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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A NOITE MAIS SOMBRIA
A NOITE MAIS SOMBRIA

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Um guerreiro imortal amaldiçoado a morrer todas as noites, apenas para acordar na manhã seguinte sabendo que irá morrer novamente. Uma mortal com poderes além da imaginação...

Ashlyn Darrow sempre tinha vivido atormentada por vozes do passado. Para terminar com seu pesadelo, tinha viajado a Budapeste em busca de ajuda: havia rumores de que ali viviam homens com poderes sobrenaturais. Entretanto, não sabia que se veria arrastada aos braços de Maddox, o membro mais perigoso do grupo, um guerreiro preso em seu próprio inferno.

Nenhum dos dois era capaz de resistir ao desejo instantâneo que acalmava suas torturas… e acendia uma paixão irresistível. Entretanto, cada carícia, cada toque os aproximava um passo mais da destruição, e a uma terrível prova de amor…

 “Quando Pandora foi escolhida pelos Deuses do Olimpo como protetora de dimOuniak, uma caixa sagrada que continha demónios tão destrutivos ao ponto de não poderem ser confiados ao Inferno, os guerreiros responsáveis pela guarda pessoal do Rei dos Deuses, sentiram-se ultrajados. Determinados a provar o seu valor, estes Guardiões roubaram a caixa e, involuntariamente, libertaram os demónios.

Incapazes de recuperar a caixa de Pandora que, após isso desapareceu, os Deuses, em retaliação e para prevenir uma maior destruição do Mundo, os amaldiçoam. A partir daquele momento, cada um dos guerreiros iria guardar em seu corpo, e para toda a eternidade, um desses demônios, e assim surgem os Senhores do Submundo.

Maddox foi duplamente amaldiçoado: não só alberga em seu corpo o demônio da Violência, como também é morto todos os dias por Reys e sua alma é levada ao inferno por Lucien. Tudo isso por ter sido o responsável pela morte de Pandora.

Lutando constantemente com seu demônio, Maddox não tem o prazer de desfrutar de um momento de paixão, pois tem medo de perder o controle e deixar que Violência passe a comandar seu corpo. No entanto, tanto ele como o seu demônio estão destinados a conhecer uma mulher muito especial; uma mulher capaz de acalmar Violência, transformar sua escuridão em sensualidade e sua natureza destrutiva em possessão. Uma vez na vida, Violência e Maddox estão de acordo; Ashlyn Darrow capturou o coração do homem e do demônio."

 

 

 

 

Cada noite a morte chegava, lenta e dolorosa, e a cada manhã, Maddox despertava em sua cama, sabendo que teria que morrer de novo mais tarde. Aquela era sua maior maldição, e seu castigo eterno.

Passou a língua pelos dentes, desejando que fossem uma navalha sobre a garganta de seu inimigo. Já tinha transcorrido a maior parte do dia. O tictac do relógio era um som venenoso, porque cada segundo era um aviso zombador de dor e mortalidade.

Faltava pouco menos de uma hora para que o primeiro aguilhão atravessasse seu estômago, e nada que pudesse fazer ou dizer podia mudar isso. A morte viria por ele.

— Malditos deuses — murmurou. Incrementou o ritmo dos levantamentos de pesos que estava fazendo.

— Canalhas todos eles — disse uma voz familiar às suas costas.

Os movimentos de Maddox não diminuíram pela indesejada intromissão de Torin. Levantar, abaixar. Levantar, abaixar. Levava duas horas desafogando sua frustração e sua ira com o saco de boxe, na fita e no banco de musculação. As gotas de suor lhe caíam pelo peito e pelos braços. Deveria estar tão exausto de ânimo como o estava fisicamente, mas suas emoções só se fizeram mais escuras, mais poderosas.

—Não deveria estar aqui —disse.

Torin suspirou.

—Olhe, não queria interromper, mas aconteceu algo.

—Pois se ocupe disso.

—Não posso.

—Seja o que for, tente. Eu não me encontro em boa forma para ajudar.

Durante aquelas últimas semanas, faltava muito pouco para que ele se perdesse em sua personalidade assassina, e ninguém estava a salvo a seu redor. Nem sequer seus amigos. Sobretudo, seus amigos. Não queria fazer isso, mas algumas vezes, não tinha poder para dominar seus impulsos de bater e mutilar.

—Maddox...

—Estou no limite, Torin —disse— Faria mais mal que bem.

Maddox conhecia suas limitações. As conhecia há milhares de anos. Desde aquele desgraçado dia em que os deuses tinham escolhido a uma mulher para levar a cabo uma tarefa que deveriam ter encomendado a ele.

Pandora era forte, sim, a soldado mais forte de seu tempo. Mas ele era mais forte, e mais capaz. Entretanto, o tinham considerado muito fraco para custodiar o dimOuniak, a caixa sagrada que continha demônios tão vis e destrutivos que nem sequer podiam ser confinados no Inferno.

Maddox nunca teria permitido que a destruíssem.

Ante tal afronta, a frustração se apropriou dele. Se apropriou de todos eles, de todos os guerreiros que viviam ali. Tinham se entregado a luta pelo rei dos deuses, tinham matado com maestria e o tinham protegido. Deveriam tê-los escolhido como guardiães. Que não o tivessem feito tinha ocasionado aos guerreiros uma vergonha que não podiam tolerar.

Só pensavam em dar uma lição aos deuses aquela noite em que roubaram dimOuniak de Pandora e liberaram a horda de demônios no mundo despreparado. Que estúpidos tinham sido. O plano para mostrar seu poder tinha fracassado, porque a caixa se perdeu na batalha, e os guerreiros tinham sido incapazes de capturar a um só dos espíritos malignos.

Logo tinha reinado a destruição e o mundo tinha ficado envolto em sombras, até que o rei dos deuses tinha intervindo: tinha amaldiçoado a todos e cada um dos guerreiros e os tinha condenado a levar um daqueles demônios dentro de si.

Um castigo adequado. Os guerreiros tinham desatado o mal para vingar seu orgulho ferido; assim, a partir de então deviam contê-lo.

E desse modo tinham nascido os Senhores do Submundo.

Maddox devia encerrar a Violência. Aquele demônio se converteu em uma parte de si mesmo, como os pulmões ou o coração. O guerreiro já não podia viver sem seu demônio, e o demônio não podia funcionar sem o guerreiro. Eram duas metades de um todo.

Desde o começo, a criatura que o habitava o tinha tentado para que fizesse coisas más, odiosas, e ele tinha se sentido obrigado a obedecer, inclusive quando o tinha forçado a matar a uma mulher. Tinha assassinado a Pandora.

Apertou a barra dos pesos com tanta força que quase lhe deslocaram os nódulos. Durante todos aqueles anos, tinha aprendido a controlar algumas das coações vis do demônio, mas a luta era constante, e Maddox sabia que podia se fazer pedacinhos a qualquer momento.

Teria dado tudo por ter um dia de paz. Por não sentir aquele desejo entristecedor de machucar aos outros. Por não albergar batalhas em seu interior. Sem preocupações. Sem morte. Só... paz.

— Estar aqui não é seguro para você —disse a seu amigo, que ainda estava na porta. — Tem que partir.

Deixou a barra chapeada nos ganchos e se sentou.

—Só Lucien e Reyes podem estar perto de mim em minha morte.

E só porque tomavam parte nela, embora não quisessem. Estavam tão indefesos ante seus respectivos demônios como Maddox ante o seu.

—Falta uma hora para que aconteça, assim... —Torin lhe lançou uma toalha. — Me arriscarei.

Maddox girou, apanhou a toalha e secou o rosto.

—Água.

Uma garrafa gelada estava atravessando o ar antes que terminasse de pronunciar a palavra. A apanhou também e a bebeu. Depois observou a seu amigo.

Como de costume, Torin estava vestido de negro e usava luvas. Tinha o cabelo loiro e ondulado, até os ombros, e traços que as mulheres mortais considerariam uma festa sensual. Não sabiam que aquele homem era na realidade um diabo na pele de um anjo. Entretanto, deveriam sabê-lo. Tinha um brilho irreverente e pecaminoso nos olhos, que proclamava que seria capaz de rir na cara de alguém enquanto lhe tirava o coração. Ou que riria enquanto tiravam o coração dele.

Para sobreviver, procuravam encontrar motivos para rir, de si mesmos ou de outros. Todos o faziam, embora às vezes se tratasse de um humor negro.

Como todos os residentes daquela fortaleza de Budapeste, Torin estava maldito. Possivelmente não morresse cada noite, como Maddox, mas não podia tocar a nenhum ser vivo sem infectá-lo.

Torin estava possuído pelo espírito da Enfermidade.

Não tinha sentido a carícia de uma mulher em quatrocentos anos. Tinha aprendido bem a lição quando se rendeu ao desejo e tinha acariciado o rosto de uma jovem que queria converter em sua amante. Ao fazê-lo, tinha ocasionado uma praga que tinha dizimado família atrás de família, povo atrás de povo.

—Só te peço cinco minutos —disse Torin com determinação.

—Acha que seremos castigados por insultar aos deuses hoje? —respondeu Maddox, fazendo caso omisso da petição. Se não permitia que lhe pedissem um favor, não teria que se sentir culpado por não fazê-lo.

Seu amigo voltou a suspirar.

—Se supõe que cada uma de nossas respirações é um castigo.

Certo. Maddox sorriu olhando ao céu. «Canalhas. Me castiguem mais, eu os desafio». Possivelmente então, se desfizesse em um nada, por fim.

Entretanto, duvidava que os deuses se preocupassem. Depois de tê-lo amaldiçoado, o tinham ignorado. Tinham fingido que não ouviam suas súplicas de perdão e absolvição. Tinham fingido que não ouviam suas promessas e suas ofertas desesperadas.

Que mais podiam lhe fazer, de todos os modos?

Não tinha nada pior que morrer uma e outra vez, que ser despojado de tudo o que era bom, que albergar o espírito da Violência no corpo e na mente.

Maddox ficou em pé jogou a toalha já molhada e a garrafa de agua vazia no cesto de lixo mais proximo. Caminhou até o outro extremo da sala, apoiando as mãos acima da cabeça inclinando-se para a alcova semi-circular de vitrais escuros, olhando para o céu noturno através da janela, pelo único vidro transparente.

Viu o Paraíso.

Viu o Inferno.

Viu a liberdade, a prisão, tudo e nada.

Viu... seu lar.

Situada sobre uma colina, como a fortaleza, estava a cidade. As luzes de cores rosa, azul e arroxeado iluminavam o céu escuro e tingiam o Danubio. Soprava um vento gelado que formava redemoinhos com os flocos de neve.

Ali, todos tinham certa privacidade do resto do mundo. Ali podiam ir de um lugar a outro sem ter que suportar centenas de perguntas. «Por que não envelhece? Por que o eco de seus gritos atravessa o bosque a cada noite? Por que, algumas vezes, parece um monstro?».

Os habitantes daquela parte da cidade se mantinham a distancia, cheios de reverência e respeito. «Anjos» tinha ouvido uma vez, quando tinha se encontrado com um mortal.

Se eles soubessem...

A unhas de Maddox se alargaram ligeiramente e se cravaram na pedra. Budapeste tinha uma beleza majestosa. Tinha o encanto do antigo e os prazeres modernos, mas ele sempre tinha se sentido alheio à cidade, alheio ao bairro do castelo e aos bares e discotecas. Alheio as barracas de verdura e fruta e alheio às pessoas.

Possivelmente aquela sensação de afastamento se desvaneceria se percorresse a cidade, mas ao contrário dos outros, que podiam passear por prazer, ele estava preso na fortaleza, como certamente tinha estado Violência na caixa de Pandora tantos séculos atrás.

As unhas lhe cresceram mais, se transformaram quase em garras. O fato de pensar naquela caixa sempre o deixava de mau humor. «Soca uma parede», Violência propôs. «Destrói alguma coisa. Fere, mata». Maddox teria gostado de destruir aos deuses. Um por um. Possivelmente, os decapitando. Arrancar o coração negro deles, putrefato.

O demônio ronronou de gozo.

«Claro que está ronronando», pensou Maddox. Qualquer coisa que fosse sanguinária tinha a aprovação da criatura. Com o cenho franzido, olhou de novo para os céus. O demônio e ele estavam a muito tempo unidos, mas recordava o dia com claridade. Os gritos dos inocentes, os humanos que sangravam ao seu redor, sofrendo e morrendo depois que os espíritos tivessem devorado sua carne com êxtase.

Maddox tinha perdido a conexão com a realidade depois que empurraram Violência ao interior de seu corpo. Não ouvia sons nem podia ver. Só escuridão. Não tinha voltado a recuperar a consciencia até que o sangue de Pandora lhe salpicou o peito e escutou seu último fôlego.

Ela não tinha sido sua primeira vítima, nem a última, mas sim tinha sido a primeira mulher que pereceu sob sua espada. O horror de ter visto aquela vibrante mulher rasgada e de saber que ele era o responsável...

Nunca tinha conseguido se desfazer do sentimento de culpa, da dor e da vergonha.

Após isso, tinha feito todo o possível para dominar o espírito que levava dentro, mas já era tarde. Cheio de fúria, Zeus o tinha amaldiçoado uma segunda vez: cada noite morreria exatamente como Pandora tinha morrido, com o abdômen atravessado seis vezes por uma espada. A diferença era que a tortura daquela tinha terminado em uns minutos.

A tortura de Maddox duraria toda a eternidade.

Ele estalou a mandibula, tentando relaxar contra uma nova investida de agressão. Entretanto, ele não era o único que sofria, lembrou a si mesmo. Os outros guerreiros também conviviam com seus demônios – literalmente e figurativamente. Torin era o guardião da Enfermidade; Lucien, o da Morte; Reyes, da Dor, Aeron da Ira e Paris da Promiscuidade.

Por que ele não tinha podido receber aquele último? Teria podido ir à cidade sempre que tivesse desejado, tomar a qualquer mulher, saborear todos os sons e as carícias.

Entretanto, tal e como eram as coisas, Maddox não podia se afastar da fortaleza. Tampouco podia permanecer muito tempo junto à mesma mulher. Se o demônio o dominava, ou não podia voltar para casa antes da meia-noite, e alguém encontrava seu corpo morto, ensangüentado, e o enterrava ou o queimava...

Desejava que algo assim terminasse com sua triste existência. Teria partido muito tempo antes e teria permitido que o assassinassem. Ou teria se jogado da janela mais alta do castelo. Entretanto, fizesse o que fizesse, no dia seguinte despertaria outra vez, queimado ou dolorido. Quebrado e esfaqueado.

—Está a um bom tempo olhando pela janela — disse Torin. — Nem sequer tem curiosidade de saber o que ocorreu?

Maddox piscou quando Torin o tirou de seus pensamentos.

—Ainda está aí?

Seu amigo arqueou uma sobrancelha negra, cuja cor representava um assombroso contraste com o loiro platinado de seu cabelo.

—Acredito que a resposta a minha pergunta é «não». Está mais calmo, ao menos?

Estaria tranqüilo alguma vez?

—Tão calmo como uma criatura como eu pode ser.

—Deixa de se queixar. Tenho que te mostrar uma coisa, e não pode se negar. Se quiser, pelo caminho falaremos de meus motivos para o incomodar.

Sem uma palavra mais, Torin saiu da sala.

Maddox ficou imóvel durante uns segundos, olhando seu amigo desaparecer pela porta. Deixa de se queixar, Torin disse. Sim, era exatamente que ele vinha fazendo. A curiosidade e uma diversão irônica, entretanto, superaram seu mau humor, e decidiu segui-lo. Maddox saiu do ginásio e percorreu o corredor. Uma corrente de ar frio soprou em volta dele, espessa com a umidade e os aromas do inverno. Viu Torin uns metros mais a frente e o alcançou.

—O que acontece?

—Por fim demonstra interesse.

—Se for um de seus truquezinhos...

Como aquela vez  em que Torin tinha encomendado centenas de bonecas infláveis e as tinha colocado por toda a fortaleza, porque Paris se queixou, estupidamente, da falta de companhia feminina na cidade. As “damas” de plastico estavam em todos os cantos, com seus olhos arregalados e sua boca aberta insultando a todos que passavam por elas. Coisas como aquela aconteciam quando Torin estava aborrecido.

—Não vou perder tempo tentando gastar uma brincadeira com você —respondeu Torin, — Você, meu amigo, não tem senso de humor. Certo?

Verdade.

Enquanto Maddox seguia, as paredes de pedra estendidas dos lados, arandelas brilhavam, pulsando com luz e fogo, entrelaçadas de sombras e ouro. A Casa da Maldição, como Torin chamava o local, tinha sido construida a centenas de anos atrás. Embora estivesse tão modernizada como possível, a idade se mostrava na desintegração da rocha e no chão arranhado.

—Onde estão os outros? —perguntou Maddox, ao se dar conta de que não encontravam a ninguém mais pelo caminho.

—Poderia pensar que Paris foi comprar comida, já que a despensa está vazia e esse é seu único dever, mas não. Foi procurar uma nova amante.

Afortunado bastardo. Paris estava possuído pela Promiscuidade, e não podia se deitar duas vezes com a mesma mulher, e devia seduzir a uma nova, ou duas ou três, cada dia. Aquilo provocava a inveja de Maddox. A única desvantagem? Se ele não conseguia encontrar uma mulher, era reduzido a fazer coisas que Maddox nem sequer podia pensar. Coisas que deixavam um homem equilibrado debruçado sobre um vaso sanitário, esvaziando o conteudo de seu estomago. Embora a inveja de Maddox diminuisse em tais momentos, ela sempre voltava quando Paris falava de uma de suas amantes. O suave roçar de uma coxa...a união de peles aquecidas...os gemidos de extase...

— Aeron está... se prepare —o acautelou Torin— porque essa é a razão pela qual o avisei.

—Ocorreu algo a ele? —perguntou Maddox, e a escuridão se apropriou de seus pensamentos enquanto a ira o dominava. «Destrói, arrasa», pediu Violência, se cravando nos limites de sua mente —Ele está bem?

Aeron podia ser imortal, mas de todo o modo podia acabar ferido. Inclusive morto, algo que tinham descoberto da pior forma possível.

—Nada disso —lhe assegurou Torin.

Lentamente, Maddox relaxou e Violência se retirou.

—Então o que? Estava limpando e teve uma briga com alguém?

Cada um dos guerreiros tinha atribuídas determinadas responsabilidades. Era sua forma de manter certa ordem no caos de suas próprias almas. Aeron fazia as vezes de faxineira, algo do que se queixava diariamente. Maddox se ocupava da manutenção doméstica. Torin se encarregava das operações financeiras e os investimentos, e mantinha todos em um bom nível econômico. Lucien resolvia as papeladas e Reyes lhes proporcionava as armas.

—Os deuses... o chamaram.

Maddox cambaleou, cegado momentaneamente pelo choque.

„ŸComo? – Certamente ele tinha ouvido mal.

—Os deuses o chamaram —repetiu Torin pacientemente.

Os gregos não tinham voltado a falar com eles desde a morte de Pandora.

—O que queriam? E por que estou me inteirando agora?

— Ninguém sabe o que querem. Estávamos vendo um filme quando, de repente, se ergueu no assento com uma expressão vazia, como se estivesse sozinho. Poucos segundos depois nos disse que o chamaram. Nenhum de nós teve tempo de reagir. Em um momento Aeron estava conosco e, no segundo seguinte, se foi. Quanto a sua segunda pergunta, tentei lhe dizer isso mas me respondeu que não se importava, recorda?

Um musculo pulsou sob seu olho. 

—Deveria ter me dito isso de todo o modo.

—Enquanto tinha os pesos a seu alcance? Por favor. Sou a Enfermidade, não a Estupidez.

Aquilo era... Aquilo era... Maddox não queria pensar o que era, mas não pôde conter os pensamentos. Algumas vezes, Aeron, o guardião da Ira, perdia o controle de seu espírito e embarcava em uma vingança contra os mortais, para castigá-los por seus pecados. Acaso os deuses iriam impor a ele uma segunda maldição por suas ações, como tinha ocorrido com ele séculos atrás?

—Se não voltar tal e como partiu, encontrarei uma maneira de irromper no céu e acabar com todos os deuses que encontre.

—Tem os olhos injetados de sangue —disse Torin. — Olhe, todos estamos confusos, mas Aeron voltará logo e nos explicará o que está ocorrendo.

Bem. Se obrigou a relaxar. De novo.

 —Chamaram a alguém mais?

„ŸNão. Lucien saiu para compilar almas. E Deus sabe onde estará Reyes; provavelmente, cortando a si mesmo.

Deveria tê-lo sabido. Embora Maddox sofresse o inexprimível todas as noites, se compadecia de Reyes, que não podia passar uma hora sem se torturar.

—E que mais tinha que me dizer? — Maddox esfregou as pontas dos dedos sobre as duas colunas altas que ladeavam a escada antes de começar a subir.

—Acredito que será melhor que o veja por si mesmo.

Seria algo pior que a notícia sobre Aeron? Se perguntou Maddox enquanto passavam pela sala de jogos. Seu santuário. A sala que tinham dotado de todas as comodidades que podia desejar um guerreiro. Tinha um refrigerador cheio de vinhos e cervejas especiais. Uma mesa de bilhar. Um aro de basquete. Uma enorme tela plana de televisão, que naquele momento mostrava a imagem de três mulheres nuas na metade de uma orgia.

—Vejo que Paris esteve aqui —comentou.

Torin não respondeu, mas acelerou o passo sem olhar uma só vez a tela.

—Não importa —murmurou Maddox. Direcionar a atenção de Torin para algo carnal era uma crueldade desnecessária. Aquele homem celibatário tinha que estar morrendo por ter relações sexuais, por acariciar, mas nunca poderia fazê-lo.

Inclusive Maddox desfrutava com alguma mulher de vez em quando.

Suas amantes eram, normalmente, as mulheres que Paris tinha deixado, mulheres tão tolas para segui-lo a casa com a esperança de compartilhar sua cama de novo, sem saber que aquilo era impossível. Sempre estavam embriagadas de desejo sexual, uma conseqüência de aceitar a Promiscuidade, assim não lhes importava quem se metesse finalmente entre suas pernas. A maioria das vezes estavam encantadas de aceitar Maddox como substituto. Aqueles encontros eram impessoais, emocionalmente vazios, embora fisicamente satisfatórios.

As coisas tinham que ser assim, pensou. Para proteger seus segredos. Os guerreiros não permitiam a entrada de humanos no castelo, forçando Maddox a tomar às mulheres no bosque próximo. Preferia tê-las sobre suas proprias mãos e joelhos, de costas para ele, um engate rápido, que não excitasse a Violência nem o obrigasse a fazer coisas que o assombrariam durante toda a eternidade.

Depois, Maddox enviava as mulheres para casa com uma advertência: não deviam voltar nunca, ou morreriam. Era simples assim. Não podia manter uma relação duradoura; possivelmente terminasse por sentir algo por uma das mulheres e, ao final, lhe faria mal. Isso só poderia lhe trazer mais culpa e mais vergonha.

Somente uma vez, porém, ele teria gostado de perder tempo com uma mulher, como Paris era capaz de fazer. Ele teria gostado de beijar e lamber seu corpo inteiro; teria gostado de se afogar nela, perdendo-se completamente, sem temer que seu controle estalasse e levasse ele a feri-la. 

Por fim, quando chegou ao quarto de Torin, afastou aqueles pensamentos de sua mente. Tempo gasto desejando era tempo desperdiçado, como ele bem sabia.

Olhou ao seu redor. Tinha estado mais vezes ali, mas não recordava o sistema de computadores que cobria uma das paredes, os numerosos monitores, os telefones e todo o equipamento. Ao contrário de Torin, Maddox evitava a tecnologia, porque nunca se acostumou ao quanto as coisas mudavam rapidamente, e o muito que cada novo avanço o afastava do guerreiro despreocupado que tinha sido. Embora estivesse mentindo se dissesse que não desfrutava das vantagens que proporcionava a eletrônica.

Se voltou para seu amigo.

—Buscando o controle do mundo?

—Não. Só o estava vigiando. É a melhor maneira de nos proteger, e também de ganhar dinheiro.

Torin se sentou na cadeira giratória que tinha em frente à maior das telas e começou a digitar em um teclado. Um dos monitores negros se acendeu, e a tela negra se povoou de linhas cinzas e brancas.

„ŸBem, isto era o que eu queria que visse.

Tomando cuidado para não tocar seu amigo, Maddox se adiantou. Então, as linhas se fizeram mais grosas e opacas. Eram árvores, ele percebeu.

—Bonito, mas não era algo que precisasse ver.

—Paciência.

—Depressa. – Ele rebateu.

Torin o olhou com ironia.

—Como me pediu isso tão amavelmente, instalei sensores de calor e câmaras por todo o imóvel, de modo que sempre sei quando entrou alguém.

Alguns segundos depois a imagem da tela virou para a direita. Então surgiu um borrão vermelho que desapareceu imediatamente.

—Volta —disse Maddox com tensão. Não era um perito em vigilância. Não, sua maior habilidade era matar. Entretanto, sabia que aquela cor vermelha representava. Calor corporal.

Tap, tap, tap e a forma vermelha voltou a aparecer na tela.

—Humano? —perguntou. A silhueta era pequena, quase delicada.

„Ÿ Sim.

—Homem ou mulher?

Torin deu de ombros.

—Certamente, mulher. É muito grande para ser uma criança, e muito pequeno para ser um homem.

Quase ninguém se aventurava a subir a colina a esta hora da noite. Ou até mesmo durante o dia. Se era muito assustador, muito triste ou um sinal de respeito da população local, Maddox não sabia. Mas ele podia contar nos dedos de uma mão o número de entregadores, crianças querendo explorar e mulheres perambulando por sexo que tinha enfrentado a viagem no ano passado.

—Será uma das amantes de Paris?

—Possivelmente. Ou...

„ŸOu? – Ele instigou, quando seu amigo hesitou.

—Um Caçador —disse Torin— Uma isca, mais especificamente.

Maddox franziu os lábios, em uma linha fina.

—Agora sei que está me tirando o sarro.

—Pense nisso. Os entregadores vêm com caixas, e as garotas de Paris sempre correm diretamente para a porta principal. Esta não leva nada nas mãos e se move em círculos. Se detém a cada poucos minutos e faz algo contra as árvores. Possivelmente está colocando cartuchos de dinamite para nos causar mal. Ou câmeras para nos vigiar.

—Se leva as mãos vazias...

—A dinamite e as câmaras são o suficientemente pequenas para que as possa esconder.

Ele massageou a parte de tras de seu pescoço.

—Os Caçadores não tinham voltado a nos espreitar desde a Grécia.

—Possivelmente seus descendentes estiveram nos procurando todo este tempo, e possivelmente nos tenham encontrado por fim.

De repente, o medo apertou o estômago de Maddox. Primeiro, a chamada de Aeron, e depois, aquele visitante. Mera coincidência? Recordou os dias escuros da Grécia, dias de guerra e selvageria, gritos e morte. Dias em que os guerreiros tinham sido mais demônios que homens, dias nos quais a fome de destruição tinha guiado todas as suas ações, e os corpos humanos tinham enchido as ruas.

Logo, os Caçadores se elevaram de entre as massas torturadas. Eram uma liga de mortais decididos a destruir a quem tinha desatado tanto mal. Tinha estalado uma luta sem quartel. Ele tinha visto a si mesmo lutando batalhas de espadas, fogo, carne queimada... A paz se transformou em algo legendário.

A melhor arma dos Caçadores tinha sido o engenho. Tinham adestrado iscas femininas para que os seduzisse e os distraísse enquanto os homens se aproximavam para matar. Assim tinham conseguido matar a Baden, o guardião da Desconfiança. Entretanto, não tinham podido matar ao demônio, que tinha escapado do corpo esmigalhado, em meio da loucura pela perda de seu anfitrião.

Maddox já não sabia onde residia aquele demônio.

—Está claro que os deuses nos odeiam —disse Torin. — Que melhor maneira de nos causar mal que enviar Caçadores quando acabamos de conseguir uma existência pacífica?

O medo de Maddox se intensificou. —Mas não quererão que os demônios, enlouquecidos se percam de nós, que somos os que albergamos e contemos, andem soltos por aí. Quererão?

—Quem sabe qual é o propósito que guia seus atos? —respondeu Torin. Nenhum deles entendia aos deuses, nem sequer depois de tantos séculos. — Temos que fazer algo, Maddox.

Ele olhou o relógio de parede e ficou tenso.

 —Chama Paris.

—Já fiz isso, e não atende ao celular.

—Chama...

—Acha que o teria incomodado tão perto da meia noite se houvesse alguém mais? —espetou Torin, virando no assento, olhando para ele com uma determinação desagradável.— Tem que ser você.

Maddox negou com a cabeça.

 —Vou morrer muito em breve. Não posso sair de dentro destes muros.

—Eu tampouco —replicou Torin. Em seus olhos verdes brilhou algo escuro e perigoso, algo amargo, que transformou sua cor em um esmeralda venenoso. — Ao menos, você não apagará a toda a raça humana da face da Terra se se aventurar aí fora.

—Torin...

—Não vai ganhar a discussão, Maddox, assim deixa de perder tempo.

Maddox passou a mão pelos cabelos, na altura do queixo, cada vez mais frustrado. «Deveríamos deixá-lo lá para que morresse», afirmou Violência. Se referia ao humano.

—Tanto se for Caçador —disse Torin— como se for uma isca destes, não podemos permitir que viva. Devemos destrui-lo.

—E se for inocente e me domina a maldição da morte? —inquiriu Maddox, contendo o demônio o melhor que pôde.

A expressão de Torin se encheu de culpa, como se as vidas que tinham acabado por sua culpa clamassem em sua consciência e lhe rogassem que resgatasse a todos os que pudesse.

—Temos que correr esse risco. Não somos os monstros que os demônios querem.

Maddox apertou os dentes. Ele não era um homem cruel, não era um monstro. Odiava as quebras de onda de imoralidade que queriam dominá-lo constantemente. Odiava o que fazia, o que era, e aquilo no que poderia se transformar se alguma vez deixasse de lutar contra esses impulsos perversos.

—Onde está o humano agora? —perguntou. Estava disposto a entrar na escuridão, embora tivesse que pagar um preço muito alto.

—Na borda do Danubio.

Uma carreira de quinze minutos. Tinha tempo suficiente para pegar as armas, encontrar ao humano, levá-lo a um lugar seguro se fosse inocente ou, do contrário, matá-lo, e voltar para o castelo. Se tinha algo que o retivesse, podia morrer no exterior da casa. Qualquer que fosse o suficientemente estúpido para se aventurar na colina estaria em perigo, porque uma vez que a primeira dor o atravessasse, Violência o dominaria, e uma ansia negra o consumiria.

Não teria outro propósito que a destruição.

„ŸSe eu não voltar antes de meia-noite, envia a alguém para procurar meu cadáver, o do Lucien e o de Reyes.

Tanto Morte como Dor iam procurar Maddox a cada meia-noite, estivesse onde estivesse. Dor aplicava os golpes e Morte escoltava sua alma ao inferno, onde permanecia sob a tortura do fogo e dos demônios, como Violência, até a manhã seguinte.

Por desgraça, Maddox não podia garantir a segurança de seus amigos no exterior da casa. Podia feri-los antes que terminassem sua tarefa. E se os machucasse a angústia que ia sentir seria tão grande como a agonia daquela sentença de morte que devia se cumprir todas as noites.

—Me prometa isso.

Torin assentiu com um olhar sombrio.

—Tome cuidado, meu amigo.

Maddox saiu da sala apressadamente. Entretanto antes que pudesse chegar ao corredor, Torin voltou a chamá-lo.

—Maddox, é melhor que veja isto.

Ele experimentou outra pontada de medo e voltou junto a seu amigo. E agora? Poderia ser pior? Quando ficou na frente dos monitores mais uma vez, levantou a sobrancelha para Torin, um comando silencioso para que se apressasse.

Torin apontou para a tela com uma inclinação de seu queixo.

—Parece que há quatro mais. Todos são homens ou amazonas. Não estavam aqui antes.

—Maldita seja.

Maddox estudou atentamente as quatro novas manchas vermelhas do monitor. Cada uma delas era maior que a anterior. Se aproximavam da menor, sim, as coisas sempre podiam piorar.

„ŸMe ocuparei deles – disse. „Ÿ De todos eles.

Uma vez mais se pôs a caminho.

Quando chegou a seu quarto abriu o armário, que era o único móvel que ficava. Tinha destroçado o espelho e as cadeiras em um ataque de violência ou outro.

Em um tempo, ele tinha sido tolo o suficiente para preencher o espaço com tranquilas fontes, plantas, cruzes, qualquer coisa que promovesse a paz e acalmasse os nervos. Nada disso funcionou e tudo tinha sido esmagado além do reparo em questão de minutos, quando o demônio o sobrepujou. Desde então ele optou por aquilo que Paris chamou de um olhar minimalista.

 O único motivo pelo que ainda tinha a cama que era feita de metal, era que Reyes necessitava de algo ao que algemá-lo cada vez que se aproximava a meia-noite. Tinham vários colchões, lençóis, algemas e cabeceiras de metal em um dos dormitórios que não estavam ocupados, a modo de reposição. No caso de destroçarem tudo.

Depressa! Rapidamente Maddox colocou uma camiseta negra e um par de botas. Depois atou adagas aos pulsos, a cintura e os tornozelos. Não levava pistolas. Violência e ele estavam de acordo em uma coisa: os inimigos deviam morrer de uma maneira pessoal, próxima.

Se algum dos humanos que estavam  no bosque naquele momento fosse um Caçador, ou uma isca, não tinha salvação possível.

 

Ashlyn Darrow estremeceu sob o vento gelado. Algumas mechas de seu cabelo castanho claro bateram em seus olhos. Ela os retirou e os colocou atrás das orelhas com as mãos trêmulas. De todo o modo, não via muito; a noite era muito escura, tinha névoa e estava nevando. Tão somente uns quantos raios de lua eram o suficientemente fortes para atravessar as copas cobertas de neve das árvores.

Como era possível que uma paisagem tão bela podia ser tão prejudicial para o corpo humano?

Suspirou, formando uma nevoa em frente ao rosto. Deveria estar relaxando em um vôo de volta aos Estados Unidos, mas no dia anterior tinha averiguado algo muito maravilhoso para resistir. Cheia de esperança, tinha ido àquele lugar sem duvidar para averiguar se era certo.

Em algum lugar daquele enorme bosque viviam homens com habilidades estranhas que ninguém podia explicar. Ela não sabia exatamente o que eram capazes de fazer; só sabia que necessitava ajuda desesperadamente, e que arriscaria tudo por falar com aqueles homens poderosos.

Não podia viver mais com aquelas vozes.

Ashlyn só tinha que ficar quieta em um lugar para começar a escutar todas as conversações que tinham tido lugar ali, por muito tempo que tivesse transcorrido. No presente, no passado, em qualquer idioma, não importava. As ouvia mentalmente e podia traduzir todas. Alguns suporiam que era um dom, ela sabia que era um pesadelo.

Soprou outra rajada de vento gelado e ela se apoiou em uma árvore para se proteger do frio. No dia anterior, quando tinha chegado a Budapeste com vários colegas do Instituto Mundial da Parapsicologia, tinha ficado imóvel no centro da cidade e tinha escutado alguns diálogos. Nada novo para ela..., até que tinha decifrado o significado das conversações.

«Podem te escravizar com um olhar». «Um deles tem asas e voa com a lua cheia». «O que tem cicatrizes pode desaparecer à vontade».

Foi como se aqueles sussurros lhe tivessem aberto uma porta na mente, porque as conversas de centenas de anos entraram em sua cabeça em cascata, como uma mescla do novo e o velho. Ela tinha tentado com todas as suas forças separar o fútil do essencial. «Não envelhecem». «Devem ser anjos».

«Sua casa é espantosa. Parece tirada de um filme de terror. Está escondida no alto de uma colina, entre as sombras; nem sequer os pássaros se aproximam». « Deveríamos matá-los?».

«São mágicos. Mitigaram minha tortura».

Era evidente que muitas pessoas, do passado e do presente, acreditavam que aqueles homens estavam mais à frente, das capacidades humanas, que possuíam extraordinárias habilidades. Seria possível que pudessem ajudá-la? Alguém tinha dito que tinham mitigado sua tortura...

—Possivelmente possam aliviar também a minha —murmurou Ashlyn.

Durante todos os anos de sua vida, em todos os cantos do mundo, tinha escutado o rumor dos vampiros, dos homens lobo, dos duendes e das bruxas, dos deuses e das deusas, dos demônios e dos anjos, dos monstros e das fadas. Inclusive tinha guiado aos investigadores do Instituto para aquelas criaturas e lhes tinha demonstrado que existiam de verdade.

Depois de tudo, o principal objetivo do Instituto era localizar, observar e estudar aos seres paranormais e determinar como podia beneficiar o mundo com sua existência. E, por uma vez, seu trabalho como «paraudiologista» possivelmente fosse sua salvação, também.

Entretanto, naquela ocasião Ashlyn não tinha guiado ao Instituto até Budapeste como era o habitual sempre que tinha um novo caso. Ela não tinha ouvido dizer nada sobre Budapeste nas conversações mais recentes, mas sim tinham sido seus chefes do Instituto quem lhe tinha pedido que fosse ali e escutasse com atenção qualquer conversação sobre demônios.

Ela sabia que não devia perguntar o motivo. A resposta era sempre a mesma: confidencial.

Em Budapeste, tinha averiguado que uns quantos habitantes da cidade pensavam que aqueles homens que viviam no castelo de uma das colinas circundantes eram demônios. Maus, perversos.

Entretanto, a maioria das pessoas os tinha por anjos. Anjos que se mantinham separados do mundo, todos salvo um que, segundo se rumoreava, gostava de se deitar com qualquer mulher viva, e que tinha sido apelidado como «o Instrutor de Orgasmos» por um trio de garotas que riam e que tinham passado uma única e gloriosa noite com ele. Anjos cuja só presença mantinha abaixo o nível de delitos da cidade. Anjos que injetavam dinheiro na comunidade e se asseguravam de que os que não tinham lar pudessem comer.

Ashlyn duvidava que aqueles benfeitores estivessem possuídos. Os demônios eram maus e não se preocupavam dos que estavam ao seu redor. Entretanto, fossem anjos que viviam na Terra ou gente normal, capaz de fazer coisas extraordinárias, ela rezava para que pudessem ajudá-la. Rezava para que pudessem lhe ensinar como se livrar de sua habilidade completamente.

Aquela idéia era maravilhosa, e sorriu. Entretanto, o sorriso desapareceu rapidamente, porque sentiu outra gelada rajada de vento que lhe atravessou a jaqueta e o pulôver e lhe cortou a pele. Levava ali mais de uma hora, e estava gelada. Parar para descansar outra vez não tinha sido tão boa idéia.

Observou a ladeira da colina. Um raio de cor âmbar penetrou por um claro que se abriu entre as nuvens e iluminou o enorme castelo de cor carvão. Estava envolto em névoa, e era exatamente tal e como tinha dito a voz, «sombrio, bicudo, como saído de um filme de terror».

Isso não a dissuadiu. Justamente o contrário. «Estou quase lá», disse a si mesma, e seguiu subindo pela ladeira. Suas coxas estavam queimando por se esquivar de galhos e saltar sobre raízes, mas ela não se importava. Manteve-se em movimento.

Até que teve que parar, pela enésima vez, dez minutos mais tarde, porque suas coxas tinham se transformado em blocos de gelo.

Não – ela murmurou – Não agora.

Esfregando vigorosamente as pernas para esquentar, voltou a observar o caminho. Não parecia que o castelo estivesse mais perto. Ao contrário, parecia que havia se afastado.

Ashlyn sacudiu a cabeça com desesperança. O que necessitava para chegar naquele lugar? Asas para poder voar?

«Embora fracasse», pensou, «não me arrependo de ter vindo». A não previsão e falta de planejamento, sim, ela lamentava, mas ela tinha que tentar. Não importa em quão tola fosse, ela simplesmente tinha que tentar. Ela teria feito a jornada nua e descalça se necessário. Qualquer coisa pela chance de ser normal.

Ela adorava poder proteger o mundo com seu – gag – dom, mas o tormento que ela sofria era demais. Certamente havia outra maneira para ela ser ajudada. Com um pouco de silencio, ela seria capaz de pensar como. Exercícios de respiração profunda e meditação somente, pouco fez para sua paz mental.

Ela esfregou as pernas mais freneticamente, os cuidados finalmente derretendo o gelo interno e estimulando a volta do movimento. Ök itt. Tudom ök, ela ouviu do passado quando pisou num grande e nodoso galho de arvore. Eles estão aqui, sua mente traduziu imediatemente, eu sei que eles estão.

Então alguém disse: Não é uma coisa bonita?

—Sim, eu sou, muito obrigado – ela disse, esperando que o som de sua voz ofuscasse as outras. Isso não aconteceu. Inspire profundamente, expire profundamente.

Como ela continuou a caminhar para frente, diferentes conversações em periodos diferentes bateu em sua consciencia, empilhando-se umas sobre as outras em sua mente. A maioria falando em hungaro, outras em ingles, fazendo todas elas ainda mais misturadas.

“Sim. Sim! Toque-me. Aqui, sim, aqui.”

“Bárhol as én kardom? En nem tudom holvan.”

“... Provar mais uma vez de seus lábios, e eu vou esquecê-lo. Eu só preciso provar mais uma vez seu sabor...”

Ashlyn tropeçou nos galhos e pedras, as palavras se misturando cada vez mais alto. Mais alto ainda. Seu coração martelava no peito e ela mal se absteve de gritar de frustração. Inspire profundamente, expire...

“Se você bater na porta, você será fodida como um animal e eu garanto que você vai adorar cada minuto disso.”

Ela tampou os ouvidos, mesmo sabendo que não ia funcionar, tampouco. “Continue. Encontre-os.” Mais vento. Mais vozes. “Continue.” Ela repetiu, as palavras interrompendo a harmonia de seus passos. Ela fizera todo o caminho até aqui, ela poderia fazer um pouco mais. “Encontre-os.”

Quando tinha contado ao doutor Mclntosh, o vice-presidente do Instituto, além de seu chefe e mentor, o que tinha ouvido a respeito daqueles homens, ele tinha assentido brevemente e tinha respondido:

—Bem feito.

Aquela era sua forma de dar a mais elevada de suas felicitações.

Depois, ela tinha solicitado que a levassem ao castelo.

—Nem pensar —respondeu ele. — Podem ser demônios, tal e como dizem alguns habitantes da cidade.

—Também podem ser anjos, como diz a maioria da população.

—Não irá correr esse risco, Darrow. —disse ele.

Logo lhe ordenou que fizesse as malas e que fosse para o aeroporto, tal e como sempre fazia uma vez que sua parte do trabalho, escutar, tinha terminado.

Esse era o protocolo normal, conforme dizia sempre o doutor Mclntosh. Entretanto, nunca enviava para casa ao resto dos trabalhadores. Apenas ela. Depois de tudo, ele tinha se preocupado por ela e por sua segurança. Ashlyn sabia. A tinha tomado sob sua tutela quando era uma menina assustada e seus pais se viam incapazes de aliviar a tortura de sua filha. O doutor Mclntosh inclusive lhe tinha lido contos de fadas para a ensinar que o mundo era um lugar cheio de magia e de possibilidades infinitas, um lugar onde ninguém, nem sequer alguém como ela, tinha por que se sentir estranho.

Embora ele se preocupasse com ela, Ashlyn também sabia que seu dom era muito importante na carreira do doutor e que o Instituto não seria nem a metade do que era sem ela. Como conseqüência, aos olhos de seu mentor, Ashlyn era um peão. Por isso não se sentia muito culpada por ter escapado para o castelo assim que ele deu a volta.

Com os dedos intumescidos pelo frio, Ashlyn afastou o cabelo do rosto outra vez. Possivelmente deveria ter perguntado aos aldeões qual era o melhor caminho para subir, mas as vozes eram muito ruidosas, muito entristecedoras no centro da cidade. Além disso, temia que um empregado do Instituto a visse e a delatasse.

Entretanto, talvez tivesse valido a pena se arriscar com isso e evitar aquele frio tão debilitante.

«Há uma forma de saber a verdade. Apunhala a um no coração e veremos se morre», disse uma voz que atraiu sua atenção.

“oh, isso é tão bom. Por favor, mais.”

Ashlyn se distraiu, escorregou e caiu sobre um ramo. As pedras afiadas lhe arranharam as palmas das mãos e as calças. Durante um momento, não se moveu. Não podia. Fazia muito frio, e as vozes falavam muito alto.

Com ela caida ali, sua força parecia completamente drenada. As têmporas latejavam, as vozes continuavam bombardeando-a. Fechando os olhos, ela puxou a gola do casaco e conseguiu rastejar e se acotovelar contra a base de uma arvore.

«Não deveríamos estar aqui. Vêem tudo».

« Está ferido?».

« Olhe o que encontrei! Acha bonito?».

— Calem-se, calem-se, calem-se! —gritou. É obvio, as vozes não a escutavam. Nunca o faziam.

«Se atreve a correr pelo bosque nu».

«Éhes vagyok. Kaphatok volamit enit? ».

De repente ouviu um raspado e um zumbido, e Ashlyn abriu os olhos de repente. Depois ouviu um grito agonizante. O grito de um homem, seguido pelos gritos de outros três. Presente. Não passado. Depois de vinte e quatro anos, conhecia a diferença.

O terror se apoderou dela, se estendeu e lhe cortou a respiração. Tentou ficar em pé e se pôr a correr, mas outro zumbido repentino a manteve imóvel. Se deu conta de que era uma adaga. Viu o punho de uma faca vibrando sobre seu ombro, encravado no tronco da árvore.

Antes que pudesse escapar se arrastando, houve outro zumbido. Outro puxão. Outra faca encravada no tronco, em cima de seu ombro esquerdo.

Como...O que...Os pensamentos ainda não tinham se formado quando estourou algo em um matagal nas proximidades. Frageis folhas enfrentaram juntas uma dança sinistra, a neve que cobria elas salpicaram para o chão, como membros se batendo e se chocando. Imediatamente, algo passou correndo na frente de um raio de lua, e ela viu um cabelo negro e olhos de cor violeta. Um homem. Era um homem grande e musculoso que corria para ela a toda velocidade. Sua expressão era de pura brutalidade.

—OH, Meu deus — ofegou Ashlyn. — Pare! Pare!

De repente, o encontrou próximo ao seu rosto. Se agachou e cheirou seu pescoço.

—Eram Caçadores —disse com um ligeiro acento inglês, com a voz tão rouca e dura como seus traços curtidos. — E você?

Pegou seu pulso e levantou o punho da jaqueta e do pulôver. Passou o dedo por seu pulso.

—Não tem tatuagem, como eles.

«Eles», «caçadores», «tatuagem»? Ashlyn estremeceu. O desconhecido era enorme, musculoso, e a rodeava de uma maneira ameaçadora. Despendia um aroma metálico, misturado com aroma de homem e calor, e a algo mais que não podia identificar.

De perto viu que tinha o rosto manchado de algo vermelho. Era sangue? O vento gelado lhe transpassou a pele e lhe chegou até o tutano dos ossos.

«Selvagem», dizia o olhar de seus olhos violeta. «Predador».

«Possivelmente deveria ter escutado Mclntosh. Possivelmente estes homens sejam verdadeiramente demônios».

—É um deles? —repetiu o desconhecido.

Ashlyn estava tão assombrada, tão assustada, que demorou um momento para se dar conta de que tinha algo... diferente. O ar, a temperatura, o...

As vozes se sossegaram.

Abriu os olhos de par em par.

As vozes tinham cessado, como se tivessem reconhecido a presença daquele homem e tivessem o mesmo medo dele que tinha ela mesma. O silêncio a envolvia.

Não. Não era um completo silencio o que estava experimentando, pensou um segundo depois, a não ser... a calma. Magnífica e extasiante calma. Quanto tempo fazia que não desfrutava de algo assim, sem que estivesse desvirtuado pela conversação? Tinha desfrutado alguma vez?

O vento soprava e movia as folhas das árvores. A neve caía brandamente, e sua melodia era relaxante e suave. As árvores respiravam com vitalidade, e os ramos se balançavam com delicadeza.

Tinha alguma coisa que soasse melhor que a sinfonia da natureza?

Naquele momento, esqueceu seu medo. Como ia estar possuído por um demônio esse homem se irradiava aquela harmonia? Os demônios eram uma fonte de tortura, não de paz.

Era então um anjo, como suspeitavam muitos?

Com os olhos fechados de gozo, Ashlyn se embebeu daquela paz. Se abandonou a ela. Abraçou-a.

—Mulher? —disse o anjo, em tom de confusão.

—Silêncio. – O contentamento saltou através dela. Mesmo em casa, na Carolina do Norte, em uma casa que tinha sido construida por trabalhadores proibidos de falar mais que o necessário, ela sempre ouvia ecos dos sussurros profundamente enraizados. - Não fale. Só desfrute.

Durante um instante, ele não respondeu.

—Se atreve a me mandar calar? —perguntou finalmente com aborrecimento.

—Ainda está falando? —resmungou Ashlyn, e depois apertou os lábios.

Anjo ou não, não lhe parecia o tipo de pessoa que se pudesse repreender. Além disso, o último que queria era o deixar zangado. Sua presença lhe tinha proporcionado o silêncio... e um calor delicioso, e Ashlyn se deu conta de que o frio tinha abandonado seu corpo. Lentamente, abriu os olhos.

Estavam nariz com nariz, e ela percebia sua respiração suave nos lábios. Sua pele brilhava como o bronze, quase de uma maneira sobrenatural, à luz da lua. Tinha os traços marcados, o nariz afiado e as sobrancelhas muito negras.

Aqueles olhos de cor violeta estavam cravados nela, de algum modo ainda mais ameaçadores, emoldurados como eram por longos e curvados cilios. Pareciam dizer: «Matarei a qualquer um, em qualquer lugar».

«Demônio». Não, não era um demônio, recordou Ashlyn. O silêncio era muito bom, muito puro e certo. Entretanto, tampouco era um anjo. Tinha lhe dado a calma, sim, mas claramente, era tão perigoso como belo.

Alguém que era capaz de lançar adagas assim...

Então o que era?

Ashlyn engoliu em seco enquanto o observava. Não deveria ter lhe acelerado o pulso nem os seios deveria ficar doloridos. Mas estavam. Doíam. Eram como os dragões nos contos de fadas que McIntosh tinha lido para ela: muito letal para domesticar, muito fascinante para se afastar.

E sim, de repente, desejava apoiar o rosto em seu pescoço. Queria abraçá-lo. Queria se agarrar a ele e não se separar nunca. Inclusive se viu inclinando-se para ele com intenção de ceder àqueles impulsos.

«Quieta. Não o faça».

A Ashlyn sempre tinham negado as carícias, durante quase toda sua vida. Aos cinco anos, seus pais a tinham enviado ao Instituto, e ali, nenhum empregado se preocupou de outra coisa que não fosse estudar sua habilidade. Mclntosh era o mais próximo a um amigo que tinha tido, mas nem sequer ele a tinha abraçado nem tocado, como se a temesse tanto como a apreciava.

Ter encontros também era difícil. Os homens se assustavam quando se inteiravam do que lhe ocorria. E sempre o averiguavam, porque não tinha modo de ocultá-lo. Mas...

Se aquele homem era quem – o que - ela pensava, possivelmente não lhe importasse nada seu particular talento. Possivelmente lhe permitisse que o acariciasse. Acariciá-lo e sentir seu calor podia ser uma sensação tão poderosa como o silêncio, mas muito mais...

—Mulher? —repetiu ele, com a voz rouca, como um rico vinho cortou seus pensamentos.

Ashlyn ficou imóvel. Engoliu em seco. Era... desejo o que piscava em seus olhos de cor violeta e que apagava o olhar assassino? Ou aquele desejo nascia da dor e da brutalidade... e ela estava a ponto de morrer? Um enxame de emoções a afligiu: medo, um respeito morbido e curiosidade feminina. Tinha pouca experiência com os homens, e menos com o desejo.

No que tinha estado pensando para se inclinar para ele daquela maneira? Possivelmente ele tivesse considerado o gesto como um convite. E possivelmente a houvesse tocado também.

E por que a mera idéia de que acontecesse não lhe provocava histerismo?

Possivelmente porque ela estivesse errada. Talvez ele não fosse o dragão, afinal de contas, mas o principe que matou o dragão para salvar a princesa.

—Como se chama? —Ela encontrou-se perguntando.

Um segundo cheio de tensão, depois outro, ela achou que ele não iria responder. Linhas de tensão marcavam seus traços ásperos, como se estar perto dela fosse uma pequena tarefa. Finalmente ele disse:

—Maddox. Meu nome é Maddox.

Maddox... O nome caiu e deslizou pelos corredores de sua mente, um canto sedutor que prometia satisfação inimaginável. Ela esboçou um sorriso forçado.

—Eu me chamo Ashlyn Darrow.

A atenção daquele homem se desviou para seus lábios. Face à neve, tinha a testa coberta de suor.

—Não deveria ter vindo, Ashlyn Darrow — grunhiu ele com a paixão que ela tinha desejado e temido.

Entretanto, lhe passou as mãos pelos braços com uma surpreendente suavidade e se deteve em sua nuca. Com delicadeza, deslizou o polegar pela sua garganta e se deteve no lugar onde o pulso batia descontroladamente.

Ashlyn inalou bruscamente uma baforada de ar, seus dedos movendo-se devagar. Tinha sido uma carícia involuntária erótica que a derreteu por dentro. Até que, ao fim de um instante, ele apertou e quase lhe fez mal.

—Por favor —sussurrou Ashlyn, e ele a soltou. Ela piscou da surpresa. Sem seu toque, se sentia. .. desprovida de algo?

—É perigoso —disse ele, em húngaro. Não estava segura de se referir a si mesmo ou a ela.

—É um deles? —lhe perguntou brandamente sem mudar de idioma. Não tinha nenhum motivo para deixar que ele soubesse que falava os dois.

—A que se refere? «Um deles»? —inquiriu ele em inglês.

—Eu... eu... —Ashlyn não podia falar.

A fúria se apropriou dos traços de seu interlocutor, mais fúria do que ela tivesse visto algum dia no rosto de ninguém. Irradiava de todos os poros de seu corpo. Ela se abraçou. Não, não é um principe, afinal. Um dragão, definitivamente, como tinha assumido inicialmente.

Ainda de joelhos, ele se afastou um pouco dela. Ele inspirou e lentamente soltou, o ar formando uma nevoa em torno do rosto. Sua mão pairou sobre a abertura de sua bota, como se ele não pudesse decidir se a colocava dentro ou não. Finalmente, ele disse:

—O que está fazendo neste bosque, mulher? E não minta para mim. Saberei, e você não gostará de minha resposta.

Ashlyn de algum modo encontrou sua voz.

„ŸEstou procurando os homens que vivem no topo dessa colina.

—Porquê? – A simples palavra foi cuspida.

Quanto deveria revelar? Ele era um homem com habilidades estranhas, tinha de ser. Ele era muito vibrante, poderoso demais para ser apenas humano. Mas, mais do que isso, sua simples presença, de algum modo afugentava as vozes para longe, algo que nunca tinha lhe acontecido antes.

„ŸNecessito de ajuda. – Ela admitiu.

—Realmente? – Havia uma mistura de desconfiança e conflito indulgente em sua expressão - No que?

Ela abriu a boca para dizer... O que? Não sabia. Na realidade, não tinha importância. Ele a deteve movendo a cabeça rapidamente.

—Não importa. Não é bem-vinda, assim, sua explicação não tem relevância. Volta para a cidade. Não vai receber o que veio procurar.

—Mas... mas...

Ashlyn não podia permitir que a empurasse. Necessitava dele. Sim, tinha acabado de conhecê-lo. Sim, a única coisa que sabia sobre ele era seu nome e o fato de que ele atirava punhais com a precisão de um perito. Mas ela já estava horrorizada pela idéia de perder o silêncio.

— Quero ficar com você. – Ela sabia que o desespero filtrava-se por ela, mas ela não ligava. - Por favor. Só um momento. Até que aprenda a controlar as vozes por mim mesma.

Em vez de aplacá-lo, sua súplica o encolerizou mais. Suas narinas se alargaram e um musculo pulsou em sua mandíbula.

—Seus balbuceios não vão me distrair. É uma isca. Tem que ser. De outro modo, teria saído correndo ao me ver, de puro medo.

—Não sou nenhuma isca —fosse o que fosse uma isca. Ela estendeu a mão e segurou seus braços, a carne firme e sólida, inacreditávelmente quente e totalmente eletrizante sobre sua mão. Um formigamento dardejava pelo braço.  — Lhe juro isso. Nem sequer sei do que está falando.

Rapido como um piscar de olhos, ele a agarrou pela nuca e a puxou para um raio de lua. Não lhe fez mal; pelo contrário, Ashlyn sentiu uma suave descarrega elétrica. Seu estômago se encolheu.

Ele não disse nada, só a estudou com uma intensidade que se aproximava da crueldade. Ela também o observou, horrorizada ao ver que começava a aparecer algo... a girar, a se materializar sob sua pele. Era um rosto. Outro rosto. Seu pulso se acelerou.

«Não pode ser um demônio, não pode ser um demônio. Conseguiu que as vozes se calem. Seus amigos e ele têm feito coisas maravilhosas pela cidade. É só um efeito da luz».

Embora ainda pudesse ver os traços de Maddox, também via a sombra de alguém mais, de algo mais. Tinha olhos vermelhos, brilhantes, maçãs do rosto cadavéricos. Dentes afiados como adagas.

«Por favor, que seja um efeito da luz». Mas, quanto mais olhava o rosto esquelético, menos podia acreditar que fosse uma ilusão.

—Quer morrer? —perguntou Maddox, ou o esqueleto. A voz foi gutural, parecida com o grunhido de um animal.

„ŸNão.

Possivelmente ele a matasse, mas ela morreria com um sorriso. Dois minutos de silêncio tinham mais valor que toda uma vida de ruído. Assustada e, ao mesmo tempo, decidida, elevou o queixo.

—Necessito que me ajude. Me diga como posso controlar meu poder e partirei agora mesmo. Ou deixe ficar com você e aprender como se faz.

Ele a soltou. Em seguida, estendeu a mão para ela novamente, depois parou e fechou a mão em punhos.

— Eu não sei porque estou hesitando, - Ele disse olhando para a boca dela, com o que poderia ser cobiça. - Vai chegar a meia-noite. Tem que se afastar de mim todo o possível.

Assim que pronunciou a última palavra, franziu o cenho. Um segundo depois ele vociferou. 

— Muito tarde! Dor está me procurando. - Se afastou dela enquanto a máscara cadavérica seguia reverberando sob sua pele. —Corre. Volta para a cidade. Agora!

—Não. —respondeu Ashlyn, com somente um leve tremor. Só uma parva escaparia do céu, embora aquele pedaço de céu possuísse um rosto transparente recém saído do inferno.

Maddox amaldiçoou entre dentes enquanto puxava as duas adagas para tirá-las do tronco da árvore. Depois se pôs em pé. Seu olhar levantou para o ceu, passando pela neve e pela copas da árvore depois para a meia lua. Sua carranca ficou mais feroz, com raiva. Deu dois passos para trás.

Ashlyn se apoiou na árvore e também ficou em pé. Seus joelhos tremeram juntos, quase em colapso sob o peso dela. De repente, ela podia sentir o vento gelado de novo, podia ouvir o sussurro de conversas fechando sobre ela. Um grito de desespero subiu dentro dela.

Três passos, quatro.

—Aonde vai? Não me deixe aqui sozinha!

—Não tenho tempo para te levar a um lugar seguro. Terá que o encontrar você mesma. – Ele se virou, dando-lhe uma visão de seus ombros largos e duros, recuando, antes de lançar por cima dos ombros - Não volte para esta colina, mulher. Da próxima vez não serei tão generoso.

—Não vou voltar. Vou te seguir, seja aonde for.

Era uma ameaça, sim, que pensava cumprir.

Maddox parou e açoitou de frente para ela, arreganhando os dentes em outra terrivel carranca.

—Posso te matar aqui mesmo, Isca, como deveria fazer. Então, como vai me seguir?

Isca novamente. Seu coração tamborilou erraticamente no peito, mas ela encontrou seu olhar vazio, esperando que parecesse teimosa e determinada ao invés de simplesmente petrificada. 

—Acredite em mim, preferiria isso a que me deixe sozinha com as vozes.

Uma maldição, um assobio de dor. Ele se dobrou para frente.

Perdendo sua bravata diante da preocupação, Ashlyn correu para ele. Posou a mão sobre suas costas e procurou alguma ferida. Algo que pudesse dobrar aquele colosso devia ser insuportável. Entretanto, ele a afastou, de um tapa, e ela cambaleou pela força inesperada com que a tinha empurrado.

—Não —disse ele, e ela teria jurado que ele falou com duas vozes separadas. Um de um homem. A segunda...muito mais poderosa. Ele ressoou como uma tempestade ecoando na noite. — Não me toque.

—Está ferido? – Ela endireitou-se, tentando não revelar o quão mal suas ações faziam - Posso te ajudar... eu...

—Parte ou morrerá.

Ato seguido, ele deu volta e desapareceu na escuridão.

Um murmúrio invadiu a mente de Ashlyn, como se tivesse estado esperando a marcha daquele homem. Parecia mais alto que nunca, mais ensurdecedor, depois do precioso silêncio.

“Langnak ithon kel moradni”

Cambaleando na mesma direção que tinha tomado Maddox e tampando os ouvidos, Ashlyn sussurrou!

—Espera. – Ela murmurou – Cale-se, cale-se, cale-se. Espera, por favor.

Seu pé se enredou com um ramo quebrado, e caiu ao chão. Sentiu uma aguda dor no tornozelo, e choramingando, ficou engatinhando e começou a se arrastar.

“Ate ìtéleted let minket veszejbe.”

Não podia parar. Tinha que alcançá-lo. O vento soprava contra ela, tão afiado como as navalhas que Maddox carregava. Uma e outra vez, as vozes clamavam.

—Por favor. Por favor —gemeu ela.

Um rugido feroz dividiu a noite, balançando o chão, sacudindo as arvores.

De repente, Maddox estava a seu lado outra vez, e as vozes sossegaram.

—Estúpida isca —disse ele, como se cuspisse as palavras. Para si mesmo, adicionou. — Estúpido guerreiro.

Com um grito de alívio, ela se abraçou a ele com força. Segurou firme. Não queria deixá-lo ir, mesmo se ele ainda usasse a máscara assustadora de esqueleto. Tinha as bochechas cheias de lágrimas geladas.

—Obrigada. Obrigada por voltar. Obrigada.

Escondeu a cabeça em seu pescoço, tal e como tinha querido fazer antes. Quando seu rosto roçou a pele nua, ela tremia, o formigamento quente correndo atraves dela mais uma vez.

—Acabará por lamentar tudo isto —afirmou ele, e a pôs sobre o ombro como se fosse um saco de batatas.

A Ashlyn não importou. Estava com ele, as vozes tinham cessado, e isso era tudo o que importava.

Maddox se pôs em movimento a toda pressa, manobrando entre as árvores fantasmais. De vez em quando, grunhia de dor. Ashlyn começou a lhe pedir que a deixasse no chão para o liberar de sua carga, mas lhe apertou a coxa para ordenar em silêncio que se calasse. Finalmente, ela relaxou contra seu corpo e se limitou a desfrutar do passeio.

Oxalá tivesse durado.

 

«Chegar a casa, chegar a casa, chegar a casa». Maddox repetia aquele cântico mentalmente para tentar se distrair da dor. Para tentar afogar a necessidade de fazer algo violento, uma necessidade que aumentava inexoravelmente. A mulher, Ashlyn, pulava sobre seu ombro, e era um aviso indesejado de que podia estalar em qualquer momento e matar também. Sobretudo, a ela.

«Queria possuir uma mulher», provocou o espírito. «Aqui tem a oportunidade. Possui seu sangue».

Ele apertou os punhos. Precisava pensar, mas não podia fazê-lo com tanta dor. A única coisa que sabia com certeza era que deveria tê-la deixado no bosque.

Entretanto, tinha ouvido seu grito de sofrimento, um som torturado, o tipo de grunhido enlouquecido que Maddox queria emitir freqüentemente. E dentro dele, algo tinha reagido profundamente. Tinha sentido a necessidade de ajudá-la, de roçar sua pele suave uma vez mais. Essa necessidade tinha sido mais forte que Violência. Uma façanha assombrosa, incrível.

Assim tinha voltado para procurá-la, embora soubesse que ela estava em mais perigo com ele do que sozinha na floresta. Mesmo que ele soubesse que ela provavelmente tinha sido enviada para distraí-lo e ajudar os caçadores ter acesso a fortaleza.

«Idiota».

Naquele momento, ela estava estendida sobre seu ombro. Seu aroma de mulher alcançava seu nariz e suas curvas suaves se ofereciam se as quisesse explorar.

«Ou as cortar», interveio o demônio.

Era fácil entender por que os Caçadores a tinham enviado: era uma mulher incrivelmente bela. Quem ia querer danificar aquela feminilidade exuberante, quem rechaçaria essa sensualidade tão descarada? Parecia que ele não.

«Idiota», disse-se de novo.

Caçadores! Estavam em Budapeste, com certeza. Suas tatuagens eram um bom aviso daqueles escuros dias da Grécia. Claramente, queriam seu sangue, porque cada um dos quatro homens que seguiam Ashlyn levava uma arma e um silenciador. Por serem mortais, tinham lutado com maestria.

Maddox tinha saído vitorioso daquele enfrentamento, embora não ileso. Tinha sofrido um corte em uma panturrilha e tinha uma costela quebrada.

O tempo, ao que parecia, tinha aprimorado suas habilidades.

Se perguntou como reagiria Ashlyn quando soubesse que tinham morrido. Choraria, gritaria, enlouqueceria? O atacaria, cegada pela raiva?

Teria mais Caçadores esperando na cidade?

Naquele momento, Maddox não se importava. Se sentia transportado, com Ashlyn em seus braços, e o inferno de sua vida estava se retirando momentaneamente, deixando só... algo que não pensava que poderia nomear. Desejo, possivelmente. Não. Ele descartou a palavra instantâneamente. Ele não conseguiu explicar a intensidade do impeto, do calor.

Obsessão instantânea, talvez.

Fosse o que fosse, ele não gostava disso. Era mais poderoso do que qualquer coisa que ele tinha experimentado antes, ameaçando controlá-lo. Maddox não precisava de outra força tentando puxar suas cordas.

Ela estava tão...linda. Tão bonita que quase machucou olhar para ela. Ela tinha uma pele suave e flexível, como a canela mergulhada num pote com mel e depois agitado em um creme lambível. Seus olhos tinham a mesma cor mel, e um olhar tão atormentado que lhe provocavam uma opressão no peito. Ele nunca tinha visto um mortal que parecesse sofrer tanto, e sentia certa empatia com ela.

Apesar dos fios de cabelos longos e sedosos, também da cor do mel, tinha um tufo da cor do cobre com veios de quartzo em torno de seus traços delicados, ele doía. Ele queria. Queria tocar, sentir. Queria devorar. Consumir. Mas ele não queria machucar. O conhecimento ainda espantava ele.

Ashlyn...O nome sussurrou atravez de sua mente, tão delicado quanto a propria mulher. 

Sabia que a levar à fortaleza ia contra as normas, e que ela poderia ser uma ameaça para seus segredos. Deveria se envergonhar de si mesmo por carregá-la para dentro e não para longe. E ela deveria estar gritando de terror.

Aparentemente, não deveria significar nada para ninguem.

Por que não chorava? Mais importante ainda, por que não gritava? Quando tinha se equilibrado sobre ela pela primeira vez, manchado com o sangue dos aliados daquela mulher, tinha visto um sorriso delicioso se desenhando em seus lábios, lhe iluminando o rosto, deixando à vista dentes brancos e perfeitos.

Ao recordar aquele sorriso, Maddox se excitou. Entretanto, se sentia muito confuso. Embora houvesse passado uma eternidade desde a última vez em que enfrentou uma isca, não recordava que os chamarizes dos Caçadores fossem tão transparentes na hora de mostrar sua satisfação.

Nem sequer Hadiee, a isca que tinha conseguido seduzir a Baden, o guardião da Desconfiança. Hadiee tinha representado muito bem seu papel de alma maltratada, assustada. Ao vê-la, Baden tinha decidido agir sem receio pela primeira vez desde que o tinham condenado a alojar ao demônio. Ou possivelmente não. Maddox sempre se perguntou se aquele guerreiro não queria morrer. Se assim fosse, tinha conseguido. O tinham esfaqueado momentos depois que abriu sua casa a Hadiee - que por sua vez, tinha franqueado a entrada aos Caçadores.

Provavelmente, o esfaqueamento si só, não teria matado Baden. Os caçadores, porem, em seguida, o decapitaram. Nenhum mortal tinha tido a mínima oportunidade de sobreviver, depois disso.

Ele tinha sido um bom homem, um otimo guerreiro, e não merecia esse fim sangrento. Maddox, no entanto...

“Meu assassinato seria justificado.”

Antes de Hadiee, outra isca tinha seduzido a Paris, embora aquilo não tenha requerido muito esforço. Durante seu encontro, os Caçadores tinham entrado no dormitório da mulher e tinham apunhalado o guerreiro pelas costas com a intenção de debilitá-lo antes de poder lhe cortar a cabeça.

Entretanto, Paris estava fortalecido pelo sexo. Mesmo ferido, tinha conseguido se liberar e matar a todos os que o rodeavam.

Maddox não podia imaginar se a mulher que levava fosse o suficientemente covarde para apunhalá-lo pelas costas. Ela olhou para ele e não recuou, mesmo quando o espirito dentro dele clamava por libertação. Possivelmente Ashlyn fosse inocente. Não tinha encontrado câmeras, nem explosivos, nas árvores próximas a ela. Possivelmente...

—Possivelmente seja mais idiota do que acredita —murmurou.

„Ÿ O que?

Ele a ignorou, sabendo que era mais seguro assim. Sua voz era suave e melodiosa e estimulava o espírito, que zombava de sua gentileza. O melhor era que ficasse calada.

Por fim, Maddox viu a pedra escura da fortaleza. Não muito perto. Sentia uma dor atroz no estômago, que estava a ponto de fazê-lo cair. Violência percorria suas veias e fazia ferver seu sangue.

«Mata. Fere. Mutila».

„Ÿ Não.

«Mata. Fere. Mutila».

„Ÿ Não!

«Mata, fere e mutila».

 — Maddox!

O espírito se revolveu, desesperado por se liberar.

«Luta contra ela», disse-se Maddox. «Calma». Inalou profundamente e depois exalou.

«Mata, fere e mutila, mata, fere e mutila».

—Resistirei. Não sou um monstro.

«Já veremos...».

Suas unhas se alongaram, coçando com aquela vontade de atacar. Se ele não se controlasse, ele logo tomaria todos e tudo ao seu alcance de assalto. Ele iria matar, sem piedade, sem hesitação. Ele iria destruir esta casa pedra por pedra, chutando e agarrando. Enraivecido. Ele iria destruir a todos dentro dela. Ele preferiria queimar no inferno por toda a eternidade do que fazer uma coisa dessas.

—Maddox? —disse Ashlyn outra vez. Sua voz doce chegou aos ouvidos. Em parte era como um bálsamo calmante, em parte, como brasas. —O que...?

—Silêncio.

A desceu do ombro, sem soltá-la, e abriu a porta principal de um chute, com tanta força que esteve a ponto de as tirar das dobradiças. Ouviu vozes zangadas. Torin, Lucien e Reyes estavam no vestíbulo, discutindo.

— Não deveria ter permitido que saísse! —disse Lucien. — Se converte em um animal, Torin, aniquila...

— Já basta! —gritou Maddox. — Me ajudem!

Os três homens viraram para ele.

—O que ocorre? —perguntou Reyes. Ao ver Ashlyn, ficou boquiaberto. O choque aparecia em suas feições —  Por que trouxe uma mulher ao castelo?

Ao ouvir o escândalo, Paris e Aeron acudiram a toda pressa à entrada, com a tensão refletida no rosto. Quando viram Maddox, relaxaram.

—Por fim —disse Paris com alívio. Entretanto, também viu Ashlyn. — Encantador! É um presente? Para mim?

Maddox lhe mostrou os dentes. «Mata-os», disse Violência, lhe sussurrando sedutoramente. «Mata-os».

—Não deveriam estar aqui —disse ele com um grande esforço. — Peguem e levem isso antes que seja muito tarde.

—Olha-o —disse Paris, cujo alívio se esfumou. — Olhe seu rosto.

—O processo já começou —disse Lucien.

Aquelas palavras puseram Maddox em ação. Embora não quisesse soltar Ashlyn, atirou-a contra o grupo. Lucien a agarrou sem esforço. Assim que ela apoiou o peso do corpo no chão, fez uma careta de dor. Maddox se deu conta de que devia ter torcido o tornozelo, e a preocupação deslocou ao desejo de sangue durante um instante.

— Cuidado com o pé —ordenou.

Lucien a soltou para olhar seu tornozelo, mas Ashlyn se afastou dele e coxeou para os braços de Maddox. A preocupação de Maddox se intensificou quando a abraçou sem poder evitá-lo. Ashlyn estava tremendo. Entretanto, um momento depois deixou de lhe importar. Uma névoa pestilenta se estendeu por sua cabeça e apagou brutalmente qualquer emoção que houvesse em seu caminho.

— Me solte.  —grunhiu, e a empurrou.

Ashlyn se agarrou a ele. — O que está errado?

Lucien a segurou e a puxou, segurando-a com força. Se tivesse tocado em Maddox um segundo mais, possivelmente a tivesse feito pedacinhos. De fato, Maddox deu um murro na parede mais próxima.

—Maddox —disse ela com a voz trêmula.

—Não lhe façam mal —disse ele, tanto para si mesmo como para os outros. — Você —acrescentou, enquanto apontava para Reyes com um dedo tingido de vermelho. — Quarto. Agora.

Não esperou a resposta. Começou a subir de dois em dois os degraus.

Ouviu Ashlyn protestar, lutando por liberdade e chamando:

— Quero ir com você! Ele mordeu o interior da bochecha até que saboreou o sangue. Se permitiu olhar  para trás uma só vez.

Lucien agarrava Ashlyn com mais força, e seu cabelo negro lhe roçava os ombros. Ao vê-lo, a necessidade de derramar sangue que sentia Maddox se intensificou. Ele quase mudou o trajeto, quase correu de volta para o vestibulo, para cortar seu amigo em pedaços. «Minha. É minha. Eu a encontrei. Ninguém mais que eu pode tocá-la».

Maddox não sabia se era o espírito ou ele mesmo quem sentia aquilo, e não se importava. Só queria matar. Sim, matar. A fúria se apropriou dele, explodindo atraves dele. Se deteve e mudou de direção. Ia partir Lucien em dois e cobrir todo o chão com seu sangue.

«Destruir, destruir, destruir. Matar».

—Vai atacar —disse Lucien.

— Tirem ela daqui! —exclamou Torin.

Lucien arrastou Ashlyn para fora do vestíbulo. Seus gritos de pânico alcançaram os ouvidos de Maddox, e isso só serviu para incrementar seus impulsos mais escuros. A imagem de seu rosto pálido, precioso, lhe apareceu na mente uma e outra vez. Era a única coisa que via. Ela estava aterrorizada. Confiava nele. Tinha estendido os braços para ele.

Seu estômago se tarnsformou em uma massa ardente de agonia, mas não diminuiu o ritmo de seus passos. Em qualquer momento chegaria a meia-noite e ele morreria, mas ia levar todo mundo com ele. «Sim, devo destrui-los».

—Ah, maldita seja —disse Aeron. — O demônio o controla completamente. Teremos que subjulgá-lo. Lucien, volta! Depressa!

Aeron, Reyes e Paris avançaram para ele. Em uma fração de segundo, Maddox desencapou suas adagas e as lançou. Como esperavam o ataque, os três se agacharam. As adagas passaram assobiando por cima deles e se cravaram na parede. Um instante depois, seus companheiros tinham caído sobre ele e o tinham derrubado. Estava de costas no chão. Punhos acertaram em seu rosto, estomago e virilha. Lutou contra eles, rugindo, dando golpes.

Os nós dos dedos de uma mão acertaram em sua mandibula, deslocando o osso. Um joelho encravado na carne sensível entre as pernas. Ainda assim, ele lutou. E enquanto a batalha se desenrolava, os guerreiros conseguiram arrastá-lo escada acima para seu quarto. A Maddox pensou ter ouvido os soluços de Ashlyn, acreditou que a via tentar afastar os homens dele. Então deu um murro que impactou com algo, um nariz. Ouviu um uivo de dor. Experimentou uma grande satisfação. Queria mais sangue.

— Maldito seja! Algeme-o, Reyes, antes de que quebre o nariz de alguém mais.

—É muito forte. Não sei quanto vou poder sujeitá-lo.

Passaram os minutos enquanto lutavam, possivelmente uma eternidade. Depois, sentiu argolas de metal nos pulsos e nos tornozelos. Maddox se retorceu e se arqueou, e as argolas lhe cortaram a pele.

— Bastardos!

A dor que lhe atendia o estômago era insuportável. Já não era esporádica, e sim constante.

