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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A MENTIRA MAIS SOMBRIA
A MENTIRA MAIS SOMBRIA

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Forçado a cair de joelhos em agonia sempre que diz a verdade, Gideon pode reconhecer qualquer mentira - até que captura Scarlet, uma demônio imortal possuída que clama ser sua longamente perdida esposa. Ele não recorda à formosa mulher, muito menos o casamento - ou deitar-se com ela. Mas o deseja... Quase tanto como deseja a ela.

Mas Scarlet é a Guardiã dos Pesadelos, muito perigosa para vagar livre, e um futuro com ela poderia significar a ruína definitiva. Especialmente com os inimigos de Gideon aproximando-se ainda mais... E a verdade que ameaça destruir tudo que ele chegou a amar... 

 

 

 

 

Gideon olhou para a mulher dormindo em cima da cama coberta de algodão azul como uma nuvem macia.

Sua esposa.

Talvez.

Cabelo pintado enrolado em torno de uma face naturalmente sensual, cílios longos faziam sobra no rosto gracioso. Uma de suas mãos descansava em sua têmpora, os dedos curvados para dentro, as unhas pintadas de azul cintilante no brilho dourado da luz. Seu nariz era perfeito em forma e tamanho, o queixo teimoso, e seus lábios, os mais polpudos - e mais vermelhos - que ele já viu.

E seu corpo... Deuses. Talvez aquelas curvas feitas para o pecado fossem o motivo pelo que recebeu o nome de Scarlet. Seus seios perversamente arredondados... O mergulho fino de sua cintura... O alargamento dos quadris femininos... O comprimento de suas pernas magras... Cada parte dela era para seduzir, para enredar.

Sem dúvida, ela era a mulher mais inesquecivelmente linda que ele já observou. Uma verdadeira bela adormecida. Só que, essa beleza se agitaria se ele tentasse beijá-la acordada.

O pensamento o tinha feito sorrir em pura satisfação masculina.

Um olhar, e um homem sabia que ela estava desejosa e o fogo debaixo daquela pele branca como a neve. O que a maioria dos homens não sabia, porém, era que, como Gideon, ela estava possuída por um demônio.

A diferença é, eu ganhei o meu. Ela não.

Pela - fraqueza - de sempre, ele ajudou os seus amigos a roubar e abrir a caixa de Pandora, liberando o mal lá dentro. Sim, sim. Um erro. Não vale a pena pensar um segundo, se você perguntasse a ele, mas os deuses não tinham, então, como punição, cada guerreiro responsável foi amaldiçoado para hospedar um demônio dentro de seu próprio corpo. Maldades como Morte, Desastres, Violência, Enfermidades, etc, etc.

Haviam mais demônios do que guerreiros, entretanto, por isso os demônios restantes foram colocados dentro dos prisioneiros imortais no Tartarus. Onde Scarlet residiu toda a sua vida.

Gideon foi emparelhado com Mentiras, Scarlet com Pesadelos.

Claramente, ele tinha começado a curto termo aquele demônio. Ela simplesmente dormia como um morto e invadia os sonhos das pessoas. Ele não conseguia dizer uma única verdade, sem sofrimento. Para dizer a uma mulher bonita que ela era bonita era cair de joelhos, agonia única explodindo por meio dele, o corte de seus órgãos, derramando o ácido através de seu sangue, esvaziando sua força, até mesmo corroendo o seu desejo de viver.

— Você é feia. — Ele teria que dizer em seu lugar. A maioria das mulheres iria estourar em lágrimas e fugir correndo. Então, sim, ele era imune às lágrimas.

Mas, o que Scarlet faria? Viu-se perguntando. E suas lágrimas o incomodariam?

Ele estendeu a mão e traçou um dedo ao longo da curva de sua mandíbula. Tão sedosa, morna pele. Ela iria rir dele, sem se preocupar? Será que ela tentaria cortar sua garganta? Acreditaria nele? O chamaria de mentiroso?

Ou será que ela fugiria como as outras?

A ideia de magoá-la, irritá-la e finalmente a perder não se assentava bem nele.

Seu braço caiu ao seu lado, apertando a mão. Talvez eu lhe diga a verdade. Talvez eu a elogie. Mas ele sabia que não iria. Fez esse erro uma vez, tudo bem. Você foi estúpido. Fazer isso duas vezes, e você estava provando a teoria de Darwin.

Ele já fez isso uma vez.

Os maiores inimigos de Gideon, os Caçadores, tinham-no capturado e lhe disseram que tinham matado Sabin, detentor do demônio da Dúvida. Agora, Gideon amava aquele homem como um irmão – cara, poderia cumprimentar com a mão aberta como ninguém - assim que ele entrou em erupção, gritando o quanto ele odiava, como ele ia matar a todos, e que tinham sido os deuses da "pura verdade”, cada palavra dele. Embora isso possa levar anos, séculos, para ver a promessa de passar, isso não importava. Ele quis dizer isso e tinha sido penalizado por isso, a angústia instantânea.

Depois disso, curvado no chão e contorcendo-se, tinha sido um alvo fácil para a tortura. E torturá-lo foi o que os Caçadores tinham feito. Repetidamente.

Depois de derrotá-lo tão severamente, os olhos inchados e tendo vários dentes desaparecido do mapa, depois de pregar pinos nítidos sob as unhas, eletrocutando-o e esculpindo a marca de infinito - sua marca - em suas costas, eles tinham removido suas mãos. Tinha pensado seriamente que ele tinha chegado ao fim. Até que um Sabin muito vivo o tinha encontrado, resgatado e o levou para casa (depois de fazer o cumprimento de mão aberta já mencionado).

Felizmente, ambas as mãos, tinham finalmente, regenerado. Algo que ele estava esperando. Muito... Pacientemente. Assim, ele poderia se vingar, sim. Ou melhor, tinha sido o caso em primeiro lugar. Mas, em seguida, seus amigos tinham encarcerado essa mulher, essa Scarlet, e ela alegou que eles eram marido e mulher.

Suas prioridades tinham mudado justamente naquele ponto.

Ele não se lembrava dela, muito menos de seu casamento. Mas ele já tinha visto flashes de sua face todos esses milhares de anos. Principalmente toda vez que ele desabou em cima de uma mulher, suado, mas não verdadeiramente repleto porque ele estava muito cheio de saudade de algo ou alguém, que ele não tinha sido capaz de nomear. Portanto, ele não podia negar abertamente sua reivindicação. E ele precisava negá-la. Provar que ela estava errada.

Caso contrário, ele teria que viver com o conhecimento que ele tinha abandonado a mulher que ele prometeu proteger. Ele teria que viver com o conhecimento que ele tinha dormido com outras mulheres enquanto sua esposa sofria.

Ele teria que viver com o conhecimento de que alguém havia fodido com sua memória.

Sim, ele exigiu uma explicação de Scarlet, mas ela era obstinada até a medula e se recusou a lhe dizer mais nada. De como eles se conheceram, quando se conheceram, se eles tinham se apaixonado, felizes. Como eles tinham dividido.

Para ser honesto, ele não podia culpá-la por manter os detalhes em segredo. Como poderia? Ela tinha sido tanto uma prisioneira para a Câmara dos Lordes como ele tinha sido recentemente para os Caçadores, e ele não havia conversado com seus captores, tampouco. Mesmo durante a extração de mão, oh, tão agradável.

Então, ele viria com um plano. Para Scarlet se abrir para ele, teria que levá-la a outro lugar. Só por pouco tempo. Só até ter respostas. Então, esta manhã, ele tinha feito isso. Enquanto sua suposta esposa dormia, alheia ao mundo ao seu redor, ele a raptou de sua casa e a levou para este hotel em estilo de bombeiro no centro de Budapeste.

Finalmente, ele teria tudo o que ele queria.

Tudo o que ela tinha que fazer era acordar...

 

Algumas horas mais cedo...

Vamos começar os preparativos da festa, Gideon pensou com determinação inigualável enquanto ele pisava pelos corredores renovados de sua fortaleza em Budapeste.

O demônio das Mentiras soava dentro de sua cabeça, de coração em acordo. Ambos gostaram de Scarlet, sua alegada esposa, mas por razões diferentes. Gideon gostava do olhar dela e os picantes comentários de língua ferina que ela fazia. Mentiras gostava... Gideon não tinha certeza. Ele só sabia que o bicho ronronava na aprovação cada vez que ela abria sua bonita, eu-posso-fazer-coisas-que-você-só-sonhou-com-a-boca.

Era uma reação geralmente reservada para os mentirosos patológicos. Exceto, que o demônio não poderia realmente dizer se ela mascarava ou não. O que significava que abaixo de todo o carinho por Scarlet, Mentiras estava frustrado, sensível a cada palavra que saía da boca de Gideon. E isso fez a vida de Gideon frustrante como o inferno. Ele não podia nem mesmo chamar seus amigos por seus próprios nomes mais.

Ela era ou não era uma mentirosa que jogava sujo? E sim, ele estava bem consciente da ironia. Ele, um homem que não conseguia dizer uma única verdade, estava se queixando de alguém que podia estar alimentando-o numa tigela grande, um monte de merda. Mas eles eram ou não eram? Tinham ou não tinham? Ele tinha que saber antes de ele se tornar louco, enigmático sobre tudo o que ela já disse e tudo que ele já tinha feito e pensado.

Seu pedido que ela simplesmente expusesse os fatos, a preto e branco, booom, feito, tinha sido ignorado pela última vez.

Ele estava finalmente agindo.

Esperançosamente, pretender resgatá-la do seu próprio calabouço poderia fazer com que ela confiasse nele. Esperançosamente, confiar nele a forçaria a abrir a boca e responder às suas malditas perguntas.

Oops. Sua frustração estava se mostrando novamente.

— Você não pode fazer isso, Gid. — Strider, Guardião do demônio da Derrota, disse, mantendo o ritmo de repente ao lado dele.

Foda-se. Ninguém, mas ele.

Strider não podia perder um desafio, qualquer desafio, sem sofrimento, como Gideon sofria quando ele falava a verdade. Incluindo o Xbox[1], e que foi seriamente enroscando com o “Assassin's Creed” [2] charme de Gideon, porque sim, Gideon o tinha desafiado, tentando distrair-se e exercitar a rigidez nos dedos novos.

Enfim. Sempre, sem dúvida, ele e Strider guardavam as costas uns dos outros (jogos de vídeo de lado). Assim, ele não deveria ter ficado surpreso que seu amigo estivesse aqui, resolvido a salvá-lo de si mesmo. Não queria dizer que ele se fingisse de morto.

— Ela é perigosa. — Acrescentou Strider. — A lâmina andando através do coração, cara.

Sim, ela era. Ela invadia os sonhos, presenteava os sonhadores com seus piores medos e alimentava-se do terror que se seguia. Inferno, algumas semanas atrás, ela tinha feito com ele. Com aranhas. Ele estremeceu, momentaneamente doente do seu estômago enquanto ele imaginava os bastardos peludos caminhando por ele.

Droga. Se afaste. Ele enfrentou inúmeras espadas balançando sem vacilar, - bem como os monstros usando-as. Que fossem um pouco as aranhas? Outro arrepio. Revoltante, isso sim. Ele sabia que eles estavam pensando cada vez que os seus olhos redondos pousavam sobre ele: saboroso.

Mas por que Scarlet não tinha invadido os sonhos de outros? Ele se perguntou sobre isso, quase tanto como ele queria saber sobre seu “casamento”. Os outros guerreiros, suas companheiras do sexo feminino, tinham-na deixado sozinha. Apesar do fato de que ela ameaçou matar cada um deles. Algo que ela realmente poderia fazer.

— Dane-se. Pare de me ignorar. — Resmungou Strider, perfurando um buraco na parede de pedra revestida de prata depois que eles passaram uma porta fechada do quarto. — Você sabe que o meu demônio não gosta.

Plumas de poeira e detritos no ar, um forte estalo ecoando. Grande. Logo, outros guerreiros subiriam e correriam para descobrir o que tinha acontecido. Ou talvez não. Tão temperamentais como os membros de sua agregada familiar eram (tosse, muita testosterona, tosse), deviam estar acostumados a imprevistos e aos ruídos violentos.

— Olhe. Eu não me arrependo. — Gideon olhou rapidamente seu amigo num relance, pegando os cabelos loiros, olhos azuis e as características enganosamente inocentes que eram de algum modo perfeito para o seu perfil de machão. Mais de uma mulher o chamou de "americano tipicamente maravilhoso”, - o que isso significasse. Essas mesmas mulheres geralmente evitavam olhar para Gideon, como se ainda dirigir seu olhar sobre suas tatuagens e piercings fosse denegrir suas almas. Por tudo o que sabia, elas estavam certas. — Mas você está correto. Eu não posso fazer isso.

O que significava que Strider estava errado e, sim, Gideon muito bem poderia fazer isso. Então, chupe essa!

Todos os que viviam nesta fortaleza - e maldição, havia um monte de gente, o número aparentemente crescendo a cada dia enquanto seus amigos cada um ligado um com o seu "e só" (choque) - era fluente em discurso Gideon e sabia acreditar no oposto de tudo o que ele dizia.

— Tudo bem. — Disse firmemente Strider. — Você pode. Mas você não vai. Porque você sabe que se você levar a mulher para fora desta casa, eu vou ficar cinza de preocupação. E você gosta do meu cabelo do jeito que está.

— Strider, cara. Você está batendo em mim? Tentando me fazer correr meus dedos por esses bloqueios sarnentos?

— Camponês. — Strider murmurou, mas sua raiva era claramente atenuada.

Gideon deu uma risadinha.

— Queridinha.

Os lábios de Strider também se contraíram em um sorriso.

— Você sabe que eu odeio quando você começa mole desse jeito.

Cara, adorava. Nenhuma pergunta.

Eles serpenteavam um canto, ignorando um dos muitos quartos situados que a fortaleza possuía. Este um estava vazio. Como no início da manhã como era, a maioria dos guerreiros ainda estava na cama com suas mulheres. Se não fossem treinar naquele exato momento, é claro.

Fora de hábito, ele varreu a área. Neste quarto particular, retratos de homens nus enchiam as paredes, cortesia da deusa da anarquia, cujo senso de humor distorcido rivalizava com o próprio Gideon. Havia cadeiras de couro vermelho (Reyes, o detentor da Dor, às vezes tinha que se cortar para acalmar seu demônio, então vermelho vinha a calhar), brilhantes estantes (Paris, detentor de Promiscuidade, apreciava romances), e as lâmpadas de prata estranhas que torciam e curvavam sobre as cadeiras, ele não tinha ideia de para que aquelas eram. As flores frescas floresciam a partir de vasos, perfumando o ar doce. Novamente, ele não tinha ideia. Bem. Ele pediu aqueles. Essa merda cheirava bem.

Gideon respirou profundamente o ar fresco, delicioso. Só que ele acabou inalando um nariz cheio de culpa. Infelizmente, isso aconteceu o tempo todo ultimamente. Enquanto ele aproveitava isso, sua suposta esposa apodrecia nas masmorras. Antes disso, ela gastou milhares de anos no Tártaro, de modo que o fez duplamente cruel de deixá-la lá embaixo.

Realmente, que tipo de homem permitia uma coisa dessas? Um idiota, é claro, e ele era certamente o rei deles. Afinal, ele iria devolver Scarlet para o calabouço, uma vez que as suas perguntas fossem respondidas. Para, assim, nunca. Mesmo que ela fosse - ou melhor, tivesse sido - sua esposa.

Sim. Ele era mau, um homem mau.

Ela era simplesmente demasiado perigosa para ser libertada permanentemente, sua capacidade de invadir os sonhos era muito destrutiva. Porque quando você morre em um dos pesadelos de Scarlet, você morre de verdade. Era isso. O fim. E se ela decidisse ajudar os Caçadores, o que poderia acontecer, às mulheres e a todos, os Senhores nunca seriam capazes de dormir em paz novamente. E eles precisavam de seu descanso de beleza ou tornariam-se feras rosnando.

Caso em questão: Gideon. Ele não tinha dormido nas últimas semanas.

Devagar, seu demônio de repente instruiu. Está se movendo muito rápido.

Usualmente, Mentiras era meramente uma presença no fundo de sua mente. Existia, mas em silêncio. Só quando o demônio precisava crescer ele falava. Mas mesmo assim, ele tinha que dizer o oposto do que ele queria. E agora ele queria que Gideon se apressasse e chegasse a Scarlet.

Dê-me asas e estará feito, Gideon respondeu secamente, mas maldito nada se ele não acelerar o passo. Ele pode e pensaria o que ele queria dizer. Sempre. Ele nunca mentiu para si mesmo ou para o demônio durante estes momentos particulares. Talvez porque ele tivesse que lutar ferozmente e sem misericórdia por esses momentos.

Após a posse, ele tinha sido perdido para as trevas e o caos, um escravo de seu companheiro de alma e seus desejos do mal. Ele atormentava os seres humanos apenas para ouvi-los gritar. Ele queimou casas até o chão, assim como as famílias dentro delas. Ele matou indiscriminadamente, e ao fazê-lo insultava.

Tinha levado algumas centenas de anos, mas Gideon finalmente agarrou o seu caminho para a luz. Ele estava no controle agora, e sequer conseguiu domar a fera. Para a maior parte.

Strider soltou um suspiro, chamando sua atenção.

— Gideon, cara, me escute. Eu disse isto uma vez, mas vou dizê-lo novamente. Você não pode levar a fêmea para fora destas paredes. Ela vai fugir de você, você sabe que ela o fará. Caçadores estão na cidade, sabemos disso, também, e eles poderiam pegá-la. Recrutá-la. Usá-la. Ou, se ela se recusar, mesmo feri-la como eles machucaram você.

Um, Strider estava falando como se Gideon não pudesse segurar a tentação astuta por alguns poucos dias. E ele podia. Ele sabia como lutar e ter nomes com os melhores. Dois, Strider estava falando como se Gideon não fosse capaz de encontrá-la se ele realmente a perdesse. E três, Strider estava provavelmente falando corretamente, mas isso não acalmou a súbita explosão de raiva de Gideon. Ele pode não ser o bom operador que Strider era, mas tinha algumas habilidades com as mulheres, porra.

Mais do que isso, Scarlet era uma guerreira. Uma imortal. Ela podia cercar-se com a escuridão. Uma escuridão tão espessa que nenhuma luz humana, e nem os olhos imortais, poderiam penetrá-la. Perdê-la não seria tão vergonhoso quanto perder, digamos, um ser humano destreinado.

Não que ele iria perdê-la, disse a si mesmo novamente, e ela não iria fugir. Ele iria seduzi-la. Estava indo para apreciar a energia direta fora dela e torná-la desesperada para ficar com ele. Que não devia ser demasiado difícil. Ela gostava dele o suficiente para casar com ele, certo? Talvez. Diabos!

— Eu sei o que você está pensando. — Disse Strider após o outro suspiro. — Se ela te escapa, e daí? Você vai encontrá-la.

— Errado. — Ele pensou que, sim, mas ele logo descartou a ideia. Então tá. Quem é você? Uma menina?

— Bem, o que lhe acontece enquanto você está procurando por ela? Durante o dia ela precisa de proteção, e se você não está com ela, quem vai protegê-la?

Foda-se. Bom ponto. Scarlet não poderia funcionar durante as luzes do dia. Devido ao seu demônio, ela dormia tão profundamente. Tão profundamente que nada e ninguém poderia acordá-la até o anoitecer, um fato que ele descobriu, depois de quase lhe dar um aneurisma cerebral durante a tentativa e falhar ao sacudi-la em consciência.

Ele ficou chocado quando, algumas horas mais tarde, seus olhos abertos tinha estalado e ela sentou-se como se tivesse acabado de tomar uma sesta poderosa de dez minutos.

Que levantou outras questões. Por que o demônio dormia durante o dia, quando as pessoas ao seu redor estavam acordadas? Não que a derrota o propósito de criar pesadelos? E o que aconteceu quando ela viajou e mudou o fuso horário?

— Tivemos sorte de tê-la encontrado. — Continuou Strider. — Se não tivéssemos o anjo de Aeron do nosso lado, nós teríamos morrido tentando protegê-la. Deixá-la livre, não importa o motivo, é estúpido e perig...

— Você não disse isso antes. — Uma e outra vez. — Além disso, Olivia não é mais da nossa equipe. — Sentido, ela era. — Ela não pode nos ajudar, caso necessário. — Significado podia. — Agora, eu odeio você, cara, mas, por favor, continue falando. — Eu te amo, mas cala a boca! Sério mesmo.

Strider rosnou sua frustração renovada enquanto eles batiam os degraus que levaram para o calabouço, vitrais dando lugar a ruínas, as paredes manchadas de sangue. O ar tornou-se cediço[3], manchado de suor, urina e sangue. Nenhum era de Scarlet, graças aos deuses. Sua culpa não poderia ter lidado com isso. Felizmente - ou infelizmente, dependendo de quem você perguntasse - ela não era a única trancada. Eles tinham vários Caçadores aguardando retorno, também conhecido por interrogatório, tortura.

— E se ela estiver mentindo para você? — Perguntou o amigo. O homem não sabia quando parar, e sim, Gideon sabia que Strider não podia parar. Razão pela qual ele não se limitou a perfurar o seu amigo no rosto e bater os pés. — E se ela não for realmente sua mulher?

Gideon aspirou.

— Esqueci de te dizer. Peneirar através da verdade e mentira é difícil para mim. — Exceto com ela, mas ele não ia contar isso a ele, era só um lembrete.

— Sim, mas você também me disse que você não sabe com ela.

Um deles tinha uma memória perfeita. Excelente.

— Não há nenhuma maneira que ela possa ser minha esposa. — As chances eram pequenas, mas sim, eles estavam lá. — Eu não preciso fazer isso.

Quando, pela primeira vez, Scarlet invadiu seus sonhos e exigiu que ele a visitasse neste calabouço, ele tinha sido incapaz de fazer o contrário, preenchido com a necessidade de vê-la, uma parte dele reconhecendo-a em um nível que ainda não entendia. Quando ela alegou que tinham se beijado, tiveram relações sexuais, mesmo casado um com o outro, aquela mesma parte dele tinha cantarolava em acordo.

Mesmo que ele não se lembrasse, maldição, dela.

Por que não conseguia lembrar dela? Ele se perguntava pela milésima vez.

Ele trabalhava com diversas teorias. A primeira: os deuses tinham apagado sua memória. Mas isso levanta a questão do por que. Por que eles não queriam que ele se lembrasse de sua própria esposa? Porque não tinham apagado da memória de Scarlet, também?

A segunda teoria: ele apagou a própria memória. Mas, novamente, porque ele teria feito isso? Como ele teria feito isso? Havia um milhão de outras coisas que ele gostaria realmente de se esquecer.

A terceira: seu demônio, de algum modo tinha apagado a memória quando eles se emparelharam. Mas se isso fosse verdade, por que ele se lembrava de sua vida no céu, quando ele tinha sido um servo de Zeus, encarregado de vigiar o ex-Rei dos deuses em cada momento de cada dia?

Ele e Strider pararam na primeira cela, onde Scarlet residia nas últimas semanas. Ela estava dormindo em sua cama estreita, como ele sabia que ela estaria. E como ele tinha feito cada vez que ele a tinha visto, ele respirou fundo. Adorável. Mas...

Minha? Ele queria que ela fosse?

Não, claro que não. Isso iria complicar o inferno todo. Não que ele deixasse o assunto. Ele não podia. Seus amigos vinham em primeiro lugar. Essa é a forma como as coisas eram, e do jeito que sempre seria.

Pelo menos ela estava limpa, ele tinha a certeza que tinha água suficiente para beber e para banhar-se. E ela estava bem alimentada, ele tinha a certeza que alimentos eram entregue três vezes por noite. Ele faria o mesmo quando ele finalmente voltasse a ela. Isso teria de ser suficiente.

Não se apresse, Mentiras gritou, quase pulando de um canto de seu crânio para o outro. Não se apresse!

Fica quieto, amigo. Eu vou lidar com isso. Mas ele não podia forçar-se a avançar ainda. Ele estava esperando por esse momento desde sempre, aparentemente, e queria apreciá-lo.

Apreciar? Ele realmente estava se apropriando de uma mulher.

Desvie o olhar antes que você tenha uma ereção, ele disse a si mesmo. Tudo bem, agora que fosse mais viril. Ele deslocou propositadamente seu olhar. Os muros em torno dela eram compostos de pedra, de espessura impenetrável. Portanto, ela nunca poderia ver os Caçadores presos ao seu lado. Na verdade, Gideon não se importava com isso. Ele não queria que os Caçadores a vissem.

Sim. Ele a queria. Pelo menos por agora.

Falando dos Caçadores, eles viram os guerreiros através das suas próprias grades e encolhidos nas sombras, os seus murmúrios afilando-se tranquilo. Eles poderiam ter parado de respirar bem, tão temerosos de serem destacados. Bom. Gostava que o seu inimigo o temesse.

Eles tinham todos os motivos para fazê-lo.

Esses homens haviam aprisionado e estuprado inocentes mulheres imortais na esperança de criar filhos mestiços que poderiam crescer para odiar e lutar contra Gideon e seus amigos. As crianças que já seriam capazes de ajudar os Caçadores a encontrar a caixa de Pandora antes que os Senhores pudessem, tudo na esperança de usar o artefato para separar cada demônio do seu hospedeiro. Um ato que os guerreiros não iriam sobreviver, enquanto o homem já estava irremediavelmente ligado à besta.

Isso também fazia parte do seu castigo por abrir aquela caixa estúpida.

Gideon retirou a chave para a cela de Scarlet, os dedos novos duros e instáveis de desuso, e estendeu a mão.

— Espere. — Strider colocou uma mão forte no seu ombro, tentando segurá-lo no lugar. Gideon poderia ter se soltado, mas ele permitiu ao seu amigo a ilusão de ganhar esta pequena batalha de vontades. — Você pode falar com ela aqui. Receba as respostas aqui.

Mas eles tinham um público, o que significava que ela não conseguiria relaxar. E se ela não conseguisse relaxar, ela não permitiria que ele a tocasse. Degenerado que ele era, ele queria tocá-la. Além disso, como ele iria extrair as informações dela? Dizendo a ela como ela era feia? Dizendo a ela o que ele não queria fazer com ela?

— Não se acalme, cara. Como eu não te disse inúmeras vezes, não tenho planos para trazê-la de volta quando eu descobrir o que eu não quero saber. Ok?

— Se você puder trazê-la de volta. Discutimos esse pequeno problema já, também. Lembra-se?

Muito difícil de esquecer. Infelizmente.

— Eu não vou ser cuidadoso. Você não tem a minha palavra. Mas eu não preciso fazer isso. Não é importante para mim.

Aquela mão dura nunca o abandonou.

— Agora não é hora de nos deixar. Temos três artefatos, e Galen está chateado como o inferno. Ele vai querer a vingança para cada um que nós tiramos dele.

Galen era o líder dos Caçadores, bem como um guerreiro possuído pelo demônio. Só que, ele parecia angelical e foi emparelhado com o demônio da Esperança, então todos os seus seguidores humanos, pensavam que ele fosse, na verdade, um anjo. Por causa dele, culpavam a cada um dos senhores pela maldade do mundo. Por causa dele, esperavam um futuro livre desse mal, e lutavam até a morte para consegui-lo.

A nova mulher de Aeron, Olivia, na verdade era um anjo honesto-a-seu-Deus, tinha roubado o terceiro artefato do bastardo. O manto da invisibilidade. Então havia quatro artefatos necessários para liderar o caminho para a caixa de Pandora - o Olho Que Tudo Vê (checado), a Gaiola da Compulsão (checado), o manto de invisibilidade (como se referiu, checado) e a Haste de Partir (confira em breve) - Galen estava desesperado para reconquistar a capa, bem como confiscar todos os outros.

O que significava que a guerra realmente iria esquentar.

Não importava, no entanto. Nada iria impedir Gideon de seu atual curso de ação. Principalmente porque parte dele sentia que muito da sua vida dependia disso.

— Gid. Cara.

Ele deu o seu amigo um olhar estreito, lábios puxando para trás em um rosnado.

— Você está implorando para ser beijado. — Batido para o inferno.

Um momento se passou em silêncio pesado.

— Bem, — Strider finalmente murmurou, erguendo os braços, as palmas das mãos. — leve-a.

Eita.

— Não estava planejando, mas muito obrigado pela aprovação. — Mas por que Strider não desabou no chão, fora para a contagem? Ele tinha acabado de perder um desafio, não tinha?

— Quando você vai voltar?

Gideon deu de ombros.

— Eu não estava pensando... Uma semana? — Certamente sete dias era tempo suficiente para amolecer Scarlet em relação a ele e levá-la a se abrir sobre o passado deles. Agora, ela parecia odiar sua audácia. Ele não sabia por que, mas ele o faria. Era um voto. Mas ainda. Ela preferia claramente homens perigosos. Por que outra razão ela teria supostamente se casado com ele? Assim, ele cobraria a conta.

— Três dias. — Disse Strider.

Ah. Momento de negociação. Foi por isso que Strider não tinha caído em seu demônio. Ele não havia sido derrotado, apenas tentava outra estratégia. Gideon poderia apreciar. Ele se sentia tão culpado por deixar seus rapazes para trás como estava por deixar Scarlet nessa cela. Eles precisavam dele, e se eles fossem feridos, enquanto ele estivesse fora, ele iria se enfurecer.

— Eu não estou pensando em cinco agora. — Ele comprometeu.

— Quatro.

— Sem acordo.

Sorrindo, Strider assentiu.

— Bom.

Então. Ele tinha quatro dias para amenizar Scarlet. Ele lutou batalhas mais difíceis em menos tempo, ele estava certo. Engraçado que ele não podia relembrá-los no momento, no entanto.

Inferno, talvez ele apenas sofresse de perda de memória seletiva. Talvez lutas e Scarlet - com quem ele provavelmente lutou um pouco, desde que ela era teimosa, mandona e bocuda - fossem as maiores vítimas dessa perda.

Ele teria gostado de lembrar o sexo, apesar de tudo. Excitante. Ele só sabia disso.

— Vou informar os outros. — Disse Strider. — Mas, enquanto isso, eu vou levá-lo para onde você quer levá-la.

— Claro que sim. — Gideon finalmente inseriu a chave e desbloqueou a cela de Scarlet, a porta se abrindo com um gemido. — Eu não vou levá-la por mim mesmo. Eu quero que todos saibam para onde estamos indo.

Strider deu mais um rosnado, um tão frustrado, mas agora misturado com raiva.

— Burro teimoso. Eu tenho que saber que você fez isso com segurança para onde você vai ou não vou ser capaz de me concentrar o suficiente para matar ninguém. E você sabe que eu estou em uma dieta rigorosa, pelo menos-um-Caçador-por-dia.

— Isso é porque você não estará recebendo um telefonema meu. — Gideon se aproximou da forma ainda dormindo de Scarlet. Ela já não se cercava da escuridão impermeável, enquanto ela dormia. Como se ela quisesse que Gideon sempre fosse capaz de vê-la. Como se ela confiasse nele para não magoá-la.

Pelo menos, é o que ele disse a si mesmo.

— Deuses. Eu não posso acreditar que você me falou nisso. Eu já disse que você é um idiota?

— Não. — Delicadamente, ele pegou Scarlet em seus braços.

Suspirando, ela esfregou seu rosto contra o seu coração. Um coração que estava batendo contra as costelas como uma marreta. Ela deve ter gostado do ritmo irregular, porque ela abraçou mais perto. Bom.

Ela tinha 1,77, para os seus 1,89m, esbelta, mas um pouco musculosa. Ela recusou a roupa que ele ofereceu a ela, então ela usava a camiseta e o jeans que Aeron havia encontrado para ela vestir.

Gideon respirou profundamente mais uma vez, mas desta vez não houve culpa. Ela cheirava a sabão com aroma floral, e o consumiu. O que ela tinha cheirado todos esses anos atrás, quando eles estavam supostamente casados? Flores, como agora? Ou algo mais? Algo mais exótico? Algo tão escuro e sensual como ela era? Algo que ele teria gostado de sugar na boca enquanto ele a lambia da cabeça aos pés?

Cabeça para fora da sarjeta. Agora, não era a hora de saciar tais pensamentos.

Ele virou-se com ela segura firmemente em seu peito, um tesouro que ele iria proteger, enquanto eles estivessem fora das muralhas da fortaleza. Mesmo de seus amigos. Ele sabia que estava se contradizendo, pensando nela em termos tão românticos e tão ferozmente, quando suas intenções não eram nem puras nem honrosas, mas ele não podia ajudar a si mesmo. Estúpida luxúria.

A expressão de Strider era cautelosa, mas aceitando, silenciosamente, dizendo-lhe que nenhum movimento defensivo seria necessário.

— Vá. E tome cuidado.

Deuses, ele amava seus amigos. Eles o apoiariam, não importa no quê. Eles sempre o apoiariam.

— Incidentalmente. Você parece como um gato, que acabou de encontrar uma tigela de creme. — Strider disse com um aceno de cabeça. — Isso não é reconfortante. Você não tem ideia do que está recebendo em si mesmo, não é?

Talvez não. Porque ele não tinha olhado para frente a algo presente intensamente em um longo tempo, e ele provavelmente deveria ter sido cauteloso. Tendo em sua idiotice salientou, no entanto...

— Eu não estou mostrando-lhe um dedo na minha mente. Você sabia?

— Sim, eu sei. É o seu dedo indicador e você está me dizendo que eu sou o número um.

Ele riu. Algo parecido com isso.

— Quatro dias, — Seu amigo o lembrou. — ou eu vou encontrá-lo.

Gideon soprou-lhe um beijo.

Strider revirou os olhos.

— Impossível. Mas ouça. Eu estarei orando por você para voltar para nós vivo. E com a garota. E com ela viva, também. Ah, e que você esteja satisfeito com o que você descobrir. E que ela o satisfaça de outras maneiras, então você a esquecerá como você fez com todas as outras mulheres em sua vida.

Okay. Isso foi um monte de orações.

— Obrigado. Muito. Eu realmente quis dizer isso. Então, quando você não se tornou um padre? E quando os deuses decidiram que gostavam de responder a nós?

Strider nunca tinha desperdiçado seu tempo em oração antes, e os deuses realmente adoravam ignorar os pedidos deles.

Não, não é verdade, ele se corrigiu. Cronus, o rei Titã recém-coroado, agora gostava de visitar a fortaleza sem convite e fazer todos os tipos de exigências de merda e Gideon e os outros eram forçados a obedecer.

Como matar seres humanos inocentes. Como escolher salvar ou a sua mulher ou seu amigo. Como pedir para ser informado onde o espírito de seu amigo tinha sido enviado quando o amigo em questão tinha a cabeça fendida de seu corpo. Sim, aquilo tinha acontecido. Aeron havia perdido a cabeça por um anjo guerreiro e por ordem de Cronus, Gideon pedira (do seu jeito), para saber onde o espírito do homem residia, com lágrimas escorrendo por seu rosto. Na verdade, todos eles tinham implorado e chorado como bebês.

Mas no final, Cronus ainda tinha se recusado a dizer-lhes. Porque eles precisavam de uma lição de humildade, o canalha havia dito.

Então, naturalmente, Aeron voltou por conta própria. Ou melhor, com a ajuda de sua doce Olivia. Ele havia sido restaurado ao seu corpo, menos o seu demônio, e mais uma vez vivia aqui na fortaleza. Mas Gideon ainda tinha que perdoar Cronus para sua negligência, as preces não eram algo que ele estaria oferecendo a qualquer momento em breve.

— Padre. — A cabeça de Strider inclinada, pensativa. Naturalmente, ele ignorou as questões de Gideon. Ele, porém, Gideon facilmente perdoou. — Eu gosto. Quero dizer, é praticamente verdade. Eu já mandei muitas mulheres através dos portões do céu.

Eles não tinham todos?

E Scarlet não seria diferente, ele assegurou a si mesmo.

Sorrindo agora, Gideon levou sua mulher para longe.

 

Scarlet acordou com uma sacudida. Mas então, ela sempre o fazia. No momento em que o tempo necessário de permanência do seu demônio no mundo dos sonhos terminou, a consciência batia em seu cérebro, como se tivesse sido ligado a um gerador e a opção tinha sido invertida.

Ofegante, suando, ela sentou-se, o errante olhar selvagem embora não realmente vendo. Ainda. Os gritos que ela e seu demônio tinham obtido a partir de suas vítimas já estavam desaparecendo, mas as imagens que haviam projetado nessas mentes dormentes permaneceram nela. Chamas crepitando, carne queimando, cinza negra flutuando e dançando na brisa.

O terror noturno du jour[4] havia sido o fogo.

Ela não conseguia controlar o demônio enquanto ela dormia, enquanto ele procurava alguém que pudesse encontrar, provocando o caos que poderia. Ela poderia, no entanto, fazer sugestões, pedindo-lhe para atacar determinadas pessoas em determinadas maneiras. E ele normalmente se apressava a fazê-lo. Não que ela tivesse feito alguma sugestão recentemente.

Desde que os Senhores do Submundo a haviam capturado, ela tinha estado operando em piloto automático, seus pensamentos consumidos com um guerreiro em particular. O de cabelo azul, lindo, Gideon totalmente frustrante.

Por que ele não se lembrava dela?

Como sempre, relembrar a amnésia seletiva dele fazia todos os músculos do seu corpo se enrijecer nos ossos. Suas mãos se apertaram, rangia os dentes juntos, pequenas dores puxando através de sua mandíbula. Mas acima de tudo, uma selvagem necessidade de matar alguém, qualquer um, a consumiu.

A raiva não é boa para aqueles que a rodeiam. Acalme-se. Pense em outra coisa.

Ela forçou sua mente a retornar ao seu demônio, infelizmente, a morte e o caos eram um tema muito mais seguro do que o de seu marido. Durante as suas horas de vigília - que se elevava a doze de cada dia, embora nem sempre as mesmas doze - ela puxou as cordas. Ela poderia convocar a escuridão, e ela poderia reunir os gritos. O demônio poderia instar, e ela muitas vezes ouviu os apelos. Voltando num jogo sem violência, - depois de tudo. E, normalmente, Pesadelos gostava de urgência. Assustá-la... Fazê-la gritar...

Mas agora, seu demônio estava estranhamente contido.

Estamos fora do calabouço, Pesadelos disse, vendo seu ambiente antes que ela pudesse.

Oh. Não é de admirar.

As chamas finalmente morreram, e Scarlet observou a área. Ela franziu o cenho. Okay. Então. Onde diabos, ela estava agora?

Ela havia sido trancada na masmorra durante várias semanas, fechada em ruínas de pedra e barras de ferro. Gemidos aflitos tinham constantemente derivado de outras celas, e todos os tipos de pungentes perfumes acres tinham a sua residência permanente dentro do seu nariz.

Agora decadência... Papel floral decorava as paredes e cortinas de veludo negro pairavam sobre as janelas panorâmicas. Havia um brilhante lustre violeta sobre a cama, as luzes como pacotes de uvas. E a cama, bem, seu olhar deslizou sobre cada centímetro dela. Grande, com suaves lençóis azuis e quatro colunas decoradas à mão.

Melhor de tudo, o ar cheirava doce, como aquelas uvas penduradas misturadas com maçã e baunilha. Ela respirou profundamente, saboreando. Como tinha chegado aqui? Sem o seu conhecimento?

Claramente, ela foi carregada enquanto ela dormia como uma morta. Algo que ela geralmente desprezava, mas não conseguiu dessa vez, porque significava que ela tinha sido posta em liberdade, tal como ela esperava. Sim, esperava. Ela não queria permanecer naquela fortaleza, só para estar perto de Gideon. Realmente.

Ainda. Enquanto ela estava perdida para os sonhos dos outros - e, sim, não importava o tempo, ela deslizava para dentro daquele reino das trevas e da confusão, alguém, em algum lugar estava dormindo, o demônio se alimentando de seu terror - alguém poderia atacá-la, e ela seria incapaz de se defender. Qualquer um poderia fazer alguma coisa para ela, e ela estaria impotente para detê-los.

Ser movida enquanto ela estava indefesa, irritava.

Normalmente, ela protegia-se justo criando uma situação de sombras. Ela só brandir mentalmente um dedo pouco antes de ela ir à deriva e a escuridão iria envolver tudo ao seu redor enquanto ela dormia, o que tornava impossível para alguém vê-la. Mas, uma vez que ela percebeu que estava dentro de casa de Gideon, ela parou de convocar as sombras.

Talvez ela quisesse, em algum nível, que vê-la enquanto ela dormia seria reviver a memória dele para ela. Talvez ela desejasse que o desejo dele por ela crescesse de novo e implorasse para ser uma parte da sua nova vida. Que foi estúpido. O bastardo tinha a deixado apodrecer dentro do Tártaro, ela não devia querer o seu desejo.

Ela devia querer a ruína dele.

— Bem, bem. Estou tão chateado que você está finalmente acordada.

Ao som de sua voz profunda e retumbante, Scarlet se enrijeceu, o olhar mais uma vez itinerante. Então, ela o viu, e seu coração parou abruptamente. Ele estava na porta do quarto, a braços musculosos soltos. Ele era um guerreiro cuja face malvada prometia noites incomparáveis de prazeres pecaminosos, os olhos brilhantes de expectativa e contradizendo sua pose casual.

Gideon. Uma vez seu amado marido, mas agora um homem que merecia apenas o seu desprezo.

Seu coração retrocedeu para trás em marcha, rapidamente ganhando velocidade, e seu sangue quente com filamentos de consciência. A mesma reação que ela experimentou a primeira vez que ela o tinha visto, milhares de anos atrás.

Não é minha culpa, daquela vez ou agora. Não havia homem mais bonito, parte anjo, parte demônio, e tudo mais masculino para ele. Nenhum homem que tentava até mesmo enquanto ele repelia, em algum lugar profundo dentro de uma mulher alertando-a dos perigos que a aguardavam se ela sucumbisse ao seu fascínio. Perigos que ela não podia ajudar, mas ansiar.

Ele vestia uma camiseta preta com os dizeres “Você sabe que você me quer”, - calça preta um pouco larga e um cinto de corrente de prata. Havia três piercings na sobrancelha direita, e agora um em seu lábio. Um aro. Prata. Para combinar com o cinto, ela pensou depreciativamente.

Ele sempre se preocupava com sua aparência, e não gostava de ser provocado sobre o assunto. Algo que antes a divertia, pois apresentava um lado mais suave dele. Uma dica de vulnerabilidade.

Hoje, porém, ela não poderia convocar qualquer jovialidade. Enquanto ele ficava ali olhando tão apetitoso, quanto trufas de chocolate embebidas em caramelo, ela provavelmente parecia um rato de sarjeta mergulhado no esgoto. Ela só foi capaz de esfregar-se com a água que os Senhores traziam a cada noite, assim suas roupas estavam sujas e enrugadas e os cabelos uma massa de emaranhados.

— Tenho muito a dizer, não é? — Ele murmurou. — Estamos no caminho certo, então.

Ela sabia que ele só poderia falar mentiras, então ela sabia exatamente o que ele queria dizer. Ele queria que ela falasse. Mantenha-se quieta. Não deixe que ele saiba como ele afeta você. Ela arqueou uma sobrancelha, vestindo o que ela esperava fosse uma expressão despreocupada.

— Lembra-se de mim agora? — Bom. Não tinha havido uma única faísca de dor em seu tom.

Seus olhos esvaziados de emoção, fazendo com que as esferas cristalinas olhassem tão duro como diamante.

— É claro que eu lembro.

Assim, não. Ele não lembrava. Bastardo. Ela não permitiu que sua expressão mudasse, não ia deixá-lo saber o quanto ele a incomodava.

— Então por que você me tirou da fortaleza? — Lentamente, deliberadamente, ela passou o dedo para baixo na coluna de seu pescoço, entre os seios, perguntando se - sim. Seu olhar seguiu o caminho todo. Será que alguma parte dele ainda a achava atraente? — Eu sou uma mulher muito perigosa.

— Não fui avisado sobre isso já. — As palavras foram quebradas, emergindo em uma grossa respiração. — E eu não a retirei para conversar confortavelmente, com certeza.

Não era porque ele a queria, então, mas apenas para satisfazer sua curiosidade. Sua mão caiu no colo. Ela não estava desapontada. Isso foi mais do mesmo, e ela alertou-se contra a angústia mental, inúmeras vezes já. Uma vez mais, dificilmente devia fazer a diferença.

— Você é um idiota se você pensou que uma mudança de cenário soltaria a minha língua.

Embora ele permanecesse em silêncio, um músculo marcou em sua mandíbula. Ele estava claramente perturbado.

Ela lhe ofereceu um sorriso muito doce, determinada a aproveitar o instante. E havia algo satisfatório em deixá-lo no escuro, deixando-o a adivinhar a forma como ele manteve sua suposição sobre o seu paradeiro durante milhares de anos cheios de preocupação.

Lembrou de sua preocupação, que a alma profunda preocupação, sempre presente, ela não conseguia parar de sorrir, falso como era, a partir da fuga. Ela ainda tinha que pressionar a sua língua no céu da boca para parar de se mastigar em fúria.

— Eu voltarei para você. — Ele disse a ela uma noite. — Eu vou te libertar, eu juro.

— Não. Não vai. Não me deixe aqui. — Deuses, ela tinha sido tão apelativa na época. Mas ela tinha sido uma prisioneira, e ele tinha sido sua única luz brilhante.

— Eu te amo demais para ficar sem você por muito tempo, querida. Você sabe disso. Mas eu tenho que fazer isso. Por nós dois.

Claro, ela não tinha visto ou ouvido falar dele depois disso. Não até que os Titãs escaparam do Tártaro, uma prisão para imortais, e haviam tomado o controle dos céus dos gregos. Não até que ela veio aqui na Terra e procurou... Só para encontrá-lo numa farra em algum clube noturno repulsivo.

A fúria expandiu, pontilhando sua linha de visão com o vermelho. Respiração profunda, respiração profunda. Lentamente, os pontos se dissiparam.

— Nós estamos aqui. — Disse ela, embora ela ainda permanecesse, avaliando a sua reação. — Você não vai conseguir o que quer, e você certamente não irá manter-me aqui.

— Sinta-se livre para correr de mim. — Ele cruzou os braços sobre o peito grande, puxando o tecido de sua camisa apertada em todos seus músculos peitorais. — Você não vai se arrepender.

Novamente, ela sabia que ele queria dizer. Corra e ele garantira que ela sofreria. Mas ela disse:

— Logo que eu me esticar, eu vou levá-lo até a oferta e execução. Obrigada pela sugestão, pelo caminho. Eu nunca teria pensado nisso sozinha.

Ele rosnou com frustração e raiva, todo o toque de descontração se foi.

— Eu fui cruel para trazê-la aqui. Você não me deve um favor em troca, por isso é melhor não ficar parada.

— Nós estamos de acordo. Você é cruel, e eu não lhe devo nada, então não vou me sentir obrigada a permanecer.

Outro rosnado. Ela tentou não rir. Danação, ele ainda era divertido de embaraçar.

Diversão? Seu sorriso desvaneceu-se uma segunda vez. Ela devia odiar que ele só pudesse falar em mentiras, não apreciá-la. Que língua enganadora a dele que outrora quebrou seu coração já frágil.

— Isso assim não é o suficiente de você. — Ele criticou.

— Uau. Já implorando por mais. — Certa vez, ela tinha pensado que ele fosse especial. Mas ele provou-se exatamente como os outros. A mãe dela, seu rei, seus supostos amigos. Eles deviam ter cuidado com ela, mas a traíram, cada um deles.

Eles tinham sido criminosos, com certeza, mas mesmo os criminosos poderiam amar. Certo? Certo. Então, por que eles não poderiam me amar?

Ela passou a vida inteira trancada no Tártaro porque sua mãe, Rhea, esposa de Cronus, teve um caso com um mortal justamente antes da prisão da rainha e tinha eventualmente dado à luz a Scarlet dentro de sua cela. Uma cela que tinha compartilhado com vários outros deuses e deusas.

Scarlet tinha sido criada entre eles, e num primeiro momento, eles gostavam dela. Enquanto ela envelhecia, no entanto, a inveja brotou em alguns. Luxúria em outros.

Cativeiro, o ódio e a amargura logo tinham se tornado seus únicos companheiros confiáveis.

Até Gideon.

Ele tinha sido um guarda de elite de Zeus e cada vez que ele trazia um novo prisioneiro, seus olhares se encontravam. Ela esperava por esses momentos, desesperada por eles. Ele gostava deles, também, porque ele começou a visitar regularmente o Tártaro. Não para trancar outro criminoso, mas simplesmente para vê-la, para conversar com ela.

Não pense sobre o seu tempo com ele. Você vai amolecer em relação a ele. E você não pode amolecer, sua idiota.

Depois de ganhar a sua liberdade, ela deveria ter ficado no Olimpo, o qual foi renomeado agora para Titânia, graças a Cronus, e encontrado um deus bom para sossegar. Mas nãooo. Ela tinha que ver Gideon uma última vez. Então, tendo-o visto, ela teve que ficar perto dele. Então, tendo decidido ficar, ela só tinha que convencer-se de alertar os Senhores longe dela, pois ela tinha ouvido que eles (os deuses) estavam monitorando todos os imortais emparelhados com um demônio da caixa de Pandora, com a intenção de recrutá-los... Ou matá-los.

Bastardo, ela pensou sobre Gideon novamente. Excelente. Isso é mais parecido com ele. Ele é um mentiroso imundo, um assassino de sangue frio, e você o odeia. Ele ainda planejava matá-la depois que conseguisse as respostas dela, ela sabia que ele faria. Porque ela nunca iria ajudá-lo, o que fazia dela uma responsabilidade.

— Este silêncio é impressionante. — Ele comentou.

— Fico feliz que você goste. — Ela respondeu. Impaciência floresceu sobre a expressão dele, e ela teve que lutar contra outro sorriso. — Porque eu estou disposta a dar-lhe muito mais do mesmo. — Outro rosnado. — Oh, e para sua paz de espírito, você deve saber que eu não vou correr. — Ainda. Ela queria falar, também, embora não para satisfazer a sua curiosidade.

Por muito tempo, ela perguntou se ele tinha encontrado alguém novo. Alguém permanente. E isso passou o tempo que ela conhecia. É claro que, se ele tivesse, Scarlet teria de matar a cadela. Não porque ela ainda se preocupava com Gideon - ela não se preocupava, ela lembrou a si mesma, - mas porque ele não merecia essa felicidade.

Isso não era vingança dela. Como sua ex desprezada, era simplesmente o direito dela.

— Não obrigado por ter ficado. — Disse com um suspiro aliviado.

Obrigado, ele estava dizendo.

— Você não é bem-vinda. — Foda-se, ela estava dizendo.

Estreitando os olhos, e fazendo-o parecer como se quisesse pisar o pé no vexame como uma criança, ele traçou sua língua sobre os dentes. Placar: um para Scarlet.

— Como é possível que nós não nos casamos, apesar de meus amigos saberem tudo sobre ele?

Como é que eles se casaram sem que ninguém soubesse? Fácil.

— Nós nos casamos em segredo, idiota.

Desta vez, ele não reagiu à sua provocação.

— Eu estava sem vergonha de você?

Oh, ela poderia bater-lhe por isso. É claro que ele pensava que tinha sido envergonhado dela mais uma vez do contrário. Ela tinha sido a prisioneira, apesar de tudo, e ele o homem livre. Não que ele se lembrasse ainda do pequeno detalhe, mas é claro que ele ainda pensava muito bem de si mesmo.

Bastardo era uma palavra muito gentil para ele.

— Você não tinha vergonha de mim, mas você teria sido morto se você tivesse sido pego associando-se comigo. — Ela falou entre dentes.

Ele assentiu com a cabeça, como se ele agora entendesse que ela era uma Titã que havia sido presa no Tártaro pelos gregos, ao invés de uma criminosa real. Como se ele já entendesse que os gregos, os mesmos que o haviam criado, teriam-no castigado da pior maneira possível por "namorar" um dos seus inimigos odiados.

— Então. Se nós não fomos casados durante todo esse tempo, qual o nome que você não está usando?

Uh, qual? Ele já tinha esquecido o maldito nome dela, quando ela disse a ele na primeira vez que ele foi visitá-la no calabouço? Apenas algumas semanas se passaram desde então.

— Meu nome é Scarlet. — Seu burro! — Mas eu já lhe disse isso. — Burro, burro, burro. Suas mãos apertaram o algodão debaixo dela.

Ele acenou com uma negativa.

— Não sabia disso, já. O que eu não quero saber agora é o seu sobrenome.

O que não conseguiu acalmá-la. Seu aperto apertado, e estreitou os olhos para fendas pequenas. Claramente, isso era parte de sua busca por informação, a curiosidade não íntima, e que ele a considerava burra o suficiente para cair nisso.

Ele não tinha certeza se ela era uma deusa ou uma de seus servos. Como uma deusa, ela não teria um sobrenome. Como um servo, ela teria, por sobrenomes de baixo status, como se não pudesse ser distinguida pelo seu primeiro nome apenas. Como um ser humano. Gideon estava fazendo o processo de eliminação. Não que isso lhe fizesse nenhum bem, porque ela não era nem deusa nem serva. Nem humana, para essa a matéria. Ela era algo entre todos eles.

— Meu sobrenome muda a maioria das vezes que eu assisto a um filme doce e encontro um novo doce homem. — Disse ela em tom muito doce que combinou com seu sorriso anterior.

Agora, ele bateu o queixo, o anel do lábio brilhante à luz lavanda. Irritado com isso, ele estava? Não gostou da ideia de sua suposta esposa comendo outros homens com os olhos, hein?

— Doce homem? Como algo que você pode comprar de uma padaria? — Seu tom era sarcástico, com a intenção de envergonhá-la.

— Claro que não. — E ele claramente não pensava assim, tampouco, porque ele não havia passado de suas palavras. Ele ficou irritado, então. Bom. Finalmente. A verdadeira satisfação. Placar: dois. — Você sabe. Doce homem. Homens para cobiçar, homens que você deseja lamber, homens que você pretende sugar e foder. Bem, não você, mas eu. — De jeito nenhum que ela queria que Gideon pensasse que ela o tinha desejado todos esses anos. Que tinha ficado acordada, desejando-o, desesperada por ele.

Não importava o quão verdadeiro fosse.

Aqueles olhos se estreitaram mais, seus cílios se fundindo juntos e obscurecendo o azul brilhante de sua íris.

— Você não é um Senhor. Não como eu. Você não devia chamar-se Scarlet Senhor.

— Você chama a si mesmo de Gideon Senhor? — ela perguntou. Ela não sabia disso.

— Não.

Sim.

— Bem, então, eu nunca vou me chamar de Scarlet Senhor. — Ela não iria viajar por esse caminho com ele novamente. Ela não iria anunciar a este mundo e aos céus que ela lhe pertencia.

Se ela compartilhasse algo com esse homem, seria a ponta de sua adaga. Direto através de seu negro, esquecido, abandonado coração.

Ele ficou branco perolado numa carranca assustadora.

— Eu não estou te avisando para pisar com cuidado. Eu não sou perigoso quando estou irritado.

— Ei, me diga se você já ouviu isso. Mas... Espere por isso... Vá se foder.

Por alguma razão, a raiva drenou para fora dele e seus lábios curvaram para a aparência de um sorriso.

— Nenhum espírito. Eu não posso ver porque eu tenha escolhido você.

Sim. Não. Amolecer.

— Eu não quero saber como você chamou-se depois. — Ele se ajeitou a partir da moldura da porta, mas manteve seus braços cruzados sobre o peito. — Por favor, não me diga. Por favor.

Perguntou casualmente, com a dica de diversão, mas agora havia um brilho em seus olhos afiados, como se fosse diminuir a distância entre eles, se necessário, e arrancar a resposta dela.

Se ele a tocasse, se os dedos fortes fechassem em torno de seus braços... Não, não, não. Ela não podia permitir isso.

Ela encolheu os ombros, como se a informação não importasse.

— Bem, eu tenho me chamando Scarlet Pattinson durante várias semanas. Você já viu Robert Pattinson[5]? O mais quente. Homem. Sempre. E não, eu não me importo se isso me faz um puma. Ele canta com a voz de um anjo. Deuses, eu adoro quando um homem canta para mim. Você nunca o fez, porque sua voz é terrível. — Ela estremeceu em desgosto. — Eu juro, é como um demônio correndo suas garras sobre o enxofre.

Os dedos dele estavam apertando em seu bíceps tão selvagemente, hematomas já estavam se formando.

— E agora você não vai me dizer quem você era antes disso.

Ele deixou cair o "por favor". Excelente. Ela estava ficando com ele novamente. Mas até onde ela poderia empurrá-lo sobre este ponto? Quanto poderia o seu estúpido orgulho de macho tomar antes que ele fizesse vibrar mais com ela? Antes de ele sacudi-la? E não por respostas, mas por um pedido de desculpas.

Certa vez, ela tinha conhecido a resposta para essas perguntas. Ele jamais a tocaria com raiva. Mas ele não era o mesmo homem terno por quem ela havia se apaixonado. Um homem que havia mostrado a ela o primeiro gosto da bondade. Ele não podia ser. Ela e todos os outros prisioneiros tinham ouvido histórias sobre os Senhores do Submundo e suas façanhas. Os inocentes que tinham sido mortos, as cidades que foram destruídas.

Além disso, ela sabia o que seu próprio demônio lhe fizera em sua união. A escuridão, o terror, a perda absoluta de controle. Ela havia sido consumida, não mais humana de qualquer forma. E isso durou por séculos, a ela foi dito, apesar de existirem lacunas em sua memória, que o tempo parecia ter passado em questão de dias. Ainda. Ela não era mais a mesma pessoa, também.

— Eu fui Pitt[6] por um tempo. — Disse ela. — Então Gosling[7]. Então, Jackman.[8] Então Reynolds[9]. Eu sempre volto para Reynolds. Ele é o meu preferido. Aqueles cabelos loiros, aqueles músculos... — Ela estremeceu. — Vamos ver, quem mais? Oh. Eu tenho Bana[10], Pine[11], Efron[12] e Leonardo DiCaprio[13], também. DiCaprio é um outro favorito. E outro loiro, só para constar. Talvez eu tenha uma queda por loiros.

Esperemos que provocasse essa marca. Gideon tinha cabelos negros debaixo de todo aquele azul.

— Oh, e eu não gosto de meninas. — Ela continuou: — Mas Jessica Biel[14], poderia mudar minha mente. Você já viu seus lábios? Então sim, eu fui mesmo Scarlet Biel.

Gideon fez aquela mandíbula avançar novamente. E se ela não estava enganada, a raiva voltou com força total, queimando os últimos vestígios de divertimento.

— Assim, muito pequenos doces. — Observou ele.

Aparentemente, ela poderia empurrá-lo muito longe. Como se ela tivesse pensado nele apenas irritado antes? Que foi suprimida pela raiva que ela estava ouvindo em sua voz... Assim como baforadas de profunda excitação.

O último foi um som que ela tinha conhecido bem e nunca pensou ouvir de novo.

Não sorria.

— Eu gosto de variedade, o que posso dizer? Talvez um dia seja a minha missão pegar e definir cada um deles.

Vapor praticamente saía de suas narinas. Sim, raiva. Ele ajeitou, deu um passo adiante, deteve-se, e recuou para a porta.

— Nós não acabamos com esse assunto por agora. — Vociferou. Ele se virou como se quisesse sair.

— Espere. — Ela não estava pronta para acabar com a troca. Ainda não. — E você? — Ela perguntou, mudando o foco de si mesma. Cuidado. — Alguma namorada que eu deveria saber? Ou melhor ainda, uma outra mulher? Se assim for, eu vou ter que prendê-lo por poligamia. — Não. De jeito nenhum ele poderia adivinhar seu desespero. Sua rasgante necessidade de saber.

Lentamente ele girou de volta.

— Sim. — Disse ele com os dentes cerrados, a palavra mal raspando o seu caminho livre. Significado: não, ele não teve nenhuma. — Eu tenho uma namorada, e estou casado com outra pessoa.

Scarlet lançou um suspiro severo que ela não sabia que estava segurando. Gideon estava solteiro. Uma prostituta do sexo masculino que pegou todas as bundas em que poderia colocar suas mãos, sim, mas ele ainda estava solto. Ela começou a tremer. Não de alívio, ela estava certa, mas na decepção que ela não iria assassinar alguém que ele tinha amado antes.

Então... Nós estamos aqui.

Ela agora já tinha a informação que ela queria, ela poderia terminar com ele. Exceto, jogou as pernas para o lado do colchão e se levantou. Sem bater nele e fugir. Idiota.

— Eu vou tomar um banho e você terá de me alimentar. Nem pense em discutir ou eu juro aos deuses que eu vou encher seus próximos sonhos com incontáveis aranhas. — Pelo menos, ela pensava que poderia.

Por alguma razão, Pesadelos não gostava de atormentá-lo. Ela teve que implorar para conseguir que o demônio fizesse a primeira e única vez, e a besta estúpida protestou e gemeu a cada momento. Isso nunca tinha acontecido antes. Sua demônio era um carrasco de iguais oportunidades.

Por que Pesadelos gostava dele? Ele, de todas as pessoas. Seu demônio nem sequer o conhecia, dado que ela foi possuída após Gideon tê-la abandonado. Mas seu demônio tinha resistido a suas queixas constantes sobre ele, então ela teria apostado o dinheiro bom em Pesadelos desejando que Gideon estivesse morto, só assim as reclamações de Scarlet parariam.

— Bem? — Ela exigiu. — Por que você está aí parado? Se mova.

Os lábios de Gideon fizeram aquela coisa adorável torcendo novamente. Tentando não sorrir? Homem ímpar. Qualquer outra pessoa teria se irritado. Ou ameaçado esfaqueá-la em um tom altivo, imponente.

— Tudo o que você desejar, meu doce.

Que significava que ele estaria fazendo nada. Ela assumiu. Ele sempre foi teimoso e nunca tinha tomado ordens bem, e isso era algo que ela gostava dele. Ainda. Ela não podia deixá-lo sentir-se satisfeito com a conversa.

Satisfação pertencia somente a ela.

O que significava que era hora de jogá-lo para um outro ciclo.

Enquanto ela caminhava para o banheiro, tirando as roupas ao longo do caminho, ela disse sobre seu ombro.

— Oh, e Gid. Eu estive mentindo para você o tempo todo. Nós nunca nos casamos.

 

Droga, droga, droga! Gideon ainda não conseguia detectar quando Scarlet mentia, e isso estava realmente começando a irritá-lo. Por alguma razão, cada palavra de seus lábios adoráveis ainda acariciava seus ouvidos, e pior, aquela audível carícia estava se alastrando por todo o seu corpo. Como?

Fato: a verdade geralmente fazia seu demônio silvar. Fato: mentiras geralmente faziam o demônio ronronar. Com Scarlet Pattinson - ele quase fez um buraco na parede do quarto de hotel como Strider tinha feito na fortaleza enquanto seu aborrecimento aumentava - pegou apenas na voz rouca dela, tão perdido no prazer para se preocupar com a verdade ou mentira.

Ele ia ter que parar com isso. Caso contrário, ele nunca poderia obter suas respostas.

Deixe-a, Mentiras exigia.

Vá buscá-la? Dificilmente. Eu gosto das minhas bolas onde elas estão, obrigado. O tipo de mulher que daria um soco em você por tentar beijá-la acertaria o joelho em seus testículos, em sua garganta por espreitar as suas curvas nuas enquanto ela se lavava.

Nuas... Curvas... Olá, duro.

A porta do banheiro se fechou, bloqueando cada centímetro dela de sua visão. Mau, uh, coisa boa, também. Ela tirou seu sutiã e a calcinha. Pretos, os dois. Com renda. O sutiã tinha fecho na frente, apenas pedindo para ser separado. A ascensão do testículo podia valer a pena, pensou ele, já caminhando para frente.

Sua boca molhada, uma lambida chama dançando sobre seu corpo, aquecendo seu sangue para ebulição. De alguma forma, ele deteve-se antes de bater à porta. Mostre alguma contenção, pelo amor de Deus. Era justo, santo inferno, ela era linda. Como um retrato vem à vida, todos os pálidos, pele rosa-claro e queda de cabelos negros sedosos. Todas as curvas perigosas e musculosas, duas coisas que normalmente não vão bem juntas. Sobre ela, no entanto, elas fizeram. E tão primorosamente.

Gloriosa. A palavra perfeita para suas costas e sua tela tatuada. Em torno de sua cintura estavam as palavras SEPARAR É MORRER, e em torno das palavras estavam flores. Montes e montes de flores. Flores de todas as cores, formas e tipos, e ele queria traçar cada uma delas com a língua. Abaixo das flores, nas coxas, estava uma tatuagem de borboleta atada com todos os tons da joia de um arco-íris, glitter brilhante e apanhado, como se dirigem para as flores. Glo-ri-o-sa.

Aquele não era o que havia pego a maior parte de sua atenção, no entanto. SEPARAR É MORRER. Ele tinha aquelas palavras e as flores que cercavam tatuados em torno de sua própria cintura. Porque ele se tinha feito algo tão afeminado? Isso é o que todos os seus amigos queriam saber depois de rir à sua custa. Ele lhes disse que ele queria provar que nada poderia diminuir seus atrativos.

A verdade era que ele tinha feito isso porque ele tinha visto essas palavras e flores em sua mente, uma e outra vez. Elas haviam atormentado, e ele tinha conhecido, sabido que significavam algo, mas não o que elas significavam. Agora ele sabia que as tinha visto nesta mulher. O que significava que se eles eram casados ou não, eles passaram tempo juntos.

Porque eu não posso lembrar, que maldição?

Eu sei, respondeu Mentiras, como se tivesse perguntado ao demônio.

Cale-se. Eu gosto mais de você quando você está calado.

O som da água batendo na porcelana de repente ecoou pelo quarto de hotel. Scarlet estava provavelmente nua agora, pensou. Provavelmente embebida em água e gemendo enquanto deslizava em seu corpo delicioso.

Ele gemeu, esfregando uma mão pelo rosto e esperando enxugar as imagens perversas piscando por sua cabeça. Não ajudou. Diminuiu o resto da distância, estendendo o braço para a maçaneta. Adeus, testículos. Tivemos uma boa corrida.

Assim como antes, ele pegou-se no tempo. Ele resmungou, recuou e plantou os pés mais firmes no lugar. Não, não e não.

Pelo menos ele não precisa se preocupar com a fuga dela. Não com êxito. Enquanto ela dormia, ele havia pequenos sensores em todas as portas e janelas, e ligou-os em seu telefone. Ele saberia o momento em que ela tentasse fugir. E ela fugiria. Em breve. Ela não seria capaz de ajudar a si mesma. Lutar era claramente parte de sua natureza.

Tão irritante para ele.

Como iria lidar com uma mulher que escolhia seu sobrenome com base em quem ela estava cobiçando? Que estava bem quando ela estava a cobiçar outras mulheres. Sexy, mesmo. Algo a ser incentivado, também. Mas os homens? Infernos. Não. Não se havia uma chance que eles estavam engatados, e não até que eles tivessem as coisas acertadas entre eles.

Ainda. Ele sabia como ele queria tratá-la. Pele a pele. Cada parte dele desejava entrar nesse chuveiro, lambê-la, saboreá-la. Então, oh, sim, então, que ele calaria fundo dentro dela, sentiria seu agarre em seu cabelo e o arranhão nas costas. Sentiria ela enrolar as pernas em torno dele e segurar firme. A ouviria suspirar seu nome e implorar por mais.

O pequeno Gid, o mais amado apêndice, começou a chorar, e os gêmeos mendicantes, indiferentes sobre a perda de potencial.

Não vai acontecer, caras. Ainda não, pelo menos. Ela resistiu-lhe mais intensamente do que ele esperava. Não que ele tivesse tentado muito duro. Duro. Ha. Mas talvez isso fosse uma coisa boa. Como Strider tinha lembrado a ele, os Caçadores estavam em Budapeste e em busca de sangue. Agora que eles poderiam matar os Senhores e emparelhar os demônios com pessoas de sua escolha, agora que os Senhores estavam perto da vitória, os Caçadores estavam mais determinados e cruéis do que nunca. Se Gideon seduzisse Scarlet, ele esqueceria sua guarda.

Ele poderia tê-la levado para outra cidade, ele supunha, e seduzi-la lá. Isso teria sido mais seguro. Mas, não. Ele não podia deixar seus amigos assim. Eles precisavam dele mais do que nunca. Maddox estava consumido com a flexibilização de sua esposa grávida; a namorada de Lucien estava planejando seu casamento; a esposa de Sabin foi visitar sua irmã no céu, então o senhor da guerra estava a funcionar muito bem em um gatilho de emoção; e a mulher de Reyes tinha bastante merda para lidar. Como o Olho Que Tudo Vê, ela poderia perscrutar o céu e o inferno, e as coisas que viu muitas vezes eram muito piores do que qualquer coisa que Scarlet poderia fabricar em seu mundo de sonhos.

Para não mencionar, Aeron, até recentemente, o detentor da Ira, estava ainda se recuperando de seu interlúdio com a morte. Pela primeira vez em séculos, sua mente era sua, seu demônio já não uma parte dele. Como esperado, ele ainda não tinha se acostumado com a mudança.

Gideon não tinha inveja, como alguns dos guerreiros tinham. Ele realmente gostava de sua outra metade, mais escura. Juntos, eles eram mais poderosos. Juntos, eles eram mais fortes, mais inteligentes, e ninguém, apenas Scarlet poderia mentir para ele. Ok, tudo bem. Alguns outros podiam, mas só quando ele deixasse suas emoções obterem o melhor dele. Que não era frequente.

Mas, falando de serem incapazes de dizer a verdade das mentiras... Eu estive mentindo para você o tempo todo. Nós nunca fomos casados, Scarlet disse.

Maldição, ela e suas artimanhas de sedução. Eles eram ou não eram? Ele tinha aqueles flashes dela, sim, como se tivesse levado ela para a cama antes. Como se ele tivesse saboreado cada centímetro dela e já tivesse feito todas as coisas que ele queria fazer agora. Mas aqueles muito bem poderiam ser impulsos que ele tinha, meras fantasias, ao invés de realidade.

Gideon suspirou e caminhou até a cama onde Scarlet se deitara. Ele levantou os lençóis e pressionou o algodão ainda quente contra seu rosto, o cheiro das orquídeas da meia-noite flutuando ao seu nariz. Ele tinha experimentado esse calor pele para pele? Ele conhecia o cheiro?

Carrancudo, ele deixou cair o lençol enquanto seu pênis chorava mais um pouco. Saia daqui antes que esqueça suas boas intenções e force sua entrada no banheiro.

Seu demônio gostou da ideia de invadir. Não entrar no banheiro. Não entre no banheiro agora!

Sério mesmo. Cale-se.

Embora Gideon tivesse dito a Scarlet em sua tortuosa maneira enganosa que ele não estaria buscando seu alimento, o que ele significou na época, saiu e trancou o quarto, desceu com o elevador, escreveu a comida que ele queria e, em seguida entregou a nota ao recepcionista.

Mentiras rondou com raiva por sua cabeça o tempo todo, odiando a distância de Scarlet. Completamente surreal.

A recepcionista sorriu e começou a escrever.

— Dê-nos uma hora, Sr. Senhor. — Ele quase corrigiu e disse Pattinson. Nada que o ligue à Scarlet. Ao contrário, ele balançou a cabeça e voltou para o quarto. Scarlet estava com fome. Portanto, ele iria alimentá-la. Esposa ou não. Como linha de fundo, ele ainda tinha perguntas para ela e ela ainda tinha respostas.

Como ele procederia depois disso, como homem das cavernas ou sedutor, caberia a ela.

 

Ela já tinha se sentido tão fantasticamente limpa assim antes? Scarlet permanecia maravilhada enquanto ela escovava os cabelos.

Deuses, isto era bom. Não havia uma partícula de sujeira nela. Ela agora cheirava a maçãs e a mesma fragrância de baunilha que revestia o ar, junto com o aroma floral usual que sua pele exalava. Cortesia do seu pai? Ela sempre se tinha perguntado.

Seus músculos sentiam-se revitalizados, seu espírito restaurado. Bem, típico dela. Por que ela ainda estava aqui? Porque não tinha saído correndo como ela tinha prometido a Gideon que faria?

Pesadelos não respondeu, a água estava embalando o demônio em um sono tranquilo.

Não importava. Ela já sabia a resposta. Gideon ainda a intrigava.

Quantas vezes você precisava ouvir dizer? Você não pode se deixar desenvolver sentimentos por ele novamente.

Era fácil pensar. Difícil, na verdade, era impedir. Gideon tinha pensado em tudo. Ele colocou uma escova de dentes, creme dental e escova de cabelo na pia. Oh, sim! E um arco excêntrico azul para os cabelos dela. Roupas limpas descansavam no tampo, mas elas não eram as que ela teria escolhido para si mesma. Ele pegou uma corrente, um mal vestido azul lá ao invés de calças e uma T-shirt. Sapatos de salto alto ao invés de botas. Ele não tinha dado a ela um sutiã. Apenas calcinha azul.

Claramente, ele tinha um fascínio com o azul. Por quê?

Ela deveria saber e odiava não saber. Isto seria uma evolução recente?

Não que se importasse, ela disse a si mesma em seguida. Seus pensamentos e raciocínios não eram sua preocupação.

— Estou muito feliz esperando por você. — Ele chamou através da porta.

O som da sua voz retumbante causava arrepios ao sair por todo o corpo. Ela o imaginou andando para lá e para cá na frente da porta e ela queria sorrir. Paciência nunca foi o seu forte. Ela que sempre apreciava, principalmente, porque ele estava tão ansioso para estar com ela.

Ele costumava correr até a sua cela após cada missão, beijar o seu rosto, as mãos errantes desesperado para pegar em suas curvas.

— Eu perdi tanto de você. — Ele disse a todo o maldito instante.

— Não me deixe outra vez. — Sempre lhe repetia.

— Eu ficaria nessa cela com você, se eu pudesse. — Ele ofereceu um triste sorriso furtivo na última vez enquanto tinham esse intercâmbio. — Talvez, um dia eu vá.

— Não. — Ela não queria que, para ele, não importasse o quanto ela desejasse estar com ele. — Só... Faça-me esquecer que você foi embora.

E ele tinha. Oh, ele tinha.

Se ele pudesse ter retirado o colar que, permanentemente, havia sido fechado em torno de seu pescoço, como ele sempre dizia, ele teria feito isso e fugiria com ela. Mas ele não possuía esta habilidade. Apenas alguns escolhidos de Zeus tinham. Assim, o colar de ouro ficara, aparentemente, aderido a sua pele, mantendo-a enfraquecida, os seus poderes de demônio silenciaram.

Além disso, apenas um seleto grupo de imortais eram capazes de flash - para viajar de um local para outro com apenas um pensamento - em um único e fora do Tártaro e Gideon não tinha sido um deles. Ele teria se esgueirado através dela todo o reino, passando pelos guardas até o portão. Um deles, por si só, já teria sido difícil, juntos, eles eram impossíveis, mesmo sem a coleira. Mas ele ainda queria tentar.

Com o pensamento, ela se sentia amolecer. Dane-se! Deveria combater. Você não pode sobreviver a outro desgosto e isso era tudo o que ele teria para oferecer. Um coração quebrado.

Ela largou a escova sobre a pia e como o ruído tiniu sinistro, puxou o vestido por cima da cabeça. O material macio acariciava sua pele e ela gemeu. Ela nunca havia se vestido desta maneira, mas talvez ela devesse ter. Tão decadente... A calcinha estava igualmente tão suave que suscitou um outro gemido. Os saltos, ela deixou-os, indo vestir suas botas em vez disso. Melhor bater em um homem sem coração, com esta apresentação.

Acabado, ela se virou, quadrando os ombros, a determinação crescendo. Um último encontro com Gideon e então ela estaria afundando-o. Mas, isso era o que era, o fim. Ela finalmente teria seu encerramento. Porque certamente isso era o que ela precisava, o que lhe faltava. Uma vez que ela o tivesse, ela voltaria para a vida que ela tinha começado a construir para si mesma. Uma vida humana como mercenária. Ou melhor, um Jack de todos os ímpios.

Fazê-lo. Acabar com isso.

— Você está me gozando com isso? — Ela disse enquanto saía do banheiro e estendia o arco para cabelo através da porta. Uma nuvem de vapor docemente perfumada a seguiu.

Imediatamente seu olhar elétrico atravessou-a, persistente nos seus lugares outrora favoritos. Algo escuro entrou em seus olhos e ele engoliu em seco.

— O quê? — A palavra era um coaxar.

— Eu achava que você era feia. — Significando que ele achava que ela era bonita.

E ele queria que ela tivesse coisas bonitas. Como... Doce.

Ele ficou na frente de uma mesa com rodas quadradas que não havia lá antes, os braços mais uma vez cruzaram em seu peito. Como manter a sua aceleração?

— Então você gosta de mulheres que se vestem como colegiais. — Ela ignorou o barulho de seu coração e o calor se espalhando através de suas veias. — Eu não sabia que você tinha essas fantasias inocentes.

Ela disse, então como uma maldição. Ela parecia sem fôlego. Talvez porque sua declaração houvesse levantado uma questão muito desobediente. O que ele fantasiava hoje em dia?

Como ele gostava do sexo? Tão delicado quanto comestível assim como ele já tinha gostado?

Como ele gostava de sua mulher? Tão doce como ela outrora havia sido? Mais provável.

Ele tinha mostrado apenas alguns sinais de atração por ela desde a sua descoberta dentro de sua masmorra e ela era tão dura como pedra.

Ela tinha que estar. Sua vida não lhe permitia vestidos como este. Ela tinha que estar preparada para lutar sempre. Ela era uma criança de Rhea, a deusa Rainha e ela faria um excelente resgate dos reféns. Não que sua mãe lhe pagaria por isto. Mais do que isso, ela tinha muitos inimigos e para matá-la, só precisaria remover sua metade mortal por si só a partir da linha de sucessão.

O cheiro de pão fresco, frango e arroz, de repente, bateu no seu nariz e sua boca ficou molhada. Esqueça o arco. Esqueça o objetivo. Sua mão caiu ao seu lado.

— Você me trouxe comida. — Ela disse atordoada.

Outro gesto doce, o empurrão.

— Nada disso. É tudo para mim. — Ele facilmente empurrou a cadeira para trás. O prato fumegante cheio na superfície da mesa e o vapor flutuando ao seu redor, criando uma névoa de sonho. — Essa cor fica horrível em você, pelo jeito.

Ela lambeu os lábios. Sobre a comida, ela disse pra si mesma. Não porque ele gostava da maneira que ela olhava. Mas porque era bom.

— Dar o troco é uma merda, você sabe. E você pode contar com o fato de que eu vou colocá-lo neste vestido em breve.

Ele deu de ombros, chamando a atenção para o perímetro de largura dos ombros, em seguida, estendeu uma das placas. O único com frango, arroz e legumes. Ela estava andando pra ele, com as mãos estendidas, antes dela nem mesmo perceber o que estava fazendo. Depois, ela pediu pelo prato, se jogou no banco em frente a ele e lhe cravou a polegadas.

Então. Bom.

— Então... Por que você não dormiu durante o dia? — Ele perguntou. — Quando as pessoas aqui não estão despertas.

Isso, ela não se importava de partilhar. Mesmo que ela pudesse adivinhar o seu plano. Iniciaria com algo leve. Levá-la a falar enquanto ela estava distraída com os alimentos.

— Em algum lugar no mundo, as pessoas estão dormindo quando eu estou e o demônio vai encontrá-los. Além disso, todos os dias, eu durmo um segundo mais tarde. E toda noite eu desperto um segundo mais tarde. O tempo varia sempre e sempre tão pouco, assegura que somos capazes de orientar todos em algum ponto. Em outras palavras, amedrontá-los.

— Nada bom para se saber. — Uma pausa, então... — Eu não quero saber por que você fez as tatuagens. Eu não quero saber quem lhe deu essas tatuagens. E eu, definitivamente, não quero saber como as coisas terminaram entre nós.

Yup! Ela tinha razão.

— Eu lhe disse que não estávamos realmente casados. — Ela perseguia mordendo deliciosamente o sabor de cenoura com manteiga com um copo de vinho tinto. Mesmo. Melhor.

— E eu acreditei em você.

Ela encolheu os ombros, imitando sua indiferença.

— Eu respondi o suficiente das suas perguntas esta noite. E eu sei que é por isso que me trouxe aqui. Para me relaxar, baixar a minha guarda e descobrir tudo o que você está morrendo de curiosidade para saber, que aí você pode me bloquear de volta para a masmorra. E pior.

— Você está errada. — Ele disse, estendendo a mão e colocando-a ao lado da sua própria. Ele a trouxe à boca e pressionou um beijo suave em sua ardente carne de repente. — Eu só queria passar mais tempo com você, para o seu conhecimento, o mundo que nos rodeia ficaria esquecido.

Amolecimento... Outra vez... Estas eram palavras que ela desejava ouvir tão sofridamente que, muitas vezes, lhe doía fisicamente. Ouvi-las agora...

E sabendo que era uma mentira...

A suavidade imediatamente cessou. De repente, ela queria tirar a invisível faca que ele havia fincado em suas costas e esfaqueá-lo com ela. Assim, se ele não fosse cravado em um monte de dor enquanto ela tinha ouvido que ele fez quando falou a verdade, ela sabia que ele só havia dito uma grande mentira.

Ele estava jogando e ela tinha quase deixado. Não facilite. Você seria uma cadela. Agindo como ele.

— É fácil para você, não é? Esquecendo o mundo à sua volta, eu quero dizer.   — Amargura rastejou através de seu tom e não havia nada que pudesse fazer para neutralizá-la. — Sua memória pobre e triste.

Ele franziu a testa e sua mão caiu fora.

Ela queria gritar. Com a frustração. Com uma demanda que ele a tocasse novamente. Com fúria por ela querer que ele a tocasse novamente. Em vez disso, ela ficou quieta e terminou a refeição, cada migalha consumindo o passado, cada gota de vinho não deixando nada para o homem ao seu lado.

— Por que você é tão teimosa... Não sobre isso? — Ele perguntou com o que parecia ser uma genuína curiosidade. — Sobre me manter na luz?

Porque ela havia gasto milhares de anos se perguntando onde ele estava, o que estava fazendo e o que ele estava fazendo consigo. Querendo saber se ele pensava nela, perguntando por que ele nunca voltou para ela. Querendo saber se ele estava mesmo vivo. Cada dia tinha sido pior do que o passado, uma agitação constante em sua mente, suas emoções desenroladas, esfoladas e deixou-as em carne viva.

Mas ela tinha conhecido com intensidade angustiante que ele a amava, então ela finalmente teve que admitir que ele não havia retornado, pois ele tinha sido morto. A morte era a única coisa que poderia tê-lo mantido afastado. Então, ela lamentou por ele, chorando com tanta força, tão intensamente que ela realmente derramou lágrimas de sangue.

E quando finalmente descobriu que ele vivia... Oh, a dor. A dor que ainda a assombrava, uma sombra permanente em seu coração.

Em contrapartida, ele foi perguntando sobre ela por algumas semanas. Ele não se lamentava por si só e a mantinha adormecida sobre ele. Ele não se arriscou até porque a preocupação e a angústia eram demais para suportar.

Suas mãos cerraram com tanta força, o vidro se quebrou, ela percebeu. Gotas de carmesim saltaram por cima de toda a palma da mão, mas ela não se abalou com o aguilhão que se seguiu. Isto não foi nada comparado ao que ela tinha sofrido uma vez. Nada. Ela não chorou sobre qualquer coisa.

Gideon suspirou e colocou seus dedos em torno de seu pulso, inspecionando os danos.

— Amo ver você injuriada. Não quero fazer isto melhor. — Verdade.

Enquanto ele caminhava em sua fortaleza cheia de calabouços e ela via o rosto bonito, a única coisa que ela realmente sentia no momento era incredulidade. Ele estava vivo. Ele estava com ela novamente. Mas, então, a raiva tinha acendido. Seguido pelo ressentimento e a urgência consumindo sua dor. Nenhuma dessas se comparavam com o que sentia naquele momento, no entanto. Raiva.Tanta raiva.

Como ele ousa. Como ferrando ele ousaria se preocupar com tais ferimentos insignificantes! Ele estava sentado, calmo como poderia estar, cutucando suas emoções como uma criança com um pedaço de pau porque ele podia. Porque ela era uma questão imensa, densa para ele. Isso era tudo. Ele queria respostas. Não ela. Não o perdão dela. Ele não poderia se importar menos sobre a vulnerabilidade de seus verdadeiros ferimentos e fazê-la de “todo melhor".

Se ela não tivesse sido nada para ele, mesmo com todos esses séculos atrás? Sim, ele ia se casar com ela, mas ele a deixou logo depois. Deixou-a, ela já sabia, para roubar e abrir a caixa de Pandora. Ela também sabia que ele tinha sido emparelhado com o seu demônio e expulso dos céus logo após isso. Mas ela tinha sido possuída naquele mesmo dia, ainda quando trancada em sua cela.

Depois desses séculos passados na escuridão - que estranhamente pareciam um mero piscar de olhos para ela enquanto olhava para trás - tudo tinha passado e ela novamente tinha o controle de sua mente, ela tinha que lembrar de Gideon. Percebido que tinha também sido dado a um demônio e que tinha ganho o controle de si mesmo, tanto melhor. Então, ela esperava que ele voltasse para ela. E esperou. E esperou, por tanto maldito tempo. Então, todas essas questões começaram a rodar em sua cabeça. E então teve a preocupação de definir, seguido pela dor, que ele não tinha sobrevivido.

E na dor, ela fez coisas que abalaram até mesmo seu demônio. Coisas terríveis. Nenhum dos deuses e deusas que compartilhavam sua cela - aquela para onde ela tinha sido transferida, longe da mão suave de sua mãe - tinha sobrevivido a violência dela.

Os gregos estiveram perto de executá-la por essas ações, mas no final, Zeus tinha preferido desfilar com ela na frente de Cronus, seu pai e o maior inimigo, aproveitando o fato de que ela era a prova de que Rhea o tinha traído. Qualquer coisa que atormentava o deposto rei Titã valia a pena manter vivo, o soberano grego tinha dito, não importava o quão perigoso era aquela coisa.

E, em seguida, os Titãs finalmente ganharam sua liberdade. Cronus e Rhea gostariam de deixá-la por trás, ela sabia, mas eles precisaram das habilidades dela para ajudá-los a derrotar os gregos.

Uma vez que os gritos tinham se desvanecido e o sangue parara de correr, ela vasculhou antigos pergaminhos para obter informações sobre a Câmara dos Senhores do Submundo, na esperança de encontrá-los e perguntar como Gideon havia perecido. Onde seus ossos descansavam. Ela tencionava dar-lhe um enterro adequado, orar por ele, dizer adeus.

Em vez disso, ela descobriu que seu marido ainda estava vivo.

Seu alívio não conhecia limites. Mas, então, nem teve sua virada, quando outras questões haviam começado a assolá-la. Porque ele não tinha voltado para ela? Por que não mandou dizer que ele sobreviveu?

Ela o procurou para perguntar-lhe. E sim, atirar-se de volta em seus braços. Para senti-lo em torno dela, deslizando para dentro e para fora dela, mais uma vez. Finalmente. A maneira como ela sempre sonhou durante tantos anos.

Ela encontrou-o naquele bar em Buda. Ela passou por ele. Exceto, ele não tinha notado. Olhou para ela, sim. Moveu seu olhar ausente, como se ela fosse de nenhuma consequência, sim, isso também. Ele estava ocupado demais chamando com o dedo uma fêmea humana, e, em seguida, tendo relações sexuais com aquela mulher bem lá no clube.

Scarlet saiu, com o coração partido novamente. Como ela fez o seu melhor para aprender sobre a moderna sociedade humana assistindo TV, tudo ao mesmo tempo, secretamente esperando que Gideon fosse encontrá-la digna quando ela fez isso - ela, uma mulher que tinha sido criada entre os criminosos, que nunca haviam sido procurados por sua mãe, nunca tinha conhecido o pai dela, e que tinha um demônio desgraçado preso dentro dela - ela tinha mantido sua orelha ao chão, sempre curiosa sobre Gideon e o que ele estava fazendo.

Talvez ela propositalmente tivesse permitido que os Senhores a capturassem. Conscientemente, sem admitir que ela ansiava por um momento como este. Um momento para ver qual merda Gideon realmente era. Um momento para, finalmente, abençoadamente, cortá-lo de seus pensamentos. Que, até agora, era totalmente contra sua natureza e algo que tinha jurado nunca fazer. Cativeiro era algo que ela desprezava. No entanto, ela esteve naquele maldito calabouço e não tentou fugir. Por este homem que não se lembrava dela. Um homem que não tinha nenhum problema em usá-la. Magoá-la. Destruí-la.

Ele. Precisava. Sofrer.

Scarlet saltou em pé, o prato na mão. Um prato que ela jogou em Gideon sem aviso prévio. Ele bateu em seu rosto e quebrou justo como seu copo de vinho tinha quebrado. E, assim como a mão tinha frisada com sangue, agora estava a face dele. Não era o suficiente.

Fazendo uma careta, ele pulou também.

— Isso foi bom. Obrigado!

Ela já lançou um outro prato, e este bateu em seu peito. Ele também se quebrou, cortando sua camiseta.

— O que você não acha que está fazendo?

— Eu não estou chutando sua bunda. Eu não estou odiando a sua coragem. Eu não estou pensando que você é o maior estúpido que os deuses já criaram. Como é isso? Será que eu falei uma língua que você possa entender? — Matá-lo. Ela queria matá-lo.

— Eu posso lembrar-me de você, Scarlet. — Ele gritou, recuando quando ela pegou o garfo e estendeu-o como um punhal. Ela tinha assassinado homens com menos. Mesmo imortais. — Mas você não me assombrava. — Propostas duras, ele levantou a camisa. Entre os cortes, acima de seu coração, estava uma tatuagem de olhos. Olhos escuros. Como os dela. — Você não vê? Você não tem... Me... Assombrado.

Era uma mentira, como ele. Tinha de ser.

— Isso não prova nada! Milhares de pessoas têm olhos escuros.

Ele inclinou a cabeça e afastou o cabelo da nuca. Lá, ela encontrou uma tatuagem de lábios vermelho-sangue na forma de um coração. Como os dela. Então ele se virou e levantou sua camisa novamente. Na parte inferior de suas costas estavam flores, todos os tipos de flores, e as palavras SEPARAR É MORRER.

Era uma réplica exata de sua própria tatuagem. Ele havia mostrado a ela uma vez antes, a primeira vez que ele entrou na masmorra, mas vê-la novamente ainda era um soco no peito.

— Eu só quero fazer nenhum sentido a isso. — Acrescentou suavemente. E girou, de frente para ela novamente. — Não me ajude. Por favor.

Ver essas tatuagens não diminuiu sua fúria. Não, vê-las aumentou. Ele imaginava-a, mas ele ainda dormia com todas as outras mulheres. Ele continuou com a sua vida, não procurou a fonte das imagens.

— Você pensa que faz tudo melhor, você, bastardo desagradável? Enquanto você estava aqui com prostitutas ao redor, tendo uma vida amorosa, eu estava no Tártaro, uma escrava para os gregos. — Um passo, dois, ela deslizou ao redor da mesa e aproximou-se dele. Guerreiro que ele era, ele permaneceu no lugar. — O que eles queriam que eu fizesse, eu tinha que fazer. Se eu queria ou não. — Desfilando nua para sua apreciação. Lutar com outros presos, enquanto eles apostavam no vencedor. Esfregar sujeira de outras pessoas de joelhos. — Mas você me deixou lá. Você nunca veio me buscar. Você prometeu que viria me buscar!

