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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A RAINHA DAS FADAS / Barbara Cartland
A RAINHA DAS FADAS / Barbara Cartland

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

Quebra-cabeças e enigmas sempre estiveram na moda e talvez tenham tido origem no labirinto, um eterno motivo de admiração e espanto.

O maior e mais antigo labirinto foi construído há quatro mil anos por Amenemat III, do Egito, e é descrito por Heródoto como “maior do que as pirâmides”. Partes dele resistiram até o fim do século passado.

A Grã-Bretanha tem mais labirintos abertos ao público do que qualquer outro país do mundo. Vários dos mais novos demonstram imaginação, criatividade, e têm um significado e simbolismo especiais.

O Labirinto do Dragão, no Zoológico Newquay, retrata como poderão ser os animais daqui a uns cinqüenta milhões de anos.

Certo labirinto, num jardim particular em Gloucester, tem o formato da pegada de um gigante e contém os conhecidos símbolos da humanidade: os quatro elementos, os cinco sentidos e os doze signos do zodíaco.

Em Floors Castle, em Kelso, o brasão do duque e duquesa de Roxburghe e os incidentes dramáticos da história da família estão representados nos desenhos criados pelas sebes verdes do labirinto.

Isso inclui a explosão de um canhão, completa, até com a representação dos estilhaços de metal, lembrando a morte de James II, da Escóciá, quando o primeiro canhão escocês explodiu, no momento em que era apontado para alvejar o castelo, em 1460.

No século XII o labirinto adquiriu um significado cristão, representando a jornada espiritual do homem. O de Chartres, na França, é o melhor exemplo. Tem o chão de pedra como a catedral, e os penitentes percorrem de joelhos seus quase cento e cinqüenta metros.

Acredita-se que os anglos, os saxões e os vikings tenham erguido cerca de duzentos labirintos de turfa no sul da Grã-Bretanha, quando invadiram e conquistaram a região.

Houve época em que os labirintos se prestavam a significativa finalidade ritualística, e historiadores investigaram a importância de antigas construções desse tipo onde havia danças místicas.

O que quer que tenham significado, ou ainda signifiquem, um labirinto de sebes dá um encanto um mistério que nada mais pode dar a um jardim.

 

 

 

 

                                                                                                   1871

 

                         CAPÍTULO I

— Lamento dizer, miss Brantforde — falou sir William Jenner —, que a saúde de sua mãe está bastante precária.

Era o que Davina já esperava ouvir, porém ficou calada, os olhos fixos no rosto do médico real, enquanto ele prosseguia:

— É o resultado de esforço exagerado e de muita preocupação por seu pai.

— Se ao menos tivéssemos notícias de papai — murmurou Davina. — Mas há dois meses que não recebemos um carta!

— É realmente bastante aflitivo — concordou sir William — No entanto, precisamos fazer o possível para deixar sm mãe otimista e impedi-la de se preocupar.

Davina pensou que isso seria impossível, porém não adiantava dizer.

— Já falei com a camareira dela, que, aliás, me pareceu uma excelente pessoa — continuou o médico. — Ela prometeu cuidar de que sua mãe descanse o máximo possível, receba poucas visitas e tome os remédios que mandarei trazer mais tarde.

— O senhor tem sido bastante atencioso — observou Davina. — Estou realmente deveras preocupada com mamãe.

— Trate de alimentá-la bem, com refeições nutritivas — ordenou sir William, encaminhando-se para a porta.

Davina o seguiu até o hali, onde estavam a cartola, as luvas e a bengala dele.

Tocando-lhe de leve no ombro, ele declarou:

— Ânimo, minha filha! Tenho certeza de que, assim que seu pai voltar, tudo será diferente.

— Também tenho certeza, e muito obrigada por ter vindo.

Davina abriu a porta da rua.

Sir William saiu da pequena casa em Islington Square e subiu em sua elegante caleche, puxada por dois cavalos. Havia um cocheiro na boléia e um lacaio para fechar a porta.

O médico tirou o chapéu em saudação de despedida e partiu.

Davina suspirou.

Ficou olhando até que a caleche sumisse de vista, depois voltou para dentro de casa e fechou a porta.

Sabia que teriam de gastar muito dinheiro para pagar aquela visita de sir William Jenner, mas estava tão preocupada com a mãe, que achou valer a pena.

Na realidade, ele não dissera nada que ela já não soubesse. O mal todo era provocado pela imensa falta que lady Brantforde sentia do marido, que se encontrava em uma das secretas e perigosas missões que costumava realizar para o Ministério das Relações Exteriores. Havia muito não recebiam notícias, por isso a velha senhora começara a temer pelo pior.

— O que posso fazer? perguntou Davina.

Depois lembrou-se de que tinham um outro problema, aliás bastante sério: estavam com pouco dinheiro.

Sir Terence trabalhara no Serviço Diplomático, antes de se aposentar. Conhecia muito bem um número incrível de idiomas, e era por isso que o Ministério das Relações Exteriores, sempre que surgia algum problema, recorria a sua ajuda.

O pai de Davina nunca falava de suas andanças. Simplesmente desaparecia em algum país estrangeiro, e ninguém sabia ao certo o que ele fazia.

Entretanto, Davina tomara conhecimento de que o conde Granvilie, ministro dos Negócios Estrangeiros, mandara chamar sir Terence quatro meses atrás.

Na semana seguinte ele viajara.

Davina completara dezoito anos, e o pai havia lhe prometido uma temporada em Londres. Na ausência dele, contudo, coubera à mãe e a ela própria fechar a pequena casa de campo onde viviam.

Sir Terence havia alugado, no começo do ano, uma residência bonita, e não muito cara, em Islington Square. Tinha planejado várias atividades para a filha, a quem adorava, e na véspera de partir lhe dissera:

— Sinto muito, filhinha, porém o dever precede todas as coisas, pelo menos para mim sempre foi assim.

— É claro, papai! Mas, por favor, volte logo que puder! Não será a mesma coisa ficar em Londres sem você.

— Prometo que não ficarei nem um só dia além do necessário — respondera sir Terence.

Era julho, a temporada já estava praticamente terminada, e ela não fora a um único baile ou recepção.

No início, sua mãe apenas esperara, acreditando que o marido apareceria a qualquer momento. Julgava-se incapaz de enfrentar o mundo social sem ele, pois sir Terence era quem conhecia as pessoas certas, amigos que, se pedisse, fariam tudo por sua mulher e filha.

Por isso, as duas, sem ele, não sabiam nem por onde começar.

Dois meses haviam passado em Londres, e Davina já Iamentava terem saído do campo. Lá, pelo menos, podia cavalgar, e sempre se sentira bem ao lado da mãe e em contato com os vizinhos.

Os dias foram ficando cada vez mais longos, à medida que a mãe se tornava melancólica e ia perdendo o interesse por tudo o que a cercava. Limitavase a esperar pelo carteiro dia após dia, ansiando por uma carta do marido.

— O que estará acontecendo com ele? — repetia incontáveis vezes.

Pensando com tristeza nisso tudo, Davina entrou na saleta em que ficavam, quando a mãe vinha para o andar inferior. Automaticamente seu olhar se dirigiu para uma pilha de contas a pagar sobre a escrivaninha, perto da janela.

Sir William deixara claro que sua mãe deveria alimentar se muito bem, porém Davina sabia que tal coisa custava caro. Frangos tenros e patos, que no interior custavam bem pouco, ali em Londres eram vendidos por preços astronômicos. Assim como ovos, manteiga fresca e leite.

Ela atravessou a sala e parou diante da escrivaninha olhando para as notas.

Sir Terence, antes de partir, havia deixado com elas um quantia considerável de dinheiro para as despesas. No entanto, pretendia voltar para casa em um mês ou, no máximo, dois.

Ele prometera levar Davina ao Royal Ascot, que seria no começo de junho, e estava tomando providências para apresentá-la à sociedade, num baile de debutantes no fim de maio.

“O que pode ter acontecido com ele?” perguntou-se Davina, estremecendo com as idéias que lhe ocorreram.

Em seguida, recriminou-se mentalmente, dizendo que precisava manter o ânimo elevado, para conseguir elevar também o de sua mãe.

Contudo, a questão de dinheiro era premente.

A casa era pequena e não havia muitos empregados domésticos. A cozinheira Bessie, estava com eles fazia doze anos, e certamente não poderiam dispensá-la. Havia também Amy, chegando quase aos cinqüenta anos, que começara a trabalhar na casa de campo dois anos depois de Bessie.

Além delas, só a camareira de sua mãe, que fora babá de Davina. Nanny já fazia parte da família, e era impossível pensar em ficar sem ela.

“Podíamos voltar para o campo”, refletiu. “Mas, se papai chegar, vai ficar bravo se não nos encontrar aqui, como ele queria.”

Davina afastou-se da mesa e foi para o outro lado da sala, parando diante de uma aquarela, que fora pintada pelo proprietário da casa. Era um quadro simples, despretensioso, e ela surpreendeu-se ao pensar que poderia fazer trabalho bem melhor.

Foi então que Davina teve uma idéia, e admirou-se que não tivesse lhe ocorrido antes. Possuía dois talentos: sabia pintar e costurar. Lembrou-se das aulas de pintura e da professora.

Ela julgara uma tolice não ter entrado em contato com Lucy Crofton, desde que chegara a Londres. Sempre tivera vontade de fazer isso. Entretanto, ficara esperando que a mãe melhorasse, para que pudessem chamar uma carruagem de aluguel e ir até a loja de Lucy, perto de Bond Street.

— Vou procurar Lucy imediatamente — decidiu Davina, e subiu correndo a escada.

Tal como imaginara, Amy achava-se arrumando o quarto.

— Ponha seu chapéu, Amy! — exclamou ela. — Vamos sair.

— Não tenho tempo para isso, miss Davina respondeu Amy. — E para ir aonde, afinal?

— Vou à loja de miss Lucy Crofton, lembra-se dela?

— Claro que me lembro! Agora ela está muito importante, foi o que ouvi. Importante demais para querer ver duas camponesas como nós.

Amy falava com a familiaridade de uma criada antiga. Parecia esquecer que Davina estava crescida.

— Bobagem! — retrucou Davina. — Lucy vai gostar de me ver sim, e é lá que eu vou. Portanto, se você não vier comigo, Amy, irei sozinha.

Essa era uma ameaça que sempre surtia efeito. Sua mãe sempre insistira que não fosse a lugar algum em Londres sem companhia.

Resmungando Amy saiu do quarto e Davina correu para o guarda-roupa. Escolheu o melhor vestido, que ela própria fizera e que possuía uma elegante anquinha, Colocou o chapéu, combinando, e amarrou as fitas sob o queixo. Depois, olhou-se no espelho, observando-se com atenção.

Davina era esguia e ágil, devido aos exercícios que a vida no campo proporcionava. Costumava andar a cavalo pelos campos e ajudava o velho cocheiro a escovar o pêlo dos animais.

Tinha ela o rosto em forma de coração, destacado por olhos grandes, acinzentados e aveludados. O olhar profundo mostrava, a quem a fitasse de perto, que era diferente das mulheres simplesmente bonitas. A pele era alva e impecável, os cabelos loiros. E um sorriso irresistível fazia surgir duas covinhas muito graciosas nas faces.

O pai um dia lhe dissera:

— Você parece o Espírito da Primavera e isso, filhinha, é o maior elogio que posso lhe fazer.

Davina não entndera, porém sir Terence estava pensando em como a primavera lhe alegrava o coração e elevava seu espírito aos céus.

Ele adorava as primeiras folhas, de um verde suave, que surgiam nas árvores, a inocência das anêmonas, a pureza das prímulas e o perfume sedutor das violetas do bosque. Todos os anos, quando a primavera chegava, sentia-se novamente jovem, como se o mundo estivesse a sua espera para ser conquistado.

Sir Terence achava que era esse sentimento que um dia sua filha despertaria num homem que a amaria para sempre, porque ela o inspiraria e o faria perceber horizontes que jamais notara antes.

Para Davina o mundo todo era uma experiência nova, empolgante e às vezes maravilhosa. Pela primeira vez, sentia medo, por seu pai não estar perto para orientá-la. Com a mãe doente, Londres parecia-lhe grande demais e muito assustadora para se ficar sozinha. Pensava nisso, no momento em que deixou o quarto e foi esperar Amy na saleta.

Quando a velha criada desceu, Davina sentiu-se alvoroçada pelo que estava para fazer.

Com olhos brilhantes, exclamou:

— Vamos, Amy, é longe demais para irmos a pé, vamos pegar uma carruagem de aluguel, assim que encontrarmos.

— Que mal há em caminhar? Não temos pés doentes! — protestou Amy.

— É uma questão de tempo — revidou Davina, e não explicou mais nada.

Amy ainda estava resmungando, quando avistaram uma carruagem. Davina mandou parar e disse ao cocheiro que queria ir para Maddox Street.

— Não me lembro do número — acrescentou ela —, mas é a loja de madame D’Arcy.

— Eu conheço — respondeu o homem.

Davina e Amy entraram na carruagem. Assim que foi dada a saída, Daviná entreabriu as cortinas, para contemplar as casas das ruas por onde passavam.

— Londres é tão grande! — exclamou.

— Grande demais para gente como nós. E, sem seu pai, nós estaríamos melhor no campo, entre conhecidos.

Isso era o que a própria Davina pensava, porém achava que seria um erro viajarem, principalmente enquanto a mãe estivesse doente.

Pareceu levar um tempo enorme para que a carruagem afinal parasse diante de uma loja.

Davina olhou, agitada.

A vitrine não era muito grande e nela estavam expostos apenas um belo e elegante chapéu e um par de luvas longas.

Ela pagou o cocheiro acrescentando uma generosa gorjeta, que ele recebeu sem agradecer. Depois desceu e entrou na loja, seguida de Amy.

Uma vendedora vestida de preto atendeu-a, cumprimentando com voz meio afetada:

— Bom dia, madame, em que posso servi-la?

— Vim falar com madame D’Arcy.

A vendedora hesitou.

— Infelizmente, madame está muito ocupáda, mas eu posso mostrar à senhora tudo o que desejar.

— Quer fazer o favor de dizer a madame D‘Arcy que miss Davina Brantforde está aqui?

A vendedora hesitou novamente. Em seguida, como se estivesse impressionada com a firmeza de Davina, dirigiu-se para o fundo da loja.

Não era muito grande o estabelecimento e ela logo desapareceu por uma porta.

Então, Davina olhou ao redor.

Imaginara ela ver vários vestidos em exposição, porém havia apenas dois. Um era uma elegante criação para a noite e o outro um belo modelo para o dia, que ela gostaria de poder usar.

A vendedora voltou, falando num tom bem mais afável:

— Faça o favor de me acompanhar, madame!

Davina indicou uma cadeira a Amy.

— Você espera aqui. Tenho certeza de que miss Lucy vai querer vê-la, depois.

E seguiu a vendedora para o fundo da loja.

Assim que a moça abriu a porta, Davina viu Lucy e achou-a bastante diferente da amiga que avistara da última vez.

O pai de Lucy fora, até a morte, professor na pequena aldeia em que sir Terence e lady Brantforde viviam. Era um homem inteligente, bem-educado, que poderia ter conseguido um cargo bem mais importante, se houvesse desejado.

Contudo, possuía ele apenas dois grandes interesses na vida: pesquisa histórica e pintura. Sendo professor da escola local, tinha direito a morar numa casa sem pagar aluguel.

Assim, os períodos de tempo em que não estava lecionando, passava-os pintando e lendo. Por isso, não era de surpreender que a filha dele fosse quase um gênio.

Lucy demonstrara interesse por desenho e pintura, qúando a maioria das meninas de sua idade só pensava em brincar com bonecas. Quando ela estava com vinte e quatro anos, o pai morrera. A mãe já havia falecido alguns anos antes, e Lucy, vendo-se sozinha e livre de compromissos, decidira ir para Londres.

Antes disso, entretanto, sir Terence, percebendo-lhe a inteligência e o talento, contratara-a para dar aulas de desenho e pintura a Davina.

Fazia três anos que ela partira da aldeia. Logo no primeiro ano, conseguira sucesso em Londres, não como pintora, e sim como estilista de moda feminina.

— Jamais imaginei uma coisa dessas! — afirmara lady Brantforde ao saber.

— Lucy sempre quis dedicar-se a uma atividade criativa — retrucara sir Terence. — Tenho certeza de que, com um pouco de ajuda, ela vai chegar ao topo, e depressa.

— Um pouco de ajuda? — perguntara lady Brantforde, curiosa.

Sir Terence esboçara um sorriso, antes de responder, com certa ambigüidade:

— Lucy é uma mulher muito atraente, minha querida!

Davina não entendera.

Mas, agora, ao vê-la tão diferente, ficou apenas olhando-a boquiaberta.

Lucy estendeu-lhe os braços.

— Davina, que maravilha vê-la aqui! Quando chegou a Londres?

— Há dois meses. Queria ter vindo antes, porém tudo tem sido tão difícil!

— Difícil como? Conte-me detalhadamente minha cara!

Lucy estava diante de um manequim que parecia vestido de baile a fantasia, e disse para as duas moças que trabalhavam nele:

— Acabem depressa com isso! Vou lá para cima.

Tomou a mão de Davina e conduziu-a pela sala de costura, onde havia vários outros trajes de aparência estranha.

Elas subiram uma escada estreita e, quando chegaram ao andar superior, Lucy abriu uma porta, que dava para um belo e aconchegante quarto. Na realidade, era tão bonito, que Davina ficou admirada, olhando em redor. A cama era envolvida por cortinas de seda, que pendiam de uma corola dourada presa ao teto. Havia vários espelhos grandes com molduras douradas, a mobília toda marchetada, e o tapete, se não fosse um autentico, D’Aubusson, era uma imitação perfeita.

— Lucy, que quarto lindo! — exclamou ela, encantada.

— Tivemos de vir para cá, porque minha sala de visita, que fica aí em frente, está cheia de vestidos para o baile a fantasia de amanhã.

— Baile a fantasia!?

— É, em Marlborough House. Você deve ter ouvido falar.

— Li alguma coisa no jornal, mas tenho estado tão preocupada com mamãe, que não consigo pensar em mais nada.

— Sua mãe está doente?

— Doente e deprimida, e a únijca coisa que pode curá-la é a volta de papai. — Onde está sir Terence?

— Papai viajou para uma de suas missões secretas, quase quatro meses atrás. Sei que ele pretendia voltar em tempo para que eu aproveitasse a temporada em Londres, porém já estamos há dois meses sem notícias dele.

Lucy percebeu quanto Davina estava preocupada e aflita.

— Ah, minha cara! — exclamou ela. — Não posso imaginar sua adorável mãe doente! Contudo, tenho certeza de que sir Terence voltará, ele sempre voltou. Logo tudo ficará bem novamente.

Davina deu uma risadinha nervosa.

— É verdade. Mas, enquanto isso, permanecemos aqui em Londres, sem fazer nada, desejando poder estar em nossa casa no campo.

— Por que não me procurou logo? — censurou Lucy; depois, lançou um olhar estranho para a cama e, num tom diferente, acrescentou: — Talvez sua mãe tenha lhe dito para não vir...

— Não, claro que não foi isso! Por que mamãe diria uma coisas dessas? Ela gosta de você, Lucy, como todos nós. É que não estava se sentindo bem para sair.

Lucy encarou-a, como para se certificar da sinceridade dela.

— Bem, o que importa é que está aqui agora, e quero que me diga se há algo que eu possa fazer por você. Se quer um vestido novo...

— O que quero — interrompeu Davina — é trabalhar.

— Trabalhar!? — admirou-se Lucy.

— Papai nos deixou uma soma de dinheiro antes de partir, porém já está quase acabando. Sir William Jenner disse que mamãe precisa se alimentar bem, e você está a par de quanto custa tudo isso.

— Realmente.

— Então, eu estava pensando... e talvez ache que é presunção minha, mas... será que não posso ser útil aqui? Você sabe que sei desenhar e pintar, porque você mesma me ensinou.

Lucy fitou-a de olhos arregalados.

— Esta falando sério?

— É lógico que sim! Preciso realmente fazer alguma coisa, para pagar as contas e as despesas da casa que alugamos.

— Então, considere-se empregada.

Davina soltou uma exclamação de contentamento.

— De fato, mesmo?

— Claro! Para ser franca, você estará me fazendo um favor.

— Como assim?

— Os vestidos que viu lá embaixo, e os outros que vou lhe mostrar daqui a pouco, são todos para o baile de Marlborough House, oferecido pelo príncipe e pela princesa de Gales, amanhã à noite.

— Pensei que fossem trajes para baile de época, porém não consegui identificar o período.

Lucy riu.

— Não há período. Você deve estar pensando no Baile Stuart, que a rainha deu no Palácio de Buckingham há vinte anos, em que todos usaram roupas da época.

— Lembro-me de ter lido algo a respeito não faz muito tempo. Porém não me interessei muito. Porque na ocasião do baile nem havia nascido — riu Davina.

— E eu tinha sete anos. — Confidenciou Lucy. — No entanto, agora, para minha alegria, o príncipe de Gales decidiu que nesse baile todos se caracterizariam como personagens de contos de fada.

— Que idéia maravilhosa! — exclamou Davina, entusiasmada.

— O duque de Clarence irá como a “Fera” de A Bela e a Fera, e eu estou fazendo o vestido para a “Bela”.

— Ah, mostre para mim, por favor!

— Claro! E vou mostrar também as roupas da Quadrilha do Baralho.

— Como é isso?

— Um grupo de convidados que se trajará como cartas de baralho.

Davina riu de novo.

— Que engraçado!

— Os vestidos são engraçados mesmo, e me deram a oportunidade de aplicar meus conhecimentos como desenhista.

— Ah, Lucy, você desenhou todos eles!?

— Vários deles. Foi um trabalho fascinante!

— Mas... se o baile vai ser amanhã, como poderei ajudá-la...?

— Um baile sempre leva a outro, e posso lhe garantir que várias outras pessoas se apressarão a dar bailes a fantasia, só para copiarem a realeza.

— E você acredita que posso ajudar desenhando?

— Tenho certeza que sim. Você pode me preparar um catálogo com alguns modelos, para que eu mostre a minhas clientes, quando desejarem algo especial. — Lucy agitou as mãos, enquanto continuava falando. — Estou tão ocupada supervisionando a confecção dos vestidos, que simplesmente não tenho mais tempo de me sentar para criar modelos novos.

— Ah, Lucy, se eu puder fazer isso, será realmente maravilhoso! Vou adorar trabalhar para você!

— Também vou adorar, se você tem mesmo certeza de que sua mãe não se importará.

Davina estranhou o jeito de falar da amiga.

— Creio que não seria bom contar para mamãe, por enquanto. Ela poderia manifestar-se preocupada por eu estar trabalhando, em vez de ficar em casa esperando papai voltar. — Lucy ouviu sem dizer nada, e ela prosseguiu: — Poderia desenhar os modelos em casa mesmo, se você disser o que quer, e depois trazê-los aqui. O que acha disso?

— Uma excelente idéia! Agora, deixe-me dizer-lhe exatamente o que desejo. Você sempre teve bom gosto, e por isso sei que tudo o que criar será vendido com facilidade.

— Assim espero.

— Venha, vou lhe mostrar os vestidos que estão ali na sala.

Atravessaram o corredor e entraram na sala muito bem mobiliada, apesar de um pouco pequena.

Davina não deixou de notar esse detalhe, e ficou imaginando por que Lucy escolhera o aposento maior para fazer quarto, e não sala.

Naquele momento, havia vestidos por toda parte, cobrindo tudo: sofás, poltronas, estantes. Um deles era evidentemente para “Maria, a Rainha da Escócia”, outro para “Cleópatra”. O terceiro era um elaborado “Maria Antonieta”. Contudo, no fundo da sala, encontrava-se um que fez Davina perder a fala. Era um dos mais lindos que já vira. Todo em gaze branca, constava de uma ampla saia rodada e transparente sobre um forro justo, bordado em diamante, O mesmo material fora usado também no corpete e nas delicadas asas presas às costas.

— Como é lindo! — exclamou Davina.

