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Abril a Junho de 1942
Abril a Junho de 1942

 

 

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RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Abril a Junho de 1942

 

                  

 

A Guerra no Ocidente

De todas as frentes que haviam sido teatro de ações de vulto antes da invasão nazista da Rússia, somente uma - a do norte da África - continuara a existir depois da primeira campanha. Em todos os demais lugares fôra rápido e absoluto o triunfo das armas alemães. Seu único fracasso, o ataque à Inglaterra, fôra o resultado da incapacidade da aviação de preparar eficazmente o caminho para a invasão das tropas de terra. Em todos os demais preparativos, desde a Polônia até Creta, as forças oponentes tinham sido esmagadas de modo decisivo por um ataque fulminante. A Alemanha, que em cada um dos casos possuía um poderio superior ao do antagonista, foi capaz de conseguir não somente objetivos limitados, senão também o aniquilamento de seus inimigos. Qualquer que fosse o preço da vitória - mínimo aliás, em virtude do poder e da velocidade do ataque - era pequeno comparado com a vantagem da eliminação completa do inimigo. Era possível que a Alemanha tivesse de, contra seus próprios cálculos, mobilizar novas forças contra novos inimigos, mas na luta terrestre ainda não tivera necessidade de reunir todos os seus recursos para lançá-los numa luta contra seus adversários imediatos.

 

Foi esse fato sem precedentes que os alemães tiveram de enfrentar em conseqüência da campanha da Rússia. A União Soviética sofrera perdas terríveis de território e de potencial humano. Mas os exércitos russos, embora batidos, estavam longe de terem sido aniquilados. Ao contrário, mantiveram a iniciativa durante todo o inverno e desferiram duros golpes contra o invasor. Os êxitos nazistas tinham sido conseguidos a um custo muito mais elevado do que todos os demais das campanhas anteriores. Teria, ainda assim, sido moderado se lhes trouxessem a vitória final. Mas, tal como acontecia, deixava à Alemanha a tarefa de substituir suas perdas e reiniciar um ataque ainda mais desesperado contra um inimigo para o qual o inverno, apesar da contínua atividade da frente, dera tempo para reparar ou talvez mesmo aumentar sua capacidade de luta.

 

Isso, entretanto, era apenas uma das conseqüências do fracasso de Hitler. Enquanto a Rússia concentrava novos exércitos e organizava novas indústrias de guerra, outras forças formidáveis estavam sendo reunidas no oeste contra a Alemanha. Ao atacar a Rússia, Hitler jogara com sua capacidade de destruir o adversário numa única campanha. A vitória lhe permitiria lançar todo o peso de suas armas contra a Inglaterra e forçar uma decisão antes que os Estados Unidos se tornassem uma força realmente eficiente como beligerante. O fracasso desse plano mudou todo o aspecto geral da guerra. A Inglaterra ganhara maior margem de tempo, permitindo-lhe desenvolver sua capacidade ofensiva. Os recursos dos Estados Unidos haviam sido mobilizados para um esforço de guerra em escala gigantesca. Já haviam aparecido na Europa forças americanas de todas as armas, formando como que a vanguarda do poderio que estava sendo mobilizado para a ofensiva contra a Alemanha no ocidente. Não era mais possível à Alemanha considerar possível esmagar tais preparativos em sua fase inicial. A Rússia continuava sem ser vencida, e enquanto o grosso das forças alemãs estivessem ocupadas na frente oriental, as nações ocidentais podiam desfrutar do tempo necessário para aumentar rapidamente seus recursos.

 

O tempo, com efeito, continuava sendo fator de importância vital. A menos que Hitler pudesse impedir que seus adversários se aproveitassem do tempo, acabaria por ver-se diante de uma concentração de forças muito superior a tudo que tivesse esperança de vencer. Porque, por mais que fossem os esforços feitos pela Alemanha para aumentar seu potencial humano e sua capacidade produtiva, estava agora chegando a um ponto em que se aproximava do fim a possibilidade de desenvolver-se. Poder-se-ia obter alguma vantagem com a intensificação do emprego das mulheres na indústria, ou a remoção, para a produção de guerra, de trabalhadores dos serviços de utilidade pública. Podia fazer-se algo para organizar mais eficazmente os recursos produtivos e a mão-de-obra dos países conquistados. Mas eram possibilidades perfeitamente limitadas, em comparação com a vasta margem existente entre a produção americana e sua capacidade máxima. Parte dessa produção seria, necessariamente, desviada pelas exigências da luta no Pacífico. Mas, embora a luta contra o Japão exigisse homens e material de guerra, e embora Hitler afirmasse com razão que a falta de navios no Pacífico era uma conseqüência da ação dos submarinos alemães no Atlântico, mesmo isso não mudava a nova situação na Europa, decorrente da entrada dos Estados Unidos na guerra. As Nações Unidas, inicialmente muito aquém das potências do Eixo, em matéria de preparativos militares, estavam desfazendo rapidamente a diferença, e num ritmo de produção que o Eixo não poderia igualar.

 

A situação exigia da parte de Hitler o emprego mais imediato e completo das vantagens que ainda possuía. O ano de 1942 poderia bem ser a última possibilidade para o Eixo conquistar uma vitória decisiva. Mesmo assim seus esforços para conseguir isso deveriam começar partindo da situação mais favorável possível, e levados avante com o máximo de força. Se durante o inverno não fosse possível realizar um esforço total, os meses de inverno não seriam pelo menos perdidos. Quando o tempo começava a escassear, o que restava devia ser aproveitado ao máximo.

 

Era sobre tais cálculos que os observadores aliados baseavam suas previsões a respeito de uma ofensiva alemã de inverno. Se os alemães fossem obrigados a cair na defensiva na Rússia, havia outras zonas de clima menos terrível, em que seria possível realizar operações, e onde uma ofensiva talvez pudesse resultar em consideráveis vantagens. A captura de Gibraltar, a conquista de Malta, uma arremetida pelo caminho de Chipre a fim de apoiar a ofensiva partida da Líbia contra o canal de Suez, um avanço através da Turquia na direção dos campos petrolíferos do Oriente Médio - tudo isso se apresentava como possibilidades, e o êxito em qualquer delas constituiria uma vantagem substancial para o Eixo e um duro golpe na situação estratégica das Nações Unidas.

 

Não foi tentado qualquer desses empreendimentos. O que mais se aproximou de uma ofensiva de inverno foi a indecisa arremetida de Rommel para leste, pela Cirenaica, detida a oeste de Tobruk. A ausência de qualquer esforço em grande escala constituía um motivo de encorajamento como uma advertência. Mostrava que Hitler pretendia gastar o menos possível de suas forças em operações secundárias cujo resultado fosse dúbio. Organizava seus recursos, preparando-se para lançar toda a força de que dispunha num golpe gigantesco com uma única finalidade importante; e tal golpe, quando fosse desferido, poderia produzir a luta mais vasta e feroz até então travada. Mesmo assim, era preciso considerar o fato de que, para ter qualquer esperança de êxito decisivo, Hitler precisava reunir todos os recursos de que dispusesse. O êxito da resistência russa mostrava quão formidável era a tarefa que Hitler tinha de enfrentar. A desesperada tentativa realizada em novembro a fim de forçar uma decisão fôra particularmente custosa. A contínua pressão russa durante todo o inverno trazia novas e graves perdas. Os exércitos alemães não podiam mais ser lançados em novas operações com a convicção de que, quaisquer que fossem suas baixas, haveria sempre margem mais do que suficiente para realizar a missão. Precisavam atacar no momento mais favorável com o máximo possível de forças, mesmo quando fosse duvidoso o resultado.

 

Isso significava novas exigências, não apenas ao exército, mas a toda a nação. Era preciso mobilizar novas tropas a fim de substituir as baixas da campanha russa e aumentar ainda mais os efetivos existentes. E apesar de desfalcado de potencial humano exigido pelo exército, a frente interna devia ainda fazer novos sacrifícios para aumentar a produção de guerra. O nível de vida espartano dos alemães em geral deveria suportar sacrifícios ainda maiores, enquanto seus esforços para a produção tinham de tornar-se ainda mais intensos; e isso numa ocasião em que passavam para um futuro distante e sombrio as recompensas prometidas com tanto alarde, em troca dos esforços e sacrifícios. Quando, a 30 de janeiro, Hitler disse a seu povo não saber se a guerra terminaria em 1942, o contraste entre essa dúvida e as anteriores afirmações e garantias dificilmente poderia ser um elemento encorajador.

 

O problema mais urgente era o do potencial humano. Embora houvesse certa escassez de material, não constituíam problemas insolúveis. Mesmo no que se referia ao petróleo, a situação poderia antes de tornar-se crítica, ser solucionada em parte por novas conquistas. Mas a necessidade de soldados e trabalhadores era premente e imediata. Durante o ano de 1941 um total avaliado em dois milhões de homens fôra enviado para o exército, com grande desvantagem para a produção. Por si só, a Alemanha não podia suprir de modo adequado as necessidades do exército e da produção, no que concernia ao potencial humano. O meio milhão de homens que alcançava anualmente a idade militar perfaziam um número menor do que o das perdas alemães nos cinco primeiros meses da campanha da Rússia. A Alemanha deveria ir procurar nos países satélites e associados carne fresca para canhão, e havia indícios de que aumentava sua pressão sobre esses países à medida que se aproximava a primavera. Da Romênia, que já sofrera pesadas baixas, exigiam-se dezesseis novas divisões, e isso diante de calorosos protestos dos partidos da oposição, que preferiam lutar contra a Hungria ao invés de contra a Rússia. O rei Bóris, da Bulgária, foi chamado a Berlim em março a fim de fornecer 200.000 soldados, e manteve-se firme, apesar de seu gabinete resignar em manifestação de protesto. Os esforços para persuadir os finlandeses a efetuarem novas operações ofensivas culminaram na visita que Hitler fez a Mannerheim, em junho, homenagem recebida com certa frieza pelo pequeno país exausto de guerra. E em conseqüência do encontro de Salzburg entre Hitler e Mussolini, pelos fins de abril, apareceram indícios de que tropas italianas seriam enviadas em número mais considerável para representar sua parte na cruzada contra o bolchevismo.

 

Houve simultaneamente tentativas para mobilizar mais mão-de-obra da Europa conquistada. Neste particular também, os recursos alemães precisavam ser completados do exterior. Um milhão de mulheres foram levadas para a produção industrial. Prisioneiros de guerra estavam sendo utilizados na agricultura ou como trabalhadores não especializados para a construção de estradas e outras obras. No trabalho agrícola era empregado número cada vez maior de escolares, e um decreto emitido em abril estabelecia a possibilidade do trabalho obrigatório nas granjas. Mesmo assim havia ainda sérias falhas a serem preenchidas para que a produção alemã pudesse fazer frente às crescentes necessidades impostas pela guerra.

 

Parte dessas necessidades podiam ser satisfeitas pela produção de guerra dos países ocupados. As indústrias da França, Bélgica e Tchecoslováquia, agora quase inteiramente sob a direção da Alemanha, não tinham outra alternativa senão dedicar-se à satisfação das necessidades do Reich. Nem todos os estabelecimentos, entretanto, podiam contribuir utilmente para o esforço de guerra, e muitos deles, nas circunstâncias existentes, não produziam as mercadorias normais de consumo. Isso era apenas um aspecto do declínio geral da vida econômica, e do problema do desemprego que dela resultava; e isso, por sua vez, criava uma reserva de mão-de-obra que a Alemanha tentava canalizar para si própria. Em países como a Polônia e a Iugoslávia, essa mão-de-obra podia ser conseguida pela deportação forçada de operários para a Alemanha, onde a maior parte deles era colocada na agricultura. Nos países da Europa ocidental, e em particular quando se tratava de trabalho especializado, a coação era menos direta. Mas havia uma pressão constante e cada vez maior sobre os operários para que aceitassem trabalho na Alemanha; e a ameaça de que aqueles que se recusassem seriam privados dos benefícios dados aos desempregados, e até mesmo dos cartões de racionamento, era particularmente eficaz quando dirigidas contra homens que já se encontravam desempregados.

 

Por meio desses métodos a Alemanha conseguiu cerca de dois milhões e meio de trabalhadores na primavera de 1942. Os poloneses, cujo número era avaliado em mais de um milhão, constituíam o maior contingente, havendo porém considerável número de belgas, holandeses e tchecoslovacos. Exercia-se também pressão sobre governos que estavam menos diretamente sob o controle alemão. Foi feita uma tentativa para conseguir na Espanha cem mil trabalhadores; e a Itália, além do aumento da contribuição militar, recebeu do Reich o pedido de mais trabalhadores para a indústria.

 

Em paga, Mussolini procurava compensações sob a forma de exigências territoriais sobre a França. Era até certo ponto significativo o fato de que a Alemanha, se abertamente não apoiou as exigências italianas de tomar posse da Córsega e de Nice, pelo menos deixou que as mesmas revivessem. Porque a própria Alemanha, por sua parte, estava tentando arrastar a França a uma colaboração mais efetiva, e a ameaça de uma partilha territorial para satisfazer a Itália tinha sua utilidade como instrumento de chantagem para fazer com que Vichy viesse a concordar.

 

Tais esforços já haviam resultado no retorno de Laval ao poder. Apesar da subserviência cada vez maior de Pétain e Darlan, os alemães exigiam uma cooperação mais entusiástica do que a dada por esses dois dirigentes. Permitiram que a indústria francesa produzisse material de guerra para a Alemanha, e que suprimentos alemães fossem enviados para a Líbia através de Tunis. Aquiesceram em que os alemães impusessem uma requisição de gêneros de tal ordem que reduzia a França a um estado muito próximo da fome. Não fizeram nenhum protesto efetivo contra o continuado fuzilamento de reféns franceses por parte das autoridades alemães. Mesmo assim os nazistas ainda encontraram motivos para se mostrarem descontentes com o governo de Vichy. O governo de Pétain não conseguiu reprimir eficazmente a resistência francesa, manifestada por sucessivos atos de sabotagem e terrorismo. Permitiu que o julgamento de Riom, para averiguar as responsabilidades da guerra, se transformasse mais num inquérito das causas da derrota da França do que numa demonstração de que a França era responsável pela guerra. O governo de Vichy procurava manter boas relações com os Estados Unidos, chegando mesmo a prometer que nem os navios de guerra nem as bases navais seriam entregues ao Eixo. Não acedeu à exigência de que o número de trabalhadores franceses que já haviam partido para a Alemanha, e que alcançava cerca de cem mil, fosse elevado para meio milhão. A tentativa para utilizar um governo que fosse ao mesmo tempo aceitável aos franceses e subserviente à Alemanha teve resultados desapontadores, e os nazistas recorreram a expedientes menos suaves e escrúpulos que ainda possuíam em reserva. A ameaça de organizar um governo separado em Paris fez com que Pétain se mostrasse mais dócil. A 16 de abril Laval voltou ao Ministério, com poderes virtualmente absolutos, e Pétain foi reduzido a uma figura de proa.

 

Os benefícios imediatos que a Alemanha usufruiu desta mudança não foram de molde a impressionar. Foram dados alguns passos para uma integração mais completa entre a produção alemã e a francesa. O fechamento de 1300 fábricas francesas, decorrente do estabelecimento de novos planos de produção, prognosticava uma pressão mais eficaz a ser exercida sobre os operários no sentido de fazê-los trabalhar na Alemanha. A expulsão para seus países de origem de todos os judeus que se encontravam na zona não ocupada da França, e o decreto sobre o trabalho, publicado a 14 de setembro, eram evidentes sinais de desespero. Pelo referido decreto, todos os homens entre as idades de 18 a 50 anos, e as mulheres entre 21 e 35 poderiam ser obrigadas a "executar qualquer trabalho que o governo julgar necessário aos superiores interesses da nação." Houve poucas tentativas para ocultar a idéia de que tais interesses poderiam acarretar a transferência de operários franceses para a Alemanha, e o decreto marcava uma nova degradação da parte do governo de Vichy. Anunciou.se também que fôra permitido aos marinheiros alemães receberem instrução a bordo dos navios de guerra franceses, facilitando desta forma o possível uso da frota francesa pelos próprios alemães. Mas havia ainda obstáculos para a colaboração completa advogada por Laval. A atitude hostil dos Estados Unidos, expressada por meio da suspensão da remessa de mantimentos para a França e a chamada, para consulta, do embaixador Leahy parece ter causado considerável impressão. Houve também uma tentativa, que finalmente alcançou algum êxito, de tranqüilizar Washington a respeito das intenções de Laval; e embora as tropas francesas opusessem obstinada resistência à ocupação de Madagascar pelos britânicos, Laval deu finalmente uma aquiescência tácita aos pedidos de imobilização das belonaves francesas na Martinica. Dentro da França, porém, a subida de Laval ao poder provocou nova irrupção de incidentes violentos que Vichy parecia não poder ainda controlar. E foi, pelo menos em parte, para fazer com que Laval tomasse medidas mais vigorosas que os alemães permitiram que a Itália apresentasse mais uma das suas exigências territoriais.

 

Todos esses acontecimentos indicavam o aumento das dificuldades impostas pela continuação da guerra não somente nos países conquistados da Europa mas também à própria frente interna alemã. A situação alimentícia, em particular, tornava-se cada vez mais crítica. As reservas que haviam sido saqueadas dos países conquistados em 1940 já tinham sido gastas em grande parte. A política russa de terra arrasada impedira que os alemães recolhessem uma presa comparável à de suas principais conquistas de 1941. Os abastecimentos que podiam ser retirados dos países ocupados diminuíam rapidamente em conseqüência da falta de adubos e de animais utilizados na agricultura. A colheita européia fôra desapontadora, tanto em 1940 como em 1941, e o fim da primavera trouxe a perspectiva de que 1942 também teria uma colheita pobre. A gravidade da situação era evidenciada pela nova redução das rações alimentares no começo de abril, e pelos esforços simultâneos para aumentar a mão-de-obra para a agricultura; e o descontentamento popular foi indicado em maio pela suspensão, sob pretexto de licença, de Walter Darré, ministro da Alimentação e Agricultura. Diminuindo a esperança de uma vitória rápida, as perspectivas imediatas com que, depois de três invernos de guerra, se defrontava o povo alemão eram apenas novas privações. Ainda havia, porém, considerável margem na capacidade de sofrimento do povo alemão, apesar de certo descontentamento e de certos rumores. A crença expressa em certos círculos segundo a qual a situação da Alemanha era equivalente à da primavera de 1918 tinha ainda de ser justificada pelos acontecimentos. Esperava-se, além disso, que os nazistas tomariam medidas especiais para proteger-se contra o colapso da frente interna. Um dos mitos que os nazistas exploraram grandemente durante a luta inicial pela tomada do poder foi a da "punhalada pelas costas", a lenda de que os exércitos alemães em 1918 não haviam sido derrotados no campo de batalha, mas sucumbido em conseqüência da traição dentro da própria Alemanha. Os nazistas mantinham-se sempre em guarda contra o pesadelo da repetição desse colapso. Em seu discurso de 9 de novembro de 1941, Hitler advertiu que "o novembro de 1918 não se repetirá" e que castigaria de modo impiedoso e fulminante todo aquele que procurasse levar a cabo tal aventura. Apesar dos rumores de divergência entre Hitler e seus generais, que se seguiram à demissão de von Brauchitsch, o exército permaneceu fiel ao regime existente. O discurso de Hitler de 26 de abril mostrou de modo ainda mais evidente a existência de tal descontentamento, quando o líder nazista pediu a Reichstag a reafirmação de seus poderes absolutos como Fuhrer do povo alemão, ameaçando veladamente a todos que, nos serviços civis e na justiça, mostrassem sinais de descontentamento. Mas esse descontentamento podia apenas ser considerado como sinal de diminuição de entusiasmo, e estavam longe de serem indícios de colapso iminente.

 

Indicavam entretanto que aumentavam as dificuldades dos líderes nazistas, e que a situação dos mesmos se tornava possivelmente precária; e isso era ainda mais evidenciado pela crescente selvageria com que os nazistas tratavam os povos dos países conquistados. Enquanto uma nova ferocidade era permitida contra os judeus, aumentavam nos territórios ocupados as execuções em massa como represália pelos atos de sabotagem. Os próprios alemães reconheceram cerca de oito mil destas execuções; mas tal cifra deixa evidentemente de parte os holocaustos da Polônia e da Iugoslávia, e os cálculos aliados calcularam o total em aproximadamente meio milhão, sem contar os que pereceram nos campos de concentração ou que morreram de fome. Na Sérvia travava-se uma guerra selvagem e sem quartel. Os gregos, desesperados e famintos, deram início a atividades de guerrilhas. As execuções de reféns na França foram calculadas no dobro dos 1000 anunciados pelos alemães. Na Bélgica, na Holanda e na Noruega a resistência e as represálias continuavam sem cessar. Quando as sangrentas atividades de Heydrich na Tchecoslováquia terminaram com o assassínio do carrasco, os nazistas vingaram-no por meio de massacres indiscriminados, particularmente de intelectuais tchecos, culminando com a destruição da aldeia de Lídice, o fuzilamento de todos os habitantes masculinos adultos, e o aprisionamento de todas as mulheres e crianças.

