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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A TURMA DA RUA QUINZE / Marçal Aquino
A TURMA DA RUA QUINZE / Marçal Aquino

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A TURMA DA RUA QUINZE

 

                                         UM DESAPARECIMENTO

No dia 20 de julho de 1969, um domingo, os astro­nautas norte-americanos Edwin Aldrin, Michael Collins e Neil Armstrong, a bordo da nave Apolo 11, realizaram aquela que é considerada a maior façanha do homem no século 20: chega­ram à Lua. E essa data acabou sendo marcante para a turma da rua Quinze. Não por causa do fato em si, mas porque foi nesse dia que o Marcão desapareceu.

No dia seguinte, Pedro e Tigre conversavam sentados' na rua quando André apareceu com a novidade. E rapidamente o sumiço do companheiro substituiu na conversa a imagem de Armstrong e Aldrin andando pela Lua, como a televisão tinha mostrado, e instalando ali a bandeira dos Estados Unidos.

O Serginho me disse que o Marcão não aparece em casa desde ontem na hora do almoço — explicou André. — E hoje cedo os pais dele resolveram procurar a polícia.

Puxa, a polícia? — assustou-se Tigre. — Então a coisa é séria mesmo!

Nem o Serginho, que é irmão dele, sabe direito o que aconteceu. O Marcão não é de comentar com ninguém o que está fazendo — lembrou André, preocupado.

É verdade — concordou Pedro. — Nos últimos tem­pos ele só acompanha a gente quando tem jogo contra a Vila Nova.

Vamos dar um pulo na casa dele? Quem sabe eles têm alguma novidade — propôs Tigre, enquanto se levantava.

A casa do Marcão ficava numa travessa da rua Quin­ze. Era uma construção velha, como a maioria das casas da rua estreita, calçada com pedras que, em breve, seriam substituídas por asfalto, o que estava acontecendo em todas as ruas do bair­ro. Serginho estava sentado na escada que dava para a rua. Per­to dele estava Napoleão, um vira-lata preto e branco que um dia apareceu na rua e acabou adotado pelos meninos. Os dois pare­ciam tristes.

E aí, Serginho, alguma novidade? — adiantou-se André.

Nada até agora. Meu pai nem foi trabalhar hoje por causa disso. Ele e a mãe estiveram na delegacia e agora foram dar uma olhada nos hospitais.

Mas o que pode ter acontecido com o Marcão? perguntou Tigre.

Ninguém sabe. Ele saiu daqui ontem, depois do al­moço. E só levou a roupa do corpo.

E onde é que ele ia? — quis saber Pedro, que tam­bém havia se sentado na escada.

Ele não disse. Ele sempre foi assim, não comenta aonde vai nem o que vai fazer.

Acho que a gente devia dar uma procurada aqui no bairro. Quem sabe aparece alguma pista — propôs Pedro, olhan­do para Tigre e André.

Mas onde? — quis saber Tigre curioso.

Sei lá, vamos dar uma andada por aí. É melhor do que ficar parado aqui.

Eu tenho uma idéia melhor — falou André, lem­brando de um filme policial. — Serginho, você pode pegar algu­ma roupa do Marcão?

Posso, mas pra que você quer?

Pegue e você já vai ver — disse André, sério, en­quanto todos olhavam para ele com curiosidade.

Serginho trouxe uma camisa do Marcão e a entregou a André, que continuava com ar de mistério. Ele pegou a cami­sa, abaixou-se e fez com que Napoleão a cheirasse. Aí todos com­preenderam o que ele estava pretendendo.

 

                                   UM ACHADO NO PARQUE

Napoleão era um companheiro fiel da turma e par­ticipava até mesmo das reuniões no clube, um cômodo nos fun­dos da casa de Tigre, onde as aventuras eram tramadas. Fora batizado por Tigre, que se lembrou de uma aula de História on­de as conquistas de Napoleão foram descritas com paixão pela professora. Mas, com certeza, o imperador francês não ficaria nem um pouco lisonjeado com a homenagem. É mais provável que ele ficasse irritado, principalmente ao saber que as pulgas eram um mal crônico do cachorro, e que não havia banho que as dizimasse.

Napoleão saiu da casa de Serginho seguido pela tur­ma e desceu a rua Quinze em direção ao parque que existia na esquina. Vez por outra ele parava repentinamente e todos fica­vam atentos. Mas ele estava apenas escolhendo um poste para urinar.

Você acha que isso vai dar certo, André? — per­guntou Tigre desconfiado.

Pelo menos o Napoleão está levando a gente para algum lugar, e pode ser uma pista.

Pois eu estou achando que ele só está passeando — comentou Pedro, que também desconfiava da idéia do amigo.

Calma, gente. Vamos ver primeiro onde ele está in­do — interrompeu Serginho.

Napoleão entrou no parque acompanhado de perto pe­los meninos. Caminhou pelas alamedas floridas e parou em frente ao lago que existia no centro do parque. Os garotos ficaram es­perando. Ali, o cão começou a cavar: primeiro devagar, e de­pois com rapidez, ao mesmo tempo que passava a ganir.

Meu Deus — disse Pedro assustado —, o que ele está querendo nos mostrar?

Deve ter alguma coisa enterrada aí. Vamos ajudar a cavar — sugeriu Tigre, abaixando-se.

Enquanto Serginho segurava Napoleão, que bastante agitado latia, os três meninos se agacharam e começaram a ca­var no local apontado pelo cachorro. Usavam as mãos nessa ta­refa, pois a terra fofa indicava que havia sido remexida recen­temente.

— Calma, Napoleão, já vamos encontrar o que você está querendo mostrar — falou Tigre.

Mas o cão continuava a debater-se nas mãos de Sergi­nho. O buraco ia se aprofundando e os três meninos cavavam com mais rapidez. De repente, Tigre gritou:

— Achei, gente. Olhem o que o Napoleão estava que­ rendo mostrar — e ergueu um osso enorme.

Napoleão escapou do controle de Serginho e tomou o osso da mão de Tigre, como se aquilo fosse uma sobremesa escondida para uma ocasião muito especial. Depois partiu em disparada em direção à rua Quinze. Ninguém conseguiu segurar as risadas.

 

                                                 UMA FIGURA MUITO ESTRANHA

A turma da Rua Quinze não conseguiu desprender os olhos

daquela figura estranha...

— Eu sabia que essa idéia não ia dar certo, An­dré — comentou Tigre.

Os quatro garotos estavam sentados na rua Quinze, enquanto Napoleão roia seu osso calmamente.

É, o Napoleão é inteligente, mas não é um cachor­ro policial — observou Pedro, disfarçando o sorriso.

Mas a gente tinha de tentar alguma coisa. E a idéia foi boa — rebateu André.

Foi sim, para o Napoleão, que está jantando mais cedo — falou Pedro, provocando o riso dos companheiros.

Olhem que figura estranha vem vindo lá na esqui­na — disse Serginho, interrompendo a conversa do grupo.

O homem era alto, magro e vestia um paletó escuro, apesar do calor do fim de tarde. Tinha um bigode estreito, e pouco abaixo de seu olho esquerdo havia uma cicatriz que descia até perto da boca. Carregava uma maleta, que parecia deixá-lo ain­da mais esquisito. Um tipo de pessoa que, sem dúvida, chama­ria a atenção em qualquer lugar do mundo. Como se fosse um homem com pernas de pau visitando um parente em uma tribo de pigmeus. Ele caminhava firme, sem olhar para os lados, ig­norando completamente o grupo de meninos sentado na calça­da do outro lado da rua. A turma não conseguia desprender os olhos do homem, como se todos estivessem hipnotizados. E nin­guém conseguia dizer uma palavra.

De repente, Napoleão largou seu osso, levantou-se e, atravessando a rua, investiu contra ele, latindo alto. O cão e o homem se olharam por um instante e, curiosamente, foi o ani­mal quem pareceu demonstrar medo. E recuou, embora conti­nuasse a rosnar. O homem, como se nada tivesse acontecido, con­tinuou sua caminhada até o fim da rua, onde entrou no casarão da esquina. Só então Napoleão parou de latir e retornou para junto da turma, que parecia saída de um transe. Tanto que nin­guém esboçou o menor gesto para deter o cachorro, que avan­çava contra um estranho sem nenhum motivo aparente. Um comportamento incomum, já que normalmente Napoleão era man­so e dócil.

Puxa, que coisa esquisita. Vocês viram como o Na­poleão recuou? — perguntou Serginho, o primeiro a quebrar o silêncio que envolvia a turma. — Por que será que ele não gos­tou desse homem?

Vai ver esse cara fez qualquer coisa para o Napo­leão algum dia — arriscou André, olhando para o cachorro.

Pode ser. Dizem que os cães não esquecem nunca mais as pessoas que os maltratam — disse Pedro.

Nunca vi o Napoleão tão bravo. Até pensei que ele ia morder o homem — falou Serginho, afagando o cão, que vol­tara a atenção para seu osso.

Então é esse o homem que alugou o casarão da es­quina. Minha mãe comentou que a casa da dona Olivia tinha sido alugada por um sujeito estranho, que não cumprimenta nin­guém na rua — lembrou Tigre.

Estranho ele é mesmo. Vocês viram a cicatriz que ele tem na cara? Ele parece um bandido de filme — disse Pedro, e todos concordaram com a comparação.

Eu pagava para saber por que o Napoleão ficou da­quele jeito. Ele nunca avançou em ninguém aqui na rua — fa­lou Tigre inquieto.

E o que ele faz no casarão, mora lá? — quis saber Pedro.

Minha mãe não sabe. Ela só sabe que ele alugou a casa da dona Olivia, que estava fechada desde que ela foi mo­rar com a filha no Paraná, no ano passado. Mas acho que ele não mora lá, não — explicou Tigre —, parece que ele vai abrir uma firma na casa e está trazendo os móveis e as máquinas devagar.

Agora estou lembrando: minha mãe comentou ou­tro dia que um caminhão estava descarregando mudança no ca­sarão da dona Olivia — lembrou André.

Quando foi isso? — perguntou Pedro curioso.

Acho que foi na semana passada. Eu até ia dar uma olhada, mas era hora de jantar e acabei não indo.

 

SERGINHO ENCONTRA ABRAHAM LINCOLN

Serginho chegou em casa e seus pais ainda não ha­viam voltado da peregrinação pelos hospitais. Ele entrou no quar­to que dividia com o irmão. Abriu o armário devagar, como se alguma coisa fosse saltar de lá repentinamente. Havia fotos do irmão quando bebê e outras onde ele aparecia no time da rua Quinze. Serginho folheou os gibis do irmão, na esperança de que alguma pista caísse de dentro das páginas. Mas nada disso aconteceu.

Havia uma caixa pequena com dois times de futebol de botão, que ele remexeu cuidadosamente, terminando por esvaziá-la. Serginho não achava aquilo direito, mexer nos obje­tos do irmão, mas, afinal, era uma situação de emergência. Do fundo da caixa, além das traves de plástico e dos botões, caiu um pedaço de papel verde. Serginho pegou o papel rapidamente e examinou-o. Abraham Lincoln olhava-o, com uma expressão vaga e um sorriso contido. Uma nota de cinco dólares. Ele sentou-se na cama e ficou olhando para a nota: o que aquilo significa­va? Ele nunca soube que Marcão tivesse uma nota de cinco dó­lares, o irmão nunca havia comentado. “Mas tem tanta coisa que ele não comenta”, pensou Serginho. Aquilo era apenas uma nota de cinco dólares, nada mais. Ele ouviu a porta da sala se abrindo e as vozes do pai e da mãe que chegavam. Levantou-se, colocou a nota no bolso, guardou os botões e fechou o armário.

MARCÃO APARECE NA TELEVISÃO

A noite no clube, Pedro, Tigre e André discutiam onde Marcão poderia ser procurado quando chegou Renato, o integrante que faltava da turma.

Acabei de ver o Marcão na televisão — disse, as­ sim que entrou no clube.

 

A foto do Marcão apareceu na TV agora à noite — informou

Renato aos amigos.

O quê? — disseram todos.

Calma, gente, foi só uma foto dele — apressou-se Renato em explicar. — Eu soube que ele tinha sumido, e agora há pouco, num programa que tem antes do telejornal, o apre­sentador mostrou a foto. Disse que se alguém souber alguma in­formação, é para entrar em contato com a emissora.

O que mais ele falou? — perguntou Tigre inte­ressado.

Ele falou que o Marcão pode ter sido seqüestrado. E descreveu também a roupa que ele estava vestindo quando su­miu de casa.

Mas quem iria seqüestrar o Marcão? — questionou André. — E para que iriam fazer isso, para pedir resgate?

Pode ser — falou Renato, olhando para os amigos.

Eu não acho. A família dele é pobre, não arruma­ria dinheiro nenhum para o resgate — analisou Pedro, balan­çando a cabeça.

É verdade, acho que não foi seqüestro, não — con­cordou Tigre.

Mas, então, o que aconteceu com ele? — pergun­tou Renato aos companheiros.

Nesse momento Serginho, que era o mais novo do gru­po, entrou no clube e todos olharam para ele, curiosos, em bus­ca de alguma novidade.

Meus pais andaram por todos os hospitais da cida­de, mas não há nenhuma notícia do meu irmão.

A foto dele apareceu na televisão agora à noite — informou Renato.

É, meu pai foi até lá. Quem sabe alguém tenha vis­to alguma coisa e possa dar informação.

E o que os seus pais estão achando que aconteceu? — quis saber Pedro.

Eles já nem sabem o que pensar. Minha mãe só tem rezado. A polícia disse ao meu pai que acha que o Marcão fugiu com alguma namorada.

E o que seu pai falou? — continuou Pedro.

Ele acha isso impossível. O Marcão tem quinze anos e é muito ajuizado. Ano que vem ele já ia começar a trabalhar pra ajudar em casa. E pra que ele ia fugir com alguém?

Quem o Marcão estava namorando? — perguntou André.

Não sei, ele não fala sobre isso também. Procurei alguma pista em casa, mas a única coisa diferente que encontrei foi isso — disse Serginho, exibindo a nota de cinco dólares.

Ué, por que o Marcão guarda isso? É dinheiro ame­ricano, não é? — interessou-se Tigre, pegando a nota para examinar.

Ele deve ter ganhado isso de alguém e resolveu guar­dar — analisou Serginho. — Eu pensei que ia encontrar cartas ou bilhetes de alguma menina, para descobrir algum nome, mas foi só isso que encontrei.

Cheguei a ver uma menina com ele na semana re­trasada. Eles estavam no parque, à noite — lembrou Tigre, de­volvendo a nota a Serginho. — Mas ela não era daqui do bair­ro, não.

Aliás, o Marcão nunca se interessou pelas meninas daqui — opinou André.

É, ele só conversa por amizade com a Aninha, a Sônia, a Marisa e a Lurdinha — completou Tigre, que era ir­mão de Aninha.

Olha aí uma idéia — manifestou-se André —, será que as meninas não sabem de nada?

É mesmo, a gente pode perguntar pra elas — con­cordou Renato. — Vai ver elas conhecem a menina que estava com o Marcão.

Pode ser. Elas devem estar na sorveteria agora. Va­mos dar um pulo lá? — A idéia foi de Tigre.

Eu não vou poder — disse Pedro. — São quase dez horas e eu já levei uma bronca ontem por ter chegado tarde. Te­nho que ir pra casa.

André e Renato também não quiseram ir até a sorve­teria. André, porque não gostava muito de conversar com as me­ninas. Isso, para ele, significava chateação na certa. E Renato, que era órfão de pai desde os cinco anos, porque não queria dei­xar a mãe sozinha em casa por muito tempo à noite. Tigre e Ser­ginho acabaram sendo os únicos da turma a ir.

ENCONTRO COM AS MENINAS

A sorveteria Ártico, localizada perto do parque, era o ponto de encontro preferido dos meninos da rua Quinze. Prin­cipalmente aos domingos, quando ali também apareciam quase todas as meninas do bairro. Aninha, Marisa, Lurdinha e Sônia eram inseparáveis e costumavam freqüentar o local praticamen­te todas as noites. Um ponto de encontro e de paqueras.

A proposta de Tigre de conversar com as meninas, po­rém, tinha dois objetivos: primeiro, descobrir se elas sabiam al­guma coisa sobre as namoradas do Marcão, e, segundo, Tigre andava interessado em Sônia, a de cabelos curtinhos. Ela era dois anos mais velha do que ele e não lhe dava a mínima bola, embo­ra Tigre fosse insistente.

Ih, lá vem o seu irmão, Aninha. Aposto que vem nos convidar para entrar para o clube — disse, entre risos, Marisa.

Ele que não venha com conversa para o meu lado — irritou-se Sônia, que além dos cabelos tinha o pavio curto,

A notícia do sumiço de Marcão já se espalhara pelo bairro e Aninha estava curiosa para saber se havia alguma novi­dade. Lurdinha, porém, resolveu provocar a amiga: “Se ao me­nos o Pedro estivesse junto com eles, não é, Aninha?”. Marisa e Sônia riram da observação, mas Aninha permaneceu séria:

— Eu nem ligo para ele, Lu. É muito criança e só pensa em futebol e na turma dele. Eu quero é saber se há alguma novi­dade sobre o Marcão.

Nesse momento, Tigre e Serginho juntaram-se ao grupo com aquela conversa manjada, cheia de “oi, vocês por aqui?”, coisa que não fez o menor sucesso entre elas. Aninha perguntou por Marcão a Serginho e ele explicou que ainda não havia ne­nhuma notícia. Tigre quis saber se alguma delas conhecia a me­nina que o Marcão estava namorando, mas ninguém sabia nada a respeito.

E o que os seus pais vão fazer agora, Serginho? — perguntou Marisa.

Não sei. Eles estiveram em todos os hospitais. Pa­rece que a polícia vem ao bairro amanhã pra tentar achar algu­ma pista.

Tigre resolveu conversar com Sônia, mas ela só res­pondia com sins e nãos, deixando claro que sua presença não estava agradando. Mas Tigre era insistente e ficou ao lado da garota, que permanecia de braços cruzados. Serginho percebeu que não tinha mais nada para fazer ali e, como já era tarde, despediu-se com um “tchau pra todos” e foi para casa.

 

                                     UMA ENTREGA MISTERIOSA

Escondido atrás de uma árvore, Serginho observou um carro preto parar diante do casarão.

O carro preto dobrou a esquina lentamente e nes­se ritmo atravessou toda a extensão da rua. Deteve-se diante do sobrado que ocupava a esquina inteira — um casarão de tijolos vermelhos, protegido por um muro alto e por árvores que tor­navam a rua ainda mais escura àquela hora da noite. Os faróis foram desligados e depois de algum tempo desceram dois homens. Eles andavam devagar, olhando atentamente para todos os la­dos da rua deserta. Um deles disse alguma coisa para um outro homem, que os aguardava em frente ao enorme portão de ferro da casa. Em seguida eles entraram no casarão, e ao retornarem os três carregavam pacotes envoltos em papel pardo, que foram colocados no carro preto.

O     carro partiu, desta vez em grande velocidade, levan­ do a dupla que havia chegado. O terceiro homem permaneceu na calçada, olhando o veículo desaparecer na outra esquina. E quando ele se virou para entrar no casarão, a luz do poste bateu diretamente no seu rosto, iluminando uma enorme cicatriz. Ser­ginho, que estava escondido atrás de uma árvore na rua, sentiu um arrepio: aquele era o homem sobre quem Napoleão avança­ra. Não havia como confundir: não existia ninguém na rua com uma cicatriz daquele tamanho no rosto. Mesmo que, de longe, ela parecesse uma enorme ruga. Como se fosse possível alguém ter uma única e enorme ruga no rosto.

A VISITA DOS POLICIAIS

Na terça-feira a família de Serginho recebeu a visita do investigador Olegário. Era um homem magro, que mancava de uma perna e falava baixo. Ele estava acompanhado de dois policiais fardados, um baixo de bigode e outro mais alto. O trio conversava com os pais de Marcão, todos sentados na sa­la, e Serginho, em pé, apenas observava. O investigador queria saber se o desaparecido tinha o costume de andar com pessoas que os pais não conheciam. O pai do Marcão explicou que o fi­lho andou algum tempo em companhia dos meninos da rua Quin­ze, mas como era mais velho acabou por afastar-se. Seu único interesse no momento eram as meninas.

Ele tem alguma namorada? — perguntou Olegário.

Ele nunca comentou isso aqui em casa. Mas saía quase todas as noites — observou a mãe.

Precisamos descobrir isso. Pode ser uma pista im­portante — disse o investigador, olhando para os policiais fardados.

Você sabe alguma coisa sobre isso? — falou o pai, dirigindo-se a Serginho.

O Tigre diz que viu o Marcão com uma menina no parque, mas ele não sabe quem ela é.

Quem é esse Tigre? — interessou-se o investigador.

É um dos meninos aqui da rua Quinze — explicou o pai de Serginho. Todo mundo chamava o Tigre pelo apelido, embora seu nome fosse Ricardo.

Interessante. E será que seu filho não guardou uma foto ou um bilhete dessa menina? Isso é muito comum entre me­ninos — analisou Olegário.

Antes que os pais respondessem, Serginho resolveu con­tar que já havia procurado entre as coisas do irmão e não havia encontrado nada. Só ficou em dúvida se deveria mostrar a nota de cinco dólares encontrada. Por fim decidiu-se:

—    A única coisa diferente que achei no meio das coi­sas dele foi isso — e exibiu a nota.

O investigador apanhou os cinco dólares, examinou a nota e devolveu-a a Serginho.

Isto é apenas uma nota de dinheiro americano. Não serve como pista para nada — disse Olegário levantando-se, no que foi acompanhado pelos dois policiais.

Bom, nós vamos continuar investigando — disse, enquanto apertava a mão do pai de Marcão. — Qualquer coisa, entraremos em contato. E se vocês descobrirem qualquer coisa, por favor nos avisem.

Os pais de Serginho acompanharam os policiais até a porta e o menino foi o único que ficou olhando enquanto o trio descia as escadas em direção à viatura estacionada na rua. Ole­gário, como se houvesse esquecido alguma coisa, subiu de volta a escada e dirigiu-se a Serginho:

— Você pode me dar aquela nota? Pensei melhor e acho que isso pode ser uma pista importante.

Serginho hesitou um pouco, pois gostaria de guardar aquele dinheiro verde, mas se aquilo era importante para achar seu irmão, ele não se importava de entregar. Depois de apanhar a nota o investigador agradeceu, desceu mancando as escadas e partiu com a viatura da polícia.

