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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A PRISIONEIRA DO AMOR / Sandra Marton
A PRISIONEIRA DO AMOR / Sandra Marton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

O ex-agente das Forças Especiais Alexander Knight é chamado para uma última missão perigosa... Seqüestrar e proteger a bela e sagaz Cara Prescott a mando do Governo.

A única alternativa é escondê-la em sua exótica ilha particular, onde mantê-la cativa leva a dias quentes e eróticos, e noites de intensa paixão. Mas será Alex capaz de não magoá-la quando ele mesmo não tem a menor idéia do grande perigo que os ameaça?

 

 

 

 

 

Ele era um homem forte, de corpo rígido, l,93m, e estava irritado.

O cabelo era negro, os olhos verdes, da cor do mar. As maçãs do rosto eram proeminentes, herança da mãe, uma mestiça da tribo indígena Comanche. O queixo era firme, igual ao do pai texano.

Naquela noite, a elegante selvageria que herdara do povo de sua mãe corria quente no sangue do rapaz.

O jovem estava em uma sala onde a escuridão era quebrada por faixas de luar cor de marfim. Sombras se escondiam nos cantos. O barulho do vento lá fora provocava uma sensação de desassossego.

O sono inquieto da mulher que dormia na enorme cama de dossel era uma manifestação disso. Estava sozinha a mulher a quem pensara amar. Essa mulher a quem conhecia intimamente.

O perfume delicado, um aroma de flor-de-lis na primavera. O brilho sedoso do cabelo com mechas douradas, contra a pele. O sabor dos seios, quentes e doces em sua boca. O queixo dele se enrijeceu. Oh, sim. Ele a conhecia. Ao menos, era o que pensava.

Longos momentos se passaram. A mulher murmu­rava durante o sono e sacudia a cabeça, inquieta. Será que sonhava com ele, como quanto o fizera de tolo?

Mais uma razão para ter ido lá naquela noite. Alex sentia. E a sensação de algo chegando ao fim era o que ele teria quando tomasse aquela mulher naquela cama, pela última vez. Quando a tomasse, sabendo quem era, que o usara e que tudo o que compartilha­ram tinha sido uma mentira.

Ele a acordaria do sonho. Depois, iria despi-la, prender-lhe as mãos acima da cabeça e certificar-se de que ela o fitaria enquanto a tomava. Queria que Cara pudesse ver que aquilo não significava nada para ele, que o sexo era apenas um alívio físico e nada mais.

Alex tivera dúzias de mulheres antes dela e teria outras dúzias depois. Nada com relação a ela, ou o que fizeram um nos braços do outro, era memorável. Sabia disso. Agora, precisava ter certeza de que ela também sabia.

Ele abaixou a cabeça. Em seguida, agarrou a ponta da colcha e a descobriu. Ela usava uma camisola, provavelmente, de seda. Gostava de seda, assim como Alex gostava de sentir o tecido sob os dedos, da forma como deslizara pela pele dela todas as vezes em que fizeram amor.

Alex a olhou. Ela era linda. Não podia negar. Ti­nha um corpo magnífico: esguio, maduro, feito para o sexo. Através da seda, o rapaz pôde ver o formato dos seios, redondos como maçãs, que reagiam ao to­que masculino. Bastava Alex abaixar a cabeça, tocar a pele delicada com a língua para que ela emitisse um gemido de prazer.

O olhar desviou-se até a sombra da feminilidade dela, uma sombra escura visível através da camisola de seda. Alex lembrou-se dos gemidos que ela dava quando acariciada e beijada intimamente, quando ar­queava o corpo e soluçava seu nome.

Tudo mentira. Nenhuma surpresa. Era uma mulher que gostava de livros e do mundo de fantasia ali apre­sentados. Mas Alex era um guerreiro, sua sobrevi­vência se baseava na realidade. Como poderia ter se esquecido disso? Como era possível ficar tão excita­do só de vê-la? O fato de saber que ainda a queria o deixava com raiva.

Alex disse a si mesmo que era normal, pura biolo­gia. A parte A se encaixava na parte B, e a parte A ti­nha uma mente própria. E, talvez, fosse esse o motivo para que tivesse que fazer isso. Um último encontro, naquela cama. Uma última vez para saboreá-la, mer­gulhar por entre aquelas pernas sedosas. E, assim, acabar com a ira que guardava dentro de si.

Agora, Alex pensava, e acariciou-lhe os seios, di­zendo:

— Cara.

A voz estava tensa. Ela lamuriava-se durante o sono, mas não acordou. Alex voltou a chamá-la, to­cou-a de novo. Então, ela abriu os olhos. O rapaz viu quando Cara o fitou, aterrorizada.

Antes que ela pudesse gritar, Alex tirou a máscara preta e deixou que Cara visse o seu rosto.

— Alex? — sussurrou Cara.

— Aquele que sempre aparece quando não é bem-vindo.

— Como entrou?

— Acha que um sistema de segurança pode me manter afastado?

Pela primeira vez, Cara percebeu que estava quase nua. Ela ruborizou-se; tentou cobrir-se com a colcha, mas Alex balançou a cabeça.

— Não vai precisar disso.

— Sei que está irritado...

— É isso o que pensa? — Os lábios de Alex se cur­varam em um sorriso que amedrontava todos aqueles com os quais lidara no passado, durante o período que agora considerava como sua outra vida.

— Tire essa camisola — disse ele.

— Não! Alex, por favor! Você não pode...

O rapaz abaixou a cabeça e a beijou, apesar de sua relutância. Então, puxou o decote da frágil camisola e a arrancou.

— Está errada. Posso fazer qualquer coisa esta noite, Cara. E juro que vou fazer.

 

                                 CAPÍTULO UM

Ninguém nunca perguntou a Alexander Knight se um homem podia sentir-se mal por causa da ansieda­de. Porém, se alguém a tivesse feito, ele teria dado uma risada.

E por que lhe fazer essa pergunta? Ansiedade não era uma palavra que fizesse parte do vocabulário dele. Sabia o que significava ficar tenso, o sangue pulsando. A sensação de algo prestes a acontecer fi­zera parte da vida dele por um longo tempo. Era im­possível passar anos nas Forças Especiais e, depois, em operações secretas sem experimentar momentos de estresse. Porém, isso não era a mesma coisa. Por que um homem ficaria ansioso quando tinha treinado a si mesmo para encarar o perigo?

Alex estacionou o BMW em uma vaga atrás do prédio no qual ele não ia havia três anos. Não vira, não pensara... Que inferno, isso era mentira. Em mui­tos sonhos, acordara com o coração acelerado, suado os lençóis emaranhados.

Antes mesmo de fundarem uma empresa chamada Especialistas em Gerenciamento de Risco, Alex e os irmãos concordaram que não haveria nada que os fi­zesse atravessar novamente aquelas portas de vidro fume.

— Eu não — jurou Matt.

— Nem eu — acrescentou Cam.

E Alex dissera, "Que droga!". A mandíbula se contraiu. Tantas promessas. Era novembro na capital federal, o céu estava escuro e fazia frio, e ele passava por aquelas portas malditas, caminhando para o bal­cão da segurança.

O pior é que tudo aquilo parecia muito familiar, como se ele nunca tivesse ido embora. Alex procurou pelo cartão de identificação em um dos bolsos. Mas, claro, não havia nenhum cartão, apenas a carta que motivara a sua ida.

Alex se identificou para o guarda que, primeiro, checou o nome em uma lista na própria prancheta; depois, no monitor do computador.

— Siga adiante, por favor, senhor Knight.

Ele atravessou o portão de segurança. Barreira um, pensou, enquanto era revistado eletronicamente. Era a última chance de virar-se e ir embora.

Um segundo guarda lhe entregou um crachá de identificação de visitante e disse:

— Os elevadores ficam adiante, senhor.

Alex sabia muito bem onde ficavam os malditos elevadores. Depois que entrou e apertou o botão, ele sabia que seriam necessários apenas dois segundos para que as portas se fechassem e sete segundos para chegar ao décimo sexto andar.

Também sabia que saltaria em um corredor que parecia comum a qualquer edifício empresarial. Exceto pelo fato de o teto estar repleto de lasers, só Deus sabia do que mais, e tudo o checava da cabeça aos pés. Alex também sabia que a porta preta com a placa “Apenas Entrada Autorizada" se abriria depois que tocasse com um dos polegares em um painel e olhasse para a frente de forma que outro laser pudes­se examinar-lhe a retina e constatar que ele realmente era Alexander Knight, espião.

Ex-espião, lembrou a si mesmo. Ainda assim, pressionou um dos polegares no painel, apenas para ver o que aconteceria. Para surpresa dele, aquele ges­to ativou o exame de retina e, alguns segundos de­pois, a porta preta se abriu exatamente como fazia tempos atrás.

Nada mudara, nem mesmo a mulher usando um terninho cinza escuro e sentada atrás de uma mesa em frente à porta. Ela se levantou como fizera centenas de vezes no passado.

— O diretor está à sua espera, senhor Knight.

Nem um "Olá", "Como tem passado?". Somente o mesmo cumprimento rude que sempre dera quando Alex ia lá entre uma missão e outra.

Alex a seguiu por um longo corredor até outra por­ta fechada. Essa, entretanto, abriu-se com o giro da maçaneta, revelando um amplo escritório com jane­las a prova de balas.

O homem à mesa ergueu o olhar, sorriu e se levan­tou. Era a única mudança naquele lugar. O diretor para quem Alex trabalhara tinha ido embora. O assis­tente o substituíra. O nome do novo diretor era Shaw, e Alex nunca gostou dele.

— Alex, bom vê-lo de novo — disse Shaw.

— Bom vê-lo também — retrucou Alex.

— Sente-se, por favor. Sinta-se à vontade. Já to­mou o café-da-manhã? Gostaria de um pouco de café ou chá?

— Nada, obrigado.

O diretor recostou-se na cadeira giratória e cruzou as mãos.

— Soube que você anda muito bem. Alex acenou com a cabeça, concordando.

— Essa sua empresa, Especialistas em Gerenciamento de Risco... é esse o nome? Ouço coisas exce­lentes sobre o trabalho que você e os seus irmãos fazem. Parabéns para todos nós, eu acho. É bom saber que as técnicas que aprenderam aqui não foram des­perdiçadas.

— Nada do que aprendemos aqui foi desperdiça­do. Sempre nos lembraremos de tudo.

— Espero que se lembrem da promessa que fize­ram quando se juntaram ao Serviço Secreto: honrar, defender e servir a nação de vocês.

— Honrar e defender — respondeu Alex, friamen­te. Para o inferno com aquelas brincadeiras falsas. Era hora de ir direto ao ponto, ao que importava. — Sim. Eu lembro. Talvez você se lembre que a interpretação daquela promessa do Serviço Secreto foi a razão bá­sica pela qual meus irmãos e eu nos demitimos.

— Um ataque de consciência de um colegial, mal orientado e posicionado no lugar errado — retrucou o diretor.

— Já ouvi esse sermão. Entenderá por quê não es­tou interessado em ouvi-lo de novo. Se foi por isso que me pediu para vir...

— Pedi que viesse porque preciso que sirva ao seu país mais uma vez.

— Não — disse Alex e levantou-se.

— Alex... — O diretor respirou fundo e continuou:

— Sente-se. Ao menos escute o que tenho a dizer.

Alex olhou para o homem que estivera no subcomando ali por mais de duas décadas. Após um mo­mento, sem nenhuma expressão no rosto, ele voltou a sentar-se.

— Obrigado — falou o diretor. Alex se perguntava o quanto custara a Shaw dizer aquela simples pala­vra.

— Temos um problema.

— Você tem um problema — rebateu Alex.

— Por favor... Nada de joguinhos com palavras. Deixe-me falar do meu jeito.

Alex balançou os ombros. Não tinha nada a perder porque, não importava o que o diretor dissesse, ele iria deixar aquele lugar em poucos minutos.

— O FBI veio até mim por causa de uma situação delicada — explicou Shaw.

Alex ergueu as sobrancelhas. O FBI e o Serviço Secreto nem sabiam da existência um do outro. Não em público, não no Congresso, não em lugar nenhum que tivesse importância.

— O novo chefe do FBI é um velho conhecido e... como eu disse, surgiu uma situação.

Silêncio. Alex jurou a si mesmo que não seria ele quem o quebraria. Porém, a curiosidade era grande. E, afinal, isso não significava que se envolveria com o que quer que estivesse acontecendo ali.

— Que situação?

O diretor pigarreou e explicou:

— O juramento de sigilo que fez quando se juntou a nós ainda deve ser cumprido.

— Sei disso.

— Assim espero.

— Sugerir o contrário é um insulto à minha honra, senhor.

— Certo, vamos deixar as tolices de lado. Você era um dos nossos melhores agentes. Agora, precisamos da sua ajuda de novo.

— Repito: não estou interessado.

— Já ouviu falar da família Gennaro?

— Sim.

Todos os envolvidos com o cumprimento da lei já tinham ouvido falar dos Gennaro. Era uma família envolvida com drogas, prostituição e jogo ilegal.

— E sabe sobre a acusação contra Anthony Gen­naro?

Alex acenou com a cabeça, concordando. Alguns meses antes, um promotor público federal em Ma­nhattan indiciou o chefe da família. Acusações diver­sas, incluindo homicídio. Se condenado, Tony Gen­naro passaria a viver na prisão, e o poder da família terminaria.

— Os federais me disseram que têm um caso exce­lente. Escutas telefônicas, arquivos digitais. Mas o trunfo escondido é uma testemunha.

— Não vejo o que isso tem a ver comigo.

— A testemunha não tem cooperado. No início, concordou em ajudar. No entanto, depois, recusou-se. Agora, o Departamento de Justiça não tem certeza quanto ao que vai acontecer em seguida. Por fim, a testemunha aceitou cooperar...

— Sob pressão.

— A testemunha concordou em cooperar, mas...

— Mas os Gennaro podem pegá-la primeiro.

— Sim. Ou a testemunha pode decidir não prestar depoimento.

— De novo.

— Isso mesmo.

— Ainda não vejo...

— O procurador-geral e eu nos conhecemos há muito tempo. Ele acha que os métodos usuais de proteção à testemunha não vão funcionar nessa situação em particular. E eu concordo.

— Você quer dizer que ele não está interessado em colocar essa testemunha em um quarto de hotel bara­to, em Manhattan, e aumentar o orçamento com um segurança de plantão 24 horas por dia? Nem em con­tar com a equipe do hotel para não falar sobre o con­vidado de honra ou vender a informação para quem pagar mais? Talvez tenham aprendido alguma coisa enquanto estive afastado.

— O que eles precisam... O que nós precisamos... é de um agente com experiência. Um homem que já te­nha estado na linha do fogo, que conheça o suficiente para não acreditar em ninguém. E que não tenha medo de fazer o que for preciso, não importando o que seja, para manter essa testemunha em segurança.

Alex se levantou e disse:

— Você está certo. É exatamente o tipo de homem do qual precisa, mas não serei eu.

O diretor se levantou também e retrucou:

— Analisei bastante a questão. Você é o homem certo, o único, para essa tarefa.

— Não.

— Por favor, você jurou lealdade ao seu país!

— Que parte do "não" você não entendeu, Shaw? — Ninguém nunca usava o nome do diretor. Ao che­gar à porta, Alex acrescentou:

— Eu diria que foi bom revê-lo. Mas por que men­tir?

— Nunca vão conseguir uma condenação sem a sua ajuda!

Alex abriu a porta.

— Vão matar a testemunha! Quer esse peso na sua consciência?

— Minha consciência nem vai notar. Deveria sa­ber disso.

— Knight! Volte aqui...

Ele bateu a porta e foi embora.

Alex dirigiu o BMW de volta ao aeroporto, dei­xou-o no lugar onde o alugara e comprou uma passa­gem para o vôo da ponte aérea para Nova York. Qual­quer coisa era melhor do que mais algumas horas res­pirando o ar de uma cidade onde os políticos beija­vam bebês enquanto os serviços secretos, que finan­ciavam, tomavam como base histórias de mortes pre­meditadas por homens de olhar frio que viviam nas sombras. Sabia que esse procedimento acontecia em qualquer outro governo no planeta, mas isso não fa­zia com que fosse mais fácil aceitar o fato.

Ele ainda tinha que esperar quase uma hora. Então, foi para o saguão da primeira classe. O assistente ser­viu-lhe um bourbon duplo. A morena sentada em frente a Alex levantou o olhar, antes preso à leitura da revista Vanity Fair. Depois, abaixou os olhos. E vol­tou a olhar.

Ela abriu um largo sorriso. E, de algum modo, a saia curta do tailleur Armani diminuiu alguns centí­metros. Tudo bem. A moça tinha pernas maravilho­sas.

Pensando melhor, tudo era esplêndido. Quando ela sorriu pela segunda vez, Alex pegou o drinque, cru­zou o saguão e sentou-se na cadeira ao seu lado.

Pouco depois, Alex sabia muita coisa sobre ela. Na verdade, sabia tudo o que um homem precisava sa­ber, incluindo o fato de que morava em Austin, não muito longe de Dálias.

Aquela moça era interessante. Mas, de repente, Alex percebeu que não sorria mais. Talvez tenha sido o encontro com o diretor, ou o fato de estar de volta à capital federal. Isso remexeu em muitas lembranças, a maioria indesejáveis, inclusive sobre o jovem ino­cente que tinha sido quando fizera o juramento ao Serviço Secreto.

Ninguém lhe dissera que palavras como “servir" e "honra" pudessem ser deturpadas, roubando a alma de um homem. A obrigação dele perante o Serviço Secreto terminara no dia em que se demitira. Além do mais, de acordo com o que Shaw dissera, isso não ti­nha nada a ver com defender e servir o país. E sim com um crime familiar e uma testemunha cuja vida corria perigo.

A morena se aproximou, disse algo e sorriu. Alex não ouviu uma palavra do que ela disse, mas retribuiu o sorriso.

Shaw não era dado a hipérboles. Só as usava quan­do queria. Alex deveria ter escutado Matt e Cam. Jan­taram juntos na casa do pai. O relacionamento dos fi­lhos com o velho homem tinha mudado. Não era per­feito, mas muito melhor que na época da infância e da adolescência dos três. Para que isso acontecesse, foi preciso Cam quase morrer e Matt entrar em uma guerra particular.

As cunhadas tinham se apressado em ir à cozinha para pegar o café e a sobremesa. Alex e os irmãos fi­zeram piadas por um tempo, até que o pai se juntou a eles. Então, casualmente, Alex comentou que o diretor pedira para vê-lo.

— Ele quer que eu esteja lá amanhã.

— Deve ter perdido o juízo, pensando que você vai — disse Matt.

— Você disse a Shaw o que ele podia fazer com esse pedido, certo? — perguntou Cam.

— Tenho que admitir, estou curioso — confessou Alex.

— Para o inferno com a curiosidade. O que quer que seja que Shaw queira, pode apostar que não é nada bom — disse Matt.

Mais tarde, o pai o chamou. O velho homem esti­vera tão quieto durante a conversa que Alex quase se esquecera que ele estava ali.

— Nunca falou sobre o tempo em que trabalhou no Serviço Secreto, o que me faz suspeitar que não era agradável. Mas deve ter acreditado nisso pelo menos uma vez, filho, ou jamais teria jurado fazer parte da organização — comentou Avery.

Era verdade. Alex acreditara no Serviço Secreto, no juramento para servir e respeitar a nação, o povo... Uma promessa era uma promessa. Alex estava de pé antes que pudesse se lembrar da morena. Que infer­no! Ele a esquecera completamente. O sorriso da moça o fez estremecer.

— Desculpe-me. Mudei de planos. Vou ficar no distrito federal. Negócios, entende? — disse Alex.

Olhou-o surpresa, mas logo se recuperou. Então, procurou algo na bolsa e lhe entregou um pequeno cartão, dizendo:

— Ligue-me quando tiver uma oportunidade.

Ele sorriu, concordando. Porém, sabia que não te­lefonaria.

Alex estacionou na mesma vaga. Entrou pelas mesmas portas de vidro fume, passou pelo mesmo portão de segurança. Subiu no mesmo elevador. Pres­sionou um dos polegares sobre o mesmo painel, teve os olhos examinados pela mesma máquina.

Se a secretária de Shaw estava surpresa em vê-lo, não demonstrou. Apenas disse:

— Sente-se, senhor Knight — e saiu apressada pelo corredor.

Alguns segundos depois, Alex estava no escritório do diretor. Sorrindo, Shaw levantou-se, saindo de trás da mesa, e estendeu uma das mãos para cumpri­mentá-lo. Alex o ignorou.

— Vamos deixar uma coisa clara. Eu faço isso, e você nunca mais entra em contato comigo. E trabalho sozinho.

— Sei que prefere assim, mas...

— Trabalho sozinho, ou não faço nada. E quero carta branca. Farei o que for preciso para garantir a segurança dessa testemunha sem interferência, sua ou de qualquer outra pessoa.

— Combinado.

— Me conte o básico.

— A testemunha vive em Nova York.

— É casada? Solteira? Quantos anos ele tem?

— É mulher. Solteira. Vinte e poucos anos.

Uma mulher. Isso complicava as coisas. Era mais difícil lidar com mulheres. Eram mais emotivas, suscetíveis a mudanças hormonais...

— Qual a ligação da testemunha com os Gennaro?

— Era amante de Tony.

Não era de se admirar que a moça fosse importante para os federais. E hostil. Ela devia saber muito, in­clusive o quão perverso Tony Gennaro podia ser.

O diretor entregou a Alex um envelope e falou:

— É tudo o que temos.

Alex tirou uma foto de dentro do envelope. Genna­ro tinha bom gosto com relação a mulheres.

— O nome dela é Cara Prescott. Vivia com Genna­ro até pouco tempo atrás. Trabalhava para ele — ex­plicou Shaw.

Virou a foto. Todos os detalhes estavam ali: nome, data de nascimento, o último endereço. Cabelo: cas­tanho. Olhos: castanhos. E, ainda assim, a foto lhe di­zia que as palavras não tinham sentido.

O cabelo de Cara Prescott seria da cor de castanhas maduras. Os olhos em tom dourado e a boca rosada. Poder-se-ia dizer que a aparência dela era delicada, até frágil. Alex ergueu o olhar. Shaw o fitava com um sorriso.

— Bela mulher, não acha?

— Você falou que a senhorita Prescott era amante de Gennaro. Agora, diz que ela trabalhava para ele. Qual das duas coisas?

— Ambas. Gennaro acabou se interessando por Cara.

— E, agora, a senhorita Prescott vai testemunhar contra Gennaro? Por quê?

— Porque é uma obrigação cívica.

— Por que ela concordou em testemunhar?

— Talvez a idéia de ser presa não a agrade.

— Uma prisão federal não é como um dia no par­que. Porém, isso é mais seguro do que trair a família Gennaro.

— Talvez alguém tenha lhe dito que ela pode ser acusada de um delito grave, a menos que coopere.

— A senhorita Prescott cometeu algum delito gra­ve?

— Tudo é possível. Sabe muito bem disso.

— O que mais?

— Devo ter atenuado a questão referente à hostili­dade da testemunha.

— O que quer dizer?

— Não se trata apenas de uma testemunha hostil. Não quer aceitar a proteção do governo. Talvez recuse.

— E se a senhorita Prescott fizer isso?

— O seu trabalho é fazê-la mudar de idéia, de qualquer modo.

Agora, Alex entendia o porquê do Serviço Secreto ter sido convocado. Os federais não usariam subter­fúgio ou coerção. Mas o Serviço Secreto, sim.

— Vamos aos detalhes. Você viaja ao meio-dia para Nova York. Haverá um carro no seu nome na agência Hertz, e uma reserva no hotel Marriot...

— Diga a sua secretária que não vou precisar de nada disso.

— Acho que não entendeu. Essa operação é nossa.

— Acho que você não entendeu. Vou conduzir isso do meu jeito. Não quero nada seu ou desse escri­tório, até que eu precise pedir. Entendeu?

— Sim, perfeitamente.

Pela primeira vez, Alex sorriu e comentou:

— Bom...

Então, virou-se e saiu.

 

                                 CAPÍTULO DOIS

Quando o avião pousou no aeroporto de LaGuardia, Alex já pensara em um plano.

Antes de se aproximar de Cara Prescott, queria ob­servá-la. A ficha que Shaw lhe entregara não dizia muito sobre ela. Alex queria ver a ex-amante de Tonny Gennaro. Descobrir o que fazia no seu tempo li­vre, andar pelos lugares que ela freqüentava. Então, decidiria como agir.

Até pouco tempo, a senhorita Prescott vivera na mansão de Gennaro, na costa norte de Long Island. Agora, morava em um apartamento na parte baixa de Manhattan. Shaw dissera que os federais a encontra­ram facilmente.

Enquanto se dirigia ao balcão da agência de alu­guel de carros, Alex pensava no que dissera: não que­ria interferência nesse trabalho. Quando estivesse pronto, apresentar-se-ia à senhorita Prescott. "Apre­sentar-se" era uma boa maneira de colocar as coisas, pensou, enquanto entregava o cartão de crédito ao atendente da loja de aluguel de carros. Presumindo que a senhorita fosse tão hostil quanto Shaw afirma­ra, não seria um encontro muito educado. Porém, ele se preocuparia com isso apenas quando chegasse o momento.

Alexander Knight foi embora de LaGuardia em um minifurgão preto. Parou em um shopping e comprou uma jaqueta de couro, uma camiseta, tênis e cal­ças jeans. Tudo na cor preta. Em seguida, foi a uma loja de produtos para acampamento e comprou uma mochila, uma lanterna, uma garrafa térmica, binócu­los, um telescópio e uma câmera digital do tamanho da palma da mão. Nunca se sabe quando objetos como esses poderiam ser úteis.

Depois, Alex se hospedou em um hotel, vestiu as roupas pretas, arrumou o equipamento na mochila e deu um telefonema. Dentro de uma hora, um velho amigo providenciara uma pistola 9mm e um pente extra de balas. Alex colocou a arma na parte detrás do jeans e o pente de balas em uma das meias. E estava pronto como sempre.

À meia-noite, estacionou do outro lado da rua, em frente ao apartamento da senhorita Prescott. Alex ob­servou o prédio a noite inteira. Ninguém entrou ou saiu.

Às cinco da manhã, Alex programou o despertador interno para dormir por meia hora. A semana que passou com um tio da mãe, chamado erroneamente de curandeiro pelos anglo-saxões, o ensinara a ir bem fundo dentro de si mesmo e, assim, conseguir repou­so para a mente e o corpo.

Às cinco e meia, ele acordou renovado e terminou de beber o café da garrafa térmica. Às oito horas, Cara Prescott desceu as escadas do prédio. Usava um trench coat preto longo, um boné e óculos escuros, apesar da manhã cinzenta. Dava para ver que ela usa­va jeans e tênis.

Tratava-se de uma tentativa de disfarce. Era o que Alex imaginava. O nome na caixa de correio, no sa­guão, era falso: C. Smith. E o número de telefone não constava na lista, o que fez com que ele levasse uma hora para consegui-lo.

Alex a viu subir a rua. Deixou que caminhasse na frente. Depois, saiu do furgão e a seguiu. A senhorita Prescott parou na esquina em uma delicatéssen co­reana. Então, saiu com uma xícara de café em uma das mãos. E, na outra, um pequeno saco de papel. Quando Cara voltou, vindo na direção dele, Alex ficou no vão de uma porta e esperou que passasse. En­tão, seguiu-a novamente. Ela entrou no prédio onde morava. E Alex voltou para o veículo.

As horas se arrastavam. O que será que ela fazia lá em cima? Se passasse tanto tempo trancada daquela forma, não enlouqueceria? Às quatro e meia da tarde, ele teve a resposta.

Cara Prescott desceu as escadas de novo, usando o mesmo trench coat, de boné e de óculos escuros. Aparentemente, não vestia mais jeans. E os tênis de­ram lugar a sapatos pretos de salto baixo. Ela cami­nhou até a esquina, olhou para o sinal, atravessou a rua e continuou andando.

Ele a seguiu. Vinte minutos mais tarde, Cara en­trou em uma livraria. Um senhor de cabelos brancos a cumprimentou. Cara sorriu, tirou o trench coat, o boné e os óculos escuros...

Alex conteve a respiração. Cara estava vestida de forma recatada: suéter, saia escura de comprimento nada excitante, sapatos baixos.

Alex já sabia que a moça tinha o rosto angelical. Agora, sabia que Cara tinha um belo corpo. Nem mesmo cores escuras podiam esconder-lhe os seios; a cintura esguia e os quadris arredondados. As pernas eram longas. Alex logo pensou nelas se enrolando em sua cintura. O cabelo era uma tentação — cachos cas­tanhos com pontas douradas presos na nuca.

Um homem poderia soltá-lo, mergulhar as mãos naqueles cachos enquanto erguia o rosto perfeito para fitá-lo. O corpo de Alex reagiu àquele pensa­mento. Tony Gennaro podia ser um assassino frio, mas o patife tinha excelente gosto quando o assunto era mulheres.

O senhor disse algo a Cara. Ela concordou, ace­nando, foi até a caixa registradora e a abriu. Aquela visão era quase tão surpreendente quanto a de todas as suas curvas femininas.

Será que a ex-amante de Gennaro trabalhava em uma livraria? Ou estava desesperada por um empre­go, ou era mais inteligente do que Alex pensara? Gennaro nunca pensaria em procurá-la em um lugar como aquele.

Alex olhou o relógio. Passava um pouco das cinco da tarde. O horário de funcionamento da loja ia até as nove da noite. Excelente. Isso lhe dava quatro horas de intervalo, tempo mais do que suficiente para en­trar no apartamento dela.

Uma vez que fizesse isso, saberia lidar melhor com Cara Prescott. Tudo o que sabia por enquanto era que ela era atraente, astuta o suficiente para tentar se ocultar na cidade. Porém, tola e gananciosa o bas­tante para ter ido para a cama com um homem que mandava matar sem culpa.

