar sua cama? Ele pegou um dos cobertores que estava sobre a cama e apagou o lampião.

 

Depois que o ouviu se acomodar, Elise se estendeu sobre a cama. Seria uma longa noite para ela. Se ela conseguisse atravessar as horas escuras até a manhã sem ter sido assassinada ou molestada, o que traria o amanhã?

 

Sterling encarava o seu vagão. Ele estava sentado ao redor do fogo do acampamento com os outros membros da caravana, tomando o café da manhã que consistia de frutas vermelhas e cozido de carne. Ele mal prestava atenção às zombarias do pessoal da trupe ou com as discussões ocasionais que ocorria entre eles. Elise ocupava sua mente. Ele não havia acordado sua convidada pela manhã.

 

Ela encararia a realidade logo logo. Ele não contara aos outros sobre Elise. Sterling não era naturalmente muito falante e pouco mostrava suas emoções. Tinha sido assim desde os dezesseis anos...desde a morte de seus pais e desde que soube da terrível verdade sobre sua linhagem. Existem coisas piores do que ter um tio não carinhoso que vende um membro da família por lucro...coisas muito piores.

 

Mora se instalou perto de Sterling e agora pegava um cacho do cabelo dele. – Você está pensativo essa manhã, meu príncipe. Você precisa de uma mulher para acabar com a tensão que sinto em seu corpo. Uma mulher que saiba como agradar um homem.

 

- Ele é uma serpente que você nunca encantará, Mora – Sarah Dobbs, também conhecida como Lady Fortune quando se apresentava, provocou. – Nosso Domador de Feras tem tudo para agradar uma mulher, mas não o deseja fazer. Um baita desperdício de um bom equipamento.

 

Seu marido, Tom, um camarada de aparência azeda que raramente toma banho ou se barbeia, lançou um olhar feio para a mulher do outro lado do fogo. – Tenho coisa suficiente para te fazer feliz, mulher, então não fique procurando por aí.

 

- Não me importaria tanto com as coisas dele se ele se importasse em se lavar de vez em quando – a mulher resmungou.

 

- Muito banho não é bom para o corpo – seu marido declarou – Não é mesmo, Philip?

 

Philip sempre era chamado para resolver as disputas entre os membros da companhia. Ele era o líder do grupo. Os vagões e animais igualmente lhe pertenciam. Ele coletava todo o dinheiro das apresentações e mantinha as contas de quanto cada um ganhou. Sterling supunha que Philip era o mais perto da figura paterna que sempre teria, uma vez que seu próprio pai escolhera tirar a própria vida a encarar sua maldição.

 

A mãe de Sterling rapidamente seguiu as pegadas do pai, mas foi o choque que provavelmente a matou. Choque por ver com quem tinha se casado, choque sobre o que parira em seu casamento. Quatro filhos. Todos amaldiçoados.

 

Sterling puxou seus cabelos da mão de Mora quando a porta de seu vagão se abriu. Elise saiu. Dizer que os membros da companhia caíram em silêncio era uma pálida imagem. Se não fossem pelos sons impacientes dos animais, uma pessoa poderia ouvir uma agulha cair.

 

- Quem diabos é essa? – Sarah perguntou.

 

Sterling quase sorriu. – Você pode ver o futuro, Sarah – ele falou pausadamente de forma seca – Você já deveria saber.

 

Em resposta, ela franziu a testa, depois resmungou – Eu digo o que as pessoas querem ouvir, o que raramente é a verdade.

 

Uma vez que Elise aparentava estar pronta para se virar e fugir, Sterling colocou seu prato de lado e se levantou. – Venha Elise, – ordenou, estendendo a mão para ela – conhecer meus amigos.

 

Seus amigos eram o grupo mais estranho da humanidade que Elise já vira reunidos em um só lugar. Havia um homem velho e vigoroso com uma enorme corcunda nas costas. Uma mulher de cabelos escuros com kohl ao redor dos olhos e uma serpente enrolada no pescoço – que era menos amedrontadora do que o modo como a mulher a encarava. Um casal se juntou ao grupo. Ambos pararam para olhar boquiabertos para Elise, o que ela retribuiu. Eles eram pequeninos.

 

- Elise! – Sterling a chamou. Ele ainda estava com a mão estendida para ela. – Venha!

 

Elise engoliu o nó na garganta e se juntou a ele perto do fogo do acampamento. O que quer que estivesse sendo cozido na panela sobre o fogo tinha um aroma maravilhoso.

 

- Você deve estar faminta – ele disse. – Sente-se. Coma.

 

- Espere um momento. Quem é ela?

 

O homem que possuía a mesma voz trovejante que Elise havia ouvido através da neblina na noite anterior fez a pergunta. Ele era o tipo mais espantoso que ela já havia visto. Seu casaco era cor de rosa brilhante, suas calças justas listradas de verde e amarelo. Seus sapatos vermelhos faziam uma curva na ponta. Uma marca de nascença roxa escura cobria metade de seu rosto.

 

- Philip... e todo mundo – Sterling disse – essa é Elise. Elise, esse é... bem, todo mundo.

 

- De onde ela veio? E o que ela está fazendo aqui? – perguntou uma mulher, uma que, notou Elise com alívio, parecia perfeitamente normal.

 

- Elise é de Londres – respondeu Sterling – Ela vai ficar por um tempo... comigo.

 

Mais do que uma sobrancelha se arqueou. Elise supôs que estava ficando corada. Ele fez o arranjo deles parecer muito mais íntimo do que era...ou pelo menos do que ela pretendia que fosse. Ela olhou feio para Sterling.

 

- Ela é bonita. – comentou o homem com a marca de nascença. – Percebo por que você está tentado a permitir que essa fique, mas eu sou o líder dessa caravana. Eu decido quem viaja ou não conosco. A mulher parece encrenca, e todos já temos o suficiente disso sem cortejá-la.

 

Seguiu-se um murmúrio de aprovação.

 

- Já vi mulheres dessa classe. – a mulher com aparência normal bufou. Você trouxe uma esnobe entre nós, Sterling. O tipo dela não pertence aqui conosco.

 

Elise tinha trazido roupas que considerava menos reveladoras de sua posição social, mas mesmo assim, seu vestido matutino era muito mais grandioso do que a indumentária usada por aqueles a seu redor. Como Sterling com sua beleza e formas perfeitas, ela se destacava entre essas pessoas.

 

- E..eu vou pagar pela minha estadia – ela gaguejou. – Não tenho medo de serviço pesado.

 

A mulher morena que se sentava do outro lado de Sterling passou por ele e agarrou as mãos de Elise. – Essa pele branquinha não sabe nada de serviço – ela cuspiu. – Seu lugar não é aqui. Volte para o lugar de onde veio!

 

- Mora – advertiu Sterling – de onde ela veio não é da sua conta.

 

Elise puxou suas mãos do aperto de Mora, mas não conseguiu evitar o olhar de raiva que a nos olhos negros da mulher lhe lançava. Mora. Elise havia ouvido esse nome antes. Ela se lembrou de quando e em que circunstância. Agora ela entendia a antipatia da mulher por ela. Mora era a mulher que Sterling estava esperando encontrar em sua cama noite passada.

 

- Mora sente uma coceira por nosso Domador de Feras – um homem que precisava se barbear e de um banho, pelo cheiro que exalava dele, informou Elise. – Ela não gostaria que ele se coçasse por aí.

 

- Cuidado com essa língua vulgar, Tom – a pequena mulher finalmente falou. Ela apontou com a cabeça para um vagão de onde uma jovem garota havia saído e vinha na direção deles. – Estou tentando criar uma filha decente, o que não é uma tarefa fácil entre pessoas como vocês.

 

A garota capturou a atenção de Elise. Ela havia esperado que duas pessoas pequenas que tivessem uma criança juntas, a criança seria igual aos pais. Não era esse o caso. A garota parecia ter cerca de doze anos e ela já era mais alta do que a mãe e o pai.

 

- Elise mostrou vontade de ocupar a antiga posição de Marguerite – disse Sterling. – Acho que ela serve. Não concorda Philip?

 

A atenção de Elise se voltou para o grupo. O olhar de Philip a percorreu de cima a baixo. – Ela serve – admitiu. – E será boa, se puder ser ensinada –

 

- Eu a ensinarei. – interrompeu Sterling. – Se ela é minha responsabilidade, e ganhará para se manter, que mal há em permitir que ela fique?

 

- Quem é ela?

 

A criança havia se aproximado do grupo e fez a pergunta. Elise olhou para os curiosos olhos azuis da garota e sorriu.

 

- Dawn, essa é Elise. – disse Sterling.

 

Elise teria respondido educadamente ao cumprimento, mas o homem com a marca de nascença falou.

 

- Elise é a nossa nova artista.

 

Artista? Sterling não havia dito nada sobre se apresentar. Ela achava que pagaria sua viagem fazendo serviços domésticos.

 

- O que ela faz? – perguntou a garota.

 

Curiosa para ouvir a resposta, Elise olhou para Sterling.

 

- Elise irá executar a dança dos véus. – ele respondeu.

 

O rosto de Dawn ficou sombrio – Oh – disse maciamente, então se voltou e correu para o vagão de seus pais.

 

- Esperava que tivéssemos nos livrado dessa indecência – a mãe reclamou, então foi atrás da criança. O pai seguiu a mãe.

 

- Indecência? Elise murmurou. Ela se inclinou para Sterling e sussurrou: - O que é exatamente a dança dos véus?

 

Ela apreciou, por um breve momento, o cheiro dele, o mesmo que exalava as roupas da cama onde dormiu.

 

- É uma dança do ventre – Mora respondeu. – Como as concubinas faziam para excitar as paixões dos sultões nos haréns do Oriente.

 

Elise sentiu que sua boca caiu. Sterling sorriu.

 

- Posso ter uma palavrinha com você? – Elise estreitou os olhos para ele. – Em particular.

 

- Na noite passada, você não me disse nada sobre me apresentar. – Elise disse tão logo entraram no vagão.

 

- Eu disse que você deveria pagar sua passagem, e você concordou em fazê-lo – relembrou Sterling.

 

- Mas eu pensei...

 

- O que foi um erro – ele se inclinou para ela. – Primeira regra no mundo oposto àquele protegido a que estava acostumada: Nunca suponha coisa alguma.

 

Elisa fez uma descoberta assustadora naquele momento. Encarando os olhos prateados de Sterling, ela viu ressentimento contra ela. – Você não gosta de mim – ela sussurrou. – Você me julga antes mesmo de saber quem eu sou.

 

Ele não negou as acusações. Ao invés disso, ele deu de ombros. – O mundo é desse modo. O modo desse mundo, de qualquer forma. Você acha que qualquer um de nós é recebido de braços abertos onde quer que viajemos?

 

- Não – ele respondeu por ela. – Somos desprezados, riem de nós, nos acusam de quaisquer roubos de animais que ocorram enquanto nossos vagões estão acampados por perto. Somos julgados por sermos diferentes. Por que devemos nos comportar de forma diferente da que fomos ensinados?

 

Palavras de defesa não surgiram na língua dela. Elise sabia que havia reagido às pessoas lá fora como a maioria o faria, certamente a maioria de sua classe social. Ela teve medo e ficou em alerta contra eles. Por que deveria esperar mais de Sterling do que estava disposta a dar?

 

- Fale-me sobre eles.

 

Sua resposta trouxe um descuidado olhar de surpresa nas lindas feições dele. Um momento depois ele zombou – Você não se importa com eles. Tudo com o que se importa é com os próprios problemas. Por que fingir de qualquer forma?

 

- Faça com que me importe. – ela desafiou.

 

Ele se acomodou na cama e correu uma mão pelos longos cabelos. – Desejaria poder. Infelizmente, a humanidade apenas vê o que é aparente neles. Raramente olham além da pele de um homem, ou mulher, para ver o que realmente está embaixo. Philip nasceu em Paris. Nasceu com a marca do demônio, ou assim acreditaram seus pais. Eles o levaram às favelas da cidade e o abandonaram para morrer.

 

Elise arfou.

 

Sterling acenou. – Uma velha pobre o encontrou chorando em sua porta e o acolheu. Ela era uma bruxa, diziam alguns, lidava com poções e mágica. Ela o criou da melhor forma que pode, mas ela já era velha quando ele nasceu. Quando ela morreu, os habitantes da cidade queimaram sua loja. Philip foi deixado sem nada, exceto sua voz alta e um talento para fazer malabarismos. Ele se juntou a uma companhia, economizou dinheiro e formou seu próprio grupo itinerante.

 

- E os outros? – Elise se acomodou ao lado dele.

 

- Philip encontrou Íris e Nathan, são o casal pequenino, exibidos como aberrações em um circo na Europa. Teve pena deles e os convidou para entrar para sua companhia. Eles dão cambalhotas e fazem as pessoas rirem. Suponho que rirem de você por ser engraçado seja mais fácil do que rirem de você por ser diferente.

 

- A filha deles, Dawn, é adorável. – disse Elise.

 

Preguiçosamente ele puxou a manga da camisa. – Sim, e Nathan e Íris a amam e tentam fazer o melhor para ela. Mas Dawn tem vergonha deles. Parte o coração de Nathan e Íris verem sua própria carne se afastar deles por vergonha.

 

Elise engoliu um repentino nó na garganta. – Será que Dawn não percebe a sorte que tem por ter os pais? E que ainda por cima a amam?

 

Seu olhar prateado encontrou o dela: - Poucos têm consciência de suas bênçãos até que elas lhes sejam tomadas.

 

Ela não tinha certeza se ele estava se referindo à morte dos pais que ambos haviam sofrido, ou que logo ela se arrependeria da decisão de fugir de seu tio e do casamento que não era de sua escolha.

 

- E sobre o homem com a ... a –

 

- Corcunda – Sterling a ajudou. – Taylor. Tem um bom coração com os animais, que não notam sua deformidade, ou não se importam com ela desde sejam bem cuidados. Ele é o único além de mim que os gatos permitem que cheguem perto deles.

 

- Os gatos?

 

- Leena e Raja. Eu a apresentarei a eles.

 

Um estremecimento a percorreu. – Apresentações não serão necessárias.

 

Ele riu. – Viu, você também os julgou antes de conhecê-los.

 

- Fale-me sobre a outra mulher, Mora. – Ela notou o desgosto em sua própria voz.

 

- Mora é a estranha. – ele disse. Misteriosa. Ela diz que vem do Oriente, onde viveu uma vida mimada de uma concubina dentro do harém de um sultão. Marguerite, a dançarina que fugiu com um mercador duas feiras atrás, dividiu o vagão com ela por um tempo. Marguerite me confidenciou uma vez que acreditava que Mora havia libertado suas serpentes dentro do harém, uma tática para diminuir a competição pelos favores do sultão.

 

Uma mão fria apertou o coração de Elise. – Quer dizer que ela assassinou as outras mulheres?

 

Ele deu de ombros – Quem sabe? Como eu disse, ela é misteriosa. Raramente fala de si. Se eu fosse você, manteria distância dela.

 

- E a outra mulher?

 

- Sarah Dobbs, e o camarada fedido é seu marido, Tom. Sarah lê a sorte, embora não seja verdadeiramente abençoada com a visão. Seu marido, Tom, conserta os vagões quando quebram e tem habilidade com trabalhos manuais. Sarah descobriu tempos atrás que se usasse roupas de cigana, e dissesse as pessoas o que elas queriam ouvir, ganharia mais dinheiro do que trabalhando em uma fábrica.

 

- Oh, percebi – Elise disse de forma cortante – Ela engana as pessoas para garantir sua subsistência.

 

- Prefiro acreditar que ela entretenha as pessoas para garantir sua subsistência. – disse Sterling secamente. – Mas essa é a diferença entre sua forma de pensar e a minha.

 

- O que nos traz de volta ao motivo pelo qual queria conversar com você em particular. – Elise se levantou da cama e estendeu as pernas. – Não concordei em me apresentar, e certamente não fazendo algo indecente, para pagar minha passagem.

 

Sterling também se levantou. – Sabia que Philip não permitiria que você ficasse a menos que visse algum lucro com isso. – Ele olhou para baixo, na direção dela – Todos nos unimos para fazer nossa parte no trabalho. Você é inútil a menos que tenha um talento. Você sabe cantar? Talvez tocar um instrumento musical?

 

Cantar não era o que fazia melhor. Ela conseguia tirar uma ou duas notas no piano, mas certamente não era um instrumento que ela possuísse ou andasse com ele por ai.

 

- Não – admitiu.

 

- Então pelo que vejo, você não tem escolha. – Ele se aproximou e puxou um cacho dos cabelos dela. – Agora seria uma boa hora para recobrar seu bom senso e voltar para Londres. Nós chegaremos em breve a uma parada de carruagens. Você pode usar seu dinheiro para alugar uma carruagem para retornar a seu tio.

 

A ação prepotente de Sterling a havia assustado momentaneamente, mas Elise rapidamente recuperou sua compostura. Ela não retornaria, sob circunstância alguma, para seu tio. Ela queria ser uma aventureira. Agora era sua chance.

 

- Tudo bem – ela disse.

 

Ele suspirou. – Bom. É melhor que você volte para lugar a que pertence.

 

Quando ele se encaminhou para a porta, ela compreendeu que ele não havia entendido sua resposta.

 

- Eu quis dizer que vou me apresentar.

 

Sterling pensava que sabia o quão longe podia pressionar uma senhorita inglesa antes de ela colocar o rabo entre as pernas e fugir, mas, obviamente, ele estava errado. Ele se voltou para olhar para Elise. Ela estava parada com as costas retas, seu queixo levantado. Ele deveria ter julgado mal essa jovem em particular. Ele pensou que tinha um modo adicional de convencê-la.

 

- Espere aqui – ele disse. – Voltarei logo.

 

Os membros da troupe tinham abandonado o fogo, deixando Sarah para fazer a limpeza. – Onde está Mora? – ele perguntou.

 

- Correu para o vagão dela. – Sarah respondeu. – Tinha o olhar de um demônio. Não queira causar ciúmes a ela.

 

Ele dispensou as preocupações de Sarah com um aceno de mão e se dirigiu para o vagão de Mora. Raja rugiu para ele de dentro da gaiola quando Sterling passou. Sterling rugiu de volta. Ele precisava exercitar os gatos, mas primeiro precisava fazer com que Elise tivesse certeza de que tipo de apresentação ela havia concordado em fazer.

 

Mora atendeu a porta depois da suave batida dele. Sua sobrancelha se arqueou. – Já se cansou da garota de cara de pastel?

 

Ele fez um esforço para não revirar os olhos. – Vim buscar os trajes de Marguerite.

 

A encantadora de serpentes o convidou para entrar em seu vagão. – Suas cestas ocupam um espaço valioso. Pode levar.

 

Sterling nunca havia entrado no vagão de Mora e se sentiu hesitante de fazê-lo agora. Será que ela deixava as serpentes soltas? Muitos dos “animais” de Mora eram inofensivos, mas ela tinha uma cobra rei que poderia matar um homem com um ataque de suas presas mortais.

 

- Está com medo? – ela aguilhoou – Será que o grande e forte Domador de Feras nada mais é do que um gatinho disfarçado?

 

Ele subiu no vagão.

 

- Não acreditava nisso – ela ronronou, correndo os dedos pelo peito dele. – Sinto algo selvagem debaixo de sua pele. Algo perigoso. Posso trazer para fora essa fera que vive dentro de você.

 

Sterling agarrou a mão dela. Seu coração se acelerou com as palavras proféticas dela. Talvez Mora tivesse a visão que Lady Fortune não tinha. Será que ela via a fera que repousava dentro dele? – Não acho que você realmente queira vê-la. – ele disse. – Em meu país temos um ditado: Não brinque com fogo se não quiser se queimar.