 

                                                                                         ASSUNTOS MUITO IMPORTANTES

A noite de terça exibia uma lua enorme sobre a rua Quinze. Tão grande que se a janela do clube estivesse aberta, os meninos ali reunidos poderiam desligar a lâmpada e, mesmo assim, continuar enxergando uns aos outros.

O assunto principal era ainda o desaparecimento do amigo. Lá se iam três dias sem nenhuma notícia dele e os meni­nos discutiam quais os lugares onde Marcão ainda poderia ser procurado. Na opinião de Tigre a única chance eram passeios pelo parque, na esperança de encontrar a menina vista em com­panhia do desaparecido.

Mas só você vai poder fazer isso. Ninguém aqui viu essa menina e não vai conseguir reconhecê-la — opinou Pedro com segurança.

É mesmo. Como vamos reconhecer uma menina que nunca vimos? — concordou André.

Renato e Serginho tinham essa mesma dúvida. Em pou­co tempo ficou claro que a idéia de Tigre era inútil. Mas havia dois outros motivos para aquela reunião. E ambos eram impor­tantes para a turma. O primeiro: naquela tarde Renato tinha visto a mais nova moradora da rua, uma garota muito bonita, de acor­do com sua descrição. Ou, usando suas próprias palavras:

— A menina mais bonita que eu já vi. Uma loirinha, de cabelos compridos. Quando eu passei, ela estava parada no portão, olhando a rua. E eu acho que ela é rica, porque havia dois automóveis novos na garagem da casa — informou Rena­to, aguçando a curiosidade de todos.

Esse último detalhe Renato nem precisava mencionar: todos sabiam que a casa onde ela estava morando era a mais no­va e também a mais bonita da rua. Para morar ali, no raciocínio de todos, era preciso ter dinheiro.

Você viu se ela tem irmãos? — interessou-se Tigre.

Não, não vi nada. Aliás, como eu ia ver outra coi­sa se tinha aquela coisa linda para olhar?

O entusiasmo com que Renato falava da nova vizinha estava contaminando todos. A tal ponto que não seria estranho se alguém sugerisse a suspensão da reunião naquele momento para uma visita à menina. Mas havia um segundo assunto a ser discutido. E esse era inadiável: o homem do casarão, seus visi­tantes noturnos e seus pacotes misteriosos. A turma, que já andava interessada no homem por causa da estranha reação de Napoleão, ficou ainda mais curiosa depois do que Serginho contou:

Eu tinha saído da sorveteria e estava indo para ca­sa quando vi o carro preto se aproximando do casarão. Vocês precisavam ter visto o cuidado que eles tiveram antes de entrar na casa com o homem da cicatriz. Como se estivessem vigiando a rua e fazendo algo proibido.

Isso é muito esquisito. Primeiro, sem qualquer mo­tivo, o Napoleão não gostou dele. Depois vem essa história aí. Que jeito eram os pacotes que eles estavam carregando? — per­guntou Pedro, fazendo a expressão de um chefe que está anali­sando um assunto importante.

Não eram muito grandes. Cada um dos homens saiu da casa com dois ou três pacotes — explicou Serginho.

Isso está me cheirando contrabando — disse Tigre, fazendo uma careta.

Espera aí. A sua mãe não disse que ele vai abrir uma empresa na casa? E se esses pacotes estiverem ligados a isso? — ponderou André.

Ora, por que o cara vai fazer uma entrega durante a noite e ter todo esse cuidado para não ser observado? — reba­teu Tigre rapidamente.

É, acho que você tem razão. O assunto merece uma investigação — concordou Renato, com expressão excitada.

Eu ainda acho que a gente está perdendo tem­po em vez de continuar procurando o Marcão — era André dis­cordando. — Além do mais, a gente pode arrumar encrenca de graça.

Pronto, lá vem o medroso. Nem sei o que você es­tá fazendo no clube. Tem medo de tudo — interveio Pedro olhan­do para André.

É mesmo. Acho que a gente deveria investigar isso direitinho — manifestou-se Serginho.

Pedro ficou pensativo por algum tempo antes de dizer:

—    Só existe uma maneira de esclarecer isso. — E to­dos ficaram olhando para ele, até mesmo Tigre, que não supor­tava ver o companheiro fazendo o papel de líder da turma.

Mas foi Pedro quem continuou falando:

Acho que a gente deveria dar uma espiada nessa casa.

Você está dizendo que a gente deveria entrar no ca­sarão? — perguntou André, com cara de espanto.

Sim. Acho que é o único jeito de descobrir o que está acontecendo lá.

Acho que isso é uma loucura. Se pegarem a gente lá dentro é capaz até de chamarem a polícia — analisou André aflito.

Olha, André, você não é obrigado a ir. Ou melhor: você fica fora disso. Caso a gente não apareça até amanhã de manhã, você sabe onde nós estamos e chama a polícia, com­binado?

Pedro, o que vocês vão fazer é loucura — conti­nuou André, percebendo que não ia convencer o amigo.

Olha, turma, quem não estiver a fim não precisa ir. E pode ficar fazendo companhia ao André e ao Napoleão — falou Pedro, como quem encerra uma discussão.

É claro que, fora André, todos estavam dispostos a participar daquela aventura. É verdade que sentiam medo, mas a curiosidade era maior. E ninguém queria repartir a fama com André, que, apesar de ser o mais forte da turma, era realmente o mais medroso. Ele permaneceu no clube, com Napoleão, en­quanto cada um ia para sua casa buscar o equipamento que a missão exigia.

 


                                                       INVADINDO O CASARÃO

O grupo que se reuniu em frente à sorveteria cha­mava tanto a atenção quanto uma girafa passeando de bicicle­ta: apesar da noite quente, todos vestiam jaquetas e andavam furtivamente com as mãos nos bolsos. Renato carregava uma cor­da; Pedro e Serginho, lanternas, e Tigre tinha um canivete. À pergunta de Pedro — tudo pronto? — todos responderam afir­mativamente e se dirigiram para o casarão.

O grupo permaneceu escondido atrás das árvores da rua enquanto observava a casa, que, às escuras, não indicava qualquer sinal de movimento. Era hora de novela na televisão e a rua permanecia deserta. Serginho tinha uma dúvida:

E se tiver gente lá dentro?

O que vão estar fazendo no escuro? Não há nin­guém lá. Tudo o que temos de fazer é escalar esse muro — co­mandou Pedro.

Por que não pulamos o portão? — perguntou Re­nato, que era o mais prático da turma.

Porque pode passar alguém na rua e nos ver. Acho melhor pular o muro na rua lateral, que é mais escura. O que você acha, Tigre?

É, é melhor ir pela rua lateral. Só que lá o muro é bem mais alto. Como vamos fazer?

Eu tenho um plano — disse Renato, mostrando a corda que carregava. — Ajudamos alguém a subir e daí é só pren­der a corda.

Boa idéia. Podemos erguer o Serginho, que é o mais leve — propôs Tigre com a concordância dos demais.

E se tiver cachorro? — quis saber Serginho, des­confiado de que era sempre escalado para fazer a parte mais di­fícil nas missões.

Não há cachorro aí. A não ser que ele seja mudo e não consiga dar nenhum latido — brincou Pedro. E todos ri­ram nervosamente.

Serginho estava em cima do muro, depois de ter sido erguido por Pedro e Tigre, e procurava um lugar onde prender a corda para que os companheiros subissem. Ao mesmo tempo, ele olhava para o lado de dentro, e a idéia de desistir da missão começou a crescer: apesar da lua cheia, ele não conseguia dis­tinguir nada na escuridão que cercava o sobrado. As árvores não permitiam que a luz da rua chegasse ao lugar. Serginho só con­seguia perceber que havia muita umidade e plantas trepadeiras que cobriam a parte interna do muro. Os três companheiros pa­rados na rua estavam impacientes. E falavam em voz baixa.

— O que há, Serginho? Vamos logo com isso que po­de aparecer alguém — sussurrou Pedro nervosamente.

E Serginho, que se movia com dificuldade sobre o mu­ro, tentava vencer o medo e prender a corda em algum lugar. Até que encontrou: em meio à vegetação que cobria o muro, ele achou a ponta de um ferro pertencente à estrutura da constru­ção. Foi ali que ele prendeu a corda, e os três meninos não tive­ram dificuldade em escalar o muro.

 

                                             COMPANHIA PARA A TURMA

Depois de um tempo em silêncio, quando eles tenta­ram ouvir algum ruído vindo da casa, os quatro desceram pelo lado interno do muro ainda utilizando a corda, que ficou presa para o caso de uma saída urgente.

Pedro e Serginho carregavam as lanternas e iam à frente de Renato e Tigre. A ordem era falar somente o necessário e em voz baixa. Havia um corredor estreito e úmido que terminava em um outro pedaço de muro, formando uma espécie de beco sem saída.

No quintal, além das árvores, a única coisa que as lan­ternas iluminaram foram duas cadeiras velhas e quebradas. Ti­gre experimentou uma das janelas da casa: fechada. O grupo pas­sou diante da porta dos fundos da casa. O silêncio era tão gran­de que seria possível ouvir os cabelos de alguém crescendo. Foi a vez de Pedro experimentar a porta e descobrir que ela também estava trancada. Rodearam a casa e chegaram ao outro lado, onde havia um corredor semelhante ao anterior. E que igual­mente terminava em muro.

Caramba, que ótimo lugar para ficar encurralado — avaliou Tigre num cochicho.

Tigre, vamos voltar e tentar abrir o trinco da jane­la com seu canivete — sugeriu Pedro.

Tigre já se preparava para enfiar a lâmina no vão da janela quando ouviram o grito de Serginho: — Pessoal, vem ver o que eu achei aqui.

Antes mesmo de chegar ao local onde Serginho esta­va, Pedro já foi bronqueando:

— Se houvesse alguém na casa nós já teríamos sido descobertos. Onde já se viu gritar desse jeito?

No fim do corredor, com um ar de vitória, Serginho iluminava uma pilha de latas. Os meninos se aproximaram, e não fossem as bordas das latas sujas eles nunca teriam descoberto seu conteúdo: tinta.

Vejam que letras esquisitas. Que língua será essa, Tigre? — perguntou Pedro, pegando uma das latas para exa­minar.

Inglês não é. Nunca vi nada parecido. Para que ser­ve essa tinta?

Provavelmente usaram para pintar a casa, que es­tava fechada há bastante tempo — opinou Serginho.

É, desde que a dona Olivia se mudou ninguém veio morar aqui — completou Renato.

Bem, Serginho, de nada adiantou seu grito. Isso aí não é nenhuma descoberta importante — falou Pedro decepcio­nado. — Vamos voltar à janela. Pegue o canivete, Tigre.

Desta vez o grupo todo se reuniu perto da janela, on­de Tigre começou a introduzir o canivete. Ele conseguiu fazer a lâmina penetrar no meio da janela, mas não encontrava o trinco.

Quem sabe usando um pouco de força — disse o menino, com cara de quem estava fazendo um grande esforço.

Cuidado para não quebrar o canivete — recomen­dou Renato.

De repente a madeira estalou. Depois desse barulho todos ficaram atentos para ver o que acontecia. As mãos de Ti­gre estavam suadas e ele estava arrependido de ter colocado a jaqueta. E já ia retomar o trabalho quando ouviu o barulho. Olhou para os companheiros e nem precisou perguntar nada: três pares de olhos brilhavam assustados. Ninguém movia um mús­culo. Nem ousava olhar para o fim do corredor, de onde o ruí­do viera.

Depois de alguns segundos — que pareceram horas —, Pedro ia falar alguma coisa, mas um segundo ruído o deteve.

Não havia como confundir: alguém andava pelo quintal e fazia barulho pisando sobre as folhas secas caídas das árvores. Os me­ninos recuaram instintivamente e, como não havia por onde fu­gir, encostaram-se no muro úmido.

— Fiquem quietos e não vão nos encontrar aqui — dis­se Pedro em voz baixa, não conseguindo disfarçar o medo que sentia. Renato tremia e Serginho tentava colocar-se atrás de alguém.

O barulho cessou por alguns instantes. A turma esta­va colada no muro e aguardava. Subitamente o ruído dos pas­sos recomeçou e indicou claramente sua direção: o corredor on­de os meninos se encolhiam.

Se pudesse Serginho gritaria, mas não tinha voz para isso. Renato fechou os olhos. Os passos se aproximavam. Pe­dro estava molhado de suor e agora não era o calor que o inco­modava. Não havia como escalar o muro. Todos estavam imó­veis. O ruído dos passos prosseguia e estava próximo. A lua se escondeu atrás das nuvens. Tigre armou o canivete. O autor dos passos apontou no fim do corredor.

UM COMPANHEIRO ESPERTO

Os dois olhos brilharam no fim do corredor. E tão logo localizou os garotos encolhidos contra o muro, o dono da­queles olhos correu em direção a eles, arfando de alegria. Na­poleão.

Puxa, que susto — disse Pedro respirando alivia­do. — Como é que esse cachorro entrou aqui?

Como ele entrou eu não sei, mas ele quase me ma­tou do coração — confessou Renato, que ainda tremia.

E o André, não ficou combinado que ele faria com­panhia ao Napoleão no clube? — falou Tigre, enquanto guar­dava o canivete.

Vai ver ele foi embora pra casa e pôs o Napoleão para fora, e aí ele veio atrás da gente aqui — opinou Serginho ainda assustado.

Mas como é que ele soube que a gente estava aqui dentro? — questionou Renato, olhando para Napoleão.

—    Vamos descobrir já como ele conseguiu entrar — falou Pedro, enquanto caminhava em direção ao quintal acom­panhado pelos três companheiros e pelo cachorro.

Serginho, Tigre e Renato usaram a corda para escalar o muro e Pedro fingiu que ia fazer o mesmo, enquanto Napo­leão apenas observava. Ao ver que os meninos estavam saindo do casarão, Napoleão correu para o fundo do quintal. O truque deu certo: Pedro viu que o cachorro entrava num bueiro atrás de uma das árvores, e que não fora percebido por eles por estar coberto de folhas.

De cima do muro Renato, Serginho e Tigre viram o cão surgir do outro lado, num outro bueiro que não tinha tampa.

—    Pode subir, Pedro. Ele já está na rua — avisou Ti­gre satisfeito.

Pedro foi o último a escalar o muro. E Serginho foi o último a descer do outro lado, ajudado pelos companheiros, já que retirara a corda usada pelos três.

O Napoleão é realmente esperto: descobriu uma en­trada pra gente e não vamos mais precisar usar o muro da pró­xima vez — avaliou Pedro.

Quando é que nós vamos voltar? — quis saber Serginho.

Amanhã à noite. Só que desta vez vamos trazer fer­ramentas para abrir a janela — respondeu Pedro, encarando os amigos.

Acho que o Napoleão acabou de ensinar uma lição para nós — disse Tigre. — Quando a gente entrar de novo na casa é melhor alguém ficar do lado de fora, vigiando. Para po­der avisar caso chegue alguém.

É mesmo — concordou Renato —, já pensou se, em vez do Napoleão, tivesse chegado o homem da cicatriz?

Acho uma ótima idéia. Não gostei nem um pouco de ficar encurralado naquele corredor — lembrou Pedro, ainda sentindo um calafrio.

Nem eu — concordou Serginho.

Vamos fazer isso amanhã. Alguém fica aqui na rua, fazendo a vigilância — avisou Pedro, enquanto caminhavam de volta ao clube.

 

                                                 CONVERSA NO PARQUE

No dia 23 de julho de 1969 as principais manchetes dos jornais falavam das repercussões da chegada do homem à Lua, uma grande conquista da tecnologia. E também dos pre­parativos da seleção brasileira de futebol para as eliminatórias da Copa do Mundo de 70. Como era de se esperar, não havia qualquer notícia sobre o desaparecimento do Marcão.

Dois dias antes sua foto havia saído numa coluna, ao lado de uma moça chamada Elizabeth e de um velho chamado Otávio, todos desaparecidos. O sumiço repentino de pessoas não era uma coisa tão incomum, exceto para a turma da rua Quin­ze, que continuava procurando pelo amigo. A uma semana do fim das férias escolares, Pedro, Tigre, Serginho, André e Napo­leão ocuparam toda a tarde da quarta-feira perambulando pelo bairro em busca de pistas do companheiro. Renato não partici­pava das buscas porque havia saído com a mãe.

Vai ser difícil encontrar alguma coisa. Não há on­de procurar — disse, desanimado, Pedro. Eles estavam senta­dos no parque.

Mas não podemos desistir, Pedro. Daqui a pouco ninguém mais vai falar no Marcão e tudo vai ficar por isso mes­mo — observou Tigre com preocupação.

É mesmo. Veja, Pedro, a polícia não apareceu mais aqui. Vai ver eles já nem estão procurando mais — concordou André.

A minha mãe vai todos os dias à delegacia — in­formou Serginho. — Os policiais disseram pra ela que é assim mesmo, que todos os dias somem várias pessoas.

Mas o Marcão não tinha motivos para sumir. Isso é impossível, deve ter acontecido alguma coisa — falou Pedro inconformado. — Eu não sei o que vamos fazer agora.

Se ao menos aquela menina que estava com ele apa­recesse... — acrescentou Tigre.

Não sei se ia adiantar muito, não. Vai ver ela não sabe de nada — retrucou Pedro, interrompendo a frase do com­panheiro.

Eu estou achando que ela só aparece por aqui mais tarde. Quem sabe se a gente desse uma volta por aqui depois... — insistiu Tigre.

Eu acho isso inútil. Aliás, nós já temos um com­promisso para a noite — lembrou Pedro, olhando para os amigos.

É mesmo. Falando nisso, que ferramentas vamos levar? — perguntou Serginho.

Ferramentas? Pra quê? O que vocês estão preten­dendo fazer? — interessou-se André.

Não é nada, não, André. Você não ia topar mes­mo, com o medo que tem — Pedro cortou o assunto.

Vejam lá o que vocês vão fazer, hein? Acho que estão se arriscando à toa — continuou André, percebendo que falavam do casarão.

É o que veremos — disse Pedro. — Agora acho me­lhor a gente ir pra casa. Está quase na hora de jantar e depois nós temos uma reunião no clube.

 

                                                                   UMA GAROTA CHAMADA BEATRIZ

A menina loira estava encostada no portão. Tinha cabelos compridos e, como Renato dissera, era de fato muito bo­nita. Os meninos caminhavam pela rua Quinze quando a avistaram. Pedro foi o primeiro a manifestar-se:

Olha lá a nossa nova vizinha.

Não é que o Renato tinha razão? Ela é uma graci­nha — opinou Tigre sorrindo.

E se a gente for até lá conversar com ela? — pro­pôs Pedro.

Mas o que nós vamos falar pra ela? — quis saber André.

Ah, sei lá. Ela é nova na rua, a gente podia se apre­sentar, que tal? — A sugestão foi de Pedro.

A idéia é boa — concordou Tigre, sem tirar os olhos da menina.

A garota olhou com curiosidade os quatro meninos que se aproximavam do portão de sua casa acompanhados por um cachorro. Não conseguiu conter um sorriso quando percebeu qual era a intenção do grupo.

Olá — Pedro adiantou-se, disfarçando a falta de jeito —, você mudou para cá faz pouco tempo, não é?

É, eu estou aqui neste bairro faz duas semanas. Vo­cês moram por aqui também?

Todos nós moramos aqui perto. Eu sou o Pedro. Este é o Tigre, quer dizer, é o Ricardo, mas todo mundo chama ele de Tigre. E aqueles dois são Serginho e André — continuou Pedro, fazendo o papel de apresentador.

Muito prazer. Meu nome é Beatriz, mas todo mun­do me chama de Bia.

Ah, e este é o Napoleão — disse Tigre, enquanto acariciava o cachorro.

Napoleão? Que nome engraçado. Uma vez eu tive um cachorro, um pastor alemão, chamado Terry. Quando nós fomos morar num apartamento meu pai precisou dar o Terry de presente para um amigo. Não havia espaço para ele.

O Napoleão é vira-lata, mas é muito inteligente — manifestou-se Serginho.

Ele é muito bonito — disse Bia, como se isso fosse um consolo para o fato de Napoleão não ser um cachorro de raça.

Você vai estudar aqui no bairro? — quis saber Pedro.

Não, eu vou continuar estudando no bairro onde eu morava. Papai vai me levar de carro todos os dias, já combi­namos isso. E vocês, estudam onde?

Eu e o Tigre estamos na terceira série do ginásio e estudamos na mesma classe na escola que tem aqui perto. O André está na segunda e o Serginho ainda está no quarto ano do grupo — explicou Pedro, falando pela turma.

Vocês não viajaram nestas férias? — perguntou Bia. — Eu e mamãe acabamos de voltar de viagem. Só o papai não foi, por causa dos negócios.

É difícil a gente viajar. Além do mais, nós estamos cuidando de um trabalho agora — revelou Tigre. E todos olha­ram para ele espantados.

Trabalho? Que tipo de trabalho? — quis saber Bia, e sua curiosidade era a mesma dos outros três meninos.

Nós estamos procurando o Marcão, irmão do Ser­ginho, que sumiu.

Como assim? Ele desapareceu? — interessou-se Bia.

Pois é, ele está desaparecido desde domingo e nós estamos tentando encontrar alguma pista dele — continuou Tigre, e os companheiros não entendiam por que ele estava contando aquilo para a menina.

Mas a polícia já foi avisada?

Claro, a notícia já deu até na televisão. Esse é o nosso trabalho no momento. Fora outros, que não podemos fa­lar aqui — a frase de Tigre deixou os companheiros assustados. Será que ele ia revelar para a menina que a turma estava investi­gando o casarão?

Não, não ia. Nesse momento chegou o pai de Bia, di­rigindo um carro novo em folha. Era um homem calvo, de bi­gode e que vestia um terno escuro. Parecia uma pessoa impor­tante e tinha um ar de quem era muito severo.

Bia, eu já não falei para você não ficar conversan­do com estranhos na rua? — ele disse, depois de uma rápida olha­da para os meninos.

Papai, esses meninos moram aqui na rua e são meus amigos — replicou Bia.

Eu não os conheço e não quero que você fique na rua. Nós já falamos sobre isso — insistiu o homem.

Pedro pensou em dirigir-se ao pai de Bia e explicar que eles estavam apenas se apresentando para a menina que, afinal, era nova na rua. Mas desistiu diante do olhar que o homem lan­çou para eles antes de entrar na garagem.