Entrar no apartamento de Cara foi muito fácil. Um cartão de crédito por entre o batente e a fechadura fez o trabalho. Sinos tocaram acima da cabeça dele, lite­ralmente.

Ela colocara uma série de sinos por cima da porta. Alex os agarrou, silenciando-os e esperou. Nada aconteceu. Evidentemente, quem mais ocupasse o prédio aprendera uma regra básica de sobrevivência em Nova York. Se algo estranho acontecesse à noite, mas não fosse com você, era melhor ignorar.

Alex fechou a porta com cuidado. Cara podia ter outras armadilhas ali. Ele aguardou até que os olhos se ajustassem à escuridão. Então, pegou a lanterna, acendeu-a e vasculhou a área.

O apartamento era um cômodo enorme — sem pa­redes, apenas um espaço aberto repleto de sombras. Havia uma minúscula cozinha, um banheiro de um lado e uma pilha de caixas de papelão do outro. O que quer que fosse que esperasse de uma mulher que dor­mira com um assassino não estava ali. Não havia mó­veis, apenas uma cama estreita, uma arca, algumas mesas pequenas e cadeiras que deviam ter vindo do Exército da Salvação.

Alex percorreu o apartamento, remexendo gavetas sem desarrumar o conteúdo. Encontrou apenas o que a maioria das mulheres têm: suéteres, jeans, lingerie de renda.

Ele ficou excitado. Há algum tempo estava sem encontros amorosos. Será que estava tão desesperado que só o fato de segurar uma lingerie, pensar em como uma mulher ficaria nela, era o suficiente para excitá-lo?

Qualquer homem com bastante dinheiro podia ter Cara Prescott. Uma mulher tinha o direito de fazer o que quisesse com o próprio corpo. Porém, se escolhia leiloá-lo a quem pagasse mais, essa não era a que Alex Knight queria em sua cama.

Ele observou o banheiro. A pia estava lascada e manchada. Acima, uma prateleira igualmente danifi­cada continha pequenos frascos. Alex abriu um por acaso e o cheirou. Flor-de-lis? Não era muito bom com flores e perfumes. Gostava de mulheres que cheirassem a mulher, principalmente quando excitadas e prontas para serem dele. Mas aquele perfume não era ruim.

Havia um pequeno armário entre o banheiro e a cozinha. Alex o abriu e vasculhou por entre saias, suéteres e vestidos. Meia dúzia de pares de sapatos estava no chão: os tênis da manhã daquele dia, sapa­tos de salto baixo. Nenhum par de sapatos de salto alto e fino.

Isso era ruim. As pernas da senhorita pareceriam sexy em sandálias de salto alto. Um daqueles sutiãs de renda, uma calcinha combinando, sandálias de sal­to alto, e o cabelo castanho revolto e cacheado por cima dos ombros, tudo faria...

Alex franziu as sobrancelhas ao fechar a porta do armário. Aquilo era patético. Quem se importava como Cara ficaria vestida com quase nada? Ninguém, exceto o ex-amante, e ó que quer que fosse que atraísse Tony Gennaro nunca atrairia...

Um clique. Alex empalideceu. Alguém acabara de virar a chave na fechadura da porta da frente. Ele des­ligou a lanterna e procurou um lugar para se escon­der. O armário era uma idéia. Apesar de estreito, era fundo. E não havia muita escolha.

Alex entrou no armário, mas não fechou a porta. Depois, pegou a arma, segurando-a perto de uma das coxas.

A porta da frente se abriu. O tilintar do alarme de segurança improvisado por Cara Prescott avisou-o que tinha companhia. A dona da casa estava no tra­balho. Os federais tinham sido afastados. Só havia duas possibilidades. Ou a visita era a de um ladrão sem sorte... Ou era a de um assassino a mando de Tony Gennaro.

Cada vez que Cara abria a porta, pensava na des­culpa lamentável para aquela fechadura. Já havia pe­dido ao síndico do prédio para trocá-la e o homem acenara com a cabeça, concordando. Porém, até en­tão, nada acontecera.

Tudo bem. Ela resolveria aquilo sozinha. No dia seguinte, seria a primeira coisa que faria. Era seu dia de folga. Infelizmente, já era tarde demais para cha­mar um chaveiro.

Meia hora atrás, o senhor Levine recebeu um tele­fonema. A irmã estava doente, e ele teve que ir para New Jersey. Cara se ofereceu para manter a loja aberta. Porém, o senhor não concordou. Ela era nova de­mais, ainda não conhecia muito bem o sistema, disse ele.

Cara sorriu ao trancar a porta, já do lado de dentro do apartamento. Sabia o suficiente para perceber que não havia nenhum sistema. Porém, não comentara nada. O senhor havia sido gentil ao contratá-la, ape­sar de ela ter admitido que não tinha experiência em vendas. Mesmo agora, preocupado com a irmã, o se­nhor Levine lhe assegurara que não deixaria de pagar o seu salário.

— Não é sua culpa se não vai trabalhar uma noite inteira, senhorita Smith. Não se preocupe com nada — explicou o senhor.

Por um segundo, Cara quase perguntou:

— Quem?

Ainda não se acostumara a ser Carol Smith. Cabe­lo preso, sem maquiagem, apenas uma jovem viven­do à própria custa, em Nova York. A verdade era que ela não conhecia ninguém chamado Smith. E Cara ti­nha a sensação de que o senhor Levine suspeitava disso. Ele pediu-lhe o cartão da previdência social. Ela prometera levá-lo, mas não fizera isso. E o senhor Levine nunca mais voltara a mencioná-lo.

— Tenho uma filha da sua idade. Mora na Ingla­terra e gosto de pensar que as pessoas cuidam dela lá — contou ao contratar Cara.

Em outras palavras, era um homem idoso, solitá­rio, e Cara estava tirando vantagem dessa situação. Mas não pensaria nisso agora, estava fazendo o que era preciso para sobreviver.

Anthony Gennaro a queria de volta. O FBI queria que ficasse sob custódia, presa para a sua própria proteção. Tudo o que Cara desejava era que a sua vida voltasse ao normal. Isso significava não ver Gennaro de novo e também não testemunhar contra ele. Não importava o que aquele homem fosse, não a prejudi­cara. Além disso, como dissera aos agentes que a entrevistaram ao deixar a mansão de Gennaro, ela não sabia de nada.

Você sabe, só não tem consciência do que. Por isso, queremos que fique sob custódia. Podemos mantê-la em segurança enquanto a ajudamos a lem­brar-se.

Como Cara se recusou, os agentes ficaram irrita­dos. E lhe disseram que Gennaro nunca deixaria de procurá-la. Também fizeram ameaças sobre mandá-la para a prisão.

E então ela decidiu desaparecer do hotel em Long Island no qual passara algumas noites. E a melhor forma de desaparecer não seria mudar-se para Ma­nhattan, onde era possível se perder em meio à multi­dão?

Cara encontrou um emprego e um lugar para viver. E estava segura até que acabasse o dinheiro que pou­para, durante os meses em que passara catalogando a biblioteca na mansão de Anthony Gennaro.

Ela pegou uma das cadeiras da cozinha e a apoiou à porta, embaixo da maçaneta. A cadeira e o trenó de sinos que encontrara em um antiquário na Nona Ave­nida não eram bem um sistema de alarme. Porém, no momento, eram tudo que possuía. No dia seguinte, mandaria trocar a fechadura. Porém, ainda havia a clarabóia... Não queria pensar no quanto poderia cus­tar para montar um alarme ali.

— Olhe para cima, senhorita Smith. Viu? Você tem uma clarabóia real! — o corretor lhe dissera.

O que tinha era uma forma de alguém entrar ali pelo telhado. Contudo, não havia motivo para ser tão paranóica. O FBI queria que ela acreditasse que Anthony Gennaro a machucaria. Entretanto, Gennaro a queria de volta, viva, e não morta.

Além disso, com clarabóia ou não, o aluguel era bom. Então, Cara dissera sim, ficaria com o aparta­mento. E ali estava. E com relação à clarabóia... Pe­diria sugestões ao serralheiro. Poderia trancá-la, tor­ná-la impenetrável e transformar aquele enorme es­paço vazio em uma prisão.

Bom treino, considerando que terminaria em uma cela de qualquer forma, segundo aqueles dois agentes do FBI. Então, Cara disse para si:

— Pare com isso.

Não tenha piedade de si mesma. Ia tomar um ba­nho quente, demorado. Depois, esquentar um pouco de sopa e ler um livro antes de dormir.

Cara tirou o trench coat, o boné e os óculos escu­ros. Em seguida, o suéter e a saia. Descalçou-se e foi até o armário, e então lembrou-se que o roupão esta­va pendurado atrás da porta do banheiro.

Apesar de pequeno e mal iluminado, o encanto do banheiro era o box com portas de vidro e torneiras nas laterais, além da água quente e abundante. Cara acendeu a luz, e soltou o cabelo. Então, abriu a porta do box e a torneira. O vapor começou a subirá ene­voando o vidro enquanto se despia e colocava as rou­pas no...

O que foi aquilo? O coração dela acelerou. Algo se movia. Podia ouvir. Pés? Será que alguém invadira o apartamento? Será que o agente do FBI estava certo? Será que Anthony Gennaro mandaria os homens dele atrás dela?

Um pequeno camundongo saiu de debaixo da pia e desapareceu porta afora. Cara riu. A imaginação dela transformara um camundongo em um monstro. Esta­va deixando o medo dominá-la.

Não mais. Ainda assim... Sentiu um calafrio. Por um momento, teve certeza de que havia alguém ali, observando, esperando... Isso era ridículo!

Cara entrou no chuveiro e fechou a porta do box. A água e o vapor seriam mágicos, fazendo com que o medo desaparecesse. Não viera tão longe para des­moronar naquele momento. Tudo o que importava era a própria sobrevivência.

Decidida, pegou um vidro de xampu da prateleira, colocou um pouco na palma de uma das mãos e co­meçou a lavar o cabelo.

 

                                   CAPÍTULO TRÊS

Alex não respirou direito até ouvir a porta do banhei­ro se fechar. Aquela foi por pouco!

O plano de Alex era saber mais sobre a ex-amante de Tony G. Certamente, não pretendia estender-lhe a mão, apresentar-se e dizer:

— Sim, você está certa. Invadi o seu apartamento.

Ele faria a abordagem em um lugar público, na li­vraria, na delicatéssen. As chances de ela fazer uma cena seriam menores se houvesse gente ao redor.

As mulheres eram passivas. Essa era a fraqueza delas. Alex vira instrutores trabalharem muito para forçá-las a não serem tão educadas.

Se não gosta da forma como alguém olha, eles di­riam, grite, faça uma cena. Faça muito barulho.

Às vezes, as mulheres do programa de treinamento militar conseguiam. Porém, era raro as civis agirem desse modo. Criadas para serem educadas, lutavam contra a idéia de chamarem a atenção para si mesmas. Apesar de ser tolice, era como pensavam.

Ela não faria nenhum estardalhaço se Alex Knight a abordasse da forma certa. Então, ele continuaria com aquele plano. Afinal, nada mudara. Ela não o vira. Alex pensou que seria visto quando Cara parou em frente ao armário. Ela estivera tão perto que Alex conseguiu sentir o seu perfume. Definitivamente, flor-de-lis: suave e feminino.

Cara Prescott também parecia dessa forma: suave, feminina. E incrivelmente sexy, andando da forma como Alex imaginara: de sutiã de renda e calcinha cor de creme. Sem saltos altos, mas excitante mesmo assim.

Tudo o que Alex precisava fazer era sair do armá­rio... Da forma como fizera então. Cara havia deixa­do a porta do banheiro aberta. Ele olhou para o box. O vidro estava translúcido, mas não transparente. Alex conseguia ver o contorno do corpo feminino. Via os braços erguidos, os seios, o corpo graciosamente arqueado.

Alex franziu as sobrancelhas, desviou o olhar e foi até a porta. Então, parou. Ao menos, podia verificar se havia escutas nos telefones. Havia tempo suficien­te para isso.

Trabalhando em silêncio, pegou um canivete, desparafusou a base do primeiro telefone... E encontrou uma escuta. Droga! Montou o telefone e se dirigiu ao segundo. Outra escuta. Enquanto recolocava os para­fusos, ouviu um trovão.

Trovão, em novembro? — pensou Alex, olhando na direção da clarabóia a tempo de ver um raio cortar o céu, iluminando um pequeno objeto no canto da cú­pula envidraçada no teto. Algo estava lá em cima e não deveria estar.

Alex colocou uma cadeira embaixo da clarabóia e subiu. Nada bom. Ele tinha l,93m, mas, mesmo em cima da cadeira, a clarabóia permanecia fora de seu alcance.

Ele desceu, checou a área de novo. Os olhos avis­taram uma vassoura em um canto. Depois, retorna­ram para a clarabóia. Talvez... Pegou a vassoura e voltou a subir na cadeira. Sucesso! Algumas batidas com a vassoura e o objeto que vira caiu no chão, fa­zendo barulho.

O som foi semelhante ao de um tiro. Alex conteve a respiração, prestando atenção se Cara chegaria cor­rendo à sala. Porém, o chuveiro estava a todo vapor.

Alex pegou o objeto. Era uma câmera minúscula e estava gravando tudo o que acontecia ali. Inclusive aquela invasão?

Uma coisa era certa. Se havia uma câmera, havia outras. A mulher a quem devia proteger estava sendo espionada. Pela gangue de Gennaro? Se o ex-amante sabia onde Cara estava, por que não ia buscá-la? Po­diam ser os federais, mas Shaw afirmara que estavam fora do caso.

Alex não ficaria tentando descobrir. Quem quer que fosse que a estivesse observando, poderia tê-lo visto também. E, certamente, estaria a caminho.

Outro trovão. Será que o chuveiro permanecia aber­to? Sim. O vapor continuava saindo de lá. Devagar, Alex caminhou pelo apartamento, pronto para saltar se Cara Prescott escolhesse aquele momento para fechar a água e abrir a porta do box. Ela entraria em pânico ao vê-lo. Não havia nada que ele pudesse fazer para evitar isso, mas pretendia controlar a situação.

O pavor da senhorita Prescott seria pior por estar nua. Isso não teria importância para Alex. O sexo não entrava no caso. Cara era um trabalho, só isso. Po­rém, o medo, associado ao elemento surpresa, pode­ria agir em favor dele. As antigas regras ainda se apli­cavam.

Alexander Knight respirou fundo para desacelerar os batimentos cardíacos e oxigenar o sangue. Agora, pensou. E, em um movimento rápido, abriu a porta do chuveiro.

Cara Prescott virou-se na direção dele. Com medo, ela gritou. Porém, o grito não atrairia os vizinhos... Os sinos tinham provado isso. E, ainda, havia o baru­lho da água do chuveiro correndo e o trovão.

Alex deu um passo à frente, colocando um dos pés dentro do box e um dos braços ao redor do pescoço de Cara, tampando-lhe a boca com uma das mãos. En­tão, puxou-a para si, dizendo:

— Preste atenção, senhorita Prescott. Faça o que lhe digo e... Droga!

Cara mordeu-lhe a mão. Alex afastou a mão mor­dida e a ajustou de forma a cobrir o nariz e a sua boca, e ela logo reagiu. O corpo começou a ficar arqueado diante da ameaça de uma asfixia.

— Faça isso de novo e serei forçado a revidar. Vou repetir, senhorita Prescott: faça o que eu lhe digo, e ficará bem.

Cara Prescott estava na ponta dos pés, a cabeça aconchegada em um dos ombros de Alex, como em um abraço amoroso. A água corria por cima dos dois. E Cara continuava lutando, contra ele, as mãos agar­radas a um dos pulsos de Alex. Cara usava todo ar que tinha nos pulmões na tentativa desesperada de salvar a própria vida.

— Ouça. Comporte-se e tirarei a mão de cima do seu nariz. Lute comigo, e vou mantê-la exatamente como está até que desmaie. Entendeu?

Ela não respondeu, mas a luta se tornou mais acir­rada.

— Entendeu? — repetiu Alex.

Cara acenou positivamente com a cabeça.

— Certo. Apenas lembre-se: um som, um movi­mento em falso, e não lhe darei uma segunda chance.

Alex moveu a mão de forma que passasse a cobrir apenas a boca da senhorita Prescott. Porém, manteve o braço ao redor da garganta dela. Cara estava na ponta dos pés, desequilibrada física e emocionalmente, e era assim que ele queria mantê-la por um tempo. O som da respiração dela era forte, e seu corpo tre­mia.

— Relaxe. Acalme-se e ouça.

Cara estremeceu, porém, Alex pôde senti-la rela­xando. Então, ele afrouxou a pressão do braço ao re­dor do pescoço dela, o suficiente para demonstrar-lhe que a sua reação o agradara.

— Vou tirar a minha mão da sua boca. Não quero que grite. Nem quero que fale. Obedeça e ficará bem. Grite, me morda, venha para cima de mim — qual­quer coisa que tente — e vou contê-la. E prometo, se­nhorita Prescott, vai lamentar. Entendeu?

A moça abriu bem os olhos. Finalmente, percebera que Alex dizia o nome dela.

— Entendeu? — perguntou outra vez Alex.

Cara acenou positivamente com a cabeça. Ele es­perou alguns segundos. Como esperara, mais um tro­vão ressoou acima da cabeça dos dois. Alex tirou a mão que tampava a boca de Cara. Ainda esperou que a senhorita Prescott gritasse, apesar do aviso dele. Porém, ela não fez isso.

Alex a virou na direção dela. Ele disse a si mesmo que a nudez dela lhe dava uma vantagem psicológica. Contudo, isso não significava nada para ele sexual­mente.

Ainda assim, somente um eunuco não teria notado que a pele de Cara era clara, os seios redondos, os mamilos rosados. E apenas um eunuco, ou talvez um santo, não desejaria sentir a suavidade daqueles seios contra a aspereza das palmas das mãos, e se tinham gosto de mel.

O rosto de Cara, pálido, ruborizou-se levemente. Trêmula, ela colocou um dos braços sobre os seios e o outro sobre a parte íntima, em uma comum e instin­tiva postura feminina de defesa.

Uma defesa inútil se Alex tivesse optado por for­çá-la a ser dele. Não gostaria que ela pensasse que pudesse ser capaz de tal atitude. Alex tinha feito mui­tas coisas ruins durante o tempo em que estivera no Serviço Secreto, mas nunca violentara ninguém.

Quando tomava uma mulher, queria que ela o de­sejasse. Mas quem ligava para o que Cara Prescott pensava? O medo que sentia o colocaria em uma po­sição de vantagem. De propósito, deixou que o olhar se movesse devagar por aquele corpo feminino. Era apenas uma forma de lembrá-la que ele detinha o poder.

E, droga, se Alex estava ficando excitado, não era nada pessoal. O perigo fazia com que a adrenalina au­mentasse. Adicione a isso uma mulher bonita, uma alusão a sexo, e o resultado era uma mistura perigosa.

Alexander Knight compreendia tudo aquilo. Se apenas o corpo entendesse a mensagem, estaria pres­tes a ficar excitado por completo. Essa reação o dei­xou furioso. Não gostava de perder o controle. Saber que aquela mulher, quase uma prostituta, exercia um poder de atração sobre ele o deixava ainda pior. O truque era a concentração. Alex conteve a excitação e começou a ordenar os pensamentos.

Havia toalhas penduradas, perto da pia. Ele pegou uma e a jogou em cima de Cara, dizendo:

— Cubra-se.

As mãos dela tremiam quando pegaram a toalha para cobrir o corpo molhado. Entretanto, a tal toalha não a cobriu muito. Alex pegara a toalha de mão e não a de banho. Era o suficiente para fazer com que Cara não se sentisse tão exposta. Mas não o bastante para que ele perdesse a vantagem psicológica sobre ela.

— Não sou ladrão. E não trabalho para o seu amante.

Nenhuma resposta. O perfume que ela exalava — sabonete, flor-de-lis e mulher — aumentou.

— Não quero machucá-la. Entendeu?

A moça balançou a cabeça, consentindo.

— Agora, saia do chuveiro. Devagar, sem movi­mentos rápidos.

Cara agiu conforme lhe era ordenado, os olhos dela nunca desviando dos de Alex. Ele tentou fazer o mesmo, mas era impossível. A toalha não era apenas pequena. Agora, estava molhada e agarrada como se fosse uma segunda pele, atraindo ainda mais a aten­ção para o corpo molhado. E para o inferno com eu­nucos e santos.

Apenas um homem morto não deixaria que o olhar percorresse aquelas curvas. Não era de se admirar que Anthony Gennaro a quisesse, pensou Alex, for­çando-se a mirar o rosto da jovem.

— Meu nome é Alexander Knight.

— O que quer?

— Quero ajudá-la. Sei sobre você e Tony Genna­ro.

O rosto dela ficou corado, mas a voz permaneceu firme quando perguntou:

— Quem?

— Nada de jogos, Cara. Não gosto disso.

O uso do primeiro nome era para lembrá-la de que ele estava no comando. Não funcionou. Os olhos dela ainda brilhavam de medo, mas algo mudara.

— Pegue o meu pijama.

— O quê?

— Me passe o meu pijama, o conjunto de moletom que está ali, em cima do vaso sanitário.

Cara Prescott não estava implorando, nem pedin­do. Ela estava dando ordens em uma tentativa de as­segurar algum controle. Alex compreendeu essa atitude. Também faria o mesmo no caso de uma situa­ção inversa.

Entretanto, compreendeu que não podia deixá-la ir adiante com essa situação. Ela era astuta e mais forte do que parecia. Isso significava que Alex precisava certificar-se que ela compreenderia que ele era muito mais forte.

Alex se aproximou. Fitando-a, a puxou para perto dele, e ficou excitado. Enquanto deslizava uma das mãos pelos seios de Cara pensou o quanto era bom acariciá-la. O brilho de desprezo que ele viu nos olhos de Cara deu lugar ao terror.

— Talvez não tenha me ouvido. Disse para não fa­zer joguinhos. Ou talvez pense que é tentadora de­mais e vá escapar. Está certa com relação ao fato de ser tentadora. Você é muito sedutora, porém, não es­tou interessado.

A fisionomia dele o denunciava.

— Tudo bem, você está certa. Sob outras circuns­tâncias, poderia estar.

Alex tocou-lhe os seios e disse a si mesmo para ig­norar aquela tentação.

— Mas agora não se trata de outras circunstâncias, e não estou interessado em comprar o que vendeu para o velho Tony.

— Não conheço nenhum Tony.

— Sim, você conhece. Precisa confiar em mim. Se eu trabalhasse para o homem, você estaria morta ago­ra... Mas somente depois de ser minha.

Alex queria amedrontá-la e deu certo. Não era hora para sutilezas. Além disso, uma mulher que dormira com o chefão da máfia não era alguém com sen­sibilidade.

Alex precisava que a Cara fosse obediente. Se mostrasse algum arrependimento, diante da forma como ela tremia, era apenas porque estivera muito tempo longe daquele tipo de trabalho. E não porque Cara era bonita.

Que bobagem, o que a beleza dela tinha a ver com aquilo? A verdade era que uma mulher que soubesse como fazer bom uso da própria aparência podia ser perigosa. Aprendia-se isso rapidamente no mundo de capa e espada.

Alex pegou o conjunto de moletom e o entregou à Cara, dizendo:

— Vista-se. Depois, vamos conversar.

Conversar? Cara conteve uma risada. Um louco, invadia o apartamento, a arrastava do chuveiro, fita­va-a nua, tocava os seios dela, e ela ainda tinha que acreditar que o maluco queria conversar?

Cara mordeu o lábio inferior para evitar gritar. Vestiu o conjunto de moletom, curvando-se o máxi­mo possível para evitar que aquele homem visse mais do que já tinha visto.

A roupa estava surrada e grande demais. A parte do "grande demais" era engraçada. Assim, sentia-se menos vulnerável. Sentiu medo ao ficar em pé, nua, diante de um estranho, bruto. Tinha que ser um bom sinal o fato de ele a ter deixado se vestir, certo?

— Tudo bem. Se tem perguntas, faça agora.

Se Cara tinha perguntas? Ela iria rir a qualquer mi­nuto... Ou desmaiar aos pés daquele maluco. Por que aquele homem não parecia louco? Se o tivesse visto na rua, não lhe lançaria um segundo olhar.

"Que mentira, Cara. Sabe muito bem que teria olhado." Que mulher não olharia para um homem como aquele? Era alto. Cabelos negros. Olhos ver­des, profundos. As maçãs do rosto eram tão proemi­nentes que pareciam dois cortes no rosto severo e belo. E o corpo dele — esbelto, firme, musculoso...

— Gosta do que vê, querida?

Cara o fitou. Alex sorria, e ela ficou ruborizada.

— Quero ter certeza de que sei como você é para dar à polícia uma descrição detalhada — retrucou Cara.

— Ah, Cara, isso não é uma boa idéia. Se eu esti­vesse aqui para machucá-la, sua infeliz ameaça me faria pensar duas vezes sobre deixá-la viva. Falei para fazer as perguntas que quisesse. Se tem algo a questionar, o tempo está passando.

— Você disse que não trabalha para esse homem que pensa que eu conheço. Então, para quem traba­lha?

— Para o governo.

A moça deu um passo para trás e comentou:

— Eu disse ao FBI que não quero ter nada a ver com...

— Isso não é interessante? Você não conhece Tony G, mas tem falado com o FBI.

— Se você trabalha para o governo, me deixe ver algo que comprove.

— O quê, por exemplo? Um distintivo? Uma foto da carteira de identidade? Uma carta de J. Edgar Hoover, diretor do FBI durante a Segunda Guerra Mundial?

— Hoover está morto.

— Sim, e homens como eu também estariam se an­dássemos por aí com nossas identidades. Terá que acreditar na minha palavra. Não trabalho para o FBI, e sim para um Serviço Secreto do governo que não é do conhecimento público.

— Não tem como provar o que está dizendo. E quer apenas que eu confie em você?

— Isso mesmo. Entendeu?

— Confiar em você, como? O que quer de mim?

— Como eu disse, estou aqui para ajudá-la, prote­gê-la...

Alex virou a cabeça na direção da porta aberta. O corpo esbelto, firme, ficou tenso. Cara pensou nos programas sobre natureza que vira, e como um tigre prestes a pular em cima da presa, de repente, pareceu se transformar em uma estátua.

— O quê? — indagou Cara.

Alex pôs o dedo em frente à boca, pedindo silên­cio. Devagar, colocou uma das mãos por debaixo da camiseta preta, indo até as costas. Como em um passe de mágica, uma arma apareceu na mão dele.

Cara ficou aterrorizada e Alex a empurrou para trás dele, dizendo:

— Alguém está na porta da frente.

— Não acredito em você! Não...

Alex a puxou, de forma que Cara pudesse fitá-lo. Então, segurando-lhe o queixo, sussurrou:

— O seu apartamento tinha várias escutas. Você tem sido vigiada por uma câmera. E, se quer viver, vai ter que fazer exatamente o que eu lhe disser. En­tendeu?

Ela o fitava, descrente. Por que faria qualquer coi­sa que aquele homem dissesse? Escutas telefônicas? Câmeras? E agora ele afirmava que podia ouvir al­guém à porta. Mas a água do chuveiro continuava correndo. Tudo o que Cara podia escutar era o baru­lho da água e, de vez em quando, um trovão distante.

— Não acredito. Você é um maníaco que invadiu o meu apartamento para me matar.

Algo cintilou nos olhos de Alex: raiva, desdém. Cara não conseguia perceber o que era, mas não tinha dificuldade em interpretar o que viria em seguida.

— Droga! — disse Alex.

Ele inclinou a cabeça de Cara para trás e a beijou com paixão. Ela lutava com força. Porém, Alex não a soltou até que Cara acabou fechando os olhos e ce­dendo ao beijo.

Então, Alex saboreou aquela boca feminina, tor­nando-a dele. Então, afastou-se e perguntou:

— E agora, você vai fazer o que eu lhe disser?

Cara fitava os olhos verdes e frios de Alexander Knight. Aí, respirou fundo e respondeu:

— Sim.

 

                               CAPÍTULO QUATRO

Sim era a única resposta possível.

Cara Prescott estava à mercê de um homem que podia ser um assassino, presa em uma armadilha, sem saída, a menos que cooperasse. Aquele beijo tinha sido uma forma de demonstrar poder e dominação, e ela reagira conforme a necessidade.

Ela sentiu como se o chão estivesse se abrindo, e isso era compreensível. Estava chocada. A reclama­ção daquele homem, que dizia haver alguém à porta, também era falsa. Quanto mais pensava sobre isso, mais se convencia de que ninguém podia ouvir algu­ma coisa por causa do barulho da água do chuveiro.

Dizer que alguém estava tentando invadir o apar­tamento era a forma patética daquele homem conven­cê-la de que era uma boa pessoa. Certo. E ela era a Bela Adormecida.

Cara sabia que precisava de tempo se quisesse esca­par. O único jeito era ir em frente com o que Alexander Knight queria. Levantou a cabeça e o fitou, dizendo:

— Sim. Farei o que você disser.

Cara faria o que ele dissesse... Até que visse uma chance de escapar.

— Fique atrás de mim assim que eu começar a an­dar. Fique perto e quieta. Quem quer que seja que es­teja à porta não vai ficar lá fora muito tempo.

Alex acreditava no que lhe dizia. Seria possível? Qualquer coisa era viável naquela noite. Se realmen­te houvesse alguém ali, o que aquele homem faria?

Cara olhou a arma em uma das mãos dele. Depois, observou a intensidade de seu olhar e lembrou-se do beijo. Então, pensou que talvez fosse melhor não querer saber a resposta.

— Agora! — Alex a avisou.

Ele apagou a luz. A escuridão repentina associada ao som do chuveiro parecia cenário de um filme de terror. Cara estremeceu. Ela estava tão perto de Alex que o corpo dela roçou no dele. Para sua surpresa, ele virou-se, tocando-a em um dos pulsos, e disse:

— Tudo vai ficar bem.