Furiosamente, ofegante, ela esfaqueou o garfo no seu peito e torceu com toda sua força.

Surpreendentemente, ele não tentou detê-la. Não tentou se defender. Ao contrário, ele ficou lá, seus olhos estreitando. Em sua própria fúria? E se ele estava em fúria, o que o estava chateando? Ela? Ou os deuses gregos que a forçaram a fazer aquelas coisas vis?

Não importava. Este era apenas o começo de sua punição.

— E sabe que mais? — Seus dedos seguravam o garfo com tanta força, que seus dedos gritaram em protesto. — Depois que eu vim aqui e vi você com outra mulher, eu me dei a outro homem. De bom grado essa vez. E depois outro. — Mentira, tudo mentira. Ela tinha tentado. Ela queria magoá-lo dessa maneira, mas ela não tinha sido capaz de seguir adiante.

E oh, como ela se odiava por essa falha. Mais do que querer machucá-lo, porém, ela precisava de alguém para fazê-la sentir como ele já tinha feito. Protegida, amada, querida. Como um tesouro. Que também tinha falhado redondamente. Ela se afastou dos dois encontros com o sentimento de vazio e tristeza.

Os ombros de Gideon caíram, e toda a emoção que parecia escura fugia dele.

— Eu não estou arrependido. Eu amo que você sentiu a necessidade de fazer uma coisa dessas. Eu não quero matar os homens com quem esteve. Mesmo que eu me lembre de tudo sobre o nosso tempo juntos. Você, de alguma forma, ainda não me afeta.

Ele estava triste, ele detestava que ela tivesse feito tal coisa e queria destruir os homens. Palavras bonitas. Para ele. Mas ela tinha nada com disso. Era tarde demais. Com um rosnado, ela puxou o garfo para fora do peito, os dentes gotejando carmim, em seguida, esfaqueou-o novamente e torceu. Ele resmungou.

— Mais uma vez, — Ela rosnou. — você acha que isso torna tudo melhor? Você acha que o fato de que você se esqueceu de mim faz com que suas ações sejam menos dolorosas? — Cale a boca, cale a boca, cale a boca. Ela não queria que ele soubesse o quanto ele a tinha machucado.

— Eu não... — Ele franziu a testa. Então ele enfiou a mão no bolso do jeans e retirou o seu telefone. Seu olhar rapidamente observou a tela, e quando seus olhos se encontraram novamente, não havia raiva latente nas profundezas elétricas. — Nós não temos visitantes.

— Amigos seus? — Ela não perguntou como ele sabia. Ela poderia supor, ela amava tecnologia moderna.

— Sim. Eu adoro Caçadores.

Ela poderia ter atingido ele de novo, rapidamente empurrando ambos os olhos, deixando-o para lidar com os hóspedes indesejados, ferido e cego. Mas ele era dela para ferir, não deles.

— Quantos? — Ela exigiu, removendo o utensílio e mudando o foco de sua raiva. Acorde, Pesadelos. Suas habilidades podem ser necessárias.

O demônio esticou e bocejou dentro de sua cabeça.

— Eu sei. — Disse Gideon.

Então, ele era tão ignorante quanto ela a esse respeito.

— Qual porta eles entrariam? — Ela perguntou.

— Não a da frente.

Ela realizou uma inspeção rápida. Havia uma porta que levava para fora do reduzido quarto-cozinha em um vestíbulo. Esse vestíbulo ramificava em três corredores. Não importava qual direção os invasores viessem, eles teriam que entrar. Perfeito.

Você está pronta, querida? Como mamãe estava errada. Nenhum talvez nisso. Você é necessária.

Um ronronar de antecipação retumbou através dela. Vai ser divertido.

Vou segurar o golpe final. Ok?

Gananciosa.

Sim. Mas então, ela precisava de alguma saída para as trevas crescendo dentro dela. E deixar Gideon sozinho. Eu não quero que ele veja as coisas que você mostra aos seus inimigos.

Isso lhe rendeu um rosnado. Eu nunca iria machucá-lo.

Foi uma declaração que ela nunca pensou ouvir, mesmo com a relutância da criatura para assustar o guerreiro em seus sonhos. Se as circunstâncias fossem diferentes, ela teria exigido saber o porquê. Não que ela teria feito a ela qualquer bem. Pesadelos era tão generosa com as respostas como ela era.

— Vá para a cama. — Ela mandou Gideon. — Eu resolvo isso.

— Claro que sim. — Disse ele, desembainhando uma faca brilhante e um pequeno revólver da cintura de suas calças. Ele estava armado todo esse tempo, e ele ainda não tinha se defendido contra ela. — Eu gosto de pensar em você lutando com anjos, sozinha.

Homens Machistas. Eles consideravam as mulheres uma responsabilidade em situações como esta. Mas este logo aprenderia. Ela não era a mesma menina que ele tinha conhecido na prisão. Ou melhor, a mesma garota que ele não conseguia lembrar.

— Eles estão aqui. Eu sei que eles estão aqui. — Alguém sussurrou. Um sussurro, sim, mas suas orelhas registraram cada palavra como se a pessoa estivesse a seu lado. Uma habilidade que ela desenvolveu na prisão. Uma habilidade que tinha salvado sua vida em inúmeras ocasiões.

— Se levarmos a menina, eles têm que nos deixar entrar. — Disse outro.

— E o cara? — Então, outra.

— Morre.

Enquanto Pesadelos ria, mais do que pronta para começar, Scarlet empurrou Gideon de volta para sua cadeira. Ele aterrissou com irritação enquanto ela abaixava a guarda interna e desencadeava seu demônio. Escuridão explodiu dela, milhares de gritos aterrorizados surgiram através da espessura impenetrável. Mesmo Gideon, imortal poderoso que era, não seria capaz de ver através dela. Ela, porém, não teria nenhum problema em beber cada detalhe espumante.

— Eu cobriria os ouvidos, se eu fosse você. — Sugeriu.

— Scar... — Começou, tão perto de seu nome como seu demônio teria, aparentemente, deixá-lo, uma pitada de raiva no tom. E oh, era a sua hostil expressão. Ele odiava isso. Mas o que ele quis dizer foi cortado enquanto Scarlet pressionava um dedo contra seus lábios, um comando silencioso para não falar. O inimigo poderia ouvir.

Um momento passou. A rigidez nunca o deixou, mas Gideon assentiu. Ele foi graciosamente saindo da luta e deixou-a lidar com as coisas. Sua rendição foi completamente inesperada. Por que não pulou e insensatamente pediu para ajudá-la?

Ponderaria isso mais tarde. Com uma careta, ela virou-se para os intrusos. Havia quatro deles, todos homens, e todos segurando armas.

Apenas quatro? Eles devem pensar ser mais fortes do que eles realmente eram. Ou considerá-la e a Gideon mais fracos do que eles realmente eram. Ou talvez isso fosse apenas o começo. A maioria dos outros provavelmente estavam afixados por todo o hotel, assistindo, esperando o momento certo para atacar.

Quando os homens entraram no quarto, encontraram a escuridão e os gritos e tropeçaram para uma parada, tentando orientar-se e descobrir o que estava acontecendo. Mas era tarde demais para isso. Pesadelos teceu em torno deles, uma roda, um nevoeiro negro, tão graciosa como era letal, mantendo-os no lugar, mesmo flutuando em suas orelhas e sussurrando seus medos mais profundos.

Dor.

Sangue.

Morte.

Logo eles estavam segurando a cabeça, gemendo, as imagens dos Senhores do Submundo prendendo-os, torturando-os como os Caçadores tinham frequentemente torturados os outros, tornando-se tudo o que podiam ver.

Um dos talentos de Pesadelos era sentir os medos ocultos e explorá-los. É como se soubesse sobre o medo de aranhas de Gideon. O único problema é que eles não tiveram nenhuma maneira de saber o que causou esses medos. E ela foi além de curiosa sobre Gideon. Ele não parecia se preocupar com o inseto enquanto estava com ela no Tártaro. Ele ainda expulsou as criaturas, quando elas invadiram a cela dela.

— Faça isso parar, faça parar. — Alguém pediu.

— Basta! — Alguém gritou.

Não. Não era o suficiente. Fria, indiferente. É assim que ela tinha de ser. E realmente, ela gostava tanto disso como o seu demônio. Apreciava ferir aqueles que prosperaram no sofrimento. Por muito tempo, ela tinha sido a própria vítima. Mas não mais. Nunca mais.

Sorrindo, ela caminhava em direção aos homens, o garfo ainda na mão. Ela chegou ao mais próximo, seu medo gemia como doce em seus ouvidos, e afastou os cabelos do rosto dele. O toque suave assustou, mas ele se inclinou para ela, como se procurando conforto em qualquer lugar que ele pudesse encontrá-lo. Como se ele assumisse que era um amigo.

Sem mais aviso, ela encravou o garfo em sua jugular. Ele gritou, mas o grito se misturou com todos os outros flutuando dela. A desagradável, mas bem-vinda música. Sangue quente jorrou dele, revestindo a mão dela enquanto ele desabava. Ela deslizou para o próximo homem, dando a ele o mesmo toque suave, a calmaria antes da tempestade e, em seguida esfaqueou-o, também.

Mais sangue pulverizado, um rio do mais profundo escarlate, a essência do seu nome.

Ela acabou com os outros dois com a mesma rapidez e eficiência. Assim como impiedosamente. Talvez ela devesse ter jogado com eles um pouco. Oh, bem. Da próxima vez.

Uma vez que os gemidos e movimento cessaram, ela fechou os olhos e puxou as sombras e os gritos para dentro dela. Lá eles giravam como um furacão até que ela bloqueou-os de sua consciência, algo que ela aprendeu a fazer ao longo dos anos. Caso contrário, ela teria caído na insanidade há muito tempo.

Talvez fosse uma bênção que ela e Gideon nunca seriam íntimos novamente, pensou então. Quando ela perdia o controle das sensações do seu corpo, ela perdia o controle sobre a demônio, permitindo que a besta tomasse as rédeas, embora ela estivesse acordada. O que ela tinha feito para os meninos - Caçadores? - teria feito automaticamente para seus amantes. Não o corte, mas a dissolução absoluta da luz, os gritos dos condenados tocando em seus ouvidos.

Para um homem, era difícil ficar, assim, duro durante algo parecido. Observando o medo e nojo contorcendo as feições de Gideon, enquanto o seu pênis estava enterrado profundamente dentro dela só poderia acabar com ela. O orgulho dela, certamente. Sua vontade de viver, talvez. Ela já existia em apenas um nível instintivo. Respirar, comer, matar. Era isso.

Mente na tarefa em mãos. Gideon estava sentado exatamente como o tinha deixado. Apenas, sua expressão estava vazia, uma máscara guardada enquanto seu olhar a rastreava, observando o revestimento de sangue nas mãos. Traçou a língua nos dentes antes de olhar para os homens.

— Feridas? — Ele perguntou, ainda sem qualquer indício de emoção.

— Mortos. — Respondeu ela. — De nada. — Será que agradecer-lhe teria sido pedir muito? Ela o salvou de ter sofrido um único ferimento. Bem, além daquelas que ela lhe dera.

Olhos azuis olharam para ela, fixando-a no lugar.

— Sim, eu estava falando sobre eles. Não sobre você.

Oh. Ele queria saber sobre ela? Chocante. Nenhum amaciamento.

— Eu estou bem. Nem um arranhão em mim. Mas nós provavelmente devêssemos ir. — Nossos caminhos separados, ela acrescentou silenciosamente, ignorando a pontada no peito. — Tenho certeza que mais Caçadores estão a caminho.

Ele não ofereceu resposta.

Faça-o. Deixe-o, ela comandou a si mesma. Ela não o fez. Ela permaneceu no local, como a idiota que ela era. Clausura não deve ter sido alcançada. Não realmente.

O que seria necessário?

— Você só vai se sentar lá? — Ela atirou nele.

Ele se levantou, mas ele ainda não guardou suas armas.

— Você e os utensílios fazem um time ruim.

Outra pontada lanceou no peito.

— Mais nenhum elogio, ou eu vou te dar outra demonstração em primeira mão. — Apenas para ameaçá-lo, ela ergueu o garfo gotejando e acenou-o através do ar.

— Sim, por favor. Outra demonstração seria boa. — Ele ignorou-a, sem medo, e se agachou na frente de suas vítimas. Com proficiência rápida, ele procurou em seus corpos, mesmo sob as roupas. — Todos eles estão marcados.

Seu braço caiu pesadamente para o lado dela. Caçadores tatuavam o símbolo do infinito, sua maneira de anunciar que queriam a eternidade sem demônios. Que esses meninos não ostentem a marca... Huh.

— Talvez eles sejam apenas recrutas. Quando eles entraram, um deles disse algo sobre deixar de ser. Talvez ele quis dizer deixar o clube de Caçadores, são idiotas.

Gideon assentiu com a cabeça enquanto ele se levantava, uma mecha de cobalto caindo sobre a testa.

— Isso não faz nenhum sentido.

— Porque eu sou mais inteligente que você. — Ela lutou contra o desejo de colocar suavemente o cabelo no lugar. Ainda não encerrando, mas ela se forçou a dizer: — Eu acho que terminamos aqui, então. — Para real, desta vez.

— Claro. — Diminuiu a pouca distância que havia entre eles, colocando-os frente a frente, seu calor envolvendo-a, seu perfume almiscarado confundindo seus sentidos. — Não ouça com atenção. Estou chateado que você está bem. — Seus cílios caíram, oh, tão lentamente, antes de parar, demorando-se, e ela sabia que ele estava olhando fixamente para os lábios dela.

Pensando em beijá-la?

Ela engoliu em seco. Não. Não, não, não.

— Gideon.

— Continue a falar. — Lentamente, ainda oh, tão lentamente, ele se inclinou em direção a ela, como se ele tivesse a intenção de beijá-la.

Não. Não, não... sim. Sim, sim, sim. Cada músculo em seu corpo tenso, à espera, pronto. O sangue dentro de suas veias chiou e bateu. Ele teria o mesmo gosto? Sentiria o mesmo? Ela tinha que saber. Então ela poderia deixá-lo. Em seguida, ela teria de encerrar e nunca mais olharia para trás e pensaria.

Mas pouco antes de seus lábios se tocaram, seus dedos circularam o pulso dela com um tilintar macio. Não, não seus dedos. Muito duro, muito pesado e muito frio. Com uma careta, ela olhou para baixo e vi que ele tinha algemado-os juntos. Compreensão atingiu-a. Aquele... Bastardo...

Uma névoa vermelha fechou sobre sua visão. Não pontos, mas uma nuvem cheia. Enganada. O bastardo a tinha enganado. Nunca quis beijá-la. Tinha usado o seu desejo óbvio por ele contra ela.

— Eu espero que você esteja orgulhoso de si mesmo. — Isso era todo o aviso que lhe deu. Ela espetou o garfo no seu peito e ao invés de torcer, ela bateu a palma da mão no punho, empurrando-o mais fundo. Desta vez, ele não pôde conter sua careta. — E eu espero que você saiba que isto vai parecer brincadeira de criança quando eu terminar com você.

— Enquanto estivemos separados, — Ele falou entre dentes. — eu estava feliz.

Enquanto... Enquanto... Eles precisavam estar juntos para serem felizes? Apesar de parte dela de repente querer sorrir envergonhada, talvez bater seus cílios, ela fez uma careta para ele. Estúpido coração amolecido. Ele tinha acabado de traí-la, e ela quase derreteu quando ele jogou algumas palavras lisonjeiras para ela. Lisonjeiras palavras que não significavam nada, porque ele só queria respostas.

— Diga-me. Será que isto faz você feliz?

Ela deu uma joelhada nas bolas dele.

Ele curvou-se, ofegante, mas entre os suspiros, ela conseguiu ouvir uma única palavra:

— Sim.

Bom.

— Então, onde você está me levando?

— Céu.

Outra admissão ferrada.

Então. Ela facilmente traduziu. Ele planejava levá-la direto para o inferno.

 

Após o inchaço em suas bolas diminuir, Gideon telefonou para Lucien, o Guardião da Morte, pedindo a limpeza no hotel, em seguida, arrastou uma Scarlet protestando, através do átrio coberto de vidro e ao longo das ruas da cidade iluminada para o Escalade[15] que ele escondeu em uma garagem a poucos quarteirões de distância. A noite estava em pleno andamento, o céu salpicado de estrelas enquadrando a meia-lua dourada. Embora ele estivesse preparado para qualquer coisa, não houve outros Caçadores - ou recrutas, conforme parecia ter sido - esperando para atacar.

Ele não tinha certeza de como os quatro garotos o tinham seguido. Especialmente se eles não tiveram formação. Ele deixou bem claro que ele tinha perdido alguns rabos. Se tivessem havido rabos, que fossem. Que ele teria apostado um centavo seu, uh, dinheiro de Torin é que não houve. Assim, ou um deus ou deusa estavam vendo-os e relataram o seu paradeiro ou os meninos simplesmente tiveram sorte e tinha acontecido de estarem no hotel quando ele se registrou.

Ele não acreditava em coincidências, então o primeiro era o mais provável. Cronus estava ajudando os Senhores e Rhea, a rainha deusa, que estava em guerra com o marido, tinha se unido com os Caçadores. Mas por que ela iria enviar recrutas para lutar contra ele, ao invés de verdadeiros Caçadores? E a localização de Gideon seria comprometida, não importava onde ele fosse?

Provavelmente.

Suas mãos crisparam no volante enquanto ele jogava o veículo em marcha ré, o braço de Scarlet movendo-se com ele.

— Você está preocupado? — Ela perguntou para conversar.

Ele não estava enganado. Ela ainda estava chateada como o inferno com ele.

Silencioso, ele manobrou-os por meio da garagem escura e voltou para as ruas da cidade. Tarde como era, o tráfego estava tranquilo. Seu olhar sempre voltava ao seu espelho retrovisor, no entanto, sempre atento.

— Você está implorando por outro garfo em seu peito. — Ela murmurou.

Novamente ignorando-a, ela gritou:

— Cron! — Pare. Você está marcado por ele. Tem que haver uma outra maneira. Mas Gideon reconhecia, e não mentiria para si mesmo. Não agora, depois de todo esse tempo. — Eu não preciso de você!

No banco do passageiro, Scarlet ficou rígida.

— Cron. Como em Cronus?

Ele assentiu.

Ela sibilou indignada e ergueu os punhos.

— Que diabos você quer com ele? Eu o odeio!

Ela tem uma desavença com todos?

— Sem respostas, ok?

— Bem, você pode me deixar ir e depois conversar com ele. — Houve um tom baixo em sua voz. Um que ele nunca tinha ouvido antes, mesmo quando ela o esfaqueou. Sua luta aumentou, e então ela estava chutando a porta do passageiro para abri-la. Era... Medo do deus? Não podia ser. Scarlet tinha enfrentado até quatro potenciais Caçadores, sem qualquer hesitação.

— As minhas razões... Para evitá-lo... Não são urgentes. — Seu estômago torceu. Ele quase falou a verdade. Tinha quase dito a ela que suas razões para a convocação do deus eram realmente urgentes. Ele teve de forçar as mentiras. — E os motivos não são vida e morte.

— Não me interessa! — Batida, batida, bota novamente contra plástico. Estrondo. — Eu não o quero aqui.

Oh, sim. Ela estava com medo. Por quê?

Ao invés de perguntar - ele sabia que ela não iria dizer se ele o fizesse - ele mudou de assunto para dar-lhe um momento para se acalmar. Se ela continuasse a puxá-lo, ele ia perder um membro. Novamente.

— Você tinha que deixar aqueles garotos vivos? — Ela matou-os sem qualquer indício de misericórdia.

Ele teria feito o mesmo, com certeza, mas ele era um cara. Não eram as meninas que deveriam ser coração mole e gentis? Bem, além de Cameo, Guardiã da Miséria. Ela podia matar um inimigo, enquanto lixava as unhas.

— Sim. — O lance frenético de Scarlet pela liberdade abrandou, depois cessou. Ela espiou-o por cima do ombro. — Então?

— Por quê? Poderíamos ter agradado-os para obter informações.

Seus lábios se contraíram, como se estivesse lutando com um sorriso, de repente.

— Porque, Gideon, eu não sabia que você balançava dessa maneira. Eles eram bonitos, porém, não eram? Especialmente o loiro. É quem você estava imaginando para transar? — Agora aquele tom que ele reconheceu. Doce e irritante como o inferno. Mas sim, o loiro era mais bonito do que ele tinha sido capaz de dizer, e ele odiava que ela o tivesse notado. Na verdade, ele odiava que ela preferisse os loiros. Sua esposa deveria... Você não sabe que ela é sua esposa. Não é minha? Mentiras saltou. Não é minha.

Significando que Mentiras estava reivindicando-a? Dificilmente. Se alguém a reivindicasse, seria Gideon. Se eles fossem casados.

E depois? Ele perguntou. Ele ainda planejava devolvê-la ao calabouço, não importa o quê. O que significava que ela iria odiá-lo. Como se já não o fizesse. Tão mal como tinha tratado suas partes masculinas, ele suspeitou que ela o faria.

Sua culpa voltou, enchendo seu nariz, seus pulmões, em seguida, varrendo sua corrente sanguínea. Tem que ser dessa maneira.

Sim. Ela não é minha.

Cale-se.

— Por que você os deixou vivos? — Ele insistiu.

Os ombros aparentemente delicados de Scarlet levantaram em um encolher de ombros, negligente.

— Eles estavam lá para nos machucar. Se eu tivesse deixado-os vivos, eles teriam tido a oportunidade de voltar atrás de nós. Para envenenar outros contra nós. E sua determinação teria sido maior do que nunca.

O que ela disse fazia sentido, mas também fez seu estômago apertar. A convicção absoluta em sua voz lhe deu um vislumbre sério dentro de seu psiquismo. Um que, ela sem dúvida, preferia não ter. Uma vez, ela deixou um inimigo ao invés de matá-lo e o inimigo tinha voltado atrás dela. Tinha machucado-a. Com os outros a reboque.

Como os bastardos a machucaram? Estupro? Espancaram-na? O volante chiou enquanto dobrava, quase partindo ao meio, e Gideon forçou-se a soltar a sua pressão. Se, depois de ter sido expulso dos céus, ele voltasse para ela, como ele poderia ter prometido a ela, que tal destino teria sido evitado?

Deuses. Sua culpa se tornou um câncer, comendo-o, deixando-o esfolado e agonizante. Mais uma vez, queria lhe pedir uma explicação, mas outra vez, ele sabia que ela não iria lhe contar nada. Até que eles chegassem ao seu destino, e ele a seduzisse. Coisa que ele iria fazer, culpado ou não. Antes que seus hóspedes não convidados tivessem chegado, ela parecia disposta a aceitar o seu beijo. Inferno, ela parecia prestes a retribuí-lo com igual paixão.

Ele queria isso. Precisava.

— Nada a dizer? — Perguntou ela. — Nenhuma resposta falha?

Falha? Ele fez o melhor que podia, maldição. Ela estava frustrada, sempre atacando. Mas realmente, isso não era inteiramente culpa dele, ele lembrou a si mesmo. Algo tinha acontecido com suas memórias. Não que o conhecimento aliviasse a sua culpa.

Na verdade, suas memórias era outra coisa a discutir com Cronus.

— Cron! — Viu-se gritando pela segunda vez.

E assim como antes, Scarlet começou a lutar pela liberdade.

— Eu disse que não o quero aqui. Eu lhe disse...

Mas o resto de suas palavras foi perdido para ele. Um momento Gideon estava ao volante, algemado a Scarlet e dirigindo pelas longas, estradas sinuosas, no seguinte, ele estava no céu, nuvens brancas grandes em torno dele, Scarlet sumida.

Tentando não entrar em pânico, voltou-se, seu olhar selvagem, procurando por ela. Só mais aquelas nuvens o cumprimentaram. Não havia estradas, nem edifícios e nem pessoas malditas.

— Scar! — Gritou ele, o coração pronto a explodir em suas costelas. Ele tinha que encontrá-la. Não podia deixá-la...

— Relaxe, Mentiras. O tempo parou momentaneamente para sua mulher. Quando eu devolver você, tudo estará como você deixou.

Outro giro, e ele estava olhando por cima de Cronus. Seus batimentos cardíacos diminuíram, mesmo que ele não tentasse ficar de boca aberta. O rei parecia mais jovem a cada vez que Gideon o via, mas este... Este... Muito jovem, pensou com um balançar de sua cabeça.

Foi-se o cabelo prateado. Em seu lugar estavam surpreendentes mechas de mel e castanho claro e ouro pálido. Foi-se a pele enrugada. Agora ele estava liso, sua tez suave e bronzeada.

Um manto branco que parecia tão suave como as nuvens, o envolvia, sandálias enroladas em torno das pernas com veias, pés com cicatrizes de um guerreiro. Ele transpirava tanto poder, que Gideon sentiu o peso de cada onda convincente martelando em seus ombros. Permanecer em pé exigiu seu próprio poder. Bastante.

— Por que você me chamou? — O rei perguntou.

— Por fim. — Primeiro off. — Eu não quero o seu voto de que tudo será como você não disse. — Confuso, mesmo para ele, mas importante.

Como Scarlet, Cronus o conhecia bem o suficiente para discernir o que ele realmente estava dizendo. Confuso ou não.

— Você tem a minha palavra. Ela não vai falhar. Ela não irá mesmo saber a menos que você diga a ela. — E, felizmente, Cronus não ficou chateado com seu pedido. — Feliz agora?

Um pouco irritado, talvez, mas não chateado. Bom.

— Não. Não feliz. — Cada músculo em seu corpo liberou a pressão de seus ossos. — Não, obrigado.

— Isso significa que você já me perdoou por não lhe contar como encontrar o espírito de Aeron?

Não. Nunca. Ao invés de admitir isso para o rei, porém, ele permaneceu em silêncio. Melhor o silêncio do que a punição. Mesmo que ele fosse inteligente o suficiente para saber isso. Mas a questão explicava a súbita benevolência paciente do rei.

— O que eu fiz, — Disse Cronus, agora um pouco duro. — eu fiz para o seu próprio bem.

Fazendo Gideon implorar e depois negar o que ele pediu fora para seu próprio bem? Sim. Certo.

— Você é um imortal, e não um deus, então sua compreensão é limitada. Um dia, porém, você vai me agradecer. — Enquanto as palavras ecoavam entre eles, o nariz de Cronus enrugou com desgosto. — Eu não posso acreditar que estou me explicando para você. É revoltante, realmente, o jeito que eu preciso pajear você. Onde está o temível guerreiro que eu esperava encontrar?

Gideon mal parou de revirar seus os olhos. Pajeá-lo? Há!

— Você não é um...

— Modere sua língua, Mentiras. — Olhos escuros brilharam afiados. Que estranho. Normalmente os olhos eram do mais puro ouro. — Caso contrário, você vai perdê-la.

Ele deu um rígido aceno de cabeça. Talvez ele não fosse tão inteligente, afinal.

— Melhor. — Cronus estalou sua língua, claramente satisfeito que seu ataque tivesse sido devidamente moderado. — Agora, eu pergunto novamente. E pela última vez. Por que você me chamou?

À procura da cabeça da esposa dele em um prato de jantar. Não havia necessidade de ser de prata, também. Qualquer metal valia. Não que ele pudesse dizer uma coisa dessas em voz alta.

— Como você sabe, sua esposa... Ela é um verdadeiro prêmio. — Preparou-se, esperando a punição imediata. Embora ele não conseguisse se conter a alcançar um punhal. O instinto permitindo nada menos.

— Se você premia lixo, — O rei respondeu secamente. — então, sim. Nós concordamos.

A verdade, mesmo falada em um tom tão depreciativo. Mentiras cuspiu em desgosto.

Gideon devolveu o punhal na bainha. Surpreendentemente, ele e o rei estavam de acordo sobre o assunto.

— Isto não é a coisa. Eu não desconfio que ela esteja nos observando a cada movimento. Eu não desconfio que ela esteja nos seguido. E eu não suspeito que ela esteja enviando pessoas para nos matar.

— Eu sei. Eu conheço um pouco. — Mais uma vez a verdade. Cronus beliscou a ponta de seu nariz, um homem no fim de sua corda - sem uma lâmina. — Mulher maldita. Ela sempre trouxe mais problemas do que ela vale.

— Como podemos incentivá-la? — Parar, silenciosamente ele acrescentou, desejando como o inferno, que ele pudesse apenas dizer o que ele queria. — Ela não está causando todos os tipos de dor, e ela não vai ter nos assassinado antes de podermos salvar o seu rabo de Gal. — Ou melhor, sua cabeça de Galen.

Danika, mulher de Reyes e o Olho Que Tudo Vê, poderia fazer mais do que espreitar o céu e o inferno. Ela poderia prever o futuro. Ela alegou que Galen iria degolar Cronus. Única razão pela qual Cronus estava ajudando os Senhores.

Não, não era verdade. Havia uma outra razão, uma que Gideon só descobriu recentemente. Cronus estava possuído por um demônio. Pela Ganância. Como Scarlet, ele tinha sido um prisioneiro no Tártaro e um dos poucos sortudos escolhidos para hospedar o “extra”.

Para frente e para trás Cronus andava na frente dele, o poder que ele emitia intensificando, estalando no ar.

— Depois do que aconteceu com seu amigo Aeron, eu fiz amuletos. Um para cada um de vocês. Quando usados, vão impedi-la de observar vocês.

Verdade. E não foi apenas um pouco de fabuloso?

— Não me dê. — Agora, agora, agora.

O passo continuou sem pausa.

— O único problema é que eles vão impedir que todos os deuses fiquem de olho em vocês.

Significando ele próprio. O bastardo tinha que ter os dedos em tudo.

— Aqui está uma notícia rápida indigna. Os contras superam os prós. Então, não me dê. — Ele repetiu, segurando a mão e acenando seus dedos.

Uma parte da sua impaciência surgiu de um desejo de ser escondido dos poderes constituídos. Finalmente. Mas, principalmente, ele só queria voltar para Scarlet. Ele não gostava de estar longe dela, ele percebeu.

Ainda assim o passo continuou, até mesmo ganhando velocidade.

— Espere só um minuto. Se eu fizer isso, vou precisar de relatórios diários. E se um dia se passar sem que alguém me diga o que está acontecendo lá embaixo, eu vou pessoalmente atacar a fortaleza de vocês e remover os amuletos em torno de seu pescoço. Depois de tirar suas cabeças.

Gideon não salientou que, tirar suas cabeças seria libertar os seus demônios, possivelmente enviando os demônios enlouquecidos em uma agitação feroz, algo que mesmo Cronus seria amaldiçoado por fazer. Razão pela qual o rei tinha deixado os guerreiros vivos quando ele assumiu pela primeira vez o controle dos céus. Mesmo que ele quisesse desesperadamente destruí-los.

E era estranho, pensar no rei dos reis como sendo amaldiçoado. Mas, sim, poderia ser feito. Aparentemente, Cronus não era o deus mais poderoso da cidade. Essa honra pertencia ao ser misterioso que salvou a vida de Aeron. O que há muito tempo derrotou até mesmo a morte. A "Única verdadeira divindade”, - como Olivia o chamou.

Embora houvesse uma chance de Cronus não ser punido por libertar os demônios de seus hospedeiros, pois já sabia que um par novo podia ser feito. Isso é o que tinha acontecido com o demônio de seu amigo Baden, a Desconfiança. Um par emparelhado.

Baden havia sido morto, e Desconfiança agora residia no interior de uma Caçadora fêmea. Uma fêmea que Gideon não estava certo de que ele seria capaz de matar, mesmo se tivesse com um punhal pressionado em sua garganta. Não que ele se ocupasse matando mulheres. Ele tinha feito isso antes. Sob a liderança de Sabin, era uma espécie de obrigatoriedade tratar as mulheres como iguais. Em todas as coisas, até mesmo a guerra. O que incomodava era que uma parte de Baden nadava dentro do corpo da mulher.

Como ele poderia desempenhar um papel na segunda derrota do seu amigo?

— Mentiras! Você está me ouvindo? Eu perguntei se você entendeu.

Espera. O quê? Gideon puxou-se da lama escura dos seus pensamentos.

— Por favor, não repita.

Vermelho coloriu o rosto do deus, e a cor não era de constrangimento. Não, era a fúria que decorava sua expressão.

— Eu não vou me repetir. Você me dará os relatórios diários que eu exigi, ou você não receberá os amuletos. Você — Olhos negros arderam. — entendeu?

Os relatórios, os amuletos. Claro que sim. A birra era realmente necessária?

— Não, eu não entendi.

Finalmente Cronus se acalmou, narinas dilatadas enquanto ele controlava sua respiração. Seu olhar dourado fechado em Gideon. Dourado mais uma vez, ele percebeu. Por que a mudança contínua?

— Muito bem. — Cronus estendeu a mão, palma vazia para cima. Luzes azuis acenderam, alfinetadas que pontilhavam a extensão interminável de branco, antes de algo começar a cristalizar-se contra a sua pele. Duas coisas, na verdade.

Gideon inclinou-se para um olhar mais atento. Ele viu duas correntes de prata, ambas com uma borboleta pendurada no centro. Pregadas em todas as asas irregulares estavam pequenos rubis, safiras, um pedaço de ônix, marfim e até mesmo uma opala. Cada joia ou pedra parece viva, rodando com um fogo interior que geralmente só via em seus sonhos.

Bonito, mas...

— Eu vou parecer tão viril. — As palavras saíram antes que ele pudesse detê-las.

Um grunhido escapou do rei, muito mais ameaçador do que qualquer outro que veio antes.

— É uma reclamação, Mentiras? Porque eu posso...

— Sim, sim. Sem desculpas. Eu não as quero. — Ele arrancou os colares antes que pudessem ser levados e prendeu um em volta do pescoço. O metal estava quente - quente o suficiente para ferir sua pele - mas não o removeu. O outro enfiou com a mão no bolso. De alguma forma, ele poderia brincar com Scarlet em usá-lo. — E os meus inimigos? — Meus amigos.

— Vou visitar a fortaleza e entrego a eles.

Verdade. Quão gentil,o geralmente moroso deus, estava sendo. Tinha que haver uma razão, que não augurava nada de bom para Gideon. Ainda. Ele pegava o que podia conseguir.

— Não, obrigado. — Disse ele novamente.

— Se isso é tudo...

— Não espere. — O rei lhe tinha dado uma abertura, intencionalmente ou não, e ele a agarrou. — Scarlet não me disse que nós estamos casados e eu não estava me perguntando se...

— Scarlet? — O ouro, mais uma vez desapareceu de seus olhos, o brilho apertou, numa escuridão, como uma entidade viva. — A filha de Rhea?

Gideon piscou. Ela era filha de Rhea? Ela era uma maldita princesa real? Será que isso significava...

— Você não é seu pai? — Ele murmurou. Isso podia explicar seus olhos negros parecidos.

— Não! — Tanto desgosto em única palavra, Gideon poderia ter se afogado nela. — Nunca fale uma blasfêmia dessas novamente ou vou desencadear uma torrente de sofrimento do tipo que você nunca viu.

Por que a aversão? Por que o aviso? Ela era bonita, feminina, inteligente corajosa, caramba, e o sacana devia ter orgulho de chamá-la de filha. As mãos de Gideon apertadas em punhos, enquanto ele dizia a si mesmo que ele não estava zangado. Ele estava aliviado por Cronus não ser seu sogro. Possível padrasto, ele rapidamente acrescentou.

A mulher de Sabin era filha de Galen, e Gideon tinha visto os problemas que a pequena conexão da família havia causado. Não, obrigado.

— Seu pai era mortal, e sua mãe é uma prostituta. — Cronus continuou, o desgosto longe de diminuir. — Não é ela quem está em seu veículo? Parece que eu não estou prestando atenção suficiente em você, ultimamente, Mentiras. Eu sabia que você tinha a menina em seu calabouço, mas não percebi que a tinha libertado. Sem a minha permissão. Eu deveria puni-lo. — Novamente verdade. Cuidado.

Ela não é minha, o seu demônio de repente gritou. Um aviso do rei. Um que Cronus não podia ouvir, felizmente.

Agora não. Não empurre.

— Sem desculpas, Chefão. — Que ele não fosse bombardeado com dor pelo comentário “Chefão" o chocou. Cronus tinha que saber que ele quis dizer as palavras como um insulto. — Como eu não estava dizendo, ela não me disse que nós somos casados. Algo que me lembro. Eu não queria enganá-la em pensamento, convencê-la para que ela pudesse me dizer mais. E eu não pretendo devolvê-la para seu calabouço, uma vez que eu tenha as respostas.

— Casados? Você e Scarlet? — Cronus franziu a testa, a cabeça inclinada para o lado, enquanto ele ponderava. — Todo mundo sabia que ela estava interessada em você desde o primeiro momento em que te viu, mas não havia nenhum indício de que vocês dois estavam vendo um ao outro. Muito menos dispostos a se casar. — Ela sempre se interessou por ele? De repente, ele quis soprar para fora do peito e bater nele como um gorila amaldiçoado. Ela gostava de olhar para ele, e sempre o fez. Apesar de sua suposta adoração por louros. Graças a Deus.

Certamente ele poderia superar sua raiva e inflamar o interesse novamente. De alguma forma, de alguma forma.

— Você sabe de alguém que não tem o poder de apagar os pensamentos dela da minha mente?

Uma pausa, quase opressiva em sua intensidade. Cronus lambeu os lábios, subitamente inquieto. Em seguida, soltou um hesitante:

— Não.

O demônio de Gideon ronronou. Mentira. Cronus tinha acabado de dizer uma mentira. Ele conhecia alguém que possuía esse tipo de poder. Quem?

— Por que...

— Sem mais perguntas. — O comando foi vociferado, seu tom agora grave. — Só tome cuidado com ela. Ela é selvagem. Caso contrário, eu assumirei seu cuidado eu mesmo.

Você não vai tocá-la, ele queria gritar, mesmo que seu demônio desse mais um ronronar. Outra mentira. O que o rei tinha mentido dessa vez? Que ela era selvagem, ou que ele teria assumido seu cuidado? Ou os dois?

Não importa se ela era selvagem. Ela era esposa de Gideon, pelo amor de Deus. Talvez. Mas de qualquer forma, ele estava indo para a cama dela. Se isso não voltasse sua memória dela, nada o faria. Pelo menos, isso fazia sentido para ele. E se, depois, ela estivesse disposta a ajudá-lo e a seus amigos em sua contínua guerra com os Caçadores?

Sim, claro. Se ela iria ajudar, ele não teria de devolvê-la ao calabouço, embora ele tivesse dito a Cronus que o faria. O rei queria vencer a guerra, não queria? Scarlet poderia destruir o inimigo enquanto eles dormiam, erradicando a necessidade de bombas, tiroteios e esfaqueamentos.

Isso seria um total ganha-ganha. Nenhuma desvantagem. Bem, com exceção de uma, mas era menor, por isso quase não merecia destaque. Pensei que você nunca mentisse para si mesmo. Gideon mordeu a língua, até sentir o gosto de cobre. Bom. A desvantagem era enorme. Devastadora. Ele nunca seria capaz de confiar em Scarlet porque o seu demônio não podia lê-la. E depois do que ele fez com ela, ela nunca iria querer ajudá-lo.

Portanto, ela tinha que voltar para o calabouço, não importava o quanto ela mudasse na direção dele.

— Eu estou ficando cansado de sua mente vagueando. — Cronus disse com um suspiro.

Assim, Gideon voltou a atenção. O resultado foi horrível.

— Não tenho uma última coisa. — Esperemos que o deus percebesse que tinha alguma coisa a discutir depois. — Na prisão, alguém... Não a machucou? — O último foi um resmungo.

Algo duro fechou sobre os olhos do rei, não apenas apagando as suas cores, mas fechando sua expressão e bloqueando todas as dicas de suas emoções.

— Nós terminamos aqui. Você tem coisas a fazer. Tenho coisas a fazer. Então...

Claramente, ele não iria discutir sobre Scarlet mais. Maldito. Apesar de tudo dentro de Gideon gritar em protesto - inclusive Mentiras - ele rapidamente mudou o assunto antes de ser mandado embora.

— Não havia outra coisa que eu precisava saber. Olivia não mencionou que você tem Sienna. — Sienna era a mulher de Paris. Uma mulher que tinha morrido nos braços do homem. A mulher que ele ainda queria, aparentemente.

Gideon sentiu que era sempre o último a saber dessas coisas. Paris certamente não lhe tinha dito. Mas Olivia adorava partilhar os detalhes de sua vida, bem como os detalhes de todos os outros, e Gideon adorava passar o tempo com ela. Ela mencionou que Cronus tomou o espírito de Sienna, manteve a garota perto dele, e então, quando Ira foi separada do corpo de Aeron, o deus havia colocado o demônio dentro da garota.

A dor em que ela deveria estar agora... A agonia mental total. Aquele demônio provavelmente estava pedindo-lhe para fazer todos os tipos de coisas desprezíveis. Coisas que ela faria, ela não seria capaz de ajudar a si mesma. Coisas que lhe assombrariam para o resto da eternidade.

— Eu a tenho. — Cronus admitiu com relutância.

Verdade. Mentiras sibilou.

Cautela, ele lembrou a si mesmo.

—Eu não poderia olhar para ela? — E relatar para Paris.

— Não. — Sem hesitação. — Você não pode. E agora, nós realmente terminamos. Eu tenho mostrado muita clemência, e olha o que me traz. — Cronus acenou com a mão no ar, e a próxima coisa que Gideon soube, era ele estava de volta ao volante do Escalade, com Scarlet algemada ao seu pulso.

A mudança foi tão chocante que ele acidentalmente puxou o volante. O carro desviou-se para um lado, os pneus guinchando. Outro carro se aproximava pela outra pista, luzes brilhantes. Outra guinada rápida, e o carro errou o seu. Quase.

Scarlet ofegou.

— Que diabos você está fazendo? Nossa conversa não terminará se eu sair voando pelo para-brisa, você sabe.

Seu demônio deu um suspiro satisfeito. Não é minha.

Gideon nivelou, mas não mencionou que tinha acontecido nos céus. Por mais que ela não gostava de Cronus - Por quê? - Ele não podia ter certeza de sua reação. No entanto, todas as mulheres gostavam de receber presentes, e agora parecia o momento perfeito para uma distração.

Não estrague isso.

— Então, uh, eu odiaria que você alcançasse o meu bolso.

Houve uma batida suspensão do silêncio. Então, um seco:

— Eu não penso assim.

— Eu não tenho um presente para você.

Interesse acendeu seus olhos negros, mas ela permaneceu imóvel. Mesmo desconfiada.

— O presente não iria acontecer de ser um pênis duro, não é? Porque se for, eu teria que devolvê-lo. Menos alguns centímetros.

Seus lábios se contraíram enquanto ele lutou com sua diversão. E sim, seu pênis endureceu. Ele só tinha de estar perto dela para que uma ereção acontecesse. Ou inferno, pensar nela. Ele gostava de seu senso de humor sujo.

— Sim, ele está, mas você não vai achar isso também. — Agora, seus lábios se contraíram. Isso já havia acontecido antes, mas ele nunca tinha visto o seu sorriso.

Verdadeiramente sorriso. E ele queria, desesperadamente. Ela teria brilho. Ele sabia que ela teria, podia ver o rosto bonito, sorridente dentro de sua mente, lábios vermelhos, exuberantes curvas nos cantos, dentes retos e brancos. Suas pálpebras se fechando um pouco, mas o brilho perverso em sua íris ainda seria visível.

Ele respirou fundo. Era uma memória? A memória do seu sorriso para ele? Feliz com ele? Bem-amado?

— Ótimo. — Ela resmungou, mas ela não conseguia esconder o tremor em sua mão enquanto ela enfiava a mão no bolso dele, o cuidado de evitar o comprimento muito grosso dele. Outro suspiro dela deixou seus dedos apertarem o metal demasiado quente. Ela ainda empurrava.

Gideon teve de apertar a boca em uma linha apertada para cortar seu gemido de prazer. Seu toque... Ela estava tão perto da sua miniatura, que tinha apenas o ângulo de seu pulso para alcançá-lo. E ele queria que ela tão desesperadamente alcançasse-o como ele queria vê-la sorrir. Mas muito em breve, e sem dobrar o pulso, tirou-lhe a mão e estudou o amuleto.

— O que é isso? — Era decepção em seu voz?

— Não é um par do meu, isso é certo.

Seu olhar moveu-se para ele enquanto ele balançava seu próprio amuleto debaixo de sua camisa.

— Oh. — A decepção, se é que tinha sido, desapareceu. — Por-Por que você quer que a gente tenha colares combinando?

Agora, ele não poderia dizer se ela estava feliz, triste ou melancólica. Ou talvez fosse simplesmente uma combinação dos três. Como o presente a fez feliz, porque isso significava que ele estava pensando nela. Como o presente incomodava, porque ele estava dando para ela agora, quando ele não se lembrava dela. Como o presente a deixou melancólica porque ele parecia esperançoso de um futuro juntos.

— Bem? — Ela induziu rispidamente.

Ele forçou um encolher de ombros, porque ele não poderia responder. Não sem ferir a sua causa. Para admitir - no seu jeito - que não tinha comprado para ela seria machucá-la. Para admitir que não fosse o símbolo do que eles tinham compartilhado uma vez e poderia compartilhar novamente talvez seria o quê? Magoá-la.

— Onde você conseguiu isso?

Novamente, ele encolheu os ombros.

Irritada, ela enganchou o colar no pescoço e ele quis gritar de alívio. Lá. Feito, foi feito. Ela estava protegida dos olhares indiscretos, e ele não teve que forçar a questão. A noite, de repente, parecia mais brilhante.

— Você está parecendo um estúpido usando o seu, por sinal. Na verdade, você parece uma garota.

Ou não. As palavras confirmaram seus receios anteriores, mas no fundo sabia que era ela apenas rebatendo, outra vez, porque não o entendia. Como gostava dela.

Você a conhece tão bem, não é? Ele não tinha uma resposta para si mesmo, tampouco.

— Então para onde estamos indo? — Ela resmungou.

Outro dar de ombros. Ele sinceramente não sabia. Ele tinha três dias e meio - não, noites - para cortejar e ganhá-la. Para saber mais sobre ela e seu passado. Então, em algum lugar romântico seria o melhor. Mas onde? Claramente, ele não a conhecia, porque ele não tinha ideia do que ela consideraria romântico. Uma cabana isolada? Um hotel de luxo? Ele suspirou.

— Não me fale sobre um lugar que você sempre quis ir, mas não...

— Oh, você quer falar agora? — Ela disse, cortando-lhe a palavra. — Eu não penso assim. — Os olhos apertados, ela ligou o rádio e aumentou o volume da música, um rock pesado, tocando, antes de voltar para seu assento e de frente para a janela.

Mensagem recebida. Ele que se virasse. E não pelo bom caminho.

 

Horas se passaram em silêncio. Bem, não em silêncio. O rádio continuava com a explosão esmagadora de rock favorita de Scarlet. Deuses, ela sentia falta de seu iPod. Com os fones em suas orelhas, ela poderia fechar os olhos e fingir que estava em casa. Não que ela tivesse um lar permanente, mas qualquer lugar era melhor do que tão perto do homem que tinha amado e odiado por séculos. Um homem que ela ainda desejava com ânsia tão intensa que ela não podia negá-lo mais.

Quase não queria negar isso. Mas ela o faria. De jeito nenhum ela iria dar-lhe outra chance de quebrá-la tão completamente. Satisfazê-la e esquecê-la. Vergonhosamente, ela quase desmoronou, no entanto.

Ele havia lhe dado um presente. O colar de borboleta mais lindo que já tinha visto, e que combinava com o seu próprio. Quando ela primeiro alcançou dentro de seu bolso, tinha ficado desapontada que ele realmente não queria que ela empunhasse o seu pênis. Então ela viu o colar, e bem, ela quis pular no seu colo e beijar cada centímetro de seu rosto bonito. Ela queria lamber cada um de seus piercings e empurrar a língua dela contra a dele. Queria sentir o seus braços envolverem em torno dela e segurá-la firmemente. Como se ela significasse algo para ele novamente. Queria ouvi-lo sussurar sua versão do seu nome.

Mas ele parecia quase... Desconfortável com a coisa toda. Culpado, até. Por quê? A única razão que ela conseguia pensar era que ele não queria que ela lesse muito do gesto. Não queria que ela saltasse em seu colo e beijasse cada centímetro de seu rosto bonito.

Isso parecia provável. Especialmente desde que o desgraçado não tinha tentado desligar a música e conversar com ela novamente. Talvez ele até estivesse aliviado que ela tivesse fechado os canais de comunicação. Como era estúpido. Ele tinha se lançado na prisão dela para conversar com ela, não tinha? Ele deveria se esforçar mais. Não que ela cooperasse. No momento em que ela o fizesse, ele tentaria levá-la de volta para o calabouço e ela teria que abandoná-lo como o planejado.

Na verdade, ela ia fazer isso amanhã. Os amigos dele provavelmente estariam chateados que ele tivesse perdido ela, mas isso não era seu problema. Ele também teria que retornar para uma cidade repleta de Caçadores sem a ajuda dela, mas, novamente, não era seu problema.

Ela tinha problemas suficientes para lidar com eles.

Um dos quais estava se aproximando rapidamente.

Gideon ainda estava dirigindo quando o sol começou a subir. Ela endureceu em seu assento, temendo o que viria a seguir, mas incapaz de detê-lo. Em primeiro lugar, a letargia bateu sobre ela, drenando a sua força, fazendo com que seus membros se sentissem pesados e sua cabeça refestelar. Então suas pálpebras se fecharam por conta própria, seus cílios aparentemente colados. Em seguida a escuridão teceu através de sua mente, uma incessante teia de aranha - aranhas, Gideon odiava aranhas, engraçado que ela pensasse nelas agora - seguido rapidamente por gritos dissonantes que ofuscaram tudo.

O demônio dela assumiu a partir daí.

Rindo alegremente, Pesadelos a levou para um reino escuro e nebuloso onde humanos e inumanos eram como passagens. Quando a porta estava aberta, significava que a pessoa estava dormindo e o demônio podia entrar à vontade. A localização não importa. A distância não importa. O fuso horário não importa. Adultos, crianças, homens, mulheres, não importam, também. Nada importa para o demônio, além de se alimentar de terror.

Com apenas um olhar, ela e o demônio sabia a quem pertencia cada porta, que tipo de pessoa que eles eram e o que eles mais temiam. Como com Gideon e seu medo bobo de aranhas, pensou ela, sorrindo novamente. Ele era um grande e mau guerreiro, que matou milhares de pessoas sem um salto em seu batimento cardíaco. Mas ele quase urinou nas calças quando um inseto correu em sua direção.

Ela supunha que ela não podia culpá-lo. Ela odiava os pequenos insetos assustadores. Eles constantemente invadiam sua cela no Tártaro, rastejando de todas as sombras e rachaduras da parede. E cada vez que ela despertava de seu sono impenetrável, ela se encontrava coberta de marcas de mordida.

Sem mencionar as contusões que seus companheiros de cela haviam deixado para trás. Até que ela começou a invadir os seus sonhos.

Tudo o que ela tinha feito para eles neste reino escuro, a vida real tinha repetido, e eles tinham acordado em poças de seu próprio sangue, muitas vezes com membros faltando. Alguns nunca haviam despertado sequer.

Quem nós queremos? O demônio perguntou a ela. A pergunta mais frequente entre eles.

Ao longo dos anos, eles aprenderam a trabalhar juntos. Eles até gostavam um do outro, confiando-se um ao outro. Certas vezes, o demônio tinha sido seu único amigo.

— Um Caçador seria bom, respondeu ela.

Talvez eles pudessem assustar o sujeito até a morte. O que sempre deixava Pesadelos em um humor estelar. Além disso, ela devia os Caçadores. Não porque ela se importava que eles quisessem ferir Gideon, mas porque tinha arruinado uma refeição perfeitamente boa para ela.

Isso vai ser divertido. Mais riso alegre quando o demônio avançou adiante deles, as passagens se ofuscaram ao lado dela.

Quando eles pararam, ficaram na frente de uma passagem aberta que era muito maior do que qualquer outra que tinha visto antes. Gemidos de prazer ecoavam de dentro, uma mistura decadente do sexo masculino e feminino. Havia batidas de carne contra carne. Murmúrios de "mais" e "por favor".

Um sonho erótico, então.

— Quem é este?

Galen. Líder dos Caçadores. Guardião da Esperança.

Galen. Ela fez uma careta. O guerreiro tinha levado seu exército diante os S porque estavam possuídos por demônios, e o próprio Galen levava um demônio. A contradição era desconcertante, mas não surpreendente.

Galen sempre lhe pareceu mais como uma cobra do que homem. Algumas vezes, ele ajudou Gideon a trazer um prisioneiro até o Tártaro, e ele foi todo sorrisos enquanto Gideon estava diante dele, mas no momento que Gideon virava, Galen o olhava com raiva em suas costas.

Quando Gideon tinha dito a ela que tinha encontrado uma maneira de esfregar o favor dos deuses graças a seu camarada Galen, e que como sua recompensa, ele teria pedido sua liberdade, ela tinha implorado a ele para não fazê-lo, seja o que for que ele tinha planejado. Claro, ele não havia escutado. Tinha estado muito seguro, muito esperançoso, de seu sucesso.

Ela queria "agradecer" Galen por sua parte no fracasso de Gideon por um longo, longo tempo, mas não se permitiu fazer isso. Isso teria ajudado a Gideon, e ela não queria fazer isso também.

Agora, porém, com essa queimação do colar contra seu peito, ela não se importava tanto com a possibilidade.

Pronta?

Lentamente, ela sorriu.

— Vamos fazer isso.

Eles andaram pela entrada, um fantasma invisível pelo sonhador, e de repente Scarlet estava vendo a evidência do que ela tinha ouvido. Galen era alto e musculoso, com cabelos loiros e olhos azuis. Olhos que espreitavam para baixo em uma mulher bonita e de cabelos pálidos. Uma mulher que estava ancorada contra uma pia do banheiro, as suas majestosas asas brancas estendidas, envolvendo-a em um abrigo de penas.

A blusa da mulher estava empurrada em seu queixo, sustentando seus grandes - realmente grandes - seios. Ele se deliciava neles ansiosamente. Sua calça estava em torno de seus tornozelos enquanto Galen golpeava dentro dela, movendo os quadris para produzir o máximo de prazer.

A calça dele estava apenas aberta na cintura, então Scarlet via muito pouco dele. Muito ruim. Ela poderia ter zombado de Gideon com o tamanho do pênis do inimigo e da dureza de seu traseiro.

Há tanto medo, Pesadelos disse com espanto.

— Diga-me. — Ela falou em voz alta, sabendo que em sonho Galen não podia ouvi-la a menos que ela quisesse que ele o fizesse.

Ficar sozinho. Ser derrotado. Desamparado. Inútil. Negligenciado. Esquecido. Morto.

Estranho. Ele carregava o demônio da Esperança. Ele não deveria ser mais otimista? Não importa. Scarlet caminhou através do banheiro de sonho, com Galen tão alheio à sua presença como à sua voz, e permitiu a Pesadelos redesenhar a cena.

— Faça ele se arrepender de ter sido criado.

O prazer é meu.

De repente, a garota se contorcendo e gemendo se tornou um homem. Um ser humano.

Galen parou de empurrar. Até que ganiu e saltou longe, tremendo as asas com o movimento.

Scarlet riu. Oh, isso ia ser divertido.

— Mais.

O banheiro foi substituído por um longo túnel escuro, e o humano desapareceu. Galen virou, observando seu novo ambiente, as pontas daquelas asas raspando as paredes e arranhando.

— O que está acontecendo?  — Ele murmurou. — Onde estou?

Suas palavras ecoaram, mas essas eram isto, o único som. Desesperado por respostas, ele avançou, correndo para a frente. O túnel esticava infinitamente, sem fim à vista. Seu pânico dobrou, triplicou, sua respiração ficou quente e áspera e o suor escorria por de seu corpo.

Delicioso. Pesadelos riu. Está tão bom.

— Mais. — Ela disse novamente.

Você quer as honras?

Compartilhar era gentileza, ela pensou.

— Sim. Por favor.

Leve-o ao limite, e eu vou lhe mostrar o que pode acontecer um dia para ele. Oh, seu medo... Nenhum dos outros será comparável.

Scarlet permitiu-se se materializar, apesar de ela não mostrar a guerreira formidável que ela realmente se parecia. A imagem que ela projetou era de uma menina que ela encontrou dentro do Tártaro. Para o único dia que a criança tinha sido permitida dentro de uma cela. Uma menina chamada Destino.

Todos tinham tido medo dela, porque tudo que Destino havia falado tinha se tornado realidade. Tudo. É por isso que os gregos tinham tão rapidamente a condenado à morte, a pobre coisa.

Mas por aquele dia, ela tinha sido amiga de Scarlet.

Se você acreditar no que vê, você irá perder seu marido, Destino lhe tinha dito durante sua única conversa.

Claro que Scarlet tinha acreditado no que ela tinha visto - a ausência de Gideon - então claro que Scarlet tinha perdido ele.

Muitos, muitos anos se passaram. Talvez Galen fosse reconhecer Destino, talvez não. De qualquer maneira... Que comecem os jogos.

Como Destino, Scarlet usava um vestido listrado com sujeira, tinha grandes olhos azuis, tão inocentes, e uma boca sempre imersa em tristeza. Os cabelos vermelhos caindo em tranças de comprimento até os tornozelos.

Ela apareceu alguns metros à frente dele. Venha, ela disse suavemente, e estendeu sua mão pequena e suja de barro endurecido.

— Você precisa ver o que te espera.

Ele tropeçou em seus próprios pés, mas parou antes de ele alcançar ela, ainda ofegante, ainda suando.

— Quem é você?

Tão esquecido como Gideon, então. Mas às vezes a ignorância servia melhor a ela. O que as pessoas imaginavam era muitas vezes muito pior do que qualquer coisa que ela poderia lhes dizer.

— Venha. — Repetiu. — Você precisa ver.

— Eu - Sim. Tudo bem. — Galen colocou de forma trêmula sua mão contra a dela.

No corredor, ela o conduziu, Pesadelos praticamente pulando na cabeça dela. Finalmente, porque ela resolveu isso, uma luz apareceu, e o significado dessa luz não foi perdido nele. Mais uma vez, o medo cravou.

Ele ainda tentou se afastar, mas ela apertou seu agarre, mais forte do que ela mostrava.

— Você precisa ver. — Ela disse a ele. — Você deve saber.

Chegaram à luz, que acabou por ser apenas a borda de um penhasco que dava para um campo de batalha. No campo de batalha tinha homem após homem, mulher após mulher, um oceano de morte e destruição, para cada corpo que estava sangrando, imóvel. E em cada um de seus punhos tinha uma tatuagem de infinito. A marca do Caçador.

Lá, no centro, estava Galen. Ele ainda estava de pé, embora ele também estivesse sangrando e ferido. Suas asas de penas brancas estavam estendidas, mas claramente quebradas. Sua força estava drenada, seus joelhos trementes ameaçando ceder.

— Não. Não! — Ao lado dela, uma sacudida do sonho de Galen o fez cair de joelhos, sacudindo a poeira ao seu redor.

No campo de batalha, Gideon caminhou em direção a ele, mais ameaçador do que nunca. Seu cabelo azul dançava ao redor de seu rosto com o vento forte, e seus piercings brilhavam ao sol. Havia um fio de sangue no canto da boca, onde seu anel do lábio tinha sido arrancado. Em uma mão, ele segurava uma espada longa e afiada. Na outra, ele segurava uma arma.

Rindo, ele apontou a segundo a Galen e disparou. O líder dos Caçadores voou para trás, caindo sobre seu traseiro, incapaz de se levantar enquanto Gideon continuava a lançar-se em cima dele.

— Não! — Galen a seu lado gritou novamente. — Levante. Lute! Eu não sobrevivi a aquela mordida venenosa da menina maligna apenas para morrer nas mãos do meu inimigo.

Ele não o fez, permitindo a Gideon levantar sua espada e atacar. A cabeça de Galen desprendeu, deixando seu corpo para trás.

— Não, não! — Os olhos azul-celeste encontraram com ela, em um poço de desespero. Seu rosto estava pálido, as veias azuis debaixo de sua pele evidente. — Diga-me que eu posso mudar isso. Diga-me que este não é o meu destino.

— Você deseja que eu minta? — Ela disse com aquela voz doce de menina.

Suas mãos caíram ao seu lado, armas inúteis contra o que o esperava.

— Por que você me mostrou isso, então? Por quê?

— Por que...

Scarlet foi acordada com uma sacudida, sentando-se, arquejando como Galen tinha feito no reino dos sonhos. Maldição. Ela não tinha acabado com ele, mas seu tempo lá havia terminado. E lá seria sem voltar por doze horas.

Pelo menos Pesadelos estava satisfeito. O demônio se alimentara do terror de Galen, terror muito mais intenso do que o que os homens experimentavam, e agora recuou para o fundo da sua mente.

— Não é bom. Você estava dormindo.

Gideon.

Sua voz flutuava sobre ela, dentro dela, queimando-a. Com raiva, com a luxúria. Adeus mundo de sonho divertido, olá realidade odiada.

— Onde nós estamos? — Ela perguntou, estudando o seu novo ambiente. Ela havia adormecido em sua presença - mais uma vez - e ele claramente tomou total proveito da situação. — Em algum lugar de merda.

Ao invés de um quarto de hotel, ela encontrou-se em uma floresta, o pôr do sol em um céu violeta. Ela repousava sobre uma cama de musgo fresco, e havia uma nascente natural e borbulhante ao lado dela. Ela ainda usava o vestido que ele tinha dado a ela, mas pelo menos ele tinha removido as algemas.

Antes dela levantar a música no carro, ele tentou perguntar o que ela achava mais romântico. Ela não respondeu, então ele obviamente tomou um palpite. E, para sua consternação, o bastardo tinha adivinhado corretamente. Isso era surpreendente. Pássaros noturnos cantavam, o perfume das flores do campo impregnava o ar e Gideon estava gloriosamente banhado naquela luz de cor violeta.

Agora, ele estava sentado na frente dela, apenas a alguns metros, encostado em um tronco de árvore. Uma mecha de cabelo caia sobre sua testa, e assim como antes, ela teve que conter a vontade de escovar os fios no lugar. Seus olhos azuis bebê estavam sobre ela, examinando, prolongando, saboreando. Tentando se lembrar?

Suas mãos estavam caídas em seu colo. Ele estava tentando impedir a si mesmo de alcançá-la?

Deuses que a ajudem, mas ela sabia exatamente o que este homem poderia fazer para seu corpo. Com as mãos, a língua dele. Ele poderia tê-la se contorcendo, implorando, em segundos.

Combata sua atração.

— Você pode muito bem me deixar ir. — Ou você mesma podia, eu não sei, finalmente livrar-se dele. — Você não vai achar qualquer prazer comigo.

— Tenho certeza que você tem razão.

Doce céu. Ele realmente pensou em deitar-se com ela. Estava totalmente confiante na rendição dela. Por que, oh, por que isso era tão sexy?

Ela estreitou os olhos, para não ver o desejo certamente depositado lá.

— Você se lançou em mim por respostas, então porque você está se esforçando tanto para me comover romanticamente? Você teria melhor sorte me trabalhando mais com seus punhos. — Bom. Ela soou com raiva ao invés de sem fôlego.

— Não pensei sobre isso agora mesmo.

Ele tinha pensado em bater nela? Este – este...

— E eu poderia absolutamente induzir-me a fazer isso. Querida.

Deuses, ela realmente era uma idiota, derretendo como manteiga porque ele decidiu não golpeá-la. E então ela estaria ouvindo os anjos cantarem porque ele decidiu não cortar sua jugular.

— Não importa o que você fará, você irá falhar. — Com os dedos cruzados para que não fosse um blefe.

— Mesmo se tudo que eu quiser fazer é nos conhecermos de novo?

Sim. Não. Argh.

Hey. Não mais suave.

— Não há nada de errado em nos esquecer-mos um do outro, tampouco.

Ele estava rangendo os dentes, quando moveu as pernas dele, prendendo os joelhos dela com seus tornozelos e colocando os pés dela perigosamente perto do seu - duro e crescente - pênis. Tragicamente - er, felizmente - a calça impedia de sentir o contato de pele contra pele. Por isso ela desprezava - amava, maldição - aquele jeans de cintura baixa.

— Então, quem não é você hoje? — Ele perguntou, sabiamente mudando de assunto.

Machuque-o. Faça ele parar esta sedução lenta.

— Scarlet... Reynolds. — Ela estremeceu como se o pensamento a satisfizesse. — Sim. Eu estou no humor para um pouco de Rye-Rye, hoje.

Gideon estalou a mandíbula, deixando os dentes à mostra por um segundo. — Nós não estamos casados?

— Claro que estamos. — Ela disse. — Mas na minha mente eu estou traindo-o com Ryan.

Agora, a ponta rosa de sua língua saiu para fora de seus lábios, como se ele tivesse a intenção de mordê-la.

— Você é tão estranhamente engraçada.

— Quem disse que eu estou brincando?

Antes que ela pudesse piscar, ele estava sobre ela, empurrando-a para o musgo, o peito dele pressionando contra o dela, seu peso a prendendo.

— Não se preocupe por tirar o pior de mim.

Um tremor saltou por baixo de sua coluna, seus mamilos tencionaram contra o vestido, tentando alcançá-lo. Ela poderia tê-lo jogado pra fora, ela era forte o suficiente, hábil o suficiente, mas ela não fez isso. Ela agarrou o colarinho da camisa dele, segurando ele no lugar. Desejando...

— Bem, se você não tinha percebido, você instiga o pior de mim.

Dentro e fora ele respirou, com as narinas abertas.

— Continue falando, e eu não tentarei você.

Cale a boca, ele quis dizer.

— Ou o quê? — Ele cheirava tão bem, como almíscar e tempero sedutor. O calor irradiava a partir dele e a envolvia, escapando em torno dela em um abraço malicioso.

— Ou... — Seu olhar caiu sobre os lábios dela. A raiva parecia ser drenada dele, algo mais quente, sufocante tomando seu lugar. Esta calça áspera nunca diminuía, e, entre eles, disse: — Você é tão inacreditavelmente... Feia. — Esta última coisa foi oferecida hesitantemente, como se temesse que ela não fosse entender o que ele estava tentando lhe dizer. — Você não me faz sentir dor. Você não me deixa faminto de tantas coisas. Coisas sujas. Coisas más.

Beije-o.

Não, não ouse.

A guerra foi travada entre o corpo e a mente. Se ela o beijasse, ela não seria capaz de parar o que estava certa que viria a seguir. Uma vez que os lábios dele encontrassem os dela, ela estaria perdida. Seu sabor a drogava, seu corpo a viciava. Esta é a maneira que sempre tinha sido com ele.

E agora, ela queria, mas ela não poderia ter. Não verdadeiramente. Mas, por uma noite deliciosa, ela poderia pertencer a ele novamente. Qualquer preço valia a pena isso. Com um bônus a mais: ela poderia esquecer seus problemas, esquecer o futuro solitário que a aguardava.

Esquecer. Palavra errada. Ela endureceu, sem ter que convencer-se em resistir.

— Se afaste de mim.

— Eu quero te machucar. — Ele sussurrou, arrastando o hálito quente sobre sua pele. — Diga-me para parar.

Intencionalmente, ele queria dar prazer a ela e tudo o que tinha que fazer era permitir-lhe a ir em frente. Ela balançou a cabeça em uma tentativa desesperada de evitar o que ela ainda queria, necessitava, mas nunca poderia permitir-se.

— Não. Eu não direi.

Espere. Não, ela não iria dizer-lhe para parar? Argh!

Lentamente, ele sorriu - tão malicioso - como se isso fosse exatamente o que ele esperava que ela diria, não importando o seu significado.

— Muito mau. — Ele disse. E então, ele sustentou um beijo quente diretamente em sua boca.

 

            Doces deuses do céu, Gideon pensou, atordoado. Essa mulher - sua mulher - tinha gosto de frutas perfeitamente maduras, sentia um relâmpago enjaulado de encontro a ele, e os sons que ela fazia enquanto a língua dele se enrolava e empurrava de encontro a dela, aqueles pequenos ofegos, eram como heroína misturada com ambrósia. Aditivo, mind-fuzzing[16], esmagador.

            Ele a pressionava contra o chão, suas pernas entre as dela, sua ereção descansando de encontro ao ápice de suas coxas. Ele queria massagear seus seios. Deuses, como ele queria massagear seus seios. Mas isso seria muito, muito rápido. Para ela, pelo menos. Então ele fez a única outra coisa que podia. Ele capturou seus pulsos e prendeu-os acima de sua cabeça, segurando-a efetivamente aos seus próprios movimentos , também.

            Errado. De tal modo, é claro, arqueando o quadril e preenchendo insinuante toda a distância entre o peito, músculos macios, seios suculentos. Seus mamilos estavam túrgidos, tão maravilhosamente túrgidos, e eles criavam uma maravilhosa fricção contra o peito dele, levando-o a um novo nível de consciência.

            Um nível perigoso em que o gozo e a felicidade dela eram mais importantes do que a sua própria.

            Ele não podia soltá-la, apesar de tudo. Era tarde demais para isso. Ele tinha que ter mais. Então, se ele não podia deslizar aqueles mamilos entre seus dedos, se ele não podia lambê-los, ele teria que se satisfazer por continuar a esfregar-se contra eles. Como um bônus adicional, a cada pequeno movimento seu pênis chocava-se de encontro ao centro dela, fazendo com que ambos tremessem e gemessem.

            Beijar geralmente não fazia nada com ele. Talvez porque ele nunca pode pedir o que queria, tinha que mentir e procurar o oposto. Ele tinha que pedir por uma doce inocente. Ele tinha que pedir por um gentil, terno. No entanto com Scarlet, ele não teve que pedir nada. Ela simplesmente deu a ele um duro e molhado. Profundo e intenso. Ela mordeu-o, sugou sua língua, raspou em seus dentes.  E ele não conseguia pegar o suficiente.

            Ele a beijou por uma eternidade. Ele a beijou enquanto os insetos cantavam e a lua lutava por seu lugar no céu. Ele a beijou até perder o fôlego. Beijou-a até que ela se contorcesse contra ele, sua pernas enroladas em torno dele, apertando-o, seus dentes mordiscando-o enquanto silenciosamente ela implorava por mais.

            E ainda, apesar de tudo isso, ela parecia distante. Como se ela não estivesse realmente lá com ele. Como se ela tivesse deixado uma parte de si para trás. Inferno. Não.

            Distância ele não iria tolerar. Ele podia querer não empurrá-la muito longe, mas até o tempo desse beijo terminar ela não pensaria em nenhum outro homem além dele. Ela ficaria feliz de estar casada com ele. Ela sonharia com ele, desejaria-o mais do que a qualquer outro.

            Era assim que havia sido entre eles, todos aqueles séculos atrás? Uma necessidade consumidora empapando em um calor fervente, em seguida, contorções de dores insaciáveis?

            Ele soltou uma das mãos, e ela imediatamente escavou os dedos pelos seus cabelos, as unhas arranhando em seu couro cabeludo. Suficiente para fazê-lo sangrar. Sim, sim. Talvez ele pudesse empurrá-la um pouco mais. Mas, para isso, teria que sacrificar o beijo. Com suas bocas apertadas assim, ele não conseguia pensar corretamente.

            Gemendo, Gideon afastou-se bruscamente de seus lábios. Ela estava com os olhos fechados, tal como se estivesse sentindo dor. Aqueles lábios estavam inchados e vermelhos, úmidos. Incapaz de se conter, ele lambeu aquela umidade antes de deslizar seu vestido por cima de seu pescoço, expondo a calcinha, a barriga e finalmente seus seios. Ele não dera a ela um sutiã. Ele gostava muito da ideia de tê-la sentada perto dele, um fino pedaço de algodão era tudo o que restava entre sua pele e os mamilos dela.

            Seis seios eram perfeitamente formados, um pouco menores do que uma mão cheia, e os mamilos eram vermelhos como seus lábios. Sua boca encheu de água enquanto ele abaixava a cabeça. E, deuses queridos, sugar um daqueles pequenos frutos em sua boca era uma experiência religiosa. No momento em que sua língua fez contato, todo o seu corpo sentiu como se ele ardesse em chamas de dentro para fora. Seu sangue transformou seus órgãos em cinzas. Seus órgãos em cinzas derreteram seus ossos, e os ossos líquidos queimaram sua pele, deixando bolhas.

            Ela deve ter experimentado a mesma sensação de derretimento, pois um grito de prazer explodiu dela. Um honesto grito de prazer “deuses-eu-estou-perdendo-meu-controle”. Ele adorou isso, curtiu isso. Exceto os milhares de outros gritos dela que se seguiram. E aqueles não foram forjados pelo prazer. Aqueles cheiravam a medo e dor.

            — Gideon. — Ela murmurou.

            Mais uma vez, ele levantou a cabeça. Seus olhos ainda estavam fechados, só que agora sua boca estava apertada em uma linha de agonia. Sombras pretas grossas estavam se infiltrando vindas de suas orelhas, sua boca e girando ao redor de sua cabeça.

            O demônio dela, ele percebeu.

            Desde que Gideon ganhara o controle de seu corpo e de suas ações todos aqueles séculos antes, Mentiras fora como uma companheira fantasma. Lá, mas quase imperceptível. Bem, até pouco tempo atrás. Antes de Scarlet, o demônio raramente falara com ele sem qualquer reserva ou reinvidicara sua presença fisicamente. Pelo contrário, o seu demônio o dominava principalmente através de compulsões.

            Isto não fora uma compulsão para ela. Isto fora uma manifestação total. E ele não tinha nenhuma fodida ideia do que fazer.

            — Como eu posso tornar isso pior, demônio? — ele tentou afastar-se dela, para aliviá-la da única maneira que ele podia, mesmo que isso significasse não transar com ela.

            Mas suas pálpebras finalmente se abriram, suas íris incandescentes vermelho brilhantes, e ela agarrou sua camisa, puxando-o de volta.

            — Que diabos você pensa que está fazendo? — As palavras eram um rosnado áspero, e todos aqueles gritos contraditórios conjuravam no tom, uma onda de maldade. — Escute-nos bem. Se você ousar parar, vamos puni-lo.

            Com a gente. Nós. O demônio dela estava envolvido? Que parte dela? O-kay. Não era sua primeira vez a três, mas certamente a mais estranha. Não houve tempo para maravilhar-se, no entanto.

            Scarlet deslizou um dedo até o centro de sua camisa, rasgando o algodão, expondo seu peito. Ela espalmou a mão contra o piercing em seu mamilo e lambeu os lábios.

            — Mais. — Ela gemia arqueando-se para ele.

            Sua fenda deslizando em seu pau, e o resto do sangue deixando seu cérebro. A ponta úmida de seu pênis ainda empurrava o cós de suas calças. O fato das sombras ainda estarem à deriva dela, o fato daqueles gritos ainda ecoarem entre eles, falharam em perturbá-lo. Seu desejo por ela era simplesmente demasiado grande. Ele, também, precisava de mais.

            Sexo não, ele disse a si mesmo. Ainda não. Ele ainda pensava que isso seria empurra-la demais e muito rápido. E ele não a queria chorando chocada mais tarde, alegando que ele tirara vantagem dela e usando isso como uma desculpa para se distanciar ainda mais.

            — Você só tem que sentar lá. Depressa!

            Reclamações sobre sua performance quando ela já estava claramente embriagada de paixão. Ele queria dizer que era a primeira, mas não conseguiu. Muitas mulheres se queixavam dele penetrá-las o mais rápido possível, ter e dar um orgasmo e deixá-las mentalmente.

            — Gideon! Obedeça.

            — Claro. Claro. Não me mostre o que você quer em primeiro lugar. — Ele não ia entrar em ação, é claro, mas assistir enquanto Scarlet começava a acariciar os próprios seios, exatamente como ele desejava fazer. Mechas de seu sedoso cabelo preto caindo por seus ombros e enrolando em torno de seus dedos, como se estivessem fazendo cócegas nela.

            Suas pálpebras semicerradas, e os dentes mordendo o lábio inferior enquanto ela alcançava com uma das mãos, passando pela bela calcinha azul para dentro de seu calor úmido. Deuses, ela era sexy. Seu estômago escavado no umbigo era o mais sensual que ele já vira, e suas coxas apoiadas em suas pernas quentes.

            — Está bom o suficiente para você? Eu mostrei-lhe, maldição, agora trate de manter a sua parte no trato.

            Finalmente, ele se moveu. Ele alcançou e agarrou seu vestido, levantando o material pelo resto do caminho sobre a cabeça dela e depois jogou-o de lado.

            — Pressione os joelhos mais juntos. — Ele murmurou.

            Primeiro, ela obedeceu e fechou as pernas para ele. Quando ele aplicou pressão em seus joelhos, incitando-os a se afastarem, ela percebeu o que fizera e as abriu. Espalhando-se, faminta por ele. Seus quadris arqueados para frente, para trás, rogando-lhe para fazer algo, qualquer coisa.

            Por um momento, ele regalou-se na imagem dela. Ele nunca a vira assim antes. Ele sabia disso, por sua alma ele sabia disso. Visto que esta imagem não parecia nova, mas de alguma forma uma parte dele. No fundo, escondido, mas lá. No entanto, quando ele puxou aquela calcinha de lado, empurrou os dedos dela do lugar onde ele queria estar, e abaixou a cabeça, quando ele buscou traçar a sua língua até o calor de seu centro, o gosto dela era novo. Ele não tinha absolutamente nenhuma lembrança dela.

             Que vergonha. Jamais provara nada tão doce, tão inebriante. Ela encheu sua boca, invadiu cada um dos seus sentidos, marcou cada célula dele.

            — Gideon. Por favor.Por favor, por favor, por favor. — Disse Scarlet.

            — Mais. Agora!

            Seu demônio. Engraçado que ele já poderia dizer a diferença entre eles.

            Mas ele não precisava mais pedir. Ele deitou de bruços, diretamente entre as pernas dela, e fez tudo o que sua mente febril imaginara desde que a descobrira em seu calabouço. Ele lambia, chupava, mordiscava, ele a provava da maneira mais doce possível, profundamente, saboreando cada gota dela.

            Quando isso não era suficiente, seus dedos se juntavam ao jogo. Primeiro um, depois dois. Três a esticaram, e ele tinha medo de estar machucando-a, então ele tomou seu tempo, deixando-a se acostumar com ele. E quando ela o fez, ela montou aqueles dedos em completo abandono, arqueando-se neles, puxando seus cabelos, arranhando seu couro cabeludo. Novamente ele adorou. Não era possível obter o suficiente. Queria que durasse para sempre.

            Queria fazer mais. Fazer tudo. Coisas que ele somente sonhara em fazer com as outras, mas não fora capaz de fazer por causa do seu demônio. Coisas más, coisas das quais a maioria das mulheres se afastaria. Inferno, coisas das quais a maioria dos homens se afastaria. Mas ele era um guerreiro que vira e fizera coisas que a maioria das pessoas não conseguiria entender. Ele vivera durante um longo, longo tempo e de acordo com a regra crescera a falta de motivação.

            Talvez Scarlet tivesse deixado ele fazer tudo que quisesse. Talvez ela tivesse até gostado. Ela vivera muito tempo, também. Mas, com seu passado, vivendo tantos séculos como uma escrava, ela poderia ter odiado. De qualquer maneira, agora não era o momento, ele lembrou a si mesmo.

            Isso era sobre pegar um ao outro enquanto assegurava a ela que ele não iria fazer mais até ela estar pronta. Mentalmente e fisicamente. Que ela podia confiar nele. Com seu corpo. Seus segredos.

            Uma mentira? Subitamente, ele não sabia mais nada.

            — Gideon, Gideon. Sim, desse jeito. Não pare. O que você está fazendo... Deuses, eu amo isso.

            Palavras mais decadentes nunca foram ditas. Ela estava chegando perto, seu corpo tenso, preparado para liberação.

            Não sem mim, ele pensou. Embora ele quisesse sua mão ao redor de seu pênis, acariciando-o, talvez com as mãos em concha e puxando-lhe os testículos, ele agarrou a si mesmo. Enquanto ele começava a lambê-la uma vez mais, ele manuseou seu pau para cima e para baixo, agarrando com força, o deslizar forme e molhado dela. Deuses, sim. Isso era bom.

            Ele aprofundou sua língua, tal como fizera com os dedos, e só assim, ela explodiu. Suas paredes internas apertaram o cerco ao redor dele, segurando-o cativo. Seus joelhos espremiam suas têmporas, firme, e ele pensou que seu crânio poderia rachar. Ele não se importava. Ele fizera isso por ela, ele dera a ela esse prazer. Ele empurrou-a ao limite de seu controle.

            Orgulho e possessividade derramaram-se através dele, enquanto ele provava a doçura do seu orgasmo. Seus golpes em seu pau aumentaram de velocidade, intensidade, e ele atirou para cima, sobre ela, segurando-se para não esmagá-la com uma mão espalmada ao lado de cada ombro. Os olhos dela estavam semicerrados, e ela estava ofegante. O suor reluzia em sua testa, e havia um fio de sangue escorrendo pelo canto da boca inchada. Seus mamilos ainda estavam duros, apesar do ar de satisfação absoluta irradiada a partir dela.

            Minha, ele pensou e, em seguida, ele também foi empurrado ao limite de seu controle, jorrando sêmen quente em seu estômago. Talvez ele devesse mirar longe dela, mas ele não seria capaz de se afastar mesmo se tivesse uma espada apontada para o seu pescoço. Seu olhar estava ocupado demais bebendo-a, e, sim, ele gostou da ideia de sua semente nela. Como uma marca. Era justo, afinal. A essência dela estava dentro dele, nadando através dele.

            Agora ele caiu sobre ela, esmagando-lhe, incapaz de segurar a si mesmo, a última gota esvaziando-o completamente. Ele não possuía energia sobrando. Ele não conseguia recuperar o fôlego, e a única coisa que sua mente queria fazer era reviver o que acontecera. As imagens, os sons, o paladar, o tato.

            Provavelmente acontecia o mesmo com ela, sua mente presa no que acontecera, seu coração amolecido em sua direção. Ele podia perguntar-lhe alguma coisa agora, e ela diria a verdade, ele estava certo disso.

            — Saia de cima de mim, você é muito grande. — Scarlet disse, empurrando-o para o lado.

            Espere. O que?

            Surpreso por sua veemência, ele rolou sobre as costas, olhando-a como estava. As sombras não estavam mais pulsando ao seu redor, e os gritos de dor haviam morrido. Ela ficou de costas para ele. Enquanto marchava para a fonte borbulhante. Estava muito escuro para ver as nuances de suas tatuagens.

            Da próxima vez, eu vou beijar as tatuagens. Mas, oh, ele podia ver os contornos de sua bunda, e maldição. Três sílabas. Per. Fei. Ção. Firme, feita para caber nas mãos em concha. Por que ele não a havia envolvido?

            Ele concentrou-se na sua zona de divertimento, e perdeu o foco de todo o resto. Da próxima vez, ele pensou novamente.

            Sem uma palavra ela entrou na água e afundou-se até os ombros. Foi quando finalmente ela o encarou, embora seu olhar nunca o tocasse.

            —- Você tem um, uh, tempo de recuperação lento. — Ele disse a ela. Sentou-se e esfregou a mão pelos cabelos emaranhados.

            — Bem, não havia muito do que se recuperar. — Ela respondeu rispidamente.

            Seus olhos se arregalaram de surpresa, então se estreitaram com a afronta. A fedelha realmente fora lá, não tão sutilmente dizendo que a experiência não fora boa para ela. Ela estava mentindo. Claro que sim. E ele não precisava de seu demônio para lhe dizer isso. (Coisa que o bastardo não fez). Ela apreciara o inferno fora de si mesma. Ela se contorcera e gritara. Ela pedira mais, maldição.

            Carrancudo ele pulou para se colocar em pé... E fingiu ter tropeçado quando seus joelhos quase dobraram. Aparentemente, ele não se recuperara. Movimentos duros, irregulares, ele removeu os restos esfarrapados de sua camisa e enfiou as calças até os tornozelos.

            Merda, pensou ele, vendo a si mesmo. Sua raiva escoando. Ele ainda estava usando suas botas. Que tipo de amante usava botas quando degustava uma mulher pela primeira vez?

            Ele as chutou longe, quase caindo em seu rosto, e arrancou seu jeans. Ele tirou suas armas, também, todas as dez mil, aparentemente, amarradas em cada centímetro dele. Nu despudorado, ele caminhou para a fonte e sentou-se ao lado dela. Vapor rosado, névoa parecida com glitter enquanto dançava no ar. A água quente acariciava seus músculos cansados.

            — O que você está fazendo? Você não foi convidado. — Scarlet nadou para o outro lado, colocando a maior distância que podia entre eles.  No entanto, nada poderia separar os seus olhares. Eles estavam presos um no outro em um confronto quente de vontades. Ao menos seus olhos eram negros agora, em vez de vermelhos.

            — Eu poderia ter feito muito menos para você, você sabe. — Ele resmungou. — Onde está o meu “não obrigado”?

            — Seu “não obrigado” está bem aqui. – Ela cuspiu-lhe as palavras com absoluto prazer. — E sim, eu sei que você poderia ter feito muito mais para mim. – Sua mão caiu na água, e sua cabeça inclinada para o lado, seu estudo sobre ele se intensificando. — Por que não o fez? — Sussurrou suavemente.

            A pergunta capciosa e muito pior do que “Eu fico gorda com estas calças?”. Não havia maneira de responder sem se condenar. “Você não estava pronta” e seria recebido com um “Como você sabe para que eu estava pronta; você não me conhece mesmo”. Ou a mentira “que eu não quero fazer mais”, que era o que ele teria que dar a ela, seria recebida com “tampouco eu” ou mil perguntas sobre se ele se lembrava dela agora ou não.

            Hora de mudar de assunto.

            — Por que você não fica lá? — Enquanto falava, ele a cutucava com um dedo.

            Teimosa, ela balançou a cabeça. Mas ela disse:

            — Eu ficarei, obrigada.

            Um músculo pulsava sob seu olho. Ele queria abraçá-la, porra. Queria envolver seus braços em volta dela e aconchegá-la próxima a ele. Ele queria, assim, aquecê-la. Por que isso seria descongelá-la. Claro que sim.

            — Você não sabe o que eu quis dizer, Scar.

            — Olhe. — Disse ela, imprimindo força em seu tom. Seu colar de borboleta brilhava como um raio de luar âmbar lutando a sua maneira para ultrapassar a copa de folhas acima deles. — O que aconteceu, aconteceu. Nós não podemos desfazê-lo, mas podemos tomar medidas para garantir que isso não aconteça novamente.

            Ele só podia ficar boquiaberto diante dela. Por que diabos eles iriam querer fazer isso?

            — Nós apenas não precisamos ir por esse caminho novamente. — Continuou ela, como se estivesse lendo sua mente. — Isso não terminou bem da primeira vez e isso terminaria bem pior da segunda.

            — Você pode saber isso com certeza. — Ele estreitou, tornou menor a distância entre eles e a sacudiu. Ela estava tão determinada, tão segura de si mesma.

            Ela deu um chute, achatando seu pé contra o peito dele, e o fazendo parar.

            — Fique onde está. — O vermelho reapareceu em seus olhos, combinando com o rubi brilhante de seu colar.

            Então. O demônio não estava muito longe da superfície agora, depois de tudo. Mas Pesadelos parecia gostar dele, e certamente o queria. Isso significava que Scarlet estava lutando com seu corpo... E as necessidades de seu demônio, mesmo agora?

            Pensativo, Gideon recostou contra as rochas. Mas quando Scarlet tentou afastar seu pé, ele a agarrou pelo tornozelo e a segurou.

            — Deixe-me ir. — Oh, deuses. Não me deixe ir. Não ouse me deixar ir.

            Ele pressionou o polegar em seu arco, massageando. Se ele não podia abalá-la sem uma luta, ele se concentraria em desarmá-la. Sua cabeça caiu para trás contra a parede rochosa atrás dela, e quanto mais ele trabalhava, mais ela ofegava.

            — Eu não estou tentando aqui. — Ele disse a ela. Maldição, mas eu nunca tentei tanto. —Para lembrar, para fazer as pazes, para fazer algo funcionar.

            Enquanto continuava a ofegar de prazer, ela disse:

            — Você não me quer. Não de verdade. Você quer respostas.

            Ele não podia negar. Ele queria respostas. Mas a cada segundo que passava, ele a queria mais.

            — Separar é morrer. — Ele disse, e porque era uma mentira... Embora ele quase desejasse que não fosse... Ele não foi atingido com a dor e a fraqueza.

            —- Palavras estúpidas que nada significam.

            Ele se sentia daquela forma, sim, um pouco, mas as memórias dela estavam intactas. Não deveria. Ele tentou não deixar transparecer sua irritação e frustração.

            — Não me dê nada. — Alguma coisa. — Somente um pouco de nada. — Qualquer coisa.

            Um longo momento se passou em silêncio. Ele continuou a massagear o seu pé, e ela continuou a gozar, mas ela nada disse. Ele pensou que isso significava que ela o estava ignorando. Mas, então, finalmente, ela suspirou, tantas emoções emaranhadas naquela pesada exalação.

            — Certa vez, você estava entregando um prisioneiro no Tártaro. Um imortal que tentou matar Zeus, a fim de reclamar o trono celestial para si mesmo. Antes que você pudesse levá-lo para ser trancado dentro de uma das celas, você notou que eu estava lutando com uma deusa. — Sua testa estava franzida. — Eu não me lembro quem era, só que ela era alta e loira.

            Poderia ser qualquer uma entre milhares.

            — Por favor, não vá em frente.

            — Ela estava... Ganhando. — O sulco se aprofundou e Scarlet franziu mais a testa. — Isso não está certo. Quero dizer, na minha mente. Eu posso vê-la me segurando e me arranhando, mas a imagem parece errada... Eu não estou fazendo nenhum sentido. — Ela acenou a mão no ar, espirrando e pingando gotas de água. — Enfim, você reparou e soltou o prisioneiro para correr para mim. Quando você puxou a deusa de cima de mim e me ajudou a ficar em pé, o novo detento tentou fugir. Você correu atrás dele, e todos os deuses e deusas dentro da minha cela tentaram fugir também. Peguei-os de volta enquanto você capturava o macho porque eu não queria que você ficasse em apuros.

            Uau. Ela poderia ter fugido, mas não fizera. Por ele, ela ficara. Saber disso fora... Humilhante. Se ela falou a verdade, era isso. Por que fodido inferno Mentiras não podia falar com ela?

            — E o que os deuses e deusas não fizeram em retaliação?

            Eles não deixariam passar aquele tipo de traição. Ela os impedira de ganhar sua liberdade; eles a teriam castigado. Severamente.

            Ela encolheu os ombros, ilusoriamente realista.

            — Eu disse uma coisa, como você pediu. Isso é tudo o que você tem.

            Maldição. A história só aguçara seu apetite por mais.

            — Parece que você não suportou muita dor para ficar comigo. Por que você não fez isso?

— Não é da sua conta.

Mais uma vez ela fingiu não entender o que ele estava dizendo e seu respeito e admiração por ela cresceram. Juntamente com a sua frustração.

— Não me diga, e eu não lhe darei um benefício. Qualquer coisa que você não queira. — Sem dúvida ela iria pedir a libertação. Ele daria a ela, porque, maldição, ele simplesmente não podia mais mentir para ela, e então ele a pegaria novamente. A prenderia como planejado.

Era necessário, ele lembrou a si mesmo. Ela era perigosa, poderia destruí-lo e a todos que ele amava. Ele se lembraria daqueles fatos até que a palavra necessário fosse simplesmente uma parte dele, tão vital quanto respirar.

            Ela recuperou seu interesse.