Bom, Bia, a gente já vai indo mesmo. À noite nós vamos dar uma passada na sorveteria que tem perto do parque. Se você quiser aparecer... — disse Tigre, intimidado pela reação do homem.

Eu sei onde é. Se eu puder sair dou uma passada por lá. Agora eu preciso entrar.

Então tchau — disse Tigre.

Tchau pra todos — respondeu a menina antes de virar as costas e entrar.

 

                                   PREPARANDO A INVESTIGAÇÃO NO CLUBE

— Você precisava ver a cara do pai dela, Renato.

O homem é uma fera — explicava Tigre no começo da reunião no clube.

Mas a Bia é realmente bonita. Você tinha razão, Renato — disse Pedro, com a concordância dos demais.

O bobão do Tigre ficou se babando — comentou André —, só faltou convidar a menina pra entrar para o clube.

Você está com ciúmes, André, só porque ficou lá, caladão — revidou Tigre exaltado.

Mas ela é legal — interveio Serginho. — Quando o pai dela deu a bronca ela disse que a gente era amigo, vocês estão lembrados?

É mesmo. Estou até pensando em convidar a Bia pra ir com a gente até o casarão — revelou Tigre.

Você está louco, Tigre. Se acontece alguma coisa com ela o pai dela te mata — observou André.

Se ele souber que ela está conversando com a gente já é capaz de dar encrenca.

Não exagere — falou Pedro —, ele é só cuidadoso. Vai ver ele ouviu falar do sumiço do Marcão e está preocupado com ela.

Quer dizer que vocês vão mesmo voltar ao casarão hoje? — perguntou André surpreso.

Vamos. Pra que você pensa que a gente trouxe es­sas ferramentas? — disse Tigre, enquanto mostrava um pé-de-cabra e uma chave de fenda que estavam sobre a mesa.

Eu acho que vocês vão acabar se metendo em en­crencas — advertiu André.

Bom, de qualquer jeito você pode ficar tranqüilo. A gente não vai levar ninguém na marra — explicou Pedro. — E desta vez vamos levar o Napoleão com a gente, porque ontem você não prestou nem para tomar conta dele direito.

Já era tarde, Pedro, eu ia pra casa e não podia dei­xar o Napoleão trancado aqui no clube — defendeu-se André.

Bom, gente, acho que está na hora de entrar em ação. Vamos lá? — comandou Renato.

Eu vou pra casa. Não quero encrenca para o meu lado — disse André.

É melhor assim. Só vai quem tem coragem — pro­vocou Tigre com um sorriso.

Quero ver na hora que vocês estiverem encrenca­dos se você vai falar isso — reagiu André ao sair do clube.

Esse cara é um medroso mesmo — comentou Re­nato. — Mas pelo menos ele podia desejar boa sorte pra gente, né?

BIA PROVOCA CIÚMES

Para surpresa dos meninos Bia estava sentada em um dos banquinhos da sorveteria quando eles chegaram. E ela tam­bém não conseguiu esconder seu espanto ao vê-los vestidos com jaquetas:

— Investigando? — espantou-se Bia.

— Por que essa investigação, há alguma coisa errada com aquela casa?

 

Por acaso vocês estão com frio?

Não, não é isso — disse Tigre rindo. — É que nós vamos fazer um trabalho agora e essa roupa é um disfarce.

Disfarce? Acho que assim vocês chamam a aten­ção de qualquer um — observou Bia. — Que trabalho é esse, vão procurar o menino que sumiu?

Tigre olhou de lado, como se esperasse a aprovação dos companheiros para o que ia contar. Depois disse em voz baixa:

Não, não tem nada a ver com o Marcão. Nós esta­mos investigando uma casa aqui da rua.

Investigando? — espantou-se Bia. — Por que essa investigação, há alguma coisa errada com a casa?

Olha — interrompeu Pedro —, é uma história meio comprida. Você não quer acompanhar a gente? No caminho nós explicamos o que está acontecendo.

Eu até posso ir, desde que não demore muito. Eu disse ao papai que ia só dar uma passadinha na sorveteria e vol­tava logo. Ele não gosta que eu saia de casa à noite.

Então vamos lá. Vai ser rápido. Nós só estamos ve­rificando umas coisas nessa casa — informou Tigre.

Marisa, Lurdinha, Aninha e Sônia entraram na sor­veteria e viram os garotos conversando com uma menina que elas não conheciam. O primeiro sentimento foi de curiosidade: quem era a loirinha bonita, e o que os meninos estavam fazendo com ela? O segundo foi de ciúmes. E Lurdinha, percebendo isso, não perdeu a oportunidade de mexer com a amiga:

Você reparou, Sônia, como o Tigre olha para a me­nina? Veja, agora ele até pegou no braço dela.

Não estou ligando nem um pouco, Lurdinha — re­bateu Sônia. — Se você quer saber, até torço pra que ele arrume uma namorada. Quem sabe assim ele pára de me encher.

Lurdinha não se deu por vencida e virou-se para o la­do de Aninha:

Não sei não, Ana, mas parece que até o Pedro está olhando de um jeito esquisito para ela, você reparou?

E daí, Lu? Já falei que não ligo pra ele. Por mim ele pode olhar do jeito que quiser para qualquer menina.

Eu estou achando que vocês duas estão com ciú­mes. E é bem feito: quem mandou ficar esnobando os meninos — insistiu Lurdinha.

Ih, Lurdinha, não enche — retrucou Aninha, que continuava olhando os meninos saindo da sorveteria em com­panhia da loirinha.

Eu só queria saber quem é essa menina e onde é que eles estão indo com ela — interveio Marisa, que estava quieta até aquele momento, mas também olhava o grupo com curio­sidade.

Isso é fácil de saber: depois eu pergunto para o Ti­gre — disse Aninha. Ela sabia que o irmão não era de guardar segredo sobre as coisas que estava fazendo.

 

                                                 0 PLANO DE TIGRE

Como na noite anterior, o grupo aproximou-se com cuidado do sobrado de tijolos vermelhos. Não havia nenhum si­nal de luz em seu interior, e a turma desceu até a rua lateral, que era a mais escura. Bia havia se interessado pela história do homem da cicatriz que lhe fora contada por Tigre. E embora sen­tisse um pouco de medo, sua curiosidade pelo assunto não era menor que a dos meninos. Seu medo maior, na verdade, era de que o pai a visse em companhia do grupo. Aí, sim, era encrenca na certa.

Bom, vamos fazer como foi combinado — lembrou Pedro quando eles encostaram no muro —, alguém vai ficar aqui, do lado de fora, para vigiar se chega alguém.  

Eu não vou entrar aí não — antecipou-se Bia. — Eu posso ficar aqui fora.

É, mas é melhor ela não ficar sozinha aqui — pon­derou Tigre, olhando para os companheiros.

Muito bem, quem é que está disposto a ficar aqui com ela? — perguntou Pedro.

Eu fico — disse Tigre, para espanto dos amigos. Justo ele, o primeiro a querer participar das descobertas da tur­ma, agora se propunha a fazer o papel de vigia? Havia algo er­rado naquilo.

Espera aí — manifestou-se Pedro —, o Serginho pode fazer companhia a ela, não é?

Ah, eu não. Eu quero entrar.

Pedro, que também estava interessado em ficar em companhia da menina, percebeu que não ia conseguir modificar a vontade de Tigre. E deu-se por vencido:

Está bem. Você fica aqui fora com a Bia, Tigre, e nós três entramos. Mas é pra vigiar mesmo, hein? E não dei­xe o Napoleão entrar lá, que desta vez não quero sustos, com­binado?

Está certo. Ele fica aqui com a gente — concordou Tigre, enquanto entregava as ferramentas a Pedro. — Vai ser até bom ficar um casal aqui fora para não despertar suspeitas. Se alguém aparecer vai pensar que somos namorados.

A frase teve o mesmo efeito de um soco em Pedro. Então era isso que o Tigre estava pretendendo, ele pensou. Fi­car a sós com a menina. Pedro resolveu que depois pensaria nis­so. Naquele momento o importante era entrar de uma vez na casa. Mas havia um último detalhe a combinar:

Escuta, Tigre, e se aparecer alguém, como é que vo­cê vai avisar a gente?

É fácil — respondeu Tigre sorrindo, pois seu pla­no estava dando certo. — Eu dou um assobio alto e vocês dão um jeito de sair rápido da casa, que tal?

A idéia é boa — opinou Renato. — Vamos ter de prestar atenção nisso.

Tudo bem — concordou Pedro. — Vamos entrar agora, antes que fique tarde.

 

                                       MEDO E ROUPAS SUJAS

Dia e Tigre permaneceram sentados na calçada da rua lateral do sobrado em companhia de Napoleão. Pedro, Serginho e Renato entraram com dificuldade no bueiro descoberto na noite anterior pelo cachorro. E se arrastando conseguiram che­gar ao quintal da casa. Pedro foi o primeiro a aparecer: carre­gava uma lanterna e as ferramentas para o trabalho na janela. Logo depois saíram do bueiro Serginho, que trazia a outra lan­terna, e Renato, que não havia se esquecido de sua corda.

Logo que saíram do bueiro os três meninos fizeram a primeira descoberta importante da noite: após terem rasteja­do suas roupas estavam imundas:

Xi, isso vai dar encrenca em casa. Eu saí com uma roupa limpinha — queixou-se Serginho.

É mesmo. Eu também vou levar bronca por causa disso. Olha só como está a minha calça — concordou, com des­gosto, Renato.

Se a gente ficar parado aqui não vamos descobrir nada. Vamos trabalhar — comandou Pedro com decisão.

Andaram com cuidado pelo quintal, fazendo o míni­mo ruído ao andar sobre as folhas caídas das árvores, e chega­ram ao corredor onde Napoleão os tinha encontrado. Pedro ilu­minou a janela com a lanterna:

Muito bem, é por aqui que vamos entrar — disse em voz baixa.

Será que não tem ninguém dormindo aí, Pedro? — perguntou Serginho, tentando disfarçar seu nervosismo.

Ainda é muito cedo para alguém estar dormindo. Você está com medo?

Não é isso. É que se tiver alguém aí... — continuou Serginho.

Você devia ter ficado com o Tigre lá fora, Sergi­nho. É muito medroso — sussurrou Pedro em tom de repreensão.

Vamos parar de discutir e abrir essa janela de uma vez — interrompeu Renato.

Tá bom — disse Serginho —, deixe que eu seguro a lanterna, Pedro.

Enquanto Serginho iluminava, Pedro pegou o pé-de-cabra e colocou-o como uma alavanca na parte de baixo da ja­nela. À primeira pressão que ele fez a madeira estalou. Os três pararam até de respirar por alguns segundos, para tentar perce­ber se aquele ruído provocara algum movimento na casa. Olharam-se e sorriram. E apesar desse sorriso, não havia como disfarçar o medo que sentiam.

Quando estourar o trinco o barulho vai ser escuta­ do até lá na rua — brincou Pedro.

Vamos logo com isso, Pedro — disse Renato, que apenas assistia à cena, impaciente. — Esse negócio está me dei­xando nervoso.

Vamos lá então.

Pedro colocou toda a sua força na alavanca. A ma­deira rangeu um pouco mais. A janela foi cedendo, cedendo, até que, CRÁS!, com um grande estrondo o trinco quebrou e a ja­nela ficou escancarada diante dos três.

UM CASAL DISTRAÍDO

Tigre e Bia estavam sentados lado a lado na calçada e pareciam mesmo um casal de namorados. A noite estava silen­ciosa e começou a soprar uma brisa leve. Um cachorro passou na esquina da rua Quinze e Napoleão, atento, levantou-se e foi atrás.

Ele não tem namorada? — perguntou Bia, apon­tando o cachorro.

Sempre aparecem algumas cadelas aqui na rua — explicou Tigre —, mas acho que o Napoleão não tem nenhuma fixa.

Quando o Terry estava em casa também apareciam cadelas rodeando o portão. Mas o papai nunca deixava o Terry sair. Acho que o Napoleão é mais feliz, podendo ir para onde quiser.

Por que você não arruma outro cachorro agora? A casa onde vocês estão morando deve ter bastante espaço.

Meu pai já falou que não quer mais saber de ca­chorros — contou Bia tristemente. — Ele acha que eles dão muito trabalho.

O que o seu pai faz, Bia? — quis saber Tigre, lembrando-se da expressão severa do homem. — Eu achei que ele tem uma cara de bravo...

Ele é advogado, mas não é bravo não. É só o jeito dele: está sempre preocupado com seus negócios.

É, mas ele não gostou de ver você conversando com a gente hoje.

Ele sempre foi assim. Acho que é porque eu sou filha única que ele e mamãe vivem cheios de cuidados comigo.

Deve ser legal ser filho único — disse Tigre, recor­dando que desde pequeno sempre precisou dividir seus brinque­dos com Aninha.

Às vezes é chato. Eu fico muito sozinha, não te­nho com quem brincar — queixou-se Bia.

É, mas agora você vai ter muitos amigos. Você vai ver como a turma é legal.

Os dois estavam tão distraídos nessa conversa que nem perceberam os dois carros que passaram pela esquina e estacio­naram em frente ao casarão. Do primeiro carro desceu o homem da cicatriz, carregando uma maleta. Do outro carro desceram dois homens mal-encarados. Eles ficaram parados algum tempo diante do sobrado, vigiando com cuidado a rua. A única coisa diferente que havia era um casal de jovens namorados sentados na calçada da rua lateral. Depois disso, os três entraram pelo portão do sobrado.

 

                                                     PERIGO NO CASARÃO

Pedro, Renato e Serginho estavam parados diante da janela aberta. As lanternas de Renato e Serginho avançaram jun­tas e iluminaram algo que surpreendeu os meninos: grades. Pro­tegendo a janela havia uma fileira de barras de ferro, recente­mente colocadas. E pela aparência não ia ser tarefa fácil removê-las.

E agora? O que vamos fazer? — perguntou Sergi­nho impaciente.

Isso é muito esquisito. No tempo da dona Olivia essa janela não tinha grade — lembrou Renato.

Elas foram colocadas faz pouco tempo. Vejam as marcas no cimento aqui — mostrou Pedro, indicando o para­ peito da janela.

Por que puseram essa grade, hein? — sussurrou Re­nato desconfiado.

Vai ver que foi por medo de assaltos — opinou Serginho.

Ora, aqui na vila isso não acontece — falou Pedro segurando as barras.

Então por que todo esse cuidado? — questionou Renato.

É uma boa pergunta. Empresta um pouco essa lan­terna. Vamos ver o que tem no quarto — sugeriu Pedro, aproxi­mando o rosto da janela.

A luz da lanterna iluminou num canto do cômodo al­gumas latas de tinta, iguais às que estavam empilhadas no fim do corredor. Em outro canto havia um armário grande. E perto da janela a luz alcançou a ponta de uma mesa.

O pior é que daqui não dá para ver mais nada — comentou Pedro decepcionado.

Vamos tentar outra janela — sugeriu Renato.

Não sei se vai adiantar. Estou desconfiado de que ele pôs grades em todas elas — avaliou Pedro, tentando pensar em outra maneira de entrar na casa.

Mas se a gente não abrir mais alguma, como va­mos ter certeza? — perguntou Serginho.

Espera um pouco. Acho que é melhor abrir logo a porta de uma vez — falou Pedro.

Antes disso deixa eu tentar uma coisa — pediu Re­nato, enquanto se aproximava da janela. — Ilumina aqui pra mim, Serginho.

Renato colou o corpo na janela, e passando um dos braços entre as grades tentou alcançar a mesa.

— O que você está fazendo? — sussurrou Pedro.

Renato não respondeu e inclinou um pouco mais o cor­po para que sua mão alcançasse melhor a mesa. Nesse momento o som de vozes chegou até os ouvidos dos três.

Chegou gente aí — avisou Pedro.

Essa conversa é na rua. Se tivesse chegado gente o Tigre tinha assobiado — cochichou Serginho.

Renato continuava apalpando a mesa em busca de al­guma coisa. As vozes soaram mais próximas.

— É aqui mesmo, gente, vamos cair fora — a voz de Pedro saiu tremida.

Serginho puxou Renato pela jaqueta: — Vamos em­bora, Renato.

As vozes cessaram por alguns segundos. Serginho des­ligou a lanterna. Renato disse:

— Achei alguma coisa aqui, mas está difícil de pegar.

O barulho a seguir foi claro: alguém abria a porta da frente da casa.

— Pelo amor de Deus — falou Pedro —, vamos em­bora daqui.

Uma luz foi acesa em outro cômodo da casa, proje­tando claridade até o quarto. A voz de um homem soou perto:

— É claro que vai dar tempo, Cicatriz. É só nós tra­balharmos alguns dias à noite.

Renato retirou o braço rápido, como se algum bicho o tivesse picado do outro lado. Sua mão segurava alguma coisa, que ele colocou no bolso. Depois ele encostou a janela silencio­samente. Os dois companheiros já estavam no meio do quintal, e ele correu para junto deles.

— Rápido, vamos sair daqui — disse, ofegante, Renato.

Ele nem precisava ter falado isso: Serginho já tinha começado a entrar no bueiro, sendo seguido por Pedro. Antes de entrar também Renato olhou para a casa e percebeu que to­das as luzes estavam acesas.

 

                                         TARDE DEMAIS PARA ASSOBIOS

Lá vem o Napoleão — disse Tigre para Bia, apontando o cachorro que surgia na esquina. Os dois continua­vam sentados na calçada. Foi nesse instante que Bia viu o carro estacionado diante do casarão.

— Tigre, esse carro não estava ali quando chegamos.

Tigre levantou-se e viu as luzes no sobrado:

— Meu Deus, chegou gente e nós não vimos. E eles ainda estão lá dentro.

Sua reação imediata foi levar os dedos à boca e emitir um assobio fino e alto. Como se fosse algo ensaiado, a cabeça de Serginho apareceu no bueiro da rua nesse momento. Ele saiu e ajudou Pedro e Renato a fazerem o mesmo. Os três nem olha­ram direito para Tigre e Bia, e saíram correndo em direção à sor­veteria. Compreendendo a situação o casal fez o mesmo, acom­panhado de perto por Napoleão.

Bonito serviço, hein, Tigre? — Renato estava sen­tado em um dos bancos da sorveteria e sua voz falhava por cau­sa da respiração ofegante.

Quase que pegam a gente lá por sua culpa — com­pletou Pedro.

Mas eu não vi que tinha chegado gente — defendeu-se Tigre, envergonhado com a falha.

Claro que não viu. Você não vê nada mesmo. Por pouco eles não dão de cara com a gente lá dentro — informou Pedro com irritação.

Vocês conseguiram entrar na casa? — perguntou Bia.

Não, só abrimos uma janela, mas ela está protegi­da por uma grade — contou Pedro.

Grade? — espantou-se Tigre. — Quando a dona Olivia morava lá não tinha nada disso...

Eu sei. Mas agora tem e deve ser coisa desse cara da cicatriz — opinou Pedro.

Quer dizer então que vocês não conseguiram mais nada além de sujar a roupa desse jeito? — perguntou Tigre, vendo as roupas imundas dos amigos.

Renato olhou para o grupo e colocou a mão no bolso da jaqueta. De lá ele retirou um pedaço de papel todo amassado:

Consegui pegar isso aqui pela janela antes de sair. Estava sobre a mesa.

E o que é isso? — agitou-se Pedro.

Parece um pedaço de um bilhete que foi jogado fora. disse Renato, enquanto desamassava o papel sobre a mesa. —Vamos ver o que dá pra ler aqui...

Todos se debruçaram ao redor de Renato, curiosos com o conteúdo do papel. Pela aparência o bilhete havia sido rasga­do em várias partes, e no pedaço que Renato pegara era possível ler o seguinte trecho, escrito em uma letra redonda: “spertar sus­peitas. A entrega deverá ser feita na sexta à noite. Nesse dia es­taremos de plantão na área. Depois discutiremos sobre a nossa parte. Pode ficar tranqüilo que não haverá perigo de”. Nesse ponto terminava o papel, deixando a frase incompleta.

Os meninos se entreolharam curiosos. Pedro releu o bilhete e Serginho, com uma expressão confusa, falou:

— Mas o que quer dizer isso?

Sei lá — respondeu Pedro. — Que coisa esquisita. “Não haverá perigo”... Do quê?

Vamos voltar lá e tentar pegar o resto do bilhete — propôs Tigre, olhando com entusiasmo para os amigos.

Você está louco? Com aqueles caras lá dentro? — rebateu Renato. — Você fala isso porque não estava lá quando eles entraram. Cheguei a ouvir bem as vozes. Deu até pra saber que o apelido daquele homem que o Napoleão não gosta é Ci­catriz.

Só tinha de ser — observou Serginho divertido —, com uma cicatriz daquelas na cara...

É, mas sem o resto desse bilhete nós nunca vamos entender o que está acontecendo — insistiu Tigre.

Espera um pouco — interrompeu Pedro. — Acho que dá pra entender alguma coisa, sim. Aqui fala em uma entre­ga pra sexta à noite....

É depois de amanhã — lembrou Serginho pron­tamente.

Pois é, é uma boa chance para a gente investigar e descobrir o que está acontecendo — continuou Pedro.

Mas vamos ter de esperar até sexta? E esse perigo de que o bilhete fala, o que isso significa? — perguntou Renato curioso.

É isso que precisamos descobrir — completou Pedro.

Não estou gostando disso, tá muito misterioso — analisou Tigre. — O que esses caras estão tramando?

Não sei — respondeu Pedro —, mas boa coisa não pode ser.

É mesmo. Veja que o bilhete fala em “suspeita” e “perigo”. Está parecendo coisa de bandido — avaliou Rena­to, assustando os amigos.

Também acho — concordou Serginho. — E o que nós vamos fazer?

Agora eu acho melhor a gente ir até o fim e conti­nuar investigando — sugeriu Pedro com firmeza.

Mas e se os homens descobrirem que vocês estiveram lá dentro e pegaram esse bilhete? — quis saber Bia.

Acho difícil. O bilhete deve ter sido rasgado pra ir para o lixo e esse pedaço acabou ficando em cima da mesa — disse Pedro.

E eu encostei a janela antes de sair de lá — infor­mou Renato. — Acho que eles não vão descobrir que o trinco está quebrado.

Não é melhor avisar a polícia? — propôs Serginho.

Avisar do quê? — reagiu Pedro rapidamente. — Tudo que a gente tem é o pedaço de um bilhete que não dá para entender direito. Isso não significa nada.