 

Eram tentativas para conseguir o domínio por meio do terror, apoiado pela decisão de acabar com a resistência mediante o extermínio. Representavam também uma política deliberada para identificar todo o povo alemão com as atrocidades do regime nazista. Havia ainda uma tendência da parte dos aliados, exemplificada pela mensagem de Stalin do dia 1o de maio, para fazer uma distinção entre a nação alemã e os dirigentes nazistas. Tal distinção estava em contradição direta com a filosofia nazista, e era hostil aos interesses dos líderes nazistas. Estes afirmaram ser a encarnação da vontade nacional. Não queriam de modo algum encorajar o sentimento de que Alemanha poderia salvar-se da derrota sacrificando a hierarquia nazista. Tinham ao contrário todo o interesse em convencer a nação de que a derrota significava a ruína certa em quaisquer circunstâncias, e que somente uma solidariedade irrestrita poderia evitá-la. Nos apelos que Goebbels emitiu durante o inverno, diminuíra sensivelmente a nota otimista. Os apelos para novos sacrifícios eram acompanhados de advertências sobre os sacrifícios que o povo alemão teria de enfrentar. Mas os apelos afirmavam reiteradamente que, por mais duras que fossem as provações, eram infinitamente mais aceitáveis do que aquelas que haveriam de resultar de uma derrota alemã. "Estais todos envolvidos nesta luta, quer queirais, quer não" - asseverou Goebbels em novembro. "Tendo começado a marchar, temos de continuar marchando. Não há mais, para nenhum de nós, qualquer possibilidade de recuar... As potências do Eixo estão em realidade lutando apenas por sua própria existência, e os cuidados e o peso que recaem atualmente sobre nos sos ombros nesta guerra seriam apenas uma sombra do inferno que nos esperaria se perdessemos a guerra". No rio de sangue em que os nazistas isolaram a Alemanha do mundo civilizado, viam eles uma garantia que mantivesse a nação até o máximo de sua capacidade na resistência contra a derrota que engolfaria tanto o país como seus líderes numa tremenda calamidade.

 

As nações unidas

Se as potências do Eixo, cujos recursos completos estavam absolutamente à disposição dos ditadores capazes de fazer realizar sua vontade por meio do emprego dos métodos mais cruéis, encontravam assim mesmo dificuldades para o desenvolvimento completo de seu potencial de guerra, era perfeitamente lógico que as Nações Unidas experimentassem dificuldades para mobilizar sua força combinada e dirigi-la com a maior eficácia possível para um fim comum. O fato de que as principais decisões das democracias eram sujeitas a um livre discussão e deviam repousar no consentimento geral, podia ser considerado, em última análise, como uma fonte de poderio. Mas nem sempre levava a uma rapidez de decisão ou de acordo sobre objetivos e métodos; os problemas normais com que se defrontavam a Inglaterra e os Estados Unidos em seus esforços de coordenação eram agravados pela necessidade de colocar uma ponte sobre o afastamento político e psicológico que até então o separava da Rússia. Até que entre essas três nações pudesse ser conseguir completa confiança e colaboração, seus esforços individuais não teriam toda eficácia possível.

 

Se tal objetivo não foi imediatamente atingido, conseguiu-se pelo menos na primeira metade de 1942, considerável progresso no sentido de sua realização. A declaração feita por ocasião da primeira visita de Churchill a Washington de que as conferências constituíam o primeiro passo para a consecução de uma unidade completa na condução da guerra foi em grande parte justificada pelos acontecimentos dos seis meses seguintes. E se muito ainda restava a fazer, pelo menos os principais caminhos que levavam a isso já haviam sido preparados, tendo sido alcançadas certas decisões fundamentais a respeito da ação futura.

 

Era natural que os primeiros progressos fossem realizados no campo da produção bélica, e no sentido de coordenar os recursos da Inglaterra e dos Estados Unidos. As dificuldades e a confusão que haviam entravado as primeiras atividades da comissão inglesa de compras, e que até certo ponto tinham persistido mesmo quando já estava em vigor a lei de empréstimos e arrendamentos, iam sendo gradualmente vencidas. Já se conheciam com mais precisão a natureza e as exigências da guerra. O desenvolvimento da produção britânica permitiu definir de modo mais claro as necessidades inglesas mais prementes. As informações colhidas em Moscou indicavam até certo ponto, também, quais as utilidades que a Rússia necessitava na Inglaterra e nos Estados Unidos. A rapidez com que a indústria americana se adaptava à produção de guerra permitia uma idéia mais clara de sua possível contribuição às exigências do esforço bélico nacional e da conveniência de abastecer a China. O desenvolvimento do acordo de Hyde Park, entre as Estados Unidos e o Canadá, por intermédio do Comitês Econômicos (Joint Economic Committees) foi em grande parte resultado da integração da produção de guerra dos Estados Unidos, no começo de 1942. O terreno era preparado pela unidade cada vez maior na batalha da produção, tão vital para o futuro dos aliados.

 

No início do ano foi tomada uma medida preliminar, com o estabelecimento da Junta Coordenadora de Matérias (Joint Materials Coordination Board), dos Estadas Unidos, Canadá e Grã-Bretanha. A 26 de janeiro esse organismo foi ampliado com a formação de três juntas encarregadas da melhor distribuição da produção americana e inglesa, em benefício das Nações Unidas. A Junta Combinada de Matérias-primas (Combined Kaw Materials Board) deveria tratar de "uma utilização rápida e organizada dos recursos de matérias-primas das Nações Unidas". A Junta de Distribuição de Material Bélico (Munitions Assignments Board) deveria tratar da produção bélica da Inglaterra e dos Estados Unidos segundo um único plano. A Junta Combinada de Navegação (Combined Shipping Adjustment Board) deveria realizar funções análogas relativamente á navegação. As medidas para a consecução desse fim foram facilitadas por um acordo firmado a 23 de fevereiro que esclarecia a maneira de utilizar a dei de empréstimos e arrendamentos, coordenando o ajuste final do equilíbrio de após-guerra com o propósito dominante de promover relações mais livres no comércio internacional. No começo de junho, o ministro da produção, Oliver Lyttelton, chegou a Washington para conferenciar a respeito de novas medidas a serem tomadas. O resultado foi objetivado na declaração de 9 de junho da Junta Combinada de Produção e Recursos (Combined Praduction and Kesources Board) que deveria promover a maior utilização possível dos recursos de produção de ambos os países, através de um único programa, e organizar uma Junta Combinada de Alimentos (Combined Food Board) com funções similares no que concernia aos gêneros alimentícios. Cada uma dessas medidas constituía um progresso no sentido da máxima utilização do potencial de guerra dos aliados.

 

Enquanto tais medidas econômicas eram tomadas inicialmente pela Inglaterra e os Estados Unidos; a coordenação completa dos objetivos e propósitos aliados exigia acordos também no campo político, aos quais a Rússia deveria também associar-se. O breve acordo de julho de 1941, pelo qual a Inglaterra e a Rússia se comprometiam a auxiliar-se mutuamente na guerra contra a Alemanha, deixava em suspenso muitas questões que exigiam disposições mais precisas. Era também conveniente associar os Estados Unidos de forma tão estreita quanto possível com quaisquer projetos que pudessem tornar-se necessários. E quando tais planos foram discutidos, ficou logo evidente que eles deviam tratar não apenas da conduta da guerra, mas da natureza das condições de paz e das perspectivas para o mundo de após-guerra.

 

A base para a negociação de um tratado mais adequado às circunstâncias reais foi estabelecida por Eden durante sua visita a Moscou em dezembro de 1941. Depois de sua volta a Londres, as discussões foram continuadas por intermédio do embaixador soviético Maisky. Evidenciou-se logo que a questão da futura segurança territorial da Rússia era um ponto crucial. Entre 1939 e 1941, a Rússia tirara vantagens de seu pacto com a Alemanha para conseguir uma fronteira estratégica no oeste. A anexação da Polônia oriental, a absorção dos Estados Bálticos, a conquista do sul da Finlândia, representavam tentativas para fortalecer sua posição defensiva; era um de seus objetivos fundamentais conseguir uma garantia de que tais territórios, bem assim a Bessarábia, lhe seriam devolvidas quando terminasse a guerra.

 

Tal exigência apresentava sérias dificuldades, particularmente à luz da Carta do Atlântico. A Rússia podia argumentar que isso significava simplesmente a restauração de suas fronteiras de pré-guerra, e que não implicava em nenhum engrandecimento territorial. Mas o artigo terceiro da Carta do Atlântico endossava praticamente o princípio da autodeterminação, o que dificilmente se reconciliava com as exigências da Rússia. Não havia dúvida que um acordo claro desta espécie seria olhado com desconfiança por grande parte da opinião americana, e poderia ter um efeito muito adverso sobre a harmonia e a unidade dos esforços futuros.

 

Embora as verdadeiras negociações fossem confinadas à Inglaterra e à Rússia, os Estados Unidos foram mantidos sempre inteiramente ao par das mesmas. O embaixador Winant manteve-se em estreito contato com o Ministério do Exterior da Inglaterra, e com seu próprio governo, e em março voltou de avião para Washington para uma discussão mais completa do assunto com o presidente Roosevelt. O presidente opunha-se firmemente à promessa de territórios específicos à Rússia, e a Inglaterra desejava muito apoiar tal ponto de vista. A alternativa era uma garantia à Rússia semelhante à que foi oferecida à França em 1919. Mas desta vez havia poucas perspectivas de que os Estados Unidos adeririam a tal oferta, e a Rússia provavelmente, lembrando-se do que acontecera à garantia dada à França, não aceitaria bem uma proposta que tivesse apenas o apoio da Inglaterra.

 

Desta forma, quando o comissário do Exterior Molotoff, em resposta a um convite inglês, chegou a Londres a 21 de maio, eram ainda incertas as perspectivas de um acordo aceitável. Felizmente para a harmonia aliada, a afirmação de que a idéia de uma garantia depois da guerra tinha o apoio moral dos Estados Unidos fez com que a Rússia aceitasse a proposta alternativa de Eden. Sem necessariamente abandonar as reivindicações territoriais russas, Molotoff concordou em que as mesmas fossem deixadas em suspenso, a fim de serem tratadas mais tarde como parte de um acordo geral de paz. Foi uma concessão notável que simbolizava o aparecimento de uma nova boa vontade da parte da União Soviética para dar crédito à palavra de seis aliados democráticos, e que trazia esperanças de uma unidade maior e mais eficiente para o futuro.

 

O novo tratado foi assinado a 26 de maio. Prescrevia um completo auxílio mútuo, não somente contra a Alemanha, mas também contra outros estados europeus com ela associados na agressão, especificação que deixava o Japão fora do âmbito do acordo. Ambos os signatários prometiam não fazer paz com qualquer governo alemão que não renunciasse claramente à agressão, bem assim não entrar em qualquer negociação com a Alemanha ou seus associados sem consentimento mútuo. Prometeram mútuo auxílio militar contra a agressão, por um prazo de vinte anos, e ambos renunciaram qualquer participação numa aliança ou coligação dirigida contra o outro. Além dessas cláusulas de segurança, havia disposições sobre a cooperação econômica de depois da guerra, para a colaboração com outras nações na obra da paz, e uma aceitação específica dos princípios de não-engrandecimento territorial e de não-interferência nos negócios de outros estados.

 

O acordo entre a Rússia e os Estados Unidos, assinado a 11 de junho, tinha caráter muito diferente. Um tratado tão extenso em suas conseqüências políticas e militares e de tão vastas decorrências seria um documento formidável demais para ser apresentado à ratificação do Senado. Ao invés, o resultado final da visita de Molotoff a Washington foi um acordo de empréstimos e arrendamentos segundo o modelo do acordo assinado em fevereiro entre os Estados Unidos e a Inglaterra, embora fosse aproveitada a oportunidade com os princípios estabelecidos na Carta do Atlântico. Mas os resultados práticos das conversações, sem levar absolutamente em conta a regularização da situação russa dentro da estrutura da lei de empréstimos e arrendamentos, foi dar à União Soviética mais uma prova de que os Estados Unidos estavam resolvidos a dar todo o apoio possível ao esforço de guerra da Rússia, e a participar ativamente na obra de paz e estabilização que se seguisse à derrota nazista. Quando os Estados Unidos e a Inglaterra anunciaram simultaneamente que durante as respectivas conversações com Molotoff "as partes haviam chegado a um completo acordo sobre a tarefa urgente de abrir uma segunda frente na Europa em 1942", a declaração serviu para marcar uma nova fase na evolução da estratégia geral dos aliados.

 

A consecução de uma unidade completa na esfera estratégica era fundamental para todo o esforço aliado. Era somente desta forma que se podiam conseguir todas as vantagens da coordenação política e econômica. Mas era também neste assunto que residiam as maiores dificuldades e as questões mais complexas. As Nações Unidas não estavam apenas na defensiva. Cada uma das nações, individualmente, tinha razão para sentir que seus interesses vitais estavam iminentemente ameaçados pelo inimigo, e que a defesa desses interesses particulares deviam ser reconhecidos como o problema mais importante e mais imediato com que se defrontavam as Nações Unidas consideradas em conjunto. Também os recursos aliados eram ainda inadequados para enfrentar o inimigo em todas as frentes do globo; e aumentava a convicção de que não era prudente tentar a realização de uma tarefa dessa ordem. A disseminação dos recursos significara que as defesas eram inadequadas em quase todos os pontos. Aceitando perdas secundárias em alguns pontos, talvez fosse possível garantir o êxito em outros. Seria talvez possível até assenhorear-se da iniciativa até então nas mãos do Eixo e forçar o inimigo a adaptar sua vontade à estratégia que a crescente força das Nações Unidas acabaria lhe impondo.

 

Assim, enquanto uma certa unidade de ação havia sido conseguida com respeito às operações no Pacífico, havia ainda a relação entre o teatro de guerra do Pacífico e os outros teatros dentro do aspecto geral da guerra. O estabelecimento pela Inglaterra e os Estados Unidos de um estado maior combinado com sede em Washington, anunciado a 6 de fevereiro, foi um passo no sentido da criação de um maquinismo de coordenação de seus esforços militares. Tratava-se, porém, de um instrumento para realizar decisões, uma vez que tivessem sido tomadas. As decisões propriamente eram assuntos de alta política que ficavam a cargo dos chefes dos vários governos e que exigiam não somente um acordo entre a Inglaterra e os Estados Unidos, mas também uma integração mais estreita de seus planos e esforços com os da União Soviética.

 

Esta necessidade levantou imediatamente a questão da possibilidade de criar uma segunda frente na Europa ocidental. Repetidas declarações de Stalin, Maisky, e Litvinoff mostravam a convicção de que Hitler podia ser derrotado em 1942, bastando apenas que a Inglaterra e os Estados Unidos aproveitassem a oportunidade de invadir o continente. O pedido era apoiado por uma considerável corrente de opinião em ambos os países. Era evidente a importância de fazer-se todo o possível para manter a resistência russa por meio de uma diversão do poderio germânico. A possibilidade de tentar um empreendimento dessa ordem tornara-se muito maior pela entrada dos Estados Unidos na guerra. Os exércitos que mantinham guarda na Inglaterra não constituíam mais a última linha de defesa. Atrás deles havia a força crescente dos Estados Unidos; e uma vez que tais reservas se tornassem disponíveis, a Inglaterra poderia empregar suas forças em operações que anteriormente seriam fatais, caso fracassassem.

 

Mas embora de modo geral se reconhecesse a conveniência de tal operação, a escolha da ocasião para realiza-la era ainda assunto de controvérsia. Havia naturalmente o desejo de lançar-se a empresa somente quando os recursos disponíveis assegurassem uma razoável possibilidade de sucesso. Consideráveis forças alemães permaneciam no oeste. De outros setores poderiam ser enviadas rapidamente reservas de tropas e aviões. O problema de encontrar a quantidade de navios necessários para o transporte, para desembarcar e apoiar um exército invasor era acentuado pela certeza das grandes perdas que seriam sofridas durante a operação. Uma tentativa prematura em escala inadequada representaria um sério revés, e um período suplementar de dificuldades que exigiria a substituição das perdas antes de iniciar uma nova operação ofensiva. Entretanto, se a resistência russa se encontrasse em perigo de desmoronar, a tentativa deveria ser levada a cabo, na esperança de que mesmo uma derrota no ocidente poderia salvar a Rússia. Par outro lado, se a Rússia pudesse obrigar os alemães a engajar uma parte ainda maior de suas forças na frente oriental, poderia criar-se uma situação nova e favorável a um esforço decisivo no oeste.

 

Enquanto os russos, durante as negociações com a Inglaterra, batiam incessantemente em seu argumento de que uma segunda frente não era apenas possível senão também de importância vital, a questão era estudada seriamente pela Inglaterra e os Estados Unidos. A visita do general MarshaIl e de Harry Hopkins a Londres em princípios de abril foi o começo de uma série de consultas diretas de ambos os lados do oceano. Coincidindo com a assinatura da aliança anglo-americana, um grupo de oficiais americanos de alta patente, incluindo os comandantes da aviação militar e naval, chegou a Londres. Uma semana mais tarde Lorde Louis Mountbatten, sucessor de Sir Roger Keyes na chefia dos comandos ingleses, acompanhou Oliver Lyttelton a Washington. A 18 de junho, o próprio Churchill, em companhia do chefe do Estado Maior e de outras autoridades militares, fazia sua segunda visita aos Estados Unidos no prazo de seis meses com o propósito expresso de discutir a situação estratégica diretamente com Roosevelt. Entrementes a atitude de franca negativa com que o governo inglês encarou inicialmente a idéia de uma invasão continental foi substituída por garantias de que tal operação seria levada a cabo, e pela aprovação benevolente do espírito agressivo revelado ante as manifestações populares que exigiam uma atitude ofensiva. E, o que não era menos importante, os Estados Unidos estavam dando uma prova tangível de sua resolução de empreender operações ativas no teatro europeu, e mesmo de fazer dele a cena principal de seu esforço militar. O primeiro contingente simbólico de tropas americanas que desembarcaram na Irlanda do Norte em janeiro foi seguido por forças mais consideráveis durante a primavera, e em sua visita de abril, o general Marshall prometeu novos e maiores reforços. Crescia a ameaça ao flanco ocidental da Alemanha.

 

Começara simultaneamente o processo de experimentar as defesas alemães do Canal da Mancha. Em fins de fevereiro os comandos desviaram sua atenção da Noruega e iniciaram incursões quase mensais às costas da França ocupada. A primeira incursão, a 27 de fevereiro, resultou na destruição do centro de localização aérea pelo rádio, em Bruneval, e facilitou o bombardeio desferido poucos dias depois contra os subúrbios de Paris. As incursões contra a zona de Bolonha na última parte de abril e na primeira semana de junho foram simples operações de reconhecimento; mas o ataque contra St. Nazaire a 28 de março foi algo mais sério e mais espetacular. Tratava-se de uma importante base naval que abrigava submarinos alemães e que possuía facilidades portuárias capazes de acomodar os mais novos couraçados alemães. O destróier Campbeltown, um dos que haviam sido adquiridos dos Estados Unidos, foi levado para o porto e dirigido de proa para o cais com a velocidade de vinte nós. Os comandos que acompanhavam a expedição lançaram-se à praia a fim de destruir as instalações portuárias e os estaleiros. Um destacamento provido de explosivos foi encarregado de destruir as comportas interiores enfrentando o fogo alemão que varria o cais e o porto. Lanchas torpedeiras lançaram torpedos de explosão retardada dentro das docas. O êxito final registrou-se quando as cinco toneladas de explosivo existentes nas caldeiras do Campbletown explodiram, destruindo as principais comportas e afundando o destróier na entrada das docas. Havia bons motivos para acreditar-se que o dique seco foi desta forma posto fora de ação pelo menos durante os próximos meses.

 

Mas a incursão teve uma conseqüência importante. Em fevereiro a BBC advertira os ouvintes franceses que se preparassem para um desembarque inglês na costa. Quando os comandos atacaram em St. Nazaire, numerosos habitantes acreditaram tratar-se do começo da invasão. Tomaram armas e juntaram-se aos comandos que lutavam em terra, e que não puderam tomar seus navios para a evacuação. Durante dois dias travou-se uma luta de casa em casa na zona do porto, até que a resistência foi dominada pela guarnição alemã. Mas o resultado foi decepcionante para os franceses, e fatal para os civis que tomaram parte na luta. Foi para evitar a repetição de tais episódios que, apesar de encorajadores em certos aspectos, eram potencialmente prejudiciais às perspectivas britânicas de maior apoio por parte dos franceses, que foi feita uma nova advertência pelo rádio, a 8 de junho. Instigavam-se os franceses a evacuarem as zonas costeiras, que "provavelmente se tornariam cada vez mais teatro de operações de guerra", e onde sua presença podia dificultar gravemente os invasores. Somente os acontecimentos poderão dizer se tal advertência tinha ou não urgência. Entrementes, porém, isso constituía mais uma medida na guerra de nervos, que a perspectiva da abertura de uma segunda frente permitia aos Aliados desenvolverem contra o Eixo.

 

A ofensiva aérea

Mas enquanto continuavam assim os preparativos para a ofensiva final que haveria de trazer a vitória, a iniciativa geral permanecia ainda com o inimigo. Somente num aspecto particular e limitado das operações os Aliados foram capazes de tomarem a iniciativa. Apesar disso, a supremacia aérea que a Inglaterra tinha agora conquistado no oeste era da maior importância, não simplesmente em seus resultados imediatos, mas principalmente pelos seus resultados futuros.

 

A supremacia tornara-se cada vez mais acentuada desde que os alemães desviaram da Inglaterra a sua principal força para concentrá-la na luta da frente oriental. Seus efeitos negativos eram em si mesmos de extraordinário valor. A Inglaterra, entretanto, não estava ainda de modo algum livre dos ataques aéreos. Embora os nazistas, afirmassem haver abandonado os ataques em massa contra as cidades inglesas, havia ainda ataques de inquietação entremeados de quando em vez por violentos ataques noturnos. Nada, entretanto, havia que se aproximasse, em intensidade, dos ataques efetuados nos primeiros dias da batalha da Inglaterra. As cidades castigadas podiam reiniciar uma existência mais organizada. A produção de guerra era sujeita apenas a pequenas interrupções por parte do inimigo. A Inglaterra tinha ainda de lutar desesperadamente para manter suas linhas marítimas de comunicação, mas não mais tinha diante de si a tarefa de evitar ser destruída pela aviação alemã.

