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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AFUNDEM O BISMARCK / C. S. Forester
AFUNDEM O BISMARCK / C. S. Forester

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

 

   

O que vai ser contado é a história das oportunidades mais desesperadas, do patriotismo mais sublime e da perícia profissional mais bem conseguida. Trata-se da história de uma aposta pelo domínio do mundo, qual jogo em que as vidas humanas eram decididas no pano verde do oceano.

Na história das marinhas registou-se uma perseguição sem precedentes. Travaram-se batalhas em que os vencidos alcançaram tanta glória quanto os vencedores. Nessas batalhas, o mais inconcebível azar foi compensado por uma milagrosa sorte.

Seis dias dura a perseguição. Foram dias de tormenta implacável, em que as pardacentas águas do mar se mostravam agitadas e em que as nuvens, sombrias, não permitiam que uma réstia de luminosidade viesse clarear o negro cenário de tragédia que se vivia. Aos actores a quem estava reservada a representação de tal tragédia deparou-se impiedoso e incessante vento, que uivava, acompanhado do engolfar das ondas, que vinham e iam enlouquecidas pela espuma aterradora que o vento frio acumulava.

Enquanto todos estes acontecimentos decorriam, um conjunto de factos de importância vital para a história do mundo ocorriam. E tais ocorrências davam-se quando a Inglaterra se encontrava completamente só, cercada por inimigos que o ódio e a sede de poder alimentavam. Embora sem amigos, continuava a ser um país destemido, e em vigilância permanente. Não obstante, os jornais de todo o mundo, em grandes parangonas, noticiavam os desastres passados e faziam previsões para futuros desaires.

«Conquistado o último aliado da Inglaterra: a Grécia foi invadida», dizia-se num dos títulos de primeira página, enquanto um outro informava: «Creta foi atacada». Mas outros ainda se sucediam em catadupa informativa: «A Jugoslávia foi dominada», «Retirada geral dos Ingleses da África do Norte», «Rommel avança» «... depois, Hitler ocupará a Espanha?», «Submarinos alemães conseguem grandes avanços no Atlântico: Scharnhorst e Gneisenau à espera da sua hora em Brest», «A Blitz sacode de novo a Inglaterra». Igualmente através dos jornais, podia observar-se, pelos mapas reproduzidos, quanto era um facto incontestável estar a mancha negra das conquistas nazis a espalhar-se fronteira após fronteira.

Os nazis, no momento em que a Inglaterra via perto do fim os seus recursos e até a sua determinação para continuar a sobreviver, faziam preparativos para desferir mais um golpe contra as linhas vitais inglesas.

 

 

 

 

 

 

Em Gdínia, porto da Polónia, o couraçado Bismarck ultimava os preparativos para se fazer ao mar, após um prolongado período de exercícios e manobras no Báltico. O maior, mais perigoso e mais moderno navio de guerra que alguma vez havia sido lançado à água, ali estava, procedendo-se agora às tarefas mínimas de apetrechamento, enchendo-se os depósitos, os paióis e os tanques até ao máximo da sua capacidade. Os mantimentos não eram, claro, esquecidos, encontrando-se já repletos de carne os frigoríficos, de farinha e legumes as despensas; o óleo e a água doce enchiam já os tanques e outros recipientes. E os paióis, esses, continham o que na circunstância era essencial: as granadas. De facto, uma pequena mas potente locomotiva puxava uma quantidade de vagões ao longo do navio, e cada um desses vagões trazia no seu bojo monstruosas granadas de quinze polegadas, com cerca de setecentos e cinquenta quilos cada uma. Suspensas do guindaste que as ia colocando dentro do navio, ostentavam um aspecto mortífero, mas no momento não passavam de «mercadoria» que se escoava, convés após convés, até aos paióis, muito abaixo da linha de água.

 

Toda esta operação era acompanhada de uma outra. Ao longo do cais, um novo contingente aproximava-se: eram os reforços para a tripulação do navio, constituídos por um destacamento de jovens oficiais de Marinha. Tratava-se de cadetes recém-promovidos, realmente muito jovens, mas orgulhosos do seu novo posto e dos seus uniformes novos, orgulho que manifestavam na forma enérgica como marchavam em direcção à prancha de embarque que pendia do costado do navio. Uma banda de música que, à sua frente, os precedia parou junto à prancha mas continuou a tocar, enquanto os rapazes se voltavam com uma precisão militar, e subiam garbosamnte prancha acima. Quando alcançaram o tombadilho, o oficial mais graduado fez a continência para o oficial de serviço, anunciando assim a chegada do seu grupo a bordo. Ouviu-se uma voz de comando, após o que formaram de frente para a ponte, exactamente no momento em que o trabalho no cais ficou concluído.

 

- É a última! - gritou o oficial que se encontrava no cais a controlar o carregamento das munições.

 

- Ultima! - respondeu o oficial do convés, fazendo um significativo gesto de confirmação.

 

Sinistra e medonha, a última granada, suspensa do guindaste, descia até ao paiol. Os incansáveis trabalhadores do cais dispersaram. A banda marchou em direcção ao portão, fazendo ainda ouvir a sua música, que parecia esvair-se, ao longe. À vista, apenas os marinheiros, que permaneciam de pé junto aos cabos.

 

O almirante Lutjens, dando mostras de uma eficiente energia, saiu da sua cabina de comando e dirigiu-se para o altifalante instalado na ponte, de onde falou aos seus homens.

 

Meus senhores! - começou. Fez uma breve pausa para ter a certeza de que as suas palavras eram atentamente escutadas.

 

Os jovens oficiais colocaram-se firmemente na posição de sentido, preparando-se para o ouvir, não só atentamente como fascinados. As palavras proferidas pelo almirante eram transmitidas por todo o navio. Após dar as boas-vindas aos oficiais, continuou:

 

- Devo desde já explicar-lhes que foram expressamente escolhidos   para   esta   viagem   pela   autoridade   máxima. Quando regressarem desta viagem, tenho a certeza de que poderão contar a toda a Marinha os pormenores dos triunfos que haveis de testemunhar.

 

Depois de lembrar que estavam no mais moderno e poderoso navio de guerra que existia e que iriam experimentar uma grandiosa aventura, informou:

 

- Não há qualquer navio na Marinha inglesa que possa confrontar-se com este em combate singular, como não há qualquer navio de grande porte que nos possa escapar. Quatro meses de manobras com severo treino, no Báltico, fizeram do Bismark o navio mais eficiente do mundo.

 

E, como que em desafio, exultou assim os jovens oficiais:

 

- Os comboios ingleses cobrem o Atlântico? Pois bem. O Bismark poderá destruir sumariamente comboios e escoltas, contando para isso com o auxílio do Prinz Eugen, que nos acompanhará nesta viagem de honra. O Queen Elizabeth e o Quenn Mary, que são o orgulho da Inglaterra, cruzam o Atlântico inúmeras vezes sem escolta, confiantes apenas na sua velocidade. O Bismarck, porém, é mais rápido do que esses grandes navios.

 

Como que correspondendo à expectativa que se adivinhava nos rostos dos que o escutavam, adiantou:

 

- Que dirá o mundo quando ouvir a notícia do afundamento do Queen Mary, com dez mil soldados a bordo? Um ou dois golpes como esse, e a Inglaterra não se atreveria a mandar um só navio mercante que fosse para o mar.

 

Posso garantir-vos que enquanto o Bismarck puder manter-se no Atlântico, o comércio da Inglaterra pode considerar-se despedaçado. O povo inglês, já destruído e abalado pela blitz, irá com certeza passar fome.

 

Por fim, fez um balanço das suas próprias vitórias, e do significado que elas poderiam ter nesta missão:

 

- Já fiz a cobertura de toda a extensão do Atlântico, como comandante dos cruzadores de guerra Scharnhorst e Gneisenau. Então, afundei duzentas e cinquenta mil toneladas em navios ingleses. Duzentas e cinquenta mil toneladas! Agora, podemos fixar para nós um objectivo de dois milhões de toneladas, e assim desferimos um golpe de que a Inglaterra jamais poderá recobrar.

 

Lá em baixo, no cais, podia ver-se um trabalhador do porto, certamente a completar alguma tarefa, meio escondido por pilhas de materiais. O discurso do almirante, mesmo através dos altifalantes, mal chegava aos seus ouvidos. Aquelas palavras sobre o Atlântico e o Queen Mary, porém, ainda ele conseguiu ouvir. Quando soavam as últimas palavras dos discursos, foi andando cais abaixo, ostentando uma inocência sem mácula. De resto, já havia mostrado os seus documentos à polícia, que os encontrara completamente em ordem.

 

Os marinheiros soltavam já os cabos, atirando-os um a um para fora. O Bismarck girou sobre si mesmo e aproou para o mar. Os trabalhadores da doca, aglomerados junto ao portão, assistiam à saída do navio. A banda, ao longe, ainda tocava.

 

 

Num pequeno porto da Suécia, um enorme paredão evitava que as vagas penetrassem a costa. Sobre esse paredão, via-se um calmo pescador. Olhando em volta do molhe, podia ter-se a prova dos cuidados que a Suécia punha na sua neutralidade, ou das precauções que tomava perante um eventual ataque de surpresa: soldados e guarda-costeiros suecos patrulhavam permanentemente o local, não tirando os olhos do mar.

 

O pachorrento pescador permanecia ali horas sem fim, ora comendo apetitosamente o seu lanche, ora mudando as iscas do anzol, ora recolhendo o desprevenido peixe que se deixava apanhar. O dia estava quase no seu final, o sol anunciava a sua postura. Então, o homem que pescava olhou em direcção ao sul e avistou qualquer coisa que se recortava lá longe. Com os binóculos que levava, pôs-se subitamente a perscrutar o horizonte. Depois de ter olhado durante alguns instantes o que lhe aparecia lá longe no mar, descansou os olhos, para depois colocar de novo os binóculos. Na verdade, a sua vista não o enganara: divisara mesmo duas silhuetas, uma maior que a outra. Tratava-se sem dúvida do Bismarck e do Prinz Eugen, acompanhados de um grupo de navios mercantes, onze, ao todo.

 

Desmontou a sua cana de pesca, recolheu o material, e dirigiu-se rápido em direcção à praia, ao longo do paredão, passando pelos guardas, até alcançar, pela rua principal da povoação, a estação dos correios.

 

Foi na estação dos correios que, minutos mais tarde, um inglês idoso entrou, a passos largos, e se dirigiu para o local onde se encontravam os impressos. Daí retirou um de telegrama, que preencheu e entregou à funcionária. Esta, por sua vez, ao ler o endereço, chamou o polícia que ali se encontrava de serviço. O polícia fez algumas perguntas ao cidadão inglês.

 

O destinatário do telegrama era uma firma de Londres, em Cheapside, e o texto dizia o seguinte: «Sobem escoras de minas e caibros. Onze pontos pelo menos.»

 

- Que firma é essa? - perguntou o polícia.

 

- É uma firma de importadores de madeira, bem conhecida, de resto.

 

- Que diz esse telegrama?

 

O inglês satisfez a curiosidade do seu interlocutor, exibindo ao mesmo tempo os seus documentos. De imediato o polícia fez sinal para que o telegrama fosse entregue, não sem deixar de se desculpar:

 

- No nosso país precisamos ter a certeza que a neutralidade não é violada.

 

 

Numa estação telegráfica de Londres, as teclas do telégrafo acusaram a recepção de uma mensagem. A funcionária de serviço ia dar-lhe o destino normal quando a responsável pelo sector notou qual era o endereço daquele telegrama.

 

- Espere um minuto - disse a encarregada, iniciando de imediato a consulta a um arquivo.

 

Momentos depois, um motociclista fazia rugir a sua mota pelas ruas de Londres, cobertas de destroços. Quando chegou ao Almirantado, desceu e entregou o telegrama. A mensagem passou rapidamente de mão em mão até ser entregue a um contra-almirante.

 

O relógio marcava oito horas da manhã; pelo calendário podia ver-se que se estava a 21 de Maio de 1941. Ela aí estava: «Sobem escoras de minas e caibros.» O contra-almirante olhou para um mapa que se encontrava ao seu lado. Era o mapa do Báltico, onde localizou a cidade de onde provinha o telegrama. De seguida, folheou o livro dos códigos.

 

- Bem - disse para um colega. - O Bismarck deixou o porto. Está no Kattegat e dirige-se para norte. Aqui.

 

Apontou no mapa o local a que se referira.

 

- Estava a fazer exercícios no Báltico durante quatro meses - informou o colega. - Já era tempo de termos notícias dele.

 

- O Prinz Eugen acompanha-o - continuou o contra-almirante, com base no código que consultara. - E mais onze navios mercantes.

 

- Pode ser qualquer coisa muito importante.

 

- Vou levar agora mesmo o telegrama.

 

Na sala de operações encontrava-se um almirante, que, depois de ouvir da boca do contra-alrnirante o conteúdo do telegrama, fez alguns comentários e apontou com um lápis determinados pontos num mapa.

 

- O Bismarck a navegar...   Suponho que poderia ter acontecido num momento pior, mas não muito. De qualquer forma, o inimigo nunca tem o cuidado de nos consultar quanto ao momento que para nós é mais ou menos conveniente para o defrontarmos...

 

Fez uma pausa e continuou, dirigindo-se ainda ao contra-almirante:

 

- Sabe que o ataque a Creta já começou? Cunningham tem bastante que vazer no Mediterrâneo Oriental. Somerville, em Gibraltar, está igualmente atarefado. O Scharnhorst e o Gneisenau estão em Brest, e temos que ter muitc cuidado para impedir e sua saída a qualquer momento.

 

Depois, apontando para o mapa:

 

- Comboios,   há-os   aqui,   aqui,   aqui...   por   todo   o Atlântico. O Prince of Wales ainda não acabou as manobras, nem pouco mais ou menos, pelo que não podemos considerá-lo um navio em combate, o mesmo se passando quanto ao Victorious, Que vai então fazer o Bismarck, se sair? Se há navios mercantes com ele, pode estar apenas a escoltá-los até à Noruega. E verdade que devemos precaver-nos contra qualquer mudança de posição. Há as Faeroes e há a Islândia, e eu não gostaria que ocorresse um ataque em qualquer delas neste momento,   que nos prejudicaria.   Mas, suponho que o Bismarck vai irromper no Atlântico, qual será a sua rota? Pentland Firth? Ilha Fair? O leste ou oeste das Faeroes? O estreito da Dinamarca? Qual destas rotas será a escolhida? São mil milhas de oceano para guardar, tendo nós poucos navios em condições para o fazer...

 

E nenhum tão perigoso como o Bismarck – concluiu o contra-almirante.

 

Bem, isso é uma coisa que não preciso que me lembre - ripostou o almirante, que adiantou, enquanto se dirigia para o seu gabinete: - De qualquer forma, ponha o Comando Costeiro a funcionar. Quero o reconhecimento aéreo da costa norueguesa e quero fotografias.

 

Depois, apontando para o telegrama que o contra-almirante ainda segurava entre os dedos:

 

- Esse telegrama tem oito horas de idade neste momento. O Bismarck pode estar... - fez uma pausa e apontou   para   o   mapa   -   em qualquer   ponte   de   Bergen, para sul. Quero fotografias de qualquer coisa suspeita de Bergen, Fiord de Oslo, e de lá para o sul.

 

- Avisarei o Comando Costeiro.

 

Eram nove horas.

 

 

Os Spitfire de reconhecimento saíram para cumprir as suas missões, pesquisando todo o emaranhado litoral do Sul da Noruega. O piloto de um deles pareceu-lhe ter visto algo no Fiord Grimstad, a sul de Bergen. Depois de se certificar de que estava de facto a ver qualquer coisa, fotografou. Anotou a hora pelo seu relógio de pulso: 1.15. Depois, regressou à base.

 

A bordo do Bismarck este episódio não passou despercebido. Deram pela presença do avião por meio do radar e de imediato correram a guarnecer os canhões. Os jovens oficiais dispuseram-se, ansiosos, a ver a acção, mas mais não puderam fazer que reconhecer o tipo: tratava-se de um Spitfire, que desapareceu.

 

O avião aterrou e o piloto desceu.

 

- Dois cruzadores no Fiord Grimstad! - foram as suas primeiras palavras.

 

Dirigia-se às pessoas que, ansiosas, o aguardavam e que, após o saudarem, se apoderaram da sua máquina fotográfica, que levaram. Mãos ágeis e firmes retiraram o filme, revelaram-no e ampliaram as respectivas cópias, tudo com o mínimo de tempo: o piloto aterrara às 14.45 e às 15-15 já as ampliações se encontravam nas mãos dos especialistas.

 

- Dois cruzadores? - interrogou-se um deles. - Não, estes são o Bismarck e o Prinz Eugen.

 

Ouviu-se o retinir dos telefones.

 

- O Bismarck está no Fiord de Grimstad!

 

No Almirantado, alguém recebeu a notícia. Eram 15.45.

 

- Tivemos sorte - disse. - Vimo-lo quando estava ao largo da Suécia e agora vamos encontrá-lo na Noruega. As seis horas da tarde, teremos os bombardeiros sobre eles.

 

- Sorte? - ripostou um outro que estava atento à leitura do boletim meteorológico. - Olha para isto.

 

De facto, do observatório de Orkneys, as informações que chegavam não animavam muito: neblina e chuva estavam a aproximar-se, o que impedia a visibilidade em pouco tempo.

 

- Às  seis   horas   da   tarde   já   não se conseguirá ver nada. Assim nunca encontrarão o Bismarck.   E o melhor é não voltarem a dizer que temos sorte, pois isso afinal trouxe mas foi azar. Sorte!...

 

A única coisa que restava fazer era esperar a confirmação das informações antes transmitidas.

 

- Falta de sorte! Falta de sorte é que é. Nuvens a sessenta e seis metros. Visibilidade nula - dizia um dos pilotos da RAF.

 

Os outros pilotos, exaustos, imitavam o seu companheiro nas mesmas afirmações, e mais nada conseguiam responder aos oficiais que os interrogavam.

 

 

 

Nesse mesmo dia 21 de Maio, por volta da meia-noite, um oficial da Marinha alemã entrou na cabina do almirante Lutjens, que dormitava numa cadeira de braços, com a cabeça apoiada à mão.

 

- Previsão meteorológica - pronunciou o oficial, enquanto lhe passava para as mãos o respectivo documento.

 

- Chame o capitão - disse o almirante, após ter dado uma olhadela para o papel.

 

O capitão entrou de seguida e o almirante dirigiu-se-lhe:

 

- Aqui está a previsão. Dois dias pelo menos de mau tempo. É agora a hora! Quero sair daqui dentro de dez minutos.

 

- Sim,   senhor almirante - respondeu de pronto o capitão.

 

O Bismarck estava em posição de segundo grau, com os canhões antiaéreos guarnecidos. No convés, a escuridão era tal que a visibilidade era praticamente nula. Os homens, nos seus postos, mal se viam uns aos outros, tal era a densidade da neblina que em espirais circulava à sua volta.

 

Por baixo do convés, metade da tripulação do navio dormia, ou pelo menos tentava dormir. Mas num dado momento, ouviu-se uma ordem pelo altifalante, e tanto bastou para que os homens de todos os sectores do navio se pusessem a correr de um lado para o outro, numa azáfama que não deixava de ser, mesmo rápida, ordenada.

 

Perante a excitação dos oficiais, podia identificar-se, numa luz velada, uma mensagem para o Eugen. Estabeleceu-se o entendimento.

 

O cabrestante começou a girar; as correntes encharcadas entravam, elo a elo; mensagens passavam para a frente e para trás do castelo de proa para a ponte; os motores começaram a funcionar, as hélices, a girar - e o grande navio, gradualmente, pôs-se a caminho, deslocando-se pesadamente para a frente, através da neblina rodopiante.

 

 

No momento em que a azáfama decorria a bordo do Bismarck, pelas escuras ruas londrinas, um motociclista portador de uma importante mensagem, embora desconhecendo tal importância, não deixava de procurar o caminho mais curto que o separava do seu destino: o Almirantado.

 

A mensagem, tal como o telegrama recebido na véspera, foi entregue ao contra-almirante. Era, aparentemente, uma vulgar carta, que, no entanto, foi lida com todo o cuidado, sendo essa leitura acompanhada de repetidas consultas a códigos. Logo que encontrou o almirante, o contra-almirante dirigiu-se-lhe e disse-lhe:

 

- Aqui está algo que parece importante. E trata-se do Bismarck.

 

- E então?

 

- Trata-se de uma mensagem que já tem quatro dias, e é um trabalho do nosso contacto no Arsenal da Marinha em Gdínia, que veio certamente através do Suíça e de Portugal.

 

- Desconhecia que tinha um contacto no Arsenal da Marinha em Gdínia.

 

- Quanto menos pessoas o souberem, melhor. De resto, às vezes estamos muito tempo sem ter notícias dele. Trata-se de uma pessoa que não quer correr demasiados riscos, como certamente compreende. Mas, até hoje, nunca nos falhou.

 

- Que diz ele agora?

 

- Diz que o Bismarck vai tentar irromper no Atlântico. A garante que a informação é absolutamente segura, pois recebeu-a do próprio almirante Lutjens.