 

Ela sorriu, seus lábios subindo sedutoramente. – Eu encanto cobras. Eu gosto do perigo. Eu o encantarei em breve também.

 

- A cesta – ele a lembrou. – Tenho outras obrigações a cumprir essa manhã.

 

Seu sorriso se apagou e os olhos escuros se estreitaram, então ela apontou para a cesta colocada em cima de muitas outras. – A do topo. É aquela onde as roupas de Marguerite estão guardadas.

 

Sterling foi obrigado a se esfregar em Mora para conseguir apanhar a cesta. Ela fedia a alho e odores corporais. Ele deveria ter percebido que ela não era a mulher cheirosa e macia em sua cama noite passada. Depois de agarrar a leve cesta, ele se espremeu ao passar por ela e rapidamente saiu do vagão. Mora riu suavemente as suas costas.

 

Quando ele entrou no próprio vagão, Elise se voltou rapidamente. Seu rosto estava vermelho e ele imaginou que a pegou xeretando. Ele colocou a cesta no chão. – Aqui está a sua roupa.

 

Ela franziu a testa. – A cesta é muito pequena para conter roupas.

 

Ele escondeu um sorriso. Quando ela se inclinou para remover a tampa, um pensamento ocorreu a ele. – Pare!

 

Ela congelou.

 

- Vá para trás – ele ordenou. – Eu removerei a tampa. A cesta poderia ter não ter roupa alguma. Com Mora, sempre era bom ser cuidadoso. Quando Elise se afastou, ele retirou a tampa da cesta. – Tudo bem. A roupa está mesmo dentro da cesta.

 

Elise se aproximou, olhou para dentro da cesta e arfou.

 

Sterling ficou tenso, com medo de que não tivesse visto uma cobra escondida dentro do reduzido espaço da cesta.

 

- Isso não pode ser roupa – disse Elise. – Não há nada mais do que uma pilha de véus finos.

 

Ele relaxou, permitindo que o sorriso que havia escondido anteriormente tomasse conta de seu rosto.

 

Uma hora depois, Elise ainda estava sentada dentro do vagão de Sterling olhando para dentro da cesta. Ele estava louco se achasse que ela se vestiria com nada mais do que esses véus transparentes e dançasse para o público. Ela era uma aventureira, não uma mulher sem padrões morais.

 

Sterling havia saído, dizendo que tinha tarefas a cumprir. Elise limpou o suor da testa e olhou para a porta fechada. Durante as horas do dia, o vagão com certeza ficava quente. Não havia muito espaço, embora fosse alto, construído de modo similar aos coloridos vagões de caravanas dos ciganos.

 

Havia a cama, um baú onde Sterling guardava suas roupas. Uma robusta bacia de rosto e jarro, que ele embalava e guardava quando o vagão estava em movimento, e um par de lampiões. Ela se perguntava o que mais ele guardava no baú além das roupas. Ela xeretaria se não estivesse sentindo tanto calor.

 

Elise arrumou os cabelos, se levantou e passou as mãos nas dobras do vestido. Decidiu que não iria se esconder no vagão de Sterling, mas se aventurar lá fora. Uma confusão de atividades estava acontecendo no acampamento. Ninguém tinha tempo de parar e olhar como tinham feito pela manhã. Enquanto retirava a pele de um coelho, Sarah Dobbs acenou para ela. O marido fedorento da mulher trabalhava em uma roda de vagão. Elise viu Mora à distância, juntando lenha.

 

O ir e vir surpreendeu Elise. Sempre havia ouvido que pessoas como essas eram preguiçosas e que era por isso preferiam viver viajando. Ela não viu Sterling, mas notou que Dawn, a filha do casal pequenino, carregava um pesado balde de água em cada mão. A menina lutava com suas cargas. Elise decidiu que poderia ajudar também. Pelo menos até decidir seu próximo plano.

 

Ela se juntou à menina: - Deixe-me ajudá-la.

 

Dawn não protestou. Meramente deu de ombros e ofereceu o balde que estava em sua mão esquerda. Elise o pegou, surpresa em como ele era pesado, e trabalhou ao lado da garota. Elas chegaram a uma grande tina e Dawn esvaziou seu balde.

 

- Nos lavaremos tão logo a tina esteja cheia e Mora coloque fogo embaixo dela. – disse Dawn. – Podemos ser pobres, mas não somos pobres sujos, como diz minha mãe.

 

Elise sorriu – Sua mãe parece ser uma pessoa muito boa.

 

Novamente a menina deu de ombros. – Ela é uma anã, como todos a chamam. Meu pai também. Mas como pode ver, eu não sou como eles.

 

- Você tem os olhos de sua mãe.

 

Dawn desviou os olhos. – Tenho de buscar mais água. – Ela se foi.

 

Elise foi atrás dela, pedindo o balde vazio que a garota havia tirado dela. – Uma vez que não sei o que fazer, talvez você não se importe que eu vá com você.

 

- Se quiser.

 

Andaram em silêncio. Ela sentia que Dawn a observava.

 

- Seus pais são normais?

 

Seu primeiro instinto foi responder afirmativamente...mas então, não era totalmente verdade. – Não. Não para os padrões sociais, de qualquer modo. Meu pai veio de uma família importante, e a família de minha mãe era modesta para dizer o mínimo. Meu pai a viu no mercado em Liverpool um dia e se apaixonou por ela à primeira vista. Ela se apaixonou por ele no mesmo dia, também. Casaram-se em segredo e quando a família do meu pai descobriu que ele havia se casado com alguém inferior, o renegou.

 

- Que significa renegar alguém?

 

- A família de meu pai se recusou a reconhecê-lo como um dos membros dela – explicou Elise.

 

- Uma pessoa pode fazer isso? – os olhos de Dawn se arregalaram. – Só isso e renega sua família?

 

Elise não gostou do ar de intriga que viu na expressão de Dawn; gostou ainda menos quando viu a mãe da menina colhendo frutas. A mulher sorriu amorosamente para a filha e retornou ao trabalho.

 

- Acho que é uma prática horrível – disse Elise. – O amor dentro da família deve ser incondicional. Eu não era muito mais velha do que você quando perdi meus pais em um acidente. Ainda sinto muitas saudades deles.

 

Elas chegaram a um pequeno riacho e Dawn mergulhou o balde dela na água. – Pelo menos seus pais não eram diferentes de todo mundo. Quando paramos para nos apresentar e tenho a chance de brincar com outras crianças, elas riem de mim e me provocam quando descobrem quem são meus pais.

 

Elise se agachou ao lado de Dawn e mergulhou seu balde na água. Ela havia reagido à visão dos pais de Dawn de um modo que a fazia se sentir envergonhada agora. Ela viu o amor brilhando nos olhos de Íris há pouco quando a mulher olhou para a filha.

 

- São as outras crianças que deveriam se envergonhar...por serem tão superficiais a ponto de julgarem uma pessoa apenas pelo que vêem. Por dentro, seus pais não são diferentes dos outros pais. Apesar de acabar de tê-los conhecido, é óbvio para mim que eles a amam muito.

 

- Eu sei – Dawn concordou, e ficou de pé, lutando com seu balde cheio. – Mas algumas vezes o amor não é o suficiente.

 

Elise olhou para a garota – O amor é tudo – disse e percebeu que realmente acreditava nisso. Como ela desejava ser amada e querida por alguém. Quando seu tio concordou com a oferta que Stoneham fez por ela, Elise compreendeu que ele realmente não se importava com ela. Ela tinha certeza de que os pais de Dawn nunca a forçariam a se casar com um monstro somente por causa de dinheiro.

 

A garota se afastou, carregando o pesado baldo em direção ao acampamento. Elise olhou para o próprio reflexo na água. Outra imagem apareceu.

 

- Você realmente acredita nisso?

 

Sterling lhe assustou. Ela não havia visto ou ouvido sua aproximação. – O que? – ela suspirou, olhando para ele.

 

- Você realmente acredita que o amor é tudo?

 

Há quanto tempo ele estava ouvindo sua conversa com Dawn? – Creio que sim. – ela admitiu. – Você não?

 

Ele se abaixou e pegou o balde de água. – O amor é uma maldição para muitos. Olhe para Íris e seu marido, Nathan, o grande coração deles cheios de amor por uma garota que não consegue perdoar-lhes o corpo pequeno. Poucas pessoas possuem a habilidade de amar incondicionalmente. Em nenhum outro lugar no mundo você pode aprender essa lição tão bem como aqui.

 

- Dawn irá perceber o que é mais importante – insistiu Elise, se levantando de sua posição agachada perto da água. – Ela ainda é jovem e não aprendeu o valor do amor.

 

Ele se aproximou e tirou uma mecha de cabelo da testa dela. – Você é a inocente. Até mesmo um animal se volta contra os seus se sente uma fraqueza, algo diferente.

 

Perturbada com a proximidade dele, Elise disse: - Pessoas não são animais.

 

Os olhos prateados encararam os dela. – Há uma fina linha, eu acho.

 

Já que ele agora carregava o balde, Elise começou a voltar ao acampamento. – Talvez você passe muito tempo com suas bestas selvagens e pouco tempo com as pessoas. Eu não o vi trabalhando com os outros.

 

- Estava exercitando os gatos.

 

Elise parou abruptamente: - Você os deixa soltos?

 

Ele riu. – Eles não são tão perigosos quanto você imagina. Ambos foram criados por humanos. Leena é bastante inofensiva. Raja requer mais cuidado. Ele é mau humorado.

 

Um arrepio correu pela espinha dela. – Meu tio não permitia nem que eu tivesse um cachorro como animal de estimação. Não tenho certeza de gostar de animais... o que eles possam gostar de mim.

 

- Por que não checamos?

 

Uma centelha de provocação brilhou nos olhos prateados. Elise não poderia se chamar de aventureira se evitasse cada desafio que ele lhe lançava. – Tudo bem – concordou – Mostre-me os seus gatos.

 

Sterling queria fazer mais do que lhe mostrar os gatos. Ele queria sentir o gosto dos lábios dela novamente – queria introduzi-la no lado escuro do desejo. Ela o afetava de modo estranho, desde a primeira vez que a viu. Ela era linda, mas havia muito mais do que alcançava a vista.

 

Ele havia ouvido a conversa dela com Dawn. Elise havia tocado seu coração com sua inocência, com sua doçura. Algo dentro dele havia se mexido. Algo até agora adormecido. Essa garota de Londres poderia ser mais perigosa que seus gatos.

 

Eles entraram no acampamento e ele esvaziou o baldo que carregava na tina de banho. Pegou a mão de Elise e a conduziu na direção do vagão dos animais. Ela permitiu o contato por pouco tempo antes de retirar a mão da dele.

 

- Não posso usar aquele traje. – ela disse enquanto andavam. – Acho que você já sabia disso quando foi buscá-lo para mim.

 

- É isso mesmo. Seu lugar não é aqui.

 

Ela parou. – Meu lugar também não é com meu tio ou com o homem horroroso com quem ele quer me casar, também. – Seus olhos verdes brilhando como fogo. – Estou procurando o meu lugar, e você está fazendo de tudo o que pode para me desencorajar.

 

A resolução de Sterling enfraqueceu. Ele poderia falar com Philip, pedir a ele deixar Elise acompanhá-los sem pagar a passagem...mas seria justo com a jovem mulher? A vida que ela havia escolhido não ia ser fácil. Ela devia aprender isso desde o começo.

 

- Um homem, ou uma mulher, nascido plebeu tem de fazer seu próprio caminho na vida. – disse, retomando sua caminhada. – A vida é dura, é injusta, e algumas vezes as pessoas têm de fazer o que não querem fazer. Essa é uma lição que você deve aprender logo se verdadeiramente deseja abandonar seu tio. Você não conseguirá tudo de bandeja.

 

Ela levantou o queixo. – Não ligo para ter riquezas ou coisas finas. Tudo o que quero... tudo o que quero é ser feliz – ela completou corajosamente.

 

Novamente algo se mexeu dentro dele. Ele jurava que ouviu o som de gelo quebrando – a barreira protetora que cercava seu coração. Ele parou, encarando-a. – Mesmo a felicidade tem seu preço. É algo pelo qual você tem de lutar. Você tem coragem?

 

- Você tem?

 

A pergunta o preocupou. Por mais inocente que aparentasse, ele temia que Elise conseguisse ver dentro de sua alma negra quando olhava para ele. Felicidade? Como ele poderia ser feliz quando uma maldição o perseguia? Uma maldição ligada ao próprio nome dele.

 

Ele não respondeu, mas se voltou e andou até o vagão dos animais. Raja o cumprimentou com um rosnado. Leena meramente bocejou.

 

- Eles são lindos.

 

Elise teve coragem para segui-lo, mas não para chegar bem perto. O que provava que ela tinha bom senso, se nada mais a respeito dela parecesse sensato.

 

- Sim, eles são lindos – ele concordou. – Mas até mesmo as coisas belas nem sempre são o que aparentam na superfície. Debaixo da pele, esse animais ainda são selvagens. Raja se esfregou contras as grades da gaiola e Sterling se aproximou para coçar as orelhas do tigre. – Devo sempre me lembrar que apesar da aparência dócil eles podem se voltar contra mim a qualquer momento. Devo respeitá-los.

 

- Posso tocar em um deles? – Elise gaguejou. – Acariciar, do mesmo modo que você está fazendo?

 

Ele a trouxe mais para perto. – É melhor deixá-los sentir seu cheiro primeiro e ver como reagem.

 

Ela se colocou ao lado dele. Raja a cheirou. O tigre não rugiu, como Sterling havia esperado, mas se esfregou contra as barras. Leena, a pantera, achou a visita interessante o suficiente para se levantar de sua posição preguiçosa e se juntar a Raja procurando atenção.

 

- Estranho – Sterling meditou. – Eles normalmente não gostam de estranhos. Dê-me sua mão. – Ela deslizou a mão dentro da dele e Sterling guiou seus dedos para o pelo do tigre.

 

- Ele é muito macio – ela sussurrou. – Me deixa triste ele ter de ficar trancado dentro de uma jaula. Me pergunto se ele não deseja correr livremente.

 

- Raja não pode ansiar o que não conhece. – disse Sterling, confuso por ela ter tais pensamentos. Todas as damas esnobes que ele se lembrava de sua juventude nunca pensavam em nada, nem ninguém, além delas mesmas. – Ele e Leena viveram a maior parte da vida atrás das grades. Nenhum deles sobreviveria se fossem libertados.

 

Elise retirou a mão da gaiola. – Fico feliz por eles terem você para cuidar deles. Para amá-los.

 

Sterling despenteou o pelo de Leena para que não se sentisse abandonada. – Uma pessoa não pode amar uma animal selvagem.

 

Uma distração subitamente atraiu a atenção deles. Philip vinha marchando pelo acampamento, cavalgando um dos cavalos que puxavam os vagões. – Juntem tudo – gritou. – A parada de carruagens estrada acima autorizou que nos apresentássemos para seus fregueses. Se aprontem.

 

Elise se escondeu dentro do vagão. Poderia alguém da parada de carruagens a reconhecer? Será que o tio não estaria lá procurando por ela? Ele certamente já saberia que ela havia sumido, e um homem a cavalo viaja muito mais rápido do que os vagões. O que Elise faria? Ela havia dito a Sterling que não usaria a fantasia ridícula para se apresentar com a troupe. Ele sugeriu que ela usasse seu dinheiro para alugar uma carruagem e retornar à Londres, mas ela não podia voltar para o tio.

 

A porta se abriu repentinamente e Sterling subiu no vagão. – Eu lhe trouxe o café da manhã já que você dormia profundamente quando chegamos.

 

- Já estamos na parada de carruagens? – ela perguntou, aceitando agradecidamente o alimento.

 

- Não muito distante. O proprietário não se importa que nos apresentemos para seus clientes, mas não nos quer perto da estalagem. Diz que pertences pessoais tentem a sumir quando tipos como nós estamos por perto.

 

Elise não sabia o que responder. Voltou sua atenção para a comida.

 

- Suponho que você irá para a estalagem. Você provavelmente tem dinheiro suficiente para passar a noite e alugar uma carruagem para levá-la de volta à Londres.

 

O grosso caldo parou em sua garganta. Ela engoliu com dificuldade. – Não posso voltar para Londres. Não posso ir para a estalagem. Posso encontrar algum conhecido do meu tio, ou pior, ele próprio.

 

Sterling suspirou. – Isso seria muito bom. Seu tio poderia conduzi-la com segurança para casa.

 

Ela ficou possessa. Elise colocou o prato a seu lado na cama e se levantou. – Eu já lhe disse antes, eu não tenho intenção de voltar para meu tio, ou para o casamento que ele planejou para mim.

 

Sterling arqueou uma sobrancelha: - Então quais são suas intenções?

 

- A... ainda não sei. – respondeu. – Imploro que continue a me abrigar em seu vagão até que eu tenha um plano adequado.

 

Ele a encarou por um momento, então seu olhar desceu para seus lábios. – Você não sabe como implorar. Sterling traçou a forma da boca dela. - Você nem mesmo sabe usar sua sedução feminina em um homem para conseguir o que quer.

 

Seus lábios tremeram debaixo dos dedos dele. Elise queria empurrá-lo para longe...mas uma parte dela apreciava o toque dele, o fogo que cobria seus olhos. Ela se lembrou do beijo que trocaram. Ele a havia feito sentir algo lá dentro que nenhum outro homem conseguiu fazer.

 

- Não gosto de praticar atos vulgares ou usar métodos enganosos com os homens.

 

Ele se curvou para mais perto. – Então você nunca conseguirá fazer a dança dos véus. Você teria de entender o efeito que causa nos homens, entendê-lo e usá-lo em sua vantagem.

 

Ela o afetava? Ele certamente a afetava. Elise tentou se afastar, mas seus joelhos encontram a cama. – Não tenho vontade de me tornar artista. Expliquei isso claramente a você.

 

Pegando uma mecha de seus cabelos ele disse: - E eu expliquei que para poder ficar com a troupe, você deve colaborar. Não posso voltar atrás em minha palavra com Philip. Disse a ele que você dançaria para pagar a passagem. Se você não dançar, deve partir.

 

O pânico a engolfou, ou por causa de suas palavras, ou pela proximidade dele. – Ao menos me permita ir para a estalagem sob o manto da noite. Com o capuz de minha capa me cobrindo talvez possa me disfarçar até ver se meu tio ou qualquer outra pessoa que possa me reconhecer estejam lá.

 

Seu rosto se aproximou. – Um beijo lhe garantirá abrigo até o cair da noite. Um gesto de despedida.

 

Seu rosto ferveu, bem como outras partes de seu corpo. Ela devia dar um tapa em seu rosto arrogante, mas esse não era um dos elegantes salões de Londres e ele não era um cavalheiro. Ela não tinha idéia do como seriam seus planos agora que seria afastada da caravana, mas com toda a probabilidade poderia nunca mais ver o Domador de Feras novamente. Ele esperava, sua boca pairando ainda mais perto da dela, e ela sentiu que ele esperava que ela fugisse – saísse correndo do vagão e fosse para a estalagem, como queria que ela fizesse.

 

Elise também podia ser chocante quando queria. E o quis nesse momento. Ela diminuiu a distância entre os lábios deles.

 

A leve pressão de sua boca contra a dela originou um fogo que Sterling nunca sentiu queimar tão intensamente. O cheiro dela flutuou até ele, doce, como o sabão com que ela se lavava toda noite. Seus lábios eram macios – sua inocência inflamava a própria alma dele. Ele adorava o gosto e o cheiro dela, senti-la quando a puxava para ele. Ele nunca poderia tê-la, amaldiçoado como era.