 

Do lado positivo os resultados eram também encorajadores, embora aí houvesse certas reservas. Se o poderio aéreo britânico era potencialmente capaz de desferir golpes cada vez mais duros contra a Alemanha, sua verdadeira eficácia durante os meses de inverno foi gravemente diminuída pelo mau tempo. A diminuição que tal fator impôs às operações durante o outono continuaram durante janeiro e fevereiro. As lições das pesadas perdas resultantes da mudança no tempo durante o ataque de 7 de novembro foi levada seriamente em consideração. "Nossos bombardeiros - disse Sir Archibald Sinclair a 8 de janeiro - e ainda mais nossas tripulações, são por demais valiosas para serem gastas na luta contra o fogo antiaéreo alemão, os holofotes e os caças noturnos, e contra as péssimas condições meteorológicas." Em conseqüência, os reides de grande importância foram limitados aos períodos em que os bombardeios tinham uma probabilidade razoável para atacar eficazmente seus objetivos sem mais do que os riscos normais.

 

Mesmo com tais limitações estava longe de ser nula a atividade dos bombardeiros. Durante o mês de janeiro estiveram ativos em vinte noites e realizaram onze ataques diurnos. Seus objetivos principais, além da navegação, eram os portos da Alemanha ocidental e da costa ocupada. Os únicos ataques ao interior da Alemanha foram duas incursões contra Muenster, na última parte do mês. A atividade durante o mês de fevereiro foi ainda mais irregular, havendo porém ocasiões em que se realizaram ataques contra a Renânia e o Ruhr, inclusive sobre objetivos tais como Mannheim e Colônia. Além disso, embora os golpes fossem de freqüência limitada, os sinais que revelavam um aumento da violência do ataque, e que se evidenciaram no outono, eram ainda percebidos e ofereciam um augúrio de novas operações em maior escala, logo que a primavera trouxesse as melhorias de tempo necessárias para grandes ataques.

 

O primeiro sinal do aumento na escala das operações surgiu a 3 de março, com um ataque de duas horas contra os subúrbios parisienses de Billancourt. Até então os ataques britânicos contra a França ocupada eram confinados em grande parte a objetivos tais como portos e aeródromos que eram utilizados pelos alemães para suas próprias operações. Mas aumentava cada vez mais a utilização da indústria francesa para a produção de guerra da Alemanha, e os ingleses haviam feito claras advertências de que os estabelecimentos que trabalhassem para máquina de guerra nazistas seriam objetivos legítimos do ataque aéreo britânico. A incursão de comandos que destruíra a 27 de fevereiro a estação de localização aérea pela rádio situada em Bruneval facilitava agora um ataque contra a fábrica Renault em Billancourt, onde estavam sendo construídos tanques e caminhões toara o exército alemão. Era um golpe desferido contra um dos centros mais próximos da produção militar alemã, e foi seguido quatro dias mais tarde por um rápido porém violento ataque aéreo diurno contra a fábrica de caminhões Matford, em Poissy. Outros objetivos nos subúrbios de Paris, tais como a fábricas Gnome-Rhône de motores de avião e a fábrica de borracha Goodrich, realizaram-se durante o mês de abril, e ataques diurnos contra o norte da França foram dirigidos contra usinas elétricas e meios de transportes.

Os principais objetivos, entretanto, permaneciam ainda na Alemanha, e foram lançados ataques de violência crescente sempre que se apresentava oportunidade. Apesar de continuar o mau tempo durante o mês de março, houve ocasiões em que era possível a realização de pesados ataques. O bombardeio contra Poissy a 8 de março foi seguido poucos dias depois pelas incursões contra Essen e Kiel, e por um ataque particularmente violento contra Colônia, na noite de 13 de março. Outra série de bombardeios teve início com o ataque ao Ruhr, a 25 de março, e continuou durante toda a primeira semana de abril; e a 10 de abril, uma ofensiva pesada e contínua foi iniciada, diminuindo um pouco apenas dez dias mais tarde em vista das más condições de tempo. Nessas ocasiões mencionavam-se freqüentemente forças compostas de trezentos aparelhos engajadas em incursões noturnas, e entre essas forças aumentava a proporção dos aviões pesados, tais como os gigantescos Stirlings, cuja participação nas operações era cada vez maior. De dia, os bombardeiros diurnos continuavam a tarefa dos aparelhos de ataque noturno. Incursões que duravam todo o dia, e que ocupavam seis ou sete vagas de aparelhos eram efetuadas por poderosas formações de Spitfires acompanhadas por bombardeiros Boston de grande velocidade, e de quando em vez por Hurricanes que transportavam bombas. O máximo foi atingido a 14 de abril, quando as operações foram mantidas durante nove horas. Três dias mais tarde a força de seiscentos aviões foi empregada em operações diurnas, e mesmo este número era apenas um prenúncio dos esforços ainda maiores que seriam realizados no verão.

 

Por esse tempo, também, as operações caracterizavam-se por certos aspectos que deixavam prever novos modelos de ataque. Em particular, o caráter de concentração tornava-se cada vez mais evidenciado. O crescente poderio britânico, e sua relativa imunidade a ataques em grande escala, tornou menos necessário distribuir uma força limitada em numerosas pequenas incursões contra objetivos muito variados. Havia ainda incursões secundárias, mas em muitos casos correspondiam a ataques de diversão, mas coordenados taticamente com o ataque principal. A tendência era reunir a força disponíve1 e com ela desferir um só golpe, a fim de obter o máximo efeito.

 

Havia, entretanto, uma variante que constituía um tipo muito especial de operação. É exemplificada pelo espetacular ataque diurno de 17 de abril, contra Augsburg. Partindo em horas adiantadas da tarde, doze quadrimotores Lancaster - um dos mais novos tipos ingleses, considerados os mais velozes do mundo - voaram por sobre a costa francesa quase roçando nos telhados e tomaram o rumo de seu objetivo, aproximadamente a oitocentas quilômetros para dentro do território inimigo. Nas vizinhanças de Paris encontraram uma forte oposição de caças, e no combate subseqüente foram abatidos quatro, dos doze aparelhos britânicos. Mas os oito restantes continuaram e alcançaram seu objetivo nas últimas horas da tarde. Aí encontraram pesada oposição das defesas antiaéreas; e embora o vôo a baixa altura desse alguma vantagem aos bombardeiros, mais três foram derrubados sobre Augsburg. Dos doze que originariamente haviam partido, cinco voltaram à sua base depois de terem cumprido com êxito sua missão.

 

Numericamente, tais perdas não eram sérias. Por esse tempo a RAF estava acostumada à perda de doze aparelhos no curso de um ataque noturno. Mas em proporção ao número dos aparelhos engajados na ação, uma percentagem tão elevada de perdas não poderia justificar o emprego do método nas operações normais, e somente seria justificado em condições muito especiais. Tal, de fato, foi a justificativa para a audaciosa incursão. Tratava-se de um objetivo cuja destruição requeria a precisão de um bombardeio diurno. Era um determinado edifício na Maschinenfabrick Augsburg Nurnberg, grande conjunto de estabelecimentos de onde saíam a metade dos motores de submarino para a frota alemã. O reconhecimento mostrava que a missão fôra brilhantemente cumprida. Pesadas bombas foram lançadas exatamente através do telhado do edifício escolhido, e outras caíram sobre edifícios contíguos, de vital importância para o conjunto da fábrica. Praticamente, haviam destruído um elemento de importância vital na construção alemã de submarinos. Ataques noturnos muito mais pesados e custosos tinham sem dúvida conseguido resultados muito menos importantes.

 

Era entretanto raro que se pudessem desferir golpes tão precisos contra objetivos selecionados. O principal ataque à produção alemã tinha ainda a forma de incursões noturnas em massa contra determinados objetivos industriais. Numa série de ataques iniciados nos últimos dias de março, o principal peso das operações foi dirigido contra o Ruhr. Não foi porém essa área, mas o Báltico ocidental que recebeu a mais impressionante demonstração de um assalto aéreo concentrado. A primeira vítima foi o velho porto de Luebeck, um dos principais centros de embarque de tropas e de abastecimentos para a frente oriental. Na noite de 28 de março foi atingido por um golpe devastador, calculado em duas vezes menos poderoso que o ataque alemão contra Coventry. Nenhuma cidade inglesa, segundo foi anunciado, jamais sofrera danos de tal monta em conseqüência de um único ataque. Aproximadamente a metade da cidade velha, com suas instalações portuárias e suas fábricas, foi arrasada, principalmente pelos incêndios ateados pelas bombas incendiárias, acreditando-se que grande quantidade de provisões destinadas à frente russa foi destruída neste ataque.

 

Um mês depois novo assalto em escala ainda mais vasta foi desferido contra o porto de Rostock, próximo a Luebeck. O ataque em massa de bombardeiros médios e pesados na noite de 23 de abril lançou em apenas uma hora de bombardeio maior quantidade de explosivos do que qualquer ataque individual alemão contra a Inglaterra. Embora muitas bombas fossem lançadas nas docas e nos estaleiros de submarinos, a atenção principal recaiu sobre as grandes fábricas Heinkel havia pouco grandemente aumentadas. Os pilotos que participaram do ataque consideraram-no tão extenso quanto o realizado contra Luebeck. Mas isso era apenas o começo. Por três noites seguidas voltaram os bombardeiros, guiados pelos incêndios que ainda ardiam depois do primeiro ataque, e atacaram o porto, lançando oitocentas toneladas de bombas. E para provar que possuíam ainda outros recursos, os ingleses enviaram a 25 de abril uma força de Stirlings em missão de bombardeio contra as fábricas de armamento Skoda, em Pilsen, numa distância de vôo de 2.000 km. Essas fábricas foram novamente visitadas a 4 de maio, simultaneamente com o primeiro de uma série de três ataques contra Stuttgart; e depois de um período de condições meteorológicas desfavoráveis, que na metade de maio diminuiu a duração dos ataques noturnos, o reinício de uma escala ainda mais extensa de ataques foi evidenciada pelo assalto em massa contra Mannheim, a 19 de maio. As cifras indicadoras dos aviões que tomavam parte nas operações e da quantidade de bombas lançadas, que aumentavam sem cessar em todas essas operações, alcançavam agora um máximo sem precedentes.

 

Um novo marco na guerra aérea foi estabelecido a 30 de maio. Nessa noite mais de 1.100 aviões de todos os tipos concentraram-se num ataque em massa contra a cidade de Colônia. Com uma precisão reveladora de extraordinário trabalho de organização, o ataque concentrou-se no intervalo de uma hora e meia. Esse número era duas vezes maior do que o empregado pela Alemanha em seu maior ataque contra a Grã-Bretanha, e o peso das bombas, que estimativas não-oficiais avaliaram em 3.000 toneladas, era provavelmente em proporções muito maiores. Foi um golpe que devastou a duodécima parte de toda a zona metropolitana, destruindo virtualmente a cidade velha e desmantelando toda a zona industrial. Foi seguido de tremendas incursões diurnas que demonstraram de modo ainda mais evidente o aumento do poderio ofensivo da RAF. Tais acontecimentos constituíam claramente uma comprovação da promessa de Churchill de que "com o correr dos meses, as cidades, os portos e os centros de produção bélica da Alemanha serão submetidos a um castigo que não terá paralelo em qualquer outro já experimentado por qualquer país, em constância, severidade e magnitude."

 

Não diminuía a importância real desses ataques, reconhecer que os mesmos tinham suas limitações. Não era possível manter continuamente ataques aéreos nessa mesma escala. Mesmo que houvesse as facilidades técnicas necessárias, dever-se-ia levar em conta as condições meteorológicas. Tal fato foi demonstrado com os resultados do ataque contra Colônia. Tentou-se seguir esta operação de uma incursão semelhante, na noite seguinte, contra o Ruhr. O mau tempo, entretanto, interveio obrigando a um adiamento de 24 horas, e foi a 1o de junho que 1.036 aviões atacaram Essen e a zona adjacente, num assalto um pouco menos concentrado que o de Colônia. Os ataques que se verificaram na semana seguinte não eram, de modo algum, comparáveis com o assalto contra Colônia. Um prolongado período de condições de tempo desfavoráveis dificultaram mesmo tais ataques durante meados de junho, e foi somente na noite de 25 de junho que se realizou outro ataque, de mais de 1.000 aviões, desta vez contra o porto de Bremen. Além disso, os ataques eram dirigidos contra alguns dos objetivos mais fortemente defendidos do Reich; e embora as perdas fossem moderadas em relação ao número de aparelhos engajados, eram grandes demais para serem mantidas com freqüência. O ataque a Colônia custou 44 aparelhos e o de Essen 35. Durante as operações noturnas de 25 de junho, incluindo as atividades de diversão bem como o ataque em massa contra Bremen, foram perdidos 52 aviões dos 1.300 que entraram em ação. Não era, de modo algum, uma percentagem excessiva, mas uma repetição por demais freqüente elevaria as perdas inglesas acima da capacidade de substituí-las.

 

Além disso, mesmo os efeitos desses ataques em massa não eram capazes de remover certo cepticismo a respeito do que se poderia conseguir com o emprego exclusivo da aviação. O Ruhr e a Renânia, e os portos do noroeste da Alemanha haviam sofrido ataques aéreos de intensidade crescente nos dois últimos anos; e o fato de que as incursões continuavam a repetir-se com maior freqüência e de modo cada vez mais violento era uma prova de que aquelas zonas continuavam a trabalhar apesar dos danos infligidos. Um simples ataque em massa da escala do reide contra Colônia podia ser mais eficaz que numerosos ataques menores; e se ataques tão vastos pudessem repetir-se durante várias noites, com a mesma violência do ataque contra Rostock por exemplo, seu efeito seria sem qualquer dúvida catastrófico para a cidade que o suportasse. O marechal do ar Harris afirmou, de fato, que se pudesse enviar mil bombardeiros por noite contra a Alemanha, poria fim à guerra dentro de um ano. Mas tal objetivo estava longe de ser atingido; e até então apenas as regiões industriais da Alemanha eram submetidas a persistentes ataques. Os bombardeios tinham efeitos de real importância tanto contra a produção de guerra como quanto ao moral da população alemã. Os golpes desfechados em portos, fábricas e comunicações eram fatores vitais no esforço para reduzir o potencial de guerra alemão. Mas embora representassem importantes contribuições para a derrota final do inimigo, não haviam ainda atingido uma escala que tornasse provável que a Alemanha seria derrotada somente pelo emprego da força aérea.

 

Na segunda grande finalidade da ofensiva aérea - desviar para o ocidente a aviação alemã que se encontrava na Rússia - havia também certo êxito, acompanhado de algumas limitações. No que se referia aos prejuízos causados à produção bélica alemã, a Rússia era tão beneficiada quanto os demais aliados. A destruição de fábricas de avião ou de abastecimentos de guerra, a interrupção das comunicações alemães, os golpes contra as bases de submarinos e aos estaleiros, que reduziam a ameaça às rotas marítimas de que dependiam tanto a Grã-Bretanha como a Rússia, eram outras tantas ameaças às esperanças alemães de vitória. Não eram, entretanto, suficientemente sérias para fazer da defesa aérea no ocidente a principal tarefa da Luftwaffe. Ainda era possível aceitar as perdas no ocidente, e concentrar-se ao mesmo tempo para a tarefa principal de assegurar a vitória no leste. Mas tais perdas não deviam alcançar proporções que pudessem pôr em perigo a campanha na frente oriental, ou que chegassem a acarretar o colapso da frente interna em conseqüência do incessante martelamento aéreo. A Alemanha tinha de fato de aceitar certa dispersão de seu poderio aéreo, tanto mais quando a campanha na África do Norte assumia proporções que exigiam consideráveis operações aéreas para cobrir as linhas de abastecimento através do Mediterrâneo.

 

Não se sabia, porém, ao certo até que ponto se processava tal dispersão. Em janeiro, Sir Archibald Sinclair afirmou que os nazistas estavam sendo forçados a manter metade de suas esquadrilhas de caça na Alemanha e ao longo da costa ocupada, desde a Noruega até a França. Em fins de maio, uma estimativa autorizada estabelecia em um terço a parte da aviação alemã que se encontrava no oeste, e em outro terço a parte em operações no teatro do Mediterrâneo. Mesmo assim, embora permanecessem formidáveis as defesas contra os bombardeios noturnos, as perdas relativamente leves sofridas durante as incursões diurnas pareciam mostrar que a resistência oferecida pelos aparelhos de caça era local e irregular, e somente de quando em vez se fazia menção a combates aéreos de envergadura, travados durante essas operações. Ainda mais importante era o limitado emprego da aviação de bombardeio alemã contra a Inglaterra. A represália provocada pelos reides britânicos não era dirigida contra os portos ou centros de produção bélica, mas contra cidades históricas fracamente defendidas e outros objetivos semelhantes. Adotando a hipótese de que os ataques contra Luebeck e Rostock eram dirigidos unicamente contra monumentos da cultura alemã, os alemães responderam com ataques contra lugares históricos tais como Exeter, York e Bath, e responderam ao ataque contra Colônia com um assalto a Canterbury. Tais operações elevaram a 938 o número de baixas da população civil durante o mês de abril, enquanto no mês anterior esse número fôra de apenas 21. Mas, em comparação com as 6.065 baixas de abril de 1941, a cifra indicava quão grande fôra o declínio na intensidade do ataque. O próprio fato de que os nazistas tivessem recorrido a "ataques de acordo com o guia de turismo Baedeker" ao invés de bombardear os centros de produção mostrava o pouco uso que faziam, no ocidente, de sua aviação de bombardeio. Calculou-se em cinqüenta o número de bombardeiros que tomaram parte no primeiro ataque contra Bath, a 25 de abril. Tal cifra, porém, era de magnitude fora do comum, e a maioria dos ataques de represália geralmente não empregavam mais do que a metade de tal número. Quaisquer que fossem os efeitos dos ataques ingleses, parecia claro que os alemães mantinham no ocidente relativamente poucas esquadrilhas de bombardeio.

 

Desta forma, a ofensiva aérea, apesar das proporções impressionantes que adquiria, não conseguia satisfazer a finalidade principal a que se destinava, isto é, formar uma verdadeira segunda frente, contra a qual os alemães tivessem de concentrar grandes forças. Mas isso não diminuía o valor real dessa ofensiva, nem a sua significação como indicação para o futuro. Foi com uma finalidade deliberada que os ingleses acentuaram o fato de somente aparelhos britânicos tomarem parte nos reides de mil bombardeiros. Servia para mostrar com maior evidência que o potencial de guerra dos Estados Unidos e a crescente capacidade produtora da aviação americana ainda não havia sido posta em jogo. O general Marshall prometera, durante sua visita a Londres em abril, que a aviação americana seria empregada ao lado da força aérea inglesa; e em junho, foi oficialmente revelada a presença de pilotos americanos nos aeródromos da Inglaterra. Isso prognosticava ataques muito mais violentos contra a Alemanha. O progresso no sentido de unificar a instrução dos pilotos e a aplicação do material aviatório das Nações Unidas foi evidenciado pela conferência de aviação reunida em Ottawa nos últimos dias de maio. Os melhoramentos e outros preparativos realizados nos campos de pouso da Grã-Bretanha constituíam um dos indícios da extensão em que se conduzia o treinamento de pilotos na Inglaterra. A guerra aérea saía de seu estado de embrião para entrar numa fase nova, devastadora para o inimigo.

 

Era imprescindível, entretanto, ter sempre em mira os elementos que a limitavam. O desenvolvimento dos ataques aéreos ingleses, juntamente com as notícias de êxitos navais americanos no Pacífico, haviam cooperado para produzir uma onda de otimismo injustificado e perigoso. A verdade era que somente na Europa ocidental, e assim mesmo de modo condicional, a iniciativa aérea cabia às Nações Unidas. Em todas as demais frentes, apesar de derem realizar de quando em vez ações ofensivas, os Aliados se encontravam estrategicamente na defensiva. Em certos casos, porém, mesmo esta iniciativa local era precária.

 

A batalha do Atlântico

No esforço de guerra aliado, a questão dos transportes navais permanecia como um dos problemas mais críticos. O declínio das perdas navais que caracterizara os últimos meses de 1941, fôra simplesmente temporário. Uma nova campanha submarina alemã desenvolveu-se em janeiro nas zonas desprotegidas do Atlântico ocidental, e o resultado foi que as cifras de perdas da navegação aliada atingiram um novo máximo, que não podia ser coberto pela construção.

 

Este fato era acompanhado de crescente preocupação sobre o equilíbrio naval no Atlântico e no Mediterrâneo. Estando ocupada no Pacífico uma parte considerável do poderio americano, o fardo mais pesado nos outros teatros recaía sobre a marinha inglesa, que sofria perdas severas ante os submarinos e a aviação alemã. A perda do Prince of Wales e do Repulse foi seguida em março pelo afundamento dos cruzadores Dorsetshire e Cornwall, e do porta-aviões Hermes. Outros sete cruzadores perderam-se entre meados de dezembro e começos de maio. O Ark Royal, cujo afundamento os alemães tinham anunciado tantas vezes, sucumbiu finalmente ao ataque, a 14 de novembro. O couraçado Barham foi afundado no Mediterrâneo a 25 de novembro. Os comunicados a respeito das perdas de destróieres em todos os teatros entre 10 de novembro e 12 de maio mostraram que 21 desses barcos, inclusive o Campbeltown explodido em St. Nazaire, tinham sido afundados nesses seis meses. Tais baixas foram em parte compensadas pela inclusão de outras unidades, e em abril, a chegada de navios americanos a águas inglesas aumentou a força de proteção dos comboios no Ártico e no Atlântico norte. Mas essas forças estavam longe de ser adequadas à tarefa que se esperava delas, particularmente diante da ameaça potencial representada pelas forças navais alemães de superfície.

 

Tal força aumentou principalmente devido à consolidação das forças navais alemães na região do Báltico e do mar Negro. No Mediterrâneo, embora a eficácia naval inglesa ficasse reduzida pela estala crescente das operações aéreas do Eixo, a marinha italiana de superfície era em grande parte conservada na defensiva. A brilhante ação que durou três dias nos fins de março, em que forças ligeiras britânicas que escoltavam um comboio para Malta repeliram um ataque de cruzadores pesados acompanhados por um couraçado, mostrou a fraqueza do poder ofensivo italiano; e o declínio gradual de sua força, particularmente em cruzadores pesados impedia sua marinha de constituir ameaça de vulto. Mesmo assim, porém, continuava sendo uma força que de modo algum se podia desprezar, particularmente se as circunstâncias tomassem um rumo que lhe permitisse operar em conjunção com a frota alemã numa campanha combinada no Atlântico.