Ela esperava que fosse verdade. Alex chegou ao corredor. Cara ia atrás dele. Ele podia ser o inimigo. Porém, ao menos, não era desconhecido.

Alexander Knight movia-se sem fazer barulho, uma sombra na escuridão. Foi então que Cara pensou que ele estava vestido para isso. Os tênis, a jaqueta de couro, a camiseta, o jeans, enfim, toda a roupa preta era a de alguém que planejara permanecer desperce­bido e silencioso.

Eram os pés de Cara, descalços, que faziam com que o velho assoalho de madeira rangesse. Ela tam­bém podia ouvir as batidas de seu coração, e o sussur­ro da respiração.

Se havia alguém à porta, Cara estava fazendo um bom trabalho avisando-o de que estavam chegando. Principalmente, à medida que o som do chuveiro fi­cava mais distante.

Consciente, Cara diminuiu a respiração e passou a levantar os pés com mais cuidado. Os olhos estavam bem abertos, e ela percebeu que estavam quase à por­ta. Foi então que viu a maçaneta começar a girar. E, no silêncio, ouviu o ferrolho destrancando.

Alexander parou de andar e a jovem tropeçou nele. Sem pensar, Cara colocou os braços ao redor da cin­tura dele. Alex virou-se e a tocou no rosto, com deli­cadeza.

Então, a empurrou contra a parede e colocou um dos dedos nos próprios lábios, indicando: Não se mexa. Ela acenou com a cabeça, concordando. "Por favor, tome cuidado", Cara queria dizer.

Alex entrou em ação, arrancando a cadeira que es­tava embaixo da maçaneta e a porta se abriu. Um ho­mem entrou na sala. Cara não conseguia ver o rosto dele, apenas percebeu que era grande e também tinha uma arma em uma das mãos.

— Procurando por nós? — questionou Alex.

Em seguida, bateu na cabeça do homem com a própria arma.

— Rápido! — disse Alex, agarrando o pulso de Cara enquanto o homem caía no chão.

— Mas... E se você o matou?

— Não tivemos tanta sorte. Vamos embora.

Cara deixou de olhar o estranho inconsciente e passou a fitar o que estava consciente e queria arras­tá-la noite afora. E se a história que Alex lhe contou fosse ao contrário? E se o governo tivesse realmente mandado alguém para protegê-la, e agora esse al­guém estava ali caído no chão?

— Ande, mexa-se! Ele tem amigos!

Cara desistiu de pensar e deixou-se ser puxada para o corredor e escadaria abaixo até chegar ao sa­guão. O invasor número um a empurrou sem cerimônias até um canto.

— Espere aqui.

— Mas...

Alex a olhou de uma forma que indicava que a bei­jaria de novo. Cara disse a si mesma que estaria pre­parada dessa vez. E se ele tentasse, lutaria contra ele. Mas Cara estava errada. Alex abaixou a cabeça e a beijou. Em vez de lutar, ela correspondeu ao beijo, quase acariciando-lhe o rosto.

Em um instante, ele sumiu porta afora pela rua es­cura. Cara ouviu um grito abafado, um baque. Então, Alex voltou e colocou uma das mãos ao redor da cin­tura dela, dizendo:

— Ande logo.

— Ande logo para onde? Havia outro homem?

— Sem perguntas, lembra-se?

A rua estava deserta, mas Cara via trânsito na es­quina. Agora podia escapar...

Acrescente leitura de pensamento aos talentos do intruso. Alex xingou, puxou-a e correu em direção a um furgão. Abriu a porta e a jogou lá dentro.

— Sente-se no outro banco! — gritou Alex. E ela obedeceu, passando por cima do console, ba­tendo com uma das canelas na caixa de marcha. Alex entrou e colocou a chave na ignição. O motor arran­cou e o veículo saiu em disparada.

Cara disse a si mesma para manter a calma. Perde­ra a chance de fugir, mas haveria outra. Além disso, talvez o homem ao lado dela não fosse maluco. Tal­vez, não estivesse ali para matá-la. Talvez, realmente trabalhasse para algum Serviço Secreto do governo que queria protegê-la.

Talvez, tudo aquilo fosse um sonho ruim. Mas so­nhos não faziam com que os dentes rangessem e os pés descalços congelassem. Também não faziam com que se andasse em um veículo em alta velocida­de, ao lado de um estranho, um homem que invadira a casa dela e a puxara nua, para os braços másculos; tocando-a com uma arrogância insolente... E beijan­do-a até que se rendesse.

Um tremor percorreu-lhe o corpo. O seqiuestrador — era isso que Alex era, certo? — a olhou e perguntou:

— Frio?

— Teria alguma importância se eu estivesse com frio?

Luzes de um carro que se aproximava iluminaram a face dele. Era um rosto severo, anguloso, com ma­çãs salientes e uma boca sensual, quase cruel. Aque­las maçãs do rosto, aquela boca, os olhos hostis lhe davam uma aparência máscula, selvagem e bela. Sem dúvida, Alexander Knight era o homem mais bonito que Cara tinha visto.

Uma lembrança antiga veio a sua mente, algo sus­surrado por uma vizinha que, de vez em quando, to­mava conta de Cara quando pequena e a mãe estava no trabalho.

— Cuidado com o demônio. Ele anda entre nós disfarçado — a mulher dissera.

— Então, como vou reconhecê-lo? — A pequena Cara, aos cinco anos de idade, perguntou.

— Pela feiúra do rosto. Ou pela grande beleza dele. Cada um de nós vê o que deseja ver — respon­deu a mulher.

Cara estremeceu.

— Por favor, quando eu lhe fizer uma pergunta, me responda logo — disse Alex, impaciente. Sem ti­rar os olhos da estrada, despiu a jaqueta de couro, um braço de cada vez, e a jogou no colo dela, dizendo:

— Vista isso.

— Não preciso.

— Se pegar uma pneumonia e não terá serventia para mim. Vista a jaqueta.

Ao menos, não seria morta agora. Cara vestiu a ja­queta. O couro era macio; cheirava a noite, a chuva e a homem. Ela sentiu um aperto na garganta enquanto se lembrava de Alex tirando-a do chuveiro, da força daquele corpo másculo contra o dela, da carícia cal­culada nos seios... Então, virou-se e perguntou:

— Quem é você?

— Já disse o meu nome.

— Sabe o que quero dizer! Quem o mandou? Para onde está me levando?

Alex a fitou, um sorriso no canto da boca.

— Vinte perguntas?

— Mil e vinte. Mas pode começar com essas.

— Já disse que eu trabalho para um Serviço Secre­to do Governo do qual nunca ouviu falar. Estou levando-a para um lugar onde posso mantê-la em segu­rança até o julgamento de Anthony Gennaro.

— Não vou testemunhar. Já disse isso ao FBI.

— Discuta isso com eles, não comigo. Olhe, se eu quisesse machucá-la já o teria feito.

Era uma resposta sensata. Infelizmente, nada do que lhe acontecera desde o dia em que Anthony Gennaro entrara na vida dela era sensato. Por que a moça começaria a acreditar na razão agora?

— E onde é esse lugar que você pensa poder me manter em segurança?

Alex pegou uma estrada ao longo da qual se en­contravam armazéns sombrios e caminhões estacio­nados.

— Verá em breve.

Não era uma resposta própria para confortá-la, ou talvez Cara tenha visto muitos filmes sobre o que acontecia à noite em estradas como aquela.

— Não me parece seguro.

— Essa estrada nos leva a uma entrada nos fundos do Aeroporto Kennedy.

— Você acha...? Não vou entrar em um avião com você!

— Em vez de discutir, que tal olhar pelo retrovisor e me dizer o que vê?

— Por exemplo?

— Um carro vindo rápido demais. Ou um carro atrás de nós. Surpreenda a nós dois. Veja se não há uma pequena quantidade de inteligência escondida no seu cérebro.

Então, Alex tirou o celular do bolso de trás do jeans e deu um telefonema. Segundos depois, conver­sava com alguém e dizia sempre a mesma palavra:

— Obrigado.

— Obrigado pelo quê? — questionou Cara.

Alex não respondeu.

 

A estrada conduziu até um carro de polícia que es­perava em um portão fechado. Um policial uniformi­zado estava encostado ao carro, de braços cruzados.

Cara abriu a porta do furgão e quase caiu aos pés dele, dizendo:

— Graças a Deus! Policial! Esse homem...

Cara ficou boquiaberta. O seqüestrador e o poli­cial trocavam apertos de mão.

— Essa é a suspeita? — indagou o policial.

— Não sou suspeita. Sou...

— Sim. Tenho que tirá-la da cidade e rápido.

— Policial! Não sou suspeita. Sou...

— Tudo bem, querida, não diga nada que ele não queira ouvir, sabe o que quero dizer? Faça isso e vou colocá-la em uma situação difícil — avisou Alex.

Os dois homens riram.

— Não, por favor, policial, você tem que escutar...

— Querida — Alex disse e a beijou, antes que a moça pudesse falar algo mais.

O policial riu. Cara arfava, tentando não chorar e preparando-se para morder os lábios do seqüestrador. Alex resmungou e intensificou o beijo.

Morda-o agora, Cara disse a si mesmo, desespera­da. Morda-o de novo, duas vezes mais forte do que antes...

Então, Alex suavizou o beijo. Uma suave sensação de lassidão a invadiu. Cara estava exausta e com medo. E, ainda assim, a forma como Alex a segurava fez com que ela abaixasse a cabeça, repousando-a em um dos ombros másculos e deixando-o fazer o que quisesse.

— Assim. Pare de lutar comigo. Será muito mais fácil — sussurrou Alex.

A moça pensou no homem deitado no chão do apartamento, na arma de Alexander Knight... E soube que o que ele dissera era uma promessa e não uma ameaça.

O carro da polícia os conduziu a um jatinho parti­cular. Os dois homens voltaram a trocar apertos de mão. E Cara Prescott estava nos braços do seqüestrador.

Alex a carregou para dentro do avião, acenou posi­tivamente com um dos polegares para o piloto e a co­locou em um dos assentos da cabine.

— Coloque o cinto de segurança — disse Alex.

Cara não se mexeu. Então, Alexander colocou o cinto de segurança nela e disse:

— Lembra do que eu falei? Faça o que eu disser e nos daremos bem.

Cara soluçou de raiva e de desespero. E, sem pen­sar, deu um tapa no rosto de Alex. A cabeça dele deu uma guinada para trás. Por um momento, ela pensou que ele fosse revidar, mas não se importava. Estava cansada de ser tratada como se só existisse para ser­vir-lhe, obedecendo-o.

Alex Knight se aproximou e, com uma das mãos, segurou-lhe o queixo, dizendo:

— Quer jogar, querida? Tudo bem. Podemos brin­car com diversos jogos diferentes quando chegarmos ao nosso destino.

— Tenho o direito de saber para onde está me le­vando.

— Você não tem direito algum, a menos que eu diga que tem. Mas, de qualquer forma, vou lhe con­tar. Estamos indo para uma propriedade minha. Não tenho certeza se vai estar à altura dos elegantes pa­drões do seu apartamento.

— Ainda não disse onde é esse lugar.

— Flórida.

— Por quê?

— Porque é seguro.

— Você não pode fazer isso!

— Sério?

— Você tem que registrar um plano de vôo. Há re­gras, restrições de segurança.

Alex ergueu uma das sobrancelhas. Cara era rápi­da, ele tinha que admitir. Assustada como estava, pensara em uma boa resposta. Boa para qualquer um, exceto para ele.

— Você está certa. Há todas essas coisas, mas são eventuais.

— Senhor Knight!

— Alex. Vamos passar muito tempo juntos, deve­mos ser menos formais.

— Você diz que foi enviado para me proteger. Bem, já fez isso. Aqueles dois homens... Você cuidou deles.

— E?

— E a ameaça acabou.

— É?

— Já fez o seu trabalho. Não há motivo para levar adiante o resto do plano.

Alex gastou tempo pensando na resposta que seria a mais adequada naquele momento. Sabia que a pas­sageira não acreditava que ele fosse um homem bom. Que fazer, não podia culpá-la. Acima de tudo o que fizera naquela noite, acabara de lhe dizer que esta­vam viajando para um lugar a mais de 2.400 quilôme­tros do que Cara considerava ser a casa dela. E ela vestia apenas moletom e o casaco de couro do ho­mem que a seqüestrara.

Era surpreendente o quanto estava bem naquele traje. O conjunto de moletom, visível sob a jaqueta aberta, era tamanho extragrande. Estava tão velho e gasto que tinha a espessura tão fina quanto seda.

Alex pôde ver o contorno dos seios. Ao lembrar-se de tê-la tocado ali, o corpo dele se contraiu. O olhar abaixou até o local onde o tecido fino de algodão es­condia a feminilidade daquela mulher que ele avista­ra, rapidamente, quando a tirara do chuveiro, o corpo macio e molhado.

Sem dúvida, ela era bela. A mulher de Anthony Gennaro. Um bandido que a tivera na cama dele toda vez que a quisera.

Agora, Gennaro tentava matá-la. Como era possí­vel que ela não quisesse acreditar nisso? Não era es­túpida. Será que Cara e Gennaro tinham brigado? Será que ainda esperava que Tony reatasse com ela?

Não podia ser muito divertido viver em um aparta­mento parecendo um cativeiro quando se estava acostumada a uma mansão.

— Alex? Por favor, ouça a razão. Estou segura agora. Não vai me levar de volta à cidade?

A voz dela estava trêmula. Os olhos brilhavam com lágrimas. Será que Cara pensava que a sua atuação o comoveria? Pura perda de tempo. Alex não pe­dira aquela trabalho, mas o aceitara. Não importava se ela gostava dele ou o odiava.

— Não — respondeu Alex.

— Por que não? Ora, quem é que está lhe pagan­do? Quanto? Eu cubro a oferta. Dobro o valor! Quan­to quer?

— Sim, pelo lugar onde você está vivendo, eu po­deria dizer que tem uma fortuna. Ou está me oferecendo o que vendeu para Tony G?

— Patife!

Alex inclinou-se e voltou a beijá-la. Beijou-a com vontade, ignorando a forma como ela o empurrava e tentava livrar a boca que estava presa à dele. Ele a beijou até que a lamúria de protesto se transformasse em lamúria de desejo. Cara cedeu ao beijo. E Alex aproveitou ao máximo até que recuou, dizendo:

— Comporte-se e ficará bem. Me cause proble­mas, e vai se arrepender.

— Vou matá-lo. Está me ouvindo? Me toque de novo e eu o mato!

Alex tirou o próprio cinto, amarrou-o ao redor de um dos pulsos dela e o prendeu ao braço do assento.

Então, pegou o cinto de segurança do assento ao lado e o usou para amarrar-lhe o outro pulso.

— Comporte-se e, depois que ganharmos altitude, posso desamarrá-la, deixá-la ir ao banheiro, beber água. Enfim, fazer o que precisar durante as próxi­mas quatro horas. Estamos entendidos?

Cara ergueu a cabeça, fitou-o e cuspiu no rosto dele. A expressão de Alex não mudou.

— Precisa aprender boas maneiras, senhorita Prescott.

Alex abaixou a cabeça e voltou a beijá-la até ela murmurar algo pelo qual o corpo dele ansiava. Então, Alex sentou-se na poltrona do co-piloto.

Os motores do jato fizeram barulho e o avião co­meçou a decolar. Momentos depois, as luzes da cida­de de Nova York estavam embaixo deles, bem longe.

 

                                 CAPÍTULO CINCO

Alexander Knight dissera que a soltaria assim que ganhassem altitude. Porém, uma hora se passara, já voavam alto, e ele havia desaparecido.

Cara rangia os dentes e puxava com força os cintos amarrados ao redor dos pulsos. Puxava-os cada vez com mais intensidade, até ficar ofegante tamanha a raiva que sentia!

A moça arfou. Como será que isso lhe acontecera? Quando tudo saíra errado, depois que descobrira a verdade sobre Anthony Gennaro, e o FBI começou a importuná-la, Cara fugira. Porém, tinha sido cuida­dosa.

Cara escolhera um apartamento em um bairro onde ninguém poderia pensar em procurá-la. Um em­prego que era uma garantia absoluta de anonimato. Não dissera a ninguém aonde iria ou o que faria.

Ao virar o rosto na direção da janela, Cara fitou a escuridão além do vidro. Ela sentia a raiva dando lu­gar à angústia. E não podia permitir que isso aconte­cesse. Chorar não mudaria nada. Tinha que lidar com a realidade.

Nunca tivera uma chance. Alguém sempre estive­ra seguindo-a, observando-a, ouvindo-a. Só de pen­sar nisso, sentia-se mal. Tantas violações terríveis à sua privacidade. Homens sem rosto observando-a acordar, dormir.

E, agora, Cara tinha sido raptada por um estranho. Um homem que a aterrorizava, A voz de Alexander Knight fazia com que a moça se lembrasse de casca­lho e de seda. O sorriso sugeria que ele sabia de todos os segredos dela... Porém, não sabia.

0 que mais a amedrontava era a forma como ele a tocara. Era como se fosse seu dono, como se pudesse controlá-la apenas colocando as mãos nela.

Imagens vieram à mente de Cara. A forma como Alexander Knight a tirara do chuveiro e a olhara. O toque proposital de uma das mãos másculas sobre os seios e a sensação do corpo dele contra o dela.

Cara conteve um gemido. Compreendeu que Alex estava estabelecendo o domínio da situação. O que ela não entendia era a própria reação a ele, a resposta à carícia daquela mão máscula, ao beijo dele.

Ela sempre fugira de tudo o que Alexander Knight representava: um homem frio, que vivia segundo as próprias regras. E, ainda assim... Talvez, entendesse o que estava acontecendo. Cara estava física e emocionalmente exausta. Todas essas semanas estava vi­vendo um pesadelo, e isso afetou-a. Ela estava vulne­rável, e ele sabia disso, e se aproveitava para obter vantagem.

Cara Prescott tinha que permanecer forte e alerta. Precisava descobrir as fraquezas de Alex e ganhar vantagem para encontrar o momento certo para fugir. Porém, primeiramente, devido ao fato de estar exaus­ta, fecharia os olhos por um momento...

Cara adormeceu. Isso é bom, pensou Alex. Assim, dava menos trabalho. Alex voltou a olhá-la. O rosto estava pálido, com olheiras, e o cabelo emaranha­do. Ela tivera uma noite difícil — um choque atrás do outro.

Nesse exato momento, Cara parecia fazer parte de uma propaganda que mostrava todos os motivos pe­los quais uma pessoa não devia viajar na classe eco­nômica. Embora não fosse o que estava acontecendo.

Um avião como aquele era de primeira classe. Com poltronas de couro grandes, que deixavam bas­tante espaço para os cotovelos e para as pernas. Os assentos reclinavam como se a pessoa estivesse dei­tada na própria cama... A menos que esta pessoa esti­vesse exausta e não ajustasse a poltrona, como acon­teceu com Cara.

Enquanto Alex a observava, a cabeça dela pendeu para o lado. Mais alguns centímetros, e bateria na ja­nela. E daí? O trabalho dele era fazer com que a tes­temunha prestasse depoimento em segurança, e não se preocupar com o conforto dela. Cara estava viva, o que não aconteceria se Alex não tivesse aparecido. Por que teria que se importar se ela passasse as próxi­mas quatro horas amarrada?

A testa de Cara bateu na janela. Ela estremeceu, murmurou algo ininteligível e endireitou-se. Porém, Alex sabia que era uma questão de tempo para o ciclo recomeçar.

Ele xingou, sentou-se ao lado dela e soltou-lhe os pulsos. Depois, colocou um dos braços ao redor de seus ombros para escorá-la enquanto apertava o bo­tão que reclinava o assento.

Cara suspirou. E inclinou a cabeça na direção do ombro de Alex. Os cachos castanhos tocaram suave­mente o rosto dele. Outro suspiro e ele sentiu a respi­ração quente no pescoço.

Alex ficou quieto, fechou os olhos e sentiu o per­fume da mulher que estava nos braços dele. Então, deitou-a na poltrona e franziu as sobrancelhas. Cara estava descalça, os pés gelados. Ainda estava com frio, apesar de estar usando a jaqueta dele.

Ele a observou por alguns minutos. Então, levan­tou-se, reduziu a luz acima do assento, remexeu em um compartimento e encontrou um cobertor, e jogou em cima dela. Porém, devia haver outro... mas não havia.

Alex voltou a sentar-se, tirou o descanso de braço entre as duas poltronas, alinhou o próprio assento com o de Cara e a puxou para si. Ela cedeu, encostan­do a cabeça em um dos ombros másculos. O corpo fe­minino curvou-se ao de Alex como se ficar nos bra­ços dele fosse algo que já tivera feito inúmeras vezes. Ele engoliu com dificuldade, fitou o teto e disse a si mesmo que tudo estava bem, e que Cara continua­ria dormindo... Deus, ela era tão sensível, suave...

Sente-se, Knight ordenou a si mesmo. Sente-se, vá para outra poltrona, fique sem o maldito cobertor. Você já dormiu no campo em pleno inverno, com me­nos do que está usando agora...

— Mmm — Cara suspirou e colocou uma das mãos sobre o coração dele.

Alex puxou o cobertor, cobrindo ambos. Vinte mi­nutos. Era tudo do que precisava.

Alexander Knight acordou sob um ataque. Cara batia no peito e nos ombros dele. Teria rido se ela não o estivesse acertando com bons socos. Então, agar­rou-lhe os pulsos e a deitou na poltrona, dizendo:

— Pare!

— Seu patife! Pensou que podia tirar vantagem de mim!

— Adormeci. Assim como você. Fim da história.

— Eu não estava dormindo, apenas cochilando.

— Não importa. Você dormia, sua cabeça balança­va para cima e baixo, você estava com frio. Cometi o grande erro de desamarrá-la e cobri-la com um co­bertor. Se quer distorcer os fatos, sinta-se à vontade.

Cara continuava lutando, tentando soltar-se e o corpo dele reagia ao roçar daquelas coxas femininas.

— Pare ou não me responsabilizo pelas conseqüências.

Alex moveu-se na direção dela, só para certificar-se de que a ela compreendera a mensagem. O rosto de Cara ficou corado e então aquietou-se.

— Saia de cima de mim!

— Com prazer.

Alex saiu de cima da jovem, levantou-se e passou uma das mãos pelo cabelo como se nada tivesse acon­tecido.

Deus, como eu o desprezo!, pensou Cara. Depois sentou-se e disse:

— Preciso ir ao banheiro.

Será que aquele homem achava que ela não era forte o suficiente para qualquer que fosse o jogo? Que podia ganhar vantagem com relação àquela situação tornando-a indefesa?

Cara, no entanto, não se sentira assim ao acordar nos braços de Alexander. Por um momento, perma­necera quieta, envolta no calor daquele corpo máscu­lo, confortada pela força dele...

Ela sentiu todo o sangue pulsar e levantou-se, fa­lando:

— Eu disse...

— Já ouvi. O banheiro é lá atrás. Deixe a porta aberta.

— Poderia repetir?

— A porta fica aberta.

— Isso está fora de questão.

— A escolha é sua. Quer ir ao banheiro ou não? Aquele homem era tão presunçoso, arrogante!

Cara queria bater nele, mas sabia que Alex não a dei­xaria fazer isso pela segunda vez. Assim, fitou-o com desprezo, e disse: — Sei o que está fazendo.

— Verdade?

— Você está tentando me intimidar, mostrando que não tenho privacidade, me amarrando à poltro­na... Tudo bobagem.

— Sou assim tão óbvio?

— Sim, é.

— Nesse caso, não há problema em deixar a porta aberta. Uma vez que nós dois conhecemos o motivo, por que brigar?

Alex segurou-lhe um dos braços. Cara esquivou-se. Ele ergueu as mãos, desviou-se e a deixou passar.

A visão era melhor dessa forma. A calça de moletom era larga, mas ele tinha uma boa imaginação e uma memória ainda melhor. Era fácil lembrar-se das cur­vas daquela mulher linda e do quanto a pele dela era sedosa.

Alexander Knight conhecera Cara Prescott como uma mulher estonteante. Agora, precisava admitir que ela era interessante também. E difícil. E ela sabia exatamente como era. Também tinha certeza de que causara uma forte impressão em Alex. Ele era apenas músculo, sem cérebro. E a amarrara para lembrá-la de que estava no comando.

Sim. Mas havia mais do que isso. Alex a amarrara porque Cara era atrevida. Ele sorriu. A última coisa que queria era que ela provocasse confusão na cabine e pegasse o microfone ou algum instrumento do pai­nel. Isso não significaria nada para o piloto, que era da Especialistas em Gerenciamento de Risco. Porém, apenas um tolo deixaria alguém fazer confusão na ca­bine de um avião durante um vôo noturno, a oitocen­tos quilômetros por hora.

O sorriso de Alex esmaeceu... Cara era muito insi­nuante, corajosa e astuta. Também esquentara a cama de Anthony Gennaro.

Ora, tratava-se de um país livre. Uma mulher po­dia dormir com quem quisesse — Alex não tinha pro­blemas com relação à liberdade sexual para os ho­mens e inocência sexual para as mulheres. Por isso, não se importava com a ex-amante de Gennaro.

O mais importante era que a relação dele com Cara era estritamente profissional. O que fizera — os bei­jos, os toques — tinha sido para mantê-la nervosa.

Tudo bem, então, se ela parecia estar na defensiva, Alex encontrara outras formas de desequilibrá-la. Porém, uma coisa que se aprendia naquele ofício era trabalhar com o que estivesse disponível.

E o que Alex tinha era uma mulher que podia dei­xar um homem interessado apenas com um olhar, mesmo usando um conjunto de moletom, o rosto sem maquiagem. Mas, em termos morais, parecia tão boa quanto a irmã de alguém.

Por alguma razão que desconhecia, isso o incomo­dava. O fato de ela aparentar algo que não era o irri­tava. Alex colocou uma das mãos em um dos ombros de Cara e a virou na direção dele assim que ela che­gou ao banheiro.

— O que é agora? — indagou Cara.

— Vou revistar você, querida.

— Não vai me revistar!

— Quer apostar?

— Mas sabe que não estou escondendo nada. Você me viu...

— Sem roupas. Sim, vi. Mas isso foi há algumas horas. Desde então, qualquer coisa é possível.

Não era uma mentira, apesar de não ser exatamen­te verdade. Alex conhecera prisioneiros que haviam sido procurados e encontrados desarmados e que mais tarde enfiaram uma faca na barriga de um ino­cente.

Tudo bem. Cara não era uma prisioneira. Não de fato. E onde poderia ter encontrado uma arma desde que ele a tirara daquele chuveiro? A questão era se­guir as regras que o manteriam vivo.

Alex a virou, segurou-lhe os pulsos e levantou os braços dela, de forma que ficassem acima da cabeça

— Pés separados, querida.

Mas as regras não o obrigavam a ter de sentir a pele dela enquanto passava as mãos por baixo do suéter, percorrendo as suas costas. Depois, acariciando-lhe os seios.

Cara conteve a respiração. Um suspiro. Um gemi­do. Um sussurro que fez com que o corpo dele ficasse rígido como uma pedra.

— Nada aqui — disse Alex.

Mas isso não era verdade. Havia algo ali. A sensa­ção dos seios de Cara em suas mãos. Aquele murmú­rio...

Alex desceu uma das mãos, percorrendo-lhe a bar­riga, suave e firme. Então, abaixou ainda mais uma das mãos, colocando-a por entre as coxas dela. Ele ouviu a respiração dela. E sentiu a suavidade da femi­nilidade de Cara. Sentiu uma umidade contra o calor dos dedos másculos.

Alex gemeu, a testa suada. Cara o estava atordoan­do. E tudo o que tinha que fazer para aliviar aquela sensação era colocar um dos braços ao redor da cin­tura dela e mergulhar em seu corpo quente e sedoso.

O avião desceu um pouco, depois, voltou a subir. E novamente desceu um pouco. Cara tropeçou e caiu. Alex fechou os olhos, rangeu os dentes, sentiu a sua­vidade daquele corpo feminino contra o dele, excita­do. "Pelo amor de Deus, será que estava perdendo a cabeça?"

— Tudo bem. Nada escondido — comentou Alex. Então, abriu-lhe a porta do banheiro. Cara não se me­xeu. Depois, virou-se e o olhou, o rosto branco, os olhos enormes, e indagou:

— Como consegue conviver consigo mesmo?

Era uma boa pergunta. E poderia ter feito com que ele ficasse embaraçado se não tivesse ouvido quando ela gemeu. Se não tivesse sentido aquela umidade fe­minina.

Seria possível que uma mulher fingisse aquele tipo de coisa? Seria possível que aquela mulher estivesse fingindo? Alex pensou em Cara nos braços de Tony G e, então, logo percebeu que a resposta certamente seria sim.

— Você disse que precisava ir ao banheiro. Sugiro que vá — Alex comentou.

Os lábios de Cara tremiam. Oh, sim. Ela era esper­ta e a tentativa de fechar a porta em um dos pés dele fora boa.

— Desculpe. Lembra do que eu lhe disse? A porta fica aberta. Serei um perfeito cavalheiro. Manterei os olhos no teto.

— Você não saberia ser um cavalheiro se sua vida dependesse disso!

Se olhares matassem, Alex imaginava que estaria morto. Colocou um dos pés no vão ocupado pela por­ta. Cara recuou, agarrou o puxador da porta e a encos­tou o máximo possível.

A água na pia corria. Isso o fez rir. Porém, cumpriu o prometido: virou o olhar na direção do teto e assoviou. A porta se abriu. Ela deve ter esfregado o rosto porque brilhava e estava corada. O cabelo estava mo­lhado e Alex imaginou que ela tivesse passado os de­dos úmidos nele para ajeitá-lo. Porém, tudo o que conseguira foi fazer com que ficasse enrolado ao re­dor da testa.

