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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A PEDRA DA VISÃO / Tony Diterlizzi
A PEDRA DA VISÃO / Tony Diterlizzi

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A PEDRA DA VISÃO

 

Em que não é só um gato que desaparece

O último ônibus deixou Jared Grace no final da sua rua. A partir dali era uma subida difícil até a velha e acabada casa onde sua família estava morando até que sua mãe achasse alguma coisa melhor ou que a velha gagá da tia a quisesse de volta. As folhas vermelhas e douradas das árvores baixas ao redor do portão faziam com que as telhas cinzentas parecessem abandonadas. O lugar era tão ruim quanto Jared imaginava.

Ele não podia acreditar que já ficara de castigo depois da aula.

Não é que ele não tentasse se entender com os outros garotos. Ele só não era muito bom nisso. Vejamos hoje, por exemplo. É verdade, ele ficara desenhando um gnomo enquanto a professora falava, mas mesmo assim ele estava prestando atenção. Mais ou menos. E ela não precisava mostrar o desenho para todo mundo lá na frente. Depois daquilo, os garotos nunca mais iriam parar de chateá-lo. Antes de perceber, ele já estava rasgando ao meio o caderno de um deles.

Ele esperava que as coisas fossem melhores nessa escola. Mas desde o divórcio de seus pais, tudo ia de mal a pior.

Jared caminhava pela cozinha. Seu irmão gêmeo, Simon, sentou-se à velha mesa de fazenda com um pires cheio de leite na frente dele.

Simon olhou e perguntou:

— Você viu a Tibbs?

— Eu vim direto para casa. — Jared foi até a geladeira e tomou um gole de suco de maçã. Estava tão gelado que sua cabeça doeu.

— Bem, você viu a Tibbs lá fora? — Simon perguntou. — Eu já procurei por ela em todos os lugares.

Jared balançou sua cabeça. Ele não queria saber daquela gata tonta. Ela era apenas a mais nova moradora do zoológico do Simon. Mais um animal querendo ser mimado e alimentado, ou pulando no seu colo quando ele estivesse ocupado.

Jared não entendia por que ele e Simon eram tão diferentes. Nos filmes, gêmeos idênticos tinham poderes muito legais, como conseguir ler as mentes um do outro só com um olhar. Ele achava que na vida real o máximo que irmãos gêmeos podiam fazer era usar roupas do mesmo tamanho.

A irmã dele, Mallory, desceu escada abaixo carregando uma enorme sacola. Os cabos das espadas de esgrima apareciam para fora de uma das bordas.

— Ei, seu louco, a brincadeira acabou te causando um castigo. — Mallory ergueu a sacola no ombro e foi em direção à porta da casa. — Pelo menos desta vez o nariz de ninguém apareceu quebrado.

— Má, por favor, não fale nada para a mamãe, tá? — implorou Jared.

— Não importa. Ela vai saber mais cedo ou mais tarde. — Mallory deu de ombros e foi em direção ao gramado. Com certeza essa nova equipe de esgrima era bem mais competitiva do que a outra. Mallory praticava em todo o tempo livre. Aquilo já estava beirando a obsessão.

— Vou até a biblioteca do Artur — Jared disse, e começou a subir as escadas.

— Mas você tem que me ajudar a achar a Tibbs. Eu esperei você voltar para casa para você me ajudar.

— Eu não tenho que fazer nada. — Jared subiu a escada pulando dois degraus de cada vez.

No andar de cima, ele abriu a porta da rouparia e entrou. Atrás das pilhas daqueles lençóis amarelados, amarfanhados e cheios de traça ficava a porta para o quarto secreto da casa.

O cômodo estava escuro, iluminado palidamente por uma única janela, e tinha o cheiro mofado de poeira velha. As paredes estavam forradas de livros antigos. Uma escrivaninha maciça coberta de velhos papéis e potes de vidro ocupava um lado do quarto. A biblioteca do genial-tio-avô-Artur. O lugar preferido de Jared.

Ele virou para trás e deu uma olhadela no quadro pendurado próximo à entrada. Um retrato de Artur Spiderwick examinava-o com os olhos pequenos por trás dos óculos redondos e grossos. Artur não parecia ser tão velho, mas ele tinha uma boca apertada, o que lhe dava um ar enfezado. Ele certamente não tinha a aparência de alguém que acreditasse em seres fantásticos.

Abrindo a primeira gaveta no lado esquerdo da escrivaninha, Jared puxou para fora um livro encapado em tecido: Guia de Campo de Artur Spiderwick para o mundo fantástico ao nosso redor. Ele o tinha encontrado apenas há poucas semanas, mas Jared já se considerava seu dono. Ele ficava com o livro na maior parte do tempo, às vezes até dormia com ele debaixo do travesseiro. Até o levaria para a escola se não tivesse medo de que alguém o apanhasse.

O menino ouviu um som fraco dentro da parede.

— Tibério? — falou Jared baixinho.

Ele nunca podia ter certeza de quando o gnomo estava por perto.

Jared deixou o livro perto de seu último projeto — um retrato de seu pai. Ninguém, nem mesmo Simon, sabia que Jared vinha se exercitando na arte de desenhar. Ele não era muito bom — na verdade era péssimo. Mas o livro era para documentar as coisas, e para registrar bem, ele teria que aprender a desenhar. Depois da humilhação de hoje, não era ruim se distrair um pouco. Honestamente, ele se sentia como se estivesse rasgando o retrato de seu pai em pedaços.

— Há um cheiro ruim no ar — disse uma voz bem perto da orelha de Jared. — Melhor se cuidar.

Ele se virou rapidamente e viu um pequeno homem marrom vestindo uma camiseta do tamanho das de boneca e calças feitas de meia. Ele estava em pé em uma das prateleiras na altura dos olhos de Jared, agarrado em um pedaço de corda. Em cima da prateleira, Jared podia ver o brilho de uma agulha de prata que o gnomo usara para descer.

— Tibério — disse Jared —, o que está errado?

— Podem ser problemas, é difícil prever. O que quer que seja, foi você que quis se meter.

— O quê?

— Você pegou o livro e do que eu disse não teve medo. Vai ter um preço, tarde ou cedo.

— Você sempre fala isso — disse Jared —, e o preço da meia que você cortou para fazer a sua roupa? Não vai me dizer que era da tia Lúcia.

Os olhos de Tibério brilharam.

— Você está rindo, não é boa idéia. Você vai aprender a não brincar com coisa séria.

Jared sorriu e andou até a janela. A última coisa de que ele precisava era de mais problemas. Lá embaixo, o menino podia ver o quintal inteiro. Mallory estava perto do depósito, apunhalando o ar com o espadim. Um pouco mais longe, perto da cerca quebrada de madeira que separava o quintal da floresta vizinha, Simon estava parado, com as mãos ao redor da boca, provavelmente chamando aquela gata tonta. Mais longe, árvores grossas atrapalhavam a visão de Jared. Na descida do morro, lá adiante, uma estrada cortava as árvores, parecendo uma cobra negra na grama alta. Tibério segurou com força a corda e balançou-se até o parapeito da janela. Ele começou a falar, e depois só olhou para o lado de fora. Finalmente parecia ter recuperado sua voz.

— Goblins em todo lugar. É muito azar. Bem que eu disse, amigo, não se meta com isso.

— Onde eles estão?

— A percepção não perca. Estão na cerca.

Jared entortou os olhos e olhou na direção que o gnomo estava indicando. Lá estava Simon, em pé, imóvel, olhando para a grama de um jeito estranho. Jared ficou horrorizado quando seu irmão começou a lutar. Simon girava e golpeava o ar, mas não tinha nada ali.