 

A marinha alemã, por seu lado, permanecera por algum tempo como uma ameaça latente. No Canal da Mancha e ao longo da rota de Murmansk, os destróieres e as lanchas torpedeiras alemães mostravam-se ativas, mas parecia haver pouco desejo de arriscar grandes unidades em operações que poderiam resultar em choques com a frota britânica. No ano que se seguiu ao afundamento do Bismarck não houve nem um indício do emprego de grandes belonaves alemães de superfície na guerra de corso. Mercantes armados em corsário mostravam-se ativos, mas os barcos britânicos estavam continuamente em seu encalço, e durante o ano de 1941 foram destruídos 22 desses corsários, juntamente com seus navios de abastecimento. Apesar disso, era constante a apreensão de que pelo menos um ou outro dos rápidos e poderosos couraçados alemães alcançasse o alto mar e aumentasse a gravidade da situação criada pela campanha submarina.

 

A vigilância por meio da qual se esperava evitar que isso acontecesse dirigia-se particularmente contra os cruzadores de batalha Scharnhorst e Gneisenau. Os dois couraçados de bolso Luetzom e Admiral Scheer, belonaves iguais ao Graf Spee, haviam sido nos dois últimos anos relegados ao esquecimento pelos dois contendores, que não faziam menção do lugar em que se encontravam os dois barcos. Mas os dois cruzadores de batalha permaneciam em Brest desde março de 1941, e dois meses mais tarde a eles juntou-se o cruzador pesado Prinz Eugen depois de sua breve excursão em companhia do Bismarck. Aí permaneceram desde então os três navios, com exceção de uma curta saída do Scharnhorst até La Pallice. Estavam submetidos a estreita vigilância por parte das patrulhas aéreas e navais britânicas, e a periódicos bombardeios da RAF. Durante os dez meses seguintes foram efetuados contra eles sessenta e seis ataques aéreos; e embora a crescente proteção de que desfrutavam os preservasse de um golpe fatal, as avarias periódicas que sofriam eram suficientes para conservá-los fora de ação em alto mar.

 

Esses navios de guerra alemães não podiam porém, ficar permanentemente mobilizados, e sua desvantajosa situação obrigou-os a transferir-se para outras bases mais distantes onde estivessem menos sujeitos a ataques e mais a vontade para movimentar-se quando a ocasião parecesse oportuna. Precisavam possivelmente de vistorias e reparos que as instalações de Brest não podiam realizar satisfatoriamente. Na noite de 11 de fevereiro os três navios deixaram o porto, acompanhados por uma forte escolta de destróieres, e iniciaram a arriscada viagem para Heligoland.

 

Haviam escolhido as circunstâncias mais favoráveis para sua aventura. Embora a rota do Canal da Mancha os deixasse expostos a um ataque direto, caso fossem descobertos, havia realmente menos perigo de serem interceptados pelas grandes belonaves inglesas do que se tivessem escolhido a rota que contorna o norte da Escócia. O reconhecimento aéreo mostrara não haver nenhum couraçado nas vizinhanças imediatas, e a proteção constante da artilharia antiaérea de que desfrutavam durante sua passagem ao longo da costa seria uma decisiva vantagem. O tempo também lhes era favorável. As más condições meteorológicas reduziam a visibilidade a apenas três milhas, e uma tríplice camada de nuvens que baixava até 500 metros impedia as ataques de bombardeiros. Igualmente importante era a grande vantagem inicial que levavam. Durante três horas navegaram de dia claro sem serem percebidos percorrendo a parte mais perigosa de sua jornada. Se tivessem sido descobertos ao amanhecer, teriam de enfrentar forças muito poderosas que haviam sido reunidas para interceptá-los. Mas somente foram avistados às 11 horas da manhã, quando já haviam praticamente completado sua viagem, e desde então ganharam continuamente distância sobre as forças que haviam sido enviadas em sua perseguição. Apesar do emprego de seiscentos aviões ingleses, de audaciosos ataques a pequena distância efetuados por destróieres e lança-torpedeiras através de campos de minas e ante o fogo quase de ponto-em-branco dos canhões de 11 polegadas (279,4 mm), os alemães conseguiram realizar seu intento. Foi anunciado que tanto os destróieres como os aviões fizeram impactos nas belonaves germânicas; mas apesar das possíveis avarias, os barcos alemães não foram detidos, pois uma cobertura contínua de aviões com bases em terra lhes deu a proteção necessária para alcançar seu destino.

 

Numa declaração à Câmara dos Comuns a respeito do acontecimento Churchill externou a opinião de que a remoção dos navios alemães de Brest vinha facilitar, mais do que agravar, os problemas ingleses no Atlântico, particularmente em vista das avarias infligidas às belonaves durante a travessia. Esse ponto de vista não teve aceitação geral, e não atenuou o sentimento de ultraje sentido pela nação em conseqüência desse episódio. A Inglaterra considerava o domínio do Canal da Mancha como um fato inquestionável, e esse desafio efetuado com êxito pelo inimigo constituiu um golpe que quase desviou a atenção do fato de Singapura encontrar-se em sua última agonia. Num editorial em que procurava mostrar o contraste entre o empreendimento alemão e a destruição da armada espanhola (esquecendo-se que também os espanhóis navegaram pelo canal), o Times afirmou: "Nada pode ser mais mortificante ao orgulho do poderio naval desde o século XVII, do que isso que aconteceu em nossas águas territoriais". Por detrás disso havia um sentimento ainda maior de perigo, apesar das afirmações tranqüilizadoras de Churchill. Três poderosas unidades navais, antes sob estreita vigilância, estavam agora em situação de juntar sua força com o resto da frota alemã, que incluía o novo couraçado Tirpitz e o porta-aviões Graf Zeppelin. Embora não se tratasse de uma força que pudesse enfrentar todo o poderio da marinha britânica, estava em situação de desferir duros golpes, considerando que a frota britânica encontrava-se dispersa e ocupadíssima. Tal perspectiva tornava ainda mais agudo o problema da frota francesa numa ocasião em que estavam sendo levadas a cabo negociações que pouco depois resultaram na ascensão de Laval ao poder.

 

Tal situação exigia a vigilância mais estreita possível sobre os navios alemães, e o aproveitamento de qualquer oportunidade que se oferecesse para pô-los fora de ação. O Scharnhorst, avariado, foi localizado em Wilhelmshaven, porto bombardeado a 27 de fevereiro. O Gneisenau sofreu pesado ataque aéreo em sua doca flutuante em Kiel, e mais tarde as patrulhas de reconhecimento aéreo revelaram que a belonave se havia transferido para Gdynia, e desmontada para reparos de grande monta. O Prinz Eugen foi torpedeado e danificado por um submarino britânico a 23 de fevereiro, refugiando-se em Trondheim para ser submetido a reparos temporários. A 17 de maio essa belonave foi descoberta navegando sob forte escolta na direção de Kiel, sendo novamente avariada num pesado ataque aéreo em que tomaram parte aviões torpedeiros. O couraçado Tirpitz foi objeto de atenção particularmente severa por parte das forças navais e aéreas inglesas. Quando a 9 de março a belonave alemã se aventurou ao mar para ameaçar os comboios destinados a Murmansk, um ataque de aviões torpedeiros fê-lo voltar a seu refúgio em Trondheim, e foram desferidos pesados ataques contra esse porto nos últimos dias de abril. Se não desapareceu a ameaça por parte desses navios de guerra, conseguiu-se pelo menos que se tornassem inativos durante esse período.

 

Mas enquanto a ameaça por parte da frota alemã de superfície era desta forma mantida em controle, a ameaça da guerra submarina alcançava nova intensidade. A proteção de comboios, que ocupava ao máximo os recursos navais aliados, era necessariamente limitada às principais rotas de abastecimentos. Mesmo neste particular, a linha vital inglesa do Atlântico sofria indubitavelmente em vista de aumentarem as exigências de abastecimento para a Rússia e o Oriente Médio. O tráfego pesado através do mar das Antilhas e ao longo da costa orientaI dos Estados Unidos era feito quase sem proteção durante os primeiros meses de 1942, e isso expunha a navegação aliada aos ataques dos submarinos do Eixo, que agrediam com êxito alarmante.

 

O comunicado de 14 de janeiro, anunciando que um navio petroleiro fôra torpedeado ao largo de Long Island marcou o início de uma campanha que se tornou mais grave nas semanas seguintes. Apareceram submarinos do Eixo no rio St: Lawrence e na embocadura do Mississipi e canhonearam centros petrolíferos nas Antilhas. Apesar do aumento do serviço de patrulha, e mesmo do estabelecimento de um sistema limitado de comboios em maio, os submersíveis causavam crescentes perdas à navegação desprotegida no Atlântico ocidental e no mar das Caraíbas. Isso não significava apenas a perda de uma tonelagem de importância vital, mas também a de importantes abastecimentos, o que era particularmente sério para os países do hemisfério oriental. Quando os alemães começaram a atacar os navios petroleiros que operavam na costa oriental, o efeito foi sentido não apenas sobre a navegação, mas também sobre o próprio transporte terrestre. Mesmo sem levar em conta a importância do automóvel na vida social americana, o transporte rodoviário representava um papel vital em toda a organização econômica dos Estados Unidos. A perda das grandes regiões produtoras de borracha, na Índia, foi uma grave ameaça a seu funcionamento eficiente. A interrupção do transporte marítimo de petróleo, apesar de mais local em seus efeitos imediatos, aumentava as dificuldades no oriente. A adoção do racionamento tanto da borracha como da gasolina trouxe restrições revolucionárias para a vida americana, apresentando sérios problemas para a expansão da produção de guerra dos Estados Unidos.

 

Era entretanto a perda de tonelagem que continuava sendo o aspecto mais grave do problema. Na primeira semana da campanha, foram afundados no Atlântico ocidental cinco navios. Na semana que terminou a 22 de março esse número subiu a 22, e foi mais ou menos mantido durante os três meses seguintes. A 30 de junho os afundamentos alcançaram oficialmente a cifra de 327. Quando a essas perdas se acrescentassem as sofridas na rota de Murmansk e no Mediterrâneo, bem como os afundamentos menos conhecidos que se verificavam nas águas do Extremo Oriente e no Atlântico norte, haveria poucas dúvidas de que as cifras finais representariam um novo máximo na destruição de navios, máximo que excedia qualquer outro número representativo de um período igual tanto desta guerra como da anterior.

 

Apesar de enormes esforços, a construção de navios não era suficiente para cobrir essas perdas. No início do ano o presidente Roosevelt pediu que fosse aumentado o gigantesco programa de construção naval dos Estados Unidos, e solicitou a produção de oito milhões de toneladas durante o ano de 1942. Havia em junho todas as perspectivas de que tal objetivo seria atingido. Os estaleiros americanos, que produziram 16 navios em janeiro, lançaram em maio 58 barcos, e em junho atingiram a cifra até então inigualável de 66 navios, num total de 731.900 toneladas. Mesmo assim, tal façanha não conseguia satisfazer as necessidades da situação. As perdas neutras e aliadas, incluindo os navios mercantes adaptados para serviços de guerra, somavam, pelos fins de 1941, 8.600.000 toneladas . As perdas nos seis meses seguintes elevaram o total muito acima de dez milhões de toneladas, e isso numa ocasião em que a atividade das frentes de batalha em todo o mundo exigia cada vez maior espaço de carga nos navios. A luta para diminuir as perdas e aumentar a produção precisava ainda ser vencida, e era dessa vitória que dependia o resultado final da guerra.

 

A Líbia e o Egito

O Oriente Médio servia como elemento ilustrativo da crescente responsabilidade da navegação, à medida que a guerra aumentava em intensidade e alcance. O Oriente Médio, de importância primordial desde o início das operações, transformara-se numa zona onde se travavam ações que influíam cada vez mais no conjunto da guerra. A tomada de Singapura pelos japoneses dera ao Eixo mais um incentivo para abrir a segunda grande porta de passagem para a Índia, capturando o canal de Suez. Quando as forças alemães se concentraram para uma arremetida através do sul da Rússia, na direção do Cáucaso, as vantagens da um avanço coordenado através do Egito e da Síria tornaram-se mais evidentes do que nunca. Para os aliados, era de vital importância a resistência nas barreiras do Oriente Médio; e a queda dessas daria ao Eixo o controle do Mediterrâneo e a posse dos grandes campos petrolíferos do Cáucaso, do Irã e do Iraque. Poderia mesmo significar a perda da Índia ante as forças vitoriosamente unidas da Alemanha e do Japão. Era preciso tomar todas as medidas possíveis para evitar tal desastre, fortalecendo para isso as defesas que se estendiam desde o Mediterrâneo oriental até o golfo Pérsico. As limitações da praça disponível nos navios, agravadas pela comprida viagem em torno da África, tornavam-se, nesta situação, obstáculos da maior gravidade. Mesmo assim, apesar da urgente necessidade de satisfazer outras zonas de operações, no primeiro semestre de 1942 foram enviados mensalmente para o Oriente Médio reforços de 50.000 homens acompanhados dos respectivos abastecimentos; e, apesar disso, tais forças não foram completamente suficientes para resistir a prova a que se destinavam, no Egito e na Líbia.

 

Em meados de janeiro a ofensiva britânica, começada havia dois meses, fôra detida na fronteira ocidental da Cirenaica. A campanha havia sido custosa para ambos os lados. Churchill afirmara que a força blindada de Rommel tinha sido reduzida a 70 ou 80 tanques, e que as perdas britânicas haviam sido igualmente graves. Além disso, elementos veteranos como as divisões australianas, tinham sido retirados para enfrentar a ameaça do avanço japonês. Como conseqüência disso, faltava ao 8o Exército o poder ofensivo para destruir o inimigo batido e em retirada. Aproveitando as más condições de tempo, Rommel pôde estabelecer em Agedahia uma resistência temporária, e com o uso de toda sua força de tanques frustrar o esforço britânico, que tomara a forma de um movimento de flanco. Sua bem sucedida retirada para El Agheila, no começo de janeiro, colocou-o em situação de poder resistir a quaisquer outras tentativas de cerco. Pôde o comandante alemão concentrar suas tropas numa frente de 100 km, com seu flanco esquerdo apoiado no mar e sua ala direita protegida pelos pântanos salgados e pelo deserto que tornavam impossível qualquer movimento das unidades mecanizadas. Sua posição era protegida por terrenos alagados e ravinas bem como por campos de minas, e as forças britânicas estavam por demais enfraquecidas para, em tais condições, tentar um assalto direto.

 

Mas Rommel não tinha absolutamente a intenção de manter-se na defensiva ou de permitir que seu inimigo reunisse os meios necessários para a realização de um novo ataque. As tempestades de areia alternadas com pesados aguaceiros, que os ingleses afirmaram constituir as piores condições meteorológicas verificadas na última década, ofereceram aos alemães uma oportunidade para uma arremetida de surpresa, oportunidade essa aproveitada por eles com surpreendentes resultados. A 21 de janeiro, com uma visibilidade extremamente baixa, lançaram três colunas contra as forças ligeiras de que dispunham os ingleses ao longo da frente. Essas colunas encontravam-se virtualmente sem apoio aéreo, mas a ação dos ingleses era dificultada pelas más condições de tempo, e nas recentes operações, tinham os britânicos verificado que se a aviação era capaz de desferir golpes eficientes contra as linhas de comunicação e abastecimento, seu efeito era limitado quando dirigida contra as unidades mecanizadas que lutavam na linha de frente. A supremacia da RAF poderia perturbar os movimentos do inimigo, mas não era suficiente para deter seu avanço em terra.

 

O pensamento inicial dos ingleses era que a operação das forças de Rommel, apesar de um avanço de dezesseis quilômetros, não passava de um reconhecimento ofensivo. No dia seguinte, entretanto, tornou-se evidente tratar-se de uma operação de intenções muito mais sérias. Aproveitando sua vantagem inicial, os alemães lançaram-se para frente e capturaram Agedabia, a 22 de janeiro. Além desse ponto, porém, foram atacados por consideráveis forças britânicas que lhes barraram o avanço para o norte, na direção de Mekili e Derna, e durante os seguintes cinco dias foi travada encarniçada batalha numa vasta área da região que se estende de Antelat para Saunnu e Msus. A aldeia de Msus foi capturada a 26 de janeiro, mas o avanço além desse ponto foi detido quando as reservas inglesas entraram em ação. Quando, após dois dias de ataque, os alemães não conseguiram efetuar uma ruptura naquela direção, Rommel fez com que o grosso de suas forças retrocedesse na direção da estrada costeira. Enquanto uma parte atacava para o norte em duas colunas na direção de Benghazi, outro poderoso contingente avançava através de Regima para a costa além da cidade. A 4a Divisão Indiana, que ocupava Benghazi, não conseguiu, apesar de resolutos ataques, deslocar essa força inimiga, e a 7a Brigada Indiana, que realizava obstinada ação de retaguarda ao sul do porto encontrou-se em perigo iminente de cerco. Dividindo-se em duas colunas, conseguiu efetuar entretanto uma ruptura na direção sul, e depois de marchar cerca de 300 km através do deserto veio a reunir-se com o grosso, conservando seus efetivos quase intactos. Mas o porto propriamente dito foi perdido, e com ele uma considerável quantidade de suprimento apesar das grandes destruições efetuadas pelos retirantes. Essa presa de guerra deu às forças mecanizadas do Eixo, cujos abastecimentos em combustível haviam sido seriamente desfalcados durante a retirada anterior, uma nova possibilidade de operar.

 

O avanço pela costa fazia então rápidos progressos, levando de vencida a ação retardadora da divisão Indiana. A 1o de fevereiro passara além de Barce, e se realizava não somente pela estrada costeira mas também pelo caminho através das montanhas de Jebel-el-Akdar. Na zona a leste de Msus, as colunas britânicas ainda barraram o caminho para uma arremetida de flanco, lançada do interior; mas a 4 de fevereiro o avanço pela costa alcançara Derna, e tornou-se perigoso manter posições tão avançadas para o interior. A este tempo, entretanto, o ataque de Rommel havia perdido quase todo seu ímpeto. As forças do Eixo foram detidas além de Tmimi e obrigadas a retirar de El Gazala. A 8 de fevereiro, as forças móveis britânicas no interior haviam retirado além de Mekili, sendo consolidada uma linha partida da costa a oeste de EI Gazala até o posto de Bir Hacheim, no deserto. O grosso das forças inglesas efetuara uma firme resistência, e Rommel ainda não se achava com forças suficientes para enfrentá-la decisivamente.

 

Foi entretanto considerável o êxito de Rommel. Tomara aos britânicos a iniciativa, forçando-os a bater em retirada até um ponto situado quase a distância de ataque de Tobruk. Apoderara-se não apenas do porto de Benghazi, mas também de valiosas bases aéreas e de uma posição favorável para reiniciar a ofensiva. Estendera seu controle para a costa sul do Mediterrâneo, facilitando desta forma grandemente a proteção das rotas marítimas de que as tropas do Eixo dependiam para seu abastecimento. Isso era da mais alta importância. O súbito aumento do poderio de Rommel havia sido possível pelos reforços e substituições que lhe eram enviados através do Mediterrâneo durante os meses de dezembro e janeiro, e em particular pelo equipamento blindado que lhe permitira reconstituir tão rapidamente suas castigadas divisões. Tal fato, por seu lado, fôra possível mais como resultado da atividade aérea do que pela proteção naval, e particularmente pela ofensiva aérea dirigida contra o baluarte inglês de Malta.

 

Quando a Itália entrou na guerra, muitos ingleses duvidavam de que Malta pudesse ser mantida, e mesmo se seria conveniente fazer qualquer tentativa para mantê-la. Havia uma corrente de opinião que afirmara durante alguns anos ser mais prudente abandonar o Mediterrâneo em caso de guerra com a Itália, contentando-se em fechar as extremidades daquele mar por meio do controle de Gibraltar e de Suez. Os argumentos em prol desse ponto de vista foram fortalecidos com o colapso da França. Coubera à marinha francesa a tarefa principal nas operações do Mediterrâneo. A frota francesa fôra mesmo enviada em operações ofensivas contra a Itália antes de ser detida pelo armistício. Em vista disso, a Inglaterra ficara com pouco mais do que uma força simbólica para enfrentar todo o poderio naval e aéreo da Itália. O destino de Malta, ilha que se encontrava quase à sombra das bases aéreas da Sicília, poderia apenas, em tais circunstâncias, ser considerado como extremamente duvidoso.

 

A medida que decorreram os meses assumiu cada vez maior importância a decisão de conservar e defender Malta, tornada um fator decisivo na luta pelo Mediterrâneo. Os italianos não conseguiram dominar a ilha nos primeiros dias da guerra, quando os britânicos não possuíam ali qualquer espécie de aviação. Um pequeno grupo de oficiais da RAF descobriu caixões em que se encontravam acondicionadas as partes de quatro velhos aparelhos Gladiators, e foi com a montagem dessas máquinas que se organizou a primeira força aérea que defendeu Malta. O êxito obtido fez com que as autoridades se tornassem mais esperançosas e dedicassem à defesa de Malta esforços mais sérios. Foram enviados aparelhos mais modernos e em maior número. Três meses mais tarde as defesas da ilha não somente eram capazes de resistir, mas também constituíam certo elemento ofensivo.

 

O efeito dessa mudança foi largamente sentido no equilíbrio de forças no Mediterrâneo. Não afetou apenas a guerra aérea; teve também influência considerável sobre a situação naval. Embora fosse ainda por demais arriscado o emprego de Malta como grande base naval, era de inestimável valor como porto de emergência e como base de operações para submarinos e pequenos barcos de superfície. Como base de operações de bombardeio, auxiliava a marinha a realizar operações de inquietação contra as linhas de comunicação entre a Itália e o norte da África. Lançava ataques contra os portos de onde partiam os comboios e contra os aeródromos italianos de onde os aviões italianos de bombardeio e reconhecimento podiam sobrevoar a frota britânica. Malta foi o pivô da ofensiva aeronaval do fim de 1940 que praticamente deu aos britânicos o domínio do Mediterrâneo. Por este tempo a frota italiana esteve virtualmente confinada aos portos, e o almirante Cunningham expôs mais tarde sua convicção de que o contato entre a Itália e a Líbia estava quase cortado e estava próximo o dia em que o Mediterrâneo ficasse completamente aberto para o tráfego de comboios.