 

Ele devia afugentá-la para longe...mandá-la de volta para o lugar a que pertencia. O perigo espreitava uma tentação jovem como Elise. Era melhor que o provasse para ela agora, enquanto ela ainda tinha chance de voltar para o tio. Pensando no melhor para ela, Sterling forçou-a a abrir a boca debaixo da dele. Ele não estava sendo gentil em sua experimentação. Ele esperava que ela lutasse, mas ela não o fez. Ao invés disso, seus braços o abraçaram pelo pescoço e ele sentiu o tímido toque de sua língua contra a dele. O golpe percorreu seu corpo até os dedos dos pés.

 

- Beije um homem dessa maneira e estará implorando por problemas. – ele disse contra a boca dela.

 

- Você disse que não sei como implorar – ela o relembrou. – E você não vai conseguir me afugentar...não até eu estar pronta para partir.

 

- Você não tem medo de mim, e deveria.

 

Ela o encarou bem dentro dos olhos pensativamente. – Acredito que você pretende que as pessoas tenham medo de você. Desse modo, elas ficam à distância. Por que você não quer que ninguém se aproxime? Do que você tem medo?

 

Isso não estava saindo do modo como ele planejara. A coragem e a percepção dela estavam começando a irritá-lo. – Podemos ficar próximos se você assim o quiser – Sterling a derrubou de costas na cama – Assim está próximo o suficiente?

 

Os grandes olhos de Elise piscaram para ele. – I Isso é indecente! – ela esbravejou – Deixe-me levantar já!

 

- Eu não sou um cavalheiro. Temo que tente fugir com um outro homem, e sinto-me obrigado a lhe mostrar o resultado provável. Nunca confie em homem algum. Por dentro, todos são feras.

 

Ele esperava que ela lutasse debaixo dele, que recuasse para longe dele, pelo menos; ao invés disso, ela se aproximou e tocou seu rosto: - O que lhe aconteceu para que veja o mundo como um lugar sombrio? Nunca houve felicidade em sua vida?

 

Antes o tivesse golpeado. Houve felicidade...uma vez, antes de ele descobrir a verdade. Ela era um raio de sol e o enojava que não pudesse tratá-la melhor do que a uma prostituta que estivesse procurando por problemas. Ele se levantou da cama e arrumou o colarinho.

 

- Perdoe-me – ele disse, e compreendeu que nunca havia pedido desculpas a ninguém por qualquer coisa. – Você está certa. Passo muito tempo na companhia das feras. – Ele se dirigiu para a porta, desejando colocar distância entre eles, mas apenas por sentir que a distância estava diminuindo. – Se você precisar de um disfarce, peça para Sarah Dobbs. Ela ajudará.

 

Elise usava o disfarce de cigana. Sarah Dobbs era mestra em transformar inglesas em ciganas. Sarah usava o mesmo disfarce como preparação para adivinhar o futuro. A mulher explicou a Elise que ninguém levava a séria uma adivinha inglesa e que era por isso que escurecia a pele com graxa, seus olhos com kohl e usava um véu brilhante sobre a cabeça. O sotaque cockney desapareceu, e Elise olhava com grande admiração para a bola de cristal que Sarah havia colocado em uma pequena mesa dentro de seu vagão.

 

- Quer que eu leia sua sorte? – Sarah perguntou, sua voz grossa com outro sotaque, um que soava estrangeiro.

 

- Sterling me contou que você não pode realmente ver o futuro. – respondeu Elise. – Além disso, acredito que a pessoa decide o próprio destino.

 

Sarah arqueou uma sobrancelha e olhou para dentro da bola. – Vejo que você está fugindo de alguém. Alguém que não a tratou com gentileza.

 

Elise ofegou – Como você... – Ela prontamente fechou a boca. A mulher podia muito bem ter sabido disso por Sterling, ou Elise supôs que era muito fácil adivinhar sua situação. – Você está errada – ela cortou – Boa noite, e acho adeus, estou deixando a caravana. – Ela se voltou para sair do vagão e ouviu Sarah rir baixinho.

 

- Você não vai a lugar algum. Sterling é o seu destino.

 

Os pelos dos braços de Elise se eriçaram. Ela pulou do vagão. O que sabia a mulher? Nada, Elise se assegurou. As habilidades de previsão de futuro de Sarah eram uma encenação. Certificando-se de que o véu que cobria seu cabelo estava no lugar, Elise caminhou entre os vagões. Uma multidão já começara a se juntar. Várias tochas iluminavam a área. Elise viu que um tipo de jaula havia sido montada. Sterling se apresentaria lá dentro com os gatos, sem dúvidas.

 

- Juntem-se e testemunhem visões que hipnotizarão seus sentidos. – Philip, resplandecente em um de seus estranhos trajes, posicionou-se dentro de um circulo de luz. Ele começou a fazer malabarismo com três bolas, todas refletindo as luzes das tochas e parecendo brilhar no escuro.

 

- Trago até vocês uma exótica flor do deserto. Uma mulher que pode encantar até mesmo a mais mortal das serpentes. A rainha das cobras. Eu lhes apresento...Mora.

 

Enquanto Philip distraia a multidão com seu malabarismo, Mora estava parada nas sombras e agora estava parada dentro do circulo de luz, serpentes enroladas nos pescoço e braços, uma grande cesta a seus pés. Ela levou um estranho instrumento aos lábios e começou a tocar. A tampa da cesta balançou-se. Caiu e a multidão inspirou conjuntamente. Uma grande serpente negra levantou-se da cesta. A cabeça da cobra subitamente se expandiu. Sua língua deslizou para fora e ela sibilou, mas Mora ainda tocava.

 

O tom mudou e a serpente começou a voltar para a cesta. Uma vez que a multidão não podia mais ver a cobra, Mora deu a volta, recolocou a tampa e agarrou a cesta. Ela se curvou para a salva de palmas, e moedas foram subitamente jogadas no chão. Dawn se aproximou e começou a recolher as moedas.

 

- Agora para melhorar o humor de vocês, as brincadeiras de Nathan e Íris – Philip rugiu.

 

A dupla caiu dentro do circulo de luz. Estavam vestidos com fantasias descoordenadas que imediatamente trouxe um sorriso aos lábios de Elise. Ela gargalhou com as tolices deles e se maravilhou com a habilidade deles em dar cambalhotas. A multidão realmente ria e aplaudia seus esforços, todos soltando ohs quando Íris fez um triplo salto mortal no ar e aterrisou sobre os ombros do marido no final da apresentação. Seguiu uma chuva de moedas. Novamente Dawn se dirigiu ao circulo e coletou o prêmio.

 

- Agora, o homem mais corajoso do mundo – Philip se aproximou – Um homem que consegue domar uma fera selvagem, transformar até mesmo o mais feroz dos animais em um amável gatinho doméstico. Trago até vocês o Domador de Feras!

 

Tochas subitamente foram acesas ao redor da jaula que havia sido erguida anteriormente. Dentro, Raja e Leena andavam de um lado a outro. A multidão ficou maluca. Um homem alto saiu das sombras. A luz do fogo dançou em seus cabelos dourados. Ele usava um collant que abraçavam seus contornos musculosos ao ponto da indecência, e duas tiras de couro cruzadas sobre seu largo peito nu. O calor correu para a cabeça de Elise, entre outros lugares. Ela ouviu mais de uma mulher entre a multidão suspirar apreciativamente.

 

Elise não gostou disso, do modo como as mulheres olhavam convidativamente para Sterling. Ele estalou um chicote e a fez pular; então abriu a porta da jaula e entrou. A multidão emudeceu. Sterling estalou o chicote novamente, emitiu um comando, e os gatos foram sentar-se cada um em um dos bancos que estavam arrumados dentro da jaula. Raja rugiu e deu uma patada em Sterling quando ele passou, fazendo com que Elise prendesse a respiração.

 

Sterling gritou algo e os gatos se sentaram nas patas traseiras. A multidão rugiu. Ele deu as costas aos gatos e se curvou, o que Elise considerou seu uma coisa assustadoramente estúpida de se fazer. A multidão aprovou sua coragem, contudo, e as moedas voaram ao chão. Já que Dawn não correu para recolhê-las, Elise presumiu que a apresentação ainda não havia acabado.

 

Realmente, houve mais a seguir. Sterling ordenou que seus gatos fizessem todo o tipo de truques, de se deitarem no chão e rolarem, a uma impressionante façanha de pularem através de uma roda em chamas. Sterling também pulou através da roda, o que provocou nova chuva de moedas. Elise sentia o coração na garganta, mas não conseguia negar a excitação que fluía em suas veias.

 

O que ela considerava seu último ato de coragem era ele abrir a boca de Raja e colocar sua cabeça lá dentro. O homem era louco! Sterling saiu com a cabeça ainda no pescoço, e mais moedas foram atiradas ao chão. Novamente ele deu as costas aos gatos e agradeceu à multidão. Raja repentinamente atacou a retaguarda dele. Elise gritou. O tigre jogou Sterling no chão. Homem e fera lutaram e tudo o que Elise podia fazer era olhar com fascinado horror. Pouco depois os dois se levantaram e Sterling saltou para as costas de Raja, cavalgando o tigre.

 

O aplauso foi ensurdecedor; o brilho das moedas fazia o chão parecer feito de ouro. As tochas ao redor da jaula foram apagadas, e a multidão rugia por mais.

 

Philip pisou no circulo de luz – A noite ainda não terminou! Ele rugiu – Conheça seu futuro, saiba sua sorte, ou talvez descubra se sua mulher o está traindo. Lady Fortune os espera em seu vagão.

 

A multidão resmungou, mas muitos foram na direção do vagão de Sarah, que estava agora iluminado por tochas brilhantes. Elise ficou olhando para o lugar escuro onde a jaula estava erguida, perguntando-se o que Sterling estaria fazendo. Ela notou que umas poucas mulheres também olhavam na mesma direção. Elas iriam procurar o vagão dele? Não admirava que ele pensasse que ela estava procurando divertir-se com ele naquela primeira noite. Ele era lindo, devastadoramente lindo. Ele devia atrair mulheres como a luz atraia as mariposas.

 

Ela não devia ficar e testemunhar a adoração. Elise achou que era a hora certa para escapar até a estalagem e alugar um quarto. Muitos dos fregueses ainda estavam circulando por aí. Ela precisava de sua mala, contudo, então se dirigiu para o vagão de Sterling. Ela tinha apenas adentrado na escuridão quando uma mão lhe agarrou o braço.

 

- Olá, garota cigana – uma voz modulou – Eu a vi entre a multidão e pensei que poderíamos sair por ai.

 

Ela não conseguia ver o homem, mas seu hálito fedia bebida. – Tire as mãos de mim agora mesmo – ela disse com firmeza – Não quero lhe fazer companhia.

 

O estranho a puxou com força para perto dele – Quer queira ou não é indiferente para mim. Quem se importa com o que acontece com um tipinho como você?

 

- Eu me importo.

 

A voz pertencia a Sterling, e Elise nunca se sentiu tão feliz por ouvi-la.

 

- Vá procurar sua turma, cara, e me deixe em paz. – disse o estranho.

 

Elise tentou se livrar do aperto do bêbado, mas seus dedos se enterraram na macia carne de seu braço.

 

- Deixe-a ir.

 

Sterling não levantou sua voz, mas seu tom era mortal. Um baixo rosnado soou na escuridão que os cercavam e eriçou os cabelos na nuca dela.

 

- Diga, quem está aí? – o homem perguntou, um audível tremor na voz. – Você é um homem ou uma fera?

 

Nenhuma resposta. Outro rosnado baixo. O homem a soltou e fugiu. Elise deveria ter relaxado, mas e o rosnado? O que era aquilo?

 

- Sterling? – ela sussurrou – Você está aqui?

 

O silêncio se estendeu. Seu coração disparou de modo alarmente. Ela levou uma mão à garganta. Uma alta sombra subitamente parou perto dela.

 

- Você está bem, Elise?

 

- Sterling – ela suspirou. – Sim, estou bem. O homem... – Sua voz falhou. Era impossível, mas quando ela olhou para cima ela jurava ter visto o brilho dos olhos de um animal olhando para ela. Ela estremeceu no ar frio da noite, piscou, e quando olhou novamente, tudo o que viu foi a sombra alta de Sterling contra a noite.

 

- O que tem o homem?

 

- Ele fugiu – respondeu. – Estava tentando chegar ao seu vagão para pegar minha mala.

 

- Então, está de partida.

 

Ela não tinha escolha. Ela havia pago pelo privilégio de ficar em seu vagão até o cair da noite, e a noite chegou. – Sim, estou partindo.

 

Ele a pegou pelo braço e a conduziu até o vagão. – Melhor ir agora enquanto a maioria dos fregueses ainda estão admirando as visões e lendo a sorte.

 

- Foi o que pensei também, - ela disse – Agora não tenho tanta certeza de querer ir até a estalagem sozinha.

 

- Não, eu a acompanharei – ele lhe garantiu.

 

- Você é nobre debaixo dessa pele – ela provocou – Mesmo que se recuse a agir dessa forma.

 

- Você não faz idéia do que tenho debaixo da pele. Mas não quero que seja molestada.

 

Eles chegaram ao vagão e Elise subiu. Pegou sua mala; então eles partiram noite adentro em direção ao tranqüilo brilho da estalagem.

 

Enquanto andavam, ela disse: - Você precisa colocar sua cabeça dentro da boca de Raja? Você quase me roubou dez anos de vida.

 

Sterling riu – Você não acha que minhas apresentações são emocionantes?

 

- Bem, sim – ela admitiu – Mas realmente, Sterling, você deveria ser mais cuidadoso. O tigre o atacou hoje a noite! – Ela sentiu que ele a observava e perguntou – O que foi?

 

- Já faz um tempo que ninguém me passa uma descompostura, e o ataque de Raja faz parte da apresentação. Ele adora lutar.

 

- Oh – ela suspirou – Você deveria ter me avisado. Fiquei apavorada por você.

 

- Faz muito tempo que ninguém se preocupa com o que pode me acontecer, também. Isso foi... bom.

 

Uma onda de prazer se espalhou por Elise. Fazia muito tempo desde que permitiram que ela passasse uma descompostura ou se preocupasse com alguém. Mas Sterling não era o homem apropriado para que ela entregasse seus sentimentos. Eles foram feitos um para o outro...ela supunha, como o foram seu pai e sua mãe. É claro que Elise havia diminuído uma grande distância entre suas posições sociais quando fugiu de seu tio. Ela sempre se esquecia que era livre agora para se tornar qualquer pessoa, ou qualquer coisa que desejasse ser.

 

Eles chegaram à estalagem. Dizer adeus estava mais difícil do que Elise havia imaginado. Ela repentinamente se viu sem palavras. – Obrigada por tudo o que fez por mim – ela disse impulsivamente – Desejo que seja muito feliz!

 

Ele se aproximou e afastou o cacho rebelde que sempre caia na testa dela. – E eu espero que você encontre o que está procurando.

 

Por um terrível momento, as lágrimas queimaram em seus olhos, e ela temeu se envergonhar – Adeus, então. Elise se voltou, apenas para se ver girada e se encontrar nos braços dele no próximo instante.

 

Seus lábios encontraram os dela. Ela abriu a boca debaixo dele. Seus línguas se tocaram, dançaram juntas, espalhando um calor delicioso através dos frios ossos dela. Ela lhe explorou a boca, o gosto e a profundidade dele, sem se importar se suas ações eram ousadas. Ela nunca mais o veria novamente.

 

Ele fez um som baixo na garganta; então ela sentiu a madeira rústica da estalagem contra suas costas. Ela nem percebeu o desconforto, por que a pressão de seus corpos unidos apagou os pensamentos lógicos de sua mente. Ela queimava por ele, ansiava por sentir mais do que sua boca fundida à dela. Como seria se deitar com ele? Pele contra pele.

 

Seus pensamentos a assustaram, juntamente com os sentimentos que ele despertava. Desejos primitivos que ela nunca havia experimentado. Sua vida havia sido uma vida protegida. Se seu tio não fora generoso com seus afetos, ele fora super protetor com sua virtude. Nunca permitiu que ficasse em companhia masculina sem uma acompanhante apropriada. Elise nunca havia sido beijada antes, e aqui estava ela, se esfregando contra um homem que mal conhecia, como um de seus gatos crescidos, implorando para se acariciada.

 

A mão dele se fechou em seu seio; seus dedos esfregando o mamilo sensível sobre o tecido. Ela gemeu contra os lábios dele, faminta por mais. Como se soubesse de suas necessidades, ele acariciou o outro seio com gentileza, a fricção de seus dedos contra os mamilos eram uma doce tortura. As mãos dele vagaram para os cordões de seu vestido. Subitamente ele se separou dela.

 

- Entre! – ele ordenou – Entre antes que eu me esqueça de mim mesmo e a arraste de volta a meu vagão, jogue-a sobre minha cama e faça amor com você como se não houvesse amanhã.

 

Se isso foi uma ameaça, ela não correspondeu de acordo. Ao invés de se sentir amedrontada, todo o tipo de imagens indecentes subitamente tomaram forma dentro de sua mente: imagens de pernas enroscadas e gloriosa pele dourada e nua. O ar da noite colidiu com seu corpo super aquecido e a fez estremecer.

 

- Você deve ter medo – ele não interpretou corretamente sua resposta. – Agora entre enquanto eu ainda tenho consciência para permitir que escape com sua inocência.

 

Ele se voltou e se afastou para longe dela, o que não deixou Elise com muitas opções. Agora que sua mente clareou, ela compreendeu que seria tolice correr atrás dele. Sem mencionar, degradante. Ela imaginava que ele estava muito acostumado com mulheres seguindo-o como cãezinhos. A memória das mulheres suspirando por ele mais cedo recuperou sua razão quando seu corpo a queria fazer de tola.

 

Tremendo, Elise entrou de modo furtivo dentro da estalagem. Felizmente haviam poucos fregueses comendo na sala comum ou compartilhando bebidas. Dois homens estavam parados do outro lado da sala, um de costas para ela e o outro estudando o livro de contabilidade. Ela presumiu que o homem com o livro de contabilidade fosse o proprietário. Algo no outro homem parecia-lhe familiar, mesmo ele usando uma longa capa e um alto chapéu de pelo de castor que o escondia suas feições. Como se sentisse que era observado, o proprietário olhou para cima. Imediatamente franziu a testa.

 

- Você não é bem-vinda aqui! – ele gritou através da sala – Pegue suas malditas coisas e volte para seu acampamento!

 

Ela se esquecera que seu disfarce poderia prejudicar sua chance de conseguir um quarto para passar a noite. Elise supôs que uma moeda influenciaria o dono. O homem que estava de costas para ela começou a se virar. Ela viu o seu perfil. Seu coração foi parar na garganta. O homem era seu tio.

 

Dando meia volta, Elise se arrastou para a porta da estalagem. Será que ele a vira? Esperava que quando ele tivesse acabado de virar a cabeça tudo o que visse fosse suas costas fugindo através da porta. Seu coração batia selvagemente. O medo agarrava e retorcia suas entranhas. Elise correu na direção dos vagões da caravana. As tochas ainda estavam acesas no vagão de Sarah, o que ajudou muito seu senso de direção.

 

Ver o tio fora um choque e um lembrete de quão desesperadamente ela desejava escapar. Ela sentiria dor na consciência se acreditasse sequer por um momento que ele a estava procurando por se preocupar com sua segurança, mas ela sabia o que o guiava: o dinheiro que ele receberia de Stoneham.

 

Quando chegou ao vagão de Sterling, Elise não parou para bater. Ela se atirou para dentro e se encostou na porta, tentando respirar. Sterling estava encurvado em sua bacia, seu rosto molhado. Ele pegou uma toalha e se secou.