— Simon! — Jared tentava forçar a janela a abrir, mas ela estava pregada. Ele bateu no vidro.

Então Simon caiu no chão, ainda lutando contra algum inimigo invisível. Um momento depois, desapareceu.

— Eu não estou vendo nada! — gritou o menino para Tibério. — O que está acontecendo?

Os olhos negros de Tibério cintilaram.

— Eu me esqueci, você não pode enxergar. Mas vamos até ali, isso a gente vai solucionar.

— Você está falando sobre a Visão, não é?

O gnomo concordou.

— Mas por que eu posso te ver e não vejo os goblins?

— Você pode nos ver só se esse for o nosso querer.

Jared agarrou com força o Guia e virou as páginas que já sabia de cor: anotações, ilustrações em guache e anotações com a letra horrível do seu tio.

— Aqui — Jared disse.

O pequenino gnomo saltou do parapeito para a escrivaninha.

A página em que Jared passava os dedos mostrava diferentes maneiras de conseguir a Visão. Ele olhava rapidamente. — Cabelo vermelho. Ser o sétimo filho de um sétimo filho. Água de banho de seres fantásticos? — Ele parou no final e olhou para Tibério, mas o pequenino gnomo estava apontando excitadamente para o final da página. A ilustração mostrava-a claramente, uma pedra com um buraco bem no meio, como um anel.

— Com as lentes da pedra, você pode ver o que não aparece. — Com aquilo, Tibério pulou da escrivaninha. Ele se sacudiu no chão em direção à porta para a rouparia.

— Nós não temos tempo para procurar pedras — gritou Jared, mas o que ele podia fazer além de ir atrás do outro?

 

Em que acontecem muitas coisas, inclusive um teste

Tibério correu sobre o campo pulando de um lado para outro. Mallory ainda estava lutando contra a parede do velho depósito, de costas para onde Simon tinha estado.

Jared foi até ela e tirou de uma vez os fones de ouvido de suas orelhas pelo fio.

Ela se virou, apontando a espada para seu peito.

— O que foi?

— Uns goblins raptaram o Simon!

Os olhos de Mallory se estreitaram. Ela olhou para o campo.

— Goblins?

— Vamos correr. — A voz de Tibério era tão aguda quanto a de um pássaro. — Sem tempo a perder.

— Vamos. — Jared fez um gesto na direção do depósito onde o pequenino gnomo estava esperando. — Antes que eles nos peguem.

— SIMON! — gritou Mallory.

— Cala a boca. — Jared segurou o braço dela e a arrastou para o depósito, fechando a porta por trás deles. — Vão acabar te ouvindo.

— Quem vai acabar me ouvindo? — perguntou Mallory. — Os goblins?

Jared a ignorou.

Nenhum deles tinha entrado naquele lugar antes. Cheirava a gasolina e mofo. Uma lona cobria um velho carro preto. Prateleiras tomavam a parede, todas desorganizadas com latas de ferro e potes de conserva cheios pela metade com líquidos marrons e amarelos. Havia cocheiras onde cavalos devem ter ficado muito tempo atrás. Uma pilha de caixas e baús de couro ocupavam um canto.

Tibério pulou em uma lata de tinta e apontou para as caixas.

— Depressa, se eles chegam, não saímos vivos dessa.

— Se Simon foi raptado por goblins, porque nós estamos mexendo no lixo? — indagou Mallory.

— Olha aqui — Jared disse, balançando o livro e apontando para o desenho de uma pedra. — A gente está atrás disso.

Que ótimo — ironizou ela. — Vai ser muito fácil achar no meio dessa bagunça.

— Vem logo — Jared disse.

O primeiro baú continha uma sela, um punhado de rédeas, alguns pentes, e outras coisas para cuidar de cavalos. Simon ficaria fascinado ali. Jared e Mallory abriram juntos a próxima caixa. Ela estava cheia de ferramentas velhas e enferrujadas. Depois acharam algumas caixas entulhadas de talheres enrolados em toalhas sujas.

— A tia Lúcia nunca deve ter jogado nada fora — comentou Jared.

— Olha aqui mais uma. — Mallory suspirou enquanto puxava uma pequena caixa de madeira por cima do seu irmão. A tampa deslizou sobre um encaixe cheio de pó, mostrando uma pilha de jornais.

— Nossa, veja como são velhos — constatou Mallory. — Esses são de 1910.

— Eu nem sabia que existiam jornais em 1910 — disse Jared.

Dentro de cada pedaço dobrado de papel, havia um item diferente. Jared desenrolou um para descobrir um par de binóculos de metal.

Em outro, ele achou lentes de aumento. As letras do jornal debaixo ficaram enormes. — Esse é de 1927. São todos diferentes.

Jared pegou outra folha.

— “Garota se afoga em poço vazio.” Estranho.

— Ei, olhe para isso. — Mallory ajeitou uma das folhas. — 1885. “Garoto da região desaparece.” Estão dizendo que ele foi devorado por um urso. Olhe para o nome do irmão que sobreviveu: Artur Spiderwick.

— Aliás está! Olha ele lá! — disse Tibério, mergulhando em uma das caixas. Quando ele voltou à superfície, tinha o mais estranho monóculo que Jared já tinha visto.

Cobria apenas um único olho e se prendia ao rosto com um pren- dedor ajustável de nariz, com duas fitas de couro e uma corrente. Apoiados com firmeza no couro marrom, quatro grampos de metal seguravam uma lente de algum tipo. Mas a coisa mais estranha sobre a geringonça era um conjunto de lentes de aumento em braços móveis de metal.

Tibério deixou Jared pegar o monóculo e virá-lo de cabeça para baixo nas suas mãos. Então o gnomo pegou uma pedra lisa, com um buraco do centro até a parte detrás.

— A lente da pedra. — Jared a alcançou.

Tibério foi para trás.

— Agora não, esquece. Você tem que provar que merece.

Jared ficou horrorizado.

— Não temos tempo para charadas.

— Com ou sem tempo, tenho que saber o que você está querendo.

— Eu só preciso dela para achar o Simon — disse Jared. — Vou devolvê-la direitinho.

Tibério ergueu um dos olhinhos marrons.

Jared tentou de novo.

— Prometo que não vou deixar ninguém usar isso... só a Mallory... e, bom, o Simon. Ei! Foi você que sugeriu a pedra.

— Um menino é como uma cobra. Suas promessas só duram uma hora.

Jared estreitou os olhos. Ele podia sentir a frustração e a raiva tomando conta dele e cerrou as mãos.

— Me dê a pedra.

Tibério não respondeu.

— Me dê.

— Jared? — advertiu-o Mallory.

Mas Jared nem a ouviu. Um ruído apareceu em sua orelha enquanto ele perseguia e apanhava Tibério. O pequenino gnomo contorceu-se quando foi agarrado, mudando de repente sua forma para uma lagartixa, um rato que mordeu a mão de Jared, e depois uma lisa enguia que se contorcia muito molhada. Jared era maior e foi rápido. Finalmente a pedra caiu livre, batendo no chão com um ruído. Jared pisou-a com o pé antes de deixar Tibério ir. O gnomo sumiu enquanto Jared apanhava a pedra.

 

— Não sei se você deveria ter feito isso — disse Mallory.

— Não me importo. — Jared colocou o dedo mordido na boca. — Temos que achar o Simon.

— Esse negócio funciona? — perguntou Mallory.

— Vamos ver. — Jared colocou a pedra nos seus olhos e se virou para a janela.