 

Tal perspectiva foi posta de lado pela chegada à Sicília, nos primeiros meses de 1941, de várias esquadrilhas alemães, que constituíam novo perigo para as operações navais inglesas. Estas não foram, entretanto, detidas, como ficou demonstrado pelo bombardeio de Gênova e pela vitória do cabo Matapan. Bombardeiros com base em Malta continuaram a atacar pontos da Itália, e em junho a retirada de forças aéreas alemães para tomar parte na campanha da Rússia aliviou a situação. Tanto os ataques contra as bases italianas como as operações contra as linhas de comunicação com a Líbia foram reiniciadas com maior vigor do que nunca. Em dezembro os bombardeiros operavam ativamente desde Nápoles até Creta, e cooperavam com a frota nas ataques contra os navios de abastecimentos e os próprios navios de escolta inimigos. Na ocasião em que Rommel dedicava toda sua habilidade e todos os seus recursos para quebrar a ofensiva britânica, a metade dos abastecimentos que lhe eram enviados iam parar no fundo do Mediterrâneo.

 

Mais uma vez a Luftwaffe foi enviada para salvar a situação. Na última parte de dezembro, aviadores alemães estavam novamente operando de bases sicilianas a fim de proteger a rota marítima para a África. Malta foi submetida a pesado ataque aéreo, sendo alvo de sessenta ataques aéreos somente na semana de Natal. O ataque continuou nessa escala durante todo o mês de janeiro. Embora os bombardeiros contra-atacassem as bases situadas na Sicília, e desferissem numerosos ataques contra Trípoli, eram inevitavelmente limitadas as atividades ofensivas da ilha, bem como as operações dos navios ingleses de superfície no canal da Sicília. A aviação alemã abrira, mais uma vez, as linhas de abastecimento para a África do Norte; e embora as ataques britânicos ainda causassem baixas aos comboios, Rommel recebia os abastecimentos de que necessitava para sua contra-ofensiva.

 

Na última parte de março os ataques alcançaram nova intensidade. Tornara-se então evidente que a África do Norte não seria mais um teatro secundário para operações de diversão, e sim um elemento vital numa grande ofensiva vindoura. Num esforço para subjugar ou imobilizar Malta, o Eixo concentrou uma força de seiscentos aviões e lançou-os num ataque que fez de Malta o lugar mais bombardeado do mundo. Somente no mês de abril foram lançadas cerca de seis mil toneladas de bombas sobre a ilha, e o assalto culminou com três dias de furiosos bombardeios a 8, 9 e 10 de maio. Submetidos a tão prolongado bombardeio, os defensores e a população civil comportaram-se com tal heroísmo que bem mereceram a outorga da "George Cross", feita à ilha em 16 de abril. Nos dias 9 e 10 de maio foram abatidos ou seriamente avariados 93 aparelhos atacantes, contra a perda de apenas três dos aviões defensores.

 

Mas embora Malta se mantivesse inconquistada após tão dura provação, seu poder ofensivo foi seriamente reduzido, e com ele a eficácia das operações navais contra as linhas de abastecimento para a Líbia. Uma das principais tarefas da marinha tornou-se, em verdade, o abastecimento da própria ilha de Malta. Em determinada ocasião apenas doze aparelhos de caça encontravam-se em ação sobre Malta, sendo preciso o emprego não somente de forças inglesas mas também de americanas - como o porta-aviões Wasp - para enviar os reforços necessários. A intenção do inimigo de isolar a ilha, e a coragem e tenacidade com que procurou realizar esse propósito foram vivamente ilustradas pelas operações iniciadas a 22 de março e que duraram três dias. Um comboio que partira de Alexandria havia dois dias navegava em direção a Malta sob a escolta de 16 destróieres, vários cruzadores porta-aviões e um cruzador leve armado com canhões de 6 polegadas. Fôra avistado no dia anterior por aparelhos de reconhecimento, e submetido a seguir a uma série de ataques da parte de aviões de bombardeio e lança-torpedos. Entrementes poderosas forças navais italianas entraram em ação com o objetivo de destruir o comboio e os navios leves que o protegiam. Nas primeiras horas da tarde de 22 de março a força britânica encontrou quatro cruzadores italianos que se aproximavam pelo norte. Os navios ingleses lançaram-se imediatamente ao ataque, avançando de modo a colocar o inimigo ao alcance de seus canhões, e deitando a seguir uma cortina de fumaça sob a qual se cobriram logo que as belonaves italianas começaram a disparar canhões. O perigo de um ataque com torpedos por parte dos destróieres ingleses impediu os navios italianos de penetrar na cortina de fumaça, e as cruzadores britânicos efetuavam rápidas sortidas de sob a cobertura de fumaça a fim de disparar seus canhões contra o adversário. Depois de hora e meia de luta os navios italianos romperam o contato, porém apenas temporariamente. Voltaram nas últimas horas da tarde, e desta feita os cruzadores leves e destróieres estavam apoiados não apenas por dois cruzadores pesados, mas também por um couraçado da classe do Littorio armado com canhões de 15 polegadas. Arremeter contra essa belonave com os canhões de seis polegadas era, na frase de uma testemunha ocular, "o mesmo que atirar pregos num elefante enfurecido". Entretanto, apesar dos resolutos esforços despendidas pelos italianos as forças leves britânicas conseguiram manter-se até que o cair da noite veio aliviar a situação. A eficácia da defesa foi comprovada pelo fato de que, apesar de continuarem por mais dois dias, não se registraram novos ataques da marinha inimiga. Haviam sido infligidas algumas avarias num cruzador e em três destróieres ingleses, mas por seu turno o couraçado italiano fôra também atingido pelo menos por um torpedo e em parte incendiado pelo canhoneio, enquanto dois cruzadores tinham também sido atingidos. O único navio perdido pelo comboio foi vítima de um ataque aéreo verificado no dia seguinte ao combate naval. Foi um brilhante êxito contra forças grandemente superiores, que manteve a tradição já estabelecida pela frota inglesa do Mediterrâneo.

 

Somente uma necessidade imperiosa poderia justificar a realização de operações em circunstâncias tão adversas. O próprio abastecimento de Malta se tornara muito arriscado, e a interrupção das rotas marítimas do Eixo constituía uma formidável tarefa para os navios de superfície, que tinham de enfrentar a aviação inimiga, ao passo que o emprego de navios pesados italianos para proteger os comboios aumentavam as dificuldades das operações submarinas. Mas tais operações continuavam, de quando em vez com êxitos brilhantes. Mas sua eficácia fôra, contudo, seriamente reduzida quando comparada com o período anterior; e apesar dos ingleses terem anunciado o afundamento de 147.000 toneladas de navios nos primeiros quatro meses de 1942, isso era apenas uma pequena parte dos suprimentos e reforços que agora eram levados para a África a fim de permitir que Rommel desempenhasse sua parte no avanço coordenado para o oriente, que o Eixo tinha em mira.

 

Tratava-se, pois, de uma corrida entre forças opostas no Norte da África no sentido de concentrar forças superiores para a realização de novas operações ofensivas. Aumentavam rapidamente os recursos de ambos os lados, mas nenhum deles adquiria vantagens decisivas. Ao ser detido o avanço de Rommel em fevereiro, a atividade bélica tomou a forma de uma série de operações de inquietação. Destacamentos ingleses perfuravam a linha que corria de Derna para Mekili, chegando em determinada ocasião a avançar a leste de Msus. Por seu lado, fortes patrulhas alemães realizavam de quando em vez penetrações na zona britânica. No fim da primeira semana de abril havia indícios de crescente atividade ao ter Rommel lançado para a frente três fortes colunas, partidas de suas posições principais. Mas esta tentativa de comprovar a força das defesas britânicas não teve êxito real. Não houve qualquer ataque sério contra a linha principal de resistência inglesa, e as colunas do eixo foram repelidas após alguns dias de encarniçados encontros. Em meados de abril, um mês de fortes tempestades de areia havia feito abortar qualquer perspectiva imediata de operações de vulto.

 

Entrementes os ingleses aceleravam seus preparativos para uma ofensiva que devia ser desencadeada nos primeiros dias de junho. Em meados de maio, entretanto, a melhoria do tempo permitiu o reinício da atividade por parte do inimigo, e tornou-se evidente que Rommel estava a ponto de dar começo à sua ofensiva. Os britânicos desfecharam, então, uma série de ataques contra as bases do eixo, a fim de dificultar os preparativos inimigos, ficando porém resolvido que as forças britânicas esperariam o ataque em suas próprias posições preparadas. Havia boas razões para supor que o ataque seria repelido com êxito, e que haveria condições para um contra-golpe eficiente. Os britânicos haviam consolidado uma linha que corria de El Gazala para Bir Hacheim, fortemente protegida por campos de minas e ocupada por guarnições avançadas em pontos selecionados. Atrás dessa linha, na zona diante de Tobruk, encontrava-se uma força de 100.000 homens que deveria enfrentar os 40.000 italianas e 50.000 alemães ao comando de Rommel. Os britânicos tinham superioridade tanto em homens como em tanques e artilharia, e eram apoiados pela supremacia que a RAF continuava a desfrutar. Também haviam sido reforçados em quantidade e qualidade. A debilidade em tanques médios e pesados, caracterizada pela ofensiva de novembro, havia sido em parte remediada pela chegada de equipamento novo, e em particular pelos tanques americanos M3 ou General Grant. Aos canhões britânicos de 25 libras, que haviam demonstrado sua eficácia em operações anteriores, foram acrescentados os canhões antitanques de 6 libras e numerosos morteiros de 55 libras. Mas embora tal material aumentasse grandemente as perspectivas favoráveis aos ingleses, mostrou-se, no fim da luta, ainda insuficiente para a consecução de uma vitória decisiva. Os tanques General Grant portaram-se brilhantemente contra o tanque alemão Mark IV, apesar de sua inferioridade em potência de fogo, mas seu número era por demais pequeno para assegurar uma superioridade completa. Mesmo com perdas relativamente pequenas nas primeiras fases da luta, o resultado deixou as forças alemães com uma superioridade que poderia ser comparada à superioridade de couraçados na guerra marítima, e o peso da armadura e a superioridade de fogo representou papel importante na fase decisiva. Os alemães mostraram-se também muito hábeis em evitar os encontros diretos de tanques e em empregar, contra os ataques ingleses, seus canhões de alta velocidade de tiro. A rapidez das decisões e a mobilidade na ação representaram também parte não pequena nas operações, e nisso os alemães levaram a melhor.

 

As primeiras fases das operações desenvolveram-se favoravelmente aos defensores. A tarde de 26 de maio, Rommel lançou em ação as suas forças. Contornaram elas o flanco sul dos defensores britânicos em Bir Hacheim e avançaram pela sua retaguarda para o norte, na direção da costa, entre El Gazala e Tobruk. Enquanto uma força auxiliar atacava Bir Hacheim, outro destacamento desenvolvia-se para leste e atacava em direção a Tobruk. Outras forças, ainda, tentaram um desembarque noturno na costa, e no dia seguinte foi desencadeado um ataque frontal contra El Gazala bem como contra a guarnição dos franceses livres em Bir Hacheim, levando de roldão os defensores que procuravam barrar o caminho pelas estradas principais pata Tobruk e a fronteira do Egito - a estrada da costa e a de Trigh Capuzzo.

 

O ataque, entretanto, não alcançou completamente seu objetivo. A tentativa de desembarque na costa foi repelida. Os defensores mantiveram-se firmes em El Gazala e Bir Hacheim. As duas divisões blindadas alemães que realizaram o movimento envolvente pelo flanco esquerdo realizaram inicialmente progressos consideráveis. Embora a 3a B da Motorizada Indiana, que suportou o primeiro choque, lutasse bravamente e empregasse com eficiência seus morteiros de 25 libras, foi batida e em grande parte aprisionada. As pontas de lança da coluna oriental do Eixo avançaram até EI Duda e Sidi Rezegh, e alguns dos tanques do grosso atacante chegaram até as escarpas ao norte de Aaoma. Ambos os avanços foram, entretanto, detidos quando entraram em ação as forças blindadas britânicas. Em encarniçados combates cujo centro era a junção rodoviária denominada Knightsbridge, a cerca de 45 km a sudoeste de Tobruk, mas que se travou por toda uma vasta zona a leste da linha de defesa britânica até El Adem, os defensores ingleses continuaram a repelir todas as tentativas inimigas de irromper para o norte.

 

A 30 de maio tornava-se crucial a situação de Rommel. Suas crescentes perdas em tanques - que a 2 de junho Auchinleck avaliou em cerca de 260 - haviam aumentado a 28 de maio quando toda a aviação britânica foi lançada contra o material mecanizado e motorizado do inimigo. As perdas em transporte acentuaram também as dificuldades de abastecimento impostas de início pela rápida distensão das linhas de comunicação dos alemães ao sul de Bir Hacheim. Para aliviar a situação, as alemães procuraram abrir uma linha direta de abastecimento por meio de brechas nos campos de minas dos britânicos entre as zonas defendidas. Mas tais brechas foram precárias, e a intensa pressão exercida pelos britânicos continuava ameaçando as forças do Eixo mais a leste. Quando a 31 de maio Rommel concentrou sua artilharia para proteger as passagens abertas nos campos de minas e para retirar e consolidar as forças que se encontravam dentro delas, parecia enfim que a maré começava a baixar. Numa entusiástica ordem do dia, Auchinleck recomendou a suas forças: "Não rompam o contato com o inimigo. Agarrem-se a ele; não o deixem por um momento sequer."

 

Mas eram prematuras as esperanças que haviam ditado essa mensagem. Rommel consolidava suas forças, não estava ainda disposto a retirar-se. Embora algumas de suas tropas em torno de Knightsbtidge realizassem um retraimento a fim de reorganizar-se, o grosso das tropas nessa zona continuava a lutar obstinadamente e conservar abertas suas linhas de comunicações bem como as brechas feitas nas defesas inglesas, através das quais chegavam abastecimentos, inclusive água e combustível. Apesar de severamente castigados, tinham os alemães e italianos inflingido aos britânicos perdas equivalentes. Se bem que grandemente reforçadas, as unidades moto-mecanizadas inglesas não estavam ainda sm condições de colocar os alemães numa séria desvantagem nesse particular. A inferioridade numérica dos alemães era em grande parte compensada pela habilidade com que Rommel manejava suas forças como se fosse uma unidade compacta, e também pela eficácia com que empregava sua artilharia. O armamento alemão que despertara maior interesse por parte dos britânicos durante a campanha inicial fôra o canhão de 105 mm de grande eficiência contra os tanques. Mas o canhão mais empregado pelo comandante alemão nessa fase da luta foi o de 88 mm., que servia tanto como arma antitanque como antiaérea, altamente valioso pela capacidade de penetração de seu projétil. Empregando contra os tanques britânicos mais a artilharia de que suas próprias forças blindadas, Rommel podia em parte compensar as perdas anteriormente sofridas.

 

Apesar de terem repelido o avanço alemão em sua fase inicial, os ingleses não se encontravam em situação de realizar completamente o aproveitamento do êxito. "O inimigo estava exausto" - afirmara Auchinleck em seu último comunicado - "e permanecera, literalmente, num impasse. Se tivéssemos sido capazes de tirar vantagem da situação do inimigo, poderíamos ter mudado completamente a situação. Mas a verdade era que também nós estávamos exaustos, e que era impossível aproveitar aquela situação." As forças alemães a leste dos campos de minas foram marteladas tanto por terra como pelo ar, e forçadas a ceder certo terreno, mas a força do ataque não foi suficiente para romper aquelas concentrações nem separá-las das forças que se achavam mais para oeste. Rommel encontrava-se em situação difícil para manter abertas as brechas feitas nos campos de minas bem como as linhas de comunicação que as atravessavam, e isso apesar dos encarniçados ataques da RAF e da infantaria e artilharia britânicas. Por meio de uma concentração de artilharia, os alemães puderam manter essas posições vitais. A 2 de junho terminara a primeira fase da batalha, sendo os alemães parcialmente repelidos, sem que houvesse, porém, vantagens decisivas para qualquer dos lados.

 

Nesse dia Rommel modificou sua tática, tratando de retomar a iniciativa. Uma vez que não conseguirá desbaratar as forças britânicas num único golpe bem aplicado, a continuação de sua ofensiva encontrava dificuldades impostas pelos campos de minas e pelas defesas fixas que lhe barravam o caminho. A tarefa consistia, pois, em destruir estes obstáculos como prelúdio necessário para um ataque completo contra as principais forças britânicas. Entre as duas estreitas brechas abertas nos campos de minas britânicos, havia uma zona minada de 15 km defendida por uma brigada inglesa. Em súbito ataque realizado a 2 de junho, Rommel expulsou os defensores dessas posições, alargando e garantindo dessa forma a passagem para suas linhas de abastecimentos. Tratava-se de um golpe que em grande parte anulava o golpe inglês desferido dois dias antes e que resultara na captura do posto de Segnali, no deserto, a 50 km a oeste e sobre o flanco das comunicações de Rommel. Num rápido esforço para deslocar as forças do Eixo de suas novas posições, os ingleses desfecharam um ataque no dia 5 de junho. A batalha travou-se na zona entre Knightsbridge e os campos de minas, e que foi denominada "O Caldeirão". O ataque inglês, apesar de realizar algum progresso, encontrou uma forte e inesperada oposição, pois os alemães haviam concentrado uma divisão blindada à retaguarda de sua infantaria e uma pesada concentração de canhões antitanques, como preparativo para um ataque próprio. O peso do esforço inglês obrigou os alemães a trazerem para a frente sua segunda divisão blindada e na manhã do dia 6 desfecharam um forte contra-ataque sobre o flanco britânico. Os pequenos tanques ingleses encontraram-se ante uma grande superioridade de fogo, e foi somente lançando todas as reservas que os britânicos conseguiram repelir o contra-ataque alemão e obrigar o inimigo a voltar a suas posições anteriores. Outro ataque efetuado no dia seguinte, desta vez pela infantaria alemã apoiada por tanques, foi igualmente repelido. Mas os ingleses haviam sofrido sérias perdas nesses encontros, e a balança começava a inclinar-se de modo mais decisivo para o lado do Eixo.

 

A atenção de Rommel fixava-se agora em Bir Hacheim. Este baluarte sul da linha britânica, que estava sob ataque inimigo desde o começo da ofensiva, constituía ainda uma ameaça para o livre movimento das forças e abastecimentos do Eixo, e sua redução era essencial para a completa segurança do flanco e da retaguarda de Rommel. Neste ponto foi o assalto concentrado com renovada intensidade. Os ataques levados a efeito por tanques e infantaria eram apoiados por pesados bombardeios de artilharia e pela ação persistente dos aviões de bombardeio em mergulho. As tropas britânicas avançaram para o sul partidas de Knightsbridge, num esforço para aliviar a pressão, mas não com forças suficientes para desalojar os atacantes. A 10 de junho a contínua pressão havia alcançado um ponto em que se tornara claro que haveria enormes dificuldades para manter-se a resistência. Após dezesseis dias de valente luta, o grosso das forças francesas livres foi retirado com êxito durante a noite, e um posto importante caiu em poder do inimigo.

 

Foi esse um acontecimento crítico. Bir Hacheim não somente impedira a chegada de reforços inimigos, mas ocupara também uma parte considerável do efetivo de tanques, artilharia e infantaria do Eixo. Rommel ficara agora em situação de lançar todo seu peso num golpe concentrado contra as principais posições inglesas que cobriam Tobruk. A luta que prosseguia desde o primeiro encontro apenas com breves pausas, adquiriu então renovada intensidade. Enquanto eram feitos na direção de El Adem ataques subsidiários, o grosso das forças de Rommel avançou para o norte num resoluto esforço para irromper até a costa, além de Acroma. A violência do assalto forçou os britânicos a ceder terreno na zona de Knightsbridge. Numa tentativa para reajustar a situação, o general Ritchie lançou-se a 13 de junho para o sudoeste, com poderosa força de tanques a fim de atacar o flanco do inimigo. Os resultados foram desastrosos. Reunindo pesada concentração de artilharia, Rommel conseguiu atrair a força britânica para uma emboscada. Dos trezentos tanques que entraram em ação nesse dia, foram postos fora de ação duzentos e trinta sem que se houvesse infligido ao inimigo perdas correspondentes. Era o golpe mais duro já desferido por qualquer dos contendores. Aumentando a gravidade da situação, verificou-se o fato de que os tanques britânicos que conseguiram escapar encontraram-se separados em duas colunas e não puderam efetuar sua junção, o que levou uma força alemã mais poderosa a derrota-los separadamente.

 

Esta data marcou o ponto de inflexão no curso da campanha. O desgaste do poderio ofensivo britânico tornava possível a irrupção para a costa, que era o objetivo imediato de Rommel. Somente uma ação defensiva da maior firmeza em Acroma, juntamente com a ação de cobertura das forças blindadas inglesas, tornou possível a retirada parcial das duas divisões que mantinham El Gazala. A 15 de junho, as forças do Eixo haviam cortado a estrada costeira e alcançado o mar a oeste de Tobruk. Os ingleses foram forçados a retirar-se para uma terceira linha defensiva nas vizinhanças de El Adem e Rezegh.