 

Ora... Se calhar não é bem assim.      

 

 

- O meu almirante parece não estar muito convencido do que lhe disse acerca deste nosso contacto...

 

- Você garante que é pessoa de confiança?

 

- Do melhor que temos. Nunca nos deixou mal até agora.

 

- Não me parece muito fácil acreditar nesta sua informação.

 

- Responderei por ele, meu almirante.

 

- Pois sim. Mas agora está a responder pelo seu emprego e também pela credibilidade que tenha na Marinha. E devo lembrar-lhe que não é só o seu,emprego que está em jogo, é também a vitória ou a derrota, a própria segurança deste país, que estão em jogo.

 

O almirante calou-se por momentos, olhou o seu interlocutor e perguntou, de rompante:

 

- Que me diz, afinal?

 

- Digo-lhe que daria tudo para ver o que está escrito nessa mensagem.   - Foi a resposta do contra-almirante, não sem que esboçasse uma momentânea hesitação.

 

- Muito bem!   - concluiu o almirante,   ao mesmo tempo que pegava no auscultador do telefone. Ligou um número e quando atenderam falou: - Ligue-me à Capitania da Esquadra Metropolitana, ao chefe do Estado-Maior.

 

Enquanto esperava que efectuassem a ligação, relanceava os olhos pelo mapa, que, precisamente nesse dia, já havia estudado. Entretanto, e dirigindo-se ao contra-almirante, ia dizendo:

 

- Talvez a sua fonte seja fidedigna. Mas a verdade é que as mil milhas de mar que temos à nossa guarda não diminuem por isso.

 

Um cabo telefónico estendia-se do Alrnirantado para o norte. Percorria quinhentas milhas em terra até ao extremo norte da Escócia; mergulhava no fundo do tempestuoso Pentland Firth, serpenteando até Scapa Flow, onde, passando por uma bóia, algures, estava dirigido para a Capitania da Esquadra; aí, subia o navio até voltar a descer para encontrar o bloco telefónico, que se enconttava abaixo do nível da água. O marujo que se encontrava de serviço nas comunicações reparou na luz que se acendia, indicando que chamavam de terra. Estabeleceu a ligação. Durante todo este tempo o almirante, do outro lado, aproveitara para fazer ainda mais alguns comentários para o contra-almirante.

 

- Não pense que vou dar ordens - dizia o almirante -, nem   mesmo   conselhos.   De   resto,   o   comandante-chefe conhece o serviço tão bem como eu. E quanto aos seus subordinados, conhece-os melhor, claro. A decisão final, em qualquer dos casos, será dele. Forneço-lhe a informação, mas não penso sobrevalorizá-la. Repare que tendo eu uma linha directa para contactos com o comandante-chefe não estou a usá-la.

 

Finalmente, do outro lado do fio atenderam.

 

- É o chefe do Estado-Maior? Bem, tenho aqui uma informação que desejo transmitir-lhe. Veio dos Serviços de Informação. Esse tal Lutjens, no Bismarck, terá dito a alguém antes de levantar ferro que ia para o Atlântico... Pois é. Parece, não é verdade? Mas o contra-almirante jura que é verdade. Penso que, em qualquer dos casos, vale a pena ter isto em consideração. Mandar-lhe-ei pormenores esta noite. O comandante-chefe pode agir como achar melhor... É isso. Apenas terá tempo para cobrir o estreito da Dinamarca... Concordo inteiramente. Muito bem. Até logo.

 

Pousou o telefone no descanso e voltou-se para o contra-almirante.

 

- Com o tempo como está, o Bismarck deve aproveitar já para levantar ferros. Se ele fizer mais de vinte cinco nós, fovey terá de agir imediatamente, se não atravessará o estreito da Dinamarca e... a raposa cairá sobre os franguinhos...

 

- Se o Bismarck for por essa rota.

 

- Isso é verdade - concordou, ao mes-ino terttpo que passava com o bico do lápis sobre o mapa. - Há muitas outras rotas e Tovey tem de estar atento a todas. Se calhar, ele fará a cobertura das outras saídas e enviará o Hood e o Prince of Wales à frente.

 

- Digamos que é como se fosse um homenzarrão e um rapazelho...

 

- O homenzarrão é capaz de se revelar um brigão e, quanto ao rapazelho, esperemos que tenha crescido... Em qualquer dos casos, não temos mais nenhum navio de reserva. Bem, os dois juntos são com certeza capazes de o deter.

 

- A um bandido munido de um pau... - gracejou o contra-almirante.

 

Depois destes comentários meio sarcásticos, dirigiram-se para a sala de operações, onde se registava intensa actividade: eram os telefones a retinir, eram as mensagens que caíam de tubos pneumáticos, era todo um vaivém de gente. Um oficial das WREN aproximou-se do mapa e rabiscou nele qualquer correcção nas proximidades de Scapa. O almirante observava-o.

 

- Saíram - disse.

 

 

No meio da escuridão e da neblina de Scapa Flow, os sinais de luzes irromperam, numa permuta de indicações. No convés, um tropel de botas fez-se ouvir, ao mesmo tempo que uma campainha anunciava que alguma ordem iria sair do tubo acústico.

 

- Capitão, mensagem da Capitania.

 

Na parte inferior do navio, onde parte da tripulação dormia, um ruído estridente fez-se ouvir: o ajudante do contramestre apitava.

 

«Chama-se os plantões de bombordo. Equipas do cabo em forma no castelo de proa dentro de dez minutos. Chama-se os plantões.»

 

O imenso convés inferior estava repleto de redes penduradas em todos os sítios onde tal era possível. Os homens deslizaram para fora delas, sonolentamente, alguns meio adormecidos.

 

- Porque é toda esta correria? - perguntou alguém.

 

- Olha, chama o almirante e pergunta-lhe - respondeu um outro. - Preciso mas é de ir suspender aquela âncora.

 

- Espero que isso lhe dê muito prazer - respondeu o primeiro.

 

O outro, entretanto, calçava as botas de mar e procurava o seu impermeável no meio de uma tremenda confusão de objectos amontoados, o que revelava a escassez do espaço de que dispunham ali.

 

- Para que é que te estás a vestir, Nobby? - perguntaram-lhe. - Então o teu convite não diz que o traje a rigor é facultativo?

 

- Ele pensa que está na Riviera... - meteu-se outro.

 

 

Nobby, de botas de mar e já com o impermeável vestido, fazendo um gesto para que se afastassem, foi dizendo:

 

- Abram alas para um homem que tem trabalho de homem a fazer!

 

Afastou-se pelo vasto navio, ao longo de corredores e escadas. Emergiu das luzes brilhantes no castelo de proa; outros impermeáveis brilhavam no meio da escuridão. A chuva fustigava o castelo de proa; o vento persistia no seu lamento, e os homens, cumprindo a sua tarefa, suspendiam a âncora.

 

Lá para baixo, um telefone tocou. Acendeu-se imediatamente uma luz, mas o telefone ainda tocou mais umas vezes. Finalmente, um homem desgrenhado saiu do seu beliche e atendeu.

 

- Comandante de máquinas.

 

«Saída dentro de dez minutos», ouviu-se do outro lado do fio.

 

- Muito bem. Já vou - disse o comandante de máquinas, enquanto esfregava os olhos e vestia o seu uniforme.

 

No Bismarck, entretando, seguiam-se rigorosamente os mesmos passos. Nas respectivas casas de máquinas, bem iluminadas, marcavam meia-noite e vinte. O cabrestante girou; o cabo entrou, elo a elo. As ordens saíam com precisão.

 

Abertas as válvulas para a entrada de vapor nas turbinas, as hélices começaram a revolver as águas escuras, e o navio, com as suas lâmpadas brilhantes ainda a emitirem sinais, começou a mover-se vagarosamente para Scapa Flow, através das defesas exteriores dos submarinos.

 

Tudo igual ao que se passava no Bismarck. Apenas o nome, Hood, iluminado pela fraca luz da popa, era diferente.

 

Assim, no mesmo instante, os dois navios fizeram-se ao mar: o Bismarck penetrando no Norte longínquo para contornar a Islândia; o Hood, com o Prince of Wales na sua esteira, fendendo o mar numa rota mais meridional - para interceptar o Bismarck no estreito da Dinamarca, se ele escolhesse aquela rota.

 

Quanto ao Prince of Wales, grande tormenta o esperava assim que deixasse as abrigadas águas do Flow. A proa do navio erguia-se e penetrava na água, num ritmo alucinante, enquanto a espuma das ondas, levada pelo vento, cobria o navio da ré à ponte.

 

Ao Bismarck, por sua vez, deparavam-se as mesmas condições de tempo, ou ainda piores: a proa fendia as cristas de montanhas de água cinzenta, gelada, para cima e para baixo. Além disto, encontrava-se agora no alto mar, onde tudo estava contra si. Na verdade, não havia qualquer hipótese de encontrar ali um amigo, mas havia muitas possibilidades de encontrar um inimigo.

 

O almirante Lutjens e o capitão Lindemann discutiam exactamente esta situação. Estavam na cabina de comando, por baixo da ponte, que balançava com os solavancos do navio.

 

- Mas - dizia Lindemann -, para o inimigo, nós ainda estamos   no Fiord Grimstad.   Não faz certamente ideia de que estamos no alto mar. E se porventura o descobrisse, como poderia prever o curso que levamos?

 

- Meu caro Lindemann, vê a situação pelo lado contrário. O mar, de facto, é deles, todo deles. Nós somos transgressores furtivos. É isso que temos de admitir, pois é o que somos neste momento, embora pensemos mudar este estado de coisas dentro de alguns meses. Como pode você ter a certeza de que um navio de guerra inglês não vai aparecer-nos por aí a qualquer momento, agora mesmo, ou dentro de cinco minutos?

 

- E o nosso serviço de informações?...

 

- O nosso serviço de informações também se engana, e o senhor sabe disso. Qual é a visibilidade? Duas milhas? Parece-me bem que não é mais de uma. O nosso radar não é absolutamente certo. Antes de estarmos debaixo de fogo, parece-me que não conseguiremos ser avisados. O que nós precisamos é de estar sempre prontos para destruir qualquer inimigo que surja no mar, antes que seja esse inimigo a infligir-nos algum dano.

 

- Mas assim ficaremos no mar por muito tempo, e após alguns dias os homens estarão esgotados.

 

- Após alguns dias, direi eu que poderemos estar em condições de descansar. E até lá, as minhas ordens mantêm-se: todos nos seus postos; metade podem dormir, mas não deixe que ninguém abandone o seu posto.

 

- Muito bem, almirante.

 

Era esta a situação no Bismarck. Nas torres, nos paóis, na sala de comunicações, nas casas das máquinas e das caldeiras - toda a tripulação do navio estava presente. Enquanto metade dos homens cumpria os seus deveres, a outra metade descansava como e onde podia. Alguns, poucos, ainda, tinham a sorte de conseguir estender-se; outros não iam além de se enroscarem junto a alguma protuberância do convés; outros ainda sentavam-se e encostavam-se aos anteparos, balançando com o movimento do navio e sendo não poucas vezes acordados subitamente por um sacolejão inesperado.

 

- O que agora nos acontece é apenas parte do preço que temos de pagar por não dominarmos o mar, capitão lembrava Lutjens. - Espero que nos lembremos disto no momento em que a Inglaterra pedir a paz.

 

- Compreendo... - disse Lindemann, que, para mudar de assunto, se dirigiu para um tubo acústico e daí fazer uma pergunta.

 

O capitão aguardou um momento e depois de receber a resposta à informação que pedira informou Lutjens:

 

- Visibilidade consideravelmente inferior a uma milha, almirante.

 

No Almirantado, um oficial dava algumas informações ao almirante, que reagia proferindo expressões próprias de quem não estava nada satisfeito.

 

- Visibilidade absolutamente nula, senhor almirante. Não há a mínima esperança de se ver o que quer que seja no Fiord Grimstad.

 

- Mau... - comentou o almirante. - Ele foi visto à uma da tarde de ontem. Agora - olhou para o relógio é meio-dia. Passaram vinte e três horas. Qual é o seu alcance máximo?

 

O oficial rodou o compasso sobre o mapa, fazendo um largo arco com centro em Grimstad.

 

- Cá está - disse o oficial. - Vinte e cinco nós. Digamos, seiscentas milhas. Pode estar em qualquer lugar dentro deste círculo.

 

- Ou pode estar ainda em Grimstad, enquanto nós estamos aqui a fazer figura de tolos. Peça ao Comando Costeiro para tentar outra vez.

 

- Muito bem. Há alguns elementos da Secção Aérea da Esquadra em Hatston - informou o oficial, que indicou a posição do campo perto de Scapa Flow. - Esses elementos têm carradas de experiência neste tipo de coisas. E eu sei que eles gostariam de fazer uma tentativa.

 

- Deixe-os tentar, então.   Mas combine tudo com o Comando Costeiro.

 

De Hatston descolou um bombardeiro Maryland pela tarde. Foi um voo perigoso. As nuvens pendiam baixas sobre o mar, mas, apesar disso, para calcular a força do vento sobre o avião, o piloto tinha que descer até ver as ondas, chegando na verdade a alguns metros delas. Chegaram a roçar as cristas das ondas para depois subirem outra vez. Foram sempre mais adiante, até que, subitamente, a costa da Noruega se tornou visível. Tão visível a tão perto que tiveram de se desviar abruptamente para não colidir com ela. Vieram para norte, ao longo da costa, com as nuvens baixas ainda acima deles.

 

- Grimstad - anunciou o observador. * O Fiord Grimstad estava vazio.

 

- É melhor dar uma olhadela em Bergen - recomendou o observador.

 

Alguns segundos depois estavam sobre Bergen, quase em cima dos telhados, com os canhões AÃ a alvejá-los de todos os ângulos e granadas a explodirem à sua volta. Mas em Bergen também não havia navios de guerra.

 

Enquanto se afastavam rapidamente, o observador escreveu a seguinte mensagem: «O Bismarck não foi visto no Fiord Grimstad nem em Bergen.» Passou-a de imediato ao radiotelegrafista, que, depois, de um gesto de concordância, a transmitiu, enquanto o avião regressava à base por dentro das nuvens. O relógio do radiotelegrafista marcava sete horas.

 

Eram 7 horas e 15 minutos quando a mensagem chegou à Sala de Operações do Almirantado.

 

- Então o pássaro bateu as asas - gracejou o almirante. - Passaram trinta horas desde a última observação. Qual é o seu alcance máximo agora?

 

O oficial desenhou um arco muito maior sobre o mapa.

 

- Setecentas e cinquenta milhas. Aqui está - disse, apontando para o mapa.

 

- Foi bom o Hood ter saído a noite passada - comentou o almirante. - O Bismarck pode estar...

 

Interrompeu-se para desenhar uma série de percursos possíveis para o Bismarck. Cada linha que traçava, porém, terminava no círculo externo. Por fim, concluiu:

 

- Pode estar aqui ou aqui.

 

Indicou então um curso de volta para o Báltico e depois através do canal de Kiel. E disse:

 

- Nesse caso, não mais fizemos que queimar quarenta mil toneladas de óleo, para nada. Quarenta mil? Que digo eu, sessenta mil, sim, sessenta mil é o mais provável. Bom, e proporcionámos a cerca de vinte mil homens uma viagem marítima grátis. Isto se o resto da Esquadra Metropolitana deixar Scapa, o que me parece que já é tempo de fazer.

 

Ruidosamente, de um dos tubos caiu uma mensagem. Foi entregue uma cópia ao almirante.

 

- Pois é - disse ele, depois de ler a mensagem, que passou aos seus auxiliares. - Tovey é da minha opinião. Vai mesmo fazer-se ao mar. E preciso guardar a zona para além do estreito da Dinamarca. Ele terá o King George V, o Repulse e o Victorious. Creio que é o suficiente para cumprir a tarefa, se o Bismarck for ao seu encontro.

 

A Esquadra Metropolitana preparava-se, de facto, e naquele preciso momento em que o almirante tecia aquelas considerações, para partir. Ao mesmo tempo, Lutjens e Lindemann e outros oficiais do Estado-Maior estavam reunidos na sala de operações do Bismarck. Dos mapas que tinham à sua frente e que observavam, um havia que lhes merecia especial atenção: aquele em que estava traçada a rota até aí seguida pelo Bismarck.

 

- Por enquanto não vejo necessidade de percorrermos uma distância tão grande como daqui ao estreito da Dinamarca - opinou Lindemann. - As outras passagens são muito mais largas. Podemos até voltar agora.

 

- A visibilidade ainda é má - disse, por sua vez, um oficial do Estado-Maior.

 

Olharam para fora e puderam verificar que a informação do oficial era correcta: o horizonte estava de facto invisível. O mar, por seu lado, continuava bastante agitado e cinzento.

 

Um outro oficial disse, entretanto:

 

- Deve haver cruzadores a patrulhar todas as passagens.

 

- O último relatório fornecido pelos submarinos informava que na Gronelândia o gelo quase toca já nas ilhas da Islândia - disse um outro. - E há ainda os campos de minas do outro lado.   Não esqueçamos também que um cruzamento pode vigiar um canal de vinte milhas mesmo com mau tempo.

 

Ruidosamente, do tubo pneumático caiu uma mensagem. Calaram-se e olharam uns para os outros. Um dos oficiais tirou-a do tubo e passou-a ao chefe.

 

- É de Berlim - anunciou este último. - Um avião inglês de reconhecimento sobrevoou Grimstad e Bergen às dezanove horas. Na altura a visibilidade não era má, pelo que puderam ver que tínhamos saído.

 

Todos olharam para o relógio e depois para o mapa. O chefe do Estado-Maior pegou no compasso e, junto do mapa, disse:

 

- Eles viram-nos ontem em Grimstad à uma hora. Há portanto trinta horas, pois nós saímos à meia-noite. Com os dados de que dispõem, podem concluir que nos encontramos aqui, duzentas e cinquenta milhas mais adiante, ou que poderemos estar apenas aqui.

 

Marcou no mapa um ponto a pequena distância da costa norueguesa e concluiu:

 

- Enquanto nós estamos, realmente, aqui.

 

- Não há dúvida - sentenciou Lutjens, olhando para o mapa. Depois perguntou: - Não há qualquer informação sobre os movimentos dos ingleses?

 

- Até agora não. Tem sido difícil conseguir informações da Inglaterra. E depois, se a visibilidade é má para os aviões deles também é para os nossos.

 

- Não acredito que os ingleses façam o que quer que seja antes de terem esta informação - disse Lutjens, batendo com as costas da mão no papel que continha a mensagem.

 

- Segundo a nossa última informação, a Esquadra Metropolitana encontra-se em águas inglesas. Talvez estejam a sair agora. Não terão qualquer hipótese de chegar ao estreito da Dinamarca a tempo, mas podem interceptar-nos aqui, nas vizinhanças das Faeroes - dizia Lutjens, para dar ideia da sua perspectiva da situação.

 

Depois, deu as ordens de acordo com o que acabara de dizer:

 

- Vamos imediatamente para o estreito da Dinamarca. Se encontrarmos um cruzador no nosso caminho, varremo-lo para o lado.

 

- Muito bem - disse alguém.

 

O HMS Suffolk e o HMS Norfolk patrulhavam o estreito da Dinamarca. Pela pouca claridade do dia, podia saber-se que a tarde já ia adiantada. O céu, lá para ocidente, estava ligeiramente rosado, persistindo uma ténue neblina. O quadro tinha algo de melancólico. A oeste, o gelo, acidentado e tenebroso, perdia-se de vista; a leste, o impenetrável nevoeiro. Um cortante e frio vento assobiava ao longo do convés. Os navios cortavam profundamente as enormes vagas. Os homens que se encontravam de vigia em toda a volta da ponte não descansavam um só momento: os binóculos nos olhos, vasculhando o horizonte de um lado para o outro, virando-se nas suas cadeiras giratórias. Um outro grupo de homens abrigava-se ao lado dos canhões A não se livrando mesmo assim de serem atingidos pelo vapor da água que o vento trazia até eles, sobretudo quando o navio mergulhava o flanco numa onda.

 

No Suffolk, o apito do ajudante do contramestre fez-se ouvir estridentemente pelos altifalantes.

 

«Fala o capitão. Recebemos algumas notícias de casa. O couraçado alemão Bismarck levantou ferros, juntamente com o cruzador Eugen. Tudo o que sabemos é que está algures no Norte da Islândia. O tempo está de tal maneira mau que não é possível um avião localizá-los. Mas podemos estar certos de que não vão ficar parados. Deslocarse-ão para sul. E o mais provável, mesmo muito provável, é que venha por aqui, descendo o estreito da Dinamarca. Ora, quando o Bismarck vier virá também a vinte e cinco nós, ou mais... A nossa missão será, então, localizá-lo e informar o Almirantado. Àqueles que eventualmente o tenham esquecido, lembrarei que o Bismarck possui canhões de quinze polegadas, que poderão atingir-nos a vinte e oito quilómetros de distância. Por todas estas razões todos vocês estão colocados nos respectivos postos de combate e todos os postos de vigia foram reforçados. Se algum homem não cumprir o seu dever, poderá estar certo de que porá em sério risco não só o navio como a própria vida de todos os que nos encontramos a bordo. Mas eu sei que todos os homens cumprirão o seu dever.»