 

Em que Mallory finalmente colocaseu espadim em uso

Através do pequeno buraco na pedra, Jared viu os goblins. Havia cinco deles, todos com cara de sapo e olhos de um branco fosco sem nenhuma pupila. Não tinham pêlos, as orelhas, presas à parte de cima de suas cabeças, eram de gato, e seus dentes eram pedaços de vidros quebrados e pequenas pedras pontudas. O corpo verde e inchado deles se movia com ligeireza sobre a grama. Um segurava um saco manchado enquanto o resto cheirava o ar feito cachorro, indo em direção ao depósito. Jared se afastou da janela, quase tropeçando em um velho balde.

— Eles estão vindo direto para cá — murmurou, abaixando a cabeça.

Mallory segurou seu espadim com mais força.

— E o Simon?

— Eu não o vi.

Ela ergueu sua cabeça e examinou o lado de fora.

— Eu não estou vendo nada — anunciou.

Jared encolheu-se com a pedra segura à palma da mão. O menino podia ouvir os goblins do lado de fora, rosnando e arrastando os pés conforme se aproximavam. Ele não ousava olhar através da pedra novamente.

Então Jared ouviu o barulho da madeira velha rachando.

Uma pedra acertou uma das janelas.

— Eles estão chegando — avisou Jared e enfiou o Guia na sua mochila, sem se preocupar em afivelá-la.

— Chegando? — respondeu Mallory. - Eu acho que eles já estão aqui.

Unhas arranhavam a lateral do celeiro e pequeninos latidos vinham de debaixo das janelas. O estômago de Jared parecia chumbo. Ele não podia se mover.

 

— Nós temos que fazer alguma coisa — sussurrou.

— A gente tem que correr para casa — sussurrou Mallory de volta.

— Não dá — disse Jared. A lembrança dos dentes afiados e das garras dos goblins não o abandonava.

— Mais duas tábuas e eles estarão aqui dentro.

Ele fez que sim com a cabeça, meio desinteressado, tentando forçar-se a se animar. Tateando, ele tentou adequar a pedra no monóculo e prendê-la à sua cabeça. O prendedor incomodava seu nariz.

— Preparar para a largada — disse Mallory. — Um, dois, três. Agora!

Ela abriu a porta e os dois dispararam na direção da casa. Os goblins desabalaram atrás deles. Garras se prenderam à roupa de Jared. Ele se livrou com violência e saiu correndo.

Mallory era mais rápida. Ela estava quase na porta de casa quando um goblin agarrou as costas da camiseta de Jared e o puxou com força. Ele caiu com a barriga na grama. A pedra saiu do monóculo. O menino enterrou seus dedos na terra, segurando-a o máximo que podia, mas ele estava sendo arrastado para trás.

Ele podia sentir as fivelas de sua mochila se soltando, e então gritou.

Mallory voltou. Em vez de correr na direção da casa, ela veio até ele. A espada ainda estava nas suas mãos, mas não tinha jeito de ela descobrir contra quem estava lutando.

— Mallory — gritou Jared. — Não! Fuja!

Pelo menos um goblin deve tê-lo ultrapassado, porque ele viu o braço de Mallory se sacudir e a ouviu gritar. Linhas vermelhas apareceram onde as unhas a arranharam. Os fones de ouvido foram arrancados de seu pescoço. Ela virou-se e atacou com a espada, distribuindo golpes no ar. Dava a impressão de que os golpes não acertavam em nada. Ela balançou a espada em um arco, mas de novo, nada.

Jared chutou forte com uma das pernas, acertando em alguma coisa sólida. Ele sentiu que aquilo que o agarrava havia afrouxado a pressão, e empurrou o próprio corpo para a frente, protegendo com força sua mochila daquelas garras. O conteúdo pulou para fora e Jared mal foi capaz de agarrar o Guia a tempo. Na grama, ele pegou a pedra e se arrastou até onde Mallory estava. Então, colocou a pedra no rosto e olhou.

— Seis horas — gritou ele, e Mallory deu um giro, golpeando naquela direção, acertando um goblin na orelha. O bicho urrou. A espada não tinha ponta mas certamente um golpe machucava.

— Menores, eles são menores. — Jared conseguiu se erguer e colar suas costas nas de Mallory. Todos os cinco goblins estavam ao redor deles.

Um atacou pela direita.

— Três horas — gritou Jared.

Mallory jogou o goblin no chão com toda facilidade.

— Meio-dia! Nove horas! Sete horas. — Eles estavam atacando todos ao mesmo tempo e Jared achou que Mallory não fosse dar conta. Ele ergueu o Guia e lançou-o tão forte quanto podia no goblin mais próximo.

Tum! O livro bateu pesado o suficiente para fazê-lo estatelar-se para trás.

Mallory tinha nocauteado mais dois com golpes duros. Agora eles circulavam com mais cautela, rangendo os dentes de vidro e pedra.

Houve um estranho chamado, como uma mistura de um latido com um zunido.

 

Com aquele barulho, os goblins fugiram um por um para a floresta.

Jared deixou-se cair na grama. Ele tinha se machucado e estava sem fôlego.

— Eles foram embora — disse Jared. Ele deu a pedra a Mallory. — Veja. Mallory sentou-se perto dele e levou a pedra ao olho.

— Eu não estou vendo nada, mas eu não vi nada há um minuto atrás do mesmo jeito.

— Eles ainda podem voltar. — Jared se virou e abriu o Guia, mudando de páginas rápidamente. — Leia isso.

— “Goblins nadam em bandos nômades procurando por problemas.” — Mallory fez uma cara feia para as palavras. — E, olha, Jared: “Gatos e cães desaparecendo é um sinal de que os goblins estão por perto.”

Eles trocaram um olhar.

— Tibbs — disse Jared com um calafrio.

Mallory continuou lendo.

— “Goblins nascem sem dentes e então acham substitutos, tais como caninos de animais, pedras afiadas, e pedaços de vidro.”

— Mas não diz nada sobre como pará-los — falou Jared. — Ou para onde eles possam ter levado Simon.

Mallory não tirou os olhos da página.

Jared tentava não imaginar o que os goblins pudessem querer com Simon. Parecia muito óbvio para ele o que eles faziam com cães e gatos, mas não queria pensar que seu irmão pudesse ser... pudesse ser devorado. Seu olhar intenso caiu nas ilustrações daqueles dentes horríveis.

Certamente não. Certamente haveria alguma outra explicação.

Mallory suspirou profundamente e apontou para o desenho.

— Logo vai escurecer, e com olhos como esses, provavelmente eles vão enxergar melhor do que nós.

Aquilo parecia muito inteligente. Jared resolveu escrever uma nota no Guia sobre aquilo quando eles conseguissem Simon de volta. Ele limpou o monóculo e introduziu a pedra no lugar novamente, mas os prendedores estavam muito frouxos para segurá-la.

— Não está funcionando — informou Jared.

— Você tem que ajustá-lo — disse Mallory. — Nós precisamos de uma chave de fenda ou de alguma coisa assim.

Jared pegou um canivete do bolso de trás de suas calças. Havia ali uma chave de fenda, uma pequenina faca, uma lente de aumento, uma lixa, tesouras, e um lugar onde um dia esteve um palito de dente. Apertando os prendedores cuidadosamente, ele ajustou a pedra no lugar.

— Aqui, me deixe prendê-lo direito na sua cabeça. — Mallory amarrou as tiras de couro até a geringonça estar apertada. Jared tinha que entortar os olhos para ver direito, mas estava muito melhor do que antes.

— Pegue isso — disse Mallory, e entregou a ele uma bela espada. Não tinha ponta no entanto, então ele não tinha certeza do quanto ela podia ser útil.

Contudo ele se sentia melhor por estar armado. Enfiando o Guia na mochila, apertando as tiras e segurando a espada na sua frente, Jared começou a descer a encosta em direção às árvores escuras.

Estava na hora de achar Simon.