 

Aí sua resistência foi de curta duração. Tendo irrompido para oeste, Rommel lançou imediatamente seu peso sobre o flanco inimigo, num esforço para cercar Tobruk pelo leste. Em quatro dias de duras lutas iniciadas a 14 de junho, os ingleses conseguiram barrar o caminho ao inimigo, mas uma vez mais a pressão foi demasiado forte para ser suportada. A 18 de junho foi anunciado que El Adem e Rezegh tinham sido abandonados, e isso significava o reconhecimento de que o grosso das tropas britânicas deviam agora retroceder para a fronteira do Egito a fim de evitar um envolvimento. Juntamente com esse, havia o problema de abandonar Tobruk ou tentar repetir a bem sucedida resistência do ano anterior. A decisão final foi talvez influenciada pela recente chegada a Tobruk de um comboio com vultuosos abastecimentos. Era parte de uma operação que envolvia um esforço simultâneo para levar suprimentos para Malta tanto de Gibraltar como de Alexandria tendo de enfrentar forte oposição naval e aérea. O comboio ocidental conseguiu alcançar seu objetivo depois de sofrer pesadas perdas; o comboio orientaI teve de retroceder após travar combate com uma esquadra italiana que incluía dois couraçados. As forças aliadas perderam um cruzador leve e cinco destróieres, um dos quais era polonês. Afundaram, por seu lado, um cruzador pesado e dois destróieres e atingiram um couraçado com um torpedo, e os aviadores americanos que participaram da ação alcançaram com suas bombas dois couraçados italianos, identificados como sendo o Littorio e o Cavour. O abastecimento de Malta foi em parte realizado, se bem que por um elevado preço, e Tobruk possuía agora provisões e abastecimentos julgados suficientes para três meses. Foi decidido deixar uma guarnição de aproximadamente 25.000 homens para manter a posse do porto, enquanto o restante do exército foi retirado para as defesas da fronteira.

 

Mas a Tobruk não foi dado repetir seus anteriores triunfos. Afirmou-se que o atraso em chegar a uma decisão final foi uma das causas que concorreram para o malogro da defesa. De qualquer modo, o ataque foi desfechado antes que os defensores estivessem completamente consolidados e antes que a abertura no campo de minas através da qual haviam retirado os ingleses tivesse sido fechado. Rommel havia concentrado sua artilharia e suas unidades mecanizadas, a fim de desfechar com elas o assalto. Ao clarear do dia 20 de junho foi lançado poderoso ataque apoiado por um bombardeio de artilharia e de aviões de mergulho. Tropas de choque efetuaram uma ruptura na parte sudeste do perímetro; e quando os tanques penetraram pela brecha a fim de se abrirem em leque por detrás das linhas, outra brecha foi feita no setor sul, ao longo da estrada de El Adem. Tropas pára-quedistas foram lançadas em ação, numa tentativa de desorganizar a defesa e impedir a destruição dos abastecimentos e instalações. Na manhã seguinte o comando local chegava a conclusão de que a continuação da resistência era impossível. Tobruk, com uma parte considerável de seus abastecimentos e com sua guarnição de perto de duas divisões, caíra em poder do inimigo após um único dia de luta.

 

A rapidez do desastre foi completamente inesperada para o alto comando. Transformou completamente as perspectivas de uma defesa bem sucedida na fronteira. O 8o Exército perdera agora a metade de sua força original em homens e uma parte de seu equipamento pesado, e as forças de Rommel, fatigadas mas vitoriosas, seguiam-lhe no encalço a toda velocidade. A RAF desenvolvia todos os esforços possíveis para retardar a perseguição. As colunas avançadas que se lançaram ao ataque no dia 18 foram enfrentadas por uma resistência de retaguarda e regressaram até perto de Bardia. Mas, com a queda de Tobruk, Rommel lançou-se para leste com todo seu efetivo. Sua supremacia no campo de batalha não somente significava que poderia reorganizar-se livremente e reparar seus tanques avariados; mas também que o material capturado aos britânicos poderia ser posto em serviço. Com a aproximação da fronteira, lançou parte de sua força para o sul, ameaçando os britânicos de cerco, caso esses resolvessem efetuar uma resistência fixa.

 

O 8o Exército necessitava agora desesperadamente de tempo. Até que pudesse ser reagrupado e fortalecido pela chegada de novos reforços e equipamento, tinha pouca esperança de poder barrar o avanço do Eixo. Enquanto a RAF martelava as colunas, bases e linhas de abastecimentos do Eixo, as forças britânicas retiravam-se da fronteira na série de ações de retaguarda por meio de forças móveis de cobertura. A 25 de junho Auchinleck assumiu pessoalmente a chefia das operações e retirou em direção à base de Matruh de onde fôra iniciado em 1940 o avanço original de Wavell. Esperava-se que as dificuldades naturais da guerra no deserto retardasse o avanço de Rommel, dando aos ingleses pelo menos um prazo de dez dias para tratarem de restabelecer-se. Mas o comandante nazista tinha como um de seus princípios jamais dar qualquer tempo de folga a seu adversário. No dia 26 o comandante alemão encontrava-se diante de Matruh onde se concentrava então o grosso do exército britânico. O assalto foi lançado no dia seguinte. Mais uma vez jogou Rommel o peso de suas tropas contra o flanco esquerdo dos defensores a fim de conseguir uma ruptura que os ameaçasse de cerco. Mas os encarniçados combates de tanques travados durante a noite mantiveram aberta a estrada por onde se efetuara a retirada, que continuou no dia seguinte. A 29 de junho Matruh, com seu excelente abastecimento de água e suas ligações rodo e ferroviárias com a região leste encontrava-se firmemente em mãos do Eixo.

 

Auchinleck não tivera a margem de tempo de que tanto necessitava. Mas haviam começado a chegar reforços, inclusive tropas australianas, bem como aviões e equipamento terrestre. A 30 de junho reunira todas as suas forças disponíveis para uma resistência em El Alamein. Era esse virtualmente o último ponto em que o general inglês poderia esperar deter o avanço do eixo para o vale do Nilo, e na direção de Alexandria e do Cairo. Mas era também em muitos aspectos o ponto mais favorável para uma defesa do Egito. Nessa zona, o corredor costeiro entre o mar e a depressão de Qattara estreitava-se até uma largura de aproximadamente 65 km. Poucas milhas além desse gargalo, o corregedor ia desembocar num terreno aberto que permitiria amplos movimentos ao inimigo. Mas nesta estreita frente, a 110 km de Alexandria, com seus flancos protegidos pelo mar, ao norte, e as fofas areias de Qattara ao sul, o desfalcado 8o Exército tinha enfim, uma possibilidade de barrar o avanço das forças de Rommel. A 1o de julho, Auchinleck, em ordem do dia, apelava para um esforço supremo: "Haveis lutado árdua e continuamente por mais de um mês" - dizia a seus soldados. - "Tropa alguma poderia ter lutado melhor... A situação exige agora, da parte de todos, um esforço supremo. Estamos travando a Batalha do Egito, batalha em que é preciso destruir o inimigo... A batalha não terminará até que tenhamos destruído o inimigo; e havemos de destruí-lo."

 

Entretanto, apesar dessas palavras alentadoras, apenas por um triz conseguiu o 8o Exército impedir a derrota. O assalto de Rommel contra a posição de El Alamein levou suas pontas de lança para dentro das linhas de defesa. Mas uma concentração de todas as reservas disponíveis apoiadas por um esforço completo da parte da aviação, fechou a brecha antes que o inimigo pudesse aproveitar o êxito. Os britânicos mantiveram-se firmes, ameaçando até com contra-ataques as forças do eixo. Mesmo assim a situação permanecia crítica. Apesar de repelido, Rommel não havia sido derrotado. Permanecia como perigosa ameaça, pois reunira suas forças para desencadear novo ataque. Mas Auchinleck conseguira uma possibilidade de restabelecer-se dos reveses sofridos, e tendo obtido reforços mais prontamente, conseguiu mais uma vez modificar o curso da campanha pela posse da Líbia e do Egito.

 

A Campanha na Rússia

Por mais críticos que fossem os acontecimentos que se verificavam em outros teatros da guerra, sua significação primordial residia na influência que pudessem ter sobre o desfecho da luta na Rússia. A gravidade da situação geral nessa frente de importância vital fôra apenas levemente diminuída pelos êxitos obtidos pelos soviéticos durante o inverno. Ao cair na defensiva, os alemães cederam temporariamente a iniciativa ao Exército Vermelho. Entretanto, estrategicamente, as decisões ofensivas encontravam-se ainda em mãos dos nazistas. Havia poucas esperanças de que os russos fossem capazes de manter a iniciativa de modo mais amplo quando fossem reiniciadas operações de grande vulto. As esperanças de vitória de Hitler dependiam de sua capacidade para esmagar a Rússia no decorrer do ano seguinte. Seus golpes mais violentos deveriam ser desfechados na frente oriental, e o comando alemão teria de empregar neles toda a força de que dispunha.

 

Desta forma, apesar das operações russas terem uma aparência ofensiva, tinham como finalidade mais ampla preparar-se para o próximo grande ataque alemão. Sua finalidade era criar as maiores dificuldades possíveis a uma nova ofensiva alemã. A reconquista de território obrigaria, pelo menos, os invasores a iniciar sua operação partindo de pontos mais distantes. A expulsão do inimigo de certas posições estratégicas avançadas iria privá-lo de valiosos pontos de partida, e a captura de centros de comunicações e o domínio de estradas de ferro de importância militar impediria seus preparativos. Pelo exercício de contínua atividade ao longo de toda a frente, os russos obrigavam a um constante desgaste as tropas inimigas que ocupavam tais posições. Quanto maior fosse a pressão exercida, maior seria o número de tropas inimigas obrigadas a permanecer nas linhas de frente, e menor o número de reservas descansadas a serem empregadas na primavera. E quanto mais centros produtores fossem recuperados maior seriam as possibilidades russas para reorganizar seus recursos a fim de suportar o novo assalto alemão.

 

Tratava-se de uma tarefa que exigia todas as energias nacionais. Toda uma terça parte da capacidade produtiva da Rússia havia caído em mãos do invasor. A expansão das novas indústrias de guerra situadas nos Urais bem como a transferência de fábricas do ocidente em face do avanço alemão substituiriam parte dessas perdas, mas era preciso medidas drásticas e vigorosas para compensar a conquista das minas e das fábricas da Rússia ocidental e da Ucrânia. A perda de população nessas regiões, assim como as baixas sofridas no exército, determinavam um sério problema com respeito ao potencial humano. As necessidades civis deviam ser sacrificadas ao esforço de acelerar a produção de material de guerra e de mobilizar e equipar novos exércitos, formados durante o inverno. Os insistentes pedidos para a abertura de uma segunda frente na Europa mostravam a ansiedade com que os líderes russos encaravam o futuro. A remessa de equipamento inglês e americano para a Rússia, apesar da grande necessidade dos mesmos em outros teatros de guerra, e a sucessão de grandes comboios que rumavam para Murmansk apesar dos fortes ataques alemães e ao preço de graves perdas, mostravam o quanto os aliados consideravam importante a sobrevivência da Rússia para o destino das Nações Unidas. Seus esforços para fortalecer a posição russa constituíam importante fator na batalha pelos abastecimentos e pesado fardo acrescentado à navegação, já empregada ao máximo nas operações.

 

Tais fatores, bem como as condições meteorológicas dos meses de inverno, limitavam o alcance dos esforços ofensivos da Rússia. A neve e a temperatura abaixo de zero reduziam a eficiência das forças mecanizadas nazistas e criavam dificuldades para seu serviço de abastecimento. As máquinas perdiam muito de suas vantagens sobre os homens, e as tropas russas, treinadas para os combates de inverno, eram capazes de operar com relativa mobilidade quando as operações tinham caráter secundário. Mas tal flexibilidade era grandemente diminuída quando se engajavam em operações de grande vulto, que dependiam do transporte rodoviário nas zonas de frente, ou se tinham de lançar-se a ataques em grande escala, com equipamentos pesados, contra posições fortificadas. Atividades dessa espécie significariam o risco de sérias perdas e o enfraquecimento das reservas que estavam sendo organizadas urgentemente para fazer frente à crise que se aproximava. A tática russa, portanto, era a de realizar operações rápidas e flexíveis, desferindo golpes violentos e súbitos contra os pontos fracos que o inimigo apresentasse, mudando, porém, a direção de tais golpes sempre que o inimigo mostrasse uma resistência capaz de tornar demasiado custosa a operação. Era esse um método que muitas ocasiões obteve êxitos reais, e até mesmo surpreendentes, mas que não chegava a constituir um conjunto de operações capazes de esmagar a invasão alemã.

 

Do lado alemão, o mínimo de desgaste durante o inverno era condição preliminar para uma concentração máxima de força para a nova ofensiva de verão. Ao esforço russo para impor-lhes um desgaste em potencial humano, os alemães respondiam com a adoção de métodos que esperavam facilitassem suas finalidades ao menor custo possível. Desejavam conservar a parte mais substancial de seus ganhos territoriais. Concentrando suas forças em determinados pontos estratégicos, poderiam ceder terreno nas zonas intermediárias sem com isso pôr em sério perigo o conjunto de sua posição estratégica.

 

A escolha desses pontos era em grande parte determinada pelas ferrovias. A dependência em que os alemães se encontravam das estradas de ferro, e que ficara tão evidenciada na campanha anterior, tornara-se ainda maior com as dificuldades impostas pelo inverno ao transporte rodoviário. Os nazistas eram, assim, obrigados a reduzir suas forças nas zonas intermediárias, e concentrar suas defesas em fortes posições avançadas sobre as principais ferrovias, desde Leningrado até o mar Negro. A linha de inverno proposta pelas autoridades militares de Berlim, e esboçada pelas mesmas a 14 de janeiro, teria coberto toda a rede ferroviária a oeste de Moscou. Kharkov estava ligada a Kursk, Orel e Kaluga por uma linha férrea que seguia a direção geral norte-sul, e que fazia ligação com várias outras linhas vindas do oeste. Mozhaisk era um ponto avançado na estrada de Smolensk a Moscou. Uma linha partida desse ponto a leste do lago Ilmen para Schluesselburg cobriria os importantes pontos de Rzhev, Staraya Russa e Novgorod, e manteria o isolamento de Leningrado. Para conservar tais pontos os alemães concentraram poderosas guarnições e os cercaram com o que Berlim denominou "ouriços caixeiros" - um sistema circular de defesa. Em realidade isso era a substituição de uma linha sólida de defesa por um sistema de fortificações em forma de anéis, com uma grande cidade formando o centro e uma série de pontos fortificados em aldeias circunvizinhas, que criavam uma zona de proteção. Uma tentativa de penetrar entre tais fortalezas seria perigoso aos atacantes, pois os colocaria entre dois fogos. A infiltração entre esses pontos poderosamente fortificados era possível, mas uma penetração demasiado profunda poria os atacantes em perigo de serem isolados e cercados. Mesmo que tal operação ofensiva tivesse êxito, calculavam os alemães que os "ouriços caixeiros" pudessem resistir sozinhos a prolongados ataques, tornando-se ilhas de resistência que haveriam de ameaçar constantemente a retaguarda inimiga.

 

Nem todos esses cálculos, porém, se realizaram. Os alemães foram obrigados a abandonar alguns pontos de sua projetada linha de defesa e outros foram mantidos apenas a custo das maiores dificuldades. Com efeito, Kaluga caiu em poder dos russos em fins de dezembro. Em Mozhaisk os postos avançados foram dominados após terem sido isolados por meio de infiltração, e uma concentrada preparação de artilharia foi dirigida contra os fortins e contra a cidade propriamente dita, seguida de ataques partidos do norte e do sul, que ameaçavam isolar os defensores. Como resultado o grosso da guarnição foi retirado a 19 de janeiro e a retaguarda foi destroçada nas vinte e quatro horas seguintes. Por esse tempo Orel estava virtualmente cercada; colunas russas avançavam na direção de Vyasma, partidas de Kaluga e das vizinhanças de Rzhev, enquanto os vencedores de Mozhaisk continuavam seu avanço para oeste. Da região elevada de Valdai fôra também desfechada, para sudoeste, uma poderosa arremetida. Foi espetacular o êxito dessa última operação. A 23 de janeiro, os russos afirmaram ter capturado Kholm e Toropets e estavam ameaçando a junção ferroviária de Velikiye Luki. Fôra assim introduzido um profundo bolsão na frente norte, cercando praticamente Rzhev e criando uma ameaça potencial tanto para Vyasma como para Smolensk. Simultaneamente, abaixo de Kharkov, estava em progresso um avanço que a 29 de janeiro, depois de dez dias de combates, capturou o centro ferroviário estratégico de Lozovaya. Os baluartes do sistema alemão de defesa não se mostravam de modo algum inexpugnáveis, e a profundidade da penetração russa em certas partes da frente transformava-se numa ameaça para o próprio sistema.

 

Qualquer ameaça imediata dessa natureza era evitada pelo fortalecimento da defesa. Durante o mês de janeiro foram enviadas à frente reservas alemães, e na primeira semana de fevereiro os avanços russos foram detidos por uma poderosa resistência. Mas o fato de que Hitler fôra obrigado a envolver algumas das forças que esperava poupar até a primavera mostrava que uma das finalidades da operação realizada pelos russos havia sido atingida, não impedindo também novos e consideráveis avanços durante os meses de fevereiro e março. Em Leningrado os russos lançaram um forte ataque contra as linhas de sítio dos alemães, e somente não se verificou uma brecha em vista da ação desesperada das tropas de choque de pára-quedistas alemães. Um avanço de dez dias abaixo do lago Ilmen culminou a 24 de fevereiro com o cerco das forças alemães que mantinham a estrada e a junção ferroviária da cidade de Staraya Russa. O fundo do grande bolsão nesta zona estava sendo alargado entre Velikiye Luki e Rzhev, cortando a ferrovia entre estes dois pontos, e avançando para a retaguarda de Vyasma e Smolensk. Tal operação assumiu em breve o aspecto do braço norte de uma gigantesca tenaz, cujo braço do sul partira da região Tula-Kaluga para alcançar Dorogobuzh. Nesta ocasião as duas pontas de lança estavam separadas par apenas 80 km, deixando os alemães num profundo bolsão que se estendia para leste, na direção de Rzhev. A 5 de março a captura de Yukhnov na extremidade sudeste desse bolsão eliminou outro ponto fortificado segundo o estilo "ouriço caixeiro", e que servia tanto de base de abastecimento alemã como de ameaça ao flanco russo. Entrementes, Orel, Kursk e Kharkov encontravam-se sob constante pressão. Na frente da Ucrânia era mantida uma atividade de inquietação contra as linhas nazistas. Em nenhum ponto de toda a linha puderam os alemães relaxar um pouco sua vigilância durante os meses de inverno.

 

Os nazistas mantinham suas posições ao preço de tremendos esforços. Hitler referiu-se à indescritível dificuldade da retirada alemã e do desastre com que se defrontavam as tropas nazistas. Pintou um quadro vívido da miséria suportada pelos soldados nas linhas de frente, sob terríveis condições de inverno, e das dificuldades do problema de transportes quando as máquinas eram paralisadas pelas temperaturas abaixo de zero. "Nem o soldado alemão nem nossos tanques, nem nossas locomotivas" - reconheceu o Fuhrer a 26 de abril - "estavam preparados para suportar um frio tão súbito e violento". Apesar de tudo isso, os alemães conseguiram manter a maior parte de seus postos avançados. Mesmo quando esses ficavam isolados, conseguiam muitas vezes resistir, com o auxílio de abastecimentos transportados por aviões. Não foi eliminada a guarnição que se encontrava em Staraya Russa. Rzhev continuava a resistir, e os russos mostraram-se incapazes de fechar o estreito gargalo do bolsão atrás de Vyasma. Briansk e Orel, Kursk e Kharkov, permaneceram em mãos dos alemães. Embora os russos obrigassem os invasores a relaxar um pouco o sítio de Leningrado e a aliviar a pressão sobre Sebastopol, não conseguiram libertar esses dois portos. Continuaram de posse da península de Kerch mas não conseguiram avançar para dentro da Criméia, e seu ponto de apoio em Feodósia foi eliminado em janeiro. Em meados de março, com a primavera já em curso apesar das intermitentes tempestades de neve, empalideciam as esperanças de novas vitórias. As operações russas tornaram-se pouco mais do que ataques locais destinados a manter uma iniciativa limitada enquanto eram reunidas forças para operações de maior vulto.

 

Mas as vantagens russas tinham também custado seu preço. Num relatório oficial sobre o primeiro ano de guerra, o governo soviético reconheceu a existência de 4.500.000 baixas, entre mortos, feridos e prisioneiros, além da perda de 15.000 tanques e 9.000 aviões. Se as cifras publicadas nas ocasiões anteriores devessem ser aceitas como mais ou menos autênticas, ficaria evidenciado que o custo dos êxitos russos no inverno era quase tão elevado quanto suas derrotas iniciais. As sangrentas vitórias conquistadas em campos de batalha cobertos de neve não constituíam, de modo algum, vantagens evidentes. Seu preço era um grave desgaste no potencial humano, como resultado de obstinados ataques contra defesas fixas. Atrás das linhas, porém, os russos organizavam novos exércitos que poderiam talvez compensar essas perdas. Mas os alemães também preparavam novas forças, e somente a ofensiva futura poderia dizer se as operações russas de inverno haviam diminuído o poder ofensivo alemão até um ponto que justificasse sacrifícios de tal magnitude.

 

Foi somente em maio que os alemães desencadearam a sua esperada ofensiva, e mesmo assim seus resultados imediatos foram restritos. O esforço para despedaçar o poderio dos exércitos russos numa gigantesca operação semelhante aos ataque do ano anterior, era algo por demais ambicioso para ser repetido contra um adversário cuja natureza formidável se tornara desconcertantemente evidente. Para conseguir o máximo de resultados, um golpe de grande envergadura deve ter uma direção principal. A cena lógica de tal esforço era a Ucrânia, onde poderia ocorrer mais cedo uma melhoria nas condições meteorológicas, e onde o êxito abriria um caminho mais direto para o petróleo do Cáucaso e tornaria possível uma cooperação mais efetiva com uma arremetida da Líbia em direção ao Oriente Médio. Mas mesmo nesta frente limitada, eram necessárias operações preliminares de considerável extensão antes que fosse lançada a ofensiva com todos os recursos. As posições conservadas ou conquistadas pelos russos durante o inverno haviam colocado os alemães numa desvantagem inicial que deveria ser desfeita antes de iniciado o grande avanço para leste.