Pra mim é uma pista de alguma coisa errada que está acontecendo na casa — falou Tigre, reforçando a proposta de Serginho.

Não dá pra ter essa certeza, Tigre. Primeiro vamos investigar um pouco mais — sugeriu Pedro.

O Pedro tem razão, Tigre — disse Renato. — É me­lhor a gente ter certeza das coisas primeiro.

E se os homens descobrirem que vocês entraram lá? — alertou Bia.

É um risco. Mas ainda acho que a gente tem de des­cobrir mais coisas antes de avisar a polícia — opinou Pedro.

Vamos voltar ao casarão? — quis saber Serginho.

Amanhã. É uma boa chance de descobrir alguma coisa antes da entrega da sexta-feira — explicou Pedro. — Ago­ra acho melhor ir pra casa.

Puxa, já é tarde. Nem reparei nisso. Meu pai vai bronquear — comentou Bia preocupada.

Imagine a minha mãe — comparou Pedro —, quan­do eu aparecer com a roupa desse jeito.

É mesmo — concordou Serginho. — É bom já ir preparado pra ouvir um sermão daqueles.

Ainda bem que eu não entrei no bueiro — obser­vou Tigre. — Minha roupa está limpinha e ia ficar desse jeito aí.

Mas foi a última vez que você ficou de guarda, Ti­gre. Quase entramos numa fria por sua causa — lembrou Pedro.

 

                                             UM OUTRO BILHETE

No dia seguinte Serginho acordou cedo, desperta­do pela mãe que, aflita, queria lhe contar uma novidade:

Achei um bilhete do seu irmão, Serginho. Você disse que tinha procurado no meio das coisas dele, mas não fez isso direito.

Bilhete, mãe? Onde é que estava isso?

Eu comecei a mexer nos cadernos dele e olha o que encontrei...

Serginho pegou o bilhete e leu: “Mãe: quando a se­nhora e o pai acharem este bilhete eu estarei longe daqui. Eu não posso explicar agora, mas um dia vocês vão entender o que eu estou fazendo. Fiquem sossegados, eu estou bem. Marcos”.

É a letra dele mesmo — disse Serginho.

Claro que é, meu Deus — falou a mãe. — Onde é que esse menino está, e o que ele está fazendo?

Ele diz que está longe, mas onde?

Como é que eu vou saber? Eu vou para a delegacia agora. Quem sabe isso ajude em alguma coisa.

Puxa, mais um bilhete — murmurou Serginho. — E o segundo que eu não entendo...

O quê? — surpreendeu-se a mãe. — Do que você está falando, menino?

Nada, mãe. Uma bobagem que eu pensei aqui — safou-se Serginho.

Você sabe alguma coisa sobre isso e está me es­condendo?

Claro que não, mãe. Eu só acho que esse bilhete não ajuda muito não.

Você não entende nada disso. Eu vou falar com o investigador. Ele pediu pra avisar sobre qualquer coisa que apa­recesse.

Depois que a mãe saiu Serginho ficou pensando no bi­lhete do irmão e também no outro bilhete. Ou melhor, no peda­ço do outro bilhete. E concluiu em voz alta: — Bilhetes nunca são boas pistas. Só servem pra confundir a gente.

UMA BAIXA NA TURMA

Na tarde da quinta-feira Serginho foi o último a che­gar ao clube para uma reunião em que seria definido o prosse­guimento das investigações no casarão. Pedro, Tigre, Renato e Napoleão já estavam lá quando ele entrou:

Desculpe o atraso, pessoal, mas é que eu passei na casa do André antes de vir para cá.

E cadê aquele medroso? — quis saber Pedro.

Ele não vem para a reunião. Aliás, mandou avisar que não vai mais participar do clube — informou Serginho, sur­preendendo a todos.

Ah, ele vai sair da turma? Que bom, ele é muito medroso mesmo — observou Renato com satisfação.

Espera aí — ponderou Tigre —, por que ele quer sair da turma?

Ele disse que está cansado de receber ordens do Pe­dro, que ele chamou de “mandão” — revelou Serginho. — E ele falou também que não agüenta mais ser chamado de medroso.

Mas é isso que ele é — falou Pedro.

Pois é, mas ele disse que você só quer mandar e pen­sa que é o chefão da turma — continuou Serginho.

Ué, ele tem medo de tudo! — lembrou Pedro. — Ele é que não podia ser o chefe, né?

Deixa ele, Pedro. Não vai fazer falta nenhuma pra gente — comentou Tigre.

Olha, Tigre, eu contei a ele sobre ontem à noite, sobre o bilhete que achamos, e ele disse que a gente está se me­tendo onde não deve e que isso vai acabar em encrenca com a polícia — explicou Serginho preocupado.

Você nem devia ter falado nada pra ele — comen­tou Pedro, repreendendo Serginho.

Agora já foi.

E o seu irmão, alguma notícia dele? — perguntou Pedro.

Vocês não vão acreditar: minha mãe achou um bi­lhete dele no meio de um caderno.

Bilhete? — surpreendeu-se Tigre. — E o que ele diz?

Bom, o Marcão diz que está longe, que não pode explicar nada agora. Mas diz que está bem.

Longe? Mas onde é que ele está? — interveio Renato.

O bilhete não diz. Ele só diz que está longe.

Que coisa esquisita. O que ele pode estar aprontan­do? — questionou Pedro. — Coitada da sua mãe. O que ela vai fazer agora?

Ela não sabe mais onde procurar. Já fez até pro­messa para ele aparecer — disse Serginho. — Ela levou o bilhete para a delegacia. Tem esperança de que isso seja uma pista para os policiais.

Por falar em bilhete, e esse aqui, o que vamos fa­zer com ele ? — perguntou Renato, enquanto mostrava o peda­ço de papel.

Vamos voltar ao casarão hoje à noite — avisou Pe­dro. — Temos que descobrir alguma coisa antes da entrega de amanhã. Mas, antes, eu tenho uma proposta pra fazer.

Em que você está pensando, Pedro? — indagou Ti­gre curioso.

Acho que nós devemos pedir ajuda — revelou Pedro.

Pra quem, pra polícia? — interveio Renato.

— Mais ou menos. Lembram do velho Alípio?

Todos se lembravam: o velho Alípio era um delegado aposentado que morava na rua Quinze. Tinha fama de maluco porque conversava com as plantas e com um papagaio, sua úni­ca companhia em casa.

Você está pensando em pedir ajuda para aquele ve­lho gagá? Pra quê? — espantou-se Renato.

Por que não? Ele foi delegado de polícia. Talvez ajude a gente a entender esse bilhete — explicou Pedro cal­mamente.

Pra mim ele não passa de um velho doido — opi­nou Tigre. — Pode até ter sido um bom delegado, mas hoje está muito velho.

Espera aí, gente. Ele tem experiência. Acho que de­ vemos contar essa história pra ele, mostrar o bilhete e pedir sua opinião — rebateu Pedro.

O Pedro está certo — interveio Serginho. — O ve­lho Alípio pode dar alguma orientação pra gente.

Eu acho que ele só vai atrapalhar, vocês vão ver — insistiu Tigre. — Acho que a gente devia continuar investi­gando sozinho.

Acho que não custa nada ouvir a opinião dele, Ti­gre — defendeu-se Pedro. — Acho que não vai atrapalhar em nada.

Tá bom, Pedro, vamos até lá. Mas depois não di­ga que eu não avisei.

 

                                       VISITA AO VELHO ALÍPIO

O jardim da casa era bem cuidado, o que indicava que o velho Alípio dedicava um bom tempo às suas flores. Os meninos abriram o portão e atravessaram um corredor antes de bater na porta. “Já vai”, a voz soou logo após as batidas. Pas­saram-se alguns minutos e como ninguém atendeu a porta Tigre bateu mais forte. “Já vai”, a voz repetiu. E novamente passou um longo tempo sem que ninguém surgisse.

Não estou falando que o velho é louco? — comen­tou Tigre. — Pelo jeito vamos ficar batendo aqui o dia inteiro e ele respondendo “já vai” e não vai atender a porta.

Espera um pouco, Tigre — disse Pedro, enquanto dava a volta na casa.

Ele encostou o rosto na vidraça e olhou para dentro da casa: o velho Alípio dormia numa cadeira de balanço. Nesse momento, Tigre repetiu as batidas na porta e o papagaio, que estava num poleiro na sala, respondeu: “Já vai”. Pedro voltou rindo para junto dos companheiros.

O que foi, Pedro? — perguntou Tigre.

O velho está dormindo lá dentro. Acho que ele é meio surdo e não vai ouvir nunca essas batidas. Quem está di­zendo “já vai” é o papagaio.

Essa é boa — comentou Renato, rindo. — A gente ia ficar o dia inteiro aqui na porta.

Ainda acho que é besteira falar com ele — opinou Tigre.

Calma, Tigre. Vamos entrar e ver o que ele diz — falou Pedro.

Ele adiantou-se ao grupo e girou a maçaneta, abrindo a porta. Os meninos entraram na sala e imediatamente o papa­gaio pôs-se a berrar: “Tem gente, tem gente”. Muito lentamen­te o velho Alípio abriu os olhos, ajeitou os óculos e olhou para o grupo:

Ah, são vocês, meninos? Eu estava descansando um pouco.

Nós queremos conversar com o senhor. Acho que precisamos de sua ajuda — antecipou-se Pedro.

— Sentem-se, fiquem à vontade. E não reparem a ba­gunça da sala — disse o velho, enquanto levantava-se com difi­culdade da cadeira.

Havia livros espalhados pela sala inteira e os meninos ajeitaram-se em um sofá empoeirado. O papagaio olhava com curiosidade para Napoleão.

Calma, Sócrates, é só um cachorrinho — falou Alí­pio, dirigindo-se ao papagaio.

“Tem gente”, foi a resposta da ave. O velho sor­riu e olhou para os garotos.

Eu sei que tem gente. São os meninos aqui da rua. Você não está acostumado a receber visitas, não é?

Tigre era o mais impaciente e a todo instante cutuca­va Pedro. Até que o velho Alípio sentou-se em uma cadeira em frente ao grupo.

— Muito bem, vamos ver o que posso fazer por vocês.

— E o que o senhor acha desse "perigo" que o bilhete fala?

— perguntou Pedro ansioso.

 

Pedro contou ao velho o primeiro encontro com Ci­catriz e a estranha reação de Napoleão. Falou da entrega miste­riosa presenciada por Serginho e da visita que haviam feito ao casarão. Por fim mencionou o pedaço do bilhete que Renato havia retirado pela janela. Alípio pegou o bilhete, ajeitou novamente os óculos e examinou-o de perto. Depois disse:

A única coisa que dá para compreender aqui é essa tal entrega de sexta-feira à noite.

E o que o senhor acha desse “perigo” que o bilhe­te fala? — perguntou Pedro.

É difícil arriscar uma opinião. Não dá para saber do que se trata — explicou o velho. — Pode até ser que se trate de algo ilegal, mas o quê?

Não é o caso de chamar a polícia? — sugeriu Re­nato, olhando para os amigos.

Não, filho, não dá para chamar a polícia por cau­sa de uma simples desconfiança. Não há nenhuma prova de que algo errado está acontecendo na casa, só uma suspeita — res­pondeu Alípio calmamente.

Mas se o senhor visse a cara do Cicatriz... Ele tem todo o jeito de um bandido — observou Serginho.

Acredito — disse Alípio, rindo. — Eu fui delega­do por muitos anos e posso garantir que nem sempre os bandi­dos têm cara de bandido. Há muito criminoso com cara de gen­te boa. Além disso, o fato de um homem ter uma cicatriz no rosto não significa que ele seja um bandido. Eu mesmo tenho uma ci­catriz aqui — ele levantou a camisa e mostrou a barriga —, mas é só a marca de uma operação.

E o que podemos fazer? — perguntou Pedro.

Acho que o jeito é dar uma espiada nessa entrega de amanhã à noite.— respondeu o velho no mesmo tom calmo.

Só isso? — impacientou-se Tigre. — Não vale a pe­na dar uma investigada na casa?

Não é nada aconselhável. Vocês são corajosos, mas estão infringindo a lei, invadindo uma casa — explicou Alípio.

Mas só acompanhar a entrega não significa que a gente vai descobrir alguma coisa — falou Pedro, e os outros me­ninos concordaram.

Eu sei disso. Mas não há nada melhor para se fa­zer por enquanto. Pode ser que esse Cicatriz não esteja fazendo nada de errado e vocês estejam desconfiados à toa.

Então por que ele só faz entregas à noite e toma todo esse cuidado? — quis saber Serginho. — Eu estava na rua na segunda-feira e vi como eles vigiaram a rua antes de sair com os pacotes.

Concordo que isso é muito estranho mesmo. Mas é melhor ter certeza das coisas antes de agir — aconselhou o velho.

E o que o senhor acha que devemos fazer? — per­guntou Tigre.

Eu tenho um amigo na polícia que talvez possa aju­dar. Vamos fazer o seguinte: eu vou levar esse bilhete para ele e falar desse Cicatriz. Vamos ver se ele sabe alguma coisa sobre isso.

E nós, o que podemos fazer? — falou Pedro.

Por enquanto nada. Acho que vocês devem ficar longe da casa — sugeriu Alípio. — Se vocês forem apanhados lá dentro a coisa pode complicar-se, pois vocês estarão invadin­do um domicílio e isso é crime.

Mas a gente vai ficar esperando o quê? — insistiu Tigre inquieto.

Olha, vamos combinar uma coisa: eu vou falar com esse meu amigo e amanhã a gente conversa e decide o que fazer. Podemos até verificar juntos essa entrega de que o bilhete fala, o que vocês acham?

Os meninos se entreolharam e pareceram concordar com a proposta do velho Alípio.

Muito bem — ele prosseguiu —, mas por enquan­to afastem-se da casa. Não vale a pena arriscar-se à toa. E isso pode ser perigoso.

Está bem — disse Pedro, como se falasse pelo gru­po —, vamos esperar até amanhã.

Ótimo — disse o velho Alípio. — Vocês são cora­josos e têm bom senso.

Depois de agradecer e despedir-se do velho, o grupo deixou a casa. Na rua, Tigre olhou para Pedro e disse:

Não falei que ele é meio gagá? Você viu como ele falou com o papagaio?

Isso não é nada, Tigre. A gente não conversa com o Napoleão? — respondeu Pedro.

É, mas com ele é diferente — replicou Tigre.

Escuta, Pedro, nós vamos mesmo parar as investi­gações? — interrompeu Renato, segurando o companheiro pelo braço.

Claro que não — respondeu Pedro rindo. — Só falei aquilo pra não deixar o velho preocupado. Enquanto ele cuidado bilhete, nós cuidamos do casarão. Nós não combinamos dar uma outra olhada lá hoje à noite?

 

                                                 A TURMA É SEGUIDA

As oito em ponto Tigre, Renato, Serginho, Pedro e Napoleão chegaram à sorveteria. Lá, Bia juntou-se ao grupo.

Como é que nós vamos fazer hoje? — ela quis saber.

A primeira coisa que a gente vai fazer é tomar bas­tante cuidado — avisou Pedro. — Os caras podem ter visto a janela quebrada e percebido que a gente andou por lá.

Só que hoje eu não posso chegar tarde em casa — falou Bia. — O meu pai deu a maior bronca ontem.

Então vamos logo pra lá, que hoje vamos precisar entrar dentro do casarão pra descobrir o que está acontecendo — explicou Pedro.

Eu fico com a Bia fazendo a vigilância na rua — avisou Serginho.

Pedro percebeu que o companheiro falava aquilo por­que sentia medo de entrar no casarão. Mas ele deixou passar.

Afinal, aquilo resolvia seu problema: Tigre não ficaria junto da menina outra vez.

Mas vocês vão ter que ficar muito atentos. Se os caras pegarem a gente lá dentro estamos fritos — alertou Renato.

É mesmo — concordou Tigre. — Lembre-se do que falou o velho Alípio: entrar na casa é crime.

Pode deixar. Eu e a Bia ficaremos de olho — disse Serginho.

Então vamos lá — comandou Pedro.

Lá estão eles de novo com aquela menina loira. — O comentário foi de Lurdinha para Sônia, Aninha e Marisa, que estavam sentadas no fundo da sorveteria.

Você perguntou para o seu irmão quem é ela, Ani­nha? — perguntou Sônia, observando o grupo.

Nem vi o Tigre direito hoje. Ele ficou o dia inteiro na rua.

Olha lá, eles estão saindo com ela — avisou Marisa.

Onde é que eles estão indo? — Sônia não conse­guiu esconder sua curiosidade.

Eles devem estar indo para o parque. Mas vão fa­zer o que lá? — falou Marisa.

Não sei, não. Acho que eles estão aprontando al­guma coisa — interveio Lurdinha. — Eles estão com um ar muito misterioso.

Vamos dar uma olhada onde é que eles estão in­do? — propôs Aninha.

Que é isso, Aninha? Você está querendo que a gente saia atrás desses meninos? — espantou-se Marisa, encarando a amiga.

Eles devem estar atrás de alguma bobagem por aí. Já pensou se eles percebem que nós estamos seguindo? — disse Lurdinha.

Pois eu acho que vale a pena dar uma olhada para ver o que eles estão fazendo — insistiu Aninha, ignorando os argumentos das amigas. — É esquisito. Por que essa menina es­tá junto? Eles nunca aceitaram meninas no grupo...

Estou achando que você está mesmo com ciúmes dela — falou Lurdinha.

Espera aí, Lu. Eu acho que a Ana está certa. Não custa dar uma espiada. Vai ser divertido — retrucou Sônia.

Pronto, olha a outra com ciúmes também — co­mentou Marisa.

Que nada. Fiquem aqui vocês duas. Eu vou dar uma olhada neles — avisou Aninha. — Você vem, Sônia?

É, acho que vai ser divertido mesmo — concordou a amiga.

Pois eu vou ficar aqui mesmo. Não quero bancar a boba — avisou Lurdinha, tentando desestimular as duas amigas.

Eu também — falou Marisa. — Onde já se viu fi­car andando atrás de um bando de meninos?

Vamos embora, Sônia. Deixa essas duas aí — con­vidou Aninha.

Podem ir — replicou Marisa. — Quero ver vocês fazerem papel de bobas indo atrás deles.

Então tchau pra vocês — disseram Aninha e Sônia antes de saírem da sorveteria atrás da turma.

 

                                             VIGILÂNCIA NO PARQUE

Dois carros estavam estacionados diante do sobra­do, e da rua era possível ver as luzes acesas em seu interior. A turma passou devagar pela rua e continuou andando, para não despertar suspeitas.

E agora, como vamos fazer? — inquietou-se Tigre.

Calma. Vamos até o parque fazer hora. Podemos esperar que eles saiam da casa — propôs Pedro, que ia à frente da turma.

O grupo dobrou a esquina e dirigiu-se ao parque. Ne­nhum de seus integrantes percebeu que eles estavam sendo se­guidos.

E se eles não saírem de lá? — perguntou Serginho, depois de sentar-se em um dos bancos do parque.

Nós não temos pressa. Eles não vão ficar a noite inteira lá dentro — opinou Pedro.

É, mas e se ninguém sair, nós vamos entrar assim mesmo? — questionou Renato.

Acho muito arriscado entrar enquanto eles estive­rem lá — respondeu Pedro. — O que você acha, Tigre?

—    É, também acho. É melhor a gente aguardar um pouco.

Silenciosamente duas meninas esgueiraram-se pelo par­que e, ocultas pelas árvores, permaneceram vigiando o grupo.

Não estou gostando de ficar aqui sem fazer nada — impacientou-se Renato.

E o que você propõe? — perguntou Tigre.

Ah, sei lá. Só não gosto de ficar aqui parado.

É, mas não tem outro jeito. Eu não vou entrar en­quanto os caras estiverem lá dentro — manifestou-se Pedro.

E vamos ficar aqui, esperando o tempo passar? — insistiu Renato.

Eu não posso ficar muito tempo — falou Bia preo­cupada.

Calma, gente. Não adianta ficar reclamando — in­terveio Serginho.

Eu tive uma idéia — disse Tigre. — Pelo menos fa­zemos alguma coisa e não ficamos aqui parados.

E qual é essa idéia? — interessou-se Pedro.

Vamos nos separar para não despertar suspeitas. Depois, um por vez passa em frente ao casarão e tenta ver o que está acontecendo. O que vocês acham?

Acho que não vai dar para ver nada sem entrar na casa — replicou Renato pouco animado.

Mas pelo menos a gente se movimenta e não fica parado aqui feito bobo — prosseguiu Tigre.

Está bem. Vamos fazer isso — concordou Pedro.

Se os caras continuarem na casa a gente se encon­tra na sorveteria, combinado? — propôs Tigre.

Tá bom. Quem é o primeiro a ir? — quis saber Pedro.

Eu vou, porque já está ficando tarde para mim — manifestou-se Bia.

Então eu vou com você — antecipou-se Tigre. — É perigoso você andar sozinha por aí a esta hora.

Pedro irritou-se novamente com o companheiro. Os planos de Tigre sempre acabavam por deixá-lo a sós com Bia.

—Já vamos indo — avisou Tigre. — Daqui a alguns minutos mais um de vocês faz o mesmo, certo?

Os três meninos ficaram vendo o casal se afastar em direção ao casarão. Serginho olhou para Pedro e comentou:

Eu estou achando que o Tigre está muito interessado na Bia.

Claro que está. Você não viu ontem à noite? Ele nem percebeu que os caras tinham entrado no sobrado — con­cordou Pedro.

É, mas ela parece que não está ligando muito pra ele não — opinou Renato.

Mas ele ficou interessado desde aquele primeiro en­contro. O André tinha razão quando falou que ele ficou gamadão — lembrou Serginho.

Por falar em André, será que ele não vai com a gente na Vila Nova amanhã? — perguntou Pedro.

Puxa, é mesmo. Amanhã é dia de jogo. Eu tinha até esquecido disso — falou Renato.

Pois é. E já vamos jogar sem o Marcão, o que vai complicar bastante o nosso time — analisou Pedro.

Marcão era de fato o melhor jogador do time. To­dos os meninos sabiam disso, embora ninguém admitisse publi­camente. Sua ausência enfraquecia bastante a equipe da rua Quinze.

Amanhã cedo eu passo na casa do André. Aposto que ele também se esqueceu que tem jogo — disse Serginho.

Bom, agora é hora de mais alguém passar na fren­te do casarão — lembrou Pedro. — Você quer ir, Renato?

Tá bom. Espero por vocês na sorveteria.