— Os matarei! Levarei a todos ao inferno comigo!

Reyes se aproximou dele com um olhar sombrio de determinação e expressão de tristeza. Maddox tentou derrubá-lo com um golpe dos joelhos, mas as algemas o impediram. O guerreiro também se manteve firme. Tomou uma espada que tinha a seu lado.

—Sinto muito —sussurrou Reyes, enquanto o relógio dava as doze.

Então cravou a espada no abdômen de Maddox. O metal atravessou todo seu corpo até a espinho dorsal antes de voltar a sair. Imediatamente, o sangue brotou da ferida e se estendeu por seu peito e estômago. A bílis lhe queimou a garganta, o nariz. Maddox amaldiçoou, se retorceu.

Reyes voltou a atravessá-lo. E outra vez.

A dor... a agonia... a pele lhe queimava. Com apenas aquelas três navalhadas, seus ossos e seus órgãos já estavam rasgados. Entretanto, seguiu lutando. Sentia uma desesperada necessidade de matar. Uma mulher gritou.

— Já basta! O estão matando! Basta! Oh, Meu Deus!

Quando sua voz perfurou consciência de Maddox, sua luta se tornou mais selvagem. Ashlyn. Sua mulher da floresta. Sua. Chegar até ela, tinha que chegar até ela. Tinha que matar ela, não! Tinha que salvá-la.

Mate ... Salve ... a duas necessidades lutaram pela supremacia. Ele empurrou suas correntes. Os ganchos de metal se aprofundavam em seus pulsos e tornozelos, mas ele empinou e chutou. A cama tremeu com a força de seus movimentos, e tanto a cabeceira e peseira curvou para a frente com um gemido.

—Por que voces estão fazendo isso? – Ashlyn gritou – Pare, não o machuquem! Oh meus Deus, parem!

Reyes voltou a atravessá-lo com a espada.

Umas teias de aranha negras lhe cobriram a visão enquanto olhava a sala. Viu borrosamente que Paris agarrava Ashlyn. Alcançando-a, envolvendo seus braços ao redor dela. A sombra do grande homem a engoliu. Entretanto, as lágrimas brilhavam nos olhos de cor âmbar e nas bochechas pálidas.

Ela resistiu, mas Paris se manteve firme e a tirou da sala.

Maddox emitiu um grunhido animal. Paris a seduziria. Despiria-a, saborearia-a. Ela não poderia resistir. Nenhuma mulher podia.

— Solte-a! Agora! — Fez um grande esforço tão fervorosamente por liberdade que uma arteria explodiu em sua fronte.

Sua visão se obscureceu por completo.

—Tirem ela daqui e que não volte a entrar —ordenou Reyes enquanto o apunhalava pela quinta vez. — O está enlouquecendo mais do que o normal.

Tinha que salvá-la. Tinha que ir por ela. O som das algemas se mesclou com os ofegos de Maddox enquanto tentava seguir lutando.

—Sinto muito. —sussurrou Reyes novamente.

Finalmente, o atravessou pela sexta e última vez.

Então Maddox se debilitou. O espírito se tranqüilizou e se retirou a um rincão de sua mente.

Feito. Acabado.

Ficou inerte na cama, empapado em seu próprio sangue, incapaz de se mover nem de ver. A dor não o abandonou, nem tampouco o calor abrasador. Se intensificaram, se transformaram em uma parte de si mesmo, como o sangue. Um líquido quente lhe borbulhou na garganta.

Lucien. Maddox soube que era ele porque reconheceu o aroma enganosamente doce de Morte. Lucien se ajoelhou junto a ele e tomou a mão. Aquilo significava que seu falecimento estava perto.

Entretanto, para Maddox, a tortura verdadeira não tinha começado ainda.

Como parte de sua maldição, Violência e ele passariam toda a noite no inferno, se queimando em suas chamas. Abriu a boca para falar, mas só conseguiu tossir. O sangue lhe estava alagando a garganta, afogando-o.

—Pela manhã terá que nos explicar muitas coisas, amigo —disse Lucien brandamente—. Agora, morre. Levarei sua alma ao inferno, como é obrigado. Entretanto, possivelmente desta vez preferisse ficar aí em vez de ter que enfrentar ao que te espera quando voltar para casa.

—G-garota —sussurrou Maddox.

—Não se preocupe —disse Lucien. — Não lhe faremos mal. Estará te esperando aqui pela manhã.

—Intacta. —disse ele.

Era uma petição estranha, Maddox sabia. Nenhum deles tinha sido possessivo com uma mulher. Entretanto, Ashlyn... Não estava muito seguro do que queria fazer com ela. Sabia o que deveria fazer, e o que não podia fazer. Nenhuma das duas coisas tinha importância naquele momento. Porque, mais que nunca, sabia que não queria compartilhá-la.

—Intacta. —insistiu fracamente ante o silêncio de Lucien.

—Intacta. —disse finalmente Lucien.

O aroma de flores se intensificou. Passou um instante, e Maddox morreu.

 

—Quem é e de onde conhece Maddox?

— Me solte!

Ashlyn se retorceu para tentar escapar de seu captor. Doía-lhe muito o tornozelo, mas não se importava.

— O estão matando! Oh, Deus. O estavam matando com uma espada. Tinha muito sangue, e os gritos eram espantosos. Sentiu náuseas ao recordá-lo. Embora as vozes seguiam em silêncio, nunca tinha se sentido mais atormentada que naquele momento.

—Maddox ficará bem —lhe disse aquele homem. Maddox tinha quebrado seu nariz, ela o tinha visto, mas tinha voltado a colocar em seu lugar quase imediatamente. Nem sequer tinha sangrado. Ele afastou um dos braços de sua cintura, acariciou sua têmpora e lhe afastou com delicadeza uma mecha de cabelo da testa. — Já o verá.

— Não, não o verei —disse ela, quase soluçando. — Me solte!

— Por muito pouco que eu goste de te desobedecer, não posso. Estava lhe causando um tortura excessiva.

—Eu estava lhe causando um tortura excessiva? Não fui eu a que o atravessou com uma espada. Me solte!

 Como não sabia que outra coisa podia fazer, ficou imóvel e o olhou.

 —Por favor.

Aquele homem tinha os olhos azuis, muito brilhantes, e a pele branca como o leite. O cabelo era de uma cativante mescla de castanho e negro. Era mais bonito que qualquer um a quem tivesse visto antes. Muito perfeito para ser verdadeiro.

E o única coisa que ela desejava era escapar dele.

— Relaxe —respondeu o homem com um sorriso lento, sedutor. Era um sorriso estudado, mesmo para alguém leigo na matéria. — Não tem nada que temer de mim, preciosa. Só me dedico ao prazer.

Entre a fúria, o medo, a dor e a frustração, Ashlyn encontrou a força necessária para esbofeteá-lo. Acabava de ver como outro homem apunhalava Maddox e não tinha feito nada para evitar. Além disso, se atreveu a flertar com ela. Tinha tudo que temer dele.

O sorriso se apagou dos lábios do homem e a olhou com o cenho franzido.

—Me bateu. – Havia surpresa em seu tom.

Ela voltou a esbofeteá-lo.

— Me solte!

Seu gesto carrancudo se fez mais marcado. Esfregou a bochecha com uma mão e a manteve imobilizada com a outra.

—As mulheres não me esbofeteiam. Me adoram.

Ela levantou a mão para lhe dar outra bofetada. Com um suspiro, ele disse:

—Está bem. Vá. Os gritos de Maddox cessaram. Duvido que possa incomodá-lo agora, porque estará morto.

E a liberou.

Ashlyn não lhe deu oportunidade de mudar de opinião. Ao se ver livre, saiu correndo pelo corredor, apesar da dor que sentia no tornozelo. Quando entrou no quarto e viu o corpo empapado em sangue, imóvel, se deteve em seco.

Deus Santo. Maddox tinha os olhos fechados. Seu peito estava quieto.

Soluçou e cobriu a boca com uma mão trêmula. Os olhos se encheram de lágrimas quentes.

—Mataram-no.

Correu para a cama e tomou a mandíbula de Maddox entre as mãos, lhe inclinando a rosto ligeiramente. As pálpebras não se abriram. Não respirava. Já tinha a pele fria pela perda de sangue.

Tinha chegado muito tarde.

Como pode alguém tão forte e vital ser destruído tão insensivelmente?

—Quem é? —perguntou alguém.

Assombrada, voltou-se. Os assassinos de Maddox estavam a um lado, falando entre si. Nenhum lhe dirigiu a palavra, embora a olhassem de vez em quando. Continuaram com sua conversação como se ela não importasse. Como se Maddox não importasse.

„Ÿ Deveríamos leva-la à cidade, mas viu muito — disse um deles, com uma voz rouca e fria — No que estava pensando Maddox?

—Durante todo este tempo que vivi com ele e não sabia o que sofria —disse outro, um loiro de olhos verdes, com aspecto angélico. Ia vestido de negro dos pés a cabeça e usava luvas que lhe chegavam até os bíceps. — É sempre assim?

—Não sempre, não —disse o que tinha empunhado a espada. — Normalmente demonstra mais aceitação — acrescentou, com uma expressão atormentada. Tinha os olhos negros, duros. — A mulher...

Assassino! Ashlyn gritou em seu coração, querendo atacá-lo.  Toda a sua vida, sua capacidade revelou mais mal do que bem, forçando-a a ouvir as acusações de séculos de ódio e até gritos de terror. E o único homem que havia lhe dado qualquer medida de paz, eles brutalmente assassinaram.

Faça alguma coisa, Darrow. Esfregou os olhos ardentes com as costas da mão e endireitou as pernas trêmulas. O que ela poderia fazer? Eles ultrapassavam a ela.E eram mais fortes também.

Um homem cheio de tatuagens a observou com o cenho franzido. Tinha o cabelo castanho, cortado ao estilo militar, usava dois anéis nas sobrancelhas e tinha os lábios suaves, cheios. Também tinha mais músculos que um campeão de halterofilismo. Poderia ter sido bonito, ao estilo de um assassino em série, se não fosse pelas tatuagens. Inclusive nas bochechas tinha imagens violentas gravadas da guerra e das armas.

Seus olhos tinham a mesma cor violeta que os de Maddox, mas careciam de sua calidez. Caiu-lhe uma gota de sangue do nariz quando esfregou o queixo com dois dedos.

—Temos que fazer algo com a garota. Eu não gosto que esteja aqui.

—De todo o modo, Aeron, não podemos tocá-la.

O que tinha respondido tinha o cabelo negro e os olhos de cores diferentes: um marrom e outro azul. Seu rosto era uma máscara de cicatrizes. A primeira vista era espantoso. Depois, parecia que tinha uma capacidade hipnótica. Emanava uma fragrância de rosas muito estranha.

—Amanhã pela manhã estará exatamente como agora. Vestida e respirando.

—Típico de Maddox nos tirar toda a diversão.

O comentário irônico provinha de trás dela, e Ashlyn deu a volta de um pulo. O homem pálido e bonito estava na porta. Olhou-a com desejo nos olhos, como se a estivesse imaginando nua e gostasse do que via.

Começou a tremer do topo da cabeça até a ponta dos dedos dos pés. Bastardos, cada um deles! Ferozmente olhou a seu redor e viu a espada ensangüentada, que estava jogada descuidadamente no chão. A mesma espada com a que tinham atravessado e talhado Maddox como se não fosse mais que uma peça de seda.

—Quero saber quem é —disse o das tatuagens, o chamado Aeron. — E quero saber por que Maddox a trouxe. Ele conhece as regras.

—Deve ser uma das humanas que estavam na colina —interveio o homem de rosto angélico. — mas isso não explica por que a trouxe.

Ela teria rido se não se sentisse a ponto de um ataque de nervos. Deveria ter feito caso a Mclntosh. Os que viviam ali eram demônios.

—E bem? O que fazemos com ela? —perguntou Aeron.

Todos a olharam e Ashlyn agarrou a espada. Tomou o punho com ambas as mãos e apontou a lâmina em direção a eles. Era mais pesada do que imaginava e, imediatamente, começaram a lhe tremer os braços. Entretanto, se manteve firme.

Os homens a olharam com curiosidade. Sua ausência de medo não a amedrontou. Embora só tivesse conhecido Maddox durante poucos momentos, tinha algo selvagem dentro dela que sofria por sua perda e que queria vingar sua morte.

Maddox. Aquele nome ressoou em sua mente. Tinha morrido. Se foi para sempre. O estômago de Ashlyn se encolheu.

„Ÿ Deveria matar a todos. Ele era inocente.

—Inocente? —alguém zombou.

—Quer nos matar. Os Caçadores vieram nos pegar —disse Aeron com desgosto.

— Um Caçador não diria que Maddox era inocente. Nem sequer de brincadeira. Mas uma isca sim. Recordem que tudo o que diziam era mentira, embora seus rostos parecessem sempre cândidos.

—Vi Maddox matar a quatro homens no monitor. Não o teria feito se fossem inocentes. E duvido que houvesse também uma mulher inocente no bosque por coincidência.

—Acha que tem destreza com a espada?

Um deles bufou.

—Claro que não. Olhe como a segura.

—Mas uma coisinha valente.

Ashlyn os olhava com a boca aberta, sem entender sua conversação.

—É que a ninguém importa que tenham assassinado a um homem? Não lhes importa tê-lo matado?

O que ia vestido de negro riu de verdade, embora a angústia não se apagou de seus olhos.

—Me acredite. Maddox nos agradecerá isso pela manhã.

—Se não nos matar por ter estado aqui —acrescentou alguém.

Para assombro de Ashlyn, os homens riram. Todos balançaram a cabeça em concordância saudável. Só o que tinha matado Maddox permaneceu sério, olhando o cadáver, com uma expressão de culpabilidade e agonia. Bem. Ela queria que sofresse pelo que tinha feito.

O que pensava que nenhuma mulher podia resistir a ele olhou e lhe dedicou outro sorriso sensual.

—Afasta a espada, carinho, antes de que te faça mal.

Ela seguiu em posição, determinada.

— Vêem me tirar isso seu...seu...animal! —as palavras saíram de sua boca antes que pudesse evitá-lo. — Possivelmente não tenha habilidade com as espadas, mas se se aproxime, e te farei mal.

Houve um suspiro. Uma gargalhada. Um murmúrio.

—Que mulher resistiria a Paris?

—Eu acredito que devemos encerrá-la em um dos calabouços —disse Aeron. — Não se sabe o que poderia fazer de outro modo.

—De acordo —responderam outros.

Ashlyn se retirou lentamente para a porta e agarrou a espada com mais força.

—Vou embora. Me ouviram? Vou embora! E escutem bem, se fará justiça. Todos vocês serão presos e executados.

—Maddox decidirá o que fazer com ela pela manhã —disse o que tinha os olhos de cores diferentes, calmamente, sem lhe fazer caso.

Como se Maddox pudesse decidir algo.

Seu queixo tremeu. E depois abriu muito os olhos, ao ver que os assassinos caminhavam para ela com passo decidido.

 

«Não me faça mal. Por favor, não me faça mal».

Uma pausa. Um estalo.

Um grito de angústia.

«Meu braço!». Uns soluços dilaceradores. « Tem-me quebrado o braço!». A Ashlyn doeu o braço por empatia. «Eu não tenho feito nada... mau».

As vozes tinham voltado com força.

Ela estava acurrucada no chão de uma cela escura e úmida, se estremecendo e se contorcendo de medo.

—Só queria encontrar a alguém que pudesse me ajudar. —sussurrou.

Em vez disso, tinha caído em um conto dos irmãos Grimm, mas não parecia que fosse ter um final feliz.

«Farei. Farei. Só… necessito... um momento».

Aquele monólogo usava desenvolvendo-se em sua mente uma eternidade, e tinha se transformado em um concerto de ira, desespero e dor. Entretanto, por cima de tudo ouvia uma só voz: a de Maddox. Não era uma voz do passado, a não ser uma lembrança. Um estalo de gritos de raiva e de dor.

"Você deixou o Instituto para isso?" Ela balançou a cabeça em desgosto e repugnância, querendo convencer-se neste dia tinha sido nada mais do que um pesadelo. Que o homem não tivesse sido assassinado na frente dela. Esfaqueado. Repetidamente. Mas ela sabia a verdade. Seus gritos... Deus, seus gritos. Sua raiva por ter sido acorrentado e espancado, seu tormento... pior do que qualquer coisa que ela nunca tinha ouvido falar de um outro ser humano.

Ela se pôs a chorar. Não podia tirar sua imagem da cabeça, nem sua imagem quando estava vivo nem sua imagem quando o tinham assassinado. Um rosto duramente bonito quase selvagem em sua intensidade. Os ossos faciais obscuros. Encovados. Olhos violetas brilhantes. Olhos violetas fechados. Corpo alto, bronzeado e musculoso. Corpo quebrado, sangrento e sem vida.

Gemeu.

Depois de tê-la jogado naquele calabouço, os assassinos de Maddox tinham lhe prometido que levariam mantas e comida, mas não tinham voltado. Ashlyn se alegrava. Não queria voltar a vê-los. Não queria falar com eles. Preferia suportar o frio e a fome.

Tremendo, ela puxou sua jaqueta apertando o colarinho. Ela estava agradecida que ainda tivesse isso, que os homens, os monstros bárbaros não tivessem tomado dela durante a aparentemente interminavel caminhada de cima para o subterrâneo.

Então, algo corrieu pelas pontas dos seus dedos, rangendo feliz, e ela estremeceu. Oh Deus, Oh Deus, Oh Deus. Ela fugiu para a esquina mais próxima. Rato. Um roedor pouco peludo que comia qualquer coisa, e onde havia um...

O estômago revirou, ela varreu o olhar através da cela. Não que isso fosse bom. O quarto estava muito escuro, e ela não teria sido capaz de ver uma mão ou um monstro, se ele estivesse em frente de seu rosto.

"Fique quieta." Inspire profundamente. "Mantenha a calma." Expire profundamente.

«Direi-lhes o que querem saber, mas por favor, não voltem a me fazer mal», disse Braço Quebrado, abrindo caminho em sua mente a soluços. «Não queria entrar no castelo. Está bem, sim, sim queria, mas só para ver quem vivia aqui. Não sou caçador, juro».

A Ashlyn chiaram os ouvidos. Aquele homem tinha mencionado a palavra caçador. Os assassinos de Maddox também a tinham chamado caçadora. Que queriam dizer? Caçadora de recompensas? Esfregou o tornozelo inchado, dolorido. Quem ia pensar isso de uma pessoa que media um metro e cinquenta e cinco como ela?

—Não importa. Tem que encontrar o modo de sair daqui, Darrow.

Tinha que dizer às autoridades o que tinha ocorrido com Maddox. Acreditariam nela? Se importariam? Ou aqueles homens os teriam enfeitiçado, tal e como tinham feito com o resto dos cidadãos, que pensavam que eram anjos e lhes permitiam fazer o que quisessem, quando quisessem?

Soluçou. Se pôs a tremer. Ninguém deveria morrer tão lentamente, com tanto sofrimento. Sem dignidade, entre gritos dilaceradores.

De um modo ou outro, Maddox seria vingado.

 

Maddox gritou.

As chamas o devoravam dos pés a cabeça, derretendo sua carne e o reduzindo a cinzas. Era consciente de tudo..., sempre o sentia. Seguia sabendo quem era, o que era, e que teria que retornar àquele fogo no dia seguinte.

A agonia era quase mais do que podia suportar. As colunas de fumaça se elevavam pelo ar, pulverizando fuligem por toda parte. Com repugnância, pensou que aquela fuligem lhe pertencia. Era ele mesmo.

Logo, muito em breve, recuperou seu corpo de homem, um homem que novamente se inflamou. Novamente, se derreteu, da carne ao músculo, provocando faíscas douradas e alaranjadas. E novamente, outra brisa enegrecida devolveu tudo a seu lugar, de modo que o processo completo começasse outra vez. E outra vez, e outra, e outra.

Durante todo o tempo, Violência rugia dentro de sua cabeça, desesperado por escapar. Já não estava saciado como o estava no momento da morte de Maddox. E mesclando-se com seus rugidos, estavam os uivos de outras almas condenadas que sofriam enquanto as chamas os devoravam. Os demônios, aquelas criaturas aladas e asquerosas de olhos vermelhos, rostos esqueléticas e chifres amarelos, foram de um prisioneiro a outro, rindo, provocando-os, cuspindo neles.

«E eu tenho um desses monstros dentro de mim. Salvo que o meu é pior».

Os outros demônios também sabiam.

—Bem-vindo, irmão —lhe diziam, antes de o lamberem com suas línguas de fogo.

Antes, Maddox sempre tinha desejado se dissolver em um nada quando as chamas o abrasavam. Não queria voltar nunca para o inferno nem ao mundo. Desejava que sua desgraçada existência terminasse, e que a dor cessasse por fim. Antes sempre tinha desejado isso, mas aquela noite não.

Aquela noite, o desejo eclipsava à dor.

A imagem de Ashlyn apareceu em sua mente, provocando-o mais que os demônios. «Comigo não encontrará nada mais que felicidade», parecia que diziam seus olhos, enquanto separava ligeiramente os lábios como se quisesse receber um beijo.

Era um mistério que ele desejava resolver. Seu primeiro vislumbre do céu, com seus cabelos, rico em âmbar quente e olhos cor de mel...Era deliciosa, tão feminina que despertava todos seus instintos masculinos.

Surpreendentemente, tinha lutado por ficar com ele. Inclusive tinha lutado por lhe salvar dos outros, ele percebeu a poucos minutos atrás... Maddox não entendia por que, mas de todo o modo gostava da idéia.

Possivelmente não tivesse sabido o que queria fazer com ela no princípio, mas já sim. Queria saboreá-la. Inteira. Isca ou não. Caçadora ou não. Simplesmente, desejava. Depois de tanto sofrimento, merecia um pouco de felicidade.

Nem sequer em seus dias de guerreiro de elite dos deuses tinha desejado a uma mulher mais que a outra. Depois, sempre tinha aproveitado aquilo que podia, quando podia consegui-lo. Entretanto, desejava a Ashlyn especificamente. Desejava Ashlyn naquele momento.

Onde a teria agasalhado Lucien? No quarto contigüo ao seu? Estava na cama, nua, envolta em lençóis de seda? Assim era como ele ia toma-la, pensou então Maddox. Não fora do castelo, como era seu costume. Não no chão frio e cheio de ramos. Em uma cama, rosto a rosto, pele com pele, investindo e deslizando-se lentamente.

Ao pensar nisso, o corpo lhe ardeu, ardeu de uma maneira que não tinha nada a ver com as chamas.

“Ela quer fazer-nos mal. Nós vamos feri-la em primeiro lugar e será o melhor por isso”, o espírito pediu.

“Não ouse sugerir isso”, ele ordenou, tentando eclipsar Violência que, surpreendentemente, parecia satisfeito em discutir com calma Ashlyn agora, em vez de rugir. “Eu não sou um monstro”.

”Nos somos semelhantes, e a mulher representa um perigo.”

“Sim, representa”. Nunca tinha conhecido a uma mulher tão vulnerável como Ashlyn. Ali, sozinha, no bosque, com os olhos cheios de segredos. Seguida por assassinos. Maddox não sabia se eles tinham intenção de matá-la ou usá-la para matar a ele e aos outros Senhores. Mas o averiguaria.

Pela manhã, quando Lucien devolvesse a alma a seu corpo curado, a buscaria e lhe perguntaria. Não, primeiro a acariciaria, pensou. A beijaria. Saborearia todo seu corpo, tal e como queria fazer naquele momento.

Apesar da dor, se deu conta de que estava sorrindo. Aquela mulher o tinha olhado com encantamento. Tinha tentado segui-lo, salvá-lo. Sim, tinha feito sua própria cama. E se deitaria nela. Com ele.

A interrogaria só depois de fazer amor com ela. E se averiguasse que era mesmo uma isca, disse a si mesmo, apesar de que notasse uma pontada de dor no peito, se encarregaria dela como se encarregou dos Caçadores.

 

—Os Titãs derrotaram aos Gregos. —anunciou Aeron.

Aquilo tinha estado bulindo dentro dele desde que tinha voltado para a fortaleza, uma hora antes, mas com todo aquele caos, não tinha tido oportunidade de dizer aos outros. Até aquele momento. Por fim as coisas se acalmaram. Entretanto, ele sabia que a paz duraria só até que todos assimilassem a notícia que acabava de lhes dar.

Carrancudo, ele pulou no sofá de pelúcia vermelho, Maddox humano não era uma preocupação. Se suas palavras pudessem ser julgadas tão facilmente - e de repente o que fazia todo esse barulho?

Ele olhou em volta, fez uma careta e pegou o controle remoto da TV, desligando o “filme” que Paris tinha apenas ligado. Os excitantes gemidos cessaram. A bofetada molhada do homem contra a mulher desapareceu da tela plana.

—Você tem que parar de comprar esse lixo, Paris.

Paris roubou o controle remoto dele e trouxe a festa da carne novamente. Felizmente, ele apertou o botão mudo.

—Não pay-per-view, bro, disse ele, sem uma ponta de remorso. - Essa é da minha coleção pessoal: Oil Wrestlers Gone Wild.

—Você se torna mais humano a cada dia, - murmurou Aeron.

—É embaraçoso. Você sabe disso, né? "

—Aeron, você não pode fazer um anúncio como esse e simplesmente mudar de assunto. Você mencionou o Titans ...? -  Disse Lucien, com sua voz sempre calma.

Calma. Sim, isso descrevia perfeitamente à Morte. O imortal mantinha seu temperamento e todas suas emoções dominadas com mão de ferro, porque quando se desatavam, Lucien era uma força que, mesmo a própria Ira temia. Mais que uma besta, Lucien se convertia em um verdadeiro demônio. Aeron só tinha sido testemunha da transformação uma vez, mas nunca o tinha esquecido.

—Pareceu que ouvi algo assim —disse Reyes, sacudindo a cabeça. — O que está passando? Primeiro, Torin nos diz que os Caçadores voltaram, depois Maddox vem para casa com uma mulher, e agora você nos conta que os Titãs estão no poder. É possível que aconteça algo assim?

—Sim, é possível —Infelizmente. Aeron esfregou a mão sobre seus cabelos cortados, os pequenos espetos abrasivos na palma da sua mão. Como ele desejava poder entregar boas notícias. — Parece que os Titãs passaram estes séculos de encarceramento aperfeiçoando seus poderes. Recentemente escaparam do Tártaro, fizeram uma emboscada aos Gregos, os apanharam e ficaram com o trono. Agora, são eles quem nos controlam.

Houve um pesado silêncio, enquanto todo mundo refletia sobre aquela notícia. Os Gregos e os guerreiros não sentiam afeto um pelo outro, precisamente, visto que os primeiros os tinham condenado e amaldiçoado; entretanto...

—Está seguro? —perguntou Lucien.

—Muito seguro. - Até hoje, tudo o que Aeron sabia sobre os Titãs era que eles tinham governado o Monte Olimpo, durante a Idade de Ouro, um tempo de "paz" e "harmonia", duas palavras que jorravam dos caçadores que tinham aumentado, desde a Grécia, todos aqueles anos atrás. - Levaram-me a uma espécie de câmara de tribunal, em meio de um círculo formado por seus tronos. Fisicamente são menores que os gregos. Entretanto, seu poder é inconfundível. Quase podia vê-lo, como se fosse um ser vivo. E em seus rostos, vi só decisão, intransigência e desagrado.

Passaram alguns momentos muito tensos.

—Desagrado à parte, há alguma possibilidade de que os Titãs possam nos liberar dos demônios sem nos matar? —Reyes fez a pergunta que, sem dúvida, todos queriam formular.

Aeron tinha perguntado. Tinha esperado. —Não acredito —respondeu, odiando desiludir. — Eu lhes perguntei isso mesmo, mas não quiseram falar disso comigo.

Outro silêncio, no presente ainda mais tenso.

—Isto é... isto é... —murmurou Paris.

—Inacreditável. —disse Torin.

Reyes esfregou a mandíbula.

—Se não vão nos liberar, que planos têm para nós?

Não haveria adiamento das más noticias —O único que sei com segurança é que querem tomar um papel ativo em nossas vidas — O único ponto em favor dos gregos era que haviam ignorado os guerreiros depois de amaldiçoá-los, permitindo que eles tivessem algum tipo de vida – mesmo que fosse de tormento.

De novo, Reyes balançou a cabeça — Mas por que?

—Gostaria de saber.

—Por isso lhe chamaram? —interveio Lucien. — Para te informar desta mudança?

—Não —disse Aeron, e fechou os olhos. — Me ordenaram que fizesse... algo.

—O que? —perguntou Paris, quando ele falhou em continuar.

Ele observou a seus amigos, tentando encontrar as palavras mais adequadas.

Torin ficava no canto, de perfil para todos. Distante, sempre distante. Mas então, Torin tinha de manter distancia. Reyes sentou-se diante dele. Curtido como o deus do sol, o guerreiro não olhava como se ele pertencesse a terra, muito menos à sala. Ele estava ocupado cortar sulcos em seu antebraço enquanto aguardava resposta de Aeron. A cada poucos segundos, Reyes fez uma careta. Que estremecia num sorriso satisfeito enquanto o sangue escorria, formando pequenos rios carmesim sobre a sua pele. A dor foi a única coisa que agradava, a única coisa que o fazia se sentir vivo.

Aeron não tinha idéia de como o homem podia responder ao prazer.

Paris estava esparramado no sofá ao lado dele, as mãos dobradas para trás a cabeça, como ele mudava a sua atenção entre o filme e Aeron, o seu demônio, provavelmente, instando-o a assistir a mais um pouco. Um homem com o seu tipo de sorte deve ser feio. No mínimo, ele deveria ter que se esforçar para seduzir uma mulher em sua cama. Em vez disso, ele simplesmente olhava para uma mulher com o rosto bonito, e ela imediatamente se despia, disposta a ser levada para qualquer lugar, cama disponível ou não.

No entanto, a mulher de Maddox não o fez, lembrou Aeron. Por que?

Lucien inclinou-se contra a mesa de bilhar, com o rosto horrivelmente marcado sem revelar nada. Seus braços estavam cruzados sobre o peito enorme, e os seus olhos desconcertante observava Aeron atentamente.

—Bem? - Lucien solicitou.

Respirou profundamente e exalou.

—Me ordenaram que assassine um grupo de turistas na cidade. Quatro humanos. -  Ele fez uma pausa, fechou os olhos novamente. Tentou não sentir um pingo de emoção. Frio. Para superar isso, ele tem que ser frio. - Todas mulheres.

—Repete—disse Paris, sobressaltado, franzindo mais a testa, a televisão esquecida. Aeron repetiu a ordem dos Titãs.

Paris, mais pálido do que o normal, sacudiu a cabeça.

—Posso entender que agora temos chefes novos. Eu não gosto, estou confuso como o inferno, mas ei, o aceito. O que não entendo é que porque os Titãs tenham ordenado a você, o guardião da Ira, que mate a quatro mulheres na cidade. Por que iriam fazer algo assim? – ele jogou os braços para cima. - É uma loucura.

Ele podia ser o homem mais promíscuo que vagou pela Terra, ter suas parceiras de cama e esquecê-las no mesmo dia, mas as mulheres de qualquer raça, tamanho e idade eram seiva de Paris. A razão para sua existência inteira. Ele nunca tinha sido capaz de tolerar de ver uma única delas ferida.

—Não me disseram o motivo —respondeu Aeron. O motivo tampouco teria importado. Ele não queria fazer mal aquelas mulheres. Sabia o que era matar. Oh, sim. Tinha matado muitas vezes, mas sempre guiado pelos impulsos inegáveis do demônio, um demônio que escolhia bem a suas vítimas. Eram pessoas que abusava de seus filhos, ou que desfrutavam na destruição de outros. Ira sempre sabia quando alguém merecia a morte, a vergonha de seus atos jogando com sua mente.

Quando Aeron tinha prestado atenção a aquelas quatro mulheres, o demônio as tinha julgado e as tinha declarado inocentes. E, entretanto, se supunha que ele devia matar a elas.

Se isso acontecesse, se veria forçado a derramar sangue inocente, Aeron não voltaria a ser o mesmo. Sabia, sentia.

—Deram-lhe um prazo para que o faça? —perguntou Lucien, ainda aparentemente não afetado. Era a Morte, o Grim Reaper - Lúcifer, ele foi chamado; não que as pessoas que o chamaram pelo nome que ainda estavam vivas, assim a tarefa de Aeron não era provavelmente nada para ele.

—Não, mas...

Lucian levantou a sobrancelha negra —Mas?

—Me disseram que se não agisse com rapidez, o sangue e a morte começariam a consumir minha mente. Disseram que mataria algo, e a qualquer pessoa, até o dia que cumprisse sua ordem. Como Maddox. - Eles não precisavam avisá-lo, no entanto. Ira tinha ultrapassado ele várias vezes. Quando o Espírito decidia que era hora de agir, sempre Aeron tentava resistir, mas os desejo de destruir crescia e crescia até que finalmente ele estalava. Mesmo nos piores momentos de Ira, porém, ele nunca tinha sido obrigado a matar um inocente. - Mas, ao contrário de Maddox, minha tortura não terminaria ao amanhecer.

Paris lhe perguntou com gravidade:

—Como vai fazer isso? Disseram isso, ao menos?

O estômago de Aeron se encolheu.

—Tenho que lhes cortar o pescoço, ele disse. Como ele gostaria de se recusar a obedecer a esses novos deuses. Somente o horror de ser condenado a fazer algo ainda pior o manteve em silêncio.

—E por que fazem isto? —inquiriu Torin, uma pergunta que cada um iria fazer pelo menos uma vez, parecia.

Aeron não conhecia a resposta.

Paris olhou para ele.

—Você vai fazer isso?

Aeron olhou para longe. Permaneceu em silêncio. Entretanto, sabia que agora nada poderia salvar aquelas mulheres. Estavam colocadas na lista de vítimas de seu espírito, e embora fossem inocentes, no final seriam eliminadas. Uma por uma.

—O que podemos fazer para ajudar? —perguntou Lucien com um olhar agudo.

Aeron bateu com o punho no braço de sofá. Se ele fizesse esse ato terrível, quando ele já estava à beira da depravação, ele iria se desintegrar. Ele iria perder-se completamente ao espírito

—Não sei. Estamos tratando com deuses novos, com novas circunstâncias. Não sei como reagirei quando...- diga, apenas diga -  quando as tiver matado.

—Não é possível lhes fazer mudar de opinião?

—Nem sequer vamos tentar —respondeu Aeron. — De novo, usaram Maddox como exemplo. Disseram que sofreríamos uma maldição como a sua se nos atrevessemos a protestar.

Paris saltou de seu assento e começou a caminhar a largos passos de um extremo a outro da sala.

—Odeio isto —grunhiu.

—Nós não adoramos, precisamente. —respondeu Torin.

—Possivelmente esteja fazendo um favor a essas mulheres. —disse Reyes, sua atenção permanecendo fixa em sua lâmina, ele esculpiu um X no centro da palma da mão. Gotas carmesim escorriam em sua coxa.

Ele era o motivo de todos os móveis fossem vermelho-escuro.

—E possivelmente me ordenem que mate a você depois. — replicou Aeron.

—Tenho que pensar nisto —murmurou Lucien, passando a mão pelo rosto cheio de cicatrizes. — Tem que ter algo que possamos fazer.

—Talvez Aeron possa apenas destruir o mundo inteiro,- Torin, disse naquele tom irritantemente torto. - Dessa forma, todos os possíveis alvos futuros serão eliminados, e nós nunca terá que ter essa discussão de novo."

Aeron mostrou os dentes.

—Não me faça te machucar, Enfermidade.

Aqueles olhos verdes penetrantes brilharam com humor perverso e Torin ofereceu um sorriso zombeteiro e selvagem.

—Feri seus sentimentos? Eu ficaria feliz de te beijar e fazer você se sentir melhor.

Antes que Aeron pudesse saltar através da sala, - não que ele pudesse fazer nada para Torin - Lucien disse:

—Parem. Nós não podemos ficar divididos. Não sabemos a magnitude do que estamos enfrentando. Agora, mais do que nunca, devemos estar unidos. Por agora, acredito que já chega de conversa. Foi uma noite muito ocupada, e não terminou ainda. Paris, Reyes, acredito que devem ir à cidade para se assegurarem de que não há mais Caçadores à espreita. Torin... não sei. Vigia a colina, ou ganhe mais dinheiro para nós.

—O que vai fazer você? — inquiriu Paris.

—Pensarei quais são nossas opções —respondeu Lucien com seriedade.

Paris arqueou as sobrancelhas.

—E o que passa com a mulher de Maddox? Estarei em melhor forma para lutar com qualquer Caçador que possa me encontrar se passar um momento entre suas...

—Não —resolveu Lucien, olhando ao teto. — Com ela não. Recorda que prometi a Maddox que a devolveria intacta.

—Sim, recordo. Me recorde você outra vez por que lhe prometeu uma coisa tão estúpida.

—Deixa-a em paz. De todos os modos, não parecia que gostasse muito de você.

—O que é inclusive mais assombroso que a notícia dos Titãs —murmurou Paris. Depois, suspirou. — Está bem. Eu não lhe porei as mãos em cima, mas alguém tem que ir lhe dar algo de comer. Dissemos que o faríamos.

—Por que não a deixamos passar um pouco de fome? Amanhã pela manhã estará um pouco mais dócil se estiver debilitada.

Lucien assentiu.

—De acordo. Possivelmente esteja mais disposta a dizer a verdade a Maddox se pensar que vamos lhe dar de comer.

—Eu não gosto, mas não vou protestar. E suponho que isso significa que tenho que ir à cidade sem minha dose de vitamina D —disse Paris com outro suspiro. — Bom, vamos fazer, Dor.

Reyes ficou em pé e ambos saíram juntos da sala. Torin os seguiu, mas à distancia. Aeron não podia imaginar como era a pressão de ter que se assegurar sempre de não tocar a ninguém. Tinha que ser um inferno.

Soltou um bufo. A vida dos guerreiros era um inferno.

Lucien se sentou na poltrona que tinha em frente a ele. Irradiava uma fragrância de rosas. Aeron nunca tinha compreendido por que a Morte cheirava como um buquê de flores da primavera. Certamente, era uma maldição como a de Maddox.

—O que pensa? —perguntou a seu amigo enquanto o observava. Pela primeira vez em muitos, muitos anos, seu amigo transmitia algo diferente de calma. Tinha o cenho franzido, e rugas de tensão no rosto cheio de cicatrizes.

Aquelas cicatrizes lhe atravessavam a rosto das sobrancelhas às mandíbulas; eram grosas e franzidas. Lucien nunca tinha falado de como as tinha feito, e Aeron nunca o tinha perguntado. Quando viviam na Grécia, o guerreiro tinha voltado para casa um dia com a dor refletida nos olhos e aquelas marca nas bochechas.

—Isto é ruim. —disse Lucien. — Muito ruim. Caçadores, a mulher de Maddox e os Titãs, tudo no mesmo dia. Não pode ser uma coincidência.

—Sei. - Aeron arrastou uma mão pelo seu rosto, seu dedo capturando e puxando seu piercing da sobrancelha -  Acha que os Titãs querem nossa morte? Que foram eles os que enviaram aos Caçadores?

—Possivelmente. Entretanto, o que fariam com nossos demônios quando nossos corpos fossem destruídos e os espíritos liberados? E, para que iam dar uma ordem, para você, de fazer algo por eles se o querem morto?

Boas perguntas.

—Não tenho respostas para te dar. Nem sequer sei como vou fazer o que me pediram. Essas mulheres são inocentes. Duas são jovens, de uns vinte anos, a terceira tem quarenta e tantos anos e a quarta é avó. Provavelmente, faz bolachas para os vagabundos em seu tempo livre.

Curioso sobre elas, Aeron tinha procurado as turistas e as tinha encontrado em um hotel da cidade depois de sair do Olimpo. Ao vê-las em carne e osso, seu horror se intensificou.

—Não podemos esperar. Temos que agir rápidamente —disse Lucien. — Não podemos permitir que esses Titãs ditem nossas ações, ou tentarão fazê-lo uma e outra vez. Com certeza que podemos encontrar uma solução.

Aeron pensava que teriam melhor sorte tentando encontrar um modo de arrumar os despojos rasgados e queimados de sua alma quando matasse aquelas mulheres. Inclusive isso, lhe parecia difícil.

Os dois amigos ficaram em silencio durante um longo momento, pensando em todas as suas opções. Ou melhor, na falta delas. Finalmente, Aeron sacudiu a cabeça e se sentiu como se acabasse de acolher a outro demônio em seu interior. A fatalidade...

 

Em algum momento daquela interminável noite, Ashlyn ficou em pé e apalpou as paredes da cela. O tornozelo doía a cada passo que dava. Era o aviso de todas as horas que tinha passado subindo as montanhas cobertas de neve do exterior do castelo, e da esperança que tinha perdido com seis movimentos de uma espada.

Sua busca de escapatória foi infrutífera. Não havia nenhuma janela como a da torre de Rapunzel, nenhum espelho mágico da bruxa má para percorrer. Não encontrou barras por onde se apertar através, nenhum túnel pelo que se lançar como se fosse Alice no País das Maravilhas. Em algum momento tinha perdido o celular, embora não pensasse que tivesse cobertura no calabouço de um castelo.

À medida que passava o tempo, a escuridão se fechou mais e mais a seu redor.

Os ratos tinham parado de guinchar, pelo menos.

Só queria retornar a sua casa, pensou enquanto voltava para se aconchegar no chão. Queria esquecer aquela experiência. Podia viver com as vozes a partir daquele momento, viveria com elas. Tentar silenciá-las lhe tinha custado muito caro. Possivelmente, seu trabalho. Sua longa amizade com Mclntosh, talvez. Definitivamente, uma parte de sua prudência.

Nunca voltaria a ser a mesma.

O rosto sem vida de Maddox a perseguiria durante o resto de sua vida. Oh, Deus. Lágrimas de desgosto cairam por seu rosto, geladas do frio. Quanto demoraria para ela drenar seus os dutos completamente? Antes que a dor no peito desaparecesse?

«Por favor, deixem que me vá», balbuciou uma voz «Por favor. juro, nunca voltarei». «Eu tampouco», pensou ela, miseravelmente.

—Esteve aqui toda a noite, mulher?

Passou um momento até que Ashlyn conseguisse se orientar. Aquela voz..., juraria que provinha do presente, não do passado. Aquele som áspero e retumbante ressoava em seus ouvidos. —Me responda, Ashlyn.

Passou outro momento antes que ela percebesse que era a voz que tinha chegado a assombrá-la acima de todas as outras. A voz que estava de alguma forma impressa em sua mente, mesmo que ela só tivesse ouvido algumas vezes antes. Ela suspirou, esticando os olhos com a escuridão, buscando ... buscando ... mas sem encontrar nada.

—Ashlyn, me responda.

—Maddox? —perguntou ela. Não. Não podia ser. Tinha que ser um truque.

—Responde a pergunta.

De repente, a porta se abriu, e a luz iluminou a cela. Ashlyn piscou contra os pontos alaranjados que lhe nublavam a vista. Tinha um homem no vão, uma sombra alta e negra de ameaça e musculos.

O silêncio, um silêncio doce que só tinha conhecido uma vez, envolveu-a.

Apoiou as palmas das mãos contra o muro que tinha atrás dela e ficou em pé muito devagar. Seus joelhos tremiam. Ele não era..., não podia ser... Não era possível. Aquilo só ocorria nos contos de fadas.

—Responde. —insistiu a figura.

Tinha certa violência em seu tom de voz naquele momento, como se falasse com duas vozes. Ambas escuras, espessas e ensurdecedoras.

Ashlyn abriu a boca para falar, mas não emitiu nenhum som. Aquela voz dupla era gutural, turbulenta e, entretanto, sensual além de seus sonhos mais selvagens. Maddox. Não tinha se equivocado. Estremecendo, limpou as lágrimas das rosto com o dorso da mão.

—Não entendo. —disse. « Estou sonhando?».

Maddox... Não, o homem, porque aquele não podia ser Maddox por muito que se parecessem suas vozes, entrou na cela. Sua atenção foi para o lado, longe dela, como se ele precisasse de um momento para se recompor.

Os raios dourados do sol dançaram sobre ele, reverentemente acariciando seu rosto lindo. Mesmo as sobrancelhas escuras, densamente franzidas sobre os olhos violeta. A mesma lâmina do nariz e os lábios exuberantes.

 Como podia ser aquilo? Como tinha seus captores produziram um reprodução exata do homem que ela conheceu na noite passada, até mesmo as bordas selvagens? Um homem que parava as vozes do passado com sua simples presença?

Um gêmeo.

Ashlyn abriu os olhos de par em par. Um gêmeo. Claro. Por fim algo que tinha sentido.

—Mataram a seu irmão — ela deixou escapar.

Talvez ele já soubesse. Talvez estivesse contente. Mas talvez, apenas talvez, ele a levasse para a cidade e ela poderia relatar o horrendo crime que tinha presenciado. Justiça poderia ser feita.

—Eu não tenho irmãos —respondeu ele. — Não de sangue.

—Mas... mas...

«Maddox ficará bem», tinha-lhe dito o homem muito bonito. Ela sacudiu a cabeça. Era impossível. Tinha visto ele morrer. «Entretanto, um anjo podia ressuscitar, não?». Um nó se formou em seu estômago. Os homens daquela casa não eram anjos, por muito que acreditassem os habitantes da cidade.

Ele franziu o cenho. Varrendo com o olhar o corpo dela de cima abaixo, uma avaliação possessiva.

Ele fez uma careta

—Deixaram-lhe aqui toda a noite? —perguntou, com uma expressão cada vez mais escura, enquanto olhava a seu redor na cela. — Me diga que lhe deram mantas e água, e que a trouxeram para cá esta manhã.

Ela não podia deixar de tremer. Passou a mão pelo rosto e por seus cabelos, estremecendo quando encontrou-os emaranhados. Provavelmente estava suja da cabeça aos pés. Como se imortasse.

—Quem é? O que é?

Por um longo tempo, ele não falou nada. Só estudou-a como se ela fosse um inseto no ambito de um microscopio. Ela conhecia aquele olhar. Era o favorito de todos no Instituto

—Já sabe quem sou.

—Mas não pode ser ele. Ela insistiu, não podendo aceitar outra alternativa. Ele não era como os outros, os demonios que tinham matado-o. -  Meu Maddox morreu.

—Seu Maddox? —perguntou ele, e algo feroz brilhou em seu olhar? – Seu?

Ela elevou o queixo e não respondeu.

Os lábios do homem se curvaram levemente para cima, como se quisesse sorrir.

Alargou a mão e a chamou.

—Venha. Se lavará, se aquecerá e comerá algo. Depois eu... explicarei a você.

Aquele hesitação deixou claro a Ashlyn que não ia explicar nada. Tinha outra coisa na cabeça, e seu tom de voz sugeria que ia ser intenso. Ela permaneceu imóvel. Estava muito assustada.

—Deixa que veja seu abdômen. – Pediu ela, permanecendo parada.

Ele estalou os dedos.

—Vamos.

Uma parte dela queria ir com ele, ir onde ele a levaria. Por que ele se parecia com Maddox, e qualquer outra coisa que Maddox era, ele ainda era a melhor coisa que já aconteceu com ela. Mas mais uma vez ela permaneceu no lugar.

—Não.

—Vamos.

Ela sacudiu a cabeça.

—Vou ficar aqui até que me mostre o estômago.

—Não vou te fazer mal, Ashlyn. – As palavras não ecoaram pelas paredes – não ditas, mas ainda ali de toda forma. Ainda mais irritante, o som de seu nome em sua boca soava decadente, como se ele não pudesse deixar de saboreá-la. E desejando provar outra vez. – Ashlyn – Repetiu ele.

—Você não pode ser meu Maddox. É impossível. – Outro arrepio a percorreu e ela franziu a testa. Ele não a desejava, e ela malditamente com certeza não deveria desejá-lo.

Esse algo intenso e feroz brilhou em seu rosto novamente.

—É a segunda vez que me reclama como seu.

—E-Eu... sinto muito.

Não sabia o que dizer. Maddox a tinha salvado das vozes, ao menos durante um breve momento. Ela o tinha visto morrer. Estavam conectados. Era dele.

—Não sinta —disse ele, quase com ternura. — Sou Maddox. Agora, venha.

—Não.

Cansado de negativas, ele se aproximou. Cheirava a calor lascivo e rituais primitivos realizados à luz do luar.

—A levarei no ombro se for necessário, como fiz ontem à noite. Se me vejo obrigado a fazê-lo, entretanto, não posso te assegurar que saia desta cela com a roupa posta. Entendeu?

Estranhamente, aquelas palavras foram embriagadoras, quando deveriam ter resultado intimidantes. Eram reconfortantes, quando deveriam ter sido aterradoras. Só Maddox sabia a forma em que a tinha levado ao castelo. A tinha descido do ombro e a tinha tomado nos braços antes de entrar pela porta e começar a gritar a seus assassinos.

— Por favor — ela conseguiu dizer. — Apenas me mostre seu abdômen. Quanto mais ela pedia, mais ela queria ver. Será que ela iria encontrar as feridas costuradas? A pele lisa? Haveria alguma indicação que este homem havia sido esfaqueado repetidamente outra vez?

No começo, ele não reagiu a seu pedido. Finalmente, ele suspirou.

—Parece que sou eu o que não vai sair daqui com a roupa posta.

Segurou a ponta de sua camiseta negra e, lentamente, levantou.

Apesar de sua insistencia, Ashlyn ainda não podia encontrar coragem de tirar a atenção do seu intenso olhar violeta. Ela disse a si mesma que era por seus olhos serem tão bonitos, tão fascinantes que ela estava perdida neles, afogando-se. Mas ela sabia que era apenas a metade da verdade. Se ele tivesse sido costurado...Se fosse Maddox... 

—Queria olhar, assim olhe —lhe disse com impaciência e resignação.

Faça. Olhe. Ashlyn baixou a vista centímetro a centímetro. Viu um pescoço musculoso no qual pulsava desenfrenadamente o pulso. Clavículas cobertas de tecido negro. Viu uma de suas mãos grandes segurando o tecido da camiseta em cima de seu coração. Os bicos de seu peito eram diminutos, marrons e duros. Tinha a pele bronzeada de um modo sobrenatural, como ela tinha admirado no bosque, e era feito de músculos.

E então, Ashlyn o viu. Viu seis feridas recobertas de crosta. Não tinham pontos; estavam avermelhadas e inflamadas. Doloridas.

Ela inalou bruscamente. Quase em transe, estendeu a mão. Com as pontas dos dedos, roçou a ferida que lhe atravessava o umbigo. A crosta era áspera e cálida. Ela notou pequenas descargas elétricas subindo pelo braço.

—Maddox —ofegou.

—Por fim —murmurou ele, se retirando como se ela fosse uma bomba a ponto de explodir. Baixou a camiseta e tampou as feridas. —Contente? Estou aqui, sou de verdade.

Ele – não, não “ele”. Maddox. Não um gemeo, nem um sonho. Não um truque. Ele tinha sido apunhalado, a prova estava lá, as seis feridas infernais. Ele não tivera batimentos cardíacos, nem respiração. E agora estava bem diante dela.

—Como? – Ela perguntou, precisando ouvi-lo dizer isso. – Você não é um anjo. Isso significa que é um demônio? É o que algumas pessoas do povoado disseram de voce e seus amigos.

—Quanto mais voce fala, mas se enforca. Vai me seguir agora?

Obrigaria ela..? Deveria ela..? Depois daquele observação sobre “enforcar-se”...

—Maddox, eu...

—O que? Te mostrei o abdômen. Disse que viria comigo se o fizesse.

Ficava outra escolha?

— Bem. O acompanharei.

—Não tente escapar. Você não gostaria do que poderia acontecer.

Com um movimento fluido, ele deu a volta e saiu do calabouço.

Ashlyn o seguiu, coxeando, fazendo todo o possível por se manter perto dele. Suas mãos coçavam para tocá-lo novamente, para sentir a vida pulsando sob a pele.

—Não respondeu a minha pergunta. Quanto mais se afastavam da cela, mais o frio dava lugar ao calor. - Se for um demônio, posso aceitar. Seriamente. Não vou me assustar, nem nada parecido. – Ela esperava - Só quero saber para poder me preparar.

Não houve resposta.

Os raios de sol passavam através das janelas de vidro colorido, lançando manchas como arco-iris nas paredes de pedra. Cansaço e falta de alimento deveriam ter enfraquecido, porque ela caiu uns poucos passos para trás.

—Maddox. – ela disse, uma suplica baixa. 

Não houve resposta.

—Nada de conversação —respondeu ele sem diminuir o passo enquanto subiam pelas escadas. — Possivelmente mais tarde.

Mais tarde. Não era o que ela teria desejado, mas era melhor que nada.

—Espero que sim.

Tropeçou e se encolheu ao sentir uma aguda dor no tornozelo.

Maddox se deteve bruscamente. Antes que ela se desse conta, se chocou contra suas costas e deu um grito de susto. Imediatamente, sentiu um calor, um comichão.

Ela se esforçou para encontrar o equilibrio, ele sibilou entre os dentes e virou, fixando-a com um olhar vicioso. Seus olhos eram negros, o violeta se foi como se nunca tivesse existido.

—Está machucada?

Um tremor a atravessou. Sim.

—Não.

—Não minta para mim.

—Torci o tornozelo ontem à noite —admitiu Ashlyn em voz baixa.

Seus traços se suavizaram enquanto a percorria lentamente com o olhar. Se deteve em seus seios, em suas coxas. Ela se arrepiou. Era como se a estivesse despindo peça a peça, deixando-a sem nada. E ela gostou. Seu coração pulsava rapidamente no peito. Sentiu uma umidade entre as pernas.

De repente, já não importavam as respostas, a dor do tornozelo nem a letargia de seus musculos. Seu estômago se encolheu de necessidade. Sua pele estava muito quente e apertada em seus ossos. Queria que a abraçasse, que a reconfortasse, que a segurasse perto.

Um instante depois se deu conta de que estava esticando os braços para ele.

—Não me toque —disse Maddox, e deu um passo para trás para pôr distância entre eles. Toda sugestão de suavidade deixou ele. — Ainda não.

Ela baixou os braços com decepção. «Nem respostas, nem carícias», pensou, tentando conter o prazer que sentia ao estar por fim perto do homem que lhe tinha consumido o pensamento durante toda a noite. Seu calor, o silêncio... Uma combinação letal para o sentido comum.

O que necessitava, o que queria, era uma carícia. Entretanto, ele estava decidido a lhe negar.

—E respirar? – perguntou secamente - Posso respirar?

Os lábios de Maddox se curvaram outra vez e, o leve sorriso suavizou a ferocidade de seu rosto.

—Se o fizer silenciosamente.

Ela entreabriu os olhos.

„ŸClaro, é um encanto. Muito obrigada.

Aquele sorriso se fez enorme, e sua força cortou o fôlego de Ashlyn. Era muito bonito absolutamente hipnotizante. Ashlyn se viu de novo apanhada em sua armadilha… Como conseguia lhe fazer isso? E de novo esticou a mão sem pensar. Desejava sentir a faísca do contato. Sim, sim. Desejava... desejava...

Ele sacudiu a cabeça com veemência. Ela ficou imóvel, zangada com ele, consigo mesma.

—Há algo que necessito antes que comece o contato. – Ele disse, as palavras tão roucas e baixa que sentiu profundamente, como uma caricia.

—O que? Ela perguntou, mordendo o labio inferior, quando o violeta começou a retornar para seus olhos, uma artimanha de suas pupilas para ofuscar o preto. Surpreendente.

— Não importa. - Carrancudo, estendeu a mão como se queisesse acaricia sua bochecha. Ele se conteve e deixou o braço cair, um espelho de suas proprias ações alguns momentos atrás. - O que importa é que não me respondeu. Esteve na cela toda a noite?

Seu perfume inebriantemente masculino flutuava em seu nariz, chamando-a para mais perto. Ela tentou resistir, ela realmente tentou, mas viu-se inclinando na direção dele, apesar de sua advertencia.

—Sim.

De novo, a furia escurecia seu rosto.

—Lhe deram comida?

—Não.

—E mantas?

—Não. - Por que ele se importava?

—Alguém te fez mal?

—Não.

—Alguem...tocou voce?—inquiriu ele, e um músculo se moveu na mandíbula, uma, duas vezes.

Ela ficou confusa.

—Sim, claro.

—Quem? – Ele exigiu.

A rosto de Maddox começou aquela estranha mudança, e sob sua pele apareceu a máscara de um esqueleto. Mesmo seus olhos mudaram. O violeta se voltou negro e depois um vermelho que brilhava espantosamente.

Um nó se formou na gargante de Ashlyn, e ela se esforçou para recuperar o folego. Nem mesmo na floresta, nem mesmo acorrentado a uma cama, com uma espada cortando seus orgãos, ele tinha mostrado tal ferocidade.

 « O que faz aqui parada? Corre!»

A expressão de Maddox se torceu como se soubesse o que ela queria fazer.

—Não —lhe disse, confirmando seu medo — A única coisa que conseguiria é me enfurecer mais. Isto passará em um momento. Agora me diga quem a tocou.

—Todos — ela se forçou a responder, permanecendo no lugar — acredito. Mas tiveram que fazê-lo. – Ela se apressou em assegurar. Ela não acreditava que estava defendendo os assassinos, mas parecia o caminho mais rápido para acalmá-lo. - Era a única maneira de que pudessem me colocar na cela.

Ele relaxou, embora só um pouco. A imagem esquelética e o brilho vermelho se desvaneceram.

—Não lhe tocaram sexualmente?

Ela negou com a cabeça e também relaxou um pouco. Ele tinha ficado irritado com os homens, então. Não com ela por resistir.

— Então perdoarei suas vidas. Talvez. — disse Maddox. Depois se esqueceu de sua própria regra, pôs as mãos nas suas têmporas e a obrigou a que fixasse a atenção em seu rosto.

Ela experimentou aquele comichão elétrico de novo e sentiu sua respiração quente no nariz. Maddox era tão grande que a seu lado parecia diminuta, e tinha os ombros tão largos que a abrangiam por completo.

—Ashlyn —disse com ternura.

Aquela rápida mudança, de besta a cavalheiro preocupado, era assombrosa.

—Não queria falar disto ainda, mas acredito que devo ouvir sua resposta agora. – Uma densa densa enquanto olhava para ela - Ontem à noite matei esses quatro homens. Os que a seguiam.

—Que me seguiam? —perguntou ela. Acaso a tinha encontrado alguém do Instituto, depois de tudo? E tinham...? O resto das palavras finalmente se registrou em sua mente, Ela ofegou quando um choque de alta voltagem transpassou sua espinha. — Os matou?

„Ÿ Sim.

—Como eram? —perguntou ela, horrorizada. Se o doutor Mclntosh tinha morrido por sua culpa... Apertou os lábios para reprimir um gemido de dor.

Maddox descreveu aos homens. Eram guerreiros capazes e fortes. Ela relaxou lentamente. A maioria dos empregados do Instituto eram velhos, como McIntosh. Muitos deles eram pálidos, com pouco cabelo e óculos, e com os olhos debilitados de olhar constantemente os monitores dos computadores. Sentiu um imenso alívio, mas também culpabilidade: a noite anterior tinham morrido quatro pessoas. Não deveria lhe importar se os conhecia ou não.

—E por que fez algo semelhante?

—Estavam armados e estavam preparados para a batalha. Tinha que escolher: ou eu os matava ou me matavam.

Disse isso sem o menor sinal de remorso, apenas apontando um fato. Que lugar sangrento, violento esta fortaleza tinha se tornado. Maddox, também. Claramente, seu salvador falava como um soldado veterano. .. ou como um assassino cruel e frio, parecido a seus companheiros. Não duvidavam em matar.

Então por que seguia desejando que a abraçasse?

Fosse qual fosse a emoção que Maddox leu em seu semblante, respondia a pergunta que este não tinha chegado a formular. Ele franziu o cenho e apertou os lábios. Com desagrado? Por que? Se perguntou Ashlyn. Antes de que pudesse observá-lo melhor, ele deu a volta e subiu dois degraus mais.

—Esquece que o mencionei. —disse.

—Espera.

De um salto, Ashlyn se aproximou dele, apesar da dor do tornozelo, e o agarrou pelo braço.

Ele se deteve. Ficou muito rígido, e depois voltou a cabeça e grunhiu lhe olhando os dedos.

Ela se afastou para longe dele. Não por causa de sua reação, mas porque ela se sentiu mais desses formigamentos estranhos. Ela teria gostado de acreditar que era estatica. Alguma coisa, qualquer coisa além de oh, tão errado desejo.

—Sinto muito —sussurrou ela, e afastou a mão. Nada de tocar, recordou. Era melhor para ambos dessa maneira. Ela não conseguia controlar a reação de seu corpo quando estavam perto um do outro. Real, o contato prolongado poderia reduzi-la a um atoleiro. — Maddox...

De perfil sua expressão aparecia em branco, completamente destituida de emoção.

„Ÿ Sim?

—Não se zangue, mas já é muito tarde, assim vou voltar para o tema original. O que é?- Antes que ele pudesse voltar a se movimentar, como se ela não tivesse falado, acrescentou - Eu respondi suas perguntas, assim por favor, responde à minha.

 Ele não o fez. Ficou olhando-a.

Neervosa, ela passou a lingua nos labios. Seu olhar acompanhou o movimento e suas narinas se dilataram. Ela não queria, mas começou a balbuciar.

—Olhe, há todo tipo de criaturas pouco comuns no mundo. Ninguém sabe melhor que eu. Mencionei a você que sei que existem os demônios? Só quero ter certeza do que estou enfrentando neste castelo. – “Cale-se. Pare de falar.”

Se ele só respondesse. Ela nunca teve que preencher um silencio antes. Nunca pensou que o silencio pudesse ser desconfortável.

Ele baixou um degrau, a ação calculada e precisa para cortar a distância que os separava. Em resposta, ela baixou outro para voltar a ampliá-la.

—Não faça mais perguntas. Vai se banhar, vai comer e descansar algumas horas. Está muito suja, cambaleia por causa da fome e tem olheiras muito profundas. Depois, poderemos... falar.

De novo aquela vacilação. Ela ficou desconcertada e engoliu em seco.

—Se pedisse a você que me levasse de volta à cidade, o que me diria?

—Inequivocamente, não.

«Estava acabado». Os ombros dela se afundaram. Não importava o quanto ela desejasse aquele homem, ou possivelmente pelo muito que o desejava, tinha que começar a se comportar como um ser humano racional... e escapar.

Ela era a proxima da fila para uma facada? Ela não ressuscitava dos mortos, ao que Ashlyn soubesse.

Ontem ela teria vendido a alma para estar aqui. Você está brincando? Você vendeu sua alma. Ela não poderia ter aprendido a controlar as vozes sem Maddox com ela, mas ela simplesmente não podia ficar.

Havia muitas incertezas e também muita violencia.

Mas para ela escapar, ela teria que suportar a montanha, o frio, o nevoeiro e as vozes. “Você pode fazer. Você deve fazer isso.”

Maddox arqueou uma sobrancelha.

—Vou ter que a trancar outra vez, Ashlyn? — perguntou, como se tivesse lido seu pensamento.

A ameaça a assustou e irritou, mas negou com a cabeça. Não havia razão para perturbá-lo e se arriscar a ficar morta ou jogada naquela umida e gelada prisão, a liberdade inatingivel. Fora dela, pelo menos, haveria uma chance. Pequena, era verdade.

“O silencio não é tão doce como esperava, não é?”

— Quer partir porque tem que falar com alguém? – Ele não conseguiu disfarçar sua raiva crescente com o educado inquerito, ela viu a centelha as mesma piscando sob a superficie da pele. - Há alguém ansioso para saber onde está?

—Meu chefe. —respondeu ela com sinceridade. Talvez, se ela encontrassse um telefone, pudesse chamá-lo. Ele poderia então chamar a policia – não. Ela vetou esse pensamento de imediato, lembrando-se que poderiam ser hipnotizados pelos “anjos”.

Mas se ela pudesse chamar McIntosh, o Instituto poderia imaginar uma maneira de salvá-la. Ela poderia voltar para sua antiga vida e fingir que os últimos dois dias nunca tinham acontecido, embora o pensamento de abandonar Maddox criou uma dor inexplicável em seu peito. Garota estupida!

—Quem exatamente é seu chefe?

Como se ela fosse lhe dizer e pôr em perigo a vida de um homem inocente! Em vez de responder, se encheu de coragem e disse:

—Me deixe ir, por favor, Maddox.

Outra pausa, mais pesada do que antes. Ele se aproximou, colocando-os cara a cara como na floresta. Seus olhos eram violeta brilhante agora.

—Ontem à noite disse a você que voltasse para a cidade, e se negou a fazê-lo. Me seguiu, chamou a gritos. Lembra?

A Ashlyn resultava amargo recordá-lo.

—Um momento de loucura. – ela sussurrou, olhando para baixo para suas mãos. Seus dedos estavam entrelaçados, os nós dos dedos brancos.

— Bom, pois esse momento de loucura sentenciou seu destino, mulher. Vai ficar aqui.

 

Maddox acompanhou Ashlyn a seu dormitório. Ele já tinha limpado o sangue do chão, tinha jogado o colchão sujo e o tinha substituído por outro dos de reposição que tinha na sala contigüa. Para se adiantar à sedução, tinha lhe preparado um banho de água quente, tinha deixado uma bandeja de frios e queijos, tinha aberto uma garrafa de vinho e tinha posto lençóis limpos, secados ao sol.

Nunca tinha investido tanto esforço em um encontro sexual, mas tinha ouvido Paris falar sobre como se derretiam as mulheres com aqueles cuidados. Maddox não se deu conta de que Ashlyn passaria toda a noite em uma cela, nem de que necessitaria realmente de seus cuidados, «graças» a seus amigos. Apertou os punhos. «Sua comodidade não importa». Não estava seguro de onde provinha aquele pensamento, se do demônio ou de si mesmo. Só sabia que era mentira.

—Se banhe, troque de roupa e descansa —lhe disse. — Ninguém a incomodará. Ele fez uma pausa. - Necessita algo mais?

Ela caminhou em torno dele em um semicirculo, voltando-se para enfrentá-lo, quase imediatamente, como se não confiasse nele à suas costas. 

—A liberdade não estaria mau.

—Além disso.

Seu olhar percorreu o quarto. Ele não gostava de como ela estava palida, vacilante e dispersa. Ela não tinha estado tão esgotada à noite, mesmo no frio amargo da floresta. 

—Poderia apagar minhas lembranças dos últimos dias?

—Além disso —repetiu ele. Não tinha gostado de nada que ela quisesse esquecê-lo.

Ashlyn suspirou.

—Não. Então não há nada mais.

Maddox sabia que devia sair do dormitório para que ela pudesse relaxar e seguir suas instruções, mas não tinha vontade de fazê-lo. Se apoiou contra o trinco da porta. Ela permanecia no centro do quarto, com os braços cruzados sobre o abdômen, puxando a jaqueta rosa que usava para se abrigar. A boca dele se encheu de água.

—Fez isto com muitas mulheres? —perguntou Ashlyn em tom despreocupado.

O olhar dele agarrou-se e prenderam-se nos dela, seu corpo apertado.

—Fazer o que? Extasiá-los? Seduzi-los? A garganta dele subitamente estava bloqueada por uma massa dura.

Agora ela bufou —As prender. O que mais?

A massa se dissolvel rapidamente.

—Não. Você é a primeira. – ele replicou, fazendo o seu melhor para esconder o desapontamento.

—E o que tem pensado para mim, já que sou uma garota especial?

—O tempo dirá —respondeu ele com sinceridade.

Uma sombra de preocupação obscureceu o rosto de Ashlyn.

—Quanto tempo?

—Teremos que descobrir juntos.

Ela franziu o cenho.

—É o homem mais crítico que conheci em minha vida.

Maddox deu de ombros.

—Me disseram coisas piores.

—Disso estou certa. —murmurou ela.

Nem sequer aquele insulto fez que Maddox se fosse. Só um pouquinho mais...

—Não sabia que comida você gostaria mais, assim, trouxe um pouco de tudo o que tínhamos na cozinha. Temo que não há muito o que escolher.

— Obrigada. — respondeu Ashlyn. Depois, se zangou, apertando os labios. — Não sei por que sou amável com você. Olhe o que está me fazendo.

—Cuidando de você?

Ela ruborizou e afastou o olhar.

—Pertence a algum homem, Ashlyn? — perguntou ele de repente. Odiava aquela idéia.

— Não entendo sua pergunta. Se sou casada? Não. Se tenho noivo? Tampouco. Mas sim tenho amigos, e pessoas que se preocupam comigo — Acrescentou rapidamente, ao se dar conta de que se pôs em uma situação vulnerável. A quem ela queria convencer? A ele? Ou a ela mesma? — Me buscarão — insistiu, ao ver que ele não respondia.

—Mas não a encontrarão — respondeu Maddox. Os quatro da noite anterior não tinham conseguido subir à colina. Outros tampouco o conseguiriam.

Ela levou a mão à garganta e com o movimento atraiu a atenção de Maddox a seu pulso. Por que se sentia tão encantado pelos batimentos de seu coração, tão desejoso de acariciá-la?

—Não queria te assustar. —explicou. Ele não tinha certeza de quem ficou mais surpreso com suas palavras, Ashlyn ou ele mesmo.

—Não o entendo. — sussurrou ela.

Ele tampouco entendia a si mesmo. E, quanto mais tempo passava falando ali com Ashlyn, menos sentido tinham as coisas. Se ergueu.

—Se banhe. Voltarei mais tarde — disse, e sem lhe dar oportunidade de responder, saiu para o corredor e fechou a porta sem olhar atrás.

Era melhor assim. Do instante em que tinha perguntado se pertencia a algum homem, o demônio tinha começado a se remover dentro dele, ansioso por briga. Se ficasse, tocaria nela. Se a tocava, tomaria. Entretanto, não queria se arriscar a fundir os corpos e a que um beijo abrasador se convertesse em uma dentada, ou a que houvesse golpes muito fortes.

Aquela mulher delicada que tinha dentro de seu quarto não sobreviveria.

—Maldita seja. —grunhiu.

Ashlyn era, sem dúvida, a humana mais doce que tinha conhecido. O deixava com água na boca. Seu corpo atormentado chorava por ela. Não queria lhe causar mal, por muito que ela tivesse admitido que conhecia a existência do demônio. Só um Caçador ou uma isca podiam conhecê-la. Entretanto, ele não queria outra coisa que lhe dar prazer.

Virando-se, ele trancou a porta pelo lado de fora. Mudar o trinco fora outra coisa que ele tinha feito com antecipação a sua sedução. Pulando a partir do terraço do quarto seria a única maneira de sair, e ele duvidava que ela quisesse cair cinco andares de terrenos de rochas recortadas. Ainda assim, ele tinha colado a janela para o terraço, apenas para o caso de.

Maddox caminhou pelo corredor, rezando para que os outros guerreiros não tivessem fugido para fora. Quando ele despertou em seu corpo já curado, seu primeiro pensamento foi para Ashlyn. Ele tinha preparado o seu quarto e uma refeição para ela e procurou Lucien, encontrando-o na sala de entretenimento e exigindo saber o que aconteceu.

—Calabouço. – o homem tinha murmurado, um estranho brilho em seus olhos.

Furioso, Maddox tinha corrido do quarto, desesperado para se assegurar de que ela estava na mesma condição em que ele a deixou: viva e intacta. Ele pensava que pelo menos seus amigos teriam lhe dado comida, água e cobertores. Errado. Ela poderia ter congelado até a morte. Ela poderia ter tido fome. E eles teriam sabido.

Eles esperavam que aceitasse isso passivamente?

Errado de novo.

Quando tinha aberto a porta da cela e tinha visto o rosto suja e a expressão de medo de Ashlyn, tinha tido vontade de matar a alguém. Tinha conseguido reprimir o impulso dizendo a si mesmo que logo estaria estendida em sua cama, nua, aberta para ele. Embora aquilo tenha conseguido acalmá-lo, não tinha acalmado ao demônio; só tinha servido para incitá-lo mais.

Naquele momento, Violência necessitava uma de via de escapamento para sua raiva crescente. Só então, ele poderia acariciar Ashlyn sem medo de quebrar seu corpo frágil.

Corpo... Ashlyn... Duas palavras que o excitavam se fossem usadas na mesma frase. Era luminosa, era todas as fantasias feitas realidade, e tinha a intenção de se saciar dentro dela, uma e outra vez, tendo-a em todas as posições possiveis e algumas impossiveis também.

Logo, ela desejaria o mesmo.

O desejo brilhava nos olhos de Ashlyn quando o olhava e, constantemente, tinha tentado tocá-lo, ter algum tipo de contato físico com ele. Maddox tinha inclusive percebido o aroma de sua excitação, um perfume de paixão, inocência e mel. Entretanto, a assustava, e o medo superava seu desejo.

«Deveria estar contente de que uma isca o tema», Maddox pensou consigo mesmo.

Deveria, pensou com desdém. Como estava começando a odiar aquela palavra.

Entretanto, ela era uma Isca?

Quando ele tinha mencionado aos quatro humanos que a seguiam pela colina, Ashlyn tinha mostrado uma surpresa que parecia verdadeira. Ficou horrorizada pelo que ele tinha feito, certo, mas a maioria das humanas se horrorizava com as guerras e as matanças.

Tinha algo que resultava assombroso: Ashlyn tinha admitido livremente que conhecia a existência dos demônios. Ele não tinha tido que torturá-la para conseguir a informação. Por que ia fazer algo assim uma isca voluntariamente? Por que não tinha fingido que pensava que ele era humano para conseguir que baixasse a guarda?

Até o momento, não tinha tentado tira-lo da fortaleza, nem tampouco tinha tentado deixar entrar alguém. Entretanto, não tinha tido capacidade de movimento para fazê-lo. E não ia ter.

O que mais o confundia em tudo isso, era que ela tivesse tentado salva-lo de seus amigos. Salvar a alguém a quem queria fazer mal era ridículo. Além disso, Ashlyn podia ter-se feito mal. Era uma contradição andante, para o mundo em branco e preto de Maddox.

No dia seguinte se encarregaria de averiguar a verdadeira razão pela qual ela estava ali. Entretanto, aquele dia estava destinado a outras coisas.

Suas botas soavam contra o chão, o som ecoando na parede. A sala de entretenimento apareceu à frente e apertou o passo. O espírito ronronou de impaciência. O corpo de Maddox doía pela ansia de brigar. Quando estava em pé na larga porta, viu pipoca espalhada pelo chão e terra no tapete vermelho. Seu olho treinado viu várias manchas de sangue seco. Obviamente Reyes tinha estado aqui. Pela primeira vez a TV estava desligada. Bolas enchiam a superficie da mesa de bilhar, como se alguem tivesse parado no meio do jogo.

Mas nenhum sinal dos homens, nem mesmo de Lucien.Onde tinham ido todos?

Maddox percorreu a fortaleza, ignorando os luxos que tinham adquirido ao longo dos anos. O ofurô, sauna, ginasio, quadra de basquete improvisada. Nada disso iria ajudá-lo.

Ele chegou no quarto de Paris primeiro e explodiu dentro sem bater. A cama coberta de seda negra estava amarrotada, mas vazia. As bonecas inflaveis que Torin tinha comprado estavam deitadas em todas as posições, um público extasiado, mas inútil. Chicotes, correntes e uma variedade de brinquedos sexuais que Maddox não conseguia identificar revestiam as paredes. Eles estavam em uso, o que significa que Paris deve estar dentro da fortaleza. Em algum lugar.

Sacudindo a cabeça, Maddox desceu para o vestíbulo.

Lutar. Lutar. Lutar.

Ele tentou ignorar a voz do demonio quando ele entrou no quarto de Reyes. Nem Reyes, e nenhum brinquedo sexual.

Em vez disso eram armas. Todos os tipos de armas. Armas de fogo, faca, estrelas de atirar. Havia um tapete azul de luta greco-romana, com mais sangue seco salpicado por cima. Havia um saco de pancadas, uns poucos alteres. Vários buracos estragavam as paredes, como se alguem tivesse perfurado a pedra até que ela se desintegrou em areia. 

Ele teria que corrigir isso mais tarde.

Lutar, lutar, lutar.

O quarto de Lucien estava fechado, e não houve resposta quando ele bateu. Os quartos de Aeron e Torin estavam vazios. A frustração girava sobre os ombros de Maddox. Os pontos pretos começavam a piscar dentro e fora de sua linha de visão.

Lutarlutarlutar.

Ele queria Ashlyn, mas ele não poderia tê-la até que a urgencia para a violencia não fosse abafado – o que não poderia acontecer se não encontrasse os homens. Tudo isso só o fez mais irritado. Ele caminhou de volta para o vestibulo, seus biceps flexionados, o sangue escorrendo quente por eles.

Lutarlutarlutar!

—Onde estão todos? – Ele gritou.

Deu um murro na parede, e depois outro, com tanta força que deixou entalhes, como ele tinha visto no quarto de Reyes. Amassou seus nódulos e lhe pulsavam de dor, mas uma dor boa, uma dor que fazia que o espírito ronronasse de felicidade.

Maddox parou e esmurrou a parede novamente.