 

Desta forma, enquanto era empreendida uma série de operações locais em várias partes da frente num esforço para eliminar os salientes mais críticos, foi a Criméia que se tornou o teatro das primeiras grandes operações ofensivas. Os pontos de apoio russos em Kerch e Sebastopol eram como espinhos cravados no flanco alemão. Não apenas impediam que o invasor controlasse o mar Negro, tão necessário para assegurar e apoiar o avanço para o oriente; obrigavam também os alemães a empregar forças consideráveis para impedir uma ameaça direta à retaguarda e ao flanco de tal avanço. O domínio desses dois baluartes era condição preliminar para o desencadeamento de uma grande ofensiva.

 

A 8 de maio, após pesada preparação de artilharia e de aviação, os alemães desfecharam um ataque contra a extensa zona fortificada que protegia o corredor de 30 km que servia de entrada à península de Kerch. Quatro dias de bombardeio e ataques resultaram finalmente na introdução de uma cunha através da primeira zona fortificada e na ameaça de envolver as tropas russas que defendiam a extremidade noroeste. Foi iniciada então uma retirada, que se caracterizou por sucessivos contra-ataques e por encarniçados combates de retaguarda. Mas o peso do ataque alemão, e em particular a tremenda concentração da força aérea, obrigava os defensores a contínuos recuos. A 16 de maio os alemães abriam caminho para dentro da própria cidade de Kerch. Na extremidade da península ainda continuava a resistência; mas a 23 de maio os russos reconheceram que suas tropas haviam recuado para o continente, e que os alemães se encontravam novamente no ponto atingido seis meses antes.

 

Entrementes os nazistas encontravam-se envolvidos em novos e duros combates. No começo de maio a concentração alemã no sul da Ucrânia segundo as estimativas russas, havia alcançado um efetivo de trinca divisões de infantaria e seis divisões de tanques. Suas primeiras atividades se limitaram a operações locais preliminares destinadas a reduzir vários salientes entre Kharkov e a costa. Mas era conveniente não apenas deter esses ataques mas também impedir que os alemães montassem a grande ofensiva que pretendiam realizar. Foi esse o propósito inicial do ataque desfechado a 12 de maio pelo marechal Timoshenko. Lançando suas tropas numa frente de 160 km, em forma de arco, desde as vizinhanças de Volchansk ao norte, através de Chuguev e para sudoeste na direção de Krasnograd, o ataque era dirigido contra Kharkov como seu objetivo central. Esta operação levaria pelo menos os alemães a defender aquela posição vital e as primeiras declarações russas indicavam a esperança, mais tarde desfeita, de que a ofensiva poderia resultar numa ruptura e na própria captura de Kharkov.

 

Os resultados foram moderadamente encorajadores. Nos primeiros dias, os russos realizaram uma penetração das linhas exteriores de defesa, avançando também em numerosos setores. A 17 de maio, entretanto, a resistência tornou-se mais forte e o avanço foi repelido por meio de contra-ataques alemães. Dois dias depois verificou-se um acontecimento ainda mais extraordinário. O flanco esquerdo russo apoiava-se num saliente cuja base sul estendia-se para leste, da região de Lozovaya para o Donetz, em torno de Izyum. Contra esse flanco os alemães desfecharam uma contra-ofensiva dirigida sobre Izyum e Barvenkova. A 24 de maio afirmaram ter cercado, nessa zona, consideráveis forças russas. Sua afirmação de que haviam isolado o grosso de três exércitos russos era sem dúvida exagerada, mas seu êxito era bastante grave para forçar os russos a abandonar suas próprias operações ofensivas a fim de fazer frente à nova ameaça. Consolidaram suas posições diante de Kharkov e lançaram suas forças em contra-ataques destinados a aliviar a situação em torno de Izyum. A 30 de maio ambas as operações haviam chegado a um impasse sem que nenhum ganho territorial de importância fosse realizado por qualquer dos dois lados. Mas os alemães haviam mostrado ser capazes de resistir ao ataque russo tomar a iniciativa; e se seus planos mais amplos foram momentaneamente transferidos, o atraso decorrente era apenas temporário.

 

Em realidade havia ainda objetivos isolados a serem alcançados antes que os alemães estivessem em condições de preparar uma ofensiva geral. Com a expulsão dos russos de Kerch, somente a fortaleza de Sebastopol permanecia entre os alemães e o domínio completo da Criméia. Aquela fortaleza encontrava-se sitiada desde novembro. Nos últimos dias de dezembro fôra repelido um assalto; mas os russos não haviam conseguido quebrar o sítio durante o inverno e os alemães mantiveram suas posições nas alturas circunvizinhas. No começo de junho reuniram suas forças para um esforço decisivo. Mais uma vez von Manstein possuía dez divisões no começo do ataque, acreditando-se que havia sido reforçado por mais quatro divisões durante o curso das operações. Sua artilharia de sítio incluía morteiros de 20 polegadas (508 mm), e sua superioridade aérea era completa. Dentro de Sebastopol havia apenas um aeródromo improvisado, e a cidade e o porto eram submetidos a incessantes ataques de ondas de 300 aviões. O efeito desses bombardeios não se fazia sentir apenas sobre as defesas; atingia também as linhas de abastecimento. O bloqueio aéreo da cidade era virtualmente completo, e poucos navios de abastecimentos conseguiam entrar no porto durante o sítio.

 

O principal peso do ataque caía sobre a infantaria. As ravinas e gargantas dificultavam as operações de tanques e davam aos defensores considerável proteção contra os obuses e as bombas. Era preciso pulverizar as defesas com a artilharia e a aviação, tomando-as depois com assaltos em massa. Durante dois dias a artilharia e a aviação dos nazistas martelaram sem cessar as posições russas a fim de abrir caminho para o ataque. A 7 de junho foi lançado o assalto principal contra o cinturão de 18 km de fortificações que circundava a base naval.

 

Lutou-se durante três semanas com a máxima violência. O terreno ao redor da fortaleza transformou-se numa massa de fortins, casamatas, posições de artilharia e campos de minas, havendo aqui e ali pontos de maior resistência. Enquanto os morteiros, a artilharia pesada e os bombardeios de mergulho martelavam os defensores, os tanques procuravam abrir uma cunha entre as posições fixas, a infantaria tinha de avançar palmo a palmo enfrentando encarniçada resistência e muitas vezes travando encontros corpo a corpo. O primeiro ataque levou os invasores até as defesas externas da praça, e seu ponto de apoio foi alargado depois de uma semana de intensos combates. A 12 de junho o ataque assumiu nova intensidade quando foram lançadas em campo reservas frescas. No dia seguinte os alemães afirmaram haver rompido as linhas russas e alcançado o porto de Syevernaya, do outro lado da baía em que se achava a base naval. Foi preciso entretanto mais uma semana de lutas encarniçadas para que os restantes fortes dessa área fossem silenciados, e subjugados os defensores de Syevernaya. Entrementes começavam a ceder vagarosamente as defesas da parte sul. A 16 de junho foi desfechado um poderoso ataque ao longo da estrada que conduz do vale de Chernaya para as montanhas. No dia 21 os russos admitiram que a cunha lançada pelos alemães nas posições ao longo da estrada, forçara os defensores a retirar-se para novas posições. Foram desembarcados em Yalta fuzileiros navais a fim de criar uma diversão na retaguarda dos atacantes, sendo também tentadas incursões contra a península de Kerch. Tais esforços, porém, não conseguiram enfraquecer o anel que se fechava firmemente. O constante bombardeio e o canhoneio reduzira agora a cidade a um monte de ruínas. A 24, o bombardeio alcançou nova intensidade. O flanco leste das defesas começou a ceder gradualmente. Depois de cinco dias de luta encarniçada, as tropas alemães e romenas abriram caminho a viva força através do vale de Chernaya, ao sul de Inkerman, e desfecharam um assalto em massa contra as defesas interiores ao longo da elevação de Sapoun. Simultaneamente lançou-se um ataque partido do norte, vindo de Syevernaya, a 30 de junho. Restava à fortaleza apenas a última resistência. No dia seguinte os nazistas capturaram Balaclava e com a captura de Malakoff, reduziram a última posição defensiva fora de Sebastapol. Ao meio-dia de 1o de junho as forças atacantes assaltaram a cidade propriamente dita. Mesmo assim não houve rendição, e a guarnição lutou até as últimas possibilidades. Houve mais dois dias de luta dentro da cidade e contra os remanescentes defensores que haviam organizado uma derradeira resistência na península de Chersonese. Foi então subjugada a heróica e desesperada resistência da grande fortaleza soviética.

 

Estava finalmente aberto o caminho para o grande avanço alemão havia tanto em perspectiva. Enquanto a luta se processava em Sebastopol, outras operações preliminares estavam igualmente em progresso. Nas vizinhanças de Novgorod, onde os russos em fevereiro haviam lançado uma profunda cunha através do rio Volkhov a fim de ameaçar a cidade e aliviar a pressão contra Leningrado, os alemães eliminaram o saliente durante a última semana de junho. A 10 de junho os alemães desfecharam um ataque ao sul de Kharkov, e a 26 capturaram o centro ferroviário de Kupyansk, forçando os russos a retirar-se do Donetz para novas defesas na margem oriental do Oskol. Esse poderoso avanço preparou o caminho para uma ofensiva mais vasta que estava sendo organizada. A 28 de junho, partido da direção de Kursk, foi desferido o primeiro golpe da ofensiva cujo resultado constituiria uma das grandes decisões militares do ano.

 

A Ásia e o Pacífico

A importância vital da frente russa nas perspectivas aliadas no ocidente encontrava paralelo na posição chave ocupada pela China na luta contra o Japão. Durante cinco anos a China suportara o peso do conflito. Sua prolongada resistência justificava a esperança de que seria possível impedir a consolidação da supremacia japonesa na Ásia antes que os aliados pudessem reunir seus crescentes recursos para uma operação decisiva. Mas a 7 de julho, quando a China entrou em seu sexto ano de luta heróica, suas perspectivas eram simplesmente desesperadoras. Sua aliança com a Inglaterra e os Estados Unidos não lhe trouxera, virtualmente, qualquer auxílio material. As vitórias japonesas haviam cortado as tênues linhas de comunicações através das quais ela recebia alguns escassos abastecimentos. A extensão do teatro de operações impusera novas exigências às suas mal equipadas forças, e a expulsão das potências ocidentais de toda a região entre a Índia e Havaí, e entre a Sibéria e a Austrália, permitira ao Japão concentrar-se de modo ainda mais resoluto na tentativa de esmagar a resistência chinesa e completar a dominação do continente.

 

Tal era a situação depois que o Japão encerrara com êxito sua campanha na Birmânia. A importância dessa campanha transcendia em muito à que se podia esperar das forças relativamente pequenas nela empregadas. A força original inglesa de cerca de duas divisões, incluindo um pequeno destacamento blindado, não foi reforçada uma vez sequer durante toda a campanha. O contingente australiano, a princípio destinado à defesa da Birmânia, fôra transferido para a própria defesa da Austrália. A perda de Rangum e a falta de comunicações rodoviárias adequadas com a Índia, perturbavam a remessa de reforços. Os exércitos chineses sob o comando do general Stillwell representavam importante papel na defesa, e havia certas críticas pela vagarosidade dos ingleses em dar-lhes o auxílio pedido. Seu efetivo era equivalente a aproximadamente duas ou três divisões, o que era muito pouco para a tarefa que procuravam realizar.

 

O efetivo empregado pelos japoneses nessa campanha jamais excedeu provavelmente a cinco divisões. Não obstante isso representava uma disparidade de forças de grande vantagem para os nipônicos. Enquanto as forças aliadas travavam ações retardadoras, seus efetivos diminuíam rapidamente em conseqüência das baixas crescentes e da falta de descanso, ao passo que os japoneses podiam trazer tropas descansadas e lançá-las ao ataque. Seu equipamento, desde os tanques e a artilharia, até os morteiros e armas automáticas, dava-lhes vantagens particularmente sensíveis sobre os chineses. E o mais importante, possuíam eles o completo domínio do ar, durante toda a campanha. A oposição encontrada durante as primeiras semanas, de valor insuficiente, era gravemente enfraquecida pelos bombardeios de 21 e 22 de maio, que causaram grandes estragos nas bases e nos aviões aliados. Embora continuasse ativo o Grupo de Voluntários Americanos, e apesar dos bombardeios contra os aeródromos japoneses, as tropas em retirada estavam quase completamente privadas de apoio aéreo eficiente. E os japoneses não somente as bombardeavam quase completamente à vontade, senão também impediam os aliados de realizarem reconhecimentos eficazes. Até mesmo o auxílio prestado pela população local era mais proveitoso ao invasor do que aos defensores. Os nativos birmaneses serviam de guia para os japoneses, levando-os através de caminhos escondidos nas selvas, de onde poderiam flanquear os defensores, enquanto que outros elementos entregavam-se ativamente a destruição de linhas de comunicação e assaltavam os extraviados, civis ou militares. A população local deu pouco auxílio ativo aos aliados, e foi de considerável utilidade para os japoneses.

 

Além disso, os japoneses possuíam a iniciativa. Quando as forças aliadas se dividiram durante sua retirada pelos vales, os japoneses puderam lançar alternativamente o peso de seus golpes contra os ingleses em Irrawaddy e os chineses em Sittang. Puderam também empregar os métodos de infiltração e de cerco, característicos de sua tática desde o começo da campanha. Um avanço japonês num setor punha em perigo as forças aliadas que se encontravam noutro, forçando-as a retirar-se para não serem envolvidas. A cadeia de montanhas de Pegu Yoma, que separava os vales da região de Toungoo e Prome, terminava um pouco mais para o norte, oferecendo apenas pequeno obstáculo a um movimento de flanco partido de um setor para outro. E mesmo a região virgem dos estados Shan, mais para leste, não chegou a constituir obstáculo para uma rápida arremetida japonesa, na fase decisiva da campanha.

 

Na terceira semana de março, as forças britânicas e chinesas encontravam-se, respectivamente, nas vizinhanças de Prome e Toungoo, estando os chineses já então sob pesado ataque. A 25 de março revelou-se que haviam sido flanqueados por uma força japonesa que capturara o aeródromo e cortara a estrada a alguns quilômetros mais ao norte. Em cinco dias de duros combates conseguiram abrir caminho e juntar-se às forças que procuravam libertá-los, vindas do norte. Entrementes, os britânicos diante de Prome viam-se em dificuldades semelhantes. Cinco quilômetros ao sul dessa cidade, os japoneses, por meio de um movimento de flanco, barraram a estrada, separando do grosso as unidades avançadas, e embora essas conseguissem abrir caminho a viva força, a constante pressão exercida pelos japoneses obrigou os defensores a abandonar Prome a 2 de abril. Durante as duas semanas que se seguiram, os britânicos travaram combates de retaguarda enfrentando a contínua pressão japonesa que os obrigava a uma constante retirada pelo vale do Irrawaddy. Em conseqüência os chineses nas vizinhanças de Toungoo tiveram seu flanco cada vez mais exposto, e os movimentos de infiltração dos japoneses obrigou-os a seu turno a retirar-se para o norte, a fim de retificar sua frente com a linha ocupada pelos britânicos mais para oeste.

 

Os japoneses aproximavam-se agora da região elevada no centro da Birmânia, onde a chegada das chuvas mesmo durante o curso da campanha, não constituiria um obstáculo insuperável para a continuação da luta. Em meados de abril encontravam-se os nipônicos no limiar dos últimos campos petrolíferos importantes que os aliados ainda possuíam no Extremo Oriente. Em Magwe os britânicos estavam começando um processo de destruição sistemática cujos resultadas contrastavam enormemente com o processo efetuado na Malásia, e que obrigavam os japoneses a estrênuos esforços para compensar as desvantagens resultantes. A 16 de abril, os ingleses, que naquela manhã haviam sido expulsos de Magwe, encontraram-se isolados impedidos de retirar-se para Yenangyaung por uma força japonesa que barrava o caminho para o norte. Foram salvos por tropas chinesas que a 19 de abril desfecharam um ataque procedente do norte, enquanto os tanques e a infantaria britânicos atacava do sul. Mais uma vez porém a frente precisava ser retificada. E quando os ingleses tomaram novas posições no rio Pinchaung, um pouco ao norte de Yenangyaung, os chineses começaram uma nova retirada de Pyinmana para uma linha entre Taunggyi e Meiktila, a cerca de 120 km ao sul de Mandalay.

 

Qualquer esperança que ainda tivesse podido restar de estabelecer uma linha estável de resistência fôra agora desfeita pelo processo da nova arremetida japonesa para leste. Na fronteira norte do Sião, atrás da qual os japoneses haviam concentrado forças nas vizinhanças de Chiengmai, uma força chinesa estivera durante algumas semanas engajada em escaramuças com o inimigo. Mas tais elementos estavam por demais diluídos no terreno para que pudessem oferecer uma séria resistência, particularmente depois que a frente principal fôra deslocada mais para o norte. A 15 de abril os chineses informaram que os japoneses estavam avançando para o norte através dos estados Shan. Um destacamento nipônico, encabeçado por forças blindadas e auxiliado por forte apoio aéreo, rompeu a resistência chinesa em Loikaw, depois de uma semana de luta, e contornou seu flanco oriental em Taunggyi e, avançando para o norte na direção de Lashio, ponto terminal da estrada da Birmânia. Os japoneses estavam muito à retaguarda das posições aliadas, e um movimento para oeste cortaria a última estrada de fuga . O ataque frontal do sul a montante do Irrawaddy dividiu as forças japonesas e a 1o de maio penetrou em Mandalay, convertida em ruínas depois do feroz bombardeio noturno a que os japoneses a submeteram a 3 de abril. Mais a oeste os britânicos retiraram-se ao longo do rio Chindwin na direção da fronteira da Índia. A continuada resistência dos chineses ao norte de Mandalay mantinha engajadas as forças japonesas no setor central, ajudando assim a cobrir a retirada inglesa ao risco de um envolvimento quando o inimigo avançou sobre o flanco ocidental. Suas forças isoladas mantinham uma série de ações sobre um vasto território desde Loilem na parte sul dos estados Shan até Myitkyina, ponto terminal da ferrovia que corria de Mandalay para o norte. Entrementes a desfalcada força britânica, repelindo a perseguição cerrada dos japoneses e sob constante bombardeio aéreo, conseguia, com o sacrifício de seu equipamento pesado, abrir caminho pelo vale do Chindwin e alcançar segurança atrás da fronteira da Índia.

 

A ameaça externa com que agora se defrontava a Índia era acentuada por uma crise em seus assuntos internos. Em realidade as crises já constituíam um estado normal na política interna da Índia. Quando rebentou a guerra em 1939, a Índia se encontrava envolvida numa prolongada controvérsia que se centralizava na nova constituição de 1935. Segundo a nova carta, fôra estabelecido o auto-governo nas províncias, com êxito vário. Mas a transformação do governo central numa federação de todos os estados Indianos havia sido protelada por objeções surgidas de círculos muito diversos. Ao irromper a guerra, foi tomada a decisão de adiar sua aplicação até o fim do conflito, quando suas modificações seriam discutidas com os representantes Indianos.

 

Tal adiamento, em si mesmo, deu poucos motivos de preocupação. Mas a conseqüente atitude do governo britânico deu a impressão de uma presteza de aproveitar a ocasião de adiar qualquer espécie de concessão. Não era fácil, em verdade, formular concessões específicas satisfatórias. Aumentavam as dificuldades entre os vários grupos Indianos, e o muito criticado esquema federativo representava um esforço real da parte da Inglaterra no sentido de chegar a uma solução razoável. Apesar de tudo, o governo deixou de mostrar qualquer desejo ardente de marchar com audácia em direção à autonomia da Índia, e isso numa ocasião em que havia motivos para crer-se que os riscos decorrentes de uma política audaciosa eram menores do que os que proviessem de uma política de precaução. Repetiu-se muitas vezes a garantia de que seria dado à Índia a situação de domínio, e foram feitos esforços para ligar líderes Indianos mais estreitamente com a conduta da guerra incluindo novos membros no conselho do vice-rei e estabelecendo um Conselho Consultivo de Guerra composto de elementos de vários grupos sociais bem como das províncias e dos estados. Mas tais disposições não acarretaram nenhuma mudança real de poderes; e o Partido Indiano do Congresso, repudiando tais atitudes, continuava a exigir a independência imediata, enquanto a Liga Muçulmana se manifestava com crescente insistência a favor da criação de um estado muçulmano separado.

 

A guerra com o Japão tornou esta situação mais perturbadora do que nunca. A Malásia e a Birmânia foram lições que mostraram os resultados da política de não conquistar o apoio ativo da população local. Havia pouca esperança de mobilizar o povo Indiano para a resistência nacional ao Japão, particularmente desde que o Partido do Congresso afirmou que a luta pela independência era apoiada pela Carta do Atlântico. Era agora de grande conveniência a realização de novos esforços para satisfazer e arregimentar a opinião Indiana.

 

A atitude nesse sentido foi prenunciada pela reorganização do gabinete realizada em fevereiro. Numa concessão parcial à critica popular sobre a continuação da influência do grupo muniquista no governo, foram feitas numerosas mudanças tanto no ministério como no gabinete. O fato mais significativo foi a inclusão de Sir Stafford Cripps, recentemente de volta de Moscou, como Lorde do Selo Privado e líder do governo na Câmara dos Comuns.

 

Acreditava-se, de modo geral, que Sir Stafford Cripps aceitara o posto na convicção de que seria feita nova tentativa para solucionar a questão Indiana. A convicção fôra confirmada pela declaração de Churchill de 11 de março, segundo a qual seriam feitas novas propostas, e que o próprio Cripps iria à Índia discuti-las com os líderes Indianos.