 

- Quinze polegadas! É de arregalar os olhos, Dusty disse um dos homens que estava nos canhões AÃ para um dos vigias.

 

- Mas será que não consegues calar essa boca? ~ resmungou Dusty, que não parava um instante sequer no seu vaivém, sempre de binóculo apontado.

 

E depois, como que a recordar ao outro o seu dever, foi dizendo:

 

- Se ele se aproximar, eu cá estarei para o ver. Entretanto, os cruzadores continuavam a patrulhar. O

 

vento gélido, o mar encapelado e o denso nevoeiro continuavam.

 

Um dos marinheiros do convés lembrava a um outro:

 

- Olha, Blokes, não te esqueças de que há marinheiros em casa, com aquecimento e tudo. Lembra-te disto e se calhar até te passa o frio.

 

No Almirantado tudo se passava, comparado com o que se vivia a bordo, menos mal. Chegavam algumas mensagens, que não suscitavam qualquer excitação especial. O contra-almirante recebia naquele momento um vice-marechal do Ar, um grande e gordo, de farto bigode.

 

- Não tenho dúvidas de que os senhores pensam o mesmo que nós, na Força Aérea - dizia o contra-almirante. - Mas na Marinha temos uma certa tendência para proceder como procedemos, talvez devido à nossa experiência de guerra e em todos os postos. Passa-se muito tempo à espera que aconteça alguma coisa e depois, subitamente, temos de fazer tudo ao mesmo tempo. É difícil, como vê, mantermos uma certa moderação.

 

- Oh! Sim, sim, acho que podemos dizer a mesma coisa - dizia o vice-marechal.

 

- Naturalmente ali - continuou o contra-almirante, apontando para a outra parte da sala - estão a travar uma verdadeira guerra.   Para eles,   nunca há um instante de monotonia. Creta é agora O inferno, em que todos nos encontramos. Libertaram-se de nós no Mediterrâneo Oriental e encarregaram-nos de tratar do Bismarck e do Atlântico Norte. E como vê, tudo está bastante calmo.

 

- Sim, sim - limitou-se o vice-marechal a dizer.

 

- Se os seus colegas conseguissem ao menos descolar comentava o contra-almirante, apontando para a parte setentrional do mapa que tinha à sua frente. - Se eles o fizessem, a expectativa não seria tão desgastante.

 

- A visibilidade lá ainda é nula. Pelo que sabe, qual é a situação?

 

- Através do mapa poderei explicar-lhe melhor.  

 

Nesse momento, um oficial das WREN dirigiu-se ao mapa de guerra e introduziu-lhe uma alteração.

 

- Que se passa? - perguntou abruptamente o contra-almirante.

 

- É apenas um comboio.

 

- Está bem.

 

O contra-almirante começou então a traçar algumas linhas no mapa. E ia explicando ao vice-marechal.

 

- Estes são os dois cursos possíveis do Bismarck.   Os mais prováveis, de resto.

 

Depois, apontando com o lápis alguns pontos no mapa, continuou:

 

- À maior velocidade que lhe é possível, ele poderá estar entre este ponto e este, ou entre este e este. E não me parece que possamos fazer previsões mais próximas da realidade do que estas.

 

- Sim - concordou o vice-marechal.

 

- O Hood e o Prince of Wales saíram de Scapa há cerca de quarenta e três horas. Devem estar algures por aqui disse o contra-almirante, apontando de novo no mapa.

 

- Mas, não tem a certeza?

 

- Não. A rádio é mantida em silêncio, como no Bismarck, como deve imaginar. Temos alguns cruzadores colocados de forma a que possam vigiar as diversas passagens. Trata-se de um trabalho difícil, dadas as condições climatéricas, mas que se está a tentar fazer o melhor possível. O Aretbusa e o Manchester - continuou o contra-almirante, sempre com o lápis no mapa - encontram-se aqui, entre as Faeroes e a Islândia, e outros dois, aqui, no estreito da Dinamarca. Como o senhor pode verificar, temos absoluta necessidade de patrulhas aéreas.

 

Enquanto falava, o contra-almirante olhava de vez em quando para os oficiais e marinheiros que recebiam mensagens. O seu desapontamento crescia à medida que percebia que nada de novo era transmitido.

 

O vice-marechal acabou por perguntar:

 

- E o que acha então que vai acontecer?

 

- Tenho a certeza de que o Bismarck tentará sair. Talvez por aqui ou por aqui.

 

O contra-almirante desenhou com o lápis duas linhas, que davam continuidade a outras duas que havia desenhado. A partir da posição do Hood já assinalada, traçou outras duas linhas divergentes, que se encontravam com as que correspondiam à provável rota do Bismarck.

 

- O Hood terá de tomar um destes cursos, conforme as indicações que lhe forem fornecidas pelo cruzador. E esse será o lugar onde se encontrarão, ali ou ali - disse ainda o contra-almirante, apontando no mapa dois pontos, um a oeste e outro a leste da Islândia.

 

- E então é quando o balão explode, ou não? - perguntou o vice-marechal, com alguma impaciência.

 

- De facto já é tempo de termos notícias daqueles cruzadores - disse o contra-almirante, com não menor impaciência.

 

Entretanto, no Suffolk, os vigias iam sendo substituídos. Um de cada vez, novos homens tomavam lugar nas cadeiras e concentravam-se nos seus binóculos, prosseguindo a eterna busca para a frente e para trás, expostos ao frio e ao vento. Dusty era um deles. A certa altura, pareceu-lhe ver qualquer coisa. Voltou a olhar com mais atenção. Havia realmente qualquer coisa que se aproximava rapidamente.

 

- Navio direcção verde cento e quarenta graus!

 

Uma dúzia de binóculos foram apontados instantaneamente na direcção indicada. Na roda do leme, muito abaixo da ponte, o contramestre mantinha-se de pé governando o navio. Do altifalante, pouco acima da sua cabeça, surgiu a ordem súbita:

 

- Todo o leme a bombordo!

 

O contramestre girou a roda freneticamente. O navio adornou, com a violência da mudança de direcção. Os dois objectos, esses, saíram do campo de visão do binóculo de Dusty.

 

- Mensagem para o Almirantado - disse uma voz na ponte. - Urgentíssimo: «Bismarck e cruzadores à vista. Curso do inimigo: sul. Posição...» Dê a latitude e a longitude.

 

- Desde que ele não nos atinja antes de mandarmos a mensagem - disse outra voz.

 

- Lá está a neblina - acrescentou outro. - Ah!

 

- O Suffolk   lançou-se dentro da   névoa como quem avança contra uma parede. A neblina rodopiava da proa para a ré, envolveu a ponte e acabou por ocultar a popa; em dez segundos, o Suffolk estava completamente invisível na neblina gotejante, adornando ainda a curva violenta que fora obrigado a dar, deixando uma esteira de espuma.

 

Dusty e os outros continuavam hirtos nos seus postos.

 

- Direcção um-oito-zero - ecoou a voz pelo tubo acústico até ao contramestre.

 

Entretanto, a mensagem ditada seguia o seu caminho descendo até ao oficial de transmissões e depois até ao operador telegráfico. Este matraqueou os sinais do código, enviando a notícia para o mundo.

 

Na cabine de transmissões, um oficial subalterno voltou-se para o contra-almirante:

 

- Está a chegar uma mensagem urgentíssima,   almirante!

 

- Vamos vê-la imediatamente.

 

Passaram-se longos segundos de espera, enquanto o contra-almirante e o vice-marechal do Ar examinavam, inquietos, o mapa, até a mensagem chegar, estrepitosamente, pelo tubo acústico abaixo. Parecia terem passado horas enquanto o oficial a abria atrapalhadamente e mais horas enquanto o almirante a lia para si.

 

- Está tudo bem - disse. - Encontraram-no. O Suffolk segue-o agora no estreito da Dinamarca. Latitude... Longitude...

 

Olhou para a mensagem e apontou no mapa.

 

- Aqui.

 

Alguém deu um grito de satisfação, e todos riram.

 

- Portanto, é isto - disse o vice-marechal do Ar, assinalando no mapa com o seu bastão um dos itinerários alternativos   para o Hood.   - Vamos   encontrar-nos aqui, não é?

 

- Sim - disse o contra-almirante, aparentando um ar um pouco mais grave do que os outros.

 

- Que é que o preocupa? - perguntou o vice-marechal do Ar.

 

- As coisas ainda podem correr mal. O Hood é um velho lobo do mar, já muito velho agora. Tem mais vinte anos do que o Bismarck. O marechal lembra-se dos aviões de mil novecentos e vinte? Imagina-se a lutar contra um exército num biplano Farman?

 

- Mas ainda há outro, qual é o nome dele? O Prime of Wales, não é?

 

- Mas esse é muito novo, marechal. Não houve tempo para treinar minimamente a tripulação. Suponho que nem passaram pela inspecção médica. E ficou pronto apenas há um mês. Pode dizer-se que está ainda nas mãos dos construtores. Sei que se fez ao mar com pessoal do construtor ainda a bordo.

 

- Isso será uma experiência para eles.

- Em que tomarão parte com os seus pequenos chapéus-de-coco.

 

O oficial de transmissões apareceu com outra comunicação.

 

- Posição, curso, velocidade, almirante - disse o oficial.

 

O almirante estava agora na cabine de transmissões. A mudança de ambiente era notória. Havia excitação, que representava (excepto para o contra-almirante) confiança e que tornava o ambiente quase agradável. Enviavam-se mensagens em todas as direcções: «Mensagem para o comandante-chefe, King George V.» «Mensagem para o Rodney». «Mensagem para o Ramillies.»

 

O almirante falava para o vice-marechal do Ar.

 

- Faça os seus rapazes darem tudo o que puderem para cobrir o estreito.

 

- Sim, almirante, mas a visibilidade está muito má.

 

- Eu sei. Mas agora já pode explicar-lhes as razões da urgência. Está a par da situação. O objectivo é algures por aqui amanhã de madrugada.

 

O almirante indicou um ponto no mapa na direcção sul do estreito da Dinamarca.

 

Na sala de operações do Hood, o almirante e o seu estado-maior concentravam-se sobre um mapa semelhante. Alguém trabalhava sobre o mapa com régua e compasso.

 

- O rumo de intercepção é de trezentos e dez graus disse o oficial navegador. - Pode esperar contacto a qualquer momento após duas horas.

 

- Não quero arriscar-me enquanto houver luz. Dê-me o curso e a velocidade para interceptar meia hora antes do nascer do sol.

 

A régua e o compasso movimentaram-se mais uma vez. Uma linha cresceu e prolongou-se até encontrar outra.

 

- A vinte e sete nós, almirante, curso duzentos e noventa e cinco graus, vamos encontrar-nos de madrugada, aqui.

 

O lápis fez uma pequena cruz preta, uma significativa marca no local do mapa onde as duas linhas se encontravam.

 

- Muito bem. Pode informar a tripulação, capitão. E, voltando-se para o chefe do seu estado-maior:       -

 

- Transmita todas essas notícias para o Prince ofWaíes.

 

A um gesto do capitão, o ajudante do contramestre, fora da cabine de transmissões, fez soar um apito estridente no altifalante e o capitão começou a falar.

 

- Pala o capitão...

 

Em baixo, no convés do rancho, completamente atulhado, os vigias descansavam o melhor que podiam.

 

- Não sabemos em que direcção seguimos, mas estamos a avançar - disse alguém.

 

As roupas penduradas lá fora balançavam para trás e para diante ao ritmo do movimento do navio.

 

- Estás sempre a querer saber para onde vais, Nobby

- disse outro. - Será que nunca estás satisfeito?

 

- Eu sei é que para onde não estamos a seguir, com toda a certeza - acrescentou outro -, é para sul. A quem não agradaria agora os trópicos?

 

- Disseram-me que está a nevar lá fora.   Quem não venderia uma quinta para ir para o mar?

 

Foi nesse momento que se ouviu o apito do ajudante do contramestre e a voz do capitão:

 

«Fala o capitão. Aqui estão as notícias. O Bismarck saiu e foi localizado. O Suffolk já vai no seu encalço e nós vamos interceptá-lo. Se tudo correr segundo as nossas previsões, estabeleceremos contacto com ele amanhã de madrugada. Não valerá a pena acrescentar que espero que o liquidemos com a ajuda do Prince of Wales. Cada um deve pensar no seu dever. Todos tomarão lugar nos respectivos postos de combate logo depois da meia-noite. Entretanto, quero que os vigias, em baixo, descansem o mais que puderem. Agora, caso eu não tenha oportunidade de voltar a falar convosco, desejo boa sorte para todos nós.»

 

Através dos altifalantes, faziam-se ouvir aquelas palavras em todas as partes do navio: nas casas de máquinas e paióis, nas torres e na sala de oficiais, nas cozinhas e nas despensas. E aquelas palavras finais, «boa sorte para todos nós», ecoaram em cada compartimento e foram ouvidas por grupos de homens diferentes entre si, resignados, exaltados, indiferentes, nervosos, conforme o temperamento de cada um.

 

Da ponte escurecida do Prince of Wales veio uma ordem rápida.

 

- Mensagem da Capitania. Velocidade a vinte e sete nós.

 

- Óptimo. Chame o capitão. Toque para baixo e peça duzentos e quarenta e quatro rotações.

 

O oficial aproximou-se do tubo acústico e falou para a sala de operações, em baixo:

 

- Aumentar a velocidade para vinte e sete nós.

 

Na sala de operações, o tubo acústico descia do convés sobre a cabeça e terminava em cima da mesa em que estava aberto um mapa. O oficial navegador, inclinado sobre o mapa, ouviu as palavras «aumentar a velocidade para vinte e sete nós» e repetiu-as para trás, antes de tomar nota da hora e posição.

 

O capitão e o seu secretário entraram nesse momento.

 

- Há uma longa mensagem que nos está a chegar do Hood - disse o secretário. - Eis a primeira página.

 

Enquanto o capitão a lia, outra mensagem caiu do tubo de comunicações, seguida de uma terceira. O capitão ia-as lendo apressadamente, à medida que lhe eram entregues.

 

- Aqui está o que esperávamos - disse. - O Suffolk vai atrás do Bismarck no estreito da Dinamarca, sessenta e cinco graus e norte, vinte e oito a oeste, onde o almirante espera entrar em contacto. Vamos ver.

 

- Aqui, senhor - disse o oficial navegador.

 

Fez uma cruz preta no mapa, exactamente igual à cruz preta do mapa do Hood.

 

- Sim - disse o capitão. - Espero que estejamos em condições de combate.

 

No convés de rancho do Prince of Wales viam-se figuras estranhas, misturadas com os marinheiros que lá se encontravam: operários em trajes civis, uns de fato-de-macaco, outros com roupas diferentes. Anunciado por um apito, o comandante iniciou a sua ronda nocturna, olhando vivamente à sua volta.

 

- Os senhores estão bem instalados? - perguntou a um grupo de operários.

 

- Não, não estamos - respondeu um dos operários, sem se levantar. - Não gostamos de dormir em macas, não gostamos da comida e não gostamos de ser levados para um sítio sem o nosso consentimento. Que dirá o nosso sindicato quando chegarmos a casa...

 

- Espero que obtenham a folga a dobrar e salário equivalente ao risco - disse o comandante.

 

- Não é no meu sindicato que estou a pensar - disse outro,   menos agressivo.   - É na minha mulher.   Posso imaginar exactamente onde ela pensa que estou.

 

- Ela ficará muito mais satisfeita quando souber que o senhor não esteve - disse o comandante.

 

- Há alguma ideia de quando iremos voltar para casa?

 

- Não tenho a menor ideia e se a tivesse não lha poderia dizer. Animem-se! Na guerra, todos nós temos deveres a cumprir.

 

Era notório que um dos operários estava a pensar noutra coisa.

 

- O senhor acha mesmo isso? - perguntou. - Ouçam! Estamos a aumentar a velocidade. Sentem a vibração? Deve ser de vinte e sete nós, parece-me. Talvez vinte e oito... Não, vinte e sete.

 

- Você conhece estes motores melhor do que eu disse o comandante.

 

- Ajudei a construí-los e durante os últimos dias também ajudei a prepará-los. Tenho que os conhecer. Porque é que estamos a aumentar a velocidade assim no meio da noite?

 

Neste momento aproximou-se, a correr, ofegante, um mensageiro. Fez a continência e apresentou um bilhete que o comandante leu e estudou. Depois mandou o mensageiro embora.

 

- É melhor dizer já a toda a gente - disse. - Estará nos altifalantes dentro de um minuto... O Bismarck foi localizado. Não está muito à nossa frente, mas travaremos combate com ele pela manhã.

 

- Travar combate? E aquelas turbinas?

 

- Terá de ajudar a mante-las em funcionamento disse o comandante.

 

O homem que tinha falado primeiro pôs-se de pé, já sem ressentimento.

 

- Então vamos lutar,   não vamos?   - disse ele.   Aquele aro de granada na torre Y... nunca me inspirou confiança, nem agora. Gostaria de ver o que consigo fazer. Posso subir até lá, comandante?

 

- Não tenho dúvidas que o senhor será bem recebido. Boa sorte.

 

Mais atrás, dois civis trocavam comentários.

 

- Vê isto - dizia um. - Aqui está bem claro: «Henry J- Jones, não combatente.» Tu também. Olha:   «não combatente».

 

- Isso é para nos proteger se formos feitos prisioneiros. Assim, eles não nos fuzilarão como espiões. Iremos para uma prisão civil em vez de militar.

 

- Mas como é que eles nos podem aprisionar?

 

- Se nos recolherem, depois de afundarem este navio. Podemos aguentar o tempo suficiente, se a água não estiver muito fria.

 

- Mas eles não podem combater connosco a bordo! Não é permitido.

 

- Então pede ao capitão para te desembarcar - disse o que falou primeiro. - Vou subir para a torre Y.

 

As outras palavras que proferiram foram abafadas pelo som do altifalante através do qual os homens eram convocados para os postos de combate.

 

     Na ponte de comando do Bismarck o almirante e o capi-

tão, de pé, olhavam para a neblina cinzenta onde começava a aparecer a primeira luz da madrugada.   O oficial de transmissões continuava a dar-lhes informações.

 

     - O cruzador inglês esteve toda a noite a enviar mensagens regularmente, de quarto em quarto de hora, para o almirante.

 

     - Tem alguma ideia sobre o tipo de mensagens?

 

     - Tenho até a certeza absoluta, almirante. Eram informações de posição e de curso.

 

     - De qualquer forma, podemos estar certos disso disse Lutjens a Lindemann. - E que mais?

 

- Acho que posso identificá-lo pelo sinal de chamada, almirante. É o Suffolk.

 

- Um cruzador com canhões de oito polegadas. Cem mil toneladas. Lançado em mil novecentos e vinte e seis. O último comandante conhecido foi Ellis - disse um dos auxiliares, folheando um livro de notas.

 

- Obrigado,   mas   os   pormenores   pouco   interessam. Mais alguma coisa?

 

- O Almirantado inglês esteve toda a noite a enviar mensagens, algumas delas destinadas claramente a navios, a outros navios, claro, além do Suffolk.

 

- Nenhuma indicação sobre navios ou local?    

 

- Infelizmente, não.

 

- Não há qualquer palavra de alguém que esteja no mar?

 

- Nem uma palavra.

 

- Obrigado.

 

Quando o oficial de transmissões fez continência e deu meia volta, Lutjens dirigiu-se a Lindemann.


- Isto é o sigilo completo, e observado à risca. Seria bom que os Ingleses não fossem tão cuidadosos. Mas, agora, vamos deixar o estreito da Dinamarca; o Atlântico está à nossa frente. Diga-me a sua opinião: parece-lhe que alguém nos poderá deter?

 

Lindemann hesitou. Não queria parecer muito optimista.

 

- Diga-me, capitão, por favor - insistiu Lutjens.

 

- A menos que os Ingleses tenham ido instantaneamente para o lugar exacto, sem perda de uma hora sequer, o Atlântico deve estar livre, almirante.

 

- Então vamos esquivar-nos do Suffolk e não haverá um comboio que se atreva a viajar da América à Inglaterra disse Lutjens triunfantemente.

 

Um telefone retiniu ao lado deles e um oficial saltou para o atender.

 

- Ponte de comando - disse, e ouviu a mensagem antes de a anunciar em voz alta. - Fumo na proa, a bombordo!

 

Enquanto todos se voltavam para olhar, continuou a transmitir as mensagens.

 

- Navio a bombordo da proa! Dois navios a bombordo da proa! Aproximam-se a todo o vapor!

 

Uma bateria de binóculos foi apontada na direcção indicada.

 

- Toquem o alarme!     - gritou Lutjens.

 

A sereia do alarme pôs toda a tripulação do navio de pé, obrigando-a a dirigir-se para os seus postos.

 

- Dois cruzadores? - perguntou Lutjens.

 

- Cruzadores grandes, se é que são cruzadores - respondeu Lindemann.

