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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ABRAÇO SOMBRIO / Brenda Joyce
ABRAÇO SOMBRIO / Brenda Joyce

 

 

                                                                                                                                   

  

 

 

 

Um Guerreiro Highlander que jurou proteger os Inocentes ao longo do tempo…

Aidan, o Lobo de Awe, abandonou sua irmandade e renunciou a seus votos. Temido por todos e não confiando em ninguém, caminha sozinho, procurando vingança contra o mal que destruiu seu filho. Ele não salvou um inocente em sessenta e seis anos, até ouvir o grito de terror de Brianna Rose através dos séculos e saltar até Manhattan nos dias atuais para resgatá-la...

A sedução dela... é a salvação dele.

Brie é uma empática que passa a vida lutando contra o mal na segurança de seu laptop, e fantasiando com o highlander medieval que conheceu em outra época. Em geral, sua vida é bastante normal, até que uma noite é acordada consumida pela dor e pela raiva de Aidan. Quando Aidan aparece de repente e a toma como refém, Brie não pode acreditar no homem tão sombrio e perigoso em que se transformou. Sabia que deveria estar assustada, mas ao invés disso, lutará através do tempo para obter sua redenção e seu amor.

 

 

 

 

 

Lago Awe, Escócia, 1436

— É um highlander sem clã, sem pai, sendo então um filho de Satanás, e mesmo assim luta para conseguir terras? Não são terras o que você necessita — Lismore o espetou. — Necessita de um pai e uma alma. É uma Ovelha Negra.

Aidan de Awe tremia de raiva. O vale atrás dele estava coberto de mortos e agonizantes. Seu rival do clã Campbell pegou as rédeas do cavalo e sorriu ferozmente, consciente de que nesse dia deu o golpe final. Depois, se afastou a galope, para o exército em retirada.

   Aidan respirava com dificuldade. Seus olhos azuis brilhavam. Seu fôlego quente ficou suspenso pelo frio ar invernal como a fumaça das fogueiras do acampamento. Ignorava se Argyll falou premeditadamente ou não. Todo mundo sabia que ele, Aidan, era um bastardo, nascido de uma violação vergonhosa. Mesmo assim, quando seu pai ainda vivia, ele era o favorito do rei e Defensor do Reino. Era consciente de que podia repassar cem vezes as palavras de Argyll sem chegar a saber se seu oponente conhecia a sombria verdade sobre o conde de Moray. Naqueles tempos escuros e sangrentos, só os homens mais tolos podiam viver alheios à guerra entre o bem e o mal que assolava o mundo, e Campbell não era nenhum tolo. Provavelmente conhecesse o que os Mestres e os Deuses tratavam em segredo.

Virou para olhar os últimos combatentes. O kilt[1] empapado colava a seu corpo musculoso. Todos seus homens eram highlanders e quase todos eles lutaram a pé, com grandes e largas espadas, adagas e lanças. Estavam sujos, cansados, ensanguentados... e eram leais a ele. Nessa jornada, muitos deram sua vida por ele. Seu sangue e o dos Campbell tingia de vermelho a neve.

Aidan pegou as rédeas de seu cavalo. Seus homens voltavam do vale caminhando dolorosamente, com as grandes armas atravessadas no ombro, os feridos ajudados por seus companheiros. Mesmo assim, todos sorriam e o saudavam ao passar. Ele lhes falava ou os saudava inclinando a cabeça, um por um, para que todos soubessem quanto agradecia sua força e seu valor.

Levantaram as tendas e acenderam fogo para cozinhar. Aidan acabava de entregar seu cavalo a um iludido rapaz das Terras Altas quando sentiu um estremecimento de alarme. Aquela emoção procedia de muito longe, mas sua vibração o percorreu por inteiro.

Nesse instante compreendeu que o medo que sentia vinha de seu filho, que estava a salvo, em casa.

Ou isso era o que ele pensava.

Concentrou seus sete sentidos em Ian. Seu filho estava no castelo de Awe, onde ele o deixou.

Aidan não vacilou, dispersou no tempo.

Demorou um instante para passar através do tempo e espaço até o castelo de Awe. O salto lhe fez cruzar bosques de pinheiros cujos ramos arranharam sua pele e ao passar por cúpulas rochosas e nevadas, por brancas estrelas e sóis brilhantes, com uma força e uma velocidade tão arrebatadoras que sentiu vontade de gritar. A velocidade ameaçava rasgar seu corpo membro a membro e fazer farrapos de sua pele. Mas passou anos saltando no tempo, desde que foi eleito, e aprendeu a suportar aquela tortura. Agora só pensava no mal que espreitava seu filho, e sua determinação eclipsava a dor.

Aterrissou na torre norte e caiu engatinhando, tão forte que sentiu seus joelhos e pulsos quebrarem. O aposento girava vertiginosamente enquanto tentava se orientar.

Tudo seguia dando voltas quando sentiu se aproximar uma grande presença maligna, um poder tão imenso e tão escuro que temeu levantar a vista.

Mas aquela maldade estava acompanhada da raiva e do medo de Ian.

Levantou a cabeça, cada vez mais horrorizado.

Na porta do aposento havia um homem gigantesco sujeitando o pequeno Ian, que lutava sem cessar.

Seu pai não estava morto. Moray voltou.

Aidan levantou num pulo, com os olhos totalmente abertos pelo horror.

O conde de Moray sorriu. Seus dentes brancos cintilaram.

Encontrei Aidan.

Aidan olhou para seu filho. Ian não se parecia com sua mãe, que morreu ao dar a luz. Era exatamente igual a seu pai: de pele dourada e vívidos olhos azuis, de belas e impecáveis feições e cabelo escuro. Demorou um momento em compreender que Ian não estava ferido... ainda. Depois olhou para o homem que seduziu, violou e torturou sua mãe: o Deamhan que, há mil anos, espreitava os Inocentes de todo o mundo.

Vestido de cortesão, com um comprido manto de veludo púrpura e ouro, era loiro, bonito e de olhos azuis. Não parecia ter mais de quarenta anos.

Decidi que era hora de conhecer meu neto — murmurou Moray em um inglês irrepreensível.

Aidan tremeu. Nove anos atrás, seu pai foi derrotado por Tor, nas ilhas Órcadas. Seu meio irmão, Malcolm, e a esposa dele, Claire, decaptaram Moray depois de uma grande batalha, mas só com ajuda dos Deuses. O mal não podia viver sem um corpo de carne e osso, embora houvesse rumores que a energia demoníaca mais forte era imortal. Aidan nunca acreditou, na realidade, que seu pai tivesse morrido. No fundo, suspeitava que algum dia voltaria. E tinha razão.

— Sim, estou vivo — disse Moray suavemente, olhando-o nos olhos. — Realmente acreditava que podiam me destruir?

Aidan respirou fundo, preparado para uma batalha descomunal. Morreria para salvar seu filho das garras de Moray.

Solte Ian. Farei o que quiser.

Já sabe o que quero, meu filho. Quero você.

Naturalmente. Nada mudou. Moray desejava convertê-lo em seu maior Deamhan, em um soldado quase imortal, em um agente de morte e destruição.

— Farei o que deseja — mentiu Aidan. Enquanto falava, lançou a Moray uma rajada do poder                                                                                                                         que os Deuses concederam a ele.

Mas os dentes de seu pai brilharam em um sorriso de zombaria, e deteve sem esforço a onda de energia. Um instante depois, de suas mãos brotou um raio prateado e Aidan foi jogado e estatelou-se contra a parede do fundo do aposento. O impacto o deixou sem folego, mas continuou de pé.

Uma adaga apareceu na mão de Moray. Deslizou-a pela orelha de Ian.

Aidan gritou ao ver correr o sangue pela roupa branca de seu filho.

Basta! — rugiu. — Farei o que quiser!

Ian baixou a cabeça, soluçando de dor. Moray sorriu e empurrou a parte da orelha pelo chão com a afiada ponta de seu sapato.

Quer ficar com ela?

Aidan tremeu de ira.

Me obedeça e não sofrerá — acrescentou Moray com voz suave.

Me deixe conter a hemorragia — Aidan tinha poderes curativos. Se apressou em recolher a parte da orelha. Podia voltar a colocar no lugar, conseguir que fosse curada.

Moray sujeitou com mais força Ian e o menino gemeu.

Não até que me dê uma prova.

Aidan se deteve.

Primeiro curarei Ian.

Se atreve a me fazer exigências?

Nesse instante, Aidan compreendeu que, a não ser que chegasse algum Mestre que pudesse ajudá-lo, lutariam até a morte.

— Não vem ninguém — disse Moray, rindo. — bloqueei seus pensamentos. Ninguém sabe que está sofrendo.

Aidan acreditou.

Me diga o que tenho que fazer para libertar e curar meu filho.

Não, pai — soluçou Ian com os olhos azuis muito abertos.

Cale-se — disse Aidan com firmeza, olhando-o nos olhos.

Ian assentiu com a cabeça, próximo às lágrimas.

A aldeia que fica nos pés de Awe. Destrua.

Aidan ficou imóvel.

Moray começou a avançar para ele com um sorriso.

Aidan percebeu que seu coração pulsava com violência, lento e firme, cheio de temor. Conhecia todos os vizinhos da aldeia. Comercializavam com o castelo, com ele, todos os dias. Dependiam dele para ganhar o pão e manter a vida. O castelo defendia a aldeia de qualquer ataque, e necessitava de seu trabalho e mercadorias para se manter. Mas, o que era mais importante, Aidan jurou diante dos Deuses proteger os Inocentes.

Não podia destruir toda uma aldeia cheia de homens, mulheres e crianças.

Moray pegou a adaga e a apoiou na garganta de Ian. Começou a brotar sangue e o menino gemeu, pálido.

Aidan saltou no tempo.

Aterrissou no grande salão do castelo momentos antes. O enorme aposento girava velozmente a seu redor, mas viu Ian ali. Seu filho conversava tranquilamente com seu mordomo. De joelhos, Aidan tentou recuperar seu poder e exclamou com voz afogada:

— Ian! Filho! — tinha que impedir aquilo, desfazer de algum modo. As regras eram muito claras: nenhum Mestre podia retroceder no tempo para mudar o passado, mas desta vez ele mudaria!

Nem seu filho nem o mordomo o ouviram.

Aidan levantou, estupefato.

— Ian, vem aqui — disse, mas seu filho tampouco o ouviu desta vez. Ian saiu do vestíbulo e começou a subir as escadas.

Não podiam vê-lo, nem ouvi-lo.

Algo aconteceu com seus poderes.

Se negava a acreditar. Correu atrás de Ian pela estreita e sinuosa escada. Assim que chegou ao patamar de cima viu Moray se materializar no corredor. Assim como Ian, Moray não podia vê-lo. Aidan tentou golpeá-lo com seu poder, mas nada saiu de sua mão, nem de sua mente. Furioso e desesperado, viu que Moray ia pegar Ian e tentou golpeá-lo de novo, com o mesmo resultado.

Ian! —gritou, quase preso no pânico. — Foge!

Mas Ian não o ouviu, e Moray pegou o menino entre seus braços poderosos. Ian começou a lutar e Aidan quase começou a chorar ao ver que Moray começou a andar para a torre norte, arrastando o menino de nove anos.

Correu atrás deles. Lançou-se contra Moray com intenção de agredi-lo, como faria um homem normal, mas um muro invisível apareceu entre eles e Aidan caiu para trás pelo corredor.

Os Deuses estavam interferindo? Não podia acreditar.

Gritou de fúria e viu aparecer a si mesmo na torre, de joelhos. Havia outras regras. Um Mestre não podia encontrar-se consigo mesmo nem no passado nem no futuro. A norma precisava de explicação. Temendo se mover, Aidan viu quando levantou o olhar com espanto.

— Encontrei Aidan. — disse seu pai a seu eu de instantes atrás — Decidi que era hora de conhecer meu neto.

Era por isso que um Mestre não devia encontrar consigo mesmo em outro tempo?, porque perdia seus poderes? Porque Aidan só podia ficar ali, olhando, impotente diante do drama que se desdobrava diante de seus olhos, o mesmo drama que acabava de viver.

— Sim, estou vivo — disse Moray com calma — Realmente acreditava que podiam me destruir?

Solte Ian. — disse seu eu passado. — Farei o que quiser.

Já sabe o que quero, meu filho. Quero você.

Aidan se viu tentando golpear Moray com uma descarga de energia, e viu como o poder de Moray o lançava voando até o outro extremo da torre. Respirava agitadamente, consciente do que aconteceria a seguir. Antes que Moray levantasse a adaga, ele lançou-se contra seu pai de novo.

Chocou-se contra aquele muro invisível e ricocheteou, se retorcendo de raiva e angústia. A adaga cortou o lóbulo da orelha de Ian. Ian sufocou um grito e Aidan ouviu si mesmo rugir de raiva.

E enquanto o outro Aidan tentava negociar com seu demoníaco progenitor para curar seu filho, uma força imensa começou a arrastá-lo inexoravelmente para o trio que formavam. Tentou deter a força, mas não pôde. Seu outro eu o puxava dele velozmente.

Aidan se preparou para o impacto, sem saber o que ocorreria quando seu corpo entrasse em contato com seu eu passado.

A aldeia que fica nos pés de Awe. Destrua.

Mas não houve impacto. Experimentou uma fugaz sensação de vertigem e depois se encontrou olhando Moray, e Moray olhando pra ele. Já não era um espectador daquele terrível drama. Retrocedeu no tempo para evitar aquele momento, para mudá-lo, e agora se achava frente a Moray. Percorreu o círculo completo, até chegar imediatamente ao exato momento em que saltou.

Não podia destruir uma aldeia inteira, cheia de homens, mulheres e crianças.

Moray pegou a adaga e a apoiou contra a garganta de Ian. Brotou sangue e o pequeno soluçou, empalidecendo.

A mente de Aidan trabalhava a toda pressa. Protegeu seus pensamentos para que Moray não os espreitasse, mas não tinha poderes suficientes para mudar o presente.

Sentia-se doente.

Solte meu filho e destruirei a aldeia — disse com voz crispada.

Não, papai! — gritou Ian.

Aidan não o olhou.

Moray sorriu.

Te darei o menino quando tiver demonstrado que é meu filho.

Papai... — murmurou Ian em tom de recriminação.

Aidan olhou pra ele e desejou gritar.

Não demorarei muito.

Morrerei por eles! — gritou Ian, lutando com ímpeto.

Moray fez uma expressão de fúria e desgosto.

O menino não me servirá pra nada — disse com aspereza.

Não vai precisar dele. Terá a mim — respondeu Aidan sincero.

Quando saiu da torre, tinha a impressão de que sua alma já havia deixado seu corpo. Movia-se mecanicamente, mas seu coração pulsava com violência e seu estômago retorcia. Pela primeira vez em sua vida sentia um medo descarnado.

Desceu rapidamente e despertou os cincos homens que dormiam no salão, que começaram a andar com ele.

Fora havia lua cheia, o céu estava mortalmente negro e as estrelas brilhavam com descaramento. Despertou outros vinte homens. Enquanto selavam as montarias, foram acendendo tochas. Um dos homens se aproximou dele com expressão áspera e severa.

O que está acontecendo, Aidan?

Olhou Angus, negando-se a responder. Levaram seu cavalo, montou num salto e deu ordem a seus homens para segui-lo.

As tropas cruzaram a barbacã e passaram pela ponte gelada, estendida sobre as águas resplandecentes. Quando chegaram à aldeia, à beira do lago, Aidan parou. Olhou Angus e disse:

Queimem. Não deixem ninguém com vida. Nem um só cão.

Não precisou olhar Angus para perceber sua perplexidade. Ficou olhando a aldeia sem se incomodar em repetir suas ordens.

Um momento depois, seus homens começaram a galopar entre as casas, ateando fogo aos telhados de palha. Homens, mulheres e crianças saíram fugindo das casas em chamas, gritando de medo. Seus homens os perseguiram, um por um, e os mataram a golpe de espada. A noite se encheu de gritos de terror. Aidan acalmava seu inquieto cavalo, sem se permitir se mover. Sabia que tinha o rosto molhado, mas se negava a enxugar as lágrimas. Ficou diante da imagem de Ian em sua mente até que a noite ficou em silêncio, salvo pelo barulho das chamas e os soluços de uma única mulher.

Seu pranto cessou de repente.

Os homens de Aidan passaram em fila a seu lado, sem olhar pra ele.

Quando ficou sozinho, desceu da montaria e começou a vomitar sobre a neve, sem poder se controlar.

Ao acabar, levantou. Respirava com dificuldade. Os gritos ressoavam em sua cabeça, recordou-se que ao menos tinha salvado Ian. E compreendeu que jamais esqueceria o que acabava de presenciar, o que fez.

Ouviu algo atrás dele.

Levantou lentamente e virou.

Havia uma mulher entre as árvores. Chorava em silêncio e agarrava com força a mão de um menino pequeno, aterrorizado. Olhava Aidan fixamente. Seu coração apertou. Desembainhou a espada e pôs-se a andar para eles.

A mulher não fugiu. Abraçou seu filho e se encolheu contra o enorme abeto, com os olhos muito abertos.

Porque, meu senhor? Por que?

Aidan sentia pegajoso o punho da espada. Pensava em levantá-la. Disse com voz rouca:

Fujam. Fujam.

A mulher e o menino entraram correndo no bosque.

Aidan lançou a espada ao chão e, apoiando os braços na árvore, escondeu a cara neles. Ian... Tinha que salvar Ian de Moray.

Sentiu então uma presença aterradora atrás dele. Virou-se, esticando-se. Moray estava ali. Ainda segurava Ian. Aidan viu brilhar a folha da adaga.

Me dê meu filho!

Ian deixou escapar um som estrangulado.

Horrorizado, Aidan viu a adaga aparecer no peito de Ian.

Não!

Moray sorriu, e os olhos de Ian ficaram em branco, inertes. Aidan gritou e se lançou para ele antes que caísse. Mas quando chegou até eles, desapareceram.

Ficou imóvel um instante, cheio de estupor. Moray matou Ian.

A angústia começou a se apoderar dele, e com ela, uma raiva que ultrapassava tudo que tinha sentido até então. Uivou, levando as mãos à cabeça, e, furioso, saltou de novo no tempo. Não permitiria que Ian morresse.

Retornou para aquele momento, no Awe, em que viu Ian no grande salão, com seu mordomo, mas de novo não tinha poderes e ninguém o via nem ouvia. Tentou atacar Moray, mas um muro invisível se elevava entre eles e o passado se repetiu minuciosamente. Viu, cheio de repulsa, como seu eu passado contemplava, erguido sobre seu cavalo, a destruição de toda uma aldeia cheia de pessoas inocentes.

E dessa vez, quando viu a si mesmo descobrir à mulher e o filho, aproximou-se correndo.

Faça isso! — gritou a seu eu. — Tem que fazer!

Mas o homem que foi naquele momento não levantou a espada.

Fujam. Fujam!

A mulher e o menino entraram correndo no bosque. Aidan viu si mesmo virar para enfrentar Moray, que apertava Ian contra seu peito.

E então aquela força imensa, sobrenatural, começou a puxá-lo para o trio. Gritou, tentando avisar Ian, a si mesmo, mas ninguém ouviu. Viu o brilho da adaga de prata.

A angústia era agora ainda maior, mas a ira também.

Caiu de joelhos, uivando, enlouquecido, e voltou a saltar no tempo. Uma e outra vez. E cada vez acontecia o mesmo. Uma aldeia inteira destruída por ordem dele, uma mulher e seu filho fugindo, e Moray assassinando Ian diante de seus olhos e desvanecendo com seu filho morto.

Por fim se deu por vencido.

Rugiu e gritou, cego pela dor. Renegou o mal; renegou os Deuses. Estava aos pés das muralhas de Awe, embora não recordasse de ter revoltado da aldeia. Depois, finalmente, o telhado da torre que ficava em cima caiu. A ala inteira do castelo começou a desabar. Chorava dilaceradoramente enquanto os muros de pedra choviam sobre ele. E quando ficou enterrado sob os muros de seu próprio castelo, ficou quieto e em silêncio.

E esperou a morte.

 

Dias atuais

Nova Iorque, setembro de 2011

Ela despertou com um rugido humano de dor.

Brianna Rose sentou bruscamente, horrorizada com aquele som. Estava cheio de raiva, de angústia e incredulidade. Depois, atravessou-a a dor.

Se dobrou na cama, agarrando a si mesma como se uma faca de açougueiro atravessasse seu peito. Por um instante não pôde respirar. Nunca, em seus vinte e seis anos de vida, sentiu uma angústia semelhante. Ofegando, rezou para que a dor parasse. E Depois, de repente, parou.

Mas no momento em que aquela tortura se desvanecia, de repente, a imagem de um homem muito belo apareceu como uma chama em sua cabeça.

Começou a sentir então uma tensão nova e terrível, sentou-se com cuidado, assombrada e trêmula. Seu loft estava em silêncio, exceto pelo barulho dos carros e dos táxis que passavam pela rua, e o som alto das buzinas. Tremendo, olhou o relógio da mesinha de cebeceira. Era uma e dez da madrugada. O que acabava de acontecer?

Todas as mulheres da família Rose eram dotadas com empatia até certo ponto, supunha-se que a empatia era um dom, mas com excessiva frequência, como nesse momento, tratava-se mais de uma maldição. A dor de outro ser humano a atingia em cheio. Aconteceu algo terrível e Brianna não podia afastar a imagem daquele homem moreno e bonito que acabava de ver.

Tremendo ainda, afastou as cobertas. Algo aconteceu com Aidan?

Ficou muito quieta, com a boca seca e o coração acelerado. Conheceu Aidan há exatamente um ano. Allie, sua melhor amiga, desapareceu por duas semanas e revoltado brevemente a Nova Iorque, da Idade Média, com ajuda de Aidan.

Aidan era o homem mais belo que Brie já viu. Allie falou sobre o segredo da Irmandade e dos homens que pertenciam a ela, homens que se chamavam Mestres do Tempo. Todos eles juravam diante de Deus defender à humanidade do mal que espreitava de noite. Brie não se surpreendeu: que ela recordasse, sempre houve o rumor de que existiam tais guerreiros. De fato, assim como Allie e suas primas, Tabby e Sam, se entusiasmou ao saber que os rumores eram verdadeiros.

Brianna não tinha ilusão quanto a si mesma. Aidan era absolutamente inesquecível, mas sabia que um homem assim jamais repararia nela. Nem sequer se lembraria dela. E não o culpava. Nem sequer se importava.

Sempre usava roupas folgadas para dissimular suas curvas e jamais usava lentes de contato. Seus óculos eram muito feios. Sabia que se cortasse os cabelos escuros e se penteasse com mais cuidado, se vestisse na moda e se maquiasse, certamente seria idêntica a sua mãe, Anna Rose.

Mas Brie não sentia nenhum desejo de se parecer com sua bela, apaixonada e rebelde progenitora. Anna era uma das poucas mulheres da família Rose que não tinha nenhum dom. Era destrutiva, não construtiva; seu contato e sua beleza danificavam, em lugar de ajudar os outros. No fim, machucou a quem mais amava e destruiu não só a própria família, mas também a si mesma. Brie não queria se lembrar de como encontrou sua mãe morta no chão da cozinha, assassinada a tiros por um noivo ciumento, nem de como viu seu pai chorar sobre o cadáver. Ser um rato de biblioteca, pequena e solitária, era muito melhor do que seguir os passos de Anna.

Brie tinha, entretanto, outros dotes que a faziam muito menos torpe e desajeitada do que parecia. Possuía o dom da Visão. Era o maior dom que podia ter uma Rose, e passava de avós a netas. A princípio, suas visões a encheram de temor, mas sua avó Sarah explicou que a Visão era um presente precioso, um dom que teria que cuidar como um tesouro. Era uma imensa riqueza, algo destinado a ajudar os outros, e a isso precisamente se dedicavam as Roses há centenas de anos. A avó Sarah ensinou quase tudo o que sabia sobre a vida, sobre o bem e o mal.

A essa altura, Brie estava quase acostumada aos ardis do destino. A vida não era fácil, nem justa, e todos os dias morriam boas pessoas em plena juventude. Não culpava Anna por suas paixões incontroláveis. Sabia que sua mãe não podia se conter. Estava ressentida com suas irmãs por seus dons e vidas, e não se conformou com um matrimônio comum. Foi uma mulher infeliz. Egoísta, mas não cruel, nem malvada, certamente. Não merecia uma morte prematura.

Tudo aquilo, entretanto, eram águas passadas. Seu pai voltou a se casar, e isso era o melhor que podia ter acontecido. Anna estava morta e enterrada, mas não descansou no esquecimento. Brie estava decidida a ser tão firme, leal e confiável quanto sua mãe não conseguiu ser. Consagrou a vida a ajudar os outros desinteressadamente, provavelmente para compensar toda a dor causada por Anna. Adorava seu trabalho no CAD, o Centro de Atividade Demoníaca, uma organização estatal secreta dedicada à luta contra o mal. Ali, sentada diante de um computador, no porão, lutava contra as forças escuras que operavam através dos séculos.

Suas primas a asseguravam que fazia todo o possível para se esconder dos homens. E tinham razão. A última coisa que queria era que um homem a notasse. Certamente morreria virgem, e não se importava.

Aidan não a notou, tinha certeza, mas ela se apaixonou a primeira vista. Estava irremediavelmente apaixonada. Pensava nele todos os dias, sonhava com ele pelas noites e até passou várias horas navegando pela Internet, lendo a respeito das Terras Altas na Idade Média. As Rose procediam do norte daquela região, assim sempre foi fascinada pela história da Escócia, mas confiava, além disso, em averiguar algo mais sobre ele. Quando trouxe Allie até Nova Iorque desde o ano 1430, Aidan parecia ter vinte e cinco anos. Allie retornou para seu amante, Royce o Negro, no castelo de Carrick, no Morvern. Brie lamentava não ter perguntado a sua amiga por Aidan, mas sua visita foi muito breve. Assim continuava voltando para a história de Carrick, procurando alguma menção a um homem chamado Aidan, mas era como procurar uma agulha num palheiro. Havia, pelo contrário, numerosas referências ao poderoso conde de Morvern e a sua bela dama, a senhora de Carrick. Brie estava entusiasmada. Sabia que, através do tempo, Allie e Royce estavam cumprindo seu destino juntos.

Certamente nunca averiguaria nada sobre Aidan, mas isso não impedia que continuasse gostando muito dele. As fantasias eram inofensivas. Nem sequer tentou esquecer. Se iria se apaixonar perdidamente, por que não amar um homem absolutamente inalcançável? Aidan, um highlander medieval com poderes para viajar no tempo e com o compromisso de proteger os Inocentes, era uma aposta segura.

Brie começava a se sentir angustiada. Uma coisa era ter visões e empatia, mas acabava de ouvir Aidan gritar de dor, como se estivesse no mesmo lugar que ela, até que ponto estava perto?

O que aconteceu com ele?

Temendo que estivesse na cidade e ferido, Brie levantou. Vestia uma simples camiseta rosa de alças e short. Estavam em pleno verão e até de noite estava abafado. Cruzou o amplo loft na penumbra, acendendo as luzes ao passar. Sentia como se Aidan estivesse ali, inconsciente entre as sombras, mas o loft estava vazio.

Ao chegar à porta de entrada, que tinha fechadura tripla e diversos alarmes, olhou pelo olho mágico. O corredor também estava iluminado e deserto.

Seu apartamento era protegido pelos encantamentos e as preces de Tabby, e ela usava uma cruz celta que não tirava nunca. Havia também, emoldurada e cravada à porta para manter afastado o mal, uma página do Livro que as mulheres da família Rose se transmitiram de geração em geração. Mas, de todos os modos, Brie rezou em silêncio uma oração aos Deuses de antigamente.

Sentia o mal muito perto, sulcando as ruas e espreitando todos aqueles tolos o bastante para desafiar o toque de silêncio voluntário de Bloomberg. Não queria pensar nos problemas da cidade. Tinha que encontrar Aidan e se assegurar de que estava bem. Talvez Tabby e Sam pudessem dar sentido a tudo aquilo. A única pessoa, além delas, que podia ter alguma pista era seu chefe, Nick Forrester, mas Brie hesitava em ligar para ele. Procurava manter um perfil muito baixo no CAD. Nick não sabia nada sobre seus dotes, nem sobre suas primas e suas atividades extracurriculares.

Pegou o telefone, se aproximou do computador e entrou na imensa base de dados da UCH. A Unidade do Crimes Históricos era uma seção do CAD. Brie passava o dia (e às vezes também a noite) revisando arquivos policiais que remontavam a duzentos anos atrás, em busca de coincidências históricas. Seu trabalho consistia em encontrar pautas concorrentes entre seus objetivos atuais e os demônios que operavam no passado. Era assombroso quantos demônios que aterrorizavam o país na atualidade provinham de séculos passados.

Considerando que, para procurar coincidências, devia revisar também casos ainda abertos, Brie tinha acesso a investigações criminais em curso, incluindo os arquivos da polícia de Nova Iorque e as autoridades estatais e federais. Enquanto marcava o número de sua prima, começou a procurar as informações mais recentes de atividade criminal. Imaginava Aidan ferido em alguma rua escura e suja da cidade, mas sabia que era apenas imaginação dela, provocada pelo temor.

Tabby respondeu, com voz de quem estava profundamente adormecida. Se divorciou há um ano. Havia demorado muito tempo para se recuperar da infidelidade do marido, e fazia pouco tempo que voltou a sair com um homem. Mas era muito conservadora e Brie estava certa de que estaria sozinha e dormindo.

Preciso de sua ajuda — disse rapidamente.

O que aconteceu, Brie? — Tabby acordou imediatamente.

Aidan está com problemas. E acredito que está perto.

Tabby ficou calada e Brie notou que tentava lembrar quem era Aidan.

Se refere ao highlander que Allie trouxe ano passado?

Sim — Brie murmurou.

Não pode esperar até a manhã? — perguntou Tabby.

Era perigoso andar pelas ruas da cidade quando escurecia.

— Acredito que não — disse Brie, muito séria. — Não era uma visão, Tabby. Senti sua dor. Tem problemas. Agora mesmo.

Tabby ficou calada e Brie ouviu Sam ao fundo, perguntando o que estava acontecendo. As irmãs compartilhavam um loft a umas quadras dali.

Iremos em seguida — disse Tabby.

Brie desligou, vestiu jeans e se sentou para repassar os casos que encontrou. Estava imersa nos arquivos quando, vinte minutos depois, soou a campainha. Não descobriu nada e disse a si mesma que devia se alegrar. Não queria encontrar uma vítima de assassinato cuja descrição coincidisse com a de Aidan. De todos os modos, que ela soubesse, Aidan era imortal. Pelo menos, era o que esperava.

Provavelmente o pior passou, pensou enquanto abria a porta às garotas. Provavelmente Aidan voltou ao passado ao qual pertencia.

Tabby entrou primeiro, uma loira esbelta com calças e uma camiseta de seda, que sempre parecia estar a caminho do clube de campo ou voltando dele. Ninguém teria adivinhado ao vê-la que Tabby era uma mãe terra. Sam a seguiu, assombrosamente bonita inclusive com o cabelo loiro platinado muito curto, e um corpo como o da Lara Croft, de Tomb Raider[2]. Brie a admirava imensamente por ser tão ousada e tão aberta a respeito de sua sexualidade. Sabia que sua prima usava uma mochila cheia de armas e uma adaga escondida com uma faixa presa à coxa, debaixo da minissaia.

Tabby deu uma olhada a Brie e correu para abraçá-la.

Como você está preocupada!

Sam fechou a porta com chave.

Encontrou alguma coisa? — perguntou, apontando o computador com a cabeça.

— É provável que tenha voltado para sua época — respondeu Brie. Umedeceu os lábios, consciente de que sua desilusão era absurda.

— Vejo como esta entusiasmada — comentou Sam com ironia enquanto se aproximava do computador. — Não acredito que seja fácil ferir um homem como esse.

Acredito que estava sendo torturado. Nunca senti tanta dor — disse Brie.

Sam não levantou a vista da tela; estava revisando arquivos que não tinha direito de olhar. Tabby rodeou Brie com o braço.

Está muito pálida. Você está bem?

Sobreviverei — respondeu Brie com um sorriso forçado.

— Tem certeza de que era Aidan? — perguntou Tabby desnecessariamente quando Sam se sentou à mesa. Olhou o pôster do filme Os imortais, que Brie emoldurou e pendurou na parede da sala de estar, e seus olhos ambarinos entreabriram.

— Cem por cem, o vi com toda clareza. Não era uma visão, mas tampouco era uma fantasia. Não posso sentir empatia através do tempo, nem ouvir alguém gritar de muito longe. Estava aqui, muito perto. E sofria. Sofria muito — Brie tremeu, de novo se sentia doente.

Se estiver na cidade e ferido, o encontraremos — disse Sam com firmeza.

Brie se sentiu reconfortada. Sam sempre conseguia o que queria.

Quando pendurou esse pôster? — perguntou Tabby.

Brie piscou.

Não me lembro — mentiu, corando.

Tabby ficou olhando pra ela. Depois avançou para a sala de estar.

— Bom, parece que vamos ficar acordadas a noite toda — disse alegremente. — São quase três da manhã e não acredito que esta noite vamos voltar para a cama — começou a estender os cristais de sua mãe sobre a mesa baixa.

E aquele rugido de angústia começou de novo, ensurdecendo Brie. Ela sufocou um grito, assombrada pelo uivo de raiva. Levou automaticamente as mãos aos escutados. A dor de Aidan a fez cair no chão, onde se encolheu, esmagada pelo sofrimento, consumida por ele, apanhada nele. Desta vez, a sensação era insuportável.

«Meu Deus, o que está acontecendo com Aidan? Está sendo torturado?».

Brie! — gritou Tabby.

Notou vagamente que Tabby a abraçava, mas não se importou. Sabia que alguém estava arrancando o coração de Aidan. E o dela. Chorou nos braços de Tabby, e tudo começou a dar voltas vertiginosamente.

«Aidan», pensou. Aidan estava morrendo torturado, e ela também.

 

Nick Forrester estava sentado diante do computador, em sua sala de estar às escuras, vestido apenas com uma calça jeans. Esqueceu por completo da loira de belas pernas que dormia em sua cama. De fato, nem sequer lembrava seu nome. Encontrou com ela em frente a uma loja de coreanos, e era possível que nunca soubesse como se chamava. Era tarde, mas Nick não precisava de muitas horas de sono, sobretudo depois de um longo encontro sexual, que sempre o enchia de energia. O sexo o revitalizava.

Estava trabalhando outra vez. As queimas de «bruxas» estavam em alta na cidade. Seus últimos relatórios de inteligência indicavam que Bloomberg estava pensando seriamente em recorrer a Guarda Nacional, e em sua opinião já estava mais do que na hora. Os crimes de prazer seguiam dominando a taxa de delinquência, mas esses atos demoníacos, cometidos aleatoriamente, eram quase inevitáveis. Como a imolação de homens-bomba. A queima de «bruxas» era outra história. Nick sabia visceralmente que o chefe da gangue que levava a cabo aqueles crimes medievais era um grande demônio procedente do passado. E suas intuições sempre estavam certas.

Agora estava imerso na história medieval, procurando qualquer referência a tais queimas em tempos antigos. A UCH tinha programas especializados na busca de dados coincidentes, mas Nick não confiava neles, nem confiaria nunca. O programa não era tão sofisticado: só cotejava palavras e frases. A queima isolada de um herege, de um traidor ou uma bruxa não lhe interessava, como não lhe interessava a queima da casa de um camponês ou do castelo de um nobre do século XIII. Procurava uma série de crimes violentos cometidos provavelmente por um grupo de adolescentes e dirigidos por uma só pessoa extremamente inteligente.

Seu celular vibrou.

Nick atendeu no primeiro toque. Uma mulher que não conhecia disse:

— Brie Rose necessita de nossa atenção médica imediata.

— Quem diabos é você? — perguntou, alerta mas zangado por seu tom imperioso. Também desconfiava: aquela mulher podia ser uma louca ou algo pior.

— A prima dela, Sam Rose. Se não quiser que vá ao hospital, é melhor que mande sua gente. Venha depressa. Pode ser que esteja morrendo — a chamada terminou.

Nick ligou automaticamente o número de sua equipe médica enquanto abria a ficha de Brie Rose. Trinta segundos depois mandou sua equipe médica ao loft de Brie e estava colocando a camisa. Depois recolheu sua Beretta[3], as chaves do carro e os sapatos. Sem fazer caso da loira adormecida, saiu do apartamento e meteu os pés no elevador. Um minuto depois emergia a toda velocidade da garagem subterrânea do edifício em seu carro esportivo negro. Oito minutos mais tarde desceu do veículo. Diante do edifício de Brie já havia uma ambulância com o nome do Centro Médico Presbiteriano. A ambulância pertencia ao CAD, mas não usava nenhum tipo de identificação.

Enquanto subia com os paramédicos, começou a sentir as resistências de Brie. Sentiu que ela lutava por sua vida, e sentia seu medo de morrer. Alarmado, percorreu o perímetro com o olhar, mas não sentiu nenhuma presença maligna. Não conseguia distinguir o que a colocou à beira da morte.

Uma loira muito bonita, que parecia uma estrela de rock, saiu e o recebeu na porta. Nick sentiu seu poder e em seguida compreendeu que era uma guerreira vigilante. Ao olhar mais à frente viu Brie inconsciente no chão, nos braços de outra mulher muito bela. Aquela também tinha poder, mas não era o poder de um Assassino. Nick não teve tempo de tentar identificá-lo.

Sabia que comentavam que era frio e indiferente, mas isto não era verdade. Escolheu pessoalmente todos os empregados da UCH e os considerava responsabilidade dele, sobretudo à tímida Brie. Tinha inclusive certo afeto por ela... e não porque fosse brilhante. Sentia pena dela. Era uma ermitã sem vida além do trabalho. Nick percebeu seus poderes antes de contratá-la. Demorou um momento para compreender de que tipo era, mas podia ler o pensamento quando queria e não tinha escrúpulos a respeito, se fazia quando era pelo trabalho. Não esperava que Brie se justificasse com ele. Sabia que ela se servia frequentemente de suas estranhas percepções nos casos que enviava pra ela, e isso bastava pra ele.

Enquanto os médicos foram examinar os sinais vitais, Nick disse muito sério:

O que aconteceu?

A mulher que abraçava Brie o olhou. Nick sentiu que sua curiosidade crescia. Aquela mulher era a elegância e a beleza personificadas. Ela respondeu asperamente:

— Brie é empática e alguém que conhecemos estava sendo torturado. Ela sentiu tudo o que faziam com ele. Está sofrendo.

— Não me diga — Nick desconfiava. Aquelas mulheres eram estranhas. O que sabiam? E os vigilantes sempre interferiam com suas investigações. Olhou seu relógio. Eram as 3:24 da madrugada. — Quando começou?

Faz oito minutos — respondeu a loira espetacular. Nick soube por sua voz que era Sam Rose.

Frank... — disse Nick.

— Tem o pulso fraco e a pressão muito baixa — respondeu o médico enquanto administrava oxigênio a Brie.

Brie piscou. Nick se ajoelhou a seu lado, sorrindo.

Olá, pequena. Nós cuidaremos de você, me fale de seu amigo.

Ela gemeu fracamente.

— Acredito que o estão matando pouco a pouco, Nick — começou a chorar. — Por favor, ajude-o. É um dos nossos.

Nick ficou olhando pra ela enquanto se introduzia em seus pensamentos. Seus olhos arregalaram. Brie conhecia um guerreiro das Terras Altas? Era seu amigo? Seus agentes estavam há muito tempo tentando recrutar um Mestre.

Teve um episódio antes — disse Sam com voz cortante. — Por isso nos chamou.

Nick ficou pensando.

O que sabem do highlander?

Sam era boa, isso tinha que reconhecer. Seus olhos não aumentaram nem sequer um pouco.

— Estou preocupada — disse. — Se essa pessoa está sendo torturada, pode ser que Brie volte a passar por isso quando seguirem torturando-o.

Não suportará isto — soluçou a outra loira. — Nunca a vi assim.

— Levem ela pra Cinco — disse Nick. Por ser uma agência secreta, o CAD dispunha de suas próprias instalações médicas, conhecidas simplesmente como «Cinco». Mas enquanto Brie era colocada em uma maca, Nick levou Frank à parte para uma conversa — Poderia matá-la uma reação de empatia extrema?

— Não sei.

— Não será preferível mantê-la sedada até que possamos eliminar a fonte da reação empática? — ao ver que Frank assentia com a cabeça, Nick disse: — Faça.

A loira que abraçava Brie disse:

— Vou com ela.

Nick a segurou pelo ombro e a olhou com toda frieza que foi capaz. Não custou fazer: começava a se zangar. O que sabiam aquelas mulheres?

— Senhora, não pode ficar com ela. Sua amiga e você têm que me acompanhar a meu escritório.

Ela o olhou quase chorando.

— Deixe que fiquemos com ela e contamos o que sabemos, te imploro.

— Pensarei nisso —Nick olhou pra Sam, a guerreira e, como não gostou de sua expressão, leu seu pensamento. — Virão comigo, mas porei todos meus agentes para trabalhar. Se seu amigo estiver na cidade, o encontraremos.

Sam o olhou fixamente. Saltava à vista que sua decisão a incomodava. Nick sabia que desejava sair a caça.

—Sim, bom, espero que o encontrem vivo — disse, zombando.

 

Brie se esforçava para atravessar nadando a densa escuridão. Ouvia vozes, mas pareciam muito longínquas. Mesmo assim, queria alcançá-las. A escuridão mudou em parte, levantou. Sua mente vacilou. Precisava pensar. Estava acontecendo alguma coisa; tinha que fazer algo. Não sabia onde estava, mas notava perto a presença de Sam e Tabby, e isso a reconfortava.

— Brie? Sou eu, Tabby. Consegue me ouvir?

Tabby parecia estar mais perto. Por que se sentia tão pesada, tão inchada? Lutou para chegar até sua prima. A luz começou a brilhar além de suas pálpebras fechadas e de algum modo conseguiu abrir os olhos. Em seguida piscou para se defender do resplendor branco e estéril de um escritório ou um quarto de hospital.

Tabby segurava sua mão.

— Bem-vinda.

Brie olhou seus olhos cor de âmbar, cheios de preocupação. Sem os óculos não via além de sua mão, mas não precisava ver claramente Tabby para saber que era ela. Ainda estava tonta, mas sabia que havia algo que devia lembrar urgentemente. De repente agarrou com força a mão de Tabby.

— Aidan! —lembrou de tudo. — O encontraram?

— Enquanto falava, viu difusamente Sam de pé junto a Tabby. Santo céu, seu chefe estava atrás delas. Via-o completamente desfocado, mas não importava: mesmo assim, sentia seu olhar duro e firme.

— Não, não o encontramos —Tabby colocou os óculos nela. — Melhor assim?

O medo por Aidan começou a se apoderar dela. Sabia sem dúvida nenhuma que estava sendo torturado por um grande poder maligno. Ainda podia estar vivo e sofrendo... ou podia ter morrido.

— Como se sente? — perguntou Nick.

Brie tinha medo de olhar pra ele agora que podia ver. Era um homem de uns trinta anos, de aspecto muito viril: musculoso, alto e extremamente atraente; as mulheres sempre tentavam fisga-lo. Nick era do tipo duro e frio, mas muito profissional em tudo que se referia a UCH.

— Estou sedada? — ela por fim olhou pra ele, em efeito, Nick estava com um olhar sério, do tipo “não faço prisioneiros”.

— Na verdade, sim, mas estamos reduzindo a dose para que possamos conversar — Nick sorriu como se a animasse a ser sincera, mas o sorriso não se estendeu a seus olhos azuis.

— Passaram vinte e quatro horas, Brie — disse Tabby suavemente, apertando sua mão. Seu olhar estava carregado de preocupação.

Brie a olhava quase como se pudesse ler o pensamento dela. De repente lembrava de ter lutado com a dor naquele mesmo quarto.

— Ainda estão torturando ele — gemeu.

— Todas as vezes que te reanimamos, começou a sofrer reações de empatia extrema com seu amigo depois de uma hora, aproximadamente — disse Nick sem inflexão.

Brie piscou. Seu chefe realçou a palavra «amigo». O que ela havia dito? Brie sentia que estava zangado, apesar de seu atordoamento.

— Provavelmente você poderá dizer a Nick algo que ajude sua equipe a encontrar Aidan —murmurou Tabby.

— É difícil pensar — sussurrou ela. Teria Tabby falado a Nick sobre os Mestres do Tempo? Estava certa de que Nick não se surpreenderia que os rumores que corriam pela agência sobre aquela raça de guerreiros fossem verdade. Às vezes, Nick parecia saber tudo.

— Reduza um pouco mais a dose — disse Nick ao médico.

Enquanto reduziam a dose de sedativos, Brie se deu conta de que estava exausta. Sentia náuseas e começava a ter consciência de quão dolorida estava. Doíam todos os músculos, como se a tivessem torturado. Sua mente voltou a vida ao reduzirem a sedação. O que fizeram com Aidan? Estava vivo?

— Como posso ajudar? — perguntou Nick, tremendo.

Ele se despediu do médico e virou para Tabby e Sam.

— Adeus, senhoras.

Tabby ficou assustada.

— Não posso deixá-la.

Nick assinalou a porta.

— Claro que pode e vai fazer. Será só por um momento.

Brie não queria ficar a sós com ele e sabia que Tabby sabia disso. Sam olhou Nick com frieza.

— Sem pressões — disse.

Quando partiram, Nick disse:

— Necessito que seja sincera comigo, pequena. Se quer ajudar seu amigo, tem que me dizer exatamente o que estamos procurando.

Brie desejou poder pensar com mais clareza.

— Seu nome é Aidan... e é de outro século — se deteve. — É do passado, Nick.

Seu chefe se inclinou para ela, inexpressivo.

— Quando conheceu esse highlander, Brie?

Estava realmente zangado.

— Faz um ano — sussurrou Brie, acreditando estar fazendo bem ao contar pra Nick. Os olhos de ambos se encontraram. — Não parece surpreso.

Nick cruzou os braços musculosos sobre o peito.

— Me fale dele.

Brie tentou pensar com clareza. A Irmandade era secreta, Allie insistiu muito nisso, mas também era o CAD e todas as unidades que o formavam.

— Quando o conheci, vinha de 1430, do castelo de Carrick — disse.— Tem poderes, Nick. Poderes especiais, igual aos demônios.

Nick esquadrinhou seus olhos e Brie teve a inquietante sensação de que ele estava lendo seus pensamentos.

— O que te parece o nome de Aidan de Awe?

Brie sentiu que a neblina se dissipava totalmente. Agora via Nick com toda clareza. Viu seus olhos azuis como o aço e compreendeu que sabia tudo sobre os Mestres.

— Sim — disse ele —, e faz muito tempo que quero pegar um Mestre.

Ainda não tinha acabado de falar quando Brie ouviu Aidan novamente.

Seu grito de dor estava cheio de raiva e desespero. Destaa vez, era um grito de tristeza.

Brie ficou imóvel.

«Perdeu tudo». Antes que pudesse assimilar aquilo, um enorme peso caiu sobre ela, esmagando-a. Gritou, assustada, enquanto seguiam caindo pedras que foram enterrando-a rapidamente na escuridão.

Queria gritar de pânico. Queria se defender das pedras, tentar empurrar. Mas ficou muito quieta, absolutamente calma, consciente de que estava enterrada.

— O que está acontecendo, Brie? — ouviu Tabby gritando de muito longe.

Seus olhos alargaram. Estava olhando uma pedra negra. Era como se estivesse enterrada viva. Tentou mover os braços, as pernas, mas as pedras a rodeavam por todos lados e a imobilizavam.

Aidan foi enterrado vivo.

E estava completamente calmo, absolutamente resignado. Era um homem sem esperança.

Brie estendeu os braços pra ele.

Sentiu que ele se sobressaltava.

Tentou se concentrar por completo nele. Estava fisicamente preso, imóvel. Mas, como ela, não tinha dificuldade pra respirar. Olhava fixamente a escuridão. Brie o sentia agora mais claramente. As pedras faziam mal pra ele, seu peso o esmagava, mas não se importava. Não eram as pedras o que o estavam matando. Era a tristeza.

E Brie sentiu sua aceitação da morte.

Aidan desejava morrer.

— Brie, anjo, tudo bem. Está aqui, conosco, em Cinco.

«Aidan», tentou lhe dizer Brie. «Não pode morrer!».

Se conseguiu algum contato com ele, Aidan partiu. Partiu para tão longe que já não o sentia absolutamente.

— Pode me ouvir? — perguntou Nick, sua voz soava muito longe.

Ouvia Nick, mas não podia responder. Aidan tinha poderes. Podia se libertar das rochas e das pedras, se quisesse. Se ela pôde se contatar com ele um instante antes, sem dúvida poderia voltar a fazer. Estava quase certa de que a sentiu, ou ouviu. Se esforçou para que ele escutasse, para chamá-lo. «Aidan, se libere das rochas». Esperou que respondesse. Pareceu passar muito tempo e ele não se moveu, não respondeu.

Brie não podia suportar. «Não morra!».

Nick voltava a falar com ela.

— Brie, sou Nick. Te ministramos Ativan. É um ansiolítico e agora mesmo deveria estar se sentindo bem. Está no CAD, em Cinco, e estamos cuidando de você. Está tendo outra vez uma reação de empatia, olhe para mim.

Brie sentiu que seu corpo amolecia. Olhou Nick. Seu belo rosto e atrativo corpo se formaram diante ela, se definindo pouco a pouco. Recordou vagamente que alguém tinha colocado seus óculos e sorriu.

— Bem. Precisamos de você para encontrar o highlander, Brie. Onde está?

Brie via Aidan claramente agora, enterrado sob as rochas: um castelo vermelho que se elevava sobre um lago.

— Há um castelo junto a um lago. Está na Escócia... no passado — lhe surpreendeu tanto sua resposta que hesitou, mas sabia que o que percebeu estava certo.

— Tem certeza? — perguntou Nick. — Está certa de que não está na cidade?

— Sim — nunca esteve tão certa de nada. Antes estava equivocada. Aidan não estava perto, mas isso teria que tentar esclarecer mais tarde, disse a si mesma. — Não podemos deixar que morra.

Nick se afastou e disse:

— Deveria ter me informado de seu encontro do ano passado. Agora que sei o que escondia, qualquer encontro ou se vê-lo novamente terá que me notificar. O contrário vai contra as normas.

— Desconheço tal norma — replicou Sam com descaramento.

— Vai contra a norma de Nick — ele se apressou em dizer—, e convém não quebrar meu regulamento.

Brie levitava; de repente se sentia maravilhada, como se tivesse tomado três ou quatro taças de champanhe. Sam se sentou e sorriu pra ela.

— Seu chefe é um autêntico cretino.

— Sim, é — disse Brie, consciente de que Nick partira. Não, saiu sigilosamente, como um tigre à espreita.

Sam se inclinou para ela e sussurrou:

— Estou pedindo favores a todo mundo. Se estiver aqui, alguém o terá visto. Você deve descansar.

— Não está aqui. Está muito longe — seu bem-estar sumiu como fumaça. — Não quero que morra. Estou apaixonada por ele, Sam.

Os olhos azuis de Sam se abriram.

— Brie, sei que está sedada, mas, se for coisa do destino, você sabe que não podemos mudar isso.

— Não pode ter chegado sua hora — Brie murmurou.

Não soube o que aconteceu depois, mas Sam partiu e ficaram só Tabby e ela, Tabby sentada a seu lado, junto à cama, segurando sua mão. Depois Brie piscou, sentia saudades. Ao pé da cama havia um menino pequeno, vestido com uma bata atada com um estranho cinturão. Começou a lhe falar com urgência. Seus olhos azuis pareciam familiares como se o conhecesse, mas ela não acreditava conhecê-lo. Se deu conta de que estava tão sedada que não ouvia nenhuma só palavra do que dizia o garoto. Parecia assustado. Ela sabia que queria lhe dizer algo importante e virou para Tabby.

— O que ele está dizendo?

Tabby se surpreendeu.

— De quem está falando?

Brie olhou para os pés da cama, mas o menino desapareceu.

— Não importa, acho — disse.

Devia estar sonhando.

 

Castelo de Awe, Escócia. Novembro de 1502

O sexo já não lhe importava.

Como o bom vinho que bebia muito frequentemente, também deixava de ser apreciado. O prazer lhe escapava.

Movia com mais pressa, com mais força, dentro da mulher, procurando não gozar, embora fora inevitável. A usava para seus próprios fins, para absorver seu poder, sua energia, até que ela ficasse imóvel e em silêncio, embaixo ele.

Aidan se sustentava sobre a mulher, respirando agitadamente. Experimentou o poderoso êxtase da Puissance milhares de vezes: um clímax que mesclava a descarga sexual com uma energia aterradora. Quando começou a perseguir Moray, depois do assassinato de Ian, absorvia aquele poder para assegurar a vitória sobre o Deamhan que jurou matar. Mas Moray desvaneceu no tempo, fugiu dele. E Aidan necessitava de mais poder para persegui-lo.

O poder era aditivo. Agora o ansiava. Para desgraça, essa ânsia de poder era terrivelmente excitante. Se não, não se incomodaria sequer em praticar o ato sexual.

Consumido ainda pela sensação de ser invencível, se separou da mulher. Levantou e se apoiou contra a parede, arqueando para trás. Desfrutava ferozmente do poder que percorria seus músculos, que palpitava em seus ossos.

Agora ninguém podia derrotá-lo: nem homem, nem besta, nem Deamhan. Nem sequer um Deus. Nem sequer seu demoníaco progenitor. Seu pai voltou para assassinar Ian, apesar de que a maioria dos Deamhan morriam quando a cabeça era cortada. Havia Mestres que acreditavam que Moray era imortal. Outros diziam que voltou com ajuda sobrenatural. Aidan se atreveu a exigir respostas na Iona. MacNeil disse a ele que a volta de Moray estava escrita, mas que nenhum Deamhan era imortal, apesar do que parecia.

A imagem de Ian abrasava sua mente, queimava como um ferro de marcar. E Aidan agradecia aquela dor.

— Está viva? — perguntou a outra mulher, ajoelhada, meio nua, junto à Inocente.

Aidan depois olhou a exuberante ruiva, acalorada por seu próprio prazer. Deixou viva a Inocente, embora por pouco.

— Sim, se ocupe dela.

Anna Enjoe pegou em seus braços à mulher desmaiada, mas o olhou com olhos brilhantes. A maioria das mulheres temiam seu desejo. Ele, que tinha se introduzido várias vezes em sua mente, sabia que Anna Enjoe temia e ao mesmo tempo ansiava sua paixão.

— Me deseja outra vez? — perguntou ela.

Aidan a encontrou em Paris, em meados do século XVIII. Era a cortesã de um príncipe. Desfrutou durante horas em sua cama e compreendia sua necessidade de obter muito mais que prazer dela e de outras, inclusive simultaneamente. Sua presença era muito conveniente, sobretudo porque Aidan nunca dormia e aquele era um modo seguro de passar as longas e escuras horas da noite.

Fazia sessenta e seis anos que não dormia.

Dormir só lhe produzia pesadelos.

O que Anna Enjoe não entendia era que a olhava com absoluta indiferença e que, quando seus corpos se uniam, não sentia nada, exceto uma ânsia de poder e vingança. Vingaria Ian, mesmo que demorasse toda a eternidade.

— Não — nu, com o corpo ainda rígido, saiu do aposento e a ouviu gemer.

Não se importou. Já não precisava dela, nem da outra. Tinha poder suficiente para destruir seu pai... se conseguisse encontrá-lo. Moray desapareceu no tempo fazia sessenta e seis anos, e Aidan não parou de buscá-lo após o terrível episódio.

Agora, chegou o momento de sair à caça.

Um par de criadas avançavam apressadamente pelo corredor. Aidan deu uma olhada à única janela gradeada que havia no lado leste do grande salão e viu que o sol estava muito alto. Esteve com as duas mulheres desde o dia passado, ao anoitecer. As criadas o olharam e se detiveram, paralisadas pelo terror e a fascinação. Aidan não prestou atenção nelas; se dispôs a entrar na torre Leste quando sentiu aproximar um enorme poder, branco, feroz e cheio de determinação.

Percebeu imediatamente, furioso, a identidade do intruso e virou para encarar seu meio irmão, Malcolm, o homem que o desenterrou dos escombros de Awe ao invés de deixá-lo morrer.

Jamais o perdoaria.

Malcolm de Dunroch subiu a escada do fundo do grande salão. Era um homem alto e musculoso, vestido com suspensório e tartán negro e verde escuro e armado com espada larga e curta. O lodo de suas botas indicava que cavalgou muito tempo. Tinha as coxas nuas salpicadas de barro. Sua cara parecia sufocada pela ira.

— Não pode partir para atacar Inverness com os rebeldes — disse rispidamente enquanto cruzava o salão. Lançou ao corpo nu de Aidan um olhar rápido e desdenhoso.

— Você não atacou Inverness com Donald Dubh e Lachlan Maclean, seu primo? — desdenhou Aidan, sabendo que Malcolm estava muito ocupado salvando Inocentes para se incomodar com intrigas políticas. Tampouco lhe interessava a política, mas tinha que procurar alimentos e equipamentos para seus quatro mil homens.

E destruir os Campbell era algo que ainda podia fazer por seu filho.

O rosto de Malcolm endureceu.

— Vão pendurar você com os traidores quando forem derrotados — disse com voz crispada.

— Bem — respondeu Aidan com suavidade. Não temia à morte. Na realidade, desejava isso sempre e queria conseguir vingar Ian antes de morrer.

Malcolm o segurou pelo braço.

— Não foi sua culpa. Tem que retomar seu destino, Aidan.

— Não é bem-vindo aqui, vá embora — gritou Aidan, o desprezando. Deu meia volta, entrou no quarto da torre e fechou a porta atrás dele.

Seu irmão se equivocara. Não conseguiu manter seu filho a salvo. Salvou centenas de Inocentes, mas não seu próprio filho. Jamais se perdoaria por isso. Tentou se fortalecer para suportar a angústia, mas era muito tarde.

Do outro lado da porta ouvia cada pensamento de Malcolm. «Não te deixarei morrer, nem me darei por vencido. E não penso em partir de Awe no momento».

Furioso com seu irmão, odiando-o por se negar a perder a fé, Aidan passou o ferrolho na porta. Dentro estava escuro e fazia frio. Na chaminé de pedra não ardia nenhum fogo, e todas as frestas estavam tapadas com tábuas, de modo que a escuridão era total.

Malcolm acabaria por partir. Sempre o fazia, porque sempre havia algum Deamhan para matar, algum Inocente para salvar. Malcolm servia aos Deuses, com sua esposa a seu lado, como se seus votos fossem toda sua vida. Malcolm não era filho de um Deamhan. Era filho de Brogan Mor, o grande Mestre, e ele também era um Mestre, igual ao senhor dos Maclean do sul de Mull e Coll. Não tinham nada em comum.

Malcolm foi criado em Dunroch, junto a seu pai, e depois de morrer Brogan Mor em plena batalha, seu tio, Royce o Negro, o educou para que fosse o chefe do clã Gillean. Aidan, pelo contrário, foi enviado ainda recém-nascido a casa de um nobre para que fosse criado ali, já que sua mãe se retirou a uma abadia para passar o resto de sua vida. Malcolm, sempre tão correto, ia frequentemente visitar lady Margaret na abadia. Suas visitas eram bem recebidas.

Aidan, por sua parte, só viu sua mãe uma vez, quando era já um Mestre, e ela não foi capaz de olhar pra ele. Aidan se apressou em deixá-la com suas preces e sua penitência.

Aidan cresceu marginalizado; seu irmão, pelo contrário, era o herdeiro de um grande senhor, um Mestre que consagrou sua vida a seus votos.

Aidan os renegou no dia da morte de Ian.

Se a volta de Moray estava escrita, os Deuses previram também, ao que parece, o assassinato de Ian. Aidan odiava apaixonadamente os Deuses e os amaldiçoava todos os dias de sua vida.

Sentiu que Malcolm abandonava o grande salão e sua mente começou a aquietar. Seus sentidos se intensificaram até o extremo. Essa noite, pensou, encontraria Moray e o destruiria.

Essa noite arrancaria sua garganta com os dentes. E Depois daria o coração dele aos lobos para que o devorassem.

Entregou-se então ao lobo, uma besta selvagem e cruel que podia dominar, um animal cujo único objetivo era semear a morte e a destruição. Levantou a cara para a lua e uivou. Fora, sentiu que a manada se reunia e começava a uivar, ansiosa de sangue e morte, ficou calado e deixou seguir o bárbaro e horripilante coro dos lobos. Estava preparado.

Aproximou-se do centro do aposento circular e se sentou com as pernas cruzadas no frio chão de pedra.

Passaram mais de seis décadas desde a morte de seu filho. Seu pai, aquele demônio, podia estar em qualquer época, em qualquer lugar. Estava claro que Moray se considerava o vencedor daquela guerra privada, mas se equivocou. Essa guerra não acabaria até que um dos dois fosse vencido. E para Aidan não importava qual dos dois, desde que arrastasse Moray consigo para o fogo do inferno.

Começou a remover as areias do tempo, do passado e do futuro, através de desertos e montanhas, cidades e aldeias, em busca do poder maléfico de Moray.

Passaram horas. Vadeava trabalhosamente o tempo em um processo longo e minucioso, e encontrava o mal por toda parte. Saiu a lua. Aidan não precisava vê-la para saber. O pelo de sua nuca se arrepiou. Mas o poder escuro que perseguia lhe escapava.

Não podia se dar por vencido. Grunhiu, cheio de frustração.

E ao longo das horas do dia e da noite, os Inocentes choravam pedindo salvação. Aidan ouvia cada grito de socorro, pois seus sentidos não só percebiam o mal, mas também a chamada daquelas vítimas indefesas. Homens, mulheres e meninos lhe rogavam que os resgatasse da destruição e morte.

Mas Aidan não recordava a última vez que defendeu um Inocente. Isso foi antes de seu filho morrer.

Agora fazia pouco caso daqueles gritos.

Não lhe importava quem morria.

 

Tabby abriu a porta com um sorriso.

— Não é ótimo estar em casa? — perguntou.

Brie não sorriu. Entrou em seu loft vestida com a roupa que Tabby levou: uma blusa larga, bordada com um dragão azul e vermelho, e jeans folgados. Estava mais preocupada que nunca com Aidan. Passou mais um dia em Cinco, em observação, e se sentia inquieta. Retiraram a sedação e os ansiolíticos, e de novo podia pensar com clareza. Aidan já não estava sendo torturado, já não estava sob um monte de rochas. Ela já não sentia sua presença.

Deus, estaria vivo?

Brie estava habituada a bloquear as emoções humanas: era necessário para superar cada dia. Entretanto, não pôde bloquear o sofrimento de Aidan. Suas emoções a consumiram, apesar dos séculos que os separavam. O que significava que o sentisse com tanta intensidade através do tempo?

Tudo estava escrito, e isso as Rose sabiam.

Brie estremeceu ao ouvir soar o telefone de Tabby. Fechou a porta com chave e se dirigiu a sua mesa de trabalho, do outro lado do loft, se sentou diante do computador, que ainda estava ligado. Aidan não podia estar morto.

Tabby se aproximou dela.

— Era Sam. Falou com todos seus contatos e não sabem de nada. Parece que tem razão. Não está aqui.

Brie girou a cadeira para olhar pra ela.

— Como é possível que o sinta através do tempo?

Tabby a segurou pelos ombros e a olhou nos olhos.

— Tem que amá-lo verdadeiramente, Brie. É a única explicação que me ocorre.

O coração dela apertou. Sua teimosia foi absurda e inofensiva, até então. Amar Aidan era aterrador porque jamais lhe corresponderia, embora seus caminhos se cruzassem.

— Não é mais que um capricho passageiro — murmurou, virando para o computador. Rezava para que houvesse outra razão que explicasse sua assombrosa empatia.

Ficou olhando fixamente seu protetor de tela: as ruínas de um castelo junto ao lago Awe. Nick perguntou se lhe soava familiar o nome de Aidan de Awe. O coração acelerou. Tudo aquilo a fazia se sentir tão bem... Colocou aquele protetor de tela depois de conhecer Aidan, e as coincidências não existiam.

No ano que passou sentia a tentação de revisar a imensa base de dados históricos da UCH em busca de alguma referência a Aidan, mas utilizar o sistema para fins pessoais ia contra as normas. Por isso não fez. Agora apertou um botão e a página do CAD encheu a tela. Começou a se logar no sistema, um processo que requeria três senhas. Agora tinha algo no que se apoiar. E o que Nick sabia sobre Aidan exatamente?

Se a UCH tinha algo sobre ele, Nick já estaria em sua busca.

Brie continuava surpresa por ele não tê-la despedido.

— O que vai fazer? — perguntou Tabby. — Não está aqui, Brie, e nós não podemos viajar no tempo.

Brie mordeu o lábio e procurou o nome de Aidan de Awe. Enquanto ativava a busca, moveu-se inquieta na cadeira. Depois, ao obter um resultado, deixou escapar uma exclamação.

Tabby olhou por cima de seu ombro.

Na tela via claramente uma mensagem.

Aidan de Awe. Nível quatro. Acesso negado.

— Há um arquivo sobre ele? — exclamou Tabby.

— Eu só tenho nível três — disse Brie, exasperada.

— Pode ser que não seja nosso Aidan — respondeu Tabby.

Brie ficou olhando a mensagem.

— É ele. Sei. Maldito seja, Nick — disse.

— Brie, está esgotada. Absorveu muita dor, precisa descansar. Deixa que Forrester se ocupe da investigação. Tenho certeza que ele está nisso.

— Não posso — disse Brie. Temia perguntar a Nick o que continha aquele arquivo, mas devia tentar.

— Quer que te prepare algo pra comer? — ofereceu Tabby.

Para Brie tanto fazia, apesar de sua prima ser uma magnífica cozinheira. Quando Tabby entrou na cozinha, separada da sala de estar só pelo balcão, ela entrou a página de sua biblioteca de investigação favorita. Enquanto revisava a página virtual sobre a história da Escócia na Idade Média, marcou o número de Nick. A secretaria de voz atendeu.

Brie selecionou o primeiro dos duzentos e treze volumes e, enquanto teclava as palavras «Aidan de Awe» no fichário de busca, disse:

— Nick, é Brie. Por favor, ligue para minha casa. Obrigado.

Sua busca não encontrou nenhum resultado, mas selecionou outro volume e repetiu a consulta. Na quarta tentativa começou a sentir de repente uma náusea e deixou escapar um grito. O chão parecia balançar sob seus pés e uma espantosa sensação de angústia se apoderou dela.

Então começou a visão.

Agarrou com força os braços da cadeira; já não sentia o que a rodeava, estava absolutamente concentrada no que devia ver. Aidan estava deitado de costas. Tinha as pernas nuas, usava botas altas e vestia suspensório e um manto negro, sujeito ao ombro com um alfinete e preso pelo cinturão. Tinha as mãos cruzadas sobre o cinturão, dos quais penduravam duas enormes espadas. A imagem se fez mais nítida. Aidan dormia; tinha os olhos fechados e o rosto calmo. Parecia estar em paz. O colar que usava ficou nítido, como se o olho de sua mente o tivesse focado. Uma presa banhada a ouro jazia sobre o oco de sua clavícula.

Aidan se tornou então de pedra, convertendo-se na representação dele morto colocado sobre uma tumba.

Brie levantou num pulo, gritando.

Tabby estava a seu lado.

— O que viu?

Brie apenas a ouviu. Não podia ter visto aquilo! Suas premonições nunca se equivocavam. Olhou para Tabby, tonta.

— O vi convertido em uma estátua, deitado, em cima de uma tumba medieval.

Tabby a pegou pela mão.

— Brie, esse homem vem do século XV — disse com cautela.

— E o que? Allie ainda está viva, não? E ele estava vivo no outro dia! — exclamou. Então o anel de sua avó começou a formigar em sua pele.

Brie usava o anel de granadas de sua avó Sarah desde os treze anos. Sarah sempre dizia que a protegeria e intensificaria seus dotes. Brie deu voltas nele com nervosismo, consciente de que começava a se desesperar. Tabby disse:

— Está vivo, querida, em alguma parte, no passado, muito longe daqui. Mas nós não podemos viajar no tempo, como eles.

Brie ficou olhando pra ela. Queria que Aidan estivesse vivo ali, no presente.

— Minhas visões são uma ferramenta. Estão destinadas a ajudar os outros. Por que tive essa visão? — perguntou.

— Não sei, por que não descansa, Brie, por favor? E tem que comer um pouco — Tabby retornou à cozinha e um momento depois colocou diante dela um prato quente. Brie tinha fome antes, mas de repente perdeu o apetite.

— Tenho que ir — disse Tabby. — Faz três dias que não vou em casa. Os vizinhos estiveram cuidando dos gatos e das plantas. Além disso, preciso de um banho.

Brie se levantou para abraçá-la. Tabby estava vestida como se fosse tomar o chá no palácio de Buckingham.

— Estou bem. Obrigada por tudo.

Quando sua prima partiu, Brie seguiu sua busca, quase desesperada, e as palavras «Aidan de Awe» deram um resultado. Brie ficou paralisada de assombro. Depois, com o coração acelerado, digitou a tecla de acesso. Passou rapidamente a primeira página e começou a ler.

Em dezembro de 1436, Aidan, o Lobo de Awe, um highlander sem clã, saqueou a fortaleza do conde de Moray no Elgin, sem deixar um só sobrevivente.

Brie respirou fundo e leu o resto da página:

Moray, entretanto, escapou ileso à ira do Lobo e ocupou seu posto na corte como Defensor do Reino, no amparo do rei Jacobo, o mesmo cargo de que desfrutou uma década antes. Quando Jacobo foi assassinado no Perth em fevereiro do ano seguinte, Moray, que estava naquele momento na corte, desapareceu sem deixar rastro e nunca voltou. É muito possível que foi assassinado com o monarca. Durante os dezenove anos seguintes, o Lobo de Awe se dedicou a destruir implacavelmente as famílias e as posses dos três poderosos filhos de Moray, os condes de Feith, Balkirk e Dunveld. Foi Argyll quem cobrou vingança, quando em 1458 queimou o castelo de Awe até os alicerces. Embora o Lobo investiu vinte anos em reconstruir sua fortaleza, se viu obrigado a entregar seus demais domínios, seu título e seu ducado (o de Lismore) ao rei Jacobo II. Continuou sendo um personagem temido por todos até sua morte. Em 1502, depois de participar como mercenário no levante de MacDonald, foi acusado de traição pelo general real do Norte, o poderoso chefe Frasier. Ferido gravemente depois de uma tentativa de fuga, foi pendurado publicamente no Urquhart.

Brie não via a página; de repente sua visão nublou. O terrível Lobo de Awe não podia ser seu Aidan. Seu Aidan era um Mestre do Tempo, jurou proteger os Inocentes século após século, era um herói poderoso que defendia à humanidade das forças do mal. E ninguém podia pendurá-lo. Simplesmente, desapareceria no futuro ou no passado.

A não ser que estivesse ferido gravemente.