            — Um benefício para ser usado mais tarde?

— Não.

Ela puxou o pé soltando-o de seu aperto e deu-lhe o outro. Ele tentou não sorrir enquanto trabalhava, massageando aquele arco em círculos. Tão calmamente exigente. Tão adorável.

Necessário.

— Tudo bem, sim. — Disse ela. — Eu vou te dizer. — Ela lambeu os lábios, desviou o olhar e olhou para os céus. — Só... Dê-me um minuto.

“Um minuto” acabou se transformando em onze. Não que ele estivesse contando cada maldito segundo.

O suspense iria matá-lo, mas ele suspeitava o que ela iria dizer. Arrisquei-me a punição porque eu te amava. Parte dele queria ouvir as palavras, mesmo que isso fizesse dele um sádico. A outra parte dele realmente queria ouvir as palavras. Mesmo que isso fizesse dele um masoquista. Ela não se sentia assim agora, e isso não terminaria bem para ela se ela fizesse. Um pensamento que o deixou vazio e doente.

Fodidamente necessário.

— Você tem certeza que quer saber? — Ela perguntou finalmente, hesitante e ainda esperançosa. — O conhecimento irá mudá-lo, e não para melhor.

            Não poderia ser “eu te amo”, então. Sua expressão estava tão incomodada, como ele nunca vira igual. O medo tomou conta dele e seus dedos pararam de se mover. Ele sentou-se reto, o seu olhar tentando investigar sua alma.

            — Não. Não me diga. Não me diga agora.

Ela engoliu em seco.

— Gideon. Nós... Você e eu... Tivemos um filho. Tivemos um filho, e seu nome era Steel.

 

Amun, Guardião do demônio dos Segredos, descansava em uma cadeira de plástico no meio da floresta verde florescente, em torno de sua casa. Ele tinha um ventilador portátil frente à ele e um refrigerador com cerveja gelada ao lado dele. Álcool não fazia muito efeito nos imortais, mas de qualquer maneira, ele gostava do sabor.

Acima, o sol estava brilhando tão extraordinariamente, que alguns milhares de raios âmbar conseguiram infiltrar-se através da espessa copa das árvores diretamente em sua pele. E sim, ele tinha um monte de pele exposta. Ele saiu vestindo sua sunga e um sorriso.

Quando ele fechava os olhos, era fácil fingir que estava em uma praia. Sozinho. Ele fez isso tantas vezes quanto possível, era o seu tempo longe das pessoas e dos segredos que eles nunca poderiam esconder dele, não importando quão duramente eles tentassem. Segredos que seu demônio sempre estava desesperado para descobrir, sempre rondando suas cabeças para encontrar, ouvindo seus pensamentos. Pensamentos que Amun, ouvia em seguida.

Era bastante difícil, mas suportável. Se essa tivesse sido a sua única habilidade, ele pensou que poderia ter sido capaz de viver uma vida normal. Mas o seu demônio também podia roubar as memórias, cada voz se juntando a milhares de outras que já flutuavam por sua cabeça, aumentando de volume até finalmente misturar-se com a dele, de modo que ele não pudesse mais distinguir quais eram realmente as suas.

Era como se ele tivesse vivido a vida da pessoa cujas memórias ele tomou. Não importando se a vida era boa - ou absolutamente horrível.

Roubar pensamentos era algo que Amun odiava fazer, mas às vezes era necessário. Aprender o que o inimigo sabia e tinha planejado, poderia ganhar uma batalha. Fazer esse inimigo esquecer, poderia ganhar uma guerra. Assim, embora ele detestasse, ele usaria seu demônio dessa forma, sem hesitação. E ele usou, repetidamente.

Uma risada de mulher chamou sua atenção, e ele abriu os olhos. Ele não precisou vê-la, para saber quem estava se aproximando do seu refúgio. Olivia, o anjo. Aeron estava em uma quente perseguição à ela.

Amun já podia ouvir seus pensamentos.

Deuses, seu riso é sexy como o inferno.

Se eu usar minhas asas, ele não será capaz de capturar-me, e eu realmente quero que ele me pegue.

Quase...  Pegando-a...

Ele quase me pegou!

Ofegante, sorrindo, Olivia irrompeu pelos arbustos, localizou Amun e agarrou o punhal amarrado à parte externa da coxa, sob sua túnica. Quando ela percebeu quem ele era, ela parou, relaxou e acenou.

Não esperando que ela parasse repentinamente, Aeron avançou pelos arbustos um segundo mais tarde e bateu nela, impulsionando-os ao chão. Aeron se retorceu no meio do caminho, recebendo o impacto da queda. Mas as magníficas asas brancas de Olivia se estenderam e bateram, facilitando seus movimentos, e eles se acomodaram suavemente numa cama de folhas.

— Te peguei, finalmente, meu amor. — Disse Aeron com um falso rosnado, tentando beijá-la.

— Aeron. — Olivia protestou, lançando o olhar para Amun. — Nós temos companhia.

— Companhia? — O guerreiro ficou de pé, alcançando a sua própria arma, enquanto colocava Olívia de bruços, sem dúvida, para proteger seus órgãos vitais. Quando ele viu Amun, ele também relaxou. E, se Amun não estava enganado, ele corou. — Oi.

— Oi. — Amun acenou[17]. Ele teria adorado cumprimentar seu amigo corretamente, teria adorado conversar com ele, mas Amun sabia muito bem os perigos de abrir a boca, enquanto todas aquelas vozes lutavam para se libertar. Uma palavra, e eles iriam transbordar. Elas iriam arrebentar-se através de suas defesas e se transformar em tudo o que ele sabia. Todos ao redor dele, então, ouviriam o que ele era obrigado a ouvir diariamente.

Ele amava seus amigos demais para submetê-los a tal veneno. Além disso, ele estava acostumado. Eles não estavam.

Aeron ajudou Olivia à ficar em pé e removeu os ramos e folhas de sua reluzente túnica branca.

— O que você está fazendo aqui?

Novamente, Amun acenou sua resposta.

Aeron apenas o olhava sem expressão. O guerreiro estava aprendendo a linguagem de sinais, mas ainda não os dominava.

— Vá devagar, por favor.

— Ele disse que está em uma pequena férias. — Olivia esclareceu.

Amun acenou com a cabeça para que Aeron soubesse que a fêmea estava correta.             — Estamos indo embora, então. — Disse Aeron.

— Fiquem. Por favor. — Olivia não tinha segredos, nem pecados, algo que Amun adorava sobre ela. Ela era a pessoa mais aberta, honesta e inocente que Amun já havia conhecido. E Aeron, bem, Amun já sabia de todos os seus segredos. Não havia nenhuma novidade sobre o seu demônio, pois ele permanecia adormecido quando estava na presença do guerreiro.

Seus pensamentos, porém, eram outra questão. Amun era impotente para fazer qualquer coisa, além de ouvir o que se passava dentro de suas cabeças. Para ele, era como se estivessem falando em voz alta. Aeron pensava: "Como posso sair daqui sem ferir seus sentimentos?”. E Olivia pensava: “Como Amun parece triste. Eu deveria alegrá-lo.”

— Nós adoraríamos ficar com você. — Respondeu Olivia, e apertou a mão de Aeron.

O antigo Guardião da Ira fechou a cara para ela. Claramente, ele queria passar as próximas horas nu, fazendo amor com ela, e não conversando com Amun.

Amun tentou não sorrir. Se havia uma coisa que ele gostava mais do que ficar sozinho, era provocar seus amigos. Ele não chegou a fazê-lo muitas vezes, já que ele tinha que ficar sempre em silêncio, então ele trabalhou com o que lhe foi dado.

— Obrigado. Adoraria passar mais tempo com vocês.

— Então vamos passar tanto tempo quanto você nos permitir. — Respondeu Olivia feliz.

A cara fechada de Aeron se aprofundou e Amun lutou contra uma risada. Enquanto Olivia dobrava suas asas em suas costas, ela levou o guerreiro sem camisa para a cadeira de Amun e deu-lhe um pequeno empurrão.

Ele se acomodou com um suspiro pesado, suas armas e os vários punhais retinindo juntos. Antigamente, o corpo inteiro de Aeron havia sido uma lona de tatuagens. Tatuagens sombrias de morte e violência, para se lembrar das coisas que ele tinha feito, e das coisas que ele poderia fazer novamente, se ele não fosse cuidadoso. Mas não muito tempo atrás, Aeron havia sido morto e miraculosamente trazido de volta à vida. Seu corpo ressuscitado estava livre das tatuagens.

Ou tinha estado.

Aeron já tinha começado a decorar-se novamente. Desta vez, porém, as imagens eram quase cômicas. O nome de Olívia reivindicou o local acima de seu coração, e seu rosto foi gravado com detalhes perfeitos em seu pulso. Ele até tinha asas negras tatuadas nas costas, uma reminiscência das asas que ele tinha perdido durante a sua transformação.

— Oh, isso é cerveja? — Olivia aplaudiu entusiasticamente, enquanto ela se acomodava no colo de Aeron. Seus cachos escuros saltavam em torno de seus ombros, intermitentemente escondendo e revelando as pétalas de flores reluzentes ao longo do tecido. — Eu sempre quis experimentar cerveja.

Amun empurrou o refrigerador para longe dela, exatamente quando Aeron gritou:

— Não! Não experimente cerveja! — Então, mais calmo. — Amor. Não. Por favor.

Eles faziam muito bem em se lembrar da última vez que Olivia tinha cedido ao álcool. Sem dúvida, ela era a bêbada mais triste do mundo.

Ela deixou escapar um suspiro irritado.

— Tudo bem. Eu não vou experimentar.

Aeron relaxou. Talvez porque ele não tivesse ideia de que ela planejava embebedar-se, ao invés de simplesmente experimentar.

Antes que ela pudesse alcançar uma garrafa, Amun acenou, chamando sua atenção.

— Você está muito bonita hoje. — E ela estava. Suas bochechas estavam rosadas e seus olhos, azuis da cor do céu, brilhavam. O amor irradiava dela.

— Obrigada. — Ela respondeu, sorrindo para ele.

— O que ele disse? — Aeron exigiu.

— Ele acha que estou muito bonita.

Os lábios do guerreiro se franziram.

— Eu lhe disse isso há poucos minutos e você correu de mim.

— Mas eu iria recompensá-lo quando você me pegasse.

Os olhos violeta do guerreiro se estreitaram e pousaram em Amun. “Porque você tem que estar aqui?” — Ele pensou, sabendo que Amun ouviria. “Agora tenho que esperar para receber minha recompensa.” — Então, você vem sempre aqui? — Aeron disse em voz alta.

Tentando parecer sombrio, Amun acenou com a cabeça.

Os olhos violeta se moveram, examinando os arredores.

— Eu posso entender o motivo. É muito bom aqui. Tranquilo.

Essa era uma das razões pela qual Olivia tinha escolhido levá-lo à este lugar. Ela queria que seu homem esquecesse seus problemas, mesmo que apenas por pouco tempo, e simplesmente desfrutasse.

— Um paraíso, sem dúvida. — Amun acenou.

— Mas você não está preocupado que os Caçadores possam aparecer sorrateiramente? — Olívia perguntou, e pareceu afundar-se em si mesma. O ódio não fazia parte de sua composição, ele sabia, mas ela não gostava da dor que aqueles homens tinham trazido ao seu homem.

— Você estava?

Ela corou, e Aeron engasgou com o que parecia ser um ataque de riso. Isso, aparentemente, ele compreendeu.

— Na verdade, com a grade de ferro em torno da propriedade e Torin monitorando este local as vinte e quatro horas dos setes dias da semana, eu não estou preocupado com nada, exceto com meu descanso.

Torin, Guardião da Enfermidade. O pobre homem não podia tocar em ninguém pele a pele, sem infectá-los com algum tipo de doença. É claro, que a doença não matava imortais, mas bastaria infectá-los, e eles por sua vez, infectariam todos que eles tocassem. Portanto, Torin passava a maior parte de seu tempo sozinho em seu quarto.

Bem, não mais tão sozinho.

Amun tinha apanhado os pensamentos dele, assim como os de Cameo.

Cameo era Guardiã de miséria, e os dois haviam se envolvido em um caso passional de “você-não-pode-me-tocar-mas-você-pode-me-olhar-enquanto-eu-finjo-que-você-está-me-tocando”, por semanas. Ambos sabiam que não duraria, mas eles estavam apreciando estar fora do seu inferno particular agora. Tanto é assim que muitas vezes Amun queria cortar seu próprio crânio e desenterrar seu cérebro, apenas por alguns momentos de paz.

— Nós realmente não queremos nos intrometer no seu momento de descanso. — Aeron disse. — Então nós vamos aproveitar o nosso...

— O que é meu é teu.

Os ombros de Aeron caíram, e Amun lutou contra outra risada.

— Sim, mas meu querido está certo. Você merece descansar em paz. Então por que você não fica na metade da floresta, e nós ficamos na outra metade? Não, isso não vai funcionar. — Ela apressou-se em dizer. — Nós vamos insistir sobre a linha divisória.

Mulher tola.

— Oh, eu sei. Podemos elaborar um cronograma. — Olivia sorriu, orgulhosa de si mesma. — Algo como, você fica segundas, quartas e sextas-feiras, e ficamos terças e quintas-feiras.

— Ou eu fico em todos os dias, pois eu já delimitei a minha reivindicação. E vocês podem me visitar em qualquer ocasião.

— Ou você pode nos agradecer por permitir que você fique com esses três dias. — Aeron respondeu quando Olivia traduziu. — Caso contrário, poderemos espalhar o seu segredo e, em seguida, todas as pessoas que vivem na fortaleza vão começar a vir aqui.

Amun levantou seu dedo do meio em um gesto obsceno, um sinal que não precisava de nenhuma tradução.

A estrondosa gargalhada que escapou de seu amigo era como bálsamo para seus ouvidos. Antes de Olivia, e os acontecimentos que levaram à morte de Aeron, ele nunca havia demonstrado tanta alegria. Ele tinha sido muito parecido com o que Amun se projetou para ser. E, na verdade, na maioria das vezes era. Sombrio. Triste. Quase aflito.

— Como é viver sem um demônio? — Tantos séculos se passaram, que Amun mal se lembrava de como era viver no céu, despreocupado e sem interferências.

— Honestamente? — Aeron inclinou-se para trás até que seus ombros estivessem descansando contra um tronco de árvore. Ele puxou Olivia com ele, e ajudou-a a enrolar-se em torno dele. — Maravilhoso. Não há voz no fundo da minha cabeça, suplicando-me para fazer coisas terríveis. Não há necessidade de ferir ou mutilar ou matar. Mas também é estranho... Eu não tinha percebido o quanto eu gostava de invocar o bastardo, quer dizer, demônio - Desculpe, amor - para obter informações sobre as pessoas. Estou tendo que reaprender a interpretar as intenções das pessoas.

Amun sabia que, por causa de Ira, o guerreiro tinha percebido pecados de uma pessoa no momento em que ele se aproximava deles. Ele então se enchia com a necessidade de puni-los, ferindo-lhes da mesma maneira que eles feriram os outros.

— Você vai se adaptar.

— Em breve, espero.

— A boa notícia é que ele não está tão mal-humorado. — Olivia acrescentou.

Os lábios se juntaram e Aeron beijou a ponta do nariz dela.

— Tudo graças a você, amor.

— De nada.

O coração de Amun deu uma pequena guinada. Pela felicidade que o seu amigo tinha encontrado. E também por ciúme. Ele queria sua própria fêmea. Desesperadamente. Ele encontrou uma que ele poderia ter desfrutado também. Kaia, uma harpia. Ela era uma mentirosa e uma ladra, mas ela estava aberta sobre esse assunto, seus pecados estavam lá para todos verem. Ela não tinha segredos.

Mas ela também dormiu com Paris, Guardião da Promiscuidade e um dos amigos mais próximos de Amun. Não que Paris a quisesse novamente, ou pudesse tê-la, mesmo que ele quisesse. Depois que Paris dormia com uma mulher, ele não conseguia ficar excitado por ela novamente. Isso era parte de sua maldição. Mas, embora Amun soubesse que a pequena Harpia sentia uma paixão secreta por ele, ele também sabia que ela não se acomodaria em breve. E Amun queria o para sempre.

Com outras mulheres, mulheres humanas, bem, era muito difícil. Ele sabia o que elas estavam pensando em cada minuto do dia. Ele sabia quando elas achavam outro homem atraente. Ele sabia quando elas diziam algo de bom para ele, mas estavam pensando em algo cruel.

Aeron suspirou, chamando a sua atenção de volta ao presente. “Eu estou aqui. Eu poderia muito bem perguntar a ele.” O guerreiro pensou.

Amun se endireitou. Ele sabia que Aeron se aproximaria dele, mais cedo ou mais tarde, com a seguinte pergunta, mas não sabia como responder. Ele ainda não sabia.

— Não me pergunte. — Ele acenou. — Ainda não.

Um músculo tremeu abaixo dos olhos de seu amigo.

— Eu odeio quando você lê minha mente.

— Então, esconda seus pensamentos. — Ele não achava que houvesse uma maneira de fazê-lo, no entanto. Ninguém jamais conseguiu tal façanha.

— Eu não consigo. — Aeron confirmou. — O que significa que você já sabe que Olivia e eu iremos embora amanhã.

Na verdade, não. Isso não era verdade. Aeron planejava deixar Olivia para trás, só que ela ainda não sabia disso. O guerreiro estava desesperado para mantê-la segura. O que, em sua mente, significava deixá-la aqui, mesmo que ela ficasse muito zangada.

— Onde você vai? — Ele perguntou, embora, novamente, ele já soubesse a resposta.

— Para o inferno. — Aeron respondeu. E isso não era uma metáfora, tampouco. O homem queria dizer exatamente o que ele disse. — Nós queremos que você venha com a gente.

Legion, a pequena demônio que Aeron considerava como uma filha, estava presa atualmente no reino de fogo, e Aeron tinha intenção de resgatá-la. Se o guerreiro tivesse pedido à Amun para ir em qualquer outro lugar, ele teria dito sim, sem hesitação. Mas o inferno... Ele estremeceu. Seu demônio tinha vivido ali, uma vez. Esse mesmo demônio lutou para escapar, tinha conseguido, e tinha sido punido por ter conseguido.

Mas as memórias daquele lugar nunca tinham desbotado. O calor, os gritos, os odores de enxofre e carne podre que permeava o ar. Repugnante. Adicione os pensamentos vis dos demônios que ainda viviam lá e os pensamentos atormentados das almas que sofriam lá, e esse seria uma nova espécie de inferno para Amun.

— E sobre Baden? — Ele perguntou. Outra obrigação que pressionava Aeron.

Aeron arqueou uma sobrancelha preta.

— Você sabe sobre isso também. Ótimo.

Baden. Outrora havia sido o melhor amigo deles. Mas há milhares de anos, os Caçadores o tinham decapitado. Ao contrário de Aeron, não lhe tinha sido dada uma segunda chance de vida. Ele não tinha feito nada para merecer uma, aparentemente. Mas Aeron, que recentemente passou um tempo na vida após a morte, o tinha visto. Conversado com ele.

Baden estava lá fora. Baden poderia ser libertado e voltar para eles como Aeron. Eles apenas teriam que encontrar uma maneira de convencer qualquer divindade que os atendessem e que o trouxesse de volta à vida.

Aeron havia mantido essa informação para si mesmo. Mas, esse era um hábito que eles compartilhavam. Aeron gostava de pesar todos os fatos, encontrar todas as soluções possíveis, antes de mencionar um problema em potencial para os outros. Isso nunca tinha sido mais evidente do que agora. Aeron já não sofria, mas todos os outros o faziam, e ele não queria aumentar o sofrimento deles, até que ele pudesse oferecer uma solução.

— Assim que Legion estiver segura, — Aeron disse. — eu vou contar aos outros sobre Baden. Então, poderemos nos concentrar em libertá-lo. Mas Legion tem que vir em primeiro lugar. Ela está sofrendo. Ele não.

— E os Caçadores? Os artefatos? A caixa de Pandora? Você vai se esquecer deles? Agora que você está sem um demônio, isso não deve mais preocupar você.

Uma carranca escureceu o rosto de Aeron, as sombras pareciam passar através de seus olhos.

— Você está errado. Eles me preocupam muito. Eu não quero ver meus melhores amigos morrerem, porque eu permiti que meu inimigo encontrasse os artefatos. Eu não quero ver meus melhores amigos morrerem, porque eu não estava lá para protegê-los. Mas eu amo Legion, também. Ela está sendo torturada lá embaixo e eu não posso suportar isso. Tenho que libertá-la, ou eu não serei bom para ninguém.

— Mesmo depois do que ela fez para você?

— Sim. — Aeron respondeu sem hesitação.

Olivia concordou.

— Sim. Eu também.

Amun esperava tal perdão de Olivia. Ela era um anjo e, como ele já tinha percebido, não sabia como odiar. Ela não conseguia nem manter uma boa raiva. Mas Aeron? Perdoar uma fêmea por fazer uma barganha com o diabo, quase arruinar a sua vida, quase matando o seu anjo? Chocante. Mas talvez o perdão viesse mais fácil para ele agora que ele estava sem a necessidade de vingança de seu demônio.

— Quanto mais cedo conseguirmos encontrá-la, mais cedo libertaremos Baden, e mais cedo eu poderei me concentrar nos artefatos e nos Caçadores. — Acrescentou Aeron.

Muitas razões para ir, sim, mas nenhuma que superasse as razões que Amun tinha para ficar para trás.

— Você está pedindo para alguém ir com você?

A parte de trás da cabeça da Aeron bateu contra a árvore, uma vez, duas vezes, e ele olhou no oceano do céu.

— Não. Eu odeio a ideia de pedir até mesmo a você. Eu não quero deixar a fortaleza desprotegida ou sobrecarregar os guerreiros com outra coisa para fazer.

— Então, por que eu? — Aeron nunca tinha pensado a resposta definitiva, e Amun nunca tinha puxado isso da mente de seu amigo, então ele sinceramente não sabia. Os outros guerreiros eram tão fortes como ele, tão hábeis na guerra e morte.

— Segredos. — Olivia disse com um suspiro triste. — Seu demônio será capaz de saber onde Legion está sendo escondida.

Isso fazia sentido, e Amun quase gemeu. Porque isso significava que precisavam dele especificamente. Não por causa de seus músculos, mas por causa de seu demônio. Ninguém mais poderia fazer isso. Como, então, ele poderia dizer não a eles? Ele não podia.

Ele esfregou a mão pelo seu rosto, repentinamente cansado. Embora tudo dentro dele, começasse a gritar em protesto, fazendo-o estremecer, ele acenou em concordância.

— Se eu concordar em fazer isso, você vai ter que pedir a mais uma pessoa. — Para ocupar o lugar de Olivia e melhorar suas chances de sucesso. — Quem?

— William.

William era um imortal, ou algo parecido, embora nenhum deles soubesse exatamente o que ele era. O homem gostava de pensar em si mesmo como um deus do sexo, era o muito que Amun sabia. Ele dormia com qualquer uma. Um homem de poucas normas, sem dúvida. Mas gostava de combate, quase tanto como ele amava o sexo, e ele não estava possuído por um demônio. Assim, as trevas do submundo não iriam assustá-lo. E se Amun caísse, como ele suspeitava que cairia, haveria alguém lá para ajudar à Aeron à sair de lá.

— Eu pedirei. — Disse Aeron. — Eu pedirei a ele.

Amun suspirou, tão triste quanto Olivia estava.

— Então, conte comigo.

 

O sangue... A garota viu o sangue em sua mente, pingando, fluindo, correndo. Os gritos... Ela os ouviu em seus ouvidos, agonizantes, infelizes. A escuridão... Que a rodeava, fechando mais e mais, quase a sufocando.

Há quanto tempo isso estava acontecendo, ela não sabia. O tempo tinha deixado de existir para ela. Havia apenas dor e caos. E o fogo. Oh, Deus, o fogo. Ela podia sentir o cheiro da fumaça, o cheiro dos corpos em decomposição e enxofre.

Lágrimas escorreram dos cantos dos seus olhos, queimando seu rosto. Ela estava deitada em uma cama, os joelhos dobrados contra o peito. Ela tremia de frio, cada vez mais e, no entanto, ela ainda estava queimando por dentro. Alguém a tinha carregado até aqui. Ela não conseguia lembrar quem. Ela só sabia que no momento em que ele a havia acomodado, ela o atacou, incapaz de ajudar a si mesma. Tão mal que ela queria se banhar em seu sangue. Ela queria ouvir o seu grito se juntar aos outros.

Se ele tinha sobrevivido, ela não sabia. Não se importava. Teria realmente se parabenizado com outra vítima, e ela se odiava por isso.

— Como está hoje, querida?

As palavras mal eram audíveis através dos gritos, mas ela as entendeu, assim mesmo. E ela não teve que abrir os olhos para saber quem estava ao lado de sua cama agora. Cronus. Rei dos deuses... Seu mestre.

Eu não posso machucá-lo. Não posso me permitir feri-lo. Ele iria puni-la. Novamente.

Machuque-o, outra voz sedutora sussurrou por sua cabeça. Seria tão bom.

Não é possível. Mais um pouco de dor, e ela iria desmoronar. Perdida para sempre.

Certa vez, ela tinha sido conhecida como Sienna Blackstone. Certa vez, ela tinha sido humana. Certa vez, ela tinha sido uma Caçadora. Então, ela tinha se apaixonado por Paris, Guardião da Promiscuidade, e dormiu com ele para fortalecê-lo. Grande erro. O guerreiro fortalecido decidiu usá-la - como um escudo. Ele a sequestrou como ela o havia sequestrado, anteriormente, permitindo que seu próprio povo a matasse a tiros.

Na época, ela não achava que era possível sentir tanta agonia. Gostar de um homem, apenas para descobrir que ele não se importava com você. As balas, cortando sua carne. A vida, escapulindo. Ela riu amargamente agora. Como ela tinha sido tola. Aquilo não tinha sido agonia. Aquilo tinha sido uma massagem. Esta era a agonia.

Suas costas pareciam que haviam sido mergulhadas em ácido e sal. Duas coisas duras estavam crescendo entre as omoplatas, brotando do corpo arruinado. Chifres, talvez. Ou talvez asas. De vez em quando, ela achava que as sentia vibrar.

— Responda-me. Agora.

Punir, a voz sedutora ordenou. Pegue tudo o que ele reivindica como dele e, em seguida arranque sua cabeça.

Apesar de sua cabeça já estar cheia, com mais mal do que ela poderia suportar, novas imagens começaram a se fixar. Ela viu tudo o que Cronus tinha roubado ao longo dos séculos: os artefatos, poder, mulheres. Viu todas as vidas que havia tomado - e exatamente como ele havia tomado. Tantos. Oh, foram tantas vidas abreviadas por causa de sua ganância. Não apenas seus inimigos, mas o seu próprio povo. Até os seres humanos. Qualquer um que tivesse atravessado seu caminho. Sangue fluiu, e os gritos chegaram a uma crescente de novo.

Oh, Deus. Gemendo, ela apertou as palmas de suas mãos em seus olhos. Se ela soubesse o que a aguardava no além, se ela soubesse o tipo de pessoa que ele realmente era, ela não teria permitido que ele a levasse para o céu.

Ela teria ficado com Paris. Um homem que ela pensava que odiava com cada fibra do seu ser.

Esse ódio por ele deve tê-la ancorado ao seu lado, porque seu espírito o havia seguido por vários dias depois que seu corpo morreu. Ele não tinha sido capaz de vê-la, não a sentiu de nenhuma maneira. Ela viu quando ele tinha lhe dado o funeral de um guerreiro, e isso a surpreendeu. Ela viu quando ele chorou por ela, isso a tinha confundido. Ela viu quando ele pranteou sua morte, e isso tinha, inesperadamente, lhe tocado.

Sua raiva por ele havia começado a diminuir. Ela pensou: mesmo que ele tenha me usado, ele deve ter realmente se importado comigo. E se ele era capaz de se importar, ele não deve ser a criatura do mal que ela tinha sido levada a acreditar.

Mas, em seguida, seu corpo começou a enfraquecer e Sienna tinha sido esquecida. Para recuperar sua força, ele dormiu com um estranha qualquer. E depois outra. E outra. Ele não se preocupava com nenhuma delas. Ele não se importava que elas quisessem mais dele do que uma simples transa. Ele se afastava depois e nunca mais olhava para trás. Assim como ele teria feito com ela, se ela não o tivesse capturado para seu chefe.

Sua raiva voltou, mais quente do que antes.

Então Cronos tinha aparecido diante dela.

— Venha comigo, — Ele disse. — e você viverá novamente.

— Eu não quero viver novamente. — A vida que ela teve não tinha sido uma vida de sonhos. Depois que sua irmã mais nova foi raptada de sua casa, seu pai e sua mãe tinham desaparecido. Eles não queriam saber de mais nada, nem mesmo de seus outros filhos. Lutar contra os Senhores do Submundo tinha se tornado o objetivo de Sienna, seu único propósito. Não haveria mal no mundo, nenhum sequestro, se os demônios da caixa de Pandora fossem destruídos, foi o que haviam lhe dito.

Cronus, porém, não desistiu.

— Você pode vingar a sua morte, então. — Ele respondeu.

— Eu não quero fazer isso também. — Ela só queria passar tranquilamente pela vida após a morte, o mundo e seus habitantes esquecidos. Talvez lá, ela encontraria sua irmã.

— Você não sabe o que quer. Mas eu posso ver os seus desejos em seus olhos, você admitindo-os ou não. Você está desesperada por uma segunda chance. Você quer o que lhe foi negado. Uma família. Alguém para protegê-la, para cuidar de você. Alguém para te amar.

Ela engoliu o nó na garganta.

— E como vou conseguir isso com você?

— Eu estou criando um exército. Um exército de guerreiros sagrados do tipo que você nunca viu. Você pode ser uma parte disso.

Essa era a maneira que ele planejava encontrar alguém para protegê-la, cuidá-la e amá-la?

— Não, obrigada.

— Eu não posso fazer isso sem você.

Por quê? Ela era muito frágil para ganhar uma disputa física e sempre tinha sido um pouco tímida demais para confrontar alguém. É por isso que Dean Stefano, seu chefe, sempre preferiu que ela trabalhasse no escritório, pesquisando os demônios. Ela ficou espantada quando ele lhe pediu para seduzir Paris e a princípio, ela disse não.

Então ela tinha visto o seu retrato. Nenhum homem era mais requintado, sensual de um jeito que nenhum mortal jamais poderia esperar ser. Seu coração tinha disparado e as palmas de suas mãos tinham realmente ficado úmidas, desesperadas por tocá-lo. Ela era tão simples, que alguém como ele nunca teria reparado nela. Ele era tão bonito, que ela não tinha entendido como ele poderia abrigar tanta maldade.

O desejo de conhecê-lo, de ver aquele demônio por si mesma, se tornou uma obsessão. Então, ela finalmente disse sim. Ela arranjou um "encontro" acidental em Atenas. Ele se interessou por ela, o que a fez se sentir especial. Ela quase desistiu de drogá-lo, quase o mandou seguir seu caminho. Mas então ela percebeu o tom vermelho sangrento nos olhos dele, brilhando, transmitindo sua maldade para o mundo inteiro ver. Não tinha como negar suas origens, então. Ele era mau, embora ele beijasse como um anjo. E talvez, apenas talvez, se ela ajudasse a destruí-lo, o mundo realmente seria um lugar melhor para viver. Talvez o rapto de crianças realmente chegasse ao fim. Então, ela tinha feito isso. Ela o drogou.

E ela tinha morrido por seus esforços.

E, por mais terrível que fosse, do que ela mais se arrependia? De não apreciá-lo, totalmente, completamente. Apenas os dois, as preocupações esquecidas. O que vinha depois, com apenas um segundo de distância? Não matá-lo.

— Junte-se à mim, — Cronos tinha acrescentado. — e você vai encontrar Paris novamente. Eu juro. Ele será seu para fazer o que você quiser.

Suas palavras eram a prova de que ele realmente sabia o que ela queria, quer ela admitisse isso em voz alta ou não. Ver Paris novamente? Ter o guerreiro à sua mercê? Sim! E, no entanto, não era suficiente.

— Não.

— Mas mais do que isso, — Ele continuou como se não tivesse falado. — eu vou garantir que você veja sua irmã novamente.

Ela quase o agarrou e sacudiu-o, tão grande era o seu estado de choque.

— Você sabe onde ela está?

— Sim.

— E ela está viva?

— Sim.

Graças a Deus. Graças a Deus, graças a Deus, graças a Deus.

— Então, sim. — Disse ela sem hesitação. — Sim, eu vou ajudá-lo. Agora. Depressa. Por favor.

— Você está dizendo que você será minha, meu soldado. Sim?

— Sim. Se você me levar até a minha irmã.

— Eu levarei. Um dia.

Seu senso de urgência se intensificou.

— Por que não agora?

— Sua missão vem em primeiro lugar. Concorda?

Não. Mas ela disse que sim. Qualquer coisa para ver sua preciosa Skye novamente.

— Então, combinado. — Ele sorriu lentamente, a satisfação irradiava dele, e a transportou para seu palácio nos céus.

Ela já tinha encontrado sua irmã? Não. Ele a treinou para lutar? Não. Ele a enviou a alguma missão, não importa qual fosse? Novamente, não. Ele simplesmente a manteve aqui, sozinha, a menos que ele a visitasse ou a convocasse, sem nada para fazer, além de pensar. E odiar.

Ela tentou sair, mas ela não podia. Ela estava confinada à Cronos, de uma maneira que ela ainda não entendia. De uma maneira que ela não poderia refutar ou desobedecer. Tudo o que ele pedisse a ela, ela fazia, compelida por uma força que ela não conseguiria vencer. Mesmo que ela tenha tentado fazer isso, inúmeras vezes.

— Eu lhe fiz uma pergunta. — Cronos disse agora, puxando-a de suas memórias diretamente de volta à dor que a esmagava. — Como vai você?

— Pior. — Uma lamúria.

Ele suspirou.

— Eu tinha esperança de que estivesse melhor, pois eu estou ansioso para usá-la.

— O que há de errado comigo?

— Oh, eu me esqueci de lhe dizer? — Ele riu, o som despreocupado. — Você agora carrega o demônio da Ira dentro de você.

Tudo dentro dela se acalmou. Os gritos. A agitação de seu espírito. Até mesmo a escuridão parou de girar. O demônio da Ira estava... Dentro dela?

Não. Não, não, não! Ela não era um deles. Não poderia ser um deles.

— Você está mentindo. Você tem que estar mentindo.

— Dificilmente. Ele está tentando se ajustar à sua mente, e suas asas estão brotando de suas costas.

O pânico cresceu, se espalhando. Asas, ele disse. Exatamente como ela tinha suspeitado.

— Tenho certeza que você pode ouvir seus pensamentos agora, estimulando-a a fazer coisas que normalmente você não quer fazer.

Oh. Deus. Ele fez. Ele realmente fez isso. Ele a tinha unido a um demônio. Nãoooo! Desta vez, a palavra foi um gemido dentro dela. Ele a transformou na mesma coisa contra a qual ela lutava. A coisa que ela esperava destruir.

Um soluço irrompeu de dentro dela.

— Bastardo! Você me amaldiçoou!

Ele soprou e bufou, insultado.

— Como você se atreve à usar esse tom comigo? Eu lhe abençoei. Como você poderia lutar por mim como uma mera humana, uma alma perdida? A resposta é simples. Você não podia. Então, eu dei um jeito de que você pudesse.

As lágrimas escorreram de seus olhos queimando como se fossem sulcos em suas bochechas.

— Você me destruiu no processo.

— Um dia você vai me agradecer. — Disse confiante.

— Não. Não. Um dia eu vou te matar por isso. — Uma promessa.

Um silêncio pesado deslizou entre eles, uma cobra faminta pronta para dar o bote.

— Você me ameaça, apesar de eu ter lhe trazido um presente. — Ele disse.[18] — Alguém que você estava morrendo para ver.

— Skye?

Não se atrevendo a respirar, Sienna forçou suas pálpebras a se abrirem, e através de sua visão desfocada, ela viu que realmente havia uma mulher em pé, ao lado do rei deus. A menina chegava a seus ombros, tinha uma juba de cabelos negros como a de Sienna e pele cor de oliva. Seus traços faciais estavam obscurecidos pelas sombras, mas isso não impediu que o coração de Sienna trovejasse dentro do peito.

Tremendo, Sienna se moveu para tocá-la.

— Irmã?

Houve um farfalhar de roupas quando o casal se afastou dela.

— Você não merece um presente hoje, querida. Portanto, você não vai ter um.

— Skye!

Silêncio. Os dois se viraram e se afastaram. A menina não disse uma palavra de protesto.

— Skye! — Ela gritou novamente. — Skye! Volte. Converse comigo. — A última frase saiu embargada, se enrolando no nó rígido formado em sua garganta.

Novamente, não houve resposta.

Sienna desmoronou contra sua cama, novos soluços a torturando. Como Cronus pôde fazer isso com ela? Como ele podia ser tão cruel?

Ele tem que pagar. Ele deve sofrer.

A voz profunda se moveu rapidamente por sua cabeça, e ela estremeceu em estado de choque e revolta. Cale a boca, cale a boca, cale a boca. Eu sei quem você é. Eu odeio você.

O insulto não surtiu efeito. Ele tem que pagar. Ele deve sofrer como você sofre.

Esperando a voz dessa vez, ela não estremeceu. Ela se acalmou. Ela até começou a ponderar. O demônio da Ira estava dentro dela. E indefesa e doente como ela estava, não havia nada que pudesse fazer sobre isso. Ainda. Então por que não usá-lo? Apenas uma vez? Só para equilibrar a balança e fazer as coisas direito?

— C- Como? Como faço para fazê-lo sofrer como eu sofro agora? — Oh, Deus.

Ela estava conversando com um demônio. Pare! Era estranho e errado... Mas estranhamente libertador. Não haveria nenhuma interrupção. Cronos tinha que pagar por isso.

Você tem que roubar o que ele mais valoriza.

— E o que seria isso? — Seja qual for a resposta, ela iria fazer como sugeriu o demônio e roubá-lo. Ela não hesitaria. Cronos a havia jogado nesse fogo terrível, ele poderia se queimar com ela. — Sua esposa? Seus filhos?

Seu poder.

— Tudo bem. — Outra promessa. Mas como ela poderia roubar o poder de um deus?

Ele vai pagar. Ele vai sofrer.

Sim. Aos poucos, as lágrimas secaram e seus batimentos cardíacos se acalmaram. O nó na garganta se dissolveu. O frio se infiltrou através dela, enchendo-a, consumindo-a.

— Ele vai pagar. Ele vai sofrer.

 

— Visitar o Inferno? De jeito nenhum.

Amun ficou na frente da tela de plasma na sala de entretenimento, de frente para William. Esta tinha sido a única maneira de chamar a atenção do homem. Todas as vezes que Amun tinha batido na porta do quarto de William, ele lhe tinha dito para ir embora. Todas as vezes que ele seguiu William para a cidade, o guerreiro o tinha ignorado enquanto ele pegava toda a população feminina, uma - ou duas - ao mesmo tempo. Às vezes o desgraçado tinha até feito a coisa toda com Amun ali.

Agora, William era um público cativo. Porque Amun trouxe reforços. Anya, a deusa da anarquia. Tão poderosa e vingativa como ela era, ela poderia fazer qualquer um fazer o que ela quisesse, a qualquer momento. Especialmente William.

Os dois eram melhores amigos e adoravam torturar um ao outro. Foi por isso que Anya havia roubado um livro que pertencia a William. Um livro muito importante, aparentemente, e que o guerreiro precisava para salvar a si mesmo de alguma maldição. Os dois sempre tiveram o cuidado de manter os detalhes enterrados atrás de pensamentos fúteis, quando estavam na presença de Amun.

Ele poderia ter examinado suas mentes minuciosamente, para obter as respostas, claro, mas não tinha feito isso. Ele não precisava de mais nenhum segredo, muito obrigado.

Ele sabia que sempre que William agia como um "bom menino", Anya devolvia algumas páginas para ele. Assim, quando Anya desafiou William para uma partida de "Guitar Hero” [19], juntamente com Gilly, uma adolescente que agora vivia na fortaleza, William tinha aceitado. Os três estavam posicionados ao redor da TV, onde Anya havia declarado que se manteria até que Amun falasse sobre seu assunto. Ou sinalizasse, como era o caso.

— Precisamos da sua ajuda para resgatar Legion. — Amun começou.

— Desculpe, mas tenho planos para ir à outro lugar. — William disse sombriamente. — Eu partirei amanhã de manhã, e vou ficar fora por algumas semanas.

— Quais planos? — Gilly exigiu, manuseando o colar de borboleta que Lucien tinha lhe dado anteriormente. Um colar exatamente igual aos que Amun, Anya e William também usavam. Eles haviam dito para usá-lo sempre, para bloquear as suas ações dos olhos curiosos dos deuses. — Por que você não me disse que você estava indo para algum lugar?

Uau. O que foi isso? Possessividade pura permeava suas palavras.

Você é meu. — De repente ele ouviu Gilly pensar. — Nós devemos ficar juntos, não separados.

Tudo... Bem. Amun massageava a parte de trás do seu pescoço. Ele não precisava saber disso.

Com a expressão apertada, William jogou suas baquetas no ar, pegou-as de volta e girou-as.

— Não importa porque eu não te falei. Eu vou e ponto final.

E uau. William normalmente fazia piadas sobre tudo. Ele nunca levava nada a sério. Que ele estivesse neste mau humor...

Eu tenho que parar com isso. — William pensou. — Isto não pode continuar.

Bom. Isso era bom.

— Você disse que esta viagem é definitiva? — Anya arqueou uma sobrancelha para seu amigo, seus lábios se curvando em desafio. Ela estava noiva de Lucien, o Guardião da Morte, e era uma das mulheres mais bonitas que Amun já tinha visto. Não surpreendentemente, Lucien satisfazia todos os seus caprichos. — Você ainda não me explicou sobre essa viagem, também.

— Você não pode ir sem mim. — Disse Gilly.

— Eu posso e eu vou. E não me ameace, Anya. Esta é uma coisa que eu vou fazer, não importa o que você faça com o meu livro.

Com a fisionomia nublada como uma tempestade de fúria, Gilly jogou sua guitarra no chão. O plástico quebrou. Exatamente como ela imaginou que o coração dela estava fazendo. 

— Você prometeu que me protegeria sempre. Como você pode me proteger se você for embora?

Ela tinha lisos cabelos castanhos, e lindos olhos castanhos. Ela era de altura média, mas tinha mais curvas do que qualquer menina de dezessete anos deveria ter. E William estava claramente se empenhando para não olhar para ela.

Ele estava fracassando... Devia parar. Por que não posso fazer isto parar?

Como se seu próprio livro se abrisse na mente de Amun, com os segredos de todos eles enchendo as páginas, Amun repentinamente soube exatamente o que estava acontecendo. Gilly pensava que estava apaixonada por William. William estava atraído pela menina e horrorizado por causa disso. Ela era jovem demais para ele.

Mas, enquanto William não podia fazer nada sobre seu desejo por Gilly, ele poderia fazer algo sobre sua sede de justiça. Gilly tinha sido terrivelmente abusada quando era criança, e William rastreou sua família com toda a intenção de matá-los da maneira mais lenta e dolorosa. É onde ele estava indo. Para Nebraska para se vingar. Não seria difícil, tampouco. A mãe era dona de casa e o padrasto era médico.

— Eu não menti para você. Eu sempre irei te proteger. — William falou suavemente. Ele se levantou, estendeu a mão para ela, mas percebeu o que estava fazendo e deixou cair os braços para os lados. — Você tem que confiar em mim.

Amun bateu palmas para chamar sua atenção.

— Ajude-me à ajudar Aeron e depois eu lhe ajudarei com a família da menina.

A atenção de William já estava dispersa. Ele não tinha visto as mãos de Amun e não tinha ideia do que Amun tinha dito. Quando Anya entendeu o que Amun estava sugerindo, seus olhos azuis se arregalaram. Ao invés de pronunciar as palavras para ele em Inglês ou húngaro, permitindo que Gilly entendesse, ela falou com William na língua dos deuses. O som áspero era música para os ouvidos de Amun, lembrando-lhe dos anos despreocupados que ele havia passado no céu.

— Eu não preciso de ajuda. — William resmungou na mesma língua. Tenso, ele emaranhou a mão pelo cabelo da cor da noite escura. — Na verdade, eu quero fazer isso sozinho. E, além disso, Legion me irritava. Estou feliz por que ela se foi. Eu acho que é seguro dizer que eu não iria resgatar a minha própria mãe do inferno. Se eu tivesse uma. Eu não resgataria nem mesmo Anya.

— Obrigada. — Disse a deusa, rolando os olhos. — Mas escute. Aeron não está feliz por ela ter ido embora. — Sua voz estava mais suave do que qualquer outra vez que Amun a tinha ouvido. — O que significa que Lucien não está feliz. O que significa que eu não estou feliz.

William permaneceu imóvel. 

— Eu não me importo.

— Lúcifer tem medo de você, Willy. No inferno, você será capaz de fazer as coisas e ir para lugares que Aeron e Amun não podem.

Por um momento, a mente de William se abriu, preparando-se para recordar exatamente por que Lúcifer o temia. Mas então ele confinou a memória, o que significava que Amun não podia lê-lo, não sem desenterrá-las, o que era algo que Amun ainda não queria fazer.

— Novamente, — Disse William, com um encolher de ombros. — eu não me importo.

Como uma obstinada, Anya insistiu.

— William, pense no que você está rejeitando. Quando você estiver com a família de Gilly, você não vai saber o que eles estão pensando, o que eles temem, quais outras coisas terríveis eles fizeram. Mas Amun saberá. Ele pode lhe dizer. E você pode fazer mais do que feri-los e matá-los. Você pode aterrorizá-los.

Gilly jogou as mãos para o ar.

— Será que alguém poderia falar em inglês e me dizer o que está acontecendo? Alguém? Por favor?

— Não. — Anya e William disseram em uníssono.

— Deus! Vocês são tão caretas. Vocês querem agir como se eu não estivesse aqui? Tudo bem. Vou fazer melhor. Eu saio. Eu não sei por que eu fico andando atrás de você, de qualquer maneira. — Com isso, Gilly precipitou-se para fora da sala.

Carrancudo, William apontou um de suas baquetas através de sua bateria.

— Ótimo. Conte comigo, Amun. Vou para o inferno com você e Aeron. Depois, você vai me ajudar a entregar o inferno para os meus humanos. Entendeu?

Para melhor ou pior, Amun acenou com a cabeça, em concordância.

 

Quando Scarlet sentou-se e abriu os olhos para uma nova noite, ela não tinha ideia do que esperar. Depois de sua revelação "Tivemos um filho", Gideon tinha ficado basicamente em choque. Ele ficou em silêncio, afastado, e ela não tinha forçado um confronto, porque ela queria que ele tivesse tempo para absorver a notícia surpreendente.

Antes que ele pudesse fazer isso, porém, o sol tinha se levantado e ela tinha adormecido, perdendo para o seu demônio. Ela tinha estado demasiado distraída para participar nos seus costumeiros jogos de terror e nem sequer sabia a quem eles eram orientados.

— Você estava mentindo? Não me diga!

As palavras bateram nela, e ela rapidamente focou. Gideon não a tinha levado da floresta. Árvores ainda a cercavam, aves e insetos ainda cantavam. A primavera ainda com bolhas e névoa ainda flutuava. Não houve diminuição da luz solar, nem céu violeta, apenas um cobertor grosso de escuridão, nuvens pesadas. Uma tempestade estava se formando.

Em mais de uma maneira.

Gideon estava banhado pelas sombras. Sombras que o olhar penetrante dela não teve nenhum problema para penetrar. Seus cabelos azuis estavam molhados e caídos na testa, as bochechas, ainda formavam um quadro lindo com as linhas de perturbação de tensão que se espalharam a partir de suas têmporas até a boca. Seus olhos eram como lasers, atravessando os escudos mentais que a cercavam. Sua expressão era apertada, feroz, os lábios puxados para trás de seus dentes em uma carranca.

Ele ficou na frente dela, uma adaga em cada mão.

O fôlego de repente preso em sua garganta, ela varreu o seu olhar sobre o corpo dele. Não havia cortes nos braços ou pernas, e seu vestido estava inteiro. Não havia uma única gota de sangue que indicasse que ele a feriu.

Okay. Então. Ele não a tinha atacado com fúria. Isso significava que ele podia ir embora sem dizer: "Quem você não é hoje?" Isso significava que ele poderia fugir sem beijá-la acordada?

Deuses, o seu beijo. Ela estendeu a mão e traçou a ponta dos dedos sobre a boca. A boca que ainda vibrava. Sua língua tinha pilhado, tomado e dado. Tomado tanta paixão. Dado tanto prazer. Suas mãos estavam por toda parte, tocando-a, aprendendo sobre ela. E seu corpo, tão duro e quente contra o dela, a tinha transportado de volta aos céus. Preso, indefeso ainda, mas indiferente, porque ela tinha o seu homem. Um homem que a amava.

Havia muito tempo desde que ela se entregara às demandas de seu corpo. Tanto tempo desde que ela tinha perdido o controle. Gideon não parecia se importar com a perda. Não, ele parecia se divertir. Ele veio sobre seu centro e marcou-a, como se ainda se pertencessem.

Depois disso, ela queria ficar abraçada do seu lado. Ela queria beijar seu pescoço e respirar o seu cheiro almiscarado. Ela queria derramar cada segredo, falar sobre tudo o que eles tinham compartilhado uma vez.

Mas ela o conhecia, sabia que este homem que não tinha ideia do que ela significou para ele. E ela tinha conhecido além de qualquer dúvida, o que ele tinha planejado. Ele a havia tirado da prisão para o paraíso, simplesmente para obter respostas. Respostas que ele iria tentar descobrir por meios honrados ou asquerosos.

Ele sempre foi assim. Quando a determinação, em conjunto, Gideon era mais teimoso do que ela. Era tão chato como era maravilhoso. Na primeira vez, quando ele decidiu que ela seria sua noiva, ele moveu céus e terra para que isso acontecesse. Apesar das chances contra eles.

Ela não iria ser usada dessa forma, contudo. Ela não iria deixá-lo pensar que ele poderia foder - ou quase foder com ela - e seguir o seu caminho.

— Scar. Você não pode me mandar para o inferno. Não preste atenção em mim. — Ele jogou um dos punhais com um toque letal de seu pulso. — Não me diga o que eu não quero saber.

Scarlet chicoteou ao redor, acompanhando o movimento da lâmina. A ponta estava agora incorporada no tronco da árvore, vibrando. E havia centenas de vincos na casca. Ele brincou com essa coisa o dia inteiro, parecia.

— Não, — Ela disse baixinho, encarando-o novamente. — eu não estava mentindo. — Steel não era algo sobre o que ela fosse mentir. Nunca. Por qualquer motivo. Ele tinha sido - ainda era - a pessoa mais importante em sua vida.

Gideon soltou uma respiração irregular.

— Você não disse que ele era. Seu nome era. Isso significa que ele está... Ele está...

— Ele está morto. — Ela sussurrou com voz rouca. — Sim.

Absoluta agonia contorcia as feições de Gideon. Talvez ela não devesse ter contado a ele sobre o menino. Às vezes, ela desejava que ela não soubesse, era muito doloroso. Mas parte dela tinha pensado, esperado, que Gideon tivesse mantido a lembrança sobre o seu próprio filho. Conhecimento que poderia ter conduzido à memória de sua esposa.

— Tudo isso. Eu não quero saber de tudo. — Enquanto falava, ele caiu de joelhos, as articulações dos dedos enrolados à volta da lâmina esbranquiçada. — Por favor.

Ver um guerreiro tão forte reduzido a tal tristeza rasgou-a, e ela teve que piscar para trás uma corrida de lágrimas pungentes. Se ela lhe dissesse agora, não seria por causa do sexo. Seria porque ele implorou. Pelo menos, é assim que ela racionalizava esta nova necessidade de compartilhar. Tudo.

— Tudo bem, sim. — Disse ela, não menos rouca, enquanto a sua respiração, áspera irregular roçava sua caixa torácica. — Eu direi. Direi a você tudo sobre sua vida e sua morte, mas você não pode falar. Se você me interromper com perguntas eu posso não ser capaz de continuar. — A emoção a sufocaria. Ela iria quebrar, soluçar, e não havia maneira que ela iria permitir que Gideon a visse assim. Isso ia ser bastante difícil. — Concorda?

Um momento passou, Gideon ainda permanecia em silêncio. O que dançava em sua cabeça, o que o fez hesitar em concordar, ela não sabia. Tudo o que ela sabia era que falar de Steel não era algo que ela queria. Nunca. Mais uma vez, era muito doloroso. Mesmo Gideon ficando quieto, ela não tinha certeza se seria capaz de passar por isso. Definitivamente, não sem chorar.

Finja que é uma história que você compôs. Distancie-se. Sim. Certo.

Finalmente Gideon trabalhou através de qualquer problema que teve com seu pedido de silêncio e balançou a cabeça. Seus lábios estavam pressionados em uma linha fina, teimosa, cortando todas as palavras que ele poderia dizer.

Scarlet respirou profundamente, em busca de fortificação. Ela não a encontrou. As palavras simplesmente não se formavam.

Ela forçou as pernas trêmulas e caminhou para a árvore com a adaga. Gideon não tentou impedi-la enquanto ela removia a ponta com um puxão. Então ela começou a passear, batendo levemente o metal afiado contra a coxa em um equilibrado, calmante ritmo. Uma fresca, perfumada brisa úmida com a terra e o céu flutuavam ao seu redor, enquanto os galhos e pedras cortavam a sola dos pés dela.

Apenas diga as palavras. Finja, finja, finja. Você estará falando sobre a vida de alguém. Filho de outra pessoa.

— Eu disse a você que eu estava grávida e você estava feliz. Você pediu a Zeus por minha libertação em sua custódia. Ele disse não. Então você arranjou minha fuga. Só que, eu fui pega. Foi-me dado vinte chicotadas antes de você perceber que eu tinha falhado. Eles tinham pensado em me quebrar, me obrigar a dizer-lhes quem tinham me ajudado. Eu não disse. — Ela teria morrido em primeiro lugar. — A dor era administrável, pelo menos, mas eu estava com tanto medo de perder o bebê. Meus companheiros de cela tentaram me machucar também, mas eu lutei mais do que eu já tinha lutado e logo me foi dada uma cela permanente, não apenas para o nosso... Interlúdio. Foi onde eu finalmente dei à luz a nosso - "a voz dela falhou a palavra" - um lindo garoto.

Enquanto a imagem de Steel passava pela sua mente, aquele menino doce dormindo em seu peito, parecendo um anjo, ela tropeçou em seu próprio pé. Ela tremia enquanto ela se endireitava.

Fiel à sua palavra, Gideon permaneceu em silêncio, esperando.

As primeiras gotas de chuva, quase como se a natureza estivesse gritando por ela. Por tudo o que ela tinha perdido.

Finja.

— Você me visitou todos os dias. E cada dia você ficava um pouco mais e estava um pouco mais relutante em sair. Eu temia que você tivesse se comprometido com a prisão apenas para permanecer ao meu lado. — E ela tinha vergonha de admitir que ela gostou da ideia. — Então um dia você veio a mim, me disse que tinha um novo plano para conquistar a minha liberdade, mas você não me deu mais detalhes no momento. Esse plano foi, naturalmente, roubar a caixa de Pandora. Assim, desnecessário dizer, que você nunca voltou.

Ao seu lado, as árvores começaram a se confundir. Seu queixo tremia e seu rosto aquecia, a chuva caindo mais firmemente agora. Caindo. Continuando. Ela queria olhar para Gideon, mas não podia. Sua expressão, qualquer que fosse, poderia ser a sua ruína.

— Então eu fui possuída por Pesadelos, como você sabe, e eu não estava apta a ser mãe. Assim, os gregos o levaram. Levaram Steel. — E ela culpou Gideon mais e mais pela separação. Se ele voltasse para ela, para eles, tão diferentes as coisas poderiam ter sido. — Quando minha mente clareou e eu percebi o que tinha acontecido, eu pedi para vê-lo, mas meus gritos não foram ouvidos. Eu tentei fugir todos os dias. E cada dia eles me batiam de novo.

Um som engasgado deixou Gideon, mas Scarlet ainda não se permitiu olhar para ele.

— Finalmente, percebi como o Tártaro, tanto a prisão e seu diretor, foram enfraquecendo. Na última vez que conseguiu escapar e fiz meu caminho para o Olimpo. E Eu... Encontrei o nosso bebê. — Desta vez, o som de asfixia a deixou. — Mas ele era não mais um bebê. Séculos se passaram, mas ele era apenas um adolescente, a sua imortalidade retardou o seu envelhecimento, eu acho. E ele... Ele não tinha uma maldita ideia de quem eu era.

Lágrimas, chuva. Ambos a encharcavam.

Finja, maldita.

— Tinha crescidos chifres e dentes nele, seus olhos eram vermelhos e manchas de sua pele eram escamas. Foi quando eu percebi que tinha dado a ele um demônio, também. Um que eu ainda não sabia. Mas ele era lindo, maldição. — O último termo foi gritado, idêntico ao lamentar de uma bruxa banshee[20], mas ela não se conteve.

Silêncio. A lavagem de água fria.

Acabe com isto.

— Eles o fizeram de bode expiatório. Eles riram dele, chutaram-no, abusaram dele vilmente. Não havia felicidade em seus olhos. Apenas resolução. Ele estava resistindo, orgulhoso, forte. Um guerreiro determinado. E isso só fez piorar, você sabe? Eu tinha falhado com esse menino precioso em todos os sentidos, mas ainda era tudo que eu poderia ter procurado em um filho.

As lágrimas continuaram a cair, cachos de ácido, chamuscando suas bochechas. Limpou-as com a parte de trás de seu punho, sacudindo violentamente agora. Finja.

— Eu comecei a trabalhar. Eu desencadeei meu demônio no show mais horrendo de violência que os céus nunca tinham visto. Quando eu terminei, os deuses e deusas em torno dele foram levados à insanidade, o que acabou ajudando Cronus em sua própria fuga.

— Mas eu estou me desviando do assunto. Quando a escuridão clareou, percebi que Steel tinha medo de mim. Ele ainda brigou comigo quando eu tentei fugir com ele. Eu não queria machucá-lo, assim eu o deixei fugir de mim. Ele foi até Zeus, a figura do único pai que ele tinha conhecido, e juntos, eles me perseguiram. Não que eu tenha tentado me esconder. Eu queria que Steel me encontrasse.

Ela engoliu o caroço serrilhado crescendo em sua garganta.

— Para surpresa de Steel, Zeus nos acorrentou um em frente ao outro. Ele disse a Steel que eu era sua mãe, e Steel... Ele... — Mais uma vez ela teve que lutar contra essas lágrimas quentes, nem mesmo a chuva fria resfriando-a.

Um pedaço de rocha cortou a sola de seu pé, e ela deu boas-vindas à picada.

— Ele estava transtornado. Ele chorou. Implorou-me para perdoá-lo. Tentei tranquilizá-lo. Ele poderia ter me matado, e eu não teria me importado. Mas Zeus estava determinado a punir-me pelo problema que eu havia causado. Ele pegou... Ele pegou a cabeça de Steel, na minha frente.

Respiração profunda, respiração profunda.

— Eu lutei com tanto fervor contra minhas correntes, eu perdi a mão naquele dia. Mas eu não me livrei a tempo. Ele foi... Foi. Ele tinha ido embora, e eu fui jogada de volta em minha cela. E eu fiquei lá até que os Titãs conseguiram derrotar os gregos para o bem. Mas você sabe a pior parte? Ele havia planejado. Zeus tinha planejado matá-lo o tempo todo. Ele tinha alguém lá, esperando, um novo hospedeiro para o demônio de Steel.

Mais uma vez, silêncio. Não, não é verdade. Suas inalações agitadas misturadas com exalações desiguais de Gideon e misturadas com o tamborilar da tempestade.

Assim. Ele sabia de tudo agora. Cada momento doloroso da vida de Steel. A falha de Scarlet. Seu próprio fracasso. O que poderia ter sido, o que não tinha sido. Por que ela o odiava tanto. Por que ela não poderia perdoá-lo por deixá-la para trás.

— Scar. — Ele sussurrou intermitente. — Eu… Eu...

Ela ainda não poderia encará-lo. Ela se sentia muito exposta, muito crua, como se tivesse sido raspada com um barbeador de dentro para fora.

— O quê! — Um grito.

— Eu entendo, eu entendo. — Sentido, ele não entendia. — Isso soa como... O homem que eu conheci. Um rei que...

— Não fale comigo sobre esse canalha! Você gostava dele, eu sei. Você o respeitava, admirava sua força. Antes de sua posse, ele foi até bom para você. Tanto quanto ele era capaz. — E isso não era muito. Assim, o fato de que Gideon o defendia de qualquer maneira... Sofra! — Como ele o tratará depois, hein? Ele amaldiçoou você e ele se afastou de você! Mas você sabe o quê? Ele nunca foi bom para mim e ele nunca foi bom para seu filho. — As palavras vinham arquejantes burburinhos agora, pondo fim a ele.

Ela teve que parar. Os soluços estavam ameaçando escapar. Mas como ele se atrevia a questionar a validade do seu conto? Ele deveria estar pedindo a absolvição. Gritando para os céus. Amaldiçoando. Que ele não era...

— Eu estou te deixando. — Disse ela. Embora ela tivesse tentado se acalmar, este tom de “assim-é-como-vai-ser” desta vez, seu próprio sofrimento era evidente em todas as nuances de sua voz. — Você me deve um favor, e eu estou redimindo-o, pedindo que você não venha atrás de mim. Você já fez bastante dano.

Com isso, ela se foi. Ela finalmente se afastou e deixou o marido para trás. Ela não olhou para trás. Um fim frustrante.

 

— Você já fez bastante dano.

As palavras ecoaram na mente de Gideon. Tudo dentro dele gritou para se levantar, para perseguir Scarlet, para prendê-la a ele com qualquer meio necessário, para fazer algo, qualquer coisa para aliviar as feridas dentro dela, mas ele não o fez. Ele permaneceu agachado no chão, tremendo, lágrimas quentes escorrendo pelo rosto já encharcado.

Ela estava certa.

Ele tinha feito bastante dano. Primeiro, ele não queria acreditar nela. Ele havia procurado qualquer possível merda para contestá-la. Mas a dor nos olhos dela tinha sido muito real, as feridas em sua voz se infiltrando carmesim. O que significava não só que ele tinha abandonado sua esposa, ele também abandonou seu filho. Um abandono que levou à morte de seu filho.

Um assassinato que Scarlet tinha sido forçada a assistir, sem poder ajudar.

Por que Gideon não podia se lembrar? Por quê?

Raiva bateu por ele, mais do que os punhos de ferro. Tudo o que ele tinha que fazer, ele iria descobrir.

Com um rugido, ele arrancou seu colar e jogou-o de lado.

— Cronus, — Ele gritou para a copa das árvores. — Cronus! Eu ordeno a sua presença.

Era a verdade, mas ele não conseguiu parar as palavras. Não queria parar as palavras. Imediatamente, seu demônio gritou e a dor bateu em seu peito. A dor o dobrou mais. Dor que se espalhou por cada centímetro dele, transformando seu sangue em ácido e seus ossos em líquido borbulhando.

A dor que ele merecia.

Logo, ele não podia mover-se, mal conseguia falar. Mas, mais e mais, ele chamou:

— Cronus. Cronus. Venha para mim. Eu preciso de você.

Uma eternidade pareceu passar, a chuva finalmente morreu, mas a lua nunca rompeu por entre as nuvens e o sol não apareceu. Onde estava Scarlet? Ela estaria em algum lugar seguro para esperar a manhã chegar? Provavelmente. A menina era engenhosa. Bem capaz de cuidar de si mesma. Olhe tudo que ela tinha sobrevivido.

Ela era mais forte do que ele, com certeza.

Deuses, não admira o que ela fez com ele. Ela tinha que odiá-lo. O odiava. A emoção tinha encharcado seu adeus final. Ele não podia culpá-la, também. Só então, ele se odiava. Ele deixou o seu próprio filho morrer. Seu próprio filho.

Ele devia ser decapitado.

As lágrimas começaram a fluir novamente, e ele apertou suas pálpebras fechadas. Querido Steel, selado com chifres e dentes, até mesmo escamas. Os deuses sempre exigentes e deusas provavelmente tinham-no feito sentir-se envergonhado dessas características. Características que Gideon teria amado e agraciado. Acarinhado.

Scarlet tinha razão sobre qualquer outra coisa, também. Ao mesmo tempo em que Gideon tinha gostado e respeitado Zeus. O ex-rei deus poderia ter sido egoísta e sedento de poder, mas à sua maneira, tinha sido bom para Gideon. Até o fiasco da caixa de Pandora. Depois disso, os gregos tinham ignorado Gideon e seus amigos, e como o tempo passou, Gideon tinha encontrado o seu contentamento com a nova vida.

Não sua esposa e filho, no entanto. Eles nunca tiveram. Zeus nunca tinha sido bom para eles, e por isso, Zeus sofreria.

Eu vou destruir o bastardo. Certa vez, Gideon tinha feito tudo ao seu alcance para proteger o seu rei. E como o haviam recompensado? Seus maiores tesouros foram tomados dele. Vou vingar meu filho. Minha esposa.

A caixa de Pandora que se dane. A vingança vinha em primeiro lugar. Agora. Sempre.

— Tsk, tsk. — Uma voz masculina disse de repente, o som calmo explodiu através da cabeça de Gideon.

Ele forçou-se a abrir suas pálpebras.

Cronus agachou na frente dele, a decepção dele sombreando suas feições cada vez mais-juvenis.

— Você é um idiota, deixando-se cair assim. E para quê? Um único momento de verdade? — Ele suspirou. — Por que você me chamou? Novamente. Acabei de falar com Lucien e recebi a minha atualização diária. Eu não preciso de outra.

— Zeus. — Gideon rugiu. — Eu o quero.

Mentiras gritou.

Outro ataque de verdade. Outro episódio de dor, fresco e severo.

Cronus piscou surpreso.

— Por quê?

— Eu o quero. — Gideon repetiu, ofegante. Ele não iria discutir sobre Steel com Cronus. Se o deus se lembrasse do menino, falasse mal dele de qualquer maneira, Gideon estaria fora de seu sangue, tão bem, e agora ele precisaria do rei como um aliado.

— Não. — Inabalável certeza. — Você não pode tê-lo.

Gideon cerrou os maxilares enquanto o olhar embaçou mais. Lutar contra isso.

— Ele é seu inimigo. Deixe-me matá-lo para você. — Ele estava tão acostumado a falar falsamente, ele deveria ter tropeçado sobre a verdade. No mínimo, ele deveria ter tido que pensar sobre o que dizer. No entanto, ele não o fez. A verdade fluiu a partir dele, já uma parte dele. Zeus morreria por sua mão.

— Por que você o quer? — Cronus perguntou, genuinamente curioso.

— O fato de que ele esteja respirando me ofende.

Mentiras choramingou. Mais, mais por favor. Pare, por favor pare.

A expressão do rei endureceu.

— Só depois que ele sofrer milhares de anos de confinamento ele vai ser permitido saborear o doce da morte. E mesmo assim se for permitido. E eu serei o único a entregar. Agora, é tudo o que queria discutir comigo?

Se Cronus não iria ajudá-lo de bom grado, o rei teria apenas que ajudá-lo involuntariamente. Tudo o que Gideon precisava era de uma passagem para o Olimpo. Ou como quer que Cronus chamasse o local. De lá, ele poderia caminhar dentro do Tártaro. Ele passou séculos fazendo isso e ainda sabia o caminho.

Isso era uma coisa que ele não tinha esquecido.

— Eu quero ir para o céu. — Enquanto seu demônio renovava os gritos, ele rangeu os dentes. Deuses, a dor. Mais, e ele finalmente iria desmaiar. Apenas um pouco mais, e então você pode dormir.

— Deixe-me recuperar lá, assim os Caçadores não vão me encontrar nesta situação, e me machucar.

Finalmente, uma mentira. Isso não aliviava o seu sofrimento, mas era tarde demais para isso, mas Mentiras suspirou com um fragmento de alívio.

— Uma benção, então? De mim para você.

Gideon assentiu com a cabeça o melhor que podia.

— Se eu fizer isso, você sabe que me deve.

Outro aceno.

— Eu vou fazer... Qualquer coisa que você quiser... — Por Steel. E por Scarlet. E talvez, quando ele estiver esgueirado seu caminho para a prisão e retirado a cabeça de Zeus, ele poderia descobrir o que diabos tinha acontecido com suas memórias.

— Muito bem. — Lentamente Cronus sorriu com satisfação. — Você pode ficar no céu até que você tenha se recuperado. Não mais, não menos. E, em contrapartida, posso chamá-lo a qualquer momento com o meu pedido de pagamento, e você deve prestar atenção ao pedido acima de tudo.

— Sim. — Outra verdade, mais dor, mais assobios.

O acordo foi firmado.

Enquanto Gideon fechava os olhos, o chão abaixo dele desapareceu. Depois de séculos de exílio, ele finalmente voltou para o céu.

 

— Aquele estúpido, estúpido homem. Aquele porco. Que idiota. Muito estúpido!

Enquanto Scarlet andava furiosa através da floresta, troncos de árvore batendo ao longo do caminho, ela chamou Gideon de todo nome desprezível que ela pôde pensar.

— Que desprezível. Esse troglodita sem cérebro. Aquele... Pai.

Adeus, força.

Ela se acalmou, arquejando, suando, com as palmas ardendo. Ele não sabia que ele era pai. Ela tinha jogado a informação para ele, então o deixou lidar com isso sozinho. E ela sabia muito bem como era impossível tratar disso sozinho.

Por meses, após a morte de Steel, ela não fez nada além de chorar. Ela parou de comer, tinha até parado de falar. Talvez, se ela tivesse alguém lá para cuidar dela, para juntar os pedaços quebrados de sua alma, ela tivesse se recuperado mais cedo.

Assim como ela odiava - não, o ódio era uma palavra muito forte naquele momento. E ela não sabia o porquê. Ainda. Assim como ela não gostava de Gideon, ela não queria que ele afundasse em si mesmo. Ele estava no meio de uma guerra. Ele não podia dar ao luxo de se afundar.

Mais uma noite com ele, Scarlet pensou, odiando-se. E não era uma palavra muito forte quando direcionado para ela mesma. Ela se virou e seguiu de volta ao acampamento de Gideon. Ela o ouviu gritando com Cronus, o deus-rei que a desprezara por toda a sua vida porque ela era a prova da traição da esposa. Evidência que seus nobres podiam ver.

Gideon pensava em lhe pedir a confirmação sobre Steel, como se sua palavra e a sua dor não fossem bons o suficiente? Ou ele estava em busca de vingança contra Zeus, como ela já esteve?

Se esse fosse o caso, ela teria que detê-lo. O ex-soberano sofria mais trancado, seu poder tomado dele, o conhecimento que seu maior rival estava controlando o seu trono uma constante em sua mente, mais do que ele jamais teria sofrido se ela o tivesse matado.

Muito rápido. Muito fácil.

Espere. Ela não podia deixar Gideon sozinho. Assim, ela ficaria com ele pelo que restava da noite, ia confortá-lo da melhor maneira que podia. Não que ele merecesse, mas inferno, ela sempre foi uma doadora. Mas depois disso, ela terminaria com ele. De verdade, desta vez.

Só que, quando ela rompeu a parede final de folhas, ela viu que ele já havia deixado o acampamento. Tão cedo? Ela não tinha o ouvido dar um único passo. Onde diabos ele tinha ido?

Scarlet girou, em busca de qualquer sinal dele. Tudo o que ela encontrou foi uma mochila. Fazendo uma careta, ela espreitou. Ao longo do caminho, algo duro, quente e fino espetou em torno de seu dedo do pé nu, e ela parou.

Sua carranca se tornou uma careta de confusão e irritação, ela se abaixou e levantou... Seu colar de borboleta. Por que ele o deixou? Porque ele tinha terminado com ela e não queria mais nenhuma ligação?

Ela ergueu o queixo, tirou seu próprio colar - quão estúpida tinha sido ao usá-lo - e apertou-os firmemente em seu punho. Metal raspando contra metal.

— Escória podre. — Ela aspirou uma respiração profunda e pegou uma lufada de majestade divina. Era como um perfume inebriante, picante o suficiente para picar as narinas. Ela sorveu esse perfume a maior parte de sua vida, e tinha sido fantástico finalmente escapar dele, quando ela deixou o Tártaro.

Cronus esteve aqui, ela percebeu. Filho da puta! Onde o rei tinha levado Gideon? O deus o feriu ou o ajudou?

Ela tinha que saber. E só havia uma maneira de descobrir...

— Mãe! — Ela gritou. Deuses. Ela jurou nunca fazer isso novamente. Deixar Gideon indefeso aos caprichos cruéis de Cronus não era uma opção, no entanto. E sim, talvez os dois se dessem e Gideon fosse feliz agora. Ela ainda fez de tudo em seu poder para separá-los.

Sem dúvida, Cronus iria tentar envenenar Gideon contra ela. Isso não deveria ter importado uma vez que ela pretendia partir amanhã, mas uma parte dela não poderia aceitar esse resultado.

Vários minutos se passaram, mas nada aconteceu.

— Você quer jogar duro? — Ela murmurou. — Ótimo. Então eu vou.

Primeiro, porém, ela se prepararia. Certamente, Gideon tinha algumas armas em sua mochila. Ela diminuiu a distância e puxou o zíper. Dentro, ela encontrou camisetas, jeans, moletom e claro, armas. Uma semi-automática, algumas lâminas e um machado. O mais surpreendente? Um pacote fechado de Skittles[21].

Scarlet rapidamente vestiu uma camiseta e o moletom. O moletom, ela teve que enrolar na cintura e nos tornozelos, mas pelo menos eles ficaram lá. Então, ela escondeu as armas por todo o corpo. Os colares, ela enfiou em uma das bainhas das facas.

Agora. Momento de tentar novamente.

— Mãe! Responda-me ou eu juro que vou encontrar um caminho de volta para o céu. Vou morar com você. Eu vou ser sua companheira constante. Você não será capaz de ver ninguém sem a minha presença. Você não será capaz de fazer nada sem eu estar ao seu lado. Você pode me ouvir? Esta é sua última chance, mãe, antes de...

— Chega! Você não pode me chamar por esse nome horrível. Quantas vezes eu te disse isso?

Milhares. E importava tanto a Scarlet agora quanto havia importado antes. O que significava que ela não se importava nem um pouco.

A voz vinha de trás dela, então ela se virou. Lentamente. Como se Rhea não fosse forte o suficiente para ter medo em suas costas. Para ser honesta, ela simplesmente não parecia ser a mulher que dera à luz a ela. Mesmo que ela precisasse dela.

Quando seus olhares finalmente se encontraram, Scarlet mal conteve a sua exclamação de surpresa.

A última vez que tinha visto Rhea, a mulher estava muito envelhecida. Seus cabelos sedosos escuro tinha se tornado um frisado de cinza, e sua pele lisa tinha se transformado em algo semelhante a seco, enrugado pergaminho. Agora, seu cabelo era uma mistura perfeita de sal e pimenta e sua pele tinha suavizado, apenas algumas linhas restando.

De velha para puma, Scarlet pensou. Bruxa.

Rhea usava um robe revelador dourado, o top revelador mostrava seu decote amplo, tão fundo que Scarlet poderia dizer que ela usava calcinha combinando.

— Você planeja olhar para mim a noite toda, querida Scarlet? — Cada palavra era uma zombaria. — Eu sei que sou bonita, mas eu ainda mereço respeito. Diga-me porque você me chamou e vamos acabar com isso.

Controle-se.

— Surpresa! Eu queria presenteá-la com o título de Mãe do Ano. — Disse ela secamente.

Os olhos pretos, assim como os dela própria, se estreitaram.

— Eu tenho coisas melhores para fazer com meu tempo do que discutir com uma arrivista ingrata.

Ingratidão. Certo. Scarlet simplesmente se recusava a atender todos os caprichos da mulher exigente. Por uma boa razão. Nada de bom jamais vinham deles.

Uma vez, Rhea a amara. Tratava-a como uma joia. Mas, enquanto Scarlet amadurecia, Rhea começou a vê-la como uma ameaça. Como concorrência. Pelos homens, pelo trono se eles conseguissem escapar, o que sempre tinham planejado fazer. O amor se transformou em inveja, e ciúme em ódio.

Esse ódio... Deuses, Scarlet quis morrer quando ela percebeu que sua própria mãe seria mais feliz se ela estivesse morta.

Se não fosse por Alastor o Vingador, um deus grego que tinha sido atraído pela jovem, desabrochante Scarlet, Rhea e Cronus teriam matado Scarlet há muito tempo. Mas Alastor havia amaldiçoado ambos os antigos soberanos como somente um vingador podia. Toda vez que eles tentavam matá-la, eles envelheciam.

Desnecessário dizer que eles ainda tentaram muitas vezes. E eles tinham de fato envelhecido, assim como Alastor havia prometido. Por fim, as tentativas haviam cessado e Scarlet tinha vivido uma vida tão normal como uma menina na prisão poderia. O que significava, nenhuma privacidade, lutar sempre por restos de alimentos e estar preparada para qualquer coisa.

Teria sido agradável ter Alastor ao seu lado agora. Rhea faria qualquer coisa que desejasse com Scarlet. Sem queixa. Mas, infelizmente, Alastor tinha sido morto quando os Titãs escaparam, liberando os soberanos de sua maldição.

Agora não era hora de relembrar. Seu queixo se projetou enquanto ela endireitava os ombros, uma tentativa de disfarçar seu ódio.

— Seu marido esteve aqui. O que ele fez com Gideon?

Rhea franziu a testa, mas ela não conseguia esconder a borda de satisfação em sua expressão.

— Eu lamento, mas eu não tenho nenhuma ideia de quem é este Gideon.

Como o inferno. A mãe de Scarlet podia não ter sabido que Scarlet e Gideon tinha se casado - ninguém sabia, - mas todo mundo sabia do interesse de Scarlet pelo guerreiro. Mais do que isso, todo mundo conhecia o exército de Zeus. Bem conhecido dos guerreiros que tinham visitado a prisão, e Gideon tinha sido uma parte disso.

— Vamos, mãe. Eu sei que você está ajudando os Caçadores. Sei também que sua equipe está perdendo.

As faces de Rhea ficaram vermelhas, apagando a contento.

— Você não sabe nada, você é uma tola.

Mas Pesadelos captou o pico repentino da rainha, de medo, alongando, ronronando, querendo invadir sua mente e se aproveitar de cada gota do mesmo.

— Uma última chance para me dizer o que eu quero saber, e então vou começar a procurar Gideon sozinha. E cada noite que não conseguir encontrá-lo, meu demônio irá encontrá-la. Você não será capaz de fechar os olhos sem ver a sua derrota. Sem ver todas as maneiras que você pode morrer.

Rhea levantou o queixo, o medo dela caindo, a especulação tomando seu lugar.

— Bem, bem. Eu quase poderia ser orgulhosa de você neste momento. Devemos unir forças e...

— Onde. Ele. Está? — Scarlet nunca ajudaria sua mãe. De forma alguma. As coisas que esta mulher tinha feito para ela... Esfaqueando-a, enviando homens para tentar estuprá-la, humilhando-a em cada turno. Não. Nunca.

Um momento se passou em silêncio. Então os olhos de Rhea se estreitaram, criando pequenas fendas de ódio puro.

— Eu poderia matá-la por tal ousadia, você sabe. Não há nada que me impeça de fazer isso agora. Nenhuma maldição a envelhecer-me.

— Tente. — Scarlet quase desejava que ela o fizesse. Não que ela teria sucesso. Scarlet era bem capaz de cuidar de si mesma agora. Na verdade, ela tinha matado muito dos Titãs, que a haviam ferido na prisão. Rhea tinha que saber isso. Rhea tinha que saber que ela era capaz.

Quando a rainha deus permaneceu no local, Scarlet quase sorriu. Oh, sim. Rhea sabia. Não haveria desafio lançado hoje.

— Gideon prometeu a Cronus uma benção, — A mãe disse com firmeza. — Vou levá-la para ele se você me prometer que vai garantir que aquele benefício nunca será concedido.

Tentando chantageá-la. Ela deveria ter sabido.

— Feito. — Mas desta vez, Rhea não faria do seu jeito. Scarlet abominava Cronus tanto quanto detestava sua mãe, assim impedir que ele consiga algo não seria uma dificuldade. E, além disso, Gideon era um mentiroso. Se Gideon tinha prometido algo ao rei de Deus, ele nunca realmente quis cumpri-lo.

Portanto, não haveria nenhum benefício para desviar.

Ganho dos dois lados.

— Venha então. Vamos acabar com isso. — Rhea acenou com a mão delicada através do ar e a próxima coisa que Scarlet soube, era que ela estava dentro de um quarto desconhecido. Forrado de veludo vermelho nas paredes, cristal pendendo do teto, como estrelas cintilantes. Cada peça de mobília era de mogno polido, e feito para a sedução. A cama de dossel com cobre enrugado, uma sala para dois, estantes cheias de fotos de nus, em vez de livros. A penteadeira cheia de taças de fruta.

— Onde nós estamos? — Scarlet perguntou, incapaz de mascarar seu temor.

— A corte real. — Rhea olhou em volta, com repugnância. — Cronus costuma manter este quarto para suas amantes secretas. — Ela soltou uma risada que retinia. — Bem, ele o fazia até que incendiaram a câmara inteira. Mas, então, Zeus restaurou para suas amantes. Eu vim aqui depois de ganhar a minha liberdade do Tártaro, só para ver o que tinha sido feito. Você se lembra, não é? Você tentou entrar, mas nós lhe negamos. — Ela riu novamente, mas desta vez era um som cruel. — Talvez Cronus e seu Gideon estejam tendo um caso.

Como se isso fosse possível. Gideon não agiria dessa maneira. Se ela já não o tivesse conhecido antes, o seu beijo teria lhe assegurado isso. Ele gostava de mulheres. Gostava delas mais do que deveria, mas enfim.

— Onde ele está?

— Cronus? Você sabe que eu não o vejo todos...

— Você está testando a minha paciência, mamãe. Onde está Gideon?

A rainha passou a língua sobre os dentes, as ondas de ressentimento vazando através dela, antes de apontar para a protuberância no centro da cama.

— Você vai encontrá-lo lá.

— Se você estiver mentindo... — Scarlet ameaçou.

Ela se aproximou da cama, tremendo, e com certeza, Gideon estava lá, meio escondido pelo cobertor. Mas seu alívio foi de curta duração. Seu corpo pálido tremia, suando em demasia. Seus dentes estavam cravados em seu lábio inferior, e ele gemia.

Um tufo de cabelos azuis estava grudado na testa e têmporas, sua pele estava avermelhada e os olhos apertados. O que estava de errado com ele? Ela queria cuidar dele, mas não se permitiu mover mais um centímetro. Ainda não. Não com público.

Rhea apareceu ao seu lado.

— Ele não é tão atraente assim, não é? — Ela perguntou prosaicamente, e as pálpebras de Gideon se abriram. Seus olhos estavam vermelhos brilhantes, incandescentes, e ele não conseguia se concentrar em nenhuma mulher. — Que cabelo azul, os piercings. Toda a dor disso. Um verdadeiro guerreiro não iria reconhecê-la, muito menos sucumbir a ela.

— Fala como uma mulher que nunca conheceu a dor verdadeira. — Suas unhas cravaram em suas palmas. Ninguém falava mal dele, apenas ela.

— Com você como filha, eu conheci o meu quinhão. Acredite em mim.

Ai. Scarlet podia não gostar dessa mulher, mas esse tipo de comentário ainda feria.

Talvez porque, por um longo tempo, mesmo depois que sua mãe começou a depreciá-la, propositadamente angustiando-a, ela tinha tentado ser uma boa filha. Ela havia sido a pequena escrava pessoal de Rhea, satisfazendo todos os seus caprichos.

Sua mãe queria comida extra, então ela a roubava. Sua mãe pensou que uma deusa era muito bonita, então Scarlet quebrava o nariz da mulher. Sua mãe queria um tempo fora de sua cela, assim Scarlet comprava para ela. Fazia um guarda fazer o que ela queria que fizesse.

E tinha sido pior, ela tinha se dado aos homens que ela não gostava e que não gostavam dela. Mas ela se importava tão pouco com ela mesma. Ela se sentia inútil sem o amor de sua mãe e estava determinada a conquistá-lo de volta. Até a primeira tentativa de assassinato. Rhea a tinha distraído antes de atacá-la.

— Eles todos vão te ver. Todos anseiam por você. Você, um pequeno nada. — Rhea tinha gritado enquanto o sangue escorria.

Cronus, que também tinha estado na cela, havia chegado ao seu lado.

— Você pode ser filha de minha esposa, mas você não é minha herdeira e você nunca vai ter a minha coroa.

Alastor estava passando, viu Scarlet cair. Ele entrou na cela, empurrando Rhea de lado e ergueu Scarlet.

— Você não tem coroa, — Ele disse ao ex-rei. — nem terá nunca mais.

Após curá-la, ele escoltou Scarlet de volta para sua prisão. Onde Cronus e Rhea esperavam. Até então, Alastor já tinha amaldiçoado o par. Mas isso não os impediu de tentar. Uma e outra vez. Na verdade, meses se passaram antes que tivessem percebido o quanto eles estavam envelhecendo. Só então, eles pararam.

Às vezes, porém, suas palavras ainda assombravam.

Ela riu com amargura. Esses ecos do passado eram seu próprio pequeno pesadelo pessoal.

— Eu vou deixar você saber quando o meu final de nosso negócio for cumprido. — Disse ela, mantendo toda a emoção do seu tom. Qual seria, oh, nunca. — Você pode ir agora.

Claro, a mãe permaneceu onde estava.

— Eu nunca soube o que viu nele, por que você o cobiça tanto. Paris, Lucien e Galen eram bonitos, mas dificilmente se poderia chamar Lucien de muito mais. — A face de Rhea franziu com nojo. — Sabin era o forte, o determinado. Strider o divertido. Qualquer um deles teria sido melhor do que ele, o selvagem que gostava de lutar.

Como se aquilo fosse um crime. Ainda assim, Scarlet cerrou os maxilares para manter a repreensão dentro dela. Um, ela não queria que a mãe soubesse o quanto Gideon ainda significava para ela. Não que ele quis dizer um inferno de um lote inteiro, ela assegurou a si mesma. Defendê-lo seria o mesmo que gritar seus sentimentos (pequenos como eram) de um telhado. Dois, ela odiava que alguém, especialmente Rhea, o visse assim, enfraquecido e ferido, e prolongar a discussão só incentivaria a deusa a ficar.

— Agora eles são todos demônios e precisam de extermínio. — Sua mãe continuou.

— Engraçado você dizer isso, pois você é igualzinha a eles. Discórdia. — Oh, sim. Rhea estava possuída pelo demônio da Discórdia. Ela podia negar, mas Scarlet sabia a verdade.

Rhea ficou rígida, um predador que tinha manchado presa após um jejum muito longo.

— Pronuncie essa palavra outra vez, e eu vou seduzir seu amante na minha cama. Eu poderia fazer isso, você sabe, e não haveria nada que você poderia fazer para me impedir. Eu me torno mais bonita a cada dia.

Não reaja. Não à inveja de repente batendo por ela, ou a fúria consumindo. Mais uma vez, isso só incentivaria a deusa.

— Faça o que quiser. Mais tarde. Por agora, deixe-nos. — Disse ela, sabendo que a ordem provocava os nervos de Rhea. — Eu tenho algumas coisas a discutir com ele e então você pode tê-lo. — Claro. Isso deve surpreendê-la.

Primeiro, Rhea não obedeceu. Ela caminhou para o lado da cama e correu a ponta afiada da unha na perna de Gideon, no estômago e na garganta. Gideon fechou seu pulso e rosnou. Ela riu do tilintar, riso de morte.

— Cadela. — Ele murmurou, e então encurvou-se em outro gemido.

— Você sabe, eu acho que vou tê-lo de qualquer maneira. — Com um sorriso que devolveu todos os bocados de sua satisfação, a rainha desapareceu, deixando Scarlet sozinha com o marido.

Finalmente Scarlet foi capaz de subir na cama, como ela queria. Muito cuidadosamente, ela se instalou ao lado dele, seu pulso martelando na base do pescoço.

— Você é um prisioneiro? — Ela perguntou, alisando os cabelos da testa úmida.

Ele se inclinou em seu toque.

— Sim.

Uma mentira, ela sabia, porque a sua resposta não foi seguida por outro gemido.

— Por que você está aqui?

— Não... Encontrar... Zeus.

Um pouco do gelo que cercava o coração dela derreteu, ela não podia pará-lo. Então. Ele tinha a intenção de buscar vingança.

— Matá-lo não vai fazer você se sentir melhor. — Disse ela suavemente.

Seus olhares se encontrarem, um calor entrelaçado.

— Não estamos dispostos a descobrir...

— Cronus não vai permitir que você faça isso. Então, por que ele trouxe você aqui?

Gideon sorriso foi breve, porém, ainda doía.

— Ele não precisa da minha ajuda com os Caçadores. Eu não pedi a ele para me trazer aqui para que eu possa me recuperar da verdade que eu falava. Eu não pretendo fazer o meu caminho para o Tártaro.

— Você falou a verdade? Na floresta? — Scarlet tocou a palma da mão sobre o rosto dele, o polegar traçando o hematoma abaixo do olho. — Homem estúpido. Acredite, se eu pensasse que isso aliviaria a minha dor, eu teria encontrado uma maneira de matar Zeus há muito tempo.

— Scar. — Ele alcançou-a com uma mão trêmula e envolveu sua nuca. Seu aperto era fraco, mas ela sabia que ele estava fazendo. Oferecendo conforto. Conforto que tinha sido negado a ela por tanto tempo.

Lágrimas subitamente queimaram seus olhos.

Perigoso. Muito perigoso. Ela não podia permitir isso. Não podia contar com ele assim. Não, de jeito nenhum, mesmo algo tão simples e maravilhoso como o conforto. O que aconteceria na próxima vez que ela precisava de consolo e ele não estivesse por perto ou não quisesse oferecê-lo? Ela iria precisar disso e não saberia viver sem.

Ela se endireitou, e ele estava fraco demais para seguir seu movimento. Seu braço voltou com estrondo para o colchão.

Você é dura. Indiferente.

— É traiçoeiro aqui em Titânia. — Disse ela friamente. — Você prendeu muitos desses Titãs, e eles serão muito felizes de te chutar quando você estiver por baixo.

— Eu me preocupo. Eles farão.

Ele talvez não soubesse, mas ela não seria insensata.

— Nós devemos retornar para a Terra.

— Claro, claro.

Doce, homem resistente.

— Gideon...

— E se Zeus não foi o único a tomar as minhas memórias de você e de Steel? E se ele não as removeu para me impedir de beijá-lo?

Isso... Isso fazia sentido, ela percebeu. Zeus tinha sido tão poderoso, ele poderia muito bem ter retirado as memórias de Gideon para evitar que o guerreiro o matasse pela morte de Steel. Embora os deuses e deusas da memória geralmente fossem os únicos capazes de tal coisa. Zeus poderia ter pago um deles para fazê-lo, entretanto.

Com cada novo pensamento, acendia a raiva dentro dela. A mesma raiva que tinha nascido em sua cela, a mesma raiva que ela carregava com ela desde sua fuga, mas mais forte. Assim, muito mais forte. Zeus poderia ter roubado mais do que seu filho. Zeus poderia ter roubado o seu futuro.