 

Ele e o almirante observavam pelos binóculos e tiravam-nos de vez em quando para trocarem algumas palavras. Através deles, os vultos cinzentos iam adquirindo nitidez à medida que a neblina se desvanecia.

 

- Avise o Eugen para tomar posição à ré - ordenou Lutjens.

 

E prosseguiu:

 

- Capitão, abra fogo logo que cheguem ao nosso alcance.

 

- Vêm directamente na nossa direcção - disse Lindemann. - Querem atacar-nos.

 

- Seria melhor para eles se se virassem para disparar sobre nós as suas bordadas - respondeu Lutjens.

 

Os telefones continuavam a tocar.

 

- Todas as torres guarnecidas e prontas! - anunciou o oficial de serviço.

 

- Torres apontadas!

 

Esta operação era visível da ponte de comando: os grandes canhões giravam para apontar a bombordo da proa.

 

- Lembra-se do que eu disse, capitão? Devemos estar prontos para aniquilar qualquer inimigo no mar, a qualquer momento, e cá estamos - disse Lutjens, colocando de novo os binóculos.

 

- Não são cruzadores - disse Lindemann. - Olhe! Estão a virar. É o Hooãl O Hooãl E aquele é outro couraçado!

 

As suas últimas palavras foram abafadas pelo troar da primeira salva dos canhões do Bismarck.

 

- Acerte! Acerte! Continue a acertar! - disse Lutjens. O fumo dos canhões rodopiava já à sua volta.

 

Na sala de operações do Hood, o oficial navegador estava de novo debruçado sobre o seu mapa, o mesmo que tinha marcado a cruz preta ao sul do estreito da Dinamarca.

 

- Chegámos, almirante. Devemos avistá-los dentro dos próximos cinco minutos. Estamos a aproximar-nos rapidamente, com certeza.

 

- Já não falta muito - respondeu o almirante.

 

- Os canhões estão carregados - disse outra voz.

 

Em baixo, numa torre, as guarnições aguardavam ao lado dos canhões. Nobby, um dos operadores da peça, estava lá. De pé, todos se encontravam a postos.

 

- Já não pode faltar muito - disse alguém, ao lado de Nobby.

 

- Agora é connosco - disse Nobby. - Agora é a nossa vez.

 

- Inimigo à vista! - gritou o oficial que comandava a torre. - Preparar!

 

- Torres apontadas! - disse Nobby, sentindo a torre girar, enquanto o navio ainda virava de bordo e balançava no mar denso.

 

Os homens trocaram olhares. Muitos de entre eles ainda não tinham estado em combate, nem nunca tinham ouvido canhões atirarem contra um inimigo, nunca tinham esperado antes, como esperavam agora, que as granadas mortíferas do inimigo viessem, a voar sobre as ondas, para se espatifarem contra uma couraça mesmo ao lado deles. Constituíram um pequeno intervalo nervoso os escassos segundos em que os exercícios os tinham conduzido até àquele momento sem lhes darem tempo para pensar sequer. Os pensamentos podiam dar saltos prodigiosos em poucos segundos: da lembrança dos seus lares em Inglaterra até aos horrores, vagos, quase inimagináveis.

 

- Preferia que já tivéssemos começado - disse alguém.

 

Um outro tamborilava os dedos na cunha da culatra, à sua frente.

 

- Prestem atenção às vossas tarefas - disse asperamente o comandante da peça.

 

Nesse momento, os canhões explodiram com estrondo e o exercício longamente praticado começou: enquanto as culatras se abriam, as novas granadas subiam eram introduzidas no tubo, seguidas das cargas, empurradas atrás delas, e trancavam-se outra vez.

 

- Peça da direita, pronta!

 

- Peça da esquerda, pronta!

 

Outra salva era disparada. Os homens empenhavam-se no trabalho com furiosa energia. Um estrondo e um clarão na torre fez cambalear toda a gente.

 

- Acertaram-nos!

 

- Qual é o problema? - disse Nobby. - Vamos continuar!

 

As granadas seguintes foram introduzidas na culatra quando densas nuvens de fumo entraram rodopiando na torre.

 

O mar borbulhava com as pancadas das altas colunas de água que se elevavam em torno dos navios em combate. O fumo da chaminé confundia-se com o dos canhões, por cima da pesada superfície cinzenta. A vista transpunha o espaço até ao Bismarck, que se sacudia violentamente no mar. Podia imaginar-se o que se passaria através do costado blindado até ao paiol das torres da frente. À proa, um pequeno grupo de marinheiros alemães trabalhava afanosamente, colocando as volumosas granadas dentro do elevador, fazendo uma pequena pausa antes de as enviar para cima, para se lançarem imediatamente à seguinte. Um sargento alemão, de barba, vigiava de pé as operações; ao seu lado, um dos oficiais suplementares, muito jovem. O sargento falava enquanto verificava a colocação das granadas no elevador e a sua voz era permanentemente entrecortada pelo troar das salvas dos canhões.

 

- Esta é a nossa hora, como vê - disse o sargento. A minha e a dos meus homens - prosseguiu. - Eles podem fazer todos os planos que quiserem no Marineamt, em Berlim. O almirante Raeder pode olhar para os seus mapas, o almirante Lutjens, lá em cima, na ponte de comando, pode traçar os seus planos, e o capitão Lindemann pode dar as suas ordens, mas são os canhões que fazem o trabalho.   E se nós, aqui em baixo, não mantivermos as granadas em movimento, os canhões não podem atirar e o almirante bem pode voltar para casa... Está a ver como é.

 

Fez uma pequena pausa, enquanto corrigia a colocação de uma das granadas.

 

- Sobe, filha.

 

Atirou um beijo para a granada que acabava de desaparecer no alto, transportada pelo elevador. Poderia perfeitamente ser a mesma granada que havia sido mandada para bordo ao grito de «Mais uma!» lá no porto de Gdínia. Subiu pelo elevador; deslizou no aro, girou sobre si mesma, entrou na torre, foi apanhada pelo carregador e introduzida na culatra do canhão, com as guarnições na torre agrupadas à sua volta. Seguiu-se a carga e então os canhões dispararam com estrondo. Lutjens, olhando pelo binóculo na ponte de comando, gritou:

 

- Essa acertou! Olhe, olhe!

 

Uma espessa coluna de fumo começou a elevar-se do Hood.

 

Lindemann viu-a também pelo seu binóculo. Primeiro, a silhueta do navio, nítida e clara, imersa agora completamente da neblina. Depois, de algum lugar próximo da chaminé, saiu um jacto de fumo pardo. Mas, antes que este tivesse terminado o seu curso, antes que tivesse começado a desfazer-se o cogumelo, uma dúzia de outros jactos de fumo, qualquer deles maior do que o primeiro, irromperam do navio, expandindo-se de tal maneira que voltaram a unir-se muito mais acima, formando uma densa nuvem ligada ao navio por um pedúnculo ténue e delgado. Foi nesse momento que Lindemann, através do seu excelente binóculo, pensou ver grandes fragmentos do navio elevando-se até às nuvens, a princípio ultrapassados pelos jactos, mas alcançando o tecto de fumo que agora estava quase estacionário. E tinha quase a certeza de ter visto a proa e a popa do navio elevarem-se da água e o centro a afundar-se, como se uma criança travessa tivesse agarrado uma banheira de brinquedo e a partisse ao meio.

 

Foi apenas durante aquele instante que Lindemann viu isto. O brinquedo partido foi imediatamente engolido pelo fumo que saía já por todos os buracos do navio meio afundado, de maneira que não havia nada à vista, excepto o espadanar produzido pelos fragmentos de mastros, couraças e conveses atirados ao alto quando mergulhavam de volta no mar. E quando esta mortalha de fumo mais baixo se elevou e desvaneceu não se via mais nada. Absolutamente nada.

 

E de Nobby e seus amigos na torre nada se sabia. Por um momento, tinham estado a trabalhar duramente, baixando-se e levantando-se à luz firme e cruel das lâmpadas eléctricas; estavam encerrados no seu pequeno compartimento, separados do mundo à sua volta, acima deles, por chapas blindadas de aço de trinta centímetros de espessura; abaixo deles, o mar profundo, e ainda o paiol, o depósito de munições e trezentas toneladas de material altamente explosivo. Por um momento, tinha sido assim; no momento seguinte, a granada que o Bismarck havia disparado na direcção deles tinha-se introduzido, como que guiada por l uma inteligência maligna, através de meia dúzia de convesés, meia dúzia de anteparos, pela fenda da couraça do Hood, ao longo de um caminho estreito e desprotegido, para o paiol debaixo da torre, deflagrando lá entre aquelas trezentas toneladas de explosivos. Naquele momento, Nobby e os seus amigos passaram, sem sequer terem tempo para disso se aperceberem, da existência para o aniquilamento.

 

Na sala de operações a tensão era enorme. O contra-almirante ainda estava a conversar com o vice-marechal do Ar.

 

- Se o Hood estiver onde julgamos que está, estabelecerá contacto a qualquer momento - disse o contra-almirante. - O dia está a clarear no estreito da Dinamarca.

 

- Onde está o Bismarck? - perguntou o vice-marechal do Ar.

 

- Pela última informação do Suffolk, há dez minutos, ele estava aqui.

 

O contra-almirante indicou um ponto no mapa onde as duas rotas assinaladas a lápis se cruzavam. Desenhou no local uma cruz preta.

 

- Mensagem do Suffolk! - disse um jovem oficial que se encontrava sentado à mesa onde chegavam as mensagens, ao pé do tubo acústico. - Mensagem urgentíssima: «Hood avistado e Prince of Wales dirigindo-se para sudeste. Distância: quinze milhas; curso sudoeste.»

 

- Conseguiram! Apanharam-nos.

 

Havia excitação e alegria em toda a sala de operações.

 

- Mais dois minutos e avistarão o Bismarck - disse o contra-almirante. - É isso.

 

As últimas palavras foram ditas depois de um olhar para as mensagens já transmitidas pelo tubo acústico, agora a caminho no interior do tubo pneumático. O contra-almirante mal tinha olhado para elas.

 

- Mensagem urgentíssima do Suffolk - anunciou o oficial pelo tubo acústico.   - «Hood e Bismarck a abrir fogo. A rota do Hood é aproximadamente sudoeste.»

 

- O Hood está a aproximar-se dele - disse o contra-almirante, quase sem prestar atenção à mensagem escrita que lhe fora entregue.

 

- Está a chegar uma mensagem urgentíssima do Suffolk

- disse o jovem oficial.

 

Fazia esforços para disfarçar a sua excitação, para aparentar firmeza. E naquele momento, toda a sua calma pareceu desaparecer.

 

- Que foi? Repita.

 

- Por um momento, ficou sentado junto ao tubo acústico, imóvel.

 

- Continue o seu trabalho, homem - disse rispidanente o contra-almirante.

 

O jovem oficial encarou-o com ar trágico.

 

   -O Hood explodiu. •

 

- O quê?

 

Nesse momento, a mensagem escrita desceu ruidosamente pelo tubo. Uma dúzia de mãos avançou para ela. O contra-almirante rasgou o envelope.

 

- O Hood explodiu - disse. - O Hood explodiu!

 

- Mas, o quê... o que... - gaguejou o vice-marechal do Ar.

 

O contra-almirante lançou-lhe apenas um olhar. A toda a volta as pessoas permaneciam de pé, imóveis como estátuas.

 

- O Hood! - exclamou um oficial. - O meu irmão Dick...

 

Um comandante mais velho, o mais cortês até à altura, esbarrou com o oficial das WREN, ao lado do mapa.

 

- Saia do meu caminho, diabos o levem! - disse acidamente, para acrescentar, em tom mais suave: - O Hood afundou-se! O Hood afundou-se!

 

O contra-almirante recompôs-se.    

 

- Voltem às suas funções - disse bruscamente.- Temos muito que fazer.

 

Uma nova mensagem estava a ser transmitida pelo tubo acústico, e o jovem oficial concentrou-se para a ouvir.

 

- Mensagem   urgentíssima   do Suffolk   -   anunciou, numa curiosa paródia do seu tom anterior. - «Hood afundado. Prince of Wales e Bismarck a combater.»

 

- Talvez o Prince of Wales dê cabo dele - disse o vice-marechal do Ar para uma audiência insensível.

 

Desta vez, a mensagem escrita foi lida atentamente.

 

- Mensagem urgentíssima do Suffolk - anunciava o jovem oficial.   - «Prince of Wales gravemente atingido. Prince of Wales a retirar-se atrás da cortina de fumo».

 

- O Prince of Wales derrotado - disse o contra-almirante, numa voz desprovida de expressão. Quando a mensagem lhe foi entregue, ficou a segurá-la sem a olhar.

 

Um outro oficial interveio nesse momento.

 

- É a intercepção telegráfica,   contra-almirante.   Um sinal de grande potência em código alemão, originário do estreito da Dinamarca. É o Bismarck chamando Berlim.    

 

- Preparam-se para anunciar ao mundo a notícia - disse o contra-almirante. - Oh, meu Deus! Eles vão dar a notícia ao mundo inteiro.

 

Por todo o Prince of Wales, na casa de máquinas, onde as turbinas zuniam agudamente; no paiol de munições, no salão dos oficiais adaptado a hospital; nas torres, os altifalantes começaram a transmitir um comunicado, precedido do som de um apito.

 

«Homens do Prince of W ales O capitão ordenou-me que vos informasse do que está a acontecer no exterior. Fala o secretário do capitão, da ponte de comando. O inimigo está à vista e aproximamo-nos dele. O Hood está a atirar agora. Dentro de instantes, será a nossa vez.»

 

A mensagem foi interrompida pelo rugido dos canhões vindo através do altifalante. Em baixo, na casa das máquinas, o maquinista estava a dizer:

 

- Atenção àquela argola. Se se distrair, ela aquecerá demasiado.

 

Em cima, na torre I, outro trabalhador civil viu os canhões recuarem e viu também subir as novas granadas e cargas, os soquetes a funcionarem velozmente e a desaparecerem outra vez.

 

- Tudo certo desta vez - disse. - Vou descer para dar uma olhadela àquele aro de granadas.

 

Dois conveses abaixo estava o aro de granadas, que subiam pelo elevador para caírem em posição sobre ele. O altifalante ainda anunciava: «Tiros a toda a volta do Bismarck. Vamos bem. O Hood...»

 

A voz calou-se durante alguns segundos, e ao continuar fê-lo entrecortadamente: «O Hood... o Hood...»

 

O altifalante desligou-se com urn estalido.

 

- Que aconteceu ao Hooã? - perguntou um dos marinheiros que estava junto ao aro das granadas.

 

- Preocupe-se com aquele interruptor e esqueça-se do resto - disse um civil.

 

«Homens do Prince of Wales», recomeçou o altifalante. «O capitão disse-me para vos contar que o Hood se foi embora. Explodiu e afundou-se. Era um navio com uma tripulação corajosa e acabámos de presenciar o seu fim. Agora depende de nós. Conhecemos a capacidade do Bismarck e vamos segui-lo até ao fim.»

 

- O Hood foi-se embora? Toda aquela gente? - disse alguém ao lado do aro das granadas.

 

Na parte de comando do Prince of Wales, o capitão e os oficiais olhavam para fora através de uma floresta de colunas de água. No altifalante, ouvia-se o secretário do capitão dizer: «Agora depende de nós. Conhecemos...»

 

O oficial de serviço falava para o tubo acústico: «Rota: duzentos e quarenta graus.» Na sala de operações, logo a seguir, o oficial navegador ouviu as palavras pelo tubo e repetiu-as, inclinando-se sobre o mapa.

 

Em baixo, ao lado do aro das granadas, o altifalante começou outra vez: «O capitão diz que está a haver um óptimo desempenho de parte da tripulação. Continuem...»

 

As palavras terminaram num enorme estrondo que o altifalante tornou ensurdecedor.

 

- Estraçalharam aquilo lá em cima - disse uma voz junto ao aro das granadas.

 

A ponte de comando era uma massa de destroços em chamas e corpos amontoados. Na sala de mapas, em baixo, o oficial navegador viu qualquer coisa a pingar do tubo acústico sobre o mapa à sua frente.

 

- Mas que diabo... - estendeu a mão e tocou com a ponta dos dedos. - Meu Deus, é sangue!

 

O sangue continuou a gotejar espessamente sobre o mapa.

 

Na ponte de comando uma figura esfarrapada, enegrecida pelo fumo, rastejou até ao tubo acústico.   Empurrou para o lado um cadáver que jazia atravessado no bocal.

 

«Leme todo a bombordo. Rumo um-cinco-zero. Leme todo a bombordo.»

 

- Leme todo a bombordo - repetiu o oficial navegador na sala de mapas.   O navio adornou violentamente quando o leme mudou de posição, a ponto de o oficial navegador se ver obrigado a agarrar-se para não cair.

 

Em baixo, na zona mais profunda da torre, no espaço da plataforma para desviar vagões, a adornagem foi igualmente sentida e os homens tiveram que se segurar. Houve barulho e um choque, o aro desprendeu-se dos seus roletes e ficou pendurado. Uma granada escorregou para fora e arrastou um civil pela perna, com o seu peso de três quartos de tonelada. O homem deu um grito de dor. Quando a guarnição do aro de granadas acorreu para junto dele, o homem esforçou-se para conseguir falar normalmente.

 

- Está tudo bem, meus amigos. Diga-lhes lá em cima que o aro está empenado. Da torre I não se voltará a atirar até ser reparada. - A granada mexeu-se um pouco sobre a sua perna.

 

- Ah! - disse ele, torturado. E desmaiou.

 

Na ponte de comando do Bismarck, Lutjens e Lindemann olhavam através dos binóculos, enquanto os canhões rugiam um pouco mais abaixo. No horizonte jazia a mortalha de fumo que marcava o fim do Hood. Não longe dela avistava-se a silhueta do Prince of Wales, quase coberta pela nuvem de fumo e pelas colunas de água dos disparos.

 

- O couraçado está a dar a volta para se afastar - disse Lutjens. - Mais fumo. É isso, está a deitar fumo e está a fugir.

 

Os canhões silenciaram-se subitamente e um oficial do Estado-Maior, ao telefone, informou laconicamente:

 

- Linha de tiro obscurecida.

 

Lutjens e Lindemann tiraram simultaneamente os binóculos dos olhos e olharam um para o outro.

 

- Isto significa vitória - disse Lindemann.

 

- Uma vitória esmagadora e decisiva a que o seu nome ficará sempre ligado. Orgulho-me de ter o privilégio de ser o primeiro a felicitá-lo.

 

Apertaram-se as mãos. O resto do Estado-Maior assistia com as fisionomias exultantes.

 

- Obrigado, capitão - disse Lutjens. Enquanto a sua mão direita continuava a ser apertada, gesticulava com a esquerda para o chefe do seu Estado-Maior.

 

- Mande a notícia para Berlim, imediatamente - disse ele. - Providencie para que siga neste mesmo instante.

 

- Sim senhor.

 

Na estação de rádio de Berlim, um locutor, texto na mão, estava de pé junto ao microfone. A um gesto do controlador atrás do vidro, um corneteiro encostou a corneta aos lábios e tocou uma fanfarra longa e triunfante.

 

«Cidadãos do Reich!», começou o locutor. «Interrompemos o nosso programa normal para vos dar notícias maravilhosas. Os nossos navios alcançaram uma vitória espectacular. A Marinha do Reich triunfa no mar. O cruzador de guerra inglês Hood, orgulho da armada britânica, foi reduzido a estilhaços e afundado com toda a tripulação pelas nossas forças navais. O resto da esquadra inglesa abandonou o local dos combates e fugiu, escondendo-se da vingança do Reich atrás de uma coluna de fumo. Outro couraçado inglês foi atingido por diversas vezes e é natural que, neste momento, já esteja a fazer companhia ao Hood nas águas geladas do estreito da Dinamarca. Dez mil marinheiros ingleses pagaram o preço da obediência ao sinistro Churchill e à sua claque judaica. Unamo-nos todos em congratulações sinceras ao nosso Fúhrer, que tornou possível tudo isto. Um Povo, um Estado, um Fúhrer!»

 

As notícias foram difundidas por toda a Alemanha e ouvidas exultantemente nos lares e nas fábricas, nos hospitais e nos cafés.

 

No Ministério da Informação de Inglaterra os telefones tocavam incessantemente.

 

- Berlim já pôs as notícias no ar. Apressem-se com essa declaração. E melhor ouvi-la de nós mesmos do que deles. Apressem-se com isso.

 

- Não é fácil redigir um comunicado sobre uma derrota - responderam ao telefone.

 

- Dê os factos, homem! O povo tem que saber isso e pode suportá-lo.

 

Nas fábricas a música ligeira que se ouvia pela rádio parou bruscamente e uma voz calma da BBC fez-se ouvir:

 

«O Almirante lamenta informar a perda, com toda a tripulação, do navio de guerra Hood, esta manhã, em consequência da acção inimiga no estreito da Dinamarca. é iminente a continuação da acção».

 

Nas ruas bombardeadas de Portsmouth,   uma senhora idosa caminhava com o seu saco de compras. Deteve-se quando viu o ardina começar a escrever o cabeçalho no seu cartaz.

 

«H-O-O-D», começou o ardina a escrever e continuou: «A-F-U-N-D-A-D-O».