Brie começou a chorar, mas enxugou as lágrimas. Leu as frases seguintes.

Sua tumba, cuidadosamente restaurada, encontra-se nas ruínas do castelo de Awe, no lago do mesmo nome. Atualmente é uma importante atração turística.

Brie estava tão afetada que começou a tremer. Olhou o prato que Tabby deixou diante dela e sentiu vontade de voltar a chorar. Recolheu o prato, levou para cozinha, deixou ali e se apoiou na bancada. O que significava tudo aquilo?

Se fosse ao lago Awe, encontraria a tumba e a efígie que apareceu em sua visão?

O Lobo de Awe foi enforcado. Era um homem cruel, um mercenário. Não podia ser Aidan.

Entretanto, ela viu seu Aidan antes de se converter em pedra. E carregava a presa de um lobo.

Todos os dias, boas pessoas eram possuídas pelos demônios e depois cometiam atos de uma maldade inenarrável.

Brie gemeu, converteu-se Aidan no Lobo de Awe? Era possível?

A cabeça explodia de dor. Passou para o outro lado da bancada da cozinha e abriu a geladeira para se servir de uma taça de vinho. Tremia. O que aconteceu com Aidan?

Fechou a porta da geladeira. Tinha que saber o que continha aquele arquivo de nível quatro. Agarrou sua bolsa e as chaves e saiu do loft. Se Nick não estivesse em seu escritório, esperaria por ele.

 

Ele sentiu que a lua sumia pela terceira vez.

Retornou lentamente ao aposento da torre, possesso por um negro desespero. A caçada durava já três dias e não encontrou nada.

Piscou para que seus olhos se acostumassem à escuridão do lugar fechado. À medida que se dissipavam os gritos dos Inocentes e o negro torvelinho do mal, foi cobrando consciência de seu corpo e poder. A sensação de euforia desapareceu. Seu poder físico era pouco corrente: era o poder do filho de um dos maiores Deamhan que Alvorada conheceu. E era arrogante o bastante para acreditar que podia derrotar um Deus menor mesmo sem a extraordinária vitalidade que o percorria.

Mesmo assim, estava cansado. Seu corpo e mente rogavam que descansasse, mas era hora de pensar em assuntos mais mundanos. Encabeçava um exército de quatro mil homens: alguns, humanos desalmados; outros, ferozes highlanders. Estava acostumado a vender os serviços de suas hostes ao melhor pagante, a isso se dedicava desde fazia sessenta e seis anos. Não lhe importavam as terras, nem o poder terrestre, embora precisasse do ouro para manter seu exército, e desfrutava muito de cada batalha. Se não podia lutar com Moray, ao menos iria à guerra e desfrutaria destruindo a seus demais inimigos, um a um.

Os MacDonald partiram sobre o Inverness, uma guarnição real, e ele ia se unir aos rebeldes, da maneira como Malcolm disse. Ele mesmo ajudou Donald Dubh, o cabeça da rebelião, a escapar da armadilha, onde os Campbell o cercaram. Argyll foi às nuvens. Se estivesse vivo, Ian se orgulharia dele.

Um grito de alarme retumbou na torre.

Aidan ficou em pé, incrédulo e aturdido.

A viu uma vez no futuro, há setenta anos, provavelmente, e não voltou a pensar nela. Agora se lembrava de uma mulher pequena, com poderes brancos, vestida com roupas sem formas e usando óculos feios.

Porque acabou de ouvir Brianna Rose gritar uma advertência? Por que viu sua cara assustada tão claramente? Deixou de perseguir o mal através do tempo.

Não voltou a ouvir nenhum grito, mas Aidan sentiu que a escuridão envolvia aquela mulher.

A tensão se apoderou de seu corpo. Ele já não defendia a Inocência; usava-a implacavelmente para seus próprios fins, para conseguir poder. Não queria saber o que estava acontecendo com Brianna Rose. Simplesmente, não importavam os problemas dos outros.

Ela gritou.

Era um grito de medo e dor; Aidan compreendeu que estava sofrendo.

Não pensou. Saltou.

Abatida ainda pela ideia de que Aidan se converteu no Lobo de Awe, Brie caminhava às pressas pela rua, aproximava-se o anoitecer e sabia que convinha que a noite não a surpreendesse. A cidade não era segura de noite e, embora o toque de silêncio do prefeito fosse voluntário, muito poucos moradores o desobedeciam. Todas as lojas da rua já tinham fechado, salvo o supermercado da esquina, que estava começando os procedimentos para fechar.

Brie começou a correr. Não lembrava de algum dia ter ficado tão angustiada, nem sequer quando Allie desapareceu no tempo, no ano passado. Então sabia que a viagem de Allie ao passado era seu destino; inclusive viu aquele highlander loiro ir em sua busca. Isto era completamente distinto.

O Livro, passado de geração em geração entre as mulheres da família Rose, era muito claro no que se referia ao destino. Os mortais não podiam desafiá-lo. Só os Deuses podiam reescreve-lo... e nunca o faziam.

Mas às vezes aconteciam coisas que não estavam no Plano de Jogo, e os Deuses intervinham quando algo dava errado. No fim, o que estava escrito acabava acontecendo.

Brie rezava para que que o livro de história que leu estivesse equivocado, ou que sua visão estivesse. Começava a acreditar que convinha ir a Escócia e visitar a tumba, apesar de temer o que pudesse encontrar. E por que de repente o anel de sua avó incomodava tanto? Sempre coube perfeitamente. Agora, pelo contrário, produzia um comichão.

Brie olhou o anel.

— Isto está escrito, não é? —murmurou.

Sua avó morreu há uma década, aos cento e dois anos. Esteve em plena posse de suas faculdades até o último momento. Morreu dormindo e Brie, que intuiu de algum modo que chegou a hora, passou essa noite em sua casa em Bedford, Nova Iorque. Sarah Rose morreu sorrindo, e Brie sentia frequentemente sua presença.

Sentia-a nesse instante.

— Quero dizer que poderia ter sentido toda essa dor e angústia no ano passado ou no passado, mas senti agora, por alguma razão. Aidan precisa de mim. Suponho que que devo ajudá-lo — pensou em seu amor, apaixonou-se por ele para poder ajudá-lo? — Por que, se não for por este motivo, por que sinto tão intensamente?

Percebeu a benevolência de sua avó. Se Sarah estava de acordo, significava que estava no caminho certo, Brie disse a si mesma. O que aumentou sua resolução de acessar aquele arquivo de nível quatro.

Uma sombra caiu sobre a calçada, bem diante dela.

Seu coração pareceu parar, cheio de temor. Um momento depois o sol desapareceria mais à frente no horizonte e a cidade ficaria envolta na penumbra da noite. Não conseguiria chegar ao CAD.

Diante dela havia um adolescente que sorria com malícia.

Era pálido, tinha a cara cheia de espinhas e usava um manto comprido e negro, o manto que distinguia os membros das gangues que, parecia, queimavam «bruxas» na fogueira.

Brie respirou fundo.

— Se manda — disse, apesar de estar aterrorizada. — Ainda há luz.

— Não por muito tempo — o menino sorriu com petulância.

Brie se esticou ao ver que outros adolescentes se aproximavam dela, todos eles brancos como espectros, com os lábios quase púrpura e vestidos com compridos mantos negros, como se procedessem da Idade Média.

Brie conhecia a investigação que o CAD estava fazendo a respeito daquelas gangues. Os «subdemonios», ou «sub», como os chamava frequentemente, eram humanos, com DNA normal e identidades comuns. Eram garotas e meninos desaparecidos, pertencentes a famílias desestruturadas, mas despojados de sua alma, eram pura maldade.

Brie virou para fugir e se encontrou cara a cara com outros dois adolescentes vestidos com manto e capuz negros. Estava metida em uma boa confusão. Rezou para que Tabby e Sam percebessem e fossem em seu auxílio. E, ao mesmo tempo, pensou em Aidan. Foi instintivo. Se estivesse perto, ele tinha o poder para salvá-la.

— É gorda e feia — disse um dos meninos. — Vamos procurar outra.

Brie não queria morrer, mas tampouco queria que morresse outra pessoa. Olhou para trás e, ao ver que o sol se pôs gritou. O céu ficou malva e já não se via o sol. Um momento depois, o ocaso se converteria em noite e ela seria assassinada.

Tentou escapar.

Deixaram. Correu com todas as suas forças pela rua vazia, consciente de que riam com maligno regozijo. Começou a sentir esperanças por não ouvir seus passos atrás dela a seguindo. Não sabia por que a deixaram partir, nem se importava.

De repente, outros três meninos apareceram diante dela e lhe cortaram o passo sorrindo. Ela tropeçou e se chocou com eles, mas a agarraram por trás e a empurraram com força contra o corpo de um menino. Só a deixaram partir para torturá-la.

Lutou grosseiramente, se retorcendo enquanto sua mente explodia e se fazia em pedacinhos, cheia de terror. Seu captor bateu dela com tanta força que algo em seu interior partiu. Gritou de dor e medo.

O menino que a sujeitava ria. O loiro com a cara cheia de espinhas empunhava uma faca; enganchou-o em seu jeans e rasgou o tecido. Brie estava cega pelo pânico. O aço tocou a pele arrepiada de seu ventre.

— Bruxa — disse o menino. — Você é das de verdade, né? Tem cheiro de bruxaria!

— Não! — suplicou Brie. Mas já não se atrevia a resistir.

O menino olhou além dela. Empalideceu e seus olhos arregalaram, alarmados.

Soou um grunhido grave e prolongado, um som ameaçador.

Um som sobrenatural.

Trêmula, Brie olhou para trás.

Um lobo enorme, de fulgurantes olhos azuis, estava escondido detrás dela e do menino, com o cabelo do pescoço arrepiado. Não havia lobos em Nova Iorque. Aquele era imenso, demoníaco. Brie sentia seu enorme poder negro.

E naquele décimo de segundo, antes de que o lobo saltasse, encontrou-se com olhos que eram humanos.

O Lobo de Awe a escutou.

O lobo grunhiu e saltou... para ela.

Brie gritou; vislumbrou seus olhos azuis cheios de raiva e esperava que a besta caísse sobre ela e a devorasse. Enquanto seu coração explodia, aterrorizado, a besta girou de repente e caiu sobre seu captor. Brie se afastou.

O lobo arrancou a garganta do subdemonio e depois, com um rugido bestial, virou para outro dos meninos.

Tinham pistolas e começaram a disparar no lobo enquanto este se equilibrava sobre outro adolescente e o despedaçava grosseiramente, como um cão destroçando um brinquedo de pelúcia. Brie ficou um instante paralisada pelo horror. Depois virou, disposta a fugir.

Mas o lobo levantou a cabeça. Sangrava pelo peito e ombro. Olhou Brie com seus olhos estranhaamente humanos. Brie retrocedeu, aterrorizada. O lobo saltou para outro menino e ela não pensou duas vezes: enquanto o subdemonio gritava, fugiu.

Correu rua acima tão rápido quanto pôde, ouvindo o grunhido do lobo atrás dela. De algum modo conseguiu abrir o portão de seu edifício e entrar. Nem sequer lhe ocorreu fechar o portão com chave ou usar o elevador. Subiu correndo os três lances de escadas até seu loft e abriu a porta apesar de sua mão tremer como se tivesse o mal de Parkinson[4]. Fechou e ligou o número de Nick. Cega pelas lágrimas, falou antes de que ele pudesse responder.

— Acredito que está aqui. Atiraram nele. Necessita atenção médica, Nick — soluçou.

— Não saia daí, maldição — disse Nick, e desligou.

Brie soltou o telefone enquanto a lembrança daquele lobo selvagem devorando os meninos enchia sua cabeça. Subdemonios ou não, aqueles meninos eram humanos. Às vezes, quando se exorcizava o mal, podia se recuperar a alma.

Em lugar de ligar para Tabby e Sam, suplicou em silêncio que fossem vê-la. E depois ficou muito quieta, paralisada. Um poder imenso encheu o loft, atrás dela. Começou a tremer incontrolavelmente, virou muito devagar. Aidan de Awe estava ali.

 

Era um homem, não um lobo, e suas feridas de bala sangravam. Seus olhos azuis cintilavam, cheios de raiva e fúria.

Brie deixou escapar um gemido e retrocedeu até se chocar com a porta. Aquele homem não se parecia com o Mestre que conheceu no ano passado e, estava sobressaltada pelo medo, não podia respirar. Olhou seu belo rosto, contraído pela ira, e contemplou depois seu corpo ensanguentado, completamente nu. Usava uma corrente de ouro e uma presa pendurada nela. Brie respirou fundo. Aidan era puro músculo e seu corpo parecia palpitar de tensão.

Ela levantou o olhar com esforço.

— Está vivo — murmurou. — E ferido.

Seus olhos azuis pareciam muito pálidos.

— Não volte a me chamar nunca mais.

Sua cólera a envolvia. Era aterradora, porque estava carregada de ódio. Brie estremeceu. O poder de seu ódio fez que se sentisse enjoada. Tentou sacudir a cabeça. Ela o chamou!

Era o Lobo de Awe.

O que aconteceu com ele?

O Lobo queria sangue e morte. Brie sentia sua sede de destruição. E viu sua maldade.

A cabeça dela rodava.

— Atiraram em você — murmurou.— Deixe te ajudar... Aidan.

Ele a olhou com um sorriso desdenhoso.

— Se aproxime e verá como pode me ajudar, Brianna.

Lembrava-se dela.

Sua boca se contraiu em uma careta desagradável.

Ela exalou bruscamente. Não se moveu, temerosa de que ele se transformasse de novo em um lobo e a despedaçasse. Aidan a salvou da gangue. Se quisesse fazer mal a ela, já teria feito, ou não?

As têmporas palpitavam por ter absorvido em excesso sua raiva e ódio. Fraca provavelmente pela incerteza, olhou seus olhos brilhantes. Seu olhar era frio, ameaçador. Como podia mudar tanto um homem em um único ano?

Aidan lhe dava pânico, mas supunha que ela devia ajudá-lo.

— Está sangrando — disse em um sussurro. — Poderia morrer sangrado.

Ele soltou uma risada áspera e sombria.

— Não morrerei. Ainda não.

Brie tentou sentir além de seu ódio e fúria, de sua sede de sangue, mas sua fraqueza e dor lhe escapavam. Certamente estava cheio de adrenalina.

Deixou o medo de lado. Não arriscaria que Aidan morresse sangrando. Virou e abriu o armário de roupa de cama, não muito longe da cozinha. Tirou várias toalhas e olhou pra ele. Olhou as toalhas e depois pra sua cara.

A pequena cozinha os separava. Brie começou a se aproximar dele lentamente, se por acaso tentasse agarrá-la ou, pior ainda, se por acaso se convertesse no Lobo e caísse sobre ela.

— Não se aproxime!

Ela vacilou junto ao balcão.

— Pegue — ela estendeu a toalha maior pra ele.

Ele pareceu ainda mais furioso.

Brie jogou a toalha.

Acreditava que ele a apanharia no ar, mas a jogou para longe com um tapa. Brie baixou o olhar e ruborizou.

— Tem que se vestir... e precisa de cuidados médicos — sussurrou, levantando os olhos lentamente. Seus olhares se encontraram.

— Preciso de poder — respondeu ele ameaçadoramente.

Os demônios ansiavam pelo poder. Tudo maligno ansiava pelo poder. Brie sentiu que em seus olhos se formavam lágrimas de medo e desespero. Sacudiu a cabeça.

— Não — aquele Lobo era malvado. Matou matado aqueles adolescentes. Como podia ser esse seu Aidan?

Ele virou de repente e recolheu a toalha, cheio de raiva, rodeou com ela a cintura. Depois olhou Brie com olhos cintilantes.

— Estavam perdidos.

Ela tremeu. Aidan acabava de ler seu pensamento.

— Não sabe se podia recuperar suas almas.

Aidan riu dela.

— Estão todos mortos?

— Até o último — respondeu ele asperamente, com ar quase triunfal. Ela enxugou as lágrimas. — Chora por esses cachorrinhos de Deamhan?

Brie chorava por ele.

— Não. Sinto muito, salvou minha vida e eu estou te julgando.

Passou um momento antes que ele respondesse.

— Eu não te salvei, Brianna — disse tão suavemente que seu coração deu um salto.

Brie tirou o chapéu olhando-o fixamente. Sua tensão mudou. O desejo percorria seu corpo em resposta ao tom sedutor da voz de Aidan.

Ele sabia. E sorriu.

— Fugiu, tive que te seguir até aqui — disse com a mesma suavidade.

Falava como se quisesse levá-la pra cama, não fazê-la em pedaços. Brie ficou muito quieta, com o corpo tenso e trêmulo, enquanto o medo brotava de novo. Começou a sacudir a cabeça. Jamais acreditaria que Aidan seria capaz de machucá-la.

Rezou para que ele não tivesse afundando tanto na escuridão até esta negra maldade.

Mas, santo céu, estava diante do homem com o qual passou um ano sonhando.

Umedeceu os lábios e retrocedeu.

O desejo de Aidan aumentava perigosamente, transformado. Eclipsava sua ira, seu ódio. A sede de sangue se dissipou. Brie começou a se sentir tonta, vazia e sem forças. Seu coração pulsava tão forte que doía. Ele olhava fixamente seu rosto, e a tensão que palpitava entre eles parecia tão carregada de energia que Brie tinha a impressão de que o ar estava a ponto de incendiar.

Fechou os olhos. Havia tanta emoção, tanta tensão no apartamento que começava a se sentir confusa. Tinha que dominar sua mente. Não podia desejar Aidan nesse momento. Era, simplesmente, muito perigoso.

Lutou para se controlar, ao abrir os olhos, ele parecia estranhamente satisfeito, como se tivesse percebido sua luta interior.

— Aidan, por favor, sente-se — engoliu em seco, consciente de que se parecia com Tabby quando falava com seus alunos de primeiro ano. — Posso deter a hemorragia até que chegue a equipe de emergência — assinalou o sofá com a cabeça, tentando manter a compostura.

Ele riu.

— Não fale comigo como se fosse um menino. Três balas não podem matar o filho de um Deamhan.

Brie ficou rígida. Aidan não podia ser filho de um Deamhan. O que era aquilo? Uma brincadeira sem graça?

— Sim — respondeu ele com um grunhido. — Sou filho do maior Deamhan que já pisou em Alvorada.

As lágrimas de Brie voltaram. Como podia ser?

— É um Mestre.

— Malditos sejam os Deuses! — rugiu ele.

Brie se encolheu, arrasada.

— Vão te ouvir!

— E o que?

Brie não se moveu; esquadrinhava seu olhar furioso. Aidan odiava os Deuses. Ela tremeu, assustada por ele.

Os olhos azuis de Aidan mudaram: ficaram tão brilhantes que a cegavam.

— Ah, Brianna — murmurou. — se preocupa muito.

Aquela ânsia de sexo e poder a aturdia. Seu corpo ardia, mas seu coração estava carregado de angústia. A ira e o ódio, a luxúria, o frenesi de tudo aquilo era insuportável.

— O que aconteceu com você?

— Vem aqui — respondeu ele com voz suave.

Brie se esticou, adivinhando imediatamente o que estava propondo.

— Quer vir para mim, Brianna.

Ela queria. Não havia nada que desejasse mais, e de repente não sabia por que vacilava.

Aidan se assustou.

Brie pensou que a surpresa respondia a suas dúvidas até que a porta do loft se abriu de repente e apareceu Nick empunhando uma pistola. Saiu de seu transe, antes que pudesse gritar para Nick, Aidan a agarrou com uma força incrível e sua fúria a atravessou. Brie sufocou um grito quando a apertou contra seu corpo rígido, com as costas grudadas a seu peito.

Em lugar de sentir terror, uma estranha sensação de familiaridade se apoderou dela.

Quando Aidan se dirigiu a Nick, seu fôlego acariciou-lhe o pescoço e a orelha, deixando-a sem respiração.

— Realmente quer ver se pode me matar... antes que mate a ela? — perguntou Aidan.

Brie se segurava no forte braço dele, que a sujeitava por debaixo dos seios. A dor que seu braço produzia nas costelas a recordou que o subdemonio podia ter fraturado alguma. Aquilo serviu para esquecer momentaneamente de suas confusas sensações; percebia claramente o lento e firme palpitar do coração de Aidan contra suas costas. E o que era pior ainda: ele só vestia uma toalha. Não havia duvida em relação ao que palpitava junto a seu quadril.

Mas, mesclada com o desejo sexual que sentia emanar dele, havia também uma intenção homicida.

Parecia odiar Nick.

— Não se mova, Brie — ordenou Nick com calma. Seus olhos azuis pareciam mais frios que nunca.

— Salvou minha vida, Nick. Não o mate! — soluçou ela, aterrorizada por ambos.

Aidan a puxou. Queria que se calasse.

— Parece ter carinho por sua mulherzinha — disse a Nick em tom zombador. — Provavelmente deveria ter chamado você, ao invés de me chamar.

— Solte-a. É uma Inocente. Você e eu temos que conversar com calma, Aidan.

A resposta de Aidan foi imediata. Brie gritou ao ver que lançava sobre Nick uma fulgurante descarga de energia. Nick caiu contra a parede, como empurrado por um vendaval.

Brie sentiu que Aidan se concentrava por completo nele.

— Vá, vá — disse com suavidade, cheio de satisfação.

Ela estava surpresa. Os demônios tinham tanto poder que podiam lançar um ser humano ao outro lado de um campo de futebol, Aidan se conteve ao atacar Nick? Intuiu o que se propunha antes de que ele lançasse outra descarga cinésica a seu chefe.

— Não! — disse, mas era muito tarde.

O raio prateado golpeou Nick. Para assombro de Brie, este pareceu absorver o impacto; cambaleou, mas continuou em pé. Apontou com sua pistola do calibre 45 e disse em tom ameaçador:

— Estou fazendo um esforço para não arrebentar seus miolos. E te asseguro que tenho muito boa pontaria.

— Aidan — Brie murmurou —, estamos todos no mesmo barco. Por favor, não faça.

Aidan esfregou o nariz contra sua bochecha, e o corpo do Brie se encheu de ânsia.

— Estou me divertindo muito, não posso parar — murmurou.

Brie sentiu que seu corpo pedia a gritos para se entregar a ele, apesar daquela terrível crise. Olhou Nick.

— Ele é bom, Nick. Não atire.

— Converteu-se, Brie. Converteu-se faz muito tempo. Se não sente o poder escuro que há neste lugar é porque ele te lavou o cérebro.

Brie sacudiu a cabeça, desesperada.

— Não.

— Solta-a, Aidan — disse Nick—, e te deixarei partir.

Brie sabia que era mentira. E Aidan também sabia, porque começou a rir.

— Esquece, Nick, que posso desaparecer quando desejar. Você não pode me deter. Posso ficar e lutar contigo porque gosto — outro raio prateado cintilou de repente.

Nick deixou escapar um grunhido e caiu de joelhos, mas conseguiu sustentar a pistola.

Tabby e Sam apareceram na porta do loft, ofegantes. Quando pararam, a arma preferida de Sam apareceu em sua mão: um disco de aço com uma dúzia de dentes como facas. Com ele podia cortar cabeças, um modo estupendo de matar até ao demônio mais puro. Mas Sam disse, incrédula:

— Aidan?

— Salvou minha vida, Sam. Não faça mal a ele — soluçou Brie.

Aidan a apertou ainda mais contra seu corpo duro.

— Cala a boca.

Nick voltava a ficar de pé.

— Que tal usar essa coisa? — perguntou a Sam.

— Bem, mas não vou arriscar ferir Brie — respondeu ela sem afastar o olhar de Aidan e Brie.

Tabby, que era assombrosa quando explodia uma crise, caiu de joelhos e começou a entoar um encantamento. O Livro das Rose foi traduzido há muito tempo do gaélico para o inglês, mas Tabby sempre fazia seus encantamentos na língua de suas antepassadas, o que dava a sua magia todo o poder outorgado pelos Antigos.

O corpo de Aidan encheu de uma nova tensão. Brie levantou a vista e pela primeira vez viu um reflexo de desconfiança em seu olhar.

Ele não temia Nick, a Sam ou a suas armas, mas temia a magia de Tabby. Brie adivinhou imediatamente as intenções de sua prima. Não podia conter Aidan com cordas, grilhões ou barras de aço. Tabby pretendia atá-lo com uma cura, convertê-lo em um prisioneiro impotente.

Aidan grunhiu e a apertou com mais força.

— Não faça isso — advertiu Nick.

Era muito tarde. Brie gemeu ao sentir brotar a força. Voaram pelo quarto, cruzaram as paredes do loft, atravessaram o edifício e o horizonte da cidade. E Depois, enquanto cruzavam a atmosfera à velocidade da luz e passavam junto a sóis e estrelas, gritou. A velocidade fazia seu corpo em farrapos.

Ele, entretanto, não emitiu nenhum som.

Apertou-a com força, com os sentidos apurados como nunca antes. Estava muito consciente da mulher que sustentava entre seus braços: a Inocente que foi resgatar saltando no tempo. Quando aterrissaram, mudou de postura para amortecer a queda da mulher. Ignorava por que fez isso. Não deveria se importar se ela se machucasse.

De todos os modos, ela gritou por causa do impacto.

Aidan agradeceu a dor que sentiu ao cair sobre o chão de pedra.

Saltou no tempo, contra sua própria vontade, para protegê-la do mal. Acabava de servir aos Deuses.

Sua ira aumentou.

Aterrissaram na estadia da torre, que estava em total escuridão. Ela chorava em seus braços, deitada sobre ele. Soluçava pela tortura de saltar através de tantos séculos. Aidan sentia intensamente sua dor.

Não a queria em seus braços. Não queria sentir sua dor, nem ser consciente de seu corpo. Odiava notar seu cabelo no rosto. E a odiava pelo que fez com ele.

Ao renegar os Deuses, tinha derramado seu próprio sangue sobre o santuário sagrado de Iona, a sede da Irmandade. Seu desafio estava escrito com sangue e morte, e não só com o próprio sangue. Também tinha vertido sobre o santuário o sangue dos Inocentes do Elgin.

— Não pode escapar de seus votos.

Ajoelhado sobre o sangue de suas vítimas, Aidan respirava agitadamente.

— Parta — advertiu-lhe o mais velho dos Mestres: MAC-Neil, o abade de Iona.

MacNeil se aproximou.

— Está sofrendo. Sinto muito, Aidan, sinto o que aconteceu.

— Aconteceu? — levantou-se de um salto, raivoso. — Se refere ao assassinato de meu filho pelas mãos de meu pai? Viu sua morte em seu prezado cristal? Sabia que Moray voltaria para me arrebatar isso .

Alto, loiro e musculoso, MacNeil olhou Aidan com compaixão.

— Não posso ver tudo, Aidan. Deve deixar que Ian descanse em paz, rapaz.

— Jamais poderei me esquecer dele! —gritou.

— Sua morte estava escrita — começou a dizer MacNeil, lhe segurando o ombro.— Com o tempo saberá a verdade.

Aidan se separou do homem que o elegeu.

— Escrita? Por isso os Deuses não me deixaram saltar para salvá-lo? Bloquearam meus poderes para que meu filho morresse?

MacNeil não respondeu. E essa resposta era suficiente.

— Aidan? — murmurou Brianna.

Ele se sobressaltou, surpreso porque uma lembrança dolorosa se atreveu a assaltá-lo de novo. Acabava de servir aos Deuses, pensou, como se não tivessem arrebatado Ian dele.

— Aidan?

Ao virar, ele viu belos olhos verdes, rodeados por densas e escuras pestanas. Sentia de repente o coração de Brianna palpitando contra o seu, e era tão consciente dela que parecia que era a primeira mulher que abraçava. Uma tensão vagamente familiar começou a apoderar-se dele, acompanhada por um estremecimento de espera. Fazia tanto tempo que depois de reconhecer aquela sensação, estava confuso.

Desejava-a sexualmente?

Tinha as mãos em sua cintura. Sob a roupa folgada, seu corpo era pequeno, sem carne sobrando. Seus olhares se encontraram e Aidan deslizou as mãos por suas costelas, sob a roupa, até tocar seus pesados seios.

Ela sufocou um gemido.

O membro de Aidan se elevava entre eles, apertando-se contra o ventre de Brianna. Ficou com a boca seca. Sentia desejo de acariciar os seios dela.

Seu sangue corria com mais força. O que estava fazendo? Embora tivessem atirado nele três vezes e o salto sempre o debilitasse, possuía uma capacidade sobrenatural para se curar com extrema rapidez. Suas feridas desapareceriam em um espaço de tempo muito curto. Mas o poder de Brianna podia lhe devolver as forças imediatamente. Enquanto a abraçava, quase podia saborear seu poder. Podia possuí-la nesse instante; ela merecia, por atrever-se a se meter em sua vida.

Ele era indiferente ao prazer sexual, indiferente ao rosto das mulheres, a seus cabelos, a seus olhos. Não desejava ninguém. Vivia alimentando-se de luxúria, mas isso era tudo distinto, servia-se apenas do poder.

Não queria ser consciente da proximidade do corpo dela.

Não deveria ter levado ela com ele.

Se absorvesse seu poder nesse instante, ela deixaria de olhá-lo com fé e esperança. De fato, durante vários dias, até que seu corpo se recuperasse, não poderia fazer virtualmente nada. E isso era muito conveniente, porque odiava ouvir seus pensamentos; odiava que se perguntasse o que aconteceu com ele; odiava sua compaixão e sua lástima... do mesmo modo que a odiava.

Pôs a mão do fecho de suas calças e dobrou sua mente.

Ela fechou os olhos e deixou escapar um suave gemido.

Aquele som era familiar. Todas as mulheres sucumbiam imediatamente, de repente se enfureceu ainda mais: com ela, consigo mesmo, com os Deuses, com os Deamhanain, com todo mundo. Tombou-a bruscamente e se colocou sobre ela, e ela o olhou com os olhos encobertos pelo desejo que ele mesmo infligiu na mente dela.

Já não teria pena nem acreditaria nele. Seria sua escrava sexual até que ele a liberasse de seu encantamento.

Um momento antes, em sua casa, no futuro, ela o desejou... e ele não a havia enfeitiçado. Mas ela o amava há muito tempo...

Ele tampouco queria seu amor!

Olhou um momento para seu rosto.

Brianna era tudo o que ele não era, tudo o que foi antigamente.

Gritou um juramento e se levantou em um pulo. Respirava com dificuldade.

— Volte a si — virou e, ao sair da torre, bateu a porta tão forte que a madeira rachou.

Sua mente girava, incoerente, enquanto avançava a toda pressa pelo corredor. Quando abriu a porta de seu quarto, Anna Enjoe surgiu na cama, vestida unicamente com uma camisa de seda.

— Fora — gritou Aidan.

Ela olhou pra ele assustada.

Aidan decidiu matá-la no ato se não saísse imediatamente. Compreendendo, Anna Enjoe empalideceu e desceu da cama. Rodeou Aidan e fugiu.

Ele fechou a porta do quarto com força e as paredes de pedra retumbaram.

Depois se apoiou contra a parede e pela primeira vez em décadas sucumbiu a um instante de pura confusão.

O que acabava de acontecer com ele?

Porque não pegou Brianna, por que não a usou para absorver o poder que necessitava, como fazia com as demais?

Algo soou no fundo de seu ser, e temeu que fosse sua alma.

Sua resposta aquela sensação estranha e detestável foi instantânea. Pegou uma cadeira e a estatelou contra a parede, fazendo-a em pedaços. Uma lembrança há muito tempo esquecida o assaltou de repente. Em outra época, antes do assassinato de seu filho, sua casa estava cheia de belos móveis e tesouros procedentes de todo o mundo e de diferentes épocas. Seu irmão Malcolm quebrou uma cadeira Luis XIV em um acesso de ira, por causa de Claire, a mulher que agora era esposa dele.

Aidan apertou as têmporas com os dedos. Não queria lembrar que uma vez teve um lar cheio de beleza. Depois da queima de Awe em 1458, não lhe ocorreu voltar a mobiliar luxuosamente sua casa.

Fechou sua mente premeditadamente. O passado estava acabado. Jamais voltaria a desfrutar de um lar semelhante, nem queria fazê-lo. Quanto a mulher que estava na torre, ignorava o que acabava de acontecer, mas não importava: perdeu sua alma há muito tempo e isso era justamente o que queria.

A mulher, Brianna, teria que voltar para o lugar de onde procedia assim que tivesse forças para suportar outro salto. Despertou nele lembranças que desejava enterrar, e não gostava de ter vacilado em satisfazer sua sede de vida e poder. Era meio Deamhan. Decidiu que, se ela voltasse a se aproximar dele, se asseguraria de que o temesse tanto quanto o resto de Alvorada. Da próxima vez, a faria dele. Talvez inclusive chegasse ao extremo de se satisfazer com sua morte.

A ideia lhe parecia perturbadora.

 

Brie deitou em meio a fria escuridão, assombrada.

Aidan acabava de sair feito uma fúria do quarto. Ela não podia respirar, e não porque cada vez que se movia suas costelas doíam.

Aidan acabava de hipnotizá-la, como faziam os demônios.

Não havia dúvida. Um momento antes, seu corpo estava em chamas e perdeu a capacidade de pensar. Queria freneticamente se unir a ele. Mas ele partiu, e o feitiço foi quebrado.

Abraçou-se, tentando não se deixar vencer pela angústia. Seus dentes batiam de frio. Tentou tranquilizar-se; Aidan não a seduziu contra sua vontade. Mas era filho de um demônio, ele mesmo disse. Ela não quis acreditar, mas agora começava a crer que fosse verdade.

Aonde foi o Lobo?

Como era possível que o filho de um demônio fosse um Mestre?

« Converteu-se, Brie. Converteu-se faz muito tempo. Se não sente o poder escuro que há neste lugar é porque ele te lavou o cérebro».

Recordou o Lobo atacando ferozmente aqueles meninos.

Mas Aidan não fez mal a ela... ainda. A salvou, embora tivesse destruído os subdemonios e estivesse tão cheio de ódio que era aterrador.

Os demônios não salvavam Inocentes. Os destruíam implacavelmente. Aidan não era tão malvado quanto Nick dizia. Tinha consciência. Não é?

Brie não conseguia se tranquilizar. Saltaram no tempo, obviamente, e tinha uma ideia bastante clara de onde estavam. Seu coração pulsava inquieto. Aidan a pegou como refém, ou prisioneira. Estava metida em uma boa confusão.

E onde estavam seus óculos?

Sua angústia era total. Se perdeu os óculos, estava quase tão cega quanto um morcego. E, se não via, como ia se defender? O lugar estava às escuras; apalpou o chão com cuidado e em seguida se deu conta de que tinham aterrissado sobre pedra áspera e desigual. Parecia estar em alguma parte de um castelo.

Tinha que se acalmar, o que não era tarefa fácil; afinal de contas, o filho de um demônio a sequestrou sem razão aparente. Ignorava quais eram os motivos de Aidan. Nem sequer podia adivinhá-los. Tentou respirar fundo, com calma, ignorando a dor de suas costelas, recordou-se que estava ali devido à súbita empatia que sentiu por Aidan através do tempo. Ele a resgatou do mal e a levou ao passado. Havia uma razão para tudo aquilo.

Brie estremeceu. Aidan se parecia muito pouco com o homem pelo qual se apaixonou um ano atrás. Era aterrador em todos os sentidos: por sua fúria, por sua sexualidade, por seu ódio. Seu rosto podia ser tão belo quanto antes, mas seus olhos, desprovidos de luz, pareciam quase os de um demônio, salvo porque os demônios tinham os olhos negros e inertes, e os de Aidan eram de uma vívida cor azul.

Se tinha consciência, poderia se redimir?

Brie se sentou mais erguida, fazendo uma careta de dor. Aidan não parecia poder se redimir. Ela não seria sua salvação.

Assombrada porque lhe ocorreu tal coisa, conseguiu ficar em pé segurando os quadris, apoiou-se contra a fria parede de pedra, certa de que ele saiu do lugar. Não sabia o que fazer quando encontrasse a porta e saísse.

Rezava para sair num radiante dia de verão em Nova Iorque.

Mas estava quase certa de que, do outro lado daquela porta, não se encontrava na rua Hudson.

Começou a avançar colada à parede até que esta virou à direita. Seguiu a parede até que suas mãos deslizaram sobre uma tosca porta de madeira. Procurou um trinco ou um fecho. Quando o encontrou, vacilou. Assim que atravessasse aquela porta, não haveria volta.

Aidan estava ali fora, em alguma parte.

Brie abriu a porta; mais à frente havia um escuro corredor iluminado com tochas. Não havia dúvida: estava em um castelo, no passado.

Passou pela cabeça que, se aquele livro de história estivesse certo, tinha que ter chegado um tempo antes de dezembro de 1502, porque estava claro que Aidan ainda não foi justiçado.

Virou e viu uma fresta aberta. Fora, a noite estava negra como piche. Respirou fundo e o ar cheirava a pinheiros e mar, aproximou-se da estreita janela. Lá embaixo brilhava uma água negra como o ébano e a neve tingia com sua palidez a borda distante.

Foi transportada às Terras Altas. A última vez que cheirou um ar tão estimulante foi em umas férias de verão que passou fazendo montanhismo na metade norte da Escócia. Apesar de seu nervosismo, começou a se iludir. As Terras Altas sempre seriam o lar das Rose.

Fora fazia muito frio, e dentro do castelo também, estremeceu e lamentou não ter um casaco.

Corredor abaixo abria-se uma porta. Brie sentiu imediatamente o poder ardente e duro de Aidan. Não parecia maligno, mas tampouco branco, colou-se à parede e desejou poder desaparecer entre as pedras. Embora não visse com clareza, sabia que era Aidan quem saiu ao corredor.

Ele virou e a olhou.

Brie sentiu a boca seca, porque a levou com ele? O que queria? Quais eram suas intenções?

Aidan começou a andar na direção dela. Brie não precisava distinguir seu rosto para saber que não sorria, se deu conta de que levantou entre eles uma espécie de muralha. Sua ira parecia distante, não tão violenta, nem ameaçadora. Sua ânsia de sexo desapareceu, junto com a sede de sangue. Brie sentiu um leve alívio.

Enquanto ele se aproximava, notou que se vestia como um highlander medieval, com uma túnica presa no cinturão, uma espada larga e outra curta e botas altas sobre as quais se viam suas coxas nuas. Vestia-se, de fato, como quando o viu transformado em estátua, exceto que não usava o amuleto da presa.

Ficou nervosa quando Aidan parou diante dela. Ele demorou um momento para falar.

— Farei que preparem um aposento para você — falava num tom cuidadosamente neutro.

Brie se alegrou de que estivesse dominando suas emoções.

— Onde estou?

— Em minha casa, o castelo de Awe. Te enviarei a seu tempo quando tiver recuperado as forças — respondeu com brutalidade.

Seu olhar era tão fixo, tão duro, que Brie corou. Talvez fosse preferível não ver sua expressão, porque até embaçado, seu olhar era inquietante. Brie se sentia quase como se estivesse apanhada em uma jaula com um animal selvagem. Não se atrevia a se mover por medo de provocá-lo.

Ali sozinhos, no corredor, era impossível não lembrar que esteve em seus braços. Mesmo contido, seu poder era tão viril e sexual que seu pulso acelerou. Sempre, pensou, acharia Aidan terrivelmente atraente.

O que não sentiu até então era sua energia magnética. Entre eles palpitava uma força que a arrastava para ele. Certamente não percebeu antes por causa da empatia. As turbulentas emoções de Aidan foram uma distração arrebatadora; nesse momento, entretanto, seu magnetismo era surpreendentemente forte.

Ela tentaria se recompor.

— Está bem? — perguntou com cautela. Não via nenhuma bandagem debaixo da túnica.

Ele entreabriu os olhos.

— Pergunta por minha saúde?

Ela umedeceu os lábios.

— Atiraram em você — ela pensou.

A ira de Aidan aumentou.

— Estou quase curado — disse asperamente.

Assim, tinha poderes de recuperação extraordinários, pensou Brie. Isso tampouco era demoníaco. Os demônios não tinham poder de curar, nem sequer de curar a si mesmos. Os demônios destruíam.

— Uma criada vai te mostrar seu aposento. Pode ficar aí — virou e começou a andar pelo corredor.

Brie não tinha intenção de ficar no corredor, só e às escuras. Sobretudo, com seus problemas de visão. Aidan começou a descer por um buraco escuro que era, evidentemente, uma escada de caracol.

— Espere, por favor — suplicou ela, e correu atrás dele.

Aidan começou a desaparecer pela escada como se não tivesse escutado. Obviamente, queria se afastar.

Brie se aproximou apressadamente, apesar da dor nas costelas. Tropeçou e caiu pelas escadas.

Caiu com violência. Depois de sua viagem através do tempo e tendo as costelas machucadas ou quebradas, a queda causou uma dor espantosa. Gritou e as lágrimas por fim encheram seus olhos. Por um momento, enquanto as mãos de Aidan se fechavam sobre seus braços, sentiu-se aturdida e fraca. E em seguida sentiu apenas suas grandes mãos e a fortaleza que irradiavam.

Seu contato era reconfortante, pensou. Embora isso fosse impossível, porque se transformou em um demônio.

— Porque não olha por onde vai? — perguntou ele rudemente. — Por acaso tem dois pés esquerdos?

As costelas doíam e levantou o olhar para seus vívidos olhos azuis. A boca de Aidan estava a poucos centímetros da sua. Estava quase em seus braços. O que ia fazer com a atração que sentia por ele?

Os olhos de Aidan mudaram; pareceram arder lentamente.

— Não vejo nada. Preciso de meus óculos — conseguiu dizer. Ele machucou a boca?

— Está ferida — disse ele sem inflexão, com o olhar fixo nela. — Esses meninos possessos te fizeram mal.

Ela assentiu com a cabeça, mordendo o lábio, e desejou absurdamente se desculpar por ser tão desastrada. E, o que era mais absurdo ainda, desejava se aproximar dele. Simplesmente, não parecia perigoso. Queria que lhe tocasse as costelas doloridas, como se seu contato pudesse aliviar a dor. E gostaria de tocar o rosto perfeito. O impulso de abraça-lo era tão forte que começou a levantar a mão.

Ele ficou parado; seu rosto endureceu e os olhos brilharam, de repente a rodeou com o braço e a pôs de pé; depois a empurrou contra a parede. Sua ira inundou Brie. Começava a se sentir enjoada. As emoções de Aidan eram impossíveis de suportar.

— Chega — lhe suplicou. — O que aconteceu com você?

— Não se aproxime — a advertiu ele.— Não quero você aqui. Não quero que se preocupe comigo mim, nem quero conversar contigo. Entendido?

Ela sufocou um gemido.

— Você me trouxe aqui! Não pediu minha opinião.

A boca de Aidan se curvou em uma careta desagradável.

— Seu amigo Nick precisava de um castigo. Não pode triunfar sobre mim.

Sustentaram o olhar. Os olhos de Aidan flamejavam.

— Por isso estou aqui? — Brie não podia acreditar nele.

Ele a olhava agora mais severo.

—Me invocou contra minha vontade. Não quero que me chame, nunca quis. E eu não gosto de seu homem.

Brie olhava pra ele, nervosa.

— Eu não tenho poder para invocar ninguém. Me ouviu e me resgatou — disse devagar. — Apesar de toda essa ira, fez o correto. Ah, e Nick não é meu homem. É meu chefe.

— Isso não me importa. — grunhiu ele. Seu aborrecimento repentino mudou, e uma máscara cobriu seu rosto. — Claire está lá embaixo. Ela vai curar suas costelas — virou para partir.

Sabia que estava ferida e sabia exatamente onde, disse Brie a si mesma.

— Aidan, espere.

Ele a olhou.

— Não se cala nunca?

Ela pegou fôlego.

— Me salvou dos subdemonios. Não te agradeci. Obrigada, Aidan — acrescentou com firmeza, e sorriu pra ele.

Os olhos de Aidan alargaram. Enfurecido de novo, virou e desceu pelas escadas.

Era um barril de pólvora, pensou Brie, e bastava uma palavra ou um olhar para que explodisse. O seguiu, sem pressa. Abaixo, no patamar, havia mais luz e viu sua figura mais adiante, entrando em outro lugar. Um momento depois ela parou na soleira do grande salão.

Embora não distinguisse os detalhes, era uma sala enorme e de tetos altos. De um lado havia uma grande chaminé em que ardia um bom fogo, diante da chaminé havia duas cadeiras e no centro do salão, uma mesa larga com bancos de cada lado. O lugar era muito espaçoso, mas escasso de móveis.

Aidan sentou à cabeceira da mesa de cavalete e pegou um garfo. Brie notou um aroma de carne assada e cerveja. Hesitou. Aidan não estava sozinho.

A seu lado havia um menino de nove ou dez anos. Estava vestido como Aidan, com uma túnica que chegava ao joelho e um manto de tartán, e tinha o cabelo escuro e os olhos azuis. Brie quase pareceu reconhecê-lo, embora isso fosse impossível.

O menino olhava Aidan com expressão suplicante, mas ele se limitava a beber de uma grossa caneca. Brie sentia a angústia do pequeno.

Ficou tensa. Uma coisa era ser grosseiro com ela, e outra que ignorasse um menino desventurado.

Brie estava tão zangada que demorou um momento para poder falar. Talvez ela pudesse ajudar o pequeno, já que Aidan não o fazia.

— Olá — disse, e sorriu com forçada alegria. — Fala inglês? Posso te ajudar? — perguntou, e se ajoelhou para olhá-lo aos olhos.

Aidan se engasgou com o vinho. Seus olhos brilhantes se dilataram, cheios de assombro.

Brie não deu bola. O menino a olhava. Ela sabia que era impossível que o conhecesse, apesar dele lhe parecer tão familiar.

— Eu sou Brie — disse suavemente. — Você como se chama? O menino parecia desconcertado. Brie estava cada vez mais preocupada. — Está bem? Onde está sua mãe? — perguntou, pensando que talvez não falasse inglês.

Aidan se levantou rugindo: — Que palhaçada é essa?

Brie se separou num pulo, de repente a atravessou uma dor tão intensa que se sentiu cega. A dor procedia de Aidan, não de suas costelas.

Aidan a agarrou pelo braço e gritou: — Com quem está falando?

Brie tentou conter a dor que a embargava. Voltava a sentir no coração aquela terrível faca, acompanhada de um imenso desespero. Sua visão clareou e olhou para o menino. Este começou a falar, mas ela não ouvia nenhuma palavra.

Seu coração começou a pulsar com violência; uma vaga lembrança começava a aflorar. Aidan a agarrou pelos ombros. Estava machucando ela.

— Quem está vendo? — rugiu para ela.

Apenas ela via o menino? Brie olhou para o menino assustado e observando, e depois para Aidan.

— Meu Deus. Você não o vê?

Aidan ficou branco.

— Não, não vejo ninguém.

 

Brie sufocou uma exclamação de surpresa. Via o menino nitidamente, como se sua vista fosse perfeita. Pelo contrário, o menino era invisível para Aidan. Estava diante a alma de um garotinho.

— É um menino — murmurou, com o olhar fixo nos olhos de Aidan.

A dor de Aidan a golpeou com tanta força que a fez cair de joelhos.

— Onde está? — gritou, angustiado. — porque você o vê? Ainda está aqui? Não o vejo!

De joelhos, Brie levou as mãos ao peito. Tentava conter a dor, respirar. Olhou para Aidan, olhou mais à frente para o fantasma, mas não pôde falar. Ninguém podia viver com aquela agonia, pensou. Sentiu que as lágrimas começava a correr por seu rosto.

— Está... aqui... ao seu lado.

Aidan gemeu. Depois, colocou-a de pé, e perguntou:

— O que quer?

— Não sei... o que quer — gemeu ela. A dor de Aidan a golpeava brutalmente, onda após onda de dor. — Não posso... Dói muito... Pare, por favor!

Aidan a olhava com desespero. Cravava os dedos em seus braços.

— Pare — soluçou ela. — Sinto tudo o que você sente. Tem que parar!

O pequeno começou a desaparecer. Falava rapidamente, mas não emitia nenhum som.

— Espera! Não vá! — gritou Brie.

Era muito tarde. O pequeno se desvaneceu.

— Partiu? — perguntou Aidan, angustiado.

Brie assentiu com a cabeça. Ele tentava refrear sua pena. Brie demorou um momento para poder falar. Tinha uma imensa dor de cabeça.

— Quem é?

Aidan a soltou.

— Meu filho — seus olhos refletiam a terrível tortura que tentava ocultar. Saiu do salão.

O fantasma de seu filho atormentava Aidan.

Brie se deixou cair no banco, apoiou a cabeça nos braços, sobre a mesa, afligida pelo que acabava de acontecer. Aidan estava atormentado. Sofria por seu filho morto. Ninguém devia passar pelo calvário de perder um filho. Por isso perdeu sua fé?

O anel de sua avó começou a formigar no dedo. Brie estava certa de que a avó Sarah queria lhe dizer algo, mas estava tão alterada que não sentia o que era.

Aidan não podia ver o menino, mas soube em seguida com quem ela estava falando. Viu seu espectro alguma vez? Era ela a única que podia vê-lo?

Porque sentia uma empatia tão intensa e dolorosa com Aidan, mesmo através do tempo? Tudo aquilo estava conectado, pensou, e isso incluía o fato de que estivesse no castelo de Awe, onde se encontrava o fantasma de seu filho.

De repente ouviu o uivo lastimoso de um lobo.

Brie ficou tensa. Estava toda arrepiada. Aquele uivo solitário, um som de angústia e desespero insondáveis, parecia infinito. A tristeza e o desânimo foram invadindo-a pouco a pouco, até que se sentiu perdida em um imenso e negro labirinto sem saída possível, em uma eternidade de desespero.

O uivo começou de novo no momento em que parecia que começava a se dissipar, e seu longo e solitário lamento ressoou outra vez. Brie levantou e caminhou lentamente para a soleira do grande salão. Embora antes tivesse pensado em fugir, já não podia fazê-lo.

Aquele homem precisava sarar, pensou, trêmula. E também precisava de um amigo.

Provavelmente não foi boa ideia se deixar invadir pela compaixão, e oferecer sua amizade podia ser perigoso, mas não podia evitar o que sentia, nem queria fazê-lo.

O anel da avó Sarah deixou de incomodar.

As janelas do corredor de fora eram pequenas, e Brie se sentiu atraída para a mais próxima. Viu através dos barrotes a praça externa e as altas muralhas do castelo. A lua cheia, de uma feroz cor alaranjada, ardia no céu. A lua vermelha era presságio de grandes males, mas Brie nunca viu uma lua como aquela. Ignorava o que podia querer dizer sua cor intensa.

Ouviu passos e Brie se assustou ao perceber um grande poder branco. Um casal dobrou a esquina. Ele era um highlander muito bonito, vestido exatamente como Aidan, exceto pela cor de seu manto. Brie demorou um momento olhando à mulher. Era muito alta e atraente, com o cabelo avermelhado. Usava um colete comprido, um manto de tartán preso com cinturão e uma espada curta. Depois, Brie viu jeans debaixo de seu colete.

Sua surpresa desapareceu. Allie retrocedeu no tempo no ano passado, e ela mesma acabava de viajar no tempo. Era muito provável que não fossem as únicas que encontraram um modo de retroceder na história, e aquela mulher de cabelo avermelhado era a prova.

A desconhecida se aproximou apressadamente.

— Está ferida.

— Me atacaram... em Nova Iorque — disse Brie, vacilante, com os olhos fixos no rosto da mulher. Tinha acento americano e usava o cabelo preso em um penteado bem americano.

Não parecia surpresa em ouvi-la.

— Sou Claire, e este é meu marido, Malcolm de Dunroch — Claire pôs a mão sobre suas costelas doloridas e Brie se assustou. — Deixa que te cure.

Brie assentiu e mordeu o lábio enquanto o calor das mãos de Claire começava a invadi-la. Viu que Malcolm estava junto a uma das janelas gradeadas, olhando a noite com expressão severa. Não precisava ter poderes telepáticos para saber que estava escutando o Lobo, esperando que uivasse de novo. Seu lamento desapareceu. Brie estava certa de que não haveria mais uivos angustiados.

— É Aidan —disse com voz fraca.

Malcolm virou para ela e seus olhares se encontraram.

— Sim. Sou seu meio irmão — acrescentou.

Brie não só ficou surpresa; também se sentiu aliviada. Aidan tinha família.

Claire afastou a mão.

— Não sou uma grande curandeira, mas acredito que assim esta melhor. Como se sente?

Brie respirou fundo e não sentiu nenhuma dor.

— Puxa, muito melhor. Obrigado. Sou Brie — acrescentou.

Claire a olhava intensamente.

— Aidan fez isso com você?

— Não! — Claire era a cunhada de Aidan, e até ela acreditava que fosse capaz de lhe fazer mal. — Uma gangue de adolescentes me atacou, não foi Aidan.

Malcolm se aproximou delas.

— Vou te levar para seu tempo. Em Awe não está segura.

Brie ficou tensa. Durante os minutos passados ficou claro que não podia ir a nenhum lugar enquanto Aidan sofresse daquele modo.

— Não acredito que vá me fazer mal — disse com firmeza, sustentando o olhar. Malcolm esquadrinhava abertamente seus olhos. Ela procurou não ruborizar. Não queria que ele suspeitasse que abrigava sentimentos pessoais por seu irmão. — Se quisesse me fazer mal, teve inúmeras ocasiões para isso.

Malcolm e Claire trocaram um olhar e Brie ficou de sobreaviso. Malcolm disse:

— Decidi manter a fé, mas não confio de todo nele. Não acredito que esteja a salvo aqui. Aidan usa às mulheres conforme seu desejo. Para que se arriscar, lady Brie?

Brie levantou o queixo. Seu coração batia com violência. Malcolm se equivocou. Aidan podia ter se aproveitado dela na torre e não o fez.

— Se o que está dizendo é que Aidan comete crimes de prazer, não acredito.

Malcolm se acalorou.

— Eu muito menos — respondeu —, mas é preferível que parta de Awe.

Não estava certa até que ponto Aidan se tornou demoníaco. O coração de Brie doía.

— Ele precisa de amigos — disse, tremendo. — Precisa de mim — adicionou. E sentiu que suas bochechas coravam.

Malcolm a olhava fixamente, igual sua mulher.

— Meu irmão não precisa de ninguém, e ele será o primeiro a te dizer isso. Não tem amigos, nem mesmo um. Você não o conhece, moça.

Brie sacudiu a cabeça, desgostosa.

— Ninguém pode viver sozinho. Todo mundo precisa de amigos.

— Aidan perdeu sua alma faz décadas — disse Claire com voz suave. — Se converteu em um homem enigmático e perigoso. Convém não ter ilusões românticas a respeito dele, confio em que se dê conta disso. Espero que não esteja interessada nele.

— Sou uma Rose — respondeu Brie, confiando em poder ocultar seus sentimentos. — As Rose têm dons e se supõe que devemos usá-los para ajudar a quem precisa. Tenho a Visão e uma poderosa capacidade de empatia. Conheci Aidan há um ano, rapidamente, e não esperava voltar a vê-lo. Mas recentemente sua dor e seu desespero me invadiram. Nunca antes experimentei uma empatia tão intensa. Se estou aqui é por alguma razão, Claire.

— E que razão crê que é essa? — perguntou Malcolm sem rodeios.

Brie hesitou.

— Aidan salvou minha vida — disse a eles. — Os subdemonios queriam me matar e ele me salvou. Provavelmente agora me deixe ajudá-lo.

Claire afogou uma exclamação de surpresa.

— Não resgatou nenhum Inocente desde que seu filho foi assassinado.

Brie respirou fundo, angustiada de novo por Aidan e seu filho.

— Foi um demônio?

— Foi seu pai — respondeu Claire.

— Meu Deus — Brie murmurou, horrorizada. — Como deve ter sofrido! Não estranho que tenha se voltado tão sombrio.

Claire a segurou pelo braço.

— Está se envolvendo muito nisto, Brie.

— Como não vou me envolver? Aidan precisa de mim. Precisa de nós — acrescentou rapidamente, ruborizando. — Temos que ajudá-lo.

— Ajudá-lo? Como? — perguntou Claire. — Ajudá-lo a encontrar a si mesmo? Aidan é implacável, Brie.

Brie se abraçou.

— Se ele fosse tanto quanto diz, eu não estaria aqui.

Claire estava pálida.

— Realmente quer ser sua amiga? Com que fim? Para que volte a assumir seus votos? Não é o mesmo, e não acredito que volte a ser o de antigamente. Vai te destruir.

Malcolm a segurou pelo cotovelo.

— Ela o quer, Claire.

— Obviamente — respondeu sua esposa.

Brie se deu conta de que não tentou ocultar seus sentimentos.

— Não posso deixa-lo sabendo o quanto sofre. E tampouco posso me afastar do fantasma de seu filho.

— Se é que há tal fantasma — disse Claire.

Brie se surpreendeu.

— Porque diz isso?

— Porque Aidan é o único que viu Ian.

Brie ficou atônita.

— Eu o vejo.

Claire abriu excessivamente os olhos e olhou para Malcolm.

— Os Deuses não fazem nada sem um motivo... quando se incomodam em nos emprestar atenção — disse ele por fim.

— Pode ser que tenha razão e que haja um motivo para sua presença aqui — disse Claire a Brie. Sacudiu a cabeça. — Aidan não a assusta? Nós o tememos, todo mundo o teme. É natural que seja assim.

Brie não temia Aidan. Ele a fazia se sentir incômoda e era imprevisível, mas não acreditava que fosse capaz de lhe fazer mal, a aterrorizava o Lobo.

— Ainda tem consciência.

Malcolm pareceu surpreso.

— Tem fé, e isso me satisfaz.

— Seja sua amiga — disse Claire, muito séria —, Salve-o se puder, mas não confie nele. — Ela a advertiu.

Brie sabia que era um conselho excelente. E era certo que não confiava muito em Aidan, de modo que seria fácil segui-lo.

Malcolm disse:

— Continuo temendo por você, moça. Minha consciência não me permite deixar uma Inocente neste lugar, com meu irmão, porque não vem para Dunroch conosco? Pode salvar Aidan pouco a pouco, de uma distância prudente.

Brie não pensava em ir a parte alguma.

— Agradeço sua preocupação, mas fico aqui — não podia se tornar amiga de Aidan se estivesse em Dunroch. Olhou fixamente ao belo casal. — Conhecem Royce o Negro e à senhora de Carrick?

Malcolm sorriu.

— Royce é meu tio, moça. Claro que o conhecemos, muito bem.

Brie se sentiu imensamente aliviada. Precisava de reforços, e Allie era a pessoa indicada.

— Vivem longe daqui?

— Carrick fica a dois ou três dias a cavalo, dependendo da época do ano — disse Claire com um sorriso. — Deveria ter adivinhado que Allie e você eram amigas. Mandarei um recado de que está no Awe.

— Obrigada — respondeu Brie. Não estava tão só quanto a uma hora atrás, e agora que compreendia melhor o que aconteceu com Aidan seu objetivo parecia mais nítido. — Tenho uma pergunta mais. Que dia é hoje?

— Dezoito de novembro — disse Malcolm. — Dezoito de novembro de 1502.

Brie ficou paralisada de horror.

 

Jazia na terra fria e úmida, ofegando com força, incontrolavelmente, com a cabeça entre as patas. No céu brilhava, enorme, a lua. Brianna podia ver seu filho.

Tinha uivado sua angústia até que não pôde uivar mais, porque ela via Ian quando ninguém mais o via, exceto ele?

A manada de lobos que se reuniu, atraída por seu desespero, rodeava a clareira onde jazia imóvel, embargado pela dor. As fêmeas o desejavam; os machos morreriam por ele e ficariam ali até que mudasse de forma, protegendo-o. Não fez tentativa de metamorfosear-se. Naquele momento não desejava retornar jamais ao castelo de Awe.

Porque Ian foi até ela em vez dele? E por que Brianna o via tão claramente, durante um longo tempo, quando a ele só era permitido vislumbrá-lo um instante?

Os lobos não podiam chorar. Nem se lamentar, sentou-se e dessa vez, quando uivou, seu uivo reverberou através do bosque e chegou até o alto das montanhas. A manada fez coro de seus gemidos.

Seu filho lhe aparecia desde o dia de seu assassinato. Não importava que estivesse no Awe, em Dunroch, na corte ou em plena batalha, no futuro ou no passado: todo o dia, sem falta, chegava esse momento. Podia estar dobrando a esquina de um corredor, saindo do grande salão ou de uma escada. Podia estar caçando um veado, ou na proa de uma galera, de repente e sem prévio aviso, pela extremidade do olho, vislumbrava seu filhinho.

E por um instante assustador encarava Ian, que ficava ali, olhando-o, assustado, e depois desaparecia.

Aconteceu quatorze mil e noventa e três vezes nos últimos sessenta e seis anos.

Esse dia, pelo contrário, Ian foi até Brianna.

O que significava aquilo? Ninguém nunca viu aquele pequeno fantasma, ninguém além dele. Sabia que seus empregados achavam que era louco, igual a Malcolm e quase toda Alvorada. Mas Brianna também viu seu filho.

Não passava nem um só dia em que não esperasse por aquela visão fugaz da única pessoa a quem ainda amava.

Não passava nem um só dia sem que não temesse ver seu filho morto.

Porque não bastava vê-lo fugazmente. Vê-lo assim era uma tortura. Estava claro que seu filho queria falar, mas assim que ele tentava, Ian desaparecia.

Os uivos foram diminuindo. A manada estava inquieta; sentia sua angústia. Levantou-se com o cabelo arrepiado e a manada se reuniu ao seu redor. Gravou na mente a imagem de Brie. Não a queria no Awe, não a queria em sua vida, mas não podia permitir que partisse.

Entrou entre as árvores seguido pela manada, disposto a descarregar sua fúria contra as inocentes bestas do bosque.

 

— Já está acomodada para esta noite? — perguntou Malcolm com um sorriso. Apesar de estar preocupado por seu irmão, sempre que via sua esposa o coração pesava e seu corpo se agitava.

Claire fechou a porta do quarto atrás dela.

— Sim. Estava tão cansada que adormeceu mal pôs a cabeça no travesseiro. Estou preocupada com ela, Malcolm.

Ele se aproximou e a estreitou entre os braços; desejava fazê-la gozar cem vezes antes de que amanhecesse, mas sabia que sua paixão teria que esperar.

— Claire, posso manda-la de volta a seu tempo embora ela não queira.

— Sei, mas está tão decidida, Malcolm... Não é o que esperava para Aidan.

Malcolm olhou os belos olhos de sua esposa.

— Você é uma Guerreira, lady Allie é uma Curandeira e lady Tabitha, uma Bruxa com grandes poderes. Mas quando nos conhecemos não tinha poderes definidos. E quando lady Tabitha chegou ao Blayde, suas curas falhavam frequentemente. Só lady Allie tinha grandes poderes quando chegou do passado.

Claire mordeu o lábio.

— Essa mulher é uma perita em informática, Malcolm. Trabalha para o CAD, mas no fundo, se dedica a investigar. Não é uma Guerreira, nem Curandeira, nem Bruxa. Aidan a destruirá, se a desejar muito. Ela não pode enfrentá-lo. Certamente já a seduziu e usou.

— Tem dons — lembrou Malcolm suavemente —, e uma fé muito poderosa.

— Sim, tem muita fé em Aidan, Malcolm. Como a que tinha eu em você, a que Allie tinha em Royce e Tabby em Guy. Está apaixonada por ele, embora não saiba.

— E não crê que possa sobreviver a seu amor... e ao ódio de Aidan?

— Tenho medo por ela. Quero protegê-la na viagem que se propõe a empreender — disse Claire.

— Então quer que a faça voltar para o futuro? — perguntou Malcolm, divertido. Conhecia tão bem sua esposa que sabia já sua resposta.

Claire hesitou. Se aprendeu algo era que o amor podia curar qualquer coisa e que o destino era o mais estranho companheiro de cama. Ela se tornou louca por Malcolm e aconteceu o impossível: seu amor triunfou contra toda desesperança.

Malcolm, que leu seu pensamento, como sempre, disse:

— É uma garota muito bonita, Claire. Talvez seja seu destino devolver o meu irmão ao caminho certo. Ela acredita, e essa fé a ajudará.

Claire respirou fundo, consciente de que uma decisão equivocada podia causar a morte de Brie.

— Vamos lhe dar uns dias — disse. — A ela e a Aidan.

 

Brie não estava certa do que a despertou, mas de repente se encontrou às escuras olhando o teto, consciente de que não estava sozinha.

Claire a conduziu até um pequeno quarto, em um dos pisos de cima. Ficaram falando sobre a Irmandade, e Claire começou a lhe falar de três livros sagrados e um santuário, mas Brie estava muito cansada para escutar, e muito alterada pela data em que chegou ao passado. Ao ver a cama, se aproximou aos tropeções e se deixou cair nela sem tirar sequer as sandálias. Sabia que dormiu mal colocou a cabeça no travesseiro.

Sentou-se lentamente, tentando que seus olhos míopes se acostumassem à escuridão. Ainda restava um pequeno fogo dançando na lareira. Piscou, cada vez mais tensa. Havia uma sombra aos pés da cama.

Sentia um intenso poder masculino, nem branco, nem negro.

Respirava nervosamente.

— Aidan?

A sombra não falou, nem se moveu.

Brie sabia que era ele, mas seu corpo não mostrava emoção alguma; só emanava calor. Tentou manter a calma, mas foi impossível.

— Esta tudo bem?

Ele se aproximou de repente da chaminé e começou a jogar mais lenha. O fogo se avivou, iluminando-o quando virou para ela.

— Não tenha medo de mim — disse de modo rude. Seus olhares se encontraram dos lados opostos do quarto. — Não vou te fazer mal.

Brie não se moveu. Só sentia a presença e o poder de Aidan, e seus próprios sentidos apurados. No vazio da noite, soube que Aidan falava sério.

Olhou para sua sombra imprecisa e sustentou seu olhar. Lembrou que se encontravam em novembro de 1502, e que o enforcariam no fim desse ano, se a história não estivesse errada. Pensou que muito tempo atrás, não sabia quanto, o pai dele matou seu filho. Pensou no fato de que um dia foi um homem que sorria com facilidade e defendia a Inocência. Agora sofria, estava cheio de ira e se via assaltado pelo fantasma de seu filho morto.

Ele não respondeu. Brie ignorava por que foi a seu quarto, mas sabia que não corria perigo. A compaixão se apoderou dela. Aidan passou a noite chorando por seu filho, jamais esqueceria como uivava o Lobo à lua alaranjada.

— Está bem? — perguntou suavemente.

Ele continuava olhando pra ela, muito longe para que Brie pudesse distinguir seus traços ou expressão.

— Sim.

Precisava ver seu rosto. Queria saber o que pensava e sentia sem ter que experimentar por empatia. Hesitou, entretanto, porque estavam em plena noite e a sós em seu quarto, subiu mais as mantas.

— Aidan, conheci Malcolm e Claire.

Ele pegou a única cadeira que havia no aposento e a aproximou da cama. Não se sentou.

— Desejo falar contigo, Brianna.

Ela não se surpreendeu. Aidan tinha as emoções bloqueadas, assim podiam manter uma conversação normal. Estava quase entusiasmada.

— Imagino que deve ser bastante urgente.

— Depois amanhecerá. Por favor, venha se sentar.

Brie se deu conta de que o céu começava a se cobrir de uma luz cinza e violeta. A alvorada começava a aparecer no horizonte das Terras Altas. Hesitou, confiando que ele quisesse falar de seu filho. Depois desceu da cama, completamente vestida. Retirou o cabelo detrás das orelhas enquanto se aproximava da cadeira. Aidan tinha as mãos sobre o respaldo. O corpo do Brie pareceu vibrar ao tomar assento. Sentia seu magnetismo. Assim, tão perto, seu poder parecia vibrar para ela, e vice-versa.

Aidan soltou a cadeira e ela sentiu que, ao fazê-lo, roçava seu cabelo com as mãos.

Recordou que aquele não era o melhor momento para se sentir atraída por ele. Fechou os olhos. Tinha que se manter neutra e fazer segredo de seu ardor e sua atração, por seu físico e sua masculinidade. Queria salvá-lo. Queria que fossem amigos. Isso era prioridade.

E, por outro lado, todo o resto estava descartado.

Quando abriu os olhos, ele estava olhando pra ela fixamente, a apenas alguns passos de distância. O viu claramente. Seu olhar vívido estava cravado nela, sério e escrutinador. Mas assim que o olhou nos olhos, ele baixou as pálpebras. Não tinha intenção de lhe permitir ver seu olhar, nem sua alma.

Nesse momento, quase parecia o de antes. Poderia ter sido o Mestre de antigamente, um homem consagrado aos Deuses e à defesa da humanidade. Brie sabia, entretanto, que fazia muito tempo que se separou desse homem para empreender uma viagem longa e escura.

Não tinha certeza do que aconteceu na noite passada depois que parou de uivar tragicamente. Talvez fosse melhor não saber.

— Antes ouvi o Lobo, por que se transforma?

Ele sorriu sem vontade.

— Porque posso.

— Uiva frequentemente?

Para surpresa de Brie, Aidan olhou sua boca.

— Sim, bastante — disse por fim.

Brie se abraçou, inquieta. Ele acabava de olhar pra ela com interesse sexual? Tinha feito isso antes, essa noite?

— Eu não gosto do Lobo.

Ele deu de ombros.

— Os animais são predadores ou presas — acrescentou ela com cautela. — Nós dois sabemos que o Lobo é um predador — Aidan a olhou. — E os animais não têm consciência.

— E? — ele perguntou tranquilamente.

— Esse Lobo é muito conveniente pra você.

O rosto de Aidan se contraiu.

— Sim, o Lobo é muito útil pra mim.

— Mas o Lobo tem consciência, afinal de contas, igual a você. Eu vi.

Ele levantou os ombros e se esticou.

— Não me desafie.

Brie não tinha intenção de provocá-lo.

— Não estou te desafiando. Estava pensando em voz alta, tentando te compreender. Sinto muito.

— Não tem que me compreender, Brianna. Nem sequer tente — seus olhos brilharam de ira.

Ela tocou num tema delicado. Não queria que se zangasse.

— Sinto muitíssimo sobre seu filho — disse com todo seu coração. — Muitíssimo. O que aconteceu é espantoso. Trágico e injusto.

Aidan estava tão quieto que poderia estar esculpido em pedra. Depois Brie viu que seu peito subia e baixava sob o pescoço na borda manto. Viu o colar com a presa.

Ele cruzou os braços musculosos sobre o peito.

— Viu Ian — disse. — Ninguém nunca o viu, exceto eu.

Então ele também via Ian, embora parecia que nem sempre. Ela assentiu com a cabeça, tentando esquadrinhar seu olhar, mas ele não permitiu.

— Malcolm e Claire me contaram o que aconteceu. Quanto tempo faz que aparece pra você?

Seu rosto endureceu.

— Mês que vem fará sessenta e seis anos que o mataram.

Brie ficou atônita. Ian apareceu por toda uma vida!

— O que quer de você?

— Não sei — ela respondeu com franqueza. — Tentava falar, mas não o escutava — parou. O pequeno estava com medo e desesperado, mas dizer a Aidan só causaria mais angústia.