— Desenhei-o especialmente para uma lady muito rica, que é do norte — explicou Lucy. — Penso que ela nunca esteve em Londres. É uma jovem viúva, e parece que o marido foi de alguma utilidade para sua alteza real, em certa ocasião. — Deu uma risadinha, antes de complementar: — O príncipe de Gales sempre arranja amizades estranhas, onde quer que vá.

— Mas é um vestido muito bonito!

— Nem preciso dizer que custou uma fortuna. Na realidade, não vou ter muito lucro com ele, pois o diamante teve de vir da França, já que aqui na Inglaterra não há.

— E então, valeu a pena fazê-lo?

Lucy riu.

— É lógico que valeu, porque tenho certeza de que receberei dezenas de encomendas semelhantes.

— Ah, entendi! — exclamou Davina.

— Ali está a tiara para ser usada com o vestido — murmurou Lucy, encaminhando-se para uma mesa.

Levantou-a, e Davina viu que era igual às da família real russa. Formava um arco sobre a cabeça de quem a portava, e tinha uma estrela grande bem na frente, com outras menores pendendo dos lados.

— Ah, que fantástico! — admirou-se Davina.

— Julguei que não ficaria bem usar jóias tradicionais com esse traje, e por isso criei também um colar de pequenas estrelas, que naturalmente combina com a varinha mágica que a “Fada Rainha” levará na mão. Não são pedras verdadeiras.

— É a coisa mais linda que já vi! Você é um gênio, para imaginar algo tão maravilhoso assim!

— Bem, sua primeira tarefa será desenhar um vestido do tipo do de lady Brant, e que possa ser usado sem constrangimento.

— É esse o sobrenome dela?

— É. E acabei de perceber que é quase como o seu.

— Talvez ela seja parente nossa...

— Penso que seu pai não se sentiria lisonjeado. Ela é bonita e jovem, porém não o que sua mãe consideraria uma aristocrata.

Davina riu.

— Espero que ela tenha uma noite maravilhosa com esse vestido glorioso.

— Tenho certeza de que terá.

Afastaram-se do vestido, e Lucy deu a Davina várias amostras de musselina e seda.

— Quero que as leve para casa e desenhe alguns modelos que você julgue que podem ser feitos com elas.

— Farei isso imediatamente — concordou Davina, eufórica. — Amanhã mesmo lhe trarei os desenhos prontos.

— Está bem. É melhor você vir à tarde, porque assim terá mais tempo para desenhar, e esses vestidos todos já terão sido entregues.

— Você não vai ao baile?

Lucy riu.

— Ora, você pode imaginar o príncipe e a princesa de Gales convidando para o baile Lucy Crofton ou madame D’Arcy que é apenas a dona da loja que serve a Marlborough House?

— Pois eu acho que deveriam, depois de todo o trabalho que você teve, para que a festa deles se tornasse um sucesso.

— Não sou a única costureira que criou modelos para festa. Há também Lami, que é conhecida como a maior estilista de trajes históricos, e todas as outras lojas de Bond Street estão com uma quantidade enorme de encomendas. — Davina mostrou-se surpresa, e ela acrescentou: — Há dois mil convidados para o baile.

— Dois mil?! Ah, Lucy, como eu gostaria de ser uma mosca para poder estar lá, vendo tudo!

— Deveria estar lá como convidada, isso sim. Não posso entender por que seu pai se envolve nessas confusões que chamam de “problemas internacionais”, em vez de cuidar de você.

— Não vá dizer tal coisa a ele, quando voltar. Tenho certeza de que papai vai querer vê-la. Você está tão linda! Só que ficou bem diferente da Lucy que morava na aldeia.

E era verdade. Na época em que Lucy ensinava pintura a ela, usava um avental sobre a roupa e prendia os belos cabelos ruivos num coque na nuca. Agora, entretanto, seus cabelos estavam bem penteados, de acordo com a moda, e trajava um elegante modelo, que revelava as curvas perfeitas do corpo e a cintura fina.

Além disso, apresentava-se maquilada. A pele do rosto era bem branca com um toque de ruge nas faces, os cílios muito pretos e os lábios vermelhos. Os habitantes da aldeia ficariam chocados se a vissem.

Continuava bonita, sem dúvida, mas muito mais sofisticada do que a Lucy simples que lhe ensinara a arte de pintar. Então, quando não estavam desenhando, Lucy brincava com ela no quintal, e até subia em árvores.

— Obrigada, Lucy, por me aceitar como ajudante! — excIamou Davina, enquanto se dirigia para a saída.

— Você não está sendo prática. Em vez de me agradecer, devia perguntar quanto vou lhe pagar.

— Parece tão divertida a coisa, que creio que devo fazer de graça — afirmou Davina, meio sem jeito.

— Não seja ridícula! Pagar-lhe-ei dez xelins por desenho que mostrar a minhas clientes. E, se encomendarem o vestido, eu lhe darei uma pequena porcentagem.

— Dez xelins? Mas é muito!

— Você precisa do dinheiro, e eu devo muito a seus pais, pela atenção que tiveram comigo. Só temo que, quando souberem que está trabalhando para mim, eles a critiquem.

— Não entendo por que você pensa assim.

Enquanto voltava para casa em outra carruagem de aluguel, Davina refletiu de novo no que Lucy dissera e achou muito estranho. Não podia imaginar nem seu pai nem sua mãe censurando-a por trabalhar para alguém que conheciam e estimavam.

Por outro lado, Davina tinha de admitir que a mãe ficaria um tanto chocada com a aparência da amiga.

“Acho que Lucy precisa se arrumar assim, para atrair fregueses”, concluiu consigo mesma.

Quando ela e Amy chegaram em casa, pagou o cocheiro e entraram. Sabia que, para fazer face às despesas e comprar boa comida, precisava do salário que Lucy lhe pagaria. Por isso, quanto antes começasse o trabalho, melhor. Felizmente havia trazido na mala o material de pintura, que nao usara mais desde que Lucy fora embora da aldeia.

Davina largou o papel de desenho que Lucy acabara lhe dar sobre a mesa, perto da janela. Depois subiu a escada correndo, para ver a mãe.

Nanny esperava-a diante do quarto.

— Mamãe está acordada?

— Eu estava a sua procura — murmurou Nanny. — Onde esteve saindo sozinha, assim?

— Fui visitar Lucy Crofton e levei Amy comigo.

— E por que foi fazer uma coisa dessas? Não sei o sua mãe diria se soubesse! Não sei mesmo!

— Tenho certeza de que mamãe ficaria contente. Você sabe que ela sempre gostou de Lucy.

— Isso, antes de ela vir vagabundear em Londres e montar uma loja.

— Ela está trabalhando muito, desenhando modelos fascinantes para o baile de Marlborough House, amanhã.

— Nada me surpreenderia partindo dessa moça.

Davina estranhou o modo de Nanny falar. Mas, então, pela porta entreaberta, ouviu a voz de sua mãe chamando e entrou no quarto.

Lady Brantforde estava sentada na cama, recostada nos travesseiros, e Davina achou-a menos pálida do que manhã.

— Como está se sentindo, mãezinha querida? — indagou, beijando-a.

— Dormi um pouco, e sabe de uma coisa? Sonhei que seu pai havia voltado e estávamos todos felizes novamente.

— É exatamente isso que vai acontecer. Só precisamos ter um pouco mais de paciência.

— Estava tão bonito! E riu, como sempre faz, quando lhe disse como nos preocupávamos com ele.

— Então, a senhora trate de melhorar logo, senão papai vai ficar aborrecido por chegar em casa e não a encontrar disposta a fazer as coisas que ele planejou.

— Você tem razão, é evidente. Tenho certeza de que o remédio de sir William me fará bem.

— Acabou de chegar — aperteou Nanny, entrando no iialo com um frasco na mão. — E vou lhe dar uma dose já, já.

— Daqui uns dias acredito que já estarei boa — suspirou lady Brantforde.

Davina beijou a mãe.

— Claro que sim, mamãe!

Mostrava otimismo, mas no íntimo estava rezando com fervor para que o sonho da mãe se tornasse realidade. Asim que o pai chegasse, tudo seria diferente.

Enquanto tal não acontecesse, porém, graças a Lucy, ela ginharia algum dinheiro.

Esso também era muito importante.

 

                         CAPÍTULO II

Davina olhou os desenhos com satisfação.

Ela havia trabalhado com afinco durante todo dia e até tarde da noite criando modelos. Completara agora o sexto desenho, todos coloridos e bonitos, e estava certa de que Lucy os apreciaria. Era maravilhoso saber que podia não só fazer algo que gostava muito, como ainda ganhar dinheiro com isso.

Há cinco meses, quando Davina e a mãe, na casa de cam po, sentaram-se para fazer os modelos que ela usaria em Londres, tinham estudado bem Lady e todas as outras revista de moda que puderam encontrar, até escolherem os vestidos que acharam melhores, para a noite e para o dia. Depois ambas ficaram satisfeitas com o resultado.

— Parecem feitos em casa, mamãe? — perguntara Davina, com um dos vestidos, olhando-se no espelho.

— Acho que ninguém desconfiaria — retrucara lady Brantforde, com sinceridade. — Você fica tão linda com eles, filhinha, que nlnguém vai duvidar que foram comprados em Bond Street!

As duas riram.

Infelizmente, até agora, Davinã não tivera oportunidade de conhecer a reação de ninguém diante dos trajes que havia costurado. Recolheu, então, os desenhos que fizera, decidindo que iria entregá-los depois das cinco horas. A essa hora a loja estaria fechada e os vestidos do baile teriam sido entregues.

Ela já ia subir para se banhar e trocar de roupa, quando a porta se abriu e Bessie, muito nervosa, entrou.

— Não sabe o que houve, miss Davina? — exclamou ela.

— O que foi? — interrogou Davina, assustada.

— Amy caiu e torceu o tornozelo.

— Ah, não! Como foi acontecer isso?

— Escorregou no chão encerado da sala... eu cansei de falar para ela ter cuidado com a cera!

— Vou vê-la.

Davina encontrou Amy sentada na cozinha, com o pé numa bacia de água quente.

O tornozelo estava visivelmente inchado e doendo muito.

— Sinto deveras, miss Davina! — sussurrou Amy. — Sei que quer ir ver miss Lucy.

— Eu me arranjo; trate de se cuidar, agora!

— Você não vai sozinha, não é, miss? — interferiu Bessie. — Sua mãe não haveria de gostar!

— Ela não precisa saber; por isso, não vá deixá-la preocupada.

E era pouco provável que Bessie fosse realmente incomodar a patroa, porquanto lady Brantforde dormia tranqüilamente, após ter tomado o remédio de sir William, que obviamente continha algum tipo de sedativo.

Davina entrou no quarto para vê-la e depois foi se arrumar, dizendo para si mesma que a mãe nem ficaria sabendo que saíra. Talvez desse para ir e voltar antes que ela acordasse. Em seguida, desceu e pediu a Bessie que providenciasse uma carruagem de aluguel.

Bessie obedeceu, mas antes alertou:

— E você, trate de ir só lá e voltar direto para casa, miss Davina!

— Não precisa se preocupar comigo — revidou ela. — Já tenho idade suficiente para saber cuidar de mim.

— Até parece que vou acreditar nisso! — exclamou Bessie, ironicamente.

Quando a carruagem chegou, Davina deu o endereço ao cocheiro, animada. Era uma aventúra fazer alguma sozinha.

Ela chegou a Maddox Street e viu que, conforme esperava, a loja estava fechada. Uma faxineira idosa abriu-lhe porta, avisando que Lucy se achava no andar superior.

Davina subiu depressa e bateu na porta do quarto de Lucy porém a amiga respondeu em frente.

— Estou aqui, Davina! Venha me ajudar.

Davina entrou e encontrou Lucy ajoelhada, embrulhando o vestido de “Fada Rainha”, que era o único que restava. Largou os desenhos, tirou o chapéu e pôs-se a ajudar Lucy a fazer o pacote.

— Este está atrasado — afirmou.

— Eu sei, e, na realidade, estou numa terrível complicação.

— Por quê?

— Porque lady Brant enviou-me um recado logo depois do almoço, dizendo que ia mandar a carruagem para buscar o vestido, porém queria que eu fosse junto. Ela não está se sentindo bem e quer minha ajuda.

— Então, você vai ter de ir — ponderou Davina, pensando que com isso ela não teria tempo de avaliar seus desenhos.

— Não posso. Realmente não posso. Já havia prometido à condessa Granvilie ajudá-la a vestir o “Van Dyck”. A camareira dela foi embora e a condessa ainda não arranjou outra.

Davina sabia que o conde Granville era ministro dos Negócios Estrangeiros, e que fora ele que mandara seu pai nessa última missão, da qual ainda não retornara.

— Sem dúvida — declarou ela —, a condessa Granville é muito mais importante do que lady Brant, e você não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.

— Tem razão — concordou Lucy, afastando-se um pouco para examinar o pacote. — No entanto, lady Brant pode vir a ser uma ótima freguesa.

— Por que está tão preocupada? — indagou Davina que acabara de ter uma idéia. — Posso ir à casa de lady Brant e ajudá-la a vestir-se.

Lucy olhou-a, surpresa. Tal solução era algo que jamais lhe ocorreria.

— Mas você.., como poderia...? — balbuciou.

— Por que não? — atalhou Davina. — E, se por acaso o vestido precisar de algum pequeno ajuste, sabe que posso fazê-lo. E eu explicarei, com bastante tato, como você lamentou não poder ir pessoalmente.

Lucy suspirou.

— Penso que não haverá nenhum mal nisso, e você não corre o risco de encontrar lady Brant socialmente. Tenho certeza de que ela não conhece às pessoas que seu pai iria apresentar a você.

— Até agora não fui apresentada a ninguém, e acharei muito interessante conhecer lady Brant.

Lucy riu.

— Ela certamente é bem diferente da condessa Granvilie.

— O vestido dela é tão bonito quanto esse?

— É muito bonito, em cetim lilás, e ela vai usar um chapéu coberto de plumas, que chamo estilo “Rubens”.

Dizendo isso, Lucy olhou para o relógio sobre a lareira e deu um gritinho.

— A carruagem de lady Brant já deve ter chegado. Se você vai mesmo ajudar-me, então tem de ir imediatamente. — Ergueu o pacote do vestido e, com ele nos braços, encaminhou-se para a porta. — A tiara e os outros apetrechos èstão numa caixa em cima do sofá — acrescentou. — E a varinha mágica está ao lado.

Davina pegou a caixa e a varinha e seguiu Lucy, que descia cuidadosamente a escada.

Ao chegarem à loja, elas viram que a porta estava aberta e que a faxineira falava com um lacaio de libré. Na rua, havia uma carruagem fechada.

Lucy entregou o pacote ao lacaio, pedindo:

— Coloque isto no banco de trás. Há uma lady que vai junto.

O homem obedeceu-a e Lucy entregou-lhe também a caixa e a varinha, que recebeu das mãos de Davina.

Quando voltou para dentro da loja, Davina estava enlaçando as fitas de seu chapéu sob o queixo.

— Tem mesmo certeza de que não se importa de fazer esse favor para mim? — indagou Lucy.

— Vou adorar — respondeu Davina. — Depois, volto para lhe contar se lady Brant ficou satisfeita.

— Ah, minha cara, sinto muito! Eu devia ter pensado em tal coisa e convidá-la para jantar, mas...

— Tem outro compromisso?

— Infelizmente tenho, e é com um amigo muito especial que tem sido bastante bom para mim. Não posso decepcioná-lo.

Falava como se sentisse um pouco constrangida, e acrescentou:

— A carruagem dele vai me apanhar na casa de lady Granvilie, e por isso não voltarei à loja.

— Não faz mal. Pego uma carruagem de aluguel para regressar.

— Sozinha?! Amy não veio com você?

— Ela torceu o tornozelo.

Lucy ficou pensativa, depois declarou:

— Preciso fazer alguma coisa!

— Não, não se preocupe! Estou perfeitamente bem, estou mesmo!

— Está me fazendo um favor, Davina, e tenho de cuidar de você. Agora ouça: ficará com lady Brant pelo menos meia hora. Sei como são essas mulheres! Quando terminar, haverá uma carruagem à espera para levá-la para casa.

— Você tem carruagem própria? — exclamou Davina, admirada.

Lucy pareceu ficar sem jeito de novo.

— Tenho um amigo que me empresta uma, sempre que preciso. Vou mandar um recado agora, e você encontrará a carruagem a sua espera diante da casa de Iady Brant, em Park Street.

— É muita gentileza, Lucy, porém, sinceramente, não é necessário...

— Acho absolutamente necessário — replicou Lucy, com firmeza. — Você é bonita demais para ficar andando sozinha por Londres, principalmente à noite. — Curvou-se e beijou-a no rosto, acrescentando: — Obrigada pelo que está fazendo por mim! Fico-lhe muito grata, mesmo! Amanhã examinaremos juntas seus desenhos, e, sendo assim, venha para cá o mais cedo que puder.

— Foi uma delícia criá-los! — sussurrou Davina.

E, para não atrasar-se, correu para a carruagem, acenando enquanto se afastavam. Lucy também acenou da porta da loja.

“Isto, sem dúvida, é bem mais interessante do que ficar em casa lendo”, refletiu Davina.

Ler era só o que fazia havia já algum tempo, praticamente desde que a mãe adoecera.

Davina tinha saído algumas vezes para fazer compras com Amy ou Bessie. Mas as duas criadas já estavam idosas e não góstavam de caminhar. Por isso, nunca iam muito longe.

A casa de lady Brant era bastante imponente, e havia três lacaios no hall. Dois deles subiram na frente, levando o vestido e os apetrechos e fizeram Davina entrar num boudoir.

O quartinho enfeitado com uma profusão de flores caras estava mobiliado com bastante luxo, embora Davina não achasse de bom gosto a decoração. Havia borlas demais nas cortinas, e as cores do carpete e das almofadas eram muito brilhantes. Os quadros nas paredes não faziam o gênero que ela e a mãe admiravam ou gostariam de ter.

Davina esperou por um longo tempo, e pensava já que o lacaio esquecera de avisar lady Brant que ela chegara, quando a porta se abriu, deixando passar uma criada um tanto agitada.

— Madame D’Arcy? — perguntou.

— Não, madame D’Arcy estava impossibilitada de vir, porém...

— Esse é o vestido da patroa? — interrompeu a criada.

— Sim.

— Pois pode levá-lo de volta, porque ela não vai mais ao baile.

— Não vai ao baile?! — indagou Davina, admirada.

— Não, e ela está muito aborrecida.

— Mas... não estou entendendo...

A criada estava segurando algo, que jogou sobre o pacote do vestido, em cima do sofá.

— Está chorando como uma criança, porém não tem jeito, o médico falou.

Davina, perplexa ainda, captou a palavra “médico”.

— Lady Brant encontra-se doente?

— Pegou sarampo — revelou a criada. — Está com o rosto todo vermelho. Nem poderia ir ao baile desse jeito!

— Ah, sinto muito! Que tragédia!

— É uma tragédia mesmo!

— Posso imaginar como deve estar aborrecida, mas vou deixar aqui o vestido que Iady Brant encomendou a madame D’Arcy.

— Vou perguntar a ela.

Dizendo isso, a criada virou-se e encaminhou-se para a porta que dava para o quarto. Deixou-a entreaberta, e assim Davina pôde ouvi-la falando em voz baixa.

A resposta, contudo, repercutiu alto em bom som.

— O vestido? Vou querer o vestido para que, se não posso usá-lo. Mande-o de volta para a loja! Digaa mulher que não o quero e que não vou pagar por ele! Por que haveria de pagar algo que não vou usufruir?

As últimas palavras foram praticamente berradas. A criada disse de novo alguma coisa em voz baixa, tentando sem êxito acalmar a patroa.

Mais uma vez, lady Brant gritou:

— Mande de volta o vestido! Não posso nem pensar nele! Tire-o desta casa, rápido!

A criada voltou ao boudoir.

— Sinto muito! — exclamou Davina, solidária. Depois perguntou, hesitante: — É sério o que ela está falando, que não vai pagar o que encomendou?

Lembrava-se do que Lucy dissera: que o vestido custara caro e, em conseqüência, teria pouco lucro com ele.

— Ela está falando sério, sim — revidou a criada. — Esses nortistas são mesmo duros para soltar dinheiro!

— Não posso acreditar!

— É, mas a senhora tem de fazer o que ela falou. Não há outro jeito.

A criada pegou o pacote do vestido e colocou-o nos braços de Davina: depois, foi apanhar a caixa dos apetrechos e a varinha e seguiu no rumo da porta que dava para o corredor.

— É melhor a senhora sair logo — avisou. — Tenho de voltar para perto de lady Brant, senão ela já vai começar a gritar e a jogar coisas pelo quarto.

Não havendo mais nada que pudesse dizer ou fazer, Davina, com o vestido no braços, acompanhou a criada escada abaixo.

— Preciso esperar a carruagem que vem me buscar — observou ela, um pouco nervosa, quando chegaram ao hali onde permanecia o lacaio.

— Pode sentar ali e aguardar —murmurou a criada. — Ela não vai saber que a senhora ainda está aqui.

Davina acomodou-se na cadeira ao lado da lareira. A criada largou ali a caixa e a varinha mágica, e, ato contínuo, sem se despedir, subiu correndo a escada, como se temesse o que a patroa poderia fazer estando sozinha.

Um dos lacaios abriu a porta, espiou lá fora e, como não havia nem sinal de carruagem, fechou-a de novo.

Davina, enquanto isso, preocupava-se com Lucy. Aborrecia-a pensar que a amiga teria um enorme prejuízo com o vestido devolvido. Além de não receber dinheiro pelo trabalho, ele não seria visto no baile, o que não daria margem a futuras encomendas, conforme Lucy imaginara.

Talvez houvesse alguém que pudesse ficar com o traje, ou mesmo que quisesse trocar a encomenda, por achá-lo mais bonito...

Essa era uma boa idéia, e Davina resolveu que seria melhor voltar para a loja.

Quem sabe Lucy ainda não havia saído para a casa da condessa Granville; afinal, o vestido dela era bem mais simples, e não requeria muito tempo para a arrumação.

Davina ficou rezando para que a carruagem não demorasse a chegar. Pouco depois, o lacaio espiou outra vez lá fora e, abrindo a porta, anunciou:

— Já chegou, miss!

Davina levantou-se e, carregando o precioso vestido, saiu silenciosamente e entrou na carruagem.

O lacaio colocou a caixa de apetrechos e a varinha no banco, ao lado dela.

— Quer fazer o favor de dizer ao cocheiro para me levar à loja de madame D’Arcy, em Maddox Street?

Atendendo-a, o lacaio fechou a porta e transmitiu a ordem ao cocheiro.

Assim que se puseram a caminho, Davina delicadamente colocou o vestido no outro banco, e, então, algo caiu no chão.

Era o convite para o baile, que a criada havia atirado sobre o sofá ao entrar.

Davina catou-o e examinou-o com interesse, pensando que gostaria de ter recebido um. Se aquele fosse seu, ela o guardaria para sempre, como lembrançá do que haveria de ser uma noite maravilhosa.

A carruagem não demorou para chegar a Maddox Street. Parou diante da loja, e o cocheiro desceu para bater à porta. Decorreu um longo tempo para que a velha faxineira abrisse.

E, então, antes que o lacaio falasse, Davina desceu da carruagem.

— Madame D’Arcy já saiu? — perguntou, aflita.

— Acabou de sair, miss — respondeu a velha.

Davina deu um suspiro, desanimada.

Lucy tinha ido para a casa da condessa Granville, e de lá iria encontrar o amigo.

Era evidente que Davina não poderia tomar nenhuma providência com relação ao vestido da “Fada Rainha”.

O lacaio aguardava uma ordem, e então ela afirmou:

— Faça o favor de me dar o vestido e de trazer as outras coisas. — Ele a obedeceu e Davina acrescentou: — Madame D’Arcy disse que a carruagem me levaria até Islington. Vou demorar só uns minutos aqui.

— Sim, senhora miss.