 

                                                                   POR ESSA RENATO NÃO ESPERAVA

Renato atravessou a rua e começou a aproximar-se do sobrado de tijolos vermelhos. Os dois carros continuavam es­tacionados perto da casa e as luzes permaneciam acesas em seu interior.

Quando estava em frente ao sobrado ele diminuiu o passo, enquanto tentava ouvir alguma coisa. Como ainda havia gente dentro do casarão, sua idéia era seguir até a sorveteria, onde já deveriam estar Tigre e Bia.

Ele caminhava perto do muro e se aproximava do por­tão de ferro da casa. Nesse momento, Cicatriz saiu à rua e os dois quase dão uma trombada. Renato não conseguiu disfarçar o susto e rapidamente se afastou pela rua em direção à sorvete­ria. Quando já estava distante ele olhou para trás: os dois car­ros continuavam estacionados, as luzes estavam acesas, mas o Cicatriz tinha desaparecido.

 

                                     SURPRESAS NO PARQUE

Serginho e Pedro continuavam conversando sentados no banco do parque, observados por Napoleão.

Você ouviu isso, Serginho? — sussurrou Pedro.

Isso o quê?

Essas vozes — continuou Pedro, falando baixinho. — Tem gente espionando atrás daquelas árvores.

Vamos embora daqui, Pedro — disse Serginho levantando-se.

— Nada disso. Vem comigo, vamos ver quem é.

Os dois caminharam pela alameda cercada de flores como se fossem em direção à outra saída do parque. Nesse ins­tante as duas meninas saíram correndo e Pedro e Serginho não conseguiram identificá-las por causa da escuridão do lugar.

— Vamos lá — disse Pedro, pondo-se a persegui-las acompanhado por Serginho e Napoleão.

As duas, percebendo que seriam alcançadas, sepa­raram-se e continuaram correndo para direções opostas do par­que. Serginho e Napoleão escolheram uma delas para perseguir, enquanto Pedro continuava a correr atrás da outra.

Pouco antes de chegar à rua do outro lado do parque Pedro conseguiu alcançar Aninha, que havia diminuído o ritmo da corrida por causa do cansaço.

Ei, o que vocês duas estão fazendo aqui?

Nada demais, Pedro — disse Aninha, ofegante. — Nós só estamos passeando.

Você pensa que eu sou bobo? Vocês estavam atrás das árvores espionando a gente.

Imagina. Pra que nós iríamos fazer isso?

É isso que você vai me explicar direitinho agora.

Foi nesse momento que uma outra cena chamou a aten­ção de Pedro: do outro lado da rua havia uma viatura da polícia estacionada. E conversando com os policiais, não foi difícil pa­ra Pedro reconhecer Cicatriz.

Meu Deus, o que esse cara está fazendo lá? — ele disse, como se tivesse pensado em voz alta.

O que foi, Pedro? Que cara? — interessou-se Aninha.

Não é nada, Aninha. Esquece — cortou a conver­sa Pedro. — Vamos voltar para a sorveteria que eu quero con­versar com a turma.

Pedro, o que vocês estão fazendo?

Nada, Aninha. Nada que interesse.

Não acredito. E quem é a menina loira que estava com vocês?

Ah, a Bia? É uma amiga nossa — respondeu Pe­dro, rindo da curiosidade de Aninha.

Serginho, Sônia e Napoleão chegaram até eles.

— Veja quem também estava lá, vigiando a gente — disse Serginho, Sônia riu e falou “oi” para Pedro.

Nesse instante a viatura da polícia se afastou pela rua, enquanto Cicatriz fazia o mesmo, em direção oposta. Pedro te­ve vontade de chamar a atenção de Serginho para a cena, mas não quis comentar o assunto perto das duas meninas. E o grupo voltou para a sorveteria.

 

                                                   0 SUMIÇO DE TIGRE E BIA

Pedro assustou-se ao chegar à sorveteria. Em uma das mesas Renato conversava animadamente com Marisa e Lurdi­nha. Mas ele não viu Tigre nem Bia.

Ué, cadê o Tigre?

Sei lá, Pedro. Quando eu cheguei ele não estava aqui — explicou Renato.

Será que aconteceu alguma coisa com ele? — per­guntou Serginho.

Aconteceu o quê, posso saber? Afinal, o que vocês estão aprontando? — intrometeu-se Aninha.

Nada, Aninha. Eu já falei que não estamos fazen­do nada — replicou Pedro, percebendo que não conseguiria con­versar com os companheiros perto das meninas.  

Ih, esses meninos estão tão misteriosos — comen­tou Sônia.

Mas não é nada mesmo — interveio Renato. — Es­tamos só preocupados com o jogo de amanhã contra a Vila No­va. Falando nisso, vocês não querem assistir esse jogo?

A explicação de Renato não convenceu as meninas, que continuaram olhando desconfiadas para o grupo. Até que Pe­dro convidou os companheiros para ir embora, dizendo que já era tarde e eles tinham de descansar para o jogo do dia seguinte. Na rua, ele virou-se para Renato e Serginho e revelou:

Tenho uma coisa pra contar pra vocês. Eu vi o Ci­catriz lá no parque.

E eu quase dei uma trombada com ele em frente ao casarão — informou Renato. — Quase morri de susto.

Mas cadê o Tigre? — lembrou Serginho, preo­cupado.

Será que ele entrou no casarão? — arriscou Renato.

Não, ele não é louco de fazer isso com aqueles ho­mens lá dentro — opinou Pedro.

Espera aí, Pedro. E se ele e a Bia foram apanha­dos pelo Cicatriz quando passavam em frente à casa? — a supo­sição foi de Serginho.

É mesmo — assustou-se Pedro. — Eu vi o Cicatriz conversando com policiais perto do parque. Será que o Tigre e a Bia foram apanhados na casa e ele foi dar queixa para a polícia?

Vamos voltar ao casarão. Eles podem estar correndo perigo lá — sugeriu Renato.

No momento em que os três meninos e Napoleão se preparavam para seguir rumo à esquina, Tigre apareceu vin­do da direção oposta da rua . Caminhava tranqüilamente, com as mãos no bolso e assobiava:

Olá, turma, tudo bem?

Onde é que você se enfiou? — adiantou-se Renato curioso.

Eu fui acompanhar a Bia até a casa dela e ficamos conversando um pouco no portão — explicou Tigre calmamente.

E nós aqui, preocupados com vocês dois — disse Renato, repreendendo o companheiro.

É que ela não quis esperar vocês chegarem do par­que porque já era tarde.

E aí vocês ficaram namorando no portão e a gente sem saber o que tinha acontecido — falou Serginho.

Opa, não estamos namorando não — Tigre apres­sou-se em responder a Serginho. — Só ficamos conversando. Eu até convidei a Bia pra assistir ao jogo de amanhã.

Pedro estava calado. Já havia percebido que Tigre es­tava dando em cima da menina com sucesso, pois sempre conse­guia ficar sozinho com ela.

Pelo menos do jogo você não esqueceu — ironizou Renato.

Claro que não. Quem vai passar na casa do André?

O Serginho vai fazer isso amanhã — falou Pedro. — Acho que vou para casa agora.

Não vamos dar uma última olhada no casarão e ver se os caras já saíram? — disse Tigre, estranhando o desânimo de Pedro.

Eles ainda estão lá. E eu vi o Cicatriz conversando com policiais no parque. É perigoso ele ver a gente rodeando mui­to o sobrado — explicou Pedro.

Com policiais? Estranho isso, não? — espantou-se Tigre.

É estranho, sim. Mas acho melhor deixar pra ver isso amanhã. Afinal vai acontecer uma entrega. Se voltarmos para o casarão agora vai ficar tarde — analisou Pedro.

Acho que eu também vou para casa agora — avi­sou Renato.

É melhor mesmo — concordou Serginho. — Va­mos embora então.

E foi o que eles fizeram.

 

                                                     DUAS TRAIÇÕES

A sexta-feira, dia do jogo contra a turma da Vila Nova, amanheceu chuvosa. E as dificuldades da turma da rua Quinze começaram cedo: Serginho havia passado na casa de André, mas o amigo não estava. E sua mãe não soube explicar on­de ele tinha ido. O grupo dirigiu-se para a Vila Nova sem muito ânimo.

Mais essa ainda — lamentou Tigre. — Já vamos jogar sem o Marcão. E agora o André some também.

Vai ser difícil esse jogo — previu Pedro.

Não dá para adiar a partida? — perguntou Renato.

Você está louco? O pessoal da Vila Nova não ia to­par nunca. Ainda mais sabendo que o nosso time vai jogar des­falcado desse jeito — avaliou Pedro.

Como é que você combinou com a Bia, Tigre? — quis saber Renato.

Ela me disse que passaria em casa. Como não apa­receu, estou achando que o pai não deixou ela sair.

É melhor — disse Serginho —, assim ela não vê o vexame que vamos dar.

Puxa, que cara desanimado. Se for para pensar as­ sim é melhor nem ir — repreendeu Pedro.

Não, Pedro, eu não estou desanimado. É que es­tou achando muito difícil conseguir alguma coisa com um time onde faltam dois jogadores — defendeu-se Serginho, que só iria jogar por causa da ausência de Marcão e André. Em ou­tras circunstâncias ele ficaria, como sempre, na reserva,

Pois eu acho que jogo se ganha dentro de campo — disse Pedro.

— Assim é que se fala — vibrou Renato.

Quando a turma da rua Quinze chegou ao campo da Vila Nova caía uma chuva fina e insistente. E havia duas sur­presas à espera do grupo: abrigada da chuva perto do cômodo que servia de vestiário, Bia conversava com Vinicius, um dos me­ninos do time adversário. E junto dos outros jogadores, vestin­do a camisa branca da Vila Nova, estava André.

Mas esse cara é um traidor — disse, irritado, Ti­gre. — Eu vou quebrar a cara dele.

Calma, Tigre. Não é hora para brigar — disse Pe­dro, enquanto segurava o companheiro.

Mas como é que pode um negócio desses? — con­tinuou Tigre inconformado. — O cara sai da nossa turma e vem jogar justo para os inimigos?

Eu acho que ele está querendo provocar a gente — observou Renato.

Isso não vai ficar assim — ameaçou Tigre.

Não adianta ficar nervoso, Tigre. Vamos com cal­ma que é melhor — aconselhou Pedro.

E veja a Bia, Tigre. Está lá no maior papo com o Vinícius. Nem olhou pra nossa cara — comentou Serginho.

Eu não agüento gente traidora. Dá vontade de ir até lá e dar uns cascudos — prosseguiu Tigre, que continuava nervoso.

Espera aí, rapaz. Ela está apenas conversando com o Vinícius. Não significa que ela mudou de lado — analisou Renato.

Nada disso. Como é que ela veio sozinha pra cá? — questionou Tigre.

Vai ver ela encontrou o André e ele trouxe ela pra cá — considerou Serginho.

Ah, eu não vou deixar isso barato — avisou Tigre.

Vocês vão ver quando o jogo começar.

Esperem aqui que eu vou conversar com o Chico — disse Pedro, enquanto se afastava do grupo.

No fundo ele estava achando engraçado ver a menina deixar o Tigre tão nervoso. Pedro nunca havia visto o amigo tão irritado. Tigre estava enciumado e Pedro ficou contente por não ter sido ele a se aproximar tanto de Bia. Ele dirigiu-se a Chico, o líder da turma da Vila Nova:

Olá, Chico, tudo em ordem?

Tudo, Pedro. Estou vendo que vocês estão com um jogador a menos.

É, além do Marcão nós tivemos um problema de abandono no time.

Claro que você já conhece o nosso novo reforço, não é? — disse Chico, em tom de gozação, enquanto apontava para André.

Pedro sabia que não adiantava brigar por causa da trai­ção do companheiro. Então, diplomaticamente, sorriu enquan­to cumprimentava André.

Olha, Pedro, vou fazer o seguinte: o nosso time vai jogar com o mesmo número de jogadores que vocês, pra não ha­ver desvantagem — explicou Chico. — O Vinícius e o Roberto ficarão na reserva, combinado?

Está bem — respondeu Pedro, percebendo que Chi­co fazia aquilo como uma forma de humilhar a turma da rua Quinze. Mas era melhor não comentar nada disso para não pio­rar as coisas.

Então vamos começar o jogo — avisou Chico.

 

                                                   JOGANDO COM RAÇA

A chuva continuava e os dois times tomaram posi­ção no campo. A Vila Nova jogava com Oscar, André, Roberto e Chico, que por ser o mais velho era também o capitão da equi­pe. Renato, o goleiro do time da rua Quinze, não escondia sua preocupação:

Vai ser muito difícil, Pedro. Olha como eles estão confiantes.

Eu sei, Renato. Mas o campo está molhado e eles também vão ter dificuldades.

Eu estou achando que vamos levar uma goleada aqui — comentou Serginho.

Pode ser, mas eu vou acertar o André, ele vai ver só — advertiu Tigre, olhando com raiva para o ex-companheiro.

Calma, Tigre. Isso é bobagem. Vamos jogar bola e esquecer que o André está em campo — propôs Pedro.

O goleiro Oscar não conseguiu evitar que a bola chegasse às redes.

Gol da turma da Rua Quinze!

 

É verdade que a chuva atrapalhou bastante o jogo, pois a bola insistia em parar nas poças d'água do campo e era impos­sível tentar um lançamento para algum companheiro sem que ela, bastante pesada, desviasse sua trajetória. Mas é verdade tam­bém que os garotos da Vila Nova nunca viram a equipe da rua Quinze jogar com tanta garra e disposição.

No final do primeiro tempo aconteceu o gol que daria a vitória ao time da rua Quinze: Tigre havia sofrido uma falta de André nas proximidades do gol adversário. Difícil para o go­leiro Oscar foi convencer seus companheiros a formarem uma barreira de proteção ao gol — o tempo frio e o peso da bola mo­lhada tornavam a barreira uma posição ingrata. Quem joga fu­tebol sabe o quanto dói uma bolada nessas condições.

— Acho melhor tentar uma bola de curva, o que você acha, Tigre? — comentou Pedro, enquanto o pessoal da Vila No­va ainda discutia quem ia ficar na barreira.

— Acho que se o chute for forte e a bola passar pela barreira o goleiro não vai ter chance.

Foi seguindo esse raciocínio que a falta foi batida por Tigre: ele tomou grande distância e chutou com violência. A bar­reira, compreensivelmente, saiu da frente e o goleiro Oscar não conseguiu evitar que a bola chegasse às redes. Gol. Festa da tur­ma da rua Quinze.

Agora é só chutar a bola pra fora — comandou Pe­dro, que vibrava muito.

Olha a cara do André, Tigre. Ele está louco de rai­va — comentou Serginho satisfeito.

No segundo tempo, com a vantagem no marcador, as coisas ficaram mais fáceis para o pessoal da rua Quinze. A or­dem era chutar a bola para qualquer lado, ganhar tempo e ga­rantir o resultado. Esse recurso, embora condenado pela grande maioria dos comentaristas de futebol como antiesportivo, às ve­zes se revela bastante eficaz. E neste jogo, por exemplo, ele ga­rantiu a vitória e a festa da turma da rua Quinze.

 

                                               DOLORIDAS LEMBRANÇAS DO JOGO

A chuva somente cessou no fim da tarde, quando a turma estava reunida no clube. Renato, sentado em um canto, passava a mão na cabeça.

Vocês precisam ver o galo que se formou aqui. E como isso dói.

Estão vendo esta marca roxa aqui? — era Pedro, exibindo o tornozelo direito. — Foi um chute que o Chico acer­tou em mim.

Minha mãe não acreditou quando eu contei que esse arranhão foi feito num jogo de futebol — comentou Serginho, enquanto mostrava as marcas avermelhadas no braço.

O Tigre precisava ter dado aquela cotovelada no André, né? Foi isso que começou tudo... — lembrou Renato.

Eu avisei que ia pegar aquele traidor — explicou Tigre, rindo. — E no fim do jogo, quando sentiu que ia perder, o André cuspiu em mim. Aí foi demais: eu meti o cotovelo nele.

O olho dele deve ter ficado roxo com a pancada — falou Pedro, que continuava alisando o tornozelo.

A coisa ficou feia naquela hora. Eu vi que todo mundo correu pra cima de mim — lembrou Tigre com expres­são assustada.

Eu senti que o tempo ia fechar. O Chico já veio para o meu lado e eu percebi que não ia dar pra evitar a briga — des­creveu Pedro, gesticulando. — Aí, antes que ele fizesse qualquer coisa, eu já acertei um soco na cara dele.

Pensando bem até que apanhamos pouco. Eles es­tavam em número maior — avaliou Renato, às voltas com o ga­lo em sua cabeça.

É, na confusão eles acabaram acertando até em companheiros — concordou Pedro. — Ainda bem que corremos. Teve uma hora que eu não agüentava mais brigar com o Oscar e com o Chico ao mesmo tempo.

Só o Vinícius não entrou na briga — falou Rena­to. — Eu acho que foi covardia o que você fez com ele, Tigre.

Eu não acho. A turma inteira batendo na gente pra valer e ele lá, conversando com a Bia, como se nada estivesse acontecendo.

É mesmo — concordou Serginho —, eu acho que o Tigre fez muito bem.

Aí Tigre, rindo, lembrou em detalhes o que havia acon­tecido. A turma da rua Quinze havia sentido que estava em des­vantagem na briga em que se transformou o jogo de futebol. Quando eles resolveram correr, Tigre desviou sua trajetória e dirigiu-se para onde Vinícius conversava com Bia, alheios aos socos e pontapés trocados pelos dois times. O casal demorou a perceber o que Tigre pretendia. Só compreenderam as suas in­tenções quando ele acertou um soco no rosto de Vinícius, que, surpreso, não conseguiu reagir.

Eu só lembro da Bia gritando “você é um covar­de” e a cara espantada do Vinícius caído — recordou Renato entre risadas.

A Bia ficou uma fera com você, Tigre — avaliou Pedro.

Eu devia ter batido nela também. Eu odeio gente traidora.

Que é isso? — espantou-se Renato. — Você não ia ter coragem de bater numa mulher, não é?

Não sei, não — respondeu Tigre, que parou de rir de repente. — Eu pensei que ela era nossa amiga. Como é que ela teve a coragem de passar para o lado deles?

Pois eu acho que ela ficou muito interessada no Vi­nícius — disse Pedro, sabendo que estava provocando o companheiro.

Não pense que eu ligo pra isso, Pedro. Ela é uma traidora mesmo — replicou Tigre sem muita convicção. — O que eu não me conformo é ter levado ela pra investigar o casarão junto com a gente.

Mas a idéia foi sua, Tigre — disse Renato, olhan­do para o amigo.

Eu sei. Mas eu pensava que ela era uma menina le­gal. Foi até bom ter acontecido isso: pelo menos a gente sabe quem é ela de verdade. Não serve pra ser da nossa turma.

Agora, depois dessa briga, ela vai ser nossa inimi­ga — avaliou Renato com uma expressão de preocupação.

É mesmo — concordou Serginho —, ela vai passar de uma vez para a turma da Vila Nova.

E o que tem isso de importante? — quis saber Tigre.

Ela pode muito bem contar pra eles sobre as nos­sas investigações, vocês não acham? — disse Renato, revelando o motivo de sua preocupação.

Também acho — falou Serginho assustado. — Já pensou se ela conta para o Chico que nós estamos vigiando o casarão e o Cicatriz?

Por que ela iria fazer isso? — retrucou Tigre, dis­farçando sua apreensão.

Ah, sei lá. Por vingança, acho. Bem que o Chico vai gostar de saber o que estamos fazendo — continuou Renato sério.

Espera aí, gente — interveio Pedro, procurando acalmar os companheiros. — Vocês acham que a Bia teria mes­mo coragem de contar essas coisas pra eles?

Claro, Pedro — respondeu Renato. — Ela deve es­tar muito brava com a gente. Daí que ela pode revelar tudo, in­clusive sobre a entrega de hoje à noite.

É isso mesmo — Serginho falou. — Ela sabe tudo o que a gente sabe, até do bilhete que pegamos.

É verdade, Pedro — disse Tigre, que começou a compartilhar da preocupação dos outros. — Além disso o An­dré também está com eles, e sabe quase tudo o que descobrimos até agora.

Olha, pessoal, e daí que eles revelem tudo isso? O que a turma da Vila Nova pode fazer? — insistiu Pedro.

Pode até se meter no negócio e atrapalhar tudo — avaliou Tigre com uma expressão séria. — Temos que agir rápi­do. Como vamos fazer, Pedro?

Eu não acho que eles tenham coragem de se meter nisso. Mas convém não arriscar. Está quase anoitecendo. Va­mos para a casa do velho Alípio para ver o que ele conseguiu descobrir — sugeriu Pedro.

E se ele não tiver conseguido nada, Pedro, o que vamos fazer? — perguntou Serginho excitado.

Bom, de qualquer jeito hoje é o dia da entrega que o bilhete fala. Vamos ter que investigar isso.

Vamos pra casa do velho já — propôs Tigre, que começava a ficar impaciente.

Espera aí, Tigre. Eu vou passar em casa primeiro — avisou Renato. — Está na hora de jantar.

Como é que você pensa em jantar numa hora des­sas? A investigação é mais importante — rebateu Tigre.

Eu também vou jantar primeiro — manifestou-se Serginho. — Se eu não aparecer em casa a minha mãe é capaz de sair atrás de mim e atrapalhar tudo.

Eles estão certos, Tigre — interrompeu Pedro. — Vamos jantar primeiro e depois nos encontramos na casa do ve­lho. Vamos levar as lanternas e as ferramentas porque de lá va­mos seguir direto para o casarão, combinado?

 

                                                       DESENCONTRO

As flores no jardim ainda estavam molhadas pela chuva que caíra durante boa parte do dia. A casa do velho Alí­pio estava às escuras e os meninos ficaram algum tempo indeci­sos, parados no corredor em frente à porta.

— Parece que não tem ninguém em casa — comentou Serginho.

Mas não ficou combinado que a gente iria conver­sar? — impacientou-se Renato.

Esperem um pouco. Acho melhor dar uma boa olhada. Pode ser que ele esteja dormindo igual aconteceu on­tem — opinou Pedro, enquanto batia à porta.

“Já vai”. A voz — agora conhecida — do papagaio soou estridente.