 

A velha estacou, olhando horrorizada por alguns segundos, e as lágrimas começaram a correr pelas suas faces. Voltou-se de costas e ficou curvada pela dor.

 

- A senhora está a sentir-se mal? - perguntou um polícia.

 

Ela endireitou-se, com as faces ainda molhadas.

 

- Estou bem, estou bem.

 

Não andou muito mais com a sua sacola de compras. Voltou na esquina onde um monte de escombros marcava o lugar em que havia duas casas e caminhou até à sua, onde as tábuas substituíam as vidraças despedaçadas. Entrou e pôs o saco no chão. Sobre a mesa havia um retrato emoldurado de alguém em uniforme de marinheiro, e ela sentou-se numa posição em que pudesse vê-lo, embora a sala estivesse mal iluminada e as janelas tapadas com as tábuas.

 

- Eu disse que estava bem - disse em voz alta para si mesma.

 

As feições da velha mulher ameaçavam desfigurar-se com as emoções que a agitavam. O seu aspecto mirrado tornou-se ainda mais visível quando se inclinou para a frente.

 

- Oh, Nobby, Nobby - disse ela, e depois apoiou o rosto nos joelhos descarnados e as costas estreitas foram sacudidas por soluços.

 

Os jornais de Nova Iorque ostentavam grandes cabeçalhos. «O Bismarck afundou o Hood. » «Explodiu o maior cruzador do mundo...»

 

E num edifício de Nova Iorque um comentarista explicava o que ocorrera, através da rádio:

 

«O nosso serviço imediato de noticiários já relatou os últimos acontecimentos e, de momento, não dispomos de qualquer outro boletim. É, no entanto, dado como certo que o Bismarck se preparava para irromper no Atlântico e os Ingleses tentavam detê-lo. É óbvio também que os Ingleses sofreram uma derrota esmagadora. O Hood explodiu. Isso significa a perda de um navio importante e de um grande número de vidas. O número de mortos monta a mais de mil, talvez mesmo dois mil. Dois mil homens mortos num único instante. E isso não é tudo. O comunicado alemão prossegue afirmando que outro couraçado inglês foi gravemente danificado e provavelmente afundado. Não há razões para duvidar disto. Os Ingleses sofreram um desastre muito sério e a pergunta é: que acontecerá depois? O Bismarck tem completa liberdade de acção e os Ingleses não afirmam tê-lo sequer atingido. Que fará ele? Podemos estar certos de que não há qualquer navio inglês a centenas de milhas dele que possa enfrentá-lo. O Bismarck pode descer para o Atlântico e destruir os comboios ingleses, cujas escoltas não poderiam enfrentá-lo por um momento sequer. Há, provavelmente, petroleiros alemães aguardando-o algures, para um rendez-vous secreto, e assim ele poderá, durante meses, ameaçar o comércio inglês em todo o Atlântico. Convém não esquecer entretanto, além disso, que há também em Brest dois cruzadores de guerra alemães, o Scharnhorst e o Gneisenau. Os Ingleses devem vigiá-los permanentemente no caso de eles saírem também, o que significa que terão que combater o Bismarck de mãos atadas. Quais são as probabilidades de o apanhar? Estou informado de que, agora que o Hood se foi, não há couraçado inglês que se possa comparar ao Bismarck em velocidade, tamanho ou potência de fogo. Os estragos que ele pode provocar são inteiramente incalculáveis, mesmo admitindo que finalmente viesse a ser apanhado, e temos que pensar que pode não o vir a ser nunca. E há algo mais que ele também pode fazer: pode dar a volta e regressar à Alemanha, contornando a Islândia, por leste ou por oeste. Se conseguir chegar a casa são e salvo após uma vitória tão tremenda como esta, o doutor Goebbels poderá compor uma bela história, principalmente porque parece não haver razão para pensar que não possa sair a qualquer momento e repetir a proeza. Tenho sido um bom amigo dos Ingleses, como sabem, mas, desta vez, parece que eles têm os seus problemas. É no Mediterrâneo, na Grécia, em Creta e na África do Norte

 

Lindemann e Lutjens olhavam para o mapa, no Bismarck. ”, - Podemos voltar - disse Lindemann. - Nunca nos interceptarão.

 

- Devemos, porquê?

 

- Conseguimos uma grande vitória - prosseguiu Lindemann -, e se a rádio alemã pudesse anunciar que estávamos de volta outra vez, incólumes, o mundo poderia...

 

- O mundo saberia pelo menos que tínhamos conseguido uma vitória e deixado de colher os seus frutos. Os riscos na guerra existem para serem assumidos, capitão. Pense nas possibilidades que temos à nossa frente,   no Atlântico. Vamos voltar-lhes as costas e perdê-las? Lembre-se do que fiz com o Scharnhorst e o Gneisenau. A propaganda pode ser uma coisa muito boa, mas até o próprio doutor Goebbels admitiria que as guerras são ganhas por actos e não por palavras.

 

- Mas os Ingleses...

 

- Duvido que os Ingleses possam levantar um dedo contra nós durante vários dias. Avante! Vamos despistar aquele cruzador inglês e depois estaremos livres.   Pense naqueles comboios, capitão.

 

- Pensarei neles. Vem, comandante?

 

O oficial de serviço acabara de chegar e, depois de ter feito a continência, ficou a aguardar o momento de poder dar uma informação.

 

- Fomos atingidos por uma granada, capitão. Na estação número quarenta e seis do lado bombordo.

 

- Onde é isso? - indagou o almirante.

 

- À frente, por cima do tanque de óleo combustível número dois. Como o tanque está cheio, não pude ainda inspeccionar as avarias, mas posso afirmar que são ligeiras. São realmente muito ligeiras.

 

- E é essa toda a avaria? - perguntou o almirante.

 

- Sim, senhor. Mas o tanque está a verter óleo. Se quiser ver...

 

Seguiu à frente para a asa de bombordo da ponte de comando, e olharam sobre a amurada a água a borbulhar ao longo do costado do navio.

 

- Está a ver? O navio está a largar um rasto de óleo atrás de nós. Estamos agora a bombear o tanque e a procurar transferir o combustível.

 

- Então não precisamos de pensar mais nisso - disse o almirante.

 

-- Não, senhor - disse o comandante, e hesitou. Excepto... - prosseguiu o comandante. - Excepto se o combustível tiver sido contaminado pela água do mar. Temos menos duzentas toneladas de combustível do que julgávamos.

 

- Estou a perceber - disse o almirante.

 

- Ainda há bastante tempo para voltar - sugeriu Lindemann.

 

- Compreendo isso também - disse o almirante. Obrigado, comandante.

 

Lutjens e Lindemann ficaram a olhar para o mapa.

 

- Menos duzentas toneladas de óleo - disse Lindemann. - E esta é uma perda permanente enquanto estivermos no mar. Quando encontrarmos os nossos petroleiros serão duzentas toneladas a menos que seremos capazes de receber a bordo.

 

- Sim - disse Lutjens, com um ar concentrado. O seu indicador traçava arcos no mapa. Disse, mais para si próprio do que para ser ouvido por Lindemann: - A decisão que tenho que tomar,   as próximas palavras que disser, podem mudar o curso da história, podem decidir a história das nações, podem selar o destino da Alemanha, do nacional-socialismo e do nosso Fúhrer. Dez mil, vinte mil, cinquenta mil vidas podem ser ceifadas pela minha próxima ordem.

 

- É verdade, almirante.

 

- Para a frente ou para trás, este é o último momento em que é possível escolher. Nada de mudanças de opinião depois disto.

 

- Já lhe dei a minha opinião.

 

- Não! - disse Lutjens, bruscamente. - Devo ir em frente. Não abrimos à bala o nosso caminho para o Atlântico apenas para voltar outra vez submissamente. Em frente! Teremos de nos desviar para o lado até Brest. Dois dias lá e as avarias poderão ser reparadas. Depois, com o Scharnhorst e o Geneisenau,   levantarei ferro outra vez à frente de um esquadrão incomparável em poderio e velocidade.

 

- Muito bem.

 

- E pode haver comboios ingleses atravessados na nossa rota. Os nossos submarinos guiar-nos-ão até eles. Em frente!

 

- Muito bem, almirante. Pode dar-nos as suas ordens definitivas?

 

- Por hoje, mantenha a nossa rota até termos despistado aquele cruzador. Depois, poderemos determinar o rumo para Brest. Não me parece que os Ingleses possam adivinhar as nossas intenções.

 

- Muito bem, almirante.

 

Na sala de comando das operações do Almirantado, um grupo de oficiais, incluindo o almirante, contra-almirante e o vice-marechal do Ar, estava ao lado do mapa.

 

- Mensagem do Suffolk - disse um jovem oficial, lendo em voz alta. - «Bismarck continua a aproar a sudoeste; velocidade vinte e cinco nós. Bismarck a perder óleo e deixando uma larga esteira de óleo à ré.»

 

- Então ele foi atingido! - disse o contra-almirante.

 

- Mas continua a conseguir dar vinte e cinco nós. Alguma pequena fuga num depósito de óleo... - concluiu o almirante. - Qual é a última informação sobre o tempo?

 

- Tempestuoso, como de costume - disse o vice-marechal do Ar. - Nuvens a trezentos e trinta metros, pesados bancos de nevoeiro, ventos de grau cinco, ondas alterosas.

 

- Todas as possibilidades de o Suffolk o perder de vista, nesse caso. E os companheiros, não o podem ajudar?

 

- Irão fazer todo o possível. Mas ele está cada vez mais afastado da Islândia.

 

Um oficial aproximou-se do mapa para mudar a posição da esquadra metropolitana.

 

- Tovey está ali - disse o almirante. - Se o Bismarck mantiver a sua rota actual, estabelecerão contacto amanhã. O que significa isso em números?

 

- Ao meio-dia, almirante - precisou um oficial debruçado sobre as cartas de navegação.

 

- Se o Bismarck mantiver a sua rota. Todos os navios que tivermos devem deslocar-se para tentar detê-lo. Há o Rodney. Faça-o abandonar o comboio e tomar uma rota para o interceptar. O Ramillies pode também abandonar o seu comboio. Telegrafe para Halifax e faça sair o Revenge logo que possa. Desligue o London e o Edinburgh dos seus comboios e faça-os rumar a norte. Agora a força H. O que se passa com Somerville?

 

- Está no mar, almirante.

 

- Muito bem. Mostre-me qual é a situação amanhã a esta hora.

 

- Sim, senhor. Posso fazê-lo já.

 

Numa mesa ao lado encontrava-se aberto outro mapa do Atlântico Norte, e um oficial começou a traçar linhas sobre ele; para o curso do Bismarck; para a Esquadra Metropolitana e a Força H; para o Ramillies, Rodney e Revenge; para os cruzadores...

 

- Aqui estarão o Bismarck e o Suffolk amanhã ao meio-dia, se ele mantiver o seu curso.

 

- Se - disse o almirante.

 

- A Esquadra Metropolitana - disse o oficial. - A Força H... os cruzadores... o Ramillies.., o Rodney... o Revenge. .. o London... o Edinburgh...

 

A linha do Bismarck encontrava-se com a linha da Esquadra Metropolitana. Ao mesmo tempo, de todas as direcções convergiam as linhas pretas em direcção àquele ponto, algumas aproximando-se, outras passando mais longe, mas no seu conjunto sugerindo uma sensação de força esmagadora.

 

- Dá uma boa impressão no papel - disse o almirante.

- Redija as ordens imediatamente.

 

- O primeiro-ministro, senhor almirante - interrompeu outro oficial, entrando apressadamente na sala.

 

- Já vou - respondeu o almirante. - Traga-me isso. Atravessou a sala a passos largos, entrou num gabinete

lateral e alguém abriu para ele o mapa marcado, numa mesa a seu lado. Apertou o interruptor do intercomunicador.

 

- Almirante de serviço.74

 

Do intercomunicador surgiu o som inconfundível da voz do primeiro-ministro.

 

«A sua missão é afundar o Bismarck», disse. «Este é o seu único dever. Nenhuma outra consideração deve ter qualquer importância, seja ela qual for.»

 

- Sim, senhor primeiro-ministro.

 

«O que há com o Ramillies? O que há com o Rodney?»

 

- As ordens estão a ser emitidas neste preciso momento, senhor primeiro-ministro.

 

«O Revengel Força H?»

 

- Já receberam as ordens, senhor primeiro-ministro.   «O senhor está a tomar todas as medidas possíveis para

que o Bismarck seja afundado?»

 

- Sim, senhor primeiro-ministro.

 

«Não só as medidas possíveis, não só as medidas fáceis e as medidas óbvias, mas as medidas difíceis e as medidas quase impossíveis, bem como todas as medidas inteiramente impossíveis que puder tomar. Os olhos de todo o mundo estão postos em nós.»

 

- Não é preciso lembrar-me isso - respondeu o almirante.

 

«Bem, lembre-se. Afundem o Bismarck. Adeus.»

 

- Mensagem urgentíssima do Suffolk, senhor almirante

- interrompeu o jovem oficial. - Está a ser alvejado pelo Bismarck.

 

No Suffolk a cena era bastante semelhante à anterior, antes da tragédia do Hood. Navegava ainda com dificuldade sobre o mar enevoado, deslizando para fora de um banco de nevoeiro durante breves minutos antes de penetrar no banco seguinte. Os vigias mantinham-se ainda nos seus postos, os mais expostos fustigados pela espuma transportada pelo vento, varrendo com os seus binóculos o mar à volta do navio.

 

- Navio na direcção verde-cinco! - gritou subitamente um dos vigias da frente.

 

Lá estava o Bismarck, de proa para cima, saindo da neblina em direcção a eles.

 

Do tubo acústico, sobre a cabeça do contramestre que estava ao leme, veio a ordem ríspida:

 

- Todo o leme a bombordo!

 

Imediatamente o contramestre fez girar toda a roda do leme, sentindo a adornagem do navio ao dar a volta e observando a agulha da bússula a mover-se firmemente sobre o quadrante.

 

Em baixo, na casa das máquinas, o semáforo assinalou a velocidade máxima e um indicador barulhento indicava: «produzir fumo». As válvulas de manobra foram abertas febrilmente, enquanto o navio adornava. Um fogueiro abriu a válvula do fumo e, olhando fixamente através da pequena janela, viu as chamas que rugiam atrás dela tornarem-se grossas e pretas.

 

Dusty, no seu posto da ponte, viu pelo binóculo o horizonte girar à sua volta e teve de se segurar durante a adornagem do navio. Quando se endireitou, no novo curso, pôde ver o Bismarck nítida e claramente. Observou o clarão e o fumo da salva que ele disparou.

 

- Lá vem ela, camaradas - disse ele.

 

As colunas de água levantadas pela salva elevaram-se a um quarto de milha a estibordo do navio.

 

- Erraram desta vez - disse Dusty.

 

- Onde está esse fumo? - perguntava um marinheiro no canhão A, ao seu lado.

 

Olhou para cima: um par de baforadas, e depois o fumo veio aos borbotões, grosso, negro e oleoso, saindo das chaminés e espalhando-se numa densa nuvem atrás deles, na superfície do mar. Apesar disso, outras colunas de água se projectaram de dentro do fumo, perto do costado, quando a segunda salva quase os atingiu. A água precipitou-se para bordo, alagando os homens mais próximos. Dusty sacudiu-se, esfregando os olhos e limpando o binóculo e, entretanto, ouviu a salva seguinte fender o ar acima da sua cabeça com um estrondo como o de um comboio a entrar num túnel. Ergueu o punho cerrado para o Bismarck, invisível atrás do fumo.

 

Na ponte de comando do Bismarck, Lindemann e Lutjens observavam a espessa nuvem de fumo que se estendia sobre a superfície do mar.

 

- Não posso arriscar-me a entrar nisso - disse Lutjens. - Mantenha o nosso rumo anterior, por favor, capitão.

 

- Sim, senhor. Deu a ordem.

 

- Agora envie a nossa última mensagem ao Eugen disse Lutjens. - «Adeus e boa sorte.»

 

Ao longe, no horizonte, quase invisível na neblina, tremeluzia uma luz. O marinheiro encarregado das mensagens na asa da ponte leu-a à medida que chegava.

 

- «Obrigado. Adeus. A melhor...» Mensagem obscurecida pela neblina, senhor.

 

- Obrigado. Podemos imaginar o fim - disse Lutjens. E voltando-se para Lindemann: - Admira-se se o conseguirmos?

 

- De qualquer modo, o Eugen afastou-se sem ser visto. Terá o caminho livre para casa.

 

O chefe do estado-maior aproximou-se com um papel de mensagem na mão e fez a continência.

 

- Acaba de chegar uma mensagem do Marineamt em Berlim - disse. - O nosso agente em Algeciras acaba de informar que a Força H, porta-aviões Ar k Royal, cruzador de batalha Renown, cruzador Sheffield e seis destroyers deixaram Gilbraltar à meia-noite, rumo a oeste para fora do Mediterrâneo.

 

- Muito bem. Vamos ver - disse Lutjens.

 

Entraram na sala dos mapas, onde o oficial navegador traçava rumos hipotéticos.

 

- Supondo que mudemos de rumo à meia-noite, é esta a nossa rota - disse o oficial. - Cá está o curso mais provável para a Força H.

 

- Conseguirão interceptá-la?

 

- Dificilmente, senhor.

 

- Haverá submarinos à procura da Força H. Qual é a previsão do tempo para essa região?

 

- Vento força seis sul para sudoeste - disse o chefe do estado-maior folheando o bloco de mensagens. - Visibilidade fraca, tecto de nuvens a cento e sessenta e cinco metros, mar agitado.

 

- Então, parece-me que nos podemos esquecer da Força H - disse Lutjens. - Aquele mar retardará a sua escolta e, em qualquer dos casos, não terá possibilidades de lançar os seus aviões para o ar.

 

- O Ark Royal é um navio muito experimentado disse Lindemann.

 

- Apesar disso, não poderá ler os nossos pensamentos

 

- respondeu Lutjens.   - Com Ark Royal ou sem Ark Royal.

 

- Até agora os Ingleses têm-se saído muito bem nisso

 

- acrescentou Lindemann.

 

- Que quer dizer?

 

- Estou a pensar no que se passou hoje e em tudo o que isso implica.

 

- Por favor, seja mais explícito - insistiu Lutjens.

 

- Deixámos a Noruega com mau tempo. Tomámos a melhor rota para o estreito da Dinamarca à máxima velocidade. Isso era apenas uma das doze coisas possíveis que poderíamos ter feito. Os Ingleses só teriam possibilidade de nos interceptar exactamente aqui e era preciso saírem instantaneamente, sem perder um momento.

 

- Sim!?

 

- E saíram efecrivãmente. Esta madrugada havia dois navios tentando interceptar-nos. Deve concordar, almirante, que foi uma antecipação notavelmente inteligente.

 

- O capitão esquece-se de que tudo isso é provavelmente apenas um golpe de sorte extraordinário. Na guerra, capitão, há sempre o perigo de atribuir ao inimigo poderes misteriosos e forças irresistíveis. Até o encontrarmos. Em consequência da sua sorte ou dos seus planos, os Ingleses sofreram uma derrota formidável.   Esperemos que o Ark Royal tenha a mesma sorte.

 

Era uma tarde alegre em Gibraltar, porque a Força H estava lá e tinham concedido licença a uma parte da tripulação. Os bares estavam cheios de marinheiros bebendo cerveja e as ruas cheias de outros que por ali circulavam sem destino. A sala do cinema estava a abarrotar de marinheiros, que riam à gargalhada pelo que acontecia na tela. Quando o filme parou subitamente e o som teve um corte abrupto, o facto foi atribuído a uma avaria na máquina e começou a ouvir-se um coro de protestos que se transformou em silêncio quando apareceu projectado na tela um aviso escrito à pressa e que mal se lia: «Todo o pessoal naval se deve apresentar a bordo imediatamente.» O aviso foi recebido com uma ou duas vaias, alguns suspiros, mas quando as luzes se acenderam pôde ver-se que já todos estavam de pé e abriam o caminho para as portas de saída. À mesma hora, as patrulhas percorriam as ruas.

 

«Voltem para os navios. Licença cancelada.»

 

Entravam nos bares e interrompiam os bebedores, empurrando os homens para a rua sem cerimónia. Por todo o «rochedo», os marinheiros precipitavam-se para os seus navios, inclinando-se para fora das janelas dos táxis para animar os motoristas. Outros corriam a suar pelas ruas, amontoando-se nos botes de qualquer maneira. O Ark Royal estava atracado ao cais e as ondas entravam permanentemente pela rampa de embarque. Um petroleiro atestava os seus tanques; mercadorias, as mais diversas, eram carregadas apressadamente para bordo. Ao lado do barco estava uma chata e o guindaste do navio transportava torpedos para o seu bojo.

 

- Quanto falta ainda? - gritou um oficial, de cima.

 

- Mais um! - respondeu o encarregado do arsenal, acenando um dedo do interior da chata.

 

O guindaste segurou o objecto, erguendo-o pesadamente da chata, ultrapassando o convés de voo, descendo através do convés do hangar, onde um grupo de marinheiros se encarregou de o colocar no depósito de torpedos.