Davina levou o vestido para cima, para a sala de onde o retirara. Estava tudo ainda como ela deixara, os móveis afastados para dar espaço ao cabide grande, onde todos os trajes tinham sido pendurados.

A velha subiu atrás dela, levando a caixa e a varinha mágica, que largou no chão.

Davina agradeceu, e notou que o convite de lady Brant ainda continuava sobre o pacote.

Foi então que de súbito ela teve uma idéia. Era tão surpreendente, tão fantástica, que quase riu.

Depois, como a idéia persistisse, Davina acabou dizendo em voz alta:

— Por que não? Pelo menos seria uma aventura.

Com uma risadinha, ela pegou o convite. Era quase como se estivessem forçando-a a agir.

— Por que alguém haveria de desconfiar? Lady Brant não é conhecida em Londres, e é pouco provável que tenha amigos em Marlborough House... — Mas logo retrucou para si mesma: — Estou sendo ridícula, completamente ridícula de pensar numa coisa dessa!

A mente de Davina, porém, não parava de arranjar argumentos para justificar o direito de ter pelo menos uma noite maravilhosa em Londres. Afinal, seu pai havia prometido uma temporada no mundo social londrino, e até agora não vira nada.

— Só um baile... e talvez o melhor de todos! — continuou falando em voz alta.

Davina, nessa altura, lembrou-se do pai e teve certeza de que esse era o tipo de atitude que ele tomaria.

— Sou amante da aventura — afirmara-lhe ele, certa vez. — Por isso, sempre aproveito a chance que surge. Em nove casos entre dez comprova-se que a atitude tomada foi certa.

Referia-se naturalmente às missões secretas, que nunca discutia com ninguém. Davina, porém, achou que a afirmação podia ser aplicada muito bem ao que estava lhe acontecendo no momento. Se não aproveitasse aquela oportunidade, talvez se arrependesse pelo resto da vida.

Para começar, quem sabe, nunca seria mais convidada para ir a Marlborough House. Além disso, quem sabe também nunca teria outra chance de ir a um baile a fantasia. Pelo menos não a um tão magnífico e incomum como aquele.

Lucy calculara em duas mil as pessoas presentes; portanto, no meio dessa multidão ninguém haveria de notá-la.

E se fosse descoberta? Ficou um pouco receosa diantetla idéia, porém logo arranjou uma desculpa: poderia dizer que, como os sobrenomes eram parecidos, tinha havido uma confusão, e ela recebera o convite por engano.

Era um argumento plausível e fácil de ser aceito. Mas, nesse momento, Davina teve certeza de que ninguém lhe perguntaria nada. Estando com o convite nas mãos, quem haveria de pensar que ela não tinha o direito de usá-lo?

— Vou fazer isso, vou sim! — exclamou em voz alta ainda.

Foi então que ela olhou para o relógio. Para se vestir e chegar a Marlborough House na hora marcada, precisaria se trocar imediatamente. Respirou fundo para criar coragem; depois, desceu correndo a escada.

A velha estava na loja à espera.

— Vai embora, miss? — indagou, antes que Davina pudesse falar. — Já passou de minha hora de ir para casa.

— Pode ir — bradou Davina — Eu fecho a porta, quando sair.

— Não posso esperar mais — revelou-a velha. — Feche a porta e dê a chave ao homem que mora no porão. Ele costuma guardar para madame, quando ela sai.

— Está bem, não vou esquecer. Boa noite e obrigada!

— Boa noite!

Davina foi até a porta, saiu, e o lacaio desceu da carruagem.

— Houve uma pequena alteração nos planos — informou-lhe ela. — Vou sair, só daqui uns quarenta e cinco minutos, certo?

— Sim, miss — respondeu ele. — Nós não temos pressa.

— Obrigada!

Rapidamente, Davina voltou para a loja e correu para cima. Desembrulhou o belo vestido e levou-o para o quarto de Lucy. Estendeu-o em cima da cama e começou a despir-se.

Em seguida, ela guardou seu vestido no guarda-roupa, admirando os que estavam lá e pensando que poderia encomendar alguns modelos bonitos. Lavou o rosto e as mãos com água fria, depois pegou um par de meias para a noite nas gavetas de Lucy, sabendo que ela não se importaria.

Logo após, Davina sentou-se diante do espelho e arrumou os cabelos; então, notou na penteadeira uma caixinha com pó facial e outra menor com ruge.

Sabia que era errado moça solteira usar essas coisas. Sua mãe explicara que só as casadas podiam se maquilar um pouco.

— Elas devem ficar parecendo atrizes, mamãe! — revidara Davina, na ocasião.

— Aqui na Inglaterra usam pintura com discrição, porém, na França ela é muito mais ostensiva.

— Mas você não usa, mamãe!

Lady Brantforde sorrira.

— Como seu pai sempre diz: “Em Roma, como os romanos!” Se estamos em países onde isso é comum, ou em festas em Londres, onde todas recorrem a cosméticos, seria estranho não aplicá-los.

Davina rira.

Agora, no entanto, pela primeira vez ela percebia que, se ia a Marlborough House, não podia ser como debutante. Seria impossível, a menos que fosse acompanhante da mãe oú de alguma mulher mais velha.

Já que ia como lady Brant, precisava estar de acordo.

Por isso, um tanto nervosa, temendo parecer grotesca, Davina passou um pouco de pó facial e deu um leve toque de ruge nas faces. Descobriu uma outra caixinha, contendo tintura para os cílios e uma escovinha. Aplicou um pouco, notando que os cílios longos pareciam ainda maiores e mais realçados.

Então, ela lançou um olhar ao espelho e ficou satisfeita com o resultado; depois, fitou preocupada a mão esquerda. E agora, como faria para arranjar uma aliança?

Davina foi buscar a caixa dos apetrechos, e ao abri-la encontrou a tiara, o colar e, para sua surpresa, também um anel, que sem dúvida Lucy desenhara. Era muito bonito, possuía uma única estrela e era bem mais largo do que o normal. Combinava com o colar e a tiara, que tinham a estrela bem no centro.

Depois de demorar algum tempo para ajeitar a tiara no cabelo, Davina achou que era a mais linda que já vira, apesar de confeccionada com pedras falsas. Olhou-se novamente no espelho e resolveu passar um pouco de brilho nos lábios. Admirou-se com sua aparência e não pôde deixar de considerar-se um pouco mais bonita.

Felizmente, o manequim dela era igual ao de lady Brant. O corpo do vestido caíra-lhe perfeitamente, realçando-lhe a cintura fina. E, cada vez que se movimentava, a luz das velas fazia-a brilhar ainda mais.

Mesmo com duas mil pessoas na festa, seria impossível que aquela criação de Lucy passasse despercebida.

“Talvez eu consiga dezenas de encomendas para ela”, pensou Davina. “E, então, ninguém se zangará comigo por ter passado por outra pessoa.”

Também os sapatos, bordados com diamante, serviram com perfeição e brilhavam a cada passo que dava.

Ela colocou as luvas brancas de renda que eram lindas, e sentiu-se uma princesa saída dos contos de fada. Olhou-se de novo no espelho e lembrou-se de que precisava de algum abrigo, mas que não fosse pesado para não amassar o vestido.

Davina, então, procurou no guarda-roupa de Lucy alguma coisa leve que pudesse usar, porém, foi na última gaveta da cômoda que achou o que queria: uma longa echarpe de gaze branca, igual à do vestido. Colocou-a cuidadosamente em torno dos ombros, para que escondesse o corpete brilhante.

Logo após, ela pegou o convite, a varinha mágica, e lançou um último olhar ao espelho, fazendo mentalmente uma prece:

“Por favor, meu Deus, que eu aproveite o baile, ajude Lucy... e não seja descoberta!”

Em seguida, Davina desceu devagar a escada e atravessou a loja vazia. Pela vidraça, viu lá fora a carruagem esperando. Por um momento, ficou em pânico. O que estava fazendo era uma loucura tão grande! Não devia prosseguir!

E, novamente, uma voz em sua consciência falou:

— Você não está fazendo mal a ninguém; ao contrário, está ajudando alguém, embora sua mãe ficasse zangada se soubesse...

Mas não havia como lady Brantforde ficar sabendo, se não lhe contassem...

“Vou dizer só a papai, quando ele voltar”, decidiu Davina. Tinha certeza de que ele daria muita risada, quando soubesse do episódio.

Ela sentiu como se estivesse desfraldando uma bandeira de desafio, quando abriu a porta da rua.

Estava indo para o que seria o maior e mais empolgante baile do século!

 

                          CAPÍTULO III

Davina estava tão empolgada, que mal podia respirar.

Jamais imaginara cenário tão glamouroso e incomum.

O enorme salão estava apinhado de gente, com as mais diferentes e atraentes roupas.

Durante o percurso, na carruagem, tremera o tempo todo, e mais ainda ao transpor as austeras portas de Malborough House.

Havia centenas de criados de libré vermelha e meias brancas, recebendo os convidados que chegavam ao mesmo tempo.

Davina adentrou com eles e ninguém prestou atenção nela, depois de ter entregue seu convite. Largou a echarpe na sala dos agasalhos e afastou-se, entre várias outras mulheres, em direção ao salão de baile.

Ela viu então de relance o príncipe de Gales, usando uma casaca grená bordada em ouro e um chapéu com plumas, e não entendeu qual era a fantasia dele.

A princesa Alexandra estava linda num vestido vermelho-rubi, com a frente de seda engastada de pérolas e um chapéu de veludo enfeitado com jóias.

Atrás deles, destacavam-se o príncipe Albert-Victor e o príncipe George como pajens.

Davina teve vontade de parar e ficar admirando, porém sabia que deveria ser discreta e não encarar ninguém. Viu de relance também o duque de Cambridge, que reconheceu de fotos nas revistas.

Ele estava usando a farda de Marechal-de-Campo, e mais tarde ela leu nos jornais que havia sido o único convidado que não se fantasiara. Ficou sabendo também, no dia seguinte, que foram usados para o baile os três salões centrais Marlborough House.

Foi fácil ficar circulando de um salão para outro, de modo que ninguém notasse estar desacompanhada. Só desejava que houvesse alguém lá para lhe dizer quem eram todos.

Emocionante para Davina foi ver a quadrilha dos baralhos, com as pessoas usando as roupas de cartas que Lucy desenhara. Em seguida houve a quadrilha das fadas, da qual achou que deveria ter participado.

Ela estava observando, quando uma lady a seu lado lhe disse:

— Perdoe-me se pareço inoportuna, mas seu vestido é tão lindo, que estou louca para saber quem o criou para você.

Dayina sorriu.

— Foi madame D’Arcy de Maddox Street, e fico contente por você ter gostado dele.

— É deveras maravilhoso! — exclamou a lady.

Davina pensou com satisfação que arranjara ao menos uma freguesa para Lucy, porém, sentindo que seria um erro envolver-se numa conversa, passou para o outro salão.

Ali, além de poder ver os convidados, ela podia ainda admirar os quadros que decoravam as paredes. Havia também uma mobília finíssima, que seu pai, sem dúvida, apreciaria.

Então, sentindo calor, Davina saiu por uma ampla porta aberta que dava para o jardim, e viu que as mesas de comida estavam arrumadas lá fora sob tendas.

Foi caminhando pelas alamedas iluminadas com lanternas chinesas até o fim e então voltou-se para comtemplar a mansão. Estava admirando a imponência da casa, recortada contra o céu de estrelas, quando uma voz a fez sobressaltar-se.

— Minha bela fada, será que poderia realizar um desejo meu?

Davina virou-se e deparou com um homem alto, vestindo-se elegantemente à moda do século XVIII. O paletó amplo era de veludo vermelho, o cabelo estava empoado e ele usava a insígnia azul da Ordem da Jarreteira. Notou ainda que ele era muito bonito, apesar do brilho cínico no olhar e do sorriso zombeteiro.

E em poucos segundos ela retrucou:

— Certamente dependerá do desejo. Se for bom, posso realizá-lo.

Davina falou com desembaraço, pois sentia-se parte da fantasia ou de uma peça representada num palco em que era personagem.

O cavalheiro sorriu.

— Devo lhe confessar, com franqueza, que meu desejo é beijar alguém tão linda como você.

Davina meneou a cabeça.

— Esse não é um desejo bom e, como castigo, vou lançar um encantamento sobre você, para que não deseje beijar ninguém até a terceira lua minguante.

— Mas isso é extremamente cruel! — exclamou o cavalheiro.

— Então, para quebrar o encantamento você deve praticar uma boa ação.

— Preciso pensar o que poderia ser, e, enquanto penso, será que posso ter a honra de acompanhá-la à mesa do jantar?

Davina arregalou os olhos.

Ao notar as mesas postas sob tendas, ela tinha pensado que, por estar desacompanhada, não poderia ir ali. Sua mãe havia lhe explicado que, nos grandes bailes, ser acompanhada à mesa do jantar era um dos pontos culminantes da noite.

— Quem foi a pessoa que acompanhou você e a deixou mais emocionada? — perguntara Davina, na ocasião.

A mãe sorrira.

— A resposta é fácil, claro que foi seu pai! Mas certa vez em Paris fui acompanhada pelo próprio imperador.

— Ah, mamãe, que emocionante!

A mãe rira do entusiasmo dela.

— Ele me fez elogios extravagantes, como costumava fazer a todas as mulheres que conhecia, porém, eu só tinha olhos para ver com quem seu pai estava.

Davina achou que seria interessante ver as tendas do jantar, e por isso respondeu ao cavalheiro:

— Gostaria de aceitar seu convite, contudo, será que não há alguém mais importante que você deveria acompanhar?

— Não posso imaginar alguém mais importante do que a "Fada Rainha". A menos que você lance outro encantamento, e nós dois fiquemos a sós, jantando sob as árvores...

Ele pronunciou com ênfase o "a sós" e Davina revidou:

— Nesta noite devemos ser convencionais e, para ser franca, eu estava querendo ver de perto como são as tendas.

— Então, vamos ver juntos.

E ele ofereceu-lhe o braço. Davina apoiou de leve apenas as pontas dos dedos, conforme a mãe lhe ensinara.

Eles atravessaram o gramado e entraram na primeira tenda. Era menor do que a outra ao lado e armada com veludo vermelho, tapetes indianos e grandes cestos de gerânios vermelhos.

— Ah, que lindo! — exclamou Davina, ao sentar-se.

— E você também! — elogiou-a o cavalheiro que a acompanhava. — Não sei como não a vi antes.

— Fadas aparecem só em ocasiões muito especiais... — revelou ela, enigmática.

— Como esta é uma ocasião especial, deveríamos nos apresentar, embora eu tenha certeza de que a chamam "Titânia".

— Posso ser chamada assim, mas, na realidade, meu nome é Davina.

— Combina com você. Davina de quê?

— As fadas por tradição têm apenas um nome. Não acha que seria decepcionante saber que o sobrenome de "Titânia" era Smith ou Brown?

O cavalheiro riu.

— Você está tentando me confundir, isso sim! Se acaso lhe interessa saber, sou o duque de Norminster.

Ele viu pela expressão dela que o nome não lhe dizia nada, e achou surpreendente descobrir uma mulher em Londres, principalmente uma tão bonita, que não ouvira falar dele.

— Estou, sem dúvida, muito impressionada. E jantar com um duque só me deixa com mais certeza de que esta noite é puro sonho, e que daqui a pouco vou acordar em minha casa.

— E onde é que ela fica?

— No país das fadas, lógico!

Os olhos dele brilhavam, como se estivesse achando engraçado e inteligente a maneira como ela respondia às perguntas.

O jantar foi servido por criados de libré real.

Davina olhava em redor, como se quisesse gravar tudo, sem perder o menor detalhe, sabendo que jamais veria algo semelhante.

Um homem se aproximou para falar com o duque. Usava um costume elizabetano e parecia aborrecido.

Quando ele se afastou, o duque falou:

— Creio que você sabe quem é.

Davina meneou a cabeça negativamente.

— É o marquês de Hartington, amante da bela duquesa de Manchester, uma das mulheres mais bonitas aqui presentes hoje. Vou mostrá-la a você, se ainda não a viu.

— Ah, mostre sim, por favor! — Davina ficou pensativa por instantes, depois acrescentou: — Pensei que a duquesa de Manchester fosse casada...!

— E é!

Notando o ar de surpresa no rosto de Davina, o duque sorriu.

— Será possível que você ficou chocada? Qualquer mulher tão linda quanto a duquesa, ou quanto você, sem dúvida, espera que os homens lhes caiam aos pés, ou não?

Davina não respondeu, permanecendo de olhos baixos.

— Você ficou mesmo chocada, hein?! — ele exclamou. — Como pode ser se vive no mundo como é hoje em dia?

O duque aguardou uma resposta, e, depois de alguns instantes, Davina sussurrou:

— Você não percebeu que sou uma fada?

— Mesmo as fadas deveriam entender as fragilidades da natureza humana.

— Mas você não pode esperar que as aceitem...

O duque contemplou-a longamente.

— Chega de brincadeira, e diga-me quem você é e de onde veio. Parece estar sozinha, porém... Será que não tem um marido escondido por aí na multidão?

— Não... não, é evidente que não! — revidou ela, bruscamente.

Então, compreendeu que falara como ela própria, e não como a mulher por quem estava se fazendo passar.

Confessar que era uma jovem desacompanhada poderia ser perigoso e pareceria reprovável. Por isso, acrescentou, sem olhar para o duque:

— Sou viúva... e do norte.

— Ah, isso explica muita coisa! Imagino que tenha se casado muito cedo, pois agora você não parece ter mais do que quinze anos.

Davina riu.

— Tenho uns anos a mais.

— Como é seu sobrenome?

— Sou... Lady Brant — revelou Davina, depressa, e continuou baixinho: — ... forde. — Tentou se convencer de que não estava mentindo e de que declarara o sobrenome verdadeiro.

— É por você ser do norte que nunca ouvi falar a seu respeito, porém, podemos remediar tal coisa facilmente. Está aqui sozinha?

— Não havia ninguém para vir comigo... — respondeu ela, com sinceridade.

— Era o que eu queria ouvir.

Terminaram a deliciosa refeição, e Davina teve vontade de levar para a mãe um pouco das lagostas, das aves, e dos excelentes patês servidos.

O duque mostrou-lhe várias pessoas importantes ali presentes, descrevendo-as de um modo tão sarcástico, que a fazia rir.

— Este é seu primeiro baile em Londres?

— É o primeiro baile de minha vida, e vou lembrá-lo para sempre.

— E o que pretende fazer amanhã?

Tendo terminado a refeição, o duque estava recostado no espaldar da cadeira, com um cálice de conhaque na mão.

— Vou estar ocupada, preparando encantamentos.

— Não brinque. O que quero saber é se vai ter muitos compromissos nos próximos dias.

— Por quê?

— Porque quero convidá-la para ser minha hóspede, juntamente com o grupo que vou reunir em Nore.

Vendo que ela não entendera a última parte, explicou:

— Nore é o nome da mansão de minha família, que, na realidade é bastante famosa, e você já deve ter ouvido falar...

— Desculpe minha ignorância...

— O que estou tentando dizer, minha bela "Fada Rainha", é que gostaria que se hospedasse em minha casa de amanhã à noite até domingo.

Davina fitou-o de olhos arregalados.

— Estou recebendo em casa e vou dar um baile no sábado à noite... Naturalmente, não será tão grande e importante quanto este, mas... — Ele fez uma pausa, antes de prosseguir: — O que gostaria, se fosse possível, era que você aparecesse no meio da festa, assim como está, e faríamos um cotilhão com prêmios mágicos que ninguém jamais ganhou.

Os olhos de Davina se iluminaram. Já ouvira falar de cotilhão, pois seu pai lhe informara sobre um, do qual participara em St. Petersburg.

— Eu estava pensando — o duque retomou a palavra — em alguma coisa para deixar a festa diferente e original, e agora você resolveu meu problema. Não faria a crueldade recusar o convite, não é mesmo?

Davina continuou olhando para ele. Seu cérebro trabalhava rápido para achar uma solução. Adoraria aceitar o convite, mas como?

Então, ela disse, a si mesma que, se tivera coragem para ir a Marlborough House sozinha, teria também para outras coisas.

“Não se encontrava agora jantando com um duque?", pensou.

O convite dele ia do dia seguinte à noite até domingo... Poderia dizer à mãe que passaria esse tempo com Lucy. Com os remédios que estava tomando, ela continuaria sonolenta e não faria muitas perguntas.

Percebeu Davina que o duque aguardava uma resposta, observando-a com atenção.

Certamente não era correto ir a Nore, onde quer que fosse esse lugar, fingindo ser outra pessoa. Mas Lady Brant achava-se prostrada com sarampo, e não teria como saber o que estava acontecendo.

Se Davina não aceitasse o convite do duque, ficaria outra vez fechada em casa, em Islington, onde permanecia praticamente presa havia dois meses, esperando a volta do pai.

Ela ergueu o rosto e notou que o olhar do duque era hipnótico, como se quisesse induzi-la a concordar. Um tanto sem graça, virou a cabeça.

— Você quer mesmo que eu vá...?

— Como pode duvidar? É o que mais quero. E, se não realizar meu desejo, juro que não lhe darei sossego.

Davina riu.

— Isso, indubitavelmente, precisa ser evitado.

— E daí, você vai?

— Seria muito emocionante para mim...

— E para mim também.

O duque colocou a mão sobre a dela, em cima da mesa, e Davina sentiu-lhe o calor e a força.

— Garanto-lhe que sua visita será inesquecível.

Havia algo no modo de ele falar que ela não entendeu. Então, quando o fitava, intrigada, uma voz soou perto deles.

— Enfim localizei você, Rake! Procurei-o por toda parte.

Parada ao lado da mesa, encontrava-se a mulher mais bonita que Davina já vira.

Era morena e estava de "Cleópatra", num vestido insinuante que revelava as formas perfeitas do corpo, usando na cabeça o tradicional enfeite de jóias que lhe emoldurava o rosto bonito e petulante. Os olhos grandes e escuros fitavam o duque acusadoramente.

— Fiquei esperando você, para me acompanhar à mesa do jantar — acusou ela, ríspida.

— Desculpe-me, Lucille — replicou ele —, porém tive um assunto importante com uma "Fada Boa". — Lucille olhou para Davina com desdém. — Deixe-me apresentá-las — prosseguiu. — Lady Lucille Hedley, lady Brant.

Lady Lucille apenas inclinou ligeiramente a cabeça, e em seguida encarou-o de novo.

— Estamos juntos na dança da próxima quadrilha — avisou. — E; como sua alteza vai participar, é melhor você não se atrasar.

Virou-se e afastou-se em direção a um jovem "Salteador de Estrada", que a esperava à entrada da tenda. O duque sentou-se de novo.

— Peço desculpas pela interrupção — declarou ele.

— Lady Lucille é muito bonita! — exclamou Davina.

— E ela tem consciência disso. Foi elogiada e mimada desde o berço, e espera que o mundo todo lhe obedeça e se curve a seus caprichos.

Havia um tom de sarcasmo na voz dele, bem diferente da maneira que vinha falando.

Davina levantou-se e pegou a varinha mágica, que deixara encostada na cadeira.

— Vai embora? — indagou o duque.

— Você não deve se atrasar para a quadrilha?

— Não há pressa. No entanto, caso nos percamos em meio à multidão, você jura pelo que tem de mais sagrado que irá comigo amanhã a Nore?

— Pode ser difícil... — respondeu ela, hesitante.

— O que tem que fazer é ir à estação Waterloo às quatro horas, e na plataforma 4 encontrará meu trem particular.

— Trem particular! — admirou-se Davina.

— Tenho a impressão de que isso é mais uma novidade para você.

— Realmente. Já li a respeito muitas vezes, porém nunca pensei que fosse conhecer alguém que possuísse algo tão fantástico quanto um trem particular.

O duque riu.

— A maioria das pessoas se impressionam mais com meus cavalos.

— Pois eu me impressiono com seu trem.

— Mais uma razão para você viajar nele.

— Eu adoraria, mas...

— Não quero saber de "mas"; você me jurou e, se me decepcionar, vou pensar que não é uma fada boa, e sim uma bruxa má.

— Agora, você está fazendo chantagem comigo, e isso é errado.