— Melhor? — perguntou Alex, educado.

— Você é desprezível, sabia?

— Algumas pessoas já disseram isso.

Cara passou por ele. Alex a seguiu e esperou, en­quanto ela sentava-se e colocava o cinto de seguran­ça. Depois, estendeu-lhe os pulsos, dizendo:

— Hora de provar o quanto você é grande e forte.

— Está sob a minha custódia, para o seu próprio bem.

— Aposto que era isso que diziam durante a Inqui­sição. Faça o que quiser.

— Com prazer — retrucou Alex, e prendendo-lhe os pulsos como havia feito antes.

 

O tempo passava. Cara fitava o céu escuro. Estava cansada. Sentia-se suja. Também estava com fome e assustada pelo que acontecera, a revista corporal...

Não pensaria no que Alex fizera, nem na reação dela, no terror que sentira. Porque tinha sido isso que sentira, não? Terror? Medo transformado em consen­timento? Um instinto de sobrevivência básico no tra­balho? Tinha que ser isso, porque qualquer outro mo­tivo estava fora de...

— Dez minutos para a aterrissagem.

Cara ergueu o olhar, atônita. Alexander Knight es­tava em pé ao lado dela. Como um homem daquele tamanho podia se mover tão silenciosamente?

— Está com fome?

— Não.

— Bom, esqueci de pedir o serviço de quarto.

— Você é uma piada, senhor Knight.

— Alex. Devemos deixar as formalidades de lado, não concorda?

— Estou bem com as forma... O que está fazendo? — indagou, recuando, enquanto ele se abaixava na direção dela.

— Eu disse que estaremos aterrissando em breve.

Hora de soltá-la de novo.

Cara ficou calada enquanto Alex a libertava, e nada disse quando ele franziu uma das sobrancelhas, comentando:

— Deveria ter avisado que o cinto estava apertado demais.

— Por quê? Isso teria aumentado o seu prazer?

Em vez de responder, Alex roçou suavemente um dos polegares pela marca na pele dela. O toque era gentil. Cara queria fechar os olhos, aproximar-se e re­pousar a cabeça em um de seus ombros largos. Entre­tanto, puxou a mão e virou o rosto em direção à janela.

O avião perdera altitude, e a escuridão da noite deu lugar ao tom cinza que precedia o amanhecer. Ainda não havia luz suficiente para avistar nada no solo. Se ao menos houvesse... Cara queria, desesperadamente, ver para onde estavam indo. Uma cidade?

Alex sentou-se ao lado dela e comentou:

— A casa fica a poucos minutos da pista de pouso. "Não pergunte nada. Não lhe dê essa satisfação."

Mas a moça perguntou:

— Que casa?

— A minha.

— Você mora na Flórida?

— Moro em Dálias. Comprei essa casa há alguns meses. Ainda não passei muito tempo aqui.

Uma explicação simples, pensou Alex, se é que havia uma. Não passara tempo nenhum ali, a menos que contasse alguns fins de semana. Vira a ilha quan­do estivera lá a negócios, gostara e a comprara como um investimento. Talvez um lugar para os fins de se­mana. Porém, nunca pensara em nada além disso.

— Aquele é o aeroporto?

Alex inclinou-se na direção da janela. Luzes ilu­minavam o asfalto que se estendia em direção ao ho­rizonte, à frente deles.

— Meu aeroporto? Sim.

— Seu aeroporto?

— É uma ilha particular. Isla de Palmas.

Cara o fitou. Então, desviou-se e encostou a testa na janela. O que esperava ver lá fora? Pelo jeito que se agarrou aos braços da poltrona, uma colônia de le­prosos.

As rodas tocaram a pista. O avião aterrissou. Alex se levantou e disse:

— Vamos.

Cara levantou-se devagar. Ele podia ver o terror nos olhos dela. Isso era bom. Quanto mais estivesse desconfiada dele e daquele lugar, melhor.

— Vamos aonde?

— Já disse. Sou o dono daqui, Isla de Palmas.

— Você falou que havia uma casa.

— E há— Alex pegou um dos braços dela. Cara esquivou-se. Ele voltou a aproximar-se e agarrou-lhe um dos cotovelos, dizendo: — Não dificulte as coisas, querida. Só vai lamentar.

A porta se abriu. Cara piscou diante do repentino clarão de faróis. E viu um homem que os esperava no final da escada. Era mais baixo e mais velho que Alex. Entretanto, tinha a mesma fisionomia severa.

— Alex. Bom ver você! — disse o homem como se ela fosse invisível.

— John! Me desculpe por fazê-lo levantar-se em hora tão ingrata.

— Sem problemas. Tudo está pronto conforme pe­diu.

"Tudo está pronto". Cara sentiu o coração dispa­rar. Como aquelas palavras simples poderiam ser tão ameaçadoras?

Desesperada, livrou-se de Alex, desceu as escadas e foi em direção ao homem chamado John. Só mais tarde, quando já não tinha mais importância, é que percebeu que não se libertara por completo. Alex per­mitira que Cara agisse daquela maneira porque sabia o quanto aquela tentativa era inútil.

— Me ajude! Por favor, me ajude! — Cara agarrou um dos braços de John. Ela podia ouvir os passos de Alexander Knight atrás dela e sabia que tinha apenas poucos segundos até que ele alcançasse.

— Fui raptada!

Braços fortes e masculinos a envolveram. Cara lu­tou, mas o abraço de Alex era como aço.

— John deve a vida dele a mim. Nada que diga vai afetá-lo.

— Vou matar você. Droga, vou...

Alex girou-a nos braços dele, abaixou a cabeça e a beijou várias vezes até sentir a doçura da rendição de Cara.

— Essa é a minha ilha. Tudo aqui me pertence Cara, inclusive você.

 

                                     CAPÍTULO SEIS

Começou a chover enquanto o jipe acelerava ao lon­go de uma estrada de asfalto estreita que contornava o litoral.

Cara tremia nos braços de Alex. Uma mulher que brincara de fazer joguinhos com um chefe do crime organizado, que recusara a ajuda do governo, enfim, tinha todos os motivos para tremer. Alex fazia o que era preciso para mantê-la em segurança. Se estava com medo, o problema era dela.

Sentia o coração de Cara bater forte, ouvia o tre­mor acelerado da respiração. Relutante, Alex viu nos seus olhos o que acontecera naquela noite: como in­vadira o apartamento dela, a arrastara para fora do chuveiro, mudara o próprio comportamento para es­tabelecer o controle. Tudo isso tinha sido necessário. Se tivesse parado para tentar explicar a situação, po­diam estar mortos naquele momento.

Uma das coisas que se aprende sobre sobrevivên­cia é que há ocasiões nas quais é preciso fazer o que é conveniente e se preocupar com as conseqüências mais tarde. E, por isso, Alex fizera muitas coisas ao longo da vida. Porém, logo as esquecera.

O jipe passou por cima de um buraco e, num gesto automático, ele abraçou Cara com mais força. Ela chorava em silêncio. Entretanto, Alex podia ouvi-la. Então, colocou uma das mãos por baixo do suéter dela, e Cara tomou uma postura rígida. Alex acari­ciou-lhe as costas, murmurando palavras suaves até senti-la estremecer e inclinar-se na direção dele.

Alex disse a si mesmo que essa atitude o agradava apenas porque o jeito condescendente de Cara facili­taria as coisas. E que isso não tinha nada a ver com o fato de senti-la nos próprios braços.

Quando chegaram à casa, John parou o jipe e, quando ia sair do veículo, Alex disse para que não se incomodasse, dizendo:

— Estamos bem.

— Avisei que estamos sem energia?

— Suponho que o gerador que encomendei ainda não tenha chegado.

— Não. Deixei velas em todos os cômodos e al­guns sanduíches na cozinha.

— Obrigado. Agora, vá para casa antes que o tem­po piore.

Alex saltou do jipe com Cara nos braços. John foi embora, deixando-os sozinhos no escuro.

— Posso andar.

Alexander Knight a fitou. O olhar de desprezo vol­tara, mas ainda havia um certo tremor na voz dela. Ela estava muito assustada e fazia de tudo para não demonstrar.

— Você está descalça.

— Aqui é a Flórida. As pessoas andam descalças o tempo todo.

— Certo. Suba as escadas. Agora, fique aí enquan­to destranco a porta. E, a propósito, nem pense nisso.

— Pensar em quê?

— Mesmo que encontrasse a cabana de John, ele a traria de volta. Além disso, provavelmente, você cai­ria no pântano antes de encontrá-lo. Temos alguns ja­carés na ilha. Já lhe contei isso?

Alex estava mentindo? Tinha que estar. Cara olhou para os próprios pés.

— Pode entrar — disse Alex, assim que a porta se abriu.

A casa estava às escuras. Cara deu um passo à frente, pensou nos jacarés e parou. Alex a incentivou a seguir em frente.

— De vez em quando, temos cobras na casa, não jacarés.

Outra mentira. Tinha que ser. Som de algo riscan­do. Uma vela ganhou vida. O olhar de Cara percorreu o chão de madeira de lei, um tapete colorido. Nada de cobras.

— Sem cobras, e aposto que não há jacarés. O que virá em seguida? Histórias sobre o bicho-papão? — indagou Cara.

Alex passou por ela e acendeu um candelabro.

— Não lido com fantasia. Algumas das coisas que compõem a minha realidade já são fantásticas o sufi­ciente. Está com fome?

Cara estava faminta, porém respondeu:

— Não.

— Sede?

— Não.

— Isso é muito ruim. Acho que vai sofrer ao me ver comer os sanduíches que John deixou para nós.

O estômago da moça roncou. E rosnaria se tivesse que vê-lo comer.

— Você disse que íamos direto para a cama.

Alex a olhou e deu um sorrisinho cínico. Ela co­rou.

— Só quis dizer... — Cara engoliu em seco, deva­gar, e acrescentou: — Gostaria de tomar banho.

— Boa idéia. Primeiro, uma chuveirada, roupas secas e limpas. Depois, vamos cear.

— Não quero cear.

— Sim, você já disse isso. Vamos lá.

— Aonde?

— Lá em cima.

— Para quê?

— Certo, vamos direto ao assunto. Estou cansado e de estômago vazio. Me sinto como se usasse essa camisa e esse jeans há cem anos. E alguém com um par de baquetas começou a tocar dentro da minha ca­beça. A última coisa que preciso é lidar com uma criança de dez anos reclamando. Eu digo a você o que fazer, cale a boca e apenas obedeça.

— Só perguntei...

— Oh, pelo amor de Deus! — Alex a pegou ao colo e, ignorando os protestos dela, subiu as escadas. A porta à frente dos dois estava semicerrada. Ele a empurrou com um dos ombros, abrindo-a. Entrou e a colocou no chão, em pé. Alguns segundos depois, uma vela brilhava na escuridão.

— Faça algo de útil. Pegue alguns fósforos e acen­da as outras velas — ordenou Alex.

— Tem certeza de que confia em mim? Se tenho apenas dez...

— Acenda as malditas velas!

Cara acendeu-as, não por causa dele, mas em be­nefício próprio. Queria ver a prisão onde estava. Tudo bem, pensou. Chamar aquele lugar de "prisão" era exagero. Ambos estavam em um quarto enorme, com lareira e uma cama dossel.

— Satisfeita com as acomodações?

Cara voltou-se. Alex estava atrás dela, chegara sem fazer barulho.

— Não faça isso —- disse a moça, irritada.

— Não faça o quê? Perguntar se está satisfeita?

— Não se mova sorrateiramente. Não gosto.

— Mais alguma reclamação?

Havia um brilho perigoso nos olhos dele, mas Cara estava cansada demais para se importar com isso.

— Sim. Quero saber por que me trouxe aqui.

— Já disse. É um lugar seguro.

— Nova York era um lugar seguro.

— Certamente, se não levar em conta a câmera, as escutas telefônicas e, oh, não podemos esquecer do capanga que invadiu o seu apartamento e do outro que esperava na rua.

Talvez, ele estivesse certo, mas o mais importante a considerar era que ela não tinha motivo para confiar nele. A câmera era uma armação, assim como as es­cutas nos telefones. E os chamados "capangas" po­deriam ter sido enviados para protegê-la. Cara lhe disse tudo isso.

— Acha que eu estava mentindo sobre a câmera e as escutas telefônicas? — perguntou Alex.

— Acho que foi muito conveniente para você en­contrar esses dispositivos quando precisava que eu pensasse que era o Sir Galahad.

Alex riu.

— Querida, você é muito criativa, tem uma imagi­nação bem fértil. E com relação àquela dupla desa­gradável? Ou acha que eram escoteiros enviados para protegê-la?

Cara sabia que Alex estava certo. Não acreditava que ele tivesse armado tudo aquilo, nem que os ho­mens que ele derrubara estivessem lá para protegê-la. Ninguém estava interessado em ampará-la. Todos queriam algo que ela não era obrigada a dar, inclusi­ve Alex.

— Aqueles homens queriam machucá-la, querida. Por que fugir da verdade? As evidências mostram que queriam matá-la.

— E você não quer?

Alex pensou em puxá-la para si e dizer-lhe que não precisava ter medo, que a protegeria... Protegê-la do homem com quem dormira, o chefe da quadrilha? Protegê-la do promotor público federal a quem ela se recusara a ajudar?

Cinco minutos sem estar sob a influência de Alex e Cara tentara fazer com que ele sentisse pena dela. Alex estava prestes a fazer algo estúpido. Isso não aconteceria. Sem deixar de fitá-la, ele fechou a porta.

— Espere. Alex...

— Sou Alex agora, tudo bem, querida? Bom. Na verdade, excelente, considerando que é hora de despir-se.

0 medo nos olhos de Cara era intenso e real.

— O quê?

— Qual o problema? Tem dificuldade em com­preender o idioma? Eu disse: tire as roupas.

— Toda aquela conversa de me proteger... Do quê? De quem? Aqui estamos, sozinhos no meio do nada, e vejo o quanto vale a sua proteção.

— Que mente maldosa. Temos que tomar banho. Só estou interessado em poupar água — comentou Alex enquanto descalçava as botas.

Cara queria rir. Quantos sujeitos disseram aquilo para conseguir tomar banho com uma mulher? De al­guma forma, esperava mais dele.

— Estamos sem energia, lembra? Não sei quando voltará. O reservatório de água é grande, mas cada minuto que deixamos passar, a temperatura da água cai um pouco mais.

— Não vou tirar minhas roupas!

Cara virou-se para ir embora. Alex a segurou, mantendo-a onde estava.

— Sim, você vai. Estou cansado, meu jeans e mi­nha camisa estão muito sujos. Quero um banho quen­te, roupas limpas, alguma comida e uma cama aco­lhedora. Não quero ouvir mais tolices.

Desesperada, Cara tentou arranjar um jeito de ga­nhar tempo.

— Perdemos nossa audiência. Primeiro, o policial. Depois, o piloto. Agora, seu amigo, John. Faz sentido jogar agora? A casa está vazia.

— É isso que pensa que estou fazendo?

Alex a encarou. De alguma forma, Cara conseguiu ficar, sem fugir, quando ele colocou uma das mãos por entre os seios dela. Ela não reagiu, embora pudes­se sentir a força do corpo másculo naquele leve to­que.

— O seu coração está acelerado.

— Não se preocupe.

— Mas está sob minha responsabilidade. Tenho que mantê-la segura, lembra-se?

Tensão no ar.

— Quer que acredite que trabalha para o governo. Bem, não acredito.

— Então, o que está me dizendo, querida? Que se despiria para um federal, mas não para mim? — inda­gou Alex, abrindo um largo sorriso.

Será que era para rir? Não quando a vida dela esta­va em jogo. Não importava o que Alexander Knight dissesse, não era um agente federal. Cara não lidara com muitos funcionários federais, mas lembrava-se como eram os dois que a visitaram. Homens de fisio­nomia rígida, fria, sorrisos falsos e ternos escuros. Nenhum traço de masculinidade em camisetas e jeans. Não tocavam uma mulher e a faziam sentir-se...

Cara livrou-se de Alex e recuou, dizendo:

— Posso ser sua prisioneira, mas não sou sua es­crava.

Alex ergueu as sobrancelhas. Então, percorreu o quarto com o olhar, como se o cômodo fosse novida­de para ele, assim como era para Cara, e comentou:

— Deve ter ficado muito desapontada. Esperava grades de aço e acabou em um lugar como esse.

0 sarcasmo dele a deixou sobressaltada, mas não se importaria.

— Grades de aço não constroem uma prisão — ex­plicou Cara.

— São muros de pedra. "Muros de pedra não constroem uma prisão, nem grades de aço uma jau­la." É melhor aprender logo se quer impressionar os camponeses.

Cara estava boquiaberta. Não conseguia acreditar. Alexander Knight recitando Richard Lovelace, um poeta pouco conhecido do século XVII?

— Desagradável, não?

Alex abaixara o tom de voz, e o sorriso se tornara perigoso. Cara disse a si mesma para enfrentá-lo e manter a própria opinião.

— O que é desagradável?

— Ser rotulado.

— Não sei o que você quer dizer.

Alex se aproximou e a puxou. Cara tropeçou e aca­bou a poucos centímetros daquele corpo másculo. Assim tão perto, podia ver que os olhos verdes brilha­vam com pontas douradas, e que o queixo estava escuro devido a barba por fazer. Como seria sob as pontas dos dedos dela? Áspero, delicioso e sexy, pensou, incrivelmente sexy quando encostado às mãos e ao pescoço...

— Você me considera algo que uma moça decente nunca iria querer por perto.

— Não é isso...

Cara conteve a respiração quando Alex colocou as mãos nos ombros dela, dizendo:

— Sim, é. E é surpreendente porque não é uma moça recatada. Você é propriedade de Tony Gennaro: uma princesa da máfia que se acha melhor do que o homem enviado para protegê-la.

— Não sabe nada a meu respeito. — A voz dela tremia. Cara odiava a si mesma por causa disso, e não gostava de estar tão perto daquele homem, sentir a respiração quente de Alexander Knight no rosto dela, as mãos fortes nos ombros frágeis.

— Não acredito que tenha sido enviado para me proteger — acrescentou Cara.

— Já não falamos sobre isso? Continuo dizendo que não irei machucá-la.

— Mas fez isso, machucou pessoas — retrucou Cara, mantendo os olhos presos aos dele.

Algo mudara em Alexander Knight. Cara podia ver e sentir uma presença quase palpável no quarto. Silêncio entre os dois, um abismo que ela não conse­guia transpor. E sabia disso, bastava olhar para a fi­sionomia dele. Sabia que cometera um erro irreme­diável.

— Alex, não quis dizer...

— É isso que quer? Sexo selvagem com um ho­mem como eu?

— Não! Não quis dizer...

— Sim, você quis. É essa a mensagem que tem en­viado. Fui ingênuo demais para entender.

— Está errado. Não...

— Tire suas roupas. Está na hora. Sabe tão bem disso quanto eu — avisou-a Alex enquanto levava as mãos ao cinto, o mesmo que usara para amarrar os pulsos dela.

Deus, oh, Deus, isso não podia estar acontecendo!

— Por favor! Não quero...

— Para o inferno que não quer.

O cinto se abriu. Alex desabotoou as calças. Cara abaixou o olhar e quase ficou sem ar ao vê-lo tão ex­citado.

— Essa vontade surgiu no minuto em que nos vi­mos. E estou cansado de esperar — explicou Alex.

Ele a puxou. Cara chutava, dava socos, lutava, mas ele era muito forte, poderoso e estava com raiva. Cara não conseguiu detê-lo.

Alex a beijou. Depois, colocou as mãos por baixo do suéter dela, abaixou a cabeça e beijou-lhe um dos seios.

Bastou aquele beijo e ela não pôde se conter. Ela gemeu, os joelhos se dobraram e Alex a carregou até a cama. Depois, deitou-a e voltou a beijar-lhe um dos seios, torturando-a com os lábios, a boca, os dentes. Cara arqueou o corpo na direção dele. A razão desa­pareceu. Nada a não ser aquele forte desejo que pul­sava nas veias dela.

— Sim, assim — disse Alex, despindo-a. Depois, a ergueu na direção dele, deixando que Cara o sentis­se excitado.

Só de pensar que seria daquele homem, ela quase fi­cou sem ar e abriu bem os olhos. Então, viu o rosto belo, excitante, diante de si. O rosto de um estranho que fizera tudo, menos lhe dizer que era um assassino.

— Não. — A palavra saiu sob um sussurro. — Não! — gritou Cara, consciente do poder e do tama­nho da excitação de Alex. Então, o empurrou, dizen­do: — Afaste-se de mim!

Por um momento, que parecia infinito, ele não se mexeu. O corpo poderoso dele a derrubara na cama e Cara pensava, "Alexander Knight pode fazer o que quiser comigo agora".

E podia. Não havia ninguém ali para detê-lo. E se fizesse isso? E se a amarrasse aos pés da cama e a to­masse? E se Cara não tivesse escolha a não ser ren­der-se à paixão dele e, sim, à dela mesma?

O coração acelerou. A sensação de Cara era a de que os ossos se derretiam. Talvez, isso estivesse visí­vel nos olhos dela porque, de repente, Alexander se afastou.

— Fiz muitas coisas na vida das quais não me or­gulho. Entretanto, nunca violentei ninguém, mesmo quando significava obrigar uma mulher, que preferi­ria ser forçada, a admitir que queria fazer amor.

Cara levantou-se da cama e lhe deu um soco no rosto. A cabeça de Alex girou para trás. Ele pegou o pulso dela e o torceu até fazê-la gritar.

— Pela segunda vez, você está brincando com fogo. Não faça isso. A menos que queira se queimar!

Cara sabia que era melhor ficar calada. Segundos depois, Alex se levantou e comentou:

— Vai encontrar tudo o que precisa no banheiro. Toalhas, xampu, escova, um roupão, o meu. Mas sai­ba que eu não planejava ter uma convidada.

Alex bateu a porta. Cara estremeceu e caiu na cama.

As horas se arrastavam. Trovões, raios cortavam o céu. A tempestade estava sobre a ilha, chuva e vento batendo na casa com intensidade.

Quando Cara era pequena, odiava tempestades. Tinha vagas lembranças daquela época e do pai, de como ele entrava no quarto dela, sentava-se ao lado da cama e a confortava.

"Cara, minha filha, você deve aprender a ser cora­josa. Nada pode machucá-la a não ser que permita."

Nunca acreditara no pai. O casal se divorciara. Isso a machucara. A mãe morrera. Isso a machucara também. E, então, numa manhã, sentada à mesa na biblioteca, ergueu os olhos e viu um homem sorrir e dizer:

— Meu nome é Anthony Gennaro.

E a vida dela se transformara em uma complexa série de reviravoltas. Preto passou a ser branco. Bran­co passou a ser preto. Os bons homens se transforma­ram em homens ruins, tudo em uma velocidade es­tonteante.

Quem era Alex? Bom ou mau? Como Cara podia querer fazer amor com um homem como ele? Porque Alex estava certo. Ao menos, podia ser sincera consi­go mesma, não?

Cara queria ficar nos braços de Alexander. Queria sentir aquele corpo másculo. Queria gritar enquanto ele a tomava. A terrível verdade era que não se im­portava com quem ele era — bom ou mau. Era tão lindo, tão másculo!

Jamais se sentira-se assim. Cara adorou quando Alex a fitou, os olhos verdes sombrios e fogosos. E, sim, embora parecesse loucura, ela se sentira segura nos braços dele.

Porém, não costumava ir para a cama com muitos homens. Só houvera um. Apenas um até aquela noite, e não mudaria isso, não cederia a nenhum tipo de fan­tasia.

A porta do quarto se abriu. Um pequeno feixe de luz iluminou Alex, que estava no vão da porta.

— Cara...

A voz dele era rude, mas não demonstrava raiva, e, sim, desejo. E Cara sabia que cederia.

— Alex... — sussurrou ela.

Os olhos dos dois se encontraram, e ela correu na direção dele. Alexander a abraçou e a beijou, enquan­to a empurrava em direção à parede.

— Me diga o que quer — disse ele.

— Você...

Alex gemeu, voltou a beijá-la, e Cara correspon­deu. Ele mordiscou-lhe o lábio inferior. Depois, o pescoço. Ela gemia e apertava o corpo contra o dele, querendo aquele homem mais do que tudo na vida.

Cara se aproximou e o acariciou intimamente, por cima do jeans. Alex disse baixinho o que ia fazer e ela voltou a beijá-lo.

Então, ele se despiu. Em seguida, despiu-a tam­bém e a tomou. Cara gritou de prazer e Alex quase perdeu o controle. O suor escorria pelo corpo máscu­lo enquanto a tomava ali, encostada à parede. Ele a acariciava intimamente e sentia o calor dela. Os cari­nhos perduraram até Cara soluçar o nome dele e vol­tar para seus braços.

E, só algum tempo depois, Alex deixou que che­gassem ao clímax. Com a cabeça virada para trás, ele sabia que não poderia mais se controlar.

— Cara... — sussurrou Alex, levando-a para a cama. Ele continuava excitado e a desejava...

 

                                     CAPÍTULO SETE

O quarto estava em silêncio, exceto pelos murmúrios de Cara enquanto o casal fazia amor.

Alex separou-se dela devagar. Ela o puxou para si mas Alex pegou as mãos dela e beijou-lhe as palmas Depois, beijou-lhe a boca e disse que, a partir daquele momento, os dois tinham todo o tempo do mundo.

Tempo para explorar e saborear a boca com gosto de mel, a pele, o pescoço, a nuca. Isso fazia com que Cara sorrisse de contentamento. E Alex repetia essas carícias, mordiscando-a levemente. Depois, suavi­zando os pequenos machucados com a própria lín­gua.

E, enquanto isso, acariciava-lhe os seios. Ele ge­mia diante da reação de Cara àquele tormento gentil. E, por fim, se abaixou para saborear a doçura daque­les seios, ávidos pelo calor da boca masculina. E Alex adorava sentir a suavidade daqueles seios lin­dos, e o jeito como ela arqueava o corpo quando bei­jada.

Alexander também gostava de todos os sons que Cara emitia. Eram suficientes para levá-lo ao limite. Entretanto, não deixaria que isso acontecesse. Não dessa vez. Ele queria que aquele momento durasse. Queria beijá-la por inteiro. Queria saboreá-la. Então, só aí é que a tomaria de novo.

Devagar, foi descendo ao longo do corpo de Cara, beijando-a, acariciando-a, sentindo o perfume. Ela se contorcia tamanha a excitação que sentia.

— Alex... — sussurrou Cara, puxando-o para si. Havia alguma coisa naquela palavra sussurrada, no toque questionador, algo tão doce e inocente que ele sentiu um tremor de prazer.

— Sim, querida — respondeu Alex, tocando-a in­timamente.

Cara gritou de prazer. Alex a fitou e viu que o cho­que a deixara de olhos bem abertos. Então, ele sentiu algo selvagem percorrer-lhe o sangue.

— Gosta disso? — perguntou Alex.

— Oh, sim... — sussurrou Cara.

E Alex a acariciou intimamente outra vez. O grito de prazer ecoou no silêncio do quarto. Cara colocou as mãos no cabelo dele.

O gosto daquela mulher era surpreendente. Quan­do Cara gritou, Alex pensou que o coração pararia de bater de tanto prazer. Ergueu a cabeça, queria ver o rosto dela naquele momento. Queria ver os olhos sombrios de desejo. O cabelo, espalhado nos traves­seiros. A pele corada e úmida. Alexander Knight que­ria mais...

— Alex, me tome. Quero sentir você dentro de mim — pediu Cara, a voz trêmula.

O apelo suave, o toque das mãos femininas... Alex rolou pela cama. E, enquanto vasculhava a gaveta da mesinha de cabeceira, rezava. Pedia que tivesse guar­dado preservativos ali, mesmo que jamais tivesse le­vado uma mulher para lá. Ao encontrá-los, pegou um e decidiu não pensar no fato de que não usara nada na primeira vez.

Ele voltou a beijá-la e sussurrou que ela era bela Depois, mergulhou nela devagar e com cuidado Queria que aquele momento durasse para sempre. 0 calor e a suavidade de Cara, os murmúrios dela en­quanto os dois corpos se fundiam e se tornavam um só. Quando estavam bem unidos, ele começou a se mexer bem devagar. Cada carícia era quase mais do que ele conseguia suportar.

Alexander podia sentir as batidas dos corações de ambos. Podia sentir também as contrações do corpo de Cara enquanto os dois eram um só. O mundo ruía ao redor dele, que não conseguia pensar. Só havia aquele...

— Não posso... — murmurou Cara.

— Não tenha medo. Estou aqui com você. Não deixarei que caia — sussurrou Alex.

Ele sentiu o ventre dela pulsar. E, enquanto Cara gritava de prazer, Alex se desprendeu de tudo e sen­tiu como se voasse com ela em direção ao universo iluminado pelas estrelas.

Cara acordou. A cama. O quarto. A porta da varan­da aberta e a brisa do mar lhe tocavam suavemente a pele. A pele nua.

A mente de Cara era uma mistura de pensamentos confusos, começando com o que acontecera no apar­tamento e terminando ali, naquele quarto... naquela cama.

Será que Alexander Knight estava ali? O estranho que fizera amor com ela? Olhou ao redor, o coração acelerado até ter certeza de que estava sozinha. A me­nos que ele estivesse no banheiro. Não. A porta esta­va aberta, e não havia ninguém lá dentro.

A sensação de alívio não durou por muito tempo. Alex não estava ali, mas Cara ainda tinha que encará-lo E como iria lidar com isso? Estavam em pleno sé­culo XXI e, constantemente, mulheres dormiam com homens que acabavam de conhecer.

Mas Cara Prescott não era assim. Nunca fora. Pri­meiro, tivera que cuidar da mãe doente. Ela trabalha­va desde os 14 anos. No início, após a escola. Mais tarde, para custear os estudos na faculdade. Assim, não lhe sobrava muito tempo para sair com rapazes.