 

Em que Jared e Mallory acham muita coisa, mas nada do que procuravam

Andando entre as árvores, Jared sentiu um pequeno arrepio. O ar era diferente, tomado pela fragrância de coisas verdes e terra úmida, mas a luz era sombria. Ele e Mallory andavam entre emaranhados de mato e árvores esguias cheias de trepadeiras. Em algum ponto sobre eles, um pássaro começou a cantar, fazendo um som desagradável como o de um alarme. Abaixo das pegadas, o chão era liso por causa do musgo. Galhos estalavam enquanto eles passavam e Jared ouvia um som distante de água.

Havia o pio de um pardal, e uma pequena coruja sentada em um galho baixo. Sua cabeça levantou-se na direção deles enquanto ela mordia um pequeno e cansado camundongo em suas garras.

Mallory abriu caminho entre um nó de arbustos e Jared a seguiu. Pequeninos carrapatos grudavam na roupa e no cabelo dele. Os dois contornaram o tronco esfarelado de uma árvore caída cheia de formigas negras.

Havia alguma coisa diferente em sua visão com a pedra no lugar. Tudo era mais brilhante e mais claro. Mas havia ainda algo além. Coisas se moviam na grama, nas árvores, coisas que ele não podia ver direito mas que descobria pela primeira vez. Rostos feitos de cortiça, pedra e musgo que ele via por apenas um momento. Era como se a floresta inteira estivesse viva.

Ali. Mallory apontou para um galho quebrado e pontudo em que moitas de samambaia tinham sido pisadas. Eles foram por ali.

Os dois irmãos seguiram o rastro de ervas daninhas despedaçadas e galhos quebrados até que chegaram a um riozinho. Já então a floresta ficara mais sombria, e os sons crepusculares haviam aumentado. Uma nuvem de mosquitos borrachudos os cercou por um instante, depois se desabalou em direção à água.

— O que nós vamos fazer agora? — perguntou Mallory. — Você consegue ver alguma coisa?

Jared deu uma olhada pela lente e balançou a cabeça.

— Vamos seguir a correnteza. O rastro tem que aparecer de novo.

Eles andaram pela floresta.

— Mallory — sussurrou Jared, apontando para um enorme carvalho. Pequeninas criaturas verdes e marrons estavam empoleiradas em um galho. Suas asas se pareciam com folhas, mas seus rostos eram quase humanos. Em vez de cabelo, grama e botões de flores cresciam em suas pequeninas cabeças.

— O que você está olhando? — Mallory ergueu o espadim e deu dois passos para trás.

Jared balançou sua cabeça levemente.

— Ninfas... Eu acho.

— Por que você está com essa cara de tonto?

— Elas são tão... — Ele não podia explicar direito. Ele estendeu a mão, com a palma aberta, e olhou espantado quando uma das criaturas pousou nos seus dedos. Pés leves fizeram cócegas em sua pele enquanto a pequenina ninfa piscava seus olhos negros para ele.

— Jared — disse Mallory com impaciência.

Com o som da voz dela, a pequena ninfa pulou no ar. Jared olhava enquanto ela espiralava, para cima em direção às folhas.

Raios de sol filtrados através das árvores estavam cor de laranja. Para cima, a correnteza se alargava e passava pelas ruínas de uma ponte de pedra.

Jared podia sentir sua pele formigando enquanto se aproximavam do entulho, mas não havia nem sinal dos goblins. O rio era muito largo, com mais ou menos dez metros, e havia uma parte bem escura no meio que parecia ser de água funda.

 

Jared ouviu um som distante que parecia metal se arranhando contra metal.

Mallory parou, olhou através da água e levantou a cabeça.

— Você ouviu isso?

— Será que é o Simon? — perguntou Jared. Ele tinha esperanças de que não fosse. Não parecia humano, além de tudo.

— Não sei — disse Mallory —, mas seja o que for, tem a ver com esses goblins. Vamos! — Com isso, Mallory tomou a direção do barulho.

— Não vá por aí, Mallory — alertou Jared. — É muito fundo.

— Não seja criança — disse ela, e arrastou-se pelo rio. Ela deu dois longos passos e então caiu como se tivesse ultrapassado a beira de um precipício. A água verde-escura cobriu sua cabeça.

Jared se jogou adiante. Largando sua espada na margem, mergulhou as mãos na água gelada. Sua irmã apareceu na superfície cuspindo, e agarrou o braço dele.

Ele a tinha puxado quase até a margem quando alguma coisa veio à superfície atrás dela. De início parecia uma montanha saindo da água, pedregosa e coberta de musgo. Então uma cabeça emergiu, o verde profundo de grama de rio podre, com pequenos olhos negros, um nariz que era retorcido como um galho e uma boca cheia de dentes quebrados. Uma das mãos foi em direção a eles. Seus dedos eram tão longos quanto raízes, e suas unhas estavam pretas por causa do lodo. Jared respirou o fedor do fundo da água, folhas podres e lama muito velha.

Ele gritou. Sua cabeça estava completamente vazia. O menino não conseguia se mover.

Mallory se arrastou o resto do caminho que faltava até a margem e olhou sobre seus ombros.

— O que é? O que você está vendo?

Com a voz dela, Jared deu um pulo e tropeçou desajeitadamente para longe da correnteza, puxando-a junto com ele.

— Um troll — arfou ele.

A criatura deu o bote atrás deles. Os longos dedos se arrastaram pela grama até muito perto de onde os dois estavam.

Então a criatura uivou e Jared olhou para trás, mas ele não conseguia ver o que tinha acontecido. O bicho veio na direção deles outra vez mas se jogou para trás quando um dos longos dedos caiu em um feixe de luz. O monstro urrou.

— O sol — gritou Jared. — O sol o queimou.

— Já está escurecendo — respondeu Mallory. — Vamos.

— Espeeeeerem — murmurou o monstro. Sua voz era sonsa.

Os olhos amarelos olhavam-lhes firmemente.

— Vooooltem. Eu teeeenho uma coisa para vocêêêês. — O troll estendeu a mão fechada como se pudesse mesmo estar segurando alguma coisa em sua palma.

— Jared, vamos. — A voz de Mallory estava mais apelativa. — Eu não posso ver com o que você está conversando.

— Você viu meu irmão? — perguntou Jared.

— Talveeeez. Eu ouvi alguma coisa há algum teeeempo, mas estava muito claro, muito claro para poder ver.

— Era ele! Só pode ser. Para onde eles foram?

A cabeça balançou em direção ao restante da ponte e então voltou a olhar para Jared.

— Veeeeenha mais perto e eu te digo.

Jared deu um passo para trás.

— Sem chance.

— Peeeelo meeeenos veeeenha peeeegar suuuua espaaaaada. — O troll apontou para a espada ao seu lado. A espada estava no chão na margem, onde Jared a tinha deixado. Ele olhou para sua irmã. Suas mãos também estavam vazias. Ela deve ter deixado sua espada no meio do lago.

Mallory deu um passinho à frente.

— Aquela é a única arma que temos.

— Veeenha e peeeegue-a. Vou feeeechar meus oooolhos se isso faaaaz vocês se seeentirem mais seguuuuros. — Aquela mão enorme cobriu os olhos.

Mallory olhou para a espada na lama. Os olhos dela estavam tão focados na arma que Jared ficou nervoso. Ela estava pensando em pegá-la.

— Você nem consegue ver a coisa. — Jared assobiou. — Vamos.

— Mas a espada...

Jared desamarrou o monóculo e o entregou a ela. O rosto da menina ficou pálido com a visão da enorme criatura que olhava através de um intervalo de seus dedos, presos somente pelas pálidas listras de luz do sol.

— Vamos — disse ela tremendo.