Por que ela nunca tinha estado satisfeita para deixá-lo definhar, ela não sabia. Ele era tão diferente dela. Talvez alguém tivesse ferrado com sua mente, também.

— Eu vou ajudá-lo a alcançá-lo. — Disse ela com calma mortal, mesmo que ela estivesse com medo. Rios de sangue fluíam. Gritos que ecoavam em mil meias-noites.

Ela queria ir agora, neste segundo, para finalmente agir, mas a manhã estava se aproximando rapidamente e ela cairia em um sono tranquilo, incapaz de cuidar de si mesma.

Nesse sentido, ela percebeu que necessitaria de Gideon, e ela se permitiria usá-lo. Amanhã... Oh, sim, amanhã. Vingança.

— Ele vai sofrer. — Disse Gideon com uma respiração irregular, espelhando seus pensamentos. Mais uma vez, ele gemeu de dor, mas suas palavras soaram claramente. — Eu juro.

 

A porta mental de Zeus estada fechada e travada com um sinal de “Não Perturbe” ornamentando a maçaneta.

Por horas, Scarlet esperou em frente à porta, agarrando, batendo e chutando, algo que geralmente venceria pelo cansaço[22]. Mesmo deuses e deusas. No entanto, a entrada permaneceu fechada.

Ele estava acordado e combatendo a letargia com uma força que ele não deveria ter possuído. Não com o colar de escravo. Mas ele teria que dormir eventualmente. Todo mundo o faz, até mesmo o deposto rei dos deuses. E quando o fizesse, ela estaria lá.

No entanto ele a teria convencido a deixa-lo sofrer à distância... Ela nunca poderia saber. O filho da puta tinha matado seu filho na frente dela, e provavelmente tinha tomado às lembranças que Gideon tinha dela. Ele era a razão de que seu coração tivesse murchado e morrido. Ele era a razão de ela ter chorado por tantas noites até dormir. E ele poderia muito bem ser a razão pela qual ela se sentiu abandonada, sozinha, desamparada e usada.

No entanto nada disso importava para seu demônio. Deve alimentar-me, disse Pesadelos.

Ela compreendeu, sabendo muito bem as consequências de negar sua outra metade do que ele precisava. Ele não gostaria de fazê-lo, mas ele seria forçado a se alimentar dela.

Assim, embora ela tivesse preferido manter o cerco ao grego por toda a eternidade, ela se aproximou de Galen. E, para ser honesta, feri-lo a acalmaria. Um pouco.

Felizmente, sua porta estava aberta. Seu sonho era tão turbulento como antes, só que desta vez tudo era seu. Repetidamente ele reviveu o que ela tinha lhe mostrado. Seu desamparo. Sua fraqueza. Sua derrota pelas mãos de Gideon.

Pesadelos bebeu em seu terror, deleitando-se na emoção mesmo que o demônio não tivesse feito isso, antes pressentindo o medo de alguém e seguindo em frente. E depois outro. Quando o demônio estava finalmente saciado, Scarlet guiou-lhes para a entrada de Gideon. Ela, também, estava aberta.

Seu guerreiro dormia. Que pensamentos flutuavam dentro de sua mente?

Se afaste. Um comando para seu senso de sobrevivência.

Não é possível. Um grito da sua parte mais feminina.

Ela tremia quando entrou, e o que ela viu logo a deixou ofegante. Lá estava ela, vestindo uma linda toga vermelha, ainda acorrentada na frente de um forte menino lutando, que parecia meio humano, meio demônio. Zeus ficou atrás do garoto, uma faca curva na mão, prata brilhante. Ao redor deles havia uma multidão de pessoas torcendo.

Não é uma memória, ela percebeu, porque Gideon tinha errado alguns dos detalhes. Ele simplesmente criou a cena baseado no que ela lhe disse.

Por um longo tempo, debateu: mostrar-lhe a verdade ou deixa-lo com a ilusão. Uma visão que seria muito mais fácil digerir do que a realidade.

Ele precisa saber. Quem falou com ela desta vez, ela não sabia.

Ele necessita? Às vezes, ela preferiria não saber.

Ele precisava saber. Por Steel.

Steel merecia um pai que soubesse como ele viveu - e morreu.

Com isso, as reservas de Scarlet desapareceram. Por Steel, ela faria qualquer coisa.

Tremendo, ela estendeu e acenou com a mão sobre a toga dos sonhos de Scarlet. Essa foi a mais fácil correção a fazer e um bom lugar para começar. O material desapareceu como se a palma da mão fosse uma borracha. Depois, com outro aceno de mão, ela repintou sua roupa. Uma túnica branca suja, manchada com sangue. Presa num só ombro. Ela acrescentou cortes e hematomas em seu rosto e braços.

Engolindo, ela olhou a multidão. Utilizando ambas as mãos, ela removeu-os, deixando ela mesma, Steel e Zeus, e uma figura envolta em trevas. Um ser cujos pés não tocavam o chão completamente, na bainha de sua túnica negra soprava um vento que ninguém podia ver. O ser que aceitaria e carregaria o demônio de Steel.

Sem os aplausos, um silêncio quase ensurdecedor tomou conta.

Em seguida, ela mudou o hipódromo circundante, onde Zeus frequentemente hospedava seus jogos de carruagens para um templo abandonado. Colunas de alabastro branco rosado ao redor, hera verde orvalhando e escalando seus comprimentos chanfrados. Havia caminhos que levavam a um altar de mármore rachado, tingindo com manchas em vermelho de muitos sacrifícios que ocorreram neste lugar.

Feito isso, ela voltou sua atenção para Zeus. Seus dedos enrolados evitando que sua mente gritasse! Ela poderia ter parado. Mas ela não parou. Sua túnica púrpura e dourada foi a primeira a ir-se. Em seu lugar, ela pintou uma armadura. Prata. Gravada com bonitas borboletas entalhadas combinando com a tatuagem em suas costas, assim como com a tatuagem na coxa de Gideon. Entre cada uma das borboletas havia um brilhante raio de luz.

A faca que o soberano Grego segurava se tornou um facão serrilhado criado para a dor máxima. Com isso, ele apenas não fatiava. Ele arruinava.

Faça. O restante. Gideon tinha obtido as feições faciais dos deuses. Olhos que espelhavam os raios adornando sua armadura, estalando, chiando, brilhando. Um nariz afilado. Lábios finos, mas uma mandíbula forte, que mais que compensou a deficiência. Zeus tinha um cabelo grosso e claro, que ondulava até seus ombros, a combinação perfeita para a pele dourada. Algumas vezes, quando você olhava perto o bastante, você podia ver estrias de relâmpagos saindo diretamente de suas veias.

Bom. Inspeção feita. Apenas, não foi o alívio que ela sentiu. Um último detalhe para mudar...

Finalmente, ela voltou sua atenção para Steel. Lágrimas instantaneamente queimaram seus olhos, e sua tremedeira se intensificou, quase derrubando em um amontoar soluçar. Ao mesmo tempo, ela podia sentir desamparo agitando dentro de Gideon. Ele não estava aqui, estava meramente observando com a visão mental, mas suas emoções estavam completamente comprometidas. Tudo que ele sentiu aqui, ele iria sentir depois, quando ele acordasse.

Faça. Apenas faça. Ela raspou os chifres de Steel, odiando a ação, odiando ela mesma; os Gregos não queriam que o garoto usasse-os como armas que tinham sido. Ela acrescentou remendos em escala ao longo do lado direito do seu corpo. Tão lindo. Seus dentes, ela afiava de modo que duas presas projetavam sobre o seu lábio inferior. Meu bebê.

Os humanos teriam achado o menino grotesco... Bestial. Ela o achava adorável. Seu coração cambaleou, tão gravemente que ela queria impeli-lo em seu peito e segurá-lo para sempre. Meu anjo. Tomado tão cedo.

Termine. Engolindo novamente, o queixo tremendo, ela alongou as pestanas do menino e mudou a cor dos olhos de preto, como os dela, para azul elétrico, como os de Gideon. Ela acrescentou vários anos a sua idade. Gideon tinha imaginado ele como um jovem de onze ou doze anos de idade. Ele aparentava perto de uns dezesseis, um adolescente que nunca tinha tido a chance de namorar ou fazer amor. Um adolescente que nunca se sentiu amado ou digno, e oh, ela conhecia este sentimento muito bem.

Na realidade, apesar de que, ela não sabia se ele tinha namorado ou amado alguém.

Suas lágrimas começaram a cair livremente enquanto ela cobria-o com sujeira e contusões, quebrou seu braço, sua perna, e acrescentou cicatrizes grossas em suas costas. Centenas delas.

Ali. Estava feito. Para o bem ou mal, estava feito. A cena foi retratada.

E agora... Agora era a hora de Gideon ver como as coisas realmente tinham se desdobrado.

Incerta se ela poderia viver com isso de novo - por Steel, tudo por Steel - Scarlet assentiu com a cabeça, braços caindo pesadamente em seus lados, e cada imagem voltou subitamente para a vida.

— Por favor, não faça isso. — A Scarlet do sonho implorou. — Por favor. Eu farei tudo que você quiser. — O corte em seu lábio abriu, e sangue escoou para baixo do queixo. — Apenas deixe-o em paz. Por favor.

A expressão dura de Zeus nunca esmoreceu.

— Inúmeras vezes você tentou escapar, e você ainda espera que eu lhe ofereça um benefício? Certamente, mesmo você não poderia ser tão tola.

— Ele é apenas um garoto. Ele não fez nada de errado. Puna a mim. Mate-me. Apenas deixe-o ir. Por favor.

— Ele não á apenas um garoto. Ele tem séculos de idade.

— Por favor. Por favor. Sua Majestade. Por favor.

Por tudo isso, Steel manteve sua cabeça abaixada e seus olhos afastados. Ele não estava tremendo, ele não estava chorando. Ele estava em silêncio, até agora. Esperançoso. Como se ele merecesse tudo o que estava sendo feito com ele.

— Enquanto ele viver, você vai continuar a me desafiar. — Disse Zeus. — Portanto, ele deve morrer. Simples, na verdade.

— Eu não tentarei fugir novamente. Eu juro. Eu retornarei à prisão e silenciosamente apodrecerei lá. Por favor.

— Você teve esta opção, filha de Rhea. Uma vez. — Seu olhar nunca a abandonou, o rei deus lançou sua espada no ar, segurando pelo cabo. — Mas eu tenho que admitir, eu gosto da ideia de sua cabeça rolando. Talvez eu estivesse muito apressado em selecionar quem deve morrer. O que você acha, Steel? Eu devo matar sua mãe ou eu devo deixar esta honra para você?”

Diante disso, Steel finalmente olhou para cima. O choque encobriu sua feição, ocultando a aceitação e a vergonha.

— M-mãe?

Como uma doce voz, com notas de fumaça e nuvem.

Scarlet ofereceu-lhe um sorriso pálido.

— Eu te amo. — Todas as palavras que ela ansiava por dizer a muito tempo. — Não importa o que aconteça, Steel, eu te amo. Eu sempre te amei e sempre amarei. Eu não desisti de você, meu querido. Você foi tirado de mim. — Choque total.

— Sim, ela é sua mãe. Sim, você foi tirado dela. — Zeus confirmou assim que o jovem se virou para ele atordoado e confuso. — Você pode me oferecer seus agradecimentos agora.

O choque de Steel deu lugar ao horror, sangrando um líquido vermelho em sua íris azul. Ele foi o motivo pelo qual ela foi presa, depois de tudo. Pensando que ela era o inimigo da coroa, ele levou Zeus direto para ela.

— Mãe. — Ele disse de novo, e desta vez, havia dor em sua voz amada. — Eu... Eu...

— Não se culpe, doce garoto. Você é tudo o que desejei que você fosse. Forte. Amável. Inteligente. Você fez exatamente como eu teria feito se a situação fosse invertida. Eu te amo tanto. — Ela não podia falar com rapidez suficiente, sabendo que a qualquer momento...

— Basta. — Zeus ladrou, como ela temia. — Eu fiz uma pergunta e desejo uma resposta. Então o que vai ser, Steel? Será que a morte dela vai ser desferida pela minha mão ou pela sua?

— Eu... Eu não quero que você a mate. — O olhar fitado e aguado de Steel bebeu-a avidamente, como se ele estivesse memorizando cada pequena coisa sobre ela. — E eu não desejo mata-la, também. Deixe-a viver. Por favor. — Sua declaração foi um reflexo de tudo que ela havia dito antes.

Scarlet lutou com toda a força que possuía. Ela tinha que chegar a ele. Não podia suportar ele ser magoado.

— Eu estarei bem, querido. Deixe-o fazer. Está tudo bem, eu juro para você.

Ela preferia morrer ela mesma, a permitir que um único arranhão ocorresse em Steel.

— Eu não serei misericordioso. — Disse Zeus.

— Eu não me importo. — Disse Scarlet para os dois. Melhor ela sofrer agora do que Steel sofrer nos próximos séculos porque ele tinha assassinado-a.

Silêncio. Terrível, terrível silêncio. Mas então, algo muito pior.

— Mate-me, no lugar dela. — Disse Steel. — Eu não sou nada. Ninguém.

— Não! — Gritou Scarlet.

Mas Zeus concordou, acariciou seu queixou e ignorou-a, concentrando-se em seu filho.

— Você está certo. Ela é muito mais valiosa para dispor. Como filha bastarda de Reah, ela é um embaraço para Cronos e, assim, uma arma de valor inestimável para exercer contra ele em caso de necessidade.

Ela se acalmou. Uma chance. Esperança. Zeus a considerava uma ferramenta para ser usada contra seus inimigos.

— Entretanto, ela deve ser punida por seus atos. Seja o que for o que eu devo fazer então? — Ele perguntou, parecendo genuinamente reflexivo.

Esperança encolhendo...

— Mande Steel embora. — Ela pediu. — Isso irá me punir. Eu me perguntarei onde ele está e o que estará acontecendo com ele. Por favor. Por favor. Nada poderia me machucar mais do que isso. Você sabe que isso é verdade.

Zeus sorriu lentamente. Ele balançou a cabeça.

— Um excelente plano. Eu o enviarei para outro lugar.

Esperança renovada, inundando ela.

— Obrigada. — Seu ombros cederam, sua respiração superficial emergindo. Seu filho estaria salvo. Ele viveria. Ele se tornaria o homem que ele estava destinado a ser. — Muito obrigada, grande rei. — Obrigados continuaram a derramar dos lábios. Ela estava balbuciando, ela sabia que estava, mas não podia parar. — Obrigada.

Mas ela tinha falado muito cedo.

— Vou mandá-lo para a vida após a morte. — O deus acrescentou, este último a silenciou. — Como eu previ inicialmente.

Como ele sempre planejara, ela percebeu. Ele nunca considerou deixar o menino ir, só tinha brincado com ela.

Os olhos de Steel alargaram-se. Com medo, com pesar, depois fixaram-se nos dela com resolução.

— Desculpe-me. Mãe.

Scarlet gritou, sacudindo com força o templo, quebrando seus próprios tímpanos.

— Não! Não!

— Sim.

Sem nenhuma hesitação, Zeus ergueu a espada e golpeou.

 

Gideon acordou com um barulho e se sentou. As lágrimas corriam pelo seu rosto em riachos de ácido. Com uma mão trêmula, ele estendeu-a e enxugou-as da face. Queridos deuses. Ele tinha acabado de ver Zeus cortar a garganta de seu filho. Ele sentiu a dor e o desamparo de Scarlet. Seu desespero.

Era assim que tinha acontecido, ele sabia que era. Scarlet tinha-lhe mostrado. Ele tinha sentido ela no sonho. Seu aroma doce, a intensidade de suas emoções. Ela realmente teria feito qualquer coisa para salvar o menino. Qualquer coisa. Isso é o quanto ela o amava. E ela teve que se recuperar de sua perda sozinha.

Gideon não teria sido capaz de fazê-lo. Ele estava mal se segurando agora, e ele ainda não conseguia se lembrar do menino. Aquele lindo menino. Como Scarlet era forte. Que engenhosa. Ela era uma sobrevivente até a medula de seus ossos.

Seu respeito por ela dobrou. Seu desejo por ela triplicou.

Ela merecia ser mimada. Ela merecia ser disputada como o prêmio que era. Então, ele iria mimá-la. Ele iria lutar por ela. Ele não poderia refazer o passado, mas ele daria a ela um futuro melhor.

Trancá-la na masmorra novamente? Nunca! Ele tinha sido um maldito idiota para pensar o contrário. Perigosa ou não, ela era sua. Ele mataria qualquer um, mesmo seus amigos, se eles a ameaçassem.

Ele teria que encontrá-la, apesar disso. Uma tarefa difícil, certamente, considerando que ela não iria querer vê-lo. E...

Seu olhar estava circulando o quarto, garantindo que nenhum inimigo estivesse espreitando por perto, um hábito arraigado pelos séculos de guerra. Agora ele parou abruptamente.

Scarlet. Aqui. Dormindo. Surreal.

Ela estava abraçada ao seu lado, suas pernas retas, uma mão achatada sobre seu coração, a outra estendida sobre a testa. Essa massa de cabelos negros sedosos estava esparramada ao redor de seus ombros, brilhando como ébano polido. Ela era um banquete feminino, feita para amar e ser amada.

Ele estendeu a mão, percebeu que sua agitação aumentou - maldita verdade - revelando fraqueza - e acariciou com a ponta do dedo a parte de baixo do seu nariz antes que seus músculos desistissem e seu braço caísse inutilmente ao seu lado. Preciso tocá-la. Sempre.

No momento, ele teria que estar satisfeito com o conhecimento de que ela estava aqui. Como? Por quê? Será que isso importa? Ela estava aqui! Eles podiam falar, e ele poderia começar esse mimo. Massagens nos pés todos os dias, as cabeças de seus inimigos entregues a sua porta como o jornal da manhã.

Vamos, bebê. Acorde. Através das portas que levavam a uma varanda, ele podia ver que o sol foi silenciado e caía, escurecendo. Os mimos poderiam começar mais cedo ou mais tarde. A qualquer momento Scarlet iria...

Suas pálpebras se abriram e ela sentou-se repentinamente como ele tinha feito. Sua cabeça bateu em seu queixo, e ele estremeceu.

Enquanto ela esfregava o ponto do choque, seus olhares se cruzaram. Seus olhos... Tão escuros, tão misteriosos. Tão cheios de dor, esperança e arrependimento.

Um tesouro tão inestimável quanto esta mulher só poderia receber um olhar satisfeito. Ela lambeu os lábios dela e calmamente voltou para o colchão, girou pra o seu lado para enfrentá-lo. Sua boca atrapalhou-se no abrir e fechar por um momento, como se ela estivesse procurando as palavras certas para dizer. Ele não queria que ela mencionasse o sonho. Ainda não. Esse era um assunto pesado e agora ambos necessitavam relaxar. Ou melhor, ele precisava confortá-la como ele não tinha feito antes.

— Então, quem você não é hoje? — Ele perguntou, deitando para que eles estivessem olho no olho.

Houve um lampejo de alívio em sua face.

— Scarlet... Long[23]! — Respondeu ela.

Long. Como em Justin. Um homem com cabelos pretos e olhos castanhos. Gideon quase sorriu. Doce progresso. Esperançosamente, ela nunca escolheria um loiro novamente. E um dia, talvez ela se chamasse Scarlet Senhor.

Será que ele queria isso? Sim, ele queria, ele percebeu quase de imediato. Ele gostou da ideia dessa mulher lhe pertencer. Verdadeiramente pertencendo a ele de uma forma que todo o mundo reconheceria.

— Como você está se sentido? — Ela perguntou baixinho.

— Pior.

Um suspiro escapou dela.

— Bom. Isso é bom.

Com sua última força, ele estabeleceu seu braço na curva de sua cintura. Ela não repreendeu-lhe por um gesto tão íntimo, e lhe tocou o coração.

— Quando eu estiver pior ainda, eu não quero bater no quarto de Cronos. — Ele precisava colocar suas mãos num colar de escravo. Desta forma, as portas do Tártaro deveriam abrir para ele. Esses colares eram como chaves para o portão. Para entrar, na verdade. Sair seria uma questão inteiramente diferente. — Mas droga. Eu tenho o meu colar, para que eu possa andar livremente. — Sem ele, Cronos saberia onde ele estava e o que ele estava fazendo. O rei dos deuses poderia impedi-lo e envia-lo de volta a Buda antes que ele colocasse um único pé no reino da prisão.

Uma das sobrancelhas de Scarlet arqueou-se.

— Você está dizendo que você não tem o seu colar de borboleta então você não pode mover-se livremente ao redor deste palácio?

Ele balançou a cabeça, tentando avaliar sua expressão.

Ela puxou ambas as correntes de uma bainha da faca em sua cintura, deixando-os balançar em seus dedos.

— Eu estou com eles. Eu achei que você tinha jogado-os fora como lixo. — Ela soou quase cruel. — Assim, eles não são apenas bonitas decorações? — Agora ela soou... Desapontada.

Ele tinha feito ela pensar que o colar era um presente dele. E quando ela encontrou o seu, ela pensou que ele “jogou-o como um lixo.” Como se ela fosse um lixo. Ele não permitiria que ela pensasse tal coisa.

Eu nunca mentirei para ela novamente, ele prometeu. Então piscou. Espere. Ele nunca iria engana-la propositalmente com suas mentiras. Melhor.

— Eles não impedem que os deuses nos vejam. De ouvir-nos.

Enquanto ele falava, seus olhos se arregalavam. Com essa ampliação, ela deveria ter sido ainda mais fácil de ler. Só que, as órbitas não ofereceram nenhuma sugestão de suas emoções.

— Os colares são bloqueadores, então.

Pelo menos ela não tinha escapado da sua decepção.

— Exatamente errado.

— Bom. Inteligente. — Ela se preparou para colocá-lo no pescoço, mas ele balançou a cabeça, interrompendo-a. — Mas porque esperar? — Ok, agora ela parecia prestes a explodir. Seus olhos estavam estreitados, quase... Ardendo, e seus dentes arreganhados numa temível carranca.

— Eu estou muito forte para sair agora, — Muito fraco. — e não devemos esperar até que estejamos prontos para sair furtivamente do palácio para cair fora do radar de Cronos. — Eles deviam absolutamente esperar. No momento em que Cronos perdesse sua conexão com Gideon, ele suspeitaria da verdade e faria tudo em seu poder para impedir que Gideon fosse bem sucedido.

— Então você vai sorrateiramente para...

Novamente, ele acenou com a cabeça.

Antecipação emanou dela. Os dois estavam indo para o Tártaro, e eles iam matar Zeus.

— Quanto tempo até você se recuperar? — Ela perguntou.

— Não mais que um dia. — Mais um dia.

Piscou.

— Então o que devemos fazer nesse meio tempo?

Beija. Tocar. Reaprender com o outro. Fazer amor.

— Não falar.

Ela revirou os olhos como se ele tivesse feito apenas uma piada.

— Você e eu? Falar? Eu não penso assim. Nós já dissemos tudo o que precisávamos dizer um ao outro. Nós trabalharemos juntos nisso, porque nós somos mais fortes como um par, mas isso é tudo que estamos fazendo. Trabalhando juntos. Matando juntos.

Ótimo. Ela estava voltando ao modo teimoso. Mas ele não se importou. Ela podia dizer qualquer coisa que ela quisesse, fazer nada com ele. Ele planejava grudar nela como cédulas em uma dançarina de strip-tease.

— E de qualquer maneira, — Continuou ela, resoluta. — vamos ser realistas aqui. Eu não tenho que esperar. Sou capaz de esgueirar-me através do palácio e matar qualquer deus ou deusa com que eu tropeçar. Eu estou realmente te fazendo um favor.

Um grunhido retumbou profundamente em sua garganta, levantando-se, inclinando-se em direção a ela. O pensamento de Scarlet perambulando pelos corredores do palácio sozinha não era tragável para ele. Ela não estaria contra humanos, mas imortais. Mais fortes, os mais violentos imortais. Puro instinto masculino a queria segura, feliz e não na merda constante do perigo.

Calma. Ele só tinha que mantê-la ocupada. E se ela não estava interessada em falar, o deixava apenas uma outra opção. O que ele queria fazer em primeiro lugar.

Ele considerava-se esgotado, mas os pensamentos de tê-la reuniram as suas células, músculos e ossos, permitindo-o rolar para cima dela. Ela engasgou com seu peso, mas ele não se afastou. Não, ele pressionou-se para baixo, dando-lhe mais.

— Será falar então. — Ele disse, e como ele tinha feito da última vez que ele precisava amaciá-la, ele enlaçou seus lábios nos dela.

 

            Scarlet começou a protestar. Ela já tinha beijado Gideon antes, e agora tinha seu gosto inebriante em sua boca, seu corpo, depois de séculos de luta para removê-lo. Séculos de luta para esquecer o seu peso, seu calor, sua força. Ela não precisava disso novamente, não precisava de outra lembrança. Não precisava do retorno dos desejos.

            Não que eles já tivessem parado.

            Ela pensou em afastá-lo. Ele estava enfraquecido agora, e não seria capaz de pará-la quando ela se mexesse para fora da cama e fora do quarto. Ele não seria capaz de puxá-la de volta para seus braços, segurá-la perto, ofuscando a dor com prazer.

            Mas então sua língua se enrolou contra a dela, tão malditamente doce que ela podia ter chorado. Então ele sussurrou “Scar” como se o apelido fosse uma prece, e ao invés de protestar, ao invés de empurrá-lo, ela segurou a parte de trás do seu pescoço com uma mão e entrelaçou os dedos em seus cabelos com a outra, inclinando sua cabeça.

O beijo se aprofundou, de lânguido a devastador em um único segundo. Um fósforo aceso, jogado. Um inferno. Furioso. Pensamentos descarrilando. Nada importava, mas o aqui e agora. O homem, a paixão. O passado desvanecendo.

Pensamentos lutando para se formar.

O que você está fazendo?

Bocas reivindicando. Festejando. Respiração se misturando. Morno, depois quente, depois ardente. Rasgando-a para baixo. Construindo seu regresso para cima.

Um vislumbre da razão.

Não comece a protestar agora.

Faça. Proteste.

Não pense agora afastá-lo.

Faça. Afaste.

Fogo, esquentar. Gelo, cristalizar. Sim, sim. Era o que ela precisa fazer. Proteste, empurre. Ela não iria perder-se novamente. Ela era mais esperta do que isso.

Prove.

Scarlet arrancou seus lábios dos dele. Arquejando, ela disse:

— Você quer falar, nós falaremos. — Seu corpo gritou um protesto em totalidade. Ainda assim, ela continuou. — Eu sou a filha de Rhea, e nasci dentro do Tártaro. Por milhares de anos, era tudo o que eu sabia. — As palavras se apressaram dela, misturadas com desespero. Certamente este tema extinguiria sua paixão completamente.

Gideon silenciou-se. Havia decepção em seus olhos brilhantes, assim como uma notória ansiedade.  Finalmente, ele estava recebendo o que ele realmente queria. Informação.

— Não continue. — Ele não se moveu para longe dela, embora, ela tolamente não insistiu para que ele fizesse isso. — Eu não quero saber tudo sobre você.

Como ela era fácil. Outra declaração como essa, e ela poderia beijá-lo.

— Primeiramente, Rhea amou-me, cuidou de mim. Mas então, enquanto eu crescia, ela começou a me ver como uma ameaça. Ela me queria morta. Muito morta.

Este tópico deveria ter atenuado sua paixão, mas não. Cada músculo no corpo de Gideon estava tenso. E não de desejo.

Ótimo. A distração tinha funcionado. Só que, tinha funcionado com a pessoa errada.

— Quando nós fomos libertados, os gregos derrotados, eu tentei segui-la para o palácio. Eu esperava fazer as pazes com ela, fazer uso das bibliotecas. — Para pesquisar informações sobre Gideon, mas Scarlet manteve isto para si mesma. — Ela tinha me impedido de entrar. — Amargura escorria de sua voz, mas uma vez mais, isto não atenuou sua paixão nem um pouco. Ele estava por cima dela, e tudo que ela precisava fazer era abrir suas pernas. — Ela me disse que eu não era digna de andar pelos corredores.

Seus olhos se estreitaram perigosamente.

— Como você conseguiu que ela te deixasse de fora dessa vez?

Sabendo o que ele queria dizer - como ela tinha conseguido que sua mãe deixasse ela entrar - Scarlet disse:

— Eu negociei com ela. — Será que ele ficaria chateado com isso? — Eu tenho que te impedir de dar a Cronus tudo o que você prometeu para ele. A propósito, o que você prometeu?

Não. Nenhuma raiva. Surpreendente.

— Nós não concordamos em discutir isso mais tarde.

Ah. O antiquado você-irá-me-dever-um-favor-de-minha-escolha-no-momento-de-minha-escolha.

— Você mentiu para ele, é claro. — Isto era uma afirmação, não uma pergunta.

Gideon sacudiu seus ombros.

Ela tinha pegado isto como um retumbante “sim”, e desejava que ela pudesse confiar em si mesma para aplainar as mãos sobre os ombros largos, sentir os músculos esticando e encolhendo embaixo.

— Então, aí está. O que você não sabia sobre a minha asquerosa vida em poucas palavras.

Ele a olhou por um longo tempo, em silêncio, buscando. Tantas emoções brincando sobre suas feições. Remorso, mágoa e a raiva que ela tinha procurado antes.

— Eu... Não me arrependo de tudo o que você enfrentou. Eu... Não me arrependo da minha parte nisto. Droga! — A raiva claramente ganhou, e ele bateu no colchão com os punhos, sacudindo os dois. — Eu realmente amo isto de eu não poder te dizer o que eu realmente quero dizer sem adicionar alguns dias ao prazo.

Sua desculpa enfraqueceu-a como nada mais poderia ter feito. Sua veemência encantou-a. Combinado? Eles matariam-na.

— Ei, não se preocupe. — Ela ofereceu, cedendo seu último desejo de tocar. Seus dedos traçaram até seus braços, aprendendo com cada cume de músculo e tendão. — O “modo Gideon” de falar é um pouco divertido.

Assim, a raiva foi drenada dele, desejando ofuscar todo o resto.

— Você não é muito boa para mim. Em todos os sentidos. Não, obrigado, diabo. Por tudo.

Ele pensou que ela era boa demais para ele? A assassina. Ela.

— De nada. — Ela respondeu suavemente.

Ele lambeu os lábios com o olhar caindo para ela, e de repente ela sabia que sua paixão não tinha sido extinta, afinal de contas.

— Eu... Eu...

— Quer me beijar?

Ele acenou com a cabeça.

— Eu não estou morrendo de vontade de fazê-lo.

Não admita. Não se atreva a admitir.

— Eu também.

Mais uma vez, ela pensou confusamente. Ela iria desfruta-lo mais uma vez. Sexo, certo? Não, ela não iria tão longe. Mas beija-lo, continuar tocando-o? Oh, sim. Ela precisava passar o tempo, de qualquer maneira. Pelo menos, essa é a única razão que ela admitiria no momento. Além disso, não era como ela realmente tivesse deixado ele aqui, impotente contra qualquer deus ou deusa que entrasse no quarto. No momento, ele ainda era seu marido e ela iria protegê-lo.

— Se fizermos isso, as sombras e os gritos retornarão. — Ela avisou. — Eu não serei capaz de detê-los. Eles fazem parte de mim, parte do meu demônio.

— Eu desgosto de tudo o que faz parte de você. Eu não quero experimentar tudo o que você tem a oferecer.

Derretendo...

— Então, beije-me. — Ela mandou. Então, suas palavras doces cessariam e ela poderia começar a reconstruir o gelo. O necessitado gelo.

Gideon não precisava de nenhum encorajamento. Seus lábios estavam nos dela um segundo mais tarde, beijando-lhe como se ele precisasse de ar em seus pulmões para sobreviver. Ele gemia como se nunca tivesse provado nada mais delicioso. Amassando seus seios como se nada, mesmo sua fragilidade, pudesse impedi-lo de apreciá-los.

Mais uma vez, seu sangue esquentou em suas veias, um crescente inferno que desmanchou seus ossos. Seus mamilos endureceram sempre prontos para sua boca, e sua pele formigava, apelando por mais.

— Quero você vestida. — Ele murmurou.

Só o tempo que ela teve de traduzir as mentiras do seu demônio foi quando eles estavam na cama, sua mente em outras coisas, por isso seu confuso-apaixonado cérebro teve um momento para perceber que Gideon a queria nua.

Sexo? Ela pensou novamente. Se ela ficasse nua, ele estaria dentro dela. Ela possivelmente imploraria por isso. Implorar... Sim... Felizmente, porém, ela tinha um pouco mais de orgulho para isso.

— Não. — Ela administrou.

Ele fez uma pausa, levantou a cabeça. Seus olhares se cruzaram, seus olhos tão brilhantes de um azul que rivalizavam com o resgate das safiras do rei. Ele lambeu seus lábios já úmidos, respirando com cuidado.

— Que tal não negociarmos? — Sua voz era áspera, como se cada uma das palavras tivessem sido esfregadas com lixa.

Negociar, hum?

— Tudo bem. — Nunca deixe de dizer que ela não era razoável. — Dispare.

— Tudo ao invés da metade.

Objetivamente: ele estava disposto a tirar a metade das roupas dela ao invés de toda ela. Uma concessão, sim, quando ele podia ter insistido numa nudez total. Eventualmente, ela teria cedido.

— E em troca eu recebo..?

— Definitivamente, nenhum orgasmo.

Ela curvou os cantos dos lábios.

— Você quer que eu retire a parte de cima ou a de baixo?

— De cima. — Rápido com um relâmpago, sem hesitação.

Ele queria suas calças fora, e pelos deuses, ela quis tirá-las.

— De acordo. — Ela disse com um aceno de cabeça. — Você pode tirar minha parte de cima fora. — Melhor assim.

Que pena que ela odiava “melhor”.

Seus lábios se curvaram como ela tinha feito antes, porque ele sabia que ela tinha propositadamente mal-entendido.

— Como se você não soubesse que eu não estava mentindo. — Ele disse, puxando-a sobre ele. — Como se eu não soubesse que você quis dizer calças.

Com uma força que ela não teria pensado que ele fosse capaz de ter devido a luz da maldição do seu demônio, Gideon empurrou a calça e a calcinha da cintura até os tornozelos, então as tirando completamente. Um suspiro saiu dela, o ar frio de repente a acariciava. Ele não lhe deu tempo para queixar-se ou mesmo incentivá-lo. Ele se arrastou para baixo de seu corpo. E aquele era o momento de pará-lo... Perdeu-se. Ele puxou suas pernas e as afastou. Outro momento... Perdeu-se novamente. Ele lambeu a parte mais dolorida dela.

— Sim! — Suas costas se arquearam quando ela gritou alto, suas mãos já em seu cabelo, segurando-o perto.

Ela montou nas ondas de prazer com abandono. Não, não, não abandono. Tinha que manter as sombras e os gritos dentro dela. Gideon não se preocupava com eles, ele disse, mas ela ainda não estava pronta para compartilhá-los. Ela queria esse momento só para si, aquela língua ardente trabalhando nela, amando-a.

— Não quer mais? — Ele murmurou.

— Eu... Eu... — Não podia admitir. Ele vai dizer alguma coisa doce, e mais do gelo irá derreter. — Mais. Por favor.

— Sem mais disso.

Ele continuou lambendo, seus dentes raspando perfeitamente, fazendo-a tremer. Logo seus dedos se juntaram no jogo, um afundando dentro e fora, depois dois. Três. As sombras puxaram, e puxaram os gritos.

— Gideon. — Ela lançou-se para ele e agarrou a cabeceira da cama, arqueando os quadris num ritmo fluido e desesperado. Sentiu-se tão bem, tão malditamente bem. Estava propulsando-a tão perto da borda...

— Terrível. — Ele murmurou, com o olhar semicerrado, lábios torcidos em um meio sorriso. — Apenas terrível. Tive minha satisfação. Sempre tive minha satisfação.

Ele gosta, ela lembrou-se. Queria mais. Nunca se fartaria.

Gelo... Derretimento. Aquecimento...

Não importa, ela percebeu de repente. Ela queria que a chama crescesse, consumisse. Scarlet decorou os ombros dele com suas pernas, os calcanhares de seus pés cravando a parte inferior das costas dele, suas coxas apertando as têmporas dele.

— Mas algo que eu gostaria... Você não está escondendo de mim. — Um músculo tremeu abaixo de seu olho quando seus cílios levantaram e ele a derrotou com um olhar duro. — Onde estão as sombras e os gritos que você não me prometeu?

— Eu não... Eu não posso... Não pare agora!

— Não deixe-os ir, e não me mostre o nosso casamento. — Ele disse, e então chupou seu clitóris entre seus dentes.

Ela gritou, se sacudiu, ela quase gozou, o prazer foi tão intenso. Mas ela estava quase lá. Só mais um pouco, e ela voaria para o céu.

— Por favor.

— Scar... Casamento... Eu não quero ver. — A voz dele era intensa, como se ele tivesse que forçar as palavras para sair.

— Agora? — Ela arfava. Enquanto ele estava... Enquanto ela estava... — Estamos um pouco ocupados.

— Você não pode fazer enquanto estou dormindo? — Ele deu um sopro de ar quente e úmido em suas dobras já tão sensíveis, jogando-a mais perto da satisfação.

Foi maravilhoso e terrível, gratificante e frustrante.

— Sim. — Ela resmungou. — Eu posso fazer isso enquanto você estiver acordado. — Ela podia projetar imagens em sua mente a qualquer momento. Pesadelos era tão capaz de invadir sonhos, afinal de contas. Mas depois Scarlet queria que Gideon se concentrasse apenas em seu corpo dolorido. No aqui e agora.

— Então, não. Eu quero que você faça isso mais tarde.

— Por quê? — Por que não podia esperar até depois? Porque ele temia que ela tivesse que deixá-lo? Porque ele pensou que ela iria negá-lo? — Não se preocupe. Mas esteja avisado. A cerimônia foi curta, não podíamos arriscar algo mais longo, e meio que sombrio. — Ela daria a ele o que ele queria, no entanto. —Só saiba que o momento que você parar, eu paro. — Pronto. Negociação, assim como ele gostava.

— Meu desprazer. — Ele praticamente ronronou, sua língua tremulando para fora e arremessando para frente e para trás sobre seu clitóris.

Mais uma vez, suas costas curvaram. Ok, talvez pedindo que ele continuasse não tivesse sido o mais brilhante dos planos. Seus pensamentos foram novamente fragmentados, seu sangue aqueceu um grau a mais, seu orgasmo borbulhou antes de irromper em várias dessas chamas decadentes, seus ossos derretendo, querendo apenas derramar-se sobre ele. Em uma explosão, as sombras e os gritos fugiram de seu controle, girando em torno de Gideon e enchendo o quarto. Justo assim. Ela poderia usá-los para criar o sonho.

Concentração. Scarlet cavou através de seus arquivos mentais favoritos - arquivos que ela tinha enterrado e pensado que nunca consideraria novamente - e encontrou o qual Gideon desejava.

Instantaneamente, a cena se abriu em ambas as mentes.

Tarde da noite, enquanto os prisioneiros do Tártaro dormiam, Gideon despertou Hymen, o deus preso Titã do Casamento, e trouxe-o para a cela que usavam para fazer amor.

Para Scarlet, Gideon tinha arranjado um banho prolongado umas poucas horas antes, e lhe tinha dado uma túnica branca e limpa. Só que a túnica era composta de rendas e essas rendas moldavam as suas curvas. Ela nunca tinha se sentido mais linda, antes ou depois.

Quando os dois homens entraram em sua cela, ela jogou para trás seu capuz na ânsia, e seu longo e escuro cabelo, sedosos e escovados, caia em cascata sobre os ombros. Gideon estendeu a mão, pegou uma mecha com dois dedos, e trouxe os fios até seu nariz. Ele respirou fundo, com seu olhar examinando-a atentamente.

— Hediondo. — O Gideon entre as pernas dela sussurrou áspero assim como o Gideon do sonho. — Primoroso.

Um rubor corou suas bochechas, naquela vez e agora. Mas ela não estava primorosa, e ela sabia disso. Não havia uma visão mais linda do que Gideon. Seus cabelos negros levantados e arrepiados, seus olhos azuis brilhando, os cílios cor de meia-noite emoldurando-os como um leque de penas, e seus lábios ainda inchados de seus beijos anteriores.

Ele possuía uma barba sombreada, maçãs do rosto afiadas e uma mandíbula forte. Não havia uma falha nele. Ele usava uma fina armadura de prata que ela tinha lhe mostrado em seu sonho com Steel, como dirigido por Zeus, e na armadura estava gravada borboletas entalhadas exatamente como as tatuagens que ele trazia.

— Você tem certeza que quer fazer isso? — Ela pergunto nervosa. Naquela época, sua voz tinha falhado... Hoje era dura, e até mesmo Scarlet teve de reconhecer quão doce e inocente, ela soava.

— Eu nunca tive mais certeza de nada na minha vida, doçura.

Seu rubor intensificou, e sempre tímida, ela lançou seu olhar para o chão, ondulando os lábios em um sorriso feliz.

— Eu estou contente.

— Bem, eu não tenho certeza sobre isso. — Disse Hymen. Ele limpou a garganta, puxou a capa em torno do rosto para manter suas feições ocultas na sombra. — Se alguém souber da minha participação nisso, eu vou ser executado.

O braço de Gideon se envolveu em torno da cintura de Scarlet, um gesto claro de posse.

— Eu disse a você. Ninguém vai saber disso, e além de que, você já foi generosamente recompensado.

— Mas eu...

— Ser descoberto é a menor das suas preocupações. — Gideon então ladrou. — Case-nos ou sinta a ferroada de minha lâmina. Estas são as suas únicas opções. E, Hymen. Se você sentir a ferroada de minha lâmina, não será apenas uma vez. Ninguém vai te reconhecer quando eu terminar.

Hymen deslocou-se de um pé para o outro, seu medo era palpável.

— Claro, claro. Nós começaremos agora. — As palavras impeliram dele. — Gideon dos Gregos, diga a Scarlet dos Titãs porque você deseja casar-se com ela.

Aqueles olhos azuis penetrantes encontraram os escuros olhos negros dela, e ele tomou-lhe as mãos.

— Desde o início, você me encantou. Você é mais que bonita. Você é inteligente, forte e determinada. Quando estou com você, eu quero ser um homem melhor. Eu quero ser digno de você.

Enquanto ele falava, este Gideon de tempos atrás, mais gelo derreteu-se em torno do coração de Scarlet. Mas ele não tinha terminado.

— Eu quero prover para você. Eu quero te dar a vida que você merece. Um dia, eu irei. Porque eu sei, no fundo de minha alma, que separar-se é morrer.

Lágrimas inundaram os olhos de Scarlet.

— Scarlet dos Titãs, — Disse Hymen, se engasgando um pouco. — por favor, diga a Gideon dos Gregos porque deseja casar-se com ele.

Enquanto seus joelhos se debatiam, Scarlet se esforçou para encontrar as palavras adequadas. Palavras que diria a este homem exatamente como ela se sentia.

— Desde o primeiro momento que vi você, eu fui atraída para você e me odiava por isso. Mas como eu poderia saber que debaixo de seu bonito exterior estava uma mistura irresistível de coragem, paixão e ternura? Você rapidamente provou seu valor, e mostrou-me o meu. Eu era uma escrava, mas você me fez uma mulher.

Ela notou que os olhos dele estavam cheios de lágrimas também.

— Você é meu tudo. — Ela sussurrou, com o queixo tremendo. — Meu passado, presente e futuro. Meu coração. Minha vida. Separar-se é morrer.

Hymen engoliu audivelmente.

— Beijem-se agora e para sempre para selar esta união.

Gideon não hesitou. Ele passou os braços em torno dela, puxou-a para perto e pressionou seus lábios juntos. Suas línguas se encontraram, contorceram-se, a respiração deles enchendo os pulmões um do outro.

Eles eram um.

No presente, Scarlet permitiu que a imagem desvanecesse. Ela percebeu que tinha se agarrado na cabeceira da cama, e o metal estava dobrado. Percebeu que Gideon tinha parado de dar prazer a ela, mas ela não tinha notado, de tão perdida na memória ela tinha estado. Tão perdida, na verdade, que as lágrimas eram agora reais escorrendo pela face.

Lágrimas estavam escorrendo em Gideon também.

Seus olhares se encontraram como quando eles estiveram dentro da cela, e ela viu a emoção nadando nos seus olhos azul bebê.

Ele era o mesmo, mas de forma completamente diferente. E as diferenças não eram físicas, embora seu cabelo estivesse agora tão brilhante de azul como seus olhos. Ele era mais difícil, mais duro, mais distanciado. Antes ele tinha um sorriso fácil e se deliciara em acalmá-la com suas observações sarcásticas sobre os Gregos e os Titãs.

— Você sabe o porquê desta prisão ser tão grande? — Ele uma vez perguntou a ela. — Tártaro supercompensou o tamanho em relação ao seu próprio pênis.

Ela tinha quase engolido a língua, e ofegado tão duro com sua irreverência. Ela sempre quis insultar seus captores, mas tinha tido muito medo. Gideon tinha lhe dado a liberdade de fazê-lo, para finalmente escapar, mesmo num jeito tão pequeno.

Agora, ele abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. Talvez ele não quisesse mentir naquele momento, e ela estava grata. Ela estava muito ferida, muito vulnerável, como se o coração dela tivesse sido cortado em seu peito e presenteado a ele em uma caixa com um laço.

Lentamente, ele subiu por seu corpo. Ainda sem falar, ele a beijou.

Novamente, ela não protestou. Ela simplesmente se abriu para ele, aceitando tudo o que ele queria dar. Ela provou a si mesma, doce e quente, mas a ele também. Selvagem e hortelã. Antes, as mãos dele estavam em todas as partes dela. Suas mãos tinham massageado ela, ambos tendo e dando prazer. Agora, ele acariciava o rosto dela, infinitamente suave. Dando tudo, tendo nada.

E desse jeito, o escudo de gelo que ela havia passado séculos erguendo parou de derreter. Ele simplesmente caiu tijolo por tijolo coberto de geada.

— Não vou... Não... Não confie em mim, demônio. — Gideon abriu suas calças. — Não vou... — Novamente ele não terminou a frase. Ele simplesmente pressionou sua ereção entre as pernas dela, duro e inacreditavelmente grosso, inflexível macho ao choro feminino, e assobiou. Ele não afundou dentro dela, mas esfregou... Criando a primeira florescência de uma febre. Uma queima lenta, mas tudo o mais quente para ele.

Confiar nele não para ter o que ela nunca tinha oferecido. Mas realmente, ela não o teria parado se ele tivesse se posicionado para a penetração. Entretanto. Ele nunca o fez. Ele se contentou com a fricção e os beijos, línguas se enrolando, saboreando, simplesmente gozando tudo o que ela era como ela fez com ele.

Por um momento, ela fingiu que eles estavam novamente dentro da cela. Que este homem era realmente seu marido. Um marido que a amou, que colocou as necessidades dela acima de todas as coisas, até mesmo as dele. Ela fingiu que ele iria voltar para ela amanhã, com amor brilhando em seus olhos. Ela fingiu que o único obstáculo deles era a sua prisão.

— Gideon. — Ela gemeu.

Talvez ele estivesse fazendo o mesmo, fingindo, porque o som da voz dela bateu nele naquele ritmo constante. Seus movimentos endureceram, aceleraram. Tornaram-se mais frenéticos. Ele sempre tinha sido tão gentil com ela, tratado-a como uma boneca de porcelana, mas agora... Ele era obsceno e devasso, dissipando faíscas pelo atrito.

Ela tragou-o com avidez luxuriante. E era fácil, tão fácil de fazer. Se entregar. Se perder. Embora mesmo ele sendo diferente agora. Talvez porque ele fosse diferente.

— Não... Minha Scar. Não minha Scar. Não me toque. — Ele pleiteou. — Por favor, não me toque.

Tocar. Sim. Devo. Ela soltou seus dedos da cabeceira da cama, suas mãos caindo sobre ele, nervos formigando de volta à vida enquanto suas unhas arranhavam a pele dele, deixando vergões. Ele rugiu uma canção de absoluto contentamento tingido de desespero. O passado e o presente, ainda calmamente discordantes.

            — Você... Você... — Ele disse, em seguida, deteve-se. — Scar. — Um prelúdio, uma tempestade a espera. — Não venha, não venha para mim, você não quer vir para mim. — Com cada palavra, seu pau pressionava contra seu clitóris.

Cada músculo no corpo dela enrijeceu, uma dor na sua forma mais requintada. As sombras dançavam mais rápido... E mais rápido... Os gritos cresceram mais alto... E mais alto... Até que ela se juntou a sinfonia, à beira da realização correndo para encontrar-se no meio do caminho.

Ela se lançou mais, agitando, gritando, agarrando no homem responsável por isso.

— Gideon. Meu Gideon.

Assim, ele logo estava tremendo também, rugindo de novo, desta vez mais alto, e as sementes quentes jorraram no estômago dela. Isso só aumentou o prazer dela, espiralando-a em uma profunda consciência de seu corpo. Ele estava em cima dela, pressionando-a para baixo com todo seu corpo, e seu sêmen na pele dela, marcando-a.

Uma união da carne, básico, instintivo. O que ela tinha desejado, nunca pensaria em ter novamente. O que ela tinha precisado, apesar das repercussões.

O que certamente seria a morte dela.

Uma eternidade depois, eles estavam deitados juntos, Scarlet no colchão, e Gideon ainda em cima dela. Quando as sombras e os gritos se dispersaram, nenhum deles se moveu. Eles ficaram deitados por um longo tempo, tentando recuperar o fôlego, ainda completamente perdidos no momento. Este foi, talvez, o único momento descontraído e contente que jamais teriam, porque ela percebeu que não podia mais permitir isso novamente.

Ela tinha que substituir o gelo.

Não havia nenhum outro jeito de proteger seu frágil coração. Um coração que não podia se dar ao luxo de dar de presente. Não outra vez. Ela quase não tinha nenhum pedaço do que restou.

Mas havia pedaços. E isso foi tão chocante.

Salve-se. Rápido!

Ela o empurrou de cima dela e sentou-se, não confiando nela mesma para olhar para ele.

— Descanse um pouco. — Ela disse friamente. — Eu vou me certificar que ninguém entre no quarto.

Da última vez que eles tinham vadiado, ele não se queixou sobre a mudança abrupta nela. Ele simplesmente fez como ela tinha ordenado. Na maioria das vezes. Desta vez, ele se apegou ao braço dela e a puxou para trás, torcendo-a de modo que aterrissasse em seu estômago.

Antes que ela tivesse tempo para protestar – o que ele ia fazer agora? – ele levantou a camisa dela e plantou um beijo macio na parte inferior de suas costas, onde a tatuagem dela descansava. SEPARAR É MORRER. A ação foi tão inesperada, tão surpreendente e secretamente bem-vinda, que ela pressionou os lábios juntos para cortar seu soluço. Maldito. Maldição do inferno!

— Não fique perto de mim. Não me deixe te abraçar. — Ele sussurrou. — Por favor.

Resista. Você tem que resistir. Mas ela encontrou-se assentindo com a cabeça e sussurrando:

— Tudo bem.

Idiota.

Com um suspiro, ela ondulou-se mais perto dele.

Amanhã eu me corrijo.

 

A impaciência montou Strider como um maldito pônei de festival. Vários dias se passaram desde o último que ele recebeu uma mensagem de texto de Gideon. Da última vez que Strider tinha ouvido, Gideon estava deixando o hotel devido a uma infestação de Caçadores. Compreensível. Mas Mentiras tinha mais um dia para dar notícia ou retornar, e então Strider deveria procurar por ele. Inferno, Gideon poderia estar com problema e contando com isto.

Exceto, Strider tinha que permanecer na fortaleza. Alguma merda ruim estava preste a acontecer.

Que grupo. Amun, Aeron e William partiram há pouco tempo atrás para realizar uma busca e resgate nos ardentes abismos do inferno. É, uma verdadeira festa numa caixa. Strider gostaria de ter ido com eles, contudo. Pelo menos para segui-los e oferecer a proteção que ele pudesse. Mas ele não estaria fazendo isto também.

Em vez disso, ele se encontrava em pé dentro do quarto de Torin. O Guardião da Enfermidade estava sentando diante de uma parede de monitores, cada um revelando uma posição diferente na fortaleza, na montanha do lado de fora e a cidade circundante enquanto o guerreiro digitava em um teclado.

Normalmente Torin era despreocupado, irreverente e tranquilo. Hoje ele entrelaçava sua mão por seu cabelo branco vezes demais para contar, fazendo as mechas ressaltarem ao redor de sua cabeça. Suas roupas da cabeça aos pés estavam enrugadas, e as luvas que ele usava cada minuto do dia estavam desgastadas em uns poucos lugares. Sua expressão era sombria e sóbria, e linhas de tensão envolviam seus olhos.

            — Onde os Caçadores estão postados de novo? — Strider perguntou.

— Ali, ali, ali e ali. — Torin gesticulou a diferentes monitores com um inclinar da sua cabeça. — Eles estão em grandes grupos, e eles estão circundando a fortaleza em um círculo completo.

— Como eles foram capazes de se juntar e se aproximar sem nosso conhecimento? — O olho de águia de Torin geralmente não perdia nada. Ajudava que ele pudesse invadir qualquer sistema, mesmo o da cidade, do governo e estudar áreas pelas câmeras deles.

— Eles apareceram no nada, porra. — O guerreiro resmungou. — O que significa que alguém os transportou. Lucien só pode transportar aqueles que ele toca, assim seja quem fez isto é repugnantemente poderoso. Eu convoquei Cronus, mas ele...

— Está aqui. — Uma voz firme terminou.

            Tanto Strider quanto Torin se viraram para encontrar Cronus altivo no canto mais distante. O deus rei caminhou para frente, a bainha de sua túnica de alabastro dançando ao redor de seus tornozelos. Interessante.

            Não houve lampejo de luz, como o soberano geralmente preferia. Como os Caçadores, ele simplesmente apareceu.

            Estavam todos fora de seus jogos hoje?

            Como Torin, ele estava em um estado de confusão. Seu cabelo escuro, agora menos grisalho, era um esfregão ao redor de sua cabeça. Sua pele bronzeada, não mais marcada por rugas, estava tensa com seu franzido.

— O que está acontecendo? — Strider perguntou. Ele não se importava de lutar com Caçadores. De fato, ele amava. Vivia por isto. Seu demônio também. Cada vitória era como injetar heroína diretamente em suas veias, uma viagem, um vício. Mas isto...

            Alguns de seus amigos estavam fora. A fortaleza estava lotada de mulheres. Algumas delas delicadas, e em necessidade de séria proteção. Inferno, a fêmea de Maddox estava grávida. Como Strider deveria vencer essa batalha e manter todos a salvo?

            Cronus parou atrás de Torin, mais perto do que qualquer um se atreveu a chegar do guerreiro em anos.

— Galen está fora de combate no momento, assim minha... Esposa... — Ele disse a palavra com desprezo. — Está lidando diretamente com os humanos. E ela ordenou a eles atacar violentamente esta fortaleza, destruí-la e a todos dentro, então roubar os artefatos dos escombros.

            Maldição, maldição, maldição, maldição. Ele não podia nem alegrar-se que Galen estava fora de combate, por seja qual fosse a razão. Eram más notícias, de toda maneira.

            Um resmungo nasceu de Cronus.

— Sua audácia... Ofende-me.

— Mate-a, então. — Torin sugeriu, muito sério.

Strider apoiou aquela proposta.

Nunca o deus rei pareceu mais pensativo.

— Não. Eu não posso.

            A convicção absoluta em seu tom surpreendeu Strider.

— E se eu fizer isto? — Matar fêmeas não era seu negócio favorito, mas ele teve que fazer antes.

Caçadores apreciavam usar mulheres para distrair os Senhores, para aprender sobre eles e por fim traí-los. Ele fez o que era necessário para proteger seus amigos. Sempre fez, sempre faria.

            Cronus balançou sua cabeça, embora ele não tivesse perdido seu brilho pensativo.

— Não.

O que diabos estava segurando-o?

— Você ama sua esposa ou algo assim? Mesmo depois de tudo que ele fez a você?

— Amar aquela prostituta? Não! — Uma negação emitida como se o bastardo ganancioso tivesse acabado de ser perguntado sobre abdicar seu trono.

            Reis, homem. Piores que fêmeas.

— Então deixe-me acabar com ela.

Cronus o atacou, fúria oscilando entre preto e dourado em seus olhos, e agarrou um punhado da camisa de Strider.

— Você não a tocará. Você me entendeu?

Todos os sistemas funcionando.

Isto era um desafio. Um que Strider não podia ignorar. Seu demônio rugiu para vida, feliz, ansioso para atacar. Não haveria salvação para a deusa rainha agora. Não sem o sofrimento de Strider. E isto era exatamente o que acontecia quando perdia. Ele sofria. E ele faria qualquer coisa para evitar tal resultado. Ele queria a heroína.

 

O rei deve ter percebido seu erro. Ele soltou Strider, palmas para cima.

— Minhas... desculpas, Derrota. Faça o que você quiser. — Embora ele não tivesse soado arrependido, suas palavras tiveram o efeito desejado.

            A ansiedade de Derrota esvaziou-se. Desafio terminado, sistemas desligados. Desapontado, Strider assentiu e alisou sua camisa.

— Então, você quer explicar? Você não a ama, mas a quer viva. Ela está causando a você nada além de problemas, ainda assim você não quer acabar com ela. Eu não consigo entender isto.

Ele podia imaginar sua cabeça se separando de seu corpo no silêncio seguinte.

Então:

— Se Rhea morrer, eu... — Cronus esfregou uma mão sobre seu subitamente rosto cansado. — O que eu estou preste a contar a vocês não deixará este quarto. Se deixar, eu saberei e irei retaliar.

Strider e Torin dividiram um olhar, então ambos assentiram.

Cronus fechou seus olhos. Mais vários minutos passaram naquele silêncio letal. Então seus ombros caíram, e ele suspirou, encarando-os.

— Se Rhea morrer... Eu morro. Nós estamos… Conectados.

Primeiro pensamento de Strider depois de absorver a notícia? Oh, merda, não. Nada bom. Nada bom mesmo. Os Senhores precisavam de Cronus. Pelo momento, de qualquer maneira. Bastardo que ele podia ser, mas aquele bastardo estava ajudando-os em maneiras que eles não sabiam que iriam precisar. Ele os proveu com uma lista antiga que listava todos os imortais possuídos por um dos demônios de Pandora, dando aos Senhores a chance de capturá-los antes que os Caçadores o fizessem. Ele era capaz de transportá-los para onde quer que eles precisassem ir... Como os ardentes abismos do inferno. Ele tinha dado a eles colares que evitava que outros deuses fossem capazes de espioná-los.

            Strider tocou o colar em questão. Uma borboleta com asas de lâminas, exatamente como aquela tatuada no lado esquerdo de seu quadril, suspensa pelo centro de uma corrente inquebrável. O que eles fariam sem a ajuda de Cronus?

            Retornar para uma vida ignorada pelos deuses? Soava bom em teoria, mas e se outra pessoa, alguém que não queria que eles tivessem sucesso, se interessasse na causa deles?

Torin parou de digitar e girou em sua cadeira, observando o rei.

— Mas Rhea está ajudando Galen. E Danika - "O Olho que Tudo Vê” - previu que Galen mataria você. Se Danika estiver certa, Galen também seria responsável pela morte de Rhea. Então por que sua esposa o ajudaria?

Bom ponto. Eles souberam por meses que Galen fazia uma jogada pela cabeça de Cronus, mas eles não sabiam por que. Até umas poucas semanas atrás, quando Strider e alguns dos outros finalmente conseguiram que as grosseiras deidades conhecidas como os Tácitos soltassem algumas respostas. Seja quem fosse que presenteasse os Tácitos com a cabeça do deus rei receberia a Vara de Partir, o último dos artefatos necessários para encontrar a caixa de Pandora.

Único problema? Cada um dos Tácitos era parte homem, parte animal e completamente veneno, e ele não confiava neles.

Eles eram escravos de Cronus - escravos que seriam libertados em consequência de sua morte - e diriam qualquer coisa para conseguir a liberdade. Inferno, eles podiam nem mesmo saber onde a Vara está.

            Além disso, não havia como dizer que tipo de destruição espalhariam se forem soltos. Eles gostavam de comer humanos, afinal. Como em, mastigá-los e cuspir seus ossos.

A Vara não valia arriscar o fim do mundo. Ainda.

            — Dado que Rhea transportou os Caçadores aqui, — Strider disse a Cronus. — você pode transportá-los para outro lugar? — Ele podia dar-se tapinhas nas costas com esta. Alguém deveria provavelmente condecorá-lo Mestre Estrategista.

Um agitar da cabeça do rei desfez duas esperanças por um tão prestigioso (e brilhantemente inventado, se ele disse a si mesmo) prêmio.

— Ela simplesmente os transportaria de volta. Talvez dentro da fortaleza na próxima vez.

— Okay. — Strider respondeu, pensando alto. — Atualmente nós estamos sem um pedaço de nossas forças. O que significa que nós não teremos uma vantagem lutando com estes Caçadores. O que significa que podemos perder. O que significa que é melhor se nos separarmos. Eu posso ficar com um dos artefatos. Reys fica com Danika, e Lucien e Anya ficam com o artefato restante. Nós todos iremos em direções diferentes. O Caçadores não serão capazes de rastrear todos nós. E como nossos novos colares...

— Eu prefiro cordões. — Torin disse, soando mais como sua velha e irreverente personalidade.

            — Tudo bem. — Maldição. Por que ele não tinha pensado nisso? — Com nossos novos cordões, nem mesmo Rhea saberá onde estamos.

Cronus acariciou seu queixo, aparentemente perdido em pensamentos.

— E quanto aos outros? — Torin perguntou, claramente reconhecendo uma ideia fenomenal quando ele ouvia uma.

Strider começou a criar uma placa de Mestre Estrategista para seu quarto.

— Maddox pode levar Ashlyn para algum lugar. Tão protetor dela e daquele pão no forno[24] como ele é, provavelmente já construiu um abrigo antiaéreo na cidade. Agora que Gwen está de volta de sua viagem às nuvens, ela e Sabin podem tomar conta de si mesmos. Eles não estão em perigo algum. Aeron está fora em sua missão ao inferno e Olivia tomou o lugar de Gwen no céu, pelo que eu posso dizer. Os outros, bem, Kane, Cameo e Paris, podem ficar aqui com você e defender nossa casa. Gideon pode ajudar quando ele retornar. — Se ele retornar.

Ele irá. Strider não acreditaria de outra maneira.

Um momento se passou em pesado silêncio, mas pelo menos não havia lâmina neste.

            — E quando ao quarto artefato? — Cronus perguntou, retornando a conversa. — Quem irá procurar por ele?

O principal era, eles não podiam permitir que os Caçadores o conseguissem. Mesmo ao custo da cabeça de Cronus.

— Eu posso. — Strider disse. — Eu levarei a Capa da Invisibilidade comigo. Desta maneira, eu não lutarei com ninguém se encontrá-lo. Eu posso apenar pegá-lo e partir.

            Torin arqueou uma sobrancelha escura para ele, olhos verdes brilhando.

— Você tem alguma ideia de onde começar procurando?

Sim. Ele tinha. O Templo dos Tácitos.

            Cronus deve ter percebido a direção de seus pensamentos, por que deu outro resmungo.

            — Eu não vou trair você. — Strider assegurou a ele, palmas levantadas em uma imitação do gesto anterior de Cronus. Como Gideon, ele podia mentir facilmente. Se ele estava mentindo ou não, contudo, ele ainda não sabia. — Eu permanecerei invisível e atento. Se os Caçadores chegarem, se os Tácitos mencionarem qualquer coisa sobre a Vara, eu estarei lá. Eu a encontrarei primeiro.

Cronus relaxou um pouco.

— Muito bem. Você pode ir com minha bênção.

— E, uh, é melhor nós colocarmos todos em marcha. — Torin disse, sua voz firme mais uma vez. — Os Caçadores estão em movimento.

O olhar de Strider retornou aos monitores, e com certeza, os grupos de Caçadores estavam se aproximando da fortaleza.

— Você conta a todos o que está acontecendo. — Ele disse a Torin apressadamente. — Eu apanharei a Capa e matarei tanto daqueles bastardos quanto eu puder na saída.

Derrota se levantou novamente, mais uma vez feliz e ansioso.

Feliz e ansioso ele mesmo, Strider pegou uma espada e uma semi automática, sua combinação favorita de armas. Uma atordoante, permitindo a ele percorrer qualquer distância, e a outra destruía de perto e individualmente.

Isto, ele pensou com um sorriso, iria ser divertido.

 

Queridos… Deuses. O calor era insuportável, os odores de enxofre e podridão engrossavam nas narinas de Amun. Milhares de gritos atacavam suas orelhas, cada um mais torturado que o último.

            Por que ele concordou em vir aqui?

Oh, sim. Para salvar Legion. Por Aeron.

Como Amun, Aeron e William estavam sentados no pequeno, mas robusto barco que Cronus tinha convocado para eles depois de transportá-los aqui. Claro, eles tiveram que prometer fazer ao bastardo um favor pelo transporte como também pelo barco.

Eles estavam atualmente navegando o Rio Styx, atentos para permanecer tão parados e firmes quanto possível. Uma gota daquele líquido sobre a pele deles, e suas forças vitais começariam a ser drenadas.

— Então, por que Lucifer tem medo de você? — Aeron perguntou a Willian, cortando o silêncio enquanto ele gentilmente remava.

 

O guerreiro, que estava recostado na popa do barco, arranhando a ponta de sua lâmina, mal encolheu os ombros.

— Apenas tem.

— Sempre há uma razão. — Aeron insistiu.

            — Sim, mas isto não significa que eu sempre vou falar sobre esta razão.

            William certificou-se de manter sua mente vazia, Amun notou, impedindo Amun de ler seus pensamentos.

            Já era uma jornada encantadora. E isto era apenas o começo.

Eles tiveram que seguir o rio onde este se misturava com os quatro outros rios fluindo dentro deste vasto covil. Flegetone - o rio do fogo, Arqueronte - o rio do infortúnio, Cócito - o rio das lamentações e Lethe - o rio do esquecimento. E eles tinham que fazê-lo sem perturbar Caronte, o barqueiro do submundo responsável de transportar os mortos para seja qual seção do inferno suas almas perdidas tiverem sido condenadas. Os incêndios, os abismos sem fim, as cavernas de opressão.

            Até recentemente, eles não teriam que se preocupar com Caronte de maneira alguma. Mas em consequência da libertação de Cronus do Tártaro, o deus rei retornou este reino a seu estado original, incluindo a recontratação, por assim dizer, de seus guardiões.

            Caronte, se as fontes de Amun estivessem corretas, era nada mais que um esqueleto ambulante. Ele via os seres vivos como abominações e lutava para exterminá-los. Com os mortos, porém, ele era cortês.

            Eu os ajudarei com os com as provações futuras, Cronus contou a eles, poucos antes de desaparecer, mas eu devo retornar a sua fortaleza antes que minha esposa faça mais dano. Então ele adicionou, eu lhes ofereço boa sorte, pois vocês precisarão muito. Você superou Lucifer, Aeron, e agora ele quer vingança.

            Este “superar” era a razão de Legion estar presa aqui. Ela quebrou uma lei celestial e se vinculou a Aeron. Lúcifer planejou usar este vínculo para possuir o corpo dela e escapar do submundo. Porém, para salvar todos que amava, Aeron permitiu a Lysander tomar sua cabeça e quebrar o vínculo, devolvendo Legion aqui e arruinando os planos de Lucifer.

            — Olivia ficou chateada por que você a deixou para trás? — Amun gesticulou, e William traduziu, seu olhos então vagavam sobre a escura e nebulosa água na procura de outro barco.

            Um músculo saltou abaixo do olhos violetas de Aeron. Olhos que, também, estavam se movendo sobre a água.

— Sim.

— Como você cuidou disso? — William perguntou, soando genuinamente curioso ao invés de descaradamente alegre pela primeira vez. — Eu conheço mulheres, e aquela é mais determinada que a maioria. E, bem, você não tem voz quando se refere a ela.

Aeron ignorou o golpe.

— Lysander ajudou.

Lysander. Um anjo. Um anjo de elite, além disso. Ele era o mentor de Olivia, aquele que matou Aeron, e o único homem poderoso o suficiente para impedir uma fêmea engenhosa como Olivia de seguir seu homem.

 

— Ela me odiará quando isto terminar. — Aeron adicionou melancolicamente.

Amun pegou o volume de seus pensamentos. Aeron tinha quase cancelado esta viagem para prevenir que tal coisa acontecesse, e isso o encheu de culpa. Olivia era sua vida, seu futuro. Ele a amava mais que amava a si mesmo, mais que ele amava seus amigos. Ela era seu tudo. Mas ele não seria o guerreiro por quem ela se apaixonou se ele deixasse Legion aqui para morrer. Ainda assim ele não foi capaz de tolerar o pensamento de trazer a inocente Olivia para este sombrio e perverso lugar.

            Ela esteve aqui antes, e vários demônios a atacaram e arrancaram suas asas. As memórias ainda a incomodavam às vezes, e Aeron jamais quis que ela tivesse que reviver aqueles momentos desamparados. Assim ele a enganou para que ficasse com Lysander, que agora a matinha presa no céu.

            Apesar de tudo, parte dele queria voltar por ela e trazê-la aqui se isto fosse o que ela queria. Qualquer coisa para impedir que ela o odiasse.

            — É, você provavelmente está certo. — William repetiu depois de alguns pensamentos envolvendo facas, tesouras e uma banheira de mel. Ele não mostrou misericórdia. Mas então, ele nunca o fez. — Mulheres não são conhecidas por seu perdão. Especialmente mulheres que estiveram passando tempo de qualidade com a deusa menor da Anarquia e um grupo de Harpias sanguinárias.

            Aeron franziu o cenho para ele, e o guerreiro apenas sorriu. Aquela risada fez a agressividade de Aeron voltar e seu remar aumentar em velocidade. Gentilmente, Amun removeu os remos de suas mãos e assumiu.

Por causa da densidade da neblina, ele podia ver muito pouco a sua frente. No entanto, ele começou a ver pequenos feixes de luz laranja e dourada. Um fogo crepitante, talvez? Estariam eles perto do Rio Flegetone?

            Ele virou tão lenta e facilmente enquanto remava para silenciosamente pedir aos outros para verificar. Mas enquanto ele se movia, ele avistou várias ondulações na água; ondulações que não estavam vindo do barco deles. Seu sangue esquentou, nada a ver com os noventa graus de temperatura.

Amun suavemente prendeu os remos em seus suportes e apanhou suas armas. Aeron e William pegaram o significado de seu gesto e seguiram o exemplo.

            — O que você vê? — William sussurrou enquanto seu olhar examinava a área.

            Aeron se inclinou sobre a barriga, olhando atentamente à noite. Um momento passou, silencioso, tenso.

— Há outro barco. — Ele sussurrou de volta. — Vários metros à frente.

Amun abriu sua mente, permitindo a seu demônio procuraram por qualquer fluxo que chegasse de pensamente consciente. Tudo que ele ouviu foi “Precisa morrer, precisa morrer, precisa morrer”.

            Caronte, ele percebeu, assim que o outro barco entrou em sua visão. Uma figura usando uma capa longa e preta em pé no centro. Ele tinha chamas em vez de cabelo, e um rosto que era composto apenas de ossos. Pior, com apenas o mais vazio (ainda estremecedor) olhar, Amun percebeu que os olhos de Caronte eram profundos buracos negros onde milhares de almas pareciam dançar ou... Ou se contorcer de dor.

 

— Deixe-me cuidar disso. — William disse.

— Certamente. — Aeron respondeu.

            William levantou-se, e o barco balançou.

— Você me conhece, velho amigo. Sou eu, William, o Amado. — Ele chamou. — Nós não queremos machucar você. Nós apenas queremos passar.

Velho amigo? William, o Amado?

            Caronte levantou ambas as mãos e apontou um dedo ossudo para Aeron e William.

            Oh, merda. Os pensamentos de William invadiram a mente de Amun. Acho que eu não deveria ter transado com a mulher dele na última vez que estive aqui.

Maravilha.

            — O que ser apontado quer dizer? — Aeron exigiu suavemente.

            — Significada que nós estamos na lista dele. — William respondeu, soando mais sombrio do que Amun jamais o tinha ouvido. — Fique com medo. Fique com muito medo.

A Amun, o guardião tinha ignorado. O que não fazia... A resposta o atingiu, flutuando para ele dos pensamentos da criatura. Caronte sentiu o demônio dentro de Amun e não se importava se ele entrasse no inferno ou não.

            Assim como, esta mesma manhã, ele não tinha se importado se Galen entrasse. A memória banhava a mente de Amun.

            — Você exige pagamento, isto eu sei. — Galen disse logo antes de jogar uma cabeça humana decepada no barco de Caronte.

            Caronte assentiu em aceitação, e varreu seu braço atrás dele assim Galen podia passar. Apenas que, Galen permaneceu no lugar, mandíbula endurecendo. Ele olhou sobre seu ombro, para frente, sobre seu ombro novamente.

            Novamente, Caronte varreu seu braço para trás para conduzir Galen.

Galen passou uma mão por seu rosto.

— Eu não posso. Não ainda. Há algo que eu tenho que fazer na superfície primeiro. — Fechou seus punhos. — Alguém que eu tenho que matar antes que o bastardo me mate. Mas eu voltarei. E quando eu voltar, eu lembrarei que já paguei por minha entrada.

— Uh, Amun, cara. — Aeron disse, arrastando Amun de sua visão preocupante. — Você está ouvindo? Alguma ideia sobre o que nós devemos fazer? William diz que nós não podemos olhar nos olhos do bastardo sem perder nossas próprias almas, e nós não podemos tocá-lo, também. Se nós o fizermos, ele será capaz de forçar nossos olhares para o dele.

O barco de Caronte estava avançando, Amun viu, e faíscas eram agora inflamadas sobre as pontas de seus dedos. “Matar, matar, matar”, o barqueiro estava pensando. A concentração obsessiva que ele demonstrava não era um bom presságio.

            Opções? Pagamento não funcionaria, não para eles. Aeron não era mais possuído por um demônio, e William mal era um imortal. Caronte não os deixaria pagar para passar a menos que eles estivessem mortos. Ou perdido suas almas. E o barqueiro planejava fazer seja o que fosse necessário para garantir qualquer um dos resultados.

            A primeira coisa que ele planejava? Molhá-los.

Graça aos deuses, Olivia os tinha abastecido com um frasco de água do Rio da Vida. Encontrado apenas no paraíso, uma única gota podia neutralizar os efeitos dessa água. O único problema era, uma vez que acabasse, acabou. Não haveria mais. Nunca.

            Melhor que um homem use uma gota do que três homens usarem três gotas.

Mais que isso, a alma de Amun estava presa a seu demônio, assim Caronte não iria desejá-la. O que significava que Amun era o único que podia olhar e tocar o guardião sem consequências.

O que significava que Amun tinha que ser aquele a agir.

            — Tive um ideia. — Amun gesticulou. — Ao meu sinal, impulsione nosso barco para a margem.

— Ótimo. Algum mais será o herói para variar. Mas qual é o sinal? — William perguntou.

— Este.

Amun saltou em Caronte, jogando ambos no rio. Água chiando o envolvendo, praticamente queimando suas roupas e descamando sua pele. Mas ele segurou firme em Caronte, prendendo a criatura ossuda com seus braços. Talvez a água anulasse um pouco da habilidade da criatura, por que Amun não sentia compulsão de olhar para ele. A maioria de seu poder permaneceu, contudo. Mãos esqueléticas o empurravam e aquelas mãos eram milhares de vezes mais quentes que a água, como choques de eletricidade direto em seu coração, fazendo o órgão gaguejar em hesitação.

            Ainda assim Amun manteve-se firme.

Logo, a falta de oxigênio começou a ofuscar seu cérebro. Ele abriu sua boca, acidentalmente engoliu um bocado daquele terrível e apodrecido líquido e se esforçou para vomitar. Morte rastejando por ele, destruindo-o célula por célula, preenchendo-o com ruína. Enfraquecendo-o.

Caronte se contorceu para a liberdade.

            O barqueiro chutou seu caminho para a superfície. Embora a visão de Amun se manchasse com preto, ele lutou por seu caminho para cima, também. Antes que ele pudesse descobrir se Aeron e William estavam a salvo, Caronte o golpeou de volta para baixo com um cotovelo duro em cima de sua cabeça. Estrelas cintilaram atrás de seus olhos. Mais daquela água repugnante deslizou por sua garganta para seu estômago. Um estômago agora agitado e queimando com náusea.

Novamente, Amun lutou por seu caminho para cima. No momento que ele rompeu a superfície, ele aspirou tanto ar quanto ele pode. Boa coisa, também. Seu barco estava fora de vista, e Caronte estava irritado e agora determinado em acabar com Amun. Demônio ou não.

            Enquanto Amun se mantinha sobre a água, seus olhos se encontraram. As almas estavam rodando, mais rápido e mais rápido, manchas brancas que hipnotizavam. E ainda assim, Amun não perdeu sua alma. De algum modo, seu demônio o mantinha preso.

            “Punir, punir, punir”, a criatura estava pensando. Ele agarrou Amun pelo cabelo e o empurrou para baixo. Esta vez, Amun não estava forte o bastante para se libertar. Ele podia agitar-se, aspirando em gole depois de gole, morrendo um pouco mais com cada segundo que passava.

 

Queridos deuses. Este era o fim para ele? Seus músculos prendiam, evitando todo movimento. Sim, este era. O fim. Seu corpo estava desligando. Ele tinha vivido tanto, devia estar feliz com isto. Mas ele nunca tinha se apaixonado, estimado alguém da maneira que seus amigos estimavam suas mulheres, e descobriu que ele lamentava a oportunidade perdida.

            Dentro de sua cabeça, Segredos rugiu. Rugiu tão alto e extensamente que seus músculos contraíram de volta a vida. Não pode se dar por vencido. Não. Pode. Desistir.

            Seu demônio nunca tinha falado com ele antes.

            Embora requeresse cada último pedaço de sua força, Amun chutou Caronte no peito, separando-os, nadando para cima e para longe. Ele olhou para esquerda, direita e avistou a margem por que William estava segurando algum tipo de bastão brilhante e acenando para ele.

            Determinando, ele nadou de peito em direção a luz. Até que Caronte agarrou seu tornozelo e o parou. Segredos rugiu uma segunda vez. Precisa... Lutar…

            Segredos até dirigiu uma garra mental em direção ao barqueiro e soltou uma corrente de imagens dentro de sua cabeça. Boas imagens. Os poucos segredos felizes que Amun possuía. Segredos que tinha salvado vidas humanas. A doação de dinheiro. A doação de órgãos. Amor à distância.

            Caronte o libertou e apertou sua própria têmpora ossuda. Ofegante, ainda morrendo por dentro, Amun trabalhou seu caminho em direção à margem.

            William o alcançou, mas Aeron o impediu.

— Você não pode tocá-lo. Você também enfraquecerá.

            Amun caiu sobre o solo, pedras afiadas escavando suas costas nuas e empoladas.

            — Abra sua boca. — Aeron ordenou. Ele estava pensando: Nunca vi um homem nesta condição. A água será suficiente para salvá-lo? Oh, deus. Como eu pude tê-lo trazido aqui? Se ele morrer, será minha culpa.

            Amun não tinha a força para obedecer. A água fria que Aeron tentou derramar em sua boca gotejou sobre o lado de seu rosto. E maldito seja! Tinha sido mais que uma gota.

            — Abra, ou eu vou fazer isto por você. — William rosnou. Ele estava falando sério.

            Amun finalmente conseguiu abrir seu maxilar, separando seus lábios com dificuldade, e um segundo depois um fluxo frio estava gotejando em sua boca, lentamente afugentando a fraqueza e a queimação.

            — É o bastante. — William disse. — Mal sobrou alguma coisa.

            — Ele está...

            — Ele ficará bem. Olhe, as áreas carbonizadas de sua pele estão se costurando juntas novamente.

            — É, mas quanto tempo... — Abruptamente, Aeron parou de falar.

À uns poucos metros de distância, vozes gargalhavam. Amun não teve que ver para saber que múltiplos pares de olhos vermelhos estavam espiando em volta de um pedregulho manchado de sangue. Ele já podia ouvir seus pensamentos: Carne fresca.

 

De pé e em condições de combate, Gideon pensou na próxima noite. Bem, talvez “condições de combate” fosse uma frase muito forte. Mal-se-aguentando-mas-se-forçando-a-agir era uma descrição muito melhor. Ele conduziu Scarlet por passagem secreta depois de passagem secreta no palácio de Cronus, tropeçando em seus próprios pés em cada par de passos.

— Certeza que você está bem? — Scarlet perguntou, apertando sua mão.

— Claro. — Ele mentiu tranquilamente. De maneira nenhuma ele viraria e voltaria para o quarto.

Um, ele faria amor com ela. Não havia tempo para isto, e pior, ela teria que fazer todo o trabalho e ele pareceria um idiota. Mais idiota do que ele já era.

E dois, a vingança o esperava.

— Ótimo. Você está horrível. Nós devíamos voltar e...

— Sim.

— Argh! Você é tão frustrante. Bem, você tem certeza que sabe onde está indo? — Ela perguntou em seguida.

            Ela não era uma mulher de ficar em silêncio.

            — Não.

Milhares de anos se passaram desde a última vez que ele tinha estado dentro desta cidadela divina, mas ele se lembrava destes corredores escondidos. Os deuses sabiam que uma vez ele os usou o bastante, sendo um da elite de confiança de Zeus.

Ele tinha que levar o rei às escondidas para suas amantes e as amantes para o rei, tudo enquanto ouvia conspirações contra sua majestade e vigiava os espiões. Antes e agora, ajudava que muitas das paredes fossem feitas de vidro de duas faces.

 — Lindo. — Scarlet subitamente falou ofegante, puxando-o, tentando fazê-lo parar.

— Nós admiraremos tolamente tudo mais tarde.

Não, na verdade, eles não iriam. Eles estariam muito ocupados torturando o assassino de seu filho. Não pense sobre isto até achar o bastardo. A raiva o consumiria, e ele esgotaria o que sobrou de sua energia.

Ela sabia o que ele quis dizer, sabia que eles não voltariam.

— Mas, eu... Eu nunca vi nada como isto.

            Está certo, ele pensou com uma pontada de arrependimento. Apesar de ela ser a filha de uma rainha, ela tinha sido tratada como uma escrava toda sua vida, tendo seu direito de nascimento negado não apenas quando todos os Titãs estavam presos, mas depois de eles serem libertados também. Fodidos! Ele desacelerou seus passos, permitindo-a tomar o encanto dos lustres, as cachoeiras de mármore brilhante, as orquídeas florescendo direto das paredes.

Como a mãe dela pode afastá-la disso? Como pode a mulher que deu a luz a ela ter a tratado tão pobremente?

            Como você tratou seu próprio filho?

 

Gideon estalou seu maxilar. Alguém roubou sua memória, maldição. Isto não amenizou sua culpa. Ele devera se lembrar daquele garoto precioso. Alguma parte dele deveria, pelo menos. Ainda, de todas as vezes que Gideon viu momentos de Scarlet em sua mente, ele nunca viu momentos de Steel. Ele não tinha uma única tatuagem para representar e honrar seu filho morto.

Eu sou o pior fodido pai no mundo.

            Mentiras não tinha nada a dizer sobre o assunto; era como se o demônio não se importasse com o garoto, vivo ou morto, verdade ou mentira, em qualquer nível.

            Mas Steel não podia ser uma mentira. Ninguém fingiria a dor que Scarlet projetou sobre seu assassinato. Nem mesmo os atores que Scarlet gostava de comer com seus olhos.

            Com sua mão livre, Gideon esfregou seu couro cabeludo. Mesmo agora, ele não podia lembrar-se de sua vida com Scarlet. Não podia lembrar-se, apesar do casamento deles ter sido a coisa mais linda que ele já presenciou. Ela tinha brilhado. Oh, ela tinha brilhado. Com amor, promessa… Esperança. Só de pensar nisso, ele ficava humilde.

E sim, ele queria que ela o olhasse daquele jeito novamente. Ele não merecia, mas não podia impedir o desejo.

            Ele tocou o colar de borboleta uma vez mais agarrado ao redor de seu pescoço. Graça aos deuses Scarlet o tinha encontrado e o trazido para ele. Apesar de ela ter todas as razões para odiá-lo, ela pensou nele, cuidou dele.

            Ela era verdadeiramente boa demais para ele.

            — Você pode imaginar viver aqui? — Ela perguntou com admiração. Admiração com traços de arrependimento e tristeza. — Eu quero dizer, eu fui forçada a viver em cavernas e criptas e este foi o meu legado. Uau. Apenas uau.

            — Acredite em mim, eu não prefiro viver em baixo. — Aqui, ele era um dos milhares de outros que eram apenas tão fortes quando ele era. Se não mais fortes. Lá, ele era um homem de poder.

            Ele queria ser todo poderoso aos olhos de Scarlet. Ele queria ser bem capaz de prover a ela.

            Inferno, ele poderia muito bem comprar um palácio só para ela. Na verdade, não. Ele construiria o maldito com suas mãos nuas.

            — Maravilhoso. — Ela se livrou com um puxão de sua mão, parou e pressionou suas palmas no vidro. Seu próprio colar tiniu. — Pessoas realmente leram naquelas cadeiras?

            Ele parou ao lado dela e suspirou.

— Leve o seu tempo. Nós não precisamos atingir o quarto de Cronus, tipo, assim que possível. Ele não voltará atrás de mim logo, e nós não precisamos ter partido há muito tempo então.

            — Eu sei disso, mas por que arriscar-se no quatro dele? — Seu olhar estava colado nas pesadas cortinas de veludos e nas mesas ornadas de outras que preenchiam a vazia sala de estar. Não, não vazia, ele percebeu. Alguém - um alto, homem loiro - andava a passos largos para uma estante de livro. — Ele pode nos ouvir? — Scarlet sussurrou.

 

Ela queria que ele o fizesse?

— Sim.

            — Oh. Bom. Assim nós podemos babar em paz.

            Ele não reconheceu o deus, mas isso não impediu Gideon de odiar o macho a primeira vista.

— De qualquer maneira. Como eu estava dizendo... — Ela continuou. — Por que nós não podemos apenas seguir para a prisão?

— Nós não precisamos de um colar de escravo para abrir os portões do Tártaro.

            — Inferno, não! Eu não vou usar um colar de escravo. Nunca mais!

— Nós temos que usá-lo, espertinha, não apenas segurá-lo. Agora... Você não sabe quem é este? — Assim eu saberei o nome próprio do homem que eu matarei.

            — Claro que sei. Hipérion, deus Titã da Luz. Deslumbrante, não é?

Maldita seja ela e sua atração por loiros.

— Eu podia ter conhecido o rosto, mas eu não conhecia o nome. Eu também não sei que Hipérion é um sociopata. Ele não aprecia incendiar imortais apenas para assisti-los queimar e ouvi-los gritar.

— Sexy.

— Você não o conheceu na prisão? — Ele rangeu.

            — Conhecer, sim. Nós não dividimos a mesma cela, contudo. Infelizmente.

Se Scarlet pensava beijar outro homem da maneira que ela beijou Gideon, se ela pensava permitir a outro homem tocá-la da maneira que Gideon a tocou, queimar até a morte seria a menor de suas preocupações. Agora, ela pertencia a Gideon. Ela era sua esposa. Ele não dividia. Pelo menos, não mais.

            Franzindo o cenho, Gideon agarrou a mão dela e a puxou para frente.

— Não é o bastante disso. — Seus passos eram rápidos, suas botas batendo no chão de ônix. Eles serpentearam uma esquina e outra sala chegou a visão. Um salão de baile. Espíritos reluzentes lançavam-se por toda parte, tirando o pó e polindo toda a área.

Ao redor de outra esquina, o corredor inclinava em um declive íngreme, e embora suas coxas ainda cansadas odiassem a queimação, ele não desacelerou. Sua raiva crescente deu-lhe força. Raiva, não ciúme. Ele não tinha ciúmes.

— Então quem você não é hoje? — Ele não tinha perguntado ainda, ele percebeu. Mas como sempre, uma vez que ele se perguntasse, ele não podia pensar em mais nada. Diga Senhor. É melhor você dizer Senhor.

            — Scarlet… Hipérion. Sim, isso soa bem.

Basta! No topo da inclinação, Gideon parou e girou. Quando Scarlet bateu nele, ele a agarrou pelos ombros e a sacudiu. Ela manteve seu olhar afastado e... Isto era... Ela estava… Com certeza. Seus lábios estavam curvando em um sorriso. Ela estava lutando contra o riso, a bruxa.

            Gideon a soltou, sua fúria escoando. Fúria, não ciúme.

— Você não está implorando por umas palmadas, você sabe disso?

— Eu... — Suas palavras se cortaram quando ela ofegou. Uma vez mais ela se pressionou contra o vidro, seu divertimento esquecido. — Esta é Mnemosyne. Minha tia.

 

Mne-mo-sy-ne. Nome estranho. Ele seguiu a direção do olhar de Scarlet. Dentro de um opulente quarto de cerejeira e mármore de fios de ouro, uma loira esbelta estava sentada sobre uma desorganizada cama rosa. Seu cabelo inocentemente ondulado parava no meio de suas costas. Em contraste, ela usava um provocante vestido preto que abria sobre ambas as coxas.

            — Sem pressa, lembra? — Ele envolveu seu braço ao redor da cintura de Scarlet. Ele não tinha ousado antes. Ela o repreenderia, e ele sabia. Mas ela o tinha provocado um momento atrás, e ela estava distraída agora; ele não estava acima de usar ambos em seu benefício. Ele queria tocá-la. Todo maldito tempo.

— Eu preciso falar com ela, Gideon. Por favor. — Olhos negros agitaram-se brevemente sobre ele, implorando. — Ela é a deusa da Memória e pode saber quem bagunçou com sua mente. Ou como eles o fizeram, pelo menos. Deuses, eu não posso acreditar que não pensei sobre perguntar para ela antes.

Foi a primeira vez que Scarlet tinha perguntado a ele por qualquer coisa, e ele achou, mesmo com a urgência correndo por ele, que ele não podia negar nada a ela.

— Certeza que você não pode confiar nela?

Franzindo, a cabeça de Scarlet se inclinou para o lado. Seu olhar varreu passando por sua tia, pelo quarto, para algum lugar que ele não podia atingir.

— Ela sempre foi gentil comigo. Espero. Pelo menos, eu acho que ela foi. Ela costumava me abraçar quando eu estava triste. De novo, eu acho. Minhas memórias dela estão confusas.

            Confusas. Isto não era como Scarlet. Ela lembrava cada-maldita-coisa.

Seu olhar encontrou o de Gideon, demorando-se esta vez, e seu franzido se aprofundou.

— Espere. O que eu estava dizendo?

Ela não podia lembrar isto, também?

— Nós não estávamos discutindo sobre sua tia.

— Minha quem?

            Ele piscou para ela. Ela não podia recordar uma conversa de dois segundos atrás? Estranho. E errado.

Suas atenções retornaram para a tia dela. A deusa da Memória, hein? Gideon nunca lidou com a mulher; ela tinha sido presa antes de sua criação e ele nunca ouviu qualquer fofoca sobre ela. Boa ou ruim.

            Scarlet seguiu seu olhar.

— Oh, olhe, Gideon! Esta é minha tia Mnemosyne. — Ansiedade praticamente zumbia dela enquanto ela pulava para cima e para baixo. — Ela é a deusa da Memória. Talvez ela seja capaz de nos dizer como suas memórias foram roubadas.

O-kay.

— Scar. Não olhe para mim.