 

- Esqueceu-se de algo?

 

O que ela poderia dizer? Se contasse a ele a verdade, ele tentaria influenciá-la para que voltasse a Londres com o tio. Ou pior, ele poderia informar ao tio de seu paradeiro imaginando que estava fazendo o melhor para ela. Elise não tinha escolha sobre o que deveria fazer, e essa noite, não se sentira atraída com as apresentações? Uma parte dela secretamente não havia ansiado por fazer parte da troupe, pertencer...a algum lugar?

 

- Mudei de idéia – ela respondeu – Eu dançarei.

 

Sterling quase deixou escapar um gemido. Embora parte dele não estivesse feliz com a partida dela, a parte racional lhe assegurava que sua partida era melhor. O melhor para ele, pelo menos. Ele tinha sentimentos por Elise. Sentimentos que poderiam se tornar perigosos se ele lhes liberasse as rédeas. Seria melhor que a tentação pudesse ser evitada.

 

- Seria mais sábio se você seguisse por outro caminho – ele aconselhou.

 

Ela levantou o queixo – Tínhamos um acordo. Vai voltar atrás com sua palavra?

 

Sim! Seu lado racional gritava mentalmente. O que era sua palavra comparada a seu coração? O que era honra comparada com a maldição que o levaria de homem a fera?

 

- E você ficaria? – ele perguntou- Mesmo depois de hoje a noite? Mesmo sabendo que a desejo? Mesmo sabendo que não estará segura comigo?

 

Seu rosto queimou debaixo da luz do lampião. Ela mordeu o lábio inferior, e respondeu – Antes você do que o assassino a quem meu tio me venderia somente para encher os bolsos. Você tem mais honra do que quer admitir. Não tenho medo de você. Apenas das estranhas emoções que desperta dentro de mim.

 

Ele voltou às costas a ela para impedir de esmagá-la em seus braços. Ela era tão confiante, tão honesta, a ponto de admitir que sentia ondas de desejo por ele. Se o homem com quem o tio insistia em casá-la fosse tão mau como Elise dizia, Sterling não poderia permitir que ela fosse forçada ao casamento. Ele não permitiria que nenhum homem abusasse dela. Mas ela não estava segura com ele; ele não estava seguro com ela. O que poderia fazer?

 

- Por favor – ela sussurrou – Tenha piedade de mim. Prometo fazer o que combinamos e não lhe causar problemas até chegarmos a Liverpool.

 

Como ele podia recusar? Pelo menos ele saberia que ela chegou em segurança até a casa da tia. Tudo dentro dele advertia que permitir que Elise ficasse seria um grave erro.

 

- Tudo bem – ele concordou, voltando-se para ela – Você pode ficar. Quando seus grandes olhos se encheram de lágrimas e ela deu um passo em direção a ele, ele levantou uma mão. – Mas as coisas devem ser diferentes entre nós!

 

Ela parou bruscamente – Diferentes? – Elise umedeceu os lábios tentadores – Você está sugerindo...isto é, você está ordenando que eu...

 

- Estou ordenando que você mantenha distância – ele a cortou – Não sou o homem que acredita que eu seja, Elise. Não sou honrado, nem confiável. Você deve pensar o pior de mim e agir de acordo. Entendeu?

 

Ela torceu os lábios – Claro. Detestaria ser tão inconveniente para você. – Seus olhos lançavam chamas – Eu lhe asseguro que, apesar do que obviamente acredita a seu respeito, você não é irresistível.

 

Ele quase sorriu. Contudo, o assunto era sério, e Sterling permitiria que Elise permanecesse com a caravana, se abrigasse em seu vagão, mas não poderia permitir que ela entrasse em seu coração.

 

- Partiremos novamente quando amanhecer. É melhor irmos dormir.

 

Ela olhou para a cama – Ainda posso usar a cama, ou você prefere que eu durma no chão?

 

- Fique com a cama. – Ele se dirigiu para a porta. – Tenho que ir ver os gatos antes de me recolher.

 

- Sobre os gatos – Elise enrugou a testa – Você não estava com Raja logo ao anoitecer, quero dizer, quando o homem me agarrou e você intercedeu?

 

- É claro que eu não estaria com um tigre andando por ai comigo enquanto o acampamento estava cheio de fregueses da estalagem. Por que pergunta?

 

Ela sacudiu a cabeça – Não é nada, acho. Ouvi um rosnado, um rosnado de animal, e parecia estar bem perto de onde eu estava.

 

Um sentimento de preocupação se apossou de Sterling. – O som nos engana de noite. Tenho certeza que ouviu a reclamação de Raja, mas ele estava em sua jaula.

 

- Seria uma explicação lógica. – ela respondeu – Boa noite.

 

Sterling a deixou. Lá fora, ele respirou profundamente do ar frio da noite. A lua lá em cima parecia enorme contra o céu noturno. Ele a olhou por um longo tempo, sem conseguir desviar os olhos. Rosnado? Ele estava além da raiva quando viu o traste bêbado molestando Elise. Sterling se lembrava de desejar rasgar a garganta do homem...com seus dentes. Teria começado, então? ?A maldição estava sobre ele? Não, Sterling se assegurou. Ele não amava Elise, estava simplesmente encantado com ela.

 

O que ele desejava dar a Elise ainda estava longe de seu coração. Desejo, luxuria, ele já sofrera esses sentimentos por mulheres antes, e ele havia permanecido distante da maldição Wulf. Por mais bonita e desejável que fosse Elise, ele resistiria a ela. Ele deveria resistir a ela. As conseqüências eram muito horríveis para serem encaradas se ele não conseguisse.

 

Sterling estava sentado para o jantar. Seu pai estava em sua cadeira de direito à cabeceira da mesa. Os três irmãos de Sterling também estavam presentes, rindo e provocando uns aos outros. Sua mãe andava de um lado a outro, verificando que tudo estava de acordo com as vontades do pai. Sterling sabia que o casamento dos pais havia sido arranjado, e que o acordo os satisfazia bem, mesmo não havendo um grande amor entre eles.

 

Mas então, algo aconteceu. Enquanto a mãe de Sterling servia uma taça de vinho ao pai, ele pegou a mão dela e a levou aos lábios – um gesto de afeição, e afeição era algo que Sterling raramente testemunhara entre seus sérios pais. Um leve brilho surgiu nos olhos da mãe. Depois de vinte e cinco anos de casamento e quatro filhos, todos nascidos com pouco mais de um ano de diferença entre eles, teria finalmente o casamento se transformado em algo mais do que um arranjo?

 

As velas no imenso candelabro colocado no centro da mesa subitamente tremeluziram, aumentaram e depois diminuíram. Um frio se instalou na sala. O rosto do pai ficou diferente. Pelos surgiram em seus braços, grossos e escuros – e seus dentes, Bom Deus, eles eram afiados, como os dentes de um animal. A mãe de Sterling gritou.

 

O pai de Sterling agarrou seu alto colarinho, seus dedos agora cumpridos e ossudos, suas unhas como garras. Ele uivou, um som que eriçou os cabelos no pescoço de Sterling. Então seu pai desapareceu, e em seu lugar estava sentado uma fera. O enorme lobo pulou para a mesa, rosnado e quebrando. Os irmãos de Sterling se levantaram da mesa, seus rostos cinzentos, seus queixos caídos.

 

A criatura pulou através de uma janela próxima, quebrando o vidro. A mãe de Sterling agora jazia desmaiada sobre o chão. Ele permaneceu congelado na cadeira, incapaz de compreender o que acabara de acontecer.

 

A horrível imagem da transformação do pai ficava se repetindo vez após vez na mente de Sterling, apertando sua cabeça até que ele pensou que seu cérebro iria explodir. Ele olhou para baixo e viu as próprias mãos cobertas de pelo negro. Não!

 

- Sterling – ele ouviu a voz de Elise a uma longa distância. – Sterling, acorde. Você esta sonhando.

 

Ele se endireitou. Suor lhe cobria o corpo e ele quase não conseguia respirar.

 

- Você está bem, Sterling?

 

A imagem borrada dela entrou em foco. Preocupação estava estampada no semblante de Elise. Uma longa trança lhe caia sobre o ombro e a camisola que ela usava, embora modesta, era tentadora, talvez devido ao fato dele imaginar o que ela usava por debaixo, se é que usava algo.

 

- Estou bem. Foi apenas um pesadelo. – Devido a presença dela em seu vagão, Sterling não dormia mais nu. Ele jogou o cobertor para o lado e tentou ficar de pé. Elise se levantou e se sentou na cama.

 

- Você já os teve antes – ela disse calmamente – Embora geralmente você apenas se lamente umas poucas vezes e volta a dormir. Talvez se você conversasse com alguém a respeito de seus sonhos..

 

- Não quero falar sobre isso! – ele cortou, imediatamente se arrependendo de seu tom áspero. Sterling correu a mão pelo cabelo. – Peço perdão. Não tenho o direito de lhe ofender por causa de uma noite mal dormida. Preciso de ar fresco.

 

O que ele precisava era desaparecer da tentadora visão de Elise sentada em sua cama de camisola. Que quadro mais intimo a visão representava. Quão facilmente ele poderia se acostumar a tal visão cumprimentando-o todas as manhãs. Sterling calçou suas botas e escapuliu do vagão. O fogo para cozinhar já estava sendo preparado, e o cozido de carne que sobrara da véspera fervia lentamente em uma panela. Apenas Mora e Sarah ainda estavam sentadas ao redor do fogo.

 

- Melhor se apressar! – Sarah chamou – Não sobrará muito quando todos se reunirem!

 

Sterling agarrou um prato e serviu-se do café da manhã. Elise demoraria um pouco já que ainda não estava vestida. Ele pegou um prato para ela e o encheu também. Isso fez com que a sobrancelha de Sarah se arqueasse.

 

- Eu disse a ela que ela não iria a lugar algum – disse com um sorriso se abrindo em seu rosto.

 

Mora ficou tensa. – Você deveria ter feito com que ela se fosse – reclamou a encantadora de serpentes. – Aqui não é seguro para ela.

 

- Ela está segura o suficiente sob minha proteção – Sterling lançou a Mora um olhar de aviso. – E ela só vai permanecer conosco até chegarmos a Liverpool. Então ela seguira com a vida dela, enquanto nós seguiremos com a nossa.

 

Sarah colocou uma mão em sua cabeça e fechou os olhos – Eu não a vejo partindo no futuro. Eu vejo um casamento, e crianças. Eu vejo –

 

- Pare com isso, Sarah! – Sterling ordenou – A última coisa que ele desejava eram visões da vida de Elise colocadas dentro de sua cabeça. – Não considero suas predições divertidas.

 

A leitora de sorte abriu os olhos e suspirou – Tinha esperanças de que ela o ajudaria a encontrar seu senso de humor, mas você está grosso como sempre. Igualzinho aos seus grandes gatos, sempre rosnando e dando patadas nos outros.

 

Ele gostava das comparações de Sarah ainda menos do que de suas previsões. Sterling pegou o prato de Elise e voltou ao vagão. Um velho vestindo roupas adequadas a um cavalheiro subitamente surgiu em seu caminho. O homem ficava olhando ao redor, como se procurando algo ou alguém.

 

- Posso ajudá-lo? – perguntou Sterling.

 

O olhar do homem vagou sobre ele friamente. – Estou procurando uma garota.

 

Sterling avaliou o homem também, usando o mesmo tom frio com ele: - Está procurando no lugar errado. Não oferecemos o tipo de coisa que está procurando.

 

Removendo o chapéu, o homem bateu a poeira: - Estou procurando por minha sobrinha, seu idiota. A ingrata atrevida fugiu. Pensei que vocês poderiam tê-la visto pela estrada em algum lugar. Talvez jazendo em um buraco com a garganta cortada.

 

Um dos pratos que Sterling carregava quase escorregou de seus dedos. Esse homem devia ser o tio de Elise. A mudança por que ela passou noite passada fazia total sentido agora. Ela devia ter visto o tio na estalagem.

 

- Não vi nenhuma jovem jazendo em um buraco – disse Sterling. Ele não gostou do homem. O tio de Elise, se fosse esse o homem, parecia mais aborrecido com o pensamento de encontrá-la morta, do que preocupado. – O senhor deve estar preocupado se ela está por aí na estrada. Nem imagino o que pode acontecer com ela.

 

O homem torceu o nariz, então puxou um lenço de seu bolso, pressionando contra o nariz. – Que horrível fedor de animal – ele murmurou – Faz com meus olhos ardam e meu nariz escorra. Eu a deixaria à própria sorte e alegremente me livraria de sua chateação, mas o noivo dela já pagou uma boa soma por ela. Não pretendo devolver-lhe o dinheiro.

 

Sterling queria estrangular o homem. Como ele podia agir de modo tão insensível com uma mulher tão doce e gentil como Elise? – Se ela pegou a estrada sozinha, você não a encontrará intacta. – disse Sterling, mal conseguindo manter sua voz controlada. – O noivo dela pode não aceitá-la de volta.

 

O homem deu com a mão como se isso não importasse – Stoneham não se importa. É apenas mais uma razão para castigá-la. Ele adora castigar suas esposas.

 

Stoneham? Fazia anos desde que Sterling freqüentou a sociedade em Londres, mas ele se lembrou de ouvir sua mãe falando de um homem em voz baixa. Os boatos diziam que Stoneham gostava de torturar suas mulheres. Sterling não reconheceu o tio de Elise, embora, e obviamente o homem via nada mais do que um vagabundo.

 

- Qual é o nome de sua sobrinha, caso eu esbarre com ela no futuro? E onde devo entregá-la se eu realmente a encontrar? Presumo que você esteja disposto a pagar pela devolução dela?

 

O homem enrugou o nariz e enfiou o lenço de volta no bolso. – Collins – ele falou – Elise Collins, e tudo o que tem a fazer é perguntar por Lorde Robert Collins em Londres que alguém lhe conduzirá até mim. Uma pequena recompensa pode ser acordada.

 

Lorde Collins. O nome despertou uma recordação. Sterling tentou se lembrar algo que ouviu relacionado ao tio de Elise. Nada lhe veio a mente no momento. Era perigoso fazer as perguntas que estavam gritando em sua cabeça. Ele tentou deixar sua vida antiga para trás, jurou que não olharia para o passado, mas ele imaginava o que acontecera aos irmãos.

 

- Tempos atrás, eu cuidei dos cavalos de uma família de nome Wulf de Londres. O senhor os conhece?

 

Lorde Collins apertou os lábios e franziu a testa – Os Selvagens Wulfs de Londres? Família desgraçada. Os pais estão mortos. Os filhos correm soltos, executando todo o tipo de perversão na sociedade refinada. Há rumores de que são loucos e perigosos, o que, é claro, apenas faz com que as senhoritas da sociedade os persigam. Alguma atrevida estúpida ficaria satisfeita se conseguisse agarrar um deles.

 

Collins sorriu, um sorriso frio – Eu não conheço a família pessoalmente. Mas ouço coisas...Aparentemente os irmãos Wulf fizeram um juramento de permanecerem solteiros até a morte.

 

Sterling não respondeu. Pelo menos descobriu que os irmãos estavam vivos e obviamente pensavam como ele. Guardar seus corações, salvar suas humanidade. – Bem, se eu topar com sua sobrinha, eu a levarei para casa e recolherei minha recompensa.

 

- Talvez eu deva perguntar aos outros também. – O homem olhou ao redor. – Talvez alguém tenha visto algo que você não viu.

 

- Estamos nos preparando para partir – disse Sterling - Não os incomodaria. Todos nós vemos as mesmas coisas pela estrada, e ninguém mencionou uma jovem morta em um buraco.

 

Collins torceu o nariz novamente, praguejou e puxou o lenço do bolso. – Há muitos animais por aqui. Devo retornar à estalagem. Abra bem os olhos para encontrar minha sobrinha. Acredito que pode usar bem o dinheiro da recompensa. – Seus olhos passearam pela vestimenta grosseira de Sterling e as botas empoeiradas de maneira insultuosa. – Bom dia.

 

A porta do vagão de Sterling rangeu. A cabeça do homem se voltou na direção do som. Uma visão vestida em véus transparentes apareceu contra o interior escuro do vagão. Um momento depois ele ouviu um arfar feminino e a porta foi firmemente fechada.

 

- Que Deus me ajude – ela murmurou. Seu tio a encontrara. Ela esperou Sterling conduzir o homem diretamente para ela, apenas porque Sterling nunca considerou a ameaça que pairava sobre ela seriamente. Ele acreditava, como muitos de sua classe social, que ela estava se mostrando geniosa contra um casamento que era, de fato, o melhor para ela.

 

Ela se arrastou para o fundo do vagão e se sentou no chão, tentando se passar despercebida ficando o menor possível. Por que, ela não tinha idéia. Sterling e o tio sabiam que ela estava dentro do vagão. Havia apenas uma porta e nenhuma janela. Pouco depois ela escutou a porta rangendo ao ser aberta. Ela cobriu os olhos.

 

- Está tudo bem, Elise – disse Sterling, sua voz acima dela – Ele já foi.

 

Bem devagar, ela abaixou as mãos e olhou para cima. – Foi?

 

Sterling colocou os dois pratos sobre a cama e estendeu a mão. – Sim. Eu o mandei embora. Ele não a reconheceu. Ele estava muito ocupado olhando para...bem ele nunca olhou para o seu rosto. Disse a ele que você era minha mulher.

 

Sem pensar, ela deslizou a mão confiantemente na dele. Ele a colocou de pé. – Você o mandou embora? Pensei que diria a ele que eu estava aqui, Sterling não respondeu imediatamente. Seus olhos a percorriam e sua respiração ficou irregular. – Bom Deus, o que está fazendo com esses trajes?

 

Ela sabia que ficou vermelha, e vermelha em seu corpo inteiro indecentemente exposto. – Pensei que se não conseguisse sair do vagão usando esse traje na frente dos membros da companhia, certamente não conseguiria me apresentar para pessoas completamente estranhas.

 

- Seu pensamento faz sentido – ele concordou. – E se não estivesse usando essa roupa quando abriu a porta agora a pouco, seu tio a teria reconhecido. Então eu teria de lutar com ele por você.

 

- Lutar com ele? - Seu sangue se aqueceu – Por minha causa?

 

Ele liberou a mão dela e se virou. – Você estava certa sobre seu tio. Ele não se importa com nada além do dinheiro que conseguiu por você. Aquele monstro abusador de mulheres, Stoneham, não a terá.

 

Por mais aliviada que estivesse pela mudança de situação, Elise estava confusa: - Stoneham. Eu nunca disse o nome dele.

 

- Seu tio o mencionou.

 

Sterling ainda estava de costas para ela. Embora envergonhada pelo traje reduzido, Elise também se sentia auto confiante por diferentes razões. – Você não gostou da fantasia?

 

- Eu já a tinha visto antes – ele respondeu. – Em muitas ocasiões. – Ele se voltou e seus olhos estavam cheios de calor. – Mas nunca reagi à visão dela do modo que faço quando a vejo usando. Seu olhar a percorreu, enformigando sua pele. – Você está uma visão.

 

Elise deveria se sentir envergonhada pela onda de prazer que suas palavras produziram, mas não sentiu. Ela gostava do modo como Sterling a olhava. – Você disse que me ensinaria a dançar – ela o lembrou.

 

Ele gemeu e virou de costas para ela novamente. – Mais tarde. Agora tenho de ajudar a caravana a se preparar para partir. É melhor você ficar aqui dentro, longe das vistas.

 

- Sterling – ela o parou quando ele estava caminhando para a porta – Obrigada. Eu lhe devo mais do que poderei pagar.

- Você não me deve nada. – ele disse, então saiu apressadamente.