Cara dormira com um homem apenas duas vezes em toda a sua vida, e com o mesmo. Tinha sido com o diretor da biblioteca da universidade onde trabalha­ra depois que se graduara. Era um homem bom, agra­dável e de fala suave.

A primeira vez tinha sido constrangedora. Cara se despira de um lado da cama; o diretor, do outro. Os dois se deitaram, embaixo dos cobertores, com as lu­zes apagadas. Alguns beijos. Algumas carícias. En­tão, o evento principal. Um desapontamento terrível.

Relembrando, Cara se perguntava se ambos não tentaram de novo porque precisavam provar que o sexo podia ser melhor do que aquilo. Se foi por causa disso, falharam, infelizmente. A segunda tentativa também tinha sido lamentável. Pior do que a primeira. Era difícil saber quem estava mais embaraçado, ela ou o diretor.

Bem, não havia nada de lamentável sobre o que acontecera naquela cama na noite passada. Mas cons­trangedor? Cara ficou ruborizada. Humilhante, tal­vez fosse o termo. Fizeram amor encostados à pare­de. Encostados à parede! Nem sabia que era possível fazer isso. Não sabia que era possível fazer outras coisas também, que um homem podia colocar a boca em...

Não qualquer homem — era Alexander Knight: o sujeito alto, de cabelos negros, perigoso, que a seqüestrara. Cara fechou os olhos. Talvez, isso fosse o pior de tudo. Nem o conhecia, não sabia de onde vi­nha, onde morava, o que ele fazia além de invadir as casas das pessoas e raptá-las.

A única coisa que sabia era que ele era um amante incrível. Exigente, mas também dava em troca. Pode­roso, ainda assim, gentil. Alex lhe ensinara coisas so­bre o próprio corpo. Ele também lhe ensinara que era possível se estilhaçar como um cristal nos braços do seu amor.

Embora Alex não fosse o amor dela. Era um estra­nho perigoso, que a mantinha prisioneira em uma ilha, que podia muito bem estar a muitos quilômetros do nada.

Naquele momento, Cara Prescott tinha que enca­rá-lo. "Olá, bom dia, vamos ter tempo bom hoje... E, oh, a propósito, o que aconteceu ontem à noite foi um enorme erro e não vai se repetir."

Cara sentou-se na cama e afastou as cobertas. Quanto mais cedo encarasse aquela situação, melhor.

A luz voltara. Cara tomou um banho quente demo­rado. Alex deve ter tomado também. O banheiro ain­da estava embaçado devido ao vapor; o sabonete, úmido. A moça o pegou e o cheirou, imaginando que aquele perfume era o dele, que ainda podia sentir o cheiro de Alex nela...

Mas não por muito tempo. Cara se esfregou da ca­beça aos pés, lavando o cheiro de sexo, de Alexander Knight, do corpo dela. Um homem que fazia amor como se fosse um perito no assunto manteria escovas de dente à mão para todas as mulheres que passassem por sua vida. O mesmo se aplicaria aos preservativos na gaveta da mesinha de cabeceira.

Cara tentou não pensar na primeira vez do casal, pois Alex não usara nenhum preservativo. Sexo sem proteção? Onde estava com a cabeça? No que pensa­va? A resposta, claro, era que não pensara em nada.

As roupas dela não estavam mais ali. Em troca, en­controu short de brim e uma camiseta. Podia dizer que eram de Alex pela forma como ficaram nela. Na verdade, não vestiram muito bem. O short era muito largo, mesmo preso com um alfinete encontrado em uma das gavetas do toucador. E a camiseta parecia um vestido, ficava abaixo dos joelhos.

Cara pensou em descartar o short até se lembrar de que não tinha calcinha. Então, pensou em como seria usar apenas a camiseta sabendo que, por baixo, esta­va nua.

Alexander Knight não saberia, a menos que Cara quisesse que soubesse. A menos que roçasse o corpo nele algumas vezes, ou que se abaixasse para pegar algo no chão...

Em um segundo, sentiu-se pronta para o sexo, para Alex, para senti-lo bem dentro dela de novo. Cara franziu as sobrancelhas, respirou fundo e desceu as escadas.

A casa era bonita, grande e antiga o suficiente para ter uma rica história. Ventiladores pareciam pregui­çosos nos tetos altos. Tapetes de seda orientais bri­lhavam como jóias no chão claro de madeira de lei. A mobília era escandinava, quase contemporânea, con­trastando com os tapetes antigos. Mas tudo se ajusta­va com perfeição naquele ambiente.

Mesmo assim, faltava algo nos cômodos. Um to­que pessoal. Não havia nada daqueles objetos que as pessoas colocassem em cima das mesas e penduradas nas paredes para dizer: Esse lugar é meu. Era como se, de fato, ninguém morasse ali.

— Ninguém mora aqui.

Cara virou-se. Alex estava em pé na sala, de bra­ços cruzados. Usava short de brim, sandálias de cou­ro, uma camisa desbotada, com as mangas cortadas... E uma expressão indecifrável. Não foi fácil, porém, de alguma forma, Cara conseguir esboçar um sorriso educado e perguntar:

— Falei alto?

— Sim. Você está certa. Ninguém mora aqui.

Ela acenou com a cabeça, concordando. Isso era bom. Ambos estavam conversando, em vez de ela ser pega em uma armadilha a meio do caminho entre "Bom dia e Olhe só como o sol está brilhando!"

— Acho que o interpretei mal na noite passada — disse.

Alex esboçou um sorriso e comentou:

— Pensei que você houvesse me compreendido muito bem.

O tom de voz dele era puro sexo. Cara sentiu o ros­to ficar quente, corado.

— Quis dizer que pensei que houvesse dito que esta casa era sua.

— E é. Eu a comprei alguns meses atrás e a deco­rei. Bem, contratei um decorador. O mesmo que de­corou a minha cobertura em Dálias. Mas, de fato, nunca morei aqui. Vim para cá alguns fins de sema­na, e só.

— Ah! — disse ela, enquanto tentava processar tudo. Aquele homem, que trocara o jeans e os tênis por short de brim e sandálias de couro, não apenas era o dono daquela casa, mas também de uma cobertura em Dálias?

— Cara?

— Sim?

— O que mais quer saber?

Ela o fitou. O sorriso desaparecera, sendo substi­tuído por algo intenso que parecia capaz de incendiá-la.

— Não sei o que você quer dizer.

— Sabe, sim. Dormiu comigo na noite passada e acordou essa manhã pensando que tudo tinha sido um grande erro.

Alexander estava dizendo exatamente o que ela di­ria. Foi bom, não? Exceto que não tinha sido um erro. Dormir com ele tinha sido incrível. Será que Alex não achava isso?

— Pior, percebeu que não sabe nada a meu respei­to. Certo?

Cara acenou com a cabeça, concordando. Era a coisa mais segura a fazer.

— Bem, a senhorita está certa. Não me conhece. Não a conheço, ou talvez eu deva dizer que o que co­nhecemos um do outro não é muito lisonjeiro. Prova­velmente, você pensa que sou um patife, frio como uma pedra, que não se preocupa com os sentimentos das pessoas, das mulheres. E tudo o que sei sobre você é que o seu gosto por homens não é nada co­mum.

Alexander Knight era intolerável! Aquele tom hi­pócrita... Como pôde ter sido tão tola a ponto de ter ido para a cama com ele?

— Está certo com relação a mim e ao meu gosto por homens. Caso contrário, nunca teria cedido a você na noite passada.

— Ora! Estou tentando lhe dizer que é verdade, que não sabemos nada um do outro.

— E eu disse que estava certo.

— Não me deixou terminar. Talvez, o que pense­mos saber não seja verdadeiro.

— Está errado. O que sei sobre você é bem preci­so. É o que acabou de dizer ser: um patife frio...

Alex a beijou. Cara arfava, bateu com as mãos no peito másculo, mas ele a puxou contra si, prendendo-lhe as mãos entre os corpos de ambos. Ela tentou des­viar o rosto, mas ele segurou-lhe a nuca com força, não deixando que escapasse do beijo.

— Patife...

— Cale a boca e me beije — sussurrou Alex.

"Não", a moça disse a si mesma, "não, não, não..."

Cara colocou os braços ao redor do pescoço dele e retribuiu o beijo com a paixão contida, por tanto tem­po, no coração.

Alex a pegou nos braços... E a carregou até a cozi­nha, colocando-a em um banco perto de uma bancada branca. Então, parou para um beijo mais intenso.

— Sabe o que vai acontecer agora? — indagou Alexander.

Cara esboçou um sorriso que evocava uma risada maliciosa.

— Não ainda. Primeiro, vamos comer. Café-da-manhã ou almoço ou ceia ou o que quer que seja que você queira chamar essa refeição. Nós não comemos nada. Me ajude aqui, querida. — disse Alex.

Cara riu. Isso o encantou. Ainda não a ouvira rir antes. Como parecia tê-la conhecido toda a vida se nunca ouvira rir até agora?

— Sabe cozinhar? — perguntou Cara.

— Vai lamentar tal ceticismo, senhorita Prescott. Claro que sei cozinhar. Como acha que sobrevivo?

— Com um congelador repleto de comida pronta.

— Certamente. E também comida entregue em casa.

Alex abriu a geladeira e comentou:

— E sobras, graças às cunhadas que imaginam que eu morreria de fome sem a ajuda delas.

— Você tem irmãos?

— Sim. — Alex virou-se, uma dúzia de ovos em uma das mãos e um pedaço de bacon na outra. — Dois. Não fique tão surpresa, querida. Sou humano como qualquer um.

Cara ficou corada e comentou:

— Não quis dizer...

— Sim, você quis, e ninguém poderia culpá-la. — Alex abriu um armário da cozinha, pegou duas frigi­deiras e as colocou em cima do fogão.

— Tudo bem — disse, colocando tiras de bacon em uma das frigideiras e acendendo o fogo.

— Aqui vão os detalhes pertinentes. Alexander Knight. Bem, isso você já sabe. Idade: trinta. Moro em Dálias onde tenho uma sociedade com os meus ir­mãos em uma firma que se chama Especialistas em Gerenciamento de Risco. Mas, até alguns anos, eu trabalhava para o Serviço Secreto Federal, que me pediu que tomasse conta de você.

— E no seu mundo, o que isso significa exatamente? — perguntou Cara.

Alex quebrou os ovos para dentro de uma tigela grande, acrescentou leite e começou a bater até criar espuma.

— Isso significa fazer o que for preciso para man­ter alguém em segurança.

— E, nesse exato momento, eu sou esse alguém?

— Sim.

— E se a pessoa em questão é mulher, você sempre dorm...

Alex a beijou antes que Cara terminasse a frase.

— Não. Quebrei as regras ao fazer amor com você... Mas não me importo. A verdade é que soube que a queria no primeiro minuto em que a vi.

— Pensei que tinha sido enviado para me matar.

— Aquele patife do Gennaro! Quando colocar as mãos nele...

— Não faça nada com ele. Gennaro não...

Cara dissera a coisa errada. Bastou fitá-lo para sa­ber.

— Alex, não quis dizer...

— Esqueça.

— Não, por favor. Você não entende.

— Entendo, tudo certo.

— Não entende!

— Tony G ainda é o seu dono.

— Isso não é verdade!

— É claro que é!

Alex se encaminhou para a porta da cozinha. Cara foi atrás dele.

— Eu estava certa. Você é um patife hipócrita! — disse, batendo com um dos pulsos em um dos ombros dele.

Alex virou-se e a encarou.

— Cuidado. Lembra-se do que eu disse sobre me provocar?

— Anthony Gennaro não era meu amante!

— Não? Então, o que era? Sua versão particular do Papai Noel?

Cara o fitava, odiando Alexander Knight pelo fato de ele acreditar que ela era amante de Gennaro. E odiando a si mesma por deixar que isso tivesse importância... E desejando poder lhe contar a verdade.

— Sem resposta? Sem problemas. A casa é grande. Há três quartos de hóspedes. Escolha um. Com sorte, vamos ficar longe um do outro até que isso acabe.

— Até que acabe o quê? O FBI quer que eu teste­munhe sobre algo que não sei o que é. Alguém quer me matar e não sei quem é. Você entra na minha vida, vira tudo de cabeça para baixo, me diz que Anthony Gennaro é meu dono e aí... E aí me seduz...

Cara ficou muda, fitando-o, desesperada. Então, virou-se.

— Cara...

— Me deixe sozinha. Não quero mais falar com você.

Alexander também não queria falar com ela. Em vez de lhe dizer que ainda estava presa a Anthony Gennaro... Só que ela não fizera isso. Tudo o que fez foi defender Gennaro da afirmação de que o mafioso a queria morta. Se não acreditava nisso, como po­deria culpá-la? Afinal, Cara tinha sido amante de Gennaro...

Ela também dissera não ter sido amante do mafioso. Talvez, fosse verdade. Ou não fosse. Talvez, não tivesse importância. No dia anterior, sentira-se tão bem nos braços dele, tão inocente no jeito como rea­gia aos seus carinhos! O passado de Cara não tivera importância. Por que deveria ter agora? Alex pigarreou. Depois, insistiu:

— Cara?

— Vá embora!

A voz dela estava trêmula. Cara tremia. Vê-la as­sim, magoada, sozinha e com medo, tudo isso o an­gustiava. Então, deu um passo à frente, dizendo:

— Querida, me desculpe. Não deveria ter dito aquelas coisas.

— Disse o que pensa. E é isso que importa.

— Querida, olhe para mim.

Cara levantou a cabeça. O coração de Alex acele­rou ao ver lágrimas nos olhos dela.

— Eu estava com ciúmes. Você defendeu Anthony Gennaro e eu pensei... Mesmo depois de ontem à noi­te, mesmo depois de todas aquelas horas nos meus braços, ela ainda pensa em outro homem.

— Não sou assim.

— Não, não é. Eu deveria ter percebido isso, mas não percebi. Vamos ficar aqui por um tempo. Acha que poderíamos nos conhecer um pouco mais?

— Não tem que me conhecer para me manter em segurança.

— Sim, eu sei.

— Por quê?

— Porque algo está acontecendo aqui, querida. Não sei o que é, mas não vou embora nem deixarei que vá até que nós dois saibamos o que é.

Não era um compromisso, mas estava muito perto de ser. Era loucura. Alex não conhecia Cara. Ela tam­bém não o conhecia. Ele lhe dissera isso há poucos instantes, e era a verdade.

E, ainda assim, tudo parecia certo. Cara, nos bra­ços de Alex. A boca doce enquanto a beijava. O sus­piro dela que se misturava à respiração dele.

Alex a segurou no colo. Passou pelo fogão, pegou a frigideira repleta de bacon queimado e a jogou den­tro da pia. Se a casa pegasse fogo, não seria por causa de uma frigideira com bacon. Seria por causa do que acontecia quando Cara Prescott estava na cama de Alex.

 

                                   CAPÍTULO OITO

Os dois se amaram. Cara já havia lido sobre diferen­tes formas de se fazer amor, mas jamais imaginara que pudessem ser reais.

Alex a ergueu. Depois, desceu-a devagar de modo que ela pudesse ver os olhos dele sombrios de desejo enquanto a tomava para si, e os dois corpos se fun­diam, tornando-se um só.

Ao vê-lo sob a luz da manhã, Cara se perguntou se realmente era possível fazer amor com ele. Deve ter sido fácil ler os pensamentos dela porque Alex sorriu com malícia enquanto rolava com Cara de forma que ela ficasse embaixo do corpo másculo. Então, lem­brou-a de que os dois corpos se encaixaram com per­feição na noite anterior. E se encaixavam naquele ins­tante também, outra vez. Não importava a forma.

Cara Prescott agira com cautela com os homens do mundo real, resistira aos agentes do FBI e a Anthony Gennaro... Mas adorava a sensação de ser tomada por Alex, de ser dele. Gostava de tudo que ele lhe ensina­va sobre fazer amor, sobre amor, sobre amá-lo.

E, diante desse pensamento, Cara o afastou. Nin­guém mencionara nada sobre amor, nem faria isso. Ela podia ser inocente com relação ao sexo e aos ho­mens, mas não era tola.

Aquilo não tinha nada a ver com amor. Era rápido demais, muito irreal. Um homem como Alexander Knight não se apaixonaria por uma mulher como Cara Prescott. Em outras circunstâncias, se não hou­vesse perigo, ele não a teria olhado duas vezes.

Cara sabia disso. Além do mais, mal o conhecia. Não era possível se apaixonar por um estranho. Era?

O sol se punha no horizonte quando Alex gemeu. A impressão era a de alguém sentindo dor. Cara er­gueu a cabeça e o fitou, perguntando:

— Qual o problema?

— Estou morrendo.

— De quê?

— De fome. — Alex pegou uma das mãos de Cara e a colocou em cima da barriga dele.

— Vê? Não sou nada a não ser pele e osso.

— Mmm — comentou Cara e acariciou o corpo másculo, dizendo:

— Espere um minuto. O que é isso?

A jovem deu um grito quando Alex a colocou em­baixo dele e explicou:

— Se não sabe o que é, Chapeuzinho Vermelho, vou ter que lhe mostrar.

Cara riu e Alex sorriu, comentando:

— Sério, querida. Estou faminto.

— Também estou. O que vamos fazer com relação a isso?

— Bem... Podemos pedir que entreguem pizza, mas...

— Mas?

— A entrega poderia levar algumas horas.

— Não temos café-da-manhã? Pensei que você ti­vesse feito ovos com bacon.

— O bacon queimou, graças a você.

— Graças a mim?

— Estou avisando. Pense em uma comida ou John vai encontrar nossos esqueletos de manhã.

— Tudo bem. Sem pizza. Que outras escolhas te­mos?

— Uma ida de barco à ilha principal para jantar.

— E quanto tempo levaria?

— Até tomarmos banho, nos vestirmos, rezarmos para que o vento esteja propício... Em outras pala­vras, as mesmas horas.

— Então, nós dois estamos destinados a morrer de fome?

— Se me lembro bem, há bifes no congelador. E aposto que John colocou na geladeira ingredientes para uma salada.

O estômago de Cara fez barulho. Alex riu e a bei­jou. Então, levantou-se, e pegou o short. Depois, pe­gou uma das mãos da jovem e a fez levantar-se tam­bém, dizendo:

— Espero que isso seja um voto de "sim" para jantarmos em casa.

— Você prepara os bifes e eu faço a salada. Ei! Não posso descer assim! — comentou ela quando Alex a conduziu em direção à porta.

Alex a olhou. Cara estava nua, a pele rosada devi­do às horas que passaram fazendo amor, o cabelo emaranhado e, incrivelmente, sexy.

— Assim como? — perguntou, mas o tom inocen­te foi arruinado pelo brilho no olhar.

— Dessa forma — respondeu Cara, corando. Na­quele instante, embora estivesse faminto, Alex soube que queria esquecer e deitá-la de novo na cama.

— Você é tão bonita!

— Você também. Mas eu não posso descer sem roupas.

— Por quê?

— Bem, alguém pode ver.

— Eu vou ver. E gosto dessa visão: você nua.

— John...

— Quando estou aqui, ele não vem à casa sem te­lefonar antes. E não faça essa cara, querida. Isso tem a ver com o fato de que gosto de privacidade, não com a escolha dos convidados.

Alex hesitou. Não tinha a menor idéia por que que­ria lhe dizer isso, mas mesmo assim disse:

— De qualquer forma, nunca tinha trazido uma mulher aqui.

— Os preservativos...

— Eu os tinha perto da cama e nunca se esqueça de usar um... Ontem à noite, foi exceção. Jamais havia esquecido antes.

O instinto lhe dizia que o fato de não ter lembrado do preservativo tinha menos a ver com esquecimento e mais com outra coisa. Alex tentava achar uma ra­zão, porém, não conseguia. Além do mais, naquele exato momento, devia tranqüilidade a Cara.

— Sou saudável, Cara. Você tem o direito de saber disso.

— Também sou. E esse período do mês é seguro para mim. Não me olhe assim!

— Não deu para evitar. Pensei que as mulheres ha­viam parado de ficar com o rosto vermelho quando deixaram de usar espartilhos.

— Preferia não ficar vermelha. É horrível.

— É maravilhoso. — Alex acariciou-lhe o rosto e a beijou, adorando o jeito como Cara se encostava nele como se ele fosse tudo o que ela precisava no mundo. O beijo durou um bom tempo. Alex só parou de beijá-la porque sabia que, se não fizesse isso, os dois nunca deixariam o quarto. E ambos precisavam de comida, de energia. Não apenas porque só assim poderiam fazer amor para sempre, mas em caso de algo acontecer.

Que inferno! Alex tinha que checar a casa, as coi­sas com John. Quase se esqueceu que Cara corria pe­rigo. E ela corria perigo. Aquela dupla de capangas em Nova York não estivera lá para uma visita social.

Esse era o problema em se misturar negócios com prazer. Perdia-se o foco. A atenção vagava. E se algo acontecesse a ela... Se deixasse qualquer coisa acon­tecer a Cara...

Alex deu um passo para trás e disse:

— Tudo bem, vista o meu roupão. Vamos descer e preparar o jantar.

Os dois se vestiram. Cara usava um roupão felpu­do que ia até os pés. Alex colocou jeans e uma cami­seta. Sim, havia bifes no congelador; alface e tomates na gaveta da geladeira.

Ambos trabalharam em silêncio. Alex descongelou os bifes no microondas. Cara lavou a alface, a cortou dentro de uma tigela de madeira e a temperou. Porém, uma repentina tensão pairava no ar.

A noite já havia caído quando o jantar ficou pron­to. Cara seguiu Alex até uma enorme sala muito bo­nita. O chão de pedra azul se estendia em direção à piscina, suavemente iluminada por luzes subaquáti­cas. Plantas viçosas perfumavam o ambiente.

Cara virou-se para Alex, ansiosa para lhe dizer o quanto gostara daquele lugar. Entretanto, ele não es­tava olhando para ela. Em vez disso, estava ocupado, acendendo a grelha — mais ocupado do que deveria ao fazer uma coisa tão simples.

O coração dela parecia bater devagar. Queria ir ao encontro de Alexander e perguntar-lhe o que estava acontecendo. Será que se arrependera por terem feito amor?

— Alex? — sussurrou.

Ele virou-se na direção dela, o rosto sem expres­são, e perguntou:

— Está bom um merlot?

— O quê?

— Para beber. Pensei em abrir uma garrafa de vi­nho tinto merlot.

Há meia hora, Cara teria dado uma risada e admi­tido que não saberia diferenciar o vinho merlot do mágico Merlin. Mas não faria isso agora.

— Cara?

— Sim. Um merlot parece bom.

Alex saiu e voltou com uma garrafa, um saca-rolhas e duas taças nas mãos. O vinho tremeluzia como granadas enquanto ele o colocava nas taças, e parecia seda quando Cara o bebeu. Porém, ela não sentira o gosto.

A salada também não tinha gosto nenhum, embora Alex tenha ressaltado que o molho estava ótimo. Cara também lhe disse que os bifes estavam maravi­lhosos.

— Então, por que não está comendo? —- questio­nou.

— Acho que não estou com tanta fome como pen­sei.

— Eu também.

Silêncio. Por fim, ele pigarreou e comentou:

— Eu lavo a louça enquanto você prepara um pou­co de café, certo? Eu faço o pior café do mundo. Caso contrário, me ofereceria para...

As palavras esmaeceram. Cara o fitava, os olhos sombrios. Alexander sabia o motivo. Ele a tratava com a devida deferência a uma estranha. E não eram mais dois estranhos. Não agora, depois de tudo o que compartilharam. Perigo. Discussão. Raiva. Risada. Acima de tudo, todas aquelas horas nos braços um do outro.

Alex jogou o guardanapo em cima da mesa e em­purrou a cadeira para trás. A taça dele caiu no chão. Quem se importava com uma taça quebrada quando magoara o coração de Cara?

— Querida, me desculpe — disse, tomando-a nos braços.

Não há nada o que perdoar.

— Sim, há. Estou tentando manter uma distância profissional. Entende?

— Não diga mais nada. Sei que sou um encargo. Não tem que...

Alexander a beijou com vontade. As mãos máscu­las seguravam o rosto de Cara. Para que ela não pu­desse se virar e não interpretasse de forma errada como ele se sentia em relação a ela. Quando, por fim, Cara emitiu um gemido e colocou as mãos no peito dele, Alex suavizou o beijo e a manteve bem junto de si.

— Sim. Você era um encargo, uma tarefa. Eu tinha que mantê-la em segurança. Mas como posso mantê-la segura se eu me esquecer de quem sou? Tenho que ser Alexander Knight — especialista em gerenciamento de risco, ou o que quer que seja que queira di­zer a meu respeito. Intransigente. Nunca distraído. É assim que um homem na minha profissão tem que ser quando está trabalhando. Mas aí, você apareceu e eu me transformei em outra pessoa.

— Eu gosto muito dessa outra pessoa.

— Eu também, querida. Mas se eu não estiver atento, se perder o foco, algo pode passar despercebi­do. Algo pode acontecer a você e se...

— Nada vai me acontecer. Não com você tomando conta de mim.

— Não subestime Anthony Gennaro. Não é só porque dei conta daqueles palhaços em Nova York...

— Anthony Gennaro nunca me ameaçou.

— Como o mafioso não a ameaçou! Era por isso que o FBI a queria sob custódia.

— Os agentes federais que vieram até mim insisti­ram que eu sabia muitas coisas sobre os negócios de Gennaro. E que ele mandaria me matar por causa dis­so. Tudo bem. Anthony Gennaro é um criminoso. Mas não sei nada sobre essa parte da vida dele. E a verdade é que ele nunca me machucou. E sei que não faria isso.

— Não vamos falar desse homem, certo? O seu re­lacionamento com o mafioso faz parte do passado. Faça um favor a nós dois e esqueça.

— Me escute. Não fui amante, nem namorada, nem o amor da vida dele. Era a bibliotecária contrata­da para catalogar uma coleção de livros raros que ele comprou em um leilão. Gennaro foi até a minha sala na universidade, onde eu trabalhava, e me ofereceu o emprego. Eu não sabia nada sobre o homem, apenas que estava me dando uma oportunidade única na vida.

— Como bibliotecária?

— Exatamente. Eu trabalhava para ele. Não dormi com Gennaro, pelo amor de Deus! Eu não podia, não iria porque...

— Por quê?

— Porque não era o tipo de coisa que Gennaro queria de mim. Porque não sou esse tipo de mulher. Porque, antes de você, eu só estive com um homem e não foi nada parecido com o que senti nos seus bra­ços, com o que me faz sentir...

Alex murmurou um palavrão, a colocou nos bra­ços, mantendo-a perto. Tentou beijá-la, mas Cara vi­rou o rosto.

— Se não pode me aceitar como sou, se eu vir dú­vida nos seus olhos toda vez que fizermos amor... En­tão, o que aconteceu ontem à noite, o que aconteceu hoje, tudo foi um erro.

Alex já havia recebido ultimatos de mulheres. Diga que me ama, ou está tudo acabado. Me peça em casamento, ou vou embora. Um homem esperava por isso, mesmo quando sempre deixava claro que não estava assumindo nenhum compromisso duradouro. Porém, nunca recebera um ultimato dado com tanta dignidade. E ele adorara o jeito de Cara, o queixo er­guido, o orgulho no olhar...

— Alex?

— Está certa. Eu não tinha o direito de lhe fazer perguntas ou de duvidar de você. Me desculpe, queri­da, prometo que isso não vai acontecer de novo.

— Jamais mentiria para você, Alexander. Nunca mentiria sobre nada.

Ele adorou o jeito de Cara dizer o nome dele, a for­ma como os olhares dos dois se encontraram.

— Então, vai responder a qualquer pergunta que eu faça? A verdade, a mais completa verdade e nada além da verdade?

Alex sorriu para se certificar de que ela compreen­desse que era uma brincadeira. Depois de um segun­do ou dois, ela retribuiu o sorriso.

— Aham. — Cara colocou as mãos embaixo da ca­misa dele, acariciando-o no peito.

— O que quer saber?

Alex abaixou a cabeça e mordiscou-lhe suavemen­te a boca, dizendo:

— Para começar, como consegue ser tão bela? E tão corajosa? Muitas mulheres desmaiariam se um estranho entrasse na casa enquanto estivessem to­mando banho.

Cara riu e perguntou:

— Você já havia passado por uma experiência des­sa?

— Acredite em mim. Nunca havia tirado uma mu­lher do chuveiro, não antes de conhecê-la. E quando aquele desgraçado entrou no apartamento... A senho­rita nem piscou.

— Você estava comigo.

Cara disse aquelas palavras com uma convicção tão simples que Alex sentiu-se envaidecido.

— Me desculpe. Não que eu estivesse com você. Graças a Deus, eu estava. Me perdoe por ter sido tão rude, querida — disse e a beijou.

— Você estava apenas fazendo o seu trabalho.

— Não. Eu a estava julgando. E não tinha o direito de fazer isso. Já vi coisas horríveis nesse mundo. Ho­mens com tanto sangue nas mãos que nem mesmo la­vando-as conseguiam se livrar dele.

— Você era soldado?

— Sim. — Alex hesitou. Nunca falava sobre o que pensava a respeito da sua vida anterior, exceto com os irmãos que também tinham vivenciado as mesmas experiências. — Forças Especiais. Foi assim que John e eu nos conhecemos. Nossa unidade ficava a anos-luz daqui.

— E você salvou a vida dele?

Droga, por que lhe dissera aquilo? Apenas para se certificar de que ela compreenderia que não podia pe­dir ajuda a John? Agora, tinha que dar uma explica­ção, nem que fosse breve. Alex não queria assustá-la, assim como não queria falar de si mesmo ou dos dias que passara se recusando a acreditar na vida depois que fora atrás de John... E antes de livrar os dois da­quela situação difícil.

— Não foi tanto assim. Colocamos um explosivo em um prédio. Tínhamos apenas alguns segundos para sair. John foi baleado, caiu e...