— Nada é errado, se você fizer o que quero. Se não for à estação, juro que não embarcarei no trem e irei procurá-la por toda a cidade, por mais que se esconda de mim.

— E agora está me ameaçando.

O duque tomou a mão dela entre as suas.

— Prometa-me que irá à estação às quatro horas.

Davina fitou-o nos olhos e sentiu que era impossível recusar. Ocorreu-lhe que deveria dizer "não"; sabia que estava entrando numa brincadeira perigosa. Contudo, sem saber como, ouviu sua própria voz afirmando:

— Eu irei...

Voltaram para a mansão e entraram no salão onde seria dançada a quadrilha.

A primeira pessoa que Davina avistou foi o príncipe de Gales, com sua casaca grená. Instintivamente parou.

— Não vou demorar — murmurou o duque. — Depois virei procurá-la novamente. Nós ainda não dançamos.

Davina sorriu para ele.

Para sua surpresa, o duque levou-lhe a mão aos lábios e beijou-lhe os dedos que saíam das luvas de renda. Depois afastou-se, e ela não pôde negar que ele era arrebatador, com aquele traje de veludo vermelho.

Davina entendeu, então, que era sua oportunidade de ir embora. Tinha a impressão de que, se ficasse, o duque se ofereceria para levá-la para casa, e isso, sem dúvida, seria muito arriscado.

A quadrilha começou.

Os outros convidados, no salão, pararam para assistir, já que o príncipe e a princesa de Gales estavam participando.

De certa forma, ela lamentava sair, afastar-se de toda aquela pompa, do cenário mais emocionante e bonito que já imaginara. Foi buscar a echarpe e encaminhou-se para a porta da rua.

— Devo providenciar sua carruagem, milady? — indagou, respeitoso, o porteiro.

— Meu cocheiro não estava se sentindo bem, e eu o dispensei — respondeu Davina. — Será que pode fazer o favor de chamar para mim uma carruagem de aluguel?

Percebeu que o criado ficou surpreso.

Era algo incomum alguém chegar ou sair de Marlborough House em um veículo tão prosaico como uma carruagem de aluguel. No entanto, o porteiro mandou que um lacaio saísse à procura de uma.

Davina esperou só por alguns minutos, antes que a carruagem parasse diante da porta. Ela subiu e deu o endereço, que o lacaio transmitiu ao cocheiro, num certo tom de desdém.

Em seguida, partiram. Não era longa a distância até Islington, porém o cavalo parecia cansado e ia devagar. Quando afinal chegou, Davina sentiu como se tivesse voltado do mundo das fadas para a realidade,

Ela havia levado consigo a chave da casa. Abriu a porta e entrou silenciosamente, esperando que ninguém percebesse sua chegada. O hall estava às escuras, exceto por uma lamparina que luzia no topo da escada e que lhe indicava o caminho. Esgueirou-se pelo corredor, passando pela porta do quarto da mãe.

Nanny estava dormindo no quarto ao lado, para ficar perto. Davina temia que a criada surgisse a qualquer momento, indagando onde estivera até aquela hora. Para seu alívio, porém, não houve nenhum movimento, e ela conseguiu chegar ao quarto em segurança.

Despiu-se rapidamente, pendurando com cuidado o belo vestido. Se fosse mesmo usá-lo na noite seguinte, precisava arranjar um jeito de colocá-lo na mala sem amassar.

Mas será que teria coragem de fazer uma coisa dessas? Não podia viajar com o duque e hospedar-se na casa dele! Ele era um desconhecido, alguém que encontrara no baile e para quem nem fora apresentada.

Lembrou-se Davina, então, que lhe dera a palavra. Além disso, embora evitasse tal pensamento, quando ele lhe beijara a mão, ela experimentara um frêmito estranho percorrer Lodo seu corpo.

"Eu preciso ir! Eu preciso!" falou consigo mesma. Contudo, sabia que não seria fácil...

 

Ao acordar na manhã seguinte, Davina teve a sensação de que o que acontecera na noite anterior fora apenas fruto da imaginação. No entanto, ao ver o vestido brilhante pendurado fora do guarda-roupa, entendeu que aquela aventura maravilhosa tinha sido real.

Ela não havia sido apresentada à corte, nem introduzida como debutante; entretanto, estivera no baile mais importante de toda a temporada.

"Isso será algo para eu lembrar quando envelhecer", pensava ela, ao sair.

Antes de mais nada, Davina pegou um lençol no armário e cobriu o vestido. Não queria ter de explicar a Nanny por que o traje se encontrava ali. Poderia afirmar que Lucy o emprestara, para que servisse de modelo para seus desenhos, porém não queria pregar mentiras.

Depois de se vestir, foi ao quarto da mãe e viu que estava dormindo. Não quis perturbá-la, e desceu para tomar o café.

Amy ainda se encontrava com o tornozelo inchado, e Davina avisou que iria à loja de miss Lucy.

— O que ela achou dos desenhos que você levou ontem? — perguntou Nanny.

— Gostou muito e hoje vai me dar mais amostras de tecidos.

Nanny fechou a cara, como acontecia toda vez que ouvia falar de Lucy. Mas Davina não deu atenção. Correu para o quarto, colocando em um pequeno baú seus melhores vestidos. Pensou, contudo, que Lucy não se importaria de lhe emprestar outros mais sofisticados.

Como Amy não podia subir a escada, Davina teve de arrastar o baú até o hall. Aproveitando o fato de que Nanny estava ocupada no quarto da mãe, mandou Bessie ir em busca de uma carruagem.

Davina achou-se um pouco extravagante andando tanto de carruagem alugada, porém não podia caminhar até Maddox Street arrastando aquele baú. Chegou quase às onze ho­ras, e, assim que ela entrou, Lucy saiu depressa da sala de trabalho.

— Davina, não a esperava tão cedo! Mas estou louca pa­ra saber se lady Brant gostou do vestido.

Davina respirou fundo.

— Tenho muita coisa para lhe contar, Lucy! Será que podemos ir a seu quarto?

A estilista olhou-a espantada.

Então, Lucy viu o cocheiro transportando para dentro o baú de Davina, sobre o qual se encontrava o vestido de "Fada".

— O que aconteceu? — interrogou.

O cocheiro largou a caixa com os apetrechos e Lucy ficou ainda mais espantada.

— Por favor, vamos subir!... — exclamou Davina.

Sem esperar a resposta de Lucy, tomou a dianteira, subiu e entrou na sala. Lucy seguiu-a e fechou a porta.

— O que aconteceu? — indagou de novo.

Sentou-se Davina no sofá e começou a contar a história.

Lucy, que estava em pé, ao ouvir deixou-se cair numa cadeira, como se as pernas não a sustentassem mais.

Davina narrou tudo, desde o momento em que saíra da casa de lady Brant até quando o duque fora dançar a quadrilha. Explicou como aproveitara a oportunidade da dança para ir embora, antes que ele descobrisse onde morava. E concluiu, com voz um tanto apreensiva:

— Espero que... não fique brava comigo...

— Brava? Estou é pasmada! Só mesmo sendo, filha de quem é para mostrar-se tão corajosa.

Olhou para Davina e subitamente caiu na gargalhada.

— Não pode ser verdade! Você deve estar inventando tudo isso!

— É verdade, sim. É verdade tudo o que eu disse.

— É a história mais fantástica que já ouvi. Como você pôde ir a Marlborough House, sozinha, fingindo ser lady Brant?

— Estando com sarampo, ela não vai ficar sabendo o que aconteceu.

Lucy levantou-se.

— E se ela não pagar o vestido? — quis saber Davina.

— Não se preocupe! Vou fazê-la pagar. E, em todo caso, o vestido foi visto!

— Acho que lhe arranjei uma nova freguesa. E se eu usá-lo amanhã à noite...

Lucy, que se encaminhava para a porta, parou e virou-se.

— Não me diga que está pensando em aceitar o convite do duque!

— Prometi a ele que iria...

— No entanto, minha cara... — Lucy interrompeu-se, sentou-se no sofá e contemplou Davina por um longo tem­po, antes de acrescentar: — Entendo que você possa estar imaginando que vai ser uma outra linda aventura como a do baile, porém, na realidade, o duque não é uma pessoa que você deva conhecer.

— Por que não, se é um duque?

— Ele não lhe disse o primeiro nome?

Davina pensou um pouco, antes de responder:

— Parece que lady Lucille o chamou de "Rake", mas tal­ vez eu não tenha entendido bem.

— Entendeu, sim. É a forma pela qual é chamado, e você sabe que essa palavra se aplica a indivíduos libertinos e de­vassos. Ele é exatamente assim, e por isso tem esse apelido. — Davina não disse nada, e Lucy prosseguiu: — O duque tem um romance com lady Lucille Hedley.

— Você quer dizer que estão noivos?

Lucy riu.

— É o que ela quer. Agora que está viúva, pretende se tor­nar a duquesa de Norminster.

— Ela falou como se mandasse nele.

— Não acredito que alguém consiga mandar no duque ou obrigá-lo a fazer o que não queira — observou Lucy. — Mas ele e lady Lucille têm sido alvo de mexericos na sociedade por mais de um ano. Na realidade, no White's Club estão até apostando se ela vai ou não conseguir levá-lo ao altar.

— Que coisa horrível!

— E é por essa razão que você não deve ir hospedar-se na casa dele.

— Por que não, se ele está interessado em lady Lucille?

— Porque todas na festa serão como ela: sofisticadas, ma­liciosas e dissolutas, e não aprovarão que ele dê atenção a você.

— Ah, não sou convidada nem para um chá! Parece cruel­dade sua querer me impedir de ir ao único baile para o qual recebi convite.

— Eu sei, minha cara, porém tenho certeza de que sua mãe, se soubesse, não aprovaria.

— Mamãe nem precisa ficar sabendo! Nanny me disse que, com o remédio de sir William, ela dorme o dia todo.

Davina fitou Lucy com olhar suplicante.

— Ah, Lucy, tem sido tão duro ficar tanto tempo em ca­sa, sem fazer nada e nem poder andar a cavalo! Por favor, deixe-me ir à casa do duque!

Lucy fez um gesto de desalento.

— Não posso impedi-la, minha cara! Só estou com medo de que você fique chocada ou muito assustada com o que vai encontrar lá.

— Não sei por quê. Pelo que ele me contou, está dando uma grande festa. Portanto, poderei passar despercebida entre os convidados, divertindo-me só de ver e ouvir o que acontece.

— Espero que não! — discordou Lucy, enigmaticamente. Depois, como se mudasse de idéia, falou: — Cara Davi­na, você irá ao baile e eu a vestirei para a festa!

— É mesmo?! Ah, Lucy, por favor, ajude-me! Creio que vai ser tão divertido!

— Será, se você me prometer duas coisas.

— O quê?

— Em primeiro lugar, que não se envolverá com o duque, pois se o fizer, lady Lucille lhe arrancará os olhos. E, em segundo, tranque sua porta todas as noites, quando for se deitar.

Davina encarou-a, perplexa.

— Trancar minha porta? E por quê? De que você está com medo? Ladrões?

Lucy refletiu por uns instantes, depois respondeu:

— Em reuniões desse tipo, os homens às vezes bebem um pouco demais e podem entrar em seu quarto por engano.

— Então, vou trancar a porta mesmo, porém acho engraçado fazer tal coisa numa residência.

Lucy fez menção de acrescentar algo mais, mas mudou de idéia.

— Agora o que temos que fazer — declarou ela — é arranjar-lhe roupa adequada, não para a bela miss Davina Brantforde, e sim para a viúva lady Brant.

Davina ficou pensativa.

— Está querendo dizer que ninguém pode saber que sou solteira, porque senão eu deveria estar acompanhada?

— Justamente. E garanto-lhe que nenhuma jovem solteira seria convidada para as reuniões do duque.

— Então, diga-me exatamente a maneira de me portar como viúva.

Lucy, com uma expressão estranha, foi até a janela e ficou olhando para fora.

— Eu me pergunto se estou agindo certo... — murmurou. — Entretanto, se seu pai não voltar, você terá de retornar para a casa no campo.

Falava ela como se tal coisa fosse um castigo horrível, e Davina apressou-se a afirmar:

— Adoro o campo, e quando papai voltar tudo será diferente. No entanto, só gostaria de algo de que me lembrar.

Lucy voltou-se para ela.

— E você terá, minha cara, porém vai me prometer cum­prir o que lhe pedi.

— Eu prometo! Eu prometo! — exclamou Davina, ansiosa.

Os olhos dela brilhavam, tanto assim que nem notou o ar de preocupação no rosto de Lucy quando se despediram.

 

                               CAPÍTULO IV

Davina estava assustada quando chegou à estação de Waterloo. Ao se ver vestida com o elegante traje de viagem que Lucy lhe emprestara, achara que aquela história toda era ridícula.

Certo que ela, uma jovem simples do interior, não pode­ria tomar parte da reunião do duque de Norminster, princi­palmente tendo ele a fama que tinha.

Então, Davina lembrou-se de como era bonito.

Igualmente, ela não podia esquecer a expressão de desdém que lady Lucille lhe lançara, ao serem apresentadas.

Era óbvio que ele pertencia a lady Lucille, e quando fos­sem casar, sem dúvida, ela, Davina, não seria convidada. Não pôde deixar de rir da idéia, e novamente seu espírito de aven­tura empurrou-a para a plataforma 4.

Ela e a mãe tinham viajado para Londres de segunda clas­se, num vagão só para senhoras. Como poderia imaginar que veria e até viajaria num trem particular?

De outra parte, sentia-se muito jovem e inexperiente, e te­mia cometer erros.

Em seguida, começou a pensar que seus pais a haviam edu­cado para ser uma lady. Sempre a ensinaram a ser gentil e a entreter convidados; sua mãe, muitas vezes, lhe mostrara como se portar em casas de pessoas importantes.

Não que lady Brantforde fosse esnobe, e sim que Davina se interessava muito pela vida da mãe antes de casar-se.

— Minha família era rica — contara-lhe a mãe, com um sorriso. — Como seu pai e eu nunca fomos, nem por isso vou baixar meus padrões. E sir Terence é um perfeito cava­lheiro.

— Claro! — concordara Davina. — Ele seria o mesmo, quer estivesse no meio dum deserto, na tenda de um xeque, quer estivesse jantando com a rainha.

Lady Brantforde rira.

— É bem verdade, e se você imitar seu pai, sempre se sen­tirá à vontade, onde quer que esteja.

Lembrando-se disso, Davina decidiu que não se deixaria intimidar pelas pessoas presentes à reunião do duque. Pediu a um carregador para levar sua bagagem até a plataforma 4, e acompanhou-o andando devagar, para que ninguém no­tasse como estava nervosa.

As roupas que Lucy escolhera para ela certamente ajuda­riam bastante.

O vestido com que viajaria era de um azul pálido, elegan­temente debruado com galão. Sobre ele usava uma jaqueta justa e curta da mesma cor, e o chapéu que adornava seu rosto delicado era enfeitado com pequenas plumas de avestruz.

O trem parecia de brinquedo, porque era pintado de bran­co, vermelho e dourado.

O duque encontrava-se na plataforma, cumprimentando os convidados. Davina achou-o ainda mais bonito e arrebatador do que no baile.

Não portava ele a peruca branca que fazia parte da fanta­sia, e ela pôde ver-lhe os cabelos escuros, combinando com as sobrancelhas.

— Ah, você veio! — exclamou, estendendo-lhe a mão.

— Dei-lhe minha palavra de honra... — retrucou Da­vina.

— Eu me lembro. Acontece, porém, que fadas têm o costume de desaparecer, e temia não poder encontrá-la mais.

— Estou aqui. — Davina sorriu. — E louca para conhecer sua casa.

— E o dono dela também, é o que espero.

Ela não respondeu e ele indagou:

— Você não se esqueceu de trazer a fantasia de fada e sua varinha mágica?

— Não, está aqui comigo. Assim, se me sentir indesejada, poderei voar para longe com ela.

— Garanto-lhe que a quero mais do que consigo expressar.

O duque falava com tal sinceridade, que ela ficou sem jeito.

O carregador já colocara sua bagagem no trem. Ela abriu a bolsa para pegar uma gorjeta, mas o duque adiantou-se e deu ao homem meio soberano.

— Obrigado, alteza, e espero que seu cavalo vença hoje à tarde em Epsom!

— Vou ficar decepcionado se não vencer — retrucou o duque. — Pôr isso, pode apostar o que acabei de lhe dar.

— Vou fazer isso, alteza, e obrigado!

O carregador sorriu e afastou-se.

Então, Davina interveio, surpresa:

— Você tem um cavalo disputando, e não vai assistir à corrida?

— Estarei numa espécie de corrida bem diferente — res­pondeu o duque, enigmático.

Não foi tanto o que ele disse, mas a maneira como a olhou, que a fez virar-se para o vagão.

O duque ajudou-a a subir o degrau. Davina entrou no que devia ser o vagão-sala, já apinhado de convidados.

As mulheres estavam elegantemente trajadas, com modelos semelhantes ao de Davina, e isso a tranqüilizou um pouco.

Os homens pareciam todos muito distintos.

O duque apresentou Davina a uma ou duas ladies, surpresas ao ver uma desconhecida.

Foi então que chegou lady Lucille.

Davina achou-a espetacular, vestida de verde-esmeralda da cabeça aos pés. O chapéu era todo de plumas de avestruz, e nas orelhas usava brincos de esmeralda.

Ela estendeu as mãos para o duque, dizendo:

— Desculpe-me se estou atrasada, Rake! Estava me fa­zendo bonita para você.

— E conseguiu, minha cara! — exclamou o duque. Lady Lucille inclinou a cabeça, para olhá-lo de modo provocante.

— Tem certeza? — perguntou, num tom suave. Davina teve a impressão de que ela representava, como se estivesse num palco. Entendeu logo que o objetivo principal dela era impressionar as outras pessoas no vagão.

Lady Lucille ficou um longo tempo como que hipnotiza­da pelo duque; depois, como se de repente se lembrasse dos demais presentes, afastou-se com um gesto afetado e cum­primentou efusivamente várias mulheres.

— Alice, que divino vê-la aqui! Edith, você está ainda mais linda do que no baile!

Depois de se dirigir a outras amigas, chegou afinal onde Davina estava sentada.

— Essa é lady Brant, que você conheceu ontem à noite — afirmou o duque. — Felizmente consegui persuadi-la a vir a minha festa e a trazer a varinha mágica.

— Ela vai precisar mesmo disso! — observou lady Lucil­le, com frieza.

Logo após, virou-se para cumprimentar um cavalheiro, que a cobriu de elogios.

Assim que o trem saiu da estação, os camareiros serviram champanhe. Havia também vários pratos com sanduíches de patê e bolinhos, além de caviar para quem quisesse.

Os convidados conversavam animadamente entre si, abor­dando as coisas do baile e, ao mesmo tempo, referindo-se com pouco-caso aos que não tinham estado presentes.

Como Davina não conhecia as pessoas de quem falavam, ela deixou de escutar e ficou prestando atenção em todos os detalhes do trem. Era algo de que queria lembrar-se para sempre.

Não havia decorrido muito tempo ainda, quando o duque organizou duas mesas de bridge.

— Você gostaria de jogar? — perguntou a Davina.

Ela meneou a cabeça negativamente.

— Prefiro ficar só observando.

— Foi o que imaginei — sussurrou ele, com um sorriso. Lady Lucille aceitou participar do jogo, e, assim que se sentou, falou com voz chorosa:

— Ah, Rake, você vai ser meu parceiro, não!?

— Desta vez, não. Freddie ficará com você — respondeu. Freddie era um bonito jovem, que se acomodou à mesa com um protesto:

— Sou sempre eu o substituto de Rake! Espero que algum dia alguém me convide por mim mesmo!

Os outros jogadores riram.

— Que triste! — brincou um dos homens. — Mas é que você prefere montar os cavalos de Rake a fazê-lo nos seus, e ninguém consegue nada de graça neste mundo.

Houve mais risadas.

Davina pensou de novo que todos se comportavam como personagens de uma das comédias que costumava ler com o pai.

Enquanto os jogadores preparavam o baralho, o duque sentou-se ao lado de Davina, declarando:

— Você deve estar se perguntando se isto tudo é real, penso eu.

— Como adivinhou?

— Pelos seus olhos.

— Se eles revelam meus segredos, preciso tomar mais cui­dado. E, quem sabe, usar óculos.

— Vou ficar desolado, se fizer uma coisa dessas. — Ela sorriu para ele, e momentos após o duque prosseguiu: — Fi­co imaginando o que você tem, que a torna tão diferente das outras mulheres.

— O que há de errado comigo?

— Não há nada de errado. Ontem à noite, pensei que fosse a fantasia, porém hoje estou vendo que é você.

— Agora está me deixando sem jeito. Talvez... eu não de­vesse ter vindo...

— Por que diz isso? — Como Davina não respondesse, o duque retomou a palavra: — Há muita coisa sobre você que quero que me conte, muitas perguntas que desejo lhe fazer, mas não agora.

Nem foi preciso indagar por que, pois lady Lucille chamou-o, petulantemente:

— Ah, Rake, venha participar da próxima rodada! Freddie está jogando tão mal, que vou perder uma for­tuna.

— Espero sinceramente que não! — exclamou o duque.

Davina não entendeu por que todos riram da forma que ele falara. Ela não sabia que lady Lucille e as demais mulhe­res presentes esperavam que os parceiros pagassem suas perdas e as deixassem ficar com o que ganhassem.

O duque dirigiu-se para a mesa de jogo e Freddie, cujo sobrenome Davina não sabia, foi sentar-se ao lado dela. Não querendo que lhe fizesse perguntas, ela interrogou-o a respeito dos cavalos do duque e descobriu que esse era um assunto do qual entendia muito bem e sobre o qual gostava de falar.

O trem levou uma hora e meia para chegar à estação par­ticular de Nore. Havia um tapete vermelho na plataforma e vários criados para ajudar os convidados a desembarcarem do trem e a entrarem nas carruagens.

Davina percebeu que quase todas as mulheres tinham le­vado as criadas de quarto, e que, junto com os valetes dos cavalheiros, foram acomodadas numa charrete igual às que levavam as bagagens. Para surpresa sua, viu-se instalada nu­ma carruagem com lady Lucille, Freddie e o duque, que foi o último a sair da estação, pois ficara acomodando todos os convidados.

Lady Lucille, que já trocara algumas palavras com Fred­die, dirigiu-se a Davina:

— Não entendo, lady Brant, por que não a conheci antes de ontem à noite. Por que esteve se escondendo?

— Moro no campo — desconversou Davina.

— Então, como é possível que tenha recebido um convite para o baile de sua alteza real?

Davina deduziu que ela tinha a intenção de ser rude.

— Foi mesmo uma surpresa — respondeu com voz suave. — E, francamente, senti-me honrada.

— E deve sentir-se honrada também por ter sido convi­dada a hospedar-se em Nore — replicou lady Lucille.

— Creio que Rake tem um plano especial para amanhã à noite, e lady Brant faz parte dele — interveio Freddie.

— Vou descobrir logo de que se trata — afirmou lady Lu­cille, friamente. — Rake nunca tem segredos para mim.

Lançou um olhar hostil para Davina, que não pôde dei­xar de se sentir um tanto constrangida.

Foi um alívio quando o duque afinal entrou na carruagem, desculpando-se:

— Lamento tê-los deixado esperando, mas já podemos partir agora. Ficarei decepcionado, lady Brant, se não achar minha casa atraente!

— Todos nós achamos que Nore é o lugar mais lindo do mundo! — intrometeu-se lady Lucille, já num tom de voz bem diferente. — Lançou ao duque um olhar provocante, antes de acrescentar: — E isso, é evidente, inclui nosso ma­ravilhoso anfitrião.

O duque olhou pela janela.

— Amanhã vai ser um dia ideal para o jogo de pólo — afirmou ele. — Davina não conteve uma exclamação, e o du­que prosseguiu: — Interessa-se por pólo, lady Brant?

— Nunca assisti a uma partida, porém adoraria ter uma oportunidade.

— Então, meu time precisará vencer — declarou o duque. — Está ouvindo, Freddie?