Lentamente ela virou sua cabeça, e seus olhos colidiram com os dele.

— O que?

— Quem não está naquele quarto?

Ela piscou confusa, assim como ela tinha feito um momento atrás.

— Que quarto?

 

Ele envolveu seu queixo e virou sua cabeça de volta para o vidro, de modo que ela estivesse uma vez mais olhando dentro da câmara. Ela arfou.

— Gideon! Você sabe quem é aquela? Ela é a deusa da Memória, e ela pode ser capaz de nos dizer como alguém ferrou com sua mente.

            Seu estômago apertou. Claramente, alguém - a própria Mnemosyne?- tinha ferrado com a mente de Scarlet. Porque se ela não estava olhando para a tia, ela não podia lembrar-se da mulher.

Podia Mnemosyne ter tomado as memórias de Gideon, também?

            Havia apenas uma maneira de descobrir…

            Fúria. Tanta fúria. 

— Apenas… Não me dê um minuto para raciocinar a melhor maneira de abordá-la. Okay? E pare de observar sua tia, não importa o que aconteça.

— Eu... Okay. — Ela tentou virar sua cabeça em direção a ele, mas ele colocou uma mão firme do topo de sua cabeça e a manteve imóvel. — Certo. Eu ficarei parada. Mas por que você quer me manter olhando para ela?

— Apenas não faça isto. — Ele não queria que ela esquecesse de novo.

Seus braços caíram para os lados enquanto ele considerava suas opções. Havia uma entrada da passagem secreta que conduzia para o quarto. Na verdade, havia uma entrada para cada sala do palácio. Mas ele não queria sair daquela maneira e revelar a passagem para Mnemosyne, apenas no caso de ela não saber sobre ela. Enquanto ela fosse um segredo, ele podia usá-la como maneira de escapar. O que deixava apenas uma opção, realmente. Esperar.

            Obstáculo um. Ele e Scarlet teriam que esperar até que a deusa deixasse o quarto, entrar sorrateiramente e então esperar patê que ela retornasse. Isto podia causar todo o tipo de problemas desde que eles precisavam alcançam o quarto de Cronus antes que o rei percebesse que eles tinham sumidos.

            Cronus podia ter guardado os colares de escravo em outro lugar, mas Gideon duvidava muito disso. O rei iria querê-los a mão, facilmente ao alcance se ele decidisse escravizar alguém novo.

            Obstáculo dois. Scarlet precisaria dormir logo, e isto os forçaria a permanecer outras doze horas. Pelo menos. Isto era um pouco mais de espera do que ele queria fazer.

            No lado positivo, Cronus não seria capaz de encontrá-los. Eles podiam se esconder em qualquer lugar. Mas isto não queria dizer que eles pudessem escapar.

— Por que você está fazendo isto de novo? — Uma voz feminina subitamente perguntou do quarto. Só que, Mnemosyne não tinha movido seus lábios. Espiando mais perto, Gideon viu que uma segunda mulher tinha acabado de deixar o closet. Uma criada?

            — Com a partida de Atlas, ­— A deusa respondeu em um tom entediado. — eu preciso de um amante.

Atlas, deus Titã da Força. Uma vez, o deus tentou escapar do Tártaro e Gideon ajudou a caçá-lo e prendê-lo novamente. E não foi fácil, também. Ninguém jamais lutou tão vigorosamente.

            Onde o deus da Força teria ido?

            — Mas Cronus? — Um par de sapatos pretos de salto balançava nos dedos da criada enquanto ela se aproximava da cama. Ela era alta e magra, com curto cabelo castanho e encaracolava ao redor de sua cabeça. Simples roupas azuis a cobriam, e ela não usava uma única peça de jóia. — Você tem sido sua amante por apenas seis dias e ele já a chutou de seus aposentos em favor de um homem.

— Eu não preciso de um lembrete. — A deusa vociferou.

            — Você já descobriu quem é o homem?

— Não, mas eu irei.

— Cronus está..?

— Experimentando com um amante macho? Quem sabe? Eu descobrirei isto também, e eliminarei o bastardo se for o caso.

A fêmea suspirou.

— Sua irmã nunca a perdoará por tomar o lugar dela ao lado do rei.

Mnemosyne sorriu, o som despreocupado.

— Oh, Leto, sua tola ignorante. Minha irmã não me incomodará. Não importa o que eu faça.

            Ah. Ele conhecia o nome. Leto era a deusa menor grega da Modéstia. Ela foi uma das acompanhantes pessoais de Hera quando ela ainda não tinha dado a luz a dois dos filhos de Zeus, e quando a antiga rainha descobriu a infidelidade de Zeus, ela odiou Leto por isto. Hera também tinha tentado matá-la, o que era por que Leto tinha sido encarcerada com os Titãs e mais tarde, mais provavelmente, ajudado Cronus a recuperar seu trono.

Leto se curvou em frente de Mnemosyne e prendeu os sapatos em seus pés. — Mas como você pode ter certeza?

— Tenho minhas garantias.

— Mas...

            Uma Mnemosyne de cenho franzido se levantou.

— Você está me incomodando agora. Saia.

            Cor floresceu nas bochechas de Leto, mas ela se endireitou e saiu do quarto.

Mnemosyne caminhou até o espelho de corpo inteiro logo em frente de Scarlet e Gideon, saltos tinindo, e rodopiando, se observando tanto quanto possível.

            — Perfeito. ­— Ela suspirou, sua satisfação clara.

            Scarlet alcançou e traçou o vidro, apenas ao longo do maxilar da mulher.            — Seu tom com Leto... Aquilo não é como ela é. Ela é gentil. Ela é imperturbavelmente amável. Eu… Acho… Eu quero dizer, apesar de tudo dentro de mim dizer que ela costumava me abraçar e sussurrar palavras doces no meu ouvido, na parte de trás da minha mente, eu posso vê-la me empurrando para baixo. Sim. Ela fez. Ele me empurrando para baixo. Eu posso ver agora.

— As suas memórias estão ficando mais confusas? — Clareando, ele quis dizer.

            Ela entendeu.

— Sim. Quando mais eu a observo, mais sólidas elas se tornam. Ela não apenas me empurrou, ela... Sim, ela realmente me chutou enquanto eu estava caída.

Primeiro, a vadia ia pagar por isto. Segundo, Scarlet estava recuperando sua memória com velocidade surpreendente. Deuses, ele desejava que fosse tão fácil para ele. Apenas pensar sobre algo e buuum, estava tudo lá. Cada pequeno detalhe. Ele queria tanto reviver todos os seus momentos com Scarlet e Steel.

— Preocupe-se, Scar. — Não se preocupe. — Você não vai conseguir falar com ela.

— Obrigado. — Uma ânsia tão intensa irradiava dela, seu peito começou a doer. — Há muito que eu quero perguntar a ela. Os empurrões e chutes. O que acontece… Se ela for a pessoa que machucou você?

E se. Sim, ele tinha suas próprias questões. E maldição. Enquanto ele podia esperar por resposta, ele não queria que Scarlet tivesse que fazê-lo.

Tinha que haver outra passagem para aquele quarto.

Ele olhou para a passagem, onde eles ainda tinham que ir. Vislumbrou mais várias passagens.

— Fique aqui. — Ele disse, um ideia o atingindo. — Venha.

Ele a puxou com ele. A próxima sala era ocupada por vários criados, mas a câmara depois dessa estava vazia. Perfeito. Eles podiam sair da passagem secreta sendo mais espertos, regressar ao quarto da tia dela e entrar pela porta frente. Dessa maneira, se uma fuga rápida se tornasse necessária, correr de volta para a passagem ainda seria uma opção.

Gideon girou a maçaneta, aliviado quando a porta abriu silenciosamente.

            Dentro dos novos alojamentos, ele fechou a porta e observou enquanto o painel misturava-se a parede espelhada. Então ele encarou Scarlet e colocou um dedo nos lábios dela. Silêncio. O quarto podia estar vazio, mas ele não tinha esquecido que aquele ao lado não estava.

Ela assentiu com a cabeça, compreendendo.

            Evitar a imaculada cama de plumas era difícil - ele podia apenas imaginar Scarlet em cima dele, friccionando em seu sempre rígido sexo - mas conseguiu colocar um pé na frente do outro. De olho no prêmio e toda essa merda. Como planejado, ele regressaram. No corredor, vários espíritos apressaram-se por eles com seus materiais de limpeza. Gideon agiu como se pertencesse ao lugar e eles o ignoraram. Com todos os imortais que passaram por este palácio, eles estavam provavelmente acostumado com estranhos.

            A porta de Mnemosyne estava fechada. E maldição, ele estava ficando cansado de tentar pronunciar aquele nome, mesmo em sua mente. Ele nunca seria capaz de dizer em voz alta de qualquer maneira, graças a sua maldição da verdade. NeeMah teria que servir em vez disso. Além de que, Scarlet pensou que se lembrava dessa mulher a empurrando para baixo, assim isto fazia da vadia uma inimiga, tanto quanto concernia a Gideon.

            — Deixe-me cuidar de toda a conversa. — Ele disse.

— Graças aos deuses. Eu não ia falar nada para você, mas já que você mencionou... Ela não entenderia você, assim você estaria fazendo um favor a todos, deixando-me assumir.

            Ele pressionou um beijo firme em seus lábios, um obrigado silencioso. Então, com sua mão livre, ele apalpou uma adaga e invadiu.

            A deusa ofegou quando ela girou para encará-lo, uma mão agitou-se sobre seu coração.

— O que...

— Olá, Titia. — Scarlet disse ao seu lado. — Você sentiu minha falta? — Ele estava orgulhoso dela. Havia uma determinação dura como ferro em seu tom.

Olhos azuis se arregalaram.

— S... Scarlet?

— A primeira e única.

            — Como você chegou aqui em cima? — Ela não podia mascarar seu ultraje. Ou seu medo. — Sua mãe...

— Não importa. — Scarlet disse. — Nós temos perguntas, e você tem respostas. Respostas que você nos dará.

Boa garota.

            NeeMah engoliu. Rindo de modo trêmulo.

— Sim, claro. E claro que eu senti sua falta. Eu amo tanto você. Você sabe disso. Eu faria qualquer coisa por você, assim como eu fiz quando você era criança. Você se lembra?

Um momento se passou. A cabeça de Scarlet se inclinou para o lado, ela esfregou seus lábios juntos como se estivesse refletindo sobre algo importante. Sua postura guerreira relaxou.

— Eu... Sim. Sim, eu lembro. Você era tão gentil comigo.

Gideon apertou sua mão. Não perca o foco agora, doçura. Ela estava olhando para a deusa; sua mente não deveria estar ficando confusa. Deveria estar clareando. Certo? Foi assim que funcionou no corredor.

— Eu estou tão feliz que você tenha se lembrado. — Os braços de NeeMah se abriram, o próprio retrato do amor. — Agora venha aqui e dê a sua tia favorita um abraço.

Scarlet lutou com seu aperto e lançou-se para frente.

— Eu sinto muito que nós tenhamos assustado você. Nós não vamos ferir você, eu juro.

Gideon tentou agarrá-la, mas ela girou para fora de seu alcance, se jogou em sua tia, e ele foi forçado a assistir enquanto satisfação presunçosa enchia os olhos da deusa. Definitivamente uma vadia, ele pensou. Além de que, seu demônio estava subitamente totalmente louco. De uma maneira boa. O demônio gostava dela.

            Mentirosos patológicos sempre tinham esse efeito.

— Eu só estou tão feliz de lhe ver. — Scarlet continuou, absorta. Olhar para NeeMan deveria não importar quando você estava na mesma sala com ela. Ou quando ela propositadamente tecia uma ilusão.

— E eu estou tão… Feliz que você esteja viva.

Mentira. Tanto ele quanto seu demônio reconheciam.

A vadia pagaria por brincar com sua mulher. Ele tinha pensado nisso antes, mas agora, agora era uma necessidade.

— Agora. Conte-me sobre o homem que você me trouxe. — O olhar da deusa pousou em Gideon, concentrado, estudando desta vez. Reconhecimento - seguido de choque – dominaram suas feições. — Você! O q-que você está fazendo aqui? Com Scarlet? Que perguntas você tem para mim?

Ele correu sua língua sobre seus dentes. Tamanha reação denunciadora. Ela o conhecia, e ela tinha esperado que ele se mantivesse longe de Scarlet.

— Scar, demônio. — Ele disse, acenando para ela voltar a seu lado. — Não pergunte se ela ferrou com a minha memória.

            Subitamente pânico substituiu todas as outras emoções no rosto da deusa. Ela se endireitou, enrijeceu.

— Scarlet, meu doce. Seu amigo está sendo muito rude. E infelizmente, ele agiu desta maneira antes, não foi? — Ela acariciou as têmporas de Scarlet, esfregando seus polegares em círculos. — Apesar de você ter tentado tanto para instruí-lo com suas maneiras.

— Gideon! — Scarlet repreendeu, soltando sua tia e virando para ele. Seus olhos estavam vidrados mais estreitados. — Como você ousa tratar minha tia favorita dessa maneira? Você sabe. Eu disse a você e volto a dizer para tratar minha família com respeito.

Uh. Com licença?

NeeMah permaneceu atrás dela, mais alta que Scarlet e elevando-se sobre o ombro dela, mas a usando como um escudo, contudo.

— Não pergunte a ela! — Ele gritou.

Scarlet piscou, a cobertura vitrificada desaparecendo de seus olhos.

— Perguntar a ela...

Uma agora trêmula NeeMah colocou uma mão no ombro de Scarlet.

— Scarlet. Sabe que eu amo você. Você sabe que eu nunca iria feri-la. E agora você sabe, muito para o meu pensar, que Gideon a usou para chegar a mim. Ele e eu éramos amantes, e ele sempre me quis de volta. Não está certo? Nós conversamos sobre isto.

Mentirosa!

E ainda assim, poder zumbia de cada uma de suas palavras, e Gideon quase acreditou que usou Scarlet para atingir este ponto. Que ele quis matar Scarlet e sua tia o tempo todo. Por que se ele não podia ter NeeMah, ninguém podia.

Mentiras riu, um som leviano, e uma imagem surgiu na cabeça de Gideon. Pequena, confusa, mas ali. Uma imagem de Gideon em um ritmo para frente e para trás, um esboço. E quanto mais ele estudava a imagem, mais detalhes eram preenchidos. Ele estava em seu quarto em Budapeste, e ele...

Novamente, Mentiras riu. Odeio isto, odeio isto, odeio isto.

Esta vez, ele foi sacudido de seus pensamentos. Se Mentiras “odiava” tanto as imagens, isto significava que elas eram fabricadas. E se elas eram fabricadas, isso significava que NeeMah as tinha plantado. E se NeeMah as plantou...

— Você me usou. — Scarlet falou ofegante. Traição absoluta enchia seus olhos enquanto ela o encarava.

Teriam as mesmas imagens falsas flutuado pela mente dela? Claro que elas tinham, ele pensou. NeeMah era mais poderosa do que ele jamais podia ter imaginado.

— Demônio, você não tem que acreditar em mim. Eu não mataria a sua tia se você não estivesse na frente dela.

Vamos lá, querida. Afaste-se dela e eu posso acabar com ela.

— Como você pode fazer isto comigo? — Scarlet resmungou. — Como você pode ter me usado para reconquistar minha tia depois de tudo que você já me fez?

— Eu nunca... — Merda. Ele não podia dizer. Não podia dizer a verdade. — Sua tia é linda para mim. — Entenda o que eu estou dizendo, por favor, entenda. — Você não é a única que eu quero.

Sorrindo agora, sem medo, NeeMah se afastou de Scarlet.

— Eu irei conseguir ajuda, meu doce. — Apesar de sua expressão, seu tom ainda estava triste. — Você o mantenha aqui. Custe o que custar.

— Sim. — Scarlet afastou suas pernas, fechou seus punhos. Uma posição de ataque. E desta vez, a postura guerreira estava direcionada para ele.

Que diabos?

— Scar, isto não é... — Ele começou, mas antes que ele pudesse pronunciar outra palavra, Scarlet lançou-se sobre ele, sua intenção de matá-lo mais que óbvia enquanto ela golpeava sua garganta.

 

Traída novamente, Scarlet pensou sombriamente. Pelo mesmo homem. E ela não podia culpá-lo totalmente. Ela deixou isso acontecer porque ela estava atraída por ele. Bem, não mais. Ela não iria matá-lo, ela decidiu mesmo antes do contato, embora parte dela soubesse que era a única forma de realmente acabar com a loucura dentro dela. Mas ela iria bater nele sem sentido e segurá-lo aqui até que sua querida tia retornasse.

O que acontecesse com ele depois disso, ela não se importaria.

Ela não se importaria.

À medida que eles bateram no chão, Gideon arqueou-se para trás para evitar as unhas dela em sua jugular. Também tomou a maior parte do impacto da queda. A parte traseira de seu crânio bateu no chão, e ele estremeceu. Deve ter rachado bem, porque o sangue espirrou. Para surpresa dela, ele não tentou lutar contra ela enquanto ela montava seu peito e olhava para ele.

— Eu nunca deveria ter confiado em você. — Ela resmungou. — Confiar em você sempre destrói outro pedaço da minha vida.

As mãos dele - quentes, duras e calejadas - espalmadas nas coxas dela, como se ele estivesse segurando-a, em vez de empurrá-la.

— Aquela mulher estava dizendo a verdade. Eu fiz isso para você. Ela não. Ela não estava mentindo. Ela não estava manipulando suas memórias e tecendo histórias falsas dentro de sua cabeça. — As palavras lhe escaparam com pressa.

Mnemosyne mentindo para ela? Ha!

— Você é o único mentiroso aqui. — Ela dirigiu o punho em seu nariz, e mais do seu sangue jorrou. — Isto é por me esquecer. — Ela cuspiu. Ela queria fazer isso por um longo tempo. Nada poderia detê-la agora. Ela socou o rosto dele novamente. Mais sangue. — Isso é por abandonar o seu filho.

Pare, Pesadelos gritou dentro de sua cabeça. Não o machuque.

Decidiu acordar, não é? Bem, você pode simplesmente calar a boca!

Não o machuque. Por favor. Ele está dizendo a verdade.

Defendendo o desgraçado? Você é o meu demônio. Não é o dele. Agora faça o que você foi criado para fazer e assuste-o. Cubra-o com aranhas.

Não.

Bom. Ela iria destruí-lo por conta própria. Exceto, quando ela ergueu o punho para um terceiro soco, Gideon não se virou. Ele esperava, sua expressão resignada, mesmo expectante, e ela fez uma pausa. Ele estava deixando-a feri-lo, maldito. Scarlet tentou recuperar o fôlego. Não havia nenhuma satisfação em sua aceitação. Só vergonha.

— Não pense sobre isso, diabo.

Diabo. Sua versão para anjo ou querida. Esta não era a primeira vez que ele tinha usado o termo carinhoso, e tal como antes, seu coração apertou no peito dela.

— Você não pode me chamar assim. Você não tem o direito. — Não mais. — Além disso, não há nada em que pensar. Você estava me usando para punir a minha tia.

— Pelos Céus! Você não é a criatura mais irritante que eu já conheci.

— Você acha mesmo? — Scarlet ergueu-se e o chutou no estômago. Sem piedade. Ela não podia lhe mostrar qualquer piedade. — Isto é por dormir com ela. Na verdade, isto é por dormir com todas as suas idiotas enquanto estava casado comigo.

Pare. Pesadelos novamente. Desanimado. Você deve parar.

Sem piedade. Não até que ele estivesse morto. Mas sua própria mente se rebelava contra isso.

Eu pensei que você tinha decidido não matá-lo.

Demônio vermelho cintilou no fundo dos olhos de Gideon.

— Não se atreva a me ouvir, o que estou dizendo. Eu dormi com ela. Eu dormi. Ok? Tudo bem?

Havia algo sobre o seu pedido, algo que ela devia considerar, mas no momento, ela não poderia ter um pensamento racional sobre isso. Tudo o que ela podia ver era o corpo nu de Gideon envolto em torno de sua tia, os dois perdidos em sua paixão. Tudo o que ela podia ouvia eram os gemidos de prazer de Gideon.

Ele queria Mnemosyne o tempo todo.

As mãos de Scarlet se apertaram, as unhas cortando a pele.

— Você vai se arrepender por nunca me encontrar. Isso é uma verdade que você pode levar para a sua coleção. Ou melhor ainda, para a sepultura.

— Você não é tão teimosa. — Ele trincou fora, mantendo-se exatamente como ele estava. Aberto, para ela abusar. — Eu sempre te traí. Você não entende? Sempre. Traí. Você.

— Eu sei! — Outro chute.

Um sopro explodiu de sua boca. Ele fechou os olhos por um momento, linhas de frustração ramificando em todas as direções.

— Não pense sobre isso. — Repetiu ele. — Eu conheci sua tia mil anos antes. Há muitas razões...

— Cale-se! Não há nada para eu pensar. — Carrancuda, ela passeou ao redor de seu corpo de bruços. Outro chute. Mas, novamente, mostrou satisfação indescritível.

Resmungos de repente encheram a cabeça dela. Pesadelos havia parado de pedir agora trabalhava em contorções de fúria.

Pare, ou eu vou te fazer reviver a morte de Steel. Uma e outra vez.

— Você não me conhece melhor que ninguém. — Gideon explodiu em um chiado. — Por que eu preciso de você para reconquistá-la, quando eu a encontrei tantas vezes? Como eu poderia tocá-la se eu queria a ela?

Essas perguntas feitas absolutamente sem nenhum sentido. Por que ele... Espere. Era mentira, ela lembrou a si mesma. Ele não podia falar a verdade. Tradução: por que ele precisava de Scarlet para conquistar uma mulher que ele nunca conheceu, e como ele poderia ter tocado Scarlet se queria Mnemosyne? Isso é o que ele estava realmente pedindo.

Ela ergueu o punho.

Último aviso.

— Porque você... — Ela parou, franziu a testa. Boas perguntas. Ela considerou suas opções, seu demônio ofegando, à sua espera para agir, para finalmente desencadear uma onda de pesar sobre ela. Uma onda que não iria impedi-la. — Porque você... Precisava de mim para deixá-la com ciúmes. — Sim, foi isso. O conhecimento solidificava enquanto ela puxava as memórias de seu tempo recente com Gideon para frente de sua mente.

Toda vez que ele a beijou e tocou, ele estava distante. Ele não tinha feito amor com ela, não tentou penetrá-la. Porque isso teria levado as coisas demasiado longe, quando ele amava outra. Sim, sim. Quanto mais ela considerava isto, mais tudo fazia sentido. Mais certa parecia a tia.

— Sim, isso é totalmente o meu estilo. — Disse secamente.

Estilo ou não, fazia sentido.

— Seu filho da puta..! Eu não era boa o suficiente para foder, é isso? Você estava guardando seu precioso pênis para ela. — Scarlet balançou seu punho para baixo com a intenção de acertá-lo em um ouvido e fazer o seu cérebro a voar para fora pelo outro.

Uma imagem de Steel, cortado e sangrando, morrendo, tomou forma dentro de sua cabeça, e ela choramingou.

Num piscar de olhos, Gideon estava sentado e segurando seu pulso. Seus olhos se estreitaram, os lábios bem apertados.

— Você não quer penetração? Eu não vou dar-lhe penetração. — Com um puxão afiado, colocou-a no chão. Antes que ela pudesse protestar, ele rolou por cima dela, prendendo-a com seu peso musculoso.

Pesadelos removeu a sangrento, odiada imagem e gemeu.

Sim!

De jeito nenhum Gideon... Oh, sim. Ele faria. Ele trabalhou na cintura de suas calças, tentando abri-las e arrancá-las para baixo.

— Pare! — Disse ela em um suspiro trêmulo. O que estava acontecendo? — Pare.

Mais, o seu demônio exigia.

O guerreiro se calou, mas ele estava ofegante enquanto ele olhava para ela, lembrando-a de si mesma alguns instantes atrás. Quando ela tinha ficado furiosa e com ciúmes... E irracional? Certamente que não. Ela estava pensando claramente, pela primeira vez em séculos. Não é?

— Você não pode me acusar de ser um monte de coisas, Scarlet, e querer você mais do que o ar a respirar não é uma deles.

Outra tradução era necessária: ela poderia acusá-lo de um monte de coisas, e a querer mais do que o ar era uma delas. Então... Ele a queria. Prova: ele não estava se contorcendo de dor.

Scarlet engoliu o nó repentino de volta em sua garganta. Ele. A. Queria. Então, por que sua tia... Espere. Isso era algo que ela tinha tentado se lembrar um tempo atrás. Ele tinha que falar em mentiras ou ele iria sofrer dor. Selvagemente. E ele disse: Eu dormi com ela. Eu o fiz. Ela, significando Mnemosyne. No entanto, ele não tinha gritado, desmaiado ou ficado fraco. Então ele estava mentindo. Ele nunca tinha dormido com sua tia.

Isso era... Isso não fazia sentido.

— Preciso pensar. — Ela disse suavemente.

Gideon se levantou lentamente, mas não se afastou dela. Ela estava lá, lutando para colocar o resto das peças juntas.

Em primeiro lugar, Mnemosyne o acusara de tentar deixá-la com ciúmes. Mas o que ele tinha feito para deixar sua tia com ciúmes? Nada, isso é o quê. Ele veio até aqui para encontrar Zeus e vingar Steel. Scarlet tinha seguido atrás dele, e ele estava genuinamente surpreso ao vê-la. O que significava que não havia planejado que ela o seguisse.

Ela contou a ele sobre sua tia, e ele não agiu como se conhecesse a mulher. Assim, poderia ter sido uma mentira. Mas então, por que ele teria arranjado para Scarlet vê-la se quisesse manter sua associação em segredo? A coisa dos ciúmes, certo, mas ele não tinha colocado o braço em torno de Scarlet enquanto Mnemosyne observava. Ele não tentou beijar Scarlet ou seduzi-la na frente de sua tia, também. Ele apenas gritou com ela, ordenando-lhe saber se a tia tinha mexido com a memória dele.

Foi quando Mnemosyne tinha colocado a mão quente sobre o ombro de Scarlet e dito a ela sobre o plano de Gideon. Disse a ela. Sim. O momento em que Mnemosyne tinha falado, a primeira imagem de Gideon e sua tia rolando na cama, nus, tinha aparecido na mente de Scarlet. Essa imagem tinha sido distorcida num primeiro momento, mas quando Scarlet tinha acreditado ser possível, a imagem se tornou mais clara.

— Di-diga-me que você deseja minha tia. — Disse Scarlet, focalizando o homem acima dela.

Havia um brilho duro em seus olhos.

— Eu desejo sua tia.

Nenhum um lampejo de dor.

Não se atrevendo a ter esperança, ela disse:

— Diga que você me usou para conquistá-la.

— Usei você para conquistá-la.

Novamente, nenhuma dor.

Sua tia havia mentido para ela.

Scarlet fechou os olhos. Qualquer coisa para esconder o alívio que queimava provavelmente alojado lá. Gideon não a havia traído. Gideon não a tinha traído! O conhecimento era parte bálsamo reconfortante para o coração golpeado e parte acendia sua culpa, repentina fúria.

— Eu sinto muito por chutar você. — Disse ela em um gemido. — E por socar você. E por gritar com você.

Por fim, Pesadelos se acalmou.

Lentamente, Gideon diminui o caminho até ela.

— Você não foi perdoada. — As palavras ofereciam a absolvição, mas não havia nenhuma emoção em seu tom.

Scarlet forçou-se a abrir suas pálpebras, apenas para ver que Gideon já tinha se virado, apresentando as costas dele. Ainda irritado? Escondendo sua expressão?

— Ela é poderosa. Me fez acreditar em sua crueldade, e tão forte, tão depressa... — Scarlet estremeceu. — Eu não posso acreditar que a mulher doce que eu me lembro fizesse isso para mim.

— Sim, ela é realmente um amor. — Gideon lançou-lhe um olhar por cima do ombro enquanto ele ficava em pé. Não, ele não estava se escondendo sua expressão, estava tão vazia quanto o seu tom. — E eu tenho certeza de que todas as suas lembranças dela estão corretas.

Correto igual a errado. Todos os músculos do corpo de Scarlet se distenderam. Ele estava certo. A imagem que tinha de sua tia não combinava com a mulher que ela tinha acabado de encontrar. Claro que Mnemosyne tinha manipulado a sua percepção em algum ponto.

Mnemosyne certamente teve muitas oportunidades. Durante séculos, elas tinham compartilhado uma cela. Um simples toque, uma palavra falada, e pronto. A vida de Scarlet foi completamente alterada.

Queridos deuses. Quantas vezes Mnemosyne ferrou com sua cabeça? Quantas de suas memórias eram falsas?

Quais memórias eram falsas?

Ar queimou seu nariz, seus pulmões. De repente, Scarlet não confiava em nada que ela acreditava antes. Mesmo... Seu olhar selvagem desembarcou em Gideon.

— Nós não precisamos sair daqui. — Disse ele, estendendo uma mão.

Não pense sobre isso agora. Você não pode entrar em pânico. Engolindo, ela entrelaçou os dedos com os dele e lhe permitiu puxá-la em pé. Como antes, quando ele agarrou sua coxa, sua pele era quente, dura e calejada. Induzindo mudança.

— Faz bastante tempo desde que Mnemosyne foi buscar ajuda. Ela correu. Provavelmente esteja escondida. Caso contrário, os guardas estariam aqui, as armas apontadas para nós.

Ombros fortes levantaram em um encolher de ombros.

— Melhor remediar do que prevenir.

— Não podemos deixar, no entanto. Temos que encontrá-la. Preciso... Falar com ela, descobrir que outras mentiras ela me convenceu.

Gideon sacudiu a cabeça, resoluto.

— O que Zeus fez...

— Uma mentira, talvez. — A realidade bateu nela e ela suspirou, com a mão livre a voar para cobrir sua boca. Talvez Zeus não tivesse realmente assassinado Steel. Talvez alguém o tivesse feito. Ou talvez Steel nunca tivesse sido morto. Talvez Steel estivesse vivo. Talvez ele estivesse lá fora, esperando por ela encontrá-lo.

Esperança floresceu dentro de seu peito, enchendo-a com uma alegria que não tinha conhecido desde a última vez que ela segurou Steel em seus braços.

— Temos que convocar Cronus. — Ela agarrou a camisa de Gideon. — Nós temos que descobrir se ele sabe alguma coisa sobre Steel.

Sua expressão suavizou, e ele envolveu o rosto dela.

— Scar, diabo...

Diabo. Havia carinho novamente. Levantou-se nas pontas dos pés e pressionou um beijo rápido nos lábios dele. Lábios ainda inchados do soco dela. Lábios que estavam sangrando e perdido um aro. Ela o tinha deixado solto? “Sinto muito” não era suficiente.

— Por favor, Gideon. Eu acho que... Espero que... E se ele ainda estiver vivo? E se o nosso bebê estiver lá fora?

Ele abriu a boca. Para protestar? Então ele sacudiu a cabeça violentamente, escamas piscando debaixo de sua pele.

— Oh, doce luz do sol e rosas, posso absolutamente acreditar que eu não estou fazendo isso. — Ele murmurou, afastando-a para remover o colar do seu pescoço e guardar a corrente em seu bolso.

Opa. Esta foi a mais vil maldição que ela já tinha ouvido dele.

— Cron! — Ele gritou, punho erguido e pulando no ar. — Eu não quero falar com você.

Um momento se passou em silêncio. Scarlet mal podia se conter, ela se sentiu pronta para saltar fora de sua pele. Sabia que ela não iria durar muito mais tempo. Logo ela começaria a gritar ameaças. Desmembramento, a remoção do membro do rei.

— Cron!

— Modos. Mentiras. Modos. Você está em minha casa. Não grite. Me peça amavelmente.

A voz veio de trás deles, e eles viraram em uníssono. Cronus estava empoleirado na beira da cama, os lábios comprimidos em desagrado.

Quem se preocupava com o seu desagrado? Ele estava aqui! Os ombros de Scarlet baixaram com alívio. As respostas estavam ao seu alcance, esperança viva dentro dela.

— Não obrigado por ter vindo. — Disse Gideon, inclinando a cabeça com deferência. Ele nunca tinha feito tal coisa antes, e ela sabia que ele o fez agora para benefício dela. Porque ela estava desesperada, e ele não queria arriscar.

Gelo... Derretendo. Novamente.

— Bem, bem. — Cronus disse, olhando errante sobre seu guerreiro. — Nós recuperamos nossa força, pelo que eu vejo. Eu não esperava que você se recuperasse tão rapidamente. Mas o que você está fazendo no quarto de Leto?

Gentilezas? Agora?

— Eu vou falar. — Scarlet disse por Gideon antes de enfrentar o rei. Conhecendo-o como ela conhecia, ela sabia que não podia simplesmente participar seus assuntos. — Nós descobrimos algo perturbador sobre Mnemosyne. Ela...

— Por que. Você está. No quarto de Leto? — Cronus perguntou novamente. Sua atenção nunca desviada de Gideon.

Saco!

— Sua amante estava aqui. Queríamos falar com ela.

Uma sobrancelha escura arqueou, mas apenas isso. Sua única reação a suas palavras. Maldito! Depois que a maldição do envelhecimento foi lançada, depois de não conseguir matá-la repetidas vezes, ele decidiu ignorá-la, fingir que ela não existia. Ela era um embaraço para ele, afinal. Prova que sua esposa o tinha traído.

Como ele podia atirar pedras, no entanto. Sua amante era a irmã de sua esposa.

Gideon suspirou, e havia uma pontada de raiva. Em seu nome? A culpa dela retornava. Ela nunca deveria tê-lo socado. Não, tantas vezes.

— Sua amante não estava aqui.

— Qual? — O rei perguntou suavemente.

Justo quantas ele tinha?

— Não Mnemosyne. — Disse Gideon.

Uma cortina caiu sobre as feições de Cronus, ocultando suas emoções.

— E?

— E ela não tentou ferrar com a memória de Scarlet.

— E? — O rei perguntou novamente.

— E nós não queremos falar com ela. — Gideon estalou.

Cronus inclinou a cabeça para o lado enquanto estudava o guerreiro.

— Ela veio até mim. Disse-me que vocês estavam aqui. Tentou convencer-me que vocês estavam aqui para me matar, mas ela ainda não percebeu que seus truques não funcionam comigo. Ela está atualmente trancada no meu gabinete enquanto eu descubro seu jogo.

— Deixe-me ajudá-lo com isso. — Scarlet disse, determinada. Ela tinha algumas ideias sobre como extrair informações de sua tia. As agulhas estavam envolvidas. Assim como, martelos.

Novamente, Cronus ignorou.

— Eu quero Segredos para interrogá-la, mas ele está ocupado de outra forma no momento.

— E não pretende que eu o busque para você? — Gideon perguntou através dos dentes cerrados.

— Eu espero que você volte para sua fortaleza e me convoque no momento em que ele retornar. Essa é a benção que eu preciso de você como pagamento pelo tempo que você gastou no meu palácio.

Um músculo marcou no maxilar de Gideon. Dela, também. A “exigência” de Rhea para Scarlet foi parar a convocação de Cronus a Gideon, quando Amun voltasse, e ela quase berrou em frustração. Se encontrar Amun era a única maneira de obter informações sobre Steel, ela não pararia Gideon. Não importava o que ela tinha prometido a sua mãe.

Não importa o que poderia custar a ela.

Ela tinha ouvido histórias sobre o que acontecia com aqueles que quebravam suas promessas aos deuses, e essas histórias nunca havia terminado favoravelmente. O mentiroso sempre foi enfraquecido, maldições sempre foram amontoados e morte sempre foi o resultado final.

Morrer antes de segurar o seu filho novamente... inferno, não!

Talvez ela pudesse chamar Cronus, ela pensou de novo, e sorriu. Olá, escapatória. Seu sorriso desvaneceu-se rapidamente, no entanto. E se o rei a ignorasse? E se a sua promessa a sua mãe fosse considerada quebrada?

— Você está doente? — Gideon sussurrou no ouvido dela, chamando sua atenção.

Você está bem, ele quis dizer.

— Estou bem. — Respondeu ela. Sua desatenção deve tê-lo preocupado. — Obrigada.

— Se Mnemosyne está ajudando Rhea, — Cronus continuou. — ela deve ser destruída. Se não... — Ele deu de ombros. — Eu ainda não tinha me cansado dela e do jeito que ela atormenta a minha esposa. Então, de qualquer forma, eu acho que não vou deixar que vocês falem com ela.

Scarlet teve que lutar contra o desejo de se lançar para frente e bater com os punhos na face de Cronus. De quebrar o nariz, os dentes, e apresentar seu pênis ao joelho dela. Várias vezes.

Gideon deve ter percebido a direção de seus pensamentos, porque ele retorceu os dedos deles e apertou. Para consolá-la?

— Receio que eu não. — Disse ela severamente. — Eu vou enfrentar minha tia. E se ela mentiu para mim sobre a morte do meu filho, eu vou matá-la se ela o traiu ou não. Você a querendo viva ou não.

Cronus piscou para ela, olhando para ela pela primeira vez desde que entrou no quarto.

— Seu filho? — Seu olhar estupefato voltou para Gideon. — O que ela está falando?

— Steel, seu maldito. — Scarlet gritou. — A criança que eu dei à luz quando nós ainda estávamos em cativeiro. Existe uma chance de ele ainda estar vivo?

Silêncio. Espesso, o silêncio não desejado que deslizou por ela como uma cobra, pronta para morder, para envenenar.

Então.

— Scarlet. — Disse o rei, e seu tom era de repente, surpreendentemente suave. — Nós estávamos trancados na mesma cela desde a da data do seu nascimento, até que conseguimos escapar. Você nunca deu à luz. Você nunca esteve grávida.

 

Foi a primeira vez que Gideon viu Cronus apresentar qualquer tipo de compaixão. E ele fez isso para uma mulher que ele odiava... Bem, Gideon poderia perdoá-lo agora por seu tratamento anterior a Scarlet, ignorando-a como ele tinha feito. E, no entanto, Gideon desejou que não houvesse necessidade de tal compaixão.

Você nunca esteve grávida. As palavras, embora destinadas a Scarlet, bateram em Gideon, e ele sabia. Sabia. Verdade. Cronus falava somente a verdade. Isso significava apenas uma coisa. Não tinha sido a memória de Gideon que havia sido adulterada, e sim a de Scarlet.

Não é de admirar que Mentiras gostasse tanto dela, ainda que não tivesse sido capaz de dizer se ela falava a verdade. Ela estava vivendo uma mentira, mas não sabia disso. Eles nunca tiveram um filho. Eles provavelmente nunca foram casados.

Que horrível. Ele tinha se acostumado a pensar em Scarlet como sua esposa. Talvez tivessem se casado, porém. Em segredo, como ela tinha dito. Afinal, a primeira vez que ele a tinha visto, quando ela lhe disse que tinham se casado, ele teve flashes dela em sua mente, flashes dos dois, nus e se esforçando para o clímax. Ele pensou que esses flashes fossem lembranças. E sim, eles poderiam ter sido.

Porque o fato é que ele a tinha visto nos seus sonhos também. Antes que ele a conhecesse. Isso tinha que significar alguma coisa. Certo?

Steel, entretanto... Ele não tinha lampejos de seu filho. Nem um único. Isso, também, tinha que significar alguma coisa. E, no entanto, ele não tinha que querer saber sobre seus sentimentos para o menino. Agora que a fúria sobre o tratamento dado a Steel tinha ido embora, ele percebeu que possuía uma faísca do amor que poderia ter sido. Ele realmente lamentou a perda de seu filho.

E se ele chorou, quando ele tinha apenas que um vislumbre de Steel, o vislumbre que Scarlet lhe tinha dado, quanto pior, ela deveria se sentir?

O olhar de Scarlet voava entre o rei e Gideon, Gideon e o rei. Ela estava balançando a cabeça de forma contínua, trêmula, ofegante. O coração dele realmente arrancado dentro do peito, raspando contra suas costelas. Ele odiava vê-la assim. Tão devastada e vulnerável.

— Você está errado. Você tem que estar errado. Eu segurei o meu menino. Eu o amava. — A última foi dita com raiva, como se o rei ousaria contradizê-la.

Carrancudo, Cronus levantou-se da cama.

— Há muitos olhos e ouvidos aqui. — Ele acenou com a mão e seu entorno simplesmente desapareceu, deixando apenas uma vasta extensão de neblina, espessa e branca. O ar estava fresco, perfumado com o aroma doce de ambrosia.

Gideon respirou profundamente, saboreando o momento de calma antes da tempestade. O nevoeiro diluiu, limpou, e ele viu que eles estavam no coração de um campo de ambrosia, as altas videiras florindo do chão, flores rosa em direção ao sol brilhando.

Sol. Brilhando. Sua atenção voltou-se para Scarlet. Ele esperava que os joelhos delas enfraquecessem e ela tivesse fechado os olhos para dormir como foi pedido a ela, mas ela permanecia de pé. Acordada. Nem mesmo bocejando. Como?

— Este é um reino onde a noite e o dia são um. — Explicou Cronus, como se estivesse lendo a mente de Gideon. Inferno, ele provavelmente estava.

Alguns imortais poderiam fazê-lo. Gideon sabia que Amun poderia.

— Além disso, o demônio de Scarlet opera numa mesma escala de tempo, nem a ascensão e nem a queda do sol.

Não o incomodara quando Amun lera sua mente. Cronus, porém, o incomodava bastante. O que ele estava sentindo por Scarlet e Steel era privado. Seu. Ele não desejava compartilhar. Não é porque ele estava envergonhado das emoções mais suave correndo soltas por ele, mas porque ele queria que cada parte de todas elas para si. Real ou não.

Não era importante agora. Sua mulher era tudo que importava. Ele envolveu os braços em volta da cintura de Scarlet, com a intenção de acalmá-la da única maneira que podia, mas ela o empurrou para longe, ainda sacudindo a cabeça, tomada de violentos tremores.

— Meu filho era real. Meu filho é real.

— Em sua mente, sem dúvida ele é. — Cronus girou no calcanhar e caminhou para frente, forçando Gideon e Scarlet a seguirem-no. Seus dedos roçaram as pontas das videiras enquanto ele dizia: — Eis como Mnemosyne trabalha. Ela coloca a mão em você, pois o contato aumenta o poder de suas sugestões. Ela então lhe diz algo. Se é algo que você quer ouvir, a sua mente aceita mais facilmente. Se não, ela vai lhe dizer outra coisa, depois outra coisa, até que ela tece uma trama dentro da sua mente.

Scarlet tropeçou numa videira, e Gideon agarrou-a pela camiseta, erguendo-a e mantendo-a em pé. Ela não parecia notar, manteve-se caminhando para frente, mantendo-se perto de Cronus e colada a cada palavra sua.

Deuses, ela era linda à luz do sol. Mesmo perdida na tristeza e confusão, ela parecia absorver os raios e o brilho para dentro dela.

— Você entende agora? — Cronus perguntou.

— Não. Os métodos dela não explicam nada. — Criticou Scarlet. — Eu sei de cada detalhe da vida de Steel. Cada detalhe. Minha tia não poderia ter criado uma trama tão complexa.

— Ela pode e obviamente o fez. Depois que Mnemosyne faz uma sugestão, a semente de uma memória é plantada. Quanto mais você considerar as sementes, quanto mais é regada, mais ela vai crescer. À medida que cresce, sua mente começa a preencher os espaços em branco, por assim dizer, tornando a memória plausível. Tornando-a tão real para você como se ela realmente houvesse acontecido.

Gideon manteve o olhar colado no mar infinito de verde e rosa na frente dele. Ele não ousava olhar para Scarlet novamente. Ela era a mais forte fêmea - ou melhor, pessoa - que ele já conheceu, mas ele mesmo duvidava que ela pudesse suportar este tipo de notícia devastadora sem quebrar. Uma quebra que ela não queria que ninguém testemunhasse.

— Eu... Eu... — Sua voz tremia. Estava encharcada com uma agonia tão avassaladora que ele nunca tinha encontrado antes. Para ela, isso devia ser como assistir Steel morrer, incapaz de salvá-lo, mais uma vez.

Apenas por isso, Gideon teria voluntariamente morrido para dar vida ao menino.

— Eu não posso falar sobre Steel agora. — Disse ela em tom trágico que rivalizava com o de Cameo, Guardiã do demônio da Miséria. — Apenas me diga se Gideon e eu estávamos... Estávamos...

Lentamente, muito lentamente, Cronus sacudiu a cabeça.

— Vocês não estavam.

Verdade.

Mentiras rugiu, furioso, incrédulo. Gideon não tinha certeza se era porque o demônio odiava a verdade, ou porque o demônio queria que as palavras fossem uma mentira.

Gideon sibilou desapontado. Ele desejava Scarlet mais do que ele já tinha desejado outra, e ele gostava de tê-la com ele. Acima de tudo, ele amava o conhecimento de que ela pertencia a ele e a nenhum outro homem.

Talvez... Talvez ele se casasse com ela agora. Neste tempo real. Valia a pena considerar, no mínimo. Porque, maldição, ele odiava a ideia de ficar sem ela.

Não, Mentiras disse. Não. Sim, sim.

— Por que Mnemosyne não fez algo assim? — Gideon perguntou. Ele foi surpreendido pela forma como sua voz estava rouca, como se sua garganta tivesse sido limpa com uma lixa grossa.

Cronus suspirou.

— Eu posso adivinhar. A mãe de Scarlet. Pouco depois de Rhea e eu sermos amaldiçoados com uma magia de envelhecimento, Scarlet cresceu inesperadamente feliz. Não é porque fomos envelhecendo, ela não parecia notar isso, mas porque ela claramente tinha um segredo. Olhando para trás, percebo que Mnemosyne deve ter começado a tecer as memórias de você por ordem de Rhea, para punir a filha pela magia. Veja, a cada vez que Rhea tentou matá-la, a rainha envelhecia um pouco mais.

E se a rainha parecia algo como Cronus, quando eles saíram do Tartarus, ela tinha tentado muitas e muitas vezes acabar com a sua doce Scarlet. Novamente, Gideon não se opunha à morte do sexo feminino, e acrescentou o nome de Rhea à sua lista dos que deveriam morrer dolorosamente.

— As irmãs notaram como Scarlet observava você. — Continuou o rei. — Todo mundo tinha notado. Havia anseio absoluto em seu olhar. Por isso, tenho certeza, era tão fácil para Mnemosyne plantar a sugestão de um casamento quando, na verdade, os dois nunca tinham sequer se falado.

— Oh, deuses. — Scarlet engasgou, colocando as mãos sobre a boca. Seu olhar horrorizado desembarcou em Gideon. — Eu... Eu...

Ela o tinha desejado, mesmo assim, e o conhecimento encheu-o com orgulho. Mas ela não gostava que ele soubesse, e ele percebeu que gostaria de aliviá-la, inclusive nisso.

Gideon parou, agarrou-a pelos ombros e a sacudiu.

— Não me lembro que, mesmo antes de te conhecer, eu não via você em minha mente. Não lembro da tatuagem com os seus olhos, com a mesma tatuagem que você carrega. Podemos ter casado, e nós podemos ter encontrado, mas não percebi que você também. — Entenda-me, querida. Eu quis você, mesmo assim.

Enquanto ele falava, no entanto, várias perguntas reivindicaram sua atenção. Como ele sabia sobre a tatuagem? Como se tivesse visto isso antes que ele realmente encontrasse a mulher? Como se tivessem sido ligados de alguma forma?

Ela começou a relaxar, a assentir, mas depois endureceu e puxou de seu agarre. Frieza infundiu os olhos.

— Depois de nosso casamento... Falso, depois da minha posse, depois de eu ter ganhado o controle, entrei em seus sonhos até sua porta desaparecer. Outra razão pela qual eu pensei que você estivesse morto. Eu nunca usei o meu demônio contra você, eu simplesmente observava sobre você. Isso deve ser como você me viu.

Bem, outra pergunta respondida. E mais uma vez, ele se encheu de orgulho. Tanto desejo... Mas ela não. Não havia nenhum orgulho, nenhuma alegria. O horror só tinha crescido.

— Você não me queria na prisão. — Disse ela, com lágrimas, transbordando. — Você não me notou então.

Essas lágrimas quase o fizeram cair de joelhos.

— Diabo. — Ele a alcançou, obrigando-a a aceitar o seu abraço. Ele seria o seu conforto, maldição. Ele podia não tê-la notado na época, mas a notou agora.

Ela correu para fora de seu alcance, e as várias lágrimas espirradas em sua mão.

— Eu odeio você. — Cuspiu. — Por muito tempo, eu te odiei por ter me abandonado. Eu mesma me culpando pela morte de Steel, e eu queria puni-lo. Eu sonhava em puni-lo. Então eu entrei na sua vida, e eu te machuquei. Em seus sonhos, eu apresentei-lhe o seu maior medo. E eu fiquei feliz. Eu gostei de fazê-lo. Gostava de te machucar. Então, hoje, eu o puni de novo. No entanto, você não tinha feito nada de errado. Você nunca tinha feito nada de errado. — Ela engasgou com a última palavra, um soluço borbulhante de seus partidos, trêmulos lábios.

— Diabo, você fez tudo errado. Culpe-se. Eu não teria feito a mesma coisa. — Por favor, entenda. Nunca tinha sido mais importante para uma pessoa entender o que ele realmente estava dizendo.

Balançando a cabeça, ela afastou as lágrimas ainda caindo com as costas da mão.

— Eu sinto muito. Você nunca saberá o quanto lamento por tudo que eu fiz para você. Eu... Eu... Eu tenho que ir. Envie-me para casa. Por favor. — Seu olhar voltou-se para Cronus. Ou melhor, para onde Cronus estivera.

O rei deus não estava em nenhum lugar.

— Cronus. Cronus! — Scarlet gritou.

No instante seguinte, os campos desapareceram e paredes de pedra cinzenta aumentaram nos lados de Gideon. Gideon voltou-se em torno, vendo-se em seu novo ambiente. Seu quarto, ele percebeu. Seu quarto em Buda.

Luz da lua escoava da janela, iluminando o seu mobiliário. A cama de plataforma com um acolchoado castanho-e-branco. Duas mesinhas de cabeceira, um tanto estragadas pelas facas que ele sempre jogou nelas. Uma lâmpada vermelha equilibrada que tinha uma fenda no seu lado esquerdo. Uma segurava uma taça de doces.

Havia sua cômoda, sua poltrona de couro arranhada. Seu armário recheado com mais armas do que roupa. A porta de seu banheiro.

Casa. Ele estava em casa. Mas não se sentia em casa sem Scarlet. Onde ela estava? Cronus a tinha deixado ali, naquele campo? Sozinha com sua dor? Ele rugia como Mentiras tinha feito anteriormente, furioso, impotente, desesperado. Ele...

Calma.

Scarlet apareceu no centro de seu quarto, e Gideon deu um suspiro de alívio. Exceto...

As lágrimas tinham ido embora. Seu horror e sua mágoa desapareceram. Seu rosto era uma tela em branco, completamente desprovido de emoção.

— Scarlet. — Ele começou, correndo em sua direção.

Seu olhar encontrou o dele, e ela ergueu uma das mãos para pará-lo.

— Desejo-lhe uma vida segura e feliz, Gideon. Nada mais precisa ser dito. — Ela tentou passar por ele, mas ele pegou no seu braço, parando-a.

— Onde você não está indo?

— Qualquer lugar.

De jeito nenhum. Ele a conhecia, sabia que ela planejava caçar e torturar a mãe e a tia pelo que tinham feito para ela.

— Nós as beijaremos juntos. — Nós as mataremos juntos. — Não?

— Não. — Algo em seus olhos endureceu. Como líquido fervendo e solidificando em aço. Steel era o nome perfeito para qualquer criança dela. Ela estava obstinada em sua própria essência. — Vou cuidar da minha mãe e da minha tia.

Aumentou o aperto, e ele a puxou para a linha inflexível do seu corpo. Ela bateu nele com fúria, mas recusava-se a olhar para ele. Seu olhar ficou no pulso selvagem na base do pescoço dele.

Ele estava ofegante, ela percebeu. Com medo de que ele não fosse capaz de alcançá-la. Excitado. Cheirava os campos de ambrosia e o calor irradiado.

— Você deve ter me ouvido corretamente. Nós as beijaremos juntos.

Finalmente, ela levantou o olhar. Alfinetadas de vermelho piscavam a cada poucos segundos, como se o demônio dela estivesse pronto para se libertar.

— Depois que eu matar a minha tia, eu vou encontrar uma maneira de retirar as minhas memórias. Todas elas. Eu quero um novo começo, um novo recomeço. Porque agora eu não tenho ideia do que é real e o que é falso. Eu não sei, e isso está me matando. Você entendeu? Isso está me matando.

Sua própria raiva drenada, ele beijou sua testa.

— Eu não sinto muito. Não sinto muito, diabo. Você não pode deixar-me ajudá-la a beijá-las, ok? — A outra coisa, bem, ele iria morrer antes que ele permitisse que as memórias de Scarlet sobre ele fossem tiradas.

Um tremor a sacudiu, ela engoliu em seco.

— Como você pode querer me ajudar depois de tudo que eu fiz pra você?

— Eu não... Gosto de você. Eu não sinto falta dele, também.

Ele não tinha que elaborar. Ela sabia quem "ele" era. Mais uma vez, concentraram-se lágrimas em seus olhos. Ele nunca tinha pensado em ser feliz ao ver uma mulher chorar, mas sua tristeza era muito mais fácil de lidar do que com sua esterilidade emocional.

— Ele não era real. — Ela murmurou, apertando as mãos na camisa de Gideon e torcendo.

— Você está certa. Ele não era.

— Eu sei... Espere. O quê? — Ela piscou, surpresa. Ele só podia falar em mentiras, então o que ele disse deve tê-lo derrubado. Mas ele ainda estava de pé, ainda forte.

— Steel não era real. Para nós dois, em nossos corações, ele não era real.

As lágrimas derramaram pelo rosto dela.

— Nós não vamos fazê-las pagar por isso, diabo. Eu só preciso que você... Não confie em mim. — Confie em mim, por favor.

— Elas me manipularam. — Disse ela, o metal derretido que vira em seu rosto sangrando em sua voz. — Riram de mim todos estes anos. Por quê? O que eu fiz para elas?

— Elas não são monstros. — Elas eram. Muito maior do que qualquer demônio que ele havia encontrado. — Tinha tudo a ver com você. — Nada a ver com a sua querida Scarlet. Com a mão livre, ele enfiou os dedos pelos cabelos dela, mais uma vez oferecendo o conforto que podia. Ele não ousava soltá-la em qualquer ponto ou ela fugiria. — Elas não acertaram uma coisa, no entanto. Tanto quanto eu sei, nós não somos realmente casados.

A testa dela franziu, mas o resto dela suavizou.

— Você está dizendo que você nos considera casados?

Ao invés de tentar explicar em “modo Gideon”, ele balançou a cabeça.

— Diabo, não. — Disse ela com veemência. Ela bateu um punho em seu peito. — Não.

Não era a reação que ele esperava. Ou queria. As palavras haviam corrido por conta própria. Natural, destinadas a ser. Ele considerou isso antes, mas agora ele sabia. Ele a teria, em todos os sentidos. O que quer que isso custasse.

— Nós dois? — Ela continuou. — Nós encerramos. Estamos acabados. Não que nós tivéssemos começado.

Duramente.

— Você está certa.

Os olhos dela se estreitaram, cílios molhados quase juntos.

— Agora você me escute. Temos sorte de escapar de um emparelhamento eterno. Somos terrível um para o outro. Tudo errado. — Ela riu e lembrou-lhe o som de um sino de prenúncio. Um som que alguns imortais ouviam pouco antes de morrer. — Não admira que você não me notasse na primeira noite em que lhe procurei.

Ele arqueou uma sobrancelha.

Que noite?

— Você estava em um clube. — Respondeu ela, embora ele não tivesse falado a pergunta em voz alta. — E você fodeu uma fêmea humana em um canto sombrio, onde qualquer um poderia ter visto você. Quando eu te vi.

Certa vez, sexo em público foi uma ocorrência normal em sua vida. Então, ele não deveria ter sido capaz de isolar uma única noite em sua memória e saber, saber que Scarlet tinha estado lá. Mas, de repente podia.

Uma noite como outra qualquer, álcool e ambrosia atados, e sexo era o seu foco. No entanto, tinha havido uma espessa nuvem de escuridão ao lado de sua mesa, uma que seus olhos não tinha sido capazes de perfurar. Ele pensou que seu excesso de bebida tinha confundido sua mente. Especialmente quando o perfume das orquídeas tinha flutuava ao seu nariz. Quando Mentiras tentou saltar para fora de seu crânio. Quando o seu pênis tinha latejado insuportavelmente.

— Eu não tinha sentido você. — Ele disse. — Não tinha alguém, pensando que ela era responsável pela luxúria que eu estava sentindo quando, na verdade, era ela... — Não. — ... E você não estava. — Estava.

— Eu... Eu... Estava. — Cor floresceu em seu rosto, duplos círculos rosa de constrangimento. — Nós ainda somos errados um para o outro.

— Certa de novo. — E de repente, tudo em que ele conseguia pensar era em suas palavras anteriores sobre como ele não poderia desejá-la, porque ele nunca tentou penetrá-la.

Isso é o que ele conseguiu por ser atencioso. Por dar-lhe tempo.

Bem, adeus consideração. Estava tomando o que ele queria. Tudo o que ele queria. Ele teria esta mulher, e ela iria aceitá-lo. Ela iria admitir que eles se pertenciam. Que eles eram perfeitos um para o outro. Todo o resto podia ser descoberto mais tarde.

Havia qualquer coisa para descobrir, entretanto? Ela o divertia, o encantava, deixava o seu sangue em chamas. Ela não o recuou, não receava qualquer parte dele. Até mesmo o seu demônio. Ela o encontrava desafio por desafio. Provavelmente era mais forte do que ele.

Mais do que isso, ambos necessitavam de conforto agora, e só havia uma maneira de alcançá-lo. Na cama.

Sem dizer uma palavra, Gideon ancorando ambas as mãos na cintura de Scarlet e a atirou em cima de sua cama em questão. Ela saltou sobre o colchão, mas quando ela finalmente se acalmou, ela não se levantou, ela apenas olhou para ele, confusa.

— O que você está fazendo? — Perguntou ela com uma voz rouca.

— Terminando isso. — Disse, avançando sobre ela.

Finalmente, ele estava começando.

 

Vitória, vitória, vitória. Tem que vencer. 

— Eu sei.

Suor escorria pelo rosto e tórax de Strider, ao virar a esquina diminuiu o ritmo de corrida para um passo frenético, pressionado pelas sombras lançadas por uma coluna que apareceu. Felizmente, ele havia percebido que tinha perseguidores - quatro para ser exato - antes de chegar ao Templo dos Tácitos. Então, ele mudou o rumo e agora encontrava-se no centro histórico de Roma, a milhas da ilha, uma multidão em torno dele olhava-o com assombro, olhando para o branco das ruínas do Templo de Vesta e tirando fotos para que sempre recordassem o momento. Misturar-se era tipo um problema. Ele era mais alto e mais largo, musculoso que todos ao seu redor.

Mas ele teria gostado de ficar de boca aberta. Afinal ele ajudou a construir esse templo. Depois de ter ajudado a destruir o que existia inicialmente.  Não que lhe tivessem dado crédito. Ele não o queria. 

Boas ações poderiam arruinar a reputação de um homem. Porque, na verdade, um guerreiro sensível não provoca medo dentro dos corações dos Caçadores. 

O medo foi, por vezes, a única coisa que manteve os Caçadores à distância. 

Strider tinha estado em guerra com eles durante milhares de anos. Nos velhos tempos, eles iam de cidade em cidade, deixando o sangue, os gritos e morte em seu rastro. Prédios foram demolidos, manchando a história. Ele e seus amigos tinham retaliado tão selvagemente, tão brutalmente, que ele pensou que os seus inimigos estavam exterminados. 

Vários anos de paz seguiram-se. Durante anos o seu demônio regozijou-se por sua grande vitória. Mas é claro, os sobreviventes escondidos um dia esqueceram o medo e ressuscitaram. Atacando novamente. E a guerra prosseguiu como se nunca tivesse cessado. 

Vitória, vitória, vitória, o demônio da Derrota gritava dentro de sua cabeça. Temos que ganhar. 

— Eu sei, merda.

Mas o Manto de Invisibilidade estava atualmente em seu poder. Ele não podia correr o risco de ser ferido e imobilizado em uma luta. O que significava que ele tinha que correr. 

Deuses, ele odiava correr. 

Se ele pudesse parar um só momento, ele podia armar-se com o estúpido Manto e desaparecer, esquecer que isso tinha acontecido. Que ele nunca tinha sido visto, levado tiros, e agora, perseguido. 

A única coisa que o impediu de usar o Manto neste momento foi a possibilidade de que os Caçadores ainda não soubessem que ele o tinha. Não havia razão para mostrar a eles e adicionar o combustível à sua determinação. 

Ele tentou ser gentil com os seres humanos enquanto abria caminho através deles. Alguns resmungavam sobre a sua rudeza, outros viraram para gritar com ele apenas para fecharem a boca quando o olhavam. A sua expressão era tão sombria que provavelmente ele parecia capaz de matar. 

Oportuno, de fato. 

Será que os Caçadores tinham encontrado Lucien e Anya, onde quer que o casal tivesse ido?  Teriam encontrado Reyes e Danika? Assim que ele estivesse seguro, ele ligaria para eles, para avisá-los que o inimigo poderia estar próximo. 

As solas das botas bateram contra as ruas pavimentadas do Fórum. Aves grasnaram e voaram. A luz do sol refletiu no chão e atingiu-o, ele teve que piscar rapidamente para umedecer as suas córneas irritadas. Se pudesse fazê-lo outras poucas ruas, ele chegaria ao Aedes Divi Iuli[25]. Ele poderia esconder-se nas ruínas, algo que os Caçadores que o perseguia não poderiam fazer. 

Pelo menos, ele pensava que não. Ele conhecia esta terra, porque ele tinha vivido ali. Eles não. 

Pop. Chiado. Silenciadores.

— Merda! — A maldição voou de sua boca quando um aguilhão afiado lhe atravessava a parte posterior do ombro. Acompanhando a picada sentiu liquido quente escorrer. Finalmente, eles o apanharam. Tantas vezes quanto tinha sido baleado no passado ele conhecia bem a sensação. Merda! Merda! 

Ganhar. Ganhar! 

— Eu vou. — Talvez ele devesse ter ido para os Estados Unidos. Multidões maiores, maior território. Maior facilidade de se perder. Mas ele queria conversar com os Tácitos. Ver se ele talvez pudesse convencê-los a alterar os termos do seu negócio. Invés deles trazerem a cabeça Cronus, libertando-os e, provavelmente, pôr em perigo todo o mundo, talvez eles fossem felizes decidindo sobre o seu próprio reino ou algo assim. Se ele pudesse levá-los a concordar, ele poderia ir para a Cronus e apresentar a opção. 

Felizmente, ele havia percebido a perseguição, antes de ter chegado ao templo e se dirigiu para o Fórum Romano. Os estragos que ele poderia ter causado involuntariamente se tivesse permitido que o seu inimigo ouvisse o seu plano eram demasiado grandes para considerar. 

GANHAR! 

— Dê-me um minuto. 

O que fazer, o que fazer. Ele estava usando o colar de borboleta do caralho, assim Cronos não saberia onde estava ou o que estava acontecendo. O que significava que Cronus não apareceria e lhe salvaria o dia. Strider não podia tirar o colar porque Rhea poderia aparecer e estragar o dia. 

Pop. Chiado. 

Outra picada aguda, esta na panturrilha. Ele tropeçou, mas manteve-se em movimento. 

Ganhar!

— Eu te disse. Eu estou cuidando disso. — Parecia que ele teria que usar o Manto de Invisibilidade, estivesse só ou não. 

Strider enfiou a mão no bolso das calças - porra, sua mão estava tremendo - e retirou o pequeno quadrado de tecido cinza. Surpreendia-se toda vez que ele via a coisa. Como poderia um artefato tão poderoso vir em um pacote tão pequeno? 

Alguém entrou no seu caminho, e Strider simplesmente passou num borrão por ele. Outro pop e chiado. Os seres humanos podiam não reconhecer os sons abafados, mas eles reconheciam o perigo e corriam para se esconder. 

Strider girou para a direita justo quando um tiro foi disparado. Nuvens de poeira e detritos choveu em torno dele quando a bala se alojou na rocha. 

Derrota riu como uma criança que tinha acabado de abrir seu presente de Natal adiantado e descobriu que tinha recebido exatamente o que pediu para o Papai Noel. Ganhar! 

Acelerando os seus passos, ele lançou um olhar sobre seu ombro. Havia quatro Caçadores, três machos e uma fêmea, correndo atrás dele, espalhando-se para engoli-lo de todos os lados, correndo no meio da multidão, como se o tivessem feito um milhão de vezes antes. 

O plano começou a se formar em sua mente e ele sorriu. Ele não precisa do Aedes Divi Iuli, afinal. Tomou a próxima esquina, como se seus pés estavam sobre os trilhos e balançou para abrir a capa. Quanto mais ele balançava, mais a capa desdobrava-se. Quanto mais se desdobrava, maior ficava. Logo, seria grande o suficiente para cobrir seu corpo inteiro. 

— Viram? Ele tem a capa! — Um dos homens gritou. — Matem-no! 

— Sem piedade! 

Ganhar, Ganhar, Ganhar!!!

Mais pops e chiados. Tantos que não podia acompanhar. Algumas semanas atrás, Caçadores teriam feito tudo ao seu alcance para mantê-lo vivo. Capturá-lo, sim, mas também garantir que ele vivesse. Eles temiam libertar o seu demônio e libertar o seu mal sobre um mundo desprevenido. Exceto, Galen tinha encontrado uma maneira de emparelhar os demônios libertados com novos hospedeiros. Seu plano? Associá-los com pessoas de sua escolha. Seres humanos que seguissem o seu comando. 

Pop. Chiado. 

Uma bala alojada na região lombar de Strider, outra na coxa. Ele tropeçou, caiu. Merda. A este ritmo, ele ia esvair-se em sangue antes de chegar a colocar a capa sobre os ombros. 

Ganhar, ganhar, ganhar. Chorava agora, triste e inseguro. Uma dor que irradiava através de Strider. 

—Não desista, ainda. — Ele murmurou. — Eu tenho tudo sob controle. Eu prometo a você. — Com um agitar de ambos os braços ele conseguiu armar a capa sobre si próprio e apertou o fecho no lugar. No instante seguinte, seu corpo desapareceu da vista e inclusive ele não podia se ver. Uma sensação estranha. 

Ele saiu do caminho que tinha tomado, parou bruscamente e virou. Os Caçadores atrasaram-se cada um buscando freneticamente a multidão em debandada por qualquer sinal dele. Eles haviam colocado distância entre si, mas agora iam se aproximando uns aos outros. 

— Para onde ele foi? — Perguntou um. 

— Ele usou o manto. Maldição! Nós nunca vamos encontrá-lo agora. 

— Ele ainda estará fugindo ou será que ele está esperando nas proximidades, planejando seguir-nos?

Ganhar! Derrota disse novamente, cada vez mais feliz, embora não totalmente satisfeito. Não houve mortes. 

— Ele é um demônio covarde. Ele está fugindo. 

— Nós não podemos ter certeza. O que significa que não podemos voltar para a base. 

— E não devemos falar também. Maldição! 

Nenhum dos Caçadores tinha olhado para os seus pés. Se tivessem, eles veriam o sangue que saia da proteção da capa e se materializava nas pedras. Strider continuou pela poeira seguindo com o cuidado de evitar colidir em ninguém, para não denunciar a sua localização. 

— Então o que quer que façamos? — A mulher perguntou, falando pela primeira vez. Uma voz rouca, com uma pitada de fumo.

— Vamos nos dividir. — Disse o mais alto do grupo. Ele era claramente o líder. Tinha cabelos escuros, olhos escuros e pele escura. Era muito parecido com Amun, Strider foi atingido por um momento por um pensamento sem sentido. Certamente ele apenas estava vendo coisas. — Basta percorrer a cidade até que diga o contrário. Tão rápido como conseguir. Ele está ferido e não vai se aguentar muito tempo aqui fora. 

Todos acenaram com a cabeça e partiram em missão. Bem, com a exceção do líder e da menina. Eles trocaram olhares carregados. Silêncio. Um músculo estava saltitando na mandíbula do líder. 

Ele inclinou-se, deu-lhe um beijo rápido na boca e murmurou:

— Tenha cuidado. — E afastou-se dela. 

Interessante. Rentável. Claramente, os dois eram amantes. O líder provavelmente ia fazer de tudo para proteger a moça. 

Ao invés de encontrar abrigo e curar-se, Strider seguiu-a. Novo desafio, ele disse ao seu demônio. 

Ganhar. 

Eu vou. Ela era pequena, com cabelos loiros pelos ombros. Misturado a cabeleira loira havia mechas cor de rosa. Ela usava uma blusa branca da Hello Kitty e jeans rasgado. Armas estavam provavelmente escondidas em todo o seu pequeno corpo cheio de curvas. Havia um pino de prata em sua sobrancelha que combinava com a cinza dos seus olhos, e um dos braços estava coberto com tatuagens. 

Havia algo familiar nela. Algo que causou uma onda de ódio... A bater nele. Sim, ódio, ele percebeu com choque. Não havia dúvida do que a emoção escura era. Que estranho. Ele não se lembrava de conhecê-la. Em nenhuma das batalhas que ele teve com os Caçadores. Isso não significa que ele não a tivesse encontrado. Só que ela havia sido insignificante na época. 

Por que o ódio, então? 

Ganhar, Ganhar! 

Estúpido! Preocupe-se com quem ela é mais tarde, disse a si mesmo. Pequena como ela era, era capaz de se mover mais rápido do que ele imaginou. E ele não conseguiria acompanha-la por estar ficando tão fraco. 

Ganhar.

Eu já disse. Eu vou. É tão bom quanto o meu. 

Quando a menina girou em torno de uma esquina e dirigiu-se para um edifício cheio, Strider agarrou-a pelos cabelos e puxou. Um golpe baixo, mas necessário. Quando ela caiu, gritou surpresa. Um segundo depois, porém, ela estava sobre seus pés com dois punhais na mão. 

— Bastardo. — Ela rosnou. — Eu sabia que viria atrás de mim, você me viu como o elo mais fraco. E esse foi o seu primeiro erro. 

Várias pessoas se viraram para olhar para ela, obviamente, para saber com quem ela falava. 

Strider não respondeu. Apenas foi por trás dela e bateu-lhe na carótida com as mão, cortando a circulação sanguínea para o cérebro. Merda! Ela estava com frio. Como um bloco de gelo. Ele quase que se afastou. Quase. 

— Então, qual foi o meu segundo? — Ele perguntou presunçosamente. 

Inicialmente ela lutou, tentou virar.  

— O que... — Mas, em seguida, seus joelhos dobraram, e revirou os olhos. 

E assim logo desmaiou... 

Nós ganhamos. Nós ganhamos! 

Muito fácil.  Enquanto o prazer começou a lavar através dele, Strider sorriu. O sorriso só aumentou quando ele pegou a menina, ele tremia - por quê? - então escondeu-a dentro dos limites do Manto e levou-a.

 

Sienna arrastou-se de sua cama, tinha correntes no pescoço, pulsos e tornozelos arranhando e cortando. Quando ela levantou-se tentando se equilibrar nas pernas bambas, as correntes esticavam e enterravam-se na sua carne cortando profundamente, impedindo que ela fugisse. 

Parecia ter uma fita vermelha sobre os olhos, alterando a coloração da sua visão pintando tudo de vermelho. Imaginação, pois o que ela queria era que todo o quarto se tornasse um banho de sangue. Dela e de Cronus. Ansiava-o. Sonhava com isso. As cortinas de veludo, as flores florescendo das paredes, a madeira polida de alabastro com as estátuas altas de homens musculosos... Todos salpicados... 

Chega! Devo chegar a Paris, ela pensou. Ou talvez o pensamento pertence-se ao demônio. Ira. O inimigo dentro dela. O inimigo que ela queria desprezar, mas não conseguia, Ira era a sua única ligação com a vingança. E a salvação. 

Paris ajudará. Desta vez, ela sabia exatamente a quem as palavras pertenciam: ao demônio. Paris pode cuidar de você até que esteja forte o suficiente para atacar Cronus. 

Talvez Paris a protegesse. Talvez não. Momentos antes dela morrer, ela disse-lhe o quanto o odiava. E ela odiou. Odiava. Ela tinha certeza que ainda o fazia. Ou não. Deus, estava tão confusa. Quanto mais o demônio falava sobre Paris, mais o seu desagrado desaparecia. 

Paris vai ajudar. 

— Eu ouvi da primeira vez. — Ela retrucou. 

Parte dela - a parte humana – pensava que ela poderia tentar matar o guerreiro, quando ela chegasse ele. Parte dela - a parte feminina – pensava que ela poderia beijar seu rosto bonito. A única coisa que ela tinha certeza era que ela estava indo encontrá-lo, e ela estava indo para usá-lo, como Ira o tinha sugerido. Ele também estava possuído por um demônio, e enquanto ele a protegia - se o fizesse - ele poderia ensinar-lhe como controlar esse lado mais escuro, novo de si mesma. 

E uma vez que acontecesse era bye-bye Cronus. 

Determinada, ela deu um passo em frente novamente. Ou pelo menos tentou. Essas malditas correntes rangeram, mas mantiveram-se estáveis. Seu corpo queimando com raiva, com ódio, e as asas continuavam crescendo entre as omoplatas e batiam descontroladamente. 

Cada emoção deu-lhe força. Ela estremeceu novamente. E mais uma vez. Sentia a pele ser cortada e os vasos sanguíneos serem arrebentados... Paris, sua mente gritou, dando-lhe força... E, finalmente, uma das correntes partiu.

 

Amun tropeçou na caverna escura, William e Aeron segurando-o e impedindo-o de beijar o chão cheio de ossos. Haviam lutado contra incontáveis demônios subordinados para chegar até aqui, neste vale da morte esquecido. Eles estavam tão feridos quanto ele. Ele não devia aumentar o fardo deles, mas não podia fazer nada. 

Crunch, crunch. Suor escorria dele, drenando-o. Sua pele estava cortada como um peru de Natal, mas isso não foi o pior dos seus tormentos. Demasiado, muitos segredos... Eles bombardeavam-no, consumiam-no. Segredos demoníacos, segredos vis. Furtos, estupros e assassinatos. Oh, os assassinatos. 

As almas decadentes desta prisão subterrânea mataram seus irmãos, da mais hedionda das formas, aproveitando cada pedacinho de tortura. E agora, os demônios que viviam aqui estavam desfrutando cada bocado da tortura por eles infligida. Retaliação, eles a achavam tão doce. 

Os demônios, pelo menos, não guardam segredos. Eles são felizes em compartilhar os detalhes repugnantes de suas vidas. Mas Amun também podia ler sua mente e sabia demais de seus vis pensamentos. Ele podia sentir o seu desejo de roubar, estuprar e matar. Poderia ver através de seus olhos como eles faziam. 

Nunca tinha se sentido tão sujo e duvidava que alguma vez fosse capaz de purificar-se do presente. Segredos que apesar de tudo, adorou. Amou cada momento. Cantarolava, absorvendo cada nova revelação, como chocolate por um canudo. 

— Nada de Legion? — Aeron perguntou pela milésima vez. 

Ele balançou a cabeça e estremeceu pela dor que se seguiu. 

— Nós não podemos manter nossa localização escondida. — Disse William. — Estamos sangrando de cada corte de nosso último round com os subordinados. Eles são pequenos, mas, caramba, eles são traiçoeiros. Pensei que ia perder minhas bolas. 

Lúcifer poderia ter medo do guerreiro, mas seus agentes não. Eles atacaram William tão firmemente quanto eles atacaram Amun e Aeron. 

— Você vai ter que roubar as memórias de um demônio. — Disse Aeron a Amun sombriamente.

— É a única maneira. —William tinha razão pela primeira vez. — Quanto mais tempo ficarmos aqui, mais somos forçados a lutar e mais fracos nos tornamos. 

Não, pensou Amun, inclusive enquanto assentia com a cabeça. Sabia que chegaria a isso. Ele esperava o contrário, e resistiu enquanto pôde. Se as coisas estavam ruins agora, iam ficar impossíveis depois que ele roubasse um jogo de memórias demônio. Não haveria purga para ele mais tarde. 

Eles seriam uma parte dele para sempre. 

Por que você está fazendo isso de novo? Ele perguntou. Porque ele amava Aeron. Queria que seu amigo fosse feliz e sabia que seu amigo não pode ser feliz de outra maneira. 

E o que dizer da sua felicidade? 

Ele ignorou a questão. Ele podia falar do que ele estava prestes a fazer, e não podia permitir-se fazer uma coisa dessas. 

— Encontre um demônio. — Ele assinou. — Tragam-no vivo. Quanto mais alto no sistema de castas melhor. 

— Você quer um de casta superior? — William perguntou, incrédulo. Um de casta superior era o que possuía cada um dos outros Senhores. Eles eram os mais poderosos dos demônios e os maiores conhecedores do que estava acontecendo aqui em baixo, mas havia muito poucos ainda nessas profundidades. Os que não haviam tentado fugir com os outros. Como Segredos. 

Amun assentiu. Se fosse possível. Eles seriam ainda mais difíceis de capturar. 

Seus amigos o levaram para a sombra da entrada da caverna mais próxima o que o aliviou. Cada músculo em seu corpo cansado suspirou de alívio, basicamente sentia-se derretido. Fechou os olhos. Descanso, ele ia descansar um pouco. 

Alguém deu-lhe um tapinha no ombro e colocaram-lhe uma arma na mão. Então soaram passos. Quanto tempo ele ficou lá, com a arma deslizando gradualmente do seu pulso frouxo, ele não sabia. Tudo o que ele sabia é que quando abriu os olhos os seus amigos estavam de volta. 

Aeron e William estavam na frente dele, ofegantes, mal conseguindo manter seu controle sobre um demônio que lutava desenfreadamente. A criatura era tão alta quanto eles, tinha escamas verdes e o rosto era composto apenas por osso. Tinha vários chifres que saíam de sua coluna e até mesmo os seus pés. 

— Não é da casta mais alta, mas é perto o suficiente. — Aeron disse. Tinha um corte novo na testa e o sangue caía pelo olho esquerdo. 

— Faça-o. — William ordenou. — Antes que seja tarde demais. 

Embora fosse necessária toda a sua força, Amun conseguiu colocar as mãos na cabeça da criatura.  A luta do demônio intensificou-se. Escaparam gritos. Por duas vezes Amun deslizou fora do lugar por ter as mãos suadas, mas ele acabou fazendo a conexão mental e suas mãos não eram mais necessárias. 

A sua memória foi inundada. Uma vida inteira de raiva, dor e tortura. Tudo infligido aos outros. A criatura era o segundo no comando do Grande Senhor Dor, do demônio de Reyes. Após a fuga de Dor, esta criatura tinha tomado posse. Oh, e ele tinha apreciado magoar os outros. De todas as maneiras imagináveis e até mesmo algumas que Amun nunca tinha considerado. 

Ele, inclusive, magoou Legion. E agora, seus gritos estavam presos dentro de Amun, a sua expressão aterrorizada a única coisa que ele podia ver. Deuses, ele queria vomitar. E ia vomitar, no momento em que a ligação fosse cortada. 

William e Aeron libertaram-no do fardo e ele desabou no chão, pelo menos agora tinha o cérebro limpo. 

Uma mão acariciou a cabeça de Amun, parando na base do pescoço e massageando. Um toque reconfortante que pretendia acalmar. Nada poderia acalmá-lo, no entanto. Nem nunca mais. 

— Você sabe onde ela está? — Aeron perguntou suavemente. 

Amun balançou a cabeça, lágrimas queimavam seus olhos. Os gritos... O sangue... Era demais... 

A mão em seu pescoço se deteve. 

— Onde? Diga-me, Amun. Por favor. 

Amun levantou o olhar, pronto para vomitar novamente.

— Ela é dada a um demônio diferente diariamente. Ela é espancada, torturada... E coisas piores. No fim do dia ela volta para Lúcifer que entretêm subordinados com seus gritos. Hoje, ela está com ele. E ele... Ele... Ele sabe que você está aqui. Ele planeja matá-lo na frente dela.

 

Scarlet não se moveu ou falou enquanto Gideon engatinhava sobre seu corpo. Ele levou seu tempo também, tirando as botas, as meias e as calças ao longo do caminho.

Ela podia ter protestado. Mas não o fez. Precisava disto, compreendeu. Uma só vez. Um momento de beleza e prazer para ofuscar toda uma vida de ódio e arrependimento. De tristeza e dor. De engano.

Engraçado, Gideon era o guardião de Mentiras, mas era a única pessoa que alguma vez foi honesta com ela.

Então, neste momento? Sim, ela tomaria. Apegaria-se a isso. Algo mais com ele... Não. Enquanto sua mãe vivesse, enquanto sua tia pudesse manipular sua mente, era um perigo para ele.

Um perigo que ele não merecia. Estava livre de culpa por cada crime que ela alguma vez tinha jogado em sua cara.

Deus, era uma idiota. Merecia somente castigo. Deveria ir embora, não entregar-se ao luxo egoísta de roubar este momento. Devia-lhe isso, pelo menos. Mas não poderia forçar-se a se afastar dele.

Só uma vez, lembrou a si mesma. Teria-o. Parecia querê-la, assim realmente, deixá-lo também seria egoísta.

— Tão feia. — Ele sussurrou, reverentemente arrastando as pontas dos dedos ao longo da parte interior de suas coxas.

Um arrepio brotou sobre sua pele, mas quando ele se deu conta do que havia dito, congelou-se e a contemplou com pânico incipiente.

— Sei o que quis dizer. — Disse-lhe brandamente. Ele a tinha deixado somente com uma camiseta e calcinhas, assim não podia ver as pontas duras dos mamilos. Não podia ver o quanto o desejava já.

Lentamente, ele se relaxou.

— Não estou surpreso por você, diabo. — Os polegares passaram na depressão detrás de seu joelho, acariciando-a, tentando-a. — Não me diga que sabe isso.

Como poderia ser tão suave com ela? Como podia suportar tocá-la? Depois de tudo o que acabavam de descobrir?

Se vai desfrutar disto, tem que parar de viajar por essa linha de raciocínio.

Mas não podia deter-se. Os pensamentos se precipitavam, afiados e inegáveis. Tinha construído fantasias ao redor deste homem. Fez isso. Tudo por si mesma. Sua tia somente tinha feito à sugestão de que tinham estado casados, e Scarlet tinha criado toda uma verdadeira história. Estava humilhada. Estava cheia de remorso. Vulnerável. Em carne viva. Humilhada. Tinha mencionado isso?

Sobretudo, estava desconsolada. Seu lindo casamento nunca tinha ocorrido. Nunca tinha deitado nos braços deste homem, esperançosa e saciada. Não lhe tinha dado um filho. O queixo se estremeceu enquanto lágrimas candentes alagavam os olhos.

— Não tem que fazer isto. — Podia não querer que ele parasse, podia querer este momento com ele, mas tinha que lhe oferecer uma saída. Se estivesse fazendo isto por piedade, bom, não podia lidar com mais vergonha e isso a envergonharia mais que qualquer coisa. — Você na realidade não é meu marido.

— Continue falando. — Resmungou, elevando sua camiseta, agachando-se e lambendo-a no umbigo. — Eu adoro o que tem dizer.

Um pequeno tremor se moveu através dela, abafadiço e faminto. “Continue falando” igual a “cale a boca” no “modo Gideon”. Quem teria pensado que desfrutaria em ouvir essas palavras?

— Tudo o que tento dizer é que não me deve nada. — Era sua essa voz ofegante? — Em todo caso, eu devo isso a você.

Ele se imobilizou, levantou o pescoço outra vez, os olhos estreitando-se, os cílios enredando-se juntos e bloqueando esse primoroso azul oceano.

—Deve-me muito. — Havia fúria desenfreada no seu tom. — É exatamente do que isto se trata. Certo. Não a desejo desesperadamente. — Disse rigidamente. — Não compreende? Meu corpo não anseia o seu. Não sonhei estar com você desde o primeiro momento em que a vi. O passado importa. Importa.

Várias lágrimas salpicaram e escorreram pelas bochechas. Envergonhavam-na as lágrimas. Mas ainda assim não podia deixar de fazê-lo. O passado não importava para ele? Como poderia atrever-se a esperá-lo?

— Sério?

Ele assentiu com a cabeça, o olhar fixo sem nunca deixar o dela.

— Não é minha.

Era dele. E com isso, algo estalou em seu interior. A resistência que tinha lutado tão duro em construir contra ele, possivelmente. Tudo o que ficou dentro foi desejo. Tanto desejo. Teria-o. Só esta vez, recordou a si mesma uma segunda vez. Não voltaria a reter nada. Daria-lhe tudo.

O que ocorreria a seu coração depois, não sabia. Mentirosa! O que ficaria dele seriam pedaços. Não se preocuparia por isso até que fosse absolutamente necessário. Agora mesmo, Gideon estava com ela. Queria-a. Isso era suficiente.

Embora tivesse querido saltar sobre ele cada vez que tinham estado perto, nunca se tinha permitido ser a agressora. O ressentimento e o orgulho tinham entorpecido e emudecido cada sensação. Mas não desta vez.

Lentamente Scarlet se endireitou, obrigando Gideon a fazer o mesmo, até que se sentou aberta sobre suas coxas. O cabelo lhe caía sobre os ombros. Os fios não eram o suficientemente longos para cobrir seu decote, e isso a irritou por um momento. Tal coisa teria sido sexy, e queria ser sexy para este homem. De todas as maneiras possíveis.

Queria que a quisesse com a mesma intensidade que o tinha querido todos estes anos. Todos estes séculos.

Ele aspirou de um puxão.

— Não mais. — Mais.

— Ainda não. Quero vê-lo. — Agarrou a barra de sua camiseta e puxou o tecido para tirá-la pela cabeça.

Agora foi ela que aspirou de um puxão. Deus, era magnífico. Perfeição em todos os aspectos. Sua pele era dourada, seu estômago com dureza de força sem precedentes. Os olhos negros e lábios vermelhos que ele se tatuou no peito e pescoço lhe chamaram a atenção e os riscou com a ponta de um dedo. Inclusive riscou uma borboleta imaginária em seu ombro direito, a unha raspando ligeiramente, deixando um rastro vermelho. Poderiam não estar casados, mas o símbolo os conectava.

— Esfria tão mal. — Ele ofegou.

     Arde tão bem, quis dizer, e isso a emocionou. Deslizou o toque ao aro cor anil que lhe perfurava um mamilo, então ao pingente cor safira do umbigo. Azul outra vez.

— Por que você gosta tanto do azul? — Perguntou pouco antes de lhe dar um golpezinho com a língua ao anel do mamilo. Metal frio e pele quente, uma combinação deliciosa.

Um gemido escapou dele.

— Não quer falar disto agora? — Ele curvou uma mão sobre a ereção que aparecia pela cintura das calças e se roçou de cima a baixo. — Não há algo melhor para nós fazermos.

E o tinha considerado magnífico antes. Idiotice dela. Aqui estava ele, primitivo. Um guerreiro que via o que queria e tomava, malditas as consequências. Mas...

— Sim. Quero falar. — Sabendo que era igual de importante como estar com ele. Só esta vez.

Esta vez, ela desprezou o aviso.

A mão de Gideon se afastou, e suspirou, pondo seus desejos por cima dos seus. Ele não se retirou pouco a pouco dela, mas sim lhe cobriu o traseiro e a empurrou para frente, até que o núcleo dela o cobriu. Duro, quente. Ela mordeu a parte interior da bochecha para deter um gemido imprudente de formar-se.

Ele lambeu os lábios.

— Não tinha um menino no Tártaro, e não foi a pequena coisa mais feia que alguma vez tivesse visto. Um dia não entreguei um novo prisioneiro em sua cela e o menino não pediu um brinquedo. A única coisa que não pude encontrar foi papel e uma tinta. Não era azul. Quando não os entreguei, o menino não sorriu com o sorriso mais doce que alguma vez tinha visto e disse que o azul jamais era a melhor cor no mundo, como o céu sobre o que ele tinha ouvido, mas que nunca tinha visto. Esse dia, o azul não começou a representar... Liberdade para mim.

Enquanto ele estava falando, Scarlet tinha deixado de respirar, o pequeno tremor deslizando-se ao longo da coluna vertebral muito tensa.

— Esse menino... — Conseguiu dizer. — Tinha a cabeça raspada e olhos negros?

Franzindo o cenho, Gideon inclinou a cabeça a um lado.

     — Como... — Ficou rígido. O olhar se ampliou, e prestou atenção a seu rosto, estudando-a fixamente. — Não foi você. — Ficou sem fôlego. — Mas você...

— Se tive uma cabeça raspada como um menino, sim.

Possivelmente fora assim como ele tinha reconhecido seus olhos, mas isso não explicava como tinha reconhecido seus lábios. Tinha-os visto quando ela invadiu seus sonhos, como ela suspeitava? Tinha sido ele verdadeiramente tão consciente dela?

— É uma das poucas bondades que lembro de minha mãe. A maior parte dos prisioneiros sabia que eu era uma garota, mas era melhor não recordá-los. Era melhor parecer tão... Pouco atrativa como fosse possível.

— Alguém fez...

Ela arqueou uma sobrancelha.

— O Tártaro está cheio de deuses e deusas que estavam acostumados a se dar bem. Acostumados a exercer seu poder em qualquer momento que desejassem. Estavam zangados, frustrados e desolados. O que você acha? — Podia ter mentido para ele. Fazer-se passar por pura, intocada. Mesmo assim, queria só honradez entre eles.

Oh, ironia, pensou ela.

Um músculo tiquetaqueou debaixo do olho.

— Não fui a Zeus e perguntei o preço pela libertação do menino, sabe. Não fui rechaçado. — Cada palavra era mais rouca que a anterior.

— Obrigada. — Disse, e sorriu abertamente. — Isso foi doce por sua parte.

Assim tinham se falado dentro dessa prisão. Isso foi real. Uma lembrança real. E a tinham compartilhado. Juntos. Não era estranho que ela tivesse adorado a este homem.

— Já terminei de falar agora. Espero que você também?

— Sim. — Disse ele bruscamente.

Mas ele estava ainda claramente considerando o passado. Ainda zangado a respeito de seu tratamento. Queria-o enfocado nela agora, e só nela.

— Mmmhmm.

— Vou tê-lo agora.

Ele soprou, mas permaneceu quieto enquanto lhe desabotoava as calças. Cueca preta, levantando uma tenda com sua excitação. Sua boca salivou. Antes que a noite terminasse, ia ter esse pênis duro e grosso dentro da boca e corpo. Não deixaria que Gideon deixasse esta cama até que ambos tivessem chegado ao clímax uma dúzia de vezes. Pelo menos. Aproveitaria ao máximo sua noite juntos.

Rapidamente lhe tirou as calças e a roupa de baixo e as jogou no chão. Ele já tinha começado a chutar fora as botas e meias três quartos. Se ele até os tinha estado usando. Ela não podia recordar. E agora, finalmente, estava nu.

Agora, finalmente, era todo dela.

Ela se sentou nos tornozelos, admirando o resto dele. Suas pernas eram longas, magras, mas perfeitamente musculosas. Havia um ligeiro punhado de pelo escuro em suas panturrilhas que se atenuavam em suas coxas e se espessavam outra vez ao redor de seu pênis. Seus testículos estavam pesados e fortemente contraídos.

— Não me toque. — Grasnou. — Seu olhar não me mata.

Assim que ele pensava que estava morrendo, verdade?