— E você voltou para buscá-lo — completou Cara.

E foi baleado, assim como John, e capturado. Pas­sou dez dias sendo torturado antes de matar o guarda e conseguir sair levando John consigo. Não contaria isso a Cara de modo algum.

— Sim. Todos nós éramos assim. Depois das For­ças Especiais, fui recrutado por um serviço secreto governamental. Fiquei lá alguns anos. Mais tarde, abandonei tudo e nunca voltei a pensar nisso, até o sujeito que dirige o Serviço Secreto me pedir para as­sumir essa tarefa.

— Eu.

— Não, não mais. Você não é mais uma tarefa, um encargo, querida, você...

"É a coisa mais importante na minha vida", Alex quase dissera, mas era loucura. Não concordaram que mal se conheciam?

— Você é especial. Passei muito tempo lidando com gente de má índole como Gennaro — homens que, para satisfazer o próprio egoísmo, matam aque­les que não conseguiram corromper. Talvez, seja por isso que não consegui imaginá-la fazendo parte da vida dele. Entende?

Cara acenou com a cabeça, concordando. O rosto dela estava pálido, mas por quê não estaria? Ele era um tolo! Estavam juntos apenas duas noites, e já es­tava falando sobre violência com ela!

— Querida, me perdoe. Falar disso no jantar...

— Não peça desculpas. Estou contente que tenha explicado. Quero saber tudo sobre você.

— Também — retrucou Alex, e puxou a faixa do roupão, abrindo-o. Depois, a apreciou e sentiu-se ex­citado.

— Já lhe disse que é adorável?

Cara sorriu. Alex beijou-a no pescoço.

— Adorável e deliciosa. Aqui, e aqui — ele sus­surrou, acariciando e beijando-lhe os seios.

Cara deu um daqueles gemidos sensuais que Alex adorava.

— Não precisa disso — comentou ele, tirando-lhe o roupão.

— Alex...

— Shh, querida. Deixe-me fazer amor com você. Não. Não faça nada. Deixe-me apenas tocá-la e ver o seu rosto. Quero ver o que lhe dá prazer.

"Tudo", Cara pensou, "tudo o que esse homem me faz me dá prazer". Alex começou a acariciá-la in­timamente. Cara sussurrava o nome dele. Porém, ele não respondia. Os olhos estavam presos aos dela. De­vagar, Cara correspondia ao seu toque.

— Gosta disso? — sussurrou Alex, acariciando-a intimamente e beijando-lhe os seios. Ele estava vesti­do e Cara, despida, à mercê dele. Sem roupas e ado­rando o que ele estava fazendo. Gostava de sentir as mãos e a boca do homem que a raptara.

Cara amava aquele estranho, perigoso e apaixonante... "Amo você", a moça pensou, "amo você..." Ela cedeu às carícias de Alex e gritou de prazer, se abandonando em seus braços.

— Shh, está segura, querida. Eu a tenho bem aqui nos meus braços — disse ele, silenciando-a com um beijo.

Depois, a ergueu e a carregou até a espreguiçadei­ra ao lado da piscina. Devagar, sem desviar os olhos dos dela, se despiu. Cara o acariciou intimamente e o guiou para que os dois corpos se fundissem e se tor­nassem um só.

Uma sensação de prazer percorreu o corpo de Cara. Alex gemeu, sussurrou o nome dela e juntos atingiram o clímax sob a noite quente que brilhava no céu tropical.

 

                               CAPÍTULO NOVE

Dias quentes e ensolarados. Noites frias e estreladas.

E Alexander Knight sempre nos braços de Cara Prescott. O que começara como um pesadelo se transformou em um sonho.

Cara virou o rosto em direção ao céu enquanto go­tas d'água molhavam os dedos dos pés. Não era um sonho. Porém, se realmente fosse um sonho, espera­va nunca acordar.

Um homem a assusta tanto que você pensa que vai morrer de pavor. Ele tem uma arma e um comporta­mento que, levando em consideração o que os agen­tes do FBI tinham dito, poderia ter vindo para matá-la. Em vez disso, transforma-se no homem pelo qual você esperou a vida inteira.

Como Cara descreveria Alexander Knight? Se ti­vesse que escolher as palavras certas, quais adotaria? Ela fizera cursos relacionados a biblioteconomia, mas grande parte da graduação se concentrara na língua inglesa. Para ser mais exata, um curso volta­do para escrever histórias, peças de teatro e poemas. Isso significava que não era aceitável usar muitos adjetivos.

Assim dizia a classe intelectual... Mas, então, tal­vez a classe intelectual não tivesse conhecido Ale­xander Knight. Ele era forte, astuto, protetor. Era bonito, embora Cara tivesse a sensação de que ele ficaria arrepiado se ela usasse aquela palavra por ser um homem de fazer o coração de qualquer mulher quase parar de bater. E os homens não eram dados a esse tipo de pensamento, de se considerarem " bonitos" Mas Alex era — o rosto, o corpo. Bonito era a única palavra para descrevê-lo.

Além disso, era divertido. Ele conseguia fazer com que Cara risse, o que podia ser considerado um milagre. Fazia muito tempo desde a última vez que a moça dera uma risada.

Cara tinha a sensação de que ele também não rira muitas vezes na vida. De vez em quando, ao ligarem a tevê e assistirem às notícias, o olhar de Alex parecia assombrado diante das coisas que via acontecerem no mundo.

Cara sentia que Alexander Knight vira mais do que um homem deveria em relação ao lado escuro da natureza humana. Já se surpreendera ao tomar conhe­cimento de que ele sabia pilotar. Então, descobriu que ele também sabia navegar e tinha um barco a vela de 34 pés.

Na primeira vez que saíram de barco, Alex perma­neceu ao leme, abraçado a ela. Quer tentar? pergun­tara, tirando as mãos do leme. E Cara rira, dizendo que não podia.

Ela podia fazer qualquer coisa desde que sua men­te quisesse, Alex lhe dissera. Então, Cara pilotou o barco e aprendeu a equilibrar as velas e o leme. Gos­tava de fazer isso. Porém, gostava ainda mais quando ancoravam e faziam amor no convés, o sol da Flórida aquecendo os seus corpos.

Alex sugerira que velejassem até Miami Beach, assim poderia comprar-lhe roupas. E, com a face co­rada, ela lhe dissera que só precisava dele. O que aconteceu em seguida fez com que valesse a pena fi­car ruborizada. Além do mais, era verdade. Cara ti­nha o próprio conjunto de moletom e as camisetas dele. Do que mais precisava?

Nem de sutiã nem de calcinhas. Por que iria preci­sar dessas coisas? Seriam um impedimento para as mãos de Alex. Oh, aquelas mãos másculas embaixo da camiseta de algodão, acariciando-lhe os seios, o ventre, tocando-a... Os olhos verdes de Alex repletos de desejo... Seria chocante o fato de Cara ter se trans­formado em uma mulher que sempre queria fazer amor?

"Sexo pode ser perigoso", a mãe dela dissera du­rante uma conversa sobre garotos, quando Cara ainda era adolescente. "E pode ser maravilhoso. É por isso que você deve esperar para que isso aconteça quando tiver idade suficiente para tomar decisões com res­ponsabilidade."

Cara não havia entendido aquele sábio conselho. Quando soube a verdade sobre a mãe, pensou que ela tivesse alguma razão. Sexo, obviamente, era perigo­so. Mas maravilhoso?

Algo que tornava uma mulher estúpida não era maravilhoso. Errado. Cara sentou-se na areia e abra­çou os joelhos. Sexo era maravilhoso, se você esti­vesse com o homem certo. A mãe não estivera, mas a filha estava. Alex era o homem certo, o único.

A cada dia, a cada noite, Cara Prescott se sentia mais apaixonada por Alexander Knight. O que seu coração ansiava saber era o que ele sentia. Ela sabia que era mais do que atração física. Podia afirmar isso pelo jeito como Alexander a segurava depois que os dois faziam amor. E pela forma como a chamava de "querida" e "doçura". No início, esses apelidos fo­ram usados com uma frieza proposital. Entretanto, agora, eram ditos com ardor.

— Bom dia, doçura.

Cara olhou por cima dos ombros. Alex vinha na direção dela: o cabelo molhado, gotas de água brilhan­do no cabelo negro sedoso. Ele ainda não se barbeara — tinha um cavanhaque sexy. E estava sorrindo.

— Bom dia.

Cara estendeu-lhe uma das mãos. Alex a levantou, puxando-a para os braços dele, de forma que pudesse beijá-la.

— Acordei você? Tentei não fazer isso — disse Cara, sorrindo.

— A cama vazia me acordou. Por que saiu de lá?

— Não sei. Senti o sol no rosto, ouvi o barulho do mar. Sua ilha é tão bonita!

— Você é que é bonita.

Outro beijo, dessa vez, mais longo. Cara se derre­teu toda. Era a única palavra para expressar o que sentia quando Alex a segurava.

— Tenho uma idéia — ele falou.

— Mmm?

— Vamos tomar café-da-manhã rápido. Depois, velejaremos até a ilha principal.

— Mas não preciso de...

— Adorei sua resposta, querida. Entretanto, quero lhe mostrar South Beach. Por favor, me deixe fazer isso.

Cara sabia que Alex estava falando sério. E a ver­dade era que ela ficara curiosa com a idéia de conhe­cer a lendária South Beach.

— Claro, você terá que pagar um preço — comen­tou Alex, a voz rouca.

— Um preço? Não sei nada sobre isso, Alexander — sussurrou ela.

Ele adorava quando Cara dizia o nome dele daque­la forma. Adorava quando ela parecia sem ar, como naquele momento. Ainda não conseguia se controlar nem sabia quantas vezes a desejara. Sempre tivera um bom apetite sexual. Entretanto, o desejo por Cara estava além de qualquer coisa que experimentara, as­sim como a reação dela.

— Vamos ver.

Devagar, Alex levantou a camiseta dela e come­çou a acariciar-lhe os seios. Cara murmurava de pra­zer e isso era tudo o que ele podia fazer para evitar deitá-la na areia e tomá-la. Achou melhor esperar, prolongar o momento.

Alex tirou a camiseta e despiu o short. Os olhos de Cara seguiam os gestos dele.

— Me deixe... — sussurrou Cara, acariciando-o intimamente.

— Feiticeira! — gemeu Alex e os dois se deitaram na areia.

Cara sabia que aquele momento deveria ser algo familiar, já conhecido, mas não era. Jamais seria. Cada vez que faziam amor, era diferente e maravilho­so. Ele era másculo — o rosto e o corpo, a forma como a acariciava. Hoje, queria acariciá-lo.

Quando Alex se aproximou, Cara balançou a cabe­ça e, suavemente, o empurrou, dizendo:

— Minha vez.

Os olhos dele ficaram sombrios. Cara começou com a boca de Alex. Como gostava daquela boca: era esculpida, sensual! Ela lhe disse isso traçando o con­torno dos lábios com a ponta da própria língua, sen­tindo o gosto antes de mordiscar-lhe o lábio inferior.

— Mmm — sussurrou Cara, acariciando-lhe o queixo, brincando com os dedos sobre a barba sexy, típica de quem ainda não se barbeou. Adorava sentir a deliciosa textura rude daquela barba.

Devagar, explorou o corpo dele. A musculatura forte, os pêlos do peito, a linha sedosa que conduzia ao abdome.

— O que é isso? — perguntou Cara, passando um dos dedos em cima de uma cicatriz no ombro direito.

— Apenas um ferimento.

— Um ferimento?

— Coisas acontecem. — disse ele, de forma que soasse como algo banal. Entretanto, Cara duvidava. Ele tinha outra cicatriz, longa e estreita, no peito.

— E isso? Outra coisa que aconteceu, certo? — in­dagou Cara.

Alexander Knight estremeceu, mas não respon­deu. Ela abaixou a cabeça e pousou os lábios sobre a cicatriz. Era como se, beijando-a, pudesse afastar o que quer que fosse que ele quisesse esquecer.

— Ao menos vai me contar sobre isso? — pergun­tou, tocando na águia tatuada em um dos bíceps mus­culosos de Alex.

— Coisa de criança. Tenho dois irmãos... Já falei deles? Cam e Matt. Cam estava indo embora, para a faculdade. Era a primeira vez que íamos nos separar e fazer tatuagens parecia uma boa idéia na época. Loucura, não?

— Não, uma atitude bonita — murmurou ela, em­purrando-o de encontro à areia. Alexander deixou que Cara agisse, embora ela soubesse que ele poderia dominá-la com facilidade. E Alex ficou quieto en­quanto ela o tocava, apesar de lhe custar muito.

Os músculos dele se retesaram sob aquela mão in­vestigadora e, depois de um tempo, a pele brilhava de suor. Cara se abaixou e o beijou ao longo do torso com delicadeza.

Ele ficou excitado, mas Cara não o tocou intima­mente. Em vez disso, continuou provocando-o como Alex sempre fazia com ela. Acariciou-o, beijou-o, até ele gemer. Só então, o acariciou e o beijou intima­mente.

— Cara... — disse Alex, com a voz baixa. Havia muitas advertências naquela palavra, mas Cara Prescott ignorou-as e o beijou de novo. Alex murmurou, deitou-a e os dois corpos se fundiram, tornando-se um só.

Cara gemia. Alex era implacável. E ela voltou a sentir corpo e mente se separando. Uma sensação gloriosa de separação do corpo da realidade. E teve a certeza de que nunca amaria outro homem. Não im­portava como tudo acabaria, Cara pertenceria a Alexander Knight por toda a eternidade.

 

Miami Beach, South Beach, era um outro mundo. Mulheres magníficas passeando com homens igual­mente esplêndidos — embora nenhum tão bonito quanto Alex. Cafeterias nas calçadas, hotéis fantásti­cos, Ferraris, Mercedes e Lexus. E lojas. Gucci, Fen­di, Christian Dior. Nomes do mundo da alta costura e dos altos preços.

— Não — disse Cara, recusando-se a mudar de opinião ao ver o primeiro aviso discreto.

— Não, o quê? Não gosta do estilista? — indagou Alex, observando a vitrine.

Não gostou? Cara quase riu. O mais perto que che­gara dessa etiqueta foi na época em que tivera a sorte de revirar os estandes de uma loja simples, pequena, em Chinatown.

— Não, não posso comprar nessas lojas.

— Não. Não pode. Como poderia se não tem uma carteira? Impossível ter uma carteira por perto quan­do um homem a tira de debaixo do chuveiro, despida, como no dia em que nasceu.

— Shh! Podem ouvi-lo! Não fale sobre isso agora. Além do mais, mesmo que estivesse com minha car­teira, não poderia...

— Sim, mas eu posso. E teria muito prazer em lhe comprar algo especial. Tudo bem?

— Alex...

— Conheço esse tom de voz, doçura. Encare dessa forma. Fiz reservas no lugar mais romântico da praia. Acho que estaria espetacular como está. Mas, o que sei? Sou apenas um homem.

Cara olhou para o conjunto de moletom que usava. Tamanho extragrande e super-surrado. Além de quente, considerando que a temperatura estava ame­na. E os sapatos... John aparecera com chinelos de borracha, estilo havaiana, que também eram grandes. Definitivamente, ela não estava vestida para,um jan­tar romântico ou mesmo uma tarde em South Beach.

— Cara? Podemos entrar agora?

A moça acenou com a cabeça, concordando. Segu­rando uma das mãos de Alex, pensou que não passa­riam da porta — ela naquele moletom feio, ele de short de brim e camiseta sem mangas.

Errado. O pessoal de todas as lojas cumprimentava Alex da mesma forma: com sorrisos, respeito e aten­ção. Ela mal arriscou olhá-lo até ele começar a apon­tar para algumas roupas que pensava que ficariam bem nela.

— Vamos experimentar isso, e aquilo — dizia Alex para a vendedora.

De repente, Cara começou a sorrir também. Era muito difícil escolher de acordo com a etiqueta. E confuso também. Quando disse que não seria capaz de escolher um traje da pilha que Alex lhe mostrava, ele concordou, ela estava certa. Então, teria que dei­xar que ele decidisse.

Alex não disse "Tudo bem para você"? ou até mesmo "O que isso lhe parece"? Ele apenas presu­miu que podia lhe dizer como as coisas seriam e ela aceitaria. O mais espantoso é que Alex estava certo. Ele não era um homem com o qual uma mulher discu­tiria, não se o amasse...

— Em que está pensando? — indagou Alex. Cara enrubesceu e respondeu que não estava pensando em nada em particular.

— Mentirosa — rebateu ele, sussurrando ao seu ouvido que encontraria um modo de forçá-la a dizer a verdade quando os dois estivessem sozinhos.

As compras terminaram. Sapatos, bolsas, vestidos, calças, blusas... Cara experimentara tudo até que, por fim, na última loja, Alex concordou que levassem um short branco espetacular, uma blusa branca de seda e sandálias de couro. Então, pediu que vestisse aquela roupa e abandonasse o moletom.

— A senhorita vai usar essas coisas — disse Alex à vendedora.

Será que o short era apropriado para aquele restau­rante romântico na praia? Certamente, deveria ser, ou Alex não os teria escolhido.

Cara ia em direção ao provador, mas voltou. Alex ergueu as sobrancelhas.

— Roupa íntima — murmurou.

Depois, Cara foi até a vendedora. E, um pouco en­vergonhada, a jovem sussurrou:

— Preciso de um sutiã e de uma calcinha.

— Não precisa — interrompeu Alex, com uma voz tão rouca que Cara teve vontade de arrastá-lo para dentro do provador.

— Tudo bem. Já pedi à vendedora para providen­ciar.

0 "providenciar" significou um sutiã de renda e uma calcinha combinando. Cara os vestiu e depois imaginou Alex despindo-a, mais tarde. Sim, aquilo era um sonho que ela queria que não acabasse.

A cafeteria onde almoçaram tinha vista para a praia. As ondas estavam altas. Alguém na outra mesa avistara golfinhos e chamou atenção para a cena. De­pois de verem os animais nadando, Cara balançou a cabeça, zombando e acusando Alex de ter arranjado a exibição.

— Eu teria feito isso se pudesse, só para vê-la rir dessa forma — comentou ele, sorrindo.

Era verdade. Teria feito qualquer coisa para asse­gurar-lhe aquela expressão. Alex adorava a risada de Cara, os sorrisos, a forma como suspirava de prazer.

Também gostara do jeito como Cara olhava cada vez que ele apontava para algo naquelas lojas e acres­centava à pilha do que queria que ela usasse. Cara pa­recia uma menina, de olhos arregalados, na Terra dos Brinquedos.

Até mesmo Alex — que jamais fizera compras com uma mulher — podia dizer que ninguém dera a ela tantos presentes extravagantes. Por certo, Tony G teria feito isso, se Cara tivesse sido amante do mafioso... Ora, de onde viera aquele pensamento? Ela lhe dissera que não tivera nenhum envolvimento com Gennaro e ele acreditara.

Como Alex podia ter tido tal sorte? Concordara em fazer um trabalho que não queria, para um serviço secreto do qual não gostava e cujo diretor despreza­va. Entretanto, como era possível que isso tivesse lhe trazido tanta alegria?

— Gostaria de sobremesa? — indagou o garçom. A sobremesa que Alex queria estava sentada à frente dele. Porém, o rapaz imaginou que não seria uma boa idéia dar essa resposta.

— Sim. Cara?

Ela escolheu uma sobremesa do cardápio, mas apenas se Alex dividisse a guloseima com ela. E ele concordara. Dividir o que tinha em mente parecia perfeito.

O garçom trouxe um café e uma torta de chocolate que eram uma obra de arte.

— Absolutamente deliciosa — concordou Alex, com os olhos fixos nela.

Quando deixaram a cafeteria, Cara tirou as sandá­lias, Alex tirou os sapatos mocassim e caminharam ao longo da praia, de mãos dadas, apenas aproveitan­do o momento de estarem juntos. No meio da tarde, quando Cara desanimou um pouco, ele colocou um dos braços ao redor da cintura dela.

— Vamos voltar para o barco e dormir um pouco antes da ceia.

Entretanto, uma vez no barco, escondidos do mun­do, Alex disse:

— Quero fazer amor com você.

— Sim — concordou Cara.

Os dois se despiram e se amaram devagar, os cor­pos se fundindo. Então, adormeceram nos braços um do outro.

 

O short, as sandálias e uma camiseta incrivelmente caros não eram o que se usava para ir a um restauran­te romântico. Enquanto ela tomava banho, Alex foi até o deque. Quando Cara entrou na cabine, encon­trou diversas caixas. Todas as etiquetas vistas naque­la manhã estavam ali.

— O que significa tudo isso? — indagou Cara, fi­tando o ex-agente.

— Melhor abrir e ver — sugeriu Alex, inocente.

As caixas continham tudo o que Cara experimen­tara: roupas, sapatos., lingerie. Havia inclusive coisas que ela não experimentara nem vira. Um belo colar dourado com um diamante no centro. Pequenas argo­las com diamantes.

Desnorteada, perguntou:

— Como todas as vendedoras pensaram que você queria tudo isso?

— Porque eu lhes disse que queria. Você ficou lin­da em tudo, doçura. Como eu poderia ter escolhido apenas uma peça?

Cara o fitava, os olhos bem abertos.

— Alex, não posso deixar que faça isso.

— Por que não?

— Porque é muita coisa. E muito caro. Muito...

Alex a beijou devagar e com carinho.

— Shh. Quero fazer isso. Além do mais, aqueles lugares não aceitam devolução — brincou.

— Aceitam sim.

— Bem, não deveriam. Por favor, querida, faça isso por mim. Vou ficar tão feliz...

— É uma tentativa patética de chantagem, Alexander — comentou Cara, porém sorrindo e beijando-o.

 

Alex estava certo. O restaurante era romântico. A mesa à luz de velas, em um deque de frente para o mar, era perfeita. A comida era incomparável, assim como o vinho, embora Cara não prestasse atenção ao que comiam ou bebiam.

Só tinha olhos para Alex, trajando calça de linho na cor creme e uma camisa preta de mangas compri­das. Ele, por sua vez, também não deixou de fitá-la.

Um trio tocava uma música suave, romântica. A pista de dança era pequena, mas grande o suficiente para os enamorados ficarem nos braços um do outro.

O casal velejou de volta para casa sob um céu es­trelado. Alex conduzia o barco com velocidade. De braços dados, os dois caminharam até a casa. E, na varanda, compartilharam um beijo demorado. Então, Alex a carregou no colo para dentro da casa silencio­sa, subindo as escadas que levavam ao quarto.

Alex a despiu devagar e a beijou, inclusive, inti­mamente. Cara acariciava-lhe o cabelo e soluçava. Alex voltou a pegá-la ao colo e a carregou até a cama. Deitou-a e despiu-se. Cara o acariciou e o beijou inti­mamente também. Alex deitou-se ao lado dela. En­tão, mais uma vez os dois corpos pareciam um só.

— Alex... — sussurrou Cara.

Ele a beijou, conduzindo-a ao êxtase e a manteve assim até que ela implorasse para que parasse. Quan­do aquele momento acabou, Alex soube que encon­trara a única coisa que sempre quisera: a mulher que o completava. E também soube naquele instante que nunca a deixaria ir embora.

 

                                 CAPÍTULO DEZ

As sombras no teto eram tão delicadas quanto renda.

Alex permaneceu deitado observando-as, com Cara adormecida em seus braços. Ele sorria ao pensar no dia dos dois em Miami Beach. Tudo fora perfeito, desde o encantamento da jovem durante a farra das compras até o momento em que fizeram amor, no fim da tarde. E, à noite, o jantar e a dança no restaurante à beira da praia. Depois, a viagem de barco de volta para casa sob um céu estrelado...

Perfeito, Alex voltou a pensar, beijando-lhe o ca­belo. Então, o sorriso dele esmaeceu. Aquele dia o lembrara de que havia um mundo além da ilha considerada um santuário. E, um dia, ambos teriam que re­tornar à realidade.

Alexander não se esquecera daquele mundo ou da razão pela qual os dois estavam se escondendo dele. Toda noite, antes de irem para a cama, conferia o sis­tema de segurança, as trancas nas portas e janelas. Ele avisara John sobre a possibilidade de haver pro­blemas, e o ex-soldado das Forças Especiais estava em alerta.

Não que tivesse motivo para esperar que teriam al­gum problema enquanto estivessem na Isla de Pal­mas. Ninguém sabia sobre esse lugar e ele se certifi­cara de que ninguém os pudesse seguir desde Nova York. O piloto registrara um plano de vôo diferente do usual. Ainda assim, apenas um tolo se daria por satisfeito. Complacência levava ao descuido, que conduzia ao perigo.

Alex manteve Cara bem perto dele. Se alguma coi­sa acontecesse a ela... Não aconteceria. Não enquanto estivessem ali. Era o que podia esperá-los em Nova York que o preocupava. A tentativa de golpe naquela noite, no apartamento dela, teve todo o jeito de que Anthony Gennaro não havia desistido de procurar Cara.

E se Alexander não estivesse ali? Fora questão de sorte estar no apartamento de Cara naquele minuto. E não importava a convicção dela de que Gennaro não iria querê-la morta. Aquela tentativa de golpe prova­ra o contrário.

Provavelmente, era hora de ligar para Shaw e des­cobrir quais os planos para proteger o retorno de Cara. O diretor do Serviço Secreto devia estar tentan­do telefonar-lhe, deixando recados no celular.

— Onde você está? Responda. Você se esqueceu de que está trabalhando para mim? — perguntara Shaw na última mensagem.

"Mas não estou trabalhando para você", disse Alex a si mesmo, com frieza. O que Shaw podia fa­zer? Demiti-lo de um emprego do qual saíra anos atrás? Nunca mais falara com o diretor desde a noite em que tirara Cara de Nova York. E, então, deixara apenas uma mensagem no telefone de Shaw. Tenho a encomenda, dissera, e estou levando-a para um lugar seguro.

Alex sabia que era hora de outro telefonema. Não porque Shaw merecia. Ele não se importava com isso. O que contava era que, ao checar, teria as infor­mações das quais precisava para manter Cara em se­gurança.

Será que Anthony Gennaro recuara, depois que os dois capangas caíram? Ou será que o mafioso ainda procurava Cara? Quando era o julgamento? Quais os planos de segurança traçados pelos federais?

Em seu íntimo, Alex sabia que, quaisquer que fos­sem os planos, não seriam suficientes. Ele precisava de outros adicionais. Proteger alguém valioso não era a mesma coisa que proteger a mulher de quem se gos­tava e com quem se preocupava.

E, no meio de tudo isso, estava a única pergunta que não desaparecia. Por que Anthony Gennaro que­ria Cara morta? Ela dissera que não sabia nada sobre o mafioso ou a organização. Essa era a verdade, não?

Alex tirou um dos braços que estava embaixo dos ombros de Cara. Ela murmurou algo e ele beijou-lhe a testa. Depois, levantou-se da cama. Vestindo jeans e uma camiseta, desceu até o escritório, acen­deu a lareira, serviu-se de um pouco de conhaque e sentou-se.

Sabia muito bem que a sua relutância em falar com Shaw não tinha nada a ver com o fato de não gostar do diretor e sim com o que sentia por Cara. Alex não queria levá-la para Nova York um segundo antes do necessário. Não queria levá-la de volta para a realida­de e o perigo, levá-la embora do mundo particular que criaram.

Ele bebeu um gole de conhaque. Eram quase três da manhã. Essas sempre tinham sido as piores horas da noite para ele, nas Forças Armadas e no Serviço Secreto. Tudo o que era ruim parecia ganhar vida nesse horário.

Tomou outro gole de conhaque, pegou o controle remoto e ligou a tevê. Sem acionar o som, passeou pelos canais. Hesitou. Então, deixou de lado o con­trole remoto, tirou o celular que estava no bolso dos jeans e checou as mensagens. Havia telefonemas dos irmãos.

Ei, ainda pegando muito sol? Cam perguntara. A mensagem de Matt, idêntica. Alex sorriu e recuperou as mensagens seguintes. Três delas, todas de Shaw. As duas primeiras eram o que ele esperava. Onde você está? Por que não liga? Droga... Mas a terceira chamou-lhe a atenção. Me ligue, o mais rápido possí­vel. Sinal Vermelho.

Uma descarga de adrenalina percorreu a corrente sanguínea de Alex. Ele ligou para o número particu­lar de Shaw. O diretor atendeu ao segundo toque.

— Knight?

— Shaw. O que quer?

— Já era hora de ligar. Que diabos está fazendo? Brincando de Guarda Solitário?

— Vá direto ao assunto. Por que Sinal Vermelho?

— Ainda tem a encomenda?

— Sim. Responda à minha pergunta. Por que Sinal Vermelho?

— A encomenda foi rastreada na Flórida.

— Como...?

— Não encontraram a localização exata, mas estão na mira.

— Vou levar a encomenda para...

— Não faça isso! Não sei quem são, ou a exata lo­calização deles. Mudar a encomenda de lugar seria um erro.

— Tudo bem. Só não consigo entender como rastrearam a encomenda na Flórida.

— Talvez o oficial no aeroporto.

— É confiável.

— Ele também está desaparecido. Ninguém o vê há quase uma semana. Então, pensei em um plano.

— Qual?

— Me dê sua localização. Pego um avião e levarei ajuda.

— Não, os federais...

— Não são os federais. Pessoal do Serviço Secre­to. Homens nos quais podemos confiar para fazer o trabalho sem ramificações.

Em outras palavras, homens que acreditavam na causa traçada pelo Serviço Secreto e que fariam o que lhes fosse dito. Homens como Alexander Knight ti­nha sido.

— Alex?

Ele virou-se. Cara estava em pé, à porta, enrolada no roupão dele. Ela parecia pequena. E o coração de Alex bateu forte só em pensar no quanto ela se torna­ra preciosa. Então estendeu-lhe um dos braços e ela se aninhou nele.