Aidan ruborizou de ira.

— Posso ouvir todos seus pensamentos — a advertiu. — Ian tinha medo.

— Sim, parecia muito assustado — e de repente uma onda de dor caiu sobre ela como um golpe de mar.

— Porque foi a você e não a mim? — gemeu ele. — Tentou falar comigo todos estes anos. O que quer dizer?

O desespero de Aidan se somou aquela maré de angústia. Era difícil falar.

— Não sei...

De repente, a angústia e o desespero se dissiparam, sufocados por sua alma. Brie respirou, tremendo como uma folha. Tinha que dominar seus pensamentos para não ferir Aidan.

— Outro dia senti seu sofrimento através do tempo. Havia tanta angústia e dor que pensei que o estivessem torturando. Havia raiva e depois, no fim, também tristeza, e isso foi o pior de tudo. Como agora. Não estavam te torturando, não é? Era por causa de Ian.

— Moray pegou meu filho — respirava com força. — Fiquei ali, impotente, enquanto o assassinava. Tentei detê-lo retrocedendo no tempo. Tentei várias vezes... e fracassei.

Aidan presenciou muitas vezes o assassinato de seu filho, e ela percebeu sua dor ao reviver sua morte.

A cabeça doía.

— Esse demônio te enterrou vivo? — perguntou com cautela.

Aidan desviou o olhar.

— Derrubei minhas próprias muralhas.

Brianna desejava abraça-lo, mas não se atreveu.

— Então você se enterrou vivo e desejou morrer.

Ele a olhou de frente.

— Isso foi há sessenta e seis anos. Agora vivo para me vingar.

Sua imensa e desumana sede de sangue invadiu Brie, e a assustou. Mas não o culpava: não podia. Não podia evitar pensar em como sofria a alma de seu pobre filho, apanhada entre dois mundos. Ian não merecia esse destino, como não merecia seu pai.

Aidan ouviu seus pensamentos. Olhou-a nos olhos e sua máscara rachou um instante. Brie viu um homem à beira das lágrimas, e sentiu de novo aquela onda de tristeza.

Levantou e, ao segurar os braços dele, se surpreendeu com a dureza de sua musculatura.

— Esclareceremos isto juntos.

Aidan se afastou, furioso.

— Não vamos fazer nada juntos, Brianna. Não me reprove por querer me vingar… Pois eu direi a quem deve reprovar, aos Deuses, a todos e cada um deles!

Brie retrocedeu.

— Não pode falar sério.

— Oh, claro que sim — disse com sarcasmo. — Meu filho era inocente, mais inocente que qualquer um. Jurei servir à Inocência e, entretanto, arrebataram meu filho. Estava escrito? — gritou. — Pois eu tenho escrito o destino dos Deuses, mas eles são uns covardes porque não vêm à terra lutar comigo?

Ele estava desafiando os Deuses. Nenhum mortal podia ganhar essa batalha, como não podia ganhar nenhum demônio, nem o filho de um demônio.

— Por favor, retire o que disse, — sussurrou ela, aterrorizada. — Antes de que te ouçam, antes de que aceitem!

— Oxalá me ouvissem! — Parou junto à chaminé e se apoiou contra a pedra, de costas para ela, tremendo.

Brie desejava confortá-lo, mas não se atrevia. Queria rogar que retirasse o que havia dito; mas ele voltaria a negar e começaria a clamar de novo contra os Deuses. Brie desejava fugir da cólera dele, que a deixava doente, mas não podia deixá-lo, ficou ali, olhando o homem mais belo do mundo... e o mais atormentado.

Passou um momento enquanto ele lutava por dominar sua ira. Depois a olhou.

— Agora ficará a meu lado.

Brie se esticou. Não sabia o que queria dizer e desconfiava de suas intenções.

Ele virou e se aproximou da porta, onde se deteve.

— Amanhã partimos de Awe.

— Aonde vamos? — perguntou ela nervosa.

Um frio sorriso se formou nos lábios de Aidan.

— À guerra.

 

Brie enrijeceu, certa de que ouviu mal.

— O quê?

— Sairemos dentro de uma hora — disse Aidan. — Partimos para Inverness.

Brie estava perplexa. Sua mente funcionava a toda pressa. Aquele era o ano de sua execução, e já estavam no fim de novembro, iriam pendurá-lo por traição! Brie se encheu de medo.

— Vais partir junto com MacDonald? — perguntou.

Ele entreabriu o olhar.

— Conhece nossas guerras?

Santo céu, pensou Brie.

— Aidan, a traição é um delito punido com a forca.

— Tenho em muito pouca estima o conde de Argyll — respondeu ele com um olhar cruel. — Sim, vou partir junto com MacDonald. Prometi a ele quatro mil homens. Lutamos pelo senhorio das Ilhas.

— E de que lado está o General do Norte? É Frasier, não é? — perguntou Brie, pensando no texto que leu. — Vai lutar contra a Coroa. Vai ser enforcado por traição!

Os olhos de Aidan aumentaram.

Brie se separou dele, sacudida no mais fundo de seu ser.

Retrocedeu no tempo até um ponto muito próximo à execução de Aidan. Não estava destinada a impedir o assassinato de Ian, mas sem dúvida sim a evitar que enforcassem Aidan... Porque não sentiu que iria redimir um homem exposto a uma morte certa.

Antes de lhe dar tempo de pensar mais, Aidan pegou seu rosto e levantou o queixo para olhá-la nos olhos.

— Depois poderá me falar de meu enforcamento — e saiu de seu aposento.

Brie ficou olhando pra ele até que desapareceu de sua vista. Depois levou a mão à cabeça; suas têmporas palpitavam.

Aidan iria levá-la com ele, iria se lançar sobre Inverness com quatro mil highlanders rebeldes?

Tinha que impedi-lo de ir à guerra ou, em todo caso, impedir sua execução iminente. Aidan sofria tanto... Precisava se curar, e seu filho necessitava de paz. Se ele pudesse deixar de lado a dor, talvez pudesse superar e recuperar a fé.

«Meu Deus», pensou, cada vez com mais dor de cabeça. Ela não era mais que uma perita em informática, tímida e modesta, e não muito valente: ao menos até pouco tempo. No que estavam pensando os Deuses e sua avó, no que ela estava pensando?

Apareceu uma moça que vacilou na soleira da porta, interrompendo assim suas reflexões. Levava nos braços um monte de roupas.

— Minha senhora? O senhor deseja que se vista. Faz frio de dia e mais frio ainda de noite —acrescentou com um sorriso.

Brie se surpreendeu. Aidan teve a delicadeza de lhe enviar roupas de frio? A moça pôs o monte de roupa sobre a cama e Brie viu um comprido colete de linho, um manto de tartán, um cinturão e botas forradas de pele. Depois viu óculos em cima do manto, aproximou-se correndo.

— Óculos medievais!

— O senhor os pediu ao mordomo — explicou a moça.

As grosas lentes estavam unidas por um arame, sem as hastes laterais. Brie não se importou. Colocou sobre o nariz e se entusiasmou ao ver que o rosto da moça ficou mais nítido.

Inclusive via as sardas de seu nariz. Não via tudo bem, mas via.

Aidan havia mandado óculos.

Tinha a impressão de que aquilo era o mais bonito que alguém já fez por ela.

Voltou a olhar pela janela.

Mais à frente havia um lago sobre o qual parecia flutuar o castelo, e o amanhecer tingiu suas águas de laranja e ouro. Cisnes deslizavam pela etérea luz da manhã, assim como um bando de patos. As bordas estavam cobertas de neve de onde emergiam densas árvores de cor esmeralda. Mais à frente do bosque, os picos das montanhas estavam envoltos por bruma e coroados de neve. Por um instante, Awe parecia mágico.

Mas não era: aquilo era a Idade Média e estava prestes a ir para uma guerra. A moça partiu. Brie tirou a blusa e enfiou o colete em cima da camiseta e dos jeans. Voltou a colocar a blusa, tirou as sandálias e calçou as botas altas. O manto era enorme, do tamanho de uma manta de cama, assim que o jogou sobre os ombros como uma capa, pôs o cinturão com a esperança de que o segurasse, e sentiu alívio ao perceber que começava a se aquecer.

Aidan tinha a intenção de ser amável com ela, ou era somente seu pragmatismo que impulsionou aquele gesto?

Indecisa, Brie saiu do quarto. Mais adiante estava a torre oeste. Era um aposento diáfano e circular, sem paredes que a separassem do corredor que estava cruzando. Isso significava que foi construído com fins militares, para a defesa do castelo. As janelas não tinham cristais e eram de diversos tamanhos. As frestas, altas e estreitas, estavam destinadas à artilharia. Outras aberturas eram para os arqueiros, e as mais largas para arrojar projéteis e morteiros. Brie começava a tomar consciência de que perto dali se agitava uma multidão selvagem, carregada de virilidade.

O medo se apoderou dela e correu à fresta mais próxima.

Abaixo, o pátio de armas estava cheio de homens e animais.

O coração apertou. Devia haver centenas de homens lá embaixo. Os Kilts reluziam à luz do amanhecer. Entre os cavaleiros e seus corcéis de guerra se agitavam pendões de cores vivas. Distinguiu também os highlanders, com seus coletes claros e mantos coloridos.

Seu pulso acelerou até um ponto perigoso. Sentia tanta barbárie lá embaixo... Olhou mais à frente da ponte que cruzava o lago e entreabriu as pálpebras. Não via bem, mas a ponte parecia balançar e ondular, como se estivesse viva.

— Tem quatro mil homens — disse Claire atrás dela.

Brie virou.

— Essa ponte está cheia de gente?

— De homens e de montarias, e até de animais de carga. O exército já estava aqui ontem, quando chegamos, e chega até a aldeia, na ribeira leste do lago.

Brie não podia respirar. Era verdade que estava indo ia à guerra com um exército medieval.

— Está se sentindo bem? Está pálida como um fantasma.

Umas palavras escolhidas com pouco tato, pensou Brie.

— Sempre quis viver como em Coração Valente.

— Malcolm e Aidan discutiram por ter resolvido te levar com ele, mas está decidido — Claire estava muito séria.

Brie a olhou com idêntica seriedade.

— Realmente há quatro mil cavaleiros e highlanders aí fora? Quantos são os do outro grupo?

— Não sei — respondeu Claire. — Mas Aidan não vai querer te perder de vista, porque pode ver Ian. Ele te protegerá.

Naturalmente, pensou Brie, ia levá-la com ele porque podia ver o fantasma de seu filho, não por outra coisa. Passou por sua cabeça que preferisse se importar por outros motivos, mas procurou afugentar aquela traiçoeira ideia.

— Pode convencê-lo a deixar esta guerra? Tenho certeza de que os rebeldes vão perder.

— Sim — disse Claire. — Fiz algumas pesquisas na Internet.

Brie olhou pra ela, sentindo saudades.

Claire sorriu.

— Tenho alguns trunfos escondidos na manga — ficou séria. — Aprendi há muito tempo a aceitar o poder dos Antigos, eles me trouxeram para Malcolm. Sou o que sou e quem sou porque estava escrito. Pode tentar convencê-lo a voltar atrás. Pode ser que faça ou não, mas, se for o que decretaram os Antigos, acontecerá.

Brie já sabia de tudo aquilo. Se Claire sabia da execução de Aidan, não dava mostras disso.

— Com certeza, Allie sabe que está aqui. Mandei uma mensagem especial por correio.

— Respondeu?

— Ainda não. Royce continua zangado com Aidan por algo que fez há uns cinquenta anos, assim pode ser que demore um tempo para entrar em contato contigo.

Brie decidiu que preferia não saber o que Aidan fez para enfurecer Royce e Allie.

— Só quero que saiba que estou do seu lado, e Malcolm também — acrescentou Claire. — Pode me prometer que tomará cuidado? E com isso quero dizer que me preocupa mais Aidan que os Campbell e as tropas do rei.

— A verdade é que antes disso tudo tivemos uma conversa bastante civilizada — disse Brie. Claire esteve a ponto de dizer que Aidan teve a delicadeza de lhe enviar óculos.

Claire hesitou.

— As mulheres apaixonadas não pensam com clareza. Deve ter muito cuidado. Pense bem antes de tomar qualquer decisão que possa mudar sua vida — disse.

— Acredito que minha vida já mudou, e que não está em minhas mãos. Posso dar por certo que Aidan é um bom soldado e que sabe o que faz? — as cenas de guerra de Coração Valente desfilavam velozmente por sua cabeça, estremeceu.

— É um soldado magnífico. Não há muitos nobres que tenham quatro mil homens sob seu mando. É mercenário há muito tempo tempo e sabe o que faz, atrás da linha de batalha estará a salvo — Claire a abraçou de repente. — Parece tão angustiada como se fosse a caminho da guilhotina.

— Estou. Estão acontecendo tantas coisas... Agora mesmo não me fazia falta enfrentar uma rebelião armada. Já tinha muitas coisas com que me preocupar — muitas, acrescentou para si mesma.

— As rebeliões como esta são bastante comuns nas Terras Altas. Não dê muita importância ao fato de ser um ato de traição. Olhe, Malcolm e eu nos mantemos neutros nestes conflitos, porque nossos votos são mais importantes, mas se precisar de nós, chame Malcolm. Estará te escutando.

Antes de que Brie pudesse lhe agradecer, o imenso poder de Aidan penetrou na torre. Era como um ciclone de testosterona. Hesitou e virou para olhá-lo.

— Vamos — anunciou ele com um brilho selvagem no olhar. Desejava ir à guerra?

— Proteja ela com sua vida — ordenou Claire. — Falo sério.

Ele olhou friamente pra ela.

— Se ocupe de seus assuntos e que Malcolm se ocupe dos dele, dela agora me encarrego eu —fez uma gesto imperioso a Brie com a cabeça.

Uma energia nervosa consumia Brie, aproximou-se dele e os olhos de ambos se encontraram.

— Apoie a moção — disse em voz baixa. Queria superar aquela guerra com um movimento, se não pudesse dissuadi-lo.

Ele baixou as pálpebras.

— Viverá para ver o dia de amanhã — disse —, embora eu não viva.

 

Nick olhava a calçada da cidade de sua janela no terceiro andar. Eram oito e meia da manhã de outro dia quente de novembro, e os transeuntes que se dirigiam apressadamente a seus trabalhos pela Rua Hudson usavam manga curta ou camiseta de alças. Os homens usavam os blazers no braço. Havia muito tráfego, sobre tudo táxis amarelos e grandes carros escuros, mas Nick não notava nada daquilo. Fazia vinte e quatro horas que Aidan de Awe levou Brie.

Alguém bateu energicamente na porta aberta de seu escritório. Nick soube quem era antes de dar a volta.

Kit Mares, a última incorporação à Unidade de Crimes Históricos, fez uma careta e Nick indicou que entrasse. Curiosamente, Kit era parente longínqua de Brie Rose. Nick a recrutou não só porque era endiabradamente boa no que fazia, mas sim porque trabalhou na Brigada Antidroga da polícia de Nova Iorque. E porque, assim como Brie, não tinha mais vida além de seu trabalho. Nick se interessou por ela porque Kit viu sua irmã gêmea morrer em um crime de prazer quando tinha dezoito anos, não muito longe do Muro das Lamentações, em Jerusalém. Tinha motivação de sobra.

Kit entrou com uma pasta na mão. Era uma mulher esbelta e muito atraente, de pele clara e cabelo escuro, muito curto. Nick nunca a viu maquiada, nem vestida com outra coisa que não fossem calças negras e uma camiseta da mesma cor. O que lhe parecia bem. Kit estava focada em sua luta contra o mal e era ambiciosa. Se deixasse de lado sua vida pessoal, chegaria longe.

Ignorava, além disso, que tivesse um antepassado em comum com Rose.

— Isto é uma compilação dos dados que me pediu, do momento em que Brie começou a experimentar reações de empatia com Aidan de Awe — disse, muito séria.

— Não conseguiu nada — disse Nick, lendo seu pensamento. Não tinha paciência.

Um brilho de preocupação cruzou o semblante de Kit.

— Não temos nada, Nick. Sinto muito. Continuarei tentando.

— Vamos mudar de tática. Ative o programa 6C e comece a expandir a busca. Temos todos os agentes disponíveis em ação. Se ainda estão na cidade, nós os encontraremos — estava cheio de tensão, mas procurava controlá-la.

Brie era um de seus agentes, estava sob sua responsabilidade, e podia estar morta.

Aidan de Awe talvez tivesse pertencido à Irmandade sem nome tempos atrás, mas agora se entregou a maldade. E o que era pior: provavelmente, a levou ao passado. Se assim fosse, Brie podia estar em qualquer parte e em qualquer ano.

Não havia nada pior do que perder um agente no passado. Nick lamentava profundamente a morte de todos os agentes que morriam em serviço, mas que um agente se perdesse no tempo era ainda pior. Não permitiria que isso ocorresse com Brie Rose.

Big Mama, o super computador da agência, estava funcionando a plena potência, analisando mais de três mil arquivos históricos, uma quarta parte dos quais eram tão confidenciais que só havia três pessoas que tinham acesso a eles, Nick incluído. Talvez, só talvez, alguém tivesse visto Brie no passado, e esse dado figurasse em um relatório. Uma só menção e Nick saberia onde procurá-la.

Kit partiu e sua bela secretária apareceu na porta. Era como uma Barbie de carne e osso. Mas, além de seu físico espetacular, era a melhor ajudante que teve. Tinha acesso de Nível Cinco e era uma das outras duas pessoas que podiam acessar aos arquivos de super secretos da UCH. Nick conhecia Jan, e confiava nela, há muito tempo.

Nick moveu um dedo e Jan entrou. Usava um vestido de renda muito sugestivo e carregava uma pasta. Nick confiava em que fosse a que estava esperando. Jan fechou a porta.

— Disse que queria em seguida e fiz o mais rápido que pude. Segundo o arquivo original, nossa gente o viu pela primeira vez em torno de 1425, talvez alguns anos antes. Suponho que sabe que, segundo a história, foi enforcado em dezembro de 1502, que é quando o conde de Argyll pegou posse de sua fortaleza, o castelo de Awe.

Nick sabia tudo aquilo. Estava no arquivo original.

— Aparece muitas vezes neste século, Nick, mas sempre antes de se converter. Foi visto em Roma, Milão, Paris e Dubai depois do milênio. E tenho certeza de que o homem que nossos agentes viram nessas onze ocasiões ainda estava do nosso lado.

— O canalha que levou Brie é pura maldade — disse Nick, porque viram tantas vezes o Aidan o bom e nenhuma o mau? — Quantos arquivos repassou?

— Só oitenta e oito, sinto muito, querido. Faltam 535 de Nível Cinco. Foi enforcado em 1502, então já estava convertido, assim, o homem que levou Brie procedia dentre 1425 e 1502, aproximadamente — fez uma careta. — Sei que é muito tempo. Acredito que posso reduzir um pouco. Começou a destruir tudo o que ficava em seu caminho no final de 1436. Assim são sessenta e seis anos — acrescentou com ar de desculpa. — Esperamos que alguém a tenha visto em algum momento, em algum lugar.

Nick começou a tamborilar com os dedos sobre a mesa.

— Meu tempo está acabando. Brie não é uma agente em serviço ativo. Não está endurecida. Não foi treinada para sobreviver em épocas passadas. A empatia poderia matá-la..., se ele não a matar primeiro.

Só os agentes em serviço ativo recebiam cursos de sobrevivência em épocas passadas. Nick decidiu que essa norma ia mudar.

— Sei, vou continuar procurando — Jan o olhou atentamente. — Você está bem?

Jan o conhecia melhor que ninguém. Nick se fechou em seguida a ela. Aquele não era momento para visitar seu passado. Sua vida, de fato, era um livro fechado, e assim continuaria.

Jan se deu por vencida.

— Quando precisar de um ombro para se apoiar, me avise. E ouça, Nick... Às vezes, até os mais machos choram — deu de ombros. — A prima dela está esperando lá fora. Disse que a chamou.

Ele olhou pra ela aborrecido. Jan esteve no funeral de sua família, há muitos anos. A última vez que tinha chorou.

— Diga que entre. Quero outro relatório às cinco. Depois, me ocuparei eu mesmo deste assunto.

Jan pareceu preocupada.

— Pelo amor de Deus, Nick, não faça nenhuma tolice. A última tentativa não foi boa.

Nick indicou com um gesto que saísse.

Sam entrou em seu escritório. Seus olhos azuis brilhavam de ira.

— Bom trabalho, Forrester, passaram vinte e quatro horas e minha prima continua nas mãos de um Mestre que passou para o outro lado.

— Sente-se — ele disse, zangado.

Sam sentou e cruzou as pernas, deixando ver suas coxas bronzeadas. Vestia minissaia, camiseta de alças, jaqueta de couro e botas de motoqueira. Era impossível não olhar aquelas pernas esculturais e ela sabia. Carregava uma bolsa muito grande e Nick, que a viu passar pelos seguranças, sabia que dentro havia armas. Todas as câmeras de vídeo do edifício estavam conectadas com seu computador. Gostou especialmente da tranquilidade que mostrou quando sua equipe de segurança a revistou e tirou a adaga que levava na coxa.

— Estou muito preocupada — disse ela, tensa. — E Tabby está morta de medo.

Nick se sentou atrás de sua mesa.

— Quer trabalhar?

Lançou um olhar.

— Não se você for meu chefe.

— Obrigado, Rose. Há leis que proíbem o que faz pelas noites.

— As leis de Nick?

Ele levantou as sobrancelhas, exasperado. Era uma chateação tentar controlar àquela mulher.

— Sabe perfeitamente que a Lei Clinton-Feingold aprovada em 2001 considera um delito suas atividades.

Sam se inclinou para ele e Nick viu o encaixe negro de seu sutiã.

— Então me detenha.

— Posso saber o que você tem?

Sam estava muito assustada por Brie. A angústia fazia se sentir doente e desesperada. Nick se acalmou. Aquela mulher jamais reconheceria que tinha medo, nem se deixaria vencer por ele. Nick gostava muito, mas não era para ele. Gostava das mulheres brandas, de caráter fácil e não tão inteligentes. Só a queria para a UCH.

— Não posso suportar isto. O que estou fazendo aqui? Nós dois sabemos que sou muito independente e muito franca para trabalhar pra você.

— Suponho que Brie tenha dito que sou um autêntico pé-no-saco.

Sam sorriu por fim. Ficava assombrosamente bonita quando sorria.

— Sim.

Nick inclinou para ela.

— Quanto tempo crê que pode durar nossa amiga nas mãos de Aidan de Awe?

O sorriso de Sam apagou.

— É uma Rose. E as Rose podem confrontar as maiores tragédias.

— Quanto crê que durará no mundo medieval, se ele a levou pra lá?

— Estará à altura das circunstâncias, mas temos que encontrá-la, droga! — gritou Sam.

Nick deslizou uma pasta para ela, por cima da mesa. Quando Sam esticou o braço, Nick pôs a mão sobre a pasta para que não a pegasse.

— Está dentro ou está fora?

Ela o olhou nos olhos.

— O que é?

— Arquivos de Nível Cinco.

Os olhos de Sam aumentaram.

— Brie só tem Nível Três e já está há três anos aqui!

Ele lançou um sorriso encantador, um sorriso que estava acostumado a desarmar às mulheres imediatamente.

— Se você se unir a nós, irá direto à cúpula.

Sam umedeceu os lábios.

Tinha colocado ela no bolso, pensou Nick, satisfeito.

— Normalmente, só eu vejo esses arquivos.

— De acordo — disse ela com voz rouca.

Nick soltou a pasta e ela a abriu. Ele se recostou em sua cadeira com os braços cruzados e esperou enquanto Sam começava a olhar as páginas. Dois minutos depois, seus olhos arregalaram e ficou paralisada. Depois o olhou lentamente.

— Não acredito — disse.

Ele sorriu.

— Em 1888, um agente do CAD chamado John Duke redigiu um relatório a respeito da morte de um demônio. Um demônio que matou... em 1502.

— Bem-vinda ao Centro de Atividade Demoníaca — disse Nick. — E Sam..., provavelmente convenha que estude um pouco de história da Escócia.

 

Awe era um castelo rodeado de muralhas pelos quatro lados, com torres próximas e uma porta defendida por duas torres mais altas. Mais à frente havia uma barbacã que compunha quase uma fortaleza separada, e a ponte que levava às bordas do lago Awe. Brie era muito consciente da presença de Aidan quando cruzaram a porta interior. Embora ele dominasse suas emoções, ela sentia se agitar seu ímpeto guerreiro. Parecia descarnado, bárbaro e brutal. Aidan parecia se animar ante a perspectiva de entrar em batalha, e Brie não sabia muito bem como entender isso. Aquilo lhe recordava que, para bem ou para mal, Aidan continuava sendo um homem medieval, e que seus interesses eram medievais.

Não podia evitar se perguntar quantos homens morreriam antes que acabasse a rebelião. A história da Escócia era especialmente sangrenta e trágica, e Brie começava a valorizar quão civilizado era o mundo moderno.

— A alguém ocorreu negociar para conseguir o que quer? O MacDonald, por exemplo?

Aidan olhou pra ela.

— Nas Terras Altas, a política e a guerra são o mesmo.

— Aposto que sim — disse ela.

Viu que o corredor do interior da barbacã tinha dois restelos e que ambos estavam levantados. Não era estranho. Se um intruso conseguisse passar pelo primeiro, ficaria rapidamente preso entre ambas as grades, uma vez fechada a segunda. Levantou o olhar ao penetrar no corredor e viu, como não podia deixar de ver, dutos por cima de sua cabeça. O intruso seria regado com algum líquido ardente ou alvejado com flechas em chamas. Não se usaria azeite porque era muito caro.

Não havia escapatória à violência daquele mundo, pensou desalentada. Baixou o olhar enquanto se dirigiam rapidamente para o primeiro restelo levantado. Estavam passando sobre uma armadilha.

— O que há debaixo? — perguntou com receio.

— Um tabuleiro cheio de pontas — respondeu Aidan sem afrouxar o passo.

— Alguma vez lhes sitiaram? — perguntou Brie com voz embargada. Todo seu corpo se arrepiou. Estava pensando no que seria dos invasores quando a armadilha se abrisse sob seus pés. Estando presa no mundo medieval, era impossível ignorar o quanto as pessoas eram cruéis e selvagens

— Sim, quando Argyll queimou Awe até os alicerces.

Brie sufocou um grito de surpresa.

— Por isso vais ajudar MacDonald a enfrentá-lo?

Aidan sorriu com deleite.

— É muito esperta, Brianna. Inclusive ajudei Donald Dubh a escapar. Argyll o mantinha preso —disse rindo.

Brie parou.

— Isto é uma vingança pessoal. Não se importa com quem seja o Senhor das Ilhas, só quer se vingar de Argyll!

Aidan parou e deu um olhar duro a ela.

— Eu gosto da guerra.

Ela tremeu.

— Porque? Porque é mais fácil lutar do que chorar?

Aidan ferveu e passou a seu lado com um olhar brilhante.

Brie correu atrás dele, desejando não ter dito nada. Sua intuição, entretanto, acertou um ponto fraco. Um homem moderno tentaria superar sua pena entregando-se ao trabalho, ao esporte, a alguma paixão amorosa. Aidan elegeu a guerra.

O seguiu pela barbacã, angustiada, e ao penetrar atrás dele nas sombras que projetavam as torres mais altas se encontrou cara a cara com um exército de cavaleiros e highlanders.

Seu coração parou. Uma coisa era ver do alto da torre muitas montarias e soldados, todos eles um pouco esfumados, e outra muito diferente era se ver de repente no meio deles. Seus instintos dispararam, alarmados. Qualquer pessoa sensata conhecia os perigos de uma multidão, e aquela bárbara massa humana formava uma brasa ardente e ansiosa por ir à guerra. Brie levantou suas defesas, mas havendo tantos homens presentes era impossível bloqueá-los por completo. Sua selvageria e sede de sangue a afligiram e a deixaram doente. Havia muita maldade naquele exército de dementes, e isso era o mais aterrador de tudo.

Brie virou para ver que um highlander ruivo arrojava sua adaga à perna de um cavalheiro e que este lhe golpeava imediatamente com sua clava cheia de pontas afiadas. Não queria ver o que aconteceria a seguir.

Sobre ela caíram sombras mais escuras. Tremendo, olhou para cima. Quatro homens a cavalo se aproximaram dela e agora o mal a rodeava por completo. Usavam as viseiras levantadas e a olhavam com luxúria. Seus olhos, escuros e desalmados, tinham um brilho de loucura.

Estavam possessos.

Aidan apareceu de repente a seu lado e se interpôs entre ela e os quatro cavalheiros.

— Se aproximem mais e se considerem mortos.

Os cavalheiros voltaram as garupas de suas montarias e voltaram para o meio da multidão.

O estômago de Brie apertou. Não sentia nenhum alívio.

— Quantos de seus homens são demoníacos? Quantos estão possessos?

Aidan a segurou instintivamente pelo cotovelo para sustentá-la.

— Mais da metade estão possessos ou são Deamhanain menores — respondeu com calma. — Os outros, simplesmente gostam de matar e violar e que lhes paguem por isso.

Brie apertou sua mão, cheia de incredulidade, e olhou em seus olhos azuis.

— Você não permite que violem a ninguém — disse com fúria, negando-se a acreditar.— Não permite que matem Inocentes!

O rosto de Aidan endureceu.

— Tenho quatro mil homens. Crê que posso controlar todos? Crê que quero fazer? Precisam de compensação por seus esforços — disse.

Brie sacudiu a cabeça, atônita.

— Desde que me resgatou, neguei a acreditar que fosse mal. Me salvou. Tem consciência, eu vi!

— Meus homens violam mulheres quando desejam muito — gritou ele. — Estou farto de que me olhe com tanta fé.

— Não me equivoquei contigo —insistiu ela.

Aidan se aproximou. Sua ira explodiu. A onda de raiva a teria arrojado para trás se ele não a tivesse segurado.

— Sou mal. Renunciei minha alma faz muito tempo e agora não me serve de nada. Não quero sua fé, nem me importa! Ache outro para redimir.

— Então por que me salvou? — soluçou ela.

— Não sei por que te salvei em Nova Iorque — respondeu asperamente. — Mas agora te salvei unicamente porque pode falar com meu filho.

— E quando deixar de ser útil pra você, então o quê? Também me violará e me matará ?

Seu rosto endureceu ainda mais.

— Está me tentando, Brianna. Não me importaria de sucumbir a meu desejo e me aproveitar de seu lindo corpo.

Ela sufocou um gemido de perplexidade.

— Sendo assim, te aconselho que mantenha a boca fechada e não interfira em meus planos, nem nesta guerra. Se tiver sorte, se ficar bem, a mandarei de volta a sua época quando tiver acabado contigo. Intacta — grunhiu Aidan.

«Meu Deus», pensou Brie com as bochechas ardendo. Aidan leu seu pensamento e sabia que era a única mulher do mundo moderno que continuava virgem aos vinte e seis anos.

Os olhos de Aidan aumentaram.

Os dela também.

—Está lendo meu pensamento?

Um leve rubor rosado pareceu tingir suas maçãs do rosto.

— Pensa em voz muito alta.

Ela virou, envergonhada. Aidan não sabia, ela interpretou mal suas palavras, mas agora conhecia a humilhante verdade. Desejou que a terra a tragasse. Ou melhor ainda, desejou estar em seu quarto, no presente, e se dar conta de que tudo aquilo foi um sonho absurdo e desagradável.

Ele pareceu segurá-la ainda com mais força. Depois disse com cuidado:

— Te dei minha palavra. Disse que não te faria mal. E falava sério. Mas procure ficar longe de mim.

Brie se soltou das mãos ásperas..

— Preciso de uma arma — disse bruscamente, sem olhar pra ele. Ele achava uma idiota? E o que importava? Ela era uma idiota e ele um caso perdido. — Não poderá manter sua palavra se não tiver com o que me defender.

Depois conseguiu pensar no que estava dizendo, e que falou sério. Em casa carregava spray de pimenta e uma pistola, mas nunca usou a pistola, exceto em uma galeria de tiro. Ali, entretanto, a usaria, se a carregasse com ela.

Ele levantou o queixo dela e a obrigou a olhar nos olhos dele.

— Pode ter tantas armas quanto desejar — meteu a mão na bota e lhe entregou uma pequena adaga. — Fica com isto por agora, embora não precisará.

Brie agarrou a adaga. Embora fosse muito pequena, não se sentia cômoda com ela. Claro que odiava todas as armas, assim duvidava que pudesse gostar de alguma.

— Viverá para voltar para casa, Brianna. Não fique dando tantas voltas.

Ela olhou pra ele. A dureza de seu tom se suavizou ligeiramente. Tentava tranquilizá-la? Tinha um olhar estranho, inquisitivo.

Separou-se dela, e aquele instante de intimidade foi quebrado.

— Sabe montar a cavalo?

Quando não estava zangado, lembrava muito o Aidan de antes. Brie umedeceu os lábios, consciente de sua presença. Sem saber como, o barulhento exército desapareceu até formar uma cortina de fundo confusa e indistinta, e de repente pareciam estar sozinhos. O poder de Aidan a atraía inexoravelmente.

— A verdade é que não.

Ele recolheu as rédeas de um cavalo que um jovem pajem segurava e avançou levando um cavalo cinza, sem olhar Brie. Ela se perguntou se ele também era consciente daquele magnetismo.

— É muito dócil. A princípio irá comigo.

—Não monto a cavalo desde que tinha cinco anos, e montava em um poney muito pequeno, dentro de um curral minúsculo — se concentrou no cavalo. Era enorme. Mas não ia dizer a Aidan que tinha medo de montar porque o poney se agitou e ela caiu e quebrou um braço.

Aidan a observou e disse:

— Suba. Eu te guiarei, ou Will pode te guiar.

— Genial — ela sorriu, radiante.

Aidan deu as rédeas a Will, antes que pudesse pestanejar, Aidan a agarrou pela cintura, levantou-a bruscamente e a sentou sobre a sela. O cavalo cinza bufou, sacudiu a cabeça e se remexeu, inquieto. Brie se agarrou à sela com o coração acelerado.

Aidan tocou seu joelho enquanto pegava as rédeas.

— Se relaxar as pernas, não acontecerá nada.

Brie o olhou nos olhos enquanto ele continuava tocando seu joelho. Era um gesto singelo e despreocupado, mas sua mão era quente e forte. Era um homem incrivelmente bonito. Certamente não voltaria a lhe tocar o joelho. Brie sentiu que seu corpo esquentava pensando naquela mão se movendo mais acima. Estar a seu lado não era fácil.

Aidan baixou a mão e montou de um salto em seu magnífico corcel negro. Brie o olhou quase sem fôlego. O animal era um exemplar tão belo quanto seu amo. Era impetuoso e ardente, como se soubesse que ia à guerra e desejasse partir imediatamente. Bufava e retrocedia, escoiceando aos cavalos mais próximos. Todos eles se moveram para sair de seu caminho. Aidan ficou ali sentado, como se quisesse permitir a seu corcel aquela travessura. Depois apoiou a mão sobre o ombro do enorme animal e este ficou quieto.

Brie olhou ambos, faziam um par magnífico, e o coração dela acelerou. Aidan encantou o animal, pensou, convencida de que seguia falando em uma língua que só eles dois conheciam. Nunca se cansaria de olhar pra ele, disse a si mesma. Depois, sabendo que ela o estava observando, Aidan a olhou por debaixo de suas densas pestanas.

Tinha um olhar brilhante e ardente.

Brie respirou fundo. Nunca a olharam assim, mas sabia o que significava aquele olhar. Era sensual, prometedor e impossível; era o olhar que dedicavam os homens às mulheres que desejavam.

Aidan fez de repente o corcel negro virar e, desembainhando a espada, entrou na multidão de highlanders e cavalheiros.

Brie ficou olhando pra ele com o pulso acelerado e o coração cheio de desejo.

— A Dhomhnaill! — gritou Aidan, levantando a espada.

Seu poder encheu de repente a esplanada, e Brie esteve a ponto de cair da égua, se segurou ao pomo da sela, sacudida por aquela energia e afligida pelo poder e pela excitação, pela adrenalina e sede de sangue.

Dentro de Awe e à beira do lago, quatro mil homens responderam:

— A Dhomhnaill!

O frenesi de Aidan e de seus homens consumiu Brie. Segurando a sela, não se moveu.

— A Dhomhnaill — sussurrou, consciente de que já não tinha vontade própria. Aidan os hipnotizou a todos, inclusive ela, havia dominado sua mente.

E uma vez mais a escuridão se apoderou do ar. A espada de Aidan fendeu o sol.

— A Madadh-allalidh À Aiwe!

— Ao Madadh-allalidh À Aiwe! —rugiram seus homens em uníssono.

Os muros do castelo tremeram visivelmente.

Dessa vez, o grito de guerra ressoou um longo momento, enchendo a esplanada, o castelo e cobrindo o lago, cujas águas tremeram, afugentando os patos. Encheu os bosques, onde dançavam os pinheiros e onde os lobos começaram a uivar de repente. Até as montanhas estremeceram.

Brie olhou Aidan, que parecia possesso por uma euforia selvagem. Igual a ela.

Seus homens voltaram a rugir. Brie compreendia aquele grito de guerra: «Pelo Lobo de Awe!».

Aidan cravou seus olhos ardentes nela. Esporeou seu corcel e se aproximou.

— Estamos preparados — disse, e agarrou as rédeas.

— A Madadh-allalidh À Aiwe — sussurrou ela.

 

— Pode andar? — perguntou Aidan.

A égua parou junto a seu corcel. Exausta, dolorida e gelada até os ossos, Brie se sentia incapaz de sorrir sequer, pararam em um promontório, em cujos pés se divisava um campo aberto. O sol poente tingia com seus dedos, vermelhos como o sangue, o céu extenso e o vale coberto de neve, e muitas tendas de campanha, fogueiras e homens ocupavam por completo o horizonte. Brie não lembrava de ter visto uma imagem tão acolhedora.

— Graças a Deus — murmurou, tremendo.

Levaram o dia todo cavalgando. Aidan não havia dito uma só palavra desde que sairam de Awe, e Brie passou quase o dia todo com Will e os quatro gigantes que lhe serviam de escolta. Duas vezes Aidan voltou para seu lado, embora ela soubesse que só queria se assegurar de que continuava inteira. Ele refreava com mão de ferro suas emoções e ela não percebia nada quando se aproximava. Tendo em conta como a sacudiu o frenesi guerreiro dessa manhã, sentia-se aliviada.

Ele escolheu muito bem. A égua era muito dócil; Brie inclusive gostava dela. A meio-dia, ou era o que achava, Aidan voltou para lhe dar um pedaço de um pão absolutamente delicioso, cheio com uma carne que não pôde identificar.

Ele se afastou antes que pudesse agradecer.

Aquele foi o sanduíche mais delicioso de sua vida.

Nesse momento, Aidan desceu com seu corcel pelo promontório, guiando a égua de Brie. Iriam pernoitar ali, e Brie estava desejando descer do cavalo e se deixar cair diante de um fogo. Não entendia como alguém pudesse gostar de montar a cavalo. Oxalá houvesse jacuzzis na Idade Média. Como gostaria de tomar um bom banho quente!

Aidan parou diante de uma extensa tenda negra com orlas vermelhas e chapeadas, sobre a qual ondeava um pendão vermelho, com a cabeça de um lobo mostrando os dentes sobre uma grande cruz celta dourada. Brie esqueceu de repente de suas bolhas e arranhões e olhou pasmada a tenda.

Aidan desceu num pulo de seu corcel. Ao entregar as rédeas a Will, passou a mão pelo pescoço do cavalo em um gesto afetuoso.

— Te ajudo a descer.

—O que é isso? — perguntou Brie, assinalando o pendão.

— Meu estandarte — respondeu ele.

Os demônios temiam as cruzes e os objetos sagrados. Perdiam todo seu poder quando pisavam em terra consagrada ou se achavam dentro de um recinto santificado. Nenhum demônio poderia suportar aquele estandarte. No mínimo, o debilitaria.

— Isso é uma cruz — disse.

— Tenho esse estandarte há décadas — disse ele com brutalidade. — Insufla o medo no coração e na mente de meus inimigos. Quer ficar sobre a égua a noite toda? Porque pode se arrumar isso.

Brie olhou seus brilhantes olhos azuis, consciente de que estava zangado com ela por deixar reluzir um assunto do que não queria falar. Aidan culpava os Deuses pelo destino de Ian e se afastou deles. Se comportava como se os odiasse, mas os odiava na realidade? Brie não acreditava nem por um instante que utilizasse aquele velho pendão unicamente pelo efeito que surtia sobre seus inimigos.

Estava Aidan se apegando a um retalho de sua antiga vida? Estava inconscientemente se apegando a sua fé?

— Para responder a sua pergunta, acredito que jamais me recuperarei destes arranhões. E não, não quero passar toda a noite sentada aqui. Não me importaria de não voltar a montar em um cavalo.

A cara de Aidan se contraiu quando levantou a mão. Assim que lhe deu a sua, Brie sentiu seu ardor, sua virilidade. Ele levantou os olhos, ardentes e temerários.

Como era possível que não sentisse aquela atração? se perguntou Brie. Depois se lembrou que Aidan tinha a capacidade de se fazer desejar por todas as mulheres. Embora não precisasse utilizar seus poderes de encantamento sexual, porque para a maioria das mulheres bastava olhar pra ele para começar a se excitar. Brie sabia que faria bem se lembrar que o que sentia era unilateral. Só se interessava por ela pela relação que podia ter com seu filho, nada mais.

Como iriam dormir, exatamente?

Aidan a segurou pela cintura e um momento depois Brie estava em pé no chão. Fez uma careta quando ele a soltou. As pernas doíam. Certamente ficaria mancando o resto da vida.

— Ai — disse por fim, olhando pra ele. — Sério: ai!

Pensou por um momento que ele ia sorrir, mas sua cara continuou petrificada.

— Se esta noite dormir bem, estará pronta para a marcha de amanhã.

Ela duvidava.

— Mas se estiver muito dolorida, posso ir em um carro de armamento.

«Genial», pensou Brie. Viu os carros que levavam primitivos canhões medievais: os morteiros, menores, e os bombardeiros, maiores. Aqueles veículos pareciam ainda mais incômodos que o lombo de um cavalo.

— Will, ajude lady Brianna a entrar na tenda e a se acomodar para passar a noite.

Brie teve a impressão de que acabavam de se despedir. Que ela visse, o pendão de Aidan só ondeava na lona negra. Se ela ia dormir ali, onde ele dormiria? Tinha uma razão imensa para se preocupar; tinha umas quatro mil, na realidade.

— Não posso dormir sozinha, Aidan.

Ele a olhou devagar. Brie ruborizou.

— Há demônios por toda parte. Não é boa ideia que fique sozinha nessa tenda.

— Eu não disse que vai dormir sozinha — ouviu o galopar de uns cascos e Aidan virou.

Brie olhou além dele. Um cavaleiro avançava para eles do norte, onde ficava Inverness. Aidan se aproximou quando o cavalo e seu cavaleiro pararam. O cavalo estava coberto de suor e espuma. Brie viu que o cavaleiro era um jovem highlander. Evidentemente, havia uma emergência.

Rezou para que se suspendesse a marcha. Isso resolveria a questão de seu enforcamento, ao menos por hora.

Seguiu uma onda de gaélico.

— O que estão dizendo? — perguntou Brie a Will, que esperava pacientemente a seu lado.

— Que os exércitos do rei estão no caminho, mais adiante, e que avançam para o sul com a esperança de nos separar — disse Will, aparentemente sem se alterar.

Brie não gostou de como aquilo soava.

— Nos separar de quem? Vai haver uma batalha?

— Tínhamos que nos reunir com as tropas do MacDonald e Maclean mais perto de Inverness. Mas Frasier colocou seus homens no meio. Entre na tenda, minha senhora. Faz mais calor que aqui. E não pense na batalha de amanhã. Aqui estará bem guardada.

— Amanhã! —exclamou ela, atônita. No dia seguinte, Aidan iria à guerra e cometeria traição. Não haveria volta!

Virou e viu que Aidan se afastava seguido de vários homens. Eram os comandantes de menor fila e foram fazer uma reunião de guerra.

Como demônios ia impedir que Aidan entrasse na batalha? Will levantou a grossa porta de lona da tenda. Brie entrou e se distraiu imediatamente.

O interior era espaçoso e estava bem mobiliado. Surpreendeu ver uma pequena cama sobre um piso baixo de madeira, com os postes belamente lavrados. Havia também um escritório pequeno, que consistia em uma prancha de madeira lavrada sobre dois suportes sem adornos, uma cadeira com o assento e o respaldo de couro e um formoso baú de madeira com tachas de ferro. Sobre o chão de terra se estendia um tapete persa.

— É assim que Aidan vai à guerra?

—Sim. Passaremos meses sitiando Inverness — respondeu Will.

Brie olhou lentamente pra ele, consciente de que só havia uma cama atrás dela. Aidan deixou claro que iriam compartilhar a tenda. Certamente um dos dois dormiria no chão.

— Só há uma cama.

Will sorriu pra ela.

— Então tem sorte, minha senhora. As façanhas do senhor são bem conhecidas.

Brie tentou não olhar a cama. Todo seu corpo ardia, apesar de que sabia que não ia acontecer nada. Mas... Aidan a olhou duas vezes com aquela expressão carregada de virilidade. Certamente o sexo não era grande coisa para ele. O que faria ela se tentasse seduzi-la?

O coração acelerou. Aceitar. Não pensaria duas vezes. Recordou as advertências de Claire e desdenhou delas. Aidan não lhe faria mal. Não a usaria com propósitos perversos. Estava certa disso. E seria uma estupidez rejeitar um homem como aquele.

Will a olhou.

— Mas, claro, temos centenas de mulheres entre as que escolher. Pode ser que esteja muito ocupado até a madrugada.

— Claro — murmurou ela.

Os exércitos medievais arrastavam atrás de si uma grande multidão, sobretudo para um longo período de cerco. Aidan e ela não iriam compartilhar a tenda, nem a cama. Certamente Aidan ordenaria a Will dormir dentro da tenda para protegê-la. Brie se sentiu absurdamente desanimada. Deveria sentir alívio.

Sentou-se na cama e se deu conta de que estava a ponto de desmaiar. Não só estava esgotada física, mas também mentalmente. Precisava pensar, descobrir como podia convencer Aidan para que se retirasse daquela guerra. Mas nesse momento estava muito cansada.

A porta da tenda abriu e Aidan entrou. Lançou um olhar para Will e o rapaz saiu. Brie se levantou ao ver que se aproximava do escritório sem olhar pra ela, de repente a espaçosa tenda parecia muito pequena. Era muito consciente de que estavam sozinhos e de que atrás dela havia uma cama.

— Will disse que amanhã vai enfrentar os exércitos do rei.

Aidan se serviu de uma taça de vinho.

— Sim.

Ela tremeu.

— Tomei a decisão de confiar em você. Agora é você quem tem que confiar em mim.

Aidan virou e ficou olhando pra ela por um momento.

— Porque deveria confiar em você, Brianna?

— Porque só quero o melhor para você.

Ele riu sem vontade.

— Sim, por isso maquina para mudar minha vida contra minha vontade.

Brie ficou tensa. Tinha razão.

— Está tão preso em sua pena que não pensa com clareza.

Aidan bebeu um gole de vinho e disse:

— Não se atreva a me falar com esses ares de superioridade.

Brie estremeceu.

— Não pretendo ser condescendente contigo.

Ele bebeu mais vinho, voltou a encher sua taça e bebeu.

— Lamento te desiludir — disse com frieza. Estendeu a taça pra ela. — Não me afastei do bom caminho; encontrei-o. Eu gosto da escuridão.

— Ninguém gosta da escuridão. É como dizer que prefere estar sozinho e sem amor ao invés de estar rodeado de amigos e família e ser amado por todos — aproximou a taça do peito.

A ira de Aidan explodiu contra ela.

— Eu gosto da escuridão — repetiu rotundamente. — Eu gosto de estar sozinho. E não desejo o amor.

Brie disse que não ia ganhar aquela discussão, ao menos no momento.

— Mas nós dois sabemos sim o que você deseja, Brianna. Anseia meu amor — acrescentou ele em tom zombador.

Brie se zangou por fim, e se sentiu magoada.

— Não é justo. Não pode continuar lendo meu pensamento quando quiser. E não sou tão idiota para desejar que me ame — mas o coração doía ainda mais.

Aidan a olhou de frente, com os braços cruzados e expressão zombadora.

— Mas me ama desde a primeira vez que nos vimos.

Brie sentiu que ficava corada.

— Foi um amor passageiro. Isso acontece frequentemente com as mulheres. E um capricho passageiro não é amor. É inofensivo, como um sonho.

Ele esboçou um sorriso.

— O sonho de uma virgem?

Brie sufocou um gemido de surpresa. Aidan sabia. Sabia que sonhava e fantasiava com ele sexualmente.

— A única coisa que tenho feito é tentar me dar bem contigo — disse com voz rouca. — Quer me humilhar? Porque me sinto humilhada!

A boca de Aidan perdeu seu sorriso e seus olhos se encontraram.

— Precisa de um homem de verdade, não sonhos absurdos.

Brie ficou quieta.

— Porque ainda é virgem?

Ela ficou estupefata.

— Esse é um assunto muito íntimo.

— Sim? Porque pensa constantemente em sexo.

Brie compreendeu que ficou ainda mais corada.

— Não quero ter um companheiro — se por acaso ele não a entendesse, acrescentou —: Minha mãe era uma mulher muito maluca. Não tinha dons, mas sim muitos amantes. Não quero ser como ela. Estou muito ocupada utilizando meus dons para ajudar a outras pessoas — olhou para ele aborrecida. — Como pretendo ajudar a você agora.

Ele a olhou fixamente, com os olhos entreabertos.

— Então quer ser feia.

Ela respirou com esforço.

— Não me interessa exibir meu corpo, meu cabelo nem nenhuma outra coisa.

Ele deixou escapar um som rouco.

— Pode se esconder quanto quiser, mas tem olhos e cabelos muito bonitos. Qualquer um que não seja cego pode ver.

Brie estava certa de ter entendido errado.

— Pareço bonita pra você?

A boca de Aidan se curvou.

— Parece bonita pra mim, Brianna, mas isso não importa. Na escuridão da noite, nunca olho à cara de uma mulher. Só utilizo seu corpo.

Brie deu as costas pra ele, tremendo. Respirou fundo e disse:

— Não acredito em você.

Aidan riu dela.

Brie se atreveu a olhar pra ele e viu que estava bebendo mais vinho, de repente acreditou. Era verdade que não importava com quem estivesse: era sexo, só isso. Não se tratava de atração nem de nada desse tipo.

O anel de sua avó começou a produzir uma forte coceira.

Brie imaginou sua avó Sarah, e não sorria. Estava muito séria, como se lhe dissesse que se concentrasse e lembrasse o que fazia no passado. Mas Brie não queria pensar em sua avó nesse momento. Aquilo era muito importante.

— Não sente falta de abraçar alguém de madrugada? Alguém a quem ama?

Ele virou bruscamente, derramando o vinho.

— Está louca?

Brie sacudiu a cabeça.

— Estou triste.

Ele ficou olhando pra ela, furioso.

— Ninguém abraça você de madrugada, Brianna!

— Mas eu tenho uma vida, tenho família e amigos que me querem e a quem amo.

— Muito bem. Quando voltar pra casa, poderá se reunir com eles e serão todos felizes.

O anel de sua avó a machucava. Brie olhou pra ele, e quase parecia que brilhava.

— O que quer? — murmurou. Depois se deu conta de que falou em voz alta e viu que Aidan a olhava com curiosidade. — Minha avó me guia do outro mundo — explicou.

Ele balançou a cabeça e saiu da tenda.

Brie tentou tirar o anel para aliviar um momento seu dedo, mas não pôde. Suspirou e se sentou. Seus olhos se encheram de lágrimas, em parte pelo cansaço. Chegou no ano de sua execução, e o motivo era óbvio. Estava nas Terras Altas para salvar a vida dele, metafórica e literalmente. Mas a possibilidade de redimi-lo era menos óbvia.

Talvez estivesse louca, pensou, por pensar sequer em guiar Aidan em seu caminho de volta aos Deuses, se deu conta de que não podia evitar pressioná-lo e pô-lo á prova. Se fosse tão mal como dizia, sua discussão o teria divertido, em lugar de enfurecê-lo.

Tudo o enfurecia.

E como não ia ser assim? Perdeu um filho. Os Deuses poderiam ter intervindo, mas foi coisa do destino. Era trágico e injusto e, para piorar, seu filho aparecia pra ele há sessenta e seis anos. Ela também estaria furiosa.

Seu amor tinha que acabar. Era um estorvo. Não retrocedeu no tempo para ficar com Aidan, nem para manter com ele um romance que mudasse por completo sua vida.

Mesmo assim, se sentia magoada. Ao menos estavam dialogando, disse a si mesma. Brie se aproximou da porta da tenda e a levantou. Aidan estava fora, ali ao lado, e olhou pra ela. Ela estremeceu e se agarrou ao manto de lã.

— Faz frio. Volta pra dentro.

Não ia poder impedir que Aidan lutasse no dia seguinte.

Ele sorriu lentamente.

— Para que possa me persuadir usando seus dotes de sedução?

— Eu não poderia seduzir ninguém — respondeu ela. — Muito menos você.

Aidan passou a seu lado e voltou a entrar.

— Não vão me enforcar, Brianna. Pelo menos não agora.

Ela ficou tensa.

—Não é isso o que diz a história.

Ele deu de ombros.

— Aidan, se lutar amanhã, estará cometendo traição e o enforcarão. Frasier se assegurará disso. Não pode adiar a batalha, por favor? — suplicou ela.

Ele sacudiu a cabeça.

— Não me importa morrer, mas não morrerei até que tenha vingado meu filho. Assim não deve temer que me enforquem em um futuro próximo.

— Quer morrer? — exclamou ela. — Sofre tanto que procura uma saída na morte?

Aidan virou, furioso.

— Faz muitas perguntas! Estou cansado de sua insolência, de que bisbilhotei constantemente. Estou farto de você, Brianna!

Ela conseguiu sacudir a cabeça de algum modo e manter-se de pé.

— Pode ler todos meus pensamentos e o faz sem nenhum escrúpulo. Por desgraça, eu não tenho esse poder. Você pode ler minha mente e desvendar meus segredos, e eu não posso te fazer umas algumas perguntas pessoais?

Os olhos de Aidan alargaram.

— Tem unhas, Brianna, mas para me enfrentar precisa de garras — disse com suavidade.

— Não tenho intenção de brigar contigo — revidou ela com energia.

— Claro que não. Quer me curar, me redimir... e compartilhar minha cama — seus olhos brilharam.

Ela tremeu.

— Te satisfaz ser tão cruel?

— Sim, me satisfaz muito! — replicou Aidan.

Ian se interpôs entre eles.

Brie afogou um gemido de surpresa.

Os olhos de Aidan dilataram. Ele também viu Ian. Então gritou, cheio de selvagem frustração:

— Não! Volta, Ian! Volta!

Mas Ian continuava ali, olhando para um e para o outro. Brie não entendia por que Aidan não o via mais. O pequeno fantasma deu a volta e começou a falar rapidamente com seu pai. Brie não ouviu uma só palavra do que disse.

O semblante de Aidan se converteu em um reflexo de dor descarnada e virulenta. Parecia anos mais velho.

— Continua aí? — soluçou, frenético.

Ela pegou sua mão.

— Continua aqui. Está falando com você, mas não ouço o que diz.

Os olhos de Aidan encheram repentinamente de lágrimas.

— Diga a ele — suplicou. — Fale, por favor — e uma lágrima deslizou por sua bochecha.

Brie nunca viu um homem adulto chorar, e muito menos um homem como aquele. Sua dor se estendeu pela tenda como uma nuvem nuclear. Atravessou Brie com assombrosa força. A esmagou por cima e pelos lados. Teve que se esforçar para se manter erguida, para respirar. Aidan não merecia aquilo.

— Ian — gemeu —, pode me ouvir?

O menino a olhou e disse algo.

— Se pode me ouvir, diga que sim com a cabeça — sussurrou ela.

A dor de Aidan era tão forte e entristecedora que se sentiu desfalecer. Se ele não se dominasse, ela acabaria desmaiando.

Ian assentiu com um gesto; tinha os olhos muito abertos, como se escutasse atentamente.

— O que está acontecendo? — perguntou Aidan, limpando o rosto com o braço. — Fale de meu filho!

Brie o olhou nos olhos.

— Pode me ouvir — disse. — Aidan, está me fazendo mal — teve que ficar de joelhos.

Aidan cobriu o coração com a mão, mas Brie era consciente da dor que o embargava, e parecia a ponto de explodir. Enquanto Aidan lutava para se dominar, Brie sentiu que aquela angústia espantosa começava a perder intensidade. Foi como se estivesse se afogando e de repente conseguisse sair à superfície para respirar. Bocejou, procurando oxigênio.

Quando Aidan conseguiu afastar dela a angústia, pôde enfim se levantar.

— Ian, está aqui para falar com seu pai?

O pequeno assentiu com a cabeça e aguardou, espectador.

Aidan soluçou:

—Diga a ele o quanto o amo! Diga que encontrarei um modo de matar Moray pelo que fez! Diga que persigo esse Deamhan dia após dia!

Brie olhou Aidan e Depois voltou a olhar Ian.

— Seu pai te ama muito — disse suavemente. Se ajoelhou e junto ao pequeno fantasma. — Está aqui para lhe pedir que te deixe partir para o outro mundo?

Ian sacudiu a cabeça.

Brie se surpreendeu.

— O que ele disse? — perguntou Aidan, ainda mais pálido que seu filho.

— Disse que não — respondeu Brie em voz baixa, assombrada ainda, porque o pequeno não desejava deixar aquele mundo? Estava morto há quase setenta anos. — Ian — começou a dizer, mas o menino começou a sacudir a cabeça freneticamente. Assinalou-a com o dedo. — O que quer me dizer? Quer me dizer algo? — soluçou ela.

Ian assentiu. Apontou Aidan.

— E também quer falar com seu pai?

Ian disse que sim e depois começou a chorar, exasperado. E começou a desaparecer.

— Não vá! — gritou Brie, mas era muito tarde.

Aidan se deu conta, porque virou as costas e começou a convulsionar, cheio de dor.

Sua tristeza, liberada, irrompeu na tenda, atravessando Brie, que cambaleou, sacudida por suas repetidas ondas, e caiu sob seu peso. A dor de Aidan seguia derramando-se sobre ela. De joelhos, tão angustiada que desejava morrer, conseguiu levantar o olhar. Assim era como se sentia Aidan, pensou.

Ele chorava em silencio junto à porta fechada da tenda.

Brie sabia que não queria que o consolasse, mas não se importou. Conseguiu se levantar de algum modo e se aproximou dele, cambaleando entre ardentes ondas de angústia. Pôs uma mão sobre suas costas.

Ele rugiu algo incoerente e, apartando-se bruscamente, cruzou a porta da tenda. Brie não vacilou. Aidan precisava dela mais do que nunca, e correu atrás dele. Foi como tentar nadar contra a corrente no meio de um rio revolto e fragoroso.

Aidan andava depressa, deixando-a pra trás. Subiu pela colina, em direção ao promontório da rocha. Sua dor começava a se dissipar. Brie ofegava; suas pernas doíam, sentia os pulmões a ponto de explodir. A força de sua tristeza diminuiu, e agora custava menos correr.

Aidan parou no alto do penhasco, cheio de aflição. Sua silhueta se recortava contra o céu arroxeado. Brie ficou paralisada ao sentir as ondas de dor que emanavam dele. Umas poucas estrelas começavam a brilhar na escuridão crescente.

As ondas foram remetendo visivelmente, até que Aidan ficou ali, sozinho, tão místico como um Deus antigo ou um herói mitológico. Brie respirou fundo, com falta de ar, e começou a subir lentamente pela ladeira. Quando chegou a seu lado, o rodeou com os braços por trás e o estreitou com ternura.

Ele ficou rígido.

— Precisa de consolo — sussurrou ela, trêmula. Apoiou a bochecha sobre suas costas tremulas. — Me deixe te consolar.

Aidan virou. Brie se encontrou de repente em seus braços. Suas mãos mal chegavam nos ombros.

— Bom — disse ele, zombando —, pode me confortar como as rameiras do acampamento.

— Vou te confortar como amiga.

— Eu não tenho amigos — ele gritou, sacudindo-a.

— Tem a mim — as lágrimas saltaram.

Aidan olhou pra ela com estupor.

— Não chore por mim!

Continuou segurando-a, mas ela apoiou a mão sobre sua bochecha áspera.

— Há esperança, comecei a me comunicar com Ian. Pode ser que leve algum tempo, mas averiguaremos o que quer e então poderá deixá-lo partir.

— Não posso deixá-lo partir — soluçou Aidan.

Suas lágrimas caíram sobre a mão de Brie, e sua dor voltou a embargá-la. Brie pegou seu belo rosto entre as mãos.

— Me deixe te ajudar. Juntos encontraremos uma forma de libertar Ian.

Ele a agarrou pelos ombros com tanta força que Brie se alarmou.

— Como pode me ajudar? É virgem — disse, zombando dela cruelmente.

Brie entendia sua fúria, sua necessidade de arremeter contra alguém.

— Isso não importa.

— Eu gosto das cortesãs e das rameiras — ele disse.

— E eu não vou te deixar assim. Na verdade, não vou te deixar num futuro imediato —lhe acariciou a mandíbula.

Ele afastou suas mãos.

— Não me toque! Não se aproxime de mim. Não quero sua amizade, nem quero seu corpo quente em minha cama. Quero poder. Quero sangue — gritou. — Quero a cabeça de meu pai!

Brie se acovardou. A ira de Aidan era tão feroz...

— Sei. Eu também quero vingança.

— Você não sabe nada! Quero meu filho!

— Sei! — chorou, agarrando suas mãos. Os olhos azuis de Aidan, cheios de aflição, cravaram nos seus. — Aidan, Ian está morto. Tem que deixá-lo partir.

— É meu filho! Como vou deixá-lo partir? — gritou, e as lágrimas voltaram a correr por seu rosto.

— Pode... e o fará — sussurrou ela.

Ele afastou as mãos dela.

— Não posso deixar meu filho!

— Então é um egoísta — ela disse . — Não vê que seu pobre filho quer paz e que, enquanto não se dê por vencido, enquanto não retroceda em seu empenho de procurar vingança, não terá descanso?

Os olhos de Aidan estavam enormes.

— Maldita seja, Brianna!

Afastou-se para o bosque. Brie o olhou até que desapareceu na escuridão. Não dizia sempre sua avó que o que mais doía era a verdade? Desceu pela colina chorando. Não pretendia ser cruel, mas disse a verdade. Aidan também encontraria a paz se entendesse por fim o que devia fazer.

E talvez no fim conseguisse recuperar sua alma.

 

Do lugar onde estava no bosque, Aidan olhou colina abaixo e a viu entrar na tenda. Quando ela entrou e os homens que escolheu para que a protegessem ocuparam seus postos, ficou olhando absorto a escuridão.

Havia esperança?

Se atreveria a acreditar que ela podia de verdade falar com Ian e depois fracar, talvez morresse de dor por fim. Aquela pena o consumia fazia sessenta e seis anos, e sabia que não poderia suportá-la por muito mais tempo.

No fundo acreditava que ela conseguiria; se não, não estaria em sua tenda.

Dissesse o que dissesse Brianna, entretanto, não era sua amiga.

Ele não tinha amigos, nenhum. Nem sequer Malcolm. Os Mestres o temiam; Malcolm o temia. E ninguém confiava nele. Exceto Brianna, claro.

Também os Deamhanain o temiam e desconfiavam dele. Sabiam a verdade. Sabiam que era mal, mas não tanto quanto eles. Sabiam que os massacres o repugnavam, e que procurava evitá-los, em lugar de os causar. Sabiam que desejava poder e o obtinha, e que entretanto deixava viver os Inocentes. Era filho de um Deamhan, mas sabiam que não era nem um homem, nem um Mestre nem um Deamhan, a não ser uma estranha criatura intermediaria.

«Sou sua amiga».

Porque Brianna desejava ser amiga de um ser meio Deamhan, meio animal?

Era uma tola. Aidan entendia que tinha se apaixonado por ele à primeira vista; antes, quando era outro, muitas mulheres o amavam imediatamente. Mas Brianna era uma tola por amá-lo agora. Era uma tola por ter acreditado nele antes de decidir que poderia lhe ser útil viva. Era uma tola por estar empenhada em salvá-lo da forca, e por arriscar sua vida nas guerras da Escócia. E pensar em redimi-lo? Isso era uma loucura.

Não estava interessado na salvação. Falava sério ao dizer que encontrou seu caminho em lugar de perdê-lo. Seu estandarte não significava nada para ele. Salvá-la daquela gangue, em Nova Iorque, tampouco significava alguma coisa. Deve ter percebido que depois ela seria útil. Quanto ao fato de que fossem enforcá-lo em breve, Brianna devia estar equivocada. Não abraçaria a morte antes que tivesse vingado Ian.

Moray desapareceu no tempo, mas ele não morreria sem levar consigo o demônio de seu pai.

E não morreria até saber o que Ian queria dizer.

A dor que mantinha presa no peito cresceu de repente, embargando-o como antes, e cobriu o rosto com as mãos. Sentiu de novo vontade de chorar. Não chorava desde a morte de Ian, até esse dia. Não entendia por que sua tristeza transbordou por fim. Naturalmente, devia ser culpa de Brianna.

Ela perturbou sua vida desde que ouviu seus gritos de socorro e a salvou da maldade. Continuava perturbando com sua fé, com seus planos, com suas artimanhas. Um pouco antes, ele quase encontrou consolo em suas carícias, apesar de que não devia. Tinha que vingar o assassinato de Ian. Não podia perdoar os Deuses por terem o arrebatado. Se fizesse isso, esqueceria sua vingança.

E agora Brianna queria que deixasse Ian partir? Como podia fazer tal coisa?

Tremeu. Sentia a mente esmagada pelo peso de pedras enormes. Não podia tolerar aquele cansaço. No dia seguinte haveria guerra. Devia ignorar o desejo de deitar e descansar. Não dormiria, sabia que tipo de pesadelo o sono traria.

Não precisava olhar para sua tenda para sentir a presença de Brianna. Estava conectado com ela constantemente. Desse modo, se ela corresse perigo, poderia protegê-la. Estava profundamente adormecida.

Que mulher na idade dela era virgem?

Se deu conta de que estava olhando fixamente a negra sombra da tenda. Podia fingir o contrário, mas a desejava; a desejava só de olhar. Sentia sua presença como não sentiu a presença de outra mulher desde a morte de seu filho. E temia o que isso podia significar.

Não podia ir até ela em busca de prazer, nem podia procurar consolo em seus braços.

Uivou um lobo. Cheio de frustração, sentiu o impulso de responder seu chamado, mas não se moveu. Uma lembrança o assaltou de repente.

Sorria a sua bela amante irlandesa, a abraçava depois de fazer amor. Ela sorria também e sussurrava o muito que o amava. Ele também a queria um pouco, e se separava dela para lhe dar um presente.

Ela chorava ao ver o singelo colar de ouro.

Ele a abraçava e a acariciava, colocava o colar nela, com afeto. Quando voltavam a se unir, os dois riam e sorriam até que a terra tremia...

Aidan gritou, enfurecido. Que tipo de armadilha era aquela? Por que pensava agora em Catriona, que morreu há tanto tempo? Ele já não era esse homem: um homem que podia ter um afeto sincero por outra pessoa, um homem que podia sorrir e rir, um homem que desfrutava vendo uma mulher abrir um presente, um homem que se satisfazia com seu prazer.

«Te amo». A voz da Catriona o inundou, apesar de não querer reviver o passado. E se viu junto a ela, dois amantes imersos em um prazer singelo e humano, vibrando de felicidade.

Os olhos dela ficaram turvos, tornaram-se verdes. Tinha sobre a ponte do nariz, entre três sardas, um horrível óculos . «Sou sua amiga», sussurrava Brianna tocando sua bochecha enquanto ele a penetrava. Ela sorria com os olhos iluminados pelo amor.

E o prazer era deslumbrante e cegador, mas não tanto quanto sua necessidade,

Ficou rígido, sem se mover. Ficou assombrado. O que estava acontecendo?

Estava sonhando em se deitar com Brianna por prazer. Precisava de poder, não agradar, e não queria ter uma amiga. Nem sequer queria vê-la olhando-o daquele modo, nem sentir seu corpo quente sob o seu, se unido ao dele. Mas seu corpo estava recordando o prazer pela primeira vez depois de décadas: o prazer sexual, singelo e terrestre; o prazer pelo prazer, e nada mais.

Não gostava daquilo.

Começou a descer a colina. No dia seguinte iria à guerra, e essa noite obteria poder de uma dúzia de mulheres diferentes e anônimas, desfrutaria delas, ficaria de mãos cheias. O mal ansiava pelo poder, e ele também.

Mas Brianna já não dormia tranquilamente. Estava sonhando.

Todos os Mestres e os Deamhanain sabiam que os sonhos eram a realidade, mas em uma esfera diferente, uma esfera que transcendia o plano físico e terrestre a que estavam presos os humanos até sua morte.

Por isso eram frequentemente tão vívidos. Porque eram reais, só que os mortais não sabiam.

O mundo dos sonhos era governado por uma Deusa caprichosa, e suas regras eram tão insubstanciais como a esfera em que existiam. Cada sonho podia se reescrever e desfazer um número infinito de vezes, de infinitas maneiras. Nos sonhos, o destino se apagava, mudava e desvanecia constantemente. Nos sonhos havia o bem e o mal, e depois não havia nem bem nem mal, porque no sonho seguinte tudo mudava. E em um sonho ninguém podia morrer.

Em seus sonhos, ele não podia fazer mal a ela e, se fizesse, o sonho se reescreveria no dia seguinte.

Aidan se esticou, negava-se a espiar sua mente. O acampamento das rameiras estava muito perto no bosque ao sul. Mas, embora estivesse decidido a não pensar na Brianna, vacilou. Ela sonhava constantemente com ele, e seus pensamentos lhe diziam que eram sonhos muito eróticos e sexuais. Desejou não ouvi-la sonhar em suas vívidas fantasias.

Seu coração acelerou.

Sentia o membro duro e quente.

Olhou para a tenda e sua mente deslizou sem poder evitar dentro da dela.

Seu sonho, entretanto, estava carregado de inocência. Estava com suas amigas.

Quase se sentiu decepcionado ao ver que não estava sonhando com ele, mas era melhor assim. Começou a se afastar, mas ao fazer a escutou com atenção. Estava tão feliz e se sentia tão amada... Depois o olhava e sorria.

— Aidan...

No sonho, estava em pé na soleira de um quarto, completamente nua. Não havia dúvida do que queria... nem do que aconteceria a seguir.

Aidan sabia que devia afastar sua mente da dela. Sabia que devia seguir para o acampamento das rameiras.

Sabia que, acontecesse o que acontecesse depois, poderia reescrever no dia seguinte.

Cheio de ardor, entrou em seu sonho.