Pedro riu e girou a maçaneta, entrando na sala. Com a luz da lanterna ele focalizou primeiro o papagaio no poleiro. A reação foi o susto da ave e sua frase: “Tem gente”. Em segui­da, Pedro iluminou o interruptor de luz e Serginho se encarre­gou de acioná-lo. A sala continuava cheia de livros e empoeirada. Napoleão permaneceu olhando curioso para o papagaio. Tigre e Renato procuraram nos cômodos da casa e voltaram à sala.

Nem sinal do velho — explicou Tigre. — Acho que ele esqueceu do nosso encontro.

Gagá do jeito que ele é... — ia falando Renato, quando Serginho o interrompeu.

Olha aqui, pessoal, tem um bilhete pra nós em ci­ma da mesa.

Os meninos se aproximaram apressados: um peso se­gurava a folha de papel com uma mensagem escrita em caligra­fia miúda. “Meninos: fui chamado às pressas pelo meu amigo da polícia a quem entreguei o bilhete e falei do Cicatriz. Ele de­ve ter novidades sobre o caso. Volto para casa à noite. Vocês devem esperar por mim e ficar longe do casarão. Repito: não se aproximem de lá que pode ser perigoso. Alípio.”

E agora, o que vamos fazer? — antecipou-se Re­nato, olhando para os companheiros.

O que será que esse amigo do velho descobriu de tão importante? — perguntou Serginho.

É melhor esperar por ele pra saber. — A resposta foi de Pedro.

Ei, mas quanto tempo vamos esperar? Já são sete e meia. Se ele demorar muito é capaz de perdermos a entrega, e aí adeus investigação — opinou Tigre, demonstrando sua im­paciência.

Vamos ter que esperar, Tigre — falou Pedro, ten­tando acalmar o amigo. — Talvez o velho chegue com alguma informação importante.

E se ele demorar? — insistiu Serginho, que também estava inquieto.

Não podemos perder a chance de ver essa entrega, Pedro — alertou Renato.

Está bem. Vamos marcar um prazo. A gente espe­ra até oito horas, e se o velho não aparecer nós vamos até o ca­sarão, certo?

Está bom — concordou Tigre —, mas vamos espe­rar por ele na sorveteria. De lá é mais fácil pra ir até o casarão.

E como é que o velho Alípio vai saber onde esta­mos? — disse Pedro, olhando para os demais.

Ah, isso é fácil. Vamos deixar um bilhete para ele explicando que estamos na sorveteria. — A idéia foi de Renato.

— Quando ele chegar, vai até lá.

— A idéia é boa, Renato — disse Tigre satisfeito. — Espera um pouco que eu já escrevo isso para ele.

Tigre pegou uma folha e escreveu o recado para o ve­lho Alípio, que foi deixado sob o peso. Depois o grupo apagou as luzes e deixou a casa, dirigindo-se para a sorveteria. No por­tão ainda era possível ouvir o papagaio dizendo “tem gente”.

— Acho que esse bicho é o cão de guarda do velho —       comentou Renato em tom de gozação. — É só chegar gente que ele dá o alarme.

— Mas se chegar um ladrão ele vai dizer “já vai” do mesmo jeito, vocês não acham? — observou Pedro, provocan­do o riso de todos.

 

                                                               VISITAS NA SORVETERIA

A surpresa para a turma na sorveteria ficou por con­ta dos ocupantes de uma das mesas. Chico, André, Vinícius e Bia estavam sentados e conversavam em voz baixa quando o gru­po entrou.

Mas isso é provocação — disse Tigre indignado. — O que esse pessoal está fazendo no nosso território? Vou lá e acabo de quebrar a cara do André.

Espera aí, Tigre — Pedro segurou o companheiro pelo braço. — Você não pode provocar uma briga aqui dentro.

Isso não pode ficar assim, Pedro — reagiu Rena­to. — Eles não podem vir aqui e ficar tudo por isso mesmo.

Calma, pessoal — disse Pedro, ocupando uma das mesas da sorveteria. — Sentem-se e fiquem quietos. Vamos ver o que eles querem aqui.

Veja o olho do André, Tigre. O estrago que você fez foi grande — observou Serginho, contendo a risada.

O Vinícius também está com a cara inchada — co­mentou Renato. — Acho que eles vieram aqui para uma vingança.

Nada disso, Renato — discordou Pedro. — Eles não seriam bobos de vir até aqui para isso. E se estivessem com idéia de brigar teriam trazido o resto da turma.

Mas o que é que eles querem afinal? — perguntou Tigre, que não tirava os olhos da outra mesa.

Nesse instante Chico e André se levantaram e cami­nharam em direção à mesa ocupada pela turma da rua Quinze. Todos ficaram atentos, preparados para uma reação a qualquer gesto dos dois. A tensão foi quebrada pela voz de Chico:

Olha, pessoal, viemos em missão de paz. Não que­remos mais brigas. O que aconteceu hoje de manhã já passou.

O que vocês dois querem? — perguntou Tigre as­peramente.

Nada de especial, Tigre — falou André, dirigindo-se ao ex-companheiro. — Só viemos para garantir que não ia acontecer nada com o Vinícius.

E o que ele veio fazer aqui? — prosseguiu Tigre in­quieto.

Ele e a Bia estão começando um namoro e eu acho que já é hora de parar com essas tontices de brigar por qualquer coisa — explicou Chico.

Tigre olhou selvagemente para o casal na outra mesa. Seu desejo imediato era ir até lá e bater nos dois. Mas a voz de Pedro cortou esses pensamentos:

Está certo, Chico. Eu também acho que é hora de acabar com essas bobagens. O que mais vocês querem?

Nada, Pedro — apressou-se Chico em responder. — Se você me der a garantia de que o Vinícius não será incomo­dado, eu e o André podemos até ir embora.

É verdade, Pedro. Nós confiamos na sua palavra. Só viemos aqui para dar proteção a ele — completou André, que tinha um dos olhos arroxeado.

Se é assim podem ir sossegados. Eu garanto que ninguém vai brigar com ele — falou Pedro com a expressão séria.

Mas, Pedro... — Tigre esboçou a frase.

É isso mesmo, Tigre — continuou Pedro sério —, ninguém aqui vai chegar perto do Vinícius. Eu estou dando a minha palavra ao Chico.

Obrigado, Pedro. Eu sabia que você ia entender essa situação — falou Chico, enquanto estendia a mão.

Pedro a apertou e repetiu que eles podiam ir tranqüi­los, pois Vinícius não seria molestado. Depois disso Chico e André saíram da sorveteria e houve um momento de silêncio na mesa. Tigre foi o primeiro a falar:

Essa eu não entendi, Pedro. Os caras vêm aqui no nosso território depois de uma briga e você aceita um acordo com eles?

Você não entendeu mesmo, Tigre. Vamos deixar pra pensar no Vinícius depois. O importante era descobrir o que eles vieram fazer aqui. Eu estava com medo de que eles estivessem com a intenção de atrapalhar a investigação no casarão e não é nada disso.

O Pedro está certo, Tigre — interveio Renato. — Esquece o Vinícius e a Bia. Nós temos coisas mais importantes pra fazer.

Tigre ainda não estava conformado e a toda hora olha­va para a mesa onde o casal conversava em voz baixa. Oito bati­das soaram no relógio da sorveteria e deixaram Pedro alerta:

Bom, pessoal, acho que está na hora de agir. Pelo jeito o velho Alípio não vai aparecer e nós não podemos correr o risco de perder a entrega no casarão.

Vamos até lá então — animou-se Serginho, com os olhos brilhando.

Vamos já já, Serginho — avisou Pedro. — Primei­ro vamos acertar o plano de ação.

Qual é a idéia desta vez? — perguntou Renato, se­gurando a corda que trazia oculta sob a jaqueta.

Como os caras vão estar lá dentro, a gente não vai poder entrar. Ficaremos na rua, atrás das árvores, para ver esses pacotes. E conforme as coisas chamaremos a polícia, certo?

Todos responderam afirmativamente. Menos Tigre, que parecia alheio e continuava olhando para Vinícius e Bia na outra mesa. Percebendo isso Pedro estalou os dedos junto ao ouvido do amigo:

E aí, Tigre? Alguma sugestão melhor?

Hã? Não, não. Tudo certo.

Então vamos para lá — comandou Pedro.

 

                                                   LANTERNAS NA CASA ESCURA

Ao sair da sorveteria a turma perdeu um de seus in­tegrantes: Napoleão saiu em disparada atrás de dois cachorros que, em companhia de uma cadela, se dirigiam para o parque. Sem dar importância a isso os meninos dividiram-se em duas du­plas e, cautelosamente, começaram a aproximar-se do sobrado. Tigre e Serginho ocultaram-se atrás de uma árvore e deram si­nal a Pedro e Renato, que avançaram um pouco mais. As luzes da casa estavam apagadas e a rua deserta. O grupo se reuniu perto do portão de ferro, permanecendo escondido ao lado de outra árvore da rua.

E agora, o que a gente vai fazer? — sussurrou Ser­ginho, que segurava uma lanterna.

Por essa eu não esperava — falou Pedro, que car­regava o pé-de-cabra. — Parece que chegamos tarde e os caras já saíram para a entrega.

A gente devia ter vindo direto pra cá — lamentou Renato. — Esse negócio de esperar pelo velho Alípio na sorve­teria não deu certo.

É, tá na cara que eles já foram: não tem nenhum carro estacionado aqui — observou Tigre, que carregava outra lanterna.

E agora? — insistiu Serginho com cara de frustrado.

Bom, se eles já saíram não vamos perder a viagem. Vamos entrar na casa e ver o que tem aí — sugeriu Pedro, espe­rando a aprovação dos amigos para sua idéia.

Vamos sair daqui então — propôs Renato, sentin­do que estava fazendo um papel ridículo, escondido diante do casarão vazio.

O quarteto seguiu para a rua lateral, onde se deteve à frente do bueiro. Devido à chuva o local estava inundado e a passagem por ali, além de difícil, iria enlamear a roupa de todos.

Acho melhor escalar o muro desta vez — propôs Renato, segurando a corda.

E quem vai ficar de vigia na rua? — perguntou Pe­dro, enquanto olhava para Serginho.

Eu não, Pedro. Eu quero entrar também — ele se apressou em falar.

Mas alguém vai ter que ficar aqui fora — continuou Pedro.

Eu também vou entrar — avisou Renato.

E Tigre criou um impasse quando anunciou não estar disposto a ficar de vigia outra vez. Percebendo que eles estavam perdendo tempo ali na rua, Pedro olhou para os companheiros e disse:

Está bem, vamos entrar todos juntos. Mas é bom ficar atento para ouvir se chega algum carro.

Pode deixar, Pedro — disse Serginho alegre —, eu vou prestar atenção nisso.

Ótimo. Agora vem aqui que nós vamos erguer vo­cê pra prender a corda lá em cima.

A operação foi rápida dessa vez. Em poucos minutos o grupo escalou o muro e desceu na escuridão do outro lado. As lanternas foram ligadas e os meninos avançaram com cuida­do pela chão, onde a umidade havia aumentado. O grupo se de­teve diante da porta dos fundos do casarão.

Bom, se as janelas têm grades, o jeito vai ser en­trar por aqui — avisou Pedro, enquanto retirava o pé-de-cabra da cintura.

Você vai arrombar essa porta, Pedro? — pergun­tou Renato com receio.

Claro, não há outro jeito de entrar na casa. O que você acha, Tigre?

Dá aqui esse pé-de-cabra que eu abro logo essa por­ta, antes que chegue alguém.

Serginho observava os amigos mas mantinha sua aten­ção na rua, atento sobretudo ao ruído de algum carro que se apro­ximasse da casa. Antes que Tigre fizesse uso da ferramenta, Renato aproximou-se da porta e experimentou a maçaneta. Para surpresa de todos ela girou com um ruído e a porta se abriu diante da turma.

Ficou mais fácil. Será que eles esqueceram de tran­car esta porta? — falou Tigre desconfiado.

Vai ver eles nem fecham. O muro é alto e fica difí­cil para alguém entrar aqui — observou Pedro, enquanto abria caminho para a lanterna de Serginho.

Lentamente os meninos começaram a entrar no cômo­do, que era a cozinha da casa. A primeira coisa alcançada pela luz foi uma pia, e sobre ela havia somente uma garrafa térmica. No resto da cozinha não existia mais nada além de um pequeno fogão.

Vamos acender a luz? — perguntou Renato, que caminhava com dificuldade na retaguarda do grupo.

Nada disso — sussurrou Pedro —, alguém pode passar na rua e desconfiar. Vamos usar só as lanternas.

Os meninos continuaram avançando no escuro. As lan­ternas iluminaram no outro cômodo uma pilha de latas de tinta e duas bobinas de papel.

Que é isso, turma? — quis saber Tigre, aproxi­mando-se das bobinas.

Fale baixo, Tigre. Aqui também não tem mais nada de interessante. Vamos para aquela sala ali — indicou Pe­dro, que pegou a lanterna de Serginho.

Esquisito — continuou falando Tigre, que perma­neceu no cômodo olhando as bobinas com a ajuda da lanterna. — Pra que os caras usam isso?

Pedro, Serginho e Renato entraram cuidadosamente na outra sala, que foi logo reconhecida:

É esse o quarto que vimos da janela — disse Pedro em voz baixa. — Veja esse armário, Renato.

É, foi aqui mesmo. Será que a gente não encontra o resto do bilhete aqui?

A lanterna de Pedro dirigiu seu facho para a mesa que estava colocada próxima à janela. Sobre a mesa estava algo que despertou o interesse dos três meninos. Serginho aproximou-se rapidamente e pediu a Pedro: — Ilumina aqui. Quando a luz in­cidiu sobre a mesa os meninos não conseguiram conter uma ex­clamação de surpresa.

 

                                                 A DESCOBERTA DA TURMA

Os maços de dólares de diversos valores estavam en­fileirados sobre a mesa, prontos para serem empacotados. Ser­ginho foi o primeiro a pegar uma das notas, e examinou-a perto da luz da lanterna.

Veja, Pedro, igualzinha à nota que eu achei nas coi­sas do Marcão.

Então é isso: os caras fabricam dólares aqui den­tro — falou Renato, que também manuseava um punhado de cédulas.

Isso é falsificação, Renato. O Cicatriz e os outros caras formam uma quadrilha que mexe com dólares falsos — disse Pedro assustado.

Isso explica as latas de tinta que vimos. Deve ter uma fortuna aqui, Pedro — comentou Renato, que continuava mexendo com os dólares.

O que vamos fazer agora, chamar a polícia? per­guntou Serginho preocupado.

Primeiro é melhor sairmos daqui rápido. Se os dólares ainda estão aqui é sinal de que a entrega ainda não foi feita e os caras podem chegar a qualquer momento — disse Pedro alerta.

Cadê o Tigre? — perguntou Renato, lembrando que o companheiro havia ficado no outro cômodo.

Veja, Pedro, igualzinha a nota que eu achei nas coisas do Marcão — falou Serginho.

 

Não houve tempo para respostas: nesse instante a luz do quarto foi acionada e na porta surgiram Cicatriz e um ho­mem barbudo.

Vocês pensam que são muito espertos, não é? — falou Cicatriz. E a turma percebeu que sua voz era rouca. — Caíram direitinho na nossa armadilha. Nem perceberam que a porta aberta era um truque.

O homem barbudo que ajudava Cicatriz a bloquear a porta do quarto deu uma gargalhada. Atrás dele surgiu um ter­ceiro homem, loiro e de bigode, que segurava Tigre pelo pesco­ço e praticamente o arrastava.

Esse aí foi fácil de pegar — continuou Cicatriz sor­rindo. — Vocês são muito curiosos e se meteram onde não deviam.

Os meninos haviam recuado para perto da janela com grade. Estavam tão assustados que nenhum deles conseguia pro­nunciar uma palavra.

— Acho melhor ninguém tentar nada — avisou o bar­budo. — Nós não queremos machucar ninguém.

Tigre se debatia, mas não conseguia livrar-se do abra­ço do loiro. Os outros dois homens foram se aproximando dos meninos, que se juntaram num dos cantos do quarto.

— Vocês não passam de um bando de moleques abelhudos. — A voz do Cicatriz soava fria e seu olhar ameaçador estava fixado nos meninos. — Acharam que podiam atrapalhar o nosso trabalho, não é?

Renato, Pedro e Serginho estavam paralisados diante dos dois homens, que pouco a pouco iam-se aproximando, prestes a agarrá-los. Tigre continuava preso pelo pescoço e insistia em debater-se.

— Não tentem bancar os valentes que será pior para vocês — advertiu Cicatriz, ao mesmo tempo que abria os braços.

De repente Pedro tirou o pé-de-cabra da cintura e o agitou ameaçadoramente para Cicatriz, que deteve seu avanço.

Não chegue perto — falou Pedro, e sua mão tremia.

Muito bem — disse Cicatriz aparentando calma —, nós não pretendemos machucá-los, mas se vocês querem assim...

Mal terminou a frase ele e o outro homem se lança­ram sobre os garotos. O barbudo pegou Renato pelo braço, en­quanto Cicatriz punha a mão no peito de Serginho, empurrando-o, e tentava alcançar o pescoço de Pedro. Serginho bateu as costas na parede e caiu. Pedro foi mais rápido, e desviando um pouco a cabeça para o lado golpeou com força a mão de Cicatriz.

— Ai, seu idiota — ele berrou, acertando um soco no peito de Pedro, que caiu sobre o homem barbudo e arrastou Re­nato junto.

Serginho levantou-se rapidamente e correu em direção à porta. O homem loiro ainda esticou a perna para tentar detê-lo, mas Tigre debateu-se com mais força nesse momento e os dois acabaram caindo no chão.

Passada a confusão o homem barbudo segurava Re­nato e Pedro com os braços torcidos para trás e o loiro fazia o mesmo com Tigre.

E agora? — perguntou o barbudo. — O menino pe­queno já deve ter chegado à rua.

Calma, Barba — disse Cicatriz, que esfregava a mão golpeada por Pedro. — Primeiro vamos guardar estes três fedelhos e depois decidimos o que fazer com esse outro que escapou.

Ai, você está machucando o meu braço — queixou-se Pedro, fazendo uma careta de dor.

Barba riu:

— Você machucou a mão do Cicatriz. Fique quietinho ou eu quebro o seu braço.

Com dificuldade os dois homens obrigaram o trio de meninos a subir a escadaria da casa. No fim do corredor uma porta foi aberta por Cicatriz e eles foram empurrados pa­ra dentro de um quarto.

 

                                                     NO MESMO BARCO

O cômodo era iluminado por uma luz tênue e seu centro era ocupado por duas grandes máquinas. Pedro, Renato e Tigre olharam com curiosidade para as máquinas e tiveram uma grande surpresa: sentados num dos cantos do quarto Chico e An­dré olhavam para os recém-chegados com espanto.

Vocês por aqui? — adiantou-se Pedro.

Pois é, Pedro — disse André em tom de lamento —, a idéia de entrar aqui foi do Chico, depois que eu revelei a ele o que vocês estavam investigando.

Mas, André, você tinha tanto medo que nem quis acompanhar a gente quando nós entramos aqui a primeira vez — lembrou Renato, que não estava acreditando no que estava vendo.

Mas o Chico me obrigou a fazer isso, como prova de coragem para poder entrar na turma da Vila Nova.

Eu quis descobrir o que vocês estavam aprontando aqui — falou Chico, que mantinha a cabeça baixa, envergonha­do. — Logo que entramos aqui os três homens agarraram a gente, como se estivessem esperando por nós.

Bem feito pra vocês, quem mandou xeretear nas nossas investigações — disse Tigre com uma expressão de sa­tisfação.

Espera aí, Tigre — interveio Pedro, movimentando o braço que havia sido torcido por Barba. — Não adianta nada você falar isso agora. Estamos no mesmo barco e precisa­ mos descobrir uma maneira de sair daqui.

O que você acha que eles vão fazer com a gente? — perguntou Chico de maneira angustiada.

Não sei, não — respondeu Pedro, coçando a cabe­ça. — Eles são uma quadrilha de falsificadores de dólares. Acho que desta vez a gente entrou pelo cano.

Mas deve haver um jeito de sair daqui — falou Re­nato, enquanto andava pelo quarto.

Não vai ter jeito — revelou André levantando-se.

Já olhamos tudo por aqui. O quarto não tem janelas e repare como as paredes são acolchoadas.

Pra que isso? — interessou-se Renato, passando a mão pelo forro da parede.

Acho que é pra abafar o som dessas duas máqui­nas em funcionamento — opinou Chico, indicando-as no cen­tro do quarto.

Puxa, eles são profissionais mesmo — admitiu Ti­gre. — Da rua ninguém consegue ouvir esses troços funcionan­do. Mas, afinal, pra que servem essas máquinas?

Deve ser aqui que eles fabricam os dólares — ava­liou Renato. — E eles acabaram criando uma boa cela pra nós. Não adianta nem gritar porque da rua ninguém vai escutar.

Acho que estamos fritos desta vez — considerou Tigre, sentando-se em um canto do cômodo, desanimado.

André também voltou a sentar-se, e colocando as mãos no rosto começou a chorar. Chico olhava assustado para a cena.

Calma, André — falou Pedro com a voz firme. — Vão nos tirar daqui, tenho certeza.

Ninguém vai encontrar a gente aqui — ele replicou, soluçando.

Aí é que você se engana — Pedro continuou —, o Serginho escapou e eu tenho certeza que ele foi buscar ajuda.

O Serginho escapou? — animou-se Chico. — Quer dizer que ele também estava aqui dentro?

Ele entrou com a gente — contou Renato —, mas na confusão ele conseguiu fugir. A esta hora ele já deve ter da­ do o alarme.

 

                                           EM BUSCA DE SOCORRO

Serginho saíra correndo da casa e passara a toda ve­locidade pelo portão da frente, alcançando a rua. Ele só parou de correr e olhou para trás quando chegou à entrada do parque. Estava muito assustado, sabendo que os companheiros estavam em perigo, mas não tinha idéia a quem pedir auxílio. Foi nesse instante que ele viu a viatura da polícia estacionada numa rua próxima ao parque e correu para lá. Dentro do veículo, dois po­liciais fumavam e conversavam com um homem à paisana. Eles olharam com curiosidade para o menino que se aproximava afo­bado. Serginho, apesar do pânico, conseguiu sorrir quando re­conheceu o homem à paisana: o investigador Olegário. Os dois policiais fardados eram os mesmos que haviam ido à sua casa em busca de informações sobre Marcão.

O senhor tá lembrado de mim? — ele perguntou ofegante, enquanto encostava na janela da viatura.

Claro — respondeu Olegário —, você não é o ir­ mão daquele menino que sumiu outro dia?