— Nãããão — gritou o troll. — Vooooooltem. Eu vou paaaaara tráááás. Vou contaaaar até dez. É uuuuma chaaance juuusta. Vooooltem.

 

Jared e Mallory correram pelas árvores até que acharam um rastro de luz para ficar.

Os dois se esconderam atrás do tronco de um carvalho e tentaram recuperar o fôlego. Mallory estava arrepiada. Jared não sabia se era porque ela estava ensopada ou por causa do troll. Ele baixou o zíper de seu casaco, tirou-o e entregou para ela.

— Estamos perdidos — disse Mallory entre tragadas de ar. — E desarmados.

— Pelo menos sabemos que eles não atravessaram o rio — concluiu Jared, lutando para prender de novo a lente na sua cabeça. — O troll os teria capturado com certeza.

— Mas o som vinha do outro lado. — Mallory chutou uma árvore, tirando lascas fora.

O nariz de Jared sentiu o cheiro de alguma coisa queimando. Era fraco, mas ele pensou que aquilo cheirava a cabelo assado.

— Você está sentindo o cheiro? — perguntou Jared.

— Daquele lado — respondeu Mallory.

Eles andaram através do matagal, não se importando com o fato de se arranhar nos galhos e espinhos que havia. Jared só pensava no seu irmão e no fogo.

— Olhe para isso. — Mallory parou abruptamente. Ela botou a mão na grama e pegou um pé de sapato marrom.

— É do Simon.

— Eu sei — Mallory disse. Ela virou-o, mas Jared não podia ver mais pistas, a não ser muita lama.

— Você não acha que ele está... — Jared não conseguiu terminar a frase.

— Não, eu não acho! — Mallory enfiou o sapato no bolso da frente de sua blusa.

Ele concordou lentamente, convencendo-se.

Um pouco adiante, e as árvores começavam a escassear. Eles caminharam até uma estrada. O asfalto escuro se estendia no horizonte distante. Por trás de tudo aquilo o sol estava se mostrando em uma chama roxa e laranja.

E na curva da estrada, ao longe, um grupo de goblins aconchegava-se ao redor do fogo.

 

Em que as razões do desaparecimento do gato são descobertas

 

Jared e Mallory se aproximaram do acampamento dos goblins cautelosamente, escondendo-se em cada tronco. Cacos de vidro e ossos roídos sujavam o chão. Presas no alto das árvores, eles podiam ver gaiolas feitas com folhas de arbustos, sacolas de plástico e outros restos. Latas esmagadas de refrigerante estavam penduradas nos galhos, chocando-se ruidosamente umas contra as outras como carrilhões sinistros do vento.

Dez goblins estavam sentados ao redor do fogo. O corpo enegrecido de alguma coisa que se parecia muito com um gato espetado em uma vareta. De vez em quando um dos goblins se inclinava para lamber um pedaço de carne carbonizada, e girando o espeto latia alto. Então todos eles começavam a ladrar.

Vários goblins começaram a cantar. Jared estremeceu com as palavras.

 

Viva nós, viva nosso povo!

Agarre um gato, agarre um cachorro

Deixe-o gostoso, deixe-o gordo

E o cozinhe, e cozinhe de novo

Viva nós, viva nosso povo!

 

Carros zuniam por perto, distraídos. Talvez até mesmo sua mãe tenha passado dirigindo agora, Jared pensou.

— Quantos? — sussurrou Mallory, levantando um galho pesado.

— Dez — respondeu Jared. — Não estou vendo Simon. Ele deve estar em uma das gaiolas.

— Você tem certeza? — Mallory olhou na direção dos goblins. — Me dê essa coisa.

— Agora não — respondeu Jared.

Eles andaram lentamente por entre árvores procurando uma gaiola grande o suficiente para conter Simon. A frente deles, alguma coisa gritou de um jeito estridente e alto. Eles se arrastaram em direção à margem da floresta.

Um animal estava deitado ao longo da estrada, em frente ao campo dos goblins. Era do tamanho de um carro, mas enroscado, com uma cabeça de falcão e o corpo de leão. Sua costela estava marcada com sangue.

— O que você está vendo?

— Um grifo — disse Jared. — Está machucado.

— O que é um grifo?

— É um tipo de pássaro, um tipo de um... sei lá, só fique longe dele.

Mallory sorriu, indo mais ao fundo nas árvores.

— Lá — disse ela. — O que é aquilo?

Jared olhou para cima. Várias das gaiolas no alto eram maiores, e ele achou que havia uma forma humana em uma delas. Simon!

— Eu posso subir — afirmou Jared.

Mallory fez que sim com a cabeça.

— Seja rápido.

Jared enfiou seu pé no buraco de um tronco, erguendo-se até a primeira fenda nos galhos. Então, puxando a si mesmo para cima, ele começou a rastejar ao longo do galho que segurava as gaiolas menores. Se ficasse em pé naquele tronco, poderia olhar as que estavam penduradas no alto.

Enquanto avançava lentamente, Jared não podia se impedir de olhar para baixo. Nas gaiolas sob seus pés, ele podia ver esquilos, gatos e pássaros. Alguns arranhavam e mordiam as barras, enquanto outros estavam imóveis. Algumas tinham apenas ossos. Eles estavam todos enfileirados com folhas que pareciam suspeitosamente com hera venenosa.

— Ei, amiguinho dos gatos, aqui em cima.

A voz surpreendeu tanto Jared que ele quase perdeu o equilíbrio no galho. Viera de uma das gaiolas maiores.

— Quem está aí? — sussurrou Jared.

— Gritalhão. Agora, o que você acha de abrir essa porta?

Jared viu a cara de sapo de outro goblin, mas este tinha olhos verdes de gato. Ele estava usando roupas, e seus dentes não eram de vidro ou metal, mas pareciam dentes de bebê.

— Não acho uma boa idéia — disse Jared. — Você pode apodrecer aí. Não vou te soltar.

— Não seja um torturador de gatos, cabeça de besouro. Se eu gritar, esses caras vão te comer de sobremesa.

— Aposto que você passa o tempo todo gritando — disse Jared. — Aposto que eles não acreditam em nada do que você fala.

— Ei! Olhem...

Jared agarrou a ponta da gaiola e puxou-a. O Gritalhão ficou quieto. Embaixo, os goblins esbofeteavam uns aos outros e despedaçavam pedaços de carne de gato, aparentemente inconscientes da confusão na árvore.

— Certo, certo — disse Jared.

— Bom, me solte!

— pediu o goblin.

— Eu tenho que achar o meu irmão. Me fale onde ele está e então eu te solto.

— Sem chance, querido xereta. Você acha que sou besta feito uma lombriga nojenta.

Ou você me solta ou vou gritar de novo.

— Jared! — A voz de Simon chamou de uma das gaiolas mais afastadas no galho. — Eu estou aqui em cima.

— Eu estou indo — respondeu Jared, virando na direção do som.

— Ou você abre essa porta, ou eu começo a gritar — ameaçou o goblin.

Jared suspirou profundamente.

— Você não vai gritar. Se você gritar, eles vão me pegar e então não vai ter ninguém para te soltar. Eu vou soltar meu irmão primeiro, mas eu volto para te ajudar.

Jared se arrastou mais ainda no galho. Ele estava aliviado pois o goblin tinha ficado em silêncio.

Simon estava espremido em uma gaiola muito pequena para ele. Suas pernas estavam dobradas contra seu peito, e os dedos de um dos pés estavam fora de uma das barras. Sua pele estava arranhada pelos espinhos que enchiam a gaiola.

 

— Você está bem? — perguntou Jared, pegando seu canivete e serrando os nós ao redor da prisão de Simon.