— Então sinto lástima por você. Inclusive não comecei a torturá-lo ainda.

Um gemido. De antecipação? Ela esperava que fosse assim.

Scarlet riscou sua tatuagem real de borboleta com a língua, então fez o percurso até seu saco. Ele lançou outro gemido, este muito mais rouco.

Só para atormentá-lo ainda mais, ela soprou sobre a umidade que tinha deixado atrás, o fôlego quente se esfriaria contra sua pele. Outro gemido, inclusive uma inclinação de suas costas enquanto ele procurava um contato mais próximo.

— Segure-se à cabeceira da cama e não se solte. — Ordenou-lhe, não que ele fosse decidir bombear em sua boca e terminar as coisas muito rapidamente. O tinha trabalhado para dar seu primeiro orgasmo com ele. Não podia fazer menos por ele. — Entende?

Ele ficou rígido.

Ao princípio, pensou que tinha empurrado muito longe a este dedicado guerreiro acostumado a controlar. Ficou com o olhar fixo sobre ela, a incerteza em seus olhos. Mas então, os braços voaram por cima da cabeça e os dedos se envolveram ao redor da parte superior da madeira. Agarrando-se tão fortemente que os nódulos empalideceram.

Precaveu-se de que sua incerteza não tinha provindo de sua relutância a seguir suas ordens, mas sim do temor. Temia acreditar que ela na verdade se encarregaria.

     E isso queria dizer... Que queria deixar o controle. Desejava perder-se na paixão sem preocupar-se com nada, exceto as sensações.

É óbvio. As humanas com as que tinha estado não o tinham sabido porque ele não tinha podido dizer a elas. Não importava que Scarlet quisesse matar a essas humanas por tê-lo tocado e saboreado.

— Diga-me o que deseja de mim. — Precisava ouvi-lo dizer. Necessitava que ele soubesse que ela e nenhuma outra entendia sua verdadeira intenção. — Admite-o. A sua maneira.

— Eu… Eu... — Lambeu os lábios outra vez. Não havia vergonha nos olhos brilhantes, só mais dessa incerteza. — Não sei o que quer que admita.

Sim, ele sabia.

— Diga-o, Gideon, ou me afastarei. Isto termina. — Poderia seguir com essa ameaça? Não sabia. Com sorte, ele não a faria descobri-lo. Já estava úmida e dolorida, faminta por ele.

E se perguntou, seria ele o amante que tinha criado em sua mente? Ou algo mais?

— Não quero que esteja no controle. — Sussurrou, como se temesse que pudesse tomar isso literalmente.

— Bem. Isso é bom. Porque nesta cama, eu dito cada uma de suas ações. Nesta cama, sou sua proprietária.

O alívio que cobriu seus traços a emocionaria durante o resto de seus dias.

Assim que ela levou o jogo ao seguinte nível.

— Se duvidar em me obedecer inclusive uma vez, deixarei você insatisfeito. Terá que me observar dar prazer a mim mesma, sabendo que não terá permissão de chegar ao clímax. Compreende?

Ele assentiu com a cabeça, incapaz de esconder a avidez. Até o pênis se crispou.

Nunca tinha sido uma agressora sexual, quer dizer assim dura, mas mentiria se clamasse não desfrutar disto. Queria ser o que Gideon nunca tinha tido antes. Queria ser tudo o que ele necessitava, tudo o que desejava.

— Não se mova, nem um pouco. — Disse-lhe enquanto baixava a boca a sua ereção. Entretanto, não o tocou, só deixou que as exalações continuassem lhe acariciando. Por um momento, pensou que possivelmente ele inclusive tinha deixado de respirar.

— Diabo. — Disse finalmente entre dentes. Mas não se moveu. Oh, não, ele não se moveu. — Posso esperar para sempre. Por favor, por favor, não faça... Faça alguma coisa. Por favor...

Ainda assim, esperou. Até que o sangue lhe derretesse as veias. Até que ele tremesse. Até que estivesse pronto para saltar fora de sua pele, a escuridão e os gritos girando dentro dela, desesperados pela libertação. Então Scarlet o lambeu da base à ponta.

Ele gritou seu nome, uma súplica e uma maldição rodaram em uma imploração rouca. Fez girar a língua ao redor de sua fresta, saboreando a salinidade de seu sêmen, então se dirigiu abaixo, tomando em seu interior durante o caminho. Até que, longo como ele era, golpeou-lhe a parte traseira da garganta. Meu homem.

Acima e abaixo o montou com a boca, e inclusive assim ele não se moveu. Ele queria, sabia, pois podia sentir a tensão em seus músculos. Podia não ser seu marido, mas justo nesse momento lhe pertencia. Possuía-o como ela tinha reclamado, havia possuído sua paixão, e o conhecimento foi intoxicante, deixando sua mente opaca, esquentando o sangue ainda outro grau.

Agarrou-o pela base tão forte como pôde, e ele gritou. Não de dor, mas sim do prazer intensificado. Com a outra mão, cavou-lhe as bolas e puxou fortemente.

— Mova-se agora. Pode se mover.

Sem importar que corrente de controle ele tinha mantido no corpo, rompeu-se, e se estremeceu repetidas vezes, uma e outra vez, bombeando com os quadris em sua mão, tentando deslizar a pênis dentro do estável apertão. Mas ela nunca afrouxou o agarre, nunca lhe permitiu criar a fricção necessária, e nenhuma semente emergiu. O pênis permaneceu duro como um tubo.

— Bom menino. — O elogiou com voz rouca. — Merece uma recompensa.

Sua única resposta foi um ofego esmigalhado. O suor refulgiu sobre seu corpo tremente enquanto ela beijava um caminho ascendente para seu estômago. Deteve-se e salpicou beijos em seu umbigo, então brincou com seus mamilos, sugando um, depois o outro. Logo, seu estremecimento foi tão veemente, que a cama inteira se balançava e as molas chiavam.

Dentro da cabeça, Pesadelos cantarolava.

Quando Gideon tentou arquear as costas, colocando o pênis no vértice de seu centro escorregadio, ainda coberto pelas calcinhas, ela mordeu a argola do seu mamilo e puxou fortemente. Ele gemeu, e a madeira que segurava se rachou, mas se forçou a recostar os quadris sobre o colchão. Seu fôlego se tornou mais dilacerador.

Scarlet se endireitou e se sentou escarranchada sobre sua cintura. Lentamente ela tirou a camiseta e deixou cair o tecido ao lado de sua cabeça. Seu olhar candente a comeu, devorando os seios. Enquanto ele observava, ela os escondeu na palma da mão, beliscando os mamilos. Ele elevou a cabeça, tentando chegar a eles.

— Não. — Sim.

Foi um grito de seu demônio e uma prece de seu corpo, mas ela negou com a cabeça.

— Abaixo.

A contra gosto, obedeceu.

Negar-lhe não era um jogo de poder para ela. Nem muito menos. Tinha dado a ela o controle, tinha estado desejoso de renunciar a ele, de fato. Isso significava que tinha querido que alguém lhe dissesse não. Que o dirigisse. Qualquer outra mulher lhe teria permitido a ação, mas ele não queria o que sempre tinha tido. Queria algo diferente. E o daria, sem importar a oposição. Por muito que quisesse essa boca chupando-a.

— Diabo. — Gemeu. Querida.

— Ponha sua mão entre minhas pernas.

A cabeceira finalmente se rompeu enquanto se apressava a obedecer. Embora lhe houvesse dito que utilizasse só uma, ele pôs uma mão entre suas pernas, gemeu como se lhe doesse, então colocou a outra em sua coxa e gemeu como em agonia.

Não o repreendeu. Ainda. A ação tinha sido provavelmente instintiva de sua parte, e foi definitivamente bem-vinda pela dela.

— Faça-me chegar ao clímax assim. A mim, só a mim.

Ele estava sacudindo a barreira de suas calcinhas a um lado e imediatamente no momento seguinte seus dedos estavam deslizando-se sobre seu clitóris molhado. Agora foi ela quem deve ter gemido. Pesadelos, também. Tão condenadamente bom. As sombras e os gritos finalmente se libertaram, fluindo dela, envolvendo a cama, rendendo-se ao redor deles.

            Como antes, Gideon não pareceu prestar atenção. E durante muito tempo, ele simplesmente a esfregou. Esfregando-a até que se moveu com seu toque, tentando força-lo a afundar os dedos em seu interior em vez de atormentar seu centro sensitivo.

Deus, ele a trabalhava a um ritmo febril, assim que quando finalmente, felizmente a penetrou com um dedo, instantaneamente chegou ao clímax, o espremendo, o apertando.

A cabeça caiu para trás enquanto montava ondas de satisfação para o céu, estrelas brilhando intermitentemente detrás dos olhos. Quanto tempo flutuou, não soube. Só soube que quando retornou a si mesma, Gideon estava quieto, o temor em seus olhos, esperando sua seguinte ordem, seu corpo tão tenso que ela poderia tê-lo partido em dois.

Entretanto, isso não foi o suficiente bom. Queria-o louco pela luxúria. Queria-o mendigando por isso.

Agora o repreendeu duramente.

— Outra vez. — Disse entre dentes. — Me fará gozar outra vez antes que receba seu próprio prazer. E possivelmente a próxima vez seguirá minhas ordens ao pé da letra.

Não haverá uma próxima vez.

O pensamento quase desalentou seu desejo. Quase. Mas o desejava muito nesse momento.

— Sinto muito. Sinto-o. — Balbuciou, o qual significava que não o lamentava absolutamente.

Um segundo dedo se uniu ao primeiro, afundando-se dentro e fora. Tudo enquanto o polegar de Gideon brincava com esse molho pequeno de nervos. Dupla estimulação, bom, tão bom, tão bom, tão condenadamente bom. Mais sombras, mais gritos.

— Não goze, diabo, não goze. — Os quadris se moveram em sincronia com suas palavras, roçando-se contra ela, eletrificando seu prazer.

Justo assim, Scarlet foi impulsionada de retorno ao céu, girando em espiral, livre, tão afligida que nunca poderia ser a mesma. Podia? É isso!

— Não me deixe tê-la, por favor, não me deixe tê-la. Por favor.

Uma súplica que ele provavelmente nunca tinha pronunciado. E que ele não a tomasse ainda, que esperasse permissão, falava mais de sua necessidade intensa por renunciar ao controle do que sua vacilante confissão tinha feito.

Isso foi pelo que não lhe deu o que ele desejava ardentemente. Ainda não.

— Rasgue as calcinhas para tirá-las, mas não entre em mim.

O pequeno pedaço de tecido azul foi arrancado e deixado de lado com o sutiã em menos de um segundo. Gideon lhe agarrou os quadris, os dedos dobrando-se ao redor do traseiro. Apertou tão resolutamente, que soube que teria machucados. Machucados que ela dava às boas-vindas.

— Não agora? — Linhas de tensão se ramificaram dos olhos, e estava mordendo o lábio inferior tão forte, que tinha uma gota de sangue deslizando-se para o queixo. Ele estava à beira, desesperado, mas ainda esperou.

Isso a excitou ainda outro grau, como se ela já não tivesse chegado ao clímax duas vezes.

— O que fantasiou em fazer com as outras garotas? — Perguntou-lhe.

— Outras garotas? Lembro todas as outras garotas. — Uma admissão hesitante. Tensa. — Posso pensar em todas exceto em você.

Pensava só nela. Meu amor. Já não podia fazê-lo esperar mais.

— Dentro. — Disse, e ele a estava elevando, empurrando profundamente, rugindo forte e comprido antes que a última sílaba deixasse sua boca.

Scarlet chegou ao clímax instantaneamente, estremecendo-se, seu rugido fazendo par com o dele. Deus, ele a esticou, pegou-lhe em seu ponto, e o orgasmo foi muito mais intenso que qualquer um que ela alguma vez tivesse experimentado antes. Inclusive os gritos e sombras se estremeceram. Pesadelos também bramou. Gideon, também, chegou ao clímax instantaneamente, gritando seu nome, lançando o jorro de sêmen quente dentro dela. Marcando-a, reclamando-a. Possuindo-a. Ela podia ter-se deleitado nas sensações para sempre, poderia ter permanecido como um só ser, uma parte de Gideon, para a eternidade.

Ou ao menos até que a porta de seu dormitório chocou ao abrir-se e dois zangados Senhores irromperam dentro do dormitório, com as armas descobertas.

 

Gideon escutou o rompimento da madeira contra o metal, e sabia que sua porta acabava de ser arremessada sob chutes. A seguir escutou passos zangados e um murmúrio.

— Que demônios? — Disse seu amigo Kane.

—Merda. — Grunhiu Lucien.

Tinham que estar confusos. As sombras de Scarlet enchiam o quarto de um canto a outro, espessas e escuras retorcendo-se. Pior ainda, os gritos que acompanhavam as sombras eram mais fortes que um megafone e mais ameaçadores que um grito de guerra.

— O que devemos fazer? — Exigiu Kane.

Evidentemente, nenhum dos guerreiros podia ver através da escuridão. Merda, nem Gideon podia. Mas não queria que nenhum dos dois disparasse agora e perguntasse depois.

— Não sou eu. — Gritou por cima do ruído, fazendo Scarlet rodar debaixo dele e sacudindo as mantas sobre seu corpo nu.

Felizmente, ela não resistiu, e seu desejo de cegar a qualquer pessoa que pudesse vê-la tão satisfeita retrocedeu.

Se fosse a sua maneira, ninguém a veria nua além dele mesmo. E malditos deuses, que ia fazer todo o possível para sair bem disso.

— Quem está aí? — Demandou Lucien.

— Não sou Gid. Não estou bem.

— Gideon? — A confusão do Kane era clara. — Strider nos disse que tinha partido.

— Não retornei.

— Que demônios está acontecendo aqui? — Lucien de novo.

— Não me dê um minuto, e não vou esclarecer as coisas. Ah, e não fiquem quietos.

Gideon levantou uma sobrancelha espectador a Scarlet. Por muito que quisesse mantê-la escondida, não podia. Seus amigos precisavam vê-la “coberta”, ver como a olhava, e saber além de qualquer dúvida que pertencia a ele. Que quem a machucasse ia morrer. Simples assim.

— O que? — Arrastando o lençol com ela, retorcia-se debaixo dele e se apoiou contra a cabeceira rachada. A expressão estava em branco, embora o rubor fosse intenso. O cabelo negro se enredava ao redor do lindo rosto e ela alisou alguns fios com uma mão firme. Estável.

Não gostava disto. Não quando parecia que um terremoto estava ainda arrasando através dele.

— Como se não soubesse.

— Muito bem. Quer uma audiência para nossa sensação prazenteira? Obterá uma audiência.

Fechou os olhos, endurecendo suas feições com determinação. Um momento depois, as sombras se reduziram e os gritos se acalmaram, tanto que parecia um bloco de vapor que se fechava a seu redor antes de ser absorvido por completo em seu interior.

Enquanto ela se sentou aberta sobre ele, enquanto ele empurrava o pênis profundamente dentro dela, tinha esquecido que estavam ali. Demônios, tinha esquecido tudo. Exceto o prazer, isso era.

            E deuses, tinha-lhe dado prazer. Nada como isso tinha acontecido a ele antes. Mas tinha sonhado com isso. Sonhava estando à mercê de uma mulher enquanto que ela tomava o que queria dele. Isso provavelmente não era algo com o que a maioria dos guerreiros tivesse sonhado, mas com o passar dos anos tinha decepcionado a muitas mulheres para contá-las e isso tinha sido um inferno para seu ego.

Dizia algo assim como: Não me diga o que quer, não quero saber, por isso a mulher não dizia e tinha que adivinhar e, é óbvio às vezes - a maioria das vezes - equivocava-se. Essa noite, não tinha querido pensar em seu seguinte movimento. Não tinha querido perguntar-se se estava fazendo bem.

Scarlet tinha se ocupado de tudo. Deliciosamente.

Sim, gozou como uma puta virgem no momento em que tinha entrado nela e estava envergonhado como o inferno por isso, mas isso só lhe serviu para demonstrar o muito que o tinha excitado. Tinha sabido que ela estava se divertindo, que estava tomando exatamente o que ela necessitava, e isso tinha aumentado seu próprio prazer.

Em realidade, tudo nela tinha aumentado seu regozijo.

Seu corpo se ajustava exatamente ao dele como uma peça de quebra-cabeças. Seu aroma era como o do caramelo e melhor que qualquer ambrósia que tivesse inalado. Sim, tinha estado ali, fazia isso. Sua pele era suave, o contraste perfeito para as mãos calosas, e seu cabelo era perfeito para acariciá-lo. Seu interior tinha estado úmido, quente e estreito, o suficiente para espremê-lo.

Mas a próxima vez, ia ter o controle. Ia exigir, a sua maneira, com ela lhe dizendo exatamente o que desejava. Ela entenderia o que queria dizer, e lhe diria a verdade. O que realmente queria que lhe fizesse. E ele o faria. Cada maldita coisa. Nada seria tabu. Quanto mais sujo melhor.

Kane clareou a garganta e se moveu incômodo de uma bota à outra, e Gideon se deu conta de que tinha estado em silêncio olhando para Scarlet, que ainda o olhava com essa expressão em branco. Tentou não ruborizar-se como um gatinho, mas fracassou.

— Quem é? — Os olhos cor avelã brilhavam com diversão, Kane embainhou as duas pistolas que tinha nas mãos. Não devia ter visto Scarlet no calabouço.

Gideon estudou o guerreiro. Sua mistura de cabelo castanho, dourado e negro era mais curto que quando Gideon o tinha visto pela última vez. Sem dúvida, seu amigo tinha tido as mechas no fogo. Uma vez mais. O demônio do homem, Desastre, alimentava-se de catástrofes. De fato, atraía-as de propósito, um dos fragmentos de madeira que tinha voado da porta arrebentada estava metido no flanco de Kane, o sangue se filtrava da ferida lhe ensopando a camisa.

— É minha esposa. — Disse Gideon, e embora as palavras fossem uma mentira, gostava de dizê-las.

Podia ouvir o orgulho em seu tom.

— Em realidade, não sou ninguém. — Disse Scarlet sem rodeios. — Não sou nada.

E uma merda, pensou, lhe jogando um olhar furioso. Ela era... Tudo.

Tudo? Seu cenho se franziu. Sem dúvida que era um exagero. Gostava de estar com ela, desfrutar dela, tinha pensado em casar-se com ela de verdade, sentia-se casado com ela, e inclusive mataria para protegê-la. Mas que fosse tudo para ele?

Não podia pensar em nada que valorizasse tanto quanto a valorizava. Nem sua guerra, nem suas armas. Nem sequer seus amigos. Assim, sim. Talvez.

— Ela é Pesadelos. — Disse Lucien, a afiada faca pontuda em direção a Scarlet. — Aliás, um dos poucos prisioneiros que alguma vez deixaram nossos calabouços com vida. — Diferente de Kane, seus olhos não brilhavam com diversão. Seus olhos - um azul que via o mundo espiritual e um marrom que via o reino terrestre - estavam tranquilos e resolvidos. Estava possuído pela Morte, e poderia destruir uma alma em um só pulsado do tempo. As facas eram uma espécie de exagero.

— Não sugiro que abaixe suas armas. Estou seguro de que você gostaria que ameaçasse Annie dessa maneira, tal como eu gosto da forma em que está ameaçando Scar.

Annie, cujo verdadeiro nome era Anya. A prometida de Lucien. O rosto do guerreiro estava marcado terrivelmente, e quando passou a língua pelos dentes, as cicatrizes pareciam ainda mais enrugadas. Com uma vontade de ferro, criava normas e não corria nenhum risco quando se tratava da segurança de seus seres queridos. Especialmente Anya.

— estar fazendo essa sugestão sob coação. — Disse Lucien. — Portanto, vou manter minhas armas onde estão, obrigado.

— Tem razão. Estou sob coação. — Queria gritar, agora afastar essas malditas armas, antes que me veja forçado a fazer algo que os dois lamentaremos! Lucien era seu amigo, e Gideon não queria machucá-lo.

Mas atacaria, sem duvidar, para proteger Scarlet. Já lhe tinham feito bastante mal.

Finalmente, a contra gosto, embainhou as facas.

— Por que não está aqui? Sinta-se livre de não me dizer isso e logo fique todo o tempo que quiser. — O que significava: Diga-me isso e tire seu traseiro daqui!

Tinham visto Scarlet, sabiam que era importante para ele. Missão cumprida. Estava preparado para estar a sós com ela.

Lucien massageou a parte posterior do pescoço.

— Kane me enviou uma mensagem dizendo que algo estava acontecendo em seu quarto, e lampejei de retorno para ajudar já que Torin e Cameo são as únicas outras pessoas que estão na fortaleza.

— Onde não estão os outros?

— Já chegaremos a isso em um minuto. Não esperava que estivesse aqui. Strider me disse que você tinha ido com Pesadelos. E vamos pelo bom caminho, pondo a todos em perigo por deixar à garota descontrolada.

— Ela não tem um nome. — Por que a voz irritada e ofendida? — E não é Scarlet.

Ele simplesmente... Queria que seus amigos a tratassem corretamente, que a tratassem com respeito. Não como se fosse um estorvo ou um inimigo e tivessem que vigiar suas costas cada vez que ela estivesse ali.

— E tcham-ram! — Scarlet separou os braços em um gesto de como-eu-ainda-estou-lúcida. — Depois de todo o descontrole, estamos de volta. Ou ele está. Eu estou a ponto de ir embora. — Chutou o lençol com as pernas, jogando-o para um lado da cama. No instante seguinte, os dois deliciosos seios estavam nus. Ambos os mamilos duros como as cerejas cristalizadas. — Entretanto, alegro-me em vê-los de novo.

Dois pares de olhos se abriram antes que ambos os homens girassem para lhe dar as costas.

— Sim, deixarei que passe. — Onde demônios ela acreditava que ia?

Franzindo o cenho, Gideon a agarrou pela nuca e a puxou para baixo. Bruscamente, sim, mas ela podia aguentar, e gostava disso dela. Com a outra mão, recolheu o lençol. Logo se instalou a seu lado, com os braços ao redor dela e segurando-a em seu lugar em modo de luta.

Ela era um guerreiro e poderia ter lutado, mas não o fez. E não era porque lhe importasse quem a visse nua, pensou sombriamente. Obviamente não estava envergonhada de seu corpo. Não era que devesse estar, mas ainda assim. Estava disposto a lixar os chifres de seus amigos, apesar de que suas armas estivessem guardadas. Agora sabiam que seus mamilos eram de um perfeito tom vermelho.

— Tenho coisas a fazer. — Disse ela com frieza. — E você tem coisas a fazer. É tempo de nos despedir.

— Claro. Porque não estávamos de acordo em fazer essas coisas juntos.

Como Lucien, ela passou a língua pelos dentes.

— Nunca estive de acordo.

Talvez o tivesse feito, talvez não. Ainda não podia confirmá-lo com ela. O qual era estranho, agora que pensava nisso. Não tinham estado casados. Seu passado não se entrelaçava. Bom, não tanto como tinham suposto, de todos os modos. E agora sabia que suas lembranças eram falsas. Assim por que seu demônio ainda não podia dizer quando falava com a verdade?

— Podemos nos voltar agora? — Perguntou-lhe Kane, sua diversão fazendo outra aparição.

— Não. — Disse Gideon.

— Por que quereria fazer isso? Estamos decentes. — Disse Scarlet.

Ambos os guerreiros giraram sobre os calcanhares. Lucien puxou seu colarinho e Kane claramente reprimiu um sorriso.

— Temos que falar. — Disse Lucien, jogando uma olhada de forma significativa a Scarlet. — Muitas coisas vieram abaixo em sua ausência.

— Não diga mais nada. — Imediatamente tentou afastar Gideon e ficar em pé, embora ela nunca tentasse feri-lo diretamente. O qual significava que não queria sua liberdade o suficiente, pensou ele com ar de suficiência. — Posso captar uma indireta. — Acrescentou. — Vou lhes dar um pouco de privacidade.

Segurou-a firmemente, mantendo-a em seu lugar.

— O que precise me dizer, não pode dizê-lo frente a ela.

Acalmou-se, e isso era tão bom como mal. Sua pele esteve se esfregando contra a sua, e assim, o tecido drapejado em seu colo subia mais acima a cada segundo.

Suas bochechas ardiam pela segunda vez nos últimos cinco minutos, Gideon a levantou e a acomodou diante dele, com o propósito de que seu corpo lhe cobrisse a ereção cada vez maior. Engano. O grosso comprimento pressionava na fenda de seu traseiro, e teve que afogar um gemido.

Ela ofegou, como se a tivesse queimado, tentou soltar-se dele.

— Gideon!

Os braços se envolveram ao redor dela em um aperto de parafuso imobilizante, e usou as pernas para emoldurar as suas.

— Não fique cômoda. Vai a alguma parte.

— Gideon. — Gritou desta vez.

— Scar.

— Muito bem, asno teimoso. — Com um suspiro que soou um tanto frustrado e aliviado, relaxou-se contra ele. Inclusive apoiou a cabeça na curva de seu ombro.

Incapaz de resistir, beijou-lhe na têmpora. Esta é minha boa garota.

— Bem. — Ela ondeou uma imperiosa mão em direção a seus amigos. — O que estão esperando? Comecem a falar. Quanto antes comecem, mais cedo terminará isto.

Tanto Lucien como Kane estavam muito ocupados estando boquiabertos para falar.

O que tinha Lucien a dizer? Kane, Cameo e Torin eram os únicos que ficavam na fortaleza? Por quê? E por que tinha tido que lampejar de volta? Onde tinha estado?

— Têm certeza que não querem vestir-se primeiro? — Perguntou finalmente Kane a Scarlet, parecendo tão esperançoso quanto arrependido.

— Não estou seguro. — Respondeu Gideon por ela.

Um, sua curiosidade era muito alta para tomar o tempo necessário para vestir uma camisa e calças jeans.

Dois, não queria que nenhum dos dois desse outro olhar a Scarlet.

E três, não queria libertar Scarlet.

Talvez estivesse sendo egoísta, situando a tentação justo debaixo do nariz de Kane. O homem não tinha tido uma amante em anos, tinha muito medo de que seu demônio de algum modo machucasse fisicamente a suas mulheres. O qual não era um medo irracional. Já tinha ocorrido. Várias vezes. Gideon recordava os gritos. Mas nesse momento, Gideon estava em realidade simplesmente preocupado por Scarlet. Se a deixava ir, poderia correr antes que se acalmassem as coisas entre eles.

— Não faça caso e se explique. — Finalizou. — Não se pode confiar nela, juro-lhe isso. — Depois de tudo, Scarlet não o trairia. Sabia isso, ao menos.

Embora nunca se libertasse de sua relutância, Lucien assentiu com a cabeça.

— Vamos começar com o básico. É possível que não saiba, mas Aeron, Amun e William viajaram ao inferno para resgatar Legion. Ninguém teve notícias deles após.

Cronus tinha mencionado que os rapazes estavam em outro lugar, mas não que esse lugar fosse realmente o inferno. Muito estranho. Gideon não podia partir até depois de ter falado com Amun, e não estava seguro de quanto tempo poderia convencer Scarlet de esperar antes de massacrar a sua desprezível família.

Certamente, ela, supunha-se que teria que evitar que ele entrasse em contato com Amun, e planejava deixar que o fizesse, liberando-a de sua promessa a Rhea, mas não poderia evitá-lo se não conseguia encontrar Amun. Assim de novo, teria que esperar.

Por desgraça, nunca tinha sido um homem paciente. Queria isso terminado e feito. Desejava NeeMah à sua mercê, aliás na ponta de sua espada. Desejava tempo para o romance com Scarlet. Era hora de lhe demonstrar que as coisas podiam funcionar entre eles. Tudo o qual tinha que ser deixado em suspenso.

— Preparado para o resto? — Perguntou Lucien, exibindo agora um aberto sorriso. — Parece distraído.

     Não se ruborizaria. Não de novo.

— Não continue. — Disse com um gesto tão autoritário como tinha sido o de Scarlet.

Lucien se deu por vencido e deixou que seu amplo sorriso continuasse com toda força.

— Os Caçadores rodearam a fortaleza, aparentemente, planejando roubar nossos artefatos. Decidimos nos separar. Anya e eu tomamos a Jaula, Reyes tomou Danika e Strider tomou a Capa. Paris decidiu tirar férias.

— Já não estamos rodeados? — Perguntou, olhando o armário. Tinha uma caixa de armas aí. Poderia fazer um pouco de dano, desafogar-se um pouco.

— Strider matou a maioria deles enquanto saía. — Disse Kane com orgulho.

Sortudo.

— Os outros?

— Maddox não queria Ashlyn perto de um potencial campo de batalha, assim a levou. — Disse Lucien. — Sabin e Gwen pegaram Gilly e se foram a algum lugar.

Sim, isso deixava somente Kane, Torin e Cameo. Poderiam sustentar a situação, se outros Caçadores chegassem e atacassem? Sim, havia armadilhas de todo tipo pela ladeira da montanha e qualquer intruso se veria obrigado a enfrentar primeiro às explosões, os cabos de armadilha, disparos forjados e braçadeiras metálicas ao redor dos tornozelos. Mas isso não pararia a centenas de pessoas. Os sobreviventes poderiam abrir caminho para o interior.

— Posso contar com que ficará? — Perguntou Kane.

Acrescentar um guerreiro mais à mistura não seria uma cura milagrosa, mas ajudaria.

A cabeça de Gideon caiu para trás e golpeou a destroçada cabeceira. Fechou os olhos. Maldição! Se a fortaleza fosse atacada e ele resultasse ferido antes que Amun retornasse, isso atrasaria sua confrontação com NeeMah... Só teria que assumi-lo, disse a si mesmo.

— Não. — Disse. — Não pode contar comigo.

Scarlet não reagiu.

— Sabia. — Disse Kane. — Obrigado.

— Agora. Fiquem aqui. — Disse aos guerreiros. Vão passear! — Não necessito algum tempo a sós com ela.

— Que se divirtam. — Disse Lucien, ainda lançando esse sorriso vergonhoso.

— E tente controlar o... Com o que nos deparamos. — Adicionou Kane. — Simplesmente foi totalmente estranho.

Com isso, ambos os homens se voltaram e saíram do quarto. Um deles permaneceu no quarto para tentar voltar a colocar a porta em suas dobradiças. Quando isso fracassou, quem quer que fosse apoiou a madeira na entrada para que a maior parte do dormitório estivesse bloqueada, só uma longa e magra greta de luz visível.

Enfim sozinhos.

— Não fique aqui comigo. — disse Gideon a Scarlet, e uma vez mais odiou seu demônio. Mais que nada, queria que Scarlet ficasse com ele e estava disposto a rogar para que isso acontecesse. Mendigar adequadamente. Sinceramente. Mas não podia permitir que seu corpo se debilitasse neste instante. Seus amigos o necessitavam em sua melhor forma. — Não quero estar com você. Não podemos fazer isto, sei que não podemos.

— Por que quer estar comigo? — Perguntou-lhe, soltando-se definitivamente de seu controle, de pé, girou para ele com os negros olhos brilhantes.

Deuses, era gloriosa em sua nudez. Sua pele ainda vermelha e rosada, os mamilos franzidos pelo ar frio, as longas pernas fortes, o ventre plano e o umbigo baixo.

— Por que quer tentar?

Deixa-a partir. Uma petição de Mentiras para mantê-la aqui.

Estou trabalhando nisso, mas, por que se importa?

Não é minha.

Assim é, disparou-lhe de volta, fazendo a seu demônio o que Scarlet às vezes fazia com ele. Embora soubesse que o demônio mentia, ele respondeu, como se o demônio lhe houvesse dito a verdade. Ela é minha. E isso não é assunto de debate.

— Não prometeu a sua mãe me impedir de ajudar Cronus. — Disse. — Não tem que…

Sua risada amarga o deteve.

— Sabe uma coisa? Menti a minha muito querida mãe. Além disso, você e eu não temos um passado. — Continuou antes que pudesse responder. — Sentimos-nos atraídos um pelo outro, sim, mas isso desaparecerá. Agora mesmo só sou o brinquedo novo e reluzente que você e seu companheiro conseguiram, e que tem que ser um alívio para você. Mas temos objetivos diferentes, e isso é o que importa. Vou matar a minha mãe e a minha tia, inclusive se me levar uma eternidade. Você vai proteger a seus amigos.

Reluzente brinquedo novo. Ao diabo com isso! Abriu os joelhos, desalojando o lençol por completo. Sim, a ereção se estendia para ela, e sim, deu-se conta, embora retrocedeu um passo, mas não a cobriu.

Deixa-a ver o que o novo e reluzente brinquedo te faz.

Não a agarre, Mentiras ao comando.

Agarrá-la? Perderia o braço. Temos que manipular isto com delicadeza.

— É evidente que está pensando nisto através do modo racional, Scar. Não seguir adiante com sua promessa, e viverá feliz para sempre. — Uma das coisas que sabia. Para os imortais, uma promessa quebrada era fatal. Tinha encarcerado a muitos gregos somente por esse crime. Portanto, Scarlet devia seguir adiante. — Em segundo lugar, encontre-se cara a cara com sua tia e não te dará novas lembranças. Não a golpeará. — Gideon também pôs-se a rir com amargura. Ambos sabiam que seu traseiro seria entregue a ela. — Não a prenderia com uma corrente de sua escolha.

— Agora sei o que pode fazer. Sei que devo me proteger.

Oh, sério?

— Tem problemas para recordar o que aconteceu hoje?

Ela ergueu as costas e levantou o queixo.

— Já te disse. Agora estou preparada.

— Isso vai marcar a diferença. — Não faria uma merda de diferença! Por que não podia ver isso?

— Bem, o fracasso é uma possibilidade que estou disposta a assumir.

Bem, ele malditamente não estava.

— Não fique aqui comigo, e não a ajudarei a derrotá-la. — Certamente, custasse o que custasse. — Somos mais fracos juntos, sabe que o somos. — Eram mais fortes. — Quero dizer, não fiz nada para ajudá-la a chegar a seus sentidos a última vez, verdade? — Ele tinha feito tudo.

A fúria despertou em seus olhos enquanto cruzava os braços sobre o peito.

— E quanto tempo espera que eu fique?

Não respondeu. Não podia. Não sabia quanto tempo precisaria proteger a fortaleza e a todo mundo em seu interior. Não sabia quanto tempo passaria antes que Amun retornasse.

— Isso é o que pensei. — Disse e se afastou.

A elegante curva de suas costas o fazia suar, e as tatuagens... Nunca as tinha lambido, nunca lhes tinha outorgado a atenção que mereciam. Um dia. Um dia dedicaria uma noite inteira a suas costas. Se o deixasse.

— Reteria-me aqui indefinidamente, e não o permitirei. Vou.

Sim. Sim, que se vá. Pare.

— Scar.

— Vou. — Repetiu ela, mas ainda não saía violentamente. — Sim, vou. — Um passo, dois. Vacilantes. Como se lutasse contra si mesma. Ou talvez contra seu demônio.

Seu próprio demônio choramingou.

Deu outro passo, ainda se mostrava reticente. E logo o silêncio, esperando. Talvez tivesse chegado a ela. Talvez…

Empunhou as mãos e se dirigiu a passos longos ao armário. Deslizamento de roupa. Um grunhido.

Mentiras soltou um grito: “Detenha-a”, e era a primeira vez em todos os séculos que passaram juntos que o demônio havia dito a verdade. “Por favor”.

Gideon piscou em estado de choque, inclusive quando o demônio gritou de dor. Dor que lhe irradiava através de todo o corpo. Um grunhido lhe escapou, os músculos pareciam rasgar os ossos, os ossos pareciam sair da pele.

— Não. — Ladrou. — Não!

— Gideon?

Detenha-a...

Outro grunhido. Uma piscada negra em cima da visão.

Cale-se! Temos que permanecer fortes.

Detenha...

O suor brotava dele, pequenos rios por todo o corpo.

— Não me dê... Alguns dias... Para averiguar mais a respeito de... O que está acontecendo e fazer... O que pode para ajudar... Assim não posso sair… Com a consciência tranquila... — Mal podia conseguir as palavras.

Inclinou-se para fora do armário com o cenho franzido.

— O que está acontecendo com você?

— Nada.

Passou um momento enquanto esperava que ele entrasse em detalhes.

— Está sentindo dor?

— Não.

Uma vez mais esperou. Uma vez mais não lhe ofereceu nada mais. Não queria sua compaixão. Não queria que ela tivesse que cuidar dele. Queria que o visse como o guerreiro que era.

Ela franziu o cenho, olhou para outro lado.

— Escute. Nós dois sabemos a verdade. Não poderá sair deste lugar com a consciência tranquila. Não importa quanto tempo leve. E não, não estou fazendo isto para ser cruel. Por favor, acredite nisso. — Sussurrou, logo se meteu de novo dentro, desaparecendo de vista.

Detenha-a... Detenha-a...

Cale-se! Estava sem fôlego, respirava com dificuldade.

— Dormi... Com muito poucas mulheres. — Muitas. — Todas me fizeram sentir... Totalmente satisfeito. — Tinha sido agradado, sim, mas se sentia sempre só e vazio. — Mas com você, tudo é físico. — Não era assim. — Não admiro sua força e sua coragem... E merda, não quero... Ver seu sorriso. — Queria-o. Mais que qualquer outra coisa.

— Não me conhece. — Disse ela, mas houve um tremor em sua voz.

— E não quero... — Merda! Não seria capaz de manter-se consciente muito mais tempo. Tomou toda a força que possuía para levantar-se.

— Cale-se! Só se Cale. Tenho que ir. — Uma pausa. Um gemido. — Tenho que fazê-lo. — Outro sussurro.

Não! Outro grito.

Gideon rugiu quando mais dessa terrível dor fez estragos nele.

— Amanhã não demorará para chegar... Não espere um dia pelo menos. —Fique para sempre.

— Maldito seja, Gideon. O que acontece com você? Diga-me pelo menos desta vez. — Uma vez mais apareceu, um suave material negro pendurava dos dedos. — Por favor.

— Não fique. — Sussurrou.

Um suspiro de frustração se aglutinou em suas palavras.

— A lua está alta. Tenho várias horas para encontrar um lugar seguro. Vou estar bem, assim não há necessidade de preocupar-se comigo, se isso for o que está fazendo.

Talvez pudesse demorá-la. Que continuasse falando até que o sol se levantasse e se sumisse no sonho.

— Como seu demônio sabia... Que eu adoro as aranhas... Muito? — Foi a primeira pergunta que lhe veio à cabeça.

— Meu demônio simplesmente sabe. Meu demônio sempre sabe. Pergunto-me por que tem medo delas?

Gostava que se fizesse perguntas sobre ele. Inclusive sobre isso.

— Antes de minha posse. — Depois de. — E nunca... De vez em quando. —Sempre. — Não as sinto... Arrastando-se por todo meu corpo. Não as jogava longe... E muitas mais não tomariam seu lugar.

Ela desapareceu no interior do armário. Algo fez um ruído metálico, murmurou uma maldição entre dentes. Que mais podia perguntá-la? Tinha o cérebro nublado, nublado pela dor, mas sem dúvida havia algo.

— Então por que… — Maldita seja. O que? — Por que..?

— Detenha. Só pare. Nunca foi tão loquaz antes, assim sei o que está tentando fazer.

Uma pistola fez clique, o metal se deslizou contra o couro, e logo finalmente saiu por completo. Levava o cabelo preso em um rabo-de-cavalo na base do pescoço. Usava outra de suas camisetas e um par novo de suas calças de moletom. Ambos estavam dobrados para adaptar-se ao corpo menor. Em vários lugares, havia um vulto delator. Parecia que tinha roubado... Quatro de suas armas. Não era que lhe importasse.

Gideon queria fechar a distância, tomá-la entre os braços e lhe recordar quão bom tinham entre eles. Entretanto debilitado e lesado como estava, os joelhos, finalmente cederam e se desabou no chão.

Com um grito de preocupação, deu um passo para ele, não obstante, justo antes do contato, conteve-se. Retrocedendo.

— Por favor, Gideon, compreenda. — Frio, tão frio, e era muito pior que sua falta de emoção. — Tem que ser assim. Estar com você... Dói. Há muitas coisas no caminho. Sou muita responsabilidade para você, e sei que não é sua culpa, é minha, mas isso não muda nada.

Cada instinto que possuía desejava lhe dizer que não era uma responsabilidade. Mas não podia. Verdade ou mentira, ela saberia seu significado. NeeMah influiu nela com muita facilidade. Isso não significa que Scarlet não merecesse correr o risco.

Era digna de cada risco.

Mas queria que ela fosse feliz, inclusive se isso significava sua própria tristeza, e não acreditava que pudesse ser feliz com ele. Doía-lhe. A ideia de sua dor o destruiu totalmente. Tinha sofrido muito já.

— Além disso... — Continuou dessa maneira fria e indiferente. Franziu o cenho e esfregou a têmpora, como se a cabeça estivesse dolorida. Ou talvez, como tinha suspeitado, seu demônio fosse tão forte e incômodo como o seu. — Como te disse, vou fazer tudo o que esteja a meu alcance para assegurar que minha memória se limpe. Se tiver que entrar no Tártaro e sequestrar a deusa grega da memória, farei-o. E quando estiver feito, não lembrarei de você, assim não há razão para começar algo que não tem futuro.

Não, não, não. Do demônio e Gideon. E entretanto...

Começava a lhe irritar o esforço necessário para mover-se, agitou o braço para a porta.

— Então, fique. — Se tinha que sair a procurar a felicidade, que assim fosse. Mas quando sanasse, quando a fortaleza fosse fortificada, iria atrás dela. De algum modo, de algum jeito, demonstraria que podia fazê-la muito feliz. A limpeza de sua memória, entretanto, não ia acontecer. Nunca.

— Adeus, Gideon. — Disse, logo vacilou só um momento antes de caminhar longe dele e de seu quarto.

Não! Não! É minha! Volte! Gritou Mentiras, e isso foi quão último Gideon soube.

 

O velho colchão rangeu quando a mulher provocante se agitou em cima dele, perdida provavelmente em um sangrento e violento pesadelo. Vou ter que agradecer à mulher de Gideon, mais tarde, Strider pensou, apenas no caso de ser ela a responsável. E ele não se sentia mal pela falta de compaixão.

Ele havia estudado sua recompensa, enquanto ela dormia. Cada centímetro dela, até tirou suas roupas e deu uma olhada em todos os lugares escondidos. Armas podiam ser armazenadas em qualquer lugar. Alguns diriam que ele não tinha escrúpulos, e ele concordaria. Ele não tinha. Não com esta mulher. Nunca com essa mulher.

Ele já sabia quem ela era, e ela não merecia clemência dele. Ela merecia o fio de sua espada.

Lá, deitada na cama do pequeno motel, trancada com ele neste quarto minúsculo, estava Hadiee, a mulher que levou Baden, Guardião da Desconfiança, à morte. Ela ajudou a destruir o meu melhor amigo!

A decapitação aconteceu há milhares de anos, e ela era humana. Ou assim ele pensava. No entanto, ali estava ela, tão jovem quanto ela tinha sido na época. O que significava que ela agora era imortal. Certo? Como isso tinha acontecido, ele não sabia. Mas ele iria descobrir. Ele iria descobrir várias coisas sobre a puta.

Ele tinha levado algumas horas para identificá-la, sim porque, as tatuagens, piercings e camadas rosa no cabelo dela o tinham confundido. Ela não parecia assim naquela época. Seu cabelo tinha várias tonalidades mais claras, uma confusão da cor da neve quando caía, e sua pele brilhante pelos beijos do sol. Ela estava vestida com um traje grosseiro e conservador de uma serva, mas isso não tinha prejudicado sua beleza.

Ele nunca a teria identificado se não fosse pelo placar tatuado em suas costas.

Senhores: IIII - Hadiee: I

Ela dividiu suas costas em duas, um lado para os Senhores, o outro lado para si mesma. Ele também sabia exatamente o que a marca significava, porque Baden tinha marcado à si mesmo dessa maneira, também. Puta.

Os quatro, ele e seus amigos, tinham supostamente matado uma quantidade de pessoas que ele não poderia contar. E sim, ele provavelmente os tinha assassinado. Em todos os seus vários séculos, ele havia matado milhares de pessoas. O conhecimento disso deveria ter entorpecido sua raiva contra esta mulher. Mas isso não aconteceu. Baden tinha sido o melhor homem que Strider já havia conhecido. O mais gentil com seus amigos, o mais solidário e carinhoso.

Ser possuído pelo demônio da desconfiança o tinha mudado, é claro, da mesma maneira que ser possuído por uma força sombria tinha mudado à todos eles. Mas ele tinha sido o primeiro a voltar para seus sentidos. Aquele que levou todos para a luz. Ele se sentia mais culpado pela destruição que os Senhores haviam causado. Ele tinha sido o primeiro à se aproximar, para tentar fazer as pazes com os humanos.

Ele também odiava o que ele se tornou, mais do que qualquer um deles. Ele odiava desconfiar de si mesmo, de todos ao seu redor, até mesmo de seus amigos.

Especialmente de seus amigos. Mas isso só tinha feito Strider amá-lo mais. Baden tinha sido a salvação de Strider. E Strider queria ser a salvação de Baden.

Hadiee tinha destruído essa chance.

Enquanto a menina continuava se agitando, apertando os olhos fechados, o suor se formando sobre sua pele, braços e pernas se estremecendo contras as cordas que as amarravam, seu celular tocou. Strider sorriu. Ele estava esperando que isso acontecesse e não tinha que adivinhar quem estava ligando. O namorado dela. O líder dos caçadores que o estava perseguindo.

 Strider estendeu a mão, pegou o celular na mesa ao lado dele e abriu o aparelho.

— Desculpe, — Ele disse, quando atendeu. — mas sua namorada está um pouco amarrada agora e não pode vir atender o telefone.

Houve uma pausa. A respiração irregular e estalos de estática.

— Ela é minha, bastardo doente! Se você machucá-la...

Oh, sim. O namorado.

— Se? — Strider riu com diversão genuína. — Isso é bonitinho. Realmente é.

Agora houve um rugido.

— Que pedaço de merda malvado é você?

— Não importa. Tudo o que importa é que esse merda malvado está com a sua mulher. E ele não quer devolvê-la. Não, a menos que ela esteja em pedaços.

Mais do que estática estalou sobre a linha, seguida rapidamente por um grande estrondo, uma maldição. O namoradinho deve ter socado a parede.

— O que você quer com ela? O que você vai barganhar?

— Mil corações de Caçadores. Oh, espere. Caçadores não têm coração. Então eu acho que não há nada que eu esteja disposto a trocar por ela.

— Seu sujo, imundo! — O humano se interrompeu, como se só então percebesse que Strider poderia punir sua mulher, por tudo que ele dissesse. — Ela é uma boa pessoa. Ela tem uma família. Ela...

A raiva explodiu através dele.

— Eu sou uma boa pessoa. Eu tenho uma família. — Ele poderia apenas imaginar como o Caçador estava rangendo os dentes ao ouvir isso. — E mesmo assim, ela teria arrancado minha cabeça sem hesitação. É justo que eu retribua.

— Você não é bom, e você sabe disso. Você é egoísta, sombrio e arruinado. Você pertence ao inferno.

Egoísta? Sombrio? Sim, sem dúvida. Mas arruinado? Dificilmente.

— Eu não fiz nada, além de tentar me proteger durante milhares de anos.

— E nessa proteção, — O Caçador zombou. — você matou meus amigos.

— Assim como sua mulher matou o meu. — Agora foi a vez de Strider socar alguma coisa. Ele bateu o punho na mesa ao lado, dividindo a madeira. Boom!

Um suspiro feminino fez com que seu olhar se movesse de volta para sua “protegida”. Ele acalmou. Ela tinha parado de se agitar, estava olhando para ele através de ardentes olhos cinzentos.

— E acredite em mim, — Ele acrescentou calmamente. — ela vai pagar por isso.

Nenhuma reação de Hadiee.

O namorado dela, no entanto, explodiu.

— Ela não matou ninguém! Mas eu sim. Troque-a por mim.

Será que ele não conhecia a estória dela? Parecia improvável que a única pessoa que tinha conseguido matar um Senhor do Submundo não tenha se tornado uma lenda entre os seus companheiros.

— Não, obrigado. — Strider disse. — Eu gosto da refém que eu tenho.

A fúria do Caçador explodiu, destruindo seu bom senso.

— Eu vou te encontrar e eu vou matar você, seu filho da puta, filho da puta!

Lentamente, ele sorriu.

— Agora, isso soa como um desafio. A boa notícia é que, eu aceito. — Dentro de sua cabeça, seu demônio saltou para cima e para baixo com entusiasmo. —Encontre-me e nós vamos ter uma festinha.

Sem retirar o olhar da menina, Strider fechou o telefone, divertido pelo fato de que ele teve a última palavra. Ele se levantou. A expressão assassina de Hadiee não se alterou enquanto ele caminhava para o banheiro. Ele sabia que os telefones podiam ser rastreados e monitorados e ele não iria permitir que isso acontecesse aqui. Assobiando, ele esmagou os plásticos e fios em tantas peças quanto ele pôde e jogou-as na descarga sanitária.

Quando ele se reuniu à ela, recuperando sua cadeira ao pé da cama, ele esticou as pernas e apoiou as mãos atrás da cabeça, em uma pose de relaxamento presunçoso.

— Sentindo-se melhor após o descanso, Hadiee querida?

A surpresa escureceu aqueles olhos cinza escuro.

— Você sabe quem eu sou. — Uma afirmação, não uma pergunta.

Ele respondeu assim mesmo.

— Sim.

— Bem, ninguém me chama mais assim. Eu sou Haidee agora. Uma pequena mudança na ortografia, mas um grande passo na modernização, não acha? Derrota.

Então. Ela também sabia quem ele era. Como ela sabia, mas seu namorado não?

— Ou você poderia me chamar apenas de Executora. — Ela acrescentou, em uma provocação.

Em vez de golpeá-la como ele queria, ele arqueou uma sobrancelha.

— Vou chamá-la simplesmente de Ex, então. Já que você e eu vamos ficar íntimos, um apelido carinhoso parece adequado.

A surpresa foi substituída por raiva. Mais uma vez, ela começou a se agitar em cima da cama, batendo contra as cordas. Seus lábios puxados e erguidos e os dentes brancos, e ela sussurrou sobre ele.

— Toque-me e eu vou tirar a pele do seu corpo.

— Como se eu fosse tocá-la dessa maneira. — Ele estremeceu. Ele não estava atraído por essa mulher. De jeito nenhum.

— Como eu fosse estúpida o suficiente para acreditar em um demônio.

— Não, você só é estúpida o suficiente para tentar matar um.

Nenhuma vergonha. Nenhum arrependimento. Apenas um sorriso, escuro e mau, que não atingiu seus olhos.

— Você diz estúpida. Eu digo corajosa.

— Mas como eu estava dizendo, — Ele prosseguiu após seu súbito surto de raiva, determinado a assustá-la novamente. — eu pretendo familiarizá-la intimamente com minhas armas.

Curiosamente, isso pareceu acalmá-la.

— Você pode tentar. — Foi tudo o que ela disse.

— Eu vou fazer mais do que isso. — Antes que ela pudesse responder, provavelmente com ele novamente, ele mudou o rumo da conversa. — Você mudou.

Seu olhar deslizou sobre ele, e ela fez uma careta de desagrado.

— Você não.

— Uau. Obrigado. — Ele espalmou a mão sobre o coração. — Isso significa muito para mim.

— Isso não foi um elogio. — Ela retrucou.

Bom. Ele estava atingindo-a.

— É claro que foi. Estou lindo.

— Você também é um covarde. — Ela rosnou. — Um verdadeiro homem teria lutado com alguém do seu próprio tamanho.

Ele quase sorriu. Ele havia sido chamado de coisas piores. Talvez fosse por isso que insultos como esse nunca o afetou.

— Na verdade, eu sou um guerreiro muito inteligente. Peguei o elo fraco, sim, mas agora o resto da cadeia definhará. Pense nisso. Com sua morte, os homens vão enlouquecer. Vão ser governados por suas emoções. Eles cometerão erros. Erros fatais. Tudo o que eu vou ter que fazer é esperar, atacar violentamente e matá-los.

Ela não se acovardou diante de suas palavras. Ou ela não acreditava que ele iria realmente matar uma mulher, o que era estúpido, já que ele tinha feito isso antes e, como uma Caçadora, ela tinha que saber disso, ou ela achava-se infalível. O que era...  Possível, ele percebeu com uma súbita explosão de pavor.

— Eu sei que você é mais que humana. — A cabeça dele se inclinou para o lado enquanto ele corria seu olhar ao longo do seu corpo pequeno e firme. — O que eu não sei, é o que você é e como você ficou dessa forma.

— E você nunca saberá. — Respondeu ela, segura novamente.

— Não importa, eu acho. Até os Imortais podem ser derrubados.

Um sorriso curvou os cantos dos seus lábios. Presunçoso, satisfeito e insultante. E desta vez, a diversão chegou aos olhos dela.

— Eu sei.

Duas simples palavras, mas que fizeram uma fogueira dentro dele que ardia e crepitava, se alastrava e enfurecia. Tão mal que ele queria ficar de pé, persegui-la e acabar com a vida dela. Ele queria machucá-la, fazê-la sofrer infinitamente.

E ele o faria.

Ele sempre foi um homem possessivo. O que ele considerava dele, era dele. Mulheres, carros, armas, não importava. Ele não compartilhava. Nunca. E agora ele considerava essa mulher sua propriedade, e seu tormento seria sua missão.

Ela era dele, para que ele fizesse o que ele quisesse.

O que quisermos. Seu demônio interferiu.

Então. Derrota queria um pedaço dela, também. Talvez Strider pudesse compartilhar, só desta vez.

Ele disciplinou sua expressão para não revelar nada, além de calma. Ele pensou que talvez houvesse uma centelha vermelha em seus olhos, mostrando quão próximo à superfície o seu demônio já estava, porque Hadiee, não, Haidee, não, Ex, empalideceu, linhas azuis tornando-se visíveis sob sua pele.

Dentro de sua cabeça, Derrota riu, quase tonto, adorando que a mulher tenha sido intimidada.

— Capturar você foi a coisa mais fácil que eu já fiz. — Disse ele. — Não foi nenhum desafio. Você não tem muito de um guerreiro, não é? O que me faz perguntar por que os homens a mantêm por perto. Porque eles gostam de compartilhar você no sexo? Como você conseguiu matar o Senhor, algo que nenhum de seu tipo tem sido capaz de fazer de novo?

Seus olhos se estreitaram.

— Talvez eu tenha deixado você me capturar. Talvez eu ainda seja uma Isca, e agora que estamos juntos, eu vou levá-lo para a morte. Mas deixar os homens me usarem? Não. Eu estou com um, e ele vai punir você por isso. Você tem a minha palavra.

— A palavra de um Caçador? Desculpe, mas isso não significa nada para mim. 

— Se você pensa que eu vou te pedir para me deixar ir, você pensou errado. Se você pensa que eu vou me encolher a seus pés, você pensou errado. Eu vou levar a melhor.

— Você pode tentar. — Ele disse, repetindo as palavras que ela disse à ele.

Seus dentes brilharam em uma carranca.

— Eu vou fazer mais do que isso. Vou dar a sua cabeça como um presente de aniversário para meu homem.

A maioria das pessoas estaria chorando até agora. Ela era corajosa, como ela afirmou, ele daria esse crédito à ela.

— É claro que você não me conhece suficientemente bem. Por pensar que você estará viva para o próximo aniversário do seu amante... Bem, você é uma Caçadora. Eu não deveria esperar que você fosse inteligente.

Ondas de vapor flutuou de suas narinas. No começo, ele achou que estava enganado. Mas não. Isso realmente era vapor, cristalizando na frente do rosto dela.

— Oh, eu conheço você. — Ela disse. — Você é Strider, o Guardião da Derrota. Eu vi sua foto, ouvi contos de suas façanhas. Você reduziu cidades à cinzas, atormentou inocentes, em seguida, destruiu suas famílias.

A lembrança fez com que um músculo tremesse abaixo do seu olho.

— Isso foi há muito tempo.

Ela não se deu por vencida.

— Você adora desafios. Você não pode perder sem dor. Bem, adivinhe! Eu não acho que você pode manter-me nesta sala, sem ter de me amarrar. Eu não acho que você é forte o suficiente.

Que. Vadia. Ela queria desafiá-lo, não é? Ela logo aprenderia o erro de suas escolhas. Ele se levantou, prosseguiu até a cama e retirou uma navalha. Surpreendentemente, ela não recuou quando ele abaixou a navalha em direção a ela. Ela olhou... Ansiosa. Pronta para morrer.

Que reação estranha.

Com uma rápida precisão, ele cortou cada um dos nós. Imediatamente ela tentou correr em direção à porta, mas ele pegou-a pela cintura e arremessou-a de volta para a cama.

Quando ela engasgou, ele pulou em cima dela, seu peso derrubando-a. Ela lutou, oh, ela lutou, mostrando os dentes para ele, batendo as mãos nele, joelhos chicoteando um caminho direto para o seu pênis. Porra!

Ele se manteve em meio à dor, a tontura e náusea, e logo ela se cansou, ofegante, suando, mais do que a névoa flutuando dela.

Essa névoa fria, com cheiro de ambrosia, densa, floral. Viciante.

— Você realmente deve pensar antes de falar. Você não comeu nem bebeu. — Como o animal que ela era. — Você está fraca demais para me aguentar.

Quando ela se acalmou completamente, ele agarrou seus pulsos e os prendeu acima de sua cabeça. Ele prendeu as pernas dela com as suas, e sua cintura caiu mais profundamente em direção à dela, seu corpo lhe acolhendo como um berço.

Ela era suave, fria, quase como o champanhe no gelo. E o cheiro de ambrosia...  Ele sentiu seu pênis se engrossando, se alongando, e rosnou, de repente chateado além da medida.

— Viu? Fácil. — Ele disse à ela.

Ela olhou para ele através de seus cílios espessos, os olhos cinzentos fixos, sem emoções.

— O primeiro ataque é seu. Isso não importa.

— Assim fala o perdedor.

Seu demônio ronronou com alegria. Essa alegria provocou prazer e esse prazer inundou-o por dentro. Ah. Era por isso que ele estava excitado, ele percebeu, não tinha nada a ver com a mulher. Graças aos deuses. Ele não seria capaz de viver consigo mesmo se ele desejasse uma maldita Caçadora.

— E agora? — Ela perguntou com aquela voz calma e morta.

— Agora, — Ele respondeu. — enviamos um pedaço de você para o seu namorado, em seguida, enviamos o resto de você para meus amigos.

                  Quando eles chegaram ao palácio de Lúcifer, Amun estava inútil e temia que ele enfraquecesse seus companheiros. Houve outras batalhas com os demônios, contudo Aeron e William tiveram que lutar por conta própria, enquanto o protegiam. Agora eles estavam feridos e sangrando e ainda eram forçados a arrastá-lo.

Seus amigos estariam melhor se o deixassem para trás.

A nova voz em sua cabeça... Deuses, era pior do que qualquer outra que ele já tinha dado as boas vindas. Tanta insistência em... Matar, mutilar, destruir. Lembrou-o de seus primeiros anos com o demônio dos Segredos. Tantas coisas sombrias foram feitas... Tantas lembranças fundidas com as suas.

 Uma dessas novas memórias enchia sua mente até agora. Três almas humanas foram descobertas e acorrentadas diante dele, todas elas tremendo, chorando, e implorando por misericórdia. No entanto, ele não teve misericórdia. Ele estava muito ansioso por isso. Suas garras afiadas ao ponto mortal e ele lentamente passou cada ponta sobre os dois homens, afundando-as profundamente, cortando a pele e ferindo os ossos, deixando as mulheres verem o que em breve seria feito a elas, aumentando o seu medo. Os dois homens gritaram, por suas garras escorria ácido.

Aquele ácido queimava a alma humana, apodrecendo tudo que tocava.

Logo a pele se carbonizou, e as queimaduras se espalharam. Então ele os virou, um de cada vez, aquele cheiro doce de podridão em seu nariz, e os estuprou.

Seus gritos aumentaram, seus castigos aumentaram, e ele riu. Ria com alegria verdadeira. Divertido, isso sempre foi muito divertido.

A mulher observava cada impulso, desamparada, com medo, sabendo que ela era a próxima.

Logo, ele prometeu a ela. Finalmente, ele se esvaziou no segundo macho e virou-se para a mulher, já duro novamente. Ele sempre estava duro. Sempre pronto. Quanto mais relutante fosse a vítima, melhor.

Ela tentou rastejar para longe dele, mas a corrente em torno do pescoço dela a parou. Ele riu. Você não pode fugir de mim, minhoquinha.

Não, Amun gritou em sua mente. Esse não sou eu! Esse não sou eu!

Ele inclinou-se e vomitou, o corpo todo se convulsionando enquanto a bílis se empolava através de sua garganta.

Mãos fortes bateram em suas costas, oferecendo conforto.

— É isso aí. Deixe isso sair. — Aeron disse.

Assim que ele esvaziou completamente o estômago, ele se endireitou. Ou pelo menos tentou. Seus joelhos finalmente desabaram e nem mesmo seus amigos conseguiram segurá-lo. Ele estava muito pesado. Um peso morto, desossado.

Eles conseguiram arrastá-lo até uma árvore retorcida e o apoiaram contra o tronco irregular. Árvores no inferno, pensou confusamente. Vai entender.

— O que posso fazer? — Aeron perguntou, agachando-se na frente dele.

— Nada. — Gemendo, Amun forçou suas pálpebras à permanecerem abertas. A nova voz continuou a gritar, para se fazer conhecida, e a dor de cabeça aumentou. Mas ele preferia sentir a dor, do que ver aquelas imagens terríveis.

Ele examinou os arredores, buscando uma distração. A floresta era composta de cinzas e folhas murchas. Não havia verde, nem flores coloridas. Apenas um mar infinito de preto. Almas tinham sido atormentadas aqui.

Ele tinha atormentado almas aqui.

Oh, deuses.

— Tire um tempo para recuperar suas forças. — Disse William, apontando para o morro onde ficava o palácio de Lúcifer. — Estamos quase lá.

Amun seguiu a direção do olhar de seu amigo. Tijolos pretos surgiam daquele mar monocromático, duas torres desmoronadas se ligavam no centro para formar uma caveira gigante. Havia uma escadaria cercada por lanças, - lanças que sustentavam várias cabeças humanas - que levavam à boca escancarada do crânio, onde dentes afiados e amarelos se penduravam como um lustre. Ele nunca faria isso.

— Só me deixe aqui. — Ele tentou sinalizar.

Ele achava que não tinha conseguido, mas William o entendeu mesmo assim.

— Você tem que ir com a gente. Se for necessário, e rezo para que não seja, só você pode descobrir onde Lúcifer escondeu a menina.

E o quanto as memórias de Lúcifer seriam piores do que as de seus demônios? Quanto mais Amun poderia aguentar?

— Você já esteve aqui antes, — Aeron disse ao guerreiro. — Anya falou que Lúcifer tem mesmo medo de você. Por que isso?

— Anya falou errado. — William mais uma vez, apagou sua mente cuidadosamente, impedindo que Amun lesse a verdade.

— Eu não penso assim. Conhecimento é poder, e precisamos de todo o poder que pudermos receber. Olhe para nós. — Aeron abanou a mão para baixo de seu corpo sangrando.

Ele estava no limite de sua paciência, pronto para explodir à menor ofensa.

— O motivo não importa. — William estalou. Ele também estava se preparando para uma batalha. — Ele vai lutar comigo, da mesma forma como ele vai lutar com você.

Argumentar não estava ajudando a sua causa. Amun estendeu a mão trêmula para ser ajudado a se levantar. Seus joelhos quase desabaram novamente, mas dois braços fortes uniram-se em torno dele, a sua âncora na tempestade.

Mais uma vez, os três marcharam para a frente. Quando eles chegaram ao topo do morro, eles estavam ofegantes, e xingando. Não havia guardas demônio postados à entrada da escadaria, mas então, Lúcifer não queria mantê-los do lado de fora. O príncipe das trevas estava lá dentro, e ele estava esperando

Eles subiram as escadas, o pó cobrindo seus pés. A porta estava aberta. Depois de apenas uma pausa brevíssima, eles pisaram em um salão amplo, onde pilhas de ossos descansavam em cada canto. O chão estava manchado de vermelho com o sangue, e pegajoso com coisas que eles não queriam contemplar.

Amun se arrancou do abraço de seus amigos, decidido à se manter em pé sozinho. Ele não iria atrapalhá-los mais do que ele já tinha feito. Ele era um guerreiro, caramba. Ele podia fazer isso.

— Se preparem. — Aeron sussurrou, as espadas na mão.

— Eu estou pronto. — William respondeu, agarrando sua própria espada com mais força.

Eles já estavam sem balas e tiveram que se desfazer de suas armas.

Juntos, eles seguiram em frente, sempre em frente, Amun tropeçando continuamente em seus próprios pés. Mas ele se manteve em pé, e no momento, isso era tudo que importava. Finalmente chegaram a uma sala, chamas escaldantes de cor laranja douradas lambiam cada uma das paredes e soprava calor em todas as direções.

Seu demônio suspirou. E, se ele não estivesse enganado, proferiu a palavra Lar. A enfermidade atacou seu estômago. Não é nosso Lar, - ele pensou. Nunca nosso Lar.

Foco. Ali, no centro da sala, tinha um trono construído a partir de enxofre e em cima desse enxofre tinha um trono de metal retorcido e recortado, e chifres.

O príncipe das trevas se reclinava nele, calmo, imperturbável pelos seus esperados visitantes.

— Finalmente. — Lúcifer disse, bebericando de uma taça de joias. Ele era bem desenvolvido, com cabelos pretos e olhos laranja dourados. Ele teria um rosto bonito, sobre o qual as mulheres, provavelmente, teriam derretido, se não fosse pela aparência mortal daqueles olhos. Eles o traíam, revelando sua maldade para que todos pudessem ver. — Vocês certamente demoraram à chegar.

— Onde está Legion? — Aeron exigiu.

— O que? Sem gentilezas? Sem “Como você está passando, querido mestre?”

— Certamente. — Disse William uniformemente. — Estou indo bem, obrigado, injuriado escravo.

Lúcifer bateu no queixo antes de assentir em saudação.

— William. Fiquei surpreso ao ouvir que você voltou.

— Basta dizer ao homem o que ele quer saber, e nós iremos embora. Seu sangue não terá que ser derramado. Eu sei, eu sei. De nada.

Amun concentrou toda sua energia no príncipe, se conectando com a mente dele, ficando atento aos seus pensamentos. No início, não havia nada. Só o silêncio. Mas Amun continuou a empurrar, para vasculhar mais fundo, e deve ter penetrado, finalmente, em algum tipo de barreira. De repente, uma intensa onda de ódio o atingiu. Ódio e medo, como Anya havia previsto.

Meu, meu. Você não vai tomar o que é meu.

— Sinto muito que meus subordinados trataram vocês tão pobremente. — Disse Lúcifer. Seu tom era tão fácil como havia sido desde o início, como se ele não estivesse cantando em sua cabeça. — Eu vou puni-los, naturalmente. Embora talvez eu seja mais misericordioso do que eu costumo ser.

Uma veia estalou na têmpora de William.

Ele ainda estava fechado, e Amun não tinha forças para alcançá-lo mentalmente. Além disso, isso poderia ter cortado a conexão com a mente do príncipe.

A cabeça de Lúcifer se inclinou para o lado, e ele sorriu, deslocando sua atenção para Aeron.

— Há algo diferente em você, Ira. — Pensativo, ele bateu no queixo. — Não, não. Eu não posso chamá-lo assim, posso? Você não é mais o demônio da Ira. Você está livre do demônio. Você gostaria de mudar essa situação?

— Ou você nos diz onde está a menina ou lute contra nós. Você está me aborrecendo, e eu tenho coisas para fazer. — Disse William.

A atenção de Lúcifer voltou para ele, estreitando os olhos.

— Oh, sim. Eu sei exatamente o que essas coisas incluem. Seduzir a adorável Gilly. Seu desejo por ela cresce diariamente, não é? Irmão. E, na verdade, estou surpreso por que você não parou para visitar os seus cavaleiros. Eles sentem sua falta.

Irmão? Cavaleiros? Os quatro cavaleiros do Apocalipse?

Aeron se enrijeceu, atirando a William um olhar chocado e irritado.

Lúcifer riu dentro de sua cabeça, totalmente satisfeito consigo mesmo.

— Ele está tentando dividir vocês. — Amun sinalizou, certo que Lúcifer queria realmente dizer o que ele tinha dito. Não sobre Gilly, e não sobre os cavaleiros, - Amun sabia que as duas afirmações eram verdade, - mas sobre a conexão familiar. Infelizmente, nenhum dos guerreiros olhou para ele.

— Ele está mentindo, é claro. — William disse suavemente. Ou pelo menos tentou. Sua voz tremeu um pouco. — Eu nunca toquei Gilly, e eu nunca vou tocar. Eu não lido com menores de idade. E o comentário sobre os cavaleiros não merece uma resposta.

Uma sobrancelha escura se arqueou em diversão presunçosa.

— Qualquer coisa que você diga.  Agora, vamos começar com o entretenimento da noite e livrar você do seu tédio. Vamos? — Ele bateu palmas, o som ecoando através das labaredas ao seu redor.

À esquerda, dois demônios dos Altos Senhores entraram na sala. Se os seus sorrisos eram alguma indicação, eles estavam esperando ansiosamente por sua convocação. Entre eles, estava Legion, os ombros curvados, o cabelo claro em emaranhados sangrentos ao redor de sua cabeça. Ela tinha sido despida e acorrentada, e havia marcas ao longo de suas coxas, onde ela tinha sido chicoteada.

Sabendo que não podia permitir-se ser distraído, Amun bloqueou seus pensamentos. Mas não antes que ele tivesse um vislumbre deles. Oh, as coisas terríveis que tinham sido feitas à ela... Muito pior do que aquelas que o subordinado da Dor tinha lhe mostrado, aquela criatura tinha apenas testemunhado parte de sua tortura.

Ela nunca poderia se recuperar.

Ela estava tão cortada e machucada quanto ele estava, e havia uma desolação nos olhos dela que nunca tinha estado lá antes. Mas quando ela avistou Aeron, ela começou a lutar, a gritar, preocupada com ele, esperançosa por si mesma. 

— Aeron! Aeron!

Os demônios a seguraram firmemente, e Aeron tentou seguir em frente, mas William agarrou seu braço e segurou-o no lugar.

— Isso é o que ele quer.

Lúcifer estava observando Aeron, devorando sua reação, adorando a palidez de sua pele, o ranger de seus dentes.

— Nada a dizer, guerreiro?

Aeron assentiu.

— Você vai morrer por isso.

— Só isso?

Outro assentimento duro, como se ele não confiasse em si mesmo para falar novamente.

Amun sentiu a onda de decepção que encheu o príncipe. Ele queria Aeron delirante e vociferando. Mas, não importa — Lucifer pensou, — e Amun quase se retirou da mente dele. Mas ele manteve a ligação, se sentindo mal do estômago, se agitando com terror. Lúcifer não seria dissuadido. O que ele havia planejado era certamente suficiente para levar Aeron à beira da loucura. Aeron, estúpido Aeron, que arruinou seus planos para possuir Legion e destruir os Senhores.

— Então, vamos começar com as festividades. — Lúcifer disse suavemente.  — Vamos?

 

Scarlet estava experimentando as cinco fases do luto. Todas ao mesmo tempo.

A negação: Gideon não tinha se contorcido de dor, quando ela o deixou.

A raiva: a cadela da sua mãe tinha ignorado sua convocação, uma e outra vez, então ela não tinha voltado ao paraíso, para começar a procurar Mnemosyne.

A negociação: deixar Gideon finalmente ganhar sua guerra, ela não rezou por ninguém em particular, e eu vou esquecer a minha vingança contra a minha tia. Ele estaria seguro e Scarlet não seria uma responsabilidade.

A depressão: ela nunca mais veria o bonito guerreiro novamente, só ela sabia disso.

 

A aceitação: ela havia feito a coisa certa, deixando-o. Ele estaria em melhor situação.

Lágrimas queimaram seus olhos, mas os limpou rapidamente. Apenas um dia havia passado, mas sentia terrivelmente sua falta. E como um viciado precisando de um trago, ela ainda estava em Budapeste, perto dele. Perto o suficiente para escalar a grade de ferro que cercava sua fortaleza e o passeio até a porta, bater, agarrá-lo quando ele a abrisse, e beijá-lo.

A única razão pela qual ela tinha resistido era porque ela mal tinha reunido forças para ir embora pela primeira vez. De jeito nenhum ela poderia fazê-lo uma segunda vez.

Idiota. Frustração e desespero se juntaram às suas outras emoções. Ela teria tentado chamar alguém além de sua mãe para pedir um bilhete para Titânia, mas nenhum dos deuses gregos ou Titãs gostava dela. Ou se gostavam, ela não se lembrava. Maldita Mnemosyne.

Volte para Gideon, Pesadelos suplicou. Serei bom, juro.

Seu demônio experimentou os cinco estágios do luto também, mas continuou voltando a suplicar. Você sempre o estimou. Por quê? Eu não entendo. Você não gosta de ninguém.

Ele... Pertence-me.

Ela queria isso. Eu não sou boa para ele. Mas ela queria ser. Deus, como ela queria.

Ele podia não ser seu marido, ela podia não ter nenhum passado com ele, mas ela tinha vindo a... Gostar dele nessa última semana. E ele a gostar dela. Ela sabia disso. Ele tentaria convencê-la a ficar. Ele havia dito a ela que ele queria mais do que uma simples noite. E, oh, deuses, ouvir aquelas palavras quase acabaram com sua decisão de ir embora.

Mas no final, ela sabia que ir embora era sua melhor e única opção. Ela também sabia que ela tinha que fechar a porta completamente. Caso contrário, ele poderia ter vindo dela. Até que sua mãe e sua tia fossem mortas, eles teriam que permanecer separados. Enquanto Rhea vivesse, Gideon era vulnerável. Enquanto Mnemosyne vivesse, Scarlet era vulnerável. Ou melhor, sua mente era.

E se sua mente era vulnerável, isso significava que Gideon estava em perigo. Ela poderia ser convencida a feri-lo, matá-lo, ou até mesmo ser convencida de que ele estava determinado a feri-la ou mata-la. Ela iria atacá-lo, e ele não merecia isso.

Ele era um homem bom. Um homem lindo, forte e bom, e ela havia causado agitação suficiente em sua vida. Mas, se depois que sua mãe e tia estivessem mortas, ele ainda quisesse tentar fazer a relação funcionar, ela estaria disposta, decidiu. No entanto, ela duvidou que gostaria de tentar. Havia frustração, desespero, raiva e tristeza em seus olhos quando ela o abandonou. E dor. Tanta dor.

Ela chorava quando saiu da fortaleza. Chorou mais à medida que ela se esgueirou para esta cripta subterrânea. No momento em que ela chegou ao fundo, fechou os olhos e entrou no mundo dos sonhos. Ainda chorando. Ela tinha ficado tentada a encontrar Gideon. Na verdade, toda sua força foi necessária para resistir. A única coisa que a tinha impedido a fazê-lo era, ironicamente, sua tia. Scarlet obrigou-se a visitar a mulher e esperar do lado de fora por sua consciência.

Embora ela tenha esperado e esperado, a cadela nunca dormia e, por fim, Pesadelos tinha sido um caldeirão fervilhante de fome. Scarlet tinha então deixado o demônio reinar livre, e uma série de tormentos tinham rapidamente se seguido, moldando os pesadelos de milhares. Incluindo Rhea.

Disso, Scarlet tinha gostado, tendo o cuidado especial de apresentar à sua mãe seu maior medo: perder contra o marido.

Agora, o sono era de Scarlet novamente, e ela estava novamente à espera no exterior da entrada da tia. Se ela não conseguisse alcançar Mnemosyne dessa vez, ela ia chamar a Mnemosyne até ela. E se divertir um pouco no processo. É por isso que ela tinha retirado o colar de borboleta que Gideon lhe dera. Assim ela poderia ser encontrada. Em breve...

 Ela teve que esperar várias horas, mas desta vez a porta de Mnemosyne se abriu... Só para fechar tão rapidamente que não permitiu a ela espiar dentro. Bem, bem. Sua tia estava lutando contra o sono. Logo, porém, a Deusa da Memória iria perder. Eles sempre o faziam.

Enquanto isso, a fome de Pesadelos aumentou intensamente, como antes.

Apenas um pouco mais, ela disse à sua companhia.

O demônio gemeu em sua mente, e as sombras e os gritos que tinham sido uma parte dela há milhares de anos, tanto que ela mal os notou até Gideon despertá-la de sua loucura, intensificaram-se também. Buscando libertação. Buscando um alvo.

Eu prometo, ela acrescentou. Se ela tivesse que permitir que outra farra de tormentas, iria.

Finalmente, contudo, a espera valeu a pena.

Mnemosyne abriu, a abertura em sua porta permitindo a Scarlet verificar o interior antes que a porta pudesse voltar a fechar. O que estava em vias de ocorrer. Ela se trancou no sonho, doce e brilhante até então tentando formar e puxar, arrastando a tia em um estado de êxtase cada vez mais e mais profundo. A atraindo...

O sonho continuou, e sua tia agora era incapaz de acordar.

Mnemosyne se viu no trono celestial, rainha dos deuses e dos mortais também. Ela emitiu ordens que foram imediatamente obedecias, e poemas foram compostos sobre sua beleza. Embora ela fosse amante de Cronos, na realidade, Cronos não era o homem que ela realmente desejava. Essa honra pertencia ao deus Titã da força, Atlas. Ele era um homem bonito, com cabelos escuros e olhos de um tom mais escuro de azul do que os de Gideon, e ele se sentou ao seu lado direito, adorando-a.

Assim era a cena, tão tranquila, tão esperançosa.

Scarlet queria gritar. Sua tia não merecia elogios, nem mesmo em sonho. Não depois de tudo o que ela tinha feito. Não depois da dor que ela causou.

Carrancuda, Scarlet estendeu as mãos e começou a resmungar no plano de fundo. Atlas foi o primeiro a ir, então o trono de ouro, o palácio. Espinhos e fogo brotaram em seu lugar. Ela colocou Mnemosyne no centro das chamas queimando, observando como eles lambiam o corpo de sua tia, queimando sua pele, sua beleza.

Mnemosyne tremeu em terror, total agonia. O sonho era tão real que sua pele estaria derretendo na realidade. Não iria matá-la, Scarlet não permitiria que as chamas durassem tanto tempo, mas iriam horrorizar a cadela ao ver-se pela manhã. Ver sua beleza acabada, e uma bruxa revoltante em seu lugar. Sim, a pele iria se regenerar. Mas até que isso acontecesse... Scarlet riu.

Pesadelos dançava em sua cabeça, amando cada momento disso. Mais!

— Com todo prazer. — Com apenas um pensamento, Scarlet dispensou o incêndio.

Gemendo, sua tia caiu no chão, os joelhos fracos demais para segurá-la erguida. Scarlet caminhou até ela, sem pressa, reorganizando a cena a cada passo. As simples paredes cinza do Tártaro deformaram-se, seguidas pelos muitos alpendres que tinham enchido suas celas comuns. Em seguida, apareceram Cronos e Rhea, discutindo em um canto.

Por fim, Scarlet acrescentou a si mesma. Suja, imunda, um colar de escrava pendurado em seu pescoço, o cabelo em tranças até a cintura. Quando ela atingiu a idade adulta, sua mãe tinha parado de pedir para sua cabeça para ser raspada.

Permitir que Scarlet fosse importunada por outros prisioneiros tinha sido mais importante para a Rhea que ser a mais bonita na área. Os guardas não queriam ajudar Scarlet, tampouco, e colocar suas mãos em uma navalha tinha sido impossível. Um corte tornou-se um luxo e foi uma das primeiras coisas que ela fez após sua libertação.

Na visão, ela apertou as costas contra as grades e olhou para baixo, para sua tia.

— Lembra-se disto? — Perguntou ela. — Nossos séculos de escravidão?

Mnemosyne mal teve forças para olhar para cima, mas olhou, o ódio brilhando nos olhos dela. Ela estava lutando por cada respiração, e as lágrimas escorrendo pelo rosto arruinado. Essas gotículas salgadas deviam machucar.

— Ou você me encontra, — Scarlet disse a ela, agachando-se ao seu nível e tocando seu queixo, apesar de sua tia recuar para evitar o contato — ou eu venho toda vez que você cair no sono. Se você achou as chamas ruins, aguarde até ver o que eu planejei a seguir.

— Cadela. — Mnemosyne chacoalhou. Fios de cabelo foram carbonizados de seu crânio, o rosto encovado, alguns de seus ossos visíveis. — Cronos vai matá-la quando ele vir o que você fez comigo.

Lentamente, ela sorriu.

— Bom. Aguardo a sua tentativa. Entretanto, desfrute de um primeiro gostinho do entretenimento de amanhã.

Com isso, Scarlet jogou sua tia para os lobos. Literalmente.

 

Gideon aguentou três dias. Três malditos dias. Depois que ele recuperou a sua força, ele ajudou a fortificar a fortaleza, foi à cidade em várias ocasiões para caçar Caçadores, encontrou alguns atrasados, interrogou-os, e não tendo aprendido nada, matou-os.

Agora, ele ia atrás de Scarlet.

Suas memórias dele eram sua própria criação, e sim, agora ela sabia que eram falsas memórias. Falsas ou não, porém, ela já tinha construído algumas outras muito boas entre eles. E ela tinha que querê-lo, ainda. Mesmo que ela pensasse que ele a tinha deixado na prisão, mesmo que ela pensasse que ele a havia traído com muitas mulheres, ela tinha vindo a Budapeste por ele.

Ele não poderia fazer menos que isso por ela.

O simples fato era, ele a amava. Amava cada respiração em seu corpo, cada célula no seu sangue, cada osso e órgão que possuía. Amava-a até as profundezas da sua alma. Só levou cinco minutos depois que ela se afastou para perceber.

Ela era forte e corajosa, ela o entendia de um jeito que ninguém jamais entendeu. Ela brincou com ele e nunca parecia irritada que ele não pudesse dizer a verdade. Não, ela se divertia.

Ela era bonita e combinava com ele perfeitamente. Ele não conseguia pensar direito quando ela foi embora, porque ele só conseguia pensar nela. Só podia se perguntar onde estava e o que estava fazendo. Perguntava-se se ela sentia falta dele, precisava dele, pensava no prazer que tinham trazido um ao outro e podiam trazer de novo.

Tudo o que ele tinha a fazer era encontrá-la.

Não, Mentiras disse em um suspiro de acordo satisfeito. Não, obrigado.

Não precisa agradecer, amigo.

Onde ela estava? Determinado, Gideon massageava a parte de trás do seu pescoço. Ele resolveria isso. Scarlet queria destruir a deusa da memória, a última pessoa a ver a deusa tinha sido Cronus. Nos céus. Apenas imortais que pudessem transportar-se ou tivessem asas poderiam entrar por conta própria, e isso não se aplicava a Scarlet. Então ela precisaria de ajuda.

Ela sabia que Cronus não iria ajudá-la. Ela teria então que se voltar à mãe, como tinha feito quando procurou por Gideon. Exceto... A deusa rainha a ajudaria outra vez? Scarlet estava agora empenhada em sua destruição, também.

Então, provavelmente não.

Quem faria isso?

Dane-se. Ele não podia pensar em ninguém. O que o colocava no início de novo. Ela nunca mencionou um amigo ou aliado.

Não importava, no entanto. Ele ainda estava indo atrás dela. Se tivesse que destruir o mundo, ele o faria. E havia alguém que poderia lhe dar um ponto de partida.

Gideon caminhou para a sala de Torin. Antes que pudesse levantar a mão para bater, seu amigo, disse:

— Entre.

Câmeras, ele percebeu, e queria esmagar sua cabeça. Deveria ter pensado nisso antes.

Excitação de repente oprimiu Gideon. Talvez destruir o planeta não fosse necessário. Tremendo agora, torceu a maçaneta e entrou, fechando a porta por trás dele em seguida.

— Esperava-o antes disso. — Disse Torin, girando em sua cadeira. As mãos entrelaçadas descansavam em seu colo, e isso devia dar a ele a imagem de um homem tranquilo. Só que, as bochechas estavam vermelhas, seus olhos estavam vidrados e ele não conseguia recuperar o fôlego.

Atrás dele, uma das telas de computador tinha um vídeo no YouTube intitulado Casa das Bruxas - Uma noite tranquila em casa.

Gideon viu as mulheres. Montes e montes de mulheres sexy. Algumas estavam bebendo champanhe - da garrafa - outras dançando provocantemente, mas todas estavam rindo ruidosamente.

— Mostre-lhes o que você tem, Carrow! — Alguém dizia.

Uma gostosona de cabelos pretos e olhos verdes entrou em foco crepitante e simplesmente levantou seu top, mostrando um par de seios grandes enquanto ela gritava:

— Uau! — Então ela parou com o peito ainda desnudo e disse: — Poste isso sem compartilhar os créditos, e eu vou cortar o seu...

— Maldição. — Torin virou, apertando alguns botões e a tela do computador ficou em branco. — Eu pensei que tivesse desligado. — Murmurou enquanto ele mais uma vez encarava Gideon.

Eu não vou nem perguntar.

— Então, uh, como não estão todos hoje? — Todos os Senhores checavam com Torin pelo menos uma vez por dia, portanto Gideon decidiu tirar os negócios do caminho antes que ele fizesse seu pronunciamento de “estou saindo daqui”.

— Vivos. Isso é tudo que eu sei. Embora Strider tenha me enviado uma mensagem para dizer que em breve estaria voltando para casa com um “presente” para todos.

Um presente? Sua curiosidade foi despertada, mas Gideon apenas balançou a cabeça.

— Ouça, não há nada que eu precise lhe falar sobre...

— Pare aí mesmo. — Torin levantou a mão. — Não há necessidade de desvario por algo em uma língua que eu ainda tenho problemas em decifrar. Como eu disse, eu esperava você antes disso. Ouvi sobre sua “esposa” e estou honestamente surpreso que você tenha durado tanto tempo. Kane, Cameo e eu temos as coisas sob controle aqui. Desde que Strider aprendeu uma página do livro de Gwen e jogou “Adeus, Traqueia” com todos ao redor da fortaleza, ninguém tentou nos atacar, e eu não tenho visto nada que indique que alguém vá fazê-lo em um futuro próximo. Então, vá pegar sua mulher. Se você puder convencê-la a se juntar a nós, todo mundo vai parar de correr para mim implorando para colocar algum bom senso na sua cabeça para trancá-la. Não é como se ela tivesse tentado nos ferir, afinal, sabe?

Alívio o tomou tão intensamente que quase mergulhou em seu amigo para um abraço de urso.

— Eu odeio você, cara. Você não sabe, né?

Torin sorriu, todo dentes brancos e brilhantes.

— Agora eu não tenho nenhuma dificuldade em decifrar. Eu te odeio, muito. Mas tire todos os pensamentos de abraçar-me de sua cabeça. Sim, eu posso dizer que você deseja. Eu não sou o tipo de abraços. Eu realmente o mataria com bondade.

Podia valer a pena.

— Eu não iria, você sabe. — Disse ele com toda a seriedade. — Abraçá-lo, quero dizer. Também não daria um beijo molhado em seus lábios, tampouco. — O que significava que ele faria isso totalmente. Porque, na verdade, ele ainda seria capaz de beijar Scarlet. Sim, ele estaria , o que a infectaria, mas nenhum deles iria morrer, e então nenhum deles jamais seria capaz de tocar alguém.

Ele gostou da ideia de ter Scarlet toda para si.

O detentor da Enfermidade franziu-lhe o cenho.

— Nesse caso, não me deixe pará-lo. O último foi há um bom tempo, então eu estou desesperado. Até você me viria bem nesse momento.

Gideon não tinha certeza que Torin já tivesse beijado, mas viu-se sorrindo abertamente também.

— Você está...

— Mentiras! — Uma voz brava gritou lá de fora, ecoando nos alto-falantes de Torin. — Mentiras! Eu sei que você está aí dentro. Saia agora. Saia e enfrente-me, seu covarde sarnento!

Atordoado, Torin virou e olhou para os monitores do computador. Gideon colocou-se ao seu lado para um olhar mais atento e o que viu o surpreendeu. Galen, detentor da Esperança, o líder dos Caçadores, estava flutuando fora da fortaleza, asas brancas batendo freneticamente.

Normalmente, o guerreiro usava um manto branco imaculado. Para melhor adequação dos anjos e deuses, Gideon suspeitava. Hoje, esse manto estava coberto de fuligem e sangue e desfiado na bainha.

— Você não vai me matar. — O guardião da Esperança gritava, os braços afastados, lâminas brilhantes em ambas as mãos. Seu cabelo ficou pálido ao final, e os olhos azul-céu eram selvagens. Havia um brilho fanático em seus olhos. — Eu vou me certificar disso.

Era um sonho? Nada como isto nunca tinha acontecido antes. Galen operava nas sombras, sempre enviando seres humanos para fazer seu trabalho sujo. Mas o guerreiro nunca, nunca desafiara abertamente aos Senhores.

— Ele está completamente cordato, certo? — Gideon perguntou. O cara estava terrivelmente louco.

— Eu não sei porque ele escolheu tirar você. — Torin digitou furiosamente em seu teclado.

— Não há nenhum Caçador visível no chão. Ainda assim, eu não confiaria que ele não tenha backup em algum lugar escondido.

— Mentiras! Ou você vem aqui e luta contra mim ou eu queimo sua casa.

— Isto tem que ser um truque. — Torin insistiu. — Ou ele já teria tentado queimar-nos, em vez de simplesmente ameaçar fazê-lo.

Truque ou não, Gideon não podia perder esta oportunidade. Capturar Galen poderia terminar a guerra com os Caçadores. Com êxito. E, finalmente, eliminaria uma das ameaças contra Scarlet.

— Eu posso tentar matá-lo, — Disse Torin. — e você pode...

— Sim. — Se Torin perdesse, o bastardo poderia fugir. Novamente. — Não me deixe fazer isso. Meu objetivo não é melhor.

— Mentiras!

 Torin assentiu.

— Apenas por segurança, estou enviando uma mensagem para Kane e Cameo. Estou dizendo-lhes para entrar na floresta e garantir que não sejam emboscados.

— Não, obrigado. Agora, não diga a nosso amigo que estarei fora em cinco minutos. — Torin assentiu com a cabeça novamente e se apressou em responder.

Gideon correu para seu quarto. Ele já estava envolto em armas, uma vez que um guerreiro nunca poderia ser cuidadoso demais, mas ele agarrou seu RPG[26] e uma granada e sorriu. Ele não tinha conseguido usar seu bebê há um longo, longo tempo, Sabin considerava muito perigoso atirar ao redor de inocentes. Hoje não havia inocentes ao redor.

Ele correu ao lado da fortaleza que Galen ocupava e agachou-se na mais alta janela, colocando-o acima do Caçador. Galen estava observando do chão, esperando que ele saísse da porta da frente. Tolo. O mais silenciosamente possível, Gideon levantou a vidraça e afiou a ponta do cano entre a fenda nas cortinas.

— Mentiras! — O imortal frenético gritou. — Covarde! Encare-me, porra!

Covarde? Não. Ele era inteligente. Gideon carregou o RPG, descansou o lançador pesado em seu ombro, apontou, estabilizou, manteve, sorrindo novamente quando Galen apareceu na mira e apertou o gatilho.

Booom!

Apesar do forte que Gideon era, ele foi impelido para trás com a força da granada, mas ajeitou rapidamente e examinou sua obra através da fumaça deixada para trás.