Ele não tinha muito tempo. A meia noite viria novamente. A Morte clamaria por ele. Antes que isso acontecesse, ele tinha que se perder em Ashlyn. Tinha que conhecer cada centimetro do seu corpo, por que o tormento de não saber era muito pior que queimar no inferno cada noite.

O que acontece se a mulher não desejar verdadeiramente voce? O demonio zombou. E se ela está fingindo que te quer assim voce vai dar a ela as informações? E se ela esta pensando em outro homem cada vez que voce está perto e sua excitação é para ele?

Rugindo, Maddox mais uma vez bateu com o punho na parede. Mas a pedra rachou e desmoronou.

Ela queria ele. Ela queria. Não reaja. Não dê ouvidos ao espirito. Violencia cale a boca, gostava de sua veemencia, seu sentido de posse.

—O que está fazendo? Está quebrando as paredes em vez de as arrumar?

Maddox ouviu aquela voz familiar e se voltou. O sangue lhe caía das mãos, cálido e estimulante.

Aeron estava ao final do corredor. A luz entrava em torrentes por uma janela e desenhava sua silhueta poderosa. Um dos raios de sol incidia diretamente sobre seu cabelo negro e o convertia em uma coroa brilhante que iluminava sua pele.

E como se a tivessem golpeado, como se não a tivessem acalmado, Violência despertou à vida com um uivo. Maddox assinalou a seu amigo com o cenho franzido.

—Deixaram-na lá embaixo.

—E o que?

O demônio negro que Aeron tinha tatuado no pescoço também despertou de sua letargia. Parecia que tinha piscado. E parecia que a saliva jorrava de suas presas afiadas.

—Falou?

—Do que?

—Do motivo pelo que qual está aqui.

—Não.

—Então deixa que eu pergunte.

—Não!

Ashlyn já estava o suficientemente assustada. A imagem de Ashlyn de quando ele olhou para dentro da cela passou pela mente de Maddox. Sua pele estava mais palida que a neve lá fora, as unicas cores eram as listras de sujeira marrom. Ela estava tremendo. Quando uma mulher tremia, tinha que ser de paixão, não de medo.

Lutar. Lutar. Lutar! Cantava o demonio de novo.

—Onde está agora? —perguntou Aeron.

—Não é seu assunto. Entretanto, alguém vai pagar pelo estado em que a encontrei.

Os olhos cor violeta de seu amigo, tão idênticos aos seus, como se os deuses tivessem estado muito cansados para criar algo diferente, se abriram desmesuradamente devido à surpresa.

—Por que? O que significa essa mulher para você?

—É minha —foi a única resposta que Maddox pôde dar. — É minha.

Aeron passou a língua pelos dentes.

—Não seja idiota. É uma isca.

—Possivelmente —disse Maddox. Provavelmente. Começou a caminhar para frente. Estava fervendo, faminto. ..— Neste momento não me importa.

O outro guerreiro se aproximou também, igualmente furioso.

—Pois deveria. E trazê-la aqui foi um engano.

Maddox sabia, mas não ia se desculpar. Voltaria a fazê-lo se lhe dessem a oportunidade.

—A leve à cidade e apague suas lembranças —disse Aeron.— Do contrário, terá que morrer. Viu e ouviu muito, e não podemos permitir que relate aos Caçadores.

Eles estavam quase em cima um do outro. Maddox não armou-se esta manhã, um fato que salvou a miserável pele de Aeron. Ele teria jogado um punhal naquele coração negro que ele tinha e seria um homem morto.

—Preferiria ferir você.

O demônio tatuado estendeu as asas. Estava completamente acordado, e Aeron sorriu lentamente.

—De acordo, mas você terá que arrumar o que tiver quebrado.

—E você terá que limpar.

—Como se me importasse. Vamos começar ou só vamos falar disso?

—Claro que vamos começar. Agora mesmo.

Maddox deu um salto.

Aeron também. Chocaram-se no ar.

 

Um murro, um grunhido de dor. Se esquivar do golpe, outro murro.

Maddox deu um forte golpe no rosto de Aeron e este cambaleou para um lado com outro grunhido. Entretanto, um segundo depois, se vingou com um bom gancho de esquerda na mandíbula de Maddox, ao qual lhe fizeram chiar os dentes e encheu a boca de sangue. O gosto era metálico mas doce, e em parte, saciou a sede do espírito.

Estava sorrindo quando cravou o joelho no estômago de seu competidor. O guerreiro se dobrou para frente, resfolegando. Mais. Precisava infligir mais mal. Antes que Maddox pudesse dar com o cotovelo na cabeça, Aeron avançou e com um uivo selvagem, rodeou Maddox com os braços e o atirou ao chão. Rodaram para conseguir a posição dominante; voaram os punhos, chocaram os joelhos. Os cotovelos se golpearam.

Maddox assobiou quando Aeron voltou a golpeá-lo na boca. O sorriso se apagou dos seus lábios e o interior da bochecha se rasgou. Notou outro jorro de sangue pela garganta.

—Era isso o que queria? — rugiu Aeron.

Maddox apanhou o pescoço de seu amigo com uma mão e Aeron ofegou. Sua pele começou a ficar de cor azul.

—Era isto o que queria? — perguntou por sua vez Maddox.

Aeron estava lutando por respirar e ele aproveitou que o tinha imobilizado para lhe dar outros quatro golpes, todos eles no rosto. Um no olho, outro no nariz, outro na mandíbula, o último na têmpora. «Não mais Violência por hoje», dizia-se inutilmente a cada golpe. «Não mais Violência».

« Está seguro? », perguntou o espírito de um modo sedutor.

Maddox entrecerrou os olhos e lançou outro murro «mata-o».

— Não! — gritou, e só então se deu conta que não tinha domesticado absolutamente ao demônio. Nem sequer um pouco. Ficou imóvel, ofegando, sem saber o que fazer. Não podia ir assim ao encontro de Ashlyn, sedento de sangue e mais agressivo do que era geralmente.

—Oh, sim.

Cheio de cortes e machucados. Aeron rugiu e afundou o punho no olho direito de Maddox. A dor explodiu em sua cabeça quando os punhos de Aeron golpearam uma veia. A visão se obscureceu momentaneamente. Algo úmido começou a derramar pela seu rosto e finalmente, a voz sádica sossegou.

Possivelmente precisasse submeter ao espírito a golpes. Feliz de agradá-lo, abriu os braços para aceitar o próximo golpe.

Aeron não o decepcionou. O guerreiro lhe deu uma chute no estomago e Maddox caiu para trás. Assim que tocou o chão, Aeron se colocou sobre ele, e o segurou pelos ombros com os joelhos com uma expressão de demoníaca satisfação nos olhos, muito mais ameaçador que a tatuagem que tinha no pescoço.

—Quer mais? —pergunto.

—Mais.

Um murro. A cabeça de Maddox girou bruscamente para a esquerda. Murro. Volta para a direita. Murro. A cartilagem de seu nariz rangeu.

«Me golpeie! Mais forte! Mais forte!».

A cada golpe, o espírito se afundava mais e mais. Ira contra Violência, pensou Maddox, e Violência se acovardou. A idéia de vencer a Violência produzia quase um clímax sexual. Sorriu, pensando que assim devia se sentir Reyes quando infligia feridas a si mesmo para sentir dor. Feliz no sofrimento. Desesperado por conseguir mais.

Ao receber outro golpe, seus dentes morderam a língua. A língua inchou.

«Agora não pode beijar Ashlyn», disse a si mesmo.

«Não tem que beijá-la para se deitar com ela», disse o demônio, e foi suficiente para lhe provocar um ataque de fúria.

«Já basta!». Ele queria beijar Ashlyn. Queria provar seu sabor na boca enquanto ela se retorcia contra ele. E o conseguiria. Enquanto as chamas o devoravam, naquela noite interminável, não tinha podido pensar em outra coisa.

Outro murro.

—Aeron! o que está fazendo?

Maddox ouviu a voz de Lucien do corredor.

—Dando a Maddox o que necessita. Murro.

—Basta!

—Não.

O golpe seguinte se afundou mais forte e mais profundamente na têmpora de Maddox, fazendo que seu cérebro retumbasse.

—Não pare. — disse Maddox a Aeron. Um pouco mais, e possivelmente o espírito se mantivesse escondido durante o resto do dia.

— Basta! —repetiu Lucien. — Agora mesmo, ou esta noite o levarei ao inferno com Maddox. Imediatamente cessaram os murros. Era uma ameaça que Lucien podia cumprir com facilidade.

Aeron estava ofegando, e Maddox também. Esteve a ponto de agarrar Aeron pelo pulso e obrigá-lo a que seguisse golpeando. Queria, necessitava mais. Não podia se arriscar. Se devia receber golpes até que não pudesse se mover, se deixaria pegar.

Não queria machucar Ashlyn.

Ainda não, ao menos.

A contragosto, Aeron se levantou e ofereceu a mão a Maddox para ajudá-lo a levantar. Com a mesma relutância, Maddox a aceitou e logo esteve de pé. Juntos, enfrentaram a Lucien.

Não tinha nenhuma emoção nos olhos de Lucien enquanto os observava. Maddox passou a mão pela rosto golpeada e encontrou cortes que deveriam ter sido suturados se tivesse sido humano.

—Quer alguém me dizer o que passou?

—Estamos testando uma nova técnica de luta — disse Maddox, com os lábios inchados. Por uma vez, o espírito se manteve calado. Ele quase se sentia normal. Se dar conta disso lhe resultou tão maravilhosamente incrível que sorriu.

—Exato. Uma nova técnica — disse Aeron, e passou um braço pelos ombros. Tinha um dos olhos fechados, e o lábio inferior partido.

Maddox sabia que em menos de uma hora, suas feridas estariam totalmente curadas. A imortalidade tinha suas vantagens.

Voltaria Violência a seu corpo quando estivesse são?

Lucien ia responder, mas Maddox elevou a palma da mão.

—Não quero ouvir suas queixas. Deixaram Ashlyn no calabouço. Deveriam dar graças aos deuses de que não me atire na sua garganta.

—Fizemos o necessário para que se mostrasse mais dócil. —disse Lucien, e em seu tom de voz não tinha nenhum animo de desculpa.

Maddox ficou tenso ao notar uma quebra de onda de ira. Entretanto, era uma ira muito normal, que não o obrigava a fazer coisas terríveis. Milagroso.

—Te pedi somente duas coisas. E não tem fez nenhuma das duas.

—Me pediu que a mantivesse com vida e intacta. Ambas as coisas se cumpriram — replicou Lucien.

Certo, mas ela estava assustada e gelada, e por algum motivo, isso lhe causava mais mal que os punhos de Lucien. Era tão miúda, tão delicada...

—Eu não podia me ocupar de suas necessidades. Deveria tê-lo feito você. — disse a seu amigo. Ele sempre odiava perder todos os vinculos com a realidade, quando atingia a meia noite. Ele odiava não saber o que acontecia aqui durante as horas do crepusculo, odiava não poder proteger a si mesmo ou as pessoas proximas a ele.

Por tudo o que sabia, a fortaleza podia ter sido atacada por caçadores, queimada até o chão, todos dentro abatidos. Ashlyn poderia traí-lo, levando os caçadores para o interior. Mas Ashlyn poderia ter sido abatida também.

Ashlyn poderia ter sido ferida ou morta e ele não saberia.

—Olhe, neste momento sua mulher não importa — disse Lucien.  — Desde sua última morte ocorreram muitas coisas...

Um rugido vibrou em sua garganta, em sua cabeça, em seus ouvidos, afogando a voz do outro guerreiro. Não importava?

—Não importam? Se ficasse doente...

As bordas de sua ira se transformaram em pontas afiadas que provocaram ao espírito. Depois de tudo, não devia estar completamente vencido, porque Maddox se deu conta de que seu corpo se esticava e se preparava para a guerra.

A neblina se fechou perigosamente sobre seus olhos. Possuindo ele. Possuindo ele por inteiro. O demônio gostou. «Mata-o. Quer ficar com o que é nosso».

Sim, precisava matar. O sangue lhe fervia. Sua pele se estirava sobre os ossos.

—Não te escuta — disse Aeron a Lucien, um musculo pulsando abaixo do olho do homem e ele deu em Maddox um brutal empurrão antes de romper o contato entre eles — Você está me ouvindo?

—Sim —respondeu Maddox entre dentes.

—Quanto tempo pensa ter a mulher aqui? «Todo o possível», respondeu sua mente por vontade própria.

«O que for necessário», corrigiu ele.

Tê-la na fortaleza era perigoso para ela, para ele e para os outros Senhores. Ele sabia, mas não ia liberá-la. Não tinha a vontade nem o desejo. Não tinha nada mais importante que descobrir as delícias que prometia seu corpo. Será que ela estaria quente e úmida por ele? Será que ela ronronaria seu nome? Implorando por mais?

De repente, alguém lhe deu um murro no nariz e sua cabeça explodiu de dor. A fúria se desvaneceu. A excitação também. Maddox piscou com confusão e olhou para Aeron.

—Por que fez isso?

—Seu rosto não era seu, mas de Violência — lhe disse Lucien, sacudindo a cabeça. Tinha uma expressão cansada. — Estava a ponto de estalar.

—Tem que se controlar, Maddox —disse Aeron com exasperação. — É como uma espada do Dâmocles, preparada para cair em qualquer momento e cortar a todos.

—Isso soa engraçado vindo de você. — respondeu Maddox secamente. Ele podia mudar rapidamente para ataques de violencia sem motivos, mas Aeron era conhecido por transformar-se em furia e espalhar sua vingança tão ampla e tão longe quanto possível.  

—Onde está a garota agora? — quis saber Lucien.

O primeiro impulso dele foi não responder. Maddox não queria que eles soubessem, para não irem atrás dele.

—Em meu quarto. —respondeu Maddox. Seu tom era tão escuro que não havia erro no aviso tácito: Visite-a e sinta a picada de meu demonio.

—A deixou sozinha no quarto? — inquiriu Aeron, e lançou os braços ao ar. — Por que não lhe dá uma faca e lhe diz que nos apunhale?

—A tranquei. Não pode nos causar problemas.

—Talvez saiba forçar a fechadura — disse Lucien, enquanto esfregava a nuca. — Talvez neste mesmo instante esteja deixando entrar os Caçadores.

—Não. Eu os matei.

—Mas pode ter mais.

Lucien tinha razão, e Maddox sabia. Ele rangeu os dentes, e sua mandibula agredida doeu em protesto.

—Está bem. Comprovarei que segue onde a deixei, e sozinha. Ele girou sobre os calcanhares.

—Vou com voce. Determinado Aeron o flaqueou.

Lucian os seguiu.

Maddox chutou. Se Ashlyn havia escapado e trouxesse caçadores para dentro, os guerreiros pediriam a cabeça dela.

Ele tinha certeza que não poderia entregá-la a eles, não importava seus crimes. Na verdade, cada celula do seu corpo gritou com a necessidade de protegê-la. Eu? Um protetor? Seu sangue se aqueceu com isso, ardeu.

Quando – se – chegasse a hora, ele seria capaz de fazer o necessário? Maddox não sabia a resposta. Ele gostava de pensar que sim, mas...

Eles viraram num canto, e seus passos harmonizavam com a dura batalha interior. Thump, thump, thump, thump, thump.

Pela extremidade do olho, viu que Aeron sacudia os braços e um par de facas caíam em suas mãos.

Não se tinha deixado dominar por seu demônio durante a briga, depois de tudo. Maddox se deu conta de que, do contrário, sua pele pareceria farrapos naquele momento.

Sentiu uma pontada de culpabilidade. Tinha Aeron lutado só para ajudá-lo?

—Ninguém toca na garota —disse ele, e sua culpabilidade se intensificou. Deveria ser mais leal com seus amigos. — Não importa o que averigüemos, é minha. Entendido? Eu me encarregarei dela.

Houve uma pausa tensa enquanto os outros dois homens pensavam em sua resposta.

—De acordo. —disse Lucien com um suspiro.

Aeron permaneceu em silêncio.

—É meu quarto. Posso entrar sozinho e lhes deixar fora...

—Está bem —disse Aeron. — É sua. Embora se que não vai fazer o que deveria... Mas os Caçadores serão executados no momento em que aparecerem.

—De acordo.

—Que fez ela para que sinta tanta lealdade?

Perguntou Lucien com curiosidade.

Maddox não conhecia a resposta. Nem sequer queria conhecê-la.

—Acredito que nosso amigo se esqueceu que o sexo é sexo —disse Aeron. — A pessoa que o ofereça não importa. Essa mulher não é nada especial. Nenhuma é.

 

De repente, Maddox sentiu outra quebra de onda de fúria, toda a culpa esquecida. Maddox atirou suas pernas e derrubou Aeron pulando sobre ele antes que o homem batesse no chão. Ele costumava surpreender o guerreiro e usava isso como vantagem, golpeando uma das facas e mantendo a ponta na garganta de Aeron. Mas, depois de ter se dado conta do que estava acontecendo, no meio de sua queda, Aeron teve a outra lamina pronta na garganta de Maddox, ao mesmo tempo. Maddox sentiu a ponta afundando na pele, talhando um tendão, mas ele não voltou atrás.

—Quer morrer?

Destemido, Aeron arqueou a sombrancelha negra com piercing.

—Você quer?

—Deixe-o ir, Maddox. – Lucian disse, a calma no olho da tempestade.

Ele empurrou a arma mais fundo, seu olhar nunca deixando o de Aeron. Fogo chiava e crispava entre eles.

—Não fale assim dela.

—Falo como quiser.

Ele fez uma careta. Eu gosto desse cara. Eu o admiro. Ele matou por mim e eu por ele. No entanto Maddox sabia que, se voltasse a ouvir seu amigo falar sobre Ashlyn de uma maneira tão depreciativa, saltaria. Não importava quem falasse. Nada importava exceto ela. Ele odiava isso. Ele não entendia, mas era impotente contra isso.

—Pela razão que for —disse Lucien — essa garota é um detonador. Lhe diga que não voltará a falar dela, Aeron.

—E por que? A última vez que o comprovei, ainda tinha direito a expressar minhas opiniões.

Inspire, expire. Isso não ajudava. Maddox poderia sentir-se preparando outro ataque.

“Maldição! Tenho que me controlar. Isso é absolutamente ridiculo e totalmete constrangedor. Ele nunca tinha tido tão pouca influencia sobre suas proprias ações.

—Aeron, tem que estar cansado de limpar o sangue dos chãos —disse Lucien— Pensa em quanto sangue correrá se os Caçadores estão tentando invadir agora nossa casa e não lhes impedimos de entrar. Diga-lhe.

Aeron hesitou apenas um instante antes de retirar a faca do pescoço de Maddox.

—Está bem. – ele cuspiu - Não voltarei a falar da garota. Contente?

Sim. Maddox relaxou imediatamente, e se levantou. Ele ainda estendeu a mão para ajudar Aeron se levantar, mas Aeron ignorou e levantou-se sozinho. Paris já havia chamado Maddox de “Humor Oscilante”, ele estava brincando no momento, mas Maddox estava começando a acreditar de verdade nas palavras.

—Não vou dizer, mas sabe o que estou pensado, não é? —perguntou Aeron com ironia.

Sim. Sabia. Era pior que Paris.

—Meninos! —disse Lucien, pondo os olhos em branco.

—Mama... —respondeu Aeron, mas não havia calor em seu tom.

Maddox fechou os olhos por um momento, concentrando-se, tentando convencer a si mesmo. Ashlyn era apenas uma mulher. Ela não significava nada mais que satisfação temporária. As sombras e dor que ele vislumbrou em seus olhos, não significava nada. Isso não ia amolecer nem enfeitiçar ele. Ele tinha que começar a pensar nela como os outros o faziam.

Mais dessa luta absurda, e ele teria que jogar sua dignidade no lixo. Inferno! Talvez os deuses tivessem decidido castigá-lo e enviaram Ashlyn para levá-lo a loucura, para causar-lhe dor e sofrimento. Para puni-lo. Talvez ele não devesse mais ansiar a morte eterna só de noite. Talvez devesse desejar a morte eterna de dia.

—Bem? – Lucien perguntou.

Nem perto disso. Ele podia estar calmo agora, mas estava pior que nunca. Ainda assim, ele balançou a cabeça e seguiu pelo corredor sem outra palavra, subindo as escadas para sua ala na fortaleza. É melhor acabar com isso.

Quando Lucien e Aeron mais uma vez ficaram ao seu lado, Aeron disse:

—Minha lâmina.

—É boa. Ele replicou, propositalmente não entendendo. Ele não ia devolver isso.

Aeron bufou.

—Eu não sabia que voce estava com falta de armas.

—Se voce quiser manter a sua, melhor tomar cuidado.

—O mesmo poderia ser dito de sua cabeça.

Maddox não respondeu. Quanto mais se aproximavam do quarto, mas percebia Maddox o aroma de mel de Ashly. Aquele aroma era dela; não era de um sabão nem de um perfume, a não ser dela. Maddox notou que lhe endurecia o corpo. Teve a sensação de que levava toda a eternidade esperando provar aquele mel. “Ela é apenas outra mulher, lembra-se? Nada especial”, ele lembrou-se a si mesmo.

Olhou seus companheiros. Não parecia que eles percebessem aquele aroma doce que impregnava o ar. Bem. Ele queria Ashlyn por completo, com exclusividade. Nada especial, maldição!

Quando chegaram à soleira, os três se detiveram. Aeron ficou tenso e preparou sua lamina remanescente. Sua rosto se transformou em uma máscara dura, como se estivesse se preparando para fazer o que fosse necessário. Lucien também tirou uma arma: um revolver calibre 45 carregado e preparado.

—Olhem bem antes de atacar. — advertiu Maddox entre dentes.

Eles assentiram. Sem olhá-lo.

—No três. Um — sussurrou, e escutou atentamente.

Do outro lado da porta não tinha nenhum som. Nem o chapinho da água do banho, nem o suave entrechocar de um prato em uma bandeja. Teria Ashlyn escapado de verdade? Se o tivesse feito...

„ŸDois...

Seu estômago se encolheu de raiva e medo, suas cicatrizes queimando. Apertou com força o punho de sua faca. Ele mal podia deixar a fortaleza, poderiam procurar nos confins da terra por ela.

Nada especial, realmente.

—Três.

Girou a maçaneta e abriu a porta de par em par. As dobradias rangeram. Os três homens entraram rapidamente, em silêncio, preparados para qualquer coisa. Maddox passou o olhar pela sala, assimilando todos os detalhes. Não tinha rastros no chão. As janelas estavam fechadas. A bandeja de comida, intacta. Tinha roupa sua fora do armário, atirada pelo chão.

Onde estava Ashlyn?

Aeron e Lucien se separaram enquanto ele avançava sigilosamente junto à parede do armário, com os sentidos em alerta. Então as mantas da cama se moveram e se ouviu um suave gemido.

—Baixem as armas — ordenou Maddox com um sussurro feroz. O sangue lhe tinha cozido ao ouvir o som daquele suspiro feminino.

Vários segundos se passaram antes que qualquer um dos homens obedecessem. Só então Maddox aproximou-se da cama, devagar...suando...Por alguma razão, ele tremia como um ser humano fragil. Ele suspeitava que a imagem que estava prestes a ver iria destrui-lo.

Ele estava certo.

Ele encontrou a Bela Adormecida. Ashlyn. Anjo. Destruição.

Seu cabelo cor âmbar estava estendido pela almofada branca. As pestanas, um pouco mais escuras que o cabelo, projetavam sombras longas sobre seu rosto, ainda manchadas da porcaria do chão do calabouço. Não tinha se banhado, não tinha comido. Devia ter dormido assim que ele a tinha deixado sozinha.

—Bonita. — disse Aeron com uma admiração reticente.

«Deliciosa», corrigiu-o Maddox em seus pensamentos. «Minha». Tinha os lábios vermelhos e deliciosamente inchados. Os teria mordido de preocupação? Observou o movimento ascendente e descendente de seu peito e, sem poder evitar, esticou o braço – não toque, não toque - para tocá-la. Entretanto, apertou o punho antes de roçá-la. De novo, seu corpo se endureceu como uma rocha e a necessidade fervia em seu interior. Uma necessidade escura, intensa, mais poderosa inclusive que Violência.

Como era possível que ela conseguisse aquela resposta dele, só com um suspiro?

Tocar ela. Quem queria isso? Ele? O demonio? Ambos? Não importa. Apenas um carinho, então iria embora. Ele tomaria um banho e retornaria quando ela tivesse descansado – e ele tivesse ele mesmo sob um firme controle. Certamente ele conseguiria.

Finalmente, estendeu os dedos e lhe acariciou a bochecha com a suavidade de uma pluma. Sua pele era suave, mas lhe produziu um comichão elétrico e, ao insistir, a temperatura de seu corpo subiu outro grau.

Ashlyn abriu os olhos de repente, como se ela também houvesse sentido o comichão.

De repente, se levantou, e a juba caiu em cascata pelos ombros e as costas. Com olhos sonolentos, o olhou.

—Maddox — sussurrou.

Se voltou para trás até que subiu a cabeceiro de metal, e as algemas repicaram contra os lados da cama. Eram as algemas com as que o atavam todas as noites.

—Maddox. —repetiu ela. Assustada, alucinada..., feliz?

Maddox, Lucien e Aeron deram um passo atrás ao uníssono. Sabia por que se movia; tinha visto sua ruína nos preciosos olhos de Ashlyn quando seus olhares se encontraram. Entretanto, não sabia por que os outros reagiam assim.

—Que... que está fazendo? — pergunto ela.— E o que aconteceu com seu rosto? Está sangrando. – Ele ouviu a preocupação e sacudiu-o profundamente. Será que ela sempre afetá-lo assim?

Então olhou aos outros e gemeu.

— Não foi suficiente matá-lo ontem à noite! Tiveram que golpeá-lo hoje também? Saiam daqui, seus...seus... assassinos! Fora!

Saltou da cama e se interpôs entre Maddox e eles, cambaleando ligeiramente enquanto abria os braços para mantê-los afastados. Para protegê-lo? Outra vez? Com os olhos muito abertos, Maddox olhou a seus amigos, que também tinham expressão de assombro.

Os atos de Ashlyn eram os de alguém inocente... ou de alguém que fingia ser inocente. De todo o modo, Maddox notou que queria tocá-la outra vez. Para sentir consolo? Não, não podia ser. Tinha que ser por desejo. Isso tinha sentido. Ele era um homem, ela era uma mulher. Desejava-a.

Mas, se faria aquele desejo mais escuro, tal e como temia?

Puxou seu braço e a puxou para que se colocasse atrás dele. Compartilhou um olhar de confusão com Lucien, e depois se voltou para olhá-la. Antes de que pudesse pronunciar uma só palavra, ela disse apressadamente:

—Vai me levar a cidade agora? Por favor.

E não voltar a vê-la?

—Come — lhe ordenou, mais duramente do que pretendia.  — Se Lave. Voltarei logo —disse. Depois, ladrou a seus amigos. —Vamos.

E saiu ao corredor. Eles vacilaram um momento antes de segui-lo. Depois de fechar a porta com chave, Maddox apoiou a testa contra o gelado muro de pedra ao lado avaliando cada molécua de ar que ele forçou a extrair de seus pulmões, enquanto tentava acalmar o ritmo caardiaco desenfreado.

«Isto tem que parar».

—Trouxe o problema para casa —disse Aeron, permanecendo a seu lado — Realmente estava tentando te proteger de nós?

—Não pode ser.

Entretanto, era a segunda vez que o tinha feito, e Maddox estava mais confuso naquele momento que antes.

Se ergueu e passou a mão pela rosto.

—Me deixe partir, Maddox — pediu Ashlyn através da porta. — Me equivoquei ao vir. Se servir de algo, te prometo que não contarei a ninguém.

—Sei que trouxe problemas —reconheceu Maddox a Aeron.

Seu amigo arqueou uma sobrancelha numa expressão insolente que Maddox estava começando a detestar.

—E não vai se desculpar?

Aquilo era o pior de tudo, não o lamentava.

—Esquece a mulher por agora —disse Lucien, agitando uma mão no ar. Ele enquadrou seus ombros — A viu, está bem. Não parece que tenha deixado entrar os Caçadores, ao menos ainda. Agora temos algo mais importante do que falar. Antes tentei dizer que os deuses... não são quem pensa.

—Maddox, temos que falar com você. —disse uma voz áspera, que cortou qualquer resposta que ele tivesse podido dar.

Lucien subiu os braços com exasperação e Maddox deu a volta. Reyes se aproximava junto a Paris e Torin. Os dois primeiros tinham o cenho franzido. O terceiro sorria, como o louco que era.

—Sua mulher tem que partir —rugiu Reyes. — A estive cheirando toda a noite, e não posso suportar outro instante mais dessa essência de tormenta.

Tormenta? Ashlyn cheirava a mel. Ainda assim, sua mandibula apertou com o pensamento de outro homem ser tão consciente dela.

—Fica. —disse Maddox laconicamente.

—Quem é, por que esta aqui e..... posso vê-la nua? —perguntou Paris, movendo uma sobrancelha.

—Alguém deveria matá-la. — sentenciou Reyes.

— Ninguém vai tocar nela!

Aeron fechou os olhos e sacudiu a cabeça.

—Aqui vamos nós outra vez.

—Ao contrário de Reyes, a mim não importa sua presença —disse Paris, esfregando as mãos. — Só me importa que não queira compartilhá-la. Eu gostaria...

Maddox empurrou Paris antes de que este pudesse terminar a frase.

—Não diga nada mais. Sei o que você gostaria de lhe fazer, e antes morrerei.

Então Paris franziu o cenho e sua pele pálida avermelhada.

—Te afaste, idiota. Não estive com nenhuma mulher hoje, assim não estou com humor para tolices.

Torin permanecia no canto, observando, sorrindo.

—A ninguém mais parece divertido isto? É melhor que escutar aos corretores quando as ações descem vertiginosamente.

Maddox lutou por dominar seu temperamento e tirar Ashlyn da cabeça. Como mulher, como humana, como possível isca, era a última pessoa que deveria lhe suscitar aquele sentimento de amparo.

Deveria, deveria, deveria. AH! «Termina com isto». Finalmente. Logo. Já.

— Basta! —gritou Lucien.

Todo mundo fico em silêncio e olhou Lucien com surpresa. Dificilmente gritava.

—Tinha Caçadores na cidade? —pergunto a Paris e a Reyes.

Reyes sacudiu a cabeça.

—Não encontramos nenhum.

—Bem. Isso está bem. Possivelmente Maddox realmente matou todos. —disse Lucien, e assentiu com satisfação. — Mas Maddox não sabe nada dos deuses ainda. Temos que contar a ele. E há mais. Aeron e eu... fizemos algo ontem à noite.

Instantaneamente, o corpo de Aeron ficou rigido.

—Nós dissemos que não iriamos dizer a eles.

—Eu sei. – Lucian assentiu, claramente no fim de sua paciencia. – Mudei de ideia.

—Você não pode simplesmente mudar de ideia! – Aeron rugiu, pulando na frente de Lucian.

—Eu posso e eu fiz. – foi a resposta. Não exatamente calma, mas perto, somente na borda do aço.

—Que está acontecendo? —pergunto Maddox, se colocando entre eles e empurrou-os. Pela primeira vez, não era ele jogando acusações e punhos  — Realmente quero ouvir. Você mencionou os deuses? Sei que chamaram Aeron, mas estava muito distraído para perguntar antes pelos detalhes. Que queriam dele?

—Mais tarde — respondeu Torin a Maddox, sem afastar os olhos de Lucien. — O que têm feito, Morte?

—Se explique. —exigiu Reyes.

A atenção de Lucien nunca deixou Aeron.

—Depois da sua reação a Ashlyn, precisamos ter certeza de que não tropece acidentalmente em cima de nosso segredo. O que voce acha que vai acontecer se eles tropeçarem?

Por um longo momento, Aeron não respondeu. A tensão cortava o ar, grave, sinistra. Finalmente, Aeron assentiu.

—Certo. Mostre a eles. Mas se prepare para a guerra, meu amigo, por que eles não vão ficar felizes.

—Alguem pode explicar melhor? – Reyes exigiu, olhando para eles.

—Uma explicação não será suficiente. Preciso lhes mostrar isso - disse Lucien, e começou a caminhar pelo corredor. — Me sigam.

Palavras proféticas, pensou Maddox. Ele lançou um olhar de interrogação para Torin, que havia dito algo semelhante apenas na noite anterior. Sabia o que estava acontecendo? Ele sinalizou com a boca.

Não, foi a resposta silenciosa. 

Não podia ser nada bom, pensou Maddox. Lucien nunca se mostrou tão misterioso. Confuso, intrigado, preocupado, olhou para a porta atrás da qual Ashlyn se encontrava antes de seguir a seus amigos.

 

Ashlyn deitou na cama, tentando controlar a respiração. Oh, Deus. Ele tinha voltado. Não tinha sido um sonho, uma alucinação nem um milagre. Maddox estava vivo. Ela tinha estado realmente encerrada em um calabouço. Ele tinha voltado realmente de entre os mortos. E realmente, fazia com que as vozes cessassem.

Quando a tinha deixado naquele estranho dormitorio de paredes nuas, ela havia começado a procurar um telefone, mas não o tinha encontrado. Depois tinha procurado uma saída. Nada. O cansaço a tinha vencido rapidamente. Não tinha sido capaz de lutar contra o silêncio relaxante, como uma droga adorada da qual finalmente podia desfrutar. Assim se deitou sem se preocupar com as conseqüências. Imaginou que possivelmente, só possivelmente, tudo aquilo não fosse mais que uma ilusão e que, quando abrisse os olhos, se encontraria em sua casa, em sua cama.

Assim não. Oh, assim, não.

Um momento atrás, um choque havia trespassado ela, arrastando-a a chutes e gritando do sono mais tranquilo de sua vida inteira, envolta em um sono de silencio feliz.

Entretanto, ao abrir os olhos, tinha visto Maddox inclinado sobre ela, olhando-a com seus profundos olhos de cor violeta.

Sua rosto estava cheio de hematomas e cortes. Tinha o olho esquerdo inchado e o lábio quebrado. Ao recordá-lo, sentiu náusea. Aqueles monstros tinham tentado matá-lo de novo?

«De novo». Há! Ela riu bem-humorada! O tinham matado. E dois de seus assassinos estavam com ele. Além disso, Maddox falava com eles em termos amáveis, conversava como se não tivesse nenhuma razão para odiá-los. Como podiam seguir sendo amigos?

Saltou da cama. Doía-lhe o corpo a cada movimento e franziu o cenho. Muito estresse..., e não tinha um final a vista para tudo aquilo.

Foi para o banheiro e se surpreendeu por sua beleza, levando em conta quão espartano era o quarto e a aridez do calabouço. Ali, as paredes estavam recobertas de azulejos brancos e o chão era de mármore; uma bancada em cromo e negro cheia de toalhas, uma pia de porcelana além disso, tinha uma banheira cheia, de ferro, com os pés de garras, que tinha a torneira elevada, em caso de um gigante quisesse tomar banho?  De olhos quase arregalados, observou a cortina quase transparente.

Por algum motivo que ela não compreendia, tudo estava atarraxado, e não tinha nenhuma decoração.

Luzes diferenciadas pendiam do teto, esticando seus braços de bronze em diversas direções. Não havia outras decorações. Nenhuma imagem ou amenidade. Maddox havia retirado eles, com medo de que ela os roubasse?

Ashlyn bufou. O Instituto pagava muito bem para ouvir e aprender sobre todas as coisas paranormais, o dinheiro não era um problema. Além disso, o que ela queria, McIntosh lhe dava de bom grado. E se ela não queria pedir-lhe, ela requisitava da Internet e era entregue à sua porta.

Ela corou, pensando em algumas coisas que ela encomendara recentemente. Romances, que invariavelmente levou a compra de um traje de harém, um jogo de sutiã e calcinha de couro preto, e depois de ler um livro especifico sobre um agente secreto e uma ex-ladra, lenços de seda e fitas adesivas. Não que ela tivesse usado algum deles.

Ashlyn deu de ombros e, com um suspiro, pegou uma das toalhas e a molhou na água da banheira, que tinha ficado gelada. Sem tirar a roupa, se lavou o melhor que pôde. Não tinha intenção de se despir. Um daqueles homens podia voltar a qualquer momento.

«Sim, mas você gostaria que Maddox voltasse».

«Não», disse ela, ruborizada pela idéia. Não gostaria. Maddox a assustava.

«Ele te proporciona o prezado silêncio».

«Já não». Maddox não estava ali e, entretanto, as vozes não tinham voltado. Tinha a cabeça clara, e só ouvia seus próprios pensamentos. «Estou curada».

«Não esta. Ontem à noite, no calabouço, ouviu vozes».

—Agora estou falando comigo mesma — disse, elevando as mãos ao céu. — Qual será o próximo acontecimento?

Ela estudou seu reflexo no espelho. Goticulas de água escorria da testa para o nariz, do nariz ao queixo. Suas bochechas estavam brilhantes de cor rosada e seus olhos escuros brilhavam. Estranho. Ela nunca tinha sido mais consciente da propria mortalidade, mas também nunca se sentira mais viva.

Notou que tinha o estômago vazio e recordou que tinha uma bandeja cheia de comida que Maddox devia ter deixado ali. Seus pés a levaram sem que tivesse ordenado, chutando as roupas que ela tinha atirado fora do armario quando ela procurava um telefone celular escondido. Camisetas negras, calças pretas, cuecas pretas.

Seus mamilos endureceram com o pensamento de Maddox em nada mais que uma cueca. Ele se deitaria na cama, duro e tenso, a ereção espreitando pelo cós, a maldade em seus olhos enquanto ele chamava ela novamente com uma curva de seu dedo.

E ela iria de bom grado até ele.

Ashlyn mordiscou o labio inferior. Maddox...numa cama...querendo ela...Seus joelhos enfraquecidos, e sua barriga tremia. Garota estupida. Aparentemente, quando tinha um pouco de silencio, tudo o que ela pensava era em sexo.

Ela recolheu a bandeja de comida entre as mãos e se aproximou da janela. Apoiou a bandeija no parapeito e pegou uma uva. O suco doce da fruta lhe percorreu a garganta, e esteve a ponto de gemer antes de se concentrar no assunto mais importante de todos: escapar.

Tinha falado a McIntosh, e portanto ao Instituto, sobre aqueles homens e sua fortaleza. McIntosh sabia, inclusive, que ela tinha a intenção de visitá-los. O mais provável era que, naquele momento, ele já soubesse aonde tinha ido.

Iria procurar a ela ou a abandonaria a sua sorte como castigo por ter desobedecido? Embora sempre tivesse sido bom com ela, nunca tinha tolerado enganos de outros empregados e, muito menos, a desobediência.

«Virá», pensou Ashlyn. «Necessita de você».

Entretanto, enquanto olhava pela janela, só via mato e neve. Não deixou que aquilo a desanimasse. Tinha que sair dali quanto antes. Estando lá, permitia que qualquer pessoa de fora a visse, ela jogou outra uva na boca e bateu no vido. Esto aqui. Pode me ver?

Ela precisava sair o mais rapidamente possivel. A cada segundo que passava, a loucura dos guerreiros parecia se aprofundar e tomar conta dela. Ela imaginou seu carcereiro de cuecas, pelo amor de Deus.

Felizmente, McIntosh poderia vê-la, fazer um buraco na porta da frente e arrancá-la dali. Explodir. Feito. Fora. Não, espere. Rebobinar. Ela não queria McIntosh no interior das muralhas. Ele não seria pareo para Maddox e os outros. Ela tinha que distrair Maddox, talvez nocauteá-lo de alguma forma, e correr. Fora da fortaleza e descer o morro. O frio e as vozes eram melhores do que a ameaça de morte que ela encontrou aqui.

Então...exatamente o que ela faria para distrair o homem? Enquanto pensava, comeu todas as uvas. E quando terminou com elas, deu conta dos frios e do queijo, e tomou um pouco de vinho. Nunca tinha comido nada tão delicioso. O presunto estava polvilhado com açúcar mascavo, e tinha sido uma festa para suas papilas gustativas. O queijo era suave, e as uvas tinham sido um contraponto perfeito. O vinho, excelente.

Bem, aquele lugar tinha alguns pontos a seu favor.

Entretanto, a comida não era uma razão suficientemente boa para ficar. E o sexo? Claro que não, pensou, embora sentisse um comichão no estômago. Isso era...

De repente, tudo em seu interior ficou em alerta. Era como a calma antes da tormenta. Não sentia exatamente dor, mas se deu conta de que algo não estava bem em seu corpo. Um batimento do coração... dois... Engoliu em seco, esperou.

Então estalou a tormenta.

O sangue lhe gelou nas veias, mais umas gotas de suor, afiadas como cristais quebrados, lhe cobriram a pele. Gritou, gemeu, tentou tirar-lhe. Entretanto, não se foram, e agora ela realmente podia vê-los, estavam sobre ela. Eram como aranhas, e ela via suas patinhas passeando por seu corpo. Lhe formou outro grito na garganta no preciso instante em que a invadia um forte enjôo, assim que o som se transformou em um grunhido. Teve que se agarrar a janela para não cair. A bandeja caiu ao chão com estrepito.

De repente, o enjôo se transformou em dor, e a dor em uma faca que a atravessou do estomago ao coração. Cambaleou, ofegou e gemeu, tudo ao mesmo tempo. Luzes brilhantes passavam em frente aos seus olhos, uma matriz de cegueira colorida.

O que lhe tinha passado? Tinha veneno na comida? Oh, Deus, ainda tinha aquelas aranhas na pele?

Outra pontada de dor a atravessou.

—Maddox — sussurro.

Nada. Não ouviu passos.

— Maddox! —gritou, projetando o nome com todas suas forças. Tentou chegar até a porta, mas não podia se mover.

Nada.

— Maddox!

«Por que o chama? Possivelmente ele seja quem tem feito isto».

—Maddox —repetiu Ashlyn. Não podia tirar o nome dos lábios. — Maddox...

Lhe nublou a visão e sua garganta se inflamou, cobrindo com um arco-iris muito brilhante.

—Maddox. – Sua voz era so um sussurro rouco agora, uma suplica tremula. 

Seu estomago apertado, a garganta estava inchando. E então, de repente, ela não conseguia respirar. Cada celula em seu corpo parecia gritar e gritar e gritar. Precisava de ar. Precisava respirar. Caiu ao chão, incapaz de suportar o proprio peso. Necessitava ar, precisava tirar aquelas aranhas do corpo, mas não tinha força nem energia.

A garrafa de vinho se inclinou e o liquido que ficava dentro  derramou a seu redor. Perdeu a visão completamente enquanto o mundo desmoronava e desaparecia, deixando somente a escuridão.

 

Maddox não podia acreditar no que estava vendo.

—Isto... não é possível — disse. Passou a mão pelos olhos, mas a visão não mudou.

—É evidente que não era Ashlyn a quem estava cheirando.  —disse Reyes, e deu um murro na parede. O pó se estendeu pelo ar, e algumas partes pequenas de pedra caíram ao chão.

Torin se limitou a rir.

Paris inalou com reverência.

—Venham comigo.

Ali, em um canto do dormitório de Lucien, haviam quatro mulheres de diferentes idades. Estavam agarradas pelas mãos umas das outras e aconchegadas, muito juntas, como se quisessem se dar apoio e força. Estavam tremendo e olhavam aos homens com os olhos muito abertos, cheios de pânico.

Maddox se deu conta de que nem todas tremiam. Tinha uma loira muito bonita, com sardas, que os olhava com fúria. Tinha a mandíbula apertada, como se se estivesse mordendo a língua para não começar a proferir obscenidades.

—Que estão fazendo aqui? — perguntou.

—Não me fale nesse tom. —respondeu Aeron. — Você começou com seu bonito pedaço de Isca.

Grunhindo baixo, Maddox fechou a distancia entre eles. Uma das mulheres choramingou.

—Eu pensei que tivesse acabado com isso – disse – Tome cuidado com o que diz dela ou sofrerá.

Aeron não recuou.

—O que voce sabe sobre ela? Com poucas horas? Você mal falou com ela. Ela deveria estar implorando por misericordia, agora, e nós deveriamos saber todos os seus segredos e o que os caçadores, se houver mais lá fora, estão planejando.

—Ela tentou me salvar quando fui esfaqueado. Ela tentou me salvar de voce só há poucos minutos.

—Um ato.

Provavelmente. Ele disse a si mesmo que uma coisa já era muito, mas não queria ver nisso um problema.

Não então, não agora.

Frustrado consigo mesmo ao inves de com Aeron, ele recuou nesse momento. Maddox olhou a Lucien.

—Por que estão aqui? – ele perguntou, composto, mas não menos incrédulo.

Ou melhor, tão composto como era capaz de estar no momento.

Lucien olhou a Aeron. Aeron fez um gesto com o queixo para o corredor. Sem entender, os guerreiros saíram. Todos estavam impacientes por saber o que ocorria. Lucien foi o último a sair, e fechou a porta com a chave.

Maddox olhou a seus amigos. Todos tinham a mesma rosto de incredulidade que ele. Nunca tinha acontecido nada parecido. Nenhum tinha levado uma mulher ao castelo, nem sequer Paris (não que ele soubesse), e naquele momento, tinha tantas fêmeas na casa como guerreiros. Era surrealista.

—E bem? —insistiu.

Aeron, então, explicou que os Titãs tinham derrubado os Gregos, os lideres de milhares de anos e que os novos soberanos queriam..., não, tinham lhe ordenado que executasse aquelas quatro mulheres inocentes. Se resistisse, o voltariam louco de violência; se pedisse que o liberassem da tarefa, ficaria maldito, como Maddox.

Maddox escutou a história sem sair de seu assombro. E o horror ia tomando conta dele.

— Mas por que foram o novo Rei dos Deuses pedir a Aeron que...

De repente, adivinhou a resposta e apertou os lábios.

«É minha culpa», pensou. «Eu sou o responsável. Ontem desafiei aos deuses, os insultei». Aquilo tinha que ser sua vingança.

Olhou Torin com consternação. O guerreiro o estava observando com um brilho duro nos olhos verdes. Então ele se virou e achatou as mãos enluvadas no espelho pendurado acima de sua cabeça. Sua reflexão foi desoladora. No dia anterior, os dois tinham afirmado que não lhes importava que os deuses os castigassem. Tinham pensado que nada podia ser pior que a situação em que viviam.

Se equivocavam.

—Não podemos permitir que Aeron faça isto — disse Lucien, interrompendo os negros pensamentos de Maddox. — Já está no limite. Todos estamos.

Reyes deu outro murro na parede e grunhiu pela força. Tinha cortes nos braços e lhe abriram por causa do impacto. O sangue vermelho salpicou na pedra chapeada.

—Os Titãs têm que saber o que ocorrerá se Aeron obedecer. Tem que saber que estamos em um equilibrio muito precário entre o bem e o mal. Por que fazem isto?

—Eu sei por que. —disse Maddox. Todos o olharam.

Enquanto contava o que tinha feito, sentiu uma grande vergonha.

—Não esperava que acontecesse isto — terminou. — Não sabia que os Titãs tinham escapado, e muito menos que tinham tomado as rédeas do Olimpo.

—Não sei o que dizer. — sussurrou Aeron.

—Eu sim. Maldito seja. — respondeu Paris.

Maddox deixou a cabeça cair para tras e olhou para o teto. Eu pensei que estava provocando os gregos, ele quis gritar. Eles não teriam feito nada. Continuariam a ignorá-lo.

—Acha que Ashlyn é também um castigo dos Titãs? —perguntou Lucien.

Ele apertou as mandíbulas.

—Sim. – É claro que ela era uma punição. Ele já tinha pensado isso antes - o timing de sua chegada, a forma como ela assombrou sua mente a acendeu seus desejos – mas ele assumiu que os Gregos eram os responsáveis. - Os Titãs devem ter conduzido aos Caçadores diretamente para nós, sabendo que podiam usar Ashlyn, e como ia me transtornar.

—Você não amaldiçoou aos deuses até depois que tivessem chamado Aeron. Além disso, nem sequer os tinha desafiado quando Ashlyn apareceu pela primeira vez em minhas câmaras — assinalou Torin. — Os Titãs não podiam saber o que faríamos e diríamos depois.

—Não? Possivelmente não a enviaram, mas devem a estar usando de algum modo —disse Maddox. Não tinha outra explicação para a intensidade do que sentia por Ashlyn. — Me ocuparei dela — acrescentou. Entretanto seu corpo se tensionou, e lhe rogou que retirasse aquelas palavras. Ele não o fez. — Me ocuparei de todas elas.

Paris o olhou com o cenho franzido.

„Ÿ Como?

Cruel, ele disse.

—As matarei.

Fazia coisas piores. Por que não podia acrescentar aquilo a sua lista? «Porque não sou uma besta». Se o fazesse, se transformaria em Violência. Não seria melhor que o espírito que levava dentro, e sua existência só teria um objetivo: causar dor.

Entretanto, ele tinha levado aquela praga à casa. Tinha que arrumá-lo, mas poderia destruir Ashlyn? Não queria saber a resposta.

— Você não pode matar às quatro que estão no quarto de Lucien — disse Aeron, triste. — Os Titãs me ordenaram isso. Quem sabe como reagirão se não seguir suas instruções ao pé da letra.

—Ouço-lhes, canalhas doentes —gritou uma voz feminina por trás da porta. — Se nos matarem, juro a vocês que eu os matarei. Houve uma pausa na movimentação e na conversa. Reyes sorriu com ironia.

—Uma façanha impossível, mas eu gostaria de vê-la tentando.

Uns punhos femininos golpearam a porta.

— Nos soltem! nos soltem! Ouvem-me?

—A ouvimos, mulher —disse Reyes. — Estou certo de que lhe até os mortos ouvem.

 

O fato de que Reyes, o mais sério de todos, fizesse uma brincadeira, era inquietante. Só recorriam ao humor quando a situação era desesperadora.

Aquilo era um pesadelo. Depois de séculos de rotina rígida, de repente Maddox tinha que interrogar a uma mulher e depois destruí-la, antes que pudessem usá-la contra eles. Tinha que salvar a um amigo de uma ordem impensável. E tinha que aplacar aos deuses. A deuses que nem sequer sabiam como se aproximar deles.

Aqueles Titãs eram seres desconhecidos. Se lhes pedisse misericórdia e eles lhe ordenassem fazer algo vil, algo ao que ele se negasse, a situação pioraria com toda segurança.

„ŸPor que não as toco? —Torin sugeriu, voltando-se para o grupo. Seus olhos tão brilhantes e verdes como os da menina dentro do quarto. Apesar dos dela ter sido preenchido com raiva, os dele eram preenchidos com desespero. — Se morrerem de enfermidade, ninguém terá que se preocupar com sua consciência — Exceto Torin.

—Não.  —disse Aeron, ao mesmo tempo que Paris gritava:

— Não, demônios!

—Nada de enfermidades —disse Lucien. — Uma vez que começa, é impossível de controlar.

—Manteremos os corpos em pacotes selados — propôs Torin com decisão.

Lucien suspirou. —Isso não serviria de nada, e sabe. A doença sempre se estende.

—Enfermidade! — gritou a garota— Vão nos contagiar com alguma enfermidade? Por isso nos trouxeram aqui? Asquerosos, odiosos, pedaços podres de...

—Silêncio. —disse outra voz— Não os provoque, Dani.

—Mas, vó, esses...

Suas vozes se afastaram. Provavelmente, tinham afastado a garota da porta. Maddox gostava de sua coragem. Recordava a Ashlyn, que tinha enfrentado a ele na cela e tinha exigido que mostrasse o abdomem. Estava claro que queria sair correndo, mas não o tinha feito. Só de recordar, lhe endurecia o corpo e lhe esquentava o sangue. Tinha acariciado suas feridas, inclusive, e tinha infundido um pouco de vida nele. Isso era algo que ele não tinha podido compreender.

Ternura, possivelmente?

Sacudiu a cabeça. Lutaria contra aquela emoção até seu último fôlego, que chegaria dentro de treze horas, pensou ironicamente. Não podia sentir ternura por uma isca, nem por um castigo divino, nem pelo que fosse.

A prova era que, quando voltasse a vê-la, tomaria com dureza, rapidamente, investindo, investindo...Ela gemeria e gritaria seu nome. Suas coxas se apertando em sua cintura e...Não, não. Por sua propria iniciativa, a imagem se realinhou em sua mente, mudando a favor de Violencia.

Ela estaria sobre o proprio estomago, se apoiando sobre as mãos e joelhos. Aquele lindo cabelo cairia como cascatas sobre as costas elegantes, e ele agarraria e puxaria-o. Seu pescoço faria um arco, seus labios se abririam em um suspiro de prazer-dor. Dentro e fora, ele golpearia seu canal quente e umido. Apertado. Sim, ela seria mais apertada que um punho. Seus testiculos bateriam em suas pernas.

«Quando estiver com Ashlyn em minha cama, vou ser suave, tenho que recordá-lo».

Aquele pensamento foi esquecido. Lhe pediria mais, e ele o daria. Ele...

—Isto está começando a ser tedioso — disse Aeron, e o empurrou com força para a parede. Está ofegando e suando, e tem um brilho vermelho nos olhos. Está a ponto de estalar, Violência?

A imagem de Ashlyn, nua e excitada, se desvaneceu... Aquilo enfureceu ao espírito, que tentou sair da pele de Maddox e atacar. Maddox também rugiu, desejando obter outra imagem dela.

— Se acalme, Maddox .— ordenou Lucien, e sua voz serena penetrou na nebulosa mente de Maddox— Se seguir assim, teremos que o encadear. Então, quem protegerá Ashlyn, sim?

Maddox ficou gelado. Sabia que o encadeariam, e não podia permitir. Durante o dia, não. De noite, sim. Então era uma ameaça e não tinha outro modo de dominá-lo. «Sou uma ameaça agora também», pensou. Mas se o atavam naquele momento, quando estava a ponto de perder o juízo, possivelmente admitisse a derrota e deixasse de tentar ser outra coisa que um demônio. Todos o estavam olhando.

—Sinto muito. — disse.

Algo não ia bem. Aquela dança frenética com o espírito era completamente absurda. Era vergonhosa. Normalmente, lutavam um com o outro, mas não assim.

Possivelmente precisasse passar mais tempo no ginásio. Ou outra rodada com Aeron.

—Bem? —perguntou Lucien. Quantas vezes ele seria obrigado a perguntar isso hoje?

Maddox assentiu rigidamente.

Lucien segurou as mãos por trás das costas e olhou a todos os outros.

—Como isto já está resolvido, vamos falar da razão pela qual os trouxe aqui.

—Vamos falar da razão pela qual trouxe as mulheres aqui —interveio Paris— em vez de as deixar na cidade. Sim, Aeron tem um trabalho a fazer, mas isso não explica...

—As mulheres estão aqui porque não queríamos que partissem da cidade e que Aeron se visse obrigado as seguir — se justificou Lucien. — E eu queria que as vissem para que não as matem se encontram com elas pela fortaleza. Se conseguem escapar, voltem a lhes trazer para meu quarto e as encerrem dentro. Não falem com elas nem lhes façam mal. Até que pensemos como liberar Aeron disto, as mulheres são nossas convidadas. Entendido?

Um por um, os senhores assentiram. Que outra coisa podiam fazer?

—Por agora, me deixem isso e descansem. Sigam adiante com sua Jornada. Estou certo de que logo necessitarei de vocês.

—Eu, para começar, penso beber até perder o sentido —disse Aeron, passando uma mão pela rosto— Mulheres na casa! — murmurou enquanto se afastava— Por que não convidamos a toda a cidade e fazemos uma festa?

—Uma festa estaria bom — disse Torin, novamente divertido. — Possivelmente me ajudasse a esquecer esta sociedade masculina por obrigação. Dito isso, ele também partiu.

Reyes não disse nada. Se limitou a tirar uma faca de sua jaqueta e partiu pelo corredor, sem deixar dúvida do que pensava fazer. Maddox teria se oferecido para lhe cortar, para lhe dar chicotadas ou golpeá-lo e economizar a Reyes a agonia de fazer as feridas por si mesmo, mas tinha se oferecido outras vezes, e a resposta tinha sido um não muito brusco.

Ele entendia que Reyes precisasse fazê-lo por si mesmo. Ser uma carga era quase tão ruim como estar possuído. Todos tinham seus demônios, literalmente e Reyes não queria piorar as coisas para nenhum deles.

Naquele momento, entretanto, possivelmente Maddox tivesse recebido de bom grado a distração.

—Nos veremo mais tarde — se despediu Paris— Eu volto para a cidade —tinha finas rugas de tensão ao redor dos olhos, olhos que, em vez de brilhar de satisfação, como de costume, estavam de um azul apagado— Não estive com nenhuma mulher, nem esta manhã nem ontem à noite. Tudo isto... —disse, e fez um gesto com a mão para a porta— alterou minha a agenda. E não de um modo positivo.

—Vá. — o animou Lucien.

O guerreiro exitou, lançando um olhar à porta. Ele lambeu os labios.

—A menos, claro, que me permita entrar em seu quarto...

—Vai. — repetiu Lucien com impaciência.

—Elas é que perdem. —disse Paris. Deu de ombros e desapareceu pela esquina.

Maddox sabia que devia se oferecer para vigiar às mulheres. Depois de tudo, certamente estavam ali por sua culpa. Entretanto, precisava ver Ashlyn. Não, não o necessitava. Queria vê-la. Ele não necessitava nada, e menos de uma humana com motivações questionáveis e que estava destinada a morrer.

Mas não saber o que estes Titãs fariam em seguida, fez ele perceber que não queria disperdiçar um outro momento.

Ele iria para Ashlyn mesmo que ele não tivesse subjulgado completamente o demonio. Além disso, ele nunca poderia ser calmo quando fosse para essa mulher. E era melhor fazer o que ele queria com ela agora, antes que fosse forçado a isso, e ele não queria nem pensar nisso.

—Lucien...

—Vá.  — disse seu amigo— Faz o que precise fazer para manter as coisas sob controle. Sua mulher...

—Não quero falar de Ashlyn. — respondeu Maddox. Já sabia o que Lucien queria lhe dizer. «Tem que se ocupar de sua mulher o quanto antes ». Ele também sabia.

—Te tira isso do corpo e depois faz o que tenha que fazer para que nossas vidas possam voltar para a normalidade.

Maddox assentiu e partiu, se perguntando se valia a pena voltar para sua vida normal.

 

Maddox entrou em seu dormitório sem saber o que ia encontrar. Uma Ashlyn adormecida? Uma Ashlyn recém banhada, nua? Uma Ashlyn preparada para lutar?

Uma Ashlyn preparada para o prazer?

Com irritação, se deu conta de que o coração lhe pulsava descompassadamente no peito. As palmas das mãos suavam. «Idiota», pensou. Ele não era humano, nem tinha medo, nem era inexperiente. E, entretanto, não sabia como dirigir aquela mulher, aquele... castigo.

O que não esperava era ver Ashlyn caída no chão, inconsciente, em um atoleiro vermelho... Sangue? em volta dela, ensopando seus cabelos e roupas.

As trevas tremeram dentro dele.

-Ashlyn?

Correu a seu lado e a fez girar brandamente para tomá-la nos braços. Vinho, só era vinho. Graças aos deuses. Tinha a rosto manchado e algumas gotas se derramaram desde seu rosto aos braços de Maddox. Ele esteve a ponto de sorrir. Quanto tinha bebido?

Pesava tão pouco que nem teria se dado conta de que a levava nos braços se não fosse pelas descargas elétricas que provocava nele o contato com sua pele.

—Ashlyn, acorde.

Ela não despertou. De fato, Maddox teve a impressão de que se afundava mais na inconsciência, porque o movimento de seus cílios cessou.

Com um nó na garganta, Maddox se esforçou por falar.

—Acorde, faça-o por mim.

Nem um gemido, nem um suspiro.

Preocupado por sua falta de resposta, a levou até a cama, ele tirou a jaqueta molhada e a afastou a um lado. Embora não quisesse soltá-la, a depositou sobre o colchão e tomou seu rosto entre as mãos. Tinha a pele gelada.

—Ashlyn.

Não houve resposta.

Estava ela...Não. Não! Bolas de chumbo cairam em seu estomago, enquanto ele achatava a palma da mão sobre o peito esquerdo. No começo, ele não sentiu nada. Nenhuma batida suave, nenhum pulsar duro. Ele quase cantou uma maldição para os céus. Então, de repente, houve um bater fraco. Uma longa pausa. Outro fraco tamborilar.

Ela estava viva.

Ele fechou os olhos brevemente, os ombros cedendo em alivio.

—Ashlyn...- Ele sacudiu ela gentilmente - Vamos, preciosa. Acorde.

Em nome de Zeus, o que lhe aconteceu? Não tinha experiência com mortais bêbados, mas aquilo lhe parecia estranho.

A cabeça de Ashlyn rodou a um lado. Seus olhos permaneciam fechados. Tinha uma cor azul nos lábios, e o suor lhe escorregava pelas têmporas. Não estava somente bêbada. Acaso tinha adoecido por passar a noite naquela cela? Não, não tinha dado sinais de se encontrar mau. Acaso Torin a tinha tocado sem se dar conta? Não, não podia ser. Ashlyn não tossia, nem estava coberta de marcas de varíola. Então o que ocorria?

—Ashlyn. — repetiu.

Não podia perdê-la, ainda não. Não tinha conseguido o suficiente dela. Não a tinha acariciado como sonhava, não tinha falado com ela. A surpresa fez Maddox piscar. Se deu conta de que queria falar com Ashlyn, não só saciar seu corpo dentro do dela. Não só interrogá-la, a não ser falar. Conhecê-la e averiguar o que a transformava na mulher que era.

Todos os pensamentos de matá-la se desvaneceram, foram substituídos por pensamentos de salvá-la, fortes e inegáveis.

—Ashlyn, me diga algo. Ele a chacoalhou novamente, impotente, não sabendo o que fazer. O frio continuava a irradiar dela, como se tivesse se banhado em agua fria e secado no vento artico. Ele agarrou os cobertores e embrulhou-a neles, tentando envolve-la em calor.

—Ashlyn, por favor.

Enquanto a olhava, nela se formaram hematomas sob os olhos. Aquele acaso era o castigo que lhe tinham imposto os deuses? Vê-la morrer lenta e dolorosamente?

A sensação de desamparo se intensificou. Tão forte como ele era, não podia forçá-la a responder.

—Ashlyn. – Desta vez seu nome era uma suplica rouca. Ele a sacudiu mais uma vez, forte o suficiente para chacoalhar sua alma. – Ashlyn!

Maldita seja! Nada ainda.

— Lucien! —gritou, sem deixar de olhá-la— Aeron! – Tão longe como estava deles, duvidava que o ouvissem - Me ajudem! – Teria Ashlyn pedido ajuda?

 Maddox se inclinou e uniu seus lábios com os dela, com a esperança de poder lhe infundir a respiração. Sentiu calor... um comichão... Ela separou os lábios manchados de azul e gemeu. Por fim. Outro sinal de vida. Maddox esteve a ponto de rugir de alívio.

 —Me fale, preciosa — disse enquanto lhe afastava o cabelo úmido da testa, desconcertado quando viu suas mãos tremerem.— Me diga o que acontece.

—Maddox —balbuciou ela, mas seus olhos permaneceram fechados.

—Estou aqui. Me diga como posso te ajudar. Me diga o que necessita.

—As mate. Mate às aranhas —disse, com uma voz tão fraca que ele teve que se esforçar para ouvi-la.

—Não há aranhas, preciosa. – Ele esfregou os dedos no rosto dela enquanto olhava em torno, no quarto.

—Por favor — sussurrou ela, e uma lágrima cristalina escapou entre seus cílios—Estão correndo pelo meu corpo.

—Sim, sim, as matarei. — respondeu Maddox.

Embora não a entendesse, ele passou as mãos pelo rosto, pelo pescoço, pelos braços, o abdômen e as pernas.

—Já estão mortas. Estão mortas, prometo isso.

Com aquilo, pareceu que Ashlyn relaxava um pouco.

—Comida, vinho. Veneno?

Ele empalideceu, sentindo as cores abandonarem seu rosto até que ele provavelmente tão palido como Ashlyn. Não tinha pensado nisso, não tinha levado em conta... O vinho era para eles, os guerreiros, não para os humanos. Como o álcool dos humanos não tinha efeito neles, freqüentemente Paris acrescentava umas gotas de ambrosia que tinha roubado dos céus e que mantinha guardada. Acaso a ambrosia era veneno para os mortais?

«Eu lhe fiz feito isto», pensou Maddox, horrorizado. «Eu. Não os deuses».

Aaaghh! Gritou, e deu um murro ao cabeceiro de metal da cama. Notou uma aguda dor nos nódulos e começou a sangrar. Isso não o aplacou, assim voltou a dar outro golpe na cabeceira. A cama retumbou, e Ashlyn gemeu de dor.

«Basta. Não pode lhe causar dor», disse Maddox. Se obrigou a se tranqüilizar. A respirar lentamente,  o tempo todo querendo se acalmar pela milesima vez, naquele dia. Mas o desejo de brutalizar era tão escuro, tão sombrio. Tão intenso, que era quase incontrolavel. Exceto por esse breve período depois de sua luta com Aeron, ele esteve em vantagem durante todo o dia e isso só o incitou ainda mais. A qualquer momento ele poderia atravessar o limite e causar danos irreparáveis.

—O que posso fazer para te ajudar? —perguntou.

—M-medico. — sussurrou ela fracamente.

Um curador humano. Sim, sim. Tinha que levá-la para a cidade, por que nenhum dos Senhores tinha qualquer formação medica. Nunca houvera uma necessidade por isso. E se o medico quisesse mantê-la durante a noite? Ele sacudiu a cabeça. Isso ele não ia permitir. Ela poderia dizer aos caçadores o que ela aprendeu aqui, o que tinha visto, a melhor forma de derrotar os guerreiros. O que incomodava mais, contudo, foi o medo de que alguem pudesse levá-la, feri-la e ele não fosse capaz de salvá-la.

Teria que trazer um doutor aqui.

Maddox esfregou outro suave beijo em seus frios, gelados labios. Novamente houve uma sacudida – desta vez mais em surdina que a ultima, tão fraca como a propria Ashlyn. Suas mãos fecharam em punhos.  

—Encontrarei um medico, preciosa, e o trarei até a fortaleza.

Ela gemeu e, por fim, abriu os olhos. Duas piscinas ambar de dor olharam para ele.

—Maddox.

—Não vou demorar, prometo isso.

—Não... vá — disse ela, que estava a ponto de chorar. —Dói. Dói muito. Fique.

A necessidade de ceder e a necessidade de buscar ajuda guerreavam dentro dele. Ele não podia negar nada a ela. Então ele se levantou da cama e se aproximou da porta.

— Paris! Aeron! Reyes! —gritou. O som de sua voz retumbou contra as paredes. — Lucien! Torin!

Não os esperou, mas sim voltou para a cama. Ali, entrelaçou seus dedos com os de Ashlyn, que foram limpos. 

—Que mais posso fazer para aliviar sua dor?

—Não me solte —ofegou ela, e Maddox se deu conta de que tinha estria vermelhas nas comissuras dos lábios. O veneno estava se estendendo?

 —Não vou, não vou – mais do que tudo ele queria tirar a dor dela e coloca-la em si mesmo. O que era um pouco mais de sofrimento para ele? Nada. Mas ela era...o que? Ele não tinha uma resposta para isso. Gemendo ela apertou o estomago, rolou para o lado dele e se enrolou como uma bola. Maddox usou a mão livre para colocar o cabelo atrás ainda umido atras da orelha...-  O que mais posso fazer?

 —Não sei. Ela olhou para ele, a expressão vitrea - Vou... morrer?

— Não! Ele não queria gritar, mas a negação havia escapado em uma explosão. -  Não. - Ele repetiu mais suavemente - Isto é minha culpa, e não o permitirei.

—De propósito?

—Nunca.

—Então como? —gemeu ela.

—Foi um acidente. – ele disse - O vinho não é para os humanos.

Não sabia se ela o tinha ouvido. Ela não deu indicação.

—Vou... vomitar —disse ela entre arcadas.

Ele pegou a terrina de fruta vazia e a aproximou. Ela se arrastou até a borda da cama e vomitou. Maddox afastou seu cabelo para trás.

Era bom ou mau que se purgasse?

Ashlyn se deixou cair sobre o colchão no momento em que Reyes e Paris apareciam correndo na sala, com uma expressão confusa no rosto.

—O que? —pergunto Reyes.

—O que ocorre? —pergunto Paris. Estava suando, e as rugas de tensão que lhe rodeavam os olhos estavam muito marcadas.

Os braços de Reyes sangravam de novo, e tinha a mão torcida. Além disso, em cada mão usava uma adaga. Claramente, estava preparado para a batalha. Ao presenciar a cena, sua confusão se fez maior.

„Ÿ Necessita de ajuda com o golpe final?

— Não! O vinho estava misturado com a ambrosia de Paris. Eu o deixei aqui —confessou, e se sentiu culpado e desolado, e olhou a Paris. — Salva-a.

Paris cambaleou.

—Não sei como fazê-lo.

—Tem que saber. Passa muitas horas com os humanos! - Maddox mal segurou um rugido ensurdecedor - Me diga como posso ajudá-la.

—Se eu pudesse. — disse, e passou o dorso da mão pela testa suarenta. — Nunca compartilhei o vinho com nenhum deles. É nosso.

—Perguntem as outras humanas se sabem o que tenho que fazer. Se não souberem, que Lucien se transporte a cidade e encontre um médico para trazê-lo aqui. - Morte era o único dos guerreiros que podia se mover de um lugar a outro com um pensamento. Reyes assentiu e saiu correndo.

Paris disse:

—Sinto muito, Maddox, mas estou no limite. Necessito de sexo. Ouvi sua chamada da porta principal e vim em vez de partir. Não deveria tê-lo feito. Se não chegar logo a cidade eu...

—Entendo.

—Compensarei isso mais tarde —disse Paris, e desapareceu pela porta.

—Maddox — gemeu Ashlyn de novo. O suor lhe corria pelas têmporas. Tinha a pele azulada, mas tão pálida, que ele via as diminutas veias azuis que tinha debaixo. — Me conte... uma história. Algo que.. me faça... esquecer a... dor. —disse ela, e fechou os olhos.

—Relaxe, preciosa. Não deve falar — sussurrou Maddox. Foi ao banheiro, esvazio a terrina, limpou e secou, no caso de ela vir a precisar novamente. Depois voltou junto à cama e a encontrou com os olhos fechados ainda. Pensou que pudesse estar dormindo, mas ela estava tensa quando ele limpava seu rosto. Ele se colocou atrás dela, sem saber o que dizer. 

—Por que... seus amigos o esfaquearam?

Ele nunca falava de sua maldição, nem sequer aos guerreiros que sofriam a seu lado. Não deveria falar com ninguém de sua maldição, e menos ainda com Ashlyn, mas isso não o deteve. Ao vê-la se retorcer de dor, faria qualquer coisa para distraí-la.

—Mataram-me porque têm que fazê-lo. Estão malditos, como eu.

—Isso ....não explica nada.

—Explica tudo.

Passaram vários minutos em silêncio. Ela começou a se retorcer, como se estivesse a ponto de vomitar de novo. Ele a tinha posto doente e estava obrigado a lhe distrair de sua dor. Ele abriu a boca  e deixou que a historia de sua vida se derramase por ela. 

—Aqui vai a história de minha vida. Sou imortal, e estou na Terra desde o começo dos tempos. Enquanto falava, ele sentiu seus musculos afrouxar seu aperto em torno de seus ossos.

—Imortal. —repetiu ela, como se sentisse o gosto da palavra.  —Sabia que era mais que humano.

—Eu nunca fui humano. Me criaram como guerreiro para proteger ao rei dos deuses. Durante muito tempo, o servi bem e o ajudei a manter o poder, e o protegi, inclusive, de sua família. Entretanto, não acreditou que eu fosse o suficientemente forte para velar por sua posse mais apreciada, uma caixa feita com os ossos da deusa da opressão. Não. Encarregou essa tarefa a uma mulher. Ela era a caçadora mais forte, mas isso feriu meu orgulho. - Felizmente, Ashlyn tinha relaxado. —Para lhe demonstrar que tinha sido um engano, ajudei a liberar os demônios que tinham naquela caixa, e se estenderam por toda a terra. Como castigo, os deuses me uniram a um deles —disse Maddox. Pôs uma mão no abdômen dela e começou a acariciar brandamente, com a esperança de que aquilo a acalmasse.

Ela exalou um suave suspiro. De alívio? Ele esperava que sim.

—Um demônio. Suspeitava.

Sim, ela devia sabê-lo. Entretanto, Maddox não entendia por que o tinha confessado com tanta facilidade.

—Mas você é bom. Algumas vezes. Por isso seu rosto se transforma?

„Ÿ Sim.

Ela pensava que ele era bom? Cheio de satisfação, continuou com a história.

—Eu soube em que momento me ocorreu, porque senti uma ruptura por dentro, como se algumas partes de mim estivessem morrendo, como se estivessem se atando a outra coisa, a algo mais forte que eu mesmo.

Tinha sido a primeira vez que o tinha compreendido o conceito de morte. Entretanto, não sabia que muito em breve o ia entender intimamente.

Ela emitiu outro delicado suspiro. Maddox não sabia se entendia o que estava lhe contando. Ao menos não estava chorando nem se retorcendo de dor.

—Durante um tempo, perdi contato com minha própria vontade. O demônio me controlou por completo e me obrigou a...

A todo tipo de perversidades, pensou. Teve visões de sangue e morte, de fumaça, de cinzas e de completa desolação. Nem sequer ele mesmo podia suportar aquilo, e não ia carregar Ashlyn com essas lembranças espantosas.

Depois recordou como o espírito tinha afrouxado sua dominação, como ele tinha saído daquela névoa e a fumaça negra de sua mente se dispersou com uma brisa doce da manhã, e tinha deixado para trás essas lembranças odiosas.

O demônio o tinha obrigado a matar Pandora, a guardiã que o ser odiava mais que tudo. Ao final, sua sede de sangue se aliviou, e o monstro se retirou a um canto da mente de Maddox, e tinha deixado que ele enfrentasse às conseqüências.

—Tive que me afastar daquela caixa. — disse ele com um suspiro.

—Caixa —sussurro Ashlyn, e o deixou assombrado—, demônios... Tinha ouvido algo parecido. —disse. Abriu a boca para seguir falando, mas não pôde. Gritou e alargou as mãos cegamente para pegar a terrina.

Maddox reagiu com rapidez e lhe aproximou a terrina em um segundo. No momento em que ele segurou-a, ela inclinou-se e vomitou. Ele aconchegou ela contra o seu estômago com o pior de tudo, sussurrando brandamente com ela como ele nunca tinha feito para outro. Dar conforto era novo para ele, e ele orou para fazer corretamente. Ele nunca tinha consolado seus amigos. Eram todos tão reservados sobre seu tormento como ele era.

Quando Ashlyn terminou, voltou a colocá-la sobre o colchão e, uma vez mais, limpou seu rosto. Depois olhou o céu.

—Sinto muito ter falado assim de vocês. — sussurrou— Mas, por favor, não façam mal a ela por meus pecados.

Voltou a olhá-la, e sentiu-se como se tivesse passado uma eternidade desde que a conheceu, como se a conhecesse desde sempre e que ela sempre foi uma parte de sua vida. E se deu conta de que sua vida se dissolveria em um nada se a perdia. Como era possível? Há uma hora, se convenceu de que seria capaz de matá-la. Agora...

—Deixem-na viver — acrescentou — e farei tudo que queiram.

Qualquer coisa? Perguntou uma voz muito baixa, que provinha do fundo. Não era a voz de Violência, nem nenhuma voz que ele tivesse ouvido antes.

Maddox piscou, ficou imóvel. Passou um momento antes de que sua surpresa se convertesse em confusão.

—Quem esta aí?

Ashlyn se sobressaltou por sua pergunta e o olhou com os olhos avermelhados.

—Eu. — gemeu.

—Não me faça conta, preciosa. Dorme.  —disse ele brandamente.

« Quem acha que sou, guerreiro? Será que não imagina quem tem o poder de te falar assim?».

Maddox passou outro momento assombrado antes de assimilar a resposta. Podia ser um ...Titã? Ele levava anos enviando suplicas aos Gregos, e nunca lhe tinham respondido. Além disso, os Titãs tinham chamado Aeron para que fosse aos céus, só com uma voz...

Sentiu esperança - e medo – se estendendo dentro dele. Soube que faria tudo se aqueles Titãs fossem benevolentes e o ajudassem. Se fossem malvados e piorassem as coisas, entretanto... Apertou os punhos.

Tinham ordenado a Aeron que assassinasse a quatro mulheres inocentes. Não podiam ser benévolos. Maldição! Como ia interagir com aquele ser? Com humildade? Eles veriam isso como uma amostra de debilidade?

«Qualquer coisa?», insistiu a voz, e se ouviu uma gargalhada. «Pensa bem antes de responder, e pensa que sua mulher poderia morrer».

Maddox olhou o corpo trêmulo de Ashlyn os traços contorcidos em dor, e lembrou-se do jeito que ela tinha sido. A maneira como ela o olhava em extase e pediu-lhe para saborear o silencio com ela. A forma como estivera em frente a ele e agradecera pela comida. A maneira como pulou para defendê-lo de seus proprios amigos.