— Estamos em uma ilha. Um lugar chamado Isla de Palmas — avisou Alex a Shaw.

— Isla de Palmas. Nome do hotel?

— É uma ilha particular. Não está nos arquivos dos seus computadores. Me certifiquei disso.

-— Pista de pouso? Facilidades no cais? Que tipo de segurança você tem?

— Há uma pista de pouso. Não há cais, mas há uma enseada protegida na costa oeste da ilha. Uma embarcação pequena pode entrar sem problemas. A segurança é padrão. Diga aos seus homens para me telefonarem quando estiverem a uns 160 quilômetros daqui e eu desativo o sistema.

— Não é bom. Muito em cima. Faça isso assim que terminarmos o telefonema.

— Sim. Tudo bem.

— Você tem armas? Alguém para ajudá-lo?

— Não — mentira. Era como se as armas que pen­durara em uma parede de segurança, quando com­prara a ilha, não existissem. E como se um homem que lhe devia a vida não morasse em uma cabana ali perto.

— Nesse caso, proteja a encomenda da melhor for­ma que puder, até que eu chegue para ajudá-lo. Pro­vavelmente, no meio da manhã.

A ligação caiu. Alex desligou o telefone.

— Qual o problema? — questionou Cara.

— Nada. — Por que preocupá-la antes do tempo? Não havia motivo para pensar que os homens de Gennaro tivessem localizado com precisão o esconderijo deles. E a cavalaria não chegaria para resgatá-la, pelo menos, nas próximas quatro ou cinco horas. Alex for­çou um sorriso e a pegou nos braços, perguntando:

— Por que não está na cama?

— Não me trate como se eu fosse uma criança. Quem era ao telefone?

— O diretor do Serviço Secreto para o qual eu tra­balhava. Ele acha que os homens de Gennaro estão na Flórida, nos procurando.

— Mas por quê? Ainda não entendo. Não há moti­vo para que Gennaro queira me machucar.

— Talvez, devesse ter feito essa pergunta aos dois sujeitos que tentaram pegá-la naquela noite em Nova York.

A jovem ficou pálida. Alex praguejou a si mesmo por parecer tão frio. Mas como Cara podia continuar defendendo Tony G?

— Doçura, me desculpe. Não deveria ter dito isso. Sei que você pensa que o homem tem coração, mas... O quê?

Cara estava com o olhar vidrado na tevê e disse:

— Aquele homem!

Alex olhou para a televisão. O que era aquilo? Um repórter humorístico estava entrevistando Shaw. Um Shaw mais jovem, mas era ele mesmo.

— Shaw? — estranhou Alex, pegando o controle remoto e aumentando o volume da tevê.

O noticiário estava preenchendo aquelas horas va­gas da noite com material antigo. Era uma matéria sobre a burocracia do trabalho governamental, de onde Shaw viera. O atual diretor tinha sido funcioná­rio do Departamento de Defesa.

— Doçura? Qual o problema? — indagou Alex ao ver Cara fitando a tela da televisão.

— Nada. Apenas... Já o vi antes. Na verdade, o en­contrei.

— Onde?

— Na casa de Gennaro.

— Esse homem? Na casa de Gennaro?

— Sim. Uma vez, tarde da noite. Eu não conseguia dormir, então deixei meus aposentos e desci para pe­gar um livro na biblioteca. E ele estava lá com Gennaro.

— Tem certeza?

— Os dois pararam de conversar assim que me vi­ram. Gennaro o apresentou a mim como sendo o se­nhor Black, e disse que tinham assuntos a discutir. Então, fechou a porta do escritório. Mas sei que é o mesmo homem. Por quê? Quem é ele?

Alex não respondeu. As coisas estavam se encai­xando a uma velocidade assustadora. Shaw, chaman­do um agente externo — ele — para fazer um traba­lho que era da alçada do FBI. Um policial desapare­cido, o mesmo que colaborara para que um jatinho saísse do aeroporto Kennedy com um casal na mesma noite em que Cara sumira. Exceto que ele não comen­tara com ninguém o encontro com o policial no aero­porto. E não mencionara nada a Shaw.

— Cara, me escute...

— O que está acontecendo? Você está me assus­tando!

— É possível que tenhamos visitas.

— Quem?

— Homens de Gennaro. — A moça começou a ba­lançar a cabeça e Alex pensou "E se ela estiver certa? E se não forem os homens de Gennaro que estão que­rendo matá-la? E se..."

— Quando o FBI a entrevistou... Você se lembra dos nomes dos agentes?

— Giacometti e Goldberg.

— Boa menina.

— Disseram ser do escritório de Newark. Lembro que fiquei pensando no quanto eu sabia pouco sobre a forma do governo operar, porque pensei que eram de Nova York, ou talvez da capital federal.

Alex a beijou. Então, cruzou o escritório, desviou um quadro pendurado na parede, abriu o cofre e tirou diversas armas escondidas ali. Quando terminou, chamou a si mesmo de paranóico.

— Vamos precisar de armas?

— Se eu estiver certo com relação ao que está acontecendo... Sim, querida, vamos. Alguma vez usou uma arma?

— Nunca.

Alex pensou em lhe dar uma rápida aula sobre ar­mas de fogo. Porém, decidiu que havia necessidades mais imediatas. John, por exemplo. Um rápido tele­fonema. Uma explicação concisa. Um ex-soldado das Forças Especiais não precisava mais do que isso.

— Estou a caminho — disse John.

Alex recolocou o fone no gancho. Cara estava pá­lida. Porém, o queixo se encontrava erguido. Isso de­monstrava preparo para enfrentar a situação.

— Cara. — Ela foi ao encontro dele no meio do es­critório. Alex a tomou nos braços e a beijou. Não queria deixá-la ir embora, mas sabia que tinha que fa­zer isso.

— Tudo vai ficar bem, querida — sussurrou ele. E pedia a Deus que estivesse certo.

 

Alex se trocou, vestindo a mesma roupa preta — jeans e camiseta — que usara na noite em que invadi­ra o apartamento da moça, em Manhattan. Cara vestia jeans, tênis e uma camiseta escura. Depois, Alex li­gou para Matthew.

— Sou eu. Estou com problemas.

O irmão ficou em alerta. Alex contou apenas os detalhes mais importantes. Então, deu a Matt os no­mes e as sedes dos escritórios dos agentes do FBI que interrogaram Cara.

Matt ligou de volta em menos de dez minutos. O FBI investigava Anthony Gennaro. Entretanto, Gia­cometti e Goldberg não eram agentes. As identidades eram falsas.

— Liguei para Cam e estamos indo aí — disse Matt.

— Ouça, caso as coisas tenham terminado quando vocês chegarem aqui...

— Vamos tomar conta de Shaw.

A resolução fria de Matthew fez com que Alex sorrisse e comentasse:

— Sei que vão.

O irmão fez uma pausa. Havia mais coisa a dizer, mas não era fácil.

— Vocês sabem o quanto significam para mim. E nosso pai. Diga a ele...

Você mesmo dirá a Avery — retrucou Matthew.

— Sim, certo — pigarreou, encerrando o telefonema.

A seguir, não houve nada a fazer a não ser desligar os alarmes, apagar as luzes e esperar. John já estava na casa, agachado atrás de uma grande cadeira no vestíbulo, uma pistola em uma das mãos.

Alex deu a Cara uma rápida aula com uma arma pequena.

— Você segura a arma com as duas mãos, mira na parte maior do alvo, inspira e solta o ar devagar en­quanto puxa o gatilho para trás. Acha que pode fazer isso? — perguntou.

— Posso fazer qualquer coisa que tenha que fazer.

A voz dela estava trêmula, mas as mãos demons­travam firmeza. E, ao beijá-la, Alex fez uma prece em silêncio para que aquilo não fosse preciso. Ele queria que Cara ficasse trancada no quarto, mas ela se recusou.

— Não vou me separar de você.

Alexander considerou carregá-la até o quarto e trancar a porta para mantê-la lá. Porém, o modo como ela o olhou, a forma como dissera o nome dele, de­monstraram que compreendia os riscos e fizera a pró­pria escolha: a de estar com ele.

— Sim -— disse Alex, porque não confiava em si mesmo para dizer algo mais. Em vez disso, a puxou para perto.

Ele sabia que Cara estaria melhor com ele porque se a pessoa que estivesse vindo atrás de ambos passasse por John e por ele, Alex esperava ter força para usar a última bala com Cara. Seria um fim mais acei­tável do que outro que ela enfrentaria. Entretanto, se alguém tivesse que cometer algum ato de violência aquela noite, Alexander Knight esperava que fosse apenas ele.

Quando todos estavam prontos, se posicionou atrás de uma mesa no corredor, no alto das escadas. O tempo passava.

— Tem certeza de que virão? — sussurrou Cara.

Alex tinha certeza. Quatro ou cinco horas, dissera Shaw, mas também avisara que os homens que iriam já estavam na Flórida. Se tivesse imaginado certo, as quatro ou cinco horas eram para acalmá-lo em uma falsa sensação de segurança. O ataque em si aconte­ceria... Já!

A porta da frente se abriu. Só uma fresta, mas era o suficiente. Os primeiros raios do amanhecer já en­travam por essa fenda. Três sombras de pessoas aga­chadas surgiram no vestíbulo. Giacometti e Goldberg, provavelmente, mais um reserva. Havia outros homens do lado de fora da casa. Vieram de barco ou Alex teria ouvido o motor do avião.

Ele esperou, assim como sabia que John estava es­perando. Planejaram com o máximo de cuidado, con­siderando que não soubessem que o inimigo atacaria. Em silêncio, Alex começou a contagem regressiva. Dez. Nove. Oito. Sete. Seis...

— Joguem as armas no chão — gritou Alexander Knight, acendendo a lanterna. E, assim que John disparou na direção da parede acima das cabeças dos in­trusos, ele correu rumo ao lado oposto da mesa, na es­perança de confundir a mira dos três.

Os invasores se espalharam e abriram fogo. Não há escolha quando alguém atira na sua direção. Você atira de volta ou morre. John e Alex sabiam disso. John voltou a atirar assim como Alex. Em um instan­te, tudo acabara. Três corpos estendidos no chão do vestíbulo.

— Oh, Deus, Alex...

— Fique onde está, Cara.

— Mas...

— Fique lá. John?

— Sim. Estou bem. E você?

— Bem. — Alex acendeu a lanterna de novo e ilu­minou os corpos perto da porta.

— Vou checar lá fora — avisou John.

Alex acenou positivamente com a cabeça. E, com um dos pés, virou os corpos:

— Giacometti — uma voz trêmula sussurrou atrás dele.

— Cara. Eu disse para ficar...

— O outro é Goldberg.

Os falsos agentes do FBI. Eram também os dois homens que Alex encontrara na noite em que invadi­ra o apartamento de Cara em Manhattan.

— Não reconheço o terceiro homem.

— Mas eu sim. É Shaw.

O diretor gemeu e abriu os olhos ao som do pró­prio nome. Alex se abaixou e perguntou:

— Por quê?

— Porque ela me viu na casa do velho Gennaro. Eu deveria saber que não poderia usá-lo...

— E esses homens? Trabalham para Tony G?

— Gennaro não está envolvido nisso.

— Mas você e Gennaro tinham algum envolvi­mento. Qual era?

— Vá para o inferno! — respondeu Shaw, ofegan­te, e morreu.

Alex o olhou por um longo momento. Então, le­vantou-se, guardou a arma na parte detrás dos jeans, pegou o celular e discou um número que há muito tempo não usava. O homem para quem trabalhara an­tes, o antigo diretor do Serviço Secreto, atendeu ao primeiro toque.

— Quem fala é Alexander Knight. Estou em uma ilha na costa da Flórida, um lugar chamado Isla de Palmas. Precisa vir aqui pessoalmente o mais rápido possível. Traga uma equipe de limpeza... E o pessoal do Departamento de Justiça.

O antigo diretor não fez nenhuma pergunta, ape­nas falou:

— Estaremos aí.

Alex deixou o telefone de lado, assim que John voltou.

— Encontrei o barco deles, encalhado na enseada. — John olhou os corpos no chão e disse:

— Há apenas esses três. Ninguém mais.

— A ajuda está a caminho. John, obrigado.

— De nada. Você salvou minha vida há muito tempo. Estou feliz em retribuir o favor.

— A senhorita e eu vamos sair e dar uma caminha­da. Tudo bem?

— Certamente.

Cara estava pálida. Alex manteve um dos braços ao redor de sua cintura enquanto caminhavam pela areia. O sol estava nascendo acima do oceano.

— Acabou tudo, doçura.

— Não entendo. Por que aqueles homens...?

— Realmente, o FBI está investigando Gennaro, mas os homens que se aproximaram de você não eram agentes. Os dois prestavam serviços para Shaw, que era o diretor da organização para a qual eu trabalhava.

— Mas eu o vi na casa de Gennaro.

— Isso mesmo. Shaw e Gennaro tinham alguma transação. Shaw estava com medo de que você dis­sesse alguma coisa sobre ele.

— Mas eu não sabia quem ele era.

— Acho que Shaw não queria arriscar. — Alex a puxou para perto e acrescentou:

— Meus irmãos e eu vamos a fundo nessa história, prometo. Você estava certa. O velho Gennaro não es­tava tentando machucá-la, mas ele não era o melhor dos homens, querida. Lamento.

— Já sabia disso. Só queria que acreditasse em mim quando lhe disse que não era...

Alex a silenciou com um beijo e disse:

— Acredito em você. O importante é que tudo aca­bou.

Alex estava errado. Cara sabia. Agora, pensou, devo contar-lhe... Porém, ele a olhava diferente: não com desejo, mas com ternura.

— Cara, meus irmãos logo estarão aqui. Podemos mandá-la de volta para Nova York ou...

— Ou?

— Ou você vem comigo para Dálias.

Cara não respondeu. Alex não podia culpá-la. Não planejara o que acabara de dizer, mas o pensamento de não estar com aquela mulher, de deixá-la ir embo­ra... Ele respirou fundo e continuou:

— Quer dizer, se você quiser ficar comigo, claro.

O sorriso de Cara brilhava tanto quanto os raios de sol. Na ponta dos pés, ela colocou as mãos no rosto dele e respondeu:

— Oh, Alexander, sim...

Ele a beijou e a deitou na areia. E, com o próprio corpo, disse o que ainda não estava pronto para lhe dizer, ou talvez a si mesmo, com palavras. Alexander Knight estava apaixonado por Cara Prescott.

 

                                 CAPÍTULO ONZE

Era surpreendente como viver com uma mulher po­dia mudar a vida de um homem.

Alex não era ingênuo! Imaginava que surgiriam diferenças. Certamente, a terrível palavra que come­çava com a letra C: compromisso. Ele a evitou por anos. E ainda não se curvara a essa palavrinha.

Viver com uma mulher não era o tipo de compro­misso que os irmãos assumiam. Alex estava bem lon­ge desse passo. Estar com Cara noites e fins de sema­na, saber que ela estaria lá quando voltasse para casa ao final do dia, adormecer com ela nos braços... Isso era suficiente por ora.

Mas acontece que outras coisas mudavam quando se chamava uma mulher para viver consigo. Entre­tanto, Alexander Knight não sabia quais eram quan­do fez o convite.

Mas, naquele instante, soube. Os dois estavam to­mando café-da-manhã. Era domingo. Já era tarde. Ambos gostavam de ficar na cama e de fazer amor. Essa era sempre a melhor forma de começar o dia.

Os jornais estavam espalhados ao redor deles. Cara lia, no New York Times, uma coluna que dizia que não poderia ficar sem ler. Já Alex lia a seção lo­cal de esportes. Ele sorria ao pensar na lista de mu­danças que uma mulher era capaz de promover na vida de um homem.

As mulheres eram engraçadas com relação às pe­quenas coisas. Não entendiam que a sobra de pizza, principalmente se era de calabresa com queijo, era um deleite gastronômico e podia inclusive ser degus­tada fria.

Havia a questão dos assentos sanitários. Elas fica­vam chateadas se os homens os deixavam levantados. E os tubos de pasta de dentes. Era preciso apertá-los desde a ponta.

Quando mencionou a questão do vaso sanitário e da pasta de dentes aos irmãos, imaginando que os dois iriam rir, ambos se entreolharam. Então, disse­ram que existiam certas questões que os homens não compreendiam.

Matt e Cam admitiram ter conversado sobre isso antes. Pior, parecia que a esposa de Cam, Leanna, e a esposa de Matt, Mia, tinham se juntado a Cara fazen­do observações sobre os bárbaros hábitos domésticos dos irmãos Knight.

Alex gemeu de agonia ao descobrir isso. Uma ago­nia falsa. A verdade era que estava excitado com o fato de Cara ter se adaptado tão bem à sua família. Os irmãos disseram que a moça era maravilhosa, as cu­nhadas a adoraram e o pai foi facilmente influenciado pela nova nora.

E Alexander Knight nunca tinha sido tão feliz. Adorava acordar com Cara nos braços e de adorme­cer com ela deitada com a cabeça em um dos ombros dele. Gostava de levá-la a restaurantes. Também a le­vou a um jogo de futebol americano, a um show de rock e ao balé para ver a cunhada Leanna dançar.

Alex gostava da presença de Cara, gostava de estar com ela, tê-la nos braços...

E adorava fazer amor com ela. Bem devagar, tão devagar que quase matava ambos, fazendo com que cada carícia, cada beijo durasse uma eternidade. Ou rápido, pulando as preliminares, porque estavam tão eufóricos que era impossível chegar até o quarto e ti­rar as roupas. Juntos, despiam-se e, então, como sem­pre, os dois corpos se tornavam um só. Alex a tomava encostada à parede, na bancada da cozinha e, numa noite memorável, no carro, onde os assentos baixos e o console fizeram a paixão se mesclar a uma risada suave.

Jamais quisera uma mulher como desejava Cara. Não apenas sexualmente, mas na vida dele. Vestida, bem arrumada, pronta para sair e tão magnífica que deixava outros homens boquiabertos. Ou da forma como ela estava naquele momento, com calças de moletom largas e o cabelo preso, sem maquiagem...

Alex piscou. Cara o fitava em meio ao mar de jor­nais, xícaras de café e rosquinhas.

— Huh?

— Você estava me olhando.

— Isso é contra a lei?

— Sabe o quero dizer. Sua fisionomia estava es­tranha.

— Eu? Acho que é porque estava pensando no quanto é bom ter você aqui.

— É?

— Sabe que é, doçura. E você? Está feliz?

Feliz? Cara quase riu. A palavra era imprópria para o momento. Feliz nem chegava perto do que ela sentia.

Cara se preocupou um pouco depois de dizer que aceitava viver com ele. Desejava isso, queria estar com Alex mais do que respirar. Porém, será que acei­tara rápido demais? Alexander Knight tinha irmãos, pai, amigos que o conheciam há uma eternidade. Será que gostariam dela? Será que se adaptaria?

No último dia na ilha, os irmãos saíram do avião e o abraçaram com amor. Depois, fitaram-na, mil per­guntas nos olhos que, de repente, deixaram de sorrir.

O coração de Cara acelerou. Então, Alex aproxi­mou-se dela e a puxou para perto, apresentando-a:

— Esta é Cara.

Cinco minutos depois, parecia que conhecia Cam e Matt a vida toda. Cara tivera a mesma sensação quando conheceu as esposas dos dois. Com relação ao patriarca do clã Knight, Alex a avisara que Avery poderia ser um pouco difícil. Entretanto, até o sogro, uma versão mais velha dos filhos, a recebera de bra­ços abertos.

— Cara, encantado em conhecê-la — disse Avery. Então, olhou para Alex e sorriu ao perguntar:

— Não está feliz por seguir meu conselho, filho?

— Seu conselho? — retrucou Alex, perplexo.

— Sobre não se esquecer da promessa feita ao Ser­viço Secreto. Se tivesse se esquecido, nunca teria co­nhecido essa mulher adorável.

— Está sugerindo que teve alguma coisa a ver com isso, pai? Que a nossa conversa sobre fazer a coisa certa era a tarefa que me deu?

— Eu disse isso? — perguntou Avery com uma inocência memorável.

Pai e filho sorriram. Então, Alex pigarreou e disse:

— Acho que devo tê-lo subestimado...

A conversa, a forma como sorriam, tudo isso fez com que Cara sentisse um nó na garganta. Se ao me­nos tivesse tido um relacionamento como esse com o próprio pai... Nem sabia quem era, até poucos meses. Durante toda a vida, ela se perguntara sobre o homem que se casara com a mãe. O homem que morrera, se­gundo a mãe dissera, quando Cara ainda era bem pe­quena.

Depois, soube da verdade. Odiou a mãe por ter mentido. Odiou o homem que se passara por pai dela. Cara estava certa de que suas reações eram as únicas possíveis...

Até ver Alex e o pai dele juntos, e viu anos de hos­tilidade e desentendimentos serem colocados de lado em um rápido momento de afeição. Talvez, Cara es­tivesse errada. Talvez...

— Doçura?

Cara olhou para Alex. A expressão dele era a de um homem esperando notícias ruins e ela percebeu que longos momentos se passaram desde que ele lhe fizera aquela pergunta simples, mas complexa. Ela estava feliz?

— Oh, sim. Estou muito feliz.

"Vou lhe contar a verdade agora", Cara pensou.

— Alex? Tenho que lhe contar uma coisa sobre...

— Quero que desista daquele apartamento na cos­ta leste e se mude para cá — disse Alex, apressando as palavras de forma a indicar que as contivera por um bom tempo. Depois, abaixou-se em direção à Cara, os maravilhosos olhos verdes presos aos dela e acrescentou:

— Quero saber que você é realmente minha, que­rida. E que eu sou seu. Tudo bem?

— Tudo bem? Oh, sim...

Parecia que o peso do universo tinha saído dos om­bros dele. Segundos depois, os dois estavam nos bra­ços um do outro.

Era sexta-feira à noite, o dia em que os irmãos Knight se juntavam. Porém, Alex estava relutante.

— Não tenho que ir. Se quisesse que eu não fos­se...— dizia.

— Eles são seus irmãos. Vocês se encontram às sextas, à noite, desde que usavam fraldas!

Cara ficou na ponta dos pés e o beijou suavemente nos lábios, incentivando-o:

— Vá e divirta-se!

— Você tem certeza? Vai ficar bem sozinha? Por­que, juro, querida...

— Posso encontrar alguma coisa para me ocupar durante algumas horas.

— Sim, mas não tenho que...

— Sim, você tem.

— Mas...

— Tenho coisas a fazer — coisas femininas: mi­nhas unhas, meu cabelo.

Cara conduziu Alex até a porta e brincou:

— Não quer me ouvir gritar enquanto depilo mi­nhas pernas, quer?

— Deus, não. Mas...

— Vá. Dê lembranças aos seus irmãos por mim. Vou falar com Mia e Leanna, mas diga a Matthew e Cameron que todos virão jantar aqui na próxima sexta.

— Virão?

— Sim.

Alex a pegou nos braços e disse:

— Você é maravilhosa. Tenho lhe dito isso ultima­mente?

Os dois sorriram. Então, Alex a beijou.

— Estarei em casa por volta da meia-noite — sus­surrou.

— Meia-noite — sussurrou Cara, de volta. Um último beijo, e ela trancou a porta.

 

O bar estava lotado. Entretanto, os irmãos Knight conseguiram a mesa de sempre e fizeram os pedidos costumeiros: cerveja e hambúrgueres. Até alguns meses, a conversa dos três, nas noites de sexta-feira, centrava-se nos trabalhos que estavam desenvolven­do, e em mulheres.

Mas tudo mudara. Agora, os irmãos falavam sobre coisas que nunca imaginaram discutir. As casas que Cam e Matt estavam construindo nas montanhas, em terrenos vizinhos, de dez acres cada um. E o outro terreno, do mesmo tamanho, que, meses atrás, os ir­mãos perguntaram a Alex se estava interessado.

— Quem? Eu? — perguntou Alex.

Matt e Cam se entreolharam.

— Sim... Está pensando em comprar? — indagou Cam.

— Talvez. Quero dizer, vocês estão ocupados criando o complexo Knight. Não seria péssimo dei­xar um estranho ficar com o outro pedaço de terra?

Matt acenou positivamente com a cabeça e respon­deu:

— Sim, claro. Não estaria pensando em construir uma casa, estaria?

— Eu? Uma casa? Para quê? Estou feliz com a mi­nha aqui na cidade.

— Bem, eu também até me casar. Não demorou muito até que eu percebesse que Leanna e eu iríamos querer uma propriedade, uma casa. Crianças, depois de um tempo —explicou Cam, dando uma mordida no sanduíche.

— O mesmo aconteceu comigo — comentou Matt.

— Sei o que vocês dois estão pensando.

— E?

— E estão certos. Estou louco por Cara. Quero me casar com ela.

Matt pegou a carteira e tirou de lá vinte dólares, en­tregando-os a Cam, que guardou o dinheiro no bolso.

— Fizeram uma aposta? — indagou Alex, erguen­do as sobrancelhas.

— Matt disse que isso levaria um mês. Eu disse duas semanas — explicou Cam e abriu um largo sor­riso, dizendo:

— Eu ganhei. Então, quando é o grande evento?

Alex suspirou e explicou:

— Não sei. Eu não a pedi em casamento ainda.

— Ele ainda não a pediu em casamento — disse Cam.

Matt estendeu-lhe uma das mãos. Gam suspi­rou, pegou os vinte dólares que recebera e os devol­veu, falando:

— Bem, o que você está esperando? Vá para casa e faça isso.

— Sim. Mas e se ela disser...

— Ela não dirá. — sorriu Matt e deu um tapinha nas costas do irmão mais novo. Depois, acrescentou:

— Vimos o jeito como Cara olha para você. Ela o ama.

— Então, devo pedi-la em casamento? Assim, ir direto ao ponto?

— Sim, e agora enquanto tem coragem para fazer isso. Quando lembro do quanto eu estava assustado ao pedir Leanna... — admitiu Cam.

— Bem, tinha motivo para isso. Quero dizer, um cara feio como você... — comentou Matt.

— Feio? Você tem se visto no espelho ultimamen­te, mano?

— Sempre fui o que recebia todos os olhares...

Alex suspirou e levantou-se. Depois, pegou a cartei­ra e deixou algumas notas em cima da mesa, dizendo:

— Hoje é por minha conta. — Nem tinha certeza se os irmãos o ouviram, mas os dois tinham prestado atenção. Alex estava apenas na metade do caminho em direção à porta quando Matt o alcançou. Os dois irmãos lhe deram um beijo no rosto.

— Este cara vai se casar! — anunciou Cam.

As pessoas aplaudiram. Alex ficou corado. Nunca tinha sido fácil ser o mais novo dos Knight.

Alex voltou dirigindo para casa em tempo recorde. Já que decidira, queria ir direto ao ponto. O que o fi­zera demorar tanto? Ele se perguntava enquanto en­trava na garagem subterrânea do prédio. Conhecia Cara há algumas semanas. Sempre soubera disso, tal­vez desde que a tirara do chuveiro, nua, e a fizera en­trar na vida dele.

Ele sorria ao pegar o elevador rumo à cobertura. Cara o amava. Alex tinha certeza disso. A forma como ela o olhava, como suspirava quando os dois se beija­vam. Claro, a senhorita Prescott o amava e diria sim.

Mas Alex queria que aquele momento fosse ro­mântico, um momento do qual Cara sempre se lem­braria. Por que não pensara nisso antes? Por que não lhe comprara um anel? Por que, ao menos, não lhe comprara flores?

Já era tarde demais? Olhou o relógio: 20h30. As lojas ainda estavam abertas?

Alex diria a Cara para que se arrumasse. Só isso. Sem explicação. Então, a levaria para... Onde? Não ha­via uma loja Cartier na Galleria Mall? Uma Tiffany's? Ele a levaria a uma dessas lojas, pediria para ver anéis de diamantes, deixaria Cara escolher um. En­tão, se ajoelharia e a pediria em casamento.

Naquele instante, precisava surpreendê-la. Ela es­taria fazendo coisas de mulher: pintando as unhas ou depilando as pernas. Ela realmente depilava aquelas pernas maravilhosas?

Alex abriu a porta com cuidado. Atravessou o ves­tíbulo na ponta dos pés... Vozes vinham do gabinete de leitura. Ele franziu as sobrancelhas. Cara não co­nhecia ninguém em Dálias. Os irmãos? Mas ele aca­bara de os deixar. O pai? Mas Avery estava fora da cidade, a negócios. Então, quem?

Ele pensou em correr para protegê-la. Entretanto teve uma sensação estranha... As vozes estavam bai­xas: a de Cara e a de um homem.

Alex colocou as chaves em cima da mesa. Disse a si mesmo que era um dos amigos dele, que aparecera para uma visita... Apesar de que ninguém conhecido apareceria sem ligar antes.

Com cuidado, caminhou em direção ao gabinete de leitura, os passos amortecidos pelo carpete. Sim. Cara estava ali com um homem. O sujeito era de meia-idade, atarracado, cabelos negros, terno caro. Ainda assim, algo com relação àquele homem era ba­rato, como se um vidro inteiro de colônia cara tivesse sido despejado em cima de uma pilha de lixo.

— ... precisa de você, senhorita Prescott. Ele real­mente precisa muito de você — insistiu o homem de terno.

— Lamento. Diga a ele que não vou voltar.

— Não entende, senhorita. Ele disse que se você se importar com...

— Não vou voltar. Sei que isso o magoa, mas...

O homem de terno colocou uma das mãos em um dos bolsos. No corredor, Alex ficou nervoso, pronto para correr em direção a ele, mas o que o homem ti­rou do bolso não era uma arma. Era um colar de dia­mantes. Cara fitou a jóia.

— Ele lhe mandou isso.

— Não — sussurrou Cara, os olhos vidrados nos diamantes.

— Ele quer que fique com isso.

— Não — repetiu...

Mas Alex a viu esticar uma das mãos. Depois, a recolheu.