 

- Esta é a última das beldades - gracejou Ginger, o ajudante de oficial torpedeiro. - Mais uma para Mussolini.

 

Deu uma palmada no lado daquela coisa. Parecia tão maligna, tão friamente ameaçadora como uma granada de quinze polegadas. As ordens já circulavam por todo o navio para que os homens ocupassem os seus postos e zarpassem. Mensagens luminosas tremeluziam aqui e ali na baía. Na ponte de comando, um operador de transmissões informou: : - Os destroyers estão a caminho. !

 

- Óptimo - respondeu alguém.

 

As ordens para zarpar foram dadas calmamente.

 

Largar à vante. Largar à ré. À vante devagar motores de bombordo. Parar os motores. Estibordo dez. À vante devagar todos os motores. Leme a meia nau. Parar todos os motores. À vante devagar todos os motores. Meia velocidade todos os motores. Estibordo quinze.

 

Precedida pelos destroyers, a Força H aproou para fora através das defesas do porto. As luzes de La Linea e Algeciras giraram no horizonte quando o navio deu a volta. No passadiço, o vulto escuro de dois oficiais da Secção Aérea da Esquadra observou-as a girarem.

 

- Todos os agentes nazis em Algeciras, La Linea e Ceuta estão com os seus binóculos postos em nós neste momento - disse um deles.

 

- E repara - disse outro. - Desta vez têm coisas para dizer. Vês para que lado estamos a voltar?

 

- Estamos a sair! Não estamos de modo algum a subir o Mediterrâneo!

 

Em baixo, na câmara dos torpedos, um marinheiro aproximou-se dos outros que trabalhavam com Ginger.

 

- Estamos a dizer adeus ao sol do Mediterrâneo. Estão a levar-nos para o vasto Atlântico, rapazes.

 

- Não pode ser! - exclamou outro.

 

- Sim. Estamos exactamente a atravessar o estreito.

 

- Se calhar, estamos a ir para casa - disse alguém esperançosamente.

 

- Talvez ainda nos dêem alguma licença - acrescentou outro, ainda mais optimista.

 

- Estamos a caminho de algum trabalho - disse Ginger, lembrando as tarefas de cada um. E, dirigindo-se ao torpedo: - Vamos, porco. Desta vez não vais coçar as costas do Mussolini. Prepara-te para o Hitler e para a marinha alemã.

 

- Para onde lhe parece que estamos a ir, sargento?

 

- Olha, o meu amigo Winston esqueceu-se de me telefonar. Tereis que esperar que ele telefone antes que descubramos.

 

- Reparem naquilo! - disse um marinheiro.

 

O Ark Royal começava a sulcar as primeiras ondas do Atlântico, erguendo a proa, deslizando e balançando. A cortina de destroyers sofria o mar mais seriamente, mergulhando nas ondas confusas e seguindo o seu caminho para dentro do Atlântico à frente do Ark Royal e do Renown.

 

Quanto ao Bismarck, agitava-se e mergulhava igualmente num mar encrespado. O almirante Lutjens saiu da sua cabine e caminhou para a ponte. Levava na mão três ou quatro pequenos estojos de couro.

 

- Capitão, quero falar à tripulação. Por favor, mande formar os oficiais.

 

A um sinal de Lindemann, um sargento ligou o sistema de altifalantes e anunciou à tripulação que o almirante iria proferir algumas palavras. Os oficiais milicianos já estavam formados no convés da ré. Após várias noites sem dormir, tinham um ar exausto.

 

- Tenha a bondade de chamar o comandante Schwartz e o capitão-tenente Dollmann - disse Lutjens.

 

- Sim, senhor - respondeu Lindemann, enquanto o almirante se aproximava do microfone.

 

- Homens do Bismarck Não vos posso afastar dos vossos deveres enquanto um inimigo vigilante nos espreita no horizonte. Mas mesmo nos vossos postos, tratando dos vossos motores e guarnecendo os vossos canhões, podeis ouvir o que tenho para vos dizer, ao mesmo tempo que os nossos jovens oficiais podem testemunhar a cerimónia. Homens do Bismarck! Quero começar por vos anunciar a grande honra que nos foi concedida. O nosso Fúhrer enviou-me uma mensagem pessoal para vos transmitir - ao capitão Lindemann e a cada um dos homens da tripulação do navio. O nosso próprio Fíihrer envia-nos, a todos nós, as suas felicitações. Diz mais - e estas são as suas próprias palavras - «a notícia da nossa grande vitória abalará todas as capitais do mundo ao mesmo tempo que Churchill, o provocador de guerras, vacila no seu trono.» O Fúhrer incita-os a ir cada vez mais longe, de vitória em vitória, até que o judaísmo seja totalmente aniquilado e o mundo possa conhecer de novo a paz sob a bandeira do nacional-socialismo.

 

O oficial delegado-político do navio, que estava à espera da deixa, aproveitou a pequena pausa para dar um passo em frente diante dos milicianos e fazer a saudação clássica.

 

- Heil Hitler! - piaram obedientemente. -Sieg Heil! Sieg Heil!

 

Não foi uma cena muito impressionante.   Os homens estavam exaustos e aparentemente indiferentes. Lutjens prosseguiu:

 

- A mensagem do Fúhrer continua a ordenar-me, em seu nome pessoal, em nome do Fúhrer, que proceda à condecoração dos oficiais e de toda a gente em geral deste navio que se tenham distinguido.   Capitão-tenente Dollman!

 

Dollman avançou timidamente.

 

- Em nome do Fúhrer, condecoro o oficial-assistente de artilharia do Bismarck com a Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro.

 

A outro gesto do oficial delegado-político, os jovens oficiais deram vivas, enquanto Lutjens colocava a condecoração em Dollmann.

 

- Comandante   Schwartz!   Como   oficial   de   artilharia deste navio, o senhor desempenhou um papel importante na destruição do Hood. Em nome do Fúhrer, condecoro-o com a Cruz de Cavaleiro com Espada.

 

Os jovens oficiais deram vivas mais uma vez.

 

- O vosso capitão já ostenta orgulhosamente a Cruz de Cavaleiro. Agora, capitão Lindemann, tenho a honra e o prazer de o condecorar com a Cruz de Cavaleiro com Espada e Diamante!

 

Lindemann ia aproximar-se para receber a condecoração quando soou o alarme geral do navio.

 

- Alarme aéreo! Alarme aéreo! Aviões inimigos à vista! Aviões no quarto de bombordo!

 

Os canhões antiaéreos já giravam sobre si próprios; tinham mesmo começado a disparar antes de Lutjens e Lindemann chegarem de novo aos seus postos na ponte. Lá vinham nove Swordfish a aproximar-se numa lentidão irritante, circulando para poderem contornar a proa do Bismarck e lançarem os torpedos de uma boa posição.

 

- Todo o leme a estibordo! - rugiu Lindemann.

 

O céu estava salpicado com as explosões de fumo negro das granadas antiaéreas. A esteira resplandecente do Bismarck quase completou um círculo enquanto fazia a curva, adornando violentamente.

 

- Todo o leme a bombordo! - bramou Lindemann. O navio   adornou   completamente   para   o   outro   lado

 

quando o leme foi virado. Os torpedos passaram perto dos seus costados e as esteiras que deixavam ficavam visíveis na água cinzenta. Houve um estrondo e um gigantesco jacto de água quando um torpedo explodiu a estibordo da proa. Depois, o ataque terminou tão bruscamnte quanto começara.

 

- Aqueles aviões eram Swordfish - disse Lutjens ao seu chefe de estado-maior. - Quantos contou?

 

- Sete, senhor.

 

- E você?

 

- Pareceu-me ter visto nove.

 

- Também penso que eram nove.

 

- Swordfish significa um porta-aviões ao nosso alcance

- disse o chefe de estado-maior.

 

- Mas não um porta-aviões muito bem equipado, se tudo o que podem mandar para um ataque são nove Swordfish - disse Lutjens. - Em todo o caso, conseguiram um

 

impacto a estibordo da proa. Quais são as avarias, capitão?

 

- As informações apenas começaram agora a chegar, senhor.

 

Lindemann estava ao telefone, concordando enquanto respondia.

 

- Muito bem... O controle de avarias acaba de informar que os danos causados ao navio são insignificantes, senhor. Não há feridos.   As bombas estão a tirar maior quantidade de água do que a que entra. O rombo estará reparado dentro de uma hora. A capacidade de combate do navio quase não foi afectada.

 

- O nosso Bismarck quase não precisa de pensar nos pequenos torpedos que os Swordfish podem transportar disse Lutjens. -- Agora vamos ver de onde vieram.

 

Dirigiu-se para a frente, para a sala de mapas, e inclinou-se sobre a mesa.

 

- Qual é o raio de acção de um Swordfish ?

 

- Uns duzentos e vinte e tal quilómetros. Menos de duzentos e setenta e oito, de qualquer forma.

 

A um sinal de Lutjens, o oficial navegador girou o compasso, fazendo um círculo.

 

- Em qualquer ponto ali dentro - disse Lutjens. Uma área grande, meus senhores.

 

Um jovem oficial telegrafista entrou na sala de mapas.

 

- O   tenente Helder mandou-me comunicar-lhe que estamos a captar as mensagens telegráficas dos Swordfish.

 

- Sim?

 

- Pela goniometria, a sua rota é um pouco ao norte, de oitenta e cinco graus leste, senhor, muito aproximadamente.

 

Um olhar ao oficial navegador fez com que traçasse uma linha naquela direcção, partindo da posição do navio até ao perímetro do círculo.

 

- Um porta-aviões. Ali - disse Lutjens.

 

- E oArk Royal está a mil oitocentos e cinquenta e três quilómetros daqui - disse o chefe de estado-maior, com um gesto para o outro extremo do mapa.

 

- Um porta-aviões com nove pequenos Swordfish e nada mais - disse Lutjens. - A que horas é o crepúsculo?

 

- Daqui a dezassete minutos, senhor - disse o oficial navegador.

 

- Uma hora para se reabastecerem e remuniciarem... Uma hora para voltarem aqui... Sem lua e com nuvens baixas... Não nos encontrarão de novo esta noite - disse o chefe de estado-maior.

 

- Nem amanhã, se despistarmos aquele cruzador disse Lutjens. - Como, de resto, iremos fazer.

 

Ia dar uma palmada com as mãos e descobriu que ainda segurava o estojo de couro com a Cruz de Ferro que se destinava a condecorar Lindemann.

 

- Já estava a esquecer-me de um dos meus deveres. Capitão, em nome do Fúhrer, tenho isto para lhe oferecer.

 

- Obrigado, almirante - disse Lindemann.

 

- Que possa ostentar por muito tempo este símbolo de grande distinção - concluiu Lutjens.

 

- Espero bem que sim - respondeu Lindemann, baixando os olhos para o objecto cintilante.

 

- Estamos a entrar de novo no nevoeiro - disse o chefe de estado-maior. - Agora é a nossa vez.

 

Capítulo trigésimo

 

Na sala de operações, o almirante, o contra-almirante e o vice-marechal do Ar, juntamente com outros, observavam o mapa em que estavam assinalados os navios empenhados na perseguição ao Bismarck.

 

- Estão a aproximar-se bem - disse o vice-marechal do Ar.

 

- É verdade. Parece que sim - disse o almirante.

 

- Posição, curso e velocidade do Suffolk, senhor - disse um jovem oficial. - O Bismarck mantém exactamente a mesma rota.

 

- Imagino o que eles têm em mente - disse o almirante, quase para consigo mesmo. - A Esquadra Metropolitana poderá enfrentá-lo amanhã por volta do meio-dia.

 

- Eles não sabem que a Esquadra Metropolitana saiu

- disse o contra-almirante.

 

- Mensagem urgentíssima do Suffolk, senhor - disse, alto, o jovem oficial. - «Vimos nove Swordfish voando; direcção: Bismarck.»

 

- Nove Swordfish! - disse o almirante. - São do Victorious*. É tudo o que leva.

 

- Se a Esquadra Metropolitana estiver onde pensamos que está, o Victorias está a duzentos e setenta e oito quilómetros do Bismarck - disse alguém, enquanto fazia girar rapidamente o compasso.

 

- Não há mais informações? - insistiu o almirante.

 

- O Suffolk informa: «Fogo intenso do Bismarck».

 

- Eles estão a atacar - disse o vice-marechal do Ar. Mas porque é que só há nove?

 

- O Victorious é como o Prime of Wales - disse o contra-almirante. - Chegou novo em folha da mão dos construtores. Aqueles pilotos dos Swordfish nunca descolaram do convés de um porta-aviões. São novatos. Mas era tudo o que tínhamos quando o Bismarck saiu.

 

- O Suffolk informa - interrompeu o jovem oficial.

 

- «Bismarck cessou fogo».

 

- Então, de qualquer forma, o ataque terminou - disse o vice-marechal do Ar.

 

- O Suffolk continua a informar: «Interceptámos mensagem dos aviões para Victorious. Registado um impacto.»

 

- Queira Deus que isso o obrigue a retardar - disse o contra-almirante. - Foi para isso que Tovey os enviou.

 

- Acho que ele pode resistir a mais meia dúzia de ataques como este sem grandes problemas - disse o almirante.

 

- O Suffolk está a dar posição, curso e velocidade disse o jovem oficial.

 

- Qual é o curso e a velocidade? - inquiriu o contra-almirante.

 

- Curso, cento e noventa graus: velocidade, vinte e cinco nós.

 

- Nesse caso, não há a registar qualquer mudança. Não parece que esse impacto tenha produzido qualquer efeito

 

- disse o almirante.

 

- Está na hora exacta do crepúsculo, lá - disse o contra-almirante. - Dentro de pouco tempo estará escuro. E enevoado também.

 

- E o vento a arrefecer cada vez mais. Aqueles pilotos dos Swordfish irão aterrar pela primeira vez na vida com mar agitado, às escuras e com nevoeiro. Queira Deus que consigam - disse o almirante.

 

- O Suffolk informa - disse mais uma vez o jovem oficial. - «Perdemos contacto Bismarck. Fazemos buscas.»

 

- Perdeu-o? - disse o almirante.

 

- Escuridão e nevoeiro - disse o contra-almirante. Não acredito que o encontre outra vez.

 

O comentarista de rádio de Nova Iorque estava mais uma vez ao microfone.

 

«Bem», começou. «Faz agora exactamente vinte e quatro horas que lhes falei do afundamento do Hood pelo Bismarck. Desde a primeira notícia, não houve uma única palavra do governo inglês. É como se o Bismarck não existisse, no que diz respeito a John Bull. Mas temos ouvido muitas coisas do doutor Goebbels e do governo nazi. Berlim afirma que ontem à tarde os Ingleses atacaram o Bismarck com aviões, a partir de um porta-aviões, e continuam a afirmar - estou apenas a citar as declarações de Berlim - que o ataque foi repelido sem quaisquer danos para o Bismarck e pesadas perdas para os atacantes. Pode muito bem ser verdade tudo isto. Gostaria de acentuar que este ataque, a ter-se realizado, constituiria a primeira vez na história mundial em que aviões descolaram de um porta-aviões para atacar um couraçado alemão no mar. Já foram atacados couraçados alemães e italianos em portos. Lembrem-se do que fizeram os Ingleses em Taranto. Mas esta é a primeira vez que aviões de um porta-aviões atacaram um couraçado alemão no mar. Além do mais, este couraçado é moderno, bem tripulado e cheio de espírito combativo, como vimos ontem. Espero que este ataque tenha realmente existido e, embora tenha relutância em acreditar em tudo o que o doutor Goebbels afirmou, parece-rne bem que o ataque fracassou. De contrário, já teríamos ouvido algo de Londres. E isso só pode significar que o Bismarck está fora da confusão. Aquele ataque dos Swordfish foi uma tentativa desesperada para reduzir a sua velocidade. Não o conseguiram. Serão os Ingleses capazes de o apanhar agora? Encontrar um navio no Atlântico é como encontrar um automóvel no Texas, e esse automóvel é maior, mais veloz e mais poderoso do que tudo o que se dispõe para o caçar. Bom, agora vocês podem imaginar: se alguma vez as coisas pareceram sombrias para a Inglaterra, esse dia é hoje. Há Creta...»

 

Em todo o mundo se fazia a pergunta: «Onde está o Bismarck?» Em mil jornais e em cem línguas essa pergunta aparecia em cabeçalho nas primeiras páginas.

 

E na realidade o Bismarck navegava à máxima velocidade que podia através do Atlântico tempestuoso em direcção a Saint-Nazaire. Soprava ainda um vento forte, como sempre, e o mar estava bravio. Este era o quarto dia consecutivo de mar sem qualquer descanso para a tripulação, excepto o pouco conforto que podiam obter deitando-se nos conveses de aço perto dos seus postos de combate. As barbas cresciam em todos os rostos, incluindo nos queixos dos próprios oficiais milicianos. Lutjens estava recostado na sua cadeira de braços, vencido pela falta de sono, quando entrou o chefe do seu estado-maior.

 

- Notícias de Scapa Flow, finalmente - disse. - A Luftwaffe conseguiu fazer um reconhecimento esta manhã.

 

- E o que é que viram?

 

- Nada, senhor. Nenhum couraçado nem porta-aviões ou cruzador. A Esquadra Metropolitana inglesa levantou ferro para algures e deve estar no mar há muito tempo, porque o último reconhecimento em Scapa Flow foi feito há três dias.

 

- Acho que, agora, já poderíamos saber que os ingleses tinham saído sem ser preciso a Luftwaffe nos vir dizer disse Lutjens.

 

- Sim, senhor.

 

- Suponho que será melhor ver o mapa outra vez; Lindemann juntou-se a eles quando se inclinaram sobre a carta.    

 

- Em três dias, a Esquadra Metropolitana poderia ter chegado bastante perto de qualquer lugar no Atlântico oriental - disse Lutjens.

 

- Sim,   é verdade - respondeu o chefe de estado-maior, um tanto condescendente. - A vinte nós... - fez uma grande circunferência com o compasso sobre o mapa.

- Podem estar em qualquer ponto ali dentro.

 

- É verdade - disse Lutjens, tamborilando os dedos sobre o mapa, na cruz que marcava a posição do Bismarck, confortavelmente no meio do círculo. - Se eles estiverem em qualquer ponto ao norte daqui, podemos dizer que já passámos por eles.

 

Na sala de operações traçava-se no mapa um círculo menor, o último de uma série de círculos concêntricos que envolviam a última posição conhecida do Bismarck.

 

- Este é agora o seu alcance máximo - disse um jovem oficial -, admitindo que a sua velocidade se tem mantido constante.

 

- E a Esquadra Metropolitana, está a seguir para nordeste? - perguntou o almirante.

 

- Sim, senhor. Tanto quanto podemos calcular, é esta a sua rota.

 

A linha, que durante todo o dia anterior tinha convergido firmemente em direcção à linha da rota do Bismarck afastava-se agora dela directamente em direcção à costa leste da Islândia.

 

- Nada do ar, ainda?

 

- Ainda nada, senhor. Aqui estão os raids que a RAF tem feito. Todos infrutíferos.

 

Noutro mapa, linhas tracejadas assinalavam a área varrida pelos aviões.

 

- Então parece que o Bismarck não aproou para nordeste, e nesse caso enganámo-nos nas nossas previsões. Estamos com azar.

 

- Por enquanto, não podemos ter a certeza - disse o contra-almirante.

 

- Lembre-se de que os chefes do Estado-Maíor concordaram em que a pior coisa que o Bismarck poderia fazer, do nosso ponto de vista, era regressar à Alemanha ileso. Procurámos impedir isso e conseguimo-lo.

 

- É verdade. Mas daí não se pode inferir que o inimigo sabe aquilo que pensamos que seria o pior. Admitindo que o Bismarck tenha aproado para Brest no momento em que o Suffolk o perdeu de vista, onde poderia estar a esta hora? Uma linha pontilhada foi traçada do centro da circunferência para fora.

 

- Ali, senhor.

 

- E a Esquadra Metropolitana, está lá?

 

- Sim, senhor.

 

- Então parece que o Bismarck conseguiu despistar-nos. A Esquadra Metropolitana não pode apanhá-lo se ele tiver tomado esse rumo imediatamente.

 

- A menos que acontecesse alguma coisa capaz de lhe reduzir a velocidade, senhor.

 

- E verdade. Há o Ark Royal,,. - disse o almirante, batendo no mapa com o indicador.


Capítulo trigésimo quarto

 

Os pilotos dos Swordfish do Ark Royal estavam sentados na sala de operações, diante do quadro negro, recebendo instruções quanto à situação.