 

As mãos dele estavam nos quadris dela, e, devido ao traje que ela usava, ela sentia o calor de suas palmas contra a pele.

 

- Permita que minhas mãos guiem seus movimentos. Gire seus quadris.

 

Ele tentava guiá-la, mas ela se sentia muito auto-consciente para seguir suas instruções. Seus quadris não se moviam. Ele a soltou.

 

- Qual é o problema?

 

Você, ela queria dizer. Sua proximidade a afetava. Ela não conseguia se concentrar em qualquer outra coisa a não ser o toque das mãos dele, seu odor masculino, o sussurro de sua respiração contra a orelha dela. Ela se afastou de Sterling e se voltou para encará-lo.

 

- Acho que me ajudaria mais se você me mostrasse, ao invés de me dizer como fazer.

 

- Eu ficaria ridículo!

 

Ela riu do leve rubor que se espalhou pelo rosto dele. Se ela conseguia desfilar na frente dele quase nua, ele certamente poderia sofrer uma pequena indignidade a favor dela.

 

- Creio que a demonstração faz parte do processo de ensino, e você concordou em me ensinar.

 

- Homens e mulheres se movem de modo diferente nas partes baixas. – ele explicou.

 

Ela arqueou uma sobrancelha – Como assim?

 

Ele se aproximou e a virou de costas, posicionando Elise do modo como eles estavam há pouco. – Homens se movem de frente para trás, assim – ele se pressionou contra ela de um modo perturbador. – Mulheres se movem de um lado a outro – Seus dedos tocaram os quadris dela novamente, e dessa vez ela seguiu seus movimentos ou, antes, o movimento dos quadris dele contra o dela.

 

Gradualmente, Elise percebeu mais do que o ritmo de seus corpos se movendo em perfeito acordo. A respiração dele penetrava em suas costas – circulando ao redor dela. Embora não estivessem se esforçando excessivamente, a respiração dele parecia forçada, e a dela também. Algo se pressionava contra ela. Algo duro.

 

- Enquanto dança, remova os véus – ele disse – Desse modo.

 

Ele puxou um véu transparente debaixo de seu seio. Elise fez como ele instruiu, puxando primeiro um véu e depois outro até que sua parte do meio ficou a mostra. O traje debaixo dos véus era quase nada: uma parte superior que puxava seus seios para cima e para fora, seguro no lugar por tiras finas, e, na parte inferior, calças que pendiam debaixo do umbigo e eram finas do começo ao fim das pernas, onde se uniam nos tornozelos. Véus estavam amarrados às finas tiras de seus ombros, e ela entendeu que eles deveriam ser removidos também. Embora suas mãos tremessem quando subiram a eles.

 

- Vagarosamente, sensualmente, dessa forma – Sterling sussurrou, então pegou a mão dela na sua e correu a palma dela sobre o estômago, subindo até o seio. Seus mamilos endureceram. Um calor se espalhou da ponta dos pés até a ponta dos cabelos dela.

 

- Seu corpo foi feito para as carícias de um homem – Sterling disse bem próximo de orelha, então mordiscou o lóbulo. – Você não faz idéia de quão desejável é, quão tentadora.

 

O calor penetrou em um lugar entre as pernas dela. Elise sabia que era atraente, mas ela era inocente sobre desejo - o próprio - e sobre a habilidade de fazer um homem a querer. E ela queria que um homem a desejasse: Sterling.

 

- Toque-me – ela murmurou.

 

Ele gemeu, um som baixo, animalesco; então agarrou os doloridos seios dela. Seus dedos deslizaram por dentro do decote baixo do traje e esfregando seus mamilos.

 

- Quero colocar minha boca em você. – Ele afastou os longos cabelos dela de lado e beijou seu pescoço. – Por toda a parte.

 

Uma pulsação se juntou ao calor que queimava entre as pernas dela. Ela queria isso – queria a boca dele nela e mais.

 

- Eu nem mesmo sei seu sobrenome – ela percebeu de repente.

 

Ele retirou as mãos de cima dela como se ela o houvesse queimado. Pouco depois, suas mãos voltaram, mas apenas sobre os ombros dela, empurrando-a para frente. A cama, ela presumiu. Certamente não o fariam de pé. Ele a empurrou para baixo sobre a cama, mas ao invés de se juntar a ela, ele se dirigiu para a porta.

 

- Para onde você está indo? – ela perguntou.

 

- Para fora – ele cortou. – Para longe de sua feitiçaria. Você me fez esquecer de nosso acordo. Esquecer de mim mesmo.

 

Ela piscou. Ele parecia zangado com ela. – Pensei que nosso acordo fosse que você me ensinaria a dançar.

 

- Terá que aprender por si mesma, o que acredito que não será um problema.

 

- Por que você não olha para mim? – Elise ordenou, sua raiva colidindo com a vergonha que sentia. – Você começou esse negócio, e agora está agindo como se eu tivesse feito algo errado.

 

Ele se voltou. – Você não deve me tentar. Eu disse que as coisas deveriam ser diferentes entre nós. Você devia prestar atenção ao meu aviso, Elise.

 

Um arrepio percorreu as costas dela, não por causa de suas palavras, mas porque na suave luz do lampião, seus olhos pareciam estranhos novamente. Da mesma forma que estavam noite passada. Como se estivessem brilhando, como os olhos noturnos de um animal.

 

Ela piscou, esperando que fosse uma ilusão e que quando olhasse novamente, os olhos dele estariam com aparência normal. Quando olhou de novo, ele já tinha saído.

 

As emoções de Sterling estavam em enorme confusão. Desejo, quente e desenfreado, o arranhava. Ele queria Elise mais do que quis qualquer mulher. Mas ela não era qualquer mulher. Ela era uma inocente, e ele não tinha o direito de torná-la dele quando podia oferecer nada...nada a não ser a vida na estrada...uma vida com um homem que sentia sua humanidade escorregando dele.

 

Ele correu a língua pelos dentes. Era imaginação ou eles estavam mais afiados, mais caninos do que humanos? “Não” – ele insistiu, dirigindo-se ao vagão dos animais. Falar com Raja e Leena sempre o acalmou. Sterling estava permitindo que o medo brincasse com sua mente. Ele não havia se apaixonado por Elise Collins. Ele mal conhecia a jovem. Ele a achava atraente, desejável, doce, gentil, com tudo o que um homem quer em uma mulher, mas ele não a amava.

 

Chegando a uma das jaulas dos animais, Sterling colocou suas mãos nas barras – Eu não a amo!

 

Ambos os animais eram sombras escuras deitados nos cantos da jaula, seus olhos brilhando na escuridão. Raja rosnou baixinho. Sterling estava acostumado ao humor do tigre, mas então Leena também rosnou. Sterling olhou para trás. A caravana estava quieta; todos haviam se recolhido para a noite.

 

- O que vocês estão vendo? – ele perguntou. De forma bastante estranha, seus olhos brilhantes estavam fixos em Sterling. Ele riu. – Sou apenas eu.

 

Mas mesmo quando disse essas palavras, ele sabia que não era verdade.

 

O humor de Elise azedou durante o dia. Sterling a evitava sempre que possível. Agia como se ela tivesse a peste negra, e isso começou a deixá-la enormemente aborrecida. E daí se eles estivessem começando a ter sentimentos um pelo outro? As regras da sociedade não mais a governavam. Eles eram do mesmo nível agora, embora ele ainda a tratasse como se ela fosse ou boa demais para ele ou talvez não boa o suficiente.

 

- Homem arrogante! – ela murmurava quando rapidamente fazia seu caminho para o riacho mais próximo, com o balde na mão.

 

- Você não devia enrugar a testa. Sterling não achará você bonita e não gostará de você.

 

Ela olhou para baixo e viu Dawn olhando para ela. Elise não tinha visto a menina agachada ao lado da água. Ela se curvou ao lado de Dawn.

 

- O modo que a pessoa é exteriormente não é tão importante como o modo que a pessoa é interiormente. – Elise disse a menina. – Se você realmente ama alguém, você deve amar tudo nessa pessoa.

 

Dawn apertou os lábios. – Isso é sobre meus pais novamente, não é?

 

- É sobre todo mundo – Elise corrigiu. – Conheci pessoas muito bonitas que eram horríveis por dentro. E não quero que Sterling goste de mim apenas por achar que sou bonita.

 

A garota arqueou uma sobrancelha: - Não é por isso que você gosta de Sterling? Quero dizer, porque ele é lindo de se olhar?

 

- Claro que não – Elise reprovou – Sterling é muito mais do que um rosto bonito. Ele tem bom coração, é atencioso na maioria das vezes, é honrado, bem, na maioria das vezes.

 

- Na maioria das vezes? – Dawn a olhou como se esperasse por explicação.

 

- Ele prometeu me ensinar a dançar, e ele não cumpriu com suas obrigações. – A contrariedade percorreu Elise. – Philip diz que tenho de me apresentar em uma feira daqui a três dias e ainda não estou preparada.

 

- Eu posso te ensinar. – A voz de Dawn era bem baixa.

 

- Como? – Elise questionou a garota.

 

Dawn olhou para os lados. – Eu costumava assistir aos treinos de Marguerite. Eu posso te ensinar, mas meus pais não podem descobrir. Eles acreditam que estão me protegendo.

 

- Percebi. – Elise arqueou uma sobrancelha. – Então esse será o nosso segredo, fica tudo entre nós?

 

Colocando a cabeça de lado, Dawn refletiu – Sim – respondeu e depois sorriu. – Eu nunca tive um segredo antes.

 

Elise riu. – Todo mundo deveria ter um segredo ou dois.

 

- Você tem segredos?

 

Sim, ela tinha segredos dos membros da caravana. Eles não sabiam sobre seu tio. E, se ela fosse honesta consigo mesma, ela tinha outro segredo. Elise suspeitava fortemente que estava apaixonada pelo Domador de Feras. Ela nunca se sentiu tão infeliz por alguém ignorá-la antes, nem mesmo seu tio.

 

- Se você dançar como Marguerite costumava fazer, Sterling vai gostar de você novamente, isso eu te prometo. – Dawn lhe assegurou.

 

Elise franziu a testa para a menina, mas por dentro ela admitia que queria muito que Sterling gostasse dela. De fato, ela queria muito que se tornasse impossível para ele continuar a ignorá-la. Talvez a criança soubesse mais sobre esse assunto do que Elise.

 

Sterling misturou-se com a multidão. A feira era de bom tamanho e deveria encher os bolsos da companhia, mas ele não ganharia seu quinhão essa noite. Ele disse a Philip que não se sentia preparado para se apresentar, sendo a verdade é que os gatos agora o viam de modo diferente. Eles ficavam nervosos perto dele, com o que sentiam oculto debaixo de sua pele. Philip não o pressionou, decidindo, ao invés disso, pela separação dos animais com a cobrança de uma taxa dos que fossem corajosos para darem uma olhada neles.

 

Embora Sterling não pudesse culpar o gênio empreendedor de Philip, ele não gostou da idéia das pessoas observando seus gatos como bobos através das grades. Raja e Leena eram artistas, não aberrações. Se alguém dentre eles deveria ser enjaulado e observado era ele.

 

- Tenho esperado que você vá a meu vagão a noite agora que se cansou da mulherzinha pálida.

 

Ele não tinha percebido a aproximação de Mora. – Não desejo compartilhar de seu vagão, Mora, ou qualquer outra coisa com você. – disse.

 

Ela agarrou seu braço. – Agora que se cansou dela, por que não aceita o que estou oferecendo? Ela não é nada mais do que uma inglesinha insossa. Nada mais do que uma garotinha boba que não sabe agradá-lo debaixo das cobertas. Ela –

 

- Não insulte Elise em minha frente novamente. – Sterling a advertiu, arrancando o braço do aperto da mulher. – Ela é uma dama e não compartilhou de minha cama.

 

Os olhos escuros da encantadora de serpentes se arregalaram. – Todo esse tempo que ela vem dormindo em seu vagão e você ainda não a possuiu? Por que se negar a si mesmo? Agora os olhos de Mora se estreitaram – Talvez ela o tenha enfeitiçado. A menos que tenha invadido esse seu coração frio e o reclamado para ela. Apenas um homem que se importa com uma mulher a trataria com respeito.

 

Ele não negou as acusações de Mora. Para que? Um homem poderia mentir para si mesmo, mas não poderia mentir para seu coração. Elise o havia roubado, talvez desde o primeiro momento em que ele acendeu o lampião e a viu sentada em sua cama. Negação. Ele achou que isso o salvaria, mas no final, ele descobriu que não adiantou.

 

- Ela é uma tola que mostra o amor que sente por você abertamente, mas você é ainda mais tolo. Você não é como ela...Você é como eu.

 

Ele sacudiu a cabeça. – Não. Não sou como você. – Uma risada sarcástica escapou de seus lábios. – Não sou como ninguém que já conheceu, ou conhecerá. Fique longe de mim.

 

Sterling se afastou de Mora, misturando-se à multidão. Ele sentia que as mulheres o observavam enquanto caminhava, mas não lhes deu a mínima atenção. Apenas uma mulher governava seus pensamentos. Ela dançaria hoje a noite? Conseguiria assistir? Poderia suportar ficar distante?

 

O estômago de Elise dava nós. Sua pele estava fria e pegajosa. Ela estava nas sombras, muito deslumbrada para ouvir a introdução que Philip estava fazendo dela. Philip a moveu para a frente, para dentro do circulo de tochas acesas. Um silêncio de expectativa caiu sobre a multidão.

 

Ela respirou fundo e pisou no circulo. Uma alta vaia quase a mandou correndo de volta para a segurança do vagão de Sterling. Elise se forçou a ficar onde estava. Seu olhar vagou pelas faces iluminadas pela luz das tochas, procurando por um rosto em particular. O desapontamento a dominou, mas então o viu. Mesmo ele estando parado lá no fundo, sua altura o destacava facilmente. Mas ela não conseguia vê-lo claramente, e ela precisava, queria dançar apenas para Sterling.

 

Elevando as mãos para o ar, Elise girou os quadris devagar, e esperava, de maneira sensual. Seu olhar mantinha-se fixo em Sterling. Ele deu um passo na direção dela. Ela completou um circulo, o corpo balançando, e quando o olhou novamente, ele estava bem na frente dela, na fila da frente.

 

Os olhos dele estavam intensos, com um leve brilho. Eles a percorreram, depois vagarosamente voltaram para se fixar nos dela. Elise puxou um véu de seu reduzido traje. Moedas choveram a seus pés e vozes masculinas gritaram em apreciação. Elise não se importou com as moedas ou com os outros homens presentes. Ela não dançava por pagamento ou para atiçar a paixão de qualquer homem, exceto um.

 

Ela desejava Sterling, e queria que ela a desejasse também. Seus dedos deslizaram-se sobre o estômago, como ele a ensinara. Ela puxou um outro véu, e novamente as moedas caíram do céu como neve no inverno. Deslizando os dedos sobre os seios, ela puxou outro véu, revelando a área entre os seios. Um fogo surgiu nos olhos prateados de Sterling. Ele respirou fundo.

 

Pela primeira vez, Elise entendeu seu poder sobre os homens, seu poder sobre Sterling. Seu pulso se acelerou, e ela acelerou os passos, seus giros mais ousados agora. O olhar dele abaixou para os quadris, permanecendo lá como se ela tivesse lançado um feitiço sobre ele. A inocência voou como os brilhantes véus que cobriam o chão a seus pés. Elise entendeu o que o mantinha subjugado. A dança do acasalamento. O pensamento de seus quadris se movendo debaixo dele, mantendo o ritmo antigo como o tempo.

 

O rumor das vozes masculinas aumentou. Taylor subitamente apareceu, vigiando o circulo para manter os homens confinados. Elise nem notou. Ela só tinha olhos para Sterling.

 

Elise poderia começar um tumulto se continuasse a dançar do modo como estava fazendo, pensou Sterling. Ela conduziu os homens a um frenesi febril, ele inclusive. Ele queria rugir para os homens, adverti-los. Elise pertencia a ele. Ele iria tomá-la, fazê-la dele, e aos diabos com as conseqüências.

 

Sem cerimônias, Sterling entrou no circulo, agarrou o braço dela e a levou junto com ele. A multidão explodiu atrás dele. Sterling sabia que Philip e Tom podia controlá-los. Ele ouviu Philip gritando algo sobre um marido ciumento. Seguiram-se altos brados de desapontamento dos homens, e então Philip desviou a atenção da multidão para a jaula dos animais.

 

Elise não lutou contra ele. Chegaram ao vagão e entraram. Ela se sentou na cama, erguendo uma sobrancelha interrogativamente.

 

- Você não vai dançar novamente. – ele disse a ela. – Não para esses loucos que ficam babando-se todos como idiotas!

 

- Tudo bem.

 

Sterling se surpreendeu. Ele tinha esperado todo o tipo de argumentação,

 

- Dançarei apenas para você, como fiz essa noite.

 

Parecia que ela estava dançando para ele e somente para ele essa noite, admitiu Sterling. – Então estamos de acordo que você dançará apenas para mim, e apenas dentro desse vagão? – O pensamento o agradou.

 

- Não.

 

Suas sobrancelhas se ergueram; - Não?

 

Elise ficou em pé. – Você me disse que se eu quisesse passagem segura com a caravana até Liverpool eu deveria ganhar meu sustento. Então você me disse que trabalho manual não seria suficiente. Você insistiu que eu deveria aprender a dança do véu e me apresentar para poder comer, conforme suas palavras, e é isso exatamente que eu pretendo fazer.

 

- As coisas eram diferentes entre nós então. – ele a relembrou.

 

- Parecem ser diferente entre nós diariamente. – ela bufou de raiva. – Você vai ter de engolir esse ciúme machista, Sterling, e me permitir cumprir com minhas obrigações com Philip. Você não tem direitos sobre mim.

 

Ele se aproximou, sua raiva crescendo – Você é minha!

 

Ao invés de se afastar, Elise diminuiu a distância entre eles – Você ainda não me fez sua. E mesmo que você reclame meu corpo e meu coração, eu passei a vida inteira sobre as regras de meu tio. Não vou trocar uma prisão por outra. Fugi em busca de liberdade. Tudo o mais eu lhe dou alegremente. Eu lhe confio o meu coração, mas a minha vontade pertence apenas a mim.

 

Ela percorreu um longo caminho em um curto espaço de tempo. Sterling admirou seu espírito, a partir do momento em que a conheceu. Ele realmente queria cortar as asas dela? Ela estava apenas começando a voar. E como ele podia tomar o que ela oferecia de coração aberto quando ela não sabia a horrível verdade sobre ele? Quando ele não conseguia contar a ela?

 

- Você não deve confiar em mim, Elise – ele disse de forma calma, aproximando-se para acariciar seu rosto macio. – Eu não sou o que você pensa de mim.

 

Ela segurou a mão dele em seu rosto. – Então me conte seus segredo, e eu lhe conto os meus.

 

- Meus segredos são muito obscuros. Muito obscuros para alguém tão doce e inocente como você. Somos diferentes como o dia e a noite, Elise.

 

- O dia e a noite não podem existir sem o outro. – ela murmurou. – Por que você combate os sentimentos que tem por mim? Você me considera indigna deles?

 

Ele sacudiu a cabeça, puxando sua mão do aperto dela. – Eu não quero combatê-los, mas para o seu bem, e o meu, eu devo. Não posso amá-la, Elise, e você merece isso de um homem.

 

A testa dela enrugou-se novamente – Você quer dizer que... – Ela corou – que você é incapaz de executar o ato de amar?

 

Ele riu. Sterling não pode se controlar. Ele ainda estava excitado pela dança dela, excitado por apenas estar perto dela. – Não. Eu sou perfeitamente capaz de executar tal ato. É meu coração que não posso entregar a você.