— O time de Charles Hampton praticou mais do que o nosso, e os cavalos deles são mais experientes — protestou Freddie.

— Pois estou determinado a vencê-los! — exclamou o du­que, com firmeza.

Ocorreu a Davina que ele era de uma persistência tão ar­raigada, que o fazia sempre vitorioso em tudo aquilo em que se empenhasse.

Ela percebeu que o duque a fitava e, quando seus olhares se encontraram, teve a estranha sensação de que ele estava lendo seus pensamentos.

Nore era ainda mais magnífica do que Davina imaginara. Em volta havia um parque esplêndido com velhos carvalhos, um lago e uma bela ponte do século XVIII.

A entrada principal, com degraus de acesso, ficava bem no centro da construção. O grandioso pórtico de pedras, com colunas jônicas, era bastante imponente.

Quando entrou no hall, Davina ficou boquiaberta diante de tanta magnificência. Conduzida por uma escada em cur­va, ela não teve tempo de apreciar os detalhes dos belos quadros ou as bandeiras que ladeavam a ornamentada lareira de mármore. Olhou para o teto alto, que era uma profusão de deuses e deusas.

Quando lhe mostraram o quarto, Davina respirou alivia­da, percebendo que estivera tensa por achar tudo tão fan­tástico.

Havia duas criadas para desfazer as malas, e, depois que ela lhes falou, foi tirar a roupa para descansar até a hora do jantar. Elas trabalhavam depressa, e dessa forma logo se re­tiraram.

Davina deitou-se numa cama com dossel ornamentado com pombos e cupidos, e teve a impressão de ter entrado num mundo de sonho. Nem mesmo tudo o que a mãe lhe ensina­ra a havia deixado apta para apreciar algo tão imponente e arrebatador.

“Não posso perder nenhum detalhe", pensou. "Isto nun­ca me acontecerá de novo, e tenho certeza de que nem papai conhece alguém cuja casa seja tão grandiosa!"

Logo as criadas voltaram ao quarto, trazendo o banho que tinham preparado. Não havia fogo na lareira, e elas pergun­taram se Davina gostaria que acendessem.

— Lógico que não — retrucou Davina. — Está quente aqui.

— À noite costuma esfriar — explicou uma das criadas. — Mas estão dizendo que este é o mês de julho mais quente que já tivemos.

— Isso é verdade, pelo menos em Londres — concordou Davina.

Momentos depois, as criadas avisaram que o banho estava pronto. Ela saiu da cama e foi primeiro até a janela. O quarto dava para o jardim.

Davina podia ver bem em frente uma enorme fonte de pe­dras, onde a água jorrava da boca de um golfinho. O reflexo do sol poente formava um arco-íris nos respingos de água, e ela achou que não poderia haver cenário mais belo.

Um pouco mais à esquerda da fonte, Davina viu uma coi­sa que não reconheceu de imediato. Pareceu-lhe uma por­ção de sebes, que talvez constituíssem algum desenho. Perguntou a uma das criadas e esta lhe respondeu:

— É um labirinto, milady. Temos muito orgulho dele, levando-se em conta que é um dos mais antigos do país.

— Que interessante! — exclamou Davina.

O pai dela já havia lhe falado sobre o labirinto em Hampton Court Palace. Dissera-lhe, na ocasião, que o labirinto mais antigo de que se tinha conhecimento fora criado no Egito por Amenófis IV, e era descrito como "maior do que as pirâmides”.

"Preciso ver de perto esse labirinto!" refletiu, ao entrar no banho.

Depois, Davina pensou que, se fosse ver todas as preciosi­dades que essa maravilhosa casa continha, não haveria tem­po para mais nada, a não ser que se ficasse ali pelo menos um século. E não pôde deixar de rir da idéia.

Para descer ao pavimento inferior, ela pôs um dos elegan­tes e sofisticados vestidos que Lucy lhe emprestara, e que a fazia parecer etérea e adorável. A estilista arranjara-lhe tam­bém uma aliança, mas, fora isso, não tinha outras jóias. Por isso, Davina prendera ao pescoço, com uma fita prateada, uma pequena orquídea.

Ao chegar embaixo, porém, esqueceu-se ela de si, tão en­cantada que ficou com o que via em seu redor. Tinha certe­za de que o belo madeiramento interior havia sido entalhado por Grinling Gibbons, e percebia que cada quadro que ad­mirava era uma verdadeira obra-prima.

Um lacaio conduziu-a ao enorme salão no andar térreo, e, assim que a porta se abriu, Davina ouviu o som de vozes e risos. Uma timidez inesperada a dominou. Foi com grande esforço que conseguiu entrar de cabeça erguida.

As velas nos candelabros já se achavam acesas, apesar de os últimos raios de sol ainda estarem entrando pelas amplas janelas. Havia um perfume de flores no ar, e de repente tu­do lhe pareceu irreal.

Foi com alívio que Davina viu o duque aproximando-se dela. Estava mais majestoso e altaneiro ainda, em seu traje de noite.

— Espero que tenha descansado — murmurou ele, assim que se aproximou.

O duque pareceu sincero em sua preocupação, e Davina respondeu:

— Como poderia descansar, se de repente me vejo trans­portada para a caverna de Aladin?

Ele riu.

— É assim que lhe parece minha casa?

— Não, acho que essa não é a descrição correta. Devo es­tar mesmo é no palácio de Kublai Khan, que sempre imagi­nei como o máximo da beleza.

— Então, já temos algo em comum — afirmou o duque —, porque também pensei a mesma coisa na primeira vez em que li o poema.

— Poema, aliás, que diz muito em poucas palavras.

O duque fitou-a admirado, de um modo que ela achou até insultante.

Davina queria lhe mostrar que, embora morasse no cam­po, era bem-educada e culta, e tinha leitura. Mas teve a im­pressão, por aquele olhar, de que ele não a imaginava capaz de nada disso.

— Esta noite teremos um jantar calmo e simples, pois creio que todos hão de querer se recolher cedo — declarou ele, en­quanto caminhavam para junto dos outros convidados. Fez uma pausa e complementou: — Só você não merece dormir.

Davina sabia que o duque se referia à maneira furtiva por que saíra do baile em Marlborough House, enquanto ele par­ticipava da quadrilha.

— Por que você desapareceu daquele jeito?

Ainda não haviam alcançado os demais convidados, e ele parou, como se estivesse decidido a fazê-la responder.

— Você procurou por mim...? — balbuciou ela.

— Claro que procurei! Não podia acreditar que tivesse ido embora sem se despedir.

— Eu devia ter-lhe agradecido por me acompanhar ao jan­tar, porém, por outro lado...

— Por outro lado...? Conclua, Davina!

Ela desviou o olhar.

— Foi tudo tão maravilhoso, tão arrebatador, que tive me­do de poder estragar...!

O duque não disse nada, e, sem conseguir evitar, Davina dirigiu o olhar para ele.

— Tive medo também, mas é de nunca mais encontrá-la, Davina...

Então, uma voz soou atrás deles:

— Estou atrasada? Ah, Rake, se eu estiver, peço que me desculpe!

Era lady Lucille, e, na opinião de Davina, novamente fa­zendo uma entrada triunfal. Achava-se mesmo decidida a cha­mar a atenção sobre si, e, sem dúvida, conseguia. Usava um vestido de seda laranja, com anquinha composta de plumas de ave-do-paraíso. Na cabeça havia uma única pluma gran­de, e ela estava fantástica, extremamente bonita.

De imediato, lady Lucille tomou posse do duque, enlaçando seu braço no dele, fitando-o nos olhos e falando-lhe com voz suave, em tom de intimidade.

O jantar foi anunciado, e passaram todos para o enorme salão de refeições. Ali poderiam caber umas cem pessoas. Os candelabros e enfeites de ouro sobre a mesa, os pratos tam­bém de ouro, pareciam de fato para Davina fazer parte do palácio de Kublai Khan.

Os cavalheiros, sentados um de cada lado dela, falavam sobre pólo. Conversavam animadamente a respeito da par­tida que se realizaria no dia seguinte.

Depois, o assunto mudou para cavalos de corrida, e então souberam que o puro-sangue do duque tinha vencido o pá­reo principal do dia, em Epsom. Os convidados o cumpri­mentaram, erguendo as taças num brinde.

Era fascinante ouvir aquele diálogo, e Davina não perdia um só detalhe da conversa. Admirou o garbo do duque sen­tado em sua cadeira de espaldar alto à cabeceira da mesa, em perfeita harmonia com o ambiente.

Após o jantar, as mulheres voltaram para o salão onde es­tavam antes, e com alguma habilidade Davina conseguiu evi­tar lady Lucille.

Pouco depois, os cavalheiros se juntaram a elas, e, embo­ra houvesse mesas preparadas para o bridge, a maioria dos convidados parecia preferir apenas palestrar.

Um pianista tocava melodias românticas, para fazer fun­do musical à reunião.

Passava um pouco das onze horas, quando elas começa­ram a subir para se recolher, cada uma, como de costume, levando uma vela acesa que lhes era entregue no hall.

Davina sentiu-se fazendo parte de um cerimonial que vi­nha se repetindo havia séculos.

O duque não falara com ela depois do jantar. Só quando já se encontravam no hall, e ela esperava a vez de receber a vela, é que ele disse:

— Amanhã quero conversar com você a respeito do cotilhão, mas precisa ser pela manhã, depois que eu voltar da cavalgada. — Ele notou a expressão do olhar de Davina, e continuou: — Nem lhe perguntei se gostaria de andar a cavalo...

— Adoraria mais do que qualquer outra coisa... se for possível.

Lucy havia colocado em sua bagagem um traje de montaria.

— Vou lhe emprestar este meu, caso você tenha a opor­tunidade de usá-lo — dissera ela, então.

— Ah, Lucy, você acha que poderei andar a cavalo?! — perguntara Davina, que sentia falta dos puros-sangues do pai, em Londres.

— Duvido muito que tenha oportunidade! — exclamara Lucy. — Só se for de manhã bem cedo, porém, aí você po­derá estar muito cansada.

— Nunca estou cansada para montar.

Davina lançou um olhar suplicante para o duque, e ele res­pondeu:

— Lógico que é possível, se você quer. Só que saio bem cedo, às oito horas em ponto, e não espero ninguém.

Ela riu.

— Isso não é tão cedo para mim.

— Muito bem, então. Imagino que queira um animal ve­loz, fogoso...

— E que salte bem — completou Davina.

No quarto, enquanto a camareira a ajudava a despir-se, Davina lhe pediu que deixasse preparados os trajes de mon­taria e as botas.

— Quero estar na cocheira às cinco para as oito, e você vai me indicar o caminho.

— Não é difícil encontrar, milady! Quer que eu a chame às sete horas?

— Sim, por favor.

Davina vestiu uma elegante e um tanto imprópria camisola, das três que Lucy lhe emprestara.

— Posso usar as minhas, mesmo — declarara a Lucy, quando arrumavam as malas.

— As suas só servem para uma jovem debutante, chama­da Davina Brantforde — aconselhava a amiga —, e as cria­das de quarto ficarão boquiabertas se a bela lady Brant não usar algo mais sedutor.

— Sedutor... para quem? Lady Brant é viúva.

Lucy apenas olhou-a de modo estranho, e colocou na ma­la três lindas camisolas de tecido fino e transparente, enfei­tadas com renda.

Havia ainda um négligé combinando, que Davina achou lindo como um vestido de baile. Era de cetim azul, também enfeitado com renda, e fechado com botões de pérola.

— Se tal coisa não impressionar as criadas — revelara a Lucy —, nada mais as impressionará.

— Isso é o que elas esperam que você use.

Depois que a criada saiu do quarto, Davina, em vez de se deitar, foi até a janela e afastou as cortinas. Conforme espe­rava, o céu estava todo estrelado e havia uma lua quase cheia que iluminava o jardim, prateando a fonte o labirinto de sebes.

Foi então que ela teve uma idéia.

No dia seguinte à tarde seria realizado o jogo de pólo, e pela manhã haveria uma inspeção nos cavalos. Davina teria o tempo todo tomado, e dessa maneira não poderia conhe­cer o labirinto.

Repentinamente, ela resolveu que iria vê-lo naquele mo­mento. Devia haver uma porta lateral que desse para o jar­dim. O lacaio da noite não prestaria atenção nela, e os demais convidados catariam todos na cama.

Em sua casa no campo, Davina costumava ir ao jardim nas noites de verão, quando não conseguia dormir. Por is­so, nem lhe ocorreu que poderia parecer estranho o que pre­tendia fazer.

Então, ela vestiu o belo négligé e calçou os chinelos de ce­tim combinando. Abriu a porta do quarto e saiu. Só mais tarde é que se lembrou de que não a havia trancado, como prometera a Lucy.

"Os cavalheiros me pareceram bastante sóbrios hoje", me­ditou. "Mas, como prometi, vou trancá-la quando voltar."

No corredor, as velas continuavam acesas nos candelabros de parede, o que fez Davina deduzir que o duque ainda não se recolhera. Deliberadamente, ela afastou-se da escada prin­cipal e, tal como esperava, encontrou uma outra escada me­nor, no fim do corredor. Desceu furtivamente, notando que não havia sinal de ninguém e que a casa se encontrava num silêncio total.

No fim da escada tinha uma porta de vidro, por onde se infiltrava o luar. Davina destrancou-a e girou o trinco. Sen­tiu o ar fresco da noite e saiu para o jardim. Andou de­pressa até o labirinto, mantendo-se sempre debaixo das árvores.

Ao chegar lá, Davina descobriu que as sebes eram muito mais altas do que pareciam, quando vistas da janela.

Davina, fascinada por nunca ter visto um labirinto, deci­diu descobrir o centro dele. Certamente, ali haveria alguma bela estátua, talvez um cupido, simbolizando o esforço hu­mano para encontrar o amor através de todas as dificulda­des e problemas, que fazem a vida de cada pessoa parecer um labirinto.

Aquele, indubitavelmente, era bastante complicado.

Davina caminhava, indo de um lado para outro, andando em círculo no mesmo lugar. Por várias vezes voltou e recomeçou. Após quase meia hora de tentativa, ainda não havia atingido o centro.

Quando afinal ela pensou ter conseguido, deparou, em vez da estátua de cupido que imaginara, com um banco de pe­dra atravessado no caminho. Exasperada, sentou-se e jogou a cabeça para trás, para olhar as estrelas. Ficou meditando como lhe pareceria o labirinto, se fosse suficientemente alta para enxergar por cima das sebes. Nesse caso, descobriria fácil o caminho até o centro.

"Preciso tentar de novo", refletiu. "E, se não conseguir desta vez, vou voltar para a cama."

Então, para seu espanto, Davina ouviu uma voz de ho­mem soar perto dali:

— Por que diabos me pediu para encontrá-la aqui?

— Tive receio de que em outro local alguém nos visse — respondeu uma voz feminina. — Assim que descobri o ma­pa do labirinto na escrivaninha de Rake, entendi ser este o lugar ideal para um encontro secreto.

Davina prendeu a respiração. Tinha reconhecido a voz de lady Lucille.

— Pois bem, aqui estou — sussurrou o homem, num tom meio áspero. — Espero que tenha me trazido um mapa, pa­ra eu poder localizar onde você está dormindo.

— Claro que trouxe! — exclamou lady Lucille. — Não sou nenhuma imbecil. Não vou querer que você entre em quarto errado. Ei-lo!

Davina ouviu um leve farfalhar de papel.

— Agora me explique — pediu ele — qual exatamente é seu quarto.

— E este marcado com uma cruz, bem em frente à suíte de Rake.

— Suponho que Rake vai estar com você, não é?

— Se não estiver, o que é pouco provável, então eu estarei com ele. A suíte dele tem uma porta externa, um peque­no vestíbulo, e a porta do quarto fica bem em frente.

Fez-se silêncio, enquanto o homem provavelmente estu­dava o mapa.

Depois, ele perguntou:

— E como é que entro?

— Há uma porta lateral que dá para o jardim, que fica a uns dez passos à esquerda de uma estátua do terceiro duque.

— Acho que posso encontrá-la — afirmou ele.

— É evidente que sim, Philip — declarou Lucille, com rispidez. — Não se esqueça de que vou ficar tão espantada ao vê-lo quanto o próprio Rake.

— Você precisa deixar bem claro para ele — murmurou Philip — que, se não pagar o que peço, vou entrar com o pedido de divórcio e citá-lo como co-réu! Você deve ter al­gumas cartas dele, não?

— É lógico que tenho.

— Ótimo.

— Quanto vai pedir por seu silêncio?

Davina ouviu Philip rir, antes de responder.

— Vou começar com duzentas mil libras. Mas acredito que você e eu poderíamos ficar muito bem em Paris, por algum tempo, se tivéssemos cem mil libras.

— Rake pode pagar bem mais do que essa quantia.

— E eu vou tentar conseguir.

— Você foi esperto em planejar isso, enquanto todos em Londres pensam que está morto.

— Tive de me fingir de morto! Como iria pagar minhas dividas?

Lady Lucille riu.

— Agora vamos poder nos divertir, e tenho umas jóias espetaculares para lhe mostrar.

— Você sempre foi uma boa colecionadora — zombou Philip. — Não estou brincando, minha flor, pense em quan­to vamos nos divertir com esse dinheiro!

Lady Lucille deu um gritinho abafado.

— Senti tanto sua falta, Philip! Não há nenhum homem que me excite como você, e olhe que falo por experiência!

— Eu sei. Também senti sua falta. Estamos merecendo uma folga.

— E nós vamos ter... — sussurrou lady Lucille, com voz suave.

Fez-se silêncio, e Davina teve certeza de que os dois esta­vam se beijando.

Depois Philip falou, num tom arfante:

— Quero você! Nunca houve ninguém como você... Vo­cê sabe disso!

— Posso dizer o mesmo... Você me deixa louca, meu ma­ravilhoso marido! Excita-me como jamais homem algum con­seguiu fazê-lo! — Beijaram-se novamente, e em seguida ela retomou a palavra: — Preciso ir embora. Rake está jogando bilhar e irá a meu quarto logo depois da meia-noite, como sempre faz.

— Dessa vez, vai ter uma bela surpresa — declarou Phi­lip. — Beije-me de novo, querida, e pode ir!

Foi então que Davina percebeu que tinha de regressar pa­ra casa, e bem depressa. Tomando cuidado de não fazer ba­rulho, levantou-se e voltou apressada por onde viera.

Milagrosamente, ela não havia esquecido o caminho para a entrada do labirinto. Correu por trás dos arbustos até a casa e, ao chegar, estava ofegante.

Quando já se encontrava lá dentro, Davina olhou para fora novamente e notou uma movimentação nas sebes da entra­da do labirinto. Imaginou que lady Lucille faria o mesmo caminho por trás dos arbustos, evitando a claridade do luar. Fechou a porta e já ia trancá-la, quando se lembrou de que lady Lucille devia ter saído depois dela, e, portanto teria dei­xado aberta a porta.

Davina subiu correndo e foi para o quarto, pensando no que faria em relação ao que acabara de ouvir. Parecia-lhe uma história fantástica demais, para merecer crédito.

O duque iria sofrer extorsão por parte do marido de lady Lucille, e ninguém, exceto Davina, sabia que ele ainda esta­va vivo, e o que iria acontecer.

 

                         CAPÍTULO V

Em seu quarto, Davina ficou encostada na porta, tentan­do recuperar o fôlego.

Ela precisava arranjar um modo de salvar o duque daque­la trama diabólica e suja! Como lady Lucille podia fingir ser viúva, se tinha um marido? Como podia dizer que amava o duque, quando obviamente ainda estava apaixonada pelo homem com quem se casara?

Davina sentia-se chocada com o comportamento dela e, ao mesmo tempo, aturdida com o plano vil que haviam ar­quitetado para extorquir dinheiro do duque. Nem precisava conhecê-lo muito bem, para saber o quanto detestaria qual­quer tipo de escândalo.

Ele certamente pagaria a soma exorbitante que lhe pedi­riam, só para não enfrentar um processo de divórcio, que tramitaria pela Câmara dos Lordes.

A mãe de Davina falara com ela, certa vez, a respeito de um famoso caso de divórcio. O assunto tinha ocupado colu­nas e colunas nos jornais, e fora sórdido e vulgar.

E o duque, para Davina, era tão majestoso, quase um rei! Seria inadmissível ver o nome dele jogado na lama. Mas co­mo poderia evitar isso?

De repente, enquanto Davina pensava no pouco tempo que tinha para agir, ocorreu-lhe uma idéia. Foi até uma pequena escrivaninha num canto do quarto, pegou uma folha de pa­pel de carta, uma pena e escreveu às pressas:

 

"Você está correndo sério perigo! Tranque a porta, não saia do quarto e não deixe ninguém entrar! Isto não é uma brincadeira e, se não fizer o que está es­crito, sofrerá profundamente com o que irá acontecer".

 

Em seguida, ela colocou a mensagem, num envelope e sobrescritou com letras maiúsculas:

 

                     "A SUA ALTEZA O DUQUE DE NORMINSTER".

 

Logo após, Davina correu para a porta e entreabriu-a. Ou­viu um leve ruído no fim do corredor e entendeu que lady Lucille voltara para o quarto.

Pelo que Davina ouvira no labirinto, a suíte do duque fi­cava em frente ao dormitório dela. Notava, agora, que ha­via um brasão pintado na porta.

Davina espiou no corredor para certificar-se de que não havia ninguém, depois atravessou-o depressa e empurrou o envelope por baixo da porta do duque.

Voltou correndo para sua suíte, trancou a porta e foi ajoelhar-se ao lado da cama para rezar.

"Será que agi certo...?", perguntou-se antes de começar as orações, pedindo que o duque acreditasse em seu aviso e não fizesse a tolice de ir ao quarto de lady Lucille.

O comportamento dele a chocava bastante também, em­bora soubesse que era comum. Mas o pior era o plano cri­minoso de lady Lucille de extorquir-lhe dinheiro por meio de chantagem.

— Por favor, Deus... ajude-o e proteja-o!... — orava.

Quando afinal Davina se deitou, percebeu subitamente que estava se preocupando demais com o duque. Por que have­ria ela de sentir algo tão forte e intenso por um homem que conhecera apenas na noite anterior?

 

O duque terminou de jogar bilhar com lorde Suton, que era um renomado estadista, e sentaram-se ambos em com­panhia de Freddie, que os estivera observando, para um úl­timo drinque.

— Devo lhe dizer, Norminster, que você sempre desco­bre as mulheres mais lindas que já vi! — exclamou lorde Suton.

— Concordo com você — afirmou Freddie. — Essa sua nova convidada é de fato excepcional.

— Só pode estar se referindo a lady Brant — murmurou lorde Suton. — Reparei nela ontem à noite e, mesmo entre todos aqueles convidados do baile, ela sobressaía como uma estrela.

— Só mesmo Rake — revelou Freddie — para convencê-la a participar da festa dele, convidando-a tão na última hora.

— Ela é, francamente, adorável — concordou o duque. — E, além disso, é muito mais jovem do que meus convida­dos habituais.

Lorde Suton riu.

Ficaram conversando um pouco mais, até que lorde Su­ton bocejou e disse que ia se deitar.

— Tive uma semana esgotante na Câmara dos Lordes — observou ele. — Não vou me levantar cedo, amanhã.

— Não há necessidade, fique à vontade — informou o du­que. — É um prazer recebê-lo em minha casa.

— Obrigado! — agradeceu lorde Suton.

Dizendo boa-noite, afastou-se; o duque largou seu copo vazio e levantou-se.

— Também vou me recolher — declarou ele. — Sinto mui­to, Freddie, que Daisy não tenha podido vir. Espero que vo­cê não se sinta "sobrando"!

— Você vai precisar de mim, para impedir lady Lucille de arrancar os olhos de lady Brant! — exclamou Freddie.

O duque suspirou, porém não disse nada.

Freddie olhou para ele, desconfiado de que o amigo esta­va começando a se cansar de lady Lucille.

O comportamento possessivo dela e sua maneira de ser rude com qualquer outra mulher que se aproximasse dele eram constrangedores.