— Estou. — A voz de Simon tremeu um pouquinho.

Jared gostaria de perguntar se Simon tinha achado Tibbs, mas ele tinha medo da resposta.

— Desculpe-me — disse ele por fim —, eu deveria ter te ajudado a procurar a gata.

— Tudo bem — disse Simon, se espremendo através da parte da porta que Jared tinha conseguido abrir. — Mas eu tenho que te contar que...

— Cabeça de tartaruga! Moleque! Chega de falar! Tem que me soltar! — gritou o goblin.

— Vamos — disse Jared —, eu disse que iria ajudá-lo.

Simon seguiu seu irmão gêmeo pelo galho de volta até a gaiola do Gritalhão.

— O que tem aí?

— Um goblin, eu acho.

— Um goblin! — exclamou Simon. — Você está louco?

— Eu posso cuspir no seu olho — ofereceu o Gritalhão.

— Credo — Simon disse. — Não, obrigado.

— Isso vai te dar a Visão, bobalhão. Aqui — disse o Gritalhão, pegando um lenço de um de seus bolsos e cuspindo nele. — Esfregue isso nos seus olhos.

Jared hesitou. Ele podia confiar em um goblin? Mas, então, o Gritalhão ficaria preso na gaiola para sempre se ele fizesse alguma coisa de ruim. Simon nunca o libertaria.

Ele tirou o monóculo e passou o pano sujo sobre seus olhos. Aquilo doeu.

— Ai. Isso é muito nojento — disse Simon.

Jared piscou os olhos e olhou para os goblins sentados ao redor do fogo. Ele podia vê-los sem a pedra.

— Simon, funciona!

Simon olhou para o pano sem acreditar mas esfregou seus próprios olhos com o cuspe do goblin.

 

— Nós temos um acordo, certo? Me soltem. — pediu o Gritalhão.

— Me fale o que você está fazendo aí primeiro. — disse Jared. — Dar-lhes o lenço era ótimo, mas podia ser também um truque.

— Você não é muito inteligente para um cabeçudo — resmungou o goblin. — Eu vim aqui para soltar um dos gatos. Veja, eu adoro gatos, e não apenas porque eles são saborosos e, olha, eles são muito saborosos mesmo. Mas eles têm os olhos muito parecidos com os meus, e esse era mesmo muito pequeno, não havia muita carne ali. Tinha um miado muito doce. — O goblin parecia perdido em suas lembranças, então abruptamente voltou a olhar para Jared. — É isso, agora me solte.

— E esse seu dente? Você come bebês ou o quê? — Jared não tinha achado a história do goblin muito razoável.

— O que é isso? Um interrogatório? — resmungou o Gritalhão.

— Eu já vou te soltar. — Jared se aproximou e começou a cortar os complicados nós da gaiola. — Mas eu gostaria de saber alguma coisa sobre seus dentes.

— Bom, crianças têm a curiosa idéia de deixar dentes debaixo do travesseiro, não é?

— Você rouba o dente das crianças?

— Vamos, orelhudo, vai me dizer que você não acredita na fada do dente!

Jared ficou atrapalhado por alguns instantes, sem falar nada. Ele tinha quase terminado de serrar o último nó quando o grifo começou a guinchar.

Quatro dos goblins circulavam-no com porretes pontudos. O bicho não podia levantar-se para muito longe do chão, mas podia morder os goblins se eles chegassem muito perto. Então o bico de falcão da criatura ajudou, cortando fora o braço de um goblin. O goblin que fora ferido gritou, enquanto em apenas um minuto bateu com seu porrete nas costas do grifo. Os outros goblins berraram.

— O que eles vão fazer? — sussurrou Jared.

— O que parece? — respondeu o Gritalhão. — Eles estão esperando que ele morra.

— Eles estão matando o bicho! — gritou Simon. Seus olhos estavam enormes, encarando o tenebroso espetáculo. Jared achou que seu irmão estava vendo tudo aquilo pela primeira vez. Surpreendentemente Simon agarrou um punhado de folhas e galhos da árvore em que eles estavam e atirou-as nos goblins.

— Simon, pare com isso! — disse Jared.

— Deixem o bicho em paz, seus idiotas! — Simon gritou. — DEIXEM-NO EM PAZ!

Todos os goblins olharam para cima, seus olhos refletiam uma palidez branca de fantasma na escuridão.

 

Em que Jared é obrigado a fazer uma escolha difícil

Me soltem! — berrou o Gritalhão. Jared foi mais rápido e cortou o último nó.

O Gritalhão dançou no galho, sem se preocupar com os goblins gritando debaixo dele. Eles estavam cercando a árvore.

Jared olhava ao redor atrás de algum tipo de arma, mas tudo que ele tinha era seu pequeno canivete. Simon estava quebrando mais galhos e o Gritalhão foi fugindo, pulando de árvore em árvore feito um macaco. Ele e seu irmão estavam abandonados e em um beco sem saída. Se tentassem descer, os goblins iriam para cima deles.

E em algum lugar lá embaixo, no escuro, Mallory estava sozinha e cega. Sua única proteção era o vermelho do casaco que ela estava usando.

— E os animais nas gaiolas? — perguntou Simon.

— Não dá tempo!

— Ei, bobões! — Jared ouviu o Gritalhão chamar. Ele olhou na direção da voz, mas o Gritalhão não estava falando com eles de jeito nenhum. Ele estava dançando ao redor do fogo segurando uma enorme tira de carne de gato assada na boca.

— Seus cabeças de martelo! Bobalhões! Caras de tonto! Bestuntos! — Ele gritou para os goblins, então se virou e mijou no fogo, fazendo as chamas brilharem verde.

Os goblins esqueceram a árvore e foram na direção do Gritalhão.

— Vamos! — disse Jared. — Agora!

Simon desceu da árvore o mais rápido que pôde, pulando quando estava perto o suficiente. Ele caiu no chão com uma leve pancada. Jared aterrissou ao seu lado.

Mallory abraçou os dois, mas ela não largou o galho.

— Eu ouvi os goblins de muito perto, mas não consegui ver nada — disse ela.

— Coloque isso. — Jared passou a ela o monóculo.

— Você precisa dele — protestou ela.

— Agora! — disse Jared.

Surpreendentemente Mallory prendeu o monóculo sem qualquer outra palavra. Depois pegou seu casaco e deu a Simon seu sapato.

Eles começaram a andar pela floresta, mas Jared não podia evitar olhar para trás. O Gritalhão estava cercado como o grifo estivera um pouco antes.

Eles não podiam abandoná-lo daquele jeito.

— Ei! — chamou ele. — Venham aqui!

Os goblins se viraram e, vendo as três crianças, saíram atrás deles.

Jared, Mallory e Simon começaram a correr.

— Você ficou louco? — gritou Mallory.

— Ele estava nos ajudando — gritou Jared de volta. Mas o menino não podia garantir que ela o ouvira já que ele ofegava ao mesmo tempo em que falava.

— Para onde estamos indo? — berrou Simon.

— Para o riacho — Jared disse. Ele pensou rápido, como nunca fizera antes em sua vida. O troll era a única chance deles. Ele tinha certeza de que o bicho poderia conter dez goblins sem nenhum problema. O que ele não tinha certeza é de como eles mesmos escapariam dele.

— Não podemos ir para lá — disse Mallory. Jared a ignorou.

Já seria o suficiente conseguir que eles pulassem no lago. Os goblins não saberiam que havia um monstro para escapar.

Os goblins estavam ainda muito longe. Eles não podiam saber o que estava para acontecer.

Estavam quase lá. Jared podia ver o rio lá na frente, mas eles ainda não estavam perto da ponte em ruínas.