 

A suavidade desapareceu dos olhos dela. Seu olhar se encheu de dor, - Por que? Eu entreguei o meu a você.

 

Quão doce foram essas palavras a seus ouvidos. Ele tinha de sair da presença dela antes que se entregasse, e se entregasse todo. Antes que ela visse o que ele realmente era. Sterling se afastou e atingiu a porta.

 

- Me desculpe – ele disse. – Fique dentro do vagão. Estarei por perto se precisar de mim.

 

Num gesto tão ousado quando a dança que apresentou, Elise se atirou na frente da porta, impedindo sua passagem – Eu preciso de você, Sterling. Preciso de você essa noite.

 

Elise olhava para o lugar vazio onde Sterling havia estado. Do que ele tinha medo? Será que ele pensava que ela nunca seria feliz vivendo a vida que ele vivia? Será que pensava que ela preferia uma vida monótona com um homem rico? Ela procurou em sua mala pela camisola.

 

Embora tivesse ficado com medo dos membros da troupe quando os viu pela primeira vez, ela agora compreendia que apesar de serem diferentes, eles eram pessoas comuns. Todos exceto Mora, pelo menos. Elise ainda considera a encantadora de serpentes tão perigosa como da primeira vez que a encontrou. Apesar de tudo, Elise poderia ser feliz entre essas pessoas, se Sterling se rendesse a seus sentimentos e se abrisse para ela. Ela poderia realmente viver a vida de aventuras com que sempre sonhou. E poderia dançar para muitos se, em sua mente, dançasse apenas para o homem a quem amava.

 

Elise despiu o reduzido traje, empurrando sua simples camisola por sobre a cabeça. Houve uma pequena batida na porta. Ela ouviu uma voz de criança do lado de fora.

 

- Estou com seus véus – disse Dawn.

 

Abrindo a porta, Elise franziu a testa para a menina. – Penso que você deveria estar na cama.

 

Dawn lhe entregou os véus. – Tive de ver sua primeira apresentação, e você se saiu bem. Ouvi minha mãe dizer a Philip que foi você quem ganhou mais moedas essa noite. – Ela olhou para atrás de Elise, como se procurasse alguém. – Onde está Sterling? Tinha certeza de que ele estaria aqui com você.

 

A garota realmente estava exposta a mais coisas do que uma criança de sua idade deveria estar. Elise decidiu – Sterling saiu um pouquinho, e você deve voltar para a cama. Não é seguro que você fique vagando sozinha no escuro.

 

- Você parece minha mãe. – Dawn reclamou. – P pensei que éramos amigas.

 

Elise sorriu. – Nós somos amigas, e amigas se importam umas com as outras. Estou preocupada com seu bem estar.

 

Dawn ficou vermelha – Tudo bem. Vou correndo para o vagão de meus pais. Serei silenciosa como um rato e rápido como um cervo.

 

E ela foi. A garota desapareceu. Elise fechou a porta, desligou o lampião, e subiu na cama. Ela sentiu um certo contentamento por ter dançado essa noite, e supostamente, muito bem. Mas Sterling lhe tirou a alegria. Por que ele era tão teimoso? Ela sabia que ele a desejava. Elise estava pronta para se entregar, mas ele continuava prometendo uma coisa com os olhos e negando a promessa com seus lábios.

 

A porta rangeu. Ela conteve a respiração. Estaria ele vindo para ela agora, para torná-la uma mulher, para fazê-la sua mulher? A porta se fechou suavemente e ela suspirou, não com alivio mas com frustração. Bem, talvez ele pelo menos lute contra o desejo de se entregar a ela. Talvez ele perca antes da noite terminar.

 

Elise se aninhou mais profundamente debaixo do cobertor e fechou os olhos. Ela estava quase adormecendo quando sentiu uma presença – um intruso em sua cama. Seu coração quase parou de bater. O que tinha subido em sua cama debaixo das cobertas com ela não a acariciava com dedos quentes e gentis, mas deslizava contra suas pernas.

 

Sterling caminhava de um lado a outro ao lado das jaulas dos animais. Raja e Leena estavam aninhados em seus cantos novamente, o observando cautelosamente. Ele não conseguia tirar Elise de sua cabeça. Ele a queria, a queria mais do que qualquer coisa que já quis na vida, mas a maldição estava entre eles.

 

- Sei o que estão pensando – disse aos gatos. – Vocês estão pensando que já é tarde demais, mas estão enganados. – Ele agarrou as barras da jaula de Raja e o encarou. – Olhe para mim. Eu não mudei. – Ele ergueu as mãos. – Pele, não pelo. Eu sou um homem, não uma fera!

 

Raja partiu rapidamente para frente e o atacou, suas garras afiadas agarrando a mão de Sterling. Cambaleando para trás, Sterling disse um palavrão, depois trouxe a mão ferida até sua boca. Ele provou o sangue. Ele esqueceu de suas próprias regras com relação aos gatos. Abaixando sua guarda com ele até mesmo por um momento custou-lhe um feio arranhão.

 

Ele encarou o tigre, ouvindo um rosnado animalesco de aviso partindo de sua própria garganta humana. Raja voltou para o seu canto. O arranhão ardia. Sterling sabia que devia cuidar dele, mas isso significava voltar a seu vagão para os suprimentos necessários. Significava encarar a tentação de Elise novamente. Ele rasgou um pedaço de pano da barra de sua camisa e o colocou ao redor da mão. Seu olhar foi em direção à forma de seu vagão iluminado pelo luar. Não havia luz brilhando por debaixo da porta. Elise tinha ido para a cama...sozinha.

 

Como se não tivesse vontade própria, Sterling foi atraído para o vagão – incapaz de resistir. Ele facilmente abriu a porta e subiu, tomou cuidado para fechá-la suavemente. Elise não falou com ele. Ele ouviu o silêncio pesado. Ela estava adormecida. Sterling desamarrou a mão e usou a bacia para limpar a ferida. Ardia levemente. Ele começou a sair, mas não conseguiu resistir a se aproximar de Elise e a olhar de cima. Para sua surpresa ele conseguiu ver claramente.

 

Os olhos de Elise o olhavam. Seu rosto estava tão pálido como a lua na escuridão. Ele não conseguia ouvi-la respirando... mas espere – ele jurava poder ouvir seu coração disparado dentro do peito. Ou era o dele? Ele começou a tocá-la, mas os olhos dela se arregalaram. Então ele a sentiu...uma presença fria e mortal.

 

Algo se movia debaixo da coberta, abrindo caminho para cima. Sterling prendeu a respiração, ficou parado bem quieto. Quando a cabeça da cobra apareceu, assustadoramente perto do pescoço de Elise, Sterling agarrou o réptil, chutou a porta para abri-la e a jogou para fora.

 

Elise queria gritar, mas sua garganta estava congelada com o terror. Ela voltou a cabeça para ver Sterling delineado contra a porta, suas mãos pressionadas de cada lado no batente, parecendo estar com dificuldade para respirar. Ela devia a ele sua vida.

 

- Sterling! – ela conseguiu sussurrar.

 

Ele se voltou vagarosamente para encará-la. A respiração dela se conteve na garganta novamente e seu coração quase parou novamente. Na luz da lua que se infiltrava através da porta aberta, ele parecia diferente. Seus olhos tinham um brilho não natural, suas feições pareciam distorcidas. Seu nariz parecia maior, seus dentes brilhavam mais brancos, mas estavam mais pontudos. Ela fechou os olhos fortemente, esperando que quando os abrisse, ele pareceria normal.

 

Ela ouviu a porta se fechando e sentiu que ele se colocava perto dela. – Elise, você está bem?

 

Forçando os olhos a se abrirem, ele olhou para ele. A luz da lua sumira e também a habilidade dela vê-lo claramente. – Acenda o lampião. – ela ordenou em uma voz estremecida.

 

Um leve brilho invadiu o vagão e afastou as sombras. Sterling se reuniu a ela. Ela correu os olhos sobre ele. Ele parecia o lindo homem que ela conhecia. – Sterling – ela soluçou, então jogou seus braços ao redor do pescoço dele. – Fiquei com tanto medo.

 

Ele correu uma mão por seus cabelos – Já passou. Você está segura. Seus dedos apertaram-se ao redor de uma grossa trança. – Vou estrangular Mora por colocar sua vida em perigo. – Ele começou a se levantar, mas Elise se agarrou a ele.

 

- Não me deixe. Eu preciso de você.

 

Seus músculos estavam tensos, mas como ela o segurava, ele relaxou. Elise pressionava sua cabeça contra o sólido peito dele. O bater compassado do coração dele a acalmou. Quando o terror começou a diminuir, ela percebeu o calor e a força do corpo dele – quão segura se sentia em seus braços.

 

Ela levantou a cabeça para olhar para ele. Seus lábios estavam bem próximos. A suave luz do lampião os banhava com um brilho confortador. Sterling a olhou bem dentro dos olhos. Ela silenciosamente implorava para que ele a beijasse. Essa noite lhe ensinara quão curta a vida pode ser. Elise compreendeu que não havia ninguém no mundo com quem ela quisesse passar o tempo que restava a ela a não ser Sterling.

 

Bem devagar, a cabeça dele se moveu e seus lábios se esfregaram nos dela. Ela gemeu com a gentileza do beijo, maravilhada por um homem tão grande, forte como um touro e alto como uma arvore pudesse ser tão carinhoso com ela. Ele gentilmente fez com que ela abrisse a boca, sua língua deslizando para dentro, e pensamentos de suavidade se perderam. Elise enrolou seus dedos nos cabelos longos dele. Ela não sabia que o toque de línguas, a umidade e o calor de duas bocas unidas, pudessem aquecer seu sangue e a fazer ansiar por mais.

 

Ele a tocava através da camisola – envolvendo seus seios com as mãos, seu polegar esfregando o mamilo através do fino tecido até que ele endureceu. Ela queria um contato mais estreito. Ela queria pele contra pele. Como se lesse seus pensamentos, ele agarrou sua camisola puxando-a pelos quadris e sobre a cabeça. Elise sentava-se, agora, nua na frente dele. Uma pequena parte dela a repreendia por sua falta de modéstia perante ele, mas na verdade, ela não sentia vergonha, apenas excitação conforme os olhos dele a percorria e ele prendia a respiração.

 

- Meu Deus, Elise – ele disse roucamente. – Você é perfeita para mim.

 

Sua louvação enviou arrepios de prazer pela pele dela. Pouco depois, as mãos dele seguiram o caminho dos olhos. Os dedos percorrendo seus seios, seu estômago, quadris e coxas.

 

- Tão macia. – Ele abaixou a boca até seus seios, traçando círculos preguiçosos ao redor de seus mamilos; então gentilmente sugou um deles para dentro da boca. Os dedos dela pressionaram o couro cabeludo dele. Ela jogou a cabeça para trás e gemeu. Ela nunca havia imaginada que os lábios de um homem contra seu seio pudessem criar sensações tão deliciosas. Era como se uma fina corda estivesse amarrada dos músculos do estômago dela aos lábios dele. Quando mais ele sugava, mais a corda era esticada.

 

Ele a esticou até quase quebrar. Deixou-a louca com o calor de sua língua. Deslizando as mãos através da abertura da camisa dele, ela sentiu a forte batida do coração dele.

 

- Tire a camisa – ela sussurrou. – Quero tocá-lo, da mesma maneira que está me tocando.

 

Em um movimento fluido a camisa desapareceu. A visão de seu musculoso peito nu sempre a deixava sem fôlego. Ela correu os dedos sobre ele. Quente, macio, músculo esticado sobre ossos fortes. Qual seria a sensação se ela pressionasse sua nudez contra a dele? Ele a puxou para seus braços e ela obteve sua resposta. Um raio não geraria mais calor entre eles.

 

- Devo ir – ele disse, empurrando-a na direção da cama – Devo ir antes que não possa deixá-la mais.

 

Ela enfiou os dedos nos cabelos dele e puxou seus lábios para os dela – Não quero que vá. Não quero que me deixe.

 

Os lábios que ela ofereceu em rendição, ele aceitou. Seus beijos ficaram mais profundos, mais quentes, mais exigentes. Ela entendeu a urgência dele, sua língua dançando com a dele. Então a mão dele deslizou por entre suas pernas, a acariciando em um lugar que nenhum homem ousou se aventurar. Mas ele era muito ousado, seu Domador de Feras. Ele a acariciava – caricias longas, firmes que logo a fizeram ficar sem ar e a se mover selvagemente contra ele. Era como se todos os pensamentos, todas as sensações pulsassem debaixo de seus habilidosos dedos.

 

Ela queria mais, ansiava por aquilo que não conseguia nomear. Quando ele se pressionou contra ela e ela sentiu a dura extensão dele através de suas calças, ela percebeu o que queria. A união. O complemento que a faria dele, e ele dela. Corajosamente, ela apalpou as tiras que fechavam suas calças, soltando-as até que conseguiu deslizar a mão para dentro. Seus dedos o encontraram. Ambos ofegaram.

 

Imenso, foi o primeiro pensamento que lhe veio a mente. Assustador, mas tão quente, duro como aço revestido em veludo macio. Ela correu os dedos pela extensão dele, sua coragem abastecida pelos suaves gemidos que roubava dos lábios dele.

 

- Elise – ele disse. – Você está me matando. Você será a minha ruína.

 

Travessura, ela devia ser travessa vez após vez, porque o pensamento de ser sua fraqueza a excitava. A ponta de sua unha deslizou pela ponta de sua masculinidade e ele tirou as calças de uma vez. Ele e Elise agora estavam deitados nus, e ela instintivamente soube que não haveria mais retorno. Nem agora, nem nunca.

 

- Você sabe algo sobre a primeira vez? – ele perguntou, seu olhar quente encarando o dela. – Você sabe sobre a dor?

 

Dor? Não, Elise não sabia nada sobre intimidades entre homens e mulheres. Seu tio apenas disse a ela que deviam ser evitadas a qualquer custo até ela estar casada. Não lhe disse mais nada a respeito. Ela sacudiu a cabeça.

 

Sterling suspirou e pressionou a testa contra a dela. – Serei tão gentil quanto puder. Confie em mim, Elise.

 

Ela confiava nele completamente. Uma mulher não podia amar um homem em quem não confiava. – Faça-me mulher. Faça-me sua mulher.

 

Sua confiança deveria ser suficiente para fazê-lo desistir. Mas não o fez. Ele a queria mais do que a vida, mais do que uma vida normal, pelo menos. Uma fera, seja trazida por uma maldição ou negação, vivia dentro de todos os homens. A fera estava sobre ele agora, e a ter debaixo dele, pele macia sutilmente estendida sobre curvas femininas, ele não podia negar o que ela oferecia a ele. Ele não podia resistir ao amor que brilhava nos olhos dela. Ele queria isso, ser amado. Amar em troca sem medo do que amar custaria a ele. Essa noite, ele não teria medo algum.

 

Ele a tocou onde sabia que a sensação dela estava centralizada. Acariciou-a até que ela se moveu contra ele, quente, molhada, pronta para ele. Ele a levou até o limite da sanidade, e tão logo os tremores começaram, ele a penetrou com uma grande investida. Seu chocado grito de dor se misturou a seus gemidos de liberação e aos próprios gemidos dele de inferno e céu. Inferno por machucá-la, céu por estar dentro dela, enterrado até o fim dentro de seu apertado confinamento. A força da liberação dela o apertou até que ele pensasse que também se derramaria. Ele lutou para se controlar, então se inclinou para beijar as lágrimas da face dela.

 

- A dor já passou, Elise. Agora haverá somente prazer.

 

Com os olhos brilhantes pelas lagrimas, ela olhou para ele, e embora sua voz tremesse, disse – Prefiro mais prazer e menos dor. Confio em sua palavra sobre esse assunto.

 

Ele sorriu para ela. Que admirável. Ela era o tipo de mulher que os homens sonham, mas raramente encontram. E essa noite, ela pertencia a ele, e ele a ela. Ele começou a se mover, vagarosamente, gentilmente, para mostrar a ela que a dor não viria novamente. Gradualmente, os quadris dela se arquearam contra ele de vontade própria. Ele se perdeu dentro dela. Todos os pensamentos deixaram sua mente, ficando apenas o toque, o cheiro e o gosto dela. Ele mordicou-lhe a orelha e sussurrou. – Dance para mim, Elise.

 

E ela dançou para ele. Ela girava os quadris contra ele, ofegando quando o movimento o levava mais fundo – para dentro de seu centro. Eles estavam escorregadios com o suor, inundados na mistura quente de bocas que se procuravam e línguas que se enroscavam. Com cada investida firme, ele levava as chamas mais e mais alto. Ela era consumida por ele – pela fricção de seus corpos unidos, o formigamento, a força crescente que a enviava aos limites da loucura. Quando os tremores a transportaram, ela se arqueou contra ele, chamando seu nome vez após vez enquanto explodia, calor e prazer se espalhando através dela como fogo lento. Ele investiu mais profundamente, pausou como se estivesse próximo de morrer, então saiu de dentro dela abruptamente, seu corpo sacudindo, suas palavras uma confusão de palavrões e palavras de carinho que fizeram o rosto dela queimar ainda mais.

 

Ele rolou para o lado e a puxou para perto, seus corações batendo um contra o outro em uníssono. – Eu não sabia – ela murmurou, aterrada pela força do que houve entre eles – Não sabia que seria assim. Que amar você me faria sentir tão completa.

 

Sterling beijou o topo da cabeça dela. – Eu também não sabia – ele admitiu. – Até você, eu apenas andava pela escuridão. Meu coração e meus olhos fechados. Agora, tudo será diferente para mim.

 

Estranho, mas ele não fez sua última constatação soar como se ele achasse a mudança atraente. Elise se aninhou mais perto do calor dele. – Você ficaria chocado se eu lhe dissesse que gostaria que me amasse de novo?

 

Os lábios dele tocaram a orelha dela. – Ficaria chocado e deliciado. – ele disse. Tinha pensado que seria forçado a lhe seduzir novamente antes do amanhecer. Você me poupou o trabalho.

 

Ela suspirou – Odiaria ser um problema.

 

- Você é um problema – ele lhe assegurou. – Mas vale a pena. Você vale tudo.

 

E seus lábios impediram qualquer comentário adicional que ela pudesse fazer.

 

Elise acordou com um homem enroscado nela. Ela sorriu, retraindo-se com a sensibilidade em sua boca, tentou se mover, e descobriu que estava sensível em outras áreas também. Ela olhou para Sterling. Ele parecia um garotinho em seu sono. Muito inocente. Ela franziu a testa, recordando-se da noite passada quando ela não o considerou com a aparência tão inocente, quando achou que nem mesmo se parecia com Sterling.

 

Memórias de corpos se movendo um contra o outro fundiram-se com aqueles horríveis momentos quando se conscientizou de que uma cobra estava andando em sua cama. Elise não tinha dúvidas agora sobre a veracidade dos boatos que rondavam Mora. Ela soltaria uma cobra contra uma mulher se estivessem disputando o mesmo homem.

 

Sterling iria confrontar a mulher, mas Elise sentia que era sua obrigação fazê-lo, não dele. Se ela planejava viver uma vida de aventuras com Sterling e o grupo itinerante, Elise deveria aprender a lutar por si mesma. Ela saiu debaixo de Sterling, cuidou para ser silenciosa enquanto se arrumava para o dia.

 

O grupo já estava reunido ao redor do fogo para o café da manhã. Elise marchou para eles e estreitou o olhar na direção de Mora.

 

- Da próxima vez que você soltar uma de suas cobras em meu vagão, eu cortarei a cabeça dela com uma faca de açougueiro! Depois irei atrás de você!