Por ser íntimo do duque, Freddie sabia que os romances do amigo não duravam muito, embora invariavelmente fos­sem com mulheres muito bonitas. Ele acabava achando-as banais e fúteis, e só o atraíam para fazer amor.

Lady Lucille era um pouco mais inteligente e conseguia en­ganar a maioria dos homens, convencendo-os de que enten­dia de política, de cavalos e de qualquer outro assunto que os interessava.

Freddie, entretanto, tinha conhecimento de que tudo isso não passava de um verniz superficial da parte dela. O que de fato a interessava era o homem e o que poderia extrair dele. Sabia o amigo muito bem que lady Lucille havia sido a amante mais cara que o duque já tivera, que ele não era do tipo que se envolvia com dançarinas e artistas baratas: só fazia amor com mulheres de seu mesmo círculo social.

Essa era uma característica que o diferenciava de seus con­temporâneos, os quais, quando eram bastante ricos, manti­nham uma discreta casinha em St. John's Wood, onde instalavam a conquista do momento. Lá eles a visitavam com freqüência, até que fosse substituída por alguma outra bel­dade da mesma classe social.

Em vez disso, o duque tinha um romance após outro com mulheres casadas de seu nível social, e conservava-se fiel en­quanto não se cansasse da escolhida. Seus casos eram conhe­cidos e amplamente comentados.

Antes de subir para recolher-se, o duque dirigiu-se a Freddie:

— Vai cavalgar amanhã cedo? Minha "Fada Rainha" disse que vai me acompanhar, e estou com uma cisma de que ela monta bem.

— Por que chegou a essa conclusão?

— É que ela me contou que sempre viveu no campo.

— Tal coisa não quer dizer nada. Muitas mulheres do cam­po são verdadeiros sacos de batata sobre um cavalo. Por is­so, não fique decepcionado se sua bela "Fada" mostrar-se pesada e desajeitada na sela.

O duque riu.

— Sou capaz de apostar com você.

— Pensando melhor, prefiro não arriscar meu dinheiro — recusou Freddie, sorrindo.

O duque despediu-se dele no corredor e encaminhou-se para sua suíte que ficava mais adiante.

Ao abrir a porta, ele viu algo no chão. Reparando que era um envelope, abaixou-se e pegou-o. Leu seu nome e es­tranhou.

Depois, com a carta na mão, o duque atravessou o vestíbulo e entrou no quarto, onde o valete o esperava. Deixou que o criado o ajudasse a despir-se, e só então abriu o en­velope.

Então, ele leu o que Davina escrevera e ficou atônito.

— Howlett, você faz idéia de quem colocou isto por bai­xo da porta? — perguntou ele.

— Não, nenhuma, alteza!

O duque não disse mais nada, e apenas quando o valete saiu do quarto leu de novo o bilhete.

Reforçando as palavras traçadas numa caligrafia firme e bonita, a intuição do duque também lhe dizia tratar-se de coisa séria. Sabia que dispunha de pouco tempo para deci­dir o que fazer, e que se não fosse ao quarto de lady Lucille ela fatalmente viria ao seu.

Ele olhou em redor, pensativo. Só havia um candelabro com velas acesas à cabeceira. Foi até a porta e espiou o cor­redor. Encontrava se vazio.

O duque saiu com cuidado, fechou a porta e correu para o quarto ao lado, que só muito raro era ocupado, fato que se dava quando a casa se encontrava completamente cheia de hóspedes.

Era costume nesse meio social que, nas reuniões de fins de semana, as pessoas que estivessem tendo um romance fos­sem acomodadas em quartos próximos. O duque, portanto, instalara lady Lucille perto dele. Na realidade, ela se achava no dormitório em frente.

Dos outros convidados, o que estava mais perto era lorde Suton, que não tinha ligação com ninguém. Depois vinha Freddie, que estava interessado numa atraente jovem, que infelizmente no último instante resolvera não ir, para ficar com o marido. Um pouco mais adiante, no mesmo corre­dor, ficava o quarto de lady Brant.

Todos os demais convidados estavam na outra ala da casa.

O duque entrou, então, no quarto pegado ao seu e deixou de propósito a porta entreaberta. Depois, arrastou uma pol­trona e colocou-a em frente à porta, porém, um pouco afas­tada, e acomodou-se nela confortavelmente.

O objetivo do duque era ver quem passaria no corredor ou entraria em seu quarto. De fora ninguém o veria, pois es­tava no escuro.

Ele estendeu as pernas, apoiando os pés em outra cadeira, e ficou à espera, enquanto imaginava quem poderia ter-lhe escrito o bilhete. Talvez estivesse enganado e se tratasse mes­mo de uma brincadeira. Mas, se fosse, seria uma brincadei­ra de extremo mau gosto.

O duque estava ali fazia já um quarto de hora, quando ouviu uma porta abrir-se e adivinhou que era lady Lucille. Um instante depois, viu-a passar num diáfano négligé, que flutuava à medida que ela andava.

Lady Lucille abriu a porta do quarto dele e entrou, saindo momentos depois.

Embora não pudesse ver-lhe o rosto, o duque sentia a raiva de que ela estava possuída. Percebeu que voltou para o quarto dela, e já estava decidido a voltar para sua suíte e trancar-se, quando teve a intuição de que ainda estava para acontecer alguma coisa. Resolveu esperar.

Pouco depois, ele começou a pensar em desistir. Se aquilo tudo não passava de uma brincadeira de mau gosto, seria to­lice continuar aguardando.

Haveria entre os presentes algum engraçadinho que dese­java magoar lady Lucille? Mas quem? Se fosse o caso, não seria tão surpreendente, pois não havia nenhuma mulher que ela pudesse considerar como amiga sincera.

Quando o duque já ia levantar-se da poltrona, ouviu um ruído abafado e pôs-se à escuta. Percebeu que alguém, an­dando cautelosamente, saía de sua suíte, e entendeu que, fosse quem fosse, só podia ter subido pela escada lateral.

Pouco depois, ele viu passar um homem pela porta entreaberta, que, andando na ponta dos pés, parou diante do dor­mitório de lady Lucille.

O duque ficou à espera.

Então, ruidosamente, o homem escancarou a porta e en­trou no quarto dela.

Esperou o duque que lady Lucille gritasse, se o homem fos­se um desconhecido. Em vez disso, houve um momento de silêncio, como que de surpresa. Depois, primeiro Lucille e em seguida o homem falaram em voz baixa.

Foi impossível para o duque ouvir o que diziam, porém tinha certeza de que era um conversa entre duas pessoas que se conheciam muito bem.

Cheio de ira, ele estreitou os lábios, começando a enten­der o que se passava.

 

Apesar de aflita pelo duque e horrorizada com a extraor­dinária trama que ouvira sem querer, Davina dormiu pro­fundamente.

Na realidade estava muito cansada desde a véspera, quan­do ficara ansiosa, sem saber se devia ou não aceitar o convi­te do duque.

Tinham sido muitas as emoções por que ela passara: pri­meiro indecisão, depois euforia por viajar no trem do duque e, por fim, deslumbramento ao chegar em Nore.

A criada foi chamá-la às sete horas, conforme pedira, e ao entrar no quarto encontrou Davina bem desperta. Ela co­meu um pouco de pão com manteiga e tomou o chá que lhe foi levado. Vestiu às pressas o traje de montaria que Lucy lhe emprestara, e que fora feito pelo melhor alfaiate de Lon­dres, e ajeitou a espécie de gravata branca com mãos expe­rientes, pois seu pai sempre fizera questão que se arrumasse impecavelmente para montar.

— Se há coisa que detesto é uma mulher com aparência desleixada montando um cavalo — dizia ele.

Fora a mãe de Davina, entretanto, que lhe ensinara a pren­der o cabelo, bem firme e rente à cabeça, de modo que não se soltasse, por mais veloz que fosse o galope do animal. O chapéu que acompanhava o traje era bem simples, sobres­saindo apenas um véu de gaze, que flutuava na parte de trás. Passou um pouco de pó facial e brilho nos lábios, depois des­ceu correndo.

A criada havia ensinado a Davina o caminho até a cocheira.

Ela estava toda contente de poder escolher um cavalo pa­ra montar. Isso era muito mais interessante do que lhe leva­rem um animal já selado à porta da casa.

Davina atravessou o pátio de pedras e entrou na cocheira, vendo que o duque já se encontrava lá. Ele afagava o pesco­ço de um belo reprodutor negro e virou-se ao ouvi-la aproximar-se.

Sem se dar conta, Davina fitou-o com olhos indagadores. Perguntava-se se ele havia acreditado em seu aviso ou se tinha sido surpreendido pelo marido de lady Lucille.

O duque sorriu, saudando-a:

— Bom dia, lady Brant! Você é muito pontual!

Davina sentiu, então, que estava tudo bem.

Se a voz do duque era expressiva para ela, não fazia idéia de quanto seus olhos eram reveladores para ele.

Durante a noite ele havia pensado que talvez o bilhete ti­vesse sido escrito por lady Brant; depois, concluíra que era impossível.

Davina não conhecia o mundo social de Londres, e não haveria de saber que um desconhecido, que ele ainda não con­seguira identificar, quisesse surpreendê-lo na cama com lady Lucille.

A única coisa que ela conseguia imaginar era que o ho­mem fosse um detetive.

Mas por quê? Por que motivo haveria de entrar sorratei­ramente em Nore? Por que haveria de querer fazer um es­cândalo se surpreendesse o duque com lady Lucille?

"Eu não consigo entender..." — repetira-se o duque cen­tenas de vezes.

Pensara primeiro em chamar o vigia da noite, pois ele po­deria ter detido o homem. Achou, porém, que seria um er­ro. Queria informar-se muito mais a respeito da situação, antes de tomar qualquer atitude.

Contudo, o que acontecera era absolutamente incom­preensível.

O duque estava, no entanto, decidido a descobrir exata­mente o que se passava, e o primeiro passo era encontrar o autor ou a autora do bilhete que o salvara. Ele conseguira se convencer de que fora lady Brant; entretanto, quando Da­vina o olhou daquela maneira, percebeu-lhe o estado apreensivo.

Por que ela se mostraria apreensiva, se não havia motivo aparente?

O duque mostrou-lhe vários de seus magníficos cavalos, indo de baia em baia, e sugeriu que ela montasse uma égua castanha, quase tão boa quanto o reprodutor que escolhera para si.

Ele imaginara que outros convidados fossem se juntar aos dois, mas ninguém apareceu. Depois de montados, o duque tomou a dianteira, para indicar o caminho através do par­que, e rumou em direção da pista de corrida.

Seguindo-o, Davina ia agradecendo mentalmente:

"Obrigada, meu Deus!... Obrigada por salvá-lo! Sei que ele não estaria tão calmo e relaxado, se tivesse sido vítima de chantagem, como lady Lucille pretendia".

Ela o alcançou pouco além dos velhos carvalhos e fez sua égua galopar pela campina plana, onde se disputavam corri­das de obstáculos. Havia várias barreiras difíceis e, quando chegaram à metade delas, o duque já estava convencido de que Davina montava excepcionalmente bem.

Ele fizera o teste oferecendo-lhe uma égua difícil de con­trolar, e percebera que o cocheiro achara Davina pequena e leve demais para realizar tal proeza.

Quando chegaram ao fim da pista, ela disse, com os olhos brilhando e as faces rosadas de euforia:

— Foi maravilhoso! Este é o animal mais fantástico que já montei.

— Achei que você iria gostar dela — afirmou o duque.

Davina inclinou-se para frente e afagou o pescoço da égua. Depois indagou, com olhar suplicante:

— Será que não poderíamos repetir? Vou me lembrar pa­ra sempre disso.

Sem esperar pela resposta do duque, ela dirigiu sua mon­taria para o começo da pista outra vez.

Pouco depois os dois estavam disputando cabeça a cabe­ça, como o duque costumava fazer com Freddie.

Ele venceu apenas por um focinho, mas ficou admirado de que uma mulher tivesse desafiado seu reprodutor daque­la maneira, obrigando o animal a dar o máximo de si.

— Obrigada, obrigada! — exclamou Davina, ofegante, ao terminarem a corrida.

Sentia ela que fora uma das coisas mais empolgantes de toda a sua vida, e que jamais a esqueceria.

O duque, então, tomou a direção do bosque, e os cavalos seguiram a passo pela alameda.

Por uma fenda entre as árvores, Davina avistou Nore em toda a sua magnificência. A mansão, com seus cântaros e estátuas no telhado, parecia ainda mais bela do que quando a vira pela primeira vez. O lago um pouco adiante, na baixada, compunha um cenário tão lindo, que Davina tentava gravá-lo na memória.

Eles cavalgaram lado a lado devagar e em silêncio por um longo tempo, até que o duque, olhando para ela, indagou:

— Por que você deixou aquele bilhete em meu quarto, on­tem à noite?

A pergunta apanhou Davina desprevenida.

Ela corou e, hesitante, demorou um pouco para responder.

— Como sabe que fui eu?

— Não sabia até o momento em que você chegou na cocheira e me fitou daquela maneira.

— Julguei que não desconfiaria que fosse eu... mas é que fiquei preocupada com você.

— Foi corajosa de fazer o que fez, porém não posso ima­ginar como ficou sabendo que me encontrava em perigo, nem quem era o homem que entrou sorrateiramente na casa.

Davina arregalou os olhos.

— Ele foi mesmo?!

— Foi, e você sabia disso.

— Mas não o encontrou, não é? Você trancou a porta?

— Graças a seu aviso, o homem não surpreendeu a cena que esperava,

— Que bom! Rezei tanto para que você fosse sensato e acreditasse no que escrevi!...

— Suas preces foram atendidas. Agora, porém, creio que deve me contar exatamente o que sucedeu.

Ela meneou a cabeça negativamente, devagar, e se mante­ve em silêncio.

— Insisto em que me conte.

— Não seria correto.

— Para mim, seria. Você já pensou que o fato pode se repetir?

— Ah... não!

Ela não escondeu seu horror diante da idéia que não lhe havia ocorrido.

O duque puxou as rédeas e fez o cavalo parar.

— Penso que poderemos conversar melhor e mais à von­tade, se nos sentarmos naquele tronco caído.

Davina hesitou, pensando em afastar-se a toda velocida­de, para fugir daquele diálogo.

— Vou ter de saber a verdade, mais cedo ou mais tarde — murmurou ele, com calma.

Davina puxou as rédeas também, e, nesse momento o du­que a tirou da sela, pondo-a no chão. Ela sentiu a força das mãos dele na cintura, o que lhe causou uma sensação que não entendeu.

Os cavalos se puseram a pastar.

O duque segurou delicadamente o braço de Davina, conduzindo-a através da clareira, e ela se sentou no primei­ro tronco caído das árvores que os lenhadores haviam der­rubado.

Então, ao olhar para ela, o duque notou-lhe a ansiedade. Achou, embora lhe parecesse estranho, que Davina estava com medo.

— Conte-me o que aconteceu — pediu. — Ou foi por ma­gia que ficou sabendo que eu corria perigo?

— Parece-me reprovável... — começou a narrar Davina, em voz baixa —, mas é que ouvi sem querer o que estavam planejando...

— Onde?

— Lá no labirinto...

— No labirinto?! — E quando você foi lá?

Sem jeito, Davina desviou o rosto.

Ele achou maravilhoso o perfil dela, recortado contra o céu da manhã.

— Fiquei com tanto receio de que não desse tempo para ver de perto, que resolvi ir ao jardim, depois que todos já se haviam recolhido.

O duque riu.

— Costumava fazer isso quando menino, e posso enten­der seu desejo de explorar o labirinto.

— Foi maravilhoso! — exclamou Davina, entusiasmada. — Exatamente como esperava que fosse.

— Você ainda não tinha visto um labirinto?

Ela balançou a cabeça, negando.

— E depois, o que houve?

— Estava tentando encontrar o centro, e toda vez errava o caminho, até que cheguei a um banco de pedra...

— Sei onde fica.

— Então, sentei-me para olhar o céu, e foi quando ouvi duas pessoas conversando do outro lado da sebe.

— Eles se encontravam no centro.

— Foi o que imaginei, quando ouvi lady Lucille dizer que descobrira o mapa do labirinto em sua escrivaninha...

O duque franziu a testa e Davina calou-se, porém ele insistiu:

— Conte-me tudo o que aconteceu, e não tenha medo.

Ele estendeu a mão e segurou as de Davina. Ela havia ti­rado as luvas, e aquele contato a fez lembrar-se da noite do baile, quando o duque lhe beijara os dedos. Sentindo-se mais segura e confiante, contou-lhe exatamente o que lady Lucil­le dissera e como ficou sabendo que o homem se chamava Philip e era o marido dela.

— Marido dela! — exclamou surpreendido o duque. — Santo Deus! Não fazia idéia de que ele estivesse vivo!

Davina narrou como os dois pretendiam extorqui-lo, se pos­sível, em trezentas mil libras. Sentiu que ele ficou com rai­va, pois, sem querer, apertou-lhe as mãos a ponto de doer.

— Não sei como lhe agradecer por ter-me salvo!

— Fiquei com tanto receio de que não levasse em consi­deração o bilhete!...

— Logo que o li, achei que era uma brincadeira. E, en­tão, minha intuição disse-me ser verdade.

— Ainda bem! Fico tão contente!

Ele a contemplou demoradamente e interrogou, com voz pausada:

— Por que você se preocupa comigo?

Novamente ela desviou o olhar.

— O que ambos planejavam fazer — revelou em voz bai­xa — seria como estragar um belo quadro que não pertence só a você, mas também às pessoas que o admiram e o servem.

O duque não pôde deixar de pensar que qualquer outra mulher teria respondido que era por ele ser um homem mui­to atraente.

— É difícil expressar-lhe toda a minha gratidão.

— E agora, o que vai fazer? Como você disse há pouco, eles podem tentar outra vez...

— Só que agora estarei preparado, e, o que é mais impor­tante, ninguém deve saber o que sucedeu.

— Não, claro que não, porém lady Lucille...

— Ela também não deve saber que estou ciente da trama, até o fim de nossa reunião aqui. Depois de amanhã, quando voltarmos a Londres, vou tratar do assunto de modo eficaz.

— Mas... ela vai continuar aqui hoje e amanhã...

— Creio que nenhum de nós haveria de querer um escândalo.

— Não, é evidente que não — concordou Davina. — E eu não suportaria que achassem que criei problemas...

— Haja o que houver — garantiu o duque —, prometo que seu nome não aparecerá. Você não deve contar a nin­guém, entenda bem, a ninguém, que ouviu tramarem esse la­mentável plano, enquanto caminhava no labirinto.

Davina refletiu por instantes, antes de propor:

— Talvez fosse melhor eu voltar para Londres hoje à tarde...

— Não, lógico que não! Quero que esteja no baile esta noite, e que se divirta. Além disso, se for embora sem um motivo aparente, as pessoas podem começar a fazer pergun­tas, o que seria um erro.

— Tem razão. Tomarei bastante cuidado...

— Nós dois tomaremos, e, mais uma vez, muito obriga­do por ser uma "Fada Boa". Minha boa fada que me protegeu com sua magia!

O duque falou com muita suavidade, e depois, como já fizera antes, levou a mão dela aos lábios. Dessa vez, beijou as costas da mão, e Davina sentiu o suave contato daqueles lábios quentes e macios.

Ele a fitou longamente e Davina cerrou os olhos, com ti­midez. Depois o duque virou a mão dela e, com delicadeza, beijou-a na palma, de forma demorada. Foi algo que ela jamais sonhara que pudesse acontecer-lhe, e experimentou uma sensação estranha percorrer-lhe todo o corpo. Em seguida, ele se ergueu.

— Precisamos voltar, Davina! E lembre-se de que é uma hóspede, de que deve se divertir e não temer nada.

Foram até onde se achavam os cavalos, e ele levantou Da­vina para colocá-la na sela.

Por um momento, os rostos de ambos ficaram bem próxi­mos. E ela sentiu então que ele era um homem, forte e bonito.

Logo após, o duque ajeitou-lhe a saia.

— Quem é você, linda Davina? — perguntou, baixinho.

— Você sabe, uma fada — respondeu ela, no mesmo tom.

O duque montou no cavalo, e voltaram em silêncio. Davina pôs-se a devanear. Tudo a sua volta parecia-lhe ir­ real e infinitamente bonito.

E isso incluía o duque.

 

                         CAPÍTULO VI

O resto do dia foi preenchido com muita atividade.

Assim que os homens terminaram o café da manhã, algu­mas das mulheres mais jovens se reuniram a eles e foram to­dos admirar o plantei de cavalos do duque.

Davina, que não resistira à tentação de retornar às cocheiras, jamais vira cavalos tão maravilhosos. Havia uns qua­renta reprodutores puros-sangues. Cada um deles tinha uma história, que o duque ia contando.

O almoço foi servido cedo, por causa do jogo de pólo: de­pois, foram todos para o campo em carruagens.

Lorde Hampton já se encontrava lá. O time dele trajava abrigo branco com uma faixa azul e o do duque estava de vermelho com uma estrela branca. Os times eram constituí­dos de homens bonitos, atléticos, montados em cavalos de belo porte.

Ao longo dos limites do campo de pólo havia uma cober­tura, sob a qual tinham sido colocadas confortáveis cadei­ras para a assistência.

O jogo pareceu a Davina um esplêndido balé. Havia algo de belo no modo como os cavalos se movimentavam e eram conduzidos.

O duque marcou dois gols, e depois de muita disputa o time de lorde Hampton empatou. Jogaram, então, por mais uma hora, porém, continuaram empatados. O resultado era satisfatório, embora Davina tivesse certeza de que o duque gostaria de ter vencido.

Foi servido champanhe para todos os participantes, que brindaram entre si. Davina pensou, mais uma vez, que essa era outra coisa de que jamais se esqueceria. Ela tinha certe­za de que a mãe ficaria contente de sabê-la em companhia tão distinta e divertida.

Retornaram todos à casa para jantar e preparar-se para o baile. Na volta, as mulheres falavam animadas sobre o que iriam usar na festa.

— Ouvi dizer que Rake tem uma surpresa para nós, hoje — sussurrou uma lady.

— É segredo — interveio outra —, embora eu cisme que lady Lucille saiba o que é.

Olharam todas de forma interrogativa para ela.

— Nunca revelo segredos, principalmente de Rake — res­pondeu a mulher, afetando recato.

Davina, entretanto, desconfiou que tal lady realmente ti­vesse conhecimento do que o duque planejara. Então, de re­pente, lady Lucille a encarou. Ela viu tanto ódio naquele olhar, que instintivamente se retraiu, como se houvesse vis­to uma cobra.

Por um momento, Davina temeu que lady Lucille soubes­se que fora ela que atrapalhara seus planos. Depois, disse para si mesma que isso era impossível. Devia estar imaginando coisas, já que lady Lucille sempre a olhara com hostilidade. Era bobagem ter medo, pois o ódio dela não tinha nada ver com a frustração de seu intento.

Era impossível que lady Lucille houvesse descoberto a pre­sença de Davina no labirinto ou percebido que ela ouvira a conversa que tivera com o marido.

Na realidade, devia estar mal-humorada, por não ter en­contrado o duque na suíte dele.

"Não há do que ter medo" repetiu mentalmente Davina, enquanto se preparava para o jantar.

Mas a verdade era que estava apavorada.

O duque pedira a Davina para só colocar o traje de "Fa­da Rainha" mais tarde; por isso, ela desceu ao salão com outro dos belos modelos de Lucy. O vestido, de um rosa pá­lido, fazia com que ela parecesse um botão de rosa. Acom­panhava uma tiara de rosas para enfeitar o cabelo, e, mais uma vez, usou uma flor verdadeira como colar. Sua criada pedira ao jardineiro um ramalhete de rosinhas-moscadas.

Davina sentiu que o duque a admirava pelo modo como a encarou, quando entrou no salão. Depois, notou que ele desviou o olhar depressa, e ela ficou imaginando se estaria com receio de que cometesse indiscrição diante de lady Lucille, coisa que jamais faria. Conversou com Freddie e mos­trou contentamento quando ele lhe disse que iria acompanhá-la à mesa do jantar.