 

- Agora vocês podem ver como está a situação. A pior coisa que o Bismarck poderia fazer, tanto quanto podemos julgar, era fugir pelo mesmo caminho por que veio.   A Esquadra Metropolitana saiu para o interceptar, quer ele passe a leste, quer a oeste da Islândia. Além disso, ele pode ter aproado para noroeste, por trás da Gronelândia, área provável para um encontro como petroleiros.   Ou pode aproar para sudoeste, para fora do alcance da busca aérea, partindo do Canadá. O Revenge, de Halifax, pode então ter uma oportunidade, ou pode aproar directamente para o sul; poderá encontrar-se com os petroleiros ao largo dos Açores, para lá do nosso alcance de busca aérea. O Ramillies e o Edinburgh estarão a postos. Ou pode ainda ter aproado para o Mediterrâneo, para um porto espanhol ou um porto francês, Brest ou St. Nazaire. E aí é que nós entramos, meus senhores. Se ele vier por aqui, será connosco. Teremos, em primeiro lugar, de o localizar e metermos-lhe alguns torpedos, pelo menos para lhe reduzir a velocidade, para que as outras forças acabem de o destruir. Os torpedos, meus senhores, são nossos.

 

Mais adiante, no mesmo convés, Ginger dava instrução a um novo grupo de recrutas sobre manejo e manutenção de torpedos.

 

- Bom, agora já viram tudo, seus batráquios. Se esta guerra continuar por mais uns cinco anos, talvez vocês cheguem a aprender alguma coisa sobre os cuidados, manutenção e lubrificação de torpedos. Mas há uma coisa que vocês devem meter na cabeça desde já: nós, vocês e eu, ganhamos as guerras. Sim, vocês e eu. Estes troços Ginger bateu num dos torpedos - afundam navios. Há o Winston em Londres. Ele sabe o que se quer. Há o almirante. Ele faz planos. Há James Somerville, com a sua flâmula de almirante. Ele comanda a força H. Há o Maund, o capitão deste navio. Todos vocês sabem o que ele faz. Há os jovens oficiais da secção aérea da esquadra. Eles voam para longe e soltam os torpedos. Mas somos nós quem realmente importa. Nós. Vocês e eu. Porque se estes torpedos não andarem em linha recta e não mantiverem uma profundidade apropriada, e se eles não continuarem assim sem variar trinta centímetros em qualquer sentido, durante cinco quilómetros e meio, bom, então os torpedos errarão o alvo. E nesse caso, Winston, o almirante, James Somerville, o capitão Maund e a secção aérea da esquadra bem podiam ter ficado em casa, apesar de tudo o que tenham feito. Metam bem isto na cabeça, para o caso de alguma vez vos apetecer dizer: «Assim serve. Até está bem de mais.» São os impactos que ganham as guerras e nós é que produzimos os impactos.

 

Por todo aquele interminável dia cinzento, os navios estiveram circulando através do vasto Atlântico, o King George V e o Rodney, a Força H e os destroyers de Vian; os aviões voavam perigosamente abaixo das nuvens para vasculhar a superfície, todos à procura do Bismarck. E o Bismarck continuava perdido. A imprensa neutra, os jornais americanos, todos especularam com o facto. «O Bismarck escapou?», interrogavam. Até nos jornais ingleses era possível ver cabeçalhos como: «Perguntas a fazer na Câmara dos Comuns». As pessoas nas cantinas das fábricas diziam à hora do café: «Seria muito mau que o tivessem perdido.»

 

Na sala de mapas do King George V podia ver-se uma série de punhos carregados de galões dourados à volta duma mesa, enquanto o oficial navegador da esquadra fazia uma demonstração sobre o mapa.

 

- Aqui está a última posição conhecida do Bismarck. Eis o seu alcance máximo.   Agora é um círculo bastante grande. Ele pode estar em qualquer ponto aí dentro, que é do tamanho de toda a Europa. Houve buscas aéreas aqui o   oficial   navegador   cobriu   rapidamente   uma   área   com linhas paralelas -, aqui e aqui.

 

Uma conclusão significativa tornou-se instantaneamente visível. Metade inteira do círculo encontrava-se coberta pelas linhas paralelas.

 

- Seguimos este curso com uma cortina de vinte milhas de largura, de forma que esta área também deve ser cortada. Os senhores podem ver o que resta. Se ele não aproou directamente para o sul, há apenas uma única coisa que pode cer feito: ido para França.

 

No momento em que o mapa foi marcado daquela maneira, o que se estava a dizer ficou aos olhos de todos.

 

- E portanto ele deve estar aqui - disse outra voz, e um braço com galão de ouro estendeu-se para a frente.

 

- Receio que sim, senhor.

 

- Cem milhas à nossa frente e ele é mais rápido do que nós.

 

- Receio que isso também seja verdade, senhor. Eles não podem procurar por todo o lado. Não há aviões suficientes e o tempo está muito mau.

 

- Espero que, pelo menos, estejam a vasculhar esta área agora. Onde está o Ark Royal? Devia estar agora muito perto para fazer buscas a sul.

 

- Aqui está ele, senhor, pela estimativa do Almirantado.

 

O Ar k Royal enfrentava uma tempestade invulgar. Mergulhava de tal maneira nas ondas que, quando aproava contra o vento, a proa e a popa erguiam-se e caíam num único mergulho de dezassete metros. Chovia e fazia um frio cortante quando osSwordfish se alinharam no convés. E foi com grande dificuldade que os aviões conseguiram descolar para iniciarem a busca. Mal levantaram, sumiram-se instantaneamente na escuridão pardacenta.

 

Noutro lugar, os Catalina tinham descolado de Lough Erne, na Irlanda, para fazer buscas numa direcção sudoeste, voando durante a noite de forma a estarem sobre a área ao nascer do dia.

 

Voaram para sudoeste, em linhas paralelas, bem longe das vistas uns dos outros, virando à medida que chegavam ao limite da área fixada para a busca. Voavam a cinquenta milhas para noroeste, virando depois para nordeste, para voar de volta, cobrindo assim uma larga área do oceano com as suas rotas formando como que uma grade, uma grade que estava a ser traçada no mapa da sala de operações, onde se ia acrescentando uma nova barra, traçando-se mais uma linha à medida que o telégrafo anunciava que se tinha cumprido mais uma volta.

 

A área do mapa não coberta pela busca aérea ou marítima ia sendo cada vez mais reduzida. E um Catalina já tinha atingido o seu ponto máximo de autonomia quando a tripulação avistou qualquer coisa lá em baixo.

 

- O que é aquilo? - perguntou alguém.      

 

O tempo estava tão mau que voavam apenas cento e sessenta e seis metros acima das águas revoltas. lsfe:entanto, apesar disso, a nave que viram era vaga e indefinida. Estavam quase em cima dela.

 

- Aproxima-te! Contorna-lhe a popa! - disse o hornem que se encontrava na cadeira do segundo-piloto.

 

- Isto é um couraçado. E sem nenhuma escolta de destroyers. .. É o Bismarck!

 

O observador apanhou um papel e começou a redigir uma mensagem. Enquanto escrevia, o Catalina sacudiu e volteou quando uma granada explodiu mesmo a seu lado. Enquanto continuava a escrever, o piloto virou precipitadamente o avião. O mar e o navio abaixo rodaram num círculo quando o avião deu a curva com explosões a toda a volta e subiu a procurar proteger-se atrás das nuvens. Á medida que a neblina se fechava à sua volta, o telegrafista começou a debilhar a mensagem.

O almirante Lutjens estava a dormir, na sua cadeira de braços, cabeça apoiada na mão, quando o alarme soou por tod0o o navio. Acordou com um estremeção, pestanejou até ficar alerta e correu para a ponte de comando. Por todo o navio o alarme acordara todos os que dormiam, homens exaustos, atirados desconfortavelmente sobre os conveses ou sentados contra os anteparos, dormindo com dificuldade, enquanto o resto se esforçava por se manter acordado nos seus postos, sujos, barbados e desleixados, cabeceando até ao momento em que o alarme soou.

 

- «Avião a bombordo da proa! Avião a bombordo da proa!»

 

Os canhões antiaéreos giraram sobre si, apontaram por um instante e depois explodiram num trovão que reboou quando as granadas foram disparadas contra o Catalina. Lutjens e Lindemann encontraram-se na ponte.

 

- Bom,  capitão, parece que nos encontraram, finalmente.

 

- É   verdade,   senhor.   Aquilo era   um Catalina,   um avião com base em terra, como sabe.

 

- Sim.

 

Entraram na sala de mapas.

 

- A que distância da França podemos esperar cobertura aérea da Luftwaffe? - perguntou Lutjens.

 

O navegador traçou um círculo sobre o mapa e sombreou a área entre ele e a costa francesa.

 

- Essa é a linha aproximada, senhor. - Girou o compasso entre a posição marcada do Bismarck e a beira do círculo. - E chegaremos lá amanhã de madrugada, senhor.

 

Lutjens e Lindemann olharam um para o outro.  

 

- Amanhã de madrugada - disse Lindemann, olhando para o relógio. - Mais de dez horas de claridade, hoje.

 

- E depois teremos cobertura aérea - disse Lutjens. :- Depois, ninguém se atreverá a tocar-nos.

 

O oficial telegrafista apareceu e fez a continência.

 

- Estamos a captar os sinais do avião inglês, senhor.

 

- Pode lê-los?

 

- Naquele código, não. Mas a forma é bastante clara. Estão a dar a nossa posição, curso e velocidade.

 

- Eu não estava a pensar que estivessem a desejar-nos boas festas - disse Lutjens

 

- E captámos outros dois sinais breves - acrescentou o oficial telegrafista.

 

- Sim?

 

- Também não os consegui ler. Mas pude reconhecer quem estava a transmitir. Swordish, senhor.

 

- Swordfish? - exclamou Lindemann.

 

- Sim, senhor.

 

- Então por aqui perto há um porta-aviões.

 

- Sim, senhor.

 

- Obrigado, tenente - disse Lutjens.

 

O oficial telegrafista retirou-se e eles voltaram a inclinar-se sobre o mapa.

 

- Um porta-aviões significa a Força H de Gibraltar disse Lutjens. - Pode perfeitamente estar por aqui perto. Qual é a sua posição provável? O senhor sabe quando saíram.

 

O navegador traçou outro círculo com centro em Gibraltar. Passou perto da posição marcada do Bismarck.

 

- Poderão   entrar   em   contacto   connosco   a   qualquer momento - disse o navegador.

 

O chefe do estado-maior abriu e folheou um livro de referências de silhuetas.

 

- Força H - disse, mostrando um. -Renown,


- Trabalho de cinco minutos para os nossos canhões. -Sheffield.

 

- Este não se arriscará a levar uma única salva nossa.

 

- Ar k Royal.

 

- São os seus Swordfish que ouvimos. Já repelimos um ataque de Swordfish. Nada impede a possibilidade de outro.

 

Durante esta troca de palavras, o navegador tinha adormecido com a cabeça apoiada na mão, mas acordou quando o cotovelo escorregou da mesa.

 

- Ninguém dormiu neste navio durante seis dias e seis noites, senhor - disse Lindemann.

 

- Agora é apenas mais uma noite, Lindemann. Mais uma noite apenas.

 

- Saíram para a ponte outra vez e olharam para o mar revolto.

 

- Um mar agitado, nuvens baixas, visibilidade tão má quanto possível. Não são as condições ideais para um porta-aviões - disse Lutjens.

 

No Ark Royal em grupo de homens que trabalhava com Ginger ocupava-se agora a colocar um torpedo em posição num Swordfisb. Um oficial verificava o serviço.

 

- Pistola magnética, senhor - disse Ginger.

 

- Óptimo.

 

Empurraram o Swordfish para a frente, pondo-o em posição. O vento soprava forte e a espuma voava.

 

Na sala de operações do Ark Royal sentia-se a agitação das ondas. Os objectos caíam e tudo balançava, enquanto os pilotos recebiam as instruções finais.

 

- Aí está, cavalheiros - disse o observador-chefe. Vocês têm a posição, o curso e a velocidade do Bismarck. Ele está sob vigilância. O resto agora é convosco. Os torpedos estão providos das novas pistolas magnéticas, que podem ser-vos úteis. A menos que vocês o detenham, a menos que vocês consigam reduzir-lhe a velocidade, ele estará a salvo dentro de pouco tempo. Amanhã de manhã já poderá estar sob cobertura aérea. Restam nove horas de claridade. Com a Esquadra Metropolitana cem milhas atrás dele, nunca poderá alcançá-lo a tempo. Portanto, já sabem o vosso dever, cavalheiros. E que a sorte vos acompanhe.

 

Na sala de operações do Almirantado um grupo de oficiais, com um ar um tanto deprimido, estava de pé assistindo à actualização do mapa.

 

- Mais dez horas de claridade - disse o contra-almirante. - Mar grosso e nuvens baixas.

 

- O Comando Costeiro chama-o ao telefone, senhor disse um oficial. - Sim, repita isso: quarenta e nove graus e trinta minutos norte, vinte e dois graus oeste; curso, cento e cinquenta graus. Sim... O Catalina anuncia um couraçado, senhor.

 

Falou em vão, porque todos se encontravam à volta do mapa e ninguém ouviu. Alguém marcou um ponto, quase no centro do triângulo cujos ângulos eram o King George V, o Rodney e o Ark Royal.

 

- Deve ser o Bismarck. Não pode ser mais nada - disse o contra-almirante. - Segue em direcção a França desde que o perdemos.

 

- Quais são as distâncias? - disse bruscamente o almirante.

 

- Duzentos e sessenta e cinco quilómetros para o King George V.   Duzentos e quarenta e seis quilómetros para o Rodney.

 

- Eles não podem alcançá-lo. Não têm qualquer possibilidade de o alcançar aí, nesse lugar.

 

- A menos que o Ark Royal lhe consiga reduzir a velocidade...

 

- Sim, eu sei. Essa é a única possibilidade. E há os cinco destroyers de Vian. Eles podem interceptá-lo após o cair da noite.

 

A monocórdica voz do almirante revelava um certo desânimo.   Desânimo   que,   de súbito,   se   transformou   em energia:

 

- Envie imediatamente esta informação.

 

- Está já a ser enviada, senhor - disse o oficial.

 

- Dez horas de claridade. Nove e meia - disse o almirante, olhando para o relógio.

 

- Tempo de sobra para um ataque pelos Swordfish do Ark Royal - disse o contra-almirante.

 

- Vão ter vento de oeste. Terá que sair do curso para lançar e recolher os aviões.

 

- Sim. Ainda terá tempo para um ataque durante o dia. Só com muita sorte poderão fazer dois ataques antes de escurecer.

 

- E depois de escurecer.

 

- Não é tão bom, receio.

 

- Ainda há os destroyers - disse o oficial, esperançado.

 

- Com o mar picado e o couraçado a andar a vinte e sete nós, qual é a probabilidade?

 

- Qual?      

 

- Não muita, receio, senhor. A menos que seja avariado.

 

- Portanto voltamos outra vez ao Ark Royal.

 

A reunião parecia prestes a terminar quando chegou um capitão de máquinas com um papel na mão.

 

- Aqui estão os números do consumo de combustível para o King George F e o Rodney. Tão aproximados quanto possível. Não são lá muito bons.

 

- Combustível?

 

Em baixo, nas profundezas do King George V, o oficial maquinista com o ajudante e um fogueiro sondavam os tanques de combustível, indo de um para o outro, puxando para fora a vara de mergulhar, secando-a, introduzindo-a outra vez e voltando a puxá-la para a inspeccionar. A cada olhar, o oficial maquinista fazia um ruído cauteloso e tomava nota do número num pedaço de papel. Todos os mergulhos da vara acusavam falta de combustível. Os depósitos estavam quase no fim.

 

- Aquele ali está seco - disse o ajudante, após ter inspeccionado mais um.

 

- Muito bem - respondeu o oficial maquinista, e entrou na casa das máquinas, onde brilhavam luzes claras, enquanto o comandante olhava, de pé, já com o uniforme para o calor, e ouvia o ruído dos motores.

 

O oficial maquinista sacudiu a cabeça quando entrou.

 

- Nenhuma esperança, senhor - disse. - Aqui estão os números.

 

O comando das máquinas apanhou a lista e concordou com a cabeça quando olhou para o total.

 

- Sabe que o Bismarck já foi encontrado?

 

- Onde está?

 

- Duzentos e sessenta e cinco quilómetros à nossa frente. Vai directo a França.

 

- Isso é mau, não é?

 

- A velocidade máxima não conseguiremos alcançá-lo e ele chegará a Brest amanhã a esta hora. !

 

- Bem...

 

- E quando clarear o dia estará ao alcance da cobertura aérea. Toda a Luftwaffe estará sobre ele.

 

- Sim, acho que sim.

 

- Bom, mas que adianta estar a falar sobre isso? disse o comandante das máquinas, subitamente enfurecido.

- Nós não podemos navegar quatro horas, quanto mais vinte e quatro. A uma velocidade reduzida, podemos apenas chegar a casa, e é se pudermos. Os nossos destroyers foram-se embora por falta de combustível, e agora... Que querem?!

 

Na ponte do Bismarck, Lutjens e Lindemann observavam o navio imergir e voltar a aparecer no meio das ondas.

 

- O capitão não se esqueça de que o inimigo também tem os seus problemas - disse Lutjens.

 

- Devem estar loucos de raiva a esta hora, uma vez que já sabem onde nós estamos. E agora que rompemos o cerco com uma directa para casa.

 

- Uma ida directa se não fossem os Swordfish. Estamos permanentemente a captar os sinais dos vigias.

 

Por todo o navio se viam homens a levar comida para os que não podiam abandonar os seus postos. Tinham que sacudir os homens que tinham sido autorizados a dormir para que eles comessem, e, mesmo assim, a comida era recebida sem apetite e deixada de lado, enquanto o navio continuava a agitar-se em cima das ondas.

 

- Acho que é melhor falar à tripulação - disse Lutjens.

 

Pouco depois, o oficial ajudante anunciava-o pelo microfone e Lutjens começou:

 

- Homens do Bismarck Hetl Hitler! Estou a falar-vos mais uma vez e acho que será pela última vez, a última até chegarmos ao porto. Todos sabem que estamos a ser vigiados por aviões do Ark Royal. Temos estado a captar os seus sinais. Devemos esperar a qualquer momento um ataque contra   nós. Sworfish   com tropedos. Já lutámos com os Swordfish antes, como devem lembrar-se, e nada temos a recear deles desde que nós cumpramos os nossos deveres. Desde que cada um de nós cumpra os seus deveres. Qualquer que seja o ataque que lancem, devemos repeli-lo. Sei que estão cansados, homens do Bismarck. Sei que estão com sono. Mas prometo-vos que terão apenas mais este esforço a fazer. Amanhã de manhã estaremos ao alcance da Luftwaffe e nenhum Swordfish se atreverá a voar a menos de cem quilómetros de nós. Amanhã à noite, os senhores dormirão em paz. Dormirão sem interrupções. Isso garanto-vos eu. Até lá, lutem pela honra da marinha alemã, pelo maior Estado alemão e pelo nosso Fúhrer. Heil Hitler!

 

O oficial de comunicações já esperava por ele quando se afastou do microfone.

 

- Acabei de captar uma mensagem curiosa, senhor.

 

- Qual?

 

- De um navio inglês.   E pareceu-me ser do porta-aviões Ark Royal, senhor.

 

- Sim?

 

- Não estava em código.   Estava a ser enviada com muita urgência em inglês corrente.

 

- E o que dizia, homem?

 

- Dizia: «Cuidado com o Sheffield. Cuidado com o Sheffield.» Repetiram-na várias vezes, senhor.

 

- Sheffield.   Esse é o cruzador da Força H - disse o chefe do estado-maior.

 

- Que lhe dizia eu, capitão? - disse Lutjens. - Os ingleses também estão a ter os seus problemas.

 

- Mas...

 

- Se aquela mensagem, signifique lá o que significar, era suficientemente urgente para ser enviada em inglês corrente, isso revela que estão a ter problemas. acho que não devemos estar pesarosos, ou devemos?

 

Na força H o observador-chefe dizia as últimas palavras aos pilotos.

 

- O Bismarck está agora a quarenta e cinco quilómetros de nós, com o rumo de cento e oitenta e três graus. Não podem errar. Não podem confundi-lo. Está sozinho. Não o deixem pressenti-los, mas não vale a pena fazer observações deste género. Aproaremos contra o vento dentro de cinco minutos.

 

O comandante aéreo na asa da ponte olhou e informou:

 

- Pronto para largar, senhor.

 

O Ark Royal girou solenemente contra o vento quando a ordem foi transmitida da ponte para baixo pelo tubo acústico e ficou imóvel nessa posição. Os quinze Swordfish descolaram, de acordo com as ordens dadas no convés de voo. Entraram em formação e partiram.

 

O oficial de transmissões correu freneticamente para a ponte, onde se encontrava o capitão com o oficial de serviço.

 

- O Sheffield também lá está, senhor. Está em contacto visual e afastou-se da linha num curso oposto ao nosso quando aproámos contra o vento.

 

- O Sheffield está lá? - perguntou o capitão.

 

- Sim, senhor, e os pilotos dos Swordfish têm instruções para atacar qualquer navio que encontrem sozinho.

 

- Envie «Cuidado com o Sheffield» para eles. Imediatamente! Envie em inglês corrente, não perca um segundo!

 

- Sim, senhor.