Então Jared viu uma coisa que o deixou gelado. O troll estava fora da água, na beirada da margem, com os olhos e os dentes brilhando à luz da lua. Mesmo arqueado para baixo, Jared supunha que ele tivesse mais de vinte metros de altura.

— Que sooooorte — disse ele, apontando o braço enorme na direção deles.

— Esperem — disse Jared.

A criatura se moveu na direção deles, com um curto sorriso que mostrava os dentes quebrados. Aquilo definitivamente não era o esperado.

— Consegue escutar? — perguntou Jared. — Aqueles são goblins. Dez goblins bem gordos. São muito mais do que três crianças magricelas.

O monstro hesitou. O Guia tinha dito que trolls não eram muito inteligentes. Jared esperava que fosse verdade.

 

— Tudo o que você tem a fazer é voltar para o rio e nós os guiaremos direto até lá. Eu prometo.

Os olhos amarelos da criatura cintilaram gulosamente.

— Siiiiiim — ele disse.

— Rápido — disse Jared. — Eles estão quase chegando!

O bicho deslizou na água sem quase movê-la.

— O que era aquilo? — perguntou Simon.

Jared estava tremendo, mas ele não podia deixar que aquilo o parasse.

— Vamos entrar no rio ali, onde é raso. Nós temos que fazê-los nos caçar na água.

— Você está maluco? — perguntou Mallory.

— Por favor — suplicou Jared. — Confie em mim.

— A gente tem que fazer alguma coisa! — disse Simon.

— Tudo bem, vamos — Mallory seguiu seus irmãos pelo leito enlameado, balançando sua cabeça.

Os goblins irrompiam das árvores. Jared, Mallory e Simon arrastaram-se pela parte rasa, ziguezagueando ao redor do fosso. O jeito mais rápido de chegar até eles seria indo pelo meio do lago.

 

Jared ouviu os goblins pulando na água atrás deles, ganindo feito loucos. Então os ganidos se tornaram gritos. Jared olhou para trás para ver uns poucos goblins se debatendo em direção à margem. O troll pegou-os todos, agarrando-os, mordendo-os e puxando-os para o seu esconderijo na água.

Jared tentou não olhar mais. Seu estômago fez um estranho e nauseante movimento.

Simon olhava pálido e um pouco enjoado.

— Vamos para casa — disse Mallory.

Jared concordou.

— Não podemos — disse Simon. — E aquele monte de animais?

 

Em que Simon se supera e encontra um filhote novo extraordinário

 

–Você deve estar brincando — disse Mallory quando Simon explicou o que ele estava querendo fazer.

— Eles vão morrer se nós não fizermos isso — insistiu Simon. — O grifo está sangrando.

— O grifo, também? — perguntou Jared. Ele entendia quanto aos gatos, mas um grifo?

— Como nós vamos ajudar aquela coisa? — perguntou Mallory. — Nós não somos veterinários de seres fantásticos!

— Temos que tentar — disse Simon com firmeza.

Jared tinha a obrigação de concordar com Simon. Afinal, ele colocara Simon em muita confusão.

— A gente podia pegar a velha lona do depósito.

— É — concordou Simon. — Então podíamos puxar o grifo até em casa. Há muitos quartos.

Mallory ergueu os olhos.

— Se ele deixar — Jared disse. — Você viu o que ele fez com aqueles goblins?

— Vamos, pessoal — pediu Simon. — Não sou forte o suficiente para empurrá-lo sozinho.

— Certo — disse ela. — Mas eu não vou ficar perto da cabeça.

Jared, Simon e Mallory foram juntos até o depósito. A lua cheia sobre eles dava luz o suficiente para que os irmãos pudessem andar pelas árvores, mas mesmo assim eles foram cuidadosos, cruzando o rio onde havia apenas uma corrente. Na extremidade do gramado, Jared pôde ver que as janelas da casa principal estavam iluminadas e que o carro de sua mãe estava parado no estacionamento. Ela estaria fazendo o jantar? Teria chamado a polícia? Jared gostaria de ir até lá dentro e falar para sua mãe que tudo estava bem, mas ele não ousou.

— Jared, vamos. — Simon tinha aberto a porta do depósito, e Mallory estava puxando a lona do velho carro.

— Ei, olhem para isso. — Simon pegou uma lanterna de uma das prateleiras e tentou ligá-la. Por sorte nenhum raio de luz se espalhou pela grama.

— Deve estar sem bateria — Jared disse.

— Parem de brincar — Mallory falou para eles. — Nós estamos tentando não ser vistos.

Eles puxaram a lona pela floresta. Andaram devagar e várias vezes discutiram sobre qual o caminho mais curto a tomar. Jared não podia deixar de prestar atenção nos distantes barulhos da noite. Mesmo o coaxar dos sapos parecia sinistro. Ele não podia ficar tranqüilo pensando no que poderia estar na escuridão. Talvez alguma coisa pior do que goblins ou trolls. Ele balançou sua cabeça e pensou consigo mesmo que possivelmente ninguém poderia ter tão pouca sorte em apenas um dia.

Quando finalmente encontraram o acampamento dos goblins, Jared ficou surpreso ao ver o Gritalhão sentado diante do fogo. Ele estava lambendo um osso e arrotou contente quando eles se aproximaram.

— Acho que você está bem — disse Jared.

— Isso é jeito de falar com quem ajudou a melhorar a fuga que vocês tinham planejado com esses cérebros de camarão?

Jared começou a protestar — eles quase foram mortos por aqueles goblins idiotas — mas Mallory agarrou seu braço.

— Vá ajudar Simon com os bichinhos — ordenou ela. — Vou ficar vigiando o goblin.

— Eu não sou um goblin qualquer — esclareceu o Gritalhão. — Sou um trasgo.

— Seja lá o que for — disse Mallory, sentando em uma pedra.

Simon e Jared subiram nas árvores, soltando todos os animais das gaiolas. A maioria correu para o galho mais próximo ou pulou para o chão, com tanto medo dos garotos quanto estavam dos goblins. Um pequenino filhote de gato se espremeu no fundo de uma gaiola, choramingando tristemente. Jared não sabia o que fazer com ele, então o colocou em sua mochila e continuou andando. Não havia sinal da Tibbs.

Quando Simon viu o gatinho, insistiu que eles o levassem. Jared desejava que ele estivesse pensando em substituir o filhote pelo grifo.

Jared achou que os olhos do Gritalhão brilharam quando ele viu o gato, mas aquilo poderia ser de fome.

Quando as gaiolas estavam vazias, os três irmãos e o trasgo se aproximaram do grifo. Ele lhes pareceu temeroso, mostrando as garras.

Mallory largou a ponta da lona que estava segurando.

— Você sabe, animais feridos às vezes atacam.

— E outras vezes não — disse Simon, indo em direção ao grifo com aí mãos abertas.

— Às vezes eles deixam que você cuide deles. Eu achei um rato assim uma vez. Ele só me mordeu quando melhorou.

— Só um louco varrido arranjaria confusão com um grifo ferido. — O Gritalhão quebrou outro osso e começou a sugar a medula. — Você quer que eu segure aquele gatinho?

Mallory olhou com a cara bem feia.

— Você quer seguir seus amigos até o fundo do lago?

Jared sorriu. Era bom estar do mesmo lado que Mallory.

Aquilo o fez pensar em uma coisa.

— Já que você parece tão generoso, por que não arranja um pouco de cuspe de goblin para a minha irmã?

— É cuspe de trasgo — disse o Gritalhão calmamente.

— Credo, obrigada — Mallory disse —, mas eu dispenso.

— Não, olha... ele vai te dar a Visão. E isso até faz sentido — disse Jared. — Quero dizer que, se água do banho de seres fantásticos funciona, isso deve funcionar também.