E se deu conta de que, até aquele momento, ninguém o tinha necessitado. Que ela tinha trazido uma corrida emocionante e aprofundava sua consciencia dela. «Não posso deixar que sofra assim», pensou.

Teria que se arriscar com os Titãs. Quisessem o que quisessem dos guerreiros, fosse qual fosse o propósito, e se estavam ou não com os caçadores e Ashlyn para puni-lo por sua falta de respeito, ele se arriscaria.

Ele reprimiu a culpa, suspeitando que iria sofrer como nunca tinha sofrido antes. Mas aquilo não mudou sua resposta.

—Qualquer coisa.

 

Reyes ofegava enquanto ia correndo ao quarto de Lucien. Tinha perdido muito sangue nos últimos dias, mais do que o normal. A necessidade de dor, aquela dor terrível e bela, o invadia com mais força ultimamente.

Não sabia por que e não podia detê-lo. Já não era capaz de controlá-lo, na realidade. Durante os últimos dias, tinha deixado de tentar. O que queria o espírito de Dor, o obtinha. Cada dia que passava, Reyes perdia um pouco mais o desejo de controlá-lo. Uma parte dele queria se abandonar à dor e se deixar levar. Experimentar um nada e o intumescimento que lhe proporcionava cada pontada de sofrimento.

As coisas não tinham sido sempre assim. Durante um tempo, tinha aprendido a viver com o demônio, a coexistir pacificamente com ele. Naquele momento...

Dobrou uma esquina e a luz que entrava por uma das janelas o cegou momentaneamente; entretanto, não se deteve. Nunca tinha visto Maddox tão assustado. Tão vulnerável. E por uma humana, uma estranha. Uma isca. Reyes não gostava, mas considerava Maddox um amigo e o ajudaria em tudo o que pudesse.

O ajudaria, embora desejasse desesperadamente que as coisas voltassem ao normal, quando Maddox se enfurecia e morria cada noite, e na manhã seguinte se comportava como se não tivesse ocorrido nada. Porque, quando Maddox fingia que tudo ia bem, para Reyes era mas fácil fingir também.

Quando viu Lucien, todos aqueles pensamentos desapareceram de sua mente.

Luncien estava sentado no chão com os joelhos cruzados, e a cabeça apoiada nas mãos. Tinha o cabelo negro revolto, como se se tivesse passado muitas vezes os dedos entre eles, e parecia que estava fora de seus limites. Reyes engoliu em seco.

Se aquela situação podia desequilibrar o estóico Lucien...quanto mais se aproximava, mais forte era o aroma de rosas. Morte sempre cheirava a rosas, o pobre.

—Lucien. — disse.

Lucien não reagiu.

—Lucien. — repetiu.

Entretanto, não obteve resposta.

Reyes o agarrou pelo ombro e o sacudiu brandamente. Nada. Se agachou e olhou ao guerreiro nos olhos. Entretanto, seu olhar estava vazio, sua boca imóvel. Reyes o entendeu. Em vez de partir fisicamente da fortaleza, como de costume, se transladando em segundos de um lugar a outro, Lucien tinha partido espiritualmente.

Era algo que fazia muito poucas vezes, porque deixava seu corpo vulnerável a qualquer ataque. O mais provável era que tivesse pensado nisso para que ao menos, em uma forma que não respondia a estímulos, ficasse vigiando a porta de seu quarto enquanto ele saía para recolher almas.

«Então, estou sozinho», pensou. Só ficava uma coisa por fazer.

Abriu a porta e entrou de repente no quarto de seu amigo.

As quatro mulheres estavam sentadas na cama, sussurrando, mas ficaram em silêncio assim que o viram. Todas ficaram pálidas. Uma delas soltou um ofego. A mais jovem, uma loira muito bonita, ficou em pé com as pernas trêmulas e adotou uma postura de lutadora para se interpor entre sua família e ele. Levantou o queixo e o desafiou com o olhar

E seu corpo endureceu. Ocorria cada vez que se aproximava dela. Na noite anterior a tinha estado cheirando; talco doce, e tormentas. Tinha passado horas suando, ofegando, tão excitado que tinha pensando em lutar com Maddox por Ashlyn, acreditando que era ela quem o tinha deixado reduzido aquele estado.

Aquela mulher era prazer e céu, uma festa para seus sentidos castigados. Não tinha cicatrizes nem sinais de uma vida dura. Tinha a pele imaculada, dourada e os olhos verdes e brilhantes. E uma boca vermelha, cheia, feita para rir e para beijar.

Se tinha sofrido momentos de dor, não o deixava entrever. E isso atraía a Reyes. Entretanto, ele sabia que suas relações só podiam acabar mau.

—Não me olhe assim —lhe espetou o anjo loiro, apertando os punhos de ambos os lados do corpo.

Tinha pensado em golpeá-lo? Era uma idéia risível. Ela não podia saber que ele desfrutaria. Que quereria mais e mais e mais, que lhe rogaria que lhe batesse mais. «Faria um favor ao mundo se deixasse que os Caçadores me cortassem a cabeça».

Odiava a si mesmo. Odiava o que era e o que se via obrigado a fazer. O que desejava.

—Se tiver vindo nos estrupar, deveria saber que vou lutar com você. Não o conseguirá facilmente. —disse a garota.

Semelhante coragem em alguém tão pequeno o deixou assombrado, mas não se distraiu de sua tarefa.

—Alguma de vocês sabe como curar a uma humana?

Ela piscou, perdendo um pouco a itrepidez.

—A uma humana?

—Uma mulher. Como você.

A garota piscou de novo.

—Por que?

—Sabe como? - Não se incomodando em responder - Não tenho muito tempo.

—Por que? —insistiu ela.

Reyes avancou para ela selvagem em cada passo. Para seu crédito, ela não retrocedeu. Quanto mais perto ele chegava, mais o cheiro dela enchia suas narinas, inebriante, sedutor. Como a propria garota. Inesperadamente, sua raiva diminuiu. 

—Me responda, e possivelmente lhes deixe viver outro dia mais.

—Danika, responde, por favor —pediu a mais velha das mulheres. Além disso, estendeu uma mão enrugada, trêmula, e a puxou pelo braço para atraí-la para a cama. Para longe dele.

Danika. O nome lhe invadiu a mente. Deslizou por sua lingua, e o pronunciou em voz alta sem poder evitá-lo.

—Danika. É bonito. – Seu penis endureceu em resposta - Eu me chamo Reyes.

A garota resistiu obedecer a anciã e escapou de seu braço sem deixar de olhar a Reyes. Suas sobrancelhas e cilios eram tão palidos como o cabelo da cabeça. Ela seria palida entre as pernas, ele suspeitou.

Ele não podia ajudar a si mesmo. Apesar da necessidade de pressa, ele mentalmente despiu ela. Curva após curva o saudou, um banquete para seu olhar faminto. Grandes seios coroados por mamilos framboesa. Suave, estomago liso. Suaves coxas ainda mais forte. Reyes não se permitia seres humanos na sua cama, escolhendo cuidar de si mesmo, quando surgia a necessidade.

Suas paixões era muito escuras, muito dolorosas para a maioria da mulheres suportar. Esta, com sua doçura e sua aura de inocencia, seria muito mais magoada e revoltada que a maioria. Não havia duvidas em sua mente. Pior, as mulheres que com que ele dormia ficavam bebadas com seu demonio, procurando infligir dor como intencionalmente ele fazia. Mesmo que tudo o que ele quisesse de Danika fosse um beijo, ela não seria capaz de lidar com isso. Ele não seria capaz de lidar com ela. O pensamento de feri-la, de faze-la sangrar, de arruina-la, deixou-lhe uma dor oca no peito.

—Perguntarei uma vez mais. Alguma de vocês é curadora? —ladrou. De repente, ele se sentiu ansioso por escapar dela e de sua provocadora inocência.

Ante sua brutalidade, a moça empalideceu, mas não se retirou.

—Sim... Se for curadora, promete que se salvarão minha mãe, minha irmã e minha avó? Não têm feito nada errado. Viemos a Budapest para esquecer, para nos despedir de meu avô. Nós...

Ele elevou uma mão e ela ficou calada. Ouvir coisas sobre sua vida era perigoso. Ele já tinha vontade de abraçá-la e consolá-la por uma perda que, obviamente, a tinha feito sofrer.

—Sim, perdoarei suas vidas se a salva. —mentiu.

Se devia acreditar o que tinham dito os Titãs, Aeron explodiria muito em breve, se voltaria louco pelo sangue e a morte. Não teria outro propósito que assassinar aquelas mulheres. Dar a elas um pouco de paz de espirito durante seus últimos dias era algo misericordioso, pensou Reyes. Seus dias finais. Não gostou de pensar nisso.

Os ombros de Danika relaxaram um pouco, e ela lançou um olhar determinado para sua familia. Cada mulher foi sacudindo a cabeça negativamente. Danika assentiu.

Reyes franziu a testa, não entendendo a mimica entre elas. Ela, também, mentia? Finalmente, Danika voltou para ele. Ele esqueceu sua confusão, seus olhares presos. Ou ele simplesmente não se preocupava com a resposta.

Sua beleza angelical era mais fascinante que a caixa de Pandora, prometendo a absolvição que não podia receber. E, no entanto, uma parte dele queria isso. Apenas por um momento.

Ela fechou os olhos, suspirou e disse:

—Sim, sou curadora.

—Então, venha comigo. – Ele não tomou a mão de Danika, com muito medo do que aconteceria se ele a tocasse. Com medo de uma mera humana? Covarde. Não, inteligente. Se ele não soubesse o que ela sentia, ele não sentiria falta quando ela morresse.

Que caminho Lucien pensou para salva-la? O que se...

—Venha.

Para não perder mais tempo, deu a volta rápidamente e saiu da sala. Danika o seguiu. Reyes deixou as demais mulheres trancadas, e depois, tentou manter uma distância prudente entre o anjo e ele.

 

«OhmeuDeus, OhmeuDeus, OhmeuDeus», pensou Danika Ford com o coração em um punho, batendo em suas costelas como se fossem em uma porta com dobradiças congeladas. « por que fiz isto? Não sou médica».

Tinha estudado um ano de anatomia na faculdade, sim. E tinha feito um curso de reanimação cardiorrespiratoria no caso de que seu avô sofresse um ataque cardíaco, claro. Entretanto, não era médica, nem enfermeira. Só era uma artista que lutava por se sobressair e que tinha pensado que umas férias em família poderiam ajudar a aliviar a dor que lhes tinha causado a morte do avô.

O que ia fazer se aquele soldado de olhos metálicos, porque claramente era um soldado, lhe pedisse que levasse a cabo uma operação cirúrgica? É obvio, se negaria. Não podia pôr a vida de outra pessoa em perigo. Entretanto, possivelmente fizesse qualquer outra coisa. Tinha que salvar a sua família. Eram suas vidas as que estavam em perigo naquele momento.

OhmeuDeus. Em um esforço por se tranqüilizar, se concentrou em estudar a seu captor enquanto este caminhava diante dela. Tinha a pele bronzeada e os olhos muito negros. Era alto, e tinha os ombros mais largos que tinha visto em sua vida. Só o tinha visto uma vez antes, e tampouco sorria. Em seus olhos tinha dor. E nos braços tinha cortes recém feitos, nas duas ocasiões.

OhmeuDeus, OhmeuDeus. Ela nem queria pensar em fugir dele. Ele a pegaria e então ficaria de saco cheio. Talvez atacasse. E isso era o mais assustador que provar a coragem entrando em uma casa mal-assombrada durante o Halloween com moto-serras, caixões e tudo. Sozinha.

OhmeuDeus, ohmeuDeus, ohmeuDeus. Danika queria falar com ele, lhe perguntar o que esperava dela, mas não encontrava a voz. Tinha um nó em sua garganta. Não sabia por que fora seqüestrada, e já quase não lhe importava. Só queria sair daquele castelo tétrico quanto antes, esquecer a seus musculosos habitantes e voltar para sua casa, no Novo México.

De repente, sentiu tanta nostalgia que esteve a ponto de voltar a chorar. Cumpriria aquele soldado sua promessa se o ajudasse? Ela duvidava muito, mas a esperança se impôs sobre a razão. Faria o que pudesse e rezaria para que ocorresse um milagre. Entretanto, não podia se convencer de que ia ocorrer um milagre. «Provavelmente, essa besta te matará se algo sair errado».

«OhmeuDeus, ohmeuDeus, ohmeuDeus», repetiu. Se fracassasse, não tinha dúvida de que sua família e ela morreriam. Muito em breve.

 

Quando Reyes entrou no quarto com a loira de aspecto angélico a que se supunha que Aeron tinha que matar, Maddox quase se pôs a chorar de alivio Ashlyn tinha vomitado várias vezes, até esvaziar seu estômago. E depois tinha vomitado um pouco mais.

Ato seguido, desabou sobre o colchão e tinha deixado de respirar. Em meio do desespero, Maddox tinha tentado falar de novo com o Titã, mas o deus não tinha feito nada. Quando Maddox tinha aceitado fazer qualquer coisa em troca da ajuda que lhe emprestasse, o ser poderoso o tinha abandonado.

O Titã lhe tinha dado esperanças, e depois as tinha jogado por terra. Maddox se perguntava quais eram as intenções do deus, e já tinha a resposta, se divertir com crueldade, com sadismo.

Reyes se separou do vão da porta e a garota loira entrou na sala.

 

—Lhe ajude. „Ÿ ordenou Maddox.

— OhmeuDeus, ohmeuDeus, ohmeuDeus – ela cantava. Empalideceu quando se ajoelhou ao lado da cama. Ela estava tremendo, mas deu um olhar acusador para Maddox - O que lhe fez?

A culpa se intensificou, Maddox apertou os braços em torno da frágil, doente e agonizante Ashlyn. Mal conhecia Ashlyn, mas desejava que vivesse mais do que desejava se livrar das chamas mais abrasadoras do inferno. Era muito cedo para ter sentimentos tão intensos, sim. Tampouco era próprio de seu caráter. Entretanto, pensaria mais tarde em sua própria estupidez.

—Não respira. —disse— Faz com que respire.

A loira se fixou em Ashlyn.

—Tem que ir ao hospital. Que alguém chame 911. Agora! Espere, crápula. Voces tem serviço de emergencia aqui? Tem telefones?Se assim for, chame a emergencia imediatamente!

—Não temos tempo. – Maddox estalou - Tem que fazer alguma coisa.

—Chamem. Ela...

— Faz algo, ou morrerá! —rugiu ele.

—Oh, Deus —sussurrou ela, com uma expressão de pânico. — Necessito... tenho que reanimá-la. Sim, isso. Farei a reanimação cardiorrespiratoria. Posso fazê-lo. Posso — disse, mais para convencer a si mesma do que para outra coisa. Ela chocou-se contra a cabeceira e inclinou-se, pairando diretamente sobre o rosto sem vida de Ashlyn. — Deite ela na cama e saia do meu caminho.

Maddox obedeceu imediatamente, rolou Ashlyn de volta e desceu da cama. Ele se recusou a liberar totalmente, porem, mantendo um punho fechado sobre a mão dela. A garota ficou lá por um instante, imóvel, o panico ainda iluminando seu olhar.

—Danika —disse Reyes, como um aviso. A garota – Danika – engoliu em seco e fixou em Reyes um olhar nervoso. As sobrancelhas escuras do guerreiro quase se juntaram com o cabelo quando ele olhou para ela e perguntou — está certa de que sabe o que vai fazer?

—É..É obvio —sussurrou ela, e sentiu que lhe ardiam o rosto. Fixou toda sua atenção em Ashlyn. Posou as palmas das mãos na metade de seu peito e empurrou uma, duas vezes. Depois disse— Não se preocupe. Pratiquei. Um boneco é o mesmo que uma pessoa, um boneco é o mesmo que uma pessoa —sussurrou. Depois, posou os lábios nos de Ashlyn.

Durante os seguintes minutos, que para Maddox pareceram uma eternidade pior que as noites que passava devorado pelo fogo do inferno, Danika insuflou ar nos pulmões de Ashlyn e lhe apertou o centro do tórax, alternativamente. Ele nunca tinha se sentido tão impotente. O tempo se transformou em seu inimigo mais odiado.

Reyes esperava junto à porta, silenciosamente. Tinha os braços cruzados e uma expressão pétrea no rosto. Não estava olhando Ashlyn, e sim a Danika, Maddox esfregava a nuca e respirava com dificuldade, cada exalação tão dificil que ele podia ouvir cada exalação ecoando em sua mente.

Por fim, abençoadamente, Ashlyn tossiu e começou a respirar. Todo seu corpo sofreu um espasmo quando abriu a boca e começou a inspirar baforadas de ar. Ofegou, engasgou, voltou a ofegar.

Maddox a abraçou contra seu peito imediatamente. Ela se revolveu.

—Fique calma, preciosa. Fique calma.

Pouco a pouco, seus movimentos se acalmaram.

—Maddox — murmurou com um fio de voz. Foi o som mais doce que ele tinha ouvido em toda sua vida.

—Estou aqui—disse ele. Ela ainda tinha a pele pegajosa, fria. — Estou com você.

Danika permaneceu a um lado da cama, retorcendo as mãos. Ela mordeu tando os labios com os dentes brancos, tirando uma gota de sangue.

—Tem que ir ao hospital. Doutores, remedios.

—O trajeto da fortaleza ao hospital seria muito para ela.

—O..O que lhe acontece? Tem um vírus? Oh, Deus! pus meus lábios sobre os seus.

—É pelo vinho —respondeu Reyes. — Está doente por culpa de nosso vinho.

Danika abriu os olhos como pratos e olhou a Ashlyn.

—E tudo por uma bebedeira? Deveriam ter me dito isso. Têm que lhe dar água e cafeína para diluir o álcool. – Ela fez uma pausa - Eu... acredito que viverá, mas têm que levá-la ao hospital para que lhe coloquem soro na veia. Provavelmente está desidratada.

Enquanto falava, a cor retornava ao rosto de Ashlyn.

—Dói. — Ashlyn sussurrou. Suas mãos seguravam nas costas de Maddox, puxando-o para perto. Talvez ela se sentia como ele, que não podiam estar perto o suficiente. Ele teria se refugiado sob sua pele, se possível.

—Que mais pode fazer por ela? —perguntou- Maddox a Danika. — Ainda tem dores.

—Eu... eu... - Danika franziu a boca e olhou para longe dele, seu olhar se chocou com Reyes. O guerreiro olhou desconfiado. Seus olhos se arregalaram e ela estalou os dedos novamente -  Tylenol! Motrin! Qualquer coisa assim. Isso sempre me ajuda quando tenho ressaca.

Maddox olhou a Reyes.

— Eu vi um comercial dessas coisas, eu acho, mas não sei onde conseguir, voce sabe?

—Não. Nunca tive necessidade de prestar atenção aos remédios dos humanos. – Reyes não tirou os olhos da loira, sua voz soando aspera por algum motivo.

Paris poderia saber, mas Paris não estava aqui.

—Onde podemos conseguir esse Tylenol? —perguntou Maddox a Danika, a urgencia consumindo ele.

Danika franziu a testa numa imitação de Reyes quando ela olhou para os dois homens. Havia um brilho estranho em seus lindos olhos verdes, como se ele e Reyes estivessem falando uma lingua estrangeira, e ela não conseguia entender as especificações.

—Eu tenho um pouco em minha bolsa. – ela disse finalmente.

Quando ela falhou em detalhar, ele rageu 

—Vá buscá-lo.

—A menos que voce me libere, não posso. A bolsa ficou em meu hotel. Que...que tipo de vinho tomou? —perguntou ela com uma pequena pausa.

—Um que você não conhece, curadora. —disse Reyes com ironia.

Danika se deu conta de que ele sabia. Ficou petrificada. O que a tinha delatado? Sua súplica para que chamassem a ambulância? Seu nervosismo? Sentiu um calafrio. Então ele se colocou atrás dela; seu calor e sua energia afugentaram o frio. Rapidamente, Danika se afastou daquele homem, porque tinha medo de como reagia ante sua proximidade.

—Porque é curadora, verdade? —insistiu ele em tom zombador.

Oh, sim. Sabia. Ela retorceu os punhos de seu pulôver e engoliu em seco. Ao menos, não a tinha matado ali mesmo.

—Não pode negar que agora está respirando. Eu cumpri minha parte do trato. Está em dívida comigo. —Reyes afastou o olhar, como se não pudesse mais suportar olhar para ela.

—Chame Lucien. —disse Maddox.

—Não posso. Está ocupado —respondeu Reyes, e saiu do quarto— Já volto, —disse por cima do ombro— Vigia à loira, Maddox. É ardilosa. Fechou a porta de repente.

Danika, como uma parva, esteve a ponto de se pôr a correr atrás dele. A assustava mais que os outros, mas por algum motivo indecifrável, preferia estar com ele. Tinha algo que a transtornava profundamente. Possivelmente fosse a dor em seus olhos. Ele a atraía de um modo primitivo. Tinha a sensação de que a protegeria, por mais ameaças que lançasse.

—Se tiver que a perseguir, o lamentará — advertiu o homem chamado Maddox— Entendido?

O brusco aviso acabou com o calor remanescente em sua pele. Aquele homem era assustador. Cada vez que falava, ela percebia um tom de brutalidade em sua voz, como se estivesse preso sob correntes. Parecia impaciente por provocar dor a qualquer um que sequer olhasse em sua direção. Durante os últimos minutos ela se deu conta de que seu rosto mudava e, às vezes, seus traços se transformavam em uma máscara cadavérica. Além disso, o violeta de seus olhos mudava para negro, e depois a um vermelho de néon, e depois a negro outra vez.

Que tipo de homem, que tipo de pessoa, podia olhar assim?

Um tremor a percorreu da cabeça aos pés. Como uma criança ela tinha medo de bicho-papão, até que sua mãe havia lhe dito que a criatura era um mito, uma mentira com intenção de manter as crianças obedientes.

Danika pensou que talvez estivesse olhando para o bicho-papão agora.

Seu olhar só voltava ao normal quando olhava para a mulher que tinha na cama.

—Entendido? —perguntou ele de novo.

—Sim. — Ela pontuou a palavra com um tom cooperativo.

—Bom.

Maddox esqueceu a garota rapidamente e se concentrou em Ashlyn. Cada vez tremia mais, e seus dentes tocavam castanholas. Tinha os olhos abertos e por sua bochecha palida deslizou uma única lágrima.

—Obrigada. —sussurrou Ashlyn para a curadora.

—De nada.

—Se sente melhor? —perguntou ele brandamente.

—Ainda me dói —respondeu Ashlyn. — Frio. Mas sim. Melhor.

Ele, que queria lhe dar o calor de seu corpo, disse:

—Sinto muito.

Raramente pronunciava aquelas palavras. De fato, a única desculpa que tinha pedido em décadas era a que tinha pedido a seus amigos aquela manhã.

—Sinto muito. Sinto.... —sussurrou. Parecia que nunca bastaria. — Eu sinto muito.

Ashlyn sacudiu a cabeça. Depois gemeu e ficou muito quieta.

—Acidente.

Ele ficou boquiaberto de surpresa e reverência. Até o momento, não tinha causado aquela humana outra coisa a não ser dor, mas ali estava ela, tentando absolvê-lo. Assombroso.

—Vai viver. Juro.

Faria tudo por cumprir aquele juramento. Ashlyn sorriu fracamente.

—Ao menos... silêncio.

Silêncio. Não era a primeira vez que dizia isso. Também não era a primeira vez que ela dissera com tal temor.

—Não a entendo.

Apesar da sua debilidade, ela voltou a sorrir.

—Então, somos dois.

 Maddox se sentiu como se seu sangue borbulhasse.

Aquele sorriso, tão delicioso, tão encantador, dava  a ele calor, o excitava, lhe provocava tanto alívio que quase se sentia embriagado. Abriu a boca para responder, embora não soubesse o que dizer, mas naquele momento, Reyes entrou no quarto acompanhado de Aeron. O cabelo curto deste brilhou sob a luz.

Ao ve-los, Danika se encostou na parede, mas ao perceber o que ela tinha feito, avançou novamente. Ela ergueu o queixo novamente, lembrando a Maddox a Ashlyn em momentos mais saudaveis.

Tinha assumido que Reyes tinha deixado a fortaleza e ido até a cidade buscar a bolsa de Danika, mas as mãos de Reyes estavam vazias. Raiva escorregou atraves de Maddox, provocando Violencia como uma criança provoca uma fera enjaulada, correndo uma vara sobre as barras.

A carranca repuxou seus labios. Ele tinha a esperança de ver o desgraçado demonio preso hoje – pelo menos até a meia noite.

—Por que está aqui ainda? Vá buscar a bolsa. – ordenou. Palavras que ele nunca pensou que diria.

—Vou levar muito tempo – disse Reyes, olhando para qualquer lugar, menos a Danika. —Aeron vai levar a garota à cidade. Ele diz que está bem agora, que ele não tem vontade de machucá-la. 

—Oh, não. Não, não, não. Não quero partir sem minha família. —disse Danika com pânico.

Aeron fez caso omisso da súplica e tirou a camiseta.

—Vamos terminar com isto.

Era moreno e musculoso, um legado de sua alma de guerreiro. Tinha tantas tatuagens que era difícil distinguir uma da outra.

Maddox só reconheceu duas: a mariposa negra que voava sobre suas costelas e o demônio que estendia as asas sobre os contornos de seu pescoço. Apenas ao olhar para ele, a pessoa sabia que aquele era um homem que valia a pena ter como amigo, e que seria muito ruim o ter como inimigo.

— Alto! Não há nenhum motivo para se despir. — disse Danika, negando violentamente com a cabeça—Ponha a camiseta outra vez. Agora mesmo, maldito seja!

Aeron se aproximou dela com determinação. Danika olhou para Reyes com terror.

— Não deixe que ele me violente! Por favor, Reyes, por favor.

—Ele não vai tocar em voce assim —respondeu Reyes com calma— Tem minha palavra.

Havia algo muito estranho nele, Maddox observou. Seu olhos negros estavam afiados de purpura, uma cor padrão da borboleta vermelha tatuada mas costas de Maddox. Dor, ao que parecia, estava trabalhando em um ataque de violencia. Por Danika?

A garota não tinha se acalmado com suas palavras, mas Aeron continuou sua aproximação de qualquer maneira. Danika percorreu o quarto de um lado a outro, estranhos barulhos emergindo de sua garganta. Curto, arquejos asperos, tão desesperados e selvagens como a respiração de repente acelerada de Reyes. Maddox estava certo de que a qualquer momento, Dor ia pular em Ira e tentar agarrá-lo para o matar.

—Pare – Ashlyn disse.

Finalmente Aeron prendeu a frenética mulher em um canto.

Ela gritou quando seus braços e pernas o atacaram tentando mante-lo a distancia.

—Não me toque. Não ouse me tocar!

—Não vou machucá-la – Aeron disse calmamente.

Ela deu uma joelhada na sensível carne entre as pernas. Ele engasgou, se curvou, mas não teve nenhuma outra reação.

—Foda-se – ela rosnou, uma gata selvagem, que não seria domada – Eu não vou deixar voce me estuprar. Morrerei primeiro.

—Nenhum estupro. Mas se precisar, baterei em voce. E voce não vai gostar de meus metodos, prometo a voce.

Longe de subjulga-la, a ameaça apenas a deixou mais enfurecida. Ela lutou duramente, batendo o cotovelo no estomago de Aeron, chutando-o na virilha uma segunda vez. Obviamente cansado de suas lutas, Aeron levantou seu punho.

Ashlyn renovou, gemendo.

—Pare com isso. Eu não preciso das pilulas. Não preciso.

—Não machuque ela – Reyes grunhiu.

Aeron não tinha atacado. Ainda. Ele correu a lingua sobre os dentes.

—Ela fez a sua escolha.

Se ele batesse nela e Ashlyn testemunhasse, Maddox temia que ela iria insistir em deixá-lo novamente, a insistir que a levasse para casa.

—Calma – ele disse para Danika – Ele só precisa acompanha-la até a cidade.

—Mnetiroso – Rosnando, ela usou a perna para atingir Aeron no estomago.

O guerreiro não se moveu. Desgosto desceu sobre suas feições, e ele apertou o punho, que ele ainda mantinha no ar.

—Eu avisei.

—Pare – Ashlyn chamou com voz rouca.

Maddox abriu a boca para proferir seu proprio comando. Mas ele não precisava se incomodar. Reyes o venceu.

Num segundo Reyes estava de um lado do quarto, no outro ele estava ao lado de Aeron, segurando o pulso do homem. Os dois se olharam, por um momento longo e silencioso.

—Sem bater. – disse Reyes, e Maddox nunca tinha ouvido um tom mais letal.

A batalha rangeu nos olhos de Aeron antes de ele abaixar o braço. Ele teria mentido? O decreto dos deuses já estava criando raiz? Ele estava lutando contra a necessidade de ferir Danika?

—Acalme-a então, ou vou bater nela.

Reyes não se mexeu, apenas mudou a direção de seu olhar. Lagrimas desciam dos olhos de Danika, fazendo o terror depositado lá brilhar.

—Não o deixe fazer isso – ela sussurrou no mesmo tom quebrado que Ashlyn teria usado – Eu ajudei voce, como queria. Não o deixe fazer isso – repetiu.

Tão rápido quanto Reyes havia pulado em sua defesa, Maddox meio que esperava que ele cedesse ao apelo dela. Ele estava enganado.

—Pare de lutar com ele – ordenou Reyes, não demonstrando piedade – Precisamos do remedio e ele é o único que pode levá-la para obtê-lo. Você não vai nem arranhá-lo porque não pode se dar ao luxo de despertar a raiva dele. Fui claro?

Um olhar traído passou em seu rosto.

—Porque ele não pode ir para a cidade sozinho? Porque ele não pode comprar as pilulas na farmacia proxima?

—Maddox – Ashlyn disse – Estou melhor. Juro. Eu não...

Ele apertou seu ombro com delicadeza, mas não respondeu. Interromper o trio so iria aumentar a tensão.

Alem disso, ele sabia que Ashlyn estava mentindo. A dor ainda permanecia em seus olhos, brilhando intensamente.

—Aeron levará voce até a cidade – Reyes continuou. Ele não vai te estuprar. Você tem a minha palavra – Um musculo piscava sob seu olho esquerdo – Ele não saberia o que comprar por conta propria, voce deve ir.

Silenciosa, tremendo, Danika estudou seu rosto atraves do escudo aquoso de seus cilios. Buscando a verdade? Ou para conforto? Finalmente, ela balançou a cabeça, uma inclinação única, quase imperceptivel. Ela se endireitou e deu um passo para Aeron.

Sem uma palavra, Aeron agarrou seu pulso e seguiu para a única janela do quarto. As janelas arqueadas levavam para um terraço amplo. Danika não protestou, quando ele mesmo destravou o painel com a mão livre, a cola que Maddox tinha usado mais cedo não era nada para sua força superior. O ar frio explodiu no interior de imediato, flocos de neve virginal rodando pela sala. Ele liberou o pulso só para segurar a cintura e levantá-la para a janela de parapeito

—O detenha —disse fracamente Ashlyn, ao ver que Danika olhava pelo corrimão para baixo e ria amargamente, com histerismo.

—O que vai fazer?—inquiriu a loira— Me jogar? São todos uns mentirosos! Espero que apodreçam no inferno!

—Já o fazemos. —respondeu Reyes, categoricamente.

Aeron pegou Danika pelos ombros quando saiu para o terraço e fez que desse meia volta para situa-la de rosto para ele.

—Se agarre em mim. —ordenou.

Outra risada de amargura.

—Porquê?

—Para voce viver. —disse ele.

De repente, umas enormes asas saíram por umas ranhuras que se abriram nas costas de Aeron. Eram largas, negras; tinham aspecto de ser tão vaporosas como uma teia de aranha, mas os extremos eram bicudos, afiados como facas.

Ashlyn soltou um ofego devido à impressão.

—Estou melhor. Juro, já não necessito dos comprimidos. —sussurrou.

Maddox lhe acariciou a bochecha para tentar relaxá-la.

—Quietinha. Tudo vai ficar bem.

Danika abriu os olhos demesuradamente.

— Não! —gritou, tentando escapar do agarre de Aeron. 

Quis correr para dentro do quarto, mas ele não a soltou. Ela procurou Reyes com o olhar.

— Não posso fazer isto! Não posso! Não deixe que me leve, Reyes, por favor!

Com uma expressão atormentada, Reyes deu um passo em direção a ela...carrancudo...estendeu os braços e os deixou cair a ambos os lados do corpo.

— Reyes!

— Parte! —gritou ele.

Sem dizer uma palavra mais, Aeron saltou e desapareceu do campo de visão dos que estavam no quarto, levando Danika consigo. Ela gritou mas logo aquele grito se transformou em um ofego, e o ofego em um gemido. Logo ambos voltaram a subir pelo ar e apareceram por cima do corrimão. As asas de Aeron se moviam com elegância, ritmicamente.

—Faça-o parar. „Ÿsuplicou Ashlyn com um fio de voz. „Ÿ Por favor.

—Não posso.

E não o faria embora pudesse. Não se preocupe por ela. As asas de Ira são fortes, e poderão sustentar o peso de Danika.

Procurou Reyes com o olhar. Seu amigo estava caminhando de um lado a outro do quarto. Apertava uma de suas adagas com o fio para a palma da mão e o sangue derramava do punho de nódulos brancos ao chão.

—Necessitamos de água e café —disse Maddox ao recordar as instruções de Danika. Reyes se deteve e fechou com força os olhos, como se quisesse se controlar.

—Deveria tê-la levado eu, mas se tivéssemos ido caminhando, teríamos demorado muito. Viu quão assustada estava?

—Vi.

Maddox não sabia o que podia dizer. O medo de Danika não era nada para ele comparado com a dor de Ashlyn.

Reyes passou a mão pela mandíbula e deixou uma mancha vermelha em seu rosto.

—Água? Café, você disse?

—Sim.

Reyes saiu da sala. Quase parecia agradecido por aquela distração. Evidentemente, Maddox não era o único que, de repente, tinha problemas com as mulheres.

Pouco depois, Reyes apareceu com as bebidas e deixou a bandeja na beira da cama. Feito aquilo, partiu. Maddox não acreditava que voltasse, e sacudiu a cabeça com pena. Se Reyes sentisse por Danika a metade dos sentimentos que ele tinha por Ashlyn, estava condenado a um mundo de dor, e não da tipo que mais ansiava.

Maddox estendeu um copo de água morna para Ashlyn. Passou uma mão por sua nuca, fez que inclinasse a cabeça ligeiramente para trás e lhe pôs a borda do copo nos lábios.

—Bebe. —ordenou.

Ela apertou os lábios e negou com a cabeça.

—Bebe.—insistiu ele.

—Não. Me doerá o...

Ele verteu o conteúdo do copo na boca de Ashlyn. Ela se engasgou e tossiu, mas bebeu a maior parte da água. Várias gotas derramaram por seu queixo. Ele deixou o copo vazio no chão.

Ashlyn lhe lançou um olhar de acusação.

—Disse que me encontrava melhor, mas isso não me fez sentir bem. Ainda tenho o estômago muito sensível.

Sua boca estava franzinda em uma careta. Cuidar de um ser humano era dificil, com certeza. Ele não ia se desculpar por forçá-la a beber, entretanto. O que ela precisasse, ela ia fazer. Quisesse ou não.

Ele segurou a xicara de café, e sua careta se aprofundou quando ele percebeu que estava frio. Ah, bom. Faria isso.

—Beba. – ordenou.

Por qualquer razão - ele ainda não estava preparado para ponderar sobre isso – ela era importante para ele. Ela importava.

Ela não ia escapar dele. Nem atraves da morte ou qualquer outro meio.

Ashlyn não deu qualquer indicação de que tivesse ouvido ele falar e, certamente, nenhum indicio de suas intenções. Num piscar de olhos, ela atirou o braço e bateu na xicara em sua mão. O movimento foi fraco, mas a porcelana bateu no chão e se fez em pedacinhos, o café formou um rio negro no chão.

Duas manchas rosadas lhe cobriram as rosto.

— Não. —disse, extraindo a silaba com prazer.

— Isso foi desnecessário. — admoestou ele, e lhe afastou as mechas de cabelo úmido das têmporas, desfrutando do tato de sua pele de seda.

—Não me importa.

—Muito bem. Sem café.

Ele ficou olhando para ela, olhando aquela mulher que tinha sacudido todo seu mundo.

—Ainda deseja que a deixe partir? —a pergunta escapou de seus labios ele antes de poder evitá-lo. Ele não tinha a intenção de colocar o pedido antes dela, já que ele pretendia mantê-la por todos os meios necessários, mas havia uma necessidade dentro dele – uma tola necessidade – de dar-lhe tudo o que ela desejasse.

Ashlyn afastou o olhar e o fixou na parede, por cima do ombro de Maddox, com uma expressão intensa. Passaram vários minutos de silêncio. Minutos angustiantes.

Ele agarrou o travesseiro com força.

—É uma pergunta que requer um sim ou um não, Ashlyn.

—Não sei, de acordo? —respondeu ela brandamente— eu adoro o silêncio, e está começando a ficar tudo bem. Agradeço que tenha cuidado de mim. - Ela fez uma pausa -  Mas...

Mas ainda estava assustada.

—Te disse que sou imortal. Te disse que estou possuido. A única coisa que tem que saber, além dessas duas, é que te protegerei de tudo enquanto esteja aqui. –

Inclusive de mim mesmo.

O que uma mudança nas últimas horas havia feito nele. Ontem, - esta manhã, mesmo, - ele tinha pensado em ter seu corpo, questioná-la, em seguida, matá-la. No entanto, ele já tinha feito tudo ao seu alcance para mantê-la viva. E ele já não estava certo de que questões que queria perguntar.

—E protegerá à outra mulher? —perguntou ela — A que me ajudou?

A menos que lhe ocorresse um modo de desafiar os Titãs, duvidava que alguém pudesse proteger aquela curadora. Nem sequer Reyes. Entretanto, Maddox apertou com delicadeza a mão de Ashlyn e respondeu:

—Não o pense mais. Aeron cuidará dela.

Aquilo não era uma mentira.

Ashlyn assentiu com gratidão, e ele sentiu uma pontada de culpa.

De novo, passaram uns minutos em silêncio. Ele a observava com satisfação, ao comprovar que seu rosto recuperava a cor saudável e que a dor se desvanecia de seu olhar. Ela também o observava com uma expressão impenetrável.

—Como é possível que os demônios façam coisas boas? —Perguntou por fim. — Me refiro a que, além do que tem feito por mim, sei que todos têm feito coisas estupendas pela cidade, com suas doações e atos filantrópicos. As pessoas acreditam que os anjos vivem nesta fortaleza. Acreditaram durante centenas de anos.

—E como sabe que acreditaram durante tanto tempo?

Ela tremeu e afastou o olhar.

—Eu... sei.

Ashlyn tinha um segredo, algo que não queria que ele soubesse. Maddox pegou seu queixo e a obrigou a olhar para ele.

—Já suspeitava que é uma isca, Ashlyn. Pode me dizer a verdade.

Ela franziu o cenho. Aquelas escuras barras de ouro reunidas.

—Segue me chamando disso como se fosse algo asqueroso e horrível, e eu não sei o que é uma isca.

Em seu tom de voz tinha uma genuína confusão. Inocente, ou boa atriz?

—Não vou te matar, mas espero sinceridade completa de sua parte de agora em diante. Entendido? Não minta para mim.

—Não estou mentindo.

Maddox notou que seu corpo começava a esquentar lentamente, que o espírito fazia patente sua presença.

Se apressou a mudar de tema. O fato de ouvir mais mentiras podia fazer que saltasse, que a ferisse. E, isca ou não, Maddox se negava a deixar que aquilo acontecesse.

—Vamos falar de outra coisa.

Ela assentiu. Parecia que estava muito contente de seguir sua sugestão.

—Falemos de você. Esses homens o atravessaram com uma espada ontem à noite, e morreu. Sei que ressuscitou porque é um guerreiro imortal, um demônio... ou algo assim. O que não sei é por que o fizeram.

—Você tem seus segredos e eu tenho os meus.

Ele pensava tê-la no castelo e mantê-la com vida, e por causa disso ele não queria discutir sua maldição; Já lhe tinha medo, e caso, se inteirasse da verdade, o desprezaria. Já era suficientemente ruim que ele soubesse o que tinha feito para merecer semelhante castigo.

Mais ainda, se alguém soubesse o que lhe ocorria cada noite, possivelmente perdesse sua reputação de anjo. Alguém podia tomar seu corpo, o levar e tocar fogo, ou decapitá-lo sem que ele pudesse fazer nada para evitar. Desejava aquela mulher mais do que nunca desejou a outra, mas não confiava nela. Ao menos, conservava um pouco de cérebro em sua cabeça e não em seu penis.

—Pediu a eles que o matassem para poder ir ao inferno visitar seus amigos, ou algo assim?

—Eu não tenho amigos no inferno. —replicou ele, ofendido.

—Então...

—Então nada.  Ela abriu a boca para falar, mas ele apertou seu lado - Minha vez de fazer as perguntas. Não é húngara. De onde é?

Ela se recostou no travesseiro com um suspiro e se aconchegou ao redor do corpo de Maddox. Ao se dar conta de que Ashlyn estava tão cômoda para se colocar assim, ele sentiu uma grande satisfação.

—Sou dos Estados Unidos. Da Carolina do Norte, para ser exata, embora, passei quase toda a vida viajando com o Instituto Mundial de Parapsicologia.

Ele espalmou a mão aberta na barriga dela e esfregou suavemente, enquanto ele procurava em sua mente qualquer referencia a tal instituto.

—E isso é...?

—É um organismo que estuda o sobrenatural. O inexplicável. Criaturas de todo tipo. Estudam e observam as diferentes raças, e tentam que haja harmonia entre elas.

Ele ficou calado. Acabava de admitir que trabalhava com os Caçadores? Suas ações sempre tinham estado cheias de ódio, embora eles alegavam que preservavam a paz para a humanidade. Ele franziu o cenho com confusão.

—E o que faz para eles?

Ashlyn vacilou.

—Escuto para ajudar a encontrar seres e objetos de interesse.

Depois de dizer aquilo, se remexeu com desconforto contra o travesseiro.

—E o que passa quando encontra essas coisas?

—Já disse isso. Estudam-nas.          

Quando ela não entrou em detalhes, ele olhou para o teto. Sua confusão se intensificou. Estudados, como em morto? Foi este um aviso secreto, sua maneira de deixá-lo saber que ela realmente trabalhava para os Caçadores? Será que ela trabalhava para eles e não sabia? Ou era um inofensivo Instituto e realmente buscava a paz entre as espécies?

—As pessoas com a quais trabalha têm tatuagens nos pulsos? Um símbolo do infinito?

Ela negou com a cabeça.

—Não, que eu saiba.

Verdade? Mentira? Ele não a conhecia o suficientemente bem para discerni-lo. Todos os Caçadores fanáticos que tinham atacado aos Senhores na Grécia, e também aqueles que Maddox tinha encontrado no bosque no dia anterior, estavam marcados com uma tatuagem.

—Disse que escuta. E o que é exatamente que escuta?

Outra pausa, outra hesitação.

—Conversações —sussurrou Ashlyn. — Olhe, eu pensei que poderia falar sobre isso, pensei que queria falar disso, mas não estou pronta, OK?

Violência desconfiou disso e Maddox se esforçou para conter o demônio. O que ela estava escondendo?

—Não importa se você está pronta para falar sobre isso ou não. Você vai me dizer o que eu quero saber. Agora.

—Não, não vou – disse ela novamente, teimosa.

—Ashlyn.

—Não.

Ele estava muito próximo de rolar em cima dela, prendendo-a na cama e obrigando ela a responder. Somente o conhecimento que ela ainda estava doente, ainda fraca, manteve ele no lugar. Mas ele iria obter a resposta de uma forma ou de outra.

—Preciosa, só peço porque eu quero te conhecer melhor. Diga-me algo sobre seu trabalho. Por favor.

Lentamente, ela relaxou.

—As pessoas que trabalham para o Instituto aprendem a manter silêncio sobre o seu trabalho. Não muitos civis iriam acreditar naquilo que fazemos. A maioria só iria considerar-nos loucos.

—Eu não acho que voce esteja louca. Como poderia pensar isso?

Ela suspirou.

—Está bem. Contarei uma de minhas missões. Qual delas, qual delas...- ela murmurou, enquanto estalava a lingua – Já sei. Você vai gostar dessa. Faz uns anos, eu...,uh, o Instituto, descobriu um anjo. Tinha as asas quebradas em várias partes. Enquanto o curávamos, ele nos falou sobre as diferentes dimensões, e os portais. Isso é o melhor de meu trabalho. Com cada descobrimento novo, aprendemos que o mundo é muito maior do que tínhamos imaginado.

Interessante.

—E o que faz o Instituto com os demônios?

—Os estuda, como disse. Age, e os impede que façam mal as pessoas, se for necessário.

Parte do que ela descreveu se entrosava com os objetivos dos Caçadores ele tinha tratado todos aqueles anos atrás, para não mencionar aqueles que ele tratou ontem. O resto, bem, não.

—Essas pessoas não destróem aquilo que não entendem?

Ela riu.

„ŸNão.

Os Caçadores sim. Pelo menos, pensou assim. Tantos anos se passaram desde que ele lutou na guerra que às vezes tinha dificuldade em lembrar alguns detalhes. Ao mesmo tempo, ele sabia que tinha entendido porque os caçadores queriam ele e os outros mortos: eles tinham feito as coisas más, suas habilidades dando-lhes a resistência e longevidade para fazê-lo para sempre se não fossem parados. Mas, em seguida, os caçadores mataram Baden e sua compreensão tinha evaporado,  a morte de Desconfiança tinha dividido os guerreiros. Metade tinha implorado paz, perdão e refúgio, silenciosamente mudando para Budapeste. Os outros tinham procurado vingança e permaneceram na Grécia para continuar a lutar.  

Freqüentemente, Maddox se perguntava se aquela inimizade sangrenta continuaria, e se os Senhores que tinham ficado na Grécia teriam sobrevivido durante todos aqueles séculos.

Maddox afastou uma mecha de cabelo da testa de Ashlyn.

—Que mais pode me contar desse Instituto?

Com o cenho franzido, ela o olhou.

—Não posso acreditar que vá admitir isto, mas acredito que o próximo que querem estudar é a você.

Aquilo não foi uma surpresa. Fosse o que fosse aquele Instituto, era normal que tivesse interesse nos demônios. Entretanto, com os sensores e as câmaras de Torin, nunca conseguiriam subir pela colina, e aqueles que se atrevessem a tentá-lo receberiam o mesmo tratamento que os Caçadores.

—Podem tentar nos estudar, mas não será fácil. —disse a Ashlyn.

Estando tão perto dela, percebia totalmente seu aroma, e a sexualidade de Maddox estava despertando rapidamente. Com cada segundo que passava, se sentia mais excitado. Ela era suave e doce. Estava viva e se sentia melhor. E era dele.

De repente, ele queria esquecer o Instituto. Não queria saber nada mais daquilo.

— Quero voce. —disse .— Com todas as minhas forças.

Os preciosos olhos de Ashlyn se abriram desmesuradamente.

—Realmente?

—É muito bela. Todos os homens devem desejar você. —disse ele.

Entretanto, rapidamente pôs um rosto de fera. Se algum homem tentasse tocá-la, morreria. Com dor, com lentidão.

Violência ronronou para mostrar sua asquiescência.

O rosto de Ashlyn se coloriu, e ele recordou as rosas que às vezes via crescer junto aos muros da fortaleza. Ela sacudiu a cabeça.

—Sou muito estranha.

A franqueza garantida em seu tom o levou a franzir a testa.

—Por que diz isso?

Ela afastou o olhar, dizendo.

—Não importa. Esquece que o disse.

—Não posso. —disse Maddox, e lhe passou um dedo pela bochecha.

Ashlyn estremeceu. Se moveu contra ele e, imediatamente, sua excitação impregnou o ar. Ele a bebeu.

—Você também me deseja —disse com um grunhido de satisfação, e esqueceu sua pergunta, e a negativa de Ashlyn para responder.

—Eu... eu...

—Não pode negar isso —afirmou ele. — Assim, lhe perguntarei de novo: Ainda quer que a leve para casa?

Ela engoliu em seco.

—Pensava que sim. Faz só umas horas, a única coisa que eu queria era escapar; agora... Não posso explicar isso nem sequer a mim mesma, mas desejo ficar aqui. Quero ficar com você. Por agora, ao menos.

A satisfação de Maddox se intensificou, o invadiu, intensa. Naquele momento, não lhe importava que ela tivesse respondido como mulher ou como isca. «Terei-a».

«A teremos», corrigiu Violência, e Maddox se assustou ao perceber o ardor de seu tom. «A teremos».

 

Quando Aeron e Danika entraram na fortaleza pela janela e aterrissaram no chão do dormitório de Maddox com um suave golpe, Ashlyn ficou assombrada. Nunca teria imaginado. Aquele homem tinha realmente asas negras e brilhantes.

«Queria conhecer outros como você, Darrow. Bom, pois conseguiu».

Maddox tinha lhe dito que era imortal, que estava possuído. Ela tinha suspeitado que podiam ser demônios, assim não era de se admirar que fossem de verdade. Mas asas? Enquanto subia pela colina, tinha ouvido vozes que falavam de um homem que podia voar, mas não tinha dado importância a elas. Estava muito ocupada tentando bloquear a catarata de vozes. Deveria ter prestado atenção, mas também tinha escutado que... tinha um homem que podia entrar no mundo dos espíritos, e outro podia hipnotizar com apenas um olhar...

Suspirou. Maddox a tinha hipnotizado. Desde o começo, tinha ficado presa em sua rede. A estranha luxúria que sentia por ele era tão imprópria dela como sua precipitada decisão de ficar no castelo.

—Aqui está o Tylenol. —disse Danika com voz trêmula, - Bem a versão generica. – Sua pele estava verde, e ela balançou-se sobre seus pés. Tirou um frasquinho vermelho e branco de uma bolsinha de cor verde.

Ao seu lado, Aeron ergueu os ombros. Suas asas se fecharam e desapareceram por completo. Se inclinou, pegou a camiseta do chão e a pôs, cobrindo as tatuagens ameaçadoras que lhe decoravam o torso. Caminhou até a janela e a fechou antes de se voltar para Danika com os braços cruzados. Ficou ali, calado, observando tudo.

—Obrigada. —disse Ashlyn. — Sinto que tenha passado tão mal para me trazer isso.

Silenciosa, Danika entregou dois comprimidos em silêncio, que ela aceitou com gratidão. Ainda sentia um pouco de dor e tinha caimbras que a incomodavam, e ainda tinha náuseas. Entretanto, se encontrava muito melhor que no princípio.

Maddox pegou os comprimidos antes que ela os colocasse na boca. Estudou-os atentamente e franziu o cenho.

—São mágicas? —perguntou com curiosidade.

—Não. —disse ela.

—Então como é possível que duas pedrinhas acalmem a dor?

Ashlyn e Danika se olharam com desconcertadas. Aqueles homens tinham tido que se relacionar com os humanos durante todos aqueles anos. Como era possível que não soubessem nada da medicina moderna?

A única explicação que Ashlyn encontrava para tudo aquilo era que nunca tinham prestado atenção a uma pessoa doente. Além disso, só um dos homens, Paris, ia à cidade com freqüência. Ela sabia porque tinha ouvido vozes que o diziam.

Então Maddox permanecia trancado naquele castelo? De repente, Ashlyn suspeitou que sim, e isso fez com se perguntasse se ele se sentiria alguma vez esquecido, se sentiria desamor e desamparo.

Salvo pela amabilidade com que Mclntosh a tratava, Ashlyn também tinha se sentido assim no Instituto, onde ela era valorizada somente por sua habilidade. O que voce ouviu, Ashlyn? Nada mais foi dito, Ahlyn? Eles explicariam, Ashlyn?

Se deu conta de que queria entender Maddox. Queria descobrir coisas sobre ele, reconfortá-lo como ele tinha reconfortado a ela. Maddox não podia sabê-lo, e ela não ia dizer que a cada vez que a tinha acariciado e lhe tinha esfregado o abdômen, ou lhe tinha dito palavras de carinho em seu ouvido, apaixonou-se um pouco por ele. Era um equívoco, uma tolice, mas era impossível de se deter.

Deveria falar a ele de sua habilidade para ouvir vozes, mas tinha decidido não fazê-lo quando ele tinha mostrado um interesse tão agudo, quase zangado. Tinha dito a si mesma: «Se Maddox se zanga antes de saber até onde chega minha habilidade, ficará horrorizado quando conhecer toda a verdade?».

No Instituto, a maioria das pessoas se sentia incômoda com ela porque sabiam que podia se inteirar de suas conversações privadas apenas ao entrar em uma sala. Como tinha decidido ficar no castelo, por mais estranho que fosse aquele lugar, não queria enfrentar aquele rechaço em outros. Por uma vez, queria que a considerassem a pessoa mais normal de todas. Só durante um momento.

Estando com demônios, aquilo não deveria ser tão difícil.

Lhe diria a verdade, sim. Possivelmente quando passassem uns dias. Enquanto isso tinha que achar a forma de ficar em contato com McIntosh. Seu chefe merecia saber o que tinha lhe ocorrido, e que estava bem. Não queria que se preocupasse.

Felizmente, ele estaria estudando a fortaleza como ela suspeitava, veria que ela estava feliz. Confiava que sua felicidade viesse antes de seu trabalho a seus olhos.

—Toma-as. „Ÿ ordenou Maddox, interrompendo seus pensamentos, e lhe entregou as duas pílulas— Se piorar. —acrescentou, olhando para Danika—, não sou responsável por meus atos.

— Não a ameace —se apressou a responder Ashlyn. —Tomei este remédio outras vezes. Ficarei bem.

—Ela...

—Não tem feito nada errado.

Ashlyn não sabia de onde tinha tirado aquela valentia. Só sabia que estava ali, e que não permitiria que Maddox vociferasse e a intimidasse.

Sabia que nunca faria mal a ela. Um fato que ela ainda tinha problemas em entender. Depois do milagre de fazer as vozes se calarem, este homem duro era terno em vista de suas necessidades. Ele não tinha fugido quando tinha vomitado, como a maioria teria feito. Ele tinha ficado com ela, cuidado dela, segurado-a perto, como se ela fosse preciosa.

Entretanto, por mais maravilhosamente que a tivesse tratado, Ashlyn não sabia se ele era capaz de fazer mal a alguem. Ela sabia qual a capacidade do que ele poderia fazer: qualquer ato escuro, qualquer maldade. Mas não podia permitir que fizesse mal a Danika, que também a tinha ajudado.

—Ashlyn. —disse ele com um suspiro.

—Maddox.

Ele voltou a estender os dedos sobre seu abdômen. Felizmente, ele não se afastou. Ashlyn pensou que poderia ficar para sempre entre seus braços. Nunca ninguém, nem sequer McIntosh, tinha conseguido que se sentisse tão especial.

Ela mal se lembrava de seus pais. Nem eles não a tinham tratado assim, nunca. Na verdade, eles ficaram mais do que felizes em se livrar de seus gritos e choros infantis. A menina que constantemente pedia para as vozes pararem, nunca permitindo que as pessoas ao seu redor dormissem, trabalhassem ou relaxassem.

Ela soube no mesmo dia quando eles tinham decidido entregá-la, embora ela não tinha entendido na época. Ela entrou no quarto e toda a aconversa tinha se revelado em sua mente.

“Eu não posso mais cuidar dela. Ela é demais para suportar. Eu não posso comer, não consigo dormir, não consigo pensar.”

“ Não podemos simplesmente abandoná-la, mas porra! Eu não aguento mais, nada. O choro não pára. Quero uma vida normal, novamente. Como era antes dela nascer .” Pausa. “Eu fiz uma pesquisa e encontrei um lugar que poderia ajudá-la. Eu chamei. Eles querem conhecê-la. Talvez, eu não sei, talvez eles possam dar-lhe o que não podemos.”

Eles a enviaram ao Instituto dias após o seu quinto aniversário. Lá ela ficou conhecida como “sujeito”.

Agulhas, eletrodos e os monitores se tornaram seus companheiros diarios, sem contar o medo, solidão e dor. O dia em que ela se tornou “Ashlyn” aos olhos do pessoal foi tres anos mais tarde, quando aprendeu a usar sua habilidade em seu beneficio.

Foi o dia em que McIntosh tinha entrado em sua vida.

Ele era um jovem parapsicologo jovem e ambicioso, galgando rapidamente as posições, graças a sua visão, direção e pura paixão pelo trabalho. Ele a acompanhou a todos os locais onde as vozes a enviaram, tinha estado ao seu lado enquanto ela ouvia, anotando tudo o que ela havia dito.

Depois ele pesquisava o que ela tinha ouvido e dizia-lhe o resultado. Como a vez que ela tinha ouvido que um vampiro tinha sugado uma cidade intera. O Instituto tinha sido capaz de localiza-lo e pará-lo e, eventualmente, estudá-lo. Nessa época ela tinha se sentido especial, como os personagens sobre os quais ele lia para ela toda a noite.

—Ashlyn —repetiu Maddox. Seus olhares ficaram presos, e seus olhos brilharam com um fogo violeta. — Diga outra vez meu nome.

—Maddox.

Ele fechou os olhos durante uma fração de segundo, e por um instante, em seu rosto se desenhou uma expressão de encantamento.

—Eu gosto de ouvir você dizer meu nome.

Ashlyn se surpreendeu com a alegria que ele podia sentir com algo tão singelo. Um calafrio desceu por sua espinha. Entretanto, no segundo seguinte, seu semblante voltou a ser normal. Aquela pequena amostra de prazer se desvaneceu de seus traços, como se não confiasse em si mesmo com aquela emoção.

—Danika...

—Preciso de um pouco de água —disse Ashlyn em seu lugar. — Para tomar as pílulas.

—Sim, pode deixar. —disse Danika. Pegou o copo vazio do chão e entrou no banheiro. O som da água encheu os ouvidos de Ashlyn; um instante depois, Danika estava a seu lado de novo, lhe estendendo o copo.

Mais uma vez, ele confiscou isso. Ele deu um olhar desconfiado para Danika, em seguida levantou a cabeça de Ashlyn e segurou o copo em seus labios. Ela jogou as pilulas em sua lingua e tomou um gole do frio e refrescante liquido. Tudo deslizou por sua garganta abaixo, com um leve sinal de dor.

—Obrigada. —disse Ashlyn.

—Bem. Então está feito. Acompanharei a garota ao quarto de Lucien. – Aeron finalmente disse, com sua voz tão dura que era quase como se esfregasse tambores em suas orelhas.

—A garota tem nome. —espetou Danika.

—E qual é? Bocarra? —murmurou ele. Pegou seu braço e a levou para a porta. Era evidente que aquele homem não tinha a mínima idéia da maneira de como tratar uma mulher.

Se Ashlyn decidia ficar ali, teria que arrumar aquilo.

— Esperem! —gritou.

Aeron continuou seu caminho.

—Estará bem? —perguntou.

Depois de uma leve vacilação, Maddox respondeu.

—Sim.

„Ÿ Bem. —disse ela, sua voz ecoando pelas paredes.

Então se deu conta de que estava a sós com ele. É obvio, naquele momento se deu conta também de que tinha um sabor horrível na boca. Deus, devia parecer um espanto e devia cheirar muito mal. Se sentiu mortificada.

—Ah..., preciso de um banho.

—Eu a ajudarei.

Ele a pegou nos braços sem nenhum esforço, como se fosse um saquinho de plumas e ficou em pé. Lhe rodeou o pescoço com os braços e a força e o calor de Maddox a impregnaram até os ossos. Ele transpassou a soleira e se deteve no centro do banheiro. Ao suspeitar que queria ficar, Ashlyn sacudiu a cabeça, e teve que reprimir uma onda de enjôo.

—Posso fazê-lo sozinha.

—E se você cair?

Cabia a possibilidade, mas não tinha nenhuma intenção de permitir que ele ficasse com ela, olhando.

—Estou bem.

Embora sua expressão fosse dúbia, Maddox disse:

—Me chame se precisar de mim. Estarei esperando atrás da porta.

Lentamente, deixou que Ashlyn deslizasse por seu corpo até que posou os pés no chão. Seus joelhos falharam. “Eu não vou cair. Estou fraca mas não vou cair.” Ela teve que se agarrar ao trinco da porta para manter o equilíbrio.

—Saia, por favor. – Ela pediu.

Ele obedeceu, embora a contra gosto. Quando esteve fora, ela fechou a porta.

—Cinco minutos. —disse Maddox.

Ashlyn passou o ferrolho e murmurou:

—Demorarei tudo o que quiser.

—Não. Dentro de cinco minutos, vou entrar, tenha terminado ou não. A fechadura não servirá de nada.

—Cabeça dura.

—Preocupado.

Doce. Com um meio sorriso, ela se lavou o melhor que pôde, e escovou os dentes com uma das escovas que encontrou no armário do banheiro. Esteve a ponto de cair em duas ocasiões. Depois utilizou o lavabo, se desfez de alguns nós do cabelo e decidiu, depois de observar seu pálido rosto no espelho, que não podia fazer nada mais para melhorar seu aspecto.

Com um minuto de sobra, abriu o ferrolho e chamou Maddox. Embora sua voz fosse débil, Maddox abriu a porta como se tivesse gritado. Tinha uma expressão tensa. Ela fechou os olhos, porque cada vez estava mais enjoada.

—Abusou de suas forças —disse ele. De novo, a pegou nos braços e a levou para a cama. A deitou brandamente no colchão e deitou a seu lado.

Ela espiou ele atraves de seus cilios. Mais do que tratá-la com cuidado, Maddox foi o primeiro homem a deitar em uma cama com ela. O primeiro homem a desejá-la, realmente.

Ela tentou ter um encontro em uma ocasião, mas as vozes tinham bombardeado ela cada maldita vez. Para acalmá-los, ela tentou aprender respiração profunda e meditação. Os homens sempre assumiam que ela os ignorava ou estava tendo um ataque de panico e não queriam ter mais nada com ela.

Certa vez, ela tinha até mesmo ido a um encontro com um colega do Instituto, pensando que ele ia ao menos compreende-la, ou simpatizar. No dia seguinte, ela tinha ouvido sua conversa sussurrada com outro colega. Aberração - ele a chamou.- Não era possivel abrir as pernas nem com um pé de cabra.

Depois disso ela tinha desistido completamente de namorar.

—Se sente melhor? —Maddox perguntou. A atraiu para a curva de seu corpo, exatamente onde ela queria estar.

Aquele calor delicioso a envolveu, e Ashlyn exalou um suspiro de placidez. O tinha procurado durante toda a vida, mas foi necessário que conhecesse um imortal possuído para descobrir aquele pedaço de céu silencioso, pleno de desejo.

—Melhor? —repetiu ele.

—Muito melhor —respondeu Ashlyn com um bocejo.

Abrigada, segura e limpa, quase livre da dor, notou que o sono a vencia. Seus olhos fecharam e lutou para mantê-los abertos. Não queria que terminasse ainda aquele momento que estava compartilhando com Maddox.

—Temos muito do que falar —disse ele.

Ele parecia muito longe, e ela lutava para sair do efeito de lassidão que as drogas teceram para ela da cabeça aos pés

—Sei. —sussurrou Ashlyn.

Se Maddox respondeu, ela não o ouviu. estava adormecendo. Ele a beijou na bochecha com ternura. Seus lábios eram firmes, mas suaves, e entre eles dois ardeu uma chama com o contato. «Abre os olhos Darrow. Possivelmente a beije na boca». Tentou, tentou de verdade. Entretanto, embora sua mente estivesse disposta, seu corpo se encontrava muito fraco.

— Falaremos mais tarde —sussurrou Maddox. „ŸAgora, dorme.

—Você vai ficar? —perguntou ela. «Como é possível que o necessite assim? O conheço só há um dia».

—Sim. Agora durma para mim.

Incapaz de fazer outra coisa, Ashlyn obedeceu.

 

—Os vi —disse Aeron com uma expressão sombria. — Maddox não matou a todos; Paris e Reyes não devem tê-los visto quando foram explorar os arredores. Há mais Caçadores, e neste momento estão reunidos na cidade. Acredito que ouvi que mencionavam as palavras «esta noite», mas voava muito alto para estar certo.

Pela segunda vez em dois dias, todos estavam reunidos na sala de jogos. Ele raramente vinha aqui, preferindo em vez disso, procurar seu próprio entretenimento fora. A partir da periferia da cidade e à segurança das sombras, ele via secretamente os mortais interagirem e se perguntava por que eles não estavam preocupados com suas fraquezas.

Agora, ele não conseguia ficar longe desta câmara.

Paris tinha voltado e estava assistindo a outro filme. Reyes estava afastado martelando no saco de pancadas, Torin estava encostado no canto no outro extremo da sala e Lucien estava jogando sinuca, com barricadas porta de seu quarto com madeira e pregos para libertar-se do dever de guarda. Apenas Maddox estava ausente, mas Aeron estava contente por isso.

Seu companheiro estava imprevisível ultimamente, para não mencionar que se achava completamente encantado com a humana. Aeron aspirou. Não ele. Nunca ele. Enquanto ele gostava de estudar as tolas espécies, ele nunca tinha se juntado a eles. Mesmo a bela loira não tinha tentado ele. Os seres humanos eram muito fracos, e os seus demônios constantemente insistia com ele para destruí-los de forma que espelhasse seus próprios pecados.

Um estuprador perderia o seu penis. Um espancador de esposa perderia as mãos. Mais e mais, Aeron gostava o que fazia, gostava de infligir a sua própria forma de vingança. Que era porque ele estava tão perto da borda.

A garota, entretanto ...

Quando eles voltaram da cidade, ele tinha devolvido-a ao quarto de Lucien, suas curvas gravadas em sua mente, mas seu corpo completamente inalterado. Ela não fez nada para ele. Nenhuma dessas pessoas tinha feito.

Eles eram muito quebradiços, muito assustadiços. Retirados muito facilmente daqueles que os amava. Mas ele ainda não queria magoá-la. 

—Como sabe que são Caçadores? —perguntou Lucien. Tinha a tensão refletida no rosto. Sua parede de calma dando sinais de ruir quando ele encaçapou a bola oito no canto.

—Estavam armados com facas e pistolas, e tinham a tatuagem do infinito no pulso. - Marcando eles mesmos, como tolos, se perguntassem a ele. Como colocar um letreiro de neón em torno de seus pescoços, dizendo “atire aqui”.

—Quantos eram?

—Seis.

—Bom, isto é uma chateação. — Paris baixou a cabeça em suas mãos. Ele usava uma calça jeans desabotoado e nada mais. Aeron tinha visto ele na cidade, fodendo uma mulher em um canto escuro de um prédio e tinha-lhe dito para terminar rapidamente e correr  — Onde há seis, há seis mais, e seis mais, e assim sucessivamente.

—Malditos Caçadores. —disse Reyes com desprezo.

Dor estava com um humor negro. Mais escuro que o usual, qualificou Aeron.

—Não quero ter que fazer a mala e sair daqui, desta vez. Esta é nossa casa. Não fizemos nada de errado. Se tiverem vindo para lutar, eu digo que lutemos contra eles —opinou Aeron.

—Não nos desafiaram. —observou Lucien, esfregando dois dedos no queixo, um habito dele — Por que?

—Subiam pela colina. Isso já é suficiente desafio. E o que opinam da garota de Maddox? Possivelmente os Caçadores estejam esperando seu sinal.

—Agora, ela representa mais complicação que nunca —murmurou Torin. — E ainda me pergunto qual é o papel dos deuses em tudo isto.

Aeron puxou o anel de prata em sua sobrancelha.

—Temos que dizer a Maddox —opinou Aeron. Torin sacudiu a cabeça.

—Não lhe importará. Já viu como está com ela.

„Ÿ Sim...

E se sentia aborrecido por isso. Que tipo de guerreiro colocava de lado a seus amigos por uma mulher que, além disso, podia traí-lo?

Lucien deu sua sugestão e jogava a bola no ar. Joga. Pega. Joga.

—Vigiaremos e deixaremos que os Caçadores subam pela colina desta vez. Não quero que morram inocentes na batalha. —disse Lucien.

Reyes negou com a cabeça.

—Não quero que os Caçadores entrem aqui. Na nossa casa não. Eu proponho que passeemos com a humana de Maddox pela cidade, que usemos à isca como isca para atrair aos Caçadores. Nos seguirão com intenção de salvá-la, e atacarão. Nós os conduziremos a uma armadilha, longe da cidade, e os aniquilaremos.

Todo mundo o olhou com desagrado.

—Se nos vêem —disse Aeron— a cidade se voltaria contra nós. Será como na Grécia outra vez.

—Não nos verão —replicou Reyes. — Torin pode vigiar a zona com as câmaras e nos dizer por rádio quando se aproxima alguém.

Aeron refletiu sobre isso e depois assentiu. Os Caçadores se distrairiam tentando salvar Ashlyn, e os guerreiros poderiam apanhá-los um por um. E o mais importante de tudo, ele não teria que limpar o sangue das paredes.

Olhou para Lucien, que tinha rosto um ar de resignação.

—Está bem. Usaremos a garota.

Paris esfregou a nuca e Aeron pensou que ia protestar. Surpreendentemente, não o fez.

—Suponho que agora temos que pensar como evitaremos que Maddox nos pendure na parede quando o averiguar.

 

Danika olhou a sua mãe, sua irmã e sua avó, que por sua vez a observavam com esperança e curiosidade, medo e apreensão. Era a mais jovem, mas de algum modo, se transformou na líder do grupo.

—O que aconteceu? —Perguntou sua mãe retorcendo as mãos. — O que fizeram a você?

O que devia dizer a elas? Danika duvidava que acreditassem na verdade: que tinha feito uma reanimação, que tinha ajudado a salvar a uma mulher da morte e que depois um homem com asas a tinha levado voando, voando!, à cidade, onde tinha pegado sua bolsa, ouvindo Aeron quando ele comandou o outro guerreiro ir para casa – um guerreiro que tinha uma mulher fortemente presa contra a parede, - e que a seguir tinha voltado para o castelo no mesmo meio de transporte, tudo em menos de meia hora. E para culminar tudo, existia a voz misteriosa que surgiu em sua cabeça no inicio da manhã, mas ela não queria nem pensar nisso.

Embora ela mesma o tivesse vivido, lhe resultava incrível. Além disso, a verdade lhes provocaria mais medo, e já estavam o suficientemente assustadas.

—Acredito que vão nos soltar logo. —mentiu.

A avó Mallory começou a chorar, a exalar grandes soluços de alívio. Ginger, a irmã mais velha de Danika, desabou na cama com uma apenas audível «graças a Deus». Só sua mãe permaneceu imóvel.

—Fizeram mal a você, carinho? —perguntou com os olhos cheios de lágrimas. — Não passa nada, pode me dizer isso. Suportarei.

—Não, não me fizeram nada. —respondeu ela.

—Nos diga o que aconteceu —lhe pediu sua mãe, segurando suas mãos. — Ok? Tudo certo? Me tornei louca imaginando todo tipo de coisas.

Percebendo que iriam realmente se preocupar mais se ela as deixasse no escuro, ela finalmente lhes disse o que tinha acontecido. Os guerreiros tinham aterrorizado ela, sim. E o olhos escuros tinha conduzido para - Deus, ela detestava admitir isso, - despertar algo dentro dela com o olhar intenso, fazendo-a implorar por sua ajuda.

Um apelo que ele havia ignorado, o bastardo.

Mas ela tinha que admitir que os homens tinham a surpreendido tanto quanto eles tinham aterrorizado ela. Afinal, o homem de cabelos negros com estranhos olhos violetas tinha tratado a mulher doente, Ashlyn, como um tesouro. Ele segurou-a delicadamente. Ele não parecia incomodado com o vomito na bacia e o cheiro no quarto. Sua preocupação tinha sido apenas para Ashlyn.

Oh, para ter um homem como aquele tratando-a assim.

Ela não podia imaginar o duro Reyes procurando suavizar tanto. Ou acariciando-o suavemente, mesmo enquanto fazia amor. Imediatamente uma imagem dele, nu e duro, deslizou em sua mente. Com um arrepio, ela forçou a abafar a imagem. Ela chegou a ele, pediu a ajuda dele, e ele lhe negou. Ela não ia se esquecer que Reyes não era um  homem se para confiar.

—E se essas coisas ... não nos soltar? - A mãe dela perguntou com um soluço estrangulado. - E se decidirem nos matar como estavam falando?"

«Seja forte. Não deixe que vejam seus medos em você».

—Prometeram que nos liberariam se ajudasse a curar à mulher, e o fiz.

—Os homens tendem a mentir. —disse sua irmã, se levantando.

Ginger tinha vinte e nove anos e era professora de ginástica. Normalmente era calma e reservada. Nenhuma delas  já havia se visto em uma situação como aquela, e nenhuma delas sabia como enfrentar isso.

Até aquele momento tinham tido vidas despreocupadas e se enganaram pensando que não podia lhes ocorrer nada de mau. Antes disso, o pior que tinha ocorrido a Danika era a morte de seu avô, que tinha falecido dois meses atrás. Tinha sido um homem maravilhoso com paixão pela vida, e ela tinha sentido sua morte até o tutano dos ossos. Todas tinham sofrido. E sofriam.

Tinham pensado que passar umas férias ali as ajudaria a mitigar a dor e as faria se sentir mais próximas ao homem ao que nunca voltariam a ver. Seu avô adorava aquela cidade; sempre falava das duas semanas mágicas que tinha passado ali antes de se casar com a vovó.

Nunca tinha mencionado um grupo de guerreiros homicidas com asas.

—Revistamos o quarto uma e outra vez. „Ÿ lhe disse sua avó. — As únicas saídas são a porta e a janela, e não podemos abrir nenhuma das duas.

—Por que querem nos fazer mal? —gritou Ginger. Seu olhar era azul aguado, os palidos cabelos úmidos pelos ataques de lágrimas. Nodoas vermelhas manchavam sua pele da testa ao queixo.

Nenhuma delas era particularmente bonita.

—Não me disseram isso. —respondeu Danika com um suspiro.

Deus, aquilo era um pesadelo. Justo antes que as seqüestrassem, tinham estado visitando o bairro dos castelos. Ela nunca tinha visto nada tão bonito como as luzes que brilhavam naquela arquitetura majestosa de séculos atrás. Tinha sentido falta de suas pinturas, seus tecidos, para capturar aquelas visões.

Isso era o que queria fazer ao chegar ao hotel. Pintar.

Entretanto, quando tinha entrado em seu quarto se encontrou com um homem muito alto, cheio de cicatrizes, de cabelo negro e olhos de cores estranhas que a tinha abordado. Cheirava a rosas, recordou. Esse aroma tinha lhe resultado reconfortante, de algum modo, no meio do maior ataque de pânico de sua vida. O homem das asas também estava lá, mas as tinha escondidas sob a camiseta.

O quanto facilmente as tinham submetido. Apesar de que elas eram quatro, e eles, apenas os dois, as tinham deixado sem sentido com facilidade, e quando tinham voltado a despertar, estavam naquele quarto.

— Possivelmente devamos tentar seduzir a um deles para que nos dê uma chave —lhe sussurrou Ginger.

Imediatamente, Danika pensou no guerreiro de pele escura e olhos negros. Cada vez que o via, estava sangrando. Estupidez? Não parecia idiota, mas... possivelmente deveria ter se oferecido para curar suas feridas. Possivelmente se tivesse sido mais amável com ela. E possivelmente se a tivesse ajudado, ela o tivesse pedido.

Possivelmente a tivesse beijado.

A mera idéia a excitava, demônios.

—Nenhuma mulher teria que oferecer seu corpo para escapar de uma prisão — murmurou, zangada consigo mesma. A imagem de Reyes lhe apareceu na mente, e acrescentou. — Mas o pensarei.

 

Maddox abraçou Ashlyn durante várias horas enquanto esta dormia, revivendo em corpo e alma. O tempo era seu inimigo, e a meia-noite se aproximava rapidamente, mas não despertou. Nem sequer quando lhe tirou os sapatos e o pulôver, deixando à vista pés delicados e uma camiseta que lhe desenhava os seios. Sentiu que seu sangue fervia de excitação.

A hora do almoço tinha passado e tinha fome, mas desejava a Ashlyn mais do que desejava a comida. Queria abraçá-la, ouvir seus suspiros no meio do sono... Era o céu.

Seus seios, esmagado contra seu lado, eram incrivelmente macios. Um dos braços estava caída sobre o estômago dele, cortando-lhe num abraço apertado, como se temesse, mesmo durante o sono, que pudesse escapar.

Se sentia mais em paz do que tinha estado em séculos, e não se surpreendeu quando seus olhos começaram a se fechar e sua mente começou a vagar.

«Acorde, guerreiro. Voltei», disse uma voz em sua cabeça. Uma voz que lhe resultava familiar. Aquilo sim o surpreendeu.

Maddox ficou tenso e abriu os olhos de repente. Rapidamente observou toda a sala. Não viu ninguém, nenhuma sombra.

Preferia enfrentar a um Caçador que a um Titã que tinha prometido que ajudaria a Ashlyn e a tinha abandonado. Tentaria aquele ser arrancar ela dos seus braços?