A refeição foi deliciosa. Então, quando a sobremesa foi servida, o duque ergueu-se, para que todos o ouvissem.

— Tenho uma novidade pra diverti-los esta noite — fa­lou. — E como se acha entre nos a "Fada Boa", que abri­lhantou o baile de Marlborough House, será algo mágico. — Um murmúrio de surpresa percorreu a sala, e ele prosse­guiu: — Haverá um cotilhão, em que o cavalheiro terá de ir em busca de seu par astrológico. Lá fora vocês encontra­rão os signos do zodíaco. — Todos ouviam atentamente, e ele continuou: — Cada um de vocês deve procurar saber qual é seu signo, e depois localizar o parceiro que, segundo o ma­pa astrológico, seja seu par. — Todos riram, e houve um ou dois comentários espirituosos. — Depois disso — retomou a palavra o duque —, só podem trocar de par de acordo com a compatibilidade dos signos. — Fez uma pausa, antes de concluir: — Os signos estão todos escritos em listas, e, para descobrir o astro que procuram, vão ter de recorrer a uma certa engenhosidade.

Os convidados riram de novo.

O duque explicou ainda que, para cada lady que fosse encontrada por seu parceiro astrológico, haveria um presente dado pela "Fada Boa", que, com varinha de condão, faria também um encantamento.

Haveria ainda danças com um toque de magia.

Aqueles que julgassem estar sendo ignorados, ou não con­siderados, poderiam procurar a "Fada" e receber um toque da varinha mágica.

Todos estavam rindo ao saírem da sala de jantar, e Davi­na correu para seu quarto, a fim de vestir a fantasia. Achou-a tão fantástica quanto na noite do baile, e desceu, brilhando a cada movimento. Era como se tivesse realmente captado a magia dás estrelas.

O duque preparara um lugar especial para ela, no fundo do salão de baile: uma pequena plataforma forrada de tape­te verde que parecia grama, cercada de flores coloridas em profusão, com um dossel de botões de rosa.

A cadeira onde ela ficaria sentada fora feita especialmen­te pelo carpinteiro, sob encomenda do duque, e tinha o for­mato de um enorme cogumelo, sem deixar de ser confortável.

As árvores estavam iluminadas com lanternas que criavam uma atmosfera de sonho, e no teto do salão havia um cres­cente de lua.

Antes de os convidados entrarem, o salão ficou às escu­ras, só com Davina brilhando ao fundo.

O duque, depois de supervisionar tudo, perguntou:

— Está pronta? Posso abrir as portas? Ah, mas você está linda!

— Estou me sentindo no próprio País das Fadas.

Ele riu e encaminhou-se para a porta.

Os convidados tinham já recebido seus broches, com os respectivos signos.

As portas foram abertas, e enquanto eles entravam a or­questra começou a tocar uma música bem romântica. Davi­na, ao ouvir, ficou pensando que só o duque poderia ter inventado uma brincadeira tão diferente, que animaria mes­mo o mais blasé de seus convidados. Um pouco depois, ela viu lady Lucille passar dançando, e novamente notou-lhe o olhar furioso.

"Ela deve sentir tal coisa a cada novo conhecimento que o duque faz", pensou consigo mesma, tentando tranqüilizar-se.

Mas não estava bem certa, e isso a preocupava.

Então, a música mudou e o salão foi mais iluminado, sem empanar o brilho de Davina em sua pérgula de flores.

Vários cavalheiros se aproximaram para pedir, em tom de brincadeira, que ela lhes desse um passe de mágica com a va­rinha. Ela respondia sempre algo espirituoso e diferente pa­ra cada um, fazendo-os rir.

Depois, as mulheres também começaram a procurá-la, até que lady Lucille parou a sua frente, sem disfarçar o olhar hostil.

— Que mágica gostaria que lhe fizesse? — indagou Davina.

Houve uma pausa, antes que lady Lucille exclamasse:

— Se você não fizer a mágica de voltar para o lugar de onde veio, vai se arrepender muito! — falou ela entre dentes, quase como se aspirasse as palavras. Em seguida, afastou-se para dançar com o cavalheiro que a esperava.

Davina ficou tremendo, embora tentasse se convencer de que era tolice, que lady Lucille não poderia lhe fazer nenhum mal, por mais ciúme que estivesse sentindo.

Então, o duque se aproximou.

— Até as fadas devem se divertir! Por isso, venha dançar comigo, e depois estará dispensada de continuar na pérgula.

— Será um prazer dançar com você.

Ela desceu do tablado.

O duque a enlaçou pela cintura e Davina pensou, mais uma vez, que iria lembrar sempre daquele momento.

A orquestra tocava uma valsa de Strauss.

Enquanto rodopiavam pelo salão, ela sentiu que flutuava e que jamais dançara tão bem assim.

Quando a música terminou, vários homens se aproxima­ram, dizendo:

— Não pode ser tão egoísta, a ponto de manter a fada só para você, Rake! Nós, pobres mortais, também precisamos de um pouco de magia!

Depois disso, Davina dançou todas as músicas, lamentan­do apenas que a mãe não pudesse vê-la. À uma hora da madrugada o duque encerrou o baile. Como alguns convidados protestassem, ele falou:

— É sempre um erro exagerar nas coisas boas, e os joga­dores de pólo estão cansados.

Lorde Hampton despediu-se e saiu, acompanhado dos jo­gadores de seu time e dos outros hóspedes de sua casa. Os hóspedes do duque igualmente começaram a se retirar. Mui­tos deles pareciam ansiosos para subir, porém Davina era in­gênua demais para entender o motivo.

Ela subiu também, reconhecendo que estava cansada. A criada esperava-a e bocejou ao pendurar seu vestido.

— Foi um dia duro para você, não? Deve estar esgotada — afirmou Davina. — Pode se recolher, que eu me ajeito sozinha.

— Tem certeza, milady?

— Absoluta. — Ela sorriu. — E muito obrigada por ter cuidado de mim.

Dizendo isso, Davina sentou-se diante do espelho para es­covar o cabelo antes de deitar, como a mãe lhe ensinara.

Achava-se ali, distraída, pensando em como tudo tinha sido tão maravilhoso, quando de repente a porta escancarou-se.

Davina virou-se e deparou, espantada, com lady Lucille.

— Venha depressa! — exclamou, aflita. — Aconteceu um acidente!

Ela levantou-se de um salto.

Estava vestindo o négligé azul, mas não calçara os chinelos. E, enquanto os procurava, lady Lucille apressou-a;

— Venha como está! É urgente, muito urgente!

E disparou pelo corredor, seguida de Davina.

Passaram pela suíte do duque, e lady Lucille encaminhou-se para a escada lateral e, lá chegando, pôs-se a dizer para Davina, que vinha um pouco mais atrás:

— Olhe! Olhe! — E apontava com o dedo.

Davina tomou-lhe a frente para olhar, porém só viu escu­ridão no fim da escada. Foi então que ela sentiu algo espes­so e pesado cobrir-lhe a cabeça. E, quando gritou, um homem a ergueu nos braços e desceu correndo, carregando-a.

Davina estava apavorada e mal conseguia respirar. Tentou debater-se para libertar-se, mas os braços fortes do homem a impediam.

Percebeu que a escada terminara e que tinham saído para o jardim. Novamente tentou libertar-se, porém inutilmente O homem era forte demais e Davina estava indefesa por com­pleto, enrolada da cabeça aos pés e apertada nos braços dele.

Ele andava depressa e com firmeza.

Então, ao sentir que o homem girava confusamente de um lado para outro, Davina entendeu para onde a levara.

Encontravam-se no labirinto, mas por quê? Qual seria o objetivo dele?

Ela não conseguia entender; só sabia que se achava apri­sionada e ficou com muito medo. Tinha certeza, contudo, de que era o marido de lady Lucille que a estava carregan­do, e mais uma vez se perguntou por quê.

Lady Lucille podia detestá-la, porém não tinha como sa­ber que fora ela que falara ao duque sobre o plano de ex­torsão.

Tudo aquilo era incompreensível.

A manta que cobria a cabeça de Davina estava sufocando-a, e cada vez ficava mais difícil respirar.

De repente, Philip largou-a e ela sentiu os pés descalços to­car algo duro e frio.

Ele ainda a segurava com firmeza, e não adiantou procu­rar fugir. Philip, com uma corda, prendeu-lhe os braços junto ao corpo, e, atirando-a ao chão, amarrou-lhe os tornozelos com tanta força, que doeu.

— Largue-me! — tentou ela gritar, mas as palavras morreram-lhe na garganta.

Então, percebeu que ele se afastava. Davina via-se sozi­nha, e, tinha certeza, no centro do labirinto. Era difícil acre­ditar que aquilo estivesse lhe acontecendo.

Subitamente, ocorreu a Davina que poderia não ser encon­trada. Por que alguém, até mesmo o duque, haveria de ima­ginar que ela estivesse ali?

Ela sabia quão difícil era achar o centro do labirinto. Tal­vez ficasse esquecida ali até morrer de inanição.

Davina queria gritar, horrorizada, porém só lhe restava rezar.

O duque foi o último a se recolher. Saiu do salão só de­pois que o último hóspede lhe desejou boa-noite. Notou com satisfação que lady Lucille não o esperara, como imaginara. Na realidade, ele havia pedido a Freddie que lhe fizesse com­panhia.

Não fora preciso dizer mais nada. Freddie sabia que o du­que deveria ter um bom motivo para tal pedido, e ficou com ele até todos se haverem acomodado.

E, pondo na mesa o copo de bebida, o amigo falou:

— Estou indo deitar. Você vai sair a cavalo amanhã ce­do, Rake?

— Claro! — respondeu o duque.

— Ótimo, então vou com você. — Quando já estava per­to da porta, Freddie voltou-se e afirmou: — Foi uma bela festa! Achei brilhante sua idéia de fazer lady Brant repre­sentar a "Fada Boa".

— E ela se saiu muito bem — complementou o duque.

Abaixou-se para pegar algo caído no chão e, quando le­vantou a cabeça, Freddie já tinha ido. Ele então atravessou o hall, disse boa-noite ao lacaio e subiu.

Foi só quando chegou à suíte que o duque se lembrou de que lady Lucille não lhe desejara boa-noite. Isso significava que esperava que ele fosse procurá-la, ou, ao contrário, ela iria a seu encontro, como na noite anterior. Tinha certeza de que lady Lucille não desistiria facilmente.

Ela não poderia saber que ele tomara conhecimento de que seu marido estava vivo e de que o casal pretendia extorquir-lhe dinheiro.

O valete do duque o esperava. Ele despiu-se e colocou o robe escuro que usara na noite anterior. Quando o valete se retirou, ficou pensando no que deveria fazer.

Permanecer no outro quarto observando, novamente, po­deria não dar certo. Além disso, ele queria ver de perto Phi­lip Hedley.

Por isso, o duque foi até a gaveta da cômoda, pegou um revólver e examinou-o, para verificar se estava carregado, antes de guardá-lo no bolso do robe. Depois, pegou uma ca­deira e colocou-a atrás da cortina da janela central. Havia espaço suficiente para a cadeira, sem que encostasse na cortina.

Em seguida, o duque olhou em redor, para se certificar de que as únicas velas acesas eram as do candelabro de cris­tal, na cabeceira da cama. Então, sentou-se atrás da corti­na, querendo resolver logo aquela situação e livrar-se de lady Lucille.

Por outro lado, ele não desejava escândalo diante dos ou­tros hóspedes. Sabia muito bem como a história, acrescida de exageros, iria se espalhar nos círculos sociais londrinos.

Seria o comentário de todas as salas, e indubitavelmente chegaria aos ouvidos do príncipe de Gales.

A única chance de manter tudo em segredo e resolver dis­cretamente seria ameaçar lady Lucille, dizendo que contaria aos credores do seu marido que Philip estava vivo.

O duque tinha conhecimentos de que só a notícia da mor­te de Philip no estrangeiro é que o salvara de ser preso por vultosa dívida.

Lady Lucille certamente tirara o melhor partido de sua viuvez.

"Eu a tenho nas mãos!" pensou o duque, com alívio.

Um quarto de hora mais tarde, ele ouviu abrirem a porta da suíte e entrar alguém, que sabia ser lady Lucille. Silencio­samente, levantou-se para espiar pela fresta da cortina.

O duque viu lady Lucille parada olhando para sua cama, aturdida.

Ela parecia muito atraente, com os cabelos negros soltos nos ombros e com uma camisola fina, que não escondia a beleza do corpo. Os braços alvos estavam nus, e a renda da camisola mal lhe ocultava os seios de bicos empinados.

Seria impossível para qualquer homem não se deixar arre­batar e enfeitiçar-se por tanta beleza.

Mas o duque a fitava com frieza e com um certo desdém. Naquele momento, odiava lady Lucille e a si próprio, por ter sucumbido aos encantos dela.

Então, enquanto ela estava olhando para a cama vazia, Philip Hedley surgiu por trás, sussurrando:

— O que houve?

— Ele não está aqui!

— E onde pode estar?

— De uma coisa, tenho certeza: com lady Brant é que não!

— Claro que não! Quem vai encontrá-la lá no labirinto, amarrada como está?! — riu ele, com satisfação.

— Onde será que Rake se meteu? — indagou lady Lucille.

— Você é que tem de descobrir — respondeu o marido, com rispidez.

— Mas... não há outra pessoa entre os hóspedes com quem ele pudesse estar...

— Pensei que você o tivesse totalmente nas mãos! — ex­clamou Philip, agressivo.

— E tenho! Juro que tenho!

— Se ontem ele se encontrava com a tal Brant, hoje não se encontra.

— Eu sei, eu sei! — lady Lucille fez um gesto de desalen­to e acrescentou: — Não podemos sair procurando por ele de quarto em quarto.

— Então, vamos ter de esperar até que você volte para Londres, amanhã. Você estragou tudo.

Ele estava furioso, porém sempre falando em tom de co­chicho. Philip virou-se e encaminhou-se para a saída.

— Aonde você vai? — perguntou ela, com voz chorosa.

— Para Londres. Você é uma tonta, mesmo! Fez tudo errado.

— Ah, Philip, desculpe-me!

Lady Lucille estendeu as mãos para ele. Por instantes Philip hesitou; depois, voltou-se para ela de novo.

— Acabei de pensar uma coisa — revelou ele. — E a mulher?

Lady Lucille abafou um grito.

— Ela vai abrir a boca!

— Exatamente!

Ela meditou um pouco, depois sugeriu:

— Afogue-a no lago e depois desamarre-a. Quando a en­contrarem, deduzirão que era sonâmbula e caiu na água.

Philip fitou-a espantado, e depois deu uma risadinha.

— Você tem cada idéia! — exclamou.

Lady Lucille olhou-o, provocante, e ele a contemplou demoradamente, como se a achasse irresistível.

— Nós recomeçaremos tudo... — afirmou Philip.

Ela sorriu e estendeu-lhe os braços. Ele a atraiu para si com certa rudeza, e beijaram-se apaixonadamente.

— Eu quero você... ah, Philip, como quero você!...

— E eu também quero você! Que diabo estamos esperan­do, então?

— Vamos para meu quarto! — murmurou Lucille. — A noite é uma criança.

Pegou-o pela mão e saíram da suíte.

O duque, atrás da cortina, mal podia acreditar no que vi­ra e ouvira. Esperou por alguns segundos para ter certeza de que haviam ido embora, e abandonou o esconderijo, com a mão no revólver. Para ele havia sido difícil conter-se.

Como pudera ter sido tão tolo, a ponto de não perceber que lady Lucille não o encontrando na noite anterior, iria pensar que ele estivesse com Davina Brant?

Contudo, não lhe ocorrera tal idéia.

Agora, precisava ser rápido e salvar Davina.

Denunciar Philip como assassino iria apenas precipitar o escândalo, coisa que ele tentava evitar. Seria melhor deixar lady Lucille e seu inescrupuloso marido pensarem que o pla­no frustrara, e que eles poderiam tentar outra vez quando tivessem voltado para Londres.

O duque tirou o robe e vestiu-se de novo. Abriu a porta com cautela e espiou o corredor. Não vendo ninguém, esgueirou-se até a escada lateral. Encontrou a porta destran­cada e entendeu que fora por ali que Philip entrara na casa e, sem dúvida, pelo mesmo lugar iria sair.

Ele então olhou para o labirinto de sebes, mais adiante, e pensou que de fato era um esconderijo perfeito. Poucas pessoas além dele conheciam o caminho até o centro. Preci­saria, isso sim, arranjar um lugar mais seguro para guardar o mapa do labirinto.

Mas, no momento, a preocupação maior do duque era Davina.

Ela devia estar aterrorizada e chocada com o grau de depravação de lady Lucille. Tinha ele certeza de que Davina nunca vira nada parecido, nem imaginava que pudesse ha­ver no mundo homens como Philip, que faziam qualquer coisa, por mais vil que fosse, para conseguir dinheiro.

Jamais o duque conhecera em sua vida pessoa tão delica­da, doce e inocente quanto Davina Brant.

Era difícil acreditar que já fora casada, e que pudesse con­tinuar tão pura. Talvez fosse uma pureza de alma, e não de corpo, que a tornava tão diferente.

Contudo, desde que ele a vira pela primeira vez, comparara-a aos lírios que floresciam em Nore.

O duque atravessou o gramado correndo e embrenhou-se no labirinto iluminado pelo luar.

Sabia ele que, quando encontrasse Davina, não iria se ar­riscar a perdê-la nunca mais.

 

                     CAPÍTULO VII

Davina estava desesperada, quase em pânico. Mal conse­guia respirar, e seus tornozelos doíam cada vez mais. Tinha certeza de que ninguém descobriria onde se encontrava e que ficaria ali até morrer.

Por que haveria o duque de supor que ela fora levada pa­ra o labirinto? A não ser que, por um milagre, ele se lem­brasse de que havia ido lá na noite anterior.

Começou a rezar fervorosamente, chamando-o.

— Salve-me... salve-me, por favor! — suplicava. Nessa altura, em imaginação, viu o belo rosto dele, os olhos brilhantes, e ouviu-lhe a voz a dizer como na noite anterior:

— Você está linda!

— Salve-me!... — suplicou novamente.

Nesse momento, num sobressalto, ouviu passos. Achou que era Philip de volta. Mas, então, como um brilho de luz na escuridão, pensou que poderia ser o duque.

Ele ajoelhou-se ao lado dela, exclamando entre aflito e furioso:

— Mas o que eles fizeram com você!?

Desamarrou depressa a corda que prendia os braços deli­cados junto ao corpo, e puxou a manta pesada que a cobria.

Davina retomou o fôlego.

— Você veio!... Você veio!...

Mal podia acreditar que ele estivesse ali e, sentindo um enorme alívio, Davina irrompeu num choro.

O duque amparou-a com o braço, aconchegando-a ao peito.

— Está tudo bem agora, já passou, e ninguém vai lhe fa­zer mal.

Ela tentava em vão refrear as lágrimas, porém soluçava e tremia cada vez mais.

Ele apertou-a contra si, e depois separou-se dela um pou­co, para desamarrar-lhe os tornozelos. Logo após, colocou-a em pé e contemplou-a.

Com os olhos rasos de água, o rosto molhado brilhando ao luar, Davina era uma figura triste e adorável ao mesmo tempo.

Por instantes, ficaram apenas se olhando; em seguida, ele apressou-a:

— Venha, precisamos sair daqui! Caso Philip volte...

— Você acha que ele pode voltar...?

— Eu o ouvi dizer isso a lady Lucille.

Então, vendo que Davina estava sem sapatos, o duque ergueu-a nos braços e começou o caminho de volta pelos meandros das sebes. Não diria a ela que Philip pretendia afogá-la no lago, pois tal coisa apenas serviria para deixá-la mais nervosa, e era algo para ser esquecido.

Saíram do labirinto, e ele continuou com Davina no colo, correndo em direção à porta lateral.

Pelos cálculos do duque, Philip devia estar com lady Lu­cille e iria ficar por um bom tempo com ela. Mesmo assim, ele não queria correr risco. Entrou em casa carregando Da­vina ainda, e só a colocou no chão ao pé da escada.

Nesse instante, ela indagou com voz trêmula, num sussurro:

— E... se ele me levar outra vez?

— Ele não fará isso! — exclamou o duque, com firmeza.

Ele tomou-a pela mão e conduziu-a escada acima. Quan­do chegaram ao corredor, o duque percebeu que Davina ti­nha receio de ficar sozinha no quarto. Por isso, levou-a para dormitório contíguo a sua suíte, onde ficara escondido na noite anterior. Entrou com ela, fechou a porta e acendeu duas velas. Davina olhou para ele interrogativamente.

— Aqui você estará a salvo — explicou o duque, com voz calma. — Há uma porta de comunicação com minha suíte. Vou deixá-la aberta, e, se você sentir medo, pode ir me chamar.

Ela deu um sorriso, que lhe iluminou o rosto.

— Juro que vou tomar conta de você e protegê-la! O que houve não se repetirá jamais — afirmou o duque.

Assim dizendo, envolveu-a nos braços e carinhosamente atraiu-a para junto de si.

Fitaram-se um bom tempo nos olhos, e então ele a beijou. Beijou-a com ternura, delicadamente, quase como se ela fosse uma flor, e sentiu-a trêmula.

Os lábios dela eram suaves, doces e inocentes. Embora achasse absurdo, ele teve a impressão de que Davina nunca havia sido beijada.

Percebeu o duque haver provocado nela um êxtase como jamais sentira, e seu beijo tornou-se mais possessivo, mais ardente. Para ele foi algo como nunca experimentara igual, diferente de tudo o que conhecia.

O duque afastou um pouco o rosto para contemplá-la, e disse com voz embargada:

— Eu amo você!... Pensei que nunca iria beijá-la assim!... Não sabia que um beijo pudesse ser tão maravilhoso!

E ele beijou-a de novo demoradamente, com ardor, até ela ter a sensação de que o mundo ficara longe, e que estavam flutuando no céu.

Com um esforço sobre-humano, o duque afastou-a de si.

— É melhor deitar-se agora, minha querida, e trate de dor­mir! Você está segura aqui, e eu tenho um assunto a resolver.

— Não vai correr perigo...? — preocupou-se ela.

— Você me salvou, Davina! Agora, faça o que lhe digo e, caso tenha receio, lembre-se de que estou ali, do outro la­do daquela porta.

Em seguida, o duque trancou a porta que dava para o cor­redor e destrancou a de comunicação.

— Agora, trate de dormir! — repetiu. — O pior já passou.

Ele sorriu e se afastou, deixando-a envolta na magia de seus beijos.

Fazendo o que o duque lhe pedira, Davina tirou o négligé azul e deitou-se. Apagou as velas e, notando a tênue clarida­de na suíte ao lado, viu-se protegida.

Logo após, ela fechou os olhos, para reviver a sensação extasiante que experimentara quando os lábios dele tocaram os seus.

— Eu o amo! — exclamou alto.

De súbito, o encantamento acabou e ela sentiu o peso da realidade, ao lembrar que o estava enganando. E novamen­te o medo a assaltou.

O duque deixou Davina e correu para o quarto de Freddie.

A luz do luar entrava pelas janelas, que estavam com as cortinas abertas. Dava para ver que Freddie dormia profun­damente.

Aproximou-se o duque da cama dele, sentou-se na beira­da e pôs a mão no ombro do amigo.

Freddie acordou.

— O que é...? O que aconteceu?

— Preciso de sua ajuda.

— A essa hora da madrugada?

— É muito importante. Venha, não há tempo a perder!

Rapidamente, o duque fez um resumo do que sucedera, desde que Freddie fora se deitar. Poucos minutos depois, o amigo estava vestido e seguia-o até a suíte dele. Lá, o duque pegou outro revólver, igual ao que trazia no bolso.

— O que vamos fazer, agora? — quis saber Freddie.

— Experimentar abrir a porta do quarto de lady Lucille. Se estiver trancada, teremos de esperar até que ele saia. — Em seguida, o duque soltou uma exclamação: — Heureca!

— O que foi? — indagou Freddie.