«Não tenho vergonha», pensou Brie enquanto cruzava lentamente seu loft. Notava o corpo acalorado e cheio de vida, e se sentia tão bela como uma vampiresa. Sentiu o rebolar de seus quadris ao se aproximar dele; sentiu que o cabelo acariciava seus seios. Aidan estava na porta, imóvel. Seus olhos azuis fulguravam, ardentes, com um brilho quase cegador.

Ela depois que pode respirar, ficou com a boca seca. Sabia que estava sonhando; não podia estar em Nova Iorque, com ele, assim, mas isso não diminuía sua excitação.

— Me alegro tanto de te ver… — sussurrou. — Senti sua falta.

Aidan se assustou. Com o rosto contraído disse:

— Me encontrou, Bhrianna — e um olhar quente deslizou por seu corpo.

Ficou quieta. Ninguém nunca falou com ela com tanto descaramento ou com tanta paixão. Só Aidan. Ele falou assim quando não estava sonhando, em Awe. Estava quase certa. E ninguém a desejou daquele modo, se perguntou vagamente o que acontecia com sua empatia. Por que o estava sentindo em um sonho?

O olhar de Aidan se converteu em uma carícia erótica. Brie sentiu sua pele fazer cócegas debaixo daquele olhar. Distraída, disse com voz afogada:

— Preciso de você.

A boca de Aidan se moveu, mas não se curvou.

— Sim — estendeu os braços pra ela.

Suas mãos se fecharam sobre ela, e seu contato pareceu assombrosamente real. Muito real. O corpo de Brie queimava, e o ardor do olhar de Aidan a enchia de prazer.

— Me deseja — conseguiu dizer. Mas estava confusa.

— Sim, em seus sonhos — respondeu ele asperamente.

Algo não estava certo. Brie respirou fundo. Seus olhares se encontraram.

— Isto é um sonho, não é?

— Por acaso importa? — a atraiu para si e ela sufocou um gemido.

Aidan levou a mão para seu cinturão, e de repente suas roupas desapareceram, inclusive as botas. Brie olhou seu corpo duro e escultural. Olhou seu rosto tenso e perfeito e seu enorme membro ereto. Umedeceu os lábios. Seu pulso estava tão rápido que começou a se sentir fraca.

Ele a segurou pelos ombros, respirando com dificuldade. Sua tensão era intensa que se tornou dolorosa.

— Vou tomar seu poder, Brianna, mas não te farei mal — disse de maneira rude.

Ia tomar poder, não fazer amor? Aquilo não era nada bom. Em seus sonhos, eles faziam amor, e depois de entregar-se à paixão riam juntos. Em seus sonhos, sentia seu próprio prazer, não o dele.

— Estou ficando nervosa — sussurrou.

Os olhos de Aidan obscureceram, e a apertou contra seu corpo duro e trêmulo.

— Não tenha medo de mim — murmurou.

Brie afogou um gemido. O contato de sua pele era elétrico, excitante, surpreendente... e real. Sua confusão aumentou. Estava sonhando ou não?

Com o rosto contraído ao extremo, Aidan afastou o cabelo dos ombros e deslizou as mãos por suas costas. Brie estremeceu de prazer e levantou os olhos. Ele olhava sua boca com um desejo enorme. Depois a olhou nos olhos.

— O que está acontecendo? Por que não me beija? Por que continuo sentindo você?

Ele sacudiu a cabeça e passou rapidamente a mão sobre seu seio. Ela gemeu, cheia de prazer, mas Aidan a levantou bruscamente em seus braços e a levou a cama. Por que não a beijava, nem a acariciava? se perguntou Brie, por fim assustada.

Depositou-a na cama, ofegando. O suor aparecia em suas têmporas. Deslizou a mão entre seu cabelo, segurando sua cabeça.

— Não pode controlar seus sonhos — disse. E acrescentou com suavidade. — Nem pode controlar os meus.

— Algo está errado — ofegou ela, mas já não se importava. Os olhos encheram de lágrimas. — Sofro e estou queimando. Faça rápido.

Ele olhou seu corpo. Brie se deu conta de que tentava se conter, mas não sabia por que. Depois ele baixou a mão e passou por seu sexo úmido. Brie se arqueou contra ele. Palpitava suavemente.

Mas Aidan não a acariciou.

Ela se arqueou de novo e conseguiu olhar pra ele.

— Por favor...

O olhar ardente de Aidan fixou no dela. Estava tremendo. Sacudiu a cabeça.

— Se fizer amor com você, estarei perdido.

Brie se sentou de repente. Aquilo não era um sonho.

Ele ficou de pé, magnificamente excitado, com o corpo tenso por completo. Sacudiu a cabeça e começou a retroceder, mas seu olhar continuava deslizando pelo corpo de Brie como se nunca tivesse visto uma mulher nua.

Brie se levantou num salto e pegou seu rosto entre as mãos.

— Te amo. É apenas um sonho. Me deixe fazer amor com você.

Ele começou a negar com a cabeça, mas tinha o olhar fixo no dela. Um olhar abrasador, duro e carregado de angústia. Estava assustado. Brie sentia agora também.

— É você quem tem medo — sussurrou. Tentou sorrir e passou o polegar por sua mandíbula. Ele gemeu e a olhou desconcertado.

Brie se afastou e soltou o rosto.

— O que está acontecendo?

Aidan ofegava.

— Não me toque, Brianna — disse.

E ela sentiu claramente. Aidan temia seu contato. E ao mesmo tempo ansiava que o tocasse.

Naturalmente. Alguma mulher disse que o amava nesses sessenta e seis anos? Brie pegou seu rosto entre as mãos e passou o dedo nele. Ele deixou escapar um gemido, mas em lugar de afastá-la olhou com assombro.

Seu desejo a atravessou. Brie respirou fundo e pôs uma mão sobre os músculos de seu peito. Ele gemeu e se arqueou para trás. Seu desespero consumia Brie, carregada de ardor e desejo. Aquele homem ansiava amor e afeto, pensou.

— Deus — sussurrou ele.

Brie tremeu, angustiada, e ficando na ponta dos pés beijou lentamente o bico do peito. Aidan gritou, se afastando bruscamente.

— Pare.

Seus olhares se encontraram, o dele dilatado pela surpresa.

Ia desaparecer, voltar para a realidade. Brie o rodeou com os braços e o abraçou com força, deixando que seu amor envolvesse a ambos.

Aidan não desapareceu. Seu desejo voltou a inflamar.

— Está tudo bem — sussurrou ela.

O prazer de Aidan disparou grosseiramente quando o abraçou. Brie pensou que ia se fazer em pedaços, mas retrocedeu, pegou a mão dele e a beijou com o amor que a consumia. Depois a aproximou de seu seio.

Ele sustentou o olhar. Seus olhos brilhavam estranhamente.

— Está tudo bem — repetiu ela.

Ele fechou lentamente a mão sobre seu seio, indeciso. Depois sua palma roçou o mamilo duro de Brie e deslizou até seu ombro.

— Tenho que ir — virou para partir, completamente excitado.

Ela segurou a mão dele, consciente de que sua tensão estava a ponto de se romper.

Aidan virou devagar para olhar para ela.

Brie pegou de novo seu rosto entre as mãos e o ouviu gemer:

— Não.

Mas o ignorou. Beijou sua boca.

Aidan ficou muito quieto, com os lábios apertados, enquanto ela o beijava com todo o amor de seu coração. Sua boca suavizou. Ela lambeu a junção de seus lábios e o beijou de novo, e ele abriu por fim a boca.

Brie o beijou profundamente e Aidan deixou escapar um longo e terrível gemido. O gemido de um homem que estava toda uma vida solitário e perdido.

De repente a agarrou pelos ombros e se apoderou de sua boca, desesperado.

Beijou-a como se nunca antes tivesse beijado uma mulher, e gemeu.

Brie o sentiu se aproximar do abismo justo no instante em que se separava dela. Rodeou-o com os braços por trás, consciente de que lutava para controlar aquela tensão explosiva. Ela tampouco podia suportar, pensou. Depois ele gemeu, agarrou suas mãos e as apertou contra o ventre. E explodiu.

Brie se sentiu como se voasse entre as estrelas, tonta e abraçada a ele. Girava sobre si mesma, confusa por sua empatia, enquanto ele gemia uma e outra vez, até que por fim se acalmou e cambaleou entre seus braços. Respirando com dificuldade, com o corpo ainda em chamas, Brie sentiu que seu corpo se acalmava.

Aidan não foi capaz de suportar seu contato cheio de amor.

De repente a olhou, acalorado.

— Isto não é mais que um sonho.

E ela pressentiu o que iria fazer.

— Não me deixe agora, assim.

Seus olhos azuis a olharam duramente.

— Sinto muito — e desapareceu.

Brie gritou, furiosa e desanimada. E em lugar das brancas paredes de seu loft, se viu olhando as negras sombras da noite.

Seu pulso palpitava, se sentia febril e inquieta. Os animais noturnos faziam sons. Suspirava o vento. Brie se deu conta de que ainda estava deitada na pequena cama, sob grosas mantas de lã e uma pele. Piscou. Esteve sonhando.

Mas foi tão real...

E tão estranho...

Nesse instante recordou cada segundo de seu encontro com Aidan, em sonho. Alarmada e incômoda, sentou-se bruscamente e olhou para a porta aberta da tenda.

A silhueta de Aidan se recortava nas sombras. Era evidente que estava olhando pra ela.

Foi um sonho ou não?

— Aidan? — sussurrou com voz rouca.

Ele deu meia volta e se afastou.

Brie levantou num pulo e correu atrás dele. Aidan parou junto a um pequeno fogo e virou ao vê-la se aproximar. Seus olhos se encontraram na escuridão.

Brie diminuiu o passo. Devia estar furiosa com ele por espiá-la enquanto dormia e enquanto tinha um sonho íntimo. Se isso fosse mesmo verdade. Porque aquele sonho continuava parecendo tão vívido e estranho... Aidan não fez amor, mas ela fez amor com ele, de certo modo. Ele desejava seu afeto e suas carícias.

Brie sabia muito bem que frequentemente os sonhos escondiam segredos que tinham que ser revelados ou eram um indício da verdade. Quando foi a última vez que uma mulher amou Aidan de verdade?

— Pela manhã não se lembrará do sonho — disse severamente.

— Não se atreva a me enfeitiçar — resplicou Brie, furiosa.

— Volte a dormir — ele se afastou.

Brie retornou à tenda e de repente se sentiu confusa. O que estava fazendo? Por que perambulava por um acampamento de highlanders em plena noite? Acabava de falar com Aidan? E se era assim, o que conversaram? Foi um sonho?

 

Os exércitos se encontraram à alvorada. Ao meio-dia. A princípio, os arqueiros e a artilharia dispararam contra os soldados do lado inimigo, dizimando as fileiras avançadas à medida que ambos os exércitos se aproximavam inexoravelmente. A luta se converteu no fim em um encarniçado combate corpo a corpo, e mano a mano, como gostavam os highlanders.

O sol estava muito alto e caía pesado como chumbo sobre a terra ensanguentada. Os abutres levantaram voo. Os lobos aguardavam. Os campos estavam cobertos de arqueiros e artilheiros mortos, de highlanders, de cavaleiros e cavalos massacrados. Só ficavam umas poucas dúzias de homens, todos eles travados em um mortífero combate. Aidan matou um soldado do rei atravessando seu kilt com a espada, virou para ver o homem cair.

O guerreiro ruivo que avançava para ele era um gigante armado com uma tocha e espada, uma massa e uma bola com metais pontiagudos na ponta. Era uma cabeça mais alto e seus olhos negros careciam de vida, o qual satisfez enormemente Aidan. Ainda não estava preparado para abandonar o campo de batalha.

Riu do guerreiro e levantou sua larga espada.

O gigante sorriu e começou a girar a bola.

Aidan levantou sua espada de fio duplo e o gigante disse em voz baixa:

— Provavelmente deveria ter se abastecido de poder ontem à noite, ao invés de se entregar ao prazer em sonhos, com uma virgem.

Aidan ficou paralisado no instante em que a bola o golpeava. Sua espada cedeu, porque seu braço não pôde parar a surpreendente velocidade do golpe. Gemeu ao sentir que a pele de seu braço se rasgava até o cotovelo, mas conseguiu segurar a enorme espada. Quem era aquele gigante?

A bola voltou a golpeá-lo no peito.

Aidan gemeu e concentrou todo seu poder contra ela, mas era já muito tarde. A bola golpeou com força o aço de sua espada, escorregou por ela e afundou em sua carne e seus ossos antes de ricochetear. A dor o surpreendeu e o fez cair de joelhos.

— Se prefere as virgens, meu filho, podemos arrumar isso.

Aidan olhou o gigante. Seus olhos eram inconfundíveis, embora já não fossem negros, a não ser azuis. Eram os olhos de seu pai.

Aidan se lançou para frente ao mesmo tempo que o gigante lançava um golpe com a massa.

Dessa vez, Aidan recebeu o impacto no ombro com um grunhido. O gigante tinha a força de seu pai porque Moray o havia possuído, como nenhum Deamhan havia possuído um homem antes.

Não havia tempo para tentar compreender como era possível que o gigante pudesse olhá-lo com os gélidos olhos de Moray, antes que Aidan pudesse se defender do seguinte golpe, a bola voltou a golpear seu peito.

Quase cego pela dor, atirou por fim uma estocada ao gigante, abrindo um talho entre o umbigo e sua garganta.

O enorme monstro ficou ali, cambaleando como empurrado pelo vento.

— Ian vive — disse suavemente, e lançou um feroz ataque contra os joelhos de Aidan.

As articulações dele pareceram virar pedacinhos quando caiu de bruços.

O gigante repetiu:

— Olá, Aidan — não havia dúvida: era a voz de seu pai.

E a risada zombadora de Moray.

No chão, Aidan rugiu de fúria e passou a espada pelos tornozelos do gigante, cortando seus pés.

O gigante grunhiu, olhou pra ele com surpresa e começou a desabar.

Aidan soltou a espada e empunhou a adaga e a espada curta. Afundou a adaga no coração do gigante, mas seu pai voltou a rir dele. Aquele som não procedia do gigante, e Aidan compreendeu que o poder de Moray estava fora de seu corpo. Ofegante, passou a espada curta pelo pescoço do gigante. E ficou ali, oscilando sobre o cadáver, vendo rodar a cabeça do gigante pelo chão pedregoso.

Ouviu outra gargalhada, mas do alto.

Aidan ficou rígido, ainda tonto. Seus joelhos pareciam imprestáveis, e teve que lutar para levantar. Olhou para aquela risada cruel e desafiante, e viu que uma negra espiral de energia subia para o céu. Acabava de decapitar um ser insignificante... e o poder de seu pai permanecia intacto.

Moray voltou. Mas o que queria agora?

 

Brie passeava de um lado para o outro diante da tenda de Aidan. Estava escurecendo. Quase todos os homens haviam voltado do campo de batalha depois do meio-dia, cheios de sangue, muitos deles feridos, mas contentes em sua maioria: saltava à vista que desfrutaram daquela sangrenta luta até a morte.

Onde estava Aidan?

Brie passou a tarde toda vomitando. A brutalidade da batalha, tanta crueldade e tanta morte, pairavam sobre ela, através dela, enjoando-a e debilitando-a como um torvelinho. Havia tanta violência lá embaixo, na planície, que não podia bloquear, nem podia se isolar do que estava acontecendo com Aidan. Sua empatia era uma maldição a que provavelmente não conseguiria sobreviver. Tinha a impressão de sentir cada golpe dado nesse dia.

Deus, onde estava Aidan?

Começou a tremer, cheia de medo. Depois anoiteceria. Esperava uma batalha breve, mas o estrondo da artilharia medieval, as explosões dos morteiros, o ruído das espadas, os relinchos dos cavalos a despertaram ao amanhecer. Agora, o acampamento fervia com as celebrações dos soldados. Crepitavam as fogueiras e se ouvia música de flautas e violinos. As mulheres riam, os homens bêbados gritavam e alguns fornicavam ao ar livre com as mulheres do acampamento, que pareciam desfrutar.

Brie se aproximava correndo de quase todos os soldados que passavam e suplicava que dessem notícias de Aidan. Todos respondiam o mesmo:

— Continua lutando, senhora.

Ela sabia, entretanto, que a batalha tinha acabado, porque já não ouvia o ruído estridente do choque das espadas, nem disparos, nem canhões. De repente não pôde ficar de pé.

Desabou, gritando. A pele do braço ardia como se tivessem arrancado. Depois, outro terrível golpe pareceu rasgar seu ventre e peito, deixando-os em carne viva, levou a mão ao estômago. Olhou para baixo esperando ver sangue, mas ali não havia nada, exceto o colete que rodeava sua roupa.

Aidan estava ferido.

Depois, seus joelhos pareceram se desfazer em mil pedaços. Caiu no chão, gemendo de dor. Will apareceu de repente a seu lado.

— O que tem, minha senhora? Eles a envenenaram? — gritou.

A dor a cegou momentaneamente. Depois do que suportou esse dia, era incapaz de se mover, incapaz de emitir som, ficou olhando Will. Aidan acabava de receber uma ferida espantosa. Seus olhos se turvaram, cheios de lágrimas.

— Não se mova — disse Will.

Brie fechou os olhos. Por fim podia respirar. Não sabia quanto tempo estava ali, mas em algum momento abriu os olhos e viu um céu negro e azulado no qual titilavam as estrelas. A lua, quase cheia, brilhava branquíssima. A dor começava a passar.

Will estava sentado a seu lado.

— Graças a Deus — sussurrou.

Brie se sentou. Doía cada fibra de seu ser. O que aconteceu com Aidan?

— Aidan voltou?

O rosto do Will se contraiu.

Brie tapou o rosto com as mãos... e então ouviu o galope de um cavalo.

Will se levantou, surpreso.

— É o corcel negro! Leva a nosso senhor!

Brie levantou, cambaleando, e viu que o cavalo negro galopava para eles com Aidan montado escarranchado sobre seu lombo. Gritou e correu para ele, cheia de alegria.

Mas sua alegria durou pouco. O cavalo parou e Aidan olhou para ela. Brie deu uma olhada em seu kilt coberto de sangue e no braço esquerdo, tingido de carmesim, e se sentiu desfalecer.

— Pode desmontar? — tentou parecer tranquila.

—Sim — desmontou do cavalo como se só tivesse um arranhão.

Brie viu seus joelhos inchados e enegrecidos.

— Meu Deus — gemeu.

— Estou bem —disse ele. Deixou o cavalo aos cuidados de Will e se aproximou da tenda sem coxear sequer. A porta de lona fechou atrás dele.

Brie nunca viu aquela expressão em seu rosto duro e severo. Uma expressão de profunda preocupação.

Irrompeu na tenda justo no instante em que Aidan jogava no chão o kilt e ficava ali, vestido unicamente com suas botas.

— Traga Will aqui. Quero que tire minhas botas.

Brie olhou seu peito e o braço esquerdo, em carne viva.

— Sente-se — deu meia volta e saiu da tenda em busca do pajem. — Will, traga água e sabão, e uísque ou vinho, ou algo para limpar as feridas — tinham uísque no século XVI?

Will assentiu com a cabeça e se afastou a toda pressa.

Brie retornou à lona e viu que Aidan continuava ali, em pé, alheio a ela, concentrado em seus pensamentos. Ela tinha razão: aconteceu algo terrível. Aproximou-se dele e tocou seu braço para ajudá-lo a sentar-se, mas nesse instante uma lembrança se apoderou dela.

Sua mão sobre a mandíbula de Aidan, suas povoadas e escuras pestanas separando-se, desdobradas, um grito áspero, um desejo abrasador.

Estava confusa. Aidan olhou de repente seus olhos. Ela se concentrou.

— Deixe te limpar.

Ele se sentou. Se doeu ao fazer, não deixou escapar nenhum som.

—Pode tirar minhas botas? — perguntou suavemente.

Brie odiava o controle férreo dele. Rezou para que explodisse, cheio de ira. Pegou uma de suas botas e tirou com grande esforço. Olhou além de seu púbis, para seu peito ferido.

— Dói muito?

— Não dói.

Ela pegou a outra bota e conseguiu tirá-la depois de puxar uns segundos. Aidan estava ocultando sua dor.

— O que aconteceu?

— Não importa — caiu de costas sobre a cama.

Sofria terrivelmente e escondia dela, pensou Brie. Nunca o viu cansado, e muito menos deitado, atrás dela a porta da tenda abriu e viu com alívio que Will entrava com uma bacia cheia de água, sabão e uns panos.

— Obrigado — disse.

Aidan se sentou lentamente.

— Will pode cuidar de mim. Parta.

— De jeito nenhum — replicou ela em voz baixa.

Tinha já a bacia, o sabão e os panos. O semblante de Aidan endureceu, mas Brie ignorou e levou suavemente a mão para seu peito. Aidan esticou quando ela começou a lavá-lo, mas não deixou escapar nenhum som.

Ela sabia que doía. Lavou metodicamente, sem pressa, a área ferida. De repente ouviu que Will ria em voz baixa. Lançou-lhe um olhar e ele deu de ombros.

— O Lobo sobreviverá — disse, e partiu.

Brie virou e compreendeu então o que fez tanta graça a Will.

— Como pode ficar excitado agora? — estava claro que estava bloqueando seus sentimentos, porque ela não sentia seu desejo, como não sentia sua dor.

Os olhos de Aidan brilharam.

— Quero que parta imediatamente.

Ela ficou imóvel.

— Preciso de poder — disse ele em voz baixa. — Posso me curar, provavelmente porque um dia fui um Mestre e os Deuses estão confusos, mas me curarei mais depressa se tomar poder.

Brie compreendeu por que estava excitado.

— Você não me faria mal. Jurou.

Ele respirava com força.

— Estou ferido como nunca estive, e cansado, muito cansado... Tem que partir.

Deixou cair o escudo que bloqueava suas emoções. Uma densa luxúria cresceu como um torvelinho, apoderando-se de Brie. Era ardente e feroz, escura e voraz, indiferente a tudo exceto a si mesma e a sua satisfação. Mas, junto a ela, Brie também sentiu desejo.

Esticou-se, consciente da terrível diferença entre as paixões de Aidan.

— Jamais poderei acreditar que seja capaz de cometer crimes de prazer — estava se enganando? Sentiu aquela luxúria antes, quando se conheceram, depois que Aidan a resgatou da gangue. — Fique quieto — disse, e verteu sobre seu peito em carne viva um líquido que parecia uísque. A luxúria estava enfraquecendo, mas o desejo fazia pulsar seu coração vertiginosamente.

Ele grunhiu.

— Está com ciúmes das mulheres com as que vou me deitar esta noite?

Aquilo doeu. Não levantou o olhar, tremendo.

— Tem fama de ser um amante esplêndido, e não acredito que teria se matasse suas amantes — agarrou sua mão esquerda e começou a lavar o braço com força, zangada.

«Vou tomar poder, Brianna, mas não te farei mal».

Ela se esticou para ouvir ressoar suas palavras na cabeça. Levantou o olhar. Aidan a olhava diretamente.

— Não acredito — murmurou.

— Deixo as mulheres vivas. — respondeu ele asperamente.

Era tão difícil aceitar o que ele estava dizendo... Mas aquela ânsia de poder era inconfundível.

— Ah, por fim perdeu sua fé. Você também me teme agora? — se separou dela. — Não me toque.

Brianna retrocedeu. Aidan a olhou nos olhos.

— Não, Aidan — respondeu ela por fim. — Não te temo. E acredito que tinha razão: não deixou um rastro de mulheres mortas em seu rastro — mas estava tensa.

Aidan era filho de um demônio. Os demônios ansiavam poder e tomavam a vontade, os demônios destruíam. Entretanto, Aidan não se serviu dela, não tomou poder de seu corpo, nem a destruiu. E embora a história o acusasse de numerosos atos sangrentos, ele mesmo acabava de admitir que deixava vivas suas amantes.

«Não me toque».

Brie se contraiu; de repente lembrou de suas mãos sobre o duro peito de Aidan, como ele tremia, como esticou seu corpo e como culminaram seu desejo e o dela.

— O que aconteceu no sonho?

Aidan a olhou com surpresa.

— Pode resistir a meu poder de encantamento?

— Foi até mim para tomar poder — disse ela lentamente, lutando para lembrar. — Mas não fez, não foi?

Ele levantou e, sem virar, esticou o braço para trás, agarrou um manto e envolveu com ele a cintura.

— É muito valente... e muito irritante —disse com olhos duros. Mas Depois olhou sua boca.

Aquilo parecia já ter acontecido. Ele olhou sua boca desejando... mas não a beijou. Foi ela quem o beijou. Depois, Aidan havia devolvido o beijo.

— Me beijou.

— Lembra do sonho? — parecia incrédulo.

— Só alguns fragmentos — sacudiu a cabeça. — Meu Deus. Esse beijo... foi intenso — seus olhos aumentaram ao lembrar aquela explosão de paixão. — Era desejo, não luxúria! Fizemos amor?

— Continua virgem — replicou ele, com raiva. — Foi um maldito sonho! — agarrou uma garrafa de vinho que havia sobre o escritório e desarrolhou.

Brie sussurrou:

— Então, por que está tão zangado?

A boca de Aidan se curvou.

— Os sonhos me deixam descuidado.

Estava mentindo. Brie sentiu que aquela mentira ficava suspensa entre eles, do mesmo modo que sentia o desejo escondido atrás de sua ânsia de poder.

— Tire o encantamento.

Aidan a olhou com calma.

— Para que possa reviver o sonho?

— Foi para mim em sonhos — sussurrou ela. Seu coração apertou. O que aconteceu?

Ele a olhou com surpresa. Depois respondeu com aborrecimento:

— Fui usar você, Brianna, mas se nega a aceitar a verdade.

Ela se abraçou.

— Não. Porque a lembrança, esse beijo, estava cheio de paixão.

— Preciso de poder — disse Aidan com um olhar de fúria repentina. — Quero poder. Fui até você para consegui-lo! — Virou. — Quer sexo? Quer prazer? Pois arrume outro.

Sua raiva fez Brie cair sobre a cama. Olhou pra ele. Estava lívido, mas as lembranças começaram a assaltá-la.

— Fazer amor não será sua perdição, Aidan. Vai te ajudar a se curar.

— Você não pode me curar, Brianna. Não permitirei — mostrou os dentes e saiu da tenda feito uma fúria.

 

Aidan se afastou de sua tenda, furioso com Brianna. Mal fechou a porta de lona atrás dele, começou a coxear. A dor atravessava seus joelhos e palpitava dentro dele. Não exagerou. Nunca, desde que ingressou na Irmandade, esteve tão ferido gravemente. Aquele gigante era perigosamente poderoso... e Aidan sabia que Moray aumentou seu poder. Depois conseguiu escapar com vida. Ovelha Negra.

E não conseguiu destruir a maldade que possuía o gigante.

Com a cabeça agachada, os joelhos feridos e o peito e o braço ainda em carne viva, sentiu que repente que um imenso poder branco diminuia seus passos, deteve-se e olhou para cima com desalento.

MacNeil estava diante ele. Seus olhos eram verdes escuros e seu semblante tinha uma expressão severa.

Uma tensão nova e terrível assaltou Aidan.

— Claro. Tolice minha, não ter adivinhado que estaria aqui.

MacNeil possuía a Visão, embora afirmava que só via coisas quando os Deuses permitiam. Ou viu a volta de Moray ou sentiu.

— Deixe que te cure, rapaz — disse suavemente aquele homem alto e loiro.

— Que se dane — respondeu Aidan. — Vou procurar poder entre as putas.

— Está sofrendo. Está claro que Moray esteve estes sessenta e seis anos aumentando seus poderes maléficos. Tem sorte de estar vivo — MacNeil estendeu a mão e uma chuva branca começou a cair sobre Aidan.

Jamais perdoaria MacNeil por ter aceito implacavelmente a morte de Ian e por não lhe haver advertido dela. Jamais o perdoaria por se antepor aos Deuses. Embora a chuva curativa começasse a aliviar suas feridas imediatamente, Aidan lançou nele uma furiosa descarga de poder. O loiro Mestre bloqueou com facilidade aquela onda de força, que desviou para os bosques.

— Se sente melhor? — perguntou MacNeil.

— Vou te odiar enquanto viver — replicou Aidan, respirando agitadamente. — Veio ouvir como te suplico que me ajude? Porque não penso em fazer isso.

MacNeil pôs a mão sobre seu braço. Um calor maravilhoso se estendeu pelo corpo de Aidan, que compreendeu que estava curado.

— Não espero que peça nada a ninguém, Aidan. Mas precisa de mim e a Irmandade de você.

Aidan se afastou bruscamente.

— Então está disposto a batalhar com um meio demônio? — riu.

— Para vencer Moray? Sim. Ordenarei à Irmandade que te ajude, e já fiz.

— Não quero sua ajuda, nem preciso dela —respondeu Aidan, mas começou a lembrar sério o que aconteceu no dia de hoje. Desconhecia os poderes de Moray e não sabia se tinha poder suficiente sozinho para destruí-lo de uma vez por todas.

—Já viu o poder que ele tem agora — disse MacNeil com calma.

—Sim —Aidan cedeu por fim. Necessitava de informação, assim suportaria a presença do abade. — Pode possuir qualquer um, em qualquer momento?

— Sim, mas é mais fácil pra ele possuir os fracos e os malvados.

Aidan deu a volta. Um dos guardas demoníacos de Brianna podia dobrar a esquina convertido em Moray. Olhou duramente para o Mestre loiro.

— Disfarçou bem sua maldade. Estava acostumado a vir acompanhado de um frio intenso, antes notava seu poder negro muito antes que aparecesse. Hoje não senti frio, nem nenhum poder em particular.

— Esteve apurando seus poderes cuidadosamente todos estes anos. Aprendeu a ocultá-los quando quer. Conseguiu encontrar uma parte do Duaisean — disse MacNeil—, e acredito que o escondeu na época de sua mulher.

Aidan ficou quieto. O Duaisean, o livro do Poder, foi roubado de seu santuário séculos atrás. A Irmandade não parou de procurá-lo.

— Então usou o livro para voltar depois que Malcolm o derrotou — disse lentamente.

— Sua volta estava escrita — disse MacNeil hesitantemente. — Não sei se já tinha as páginas do Duaisean.

— Como tampouco sabia que meu filho ia morrer? — gritou Aidan, tremendo.

— Não sou um Deus, e não debato com eles sua Sabedoria, nem seus intuitos — repôs MacNeil, e pôs de novo a mão sobre seu ombro.

Aidan se soltou. A morte de Ian estava escrita. Verdade?

«Ian vive».

Seu coração encheu de uma dor selvagem e insuportável. Fazia todo o possível para evitar a lembrança dessas palavras terríveis e cruéis. Não era certo. Não podia ser. Moray desejava atormentá-lo até morrer.

— Ainda lamento a morte de seu filho — disse MacNeil com gravidade.

Aidan se sacudiu, desesperado.

— Ele me disse que Ian vive.

— Quer brincar contigo, rapaz.

Aidan olhou fixamente pra ele, tremendo. Se Ian estivesse vivo, não podia ser um fantasma. Os fantasmas procediam dentre os mortos. Não havia esperança. Não queria voltar a ter.

— Hoje tentou te distrair. E voltará a fazer isso, brincou contigo toda a vida, de gato e rato. Agora te persegue.

Aidan o olhou e viu preocupação em seus olhos. Estava certo. Seu pai começou a persegui-lo quando tinha dez anos e vivia acolhido pela família MacLaine. Então o perseguia sem muito empenho, mas desde o dia em que foi eleito pela Irmandade e se uniu a ela, o acossava implacavelmente.

— Jamais te perdoará por desafiá-lo, por servir à Irmandade. Jamais te perdoará por deixar viver suas amantes. Jamais te perdoará por matar seus três filhos Deamhanain, um por um, e por destruir suas famílias e assolar suas terras. Não deixe que continue te atormentando, rapaz — MacNeil voltou a colocar sua enorme mão sobre o ombro de Aidan.

Desta vez, Aidan não se afastou. Desta vez, estava muito desesperado.

Uma Curandeira poderosa como lady Allie poderia salvar Ian. Um Deus poderia salvar Ian.

Afugentou de si aquela esperança. Ian estava morto e Moray pagaria por isso com sua vida.

— Esta guerra deve acabar e haverá apenas um vencedor, nos deixe te ajudar, Aidan. Sempre será um irmão.

— Sabe como destruir Moray? — perguntou asperamente.

MacNeil sacudiu a cabeça.

— Então não quero sua ajuda — começou a se afastar.

— E o que me diz de lady Brianna? — Perguntou MacNeil a suas costas.

«Se você gosta das virgens, meu filho, podemos arrumar isso».

Aidan hesitou. Buscou por ela em seguida. Estava dormindo, mas não sonhava. Embora não estivesse em perigo, Aidan não relaxou.

Seu pai sabia que foi até ela em sonhos, em lugar de tomar poder de quantas inocentes houvesse no acampamento das mulheres. Sabia também que sentia desejo por ela, e não simples luxúria? Sabia que estava decidido a protegê-la? Se Moray sabia dessas coisas, Brianna corria perigo.

Seu medo cresceu incontrolavelmente quando olhou MacNeil nos olhos. Estava claro que o Mestre também sabia.

— Pode vir comigo para Iona em qualquer momento — disse, e desapareceu.

Se mandasse Brianna com MacNeil, estaria a salvo no chão sagrado da abadia. Poderia olhar MacNeil com seus grandes olhos cheios de fé, poderia aporrinhá-lo com suas opiniões bem-intencionadas e podia desejá-lo de corpo e alma, como faria sem dúvida.

Aidan ficou rígido. Odiava a ideia de que Brianna desejasse outro homem.

Brie sonhou com a batalha medieval, com o ruído das espadas e da artilharia, com os gritos dos homens e os relinchos dos cavalos. Esperava, frenética, que Aidan aparecesse. Sabia que estava vivo, mas sentia pânico por ele. E quando de repente desmontou do cavalo e se deixou abraçar por ela, estava tão cheio de sangue que escorria entre suas mãos.

Ia morrer, pensou, aterrorizada.

Mas Aidan não caiu. Entrou na tenda tranquilamente, como se ela não estivesse ali.

O que aconteceu? Quem fez aquilo com ele? Brie sentiu de repente que uma imensa maldade aparecia atrás dela, ficou tensa. Já não estava certa se estava sonhando.

— Olá Bhrianna.

Aquela voz espantosa era aterradora e familiar ao mesmo tempo. Brie virou e viu um belo demônio loiro que sorria pra ela.

— É você, não é? Você fez isso com Aidan — disse.

Ele riu.

— Quem, se não eu, poderia deixar seu amante ferido tão gravemente? — estendeu os braços para ela. — Meu filho prefere se divertir com virgens a destruir a Inocência. Você anseia redimi-lo, mas não permitirei — pegou-a entre seus braços. — Morrerá antes que possa salvá-lo, bela Brianna.

Brie ficou quieta, mas seu coração explodiu de terror.

— Não está aqui, comigo! Estou sonhando. Ninguém te viu em sessenta e seis anos!

Brie tentou lutar contra ele. Ele a soltou imediatamente, rindo. Brie tinha que despertar antes de que acontecesse algo terrível. Cheia de pânico, entrou na tenda atrás de Aidan, consciente de que Moray a seguia sem pressa. Mas a tenda estava vazia.

Gritando, virou no mesmo tempo em que a porta de lona se fechava detrás de Moray.

— Te deixou virgem. Que delícia para mim —murmurou.

Brie sentiu que sua roupa desaparecia. E gritou.

Seu grito atravessou a noite.

Aidan sentiu imediatamente a maldade de seu pai. Correu para sua tenda, esperando outro grito. Não chegou, e começou a sentir medo. Ao irromper na tenda, receberam-no as sombras e a luz tênue de um abajur. Brianna estava deitada na cama e se agitava em sonhos.

Moray não estava sobre ela.

Aidan entrou imediatamente em seu sonho e a encontrou nua nos braços do Deamhaan. Moray riu.

— É apenas um sonho, meu filho.

Aidan lançou nele todo seu poder.

Moray levantou Brianna e a usou como escudo; a energia a atravessou, ardente. Ficou inerte nos braços de seu pai.

— Agora destrói a Inocência? — perguntou seu pai estalando a língua.

Ninguém podia morrer em sonhos! Assustado, Aidan abandonou o sonho e, sentando-se junto a ela, agarrou-a pelos ombros.

— Acorda! —rugiu, temendo que não voltasse a despertar.

Brianna abriu os olhos de repente.

— Não está ferida. Foi só um sonho —disse Aidan com a voz cheia de alívio.

Ela o rodeou com seus braços.

Aidan a abraçou com toda a força que pôde. Morreu no sonho?

Ele já se introduziu em sua mente. Brianna estava revivendo o sonho, ficava quieta e inerte nos braços de Moray. A risada de seu pai encheu a tenda.

Aidan ficou tenso e olhou a seu redor com receio. Moray não estava ali. Mas Brianna levantou os olhos, muito abertos.

— Está aqui? Achei que fosse um pesadelo. Aidan?

— O ouviu? — perguntou ele com cautela.

Ela assentiu.

Aidan respirava agitadamente. Demorou um momento, mas por fim conseguiu sentir que aquela negra maldade enchia os limites de sua tenda.

— Verei-te muito em breve no inferno — grunhiu.

—Vai me ver amanhã — murmurou Moray.

E a maldade desvaneceu. Aidan compreendeu que seu pai partiu.

— Aidan? O que está acontecendo? O que houve? — soluçou Brianna.

Estava aterrorizada... e em seus braços. Era uma mulher quente, suave e carinhosa. Aidan queria reconfortá-la, mas não como reconfortou Ian tantas vezes em sua vida no passado. Queria reconfortá-la movendo-se sobre ela, beijando seu rosto, seus seios, seu cabelo. A única coisa que tinha que fazer era tomar seu rosto entre as mãos e tombá-la na cama. Seu corpo ardia, inflamado pelo desejo. Quando a penetrasse, ela não pensaria naquele pesadelo, em seu pai demoníaco nem em sua morte no sonho.

Mas Aidan não fez nada.

Moray perseguia elatambém.

Estava espantosamente claro. Moray queria usa-la para lhe fazer sentir dor, como começava temer. Não devia possui-la, tocá-la, nem reconfortá-la de modo algum. Desejava protegê-la e isso tornava ambos terrivelmente vulneráveis.

Devia mandar Brianna para Iona imediatamente.

A segurou mais um instante no círculo de seus braços, consciente de seu calor e seu afeto, inclusive de seu amor. Se não agisse com extrema cautela, Brianna teria a mesma sorte que Ian... ou uma ainda pior.

— Vou te vigiar enquanto dorme. Não permitirei que ninguém se introduza em seus sonhos.

Ela o olhou com assombro. Baixou o olhar para seu membro, que palpitava contra seu colete de linho, entre seus corpos.

— Já não posso dormir —murmurou.

Aidan compreendeu então que não escondeu seu desejo... nem sua raiva, nem seu medo. Pôs imediatamente uma barreira entre eles, mas isso não mudou o que queria. Não aliviou seu corpo, que clamava por possuí-la. Soltou-a e se levantou.

— É uma mulher bonita, Brianna — disse procurando aparentar indiferença. — E já sabe que um highlander sempre se excita com a beleza — encolheu de ombros.

— Eu não sou bonita — ela disse sem se separar de seus olhos verdes. — Acabo de morrer, Aidan.

Ele ficou muito quieto, com o coração apertado. Era aquele um novo poder de seu pai?

— Está certa?

Ela assentiu, confusa e vulnerável, cobrindo-se até o queixo com as mantas.

— Ninguém morre em um sonho. E eu morri.

Aidan ignorava o que podia significar aquilo. Brianna morreu nos braços de Moray, pelo poder de seu pai, encolheu os ombros com fingida indiferença.

— Foi apenas um sonho.

— Senti o último momento de minha vida. Sabia que acabou. Senti como minha vida acabava —insistiu, tão pálida como o fantasma de seu filho. — Vi até mesmo os Santos. Fui para sua luz.

Aidan a olhou nos olhos e viu brilhar neles uma intensa emoção. Viu medo e impotência, e se enfureceu. Mas também viu coragem e determinação, e sentiu admiração por ela. Esse olhar angustiado também o atraía.

Compreendeu sua súplica e, entrou em sua mente. Brianna desejava que se metesse em sua cama e fizesse amor com ela. Pensava constantemente em fazer amor com ele, claro. Aidan não tinha que espiar seus pensamentos para saber, seus olhos a delatavam. Às vezes era exasperante e às vezes sedutor. Seu corpo parecia ter vontade própria, porque sempre reagia ante ela.

Brianna o olhou fixamente e a tensão que reinava entre eles aumentou de repente.

Aidan serviu um pouco de vinho e lhe deu a taça. Sorriu cansativamente e ele lamentou não ter deitado com ela antes. Agora já não podia mais.

— Preciso de Tabby e Sam. Claire disse que fez contato com o Allie. Peça que venha depois.

Aidan entendia por que estava tão angustiada e desejava distrai-la.

— Lady Allie pode persuadir Royce para vir te ver. Brianna..., esquece esse sonho.

— Não posso —Depois acrescentou — Pelo menos despertei.

— Beba o vinho. Vai se sentir melhor — ele disse. — Os sonhos não são reais.

Lançou um olhar pra ele.

— Sim são. Sou uma Rose, Aidan. Procedo de uma linhagem de mulheres poderosas e sabemos tudo a respeito dos outros mundos.

Aidan cruzou os braços.

— Porque tem mais empatia comigo que com outros?

— Não sei exatamente, mas me ajudou a te entender. E agora estou mais decidida que nunca a te ajudar.

— Eu não gosto que me sinta com tanta intensidade — disse ele. — Tenho que me esconder de você constantemente.

Ela saiu da cama e Aidan pareceu surpreso ao ver suas pernas nuas e a roupa intima cor-de-rosa.

— Invade minha intimidade quando te desejo muito. Agora já sabe o que sinto.

Ele olhou suas coxas brancas e a calcinha rosa. O pulso acelerou vertiginosamente. Levantou os olhos.

— Tem que se vestir.

Brianna não se moveu.

— Também senti seu desejo ainda agora, antes que me escondesse isso. Era distinto. Não se tratava de poder, absolutamente. Era o mesmo desejo que sentia em nosso sonho.

Não gostou de seu tom e seu olhar de soslaio.

— Um highlander necessita de sexo como o pão de cada dia, enquanto que um Deamhanan precisa de poder. Eu sou highlander e Deamhan — respondeu ele asperamente. — Faço sexo e tomo poder todos os dias.

— Os demônios destroem. Você não me destruiu, nem sequer quer me usar. Quer sexo comum, assim suponho que isso te converte mais em um highlander que em um meio Deamhan.

— Eu gosto mais quando me teme —retrucou ele com suavidade. — É tarde. Volte para a cama.

Ela tremeu.

— Acredito que não.

Agora o desobedecia?

— Irei dormir quando deixar de olhar minhas pernas.

Aidan se deu conta de que estava olhando de novo a calcinha rosa e o que se escondia debaixo do tecido, ruborizou. O sexo da Brianna palpitava suavemente.

— Quer que te olhe, ou não estaria aí, nua, com este frio.

— Não notei o frio, e não estou nua.

Aidan ficou quieto.

— Pode me esconder tudo o que quiser, mas o que está sentindo neste momento é bastante óbvio — Brianna olhou para a parte de baixo da roupa dele, que continuava volumosa. Acrescentou, sufocada —: Não sei se fui eu quem sonhou com ele ou se entrou em meu sonho, mas, como te dizia, sou uma Rose e sei que os sonhos são outra realidade — olhou intensamente seus olhos. — Não havia sentido tanto medo em toda minha vida, e vi muita maldade. Embora tenha despertado, não posso voltar a dormir. E se ele voltar para me matar?

Aidan estava a ponto de rodeá-la com os braços e lhe dar o que ambos desejavam.

— Tem que se vestir — repetiu. — Eu te protegerei, como te prometi.

Brianna o olhou nos olhos.

— A princípio pensei que tinha me enganado — disse com voz aveludada. — Pensei que fosse muito viril e que só me desejava porque sou uma mulher e porque se servia de tudo que usasse saias.

Aidan não pensava reconhecer nada. Em todo caso, era difícil falar.

— Vista-se — disse ele em seguida.

Ela se moveu, mas não para se vestir. Se atreveu a tocar na bochecha dele.

— Acho que me deseja, e muito. E o que é melhor ainda: acho que se importa comigo, embora seja só um pouco. Acho que estamos ficando amigos. E acredito que por isso me deseja. Acho também que precisa fazer amor comigo. — Seus olhos, fixos nele, eram tão grandes como os de um cervo.

Aidan estava atônito.

Recolheu os jeans dela do chão e os lançou ao peito. Ela os abraçou.

— Nunca seremos amigos, nem amantes, Brianna — advertiu.

— Por que?

— Porque Moray voltou e não só em sonhos — disse asperamente. — Era o gigante com quem lutei no campo de batalha.

Os Deamhanain não sentiam desejo, só sentiam luxúria. Não protegiam, destruíam.

Aidan andava em frente a sua tenda, consciente de que Brianna estava dentro, tensa pelo medo e completamente acordada. Tinha que protegê-la do demônio de seu pai. Se não tomasse cuidado, voltaria a deslizar-se na cama da Brianna para reconfortá-la, desfrutaria de suas carícias e gemidos e, antes de que se desse conta, ela estaria curando-o. Aceitaria a oferta do MacNeil e se aliaria com a Irmandade, e após renunciar a sua vingança voltaria para o lado dos Deuses.

Tremendo de raiva, olhou a lua radiante.

— Não voltarei a caminhar iluminado por vós, canalhas — zombou.

Mas Moray estava mais poderoso do que nunca e teria que destrui-lo o quanto antes. MacNeil não sabia como derrotá-lo. Se alguém podia vencer Moray, seria um Deus poderoso.

Entretanto, nenhum Deus lhe mostraria compaixão, depois de tudo o que fez. E ele não suplicaria a ajuda deles, como não pediria a MacNeil.

Os Deuses eram egoístas e avaros, igual a seus filhos, os highlanders. Gostavam do poder e da riqueza. Poderia suborná-los. Por que não? Precisava de poder e desfrutaria da chantagem.

— Me odeiam tanto quanto odeio vocês — disse asperamente, olhando a noite muda. — Venham, mostrem a cara e se encontrem comigo para que possamos fazer um acordo.

A noite seguia negra azulada, fresca e silenciosa. Só os lobos se moviam, ofegantes, soltos a curta distância dali.

— Me deixem derrotar Moray — disse pensando em Brianna — e lhes entregarei de boa vontade minha vida.

A noite mudou. As estrelas piscaram. A lua sorriu. Inclusive o vento suspirou.

Os lobos se sentaram.

Mas aquilo não eram respostas.

— Ela viu o futuro — lembrou de seus olhos verdes, ao mesmo tempo decididos e assustados. — Me enforcarão em breve. Nenhuma corda pode me prender, mas me deem poder para derrotar Moray e aceitarei meu destino.

Uma rajada de vento levantou as folhas mortas a seus pés.

— Covardes — zombou. — Apareçam e selemos nosso trato!

O vento rugiu, agitando sua roupa. Os lobos grunhiram com o pelo arrepiado e depois, bruscamente, a noite de outono ficou quieta e silenciosa.

Isso sim era uma resposta.

Aidan deitou acordado sobre uma pele de urso, junto à cama, e Brianna percebia sua presença intensamente.

Morrer naquele pesadelo foi aterrador, mas ao despertar se encontrou entre os poderosos braços de Aidan. Seu medo se dissipou imediatamente. Estavam só ela e ele, e a mágica atração que havia entre os dois.

Brie sorriu com amargura, sabendo que podia passar algum tempo, antes que voltasse a encontrar-se em seus braços.

Aidan já não lhe dava medo. A resgatou duas vezes, se contasse que a salvou de Moray no pesadelo. Gritava forte, sim, e às vezes dava medo, mas não a mordeu nem sequer uma vez. Começava a acreditar que estavam se tornando amigos.

Sentiu tanto medo por ele… A gravidade de suas feridas a convenceram de que era tão mortal quanto ela, mas, graças aos Deuses, curou-se.

Já não era tão enigmático como antes. As feridas de sua alma eram muito profundas, e Brie compreendia por que renegou os Deuses. Estava furioso pela morte de seu filho, e respondeu ao destino de Ian voltando as costas aos Inocentes, como se desse modo mandasse tudo ao diabo. Isso não o tornava mal, por mais que ele dissesse.

Estava deitado de costas, com os olhos abertos, olhando o teto da tenda. Ficou com ela porque Brie tinha medo. Decidiu confortá-la, embora não como ela desejava. Poderia estar no acampamento das mulheres, de farra ou algo pior, mas estava ali. Ficou com ela para protegê-la. E não só por causa de um vínculo com o fantasma de Ian. Entre eles começou algo e, apesar da maldade que enfrentavam, Brie estava entusiasmada.

Olhou pra ele que fingiu não vê-la. Havia dois abajures acesos (ela pediu o segundo) e seu belo rosto estava iluminado. Tinha as mãos debaixo da cabeça e seus bíceps se destacavam. Algum dia, Brie se armaria de coragem e conseguiria leva-lo à cama.

Aidan acreditava que estaria condenado se fizessem amor. Com quanta clareza ele lembrava agora? Não entendia por quê. Afinal de contas, tinha muitas amantes.

— Não pode ficar calada?

Ela ocultou um sorriso.

— Deixe de escutar meus pensamentos.

— Deixe de pensar em voz alta — ele virou, grunhindo.

Brie olhou as costas dele e desejou ter a coragem de se meter sob a pele de urso e aconchegar-se junto a ele. Não passaria muito tempo aconchegada, claro, porque seu pulso acelerou e todas as fibras de seu ser palpitavam, ansiosas. Deus, se conformaria tocando todo seu corpo e beijando por toda parte...

Ele virou de novo e olhou pra ela irritado.

— Tenta me seduzir ou me deixar furioso?

— Não vou voltar a dormir.

Sustentaram o olhar e o de Aidan se acalmou por fim. Sabia que Brie temia voltar a dormir. Moray a atemorizou como nenhum outro demônio. Moray queria algo mais que sua morte ou a de Aidan, ela sentiu claramente seu sadismo quando apareceu no sonho. Deleitava-se na confrontação.

Brie se sentou. Pensar em Moray a deixava doente de medo.

Aidan teria poder suficiente para triunfar sobre seu pai? Moray foi derrotado uma vez, anos atrás. Como diabos havia voltado?

Aidan apartou a pele de urso e se levantou.

— De qualquer maneira, está amanhecendo — grunhiu.

Brie se alegrou ao comprovar que estava tão excitado quanto ela. Ainda a assombrava um pouco que a desejasse, tendo tantas mulheres belas entre as que escolher. Falou sério: Aidan precisava de amor, não de sexo. Não tinha nenhuma dúvida, depois do que aconteceu desde sua chegada ao passado.

Os olhos de ambos se encontraram.

— Não maquine para me destruir, Brianna. Não tem poder e será você quem acabará machucada — disse.

Ela se ergueu. Provavelmente não foi tão mau que ele invadisse constantemente seus pensamentos.

— O que vai acontecer agora? Você não vai dormir nem eu tampouco, porque seu pai voltou e disse que se encontrariam hoje.

Um calafrio a percorreu quando viu que ele não respondia. Acrescentou:

— Disse que ele possuiu completamente um gigante, que tomou sua vontade, suas palavras, sua voz. Ocultou por completo sua maldade de modo que no princípio não soube que era ele. Poderia sair da tenda e falar com Will, e se dar conta de que é Moray.

— Não tenho a Visão. Provavelmente deveria dar uma olhada no futuro, para ver o que meu pai vai fazer agora — lhe lançou um olhar escuro enquanto fechava o cinturão e prendia o manto.

Brie seguia agasalhada com as mantas e a pele.

— Oxalá pudesse ver as coisas quando quero, mas não posso.

Ele soltou um som rouco.

— Fala como MacNeil.

— Quem é MacNeil?

— Um Mestre que dá muitas ordens, segue aos Deuses sem pigarrear e pode ver o futuro... quando os Deuses permitem — seus movimentos se tornaram furiosos.

Sua ira aumentou e arranhou a pele de Brie.

— Dá a impressão de que são inimigos.

— Fomos amigos uma vez. Quando morreu Ian, tornou-se meu rival.

Brie desceu da cama e tremeu de frio.

Ele olhou suas pernas nuas.

Ela fitou os jeans.

— Também o culpa pelo assassinato de Ian? Culpa a todo mundo, ou só a seus amigos, ou a todos os Mestres? — estava muito consciente de que falava com aspereza.

— Fomos amigos — Aidan deu a ela um olhar rude. — Mas aceitou a morte do meu filho porque era a vontade dos Deuses.

— Quero conhecê-lo, ela se apressou em dizer.

Aidan a olhou fixamente.

Brie tentou sossegar sua mente.

— Acredita que ele tem a chave que abrirá meu coração e meus segredos? — riu dela. — Tenho muitos secredos, Brianna, mas perdi o coração quando meu pai levou meu filho.

— Tolices — disse ela.

Ele deu um olhar exasperado pra ela e saiu da tenda.

Brie colocou as botas e correu atrás dele.

— Aidan, espere. É importante. Como pode vencê-lo? Já foi decapitado. No futuro, quando mata um Deamhan, seu poder maléfico também se destrói.

— Alguns dizem que é imortal — respondeu Aidan, aproximando-se de uma fogueira. Will já estava ali, movendo uma papa de aveia. — MacNeil me disse que é mortal. Mas utilizou estes últimos sessenta e seis anos para aumentar seus poderes — saudou o Will com uma inclinação de cabeça.

Ali em pé, com sua camiseta, seu jeans e suas botas, Brie sentia tanto frio que ficou pulando.

— Como um demônio aumenta seus poderes? — perguntou, tremendo.

— Os Deuses entregaram três livros à Irmandade no princípio dos tempos. O livro da Sabedoria continua em Iona, em seu santuário. O Cladich é o livro da Sanación. Antes do assassinato de Ian, um poderoso Deamhan tinha algumas de suas páginas, mas agora também está guardado na Iona. O Duaisean foi roubado e ninguém o vê há séculos — fez uma pausa carregada de sentido. — MacNeil me disse que Moray tem algumas parte do Duaisean, escondidas provavelmente em sua época.

Brie teve um mau pressentimento.

— Entendi. Que tipo de poder possui esse livro?

— Todos os poderes conhecidos pela humanidade.

Brie começou a tremer, e não de frio.

— E todos os poderes conhecidos pelos Deuses — acrescentou Aidan.

 

A carta chegou ao amanhecer.

O general do rei desejava falar com ele.

O sol se elevava sobre a planície nevada enquanto Aidan, montado em seu corcel negro, avançava sem pressa para o exército real, sozinho. Era uma fria manhã de inverno e seu fôlego e de seu cavalo fumegavam no ar. Seus homens avançavam atrás dele, alinhados no longo caminho enlameado, em silêncio. Ouvia tilintar os arreios de suas montarias e ouvia Brianna pensar. Estava aterrorizada porque ia se encontrar com Frasier a sós. Temia que fosse detido, acreditava que faltava pouco tempo para que o enforcassem.

Aidan pensou em seu pacto com os Deuses. Sabia que provavelmente Brianna tivesse razão, mas não temia sua própria morte. Uma eternidade no inferno seria uma delícia, comparada com sua existência entre os vivos.

Diante dele, o exército do rei se desdobrava em leque sobre a planície, bloqueando o caminho, como um mar aparentemente infinito de cavaleiros e corcéis cujas armaduras refulgiam ao sol do inverno. Outro homem haveria sentido um instante de nervosismo pelo fato de cavalgar para um exército tão poderoso, mas Aidan só experimentava determinação. A marcha sobre Inverness era insignificante, comparada com a guerra contra Moray, e seu pai lhe tinha prometido que se veriam esse mesmo dia.

Desejava aquele encontro, embora pela primeira vez em sua vida temesse a confrontação.

Porque agora também estava em jogo a vida de Brianna.

Cinco cavaleiros avançaram para ele, separando-se das primeiras linhas do exército do rei.

«porque tem que ser valente?».

Ficou tenso; ouviu Brianna com toda clareza, como se estivesse a seu lado, falando com ele. Olhou seu exército de cavaleiros e highlanders e a viu imediatamente montada sobre uma égua cinza, nas primeiras filas. O desobedeceu: ordenou expressamente que ficasse escondida no meio de seu exército.

Não podiam prendê-lo nesse dia, nem esperava que o prendessem depois. Tinha, ao menos, que levar Brianna ao santuário de Iona, onde estaria a salvo.

Olhou de frente seus adversários; os cinco cavaleiros se detiveram no caminho, lhe cortando o passo. O porta-estandarte levava a insígnia de Frasier: um leão, duas espadas cruzadas e uma flor de lis. Aidan levava seu próprio estandarte. Todos eles estavam de viseiras levantadas e Aidan se surpreendeu ao ver que dois dos cavalheiros tinham os olhos negros e inertes.

Lançou um olhar a Robert Frasier, o homem que, segundo Brianna, o enforcaria.

Frasier sorriu tranquilamente. Era um homem forte, de cabelo escuro, pele clara e olhos escuros e penetrantes. Esporeou seu corcel para que se aproximasse.

— Vim pedir que cesse esta loucura, Aidan de Awe — disse sem preâmbulos. — Faz tempo que perdeu todos os seu títulos e domínios. Só lhe restou o castelo de Awe. Se seguir adiante, perderá seu último bastião e pode ser que também sua liberdade, e provavelmente sua vida.

Aidan riu dele.

— Me pague dez mil libras e provavelmente chegaremos a um acordo.

Frasier ficou furioso.

— Não chegará a Inverness… não sem grande sofrimento. Juntamos os exércitos de MacDonald e Maclean. Não há esperança de vitória para você.

Aidan aproximou seu corcel de Frasier e sentiu sua surpresa. Deteve-se quando seus cavalos estavam ombro a ombro e seus joelhos tocaram os do general.

— Eu gosto do sofrimento — disse com voz suave. — E meus homens tem sede de sangue inglês.

Seu corcel mordeu o do general, fazendo-o retroceder.

Frasier o obrigou a secaproximar com firmeza. Olhou nos olhos de Aidan e disse:

— Não deseja voltar a ver Ian, meu filho?

Sua voz não mudou, mas Aidan ficou paralisado. Moray possuiu outro homem de novo, e desta vez foi Frasier.

Os olhos de Frasier ficaram azuis e depois brilharam, vermelhos. Riu com a risada zombadora de Moray, uma risada que atormentava Aidan em sonhos, quando dormia.

— Por Ian! — rugiu Aidan, desembainhando sua espada com fúria cega. Mas mesmo furioso sabia que matar Frasier não resolveria nada.

Frasier empunhou sua espada, lançando uma estocada feroz, mas Aidan segurou o golpe com sua espada. O chiado do aço, imbuído de poderes sobrenaturais, foi ouvido em toda a planície. Aidan sufocou um grito e pôs toda sua força no choque de espadas, mas não conseguiu rechaçar Moray.

— Sim — murmurou Frasier, zombador. — Devia ter tomado mais poder ontem à noite, em lugar de se fazer de babá de nossa querida Brianna.

Nesse momento, o coração de Aidan parou. Moray voltou a lhes espiar. E uma vez mais conseguiu distrai-lo.

Os cavaleiros do rei os rodearam rodeado. Aidan conseguiu se retirar, fazendo retroceder seu cavalo, e Frasier foi atrás dele lançando implacáveis estocadas, como se quisesse lhe acertar um golpe mortal. Aidan lançou todo seu poder no demônio e em sua espada. A estocada, que deveria ter atravessado seu ombro, ficou suspensa no ar, tremendo, a poucos centímetros dele.

Frasier grunhiu e começou a baixar a espada.

Aidan sentiu que o metal quente tocava seu ombro.

— Por Ian! — rugiu. Deu outro golpe na espada, que voou da mão de Frasier e cruzou girando o caminho.

Aidan lançou um golpe, mas Frasier deteve sua espada com sua negra energia. A espada caiu de sua mão e voou pela planície.

O corcel negro relinchou, retrocedendo, furioso, e golpeou à montaria de Frasier. O animal se agitou e esperneou no ar. Aidan saltou de seu cavalo.

— Desmonte e lute, pai — bradou. — Se é que tem coragem — o corpo já não lhe importava. Lutaria com Moray até a morte, sem se importar em quem estivesse encarnado.

Frasier sorriu e desmontou com rapidez diante dele, antes que Aidan pudesse reagir, um golpe de energia o lançou voando para trás. Aterrissou bruscamente, não muito longe das primeiras filas de seu exército.

Brianna gritou.

Aidan ficou em pé e lançou seu poder contra seu demoníaco progenitor. Ao mesmo tempo em que via como Frasier bloqueava a descarga, virou. Brianna se separou de seus homens e sua égua trotava para ele.

— Tirem-na daqui! — gritou para Will, que estava atrás dela.

O golpe seguinte de Frasier o lançou para trás, entre as filas de seus homens, que se abriram como o mar Vermelho. Caiu de costas e, em cima dele, o céu começou a girar e as estrelas explodiram. Os abutres voavam em círculos, famintos, esperando a morte.

— Aidan! — gritou Brianna.

Levantou-se e viu que Frasier se aproximava a grandes passadas. Seus olhos brilhavam com diabólica intensidade. Aidan ficou desconcertado um instante.

— Pensa me matar por fim? — perguntou, ofegante.

— Porque ia fazer isso? — perguntou seu pai. — Tinha grande esperança em você, e está há décadas me desafiando a cada passo.

Aidan começou a compreender. Não ia morrer nesse dia. Mas não havia tempo para se parar e pensar nisso. Descarregou sua energia contra Frasier, que caiu para trás mas não caiu no chão. Não tinha suficiente poder para derrotá-lo.

Frasier se ergueu e soltou uma gargalhada.

— Além disso, meu querido filho, espero que se reúna com o pequeno Ian.

A fúria explodiu dentro de Aidan, apoderando-se dele.

— Lembre-se, Ian está morto! — Lançou contra ele todo o poder que tinha.

Desta vez, o general do rei voou para trás, entre o exército de Aidan, e aterrissou com violência sobre o caminho, diante de seus quatro cavalheiros.

Aidan correu para ele, lhe lançando repetidas descargas, mas Frasier se rodeou de energia como um imenso escudo e o poder de Aidan ricocheteou para ele e para quem o rodeava. Os homens gritaram e caíram, feridos e mortos. Aidan parou. Não se atrevia a golpear de novo.

Frasier levantou lentamente. Tinha uma expressão implacável. Aidan se esticou, espectador, sem saber o que planejava.

Então Frasier olhou além dele e Aidan compreendeu a quem se dispunha a atacar. Gritou, virando-se.

Brianna saiu voando da égua cinza por entre dúzias de homens até estatelar-se violentamente contra um enorme pinheiro. Seus ossos rangeram. Ficou um instante suspensa ali, como cravada no tronco da árvore, e depois escorregou inerte até o chão, onde ficou imóvel.

Aidan ficou paralisado de horror.

— É uma grande debilidade — disse Frasier suavemente, e seu fôlego roçou o ouvido de Aidan.

Tinha assassinado Brianna. Aidan virou para destrui-lo. Agora nada podia detê-lo, mas ao gritar cheio de ira e virar encontrou com os olhos escuros e perplexos de Frasier, não com os de seu pai.

— O que aconteceu? — perguntou o general. — Ousa enfrentar a mim? — estava atônito. — Onde está meu cavalo?

Aidan não fez conta. Seu coração explodia de medo. Pôs-se a correr para o lugar onde Brianna jazia no chão, e aquele curto trecho lhe pareceu eterno. Pela primeira vez em décadas, rezou a seus inimigos pedindo por sua vida.

Faria tudo o que os Deuses quisessem, se a salvassem.

Morreria ali mesmo se a ressuscitasse.

Ela jazia imóvel, de costas, tão pálida como um cadáver, e de debaixo de sua cabeça emanava um atoleiro de sangue.

Aidan se ajoelhou com o coração acelerado pelo medo e o espanto.

— Brianna?

Não houve resposta. Suas pestanas não se moveram. Seu peito não cresceu. Aidan se inclinou para seu nariz, mas não sentiu sua respiração. Ao levantar em seus braços o corpo machucado dela, enquanto lutava por refrear um imenso desespero, um medo assustador se apoderou dele.

Brianna não merecia morrer.

Não podia permitir que morresse.

Abraçou-a, cego pela angústia, pela mesma angústia que sentiu no dia que lutou para salvar a vida de Ian. Não adiantou nada. Respirou e, obrigando-se a colocar de lado lado a angústia, lutou para se concentrar. Lutou para sentir sua força vital.

Durante um instante não sentiu absolutamente nada. O pânico tentava agitar-se de novo; desejava explodir em chamas.

Depois sentiu que sua vida vibrava fraca e corajosamente os últimos estertores de sua alma agonizante.

Abraçou-a com força e, enquanto lutava para conter as lágrimas, fez provisão de seus poderes para curar.

Ignorava sua potência. Tempos atrás era um poder enorme. Tempos atrás, começou a experimentar seus poderes de cura, poderes que ninguém esperava que tivesse, poderes que sua avó concedeu a ele. O último Inocente que curou tinha apenas uns ossos quebrados. E lhe havia tomado um imenso esforço arrumá-los, mesmo em 1435.

Agarrou a parte de atrás da cabeça de Brianna, onde seu crânio fraturou em numerosos lugares e sangrava profusamente. Podia ver cada linha de fratura, se esforçou para encontrar dentro de si seu poder branco, um poder do qual,a propósito, se afastou.

Sem dúvida não o perdeu de todo, mas fazia tanto tempo que não usava que, ao procurar dentro de si, só achou sombras e espaços vazios. Esteve a ponto de sucumbir à frustração e a desesperança, dentro daquele imenso vazio tinha que existir alguma semente de poder branco.

E, de repente, uma espécie de calor começou a brotar dentro dele, para fora, para suas mãos.

O alívio o embargou. Apartou as mãos de sua cabeça e ficou olhando a branca energia que emanava de sua palma; depois infundiu Brianna com ela. Uma fina bruma branca começou a orvalhá-la. Aidan sabia que tinha que dirigir o poder de cura para sua cabeça. Com um enorme esforço, concentrou mais poder branco em suas mãos e, sujeitando seu crânio ensanguentado, fez aquela neblina se desprender de suas palmas e penetrar a cabeça fraturada da Brianna.

Não sabia quanto tempo estava ali, enchendo sua cabeça de luz curadora. Tinha a impressão de que horas haviam passado, mas quando se deu conta de que a hemorragia cessou, o sol seguia brilhando no alto. Então se passaram apenas alguns instantes.

Brianna já não sangrava.

Aidan fechou os olhos e a apalpou com a mente, cuidadosamente. Seu crânio estava completo. Não viu nenhuma só linha de fratura.

Exalou um suspiro de alívio e a ouviu gemer.

— Não se mova — disse, porque estava pálida como um fantasma e suas pestanas se agitavam. — Deixe que acabe de te curar, Brianna, vai melhorar.

Ela abriu as pálpebras e seus olhos verdes o olharam, cheios de dor.

— Está... está vivo?

— Cale-se — disse ele. Notou que tinha as costelas quebradas, igual ao braço direito, e dirigiu sua luz curadora para ambos os lugares.

A respiração laboriosa de Brianna se fez mais lenta até voltar ao normal. Ao compreender que urou seu corpo, Aidan olhou seu rosto. Ela o olhava atentamente e, quando os olhos de ambos se encontraram, um imenso calor se estendeu pelo peito de Aidan.

Nesse instante desejou que o olhasse com fé e confiança.

Ela levantou a mão e tocou sua bochecha. Aidan se deu conta de que jazia com os ombros sobre seu colo, e sentiu de repente um desejo cego. Aquela emoção quase o fez cair contra a árvore e esvaziou seu peito por completo. Esticou seu corpo e fez seu membro se erguer.

Seu coração batia com violência.

Desejava levar aquela bela mulher pra cama, mas ao mesmo tempo não queria. Queria prazer, e não para si mesmo. Queria dar a ela.

« Devia ter tomado mais poder ontem à noite, em lugar de se fazer de babá de nossa querida Brianna».

Ficou paralisado.

Brianna sussurrou:

— Te devo minha vida... outra vez.

Aidan a olhou horrorizado.

Aidan acabava de curá-la.

E os demônios não podiam curar.

Ele se levantou, com o rosto contraído.

— Pode se levantar?

Brie fechou os olhos, recordando o brutal ataque de Moray. Esteve a beira da morte, e dessa vez não foi um sonho. Teria morrido, se Aidan não a tivesse curado.

Tremeu e, abrindo os olhos devagar, olhou Aidan.

— Pode curar. Não sabia.

Ele tinha uma expressão séria.

— Os demônios não podem curar — insistiu ela — . Sua mãe era uma Curadora?

— Não, mas era muito devota — estava claro que não desejava continuar falando desse tema. Acrescentou a contra gosto —: Minha avó era uma Deusa.

Brie se sentou, incrédula. Sua avó era uma Deusa. Não era por sentir saudades que podia curar. Aquele novo e assombroso dado era uma prova a mais de que ainda havia esperanças.

Brie se abraçou. Moray voltou a se apoderar do corpo de outro homem. Não precisava que Aidan dissesse para saber. Mas só para se assegurar disse:

— Era Moray?

Os olhos de Aidan relampejaram.

— Sim.

Ela deixou escapar um suspiro. Era o que pensava. Moray iniciou a batalha atacando Aidan e deu a impressão de que estavam igualados até que mostrou seu poder maléfico.

Ela não esperava. Jamais esqueceria o instante em que caiu com tanta força como se fosse uma bolinha de tênis empurrada por um ciclone. Soube que ia morrer assim que se chocasse contra a árvore.

Jamais esqueceria o rangido de seu crânio, a certeza de que ia morrer e seu terror. Jamais esqueceria a explosão de dor que sentiu em seguida.

Sentiu-se enjoada, ajoelhou, tinha que vomitar.

Aidan se ajoelhou a seu lado e pôs a mão nas costas dela, embora Brie não soubesse se com intenção de sustentá-la ou de confortá-la.

— Ainda se encontra mal?

Brie lutou para se controlar e virou para olhá-lo. Estava aterrorizada. Sentia náuseas e todos os pelos do corpo estavam arrepiados. Tinha quase a impressão de que Moray seguia espreitando-os.

— Aidan... — se olharam. — Queria me matar.

— Vou te enviar para Iona, onde não poderá te encontrar.

Brie o olhou fixamente. Como ia deixá-lo agora? Mas aquele demônio estava atrás dela.

— Ele veio atrás de mim, não de você. Por que?

— Tenho intenção de te proteger e quer me mostrar quão grande são seus poderes — Aidan tinha a boca crispada.

—O que quer? Não te matou em 1436, matou Ian. Tampouco te matou hoje. Quer te destruir ou só te fazer sofrer?

— Não sei se pode me matar. Agora tem grandes poderes — vacilou. — Pedi ajuda aos Deuses e me concederam.

Enquanto a esperança começava a se agitar, acrescentou duro:

— Fiz um trato com eles. Não é o que quer. Jamais lhes renderei culto, mas não puderam negar minha oferta.