«Onde está minha compensação, guerreiro?».

Sentiu um leve zumbido do poder, o espessamento do ar, torcendo. Ashlyn soltou um suspiro ofegante e ele obrigou-se a relaxar. Ele queria que ela acordasse, mas não até que o deus tivesse ido embora. Se ela fosse a raiva do ser, mesmo involuntariamente, ela poderia se machucar.

—Quem é? —sussurrou para não despertar Ashlyn.

«Não tenho por que lhe dizer isso» respondeu seu interlocutor com irritação.

Maddox estalou o queixo, fazendo seu melhor para permanecer em paz. Sem violência, sem fúria. Quanto cruel o Titan era fazê-lo adivinhar.

—E o que quer de mim?

«Me prometeu tudo. Tudo».

—Prometi que faria tudo se salvasse a garota. Você não a salvou. - Disse ele, mesmo que sua mente gritava, não provocar o deus! - Nós o fizemos.

«De todo o modo, está viva».

—Mas você não fez nada.

Ele apertou os lábios. Antagonizar um deus não era sábio. Mas ele temia o que ele seria convidado a fazer se ele concordava com o ser, sabendo que seria o pagamento de auxílio que não tinham sido dado.

«Tem certeza?».

A voz se tornou sedosa, como se quisesse desafiá-lo que a contradissesse.

Estava certo? Danika tinha ajudado apertando o peito de Ashlyn, e ela tinha recuperado a respiração. Reyes e Aeron também tinham feito sua parte. Maddox a tinha abraçado, a tinha ajudado a se limpar e a tinha reconfortado.

O que tinha feito aquele ser? Importava?

—O que quer que faça? —perguntou com resignação.

Houve um ronrono de satisfação.

«Diga a seus amigos que vão ao cemitério de Kerepesi à meia-noite. Devem ir desarmados, e não podem dizer a ninguém o que estão fazendo. Irão sozinhos e eu os visitarei. Mostrarei quem sou».

—A meia-noite estaremos ocupados com outra coisa,

«Sua maldição de morte. Sim, sei. Lucien e Reyes têm permissão para chegar mais tarde»

—Mas...

«Sem objeções. Meia-noite. Desarmados».

Maddox piscou. Aquilo não tinha sentido. Por que queria que os homens fossem sem armas? Um deus podia esmagá-los por mais armamento que levassem.

«Dirá a eles?».

Maddox entrecerrou os olhos. Aquele não era um deus, se o fosse, tinha intenção de conduzi-los a uma emboscada. Ele já pensava que os Titãs eram cruéis, assim não duvidava que eram capazes de algo assim. Entretanto, ele já estava maldito. Se aquele fosse um deus, Maddox seria castigado, porque não podia pedir a seus amigos que se aproximassem de uma situação potencialmente perigosa sem armas. E se não o fosse, significava que alguém, outro ser, tinha o poder de se infiltrar em seus pensamentos.

A seu lado, Ashlyn estalou os lábios e rodou até deitar de barriga para cima. Tinha um braço apoiado na testa, e o outro sobre o estômago. Estava a ponto de despertar, mas resistindo a fazê-lo.

«Dirá a eles?», perguntou de novo a voz; entretanto, seu tom naquela ocasião foi incerto, ansioso.

E Maddox se deu conta. Não era a voz de um deus. Não podia sê-lo. Um ser todo-poderoso poderia arrastar os guerreiros ao cemitério, e não se delataria com uma só amostra de dúvida. Maddox apertou os dentes.

«Não me obrigue a lhe perguntar isso outra vez».

—É obvio que o direi. —respondeu Maddox.

E não era mentira. Falaria com seus amigos, mas não diria a eles apenas o que aquele ser queria que lhes dissesse.

«Então, até esta noite», disse a voz, que virtualmente cantarolava de satisfação.

«Até que saibamos a verdade», pensou Maddox, mas é obvio, não o disse em voz alta. Não obteve resposta, não houve nenhuma reação, e ele sorriu lentamente. Aquele ser podia infiltrar palavras em sua mente, mas não podia ler seu pensamento. Bom. Muito, muito bom.

A corrente de poder se desvaneceu do ar.

Maddox pensou rapidamente em todas as possibilidades. Possivelmente aquela entidade pudesse ouvir uma conversação a distancia. Possivelmente, como Maddox e seus companheiros, seu interlocutor fosse um imortal com poderes especiais.

Um Caçador imortal?

Com cuidado de não despertar Ashlyn, se levantou da cama e saiu do quarto. Percorreu o castelo até que encontrou Lucien. O guerreiro estava sentado em um sofá da sala de jogos, a sós e em silêncio, com um copo de uísque na mão. Meditava.

Maddox disse a seu amigo o que tinha ocorrido e Lucien empalideceu. Inclusive suas cicatrizes pareciam mais brancas.

—Caçadores. Titãs. Mulheres. E agora, seres sem identificação com poderes desconhecidos. Quando vai terminar tudo isto?

Maddox passou uma mão pelo cabelo.

—Parece que ocorre algo novo a cada minuto que passa.

E pensar que no dia anterior se queixou da monotonia de sua vida...

—Ao menos temos várias horas para decidir o que podemos fazer a respeito. Vou pensar nisso antes de contar aos outros. Estão se passando muitas coisas de uma vez, muitas mudanças.

Maddox assentiu.

—Já sabe onde me encontrar se necessitar de mim.  „Ÿ disse.

Depois voltou para seu quarto, agradecido por aquele adiamento. Ainda não estava disposto a se separar de Ashlyn.

Ela estava estendida exatamente como a tinha deixado. Era uma visão maravilhosa em meio do espartano lugar. Ao se deitar no colchão, despertou.

— Maddox. —murmurou ela.

Aquela única palavra foi um gemido sonolento que acendeu seu sangue como certamente a acenderia uma carícia de seus delicados dedos. Com desejo renovado, Violência se fez notar de novo. Estava faminta. Necessitava algo. Sangue? Dor? Gritos? Ele não sabia, não podia sabê-lo. «Se controle, não farei mal a esta mulher».

Ashlyn esfregou a bochecha contra seu flanco e ronronou como um gatinho satisfeito.

—Maddox?

Violência também ronronou.

Ele se agarrou aos lençóis. O que queria lhe obrigar a fazer Violência? Seus desejos eram escuros. Maddox começou a suar e apertou os dentes com tanta força que os tendões de seu pescoço endureceu.

—Maddox? —repetiu Ashlyn.

Naquela ocasião, seu tom era de preocupação. Se levantou, e as mechas de sua preciosa cabeleira cor de mel caíram em cascata pelas costas. Os raios de sol que entravam pela janela a banhavam em um halo brilhante de cor âmbar. Olhou para Maddox fixamente.

—O que ocorre?

Ele não podia responder. Não pôde falar devido ao nó que tinha na garganta.

Cada vez mais preocupada, Ashlyn se inclinou para ele e colocou as mãos sob sua camiseta para lhe passar as palmas pelo peito. Aquela carícia foi excitante, destruidora. Sempre tinha uma forte energia entre eles. Maddox nunca tinha sentido nada semelhante.

Entretanto, se deu conta de que o espírito também gostava. Rugiu, não de fúria, mas sim de apetite. «Mais...». As nebulosas necessidades de antes voltaram a se criar e se deixaram identificar. Prazer e paixão. Êxtase e um desejo delicioso.

—Como você está? —perguntou Maddox, e engoliu em seco. Lhe resultava assombroso desejar algo, a alguém, sem sentir um impulso grande de fazer mal.

—Melhor.

—Me alegro.

Ele permaneceu imóvel um longo momento, permitindo a Ashlyn que lhe acariciasse o peito e desfrutando de todas as sensações que lhe produzia. Era como um sonho erótico, doce, suave, e não queria que terminasse nunca. Estava vibrando; ou possivelmente fosse o espírito. «Perigoso». Ia despi-la e tomá-la em questão de minutos se não a detinha.

—Tem a aparência muito melhor. —sussurrou Ashlyn— os golpes se curaram.

— Saro rapidamente. Venha —respondeu ele. Rodou pela cama e lhe estendeu a mão.

O olhar de Ashlyn foi desde seu rosto a sua mão, e depois para seu rosto de novo, em busca de alguma resposta.

—Muda de estado de ânimo mais rápido que qualquer pessoa que eu tenha conhecido, e desconcertante. — resmungou.

Entretanto, lhe deu a mão timidamente, como se não pudesse se conter. Os dedos de ambos se entrelaçaram.

Outra faísca.

Ela a sentiu também, obviamente, porque ofegou ao primeiro contato.

Tremendo por causa da necessidade, ele fez com que ficasse em pé. Ashlyn cambaleou ligeiramente e se agarrou com força a sua mão.

—Aonde vamos?

Ao Paraíso, se ele se saísse com a sua.

—Ao chuveiro.

Não esperou sua resposta, mas sim a levou ao banheiro. E, surpreendentemente, Ashlyn não protestou.

—Devo ter um aspecto horrível — murmurou. Passou uma mão pelo cabelo e fez uma careta de desagrado.Argh. Que cabelos.

—Você nunca poderia ter um aspecto horrível.

Ela ruborizou.

—Sim, sim posso. É só que... não sei. Não olhe até que esteja limpa, ou algo assim.

— Já tentei não a olhar, me acredite.  —disse ele; mas seus olhos sempre a buscavam como se tivesse vontade própria, atraídos por uma força mais potente que ele mesmo. Chegaram ao banheiro e ele a soltou. «Quase chegou o momento. Só um pouco mais».

De costas para ela, abriu a torneira. A água começou a cair, fria no princípio, se esquentando gradualmente. Muito em breve, o vapor de água começou a surgir da banheira e a subir em espiral para o teto, se condensando e depois caindo como diminutas gotas de água.

Maddox se voltou para Ashlyn.

—Sinto muito pelo seu quarto. Eu... hã... o limparei depois —disse ela, olhando os pés descalços.

—Não, farei eu —respondeu ele com a voz rouca.

Ela o olhou nos olhos.

—Não. Preferiria que não o fizesse. Já estou o suficientemente envergonhada. Vomitei várias vezes..., possivelmente inclusive tenha manchado você. Me é  mortificante. O que tenha podido cair no chão é minha responsabilidade.

—Foi minha culpa. É meu quarto. Eu o limparei.

Não gostava da idéia de vê-la fazendo trabalhos domésticos. A queria em sua cama, descansando. E nua; sim, nua. Possivelmente não descansando, então, a não ser o lambendo e o mordiscando. Ao pensar nisso, se excitou imediatamente.

—Tire sua roupa. —lhe disse, com a voz muito mais rouca do que teria querido.

Ela piscou de surpresa e depois baixou o olhar.

—O que?

—Quero que tire sua roupa.

—Agora mesmo? —perguntou com um chiado.

Maddox franziu o cenho.

—Toma banho normalmente com a roupa posta?

—Não, mas normalmente estou sozinha.

—Hoje não.

Se sentia como se levasse toda a vida esperando aquele momento. Ashlyn. Nua. Dele, para que ele pudesse fazer o que mais lhe agradasse, com suas curvas lhe pedindo que as explorasse.

—Por que hoje não? —perguntou Ashlyn, em tom suplicante.

—Porque não. —respondeu Maddox, e com obstinação, cruzou os braços.

— Maddox...

—Ashlyn. Tire a roupa. Está suja.

Atrás dele, a água continuava caindo na banheira branca. E em frente a ele, Ashlyn continuava olhando para ele como se estivesse sobressaltada.

—Não. —respondeu ela, e deu uns passos para retroceder para a porta, lentamente.

Ele se inclinou para ela e esteve a ponto de roçá-la com o nariz. Entretanto, não a beijou. Não a tocou, alargou o braço por trás dela e fechou a porta para lhe impedir a fuga. O suave clique ressoou contra as paredes e ela engoliu em seco. Empalideceu.

Maddox suspirou. Não queria que se assustasse, queria que se sentisse excitada.

—Não tenha medo.

—Não... não tenho medo.

Ele não acreditava, não sabia o que podia pensar. Não entendia por que resistia a algo que, só uns minutos antes, desejava. Assim lhe perguntou:

—Como se sente? Estava mentindo quando me disse que se encontrava melhor?

Mentir ou não mentir, se perguntou Ashlyn. Se lhe contava que ainda se sentia enjoada, ele nunca permitiria que ela tomassa banho sozinha. E se lhe contasse que realmente estava curada, quereria vê-la se despir. Ela nunca tinha feito isso diante de um homem, e menos ante um desconhecido. E um desconhecido imortal, além disso.

«Na realidade, já não é um desconhecido. Me abraçou, dormiu a meu lado, cuidou de mim e me limpou o rosto».

Tudo isso era certo, mas ela não conhecia a intimidade daquele homem. O que gostava e o que não, e a história de suas relações, que devia ser bastante longa, tendo em conta que tinha vivido tantos anos.

Ashlyn não sabia se ele queria tão somente passar aquele dia com ela, ou se queria algo mais.

Muitas vezes, em muitos idiomas distintos, Ashlyn tinha ouvido um homem dizer a uma mulher o que ela queria ouvir, e como depois a abandonava. Tinha ouvido eles mentirem sem se preocupar da mulher que os esperava em casa. Tinha ouvido embustes bonitos e descarados.

Como Maddox trataria seu corpo, já que era um demônio declarado? Como a trataria depois que terminasse o sexo?

Por muito medo que lhe desse a perspectiva de estar com ele, Ashlyn tinha que admitir que também era excitante. Emocionante. Nos olhos de Maddox tinha refletido um intenso desejo; um fogo violeta tão feroz como abrasador.

Ninguém tinha cuidado dela assim. Ela era a garota estranha, a louca que não podia ter uma conversação normal porque estava muito ocupada escutando as conversações de outros. «Aproveita a oportunidade, Darrow. Se atreva a viver por uma vez. Sabe que quer fazê-lo».

Olhou para Maddox. Estava rodeado de vapor; tinha um aura fantasmal, de sonho. A expressão de seu rosto era desumana, mas sexy, e usava o cabelo cortado em camadas desiguais. Ela sempre tinha querido ter um homem, uma relação. Sempre tinha sentido curiosidade pela paixão da que tanto tinha ouvido falar. Entretanto, desejava estar com um homem que a quisesse, que não a deixasse quando o fogo da paixão se consumasse.

—Como se sente? —repetiu ele.

—Bem. —admitiu ela finalmente— Me sinto bem.

Não mentia.

—Então por que está aí imóvel? Se dispa.

—Não me dê ordens —disse Ashlyn. Se lhe permitia se impor naquele momento, sempre o faria, sempre? Quanto tempo ia ficar?

Ele ficou em silencio durante um momento.

—Por favor.

«Realmente vai fazer isso?».

Sim. Faria. Ele não a queria, e ela não estava segura de como ia tratar a ela depois, mas ia fazê-lo. O desejava naquele momento e o tinha desejado desde o começo.

Sua mão tremeu quando a levou ao zíper da jaqueta rosa. Entretanto, se deu conta de que já não a usava. Nem o pulôver. Ele devia tê-los tirado enquanto dormia. Com o rosto ardendo, pegou a ponta da camiseta, a tirou e a jogou para um lado. Ficou com a camiseta de baixo, o sutien e o jeans.

Maddox assentiu.

—Usa muitas roupas. Tire mais, por favor

Ela pousou as mãos na borda da camiseta de baixo. Se deteve.

—Estou nervosa. —confessou.

Ele arqueou uma sobrancelha e inclinou a cabeça.

—Porquê?

—E se... e se você não gostar do que vê?

—Eu gostarei. —respondeu ele com a voz rouca.

Aquela voz primitiva... Ashlyn estremeceu. A tinha assustado no bosque. Naquele momento, pelo contrário, inflamava as chamas de seu desejo.

—Por que está tão certo?

Ele passeou o olhar por todo seu corpo.

—Eu gosto do que vejo agora. O que está debaixo vai me agradar ainda mais.

Ashlyn não estava tão certa. Não fazia exercício, e não fazia regime. Nunca tinha necessitado. Quando não estava viajando com o Instituto, estava tranqüilamente em casa, vendo televisão, lendo revistas e navegando na Internet. Não eram as atividades que proporcionavam a uma mulher um corpo de sonho.

Tinha as coxas um pouco mais grossas do que gostaria, e o ventre um pouco mais arredondado. A que tipo de mulheres estava acostumado Maddox? Depois de tudo, ele era imortal, e provavelmente, tinha estado com milhares de mulheres belas.

Ashlyn apertou os punhos. Embora fosse irracional, imaginar Maddox com outra mulher lhe provocou irritação.

—Ashlyn. —disse Maddox, e a tirou de seus pensamentos.

—O que?

—Se concentre no que está fazendo. —disse com ironia.

Ela sorriu.

—Sinto muito. Me distraí. - Ela tinha que aprender a controlar seus próprios pensamentos, agora que o silêncio era uma parte de sua vida.

—Deixa que eu a ajude, por favor.

Toda vez que ele pronunciava a palavra, por favor, ela derretia, querendo dar-lhe tudo o que ele desejava e muito mais. Ela assentiu com a cabeça.

Fechou as mãos sobre as dela e Ashlyn sentiu aquele chiado que sempre seguia a seu contato. Naquela ocasião o esperava, mas ainda não estava preparada para a reação que ia lhe causar: seus mamilos se puseram eretos e sentiu calor entre as pernas.

Ele não esperou que lhe desse permissão, puxou a camiseta para cima.

—Espera. —disse Ashlyn.

Imediatamente, ele ficou imóvel.

—Tenho que o preparar.

Ele estava a ponto de ver sua roupa de baixo, outro tema embaraçoso. Era de algodão branco. Um dia, tinha ouvido que um homem dizia que era íntima de sua avó. Ela nunca colocava objetos provocadores, nem sequer com relação a suas roupas íntimas, quando estava trabalhando. Não era prático.

—Tenho lingerie sexy, juro, mas neste momento não a uso.

—E se supõe que isso tem que me desgostar?  „ŸMaddox perguntou com confusão. — Que não vista lingerie sexy?

—Não sei. —respondeu ela, e mordeu o lábio inferior. — Possivelmente. Você se desgostaria?

—Ashlyn, o que veste não me importa. Não vai ficar vestida muito tempo. Está preparada? —perguntou Maddox.

Ela engoliu em seco e assentiu.

Ele puxou a camiseta e a tirou. Ashlyn estremeceu.

—E então?

—E então?

—Feia? —disse ela.

—Preciosa. —disse Maddox.

Tomou ar de uma forma... reverente? Ela sentiu que lhe fervia o sangue. Com uma mão trêmula, Maddox acariciou o algodão branco que lhe cobria os seios. Ashlyn gemeu de prazer.

Ele deslizou os dedos para seu abdômen e a segurou pela cintura da calça jeans. Com apenas um giro do pulso, os desabotoou. Ashlyn notou o calor de sua pele até os ossos.

Baixou seus jeans pelos quadris, passou pelos joelhos e os deixou no chão.

—Sai das calças.

Ashlyn obedeceu com as pernas trêmulas. O olhar de Maddox ficou preso em sua calcinha branca. Ela teve que reprimir o impulso de se tampar com as mãos;

—Eu sei que os homens gostam de brincar - disse a ele, nervosamente tentando preencher o silêncio. Quantas vezes ela tinha se gabado para seus amigos? "Em casa eu tenho um equipamento da polícia, um traje de harém e um coelho de pelucia da Playboy". Não é que ela chegou a utilizá-los. Mas ela amava a propriedade, apenas em caso.

—Isso é bom – Maddox não soou impressionado.

—Talvez eu possa, eu não sei, mostrar a voce algum dia.

„ŸTire o sutien e a calcinha. — Sua expressão era decepcionantemente inexpressiva quando ele endireitou.

Possivelmente não lhe importasse o que ela vestia, realmente.

Enquanto esperava que o obedecesse, ele tirou a camiseta. Então um ofego escapou dela, e encantada, esqueceu quão feia era sua calcinha. E o sutien. Mas não o tirou; estava muito ocupada olhando.

Maddox era absolutamente magnífico. As cicatrizes tinham desaparecido de seu abdômen; só ficavam umas finas linhas vermelhas. Os músculos de seu corpo bronzeado eram um festim para os olhos. Tinha um umbigo muito bonito, rodeado por um suave rastro de pêlo negro que conduzia o olhar diretamente para a cintura de sua calça.

Sem deixar de olhar para Ashlyn, desabotoou a calça e a baixou até que também caiu ao chão.

Não usava roupa de baixo.

Ela abriu os olhos como pratos e sentiu que lhe secava a boca. Era muito grande; comprido, grosso e muito excitado. Ashlyn tinha visto o pênis masculino em livros, em páginas da Web que não deveria ter visitado e em filmes que não deveria ter visto, mas nunca na realidade. Nunca daquele modo. Seus testículos eram elaboradamente apertados e cercado de cabelo escuro e grosso.

— Acredito que te atribuí uma tarefa concreta — disse Maddox, a olhando diretamente entre as pernas, de um modo que a fazia tremer.

Necessitava se inundar dela, mais intensa que nunca. Precisava acariciar e ser acariciado, saborear e ser saboreado. Consumir ela.

Ela sentia uma aguda dor no corpo.

—Realmente vamos ter relações sexuais? —perguntou sem fôlego, com esperança.

—Oh, sim —respondeu ele, avançando para ela —Oh, sim, preciosa, vamos te-las realmente.

 

Maddox pegou Ashlyn por debaixo dos braços e a levantou do chão. Tirou seu sutien o rasgando no centro com os dentes. O tecido se rasgou com facilidade e se abriu, e lhe revelou os seios mais atrentes que tivesse visto em sua vida.

Eram um pouco maiores que o que permitia abranger a mão de Maddox. Seus mamilos eram rosados, e ele não pôde esperar um segundo para prová-los. Ele não podia segurar nem mais um instante. Tudo dentro dele quebrou, necessitando de contato. Além do desespero.

Sugou uma das pontas e a rodeou com uma intensidade quente, úmida. Ashlyn gemeu. Jogou para trás a cabeça e se arqueou para ele, lhe rogando silenciosamente que continuasse. Ele seguiu lambendo-a com gozo, e em poucos instantes passou ao outro mamilo e repetiu as carícias.

O sangue lhe pedia mais, mas Maddox a deixou no chão outra vez e a empurrou brandamente para a banheira. “Logo.” Sem dizer uma palavra, entregou-lhe a escova de dentes que ele pegara para ela antes, e pegou a sua própria. Ele queria ser perfeito para ela.

Ela parecia atordoada, trêmula, quando ela olhou para ele confusa. Lentamente, seu rosto ruborizou em embaraço. Por quê? Escovaram os dentes e utilizaram o enxaguatório em silêncio. Depois, Ashlyn ficou na frente do espelho, segurando a pia como se ela não sabia o que fazer e tinha medo de perguntar.

—Tira isso – pediu puxando com delicadeza da cintura da calcinha. – Por favor.

Ela cumpriu sua petição, com certo nervosismo, a deslizou pelos quadris e se desfez dela.

Deuses... Maddox esteve a ponto de desabar no chão, choramingando agradecido, ao ver o pequeno triângulo de pêlo de cor mel entre as coxas, deliciosamente arredondadas. Respirou profundamente ao contemplar toda sua beleza e, de novo, a pegou nos braços. Naquela ocasião, entretanto, meteu-a na banheira e correu a cortina transparente a seu redor. Ela emitiu um ofego quando notou o calor da água na pele. Ele lamentou não ter sido o causador daquele ofego.

«Logo», disse a si mesmo. «Logo».

Entrou na banheira atrás dela. Ashlyn já estava empapada e tinha o cabelo grudado contra a elegante curvatura de suas costas. Tinha um traseiro de curvas perfeitas, carnudo. Ele gostou; gostava que não fosse só pele e ossos.

—Preciosa... —sussurrou.

De repente, as dúvidas o acossaram. Devia fazer que se voltasse, ou abraçá-la assim? Devia tombá-la ou deixar que seguisse em pé? Era seu primeiro banho com uma mulher e não estava muito certo de qual era o melhor modo de fazê-lo.

«É minha. Posso fazer... tudo».

O instinto e centenas de fantasias o ajudaram naquela situação. Se aproximou dela e esfregou sua ereção contra a dobra entre suas nádegas. Ela emitiu um ofego trêmula. Então, ele pegou o sabonete que usava todas as manhãs para lavar o resto de seus padecimentos noturnos.

Ela tentou dar a volta, mas ele a manteve na mesma posição apoiando o queixo em sua cabeça. No princípio, Ashlyn ficou tensa. Pouco a pouco, entretanto, foi relaxando contra ele. Maddox já estava no limite e não queria se submeter a muita pressão. Ainda. Mal podia dominar ao espírito assim; tinha a sensação de que ia sair do seu corpo e acariciá-la por si mesmo.

—Foi criada para o sexo, não foi? —ronronou Maddox ao seu ouvido. Depois passou a língua por uma das delicadas dobras da orelha.

—Suponho que agora vamos averiguar isso. —respondeu ela em um sussurro.

Na realidade, tinha sido criada para ele. Não podiam ter escolhido uma isca mais perfeita. Se a tinham enviado para distrai-lo, tinham conseguido. Se a tinham enviado para que averiguasse informação sobre seus amigos e ele..., bem, aquilo também tinha conseguido. Maddox tinha contado mais coisas a ela do nunca tinha dito a ninguém.

E se a tinham enviado para castigá-lo, também o tinham obtido. Nunca tinha se sentido mais envergonhado de si mesmo. Deveria estar em qualquer outro lugar naquele momento, mas, apesar de tudo, estava ali. Ia fazer amor com Ashlyn e não lhe importavam as conseqüências.

Com os braços lhe rodeando os ombros diminutos, Maddox ensaboou suas mãos. Deixou o sabonete em seu suporte e começou lavá-la lenta, muito lentamente, dos pés a cabeça. Passou-lhe os dedos com sabão ao redor dos mamilos, pela suave curva dos quadris, pela doce redondez do ventre.

Ela emitiu outro daqueles suaves grunhidos; foi um som de desejo, e naquela ocasião, sim era por ele. Apoiou a cabeça para trás, no ombro de Maddox, em um claro convite para que ele fizesse o que quisesse.

—Você gosta que a lave? —perguntou Maddox.

—Sim.

—Ainda está suja?

—Sim.

—Por onde?

—Por toda parte. —sussurrou ela com voz rouca.

Ele esteve a ponto de sorrir. Quase. Seu desejo era muito escuro para permitir o bom humor. E, mesclados com aquela escuridão, tinha respeito e uma sensação de milagre.

Suas carícias foram um pouco mais bruscas do que ele teria querido enquanto lhe ensaboava os braços. Não pareceu, entretanto, que importasse a ela. Maddox se deu conta de que tinha fechado os olhos e estava mordendo o lábio inferior enquanto uns pequenos suspiros escapavam de sua boca.

—Tinha tomado banho com um homem alguma vez? —perguntou ele enquanto ficava de joelhos com o sabonete na mão.

Ela ficou imóvel.

—Não.

Maddox se alegrou. Descobririam juntos aqueles prazeres. Antes, inclusive, de que o demônio se transformasse  em uma parte de seu ser, ele não tinha demonstrado muita ternura para as fêmeas. Tomava rapidamente, porque eram apenas algo agradável, nada além de algo que desejava, não que necessitava.

Depois da maldição, o afeto se transformou em algo impensável. Maddox sempre tinha temido que o espírito se desatasse se ele se estivesse com uma mulher. Só então se deu conta de quão precioso era o tempo, de como deveria ter desfrutado da vida quando tinha tido a oportunidade.

Nunca tinha temido mais a Violência que naquele momento, mas não permitiu que lhe impedisse de desfrutar e saborear o tempo. Estava muito excitado, mas jurou a si mesmo que não mostraria nenhuma brutalidade com Ashlyn.

«Me controlarei, custe o que custar. Controlarei ao espírito».

Beijou a curvatura de suas costas, na altura da cintura, e lhe lambeu a espinha.

—Mmm —sussurrou ela—. Eu... eu gosto disso.

Também gostava.

Gostava de tudo dela.

Depois de lhe ensaboar as panturrilhas e as coxas enquanto se mordia o interior das bochechas para não morder a ela, enxaguou mãos. E, incapaz de resistir um segundo mais, introduziu dois dedos no calor de seu corpo.

—Oh... Oh!

Ashlyn deu um salto para se afastar daquela carícia erótica, mas rapidamente voltou a se apoiar contra ele, e abriu as pernas, lhe pedindo em silêncio que seguisse.

Estava tão escorregadia como a espuma do sabão. Ele a acariciou e lhe beliscou com suavidade a parte mais sensível do corpo; ela cambaleou.

—Você ainda gosta? — ele perguntou.

A tensão se apoderou dele.

«Toma-a. Toma-a agora».

—Eu adoro. Eu adoro. —respondeu ela fracamente.

Ele moveu os dedos para cima, tão profundamente como pôde. Ela ofegou seu nome.

—Escura —disse ele entre dentes. Quase lhe pareceu que sentia... Não, não era possível.

— Quente.

—Eu gosto...

Em qualquer momento, as chamas iriam devorá-lo, chamas mais abrasadoras que as do inferno. Estava tremendo. Estava duro, tão duro que lhe doía. Estava preparado para atacar.

Se reagia de uma maneira tão intensa possuindo-a só com os dedos, como seria quando a penetrasse?

«Não pare. Não pode parar».

Maddox apertou os dentes e colocou outro dedo mais em seu corpo, para alargá-la... e então, já não pôde negar que notava a barreira que marcava sua virgindade. Apertou os dentes; inclinou a cabeça e se deu conta de que o estava olhando entre as pernas com desconcerto.

Era virgem? Não, não era possível; Ashlyn era uma mulher adulta. Entretanto, notava perfeitamente que aquela barreira existia.

Se retirou de seu corpo e ficou em pé. Não a tocou; só a olhou dos pés à cabeça. Como ele, ela estava tremendo.

Por sua mente enfebrecida passaram milhares de pensamentos. Como era possível que uma mulher tão bela seguisse sendo virgem? E por que lhe tinham enviado os Caçadores uma mulher sem experiência para que o seduzisse?

Ashlyn não tinha por que saber como fazê-lo.

Por que enviariam os deuses uma virgem para castigá-lo? Não seria isso, contudo, castigar a ela?

Com evidente confusão por sua repentina retirada, Ashlyn voltou a cabeça até que seus olhos se encontraram. Em seus preciosos traços tinha dor e prazer.

—Fiz algo errado?

Ele negou com a cabeça. Ainda não podia falar. Se sentia tão possessivo que não podia acreditá-lo. Nenhum homem a tinha conquistado antes. Ninguém tinha provado sua doçura.

—Então por que parou?

Ela deu a volta completamente e Maddox viu que tinha os mamilos eretos, avermelhados e molhados. Se erguiam para ele, suplicantes...

Ele tinha estado a ponto de tomar sua virgindade e nem sequer a tinha beijado. Nenhuma mulher, nem sequer uma isca, nem sequer um castigo divino, merecia aquilo. E, naquele momento, Maddox não acreditava que ela fosse nenhuma das duas coisas.

Entretanto, Ashlyn estava no bosque aquela noite, e a seguiam quatro Caçadores. Ambas as situações tinham relação, certo, mas... que relação? Acaso Ashlyn era seu alvo?

Se assim fosse, qual era o motivo? Ela não custodiava nenhum demônio. Ele o teria sentido, não? Já não estava certo. Não sabia nada, salvo que desejava aquela mulher com toda sua alma desde o primeiro momento em que a tinha visto. Ashlyn tinha algo que o transtornava profundamente. Transtornava inclusive a seu espírito.

—Maddox?

Ele queria tomar sua virgindade, mas não ia fazer isso. Naquele dia não. Ela tinha estado doente pouco tempo antes. Além disso, não sabia como ia reagir ante o fato de estar dentro dela sabendo que era o primeiro. Ashlyn também seria primeira para ele; nunca tinha tomado a uma virgem. Teria que encontrar a melhor maneira de fazê-lo, de manter Violência dominada. O espírito desfrutaria ferindo Ashlyn, lhe infligindo dor, embora fosse a mais ligeira das dores. Possivelmente tivesse que encadear a si mesmo.

Quanto a aquele momento...

Ele a empurrou com delicadeza para a parede de azulejo branco. Ela o olhou com os olhos muito abertos, e embora os lábios de Maddox não se curaram por completo, beijou-a. Ela abriu a boca com surpresa, e depois a abriu mais e acolheu sua língua avidamente. Ele a afundou dentro e inclinou a cabeça para poder chegar mais profundamente, para alimentá-la com tudo o que ela necessitasse. O sabor feminino de Ashlyn o cativou.

Houve outra faísca entre eles.

Ashlyn ofegou, e ele bebeu o som. Seu torso se esmagou contra os seios dela, e Maddox notou seus mamilos, tão duros que o picaram na pele, e notava também o ritmo acelerado dos batimentos de seu coração.

Ele flexionou os joelhos e esfregou sua ereção contra ela, e conseguiu que voltasse a ofegar e que estremecesse. Ashlyn afundou as mãos em seu cabelo, se agarrou para o aproximar mais. Seus dentes bateram; o beijo continuou... não se deteve... durou uma eternidade... um beijo enfeitiçado, de sonhos e de fogo.

Sim, de fogo. Tinha muito fogo. Maddox tinha um inferno por dentro. Mordeu-lhe o lábio inferior, algo que não teria podido evitar nem que tivesse querido, coisa que já não queria. Uma gota de sangue lhe caiu na língua. Saboreou o gosto metálico.

Bom; aquilo era tão bom...

Ela gemeu e o mordeu também, lhe devolvendo a escuridão de sua paixão com um ardor que o deixou estremecido. «Calma, suavidade», se disse Maddox. Então, segurou seu rosto e com gentileza, a obrigou a inclinar a cabeça; mordiscou-a e lhe lambeu todo o pescoço até que chegou à clavícula, e aquilo foi quase sua ruína. A pele de Ashlyn era como uma droga, e com uma pequena amostra, fazia com que desejasse tomar mais, fazer mais. Experimentar tudo.

Ashlyn se arqueou contra ele entre ofegos. A ereção de Maddox explodia entre suas pernas, desesperada por entrar.

Não, ainda não. «É virgem, recorda? É virgem».

Ashlyn lhe cravou os dentes no pescoço, e ele esteve a ponto de chegar ao orgasmo. Esteve a ponto de se derramar ali mesmo. Ela estava desatada, frenética. Deslizou as mãos até suas costas e fincou os dedos em sua carne. Afundou-lhe as unhas na pele.

Ele não sabia se era consciente de seus atos. Movia a cabeça de um lado a outro e tinha os olhos fechados.

—Farei com que goze. — disse ele enquanto lutava por se controlar.

—Sim, gozar - Ela liberou-se dele para prender seus próprios seios, apertar o mamilo entre os dedos.

Ele nunca tinha visto uma visão mais erótica

—Apenas me toque – ela pediu roucamente – Não deixe de me tocar.

— Tocarei. Preciso de...Um momento, por favor.

Então Maddox apertou os dedos ao redor de sua ereção, porque sabia que, se não o fizesse, a possuiria sem poder dominar a situação. Bombeou uma, duas vezes. Emitiu um assobio baixo.

— Maddox! Depressa!

—Com as mãos ou com a boca? —perguntou ele com um fio de voz. A água caía sobre ela, lhe derramava pelo abdômen, o desafiando para que a bebesse.

—C-Como? —perguntou ela, e de repente abriu os olhos e o olhou, olhou para si mesma. Quando ela percebeu que ela estava fazendo com as mãos, ela deixou cair os braços para os lados e ela corou.

—Quer que a acaricie com as mãos ou com a boca? —enquanto ele perguntava, seguiu bombeando seu membro inchado, desejando que fosse ela quem o fizesse. Com a boca. Com seu corpo.

—Com as mãos?

Maddox não sabia muito sobre os humanos, mas reconheceu o verdadeiro desejo de Ashlyn. Queria que a possuísse com a boca. E ele também o desejava. Aquela necessidade, provavelmente, a envergonhava; bem, ele também conquistaria aquele espaço íntimo, muito em breve.

Se ajoelhou uma segunda vez.

—O que faz? —sussurrou Ashlyn, escandalizada.

Entretanto, no fundo de sua voz tinha excitação.

Em vez de responder, lhe lambeu justo onde mais o necessitava. Era algo que tinha querido fazer a uma mulher durante muito tempo, mas não se atreveu porque temia a reação de Violência. Naquele momento, entretanto, estava muito cativado para ter medo, e de repente se alegrou de ter esperado. Ashlyn tinha um sabor puro, inocente. Tinha sabor de mel, de paixão, de calor escorregadio. Era aditiva. Era dele.

—Com a boca —gemeu ela. — Com a boca. Mudei de opinião.

Então ele voltou a lambê-la e ela tremeu. Se apoiou com as palmas das mãos na parede para não cair. Arqueou para frente os quadris se oferecendo mais a sua língua. Ele a agradou. Abriu-a com uma mão, enquanto com a outra continuava se acariciando, e sugou o centro mais ardente de seu corpo. Ela ofegou, gemeu, se arqueou, se retorceu.

—Mais? —perguntou ele.

—Mais... sim. Por favor.

Estava perto, muito perto. Ele sentia que Ashlyn se aproximava cada vez mais do êxtase, saboreava a abundância da doçura. «Morde». Aquele impulso o assustou. Deixou de mover a língua, de acariciar o clitóris cheio. Ela se queixou com frustração e ele fechou as mandíbulas com dor e excitação.

As gotas de água lhe caíam das sobrancelhas ao queixo. Queria lhe afastar, queria vê-la com mais claridade mas não queria tirar as mãos dos lugares em que as tinha. O ar lhe queimava a garganta, os pulmões.

—Me diga que me deseja.

«Enquanto me acalmo».

—Te desejo. —respondeu Ashlyn, quase aos gritos. O olhava fixamente, como se não pudesse acreditar que estavam tendo aquela conversação naquele preciso instante.

—Me diga que necessita de mim.

—Necessito de você.

—Me diga que nunca me trairá.

—Nunca o trairei.

Ao menos, não tinha titubeado. Algo em seu interior se suavizou, se derreteu.

—Onde quer estar? —lhe perguntou; e suas palavras eram quase uma súplica.

«Me necessite tanto como eu necessito de você».

Possivelmente fosse a água, talvez o vapor. Maddox teve a sensação de que os olhos dela se enchiam de lágrimas, de uma cortina de vulnerabilidade lhe caía pelo rosto.

—Com você. —respondeu. — Só com você.

Tanto espírito como homem se sentiram atravessados pela magia daquelas palavras. Receberam uma lição de humildade. De novo, Maddox enterrou a rosto entre suas pernas, e lhe afundou a língua mais profundamente que antes. Ela suspirou de paixão e lhe posou uma perna nas costas. Afundou o joelho em seu ombro, mas não se importou; inclusive gostou.

O desejo de Ashlyn fluía pela sua garganta enquanto ele a mordiscava. Já não podia se deter, estava indefeso ante suas ações. Não queria lhe causar mal, e tampouco o espírito o desejava. Por uma vez, estavam de acordo, e a única coisa que ambos queriam era lhe proporcionar prazer.

Ela chegou ao limite. Caiu. O orgasmo sacudiu todo o seu corpo. Suas paredes lhe pressionaram a língua, o mantiveram cativo naquelas portas do céu. E quando Ashlyn gritou seu nome, Maddox também chegou ao clímax. Sua semente cálida brotou dele e caiu na banheira. Seu corpo se esticou, os músculos pressionaram os ossos com uma força férrea. Nunca tinha sentido nada tão belo, tão perfeito.

Passaram segundos... minutos?... horas?. Naquela eternidade atemporal se transformou em prazer. Era só um homem que desejava aquela mulher. Um homem que vivia em um mundo luminoso, onde o bem sempre vencia o mal.

Somente se...

Quando abriu os olhos, era Maddox uma vez mais. De novo, um homem regido pela escuridão, que habitava um mundo onde sempre triunfava a meia-noite, e onde o mal ria no rosto do bem.

Ainda estava de joelhos. Ashlyn seguia em frente a ele. Maddox ouvia sua respiração entrecortada, e se deu conta de que ele mesmo estava ofegando. Ficou em pé e notou que suas pernas não deixavam de tremer.

Tampouco Ashlyn deixava de tremer. Tinha os olhos fechados e em seu semblante tinha uma expressão deleitosa. Entretanto, Maddox não podia livrar do súbito pensamento de que tinha sido muito brusco, de que deveria ter sido mais terno. Tendado mais...

—Por favor, me olhe —lhe pediu.

Ela abriu os olhos, e aquelas esferas de cor âmbar se cravaram nele enquanto mordia o lábio com uma expressão de insegurança.

—Sim?

—A machuquei?- Pior - Se arrependeu?

—Não e não. —disse ela, com um de seus sorrisos deslumbrantes, como um raio de sol na noite tenebrosa.

—Como é possível que siga sendo virgem? —perguntou ele, aniquilado.

Lentamente, o sorriso de Ashlyn se apagou dos seus lábios. A vergonha lhe refletiu nos olhos.

—Não quero falar disso.

—Por favor.

Ela olhou para os pés para esconder suas emoções tormentosas.

—Não deveria ter pedido que não me ordenasse as coisas. É irresistível!

Ele recordaria aquilo.

—Possivelmente deveria ter dito isso antes, antes de que..., mas...

O coração dele se encolheu. Devia escutar sua confissão, fosse o que fosse? Sim. Queria? Não. Naquele momento não. Fechou a torneira e a apertou contra a parede. Não podia predizer qual seria a reação do espírito se aquela preciosa criatura lhe disesse que tinha conspirado contra ele.

—Ashlyn...

—Não —disse ela, sacudindo a cabeça. — Me escute. Mas antes, me prometa que não vai me odiar, e tente entender que não posso evitá-lo. – Pausa. Inspirou profundamente - Lá vai. Não é o único que está possuído por algo que não pode controlar. Eu ouço vozes. Quando fico quieta em um lugar onde teve lugar uma conversação, ouço todas as palavras que se pronunciaram embora tenha passado muito tempo.

Enquanto falava, olhava para todas partes, menos para ele.

Maddox a escutou com um profundo assombro. Ashlyn não tinha confessado que fosse uma isca nem que fosse um castigo divino nem que queria se vingar dele, mas sim ouvia vozes. Ele soube com toda segurança que não mentia. Aquilo era muito complicado, e muito fácil de comprovar. Uma isca verdadeira teria optado por algo muito menos refutável. Além disso, o que descrevia tinha sentido e fazia que encaixassem muitas peças do quebra-cabeças.

O que significava que ela tinha tentado protegê-lo simplesmente porque queria, e aquilo o encheu de alegria e alívio.

Naquele momento, Maddox entendeu por que ela não ficou afundada quando ele tinha admitido que tinha assassinado aqueles homens. Nem sequer os conhecia. E tal e como ele suspeitava, certamente eles queriam capturá-la e usar sua habilidade.

Seus dedos coçaram para um faca, ele queria matar todos eles de novo. Se acalme. Eles ainda poderiam ter trabalhado para seu Instituto, e ela simplesmente não tinha percebido isso. Não, isso não poderia estar certo. Eles teriam dado a conhecer a ela, pois tinha sido suficientemente perto para ouvir e vê-la.

—E por que tinha medo de que a odiasse? —perguntou ele.

—Ouço segredos — sussurrou. — É difícil ter amigos, sabe? As pessoas que sabem o que posso fazer não querem ter nada a ver comigo, e as pessoas que não sabe não me entendem.

A solidão que transmitiam suas palavras o entristeceu. Ele a entendia muito bem. Entretanto, não gostava da idéia de que ela ouvisse..., soubesse as coisas violentas que tinha feito durante sua vida.

—E que segredos meus você ouviu? —perguntou ele tentando manter um tom de voz desenvolto, embora não conseguisse.

—Nenhum, juro —disse ela, e o olhou fixamente— Quando estou com você, o mundo é silencioso.

Aquilo já havia sido dito. Maddox recordou a expressão de seu rosto a primeira vez que ele tinha se aproximado. Era de uma grande felicidade. Estava desfrutando do silêncio, tal e como lhe tinha dito. Ao sabê-lo, se sentiu assombrado, cheio de humildade, mas também orgulhoso. Ele a tinha ajudado. Ele, que era incapaz de se liberar de sua própria tortura, tinha liberado a outros.

—Disse que ouve segredos. Que segredos ouviu sobre nós?

—Já lhe disse isso. A maioria das pessoas da cidade os considera anjos. Uns quantos os têm por demônios. Entretanto, todos sentem reverência por vocês.

—Não há planos para atacar?

—Não que eu saiba.

—Bom.

Ele estendeu os dedos por sua cintura, levantou-a e a tirou da banheira. Depois lhe pôs uma toalha sobre os ombros e pegou outra para si.

—«Bom»? Isso é tudo o que tem que a me dizer?

—Sim.

Ela ficou boquiaberta.

—Bom, agora que já lhe contei isso, eu gostaria de chamar meu chefe e lhe dizer que estou bem.

Maddox sacudiu a cabeça.

—Temo que isso não é possível. Ninguém pode saber que está aqui. É por sua segurança e pela nossa.

—Mas...

—Isto não está aberto a discussão.

Ashlyn ia falar de novo, como se quisesse protestar. Entretanto, se limitou a dizer:

—Tudo bem.

Por seu tom de voz, Maddox soube que não estava bem. Provavelmente, pensava em procurar um telefone assim que ele desse as costas. Mulheres. Pela primeira vez, ele compreendeu o que significava quando Paris pronunciava a palavra como uma maldição.

Ele suspirou.

—Juro a você, Ashlyn, que é o melhor que podemos fazer para todos os que estão envolvidos.

Ela seguiu se secando de costas para ele. Seus movimentos eram um pouco lentos, comedidos, como se sua mente estivesse muito longe dali.

—O que acontece?

—Muitas coisas. Preciso chamar meu chefe, e vou faze-lo assim que encontre um telefone. Não pode me impedir disso.

—Isso...

Naquela ocasião foi ela quem o interrompeu.

—E mesmo você, imortal, teria que pensar que sou estranha depois do que eu disse, assim não sei por que o nega.

Ele secou o cabelo e colocou a toalha ao redor do pescoço.

—Não é estranha. Eu acredito que é bela, inteligente, e o mais importante, deliciosa.

Ela tampou o torso com a toalha, lhe roubando o prazer de olhá-la.

—Realmente? – A insegurança era forte e tinha sido batida para dentro dela. Ele fez uma careta, determinado a matar quem tivesse exercido os punhos verbais.

—Realmente. —respondeu ele. Seus olhares se encontraram.— Se soubesse a metade das coisas que ocorrem aqui, você...

Apertou os lábios. Demônios, não deveria ter dito aquilo.

„ŸSe refere ao fato de que há mais que os assassinatos e as ressurreições? —perguntou Ashlyn com ironia.

Muito mais.

—Bom, o que vamos fazer agora?

Embora ele desejasse passar o resto do dia com ela, sabia que não podia. Tinha deveres a cumprir. Ainda era um guerreiro que tinha que defender sua casa. Depois de acompanhá-la ao dormitório, se vestiu, pegou uma camisa, uma cueca e uma calça do armário e os lançou a Ashlyn.

—Ponha isso.

Ela não agarrou no ar nenhum só dos objetos e teve que se agachar para recolhe-las. A cada movimento, a toalha branca lhe subia pelas pernas. Ele se excitou. Outra vez. Deveria estar cansado, mas não. Com Ashlyn não. Ela o excitava apesar de tudo.

—Há algumas coisas que tenho que fazer —disse, mais para lembrar a si mesmo do que respondendo a questão.

—E posso ir com você? —perguntou ela, apertando as roupas que tinha nas mãos.

—Sim e não.

—O que significa isso?

“Não havia sentido mentir – ele pensou – Ela iria descobrir logo.”

—Vou te trancar com a Danika enquanto faço algumas... tarefas. Assim terá companhia e estará com alguém que poderá te ajudar se ficar doente outra vez.

Primeiro, em seu rosto apareceu uma expressão de pânico. Depois, de ira. Suas sobrancelhas arquearam e a ponta de sua lingua traçou o exterior dos labios:

— Um, não tem por que me trancar. Eu disse que ficaria. E dois, por que tem Danika trancada? É uma prisioneira? – A ultima palavra surgiu como um grito.

—Sim. - Perversamente, ele esperava que a afirmação faria ela sentir mais raiva e ele queria ver essa língua novamente.

—Mas, Maddox, me disse que eu era a primeira mulher que...

—Eu não a tranquei, não menti. E agora, nenhuma palavra mais, por favor. - Se ela lhe pedisse para liberar Danika, ele gostaria de fazê-lo. Ele ia querer ir contra os outros e conceder o seu pedido - Se vista, ou a tirarei nua da sala.

Silenciosamente, ela estudou-o. Silenciosamente, ela implorou para ... o quê? Ele não poderia dizer. Ele não disse nada. Ele não podia. O tempo não era seu amigo.

—O que vai ser? Vestida ou nua?

Ela fez uma careta para ele, sua primeira exposição real de temperamento, e ofereceu-lhe uma visão de suas costas. Movimentos rígidos e espasmódicos, ela permitiu a toalha cair no chão. A elegante bunda inclinada para trás ... arredonda ... Sua boca encheu de agua.

—Deveria discutir com você, mas não vou faze-lo. Sabe por que? – Ela não deu tempo para ele responder -  Não porque você seja o chefe, mas sim porque quero ir ver Danika.

Ashlyn se vestiu rapidamente. E ele devia ter ficado feliz dessas curvas luxuriosas fossem cobertas. Ninguém mais seria capaz de vê-la, ninguém mais teria a oportunidade de apreciar a vista. Mas isso também significava que ele não veria, não desfrutaria.

—Esta roupa é enorme —protestou quando terminou.

Ela estava certa. As roupas pareciam sacos sobre ela, mas Maddox pensou que parecia deliciosa. Ele sabia o que o esperava debaixo desse material. Ele sabia o que esperava por seu toque - e só dele.

—Por agora é o que temos. Terá que se arrumar com isso.

Um pensamento surgiu. Torin tinha coisas entregues em uma Caixa Postal o tempo todo para Paris para pegar. Talvez Maddox poderia comprar-lhe algo, como os vestidos que tinha visto na televisão enquanto assistia um daqueles filmes bobos com Paris. Corte baixo. Talvez saltos altos, também, e algumas jóias. E talvez a sexy, - como Paris chamava? - Lingerie que Ashlyn tinha desejado.

—Falaremos mais tarde sobre tudo isto.  — disse ela, e não como uma petição mas sim como uma ordem.

—Sim. —respondeu Maddox, tentando não sorrir. — Falaremos.

—Vai responder a todas as minhas perguntas sem evasivas. – Ela olhou para cima, para ele. Os olhos apertados.

Talvez.

—E você fique bem, enquanto não estou com você. Recorda que disse a você que era perigoso me zangar?

—E o que, vai me dar uma surra se for uma menina má?

Aquele comentário provocador surpreendeu Maddox. Por todos os deuses, de onde tinha saído aquele pequeno paiol de pólvora? A tinha visto assustada, em choque, doente, excitada, mas não batalhadora como naquele momento. Assombrosamente, o espírito não estalou ante seu desafio. Não o obrigou a lhe fazer mal. Maddox pensou que possivelmente Violência... Não. Impossível.

O espírito de Violência não sorria.

—Não pergunte o que eu faria. —disse quando pôde falar novamente, — E não me tente.

Ela ficou nas pontas dos pés e aproximou a boca de sua orelha. Ele sentiu seus mamilos lhe roçando o torso. Esperou, sem fôlego, para ver o que Ashlyn ia fazer depois. Possivelmente não soubesse de onde tinha saído o paiol de pólvora, mas sabia que o excitava muito.

—Possivelmente eu goste de o tentar —sussurrou, e lhe mordeu o lóbulo da orelha. — Pensa nisso enquanto estou trancada.

Pensaria. Oh, sim. Pensaria.

 

Ashlyn olhou a porta que Maddox acabava de fechar ante seu nariz para deixá-la presa em outro dormitório. Em outra prisão. Oh! Aquele homem era exasperante. Tinha sido terno, lhe dado um prazer descontrolado, de uma forma que ela deveria ter vergonha – e tinha vergonha até o primeiro banho com sua maravilhosa lingua quente,  depois tinha se transformado de novo em um guerreiro duro, aspero e decidido.

E ainda assim ela o desejava.

E ele ameaçou trancá-la com com outra mulher inocente – uma mulher que ele já tinha trancado. Um comportamento vergonhoso, sem dúvida.

Apesar de tudo, ela o desejava. Tinha mordido o lobulo de sua orelha para tentá-lo a finalizar o que ele tinha começado no chuveiro. Mas ele resistiu, escoltando-a pelo corredor até este quarto, onde ele a despejou, sem um beijo ou mesmo uma palavra.

E ela ainda tolamente desejava ele.

Ela queria que ele a abraçasse, que cuidasse dela, como ela sempre tinha sonhado que alguem faria. Queria que ele conversasse com ela e a conhecesse. E então queria fazer amor loucamente com ele. De todo jeito. Todo o tempo. Nenhum segredo.

Este desejo que ela tinha por ele era forte demais e ela não entendia isso. Ele era implacável, enigmatico e temperamental. Foi gerado no inferno. Mas também era gentil, atencioso, e a melhor coisa que já tinha ocorrido a seu corpo. Ah, sim. Além disso, estava o silêncio. Isso, Ashlyn não podia esquecer. Maldição!

—Quem é voce? —perguntou uma voz feminina de repente.

Ashlyn deu a volta e viu Danika e a outras três mulheres, cujas idades deviam oscilar entre os setenta e os vinte anos, que a estavam observando com preocupação e medo. Deus Santo, Maddox tinha a quatro mulheres trancadas? Ia ser aquilo um harém para imortais?

Danika se adiantou.

—É a que estava doente. A que eu...- ela tossiu - cuidei

—Obrigada por fazê-lo. —disse Ashlyn brandamente, sem ter certeza do que dizer a essa estranha nem tão estranha assim.

Danika assentiu.

—Tem melhor aspecto —comentou, e depois de olhar para Ashlyn com suma atenção, entreabriu os olhos receosamente— De fato, está milagrosamente melhor.

—Oxalá, pudesse explicar isso, mas não posso. Quando as náuseas passaram, recuperei as forças. Parece que as pílulas fizeram efeito, depois de tudo. – Ahhlyn estudou els, também -Você também tem um aspector melhor. Já não está da cor verde.

—Bom, é a primeira vez que vou voando com um homem para buscar analgésicos —replicou Danika e ficou com os braços cruzados. — E por que você está neste castelo tétrico? Também a seqüestraram?

Ashlyn não teve tempo de responder.

—Quem são? —perguntou uma versão de Danika ligeiramente mais velha— O que são? Danika diz que alguém tem asas.

Sem pausa, a mais velha do grupo inquiriu:

—Conhece alguma saída?

As quatro mulheres iam rodeando-a enquanto falavam. A olhavam com esperança, como se ela tivesse a resposta e pudesse as salvar de um destino horrível.

Ashlyn elevou as mãos para as conter.

—Fiquem calmas. —disse.

Danika tinha mencionado que haviam sido seqüestradas. Por que Maddox teria feito algo assim?

—Alguma de vocês é Caçadora ou isca? — perguntou. Cada vez que Maddox lhe dizia uma daquelas duas palavras, sua voz tinha um tom de desgosto.

—O que quer dizer? Quer saber se somos buscadoras de tesouros? Isca num anzol?— Danika estava muito confusa, mas tinha um brilho duro nos olhos verdes. — Não, não somos nada disso. O que significa?

—Não sei. Esperava que alguma de vocês soubesse.

As vozes do passado começaram a abrir passo em sua mente. Uma conversação atrás da outra.

—Não, não, outra vez não.

Notou que empalidecia porque sentiu frio no rosto. «Respira fundo. Respira», disse a si mesma.

—Acredito que está se ficando doente outra vez — murmurou Danika com preocupação.

— Pode chegar à cama? —perguntou a Ashlyn.

—Não... não. Só quero me sentar.

De repente, um par de mãos pousaram sobre seus ombros e a ajudaram a se sentar. Ashlyn se deixou levar. Estava muito fraca para resistir. Estremeceu e inspirou profundamente.

«vão nos matar ».

«Temos que escapar».

«Como?» Risada histerica.

«Se tivermos que saltar pela janela, saltaremos. Querem nos contagiar com uma enfermidade».

«Se saltarmos, nos mataremos».

«Se ficarmos, nos matarão».

Ashlyn se deu conta de que as vozes pertenciam aquelas mulheres. Tudo o que tinham falado naquela sala ia se reproduzindo em sua mente. Maldição, ela já se acostumou ao silêncio. Tinha pensado que teria paz sempre e quando estivesse fora do calabouço. Teve a esperança de que não tivessem estado ali o tempo suficiente para ter muitas conversações.

«Sinto falta do avô. Ele saberia o que fazer».

«Bom, mas não está aqui. Nós teremos que achar a solução.».

Alguém lhe deu um pãozinho e um copo de suco de maçã.

—Toma —ofereceu Danika com gentileza—. Possivelmente com isto se sinta melhor.

«Quem está falando? Quem disse isso?».

«Com quem está falando, Danika?».

«Hã... com ninguém».

Ashlyn aceitou o que lhe oferecia e pegou com as mãos trêmulas. As conversações continuavam e continuavam. Algumas vezes, era como no calabouço; as conversações pareciam monólogos. Não ouvia ninguem que estivesse falando com as mulheres; só sabia que estavam falando com alguém mais entre elas.

Ouviu Danika dizendo:

«Sim... Sou médica, me promete que libertarão minha mãe, minha irmã e minha avó? Não têm feito nada de errado. Viemos a Budapest para esquecer, para nos despedir de meu avô. Nós...».

Entretanto, não ouviu o comentário anterior. Nem o seguinte. Por que?

Os homens eram imortais, mas ela já tinha ouvido  conversa de criaturas imortais outras vezes. Vampiros, duendes, trocadores de formas... por que não ouvia os demônios no castelo? Eles tinham que ser os interlocutores de Danika.

Ashlyn mordiscou o pão e tomou um pouco de suco, tentando se abstrair das conversações. Cantarolou, meditou. As mulheres tentaram estabelecer uma conversação com ela, mas Ashlyn não podia responder. Tinha muitas vozes lhe exigindo atenção.

Uma por uma, as mulheres se renderam. Ela não soube quanto tempo passou, quantas vezes esteve a ponto de chamar Maddox embora conseguisse se reprimir mordendo a língua. Ele tinha coisas a fazer, conforme lhe tinha dito. Além disso, não queria ser uma carga. Uma moléstia.

«Mas para isso veio aqui», disse a si mesma. «Para pedir a estes homens que lhe ensinassem como controlar seu poder, embora se transformasse em uma moléstia para eles».

Entretanto, isso era antes que Maddox entrasse em sua vida. A partir daquele momento, tinha querido que ele fosse seu amante, (se ele a quisesse, ela se chutou), não seu enfermeiro. Outra vez.

«Ouve uma...uma...voz? Mentalmente?».

«Sim».

«E não será sua própria voz?».

«Certamente. Não sei».

Por sorte, os murmúrios cessaram, terminaram no mesmo momento em que Ashlyn tinha entrado. Se sentiu aliviada, e teve que admitir que tinha averiguado algumas coisas novas: a primeira, que Danika tinha ouvido falar dos Caçadores e tinha contado a sua família.

—Caçadores —disse Ashlyn, elevando a vista. Danika estava olhando pela única janela da sala, uma janela que nenhuma das mulheres tinha conseguido abrir. Ashlyn as tinha ouvido tentar e fracassar.

—Onde estão? Não minta desta vez, por favor. Danika teve um sobressalto e se voltou para ela com a mão no coração.

—Está melhor outra vez, não é? Por que tenho que confiar em você? Talvez trabalhe para esses homens. Possivelmente lhe tenham enviado para que averigue coisas sobre nós, e quando as souber, entrarão e nos matarão.

—Certo —disse ela— Entretanto, você me salvou. Por que ia querer fazer mal a você?

Danika a olhou fixamente, mas não disse nada.

—Terá que confiar em mim. Não estou aqui para prendê-la ou machucá-la. Estamos no mesmo navio.

—E o que passa com o que se zanga tanto? Maddox. Você está namorando com ele.

Namoro não era exatamente a palavra que ela usaria. Ashlyn pensou na imagem de Maddox sentado e frente a ela em algum restaurante à luz de velas, bebendo vinho e ouvindo musica suave. Os labios dela levantou-se num sorriso.

—Possivelmente. E o que?

—Isso a converte em um deles.

—Não —insistiu— Acabo de chegar a este castelo. Cheguei ontem, na verdade.

Os olhos de Danika se arregalaram, seus cilios dourados alcançando suas sobrancelhas igualmente douradas.

—Agora sim sei que está mentindo. Ele a quer, isso é evidente. Um homem não demonstra tanta preocupação por uma mulher que acaba de conhecer.

Sim, ele tinha sido compassivo. Amável. Terno. Doce. O homem mais feroz que tinha conhecido em sua vida, tinha limpado sua testa e o rosto.

—Não posso explicar isso, mas não estou mentindo.

Passou um minuto de silêncio.

—Muito bem —disse Danika, e deu de ombros. — Se quer saber algo desses caçadores, eu direi. Embora de todo o modo, não é informação crucial. – Inspirou, expirou. - Quando o homem das asas, Aeron, me levou a cidade, viu um grupo de homens. Estavam armados; como soldados e rondavam pelos becos, como se não quisessem que os vissem.

Isso não dizia nada a Ashlyn.

—Aeron murmurou a palavra caçadores entre dentes, e tirou uma adaga. Acredito que os teria atacado se não levasse a mim. Disse que esses homens tinham vindo matar a ele e a seus amigos. Eu queria que lutassem para que Aeron se distraísse e assim eu pudesse escapar, mas não aconteceu. Eles não nos viram.

Ashlyn franziu o cenho. Caçadores dos imortais. Não era aquilo o que ela fazia para o Instituto? Escutava conversações para encontrar, dar caça, aqueles que não eram humanos. Não. Pare bem aí. O Instituto observava, estudava e ajudava quando era necessário, e tomava medidas extremas só quando existia uma ameaça.

Ela se consolou com aquilo. Os empregados eram cientistas, quando lidavam com as criaturas que eles encontravam,, não predadores. Embora com ela nem sempre tinham sido justos com ela.

A primeira vez de uma tentativa foi feita contra ela, era por que tinha tropeçado em uma conversa recente de um colega tinha tido com uma criança. Ele atraiu a doce menina inocente...ameaçou...tinha feito coisas terriveis. Doente, Ashlyn tinha falado sobre ele. Ele revidou tentando matá-la. McIntosh, sempre por perdo dela, tinha jogado-a no chão, salvando sua vida.

Na segunda vez, ela quase foi esfaqueada nas costas, literalmente, por uma mulher que pretendia manter seu caso em segredo. McIntosh mais uma vez agiu como seu guarda-costas, protegendo-a e levando seu quinhão nisso.

A terceira e última vez, onze meses atrás, ela foi envenenada. A sorte estava ao lado dela. Ela conseguiu por para fora a maior parte. Ah, doces memórias. Até hoje ela ainda não sabia porquê, não sabia qual o segredo que ela tinha advinhado que levasse alguem a tentar matar para se proteger.

McIntosh fez tudo ao seu alcance para protegê-la. Mas às vezes isso não foi suficiente, de modo que ela aprendeu a confiar somente em si mesma e em mais ninguém, o que fez sua subita vontade de depender de Maddox ser mais confusa.

—Aeron... hã... falou mal de você. —disse Danika, a tirando de seu próprio pensamento.

Ashlyn piscou de surpresa.

—De mim? Por que?

—Disse que era uma isca, seja o que for.

Os ombros dela se afundaram.

— Maddox também me chama de isca. Ainda não sei o que é...

Como ia negar que era algo que não entendia? A menos que... Espere. Se ela tivesse razão a respeito de que aqueles caçadores que acossavam aos imortais, significava que a isca era um chamariz, algo para atrair ao imortal para a armadilha do caçador.

Por que é que...que... estúpida! Ela tinha ido ali para pedir ajuda, não para facilitar que o assassinassem.

—Idiota! —exclamou.

—Não me insulte —disse Danika.

—Não estava falando de você, mas sim de mim mesma.

Durante esses momentos íntimos que tinha passado com Maddox, este seguia pensando que ela era capaz de semelhante traição. E certamente também pensava que era uma mulher fácil, daí sua surpresa quando tinha descoberto que ainda era virgem.

Os olhos dela se encheram de lágrimas.

—A enganaram? —perguntou Danika com suavidade.

Ela assentiu. Maddox a tinha desejado, embora só fosse um pouco, ou só queria seduzi-la para lhe surrupiar informação sobre seus planos? Ashlyn suspeitava que o certo era o último, e isso lhe fez mal. Atravessou sua alma. Quantas vezes ele a tinha cuidado com receio, com uma acusação nos olhos?

Não era a toa que ele resistiu tão facilmente a sua atrapalhada tentativa de convencê-lo a terminar o que tinha começado.

Não era a toa que ele a deixou aqui. Idiota! Pensou novamente. Sim, isso é o que era. Sua desculpa era que não tinha muita experiencia em lidar com homens. E era por isso! Eles eram uns bastardos.

Usuários e sedutores.

—Me fale sobre a voz que escutou —pediu a Danika. Algo capaz de apagar Maddox da sua mente, antes de começar a chorar de decepção e ressentimento.

Danika ficou gelada.

—Não a mencionei nenhuma voz. Estiveram nos vigiando, não é? Há uma câmara oculta?

—Não sei —respondeu Ashlyn. Levantou os joelhos e apoiou o queixo neles. — Poderia ser que tivessem uma câmera, talvez não. Dada a forma como eles ficaram confundidos com o Tylenol, não tenho certeza que eles sabem como operar uma. Mas não é assim como eu soube da voz. Danika teria uma capacidade semelhante à de Ashlyn? Ashlyn nunca conhecera outra como ela, mas estava começando a esperar o inesperado. - Conte-me tudo, por favor. Estamos juntas nisto. Podemos nos ajudar umas as outras.

—Não há nada que contar. —disse Danika andando pela sala, sentindo as paredes. — Estou me voltando louca, é isso o que quer que admita? Um tipo começou a me falar mentalmente esta manhã. Tivemos conversações muito estimulantes.

Uma só voz. Um homem. Não várias vozes, masculinas e femininas. Não era como Ashlyn, afinal. – Me conte – Ela insistiu novamente. Seu estomago se encolheu naquele momento para roncar, um ruido acrescentado no incomodo silencio que se seguiu. —O que ele disse?

Com uma carranca, Danika arrancou um pedaço do queijo da travessa e jogou-o para Ashlyn antes de comandar sua familia a ajudar a procurar por cameras. Apenas no caso.

—Me pediu informação sobre nossos seqüestradores.

—Como o que?

—Seus hábitos diários, que armas têm e se o castelo tem sistema de segurança — respondeu Danika, e emitiu uma gargalhada seca, sem humor. — Acredito que é o modo amalucado que tem minha mente de enfrentar o que está acontecendo.

Ashlyn não acreditava. Aquelas perguntas eram muito específicas. Eram as informação que quereria conhecer um soldado sobre seus inimigos.

Assim... se não era Danika quem queria informação sobre aqueles homens, quem era? E quem tinha o poder de pedi-la sem a vantagem de um corpo?

 

 

—Estou me cansando de tudo isto — resmungo Paris. — Por uma vez, hoje eu gostaria de ficar na cidade para relaxar depois de ter estado com uma mulher, em vez de ter que voltar correndo aqui. Eu posso me transportar em um segundo, como Lucien.

Se deixou cair no sofá que tinha ante a televisão, pegou o controle do console dos videogames e começou uma briga de mulheres nuas no barro. Tinha boa cor, e a tensão tinha se apagado do seu semblante. —Sobre o que é a reunião desta vez? —perguntou. —  Ah, e para sua informação, não vi nenhum Caçador.

—Porque você só vê possíveis companheiras de cama. —respondeu Aeron.

—E o que tem isso de mau? —perguntou Paris, sem se alterar.

—Deixem de discutir. —disse Lucien. — Temos coisas com as quais nos ocupar, e não acredito que ninguém goste do que vai ouvir.

Maddox se sentou no sofá e passou a mão pela rosto. Violência o estava golpeando por dentro, com mais força e mais raiva do que o normal. Parecia que não gostava de estar longe de Ashlyn. A mulher que tinha tentado atraí-lo para a cama. A mulher da qual ele se afastou. Que tipo de idiota virava as costas para uma mulher como ela?

Ela o queria, pelo amor de Deus!

Ele a queria do mesmo modo. Ainda queria. Queria seu corpo flexivel erolado em volta dele, queria sua boca na dele. Ou em seu penis. Ele não era exigente. Ele queria seus gritos de abandono em seus ouvidos, seu gosto na boca. Ele deveria ter ficado com ela quando teve a chance. Em vez disso, a tinha deixado no quarto de Lucien, depois de afastar a barricada, que em sua opinião era excessiva, porque tinha uma boa fechadura na porta, e tinha ido limpar a sua, quando tinha terminado, o tinham avisado para que fosse a sala de jogos, onde parecia que iam dar a todos más notícias.

—Diga a ele Aeron. —disse Lucien com um suspiro.

Houve uma pausa.

—Estou sentindo os primeiros movimentos de Ira. Não é nada drástico. Ainda. – Apoiou-se contra a parede mais distante. Bateu o punho na pedra atrás dele como se pontuasse sua admissão - Posso controlá-lo, mas não sei durante quanto tempo poderei.

—Agora pode cheirar às humanas, e seus aromas não saem do seu nariz —explicou Reyes.

Maddox se surpreendeu ao perceber fúria na voz de seu amigo.

Paris empalideceu.

—Foda, isso sim que foi rápido.

—Ninguém sabe melhor que eu —respondeu Aeron. Maddox reprimiu um grunhido. Quanto mais que ele e os demais seriam forçados a suportar? Ele soube momentos atrás, que havia outros caçadores por aí, escondidos na cidade. De acordo com a Aeron, pareciam ainda mais fortes e mais capazes do que seus antecessores. Por causa do que Ashlyn tinha revelado sobre sua capacidade, Maddox tinha que saber se eles estavam aqui para ela, também. Uma mulher cujo trabalho era ouvir as criaturas não-humanas seria um instrumento valioso de fato. A mera noção disso enfureceu seu demônio, fez com que ambos quisessem torturar, mutilar, matar. - Não sei quanto tempo vou suportar sem lhes causar mal —disse, e esfregou a nuca— Já vejo seus corpos ensangüentados e eu gosto. – No final a voz quebrou. Uma pequena mudança, mas presente de todos os modos.

—A ninguém lhe ocorre uma idéia? —perguntou Reyes, que lançou a faca ao ar, apanhou-a e voltou a lançá-la. — Algo para poder salvar a elas?

Silêncio.

—Falar disso não servirá de nada — disse Torin por fim. — Nos estamos atormentando ao tentar encontrar uma solução que não existe. Não podemos nos pôr em contato com os Titãs, nos imporão outra maldição. Não podemos deixar as mulheres livres e dizer a elas que se escondam. Aeron se veria obrigado a segui-las. Assim... eu opino que o melhor é deixar que o faça.

Reyes lhe cravou um olhar feroz.

— Isso é um pouco cruel inclusive para você, Enfermidade.

 O que ele faria se Aeron tivesse sido ordenado a matar Ashlyn? Maddox se perguntou. Cruel como ele estava aprendendo que esses novos deuses eram, ele suspeitava que teriam ordenado, sem hesitação. Ele ficou de pé em um saltou e rugiu, esmagando o punho na parede.

Todas as conversas pararam.

O ato o fez se sentir bem, então ele fez de novo. E mais uma vez. Suas mãos tinham ainda que cicatrizar completamente de sua batalha com Aeron, e isso não ajudava. O espírito tinha que se sentir verdadeiramente ligado a Ashlyn, também, porque que queria matar algo com o pensamento de perdê-la.

“Vá buscá-la. Ela é nossa. Ela pertence a nós.”

Antes, quase sempre o espirito tinha discordado dele. Homem e besta, um contra o outro. Compartilhar o mesmo desejo era chocante. Ele perfurou a parede novamente e pedras desmoronaram no chão.

—A pequena mulher não está acalmando-o, pelo que vejo. – Torin disse com uma pequena risada.

Maddox se virou a tempo de pegar Aeron trocando um olhar carregado com Lucien.

—O que? Ele espetou.

Lucien levantou as mãos, todo inocencia.

—Nada – Aeron disse – Simplesmente...nada.

—Quantas vezes teremos que dizer isso? Ela é uma isca, cara.  – Reyes jogou sua adaga uma ultima vez, pegando pela ponta e incrustando a ponta bem sobre o ombro de Maddox. - Certamente já sabe a essas alturas.

—Se não sabe, é um tolo. – disse Aeron, nesse tom de conversação – Talvez mate sua preciosa Ashlyn quando matar as demais, e romper seu feitiço sobre voce de uma vez por todas.

Igual a ele, o espirito explodiu totalmente, empapando ele, o consumindo.

“Ninguem coloca em perigo nossa mulher. Ninguém.”

Manchas negras piscaram em frente a seus olhos seguido rapidamente pelo vermelho.

—Ah, inferno, - disse Lucien – Olhe sua cara, Você tem melhor discernimento, Aeron.

Derrubando aos chutes mesas e cadeiras, Maddox abriu seu caminho para Aeron. Ele deixou um rastro de destruição na sua passagem, inclusive pegou a TV de plasma e a jogou ao chão, destruindo-a.

—Hey – Paris protestou, já que seu jogo ficou em silencio – Eu estava ganhando.

Tinha só uma palavra em sua mente: Matar, matar, matar, matar. Ai de quem fosse tolo o bastante para ficar em seu caminho. Maddox não se incomodou com uma arma, ia arrancar a pele do desgraçado com as proprias mãos. Queria sangue ensopando seus dedos, queria ossos quebrados no rosto dele... Ashlyn de repente apareceu em sua mente.

Tinha a cabeça jogada para trás, com os cabelos molhados e dourados em cascata sobre as costas. As gotas d’água caiam sobre seu estomago e ficavam presas em seu umbigo. O prazer fez ele estremer.

Lucien e Reyes saltaram sobre ele, levando-o ao chão e afastando Ashlyn de sua cabeça. Ele gritou; um grito tão forte que parecia vidro quebrado. Punhos voaram – seus, deles – ele não sabia. Alguem lhe deu uma joelhada no estomago, esvaziando o ar de seus pulmões, mas não se deteve.

Matar, matar.

Se ele tivesse presas teria mordido, tanto que ansiava pelo gosto de sangue. Alguem teria ficado seco. Então ele deu um chute em alguém na bochecha com a bota. Grunhiu de satisfação quando ouviu um uivo.

—Prenda as fodidas pernas.

—Não dá. Pegue os braços.

—Nocauteie ele, Paris.

—É claro. Quer que eu cuspa diamantes de minha bunda enquanto estou nisso?

Um punho se chocou com seu queixo. Seus dentes se sacudiram e saboreou o sangue que tanto ansiava.

—Isso é por estragar meu jogo – Paris – Bunny estava a ponto de espalhar oleo em Electra.

—Eu vou matar você. Eu vou...- a imagem de Ashlyn umida de prazer brilhou novamente. Seus olhos acesos com paixão.

A sua cabeça atirada para trás enquanto desfrutava de sua boca, lambendo cada gota de sua feminilidade.

Se acalmou, a realidde bateu contra ele. O que estava fazendo? Que diabos ele estava fazendo? Não queria sangue e morte nas mãos. Ele não queria. Não era um monstro. Não era a violência.

De repente, ele sentiu-se envergonhado de suas ações. Ele deveria ter mais moderação. Ele tinha mais discenimento.

Ofegante, ele tentou levantar. Os homens apertaram seus agarres. Ele relaxou, não forçando mais a questão. Não mais força, ele prometeu. Sem mais ataques sobre meus amigos.        “ Nós temos que proteger Ashlyn,” Violência rosnou.

Um desejo de proteger? De um demônio?

Protegeremos, apenas não desta forma. Não desse jeito. Quanto mais ele dava para o espírito, mais ele se tornava Violência.

Quando ele tinha parado de lutar contra Violencia com tanto fervor?

Às vezes, quando estava sozinho, gostava de pensar que se ele tivesse nascido um ser humano, a destruição teria sido a última coisa de sua mente. Ele se casaria, teria uma esposa amorosa e filhos para rir e brincar ao seu lado enquanto ele esculpia. Talhando mobiliário - baús, aparadores, camas - teria sido um prazer para ele.

Como ele tinha destruído tudo o que já tinha criado, desistiu do hobby.

—Ele parou de se mover - disse Reyes com surpresa.

—Eu não posso mais ver o espírito -. Aeron. Confuso.

—Hey. Nós nem sequer temos a acorrentá-lo. - Paris

—Esta é a primeira vez. - Torin. Ainda rindo.

Eles o soltaram e se afastaram, em uníssono. Maddox sacudiu a cabeça, tentando clarear seus pensamentos e reunir o que tinha acontecido. Ele tinha sido consumido pela violência, ainda não tinha assassinado a todos em seu caminho. Seus amigos eram obrigados a prendê-lo para impedir isso.