Sou. E estou precisando da ajuda de vocês agora.

Por quê? — perguntou o policial que estava ao vo­lante do carro. — Ele apareceu?

Não, não é isso — apressou-se Serginho em falar.

— São os meus amigos que estão em perigo.

Perigo? Como assim? Que história é essa? — interessou-se o investigador.

Olha, não dá pra explicar tudo agora. Mas eles en­traram no casarão da esquina e foram apanhados por uma qua­drilha.

Que quadrilha? — espantou-se Olegário. — Eu não estou entendendo essa história. Por que eles entraram no casarão?

Os caras falsificam dólares lá dentro e a gente en­trou pra investigar isso — continuou Serginho nervoso, pois per­cebia que os policiais não estavam levando a sério sua história.

Acho que você anda vendo filmes demais, garoto — falou o policial do volante, enquanto olhava para os dois companheiros e sorria. — Onde já se viu uma quadrilha de falsários aqui no bairro?

— É sério! Eles estão lá dentro do casarão e pegaram os meus amigos — insistiu Serginho.

Você tem certeza de que não está imaginando coi­sas? — disse o investigador, que olhava fixamente para Serginho.

Claro que não. Eu vi os dólares lá na casa. Tem até notas iguais àquela que estava com meu irmão e que eu en­treguei para o senhor.

Os dois policiais fardados olharam para Olegário. Ele passou a mão no rosto, que agora exibia uma expressão preocu­pada, antes de falar:

Está bem, garoto. Entra aqui e nós vamos até lá dar uma olhada. Mas se for uma brincadeira você vai se arre­pender. Estamos trabalhando e não podemos perder tempo com bobagens.

Vocês vão ver: não é bobagem, não. Vamos rápi­do pra lá — disse Serginho, enquanto se ajeitava no banco tra­seiro da viatura.

 

                                                     A QUADRILHA REUNIDA

As luzes do casarão estavam todas acesas e os três homens conversavam na sala. Barba andava pelo cômodo ner­vosamente e gesticulava muito:

Só faltava essa: um pirralho que escapou pode atra­palhar todo o nosso trabalho.

Já falei para você ficar calmo, Barba — falou Ci­catriz, que estava sentado em um banquinho de madeira e apa­rentava bastante tranqüilidade. — Não podemos fazer nada neste momento além de aguardar. E não ia adiantar nada sair corren­do por aí atrás de um menino...

É, seria ridículo — comentou o homem loiro, que fumava sentado sobre uma das latas de tinta.

Ridículo nada, Dino — continuou Barba, encarando o companheiro. — O chefão vai ficar louco da vida quando sou­ber que um dos garotos escapou. Você é novo na organização e não sabe do que o chefão é capaz quando é contrariado. Ele não admite falhas.

Ele vai entender quando souber que um dos garo­tos estava armado com um pé-de-cabra e atingiu o Cicatriz — prosseguiu Dino, que continuava fumando calmamente apesar da agitação de Barba.

— Ele não vai querer saber disso — rebateu Barba.

— Já posso até vê-lo falando: “Como é que pode, três marmanjos que não conseguem segurar um grupo de garotos? Vocês não prestam para nada mesmo, não servem para a minha orga­nização”.

Barba, você já está enchendo com essa conversa — interrompeu Cicatriz, que havia ficado em pé. — O menino quase me quebrou a mão com o ferro! Daqui a pouco eu vou conver­sar com o chefão e aí decidimos o que fazer.

Ele não vai perdoar essa falha, Cicatriz. Se não fosse a advertência que ele fez, nós nem saberíamos que os garotos estavam vigiando a casa — lembrou Barba, que continuava an­dando pela sala. — E nós até adiamos a entrega de hoje só para preparar essa armadilha e apanhar os garotos.

Como é que ele soube que os meninos estavam in­vestigando a casa? — perguntou Dino, olhando para Barba.

Você não conhece o chefão, Dino. Ele sempre dá um jeito de saber tudo o que está acontecendo. É por isso que a polícia nunca conseguiu pegá-lo — explicou Barba.

Mas quem é ele, afinal? — insistiu Dino, jogando o cigarro no chão e esmagando-o com o pé.

Sou eu quem faz os contatos com ele, Dino — fa­lou Cicatriz com uma expressão misteriosa. — O Barba já está com a gente faz dois anos e mesmo assim só viu o chefão umas duas ou três vezes. Ele só aparece quando a situação é de emer­gência.

E eu estou achando que esta aqui é uma situação de emergência — avaliou Barba, dirigindo-se a Cicatriz. — O garoto que escapou vai dar o alarme e nós ficamos aqui espe­rando, como se nada estivesse acontecendo.

Você é muito nervoso, Barba — replicou Cicatriz.

— Eu aprendi com o chefão a manter sempre a calma. Esse ga­roto que fugiu não vai nos atrapalhar...

— Mas e se ele chamar a polícia? — perguntou Dino, enquanto olhava preocupado para os dois companheiros.

Foi nesse instante que soaram as batidas na porta. Os três homens se entreolharam, tensos. Dino levantou-se e Barba pegou o revólver que estava preso no cinto às suas costas. O rosto de Cicatriz contraiu-se num sinal de preocupação.

— Guarde isso por enquanto — ele disse, olhando para o revólver na mão de Barba.

Não quero ser apanhado de surpresa — respondeu Barba, dirigindo-se para o outro cômodo e mantendo a arma na mão.

Fique aqui comigo, Dino. Vamos ver do que se trata — disse Cicatriz, preparando-se para atender a porta.

As batidas soaram novamente.

— Um momento — Cicatriz disse. Depois, ele olhou para Dino e caminhou em direção à porta da casa.

 

                                   SERGINHO VERSOS CICATRIZ

A porta foi aberta. À frente dos três homens esta­va Serginho, que instintivamente recuou quando ficou cara a cara com Cicatriz. O investigador tomou a dianteira do grupo:

Boa-noite, senhor. Eu sou o investigador Olegário.

Boa-noite — respondeu Cicatriz com uma voz rou­ca. E não havia nada no seu rosto que demonstrasse medo, sur­presa ou qualquer outra emoção. — Em que posso ajudá-los?

Desculpe perturbá-lo a essa hora, mas é que esse menino nos procurou para dizer que seus amigos estão presos nesta casa — a voz de Olegário soou firme.

Presos aqui? — disse Cicatriz, enquanto sorria. — Mas, senhor Olegário, isto é uma casa de família. Por que eu iria prender garotos aqui?

Eu sei que parece absurdo, senhor. Mas o menino está muito nervoso e insiste em dizer que seus companheiros fo­ram aprisionados por uma quadrilha.

Filho, você está enganado — falou Cicatriz, diri­gindo-se a Serginho. — Vai ver os seus amigos se perderam por aí e você pensa que eles entraram aqui.

Não acredite nele — berrou Serginho para Olegá­rio, enquanto se afastava de Cicatriz. — Aqui dentro tem uma quadrilha de falsificadores de dólares.

Cicatriz deu uma gargalhada e olhou para Olegário.

Esse menino tem uma imaginação fértil demais. Co­mo é mesmo o negócio? Quadrilha de falsificadores? Ah, ah, ah, é muito engraçado.

Olha, senhor, eu não queria incomodá-lo. Mas o menino parece ter certeza do que está dizendo. Acho que o jeito será dar uma averiguada na casa para tranqüilizá-lo. O senhor permite a nossa entrada? — pediu Olegário, ao mesmo tempo que colocava a mão sobre o ombro de Serginho, como se o esti­vesse protegendo da gargalhada de Cicatriz.

Bem, se a única maneira de acalmar o garoto é es­sa, os senhores podem entrar e vasculhar a casa à vontade — respondeu Cicatriz, que dirigiu seu olhar duro para Serginho. — Não vão encontrar nada e aí verão que tudo não passa de ima­ginação desse menino.

Eu vou mostrar pra vocês onde estão os dólares — disse Serginho olhando para os policiais.

Calma — falou Olegário —, que nós já vamos verse você está falando a verdade.

Um momento, senhores — interrompeu Cicatriz —, não há motivo para dúvidas. Entrem e fiquem à vontade para procurar onde quiserem.

Cicatriz saiu da porta da casa, abrindo caminho para o grupo. Olegário foi o primeiro a entrar, mancando de uma per­na. Serginho entrou em seguida, e a primeira coisa que viu foi Dino sentado sobre as latas. Por último entraram os dois poli­ciais fardados, que permaneceram parados perto da porta.

 

                                               SORRISOS ESTRANHOS

Serginho olhou para Olegário e depois para os poli­ciais e percebeu que eles estavam sorrindo. Quando virou o ros­to para olhar Cicatriz, descobriu que havia caído numa armadi­lha. A um sinal de Cicatriz, Dino levantou-se rápido e agarrou o menino, que começou a debater-se em vão.

Vocês estão ficando descuidados, Cicatriz — falou Olegário, enquanto sentava-se no banquinho de madeira. — Já pensou se o menino encontra outros policiais e não nós três?

Não é descuido, Olegário. Um dos garotos me acer­tou a mão e esse aí conseguiu escapar.

É, mas se ele tivesse encontrado outros policiais vo­cês estariam bem encrencados — insistiu um dos policiais, que se ocupava de fechar a porta da casa.

É, foi um risco — concordou Cicatriz sorrindo. — Mas eu me lembrei do seu bilhete, Olegário, onde você informa que estaria de plantão na área esta noite. O único que ficou preo­cupado com a polícia foi o Dino, que é novo na organização e não sabia do nosso acordo.

Por falar em acordo, acho que nós merecemos um dinheiro a mais por esse trabalhinho extra de trazer o menino até aqui — disse Olegário, olhando satisfeito para seus compa­nheiros fardados.

Fique tranqüilo, Olegário. Vou falar com o chefão sobre isso. Tenho certeza de que ele irá recompensá-los — expli­cou Cicatriz.

O que vocês vão fazer com esses meninos? — quis saber Olegário, que se levantara do banquinho e andava man­cando pela sala.

Ainda não sei — Cicatriz olhou fixamente para Ser­ginho. — O chefão é quem vai decidir isso. Afinal, foi ele quem descobriu que esses garotos estavam vigiando a casa. Ele vai fi­car contente quando souber que apanhamos todos eles de uma só vez.

Mas vocês vão ter de agir rápido. Daqui a pouco os pais vão estar procurando por esses meninos — falou Olegá­rio, olhando para Barba que entrava na sala.

É verdade, Cicatriz, o Olegário está certo. Temos de dar sumiço neles antes que comecem a procurá-los — a frase de Barba provocou um arrepio em Serginho.

Muito bem. Dino, leve esse menino lá para cima junto com os outros. Você e o Barba fiquem aqui na casa que eu vou conversar com o chefão agora mesmo. Vocês vêm comi­go? — perguntou Cicatriz, dirigindo-se a Olegário e aos dois po­liciais.

Vamos lá, rapazes — comandou alegremente Ole­gário —, quem sabe o chefão já nos paga por esse trabalhinho extra que fizemos.

Cicatriz, Olegário e os dois policiais saíram do casa­rão apressados. Barba acendeu um cigarro e olhou para Dino, que prendia Serginho pelos braços:

Acho que hoje você vai conhecer o chefão, Dino. Não falei que era uma situação de emergência?

Você acha que ele vem pessoalmente até aqui?

— Pode ser. Agora leve esse garoto lá para cima que eu vou preparar um café para nós — disse Barba, caminhando em direção à cozinha. — Esses meninos vão pagar caro por sua curiosidade.

 

                             MAIS UM NO QUARTO / CELA

Os meninos estavam sentados no quarto quando a porta foi aberta repentinamente e Serginho foi empurrado para dentro. O primeiro a reagir foi Tigre:

—    Serginho? O que aconteceu, meu Deus?

Serginho sentou-se no chão, desanimado, e contou aos companheiros a armadilha em que caíra quando foi procurar os policiais. Pedro era o mais revoltado com a história:

Quer dizer que esses policiais dão cobertura para a quadrilha?

É isso mesmo. Aquele pedaço de bilhete que acha­ mos era do investigador Olegário. Mas o que vocês dois estão fazendo aqui? — espantou-se Serginho quando viu Chico e André.

Eles nos enganaram na sorveteria, Serginho. E vie­ram aqui pra ver o que a gente estava investigando — explicou Renato, olhando para André, que ainda soluçava.

Estamos perdidos — disse Chico. — Nossa única esperança era você ter escapado.

Eu acho que estamos mesmo perdidos. O Cicatriz acabou de sair com os dois policiais. Ele foi falar com o chefão da quadrilha sobre nós — explicou Serginho para o grupo.

O que você acha que eles vão fazer com a gente? — a pergunta de Renato gelou os companheiros.

Não sei, não — respondeu Serginho. — Parece que é o chefão quem vai decidir isso.

Pessoal, temos que arrumar um jeito de sair daqui rápido — falou Pedro, que se levantou. — Acho que estamos correndo risco de vida.

Meu Deus, você acha que eles vão nos matar? — perguntou Tigre assustado.

Ué, o que mais eles podem fazer com a gente? Nós descobrimos tudo sobre os dólares — continuou Pedro agitado.

André voltou a chorar e os outros meninos levantaram-se e começaram a andar pelo quarto nervosamente.

Você já olhou no quarto todo se não há alguma maneira de sair daqui, Pedro? — quis saber Serginho, enquanto pas­sava a mão pelas paredes estofadas.

Já olhamos tudo. Não há como sair daqui a não ser por essa porta.

Você acredita mesmo que eles vão matar a gente? — perguntou Serginho em voz baixa a Pedro.

O que a gente sabe, Serginho, é perigoso para essa quadrilha. Mas por que você está falando baixo?

Eu estou falando assim porque o André já está mui­to assustado. Sabe o que é? Eu estou desconfiado que esses ca­ras têm ligação com o sumiço do meu irmão.

Pedro sentiu um arrepio no corpo ao ouvir isso.

Como assim? Você acha que eles seqüestraram o Marcão? — ele perguntou tenso.

Veja bem, Pedro. O Marcão tinha um dólar em ca­sa. Quem garante que ele não estava investigando essa casa e des­cobriu o mesmo que a gente?

Espera aí, Serginho. Você está achando que o seu irmão também foi apanhado aqui dentro? — insistiu Pedro, per­cebendo que os outros meninos se aproximavam para ouvir a con­versa dos dois.

Aquele dólar que estava nas coisas do Marcão po­dia ser falso, a gente não sabe — prosseguiu Serginho para sua platéia atônita. — Aí ele voltou aqui e os caras pegaram ele e...

Deus do céu, Serginho, você acha que esses caras... —    assustou-se ainda mais André.

— Eles podem ter matado o meu irmão. E agora vão fazer o mesmo com a gente — falou Serginho sombriamente.

André entrou em desespero, e aos gritos de “não quero morrer” começou a socar as paredes do quarto. Pedro olhou para os companheiros e coçou a cabeça quando perce­beu que a maioria estava a ponto de fazer o mesmo. Ele diri­giu-se a Chico:

Acalme o André. Ele só vai piorar ainda mais as coisas se ficar assim.

Pedro, precisamos fugir daqui. Eu também não que­ro morrer — era Renato, que também estava entrando em pânico.

Calma, gente. Ficar desesperado não ajuda. Temos que pensar numa maneira de sair daqui. Deve haver um jeito — falou Tigre, que tentava manter a calma.

Mas qual? Eu já olhei as paredes. Nem gritar re­solve — falou Renato trêmulo.

Vamos pensar... — ia falando Pedro, quando a por­ta foi aberta. Os meninos se assustaram e se juntaram num can­to do quarto numa tentativa de defesa. O homem loiro entrou andando lentamente e sorriu quando viu o grupo encolhido.

CONVERSA COM DINO

— Calma, meninos, eu só vim conversar um pou­co com vocês — disse Dino, enquanto acendia um cigarro. — Desta vez vocês entraram numa enrascada muito séria.

O que vocês vão fazer com a gente? — perguntou André, que não conseguia conter o choro.

O Cicatriz foi falar com o chefão e ele provavel­mente vai dar ordem para matá-los. Afinal, vocês sabem demais.

Eu não sou da quadrilha... — confessou Dino

 

Dino fumava calmamente e o tom frio de sua voz assustava ainda mais os meninos. Ele falava em matar como se estivesse convidando o grupo para uma partida de futebol.

Vocês estão lidando com uma perigosa quadrilha de falsários — ele continuou no mesmo tom de voz. — Eles não vão hesitar em eliminar quem atravessou em seu caminho.

Isso é assassinato — falou Pedro, que sentia o suor escorrer pelo corpo.

Eu sei. Eles se tornam assassinos se for preciso, ga­roto. Eu não duvido disso.

Você também é um assassino — berrou André, que estava perdendo o controle novamente.

Calma. Não é bem assim. E é sobre isso que eu vim falar com vocês — replicou Dino, que estava apoiado numa das máquinas do quarto. — Agora prestem bastante atenção no que eu vou dizer. Eu não tenho muito tempo e a vida de vocês vai depender disso.

Os seis meninos olharam desconfiados para o homem loiro parado no meio do quarto. Ele espiou a porta aberta do quarto antes de falar:

Eu não sou da quadrilha. Na verdade eu sou um agente federal infiltrado há três semanas. Meu trabalho aqui é mexer com essas máquinas, que imprimem os dólares falsos. Eles não desconfiam de nada, mas eu estou aqui para descobrir co­mo é que funcionam os negócios da quadrilha.

Espera um pouco aí — interrompeu Pedro surpre­so. — Quer dizer que você é um policial?

Sim. Só não agi antes porque precisava descobrir quem são os policiais que dão cobertura à quadrilha, e também quem é o chefão que comanda o grupo. Agora, por causa do risco que vocês estão correndo, eu vou ser obrigado a agir.

Meu Deus — exclamou Serginho espantado. — E o que você vai fazer?

O meu plano é o seguinte: só estamos eu e o Barba na casa neste momento. Ele está lá na cozinha preparando um café. Eu disse a ele que vinha dar uma olhada em vocês e já des­cia. Agora eu vou atraí-lo para cá e tentar aprisioná-lo aqui. De­pois eu vou chamar os meus companheiros para esperar pelo Ci­catriz e pelo resto do bando.

Os meninos se entreolharam. André havia parado de chorar, mas sua expressão ainda era de desconfiança, igual à de seus companheiros.

E o que você quer que a gente faça? — perguntou Tigre, adiantando-se ao grupo.

Por enquanto nada — explicou Dino, enquanto pe­gava seu revólver, o que assustou os meninos. — Fiquem aten­tos porque o Barba vai subir armado e ele pode atingir alguém.

Ao ouvir isso imediatamente os meninos agacharam-se atrás das máquinas, enquanto o agente federal encostava-se à porta.

— Barba, socorro! — ele gritou em direção ao corre­dor e, em seguida, ocultou-se atrás da porta.

Os meninos ouviram o palavrão dito por Barba no an­dar de baixo e, na seqüência, o ruído de seus passos subindo a escadaria de madeira apressadamente.

— Já vou indo, Dino — ele berrou e o som da voz in­dicou que ele se aproximava rapidamente pelo corredor.

A arma em sua mão apareceu primeiro na porta do quarto. A ação foi rápida: Barba olhou para o quarto e vendo somente as máquinas quis virar o corpo para olhar em direção à porta. Não houve tempo: o golpe de Dino atingiu em cheio seu rosto, fazendo com que ele rolasse pelo chão e soltasse a ar­ma. O agente apontou o revólver para sua cabeça e disse:

Quietinho, Barba. Qualquer movimento e eu ati­ro, não duvide disso.

Que é isso, Dino? — balbuciou Barba, ainda ator­doado pela coronhada no rosto. — Você ficou louco?

Nada de perguntas, Barba. Fique deitado aí mes­mo — continuou Dino, enquanto indicava o revólver caído no chão. — Um de vocês pegue essa arma. Vamos trancar este su­jeito aqui e sair rápido, que os outros já devem estar voltando.

Chico abaixou-se e recolheu o revólver de Barba com cuidado, entregando-o ao agente federal. Em seguida os meni­nos deixaram rapidamente o quarto.

Você é um traidor sujo, Dino. E eu nem desconfiei quando você entrou para o bando — disse Barba, que permane­cia deitado. — Mas você não conhece o chefão: ele vai matá-lo por causa disso. Ele não perdoa os traidores.

Fique quieto, Barba, já falei — replicou Dino, tran­cando a porta do quarto. — Daqui a pouco o chefão vem para fazer companhia a você.

Os meninos desceram correndo a escadaria com um único desejo: sair dali o mais rápido possível. Dino desceu apres­sado em seguida. Ele guardou a arma de Barba no cinto e olhou para os meninos:

— Muito bem, vocês estão salvos. Agora vou chamar os meus colegas e vamos preparar uma surpresa para o Cicatriz e os outros.

Nem bem ele pronunciou essa frase e todos ouviram as vozes de Cicatriz e dos policiais que chegavam. Ouviu-se o barulho da chave sendo introduzida na fechadura da porta.

 

                                                 A ORDEM DO CHEFÃO

— Rápido, escondam-se — sussurrou o agente, en­quanto sentava-se no banquinho de madeira com uma expres­são de calma.

Os meninos correram para o quarto onde haviam si­do encontrados por Cicatriz. Ele, Olegário e os dois policiais entraram pouco depois pela porta. O agente federal levantou-se quando os viu.

Oi, Dino, cadê o Barba? — perguntou o Cicatriz logo que entrou.

Está lá em cima, dando uma olhada nos nossos pri­sioneiros.

Ótimo. Olha, a ordem do chefão é clara: vamos ter de matar esses meninos — falou com frieza Cicatriz.

Matá-los? Todos eles? — perguntou Dino, fingin­do espanto.

Claro — replicou Cicatriz —, eles sabem tudo so­bre o nosso negócio. O chefão não quer correr riscos. O Olegá­rio e os outros dois vão dar uma ajuda nessa tarefa, não é mes­mo? — revelou Cicatriz, sentando-se sobre as latas de tinta.

Como vamos fazer isso? — perguntou o agente, en­quanto andava pela sala e se colocava perto da porta.

Só há uma maneira de fazer isso, Dino. E você sa­be qual é. Nós três fazemos o serviço e, depois, os nossos ami­gos policiais aqui vão dar uma ajuda para nos livrarmos dos cor­pos. Que tal a idéia, Olegário? — falou Cicatriz friamente, olhan­do para o investigador.