 

Mora se levantou de onde estava agachada. – Não sei do que você está falando, mas não gosto de ser ameaçada, ou acusada de algo que não fiz.

 

- Onde está a sua cobra? – Elise exigiu.

 

A encantadora de serpentes deu de ombros – Ela deve ter saído alguma hora noite passada. Não tenho visto a serpente.

 

- O que está acontecendo aqui? – Philip perguntou, parando no meio delas. – Eu decido as disputas entre os membros do grupo.

 

- Ela soltou uma de suas cobras dentro do meu vagão – Elise informou a Philip. – Se Sterling não tivesse entrado e a jogado para fora, eu provavelmente estaria morta.

 

O líder da caravana franziu a testa – Você fez isso, Mora?

 

- É a palavra dela contra a minha – Mora desafiou – O Domador de Feras dirá qualquer coisa que ela mandar que ele diga. Ela lançou um feitiço nele.

 

Philip disse – Não, Sterling é fiel a sua palavra. Mande-o vir aqui, Elise. Quero que ele confirme suas acusações.

 

Elise bateu o pé. – Peço que confie em minha palavra, Philip. Eu dancei noite passada para pagar minha viagem, continuarei a dançar. Peço que me aceite como um membro do grupo, e me julgue separadamente da pessoa de Sterling.

 

- Elise não mente – Dawn intrometeu-se. – Ela é minha amiga. Se ela diz que Mora tentou matá-la, então é verdade.

 

Elise sorriu carinhosamente para a menina, então voltou sua atenção a Philip.

 

Ele coçou a cabeça e olhou Mora com suspeita. – Você nunca se enturmou conosco, Mora. Manteve seus segredos e sempre que possível se manteve sozinha. Nós somos uma família, e familiares não tentam matar uns aos outros.

 

A encantadora de serpentes sibilou para ele. Sibilou como uma de suas cobras, o que fez os pelos nos braços de Elise se eriçarem. – Ela lançou um feitiço em todos vocês. É ela que deveria ser mandada embora! Se ela se for, eu terei o Domador de Feras como meu homem.

 

- O que, tenho certeza, era sua intenção quando libertou sua cobra dentro do vagão dela na noite passada. – Philip encarou Mora – Pegue suas coisas e parta. Não quero uma pessoa entre nós cujo sangue é tão frio quanto de suas cobras.

 

Novamente Mora sibilou para todos eles, fazendo mais do que Elise estremecer no ar frio da manhã. Ela lançou um olhar ameaçador para Elise, então andou de modo afetado para longe do fogo.

 

- Obrigada, Philip – disse Elise. – Obrigada por confiar em minha palavra.

 

- Nunca gostei dela – ele resmungou.

 

- Bons ventos a levem, eu digo – Sarah Dobbs completou.

 

- Parece que se eu não fico de olho em minha Dawn, ela poderia alimentar uma de suas cobras com ela. – disse Íris incluindo-se na conversa.

 

Sterling escolheu esse momento para sair do vagão e se juntar a eles. Elise capturou seu olhar e sentiu um rubor de prazer percorrer todo o corpo. Ele se voltou para Philip.

 

- Quero que Mora seja banida do grupo – ele exigiu.

 

- Você chegou tarde – Sarah disse com uma risada – Sua mulher já a mandou empacotar suas coisas.

 

Elise sorriu para Sterling, que retribuiu o sorriso, orgulho brilhando nos olhos dele, mas apenas por um momento. Então foi como se uma cortina caísse sobre seu semblante, bloqueando todas as emoções. – Preciso checar os meus gatos.

 

E ele se afastou dela – deixou-a como se nada de maravilhoso e mágico houvesse acontecido entre eles na noite passada. A emoção fechou a garganta dela, ameaçando fazer as lagrimas escorrerem pelo seu rosto. Elise não se envergonharia na frente dos membros do grupo. Sem uma palavra, ela se apressou em direção ao vagão.

 

Sterling conseguiu evitar Elise a maior parte do dia. Não conseguiria evitá-la para sempre, e não poderia evitar o que estava acontecendo a ele. Ele olhou para a mão que tinha desamarrado um pouco antes. Não havia arranhão. Ele desaparecera. Como era possível? Havia apenas uma possibilidade que ele conhecia – havia começado. A maldição estava sobre ele. Ele dera seu coração em troca de sua humanidade.

 

Mas talvez fosse melhor ter amado uma vez e perdido tudo, do que continuar a viver do modo como vivera nos últimos dez anos. Se escondendo da verdade, esperando se esconder do inevitável. Elise corajosamente mostrava as próprias emoções. Ela mostrava seu amor plenamente para que todos vissem. Mas isso mudaria. Sua mudança mataria todo o amor que ela sentia por ele. Ela teria tanto medo dele como teve da cobra noite passada. Ainda mais, porque ele era uma coisa não natural. Uma coisa que ela não seria capaz de compreender ou aceitar.

 

Não havia nada a se fazer a não ser esperar... e ele esperou, lá fora na floresta até que a escuridão tivesse quase caído; então ele se dirigiu a seu vagão. Ele tinha de contar a Elise que estava deixando a caravana, e tinha de tentar explicar o por que.

 

Elise já havia se retirado, mas havia deixado o lampião aceso. Ela se voltou para olhá-lo quando ele entrou. Seu rosto estava marcado pelas lágrimas. O coração dele se torceu pela visão.

 

- Sou uma boba – ela disse calmamente. – Pensei que tivesse amadurecido, mas ainda sou uma criança. Pensei que porque eu o amo você deveria me amar também. Pensei que a noite passada significou tanto para você quando significou para mim.

 

A honestidade dela nunca deixava de o surpreender e fazia com que ele gostasse dela ainda mais. Também fazia com que se sentisse pior por enganá-la. Ela nunca esconderia segredos dele; isso ele sabia dela. Elise não era capaz de mentir. Envergonhado, Sterling foi para perto dela, acomodando-se ao lado dela na cama.

 

- Eu amo você, Elise. – Ele gentilmente limpou uma lágrima do rosto dela. – Tentei não amar, mas falhei. Tinha protegido meu coração nos últimos dez anos, e ainda assim você entrou em minha vida, e em poucos segundos, derrubou todas as barreiras que tinha erguido ao meu redor. Você me custou minha humanidade, mas valeu a pena. Cada momento passado a seu lado valerá toda a vida de solidão que serei forçado a encarar.

 

- Você me ama? – ela sussurrou, e ele compreendeu que ela não ouvira nada do que ele dissera. – Você realmente me ama?

 

- Sim – ele respondeu. – Mas...

 

Ela se sentou e jogou os braços ao redor dele. – Oh! Sterling. Você nunca ficará só. Quero ficar com você para sempre, ser parte de sua vida, ser parte dessa vida. Os membros da troupe e você são a família que eu sempre desejei. Minha tia certamente entenderá, e eu terei a vida aventureira que secretamente sonhei e...

 

- Elise – Sterling sentiu um nó se formar em sua garganta. Que lindo quadro ela havia descrito, se apenas pudesse acontecer. – Você não está me ouvindo. Não podemos ficar juntos. Não somos feitos um para o outro. Há coisas a meu respeito...

 

- Não – ela colocou seus dedos contra os lábios dele – Não estrague a minha felicidade com conversa sobre posição social e o passado com o qual não me importo. Conceda-me outra noite onde eu possa ser simplesmente amada por você. Amanhã poderemos discutir realidades.

 

Outra noite com ela seria pedir muito com tudo o que ele teria de sacrificar? Sua questão foi respondida quando ela puxou seus lábios para os dela, oferecendo a ele o que seu coração queria. Ser apenas um homem aos olhos dela por mais um tempo. Sterling a abaixou sobre a cama. Pegou o que ela oferecia, e o pegou gananciosamente. Ele saboreou cada emoção humana que ela movimentava dentro dele, e mais tarde, quando ela dormiu, ele deslizou para fora para repreender-se por ser um covarde.

 

A lua brilhava cheia no céu. Sterling a encarou, hipnotizado pela esfera brilhante. Uma solidão absoluta cresceu dentro dele e, por um momento, ele sentiu-se tentado a jogar a cabeça para trás e uivar. O barulho de um galho o alertou para outra presença. Ele cheirou, estranhamente capar de identificar o intruso como Sarah Dobbs. Ela se aproximou dele pouco depois.

 

- Sterling. – ela colocou uma mão sobre o coração. – Me assustou. Pensei que todos estavam na cama. Não consegui dormir, então resolvi dar um passeio, o que às vezes ajuda, O que... – Sua voz foi se apagando. Os olhos da leitora de sorte estreitaram-se olhando para ele na escuridão. Seu rosto empalideceu.

 

- Qual é o problema? – ele perguntou, mas sua voz soou estranha. Distorcida e profunda.

 

Sarah abriu a boca e gritou. A mulher continuou a gritar até que ele ouviu o som dos membros do grupo tateando apressadamente dentro de seus vagões. Elise correu para fora, envolvendo sua nudez com um cobertor.

 

- O que está acontecendo? – ela disse sem ar, olhando para Sarah Dobbs. Elise se voltou para olhar para Sterling e deu um passo para trás. – Bom Deus – ela sussurrou – Seu rosto.

 

Sterling levou as mãos até o rosto. Sentiu tufos de pelo grosso cobrindo sua face. Correu os dedos pelos dentes. Estavam longos e afiados. A dor o rasgou, e ele se dobrou.

 

- Sterling! – Elise gritou e pouco depois estava lá, tocando nele.

 

Ele se soltou de seu aperto. – Não se aproxime de mim! – ele advertiu. – É a maldição. A maldição de minha família. Ao dar meu coração, devo abrir mão de minha humanidade.

 

- Você está dizendo bobagens – ela insistiu – Deixe-me ajudá-lo.

 

- Você não pode me ajudar! – ele gritou, e outra vez a dor o rasgou, fazendo com que caísse de joelhos. Os outros membros da troupe estavam agora reunidos ao redor deles, seus olhos arregalados e seus queixos caídos. – Devia ter lhe contado – ele disse forma áspera. – Perdoe-me, Elise. Queria apenas amar você, ser seu e tê-la como minha por um pouco de tempo. Nosso tempo acabou.

 

- Não – ela gritou novamente, e deu um passo na direção dele. – Sterling, permita-me ajudá-lo. Você está obviamente doente.

 

Quando ele ergueu a mão para fazê-la ficar distante, ele viu que o grosso pelo agora se espalhava por suas mãos. Seus dedos estavam tortos e retorcidos. – É a maldição dos Wulfs, Elise. Wulf é o nome de minha família. É disso que venho fugindo desde a primeira vez que vi acontecer com meu pai há dez anos atrás. A bruxa que nos amaldiçoou teve o perverso prazer de transformar todos os homens Wulf em nosso homófono. Ela amou um de meus antepassados, mas ele não admitiu o amor deles. Ao invés disso, ele se casou com uma mulher mais adequada a sua posição social, e como punição, a bruxa amaldiçoou-o com essa aflição, amaldiçoou todos os homens de seu sangue, desde então até as gerações futuras.

 

Elise sacudia a cabeça em negação. Maldições não eram reais. O que ela via acontecendo não podia ser real. Conforme Sterling se ajoelhou perante eles, ele começou a mudar. Suas roupas caíram, expondo faixas de pelo grosso onde antes havia pele. Ela não conseguia suportar vê-lo deitado na sujeira, seu corpo se contorcendo de dor, mas não conseguia desviar os olhos. A metamorfose aconteceu rapidamente, mas para ela parecia que o tempo havia parado. Em um instante um homem se ajoelhou perante eles, no próximo, uma fera, um grande lobo, tomou o lugar do homem.

 

Não havia sobrado nada de Sterling, nada exceto os olhos, e enquanto ele olhava para ela, ela soube que ele viu o medo, a repulsa, que ela sentia por dentro. Ela também soube instintivamente que ele não apenas viu suas emoções, mas também as entendeu.

 

O lobo uivou, um som de desespero misturado com raiva que partia o coração; depois desapareceu na noite. Elise não percebeu que tremia tão fortemente até que um outro cobertor foi subitamente colocado em seus ombros. Confusa, ela se voltou para ver Philip parado ao lado dela.

 

- Sarah, leve-a para dentro e fique com ela essa noite. – ele disse, mas até mesmo sua voz trovejante havia perdido a força. – Todos ficamos chocados.

 

Elise sentia como se seu bom senso a houvesse abandonado. Ela permitiu que Sarah a ajudasse a voltar ao vagão, até mesmo permitiu que a mulher a vestisse com sua roupa de dormir e a colocasse na cama. Ela permaneceu acordada por um longo tempo, olhando para o teto. Ele ficou borrado; e a escuridão finalmente chegou. Ela acordou com aquela primeira e maravilhosa falta de consciência, Aquela tranqüilidade sonolenta antes da tempestade de lembranças que apagaram qualquer traço de sono.

 

Ela se sentou, passeando os olhos pelo vagão. Tudo parecia normal. Um pesadelo? Elise deu um suspiro de alivio. Sim, ela teve um pesadelo horrível. Ela se vestiu para o dia, o tempo todo seu estômago dava nós e um sentimento de desconforto conduzia suas emoções. Ela saiu do vagão, certa de que encontraria Sterling reunido aos outros membros do grupo ao redor do fogo matutino. Os outros estavam presentes, Sterling não. Todos os rostos se viraram para ela, ela entendeu que não estava sonhando noite passada. Até mesmo Dawn parecia ter envelhecido dez anos da noite para o dia.

 

Philip se levantou e veio até Elise. Ele a ajudou a chegar até o fogo e Sarah colocou um prato na mão dela. – Aqui, coma alguma coisa para ajudá-la a recuperar suas forças.

 

As mãos de Elise tremiam ao segurar o prato. – O que vi noite passada não pode ser – ela finalmente sussurrou. – Não é possível.

 

- Talvez não no mundo de onde você vêm. – disse Sarah. – Mas aqui, na estrada, entre as caravanas, tudo é possível. Esses velhos olhos já viram coisas bem piores do que testemunharam noite passada.

 

Tom rosnou sua concordância.

 

- Sterling está diferente agora – Taylor resmungou – Como o resto de nós.

 

Elise não conseguia compreender profundamente a calma aceitação do que ocorrera na noite passada. – Sterling está amaldiçoado – disse – Ele é um lobo! Temos de ajudá-lo.

 

- Não há ajuda para ele – disse Sarah. – Ele sabia que a maldição estava ligada a seu coração, mas o entregou mesmo assim. Ele fez sua escolha.

 

Nervosa, Elise jogou o prato no chão e se levantou. – Não aceitarei o que aconteceu com Sterling. Não posso. Eu o amo. Eu o quero de volta do jeito que ele era.

 

- Se você o ama, então você deve amá-lo do jeito que ele está agora – Sarah comentou.

 

- Você vai renegá-lo agora? – Dawn perguntou suavemente. – Vai nos renegar a todos?

 

O coração de Elise se contraiu. Foi ela quem disse a Dawn que se deve amar incondicionalmente, e agora Elise não estava segura de que poderia seguir seu próprio conselho. Sterling deveria ter contado a ela a respeito da maldição. Deus, ela o perseguira como uma tola desde a noite em que o encontrou, e ele sempre fugindo...mas não dela, e sim daquilo que aconteceria se ele ousasse amá-la.

 

Confusa e com o coração dolorido, Elise retornou ao vagão. Ela se jogou sobre a cama onde Sterling havia feito amor com ela, e chorou contra a injustiça da vida. Conforme as sombras aumentavam e a noite se aproximava, ela imaginou se Sterling voltaria para ela. Ela pensou que se ele viesse, viria na forma de um homem ou de um lobo.

 

Uma voz dentro dela, uma que ela queria ignorar, sugeria que ela não queria Sterling de volta em nenhuma forma. Seria muito mais simples para seu coração e sua mente se ela fosse encontrar a tia em Liverpool e se esquecesse que uma vez conhecera Sterling Wulf.

 

Seu nome trouxe uma lembrança. Sussurros sobre os Wulfs de Londres. Ele era um dele, ela compreendeu. O mais novo, que havia desaparecido misteriosamente anos atrás, depois das mortes dos pais. Sem se importar muito com fofocas, Elise pouco ouviu a respeito da família. Ela se esqueceu do pouco que ouviu. Homens não podem mudar de forma. Ou assim ela pensava. Agora ela entendeu por que Sterling falava de modo elegante apesar da aparência grosseira. Ela entendeu muito bem.

 

A vergonha a queimou de dentro para fora. Uma vez ela o considerou reservado e insensível, mas ele era o mais corajoso dos homens. Ele arriscou tudo, sua própria humanidade, por ela. Poderia ela abandonar tal homem? Não, não poderia. Não iria. Ela amaria Sterling incondicionalmente. Ela o amaria, amaldiçoado e tudo.

 

Levantando-se da cama, Elise lavou o rosto, passou uma escova pelos cabelos e saiu do vagão. Os fogos para cozinhar já tinham sido apagados há tempos e ela imaginou que o pessoal tinha se retirado para o conforto de seus vagões. Eles partiriam logo. Sempre o faziam. Ela tinha de encontrar Sterling e convencê-lo de que devia retornar a caravana.

 

O bosque estava cheio de sombras. Elise se movia por entre as árvores, tentando ignorar o coração palpitante. Ela não havia ido muito longe quando uma voz a parou.

 

- Você não devia estar aqui fora sozinha.

 

- Sterling. – ela murmurou, voltando-se para encará-lo. Com alivio, ela notou que era o homem a quem confrontava, não a fera.

 

- O que está fazendo aqui? – Ele saiu das sombras.

 

- Queria conversar com você. – ela respondeu, - Convencê-lo a voltar à caravana.

 

Ele riu, seus dentes brilhando no anoitecer, mas ao menos não estavam pontudos, ela notou – Voltar para o que?

 

Ela levantou o queixo. – Para mim, para aqueles que consideram você como família.

 

- Não finja que não sentiu repulsa por mim, pelo que você viu na noite passada. Eu sei da verdade.

 

Novamente, a vergonha surgiu como uma onda, - Fui pega de surpresa pelo o que aconteceu noite passada. Acredito ter direito àquela primeira reação.

 

Ele se aproximou. Seus cabelos estavam revoltos e ele ainda parecia meio selvagem para ela. Elise não retrocedeu com medo. Ela sabia que Sterling nunca a machucaria, não importando a forma em que estivesse.

 

- O que você está dizendo? – ele comandou.

 

Olhando-o bem dentro dos olhos, ela respondeu. – Eu amo você, Sterling. E porque eu te amo, eu aceito você como você é.

 

Ela ainda o mataria. O coração de Sterling voou com a esperança, mesmo que seu espírito mergulhasse na realidade da situação deles. Palavras corajosas a dela agora, mas Sterling não poderia permitir que ela o amasse, que desperdiçasse a vida com um homem amaldiçoado.

 

- Não posso ter filhos – ele disse – Não posso passar a maldição a meus filhos. – Sterling a tocou gentilmente na face. – Se não podemos evitar o prazer que encontramos nos braços um do outro, eu estaria sempre consciente dos riscos envolvidos em amar você como você merece ser amada. Você merece crianças. Você merece uma vida normal, a qual nunca terá ficando comigo.

 

- Eu mereço ficar com o homem a quem amo – Elise argumentou. Ela suspirou. – Eu realmente amo crianças, mas a vida na estrada não é a que gostaria que eles tivessem. É a vida com que me faria feliz. – Ela olhou para ele com a esperança brilhando nos olhos. – Por favor permita-me aquilo que mais mereço na vida, Sterling. Ser feliz, e não posso ser feliz sem você.