Cautelosamente, ele se sentou e olhou ao redor da sala. Destruição total o cumprimentou. Lascas de madeira, almofadas de espuma rasgadas, fragmentos pretos da TV. Sim, ele havia sido consumido.

Sobrancelhas enrugadas em confusão. Normalmente, ele tinha de ser nocauteado e acorrentado. Ou golpeado de tal maneira que ele só poderia esperar na cama até a dor e a morte vir buscá-lo. No entanto, os pensamentos de Ashlyn tinha acalmado-o completamente.

Como?

—Bem agora? – Reyes perguntou.

—Sim. – A palavra saiu crua, rouca. Alguem deve ter apertado ele.

Ele ficou em pé e tropeçou para o sofá. Nenhuma almofada, não mais. Mas ele não se importou. Ele se derrubou sobre as molas duras, que rangeram sob o peso.

—Boa coisa Torin saber como investir – disse Paris, olhando ao redor, sentado ao lado de Maddox – Parece que é hora de fazer uma compra de novas mobilias.

—Onde estávamos? - Lucien perguntou, trazendo-os de volta para os negocios. Havia um corte na testa, que não estava lá há poucos minutos.

Uma onda de culpa varreu Maddox.

—Sinto muito - disse ele.

Lucien piscou para ele, surpreso, mas concordou.

—As mulheres - reclamou Reyes, estabelecendo-se no outro lado de Maddox. - Eu digo que devemos dar-lhe mais tempo. Ao contrário de alguns de nós - enviou um olhar afiado em direção Maddox - Aeron tem seu espírito sob controle agora, quer esteja ativo ou não. "

—Estou de acordo — Lucien foi até a mesa de bilhar derrubada, o perfume das rosas emanando dele.

Um cheiro agradável, mas não tão bom como o Ashlyn, toda mel quente e temperada com segredos e luar. Ashlyn ... Pensar nela novamente fez seu corpo endurecer, de pronto. Deveria ter tido ela quando teve a chance, ele pensou novamente. Deve ter penetrado na bainha, apertada, molhada.

—Uh, eu estou feliz em sentar-se perto de você e tudo, mas eu não tinha idea que voce gostaria tanto - Paris murmurou.

Pela primeira vez em centenas de anos, a Maddox sentiu seu rosto corar.

—Não é para você.

—Graças a Deus - foi a resposta de seu amigo.

—Falando dos deuses, Maddox, agora pode ser um bom momento para contar aos outros sobre a voz que você ouviu, Lucien solicitou.

 Maddox não queria os carregar com mais preocupações, mas sabia que não tinha outro remédio.

—Muito bem. Alguém se comunicou comigo mentalmente, e me ordenou que enviasse a todos ao cemitério esta noite, sem armas.

Lucien se aproximou de Aeron.

—Você conhece esses novos deuses melhor que ninguém. O que pensa? Parece algo próprio dos Titãs?

—Não sou um perito neles, mas não, não me parece isso. Eles não teriam por que se preocupar com as armas. Embora sejam úteis para lutar contra os Caçadores, não o seriam para lutar contra os deuses.

—Woohoo - Paris comemorou, e todos lhe lançaram um olhar surpreso. Ele deu de ombros timidamente. – Levarei meu jogo na mini-TV escondido, no caso de algo como isso acontecer.

Maddox revirou os olhos.

—Suponhamos que essa voz seja de um Caçador — disse Lucien. Voltando ao topico principal. De novo. - Isso significa que enfrentamos um Caçador que tem uma habilidade formidável. E como é improvável que trabalhe sozinho, temos que nos perguntar se seus amigos têm poderes parecidos.

Aeron disse:

—Somos mais fortes que os mortais, com poderes ou sem eles. Podemos vencê-los.

—Sim, se formos mais preparados. Não se lembra do que ocorreu na Grécia? Os Caçadores não eram tão fortes como nós, mas puderam nos causar mal uma e outra vez. Agora, o mais seguro é que nos tenham montado uma armadilha no cemitério —disse Maddox, enquanto os olhava um por um— Eu não poderei ir, porque estarei morto, mas todos os outros podem. Devem fazê-los cair em sua própria armadilha e matá-los.

Lucien sacudiu a cabeça.

—A meia-noite, Reyes e eu estaremos aqui com você. Isso quer dizer que só poderão ir Paris e Aeron, porque Torin tampouco pode sair. Não podemos deixar que vão sozinhos lutar quando não sabemos o que enfrentam.

—Então vamos agora — disse Maddox. Odiava sair do castelo, mas o faria. Para proteger Ashlyn, faria qualquer coisa, e se aquela nova raça de Caçadores pretendia lhe causar mal...— Ainda ficam sete horas até a meia-noite. Isso é tempo de sobra para que eu possa lutar e voltar.

Outros o olharam com surpresa. Ele nunca se ofereceu para ir à cidade.

—Alguém tem que; ficar para proteger às mulheres. —disse Reyes.

—É certo. —concordou Maddox. Ele não poderia, não queria deixar Ashlyn sozinha, indefesa. E se ela ficasse doente de novo? E se um Caçador encontrava uma brecha na fortaleza e machucasse ela?

—Não estou de acordo —disse Lucien com um sorriso de desculpa para ambos— Matar aos Caçadores é mais importante que proteger às mulheres.

Uma vez que estarei morto em breve, de qualquer maneira. Ele não precisava dizer isso quando todos estavam pensando nisso.

Reyes apertou os punhos. Maddox apertou os dentes.

—Alguém tem que ficar —disse— ou lutem sem mim.

Possivelmente Aeron fosse Ira, e Lucien fosse Morte, mas ninguém lutava como Violência. Levar ele a uma batalha era quase uma garantia de vitória.

—Iremos sem você. —disse Lucien com rotundidade.

Muito bem. Não ia deixar Ashlyn desprotegida. A fortaleza foi bem fortificada, sim, mas não poderia esfaquear um adversário, tornando-o ineficaz. Não poderia arrastá-la para longe do perigo e para nos braços da segurança.

—Diga-me o que você pretende fazer, então, para garantir a vitória

Houve uma pausa. Lucien e Aeron intercambiaram um olhar tenso. Antes que ele pudesse fazer algum comentário, Lucien dobrados para baixo e pegou um papel, muito enrolado que tinha caído no chão durante o discurso de Maddox. Ele caminhou até o sofá e desenrolou-lo, ancorando-a na borda. – Seria bom fazer na mesa de café – ele murmurou – ou mesmo a mesa de bilhar. Como voce foi tão meticuloso, no entanto, derrubou e quebrou ambas.

—Já pedi desculpas – Maddox disse, a culpa crescendo – E amanhã vou consertá-los;

—Bom – Lucien apontou para o papel - Como você pode ver, este é um mapa impresso da cidade. Antes, quando estávamos planejando, e você estava ocupado, resolvemos montar uma armadilha nesta área abandonada. - Seu dedo circulou um trecho acidentado e esticado de terra para o sul. - Há colinas e nenhuma casa, o que torna o local perfeito para atacar. Vamos esperar lá e deixar os caçadores chegam até nós. "

—É isso? Esse é o seu plano?

—Bem, isso e matá-los. - O perfume de rosas se tornou mais forte quando os olhos de  Lucien brilharam ameaçadoramente.

—Isso é um bom plano.

—Eles não podem vir. Podem estar já no cemiterio.

—Virão. —disse Lucien.

—Como sabe?

Ele fez uma pausa e olhou para Aeron de novo.

—Tenho esse pressentimento.

Maddox soltou um bufo.

—Talvez se equivoque. Ao menos, deveríamos assegurar nossa colina antes que irem, para que ninguém possa se aproximar enquanto vocês estão fora e eu estou morto.

—Muito bem —disse Lucien com um suspiro. — Nos ponhamos a trabalhar.

 

Hotel Taverna, Budapest.

Sabin, o guardião da Dúvida, estava estendido na cama, olhando o teto branco de sua suíte. Tinha viajado de Nova Iorque a Budapeste com um objetivo: encontrar a caixa da Pandora e destrui-la. Tudo bem, dois objetivos. Até o momento não tinha tido sorte; entretanto, tinha encontrado aos guerreiros que se afastaram dele milhares de anos atrás. Homens que tinham lutado junto a ele. Homens aos que tinha querido.

Homens que, naquele momento, o odiavam.

Suspirou. Desde sua chegada, há uns dias atrás, tinha visto Paris aqui e lá, mas não tinha revelado sua presença a ele; não estava certo do recebimento que iriam lhe dar. O atacariam ou o receberiam como o filho pródigo?

Quase tinha medo de averiguá-lo. Ele tinha estado a ponto de decapitar a Aeron quando o guerreiro tinha tentado lhe impedir que incendiasse toda Atenas para fazer sair aos Caçadores que tinham matado a seu amigo Baden.

Desde que tinha chegado a Budapest, Sabin tinha tentado se infiltrar, averiguar tudo o que pudesse daqueles guerreiros que tinham sido irmãos para ele, mas que se transformaram em estranhos. Eles não tinham revelado nada. Assim, Sabin tinha concentrado sua atenção nas humanas que os rodeavam. Só uma delas o tinha ouvido, mas tampouco lhe tinha proporcionado nova informação.

O único que sabia era que os seis guerreiros viviam naquela fortaleza enorme da colina, e que estavam armados até os dentes.

Aquela informação tinha obtido de um Caçador ao qual tinha interrogado um mês antes. O mesmo Caçador que lhe tinha dito, com reticência, que tinha em marcha uma nova busca da caixa da Pandora. E que encontrar a caixa significaria o fim dos Senhores do Submundo, porque os demônios voltariam para os limites da caixa, e os guerreiros não poderiam sobreviver sem eles.

Parecia que os Caçadores levavam semanas tentando achar a maneira de assaltar o castelo e apanhar aos guerreiros, mas ainda não o tinham conseguido. O fato de que queriam capturá-los em vez de destrui-los suscitava muitas perguntas a Sabin. Sabiam os Guerreiros onde estava a caixa? O que pensavam na atualidade os Caçadores? No passado se retiraram da luta. Voltariam a fazê-lo?

Suspirou de novo. Teria tempo para pensar nisso mais tarde. Nesse momento tinha outro mistério para resolver. A mudança de guarda, por dizê-lo de algum modo. Das mãos dos Gregos às mãos dos Titãs, que eram uns maníacos por controle. Uma preocupação que ele não esperava.

Não conhecia aqueles novos deuses, mas não acreditava que fossem gostar dele. Quando o tinham chamado, tinha percebido nos céus murmúrios de guerra e dominação; o tinham obrigado a permanecer em meio de um círculo de rostos estranhos e a responder suas perguntas.

« Qual é seu objetivo?».

« O que está disposto a fazer para consegui-lo? »

« Tem medo de morrer?».

O motivo pelo qual tinham chamado a ele e não aos outros, tampouco sabia. Na realidade não sabia nada. Nem sequer estava certo de que Maddox dissesse aos outros que fossem ao cemitério.

Esperava que fossem. Tinha chegado o momento de se fazer conhecer sua presença, e queria ter vantagem quando isso acontecesse.

«Se ao menos pudesse mentir...».

As coisas seriam muito mais fáceis.

Entretanto, não podia mentir. Se tentasse, o demônio enlouquecia e ele perdia o conhecimento. Era uma estranha reação ante a insinceridade, mas não podia remediá-lo. O que podia fazer era projetar seus pensamentos na mente de outro, o encher de desconfiança e de preocupação, tecer uma rede de dúvidas com perguntas e observações.

Nem suas perguntas nem suas observações eram mentira, não é?

Ao se comunicar com Maddox, o tinha ouvido rezando pela mulher humana, e lhe tinha criado dúvidas sobre si; podia sobreviver sem a ajuda de um deus. O fato de que sim se salvou tinha sido favorável a ele, porque lhe tinha permitido pedir a compensação.

Sabin e seus homens estariam esperando a chegada de outros guerreiros, que apesar de suas ordens, iriam armados. Como reagiriam ante aquela inesperada reunião?

«Certamente, com ódio».

—Se cale. —disse a seu espírito.

Não se importava de usá-lo contra outros, mas odiava que aquela coisa estúpida tentasse debilitar a ele.

A porta de sua suíte se abriu de par em par.

Ele agarrou a faca que tinha presa com uma correia na nuca e se preparou para atacar. Quando viu seus visitantes, relaxou.

—Que boas-vindas são estas? —perguntou Kane.

Cameo, Amun e Gideon o acompanhavam. Tinham estado juntos desde a morte de Baden, quando tinham se abandonado ao domínio de seus demônios. Algo para castigar aqueles que tinham assassinado a um dos seus.

A destruição que tinham provocado, as pessoas que tinham ferido... Sabin estremeceu ao recordá-lo. Tinha levado muito tempo para eles voltarem a se encontrar, e então já era muito tarde. Nunca poderiam se integrar na sociedade, nunca poderiam ser outra coisa que guerreiros.

Os Caçadores não o permitiriam.

Além de acabar com Baden, os Caçadores tinham assassinado a todos os humanos que tinham boa relação com os guerreiros, e tinham destruído todos os lares que estes tinham conseguido erigir. E por isso, Sabin lutaria contra eles até o final de seus dias: a eternidade. Até que o último caísse vencido, seguiria lutando.

Sabin se levantou e apoiou o peso do corpo nos cotovelos. Depois se recostou contra a cabeceira da cama.

—Averiguaram alguma coisa?

—Bastante. —respondeu Gideon.

—Nada. —disse Kane, olhando ao teto com resignação.

Gideon estava possuído pelo espírito da Mentira. Ao contrário de Sabin, não podia dizer uma só verdade. Todo mundo naquela sala sabia que devia acreditar exatamente no contrário do que dissesse seu amigo.

Sabin lançou a Gideon um olhar de “da proxima vez mantenha a boca fechada” e o guerreiro deu de ombros, como querendo dizer que faria o que quisesse quando quisesse. Gideon sempre fazia o que queria; a rebeldia corria por suas veias.

Era alto, um guerreiro como Sabin, mas aí terminavam as similitudes. Sabin tinha o cabelo e os olhos castanhos e o rosto curtido. Gideon era um punk puro, abraçando o visual Goth moderno, jogando um pouco de grunge e misturando tudo junto com um toque de estrela de cinema.

Tinha o cabelo loiro mas tingiu de azul metálico. Dizia que o fazia porque lhe ressaltava os olhos. É obvio, era mentira. Certamente o tinha feito como advertência aos humanos: «Se aproxime por sua conta e risco». Tinha tatuagens e piercings por todo o corpo, e sempre se vestia de negro. Nunca saía de casa sem um arsenal grampeado ao corpo.

Na realidade, nenhum deles o fazia.

—Onde está Strider? —perguntou Sabin.

Gideon abriu a boca para responder, com uma mentira, mas Kane, o amo do Desastre, o interrompeu.

—Não pôde aceitar a derrota. Continua procurando.

É obvio. Strider acolhia a Derrota em seu interior; tinha que ganhar em tudo o que fizesse: a guerra, uma partida de cartas, um jogo do ping-pong... ou sofria fisicamente e ficava prostrado na cama durante dias.

Sabin tinha dito a sua equipe que falasse com os habitantes da cidade para averiguar algo dos Senhores ou da caixa, assim Strider não voltaria até que o tivesse conseguido.

Cameo, a única mulher que integrava aquele grupo de malditos, se deixou cair no sofá que tinha em frente à cama. Ela também tinha sido uma lutadora imortal que protegia aos deuses. E como outros, tinha se sentido ofendida quando Pandora foi escolhida para custodiar dimOuniak. Entretanto, ao contrário dos outros, não lamentava que os deuses tivessem escolhido uma mulher, mas sim que a mulher não tivesse sido ela. Sabin ainda recordava o enorme sorriso de seus lábios no dia que tinham decidido se voltar contra Pandora. Foi a última que tinha esboçado.

—Os habitantes da cidade não quiseram nos dar nenhuma informação —disse Carneo— Não sei por que motivo, consideram anjos aos guerreiros, e não querem trai-los.

A Sabin resultava difícil escutá-la e olhá-la. Oh, não porque fosse feia. Ao contrário. Era esbelta e delicada, e tinha o cabelo negro e os olhos da cor da prata. Entretanto, estava possuída pelo espírito de Tristeza, assim que a risada e a alegria não eram parte de sua vida.

Sabin tinha tentando, durante séculos, alegrá-la um pouco. Entretanto, não importava o que ele fizesse ela sempre estava a beira do suicídio. Era certo que toda a tristeza do mundo se refletia em seu olhar e impregnava sua voz. Ele sempre se perguntava como era possível que continuasse vivendo sem se voltar louca.

Sabin esfregou o queixo e olhou a Amun.

—E você? Averiguou algo?

Amun se apoiou contra uma das paredes. Era uma pincelada negra contra o branco puro do quarto.

Pele escura, olhos escuros, tudo nele era escuridão. Amun podia adivinhar os segredos mais íntimos e profundos daqueles de quem se aproximava.

Tinha que ser uma terrível carga conhecer os segredos mais feios dos outros.

Possivelmente aquela fosse a razão pela qual Amun quase não falava. Possivelmente tivesse medo de revelar verdades terríveis. Medo de estender o pânico.

—Nada que nos sirva —disse Cameo, respondendo em seu lugar, com seu tom de voz gelado. — Salvo pelas mulheres que tiveram relações com Paris e com Maddox, e só conhecem o tamanho de seus membros, as pessoas da cidade sempre se mantiveram a distancia dos guerreiros, assim não sabem o suficiente para que adivinhe algum segredo.

Ok, a sério. Ela fez querer mergulhar a faca em seu coração, aqui, agora, ao invés de esperar por ela para fazê-lo. Qualquer coisa para parar a tristeza

Antes de que Sabin pudesse responder, a porta voltou a se abrir de repente e Strider entrou no quarto e se chamou a atenção de todo o mundo.

Tinha o cabelo muito loiro, que lhe caía em mechas enredadas pela rosto. Os olhos, muito azuis, brilhavam. Tinha o rosto sujo de terra, e o queixo salpicado de sangue. Entretanto, seu passo era ligeiro, e por isso Sabin soube que tinha averiguado algo.

Ficou em pé bruscamente.

—Nos diga.

Strider se colocou no centro da sala e sorriu.

—Tal e como suspeitávamos, os Caçadores já estão aqui.

Cameo se moveu com uma graça e uma elegância que contrastavam agudamente com sua expressão suicida.

—Vamos capturar todos e os interrogar, e averiguaremos se sabem mais que nós.

—Não é necessário —disse Strider— Já apanhei a um.

—E? —perguntou Sabin com nervosismo.

—Querem assaltar o castelo e capturar aos Senhores. Têm a alguém lá dentro.

—Me alegraria muito se soubesse. —disse Gideon.

Strider, como os outros, fez caso omisso de suas palavras.

—Não mencionaram a caixa? —perguntou Kane. Enquanto falava, a lâmpada do abajur que estava junto a ele explodiu e enviou pedacinhos de cristal em todas as direções.

—Não.

O abajur cambaleou e golpeou Kane no cocuruto.

Sabin sacudiu a cabeça. Aquele homem era um desastre andante. Literalmente. Quando Kane entrava em uma sala, as coisas iam ao inferno rapidamente. Não estranharia que o teto caísse em qualquer momento. E sim, tinha ocorrido antes.

Kane apagou as pequenas chamas que tinha no cabelo e esfregou a têmpora, sem que seus olhos castanhos mostrassem emoção alguma. Sem uma palavra, se afastou do abajur e se sentou no chão, tão afastado dos outros como pôde.

Sabin olhou para as portas duplas. Se abriam para um precioso terraço que oferecia uma vista muito romântica da cidade. Embora ele não tivesse muito romantismo em sua vida, para falar a verdade.

Normalmente, as mulheres se afastavam correndo dele, se ele não saía correndo antes. Embora não quisesse, fazia com que elas duvidassem de tudo: das escolhas que faziam na vida, de sua imagem... Choravam. Sempre. Algumas vezes inclusive tinham tentado o suicídio. E ele já não podia suportar mais. Não podia suportar a culpabilidade que lhe conduziam suas ações inevitáveis. Assim, se negou as relações com as mulheres. Se afastou delas.

Sabin teve que reprimir uma quebra de onda de dor. Tinha anoitecido e as luzes da cidade se acenderam. Tinha lua cheia, e era como um farol dourado na metade do céu negro, aveludado. O ar fresco entrava com suavidade e agitava levemente as cortinas brancas.

Uma noite para os amantes.

Ou para a morte.

—Onde estão agora os Caçadores? —perguntou.

— Segundo minha fonte, se reuniram em uma discoteca. Já o chequei: está a cinco minutos daqui. —respondeu Strider.

Sabin queria ir ao cemitério, e também queria ir a discoteca. Por desgraça, não podia estar nos dois lugares de uma vez. Como reminiscência do que tinha ocorrido tanto tempo atrás, de novo se viu entre seus amigos e os Caçadores.

Ele deu outra olhada pelo quarto, como se as respostas estivessem nas sombras, escondidas.

—Necessito que um de vocês vá ao cemitério esta noite, bem armado. Eu tenho feito todo o possível por atrair lá aos guerreiros. Que quem vai dita o que fará se os vê. Outros irão à discoteca.

—Eu irei ao cemitério —disse Kane. Não parecia que lhe entusiasmasse a idéia. Ao contrário, seu tom era de resignação. — Se for a discoteca, talvez a derrube.

Certo.

Naquele preciso instante, uma placa de gesso se desprendeu da parede e golpeou Kane na cabeça. Kane tinha uma espessa juba listrada que amortecia golpes. De todo o modo, fez uma careta de dor.

Sabin suspirou.

—Se tudo sair bem, possivelmente consigamos as respostas que viemos procurar e, por fim, poderemos destruir a caixa de Pandora. «antes de que a encontrem os Caçadores e voltem a trancar dentro os demônios, e isso mate a todos». —Agora, em marcha.

 

Maldição, maldição, maldição.

O tempo tinha passado rapidamente. Maddox tinha ficado absorto enquanto colocava armadilhas pela colina. Fossas, cabos, redes. Deveria tê-lo feito muito antes que aquele dia, mas sempre tinha temido machucar aos empregados de entrega de provisões ou às mulheres que fossem procurar Paris.

Cada vez que Maddox pensava que já tinha terminado, Lucien lhe encomendava uma tarefa nova.

Já eram onze e meia, e não tinha tempo para ir ver Ashlyn. Não tinha tempo para lhe dar um beijo nem abraçá-la, por muito que o desejasse. Após seu ataque hoje, ele seria um tolo para sempre se abordasse um inocente novamente. Ainda assim, ele queria ficar perto dela. Ansiava por ela. Certamente havia um caminho. Até agora, ele mantinha-se sob controle perto dela.

Mas o que aconteceria se ela empurrasse-o até a borda da razão? Quando, não se. O que ele faria quando o Espírito entrasse em erupção, como inevitavelmente faria?

—Possivelmente os deuses nos sorriam esta noite. — murmurou Lucien.

Maddox, Reyes e Lucien se dirigiram pelos intrincados corredores do castelo para a sala de Maddox. Sempre era melhor encadeá-lo com antecipação e manter a situação sob controle.

Reyes já tinha pego a espada, a mesma que Maddox tinha usado para assassinar Pandora tantos séculos atrás. Pendurava a um lado do guerreiro, e a luz da lua, que entrava pelas janelas, arrancava brilhos do metal da lâmina, provocando Maddox mesmo agora.

Passaram pelo quarto de Lucien e seus dedos coçaram para tocar a porta. Ashlyn estava dentro. O que ela estaria fazendo? Ela estva pensando nele?

Torceram uma esquina, se aproximaram mais... «Não estou preparado...», choramingou o espírito. No princípio, porque o sangue sempre o saciava. Maddox tampouco estava preparado para morrer. Aquela noite não.

Os passos ressoavam no corredor de maneira ominiosa.

Ele passou a última janela no corredor, o maior. Ele olhou para a colina, descendo para as árvores cobertas de neve. O que ele teria dado para percorrer as árvores, sentir o vento de neve sobre a sua pele. O que ele teria dado a tomar Ashlyn lá fora, agora, e fazer amor com ela no chão frio, duro, onde ela estaria banhado em luar, como uma ninfa do bosque. Sem violência. Apenas paixão.

—Talvez possamos convencer a estes Titãs para que o liberem da maldição. — disse Lucien.

Pela primeira vez em centenas de anos, Maddox sentiu esperança. Possivelmente, apesar de tudo, os Titãs o perdoassem se o pedia. No passado, eles queriam a paz e a harmonia no mundo. Certamente, eles....

«Sabe que não», disse a sim mesmo. «Olhe o que obrigam Aeron a fazer».

A esperança de Maddox se fez pedacinhos. Os Titãs já tinham demonstrado que eram mais desumanos que os Gregos.

—Não acredito que queira me arriscar.

—Possivelmente haja uma alternativa aos deuses. —disse Reyes.

Se a tinha, eles já a teriam encontrado, mas Maddox não o disse em voz alta. Uns segundos depois, o trio entrou no quarto. O medo acelerou o sangue de Maddox quando se deitava na cama. Os lençóis de algodão, recém trocados, estavam frescos e não tinham nem rastro da essência de Ashlyn. Entretanto, ele podia se agarrar a sua lembrança.

A última vez que a tinha visto ali, a tinha tido entre os braços, a tinha cuidado. Tinha inalado seu aroma. Tinha pensado em fazer amor com ela.

O medo se intensificou quando Reyes prendeu os pulsos e Lucien os tornozelos.

—Quando isto terminar, —disse— chequem que Ashlyn se encontra bem. Se for assim, deixem-na  no quarto com as outras mulheres. Se não, a deixem em outro, e eu cuidarei dela pela manhã. Mas não a coloquem no calabouço. Nada de crueldades. Lhe dêem de comer, mas não lhe dêem vinho, entendido?

Os dois homens se lançaram outro dois tensos olhares que usavam intercambiando toda a tarde e se separaram da cama.

—Reyes —disse Maddox, em tom de advertência. — Lucien... O que ocorre?

—É sobre a mulher. —disse Lucien, evitando olhar seu rosto.

—Estou tentando me manter calmo. —disse Maddox, embora uma névoa negra lhe tinha cortado a visão. — Me digam que não fizeram nada com ela.

—Não.

Ele exalou um suspiro e recuperou a visão.

—Não lhe temos feito nada ainda —prosseguiu Lucien— mas vamos fazer.

Quande Maddox o assimilou, puxou as algemas.

— Me soltem!

—É uma isca, Maddox. —disse Reyes tranqüilamente.

—Não, não é. —respondeu ele.

Preso do pânico, como se estivesse preso em um pesadelo do qual não podia despertar, lhes falou de sua habilidade e de suas suspeitas de que os Caçadores a tinham seguido sem que ela soubesse.

—Está maldita, como nós. Está condenada a escutar conversações do passado.

Lucien sacudiu a cabeça.

—Está muito cativado por essa mulher para admitir a verdade. O fato de que tenha uma habilidade estranha é uma prova mais de que é uma isca, como a voz que você ouviu hoje. Que melhor modo para averiguar coisas sobre nós, sobre como nos vencer?

Maddox atirou do pescoço para cima, quase rompendo os tendões.

—Se lhe fizerem mal, os matarei. Não é uma ameaça, é um juramento. Passarei o resto de meus dias procurando sua tortura e seu fim.

Reyes passou a mão pelo cabelo.

—Neste momento não pode pensar com claridade, mas algum dia nos agradecerá isso. Vamos leva-la à cidade. A usaremo para atrair aos Caçadores. É a parte do plano que não lhe contamos.

Traidores. Ele nunca teria suspeitado que seus amigos, os mesmos guerreiros que compartilhavam sua tristeza, fossem capazes daquilo.

—Por que me dizem isso agora? Por que fazem isto?

Reyes afastou o olhar e não respondeu.

—Faremos todo o possível para trazê-la nas mesmas condições em que a levarmos.

De novo, Maddox puxou as grossas algemas com todas suas forças. Entretanto, era impossível rompe-las; os deuses mesmos as tinham forjado. Entretanto, golpeou a cabeceira de metal. A raiva se apoderou dele, com tanto ardor, de uma maneira tão sinistra, que não podia ver, não podia respirar. Tinha que chegar até Ashlyn. Tinha que protegê-la. Era inocente, frágil, nunca sobreviveria a uma batalha.

E se o inimigo a capturava... se arqueou para cima, rugiu, voltou puxar as algemas...

— Ashlyn! —uivou.— Ashlyn!

—Não entendo como pode ficar tão selvagem por uma mulher. —ouviu que dizia Lucien.

— Semelhante devoção é perigosa. —respondeu Reyes.

— Ashlyn! —seguiu gritando. E seguiu tentando se liberar, mas foi inútil. Lucien e Reyes o observaram sem dizer uma palavra, sem ceder. Ele os amaldiçoou com o olhar, lhes prometendo a vingança. «Que Ashlyn possa se esconder», rezou. «Que permaneça escondida até que eu volte por ela».

Notou uma aguda dor no flanco.

Tinha chegado a meia-noite.

Rugiu. O espírito se revolveu em seu interior como uma tormenta envenenada, um tormenta de raios, uma tempestade de destruição. Homem e demônio se fundiram em um, com um mesmo objetivo: Sobreviver aquilo para poder defender a sua mulher.

Entretanto, Reyes se aproximou dele com a espada nas mãos. Seu rosto não refletia nenhuma emoção.

—Sinto muito. —sussurrou.

Quando a folha da espada atravessou o estômago de Maddox e lhe cortou a pele, os órgãos, os músculos, este já não pôde reprimir os gritos.

 

A porta do dormitório se abriu lentamente, e as mulheres, excetuando-se Danika e Ashlyn, se separaram dela todo o possível e se deram as mãos.

Durante toda a tarde, Ashlyn tinha querido enfrentar a Maddox. Danika tinha querido enfrentar a Reyes. Em vez disso, tinham terminado contando a história de suas vidas. Em lugar de assustar a Danika, o passado de Ashlyn diluiu o receio da moça.

Depois, Ashlyn se indignou ante a narração do seqüestro de Danika. Era estranho pensar que, naquele lugar de medo e morte, Ashlyn não só tivesse encontrado a seu primeiro amante, mas também também a sua primeira amiga de verdade.

Um anjo entrou na sala.

Tinha o cabelo prateado, e olhos verdes que brilhavam como esmeraldas. Um demônio não podia ser tão belo. Entretanto, estava vestido de negro dos pés a cabeça e usava luvas negras. Além disso, tinha uma arma.

Ela o tinha visto antes, no quarto de Maddox. Na noite anterior, quando estavam apunhalando Maddox. Aquele homem não tinha tomado parte no assassinato, mas o tinha presenciado sem intervir.

—Ashlyn. —disse ele, procurando-a.

O medo lhe apertou a garganta. Sabia seu nome? Por que não tinha ido Maddox?

Já tinha esquecido dela? Queria que morresse? Tentando não voltar a chorar, empurrou Danika atrás de si.

—Estou aqui. — conseguiu dizer. Uma parte dela esperava um disparo, que deveria fugir nesse mesmo segundo.

Ela não ia fugir.

O homem permaneceu no lugar, embora seu olhar atravessasse o quarto, passando pela cama e a comoda, até que se fixou nela.

—Venha comigo. —disse o homem.

Sentiu-se pregada ao chão, congelada.

—Porquê?

Ele lançou um rapido olhar sobre seu ombro.

 —Explicarei no caminho. Agora, se apresse. Se a virem, não poderei te salvar. De repente, Danika se adiantou feito uma fúria.

—Não vai com você. Nenhuma de nós vamos, por muito que nos ameace com uma arma. Você e seus amigos podem morrer.

—Possivelmente mais tarde —disse ele com ironia, sem afastar o olhar de Ashlyn. — Por favor, não temos muito tempo. Quer voltar a ver Maddox, sim ou não?

Maddox. O só feito de ouvir seu nome fez com que se acelerasse o coração.

«Devo ser a garota mais estúpida do mundo».

Deu um abraço em Danika e lhe sussurrou ao ouvido:

—Estarei bem.

Isso, ela esperava, ao menos.

—Mas...

—Confia em mim.

Se separou de Danika e se adiantou. O anjo de cabelo branco se separou dela como se fosse um cartucho de dinamite.

—Que ninguém mais se mova —ordenou, praticamente virando sobre si mesmo em sua pressa de manter a distancia entre eles. — Atirarei antes e perguntarei depois.

Sem deixar de olhar para Ashlyn, saiu para o corredor.

Quando Ashlyn esteve a seu lado, lhe disse:

—Não me toque. Se as pessoas me tocarem, ocorrem coisas muito más. Nem sequer se aproxime o suficiente para me tocar se tropeçar.

Seu tom de voz era grave.

—Está bem. —respondeu Ashlyn, desconcertada.

Manteve as mãos nas costas, no caso de esquecer, e esperou que ele dirigisse a marcha.

Ele se moveu desenhando um amplo círculo a seu redor e, com o canhão da arma para frente, fechou a porta. Ashlyn não tentou apressá-lo; o medo a manteve  quieta, uma vez mais, cravada no lugar.

—Que coisas más? —perguntou quando ele se voltou de costas.

O anjo começou a caminhar e a olhou por cima do ombro.

—Enfermidade. Agonia. Morte —disse, e embainhou a arma na cintura. — Nenhum ser vivo pode me tocar a pele, porque se desencadearia uma praga.

Deus santo. Fosse certo ou não, aquilo a convenceu de que não devia se aproximar dele. E suspeitava que tinha dito a verdade. Cada vez que o tinha visto, ele tinha se mantido afastado dos outros. Não era o modo de agir de um homem malvado, mas sim de um homem que se preocupava mais pelos outros que por si mesmo. O coração de Ashlyn se desdobrou. «Tola».

—Como se chama?

—Torin. —disse ele, e pareceu que o surpreendia que ela se interessasse.

—Não pensa em me matar, não é, Torin?

Ele soltou um bufo.

—Não. Se o fizesse, Maddox me cortaria o coração e o fritaria para tomar o café da manhã. „Ÿdisse ele.

—Está bem, isso é mais informação do que precisava. —respondeu ela.

Sentiu uma felicidade estúpida e infantil. Então Maddox se preocupava com ela? Se isso fosse verdade, onde estava? E por que não tinha ido lhe procurar?

Silenciosamente, Torin a conduziu pelos corredores. Umas quantas vezes se deteve para escutar e lhe fez um gesto para que se escondesse entre as sombras.

—Não faça ruído. —lhe disse quando ela abriu a boca para fazer uma pergunta.

—Quando puder falar, eu gostaria de saber o que está acontecendo. —sussurrou ela.

Ele fez caso omisso.

—Quase chegamos.

—Aonde?

Quanto mais caminhava, mais lhe parecia ouvir... O que era aquilo? Um segundo mais tarde, Ashlyn soube.

Seu estômago se encolheu ao perceber com claridade o som: eram gritos. Eram gritos de agonia. Ela só tinha ouvido aquilo uma vez, e já era suficiente.

—Maddox.  —disse em um ofego. Outra vez não! 

Ela estava tão perto agora, ela poderia ouvir o timbre profundo de sua voz, seu e de uma segunda voz, que às vezes atravessava-a, ambas quebradas e rachadas. Ela queria vomitar. Urgência pulsava através dela. Ela quase correu na frente de seu guia, mas segurou-se no lugar, com medo de ele tentar a impedi-la.

— Depressa, Torin. Por favor, tenho que ajudá-lo. Temos que detê-los.

—Aqui. —disse ele.

Abriu uma porta e se afastou para deixá-la passar. Ela entrou em busca de Maddox, mas não tinha ninguém ali. Ela viu um baú antigo, um tapete de pele, uma cama de dossel, mas não Maddox. Ela deu a volta cheia de confusão.

—Onde está ele? – Ela tinha que chegar até ele. Não importava o que ele tinha feito para ela ou como ele se sentia a respeito dela.

Ele não devia ter que sofrer assim.

—Não se preocupe por Maddox. Sabe que amanhã estará bem. Se preocupe por si mesma. Iam levar você a cidade, e eu não podia permitir, Maddox nos teria matado a todos em nossa cama. Assim, por minha vida e pela sua, se cale. Não têm muito tempo para te buscar, assim se comporte e sobreviverá.

Dito aquilo, fechou a porta. Depois Ashlyn ouviu um suave clique e compreendeu que tinha passado a chave.

O medo e a incerteza se apropriaram dela. Não sabia se Torin tinha dito a verdade ou não, mas não se importava. Tinha que chegar junto a Maddox. Outro de seus gritos atravessou o ar, e como se tivesse atravessado as paredes, a envolveu.

Lhe encheram os olhos de lágrimas e correu para a porta para girar o trinco com as mãos trêmulas. Não se moveu. Demônios! Se manteria quieta, mas não ia ficar naquela sala.

Deu a volta para olhar o lugar com os olhos de um ladrão. O pó cobria tudo, como se o quarto tivesse sido esquecido durante anos. Não tinha enfeites nem lembranças sobre os escassos móveis, nada que pudesse usar para romper a fechadura.

Então se aproximou da janela e abriu as cortinas. Viu as montanhas, brancas e majestosas. Tinha um balcão que dava para... olhou e ofegou. Abaixo, abaixo, abaixo. «Só se você cair». Felizmente, a janela se abriu com facilidade. Ignorando a rajada de ar gelado que a açoitou, olhou para a direita e depois para a esquerda. Um pouco mais à frente tinha outro balcão.

Maddox deu um grito lancinante.

Com as palmas das mãos suarentas, Ashlyn correu para a cama com uma idéia. Uma idéia perigosa e estúpida.

—A única idéia. —murmurou, e abriu as mantas da cama de um puxão.

O pó lhe encheu o nariz e a boca, e Ashlyn tossiu, mas não se deteve. Atou um extremo do lençol com um extremo da colcha.

—Vi isso nos filmes. Dará certo.

Possivelmente. Os atores tinham redes e dublês. Ela não tinha nenhuma das duas coisas.

Outro grito.

Seu estômago se encolheu e voltou para a janela. Saiu ao balcão sem vacilar, e inalou bruscamente. A pedra do chão estava gelada e ela estava descalça. O vento era cortante.

Com dedos trêmulas e a respiração gelada, atou um dos extremos da improvisada corda ao corrimão do balcão com um nó duplo. Depois fez um terceiro. Deu um forte puxão.

Resistiu.

Mas suportaria seu peso? Depois de tudo o que tinha vomitado antes, devia pesar menos, assim que isso era um ponto a seu favor.

Tremendo violentamente pelo frio e o nervosismo, passou por cima das barras de metal. O óxido lhe deixou manchas na roupa. Manteve a vista centrada.

—Não tem que se preocupar com nada. Não há uma queda de dez mil metros.

Desceu pelo lençol. Ouviu um rangido. Um estalo. Quase parou o seu coração.

—Maddox necessita de você. Possivelmente inclusive a queira. Ou possivelmente pense que é uma mentirosa e uma assassina malvada, talvez nem sequer goste e só queria seduzir você para surrupiar respostas, mas de todo modo não merece o que estão lhe fazendo. Você é a única deste lugar que pensa assim, então adiante. É sua única esperança.

«Deus. Pareço a princesa de “Guerra nas Estrelas”».

Entretanto, estava desesperada para encher o silêncio que tinha desejado tanto. Do contrário, começaria a pensar em cair e se matar, ou pior ainda, em fracassar.

—Está indo bem. Segue assim.

Perdeu a voz quando se viu pendurada. Lhe formou um nó na garganta.

«Por favor, Deus, não deixe que eu caia. Não deixe que minhas mãos suem mais».

Se inclinou para frente, balançando o lençol... um centímetro. Demônios. Se inclinou para trás e o moveu outro centímetro. Para frente, para trás. Para frente, para trás. Logo, estava se balançando brandamente. Entretanto, o lençol escorregou um pouco, ou possivelmente ela, e Ashlyn gritou.

«Só um pouco mais. Posso fazê-lo».

Tomou velocidade e continuou se balançando. Finalmente, esteve o suficientemente perto para esticar o braço e enganchar os dedos com força em uma das barras do outro balcão.

—Maldição! Ela sussurrou.

Escapou. Novamente não conseguiu se agarrar.

Se concentre, Darrow Ela se estendeu novamente e desta vez, com um grunhido, lançou todo seu corpo para frente e se agarrou com a outra mão à outra das barras com força e soltou o lençol. Então cometeu o engano de olhar para baixo.

A parte inferior de seu corpo pendurava sobre vinte e cinco metros de montanha escarpada.

Não pôde evitar; voltou a gritar.

Durante alguns eternos instantes, tentou enganchar os pés na outra barra, como tinha feito com as mãos, finalmente, conseguiu colocar um joelho em um oco. Seus músculos ardiam do esforço, mas conseguiu subir até o corrimão e saltou ao balcão. Apesar do frio intenso, estava suando. Com dificuldade, conseguiu abrir a janela, e quando entrou em outro dormitório, esteve a ponto de desmaiar de alívio.

O quarto era escura e poeirenta, como o outoa, mas ouvia Maddox gemendo e lutando uma vez mais.

«Por favor, que não seja muito tarde». Estava muito perto, muito perto...

Se aproximou nas pontas dos pés da porta e abriu uma fina fresta. De repente, a voz de Maddox sossegou. Ela cobriu a boca com uma mão para evitar gritar. Houve uns murmúrios...

—.. .não deveríamos ter lhe dito.

—Necessitava tempo para se acalmar. Agora o tem.

—Possivelmente nunca se acalme.

—Não importa. É o que terá que fazer. —uma pausa. Um suspiro.— Estou desejando terminar com isto e tirar a última carga de nossas vidas. Vamos até a garota e nos preparemos.

Tremendo, ela se apertou contra a parede e se escondeu entre as sombras. Ouviu que se fechava uma porta, e depois uns passos ressoaram pelo corredor, se afastando. Ashlyn se pôs em ação. Saiu correndo ao corredor, espionou aos dois homens que torciam uma esquina e abriu a porta do quarto de Maddox.

Esteve a ponto de vomitar.

Ele estava deitado na cama, em meio de um atoleiro de sangue. Tinha o peito nu, e Ashlyn viu seis feridas abertas ali onde tinha penetrado a espada. Distinguia o interior de seu corpo. Oh, Deus. Cobriu a boca com as mãos.

Quase em transe, caminhou para ele. «Outra vez não», pensou. « Outra vez não!». Aquela brutalidade era incrível.

«Por que seguiam lhe fazendo isso aqueles desgraçados?» Ele era um demônio, eles eram demônios, mas essa não era razão suficiente.

—Não há razão para isto. —soluçou. Era cruel, desumano, como eles.

Lentamente, passou a mão pela testa de Maddox. Tinha os olhos fechados e a rosto manchado de sangue, salpicado em um padrão aleatório. Não, não é aleatório, Ashlyn notou. Parecia ver um padrão de uma borboleta, todos os angulos e curvas acentuadas. Tinha sangue inclusive nos tornozelos e nos pulsos, onde as argolas o prendiam.

Ashlyn caiu de joelhos entre soluços, a seu lado.

— Maddox —suspirou entrecortadamente. — Estou aqui. Não o deixarei.

Procurou a seu redor uma chave para o soltar mas não a encontrou.

Pegou a mão sem vida. Ele era imortal. Tinha sobrevivido a aquilo uma vez.

Voltaria a fazê-lo?

 

As chamas o devoravam. O queimavam como um ácido. O fundiam, o destruíam pouco a pouco. O ar era pesado, negro e espesso. Seu corpo se desintegrava com uma grande dor.

—Maddox...

Ouviu aquela voz familiar, doce, e deixou de se retorcer. De repente, esqueceu o calor.

„ŸAshlyn?

Olhou a seu redor no inferno ao que tinha voltado, mas só viu fogo, e só ouviu gemidos e lamentos. Ashlyn tinha morrido? A tinham enviado ali também para que sofresse? Isso só podia significar que Reyes e Lucien a tinham matado.

— Canalhas! —uivou Maddox.

A tinham matado, e ele mataria a eles. «Com prazer», rugiu o espírito.

—Estou aqui. —disse ela— Não o deixarei.

Um soluço.

—Ashlyn. —gritou ele.

Negociaria com aqueles novos deuses, tão cruéis. A tiraria dali custasse o que custasse. Ele mesmo permaneceria nos infernos por toda a eternidade para a liberar.

—Não o deixarei. Estarei aqui quando despertar. Se acordar. Oh, Deus.

Ele franziu o cenho, confuso, antes de se derreter uma vez mais. A voz do Ashlyn não era um eco no inferno. Era um eco em sua mente. Entretanto, aquilo não tinha sentido, não era possível.

—Como podem ter feito isto com você? Como?

Estava ela...com seu corpo? Sim. Sim, estava com ele. Maddox quase sentia como lhe agarrava a mão, quase sentia suas lágrimas cálidas no peito aberto. Quase podia cheirar seu doce aroma de mel.

Enquanto sua carne carbonizada se desfazia e tomava forma uma e outra vez, lhe sussurrava, o consolava.

—Acorde outra vez, Maddox. Acorde, faça-o por mim. Tem muitas coisas que me explicar, e não o deixarei partir até que tenha me dito a verdade.

Ele queria obedecer e lutou por escapar da fossa profunda em que estava. Fez todo o possível por projetar de novo seu corpo para seu espírito. Queria vê-la, abraçá-la, protegê-la. Entretanto, o fogo o tinha preso, retido. Apertou os dentes, se retorceu e lutou sem cessar. Lutaria toda a noite, se fosse preciso. Lutaria até que Lucien fosse por ele.

Voltaria para Ashlyn.

Seu vínculo era tão forte, tão profundo, tão arraigado, que não podia se negar nem se ignorar. Em um espaço tão curto de tempo, ela tinha se transformado no centro de seu universo. Na única razão de sua existência. Era como se lhe pertencesse. Como se tivesse nascido só para ele.

E uma vez que a tinha encontrado, nada se interporia entre eles.

—Ficarei aqui toda a noite. —repetiu ela—Não vou deixar que vá.

Maddox estava sorrindo quando as chamas o consumiram outra vez.

 

Tinha chegado o momento da guerra.

Aeron estava contente. Precisava lutar, assassinar. Possivelmente se mutilava uns quantos Caçadores, deixaria de imaginar sua faca rasgando o pescoço de Danika, seguido rapidamente do de sua irmã, sua mãe e sua avó.

Não tinha dito aos outros, mas sua necessidade de matar já não era um leve movimento em seu interior estava começando a tingir todos os seus pensamentos e a deixá-lo louco. Os deuses não tinham exagerado. A besta que levava dentro estava ansiosa por cumprir a ordem que lhe tinham dado.

Sua ânsia se incrementava com cada hora que passava.

Aeron sabia que cada vez seria maior. Cresceria, cresceria e cresceria até que ele destruísse aquelas quatro mulheres inocentes.

Apertou a mandíbula. Com sorte, possivelmente pudesse saciar sua sede de sangue, embora só fosse durante um momento. «Sou um monstro, sou tão mau como o espírito que me possui». Se os guerreiros não encontravam um modo de salvar aquelas mulheres, Aeron teria que se despedir dos últimos vestígios de si mesmo. Sou um demônio.

« Acaso não o é já?».

—Acha que a mulher de Maddox está aí fora? —perguntou Paris, interrompendo seus negros pensamentos.

—Pode ser —respondeu.

Não tinham podido encontrá-la e tinham abandonado sua busca pelo castelo. Iriam à cidade, de todo o modo. Ele estava furioso pelo fato de que uma isca estivesse livre por aí.

Lucien tinha ido primeiro ao cemitério, mas não tinha encontrado nada suspeito. Entretanto, tinha enviado Torin de volta para que esperasse e vigiasse com uns quantos de seus brinquedos. Ele tinha protestado mas no final tinha concordado. Ao menos, os habitantes do cemitério já estavam mortos, assim Enfermidade era inofensiva.

Naquele momento, Aeron e outros avançavam rapidamente pelas ruas empedradas da cidade. Sem Ashlyn, teriam que atrair os Caçadores de outro modo. Tinham decidido agir eles mesmos como isca.

Embora tenha passado da meia noite, as ruas se encontravam muito animadas. As pessoas estavam sentada nos terraços e passeando pela rua. Os edifícios que flanqueavam as ruas eram uma sinfonia de curvas e picos. De vez em quando passava algum carro.

Os humanos se afastavam sobressaltados do caminho dos imortais. As pessoas sussurravam e especulavam.

«Os anjos desceram da montanha... Acredito que vou procurar a esses homens que perguntavam por você no Clube Destiny...».

—Uns homens perguntaram por nós? —disse Aeron. Enquanto falava, uma mulher cruzava para saudá-los. Ficou gelada ao ver Paris.

—Um beijo.—lhe pediu.

—Sempre. —disse Paris, e com um sorriso inclinou a cabeça para agradá-la.

Aeron ladrou:

—Mais tarde. Nos leve a esse ditoso Clube Destiny.

Se Promiscuidade começava a beijar, não poderia parar até que a roupa tivesse sumido e gritos de paixão soando.

—Da próxima vez —disse Paris à mulher em tom lastimoso, e seguiu caminhando para a discoteca.

—Promete isso? —pediu a mulher.

Entretanto, o olhar de luxúria se apagou de seus olhos quando Lucien passou a seu lado com seu rosto cheio de cicatrizes.

Alguns minutos mais tarde, os guerreiros tinham entrado no clube e estavam inspecionando a cena. Havia muitos humanos dançando ao som de um ritmo rápido, enlouquecedor, sob luzes multicoloridas que piscavam. Quem os via, ficava impressionado, a maioria se afastava.

Aeron sentiu algo. Um ligeiro zumbido de poder, possivelmente. Franziu o cenho.

—Os vê? —perguntou Reyes. Sua postura era tensa. Dor parecia mais na borda hoje do que nunca. Suas mãos estava inchadas, como se tivesse imitado Maddox e arruinado um quarto inteiro.

—Ainda não, mas sei que estão aqui. – Aeron apontou a lamina escondida a seu lado. – “Onde estão? Quem são?”

—Claro, isto é o céu. Olhe que preciosidades há por aqui. —comentou Paris, com a voz rouca pela excitação.

— Mantenha a mente fora de suas calças. —lhe espetou Reyes.

Oxalá, para Aeron, aquela fosse sua única preocupação, necessitar de sexo. As mulheres humanas o olhavam com terror, como a loira que tinha ameaçado explodir como uma bomba diante do pensamento de ser tocada por ele. E ele estava contente por isso. Deviam temê-lo. Ele não quereria fazê-lo, mas as comeria e as cuspiria em uma só dentada.

—Cinco minutos. —disse Paris, com a voz carregada de prazer— É o só o que necessito.

—Mais tarde.

—Agora.

—Acaso é um menino? Seu penis não é um brinquedo, então pare de brincar com ele uma maldita noite.

—Por todos os deuses. —disse Lucien de repente, e assinalou para o centro do clube com um movimento brusco da cabeça.— Olhem.

Todos os olhares dos guerreiros se dirigiram para um grupo que estava no fundo do local, os observando.

Aeron inspirou profundamente e levou a mão a uma de suas facas. Parecia que as surpresas não tinham terminado.

—Sabin. —disse.

Não acreditava que voltasse a ver jamais Duvida. Aquele homem, a quem tinha considerado um amigo, tinha estado a ponto de matá-lo.

—O que faz aqui? E por que agora? —assim que teve formulada as perguntas, soube a resposta. — Ainda seguem lutando com os Caçadores. Provavelmente foi ele quem os trouxe até nossa porta.

—Só há uma maneira de averiguar. —disse Lucien. Entretanto, nenhum deles se moveu.

Aeron se deu conta de que seus pés tinham se tornado de chumbo. As lembranças daquela noite negra e trágica invadiram sua mente.

 

—Temos que matá-los. —tinha gritado Sabin— Olhe o que fizeram a Baden!

—Já matamos o suficiente. —tinha respondido Lucien, com seu tom de voz calmo.

         — Infligimos a suas famílias muito mais dor que eles a nós.

A rosto de Sabin se congestionou de raiva fria.

—Será que Baden não significava nada para você?

—Eu o queria tanto como você, mas seguir com a destruição não vai nos devolvê-lo —tinha respondido Aeron. Depois tinha dado a volta, porque era incapaz de suportar a dor dos olhos de Sabin, que era um reflexo da dor que ele mesmo sentia.

— Eu não posso continuar, porque meu coração se volta mais negro cada dia que passa. Necessito de paz. Um refúgio.

—Eu preferiria morrer que deixar com vida a um só Caçador.

—Matamos o homem que decapitou Baden. É suficiente.

—Suficiente? Eu tive o corpo sem vida de Baden em meus braços; seu sangue me manchou a alma. E você quer que os deixe? É pior que os Caçadores.

Sabin o tinha atacado e lhe tinha afundado uma faca no pescoço antes que ele pudesse se dar conta.

Possivelmente tivesse podido perdoar uma luta limpa, mas um ataque pelas costas? Não.

Depois de vencê-lo, Aeron só queria partir. Partir da Grécia, se afastar da guerra e das lembranças dolorosas. Entretanto, Sabin e uns poucos mais ainda queriam sangue.

Então os Senhores se dividiram irrevogavelmente.

 

Aeron observou naquele momento aqueles guerreiros que conhecia mas não conhecia. Na aparência eram os mesmos, embora seu traje houvesse mudado com as épocas. Gideon tinha o cabelo azul e um brilho pecaminoso nos olhos, um brilho de predador. A Aeron recordou o brilho dos olhos de Lucien na única vez que seu amigo tinha explodido, quando nada nem ninguém tinha podido contê-lo.

Cameo seguia sendo a mulher mais bela que ele já tinha visto, mas ao olhá-la teve vontade de atravessar seu próprio coração. Strider seguia sendo bonito, embora os anos tivessem endurecido seus traços, Amun já não usava túnica, e sim uma camisa negra e calça jeans.

Onde estava Kane? Acaso os Caçadores também o tinham assassinado?

Sabin e os outros começaram a se aproximar lentamente. Aeron os observou com suma atenção até que ambos os grupos se encontraram no meio da pista de dança; os humanos se afastaram rapidamente de seu caminho.

—O que estão fazendo aqui? —perguntou Lucien. Aeron se deu conta de que falava em inglês, provavelmente, para que não os entendessem.

—Eu poderia perguntar o mesmo. —respondeu Sabin.

—Veio apunhalar a alguém mais pelas costas, Dúvida? —perguntou Aeron.

Sabin arqueou uma sobrancelha.

—Já se passaram alguns milhares de anos, Ira. Não ouviu falar de algo chamado perdão?

—Isso é engraçado ouvir isso, vindo de você.

O guerreiro sacudiu a cabeça.

—Não viemos até aqui para lutar com vocês. Viemos enfrentar os Caçadores. Estão aqui, se por acaso não saibam.

Aeron soprou.

—Já nos inteiramos. Os atrairam à cidade?

—Não. Eles se inteiraram de onde vivem antes de nós.

—E como?

Sabin deu de ombros.

—Não sei.

„ŸDuvido que tenha vindo até Budapeste só para lutar. Teria ficado na Grecia para isso. —disse Lucien, com um pequeno toque afiado no seu tom.

„ŸMuito bem. Querem saber a verdade? —interveio Strider, que estendeu as mãos para demonstrar que não se armou. — Necessitamos de sua ajuda.

—Demônios, não —respondeu Paris, negando com a cabeça. — Nem sequer precisamos ouvir o motivo, nem o como, porque nossa resposta não vai mudar.

«Não pensará que pode vencer a estes tipos, não é?». Uma estranha dúvida invadiu a mente de Aeron, cravando as garras em seus pensamentos.

—Não somos os mesmos guerreiros de antes —disse Cameo, atraindo a atenção de todos com seus tristes olhos. — Ao menos, nos escutem.

Todo mundo se encolheu. Falava como se toda a dor do mundo descansasse sobre seus delicados ombros. Provavelmente fosse assim. Ao ouvi-la, Aeron teve vontade de voltar a chorar como uma criança.

—Necessitamos de sua ajuda —disse Sabin. — Estamos procurando DimOuniak. A caixa de Pandora. Sabem onde está?

—Quer a caixa depois de todos estes anos? — perguntou Lucien, confuso. — Por que?

«Se enfrentar a eles, poderia morrer. Por que não lhes dá o que desejam e volta para sua vida?».

Aeron apertou os punhos. Ele era forte e poderoso. Não tinha nenhuma razão para duvidar tanto. Duvidar...

Com um grunhido de raiva, recordou a habilidade de seu antigo amigo.

—Sai de minha cabeça, Sabin.

—Sinto muito. —disse o guerreiro com um sorriso débil. —É o costume.

—Então foi você que tentou que fôssemos ao cemitério desarmados. Pensei que não quisesse lutar conosco.

O sorriso de Sabin se fez tímido.

—Não estava certo do recebimento que nos dariam. Já que fracassei em meu intento de os atrair para lá, Kane vai passar uma noite muito aborrecida com os mortos. Que estão fazendo aqui, a propósito? Acaso também ouviram dizer que os Caçadores iriam vir?

—Enviamos Torin ao cemitério, assim Kane não vai se aborrecer. —disse Lucien, olhando a seu redor. — E sim, viemos em busca dos Caçadores, embora não veja nenhum.

—Enfermidade está com Kane?

Sabin franziu o cenho e tirou uma caixa negra do bolso. Enquanto o fazia, Reyes lhe pôs uma faca na garganta, pensando que ia puxar uma arma. Quando Reyes se deu conta de que era um transmissor portátil, baixou a faca.

Com cara de poucos amigos, Sabin levou o rádio à boca e disse:

—Kane, não ataque. Fogo amigo.

—Compreendido.

Sabin meteu o transmissor no bolso.

—Então estamos de bem agora?

—Nem em sonho. —respondeu Aeron.

Strider se sacudiu com aborrecimento, e fixou seu olhar virulento ao redor. Algumas pessoas tinham voltado a dançar de novo, sentindo os efeitos do álcool e a luxúria enquanto se esfregavam uns com os outros.

—Sabem dos Titãs?

Lucien olhou a Aeron antes de responder.

—Sim.

Cameo mordeu o lábio.

—Têm idéia do que querem de nós?

Deuses, Aeron desejava que a mulher antivesse a boca fechada.

—Não —respondeu, para evitar que alguém respondesse por ele. Não queria que soubessem o que lhe tinham ordenado.

—Olhem, velhos amigos, sei que nos odeiam —disse Sabin. — E que queremos coisas diferentes. Mas há algo que temos em comum, e é a vontades de viver. Faz um mês, soubemos que os Caçadores estão procurando a caixa de Pandora. Se a encontrarem, corremos o perigo de que suguem para dentro os nossos demônios. Isso significa que estamos em perigo de morte.

—Como sabe que a caixa não foi destruída? — perguntou Reyes.

—Não sei, mas não quero me arriscar a que esteja intacta.

Durante todos aqueles anos, Aeron não tinha pensado na caixa. Seu demônio tinha estado dentro, e já não o estava, e ele tinha aceitado as conseqüências de seus atos. Fim da história.

Naquele momento voltou a recordar a fatídica noite em que seu demônio foi liberado. Ele tinha ajudado a conter os guardas de Pandora enquanto Lucien abria a caixa. Os demônios tinham surgido do interior imparavelmente, e tinham devorado a carne dos guardas.

O aroma da morte e o sangue impregnou o ar. Os gritos invadiram a sala. Algo tinha apertado a garganta de Aeron – seu demonio, ele sabia agora -  e o impedia de respirar. Tinha caído de joelhos e se arrastou por toda a sala em busca da caixa, desesperado por encontrá-la, mas a caixa se desvaneceu.

Lucien passou uma mão pelo cabelo.

—Não sabemos onde está. De acordo?

De repente, uma mulher se equilibrou sobre Paris e começou a lhe lamber o pescoço. Paris fechou os olhos, e Reyes sacudiu a cabeça.

—Deveríamos falar em outro lugar.

—Vamos a seu castelo. —sugeriu Sabin. „ŸPossivelmente entre todos recordemos alguma coisa de como desapareceu.

—Não. —disseram Aeron e Reyes em uníssono.

—Eu posso ficar toda a noite aqui alegremente. —disse Gideon com evidente irritação.

—A seu castelo? —insistiu Sabin. — Eu estou disposto a ir quando quiserem.

—Não —repetiu Aeron de novo.

—Muito bem. Ficaremos aqui. Me dêem um momento para que envie todo mundo para casa.

Sabin fechou os olhos, e sua expressão se fez muito intensa. Aeron o observou atentamente, agarrando o punho de sua adaga, sem saber o que podia esperar. A música cessou de repente. As pessoas deixaram de dançar. A incerteza se refletiu em seus rostos e começaram a murmurar e a caminhar para a porta. Em questão de minutos, todo o edifício estava vazio.

Sabin relaxou os ombros e exalou um longo suspiro. Abriu os olhos.

—Já estamos sozinhos.

Amun, que não tinha dito nenhuma só palavra, inclinou a cabeça e olhou para Aeron de cima abaixo. Seus olhos eram como um raio laser. O rosto de Amun era indecifrável, e Aeron se sentiu incerto. Aquele guerreiro estava possuído com o Segredo; poderia adivinhar o que Aeron guardava no mais profundo de sua alma?

De repente, o olhar de Amun se cravou no seu, e Aeron percebeu tristeza em seus olhos. Sim. Tinha adivinhado.

Sabin inspirou profundamente, se enchendo de paciência.

—Por que não fazemos um trato? Nos encarregaremos dos Caçadores que invadiram sua cidade se vocês nos ajudarem a encontrar a caixa. É um trato justo. Nós lutamos durante muito tempo com eles e sabemos como nos defender.

—Eu encontrei um antes e o interroguei —disse Strider. — Assim soubemos que iam vir a esta discoteca, embora ainda não tenhamos visto nenhum.

Aeron percebeu um movimento nas sombras do fundo da sala e franziu o cenho.

—Ficou alguém.

Todo mundo ficou rígido.

Então, Aeron viu a silhueta de quatro humanos. Eram homens musculosos.

—Caçadores. —grunhiu— Te parecem suficientes quatro?

Embora tenham matado a Baden, Aeron tinha estado disposto a deixá-los em paz. Ele tinha causado muita dor a eles séculos atrás, depois de tudo. Mas eles tinham voltado. Começariam uma nova guerra se tivessem oportunidade.

Ao se dar conta de que os tinham visto, um dos humanos se adiantou.

Era um mortal jovem, e sorria. Esfregou o pulso direito com o polegar esquerdo, e sob as luzes da discoteca, Aeron distinguiu o símbolo do infinito.

—Quem teria pensado que encontraríamos todo o mal do mundo junto na mesma sala? —disse o homem. Tinha uma pequena caixa negra na mão .— Será que estamos no Natal?

Vários dos guerreiros grunhiram. Alguns tiraram armas, outros adagas. Todos estavam preparados para a batalha. Aeron não esperou. Se deu conta de que não podia, não queria. Estava ansioso por agir. Ira já tinha julgado aquele homem e o tinha declarado culpado do crime de matar inocentes em sua missão de matar Senhores.

Aeron lançou suas adagas, e ambas se afundaram até o punho no peito do homem.

Seus olhos se arregalaram e aquele sorriso de dentes brancos se congelou na rosto dele. Ele não morreu imediatamente, como seria se isso fosse um dos filmes de Paris. Caiu de joelhos, ofegando, sofrendo. Ainda viveria durante uns minutos, mas já ninguém poderia salvá-lo.

—Suplicarão a morte quando tivermos terminado com vocês —ofegou.

— Queime no inferno, demônio! —gritou outro dos mortais, e lhe jogou uma adaga.

Outro dos Caçadores disparou uma pistola enquanto a lâmina da adaga afundava no peito de Aeron. Aeron franziu o cenho. Olhou o punho. Seu coração continuava bombeando sangue, se abrindo a cada pulsado. Ai. Esses Caçadores tinham bons reflexos. Deveria recordar isso.

Lucien e outros se adiantaram.

O Caçador não se retirou.

—Espero que desfrutem do fogo —gritou. Pegou a caixa negra das mãos de seu amigo morto e bum!

Uma tremenda explosão fez cambalear todo o edifício e fez voar pelos ares a pedra e o metal. Aeron saiu disparado como se fosse um saco de plumas. «Vencido por humanos. Incrível». Foi o único pensamento que teve antes de que todo seu mundo se fundisse em negro.

 

Maddox despertou sobressaltado e se deu conta de que estava em seu quarto. Morto em um instante, e no seguinte, completamente consciente. Ashlyn estava adormecida sobre seu ombro, e seu corpo flexível estava aconchegado junto ao dele.

Se olhou. Ela devia tê-lo limpado e devia ter trocado os lençóis apesar das algemas, porque o sangue tinha desaparecido. De novo tinha crostas que se estendiam pelo estômago e pelas costelas.

O cabelo de cor mel de Ashlyn fazia cócegas em seu queixo. Suas exalações cálidas sopravam sua pele. Estava viva, e estava ali com ele. Maddox nunca teria imaginado: diretamente do inferno ao céu.

Normalmente, pelas manhãs tinha a necessidade de destruir algo. De lutar. De esquecer as chamas e a dor  de ser abandonando à escuridão do espírito. Naquele momento, entretanto, não queria nada disso.

Sentia-se...- ousava acreditar nisso? - em paz.

Ashlyn estava tão placidamente adormecida que ele não quis despertá-la. Bom, não tão placidamente. Tinha restos de lágrimas nas rosto e, nos lábios inchados, indicação de tê-los mordido com ansiedade, repetidamente.

Ele queria lhe acariciar o rosto com um dedo, mas não podia. Malditas algemas.

—Ashlyn, preciosa. Acorde.

Ela emitiu um suave gemido.

A luz do sol a acariciava tal e como ele desejava fazer, e banhava sua pele de uma maneira deliciosa. Ainda tinha as pestanas úmidas pelas lágrimas, como fios de algodão cheios de orvalho.

Tinha chorado ao vê-lo sofrer. Quando tinha chorado alguém por ele?

—Ashlyn.

Ela gemeu de novo.

Maddox inclinou a cabeça e lhe beijou o nariz. Como sempre, sentiu uma faísca. Ela deve ter sentido também, porque murmurou seu nome e se levantou. A coberta caiu até sua cintura, revelando a grande camiseta que ela usava. Sua camiseta. Ele gostava dela em sua roupa, gostava de vê-la coberta pelo material que o cobriu antes. Cachos sobre cachos de seus cabelos cairam por suas costas.

Quando seu olhar pousou sobre ele, ela lançou um soluço tremulo e se jogou em seus braços abertos.

— Está vivo. —disse— Voltou de entre os mortos outra vez.

—Me solte, preciosa.

—Não tenho a chave.

—Está sob o colchão.

Lucien tinha deixado de levá-la com ele anos atrás, depois que Maddox conseguiu lhe arrancar do pescoço em uma ocasião.

—Por que não a levaram com eles?

—Torin me escondeu. Oh. - Ashlyn se apressou a rebuscar a chave e a encontrou. Soltou Maddox e voltou para deitar a seu lado.

O aroma dela fez que ele se esquecesse de perguntar por que Torin tinha feito algo semelhante.

„ŸMe alegro muito de que tenha voltado para mim.

Lhe rodeou a cintura com um braço e acariciou suas costas com delicadeza, de maneira calmante. Suas articulações protestaram, mas ele não a deteve.

—Voltei. Sempre volto.

—Não entendo. —disse ela com um suspiro. Todo seu corpo tremeu. — Por que fazem isto com você?

—É outra maldição —respondeu Maddox com a voz quebrada pela emoção. — Matei a uma mulher, e agora devo morrer como ela morreu. - Não desejava que Ashlyn soubesse o que tinha feito, mas não era justo mantê-la na ignorância quando lhe tinha revelado seus segredos.

Ashlyn o abraçou com força.

—Quem era? Por que a matou?

—A mulher da qual te falei. A caçadora, aquela que foi escolhida para desempenhar a tarefa que eu queria para mim. Pandora.

Ela abriu os olhos de par em par.

—Aquela Pandora?

—Sim.

—Essa é a caixa que abriu? Deus Santo, não sei como não tinha relacionado tudo isto antes. Por que os deuses não devolveram aos demônios diretamente à caixa?

—Para nos castigar. Mas mais que isso, porque a caixa desapareceu, e não há maneira de recriá-la.

—E por que matou a...?

—Meu demônio se apoderou de mim, e... —de novo, Maddox ouviu o tortura em sua própria voz, e se perguntou o que pensaria Ashlyn. — Perdi o controle. Me converti completamente em Violência, e minha espada fez um mal irreparável em Pandora. Após tudo, me arrependi daquilo, me acredite.

—Mas não se pode matar a um imortal. Você é prova disso, não é assim?

—A maioria, sim, podem ser assassinados. Não é fácil mas é possível.

—Bom, todo mundo comete enganos, e você já pagou por eles —afirmou Ashlyn, e o deixou muito surpreso. Sentiu uma deliciosa calidez.

—Quase desejaria que tivesse matado também aos deuses que o amaldiçoaram, porque são imundos, asquerosos...

Ele se encolheu e tampou a boca dela com a mão para sossegar suas palavras.

—Não queria dizer isso. —corrigiu ele, olhando ao teto. — Eu cumprirei qualquer castigo para ela como se fosse meu.

Não os fulminou nenhum raio. A Terra não retumbou. As lagostas não vieram em enxame para lhes comer a carne do corpo. Maddox relaxou lentamente.

—Não amaldiçoe nunca aos deuses. Ouvem tudo. Por desgraça.

A contra gosto, Ashlyn assentiu, e ele tirou a mão.

—Não sou uma isca. —disse ela, então.

—Sei que não é.

—De verdade? —perguntou Ashlyn esperançosamente.

„Ÿ De verdade.

Ela sorriu.

—E o que o convenceu?

—Você. Você doçura, sua habilidade. Sua virgindade.

—Então me desejava? —perguntou com insegurança.— Não porque queria respostas de mim, mas sim porque...

—Porque me faz arder.

A felicidade arrancou faíscas dos olhos dela. Ashlyn se aconchegou mais a seu lado.

„Ÿ Me alegro de que o Instituto tenha me trazido para Budapeste.

O corpo de Maddox tinha começado a despertar, a se preparar, a desejar mais. Até que ela, mencionou o Instituto. Então, Violência rugiu.

—Não vai voltar com eles.

—Você e suas exigências —disse ela, que não se deu conta do súbito ataque de Maddox. E continuou alegremente.—Sabe? Ouvi algumas conversações sobre Pandora aqui e lá. Tinha contado a você que o Instituto está sempre interessado em encontrar relíquias sobrenaturais que se mencionaram ao longo da História nos mitos e as lendas?

Ele ficou tenso.

—Vai me contar o que ouviu sobre a caixa?

—Vejamos... Ouvi que a caixa está escondida, mas não sei onde. Supostamente, Argos a está custodiando, e nem sequer os próprios deuses podem recuperá-la.

Maddox assimilou aquelas notícias com assombro. Argos era uma besta enorme que tinha mais de cem olhos, e podia ver tudo o que ocorria em todo momento. A lenda dizia que Hermes tinha acabado com ele, mas freqüentemente, as lendas eram mentiras que os deuses contavam aos mortais.

— Também ouvi outra versão —continuou Ashlyn. — Diz que a caixa está custodiada por Hidra, não por Argos. Entretanto, há um denominador comum para ambas.

—Qual é?

—Se a caixa aparecer alguma vez, os demônios se verão trancados em seu interior novamente. Isso é bom, não? Ele sacudiu a cabeça.

—Possivelmente sim para o mundo, mas sem o demônio, eu morreria.

—E como sabe? Talvez...

—Sei. —disse ele com rotundidade, e ficou pensando no que ela tinha dito.

Hidra. Uma serpente venenosa com múltiplas cabeças. Se aquilo fosse certo, a caixa estava no fundo de algum oceano. Entretanto, qual das duas histórias tinha que acreditar? Se o resto do que tinha contado Ashlyn fosse verdadeiro, que os demônios voltariam para a caixa quando esta fosse achada...

—Poderia... não sei, fazer uma busca mais minuciosa da caixa. Fazer com que seja minha prioridade.

— Não!

Isso implicaria que ela teria que sair do castelo, e estaria em perigo.

—Sei que te disse que me contasse isso tudo, mas agora devemos escolher um tema menos conflitivo. - Violência estava aguilhoando sua mente; a cada palavra que ouvia se agitava mais. Embora Maddox acreditasse que o demônio não queria machucar Ashlyn, não estava disposto a comprovar se era certo. Preferia falar de flores e de raios de lua para manter aquela deliciosa paz interior.

—E há algum modo de acabar com sua maldição? —perguntou Ashlyn.

Não era possível falar das flores.

—Não. Não há maneira.

—Mas...

—Não.

Ele não ia permitir que ela tentasse negociar com os deuses com a esperança de encontrar a forma de salvá-lo. Ele não podia alcançar a salvação. Não valia a pena salvá-lo, além disso. Era mais um monstro que um homem, embora às vezes tentasse se convencer do contrário.

—E é melhor deixar também esse tema.

Ashlyn lhe acariciou o esterno com um dedo, enquanto sua respiração cálida o acariciava.

—Então de que tema podemos falar?

Ele estendeu os dedos por seu traseiro e o apertou.

—Ouviu mais vozes no tempo que esteve lá no quarto?

—Por desgraça, sim. Ouvi o que falaram essas quatro mulheres. Às que, por certo, terá que liberar imediatamente.

—Ficam.

—Por que?

—Isso não posso dizer.

Ela tamborilou os dedos sobre seu torso.

—Pelo menos, me diga o que pensa fazer com elas. São boas. São inocentes. Estão muito assustadas.

—Sei, preciosa, sei.

—Não vai lhes fazer mal? —insistiu Ashlyn.

—Não. Eu não.

Ela apoiou a palma da mão justo em cima de seu coração.

—Isso significa que outra pessoa, sim, vai lhes fazer mal?

—Farei tudo o que esteja em minha mão para evitar que isso aconteça. De acordo?

Ashlyn apertou os lábios contra seu pescoço e lhe lambeu a pele onde pulsava seu sangue.

—De acordo, mas eu também vou fazer tudo o que esteja em minha mão para evitar que isso aconteça.

—Sinto que tenha tido que ouvir suas conversações. Não voltarei a te colocar em uma sala onde tenha havido humanos.

—Desta vez não foi tão mal. E quando estou com você, não ouço nenhuma voz.

—Me pergunto por que. Não é que me queixe, ao contrário, me alegro, mas sinto curiosidade.

—Talvez as vozes tenham medo de você.

Ele esteve a ponto de sorrir.

—Na realidade, me pergunto por que não posso ouvir nenhuma das conversações passadas de seus amigos—continuou Ashlyn. — Sempre pude ouvir outros seres sobrenaturais.

—Possivelmente nós ocupemos um nível mais alto de existência.

Ela sorriu.

—De todo o modo, nos asseguraremos de estar sempre juntos —disse Maddox— e, desse modo, as vozes não voltarão a incomodar você.

Seria todo um prazer para ele.

«E quando estiver morto?». Essa idéia fez que ficasse rígido. Então não teria ninguém quem pudesse protegê-la.

Ao sentir sua ira, ela franziu o cenho.

—O que aconteceu?

—Nada.

Não ia pensar na morte naquele momento. Tinha Ashlyn entre os braços e queria desfrutar dela, desfrutar daquele tempo que tinham para estar juntos.

—Não quero falar mais dessas mulheres, nem de maldições.

—Bem, pois nos restringiu muito os temas de conversação —Ashlyn lhe olhou os lábios, e se estremeceu. — Viajei por todo mundo com o Instituto, mas nunca tinha pensado que conheceria alguém como você.

—Forte?

Ela soltou uma risadinha.

—Sim.

—Bonito?

—É obvio.

—Com uma grande inteligência e muito destro com a espada?

—Exatamente —disse ela com outra gargalhada. — Mas me referia a um homem... a um amigo... Oh, não sei como o chamar!

Ele saboreou seu regozijo, e também suas palavras sérias.

—Me chame seu. É tudo o que quero ser.

Ashlyn ficou calada.

—Me conte algo de sobre você—lhe pediu depois de uns instantes. Ela puxou o rosto do seu abraço e mais uma vez se aconchegou em seu corpo. Ela não tirava as mãos de seus pulsos, mas deslizou para baixo os braços e no pescoço, como se temia deixá-lo ir, até mesmo por um segundo. Ele temia, também. Ele a queria desesperadamente. E a teria, ele jurou, após banho, todos os vestígios de sangue e morte removido. — Algo que nunca tenha contado a ninguém.

Ele poderia ter lhe contado que gostava mais da música clássica que do rock que preferiam seus amigos, mas aquela informação não tinha nada de pessoal, e isso era o que ela desejava. Maddox se deu conta de que queria que ela o conhecesse melhor que ninguém no mundo.

Seu sentimento de paz, de paz verdadeira, se intensificou. E tudo porque ela estava ali, junto a ele. Porque não julgava seus pecados do passado. Porque queria saber coisas de sua pessoa, e porque só ele aliviava sua tortura.

Porque, quando Ashlyn o olhava, não via violência. Maddox suspeitava que via um homem, seu homem. Aquele era um pensamento embriagador. Aditivo. Impressionante. Suficiente para ganhar sua devoção eterna.

—Algumas vezes, durante todos estes anos, desejei ser humano. E ter uma mulher e... —engoliu em seco antes de confessá-lo— E ter filhos.