— O que ofereceu a eles? — perguntou, assustada.

Aidan levantou e lhe estendeu a mão.

— Precisa descansar.

Brie pegou sua mão e ele a ajudou a se levantar. Ela não o soltou, segurou com força.

— Continuo sem entender o que quer, trata-se de algum jogo perverso?

— Está brincando comigo — Aidan soltou sua mão. — Sim, se diverte brincando comigo, me torturando, até que me dobre a sua vontade ou acabe comigo. Não acredito que prefira uma das duas coisas.

Brie ficou olhando pra ele. Como iriam sobreviver às voltas de uma maldade tão colossal?

— Como se sente?

Ela umedeceu os lábios e se concentrou em seu corpo um instante.

— Parece que estou bem — olhou de novo seus olhos brilhantes. — O que vamos fazer agora?

Ele lançou um olhar congelante.

— Você, nada. Eu irei atrás dele e porei fim a isto.

Brie se encheu de temor.

— E como o vai fazer? Ah, espere. Fez um pacto mortal com os Deuses. Não me diga isso! Não quero saber!

— Venha para a tenda. Vai se sentir melhor depois de comer algo e descansar.

Brie sabia que devia conter sua histeria crescente, mas era muito difícil.

— Possuiu Frasier, o homem que vai enforca-lo. Não pode ser uma coincidência! — sua angústia aumentou violentamente.

Aidan a segurou pelo braço e começou a conduzi-la para o acampamento, que estava a certa distância.

— Você sabe que não é uma coincidência — Brie parou e se negou a dar um passo a mais. — Necessitamos de ajuda. Precisamos de Malcolm e de Claire, Allie e Royce e seu amigo MacNeil, e todo o poder branco que possamos reunir.

Ele assinalou a tenda com a cabeça.

— Não penso em cavalgar ao lado dos Mestres, nem caminhar com eles, nem lutar ao lado deles.

— Então é um idiota! — gritou ela, angustiada. — Alguém sabe como vencer Moray?

Ele lhe deu um olhar frio.

— Ainda não está claro.

— Justo o que temia — disse Brie, quase chorando. Pôs-se a andar apressadamente, sem fazer caso dos highlanders e os cavaleiros junto aos quais passava.

O que iriam fazer? Como iriam sobreviver? E que tipo de pacto Aidan fez com os Deuses, que certamente estavam furiosos com ele?

Aidan parou ao lado dela.

— Não se preocupe tanto, Brianna. Não temo Moray. Posso perseguir ambos de uma vez.

Brie respirou fundo.

— Ah, assim vai perseguir Moray, que pode possuir Frasier quando ele quiser?

— Sim.

Brie teve vontade de esbofeteá-lo insensatamente.

— Nunca ouvi um plano mais estúpido. Acredito que isto é uma espécie de armadilha demoníaca pensada para fazer com que o enforquem — o olhou de frente, com os braços na cintura. — Mas não podem te enforcar. Porque poderia saltar no tempo, ir para o futuro ou para o passado, a não ser que um grande poder te impeça.

Ele a olhou sem responder.

— E Moray possui grandes poderes porque tem uma parte do Duaisean. Isto fica cada vez pior.

— Não devia te trazer para meu tempo. Fui eu quem te meteu nisto — sua boca era uma linha tensa. — Tem medo, e não lhe reprovo por isso. Mas em Iona estará a salvo, Brianna — fez uma pausa e depois acrescentou rude — Tem que deixar de se preocupar por mim.

Que diabos significava isso?

— Se o que quer dizer é que devo me preparar para sua morte, não penso fazer tal coisa! —resmungou. Então, de repente, entendeu. Amava Aidan. Talvez nunca foi um capricho passageiro. Talvez foi amor a primeira vista. Na realidade, não sabia, mas sabia que o amava e não ia permitir que o enforcassem, nem que continuasse fingindo que era um demônio. — O que ofereceu aos Deuses?

— Isso não importa.

— Claro que importa, maldito seja.

— Se sentirá melhor e pensará com mais clareza quando estiver na Iona — tentou forçar um sorriso, mas este se dissipou imediatamente. — A ilha é muito bonita e aprazível. Você gostará.

— Não penso em te deixar! — gritou, furiosa. Deu-se conta de que tinha os olhos cheios de lágrimas. — Temos um problema muito sério. Os dois, juntos.

— Não, Brianna — respondeu ele asperamente. Agarrou-a pelo braço e ela se esticou, mas não por seu contato.

O chão pareceu oscilar bruscamente e começar a girar. Compreendeu imediatamente que ia sofrer uma visão. O temor se apoderou dela. Sabia que não queria ver o que estava a ponto de aparecer ante seus olhos. A paisagem girou em torvelinho; já não via as tendas, nem as fogueiras, nem Aidan, nem os soldados. Então aquele caleidoscópio de cores parou e começaram a se formar imagens sombrias.

Uma imensa massa escura de homens e mulheres com roupas de linho e mantos reunidos em frente a muralhas de pedra. Viu também um palácio majestoso e ouviu a multidão. Havia sons, gargalhadas, gritos. Viu folhas vermelhas e douradas. A neve cobria a terra como pó.

Então viu Malcolm. Estava diante da multidão e abraçava Claire. Os que o rodeavam riam, contentes, mas ele chorava de angústia.

«Não», pensou, desesperada.

Viu Allie, que gritava e lutava com alguém. Com Royce, seu marido.

Não queria ver nada mais. Paralisada pelo horror, seguiu o olhar de Malcolm e deixou escapar um grito.

Aidan estava pendurado sobre a multidão; balançava lentamente ao vento, com o pescoço torcido e o rosto para baixo.

Brie sufocou um grito, abriu os olhos rápido e se agarrou no braço de Aidan.

Ele a olhava com preocupação.

Brie se deu conta de que estava chorando. Aidan a levou pra tenda e sua cama. Acabava de vê-lo enforcado. E suas visões sempre se tornavam realidade. O que faria?

— Desmaiou — a voz suave de Aidan interrompeu seus pensamentos frenéticos.

Ela agarrou seus fortes ombros. O poder, um imenso poder masculino, vibrava em seus músculos e suas veias. Brie não ia permitir que morresse. Ainda mais agora que estava mudando ante seus olhos, agora que o amava tanto.

A boca de Aidan esticou.

Nesse momento, Brie compreendeu que ele se introduziu em sua mente e viu o mesmo que ela.

— É um engano. Tem que ser — sussurrou ela, a beira das lágrimas.

— Não chore por mim, Brianna — um falso sorriso apareceu e desapareceu em um instante. — Não mereço suas lágrimas.

— Não fale assim.

Os olhos de Aidan vacilaram estranhamente e olhou sua boca um instante.

— Não desejo me tornar velho — se moveu como se se dispusesse a levantar, mas não fez. — Esta cansada. Eu velarei seu sono.

Estava sentado na pequena cama, com ela, e Brie se agarrava a seus largos ombros. Seu medo começava a esmaecer, substituído por uma aguda e dolorosa consciência da proximidade dele, da proximidade de um homem não só belo e atraente, mas sim de um homem que lutava por retornar à luz.

Brie não percebeu percebido nenhuma de suas emoções desde sua batalha com Frasier. Aidan estava bloqueando seus sentimentos, mas a paixão se apoderou dela e substituiu o medo. E aquela maré de desejo chegou acompanhada de um amor imenso.

— Hoje estive a ponto de morrer — sussurrou. Tocou sua bochecha com uma suave carícia e ele ficou tenso. Brie baixou a mão e disse suavemente —: Mas você me curou. Me curou, Aidan, com o poder branco concedido pelos Deuses. Coisas terríveis nos esperam. Vi. Não posso dormir, não quero dormir. Quero que me abrace, que faça amor comigo... e que afaste de mim tudo isto, embora seja apenas por uma hora — levantou sua mão.

Ele se afastou e ficou em pé antes que pudesse acariciar de novo seu rosto. Seus olhos, entretanto, ardiam lentamente, e seu colete agitava conforme respirava.

— Você não quer ser minha amiga, nem minha amante, Brianna — disse com calma e, ao sentir que suas palavras a embargavam, firmes e sedosas, Brie compreendeu que estava enfeitiçando-a. — Agora te desagrado. Não quer ter nada comigo. Quer ir para Iona. Quer estar a salvo.

Brie gritou, tapando os ouvidos. «Te quero», pensou. «Quero que esteja a salvo! Somos amigos e nada pode mudar isso».

Ela afastou as mãos dos ouvidos.

— Resiste a mim?

Brie assentiu, apesar de que suas palavras ressoavam dentro dela. «Não deseja ser minha amiga, Brianna. Agora te desagrado. Não quer ter nada comigo. Quer ir para Iona...».

— Sou sua amiga — sussurrou. — E agora precisamos um do outro.

Aidan se inclinou sobre ela, segurando seus pulsos. Brie beijou o pescoço dele na altura da gola da roupa, a pele quente.

O coração de Aidan começou a pulsar com violência.

— Não — disse, mas a apertou com mais força, e de repente, Brie recordou cada instante do sonho que compartilharam.

No sonho, ele desejava seu toque, e a beijava como se nunca tivesse beijado outra mulher.

Brie beijou de novo sua pele e o ouviu sufocar um gemido.

Ao levantar a vista, viu que fechou os olhos e que tinha as maçãs do rosto vermelhas pelo desejo e a cabeça jogada para trás de puro prazer.

Ficou de joelhos e deslizou a boca pela coluna de seu pescoço forte e vibrante. Aidan estremeceu.

Ela levantou o rosto e beijou seus lábios. Ele tinha a boca firmemente fechada. Seguia agarrando seus pulsos com força. Brie moveu suavemente a boca, apertando contra a dele.

Aidan gemeu e seus braços enormes a rodearam ao mesmo tempo que abria a boca e seus lábios se fundiam. O desejo explodiu entre eles. Quando atravessou Brie, ela se deu conta de que era ainda maior que antes. Rodeando-o com os braços, abraçou-o com todas suas forças e o beijou com frenesi.

Suas línguas se entrelaçaram.

De repente, Aidan enlaçou sua cintura com um braço e a apertou contra seu membro erguido. Brie se sentiu desfalecer de desejo e ânsia.

Ele afastou a boca da sua, ofegante. Seus olhos azuis pareciam em chamas.

— Não pare. Não pense! — ela suplicou. Mas já sabia o que ele faria.

Aidan a soltou bruscamente.

— Por acaso não vê que, se me deitar contigo, será a próxima vítima de Moray?

— Não tenho certeza de que me importe — nesse momento de loucura, só importava uma coisa: a união de seus corpos.

— Preciso de poder — gritou ele. — Preciso de muito poder. E fazendo o amor contigo não conseguirei derrotar meu pai.

Brie ficou calada.

Ele a olhou em silêncio.

Tinha razão. Precisava de poder para triunfar sobre Moray.

— Meu pai quis te matar hoje pelo sonho que compartilhamos — disse por fim, exalando um suspiro. — Pense, Brianna. Pense em como nos espia. Pensa em como me torna fraco e vulnerável.

Ela estremeceu. Aidan não se sentiria fraco e vulnerável a menos que se importasse. Mas não queria ser ela a causa de sua debilidade.

— Suponho que isso quer dizer que vai se deitar com outra, não? Poder e sexo... vão sempre juntos? —seu coração batia com violência e suas bochechas ardiam. Mas se sentia insegura. Queria que Aidan lhe dissesse que ia tomar poder, mas não através do sexo.

— Importa, por acaso? — ele perguntou desapaixonadamente.

Ela assentiu, tremendo.

— Sim, importa. Me importo.

— Sinto muito — respondeu por fim. — Sinto que esteja aqui, sinto que meu pai te persiga e, sobretudo, sinto que me ame — começou a passar a seu lado com expressão amarga, a caminho da porta da tenda.

Brie morreria se ele recorresse a outra mulher depois do que acabava de acontecer, depois do que parecia acontecer entre eles.

— Tome.

Ele hesitou e virou.

— Entendo e estou de acordo. Precisa de poder. Muito poder. Tome de mim.

 

— Quer que te use?

Brie tremeu. Nesse momento não lhe ocorria nada melhor que estar nos braços de Aidan. Sabia que não lhe faria mal. Sabia que não a destruiria, ficaria louca de ciúmes se Aidan ficasse com outra, e estava claro que precisava de poder. Na tenda, a tensão se tornou tão densa que parecia que faltava ar.

— Não pode ficar com outra depois do que aconteceu hoje.

Ele a olhava com dureza e incredulidade.

— Está louca.

Estava bloqueando suas emoções, mas não conseguia de todo. Brie sentia seu desejo, uma imensa vibração que tentava alcançá-la. Depois que podia falar.

— Nós dois queremos, Aidan. Por que não pode admitir que, por mais estranho que seja, há uma poderosa atração entre nós, uma atração que começou com minha empatia através do tempo e quando você ouviu meus gritos de ajuda através dos séculos?

Esperava que ele negasse, mas ele não negou nada.

— É virgem.

Brie ficou calada. Confusa, conseguiu perguntar:

— E o que? — ao ver que ele ficava olhando pra ela como se estivesse dividido entre o desagrado e o desânimo, acrescentou — Aposto que esteve com muitas virgens.

— Sim — respondeu ele.

Brie quase se encolheu, se dando conta que esperava uma resposta diferente.

— Não posso continuar assim eternamente — ruborizou. — E você é meu amigo. Veja isso assim: precisamos um do outro, embora seja por razões diferentes — compreendeu que estava negociando com ele para que se deitasse com ela. Ao que parecia, não tinha vergonha. Falava completamente sério. — chegou a hora — acrescentou com um sussurro suave.

Os olhos de Aidan ardiam lentamente.

— Não vou te usar — disse rude. — Pode se preservar para o homem que ama — virou para sair, mas assim que se deu conta do que havia dito, seus ombros se esticaram e hesitou.

Brie correu atrás dele e bloqueou seu caminho. Ambos sabiam quem era esse homem.

— Então não deveria ser um problema — sussurrou, quase sem fôlego.

Seus olhares se encontraram.

— Deve se reservar para seu marido — particularizou ele com severidade. Suas maçãs do rosto ficaram rosadas.

— Em minha época, ninguém se reserva para o dia de suas bodas — tocou seus bíceps e hesitou. — Você lê meu pensamento constantemente, assim sabe quanto te desejo. Você também me deseja, embora ainda não entendo porque. Precisa de poder e Moray pisa em nossos calcanhares. Só Deus sabe quando voltará a aparecer e do que será capaz. Em minha época, chamamos isso de matar dois pássaros com um tiro. Ou ajudar mutuamente.

Ele cruzou os braços e seus bíceps dos antebraços se esticaram.

— Sou o primeiro em admitir que não acredito ter poder suficiente para derrotá-lo. Mas não vou usar você, está decidido. Antes falava sério. Busque outro para que seja seu amante, eu não penso ser, mas não vou te deixar sozinha esta noite, Brianna.

Ia protege-la a qualquer preço, até a custa de sua vida, mas continuava resistindo que fossem amantes.

— Porque te dá tanto medo deitar comigo?

Aidan riu.

— Não me dá nenhum medo!

— Acha que fazer amor comigo curará seu pobre coração necessitado e sua alma negra e murcha — disse ela com recriminação.

Sua fúria a lançou contra a tenda.

— Pela enésima vez, escolhi este caminho e eu gosto.

— Tolices — respondeu ela. — Você não escolheu que assassinassem seu filho diante de seus olhos, nem escolheu que o fantasma dele te perseguisse durante sessenta e seis anos. Pensou alguma vez na vida que poderia levar se te desprendesse de todo esse ódio e essa raiva? Se te atrevesse a sanar suas feridas, se perdoasse aos Deuses, que agem tão misteriosamente? Alguma vez pensou que poderia ser feliz se deixasse descansar a seu pobre filho e abandonasse essa vingança quase impossível?

Aidan se inclinou para ela, furioso.

— Crê que, se abrir as pernas pra mim, me converterei em um homem bondoso e feliz?

Brie compreendeu e ruborizou.

— Não exatamente, mas precisa de mim. Precisa do meu afeto, minha amizade e meu amor. E sim: acredito que fazer amor comigo poderia te curar, nos curar a ambos.

— Jamais perdoarei os Deuses, jamais renunciarei a minha vingança e jamais serei um homem feliz. Ian está morto! — rugiu. — O dia em que conseguir me vingar, será o dia em que nossa amizade acabará, vou me servir de você para ajudar meu filho.

Brie sabia que colocou o dedo na ferida, e suas palavras a machucaram. Sentia a feia verdade que continham. Sabia que, se comunicasse com Ian e conseguisse libertá-lo, Aidan a mandaria para casa.

Deus, ia amá-lo eternamente, compreendeu, atônita.

— Tem razão — bufou ele. — Quando Ian descansar em paz a devolverei a seu tempo.

— Odeio que leia meu pensamento! — se meteu demais? O anel de sua avó machucava. Retrocedeu no tempo para salvá-lo da forca e redimi-lo. Para fazer este último, teria que curá-lo, e isso significava libertar Ian. Não retrocedeu no tempo para manter uma tórrida aventura amorosa, nem um romance que virasse sua vida de ponta cabeça. Não estava ali para se apaixonar irrevogavelmente.

Era, entretanto, muito tarde.

Tremeu, consciente de que tinha os sentimentos a flor de pele. Estava decidida, mesmo assim.

— Então vai e faz o que tem que fazer, Aidan. Vá atrás de um par de mulheres e toma poder para que, quando Moray voltar, possa mandá-lo pro inferno — disse, se afastando dele. Era mentira. Não entendia como ele podia abraçar outra mulher depois de tudo que aconteceu.

Lembrou que era uma Rose e que tinha um destino próprio. Estava claro que Aidan formava parte dele, embora não exatamente como ela queria.

Sentiu que ele olhava suas costas. Estava dentro de sua mente e sabia que lhe fez mal. Quando por fim falou, sua voz soou baixa e suave, mas carregada de tensão.

— Quanto antes vá a Iona, melhor. Assim, a próxima vez que enfrentar Moray, não terei que me preocupar contigo também. Agora é uma distração.

Brie esfregou o rosto sem virar para ele. Não queria ser seu calcanhar de Aquiles, mas não podia ir a Iona e deixa-lo enfrentar uma maldade tão horrenda e decidida.

Não sabia o que fazer. Como havia dito Claire, as mulheres apaixonadas não pensavam com clareza. Sabia, entretanto, que devia ter as coisas claras. A vida e o futuro de Aidan estavam em jogo. Sua avó tinha razão. Envolveu-se demais. Devia dominar seu coração e deixar de amar Aidan, embora sabia que provavelmente fosse impossível. E que nunca deixaria de ser sua amiga.

Virou lentamente; ele ainda a olhava.

— Não posso ir para Iona como uma covarde e te deixar aqui para enfrentar sozinho Moray.

— Claro que vai — respondeu, ameaçador.

Brie não gostou de como aquilo soava, mas não queria discutir. Era muito doloroso. Ele inclinou de repente a cabeça e aguçou a os ouvidos.

Brie se perguntou, alarmada, o que chamou sua atenção. Rezava para que não tivesse sentido Moray. Então começou a uivar uma manada de lobos.

Ficou paralisada e olhou Aidan, certa de que a manada foi buscá-lo.

Ele ficou tenso e escutava atentamente à manada. Voltou para ela seu belo perfil e sua expressão mudou. Era mais dura e mais feroz que antes. Sua excitação também começou a mudar.

Os uivos dos lobos eram cada vez mais intensos.

A boca de Aidan se curvou com frieza.

Brie se abraçou, assustada.

— Vieram buscar você, não é?

Ele a olhou de soslaio.

— Sim. Querem caçar esta noite.

O medo começou a se apoderar dela.

— Quer caçar — disse com recriminação.

Aidan cravou nela seus olhos brilhantes. Não disse nada; não precisava. Brie sentiu que a sede de sangue se apoderava dele, como o prelúdio de uma caçada longa e selvagem.

— Não vou te deixar — disse ele suavemente. — Embora queiram que os guie.

Os lobos voltaram a uivar fervorosamente.

Brie começava a se sentir doente por sua brutal sede de sangue.

— Pode controlar o Lobo?

Ele se aproximou da porta da tenda e levantou a lapela. Até seus passos mudaram: tornaram-se mais fluídos, mais ameaçadores. Fora, o céu ficou púrpura. Uma lua laranja, estranhamente manchada, começava a ascender. Assim a viu Brie em sua primeira noite no Awe, quando Aidan se converteu no Lobo para chorar sua dor.

— Às vezes.

Brie estremeceu. O Lobo era implacável e cruel, muito mais que Aidan, o homem. Os animais não tinham consciência e os lobos eram predadores, ocupavam o degrau mais alto da cadeia alimentar. O Lobo gostava de caçar, e devorava suas presas.

Aidan conservou sua forma humana, mas ela sentia à besta dentro dele, faminta e feroz, cheirando sangue inocente.

— Eu não gosto do Lobo — disse energicamente.

Ele a olhou um instante.

— Deveria temê-lo. Todo mundo o teme —olhou a lua laranja e manchada. — Eu tampouco confio nele.

Brie se sentou a beira da cama e dobrou as pernas. Embora o Lobo tenha destruído seus inimigos e a salvado, preferia não voltar a ver aquela criatura.

— Vai se transforma?

Ele olhou pra ela. Seus olhos tinham uma expressão estranha. Continuavam azuis e humanos, mas havia algo de bestial neles.

— Não — respondeu com voz baixa e suave.

Brie hesitou, porque sua voz soava quase como um grunhido.

O olhar de Aidan não vacilou.

— Vai dormir. Estarei fora.

Brie via e sentia sua tensão. Aidan ansiava reunir-se com a manada.

Os lobos se calaram. Brie sabia que estavam perto, o esperando. Viu que seu peito se movia rapidamente, como o ofego de um cão.

— Não vá — sussurrou.

Ele saiu da tenda sem responder. Assim que a lona caiu atrás dele, os lobos voltaram a uivar e seu grito selvagem e imenso ressoou na noite.

Brie se meteu sob as mantas e se cobriu toda com elas. Não tinha que se esforçar para sentir Aidan. Não estava ocultando suas emoções.

Desejava se reunir com os lobos; desejava poder, sangue e morte.

Se esqueceu dela.

 

Robert Frasier, general real do Norte, ajustou a roupa cuidadosamente. Colocou a coquilha, ajeitou suas meias negras e atou o cordão com firmeza, ajeitou a aba curta da sobreveste de veludo negro, recoberto de ouro. Seu corpo vibrava de prazer e poder. Um momento depois chamaria outra mulher a sua cama.

Sobre a mesa de sua tenda havia uma garrafa de bom vinho francês. Cruzou a espaçosa estadia, passando por cima dos cadáveres que cobriam o chão: duas belas mulheres e um belo escudeiro. Sem pensar neles, serviu-se de uma taça. Enquanto bebia recordou os acontecimentos dessa tarde. Eram esses acontecimentos os que o impulsionaram a tomar tantos Inocentes de uma vez, apesar da maioria de seu exército se encontrar ali perto, fora da tenda.

Começou a encolerizar.

Furioso, jogou a taça de lado, mas não sentiu satisfação alguma quando quebrou.

Aidan curou à bruxa.

E os demônios não curavam.

Gritou, enfurecido, e jogou a garrafa de vinho na parede da tenda. Sabia antes mesmo de seu nascimento que Aidan seria o que mais poder teria, entre seus filhos. Uma Deusa foi vê-lo, para provocá-lo rindo dele.

— Esta criatura, seu filho número mil e vinte e cinco, será o maior entre os seus filhos. Terá um poder ainda maior que o teu — sussurrou Faola. — Temos grandes planos para ele.

Estava dormido e despertou imediatamente. Ficou olhando à bela Deusa guerreira, que nunca viu antes. A Deusa foi enviada aos reis antigos muito tempo atrás para engendrar uma raça de guerreiros encarregada de defender à humanidade. Estava seguro de que aquilo era um sonho... ou uma brincadeira. Mas ao dar uma olhada nos olhos ardentes da Deusa compreendeu que estava dizendo a verdade.

— Porque me diz isso? — perguntou.

— Haverá grandes trabalhos. Grandes tragédias. Você cobiçará seus poderes. Será sua tortura. Mas só nós venceremos. Está escrito.

Faola começou a desaparecer diante de seus olhos. Ele pediu que esperasse, mas a Deusa riu e desapareceu.

Satã se aproximou dele fazia muitos milênios. Sua oferta era muito tentadora. Moray a aceitou imediatamente e seu pacto foi selado. Não compreendia por que Faola apareceu pra ele. Mas Satã era muito mais ardiloso que qualquer outro Deus, e lhe passou pela cabeça que talvez também queria pô-lo a prova. Talvez aquela rivalidade com seu filho fosse armadilha dela.

Moray se assegurou de que lady Margaret, a mãe de Aidan, gozasse de boa saúde até o nascimento do menino. Colocou rapidamente uma espiã na casa dos MacLaine, a família de adoção, embora depois compreendeu que seu filho não morreria de morte natural. Nunca ficava doente. Nunca caía, jamais machucava um tendão, nunca rompia um osso. Desde pequeno era capaz de mover objetos pequenos pelas mesas e de matar moscas com o olhar. Seus pais adotivos tinham medo dele, e se continuavam a seu lado era unicamente pelo testamento de Brogan Mor.

Esperou vinte e um anos, até que seu filho alcançou a idade adulta, porque era o melhor momento para mostrar o prazer e o poder do mal a um novo recruta. Mas chegou muito tarde. Aidan foi eleito pela Irmandade, e fez votos sagrados, comprometendo-se a defender à humanidade e a manter a Fé.

Moray ficou furioso, mas não demorou a se acalmar.

Acaso não havia dito Faola, ou era Satã?, que haveria grandes trabalhos e grandes tragédias?

A caçada começou.

Demorou outros quinze anos em conduzir Aidan para o mal. Desfrutou de cada instante ao vê-lo destruir aquela aldeia cheia de homens, mulheres e meninos inocentes, embora não tivesse levantado a espada nenhuma só vez. Por sentir sua dor, saboreou cada instante da angústia de seu filho. E aquilo aumentou fugazmente seu poder.

Quando aquilo acabou, ao Aidan não deveria importar nada nem ninguém, exceto ele mesmo, seu poder e suas novas vítimas. A ânsia de maldade deveria dominá-lo por completo.

Mas, apesar dos crimes que cometeu nesse dia contra Deus e a Inocência, deixou partir os sobreviventes. Ainda amava seu filho... e os demônios não amavam nada, nem ninguém.

Não se converteu por inteiro.

Sua conduta durante as décadas passadas confirmava. Não era um verdadeiro Deamhan. Era só pela metade: ansiava poder, como todos os Deamhanain, mas deixava suas vítimas viverem. Como um homem com cada pé num mundo diferente, Aidan fazia caso omisso da destruição e da morte, mas não as causava, nem se regozijava nelas. Era quase incompreensível. Era inaceitável.

«Só nós venceremos».

E agora Aidan curou aquela bruxa das Rose.

Moray sempre teve intenção de pôr fim à caçada e concluir sua transformação, mas esteve muito ocupado esses últimos sessenta e seis anos, que passou em Nova Iorque, Londres e Edimburgo: o triângulo de seu império crescente. Nessas cidades, a morte e a destruição aumentavam. De fato, a anarquia aumentava em todas as grandes cidades do mundo, e Moray conhecia bem a suas hostes. A noite passada assaltou Nova Iorque de 2008. O prefeito Bloomberg chamou fim a Guarda Nacional, o que o agradou muito. Também tinha planos para a Guarda. Oh, sim.

Nada o deteria. Seria o vencedor daquela competição com seu filho meio demoníaco. A pequena bruxa tinha poder, igual a suas amigas, mas isso não lhe preocupava. Voltou quase sete décadas porque por fim tinha todo o poder que precisava.

E não procedia dos mortos de sua tenda.

Aidan estava sentado no chão, com as pernas cruzadas. A lua se elevava sobre as montanhas, contra um céu púrpura. Umas poucas estrelas se uniram a ela. Aidan olhava a lua cor de fogo. Desejava desesperadamente estar com a manada. O impulso de elevar o rosto e uivar procedia do mais profundo de seu ser.

«Eu não gosto do Lobo».

Claro que não gostava.

A ânsia se intensificou. O Lobo foi sua salvação desde sua queda. Olhou para o bosque, onde vários pares de olhos se encontraram com os seus. A manada seguia esperando. Os ououvia ofegar suavemente na noite.

Seu coração deu um pulo. Sentiu que o cabelo arrepiava. Notou que sua boca enchia de saliva. Tinha fome. Quanto tempo fazia que não comia carne fresca?

Mas olhou para sua tenda e sentiu Brianna, que começava a adormecer. Não podia ir com a manada. Tinha que ficar e protege-la da maldade da noite. Esse dia esteve a ponto de morrer por culpa de sua guerra com seu pai.

Mas ele a curou.

Odiava pensar. O Lobo não pensava. Olhou para o bosque e se encontrou com o olhar direto e firme dos lobos. Se deixasse Brianna, apenas ficaria na dúvida de que ao voltar a encontraria ferida ou morta.

Cansados de esperá-lo, os lobos foram dando meia volta um por um e desapareceram no bosque. Aidan ficou olhando suas formas escondidas. Desejava violentamente poder ir com eles.

A cabeça doía, cheia de confusão. Uma vez, há muito tempo, temeu aquela criatura, da qual desconfiava. Depois acolheu o Lobo como seu melhor amigo. Mas essa noite seu coração batalhava com seu corpo. Não podia confiar que essa noite o Lobo ficasse velando Brianna.

Grunhiu, irritado.

A manada se foi, desaparecendo velozmente na espessura do bosque. Aidan levantou e começou a baixar lentamente pelo promontório. Abriu a porta da tenda e olhou para o interior às escuras.

Havia uma vela acesa. Sua luz dançarina iluminava Brianna, que dormia de lado, aconchegada, de cara para ele. Soltou o cabelo escuro, uma densa juba ondulada que emoldurava seu pequeno e pálido rosto. Respirava profunda e ritmicamente, e adormecida parecia um anjo cheio de compaixão e de graça.

Se considerava feia e insossa; lhe parecia linda.

Um punho pareceu atravessar seu peito. Era o punho do desejo, e dissipou a ânsia voraz de sangue.

«Por que não me toma?».

Esticou. Se deitou com muitas virgens: não sentia nenhum respeito pela Inocência. Mas não queria manchar Brie. Ela merecia algo melhor que uma noite de paixão em sua cama.

«Por que tem medo de deitar comigo?».

Não lhe dava medo. Ela não poderia curá-lo entregando seu delicioso corpo. Compartilhar a cama não ia mudá-lo como por milagre, convertendo-o no homem que foi antigamente. E embora fosse possível, ele não permitiria, como tampouco permitiria que a «amizade» curasse suas feridas. Jamais se consideraria amigo dela. No momento, eram aliados naquela guerra. Embora desejasse que fossem amigos, ou amantes, a volta de Moray tornava isso impossível.

Sentiu terror ao vê-la agonizar em seus braços.

Não teve muito tempo para refletir sobre o que aconteceu nesse dia. Agora, revolvia-lhe as vísceras saber que ainda tinha um poder branco tão intenso. Como era possível?

Por acaso sua mãe, tão devota, era uma Curandeira? Se foi, nunca disseram a ele.

Assim, não era tão desalmado quanto devia ser um meio Deamhan. Não lamentava ter curado Brianna, nem ter lhe devolvido a vida. Mas ela lutava obstinadamente por sua alma, apesar de que não desse a mínima importância. Não devia ser ela quem pagasse o preço de sua guerra com Moray. Aquela luta já havia atingido Ian.

Olhou seu rosto pálida, suas bochechas ligeiramente rosadas pelo sol do inverno, suas pestanas espessas e escuras sobre os maçãs do rosto, e o coração deu um salto.

Não devia sentir nada por ela. Sabia. E não sentia nada, exceto uma estranha admiração por sua tenacidade e sua valentia. Quanto ao desejo, pelo visto uma parte de seu ser não pereceu junto com Ian. Mas ignoraria seu lado humano, acontecesse o que acontecesse, até que ela partisse.

Brianna se mexeu suavemente em sonhos.

Aidan se esticou, preocupado com o que estava sonhando. Mas não sonhava. Continuou adormecida, mas antes de que pudesse se afastar dela, sentiu o poder escuro de seu pai atrás dele.

Girou, mas a noite estava silenciosa e vazia. Ou não? Anos atrás, Moray ia sempre acompanhado de um frio intenso e do agudo pressentimento de que o martelo do mal estava a ponto de cair. Aidan aguçou seus sentidos e estremeceu. Acreditou detectar certo frio que entrava apenas na tenda.

Aproximou-se da porta e subiu a lona. Quase todos os soldados dormiam, alguns envoltos em suas mantas, sobre o chão; outros, em tendas. As fogueiras esmoreciam. Até o acampamento das mulheres estava em silêncio. Olhou para o sul, onde os cavalos e as bestas de carga pastavam placidamente, alheias às sombras e a escuridão.

O ar murmurou a seu redor, roçou seu corpo com uma suave carícia que o gelou até os ossos.

Moray estava ali.

Não podia vê-lo, não podia senti-lo. Mas sabia.

—Se mostre — zombou.

Quase pareceu ouvir a risada zombadora de seu pai, embora estivesse seguro de que só tinha ressoado em sua mente. Depois, sentiu que o sonho de Brianna começava a se formar.

Correu junto à cama para despertá-la e se introduziu em seu sonho antes de chegar a seu lado. Então duvidou, cheio de surpresa e desalento.

Brianna usava um bonito vestido azul, curto e sem mangas, que deixava ver suas pernas magras e seus braços esbeltos. Estava arrebatadora.

— Sabia que viria —sorriu com um olhar intenso cravado nele. Seus olhos estavam cheios de desejo, de amor.

Aidan sabia o que queria. Seu corpo inteiro se contraiu, na expectativa.

— Estamos sonhando — ela disse.— Por favor, não me rejeite.

Queria estar ali, com ela. Queria fazer amor. Mas algo ia mal. Sentia um desastre iminente.

— Não posso — disse, mas pôs-se a andar para ela.

Brianna sorriu e, levantando-se, segurou sua mão.

Ele duvidou. Que fazia em seu sonho? Já tinha se dado conta de que fazer amor com ela em sonhos era tão perigoso quanto fazer no outro mundo.

— Acorda — ordenou. Tinha que pôr fim aquilo imediatamente, antes que acontecesse algo mais.

Tão teimosa como sempre, Brianna sacudiu a cabeça e jogou os braços para trás para baixar o zíper do vestido. Aidan ficou quieto.

E então os olhos dela aumentaram, cheios de espanto.

Moray apareceu entre eles.

Aidan ficou rígido de tensão.

Seu pai não adotou a forma do Robert Frasier. Estava exatamente igual a quando Malcolm e Claire o venceram: era um homem loiro, alto e bonito, estranhamente atemporal, erguia-se entre eles com um sorriso diabólico.

— Meu poder é muito maior que o teu, meu filho. Sonha, Brianna. Sonha com Aidan, seu grande amor.

Brianna gritou e Aidan sentiu seu medo. Quis correr para ela, mas não se atreveu. Olhou a seu pai horrorizado.

— O que quer de mim?

— O que quero? — perguntou Moray, incrédulo. — Você quer fazer amor com ela — seus olhos azuis brilhavam, vermelhos, cheios de ira demoníaca.

Aidan meneou a cabeça, mas compreendeu o que queria dizer. Seu desejo não era demoníaco. Seu pai sabia de algum modo e lhe faria pagar por isso.

— Deveria desejar o prazer que pode te dar sua vida, mas está aí, louco de desejo — zombou.— Acreditava por acaso que não ia me dar conta?

— Tomo poder todos os dias — respondeu Aidan com aspereza. Tinha o olhar fixo em Moray, mas era muito consciente de que Brianna estava detrás de seu pai, pálida como um fantasma. — Brianna, acorda — ordenou.

Ela parecia a beira do pranto.

— Não pode — disse Moray com frieza. — Não tomou poder nenhuma vez desde que a trouxe do futuro.

Aidan demorou um momento em se dar conta que seu pai tinha razão. Ficou atônito. Mas então se encontrou com o olhar assustado de Brianna. «Não permitirei que nada te aconteça», disse-lhe em silêncio. «Tem que despertar, agora».

Brianna se limitou a olhar pra ele, e Aidan compreendeu que não o ouviu.

— Não pode ouvir seus pensamentos. Assegurei-me disso — Moray começou a rir.

— Acorda! — gritou Aidan. — Sai deste sonho!

—Estou tentando — ela respondeu. — Mas é muito profundo. Pesa muito!

Seu horror se intensificou quando virou para olhar seu pai.

— O que fez com ela?

Moray não respondeu à pergunta mas sim disse:

— Hoje a curou. Estou tão decepcionado contigo, Aidan... — seu sorriso era zombador.

Seu pai sabia tudo, pensou Aidan, e começou a sentir ira. E sentiu também um instante de desespero e impotência.

— Me diga o que tenho que fazer para que a deixe em paz... para que desperte.

Moray respondeu com desdém:

— Segue protegendo, a ela, uma Inocente. Quando acabar este dia, sua alma será minha.

— Está bem — disse Aidan.

— Aidan, seja o que for que ele quer, não faça — soluçou Brianna, tremendo.

Aidan a olhou nos olhos. Começava a sentir que ambos estavam acordados, embora apanhados no mundo dos sonhos. Mas ela devia estar sonhando ainda, não?

Tinha que despertá-la. Tinha que tirá-la deste sonho. Moray foi ali com alguma intenção perversa, e Aidan suspeitava que maquinou aquele sonho para eles.

Estava meio dentro, meio fora do sonho. Começou a sair por completo dele para poder despertar Brianna, mas uma imensa energia invisível o impediu.

Moray riu.

Aidan olhou seu sorriso cruel.

— Agora, eu tenho o poder — murmurou seu pai.

Frenético, Aidan tentou sair de novo do mundo dos sonhos. Mas se chocou com outro muro invisível.

Brianna gritou, consciente de que estavam os dois presos.

Moray disse com desprezo:

— Investi mais de um século em sua queda, e agora acolhe uma bruxa branca no coração... e na alma! — tremia de raiva. — Eu sou o dono de sua alma. Me pertence!

— Levou meu filho. Matei homens, mulheres e meninos inocentes. Quando se dará por satisfeito? — gritou Aidan. — Que mais posso te dar?

Moray girou e agarrou Brianna. Depois a jogou nos braços de Aidan. Brie se agarrou a ele e o olhou, tremendo de medo.

— Isto é real? — sussurrou.

— Não — respondeu ele, sem saber de todo se mentia. Rodeou-a com o braço e olhou seu pai. — É a mim que quer. Deixa que desperte e vá.

Moray sorriu... e Aidan viu Ian.

Ficou quieto. Aquilo não podia ser real.

— Ian?

Seu filho parecia o mesmo: pequeno e de cabelo escuro, com vívidos olhos azuis. O menino sorriu, aliviado.

— Papai.

Se era um fantasma, desapareceria, como fazia sempre. Mas seu filho ficou ali.

Era uma traição cruel. Aidan esticou os braços e viu sua mão tremer.

Moray retrocedeu, levando Ian consigo.

— Me entregue sua alma e devolverei seu filho.

Aidan sentiu que Brianna gemia de desespero.

Ian o olhava com desalento.

— Papai, por favor...

Ouvia seu filho. Que tipo de sonho era aquele? Era um encantamento? Ou era real?

— Sua alma —insistiu Moray com suavidade.

Aidan se esticou. Sabia que seu pai lhe faria cometer um crime espantoso, e começou a ter um horrível pressentimento.

— Sim — disse Moray, espreitando seus pensamentos — é o que quero.

Aidan não se moveu.

Moray queria que levasse Brianna à cama... e que gozasse com sua morte.

— Aidan? —sussurrou ela, olhando-o com incerteza.

— Ela não pode morrer em sonhos, meu filho — disse Moray. — Vamos, tome-a.

Aidan a rodeava com o braço. Ela morreu em sonhos a noite passado e entretanto despertou viva. Seu instinto, entretanto, dizia que naquele sonho morreria... e que não voltaria a despertar.

— Quer seu filho de volta?

— O que ele quer, Aidan? — gritou Brianna.

Ele respirou fundo. Não deu importância.

— É mentira, é um truque.

— Me dê sua alma e eu darei seu filho — repetiu Moray.

Aidan ficou ali, paralisado, consciente de que Ian o olhava com desespero e Brianna se apertava contra seu flanco.

Ian estava morto, não? Não podia destruir Brianna, não é? Mas por acaso não era capaz de fazer algo para recuperar seu filho?

— Não quer saber o que seu filho tenta a sessenta e seis anos te dizer? — perguntou Moray.

— É repugnante — gritou Brianna. — É será derrotado. Nenhum demônio vive eternamente!

Moray riu dela.

Aidan o olhou, trêmulo e aturdido. Não havia nada que desejasse mais que saber o que tentava lhe dizer Ian..., como não pudesse recuperar seu filho de entre os mortos. Enquanto olhava, Ian se desvaneceu de repente.

— Faça com que volte! — gritou, raivoso e impotente. — Ian!

Mas não houve resposta. Ali onde um momento antes estava Ian, o ar tremia e suspirava.

— Destrua-a — ordenou Moray. — Destrua-a e o menino retornará.

Brianna sufocou um gemido e ficou rígida entre seus braços.

Aidan não se atrevia a olhá-la, mas a apertou com mais força. Era seu dever para com Ian fazer o que estivesse em suas mãos para recuperá-lo.

Olhou Brianna e escutou seus pensamentos. Sua fé não se abalou. Não acreditava que fosse capaz de lhe fazer mal, nem sequer para ressuscitar seu filho.

Lutava com unhas e dentes por sua alma, e fazia desde o dia em que ele a sequestrou de seu tempo.

Sua luz branca era uma bênção... e a única luz de sua vida.

Não podia fazer.

Tomou uma decisão, virou para sair do sonho e voltou a se chocar com aquele muro invisível. Furioso, empurrou-o uma e outra vez, sem resultado.

— Ninguém nunca deixará este sonho a menos que eu permita — disse Moray com fúria contida.

A ira de Aidan não conhecia limites. Soltou Brianna.

— Aidan? — sussurrou ela.

Mas ele não a ouviu. Com o cabelo arrepiado, virou para Moray e grunhiu.

Os olhos de Moray se dilataram, cheios de espanto.

Brianna gritou.

 

O Lobo estava raivoso, pensou Brie. Aidan não acreditava ter poder suficiente para derrotar seu pai. O Lobo tinha uma força extraordinária, mas era uma besta irracional. Ela não acreditava que fosse um oponente digno de Moray.

— Aidan, não.

Muito tarde. O Lobo rugiu e se lançou contra Moray. Quando a besta caiu sobre o demônio, o sonho que a esmagava espatifou-se de repente. Brie pôde emergir, abriu os olhos e se sentou na cama. Compreendeu então que esteve sonhando. Sabia que esteve em um pesadelo, do mesmo modo que sabia que agora estava acordada. Mas foi um pesadelo muito estranho, muito diferente dos outros. O mundo dos sonhos estava ficando muito poderoso, muito tangível... muito real.

Aidan estava em pé junto à cama, imóvel. Tinha as pernas separadas e o corpo rígido e respirava com força. Seus olhos estavam fechados.

Continuava no sonho, pensou Brie. Agarrou-o pelos braços.

— Acorda! — gritou, ficando em pé num pulo.

Ele se sobressaltou e a olhou nos olhos. Seu olhar limpou. O alívio cobriu seu semblante.

Brie se deixou cair na cama, tremendo.

— Seu pai nos apanhou em um sonho. Acredito que estava controlando do principio ao fim —soluçou.

Aidan se sentou a seu lado e a agarrou pelos ombros.

— Se foi. Fugiu do Lobo.

Brie sentia claramente suas grandes mãos sobre os ombros e seu enorme corpo a poucos centímetros do dela, deitou com camiseta e uma calcinha, e estava com as pernas nuas. Queria se deixar cair em seus braços, mas olhou seus olhos preocupados e escrutinadores.

— Está ferida?

— Já sabe que não, embora reconheça que estava aterrorizada, meu Deus, ele está brincando conosco! — só podia pensar no que queria Moray, e em como tentou dobrar Aidan a sua vontade.

Consciente do que estava pensando, ele começou a se afastar.

Brie segurou seu rosto entre as mãos e pensou em seu filho.

— O mal é cruel — disse lentamente. — O mal não tem coração, não tem consciência. Mesmo assim... estou assombrada. Oh, Aidan! — rodeou-o com os braços e tentou apoiar a bochecha sobre seu peito.

Aidan se levantou com um pulo.

— Ian está morto — disse, mas seu tom era inseguro.

— Ian é um fantasma — disse ela com cautela. — E estávamos sonhando com ele.

Ele a olhou nos olhos.

— Não tem certeza.

Ela tremeu.

— Aidan, ele está morto faz sessenta e seis anos. Se estivesse vivo, seria um homem adulto.

Aidan deixou escapar um soluço.

Ela se levantou de um salto e o rodeou com os braços, mas Aidan se afastou imediatamente.

— Na Iona estará a salvo. Partiremos pela manhã, a cavalo — disse energicamente. Olhou suas pernas.

Estava bloqueando suas emoções, mas Brie sabia que o embargavam a dor e a angústia.

— Isto é exatamente o que quer: nos assustar e te atormentar mais ainda — disse. — Esses demônios são piores que terroristas. Não podemos permitir que nos assustem e nos atormentem.

— O que quer que faça, então? — gritou ele. — Deveria fingir que não vi e ouvi meu filho morto?

— Era um sonho — disse Brie.

— Era? —perguntou ele. — Porque era o sonho mais realista que tive. Nós dois estávamos presos nele por um enorme poder, até que o Lobo nos liberou.

Ela se moveu para tocar seu braço, mas Aidan se afastou.

— Estou do seu lado — disse ela. — Eu tampouco suporto o que está acontecendo.

Ele respirou fundo.

— Tem medo do Lobo. Seu poder dobra os homens, mas provavelmente o Lobo possa escapar a seus feitiços.

Brie se esticou. Não queria pensar naquela besta. Precisavam de mais poder... e alguns encantamentos.

— Me dá medo te perguntar quanto poder tem Moray.

Seus olhares se encontraram.

— A próxima vez que morrer em sonhos, não despertará. Disso não me cabe dúvida.

Brie estremeceu.

— Acredito que tenha razão.

Aidan tapou de repente o rosto com as mãos e Brie compreendeu que estava pensando em que acabava de ver e ouvir seu filho. Ansiosa por confortá-lo, se aproximou dele. Ao ver que não se movia, colocou uma mão sobre as costas.

Aidan a olhou. Seus olhos pareciam arder.

— Poderia convidá-lo a outro sonho e até lhe pedir que trouxesse meu filho com ele. Veria Ian outra vez.

— Alguma vez sonhou com ele?

—Não, nunca. Só vejo seu espectro — respondeu.

Aquilo era tão cruel quanto o resto de sua vida. Brie acariciou seu ombro.

Ele a olhou.

— Tem que see vestir e deixar de me tocar.

Ela baixou a mão.

— Quero te confortar.

Seu olhar ficou frio.

— Não vou fazer amor contigo — advertiu.

Brie começou a se sentir inquieta, virou, procurou suas calças e colocou. Ao fechar o zíper levantou o olhar. Aidan a observava como um falcão.

—Oxalá pudesse ler sua mente. O que acontece?

— Me disse que Ian vive.

Brie se alarmou.

— Aidan, isso é mentira, é uma armadilha.

Aidan umedeceu os lábios e a olhou duro.

— Sabe o que quer agora?

— Sim. Quer que seja pura maldade, um demônio sem alma nem coração. Um demônio capaz de cometer atrocidades, de torturar, de assassinar.

— Quer que me deite contigo e te destrua, e que desfrute fazendo.

Brie sabia que ele nunca cometeria um ato tão diabólico, mas seu olhar se tornou duro.

— Se gozo com sua morte, devolverá a meu filho.

— Ian está morto! — gritou Brie.

— Realmente? — respondeu ele com voz áspera. — Está morto ou vive ainda?

Brie sentiu que ficava vazia por dentro. Retrocedeu.

Ele levou as mãos à cabeça como se quisesse arrancá-la do pescoço e deixou cair a barreira de suas emoções.

Brie gritou ao sentir sua confusão, angústia e raiva, golpe após golpe. Cambaleou, sacudida por sua dor, brutal e desatada como uma tormenta. Quando caiu de joelhos, Aidan ficou ali, olhando pra ela. Suas emoções se descontrolaram e ela teve consciência de outra coisa, entrelaçada com a dor.

A consciência de que podia recuperar Ian… se fizesse o que pedia Moray. Olhou-o, de joelhos, enquanto um martelo parecia golpear sua cabeça.

— Na Iona estará a salvo dos dois — seus olhos mudaram, ficaram fixos e bestiais.

Brie sentiu à besta antes de vê-la. A ira se impôs a todas as demais emoções, exceto à luxúria.

Havia tanta luxúria...

Luxúria carnal, luxúria de sangue e luxúria de poder giravam em torvelinho, formando uma força imensa e explosiva.

Brie se escolheu, com medo de se mover.

— Não — sussurrou.

O homem que estava diante dela parecia Aidan, mas não era. Era o Lobo e sua ira desatou. Já não raciocinava.

Olhou-a com fúria e saiu da tenda, entrando na noite.

Brie saiu devagar e se deteve, mas não viu o rastro de Aidan. Temia que já tivesse se transformado. Rezava para que que não fosse à caça de Moray.

O que iriam fazer? Moray tinha todo tipo de poderes. Parecia dominar por completo a situação até que Aidan se metamorfoseou no Lobo. Era remotamente possível que Moray não pudesse se impor à besta?

Will se aproximou, sonolento, e Brie se deu conta de que logo amanheceria. O rapaz se aproximou do fogo, do que só ficavam brasas, e começou a acrescentar lascas de madeira. Brie afastou o olhar. Temia o novo dia. Estava segura de que não lhes traria nenhuma pausa.

Sentiu de repente que um poder branco se aproximava. Era um poder assombrosamente familiar e ao virar, desconcertada, viu que um par de cavaleiros subiam pelo caminho, do sudoeste. Aquele poder continuou fluindo para ela. Começava a compreender, mas tinha que estar equivocada. Os cavaleiros se encaminharam para o acampamento e uma súbita emoção se apoderou dela.

Eram um homem e uma mulher. A mulher, miúda e morena, montava uma égua de cor azeviche, e o homem que cavalgava ao seu lado, um highlander loiro, tinha como montaria um enorme corcel cinza. Brie viu aquele homem outras vezes em suas visões, e a mulher era inconfundível.

— Allie!

Allie desmontou do cavalo e correu para ela com os braços abertos. Usava jeans justos e jaqueta de pele.

— Brie!

Brie correu a seus braços e começou a chorar. Nunca se alegrou tanto de ver alguém.

Allie, que media no máximo um metro cinquenta e dois e pesava provavelmente quarenta e cinco quilos quando estava molhada, abraçou-a como se fosse uma menina.

— Tudo bem. Royce e eu estamos aqui, embora tenha levado uma noite inteira para convencê-lo que viesse. Nós arrumaremos tudo.

Brie se afastou para olhar sua melhor amiga, a pessoa mais otimista e corajosa que conhecia. Continuava sendo assombrosamente bonita. Mais que nunca, pensou Brie.

— Rezava para que viesse. E me ouviu!

Allie sorriu.

— Quando Claire me disse que estava aqui, quis vir em seguida, mas Royce está ressentido com Aidan e tivemos que negociar. Às vezes pode ser o homem mais teimoso e pouco razoável do mundo.

Assim que Allie disse que seu marido estava ressentido com Aidan, Brie teve a sensação de que, de novo, Aidan fez algo imperdoável. Olhou Royce e o coração acelerou. Aquele homem era uma massa de músculos e, embora fosse muito bonito, era também tão evidentemente medieval que custava acreditar que pudesse ser a alma gêmea de Allie. Parecia tão duro e intratável quanto dizia sua amiga. Mas era também idêntico como quando o viu pela primeira vez em uma visão, quando compreendeu que seria crucial para o destino de Allie. Sorriu e pegou sua mão.

— Vá, vá, vá...

Allie riu, contente.

— Assim, está muito bom — Royce a olhou exasperado. — Sim, Mister Medieval, me perdoe e venha conhecer minha melhor amiga. Não seja desmancha-prazeres.

Royce se aproximou. Parecia incomodado.

— Lady Brie — inclinou a cabeça—, alegra-me conhece-la.

Brie pensou que não estava incomodado: estava até o pescoço com a situação. Esperava que não estivesse zangado com Aidan, a não ser com o Allie.

— Obrigado por vir me ajudar — disse sinceramente. — Sua ajuda será bem-vinda.

O olhar de Royce parecia medi-la, mas não deixava transparecer nada. Era impossível saber se ajudaria Aidan ou não.

— Ajudaremos, aconteça o que acontecer — disse Allie firme. — Ou dormiremos em quartos separados nos próximos cem anos.

Royce soltou um bufo e se afastou.

Brie olhou Allie, que lhe sorriu peralta.

— Está muito zangado com Aidan. Tentei curá-lo logo depois do assassinato de seu filho e me fez sair voando. Sei que não era sua intenção, mas estava como louco e não controlava seus poderes. Se Royce não tivesse aparecido, poderia ter me feito muito mal.

Brie se sobressaltou.

— Espera um momento, Allie. Está dizendo que tentou curar Aidan faz sessenta e seis anos?

Ela sorriu.

Brie falou lentamente:

— Faz quase um ano que se foi para sempre.

Allie riu.

— Bom, você faz um ano que não me vê, mas eu não te via há setenta e dois anos.

— Aparenta vinte e cinco — sussurrou Brie, atônita. — Não envelheceu um só dia!

— Minha árvore genealógica não é o que acreditávamos — respondeu Allie, e voltou a abraçar Brie. — Meu irmão é MacLdoe o Negro, um Mestre.

Brie levantou as sobrancelhas.

— Isso significa que é imortal?

— Não tenho nem ideia — respondeu Allie alegremente. Depois ficou séria e a olhou inquisitivamente. — A verdade é que está com uma aparência muito boa. Parece estar melhor e por fim tirou aqueles óculos horríveis. Estes ficam muito bonitos.

Brie hesitou, pensando em tudo o que passou nesses últimos dias.

— Aidan te fez algum mal? — perguntou Allie sem sorrir. — Porque dá a impressão de que está ilesa, mas parece angustiada.

— Não —respondeu Brie, sacudindo a cabeça com ênfase. — Ele nunca me faria mal. Ladra muito, mas não morde.

— Sério? — Allie ficou com os olhos enormes.

— E embora ele negue, somos amigos — Brie sorriu com amargura.

Allie a olhou fixamente.

— Aidan não tem amigos, Brie.

— Tem a mim . Precisa de mim. Sofre tanto, Allie...

Sabia que estava revelando seus sentimentos e ruborizou. Mas sem dúvida Allie a apoiaria. Sempre apoiaram uma à outra. Allie a segurou pela mão.

— É muito fácil se apaixonar por estes fortões — disse em voz baixa. — E Aidan é um dos homens mais belos do planeta. Além disso, tem muitíssima experiência. Era o solteiro mais desejado de toda a Idade Média. Quero dizer que, antes de sua queda, superava a todos os playboys modernos juntos. Agora, pelo contrário, utiliza o encantamento, não a sedução. Te encantou?

— Não. Aidan não é mau, Allie.

Allie a escrutinava com o olhar.

— Todo mundo diz que toma poder constantemente.

— Deixa viver suas amantes.

— Menos mal. Confiava que assim fosse.

Brie a puxou pelas mãos.

— Preciso de você de nosso lado — sussurrou. — Desesperadamente.

— Se apaixonou por ele — não era uma recriminação.

Brie fechou os olhos e assentiu.

— Não era minha intenção. Mas aquele dia, quando apareceu com ele na casa de Tabby e Sam, me apaixonei por Aidan imediatamente. E desde que cheguei aqui esse amor aumentou.

Allie a olhava fixamente.

— Está se deitando com ele?

Brie ficou vermelha.

— Não exatamente.

— O que quer dizer?

Brie se sentia incômoda.

— Estou bem, posso cuidar disso.

— Você não tem experiência com os homens! Para ele você é sopa no mel. Se sei algo, é que usa às mulheres constantemente. Se te fizer mal, o mato. Não deveria se deitar com ele.

Brie pensou em quão amalucada foi Allie em Nova Iorque e começou a sorrir. Allie entendeu imediatamente e pareceu se envergonhar.

— Meus impulsos sexuais sempre foram descontrolados. Mas você não é assim.

Se ela soubesse, pensou Brie.

—Não me usou. Me respeita.

Allie pareceu pasma.

— Como assim, Brie?

— Aconteceram tantas coisas... — disse . — Desde que me resgatou de um bando em Nova Iorque e me trouxe aqui, passamos por um inferno. A princípio estava furioso, parecia tão escuro e ameaçador... Mas já não é. Allie, ontem estive a ponto de morrer. E ele me curou.

Allie deixou escapar um grito de surpresa.

— Acredito nele — acrescentou Brie. — Me protegeu várias vezes, em lugar de me fazer mal, vou salvá-lo.

Allie a puxou pela mão e se sentaram.

— Aidan e você — disse. — Nunca teria imaginado, nem em um milhão de anos. O teria emparelhado com Sam.

— Não é minha alma gêmea se apressou a dizer Brie. — É apenas um amigo.

— Aidan não protegeu a Inocência desde que morreu seu filho — disse Allie. — Te curou? Está segura de que não foi um Deus?

Brie piscou.

— O poder procedia de suas mãos.

Allie começou a sorrir. Lágrimas saltaram de seus olhos e as limpou.

— Também é meu amigo. Era meu cavaleiro de espadas, lembra? O amo muito. Bom, em que tipo de confusão se meteu?

Brie ficou tensa.

— Seu pai voltou e tem mais poder do que eu poderia imaginar.

O Lobo queria sair de seu corpo. Aidan desejava mais que qualquer outra coisa liberá-lo e lançar-se à caça de seu inimigo, mas resistia a isso.

Não podia deixar Brianna sozinha. Não se atrevia a se afastar muito dela, se por acaso Moray voltasse para empreender de novo a batalha ou acabar a guerra, se mantinha constantemente conectado com ela, mas ao mesmo tempo sabia muito bem o que seu pai queria dele.

Mas Ian estava morto.

Sozinho, se deitou sobre uma rocha e sujeitou a cabeça com as mãos. Sua dor batalhava com a ira brutal do Lobo.

«Papai?».

Ignorava o que significava aquele tom queixoso, lembrou pela enésima vez que era um truque cruel. Brianna deixou muito claro. Se Ian estivesse vivo, seria um homem adulto. Além disso, ele não sonhou com seu filho nenhuma só vez antes. Estava claro que Moray tinha o poder de manipular seus sonhos, e o poder de apanhar ele e Brianna neles.

Sentiu então emergir um poder branco da planície.

Levantou num salto e se aproximou com cautela da beira do penhasco. Olhou a ladeira coberta de neve e imediatamente identificou os intrusos, ficou assombrado ao se dar conta de que eram Royce, o Negro e lady Allie. Embora fosse lógico que estivessem ali: Allie gostava muito de Brianna, e Royce acabaria por fazer o que quisesse sua esposa, se sentiu dividido entre o desalento, a ira e o alívio.

Cruzou os braços e se negou a pensar no passado. Era impossível.

«— Me chamou para tomar banho contigo? Quer que te ajude a se banhar?

Ele estava ali, na porta de seu aposento, fazia décadas, sorrindo. A escutou pensar nele. Ela negou, e ele já sabia que Allie jamais faria tal coisa. Estava loucamente apaixonada por Royce, seu melhor amigo. Paquerou com ele um pouco, e ele também com ela, e aceitou ajudá-la para que pudesse seduzir Royce e levá-lo a sua cama. Seu amigo parecia um tolo por resistir a uma mulher tão formosa».

Aidan fez uma careta. Já não era aquele homem despreocupado e alegre, um homem acostumado a rir e paquerar, um homem sempre disposto a ajudar uma moça em apuros, embora não pudesse possui-la.

«— Posso te ajudar, Aidan. Me deixe te ajudar! — exclamou lady Allie.

Ian estava morto, perdido no tempo. Malcolm desenterrou Aidan, e ele nunca perdoaria seu irmão por isso. Lady Allie e Royce, que se informaram da sorte de seu filho, saíram de Carrick até Awe para consolá-lo. Ela chorava por ele. E ele a odiava por suas lágrimas.

— Se afaste de mim — rugiu.

Ela negou com a cabeça e o banhou com uma luz poderosa e curadora.

Ele ficou atônito um momento. Choraria Ian eternamente. Allie não tinha o direito!

Sua dor e raiva brotaram de uma vez. Rugiu, e lançou todo seu poder contra ela. Queria que fosse, queria que morresse como morreu seu pequeno, e a fez sair voando da ponte com uma descarga de energia. Era tão miúda que foi como lançar uma bola. Ela gritou e cruzou voando o campo, para um muro de pedra. Então apareceu Royce e a agarrou, ajoelhou-se com sua esposa nos braços e, ao levantar o olhar, estava furioso.

Aidan estava desejando lutar. Também mataria a ele!

— Não, Royce — suplicou lady Allie.

Royce lançou nele todo seu poder.

Agora, Aidan tremia. Lady Allie se parecia muito com Brianna: era boa e amável. Não deveria ter tentado machucá-la, e muito menos matá-la. O arrependimento se apoderou dele.

Fazia anos que não sentia arrependimento.

Royce se aproximou do pé do promontório e o olhava. Aidan se esticou e sustentou o olhar. Apesar da distância, sentia a hostilidade e a desconfiança do Royce. Seu antigo amigo não confiava nele. Ninguém confiava nele, exceto Brianna.

E provavelmente, tendo em conta o que Moray queria dele, ela tampouco deveria confiar.

«por que o desafia? por que se comporta como se tivesse doze anos? É seu irmão e têm que fazer as pazes».

Aidan não queria lembrar quão importante foi Royce, o Negro, para ele durante sua infância, em seu lar de acolhida. Embora não tivesse faltado comida nem teto, foi uma carga para os MacLaine, e recebeu um tratamento muito distinto dos filhos e das filhas da família. Royce foi ao mesmo tempo um pai, um amigo e um tio para ele, apesar de que não os unia nenhum laço de sangue. Visitava-o tão frequentemente como podia quando era pequeno e sempre lhe levava um presente. O ensinou a empunhar a espada e a brigar mano a mano. E sempre tentou forjar uma relação familiar e amigável entre Malcolm e ele, quando ambos souberam a verdade sobre seu nascimento. Ao final, teve êxito, e Aidan e seu irmão tiveram uma boa relação... até o dia do assassinato de Ian.

Aidan sentiu uma estranha dor no coração. Decidido a ignorar, procurou o Lobo faminto e inquieto. Arranhava-o por dentro, ansioso por sair.

Royce começou a subir pela colina com passo decidido.

Aidan disse ao Lobo que esperasse e se recompôs. Não se permitiria sentir remorsos. Royce sempre seria um bom aliado na guerra, mas sabia que jamais o perdoaria por ter agredido lady Allie. Nunca voltariam a ser verdadeiros aliados, nem amigos. Um highlander não esquecia, se preparou para sua investida.

Royce parou diante dele com atitude agressiva.

— Porque tomou como refém uma Inocente?

Aidan sorriu, zombador.

— Para me divertir.

Os olhos cinza de Royce brilharam.

— Continua se comportando como se tivesse doze anos. É uma sorte que não esteja ferida.

Aidan sentiu desejo de golpeá-lo.

— Não tenho doze anos e não vai falar comigo como se os tivesse. Ela é uma Inocente e agora pode protegê-la você. Eu já me cansei.

Royce o observava atentamente.

— Não acredito que a tenha protegido, Aidan. Qual é seu jogo?

Aidan lutou por frear a ira repentina da besta.

— Moray voltou. Brianna precisa que a protejam dele até que consigamos derrotá-lo. Está usando ela para me destruir.

Royce ficou calado. Seus olhos brilhavam.

— Acreditava que não voltaria nunca mais — disse com suavidade, depois de uma longa pausa. — Malcolm sabe?

— Não — Aidan sorriu ferozmente. — Ah, antes de que me esqueça. Tem poderes do Duaisean.

Royce empalideceu.

Aidan mudou de postura. Escondendo, grunhiu em voz baixa, mas Royce não retrocedeu assustado. Aborrecido, Aidan esquadrinhou sua mente, que estava aberta. Não havia medo; só estava zangado e desconfiado. Sua mão, entretanto, se moveu para o punho da espada.

Teria encantado Aidan que a empunhasse contra ele. Mas Royce não se moveu.

Deu-lhe as costas. Era hora de ir em busca de seu pai, o demônio.

— Caça com cuidado — gritou Royce atrás dele.

Aidan deu um pulo.

A manada se achava atrás das árvores. Uma fêmea gemia, nervosa. O sol brilhava no alto do céu da manhã. Os lobos não caçavam em plena luz do dia.

Mas Aidan não se importava. Ainda encarnado no Lobo, parou a curta distância dos limites do bosque e observou atentamente como desmontava seu acampamento o exército de Frasier. Estava cheio de vida e poder. A manada e ele estiveram caçando desde o amanhecer.

A tenda vermelha e dourada de Frasier estava sendo recolhida. Aidan olhou além dos serventes que a desmantelavam e observou o carro e o par de cavalos que esperavam. Viu a alta figura que se dispunha a montar em um corcel e soube que era Frasier, não Moray. O poder de Frasier era relativamente fraco comparado com o de um Deamhan, e era muito humano.

Aidan se sentou sobre a traseira, com paciência infinita. «Vem a mim».

Não houve resposta.

Depois dele, a manada se aquietou.

«Vem a mim, covarde».

A manhã se agitou ligeiramente: um sussurro de folhas, um baile de pó.

Olhava fixamente o exército, lá embaixo, consciente de que seu pulso palpitava com firmeza, lentamente, preparado para a batalha final. A escuridão foi congregando-se a seu redor.

Com o pelo arrepiado, virou. Os lobos levantaram grunhindo. Olharam para o coração do bosque. As sombras se tornaram mais escuras, mais longas. O verde esmeralda se tornou negro e no bosque se formaram nuvens escuras.

As folhas mortas rangeram.

Aidan umedeceu os lábios e grunhiu ao sentir aproximar o poder negro.

Moray apareceu em sua verdadeira forma, vestido com meias e uma túnica negra. Só levava uma pequena adaga e uma tocha.

— Deveria me temer, meu filho — sussurrou suavemente.

Aidan grunhiu. «Eu não temo ninguém». Mas estava eufórico. Seu pai se atreveu a lutar com ele adotando sua verdadeira forma, e isso significava provavelmente que por fim poderia derrotá-lo.

— Te peguei em um sonho e posso te pegar em qualquer parte, em qualquer tempo, como se nada significasse.

Aidan ficou tenso. Queria dizer que podia apanhá-lo no corpo do Lobo? Não importava. Não se preocupava. «Hoje vai morrer».

Moray saltou rugindo ao mesmo tempo que tirava a tocha.

Aidan pensava bloquear o golpe, mas a tocha atravessou seu poder. Gritou de dor quando a tocha atravessou músculo e osso. Caiu sobre Moray, lançando-o ao chão. A energia demoníaca de Moray era enorme, e Aidan se esforçou por atravessá-la, por cravar os dentes em sua jugular. Era como se aquela energia fosse uma cota de malha. Só conseguiu arranhar sua pele antes que o poder negro o lançasse por fim para trás.

Rodou pelo bosque, levantou-se de um salto e viu que a tocha de Moray voltava voando a sua mão, atraída por um poder invisível.

Uma pontada de medo o percorreu. Dessa vez conseguiu deter a tocha que seu pai lançou em direção a sua cabeça e que, ao mudar de direção, ricocheteou em seu peito.

A carne se abriu. A dor o encheu de ira, se equilibrou contra Moray, e se surpreendeu quando a adaga cravou entre suas costelas. Atravessou o muro de energia com unhas e dentes, decidido a alcançar sua garganta.

A tocha golpeou seu flanco na parte de trás. A dor o cegou, mas consciente de que não devia parar, lutou para abrir espaço entre o escudo de energia. E de repente notou o sabor de sangue fresco; seus lábios cravaram em tendões e carne.

Os olhos de Moray aumentaram, alarmados.

Um segundo mais e arrancaria a garganta, pensou Aidan com feroz satisfação.

Afundou os dentes profundamente.

«Jamais encontrará Ian se me matar».

Aidan ficou quieto, afrouxou a mandíbula e levantou a cabeça.

Moray sorriu, e ouviu sua risada zombadora.

Era mentira. Aidan grunhiu, mas antes que pudesse fazer em pedaços a garganta de Moray, seu pai desapareceu no tempo.

Aidan ficou um momento escondido sobre o ar e a terra. Depois, a dor o cegou por completo. Gemendo, caiu ao chão.

Nesse momento pegou consciência que estava ferido gravemente. Moray o feriu no peito duas vezes, uma com a adaga, muito perto do coração. A tocha o atingiu no peito, no quadril e na perna, e agora sangrava em abundância.

Apesar de ser de dia e de que não muito longe dali havia um exército, os lobos se congregaram a seu redor, gemendo.

Ia morrer.

Mas se supunha que tinham que enforcá-lo.

Eram os Deuses, divertindo-se de novo as suas custas. Nunca tiveram a intenção de que o enforcassem, pensou, de repente teve medo. Não estava preparado para morrer. Tinha que derrotar Moray. O que seria de Brianna?

Seu belo rosto apareceu, dando um súbito consolo. Enterneceu por dentro. Ela precisava dele. Tinha que protegê-la. Não podia morrer ainda.

Tentou se levantar.

A dor se apoderou dele.

Caiu no chão. Tentou se levantar de novo. Não podia suportar a dor. Duas de suas patas estavam inutilizadas. Começou a se arrastar para ela, palmo a palmo.

 

— Como podemos derrotar Moray? — perguntou Brie.

Allie e ela estavam sentadas na cama da tenda de Aidan, com as pernas cruzadas. O frio da noite passada começava a se dissipar por fim, e Brie adivinhou que o sol já estava alto, se acostumou que o único momento do dia em que não fazia um frio atroz era ao meio-dia, mas mantinham fogo aceso e estava envolta em um dos mantos negros de Aidan.

Passou uma hora contando a Allie tudo o que passou desde que ouviu pela primeira vez os gritos de dor de Aidan em Nova Iorque. Omitiu seus encontros íntimos com Aidan, naturalmente.

Allie ficou boquiaberta, mordendo o lábio.

— Brie, faz muito tempo, quando enviaram Faola à humanidade para criar os Mestres, os Deuses concederam três livros à Irmandade. O Cathach é o livro da Sabedoria. O Cladich, o livro da Cura, desapareceu faz séculos, mas a Irmandade recuperou cinco páginas. Continuamos procurando o resto do manuscrito. Mas o Duaisean é o mais importante de todos os livros.

A inquietação de Brie aumentou. Disse para Allie que parecia que Moray tinha parte do livro.

— Eu adoraria saber que poderes Moray tem.