 

Novamente, ele pensou que eram palavras corajosas que logo se apagariam. Por mais que quisesse acreditar nela, ele não podia. Ele a pegou pelos ombros. – Elise, eu sou amaldiçoado pela lua. Sempre que ela estiver cheia, eu me transformarei na fera que vaga pela noite como as outras feras. Não me lembro de nada do que fiz noite passada, mas acordei nu e tremendo essa manhã como homem.

 

Ao invés de recuar, ela disse. – Bem, então não é tão ruim assim. Teremos apenas uns poucos dias no mês para lidar com a sua maldição. O resto do tempo poderemos levar uma vida normal.

 

Ele pensou que o queixo dele havia caído – Você está louca? Não há nada de normal em mim, Elise. Quero que encontre sua tia em Liverpool e se esqueça de mim. Encontre um emprego de professora em algum lugar e um homem respeitável que lhe dê o que não posso dar!

 

- Não quero essas coisas – ela insistiu. – Quero você!

 

Com um rosnado, Sterling a soltou e se virou de costas. A noite cairia logo. Ele já sentia a mudança nele. – Você não pode me ter! – Se ele precisava ser bruto para convencê-la, que seja. – Não quero você, Elise. Quero viver o que resta de minha vida miserável em paz! Não quero me preocupar com você ou com o pessoal da caravana! Quero apenas ficar sozinho!

 

- Sterling – ela implorou.

 

- Vá! – ele gritou. – A escuridão cai e o lobo se aproxima. Estou perdido para ele, Elise. Estou perdido para você.

 

Ele a abandonou antes de ela poder protestar mais. Sterling se escondeu entre as árvores, esperando pela dor que logo rasgaria seu corpo. Mas antes de permitir que a fera o dominasse, ele circulou pela redondeza para ter certeza de que Elise chegou ao vagão de forma segura.

 

Ele a viu pouco depois parada de frente à jaula dos animais. Ele se arrastou para perto.

 

- O que devo fazer? – ele a ouviu perguntar aos gatos – Eu o amo por tudo o que ele é, mas ele não se ama o suficiente para aceitar o que ofereci a ele. Como fazê-lo compreender que nada no mundo me fará deixar de amá-lo?

 

A vontade de ir até ela era esmagadora. Seu amor por Elise naquele momento se fortaleceu. Mas ele a amava muito para pedir que compartilhasse de sua maldição. Ele a faria acreditar que tinha partido. Mas até ela chegar em segurança em Liverpool, Sterling cuidaria dela.

 

No mês que Elise levou para chegar a Liverpool, ela aprendeu a cozinhar, a dirigir o vagão, e a se tornar independente. Ela dançava quando eles encontravam público, e ela sempre dançava somente para Sterling.

 

Ela sabia que ele a observava de algum lugar nas sombras da noite. Eles estavam ligados de uma maneira que apenas amantes podiam compreender. Mente, corpo e espírito. Hoje, Dawn cavalgava com ela conforme se aproximavam dos subúrbios de Liverpool.

 

- Philip disse que você vai nos deixar – Dawn disse, seu jovem rosto solene. – Vou sentir sua falta.

 

Elise piscou contra a onda de lágrimas – Eu vou, mas apenas porque se eu partir, Sterling poderá voltar. Ele precisa de uma família para tomar conta dele.

 

- Prometo amá-lo incondicionalmente – disse Dawn. – Como você me ensinou a fazer. Minha mãe diz que você é um bom exemplo de humanidade.

 

- Seus pais são bom exemplo de humanidade – Elise apontou.

 

- Sim – concordou Dawn – Tentarei ser mais como eles.

 

A admissão de Dawn elevou o espírito de Elise. A garota encontrou o valor do amor, bem como Elise disse a Sterling que ela faria.

 

- Vejo que será uma grande dama um dia – disse Elise. – Tenho o dom da visão, você sabe. – ela provocou.

 

- Vou ser uma dançarina de dança do véu como você. – Dawn sussurrou – Mas não diga a meus pais, ainda.

 

Elise gostaria de estar perto de Dawn quando acontecesse. Ela sorriu, depois seu sorriso desapareceu quando Liverpool apareceu logo em frente. Sua mala estava feita, e ela ainda tinha as moedas para alugar uma carruagem para levá-la ao endereço da tia. Sua aventura terminara.

 

Quando os vagões pararam próximos de uma estalagem, Elise se preparou para a dolorosa despedida. Sarah realmente chorou em cima dela. Philip disse que se as coisas não dessem certos com sua tia, ela sempre teria um lar entre eles. Dawn desaparecera, e Elise estava grata. Não suportaria dizer adeus à ela.

 

Vestindo sua melhor roupa, Elise acenou para eles. Era estranho estar em uma cidade novamente, onde a vida era acelerada, onde as pessoas andavam pelas ruas sem olhar para os lados. A casa onde o condutor parou precisava de reparos. Elise se lembrava vagamente dela de suas visitas na infância. A mulher que atendeu à porta não era familiar.

 

- Tia Silvie? Elise se aventurou cética.

 

A velha sacudiu a cabeça – Você deve estar procurando por Silvie Preston. Ela morreu faz cinco anos. Eu comprei a casa depois de seu falecimento.

 

Elise estava chocada. Sua tia morrera? Elise mal conhecera a mulher, mas ainda assim, ela guardava boas lembranças dela através dos anos. Seu tio certamente sabia que a tia havia falecido, e não contou a ela. Ele não lhe contara a verdade como se a morte da tia não tivesse importância. Como o odiou nesse momento. Ele realmente não tinha coração.

 

Com as lágrimas escorrendo pelo rosto, Elise voltou para a carruagem que a aguardava. Havia apenas uma coisa a fazer, voltar para a caravana. Ela não podia dizer que não estava gostando de ver sua família novamente ou que não fora recebida de braços abertos. Mas Elise estava preocupada com Sterling. Sem dúvida ele devia estar pensando porque ela fora embora, apenas para voltar. Mas será que ele teria coragem de vir perguntar isso a ela? Sim, ela acreditava que ele teria.

 

Enquanto aguardava, Elise se preparou para a apresentação de logo mais. Ela vestiu a fantasia e sentou para esperar Dawn vir chamá-la. A porta se abriu repentinamente e Sterling apareceu. O coração dela deu um salto de alegria ao vê-lo. Ele não parecia alegre ao vê-la.

 

- Por que você não ficou na casa de sua tia? – ele exigiu.

 

“Que reencontro mais quente” Elise pensou – Soube hoje que minha tia faleceu. Há cinco anos atrás. E meu tio nunca me disse nada.

 

A expressão de Sterling se suavizou. – Sinto muito.

 

- Sente por mim ou por você? – ela desafiou.

 

Ele sorriu levemente. – Você nunca foi de medir as palavras, Elise.

 

- Não – ela concordou. – E não começarei agora. Por que você está aqui?

 

Ele fechou a porta atrás dele. – Para garantir que você esteja segura em uma outra vida.

 

Ele levantou uma sobrancelha – Nesse mundo, ou no próximo?

 

Sterling jogou a cabeça para trás e riu. Era bom vê-lo rindo. Aqueceu Elise completamente. Ele precisava dela para iluminar sua escuridão. Se ao menos ela pudesse convencê-lo. Ele se acalmou pouco depois.

 

- A estrada não é lugar para uma mulher sem companheiro para protegê-la.

 

Os braços dela doíam de vontade de abraçá-lo. A boca ansiava pelos beijos dele. Ela aprendera a ser corajosa, a ir atrás do que queria da vida. – Eu tenho um companheiro – ela disse – mesmo que ele se recuse a me tornar uma mulher honesta.

 

- Elise. – o nome dela foi dito num meio suspiro, meio carinho – Nós dois sabemos que nunca poderemos ter uma vida normal juntos.

 

Ela deu um passo na direção dele – Nunca disse que queria uma vida normal. Eu queria uma vida de aventura, lembra-se?

 

- Não – ele a advertiu quando ela deu mais um passo na direção dele. – Você sabe que não consigo resistir a você, e hoje não é uma boa noite para me tentar. É noite de lua cheia.

 

Ignorando o aviso dele, Elise se movia para cada vez mais perto. – Não tenho medo de você. Sei que não me machucaria, ou qualquer pessoa de quem goste.

 

- Mas eu não sei disse, Elise – ele afirmou. – Não quero apostar nisso. Não posso.

 

Gentilmente ela tocou no rosto dele – Você deve confiar em si mesmo, Sterling – em sua bondade.

 

Por um momento eles ficaram se encarando, e ela pensou que ele a beijaria, mas uma batida soou na porta. Elise abriu e viu Dawn.

 

- Philip me pediu para acordar todo mundo – ela disse, então esticou o pescoço para dentro do vagão para ver além de Elise. – Sterling está aí com você? – Seus olhos brilharam – Ele está aqui.

 

Sterling sorriu para a garota – Oi, Dawn.

 

- Sabia que voltaria para nós – a garota disse. – Philip diz que não importa o quão diferente nós parecemos ser do resto do mundo, quando estamos juntos, somos uma família.

 

Elise juraria que os olhos prateados de Sterling umedeceram por poucos instantes. – Philip é um bom homem – ele admitiu. – Mas você não tem medo de mim, Dawn?

 

Ela sacudiu a cabeça loira – Não se Elise não tiver. Eu e ela somos as melhores amigas, sabe?

 

- Elise é uma boa amiga para se ter.

 

Novamente os olhares de Sterling e Elise se fixaram.

 

- Espero que permaneçam conosco – disse Dawn, quebrando a magia. – Você e Elise juntos, como parte de nossa família.

 

Sterling se aproximou e bagunçou os cabelos da menina. Ele não se comprometeu a ficar. Ainda assim, Dawn sorriu e saiu correndo.

 

- Tenho que ir – ele disse abruptamente.

 

- Ainda não – ela pediu. – Fique e me veja dançar. Pedirei a Philip para me deixar apresentar primeiro, antes do cair da noite.

 

- Adoro ver você dançar – Sterling admitiu. – Sempre sinto como se você dançasse apenas para mim.

 

- É porque eu danço. – ela disse e o beijou.

 

Ele resistiu, mas apenas por pouco tempo. Eles se fundiram um no outro, uma fusão de calor, bocas se procurando e corpos se esticando um contra o outro. Elise estava sem fôlego e confusa quando ele se separou dela. Quando ela se recompôs, ele já havia partido.

 

Ela suspirou, e fez uma oração para que Sterling voltasse a si e compreendesse que ele pertencia a ela e à caravana. A audiência era pequena, e Elise estava mais consciente porque estava dançando antes do anoitecer. Ela sentia os olhos sobre ela e se perguntava se Sterling havia ficado para assisti-la. Esperando que esse fosse o caso, ela dançou de um modo mais sensual. Uma dança para acender a paixão de seu próprio sultão. Ela estava tão envolvida na dança que não percebeu que um homem havia entrado no palco e começou a discutir com Philip. A voz do estranho a interrompeu.

 

- Tire as mãos de mim, seu idiota! Aquela lá é minha sobrinha se exibindo como uma prostituta na frente de todos!

 

- Tio Robert! – Elise ofegou.

 

Ele marchou para ela e agarrou seu braço. – Como ousa me envergonhar dessa maneira? Seu futuro marido terá que bater em você para que crie juízo.

 

O medo a paralisou por instantes, mas Elise se recuperou e contra atacou: - Meu futuro marido não é Sir Winston Stoneham – ela disse de forma cortante. – Tire suas mãos de mim!

 

- Pirralha ingrata. – seu tio ridicularizou. – Eu a recebi apesar de você ser uma vergonha para o nome de minha família. Eu lhe vesti com roupas caras e lhe eduquei. Você pertence a mim, e eu irei receber o dote que lhe é destinado por todo o trabalho que me deu.

 

- Solte Elise agora – Philip advertiu o tio dela. – Ela obviamente não quer acompanhar você.

 

Os membros da troupe estavam agora parados no palco, todos unidos por causa dela.

 

- Posso causar complicações para você – o tio dela avisou. – Para todos vocês. – acrescentou, seu olhar friamente percorrendo o grupo reunido. – Meu nome e minha influencia farão com que sejam enforcados por seqüestro.

 

- Ninguém me seqüestrou – Elise protestou. – Eu invadi um dos vagões deles para escapar do senhor. A única coisa que fizeram foram ser gentis comigo.

 

O tio aumentou o aperto em seu braço. – Se você se importa com o que pode acontecer com eles, virá comigo como foi ordenado.

 

A última coisa que Elise queria era causar problemas para os membro da companhia. – Eu vou com o senhor – ela concordou. – Mas deixe essa boa gente em paz.

 

Seu tio sorriu friamente pela vitória e a empurrou através da multidão. Uma figura alta subitamente bloqueou a saída deles. O coração de Elise dançou no peito.

 

- O senhor, sir, não vai levar Elise para lugar nenhum. – Sterling disse. – Muito menos para aquele monstro a quem o senhor a vendeu.

 

- Você – o tio dela disparou – Você me levou a acreditar que a mulher que vi delineada dentro do vagão naquele dia era sua esposa. Devia açoitá-lo por mentir para mim!

 

- Tente, se tiver coragem o suficiente. – Sterling instigou. Ele ficou cara a cara com o tio dela – Mas saiba isso: o senhor só vai levar Elise daqui se passar por cima do meu cadáver. Aqui é o lugar dela, entre as pessoas que a amam.

 

- Saia do caminho! – gritou o tio dela – Não vou ficar aqui discutindo com um vagabundo. Essa cara bonita está fazendo com que aja com superioridade, garoto. Você não tem o direito de me dizer o que posso ou não fazer com minha própria sobrinha.

 

De repente, Sterling agarrou o homem pelo colarinho. – Eu a amo. E eu sou bem pior do que um vagabundo. Agora, solte ela!

 

Elise poderia ter sentido uma maravilhoso calor espalhando-se sobre ela quando Sterling declarou publicamente seu amor, mas agora ela sentia um frio mortal. Os olhos de Sterling brilhavam perigosamente na chegada da noite. Em poucos momentos, a lua iria surgir e seu tio teria muito mais com o que lidar do que um homem nervoso.

 

- Sterling – ela advertiu, olhando para cima. – A lua. Você deve ir!

 

Ele a ignorou, seu olhar prateado fixo no olhar arrogante do tio dela. Então ele fez algo que apagou completamente a expressão convencida das feições de Lorde Robert Collins. Sterling rosnou profundamente em sua garganta. O som parecido com o de um animal defendendo seu território, defendendo sua companheira.

 

O aperto do tio no braço dela se afrouxou e ele cambaleou para trás, permitindo a Elise se soltar.

 

- Sterling – ela tentou novamente. – Vá agora, antes que seja tarde demais!

 

Mas mesmo enquanto o advertia, ela viu a mudança em Sterling. Graças a Deus a multidão tinha se retirado para as sombras, não querendo interferir com a disputa entre um nobre e um grupo de artistas. Quantos mais pessoas testemunhassem a maldição de Sterling, mais perigoso ficaria para ele.

 

- Que diabos! – o tio dela sussurrou, ainda se afastando de Sterling. – Com o que foi que você se envolveu, Elise?

 

Sterling ainda era homem suficiente para registrar as palavras do tio dela, porque olhou para Elise com súbita mágoa brilhando dentro das profundezas de seus olhos.

 

- Com o homem que eu amo – ela respondeu. – Não importa o que ele é. – Ela olhou para todos os membros do grupo – Um homem que todos nós amamos.

 

- Ele é um monstro. – o tio grunhiu.

 

Os dentes de Sterling se tornaram pontiagudos e agora os pelos cobriam o rosto dele, mas Elise não sentia medo dele. – Não, tio, o senhor é o monstro. O senhor não tem coração. Não se importa com ninguém a não ser com si próprio. É o coração e a habilidade de amar que nos torna humanos.

 

Elise esperou pela dor que rasgaria através de Sterling como da última vez que o viu mudar, mas a transformação veio num piscar de olhos. Ela supôs que foi por ele não ter lutado, mas a aceitado por causa das circunstâncias. Suas roupas caíram e um grande lobo apareceu em seu lugar.

 

A fera exibiu as presas e caminhou na direção do tio dela. Elise sabia das intenções de Sterling. Ele planejava se livrar de Lorde Collins de uma vez por todas. Seu tio foi se afastando de costas até tropeçar no próprio pé e cair na sujeira. Ele arranhava o peito, arfando por ar, seus olhos arregalados.

 

Elise se posicionou entre eles, o homem a quem amava e o tio que a criara. – Não, Sterling. – ela disse. – Ele não tem coração, mas eu tenho. Não posso permitir que o mate. Ele é de minha carne e sangue, o irmão de meu pai, e pelo amor que senti por um homem, peço que poupe a vida do outro.

 

O lobo com os olhos de Sterling a encarou por um momento, olhou para o tio dela, e rosnou novamente, mas não fez qualquer movimento na direção dele.

 

- Vá embora enquanto pode. – Elise instruiu o tio – E nunca mais me procure novamente. Da próxima vez, posso não ter o desejo de pará-lo.

 

O tio não precisou de aviso adicional. Ele se levantou e correu para sua carruagem num minuto. Elise o observou partir, entristecida pelo relacionamento deles não poder ser mais do que era. A carruagem partir acelerada. Ela teve a certeza de que não veria mais o tio.

 

O lobo continuava parado olhando para ela. Elise não sabia se Sterling a entendia quando estava na forma do animal, mas ela disse. – Vá agora para a noite, mas volte na luz do dia, volte para a gente. Nós amamos você. Eu amo você.

 

Por um breve momento, seus olhos se encontraram e Elise sentiu que Sterling podia entendê-la; então ele se foi. Um braço cercou sua cintura e ela olhou para baixo, para Dawn.

 

- Ele vai voltar – ela disse, e chamou os pais dela para se juntarem à elas, e a garota passou o braço ao redor dos pequenos ombros da mãe. Eles formaram um circulo, o pequeno grupo de desajustados. Eles ficaram daquele jeito por um longo tempo, então, como se todos compreendessem que, devido aos eventos dessa noite, ele não podiam ficar, começaram a arrumar os vagões.

 

 

A manhã chegou com um traço de rosa e roxo, um dia glorioso para estar vivo e viajar pelas estradas. Elise estava parada ao lado do vagão, suas entranhas torcidas, seu coração disparado. Ela olhava para o bosque, rezando silenciosamente.

 

Os outros membros se juntaram a ela. Uma cabeça loira apareceu, um homem usando as roupas que Elise havia deixado no bosque para ele. Ele olhou para todos e sorriu, depois seus olhos encontraram os dela e seu sorriso aumentou.

 

- Apresse-se, Domador de Feras! – Philip trovejou em sua vozeirão. – Precisamos pegar a estrada!

 

Raja e Leena rosnaram um cumprimento ao homem que se aproximava. Elise sentiu que os gatos começaram a aceitar o mestre mudado deles, da mesma forma que o grupo o aceitou. Em lugar nenhum do mundo Sterling conseguiria se encaixar mais do que com sua troupe de desajustados. Os outros desapareceram, e só ficaram Sterling e Elise, olhando-se nos olhos.

 

- Você voltou para casa? – Elise perguntou.

 

Sterling se aproximou e a puxou para ele. – Se um homem pode amar e ser amado mesmo amaldiçoado, será que ele é realmente amaldiçoado?

 

Ela sorriu para ele – Eu diria que somos abençoados. Poucos encontram o que nós encontramos juntos.

 

- Você ficará comigo, Elise? Será o meu amor? Minha vida?

 

Como resposta, ela se inclinou para a frente, esfregando os lábios sobre os dele. – Sim, Sterling – ela murmurou – Eu ficarei do seu lado até envelhecermos, e terei minhas aventuras e ainda mais.

 

Os lábios se encontraram, selando a barganha.

 

                                                                                Ronda Thompson  

 

                      

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