— O senhor Gennaro quer que fique com isso, mesmo que não vá ficar com ele.

— Oh, Deus. Por favor, isso não é justo! Ele sabe disso. Me tentar dessa forma... — disse Cara com lá­grimas nos olhos.

O homem lhe entregou o colar. Ela soluçou.

— O senhor Gennaro pediu para que pensasse so­bre o que esse colar significa para ele e para a senho­rita.

As mãos dela tremiam enquanto levava os diaman­tes de encontro ao peito. Cara curvou a cabeça. O ho­mem esperava...

Assim como Alex. Uma frieza, um silêncio mor­tal, pior do que a morte em si, se estabelecia, se plan­tava no sangue e no coração dele.

Por fim, Cara acenou com a cabeça e concordou emir:

— Tudo bem. Vou com você. Mas, primeiro, te­nho que escrever um bilhete.

Alex entrou no gabinete, dizendo:

— Não!

Cara virou-se em direção a ele, os olhos bem aber­tos devido ao choque.

— Sem bilhete, querida. Por que se preocupar? Não precisa perder tempo com um bilhete. Ouvi tudo.

— Alex! Tenho tanta coisa a lhe dizer. Tanta coisa que eu deveria ter dito...

— Esqueça — respondeu ele, ao passar por ela e ir em direção ao armário na parede, de onde tirou uma garrafa de conhaque e um copo. Então, serviu-se de uma boa dose.

— Não é preciso — completou Alex.

— Claro que é. Não sei o que ouviu, mas...

— Já disse, ouvi a conversa! — ele bebeu tudo, em um único gole.

— Anthony Gennaro a quer de volta e você está indo. Ei! Quem poderia culpá-la? Eu vi aquela bugi­ganga.

— Bugiganga?

— O colar. A prova da afeição dele. É um estímulo.

— Não é assim.

— Claro que é.

— Me ouça. Posso explicar...

— Não explique. Não diga nada. Basta de menti­ras.

— Por favor, Alexander...

— E não me chame assim! — Ele pegou um dos pulsos de Cara e puxou-lhe um dos braços para trás. Ela arfava e o homem de terno deu um passo à frente. Então, Alex avisou:

— Não interfira.

— Está tudo bem, Joseph. Verdade. Por favor, me espere no elevador — pediu Cara, a voz trêmula.

— Vou esperar do lado de fora da sala. Se precisar de mim, senhorita Prescott, basta chamar — a avisou o homem de terno, sem tirar os olhos dos de Alex.

Cara esperou até que o funcionário de Gennaro saísse do gabinete.

— Eu imploro. Se me deixasse...

— Deixasse o quê? Mentir? Me contar alguma his­tória triste sobre como você desejava que tudo fosse diferente? — Alex apertou-lhe uma das mãos com mais força. Ele sabia que a estava machucando, mas não se importava.

— Na verdade, você me fez um favor quando disse para que eu fosse me encontrar com os meus irmãos hoje à noite. Foi uma idéia maravilhosa. Isso nos deu a chance de termos uma longa conversa. Uma oportuni­dade para que eu voltasse ao meu juízo.

— Não faça isso — sussurrou Cara, os olhos cheios d'água.

— Fazer o quê? Dizer-lhe que acabou tudo entre nós? Dizer-lhe para arrumar suas coisas e voltar para o seu namorado? Eu ia esperar até domingo à noite. Por que não aproveitar o fim-de-semana? Você me poupou desse trabalho — comentou Alex, soltando-a e empurrando-a.

— Não está falando sério. Sei que não está.

— Está errada. Estou falando sério. Não me olhe assim. Você é boa na cama, sabe? O suficiente para ganhar uma passagem de avião para Dálias, algumas boas roupas...

Cara lhe deu um tapa no rosto. Alex quase revidou. Porém, não era adepto a bater em mulher, não impor­tavam as circunstâncias. Além disso, nem mesmo es­murrando a parede iria suavizar a dor que sentia no coração.

— Espero que queime no inferno, patife!

A voz da jovem estava baixa. Cara tremia e, tolo como era, Alex queria puxá-la para os braços dele e dizer-lhe... E dizer-lhe o quê? Ela não representava mais nada para Alex. Ele tinha sido tomado por ingênuo. Estava tudo acabado.

Alex viu Cara sair do gabinete e passar pelo ho­mem de terno que a esperava no corredor. Ele lançou-lhe um olhar que significa que, caso tivessem o pra­zer de se reencontrarem, as coisas não terminariam assim tão fáceis.

— Até qualquer hora — disse Alex.

O homem sorriu e apontou um dos dedos para ele, como se carregasse uma pistola. Em seguida, andou em direção ao elevador junto com Cara. E, num ins­tante, Cara Prescott estava fora da vida de Alexander Knight.

 

                                  CAPÍTULO DOZE

Havia um ano de diferença entre os três irmãos: Cam, Matt e Alex.

A mãe morrera quando os três ainda eram peque­nos. O pai se enterrara no trabalho e só lhes dava atenção quando se metiam em problemas.

Quando pequenos, testaram a sanidade e a paciên­cia de inúmeras babás e empregadas. Na adolescên­cia, policiais, professores e outras autoridades cons­tataram a imprudência dos irmãos Knight. Os três eram agressivos até se juntarem às Forças Especiais e, depois, ao Serviço Secreto.

As únicas coisas constantes durante todos esses anos eram o amor e o respeito que sentiam uns pelos outros. Quando meninos, compartilhavam os pensa­mentos mais profundos. Já adultos, confiavam, uns aos outros, as próprias vidas.

Tudo isso explicava o porquê de Cameron e Matthew estarem no bar predileto dos Knight, duas sextas-feiras depois, preparando o que nenhum dos dois poderia chamar de uma intervenção. Não eram adep­tos de termos da moda ou relacionados à psicologia. O que queriam era encontrar um jeito de recompor a vida de Alex. Se isso significava encurralar o irmão, segurá-lo, enquanto lhe diziam que estava desperdi­çando tempo, então, assim fariam.

— É uma intromissão. Temos que admitir — pon­derou Matt.

— Chame do que quiser. Não me importo. Temos que fazer alguma coisa — disse Cam, implacável.

— Sim, eu sei. Não podemos deixar que ele conti­nue como está.

Cam pediu mais duas cervejas.

— Não, não podemos. Alex está num estado lasti­mável! Não vai a lugar algum, exceto ao escritório. Você tenta conversar, ele diz, "sim", "não", e, em dias bons, "talvez".

Matt aguardava a garçonete servir as bebidas. En­tão, inclinou-se para a frente e comentou:

— Mesmo outro dia, quando lhe dissemos que descobrimos a relação entre Shaw e Gennaro... Shaw estava ligado àquele patife do contrabandista de dro­gas na Colômbia...

Os olhos de Matt ficaram sombrios. Ele desmasca­rara a transação poucos meses antes.

— E lhe contamos que Gennaro estava lavando di­nheiro para Shaw...

— Que Shaw fez com que Alex aceitasse esse tra­balho na esperança de que ele nos atrairia para essa história. Então, os homens de Shaw poderiam acabar conosco...

— Mesmo quando contamos a Alex tudo isso, ele mal reagiu — lembrou Cam.

— Mais, Shaw tentou matar Cara, mas parece que o nome dela sumiu do vocabulário de Alex.

— Leanna acha que Cara é o motivo pelo qual Alex está reagindo dessa forma.

— Mia também pensa isso — comentou Matt.

— Bem, as mulheres são boas nessas coisas. E é uma suposição sensata, não? Quando Alex saiu daqui naquela noite, ele estava indo para casa e ia pedi-la em casamento. E quando voltamos a vê-lo...

— Dois dias depois.

— Isso. Perguntei como tinha sido. E Alex me per­guntou do que eu estava falando. Então, perguntei como tinha sido pedir Cara em casamento. E ele me olhou...

— Sei como foi. Ele me olhou da mesma forma. Aquele olhar me dizia que eu poderia acabar sendo estripado se não tivesse cuidado.

— Exatamente. Alex disse que eu deveria ter en­tendido errado, que nunca tivera a intenção de pedir nada a Cara a não ser que saísse da vida dele.

— E ela deve ter feito isso. Mia disse que Cara não falou com ela a semana toda.

Cam acenou com a cabeça, concordando. Leanna também não. O irmão mais velho indagou:

— Acredita nisso?

— Não. É um absurdo.

— Exatamente o que eu ia dizer.

— É hora de o confrontarmos.

— Eu sei. Não podemos deixar isso continuar. Alex parece um zumbi.

— Um zumbi com atitude.

— Sim. Cuidado. Aí vem ele. Nem mais uma pala­vra.

— De acordo. Nem mais uma palavra até o mo­mento certo.

Os irmãos ergueram os olhares assim que Alex chegou à mesa.

— Oi! — cumprimentou Matt, animado.

— Ei — falou Cam, com a mesma animação.

— E aí, o que me contam? — perguntou Alex. Então, arregaçou uma das mangas da camisa e olhou o relógio, antes de comentar:

— Vocês disseram que era importante.

— Só pensamos... Sexta à noite... Tomaríamos uma cerveja, comeríamos algo...

— E perguntaríamos o que deu errado entre você e Cara.

Cam fitou Matt, que revirou os olhos em um pedi­do de desculpas.

— Tanta espera pelo momento certo, mas qual é a diferença? É uma boa pergunta. Somos seus irmãos e merecemos uma resposta — comentou Cam.

Alex olhou para os dois, riu, virou-se e se dirigiu à porta. Matt e Cam se levantaram, sinalizaram para o barman anotar os gastos na conta deles e foram atrás do irmão caçula.

— Fiquem longe de mim — disse Alex.

— Não até que responda à pergunta. Os três estavam na rua.

— Parem agora enquanto podem.

— O que é isso, uma ameaça? Sem problemas, ga­roto. Quer lutar conosco? Vá em frente.

— O que vocês querem?

— O que nós queremos é ajudá-lo a passar pelo que quer que seja que o está matando — respondeu Matt, com calma.

— Quem disse que algo está me matando? Vocês estão loucos?

— Estamos preocupados. Por mais que eu deteste admitir isso, amamos você. Se pensa que vamos dei­xá-lo andar por aí como se estivesse sozinho no pla­neta, você é quem está maluco. Entendeu?

— É assim que eu pareço?

— Pior.

— Cara me deixou.

Matt e Cam se entreolharam. Então, os irmãos conduziram o caçula de volta à mesa no bar.

 

Uma hora mais tarde, depois de quase esvaziarem toda a garrafa de uísque, os três ainda remoíam a mesma história.

— Vamos ver se entendemos direito. Você foi para casa. Havia um homem lá — disse Cam.

— Um enviado de Gennaro.

— Ele deu a Cara um colar de diamantes e falou que era um sinal do quanto Gennaro a queria de volta...

— E Cara foi embora com esse homem.

— Vocês entenderam tudo. Quero outro drinque — disse Alex.

— Café — retrucou Matt. Alex bebera demais.

— Às favas, o café. Quero um drinque.

— Café — disse Cam, com firmeza, e ordenou que trouxessem um bule de café.

Funcionou. Trinta minutos depois daquela bebida preta, espessa, estavam sóbrios.

— Eu estava tão certo de que a conhecia. Tão certo de como Cara se sentia! Teria apostado a minha vida como ela jamais tinha sido amante de Gennaro. Que inferno! Apostei minha vida nisso, em Isla de Palmas. Então, um indivíduo aparece com um colar de dia­mantes e a compra de volta para o chefe dele.

— Tem certeza? Não há como você ter compreen­dido errado? — perguntou Matt.

— É muito difícil entender errado uma mulher que olha para um colar, depois para você, e diz "Adeus, foi divertido".

— Cara não disse isso.

— Claro que não. Ela disse que podia explicar.

— E?

— E acha que eu estava interessado nas mentiras dela? Eu só queria poder lidar com isso de forma di­ferente.

— Por exemplo?

— Eu deveria ter esmagado o rosto daquele ho­mem. Melhor, deveria ter ido até Gennaro e tê-lo fei­to engolir o colar, um diamante por vez, enquanto Cara assistia.

— Perfeitamente sensato — comentou Cam.

— Absolutamente. Encerrando um ciclo! — acrescentou Matt.

— Anotem isso nas agendas, cavalheiros. Intro­missão e encerramento de ciclo, tudo em uma noite.

— Era disso que precisava, Cam, depois que se re­cuperou do ferimento provocado pelo disparo de uma arma de fogo — disse Alex.

— Verdade.

— E você, Matthew? Lembra de como foi a procu­ra por Mia?

Todos se lembravam. Também se lembravam de que as histórias de Cam e de Matt tiveram um final feliz e essa não teria, mas será que isso importava? Alex estava certo. O conceito de encerrar um ciclo era o que trazia paz de espírito e auto-estima, mesmo quando não produzia um final feliz.

Alex recostou-se, os olhos pequenos como se esti­vesse observando algo que somente ele podia ver.

— A casa de Anthony Gennaro fica fora da cidade de Nova York, na costa de Long Island. Provavel­mente, uma fortaleza.

Matt acenou com a cabeça, concordando, e co­mentou:

— Assim como a de Hamilton, na Colômbia.

— Sim, mas há sempre uma fenda.

— Só preciso de quinze minutos. Talvez vinte. Cinco para o velho Gennaro. O resto para Cara — disse Alex.

— Sem problemas — concordou Matt.

— Não vamos precisar de muito equipamento. Apenas o material de sempre. Roupas pretas. Másca­ras. Cordas. Algumas engenhocas eletrônicas... Te­mos tudo isso no escritório.

— Quando? — perguntou Cam.

— Que tal amanhã à noite? — sugeriu Alex.

 

A propriedade de Anthony Gennaro ficava ao lon­go de uma estrada estreita, margeada por um arvoredo, em Long Island. Árvores encobriam o muro de pedra de cerca de três metros que rodeava o terreno e a mansão também de pedra, em estilo gótico.

Os irmãos Knight imaginaram certo. O lugar esta­va repleto de dispositivos de segurança. Câmeras. Alarmes silenciosos. Nada diferente do que os três li­daram antes. Ainda assim, a experiência lhes ensina­ra a trabalhar devagar e com cuidado.

Todos adoravam isso: o desafio, a pressão, o peri­go, a adrenalina. Alexander gostava mais ainda. A excitação sempre existira, desde que era menino e en­trara no escritório do pai, burlando os dispositivos de segurança que guardavam o cofre...

Hoje, era tudo isso e mais. Alex só conseguia pen­sar em Cara. Queria vê-la no papel que escolhera: amante do chefe da quadrilha. A mulher que ele pen­sara amar. A mulher que dormira nos braços dele, que sorrira e sussurrara mentiras. Não ia deixá-la fi­car impune. Cara mentira para ele e agora pagaria pela transgressão.

Vinte minutos e os três estavam dentro da mansão. Tudo escuro. Silêncio. Alex encontrou o sistema de alarme interno. Mais dois minutos, e o alarme estava desconectado. O lugar agora pertencia aos Knight.

Os irmãos ficaram quietos e escutaram. Casas fa­lam se lhes derem uma chance. Chãos rangem. Siste­mas de aquecimento gemem. As pessoas também fa­zem barulhos. Tossem, roncam, resmungam, rolam na cama.

Nada fazia barulho ali. Pelo menos, durante os cin­co longos minutos que esperaram. Ali, comunicavam-se entre si por gestos. Dividiram-se e checaram a parte detrás da casa e as laterais. Depois, se reen­contraram no mesmo lugar. Outros gestos e palavras mais suaves que sussurros.

Encontraram duas pessoas em quartos atrás da co­zinha: uma empregada e um jardineiro. Ambos te­riam uma boa noite de sono e se perguntariam, de ma­nhã, que picadas minúsculas eram aquelas nos braços deles.

Alex apontou para as escadas. Cam e Matt acena­ram com a cabeça, concordando. Em silêncio, os três subiram até o segundo andar e se dividiram.

Ao voltarem, Cam e Matt indicaram que nada en­contraram. Alex foi o último a aparecer. Os irmãos o olharam e souberam que o caçula achara Cara.

O rapaz apontou para as escadas. Os irmãos ti­nham que ir. Ele os encontraria lá fora. Os dois balan­çaram as cabeças, em protesto. Alex sabia o que os dois estavam pensando. Qualquer coisa podia aconte­cer.

Principalmente, se Anthony Gennaro estivesse com Cara. Isso era possível. Alex não conferira. A úl­tima coisa que queria era avisá-la de que estava ali. Porém, o caçula era inflexível e queria resolver o as­sunto sozinho.

Depois de um minuto, os irmãos acenaram positi­vamente. Dois rápidos abraços, e foram embora. Alex esperou alguns minutos. Então, devagar, cami­nhou até o quarto de Cara, abriu a porta e entrou. Será que Gennaro estava ali? O coração acelerou. Se aquele patife estivesse lá, morreria. Sem qualquer hesita­ção. Não havia nada de civilizado com relação a Alex agora. Naquela noite, a elegante selvageria que her­dara do povo de sua mãe corria quente no sangue do rapaz.

O jovem estava em uma sala onde a escuridão era quebrada por faixas de luar cor de marfim. Sombras se escondiam nos cantos. O barulho do vento lá fora provocava uma sensação de desassossego.

O sono inquieto da mulher que dormia na enorme cama de dossel era uma manifestação disso. Estava sozinha a mulher a quem pensara amar. Essa mulher a quem conhecia intimamente.

O perfume delicado, um aroma de flor-de-lis na primavera. O brilho sedoso do cabelo com mechas douradas, contra a pele. O sabor dos seios, quentes e doces em sua boca. O queixo dele se enrijeceu. Oh, sim. Ele a conhecia. Ao menos, era o que pensava.

Longos momentos se passaram. A mulher murmu­rava durante o sono e sacudia a cabeça, inquieta. Será que sonhava com ele, como quanto o fizera de tolo?

Mais uma razão para ter ido lá naquela noite. Alex sentia. E a sensação de algo chegando ao fim era o que ele teria quando tomasse aquela mulher naquela cama, pela última vez. Quando a tomasse, sabendo quem era, que o usara e que tudo o que compartilha­ram tinha sido uma mentira.

Ele a acordaria do sonho. Depois, iria despi-la, prender-lhe as mãos acima da cabeça e certificar-se de que ela o fitaria enquanto a tomava. Queria que Cara pudesse ver que aquilo não significava nada para ele, que o sexo era apenas um alívio físico e nada mais.

Alex tivera dúzias de mulheres antes dela e teria outras dúzias depois. Nada com relação a ela, ou o que fizeram um nos braços do outro, era memorável. Sabia disso. Agora, precisava ter certeza de que ela também sabia.

Ele abaixou a cabeça. Em seguida, agarrou a ponta da colcha e a descobriu. Ela usava uma camisola, provavelmente, de seda. Gostava de seda, assim como Alex gostava de sentir o tecido sob os dedos, a forma como deslizara pela pele dela todas as vezes em que fizeram amor.

Alex a olhou. Ela era linda. Não podia negar. Ti­nha um corpo magnífico: esguio, maduro, feito para o sexo. Através da seda, o rapaz pôde ver o formato dos seios, redondos como maçãs, que reagiam ao to­que masculino. Bastava Alex abaixar a cabeça, tocar a pele delicada com a língua para que ela emitisse um gemido de prazer.

O olhar desviou-se até a sombra da feminilidade dela, uma sombra escura visível através da camisola de seda. Alex lembrou-se dos gemidos que ela dava quando acariciada e beijada intimamente, quando ar­queava o corpo e soluçava seu nome.

Tudo mentira. Nenhuma surpresa. Era uma mulher que gostava de livros e do mundo de fantasia ali apre­sentados. Mas Alex era um guerreiro, sua sobrevi­vência se baseava na realidade. Como poderia ter se esquecido disso? Como era possível ficar tão excitado só de vê-la? O fato de saber que ainda a queria o deixava com raiva.

Alex disse a si mesmo que era normal, pura-biolo­gia. A parte A se encaixava na parte B, e a parte A ti­nha uma mente própria. E, talvez, fosse esse o motivo para que tivesse que fazer isso. Um último encontro, naquela cama. Uma última vez para saboreá-la, mer­gulhar por entre aquelas pernas sedosas. E, assim, acabar com a ira que guardava dentro de si.

Agora, Alex pensava, e acariciou-lhe os seios, di­zendo:

— Cara.

A voz estava tensa. Ela lamuriava-se durante o sono, mas não acordou. Alex voltou a chamá-la, to­cou-a de novo. Então, ela abriu os olhos. O rapaz viu quando Cara o fitou, aterrorizada.

Antes que ela pudesse gritar, Alex tirou a máscara preta e deixou que Cara visse o seu rosto.

— Alex? — sussurrou Cara.

— Aquele que sempre aparece quando não é bem-vindo.

— Como entrou?

— Acha que um sistema de segurança pode me manter afastado?

Pela primeira vez, Cara percebeu que estava quase nua. Ela ruborizou-se; tentou cobrir-se com a colcha, mas Alex balançou a cabeça.

— Não vai precisar disso.

— Sei que está irritado...

— É isso o que pensa? — Os lábios de Alex se cur­varam em um sorriso que amedrontava todos aqueles com os quais lidara no passado, durante o período que agora considerava como sua outra vida.

— Tire essa camisola — disse ele.

— Não! Alex, por favor! Você não pode...

O rapaz abaixou a cabeça e a beijou, apesar de sua relutância. Então, puxou o decote da frágil camisola e a arrancou.

— Está errada. Posso fazer qualquer coisa esta noite, Cara. E juro que vou fazer.

Ele voltou a beijá-la e Cara começou a chorar. Alex a deixaria chorar, gritar. Nada o deteria. Tinha ido até ali para pegar o que queria, o que Cara lhe de­via. Se havia alguém que iria abandonar o relaciona­mento, esse alguém era ele.

Ela parou de lutar. E passou a tremer nos braços dele, soluçando o seu nome como se fosse um mantra que pudesse protegê-la.

— Por favor! Acha que suas lágrimas vão me de­ter? Acha que sou tolo o bastante para acreditar em mais mentiras?

— Nunca menti para você.

— Claro que mentiu! Deixou que eu pensasse... Deixou que eu acreditasse que você...

— Que o amava? Sim. Eu o amava com todo o meu coração.

— Sim. Certo. Você me amava tanto que voltou para Gennaro. Ele a comprou com uma quinquilharia — disse Alex, com raiva.

— Não!

— O que foi que eu lhe disse? Sem mais mentiras!

As mãos dele apertaram os pulsos de Cara. Deus, era tudo o que podia fazer para manter as mãos longe do pescoço dela. Alex a odiava por tudo que lhe fize­ra, pelo que o fizera sentir, a forma como brincara com ele, o enredara de modo que chegara a pensar que estava apaixonado... E Alexander Knight se apai­xonara. Ele a amava. E Cara partira o coração dele.

— Por que fez isso? — questionou Alex.

— Tentei explicar. Você não quis me ouvir.

— Queria jóias? Eu teria lhe comprado todas.

— Realmente acredita que era isso que eu queria de você?

Alex não respondeu. Será que podia expor ainda mais o próprio coração? Como poderia dizer que acreditara que Cara Prescott queria o amor dele? Que, apesar de tudo, ainda a amava? E a amaria sempre?

Ele praguejou, soltou-a e puxou a coberta para cima. Deveria ter pensado melhor antes de ter ido lá. A raiva era uma emoção muito mais satisfatória do que aquela mistura amarga de dor e desespero.

— Alex, se me ouvisse... — sussurrou Cara.

Os olhos dela brilhavam devido às lágrimas; a boca tremia. E o coração dele disparou. Apenas um beijo, pensou Alex. Então, abaixou-se e a beijou. Cara suspirou, voltou a dizer o nome dele e o abra­çou.

Não, disse ele a si mesmo, mas era tarde demais. Estava envolvido. Devagar, puxou-a para perto do coração, beijando-a com vontade.

— Por que me deixou, querida? Por que voltou para Gennaro? Não foi por causa daquele maldito co­lar. Sei que não pode ter sido por isso!

O segredo de Cara tinha se tornado um peso, con­duzindo-a a um caminho sem volta. Ela, então, respi­rou fundo e fitou Alex, dizendo:

— O colar pertencia à minha mãe. E Anthony Gennaro era meu pai até ontem, quando morreu.

Cara lhe contou o resto da história no vôo de volta para Dálias. Os dois estavam na parte reservada de um jato que pertencia aos Especialistas em Gerencia-mento de Risco.

Quando ficaram sozinhos, ela contou tudo a Alex. Um dia, um homem aparecera na biblioteca onde ela trabalhava. Apresentara-se como Anthony Gennaro e explicara que havia comprado um lote de primeiras edições, de valor incalculável, em um leilão. Daí, precisava de alguém para catalogar tudo. Fizera algu­mas sondagens e Cara tinha sido recomendada por ser especialista no período do qual datavam os livros. Será que estaria interessada?

Interessada? Cara ficara entusiasmada. Checou a informação sobre o leilão e tudo o que Gennaro lhe dissera era verdade. Até então, o nome dele não lhe dizia nada. Ela não lia os tablóides. E, mesmo que ti­vesse lido, nunca teria feito a correlação entre o ho­mem bem vestido e de fala mansa, que lhe oferecera uma oportunidade única, e o criminoso violento que os jornais retratavam.

Viver na casa de um rico colecionador enquanto se catalogava uma coleção de livros ou pinturas não era incomum, e Cara se mudou para a suíte que Gennaro providenciara. O dono dá casa a convidara para fazer as refeições com ele, mas ela se sentia desconfortável com isso. Na maior parte das vezes, fazia as refeições no próprio quarto. Entretanto, Gennaro a via, pois sempre parava na biblioteca para conversar.

Ele era como uma coruja, dissera. Assim como Cara. E foi em uma dessas longas noites que o mafioso lhe contou a verdade sobre o motivo de a ter pro­curado.

Gennaro batera à porta. Será que podia conversar com ela sobre um assunto pessoal? Cara ficou des­confiada. "Um assunto pessoal" podia significar qual­quer coisa. Porém, ele tinha sido sempre um cava­lheiro. Então, a jovem concordou em encontrá-lo na biblioteca.

Ele fora direto ao ponto. Disse que era o pai dela. Cara não acreditou e comentou:

— Meu pai morreu quando eu era bebê.

Ele tinha provas. Uma certidão de casamento de Anna Bellini e Anthony Gennaro. Cópia da certidão de nascimento. Fotos dela bebê, inclusive a cópia de uma foto em que aparecia a mãe segurando a filha, ainda pequena, nos braços.

Gennaro lhe disse que a mãe se casara com 18 anos. Ele tinha trinta. Era belo, bem-sucedido, rico. Dissera que trabalhava no ramo de transportes, e Anna acreditara.

Porém, a mãe descobriu a verdade. Embora ainda amasse o marido, deu-lhe um ultimato após o nasci­mento de Cara:

— Torne-se um homem de bem, ou vou deixá-lo.

O marido rira e lhe disse que isso era impossível.

Anna falara sério. Assim, foi embora com Cara, tro­cou de nome e desapareceu.

Gennaro nunca deixou de procurar pela esposa a quem amava e pela filha que mal conhecera. Não achara Anna, mas encontrara Cara dois anos atrás. Ele a observava a distância, tinha muito orgulho dela. E esperara pelo momento certo para lhe contar que era filha dele.

Cara ouvira toda a história, mas o coração gelara. Sabia o quanto a vida da mãe tinha sido difícil. E, no dia seguinte, ficou horrorizada ao fazer uma pesquisa com o nome de Anthony Gennaro. O pai era um dos principais criminosos do país. Então, arrumou a mala. Gennaro implorou para que ficasse.

— Eu idolatrava a sua mãe. Amava você. Deveria ter feito o que Anna pediu.

— Sim, deveria — retrucou Cara.

Gennaro suplicou que a filha o compreendesse. Ele não estava bem. Cara lhe disse que era tarde de­mais, e o deixou. Foi quando os agentes do FBI vie­ram vê-la.

— Os homens que diziam ser do FBI — corrigiu Alex.

— Sim. Então, você apareceu e mudou a minha vida. Eu estava tão feliz! Até aquela noite quando meu pai mandou um de seus empregados.

— O garoto de recados.

— Ele me trouxe uma carta. Meu pai escreveu que estava morrendo. Implorou para que eu fosse vê-lo. Disse que minha mãe gostaria que fizéssemos as pa­zes... E me mandou os diamantes que ela usara no dia do casamento para me lembrar que eu era filha dos dois.

— E eu cheguei e coloquei você para fora de mi­nha vida.

— Não foi culpa sua. Se eu tivesse lhe contado a verdade... Eu queria contar, mas sabia o quanto você odiava Gennaro. Tive medo que se eu contasse...

— Cara, eu a amo muito. E sempre vou amá-la. Nada poderá mudar isso.

— É bom saber que me ama. Eu o adoro. E vou lhe contar outra coisa. Você vai ter que fazer de mim uma mulher honesta.

— Adoro mulheres atrevidas. Pedir um homem em casamento antes... Uma mulher honesta? Quer di­zer...

— Lembra da primeira vez quando fizemos amor? Não usamos nada...

— Está grávida?

— Sim. Não sei como se sente em relação a isso, mas...

Alex abriu a porta e gritou:

— Ei!

Cam e Matt, sentados à frente, olharam.

— Vou ter um bebê!

Os irmãos sorriram e Matt brincou:

— Ele vai ter um bebê!

— Sozinho? — complementou Cam.

— Podem rir. Vamos ter um bebê, vamos nos ca­sar e comprar aquele terreno perto do de vocês e construir uma casa. O que acham da novidade?

— Maravilha. Venham até aqui e vamos celebrar — disse Matt.

Alex sorriu para Cara e comentou:

— Mais tarde...

Então, fechou a porta, tomou Cara nos braços e lhe mostrou o quanto a amava, o quanto sempre a ama­ria... E a vida gloriosa que teriam juntos. 

 

                                                                  Sandra Marton

 

 

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