— Alguns irmãos acreditam que certos demônios são imortais — disse Allie com amargura.

— Genial — disse Brie, sentindo-se doente. — Se sobrevivermos a Moray, podemos lutar com ele eternamente. Ou Aidan pode, pelo menos.

Allie a puxou pela mão. Brie sentiu que seu calor curador penetrava nela. Se surpreendeu.

— Agora também pode curar as emoções?

— Não é que queira alardear, mas sou muito poderosa — Allie sorriu.

De repente a porta da tenda se abriu e entrou Royce. Estava ainda mais sério que sua esposa. Era evidente que esteve escutando porque disse:

— O livro contém todos os poderes conhecidos pelos Deuses e os homens. Moray poderia ter poderes diversos, inclusive alguns dos quais não temos notícia.

Brie sentiu que o medo se apoderava dela. Allie lhe apertou a mão, e se acalmou.

— Há mais uma coisa. Pode ser que Moray tenha escondido o que tem do Duaisean em minha época.

Royce se assustou. E também Allie.

— Nick é perito nessas coisas — disse Brie. — Preciso entrar em contato com ele para que ponha um agente para trabalhar nisto.

— Continua no CAD, trabalhando para o Forrester? — perguntou Allie. Ficou em pé e se aproximou de Royce. Usava botas muito sexys, de salto alto, com jeans. Brie sorriu ao se dar conta de que sua amiga passeava pela Escócia medieval vestida assim. Em certos sentidos não tinha mudado absolutamente. Brie não perguntou como conseguiu aquelas botas de grife em 1502, porque era evidente que ainda gostava de comprar no século XXI. Mas levantou uma dúvida enorme.

— Sim, continuo trabalhando para ele. Allie, por que não veio nos visitar desde que partiu?

Allie se surpreendeu.

— Não volto para futuro, querida.

Brie piscou.

— Mas e as botas? E sua roupa?

Allie sorriu.

— Royce me dá de presente muitas coisas em meu aniversário — ficou séria. — Voltar para o futuro é perigoso e, quando o fazemos, é só para salvar a Inocência. Em sua época, Royce e eu vivemos no Carrick. Temos onze netos. Estive ali uma vez, e não estou segura dos efeitos físicos que pode ter esse encontro, mas para que arriscar? Lutamos muito por nosso amor e algum dia viverei no Carrick com todas as comodidades modernas. Posso esperar. Não quero estragar o que temos. E, além disso, estamos ocupadíssimos na Escócia medieval.

Brie não tinha nem ideia. Olhou para Royce e pela primeira vez desde que o conhecia o viu sorrir suavemente, olhando sua esposa. Seu amor era tão poderoso que a embargou por completo, quente e maravilhoso, forte e tranquilizador, iriam se amar assim eternamente, pensou Brie.

— Como podemos avisar Nick? — perguntou Brie, chorosa de repente.

— Eu me encarrego disso — disse Royce. — Este assunto é para a Irmandade, lady Brie, convoquei o conselho. Estou preocupado, não acredito que ninguém possa derrotar Moray agora.

Allie agarrou o kilt de seu marido.

— Tem posse de novos poderes, mas lhe contarei isso mais tarde — disse em voz baixa.

Brie se alegrou que Royce tivesse convocado tanto poder branco. Indubitavelmente, um só demônio não podia derrotar à Irmandade.

— Onde está Aidan, de todos os modos? — perguntou ao Royce.

Lhe sustentou o olhar.

— Foi caçar.

Brie levantou, deixando escapar um grito.

— Foi em busca de Moray, tão rápido? Se transformou? O que acredita que pode fazer? Moray esteve a ponto de me matar. Esteve a ponto de matá-lo, porque não esperou que tivéssemos um plano?

— Royce? — Allie tocou seu braço musculoso. — Chamou Guy e Tabby?

Brie virou para ela, surpreendida.

— O que disse?

— Sim — disse Royce. Olhou Brie. — Não queria convocar MacLeod. Corre pra se meter em qualquer guerra. Algum dia perderá a cabeça e minha esposa me culpará .

— Meu irmão pode ser um Mestre — disse Allie —, e um homem casado, mas antes de mais nada é um highlander... e se acha invencível, e pode ser que não seja.

— Acaba de perguntar se Royce chamou Tabby! — exclamou Brie. — A nossa Tabby?

Allie sorriu.

— Sim, a nossa Tabby, conhecida usualmente como lady Tabitha.

Tabby também estava no passado. Brie entendeu depois.

— Mas eu a deixei em casa, dando aulas de dia e usando seus encantamentos para salvar a Inocência de noite.

— Brie, Tabby se tornou muito poderosa com os séculos.

Brie se sobressaltou.

— O que quer dizer? Quanto tempo está aqui?

— Desde o século XIII — respondeu Allie. — Podemos nos servir de sua magia contra Moray. Tenho certeza.

Brie decidiu não parar para pensar que, em 2011, Tabby vivia em Nova Iorque, sem ter nem ideia de seu destino, e que entretanto em 1502 estava há quase três séculos na Escócia medieval.

— É feliz? Está com seu irmão?

— É muito feliz e está loucamente apaixonada por outro cavaleiro medieval. Têm filhos, montões deles. Já conhece Tabby. Mas não são todos deles.

Brie se sentou na beira da cama.

— Tabby merece conhecer o amor verdadeiro. Me alegro tanto por ela... — mas começava a se preocupar. — Imagino, então, que Sam está sozinha no futuro.

Allie ficou séria e se sentou a seu lado.

— Isso significa isso que não vai voltar?

Olharam-se nos olhos.

— Claro que vou voltar. Estou aqui para salvar Aidan, nada mais.

Allie olhou para Royce.

— Brie quer salvá-lo.

— Sim, suspeitei quando falei com Aidan antes — disse ele.

Brie viu que trocavam um olhar e compreendeu que estavam se comunicando mentalmente. Pelo menos não tinha que se preocupar que Sam estivesse sozinha, pensou, sentindo-se estranhamente desanimada. Malcolm e Claire estavam muito apaixonados, assim como Allie e Royce. Desejar esse tipo de amor era uma loucura, embora sabia que, no fundo, abrigava aquela fantasia.

Suspirou. Mas antes que pudesse acabar de formular seus pensamentos, começou a sentir uma raiva assassina.

Caiu para trás sobre a cama e ficou sem respiração.

Aidan estava em apuros.

— Brie! — gritou Allie, correndo para ela.

O Lobo ansiava matar e destruir.

— É Aidan — ofegou, mas a fúria a consumia. Nunca havia sentido tanta raiva. Depois, a dor atravessou seu ombro e gritou.

Tinha Começou uma terrível luta de vida ou morte. Precisava afundar os dentes na garganta de seu inimigo e destroçar sua artéria. Depois se sentiu lançada para trás e, antes que pudesse se levantar, uma pontada de medo a atravessou.

A carne de seu peito se abriu. Furiosa, levantou-se de novo, mas uma dor espantosa penetrou seu peito e voltou a gritar.

Tinham apunhalado o coração?

Houve mais golpes ferozes, de repente sentiu que cravava os dentes em carne humana e notou o sabor do sangue. E soube bem. Uma euforia selvagem, quase primitiva, a embargou, e depois que sentiu que a tocha cravava em sua perna. Agora o mataria...

De repente viu Ian.

E então só sentiu uma dor cega. Sua presa desvaneceu.

Brie voltou em si e, apanhada naquele torvelinho de dor, deu-se conta vagamente de que Allie a estava abraçando. Aidan estava ferido... ia morrer.

— Não —gemeu. Lutou por dominar a dor. Tinha que sair dele, por mais denso e asfixiante que fosse. Tomou consciência de que uma onda de calor se difundia por seu corpo.

Allie estava tentado curá-la.

— Está tudo bem, Brie. É sua empatia, é tão forte que me custa atravessá-la.

Tudo bem? Aidan estava ferido gravemente. Brie jazia sem fôlego nos braços de Allie. Seu coração pulsava com violência. Lutava por ver sua amiga claramente. O calor se fez mais intenso, mas a imagem de Allie ainda era imprecisa. Por fim, a dor começou a diminuir.

Allie continuava concentrada. Abraçava Brie e acariciava seu rosto.

Brie esperou um momento mais; Depois se levantou devagar.

— Temos que encontrá-lo!

Royce se ajoelhou diante dela.

— O que aconteceu?

— Foi uma batalha terrível. O apunhalaram e feriram com uma tocha. Estou quase certa de que era Moray — sentiu que começava a chorar. Seu coração se encheu de angústia. Allie acariciou seu ombro, mas ela apenas se acalmou. — Vai morrer, se não o encontrarmos e o curarmos.

— Sabe onde está? — perguntou Allie. — Deve estar longe, porque não sinto sua dor.

— Não sei. Me deem um momento — recuperou a compostura o melhor que pôde, ficou em pé e se aproximou da porta da tenda. Levantou e saiu.

Era meio dia. O acampamento foi desmantelado e as primeiras filas de cavaleiros couraçados já se colocaram em marcha. Fechou os olhos e levantou o rosto para o sol quente do meio-dia.

Uma dor cega a alagou como uma onda, empurrando-a contra uma muralha intransponível. Depois se deu conta de que se chocou contra o corpo duro de Royce. «Onde está?», perguntou em silêncio, desesperada.

Não houve resposta.

Nunca se comunicaram telepaticamente. Era sempre Aidan quem lia seu pensamento.

«Leia meu pensamento agora, Aidan. Onde está? Me deixe te ajudar!».

O silêncio tremeu em sua mente. Só sentia a dor de Aidan e uma espécie de luta impetuosa. Não o entendia.

Royce, que a segurou pelos ombros, soltou.

— Encontraremos ele, lady Brie — disse com gravidade. Olhou Allie e depois se afastou.

Brie viu que um jovem highlander lhe entregava a montaria, tocou as bochechas, alagadas pelas lágrimas. «Volta, por favor. Por favor, me diga onde está».

Allie a rodeou com o braço sem dizer nada. Brie sentiu de novo a dor de Aidan, uma imensa onda que a fez se dobrar. Allie lançou mais luz curadora e, ao desvanecer a dor, se olharam com amargura.

— Vou continuar transmitindo meu poder curador, porque sua dor é tão intensa que, se não, não poderá suportar.

Allie tinha razão. Deus, o que tinha acontecido?

— Não pode morrer hoje, assim — soluçou Brie, furiosa de repente, limpou as lágrimas. Pensou, frenética, que devia morrer enforcado, mas isso não a tranquilizou. Talvez seu destino fosse morrer, e não importava como morresse.

Já tinha decidido morrer uma vez, quando se enterrou vivo. E se estava ferido tão gravemente que aceitava a morte?

Olhou Allie, ardendo de determinação.

— Não permitirei que morra.

Brie passou todo o dia o buscando a pé. Allie a seguia constantemente, como uma sombra. Estava claro que temia deixá-la, de vez em quando a banhava com sua luz branca para manter a dor de Aidan longe. Passaram horas. Brie se sentia a ponto de enlouquecer. A única coisa positiva era que Aidan sentia dor, o que significava que estava vivo.

Brie subiu ao promontório pela quinta ou sexta vez, porque era um bom ponto de onde observar. Estavam rodeados de montanhas. Ao norte havia um grande vale com um extenso e reluzente lago, e ao sul onde ficava de seu acampamento. Os exércitos prosseguiram sua marcha para reunir-se com as hostes do MacDonald e Maclean. Justo diante dela, o ar se agitou de repente.

Brie se esticou, cheia de esperança, mas foi Ian quem saiu de entre a névoa.

Ficou quieta pela surpresa.

Ian apontou para ela e começou a falar com urgência, mas Brie não ouvia nada.

— Allie, vê o fantasma de Ian?

Allie correu a seu lado.

— Está aqui? Não o vejo, Brie.

— Espere, Ian. O que aconteceu? — o pequeno estava quase chorando, e Brie se ajoelhou. O momento não poderia ser pior. Precisava procurar Aidan, não passar o tempo tentando se comunicar com seu filho morto.

O menino começou a correr diante dela. Depois parou e a olhou, esperando.

Era evidente o que queria.

— Quer que o siga — disse Brie, e correu atrás do pequeno fantasma.

Ian saiu correndo.

Brie foi atrás dele.

— Não posso ir tão rápido! — gritou.

Mas o pequeno não diminuiu a marcha.

Brie se obrigou a seguir o ritmo, seguida por Allie, que antes mudou seus saltos de agulha por tênis. Brie ficou sem ar em seguida, mas Allie respirava com normalidade. Conhecendo-a, certamente corria alguns quilômetros todos os dias, fazia cem flexões e Deus sabia o que mais.

Seguiram o fantasma pelo interior do bosque que cobria a parte sul do monte.

— Aonde nos leva? — perguntou Allie.

Brie não pôde responder, mas rezava a todos os Deuses que lhe viessem á memória.

— Espero que tenha razão e nos leve até Aidan — sussurrou Allie.

De repente o fantasma de Ian desapareceu entre a névoa do denso bosque. Estavam em um caminho de cervos, rodeada por uma arvoredo quase impenetrável. Brie parou, tão sem fôlego que lhe ardiam os pulmões. O escuro monte de arbustos que lhes cortava o passo pareceu mover-se de repente.

Brie gritou. Não era um monte de folhas secas e madeira morta. Era um lobo.

Ensanguentado, se levantou e se arrastou para frente um único passo, com olhar azul e direto. Depois desabou.

— Aidan! — gritou Brie, correndo para ele, se ajoelhou sobre as folhas, horrorizada. A pata traseira esquerda estava quase completamente separada do quadril. Tinha o peito e o ombro em carne viva e o cabelo empapado de sangue, ia morrer, se Allie não pudesse salvá-lo.

Brie pegou a enorme cabeça entre os braços e a apertou contra seu peito, morta de medo.

— Tudo bem. Vai ficar bem. Allie está aqui — disse com voz afogada.

Cílios surpreendentemente longos se elevaram e a olhou com seus olhos azuis e humanos, nublados pela dor.

Brie beijou o pelo de sua têmpora e sufocou outro soluço.

Allie ajoelhou a seu lado e o banhou com uma densa nuvem de luz branca.

O Lobo fechou os olhos e Brie apertou mais a cabeça contra seu peito, apoiando a bochecha sobre seu pescoço peludo. «Não vai morrer», disse com veemência. «Te amo tanto...».

O enorme animal pareceu remexer em seus braços. Brie olhou Allie. Sabia que não devia interrompê-la enquanto curava. Allie estava completamente concentrada em Aidan e seu corpo irradiava poder curador. Brie nunca a viu emanar tanto poder. Naqueles setenta e dois anos, seus poderes de cura aumentaram muitíssimo, saltava à vista.

Brie acariciou o Lobo, que seguia sem se mover. Allie e ela se olharam, e Brie não precisou de telepatia para saber que sua amiga estava se perguntando como iriam derrotar Moray. Depois baixou o olhar. Aidan a olhava com seus olhos humanos, mas seguia metamorfoseado em Lobo.

Sentou-se sobre as patas traseiras e ficou ali. Brie ficou tensa. Não gostava de estar ali, sentada no chão junto ao Lobo, que a olhava com tanta intensidade.

— Está curado? — perguntou enquanto se levantava com cautela.

— Sim — respondeu Allie, limpando a bochecha. Não tentou se levantar.

— Então, por que não recupera sua forma humana? — Brie não afastava os olhos do Lobo.

— Não sei — Allie parecia cansada.

Brie não se moveu, nem tampouco o Lobo, porque Aidan não se metamorfoseava?

— Aidan? Está me deixando nervosa. Pode voltar conosco, por favor?

Ele lhe lançou um olhar muito humano, franco e extremamente viril, e ficou a quatro patas.

A tensão de Brie aumentou, recordou-se que o Lobo já não parecia ameaçador, mas aquele olhar nela, tão fixo a inquietava.

O bosque estremeceu e os lobos começaram a sair de detrás das árvores. Alguns eram cinzas, outros mais escuros e alguns negros.

— O que está acontecendo? — perguntou Brie para Allie.

— Não sei — respondeu Allie, mas pegou uma pequena adaga.

«Não vão atacar vocês».

Brie se assustou, porque acabava de ouvir a voz de Aidan. Olhou Allie, que não reagiu.

— Não ouviu isso, não é?

— Não.

Brie olhou para o enorme lobo e este lhe devolveu o olhar.

— Esteve a ponto de morrer. Graças a Deus que está vivo — não houve resposta. — Por que não se converte em homem?

Os olhos azuis mudaram e ela sentiu uma enorme frustração.

«Não posso me transformar. Me pegou».

Brie reagiu com incredulidade. Mas a razão dissipou em seguida suas dúvidas. Por acaso Moray não os pegou em um sonho?

Allie sussurrou:

— Está enfeitiçado?

Brie umedeceu os lábios.

— Sim.

O Lobo olhou para a parte mais densa do bosque e Brie se deu conta de que ia seperder no monte com a manada. Deu um passo adiante e esticou o braço, mas depois pensou melhor e afastou a mão. Não sabia até que ponto aquele animal era uma besta selvagem e voraz ou era o homem a quem amava.

— Não vá, por favor. Se for, como vou te encontrar?

«Saberei onde está, Brianna».

Seus olhos azuis cravaram nos de Brie. Depois passou a seu lado com um salto e desapareceu no bosque, seguido por outros lobos. Brie ficou ali, tomada pelo desalento.

— Bom, ao menos está vivo — disse Allie lentamente.

Brie se abraçou.

— E um lobo não podem enforcar.

Agachada junto à entrada da tenda, Brie entreabriu a cortina. Tinha o corpo rígido pela tensão. Estava vendo à Irmandade.

Sentiu seu enorme poder masculino emergir das brumas do tempo quando os Mestres foram aparecendo, um por um, no acampamento. Frente à tenda de Aidan havia dúzias de guerreiros highlanders medievais dotados de superpoderes e capazes de viajar no tempo, iniciou-se uma discussão explosiva, elevaram as vozes, ânimos se exaltaram. Brie tinha a boca tão seca que não podia engolir.

Não conseguia se concentrar no que diziam, embora muitos deles falassem inglês. Todos os Mestres encarnavam a perfeição masculina de um modo ou de outro. Alguns highlanders eram incrivelmente belos, como Aidan; outros, brutalmente viris, como Royce. Seus bíceps e coxas se sobressaíam. A testosterona deixava o ar denso.

Arrancaram-lhe a cortina da mão e se levantou com o coração acelerado. Um highlander sorriu pra ela. Seus olhos eram de um deslumbrante tom de verde.

— Deseja se unir a nós? — perguntou.

Brie tentou falar, por que demônios a despia aquele homem com o olhar? devido à hora que era, estava envolta em muitas capas de roupa moderna e medieval e usava aqueles absurdos óculos. Não estava muito atraente.

— Eu... é... não é secreta a reunião do conselho? — gaguejou.

— Porque se assusta tanto, Brianna Rose? — ele perguntou com suavidade.

— Como sabe meu nome? — conseguiu dizer, surpresa.

— Sou amigo de lady Allie. Pode me chamar Seoc ou MacNeil.

Ela o olhou nos olhos e sustentou o olhar. Seus olhos brilhavam. Seu olhar era irresistível. Brie sentiu que seu corpo se acalorava, respondendo ao magnetismo do highlander. Depois se deu conta do que estava acontecendo.

— Está tentando me encantar?

— Não preciso encantar a nenhuma mulher — disse. — Mas as noites são longas e muito, muito frias.

Brie respirou fundo. Aquele homem foi amigo de Aidan. Confiava que o conhecia.

— Não vou deixar me seduzir. Estou com Aidan.

Os olhos do Seoc cintilaram.

— Sei. Mas Aidan abandonou a Irmandade faz muito tempo. Chorei por ele uma vez. Agora não me importa muito sua sorte, e estou disposto a enfrentá-lo por uma mulher.

Brie tentou dar sentido a suas palavras.

— É uma brincadeira, não? Não pensará em brigar com ele por mim.

Ele sorriu.

— Eu adoraria, moça — disse. — De fato, nada me satisfaria mais.

Brie o olhou boquiaberta.

O sorriso do Seoc ficou mais amplo.

Devia gostar da guerra, pensou ela. Era a única conclusão racional a que pôde chegar. Estava atônita, mas também se sentia adulada.

— Aidan me falou de você. Mas me pareceu que fosse um líder, não um soldado.

— Aidan odeia meu irmão — respondeu Seoc tranquilamente. — É dele de quem te falou. Meu irmão é o chefe da Irmandade.

Antes que Brie pudesse assimilar a notícia, ouviu um grunhido ameaçador a suas costas.

Brie virou, aliviada.

— Aidan!

Mas o Lobo parecia tão selvagem e feroz como aquele dia em Nova Iorque. Grunhiu para Seoc e se escolheu para atacar. Seus olhos brilhavam com fúria assassina.

«Te matarei, maldito bode».

Brie se assustou. Ouviu Aidan com toda clareza.

O sabre de Seoc chiou quando o levantou. Seus olhos brilharam.

Brie olhou o Lobo e o Mestre e não o pensou duas vezes, ficou no meio.

— É Aidan!

— Sim, o terrível Lobo de Awe, uma besta que desfruta fazendo homens aos pedaços e devorando seus cadáveres — Seoc não parecia muito cordial. — Se afaste do Lobo, Brianna Rose.

— Não me fará mal. Tem que partir — disse ela.

«Afaste-se, Brianna. De qualquer maneira, nunca gostei dele».

Brie olhou para o Lobo, trêmula.

— Não se atreva a atacá-lo — conseguiu dizer, horrorizada por que queriam destruir um ao outro.

Uns olhos azuis e humanos cravaram nos seus.

«Porque? Acaso quer se deitar com ele esta noite?».

Brie respirou fundo. Seoc tentou enfeitiçá-la e ela havia sentido os efeitos, não havia dúvida. Mas jamais se deixaria seduzir. Aidan não a conhecia absolutamente, se não sabia que era mulher de um só homem. Lançou-lhe um olhar sombrio.

— Estão no mesmo bando.

«Eu acredito que não».

Seoc disse suavemente:

— É uma das pouquíssimas pessoas que confiam em Aidan, moça.

Brie virou bruscamente para ele.

— Estou te pedindo que nos deixe.

Ele se sobressaltou.

— Está louca? Te enfeitiçou a tal ponto que não pode sequer pensar com clareza agora? Não vou te deixar com o Lobo. Vai te comer no jantar!

O Lobo grunhiu e passou junto a Brie.

Com o coração acelerado, ela o agarrou pela pelagem, obrigando-o a parar. O Lobo a olhou, mas não a mordeu. Tremendo, Brie olhou Seoc sem soltar o animal.

— Parta, por favor.

Seoc duvidou, olhando com receio ao Lobo.

— Bom — murmurou por fim. — Pode ser que ele também te tenha carinho — embainhou sua espada e saiu da tenda.

Brie soltou à besta e os joelhos falharam. Retrocedeu.

— Confio seriamente em que nunca me faça mal.

Não cabia dúvida de que estava furioso.

Brie respirou fundo. Desejava acalmá-lo.

— Obrigado por voltar — a voz dela quebrou. — Temia por você... Temia que saísse de novo em busca de Moray.

O Lobo se aproximou da porta da tenda, afastou a cortina e olhou pra fora como se fosse um humano. Depois virou para olhá-la fixamente.

Incômoda e indecisa, Brie se afastou um pouco mais dele.

— Vai ficar?

Sentiu que ele sorria, zombando, com o pensamento. «Sim».

Brie se abraçou. Sabia que estava furioso porque Seoc a desarmou. Mas, pelo amor de Deus, exceto Aidan, nenhum outro homem a tinha olhado assim, nem desejado se deitar com ela.

— Não tinha intenção de me deitar com ele. Não pode estar com ciúmes.

«Pretendia se deitar contigo». O Lobo virou diante da porta, lhe cortando o passo.

Brie se acalorou. Aidan pensava que teria se deixado seduzir por Seoc. Sentia.

— Porque me olha tão fixamente?

Ele não respondeu; continuou examinando ela com seus olhos frios.

Allie meteu a cabeça dentro da tenda, o que não pareceu incomodar o Lobo.

— Ouvi que estava aqui — não parecia assustada absolutamente.

— Tabby já chegou?

— Não —Allie entrou na tenda e passou por cima do Lobo, que se negava a se mover. Sorriu para Brie. — Viu o que há aí fora? — perguntou em tom cúmplice.

Brie vacilou, olhando o Lobo. Mais valia não falar daquilo, pensou.

— Brie! Alguma vez viu tantos tipos bons juntos, e tão potentes? — perguntou sua amiga.— Porque sabe como é o sexo com um Mestre, não?

Brie sentiu que lhe saltavam os olhos.

— Pode nos ouvir!

Os olhos do Lobo cintilavam.

— Sei — respondeu Allie com um sorriso. — Embora ame Royce, eu adoro estar rodeada de tantos Mestres. É tão bom... — piscou um olho pra ela.

Brie decidiu não responder. Ignorava por que Allie tentava provocar Aidan, mas não gostava.

Os olhos do Lobo brilharam ainda mais.

Allie olhou pra ele.

— Esta com ciúmes? Seoc parecia zangado, tentou brigar contigo? É um Mestre da sedução. Certamente estava quase à altura de Aidan... antes de sua queda, claro.

O Lobo se levantou por fim e começou a grunhir.

— Já chega — disse Brie. — Ele está se zangando. O que está acontecendo aí fora?

Allie disse:

— Ele é descendente de um dos Deuses. Suponho que um Deus pode fazer amor eternamente. Royce pode fazer durante dias. Tenho certeza que Seoc também pode.

— Allie... — disse Brie.

— Curei ele. Não vai me fazer mal. E não é só isso: A máscara agora caiu. Te salvou. O Grande Lobo Feroz não é tão mau, nem tão feroz, no fim das contas — deu um grande sorriso pro Lobo. — E está louco de ciúmes. Percebo. Eu também tenho poderes de empatia, lembra?

— Não o atormente — sussurrou Brie.

— Se por fim decidir que Aidan não te convém, acredito que deveria dar uma chance a Seoc. Está disponível cem por cento e vi como te olhava — Allie sorriu pro Lobo. — Provavelmente te convenha mudar de tática a próxima vez que for um homem, Aidan. Acredito que tem um rival.

— Allie! — protestou Brie.

O Lobo grunhiu, ameaçador.

Allie não fez caso.

— Já estão aqui. Vamos — agarrou Brie da mão, passou junto ao Lobo puxando por ela e saiu.

Embora tenha transcorrido pouco tempo, Brie se sentiu aflita ao ver juntos tantos fortões medievais. Respirou fundo. Malcolm e Claire chegaram, e estavam falando com um highlander loiro que era idêntico a Matthew McConaughey. Teve que dizer a si mesma que não devia babar. Depois viu Seoc junto a um escocês das Terras Baixas, moreno e extremamente bonito, vestido com colete de couro negro, casaco acolchoado até a cintura e meias tão rodeadas que resultavam indecentes. O escocês a olhou com franco interesse. Ao ver que ela o observava, sorriu lentamente. Seoc também sorria.

Brie se negou a lhes devolver o sorriso. Virou rapidamente... e caiu nos braços de Tabby.

Se encheu de alegria, porque esperava que Tabby conhecesse algum encantamento capaz de liberar Aidan do Lobo. Ao olhar os olhos ambarinos de sua amiga, percebeu de repente as mudanças que se operaram nela.

Tabby estava tão elegante como sempre: vestia um longo vestido azul, mas tinha um ar de paz e serenidade que carecia em casa.

— Olá, Brie — Tabby a abraçou tão forte que doeu. — Senti tanto sua falta.

Quando por fim a soltou, Brie viu que estava chorando.

— Quanto tempo faz? — perguntou com cautela.

— Não tenho certeza. Pode ser que duzentos e cinquenta anos — respondeu Tabby. — Como mudou! Deve ser os óculos. Ficavam tão mal em você... — mas seus olhos ambarinos a observavam inquisitivamente.

— Isso foi a primeira coisa que pensei — comentou Allie atrás delas. — Mas é que está apaixonada.

Tabby pareceu surpresa.

— Espera um momento. Nossa Brie, que nunca sai com ninguém, que passa a vida diante de um computador, está apaixonada?

— Encontrou um Mestre... um antigo Mestre.

— Quem? — perguntou Tabby suavemente.

Brie tentou sorrir. Conhecia muito bem Tabby. Era como a mãe terra, cuidava de todo o mundo, sempre protetora, especialmente com sua família. Não ia gostar daquilo.

— Agora mesmo está... prisioneiro.

Tabby piscou, confusa.

Um homem moreno e alto se aproximou dela por detrás. Tinha uma expressão dura. Tabby sorriu pra ele com ternura e Brie compreendeu imediatamente que era seu marido. Igual a Royce, a exceção de um poder selvagem e implacável. Tabby sempre detestou os machõess. Era muito estranho vê-la ali, com um homem tão medieval e viril. Ele sorriu severamente:

— Não escolheu muito bem, Tabitha. Acredito que não vai gostar disto.

Tabby o olhou. Seus olhos arregalaram.

— Não escolhemos a quem amar. O destino escolhe por nós.

A boca de seu marido suavizou.

— Um homem tem que forjar seu próprio destino — respondeu em voz tão baixa que Brie teve que se esforçar para ouvi-lo. — E eu escolhi a você mal nos conhecemos.

Tabby sorriu e olhou para Brie.

— Começou a me seduzir uns dois segundos depois de me resgatar.

— E não se importou muito — acrescentou ele.

Tabby riu.

— Este é Guy MacLeod, meu marido — falava com sereno orgulho. — Ele, naturalmente, acredita que me escolheu sem ajuda sobrenatural.

Brie enxugou uma lágrima, comovida por seu carinho evidente.

— Tabby? Não se altere, por favor. Ele está prisioneiro... em um corpo de lobo.

Tabby a olhou desconcertada. Depois olhou Guy MacLeod e Brie compreendeu que estavam se comunicando em silêncio.

— Aidan, o Lobo de Awe? — gritou Tabby, desalentada. — Se apaixonou por um meio Deamhan? Aidan gosta da morte. Anseia poder. Qualquer uma de suas amantes pode dizer isso. E o pior de tudo é que permitiu que morressem meninos inocentes.

— Se viu obrigado a abandonar a luz, Tabby. Eu estou lhe fazendo voltar, te asseguro isso. E não é mal. Me salvou várias vezes. Por favor, nos ajude — soluçou Brie, tomando suas mãos.

— No Elgin morreram mulheres e meninos inocentes! — respondeu Tabby. — E massacrou os habitantes da aldeia de Awe!

— Tentava salvar seu filho — Malcolm deu um passo adiante.

Brie virou, de repente se deu conta do súbito silêncio. Todos os Mestres estavam escutando.

E o que era pior ainda: o Lobo saiu da tenda e também os escutava.

Tabby sacudiu a cabeça e começou a chorar.

— Ninguém pode voltar atrás, depois disso.

 

Brie olhava fixamente ao Lobo.

— Por favor — disse a Tabby, olhando-a de novo.

Tabby assentiu, visivelmente desgostosa. Brie correu para o Lobo. Ele a entendeu e entrou na tenda; Brie o seguiu. Foi um alívio escapar de todos aqueles olhares hostis e curiosos. Tabby entrou também, mas antes que Guy pudesse segui-la, cortou-lhe o passo.

— Querido, por favor, espere aqui fora. Ovelha Negra.

— Sinto muito, Tabitha, mas nem sonhe — Guy MacLeod passou junto a sua esposa e olhou o Lobo com frieza. — Não vou te deixar sozinha nem com uma besta, nem com um Deamhan.

Brie desanimou ainda mais. Acreditou que encontraria o apoio de Tabby e de seu marido, mas se equivocou. Ninguém confiava no Lobo... e não podia reprová-los. Ninguém confiava tampouco em Aidan, exceto ela, e Allie e Malcolm, provavelmente, diziam que era temido e desprezado, e Brie acabava de comprovar. Por fim acreditava.

Necessitavam de toda a ajuda que pudessem reunir. Mas não confiava que os Mestres ficassem do seu lado. Entretanto, era seu dever para com os Deuses derrotar Moray, independente que desse modo ajudassem Aidan ou não.

Tabby murmurou: —Está preso em um feitiço terrivelmente poderoso.

Brie se assustou.

— Pode libertá-lo?

— Acredito que sim — disse Tabby. Olhou para Guy.

Este saiu da tenda. Brie estava confusa, mas Tabby lhe disse:

— Espere um momento. Preciso do Livro.

Brie ficou boquiaberta.

— Tem nosso Livro? O Livro das Rose?

— Tive que trazê-lo comigo — respondeu Tabby. — Já sabe que a Rose que mais poderes mágicos tem é a que tem que guardar e conservar o Livro.

Brie estava preocupada com Sam.

— Quanto tempo Sam esta sozinha em Nova Iorque sem nenhuma de nós?

— Não sei — respondeu Tabby com uma careta. — Não é boa ideia rondar pelo futuro. O Código diz que um nunca deve encontrar consigo mesmo em outro tempo.

Brie decidiu não perguntar o que era o Código. Guy voltou a entrar e entregou a Tabby um grosso e desgastado volume. Tinha mais de duas mil páginas e continha encantamentos, feitiços, lendas, mitos e toda a Sabedoria que necessitavam as Rose para salvar outras pessoas. Algumas das histórias que continha eram mais antigas que a Bíblia.

Tabby se sentou sobre um tapete, com as pernas cruzadas, e olhou o Lobo.

— Vem se sentar comigo — disse.

Ele obedeceu.

Tabby só demorou um momento para encontrar o que estava procurando, o que surpreendeu Brie. No passado, fazia apenas uns dias, podia demorar semanas até encontrar o que precisava, e a metade das vezes se equivocava. Ou seus feitiços eram muito débeis e não davam resultado. Tabby começou a falar suavemente em gaélico, lendo da página. Brie só entendeu alguns fragmentos do feitiço. Tabby estava invocando poderes sagrados para romper o feitiço que mantinha Aidan prisioneiro dentro do Lobo. Depois fechou o Livro.

Sua cara ficou estranha, parecia feita de cera. Tinha os olhos fechados. Seu corpo ficou rígido. Levantou as mãos e murmurou palavras que Brie não entendeu. Nem sequer sabia em que idioma estava falando sua amiga. O ar se agitou dentro da tenda, levantando as mantas da cama e lançando o cabelo de Brie sobre seus olhos. A cortina da porta se agitou e estremeceu.

De repente, Aidan estava sentado a seu lado.

Brie sentiu imediatamente raiva e desejo. Sufocou um gemido quando Aidan se levantou, completamente nu, com os músculos tensos, e pegou um manto que havia aos pés da cama. Alguém soltou um bufo: Guy. Aidan rodeou a cintura com o manto e olhou imediatamente para Brie.

Seus olhares se encontraram e as emoções de Aidan desapareceram. As bloqueou cuidadosamente. Brie respirou fundo. Inclinou a cabeça para ele, consciente de que estava chorando de alegria.

«Não chore por mim».

Brie se deu conta de que ainda se comunicava com ela telepaticamente, porque não abriu aberto a boca para falar. Ele virou com os olhos entreabertos.

— Obrigado, lady Tabitha — disse em tom neutro.

O semblante de Tabby parecia completamente normal.

— De nada.

Guy ajudou Tabby a se levantar e olhou Aidan.

— Deve muito a minha esposa — disse com calma. — Me assegurarei de que pague sua dívida.

Brie olhou ambos. Viu aumentar a tensão de Aidan. Viu a mesma tensão no rosto de Guy. MacLeod não confiava em Aidan, e este se deixava provocar facilmente. Genial.

Brie se interpôs entre eles.

— Obrigado por vir em nosso auxílio — disse a Guy com sinceridade.

Ele não sorriu.

—Minha esposa a ama muito, mas é meu dever como marido protegê-la. Penso mantê-la afastada desta intriga — olhou Aidan com frieza. — Sei que deseja redimi-lo, mas não acredito que seja possível.

Brie lançou a Tabby um olhar suplicante, e sua amiga disse:

— É muito protetor. Estaremos lá fora — lhe apertou a mão e olhou Aidan com preocupação.— Se precisar de nós, Brie, só tem que nos chamar.

— Não vai me acontecer nada. Preciso falar um momento a sós com Aidan.

Tabby parecia indecisa. Pegou a mão de seu marido e puxou Guy. Saíram da tenda.

Estavam sozinhos. Brie não vacilou. Ao virar esteve a ponto de se chocar com Aidan, que abriu instintivamente os braços para segurá-la.

— Menos mal que voltou!

As fortes mãos de Aidan descansavam sobre seus ombros e o belo rosto estava a centímetros do dela.

Aidan cravou em Brie seu olhar azul, cegador em sua intensidade. Tinha uma expressão severa.

— Estou em dívida contigo, Brianna, igual a lady Allie e lady Tabitha.

Não soltou ela. Estavam vivos. Estavam os dois vivos. Aquela última crise fez ainda mais profundo o amor que sentia por ele. Brie era muito consciente de seu corpo grande e viril, e essa consciência a fazia desejar desesperadamente estar entre seus braços.

— Esteve a ponto de morrer, Aidan. Estive a ponto de te perder.

O peito de Aidan subia e baixava com força. Não disse nada, mas seu manto se moveu, levantando. Brie sentiu seu desejo assim que perdeu o controle sobre suas emoções. Ardente e imenso, palpitava entre eles, inundando-a. Aidan também a desejava. Era absurdo continuar negando a atração que sentiam, ou a amizade que os unia. Passaram por tantas coisas! Era hora de estar em seus braços, em sua cama. Seria uma celebração da vida, da esperança.

Aidan se esticou e sacudiu a cabeça, com olhar duro e fatigado. Baixou as mãos. — Não pensa com clareza. Pensa só com seu ardor de fêmea. Estava lendo sua mente, claro.

Brie pôs as mãos sobre seu peito.

— Aidan, não estou pensando só com o corpo e você sabe. Não se afaste de mim agora, depois de tudo o que aconteceu.

Sentiu bater vertiginosamente seu coração.

— Estou vivo — ele disse com voz pastosa. — Como pode ver... e sentir. Mas você quer mais do que posso te dar. Provavelmente deveria estar com Seoc — estremeceu sob as mãos do Brie.

Um prazer quase impossível, procedente dele, embargou Brie.

Era tão intenso e desesperado que quase a cegou por completo.

Compreendeu que Aidan tentava se conter e não compreendia por que.

— Aidan... — sussurrou. E ao deslizar as mãos mais acima, ele gemeu e fechou os olhos, arqueou para trás e a mão de Brie se apertou mais ainda contra seu peito. A pressão de seu membro contra o corpo dela aumentou, e ele voltou a gemer.

Brie nunca ouviu um som tão carregado de desespero. Nem tão sexual.

Uma camada de suor cobriu o rosto de Aidan. Brie baixou a mão para sua cintura e conteve uma exclamação de surpresa quando o membro apertou por completo contra o ventre dela. Pegou com a boca sua pele úmida e quente, a seu lado. A excitação se apoderou de ambos. Mas o desespero era ainda maior, mais entristecedor. Brie mal podia pensar.

O instinto era a única coisa que a impulsionava.

— Te quero, Aidan — beijou de novo seu peito e esfregou a boca contra ele.

— Brianna... — ele gemeu, estremecendo.

Seu forte braço rodeou Brie. Ela levantou a vista a tempo de ver que seus olhos ardiam, cheios de urgência, e que sua boca descia para a dela.

Deixou escapar um gemido, mas a boca de Aidan o pegou. Fechou os olhos quando os lábios dele se apoderaram dos seus e a exaltação se apoderou dela por completo. Desejava aquele instante constantemente. Aidan a fez inclinar-se para trás. Aquilo era melhor que seus sonhos. Brie tentou beijá-lo.

Era quase impossível mas ficou quieta, deixando que a boca dele a devorasse. Agarrada a ele, começou a chorar de alegria.

Aidan a fez mudar de postura e a parte de atrás de suas coxas se chocaram com a cama. Brie tombou de costas e ele se deitou sobre ela, afundando a língua na boca. Brie deslizou as mãos por suas costas musculosas e arqueou os quadris para ele. Aidan arrancou o manto da cintura e o jogou pro lado.

Ela acariciou seus ombros. Ele estremeceu e gemeu. Ela tentou conter as lágrimas. Chorava por ele, por sua ânsia de amor e afeto.

Aidan deixou de beijá-la. Seus olhos azuis cravaram nela. Brie sorriu pra ele e acariciou seus ombros, e ele voltou a estremecer e fechar os olhos. Quando deslizou a mão pelo pescoço, deixou escapar um gemido e se deixou cair na cama, a seu lado, de costas.

O coração de Brie acelerou ao vê-lo ali, deitado sobre os travesseiros. Era o homem mais impressionante que viu.

Tinha que tocá-lo, acariciá-lo e lhe dar tanto amor quanto pudesse, levantou e apoiou de novo a mão sobre seu peito, e ele gemeu e, lhe agarrando a mão, apertou-a contra seus músculos.

«Está me torturando».

Não falou em voz alta. Brie sorriu um pouco pra ele.

— Me deixe te amar, Aidan. Me deixe te curar —depositou um beijo sobre seu ombro e outro sobre seu peito.

— É virgem — ofegou ele grosseiramente.

Brie já tinha deslizado a mão por seu tenso abdômen. Enquanto acariciava seu pênis, viu que duas lágrimas se desprendiam de suas pestanas e corriam em linhas paralelas até sua mandíbula.

Aidan estava chorando.

Brie se inclinou e beijou seu ventre. Enquanto o beijava, deixou que seu amor explodisse.

Ele sufocou um gemido.

Ela o beijou de novo na garganta e deslizou a mão até seu umbigo. Não tentava incitá-lo, mas nesse momento sentia um desejo assombrosamente forte.

Ele deixou escapar um gemido e, se afastando dela, deitou de barriga para baixo. Brie ficou quieta, e então o prazer a cegou.

Aidan estava alcançando o clímax.

Seu corpo ficou louco. Era como se ela também tivesse alcançado o orgasmo... quase. Abraçou Aidan instintivamente por detrás e ofegou de prazer, com a bochecha apoiada sobre suas costas enquanto ele convulsionava. Aidan girava como em um torvelinho eufórico, e ela com ele. Depois, o torvelinho perdeu velocidade e ele começou a flutuar. E ela também. Quando ficou quieto, Brie se limitou a abraçá-lo. Amava-o tanto que seu peito doía..

Mas seu corpo estava em chamas, palpitava espantosamente, e usava umas quinhentas camadas de roupa em cima, o que não melhorava as coisas.

Tremendo, percebeu o instante em que ele recuperava a consciência. Sua vergonha inundou Brie, mas só um instante, porque de repente Aidan bloqueou suas emoções.

Ela mordeu o lábio, ruborizada. A virgem era ela, e era ele, entretanto, quem se comportou como se fosse. Depois, quando se dissipou sua incredulidade, começou a sorrir. Aquilo seria divertido, se a necessidade de Aidan não fosse tão trágica. Além disso, era muito macho. Não ia fazer nenhuma graça.

— Não tem graça — disse áspero, girou para olhar pra ela e Brie vislumbrou seu membro ainda enorme e ereto quando se sentou. O desejo se apoderou dela novamente. Aidan o bloqueou em parte, mas não importou. O corpo de Brie se esticou por completo. — Sinto muito — ele disse com semblante contraído.

— Está tudo bem — Brie tentou tocar sua bochecha, mas ele se afastou. Ruborizou.

— Não, não está — seu olhar era direto. — Suas carícias me desarmam.

«Sim, assim é», pensou ela, e sorriu. Estava eufórica.

— Te satisfaz ter levado pra cama um jovenzinho? — perguntou ele em voz baixa. Mas de repente a agarrou pelo cinturão.

— Muito! — exclamou ela com descaramento. E depois, ao se dar conta do que pretendia, ficou paralisada.

Aidan puxou o cinturão. Ela se esticou quando o tirou e jogou seu manto para o lado.

— Usa muita roupa — murmurou enquanto tirava o colete.

Brie ficou imóvel. Era incapaz de falar.

Ele agarrou o kilt e o arrancou bruscamente do corpo.

Brie se sentiu desfalecer. O desejo a consumia quando Aidan colocou as mãos sob os suspensórios de seu prendedor. Passou pela cabeça pedir que não o rasgasse, mas era muito tarde. Os suspensórios rasgaram e o prendedor desapareceu. Seus olhos brilhavam.

Não sentia que respirava. Brie pensou que fosse morrer.

Um sorriso brilhou nos olhos ardentes de Aidan quando ele se sentou escarranchado sobre ela e separou com os joelhos suas pernas vestidas em jeans.

Brie girava em um denso torvelinho de desejo. Pareceu que disse seu nome, mas não reconheceu sua própria voz.

Ele parecia ainda mais excitado, se isso era possível. Abriu o botão de seu jeans e colocou a mão neles. A larga palma abrangeu seu sexo sob as calcinhas. Ela fechou os olhos e gemeu, inundada pelo desejo e pelo prazer. Vibrava com o desejo de alcançar o clímax. Mas Aidan ficou quieto.

Brie olhou pra ele.

Tinha o rosto contraído e todo seu corpo tremia. Respirava agitadamente e de seu rosto desprendiam gotas de suor.

Desejava ela, pensou Brie, e o amor aumentou em seu peito.

— Deixe te sentir.

— Sim — respondeu com voz baixa e rouca. — Sim, te desejo, Brianna — seu desejo explodiu como um vulcão e Brie gritou, assombrada por sua urgência, por sua ânsia. Depois, Aidan arrancou as botas, os jeans e a roupa íntima. O desejo de Aidan palpitava com tal frenesi dentro dela que Brie se sentou e ele pegou seu rosto entre as mãos e a beijou enquanto o membro, ardente, enorme e duro, pressionava sua carne úmida. O corpo musculoso estremecia.

Brie levantou instintivamente a perna para lhe rodear os quadris e o beijou. Ele agarrou a panturrilha para ajudá-la. Brie sentiu que a cabeça dava voltas quando ele levantou sua outra perna. Arranhou suas costas; desejava gritar, presa em um desejo crescente. Depois, sentiu que ele a penetrava e ficou quieta.

Aidan a penetrou lentamente. Ela sufocou um grito, assombrada pelas sensações que causava sua união, estremeceu ao redor do pênis dele. Amava-o tanto que seu amor lhe fazia mal. A pressão que Aidan exercia foi se tornando mais e mais intensa.

Aidan sussurrou seu nome.

Ela abriu os olhos. Viu seu olhar intenso e feral e Aidan sorriu pra ela.

Brie sabia o quanto custava pra ele sorrir e sentiu que o coração dava um tombo de alegria.

Enquanto a olhava, Aidan pressionou com cuidado, se dominando por completo.

Brie gemeu ao sentir uma dor leve e fugaz; depois, se sentiu cheia como nunca antes. Por um momento ficou completamente imóvel, assombrada. Desejava gravar aquela lembrança em sua memória para sempre. Ele também ficou quieto e, quando se olharam, Brie compreendeu que estava tão surpreso quanto ela. E entretanto, sua união era terrivelmente familiar, como algo já vivido.

— Brianna — ele sussurrou de novo. E ela sentiu que memorizava aquela sensação, o prazer que produzia não só a união de seus corpos, mas também a profundidade de sua paixão, de seu afeto e sua conexão, de seu amor.

O olhar de Aidan vacilou. Deixou escapar um som rouco e começou a se mover dentro dela com urgência. Perdeu o controle completamente. Brie se agarrou a ele e se deixou levar. Começou o frenesi. Brie se fez em pedacinhos e soluçou, enlouquecida por um êxtase indescritível. Ele gritou seu nome.

Brie não estava segura de quanto tempo a conduziu ele entre as estrelas, em meio a paixão e o êxtase, mas lhe pareceu uma eternidade. Desejava que durasse para sempre. O amaria eternamente, acontecesse o que acontecesse. Chorava de amor e prazer. A boca de Aidan se movia sobre seu rosto e seu cabelo. Ela acariciava seus ombros. Ele beijava os dela. Diminuiu o ritmo e o prazer se fez ainda mais intenso. Desta vez, choraram juntos.

Aidan abriu os olhos, viu o teto da tenda e se incorporou bruscamente, tinha dormido.

Foi apenas por um momento, mas fazia sessenta e seis anos que não acontecia.

Olhou à mulher aconchegada a seu lado e se assombrou ao vê-la ali. Sua surpresa se transformou em horror.

O que fez?

Desceu da cama e vestiu o kilt e as botas sem olhar pra ela. Lembrava cada momento do tempo que passaram juntos. Pegou seu manto e saiu à penumbra da alvorada, e depois pôs-se a correr para o promontório, que ficava além do acampamento. Royce e Malcolm, que estavam juntos em uma fogueira, perto de sua tenda, viraram para olhar pra ele. Não se importou. Subiu correndo pela colina para se afastar dela.

Não fez amor. Era impossível.

Os Deamhanain não faziam amor.

Ao chegar no alto do promontório se deteve, ofegante. Sua mente funcionava a toda velocidade. Viu Brianna moribunda na planície, depois do ataque de Moray. Aterrorizado pela possibilidade de que morrera, recuperou seus poderes de cura.

Recordou que ela o encontrou no bosque, se arrastou para ela, agonizante, percorrendo milhas e milhas para morrer em seus braços. Havia sentido tal alivio por apenas vê-la outra vez, e tanto consolo quando o abraçou...

A noite passada desejou como um louco se elevar com ela para a luz, longe da escuridão. Não ansiava poder. Só sentiu um desejo assustador. Soluçou, cheio de alegria e êxtase. Sentiu prazer. Tinha gozado.

«Não».

Ficou quieto. O vento o açoitava, soprava com ferocidade augurando uma nevada iminente, e Aidan desejou se sentir gelado por completo para deixar de sentir aquela alegria.

Não podia esquecer seu filho.

Não podia fazer aquilo. Não podia dar a Brie o que queria. O que estava acontecendo?

Aos Deamhanain não importava nada, além do poder, a destruição e a morte. Não lhes importava ninguém, salvo eles mesmos, e jamais curavam. Não tinham amigos, nem amantes. Tinham objetos e vítimas, que usavam e destruíam. Não conhecia o significado da alegria. Só o da dor, a crueldade e a morte.

Virou e olhou colina abaixo, para sua tenda negra, enquanto o céu cinza mudava sem chegar a clarear. Começaram a cair os primeiros flocos de neve.

Tinha gozado tanto...

Nesse momento compreendeu que cometeu um engano colossal, um engano que ameaçava toda sua existência e sua própria vida.

Respirou fundo.

Odiava os Deuses por terem levado Ian, e jamais os perdoaria. Jamais retornaria a Iona e à Irmandade. Era o filho de um Deamhan. Não queria nem necessitava do amor de Brie, nem sua amizade. Ela podia tocá-lo mil vezes, um milhão, e podiam se deitar outra vez, mas ele estava cheio de maldade. Precisava de poder, não prazer, nem amor, nem alegria.

Ele só queria vingar Ian.

Não devia esquecê-lo.

As têmporas começaram a palpitar de dor. Doía o coração.

Passou sessenta e seis anos em um exílio auto imposto. Se deitar com cortesãs e rameiras não contava, pois não reconhecia nelas nenhuma humanidade. Transar com suas serventes pelos corredores tampouco contava, porque viviam aterrorizadas com ele. Seus mercenários e os aldeãos também o temiam e procuravam evitá-lo. Viveu sozinho por um motivo, se vingar dos Deuses, e procurou ser desumano e cruel.

E entretanto, sem saber como, nos últimos dias, depois de longas décadas de isolamento, resgatou Brie, a curou e se deitou com ela como se fosse importante, como se fossem amantes, ou amigos.

Agora, não obstante, essa preocupação terminou.

Não voltaria a tocá-la, nem muito menos a se deitar com ela. Não haveria mais olhares sustentados, nem mais sorrisos. Esta noite foi uma exceção, e não voltaria a acontecer. Ela era sua ponte para Ian. Nada mais.

Rugiu na noite. Rugiu de novo, cheio de raiva e frustração e, provavelmente, de tristeza. Os lobos começaram a sair dos bosques próximos. Não se aproximaram dele. Ficaram sentados, esperando junto às árvores.

Quando ficou rouco, silenciou. Não se sentia reconfortado, entretanto. Estava em meio a uma grande guerra, e Moray já sabia que ela era sua fraqueza. Provavelmente sabia que era um vínculo vital com seu filho. Ela esteve a ponto de morrer por culpa daquela guerra. Aidan não tinha nenhuma dúvida de que Moray voltaria a se servir dela, se pudesse. Uma razão a mais para tomar poder, como faria um Deamhan.

Depois, iria caçar.

Uma feroz determinação brotou dentro dele. Uma fúria assassina o inundou. Era hora de pôr fim aquela guerra de um modo ou outro, e devia fazê-lo esse mesmo dia. Enquanto se concentrava por completo, como um caçador, os lobos foram se levantando um após o outro. Começaram a uivar.

Seus longos e luxuriosos uivos encheram a noite.

Os lobos a despertaram.

Por um momento não se moveu, agasalhada por inúmeras mantas. Enquanto se limpava, compreendeu que estava deliciosamente nua... e que Aidan acabava de passar horas fazendo amor com ela.

O coração deu um salto. Olhou para o lado da cama, mas estava vazio.

Sentou-se lentamente. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas eram lágrimas de felicidade. Sentia o coração a ponto de explodir, a tal ponto que teve que lhe cobrir com a mão. Antes amava Aidan; nesse instante, amava-o com loucura.

Rezou para que seu encontro o tivesse curado por fim.

Os lobos se calaram. Sem dúvida Aidan não estava com eles.

Apalpou a cama, mas toda sua roupa estava no chão. Aidan deixou acesa uma apenas uma vela, assim Brie desceu da cama, tremendo de frio, e procurou seu manto negro, no qual se envolveu como se fosse uma capa. Tinha esperanças, mas procurava se conter. Aidan era um homem complicado que estava há décadas convivendo com uma terrível tragédia. Uma única noite não poderia redimi-lo como por milagre.

Mas todas as suas carícias pareciam cheias de emoção.

Brianna calçou as botas forradas de pele, se aproximou da porta da tenda e levantou a cortina. Fora começou a nevar copiosamente. Viajar seria um inferno. Talvez Aidan tivesse ordenado ao resto de seus homens que se afastassem de Inverness e voltassem para casa. Seria um enorme alívio e um problema resolvido, no momento.

Então o viu se aproximar com passo decidido.

Era um amanhecer cinza e estava nevando, e Brie não pôde ver seu rosto até que chegou junto a ela. Ele não sorria. Olhou seus olhos e depois seu corpo envolto no manto, e ela se convenceu de que via através da lã.

— Aidan...

— Vai congelar — ele disse com brutalidade.

Ela sorriu, indecisa e confiante. Não podia sorrir pra ela?

— Bom dia — sussurrou.

Ele soltou um bufo.

— Vai nevar quase todo o dia.

Ela mordeu o lábio. Aidan ia fingir que nada aconteceu?

— Vai entrar? — um dia de neve como aquele pedia a gritos um novo encontro amoroso. Seria perfeito, se passasem o dia juntos na cama.

— Sim, um momento — passou a seu lado.

Brie o seguiu para dentro. Aidan colocou o cinturão da espada de costas pra ela. Brie se esticou. Ele estava bloqueando suas emoções, mas estava certa de saber o que se propunha.

— Vai caçar.

Ele não respondeu, virou e a olhou com dureza.

— Deveria se vestir.

— Vai caçar como o Lobo ou assim? — conseguiu perguntar. Um medo frio como o gelo se apoderou dela.

— Vou caçar da torre de Awe — respondeu friamente. — Agora que Moray está em Alvorada e nesta época, o encontrarei. A menos que ele se mostre e me encontre primeiro.

Brie temia por Aidan. Não queria que partisse. Desejava, além disso, falar do que aconteceu essa noite. Queria que ele a abraçasse e sorrisse pra ela, mesmo que fosse apenas uma vez.

O rosto de Aidan pareceu crispar.

Brie estava certa de que ele leu seu pensamento.

— Ontem à noite foi maravilhoso — sussurrou.

Ele soltou um som áspero.

— Me alegro que tenha gozado — deu as costas a ela e desenbainhou sua espada curta. Depois começou a inspecioná-la.

Brie se abraçou.

—nNão parece muito contente.

Ele embainhou a espada e serviu vinho tinto em uma jarra.

— Foi bastante satisfatório.

Estava tão frio, tão distante, tão indiferente...

— Aidan... estamos falando mesmo de ontem à noite?

Ele virou.

— Não desejo te ferir, mas não posso te dar o que quer na realidade. Para isso pode recorrer a Seoc... ou a outro, ontem à noite foi um engano, Brianna.

Ela estava atônita.

— Preciso de poder, não sexo — acrescentou ele energicamente.

— Ontem à noite foi maravilhoso — ela repetiu sufocando um gemido. — Não faça isto comigo.

— O que acha que Moray esta fazendo neste momento? — perguntou ele com aspereza.

Brie se sentou na beira da cama. Aidan a estava rejeitando? Ou queria dizer que seu pior inimigo tinha uma parte do Duaisean e que provavelmente estava aperfeiçoando seus poderes maléficos cobrando mais vistas enquanto eles faziam amor? Isso, entretanto, não justificava a frieza de Aidan. Brie estremeceu. Ele parecia completamente indiferente a seu encontro amoroso e parecia estar rejeitando-a.

— Pode reconhecer que ontem à noite começou algo especial entre nós?

O olhar de Aidan era abrasador.

— Ontem à noite foi um final, não um começo.

Brie tapou a boca com as mãos. Essa noite foi um mundo para ela. Mas foi sua primeira vez. Aidan era um homem de vasta experiência. Esteve com muitíssimas mulheres. Brie se sentiu terrivelmente insegura. Aidan pareceu tão emocionado quanto ela, mas o que sabia?

Engoliu em seco.

— Esta amizade que temos, esta atração que há entre nós..., eu acreditava que era algo importante, mas não é, não é?

Ele deixou lentamente sua jarra de vinho, ainda meio virado para ela. Olhou-a por um momento e afastou o olhar.

— Não sei a que se refere.

Ela se abraçou.

— Acabo de me dar conta de que esteve com centenas de mulheres e que o que aconteceu ontem à noite pode ser que para você seja algo comum.

Aidan ficou olhando a garrafa de vinho e os copos que havia sobre o pequeno escritório.

Não ia responder?

— Não tem que se mostrar tão distante. Sei um pouco de homens, através de minhas amigas. Podem ser muito frios quando acabam com uma mulher — voltou a ficar sem voz. Aquilo doía de verdade. Tinha que ver em perspectiva o que aconteceu. — Está bem. Na realidade, não esperava uma relação a longo prazo. Entendo, terminamos, foi coisa de uma só noite. Não voltarei a te incomodar.

— Bem —ele levantou por fim seu olhar brilhante e azul. — Não deveria chorar. É uma mulher adulta e desejava prazer. Encontrará seu grande amor com outro homem.

Brie se lembrou que não tinha direito a se sentir ferida. Por acaso não sabia que se deitar com ele podia ser perigoso? Não sabia que, embora ela o amasse, ele não correspondia, e que no dia seguinte iria querer mais do que ele podia dar?

A dor, entretanto, a paralisava. Uma mulher inteligente e moderna, com um pingo de orgulho, teria mantido a cabeça bem alta e teria virado a página. Ela, pelo contrário, negou com a cabeça.

— Não — disse com firmeza.

Sempre amaria Aidan, acontecesse o que acontecesse com eles.

Os olhos de Aidan aumentaram.

— Tenho que ir. Agora os Mestres podem te proteger. Eles te levarão a Iona. Quando derrotar Moray, a enviarão a sua época.

Tinham terminado? Assim deste jeito?

Brie não podia acreditar.

— Não me olhe assim e não chore — disse severamente.

Ela não se moveu. Havia tanta tensão na tenda que Brie estava certa de que era o resultado de seu desejo de que partisse. Por fim compreendia realmente a dor da rejeição.

Mas tinha que se elevar por cima de seus sentimentos. Aidan estava em perigo. Sua vida e sua alma estavam em jogo. Ela retrocedeu no tempo para salvá-lo, não para se apaixonar por ele.

Era uma Rose. E as Rose nunca se davam por vencidas.

Tinha vontade de chorar. Mas respirou fundo.

— Há algum modo de te convencer de que não saia à caça com outros Mestres? Já enfrentou Moray sozinho duas vezes e não se saiu muito bem.

A boca de Aidan se curvou ameaçadoramente.

— Não vou caçar com a Irmandade, Brianna, nem eles comigo.

Brie estava pronta para protestar quando Aidan se esticou de repente. Ela sentiu fugazmente um assombroso poder branco antes que a cortina da tenda levantasse. O que era aquilo? Se perguntou, virando para a entrada da tenda.

O highlander loiro que se parecia com Matthew McConaughey entrou e os saudou com uma inclinação de cabeça.

— Preciso falar um momento a sós com Aidan, lady Brianna — disse.

Brie estava completamente distraída. Ele falou com total autoridade, e ela compreendeu que jamais o contrariavam. Sua estatura era imponente, e parecia envolto em um manto de poder sagrado. Estava perto dos Deuses, mais perto do que outros Mestres.

— Quem é? — perguntou Brie. E o que era mais importante, o que queria?

Ele esboçou um sorriso. Seus assombrosos olhos verdes tinham uma expressão cálida e amistosa, e estavam cheios de bom humor.

— O abade da Iona e seu amigo — depois acrescentou —: Às vezes, os Mestres aceitam minhas sugestões. Dirijo a Irmandade em nome dos Deuses.

Brie entendeu por fim. Era o comandante chefe.

— Pode me chamar MacNeil — ele disse com suavidade.

Apesar de se sentir aflita por seu poder, Brie notou que era muito bom. Diferente de outros Mestres, como Royce e Guy, não tinha aquela aura de supermacho medieval. Era indubitavelmente um homem muito viajado, sofisticado e razoável.

Lhe sorriu.

— Minha vida não é tarefa fácil.

Brie também sorriu.

— Não me surpreende.

Então sentiu a ira de Aidan, virou. Este cruzou os braços com tanta força que seus bíceps sobressaíam, inchados. Seu olhar ardia. Brie pensou em sua disputa com o abade.

MacNeil virou.

— Olá Aidan — disse com calma. — Me alegro muito em ver você.

— Não me importo. — respondeu Aidan áspero.

Brie se esticou, desalentada. Notou o carinho paternal que MacNeil sentia por Aidan.

— Querem que saia? — perguntou.

— Deveria ficar — disse MacNeil, lhe lançando outro cálido sorriso. — Aidan, quer vir comigo a Iona?

— Jamais irei contigo a Iona — respondeu Aidan com ferocidade.

MacNeil não pareceu se alterar.

— Curou Brianna com um poder que só podem conceder os Deuses. Salvou-a várias vezes. E acredito que passou a noite esquentando sua cama de maneira muito humana. Pode negar, mas os fatos falam por si só. Rapaz, sua queda jamais se consumará.

— Então seguirei sendo meio Deamhan, um demônio que deixa vivas as suas vítimas e um homem que desfruta do desejo dos mortais. Não voltarei para a Irmandade. Vão todos pro inferno!

Brie sufocou um gemido de assombro.

— Aidan, é seu amigo, não importa o que tenha acontecido — disse.

Ele a olhou, acalorado.

— Acha que passar uma noite em minha cama te dá algum direito? Pois não! — apontou MacNeil com a mão tremendo. — Meu filho foi assassinado e seu corpo não descansa na terra, foi roubado, se perdeu no tempo, e MacNeil me diz que os Antigos agem misteriosamente e que o destino de meu filho estava escrito?

— Eu não posso mudar o que está escrito — disse o abade, muito sério. — Pode me reprovar por aceitar o destino, mas eu não escrevi sua morte... nem a vi. Pelo contrário, vi a dela — assinalou Brianna, que se ergueu, surpresa. — É hora que se esclareça, Aidan — continuou MacNeil. — É hora de que escute seu coração, a sua alma, rapaz. Já chorou e se encolerizou conosco o suficiente. É hora que volte.

—Vou vingar meu filho — falou Aidan com um olhar ardente. — E derrotar o demônio de meu pai. Depois voltarei para o Awe para viver minha vida, meio dentro e meio fora do mundo dos Deamhanain. Ao diabo com seus malditos Deuses — saiu da tenda com tal ímpeto que as paredes cambalearam.

Brie virou, desanimada.

— Por favor, não permita que vá sozinho à caça de Moray! Não tem poder suficiente!

— Ele também tem seu destino, lady Brianna — respondeu MacNeil.

— É seu destino morrer enforcado?

MacNeil hesitou.

— Não minta, lady Brianna. Seus livros dizem a verdade.

Brie ficou quieta.

— Se refere a meus livros de história?

— Sim — ele já não sorria. — Pode ser que Aidan odeie os Deuses, mas eles não o odeiam, apesar de tudo o que tem feito. Te vi vir para salvar o nosso pobre Aidan. Não se dê por vencida agora.

— Acaba de dizer que meus livros de história têm razão. Se for assim, vão enforcá-lo! Assim, como posso salvá-lo?

MacNeil a tocou e seu poder a alagou por completo, curando-a e fortalecendo-a, apagando incertezas e dúvidas.

— Só o enforcarão se ele decidir morrer. Moça, está aqui por uma razão importante.

— Isso é um enigma? — soluçou Brie. — Odeio enigmas!

— Eu não tenho todas as respostas, moça — MacNeil sorriu. — Só algumas.

 

«Só o enforcarão se ele decidir morrer».

Depois de se vestir, Brie saiu da tenda. Nevava copiosamente e o dia estava escuro e cinza. O que podia impulsionar Aidan a tomar a decisão de morrer? Lutou para voltar para ela, convertido no Lobo. Era evidente que queria continuar vivendo. As palavras de MacNeil não foram de grande ajuda e pareciam um mau presságio, como se um novo imprevisto pudesse fazer que Aidan perdesse a vontade de viver. Brie tinha um terrível pressentimento, e rezava para estar errada. Mas MacNeil confirmou o que já acreditava: que estava ali para salvar Aidan, quisesse ele ou não.

Viu que os highlanders que estiveram ali abandonaram o acampamento, levando seu equipamento e suas bestas de carga. Só ficava outra tenda levantada na planície, além da de Aidan. Uma fogueira ardia diante dela, apesar da nevada, e Brie viu que Will, com o rosto vermelho e uma expressão de abatimento, estava cuidando do fogo. Aproximou-se dele apressadamente. Sentia falta de ter luvas e um gorro.

— Nosso senhor se foi — disse Will. — Mas eu tenho que atender todas as suas necessidades.

Brie assentiu com a cabeça, angustiada por Aidan. Allie saiu da tenda contigua, seguida por Tabby e Claire, que ficou pra trás quando a prima e melhor amiga de Brie correu para ela. Allie a abraçou e Tabby a puxou pela mão.

— Está bem? — perguntou Tabby em voz baixa.

Estava claro que sabiam o que fez essa noite.

— Sim, estou bem — disse, mas sentiu que mentia e ruborizou. Diferente de Allie, era muito pudica no que se referia ao sexo. Tabby era quase tão reticente quanto ela.

Allie a rodeou com o braço. Seus olhos brilhavam de emoção.

— Brie, passou a noite com Aidan e não pegou poder de você! Sabe o que significa isso?

Brie sacudiu a cabeça para conter seu entusiasmo. Sabia o que Allie estava pensando.

— Não, Allie. Aidan não está feliz. E eu me sinto arrasada, porque, apesar de ser esperta, acreditei de verdade que era importante pra ele. Não somos amigos, e o que aconteceu ontem à noite não voltará a acontecer. Me deixou isso muito claro — confiava que não se dessem conta de quanto sofria.

— Tem que se importar — disse Allie. — Se não, por que iria se incomodar? Te salvou, protegeu, curou e fez amor contigo. — sorriu. — Não disse isso pra ele?

Brie não queria pensar em quão assombroso podia ser o sexo com um highlander com superpoderes.

— Aconteceu, simplesmente, e não tem nenhuma importância, ao menos para ele. Temo que eu era a única que estava fazendo amor. Mas não importa. Posso suportar isto. Ainda o amo e tenho que tentar salvá-lo — tinha que voltar a se concentrar, nada mais. — Estou aqui para redimi-lo, não para me converter em sua alma gêmea.

— Isso não sabe — respondeu Allie, tão corajosa como sempre.

— Eu não era muito otimista a respeito de Aidan, e não lhe perdooo pela morte dos meninos de Elgin, mas quase me inclino a dar a razão a Allie — Tabby apertou a mão. — ontem à noite parece um ponto de mudança, certamente. Provavelmente, depois de tudo, possa salvar Aidan, Brie.

— Esse é o plano — respondeu ela, confiando em parecer animada.

Tabby não soltou sua mão.

— Odeio te ver tão triste, vou contar te um segredo. Com Guy, sofri muito antes de que houvesse um verdadeiro amor.

Brie sacudiu a cabeça.

— Não, Tabby. Não me dê esperanças. Agora não.

— Estes machos medievais podem ser uns autênticos casulos — comentou Allie. — Royce ainda é uma aporrinhação. Tem Aidan na palma da mão, Brie, embora ainda resista. Está lutando com unhas e dentes, mas todos sabemos que ninguém pode se opor ao destino.

Brie só sabia que ela não era o destino de Aidan.

— Falando do destino, Aidan saiu à caça de Moray. Estou muito preocupada com ele. Tenho que pedir às duas um enorme favor. Por favor, mandem Royce e Malcolm para ajudá-lo. Ele não pode voltar a enfrentar Moray sozinho.

— Não há problema — disse Allie alegremente. — Mas Aidan foi para Awe. Sei porque Royce entrou em sua mente, vai procurar Moray da torre.

— Temos que ir para Awe — disse Brie imediatamente.

Allie a puxou pela mão.

— Estávamos te esperando, querida.

— Mas Tabby tem que vir conosco — Brie olhou pra ela.

— O que acontece? — perguntou sua prima suavemente.

— Espero que nos ajude a encontrar Ian e a falar com ele — respondeu Brie.

Tabby começou a sorrir.

— Sim, Brie, podemos fazer uma sessão de espiritismo.

— Onde estamos? — perguntou Sam com um sussurro. Olhava perplexa por entre a densa neve, para o lago reluzente, rodeado pelos Montes boscosos das Terras Altas, ao longe, um castelo parecia emergir da água brilhante. Sam levantou seus binóculos e viu que tinha razão. Vestida com roupa de camuflagem, botas militares e gorro, estava tão fascinada pelo que via que nem sequer percebia o frio.

Nick olhava a pequena tela do navegador que levava na palma da mão. Do tamanho de um BlackBerry, diria-lhes exatamente onde estavam. estava vestido exatamente igual a ela, com gorro e colete de camuflagem, e ambos levavam mochilas cheias de armas e equipamento de sobrevivência. O fuzil que pendurava de seu ombro estava carregado com dardos tranquilizantes, não com balas. Com o nariz vermelho, levantou o olhar e sorriu.

— Isso, pequena, é o castelo de Awe.

Sam voltou a olhar pelos binóculos. O vermelho castelo parecia flutuar sobre o lago prateado e brilhante, e a neve que caía a fazia se sentir como se estivesse olhando o interior de uma bola de cristal natalina. Mas aquele castelo era real, e estavam na Escócia.