Ele acertou o alvo, lançando Galen vários metros, girando-o através do ar, causando uma explosão de fogo e fuligem no céu. Isso teria matado um mortal. Galen, no entanto, foi cortado e ferido, e agora estava sem uma mão - a revanche é uma cadela - mas ele não estava disposto a uma contagem.

Ele apenas parecia puto da vida.

Com um rugido, o guerreiro agora em chamas atirou-se pela janela para a sala ao lado. Vidro estilhaçou, e então houve um grunhido, depois muitos passos. Gideon espalmou dois punhais e disparou para o corredor, os retratos e quadros recém-polidos ofuscando ao seu lado.

Ele encontrou o inimigo no meio do corredor, voando para o chão entre socos, chutes e facadas. As asas de Galen estavam quebradas, e de seu pulso mutilado jorrava sangue, que molhou a roupa de Gideon, quente e úmido. Havia um buraco de queimadura de cigarro em seu ombro, onde o foguete devia ter batido em primeiro lugar, sua força ainda estava intacta. A determinação fazia isso...

— Você não terá minha cabeça. — O detentor da Esperança rugiu, balançando com a mão boa. Ele conseguiu manter-se segurando sua espada e agora cortavam o lado do rosto de Gideon. Sua bochecha abriu-se, e seu sangue começou a jorrar.

Com um rugido seu, Gideon mostrou suas facas. Um corte no pescoço de Galen, cortando a coluna, e outro no ombro ileso. Este homem tinha sido seu amigo durante muitos anos, e mesmo assim foi inimigo de Gideon por outros milhares. Nenhum amor ficou. Nenhuma lembrança boa.

Eles iriam acabar com isso. Aqui, agora.

Galen se esforçava para respirar, agarrando seu pescoço agora aberto. Gideon desprendeu-se e ficou de pé, ofegante, suando, sangrando, olhando para o homem responsável por muito do seu sofrimento.

Se Galen não existisse, ele nunca teria pensado em roubar e abrir a caixa de Pandora. Ele teria ficado no céu, um soldado de Zeus. Talvez ele tivesse finalmente notado Scarlet e a libertado como ela sonhou. Talvez eles vivessem felizes para sempre.

Ou talvez ele teria sido trancado quando os Titãs escaparam do Tártaro. Então outra vez, talvez os Titãs não teriam escapado, se ele e os outros guerreiros estivessem lá. Mas isso não importava. O que está feito, está feito. Agora, ele tinha chance de fazer as coisas direito.

No fundo, Gideon podia ouvir o barulho de dois pares de botas e sabia que Kane e Cameo tinham corrido para ajudá-lo. Ele riu. Isso parecia tão simples, tão fácil. Este homem tinha lhe escapado, causado tantos problemas de longe, mas tinha sido abatido em questão de minutos.

A vida não podia ficar melhor que isso.

Ele ergueu a lâmina. Mais um golpe, e Galen estaria fora por um longo, longo tempo. Tempo que os Senhores poderiam usar para decidir se queriam ou não matá-lo e libertar o seu demônio. Tempo para Gwen, sua filha, dizer adeus.

Claro, que isso foi quando Rhea, a deusa rainha, de repente, apareceu em um flash de luz azul brilhante. Ela estava pálida e trêmula, o rosto apertado com uma carranca. Será que ela tinha prestado atenção o tempo todo?

— Como você se atreve! — Gritou ela. — Ele é meu guerreiro. Meu. Você não podia machucá-lo. Mas agora... Agora você vai pagar.

No instante seguinte, Gideon encontrou-se varrido da fortaleza e preso em uma gaiola quatro-por-quatro, barras de todos os lados, acima e abaixo, e olhando para um quarto palaciano de veludo e mármore. Ambrosia perfumava o ar[27], e pinturas de deuses titãs decoravam as paredes. Havia uma cama de dossel com um rendilhado cor de rosa, e um lustre de cristal que pendia do teto por uma única vinha de hera. Este teto, contudo, era claro e com cúpulas, e dava vista para um lindo céu azul.

Merda! Vitória, não. Derrota, sim. Tudo em um piscar de olhos. Ele quase não podia acreditar. Esperava que isso fosse apenas um sonho. Um pesadelo criado por Scarlet. Mas no fundo ele sabia que ela não faria isso com ele. Isso era real. Ele tinha perdido.

Cuidado com o que você deseja, pensou amargamente. Ele queria alguém para levá-lo de volta ao céu para que ele pudesse procurar Scarlet, e agora ele estava lá. Só que, ele estava à misericórdia[28] da deusa rainha.

Não que ela tivesse alguma.

 

Gideon foi deixado sozinho na gaiola por muitas horas. Sozinho no quarto, também. Ele não tinha que se perguntar onde Rhea estava, portanto, podia imaginar. Ela estava com Galen, checando sua saúde. Ele é meu guerreiro, ela chorou. Meu. Você não deveria feri-lo.

O que ele tentava imaginar era se ele tinha ou não sido atraído de algum modo à Gaiola da Compulsão que Lucien estava no processo de esconder, onde o prisioneiro era compelido a fazer o que quer que o dono da Gaiola quisesse. Ele preferia cortar seu coração a tornar-se escravo de Rhea.

Ele queria seu coração em uma bandeja. Uma bandeja que ele então daria a Scarlet como prova de sua afeição. Scarlet...

Onde estava ela? O que ela estava fazendo? Ele especularia todos os dias até que a visse. Não era isso que o preocupava, também. A garota podia se cuidar melhor do que qualquer um que ele tivesse conhecido. Ele simplesmente sentia falta dela. Ela era parte da vida dele agora. A melhor parte.

Ele queria criar novas memórias com ela. Memórias reais, melhores do que as que ela tinha. Ele queria estar lá para ela, e compensá-la por todos os anos que a ignorou enquanto ela sofria no Tártaro.

Primeiramente, no entanto, ele precisava escapar desse maldito buraco do inferno.

— Ray! — Ele gritou, sacudindo as barras. Deuses, ele lembrou-se de Galen. Frenético, desesperado. — Ray!

Mais uma vez, uma luz brilhante encheu seu campo de visão. Gideon permaneceu de joelhos, pensando como ele odiava ficar assim. Mas não havia mais espaço na gaiola, e ficar de pé não era uma opção.

Rhea apareceu no meio do aposento, sua beleza cansada e apertada, seu cabelo escuro trançado. Não era mais cinza, ele reparou. Ela vestia um robe branco que tinha sangue e sujeira. Então, sim, ela tinha estado com Galen.

— Você chamou? — Ódio e autossuficiência em seu tom, criando um timbre assustador em seus ouvidos. — Ansioso por sua punição?

Ele sabia que ninguém viria resgatá-lo. Ele tentou remover seu colar de borboletas do pescoço, que bloqueava seu paradeiro de todos os imortais, mas, de algum modo, de alguma maneira, o metal se fundiu e agora recusava a partir-se. Ele podia até levantar as correntes em cima de sua cabeça.

Feito de Rhea, ele estava certo.

Sua ideia? Ela não queria que Cronos o encontrasse ou mesmo soubesse o que ela fez a ele.

Ela virou sua mão no ar, e, chocantemente, as barras em volta dele desapareceram. Como as barras atrás dele apoiavam suas costas, ele caiu sentado. Gideon era rápido para recompor-se, no entanto, e pulou em pé. Ele não tinha uma arma, como se elas tivessem sido removidas por mágica.

— Espertinha. — Ela era tola como Galen.

— Ataque-me, eu o desafio. — Ela replicou, ficando em seu lugar. Seus dentes estavam desprotegidos, como se ela não pudesse esperar para violentá-lo e trabalhar um pouco de sua estima.

Ele teria adorado agradá-la. Ela queria sua cabeça naquela bandeja, afinal. Mas ele não era Strider, e ele não tinha que responder a todos os desafios. Ele não precisava dar à maldita tudo o que ela queria. Depois, ele não sabia que poderes ela possuía, não sabia do que ela era capaz, mas ele sabia o que seu marido poderia fazer, e se ela fosse como ele... Gideon tremeu. Ele perderia a luta antes mesmo que ela começasse.

— Bem, covarde? Só vai ficar parado aí?

— Sim. — Ele deu as costas a ela, ouviu sua respiração insultada e dirigiu-se para o outro lado do aposento como se ele não se importasse. Ele parou em frente de uma penteadeira, levantou uma embalagem de perfume e suspirou. Fez uma careta. Ela realmente usava essa porcaria? Era potente, como asas de morcego misturadas com olho de tritão.

— Removi todas as saídas, então esqueça todos os pensamentos de fuga da sua mente podre. Você está preso nessa sala como estava na gaiola.

Verdade. Mentiras assobiou em sua cabeça.

— Parece perfeito. — Ele recolocou o perfume e levantou uma escova. Vários fios de cabelo estavam em suas cerdas.

— O que quer dizer com perfeito? É terrível, e você sabe disso.

Ela sabia que ele estava possuído pelo demônio Mentiras, ela só não havia juntado as peças ainda. Oh, a diversão que ele podia ter com ela, ele pensou, acabando com seu riso antes que ele pudesse se formar.

— Não estou curioso sobre o motive pelo qual você me trouxe aqui e o que pretende fazer comigo — Ele disse.

— Ha! Eu sabia! Você está morrendo de curiosidade.

Ele mal tremeu quando colocou a escova de volta na superfície da penteadeira, olhando enquanto patinava e se chocava contra uma lata de creme verde. Claramente, Rhea se importava com sua aparência.

— Na verdade, estou preocupado por Galen. Por favor, diga-me que ele se recuperou, oh, bela rainha.

—Mentiroso! Você não se preocupa com Galen. — Ele nunca ouviu a mulher mover-se, mas, no instante seguinte, ela estava atrás dele, garras cavando seu pescoço e o cortando. — Você o odeia, o quer morto. Bem, adivinhe o que? Você não conseguiu o que queria. Ele está vivo e irá se recuperar.

— Excelente.

Ela estalou sua mandíbula, olhos brilhando.

— Ele me implorou para matá-lo. Eu disse que não, que eu tinha outros planos para você.

Outra vez, verdade, Mentiras assobiou a ela.

— Sorte a minha.

Carrancuda, o libertou. Mas não por muito tempo. Rapidamente, ela retornou suas mãos a ele, mas, dessa vez, a ação não tinha raiva, mas determinação.

— Você se considera imperturbável, não é? Bem, vamos ver o que podemos fazer sobre isso. Vamos deixá-lo mais confortável. — Sua voz tinha se tornado rouca, com uma promessa sensual.

Inferno. Não. Scarlet era a única mulher que ele queria na cama. Mas ele não podia fugir de Rhea. De alguma forma, ela grudou seu pé no lugar. Relaxe sua expressão, cara. Não deixe que ela saiba que está atingindo você.

Um de seus dedos foi até o centro de sua camiseta, e o material queimou, o algodão desaparecendo completamente e deixando seu peito nu. Sua pele permaneceu fria ao toque. Oh, sim, ela era poderosa.

— Uau, obrigada. — Calmo, Tranquilo. De jeito nenhum ele a deixaria saber como ele odiava isso. — Realmente me sinto melhor.

Confusa, ela deu um passo para trás, aumentando a distância entre eles.

— Pensei que você gostasse da minha filha.

— Errado.

Seus olhos apertaram-se com suspeita.

— Qual jogo você está jogando?

— Não estou jogando. — Uma risada levantou-se nos cantos de seus olhos.

Por um longo instante, ela simplesmente olhou para ele, analisando. Então ajeitou seus ombros.

— Você está mentindo. Você a ama. Eu posso dizer. Mas vamos ver quanto tempo isso dura, sim? — Sem deixá-lo com o olhar, ela alcançou o cinto do corpete de seu robe e puxou. O material desceu ao centro, jogado de seus braços e caiu no chão, deixando-a totalmente desnuda.

Os molares de Gideon uniram-se. Ele poderia simplesmente imaginar sua confissão a Scarlet, porque de jeito nenhum ele iria tentar e manter algo como isso um segredo. Ele não queria segredos entre eles. Nunca. E, depois, melhor que ela ouvisse isso dele do que da cadela de sua mãe, que distorceria os fatos. Hey, demônio, sua mãe - você sabe, a mulher que você ama tanto - não se despiu na minha frente e eu não vi suas preferências na depilação.

Ele merecia outra forquilha em seu peito.

— Gostosa, não? — Rhea passou as mãos na tatuagem de borboleta que agraciava seu peito e seus ombros, então sua cintura, em seus quadris perfeitos e então inchava no ápice de suas coxas, onde seus dedos enroscaram-se até um fino tufo de pelo preto.

Cada pedaço do covarde que ela o acusou de ser, ele considerou no teto abobadado, observando enquanto fofas nuvens brancas passavam. Pavor surgiu em suas veias e espalhou por todo seu corpo. Ele podia saber para onde ele ia.

— Bem? — Ela perguntou.

— Sim. Linda.

— Tsc, tsc. Seu tom sugere que você está mentindo outra vez, mas nós dois sabemos que você me deseja. E, em breve, Scarlet irá saber, também.

Maldita! Sua suspeita estava correta então. Ela planejava violentá-lo. E isso seria violentá-lo, porque de forma nenhuma ele consentiria. Então ela iria fofocar com sua filha. Conheça a Mãe do Ano, Rhea. Ou não.

Mais uma vez, Rhea o alcançou e o tocou. Seus dedos dançavam na cintura de suas calças, e essas também queimaram, desaparecendo enquanto caíam, mas deixado sua pele fria, imaculada.

— Não é tão melhor assim..? — Um ruído de frustração escapou dela.

Sem dúvida ela viu seu pau flácido. O Pequeno Gid não estava respondendo a ela de jeito nenhum. Ele quase riu. Quase.

— Eu espero que você se sinta muito bem sobre isso. — Ele disse. — Sobre o que você está planejando. Afinal de contas, você não machucou Scarlet o suficiente nesses anos todos. E tenho certeza que ela mereceu tudo o que você fez a ela. Porque ela nunca te amou, amou? Sim, você deve estar muito orgulhosa de você, doçura.

A cada palavra que ele dizia, a rainha endurecia um pouco mais.

— Acabou? — Ela cravou uma unha em seu peito, sangue jorrando dessa vez. Faíscas vermelhas acenderam seus olhos, revelando o demônio que ela lutava tanto para esconder.

— Sim. — Há apenas algumas semanas, Gideon descobriu que Rhea era a guardiã do demônio da Discórdia, que ela se alimentava do conflito. Ela não poderia culpar seu demônio, no entanto. Ela foi vadia assim antes mesmo de sua possessão. Scarlet na prisão. E mais, ela poderia ter controlado seus impulsos negros, mas simplesmente resolveu não fazê-lo. Ele e seus amigos eram prova disso.

O demônio de Reyes, Dor, uma vez quis machucar todos os que encontrou. Reyes teve que aprender a transformar esse desejo, machucando a si para salvar outros.

O demônio de Maddox, Violência, uma vez quis aparecer a cada palavrão, cada toque acidental. Mas Maddox aprendeu a controlar a raiva dentro dele.

O demônio de Lucien, Morte, uma vez quis roubar a alma de cada humano que encontrasse. Lucien aprendeu a esperar até que aqueles humanos morressem antes de agir por impulso.

Gideon poderia continuar e continuar. Cada guardião de demônio tinha julgamentos e lutas, mas eles faziam todo o necessário para domar suas bestas, lutar contra suas negras urgências. Rhea poderia ter feito o mesmo, mas não fez. Ela preferia criar discórdia, mesmo entre aqueles que ela deveria amar e proteger.

— Eu descobri. — Rhea disse de repente em um meio sorriso. — Você diz o oposto do que acha. Você acha que Scarlet é inocente. Você acha que eu deveria adulá-la. O que você não sabe é que ela tramou e conspirou para me destruir e tomar minha coroa. Desde o começo! Ela chegou até a dormir com meu marido. Seu líder.

Mentira. Tudo mentira. Seu demônio se alegrava de prazer, mesmo enquanto Gideon lutasse com um ódio que ele jamais conheceu antes. Não com Scarlet, nunca Scarlet, mas Rhea. Como ela usava dizer tais coisas sobre a sua mulher. E sim, Gideon entendeu a ironia totalmente.

Ele estava tentado, tão tentado, a gritar com essa mulher, dizer a ela seus verdadeiros sentimentos a seu respeito e sobre sua preciosa Scarlet. Ele queria que ela soubesse e estava mais frustrado do que nunca em não poder expressar seus pensamentos corretamente. Se ele não precisasse manter suas forças ao redor dela... Mas ele manteve. Por Scarlet.

A cabeça de Rhea inclinou-se enquanto ela alcançava e inseria uma de suas unhas ao longo da curva de sua mandíbula. Ele se afastou de seu toque, mas não antes que o queimasse, queimando sua pele e deixando uma ferida, um machucado aberto.

— Bem, bem. Olha quem deseja acreditar no melhor daquela pirralha decepcionante. Estúpido, mas admirável. Talvez um dia você perceba seu erro e me dê essa lealdade.

Nunca. 

— Totalmente possível.

Ela colocou seus braços ao redor dele e pressionou sua nudez contra a dele. Seu pênis, claro, continuou flácido. Isso não a deteve, no entanto. Ela beliscou seu lábio inferior e esfregou-se contra ele, o joelho se deslizando para cima e para baixo dele.

— Minha filha pensa que irá me arruinar em meus sonhos, sabe. Eu posso senti-la fora de minha mente, esperando. Mas ela aprenderá mais do que me desafiar. Você sabe como, meu querido garoto?

Que os deuses o ajudassem.

— Cada vez que ela invadir meus sonhos, você fará amor comigo. — Um pequeno, desejoso sorriso levantou seus lábios. — E, acredite em mim, você irá fazê-lo.

Ele endureceu, mas não da forma que ela queria.

— Não preferia morrer. — Sua psicótica nervosa.

— Que pena. Não estou autorizada a matar, do mesmo modo que meu marido não está autorizado a matar meus Caçadores. Mas há outros modos de garantir sua cooperação.

Ele. Poderia. Fodidamente. Estrangula-la. Com seu pé ainda no chão, ele encostou-se nela, permitindo a seu peso bater nela com toda força. Porque ela não havia pensado em prendê-lo, ele a alcançou, com o fim de fechar seus dedos em torno de seu pescoço frágil. Suas mãos encontraram algum tipo de bloqueio invisível.

Uma gargalhada estridente escapou dela.

— Demônio idiota. Nenhum mal pode me ocorrer dentro deste aposento. Por que outro motivo eu ficaria aqui? Agora, deixe-me mostrar a você porque você fará amor comigo quando eu quiser... — Um passo, dois, ela retrocedeu dele, forçando-o a enrijecer.

Rindo, ela girou em um pequeno círculo. Ele teria rido da falta de noção - gargalhada? Sério? - mas quando ela o encarou outra vez, ela já não era Rhea. Ela era Scarlet, e o choque era como um soco no saco. De repente ele estava olhando para o rosto adorável de Scarlet. Os olhos pretos de Scarlet. Os lábios de sangue de Scarlet. A pele impecável de Scarlet. As formas mais altas e mais fortes de Scarlet. E o corpo dele respondeu!

Sua rigidez horrorizada intensificou-se enquanto ele buscava desesperadamente uma imperfeição. Merda, merda, merda. Elas eram iguais. Merda, elas eram... Não. Espere. Rhea não tinha as tatuagens de Scarlet. Aquelas incríveis, as tatuagens “lamba-bem-aqui”. Então. Ok. Tudo bem. Bom. Ele podia lidar com isso. Elas não eram idênticas. Droga, cara.

— O que? Você não gostou? — Ela até falou na voz rouca de Scarlet.

— Não. — Ele gostou. Droga, ele gostou. Ele estava tão faminto por Scarlet, tão faminto. E agora, aqui estava ela, para que ele a tomasse. Sem tatuagens, não era Scarlet. Não esqueça.

— Nem mesmo quando eu faço isso? — Viu quando ela se moveu. Rhea deslizou os dedos até a superfície da sua barriga lisinha, colocou as mãos nos seios e beliscou os mamilos, endurecendo-os como pequenas pérolas.

 Sem tatuagens, não era Scarlet. Sem as malditas tatuagens, não era a maldita Scarlet. Seu corpo continuava reagindo, incapaz de se conter. Para seu pau, aquela era sua mulher, em breve seria sua esposa. E seu pau a queria desesperadamente, estivera sem ela há tanto tempo.

Scarlet não, Scarlet não, ele disse ao traidor freneticamente, desejando que o sangue deixasse sua ereção crescente.

Mentiras adorava, no entanto. Amava saber que Rhea era uma mentira viva. O demônio nunca esteve tão excitado, de fato.

Você me implorou para fazer Scarlet ficar. Agora você quer traí-la?

Scarlet. Amo Scarlet.

Uma mentira. Mas... Mas… Você disse que ela era sua.

Ela é. Não é.

Que porcaria é essa? Dane-se você. Estamos no time de Scarlet. Você entende?

Claro, claro, era a resposta

O que significava que Mentiras não estava no time de Scarlet.

Que porcaria é essa? Ele se perguntou de novo. Todo mundo estava contra ele?

— Eu te disse. — Rhea o tratava com outra gargalhada, mas havia uma estridência má naqueles olhos escuros, algo que Scarlet nunca dirigiu a ele. — Vamos parar com joguinhos,e começar com o prazer.

Ela literalmente balançou sua mão no ar, um prelúdio de que iria se apavorar, e Gideon subitamente encontrou-se deitado na cama, esticado, outra vez preso em um lugar e impossibilitado de mover-se. Ele era como uma marionete, colocado onde a rainha desejasse, e ele estava cheio disso.

— Ouça, querido, você... Hmpf!

Rhea sacudiu-se em cima dele, seus joelhos montados em sua cintura. Mais uma vez, ela parecia ela mesma em seu corpo, assim como seu demônio, deflacionada. Graças aos deuses.

Então agora você está no time de Scarlet de novo? Ele perguntou a Mentiras.

Sim. Não.

Eu não entendo você.

— Oh Gideon. Isso vai ser divertido. — O sorriso de Rhea não desapareceu. Na verdade, ela deu uma enorme gargalhada. — Veja. — Ela disse, e moveu-se para a direita.

O pavor tomou conta dele quando ele virou a cabeça. Ele viu... Nada, e fez uma careta. Por que ela... Não, espere. Pequenas luzes brancas estavam na frente do colchão, aumentando, unindo-se e então Scarlet estava ali. A verdadeira Scarlet.

Ela estava vestida inteira de preto. Camiseta preta, calças de couro pretas. Mesmo pulseiras pretas de couro. O cabelo dela estava preso em um rabo de cavalo baixo, revelando o gracioso comprimento de seu pescoço. Um pescoço que não tinha um colar de borboleta.

Ela viu Gideon com uma Rhea gargalhante em cima dele e engasgou-se chocada, horrorizada.

— Demônio. — Ele gritou, mas ela desapareceu no instante seguinte, sumindo como se jamais tivesse estado ali. — Vaca. — Ele então gritou com Rhea e Mentiras rosnou em sua cabeça. Dor explodiu nele, seguida por aquela odiosa fraqueza. Ele fez uma careta, virou-se odiou, odiou... Ferido.

De novo não.

Mas ele não pôde evitar. Ele estava cheio de ódio, arrependimento, raiva, não podia impedir as palavras de deixarem sua boca.

— Eu vou matá-la. Planejei fazer isso de qualquer forma, mas agora você irá sofrer. Irá se arrepender de todas as formas que magoou sua filha. — Mais dor, mais fraqueza.

Finalmente, o sorriso de Rhea desapareceu. Sua pele até ficou sem cor. Ela pendeu para o corpo dele até que ela encostou no colchão e teve que permanecer. Os joelhos dela deviam estar tremendo porque ela tremia.

— Você está mentindo outra vez. Eu sei que você está.

Antes que Gideon pudesse responder, outra voz ressoou.

— Temos muito o que conversar, mulher.

Enquanto a ainda nua Rhea choramingava desmaiando, a face de Gideon - que estava endurecendo e escurecendo a cada segundo que passava, moveu-se para o centro do aposento. Cronus apareceu, e ele tinha trazido uma... Mulher? Sim, definitivamente uma mulher. Sua pele estava carbonizada em preto, e seu cabelo queimado, mas a delicadeza de seus ossos era evidente. Evidente demais.

Talvez Gideon tenha murmurado. Talvez o Rei deus tivesse meramente o sentido. De qualquer forma, o foco de Cronus voltou-se a ele, e o rei tomou um fôlego chocado. Seus olhos tornaram-se pequenas fendas de fúria.

— Então. Temos mais a discutir do que eu imaginava. Você pensou em usar um dos meus guerreiros. — Duro, e mesmo assim desprovido de qualquer emoção. — Depois de concordarmos que você não iria por aí.

Rhea ergueu o queixo, um robe branco aparecendo do nada e a cobrindo.

— Ele amou cada minuto disso, eu asseguro.

— É por isso que ele parece pronto para vomitar. — Cronus também ergueu seu queixo.

— Você não tem o direito de me molestar por minhas ações quando minha irmã, sua amante, está do seu lado. — Sua face corou-se diante da fêmea tremula. — Por que você a queimou? — Ela parecia surpreendentemente chateada à visão, a despeito do fato de que sua irmã estava dormindo com seu marido. — Ela caiu em desgraça?

Sua irmã. Aquele esqueleto coberto de sujeira era a deusa da Memória.  Tia de Scarlet, então. Subitamente, o dia de merda estava começando a melhorar.

Gideon pulou da cama. Ele não tinha que se esforçar para ficar de pé, podia apenas fugir, traçando seu caminho através da mulher, planejando agarrá-la, e segurar até que ele encontrasse o caminho de casa.

— Eu não a queimei. — Cronus repreendeu. — Sua filha o fez. Mas isso deveria ser uma conversa particular. Gideon, acredito que você vá proteger Mnemosyne até o momento que eu possa recuperá-la. Afinal de contas, — Ele adicionou com um dedo apontado para Rhea. — eu duvido que ela esteja em qualquer condição de seguir os passos da irmã e seduzi-lo.

Rhea fez um barulho demoníaco, e como Gideon fosse colocar as mãos em seus ouvidos já doloridos, ele se encontrou em sua cama, em seu quarto. NeeMah estava no chão, para realizar suas atividades como ele quisesse, aparentemente, já que ela estava usando um colar de escrava.

— Obrigada. — Ele disse, rezando para que Cronus pudesse ouvir e que o rei esfaqueasse sua rainha em seu podre, negro coração.

Com sua última verdade, seu demônio rosnou e sua dor triplicou, queimando-o como fogo.

Trevas escureceram sua visão, mas ele atirou-se para o chão e chamou NeeMah. Ela choramingou e tentou arrastar-se para longe.

— Não há razão para você querer escapar, querida. Você está aqui para uma festa. — Agarrando-se em seus braços, ele levantou-se com pernas trêmulas e começou a arrastá-la para a masmorra.

 

Aquela vaca! Foi o primeiro pensamento a bater na mente de Scarlet quando ela acordou. Rhea finalmente a sacudiu de Budapeste para os céus. Onde ela viu sua mãe nua se agarrando com seu namorado nu. Então Rhea a transportou para algum lugar ensolarado. Onde, Scarlet não sabia. Tudo o que ela sabia era que a abrupta transição da escuridão para a claridade confundiu totalmente seu demônio.  Diferente do campo de ambrosia, havia tempo entre as duas localidades.

Ela teve uma mera noção de carros em movimento e edifícios diante antes de seus olhos fecharem-se por sua própria conta e sua mente entrar em um profundo, imperturbável sono.

Agora ela estava em um maldito hospital, ela percebeu agora enquanto via seus arredores. Ela devia ter desmaiado em uma calçada movimentada, ninguém deveria ter sido capaz de acordá-la e então a levaram para cuidados médicos. Merda!

Um monitor cardíaco apitava ao seu lado. Eletrodos estavam presos ao seu peito, e soro pendia em seu braço. A equipe médica trocou suas roupas por um finíssimo avental e removeu suas armas. A polícia local provavelmente viria falar com ela sobre isso, também, e, que saco, ela não precisava disso agora.

Que saco, ela pensou de novo. Movimentos grampeados, ela tirou a agulha, sangue saindo de seu cotovelo, e retirou os fios. O monitor enlouqueceu, disparando altíssimo enquanto ela tirava suas pernas da maca.

Passos ressoaram e então uma mulher pequena e apressada que estava aos arredores correu para o quarto de Scarlet. Quando ela viu Scarlet sentada, a tensão deixou seu semblante, mas ela estendeu seus braços para deitar Scarlet novamente.

— Senhora. Senhora, você precisa ter cuidado. — Ela falou em inglês, sem sotaque. Estou nos Estados Unidos, Scarlet percebeu. — Nós não sabemos ainda o que está errado com você e...

— Estou bem, e estou indo embora. — Determinada, ela afastou a mulher e ficou de pé. Seus joelhos enfraqueceram e dobraram, mas ela pressionou seu peso em seus calcanhares e continuou em pé, ainda que uma onda de tontura a tenha tomado.

Que porcaria eles tinham colocado em suas veias?

Mãos fortes colocaram-se sobre seus ombros e aplicaram pressão. Como não queria nada disso, Scarlet outra vez afastou os braços da mulher.

— Onde estão minhas roupas? — Seu colar de borboleta estava no bolso de sua calça, e ela o queria de volta.

Claramente a humana não estava habituada a ser desafiada, ela empalideceu enquanto afastou-se, palmas erguidas e estendidas.

— Suas roupas estão com seu arsenal.

Sim. Aquelas armas a colocaram em problemas.

— E onde está meu arsenal?

Os olhos castanhos apertaram-se.

— Com a polícia. — Tom forte, firme. — Há outro oficial aqui que esteve esperando para falar com você, então eu sugiro que você deite novamente. Você não deveria estar de pé e caminhando. Ainda estamos fazendo testes, tentando entender o que há de errado com você.

Merda, ela pensou de novo. Se suas roupas estivessem trancadas em alguma delegacia, pegá-las de volta tomaria muito tempo e esforço. Tempo e esforço que ela não tinha.

— Veja, nada está errado comigo, exceto que minhas roupas e pertences foram roubados. Agora onde diabos eu estou?

— Memorial Northwestern.

— Não. Que cidade?

A enfermeira piscou para ela.

— Chicago.

Por que diabos a mãe dela a mandou para cá?

— Eu só vou chamar sua médica e deixá-la saber que você está pronta para ser dispensada. — A enfermeira sabia que Scarlet sabia que ela estava mentindo. Graças a Gideon, ela se considerava um detector de mentiras, agora. A enfermeira estava indo informar o policial.

Scarlet permitiu que a mulher deixasse o quarto sem protestar. No momento em que se viu sozinha, tirou as sombras de dentro de sua cabeça. Elas se colocavam em volta dela, acariciando-a de perto, envolvendo-a em uma escuridão impenetrável. Bem, impenetrável para qualquer outra pessoa. Ninguém poderia vê-la, mas ela poderia ver tudo e todos.

Melhor do que ir embora, ela pressionou-se contra a parede, perto da saída. Bem a tempo, também. O policial, que tinha pouco mais de vinte anos, fisicamente esbelto e determinado, entrando pelo corredor, com um café na mão. Ele jogou o café atropeladamente no balcão do posto das enfermeiras sem diminuir seu passo, sua outra mão permanecendo em sua arma carregada.

Scarlet respirou apressadamente em uma percepção aterrorizada. Ele era um Caçador. A tatuagem em seu pulso, um símbolo do infinito, não era meramente decorativo. Era sua marca, seu voto de matar aqueles que estivessem possuídos por demônios.

Por isso sua mãe a colocou aqui. Havia provavelmente um contingente de Caçadores baseados aqui.

Seu estômago revirou-se. Ao menos Rhea não a colocou no meio desse contingente. O que significava que ao menos em algum nível, Rhea tinha alguma afeição por ela.

Ilusão sua, você sabe. Era mais provável que Rhea tivesse errado a distância.

Quando o homem alcançou o quarto de Scarlet, ele passou a porta quase ao mesmo tempo que a enfermeira fofoqueira, sua expressão resoluta. Ele parou e resmungou quando percebeu que estava sozinho.

— Aonde ela foi? — Ele perguntou.

Nenhuma das enfermeiras queria se aproximar e responder.

Será que Rhea teve tempo de dizer a ele quem Scarlet era? O que Scarlet era? Provavelmente não. De outro modo, seria mais de um Caçador esperando que ela acordasse, e esse não a deixaria. Nem por um segundo. Então por que ele estava aqui?

Provavelmente devia ter havido um relatório sobre ela aparecer do nada, ela percebeu, e ele provavelmente gostaria de saber como ela fez isso.

Raiva renovada pulsou em seu peito, tornando a torção em seu estômago mais suportável. Ela caíra no sono em frente de humanos que poderiam ter feito o que quisessem com ela e ela não seria capaz de defender-se. Ainda outro pecado pelo qual ela puniria sua mãe desprovida de coração.

Enquanto o policial passou um rádio para reforço foram emitidas ordens para que o pessoal do hospital trancasse todas as portas do edifício. Scarlet escapuliu para o corredor, dando seu melhor para permanecer nas sombras de modo que suas sombras a camuflassem.

Fugir provou-se sem maiores eventualidades. Simplesmente não havia como fechar as saídas do PS, uma vez que vítimas de um desabamento estavam sendo trazidas. O sol brilhava, criando um céu violeta, a tarde cheirando a flores de verão. Grilos cantarolavam, e carros zuniam na rua próxima. Uma ambulância soava suas sirenes enquanto estacionava.

Scarlet foi ao estacionamento com a intenção de roubar um carro. Mas onde ela deveria ir? Sua tia estava muito fraca para encontrá-la agora. Ela não poderia voltar aos céus para estapear sua mãe, não podia bloquear sua localização dos deuses. Então ela poderia ser encontrada por qualquer um deles, e atirada em outro covil de Caçadores.

Gideon não estava em casa, então ele não podia...

Gideon. Suas mãos se endureceram. Será que seus amigos sabiam onde ele estava? E com quem ele andava transando? Sua garra afiou-se, entrando em suas palmas. Calma aí. Você tem certeza de que ele estava fazendo sexo com sua mãe? Ele não parecia um cara enlouquecido de prazer.

Scarlet pensou de novo e fez uma careta. Claro, ambos Gideon e sua mãe estavam nus. E, claro, sua mãe estava tocando seu peito. E, ok, sim, não haviam promessas entre ela e Gideon. Ela disse a ele que tinham terminado, acabado. Em sua cabeça, ele estaria livre para fazer o que quisesse e com quem quisesse. Mas havia pânico em seus olhos. Pânico, dor e fúria.

E se ele não estivesse ali de livre e espontânea vontade?

Ela engasgou, com medo de esperar que fosse isso. E ela se odiou por querer que fosse isso. Ele poderia estar em sérios problemas.

Mas sua reação explicaria por que sua mãe permitiu que Scarlet testemunhasse o ato de relance e em seguida a enxotasse antes que Gideon pudesse dizer qualquer coisa. Que modo melhor de feri-la do que “roubar” seu homem?

A mera esperança que ela temia de repente criou asas e flutuou por ela. Se ela estivesse errada sobre o que aconteceu e ele realmente desejasse Rhea, ela iria... O que? Matar os dois? Tentar e lembrá-lo de como tinha sido tudo entre eles?

Não. Mas isso não era uma opção. Ainda seria muito arriscado. Depois, de tudo o que aconteceu, Gideon merecia uma vida longa e feliz.

Finalmente, Scarlet sabia o que ela devia fazer para salvá-lo, para dar a ele essa vida longa e feliz. E ela teria preferido comer sua perna. Porque agora uma eternidade de sofrimento a esperava.

 

Gideon sentou em frente à cela da masmorra, olhando para NeeMah, dentro dela, que ainda estava em grande parte carbonizada. No entanto, cabelo claro brotava de seu couro cabeludo e pele nova formava-se em seu rosto e membros. Ela deveria ter se regenerado completamente até agora, mas o colar de escrava, que a impedia de usar seus poderes divinos, desacelerava consideravelmente o seu processo de cura.

Ele não estava usando um colar, mas seu processo de cicatrização parecia lento, também. Depois de dois dias, ele ainda era fraco, e mal tinha andado através da fortaleza e descido as escadas para chegar até aqui - onde ele tinha permanecido, - mas sua determinação o tinha estimulado avante. Ele iria receber respostas para Scarlet

— Você não irá — Ele deixou cair o volume de sua voz na palavra não, esperando ter feito NeeMah entender somente o que ele quisesse que ela ouvisse. — responder tudo o que eu perguntar. — E isso não era um blefe. Ele o faria. Com um sorriso.

— S-sim. — NeeMah disse. Ela deitava em um leito, suas mãos repousando em sua bochecha. Suas pálpebras se abriram, revelando o branco de seus olhos, um contraste com as manchas negras contrastando com eles. — Eu irei.

Ele estava habituado a torturar Caçadores por cada polegada de informação, então sua concordância fácil o confundiu um pouco. Ele pensou que teria que queimá-la ao menos uma vez para conseguir sua primeira resposta. Que ele não... Sua natureza desconfiada superou sua determinação - e desapontamento. Queimá-la teria sido divertido.

— Por que você - não - atormentou Scarlet todos esses anos? — Ele perguntou.

— Por que você se importa? — Sua voz era rouca, ríspida por conta da fumaça. — Você não é marido dela.

Eu quero ser. Um dia, eu serei.

— Não — Permaneceu quieto. — responda a pergunta. — Gritou vividamente. Ele segurava um isqueiro.

Ela vacilou, mesmo choramingou.

— Tédio. — Ela disse apressada. — Favores para a minha irmã, a rainha. Por que mais?

Verdade. Ele se odiava então, porque, de alguma forma, ele era tão culpado pelo tratamento de Scarlet quanto a tia dela. Quantas vezes ele entrou no Tártaro? Incontáveis. Por que ele não notou Scarlet? A mulher, não a criança. Se ele tivesse, haveria mil coisas que ele teria feito para protegê-la.

Particularmente, ele poderia tê-la movido para uma cela privada. Ele poderia ter matado Rhea e NeeMah, ou, em último caso, informá-las do que aconteceria se elas não parassem de atormentá-la. Mesmo assim ele não percebeu a adorável mulher que ela se tornara, e então ele não fez nada.

Como ele pôde não notá-la? Quão estúpido e cego ele tinha sido? Ela era a pessoa mais importante da sua vida.

Ele realmente não a merecia, mas isso não o impediria de tentar conquistá-la.

— Existe alguma forma de desfazer os danos que você — Ele diminuiu sua voz suavemente. — não — Então deixou sua voz volta ao normal. — causou?

— Sim. Posso remover todas as suas memórias.

Que era o que Scarlet queria. Gideon não, no entanto. Ele queria Scarlet como ela era. Mas ele também colocou seus desejos acima dos dele, e faria o que fosse necessário para fazê-la feliz. Mesmo isso, ele percebia agora.

Isso evitaria que ele tentasse fazê-la se apaixonar totalmente de novo.

— Eu apagarei todas as memórias dela, certo? — NeeMah continuou, de algum modo mais forte agora. — Não. Acredite em mim. É melhor ter Scarlet como inimiga do que Rhea.

E mesmo assim ela se tornou amante de Cronus. Talvez, no entanto, isso tenha sido um pedido de sua irmã, uma forma de manter as garras no cara. Interessante. Amun poderia discernir a verdade, que era por que Cronos quis o apoio do guerreiro, em primeiro lugar.

— E para ser sincera, — NeeMah adicionou, quase como um pensamento posterior, ainda que ela não pudesse esconder seu maxilar apertando. — depois do que Scarlet acabou de fazer para mim, eu preferiria morrer a ajudá-la.

Como essa era a única outra opção de NeeMah, ela podia então conseguir seu desejo. Ela iria mudar sua mente, no entanto, no momento em que ele se aproximasse dela com um isqueiro e uma lata de gasolina. Ele tinha certeza disso. Mas ele não a ameaçaria novamente. Não havia necessidade. Scarlet não estava aqui, então por que forçá-la à questão?

— Por que a mãe dela não a odeia? — Ele perguntou, aumentando e diminuindo sua voz conforme fosse necessário.

NeeMah rolou para suas costas, sibilando em um suspiro dolorido.

— Minha irmã não pode evitar. Ela pensou que amava o pai de Scarlet, e ele estava apenas a usando. Ele tinha uma esposa, e exilou Rhea assim que soube de sua gravidez. Então os gregos capturaram os Titãs e os jogou em uma prisão, evitando-a de ter revanche contra os mortais tolos.

— Então ela não culpou Scarlet? — Vaca. Ele acendeu o isqueiro, apagou, enquanto ele esperava a resposta dela, desafiando-a a recusar a dar a resposta.

— Não no início. Primeiro, ela amava a criança. Ou melhor, amava a criança tanto quanto podia. Mas enquanto Scarlet crescia, parecendo-se tanto com seu pai, o amor de Rhea morreu. E não ajudava que Scarlet estivesse se tornando uma mulher tão amável. Rhea já tinha perdido tanto. Seu trono, seu poder, sua liberdade. Não ser mais considerada a mais bonita no reino foi uma ofensa que seu ego não podia tolerar.

Por causa da vaidade, ela praticamente embrulhou sua filha de presente para os monstros presos na cela dela. Chamar essa mulher de vadia, ele percebeu, era um insulto às vadias.

— Não. — Gideon desejava retornar a Rhea, com uma faca em suas mãos. Ele cortaria sua garganta sem nenhuma hesitação – então cuspiria em seu corpo sem vida. Ligado. Desligado. Chamas brilhavam, morta. — Continue.

— Então, quando Discórdia emparelhou-se a ela, — NeeMah continuou tremulamente. — todos os seus sentimentos foram intensificados. Ela foi compelida a causar problemas. Como você já sabe.

— A você foi conferido um demônio. — Uma frase, não uma pergunta. Nenhuma vez seus olhos brilharam vermelhos. Nenhuma vez ele viu um flash de pura maldade por trás de seu rosto. Oh, havia maldade, claro, mas não do tipo demoníaco.

Ela respondeu de qualquer forma.

— Não, eu fui poupada.

— Por quê? Não. — Ele terminou em um suspiro. Ligado. Desligado.

— Zeus escolheu quem estava emparelhado com cada demônio, e cada par foi determinado sem mais. Uma espécie de punição. Eu não havia feito nada para feri-lo. Nada de que ele lembrasse, claro.

A verdade se misturou com uma superioridade presunçosa.

Mentiras sibilou.

Zeus tinha dito a algum dos Senhores por que eles tinham recebido seus demônios. Lucien recebeu a Morte porque ele abriu a Caixa de Pandora, quase causando o fim do mundo. Maddox recebeu Violência porque ele matou a maioria dos soldados em sua busca pela Caixa. Paris seduziu Pandora para distraí-la, então recebeu Promiscuidade.

Por que, então, Gideon recebeu Mentiras? Ele tinha sido um bom guerreiro para o rei. Ele ajudou a roubar a Caixa de Pandora, mas sua parte havia sido mínima, porque ele se sentia absurdamente culpado por trair seu criador.

Com essa linha de pensamento, surgiu outra questão. Por que Scarlet recebeu Pesadelos?

Mentiras começou a ronronar.

Gideon fez uma careta. Por que ronronar? Aquela forma de afeição. Achei que você tivesse superado Scarlet.

Não é minha, Mentiras disse. O que significava: toda minha.

Você não pode fazer isso, seu merdinha. Você não pode mudar de ideia assim, querendo-a num minuto e descartando-a no minuto seguinte. Não é minha.

Eu devia pedir ao demônio dela que...

NÃO É MINHA!

Espere. O que? O… Demônio dela?

NÃO É MINHA!

Seus olhos se abriram quando tudo finalmente fez sentido. Teriam os dois demônios sido... Amantes enquanto estavam dentro daquela caixa? Ou talvez no inferno?

O ronronar aumentou seu volume, e ele só podia sacudir sua cabeça em surpresa. Todo esse tempo com seu demônio e ele não tinha percebido que tais criaturas podiam formar conexões como aquelas. Mas Mentiras e Pesadelos devem ter feito isso.

Isso explicava tudo. Por que Mentiras tinha desejado ficar com Scarlet, mas não ligava para Scarlet em si. Por que Mentiras tinha desejado fazer algo incompatível com ele, como dizer a verdade, apenas para manter Scarlet perto. Por que Mentiras respondia a Rhea quando ela parecia com Scarlet. O demônio só via a embalagem, e assumiu que Pesadelos estivesse dentro dela.

Talvez Zeus soubesse da conexão. Talvez Zeus também soubesse do desejo de Scarlet por Gideon. Talvez ele tivesse dado a Gideon o demônio das Mentiras como… Um presente.

E você tentando encontrar um jeito de matá-lo. Ele poderia simplesmente ter dado ao rei deposto um grande e gordo obrigado. Ele preferiria beijar Scarlet, no entanto. Diabos, onde ela estava? O que ela estava fazendo?

Ela tentaria cortar sua garganta da próxima vez que o visse? Ela achou que ele estivesse transando com a vadia da sua mãe, afinal. Ou será que ela tentaria evitá-lo pelo resto da eternidade?

Mesmo se ela quisesse, ela não poderia fazer isso. Ela estava rastreando NeeMah, e iria, eventualmente, descobrir que o rastro da mulher daria ali. Então eles se encontrariam outra vez. Ele iria apenas ter certeza de que ele estivesse preparado. Cruzava os dedos para que ela não o matasse enquanto ele dormia ou removesse sua cabeça antes que ele tivesse uma chance de explicar.

Cruzava os dedos para que ela ao menos quisesse ouvir sua explicação.

— Falando em perda de memória.. Eu acho engraçado que você e Scarlet tenham se encontrado de novo.

A voz de NeeMah o tirou de seus pensamentos e ele arqueou uma sobrancelha para ela.

— Não — Suspiro. — de novo? — Alto.

— Você provavelmente não lembra, — Ela sorriu com isso, momentaneamente, mas então da mesma forma. — mas você veio procurá-la uma vez. Bem, um garotinho que você na verdade descobriu que era uma garotinha. Ela estava crescida então, e você claramente gostou do que viu.

Fogo queimou em seu peito, e então se espalhou por seus pulmões. No início, Gideon não sabia por quê. Então ele percebeu que Mentiras estava flutuando por ele, tão agitado que o rodamoinho escoou em Gideon. Por quê?

— Você lembra? — A deusa perguntou a ele.

Ele lembrou daquele garotinho, e sabia agora que ele havia conhecido Scarlet. Mesmo assim ele não se lembrou de ter encontrado a versão adulta de Scarlet. Sua memória tinha sido bagunçada?

— De qualquer forma, por algum motivo, você nunca voltou. Deixou-a aqui. — Ela ofereceu a ele outra risada. — Uma pena.

Ele pulou, ofegante com a força de uma raiva súbita. Ligado. Desligado. Ligado. Desligado. Ela tinha jogado com ele.

— Oh, você quer lembrar? Dê-me sua mão, e estará feito. Mesmo com meu colar, consigo entrar em sua cabeça.

— Um dia... — Ele rosnou, agarrando as barras, tremendo, o isqueiro tinindo contra o metal.

— Sim? — Ela perguntou, claramente pensando que não havia nada que ele pudesse fazer. Ela sentou, o olhar nunca o deixando. — Um dia? O que você irá fazer?

— Eu irei... Irei... — Nada parecia suficientemente violento.

— Você irá me matar? Você irá me torturar? O que você realmente pode fazer para me machucar? Diga-me. Eu sou feia? Eu sou impotente? Diga, então. E veja como eu punirei Scarlet em troca. Nós dois sabemos que ela voltará para mim. Eu a convencerei a odiá-lo. Eu a convencerei a dormir com um homem atrás de outro. Eu a convencerei a se matar. E não há nada...

Um rugido, alto e longo, ecoou entre eles. Ao longo dessa discussão, Mentiras perambulou e passeou, um predador faminto cheio de raiva. Com a menção da morte de Scarlet, o demônio irrompeu.

Antes de Gideon saber o que estava acontecendo, seu demônio explodiu de seu corpo, uma visão negra de básculas, chifres e ossos. Do mal.

NeeMah ganiu em um pânico horrorizado enquanto o espírito maléfico apareceu diante ela - antes de desaparecer dentro dela. Ela estremeceu, arqueando as costas. Choramingou. Logo, lágrimas começaram a escorrer por seu rosto.

— Eu estou tão feia. — Ela chorou. — Tão desprotegida. Eu não sou digna de viver. Oh, deuses, eu sou tão indigna.

Todas as formas como insultou Gideon, coisas que nem ela mesma acreditava. Mas agora, com o demônio a convencendo de que as mentiras eram verdades, ela acreditava, e isso a estava rasgando por dentro.

Ele só podia olhar, sua própria raiva suavizando na sombra do choque e fascinação. Mentiras efetivamente o deixou. O deixou. E agora estava perambulando pela cabeça de NeeMah, fazendo-a acreditar nas mentiras sobre sua beleza, sua força. Como o demônio tinha feito isso, ele não sabia. Por que o demônio nunca o havia deixado antes, ele não sabia.

Minutos depois, quando NeeMah parecia uma confusão chorosa em seu leito, seu corpo inteiro se arrepiou, o demônio voltou a ele e assentou em sua cabeça, ronronando mais do que satisfeito.

Como você fez isso? Ele perguntou atordoado.

Eu sei.

O demônio não tinha ideia então.

Por que você voltou?

Não estou amarrado a você.

Maldito inferno. Você pode fazer de novo?

Eu sei.

Vamos descobrir.

— Você pode não querer apertar os cintos. — Ele disse à deusa enquanto sorria. — Você vai se divertir muito.

 

Ramos secos e quebradiços se estendiam da grande quantidade de árvores, batendo no rosto de Strider, arranhando sua pele e escurecendo seu humor que já estava negro. Ele tinha Hadiee, também conhecida como Haidee, vulgo Ex, amarrada a ele e mostrando o caminho, levando o peso dos tapas dos ramos, enquanto ela resmungava e queixava-se e o chamava de todos os tipos de nomes. "Bastardo" foi o mais amável.

De volta ao hotel, ele deitou em cima dela, prometendo machucá-la mais do que ela já havia sido ferida, mas no final, ele não a cortou em pequenos pedaços, não a tinha sequer arranhado, e ele estava chateado como o inferno por causa disso.

Ele ergueu a espada para fazer isso. Para lhe arrancar pelo menos um dedo. Ela merecia isso por matar Baden. Mas ela olhou para ele com tanta coragem, tão desafiadora, que parecia que estava querendo que ele acabasse com ela. Então, ele abaixou a mão. De jeito nenhum ele iria dar a ela o que ela queria.

Como se ela pressentisse a direção de seus pensamentos - e inferno, talvez ela o fizesse. Ela agora era imortal, mas ele não sabia como, ou o que ela era - ela gritou por cima do ombro:

— Você deveria ter me matado, seu imbecil estúpido!

Os olhos cinzentos brilhavam. Sua pele estava corada e úmida de suor - que realmente pareciam minúsculas gotas de gelo - e seu cabelo rosa estava cobrindo suas têmporas.

Mesmo cansada, ela era uma visão encantadora. Graças a Deus, "lindas vadias" não eram seu tipo.

— E acabar com seu sofrimento? Ha! Continue caminhando.

— Você é o único que vai sofrer. Se você acha que eu vou guardar minha fúria para mim, você é mais estúpido do que parece. E você parece infinitamente estúpido! Eu pretendo te falar sobre cada maldita coisa que me incomodar. Começando com os insetos. Eles estão me comendo viva!

Durante meia hora, ela queixou-se dos malditos insetos. Só levou cinco minutos, porém, para as orelhas dele começarem a sangrar pela estridência de sua voz.             — Tempo esgotado. — Ela estalou. — Nós estamos andando por horas, e eu preciso descansar.

— Continue. Estamos perto de onde eu quero estar. Não descansaremos ainda.

— Tempo esgotado. Ou você está assustado demais para descansar por alguns minutos?

Assustado? Era um desafio para testar à si mesmo, e um desafio que seu demônio aceitou.

Carrancudo, Strider parou abruptamente. Ex não percebeu e se manteve em movimento até que o comprimento da corda em torno de seu tornozelo esquerdo - uma corda que estava amarrada ao pulso dele - se acabou e lhe deu um puxão. Ela caiu com o rosto no chão, rapidamente se virou e olhou para ele.

Sua carranca tornou-se um sorriso quando ele deixou cair sua mochila na base de uma árvore e caiu ao lado dela.

— Ótimo. Tempo esgotado.

Ex permaneceu no chão, mas ela sentou-se e encostou os joelhos em seu peito.

— Bastardo. — Ela murmurou.

— Toque o seu tornozelo e eu corto suas mãos. — Uma ameaça vazia - talvez - mas ela não sabia disso. — E tem mais, garota. À partir de agora, toda vez que você me desafiar, eu vou entender como um convite para fazer sexo com você. — Nada iria irritá-la mais que isso, ele tinha certeza.

O rubor rosado abandonou seu rosto.

— Aviso recebido.

Bom. Agora. Já que eles estavam descansando "por alguns minutos", ele poderia muito bem tirar proveito disso.

— Fome?

— Sim.

Ele desembrulhou seu pacote e retirou uma caixa de Red Hots[29].

Quando Ex reconheceu o que eram, seus olhos quase saltaram da cabeça.

— Isso é o que você trouxe como rações de campo? Seu idiota! Estúpido é uma palavra muito generosa para você. Doces não vão nos sustentar.

— Fale por si mesma. — Ele jogou um bocado por seus lábios, mastigou e fechou os olhos pelo sabor delicioso. Talvez até tenha gemido.

Quando ele olhou para o lado, ela estava carrancuda e estendendo a mão.

— Tem certeza que quer um pouco? Estes doces são apenas para idiotas estúpidos demais para trazer rações de campo apropriadas.

— Apenas me dê.

Ele jogou alguns dos doces preciosos em sua palma chocantemente fria, antes que ele pudesse mudar de ideia sobre alimentá-la, depois colocou a maior quantidade que poderia caber em sua própria boca. Novamente, seus olhos se fecharam em êxtase. Canela. Não havia sabor melhor.  Nem as mulheres podiam se comparar. A não ser que elas tivessem o sabor de canela, mas ele nunca conheceu uma que tivesse. Não, naturalmente, pelo menos.

— Onde estamos indo, afinal? — Ex resmungou.

Ele engoliu em seco.

— Em nenhum lugar que seja da sua maldita conta. — Ele disse suavemente, mas não deixou espaço para discussão.

A verdade é que ele a estava levando para Budapeste. Só que, ele estava seguindo o caminho mais longo. Através da floresta e do deserto e qualquer outra coisa que atingisse sua imaginação. Qualquer coisa que iria quebrá-la, enfraquecê-la e obrigá-la a depender dele. Sem falar, que manteria o namorado dela fora de seu caminho.

Agora eles estavam na ilha recém-descoberta dos Tácitos, percorrendo o caminho para o templo deles, mas ficando longe da civilização.

Afinal, ele estava no caminho para visitar os Tácitos quando Ex e seus amigos o haviam interrompido, e ele não via nenhuma razão para mudar seus planos por causa dela. Além disso, desta forma, ele tinha a vantagem de mostrar à Ex o que era um verdadeiro monstro.

Se eles a assustassem, ela perceberia que Strider não era tão ruim quanto ela pensava e seria grata por que ele a mantinha segura. Logo ela confiaria nele para mantê-la sempre em segurança. Ela iria se abrir e contar a ele tudo o que ele queria saber sobre ela e seus amigos Caçadores. Já que, obviamente, ele não tinha estômago para matá-la - pelo menos por enquanto, e isso ainda o mantinha em uma espiral de vergonha - ele poderia muito bem usá-la. E depois traí-la. Assim como ela tinha traído Baden.

Quando Strider terminasse com ela, quando ela confiasse nele por completo, ele então poderia mandá-la de volta para seu povo. Depois que eles soubessem como ela tinha sido infiel a eles, seria assim. Então eles poderiam matá-la.

Para ganhar a confiança dela, porém, ele não poderia ser muito bom para ela. Não no começo, pelo menos. Ela iria ficar desconfiada. Além disso, ele não era tão bom ator. Ele odiava essa mulher, e o pensamento de ser bom para ela raspava todos os seus nervos.

— Me dê água. — Ela pediu, reclamando naquela voz queixosa.

Rangendo.

— Sim. — Ele pegou uma das garrafas de água que ele tinha trazido, torceu a tampa e bebeu a maior parte do conteúdo, enquanto ela observava. Ela deixou escapar um gemido, e ele apertou a garrafa um pouco mais forte, trincando o plástico.

— Bem? Você vai compartilhar ou não?

Com um encolher de ombros forçado, ele lhe atirou o que restava.

— Isso tem minhas bactérias. — Ele informou a ela.

— A boa notícia é que eu estou em dia com minhas vacinas. — Ela bebeu o conteúdo em segundos, em seguida, olhou para ele, visivelmente irritada com o pouco que ele tinha lhe dado.

— Seja grata por eu ter lhe dado pelo menos um pouco. — Ele disse, ressentido.

— Bastardo maldito.

— Vadia assassina. — Pare. Este não é o caminho para conquistá-la. Quem se importa se ela se torna desconfiada, graças a um comportamento doce?

Conquiste-a, Derrota ordenou. Vencer. Vencer. Vencer.

Ótimo! Seu demônio achava que conquistá-la era um desafio. Era um desafio que ele não precisava, mas não havia maneira de contornar isso agora. Ele teria que convencê-la a - ele quase rosnou - gostar dele.

Controlando suas emoções, Strider vasculhou a mochila até encontrar a carne desidratada que ele tinha trazido. Ele tirou o pacote da mochila, assim como uma garrafa de água e jogou os dois para a garota.

Ela os pegou facilmente, percebeu o que era e resmungou:

— Obrigada.

— Por nada. — Ugh. Não tinha sido divertido dizer isso. Na verdade deixou um gosto de cinzas na sua língua.

Silencioso, ele observava enquanto ela comia. A sujeira manchava o rosto dela, e havia pequenos arranhões ao longo de sua mandíbula. Os insetos tinham mordido seu pescoço, deixando círculos rosa inflamados. Suas roupas estavam molhadas de suor e tão sujas quanto o rosto dela.

Por que nada disso diminuía sua beleza?

Ela provavelmente fez um pacto com o diabo. Como Legion. Ao contrário de Aeron, ele não estava disposto a morrer para salvá-la.

— Há quanto tempo você está namorando o seu homem?

Os cílios escuros se levantaram e, em seguida os olhos cor de bronze, estavam perscrutando sua alma.

— Por que você quer saber?

— Simples curiosidade.

— Tudo bem. Eu vou te dizer. Mas me responda uma pergunta primeiro.

— Claro. — Isso não quer dizer que ele ia responder honestamente.

— Você tem namorada?

— Não. — Verdade. Não havia razão para mentir sobre isso.

— Eu não acredito. — Ela disse com uma presunção que o irritou.

Strider apertou o maxilar. O quê? Ela não achava que ele era bonito o suficiente para pegar uma mulher? Ela não achava que alguém poderia tolerá-lo por longos períodos de tempo? Bem, ela estava errada. Ele não tinha uma namorada porque ele não queria uma. Seu demônio se alimentava do desafio de conquistar os seus corações, mas uma vez que ele conseguia, a atração do demônio se acabava.

E depois, claro, as fêmeas tentavam desafiá-lo de outras maneiras. Maneiras que ele odiava. “Aposto que você não consegue passar o dia inteiro comigo e se divertir. Aposto que você não vai me ligar todas as noites da próxima semana.” Seria melhor para todos os envolvidos, se ele simplesmente mantivesse relacionamentos temporários.

— Então... — Disse ele. — Há quanto tempo você está namorando o seu homem?

— Sete meses.

Sete meses? Nos anos humanos - algo parecido com os anos do cachorro - era um tempo muito longo.

— Então por que vocês não se casaram?

Ela encolheu os ombros quando ela enfiou o último pedaço da carne seca em sua boca.

— Deixe-me adivinhar. Você queria, mas ele não?

— Na verdade, — Disse ela com firmeza. — ele queria, mas eu não.

Interessante e inesperado.

— Por que não? Você só quer usá-lo para o sexo?

O rubor voltou ao seu rosto, suavizando seus traços, tornando-a mais bonita. Fazendo com que ela parecesse vulnerável... Doce.

— Algo parecido com isso. — Ela murmurou.

Ele sentiu um aperto no peito. Que ele não entendeu e não quis contemplar. Você não está atraído por essa mulher.

— Não estou mudando de assunto e com isso quero dizer que estou pronta para mudar de assunto. Você pensou em me matar? — Perguntou ela.

— Sim. — Todos esses séculos atrás, ele bateu sua espada em seu estômago, se enraivecendo pelo que ela tinha feito para Baden. Então, quando ela se curvava, ele arrancava sua cabeça. — Você se importa de me dizer como você está viva?

Ela o ignorou. 

— Você não se sente culpado por suas ações?

— Claro que não. Você se sente culpada pelo que fez ao meu melhor amigo?

— Claro que não.

Ele não tinha pensado assim... E isso o incomodava. Não deveria incomodá-lo. Ele sabia quem, e o que ela era - em sua maior parte. Extinguir o mal era o seu objetivo final, e ela considerava Baden como o mal. Contudo, isso deveria matá-la para que ela fingisse remorso?

Carrancudo, ele fechou a sua bolsa e se levantou.

— Hora de partirmos. De novo. — Ele vociferou. Então, encolheu-se. Ele não queria soar tão áspero.

Ex não se apressou a obedecer. Na verdade, ela olhou para ele por um longo tempo, esfregando as mãos para cima e para baixo em suas panturrilhas.

— Levante-se. — Ele disse mais delicadamente, puxando a corda. Mas não havia muito o que puxar. De alguma forma ela conseguiu cortá-la, mesmo que ele nunca tivesse visto seus dedos perto da corda. E ela certamente não tinha posse de uma faca. Não que ele tivesse sido capaz de ver, pelo menos.

— Tempo esgotado. — Sorrindo, ela chutou suas pernas para fora com mais força do que alguém do seu tamanho deveria ter sido capaz de fazer, golpeando seus tornozelos juntos e derrubou-o no chão. Como um raio, ela riscou-se dali.

Capturar, capturar. Vencer, vencer, Derrota gritou enquanto Strider saltou e disparou atrás dela. Você está perdendo. Você deve vencer.

Enquanto ele corria, procurou pelo Manto que ele tinha prendido ao seu peito, escondendo-o ali, porque ele sabia que a última coisa que Ex gostaria de fazer era senti-lo. Só que, ele não estava lá.

Que... Puta! De alguma forma, ela o tinha roubado. Assim como com a corda, ele não tinha ideia de como ela tinha feito isso. Ele só sabia que tinha que pegá-la. Antes que ela alcançasse seu namorado.

 

Tão alto... Tão terrível. Amun estava de pé, de alguma forma, segurando uma espada. William e Aeron estavam em cada um de seus lados, imobilizando-o para protegê-lo. Uma nova horda de demônios os cercaram - eles já haviam lutado contra a primeira e segunda linha de defesa - algumas pequenas, algumas grandes, mas todos eles determinados. Seus pensamentos... Totalmente focados no sangue, dor e morte.

Provar, eles pensavam. Machucar. Matar. Eles golpeavam os guerreiros com suas garras, mordendo-os com dentes envenenados, chutando e batendo, rindo e zombando.

A batalha em si foi atroz durante horas. Talvez dias. Talvez anos. Cada homem estava exausto, cortado, sangrando, agitado, no limite, provavelmente em dor agonizante, e cada vez que matava um demônio, mais três tomavam seu lugar. Mas eles se recusaram a desistir.

Amun tentou ajudá-los, mas toda vez que ele se movia, cada vez que ele estendia a mão para cortar uma das criaturas, uma nova voz entrava em sua mente e crescia em volume, novas imagens piscando dentro de sua cabeça - estupros, mais torturas, mais mortes - quase deixando-o de joelhos.

Por tudo isso, Lúcifer se assentou no seu trono, assistindo, sorrindo, Legion aos seus pés. De vez em quando, ele afagava a cabeça dela, como se ela fosse seu cão favorito. E quando ela tentava se levantar, desesperada para ajudar Aeron, o Príncipe das Trevas enfiava suas garras em seu couro cabeludo e a segurava até que ela gemesse sua rendição, o sangue escorrendo por suas têmporas.

— Eu não sei quanto mais posso aguentar. — Aeron rangeu os dentes.

— Meus braços... Estão suspensos... Por um fio. — William respondeu. Ele também não estava exagerando.

Devo ajudá-los, Amun pensou. O ar estava quente, drenando o pouco que restava de sua força. E a fumaça... Deuses, tudo o que ele queria fazer era tossir. Tossir até que ele finalmente cortasse o suficiente de seu intestino para morrer.

Embora, isso talvez não fosse necessário. O cheiro de morte o impregnava a cada inalação, ardendo suas narinas, prometendo um acerto de contas. Muito, muito em breve.

Empurre completamente. Ignore a voz, as imagens. A única razão daqueles dois guerreiros ainda estarem de pé, apesar do veneno provavelmente estar trabalhando através deles, depois daquelas mordidas dos demônios, era que eles tinham bebido o resto da Água da Vida.

Se isso não acabasse logo, a água perderia sua potência e nada iria salvá-los.

Ele não podia deixá-los morrer. Ele, sim. Ele congratulou-se com um fim. Mas não seus amigos. Nunca os seus amigos. Com um rugido, Amun levantou o braço, a espada pronta. E sim, as vozes e imagens cresceram em intensidade, mas ele não deixou que elas o impedissem desta vez. Ele fez um arco para frente, para fora do abraço protetor de seus amigos, e cortou. Cortou e cortou e cortou. Demônio após demônio caiu, grunhindo, gemendo, sangrando aos pés dele.

Quando ele atingiu o centro deles, ele estava pingando com seus fluidos, seus olhos ardendo, sua boca se encheu com o gosto de podridão, mas ainda assim, ele não parou. E logo, ele não queria parar. As imagens...  Sim, ele queria matar. Ele queria mutilar.

Ele cortou o braço de um demônio e sorriu. Ele partiu a perna de um demônio em duas e riu. Ele arrancou os globos oculares, línguas, e até as partes íntimas, e riu ainda mais. Isso. Era. Divertido.

O medo cintilava nos olhos vermelhos dos demônios, e logo, eles foram se afastando dele. Mas ele estava tendo pouco disso. Precisava de mais. Estava animado. Estava imaginando todas as coisas que ele poderia fazer para eles. Eles gritavam, eles imploravam, eles sangravam. Sim. Diversão.

— Parem-no! — Lúcifer gritou, não mais relaxado. — Arranquem sua cabeça.

— Que tal arrancar a sua cabeça em vez disso? — Uma nova voz proclamou. — Vai ficar muito bem na minha caixa de troféus.

Amun reconheceu aquela voz, sabia que pertencia a alguém que ele admirava, mas não teve tempo de olhar para quem tinha falado. Existiam muitos alvos, apenas esperando por sua espada. Ele cortou a garganta, esfaqueou um coração, sentiu um respingo quente em seu rosto e o lambeu. Delicioso.

— Lysander. — Lúcifer sibilou.

— Oh, Aeron! — Gritou uma mulher. — Meu pobre querido. Você está caindo aos pedaços.

— Olivia! Saia daqui. Vá! Você não deveria ver isso.

— Não sem você. E se você tivesse alguma ideia do que eu tive que fazer para convencer o Alto Conselho Celestial para enviar um exército aqui, você estaria implorando o meu perdão por me deixar para trás e, em seguida, agradecendo-me profusamente por vir em seu auxílio.

Os anjos tinham chegado, Amun pensou, distante. Ele provavelmente deveria ter ficado feliz com isso, mas os demônios em torno dele voaram da câmara, gritando, deixando-o sem mais ninguém para matar. Ou tomar. Isso não foi divertido.

Carrancudo, ele moveu-se ao redor. Viu o exército de anjos vestidos de branco formando um semicírculo ao redor de Lúcifer. Viu o príncipe das trevas sibilando, enquanto ele também, tentava fugir. Um desses anjos abraçou uma soluçante Legion, outro abraçou um quase inconsciente William, e Olivia tinha os braços ao redor de um trêmulo Aeron.

Se Amun não podia matar demônios, ele supôs que pudesse matar anjos. Sim. Sim, pensou, ele poderia. Ele sorriu. Eles podiam até ser alvos melhores. Eles iriam gritar mais alto, a queda mais forte, mais fácil de machucar.

Sorrindo agora, ele se lançou para frente, a espada levantada... Golpeando baixo... A ponto de acabar com um dos bastardos alados pelas costas. Diversão, diversão, diversão. Mas uma mão firme se travou ao redor de seu pulso, parando-o.

Amun rugiu a sua fúria. Ele não tinha falado por um tempo, e suas cordas vocais estavam em carne viva, criando um som estridente.

— O que você está fazendo, Segredos? — Lysander exigiu, sacudindo-o. — Eles são o meu povo, viemos ajudá-lo. Você não pode atacá-los. Nunca.

Novamente, Amun rugiu. Do canto de seu olho, ele observou que o enfraquecido Aeron tentava sair do abraço de Olívia.

— Deixe-o ir, Lysander. Ele não é ele mesmo.

— Aeron, pare. — Disse Olivia, asas acondicionadas em torno dele para prendê-lo mais perto dela. — Olhe para os olhos de Amun. Ele é totalmente demônio agora. Fique longe dele ou ele pode infectá-lo também.

Infectado? Amun nunca se sentiu melhor. Nunca se divertiu mais. Seus amigos seriam afortunados por experimentar isso.

— Deixe-me falar com ele. — Implorou Aeron. — Ele está assim por minha causa.

— Somente falar não será suficiente. — Disse Lysander, os olhos escuros girando, praticamente, perscrutando a alma sombria de Amun. Sua voz era calma, hipnótica. — Vai, demônio?

Amun arrancou-se livre e avançou para o anjo, assustado ao encontrar o braço de um demônio embalado ao seu alcance. Quando ele tinha arrancado isso? No entanto, Lysander esperava pelo golpe, e o bloqueou com uma mão, com a outra, ele criou uma espada de fogo no ar fino.

— Não! — Aeron e William gritaram em uníssono.

Mas era tarde demais. A energia do bloqueio do anjo tinha girado em torno de Amun, e as tonturas que se seguiram o haviam deixado de joelhos. Era a posição perfeita para uma decapitação.

Só que, Lysander não arrancou sua cabeça.

A espada de fogo desceu, atingiu-o no peito, queimando através da roupa e da carne e deixou um buraco.

No início, Amun estava muito chocado para fazer mais do que olhar para baixo, para aquela ferida enfumaçada. Então, a dor se estabeleceu, varrendo através dele, comendo-o vivo, atirando as vozes e imagens dentro de sua cabeça em uma pirueta com as suas. Ele caiu para frente, o rosto no chão, cada músculo em seu corpo convulsionando em agonia.

Lysander se ajoelhou ao lado dele.

— Se você tiver sorte, — O anjo disse: — você vai morrer por causa disso. Se não, você vai sobreviver, mas desejará não ter sobrevivido. De qualquer maneira, você vai passar o resto de seus dias aprisionado.

 

Scarlet se prendeu em uma cripta. Isso durou seis horas.

Roubou um bote, tentando passar seus dias indo à deriva no mar. Fez duas milhas.

Voou para a Sibéria. Durante três minutos.

Sempre, tinha sido emitida de retorno a Budapeste. Dentro da fortaleza, no corredor que ia ao quarto de Gideon. Sempre, tinha tido que sair às escondidas sem ser advertida. Entretanto, estava cansada de escapar, porque sabia que só seria trazida de volta. Por quem? Não sabia. Não importava mais.

            Obviamente, alguém pensava que tinha um assunto pendente aqui. Assim terminaria com esse assunto e retornaria a seu exílio auto imposto, eterno. Sem vingança. Sem batalha. Sem amor. Sem o Gideon.

Era mais seguro desse modo. Para ele. Para ela mesma.

Desta maneira, não poderia ser usada contra ele. Se ela fosse machucá-lo porque sua tia foderia com sua cabeça outra vez... Se devia vê-lo com sua mãe outra vez, nu, e desfrutando...

Fechou as mãos em punhos. Apertou-se contra a parede do corredor que conduzia para o dormitório de Gideon, as sombras de seu demônio cobrindo-a densamente. Ninguém podia vê-la, mas certamente poderiam ouvi-la. Os gritos dos pesadelos eram tão espessos como as sombras. Esperançosamente, entretanto, pensariam que o vento somente assobiava contra as janelas.

Conhecendo os Senhores como o fazia, duvidava que esse fosse o caso.

Eram cuidadosos, suspicazes, e propensos a agir primeiro e perguntar mais tarde. Algumas das muitas razões pelas quais ela os admirava. Mas não corria riscos. Encontraria Gideon, falaria com ele e iria embora.

Com um pouco de sorte para o bem desta vez.

Sua porta estava bordeando o canto e à direita. Somente um pouco mais longe...

Tudo em seu interior a insistia em correr para ele, lançar-se em seus braços, este era Gideon, seu doce Gideon, quem lhe tinha dado mais prazer que nenhum outro alguma vez fez, mas tinha que manter o passo lento ou alguém que tropeçasse acidentalmente com ela se daria conta de que algo estava fora do lugar. Mau. Nunca teria a possibilidade de falar. Seria lançada de volta à masmorra.

— Sim, ei, ouça. — Disse uma voz masculina, repentinamente, entretanto não havia ninguém ao redor dela. — Sei que está aí, Scarlet. Não se culpe por falhar em se esconder de mim, acontece que sou capaz de coisas impressionantes. De qualquer maneira, acabo de mandar uma mensagem de texto a Gideon para o avisar, assim deve vê-lo a qualquer...

— Scar! — Ouviu Gideon gritar em seguida. O coração tentou abrir caminho através das costelas enquanto ele se apressava a rodear a esquina, dizendo: — Torin não a divisou dentro da fortaleza, assim não sei que é você. — Se deteve alguns metros de distância dela, e exalou um ofego superficial de fôlego. — Aqui. —Os ombros se dobraram. — Não graças aos deuses.

Pesadelos suspirou, satisfeita pela primeira vez em dias.

E merda, Gideon era tão belo. Seu cabelo azul estava arrepiado ao redor de sua cabeça, seus olhos azuis brilhantes, sua pele bronzeada e perfeita. As mãos ardiam para tocá-lo. A língua desejava riscar suas tatuagens. No único e incomparável momento no que tinham feito amor, não o tinha explorado suficientemente; tinha estado muito ansiosa para tê-lo em seu interior. A próxima vez, pensou.

Próxima vez? Não haveria uma próxima vez.

— Não me deixe explicar a você o que viu. — Disse ele, ainda apressando-se a tirar as palavras. — Sua mãe não me emitiu aos céus, e ela não consumiu em chamas minhas roupas, de algum jeito me imobilizou e subiu sobre mim. Não a desejava, juro-lhe isso.

No momento em que a última confissão o deixou, seus traços se retorceram com a dor e seus joelhos paralisaram.

Maldito seja. A verdade. Havia dito a verdade. Não a desejou. Derretendo-se por dentro, Scarlet desejou que as sombras e os gritos se apaziguassem. Inclinou-se, envolvendo os braços ao redor de sua cintura para levantá-lo de retorno sobre seus pés.

— Idiota. — Disse ela, sem calor. Já tinha imaginado isso - na maior parte. Um pouco. — Deveria ter mentido para mim. Não deveria ter se enfraquecido em minha presença. Idiota! — Disse outra vez. Agora poderia aproveitar-se dele...

— Mas... Eu... A... Amo...

— O que! — Scarlet o deixou cair, o impacto atravessando-a. Ele esmurrou o piso com um grunhido. — O sinto. — Resmungou, inclinando-se e o levantando de novo. Queridos deuses. Ele não podia haver dito... Não era possível...

Gideon não podia amá-la. Não era muito amável. Era muito dura, muito teimosa, muito violenta. Ele merecia doçura e conforto, ternura e inspiração.

— Eu... Eu... — Disse ela, então engoliu.

— Não tem que dizê-lo de novo. — Estava ofegando agora, as palavras caindo dos lábios mais rápido, como se soubesse que logo desmaiaria. — Só saiba que tenho a sua tia. Cronus entregou a mim.

Quase o deixou cair outra vez, mas conseguiu continuar conduzindo-o para frente. Finalmente bordearam a esquina e entraram em seu dormitório. Sua tia estava aqui. Sua fodida tia estava fodendo aqui. Sua tia poderia fazer o que Scarlet mais temia agora.

— Onde está ela? — Demandou.

— Masmorra. — Gemeu ele.

— Maldito seja, Gideon. Comece a mentir para mim!

— Sinto muito. — Grunhiu.

Mais verdade.

— Não sinta. Simplesmente cale-se antes que se faça mal permanentemente.

— Muito... Importante... — Sussurrou.

—Feche! A boca! — Scarlet o ajudou a subir na cama, seus movimentos rígidos. Tão musculoso como era, resultava ser extremamente pesado. Mas eventualmente, ele estava estendido sobre o colchão, as pálpebras fechadas, sua cabeça movendo-se agitadamente.

— Não... Vá... — Disse, a dor outra vez tão intensa que deteve seu discurso. Cegamente tentou alcançá-la, agarrando-se a ela. — Só... Scarlet?

Ela soube o que ele perguntava. Teria se associado com outro ator em sua mente?

— Sim, sou só Scarlet. — Sussurrou. — Agora, guarda silêncio como te disse. Por favor. — Os olhos ardendo repentinamente, ela entrelaçou os dedos e se sentou junto a ele, incapaz de resistir embora estivesse desesperada por correr escada abaixo e terminar com sua tia, de uma vez por todas. Se tivesse a coragem para ainda aproximar-se da mulher.

Gideon se acalmou instantaneamente, e seus olhos arderam um pouco mais.

A luz da lua se infiltrou pela janela do quarto, o acariciando, fazendo que sua pele, resplandecente de suor, luzisse como se tivesse estado salpicada de brilho. Como tinha sentido saudades dele. Tinha-o desejado ardentemente.

Maldito fosse. Ele tinha arruinado tudo. “Amo você”, havia dito, e o tinha querido dizer. Não poderia deixá-lo agora, nem sequer para salvá-lo dela mesma.

Podia alguma vez fazer isso? Scarlet arrastou os dedos trementes sobre sua testa. Ele liberou outro desses suspiros de alívio, igual a Pesadelos o tinha feito, seu corpo girando-se para o dela, procurando. Ele. Amava-a.

Seriamente. Como podia amá-la?

Não podia, decidiu. Estava confuso, isso era tudo. Possivelmente sentindo-se agradecido porque finalmente lhe tinha dado o sexo que tinha estado desejando. Bom, quando a novidade disso passasse, daria-se conta de que não era a adequada para ele. Daria-se conta de que outra pessoa seria melhor para ele. Jogaria em um lado Scarlet.

Veria-se forçada a deixá-lo.

Suas unhas se alongaram, afiando-se em garras enquanto imaginava a este guerreiro magnífico beijando e tocando outra mulher. Mas Gideon deve tê-la sentido desgostar-se, porque começou a mover-se agitadamente outra vez. Logo que ela suavizou seu toque, acalmou-se novamente.

Um longo momento Scarlet passou lhe acariciando o rosto, e casualmente se deslizou em um sono profundo. Seu alívio foi tão evidente como o dele tinha sido antes. Não gostava de vê-lo sofrer. Se alguém merecia a paz, era este homem.

— Galen veio atrás dele, sabe? — Disse, repentinamente, essa voz do corredor.

Elevou o olhar, foi de cima a baixo pelo quarto. De novo, ninguém surgiu ameaçadoramente perto. O que queria dizer que os alto-falantes estavam em todos os lados. E claramente o tipo a observava, o que significava que as câmeras também estavam em todas as partes, mostrando cada movimento dela.

— Assim tem Galen preso longe, também, não é? — Trataria com ele e sua tia quando descesse à masmorra. Se se atrevesse, acrescentou outra vez. Poderia tirar uma vitória, de seu chapéu de truques, desta vez?

— Não. Galen estava a ponto de cair, finalmente, e balbuciava a respeito de não permitir a Gideon matá-lo, quando a rainha deusa apareceu. Expulsou a ambos os homens para longe.

Galen balbuciava sobre não permitir a Gideon matá-lo. Cada pingo possível de calor abandonou o corpo de Scarlet, deixando-a como uma concha vazia de si mesma. Galen tinha açoitado Gideon especificamente. Gideon. Por sua causa, compreendeu com espanto. Porque ela havia fodido os sonhos de Galen.

Tinha tentado atormentá-lo, para fazê-lo retroceder. Em lugar disso, tinha-lhe atraído mais profundamente dentro da guerra, tinha-o feito mais decidido a ganhar. Esta era outra coisa mais que tinha feito para destruir a vida de Gideon. Outra razão pela qual outra pessoa seria melhor para ele. Tinha-o machucado, continuamente. O mal-estar lhe revolveu o estômago.

Scarlet ficou de pé, cuidadosa de não perturbar Gideon, e andou nas pontas dos pés para fora do quarto. Em sua última visita aqui, tinha aprendido de cor o traçado do lugar e sabia exatamente aonde ir.

Sim. Atrevia-se.

— Não a deixarei matá-la. — Disse a voz.

— Quem é? — Demandou enquanto caminhava a grandes passos descendo as escadas. Algumas das janelas eram de vidro com desenhos coloridos, e quando o dourado resplendor da luz da lua incidia neles, pedaços do arco íris se derramavam através das paredes.

— Torin, guardião de Enfermidade e protetor do universo. — Onde quer que desse um passo, sua voz permanecia ao mesmo volume. — Bom, da fortaleza, pelo menos. — Emendou.

— Nunca escutei sobre você.

— Nem inclusive quando estava presa dentro do Tártaro? Minhas proezas foram legendárias.

— Sinto muito.

Um suspiro de decepção.

— De qualquer maneira, Gideon não esteve interrogando à mulher, assim vou assegurar-me de que permaneça viva para que possa fazê-lo.

Um amigo leal. Não podia ver defeitos nisso e se alegrava na verdade de que Gideon tivesse semelhante sistema de apoio tão forte. Era algo que ela sempre tinha querido, mas nunca tinha encontrado.

— Adivinha o que? Reservou-a para mim. — Pensou que conhecia Gideon o suficiente para pronunciar as palavras com confiança. Era dadivoso. — Assim estou segura de que não se importará quando lhe arrancar a garganta. Inclusive me agradecerá por isso.

— Isso ele terá que me dizer.

O tom firme de Torin não lhe deixou lugar para discutir.

Ela serpenteou uma esquina, caminhou a grandes passos ao longo de outro corredor e deu com outra escada. Esta era mais longa, mais áspera, mais suja. O ar que respirava estava se tornando mais espesso, o pó recobrindo os pulmões.

— Se por acaso não o tinha notado, — Disse ela. — justo neste momento Gideon está um pouco incapacitado.

— O qual significa, o que? Terei que me assegurar de que ela permaneça viva até que já não esteja incapacitado. Confia em mim, deixarei você fora de combate se ainda pensar que vai entrar atirando. E tenho o pressentimento de que passará bastante tempo inconsciente.

— E como pensa me pôr fora de combate, hein?

Ele riu com humor genuíno, e foi um som agradável.

— Como se fosse realmente divulgar meus segredos.

— Bem. Só falarei com ela. — Disse, com um suspiro. Verdade ou mentira, não estava segura. Supôs que o averiguaria quando chegasse a sua tia.

Finalmente, chegou ao fundo dos degraus e entrou na masmorra. Conhecia-a bem, tendo estado ocupando uma cela ela mesma durante várias semanas. E quase soltou um risinho como uma colegial quando viu sua tia presa no mesmo lugar que Scarlet tinha ocupado. Que bonito pingo de justiça. A estrela de Ouro para Gideon.

Vestindo uma suja túnica branca, Mnemosyne dormia sobre um cama de armar, pedaços grandes de sua pele rosada e saudável, enquanto outras áreas ainda estavam negras e chamuscadas. Um pouco de seu cabelo tinha crescido de novo, embora fosse fino e curto. Seu peito se elevava e caía muito rapidamente, levianamente.

Sorrindo, Scarlet agarrou os barrotes.

— Bem, bem, bem. Quanto tem caído os poderosos. De amante do rei deus, a vida ociosa imortal, a prisioneira dos Senhores do Submundo. Pobre bebê.

As pálpebras de Mnemosyne se abriram, e enfocou a atenção em Scarlet. Então sua tia, maltratada, estava trocando de posição, retrocedendo e apertando-se contra a parede do fundo.

— O que está fazendo aqui?

Esse medo a deleitou ainda mais do que deleitou a seu demônio.

— Vim saudar minha tia favorita, isso é tudo.

A ponta rosada da língua passou sobre os lábios enegrecidos.

— E me rogará que apague suas lembranças, estou segura.

— Implorar? — Scarlet riu roucamente. — Não.

Sua tia elevou o queixo, a cólera obviamente lhe dando coragem.

— Não faria nenhum bem, de qualquer maneira. Deve-me agradecimento, pequena menina bastarda, não condenação.

— Devo? — Arqueou uma sobrancelha em tom zombador, enquanto arrastava os nódulos sobre os barrotes. — Por quê?

— Não teria tido a audácia de sair para procurar seu Gideon se não tivesse pensado que ele tinha se casado com você. Teria-o observado de longe durante anos, muito assustada para atrair sua atenção, muito assustada de que ele a desprezasse.

— Durante milhares de anos, eu também estive padecendo pela crença de que tinha presenciado o assassinato de meu filho. Assim, obrigado? — Agarrou e sacudiu ruidosamente os barrotes com tanta força que a estrutura inteira se estremeceu, o pó caindo do teto. — Não, outra vez. Isso não será o que receberá de mim.

— Mate-me, então. — O queixo de sua tia se elevou outra polegada. —Faça isso.

Scarlet permitiu que cada ação covarde que ela alguma vez tinha cometido brilhasse em sua expressão.

— Já te disse. Assim não é como vou manipulá-la.

Assim que ela não mataria a sua tia hoje, compreendeu, embora o desejo estivesse ali e foi tentada. Não pelo Gideon, mas sim porque a mulher não merecia ir à deriva completamente a um nada, sem dor, sem sofrimento.

Realmente?

Bem, pensou, carrancuda. Não ia agir agora porque Gideon ainda não tinha dado a ordem para a morte da mulher. Scarlet queria ser tão leal a ele como o era seu amigo. Possivelmente então seria o suficientemente digna para ser sua mulher.

Embora, queria ter que provar a si mesmo digna dele?

Sim. Sim, se tinha que fazê-lo. Mais que nada no mundo, inclusive a vingança contra sua tia. Amava-o. Amava-o tanto que lhe doía. Não era seu marido, mas ainda o amava como se o fosse. Talvez fosse pelas lembranças que ela tinha criado, talvez não. De uma ou outra maneira, ele possuía seu coração. Sempre havia possuído seu coração. Se houvesse uma oportunidade de que pudessem estar juntos, inclusive uma pequena oportunidade...

— Seu homem veio para mim, sabe? — Disse Mnemosyne, com deleite, tirando Scarlet de seus otimistas pensamentos. — Quis saber por que a odeio tanto, mas me recusei a dizer-lhe. — A autocomplacência se uniu ao deleite.

Scarlet deu de ombros.

            — Honestamente não me importa por que fez o que me fez, só o que fez acima de tudo.

            Mnemosyne pestanejou, a compostura deslizando-se antes que ela sacudisse a cabeça e recompusesse suas feições.

            — Importa-se. Sei que é assim.

            — Uma vez, poderia ser. Mas, sabe o que? Não é importante. Além disso, o que fez me levou a Gideon, como disse.

            Com isso, Scarlet deu a volta, pronta para retornar para cima e estar com seu homem. Para reconfortá-lo. Para lhe dar tudo o que ele necessitasse.

            — Aonde vai? Retorna aqui, Scarlet.

            Um passo, dois, subiu.

            — Scarlet! Não pode ir. Sua mãe não podia matá-la enquanto estávamos prisioneiras, sabe. Inclusive tentar isso, conduzia ao começo do seu envelhecimento. Mas ter êxito significava que se tornaria velha por toda a eternidade, sem esperança de que retornasse sua beleza uma vez grandiosa. Por conseguinte, ela me encomendou sua tortura, e o aceitei por que... Por que...

            Scarlet fez uma pausa. A cela de sua tia estava bloqueada da visão pela parede, mas sua voz, oh, sua voz... Estridente, mas verdadeira.

            — Continue.

            — Se deseja saber, retornará aqui e me confrontará.

            Um momento passou. Outro. Poderia ser tempo perdido, mas... A curiosidade a venceu, e retrocedeu até que outra vez estava frente à cela.

            Mnemosyne assentiu com a cabeça, a afligida expressão suavizando-a.

            — Um dia um adivinho foi jogado dentro da cela, conosco. Esse adivinho jogou um olhar a você e riu, proclamando que mataria a sua mãe e assumiria o trono divino. Apaguei a memória de todos exceto de Rhea e Cronus. Mereciam saber a verdade a respeito de você.

            — Assim? O que tem ele a ver com isso, de qualquer forma?

            — Estão conectados de uma maneira que possivelmente não pode entender, embora te direi que quando um deles morrer, o outro automaticamente seguirá. O fato de que você mataria Rhea, significava que também mataria Cronus.

            Toda a umidade abandonou sua boca.

            — Ao adivinho, — Continuou sua tia. — o matamos. A você, mantivemos ocupada com romance e tragédia, esperando que destruísse sua vida por si mesma. Entretanto, alguma vez o tentou sequer, verdade?

Mas quantas vezes tinha estado tentada de fazê-lo? Incontáveis.

— Assim agora compreende a razão verdadeira pela qual Cronus me entregou a Gideon?

— Não.

Mnemosyne era a que sorria agora.

            — Foi para que pudesse provar minha lealdade à coroa... E pudesse eliminá-la de uma vez por todas.

Antes que Scarlet tivesse tempo de mover-se, Mnemosyne tinha se retirado e jogado três pequenas estrelas de prata. Afiadas, que feriram através da garganta de Scarlet, cada uma delas cerceando veias e artérias, inclusive a laringe. Por seu próprio acordo, as sombras e os gritos se dispararam de sua cabeça, envolvendo-a, chorando por ela.

E então, como Gideon, não soube nada mais.

 

— Gideon! Gideon!

A voz desvairada de Torin tirou Gideon de seu torpor e o colocou em um rio de dor. Queimando, arranhando, ossos quebrando e atirando cacos irregulares através da sua corrente sanguínea, cortando tudo o que encontrassem, dor.

— Gideon, cara. Você consegue me ouvir? Você tem que levantar.

Por que ele estava... Oh, sim. Ele havia dito a verdade a Scarlet. Valeu a pena, ele pensou em seguida, quase rindo. Scarlet estava aqui, sua linda Scarlet e agora ela sabia que ele a amava. Finalmente.

Ela sabia que ele não havia dormido com sua mãe. Ela se chamou de Scarlet. Não Scarlet Pattinson. Não Scarlet Reynolds. Só Scarlet. A Scarlet dele.

Ela havia de querê-lo, também.

Quando sua força voltasse, ele ia fazê-la se apaixonar, conforme planejado. Ele iria provar que eles estavam destinados a estar juntos.

Até mesmo Mentiras tinha o direito nesse plano.

Não quero encontrá-la.

— Gideon!

Ainda que seu corpo e mente suplicassem voltar à inconsciência, Gideon forçava suas pálpebras a se abrirem. O luar estava diminuindo, a luz do sol lutando por um lugar no céu. Sua mulher dormia cedo. Ele poderia abraçá-la. Ele poderia apenas ficar inalando seu cheiro.