Nunca o tinha dito a seus amigos porque teriam rido. Ele mesmo deveria rir de algo tão ridículo.

Violência? Perto das crianças?

Ashlyn não riu, não o repreendeu.

—É um belo sonho —lhe disse, com um toque de nostalgia na voz. — Será um pai maravilhoso. Feroz e protetor.

Embora ele soubesse que nunca teria a oportunidade de comprová-lo, sentiu um banho de humildade ao ouvir suas palavras. Começou a desenhar círculos em cada uma de suas vértebras com os dedos.

—Agora me conte seu segredo.

Tremendo, ela tirou o dedo sobre o pico rigido de seu mamilo. Seu penis saltou em resposta, o seu sangue borbulhou. Não mais simplesmente aquecido, mas já um inferno. Ainda assim, ele não ia beijá-la, não ia rolar em cima dela. Por mais que seu corpo doía, agora era hora para falar

—Não aprendi a ler até o ano passado — admitiu ela com vergonha. — Até então, tinha que dar os informes verbalmente em vez de por escrito, e todo mundo sabia por que. Não podia me concentrar o tempo suficiente para decifrar as palavras. As vozes sempre estavam lá, me incomodando. Quando era pequena, meu chefe lia contos de fadas para mim, que eram tão mágicos que quase podia bloquear os suspiros. Então, quis aprender a ler, mas demorei muito para conseguir.

Não lhe importava se sabia ler ou não, mas a ela sim, então, Maddox procurou uma forma de consolá-la.

—O fato de que aprendesse é digno de elogio.

Ashlyn deu a ele outro de seus brilhantes sorrisos.

—Obrigada.

—Eu não aprendi a ler até centenas de anos depois de minha posse, e só o fiz porque não queria que outros soubessem algo que eu não sabia. Vê? Leva vantagem sobre mim.

Ela riu e relaxou.

—Quando aprendi, comprei muitas novelas românticas pela Internet. São contos de fadas para adultos. As mandavam para casa e eu as devorava.

—Pedirei a Paris que te compre algumas na cidade. Uma caixa cheia.

—Isso seria estupendo. Obrigada. —disse ela de novo, e lhe deu de presente outro de seus sorrisos resplandecentes.

Com o peito cheio de emoção, ele a beijou na cabeça.

—Vi algumas novelas românticas —disse. Paris tinha deixado vários exemplares pelo castelo e ele as tinha recolhido, embora não estivesse disposto a admiti-lo. — Se as tivesse lido, provavelmente pensaria que eram „Ÿ sexy, divertidas, ilustrativas, disse a si mesmo. —...interessantes.

Sua gratidão transformou em maldade pura.

—Talvez ... talvez podemos ler um conjunto ou algo assim.

—Eu gostaria disso.

Por muito que a desejasse, para Maddox parecia assombrosamente agradável passar um tempo com ela, falando. Ashlyn lhe contou que tinha passado grande parte de sua infância em um laboratório, sob estudo e observação, submetida a provas que às vezes resultavam dolorosas, o que significava que ele tinha uma lista de cientistas aos quais matar, e que na atualidade passava a maioria do tempo só para escapar do ruído. Nunca tinha formado parte de uma família. Só tinha um homem que a tinha tratado como a algo mais que um animal, e Maddox se sentia em dívida com aquele homem.

Entretanto, também sentia a entristecedora necessidade de apagar aquelas lembranças e substitui-las por outras melhores, mais felizes. Mais que isso: queria vingá-la.

—Você merecia algo melhor —disse, e Violência, finalmente, estirou os braços e bocejou.

—Não me importa como me criei —disse ela. — Sempre estava ouvindo coisas, assim na realidade, a solidão era bem-vinda.

Entretanto, tinha perdido a oportunidade de brincar, de receber carícias e amor. Maddox o percebeu em sua voz: era uma necessidade que não podia esconder.

«Conhece-a tão bem para sabê-lo não?».

«Sim», pensou Maddox. A conhecia. Ele não se deu conta de que tinha uma parte de si mesmo enterrada muito profundamente, tão profundamente que não tinha conhecido sua existência até que ela tinha aparecido em sua vida. E essa parte conhecia Ashlyn do começo.

Era dele. Sua mulher. Seu... tudo.

Acariciou seu braço e notou que tinha um pequeno vulto. Franziu o cenho e olhou para baixo.

—O que é isso?

—Um anticoncepcional. —respondeu ela, e ruborizou. — É um procedimento normal do Instituto. Faz tempo, um duende raivoso violentou uma das empregadas. Ela ficou grávida e a criança... não era normal. Agora, o Instituto nos dá aulas de defesa pessoal e dá oportunidade a todas as empregadas de implantar o anticoncepcional. Violência arqueou as costas e abriu os olhos. Despertou. A idéia de que aquela delicada mulher sofresse uma violação foi horrível para o homem e para o espírito.

—Lhe têm feito mal alguma vez?

—Não.  —disse ela. — Mas sei que se alguma vez as vozes me aturdissem, não poderia me defender.

Violência não relaxou.

—Me conte coisas de sua infância —pediu ela, e com as pontas dos dedos, acariciou seu torso, o bico do peito. Se esfregou contra ele, mas depois se conteve e ficou imóvel.

Maddox sentiu a tensão do desejo. E também sentiu o desejo de Ashlyn. Desde que a tinha conhecido parecia que sabia quando estava excitada. E naquele momento, ela estava muito excitada.

—Não tive infância. Me criaram como homem, como soldado.

—Sinto muito. —murmurou Ashlyn. —Tinha me esquecido.

«A desejo tanto...». Da última vez tinha conseguido reprimir o impulso de possuí-la porque era virgem. Maddox seguia sendo o mesmo homem que no dia anterior: nunca tinha estado com uma mulher virgem, e não estava certo de qual era o melhor modo de fazer as coisas. Entretanto, isso não importava naquele momento. Tinha estado a ponto de perdê-la, tinham estado a ponto de a tirarem dele.

—Quero estar dentro de você.

Não esperaria um momento mais.

Seria tão delicado como pudesse com ela. E se o espírito tentasse se misturar..., diria a Ashlyn que o encadeasse.

—Quero fazer amor com você, Ashlyn.

Ela ficou sem fôlego. Sem se dar conta, moveu os dedos sobre os músculos de seu abdômen. Se deteve junto às cicatrizes, e depois circundou seu umbigo. Se moveu um pouco mais abaixo. Se deteve de novo.

—Realmente?

Queria ela, precisava dela, querer, precisar. Breve ... agora ... Maddox pensou que talvez ela quisesse tocar mais embaixo, tocar seu penis, mas não tinha deslizado até o nervo. Sim, sim. Ele teria sorrido, mas ele e os demônios eram muito codicionados.

Quanto mais ela tocava nele, mais ele - eles – a queria. Seu aroma doce estava em seu nariz, disparando o seu sangue quente a todos os lados. Essa doçura que escorria todo o caminho até seus ossos, acendendo todos os tipos de necessidades

—Oh, sim.

—Eu também o desejo —sussurrou ela com voz trêmula. — Mas...

«Sem mais espera. A desejo, a necessito. Tenho que possui-la». Um senso de ferocidade se abateu sobre ele. «Nossa», disse o espírito. «Minha», corrigiu Maddox.

—Quero estar dentro de você. Não posso esperar mais.

Ela ficou calada e suspirou.

—Necessito que entenda que vou ficar com você. Vai permanecer aqui, comigo, e eu a protegerei. Juntos aprenderemos como expulsar às vozes para sempre.

—M-Maddox... - O que quer que ela quis dizer foi perdida como ela apertou seus lábios juntos

«Sim. Fica»

—Não farei mal a você. —disse ele, mais para si mesmo e para o espírito que para ela.

—Sei que não me fará mal. Mas tenho uma vida e um trabalho.

«Fica»

—Necessito que me prometa que não vai me trancar de novo. Quando seus amigos venham até você,  —disse Ashlyn, e engoliu em seco— para te matar, quero estar com você. Te prometo que não os atacarei, embora queira fazê-lo, mas preciso te segurar pela mão. Não posso suportar que morra sozinho.

Naquele momento, Maddox se apaixonou completa e irrevogavelmente por ela.

«Minha, minha, minha».

Ashlyn era mais importante que respirar, mais necessária que a comida ou a água ou o refúgio. Entre milhares de anos de guerra, violência e raiva, lhe tinha dado bondade. Serenidade. Compaixão. Confiança. Pobres aqueles que tentassem lhe causar mal, inclusive os Senhores do Submundo, inclusive os deuses. Maddox já o tinha pensado antes, mas naquele momento se transformou em um juramento de sangue. Quem tentasse lhe causar mal morreria a seus pés.

Lucien e Reyes não a tinham levado na noite anterior, e isso tinha salvado seus traseiro. Entretanto, pagariam. Violência necessitava algum tipo de vingança para se acalmar, para esquecer.

—Não quero que tenha que presenciar isso. Não estarei sozinho, carinho. Dor e Morte me acompanharão.

—Sim, mas eles não o abraçarão.

Ele conteve o sorriso.

—É minha, mulher, e eu sou seu. Até que a encontrei, minha vida era uma desolação. Existia, mas não vivia. Agora vivo, inclusive na morte.

Aquelas palavras eram o mais próximo a votos matrimoniais que ele jamais pronunciaria, estava certo. Ela seria sempre dele, e sempre lhe pertenceria.

Os olhos âmbar de Ashlyn se encheram de lágrimas.

—Isso é a coisa mais bonita que ouvi em minha vida.

—Apenas quero que pense no que está pedindo —disse Maddox. Se ele tivesse que vê-la morrer uma e outra vez... Seu estômago se revolveu. — O sangue, o horror...

—Sei o que estou pedindo. —o tranqüilizou ela com decisão— E de todo o modo quero ficar com você.

De novo, a necessidade substituiu tudo.

—Vá tomar uma ducha. Paris diz que as mulheres adoram, que as ajuda a relaxar.

Então Maddox se levantou e a levou consigo.

«Por fim, por fim».

Não, ainda não. Logo. Faria que a primeira vez de Ashlyn fosse especial custasse o que custasse.

Ela enredou um cacho ao redor do dedo.

—Vai me acompanhar outra vez?

Maddox teve que se obrigar a negar com a cabeça, e o espírito rugiu.

—Se me banho com você, a possuirei ali mesmo. Completamente.

Ela o olhou de cima abaixo, com tanta paixão que ele sentiu as vibrações de sua força.

—Como disse, sei o que estou pedindo.

Por todos os deuses, como desejava beijá-la. Mas se a beijasse, não pararia até estar dentro dela.

—Antes tenho que fazer algo.

—E logo...

Ashlyn não terminou a frase, mas não era necessário que o fizesse.

—Logo —lhe prometeu ele. Oh, sim. Logo.

Lentamente, o espírito sorriu. Pela segunda vez em dois dias, homem e demônio estavam de acordo.

 

Ashlyn entrou na banheira, se perguntando o que teria que fazer Maddox. A água estava quente e tinha um efeito relaxante. Limpou os restos da experiência daquela noite. Não a lembrança odiosa de abraçar o corpo morto de seu amante, a não ser os efeitos físicos. A fadiga, a sensação de desesperança quase debilitante, a raiva pelo que tinham feito ao homem que estava começando a amar.

O homem que estava começando a querer a ela também.

Possivelmente aquele sentimento lhes tivesse chegado rapidamente, mas era maravilhoso. Ela desejava estar com Maddox, com todas as suas forças. Queria abraçá-lo e acariciá-lo, dar e receber prazer. Desfrutar do que sentia. Ele já não achava que fosse uma isca, e queria que ficasse a seu lado para sempre. Ashlyn sorriu de felicidade.

«Como vou terminar com a maldição que o condena a morrer cada noite?».

Aquele pensamento abriu passo em sua mente, deslocando todos os outros. O sorriso se apagou de seus lábios. Tinha que ter algo que ela pudesse fazer para o liberar de uma eternidade de morte, de ressurreição e de nova morte. Ninguém merecia uma tortura assim.

Ashlyn apoiou a testa contra o azulejo molhado. Certamente, em algum lugar do mundo, em algum momento, um humano tinha falado sobre os deuses e sobre como desfazer seus malefícios estúpidos, injustos. O mais provável era que ela tivesse ouvido algo durante aqueles anos, mas tinha se misturado com as outras vozes.

Ao menos, a partir daquele momento sabia o que tinha que escutar.

Maddox não lhe permitiria sair do castelo para isso, estava segura, assim teria que fazê-lo sem dizer a ele. Além disso, não podia ouvir as vozes quando ele estava a seu lado.

«Até que a encontrei», tinha dito ele, «minha vida era uma desolação. Existia, mas não vivia. Agora vivo, inclusive na morte». Sendo tão protetor como era, Maddox consideraria que o sofrimento que padecia cada noite era um preço pequeno por sua segurança. Ela sabia.

Sairia do castelo de noite, enquanto ele não pudesse fazer nada para detê-la. Voltaria pela manhã.

«Não pense agora nisso. Já terá tempo depois para os joguinhos de espiões». Ia fazer amor com Maddox.

Estremeceu. «No princípio, estava desesperada por ir embora, e agora, estava desesperada por ficar». De algum modo ia ficar em contato com Mclntosh para lhe dizer que estava bem. Entretanto, não naquele momento. Depois. Depois de experimentar o ato mais íntimo e de saber como era estar unida a outra pessoa.

Era egoísta de sua parte, sim, mas não poderia ter se detido por nenhum motivo.

Sem dúvida, Maddox iria terminar o que começaram antes. O firme aperto dos seus músculos, segurando-a sobre a cama havia prometido tanto. E o olhar transparente - quente - que tinha lhe dado antes de deixar o quarto tinha apenas solidificado o conhecimento.

Nunca mais que ela iria se preocupar se ele ia abandoná-la depois, como tantos homens tinham feito a muitas mulheres ao longo dos séculos. Maddox era intenso e apaixonado e diferente. Ele não precisava mentir ou emitir falsas promessas para conseguir o que queria. Ele só tinha de pegar.

No entanto, ele não tinha feito. Ele queria que ela oferecesse.

A água morna logo tornou-se fria. Ashlyn girou os botões, desligando o fluxo constante. Pinga, pinga.

Quase na hora, pensou, e imediatamente sentiu a umidade conhecida entre as pernas. Seus mamilos estavam duros como rochas.

As gotas de água se deslizaram pela sua pele e imaginou Maddox a lambendo. Voltou a estremecer e esteve a ponto de gemer. Pegou uma toalha e se secou o melhor que pôde. Depois a rodeou ao redor dos seios e baixou os braços para se cobrir até os joelhos. Ansiosa, saiu do banho ansiosamente, entre uma nuvem de vapor.

Maddox não estava no quarto.

Ashlyn franziu o cenho... até que tocou com os pés algo suave, e olhou para baixo. Tinha lenços de seda de cor violeta estendidos pelo chão, formando um caminho serpenteante que a conduziu do quarto ao quarto contigüo. Quando chegou a porta, ficou boquiaberta, encantada.

Ela tinha estado antes naquele dormitório, quando tinha passado de um balcão a outro, mas o quarto não estava assim. Tudo estava coberto de pó, inclusive o ramo. Naquele momento, pelo contrário, era um quarto preparado para o prazer. Nas paredes brilhavam brandamente os spots, e sua luz se derramava pela cama de seda negra. Maddox tinha limpado tudo. Para ela. O coração de Ashlyn acelerou.

Onde estava ele?

As portas do balcão estavam abertas e deixavam passar o ar frio do exterior. Ela se aproximou. Tinha o sangue tão quente que não lhe importou a temperatura glacial. Maddox estava agarrado ao corrimão, de costas para ela, com o cabelo úmido e despenteado. Tinha os ombros muito largos, nus, bronzeados.

Nunca o tinha visto as costas.

Tinha uma mariposa enorme tatuada na pele. Chegava desde seus ombros até a cintura. Era vermelha, fosforescente, e tinha um aspecto furioso. De maldade, parecia que ia saltar de seu corpo e parti-la em dois, para Ashlyn pareceu estranho. Geralmente, as mariposas eram criaturas delicadas e nunca imaginou que pudessem ser tão ameaçadores. Nem tampouco que um homem tão... bom, tão masculino como Maddox tivesse escolhido aquele desenho para tangir em seu corpo.

—Maddox. —sussurrou.

Ele se voltou como se ela tivesse gritado. Tinha uma expressão dura no rosto e os lábios franzidos. Naquele momento, não era o amante que a tinha deixado tomando banho e tinha ido preparar tudo para passar horas de prazer. Era o guerreiro que tinha tentado abandoná-la no bosque.

—Está tudo bem?

—Há um lençol atado ao corrimão do balcão —disse ele, e apontou para a direita, embora não afastasse os olhos dela. —, sabe algo disso?

Além daquela noite no bosque, ele a tinha olhado com ira muito poucas vezes. Normalmente, sua fúria estava dirigida a outros. Assim, o fato de que aqueles olhos de cor violeta se cravassem nela como um dedo acusador, rodeados de um brilho vermelho muito parecido ao de sua tatuagem, lhe resultava muito desconcertante.

As boas notícias? Embora estivesse zangado, a máscara de esqueleto não tinha aparecido em seus traços. Animada por aquilo, Ashlyn elevou o queixo e caminhou para ele.

—Sim. Sei algo desse lençol.

—Se fosse outra pessoa. —disse ele com tensão —pensaria que tinha atado o lençol ao corrimão para que os Caçadores possam subir e entrar no castelo.

—E pensa isso de mim?

—Não. —respondeu ele, e ela relaxou. Ligeiramente.

„Ÿ Mas, me diga, para que usou o lençol?

Hora da confissão.

—Te contei que Torin me escondeu, não? Me trancou neste quarto para que seus outros amigos não pudessem me encontrar, algo que ainda não entendo, assim não me pergunte por que. Ouvi você gritar e fiz o que tinha que fazer para chegar até você.

Ele deu um passo ameaçador para ela, e depois se deteve, como se temesse se aproximar muito naquele momento.

—Podia ter caído para a morte. —disse.

—Mas não caí.

—Ficou pendurada no ar, Ashlyn.

Não olhe para baixo. Não durante este momento crítico. Eles haviam acabado de provar que gostavam um do outro e que ambos estavam dispostos a assumir a sua relação com o próximo nível. O que acontecesse aqui poderia preparar o terreno para futuras lutas. E não haveria brigas. Ele era muito teimoso, e ela muito determinada.

—Sim. – ela concordou – Fiquei.

— Nunca – nunca! - volte a fazer algo assim! —exclamou ele, e naquele momento, cruzou o espaço que os separava. — Entendido?

Seu coração batia loucamente.

—Diga a seus amigos que não me tranquem e então não o farei.

Ele abriu os olhos como pratos, não dava crédito ao que tinha ouvido. Acaso esperava receber uma desculpa?

—Vou matar a eles. —grunhiu, e a surpreendeu. — Poderia ter morrido aí fora.

Quando ele a rodeou, Ashlyn viu a morte em seus olhos. Oh, não, não, não, não. Não permitiria que a deixasse ali. Não permitiria que saísse para pegar seus amigos. Naquele momento não. O agarrou sem hesitações, sem medo, apertando a mão ao redor de seus bíceps largo, forte. Grunhindo, ele deu a volta e a olhou.

—Não vou permitir que estrague este dia com mais sofrimento. —lhe disse.

—Ashlyn.

—Maddox.

Ele poderia tê-la empurrado. Poderia tê-la rechaçado, amaldiçoado. Em vez disso, redirigiu suas emoções.

—Poderia ter morrido.

Com um grunhido animal, esmagou seus lábios contra os dela e afundou a língua em sua boca, além dos dentes, empurrando com força.

«Por fim. Obrigado, Senhor, por fim».

Ela percebeu uma mescla de fúria, paixão e calor, e foi o sabor mais excitante que já tinha provado na vida. Embriagador. Imediatamente, seu sangue ferveu.

—Não quero...te...fazer...mal. —sussurrou ele, falando entre beijos.

—Não pode.

—Sim...

—Não, não me fará mal.

Ele inclinou a cabeça enquanto aprofundava o beijo, abrangia mais de sua boca e alimentava uma fome que habitava dentro dela. Ashlyn desfrutou disso; Maddox tinha a paixão mais arrebatadora, e era feroz na hora de mostrá-la e de buscá-la. Como ela tinha querido, como ela necessitava.

—Vou te dar tudo o que deseja, e juro pelos deuses que não te farei mal. —disse ele.

—O desejo, e desejo tudo o que tenha para me dar. Tudo.

Ele a agarrou pelas nádegas e a colou a seu corpo de tal maneira que lhe tirou o ar dos pulmões. Sem fôlego, rodeou sua cintura com as pernas. Ele a apoiou contra a parede; Ashlyn notou a pedra fria nas costas, mas não se importou.

O desenfreio nunca tinha formado parte de sua vida. Casa, trabalho, casa, trabalho. Na realidade, sua existência era aquilo. Tinha dito a Maddox que agradecia a solidão, mas a verdade era que às vezes tinha desejado uma carícia com toda sua alma. Qualquer carícia.

E aquilo era mais do que tinha sonhado jamais.

A ereção de Maddox se pressionava entre as coxas abertas, sem entrar em contato com seu corpo, ainda não, mas dura e cálida através de suas calças e da toalha, lhe roçando justamente onde mais o necessitava. Não pode evitar um gemido, se agarrou a ele e afundou suas unhas no peito dele.

—É tão bom...

Maddox pegou um seio na palma da mão. Sua carícia não foi suave, mas tampouco dura; tinha a dose certa de prazer e de dor. O guerreiro estremeceu, como se estivesse a ponto de perder o controle.

—Sim...

Sim. Ashlyn notou que lhe tremia o ventre, que enviava descargas de calor ao resto do corpo. Se arqueou para frente e para trás para se esfregar contra ele. Nunca tinha estado tão excitada. Nunca tinha querido se afogar, morrer, viver, voar ao mesmo tempo.

—Quer...como nos livros que leu? —perguntou Maddox, enquanto lhe mordiscava o queixo e o pescoço.

—Já lhe disse isso. Desejo a você. Só a você.

As dentadas doíam um pouco, mas lhe lambeu cada pontada até que se acalmou, e ao mesmo tempo, acendeu mais o desejo de Ashlyn. Maddox puxou a toalha e lhe beliscou os mamilos. Seus dedos foram um pouco mais bruscos do que tinham sido seus dentes. Em seu peito tinha uma vibração, o som de impulsos que eram tão fortes como os dela.

—Toalha. Tira. —ofegou.

Sem esperar a resposta de Ashlyn, puxou finalmente um extremo da toalha e a jogou por cima de seu ombro.

Ashlyn notou o ar gelado na pele. Em vez de abraçá-la para lhe dar calor, ele se voltou para trás e a olhou. Se limitou a olhá-la, de cima a baixo, se deliciando. E seu olhar lhe provocou mais calor que uma carícia: acabou com o frio.

Quando a olhava daquele modo, ela se sentia como uma deusa. Como uma sereia. Como uma rainha.

—É preciosa. —disse ele com reverência. — Tão bela.

Suas mãos seguiram o mesmo caminho que seus olhos. Acariciou-lhe o corpo inteiro, explorou todos os seus cantos.

—Sou sua.

—É minha —repetiu ele. Lambeu sua clavícula e deixou um rastro ardente em sua pele. — É a coisa mais perfeita que já vi. —acrescentou, e tomou ambos os seios. —Tem mamilos perfeitos, rosados, feitos para minha boca.

—Prova-os.

Lhe lambeu um mamilo e brincou com ele até que decidiu fazer o mesmo com o outro. Depois a levou ao centro do quarto e ficou de joelhos.

Ashlyn fechou os olhos em absoluta rendição. Quando aquele homem se ajoelhava ocorriam coisas assombrosas. Ele passou uma das mãos por seu ventre enquanto continuava lhe lambendo, e acariciou suas coxas.

Toque ali....bem ali....Oh! Cada vez que lhe roçava o clitóris, se afastava de novo, antes de explorá-la por completo. Ela esteve a ponto de cair, frustrada. Ele a pegou enquanto lhe acariciava a carne com os dentes.

„Ÿ Necessito mais. —suplicou Ashlyn.

— Logo.

—Maddox. —disse ela, desesperada. Se ele tivesse deslizado um só dedo em seu corpo, teria chegado ao clímax. Entretanto, não o desejava ainda. Queria explorar a ele. — Quero  te acariciar.  —sussurrou entre ofegos.

Ele ficou em pé antes que ela pudesse piscar e a olhou com olhos chamejantes. Sem uma palavra, a elevou do chão e a depositou na cama. A seda fresca acariciou a pele quente de Ashlyn. E rapidamente, ficou em cima dela e ela pôde sentir seu peso; lhe resultou muito mais sensual e delicioso do que jamais teria pensado.

A luz do sol o iluminava e criava um halo ao seu redor. Era como um anjo naquele momento, verdadeiramente. Seu anjo. Seu salvador e seu amante.

—Tire as calças. —lhe ordenou.

Seu torso nu a queimava deliciosamente, e Ashlyn não podia esperar mais para sentir suas pernas..., seu membro duro, inchado, sem que nada se interpusesse entre eles.

Maddox não obedeceu. Então, tremulamente, ela pegou a cintura de sua calça para tentar tira-la.

Ele sacudiu a cabeça e a deteve.

—Quando me tirar isso, a penetrarei.—disse em voz muito baixa, grave.

—Bem. Isso é o que quero.

—Não terminei de brincar.

Se elevou ligeiramente sobre ela e lhe passou um dedo pelo abdômen liso.

Oh, Deus.

—Sim, brinca mais. Quero... necessito...- mais de tudo aquilo.

Se não permitia que ela tirasse a calça, trabalharia através dela Ashlyn baixou uma mão e o agarrou.

Ele emitiu um assobio e fechou brevemente os olhos para desfrutar do momento.

—Ashlyn.

Era tão grande que ela não pôde fechar os dedos, grosso, cheio, assombroso. Moveu a mão de cima para baixo várias vezes, como o tinha visto fazer na ducha e, por fim, por fim, ele colocou um dedo dentro dela. Ao senti-lo, Ashlyn ofegou.

Ele ficou imóvel.

—Bom?

—Muito bom. —disse ela com um gemido.

Ele começou a mover o dedo para fora e para dentro. Lentamente, no princípio, e depois... mais e mais rápido, fazendo que ela se arqueasse e tentasse apanhá-lo com os músculos e mantê-lo no mais profundo.

—Mais?

—Mais. —sussurrou ela.

Ele introduziu um segundo dedo e a abriu um pouco mais. Lhe apertou as coxas com os joelhos, se rendendo a todos os seus caprichos. Seus olhares se encontraram. Ele tinha uma expressão tensa.

—Está quente. —disse Maddox — Úmida.

—Você é grande, duro. —respondeu ela, apertando-o.

—Sou seu.

—Meu. —repetiu ela. «O desejo para sempre, agora e sempre». — Quero mais.

Ele colocou um terceiro dedo em seu corpo, e lhe encantou, adorou o milagre de estar cheia dele.

—É minha. —disse ele, seu penis ondulou na mão dela.  — Está preparada, preciosa?

—Sim. Oh! Sim. —respondeu ela.

Mais que pronta. Nunca quis nada com tanta intensidade.Teria dado sua vida por experimentá-lo.

— Sim, por favor.

Afundou os dedos em suas costas, o arranhou enquanto ele baixava a calça e a jogava fora da cama de um chute. Não usava roupa de baixo. Por fim estava completamente nu.

—Me olhe.

Ela o fez.

A ponta dura de seu membro a pressionava entre as pernas, mas não tinha entrado em seu corpo. Ela se arqueou para cima para que passasse, mas Maddox não se moveu nem um centímetro. Apesar de que tinha dito que a penetraria assim que se despisse, resistia.

—Necessito um momento para... manter ao espírito... sob controle —disse ele com grande esforço. — Não quer partir. Não quer me deixar. Mas os impulsos...

—Hummm. Sim, os impulsos...

—Não. São escuros. Violentos e duros.

—Não estou assustada.

Não, estava excitada e desejava possuir a ele e ao espírito. Era uma parte de Maddox, assim também gostaria.

—Deveria estar assustada. —disse ele. — Não tenho feito isto desta maneira há milhares de anos. Não tinha voltado a olhar a uma mulher enquanto...

Ele não terminou, mas ela soube o que queria dizer. Não tinha voltado a olhar a uma mulher enquanto fazia amor com ela. Ashlyn encontrou de novo seu olhar com todo o amor que sentia por ele brilhando em seus olhos. Não tentou dissimulá-lo, não podia.

—Não quero esperar mais.

—Temos que fazê-lo.

Então, ela o apanhou com os joelhos para obrigá-lo a que penetrasse nela, mas ele apoiou a palma da mão na cabeceira e não se moveu. Grrr.! Ashlyn se contrariou; não queria que ele tivesse medo de lhe fazer mal.

—Investe. Morda.

—Não. Com você não.

—Não vou me quebrar.

—Não quero fazer mal a você. —disse ele, se negando a olhá-la. —Não vou fazer mal a você. O prometi.

«Faz com que perca o controle. Lhe demonstre que não pode causar mal a você, faça o que precisa».

Sim, pensou ela. O segurou pelo queixo e o obrigou a olhá-la. Se Maddox se continha naquela ocasião, se continuasse temendo as coisas que queria lhe fazer, deixaria de acariciá-la por completo.  A deixaria.

—Me dê tudo o que tem. Vamos, faça-o agora. —rogou ela, com um gemido, tentando apanhá-lo uma vez mais. — Estou tão excitada que de todo o modo me dói.

Os ofegos de Maddox enchiam seus ouvidos.

—Só uns minutos mais. Vou abraçar você, e depois tenho que ir.

Não.

Lhe passou os dedos pelas costas, desfrutando do tato de veludo que cobria aquele aço eletrificado. A tatuagem lhe tinha parecido tão real que quase esperava que tivesse relevo; entretanto, era tão suave e quente como o resto dele.

—Se você não me possuir..., —disse ela, tentando parecer inocente enquanto lhe esfregava as nádegas e notava como os músculos se contraíam — eu possuirei a você.

Sem nenhuma advertência, Ashlyn o atraiu com força para si no momento em que se arqueava para cima. O braço de Maddox se flexionou e sem poder evitar, e deslizou dentro dela. Emitiu um grito de dor e prazer ao mesmo tempo.

Seu controle se fez pedacinhos.

Rugiu com força e começou a investir uma e outra vez. Ela ofegou. O sentia tão profundamente que já não poderia pensar em si mesma como Ashlyn. Se transformou na mulher de Maddox.

Lhe mordeu o pescoço, e ela se pôs a tremer; ele continuou investindo, empurrando. Toda a cama se movia; as pernas de metal chiavam contra o chão. Lhe agarrou um dos joelhos e a sujeitou contra a curva de seu braço, lhe abrindo mais as pernas para poder se afundar mais e mais nela.

—Sinto muito. —murmurava. — Sinto.

—Não, não sinta... Sim, sim! —gritou ela.

O ritmo se incrementou, e as investidas se fizeram mais intensas.

—Ashlyn. —ofegou Maddox — Ashlyn.

Ela estava ardendo por dentro e por fora. O pulso de seu corpo seguia a mesma cadência que os ataques de Maddox. Sem poder evitá-lo, movia a cabeça para um lado; tinha esquecido tudo, salvo o prazer.

Lhe beliscou os mamilos, e aquilo a excitou mais.

Lhe arranhou o pescoço com os dentes, e isso a enlouqueceu mais.

Lhe apertou as coxas com força, e conseguiu que seu desejo se intensificasse.

—Sinto muito. —disse de novo — Sinto. Queria ser suave...

—Eu adoro assim. Quero mais.  —gemeu ela.

O suave chegaria mais tarde, depois de que sua necessidade se saciasse. Depois que ele se desse conta que ela podia aceitar prazeirosamente o que ele tivesse que lhe dar.

—Perto. Mais perto. - Já estava quase ao bordo do êxtase, só necessitava...

Lhe enredou a mão no cabelo e puxou sua rosto para si para beijá-la e lhe afundar a língua na boca. Seu sabor a alagou como uma droga. Naquele instante, ela estalou. As chamas do prazer a consumiram.

Todo seu corpo se estremeceu e soluçou. De seus lábios escapou um grito, enquanto uma luz branca lhe atravessava a mente. Estava morrendo lentamente. Voando para o céu.

—Ashlyn...

Maddox também gritou ao gozar. A cálida semente se pulverizou dentro dela, pulsando profundamente...tão profundo...ele sentiu uma tensão incrível nos músculos.

—Minha. —sussurrou, e voltou a mordê-la no pescoço como se não pudesse evitar.

Naquela momento, a fez sangrar.

Deveria ter doído em Ashlyn. Doía, mas foi tão gostoso – tão bom, tão bom - que voltou a chegar ao orgasmo. Tremeu e se arqueou contra ele, gemendo pelo prazer embriagador que sentiu.

Nunca teria pensado que o prazer e a dor podiam se mesclar com tanta força. Nunca teria pensado que uma coisa desencadeava a outra. Mas assim era. E se alegrava.

Ele desabou sobre ela, ofegando de novo.

—Sinto muito, sinto muito. Não queria...

—Não quero desculpas. Me sinto feliz...— disse cheia de satisfação enquanto notava seu peso. — Quero que seja sempre assim. Ele rodou pelo colchão, a levando consigo. Completamente lassa, ela se deitou sobre seu peito. Ele a abraçou e acariciou suas costas.

—Teria gostado mais se tivesse sido suave. Sobretudo em sua primeira vez.

Lentamente, ela sorriu.

—Duvido, mas estou disposta a permitir que tente me convencer.

 O assombro se apoderou dele. Em menos de uma fração de segundo, ela estava montado sobre seu corpo.

—Será um prazer.

 

Nunca, em toda sua vida, Maddox não tinha se sentido tão satisfeito em toda sua vida. Nunca, em seus milhares de anos de existência.

Tinha feito amor três vezes com Ashlyn, e naquele momento, ela estava adormecida a seu lado, aconchegada em seu flanco. Sua respiração lhe acariciava as costelas. Depois de fazê-lo depressa e com dureza, o tinham feito lentamente, com ternura, e depois ela tinha afirmado que precisava recordar como era depressa e com dureza para decidir o que gostava mais.

Ele tinha ficado chocado, assombrado por suas palavras, porque lhe tinha mostrado o pior de si, à besta, a parte de si mesmo que desprezava, mas ela não tinha saído correndo apavorada. Não tinha chorado. Não. Tinha pedido mais.

Maddox sorriu ao se lembrar. Era um sorriso verdadeiro, sem freio. Quando o espírito tinha ordenado a Maddox que a marcasse, ele não tinha podido fazer outra coisa que obedecer. Por isso a tinha mordido e a tinha feito sangrar. Tudo o que era virtuoso dentro dele se removeu, tinha gritado e protestado de vergonha. Entretanto, ela tinha gostado. Inclusive tinha mordido a ele. E Maddox se sentia livre. Não tinha que temer suas reações com ela. Não tinha que ter medo.

Ashlyn era tudo o que ele sempre tinha necessitado, era aquilo sem o qual não podia viver. Ela...o tinha domesticado. Tinha encantado ao espírito. Lhe tinha contado seu plano de ficar com ela, e o tinha dito muito a sério. Ashlyn lhe pertencia, naquele momento e para sempre.

Lentamente, passou um dedo pela sua espinha dorsal. Ela murmurou algo em sonho e se aconchegou mais contra ele. Seu calor o atravessou. Era um tesouro. Ele tinha ido ao bosque em busca de um monstro e no lugar disso, tinha encontrado a salvação.

Com Ashlyn, Violência não era violento de verdade. Se transformou em algo belo. Escuro, sim. Sempre seria escuro. Mas de um modo sensual. Não malvado, a não ser cheio de necessidade. Não destrutivo, a não ser possessivo. Dois dias antes, Maddox não teria acreditado que aquilo fosse possível.

Ashlyn. A domadora de demônios.

Ele riu brandamente, com cuidado de não despertá-la. Depois de seus excessos, ela precisava conservar a energia. Maddox pensava repetir tudo mais tarde...

No piso abaixo ressoou uma portada. Alguém soltou uma maldição. Maddox reconheceu aquela voz de barítono. Reyes tinha voltado.

Imediatamente, sua satisfação se transformou em ira. Reyes e ele tinham um assunto sem terminar. Maddox tinha que fazer uma advertência, algo que desse a entender ao guerreiro que se tentasse machucar Ashlyn, enfrentaria às conseqüências.

Maddox se levantou da cama sem incomodar sua mulher. Ela tinha os olhos fechados, o rosto rosado.

Rapidamente, se vestiu. Camiseta, calças, botas, adagas. «Ela é nossa. Ninguém lhe faz mal». O espírito também queria vingança, estava fervendo sob sua pele, em seu sangue, estendendo chamas, fundindo tudo, mas... Maddox não perdeu o controle.

«Estou furioso, e entretanto, sou eu quem dita minhas próprias ações», pensou com assombro. «Eu dito».

Era estranho. Também maravilhoso, estimulante. E devia aquele novo controle a Ashlyn.

Com um último olhar para ela, Maddox saiu do quarto. A cada passo que dava, o humor do espírito piorava. Entretanto, não conseguiu recuperar o domínio da situação. Pertencia a Maddox.

Encontrou Reyes no vestíbulo, mas o guerreiro não estava sozinho. O resto dos Senhores também estavam ali, todos eles feridos, sangrando e cheios de fuligem. Também tinha uns homens que Maddox não reconhecia...

«Não, não é possível», pensou.

—Sabin?

Ninguém prestou atenção. Sabin estava muito ocupado tirando a camiseta para observar um corte muito feio que tinha na lateral. Lucien estava apoiado no ombro de... Strider. Cameo estava sentada no chão, com as pernas flexionadas e apoiadas no peito. Tinha o lado esquerdo da rosto queimado. Gideon e Amun estavam apoiados contra a parede; como se não pudessem se manter em pé.

Ver aqueles guerreiros depois de tantos anos foi como um golpe no estômago. O que estavam fazendo ali? Por que tinham ido ao castelo?

Paris grunhiu e chamou a atenção de Maddox. Tinha o antebraço quebrado e o osso aparecia pela pele. Aeron estava... Maddox franziu o cenho. Aeron estava algemado ao corrimão, e amaldiçoava raivosamente. Tinha um corte na frente e estava sangrando.

—Matar. Tenho que matar —dizia com maldade. — Necessito seu sangue. Mmm. Sangue.

Tal e como tinham dito os Titãs, Ira devia ter tomado o controle de seu amigo. Isso significava que a necessidade de matar aquelas mulheres o estava consumindo. Teria que estar encadeado desde aquele momento até que os Senhores encontrassem a maneira de as salvar, ou até que estivessem mortas?

Ao pensar nisso, Maddox sentiu ódio. Odio para os Titãs, por levar à aquele ponto seu amigo. Ódio para os Gregos, por sua maldição inicial, para os Caçadores por sua perseguição implacável e, sobretudo, ódio por si mesmo por ter aberto a caixa naquela noite catastrófica.

—O que aconteceu? —perguntou. — Acionaram alguma de nossas armadilhas da colina?

Alguns dos guerreiros o olharam, embora a maioria não lhe prestasse atenção.

—Não. —murmurou Sabin. — Essas evitamos.

—Foi uma bomba. —disse Reyes, sem se incomodar em elevar a vista. Estava se desfazendo das botas, que tinham se fundido nos pés. Sorria.

—Uma das nossas? —insistiu Maddox, que não confiava em Sabin.

—Não. Sei o suficiente para não fazer voar a mim mesmo pelos ares — replicou Reyes com um suspiro, e finalmente se dignou a olhá-lo. Estava confuso. — Por que não está me insultando?

Em uma fração de segundo, Maddox desencapou as duas adagas e as lançou. Ambas se afundaram a centímetros por cima dos ombros de Reyes e de Lucien, na parede.

—Não o duvidem. Se alguma vez mais pensem em fazem algo semelhante, os matarei.

Lucien o olhou sem emoção. Parecia que estava calmo, mas Maddox sentia que sob sua aparência serena fervia algo. Tinha tensão no rosto, como se fosse um bloco de gelo ao que tinham golpeado várias vezes. Ia se quebrar?

—Deveria estar contente de que não a encontrássemos. Eu estou. Os Caçadores nos enganaram. Nos atraíram para um lugar concreto e nos receberam com bombas.

Bombas. Então tinha começado uma verdadeira guerra. Maddox baixou o resto dos degraus com os dentes apertados. Rodeou Aeron, e recebeu seu murro na coxa. Supôs que aquilo era melhor que receber uma punhalada.

—Então por que Sabin está aqui? —Perguntou sem olhar ao guerreiro em questão— Ele trouxe os Caçadores?

—Parece que os Caçadores já estavam aqui. Sabin os seguiu, e agora quer que o ajudemos a encontrar o dimOuniák.

Reyes atirou as botas destroçadas a um lado. Tinha os pés em carne viva.

—Sinto que tenhamos trazido nossos velhos amigos a sua casa. —disse Paris enquanto golpeava o braço; quebrado contra a parede para colocar o osso em seu lugar. Se estremeceu de dor e empalideceu. — Mas as decisões que se tomam quando se têm os miolos esparramados pela pista de dança de uma discoteca são assombrosas.

Lucien se apoiou na parede e se inclinou para frente com um gesto de sofrimento.

—Quando nos recuperarmos, os Caçadores tinham partido. Não tinham deixado rastros, e não sabíamos se teriam ido esperar no hotel de Sabin. Aqui, ao menos, sabíamos que todos íamos estar certos, porque Torin tem o castelo vigiado.

—Sabiam o que estavam fazendo, é evidente que levaram muito tempo se preparando—disse Reyes. — O que queria saber é por que não aproveitaram para nos cortar a cabeça quando estávamos inconscientes.

—Estão planejando outra coisa. —disse Paris, girando o ombro. —Tem que ser isso.

Todo mundo se voltou para Sabin.

Ele deu de ombros.

—Saíram atrás de sangue. Podem esperar qualquer coisa.

Reyes assentiu.

—Deveríamos nos reagrupar e encontrá-los antes que ataquem.

Sabin limpou o rosto com a camiseta e disse:

—Lembro uma época em que preferiram romper com seus amigos antes de atacar os Caçadores.

—Não —replicou Lucien. — Nos separamos de amigos que queriam destruir uma cidade inteira e a todos os seus habitantes. Nos separamos de amigos que atacaram a um dos nossos.

Sabin afastou o olhar.

Maddox se fixou, um por um, em todos os pressente.

—Onde está Torin?

Lucien ficou tenso.

—Não voltou do cemitério?

Cemitério? Torin tinha saído do castelo? Que coisas mais, Maddox perdeu enquanto estava morto?

—Não acredito. Eu não o ouvi entrar, mas estava...ocupado.

Com o cenho franzido, Sabin tirou o transmissor.

—Kane, ouve-me?

Nada.

—Kane.

Nada, de novo. Um pouco em panico agora, Sabin repetiu:

—Kane, me responda.

Nada.

Olharam uns aos outros.

Lucien passou a mão pela mandíbula com expressão de angústia.

—Temos que encontrar Torin antes de que o façam outros. Procura ataduras, Maddox, e vêem nos buscar no andar de cima. Quero sair dentro de dez minutos.

De repente, Maddox percebeu uma exclamação de assombro feminina. Deu a volta e viu Ashlyn no alto da escada, com o cabelo solto e os olhos totalmente abertos. Usava uma das camisetas de Maddox e a calça negra que lhe tinha deixado antes e que ficavam tão grandes.

Em segundos, ele chegou a seu lado e a arrastou atrás de si para a afastar da vista de todos. Não sabia se podia lhe apresentar aos novos membros da família... Na realidade, não. Já não. Tinha passado muito tempo para que ele sentisse aproximação com eles.

—Suponho que não tenho que perguntar a quem pertence a humana —disse Sabin com ironia.

—O que aconteceu com vocês? —Perguntou Ashlyn com espanto, olhando por cima do ombro de Maddox. — Estão ensangüentados. Quem são os novos?

—Explodiu uma bomba. Os novos são guerreiros... como nós.

—Cinco minutos e uma faca —gritou Aeron, puxando as algemas— É apenas o que necessito.

Ashlyn empalideceu e se agarrou ao braço de Maddox.

Reyes se aproximou do prisioneiro e golpeou sua rosto várias vezes, até que Aeron caiu ao chão. Maddox ouviu Aeron murmurar uma palavra de agradecimento.

Enquanto os guerreiros subiam com muita dificuldade as escadas, Maddox manteve Ashlyn atrás dele. Quando ficaram sozinhos, se voltou para ela e lhe acariciou a bochecha.

—Volta para meu quarto, por favor.  —lhe rogou— Eu irei para lá o assim que  possível.

—Eu posso ajudá-los, e as outras mulheres também. Danika me ajudou quando estava doente, não se lembra? É boa nos momentos de crise. Como eu.

Ele sacudiu a cabeça.

—Não quero que se aproxime deles.

—Se for ficar aqui, tenho direito a conhecer seus novos amigos.

—Nem todos esses homens são meus amigos. Aos que o são pode conhecê-los outro dia. Neste momento, tem que descansar.

—Não. Me nego a ficar na cama todo o dia quando posso ser produtiva.

—Descansar é produtivo.

—Não.

—Não conheço alguns desses homens, Ashlyn. Já não. Se algum tentasse fazer mal a você...

Por tão somente pronunciar aquelas palavras, sentiu uma profunda raiva.

—Quero ajudar. Nunca tinha sido parte de uma família. - De repente parecendo mais vulnerável do que ele jamais tinha visto, ela balançou o seu olhar para suas mãos, que estavam torcendo o tecido da sua camisa. - Tudo o que eu já fiz é ficar para o lado e ouvir, e tudo que eu sempre quis fazer é ser parte de algo. Deixe-me ajudar a sua família, Maddox..

Um nó se formou na garganta dele. Não podia negar nada aquela mulher. Nem sequer aquilo. Observaria atentamente aos homens, mas não impediria que Ashlyn prestasse ajuda.

—Vá a meu quarto e pegue todas as toalhas que possa —lhe disse. Ele sempre tinha toalhas de sobra. — Sabe onde é a sala de jogos?

Ela disse que não e ele o explicou. Quando terminou Ashlyn sorriu.

—Obrigada.

Ficou nas pontas dos pés e lhe deu um beijo nos lábios.

Ele não deveria tê-lo feito, mas imediatamente, lhe devolveu o beijo profundamente e a aprisionou contra a parede. Ashlyn fazia que ele esquecesse tudo, salvo o desejo. Lhe passou uma perna pela cintura e a paixão se apoderou deles. Ashlyn gemeu. Ele bebeu o som. Delicioso.

— Maddox! —gritou Reyes do outro extremo do corredor. — É para hoje!

Com dor, ele se separou de Ashlyn. Era melhor assim. Se seguiam se beijando, possivelmente esquecessem seus amigos e seus inimigos.

—Foi... muito agradável —sussurrou ela.

Maddox sentiu o impulso de seguir acariciando-a, mas se deteve a tempo. Não podia. Naquele momento não.

„Ÿ Maddox — insistiu Lucien.

—Vai vir? —gritou Reyes.

—Toalhas. —disse ele a Ashlyn.

Depois deu a volta e começou a caminhar antes de pensar em ficar com ela.

 

«Esse homem me faz arder», pensou Ashlyn enquanto observava Maddox se afastar pelo corredor. Ele dobrou a esquina e desapareceu, mas ela ainda tinha o pulso acelerado.

Sonhadoramente, passou os dedos pelos lábios. Então ouviu o grunhido de dor de um homem, uma imprecação, e se apressou. Não tinha tempo para sonhar com Maddox agora. Ela pulou para a ação. O ar estava frio, um pouco úmido, mas revigorante. Ela adorava as janelas de vidro manchadas aqui, a pedra brilhante, que falava da resistência e da passagem do tempo.

Ela gostaria de visitar o local do bombardeado e ouvir as conversas que tinha acontecido lá. Como fazer? Darrow, você vai. Mais frequentemente do que não, odiava o seu dom. Não havia um efeito real para ela e nenhum trabalho significativo o suficiente para justificar seu sofrimento constante. Para Maddox, porém, ela feliz, ansiosamente, sintonizaria as vozes, repetidas vezes. Ela não gostou de saber que havia homens lá fora, escondidos, esperando para matá-lo.

Quando ela escapulisse para ouvir maneiras de quebrar a maldição de sua morte, que ela planejava fazer hoje à noite, ela iria descobrir onde o bombardeio tinha ocorrido e iria lá. Se ela tivesse sorte, ela saberia onde os caçadores estavam escondidos e como salvar Maddox de morrer.

Provavelmente, pensou, desejando completar ambos os casos, mas a esperança era uma coisa boba.

De repente viu um rastro de sangue no chão e ficou boquiaberta de horror. Então se deu conta de que os guerreiros feridos deviam ter passado por ali, e relaxou.

«...em algum lugar, não?».

Aquele pequeno retalho de conversação de repente lhe atravessou a mente e a surpreendeu. Os imortais novos? Ashlyn se deteve e escutou, mas não percebeu nada mais. Estranho. Aquilo era a voz de um homem, e não estava ali fazia um momento.

Deu outro passo. Nada. Trocou de direção e deu outro passo.

«Sim, acredito que sim».

Ali tinha mais. Engoliu em seco e continuou nessa direção...

«Venham por aqui... onde estão... esperemos que sigam fora... perdemos muitos homens com essas armadilhas... demoraríamos muito em limpar o sangue... sabem... lutar...».

...e logo, Ashlyn se viu ante a porta do quarto de Danika.

Ah, demônios. Alguém, várias pessoas, tinham entrado lá. Então, não eram os novos imortais. Estariam dentro ainda? Teriam feito mal às mulheres? Ashlyn pegou o trinco com a mão trêmula, mas não o moveu. Possivelmente deveria correr para avisar Maddox.

Os intrusos podiam ser Caçadores.

Se eram os mesmos homens que tinham posto a bomba na discoteca, podiam estar pondo outra bomba ali. Se separou da porta com intenção de avisar Maddox. «Não pode deixar Danika e às demais aqui sozinhas, Darrow».

—Estarão bem. —sussurrou.

Segundo Maddox, os Caçadores só queriam caçar a Imortais. Verdade? Verdade. Deu outro passo para trás. O mais inteligente seria contar tudo a Maddox. Ele podia detê-los, ela não.

Entretanto, ao dar outro passo, escutou claramente outra conversação.

« Onde está?»

«Oxalá, soubesse».

« Acha que... a mataram?».

«É possível. São demônios, assim pode ter acontecido o pior». Uma pausa, um suspiro. «Maldita seja, deveria ter posto mais guardas».

Ashlyn se deu conta de que quem falava era seu chefe. Mclntosh estava ali. Ela deveria ter se sentido aliviada ao saber e contente porque ele se preocupasse o suficiente para procurá-la. Entretanto..., tinha posto guardas para segui-la? E como se infiltrou na fortaleza?

«Ashlyn, carinho. Se ouvir isto, venha se encontrar conosco no Gerbeaud às...».

« E se a têm encerrada? Não poderá sair daqui por si mesma».

«Silêncio. Ouço passos que se aproximam».

Depois, silêncio. Passou os dedos pela testa, tentando pensar com claridade. Eles estavam ali ainda? O que faria Maddox se os encontrava? O que fariam eles a Maddox? Sentiu pânico.

«Está bem, está bem. Pensa, Darrow. Pensa».

No final, não teve que tomar a decisão.

A porta se abriu, e Mclntosh olhou para o corredor. Abriu muito os olhos ao vê-la. Seu rosto familiar a reconfortou, mas pela primeira vez, também fez que com se sentisse insegura.

— Ashlyn! Está viva!

—Mclntosh, eu... eu...

—Silêncio, aqui não.

Estirou um braço, a puxou para o quarto e fechou a porta silenciosamente. A primeira coisa que viu foi Danika e sua família, que estavam inconscientes no chão.

—Oh, Meu Deus.

Se moveu para elas, mas seu chefe a certou e a manteve em seu lugar. Tinha mais homens pelo quarto, procurando algo; Ashlyn não os reconheceu. Nunca os tinha visto no Instituto.

Um dos homens tossiu. Tinha sangue nas mãos. Deus Santo. Tossiu de novo, se dobrando para frente. Estava muito pálido, e tinha profundas olheiras. Outra tosse.

—Se cale. —lhe sussurrou Mclntosh com ferocidade.

—Sinto muito. Minha garganta dói.

—Faz cinco minutos não doía.

—Agora... sim...

Ashlyn escapou da mão de seu chefe e se aproximou de Danika.

—Está...?

Buscou-lhe o pulso. Pulsava normalmente, graças a Deus.

—Só estão adormecidas —disse Mclntosh.

Ela se sentiu aliviada.

—Por que fez isto? Por que as deixou inconscientes?

Enquanto falava, começou a perceber conversações.

« Quem são?», perguntou Danika. «O que fazem aqui?».

«Eu farei as perguntas. Quem são vocês?» inquiriu seu chefe.

«Prisioneiras».

«Também estavam procurando a caixa?».

O coração de Ashlyn se encolheu ao escutar a pergunta.

«Que caixa?», perguntou Danika, em um tom de voz confuso.

«Lhe disseram onde está?», insistiu Mclntosh com nervosismo.

Ele deve tê-la agarrado, porque ela gritou:

«Me solte!».

«Lhe disseram isso?».

«Reyes! Reyes, me ajude!».

«Se cale ou me verei obrigado a te silenciar».

«Reyes!».

Deve ter tido uma resistência, porque Ashlyn ouviu bufos e grunhidos de esforço, os soluços da família de Danika e, de repente, silêncio. Mais conversação sobre drogar às mulheres e as usar mais tarde como isca, se fosse necessário.

Ashlyn se deu conta, com horror, de que eram Caçadores. Ela tinha suspeitado aquela tarde ao falar com Danika, mas tinha afastado a idéia da cabeça e se recordou quão nobre era o Instituto. Para ser sincera, em parte tinha pensado que ninguém poderia lhe ter ocultado algo assim. Entretanto, aqueles homens eram Caçadores. Não podia negá-lo. Abriu os olhos e os cravou em seu chefe.

Sentiu náuseas. Ele tinha sabido durante todo o tempo da caixa. Tinha estado procurando, mas não o tinha dito. Deus santo.

Tinha mentido a ela. Ela tinha dedicado toda sua vida a uma causa que não existia. Mclntosh lhe tinha lido contos de fadas quando era pequena, tinha dito que era especial, que tinha uma grande tarefa. Ela pensava que estava ajudando a fazer um mundo melhor. Pelo contrário, tinha ajudado a matar pessoas, possivelmente a pessoas inocentes. Se sentiu traída, tanto, que quase caiu de joelhos.

—Não estuda as criaturas que eu encontro para o Instituto, não é? —perguntou, ao Caçador.

—Claro que sim —respondeu ele, ofendido — Sou um cientista. Nem todos os empregados do Instituto são Caçadores, Ashlyn. Você é a prova disso. Noventa por cento do trabalho é só observação. Entretanto, quando descobrimos o mal, acabamos com ele. Sem piedade.

—E quem lhes concedeu esse direito?

—A moralidade. O bem. Ao contrário dos demônios que vivem aqui, eu não sou um monstro. O que faço, faço pelo bem do mundo.

—E como é possível que eu não soubesse? Como é possível que não o tenha ouvido alguma vez?

Ele elevou o queixo. Com o olhar, estava rogando a Ashlyn que fosse inteligente.

—O trabalho sujo só uns poucos o fazem. E nunca falamos disso nas instalações do Instituto.

Tampouco lhe deixamos entrar nos lugares onde têm estado.

—Tantos anos. —disse ela, e sacudiu a cabeça, assombrada. — Não é de estranhar que não me perdesse de vista. Não queria que topasse com uma informação que não devia ter.

—Quer informação? Posso te mostrar fotografias de coisas que têm feito estes demônios. Coisas que a fariam vomitar. Te daria vontade de arranhar seus olhos para não voltar a ver nada semelhante.

Ela apertou o estômago.

—Deveria ter me dito a verdade.

—Queria que permanecesse tão afastada disso como fosse possível. Me importa, Ashlyn. Sabíamos que tinha dois grupos de demônios. Levamos anos lutando com um deles, e sempre estivemos procurando o outro. Então, uma de nossas agentes descobriu Promiscuidade. Trouxemos você para Budapest para que escutasse e averiguasse tudo o que pudesse sobre este novo grupo. Se pensava que você não iria se aproximar deles.

Todo o trabalho de sua vida tinha resultado ser algo malicioso e doente. «Que parva fui», pensou.

—Veio para matar estes homens, mas eles tratam as pessoas de Budapest com bondade. Doam dinheiro e mantêm muito baixos os níveis de delinqüência na cidade. Se mantêm isolados e mal saem. Vocês puseram uma bomba em uma discoteca.

Mclntosh se aproximou de Ashlyn com uma expressão decidida na rosto.

—Não viemos para matá-los. Não podemos matá-los ainda. Faz anos se descobriu que matar a um Senhor equivalia a liberar o demônio que albergava. Não, estamos aqui para capturar aos guerreiros. Quando encontrarmos a caixa de Pandora, encerraremos aos demônios e nos desfaremos dos corpos dos homens que os albergavam. Você averiguou tudo isto, não se lembra? —ele a certou pelos ombros e a sacudiu— Sabe onde está? Lhe disseram isso?

—Não.

—Tem que ter ouvido algo. Pensa, Ashlyn.

—Já lhe disse isso. Não sei onde está.

—Não quer viver em um mundo livre do mal? Livre das mentiras, da miséria e da violência? Você ouve mais em um dia do que ouve uma pessoa em toda sua vida —disse Mclntosh, enquanto a observava atentamente com o cenho franzido— Estimulei seu dom durante anos. Te dei um lugar para viver, comida e uma vida serena. Apenas pedi em troca que usasse seu dom para encontrar às criaturas que vivem entre nós.

— E eu sempre o fiz. Entretanto, não ouvi nada sobre a caixa —insistiu ela.

 —Tem que tê-lo ouvido. Você não foi prisioneira, como estas mulheres. Estava caminhando livremente pelo corredor.

Enquanto falava, abriu muito os olhos como se acabasse de se dar conta de uma revelação assombrosa. Soltou-a, meteu a mão no bolso e tirou uma seringa de injeção que continha um líquido transparente.

—Passou a trabalhar para esses monstros, Ashlyn? É isso o que está acontecendo? Esteve trabalhando para eles desde o começo?

Ashlyn estava muito assustada. Deu um passo atrás, e depois outro. Suas costas se chocaram contra uma parede e ela tentou se afastar de um salto, mas braços fortes a apanharam. Não era uma parede, então. Era um homem. Um Caçador. Ashlyn lutou para escapar.

—Onde está a caixa, Ashlyn? —perguntou o doutor— É a única coisa que quero. Me diga onde está e a deixarei partir.

«Se acalme», disse-se Ashlyn. «O distraia de algum modo».

Ao ver que ela não aparecia com as toalhas, Maddox iria procurá-la.

—É um Caçador, mas não usa a tatuagem no pulso. Por que?

Ele puxou a manga da camisa para cima.

—Me assegurei de que não a visse. Minha mãe me levou para que me fizesse isso no dia que fiz dezoito anos, quando fiz o juramento de continuar com a tarefa encomendada a minha família.

Como era possível que ela não soubesse? Se sentia uma estúpida. A mulher que acreditava que ninguém podia enganá-la... e que tinha sido enganada durante anos. A vergonha e a culpa se uniram ao medo e ao sentimento de traição que albergava.

«Que siga falando».

—E por que é o símbolo do infinito? —perguntou com um fio de voz.

—Nosso propósito é conseguir a eternidade sem o mal. Que melhor símbolo?

—Mas os homens que vivem aqui não são malvados. Cuidaram de mim e me ajudaram. Se os conhecesse...

O ódio cobriu o semblante de Mclntosh.

—Conhecer um demônio? Essas criaturas destruíram Atenas, Ashlyn. Não pode imaginar a quantas pessoas mataram, toda a dor que causaram...

—Mas se lhes faz mal, se converte em um ser tão maligno como diz que são eles. Você não matou pessoas para chegar até eles?

Sem aviso prévio, ele cravou a seringa de injeção no seu pescoço. Ashlyn sentiu uma aguda dor, uma rajada de calor.

Tentou se retirar, mas foi muito tarde. De repente estava tão enjoada que não podia se mover. Uma estranha letargia se apropriou de seu corpo.

—Dorme —ordenou Mclntosh.

E ela dormiu.

 

Maddox não podia acreditar no que estava vendo. Era uma alucinação? Um pesadelo? Acabava de deixar aos guerreiros feridos para ir ao quarto de Torin, para checar se seu amigo tinha voltado. Para sua angustia tinha detectado manchas de sangue pelos corredores. E quando chegou à porta do quarto, viu Torin caído no chão, em meio de um atoleiro de sangue espesso, tão escuro que parecia negro. Inclusive seu cabelo prateado estava manchado daquele líquido letal.

Torin tinha um profundo corte no pescoço.

Alguém tinha tentado cortar sua cabeça, mas não tinha conseguido, ou lhe tinham feito uma ferida para incapacitá-lo, coisa que sim tinham obtido. O guerreiro tinha os olhos fechados, mas seu peito se subia a cada poucos segundos. Ainda estava vivo, por quanto tempo?

Maddox notou o sabor amargo da bílis na boca, sentiu raiva, determinação. Quem tinha feito aquilo a Torin? Olhou o quarto, mas não tinha nem rastro de nenhum Caçador...

Chamou seus amigos a gritos e refletiu sobre o que podia fazer. Torin era como um irmão para ele. Não podia deixá-lo ali sozinho, sofrendo. Entretanto, tampouco podia tocá-lo. Embora Maddox não adoecesse, contagiaria com a enfermidade Ashlyn.

A teria encontrado também o culpado? Não. Não! Tinha que ajudar Torin e encontrá-la.

De novo chamou os guerreiros.

Com urgência, entrou no banheiro e tirou do armário um dos muitos pares de luvas negras que Torin tinha guardados. Os pôs rapidamente e depois enrolou uma camisa negra no pescoço para proteger toda a pele.

Se agachou e pegou ao ferido nos braços. O levou até a cama e lhe tapou a ferida com uma camiseta, apertando com força.

Era estranho estar tão perto de Torin depois de séculos de distância.

Lentamente, Torin abriu os olhos, e Maddox se deu conta de que os tinha cheios de sofrimento. Violência se preparou para a batalha, afiou suas garras, exigiu ação.

—Caçadores —sussurrou Torin. A palavra mal foi audível—. Estava na colina, e vinham para cá. Lutamos, queriam a caixa..., me tocaram. Pegaram Kane. —disse com grande esforço. Logo perdeu os sentidos.

Depois de fazer tudo o que estava em suas mãos, Maddox saiu correndo do quarto para procurar Ashlyn e os outros. «Se acalme», disse-se. «Ela está bem». Mas só pensando que podia resultar ferida, ou algo pior...

— Ashlyn! —se os Caçadores a tinham pegado depois de tocar em Torin, podia morrer de enfermidade. A visão de Maddox se nublou de uma maneira muito familiar.

Ashlyn não estava em seu quarto, e não parecia que tivesse passado por ali. As toalhas estavam intactas. Tampouco tinha rastro dela no quarto das mulheres. De fato, Maddox não a encontrou. Não! Não!

Pela extremidade do olho percebeu um brilho prateado. Saiu ao balcão e viu que tinha um cabo de rappel preso ao corrimão. O cabo descia até o chão.

Homem e espírito bramaram ao uníssono. Não tinha rastro dos Caçadores na colina, o qual significava que já estavam a boa distancia dali. E tinham Ashlyn. Os Caçadores tinham tocado em Torin, e depois tinham tocado em Ashlyn.

Maddox correu para a sala de jogos. Pelo caminho tirou as luvas e as jogou no chão.

—E as toalhas? —perguntou Lucien ao vê-lo. Era evidente que não tinha ouvido Maddox pedir ajuda. Entretanto, ao ver a expressão de seu amigo franziu o cenho.

Maddox explicou a todos o que tinha acontecido, o ferido, admitindo entrar em pânico correndo sobre ele. Cada um deles prestaram atenção e clamavam em torno dele. Cada um deles empalideceu.

—Eles violaram nossas paredes? - Paris exigiu.

—Sim. Maddox virou-se para Sabin com um grunhido. - Você quis ajudá-los?

O homem levantou as mãos, a imagem de inocência gravada. - Eu estava sendo explodido em pedaços, também, lembra? E meu objetivo sempre foi sua destruição.

 —E Danika? —perguntou Reyes com a voz rouca.

—Não está.

Reyes fechou os olhos com força.

—Torin necessita atenção médica. —disse Paris— Como vamos fazer isso?

—Terá que se curar por si mesmo. Por todos os deuses, vai ter uma praga —disse Lucien gravemente.— Já não podemos pará-la.

Maddox apertou os punhos.

—Não me importa se houver uma praga ou não. Minha mulher está aí fora, e vou fazer todo o possível para salvá-la.

Strider deu um passo adiante.

—Kane estava no cemitério com Torin, talvez ele os tenha seguido. O viu?

—Torin me disse que houve uma batalha na colina. Apanharam Kane.

—Maldito seja. —disse Sabin com raiva, e deu um murro na parede. Como era possível que um dia com tão boas expectativas tivesse resultado tão nefasto?

—Irei à cidade com você. —anunciou Reyes. Limpou a fuligem do rosto, mas ainda tinha os pés em carne viva.

—Eu revistarei o resto do castelo —grunhiu Lucien com um brilho de fúria nos olhos. — Quero me assegurar de que não estão escondidos aqui dentro.

Depois de ver o cabo pendurando do balcão, Maddox duvidava.

—Cinco minutos. —disse a Reyes, e saiu correndo para seu quarto para recolher suas armas.

Os Caçadores iriam sofrer aquela noite.

 

Reyes observou Maddox com espanto.

Tinham percorrido as ruas de Budapest até que, finalmente, tinham dado com um grupo de Caçadores. Naquele momento estavam no bosque, rodeados de árvores e a salvo dos olhares curiosos das pessoas. Tinha anoitecido, e a lua derramava sua luz débil sobre a natureza, as bestas e os humanos por igual.

Maddox tinha atacado sem prévio aviso.

Usava o véu de Violência, e já não era uma mera sombra. Tinha dominado seu rosto por completo, e seus traços se transformaram em uma máscara esquelética. Rapidamente tinha matado a três dos Caçadores de uma navalhada no pescoço, como eles tinham tentado fazer com Torin. Caíram no chão um por um, mortos.

Reyes não se moveu. Não estava certo de que Maddox fosse consciente de onde estava nem de com quem lutava. E se Reyes intervinha, suspeitava que possivelmente o esfaqueasse também.

Sua raiva era tão intensa como a de Maddox. Por algum motivo se sentia responsável por Danika e estava furioso porque a tivessem levado ante seus narizes. O que importava que já estivesse marcada pela morte?

—Onde está seu líder? —perguntou Maddox em voz baixa ao único Caçador que estava respirando.

—N-Não sei - O homem choramingou. Tossiu.

—Onde estão as mulheres?

—Não sei – o outro chorou – Por favor. Por favor, não nos machuque.

Maddox não ostrava misericordia. Tocou a ponta de sua espada sangrenta, passando a lingua sobre os dentes. O sangue salpicado sobre a cara de esqueleto adicionava ainda mais algo de sinistro — Aonde levaram às mulheres?

—N...

—Diga isso, e eu vou cortar sua lingua e voce vai observar eu comê-la – Advertiu Maddox. Reyes não reconhecia aquela voz. Mais baixa, dura, do que tinha soado jamais. Ele era todo a besta, nenhum vestigio do homem. – Quero saber onde estão.

—Eu...

O homem não teve a chance de terminar a frase. Maddox foi para ele, o braço levantado. Ele cortou. Num momento o homem estava vivo. No seguinte, morto, o sangue escorrendo de seu pescoço.

Foi quando o último sobrevivente choramingou. Tossiu.

—Só vou perguntar mais uma vez, - Maddox disse, o Caçador tossiu de novo – Onde as levaram?

—Mclntosh não nos disse —respondeu tremulamente o Caçador—. Só nos disse que vigiássemos a cidade e que o avisássemos por rádio se víssemos algum dos Senhores. Exceto a senhorita Darrow, não acreditávamos que houvesse mais mulheres no castelo. Por favor. Só querem à garota e a caixa. Por isso queriam entrar na fortaleza. Isso é tudo.

Reyes se aproximou e pegou o rádio que um dos corpos tinha preso com uma correia. O enganchou ao cinturão, com intenção de escutar e averiguar o que pudessem. Naquele momento só havia silêncio.

Maddox o olhou e Reyes assentiu. Sem uma palavra de advertência, Maddox rompeu o pescoço do homem e deixou que caísse sobre seus amigos. Não podiam permitir que permanecesse com vida. Era um Caçador, e estava infectado. Além disso, tinha tomado parte no desaparecimento de Ashlyn.

—O que fazemos agora? —perguntou Reyes olhando ao céu. Em parte, tinha a esperança de que a resposta caísse das estrelas.

—Não sei. —disse Maddox.

Estava desesperado. Sabia que, se não encontrassem logo  Ashlyn, teria que esperar o dia seguinte para continuar com sua busca, quando voltasse da morte. E se tivesse que esperar, se Ashlyn tivesse que passar toda a noite com os Caçadores...

Maddox queria matar a todos.

—Vamos revistar a cidade outra vez. Tem que ter algum rastro —propôs Reyes. — Certamente passamos desapercebido por alguma coisa.

Ambos os guerreiros voltaram para a cidade. Os poucos pedestres que havia pela rua se separavam de seu caminho. Certamente, a explosão da bomba tinha acabado com a idéia de que eram anjos. Isso, e o fato de que Maddox tivesse a rosto e as mãos manchadas de sangue.

Quando ele e Reyes estava em um beco, um lugar sujo, com cheiro de urina o envolveu como um caixão em tamanho real, ele parou e olhou para o céu aveludado como Reyes havia feito. Desamparo o bombardeou, um companheiro pobre para a raiva e escuridão urgente que ele sentia.

Ashlyn era a sua razão de viver.

Ele a amava. Ele tinha reconhecido isso antes, mas tinha certeza agora. Ela era doçura e era luz. Era paixão, e calma. Esperança e vida. Innocence e ... tudo. Ela era o seu tudo.

Agora que ele a encontrara, ele não poderia imaginar sua vida sem ela. Era como se ela fosse o elo que faltava, o elemento final de sua criação, a única coisa que completava ele.

Ele havia prometido a ela que sempre ia protegê-la.

Tinha fracassado.

Rugindo, ele socou a parede ao lado dele. Sentia-se feito retalho por dentro.

Um jornal dançou nos tornozelos de Reyes e o guerreiro abaixou, agarrou e a amassou em uma bola antes de arremessar para o lado.

Depois de um momento, Reyes se voltou para ele.

—Nosso tempo está acabando.

—Sei.- Pense! - Os Caçadores não puderam tirar as mulheres da cidade. Estarão concentrando suas forças em procurar a caixa, e devem pensar que a temos no castelo, para ter entrado dessa maneira.

—Sim.

—O mais certo é que ainda estejam aqui, escondidos.

—Possivelmente queiram usar às mulheres como moeda de troca pela caixa.- Reyes disse - Deveríamos organizar uma troca.

Pelo seu tom, Maddox sabia que ele não seria justo. Eles levariam as mulheres e deixariam só o derramamento de sangue atrás

—Como? —perguntou Maddox.

Reyes lhe mostrou o transmissor. Ambos escutaram durante uns momentos eternos, agonizantes, mas não ouviram nada, salvo ruído, inclusive quando tentaram fazer contato.

— Maldito seja! Não quero voltar para o castelo com as mãos vazias, mas não sei o que mais podemos fazer — Reyes soava torturado pelo pensamento. — Se aproxima a meia-noite.

Tudo o que Maddox sabia era que ele precisava Ashlyn segura e em seus braços. Mirando ainda o céu, ele alargou os braços.

—Ajude-nos, - ele e o espirito gritaram juntos. - Ajude-nos. Por favor.

Nada. O céu não se abriria e derramaria uma onda de chuva. Raios não cairiam. Tudo permanecia como estava. As estrelas brilharam em seus poleiros tingidos. Seus olhos se estreitaram. Quando isto terminasse, ele e os indiferentes deuses egoístas iriam ter um acerto de contas. Seja o que for que tinha sido feito para Ashlyn, ele retribuiria igual para eles. Multiplicado por mil.

—Vamos percorrer a zona outra vez.

Reyes assentiu.

Cinco minutos depois, Reyes e Maddox estavam saindo de uma capela que acabavam de revistar, quando viram um ancião do outro lado da rua. Estava sujo, desarrumado, e só usava um casaco cheio de buracos. E tossia. Tinha uma tosse dilaceradora.

Maddox recordou a noite em que Torin tinha pisado naquela mesma cidade, que então era muito diferente. Cabanas em vez de edifícios. Ruas de barro, em vez do empedrado. As pessoas eram iguais, entretanto. Frágeis, e confiadas.

Torin tinha tirado uma luva e tinha acariciado a bochecha de uma mulher que tinha rogado a ele. Era uma mulher que ele estava desejando, à distância, há muitos anos. Ele tinha se rendido e tinha pensado que, por uma vez, alguém sobrevivesse. Que o amor conquistaria tudo.

Uma hora depois, a mulher tinha começado a tossir, tal e como tossia aquele ancião.

E pouco depois, o resto do povo tinha caído doente. Durante os dias seguintes, a maioria de seus habitantes tinha morrido com a pele cheia de úlceras e sangrando pelos orifícios do corpo.

Maddox murmurou uma maldição entre os dentes Ashlyn estava em algum lugar, com os mesmos Caçadores que tinham provocado uma nova epidemia.

Violência se afundou completamente na sombra da sua mente, como se respeitando que Maddox era necessário para assumir o comando.

Ele e Reyes atravessaram a rua com passos pesados, diminuindo a distância entre eles e o velho.

A maior parte da área ainda estava deserta, as pessoas seguras dentro de suas casas. Amanhã, eles não estariam seguros, nem mesmo lá.

—Tenho que falar com você —disse de repente ao ancião.

Sem deixar de tossir, o homem se deteve. Tinha um olhar febril. Ao ver o guerreiro, se sobressaltou.

—É um deles. —disse entre tosses. — Os angyals. Meus pais me contavam contos sobre vocês. Quis lhes conhecer durante toda minha vida.

Maddox apenas o ouviu.

—Possivelmente tenha visto um grupo de homens que não são da cidade. Certamente tinham pressa e usavam uma tatuagem no pulso. O mais provável é que fossem acompanhados de cinco mulheres.

Tentava manter um tom de calma, reprimir a fúria e dominar o desespero. Não serviria de nada assustar ao ancião e lhe provocar um ataque cardíaco.

Embora possivelmente aquilo fosse compassivo. A morte o levaria logo, e não ia ser uma morte fácil. Sim, Lucien ia estar muito ocupado.

Reyes descreveu aos Caçadores que tinham visto na discoteca, e depois descreveu às mulheres.

—Vi à mulher loira da que fala —disse o homem. Tossiu. — Tinha três mulheres com ela, mas não recordo como eram.

Danika, então. O mais provável era que estivesse com sua família. Isso significava que Ashlyn estava... Não. Não! Estava viva, estava bem.

—Aonde foram? —Perguntou Maddox, tentando se controlar, apesar de sentir uma tremenda ansiedade — Me diga por favor.

O homem cambaleou entre tosses.

—Foram correndo pela rua, seguidos de um homem alto —explicou ofegando— Quase me atiram ao chão.

—Em que direção? —perguntou Reyes.

— Para o norte.

—Obrigado —disse Reyes— Muito obrigado.

O ancião voltou a tossir e desabou. Embora não quisesse perder um segundo, Maddox se ajoelhou junto a ele.

—Durma. Nós... o benzemos.

O humano morreu com um sorriso, coisa que Maddox nunca tinha feito.

«Ashlyn», pensou. «Vou buscar você».

 

Ashlyn despertou com um grande sobressalto ao sentir o golpe da água gelada na rosto. Passou um momento no qual só ouviu seus próprios ofegos; depois conseguiu se orientar. Tinha a camisa colada na pele, quase gelada. Seu olhar foi se focando pouco a pouco e logo distinguiu a sala em que estava. Tinha paredes de pedra, escuras, cheias de marcas. A um lado tinha barrotes, através dos quais se via um corredor estreito, também de pedra. No canto mais afastado havia algemas penduradas.

«Não se deixe dominar pelo pânico».

O próximo que viu foi uma rosto familiar. Antes, Mclntosh teria sido uma imagem bem-vinda. Entretanto, naquele momento Ashlyn sentiu ódio por seu chefe.

Depois de deixar o cubo vazio no chão, ele se sentou em um tamborete de madeira, em frente a ela. Ashlyn estava atada a cadeira, com os braços algemados à costas. Quando tentou se liberar, o metal frio das argolas lhe cravou nos pulsos.

—Onde estou? —perguntou.

—No Halal Foghaz. —respondeu ele, em um tom mais áspero do que o normal.

A Prisão dos Mortos.

—Alguns dos piores criminosos de Budapest já foram confinados neste cárcere e aqui permaneceram até que se rebelaram contra seus guardas e os mataram. Depois, o lugar foi enclausurado. Até faz umas poucas semanas.