A Unidade do Crimes Históricos contava com muitas informações sobre o Lobo de Awe. Sam ignorava que aquela unidade do CAD fosse tão avançada e eficiente. Estava a mais de dois séculos reunindo dados sobre o bem e o mal, graças a Deus. Não, graças a Nick Forrester, que dirigia a UCH desde tempo imemorial. O Lobo sequestrou Brie e, sem aquele arquivo, resgatá-la seria como encontrar uma agulha em um palheiro.

— Em que ano aterrissamos? — perguntou com cautela.

— Isso não sei. Mas não é 2011 — respondeu Nick com ar de satisfação.

Sam viu uma bando de homens a cavalo na ponte que cruzava o lago do castelo até a borda. Nick e ela passaram perto de uma hora caminhando para o lago e não viram nenhuma só estrada nem um só poste de telefone. Tampouco escutaram nenhum carro, nem avião. Sam lhe entregou os binóculos.

— Cavaleiros — disse. — É difícil ver com os binóculos, mas acredito que carregam espadas.

Nick sorriu e levantou os binóculos. Sam sabia que seu chefe estava se divertindo. Nick não era tão mau como tinha acreditado a princípio. Era autoritário, mas também audaz. Ela mesma era extremamente controladora, assim enquanto ele compreendesse que, na hora da verdade, ela tomaria suas próprias decisões, se dariam bem. Passaram três dias desde o sequestro de Brie. Apesar de ter sido recrutada, contratada e treinada quase da noite para o dia, Nick não explicou como viajava no tempo. E, na realidade, não fez falta que explicasse.

Nick Forrester não era o que parecia ser. Era tão diferente do resto das pessoas como podiam ser as Rose.

Mas Sam não se importava, quanto mais, melhor. Precisava de toda a ajuda que pudesse encontrar para destruir o mal que espreitava todos eles.

Ele a segurou pelo ombro. Seu olhar azul brilhava.

— Vamos. Só há um modo de saber se demos sorte.

Sam assentiu com a cabeça. O arquivo do Lobo de Awe acabava nos fins de 1502. Depois do milênio, todos as datas em que foi visto remontavam a dias anteriores a esse. Segundo o arquivo, o enforcaram por traição. A história confirmava.

Mas isso não tinha sentido, porque podia desaparecer no passado ou no futuro quando quisesse. A menos, claro, que alguém conseguisse destruir seus poderes, como parecia ser o caso.

Nick quis saltar para 1502, mas não explicou o porquê. Era lógico pensar que o Lobo de Awe procedesse de qualquer ano posterior a 1436, o ano em que começou a atacar Inocentes. Seu chefe lhe ocultava coisas. Era exasperante, mas Sam começava a confiar nele. Por alguma razão, Nick tinha uma pista, ou um sexto sentido, que dizia que Aidan levou Brie para esse ano.

Começaram a avançar pela borda. Um par de horas depois, se a nevada não piorasse, estariam no castelo de Awe.

Sentia-se quase como se tivesse voltado para casa, disse Brie a si mesma ao entrar junto com os outros no grande salão de Awe. As duas grandes lareiras estavam acesas e Brie começou a tirar o manto, contente por voltar a estar no Awe. O grande salão não mudou. Era enorme e estava escassamente mobiliado, mas de todos os modos parecia acolhedor. Os criados estavam cobrindo uma mesa de cavalete com bandejas de comida quente. Não lembrava a última vez que comeu.

Sentados à mesa, falando com Malcolm, Guy e Royce, havia dois homens vestidos à maneira inglesa. Estavam todos tão sérios que Brie compreendeu que aqueles homens eram portadores de más notícias.

Malcolm olhou Claire do outro lado do salão.

Brie virou.

— O que querem?

Claire hesitou.

— Vieram procurar Aidan, mas Aidan deu ordem para que não o incomodem.

Brie viu que os ingleses discutiam com Malcolm. Depois, os dois emissários cruzaram o salão e, passando a seu lado, partiram.

— Porque o buscam, Claire? — perguntou, inquieta. Embora já soubesse.

— Ordenaram que se apresente em Urquhart.

Urquhart era o lugar onde enforcaram Aidan.

— A ordem procede de Frasier? — perguntou com um nó no estômago.

— Procede do rei — respondeu Claire com uma careta. — Mas o rei está em Stirling, e em Urquhart haverá alguém como Frasier para receber Aidan.

Brie estremeceu.

— Ele não vai — disse com firmeza. Ela não permitiria.

Os olhos verdes de Claire aumentaram.

— Brie, estamos em 1502. Não podemos desobedecer nosso rei. Sei que se preocupa que enforquem Aidan, mas se negar a cumprir uma ordem do rei também pode ser considerado traição.

— Mas Aidan já é um traidor — respondeu Brie. — Enfrentou Frasier e os exércitos reais. Não deve se aproximar de Urquhart!

Claire a segurou pelo braço.

— Não serei eu quem te diga que deve aceitar isso. Faça o que acha que tem que fazer. Eu te ajudarei, e Malcolm também.

Brie a olhou fixamente. Nesse momento teve a sensação de que Claire acreditava firmemente que Aidan estava destinado a morrer na forca e que ela não poderia fazer nada para mudar, abraçou-se, inquieta.

A ânsia de poder a embargou.

Sufocou um gemido quando aquela sensação inundou seu corpo, excitando-a até um ponto insuportável. O poder começou a correr por suas veias e a dotou de uma força extraordinária. Uma euforia selvagem se apoderou dela. Deixou escapar um grito, assombrada por aquela exaltação bestial, por aquele sentimento de ser invencível.

Alguém a sustentou nos braços.

Fechou os olhos, incapaz de desprender do poder que circulava por suas veias. O impulso de utilizar aquele poder para destruir Moray a cegava como um frenesi. Podia destrui-lo; nada nem ninguém poderia detê-la.

— O que está acontecendo, Brie? — exclamou Allie.

Aidan estava tomando poder, Brie conseguiu pensar. Abriu os olhos. Royce a sustentava erguida, e Tabby, Allie e Claire a rodeavam. Allie apertava sua mão com força.

— É Aidan — disse, e o estômago apertou. Aidan tinha tanto poder que podia derrubar os muros de seu próprio castelo.

— Me soltem — disse com fúria repentina.

Cruzou o salão cambaleando e chegou à escada. Uma nova onda de poder a embargou, e caiu contra uma parede. Desta vez, o poder a cegou e ficou quieta, sacudida por sucessivas ondas de poder e êxtase. Por toda parte explodiam estrelas. Mas Aidan ainda queria mais...

Lutou entre densas ondas de prazer sexual, entre um frenético torvelinho, entre uma euforia ardente e úmida, como se nadasse contra a corrente. Alcançou o patamar, ofegante, e uma nova onda se abateu sobre ela. O poder e o êxtase se fundiram. Desta vez caiu ao chão e chorou de prazer.

Ficou deitada no chão de pedra, soluçando. Um poder infinito a atravessava. Depois, o êxtase foi se dissipando e só deixou atrás dele uma sensação de euforia selvagem e absoluta.

Permaneceu imóvel. Aidan se tornou invencível? Ou simplesmente acreditava ser invencível?

Ouviu fortes passos.

Levantou a vista e viu que Aidan saía de um aposento. Seu olhar fulgurante a percorreu, e pareceu duvidar.

Brie se sentou e seus olhares se encontraram.

Ela se lembrou que Aidan precisava de poder se quisesse sobreviver e derrotar Moray. Disse em voz baixa:

— Como pôde?

— Deveria estar na Iona — grunhiu ele.

Brie sacudiu a cabeça, angustiada.

— Ficou alguma delas com vida? — perguntou com recriminação.

Ele ruborizou.

— Todas estão vivas — respondeu em tom ameaçador. — Sou só meio Deamhan, lembra?

— Acredito que odeio você — murmurou ela.

Aidan passou a seu lado.

Brie começou a chorar, se levantou com muita dificuldade e se aproximou da porta. Tonta, viu que três mulheres jaziam imóveis na cama. Estavam completamente vestidas. Não tinham a roupa desordenada, nem o cabelo revolto. A cama estava perfeitamente feita.

Abriu sua mente ao quarto e às mulheres. Estavam vivas. O lugar parecia em calmo, limpo e estranhamente casto.

Sufocou uma exclamação de surpresa, estremeceu e estendeu o braço para a porta para se sustentar de pé. Estava esgotada e, diferente de Aidan, ela não estava cheia de poder. Compartilhar a experiência de tomar tanta vida a deixava fraca e tremula. Estava enjoada. Ignorava o que aconteceu exatamente naquele quarto. Tinha a impressão de que Aidan tomou poder sem tocar nem usar nenhuma daquelas mulheres.

Mas por quê fez aquilo?

«Te salvou, protegeu, curou e fez amor contigo».

Brie se lembrou que Aidan não a amava... absolutamente. Se a amasse, não a rejeitaria tão cruelmente nessa mesma manhã.

— Eu as curarei — disse Allie.

Brie a viu na porta, junto a Royce. Tinha uma expressão amarga. Cruzou os braços, desejando defender Aidan, enquanto Allie se aproximava das mulheres. Pôs as mãos sobre uma delas e olhou Brie.

— Não Tiveram relações sexuais — olhou pra ela como se dissesse «eu falei» e se concentrou na loira que estava curando.

Brie procurou uma cadeira. Nunca se sentiu tão aliviada. Adeus a sua ideia de se concentrar em outras coisas e se comportar como uma profissional. Ainda estava apaixonada. E que diabos significava a conduta de Aidan?

— Ah, moça, ele gosta de você. — disse Royce.

Ela o olhou.

— Não posso entrar na mente de Aidan. Ele me impede. Mas não faz falta. Salta à vista.

Ela temia acreditar nele.

— Tem poder suficiente para destruir Moray?

— Não sei.

— Onde está? — mas enquanto falava, seus sentidos voaram para Aidan, e se deu conta de que estava perto. Sentia sua resolução, selvagem e voraz.

— Está na torre, onde caça.

Estava a salvo por enquanto, pensou Brie.

— E quando encontrar Moray? Pode ir com ele, por favor? Precisa de reforços. Não me importa quão poderoso seja agora.

Royce assentiu com a cabeça e saiu. As outras mulheres levantaram e estavam partindo. Pareciam em perfeito estado. Allie se aproximou de Brie.

— Está bem?

Brie duvidou.

— Não quero voltar a sentir essa necessidade nunca mais.

Allie lhe lançou um olhar.

— Não posso imaginar o que é sentir a necessidade de vida, mas a Puissance é alucinante.

Brie achava que sabia ao que se referia Allie. Notou que ruborizava.

— Refere-se ao prazer que produz tanto poder?

Allie assentiu e sorriu com ar culpado.

— Está proibido. Os Mestres não tomam poder a menos que estejam em perigo de morte, e normalmente não precisam. São tão fortes que podem confrontar quase qualquer coisa. Mas nós o provamos. Royce precisava desesperadamente meus poderes curativos e, havendo sexo no meio, minha mãe, que excitante!

— Eu gosto mais do estilo comum — respondeu Brie prontamente. Não queria lembrar da noite passado.

— Dizem que pode ser viciante, como uma droga. Por isso, quando um Mestre cai, está acostumado a se converter por completo. Começam a desejar esse poder e esse êxtase... — Allie deu de ombros.

Brie se perguntou em que situação aquilo deixava Aidan.

Allie a tocou.

— Aidan deixa suas vítimas vivas. Mas nem sempre pode resistir ao impulso de tomar poder, a essa luxúria.

— Me preocuparei com isso mais tarde. — respondeu Brie.

— Boa ideia. Tabby está preparando a sessão de espiritismo.

— Agora? — a ordem em Urquhart continuava pendendo sobre suas cabeças, apesar dela estar decidida que Aidan a desobedecesse.

Allie assentiu.

— Não acredito que devamos postergar. Royce e eu falamos com Malcolm e Claire. Acreditam que tem razão. Aidan precisa falar com seu filho. Acreditam que isso pode libertá-lo e devolvê-lo pra nós.

«Morrerá se decidir morrer». Brie se abraçou com força, recordando as misteriosas palavras de MacNeil.

— Rezemos primeiro — disse.

Brie abriu a porta do quarto de Aidan e entrou. Tabby pediu um objeto que pertencesse a Aidan para a sessão de espiritismo, e Brie deu o manto negro que usava. Tabby pediu também um objeto de Ian.

Brie nunca esteve no quarto de Aidan. O ar estava carregado de testosterona e autoridade. Fechou a porta atrás dela e olhou a seu redor com cautela.

Era um quarto despojado e frio. Sobre o suporte da chaminé só havia alguns círios. Olhou a única mesa que havia no quarto. Sobre ela havia uma jarra e uma taça. A seu lado via uma cadeira sem tapeçaria nem almofadas. Não parecia muito cômoda. Olhou a cama, em que havia apenas dois almofadões, algumas mantas e uma colcha de pele. Aquele quarto não era um retiro íntimo; não era cálido, nem acolhedor. Era tão lúgubre como o resto da vida de Aidan.

Porque Aidan não deixava que o amasse?

Brie deu a volta, dentro do quarto só havia um móvel mais: um belo baú de madeira arranhada, tachonado em ferro, aos pés da cama. Brie se aproximou e o abriu. Viu um manto negro dobrado e o tirou. Seus olhos arregalaram.

Que demônios...?

Tirou uma jaqueta de couro negro, muito cara e moderna, com a etiqueta Gucci. Era de homem e estava muito usada. Pertencia a Aidan.

Sentiu sua presença na pele da jaqueta e pensou nele como o viu pela primeira vez, quando ainda não era um homem atormentado e sombrio. Aquele dia usava seu traje de highlander medieval, mas não importava. A protegeu, se mostrou amável e carinhoso com Allie, e paquerou ligeiramente com Sam. Brie sabia que então, antes do assassinato de Ian, quando caminhava à luz dos Deuses, quando era alegre e despreocupado, quando tinha amigos, família e clã, usava aquela jaqueta.

Se deu conta de que estava abraçando o couro suave e sensual.

Fazia tanto tempo... Embora estivesse decidida a vê-lo de novo com ela posta, deixou a jaqueta de lado. Procurou no baú e por fim encontrou um par de sapatos de menino, muito pequenos. Eram bicudos e estavam bordados. Ian devia ter usado depois que começou a caminhar.

Tabby, Allie e Claire estava esperando-a em seu aposento. Todos os quartos do castelo eram escuros, devido à falta de sistema de iluminação moderna e a quão pequenas eram as janelas de cristal chumbado, mas a lua estava cheia e tinham velas acesas e de fragrâncias exóticas e embriagadoras. Pareceu sentir cheiro de baunilha e de lírios. Tabby usou giz ou algo um pouco parecido para desenhar estranhos símbolos sobre o chão de pedra, incluído o grande círculo no qual estavam sentadas. Espalhadas pelo desenho haviam pétalas e ervas que Brie não reconhecia. Uma linha serrada cruzava o círculo.

As mulheres estavam separadas pela mesma distância umas das outras, e estava claro que Brie devia se sentar entre Tabby e Claire. Deu a Tabby os sapatos. O manto de Aidan estava diante das pernas cruzadas de Tabby, e esta deixou os sapatos a seu lado. Brie se sentou e olhou pra Allie.

— Se Sam estivesse aqui, seria quase como nos velhos tempos — comentou Allie, e a seguir se inclinou para pegar a mão de Claire. — Me alegra tanto que agora seja uma de nós...

Claire sorriu, mas não parecia muito emocionada. Brie já tinha chegado à conclusão de que Claire era muito séria, o que parecia bom. Nem todo mundo podia ser eternamente otimista e alegre, como Allie.

Tabby tinha o Livro diante dela. Abriu e passou a mão por umas páginas. Brie sussurrou:

— Antes demorava dias para encontrar um feitiço.

Tabby sorriu pra ela.

— Agora tenho guias muito poderosos — murmurou uma súplica aos Deuses em gaélico, e Brie se alegrou ao comprovar que a entendia. Algumas coisas nunca mudariam; entre elas, o vínculo que as unia.

Sem que ninguém dissesse nada, deram as mãos. Brie pensou nos poderes que cada uma tinha levado consigo pro quarto e, enquanto isso, Tabby começou a murmurar um feitiço. Brie sentiu que o ar se agitava e aumentava, cheio do poder das Rose.

Olhou Allie, que não era uma Rose, embora Brie apostasse que havia DNA sagrado em algum lugar de sua árvore genealógica. Se não, como poderia ser uma Curandeira tão poderosa? E entretanto, ali estava, em tempos medievais, com seu jeans, jaqueta de couro e sapatos do Jimmy Choo. Claire, por sua vez, era filha de um Mestre. Naquele momento parecia uma dona de casa de classe média, apesar de usar uma larga túnica sobre sua roupa moderna.

Tabby, pelo contrário, parecia uma feiticeira medieval, com seu comprido vestido de veludo, faixa dourada e o prendedor que usava no cabelo. Seus murmúrios se intensificaram, cada vez mais altos e prementes. Brie viu que tinha os olhos fechados e que entrou em transe, como centenas de vezes antes. Allie e Brie se olharam sem dizer nada. Brie quase ouvia os pensamentos entusiastas de seu amiga. «Conseguiremos!».

— Já chega — disse Tabby de repente, e abriu os olhos.

 

Brie viu que continuava em transe. Estava muito rígida, com a pele como cera e os olhos brilhantes. Brie olhou para a porta, como as demais, exceto Tabby, que continuava sentada como uma estátua, olhando de frente.

Depois virou e olhou para a parede norte do quarto. Ian estava ali. Conseguiu sufocar um grito de emoção.

O menino começou a falar e ela o ouviu com toda clareza. Mas falava em gaélico!

— Quer falar com Aidan — disse Tabby suavemente, com o olhar fixo no pequeno.

Allie disse:

— Vamos buscá-lo?

Tabby negou com a cabeça.

— Não se movam, por favor. Está aborrecido e pode ser que se vá.

Brie não pôde se conter.

— Ian, pode falar em inglês? — perguntou com o coração acelerado.

Ele a olhou e começou a dizer a toda pressa:

— Onde está meu pai? Quero voltar para casa! — gritou, desesperado.

Brie ficou paralisada um instante. Afligida, olhou Tabby, mas esta seguia em transe. Olhou Allie com desespero. «O que vamos fazer? Não pode voltar para casa!».

Allie sacudiu a cabeça, lhe dizendo que não fizesse nada.

Tabby disse, ainda em transe:

— Tem uma mensagem para seu pai?

— Digam que venha me buscar! Estou em Nova Iorque — soluçou Ian.

Sua alminha estava em Nova Iorque? O que significava aquilo? Brie começou a chorar, teria limpado as lágrimas, mas seguia dando as mãos a Tabby e Claire e temia soltar.

— Deixa que te liberte, Ian — murmurou Tabby. Começou a cantar suavemente, com palavras que Brie não entendeu de todo. Mas estava invocando a grande Kaitha, a Deusa da misericórdia, a cura e a morte.

Ian começou a sacudir a cabeça energicamente.

— Quero meu papai! Quero voltar para casa, lhe digam que me resgate — estava zangado. Para Brie ele lembrava muito seu pai.

Ian não sabia que estava morto e acreditava que podia voltar para casa. Brie tentou refrear as lágrimas.

Tabby seguia murmurando.

Ian começou a desaparecer.

Brie não podia suportar.

— Ian, agora tem um novo lar, um lugar maravilhoso, cheio de luz e calor, no qual vivem os Deuses e todos seus antepassados.

Ian quase tinha desaparecido e suas palavras em seguida eram quase audíveis. Brie pensou que ouviu mal.

— Não estou morto — disse, e desapareceu.

Brie deixou escapar um grito e olhou Allie e Claire.

— O que ele disse?

— Disse que não está morto — respondeu Claire. — A não ser que disse que está.

— Também me pareceu que dizia que «não» estava morto — acrescentou Allie com cara de surpresa.

Tabby disse em voz baixa:

— Está vivo.

Brie viu que a cor voltava para seu rosto de cera. Aquele estranho resplendor abandonou seus olhos e piscou enquanto seu corpo relaxava. Depois seus olhos dourados se dilataram.

— Conseguimos!

Brie soltou as mãos do Tabby e Claire e ficou em pé.

— Acaba de dizer que Ian está vivo.

Todas se levantaram. Tabby parecia surpresa.

— Sério?

— Não se lembra? — perguntou Brie.

— Estava em um transe muito profundo, Brie. Só sei que Ian esteve aqui. O que aconteceu? —olhou a todas.

— Parece acreditar que está vivo — respondeu Allie. — E você acaba de confirmar.

Tabby estava perplexa.

Estremecida até o mais fundo de seu ser, Brie se aproximou dela.

— Te vi em transe centenas de vezes. Às vezes seus feitiços funcionam, às vezes não acontece nada e às vezes acontece justamente o contrário. Às vezes seus guias lhe dão grandes conselhos e às vezes mandaram a armadilhas e conseguimos com muita dificuldade salvar sua vida.

Allie interveio:

— Isso era antes. Agora Tabby é muito poderosa, Brie.

Brie girou, consciente de que começava a ficar histérica.

— Então esta certa? Seus feitiços funcionam sempre e seus guias nunca falham?

Tabby a tocou.

— Sei que está alterada...

— Alterada? — gritou. Isso é pouco Brie.

— Normalmente, tenho razão — sussurrou Tabby. Mas estava angustiada, e Brie compreendeu que temia se equivocar desta vez.

— Como é possível que esteja vivo? Façam as contas — disse Brie.

Claire disse:

— Deveria ter setenta e cinco anos, não nove.

Se olharam desconcertadas.

Brie disse com um gemido:

— O que vou dizer para Aidan? Que fizemos uma sessão de espiritismo, que falamos com Ian, que pode ser que seu filho esteja vivo e que quer voltar para casa? Não, esperem! Direi que acreditam que está vivo, mas que não estamos certas — começou a chorar.

— Os fantasmas acreditam frequentemente que estão vivos — disse por fim Tabby.

— Seus guias disseram que está vivo! — gritou Brie.

Tabby ficou pálida.

Brie escondeu o rosto com as mãos e cedeu a sua dor e impotência, e agora também a sua raiva. Aidan já sofria o bastante. Não devia saber sobre o que aconteceu.

Suas amigas se aproximaram e a abraçaram com força.

 

A caçada começou apenas algumas horas antes. Estava tão concentrado em se mover através do tempo e do espaço e em esquadrinhar todo o mal que encontrava que, a princípio, ao sentir uma perturbação na torre, não se importou.

Em uma aldeia ao norte de Caithness, o mal acossava toda uma família. Mas não era Moray, e Aidan foi ainda mais ao norte, ao Old Wick, farejando outro amontoado de maldade.

A energia do interior da torre mudou e uma onda agitou o ar.

Seu poder se alterou também, e afastou sua atenção de Old Wick. Piscou. Assim que suas pálpebras abriram, viu as paredes de pedra que o rodeavam e se sentiu confuso. Nunca se desorientava durante uma caçada. Depois ficou tenso. Sentia uma intromissão.

Olhou para a porta e viu ali a seu filhinho.

Gritou, incrédulo. Como sempre, sentiu alegria e dor. Mas assim que se levantou de um salto, Ian abriu a boca para falar e desapareceu.

— Ian! —gritou Aidan. Mas o fantasma tinha desaparecido.

Alguém começou a esmurrar a porta, mas Aidan ignorou os golpes. Ian nunca tentou falar com ele quando estava caçando. O que significava aquilo?

— Aidan! Aidan! Está bem?

Ouvia Brianna, mas não a queria perto nesse momento. Descobriria alguma vez o que Ian tentava dizer? Brianna sacudia o trinco, mas ele fechou a porta por dentro.

Então se deu conta de que estava muito angustiada, tanto quanto ele, e não pelo que lhe havia dito essa manhã. Seu sofrimento se devia a outra coisa.

Arrancou a porta de suas dobradiças.

Brianna estava ali, com seu jeans e sua camiseta de dragão, chorando. Mais alarmado ainda, Aidan entrou em sua mente.

— O que aconteceu, Brianna?

— Estou bem. E você? — olhava pra ele com preocupação.

Viu Ian... e estava angustiada por isso.

— Viu meu filho e está sofrendo por isso.

— Por favor, não leia meu pensamento agora — suplicou ela, segurando os braços dele. — Só confie em mim!

Aquelas palavras o alarmaram ainda mais, e voltou a entrar em sua mente. Viu ela e às outras três mulheres, de mãos dadas. Lady Tabitha parecia estar sob os efeitos de um encantamento. Depois viu que Ian falava com elas no aposento iluminado pelas velas.

— É uma sessão de espiritismo? O que fizeram? Falou com o Ian?

Ela assentiu.

— Uma sessão de espiritismo é um intento de invocar os mortos.

Temia falar.

— O que aconteceu?

Ela respirou fundo e se separou dele.

— Vamos sair daqui — disse, olhando para outro lado.

Tentava enganá-lo. Aidan não teve que ler o pensamento dela para saber. Percebeu pela maneira como esquivava seu olhar. A seguiu até seu quarto, incrédulo. Brianna era a pessoa mais sincera que conhecia.

— Me conte tudo.

Ela o olhou, retorcendo as mãos.

— Vou te proteger — murmurou enquanto o olhava firme. — Não precisa saber de tudo, Aidan. Estou pedindo que tenha fé em mim. Que confie em mim.

Desejava protegê-lo? Algo terrível aconteceu naquela sessão, pensou Aidan. Esquadrinhou o olhar angustiado do Brie. Confiava nela. Curiosamente, não confiava em ninguém mais. Mas não era uma questão de confiança. Tinha todo o direito em saber o que aconteceu. O que estava escondendo?

Ela o entendeu.

— Não, por favor.

Ele entrou brutalmente em sua mente e viu Ian falando com as mulheres, mas não ouviu o que dizia. A frustração se apoderou dele.

— O que ele disse pra vocês?

Brianna começou a sacudir a cabeça.

— Não importa — estendeu as mãos para ele, tentando confortá-lo.

Aidan se afastou e, de repente, uma ideia sucinta cristalizou na mente de Brie. «Tem que estar morto, mas não sabe».

Aidan deixou escapar um grito.

— O que quer dizer com que tem que estar morto? Ian está morto. Acabo de ver seu fantasma!

Brianna ficou pálida e duas lágrimas deslizaram por suas bochechas. Pegou sua mão e ele permitiu. Estava tão furioso que não se importava. Brianna umedeceu os lábios e disse com voz rouca:

— Ian parece não saber que está morto.

Ele ficou muito quieto.

— Não é tão estranho que uma alma esteja confusa. Isso explicaria por que não deixou este mundo e por que continua aparecendo pra você.

Os pensamentos do Brie seguiam ressonando espantosamente em sua cabeça enquanto tentava assimilar a notícia de que seu filho acreditava estar vivo.

— O que me está escondendo? — perguntou em voz baixa. — Ontem tinha certeza que estava morto. Agora não está mais. Sinto suas dúvidas. Mas não pode estar vivo!

Brianna hesitou.

— Não tenho mais certeza de nada.

— Me diga o que sabe — ele disse, tremendo, se atreveu a abrigar a esperança de que Ian estivesse vivo, depois do que disse Moray. Mas tudo isso era mentira, ou não?

Voltou a ler seu pensamento.

— Quer que o traga para casa?

Brianna começou a chorar.

— Tabby está tentando averiguar como pode libertá-lo, Aidan.

Ele a olhou, atemorizado. Seu filho estava esperando que o levasse pra casa.

Agarrou-a pelos ombros.

— Brianna, te suplico que me diga toda a verdade.

— Não sei qual é a verdade! — gemeu ela. — Tabby tem guias que não costumam errar. Disse que Ian estava vivo, mas isso é impossível. Tem que estar errada!

Aidan deixou escapar um grito.

Desejou acreditar em seu pai quando Moray o provocou no campo de batalha, e no fundo abrigava uma terrível esperança. Mas via o espectro de seu filho. Ian não podia estar vivo. Como Brianna disse, seria um homem mais velho.

Suas têmporas pareciam a ponto de explodir, segurou a cabeça, gritando. Não podia oscilar entre a esperança e o desespero dessa maneira.

Aquilo tinha que ser outro truque cruel.

— Aidan! — disse Brie, lhe estendendo os braços.

Ele se afastou.

Não podia suportar!

E se Ian estivesse vivo? E se estivesse esperando que o resgatasse?

Ela pôs as mãos sobre suas costas.

— Superaremos isto, Aidan.

Ele a afastou bruscamente, aproximou-se da janela e agarrando o batente.

— Me deixe — conseguiu dizer. — Parta — não se atrevia a virar para ela.

— Não posso — sussurrou Brie.

Aidan era consciente de que as lágrimas corriam pelo rosto dela, mas não podia impedir.

«Quer ver Ian, meu filho?».

Aquilo era uma brincadeira cruel. Moray estava por trás daquela armadilha. Provavelmente tinha poder para invocar quando quisesse o fantasma de Ian. Ou provavelmente podia possuir o fantasma, como havia possuido o gigante e lorde Frasier.

Uma pontada o atravessou. Ian estava morto.

Ele era seu pai; se estivesse vivo, saberia.

Mas, por um instante, se atreveu a ter esperanças.

— Bom, pelo menos temos o equipamento adequado e não estamos no Everest — disse Sam com um sorriso.

Nick tinha que reconhecer: era tão dura quanto ele pensava ao contratá-la.

A nevada se converteu em tempestade de neve. Tinham escavado uma espécie de cova na neve e se refugiaram nela. Mas aquilo eram as Terras Altas. Estavam a cento e cinquenta metros de altitude, não a oito mil, e fora a temperatura devia rondar os dez graus abaixo de zero, não quarenta. Mesmo assim, ir a pé até Awe nesse momento era impossível, levantou-se um vento gélido e a visibilidade era nula. Nick decidiu esperar que passasse a tormenta.

— A próxima vez, me lembre de trazer esquis — disse.

Sam sorriu.

— Ouça, chefe, não terá por acaso um pouco de conhaque quente por aí guardado, não é? —seus olhos azuis se encontraram com os de Nick.

Ele começou a negar com a cabeça, mas depois colocou a mão em seu colete e tirou uma garrafa.

— Garotinha má — disse suavemente. Isto aumentará sua temperatura corporal, neném.

Sam lhe deu um longo olhar enquanto abria a garrafa e bebia um gole. Nick estava impressionado. Gostava do uísque; aquele era o melhor que podia comprar, e Sam bebia como um homem. Lhe devolveu a garrafa e disse:

— Me ocorrem outras formas de fazer com que suba. Uma pena que seja meu chefe. E, além disso, prefiro os meninos sem complicações.

Ele teve que rir. Não se sentia insultado; podia fazer uma mulher gozar a noite toda. Não duvidava que Sam fosse muito boa de cama, mas não só trabalhava para ele: tampouco era seu tipo. Era muito esperta, muito forte e segura de si mesma, gostava mais das loiras indefesas... ou que fingiam ser, pelo menos. Mas Sam era maravilhosa. A viu de short e camiseta, no ginásio do CAD, e a seu lado Angelina Jolie parecia feia. E embora o sexo fosse o melhor modo de passar o tempo, ele não se deitava com suas «garotas».

— Ouça, Rose... Quando crescer, se dará conta de que alguns homens são como o uísque que está bebendo: alguns melhoram com o tempo. Muitíssimo.

— Você gosta de jovens, e eu também.

Ela falava sério. Nick gostou.

— Pode ser que chegue longe trabalhando para mim.

Ela sorriu e pegou de novo a garrafa.

— Sim, chefe, é possível que chegue longe, assim se prepare, quando perceber na placa de sua porta alguém colocará a placa «Sam Rose».

Nick riu, sinceramente divertido. Sam ia ficar muito tempo na UCH. Não tinha nem um só fio de romantismo. Ele não teria que se preocupar que um dia entrasse em seu escritório para pedir que lhe desse alguns dias de férias para sair em lua de mel ou, pior ainda, para anunciar que pensava em ter filhos.

— Obrigado pela advertência.

— Eu sei jogar limpo.

O sorriso de Nick apagou. Os bons jogavam limpo; os maus, não. Em seguida voltou a se preocupar com Brie. Passaram passado três dias e meio desde seu sequestro.

Sam se deu conta.

— Brie é mais dura do que parece.

— Tolices —respondeu ele. Seu bom humor se dissipou. Abriu a cremalheira de seu saco de dormir e se aproximou da entrada do refúgio. Nevava tanto como antes.

— Estará à altura das circunstâncias — acrescentou Sam, embora ela também estivesse preocupada.

Nick não respondeu. Esperava que o grande Lobo feroz não comesse aquela ratinha no jantar.

Nenhum ser humano deveria passar pelo que estava passando Aidan, pensou Brie. Tremendo, olhava o perfil de seu rosto banhado em lágrimas. Estava calado e olhava o cair a neve pela janela. Não se incomodou em ocultar suas emoções e Brie sentiu toda sua dor, tristeza e perplexidade. Desejava ardentemente confortá-lo.

Mas depois de sua brutal rejeição dessa manhã, temia se aproximar dele. Acreditou que começavam a se sentir unidos um ao outro e se enganou. Entretanto, Aidan precisava dela mais do que nunca e ela não deixou de amá-lo. Não podia se afastar.

— Aidan... —sussurrou, insegura. — Vem se sentar comigo. Podemos tomar um pouco de vinho e tentar esclarecer isto.

Ele a olhou lentamente. Seguia com os olhos úmidos.

— Ian está morto, Brianna — disse em tom de advertência. — Não há nada o que falar.

Vê-lo assim, tão abatido, angustiava Brie. Começou a se aproximar dele, mas Aidan lhe lançou um olhar tão gélido que a fez parar imediatamente.

— Nem sequer pense em me oferecer consolo. Agora não.

Brie tentou sentir, mas ele bloqueou suas emoções.

— Essa manhã foi muito cruel. Qualquer mulher em seu juízo perfeito iria pra casa, ou pra Iona. Mas não vou deixar que enfrente Moray sozinho. Nem vou permitir que confronte sozinho sua dor.

O viu tremer.

— Não preciso de você, Brianna. Devia ir pra Iona.

— Precisa de alguém que te apoie — respondeu ela energicamente. — E suponho que esse alguém sou eu.

Passou um momento antes que ele voltasse a falar.

— O caminho até o Urquhart é longo — disse desapaixonadamente. — Mas o salto é curto.

O desalento se apoderou de Brie. Apesar de tudo conseguiu responder com serenidade:

— Adie, por favor. Não acredito que seja conveniente se reunir com Frasier. Tem a cabeça cheia de outras coisas. Podemos tentar nos ocupar de Ian.

— Não use Ian para me manter afastado de Urquhart — espetou ele.

— Eu jamais faria isso. Mas invocamos Ian na sessão e falamos com ele. Temos que invocá-lo de novo. E você deveria estar presente, Aidan.

Ele deixou escapar um gemido.

Brie sabia que sua sugestão podia ser dolorosa.

— Tem que se comunicar.

— Porque não me deixa em paz? — ele soluçou. — Tenho que ir para Urquhart. Sei que acha que vão me enforcar ali.

— E não se importa? — ela perguntou.

— Se me enforcarem, será porque terei vencido Moray e porque Ian pode enfim descansar em paz.

Brie se sentiu sacudida por sua dor, mas aguentou, aterrorizada, enquanto a visão de MacNeil ressoava em sua cabeça.

— Meu Deus. Decidirá morrer!

De repente teve certeza de que, se fosse até Urquhart, o executariam. Sua certeza era tão grande que a paralisou. Correu para cortar o passo dele.

— Não posso deixar que parta.

Ele parou.

— Não vai me deter — disse em tom de advertência.

— Te amo —nbalbuciou ela. — Não vá.

Seus olhares se encontraram.

Brie tocou seu rosto, ele hesitou.

— Tem me feito muito mal, mas não importa. Sempre te amarei. Estou aqui para te salvar, em corpo e alma.

— Chega — sussurrou ele. — Chega, por favor.

— Quer que deixe de te amar? Impossível. Que deixe de acreditar em sua redenção? Não.

Ele respirou fundo.

— Se morrer, Brianna, toda Alvorada se alegrará, porque isso significará que Moray terá morrido. Se não, não me enforcarão. Brianna, posso achar paz na morte... e meu filho será livre.

Ela gritou:

— Eu não me alegrarei! E não pense sequer que encontrará paz na morte. Há paz na salvação, Aidan.

Ele a olhava severamente, e Brie sustentou o olhar, assustada.

— Como pode me amar tanto? Não tenho feito outra coisa se não te rejeitar.

— Ontem à noite não me rejeitou. Nem me rejeitou na planície, quando estava morrendo. Não me rejeitou em Nova Iorque, quando aqueles rapazes tentavam me assassinar.

— Sinto que se preocupe tanto por mim — ele disse por fim. — Deveria querer um homem como Seoc.

Ela enxugou as lágrimas e depois o agarrou pelos ombros rígidos.

— Não se escolhe o amor, Aidan. Como não se escolhe o destino. MacNeil viu que viria por você. Sei que não acredita, mas sou seu destino.

Os olhos de Aidan arregalaram.

Brie sentiu cair mais lágrimas. Ele não se moveu. Ela ficou nas pontas dos pés e o beijou suavemente na boca.

Aidan permaneceu imóvel.

O que estava fazendo, se jogando em seus braços? Que boba era. Era tímida, uma perita dos computadores, e ninguém nunca a desejou. Aidan tampouco a desejava.

Ele mesmo disse.

Deixou muito claro que o seu encontro foi de apenas uma noite.

Seu amor não o deteria, nem o faria desistir. MacNeil se equivocou. Aidan ia morrer enforcado, e não haveria redenção alguma.

Brie interrompeu aquele beijo, fruto de seu amor unilateral e desesperado, e voltou a apoiar os pés no chão. Sorriu pra ele com tristeza.

— Se tiver que ir, me leve contigo.

Ele negou com a cabeça e estendeu os braços. As mãos dele tremiam. Limpou suas lágrimas com o polegar e deixou cair o escudo que protegia suas emoções.

Brie ficou quieta. Seu coração deu um tombo, cheio de assombro.

— Te desejo muito, Brianna Rose. Sempre te desejei — disse severamente. — E não acredito que seja boba.

Ela o olhou com assombro.

— Mas disse...

— Menti —acrescentou com voz pastosa. — Menti para que partisse, mas é muito teimosa.

Se olharam nos olhos.

Sua ereção apareceu entre eles. Brie respirou fundo e passou os dedos por seu membro enorme e palpitante.

— Brianna — disse severamente.

Ela o apertava tão forte que o membro vibrava em sua mão. O olhar de Aidan era abrasador e o coração de Brie explodiu de desejo, ânsia e amor.

Aidan colocou o joelho entre suas coxas e sorriu pra ela.

Havia tanto afeto e tantas promessas naquele sorriso que Brie não pôde fazer outra coisa se olhá-lo ainda com maior assombro. Depois se sentiu eufórica. Aquele homem a queria. Via no brilho de seus olhos azuis, e não podia ser um engano. Umedeceu os lábios e sussurrou:

— Aidan... — Precisava dele. Nunca precisou tanto.

— Sim, Brianna — murmurou ele.

Baixou o outro joelho entre suas coxas e abriu seu jeans, os desceu pelas pernas e ela os tirou a chutes. Depois, Aidan parou para arrancar o kilt e jogá-lo pro lado. Usava apenas a presa engastada em ouro e a fina corrente.

Brie tocou a presa. Ele ficou muito quieto. Apenas seu peito subia e baixava rapidamente. Ela acariciou o pingente e deslizou os dedos por seu peito. Desejava sexo ardente, puro e duro, e ele também. Girava no ciclone do desejo de Aidan e o cheiro de seu amor a cegava de emoção.

Aidan ficou quieto, olhando pra ela.

— É importante pra mim — disse com voz rouca.

Brie não disse nada.

As maçãs do rosto de Aidan ruborizaram.

— Muito importante — acrescentou com esforço.

Brie rodeou o pescoço dele com os braços.

— Eu também te amo — disse com um sorriso.

Ele voltou a se apoderar de sua boca.

Brie despertou lentamente. Estava cômoda e quentinha sob as grosas mantas. A luz de uma nova e ensolarada manhã inundava o quarto, e ela estava nos braços de um homem, de repente estava plenamente acordada e, piscando para se defender do brilho do sol, lembrou do tempo que passou nos braços de Aidan. Continuava em seus braços, se moveu para olhá-lo. Dormia profundamente adormecido a seu lado.

Brie ficou imóvel. Não queria despertá-lo. Aidan passou a tarde e a noite fazendo amor com ela. Estava certa disso. Embora ele se atrevesse a negar, não daria importância. Uma alegria maravilhosa a embargou por completo.

Não havia nada de malvado naquele homem. Nunca houve. Esteve furioso e possuído pela dor e se desencaminhou. Mas agora voltou a encontrar seu caminho.

Parecia um anjo adolescente. Tinha o rosto tão suave e liso e uma expressão tão despreocupada que não aparentava mais de vinte anos. Sua boca carnuda se curvava ligeiramente, como se estivesse dormido sorrindo. Brie o amava tanto que seu amor doía. Não estava olhando um meio demônio. Estava olhando para seu anjo da guarda, e estava certa de que depois seria o defensor de todos os Inocentes.

Esse era seu destino. Não a forca. Nem o mal.

Aidan lhe disse uma vez que não dormia desde o assassinato de Ian, fazia sessenta e seis anos. Agora, entretanto, estava dormindo. Fizeram amor a noite toda. Sorriram e conversaram, mas só no princípio, porque quando Aidan se entregava à paixão, era muito apaixonado. Brie ruborizou ao pensar em sua resistência sobrenatural e naqueles orgasmos incríveis e intermináveis.

Aidan quis lhe dar prazer, não tomar.

Brie sorriu e estremeceu deliciosamente.

Era uma mulher apaixonada, mas se preservou para um único homem. Nunca seria como sua mãe, se perguntava como podia ter acreditado ser possível alguma vez.

Aidan se moveu.

Brie não queria despertá-lo. Queria que dormisse bem pela primeira vez em quase sete décadas. Lembrou do requerimento de Urquhart e rezou para que Aidan despertasse sorridente e contente. Rezou para que seu amor o tivesse curado. Se assim fosse, não partiria. Ou, se partisse, não permitiria que o executassem.

Ia acordar e sorrir pra ela, e tudo se arrumaria.

Se deu conta de que Aidan estava olhando pra ela fixamente.

— Bom dia — sussurrou, e ele a abraçou com mais força.

Brie nunca viu um olhar tão carinhoso em seus olhos. Depois sentiu que o membro de Aidan levantava contra seu quadril.

Sorriu pra ela.

— Apenas um sorriso e faz com que sinta vontade de repetir a noite de ontem. Tudo — murmurou.

— De acordo — ela disse, sentia-se feliz de ver aquele sorriso carinhoso que se refletia em seus olhos.

O sorriso de Aidan se fez mais amplo e ela viu se formar pela primeira vez uma covinha em sua bochecha. Seu coração parou. Era muito bom para ser verdade, pensou.

Mas o sorriso de Aidan se apagou enquanto continuava olhando pra ela.

—É uma mulher muito quente, Brianna Rose — disse. — Não é como sua mãe. É muito mais bela, boa e leal... até o fim.

Brie tocou seu rosto.

— Em algum momento terá que deixar de ler meu pensamento — ficou quieta. O que quis dizer exatamente?

Ele afastou as mantas e ficou em pé.

Fazia frio e Brie voltou a se agasalhar, assustada. O viu cruzar a quarto. Era quase impossível afastar o olhar do corpo musculoso. Aidan se ajoelhou para avivar o fogo e os músculos de suas coxas incharam. Ela olhou suas mãos grandes e fortes, que prometiam tanto prazer.

Ele levantou, olhou pra ela com um leve sorriso e começou a se vestir.

Disse que seria leal até o fim.

— Esta com pressa? — perguntou Brie com cautela.

— Sim. Fiquei contigo um dia inteiro. Já é de tarde — prendeu o cinturão do kilt e recolheu seu manto negro.

O coração de Brie deu um pulo.

— Não pensa em ir para Urquhart, não é?

Ele colocou o manto no ombro.

— Sim. Partirei quando tiver tomado o café da manhã.

Ela não podia acreditar. MacNeil se equivocou... ou não? Esquadrinhou freneticamente os sentimentos de Aidan. Estava muito sereno. Muito sereno. Brie não encontrou desespero, nem tristeza, nem raiva. O curou?

— O que vai fazer?

Ele cruzou os braços.

— Mesmo eu tenho que obedecer as ordens do rei.

Brie desceu da cama. Aidan olhou imediatamente seu corpo nu enquanto ela se aproximava apressadamente do amontoado de sua roupa, vestiu o casaco, pulando de frio.

— É evidente o que vai acontecer, Aidan. Moray possuirá Frasier e o acusarão de traição. Vai te destruir fazendo com que te enforquem.

— Que esperta é —ele disse. — Sim, acredito que Moray se servirá de Frasier para tentar me destruir. Mas eu o destruirei primeiro.

— E como vais fazer?

— Ontem tomei poder, Brianna — ruborizou. — Não me dá medo lutar com Moray.

— Mas eu tenho! Me prometa que não decidirá morrer — o anel de sua avó começou a coçar no dedo.

— Penso destruir Moray, Brianna — respondeu ele com expressão dura. — Mas não tenho vontade de morrer.

Brie não se sentiu aliviada. De fato, o medo a venceu.

— E se Moray for invencível? — gritou, desesperada.

— Pode rezar para que não seja assim.

Não ia mudar de ideia.

— O que me diz de Ian? E de mim?

O rosto de Aidan endureceu.

— Isto é por Ian. Crê que seu amor faria que esquecesse de minha vingança? Passei décadas esperando matar Moray. E vou fazer isto hoje.

— Vejo que vai para Urquhart, diga eu o que disser. Por favor, não vá sozinho — começou a tremer incontrolavelmente. — Por favor, vá com Malcolm, Royce e Guy. Deixe que te acompanhem. E que também venham Allie, que pode te curar, e Tabby, para que lance encantamentos contra Moray até que algo funcione. Por favor. Eles gostam de você. Eu te amo.

Aidan estendeu os braços pra ela.

— Não chore por mim. Deveria estar contente. Seu amor tem poderes curativos, porque tudo o que falou me importa. Malcolm tem um filho, e recentemente também teve uma filha. Royce depois desejará ter uma família. Os MacLeod têm muitos filhos. Não posso metê-los nisso.

— Sim pode — insistiu ela. Abraçou-o com força, colando o rosto em seu peito, e Aidan a estreitou entre seus fortes braços. Brie pensou por um momento que talvez aquela fosse a última vez que se vissem ou se abraçassem.

— Não chore, por favor — ele disse em voz baixa. — Suas lágrimas não mudarão o que tenho que fazer hoje.

Brie sentiu uma pontada de pânico. Viu de repente a imagem de sua avó Sarah e tirou o anel.

— Leve isto.

Ele a olhou com surpresa.

— Me dá um anel de compromisso?

Brie esteve a ponto de rir.

— Não. Minha avó me deu este anel de presente, e era a pessoa mais sábia que conheci. Lutou contra o mal toda sua vida com magia e feitiços, como Tabby. Sempre acreditei que o anel me mantinha a salvo. Pode ser que também te proteja — a voz quebrou. — E é um símbolo do que sinto por você.

Aidan tirou o colar e passou o anel pelo fio para que ficasse pendurando junto à presa do lobo. Brie decidiu que, assim que partisse, o seguiria. Não deixaria que enfrentasse Moray sozinho.

— Quero levar seu anel perto do coração, Brianna — ele disse suavemente enquanto voltava a colocar o fio ao redor do pescoço. — reconfortou minha alma perdida.

Brie sentiu correr as lágrimas.

— Isto é o princípio. Nosso princípio. Não é o fim. Lembre disso.

Aidan esquadrinhou seu olhar e ela sentiu que estava memorizando cada detalhe de seu rosto.

— É uma mulher boa e valente, Brianna Rose — lhe fez levantar o rosto e sorriu. Depois, apesar de ter o rosto banhado em lágrimas, a beijou.

Quando se afastou, Brie estava soluçando.

Por fim leu o pensamento dele. Aidan acreditava que aquele era seu último beijo.

Lançou um olhar e desapareceu.

 

Castelo de Urquhart, 1502

Parou no meio do pátio de armas de Urquhart. Avançou apenas alguns instantes no tempo. Desejava levar consigo aquelas lembranças apaixonadas de Brianna, assim como seu anel. Os levaria para tumba se ela estivesse certa e o enforcassem. Começava a se convencer de que suas predições estavam corretas. Seu sexto e sétimo sentidos lhe diziam que por fim teria lugar seu encontro decisivo com Moray, e queria sair vencedor. Se depois o acusassem de traição, talvez não pudesse se defender da acusação. Estava cansado da tristeza e do desalento.

Sentou lentamente. O pátio de armas estava cheio de tropas reais, de mulheres e serventes. Os soldados estavam manchados de sangue e barro: saltava à vista que acabavam de voltar de uma batalha. Dentro reinava o caos, e a chegada de Aidan passou quase desapercebida. Duas mulheres deviam ter visto quando saiu da gélida bruma cinza, entretanto, porque o olharam fixamente e depois se afastaram correndo entre os atoleiros de gelo derretido.

Aidan levantou e avançou para as portas do grande salão, onde estaria o general preferido do rei.

«Estou aqui, apareça».

Uma risada suave e cruel soou detrás dele. Não, em cima dele.

«Estou te esperando, meu filho».

Os guardas das comportas se afastaram. Estava claro que o estavam esperando. Aidan entrou em uma sala enorme, cheia de nobres ingleses e escoceses do plano, de highlanders e de criados, assim como de algumas belas e elegantes cortesãs. Lorde Frasier se achava em pé ante uma das três grandes chaminés, com as mãos unidas às costas, virou lentamente ao se aproximar Aidan.

Seus olhos escuros brilharam, azuis, e foram ficando vermelhos.

— Bem-vindo ao Urquhart.

Por ouvir aquele tom zombador, tão familiar, Aidan tentou sufocar a profunda ira com que conviveu quase toda sua vida. Aquele Deamhan o obrigou a destruir a Inocência. Agora sabia que viveria para sempre com aquele peso, com aquele horror, sobre sua consciência.

Bloqueou seus pensamentos muito tarde.

— Fala o sangue — bufou Frasier. — Se atreve a se apresentar diante de mim cheio de culpa? Então, se parece mais com lady Margaret, a sua santa mãe.

Aidan esperava por isso.

— Meu filho está vivo ou morto? — perguntou asperamente. As palavras se formaram sem premeditação.

Compreendeu imediatamente que revelou sua maior debilidade.

Um sorriso cruel cruzou a cara roxa de Frasier.

— Me desafiou desde quando era um menino. Continua me desafiando. Me desafia quando deixa viver Inocentes, me desafia quando se apresenta diante de mim cheio de culpa e vergonha. Me desafia quando deseja à bela Brianna e me desafia quando se deita com ela. Me pertence; É meu.

Aidan sentiu um calafrio: uma sensação desconhecida.

— Eu não pertenço a ninguém — disse asperamente, e depois pareceu sentir o calor do anel de Brianna sobre seu peito. Moray sabia muito. Por causa dele, Brianna se achava no meio daquela guerra. De novo sentiu medo por ela.

Tinha perdido Ian. Não podia perdê-la também.

— Realmente acreditava que deixaria viver o pequeno Ian? — perguntou Frasier. — E, se assim fosse, acha que o devolveria?

Mais jogos. O desespero agitou dentro de Aidan e, ao se desvanecer a esperança, brotou a ira.

— Voltou a brincar comigo, voltou a mentir.

Frasier se aproximou e disse em voz baixa:

— Lady Tabitha estava sob os efeitos de um de meus encantamentos. Agora sou todo-poderoso. Não há ninguém como eu em Alvorada! Afugentei seus guias — disse Moray, zombando.

Aidan olhou seus olhos cruéis e sádicos.

— Bem. A verdade, enfim — antes que pudesse desembainhar sua espada, meia dúzia de gigantes, todos eles extraordinariamente fortes, se apoderaram dele. Compreendeu que podia derrubar um por um, mas não tentou. — O que quer? — perguntou.— Porque não penso em fazer mal em seu nome. Agora não pode me converter.

— Nenhum filho desafia a seu pai, nem ninguém me desafia — respondeu Frasier com olhar ardente. — Pagará caro por sua insolência. E depois morrerá.

— Já paguei. Roubou meu filho. Tirou a vida dele.

— Me desafiando, me nega seus grandes poderes, que deveriam ser meus. Só um dos dois pode vencer. Isso disse a Deusa. E serei eu — Moray tremia de ira.

Aidan o olhava fixamente, se perguntando se alguma Deusa teria prometido de verdade a vitória. Se assim fosse, isso explicaria seu enforcamento.

— Com que Deusa se aliou? Foi assim como sobreviveu quando te decapitou Malcolm?

Moray sorriu.

— Sim. Esse dia, Faola me salvou.

— Porque uma Deusa te ajudou a sobreviver?

— Porque sou seu filho — bufou Moray. — E antigamente fui seu favorito.

Aidan ficou quieto. Era filho de um Deamhan e neto de uma grande Deusa. Isso explicava muitas coisas. Explicava por que o tinha eleito a Irmandade e por que tinha poderes curativos. E explicava por que nunca se converteu de todo.

— Faz tempo servi à Irmandade — acrescentou Moray. — A queda não é como você teme. A queda libera os homens. A queda poderia ter te libertado. Faola me ajudou a sobreviver porque você e eu tínhamos que nos enfrentar. Está escrito.

Aidan ficou tenso. Aquela guerra estava escrita pelos Deuses?

— Esteve tão ardente e encantadora ontem à noite... — sussurrou Moray em seu ouvido.

O horror começou a se apoderar de Aidan.

— Você ganhou. Me rendo.

— Serio? — Moray começou a rir. — Pegarei sua amada e me servirei dela como me agradar. Causarei a ela uma dor inimaginável, e ainda mais medo.

O coração acelerado de Aidan diminuiu seu ritmo. Não permitiria que Brianna tivesse essa sorte. Uma calma implacável desceu sobre ele. Daria de boa vontade sua vida pela de Brianna Rose. Uma vez que ele morresse, Moray não teria motivos para persegui-la, torturá-la e assassiná-la.

Brianna merecia que fizesse aquilo por ela.

Olhou para seu pai.

Moray sorriu.

— Seu poder ainda está fresco, mas não pode se comparar com o meu.

Aidan lhe lançou todo seu poder, como nunca o usou antes.

Moray respondeu do mesmo modo.

Seus poderes se encontraram com força explosiva. As cadeiras caíram, a mesa rachou, as luzes apagaram e as chamas avivaram. Aidan foi lançado para trás pela explosão e se estatelou contra a parede.

Antes que pudesse levantar, a ponta de uma espada roçou seu pescoço. Ao levantar os olhos, viu que Moray sorria pra ele.

— Morrerá por ela?

— Sim.

— Prendam-no.

Enquanto o capturavam, Aidan tentou instintivamente retroceder no tempo, até o momento em que deixou Brie no Awe. Mas não aconteceu nada.

Moray riu.

— Está preso. — disse.

Aidan respirou fundo e tentou saltar de novo.

Mas estava preso no espaço e no tempo.

Brie vestiu os jeans a toda pressa. Descalça, correu pelo corredor e desceu as escadas. Ao irromper no grande salão, enxugou o rosto úmido com a manga.

Tabby e Allie estavam sentadas em duas grandes poltronas, diante do fogo, e Claire em um tamborete, a seu lado. Estavam falando em voz baixa. Nenhum de seus maridos estava presente. Assim que Brie entrou, levantaram num pulo.

Brie correu para elas.

— Aidan vai enfrentar Moray! Foi para Urquhart! Vão enforca-lo!

Tabby a tranquilizou, mesmo que seus olhos ambarinos estivessem cheios de preocupação.

— Brie, acreditam ter descoberto o que se pode fazer com Moray.

— Isso é genial — disse Brie—, mas podem contar isso depois que saltemos para Urquhart. Onde está Malcolm? E Guy? E Royce, maldição?

— Malcolm e Royce foram até Urquhart para defender Aidan diante de Frasier — disse Claire, muito séria.

— Onde está Guy, então? — gritou Brie. — Ele pode nos levar!

Enquanto descia, olhou por uma janela e viu fora uma brancura deslumbrante. A noite passada devia ter deixado meio metro de neve. Seria impossível viajar por meios normais. Teriam que saltar no tempo, como Aidan fez.

Tabby a puxou pela mão.

— Encontrei um fragmento de Sabedoria — sussurrou.

Brie a olhou enquanto tentava dominar seu pânico. A Sabedoria estava dispersa pelas duas mil páginas do Livro. Às vezes os versos eram tão misteriosos que podia demorar dias para decifrá-los.

— Prossiga — disse.

Tabby recitou em voz baixa, de cor:

— «Maldade adormecida, /chegada é a hora /do amparo. /De seus intuitos /se lamenta o diabo. /As Guardiãs da Fé /livres estão».

— Genial — disse Brie. — Outra adivinhação. Quando conseguirmos decifrá-la, podem ter enforcado ele!

Allie a banhou com sua luz tranquilizadora.

— Me parece que está louca por ele. Nunca te vi tão assustada, e nos metemos em algumas confusões bem grandes.

— O amarei eternamente, e ele me ama — disse Brie, e abraçou Allie. — Mas tenho um pressentimento terrível.

— Voltará conosco? — perguntou Claire.

— Sim — respondeu Brie sem duvidar. — Mas essa ordem é uma armadilha diabólica.

Tabby disse:

— Temos que descobrir onde fica o corpo de Moray quando seu espírito maligno possui outro ser humano.

Brie a olhou rapidamente.

— Te escuto.

— Essa adivinhação não é nada misteriosa — disse Tabby. — Quando o mal dorme, o diabo está em apuros e é hora de cobrarmos nossa vitória. Tenho certeza de que se refere quando Moray abandona seu corpo para possuir outros seres — acrescentou, muito séria. — Onde está quando possui lorde Frasier? O que é? Está em alguma parte e acredito que não anda por aí. Temos que descobrir, garotas. Eu, enquanto isso, tenho que fazer um feitiço.

— Que tipo de feitiço? — perguntou Brie.

— Um para impedir que sua energia retorne a seu corpo, para que possamos nos libertar desse canalha de uma vez por todas — disse Tabby. Seus olhos dourados cintilavam.

Brie sentiu que o alívio a embargava. Havia esperança.

Ouviram passos. Estavam sozinhas no grande salão, mas Brie sabia que do lado de fora havia guardas e que não entraria ninguém que não devesse entrar. Os guardas abriram as portas e entrou Nick Forrester, vestido como um comandante, com uma mochila e uma metralhadora pendurada do ombro.

Brie ficou boquiaberta. Demorou um momento em assimilar que seu chefe estava no grande salão de Awe, em tempos medievais. Os Mestres não eram os únicos podiam viajar no tempo.

Por acaso não desconfiou sempre que Nick não era o que parecia?

Sam entrou detrás dele no salão, vestida também de camuflagem. Guy MacLeod os acompanhava como se sua presença ali fosse coisa de todos os dias. Brie pensou que talvez fosse.

— Está bem, pequena? — perguntou Nick, olhando pra ela rapidamente de cima abaixo. Parecia tão pouco impressionado por estar ali como MacLeod de que tivesse aparecido em Awe.

Brie estava tão perplexa que só pôde sacudir a cabeça. Nick podia solucionar aquilo. Era uma lenda na agência. Diziam que nunca falhava.

— Meu Deus — exclamou Sam, com os olhos arregalados como pratos. Olhava fixamente Allie e Tabby, assombrada por encontra-las ali, sobretudo porque deixou Tabby em sua casa, em Nova Iorque. Depois correu para Allie e a abraçou com força. — Está tão bonita — disse, e olhou para Brie. — Você esta bem? Aquele porco te fez algum mal? — soltou Allie e entreabriu seus olhos azuis.

— Estou bem — respondeu Brie. — Aidan precisa de nossa ajuda.

Sam ficou olhando pra ela por um momento e depois virou para Tabby.

— Vá, isto sim que é uma surpresa.

Tabby a abraçou e disse:

— Estou muito feliz.

— Acabo de te deixar em casa — disse Sam rapidamente —, se preparando para ir pra colégio dar aulas.

— Não irei até dezembro de 2011 — respondeu Tabby. — Senti tanta saudade de você —acrescentou com voz rouca.

Sam parecia atônita de repente, e Brie compreendeu que acabava de se dar conta que Tabby encontraria seu destino no passado e que ela sentiria falta da sua irmã no presente. Brie virou para olhar para Guy, que não sorria. Levava uma das espadas maiores que Brie viu, e parecia justamente o que era: um guerreiro medieval implacável.

Sam sacudiu a cabeça.

— Nem em um milhão de anos teria se emparelhado com ele.

— Guy é meu marido — respondeu Tabby em tom de recriminação. — Os tempos em que saía com meninos terminaram.

— Aposto que sim — Sam entreabriu os olhos. — Sabe que se algum dia fizer mal a minha irmã terá que se ver comigo?

— Sam! — gritou Tabby.

Guy lançou a Sam um sorriso despreocupado.

— Jamais faria mal a Tabitha, nem a você, apesar de que com sua fanfarronice pareça com um homem.

Sam parecia a ponto de explodir. Allie disse:

— Sam, chegou uns duzentos e cinquenta anos atrasada. Se quer persuadir Tabby a não se casar com ele, terá que retroceder alguns séculos. Embora acredite que não precisa de sua ajuda.

— Está bem, lamento interromper, mas já está de bom tamanho os reencontros familiares — disse Nick firme, parando diante de Brie como se ainda fosse seu chefe. — Preciso que me atualize da situação.

Brie começou a se alarmar.

— Aidan pode morrer se não o ajudarmos.

Nick sorriu com amargura.

— Vai morrer, pequena, sinto muito, mas você mesma leu o que dizem os livros de história.

— Não vou permitir que o enforquem! — insistiu ela.

Nick continuava imperturbável.

— Sabe por que estou aqui? Estou aqui porque trabalha para mim. Está sob minha responsabilidade. Sob minha responsabilidade, não da agência. E não penso em permitir que se perca no passado — olhou para MacLeod. — Embora não me importaria em ter uma conversa com o marido da Tabitha.

— Como vê, não estou perdida. Estou com minhas amigas — ruborizou. — Vamos derrotar um demônio terrível e salvar Aidan.

— Desde quando é uma agente da ativa? — Nick a segurou pelo braço. — Parece que sobreviveu ao Lobo. Estou impressionado. Mas não penso em mudar de ideia. Se seus poderes estão mudando, me alegro por você. Mas tenho um monte de trabalho para fazer em casa e não vou te deixar aqui.

Brie tentou se soltar.

— Não vou voltar para o futuro — gritou.

— Espere, Nick — disse Sam.

Nick se limitou a sorrir.

— Vem aqui — disse a Sam.

MacLeod olhou para Tabby.

— Vocês vão mesmo? — perguntou.

— Ai, merda — disse Nick. Lançou a MacLeod uma descarga de energia. Enquanto o Mestre grunhia e cambaleava como um carvalho agitado por uma brisa do verão, Nick agarrou Brie com mais força.

— Não devolva o golpe, Guy. É um dos nossos — gritou Tabby.

Brie deixou escapar um grito ao sentir que Nick a tomava em seus braços e que saía voando para cima com ele. Atravessaram o teto e passaram por entre as estrelas em uma velocidade vertiginosa.

Por um instante, o grande salão de Urquhart pareceu girar como um torvelinho. Depois, aquela estranha sensação se dissipou. Robert Frasier piscou, se achava diante de Aidan de Awe, que era sujeitado por vários soldados.

Frasier se esticou. Chamou o highlander a Urquhart, mas não recordava sua chegada, nem de ter falado com ele.

— Prendam-no — disse aos guardas, desconcertado.

Aidan o olhava sem vacilar. O sargento, pelo contrário, parecia perplexo.

— Sim, senhor — disse. — O levamos a torre norte?

Frasier hesitou. Preocupava-se por não lembrar o que aconteceu um momento antes. Aconteceu o mesmo no campo de batalha, de repente se deu de quem era e do que estava fazendo, e se achou no meio de uma perigosa luta com aquele homem. Ao que parecia, perdeu os sentidos durante um tempo.

O que significava aquilo? Aquele homem era um feiticeiro? Corria o rumor de que se convertia em um lobo negro quando a lua ficava vermelha.

— Sente-se — ordenou a Aidan.

Este vacilou, mas seus olhos azuis não mostraram nenhum medo antes que se sentasse. Era de esperar, entretanto. O Lobo de Awe não temia ninguém, enquanto que o mundo inteiro temia a ele.

Frasier ficou em pé diante dele.

— Seus homens se reuniram com o MacDonald e seguem avançando para Inverness, ordene que se retirem.

Aidan o olhou nos olhos.

— Meus homens juraram lealdade a Donald Dubh. Eu jurei lealdade a Donald Dubh.

Frasier esboçou um sorriso.

— Levem-no às masmorras — disse.

Aquilo seria do agrado do rei Jacobo. O monarca estava furioso com o Lobo fazia anos. O highlander desafiou uma e outra vez sua autoridade. Jacobo II se encolerizou a tal ponto pela destruição de Elgin e por sua implacável perseguição pelos três filhos de Moray, que o despojou de todos os seus títulos e seus domínios, exceto Awe. Frasier estava certo de que o rei só deixou o castelo porque não se atrevia a tomá-lo.

A juventude daquele homem era inexplicável, certamente, mas em seus quarenta anos de vida Frasier viu muitas coisas estranhas, incluído alguns homens que se negavam a envelhecer ou que podiam desvanecer-se no ar e reaparecer da mesma maneira. Só aquela ideia o fez se benzer.

Podia suportar os fenômenos que não entendia. Mas aqueles lapsos de amnésia durante os quais não sabia o que fez tinham que acabar.

Estava possuído? Corriam tempos escuros em Alvorada, e o mal estava em toda parte. Via nos olhos negros e vazios de seus soldados e em sua crueldade e ânsia de morte. Mas eram guerreiros muito melhores que os homens comuns.

Temia ser possuído desde que fez uso da razão. Era um homem muito devoto, rezava todos os dias, não só para afugentar o mal, mas também para cumprir os intuitos de Deus e do rei. Agora, ao olhar para Aidan de Awe, pensou que sua estranha conduta estava relacionada de algum modo com aquele mercenário.

— Pela autoridade que me concedeu o rei Jacobo da Escócia, te acuso de traição à Coroa.

Aidan o olhou com expressão dura e crispada.

— E por essa mesma autoridade ordeno que morra na forca — sua boca torceu. O melhor era sempre uma grande multidão de espectadores. As execuções insuflavam o medo no coração de todo mundo e dava o que pensar a possíveis conspiradores. — Levem-no. — disse isso, tirando a mão do punho de sua espada.

Mas Aidan partiu tão doce quanto um cordeiro, como se não se importasse estar a ponto de morrer.

Quando partiu, o salão ficou quase vazio, com exceção de vários guardas e alguns poucos cortesãos que falavam em voz baixa junto à lareira. O desassossego voltou a se apoderar de Frasier. Tentou afastar mas fracassou.

Um calafrio o percorreu.

Ao virar, viu em pé junto à parede do fundo um homem loiro e bonito, com roupas de veludo negro. Não o viu antes no salão, e não podia ter entrado sem que o vissem. Não havia porta alguma no lugar no qual se achava, mas nenhum homem podia atravessar uma parede.

Frasier conhecia de algum modo aquele homem, embora estava seguro de que não se viram nunca. Seu temor se intensificou.

Então, aquele homem loiro, vestido de negro, desvaneceu diante de seus olhos.

Frasier ficou imóvel.

Primeiro perdia o sentido e a vontade diante de Aidan de Awe.

E depois um desconhecido que podia desvanecer no ar aparecia em seu salão. Nesse momento compreendeu que viu um ser de extrema maldade, fez o sinal da cruz se e começou a andar para a porta.

Entraram dois highlanders com expressão séria e decidida. Frasier reconheceu o Barão de Dunroch e o conde do Morvern imediatamente. Malcolm recebeu o título de Barão do rei fazia alguns anos. O título de Morvern era muito antigo. O primeiro era meio irmão do prisioneiro. O segundo, pelo contrário, não tinha laços de sangue com ele.

— Desejamos falar um momento com você — disse Royce, o Negro inclinando cortesmente a cabeça para saudá-lo. — Viemos pedir que perdoe a vida de Aidan de Awe e o deixe partir.

Frasier sacudiu a cabeça.

— Se negou a ordenar a seus exércitos que se retirassem. Será enforcado e não haverá interferências. Nenhuma.

— Nega-se a nos escutar? — perguntou Malcolm com o rosto turvado pela ira.

— Tenho assuntos importantes que tratar.

Malcolm o olhou incrédulo.

— Não permitirei que enforquem meu irmão — começou a dizer, mas Royce, o Negro o segurou pelo braço e Malcolm se calou.

— Sua lealdade para com a Coroa recebeu sua recompensa, mas o rei me ordenou pôr fim ao desafio de seu irmão de uma vez por todas — replicou Frasier. — Será enforcado amanhã — se dirigiu para as grandes portas.

— Permitirão que o vejamos, ao menos? — perguntou Malcolm.

Frasier assentiu bruscamente com a cabeça ao passar a seu lado. Falava sério quando disse que tinha assuntos importantes que tratar. Devia encontrar o padre Oliphant e pedir que levasse a cabo um exorcismo imediatamente.

Aidan estava deitado de costas sobre a fina manta que servia de cama de armar. O chão estava gelado e úmido sob a lã. Não se importava. Seu destino já estava claro.

As masmorras eram tão escuras quanto úmidas, e os ratos piscavam os olhos nas sombras. Convexo sobre a manta úmida, olhava o teto molhado. Gotas de água caíam sobre sua fronte. Estava preso no espaço e no tempo, mas não se importava. Deixaria que o matassem.

Ainda tinha poderes. Os colocou a prova com um dos guardas, que jogou contra a parede. Por causa disso, o golpearam na cabeça com o punho de uma espada e esteve a ponto de perder os sentidos. Doía a cabeça, mas isso tampouco importava. Não se serviria de seus poderes para jogar a porta abaixo, matar os guardas e escapar. Não tinha sentido.

Nada mais importava, exceto morrer para salvar Brianna das garras do diabo. Antes, ao falar com ela, disse a verdade: encontraria a paz nos braços da morte. Fazia tanto tempo e estava tão cansado... Desejava morrer.

Tentava não pensar em Ian, mas era impossível. Já não podia negar que, do momento em que seu pai havia possuído aquele gigante no campo de batalha, esteve se segurando em um fiozinho de esperança. Esse fio partiu. Mas talvez pudesse se reunir com seu filho mais tarde. E confiava que Brianna pudesse liberar o espírito de seu filho quando ele partisse.

Fechou os olhos e pensou em Brianna, que tinha o sorriso mais doce que já viu, sobretudo quando sorria pra ele com os olhos cheios de amor e fé, se sentiu sorrir. Doía o coração. Apesar dos terríveis crimes que cometeu, chegou a amá-la profundamente. Sentia saudades. Desejava abraçá-la, fazer amor com ela outra vez. Era um desejo absurdo, mas não podia evitar.