— Scarlet foi ferida. Kane a está carregando para o seu quarto agora. Deve estar lá em menos de um minuto. Ele tropeçou algumas vezes e torceu o tornozelo. Aquela deusa vadia fez alguma coisa com sua mente, e ele a deixou sair da cela. Ela estava trilhando seu caminho para fora da fortaleza, e não havia nada que alguém aqui pudesse fazer para impedi-la.

Os pensamentos de Gideon ficaram parados na primeira frase, cada um de seus instintos protetores entrando em parafuso. Scarlet foi ferida. Que merda. Ele se colocou de pé, ofegante, suando, olhar selvagem parado. Quão ruins eram os ferimentos? Onde ela estava?

Sua porta se abriu e Kane mancou para dentro, uma Scarlet inanimada caída em seus braços. Sangue saindo de seu pescoço, ombros e camiseta e manchando seu cabelo.

Gideon gemeu. Não. Não!

Ele levantou da cama, os joelhos entrando em colapso com o impacto. Quando alcançou o chão, Kane gentilmente deitou Scarlet no colchão. Ela não emitiu nenhum som. Gideon abriu caminho agachado, enquanto se aproximava para examinar se sua mulher sobreviveria aos danos.

Havia três buracos profundos em seu pescoço. Um se dirigia diretamente à sua carótida, o outro à sua traqueia e o outro à curva de seu ombro. Dois eram tiros fatais, mesmo para imortais, e um servia apenas para prolongar sua agonia. Dentro, ele gemeu.

— O que?

— Não sei. — Kane disse, o silenciando. — Ela...

— A deusa danificou a memória dele. — Torin disse, silenciando Kane. — Enquanto ele estava ocupado colocando Scarlet em seus braços, Mnemosyne alcançou as barras e prendeu seu tornozelo. Ela disse a ele que Scarlet estava dentro da cela e que ele precisava abri-la para chegar a ela. E ele fez isso. Ela também disse a ele que não havia ninguém mais na cela, então ele não prestou atenção na deusa enquanto ela saiu do calabouço.

Gideon deveria tê-la matado enquanto ele teve a chance. Ele não o tinha feito, e agora Scarlet... Sua Scarlet... Lágrimas arruinavam o que sobrou de sua visão. Ele colocou uma mão trêmula em seu coração. As batidas eram baixas, erráticas e perigosamente lentas.

Os cortes ainda estavam infiltrados, e se eles não fossem fechados logo ela iria sangrar até morrer. Torin era um “não-dá” no que tange à medicina. De forma nenhuma Gideon deixaria sua mulher ser infectada com a doença do guerreiro, ainda que ele uma vez tenha pensado que ter ela para si seria agradável. Sim, Torin poderia usar luvas para prevenir o contato entre a pele dos dois, mas era arriscado. E Gideon não estava desejando correr nenhum risco. Fraca como Scarlet estava, a doença poderia realmente matá-la. Se os cortes não o fizessem.

Kane era um “não-dá”, também. O cara mal conseguia manter-se vivo. Gesso adorava cair sobre ele, e pisos adoravam colapsar quando ele estava em cima deles. De jeito nenhum Gideon iria permitir que o homem operasse Scarlet.

Isso deixava Gideon, fraco e trêmulo como ele estava. Simplesmente não havia tempo para levá-la a um hospital.

— Eu não preciso de um kit de primeiros socorros. — Ele disse. Ele deu pontos nele e em seus amigos mais de mil vezes.

  • Você não pode... – Kane começou.Kane aquiesceu e começou a agir.Gideon traduziu: Pesadelos, Pesadelos, Pesadelos. Ele tinha que dar um rugido.Suas mãos tremiam enquanto ele tirava delicadamente o cabelo e o sangue de seu rosto. A ação fazia seus músculos se atarem, mas ele não se importava. A dor não era nada em vista disso.Como se houvesse outra alternativa. Fazer nada era vê-la morrer. E ele não iria vê-la morrer. Ela iria superar isso, não importava o que nenhum deles pensasse.— Toda sua. — Kane deixou cair a bolsa de couro preta na cama. — Só espero que você saiba o que está fazendo.Mas o fato era que ela já havia perdido muito sangue, e ele não tinha o equipamento para fazer uma transfusão. O que ela precisava. Desesperadamente. E teria. Então ele só precisaria fazer do jeito antigo, ele imaginou.Se depois ela reclamasse sobre dividir uma agulha, ele bateria nela. Depois de abraçá-la. E fazer amor com ela. E abraçá-la de novo. Eles eram imortais, assim como amantes. Ficaria tudo bem.— É suficiente. Você está se drenando.— Não há nada mais que você possa fazer, cara. — Kane disse, tão sombrio quanto Torin. — Exceto esperar. E rezar.Como o inferno que não havia mais nada que ele pudesse fazer, Gideon pensou amargamente. Havia algo que ele poderia fazer. Ele poderia chamar Cronus.Sombras e gritos envolveram Scarlet, levando-a a um mar de escuridão e barulhos agudos, e a tornando cativa. Eles eram mais fortes do que ela e estavam presos dentro dela, então eles não tinham nenhuma outra saída, nenhum outro modo de alimentar-se. E eles precisavam de medo para se alimentar. Montes e montes de medo.Uma imagem horrível após a outra passavam em sua cabeça e praticamente todas envolviam Gideon. Gideon com outra mulher e adorando cada momento daquilo. Gideon sendo decapitado por Galen. Gideon indo atrás de Mnemosyne para vingar a morte de Scarlet e morrendo.Piscou surpresa. Um fogo quente aqueceu seu sangue, e estava viajando por ela, deixando pequenos pacotes de energia. Aquela energia cresceu e se interconectou, até que ela foi consumida por ela. A escuridão e os gritos pararam, e ela dormiu um sono tranquilo.— Diabo! Você pode me ouvir? — Uma voz masculina a chamou de um longo e escuro túnel. — Pode me ver?Uma onda de desapontamento e raiva destruíram sua excitação. Isso era outro truque, ela pensou. Gideon não era nada além de uma miragem, uma forma de atormentá-la.Não pode ser real. — Sempre. — Você não vai ficar bem. Eu não estava com muito medo. Não rezei para Cronus, não implorei a ele para ajudá-la. Não o informei de que ele me devia por me ignorar sobre Aeron. E ele não me disse que ele trouxe você aqui. E não dei a você um pouco de seu sangue.— Eu não sinto muito que você tenha se machucado. Eu não sinto muito. Eu não tomei conta de sua tia quando eu tive a chance.Isso só poderia significar... Gideon realmente estava ali. Ele estava próximo a ela, conversando com ela. Tocando-a.— Estou acordada. Estou viva. Não entendo.Ele deu seu sangue a ela? Aquilo deve ter sido a maior prova de força que ela já experimento, de paz. E que ele se aproximou de Cronus em seu benefício, o próprio ser que pediu à sua tia para matá-la... Por que Cronus concordou, ela não sabia. Ela só sabia que não havia um homem melhor que Gideon.Você está amolecendo outra vez. Ele irá se machucar se você ficar com ele.— Sim, eu vou sobreviver. — Ela disse a ele. E mataria Mnemosyne no final. – Por sua causa, eu me sinto mais forte, já. — Especialmente agora que ele estava ali com ela.Elas agora tinham outro alvo. E por uma vez Pesadelos não percebia ou não se importava que o novo alvo fosse Gideon.  A fome era simplesmente grande demais, ela supôs.— Não é mentira, não é mentira. — Ele cantou, impossibilitado de esconder sua preocupação. Ele sempre estava tentando lembrar-se de que as imagens eram uma ilusão, ela sabia.— Não quer... Ir... Ao seu. — Ele estava tenso, claramente lutando contra a urgência em estapear as pequenas criaturas. Mas estapeá-los seria acreditar que elas estavam ali. Ele teria perdido a batalha contra sua mente.— Com certeza. Não é nem um pouco perigoso.— Como? — Como te beijarei? Pressionando meus lábios contra os seus, enfiando minha língua em sua boca e provando seu sabor delicioso.— Não sabe o que quero dizer.– Eu sinceramente não sei. Eu achei que você soubesse. Minha melhor sugestão é talvez... Desistir do controle? Quando eu perco meu controle, Pesadelos me deixa, como agora, ainda que permaneça ligado a mim.— Mentiras não tomou conta de mim mais cedo hoje, ou ontem, ou nunca. Ele não estava alagado com raiva e não se forçou a sair de mim. Então talvez você esteja errada. Talvez eu não possa tornar mais fácil para ele. Mais se ele te acariciar...— Ele não irá. — Talvez. — Vale a tentativa. — Por favor, funcione, por favor, funcione. — Por favor.— Não está... Não... Não está funcionando… — Devagar, muito devagar, uma névoa preta começou a sair de sua pele. Uma eternidade pareceu passar quando aquela névoa saiu dele completamente, tomando a forma de uma criatura alta, extensa, com chifres que protuberavam de sua cabeça, seus ombros. Deuses, de cada polegada daquilo.As duas criaturas se apressaram pra frente, encontrando-se no meio e jogando seus braços tortos em torno um do outro... Seus lábios seriam os próximos a se encontrar, e então aqueles corpos extensos estavam caindo no chão, engalfinhando-se. Pesadelos demonstrando uma enorme ereção contra a menor, Mentiras, cujas pernas estavam abertas.  Verdade. Ele só falava a verdade, mas não estava sofrendo. Ele percebia? — Claramente você é a mais esperta de nós.A expressão de Gideon suavizou, e ele deu a ela o mais doce beliscar em sua bochecha. Os olhos dela ficaram úmidos, e ela rapidamente voltou à conversa sobre os demônios. Antes que ela chorasse como um bebê na frente dele. — Eu acho que eles se amam. — Ele disse, fazendo uma careta. – Estou falando a verdade, — Ele disse. — e mesmo assim não estou sentindo dor.— Você está... Feliz com isso? Que você possa falar sinceramente, eu digo.Graças aos deuses. Ela odiaria a si mesma se houvesse suplicado a ele que fizesse isso e terminasse lamentando-o.— Tem tanto que eu quero te dizer e temia tanto te perder antes de ter a oportunidade de falar. Eu te amo. Você é tão linda.— Eu admiro sua força e coragem e quero passar minha vida com você. Eu quero que você se case comigo de verdade, dessa vez. Quero ter filhos com você.— Como nosso querido Steel. — Ele disse, e eles compartilharam um olhar doce. E, ainda assim, seu sorriso desapareceu e sua expressão tornou-se tensa. — Como você se sente em relação a mim, Scarlet? Preciso saber.— Eu não deveria dizer a você. Você é... Minha fraqueza. Você pode ser usado contra mim e se machucar, e se machucou, e se machucará outra vez por isso.Seu pulso alterou-se enquanto ela aquiesceu. Ela estava andando em uma camada de gelo fino - com apoio. — Você não pode evitar.— Eu quero que você saiba que eu... Eu gosto... Eu...— Tudo o que importa agora é que queremos um ao outro. Vamos descobrir tudo o mais depois. Agora mesmo, minha menina querida, eu vou romanceá-la como eu estive fantasiando.Gideon apertou os lábios contra os de Scarlet e saboreou sua entrada brusca de ar, como se ela estivesse respirando dentro dele, saboreando-o como ele estava fazendo com ela. Uma parte dele - o pênis - queria correr, para chegar dentro dela tão rapidamente quanto podia para que eles estivessem juntos, sendo apenas um. E, caramba, parecia que muito tempo tinha se passado desde que ele a apreciou. Mas ele estava determinado a tomar o seu tempo. Para fazer este assalto sensual final. Para fazer tudo o que ele não tinha feito da última vez.Depois que suas línguas rolaram e empurraram por minutos, horas, depois que ele não tinha mais ar nos pulmões, ele ergueu a cabeça e olhou para baixo, para aquela mulher que ele amava. — Sim. — Respondeu ela suavemente.Seu olhar puxou e circulou seus arredores. Um momento depois, a cama em que estavam em cima parecia ser levada para fora do quarto, onde os dois demônios foram trancados em um filme pornô ao vivo, à uma praia tranquila, com areia branca e brilhante. A água cristalina se arrastava pela a praia, e as aves subiam em cima, cantando baixinho.Um desejo tão simples, mas tão importante. Ela nasceu em uma prisão, com paredes sempre a prendendo dentro. Então, depois de sua possessão, ela tinha perdido sua capacidade de caminhar durante o dia. E mesmo que aas horas que ela dormia fossem variadas, ela nunca foi realmente livre para fazer o que ela queria, a qualquer momento que quisesse. Agora, ela quis o que todo mundo tinha como certo. O que ele tinha como certo.— Opa! — ela retrucou, empurrando o peito. — Você me chamou de... Linda. — Ela balançou a cabeça, franzindo a testa. — Desculpe. Eu não estou acostumada com você dizendo a verdade. Eu quase preferia que você me chamasse de feia.Ela lambeu os lábios, e era um convite intenso.Seus braços começaram a envolver em torno da cintura dele, mas ele a parou.Seus lábios se encontraram novamente, e ela envolveu os braços fortes em torno dele, os dedos brincando na cintura de suas calças antes de deslizar até as costas, massageando seus músculos. As mãos estavam calejadas do manejo do punho da lâmina, e criava o mais erótico atrito.Com um gemido, Gideon arrancou sua própria camisa. Ele gemeu de novo quando sua carne encontrou a de Scarlet. Tão eletrizante contato. Seus mamilos eram pequenas pérolas duras de prazer. Oh, sim, ela estava pedindo por isso.— Molhada para mim? — Ele perguntou bruscamente.— Deixe-me ver.— Mas eu... Eu pensei que eu era responsável nesta área, de modo que eu não deveria... Sem hesitar, ela separou as coxas, dando-lhe uma espiada do céu. Suas dobras rosadas estavam úmidas, escondendo o mais doce ponto que ele já tinha tido o privilégio de ver. Seu olhar moveu-se, focando a borboleta colorida tatuada nas proximidades, e sua boca salivou.Sortudo eu. Gideon se inclinou e traçou a sua língua ao longo das asas, seguindo o comprimento de sua coxa. Arrepios irromperam sobre os membros de Scarlet. Seus dedos emaranharam-se em seus cabelos, as unhas enfiando-se em seu couro cabeludo. Ele lambeu e chupou e mordiscou essa marca, prestando homenagem propriamente dita, como se esta fosse uma das razões por que eles estavam juntos agora.Embora ele quisesse cair nela e comê-la, consumindo cada gota dela, ele espalmou seus quadris e girou sobre ela. Ela suspirou, olhou por cima do ombro, a expressão confusa.Ele não parou por aí. Não foi possível. Ele prestou a atenção igual a bunda dela, mordiscando as bochechas doces e passando a língua no vinco entre a parte inferior da perna e, tudo ao mesmo tempo em que atormentava seu sexo úmido com sopros e cantarolados, mas nunca realmente tocando.— Gideon. — Ela falou rouca. — Por favor.— Precisa ultrapassar a borda, meu anjo?Liberando seus pulsos, ele virou as costas e, finalmente, se permitiu fazer o que ele queria fazer desde o começo. Saboreá-la totalmente, profundamente e empurrando, como se a sua língua fosse possuí-la. Imediatamente ela gritou, erguendo os quadris, encontrando-o, mandando-o ainda mais profundo.O orgasmo a sacudiu, sua pele como o fogo, os joelhos apertados contra as têmporas dele, os dedos apertando os lençóis. Ele engoliu cada gota de prazer que ela lhe dava, sua doçura melhor do que ambrosia, uma vez que corria em suas veias, marcando-o, deleitando-o.A luz que ela tinha criado acariciava cada centímetro dela, acrescentando um tom dourado à sua pele. Na base do pescoço, o pulso martelava descontroladamente. Seus mamilos estavam escuros agora, como se corassem sob o seu escrutínio.— Meu prazer.— Quer que eu cuide disso? — Ela perguntou roucamente. — Porque, querido, isso parece tão bom.— Ainda não. — Quase inaudível. Não até que ela estivesse fora de controle outra vez, desesperada para ele.— Verdade. Uma parte. Eu só preciso de um pouco mais de você. — Gideon abaixou a cabeça e jogou a ponta de sua língua sobre um dos mamilos bonitos. Puxou o outro, não querendo que se sentisse excluído.Quando ela voltou a se arquear contra ele, e merda, esfregando aquele doce, ponto molhado contra o seu eixo, fazendo com que a pulsação se alongasse como nunca antes, ele deslizou os dedos até o estômago dela, para além daquela pequena mecha de cabelo escuro e sedoso dentro de sua bainha. Molhada novamente, pingando. Pronta.Gideon puxou-a, cortando todo o contato. Ele tirou sua roupa, nem mesmo uma preocupação com gentileza. Logo, o tecido estava em frangalhos em volta dele, e ele estava de volta em cima de sua mulher, suas pernas abrindo para ele, seus olhos negros brilhando como ônix polido.— Acima de tudo.— O que você está esperando? Eu preciso disso! — Só preciso... Respirar.Apenas o pensamento dele estar dentro dela a enviou sobre a borda? Foda-se, sim! Ele empurrou até a base, batendo a frente com um único balanço de seus quadris. Aquelas quentes, paredes molhadas fecharam em torno dele, como um punho apertado, espremendo-o na medida certa. Merda, o prazer. Mais uma vez, era quase demasiado. Especialmente desde que o seu segundo orgasmo foi fazendo com que ela bombeasse contra ele. Mas ele mastigou o interior de sua boca, tirou sangue, e começou a se mover.— Você é... Tudo. — Ele disse a ela.Era isso que ela quis dizer? Ele não tinha certeza, e até pensou que ela pudesse amá-lo o animava tanto que ele era um homem das cavernas. Reivindicando-a. Totalmente.Ela se agarrou a ele, praticamente empurrando a semente fora dele no instante seguinte.— Agora isto é resistência. — Ele arquejou, porém, mais tarde.Gideon rolou para o lado dele, puxando Scarlet na curva de seu corpo. Ela endureceu, tentou se afastar, mas ele não deixou. — Nada de mas. — Disse ele com um aceno de cabeça.— Na verdade, eu não negligenciei nada. Eu não me importo. — Seus braços esticados ao seu redor, este tesouro precioso que ele não iria desistir. — Eu quero você na minha vida, e isso é tudo que existe para ela. Eu quero empenhar minha vida à sua, como os guerreiros antigos empenharam suas vidas aos seus reis. E não há melhor momento, qualquer um. Eu posso proclamar a verdade agora.Assim, ele deu a Scarlet o tempo que precisava para digerir a sua admissão e vir aos apertos com o que ele queria. De jeito nenhum ele iria pressioná-la. Isso faria dele um pouco demais, como aquela cadela da NeeMah. Mas deuses, ele queria. Ele queria forçar a questão com todo o instinto possessivo variando dentro dele.— O que é para entender? Eu te amo. — Assim, facilmente admitia, depois que ele lutou tanto tempo. Que tolo, ele tinha sido.Mas, mas, mas. Ele estava doente daquela a palavra estúpida. Seus lábios se contraíram, mas ela lutou contra seu divertimento e nunca lhe deu um sorriso completo. — Eu não vou. — Ele nunca tinha estado mais certo de nada em sua vida.— Essa é a melhor coisa que você disse todos os dias. Ainda melhor do que “sim, sim, mais”.— Sim, mas como você sabe que não vai se arrepender? Quer dizer, e se minha tia ferrar com a minha memória de novo e... Lágrimas mudaram o brilho, e cada gota caída o feria. O que poderia dizer para fazê-la entender? Seus lábios se contraíram mais uma vez, e ela não poderia conter o seu bufar divertido. Droga, ele estava ficando bom nisso. Ao fazê-la encontrar o humor em qualquer situação.— Tudo bem. — Disse ela em um suspiro, as lágrimas gradualmente secando. — Nós podemos casar de verdade, mas eu juro aos deuses, Gideon, se minha tia ferrar com a minha memória mais uma vez, se minha mãe sequestrá-lo, eu o deixarei.— Rhea, eu não estou preocupado. — Respondeu ele, o coração tão duro, ele sabia que o órgão seria sempre machucado. — NeeMah, então? Nós vamos localizá-la e matá-la. Quero dizer, qual a melhor lua de mel para nós? — De jeito nenhum ele iria deixar Scarlet fugir, não por qualquer motivo, mas ele não quis dizer-lhe e assustá-la. Não diga a ela que ele a seguiria onde quer que fosse, por quanto tempo fosse necessário. — Eu não quero esperar. E como eu disse, eu quero fazer isso da maneira antiga. Mas se você quiser um grande casamento, também, podemos fazer isso mais tarde.— Eu não preciso de um grande casamento. Mas se você vai fazer isso da maneira antiga eu sou uma guerreira, também, você sabe.Misturado com o aumento da excitação certamente. Ele estava prestes a se casar com a mulher que ele amava.— Você tem certeza disso? — Ela perguntou trêmula. — Última chance para...— Eu nunca estive tão certo de alguma coisa na minha vida muito longa. Agora, venha aqui.Ele olhou nos olhos dela, aqueles perfeitos olhos escuros. — Eu... Eu sou sua e você... Você é meu. — Ela repetiu.— A partir deste momento, até o fim dos tempos.— A partir deste momento...— A partir deste momento... Até o fim dos tempos.Um rio de fogo bateu nele, e ele gritou. O mesmo deve ter acontecido com Scarlet, porque o grito dela se misturou com o dele. Aquele fogo ardeu ao longo de sua alma, rasgando-o em dois. Mas, então, um doce, fresco gelo cristalizado, preenchendo o vazio ferido. Fazendo-o inteiro novamente. Tornando-o mais que Gideon. Tornando-o o homem de Scarlet.— Eu espero que você nunca lamente isso. — Ela sussurrou.— Separar é morrer. — Ela repetiu. — E eu quero que você saiba... Eu nunca estive com outro homem. Depois que eu vim aqui e vi você. Eu menti para você.— Eu estou contente. Eu entendi porque você fez isso, mas estou feliz por você ter mentido. Tão feliz. Você é minha.Um dia, ela o faria. Completamente. Dois dos dedos dele acariciaram as cristas de sua espinha. — Scarlet... Senhor.Que ele teria a ver, tudo isso. Pelo menos Cronus já não era uma ameaça. Caso contrário, o rei não teria ajudado a curar Scarlet. Ainda assim, Gideon sabia que ele não iria receber mais ajuda. Ele estaria sozinho. Mas lutando contra dois seres que eram mais fortes e mais poderosos do que ele não o assustava. Não quando o prêmio era o coração de Scarlet.De braços abertos, Strider girou em um círculo enquanto ficava de pé no centro do Templo dos Tácitos. Este era seu último, seu único recurso. Caso contrário, a Caçadora do sexo feminino, Ex, escaparia dele. De posse do Manto de Invisibilidade. Ele seria um fracassado, um perdedor, e ela teria vencido o desafio entre eles. — Preciso de sua ajuda. — Ele chamou. — Eu vim para negociar.Músculos estavam empilhados em cima de músculos, seus mamilos perfurados por dois grandes anéis de prata. Correntes de metal circulavam seu pescoço, pulsos e tornozelos, e enquanto ele tinha mãos humanas, seus pés eram cascos. Essas correntes não diminuíam a ameaça que irradiava de qualquer um deles.             Uma terceira besta apareceu, esta era uma fêmea. Ao contrário de seus amigos, ela usava uma saia de couro. Seus seios estavam nus, maravilhosamente grandes, e os mamilos tinham piercings, também. Só que ela usava diamantes, ao invés de aros de prata.O quarto e quinto apareceram em rápida sucessão, ambos tão altos e largos que pareciam duas montanhas vivas. Eles não tinham cobras no cabelo, no entanto. O que eles tinham era pior. Um era careca, mas as sombras pareciam escoar de seu crânio. Grosseiro, negro e fétido. E com fome. Sim, eles pareciam famintos.             A outra criatura tinha lâminas. Pequenas, mas afiadas, elas se cravavam do seu couro cabeludo, cada uma brilhando com algo claro e molhado. Veneno? Provavelmente, embora ninguém tivesse sido capaz de recolher dados concretos sobre os poderes das criaturas.Como antes, a mulher deu um passo adiante, suas correntes se chocalhando.— Uh, eu realmente ainda não a tenho. — Ele disse, e os Tácitos imediatamente começaram a rosnar e assobiar para ele, puxando suas correntes para alcançá-lo, e ele tinha certeza, rasgá-lo em pedaços. — Ainda não, — Acrescentou ele em uma corrida. De qualquer maneira, os seres humanos teriam um tempo difícil destruindo um deus. Então Strider não estava mais preocupado que os Caçadores ganhassem a Vara. E se não houvesse concorrência, os Tácitos não teriam espaço de negociação. Era tudo uma questão de oferta e demanda, meu bem. Eles tinham os suprimentos, mas ele tinha as demandas.Eu vencerei.— Eu quero dar-lhes um outro artefato.— Por quê? — A fêmea finalmente perguntou. — E o que você esperaria em troca?A fêmea sorriu, revelando dentes mais afiados do que punhais. Merda. Ex estava prestes a sair da ilha? Tão rapidamente? Que maldita noção de tempo, pensou ele, a urgência precipitando-se através dele. Os chifres da fêmea pareceram crescer, cobrindo sua espinha até os braços.Merda, ele pensou novamente. Ele esperava que eles não percebessem isso.             Um dos machos, um com cobras em cima de sua cabeça, se adiantou. Proibido, hein. Uma das regras de Cronus, provavelmente, e como escravos do rei deus, eles tinham de obedecê-lo. Eles não deveriam ter admitido isso. Foi como lhe dar o às que ele precisava em uma partida de pôquer.[30]Perfeito.As criaturas se moveram e juntaram as mãos. Depois eles formaram um círculo completo, um zumbido de poder arrendou o ar, grãos de poeira tornando-se espessos como geleia. Geleia que ondulou e brilhou. Um zumbido mudo encheu os ouvidos de Strider, e esse zumbido cresceu rapidamente em volume. Cresceu tanto, que ele caiu de joelhos, as mãos tapando os ouvidos, suas têmporas pulsando forte.             Então, de repente, o zumbido cessou. Ele tirou as mãos, viu que estavam manchadas de sangue sobre as palmas, e se impulsionou sobre as pernas trêmulas. Seu coração estava batendo em seu peito com o pensamento de ver...Vitória, vitória, vitória.Ela gritou quando viu os Tácitos.Vencer! Strider avançou para o pequeno quadrado de tecido, roubando-o antes mesmo que Ex percebesse que ele tinha se movido. Ela se prendeu em seu braço, não para agarrar o Manto, mas para empurrá-lo na frente dela e usar seu corpo como escudo. Vencemos. Nós vencemos!O prazer atirou através dele, enchendo-o, dando-lhe força e, inferno, deixando-o duro como uma rocha. — Obrigado.Com isso, todas as criaturas desapareceram.Strider girou, ficando de frente para ela, e agarrou-a pelos braços. Braços que ainda estavam tão chocantemente gelados. Ele não podia evitar, ele estava sorrindo.  O luar fluía através da janela do quarto, silencioso e bonito. O ar estava limpo e cheirando à roupa recém-lavada. Seus demônios estavam de volta dentro de seus corpos, descansando após horas de fornicação. Como se eles, também, tivessem se casado.Ela realmente fez isso. Ela realmente disse os votos que a prenderiam a Gideon por toda a eternidade. Uma parte dela queria regalar-se em alegria. A outra parte queria correr antes que algo ruim acontecesse com esse homem que ela amava tanto. Um homem dormindo ao seu lado, se virou para ela, seu braço jogado sobre sua barriga e sua perna dobrada ao longo da dela. Possuindo-a, mesmo no sono. — Calma. — Uma voz masculina disse.Um homem encostou-se à parede mais distante, com os braços cruzados sobre o peito. Ele tinha cabelos brancos, olhos verdes deslumbrantes, sobrancelhas negras e um rosto mais bonito do que, bem, inferno, ninguém tinha visto antes. Era inocência misturada com perversão e polvilhada com heroína.Ela apertou o metal frio da lâmina contra o seu braço, impedindo o homem de vê-la quando ela se virou para ele, todo o tempo avançando sobre Gideon para ser o seu escudo. Se o intruso se aproximasse, ela iria cortar o seu coração ao meio antes que ele percebesse que ela havia deixado a cama.Ah, sim. Enfermidade, auto-proclamado protetor do universo e o cara que não queria que ela matasse sua tia porque Gideon ainda não tinha emitido a permissão. Scarlet já gostava dele. Com um sorriso pesaroso, enfiou a adaga de volta sob o travesseiro.Esperando? — Alguns dias.Ao lado dela, Gideon se esticou. Suas pálpebras se abriram piscando, e então ele estava olhando para ela, os lábios afiando em um sorriso. Seu demônio não ia deixá-lo dizer a verdade, ela percebeu. Ela não se importava. Ela realmente gostava de suas mentiras. Ele se aproximou e delicadamente tocou sua nuca com as mãos em concha, puxando-a mais perto para beijá-la. A ação machucou seu pescoço, mas ela não se permitiu fazer caretas. Ela suportaria coisas muito, muito piores por um beijo de Gideon. Seu marido.— Está prestes a ficar muito pior.— Por mais que eu goste de observar o que vocês fazem, eu tenho que falar com você sobre algo.— Fique. Quero você aqui. — Que significava: Suma daqui, você é uma praga. Naturalmente, Torin não entendeu a insinuação.— Ontem eu convoquei Cronus e lhe mostrei o vídeo de Mnemosyne tentando matar Scarlet. Ele estava zangado por que a deusa o culpou pelo atentado. Disse que não tinha necessidade de contratar ninguém para uma coisa dessas, que ele era bem capaz de cuidar de Scarlet por conta própria. Se isso fosse o que ele escolhesse. Eu suspeito que foi por isso que ele te ajudou, Gideon.— Cron decidiu poupá-la agora? — Gideon atacou.— Ele não disse. Enfim, — Torin continuou. — Eu tenho que...Cronus.             De repente, o rei se pôs ao lado de Torin, seu manto branco imaculado, como sempre, seu cabelo escuro puxado para trás em um rabo de cavalo e sem um único fio cinza. Sua pele estava lisa, os olhos brilhantes. Ele nunca pareceu tão jovem. Ela olhou para si mesma e viu que ela estava com os seis nus. Apressadamente ela arrastou o lençol, cobrindo os seios enquanto seu rosto se aquecia. Normalmente, ela não se preocupava com tais coisas. Tendo estado presa na mesma cela com homens a maior parte de sua vida, ela não poderia se preocupar com essas coisas. Mas ela estava casada agora, já não queria mais punir Gideon, e sabia que ele não gostava que outros homens a olhassem. Ele a queria toda para si, e isso a deliciava.Um momento se passou, então Gideon olhou para Scarlet, confuso. O mesmo que Verdade. Prova que as reservas de Scarlet sobre se casar com Gideon, sobre estar com ele, não tinha sido em vão. Se sua tia tivesse conseguido matá-la, Gideon teria ido atrás da deusa. A tia o teria manipulado, e ele teria de bom grado se tornado aquilo que ele mais desprezava.— Eu sei do seu trato com Rhea. — Cronos disse à ela. — Você está impedindo Gideon de me dar o que eu lhe pedi. Encontrar Amun para que eu possa deduzir as intenções de Mnemosyne.— No entanto, — Cronos continuou. — eu já não tenho necessidade de tal serviço. Eu sei que Mnemosyne me traiu. — Seu olhar voltou-se para Gideon, centelhas de prazer iluminando suas íris. — Portanto, eu estou mudando os termos do nosso trato. Peço agora que vocês vivam miseravelmente. O que significa que você, — Disse ele, voltando o olhar para Scarlet. — está impedindo-o de fazer isso.Gideon gargalhou, quente e rico, sua única âncora na repentina tempestade de incerteza.— Não pense que me abrandei. Meus motivos dificilmente são altruístas. Eu conheço a fúria que minha esposa sentirá quando ela perceber que sua filha está feliz por causa de seu acordo. Mas vocês vão deixar a rainha sozinha. Entenderam? Ou eu finalmente atacarei vocês.Isso, também, ela deveria ter esperado. Sua tia lhe dissera que Rhea e Cronus eram ligados de alguma forma, e que, quando um deles morresse, o outro morreria em seguida. Mas ela não tinha deixado que isso a impedisse de planejar o assassinato de sua mãe. — Sim. — Scarlet mal conseguia falar por sua garganta ferida. Ela fez bem em conservar o horror de sua voz. Fez bem em esconder as lágrimas que agora queimavam seus olhos. Ela já percebeu que havia duas coisas que ela precisava fazer para poder ficar com Gideon, para mantê-lo seguro. Só duas malditas coisas. Matar sua tia. E matar sua mãe.— E não, obrigado. — Acrescentou Gideon, tão feliz que parecia prestes a estourar. — Mas por que você não está nos ajudando?Cada bocado de calor foi drenado dela. Por que seguir essa linha de pensamento a menos que ele pretendesse agir?Cronus revirou os olhos. — E agora, — Cronos continuou. — eu tenho um presente de casamento para vocês. — Ele bateu palmas e Scarlet de repente se encontrou presa nas nuvens. Novamente. Só que desta vez, ela não estava no Palácio Celestial dos Titãs, mas em uma vasta área de... Nada. De branco. Sem odor. Sem fim. Cronus ocupou o espaço entre eles, os braços estendidos para impedir que qualquer um deles atacasse.— Basta. — Ele olhou para ela, desprovido de emoção. — Mnemosyne, sua irmã estava muito feliz por te trair e por admitir o que vocês duas planejaram. Ela gosta de se vangloriar, não é?— Não, eu... Rhea mentiu. Juro para você, ela mentiu. Eu nunca iria agir contra você. Eu te amo. Nós fomos feitos para estar juntos. Não se lembra? Nós...Seus olhos arregalados voaram para Scarlet antes de dispararem para Gideon. — Tirei todas as suas armas, assim como as deles, então a luta será a mão à mão. Você pode escolher com quem você deseja lutar, Mnemosyne. Gideon ou Scarlet. Mas não duvide de mim. Haverá uma luta nesse dia. Esta pequena contenda terminará, pois preciso da atenção total de meus soldados.— Como quiser, meu rei. — Lentamente Mnemosyne sorriu. — Eu escolho Scarlet.Errado, Gideon pensou. Ele poderia tê-la matado rapidamente. Mesmo fraca como Scarlet estava, ela iria fazer sua tia sofrer. Ele nunca esteve mais confiante sobre qualquer coisa. Exceto, talvez, o quanto ele amava sua mulher.— Eu te odeio. — Disse ele. — E eu sei que você vai falhar. — Mesmo ferida, ela não iria perder. Muito estava em jogo. Muita raiva era dirigida à deusa vadia.Ele franziu a testa. O que era isso?— Gideon. — Cronus disse, impaciente, e Gideon fez uma careta para ele.Lentamente, ela levantou o olhar. Lágrimas enchiam os olhos amados e escorriam pelo rosto.— Eu vou matar minha tia. Você está certo sobre isso. Mas depois, eu não posso ficar com você. Quando eu pensei que pudesse encontrar e matar a minha mãe, também havia uma chance de que eu poderia te fazer feliz. Mas agora... Com ela viva... Ela vai me usar para chegar até você, e eu não posso permitir isso. O que significa que eu devo deixá-lo.— Por enquanto, sim. Mas o que acontecerá depois que ela enviar seus soldados para atacá-lo, pela décima vez? A vigésima? A centésima? O que acontecerá quando ela tentar seduzi-lo e raptá-lo de novo? Ela nunca vai parar. Você me faz feliz, então ela nunca vai parar. Você vai se cansar disso, e por sua vez, se cansar de mim. E você realmente vai ser miserável, então.— Sempre. Eu sempre vou estar cansado de você. — Nunca. Para a eternidade.— Eu não posso estar com você e te perder novamente. Eu simplesmente não posso.— Não, eu te machuquei bastante. Eu...— Eu pensei que tinha casado com uma mulher fraca, mas olhe para você. Forte. Veja como você está confiante. Veja como você está confiante em mim. — Ele forçou as palavras a surgirem em um sorriso de escárnio. — Isso não é decepcionante em tudo. Aqui estou eu, disposto a lhe dar tudo o que eu sou. Meu coração, minha vida, o meu apoio, e você está aqui, querendo estar ao meu lado, inabalável. É absolutamente a guerreira que eu pensei que você fosse.Chocada, ela piscou para ele. Ele forçou-se a assentir.— Eu vou te mostrar. Justo por isso, você está preso comigo. Eu não me importo quantas vezes minha mãe se aproximar de você. Você vai ter que lidar com isso, seu bastardo cruel.— E não será o meu prazer. Agora. Não vá. Não lute contra a sua tia. E quando você estiver pronta, nós não vamos ter uma lua de mel real. Uma com muita violência.Ao invés de admiti-lo, ele simplesmente disse: — Deuses, mas eu te odeio, muito. — E com isso, ela cortou o contato e caminhou à frente, pronta para começar.Logo que a luta acabasse, ele iria segurar sua mulher e sufocá-la com o seu amor. E não importa o quão fraco ele parecesse.Todo mundo olhou para ele.Reclamão como um bebê.— Senhoras. Vocês podem começar. — No instante seguinte, ele apareceu ao lado de Gideon com uma tigela de pipoca. — Isto é o que os seres humanos fazem enquanto assistem esportes, não é?Scarlet finalmente teria sua chance de se vingar.Não houve conversa fiada, não estudaram entre si. Scarlet simplesmente pulou sobre NeeMah, pronto. Contato. As duas mulheres foram jogadas para o chão em um emaranhado de braços e pernas. Em meio a gritos, socos foram lançados, as unhas foram descobertas e usadas (por NeeMah), e os cotovelos e os joelhos foram atacados (por Scarlet).A deusa vadia ia se arrepender agora.— Não. — O rei estremeceu. — Por que você quer o molho picante? Quem põe o molho picante sobre a pipoca? Aranhas? Ele pensou esperançosamente.— É a minha vez. — Quando Scarlet estendeu a mão, a escuridão correu de volta para ela como se ela tivesse ligado um vácuo. — Você merece tudo o que eu vou fazer com você. — Scarlet rosnou enquanto ela se levantava.— Cadela!— Incômodo.Boa menina, Gideon pensou quando Scar se repetia. Por que desviar-se da verdade?Sem um som, Scarlet chutou as pernas dela e mandou a puta caída de bunda. Um segundo depois, Scarlet diminuiu novamente a distância entre elas. Ela agarrou o manto da deusa, dando impulso a sua força enquanto ela jogava a deusa ao redor antes de liberá-la e mandá-la subir.Gideon não se conteve. Ele gritou, jogando pipoca em todas as direções.O quê? Ele silenciosamente falou, em seguida, voltou-se para o massacre.Doce céu. Visão mais sexy que nunca.— Ai! — Cronus disse.NeeMah se levantou lentamente, e Scarlet fez o mesmo. A deusa, obviamente, esperava circular sua presa novamente, roubando alguns minutos para se recuperar, porque ela deu um passo para o lado. Scarlet simplesmente pulou e bateu a deusa no queixo, fazendo a cabeça ricochetar para o lado, os pés a tropeçar.— Minha ex-amante é como uma... Menina. — Cronus disse, desapontado. — Onde estão os punhos batendo?Um momento se passou em silêncio, então Cronus sacudiu a cabeça e disse:Gideon ignorou. Talvez o seu “louvor” deu-lhe força, porque ela balançou a cabeça como se estivesse limpando sua mente. O sangue escorria de sua garganta, e brutalidade selvagem pulsava dela. — Você não tem a força necessária para...NeeMah cavou seus dedos nas feridas do pescoço de Scarlet e separou-os ainda mais. — Não. — Scarlet socou novamente, aparentemente inconsciente de seus próprios ferimentos. Sangue pulou, e a terra tremeu na verdade. — Eu... Não. Eu não acho que quero desistir.— Você não quer me machucar. — Apertado, quase inaudível. — Você quer salvar a minha vida, não é? Lembra-se? Assim como eu, uma vez salvei a sua.— Você merece morrer. Você sempre pensou assim. Você quer morrer. Lembra-se?— Não é uma infração. Não é uma maldita infração! — Gideon tentou se levantar, mas Cronus o agarrou e o segurou no lugar. Pipocas espalhadas. Se as memórias de Scarlet fossem adulteradas, ela...— Mas...— Sim. Eu mereço. Eu quero.— Você quer me salvar, porque eu te salvei. — Disse NeeMah, a voz mais forte agora, enquanto ela continuava a tecer seu conto. — Eu salvei você de Gideon. Ele é a razão pela qual você está ferida e sangrando. Ele é a razão...— Como você pode ter certeza? Você está... Gideon abriu a boca para dizer a ela que teria que encontrar uma maneira de remover a cabeça do corpo, mas ela o superou. Ela encontrou um caminho. Com suas mãos vazias.— Isso não vai matá-la, não é? — Ele perguntou a Cronus, que queria apenas segurança. Trabalhou para os imortais, mas nunca entregou o golpe mortal a um deus honesto ou uma deusa.Gideon seria apenas ir em frente e tomar isso como: a cadela foi desperdiçada para sempre.— Eu fiz isso. — Disse ela, olhando para ele com os olhos inchados, lábios divididos curvados em um sorriso. — Eu realmente a matei.— Não estou orgulhoso de você.— Não estou contente, não estou contente. — Ele a abraçou forte. — Deus, eu te odeio tanto.— Eu também te amo.— E você vai me deixar, não é?Agora, esta era a confiante, a Scarlet vingativa que ele tanto adorava. Eles iam ser muito felizes juntos.— Parem de brincar, vocês dois. Amun, Aeron e William acabaram de voltar para casa com Legion. E você nunca vai acreditar quem veio com eles.Scarlet estava ao lado dele, um pouco vacilante em seus pés e os dedos dos dois ligados. Uma menina tão querida e tão compreensiva. Eles caminharam para fora do quarto, desceram o corredor, desceram as escadas e o hall de entrada, apenas curta parada para a visão que os aguardava. Um contingente de anjos estava em um círculo, murmurando um ao outro. Luzes brilhantes brilhavam em torno de cada um deles, e eles eram tão fisicamente perfeitos que realmente machucava olhar para eles. A maioria era do sexo masculino, mas havia algumas mulheres. Não importava seu sexo, todos eles possuíam asas brancas filetadas com ouro, alongando e invadindo cada centímetro de espaço.Olivia, a mulher de Aeron, tinha a cabeça do guerreiro no colo e ela estava alisando o cabelo da testa. William estava gemendo, chamando por Gilly, um dos braços quase arrancado do corpo. Legion não estava se movendo em tudo, apenas deitada numa poça de seu próprio sangue.— Não olhe nos olhos dele. — Lysander, líder de todos os anjos guerreiros, disse. — Sua mente está infectada.— Demônio. — Lysander respondeu.— Nós sabemos disso. — Scarlet disse para ele. — Estamos todos contaminados por um demônio.Oh, merda, Gideon pensou. Ele puxou Scarlet para mais perto. Ele amava Amun, mas ele não arriscaria sua mulher. — Ele quer dizer, o que podemos fazer para ajudá-lo? — Scarlet interpretou.— Matá-lo. — Disse Lysander com naturalidade.— Não, isso não vai funcionar para nós. — Disse Scarlet.— Nós queríamos prendê-lo no céu, mas Olivia nos convenceu a trazê-lo aqui.— Bianka não gostaria que você nos desse tempo. — Disse Gideon.Um músculo repuxou abaixo do olho de Lysander. Bianka era sua companheira, ou esposa, ou como os anjos chamavam os seus outros significativos, e Lysander vivia para agradá-la. E como Bianka era de uma forma relacionada com Amun, de uma forma indireta, ela realmente não seria feliz se Amun morresse.— Obrigado. — Scarlet disse por Gideon.— Assim, anotado. — Scarlet disse.Quando todo mundo estava acomodado, Gideon e Scarlet ficaram ao lado da cama de Amun. Olivia estava cuidando de Aeron e Legion, e Gilly de William.Verdade ou mentira, Gideon não sabia. Ele a encarou, pegando suas mãos. — Eu estou contente. E para que saiba, se eu ouvir você dizer que me ama, eu vou matar você.— Então eu não estou preso com você?— Merda. — Ele disse, e ela riu. Eles compartilharam um beijo suave. — Eu não sinto muito, a lua de mel não terá que esperar.Ele beijou as costas da mão dela agora. Ele lhe devia mais do que isso, e ele um dia iria lhe dar mais, mas o seu apoio significa muito para ele. Especialmente desde que ela não podia gostar de seus amigos. Mas porque ela o amava, ela estava disposta a esquecer como eles a trataram.De todas as tarefas que ele já tinha realizado, garantir que ela fosse feliz essa era a mais importante para ele.Sim. Eles iriam encontrar um caminho. Antes que os anjos voltassem. Nada era impossível, ele sabia agora. Caso contrário, ele nunca teria vencido Scarlet - deusa assassina, guerreira domadora... Futura rainha dos deuses, se a visão que Cronus falou fosse para ser acreditada.— Não. Você está errada, diabo. Nós falharemos. — Sem dor, sem fraqueza. Mentiras.— Bom. Porque é tempo do Time Gidlet[31] chutar alguns traseiros.— Eu vou te amar por um único dia, diabo. — Disse ele, o mais próximo de uma declaração de devoção eterna que ele poderia obter.Para eles, partir realmente era morrer. E ele não teria nenhuma outra maneira. [2] Nota: É um jogo eletrônico de ação-aventura em terceira-pessoa, no qual o jogador se ambienta na época das cruzadas, dos cavaleiros templários, envolvendo busca por assassinos, lutas, aventuras e história.[4] Nota: Do original em inglês. Expressão em francês: do dia.[6] Nota: Referência a Brad Pitt. Ator americano, filmes: Lendas da paixão, Tróia, Mr. & Mrs. Smith.[8] Nota: Hugh Jackman, ator australiano de filmes como X-Men, Austrália.[10] Nota: Eric Bana, ator australiano, trabalhou em Munich, Hulk, Tróia.[12] Nota: Zac Efron, ator americano da série de filmes High School Music.[14] Nota: É uma atriz e modelo norte-americana, que atualmente namora o cantor Justin Timberlake.[16] Nota: Mindfuzz – mente distorcida (sensação que distorce os pensamentos).[18] Nota: No original: tsked – som que expressa desaprovação ou simpatia real ou dissimulada.[20] Nota: É um ente fantástico da mitologia celta (Irlanda) que é conhecida como Bean Nighe na mitologia escocesa.[22] Nota: “Bathed the target in fatigue”: essa é uma expressão em inglês que significa atingir seu objetivo até a exaustão. [24] Nota: Ele se refere à gravidez da Ashlyn. Como se o bebê fosse um pão e a barriga da Ashlyn fosse o forno.[26] Nota: Sigla em inglês para “Granada propulsada por foguete” ou apenas “lança-foguetes”.[28] Nota: No original, Only, He was at the god queen’s mercy. Pode ser entendido como o popular “à mercê”.[30] Nota: The Ace for a Four of a kind: A autora se refere à jogos de  cartas. Four of a kind seriam quatro cartas com o mesmo número ou figura. O Ace seria o às que o jogador recebe e lhe possibilita ganhar o jogo.

 

  • [31] Nota: Combinação dos nomes GIDeon e ScarLET.
  • [29] Nota: Estilo de jujubas de canela.
  • [27] Nota: Na mitologia, a ambrosia era tida como néctar dos deuses, inacessível aos mortais, aliás.
  • [25] Nota: Templo do César (do César, título que os imperadores recebiam). Fórum romano.
  • [23] Nota: Justin Long é um atoramericano conhecido por atuar nos filmesJeepers Creepers, Waiting..., Aprovados, Dodgeball, Galaxy Quest, Herbie: Meu Fusca Turbinado, Duro de Matar 4.0, na série de televisãoEd, e por sua participação na campanha de marketing "Get a Mac" dos computadores Macintosh da Apple.
  • [21] Marca de doces com sabor de frutas.
  • [19]Nota: É um videogame de música desenvolvido pela Harmonix Music Systems e publicado pela RedOctane para o console Playstation 2. O jogo apresenta um controlador de jogo em forma de guitarra (semelhante a uma miniatura Gibson SG) que o jogador usa para simular a reprodução da música rock. A jogabilidade é semelhante à GuitarFreaks, em que o jogador pressiona os botões do controlador com notas musicais na hora em que o deslocamento do ecrã do jogo.
  • [17] Nota da tradutora: O guerreiro se comunica com seus amigos através da linguagem de sinais, pois ao se comunicar verbalmente, os segredos que ele guarda correm o risco de serem expostos.
  • [15] Nota: O Cadillac Escalade é um utilitário esportivo de porte grande da Cadillac
  • [13] Nota: Leonardo Di Caprio, ator americano de Titanic, O aviador.
  • [11] Nota: Chris Pine, ator americano, dos filmes: O diário de uma princesa 2, Sorte no amor e seriados de Tv.
  • [9] Nota: Ryan Reynolds.
  • [7] Nota: Ryan Gosling, ator canadense, atuou nos filmes: Diário de uma paixão, Tolerância zero.
  • [5] Nota: Robert Pattison, ator de Crepúsculo, o vampiro Edward.
  • [3] Nota: Antigo, velho.
  • [1] Nota: É um console, controlador, de vídeo-game, feito pela Microsoft, vem incorporado com leitor de DVD.


  • — Eu vou te amar por um único dia, também. E então todos os que se seguirem.
  • Time Gidlet? Apesar da situação calamitosa, ele se encontrava novamente lutando com um sorriso.
  • Ela descansou a cabeça no ombro dele, se aconchegando.
  • — Gideon? Você acredita em mim?
  • — Nós vamos passar por isso. — Disse ela. — Com êxito. Assim como ele. — Ela acenou para Amun com um aceno de seu queixo. — Eu prometo. Ele está infectado por centenas de demônios, mas tudo bem. Nós vamos encontrar um caminho. Nós sempre o fazemos.
  • Mais do que nunca, ele sabia que não a merecia. Mas se ele desistiria dela? Não. Ela o tinha escolhido, e sua Scarlet conseguia o que ela queria. Ou mais.
  • — Eu sei. Mas só de estar com você é uma lua de mel.
  • — Oh, você está preso comigo. Para sempre.
  • Seus lábios se contraíram. Ele havia aprendido a lidar com seu humor negro, e ela claramente tinha feito o mesmo por ele.
  • — Eu te odeio. — disse a ela novamente. Ele diria a ela mil vezes por dia.
  • — Ele precisa de um médico treinado para cuidar de imortais,. — Scarlet disse. — Eu sei que vocês não têm um, mas não se preocupe. Nós vamos encontrar um. Seu amigo vai se curar.
  • Depois disso, os anjos começaram a desaparecer, um por um. Gideon ajudou a carregar os três homens e Legion para suas camas. Amun, ele notou, nunca tentou olhar para eles, mas manteve os olhos fechados. Como se uma parte dele soubesse o que tinha acontecido com ele, e ainda pensasse em protegê-los.
  • — Mas eu não posso dar-lhe tempo. Uma semana, talvez duas. E não pense em fugir com ele. — Cada palavra endurecida em ferro. — Nós apenas os encontraremos. E nós poderemos estar... Com raiva.
  • — Muito bem. Você pode tentar salvá-lo. — Disse o anjo disse rigidamente.
  • — Significado ela gostaria. — Scarlet esclareceu.
  • — Nós vamos cuidar dele. — Scarlet garantiu-lhe, assim como aos outros anjos. — Nós vamos ajudá-lo. Sem matá-lo. — Acrescentou.
  • O anjo suspirou.
  • — Sim! — Gideon gritou. Não!
  • Ele a apertou neste momento.
  • — O que não podemos fazer para ajudá-lo?
  • — Não. — Insistiu Lysander. — Ele é totalmente demônio. Você está simplesmente ligada com um, mas a mente dele está mal, nenhum deus foi deixado dentro dele. Se ele olhar para você, ele verá dentro de sua alma e a envenenará com a escuridão.
  • Gideon apenas piscou para ele.
  • — Com o quê? — Scarlet perguntou, de repente, ao lado de Gideon e envolveu um braço reconfortante em torno de sua cintura. Ela apertou-o, oferecendo apoio.
  • Amun, entretanto... Amun era o pior. Ele estava segurando as orelhas e mordendo o lábio inferior, claramente perdido em uma agonia que até Gideon não podia compreender.
  • Determinado, Gideon abriu caminho através deles. Onde estavam... Ele viu seus amigos no centro desse círculo. Eles estavam deitados de costas, mal respirando. Estavam mais esfarrapados e feridos do que ele já tinha visto antes. E merda, ele tinha visto Amun fodido, muito mal. Eles estavam cobertos de fuligem e inúmeros hematomas e escoriações e cheiravam a enxofre.
  • — Sem acordo.
  • — Vamos lá. Vamos verificá-los. Além disso, você precisa me apresentar oficialmente para eles de forma a pararem de tentar me capturar e matar-me.
  • — Como ele sempre não sabe onde nós estamos e que estamos no meio de fazer? — Relutantemente Gideon desprendeu-se de sua mulher. Se ele não tivesse sentido tanta falta dos amigos, se ele não precisasse ver por si mesmo que todos eles estavam bem, ele teria ignorado convocação de Torin.
  • Houve um estrondo em sua porta, e Torin falou.
  • — Eu vou ficar. — Disse ela sem hesitação. — Afinal, ele vai provocar mamãe querida e tanto quanto eu odeio admitir que tenho algo em comum com Cronus, eu estou começando a apreciar brincar com ela. Ou pelo menos não estou com medo de atravessar mais com ela. Olha o que eu fiz para a irmã dela. Eu vou fazer o mesmo com ela se ela chegar perto de você. E quem sabe. Talvez eu possa ajudá-lo a encontrar a caixa de Pandora e eu possa fechar a minha mãe no interior. Agora, não seria divertido?
  • Este foi ainda melhor do que ouvi-la repetir a mentira. Ela o amava. Ele seriamente não poderia pedir mais do que isso. Oh, espere. Ele poderia.
  • Finalmente, ela o beijou de volta.
  • — Obrigada. — Braços trêmulos o envolveram. — Quando ela tentou entrar na minha cabeça, eu a senti neste momento. Eu sabia que era ela, e sabia que o que ela estava tentando me convencer era falso. Porque minhas memórias reais eram tão fortes. E estimadas.
  • Gideon plantava pequenos beijos por todo o rosto, tomando cuidado com seus ferimentos.
  • Ofegante ainda mais, com o tempo ela terminou, Scarlet se endireitou. Ele ficou de pé e correu para ela, o escudo no ar foi-se, mas antes que ele a alcançasse, Cronus varreu os dois de volta ao quarto de Gideon. Então, quando ele colidiu com ela, eles caíram para trás em sua cama. A cama que ele nunca queria sair novamente.
  • — O tempo dirá. — Cronus respondeu enigmaticamente.
  • Essa é a minha garota.
  • Carrancuda, Scarlet agarrou tia pelo pescoço e torceu com um corte brutal. A coluna da mulher foi instantaneamente quebrada, seu corpo caindo sem vida para o chão. Mas ela poderia recuperar isso, e Scarlet tinha que saber.
  • — Não. — Scarlet de repente sibilou. — Não. Estas são as minhas memórias, e eu as amo. Eu não quero salvar a sua vida. Eu quero acabar com ela. Eu não quero morrer. Gideon me ama. A mim.
  • — Eu te odeio, diabo! — Gritou ele. — Por favor, esqueça o quanto eu te odeio. Por favor.
  • Gideon assistiu com horror enquanto a cabeça de Scarlet se inclinava para o lado, os olhos vidrados. Enquanto ela concordava.
  • — Scarlet usou seu demônio. — Cronus disse. — A deusa está autorizada a utilizar seus poderes.
  • Foda-se.
  • Scarlet acalmou-se, ofegante.
  • Enquanto a deusa tentou proteger o rosto com uma das mãos, ela voltou a atingir cegamente com o outro... Até aplanar a palma da mão sobre o coração de Scarlet.
  • — Pare. — Ela falou entre dentes. — Você quer desistir. Você merece morrer por minha mão. Você quer morrer por minha mão. Lembra como eu...
  • Ofegante, escura expressão, ela abordou uma rebelde NeeMah, então mordeu na garganta da mulher e rasgou. A deusa gritou com tanta veemência, que mesmo Gideon estremeceu. Mas como ela estava ali, ofegante, Scarlet montou sobre sua cintura uma segunda vez e agarrou sua cabeça, batendo repetidamente contra o chão.
  • — Você vai pagar por isso.
  • — Você não pode fazer isso, diabo. — Ele falou.
  • — Como é que os outros suportam você?
  • — Bem, minha garota não tem nenhuma habilidade. — Gideon respondeu orgulhosamente. Ele queria se levantar e apontar para si mesmo e gritar que Scarlet era dele. Que ela lhe pertencia. — Não é só você esperar e ver.
  • Scarlet pulou em cima dela, montando-a e enviando seu crânio batendo no chão. Sua tia agarrava às cegas, e realmente conseguiu agarrar uma mão para baixo da roupa de Scarlet, rasgando uma única abertura.
  • — O céu irá reinar. — Gideon respondeu com confiança. Os fogos do inferno estavam indo para a raiva.
  • A dor deve ter dado força a NeeMah, uma adrenalina, uma coisa, porque ela finalmente conseguiu acertar um soco na garganta de Scarlet. Scarlet caiu para trás, ofegando por ar, provavelmente vendo estrelas.
  • O sangue escorria do nariz e da boca de NeeMah, o lábio inferior estava aberto e sua mandíbula ostentava um nó inchado, cortesia de cotovelo de Scarlet. Um cotovelo que não tinha terminado. Boom, boom, boom. Enquanto a deusa caia sentada, empurrando-a Scarlet atacou-a com as unhas três vezes em uma fileira, batendo até tirar os tirar dentes da boca de NeeMah.
  • Cronus segurou-o com um brilho.
  • Como Scarlet tinha feito, NeeMah bateu na barreira invisível. Ela não foi tão rápida ao levantar-se, porém, e Scarlet usou a sua vantagem, correndo em frente e o cotovelo mergulhou para todos o que valeu a pena. Soco. Osso quebrado.
  • — Enquanto eu estou matando você, — Disse NeeMah, circulando como ela não tinha no início: — eu vou fazer você me agradecer. Eu posso fazer você fazer tudo o que eu desejo. Lembra-se de como você chorou por Gideon? Lembra-se de como você sofreu por Steel?
  • — Prostituta.
  • — Prostituta.
  • NeeMah pulou, atenção nunca vacilando.
  • — Não. É minha. — Com um grito profano, NeeMah chutou a perna, atingindo os tornozelos de Scarlet. Scarlet foi derrubada ao lado dela, o ar abandonando-a em um bafejo.
  • Scarlet diminuiu o resto da distância, enrolando as mãos e a golpeou, jogando a deusa na terra, do seu lado e continuou batendo na mesma.
  • Pouco antes de Scarlet atingir sua tia, ela sacou o braço como se estivesse jogando uma lâmina. Então, seu demônio voou de seus dedos, negro e contorcendo-se, arqueando um caminho rápido para NeeMah. Aquela nuvem negra a atingiu, e ela gritou, caindo de joelhos e batendo em sua pele.
  • — Quer molho picante para este lanche nojento? — Ele perguntou a Cronus enquanto ele entregava a tigela para outra porção.
  • Quando separadas, num balanço chiado NeeMah teve sorte, agarrando Scarlet pela camisa, ela girou-a e lançou-a. Cronus deve ter erguido uma espécie de escudo no ar porque Scarlet bateu em algo transparente antes de deslizar para o chão. Ela não ficou no chão por muito tempo. Uma fração de segundos depois, ela estava de pé, soprando o cabelo do rosto e encarando.
  • Ele podia esperar.
  • — Certamente não é. — Gideon pegou um punhado delas e jogou-as na boca. Sem armas, isso não seria uma luta muito sangrenta, mas seria violenta. Nisso, Gideon apostaria sua vida.
  • Depois, com um pouco mais mau humor, Cronus disse:
  • — O quê? Você se lembra da minha presença agora? Você deseja o que eu ofereci?
  • — Finalmente. — Cronus disse em um suspiro exasperado. — Eu dou um presente, e eu sou ignorado. E foi a conversa mais estranha que eu já ouvi.
  • Ela o odiava, pensou ele, um sorriso explodindo. Ela realmente o odiava! Ela nunca disse as palavras antes, e agora que ela o fez, ele meio que caiu no chão, rindo e chorando e mais feliz do que jamais esteve. Sim, a outra felicidade, quando ele se casou com ela, pálida em comparação.
  • — Eu te odeio, Scar. Muito.
  • — Bastardo. — Disse ela novamente, mas não havia calor em sua voz. Para o momento mais doce, ela descansou sua testa contra o peito dele. — Você usou a psicologia reversa em mim, sem o reverso. Certo?
  • Os joelhos dele quase dobraram, tão grande era o seu alívio.
  • Estreitando os olhos, ela ergueu o queixo.
  • — Você pensou que eu era forte, mas agora você acha que eu sou fraca? Você acha que eu não sou confiável? Você está desapontado comigo?
  • Deuses, tinha que ferir ao dizer. Uma dor muito diferente do que quando ele mentia, mental e não física, e ainda, muito pior.
  • Ok. Tempo de ser duro. Ele não tinha chegaria a ela de qualquer outra forma.
  • — Você vai me perder. — Ele estava desesperado para fazê-la entender. — Eu posso ser feliz sem você. Sua mãe é importante, ela realmente é. O que eu tenho que fazer para dissuadi-la disso? Mantê-la viva? — Matá-la. Ele faria isso. Ele iria trair Cronus em uma batida de coração. Qualquer coisa para manter Scarlet com ele.
  • As lágrimas escorriam, uma após a outra, e ela fungou.
  • Ele a sacudiu violentamente.
  • — Sim, sim, sim. — Não, não, não. — Você não ouviu Cronus. Está para manter-me infeliz, e eu não posso ser infeliz, sem você em minha vida.
  • — Diabo. — Disse ele, seu peito apertando. — O que está certo? — Errado.
  • — Não preciso de um momento. — Ele resmungou, voltando sua atenção para Scarlet. A luta poderia esperar. — Diabo. Não olhe para mim. Agora.
  • — Ei. Não olhe para mim.
  • Silenciosa, ela balançou a cabeça, ainda recusando-se a olhar para ele.
  • Ele agarrou seu pulso com uma mão e seu queixo com a outra, puxando-a para perto, enquanto forçava-a a encará-lo. Seu olhar estava em sua boca.
  •  
  • A deusa analisou Gideon, que parecia mais forte do que nunca, descansado, como era próprio de sua maldição. Analisou então Scarlet, que ainda estava pálida e cujo pescoço ainda estava cicatrizando.
  • — O... O que? Eu não entendo.
  • — Chega! Gostei do tempo que passamos juntos, mas você me traiu e isso eu nunca vou perdoar. — Cronus sorriu com humor genuíno. — Entretanto, eu não vou te destruir. Pelo contrário, eu lhe darei uma chance de redimir-se. Tudo o que você deve fazer é derrotar... Um deles.
  • As bochechas de Mnemosyne perderam a cor.
  • — O que está acontecendo? — A deusa exigiu. Quando ela viu o rei, ela suavizou sua expressão. — Cronus, querido, estou tão feliz que você me encontrou. Eu...
  • Gideon estava ao lado dela, e ambos estavam vestidos com roupas de guerreiro. Camisas flexíveis, calças de couro. Mnemosyne ficou em frente a eles, em uma surpreendente distância, mas sem seu colar de escrava. Falso ou não. Ela estava completamente curada, como Scarlet temia.
  • — Como você vai se lembrar, Mentiras, ela não é a única prevista para acabar comigo. Essa tarefa monumental também foi outorgada à Galen. Então, qual a visão está correta? Uma? As duas? Impossível. E isso significa que as visões podem ser alteradas, o futuro alterado. Vou alterar o meu, assim como vou alterar o de vocês. E o de Mnemosyne. — Gideon relaxou.
  • — Toque-a e viva. — A raiva tinha claramente substituído a felicidade de Gideon enquanto sua mente claramente foi na mesma direção da de Scarlet. Ele empurrou-a para trás dele, fazendo com que ela caísse pesadamente de costas. Ela logo se endireitou, colocando-se ao lado dele novamente.
  • — Você quer dizer, porque estou ajudando vocês, quando Scarlet supostamente quer me matar?
  • Foi por isso que ela permitiu-se casar com ele. Porque ela acreditava que havia esperança. Uma chance. Agora... Com Cronus tentando impedi-la... Ela não conseguiria. Se ela sequer se aproximasse de sua mãe com a morte em sua mente, Cronus poderia muito bem ferir Gideon como castigo.
  • — Você. Entendeu? — Cronus rangeu os dentes.
  • — Não. — Disse Gideon com um fácil aceno de cabeça.
  • Cronus franziu a testa, visivelmente irritado com as suas reações.
  • O choque a oprimiu, e seu queixo caiu. Ele... O quê? Certamente ela tinha ouvido mal.
  • Ela comprimiu seus lábios, recusando-se a responder. Ela não queria colocar Gideon em apuros por ainda não manter sua parte no trato.
  • Ela devia se sentir traída por sua família, mas ela não se sentia. Talvez ela tivesse esperado por isso. Talvez ela tivesse se acostumado. De qualquer maneira, elas tinham que morrer. Era a única maneira que ela poderia ficar com Gideon e não destruí-lo. E ela queria desesperadamente ficar com ele.
  • — Então como é que a minha tia escondeu aquelas estrelas dos Senhores? — Scarlet exigiu. — Ela usava um colar de escrava. Um colar que supostamente brilharia quando seu proprietário estivesse em posse de uma arma. Ele não estava brilhando.             — A irmã dela, minha querida esposa, visitou-a, trocou seu colar por um falso, e elas planejaram seu assassinato juntas. — Cronus respondeu calmamente. — E não, Torin, você não a teria visto em suas câmeras. Como eu, ela pode adulterar essas coisas. Ela pretendia matá-la, escapar, e pôr Gideon para caçá-la, mantendo-o ocupado ou permitindo que Mnemosyne o convencesse a se juntar aos Caçadores. Contra mim.
  • — Ele está mentindo.
  • — Como Torin disse, eu não ordenei que Mnemosyne matasse Scarlet. — O deus disse, deixando claro seu descontentamento. — Mas eu também não estou aqui para matá-la.
  •             Gideon moveu-se rápido e verticalmente, espalmou o punhal que Scarlet tinha devolvido para ele. O colchão quicou, fazendo-a se encolher, e ele beijou seu ombro nu em desculpa, embora a sua atenção não se desviasse do deus.             Ombro nu?
  • — Não é necessário. — Uma nova voz exclamou. — Estou aqui.
  • Poupá-la? Scarlet levou um momento para traduzir, e quando o fez, seu olhar se afiou sobre Torin. Será que Cronos decidiu apagá-la?
  • Todos esses anos atrás, Cronus, também tinha tentado matá-la. Foi por isso que ele envelheceu daquela maneira. Então, por que ele teria mudado de opinião sobre ela? Justamente para provar-se inocente das alegações de sua tia?
  • Sorrindo, o bad boy ergueu ambas as mãos em uma demonstração de inocência.
  • Franzindo o cenho novamente, Gideon olhou para o amigo.
  • Torin pigarreou.
  • — Tudo bem. — Ela respirou contra seus lábios. — Agora é um bom dia.             Ele riu roucamente.
  • — Sim. Péssimo dia.
  • — Bom... — Ele piscou, franzindo a testa. — Péssimo dia. — Disse ele.
  • Dias? Droga. Enquanto ela estava dormindo, sua tia estava lá fora, se curando. Provavelmente totalmente curada agora, na verdade.
  • — Quanto tempo?
  • — Eu estava esperando que você e Gideon acordassem. — Disse ele.
  • — Eu vejo que vocês está tramando minha morte. Bem, você pode parar. Eu sou Torin. — Ele disse, levantando a mão coberta por uma luva preta e acenando. — Guardião da Enfermidade. Amigo de Gideon. Nós já conversamos antes.
  • Quantas mulheres tinham caído sob seu encanto?
  • Intruso! A respiração congelou em sua garganta quando ela procurou pelo aposento e alcançou sorrateiramente debaixo do travesseiro de Gideon. Após a cerimônia de casamento, ela recolocou sua adaga lá. Agora, ela segurou o punho, movendo lentamente a arma de seu esconderijo. Proteger!
  • Ela tentou se sentar, mas as cicatrizes que percorriam o comprimento de seu pesco repuxaram, ameaçando reabrirem, então ela ficou de bruços. Engraçado. Ela não havia notado as lesões enquanto fazia amor com Gideon. Ou enquanto se casava com ele.
  • Casada.
  • Casada. Ela estava casada. Esse foi o primeiro pensamento que preencheu a mente de Scarlet assim que ela abriu os olhos do profundo sono curativo, que ela tinha merecidamente desfrutado. Depois de fazer amor com Gideon. Após se casar com ele. Olha essa palavra de novo.
  • — Eu negociei com eles por você, docinho. O que significa que você. É. Minha.
  • — Eu... Eu não entendo. — Ex disse em um fôlego trêmulo. — O que está acontecendo?
  • — Nós falaremos com você novamente, Derrota. — A fêmea Tácita disse. — Eu não tenho nenhuma dúvida sobre isso.
  • — Eles são a sua queda, querida. — Ele levantou a Capa alto no ar. — Isso agora é de vocês. — Nenhuma das criaturas se moveu para pegá-la, mas o tecido desapareceu.
  • — O que são eles? — Ela resmungou.
  • A Capa estava a seus pés, como se ela tivesse enrolada ao redor dela, mas o deslocamento de um local para outro arrancou-a de seus ombros.
  • Seu sangue imediatamente se aqueceu. O cabelo rosa estava emplastrado em sua cabeça e em seu rosto, sujeira manchava cada centímetro dela e sua roupa estava rasgada. Ela estava ofegante, suada, girando ao redor com olhos selvagens, claramente tentando descobrir onde ela estava e o que tinha acontecido.
  • Ex simplesmente materializada em frente à ele.
  • Strider teve que cortar seu sorriso. Isso funcionava para ele de muitas maneiras. Essas criaturas já tinham um artefato, e estavam mantendo-o seguro. Agora eles teriam dois para guardar, e os Caçadores nunca seriam capazes de levá-los.             — Então, vamos conseguir este feito, antes que seja tarde demais. — No final das contas, Strider teria de voltar e recuperar os dois artefatos. De alguma maneira, de alguma forma. Talvez até mesmo negociando com eles, finalmente, dando-lhes o que eles queriam. Ou talvez Cronus encontraria uma maneira de recuperar os artefatos. Ele não iria querer que essas criaturas os tivessem, e ele não queria que os Senhores morressem. Eles eram os únicos que poderiam manter a sua esposa na linha. Vencer. Vencer.
  • — Eu concordo. — Além disso, é o que ele planejava fazer, de qualquer maneira.             — Nós também. — Disse a mulher com a cabeça. — A menina é sua, em troca da Capa.
  • — Nós não podemos tirar de um ser humano. Isso é proibido. — Ele zombou do passado. — Portanto, se nós a trouxermos aqui, você deve tomar a Capa dela.
  • — No entanto, a garota tem a Capa. Não você.
  • — Ela matou o meu melhor amigo. Devo castigá-la. — Certamente essas criaturas entenderiam a necessidade de vingança. Afinal, eles queriam a cabeça de Cronus porque ele os escravizou.
  • — Ela está aqui, sim, embora ela não vá ficar por muito tempo. E uma vez que ela saia desta ilha, nós já não seremos capazes de localizá-la ou transportá-la à lugar nenhum. Este é o nosso único lugar de poder. — No momento, suas palavras claramente implícitas. — Por que você a quer?
  • — Há uma fêmea humana nesta ilha. Eu a quero. Traga-a até aqui, e eu lhes darei a Capa da invisibilidade. — No entanto, ele teria que ter cuidado com Ex. Ela poderia roubar sem seu conhecimento e esconder as coisas de modo que ele não pudesse vê-las ou senti-las. Como ela fazia isso, ele não sabia, mas ele estava determinado a descobrir.
  • Isso os silenciou. Eles olhavam para ele fixamente, confusos, provavelmente tentando entender o seu ponto de vista. Por que um Senhor do Submundo, um guerreiro que tinha estado procurando bravamente as mesmas coisas que o levaria a Caixa de Pandora, impedindo assim que o seu inimigo terminasse com a sua vida, desistiria de algo que ele precisava para ganhar a guerra?
  • — Então por que você está aqui? — A fêmea perguntou.
  • Vencer. Derrota rosnou, fazendo conhecer suas demandas.
  • Sim, eles estavam dispostos a dar-lhe o quarto artefato - a Vara de Partir - em troca da cabeça de Cronus, e sim, eles tinham oferecido o mesmo negócio para os Caçadores. Mas Rhea era líder dos Caçadores, e se sua vida realmente era obrigada à de Cronus, como lhe tinha dito Torin na última vez que eles tinham falado ao telefone, então, Rhea não permitiria que seus homens tirassem a vida de seu marido.
  •  — E assim, um Senhor do Submundo retorna ao nosso meio. Só pode haver uma razão para isso. Pedimos a cabeça de Cronus. Onde ela está? — Sua voz trazia à mente milhares de almas unidas, tentando desesperadamente escapar. Elas gritavam dela, ecoando pelo templo, suas lágrimas praticamente encharcando-o.
  • Havia uma razão para que esses demônios fossem conhecidos como os Tácitos, afinal.
  • Ela estava de perfil, e Strider podia ver os pequenos chifres salientes da sua coluna vertebral. Os chifres ele atualmente gostava, quase tanto quanto seus seios. Seu rosto, porém, era como um bico de pássaro. Isso não era algo que um homem pudesse superar facilmente. Ela também era peluda e estava acorrentada.
  • Ao lado dele, entre os outros dois pilares, uma outra besta apareceu. Um macho cuja metade inferior estava coberta por pele vermelha escura, cuja metade superior ostentava pele humana. Pele que era uma massa de cicatrizes. Ele também estava confinado às correntes.
  • Em sua última visita, eles o fizeram esperar. Desta vez, sua reação foi imediata. A besta enorme se materializou entre dois dos pilares, exatamente como antes. Ele estava totalmente nu, mas agora, ele não precisava de roupas. Sua pele era peluda como se fosse um cavalo. E ao invés de cabelos, serpentes finas sibilavam em sua cabeça. Como a criatura, as serpentes possuíam presas.
  • Isso, ele não permitiria.
  •  
  • Doce misericórdia, mas ele gostava do som disso. Isso era o mais próximo a uma declaração que ele ia ter. Porque, conhecendo-a como ele a conhecia, e ele gostava de pensar que ele conhecia muito bem, ela iria segurar seus sentimentos. E sim, ela os tinha, ele sabia que, caso contrário ela não teria se casado com ele. Mas até que a tia estivesse morta e sua mãe combatida, ela tentaria manter alguma distância.
  • — Então, quem é você hoje?
  • — Sua. — Disse ela entrecortada, como se a palavra fosse impossível de acreditar.
  • Ele não esperava a confissão, e seus olhos fecharam por um momento, exalando um hálito quente.
  • — Nunca. — Ele a puxou para mais um suave, beijo rápido, e depois sorriu. — Agora você não tem outra coisa para me dizer?
  • — E então está feito. — Disse ele, a voz retumbante com sua satisfação. Tão simples, tão fácil. E, no entanto, ela era dele. Ela era sua esposa. Agora... Sempre. Cada osso em seu corpo, cada célula, vibrou com o conhecimento. — Separar é morrer. — Acrescentou ele, certo agora que ele tinha vindo do outro lado da frase quando ela entrou em seus sonhos todos aqueles séculos atrás. Eles estavam ligados, mesmo assim.
  • Sim. Sim! Finalmente.
  • Vamos. Diga. Antigo poder rodava em torno deles, tão grosso quanto o silêncio tinha sido. Esperando...
  • Seus dedos puxaram contra ele, mas ela não se afastou.
  • Ele pegou a mão livre dela e a espalmou sobre o seu coração batendo.
  • — Eu sou seu e você é minha.
  • Scarlet deslizou para baixo até que ela estivesse deitada em cima dele, o sangue deles se misturando. Ela estava tremendo.
  • Ele pegou a faca e cortou-se no centro do peito, exatamente como ela havia feito. Sem hesitação. O sangue correu em ambos os sentidos, chovendo suas costelas, até o pescoço.
  • Scarlet se inclinou para baixo, roçando os mamilos nele. Ele lambeu e chupou e ela suspirou e gemeu. Quando a cabeça dela clareou um pouco, ela lembrou-se de uma das lâminas escondidas debaixo do travesseiro. Enquanto ela se endireitava, ela cortou a parte entre os seios. Pele rasgada e o sangue escorrendo frisado antes de correr pelo seu estômago.
  • — Acredite em mim, eu sei. — Essa era uma das coisas que ele adorava sobre ela. Toda aquela força... Merda, ele estava ficando duro novamente e seu corpo deveria ter ficado indiferente por semanas, considerando o prazer que tinha acabado de experimentar.
  • Ela rolou sobre suas costas e montou a cintura dele.
  • Graças a Deus.
  • Veja? Eles eram perfeitos um para o outro.
  • — Se você não tinha percebido, eu considerei tudo aquilo como as preliminares.
  • — Sim, mas seria machucado novamente e eu já te machuquei tantas vezes.
  • — Todo casal tem problemas, anjo. — Ele envolveu seu rosto, obrigando seu olhar a encontrar com o dele, para investigar profundamente, talvez um vislumbre do quanto ele significava para ela. — Nós vamos lidar com isso.
  • Ainda não era o sorriso completo, mas agora havia um brilho em seus olhos escuros.
  • — Você tem certeza? Porque não há como desfazer uma vez feito.
  • — E se você se arrepender mais tarde dessa decisão?
  • — Melhor do que você? — Ele rolou de volta para cima dela, esmagando-a e mantendo-a no lugar. — Não há ninguém melhor que você. Você é feia e fraca e nunca me excito com só pensar em você.
  • — Mas você poderia ter alguém melhor... — Ela disse, angustiada.
  • — Eu não entendo isso, Gideon. — Um sussurro torturado.
  • O grosso, opressivo silêncio se seguiu a ele.
  • — Mas você está esquecendo que eu sou uma responsabilidade para você. Eu acho que tinha decidido ficar com você. Agora eu não consigo nem me lembrar do meu nome. Mas e se você for ferido por minha causa? Eu preferiria morrer...
  • — Sim, mas...
  • — Quero casar com você. De verdade. — Era uma necessidade. — Mas eu já lhe disse isso.
  • Um riso escapou dela. Um riso verdadeiro, honesto, e encantou a sua alma. Foi mais gratificante até mesmo do que o sexo, fazendo com que seu peito se contraísse. Ela não riu bastante, mas pelos deuses, que ela iria rir no futuro. Ele teria a certeza. Um voto que ele iria ver através de seu último suspiro e cada um entre eles.
  • O lançamento foi tão intenso, tão entorpecente, que ele realmente viu estrelas piscando atrás de seus olhos enquanto cada músculo seu se transformava em pedra. Ele não conseguia se mover, não conseguia respirar, só podia sentir. E então ele caiu em cima dela.
  • — Scarlet! — Duro, profundo, tão duro, impulsionando como um pistão dentro e fora, enfiando seu pênis nela repetidas vezes, cavalgando as ondas de seu clímax tão duro que ele enviou o seu corpo em espiral até o terceiro orgasmo.
  • — Gideon! Eu amo... Eu amo... Isso.
  • Uma vez, duas vezes, sim, sim. Tão bom. Tão malditamente bom. Ele beijou-a, a língua imitando o pênis, empurrando, recuando, empurrando. As mãos dela encontraram o caminho para a sua bunda, as unhas enfiando na pele enquanto eles insistiram com ele para frente, mais profundo. Isto era o que ele quis toda a sua vida.
  • — Mas eu já estou começando... Gideon! Eu estou gozando.
  • Se ele tinha que fazer malditas equações matemáticas em sua cabeça, ele ia durar.
  • — Eu vou enfiar em você tão profundamente. — Ele posicionou as pernas dela sobre seus ombros, de forma que suas panturrilhas estavam pressionando em suas costas, e depois posicionou seu pênis dentro de sua abertura. Ele não pressionou para dentro, entretanto. Ainda não, ainda não, ainda não. Ele já queria explodir. Você precisa se acalmar.
  • — Pronta? — Um murmúrio.
  • Doce céu.
  • Esta era a sua mulher. Sua querida. Cada momento com ela era precioso. E tortuoso. Deuses, ele se machucou. Era um homem. Agiria como um homem. Duraria para ela.
  • — Uma mentira, eu espero.
  • Ele quase engasgou com a própria saliva.
  • Talvez ela tenha ouvido a dor em sua voz, porque ela deslizou sobre os cotovelos, o olhar errante para sua dura ereção.
  • — Obrigada. — Ela murmurou. — Obrigada.
  • Só acalmou quando ele levantou a cabeça, lambendo a boca, enquanto ele procurava o seu olhar. Cada gota lhe pertencia, mesmo aquelas. Seus olhos estavam entrecerrados, seu peito subindo e descendo rapidamente na sucessão ofegante, e seus braços e pernas envoltos em seus lados, como se estivessem muito pesados para levantar. Nunca uma mulher pareceu mais satisfeita. E nunca ele sentiu mais orgulhoso. Ele tinha feito isso. Ele deu isso a ela.
  • — Sim, sim, simmmm!
  • — Deuses, sim.
  • A dor estava misturada com a excitação em sua voz, e ele franziu a testa. Ele queria ela fora de sua mente, sim, mas não dolorida.
  • Quando ela estava se contorcendo, implorando-lhe para penetrá-la, mesmo chegando entre suas pernas para aliviar a dor de si mesma, obrigando-o a agarrar-lhe os pulsos e fixá-los atrás das costas, ele finalmente se acalmou. Tomou posição. Seu pênis estava lutando contra as abas do seu jeans, e cada respiração que ele arrastou para seus pulmões parecia fogo.
  • — As outras precisam de um pouco de atenção também. — Explicou. Então, começando no topo, ele trabalhou seu caminho por suas costas, beijando cada uma das tatuagens que ela possuía. SEPARAR É MORRER ele lavou até que ele estava ofegante. Transpirando. Machucando.
  • — Sim. — Ela gemeu. — Sim.
  • Tatuagem sortuda.
  • — Vamos nos revezar. Agora, eu estou no comando. Deixe-me ver.
  • Ela piscou para ele, de repente insegura.
  • — Sim.
  • Mais. Trabalhou em suas calças. Tecido sortudo, de ter estado tão perto dela. Logo ele tirou o couro fora, junto com sua calcinha, deixando-a completamente nua, e seu olhar comeu-a. Ela não tentou cobrir-se e não corou. Ela mordeu o lábio inferior e ondulou os quadris, deixando-o saber quanto o seu escrutínio despertou nela. Inferno, despertou-o. Ela era magnífica. Toda aquela pele cremosa, pernas magras, barriga lisa, os peitos pequenos e firmes com os mamilos rosados, e elegantes curvas dos ombros.
  • Calor correu por sua corrente sanguínea, aquecendo-o, estimulando-o. Lentamente. Mas talvez ele pudesse acelerar isto um pouco. Ele desenganchou seu sutiã e jogou a peça de lado, expondo os seios deslumbrantes.
  • — Espere. — Ele segurou a bainha de sua camisa e puxou o tecido sobre sua cabeça. Essa queda suave do cabelo sobre os ombros nus. A pele pálida e linda, um sutiã preto de renda. — Agora você pode me segurar.
  • — Agora você está pedindo por isso, meu anjo. — Ele baixou a cabeça e mais uma vez reivindicou sua boca, seus lábios tocando juntos, o seu sabor decadente consumindo todos os seus sentidos. Deixando-o selvagem. Não tenha pressa...
  • — Feia, feia, feia. — Ele sussurrou agora, segurando o queixo dela e forçando-a a olhar para ele. — Não existe mulher feia, nenhuma mulher que eu deseje menos...
  • — É linda. — Respondeu ele, em seguida, falou rouco direto em seu ouvido: — Embora não seja tão linda quanto você.
  • — Eu sempre quis descansar na praia e assistir o pôr do sol com você. — Scarlet disse com um rubor. — Os filmes não se comparam, não é?
  • — Faça-o. Por favor.
  • — Você não pode... Lamento. — Ele teve que se acostumar a dizer a verdade. — Quero dizer, você pode nos levar em outro lugar? Um devaneio? — Longe dos gemidos, contorções dos demônios ao lado deles.
  • Como lamber cada uma de suas tatuagens. Como vê-la lamber cada uma das suas. Além disso, ele precisava provar que ele tinha algum conhecimento nessa área. Da última vez, ele foi em um único golpe; sua masculinidade estava em jogo agora. Ele poderia se controlar, caramba, e ele o faria.
  •  
  • Ele pressionou um dedo contra seus lábios, silenciando-a.
  • Outra aquiescência.
  • — Sim, e enquanto estivermos juntos, você estará em perigo. O que faz de mim uma vadia egoísta por querer estar com você de qualquer forma, mas...
  • — Eu sou sua fraqueza? — Seu sorriso voltou, um delicioso levantar de seus lábios.
  • E ela não deveria negar nada a ele.
  • — Como Steel. — Ela não pode deixar de suspirar.
  • Para sua mente era estranho ouvi-lo falar assim, e a princípio se encontrou tentando decifrar o significado.
  • Sorrindo abertamente, Gideon olhou para baixo com adoração, para seus olhos.
  • — Inferno, sim.
  • Não, ele não estava.
  • — Acho que eles gostam um do outro.
  • — Deuses, eu adoro sua risada.
  • Seus olhos se encontraram, e eles compartilharam uma gargalhada.
  • — Você não sabia? Eu sempre soube que o meu era macho.
  • — Meu demônio é uma garota? — Gideon disse, atordoado.
  • No final, Pesadelos calou-se, os gritos silenciando, deixando apenas um silêncio mortal. Então, com um grunhido, o demônio dela tomou forma, também, tornando-se uma criatura ainda mais alta e extensa, com presas que iam até seu queixo e músculos que deixariam qualquer um dos Senhores do Submundo envergonhados.
  • Uma aquiescência. Gideon fechou seus olhos, a expressão se fechando em concentração. Vários momentos passaram, mas nada aconteceu. Ele era um guerreiro e abrir mão do controle seria difícil, então Scarlet deu pequenos beijos ao longo de seu pescoço, lembrando-o do que o esperava se ele alcançasse o sucesso.
  • Se ele a machucasse.
  • Gideon levou sua língua aos seus dentes.
  • Bom. Ele estava mesmo distraído. E ele queria saber como ele poderia deixar seu demônio ir até o demônio dela... Perdendo o controle.
  • Sua boca levantou-se nos cantos.
  • Ele todavia queria beijá-la, o alívio foi palpável.
  • — Faça isso e eu deixarei você me beijar. – Se ele ainda quisesse, claro. Depois de tudo o que ela...
  • — Então deixe-o ir ao meu. — Ela disse. Com sorte, um papo com Mentiras distrairia pesadelos.
  • — E seu demônio? — Ela perguntou para distraí-lo. Ela colocou seus braços em volta dele, os ombros embaixo de seus braços, e abraçou a parte de trás do seu pescoço. Ele era tão firme, tão quente. — Me conte, por favor.
  • No instante seguinte, milhares de pequenas aranhas apareceram em seu corpo, andando por todo ele.
  • — Mal, muito mal. Meu demônio gostaria de… — Suas palavras pararam quando as sombras e os gritos se contorceram ao seu redor mais intensamente.
  • Eu já me derreti. De fato, não havia mais nenhum gelo ao redor de seu coração transpirante.
  • Esse guerreiro realmente a amava, ela achava, receosa. Ele tinha se machucado por dizer a verdade, e ainda assim ele de algum modo encontrou força para dar a ela o que ela precisava.
  • — Eu não dei meu sangue a você, o sangue de Cronus. — Aquelas mãos cheias de calos levantaram-se e ele colocou seus dedos em suas têmporas. — Você não vai sobreviver, certo? Certo?
  • Ela só podia olhar para ele surpresa.
  • Ela fez uma careta. Por que esse Gideon dos sonhos se desculparia com ela? Isso era um prazer, não um terror assustador. Não que ele tivesse qualquer motivo para se desculpar, ele não fez nada errado. Mas, ainda, isso não era algo que seu demônio faria. Alegria não era sua coisa favorita.
  • Ele estava balbuciando, e mesmo sabendo que esse era outro pesadelo, ela o tocou, sua face saindo da escuridão. Cabelo azul comprido, olhos elétricos. Sobrancelha com piercing, corpo musculoso. Seus batimentos cardíacos aceleraram, subitamente estavam mais fortes e mais firmes.
  • Dedos fortes pegaram seu pescoço, um cobertor de calor no meio de uma tempestade de inverno, e angularam sua cabeça, forçando-a a manter contato visual. Devagar, ele sorriu.
  • — Vá embora. — Ela disse, deuses, sua garganta ainda doía. Ela tentou ir embora. — Me deixe sozinha.
  • — Diabo. Não fale comigo. Por favor.
  • Gideon. Gideon estava perto. Ela piscou abrindo seus olhos, excitação transbordando dela enquanto seu rosto aparecia em uma imagem borrada. Borrada, porque gritos e sombras estavam transbordando dela e dançando em volta dele.
  • Quanto tempo passou até que ela despertou, ela não sabia.
  • Scarlet tentou inserir-se em cada cena e mudar o resultado, mas isso apenas tornava as coisas piores. Gideon ria dela e a atacava no pescoço. E, deuses, na garganta doía. Ela estava tendo dificuldade em respirar, e seus membros estavam pesados e gelados. E ela sabia que o que ela estava imaginando estava errado, coisas que Gideon jamais faria, o que adicionava culpa à mescla turbulenta de emoções.
  • Medo que eles teriam através dela.
  •  
  • Doces Sonhos, Doces Sonhos, Doces Sonhos.
  • Verdade. Ele estava fraco. Mais fraco do que jamais esteve. Mas se Scarlet precisasse de mais, ele lhe daria mais. Daria a ela cada gota.
  • Ele repetiu o processo tantas vezes que ele perdeu a conta. Repetiu até que Kane agarrou seu pulso e disse.
  • Imortais tinham o mesmo tipo sanguíneo, e não precisavam se preocupar com uma reação negativa do mesmo modo que os humanos. Scarlet era meio humana, no entanto, e ele nunca havia doado sangue para um não humano antes. Somente entre ele e os demais Senhores. Ainda, isso não iria pará-lo. Ele agarrou a seringa da bolsa, espetou-se na dobra de seu cotovelo e retirou-se tanto líquido que dá vida como o frasco prenderia. Então ele enfiou a agulha no braço de Scarlet, empurrando lentamente o líquido dentro dela.
  • Estremecendo-se mais intensamente, Gideon desenrolou o material. Ele pegou linha, agulhas e uma tesoura pequena e partiu para o trabalho. Demorou uma eternidade para costurar um único corte, a visão constantemente nublada, o agarre débil, mas ele o fez. Em seguida mudou-se para o próximo e depois o outro.
  • Kane correu para dentro do quarto novamente, manchas brancas em suas bochechas. Gesso devia ter caído nele no meio do caminho, como Gideon sabia que iria acontecer.
  • — Você não está em condições de fazer isso. — Torin disse.
  • — Você vai ficar bem, Scarlet. — Ele disse. Não havia um estado renovado de dor, nem um aumento em sua letargia. Sua mente e seu demônio viam suas palavras como mentiras. — Você vai ficar bem. — Ele repetiu, lágrimas caindo livremente agora.
  • Gideon podia ouvir Mentiras lamuriando-se dentro de sua cabeça, cantarolando. Doces Sonhos, Doces Sonhos, Doces Sonhos.
  • — Não agora! — Ele rosnou, cada migalha de impaciência e preocupação ressoando.

 

 

                                                                                                    Gena Showalter

 

 

 

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