Por mim tudo certo, Cicatriz. É só tirar um por um do quarto e nós levamos para dar um “passeio” — concordou Olegário com um sorriso cruel. — Mas acho que devemos rece­ber algum pagamento por esse serviço extra, pois é um negócio arriscado para nós. Afinal, serão assassinatos.

Chame como quiser, Olegário. O que não podemos é deixar esses meninos vivos depois do que eles descobriram. E fique descansado, vocês vão receber por isso.

No quarto ao lado os meninos ficaram gelados ao ou­vir o plano de Cicatriz. Todos estavam tensos e querendo sair dali. André permanecia de olhos fechados, enquanto Chico, Re­nato, Tigre e Serginho mantinham-se atentos ao que ocorria no outro cômodo. Pedro olhou para trás e viu a janela com grades. Não havia como escapar e isso o deixava desesperado, pois al­guém poderia descobri-los ali no quarto a qualquer momento. Pedro suava e percebeu que todos os companheiros estavam trê­mulos. Eles ficaram encostados na parede e esperaram pela ação do agente federal, sua única esperança.

Dino caminhou pela sala com a mão no queixo, como se estivesse refletindo sobre o que acabara de ouvir, e aproximou-se da porta da rua, de onde seu ângulo de visão alcançava os quatro homens na sala. Cicatriz, que continuava sentado sobre as latas, falou subitamente:

Bom, vamos começar logo essa coisa, Dino. Vá até lá em cima chamar o Barba e já traga um dos garotos.

Qual deles você quer primeiro? — perguntou Dino sério, procurando ganhar tempo.

Ora, que pergunta! Qualquer um deles — respon­deu Cicatriz, olhando com curiosidade para o agente federal. — Por que você perguntou isso?

Porque eu pensei que você tivesse preferência por algum dos garotos em especial — disse Dino, esboçando um sorriso.

Os policiais e Olegário riram, descontraídos. Cicatriz olhou com dureza para eles e falou:

— Não é hora para brincadeiras, Dino. Já demoramos demais. Vá buscar o Barba e um dos meninos de uma vez.

O agente federal foi muito rápido para que alguém ali na sala entendesse direito o que estava acontecendo. Ele fez um único movimento brusco e as duas armas surgiram em suas mãos, apontadas na direção do grupo.

— Muito bem, não é hora para brincadeiras mesmo. Se alguém fizer o menor movimento leva chumbo. Fiquem com as mãos levantadas — ele ordenou.

O choque da surpresa quase derrubou Cicatriz de seu banco improvisado. Olegário e os dois policiais compreenderam depressa o que estava acontecendo. E a julgar pela expressão de Dino, ele não estava para brincadeiras. Todos levantaram os braços.

Que idiotice é essa, Dino? — grunhiu Cicatriz, e sua voz estava ainda mais rouca. — O que você está querendo com isso?

Já é hora de você saber a verdade, Cicatriz. Eu sou um agente federal e faz tempo que nós estamos querendo pôr as mãos nesta quadrilha.

Cicatriz soltou um palavrão mas manteve as mãos le­vantadas, pois uma das armas estava apontada para sua cabeça. Ele olhou com ódio para o agente:

— Você não vai conseguir, seu imbecil. Nós somos em maior número...

— Mas eu tenho as armas, Cicatriz, e não estou sozi­nho. — Após dizer essa frase Dino emitiu um assobio curto e os meninos, entendendo o sinal, saíram do quarto ao lado e en­traram na sala.

Cicatriz olhou surpreso para o grupo. O agente fede­ral não se movia de seu lugar e continuava apontando as armas para os homens. Ele olhou para os meninos e falou calmamente:

— Tirem as armas deles, por favor. E é bom que eles não tentem nada: eu não costumo errar a essa distância.

Olegário continuava espantado quando Serginho se aproximou e tirou o revólver que ele carregava preso no cinto. Tigre e Renato se encarregaram de desarmar os dois policiais far­dados. E a Pedro coube tirar a arma de Cicatriz, que o olhava friamente, tentando intimidá-lo. Pedro evitou o olhar e enfiou a mão do lado interno do paletó, até encontrar a arma que Ci­catriz trazia sob o braço esquerdo. Em seguida o grupo de garo­tos dirigiu-se para junto do agente federal.

— Bom trabalho, meninos. Agora vamos conduzir os nossos amigos para o quarto de cima, onde eles farão compa­nhia ao Barba — explicou Dino, dando um passo em direção aos homens, que mantinham os braços levantados. — É o fim da linha, Cicatriz. Depois você vai me explicar onde posso en­contrar o chefão, certo?

Antes que Cicatriz falasse qualquer coisa, um braço surgiu pela porta entreaberta da rua. A mão segurava um revól­ver, cujo cano foi encostado na nuca do agente federal.

— Não será preciso procurar-me, espertinho. Você de­ via saber que nunca deve dar as costas para uma porta — era o chefão falando, antes de entrar na sala.

 

                                                                           0 CHEFÃO MOSTRA SEU ROSTO

Tigre, Serginho, Pedro e André ficaram paralisados quando reconheceram o homem calvo que mantinha Dino sob a mira de seu revólver: o chefão era o pai de Bia. Ele caminhou mais alguns passos, empurrando o agente e ordenou com a voz dura:

— Solte suas armas, rapaz. Eu não gosto de atirar em ninguém assim, à queima-roupa.

Dino olhou para os meninos com uma expressão des­concertada e deixou cair os revólveres. Cicatriz, Olegário e os dois policiais respiraram aliviados. O chefão olhou-os e falou com a mesma dureza:

— Vocês formam mesmo um bando de incompeten­tes. Se eu não tivesse resolvido dar uma olhada nas coisas por aqui vocês estariam dominados por um sujeito sozinho e um ban­do de moleques.

Como uma flecha, Napoleão entrou pela porta da sala e saltou sobre o chefão.

 

Ele disse isso e olhou na direção dos meninos, que já haviam colocado no chão as armas de Cicatriz e dos policiais, e se agrupado num canto da sala.

— Vocês são muito intrometidos, garotos. Pensaram que eram mais espertos do que eu e vejam a encrenca em que se meteram — o chefão falou isso como se fosse um professor repreendendo um grupo de alunos travessos. — Quando a mi­nha filha me contou que ela e os amigos estavam investigando um casarão, eu logo imaginei que vocês andavam bisbilhotando por aqui. E ela nem desconfiou que sem querer estava me dan­do uma informação importante.

Cicatriz e os policiais continuavam parados no mes­mo lugar, como se a entrada do chefão os houvesse paralisado. Ele, que mantinha a arma encostada na cabeça de Dino, olhou para os quatro e berrou:

— E vocês, vão ficar aí parados? Peguem de volta suas armas e vamos acabar com isso de uma vez.

Ao ouvir a ordem Cicatriz e os três policiais movi­mentaram-se com rapidez e se abaixaram no chão para recupe­rar seus revólveres. Como se fosse uma flecha Napoleão surgiu na porta da sala e saltou sobre o chefão, mordendo o braço que segurava a arma. O chefão caiu, atingido pelo impacto do ca­chorro, e Dino não perdeu tempo: com um chute ele desarmou Cicatriz, que já havia recuperado sua arma, e se atracou com ele pelo chão.

Os meninos perceberam que teriam de agir, e em dois atacaram Olegário e um dos policiais antes que eles recuperas­sem seus revólveres do chão. O outro policial, refeito da surpre­sa, pegou sua arma e levantou-se. À sua frente a confusão era grande: os meninos rolavam pelo chão engalfinhados com os po­liciais. Do outro lado o agente federal batia com a cabeça de Cicatriz no chão. E o chefão, que perdera sua arma, não conse­guia livrar-se de Napoleão. O policial teve receio de atirar e aca­bar ferindo seus próprios companheiros. Foi nesse momento que Dino acertou um último golpe em Cicatriz, colocando-o fora de combate, e virou-se para apanhar sua arma, tornando-se um al­vo fácil para o policial. Quando ele apontou a arma para o agente federal ouviu-se um disparo, que atingiu em cheio sua mão. O estampido fez cessar a luta dos meninos com Olegário e o outro policial. Todos olharam surpresos para a porta, de onde viera o tiro.

Segurando seu revólver, o velho Alípio olhou para os meninos e sorriu:

— Olá, amiguinhos. Parece que eu cheguei na hora cer­ta, não é? E ao que tudo indica eu ainda não esqueci como se usa uma arma. Isto quer dizer que se algum desses bandidos tentar alguma coisa eu não vou errar.

Dino já havia recuperado sua arma e empurrou Ole­gário e os dois policiais para um canto. Um deles, ferido, não conseguia levantar as mãos. Tigre teve muita dificuldade em re­tirar Napoleão de cima do chefão, que bastante machucado não ofereceu resistência ao ser levado para junto do grupo. Cicatriz continuava desacordado no chão.

Este é o Dino, um agente federal — disse Pedro, feliz em rever o velho Alípio.

Prazer, eu sou Alípio, ex-delegado de polícia e ami­go desses garotos valentes.

Como é que o senhor achou a gente aqui? — per­guntou Serginho, que recolhia as armas espalhadas pela sala.

Bom, eu encontrei o bilhete lá em casa, e como não tinha ninguém na sorveteria achei que vocês tinham vindo para cá. Sabendo do que se tratava, resolvi trazer minha arma.

O senhor sabia que aqui existia uma quadrilha de falsários? — quis saber o agente, retirando algemas de uma bolsa.

O meu amigo da polícia me chamou às pressas ho­je à tarde por causa de uma informação que ele havia consegui­ do nos arquivos. Ele me disse que uma vez a polícia prendeu um sujeito com uma cicatriz enorme no rosto, que mexia com di­nheiro falso. Esse homem cumpriu sua pena e depois desapare­ceu. Pela descrição que os meninos fizeram eu desconfiei que o homem que eles viram podia ser o mesmo, e resolvi dar uma conferida — explicou Alípio indicando Cicatriz, que estava desa­cordado no chão. — Mas eu não teria feito nada se não fosse esse cachorro, como é mesmo o nome dele?

Napoleão — respondeu Tigre, afagando o cão, que mesmo abanando alegremente a cauda às vezes ainda rosnava na direção do grupo de mãos levantadas.

Pois é, quando eu cheguei aqui perto da casa ele estava na porta, ganindo, doido de vontade de entrar. Aí eu con­cluí que vocês estavam aqui dentro e deixei que ele entrasse primeiro.

Ele merece um prêmio! Pegou o chefão e salvou a minha vida — comentou o agente federal, que se ocupava em algemar a quadrilha e reanimar Cicatriz.

Eu não aceito uma coisa dessas. Todo o meu negó­cio arruinado por causa de um cão, um bando de garotos intro­metidos e um tira infiltrado — esbravejou o chefão quando era algemado por Dino. — Você é o culpado, Cicatriz. Foi vo­cê quem trouxe esse maldito tira para dentro da organização.

Nada disso. O culpado é o Barba. Foi ele quem in­dicou o Dino, dizendo que era um cara que havia feito contato com ele e sabia como lidar com as impressoras — defendeu-se Cicatriz, olhando com ódio para o agente federal.

Guardem o fôlego, rapazes — disse Dino, interrom­pendo a discussão. — Vocês terão tempo de sobra na cadeia pa­ra descobrir quem é o culpado por isso.

Veja a mão dele, está sangrando bastante — ob­servou Pedro, indicando para Dino o policial que fazia uma ca­ra de dor.

Eu vou chamar meus colegas daqui a pouco e já peço uma ambulância para ele — explicou o agente, examinan­ do o ferimento do policial. — Garanto que ele não vai morrer por causa disso.

Bem, pelo jeito terminou meu trabalho aqui — disse Alípio, enquanto guardava seu revólver. — Vou para casa por­ que não gosto de deixar meu papagaio sozinho à noite. Já pen­sou se alguém entra lá para roubá-lo?

Não se preocupe com isso — falou Serginho rin­do. — Tenho certeza de que os bandidos do bairro estão todos aqui.

Vou levá-los lá pra cima agora — avisou o agente, olhando para o velho. — Gostaria que o senhor me ajudasse.

Claro, filho. Sempre gostei de fazer o serviço com­pleto. Vamos lá — disse o velho Alípio, já conduzindo os ban­didos algemados em direção à escadaria.

 

                                       0 DÓLAR DE MARCÃO

Espera um pouquinho aí — falou Serginho re­pentinamente, para surpresa dos companheiros, antes que os ho­mens começassem a subir a escadaria. — Quero saber o que eles fizeram com o meu irmão.

Os homens algemados encararam o menino intrigados. Serginho explicou ao agente federal o desaparecimento de Mar­cão e a história da nota de cinco dólares, que acabou ficando em poder de Olegário.

Um momento, menino — interrompeu Olegário, que estava parado no começo da escada. — Eu peguei aquela nota porque pensei que era uma das fabricadas aqui. Mas eu me enganei: aqueles eram dólares de verdade.

Nós não temos nada a ver com o sumiço do seu ir­mão — manifestou-se Cicatriz, cujo braço estava ligado pelas algemas ao do chefão. — Eu nem sabia dessa história do dólar. Cadê a nota, Olegário?

Como ela era verdadeira, eu a troquei por dinhei­ro há uns dois dias.

Eu não acredito em vocês — insistiu Serginho exal­tado. — Tenho certeza de que vocês são responsáveis pelo sumi­ço dele.

Ora, os únicos a sumir seriam vocês. Por que iría­mos apanhar alguém que não se meteu no nosso caminho? — replicou Cicatriz, demonstrando irritação. — O Dino pode con­firmar o que estou dizendo, pois ele estava com a gente aqui na casa.

Ele está falando a verdade, pode acreditar — con­firmou o agente, procurando acalmar Serginho. — Eu estive o tempo todo com eles aqui na casa e se tivesse acontecido alguma coisa com seu irmão aqui eu estaria sabendo.

— É, pelo jeito o fato de o seu irmão ter os dólares foi apenas uma coincidência — concordou Alípio com seu ar de policial experiente.

As explicações convenceram Serginho, que com uma expressão decepcionada desistiu de seu interrogatório e juntou-se aos companheiros repetindo: — Mas então o que aconteceu com ele?

A quadrilha foi trancada no quarto no andar de ci­ma, onde já se encontrava aprisionado Barba. Dino, que se pre­parava para chamar seus colegas, pois a quadrilha de falsários estava desbaratada, agradeceu a ajuda do velho Alípio e dos me­ninos. Depois das despedidas a turma da rua Quinze deixou a casa em companhia de Napoleão, André e Chico.

 

                                                       UMA SURPRESA NO CLUBE

No sábado à tarde Pedro, Tigre, Renato e Serginho estavam reunidos no clube e espiavam Napoleão roer um gran­de osso que lhe fora dado por Tigre.

Ele merece muito mais — comentou Renato satis­feito. — Se não fosse ele ter aparecido com o velho Alípio não sei o que teria acontecido com a gente.

Acho que não estaríamos aqui para comentar essa história — emendou Tigre. — Aliás, semana que vem começam as aulas. Já pensaram quando a gente contar na escola o que aconteceu?

Ninguém vai acreditar, Tigre — disse Pedro, en­quanto afagava a cabeça de Napoleão.

Mas foi uma história incrível mesmo. Eu também não ia acreditar num negócio desses se não estivesse lá pra ver. Onde já se viu uma quadrilha de falsários aqui na rua Quinze? — observou Renato, que ainda fazia uma cara de incredulidade.

É mesmo — concordou prontamente Tigre. — E quem ia desconfiar que o chefão era o pai da Bia?

Por falar na Bia, hoje cedo eu passei em frente à casa dela e reparei que está tudo fechado. Será que aconteceu alguma coisa com ela e com a mãe? — perguntou Serginho preocupado.

Não sei se elas vão ficar na rua depois do que acon­teceu, vocês não acham? — disse Pedro, olhando demoradamente para Tigre. — A esta hora elas já devem estar sabendo de tudo o que aconteceu. Vai ver até já se mudaram daqui.

Todos correram a abraçar Marcão quando ele surgiu no clube.

 

É, ia ser difícil olhar para a gente sabendo que nós ajudamos a prender o pai dela — avaliou Tigre com uma expres­são triste.

Espera aí, Tigre — interveio Renato exaltado. — Ele era o chefe da quadrilha e ia dar sumiço na gente, não se esqueça disso.

Mesmo assim eu tenho pena da Bia — prosseguiu Tigre num tom de visível aborrecimento. — Ela não sabia nada sobre os negócios do pai e não tem culpa do que aconteceu.

Xi, Tigre, daqui a pouco você vai achar que a gen­te tem que procurar a Bia e pedir desculpas por ter ajudado a pôr o pai dela na cadeia — ironizou Pedro.

Também não é assim, Pedro. Eu só acho que... — ia falando Tigre, quando na porta do clube surgiu uma figura que fez com que todos os meninos perdessem a fala.

Oi, pessoal, não vai ter jogo contra a Vila Nova ho­je? — perguntou o recém-chegado.

Meu Deus! Marcão? — berrou Serginho, ao mes­mo tempo em que corria para abraçar o irmão.

Puxa, rapaz, onde é que você andou? — disse Pe­dro, enquanto tentava abraçar Marcão, que continuava agarra­do a Serginho.

É uma longa história, Pedro — ele explicou, rindo e apertando a mão de Renato e Tigre. — Acabei de contar lá em casa. O meu pai e a minha mãe quase morreram de susto quan­do me viram chegando.

E não é pra menos, Marcão. Até a polícia estava à sua procura. Todo mundo pensava que você tinha sido seqües­trado ou alguma coisa pior — assegurou Renato, vendo que Na­poleão tinha abandonado seu osso e pulava sobre o recém-chegado dando as boas-vindas.

Mas não aconteceu nada disso — explicou Marcão enquanto se sentava.

Mas, afinal, onde é que você se enfiou esses dias todos? — quis saber Serginho, que bastante emocionado ainda não acreditava estar revendo o irmão são e salvo.

Tigre, você está lembrado de uma garota que esta­va comigo no parque outro dia? — perguntou Marcão. E diante da resposta afirmativa ele prosseguiu: — Ela é filha de um tra­pezista de um circo argentino que estava na cidade e nós estáva­mos namorando. Aí chegou a hora do circo ir para outra cidade e eu resolvi acompanhar. Meu trabalho era dar comida aos ani­mais, enquanto o pai da menina dava aulas de trapézio pra nós dois.

O quê? — espantou-se Renato. — Você fugiu com um circo?

Fugir não, Renato. Eu prefiro dizer que fui acom­panhar minha namorada. Acontece que amanhã o circo vai re­tornar à Argentina e eu achei que era hora de largar essa loucu­ra e voltar pra casa. Não tive coragem de ficar com eles e, além disso, estava com saudades de todo mundo.

Você é louco, Marcão. Quer dizer que você foi atrás do circo por causa de uma menina? — falou Tigre, surpreendi­do pela revelação de Marcão.

E até que foi legal, Tigre. Preciso contar as coisas que aconteceram nesses dias — ele comentou rindo.

E nós aqui, procurando você feito uns doidos — lembrou Pedro também surpreso.

Eu não podia explicar onde estava no bilhete que deixei porque o meu pai iria me buscar na certa.

Ia mesmo — concordou Serginho, que continuava abraçado ao irmão. — Mas me diga uma coisa: onde é que você arrumou aquele dólar que estava no meio das suas coisas?

Você achou o dólar? Aquilo foi um presente da mi­nha namorada argentina quando a gente se conheceu — revelou Marcão, surpreso com a expressão dos amigos. — Por que vo­cês estão me olhando assim?

Então aquele dólar não tem mesmo nada a ver com o Cicatriz e o casarão — disse Pedro, olhando para os outros meninos.

Cicatriz? Casarão? Que conversa é essa? — interessou-se Marcão.

Xi, é uma outra história, Marcão. A gente vai pas­sar o dia contando isso pra você — respondeu Tigre, sorrindo para os companheiros. — Espero que você não fique triste quando souber que o Olegário gastou os seus dólares.

Olegário? Mas quem é ele? Eu não estou entenden­do nada — Marcão olhava surpreendido para Tigre, que não dis­farçava um sorriso enigmático.

Antes de falar disso conta uma coisa pra mim — pediu Serginho ao irmão. — Qual foi a reação do papai e da ma­mãe quando você chegou?

Eu pensei que ia levar uma surra. Mas, ao invés dis­so, eles fizeram uma festa comigo. Apesar do susto a mamãe até chorou, dizendo que sua promessa tinha sido atendida.

Mas você bem que merecia uma surra mesmo — comentou Renato sério. — Como é que você vai atrás de um circo por causa de uma menina?

Você vai entender isso, Renato, no dia em que gos­tar de alguém — explicou Marcão, assumindo um ar de quem era experiente no assunto. — Nós terminamos o namoro quan­do eu falei que ia voltar pra casa e não ia com ela pra Argenti­na. Mas eu não me arrependo do que fiz, não. Se vocês soubes­sem cada aventura que vivi...

Pedro deu uma gargalhada, no que foi acompanhado pelos outros meninos:

Aventura? Conto pra ele o que aconteceu com a gente?

Ah, acho que ele não vai acreditar, Pedro — falou Tigre provocativamente.

Mas, afinal, do que vocês estão falando? Vocês es­tão muito esquisitos, eu não estou entendendo nada disso — pro­testou Marcão, que não conseguia disfarçar sua curiosidade, que aumentava a cada minuto. — Primeiro falam em Cicatriz, casa­rão, Olegário... Agora ficam fazendo mistério. O que que há?

Tá bom, Marcão. Você merece saber o que acon­teceu. Você acha que viveu uma aventura? Pois escute o que eu vou contar — falou Pedro, procurando criar suspense para sua narrativa.

E pode acreditar que é verdade — auxiliou Tigre, o que só aumentou a impaciência de Marcão.

Vocês querem parar de enrolar e contar de uma vez? — ele pediu ansioso.

Vamos lá, então — disse Pedro lentamente. — Pa­rece mentira, mas todo mundo aqui pode confirmar pra você. Tudo começou quando soubemos que você tinha sumido e fomos até o parque procurar alguma pista. Na volta, a gente estava sentado na rua quando — tchã, tchã, tchã — surgiu o Ci­catriz...

Pedro, não dá pra pular essas partes e contar logo o que houve? — insistiu Marcão inquieto.

Calma, Marcão. É melhor contar tudo em detalhes senão você não vai entender direito — explicou Serginho, rindo da impaciência do irmão.

É sério, rapaz — continuou Pedro —, essa história daria um livro.

 

                                                                                Marçal Aquino  

 

                      

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