— Acabei de lembrar que o quarto de lady Lucille tem um boudoir pegado, e aposto que os dois não tiveram o cuidado de trancar a porta dele!

Freddie sorriu.

— Então, vamos lá experimentar!

Atravessaram o corredor em silêncio, e o duque viu que tinha razão. A porta não se encontrava trancada. Ele entrou cautelosamente, para não tropeçar em nada, e Freddie o seguiu.

Quando chegaram diante da porta do dormitório de lady Lucille, ouviram uma voz de homem.

O duque e Freddie sacaram os revólveres. O duque escan­carou a porta, e os dois logo entraram, apontando as armas.

Havia candelabros com velas acesas dos dois lados da ca­beceira; Lady Lucille achava-se deitada, cabelos negros sol­tos nos ombros e os seios nus.

Em pé, ao lado da cama, Philip abotoava a camisa.

Lady Lucille e o marido pareciam ter virado estátuas.

Por um momento ninguém falou, e depois o duque disse:

— Sei exatamente como vocês planejaram extorquir di­nheiro de mim, e sei também, Philip, que pretende assassi­nar uma de minhas hóspedes.

— Não é verdade! — exclamou lady Lucille.

— É sim, e acho que você, Philip, vai ter dificuldade em explicar à polícia como conseguiu voltar a esse país, sendo que o consideram morto!

— Você não se atreveria a envolver a polícia nisso! — vo­ciferou lady Lucille.

— Não hesitarei em fazê-lo, a menos que os dois me obe­deçam — ameaçou o duque, olhando para o chantagista.

Philip enfrentou o olhar por instantes; em seguida, virando-se para a mulher, explodiu furioso:

— Por que diabos me meteu nessa encrenca?

— Suponho que era você que queria o dinheiro — decla­rou o duque, com desprezo. — Minhas condições para deixá-los livres são bem simples: têm de sair desta casa e do país imediatamente. Se amanhã à tarde ainda estiverem na Inglaterra, vou mandar prendê-los por tentativa de assassínio.

Lady Lucille abafou um grito de horror e Philip perguntou:

— Não há nenhuma outra alternativa?

— Nenhuma! — respondeu o duque, ríspido.

— Como pode fazer tal coisa comigo, Rake? — queixou-se lady Lucille, com voz chorosa.

O duque ignorou-a.

— Assim que estiver vestido — falou ele a Philip — vai sair de minha casa, e meu amigo aqui irá vigiá-lo. Pegue a carruagem e espere na porta da frente, enquanto sua mulher faz as malas.

Philip parecia indeciso e o duque perdeu a paciência:

— É melhor apressar-se, senão posso mudar de idéia e mandar chamar a polícia.

Mal-humorado, Philip apanhou o paletó sobre uma cadeira e encaminhou-se para a porta. Freddie foi atrás dele.

— Não saia do lado dele, enquanto não forem embora — ordenou o duque.

— Pode ficar tranqüilo — declarou Freddie.

Philip destrancou a porta, e eles saíram para o corredor. Lady Lucille afastou as cobertas, tentando comovê-lo:

— Rake! Não pode me tratar assim... sabe que eu amo você!

— Você me enoja! — replicou o duque. — E, se não for logo embora com seu marido, mando prender os dois, já avisei!

Ele saiu pelo boudoir e fechou a porta atrás de si, ouvin­do uma exclamação furiosa de lady Lucille.

Depois, o duque voltou depressa para sua suíte e trancou a porta. Não queria correr mais nenhum risco. Foi até perto do quarto contíguo e ficou à escuta. Não ouvindo nenhum ruído, supôs que Davina estivesse dormindo.

Vinte minutos depois, o duque ouviu o lacaio da noite le­vando a bagagem do dormitório de lady Lucille, e achou en­tão que deveria arranjar uma desculpa plausível para explicar a ausência repentina dela aos demais hóspedes.

A desculpa clássica era doença de algum parente próximo, e isso deveria servir.

Contudo, sabia ele que mais tarde haveria muito comen­tário em Marlborough House.

Por que lady Lucille partira de uma hora para outra para o estrangeiro?

Por que o duque de repente perdera o interesse por ela?

Mas nada dessas coisas o preocupava. Só o que conseguia pensar era que, pela graça de Deus e de Davina, ele fora salvo.

Um pouco mais tarde, Freddie bateu na porta do quarto do duque. Assim que ele abriu, o amigo anunciou com sa­tisfação:

— Eles se foram.

— Pacificamente?

Freddie piscou o olho.

— "Palavras ásperas não quebram ossos!"

O duque riu, e depois alertou:

— Ninguém deve saber disso.

— Não sou nenhum tolo — afirmou Freddie. — E acho que você se livrou deles com bastante classe. — Fez uma pausa, antes de acrescentar: — Mal posso acreditar que eles pre­tendiam afogar lady Brant.

— Philip deveria ser enforcado — desabafou o duque, re­voltado. — E, indubitavelmente, vai acabar sendo, mais ce­do ou mais tarde.

— É o que ele merece, mesmo! — Freddie bocejou. — Vou voltar para a cama, a menos que tenha mais acontecimentos dramáticos escondidos no bolso do colete.

— Não, meu caro! Já foi demais por uma noite.

Freddie retirou-se, e o duque, depois de fechar a porta, deitou-se. Mais uma vez, pensou em como estava grato a Davina, por ter evitado o escândalo.

Davina também ouviu os lacaios transportar a bagagem de lady Lucille e ficou imaginando o que estaria acontecendo.

Sentia-se ela curiosa em saber. Teve vontade de ir à suíte do duque e perguntar-lhe se estava bem.

Depois, Davina disse para si mesma que sua mãe ficaria chocada com tal idéia, e por isso permaneceu na cama, tre­mendo, com medo de que o duque estivesse correndo perigo.

— Eu o amo! — repetia alto para si mesma.

E era como se a luz do luar a iluminasse por dentro.

Quando tudo ficou em silêncio, afinal, Davina começou a meditar em sua situação ali na casa do duque.

Ela o salvara, era verdade, e ele a beijara, e isso fora a coisa mais maravilhosa que acontecera em sua vida.

Por outro lado, ele a julgava uma viúva, e não uma jo­vem inexperiente, com quem jamais teria se envolvido.

Entendeu Davina, então, que não poderia continuar em Nore. Isso a comprometeria e, quando o duque soubesse da verdade, poderia sentir-se obrigado a salvar-lhe a reputação, a portar-se como um cavalheiro. Por tê-lo salvo de lady Lu­cille, ele poderia sentir-se forçado a pedir-lhe em casamento. Davina sabia que o duque não queria tal coisa, e, sem dú­vida, ficaria horrorizado de ter sido pego de surpresa.

— Preciso ir embora! — exclamou, decidida.

Ela sentiu um aperto no coração só de pensar em se afas­tar do duque, amando-o como o amava.

Mas, justamente por amá-lo, Davina devia deixá-lo livre da obrigação. Ficou acordada, refletindo no que deveria fazer.

Às quatro horas as estrelas começavam a se apagar, e os primeiros raios de sol surgiam no horizonte.

Davina voltou para o quarto que ocupara desde sua che­gada. Pegou o baú de Lucy, que ficara guardado no armá­rio, e pôs dentro toda a roupa que trouxera, deixando o vestido de "Fada" em cima. Em seguida, vestiu-se.

Ela sabia que às cinco horas os criados já estavam acor­dados, e tocou a sineta.

Minutos depois, a camareira entrou no quarto.

— A senhora chamou, milady...? — Logo após, vendo Davina já arrumada, assustou-se: — O que houve, milady? Por que está vestida?

— Fiquei sabendo ontem à noite que minha mãe, que es­tá doente, precisa de mim com urgência.

— Ah, sinto muito!

— Não disse nada até agora para não estragar o diverti­mento, porém preciso partir para Londres imediatamente, você compreende.

— Claro, milady! Mas é uma pena, a senhora estava tão linda ontem à noite...!

— Quer fazer o favor de providenciar uma carruagem para me levar até a estação? Deve haver um trem bem cedo.

— Há sim, milady. Essa é a linha principal.

— Você entende que não quero perturbar ninguém, prin­cipalmente o duque.

— Lógico, milady, que eu entendo!

A criada saiu apressada, e logo em seguida chegaram dói lacaios, para transportar a bagagem de Davina.

Na porta da frente já havia uma carruagem. Pouquíssimo tempo depois, Davina partia de Nore pela longa alameda de carvalhos.

Ela não olhou para trás. Sabia que não suportaria a dor de ver afastar-se a bela mansão, que para ela pareceria sempre o palácio de Kublai Khan.

Tomou Davina o primeiro trem para Londres. Sentia estar deixando para trás tudo o que havia de mais caro e importante para ela, e, acima de tudo, seu próprio coração.

— Jamais encontrarei outro homem tão bonito, tão majestoso e tão atraente quanto o duque... — dizia alto para si mesma.

Com esforço, ela continha o choro.

— Nunca mais sentirei a doçura do beijo dele! Nunca mais amarei ninguém!

Davina sempre acreditara que um dia conheceria o amor verdadeiro, o amor que seu pai sentia por sua mãe e que os tornara abençoados e felizes.

Pois bem, agora ela o tinha encontrado, porém não have­ria final feliz. Dera ao duque a alma e o coração, e jamais poderia pertencer a outro homem.

Chegando a Londres, um carregador colocou sua baga­gem numa carruagem de aluguel, e ela foi para Islington.

No dia seguinte, quando a loja abrisse, Davina iria devol­ver os belos vestidos que Lucy lhe emprestara.

Nunca, porém, contaria à amiga exatamente o que hou­vera em Nore.

Eram nove e meia quando a carruagem de aluguel parou diante da pequena casa, em Islington.

Davina desceu e bateu na porta, enquanto o cocheiro re­colhia e carregava sua bagagem.

Amy veio atender.

— Ah, miss Davina! Não imagina quem...

Não foi preciso dizer mais nada.

Davina viu a pilha de bagagem no hall e deu um grito de alegria. Correu ela para a escada e subiu depressa. Encon­trou o pai lá em cima, sentado ao lado da mãe, no quarto.

— Papai! — exclamou alegremente. — Ah, papai, gra­ças a Deus o senhor voltou!

Atirou-se ao pescoço dele e beijou-o, antes que ele dissesse:

— Estava explicando para sua mãe como lamento ter fi­cado tanto tempo longe de casa.

— Mas agora ele está aqui! — murmurou lady Brantforde, com lágrimas de felicidade nos olhos.

Ela estava sentada na cama, com o rosto radiante, as fa­ces coradas, os olhos brilhando. Completamente diference de quando Davina a deixara.

— O senhor voltou, papai! Como pôde ser tão malvado, a ponto de nos deixar por tanto tempo?

— É que estive em Assam, que é muito longe.

— Em Assam?! — espantou-se Davina.

Nesse momento, Amy apareceu na porta.

— É preciso pagar o cocheiro, miss Davina! — afirmou ela, num tom de reprovação.

Sir Terence pôs a mão no bolso, retirou umas moedas e as entregou a Amy.

A criada se retirou e sir Terence tornou a segurar a mão da esposa.

— Pediram-me que fosse a Assam, numa expedição con­tra os lushais.

— E por quê, papai? O que o senhor tem que ver com eles?

— É que haviam seqüestrado uma menininha chamada Mary Winchester — contou sir Terence. — Eu precisei aju­dar no resgate, porque falo o idioma deles.

— É um mau negócio o senhor falar tantas línguas, não, papai? — brincou Davina.

— Concordo com você, minha filha — interveio lady Brantforde. — Mas, meu querido Terence, felizmente o te­ mos de volta e quero que prometa jamais me deixar no­vamente.

— Espero poder manter a promessa — respondeu sir Te­rence. — Afinal, estou ficando velho para essas viagens tão longas!

Ele tinha muitas coisas para contar, e ambas estavam an­siosas para ouvir.

Era tanta a euforia com o retorno dele, que ninguém se lembrou de indagar a Davina o que estivera fazendo.

Na primeira oportunidade, tirou o vestido com que viaja­ra e colocou-o no baú junto com os outros. Vestiu depressa um outro que ela mesma fizera, e suspirou de alívio por sua mãe haver esquecido de lhe fazer perguntas.

Ao mesmo tempo que sir Terence e Davina degustavam o almoço, ele ia dizendo:

— Agora que estou de volta, pretendo apresentá-la à so­ciedade, conforme o prometido.

— Ah, papai, o senhor está um pouco atrasado! A tem­porada já se encerrou.

E não pôde deixar de pensar que tal coisa era até bom pa­ra ela, pois se fosse a algum baile com o pai, um dos hóspe­des do duque poderia reconhecê-la.

— Já que mamãe não está muito bem, embora eu saiba que agora que o senhor chegou ela vai se recuperar logo, acho melhor voltarmos para o campo.

— Quer isso, mesmo? — perguntou sir Terence. — É o que eu gostaria realmente de fazer, depois dessa experiência longa e cansativa. Mas estou pensando em você, filhinha querida!

— Estou certa de que o senhor poderá patrocinar muita festa para mim lá no campo. Além do mais, poderemos vol­tar a Londres em outra ocasião.

— É evidente, filhinha! Contudo, fico triste comigo mes­ mo por ter estragado seu début. Quem sabe se ficarmos du­rante uma semana ou duas, algum dos meus amigos dê um baile...

— Não, papai! — replicou, de imediato. — Temos de pen­sar em mamãe. Ela ficou realmente muito doente, por se preo­cupar com o senhor. Tenho certeza de que sir William lhe recomendaria uma temporada no campo.

— Então, é o que faremos. E obrigado, filhinha, por ser tão compreensiva!

Davina ergueu-se para abraçá-lo.

— O que importa mesmo é que o senhor esteja são e salvo!

E, dizendo isso, teve certeza absoluta de que jamais veria o duque novamente.

Na manhã seguinte, Davina levou o baú de volta para Lucy. Embora fosse muito cedo, surpreendeu-se de encontrar muitas freguesas na loja. Teve de esperar quase uma hora, lá em ci­ma, na sala, até que Lucy pudesse ir falar com ela.

— Ah, Davina, mal posso acreditar, porém estão chovendo encomendas novas!

— Das que foram ao baile a fantasia?

— Claro! E três freguesas já encomendaram vestido igual ao da "Fada Rainha"!

Davina entusiasmou-se.

— Era o que eu queria que acontecesse, e agora sinto-me desculpada por ter usado o convite de lady Brant.

Lucy olhou por sobre o ombro, como se temesse que al­guém pudesse escutá-las.

— Não deve dizer a ninguém o que fez — repreendeu. — As pessoas ficariam horrorizadas. Quando minhas freguesas me perguntaram quem era a "Fada", disse a verdade e expliquei que você estava acompanhada da mãe.

Davina suspirou.

Sabia que Lucy agira com sensatez, mas, por outro lado, não pôde deixar de pensar que isso significava mais men­tiras.

— Agora, conte-me como foi em Nore.

Foi delicioso para Davina descrever a reunião, o jogo de pólo e, é lógico, o baile em que usara o vestido de "Fada Rainha".

— O que achou do duque?

Sentiu que a amiga estava querendo descobrir como ele se portara com ela.

— Ele é encantador — conseguiu dizer, com descontração —, e certamente ninguém poderia ser melhor anfi­trião.

Tratou logo de desviar o assunto, falando de outros con­vidados.

— Lady Lucille Hedley estava lá? — quis saber Lucy.

— Estava, e linda como sempre.

Fez uma pausa e suspirou.

— Graças a Deus, tudo correu bem! — exclamou Lucy.

— Há uma coisa que preciso lhe revelar — murmurou Davina.

— O que é?

— Papai voltou, e eu não contei a ele, nem à mamãe, on­de estive.

— Fez muito bem! Seria um erro, e tenho certeza de que ficariam zangados comigo, por ter incentivado você.

— Vamos retornar ao campo amanhã, e mamãe está tão feliz com a volta de papai, que sei que vai ficar boa logo.

— Claro que sim.

Davina levantou-se.

— Obrigada, muito obrigada, Lucy, por me proporcio­nar a aventura mais maravilhosa de toda a minha vida!

— Espero que ainda tenha muitas outras!

— Duvido. Nada jamais será tão requintado quanto Marlborough House ou tão magnífico quanto Nore! — E teve von­tade de acrescentar, em voz alta: — Nem tão maravilhoso, bonito, e atraente quanto o duque de Norminster!

Davina foi pensando nele durante todo o caminho de vol­ta para casa. Ficou imaginando o que ele teria dito ao des­cobrir que ela fora embora. Achou que deveria ter deixado um bilhete, porém não havia nada que pudesse dizer sem men­tir. E, como o amava, não queria mais fazer tal coisa.

— Ele logo me esquecerá — falou alto para si mesma.

Isso lhe doeu no coração, pois sabia que nunca mais o es­queceria.

Logo após o almoço com o pai, em casa, sir Terence lhe revelara;

— Preciso fazer uma visita ao conde Granville, para apresentar-lhe um relatório sobre minha missão em Assam.

Lady Brantforde, ainda sob o efeito do remédio, dormira novamente, e Davina sabia que só acordaria dentro de duas ou três horas. A casa estava silenciosa, e ela resolveu ler. Mas era impossível concentrar-se na leitura. Só tinha pensa­mento para a beleza de Nore, do duque e dos puros-sangues dele.

Davina ainda podia vê-lo sentado à cabeceira da mesa, pa­recendo um rei, ou montando seu corcel negro na cavalgada matutina. Lembrava-se da maravilha de dançarem a valsa. E principalmente recordava-se de como ele a salvara do la­birinto, carregara-a para dentro de casa e a beijara.

A lembrança do beijo trouxe de volta as emoções que ele lhe despertara. E ela sentiu-se, mais uma vez, flutuando no céu.

— Eu o amo! Eu o amo!

Estava Davina tão absorta em seu devaneio, que nem ou­viu baterem na porta, e sobressaltou-se quando Amy anun­ciou admirada:

— O duque de Norminster, miss Davina!

Por um momento, Davina julgou que não era possível.

Logo, porém, a figura dele, alto, de ombros largos e bo­nitos, invadiu a sala.

Ela ficou parada, como se um encantamento a impedisse de mover-se. Por fim, quando ele se aproximou, conseguiu erguer-se, derrubando o livro que estivera tentando ler.

— Então, você está aqui! — exclamou o duque.

Davina, sem conseguir articular uma palavra, apenas o olhava.

— Como pôde fugir daquela maneira cruel, deixando-me arrasado, pensando que jamais iria encontrá-la de novo?

— Não era para você me encontrar mesmo... — respon­deu ela, assustada, num fio de voz.

— Por que não?

Davina desviou o olhar, enrubescendo.

— Não queria que soubesse que o havia enganado...

— Fingindo ser lady Brant? Foi realmente uma ousadia sua ir a Marlborough House no lugar dela! Mas constituiu, por outro lado, um ato extremamente corajoso!

— Como você descobriu...?

— Sua amiga madame D'Arcy me contou tudo.

— Lucy contou?

Davina fitou-o, embaraçada.

— Foi difícil convencê-la — explicou o duque. — Mas por fim ela se rendeu.

— Nem posso acreditar! Foi Lucy mesmo quem disse que ninguém deveria saber que eu fizera algo tão errado...

— Não exatamente errado, porém, sem dúvida, bastante incomum, e que seria motivo de comentários.

— Ah, por favor, não conte a ninguém! Estou pasmada de Lucy ter lhe revelado.

— Disse a ela a razão por que eu deveria saber. E é uma boa razão!

— Não posso imaginar qual seja...

Estava admirada de Lucy ter traído seu segredo, e com me­do de que seus pais viessem a saber o que fizera.

— Se está curiosa, posso lhe dizer por que sua amiga me revelou a verdade.

— Não só estou curiosa, como muito zangada com ela.

— Eu disse a madame D'Arcy que estava apaixonado por lady Brant e que pretendia casar-me com ela.

Davina arregalou os olhos.

— Você disse o quê?!

— Que amo você e desconfio que você também me ama.

— Mas você pensava que eu fosse viúva...

— Foi o que você me falou, porém duvidei desde o pri­meiro instante em que a vi. E quando a beijei, então, che­guei à conclusão de que não era verdade.

— Como pôde deduzir isso tudo?

— Ao perceber que você nunca tinha sido beijada. É ver­dade, não é? Diga-me que é verdade!

Davina, trêmula, levantou o olhar para ele.

— É... só você me beijou...

O duque envolveu-a nos braços e outra vez beijou-a com paixão e sofreguidão, como se tivesse sentido muito medo de não a encontrar. Beijou-a até ficarem arfantes e não pen­sarem em mais nada.

Davina sentiu-se no céu, entre as estrelas e a lua.

— Eu amo tanto você! — confessou ela, quando conse­guiu falar.

— Eu adoro você! Quando vamos nos casar, meu amor?

Davina escondeu o rosto no peito dele, em silêncio.

— Não posso acreditar que você vai recusar meu pe­dido!

— Você é tão maravilhoso... tão perfeito... que tenho re­ceio de decepcioná-lo...

O duque sorriu.

— Você só tem de me amar, cuidar de mim e salvar-me, como já fez.

Apertou-a de leve contra si, dizendo:

— Sem você, minha preciosa Davina, eu poderia neste mo­mento estar bem mais pobre e muito humilhado por um par de espertos trapaceiros!

Davina deu um suspiro forte e comprido.

— Graças a Deus, consegui salvá-lo!

— E, agora, se não cuidar de mim, esse tipo de situação pode repetir-se. Como está vendo, meu amor, eu preciso de você!

Ela ergueu o olhar para ele novamente.

— Além do fato de você ser a mulher mais bonita que já conheci, e diferente de todas as demais! — Beijou-a na tes­ta, acrescentando: — Adoro essa cabecinha inteligente, que sabe tanto sobre tudo o que me interessa!

Então beijou-a nos olhos.

— Adoro o modo como você vê beleza em tudo e se comove da mesma forma que eu. — Depois, aproximou os lá­bios dos dela e prosseguiu: — Adoro seu corpo lindo, e você me excita loucamente como mulher.

O duque respirou fundo e confessou:

— Há mais uma coisa ainda.

Davina ficou escutando, trêmula.

— Desde a primeira vez que conversamos em Marlborough House, percebi que havia algo de puro e perfeito em você. Uma inocência que sempre busquei e pensei ser impossível encontrar.

— Como pode me dirigir essas palavras lindas, se eu o en­ganei... fingindo ser outra pessoa?

— Isso pode ser um pouco reprovável. Por outro lado porém, se você não tivesse ido a Marlborough House com o convite de lady Brant, jamais a teria conhecido!

Ele apertou-a de leve.

— Nesse caso, meu amor, eu seria irrecuperável pelo resto da vida!

Ela o fitou, com olhar indagador.

— Mas agora tudo isso acabou — concluiu ele. — Eu ia de flor em flor, simplesmente porque estava em busca da perfeição. A perfeição que encontrei em você, meu pequeno lírio branco!

Ele a beijou mais vezes, até Davina sentir-se envolvida pela luz divina e ouvir o canto dos anjos. Sabia ela que o amor que sentiam um pelo outro fazia parte de sua crença em Deus e da beleza que a comovia.

"Quero amá-lo, protegê-lo e inspirá-lo pelo resto da vi­da", foi o pensamento de Davina, vindo do fundo do coração.

— Diga-me o que está sentindo — pediu ele.

— Eu amo você... — afirmou ela, num sussurro.

Não havia outras palavras para expressar o que sentia.

— Para sempre?

— Por toda a eternidade.

— Nunca vai amar outro?

— Como poderia? — Aproximou o rosto do dele e confessou: — Quando saí sorrateiramente de Nore, deixei com você meu coração e minha alma...

— É o que mais quero — revelou ele, comovido. — Ah, minha querida e adorável futura esposa, nunca mais me abandone!

— Nunca... nunca!

— Eu adoro você e a desejo como louco!...

Davina sentia o coração dele batendo acelerado.

Então, ele a beijou mais uma vez e um arrebatamento fu­rioso os arrebatou.

Tinham encontrado o verdadeiro amor. O amor que vem de Deus e dura por toda a eternidade.

  

                                                                  Barbara Cartland

 

 

                      

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