Quando ele morresse, seu irmão ou outra pessoa a mandaria pra sua época. Brianna encontraria outro a quem amar, um homem moderno e bondoso. Sentiu agitar dentro de si uma risada amarga. Ela nunca ficaria com um homem moderno. Era muito extraordinária, merecia um Mestre. Talvez fosse Nick, o homem para quem trabalhava. Tinha poderes brancos, embora tentasse escondê-los.

Os ferrolhos da porta da masmorra começaram a chiar. Aidan sentou, não muito surpreso. Sentiu do lado de fora Malcolm e Royce. Seu poder branco era enorme e ardente. Estavam furiosos e ele sabia porque, preparou-se para enfrenta-los.

A porta abriu lentamente, e a madeira arranhou a pedra. Malcolm entrou com expressão severa e dura, seguido por Royce. Aidan ficou em pé. Ambos estavam desarmados.

Malcolm o abraçou com força.

— Porque não ordena a seus exércitos que se retirem de Inverness? — perguntou.

Aidan o olhou nos olhos. Seu irmão começou a chorar.

Nesse momento, tendo e tão perto a morte, Aidan se alegrou que Malcolm estivesse ali. O rosto de Royce tinha uma expressão diferente. Estava triste, e Aidan compreendeu que ainda tinha afeto por ele, mas ao mesmo tempo estava também cheio de resignação. Aidan compreendeu que entendia seus motivos.

Royce disse em voz baixa:

— Decidiu morrer.

Malcolm, pelo contrário, não o entendia. Não se resignou. Começou a amaldiçoar.

— Não há por que morrer! Voltará conosco. E o que me diz da Brianna, por quem se apaixonou?

Aidan se esticou.

— Fala como um tolo — disse. Não queria analisar nem identificar o que sentia por Brianna e, embora o fizesse, jamais confessaria a ninguém. — Estou cansado desta vida — olhou diretamente pra Royce.

Royce ficou tenso quando seus olhares se encontraram. Muito tempo atrás, Royce pronunciou de todo coração aquelas mesmas palavras. Em seu leito de morte, pediu para que Aidan o deixasse partir. E Aidan o fez.

Royce assentiu lentamente.

— Que absurda conspiração é esta? — gritou Malcolm. — Não vai morrer. Tem que partir desta época, deste lugar.

— Não posso saltar. Estou preso. —disse Aidan.

— Eu te tirarei daqui — respondeu Malcolm.

Aidan o segurou pelo braço.

— Tenho meus outros poderes. Se quisesse, poderia fugir deste lugar. Mas não desejo fazer, vou ficar.

Malcolm olhou pra ele horrorizado.

— Não posso continuar vivendo com esta dor — disse Aidan em tom áspero, e acrescentou— Ian está morto. Está morto, mas não enterrado. Já não posso chorar mais! E se Moray usar Brianna e a destruir? Não posso sofrer mais, Malcolm. Moray a persegue só para me fazer mal, depois de manhã, não terá motivos para atormenta-la.

— Então, vai ficar e se deixar matar? — perguntou Malcolm rude. Ficou pálido.

— Sim, vou ficar... e amanhã me deixarão morrer.

 

— Olá, Brie — Sam pôs a mão sobre seu ombro.

A dor do salto e a aterrissagem começavam a diminuir. Brie ainda sentia que arrebentou a cabeça e que seu corpo se retorceu por completo.

Estava deitada no chão do escritório de Nick, aconchegada, com a cara molhada de tanto chorar. Sam se ajoelhou a seu lado, vestida ainda com a roupa de camuflagem, e sorriu para tranquiliza-la.

— Vai ficar bem. Ouça... está em casa.

Não queria estar em casa! Conseguiu sentar com um gemido. Então viu Nick em pé junto à enorme janela detrás de sua mesa, com os braços cruzados, de costas pra ela. Do lado de fora estava chovendo.

— Maldito seja! —gritou, ficando de pé. Sam a segurou pelo cotovelo para sujeitá-la.— Mande-me para lá outra vez! Me mande imediatamente!

Nick virou.

— O que aconteceu com você?

— O que me aconteceu foi Aidan. Você mesmo reconheceu que estava voltando conosco. Não posso permitir que o enforquem.

Sam a rodeou com o braço.

— Hoje é 26 de setembro de 2011, Brie — disse Nick. — Executaram Aidan em 1502 — a olhava com frieza.

O coração do Brie quase parou. Nick estava dizendo que, embora apenas um momento antes Aidan estivesse vivo, agora estava morto e mais-que-morto.

— A história está errada.

—Pouco me importa a história — replicou Nick—, mas o destino é o destino — recolheu uma pasta de sua mesa e passou pra ela. — Tem uma hora para comer e tomar banho ou o que quiser. Preciso de um relatório completo.

Brie ficou desanimada.

— Vou voltar para salvar Aidan da forca!

— Se está destinado a morrer enforcado, isso é o que acontecerá. Tem uma hora, pequena. Sugiro que dê uma olhada no arquivo — Nick se aproximou da porta, abriu e esperou que saíssem.

Brie tremia de raiva.

— Me demito.

Ele levantou as sobrancelhas escuras.

— Muito bem. Quando mudar de ideia, voltarei a te contratar. Faz muita falta no porão.

Brie começou a negar com a cabeça. Tinha lágrimas nos olhos.

— Mesmo assim, tem que me apresentar um relatório completo. Sua vida amorosa não vai se interpor em meu trabalho.

Brie decidiu levar o arquivo e sair do escritório, do edifício e daquela vida. Sabia que não queria voltar a ver Nick.

Estava claro que ele podia ler seu pensamento com tanta facilidade quanto um Mestre, porque sorriu com dureza.

— Está proibida de sair do edifício, assim sequer pense nisso.

Brie deixou escapar um grito e passou junto a ele enquanto tentava refrear a angústia que sentia por Aidan. Sam a seguiu e a rodeou com o braço.

— Podemos usar meu escritório — disse com um olhar terno. — Está se comportando como uma menina de treze anos.

Brie olhou pra ela enquanto entravam em um pequeno escritório do outro lado do edifício. Sam tinha razão. Espernear não ia servir de nada. Sam fechou a porta e tirou o colete. Aproximou-se de uma pequena geladeira, tirou duas garrafas de água e deu uma a Brie. Ela nunca a viu tão amável. Estava acostumada que fosse dura e severa, como um soldado.

— Contratou-me assim que desapareceu com Aidan — disse Sam, se deixando cair na cadeira. — Brie, você o conhece melhor que eu. Esse homem pode ser um verdadeiro pé no saco, mas é muito íntegro.

Brie sentou na outra cadeira que havia no escritório de Sam, se deu conta de que ainda abraçava o arquivo. Afrouxou os braços e respirou por fim.

— Como se viaja no tempo?

—Não tenho nem ideia. Certamente como os Mestres e os demônios: precisa de DNA sobrenatural —Sam sorriu.

Brie não lhe devolveu o sorriso.

— Tenho que voltar. Como posso convencê-lo de que me deixe ir?

— Talvez depois do relatório possa persuadi-lo. Olhe, Brie, a verdade é que Nick se preocupa contigo. Estou certa de que há alguns agentes perdidos no tempo. Para Nick, isto é algo pessoal.

Brie a olhou com surpresa.

— Provavelmente deveria ler esse arquivo. Quando disse uma hora, falava sério. Hambúrguer ou pizza?

Brie piscou.

— Pizza. Se voltar a ver carne vermelha, vomito.

Sam sorriu e levantou o telefone.

Brie olhou a pasta e viu o nome de Aidan escrito sepulcramente em sua etiqueta. Seu coração se encheu de medo. Abriu o arquivo e em seguida se surpreendeu.

O relatório tinha vinte e sete páginas. Havia dezoito avistamentos, todos eles comunicados por agentes do CAD. Brie começou a tremer. Em 1942, um agente viu Aidan em Londres de 1428, onde destruiu um punhado de demônios; em 1818, outro agente o viu o noroeste das Terras Altas em 1488, durante uma terrível guerra de clãs infestada de demônios e subdemonios. O papel de Aidan não estava claro. Brie começou a respirar agitadamente. Em seu primeiro avistamento, Aidan era ainda um Mestre, mas estava certa de que no segundo já tinha renegado os Deuses. Com o coração acelerado, encontrou outro avistamento ocorrido em 1502, igualmente ambíguo. Havia seis mais, e em várias ocasiões informavam que deu as costas aos Inocentes.

Uma coisa estava clara: os agentes do CAD passaram dois séculos viajando no tempo. Nick não era o único que podia voltar ao passado.

Brie olhou para Sam.

— Isto não me serve de nada.

— Segue adiante.

Chegou à segunda parte do arquivo. Aidan foi visto e fotografado em Roma em 2007, em Madrid em 2005 e em Londres em 2004. O viram também em Milão, Nova Iorque e Beverly Hills. Em todas as ocasiões, depois da mudança do milênio. Todos os relatórios foram acompanhados de fotografias. Brie viu Aidan vestido com sua jaqueta de couro do Gucci e uns Levi’s descoloridos. Nunca esteve mais bonito. Ignorou o fato de que em todas as fotos tinha uma mulher pendurada no braço. Havia uma dúzia no total.

Por acaso aquilo não significava que sobreviveu?

Se deu conta de que Sam estava a observando. Uma caixa de lenços de papel apareceu junto a sua mão direita. Brie pegou um lenço e limpou os olhos chorosos. Depois levantou o olhar.

— Não vai morrer, não é? Olhe estas fotos dele no século XXI — mas, ao olhar pra elas de novo, se fixou em sua expressão despreocupada.

Estava vendo Aidan antes de sua queda.

— Não leu os relatórios, ou não os leu com atenção — disse Sam com calma.

Brie hesitou e a olhou nos olhos.

— Todos os avistamentos nas Terras Altas acabam em 1502, depois dessa data, não tornou a ser visto na Escócia.

Brie tinha medo.

— O que tenta me dizer?

Sam tinha uma expressão amarga.

— Esses relatórios são claros. Aidan usa roupa moderna, mas é um homem medieval de visita no futuro. Procede do passado. Acredito que, todas as vezes que foi visto posterioridade à mudança de milênio, procedia de um período posterior em alguns anos a seu ingresso na Irmandade, que, conforme acreditam, se deu em 1421.

As mãos de Brie começaram a tremer. Aidan foi a casa de Allie no ano passado desde 1430. A própria Allie disse pra ele.

Isso foi antes do assassinato de Ian, antes de sua queda.

Brie ficou em pé e lançou o arquivo para Sam.

— Então o enforcam em 1502? Isso é o que crê?

— É o que acredito, Brie. No Awe há uma tumba com sua efígie. Isto também está no arquivo. Para aa pessoas dali ele é um mito: o Lobo de Awe, um homem que destruía implacavelmente seus inimigos e que, no fim, conheceu uma sorte igualmente cruel.

— Aidan não é cruel — respondeu Brie.

— Se esse for seu destino, é muito injusto — disse Sam. — Me dou conta do quanto mudou. Apenas te reconheço. Mas você não pode impedir sua execução se estiver escrita.

Brie olhava pra ela com fúria.

Sam olhou seu relógio ao mesmo tempo que tocava seu telefone.

— A pizza está aqui, e tem vinte e seis minutos.

— E se não estiver escrito? E se devo impedir essa execução?

— Então é melhor nos apressarmos.

Brie saiu cambaleando do CAD, já de noite, acompanhada por uma escolta que incluía Sam e dois agentes da ativa da UCH. Era muito tarde, e estava tonta pelo cansaço. Passou oito horas e meia informando exaustivamente a seu chefe. Nick conhecia já cada detalhe de sua estadia no passado, incluindo tudo o que aprendeu sobre os Mestres, a Irmandade e os demônios da Idade Média.

Entraram no carro de Sam, um Lexus negro, e Sam se despediu dos agentes. Enquanto Sam conduzia para o loft, Brie olhava com indolência pelo vidro. Por fim disse:

— Vou encontrar uma maneira de voltar. Penso em voltar para o trabalho amanhã e começar a procurar um agente que possa viajar no tempo. Se Nick não quer me levar, subornarei um agente que possa, ou o chantagearei, ou o ameaçarei, ou o seduzirei.

— Caramba — disse Sam —, ainda custo a acreditar que ficou tão dura. Se começar a fazer exercícios e se ficar em forma, o salto será muito mais fácil — lhe deu um sorriso. — Isso aprendi durante meus treinamentos no CAD.

— Não penso ficar tempo suficiente para me pôr em forma — repôs Brie, e pensou em como Aidan fez amor com ela, gostava de seu corpo como era. A tristeza se apoderou de seu coração.

— Provavelmente Tabby possa ajudar — disse Sam em voz baixa enquanto entravam na garagem subterrânea.

— Maldição — resmungou Brie, porque o carro começou a se inclinar e a girar de repente. Assustada, se agarrou ao painel do carro, consciente de que ia ter uma visão. Pela primeira vez em sua vida desejava se opor aquele dom. Mas se deixou levar, recostou no assento com a cabeça para trás enquanto o carro dava voltas e mais voltas, até que parou.

Malcolm abraçava Claire e chorava.

Aidan oscilava na corda enforcado, inerte, com a cabeça encurvada.

Era um dia cinza e o chão estava coberto de neve.

Brie compreendeu vagamente que já viu aquela cena e se sentiu confusa, até que a visão se alterou.

Aidan estava pendurado diante de um muro de pedra almenado, mais à frente do qual se estendia um pátio de armas vazio. Dentro do castelo havia um pequeno quarto escuro, iluminado por uma única vela. Ali havia uma cama, uma mesa e nada mais.

Brie ficou tensa. A imagem se fez mais diáfana. Um homem jazia sobre a cama com as mãos cruzadas e os olhos abertos, mas tão quieto quanto um cadáver. Era Moray, o demoníaco pai de Aidan.

Brie sufocou um grito e ficou tensa. O suor banhava seu rosto. Acabava de ver Moray morto?

Soube então, de algum modo, que não estava morto. Estava em repouso, esperando a volta de seu negro poder.

«Maldade dormida, chegada é a hora do amparo», ou algo assim. Brie compreendeu de repente aquele verso da profecia. Moray assistiria à execução de Aidan encarnado em outra pessoa; em Frasier, provavelmente. E Tabby conhecia um encantamento para impedir que seu espírito maligno retornasse a seu corpo.

Ela tinha que voltar para encontrar Moray e acabar com ele.

— Está bem? — perguntou Sam.

— Acabo de ter uma visão. Acredito que se conseguir voltar, poderei encontrar Moray, e Tabby conhece um feitiço que provavelmente possa acabar de uma vez por todas com sua dominação demoníaca.

— Irei contigo — disse Sam.

Um momento depois estavam no elevador, subindo para o loft de Brie. Tabby abriu a porta e a estava esperando com um sorriso nervoso. Atrás dela, o aroma de uma comida deliciosa enchia o loft.

Sam disse em voz baixa:

— Suponho que não devo lhe dizer que seu destino é um enorme e bruto medieval que parece tão amável e sensível como um cão de briga com muitas pulgas?

— Não acredito que seja permitido revelar o que sabemos... a não ser que seja imprescindível —disse Brie.

— Está bem? — perguntou Tabby, abraçando-a, e a levou dentro para que pudessem fechar a porta.

— Não, não estou bem — respondeu Brie. — Estou tão nervosa que minha cabeça vai explodir.

Tabby a agarrou pelas mãos.

— Sam me contou o que aconteceu enquanto estava informando a seu chefe. Sinto muito, Brie.

— Tabby, por favor, busca um feitiço para me mandar para lá outra vez, no mesmo ponto onde estava.

Tabby a olhou com surpresa.

— Preciso disso depressa — embora também precisasse de uma ducha e trocar de roupa, na agência lhe deram lentes de contato e um moletom, correu para ligar o computador.

Tabby e Sam a seguiram.

— Já sabe que demoro para encontrar um feitiço — disse Tabby. — Poderia demorar dias, ou mesmo semanas.

Brie entrou em seus sites favoritos e procurou o último texto que leu. Olhou para Tabby.

— Por favor —Depois abriu a página que marcou.

Desejava freneticamente que o texto tivesse mudado. Se seu amor o mudou, Aidan não se deixaria morrer.

— Brie, no ano passado, quando Allie desapareceu, Sam me pediu que procurasse um feitiço para viajar no tempo. E não encontrei nenhum — disse Tabby, preocupada.

— Cada dia é diferente — lhe recordou Brie. — Se não encontrar um feitiço, procurarei outro modo — teclou o enter e o texto encheu a tela.

Em dezembro de 1436, Aidan, o Lobo de Awe, um highlander sem clã, saqueou a fortaleza do conde de Moray no Elgin, sem deixar um só sobrevivente.

Brie respirou fundo e leu o resto da página.

Moray, entretanto, escapou ileso à ira do Lobo e ocupou seu posto na corte como Defensor do Reino, ao lado do rei Jacobo, o mesmo cargo de que desfrutou uma década antes. Mas, quando Jacobo foi assassinado no Perth em fevereiro do ano seguinte, Moray, que estava naquele momento na corte, desapareceu sem deixar rastro e nunca voltou ou se soube dele. É muito possível que foi assassinado com o monarca. Durante os dezenove anos seguintes, o Lobo de Awe se dedicou a destruir implacavelmente as famílias e as posses dos três poderosos filhos de Moray, os condes de Feith, Balkirk e Dunveld. Foi Argyll quem cobrou vingança, quando em 1458 queimou o castelo de Awe até os alicerces. Embora o Lobo investiu vinte anos reconstruindo sua fortaleza, se viu obrigado a entregar seus demais domínios, seu título e ducado, o do Lismore, ao rei Jacobo II. Continuou sendo um personagem temido por todos até sua morte. Em 1502, depois de participar como mercenário no levante de MacDonald, foi acusado de traição pelo general real do Norte, o poderoso chefe Frasier. Ferido gravemente depois de um intento de fuga, foi pendurado publicamente em Urquhart.

Brie já não via a página: tinha os olhos cheios de lágrimas. As enxugou e seguiu lendo:

Sua tumba, cuidadosamente restaurada, encontra-se nas ruínas do castelo de Awe, no lago do mesmo nome. Atualmente é uma importante atração turística.

Nada mudou, nenhuma só vírgula. Brie apoiou a cabeça nos braços e deixou que a tristeza e o medo a embargassem. Sentia raiva e frustração. Tabby apoiou a mão sobre suas costas.

— Tentarei encontrar um feitiço para te mandar de volta. Quer falar disso? Dele?

— Estou esgotada — resmungou Brie.— E farta de falar, graças a Nick — levantou bruscamente. — Preciso tomar banho e trocar de roupa.

Tabby nunca pareceu tão preocupada.

— Vou preparar o jantar. Pode comer na cama. Não vou te deixar sozinha.

Brie esboçou um sorriso.

— Obrigada.

Mas enquanto se dirigia ao quarto de banho, pensou na tumba do lago Awe e na visão em que Aidan apareceu como uma efígie, parou e retornou à sala de estar.

—Sam, alguém foi à tumba de Aidan?

Sam hesitou.

— Não sei. Acredito que simplesmente saibam que a tumba existe.

— Mas alguém a viu? Há fotos? — perguntou Brie.

— Se houvesse, estariam no arquivo. No que está pensando?

O fato de que tivesse visto a efígie de Aidan e de que se soubesse que Aidan de Awe tinha uma tumba não significava que a dita tumba fosse a sua. Os historiadores cometiam enganos constantemente.

— Quero vê-la com meus próprios olhos. Vou pra Escócia.

Dois dias depois, Brie estava sentada junto a Sam no carro que alugaram no aeroporto de Edimburgo. O lago Awe brilhava diante delas. Conseguiram pegar um voo na noite passada e aterrissaram em Edimburgo essa mesma manhã. Passaram horas cruzando de carro a paisagem das Terras Altas, que, em termos de beleza, não era nem a metade do esplendor da Idade Média. Os sinais da vida moderna ficavam mais escassos à medida que se afastavam dos subúrbios do Edimburgo e deixavam pra trás povoados cada vez menores. Os altos Montes elevavam diáfanos e cortados. Séculos atrás, os bosques eram tão densos que só os caminhos dos cervos penetravam em sua espessura. A paisagem era tão familiar e ao mesmo tempo tão diferente...

Mas isso não importava. A única coisa que importava era a verdade sobre o destino de Aidan. Brie se agarrava ao painel do carro enquanto avançavam pelo caminho de terra cheio de buracos que conduzia ao castelo de Awe. O lago, de cor safira, com suas pedras vermelhas surgindo entre a bruma, era pra ela dolorosamente familiar, e seu coração palpitava com força. Quase esperava ver Awe como era em 1502, com homens a cavalo na ponte e highlanders entrando e saindo da barbacã. Sonhava em ver Aidan saindo pela porta, belo em seu kilt, manto e espadas.

— Meu Deus —murmurou.

Sem dizer nada, Sam freou ao chegar a um mirante que havia junto à estrada. As pedras vermelhas que emergiam das águas resplandecentes eram apenas isso: pedras vermelhas. O castelo de Awe estava em ruínas.

A única coisa que restava da espetacular fortaleza, com suas muitas torres, pátios e aposentos, eram duas muralhas em ruínas e duas torres quebradas. A ponte que levava às ruínas era impossível de atravessar: ficou reduzida a três fragmentos de pedra separados entre si. Uma ponte se erguia mais ao norte, junto a ela havia estacionados três carros. Os turistas estavam saindo das ruínas, a caminho de seus carros.

Um par de cisnes passou junto às ruínas da ponte no qual se congregou o poderoso exército de Aidan para partir para Inverness. Brie começou a chorar.

— Sinto muito — sussurrou Sam. — É horrível que tanta beleza e tanta grandeza tenham acabado nisto.

Brie tentou conter sua tristeza. Como se adivinhasse seus pensamentos, Sam pôs em marcha o pequeno Renault e estacionou junto à ponte moderna. Brie saiu do carro, tão angustiada que acreditou que ia morrer. Com Sam a seu lado, começou a andar lentamente para as ruínas.

Não sabia se poderia suportar a dor.

Tinha tanta saudade de Aidan...

Um americano vestido com bermuda e tênis Adidas, uma câmera pendurada do pescoço, estava saindo do castelo. Olhou pra ela com uma careta.

— Uma perda de tempo — disse. — A única coisa que vale a pena é a tumba. O resto é um monte de pedras.

Sam a agarrou pelo cotovelo. Brie não disse nada ao passar junto ao homem, porque não podia. Sua ignorância a havia deixado furiosa.

A porta que levava ao pátio de armas, o grande salão e o interior do castelo deveria estar ali adiante, com suas majestosas torres dos lados. Deveria haver sentinelas nas torres e por toda a muralha. Brie parou. Esperava ainda que o castelo se transformasse por mágica e que Aidan saísse pelo passadiço da entrada, com os olhos iluminados pela curiosidade ao vê-la.

— A guia dizia que o sepulcro estava debaixo de onde se achava originalmente a capela —murmurou Sam.

Brie enxugou os olhos e seguiu adiante. Se sentia fraca: mal comeu durante os dias. Sam a seguiu no interior do que antigamente foi o pátio de armas. O grande salão devia ficar a sua esquerda. Em cima dele estava o quarto de Aidan, onde ainda pouco fizeram amor.

Daria tudo para estar de novo em seus braços, pensou Brie. Não podia aceitar que não voltaria a vê-lo. A única coisa que tinha que fazer era descobrir uma maneira de voltar para o passado.

Viu diante de si uma porta de madeira que fazia parte da muralha do castelo. Duvidou; não sabia se podia seguir adiante. Mas tinha que conhecer a verdade. Cruzou o resto do pátio deserto, cujo chão estava coberto de pó e barro. Começou a ouvir vozes de homens e mulheres; falavam todos eles em gaélico, e suas vozes ficavam cada vez mais fortes e vívidas. Ouviu o relincho dos cavalos e o som dos arreios, de repente cheirou a carne assada e sentiu o calor que desprendiam constantemente as grandes lareiras acesas.

Respirou fundo. Se fechasse os olhos, se encontraria na fortaleza de Awe quando os abrisse de novo? Aidan sairia de um corredor ou de uma porta, com seus incríveis olhos azuis fixos nela? Fechou as pálpebras com força.

— Não há nenhuma lei que te obrigue a fazer isto.

Brie pestanejou. Não estava em tempos medievais; parou diante da grossa porta de madeira arranhada que conduzia ao sepulcro.

— Tenho que ver se realmente é ele.

Sam a olhou e abriu a porta.

— As românticas primeiro — disse em voz baixa.

Brie desceu pelas escadas de pedra centenárias até uma pequena sala de teto baixo, com duas luzes elétricas na parede. Um calafrio a percorreu ao ver a tumba de pedra colocada junto à parede do fundo. Sobre ela se via a efígie lavrada em pedra de um highlander.

Jazia em repouso, com as mãos cruzadas sobre o peito, e usava botas até o joelho, colete, manto preso ao ombro e um cinturão com duas espadas, de longe era idêntico à efígie de sua visão.

Se aproximou, cambaleando, enquanto lutava para ver o rosto da estátua. De repente sentiu um imenso alívio, porque embora a estátua tivesse a mandíbula robusta, o nariz reto e o cabelo ondulado, era impossível dizer se era a efígie de Aidan ou a de outro homem musculoso e atraente.

— Brie... — disse Sam puxando a manga de sua blusa.

Brie a olhou. Não gostou de sua expressão e seguiu seu olhar.

A efígie tinha um colar com uma presa de lobo.

Alugaram um quarto em um hotel de Oban, não muito longe de Glasgow. Brie estava sentada no salão da entrada, esperando que Sam descesse para jantar. Enquanto isso, tentava recuperar a compostura. Mas era impossível pra ela.

Aidan morreu na forca e aquela era sua tumba, como todos acreditavam.

Tapou o rosto com as mãos. Tinha que retroceder no tempo só para estar com ele, embora fosse impossível impedir sua execução. Talvez outros tivessem razão e sua morte estivesse escrita. Ir a Escócia foi um engano. Era muito doloroso.

Baixou as mãos e olhou seu relógio. Evidentemente, Sam decidiu se arrumar: não podia remediar isto. Ela, pelo contrário, não se importava com o que vestia, nem o aspecto que tinha. Ao sair da ducha colocou primeira roupa que encontrou na bolsa de viagem. Vestia jeans, uma camiseta e sandálias. Conseguiu trocar as lentes de contato e escovava os dentes. Talvez devesse pular o jantar e ir para a cama chorar.

Alguém roçou sua mão. Brie levantou os olhos, esperando ver Sam, mas não havia ninguém ali.

Inquieta, se levantou. Jurava que a haviam tocado.

Então o ar pareceu se agitar e mudar para a entrada do salão, de repente pareceu vislumbrar Ian. Mas o pequeno desapareceu em seguida.

— Ian! — exclamou. — Volta!

A mesa de recepção estava ao outro lado do salão, e a recepcionista olhou pra ela.

Brie correu pelo salão, mas Ian não estava ali. Encontrou seu fantasma no Oban moderno? Se era assim, por que deixou de vê-lo? A quem obedecia que agora não podia se materializar? Brie temia que significasse algo terrível.

Estava no corredor, tremendo, se aproximou da porta e olhou pela janela, mas o pequeno fantasma não estava ali.

Estava tão alterada que imaginou ter visto Ian?

— Volta, por favor —murmurou. Ian a tinha conduzido até o Aidan uma vez. Talvez voltasse a fazê-lo.

Mas a tarde estava em perfeita calma; o ar quente não se movia, e Brie não sentia a presença do pequeno.

Saiu, respirando agitadamente. Era de tarde. Os vianjantes iam daqui para lá, apressadamente, a caminho de casa ou ao pub depois de sair do trabalho. A rua estava cheia de carros. Bem do outro lado havia uma pequena livraria em cujo letreiro se lia «Especializada em história das Terras Altas».

Não tinha certeza de ter visto Ian, mas, se o viu, estava certa de que sua intenção era encaminhá-la para a livraria. Ou provavelmente também fosse imaginação dela. Mas não importava. Sam estava demorando e, se aquela livraria era especializada em história das Terras Altas, aproveitaria para comprar uns livros e levar para casa. Talvez algum dia encontrasse um historiador que pusesse em dúvida a morte de Aidan.

Cruzou a rua com cuidado entre o tráfego da hora do rush. Nem um só escocês a insultou, nem tocou a buzina. Todos foram extremamente amáveis e lhe fizeram gestos gentis. Ao entrar na livraria soaram as campainhas da porta. A senhora atrás do mostrador sorriu pra ela.

— Fechamos dentro de dez minutos, querida. Posso te ajudar em algo?

— Acabo de chegar ao povoado —disse Brie—, e vi o letreiro da vitrine, eu adoro história.

— É americana — disse a mulher, encantada. — Bem-vinda às Terras Altas. Sou a senhora McKay. Suponho que estará fazendo a rota dos castelos, esteve no Dunstaffnage?

— Hoje estivemos em Awe.

— Kilchurn é esplêndido, não é?

— Estivemos no castelo de Awe — falou Brie novamente. — Estou investigando sobre um de seus... — Parou, incapaz de continuar.

— Então viu a tumba do Lobo, me dá calafrios cada vez que vou. Que highlander tão esplêndido, né?

Brie conseguiu esboçar um sorriso amargo.

— Acredito que você gostará disso, então. Está descatalogado e é o último exemplar que existe — a mulher se aproximou de uma estante lotada de livros e tirou uma caderneta. — Quem escreveu foi um professor de Oxford em mil novecentos e cinquenta e dois — deu a caderneta a Brie.

Brie deu jogou uma olhada e se sentiu desfalecer, o título era O legado do castelo de Awe, o Lobo e os condes de Argyll. Estava atônita.

— Levo este. — disse.

A mulher sorriu, satisfeita.

— É muito difícil contatar com ele, mas provavelmente deveria tentar entrevistar o Barão de Awe. Ninguém conhece melhor que ele a história do castelo.

— O Barão de Awe? — perguntou Brie, trêmula.

— Sim. É um descendente do Lobo, ou isso dizem. Tem uma casa muito bonita, do século XVIII, na borda leste do lago. É difícil estar em casa, claro, porque prefere viver na cidade. Acredito que agora mesmo está em Barcelona, mas sei de boa fonte que esperam por sua volta a qualquer momento — a senhora McKay lhe sorriu.

Brie estava pensando que não sabia se falar com um dos descendentes de Aidan serviria de algo quando a senhora McKay exclamou:

— Falando do rei de Roma! Aí está o Barão. É um de nossos melhores clientes, claro. Apesar de que pareça um playboy, é muito culto e muito aficionado à leitura.

Brie sentiu tanto poder branco que ficou sem fôlego. O Barão de Awe não era um homem moderno, pensou, e olhou pela vitrine da loja.

Seu coração explodiu. Por um segundo acreditou ver Aidan saindo do Mercedes conversível negro.

Seu coração pulsava vertiginosamente.

Mas não era Aidan. Poderia ter sido seu irmão gêmeo, mas Brie sabia que não era ele.

— Todas as mulheres o olham pra ele assim. Verdade que é bonito? — a senhora McKay riu. — Eu lhe apresento.

Brie não podia respirar. A proprietária da livraria correu à porta.

— Boa tarde, milorde! Não sabia que voltou.

O gêmeo de Aidan virou e sorriu. Vestia uma camisa polo azul marinho, e calça escura. Era a própria personificação da elegância e poder. Inclusive usava um relógio Cartier.

— Olá, senhora McKay. Como vão seus negócios? — suas covinhas eram idênticas as de Aidan.

— Muito bem, senhor. Pode esperar um momento? Eu gostaria de lhe apresentar uma turista americana que está fazendo uma investigação sobre sua família.

O Barão viu Brie. Seu sorriso apagou. Seus olhos azuis obscureceram e uma expressão de perplexidade cruzou seu rosto.

Brie umedeceu os lábios ressecados. Era aquele o tataraneto de Aidan?

— Sua senhoria Ian Maclean, Barão de Awe — disse a senhora McKay com orgulho. Retrocedeu de volta a caixa registradora e começou a tirar os recibos desse dia.

Brie fechou os olhos. Sentia-se a ponto de desmaiar. Aquilo era uma coincidência.

Ele a segurou.

— É um prazer te conhecer — disse com suavidade.

Brie abriu as pálpebras e, ao olhar seus olhos azuis, se assustou: acreditava reconhecê-los. Pensou em Ian, naquele pequeno que lhe implorava que o entendesse, em seus olhos azuis brilhantes, em sua carinha de menino quando o viu no grande salão de Awe e na tenda de Aidan. Respirou fundo e sussurrou:

— É você, Ian?

Seu semblante endureceu.

— Nos conhecemos?

—Sou Brie. Acredito que... conheço seu pai.

A fria expressão de seu rosto era idêntica a de Aidan quando estava zangado.

— Meu pai morreu faz muito tempo — virou bruscamente e saiu da tenda.

Brie correu atrás dele e o agarrou pela manga.

— Seu pai era o Lobo de Awe? —conseguiu dizer, desesperada.

Os olhos de Ian brilharam, e eram os de Aidan.

— Está jogando um jogo perigoso. O Lobo foi enforcado faz séculos. A verdade está aí, nesse folheto que tem na mão e na tumba do castelo de Awe.

Brie começou a sacudir a cabeça. Seu coração gritava que aquele era o filho de Aidan. Acaso Ian não suplicou a ela para voltar para casa? Não haviam dito os guias de Tabby que estava vivo? Não disse também Moray? Tentou pensar racionalmente, com calma, mas disse:

— Me leve ao passado. Temos que impedi-lo. Não permitirei que o enforquem!

Os olhos do jovem aumentaram, se inclinou para ela e disse aborrecido:

— Está louca?

— Tenho que voltar! Seu pai não pode morrer. E não me diga que está escrito!

Ele a agarrou, incrédulo, quando começou a chorar.

— Agora lembro de você. Lembro de você faz muitos anos, quando era um menino pequeno a quem mantinham prisioneiro e tentava dizer a você e a meu pai que estava vivo para que fosse me resgatar.

Ela se agarrou em seus fortes braços.

— É você, Ian? — tocou seu rosto.

— Mas ele nunca voltou, em sessenta e seis intermináveis anos — disse Ian com aspereza. — Nunca voltou.

 

Urquhart, 1502

Procurou ficar entre a multidão: era perigoso que se deixasse ver em sua identidade corpórea, sobretudo quando esperava a aparição da Irmandade. Uma enorme multidão se congregou para assistir à execução do Lobo. Ele assistiu e presidida centenas de execuções ao longo dos séculos. Achava tanto prazer na morte, embora amável, como aquela... E embora a forca fosse o método de execução que menos gostava, porque causava pouca dor, a multidão que se reunia para contemplar um enforcamento era sempre alegre e estava ansiosa de sangue. Aquela multidão, pelo contrário, parecia estranhamente aflita, e ele não entendia por que. Necessitava de seu sadismo: sentia prazer nele.

Os séculos desfilaram como chamas diante de seus olhos. Houve tanto poder, tanta destruição, tanta morte... Mas, naquele século, um de seus filhos o desafiou. E odiava aquele filho com ardor. A Ovelha Negra.

Era muito cedo para que Aidan morresse.

Não sofreu o bastante. Seu filho desejava morrer para proteger aquela mulher e achar a paz. Mas ele devia mudar esse dia, devia servir-se da mulher como pensou. Encontraria muito pouca satisfação nisso se Aidan não estivesse vivo para saber. Não devia permitir que seu filho encontrasse a paz.

Moray observava a cena, pensativo. Aidan ainda não foi tirado das masmorras. Quando aparecesse, se mostraria estoico, apesar de saber que ia morrer. Não haveria nenhum prazer naqueles breves instantes. O olhar de Moray se estreitou. Frasier estava junto ao cadafalso com alguns homens, concentrado em seu dever, limitava-se a obedecer a seu rei. Tampouco havia qualquer prazer em entrar na mente do general real.

Então Moray viu os Mestres se aproximarem.

Viu primeiro Malcolm de Dunroch, o Mestre que esteve a ponto de se converter, o Mestre que o derrotou. Estava quase em prantos.

A ira de Moray se dissipou. Sua luxúria começou a se agitar, se alimentou imediatamente da dor e do medo de Malcolm. Depois viu a mulher que ia a seu lado, uma guerreira para quem antigamente teve grandes planos. Estava pálida e chorosa e segurava a mão de Malcolm. Moray pensou em se vingar de Malcolm, mas não se atrevia porque aquela mulher aumentava extraordinariamente sua força. Seu poder, embora pouco visível, era tão profundo que Moray o temia. E temia, mais que qualquer outra coisa, o amor que os unia.

Também foram outros Mestres próximos a Aidan. Entre eles estavam Royce, o Negro e uma mulher pequena e muito bela, dona de um deslumbrante poder branco. O loiro Mestre parecia resignado e sua dor estava enterrada muito fundo, o que a fazia muito menos prazerosa, mas a raiva carregada de impotência de sua esposa lhe divertia. Aquela mulher pensava em curar Aidan; não tinha intenção de deixá-lo morrer. Moray ouviu muitas histórias a respeito da Curadora, e desfrutaria dobrando a ela também. Mas não esse dia.

A multidão bulia e murmurava. Começou a entender o nervosismo. Moray viu que alguns soldados armados levavam Aidan para o patíbulo com as mãos atadas à costas. Realmente Aidan pensava que protegeria Brianna morrendo por ela? Mal sabia que seus sofrimentos acabavam de começar.

Aidan olhava fixamente para frente, sem ver ninguém. Depois se sobressaltou e olhou diretamente para Moray, como se percebesse seus pensamentos. O ódio brilhou nos olhos de seu filho.

Moray riu dele. Enquanto Aidan era conduzido ao cadafalso, Moray abandonou o pátio e entrou apressadamente no aposento da torre, cuja porta fechou o ferrolho, deitou na pequena cama e dirigiu seu poder para Frasier para poder deter a execução. Faria no último momento, quando Aidan estivesse a um passo da morte.

Não aconteceu nada.

Era impossível. Tentou outra vez. Estava preso. Alguém protegeu Frasier de seu poder.

Era muito cedo para que Aidan morresse. Não pagou por seu desafio!

Moray lançou sua energia para a pessoa mais próxima que passava por ali, um musculoso cavaleiro.

Fora se ouvia rugir à multidão.

— Claire, não posso ficar aqui e vê-lo morrer — disse Malcolm.

Tinha o coração partido desde a véspera, quando deixou seu irmão nas masmorras e jurou pra ele que não iria intervir. Seu irmão, a quem odiou durante os primeiros vinte e cinco anos de sua vida e que depois chegou a amar. Passou quase sete décadas aferrando-se à fé e a esperança, se negando a acreditar nos rumores que corriam sobre Aidan. E agora sabia que fez bem.

Aidan não era mal. Se revoltou contra a Irmandade.

Malcolm tinha que deter aquilo.

Claire se agarrava a sua mão.

— Todos os livros de história dizem que morre, mas eu tampouco posso suportar. Faça alguma coisa, Malcolm!

— Aidan! — gritou Malcolm.

Aidan se erguia sobre o cadafalso, por cima da multidão, descalço e vestido unicamente com seu kilt. Tinha a corda no pescoço, os ombros retos e a cabeça alta. Esteve olhando ao longe, por cima das pessoas, mas seu olhar azul, cansado e sombrio, posou em Malcolm. Sorriu, resignado. «Obrigado por sua fé».

— Me libere de meu juramento — gritou Malcolm.

Aidan pareceu sacudir a cabeça.

«Cuide de Brianna. Protege-a. Agora, me deixe partir. Estou cansado desta guerra».

Malcolm decidiu mandar ao inferno suas promessas. Mas antes que pudesse romper a corda com uma descarga de energia, Royce o agarrou pelo braço e bloqueou seu poder.

— Deixe-o ir. Deseja morrer.

— Não posso! — rugiu Malcolm a seu tio, consciente de que Royce entendia muito melhor que ele o que estava acontecendo.

— Está cansado de sofrer. Necessita de paz. Você não vê? Não sente? — perguntou Royce suavemente.

— É meu irmão.

— Sim, e esta há muitos anos chorando por seu filho. Agora deseja proteger à mulher que ama. Morrerá em paz, nem humilhado nem em desgraça.

Allie se separou deles bruscamente e correu entre a multidão. Ao chegar aos pés de Aidan, parou. Com o rosto manchada de lágrimas, gritou pra ele:

— Nos deixe parar isto. Deixe que te cure!

— Poderá salvar Brianna de Moray? — perguntou ele com voz fraca.

Allie começou a chorar.

Aidan afastou os olhos.

— Brie te ama. Eu te amo! — soluçou ela. — Não nos faça isto!

Os soldados a agarraram e a separaram do cadafalso.

— Uma palavra mais e será presa, lady Morvern — espetou Frasier. — É meio-dia. Enforquem-no.

Allie gritou, lutando com os soldados. Royce correu para seu lado. Afastou os homens e abraçou sua esposa. Tabby e Guy MacLeod se materializaram a seu lado. Quem viu sufocou um grito de surpresa e se benzeu. Mas quase todo mundo olhava o homem que esperava em pé sobre o patíbulo. A tampa do chão se abriu. Aidan ficou pendurado no ar, com a corda ao redor do pescoço. Um instante depois, se ouviu um forte estalo.

Malcolm proferiu um grito.

— Deus santo — murmurou Guy enquanto sustentava sua esposa.

A cabeça de Aidan caiu pra frente.

Allie desabou nos braços do Royce.

— Me deixe curá-lo.

— Deixe-o partir, Ailios. Deixe-o partir.

Uma sensação a paralisou, como se uma faca trespassasse seu coração, atravessou Brie. Pálida, dobrou-se sobre si mesmo.

— Brianna? — Ian a rodeou com o braço.

Sentia-se fraca, tonta. Olhou pra ele piscando. Era o filho de Aidan. Ian não morreu em 1436, depois de tudo. Aidan tinha que saber disso. Aquilo podia mudar tudo.

— O que aconteceu? — sussurrou Brie.

Ele se assegurou de que ela conseguia se manter em pé e a soltou.

— Me libertaram em 1502, depois de sua execução —respondeu asperamente. — Depois descobri que me libertaram esse mesmo dia — riu sem vontade. — Devolveram Elgin. Esse demônio já não podia me usar, foi em busca de outra presa. Devido a seu poder negro, eu continuava tendo nove anos, apesar de estar prisioneiro em Nova Iorque a maior parte desses sessenta e seis anos.

Brie estava horrorizada. Ian esteve prisioneiro durante décadas em Nova Iorque, e durante todo esse tempo teve nove anos. Que menino podia suportar tanta crueldade?

— Meu Deus, temos que fazer algo.

— Não se pode mudar o destino —lhe espetou ele.

Ela esquadrinhou seu olhar carregado de irritação.

— Como sobreviveu?

— Passava quase cada momento do dia pensando em meu pai e rezando para que fosse me buscar. Também tentei escapar. Cada dia inventava um novo modo de enganar aos guardas. Pegaram-me muitas vezes tentando.

Brie se abraçou. O sofrimento de Ian foi infinito. Ela não queria que Aidan soubesse.

— O que aconteceu depois de sua libertação? Suponho que Malcolm e Royce cuidaram de você.

Ele riu, irônico.

— Voltei sozinho pra casa desde Elgin, a pé quase todo o caminho. Demorei dois meses, porque era inverno, nevava e fazia muito frio, e eu já não estava acostumado às Terras Altas. A verdade é que já não pertencia à Idade Média, mas tampouco ao mundo moderno. E quando cheguei ao Awe já não tinha nove anos, Brianna.

— Está dizendo que, quando se rompeu o feitiço de Moray, começou a envelhecer?

— Era um homem adulto quando cheguei ao Awe e descobri que o castelo estava nas mãos de Argyll — mostrou a caderneta que ela sustentava nas mãos. — Aí conta como aproveitou Argyll a ocasião. Uma vez morto meu pai, partiu sobre o Awe e acrescentou a fortaleza a seus domínios. Passei os seguintes cinquenta anos batalhando com ele, até que consegui recuperá-lo — acrescentou com raiva.— Passou a me pertencer depois disso.

Brie fez gesto de pegar sua da mão, mas ele não permitiu.

— Sinto muito. Quero que saiba que seu pai vive com a dor de ter te perdido e que essa dor está matando ele.

— Meu pai está morto.

Ela o agarrou pela manga.

— Não está morto. Acabo de estar com ele e estava vivo. Sofria por você, Ian. Temos que retroceder no tempo! E se pudermos deter sua execução?

— Não pode alterar que está destinado a acontecer — seus olhos brilharam. — Está apaixonada por ele — não era uma pergunta. — Então também o amava. Por isso podia me comunicar contigo quando tentava falar com ele.

— Sim, estou apaixonada por ele. É um Mestre?

Os olhos de Ian brilharam de novo.

— Conhece muitos segredos, Brianna.

— Suponho que essa é resposta suficiente — o puxou pela mão. — Estou preparada. Preferiria que me segurasse muito forte, porque não quero me perder no espaço e no tempo.

— Está morto. Passei a vida inteira vivendo à sombra da lenda da morte do Lobo. Não se pode mudar o destino — se afastou dela. — E não vou tentar.

— Odeia seu pai? Por isso não quer me levar para que o salve? — ela gritou, furiosa.

— Que pai falha com seu filho? — os olhos de Ian cintilaram.

Brie se sentiu desesperada.

— Seu pai te ama muito.

Ian deixou escapar um som áspero.

— Não acredito.

— Brie! —gritou Sam do outro lado da rua, lhe fazendo gestos como uma louca.

Brie se alegrou pela interrupção. Nem um milhão de anos teria imaginado que encontraria Ian assim, convertido em um homem moderno, sombrio e amargurado. Viu que Sam cruzava apressadamente a rua com seus altos saltos e seu vestido apertado. Todos os homens que caminhavam pela rua viraram para olhá-la, e um carro que passava diante de Brie golpeou o para-choque do que ia adiante: seu condutor também virou a cabeça para lhe dar uma olhada. Ian virou para ver o que era todo aquele alvoroço. Entreabriu os olhos e a olhou fixamente.

Brie viu que sua amiga avançava ziguezagueando entre os carros. Parou todo o tráfego da rua.

— Chamou Tabby! — disse Sam, e seu sorriso vacilou quando olhou Ian. — Não é Aidan, não é? Interrompi algo?

Brie respirou fundo.

— Sam, este é Ian, o filho de Aidan.

Sam não pestanejou. Tinha o olhar cravado no de Ian.

— Se você não o convencer para que te leve ao passado, posso tentar — mas não sorria. — Tabby não encontrou o feitiço, Brie.

A boca de Ian se curvou ligeiramente. Demorou um momento em voltar a olhar para Brie.

— Ninguém pode mudar o passado.

Antes que Brie pudesse responder, Sam disse:

— Não esta certo. Às vezes se cometem enganos. Às vezes, o destino pode se negar. Desafiar. Interromper. E depois se restaurar. E sabemos disso em primeira mão porque nossa amiga Allie retrocedeu no tempo para mudar o futuro e conseguiu.

— Por favor, Ian — disse Brie. — Seu pai precisa de você, me leve ao Urquhart, me leve para o dia de 1502 em que o enforcaram.

Ian olhou para ambas.

— Está bem — disse a contra gosto.

— Espera. Eu também vou! — gritou Sam.

Mas Ian só abraçou Brie e esta gritou enquanto voavam por entre o tráfico e se elevavam a toda velocidade, como um torvelinho.

Brie sufocou um gemido ao sentir o impacto da aterrissagem. Seguia nos fortes braços de Ian e tinha a cara colada a seu peito. Estava enjoada, mas sabia que devia se levantar.

— Meu Deus — disse Ian, horrorizado.

Brie se separou dele, ajoelhada, e viu Aidan.

Balançava empurrado pela brisa. Estava morto. Tinha atrás os muros do castelo; o chão estava coberto de neve e uma multidão congregara. Era exatamente como sua visão.

Brie se levantou, frenética, e notou vagamente que Ian a ajudava.

— Aidan! — gritou, espantada.

Viu que tinha o pescoço quebrado porque sua cabeça pendurava em um ângulo grotesco. Chegaram muito tarde?

— Aidan, volte pra mim! — se precipitou para ele. Ian a soltou.

Amava-o tanto... Aquilo não podia acontecer. Ao diabo com os Deuses e o destino! Ali mesmo, decidiu não deixá-lo partir. Podiam retroceder novamente no tempo.

— Isto não está escrito — gritou para seu cadáver. Sua cabeça estava a poucos centímetros dos pés de Aidan. — Reescreveremos o destino!

O corpo de Aidan pareceu estremecer.

Ela agarrou seus pés para que deixasse de balançar.

— Volta comigo, não me deixe. Volta para nosso futuro — lhe suplicou.

Um tremor percorreu visivelmente o cadáver. Seu peito começou a se mover-se. Brie olhou seu rosto e viu que suas pestanas se moviam.

— Allie! — gritou.

«Brianna...».

Brie soube que não era telepatia porque viu mover-se sua boca. Aidan estava retornando de entre os mortos porque tinha decidido viver.

Então viu que a luz branca de Allie o banhava. Malcolm, Guy e Royce subiram de um salto ao patíbulo. Um deles cortou a corda e os outros baixaram Aidan. Um momento depois estava deitado no chão enquanto, ajoelhada a seu lado, Allie tentava curá-lo. As pestanas de Aidan se moveram e levantaram, e Brie viu que seus olhos azuis a olhavam fixamente. Começaram a brilhar, cheios de alegria e de amor.

— Brianna...

Ela pegou seu rosto entre as mãos, inclinou-se e o beijou.

— Voltou pra mim — sussurrou. Seus olhares se encontraram. Ele se sentou e a apertou contra seu flanco. Sem afastar o olhar dela, disse—: Diga ao Frasier que meus homens lutarão pelo rei.

— Direi — disse Royce, e se afastou.

— Alguma vez obedeceu a alguém? — perguntou ele em voz baixa.

— Jamais perdoarei Nick por me afastar de você quando mais precisava de mim — disse ela, o segurando pela mão. — Por que decidiu morrer?

— Para te proteger de meu pai — respondeu ele suavemente. Levantou-lhe o queixo e a beijou com ternura. — Mas me apaixonei por ti, Brianna. E até morto, quando os Deuses vinham me buscar, dava-me conta de que não desejava morrer. Quero viver. Quero viver contigo, Brianna.

A ela saltaram as lágrimas. Acariciou seu belo queixo.

— Menos mal, porque quero te apresentar alguém — disse, e levantou o olhar.

Ian Maclean os observava com rosto tenso e contraído.

Aidan seguiu o olhar de Brie. Seus olhos alargaram e ficou pálido, se levantou lentamente, estupefato.

— Ian?

Ian não moveu um músculo. Sua cara estava cheia de tensão.

— Se não o enforcaram, se tivermos rescrito o destino, tem que me salvar. Estou no Elgin —disse, e desapareceu no tempo.

— Ian! — gritou Brie.

Aidan a olhou, incrédulo.

— Encontrou com ele futuro?

Brie concordou, se dispôs a explicar tudo pra ele quando sentiu o poder negro de Moray. Gritou para dar o alarme, mas Aidan já virava.

Não houve tempo para gritar de novo. Um gigante vestido com um kilt corria para eles lançando energia e rugindo de raiva.

— Sim, Ian vive, mas você não voltará a vê-lo! — gritava furioso o cavaleiro.

Brie gemeu ao sentir uma descarga de energia que a fez sair voando do patíbulo e se chocar contra os muros de Urquhart. O impacto, entretanto, não foi tão forte quanto aquele dia no campo de batalha, porque Moray concentrou sua energia contra Aidan, não contra ela.

Os homens rugiam e as espadas chiavam ao se chocar. Aterrorizada por Aidan e convencida de que aquele era o momento da verdade, Brie sentiu que mãos a tocavam. A poderosa luz curadora de Allie atravessou seu corpo enquanto tentava se sentar. Quando por fim pôde fazer, olhou a cena.

O gigante possuído por Moray e Aidan lançavam estocadas. As espadas brilhavam, cheias de poder, e ambos os homens pareciam envoltos em um halo. Aidan estava envolto em uma luz chapeada e radiante; Moray, pelo contrário, rodeava-o uma nuvem de luz cinza escura.

Royce, Malcolm e Guy não podiam ajudar Aidan, porque estavam lutando com dúzias de cavaleiros possessos.

Tabby se ajoelhou junto a elas e começou a entoar um cântico. Em seguida entrou em transe e seu rosto pareceu ficar branco como cera. Brie não se moveu durante um instante. Tinha os olhos fixos em Aidan, que parecia ir impondo-se pouco a pouco ao gigante. Ela era muito consciente de que Tabby estava utilizando o feitiço que encontrou para aprisionar o poder negro de Moray e que não pudesse retornar a seu corpo, lá onde estivesse. Não queria deixar Aidan, mas agarrou a mão de Allie e por fim conseguiu deixar de olhar pra ele.

— Tem uma arma?

Allie assentiu.

— Claro — tirou uma adaga de suas botas de grife.

Era tão sexy e tão próprio dela que, em outras circunstâncias, Brie teria começado a rir.

— Está muito perto, em repouso, em um quarto — disse Brie. Mas Urquhart era uma fortaleza de tamanho médio, com muitos aposentos. Moray podia estar em qualquer delas.

— Vamos — disse Allie, pegando ela pela mão.

Puseram-se a correr, deixando pra trás Aidan e os outros Mestres, cujas espadas chiavam ainda, carregadas de poder. Cruzaram a primeira porta e entraram no pátio de armas. Ali se detiveram, ofegantes, e tentaram perceber onde Moray deixou seu corpo. Brie resmungou uma maldição.

— Como vamos encontra-lo? Sem seu espírito, não há nada que sentir.

— Imagino que terá que ser à moda antiga — respondeu Allie, e assinalou com a cabeça a torre mais próxima. — Teremos que procurar quarto por quarto.

Enquanto Allie corria para a torre quadrada, Brie sentiu de repente que a empurravam na parte de trás do ombro, em direção a uma torre pontiaguda situada no lado de fora da porta. Não foi Allie, que já havia se afastado.

Sua avó Sarah fez além disso um gesto com a cabeça.

— Allie! — gritou Brie, e correu para a torre.

Correu até uma estreita porta, de um lado da torre, enquanto Allie a seguia. Assim que tentou abrir se deu conta de que estava fechada por dentro.

— Merda — exclamou.

Claire cruzou a barbacã. Ofegava com força e tinha a roupa salpicada de sangue. Levava na mão uma grande espada.

— Está aí dentro? — perguntou, quase sem fôlego. Parecia uma valquíria.

Brie assentiu com a cabeça e retrocedeu.

Claire deixou cair a espada. Fez uma careta e lançou um chute à porta como se fosse um saco de boxe e estivesse no ginásio, praticando kick-boxing. A madeira rangeu, mas a porta não abriu. Claire deu outro chute, grunhindo.

Viram uma chama prateada e a porta caiu de suas dobradiças.

Brie virou e viu que Aidan se aproximava com uma espada ensanguentada na mão. Tinha uma expressão implacável. Brie fez uma careta, incapaz de se mover. Nunca viu o lado mais selvagem de Aidan.

Sentiu então que um imenso poder negro pairava sobre eles. Levantou os olhos e viu que a nuvem negra girava como um pequeno ciclone no alto da barbacã e penetrava no pátio de armas, direito para Aidan.

— Aidan!

Ele viu e disse com um grunhido:

— Venha lutar comigo, pai.

Ouviu-se uma gargalhada.

Brie olhou para o interior do aposento. Moray jazia na cama, aparentemente catatónico, igual como o viu em sua visão.

Aquela energia negra passou junto ao Aidan, entrou no aposento e se dirigiu para o homem que repousava nela. Mas ricocheteou de seu corpo e ficou de novo suspensa no ar.

Ouviu-se um rugido de ira.

— O feitiço de Tabby está funcionando — sussurrou Brie.

Aidan sorriu ferozmente.

— O que acontece, pai? Não pode entrar em seu corpo?

— Cuidado, Aidan! — gritou Brie no momento em que o poder negro descia sobre ele.

Mas sua energia prateada brilhou de novo, rejeitando-o. Aidan se aproximou do corpo de Moray com a espada no alto. Brie virou e ouviu o golpe da estocada.

Ouviram um uivo de raiva.

Brie ficou tensa ao ouvir de novo o golpe da espada.

E então o grito cessou de repente. O aposento ficou completamente em silêncio. Só se ouvia a respiração agitada de Aidan. Brie não se atreveu a olhar, mas sentiu que a escuridão enfraquecia. Levantou a vista. A nuvem negra subia para o céu cinza, cada vez menor, até que se dissipou em meio a fraca luz do sol.

Brie ouviu a porta do quarto fechar. Uma espada ensanguentada se chocou contra o chão, virou, trêmula, e Aidan a abraçou.

Ela ficou quieta, com a bochecha colada a seu peito, onde palpitava com força o coração de Aidan. Ele a abraçou com força. Tudo acabou.

Aterrissou dentro do pátio de armas do Elgin, tão decidido a encontrar seu filho que nem sequer se deixou tocar no chão: negava-se a sucumbir à dor ou a debilidade nesse instante. As negras paredes do pátio pareceram girar a seu redor. Demorou um momento para se recuperar. Olhou a seu redor. Elgin estava há vários anos nas mãos do chefe do clã Dunbar, embora continuasse pertencendo ao condado de Moray.

Segurou um rapaz de uns doze anos que passava por ali levando uma vaca e um bezerro ao prado de fora.

— Estou procurando um menino com o cabelo escuro e os olhos azuis, um pouco menor do que você. Está preso aqui. Pode ser que esteja em uma torre, ou inclusive nas masmorras.

O rapaz piscou e afastou o olhar.

— Não sei.

Aidan se introduziu em sua mente. O rapaz mentia. Os habitantes do castelo foram proibidos de dizer que havia um rapaz prisioneiro no piso mais alto da torre oeste, no caso de alguém perguntar se ele estava lá. Ninguém o viu, na realidade. Chegou sem ser visto, como se tivesse asas.

Aidan soltou o menino e correu para a torre. Abriu a porta e subiu a toda pressa pela escada em espiral. Enquanto subia, sentiu o poder negro acima... e ouviu os pensamentos de seu filho.

«Estou no último piso, pai».

Era Ian. Seu filho estava vivo de verdade!

Aidan chegou ao patamar e lançou uma descarga no guarda armado, que caiu no chão.

— Ian! — gritou abrindo a tranca. Abriu a porta com violência.

Ian estava exatamente igual ao dia em que Moray o assassinou, exceto pelas roupas modernas: uma camiseta, jeans e tênis esportivos.

— Pai!

A alegria embargou Aidan. Soluçando, correu para seu filho, se ajoelhou e estreitou Ian entre seus braços. Depois que pôde acreditar que estava ali, por fim.

— Está ferido? — tinha tanto medo que não se atrevia a soltá-lo. Enquanto estreitava seu corpo pequeno, pensou no homem adulto com o que acabava de se encontrar.

Ian se afastou de repente.

— Estou bem — disse com firmeza.

Aidan se sobressaltou, de repente tinha a estranha impressão de estar olhando um menino com alma de homem.

— Vamos para casa, filho.

Ian assentiu, com um olhar escuro e sombrio. Nesse momento, uma enorme presença começou a encher a quarto.

Aidan ficou quieto.

O lugar se inundou de uma luz branca e brilhante.

O esplendor da justiça e do poder absoluto, a cercania da eternidade, embargaram Aidan. Tudo foi resolvido de algum modo pensou, caindo de joelhos. Inclinou a cabeça. Nunca se sentiu tão humilde.

Não viu nenhuma forma. Aidan nem sequer estava certo de que ouvia uma voz.

— Ainda deseja se opor a mim?

— Não — respondeu Aidan, assombrado. O pai de todos os Deuses, o maior de todos eles, foi até ele.

— As provas que suportaste foram desenhadas pelos Deuses menores, que podem ser muito tolos. Mas eu escrevi seu destino.

Aidan não se moveu. Seus olhos encheram de lágrimas.

— Recuperaste a seu filho. Outros não têm tanta sorte, e o mal ceifa meninos em todo momento e em todo lugar. Você se encarregará de protegê-los.

— Claro que sim.

— Deixo esta lembrança porque será de grande ajuda. Não esqueça nunca este dia e os dias que o precederam.

Aidan levantou lentamente o olhar.

O Deus tomou forma.

Aidan tremeu.

— São meu povo eleito — disse o maior dos Deuses. — E eu escolhi a ti.

Brie entrou no dormitório de Aidan no Awe. Voltou a retroceder no tempo com Royce e Allie pouco depois da destruição de Moray. Aidan foi em busca de Ian. Royce falou com Frasier, que esteve de acordo em aceitar a oferta de Aidan e em recomendar ao rei Jacobo que lhe devolvesse seu favor. Royce dizia que Frasier era um homem devoto, justo e decente. Acreditava que podiam chegar a um acordo. Aidan tinha um grande exército que pôs a serviço do rei. Mas aquilo era o que menos preocupava Brie.

As misteriosas palavras de MacNeil faziam todo sentido agora...

Aidan decidiu morrer, mas o amor o impulsionou a continuar vivendo. E não poderiam impedir sua morte se sua execução não fosse um imenso engano desde o começo. Brie não sabia como o verdadeiro destino de Aidan mudou tanto, mas se havia uma explicação, encontraria, se aproximou da janela e olhou o lago Awe.

Fazia um dia bonito e ensolarado. A neve cobria e pendurava nas as bordas do lago, e era espessa nas copas dos pinheiros. O lago de cor safira brilhava e as montanhas coroadas de branco e prata se recortavam contra o céu azul. De onde estava, Brie via a ponte que levava a borda... e estava intacta.

Tremeu. Aidan decidiu viver e dentro de pouco tempo se reuniria com seu filho. Ela não queria voltar a visitar o lago e ver o castelo em ruínas.

Se aproximou da lareira, onde um empregado acendeu o fogo, sentia-se insegura. Onde se encaixava, agora que salvou a vida de Aidan e redimiu sua alma?

Aidan começaria de novo, se dispôs a empreender uma nova viagem. Brie sabia que voltaria a se unir à Irmandade. Mas Ian sofreu terrivelmente, e pai e filho foram se reencontrar depois de muito tempo. Ela queria ficar e lhes ajudar a recuperar sua relação. Não seria fácil, porque Ian provavelmente se converteria em um homem adulto em questão de dias, semanas ou meses. Brie entendia sua hostilidade. Mas, assim como Aidan, podia se curar e se curaria, não é?

Ruborizou. Ajudar a salvar Aidan era só em parte o motivo pelo qual queria ficar. Queria ficar porque o amava tanto que seu amor doía.

Respirou fundo. Não pediu que ficasse. E mesmo que pedisse, ela devia fazer o mais sensato e voltar pra casa. Aidan a queria, estava certa disso, mas por quanto tempo? Tinha que confrontar que seria ainda mais doloroso quando, algum dia, Aidan decidisse seduzir uma mulher realmente bela. Compartilharam muitas coisas, mas... sentia-se terrivelmente triste, apesar de que deveria estar eufórica.

Sentiu então um desejo tão ardente e masculino que virou. Aidan...

Ele estava na porta. Tinha os olhos brilhantes e a olhava com interesse. Ainda a desejava.

— O encontrou? — murmurou ela.

Era difícil falar porque sabia exatamente no que estava pensando Aidan. Foi pra levá-la pra cama e ela estava desejando se ver entre seus fortes braços. Pela manhã se preocuparia em voltar para casa.

Ele ficou olhando pra ela por um momento. Depois, Brie viu que movia as mãos para o cinturão onde pendurava sua espada e que o desabotoava ao entrar no aposento. Seu kilt levantou. Deixou com cuidado as espadas e o cinturão sobre um baú.

Brie respirou fundo. Seu corpo estava em chamas, mas seu coração chorava. Não sabia que pudesse ser tão feliz e desgraçada ao mesmo tempo.

— Sim, moça, o encontrei — lhe deu um olhar solene.

Brie sabia o que significava aquele olhar.

— Está bem? — conseguiu perguntar.

— Bastante bem, tendo em conta que ficou prisioneiro sessenta e seis anos — respondeu Aidan com amargura. — Já está em casa, sofreu muito, mas se recuperará — pôs o manto negro sobre a única cadeira que havia na quarto e tirou as botas.

Não escondia seu desejo, mas Brie não percebia o resto de suas emoções.

— Se alegrou em ver você?

Aidan a olhou nos olhos quando estava a ponto de tirar a roupa.

— No princípio — Seu olhar escureceu. — passou por um inferno. Está ressentido comigo e não o reprovo. Sempre me sentirei culpado pelo que lhe aconteceu.

— Não —suplicou Brie. — Não se culpe. Ian precisa se recuperar, mas nós o ajudaremos. E também outras pessoas o ajudarão. Ele também tem seu destino.

— Sim. Mas não sei qual é.

— O que? — perguntou ela.

Aidan hesitou.

— O mal se foca sobre tudo nos meninos.

— É terrível, Aidan, mas isso acontece às vezes.

Ele esboçou um sorriso e tirou a túnica pela cabeça.

— Vai me ajudar a protegê-los?

Estava muito excitado. Com aquela cara de Adonis, não podia existir homem mais perfeito.

— É tão lindo... — ela murmurou. — É muito difícil manter uma conversa racional nesse momento.

Ele deu a ela um sorriso radiante.

— Preciso fazer amor contigo, Brianna — disse, e avançou para ela.

Um olhar de regozijo brilhou um instante em seus olhos ao tomá-la em seus braços.

— Tenho uma mulher realmente amada, Brianna Rose. Amada e valente e muito, muito esperta.

Brie abraçou seus enormes ombros.

— Por favor, não diga nada que possa se arrepender amanhã — sussurrou.

Ele pegou seu rosto entre as mãos.

— Quando vai se dar conta que te amo?

Ela conteve o fôlego.

— Salvou minha vida — ele disse com suavidade. — Devolveu meu filho. E meu coração. Agora tenho esperança e alegria — sorriu pra ela. — Te amo, Brianna.

Brie respirou de novo, sacudindo a cabeça.

— Está agradecido e gosta de mim. Tudo bem. Não esperava que me amasse — tocou seu belo rosto. — A gratidão e o desejo não são amor.

— É muito teimosa, e isso às vezes pode ser uma chatice — ele disse . — Não desejo a nenhuma outra. Preciso de uma mulher pequena e teimosa a meu lado, em meu coração e em minha cama. Te perguntei se queria me ajudar a proteger os meninos. Não vai responder?

— Claro que te ajudarei — ela conseguiu dizer. O que significava aquilo?

Ele sorriu.

— E se te ensino a ler meu pensamento?

Brie olhou pra ele, imóvel. Seu coração batia muito depressa.

— Trato feito — murmurou.

Ele deixou cair o escudo que protegia suas emoções.

Seu amor a golpeou com a força de uma descarga de energia, mas Aidan a segurou pela cintura, impedindo que caísse para trás. Brie deixou escapar um grito. Tonta e inundada por seu amor, olhou seus olhos travessos.

— Vai desmaiar?

Como podia amá-la tanto?, se perguntou. Girava em meio da imensa onda de seus sentimentos.

— Pode ser que sim.

— Pois isto não é nada — ele disse, e bruscamente tocou a cintura de seu jeans e desabotoou o botão.

Brie notou imediatamente que os nódulos de seus dedos roçavam seu ventre, perto do elástico de sua calcinha. Depois, o sorriso de Aidan se desvaneceu.

— Escuta — disse suavemente.

Brie olhou pra ele.

«Preciso de você, Brianna, preciso dormir contigo a cada noite e despertar contigo a cada manhã. Não posso deixar que volte para casa agora, nem nunca. Se te tomar como esposa, para te amar e te proteger, até que a morte nos separe, ficará comigo? Tentarei te fazer feliz, moça...».

Brie estava atônita.

— Quer se casar comigo? — exclamou. Nunca imaginou que Aidan queria se casar.

Ele a levantou em seus braços, a deitou na cama e se sentou a seu lado.

— Te adoro, moça. Se me rejeitar, casarei contigo de qualquer maneira usando meus poderes de encantamento — seu sorriso apagou e seu olhar ficou inquisitivo.

Brie conseguiu concordar com a cabeça, ia voltar a chorar, pensou, cheia de sorte.

— Acho que comecei a te desejar no dia que nos conhecemos, quando estava com lady Allie —Aidan tocou seu cabelo. — Era tão bonita e tão tímida... Senti sua bondade, Brianna.

Brie acariciou sua áspera mandíbula.

— Nem sequer nos falamos.

Ele deu de ombros.

— Não fez a menor falta que nos falássemos para que pudesse te ouvir.

Claro. Aidan era seu destino. A escutou através dos séculos e ela também. Sua alma gêmea era um highlander medieval... aficionado por roupas Gucci.

— Sim, Aidan, quero me casar com você.

Ele sorriu, satisfeito, com um pouco de vaidade. Apertou-a contra a cama.

— Podemos terminar mais tarde esta conversa? Tenho uma necessidade urgente.

— Não me diga — Brie murmurou.

E um momento depois a conversa acabou. Brie se entregou a ele... e a seu destino escrito pelos Deuses.

 

 

 

[1]       Kilt, a palavra escocesa para vestuário, é hoje em dia uma saia de pregas curta de tecido xadrez escocês típico que pende da cintura até aos joelhos. É usada pelos homens na Escócia, por regimentos escoceses, irlandeses e canadianos e que a moda tornou também peça feminina no século XX. Originalmente, o kilt era a parte inferior pregueada do breacan-feile, a forma mais antiga do vestuário Scottish Highland (ou das Terras Altas), usado até 1746. Era constituído por uma peça de pano de lã xadrez, com um padrão de cores típico de cada clã, o clã tartan, com duas jardas de largura e seis jardas de comprimento. Este pano era dobrado em dois, pregueado e amarrado à volta das ancas por um cinto de couro. A parte inferior constituía o kilt e a metade superior era presa por cima do ombro esquerdo por um alfinete de peito, com a extremidade suspensa nas costas, formando a manta, ou plaid. O lado direito, mais comprido, era guardado dobrado dentro do cinto, sendo usado por cima da cabeça nas intempéries. O manto transformava-se num cobertor à noite.

[2]       Um jogo onde tem uma arqueóloga chamada Lara Croft, o tipo de mulher que um homem olha e diz a si mesmo “Meu Deus, o que fiz para merecer tanto? Isto não é uma mulher, é uma semideusa”... E no instante seguinte, já passa a imaginá-la nua. Vale ressaltar que tudo que esta arqueóloga faz é destruir os sítios arqueológicos onde pisa. Não é a toa que o jogo se chama Tomb Raider. Quando ela chega o lugar é sitio arqueológico em ruínas, quando ela sai, ficam apenas as ruínas.

[3]       Arma de fogo de mil novecentos e antigamente

[4]       A doença de Parkinson ou mal de Parkinson, descrita pela primeira vez por James Parkinson em 1817, é caracterizada por uma desordem progressiva do movimento devido à disfunção dos neurônios secretores de dopamina nos gânglios da base, que controlam e ajustam a transmissão dos comandos conscientes vindos do córtex cerebral para os músculos do corpo humano. 

 

                                                                                                    Brenda Joyce

 

 

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