Ela o olhou com os olhos entreabertos.

—Se tranqüilize. —disse ele. Estava muito pálido e tinha os olhos avermelhados. Não deixava de tossir. — Não sou o dragão que dava tanto medo a você quando você eu lia os contos de fadas.

O aviso daqueles anos que tinham passado juntos não a enterneceu.

—Me solte, por favor. - Gotículas de água escorria de sua boca, as gotas que se fundiam com a sujeira e ela não queria pensar sobre o que mais. Granulos arranhavam sua gengiva. - O que tem feito aos guerreiros? Onde estão as outras mulheres?

—Responderei a suas perguntas no seu devido tempo, Ashlyn. Neste momento é você quem tem que responder as minhas, de acordo?

Tossiu de novo. Ao menos, parecia razoável, não era o fanático louco com o que se encontrou no castelo.

Ela estremeceu de frio.

— De acordo. —respondeu.

Entretanto, não pôde dizer nada mais. As vozes invadiram sua mente. Ficou rígida.

Pareceu ouvir um suspiro de Mclntosh. Depois, ele disse:

—Vejo que agora não pode responder nada. Voltarei quando as vozes se sossegarem.

Ashlyn percebeu o som de uns passos e ouviu que as barras se fechavam de repente. E depois, só ficaram as vozes. Tinha muitas, muitas. Prisioneiros, assassinos, ladrões. Violadores.

—Maddox. —choramingou ela. Nem sequer podia tampar os ouvidos, porque tinha as mãos algemadas. As vozes eram muito altas, muito altas, muito altas— Maddox.

Sua imagem lhe encheu a mente, forte, decidida. Em seus olhos de cor violeta havia ternura, e tinha os lábios suaves ao beijá-la. O cabelo escuro lhe caía pela testa.

«Estou aqui», disse. «Estou aqui. Sempre a protegerei».

Imediatamente, as vozes sossegaram, se acalmaram. Não se desvaneceram por completo, mas já não eram debilitantes. Ela piscou de surpresa. Como? Isso nunca tinha lhe ocorrido antes. Maddox estava perto?

Seu rosto reverberou e desapareceu. Então as vozes voltaram a ser ensurdecedoras. Ela imaginou uma vez mais e, de novo, as vozes se acalmaram. De novo voltaram a ser suportáveis.

Se a situação não tivesse sido tão grave, teria sorrido.

«As posso controlar. Posso controlar!», pensou. Era assombroso. Maravilhoso. Já não teria que se esconder. Não teria que evitar as zonas mais concorridas. Nunca mais!

«Sim, Darrow. Não quero ser desmancha-prazeres, mas está presa. Com um Caçador. Não se lembra?».

Como se estivesse ouvindo seu diálogo interior, uma voz riu alegremente.

«Sei como escapar. Quer se pôr em ação, ou quer ficar neste buraco para sempre? A única coisa que tem que fazer é escavar um pouco».

Aquela voz do passado não estava falando com ela, a não ser com outro prisioneiro. Sua conversação lhe chamou a atenção. Sem se desprender da imagem de Maddox, escutou as instruções sobre o que tinha que fazer e logo, entendia o que tinha que fazer.

—Obrigada. —sussurrou quando as vozes terminaram de falar.

—Sim, sim. De nada —disse uma nova voz. Era do presente, não do passado.

O sorriso se apagou dos seus lábios. Olhou a seu redor. Estava sozinha, e entretanto tinha algo que... carregava o ambiente. Algo que vibrava poder e energia.

—Quem está aí?

—Quer saber como romper a maldição, ou não? —perguntou uma voz feminina— Ouvi que antes falava disso.

Ashlyn notou calor de um ombro a outro, como se alguém lhe passasse um dedo pela pele. Então, uma brisa quente soprou diante dela. Entretanto, seguia sem ver nada. Não sabia com o que estava tratando, mas não era humano. Uma imortal? Uma das deusas de Maddox?

—Sim —disse, tremendo.—É certo.

—Muito bem. Eu posso ajudá-la.

Ashlyn ficou aniquilada. Uma deusa ia ajudá-la?

—E me dirá também como posso escapar?

—Cada coisa a seu tempo, menina. —respondeu a voz.

De repente, algo começou a brilhar em um canto, e um cabelo comprido e muito loiro, quase branco, apareceu à vista. Depois, Ashlyn viu uma mulher alta, com o corpo de uma modelo, vestida com uma camiseta vermelha e uma saia negra, muito curta. Usava botas altas de salto. Finalmente, apareceu sua rosto, e Ashlyn se viu ante a encarnação da beleza. Tinha os traços tão perfeitos, tão sublimes e majestosos que só podiam ser os de uma deusa.

—Seu amigo, captor, ou o que seja, mencionou os contos de fadas, não?

Estava delirando, ou aquela mulher era real?

—Sim.

—Pois já tem a resposta. Pensa nos contos —disse a desconhecida. Franziu o cenho e lambeu um pirulito cor de rosa. — O que lhe ensinaram?

«O suficiente», pensou Ashlyn.

—A procurar um príncipe?

—Uf. Não. Pensa, menina. Tenho que voltar.

Voltar aonde? Como se chamava aquela mulher? E por que tinha ido ali ajudá-la?

—Disse que pense, e não me parece que o esteja fazendo, menina. Está me olhando dos pés à cabeça. Quer uma parte, ou algo assim?

Dela?

—Não, é obvio que não.

A mulher deu de ombros.

—Então, sugiro que comece a pensar.

Bem, bem... Pensar. Era difícil recordar os detalhes de um conto quando tinha tanta vontade de escapar, mas o conseguiu. Na Bela Adormecida, o príncipe tinha que abrir caminho entre espinhos e o fogo para matar ao dragão e salvar a sua princesa. Nos Onze Cisnes, a princesa tinha que deixar de falar durante muito tempo, e se expor à morte, para salvar a seus irmãos de uma horrível maldição.

—E bem?

—Os contos de fadas ensinam a ter decisão e perseverança, e se sacrificar. Bom, eu sou decidida e perseverante, mas, o que tenho que sacrificar? — perguntou, e estremeceu. Pediria que sacrificasse sua relação com Maddox? Ele era tudo para ela. Entretanto, para salvá-lo faria qualquer coisa. Seu estômago se encolheu ao pensar nisso.

—Não sou uma princesa, e minha vida não é um conto de fadas.

Uma risada.

—Bom, e não quer fazer com que seja? —houve um momento de silêncio. —Ah, que chato. Vem seu inimigo. Pensa no que disse e falaremos mais tarde.

— Mas se não me disse nada!

Passou um segundo e pareceu que o ar se fazia pesado de novo. Toda sensação de vida se desvaneceu.

—Está melhor? —perguntou McIntosh de repente.

Ashlyn abriu os olhos. Quando os tinha fechado? Mclntosh estava atrás das grades. Teve um ataque de tosse tão forte que se dobrou pela metade. Só podia se manter em pé se agarrando a um dos barrotes. Estava mais pálido e mais doente que da última vez que Ashlyn o tinha visto.

—Melhor. —disse ela brandamente. Tinha imaginado aquele encontro com a deusa?

Ele abriu a cela e entrou cambaleando. Entre tosses guardou a chave no bolso. Não chegou ao tamborete, caiu ao chão. Passou um minuto; depois, dois. Ele não se movia, não emitia nenhum som.

—Mclntosh? Está bem?

Por fim, um movimento. Ele sacudiu a cabeça como se precisasse sair de uma espessa névoa.

—Tenho um resfriado. A maioria dos homens se contagiou. O Caçador virou e deitou de barriga para cima, com um gesto de dor. Ashlyn franziu o cenho.

—Quanto tempo estamos fora da fortaleza?

—Quase todo o dia.

Um dia? Se pôs tão doente em um dia?

—Antes não parecia que estivesse tão mal.

—Não estávamos. —respondeu ele, e tossiu de novo. Naquela ocasião, o sangue apareceu pela comissura de seus lábios. — Alguns estão mais doentes que outros. Malditos micróbios. Pennington morreu, na realidade, o pobre. Bom, possivelmente haja sorte... — se arrastou para trás e se apoiou nas barras.

Alguém tinha morrido de um resfriado?

—Tem que ir ao médico.

A ira se refletiu nos olhos escuros de McIntosh enquanto fazia um grande esforço por se erguer.

—O que preciso é dessa caixa. Esses homens são malvados, Ashlyn. Com sua mera presença estendem a mentira e a dor, as dúvidas e a miséria. São a causa da guerra, da fome e da morte —disse. Tossindo de novo, meteu a mão no bolso das calças e, fracamente, jogou algumas fotografa no seu colo.

—Lutamos contra estes desgraçados durante muito tempo. Sua maldade não tem limites.

Ela olhou para baixo e sentiu náuseas. Tinha corpos decapitados, uma mão desprendida do corpo, rios de sangue.

—Os homens que segue defendendo foram quem fizeram tudo isso.

«Maddox não», pensou ela. Ele não.

—Os homens aos que conheci não são a fonte dos males do mundo. Podiam me ter feito mal, mas não o fizeram. Podiam ter  violado ou matado às outras mulheres, mas não o fizeram. Podiam ter atacado Budapest e ter matado a suas pessoas, mas tampouco o fizeram.

A cabeça dele caiu para um lado e, durante um instante, Ashlyn pensou que tivesse dormido; ou que tivesse morrido. Aquilo não era um resfriado. Não podia ser. Ante seus olhos, em Mclntosh estavam saindo marcas de varíola na rosto.

—Mclntosh?

Ele despertou de um sobressalto.

—Sinto muito. Estou enjoado.

—Me desate. Deixe que o ajude.

—Já lhe disse isso. Não confio em você. Esteve com esses monstros, e lhe corromperam.

—Não, não é certo. Me ajudaram.

—Eu a ajudei. Me assegurei de que estivesse protegida, te dei uma vida que inclusive seus pais teriam negado.

—Sim, você me ajudou —disse ela; entretanto, pensou que nunca a tinha ajudado da maneira que ela necessitava. A tinha ajudado porque lhe era útil. — Agora, me tire as algemas e deixa que o ajude.

Um suave suspiro escapou dele, que terminou em tosse. Quando o ataque cessou, Mclntosh ofegou:

—Deveria ter ido para casa como disse a você. Entretanto, me desafiou e seus guardas não informaram isso. Quando chequei sua situação, era muito tarde. Oxalá, tivesse chegado antes para buscá-la, mas não podia bater na porta assim sem mais. Tinha que ter um plano.

—O que significa que checou minha situação? E a que plano se refere?

—À explosão. Distraiu a essas criaturas enquanto a recuperávamos. Soube onde estava pelo GPS que usa no braço.

Oh, Deus. Explodiram aquela bomba por ela. Seus olhos se encheram de lágrimas. «Foi minha culpa». Podiam ter morrido todos.

—Não entendo o que quis dizer com o GPS. —sussurrou.

—Não é um método anticoncepcional, como lhe dissemos. É um chip. Sempre soubemos onde estava.

Ela ficou boquiaberta. Aquela traição lhe doeu e a enfureceu. Além disso, teve um terrível sentimento de culpa. Como tinham se atrevido! Nunca tinha se sentido mais ultrajada. Queria chorar. Queria gritar. Pela primeira vez em sua vida, queria matar.

«Suponho que depois de tudo, sim era uma isca», pensou quase com histerismo. Embora não fosse sua intenção, ela tinha conduzido aos Caçadores diretamente à porta de casa de Maddox.

— Deixamos que um de nossos homens fosse capturado ontem —prosseguiu Mclntosh—. Ele conduziu aos demônios à discoteca. Os deixamos ali, quando poderíamos ter prendido a todos. Por você. —sorriu fracamente antes de sucumbir a outro ataque de tosse. Ashlyn se deu conta de que sangrava pelos olhos, e o sangue formava rios que pareciam veneno.

—Me desate, Mclntosh. Por favor. Eu o ajudei durante todos estes anos. Não me deixe morrer aqui.

Ele não respondeu durante vários segundos. E então, a surpreendeu, ficou em pé com grande esforço. Se aproximou dela e se ajoelhou atrás da cadeira. Com debilidade, lhe abriu as algemas. O metal caiu ao chão com estrépito e ela ficou livre.

Se levantou da cadeira e se agachou junto a Mclntosh. Ele respirava com dificuldade. Não parecia que fosse sobreviver muito tempo. Face à ira que sentia, apesar de tudo o que ele tinha feito, ela sentiu que a dor enchia seu peito.

—Onde estão as outras mulheres? —perguntou com gentileza.

Uma pausa. Uma exalação dolorosa.

—Certamente, em um avião para Nova Iorque.

—A que parte de Nova Iorque?

Os olhos dele se fecharam.

— Mclntosh! Acorde e me fale.

Ele conseguiu abrir os olhos, mas cada vez estava mais débil.

—Elas serão trocadas pela caixa. Um dia se dará conta —sussurrou— O mundo será um lugar melhor sem eles —então sorriu e acrescentou— Muito em breve. Papai estaria orgulhoso.

Suas frases já não eram coerentes. Saíam de seus lábios sem uma ordem concreta.

—O que me ocorre?

—Não sei. —respondeu Ashlyn com voz trêmula. —Tem que ir ao hospital.

—Sim.

Morreu um segundo depois. Sua cabeça desabou e seu corpo ficou completamente torcido.

Ashlyn cobriu a boca com a mão. Mclntosh estava morto. Ele a tinha traído, sim, e uma parte de si mesma o odiava por isso. Entretanto, a menina que vivia dentro dela, ainda desejava sua aprovação.

Tremendo, com os olhos cheios de lágrimas, ficou em pé. Não pegou a chave da cela da mão de Mclntosh porque não a necessitava. Tinha planejado usar a mesma via de escapamento que tinha usado o prisioneiro.

Mas primeiro...

«Adiante. Doerá, mas tem que fazê-lo».

Tomou o tamborete no qual tinha estado sentado Mclntosh e o golpeou contra os barrotes de metal até que uma das pernas se quebrou. Então, com a borda irregular da madeira, arranhou desesperadamente o braço. Brotou o sangue, e ela gemeu de dor. Finalmente chegou até o chip do GPS. O extirpou, atirou  ao chão e o escondeu entre a terra do chão da cela.

«Depressa, Darrow, depressa».

Não podia correr o risco de se encontrar com mais empregados do Instituto no andar de cima da prisão. Certamente, a maioria estava doente, como tinha dito Mclntosh, mas isso não significava que os que estavam bem não a impedissem de sair. Recordou o que tinha averiguado ao ouvir a voz do prisioneiro, caminhou até a privada que tinha na cela e desenroscou os parafusos que o ancoravam à parede. Alguns não cediam; teve que tirá-los a força e esteve a ponto de romper os dedos para fazê-lo. Quando o último caiu ao chão, tirou a privada a chutes.

Ali descobriu um buraco do tamanho de um homem, que alguém tinha escavado para sair ao exterior. Ashlyn não queria ter que se arrastar por aquele túnel estreito e negro, mas com apenas olhar o corpo morto de Mclntosh, entrou pela abertura. De repente se viu rodeada pela escuridão.

—Não tenha medo. —se disse. A voz do prisioneiro pronunciou as mesmas palavras em sua mente. Seus ofegos ressoavam contra as paredes de barro. Um rato passou por cima dos dedos, e ela inalou bruscamente.

Teve a sensação de que engatinhava toda uma eternidade. Suas pernas doíam pelo exercício. Não teria sido tão ruim se não tivesse sido um caminho íngreme para cima. A terra lhe caía em cima, entrava pela boca e pelos olhos. «Continua. Segue subindo».

No final, a luz apareceu ao final do túnel. Embora fosse fraca, era visível. Ela se sentiu aliviada e acelerou os movimentos. Segundos depois encontrou uma pequena abertura pela qual não teria podido passar nem uma criança.

—Não. Não!

Começou a afastar terra com as mãos, e depois de muito tempo, viu o céu coberto de estrelas. Com os braços doloridos de esgotamento, saiu ao chão frio e duro. ficou em pé com os joelhos trêmulos e viu que estava rodeada de árvores cobertas de neve; estremeceu. A roupa de Maddox não a protegia da baixa temperatura.

Então ouviu o grito de um homem, um grito de tortura.

Ficou rígida. Maddox. Maddox! Devia ser meia-noite. Viu a fortaleza no horizonte, mas o grito não provinha daquela direção. Quando voltou a ouvi-lo de novo, começou a correr para os gritos, apesar do cansaço. Um novo uivo. Um rugido.

—Já vou, já vou.

Enquanto corria, Ashlyn começou a tossir.

 

Quando Maddox despertou, estava aterrorizado. Ashlyn o necessitava.

Se deu conta de que não estava no bosque. Não, estava na cama, em seu dormitório, olhando para o teto abobadado, como fazia todas as manhãs. Entretanto, não estava encadeado.

Como? por que?

A luz do sol entrava pela janela e lhe dava calor. Não tinha encontrado Ashlyn; o momento de sua morte tinha chegado e não tinha podido seguir procurando-a. Reyes, pensou então. Reyes devia tê-lo levado para casa.

Maddox saltou da cama com a intenção de continuar a busca. A encontraria naquele dia, custasse o que custasse. «Destruiremos o mundo, pedra por pedra, até que a recuperemos».

Não descansaria até...

Uma tosse de mulher o deixou imóvel. Tinha saído ao corredor e deu a volta. Viu Ashlyn deitada em sua cama. O choque foi tão forte que teve a sensação de que uma espada lhe atravessava o estômago.

Passou a mão pela rosto. Tinha medo de acreditar mas ao vê-la bem, sentiu uma onda de alívio. Correu para a cama com um grande sorriso, dando graças aos deuses e abraçou sua mulher.

Ela tossiu de novo.

Então Maddox se deu conta do que ocorria e o sorriso se apagou dos seus lábios. Não, Ashlyn não! Entretanto, a observou com atenção. Estava muito pálida e tinha umas olheiras muito escuras, muito pronunciadas. Além disso, tinha a pele coberta de pequenas manchas vermelhas.

O coração de Maddox se quebrou.

Tinha suspeitado, tinha temido... e o pior se tornara realidade. Os Caçadores a tinham exposto à enfermidade. Provavelmente, eles tinham morrido, um por um, e ela tinha escalado e tinha voltado para ele.

Tinha voltado para morrer em casa.

— Não! —rugiu. Não a deixaria. Ela era sua vida. Era preferível passar a eternidade ardendo no inferno que um minuto da vida sem ela. Reyes entrou na sala, como se tivesse estado esperando alguma sinal de atividade.

— Já despertou? Tinha tantos cortes nos braços que era difícil distingui-los.

—Não —respondeu Maddox com a voz quebrada.

 O guerreiro olhou para Ashlyn.

—Fiquei por perto. Esteve tossindo toda a noite. Sinto muito —disse. Depois acrescentou, em tom de consolo — A maioria dos que se contagiam morrem durante as primeiras horas da enfermidade, mas ela segue viva. Possivelmente sobreviva.

«Possivelmente» não era suficiente. Maddox pôs uma mão sobre sua testa. Estava ardendo. Começou a dar ordens.

—Me traga trapos úmidos. E mais pílulas dessas, se a bolsa de Danika ainda está aqui. E traz água, também.

Reyes se apressou a obedecer e voltou pouco depois com tudo o que Maddox lhe tinha encarregado. Não pôde despertar Ashlyn, assim esmagou as pílulas e colocou o pó na sua boca. Depois lhe fez beber água.

Ela tossiu e arquejou, mas finalmente tragou. Então abriu os olhos muito devagar e olhou para a luz.

—Casa... —sussurrou ao ver Maddox—Dói... É pior que antes.

—Sei, preciosa. —disse ele, e a beijou com ternura na têmpora. Embora Torin pudesse infectá-lo, um humano não. Não tinha importância, porque de todo o modo a teria tocado. —Desta vez também vai ficar bem.

—Chefe...Caçador... morreu.

Ele assentiu, mas não disse nada. Não podia lhe explicar o que pensava da morte daquele homem. Era satisfação.

—E Danika? —perguntou Reyes— Segui o buraco pelo que saiu e encontrei aos Caçadores mortos na prisão, mas Danika não estava lá.

—Possivelmente esteja... a caminho de Nova Iorque —respondeu Ashlyn com dificuldade.

Reyes empalideceu.

—Não lhe disseram nada mais?

—Sinto muito, não. —disse ela entre tosses.

Maddox estremeceu ante aquele som horrível.

Pôs um dos trapos frescos sobre a testa. Ela suspirou e fechou os olhos. Reyes passou uma mão pelo cabelo com frustração. Precisava caminhar, necessitava de dor.

—Vá. —lhe disse Maddox— Vá procurá-la.

O guerreiro olhou para Ashlyn, depois para Maddox e logo assentiu. Partiu sem dizer uma palavra mais.

Maddox permaneceu junto a Ashlyn durante horas lhe refrescando a testa, a obrigando a beber água. Recordava que Torin fazia aquilo anos atrás, depois de tocar à mulher e estender a praga.

Durante um tempo, Maddox pensou que a vontade de viver de Ashlyn seria mais forte que a enfermidade, porque ela não tinha morrido, como os outros. Isso, ou possivelmente alguém a estivesse ajudando...

Entretanto, pouco a pouco a tosse se foi fazendo mais forte e ela tinha começado a sangrar. Estava tão fraca que nem sequer podia se sentar. Tinha a garganta muito inflamada e já não podia tragar a água.

Sem saber o que fazer, Maddox a envolveu na manta e a colocou nos braços. Sem dizer nada a seus amigos, a tirou do castelo. Eles não lhe perguntaram o que queria fazer. Provavelmente, temiam que ficasse violento. Teria ocorrido. O espírito estava fervendo dentro dele, preocupado também, ansioso por destruir, por mutilar, por matar. Naquela ocasião era por frustração, por impotência, e não por fúria.

Correu pela colina, correu para o centro da cidade, e levou a Ashlyn diretamente ao hospital, onde no dia anterior a tinha estado procurando. Em um corredor abarrotado encontrou a um homem enluvado, com máscara, que dava ordens.

—Me ajude. —lhe disse, cortando seu discurso. — Ajude-a, por favor.

O homem do jaleco branco, distraído, olhou para Ashlyn e exalou um suspiro de cansaço.

—Todo mundo necessita de ajuda, senhor. Terá que esperar sua vez.

Maddox lhe cravou um olhar feroz. Se deu conta de que Violência apareceu em seu rosto. Soube que os olhos tinham se voltado de um brilho vermelho.

—É... é você um deles. Da colina —gaguejou o homem. — A deite aí — disse, e apontou uma cama com rodas que tinha no final do corredor. — Me ocuparei dela pessoalmente.

Maddox fez o que lhe pedia e beijou Ashlyn brandamente nos lábios. Não obteve nenhuma resposta.

—Salve-a. „Ÿ disse ao médico.

—Eu... farei o que puder.

«Por favor, que sobreviva».

Queria ficar com ela, protegê-la, cuidá-la. Queria que estivesse com ele. Entretanto, se afastou de Ashlyn e saiu para a rua. A meia-noite se aproximava.

Pela manhã voltaria. Pobre do mundo, pobres dos deuses, se ela não estivesse ali, sã e salva.

 

Reyes amaldiçoava enquanto procurava pelo aeroporto e os hotéis próximos. Pelas clínicas. Tinha visto mais da cidade em dois dias que em todos os séculos que levava vivendo ali. Se sentia como um animal enjaulado. Precisava fazer algo, mas não podia fazer nada. Danika estava por aí; possivelmente estivesse doente, como Ashlyn. Possivelmente estivesse morrendo. E ele não a encontrava.

A noite estava chegando. Reyes estava pensando em tomar um vôo para Nova Iorque, mas sabia que não podia se afastar de Maddox. Quando os deuses tinham imposto a Maddox a maldição de que morresse cada noite, também tinham imposto uma maldição a Reyes que se sentia atraído para o guerreiro como se o arrastassem com algemas a seu lado. Não sabia por que ocorria a ele e não a Aeron. O único que sabia era que, à meia-noite, se via obrigado a voltar para a fortaleza. Sempre voltava.

Tinha tentado se afastar muitas vezes para provar seus limites, para provar a reação dos deuses, mas sempre se via atraído para Maddox à meia noite.

— Maldição!

Desencapou uma de suas adagas e se fez um corte na coxa. O tecido da calça se rasgou e o sangue brotou da ferida. O que ia fazer? Tinha uma necessidade muito forte que nunca tinha sentido, a necessidade de salvar, de resgatar, de proteger. Mas só a Danika. Só para olhar aqueles olhos angélicos outra vez e sentir um comichão de prazer.

Um prazer que ele nunca poderia experimentar, supostamente.

Entretanto, o tinha sentido, e queria mais.

«Os deuses não teriam ordenado a Aeron que a matasse se Danika pudesse morrer pela enfermidade de Torin, ou se os Caçadores estivessem destinados a lhe atirar o golpe de graça». Reyes se animava com aquele raciocínio.

Possivelmente Reyes devesse soltar Aeron, que estava trancado em um dos calabouços do castelo, e deixar que ele o guiasse até Danika. Ira seria capaz, sem dúvida, de seguir seu aroma, e Reyes poderia liberá-la dos Caçadores.

Não. Se Aeron a encontrasse primeiro, a mataria.

«Esquece-a. É uma humana. Há milhares. Milhões. Pode encontrar outra humana que pareça um anjo».

—Não quero encontrar outra humana. —gritou ele. Entretanto, sabia que não poderia ter Aeron preso para sempre. — Maldita seja.

«Deixa de se comportar como uma criança», disse uma voz feminina que ressoou dentro de sua cabeça, e que o deixou surpreso. «vá procurar pela colina, e se cale de uma vez. Está me causando uma boa dor de cabeça».

Ele ergueu os ombros e olhou a seu redor, com a faca preparada. Não viu ninguém.

« O que está esperando?», perguntou de novo a voz. «Depressa».

Era uma deusa? Não podia ser Dúvida, porque a que falava era uma mulher. Reyes não esbanjou mais tempo em tentar decifrar aquele enigma. Ficou em marcha e, dez minutos depois, estava aos pés da colina.

Danika estava ali com um homem. Era Kane. Ambos estavam caídos no chão, gemendo de dor.

Reyes sentiu fúria ao pensar que ela estava ferida, mas também sentiu alívio. Assombrosamente, parecia que tinham estado subindo para voltar para o castelo. Tinha rochas ao redor do casal, como se tivessem caído do céu e eles fossem seu alvo.

Reyes pegou Danika nos braços e moveu Kane com o pé para despertá-lo. No caso de alguma surpresa, manteve uma mão no punho da adaga. Não se sentia de todo cômodo com a volta dos outros Senhores.

Kane grunhiu e abriu os olhos. Fez gesto de pegar a pistola que usava na cintura, mas de uma chute, Reyes a tirou das mãos.

—Vamos, matem um ao outro —disse Danika fracamente. Tinha o cabelo loiro cheio de sangue. Naquele instante, Reyes entendeu a violência escura que devia sentir Maddox cada vez que pensava que Ashlyn podia estar ferida.

—O que passou a você? —perguntou a Danika—. Se Desastre houver...

—Essas rochas caíram em cima de nós —disse ela, limitando seus furiosos pensamentos.

— Suponho que caíram da montanha. Ele me empurrou para evitar o pior. Tropecei e caí, e bati a cabeça.

Reyes relaxou, mas só ligeiramente.

—Obrigado. —disse a Kane.

O guerreiro assentiu, esfregou a têmpora como se lamentasse o que tinha ocorrido, e ficou em pé.

—Onde está sua família? —perguntou Reyes a Danika. Poderia ter ficado assim com ela para sempre.

—A caminho de um lugar onde nunca as encontrará —disse ela. Não o olhava, e se retorcia para que ele a deixasse. —Me solte.

«Nunca», quis dizer ele.

—Não. Está muito fraca para caminhar.

Ele se voltou para Kane e lhe falou em húngaro para que Danika não pudesse entendê-lo. Ou isso esperava.

—Como a salvou? E não fale em inglês.

Oxalá, Kane o entendesse.

—Os Caçadores iam a caminho do castelo quande Torin e eu topamos com eles —respondeu o outro guerreiro, no mesmo idioma. É obvio que falava húngaro, pensou Reyes, não teria viajado a Budapest sem se preparar antes. — Lutamos, mas eram muitos... fizeram um corte em Torin, e me apanharam. Cometeram o engano de pô-la na mesma caminhonete que eu. Os pneus estouraram e o veículo saiu da estrada.

—E onde estão agora os Caçadores?

—Mortos.

Bem, embora uma parte de si mesmo tivesse vontade de matá-los outra vez, de uma maneira dolorosa e lenta. Olhou para Danika e procurou nela alguma sinal de enfermidade. Entretanto, tinha uma cor saudável e não tinha nenhuma marca em sua pele. Assim, ela não se contagiou. Pelas razões que ele temia?

—Por que voltou? —perguntou a Danika, falando de novo em inglês.

—Ele me obrigou. —disse ela assinalando a Desastre.  —Ashlyn está bem? Os ouvi falando de lhe causar mal para que vocês saíssem do castelo e que eles pudessem ir em busca dessa estúpida caixa.

—A encontramos.—disse ele—Está muito doente.

Danika engoliu em seco. —Vai...?

—Só o tempo dirá.

Reyes fez um sinal a Kane para que caminhasse diante deles. O guerreiro assentiu e ficou em marcha.

—A morte está na cidade, Danika. Ficará no castelo até que os Caçadores sejam aniquilados e passe a enfermidade.

—Não. Não o farei.

Ela lutou em seus braços, tentando empurrá-lo pelo torso para poder pousar os pés no chão.

—Quero ir para casa agora.

—Se movendo assim só consegue esfregar seu corpo contra o meu.

Danika ficou imóvel, e ele se alegrou e se decepcionou ao mesmo tempo. Não tinha mentido. O corpo de Danika era quente, cheirava a pinheiro, e cada vez que se movia, as terminações nervosas de Reyes se excitavam.

Ele começou a subir pela colina por um caminho diferente ao de Desastre. Só no caso de alguma eventualidade. Reyes se sentia muito aliviado pela volta de Danika.

—Vou ser sua prisioneira outra vez?

—Convidada, seria o termo, por todo o tempo que você queira. Trancamos Aeron no calabouço. Não pode descer ali, entendido? A mataria sem pestanejar.

—Outro motivo pelo qual quero ir para casa. Essas coisas não acontecem lá.

—E onde está sua casa?

—Não vou lhe dizer isso seqüestrador.

Se ele se saísse com a sua, Danika logo contaria tudo o que teria que saber dela. Passariam juntos, em seu dormitório, o pouco tempo que tivessem.

Possivelmente depois, ela nunca quereria ir-se...

Certo! Às mulheres como ela nunca gostavam dos homens como ele. Ele se cortava como forma de prazer, de alívio. Algumas vezes tinha a sensação de que morreria por não fazê-lo. Se ela soubesse, o desprezaria. E de todos o modo, isso era o melhor.

„Ÿ Danika, é melhor se manter longe dele. Longe de Ira.

Quando aquela enfermidade passasse, a deixaria partir. Não podia ir com ela para protegê-la. Além disso, ela não quereria sua companhia. E não podia impedir Aeron de cumprir com seu dever.

Para Reyes, não haveria final feliz.

 

Ashlyn estava no limite da consciencia. Só via sombras, e ouvia uma única voz. Todas as vozes do passado e do presente se inibiram por respeito aquela. Era a que tinha ouvido no calabouço. Etérea, como a de um fantasma. Era um fantasma muito moderno, que estava ligeiramente aborrecido e que seguia chupando um pirulito.

«Aqui estooou», disse, e riu. «Não é preciso que expresse sua alegria. Sinto o amor. Bom, pensou nos contos de fadas, ou não? Só tenho uma semana antes que me descubram, assim devo resolver este assunto quanto antes».

«Pensei», tentou dizer Ashlyn, mas não pôde formar as palavras.

«Bem».

Bom, a deusa a ouvia de toda as maneiras.

«Sacrifício», pensou Ashlyn. «Tenho que sacrificar algo para quebrar a maldição de Maddox».

«Muito bem, muito bem. —E o que tem que sacrificar?».

«Ainda não sei. Como se chama?».

«Meu nome é... Anya».

Anya. Era um nome bonito.

« E quem é?».

«Em... estávamos falado do sacrifício. Se concentre. Não vou desobedecer ordens diretas para que você possa danificar esta pequena rebelião que tenho preparado. Fiz uma pergunta, e quero uma resposta clara».

Sacrifício, sim. Era muito difícil se concentrar quando tinha a mente feito mingau. Tinha uma coisa que sabia com segurança, a vida sem Maddox seria intolerável; entretanto, estava disposta a abandoná-lo para salvá-lo.

«Isso está melhor», disse Anya. «Mas não está pensando muito bem. Vamos, você passou por cima do mais importante dos ensinos dos contos de fadas? Agora tem a oportunidade de demonstrar que esse inútil do seu chefe te ensinou algo valioso, depois de tudo».

Valor. A palavra ressoou em sua cabeça e, de repente, Ashlyn soube. O sangue lhe gelou durante um instante, apenas ao pensá-lo. O melhor sacrifício era dar uma vida por outra.

«Aí o tem. Sabia que conseguiria. Vamos começar com o espetáculo. Desperta. Ele necessita de você».

A imagem de Maddox apareceu na mente de Ashlyn. Teve a sensação de que lhe estava agarrando as mãos, infundindo forças. Então... algo, e uma presença, um calor, invadiu seu corpo e a atravessou, reparou as feridas de seus pulmões e as contusões das costelas.

Abriu os olhos e encontrou Maddox olhando-a. Parecia estar muito cansado, mas ao vê-la acordada, sorriu, e aquilo foi a coisa mais bela que ela já havia visto.

Poderia deixá-lo de verdade?

Três dias mais tarde, Ashlyn estava o suficientemente recuperada para sair do hospital. Maddox a levou de volta ao castelo sem dizer uma palavra, e diretamente a seu quarto. Ela viu alguns dos guerreiros nos corredores. Alguns tinham um semblante grave, outros estavam zangados, mas todos a saudaram como se aceitassem sua presença embora não gostassem.

Quando a porta de seu quarto esteve fechada, Maddox a deixou no chão. Depois baixou os braços aos lados, cortando todo contato.

—Houve alguma notícia sobre as mulheres? — perguntou ela sem se afastar dele. Seu calor a envolvia, e sua proximidade a cativava.

—As liberaram. A todas, salvo Danika, que está deixando Reyes louco, o insultando a todo momento. — respondeu ele, e a observou atentamente. —Como se sente?

—Bem —disse ela, e não mentia. Ainda tinha uma ligeira tosse e uma irritação no peito, mas estava quase curada. O qual significava que tinha chegado o momento de salvá-lo.

«Ele necessita de você», tinha dito a deusa.

Ashlyn não ia contar a Maddox nada sobre Anya. Lhe tinha feito perguntas, perguntas que ela não queria responder. Sabia o que tinha que fazer para acabar com sua maldição. Sabia e  odiava, mas iria fazê-lo. Não podia permitir que ele a detivesse. Entretanto, a mera idéia de estar sem ele a enchia de desespero.

«Não quero lhe dizer adeus».

Estava a ponto de chorar, assim, se obrigou a sorrir. Aquele era seu conto de fadas, e iria salvar seu príncipe. Mas... não podia se despedir dele ainda. Desfrutaria do resto do dia falando com ele, o acariciando como não tinha podido fazer no hospital.

—O desejo —lhe disse. —O desejo com toda minha alma.

—Eu também a desejo —respondeu ele, com um repentino brilho de picardia no olhar. — Me dá a sensação de que passou uma eternidade da última vez que a acariciei.

Olharam o um ao outro, mas nenhum dos dois tocou ao outro.

—Quero que saiba... — Ashlyn mordeu o lábio e olhou para baixo, para as botas de Maddox. Era o momento da confissão —O amo.

Maddox ficou boquiaberto.

—É muito cedo —disse ela — Nossas vidas são muito diferentes, e eu sou a responsável por muitas das coisas que teve que enfrentar durante esta última semana, mas não posso evitar. Eu o amo.

Finalmente, ele a tocou. Acariciou seu rosto e, com suavidade, a obrigou a olhá-lo. A ternura superou à surpresa.

—Eu também a amo. A amo muito. Sou um homem violento com emoções violentas, mas não quero que tenha medo de que fique violento com você. Não posso fazer mal a você. Seria pior que me tirar o coração.

Ela sentiu a maior alegria de sua vida. Os olhos se fecharam de lágrimas. Se apoiou em seu peito. O necessitava mais que nunca. Ele baixou a cabeça, lentamente..., pura tentação..., sem afastar os olhos dela. Seus lábios se roçaram, se uniram em um beijo de beleza e amor.

Ele a beijou uma e outra vez, para sempre, saboreando-a, desfrutando dela. Ashlyn sentiu sua alegria, seu deleite, duas sensações que ela também estava experimentando.

—É tão bela. —sussurrou ele.

—Eu o amo. —repetiu ela.

—Eu amo você também, —respondeu Maddox— necessito de você.

Peça a peça, tirou suas roupas e peça a peça ela o despiu, se maravilhando a cada novo centímetro de pele que descobriam. Ele era tão grande, tão forte. Tão... dela. Era glorioso tocá-lo, saboreá-lo e memorizá-lo. Ele era ferozmente protetor, e a amava.

Ao ouvi-lo dizer aquelas palavras tinham-lhe dado um sentido sublime da paz. Certa vez, depois que ficou doente pela primeira vez, ele falou que esta era a casa dela. Era, ela percebeu. Era a única casa que ela nunca tinha realmente conhecido. Quão improvável era que um homem de violência fosse o único a dar a ela. Que seria ele a afastar a memória dos quartos acolchoados, o ruído enlouquecido, solidão e traição final. Quão...extraordinário.

—Eu vou adorar voce, - disse ele. - Com a minha boca, minhas mãos. - Ele caiu de joelhos.

—Não. - Ashlyn segurou seus ombros e puxou-o para cima.

Ele franziu a testa, confuso.

—É a minha vez.

Desta vez, ela se ajoelhou. Ela o adorou. Sua boca fechada em seu comprimento grosso, tão duro e quente, levando-o todo até a parte traseira de sua garganta. Ela nunca tinha feito isso antes, mas sabia o que fazer com isso, depois de ter ouvido ser descrito exaustivamente em detalhes por numerosas mulheres.

Suas mãos seguraram os cabelos dela, e gemeu.

—Ashlyn.

Realizar o ato não era algo que ela tinha pensado que gostaria, mas Ashlyn descobriu que adorou. Amava o prazer dele. Cima e para baixo, ela chupou-o, apreciando a forma como ele tremia, circulando a língua sobre a cabeça redonda antes de mergulhar até a base. Ela acariciou seus testículos. Dar prazer Maddox trouxe mais satisfação do que qualquer outra coisa que ela já fez, fê-la molhada e dolorida, uma escrava do desejo.

Ele empurrou, duro, se segurando e tentando ir devagar. Ela aumentou sua velocidade, pagando tudo o que ele tinha para dar.

Querendo que ele empurrasse, querendo isso duramente.

—Ashlyn, Ashlyn.

Com um rugido, ele derramou a sua semente quente em sua boca.

Ela engoliu cada pedaço dele. Quando seu último tremor se acalmou, ela ficou de pé, meio instavel. As pálpebras dele estavam caidas, seu lábio inferior inchado como se tivesse mastigado para manter afogados os gritos de prazer, em agonia. Seu rosto estava camuflado por essa máscara de esqueleto, deixando a ver o homem e besta. Ambos estavam olhando para ela com amor e ternura, uma necessidade tão profunda que era infinita.

Ele estava disposto a morrer por ela. Ela sabia, nas profundezas de sua alma, ela sabia disso. Não posso fazer menos por ele.

—Eu não vou te deitar na cama - ele disse, rouco.

—O-o que?

—Eu vou tê-la contra a parede, cada golpe comedido. Fundo. Não mais dois corpos, mas um.

Ela teria derretido em uma poça d'água se ele não tivesse pego nela. Ele fazia isso com ela, derrubando-a com suas palavras bonitas. Seus braços enrolado ao redor do pescoço dele, prendendo-os juntos. A eternidade em seus braços não teria sido suficiente.

Seus lábios desceram sobre dela e ele alimentou-a um beijo que foi lento e doce, quente e necessitado. Passo a passo, ele apoiou-a na parede, como tinha prometido. A fria pedra prensada em suas costas nuas e ela engasgou.

Sem parar, ele continuou a beijá-la, amassando os seios, uma homenagem a seus mamilos. Logo ela estava se contorcendo, ofegante, gemendo. Implorando.

—Mais. - ele prometeu. - Eu vou te dar mais.

“Deixe isso durar para sempre.”- Eu te amo. Eu te amo tanto.

Levantando-a, ele firmava-a contra a pedra com seus quadris, para não entrar - oh, por favor, entre, não, saboreie - e ancorava suas pernas em torno de cintura dele. Ela apertou-lhe bem, mas ele a forçou a relaxar e se segurou os joelhos, abrindo-se para ele. O ar frio beijou sua parte mais intima.

Dois de seus dedos traçou um caminho ardente para o baixo ventre e tocou no tufo de pêlos finos. Com os olhos fechados, ela tentou arquear seus quadris e levar aqueles dedos em seu núcleo. Ela estava pingando de necessidade.

O tinha desejado desde o começo, mas aquilo que sentia naquele momento... era a verdadeira necessidade de estar com o homem a quem tinha entregue o coração. Era mais que sexo, mais que prazer. Aquilo era o destino, era a união de duas almas.

—Toque-me Maddox.

—Eu vou, amor. Eu vou.

—Profundamente.

—Assim? - Seus dedos avançara para baixo ... para baixo ... então parou na fenda úmida.

—Mais.

—Assim? – Outra centimetro.

—Mais. Por favor.

Ele balançou a cabeça e com a mão livre agarrou seu queixo e levantando seu rosto para que visse o seu olhar amoroso. - Você não tem que me implorar, Ashlyn. Nunca. É meu prazer satisfazer todos seus desejos. Aqueles dois dedos enfim deslizaram para casa.

Suas costas arquearam. Ele trabalhou dentro e fora, o polegar esfregando seu clitóris. Oh Deus.

—Sim! - Era isso exatamente o que ela precisava, o que ela ia morrer sem. - Sim, sim. Mais.

Um terceiro dedo de imediato, se juntou ao jogo, aumentando o prazer, intensificando a sensação.

—Sim. Bem assim. - disse ela em uma fraca tentativa de recuperar o fôlego.

—Está tão apertado e molhado.

—Por você.

—Só por mim.

Muito rápido...não o suficiente...persistente. Rápido. Ela arqueou, montando seus dedos escorregando e deslizando contra eles. Seu clitóris estava inchado, desesperado.

—Preciso....preciso gozar.

—Preciso sentir voce.

Ele inchou dentro dela, num minuto, seus dedos estavam lá, no seginte, seu penis. Ele encheu-a, esticando-a, completando-a.

Ela suspirou e gemeu, em fogo, queimando deliciosamente. “Minha vida valeu a pena ser vivida, só por esse momento – por esse homem, pelos seu toque.”

—Amo voce – Ele resmungou contra sua garganta.

—Te amo, te amo, te amo – ela cantava ao ritmo de seus impulsos.

Ele esfregou-lhe a garganta, como se pudesse lamber suas palavras de seu corpo. Ele manteve seus impulsos mais lentos, assim como havia prometido.

—Nunca senti nada parecido com isso. Não quero que acabe.

Ela sentia isso também. O calor escaldante em seu sangue, eletrico, despertando cada célula.

—É muito bom...

—Para sempre – disse ele.

—Para sempre. Você tem meu coração para sempre.

Ele cresceu dentro dela uma última vez, batendo tão profundo que ela sentia em cada parte do seu corpo. Golpeando exatamente onde ela precisava dele, marcando-a. O orgasmo rasgou atraves dela. Ela gritou o nome dele.

Ele rugiu, segurando-a protetoramente. Calor os envolvia, tanto calor. Um calor que nunca mais ia morrer.

—Minha. – disse ele esfregando um beijo suave em seus labios.

—Sua. Sempre.

Maddox levou-a para cama e deitou-a delicadamente. Ele deitou-se ao seu lado. Aconchegando-a. Eles não falaram durante muito tempo, apenas apreciando ao outro.

«Um pouco mais», rogou Ashlyn. «Me dê um pouco mais».

—Senti sua falta. —disse ele, finalmente.

—Eu também senti sua falta. Não sabe o quanto. —respondeu Ashlyn, e pôs uma perna sobre a dele — O que ocorreu enquanto eu não estava? —se apressou a perguntar.

Lhe acariciou lentamente as costas enquanto respondia.

—Aeron está no calabouço. Como já disse, Reyes está tentando conquistar e repelir Danika ao mesmo tempo, e Danika está encerrada em seu quarto para impedir que escape. Feriram Torin, mas está se curando. Sabin e os outros, o homens que viu depois da explosão da bomba vieram viver no castelo. Neste momento estamos em trégua. Não é uma trégua fácil, mas é uma trégua.

Certo. Não tinha um momento de aborrecimento naquela fortaleza.

—Eu não gosto que Danika esteja presa.

—É por seu próprio bem, Ashlyn.

Ela suspirou.

—Confio em você.

—O que...? —ele fez uma pausa. Depois ficou tenso. — O que os Caçadores fizeram a você, Ashlyn?

—Nada, juro. Tenho que dizer uma coisa a você. — disse ela. «Por favor, não deixe de me querer». —Eu os trouxe até aqui, Maddox. Eu. Sinto muito. Eu não queria fazê-lo. Seriamente. Me enganaram e...

—Sei, preciosa. Sei.

Aliviada, ela relaxou. Ele a amava realmente, para lhe perdoar com tanta facilidade algo que podia ter causado sua morte. Ashlyn o abraçou com todas suas forças.

—Antes de morrer, meu chefe me contou seu plano de encontrar a caixa de Pandora e sugar a todos os demônios para seu interior.

—Nos contaram o mesmo —disse ele, e de repente, bocejou. Em seus lábios se desenhou um sorriso plácido. — Devo gratidão aos deuses por terem trazido você  de novo para meu lado, mas estou muito cansado para me aproximar agora deles. Preciso descansar um pouco, porque durante estes dias não consegui.

—Durma. Tem que recuperar as forças. —disse ela com voz rouca.

Ele riu. Foi um som de absoluta alegria.

—Seus desejos são ordens para mim.

 

«Ele não deve nada aos deuses, deve a mim. Mas juro que este é o último favor que lhes faço.  Dormiu, não percamos tempo».

Ashlyn ficou gelada ao ouvir a voz de Anya em sua mente. «Não, ainda não», gemeu seu corpo. «Preciso passar mais tempo com ele».

«Você escolhe, garota. Eu me demito».

E o fez. A vibração de Anya se dissipou, e o quarto ficou vazio.

Tremendo, Ashlyn se levantou e saiu sigilosamente do quarto. Não queria se separar de Maddox, mas não podia perder aquela oportunidade.

—É o melhor —ia dizendo— Ele não vai morrer outra vez, porque eu posso salvá-lo.

Durante quinze minutos, vagou pelos corredores do castelo, chamando nas portas dos dormitórios. Ninguém respondia. Nem sequer Danika. Todo o tempo os corredores ecoava com o som dos palavrões que alguem gritava. Ela ouviu barulho de correntes. Aeron, ela percebeu e estremeceu. Ele assustava-a.

 Finalmente, encontrou a um dos imortais. O anjo de cabelo prateado que a tinha tirado do quarto de Danika e a tinha escondido em outra. Torin. Enfermidade. Se achava estendido em uma cama, com uma toalha enroscada no pescoço. Estava muito pálido e tinha emagrecido, e sua expressão era de sofrimento. Apesar de seu evidente sofrimento, respirava pausadamente.

Ele não despertou. Se aproximou de um lado da cama e disse:

—Quem dera pudesse tocá-lo, pegar sua mão e agradecer por me esconder naquele dia. Pude encontrar Maddox e abraçá-lo aquela noite.

Ele abriu os olhos.

Assombrada, ela deu um salto para trás. Seus olhares se encontraram, e Ashlyn relaxou. Em seus olhos verdes só havia bondade, e ela pensou que possivelmente teria lhe dado as boas-vindas ao castelo se tivesse podido.

—Espero que melhore logo, Torin.

Possivelmente ele assentira, mas era difícil sabê-lo.

Depois, Ashlyn seguiu com sua busca.

Por fim encontrou um grupo de imortais. Seu coração se acelerou enquanto os observava sem que eles se dessem conta. Estavam fazendo exercícios. Faziam flexões, abdominais, levantamentos de pesos... Reyes estava golpeando com sanha um saco de boxe. O suor escorregava pelo seu peito, misturado com gotas de sangue.

Ele era o que segurava a espada cada noite. Ashlyn tentou não odiá-lo por isso.

—Hã. —tossiu, e conseguiu a atenção de todo mundo.

Todos se detiveram e a olharam. Uns quantos entrecerraram os olhos. Ela elevou o queixo.

—Preciso falar com vocês. —informou a Reyes e a Lucien.

Reyes seguiu golpeando.

—Se tiver vindo tentar nos convencer de que não matemos Maddox esta noite, se economize o esforço.

—Eu a escutarei, carinho —se ofereceu o mais alto do grupo, que se chamava Paris. Olhos azuis, pele branca, cabelo castanho... Puro sexo, conforme lhe tinha dito Maddox, e ela acreditava. As palavras estavam destinadas a isso.

—Quieto – Lucien disse – Se Maddox ouvir voce, ele vai cortar sua cabeça fora.

Um homem com o cabelo azul se dirigiu a ela.

—Quer que os beije por você?

Se queria que os beijasse? Ashlyn só o tinha visto uma vez, depois que a bomba explodiu, mas não lhe tinha parecido que fosse muito carinhoso; ao contrário, parecia que queria matá-los.

Reyes grunhiu.

—Se cale, Gideon. E não tente enrolá-la. Está ocupada. Eu teria que fazer mal a você.

—Detestaria vê-lo tentando—disse o outro homem com um sorriso.

Ela piscou. Era muito estranho. Suas palavras diziam uma coisa, mas seu tom de voz dizia outro. Bom, não tinha importância.

—Tem razão. —disse a Reyes— Não quero que matem Maddox esta noite. Quero que... – Oh Deus, ia dizer isso mesmo? - matem a mim em seu lugar.

Aquilo captou a atenção de todo mundo. Deixaram o que estavam fazendo e a olharam.

—O que disse? —perguntou Reyes, tirando o suor da testa.

—As maldições se rompem com um sacrifício — explicou ela— Preferivelmente, com o sacrifício das pessoas amadas. Se me sacrifico morrendo no lugar de Maddox, sua maldição terminará.

Silêncio.

—Como sabe? —perguntou Lucien— E se não funcionar? E se a maldição de Maddox não se rompe e você morre por nada?

—Ao menos, terei tentado. Mas, hã... uma alta autoridade me garantiu que isto funcionaria.

—Os deuses?

Ela assentiu. Bom, Anya nunca lhe tinha confirmado aquele detalhe. Ashlyn o tinha dado por certo. De novo, silêncio.

—E você está disposta a fazer isso por Violência? —perguntou Paris com um olhar de incredulidade.

—Sim. —respondeu Ashlyn. Pensar na dor que teria que suportar a assustou, mas não vacilou na resposta.

—Eu o apunhalo seis vezes no estômago —lhe recordou Reyes. - Isso significa que teria que fazer o mesmo com você.

—Sei. —disse ela brandamente, e olhou seus pés. „Ÿ O vejo em sua cabeça todos os dias, e o revivo todas as noites.

—Digamos que se quebre a maldição —disse Lucien. — O terá condenado a passar a vida sem você.

—Eu prefiro que viva sem mim a que morra todas as noites comigo a seu lado. Sofre muito, e não posso permitir isso.

—Sacrifício. —repetiu Reyes—Me parece ridículo.

Ashlyn elevou o queixo e usou o mesmo raciocínio que tinha usado a deusa com ela.

—Olhe os contos de fadas. As rainhas egoístas sempre morrem, e as princesas boas ganham.

Reyes soprou.

—Como você bem disse, são contos de fadas. — não se deixava convencer facilmente.

—E os contos não estão baseados na realidade? Se supõe que vocês mesmos não são mais que um mito. A caixa de Pandora é um conto que os pais lêem para seus filhos pelas noites. —disse ela. — Isso significa que a vida mesma é um conto. Como fazem seus personagens, nós vivemos, amamos e procuramos sempre um final feliz.

Todos seguiram olhando para ela com uma expressão indecifrável no olhar. Possivelmente admiração? Passaram alguns minutos. Ela tinha tomado a decisão, e se tinha que apunhalar a si mesma, o faria.

—Está bem. —disse Lucien, e a deixou assombrada— O faremos.

— Lucien! —exclamou Reyes.

Lucien olhou para Reyes, e Ashlyn podia ver a esperança iluminando seu rosto severamente marcado.

—Isto também nos liberaria, Reyes. Poderemos sair do castelo por mais de um dia. Poderíamos viajar se quiséssemos. Poderíamos partir quando quisessemos ficar sozinhos.

Reyes abriu a boca, mas depois a fechou.

—Nos filmes que Paris nos obrigou a assistir – Lucien continuou – o bem sempre vence o mal com um ato de extremos auto-sacrificio.

— Os filmes dele não significam nada. Se fizermos isto, possivelmente recebamos uma maldição maior. Possivelmente os deuses nos castiguem mais por desafiar sua vontade.

—Por Maddox e pela liberdade, não vale a pena tentar?

—Maddox não vai gostar disso —disse Reyes. — Acredito... acredito que preferiria ter à humana.

Aquele comentário satisfez a Ashlyn, mas não se deixou convencer. Não podia permitir que Maddox seguisse sofrendo noite após noite sabendo que podia fazer algo para evitá-lo. Ele já tinha pagado por seus crímes com juros incluídos.

«Olho por olho», pensou. Maddox lhe tinha dado a paz. Ela faria o mesmo por ele.

— Algumas vezes, o que queremos não é o que precisamos —disse Lucien. Em sua voz tinha um toque de nostalgia. O que poderia querer e não necessitar aquele homem?

—Está bem. —disse Reyes finalmente.

—Esta noite. —insistiu Ashlyn— Tem que ser esta noite —ela não queria que Maddox tivesse que sofrer mais, e tampouco queria se arriscar a mudar de opinião. —Só quero... poder passar com ele todo o tempo possível, de acordo?

Os dois homens assentiram com gravidade.

Maddox se ocupou das necessidades de Ashlyn durante o resto do dia. Comeram juntos, e ele amou seu corpo tantas vezes que perdeu a conta. Lhe falou de seus planos para passar a vida juntos. Lhe disse que seu novo trabalho poderia ser o de ajudar aos guerreiros a encontrar a caixa de Pandora, se o desejasse. Lhe disse que se casariam e passariam todo o tempo junto, se ela desejasse. Disse que procurariam a maneira de evitar que ela envelhecesse para poder viver unidos durante toda a eternidade, se ela desejasse. Poderiam ler juntos suas novelas românticas, se ela quisesse.

Ashlyn riu com ele, brincou com ele, mas também sentia um desespero silencioso que se notava em seu rosto, e que Maddox não entendia. Era tristeza. Ele não a pressionou, tinham tempo. Por uma vez, considerou o tempo como um amigo. Ela não podia saber que o tinha domesticado, que também tinha domado ao espírito e que, a partir de então, os dois existiam para agradá-la.

—O que ocorre, meu amor? —perguntou ele. — Me diga isso e o solucionarei.

—É quase meia-noite. —respondeu Ashlyn, tremendo.

Ah. Maddox entendeu. Olhou-a, estavam sentados na beira da cama, e pegou sua mão. A luz da lua iluminava seus preciosos traços, iluminava a preocupação que tinha em seus olhos.

—Estarei bem.

—Eu sei.

—Mal dói, prometo isso.

Ela emitiu uma suave gargalhada.

—Mentiroso.

Sua risada lhe produziu uma agradável calidez.

—Quero que esta noite fique em outro quarto.

Ashlyn negou com a cabeça.

—Vou ficar com você.

Maddox suspirou ao notar a decisão em seu tom de voz.

—Está bem.

Ele não se permitiria nenhuma reação ao ser esfaqueado. Não faria um ruído, não moveria um músculo. Morreria com um sorriso no rosto.

—Faremos...

Naquele momento, Reyes e Lucien entraram no quarto, com o semblante muito grave. Ele quis saber por que, mas decidiu não perguntar diante de Ashlyn. Não tinha nenhum motivo para preocupá-la mais naquele momento, estava a ponto de ver como o assassinavam.

Maddox lhe deu um beijo rápido nos lábios e Ashlyn o reteve para que não se separasse dela. Devolveu-lhe um beijo feroz, quase desesperado. Ele se permitiu uns momentos mais. Quanto queria aquela mulher...

—Terminaremos isto amanhã. —disse ele.

Amanhã... Mal podia esperar.

Se deitou sobre a cama e se aproximou da cabeceira. Reyes lhe algemou os pulsos e Lucien os tornozelos.

—Ao menos, dê a volta quando começarem —pediu a Ashlyn.

Ela sorriu com tristeza e se ajoelhou a seu lado. Acariciou sua bochecha com suavidade.

—Sabe que o amo.

—Sim —respondeu Maddox. Nunca tinha estado tão contente em toda sua vida. Aquela mulher era seu milagre. — E você sabe que eu a amarei para sempre, e depois também.

—Escute, Maddox... Não culpe a ninguém mais que a mim por isso, de acordo? Você já sofreu o suficiente, muito, e como eu sou a mulher que o ama, cabe a mim o salvar. Tem que saber que o faço voluntariamente, porque é mais importante para mim que minha própria vida.

Voltou a beijá-lo, brevemente naquela ocasião, e ficou em pé. Se voltou para Lucien e Reyes.

—Estou preparada.

Maddox franziu a sobrancelha, desconcertado, assustado.

—Pronta para que? Por que iria culpar você?

Reyes desencapou a espada. A folha assobiou no ar. O medo de Maddox se incrementou.

—O que se acontece? Conte-me agora.

Ninguém disse uma palavra. Reyes se aproximou de Ashlyn.

Maddox se estirou e puxou as algemas.

— Ashlyn. Deixe o quarto. Parte e não volte.

—Estou pronta. —sussurrou ela. —Não deveríamos ir ao outro dormitório?

— Ashlyn! —gritou Maddox.

—Não. —respondeu Lucien. — Disse que queria fazer um sacrifício definitivo, não? Ele tem que vê-lo, e entender que o está fazendo é por ele.

Ashlyn olhou Maddox com os olhos cheios de lágrimas.

—Eu o amo.

Naquele momento, ele se deu conta do que iam fazer. Começou a puxar as algemas, lutando por se liberar. Gritou blasfêmias que nem sequer Paris pronunciaria, e derramou lágrimas quentes.

— Não! Não o façam. Por favor, não façam isto. Ashlyn, necessito de você. Reyes, Lucien. Por favor. Por favor!

Reyes titubeou. Engoliu em seco. E então atravessou Ashlyn pelo estômago. Maddox gritou e puxou com tanta força as algemas que as algemas lhe cortaram a carne até o osso. Se continuasse assim, ia perder as mãos e os pés. Entretanto, não lhe importava. Apenas se importava com Ashlyn, que estava morrendo diante dele.

— Ashlyn! Não, não, não!

O sangue brotou das vísceras de Ashlyn e tingiu a camisa. Ela apertou os dentes e conseguiu se manter em pé, em silêncio.

—Eu o amo. —repetiu.

Reyes voltou a esfaqueá-la. Com cada novo corte, Maddox sentia que as ataduras da meia noite, como se as correntes invisiveis que o havia prendido por milhares de anos lentamente se afrouxavam. E ele as queria de volta. Ele queria Ashlyn.

—Ashlyn! Reyes! Pare. Pare! – Ele chorou e soluçou abertamente, indefeso, furioso. Estava morrendo, mas se sentia mais forte que nunca. — Lucien, os detenha!

Morte abaixou o olhar, sem dizer nada.

Ao terceiro golpe da espada, Ashlyn caiu ao chão. Gritou. Não, era ele. Ela só choramingava.

—Não dói. Como você dizia...

—Ashlyn. —disse ele tremulamente. —Oh, pelos deuses. Ashlyn, por que está fazendo isto? Reyes, para. Tem que parar!

Não podia repeti-lo suficientes vezes.

Os olhos de Ashlyn voltaram a se encontrar com os de Maddox, e ele se deu conta de que estavam plenos de amor.

—Eu o amo. —repetiu ela.

—Ashlyn, Ashlyn. Espera, neném. A curaremos. Daremos remédios a você. Não se preocupe. Reyes, pare. Não faça isto. É inocente.

Reyes não prestou atenção a ele; voltou a trespassá-la com os olhos fechados. Depois, se deteve e teve que tomar ar. Olhou ao céu, e depois a Lucien.

— Não a leve! Por favor, não a leve.

Finalmente, Reyes afundou pela sexta vez a espada.

— Ashlyn!

O sangue fluiu do corpo sem vida e começou a formar um atoleiro vermelho. Maddox não podia deixar de chorar. Seguia lutando por se libertar, as algemas ainda o aprisionavam.

 —Por que? Por que?

Lucien o desatou. Suas mãos e pés não aguentaram, mas ele mal notou quando caiu e se arrastou no chão, deixando um rastro de sangue atrás. Pegou Ashlyn em seus braços.

Sua cabeça pendeu para o lado. Morta. Ela estava morta, quando ele sentiu o peso de sua maldição tornar-se nevoa dentro de seu corpo, evaporando-se como se nunca tivesse existido.

— Não! — Ele chorou, em grandes arranques soluçados. Embora antes o mais importante, para ele, houvesse sido se livrar daquela maldição, preferiria suportar mil maldições mais que perder Ashlyn.

—Por favor.

—Acabou —disse Reyes, austero.—Esperemos que seu sacrifício não tenha sido em vão. Maddox escondeu o rosto no cabelo de Ashlyn e a balançou entre seus braços.

 

Maddox seguiu abraçado a sua amante durante uma eternidade, esperando que despertasse. Não podia suportar pensar na vida sem ela. Preferia morrer.

Lucien e Reyes o acompanhavam em silêncio.

—Mandem meu espírito ao inferno para sempre — gritou aos céus— Qualquer coisa menos isto. Me devolvam ela. Deixem que eu ocupe seu lugar na morte.

«Para sempre?», perguntou uma voz melosa. Não era Sabin quem falava naquela ocasião, a não ser uma mulher. «Isso sim que é um compromisso».

Ele não titubeou.

— Sim! Sim! Para sempre. Para toda a eternidade. Não posso viver sem ela. Ela é tudo para mim.

«Eu gosto disso, vaqueiro, realmente eu gosto».

—Vocês também ouvem uma mulher? —perguntou Lucien com assombro.

—Sim. —respondeu Reyes, igualmente desconcertado.

—Quem é?

«Sua nova melhor amiga, carinho».

— Então, me ajude. —suplicou Maddox.

«Imortal bobo. Levo dias transgredindo as normas, o qual é quase uma aficção para mim, para os ajudar. Não estou certa de querer seguir fazendo isso, de todos o modos. Sua mulher e você me ocupam muito tempo».

—Por favor, a ajude e nunca necessitarei outro momento de seu tempo. Lhe juro isso. Me devolva ela. Por favor. Por favor.

«Insultou aos chefes na semana passada, Violência, e isso eu gostei. Me dei conta porque, ultimamente, ninguém quebra o molde. E que o faça um Senhor... Assombroso! Sabe por que? »

—Não.

E não lhe importava.

«Incrível. Já é hora de que se inteire».

—Ashlyn...

«Não vai a nenhuma parte. Agora, se cale. Preciso explicar certas coisas para que entenda exatamente o que é que estou arriscando por você».

Enquanto balançava Ashlyn, Maddox apertou os lábios tratando de reprimir seu desespero.

«Agora os Titãs têm o controle, os desgraçados. E decidiram que o mundo volte a ser como era nos dias de seu apogeu. Um lugar de paz, de adoração às divindades, bla, bla, bla, onde os humanos se inclinem ante eles e lhes ofereçam sacrifícios, e todas essas tolices. Dentro de poucos dias, surgirão dois templos do mar. Será o princípio do fim, certo», explicou a voz, e fez uma pausa muito dramática. «Não sei se os Titãs os querem ver mortos ou não, mas sei que pensam lhes usar para conseguir seus propósitos».

—As mulheres. Danika — disse Reyes.

«Exato. Há algo relacionado com sua linhagem..., possivelmente uma profecia. Tenho que estudá-lo, porque não estou conseguindo nada. Mas entendem meu dilema, não é? Ao lhes ajudar, vou zangar muito a nova direção».

—Quer que os mate? —disse Maddox—. O farei. O farei. Mesmo que demorasse muito tempo, ele o faria. Ele ia encontrar um caminho.

—Maddox —lhe advertiu Lucien— Se cale antes que atraia uma maldição pior a nossa casa. Vai ajudá-lo. Só está fingindo que tem que negociar. Não é assim, deusa?

«Oh, um menino inteligente», ronronou ela. «É muito atraente, sério. Entretanto, não há tempo para isso, infelizmente. Como ia dizendo, esta pequena mulher me impressionou de verdade. Não acreditava que o fizesse, mas o fez. Que espetáculo, não foi?», disse, e riu. Risada. “ Se eu tivesse funções corporais, eu acho que teria feito xixi nas calças.”

—Deusa. Se concentre, por favor.

—Maddox. —advertiu Lucien de novo.

«Anya. Meu nome é Anya. E não sou uma deusa, exatamente, só a filha de uma deusa, assim deixa de me colocar na mesma categoria que esses idiotas».

—O que posso fazer? Me diga. Farei o que quiser. – Maddox pensou que Anya poderia estar chpando um pirulito, pois havia um leve toque de morango e creme no ar.

«Sua mulher deu a vida por você. Está disposto a fazer o mesmo? Porque deveria saber que meus poderes dependem das ações de outros, e eu não posso fazer nada a menos que você o faça. Ah, e também existe o assunto da compensação».

—Sim. Sacrificarei tudo por ela. A compensarei do modo que você me peça.

«De acordo. Aqui está o trato. Os Titãs estão me perseguindo, não me pergunte por que. É uma longa história. Estão a dias me acossando. Se alguma vez pedir ajuda, a obterei. De acordo?

—Sim, sim. O que necessitar.

«Não só de você, doçura. Todos vocês me ajudarão».

Durante um momento, nem Lucien nem Reyes responderam. Maddox esteve a ponto de saltar sobre eles e lhes cortar o pescoço. Logo ambos assentiram.

—Sim —disseram em uníssono.

«Muito bem. Fizemos um trato. Sua mulher despertará, e estará ligada a você. Viverá tanto quanto viva você. Não está mal para uma mortal, na realidade. Mas se algum dos dois morre, os dois morrerão, entendido?

—Sim, sim.

«Se tentar renegar este trato, o matarei, o que matará a ela também. Cortarei suas cabeças e as enviarei aos deuses em uma bandeja de prata».

—Entendo. Aceito —disse ele imediatamente.

Houve um ronrono de satisfação. De repente, Maddox se viu preso em um redemoinho. O ar arrancou Ashlyn dos seus braços, e ele gritou, tentando recuperá-la. Ela permanecia imóvel, mas parecia que o sangue voltava para seu corpo.

Maddox retornou à cama e as algemas se fecharam ao redor de seus pulsos e tornozelos outra vez. Reyes e Lucien caminharam para o centro do quarto, mas estavam caminhando para trás.

O tempo voltou atrás a toda velocidade. Maddox se deu conta com profundo assombro. Tinha visto muitas coisas em sua vida, mas nunca aquilo.

Reyes se colocou diante de Ashlyn e tirou a espada de seu corpo, em vez de afundá-la. E, em vez de cair, ela se levantou.

Tão repentinamente como tinha começado, o torvelinho terminou.

—O que ocorreu? —perguntou Ashlyn com incredulidade. — Estava morta —disse ela. Apalpou o abdômen procurando as feridas, mas não encontrou nada. „ŸSei que estava morta. Senti como me atravessava a lâmina da espada. Oh, Meu deus, Maddox, o que fez? Quebrou a maldição?

—Isto foi... não tenho palavras —disse Reyes, com o cenho franzido. — A esfaqueei.

Todos tinham conservado a lembrança do que tinha ocorrido, mas era como se aquilo não tivesse acontecido nunca.

—Me liberem. —disse Maddox. — As algemas.

Lucien obedeceu.

Maddox ficou em pé de um salto e pegou Ashlyn nos braços. Beijou-lhe a rosto e a abraçou tanto como era possível sem esmagá-la. Ela riu e depois se afastou para observá-lo.

— Mas a maldição...

— Quebrou-se. Juro. Já não sinto as algemas.

«Que passem bem, meninos, porque agora vocês também estão livres da maldição de Maddox», disse Anya de repente. «Entretanto, não devem se preocupar. Estou certa de que seus demônios os manterão muito tristes. Não esqueçam nosso trato. Por agora, adeus».

O corpo de Reyes sacudiu e a cabeça de Lucien foi jogada para trás. Chocaram-se, os seus joelhos falharam e ambos caíram no chão. Ambos permaneceram lá, ofegantes, durante um longo tempo. Olharam-se, ao mesmo tempo, seus olhos fixos.

—Já não tenho que matar mais vezes a Maddox — disse Reyes, exultante. —Não sinto que a maldição que me atraía para ele!

—A maldição se quebrou de verdade —disse Lucien, com a maior alegria que Maddox nunca presenciou por parte de seu amigo. — Obrigado, Ashlyn. Obrigado. É uma mulher maravilhosa.

—Eu gostaria de dizer que foi um prazer. —brincou ela.

—Morreu por mim. - Maddox disse, chamando sua atenção e bloqueando os seus amigos do seu foco. Apenas uma pessoa importava agora. E ele ficou chocado e furioso com ela. - Você morreu para mim - ele rosnou. 

—E o faria de novo —respondeu Ashlyn.—Eu o amo.

Ele a rodeou com um braço, e ela riu de felicidade.

—Nunca volte a me deixar.

—Nunca.

—Reyes, Lucien, partam.  —disse Maddox, sem afastar o olhar de Ashlyn.

Eles saíram sigilosamente do dormitório para conceder a Ashlyn e a ele intimidade. Maddox a despiu e lhe beijou o abdômen, ali onde tinha sofrido as navalhadas.

—Preciso de você. —sussurrou ela.

E ele a necessitava também. Agora e sempre. Entrou em seu corpo, incapaz de se conter, e gemeu de prazer.

—Eu amo você. —lhe disse, investindo lentamente.

—Eu também o amo. —suspirou Ashlyn.

—Obrigado. Obrigado pelo que tem feito. Mas... jamais se deixe matar de novo, entendido?

Ashlyn riu, mas ele se afundou profundamente, exatamente como ela gostava, e sua risada se transformou em um gemido.

—Então você não volte a se deixar amaldiçoar, meu doce príncipe.

—Me amaldiçoar? Meu amor, me benzeram com um prêmio muito valioso.

—E a mim também, Maddox. —disse Ashlyn, e ambos chegaram ao clímax— A mim também.

 

 No dia seguinte, pela tarde, Lucien convocou uma reunião.

Ashlyn estava sentada no colo de Maddox, mais feliz do que jamais tinha sido. Todos seus sonhos se transformaram em realidade. Podia controlar sua habilidade pensando em Maddox, e ele podia sossegar as vozes por completo. O amor verdadeiro conquistava tudo, na realidade.

Inclusive tinha uma família. Uma família de verdade, com inimizade e tudo. Os dois grupos de homens estavam rígidos e distantes uns dos outros, embora se comportassem com amabilidade. Ela estava decidida a acabar com aquela distância, como uma irmã a mais.

Desde que tinha quebrado a maldição, a maioria dos guerreiros a tratavam com afeto, e faziam brincadeiras sobre o fato de que estivesse atada a Maddox para toda a eternidade. Salvo Enfermidade, que ainda estava se recuperando de suas feridas. Entretanto, Torin lhe piscou um olho.

Ashlyn sabia que se sentia muito mal por ter provocado uma epidemia. Os efeitos eram devastadores, sim, mas a medicina moderna ajudou a conter a praga. Possivelmente ele pudesse se consolar com isso. E, quando se curasse, ajudaria os outros guerreiros a reconstruir o Clube Destiny e todos seguiriam contribuindo para ajudar à cidade.

A vida era boa. Muito melhor do que ela teria imaginado. Sorriu.

Lucien se colocou no centro da sala e disse:

—Estive falando com Sabin e, como sabem, decidi ajudá-lo a procurar a caixa. Já é hora de que encontremos essa maldita caixa. Se seguir por aí, cabe a possibilidade de que os demônios sejam sugados a seu interior, assim, todos estamos em perigo de morte.

—Malditos Caçadores. —disse Ashlyn, e Maddox a abraçou pela cintura.

—Estão mortos. Enfermidade os matou. —lhe recordou Reyes.

Ashlyn negou com a cabeça.

„ŸSó morreram alguns, não todos. Mclntosh só era o vice-presidente do Instituto, eu nunca cheguei a conhecer o presidente. Me disseram que nunca aparecia em público. Nunca tinha me prendido a isso, mas agora me parece suspeito. Além disso, há muitos mais empregados por todo mundo. E possivelmente haja outros Caçadores que não estejam afiliados ao Instituto.

Houve um murmúrio no grupo.

—Esperávamos que a caixa estivesse aqui, em Budapeste —disse Sabin, ficando junto ao Lucien— Interrogamos a um Caçador e isso nos trouxe até aqui. Mas...

—Não encontraram a caixa —disse Lucien— E agora, gostariam de contar com nossa ajuda.

—Se quiser que eu ajude a procurar essa caixa, vai ter que me dar indicações. —disse Reyes.

Ashlyn sabia que estava muito tenso porque Danika tinha escapado da fortaleza naquela manhã. Ninguém tinha ido procura-la. Ashlyn estava triste porque tinha perdido a uma amiga, mas sabia que era melhor assim.

Tinham que liberar Aeron em algum momento.

Maddox tinha contado a Ashlyn o que os Titãs tinham ordenado a seu amigo. Aquele era o único ponto escuro da vida de Ashlyn. Entretanto, Maddox também lhe tinha dito que Reyes estava decidido a proteger à mulher, embora ainda estivesse lutando contra aquela necessidade.

Ashlyn queria pensar que Anya ajudaria Danika como tinha ajudado a ela. Se acaso Anya pudesse ajudar, claro. Maddox também tinha lhe contado que Anya sofria a perseguição dos Titãs. Era um ser sobrenatural que podia entrar e sair dos edifícios, se valer da invisibilidade e reverter o tempo, mas temia que a vencessem, o que significava que podia ser vencida.

—Não fale nesse tom, Dor. —disse Cameo, se colocando do outro lado de Lucien— Está baixando a moral.

Bom, dois pontos escuros, pensou Ashlyn. Cada vez que via Cameo, sentia vontade de chorar. Aquela mulher necessitava amor. Entretanto, não parecia que nenhum dos homens se sentisse atraído por ela, apesar de ser linda. Todos se mantinham afastados, como se temessem matá-la se se aproximassem muito. Bom, não eram os únicos homens do mundo. Certamente, alguém se apaixonaria por Tristeza.

—Ashlyn ouviu duas versões diferentes —disse Maddox— Quer contar a eles?

Ashlyn assentiu.

—Uma diz que Argo está custodiando a caixa. Outra diz que está escondida nas profundidades do oceano, custodiada por Hidra, mas não sei onde.

Todo mundo grunhiu.

—Anya mencionou que iam surgir dois templos no mar —disse Maddox—. Esses templos, provavelmente, só eram para uso dos deuses, e não estarão poluídos nem deteriorados pelos humanos. Assim que surjam, deveríamos registrá-los. Possivelmente encontremos uma pista que nos leve pelo caminho correto.

—Excelente —disse Lucien— Alguém terá que ficar aqui com Aeron e Torin, e protegendo a fortaleza.

—Ashlyn e eu ficaremos. Leremos tomos antigos.

—E eu escutarei para obter informação na cidade. —acrescentou Ashlyn.

Maddox a abraçou e lhe sussurrou ao ouvido:

—Necessito de você com toda minha alma.

—Bom. —respondeu ela com outro sussurro—Porque tenho pensado em satisfazer todas as suas necessidades.

A boca dele suavizou e seus olhos violeta caiu para os seus lábios.

—Agora eu estou imaginando você em um traje de couro preto com uma espada seu lado. Eu fiz Paris ir comprar um equipamento na cidade mais cedo, sei como você gosta de roupas sexy.

Ela derreteu contra ele, tão cheia de amor que borbulhava para fora dela em um fluxo contínuo.

—Quando eu vesti-la, vou estar lutando para proteger a minha virtude ou lutar para ter a sua?

—A minha, é claro.

A exitação zumbiu instantaneamente a vida e ela estremeceu.

—Quer que nos despeçamos e partamos da reunião? Podem nos pôr à par mais tarde.

—Eu adoraria.

Ambos ficaram em pé. E o homem com o espírito mais violento do mundo a perseguiu entre risadas até que saíram da sala, enquanto todo mundo os observava com alegria e inveja.

Possivelmente algum dia chegasse sua vez ...  

 

                                                                                                    Gena Showalter

 

 

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