— Não posso sequer começar a expressar o quanto isso me parece nojento.

— Bom, se ela se sente assim. — O Gritalhão tentava parecer ofendido. Jared não achava que ele estava mesmo, porque sugava um osso ao mesmo tempo.

— Má, deixa. Você não pode usar uma pedra presa na sua cabeça o tempo inteiro.

— Você que acha — respondeu ela. — Vocês por acaso sabem quanto tempo esse cuspe funciona?

De fato Jared não tinha pensado nisso. Ele olhou para o Gritalhão.

— Até alguém encostar nos seus olhos — disse ele.

— Certo, então está ótimo — disse Jared, tentando conseguir de volta o controle da conversa.

Mallory suspirou.

 

— Ótimo, ótimo. — Ela se ajoelhou e tirou o monóculo. O Gritalhão cuspiu com muito gosto.

Erguendo os olhos, Jared viu que Simon já tinha ido para perto do grifo. Ele estava agachado ao lado dele e sussurrava.

— Oi, grifo — dizia Simon com a voz mais calma possível. — Não vou machucar você. Só queremos ajudar você a melhorar. Vamos, seja bonzinho.

O grifo choramingou como se fosse um apito de chaleira. Simon acariciou suas penas bem devagarzinho.

— Vamos lá, passem a lona — murmurou Simon.

O grifo se levantou com calma, abrindo o bico, mas os carinhos de Simon pareciam tê-lo relaxado. Ele colocou sua cabeça sobre o asfalto.

Eles passaram a lona por trás dele.

Simon ajoelhou-se perto da cabeça dele, falando calmamente com palavras dóceis. O grifo parecia ouvir, arrepiando suas penas, como se os murmúrios de Simon fossem cócegas.

Mallory rastejou-se na frente do bicho e gentilmente segurou suas patas dianteiras, e Jared fez o mesmo com as traseiras.

— Um, dois, três — disseram juntos com muita calma, então empurraram o grifo para a lona. Ele guinchou e debateu as pernas, mas logo estava sobre o pano.

Então eles o ergueram o quanto podiam e começaram o árduo processo de arrastar o grifo para o depósito. Ele era mais leve do que Jared esperava. Simon sugeriu que talvez ele tivesse ossos ocos como um pássaro.

— Até mais, malucões — falou o Gritalhão atrás deles.

— A gente se esbarra por aí — respondeu Jared. Ele quase desejava que o trasgo viesse com eles.

Mallory levantou seus olhos.

O grifo não gostou muito da viagem. Eles não conseguiam erguê-lo por muito tempo, então ele era arrastado por cima de saliências e arbustos. Ele guinchava, chiava e agitava a asa boa. Eles tinham que parar e esperar que Simon o acalmasse para então começar a puxá-lo outra vez. Parecia que levar o grifo para casa demoraria toda a eternidade.

Uma vez no depósito, eles tiveram que abrir as portas duplas no fundo e rebocar o grifo para uma das cocheiras de cavalo. Ele se assentou em um monte de palhas velhas.

Simon ajoelhou-se para limpar os ferimentos do grifo o melhor que podia sob a luz da lua e com apenas a água da mangueira. Jared arranjou um balde e colocou água para o grifo beber. Ele deu boas goladas.

Até Mallory fez a sua parte, achando um cobertor comido pelas traças para cobrir o animal. Com curativos e sonolento, ele quase parecia manso no depósito.

Ainda que Jared pensasse que tinha sido loucura trazer o grifo até ali, ele tinha de admitir que estava começando a ter um pouquinho de afeição por ele. De um jeito ou de outro, mais do que tinha pelo Gritalhão.

 

Quando Jared, Simon e Mallory entraram em casa, era muito tarde. Mallory ainda estava molhada pela queda que tivera no lago e as roupas de Simon estavam quase aos trapos. Jared tinha manchas de grama nas calças e arranhões nos cotovelos por causa de sua caçada pelas árvores. Mas eles ainda tinham o livro e o monóculo, Simon estava carregando um gatinho da cor de balas escocesas e todos ainda estavam vivos. Do ponto de vista de Jared, aquelas coisas representavam grandes sucessos.

Sua mãe estava ao telefone quando eles entraram. O rosto dela estava molhado de lágrimas.

— Eles estão aqui! — Ela desligou o telefone e olhou para eles por um instante. — Onde vocês estavam? É uma hora da manhã agora! — Ela apontou o dedo para Mallory. — Como você pôde ser tão irresponsável?

 

Mallory olhou para Jared. Simon, do outro lado, olhou também para ele e pressionou o gato contra seu peito. Surpreendentemente Jared notou que seus irmãos esperavam que ele apresentasse uma desculpa.

 

— É, é, é que havia um gato em uma árvore — começou Jared. Simon deu-lhe um sorriso encorajador.

— Esse gato. — Jared apontou para o filhotinho nos braços de Simon. — E, bom, Simon subiu na árvore, mas o gato se espantou. Ele subiu mais alto e Simon ficou preso. E eu corri para cá para chamar Mallory.

— E eu tentei subir atrás dele — acrescentou Mallory.

— É isso — Jared disse. — Ela subiu atrás dele. E então o gato pulou para outra árvore e Simon foi atrás, mas aí o galho quebrou e ele caiu no rio.

— Mas as roupas dele não estão molhadas — disse a mãe deles, olhando com a cara muito feia.

— Jared estava querendo dizer que eu caí na água — corrigiu Mallory.

— E meu sapato caiu no rio — disse Simon.

— É — concordou Jared. — Então Simon pegou o gato, mas aí a gente tinha que trazê-lo para baixo da árvore sem que ele arranhasse.

— Demorou um pouquinho — disse Simon.

Sua mãe olhou para Jared de um jeito esquisito, mas não gritou.

— Vocês três estão de castigo até o final do mês. Sem mais brincadeiras lá fora e sem mais desculpas.

Jared abriu a boca para argumentar, mas não conseguiu pensar em nada para dizer.

Enquanto os três se arrastavam subindo as escadas, Jared disse:

— Perdão. Eu acho que minhas desculpas foram muito ridículas.

Mallory balançou a cabeça.

— Você não tinha muito o que dizer e não podia contar o que tinha acontecido.

— De onde aqueles goblins vieram? — perguntou Jared. — Nós não chegamos a saber o que eles queriam.

— O Guia — disse Simon. — Foi aquilo que eu estava tentando te dizer. Eles pensavam que eu estava com o Guia.

— Mas como? Como eles ficaram sabendo que nós o encontramos?

— Você não acha que o Tibério contou para eles, não é? — perguntou Mallory.

Jared balançou a cabeça.

— Desde o começo ele não queria que a gente se metesse com o livro.

Mallory sorriu.

— Então como?

— E se alguém estivesse olhando a casa esperando que achássemos o livro?

— Alguém ou alguma coisa — adicionou Simon preocupado.

— Mas por quê? — perguntou Jared um pouco mais alto do que pretendia. — O que o livro tem de tão importante para eles? Quero dizer... e esses goblins sabem ler?

Simon deu de ombros.

— Eles de fato não disseram por quê. Só queriam o livro.

— Tibério tinha razão. — Jared abriu a porta do quarto que dividia com o irmão gêmeo.

A cama de Simon estava feita direitinho, os lençóis esticados e o travesseiro arredondado. Mas a de Jared parecia uma ruína. O colchão pendurado no estrado, cheio de penas e estofa. Os lençóis tinham sido rasgados em tiras.

— Tibério — disse Jared.

— Eu te falei — disse Mallory. — Você nunca deveria ter pego aquela pedra.

 

                                                                                            Tony Diterlizzi  

 

                      

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