 

A missão terminou em desapontamento. As propostas em si mesmas davam maior precisão ao projetado estabelecimento do estado de domínio para a Índia. Tratavam do estabelecimento de uma convenção, no fim da guerra, a fim de que delegados Indianos redigissem uma nova constituição. A mais completa responsabilidade seria transferida aos Indianos, sendo especificamente reconhecido o direito de separar-se do império. A fim de assegurar a proteção das minorias, qualquer província teria o direito de permanecer fora da nova federação, e alcançar para si o estado de domínio.

 

Até então, porém, a Inglaterra reteria para si o controle do esforço de guerra, mas com o desejo de que os líderes da Índia participassem do mesmo na forma mais ampla.

 

As propostas encontraram pouco entusiasmo da parte de qualquer grupo Indiano importante. Os Sikhs protestaram contra a possibilidade de que viessem a ser sujeitos a um estado muçulmano. Os muçulmanos queriam ter mais explicitamente garantido o seu direito de separatismo. O grupo nacionalista indu, os Mahasabha, protestou contra a proposta de formar um estado indu subordinado. O partido mais importante de todos, o do Congresso, depois de muitas discussões, votou pela rejeição. A ruptura se verificou quando o Congresso, embora parcialmente satisfeito pelas concessões a respeito do estabelecimento de um ministério de defesa, insistiu na completa e imediata autonomia. Era uma exigência que a Inglaterra não se sentia capaz de satisfazer em face do perigo de invasão. A decisão não foi enfraquecida pelo fato de que a poderosa influência de Gandhi fôra lançada do lado da não-cooperação com a Inglaterra e da não-resistência ao invasor. Embora fizesse objeção à chegada de aviadores e tropas técnicas americanas à Índia, argumentando que os milhões de homens da Índia poderiam fornecer todas as tropas necessárias, manifestou-se também contrário ao emprego de qualquer força. Esse ponto de vista não era de molde a satisfazer a Inglaterra ou a China, em vista da recente experiência de ambas com o Japão.

 

Não era entretanto, contra a Índia que os japoneses exerciam agora seus maiores esforços, mas contra a China. A conquista da Birmânia lançara outro tentáculo contra aquele país. A captura de Rangum já cortara o principal porto que alimentava a estrada da Birmânia. A captura de Lashio cortara as ligações com o ocidente, e aí e na cidade fronteiriça de Wanting haviam sido destruídas ou capturadas grandes quantidades de abastecimentos. Um avanço para o norte, contra Bhamo, cortou uma via de abastecimento secundária que ligava a China com a Índia. Desde então o único auxílio do exterior que podia chegar ao país deveria atravessar o bloqueio da costa pelos japoneses ou ser enviado pelo ar.

 

Ao mesmo tempo, a conquista da Birmânia representava um grande progresso na situação estratégica do Japão. As forças que do leste exerciam pressão contra a China podiam agora ser auxiliadas por uma ofensiva partida da Birmânia, a oeste. A coluna que alcançara Lashio avançou ao longo da estrada da Birmânia e atravessou a fronteira, desenvolvendo-se em forma de leque. Foi detida ao longo do rio Salween, a cerca de 80 km para dentro da fronteira chinesa, forçando porém os chineses a empregar contra ela consideráveis forças. Apesar disso, essa coluna continuou sendo uma ameaça às províncias ocidentais.

 

Entrementes era iniciada nova operação nas províncias ainda não conquistadas do sudeste. Outro motivo para a sujeição dessa zona foi o ataque diurno realizado contra quatro cidades japonesas por aviadores americanos, a 18 de abril. Embora parecesse que os bombardeiros tivessem decolado de porta-aviões, alçaram vôo do interior da China, oferecendo dessa forma uma vívida advertência das possibilidades do emprego dos aeródromos chineses. Os japoneses desfecharam, imediatamente uma série de incursões contra esses aeródromos nas províncias de Chekiang e Fukien, mas somente a captura daquelas províncias traria a segurança completa. Ao mesmo tempo a conquista de tais províncias fecharia as últimas vias de escape do bloqueio da costa, e a captura da estrada de ferro Chekiang-Kiangsi eliminaria quase a última linha importante de que dispunha a China.

 

A 19 de maio foi noticiada uma nova ofensiva. Partindo das vizinhanças da baía de Hangchow, quatro colunas avançaram para o sul, ao longo da linha geral da estrada de ferro, convergindo sobre Kinhwa, o centro mais importante de distribuição dos abastecimentos que conseguiam atravessar o bloqueio. Durante cinco dias os defensores repeliram um ataque concêntrico, apoiado pela costumeira intervenção aérea, mas foram finalmente expulsos de suas posições a 28 de maio. Entrementes, uma tentativa japonesa de desembarque nas proximidades de Foochow foi repelida; mas a 1o de junho revelou-se que outra força arremetera para leste ao longo da estrada de ferro que parte de Nanchang, a fim de fazer junção com as colunas que avançavam então além de Kinhwa, na direção oeste. A 7 de junho, após dois dias de intensa luta, os japoneses tinham capturado o importante aeródromo nas proximidades de Chuhsien e procuravam penetrar na própria cidade. No dia 10, essa encontrava-se em seu poder, e parte da força invasora ultrapassara a localidade a fim de continuar seu avanço para leste. Uma semana mais tarde os dois braços da pinça se haviam fechado até uma distância de 80 km entre si. Foi preciso mais uma quinzena de encarniçada luta para fechar a brecha; mas a 1o de junho os japoneses afirmaram finalmente terem sob seu controle a estrada de ferro.

 

Isso constituía um sério revés para os chineses. Mesmo que a costa ainda não estivesse completamente fechada, a dificuldade em conseguir abastecimentos tornava-se agora quase insuperável. Na última parte de junho, novo ataque japonês capturara Lishui e se apoderara do último aeródromo importante da região. Outras colunas avançando para o norte procedentes de Cantão, apesar de realizarem progressos vagarosos, ameaçavam o restante da estrada de ferro Cantão-Hankow. Evidenciava-se a possibilidade dos japoneses completarem uma rota de transporte terrestre desde Shanghai até Singapura que os libertaria da dependência das comunicações marítimas. Alguns abastecimentos estavam sendo levados por via aérea da Índia para a China, e o aparecimento de uma pequena força simbólica de aviadores americanos, que entrou em ação na primeira semana de julho, constituía um bom sinal. Mas, após cinco anos de guerra, a China encontrava-se quase no limite de seus meios de resistência. A menos que um auxílio muito mais considerável lhe fosse fornecido em breve tempo, dificilmente lhe seria possível evitar o desastre.

 

Em contraste com o êxito dessas operações, a expansão japonesa além do continente asiático fez poucos progressos. Sua maior façanha fôra a captura de Corregidor, completando assim as operações nas Filipinas. A queda de Bataan deixara a guarnição da fortaleza sem qualquer esperança séria de receber auxílio. Estava exposta a todo o peso do ataque aéreo japonês, e a um bombardeio cada vez mais intenso quando a artilharia pesada nipônica tomou posição em Bataan. No começo de maio, a guarnição da fortaleza, composta de 11.500 homens, incluindo 3.500 marinheiros e fuzileiros navais que haviam fugido de Bataan, estava seriamente reduzida em sua capacidade de luta. A meia-noite de 5 de maio, depois de quatro dias durante cada um dos quais se registraram treze ataques aéreos acompanhados por violentos bombardeios de artilharia, os japoneses desfecharam seu ataque. No dia seguinte a fortaleza rendeu-se. Havia ainda lutas isoladas em certos pontos das ilhas, praticamente, os japoneses encontravam-se enfim senhores do arquipélago.

 

Em suas tentativas para avançarem além dos limites que já haviam alcançado, os japoneses encontraram dificuldades. Mesmo suas operações no Oceano Índico, apesar de seus golpes devastadores, não resultaram em novos progressos. Nos primeiros dias de abril os japoneses apareceram nessa região com uma poderosa força que incluía pelo menos três couraçados e cinco porta-aviões. Na manhã de 5 de abril, aviões com base nos porta-aviões lançaram um ataque contra Colombo, no Ceilão. No dia seguinte bombardearam duas cidades costeiras na província de Madrasta, a 9 de abril voltaram sobre o Ceilão, atacando desta vez Trincomalee. Essas operações foram relativamente ineficazes. As defesas aéreas do Ceilão haviam sido reforçadas pouco tempo antes, e os aparelhos atacantes sofreram grandemente, e apesar de causarem perdas consideráveis na aviação defensora e danificado alguns estabelecimentos na praia, encontraram poucos navios de guerra no porto quando desferiram o ataque. Mas essas operações foram compensadas pelo êxito obtido no mar. A 9 de abril os japoneses apanharam ao largo da costa os cruzadores Dorsetshire e Cornwall, e afundaram a ambos por meio de ataques aéreos. No dia seguinte o velho porta-aviões Hermes teve destino igual. Entrementes os navios de guerra japoneses interceptaram e devastaram um grande comboio na baía de Bengala. Não se sabe quais as perdas sofridas pelos navios japoneses. O mau tempo impediu que os aviões britânicos descobrissem os porta-aviões inimigos durante o ataque a Colombo. Um porta-aviões foi atacado ao largo de Trincomalee mas os aviadores não puderam afirmar que o barco tivesse sido atingido, e todos os aviões que tomaram parte na ação foram avariados ou perdidos. Pelo menos temporariamente, os japoneses estavam claramente supremos no oceano Índico.

 

Entretanto, esses êxitos foram seguidos de outros. Os japoneses não estavam ainda prontos para a invasão da Índia; e se as operações contra o Ceilão se destinavam a preparar o caminho para um ataque contra Madagascar, tal propósito foi impedido pela ação dos britânicos. A posição dominante dessa ilha a cavaleiro das linhas de abastecimento para a Índia e o Oriente Médio fôra acentuada pelo avanço japonês. A perspectiva de que os japoneses pretendessem capturá-la tornava-se ainda mais alarmante pela recente aproximação entre Vichy e a Alemanha, que havia levado Laval ao poder. Foram tomadas medidas para salvaguardar essa posição. Na madrugada de 5 de maio uma poderosa força de mar e terra apareceu diante da base naval de Diego Suarez e exigiu sua rendição. Como de costume, o governo de Vichy insistiu na resistência, e a guarnição local obedeceu lealmente. Foi efetuado logo um desembarque, e depois de encarniçado combate o porto rendeu-se a 7 de maio. Dois meses mais tarde, em conseqüência da atividade hostil de submarinos no canal de Moçambique, foi estendido o controle até a ilha estratégica de Mayotta. A notícia de que o inimigo estava fazendo uso dos portos ainda sob controle de Vichy levou, em setembro, à realização de novas operações para a ocupação completa de Madagascar. Conseguiu-se dessa forma certa segurança contra um ataque japonês às comunicações britânicas com o ocidente.

 

No Pacífico sul, os esforços japoneses para estender seu controle tiveram como resultado reveses mais sérios. Aí também não estavam os nipônicos preparados para um assalto contra a principal base aliada na Austrália. Mas seus pontos de apoio na Nova Bretanha, na Nova Guiné e nas ilhas de Salomão era bases para um ulterior avanço que os colocaria em melhor posição para atacar, e suas persistentes incursões contra Port Moresby mostraram a possível direção de seu novo avanço.

 

Em março esses sinais tornaram-se evidentes na forte concentração de navios reunida em Salamaua e em Lae. A 10 de março, forças americanas e australianas desferiram um golpe devastador contra tais preparativos. Aviões de um destacamento naval juntamente com outros partiram de bases terrestres para atacar as belonaves e transportes japoneses bem assim as instalações costeiras. Afirmaram os aviadores terem causado pesados danos no porto e terem afundado ou avariado mais de vinte navios, inclusive quatro cruzadores. Foi um golpe que desorganizou completamente quaisquer preparativos que no momento estivessem sendo feitos.

 

Em abril, entretanto, tornou-se claro que estava sendo preparada uma nova operação. Dirigia-se dessa vez ao limite do controle japonês no sudeste, ao longo das bordas do mar de Coral, onde haviam sido tomadas bases nos grupos das Salomão e das Louisíade. No começo de maio, achava-se a caminho uma poderosa força naval japonesa. Na tarde de 3 de maio parte da mesma foi localizada na baía de Tulagi, a capital das ilhas Salomão. Na manhã seguinte, os aviões de um forte destacamento naval americano, que incluía dois porta-aviões realizaram um ataque combinado de torpedos e bombas, que tomou o inimigo completamente de surpresa. Com a perda de apenas três aviões, afirmaram os americanos terem afundado um cruzador ligeiro, dois destróieres, quatro canhoneiras e um navio de abastecimentos, avariando praticamente todos os demais navios que se encontravam no porto. Foi esse um notável êxito que deveria apenas ser o primeiro golpe de um encontro muito mais formidável.

 

O destacamento naval americano continuou ao mar nos dois dias seguintes, com seus aviões em contínua vigilância à procura de novos sinais do inimigo. Nas últimas horas do dia 6 de maio, os aparelhos de reconhecimento informaram a presença de uma força japonesa a 250 milhas para o nordeste. Tratava-se de um grande destacamento naval que possuía dois porta-aviões e quatro cruzadores pesados, sem dispor, entretanto, de nenhum couraçado. Na manhã seguinte uma parte dessa força foi localizada nas proximidades da ilha de Misima, no arquipélago de Louisíade. O porta.aviões que se encontrava neste grupo era o Ryukaku, um dos maiores e mais novos do Japão. Foi ele o principal alvo sobre que se concentraram os aviões americanos. Num devastador assalto que durou cinco minutos afundaram a belonave com quinze impactos de bombas e pelo menos dez torpedos. Um único impacto de um bombardeiro em mergulho afundou também um cruzador pesado. Parece que os aviões japoneses não conseguiram localizar o grosso das forças americanas, embora afundassem um navio tanque e o destróier que o escoltava.

 

No dia seguinte, entretanto, localizaram os navios americanos, e os aviões do segundo porta-aviões japonês decolaram quase no mesmo momento em que os aparelhos americanos atacavam o remanescente da força japonesa. O ataque japonês concentrou-se sobre o porta-aviões Lexington. Apesar de atingi-lo com cinco torpedos e com várias bombas, não conseguiram destruí-lo imediatamente. Mas os incêndios ateados pelas bombas determinaram uma série de explosões internas, e ao fim do dia, várias horas depois interrompido o combate, o Lexington teve de ser abandonado e destruído. Entrementes os aviadores americanos, embora não conseguissem afundar o porta-aviões japonês Shokaku, deixaram-no incendiado em conseqüência de impactos de bombas e torpedos, e causaram ainda avarias em outros navios, inclusive um cruzador pesado. Foi um golpe que deteve qualquer intenção japonesa de avançar imediatamente para o sul.

 

Mas o castigo não fôra suficientemente destruidor para impedir nova operação ofensiva, que os japoneses pretendiam desfechar a fim de contrabalançar o revés. As autoridades navais observavam com particular preocupação os sinais de uma nova atividade no Pacífico central e no Pacífico norte. Tiveram suas precauções justificadas um mês mais tarde quando os japoneses arremeteram para oeste, na direção das ilhas de Midway e das Aleútas.

 

As operações resultantes ao largo das Midway foi ainda mais decisiva do que as do mar de Coral. Foram iniciadas com a descoberta pela aviação naval americana de uma força de cerca de 80 navios japoneses, inclusive três couraçados e pelo menos quatro porta-aviões. Era uma poderosa concentração que, se não em condições de desafiar toda a frota americana do Pacífico, fôra pelo menos organizada com a intenção de apresentar-se como força esmagadora ante a oposição que esperava encontrar; e a presença de transportes tornava quase certo haver a intenção de capturar Midway, mais uma base para o assalto contra as ilhas Havaí. Entretanto, encontrou a força japonesa uma forte oposição não apenas de aparelhos com bases em porta-aviões, mas também da parte de bombardeiros pesados do exército, com base em terra, que abriram o ataque na tarde de 3 de junho, atingindo um cruzador e um transporte, e danificando outros navios. Após cair a noite foi feito novo ataque, à luz do luar, por quatro hidroaviões navais, acreditando-se que os torpedos lançados afundaram um grande navio e danificaram outro.

 

O combate principal travou-se ao alvorecer de 4 de junho. O inimigo dividira-se durante a noite, mas a principal força de combate foi localizada a cerca de 150 milhas de Midway, e caiu logo sob pesado ataque da força aérea baseada em Midway, a qual se compunha de fortalezas voadoras, aviões torpedeiros e bombardeiros em mergulho, e que fez dos porta-aviões inimigos o seu alvo principal. O ataque foi levado avante com extraordinário esforço, enfrentando pesado fogo antiaéreo e a intervenção dos aviões de caça inimigos.

 

Cinco, de seis aparelhos atacantes, foram perdidos apenas num encontro; oito, de dezesseis, foram abatidos noutro assalto. Mas, por esse preço, desferiram avassaladores golpes contra os porta-aviões e os couraçados, bem como aos navios menores. Os aviões dos porta-aviões japoneses atacavam por seu lado a própria ilha de Midway, tentando destruir suas defesas aéreas. Não tiveram êxito, porém. Nem um único avião americano foi surpreendido no solo, e isso constituiu um contraste significante com as experiências anteriores; e mau grado as avarias consideráveis causadas nas instalações costeiras, as defesas terrestres e a pequena força de caças repeliram os atacantes e infligiram uma perda de pelo menos quarenta aviões.

 

Mas, apesar de tudo, Midway estava agora gravemente ameaçada. Toda sua força fôra lançada contra o inimigo, e isso ainda não parecia suficiente. Não havia ainda certeza do afundamento de nenhum barco inimigo, e embora possivelmente uns dez tivessem sido avariados, isso parecia um castigo muito pequeno para poder paralisar a frota atacante. Na realidade, entretanto, os golpes foram muito mais duros do que julgavam inicialmente os defensores. Foram suficientemente graves para desviar a esquadra japonesa de seu curso e levá-la a empreender a retirada para o noroeste.

 

A operação quase resultou no abandono de qualquer ataque ulterior. Os bombardeiros com bases em terra perderam o contato com o inimigo, ao voltarem de suas bases, depois do primeiro ataque. Os aviões dos porta-aviões americanos, que então entraram em ação, não conseguiram encontrar a frota japonesa na zona prevista ou descobri-la por meio de reconhecimento nas zonas adjacentes. Mas a conclusão resultante de que o inimigo se encontrava em retirada levou a um cálculo brilhante e preciso do local em que o mesmo podia ser encontrado. Dos 15 aviões que, de acordo com esses cálculos, descobriram e atacaram a frota japonesa a oeste de Midway, nem um sequer voltou à sua base. Mas fôra determinada a posição do inimigo, e aparelhos com bases em porta-aviões continuaram a ação. O ataque estendeu-se a uma segunda força, localizada mais tarde, no mesmo dia. Os japoneses responderam com ataques contra os porta-aviões americanos. Puseram fora de ação o Yorktown, atingido por bombas e torpedos, mas suas próprias perdas foram graves. Quatro porta-aviões foram tão gravemente avariados que afundaram ou foram destruídos durante a noite. Foram atingidos dois couraçadas, sendo um seriamente; foi afundado um destróier, e vários transportes e outros navios ficaram avariados. Esse contragolpe obrigou a frota inimiga a bater em retirada.

 

Os japoneses foram perseguidos durante o dia seguinte, e no outro. Seus navios estavam em grande parte desprovidos de proteção aérea. A 5 de junho um submarino japonês canhoneou Midway, e no dia seguinte um destróier americano foi afundado por um submersível japonês. O Yorktown foi torpedeado por um submarino japonês quando estava sendo rebocado, e afundou por fim a 7 de junho. Mas tais perdas foram relativamente fracas comparadas com as sofridas pela força japonesa em retirada. Os aviões americanos atacavam agora principalmente os cruzadores inimigos, e vários deles foram avariados durante o dia 5 de junho. Dois cruzadores pesados, o Mogami e o Mikuma, foram postos a pique no dia seguinte, e outros barcos sofreram avarias. Quando, na noite de 6 de junho, foi perdido o contato, as forças americanas haviam afundado quatro porta-aviões, dois cruzadores pesados e três destróieres, e destruído aproximadamente 275 aviões japoneses. Dos 80 navios inimigos, pelo menos 20 foram destruídos ou avariados.

 

As batalhas de Midway e do mar de Coral foram de natureza sem precedentes, e seus efeitos foram dos mais importantes. Foram batalhas navais em que os navios contendores não somente não dispararam um tiro sequer como também não conseguiram avistar-se. No mar de Coral o encontro travou-se entre frotas distantes 180 milhas uma da outra. Tais ações acentuaram o papel dominante da aviação na guerra marítima. Mas, ao mostrarem a importância dos porta-aviões - o que fez com que fossem mudados os planos de construção naval americana, às custas dos couraçados - revelaram também sua vulnerabilidade, e as desvantagens dos navios que enfrentam uma aviação com bases terrestres. E embora os golpes desferidos contra os japoneses constituíssem encorajadores sinais do crescente poderio aliado no Pacífico, mostravam também que tal poderio era ainda defensivo. Os aliados não se sentiam ainda capazes de continuar tais vitórias tomando a iniciativa, e, em realidade, achavam-se diante de mais uma prova de que o poder ofensivo ainda se encontrava em mãos dos japoneses. O ataque contra Midway foi desferido em conjunção com uma operação no Pacífico norte. A 3 de junho a base americana de Dutch Harbor no Alasca foi atacada por aeroplanos partidos de um porta-aviões japonês. Ao mesmo tempo, forças nipônicas avançaram para as ilhas ocidentais da cadeia das Aleútas e ocuparam Attu e Kiska. Aviões e submarinos americanos contra-atacavam os invasores sempre que as condições meteorológicas o permitiam. Mas operações de larga escala, destinadas a expulsar os japoneses desses pontos de apoio, somente poderiam ser encaradas para o futuro, quando a situação da guerra permitisse aos aliados uma atitude geral ofensiva. As intenções dos japoneses haviam sido desfeitas, mas seu poderio ofensivo não fôra quebrado; e a perspectiva de uma contra-ofensiva aliada para recobrar o território perdido e os recursos do Oriente era algo que mesmo as últimas vitórias ainda não deixavam antever.

                                                                                      

 

                      

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