 

O primeiro Swordfish voava dentro de uma nuvem quan,do o observador captou um ponto luminoso no radar. Avisou o piloto, que baixou o nariz do avião e saiu para fora da nuvem, fez pontaria, largou o torpedo e deu a volta, afastando-se. O segundo seguiu-o e fez a mesma coisa; o terceiro, também. Mas o piloto do terceiro avião, com surpresa sua, viu os dois primeiros torpedos explodirem com grandes jactos de água e um momento após caírem no mar. O quarto seguiu-o e largou o seu torpedo. Nesse momento, o artilheiro do quinto avião ouviu uma mensagem pelos auscultadores, escreveu precipitadamente um recado e pasI sou-o ao observador: «Cuidado com o Sheffield-».

 

O observador chamou freneticamente a atenção do piloto, que estava quase a largar o torpedo. O piloto deu um puxão para trás, bruscamente, e obrigou o Swordfish a dar uma curva. Os outros seguiram-no.

 

Toda a esquadrilha fez a curva para regressar ao Ark Royal, onde grupos ansiosos preparavam as novas munições, enquanto a tripulação se reunia na sala de instruções.

 

- Sim, o ataque saiu errado - disse o comandante aéreo.   - Estamos de acordo quanto a isso.   Temos que tomar providências para que isso nunca mais possa acontecer; mas esqueçamo-nos disso, por hoje. Agora tentaremos de novo, da forma que é habitual na Marinha.

 

- O tempo é suficiente apenas para mais um ataque, enquanto há claridade. Entendido, senhor Jones?

 

- Não deixe pôr mais nenhuma pistola magnética nos torpedos, senhor.   As que lançámos explodiram antes de tempo.

 

- Aposto que o Sheffield também não lamenta - disse outro piloto.

 

- Sempre ganhámos alguma coisa com a confusão disse o comandante aéreo. - Agora sabemos que não podemos confiar em detonadores magnéticos. Calculo que foi o mar agitado que os fez explodir. Já estão a colocar pistolas de contacto nos torpedos, neste momento.

 

Era isso que Ginger e a sua equipa estavam a fazer: retiravam a pistola magnética de um torpedo, substituindo-a por uma de contacto.

 

- E assim que ganhamos as guerras - disse Ginger.

- Estes troços têm que explodir quando atingirem o Bismarck, e não antes nem depois. De outra forma, mais valia convidar o Hitler para entrar no palácio de Buckingham esta noite. Ora aí está. Agora tragam cá o extintor.

 

No convés de voo, o torpedo, no seu carrinho, era difícil de manusear quando o navio se erguia sobre os vagalhões. Mas, finalmente, foi posto em posição correcta debaixo de um Swordfish, e os quinze aviões alinharam para descolar. O comandante aéreo informou a ponte e o navio aproou contra o vento mais uma vez.

 

- Resta uma hora de claridade - disse o comandante aéreo ao capitão.

 

- Aqueles tipos não estão para brincadeiras - disse o capitão, e os Swordfish roncaram para a frente.

 

- Não há mais nenhum navio no mundo - disse o comandante aéreo - que possa lançar e recolher aviões nestas condições.

 

No Bismarck, Lutjens e Lindemann olhavam para o céu pardacento.

 

- Deviam ter-nos atacado há duas horas atrás - disse Lindemann.

 

- Um dos acidentes imprevisíveis da guerra, espero disse Lutjens. - Mais uma hora de claridade... E é tudo.

 

Neste instante, ouviu-se o grito: «Avião a bombordo da proa!», seguido pelo ruído do alarme. Os canhões antiaéreos giraram e começaram a atirar, mas o barulho ensurdecedor foi rompido por outros gritos: «Avião à meia nau de bombordo! Avião no quarto de estibordo!»

 

Lindemann dava ordens rápidas para o leme, que, transmitidas para baixo pelo tubo acústico, eram traduzidas por gestos violentos do timoneiro na roda do leme. O navio mudou de rumo e ziguezagueou, deixando atrás de si uma esteira curva e borbulhante. Houve um impacto e um grande jacto de água na proa quando um torpedo explodiu; mas o navio continuou a lutar sem danos aparentes. Nessa altura apareceu um Swordfish picando sobre a popa, que balançava; a esteira do torpedo lançado era claramente visível. Na asa da ponte, Lutjens sacudia o punho para o avião.

 

- Todo o leme a bombordo! Todo o lerne a bombordo!

- gritou Lindemann. Mas não houve tempo para o navio completar a curva. O torpedo atingiu-o na popa oscilante, explodindo perto do leme num chuveiro de espuma. Uma vibração assustadora fez-se sentir por todo o navio, como se toda a vasta estrutura se sacudisse até ficar em pedaços, e ele adornou loucamente,   enquanto continuava na curva fechada.

 

- Estibordo! Estibordo! - gritou Lindemann.

 

Lá em baixo, o timoneiro lutava com a roda do leme, enquanto à sua frente a bússola girava continuamente.

 

- Não posso mover a roda do leme, senhor! - dizia ele. - O leme está emperrado!

 

Na ponte, a vibração ainda continuava e o navio dava voltas. Um telefone retiniu e o oficial de serviço atendeu-o.

 

- Sala das máquinas, senhor - disse ele ao capitão.

 

- E o capitão - disse Lindemann,   calmamente,   ao telefone. - Sim... Sim... Muito bem.

 

A vibração destruidora cessou quando ele desligou o telefone, e o navio perdeu um pouco de velocidade.

 

- Motores de bombordo parados, senhor - disse ele ao almirante. - As hélices de bombordo estão a roçar em qualquer obstáculo.

 

- Sim - disse Lutjens. Estava a tocar outro telefone.

 

- Controle de avarias, senhor - disse o oficial de serviço.

 

- É o capitão - disse Lindemann ao telefone.   Sim... Sim... Muito bem, pode continuar.

 

Depois, voltou-se para Lutjens.

 

- O mecanismo da direcção está inundado, senhor. O motor da direcção enguiçou.

 

- E o que se passa com a direcção manual?

 

- Estiveram a tentar, senhor, mas o leme está completamente emperrado. Estão agora a tentar concertá-lo.

 

- O destino do Reich depende do concerto desse leme

- disse Lutjens.

 

Na sala de operações, em Londres, os oficiais superiores estavam reunidos à volta de um mapa com características especiais. Era uma escala tão grande que a maior parte do oceano se via em branco, apenas com uma indicação do litoral da França e da Espanha no lado direito. Mas, espetados sobre a área branca estavam vários alfinetes que assinalavam as posições do Bismarck, King George V, Rodney, Força H, destroyers de Vian. E ligando cada um dos alfinetes estavam as linhas pretas das rotas daqueles navios durante as últimas horas. A única coisa que havia no mapa além disto era um grande arco de círculo marcando o limite da cobertura aérea a partir da França.

 

Um oficial subalterno chegou com uma mensagem na mão.

 

- O Sheffield está agora em contacto visual com o Bismarck, senhor - disse ele, fazendo uma correcção na posição do Bismarck. - Acaba de fornecer posição, curso e velocidade.

 

- Quanto falta agora para alcançar a cobertura aérea?

- perguntou o almirante.

 

Alguém girou o compasso com centro na posição do Bismarck em direcção ao arco.

 

- Trezentos e vinte e seis quilómetros, senhor.

 

- Menos de oito horas para estar a salvo! - disse o contra-almirante.

 

- E apenas uma hora de claridade. Que diabos estará a fazer o Ark Royal?

 

- Mensagem urgentíssima do Sheffield - interrompeu um   oficial.   -   «Vimos Swordfish   atacando.   Bismarck   a atirar».

 

- São os aviões do Ark Royal - disse o almirante.

 

- Vamos, homens! Vamos! - disse o vice-marechal do Ar.

 

- Nova mensagem urgentíssima do Sheffield: «Bismarck a circular».

 

- Já é qualquer coisa - disse o contra-almirante.

 

- Mas não é o suficiente para fazer grandes alterações

 

- disse o almirante.

 

- Mensagem muito urgente do Sheffield: «Ataque aparentemente completado. Swordfish regressam».

 

O contra-almirante começou a falar, mas o almirante interrompeu-o.

 

- «Bismarck continua a circular».

 

- Então o ataque ainda não acabou - disse o contra-almirante.

 

- Há qualquer coisa estranha - disse o almirante.

 

As mensagens caíam com estrépito pelos tubos, eram abertas rapidamente, mas eram todas, claramente, meras confirmações do que o jovem oficial tinha dito ao telefone.

 

«Bismarck aproando a norte», informara mais uma mensagem.

 

- Aproando a norte? A norte? Vai directo para o Rodney

 

- disse o almirante.

 

- Talvez esteja a evitar um avião que o Sheffield não conseguiu ver - disse o contra-almirante.

 

- Fico admirado... - disse o almirante. «Velocidade estimada do Bismarck,   dez nós»,   insistia

 

mais outra mensagem.

 

- Isso parece muito pouco provável - disse o almirante.

 

- Deve estar bastante escuro por lá, a esta hora. Um jovem oficial gritou junto aos telefones:

 

- Está a chegar uma mensagem urgentíssima do Ark Royal, senhor.

 

- Já é tempo de termos notícias dele. «Primeiros cinco aviões voltaram. Não registam impactos.»

 

O vice-marechal do Ar deu com o punho na mesa. A mensagem continuou entretanto a ser lida:

 

- «Avião vigia informa. Curso Bismarck, norte. Velocidade, nove nós».

 

- Alguma coisa aconteceu com certeza - disse o almirante.

 

«Avião   informa   impacto   estibordo   proa   Bismarck».

 

- Muito bom! - disse o vice-marechal do Ar.

 

- Mas não foi por causa disso - disse o contra-almirante.

 

- O Sheffield informa, senhor - disse o primeiro oficial. - «Curso do Bismarck, norte; velocidade nove nós.»

 

- Então já não há dúvidas - disse o contra-almirante.

 

- O Ark Royal informa, senhor - disse o segundo oficial. - «Avião informa impacto popa direita Bismarck.»

 

- Então é isso! - disse o contra-almirante.

 

- Sim, é isso. Hélices ou leme, ou ambos - disse o almirante.

 

- «Curso Bismarck, norte; velocidade, dez nós.»

 

- O mar está grosso e ele não pode dar-lhe a popa disse o almirante.

 

- Dentro de uma hora terá o Vian pela frente - disse o contra-almirante. - Ficará ocupado durante a noite.

 

- E o King George V e o Rodney enfrentá-lo-ão de dia disse o almirante. - Parece-me que o apanhámos. Acho que sim.

 

- Hurra! - disse o vice-marechal do Ar de novo.

 

- Muitos homens irão morrer brevemente - disse o almirante.

 

- Alguma ordem para o capitão Vian, senhor? Houve apenas um instante de pausa antes da resposta.

 

- Não - disse o almirante. - Todos nós conhecemos o Vian, e ele conhece o serviço. Não perderá o contacto com ele. Se continuar avariado, Vian não precisará de correr muito, pode trazer os couraçados para o apanhar de madrugada.   Se   conseguir   reparar   as   avarias,   Vian   terá mesmo de atacar.

 

- Não é assim tão fácil, com o mar agitado como está

- disse o contra-almirante -, e o Bismarck tem um bom radar, pelo menos, aparentemente. A escuridão atrapalhará a Vian mas não o Bismarck.

 

- Isso não impedirá Vian de atacar -- disse o almirante. O Bismarck vai ter certamente uma noite animada.

 

- Então tanto melhor para os nossos couraçados, amanhã. A sua tripulação já deve estar exausta e vai ter outra noite sem sono... Mas não vou contar com os pintos ainda no ovo. Nós não sabemos tudo o que está a acontecer.

 

Nas profundezas da popa do Bismarck estava tudo escuro, vendo-se apenas os fachos de luz das lanternas eléctricas. Ouvia-se o som da água balançando para a frente e para trás, e o brilho das luzes reflectidas ia e vinha. Mas conseguia ver-se o pessoal a trabalhar. Por alguns segundos, viu-se um homem com equipamento de mergulho de emergência desaparecer na água que subia. Mais à frente, um marinheiro desenrolava um fio de emergência para iluminar os cantos escuros, de forma que toda a água ficou clara, enquanto crescia para um lado e para outro, rugindo dentro da imensa confusão de aço retorcido. Havia bombas a trabalhar quando o mergulhador emergiu, sangrando de um ombro dilacerado. Falou com o oficial ali presente, que se voltou para usar o telefone; para o atingir foi preciso abrir uma porta estanque, que foi imediatamente trancada, sem contudo poder impedir a entrada da água em borbotões. Uma equipa trabalhava para escorar o anteparo e o oficial fez-lhe sinal para suspenderem o barulho ensurdecedor antes de se poder fazer compreender na mesa de comunicações.

 

Na sala de mapas do Bismarck, o capitão recebia uma mensagem.

 

- Sim - disse. - Sim. Muito bem.

 

Quando repôs o auscultador no gancho falou a Lutjens e aos oficiais ali reunidos.

 

- Acham que não podem fazer nenhuma reparação. Além disso, dizem que, a menos que aproemos para o vento, o anteparo irá cair, inundando as séries seguintes de compartimentos.   Portanto, é forçoso manter este curso, custe o que custar.

 

   - Isso significa que avançaremos ao encontro do nosso destino, em vez de tentarmos fugir dele - disse Lutjens.

 

- E isso é o que o nosso Fúhrer gostaria que fizéssemos. O chefe de estado-maior aproximou-se com um maço de mansagens na mão.

 

- Berlim acaba de enviar uma longa mensagem, um resumo de todas as informações que puderam reunir disse. - O King George V está a cerca de noventa e cinco quilómetros de nós, agora com rumo noroeste.

 

O assistente do chefe de estado-maior abriu o livro de referências e exibiu uma série de fotografias.

 

- Canhões de catorze polegadas; velocidade, vinte e oito nós; trinta e cinco mil toneladas. Terminado o ano passado. Capitania do almirante Tovey. Capitão Patterson.

 

- Renown e Ark Royal...

 

- Esses são da Força H - disse Lutjens. - Já os conhecemos.

 

- E há uma flotilha de destroyers, provavelmente sob o comando do capitão Vian, o homem que capturou o Altmark, perto de nós, no norte. Pela posição que Berlim dá, a esta hora já devem estar à vista.

 

- Não há dúvida de que o estarão dentro de pouco tempo - disse Lutjens.   - Esperava passar uma noite tranquila antes da batalha de amanhã.

 

- Como sabe, os homens estão a cair de sono nos seus postos - disse Lindemann.

 

- Sim - respondeu Lutjens.

 

- E há o Rodney - continuou o chefe de estado-maior.

 

- Ele está em contacto com o King George V e pode acontecer que agora até estejam juntos.

 

O assistente do chefe de estado-maior abriu o livro de referência noutra página.

 

- Canhões de desasseis polegadas; velocidade, vinte e quatro nós; trinta e cinco mil toneladas. Construído logo após a última guerra. Capitão Darymple Hamilton.

 

- E um navio de vinte anos de idade - disse Lutjens.

- E conheço-o bem. Almocei a bordo em 1924, em Malta, quando era tenente.

 

Lutjens não precisou de muito esforço para evocar vivamente aquelas lembranças. O calor, o brilho do sol ofuscante e as águas calmas do porto, tudo tão diferente deste frio cortante, deste mar encapelado e deste céu pardacento. E o couraçado imaculado, a tinta fresca brilhando e os metais polidos; os corrimões de corda branca; os alvos uniformes, os galões de ouro, deslumbrantes; os ajudantes de contramestre, com os seus apitos nos lábios. No tombadilho estava o grupo de recepção de oficiais quando Lutjens acompanhou o seu capitão a bordo; as continências e os apertos de mão, as apresentações e as formalidades, até que o capitão inglês os encaminhasse para uma cabine larga e arejada. E depois, havia ainda a chita alegre das cadeiras de braços, a mesa coberta de linho branco, os copos reluzindo.

 

- Essa era a Marinha do tempo de paz - pensou Lutjens.

 

Se Lutjens pudesse ver o Rodney agora, corcoveando sobre o mar na sua direcção, dificilmente o teria reconhecido. Um tenente inglês e outro da Marinha americana estavam nesse momento no convés dos botes do Rodney, olhando à sua volta pelo navio.

 

- A última coisa que esperamos é uma batalha - disse o americano.

 

Os seus olhos correram pelo convés dos botes e pelo convés superior. Estavam atulhados de caixas de madeira amarradas em todos os espaços disponíveis.

 

- Este vosso empréstimo e aluguer - disse o inglês representa uma atitude muito amável da vossa parte, pois doutra forma não poderíamos abastecer-nos. Não poderíamos passar sem isso. Mas temos que transportar metade dos nossos stocks de mantimentos, as coisas que não nos podem fornecer devido à diferença dos nossos padrões.

 

- Eu sei - disse o americano.

 

- Aquilo são resguardos para feridos - disse o inglês.

 

- Parecem pirâmides - disse o americano.

 

Nesse momento estavam a olhar para duas enormes caixas de madeira que se elevavam para o ar no convés dos botes.

 

- Temos quinhentos inválidos a bordo a caminho do Canadá - continuou o inglês. - De qualquer forma, assistirão a outra batalha antes de verem o Canadá, e ninguém lhes perguntou as suas preferências.

 

- Nem as minhas - replicou o americano, calmamente. - Esperam apenas que lhes mostre o caminho para Boston.

 

- Isso é o velho Rodney para si - disse o inglês. - Não pode começar sequer uma tranquila viagem para a América sem cruzar pela proa de um couraçado alemão. Nós costumamos fazer o melhor possível pelos nossos hóspedes, sem olhar a despesas. Amanhã verá fogo de artifício.

 

- É muita amabilidade de sua parte -- disse o americano.

 

- Mas olhe - continuou o inglês - que pode não ser tão abundante como gostaríamos. Não tivemos tempo para uma reforma nestes dois anos. Estamos velhos e encardidos.   Em todo o caso, pode esperar um bom programa, amanhã. Quando esses tipos falam...

 

Apontou para as torres onde as guarnições dos canhões principais tinham começado a exercitar-se. Era um espectáculo ameaçador, quando os canhões de dezasseis polegadas giravam e subiam.

 

Foi nesse mesmo instante que o almirante Lutjens olhou para as fisionomias um tanto deprimidas à sua volta e continuou:

 

- Bem, cavalheiros, não há necessidade de desesperar. Há três dias atrás combatemos com dois couraçados e foi uma vitória tremenda. Agora vamos ter que enfrentar de novo dois couraçados. A nossa capacidade combativa está intacta. Podemos afundar esse tal King George V e esse almirante Tovey. Podemos obrigar esse Rodney a correr como correu o Prince of Wales. Amanhã ao meio-dia haverá uma concentração de submarinos à nossa volta, e ninguém se atreverá a atacar-nos. Não estamos, de maneira alguma, à beira de uma batalha desesperada. Estamos a lutar pela vitória. E pela Marinha alemã, pelo Reich e pelo Fuhrer!

 

Pareceu que as suas palavras desafiadoras tiveram algum efeito. As cabeças ergueram-se novamente mais altas e havia alguma animação nos rostos dos que o haviam escutado. Lindemann olhou para o relógio.

 

- Mais meia hora de claridade - disse. - Mandarei distribuir comida aos homens enquanto há tempo, antes de apagarmos as luzes.

 

- Sempre o mesmo oficial precavido, Lindemann disse Lutjens.

 

E assim foi servida a última refeição, levada aos homens nos seus postos, durante os últimos minutos de claridade. Alguns houve que continuaram a dormir, homens daquela metade da tripulação a quem isso foi permitido após o alerta do ataque pelos Swordfish ter terminado, e que se lançaram sobre os conveses de aço na sua ansiosa necessidade de dormir. Outros, limitaram-se a comer algumas garfadas, enquanto outros comeram avidamente, com apetite; e ainda outros que estiveram todo esse tempo a tentar reparar as avarias e não chegaram a ter oportunidade de comer nem de dormir.

 

Mas a escuridão desceu do céu tão subitamente que mesmo a meia hora de que Lutjens tinha falado foi abreviada. O alarme rugiu através do navio. Os que dormiam, a quem o próprio alarme não conseguia despertar, foram sacudidos e acordados a pontapés.

 

O tubo acústico comunicou abruptamente para o grupo que se encontrava reunido na sala dos mapas:

 

«Destroyer a estibordo da proa.» E logo a seguir: «Destroyer a bombordo da proa.»

 

Do lado de fora, o navio escurecido foi subitamente iluminado pelo clarão das baterias secundárias. Os canhões começaram a troar. Foi esse o começo de uma noite tenebrosa. À medida que os ponteiros do relógio se arrastavam vagarosamente em círculos, os alarmes sucediam-se uns aos outros.

 

«Destroyer a bombordo!» «Destroyer a estibordo!»

 

Na escuridão exterior, os cinco destroyers de Vian, quatro ingleses e um polaco, tinham-se colocado em posição de vigilância à volta do Bismarck. Não ”foi fácil efectuar essa manobra com aquele vento uivante e o mar encapelado. Os destroyers que se dirigiam para bombordo do Bismarck tinham que aproar directamente contra as ondas.

 

O capitão e o oficial navegador que estavam na ponte do destroyer da frente sentiram um impacto assustador quando as ondas sucessivas rebentaram sobre o castelo da proa; e a espuma que voou para trás era tão espessa que não se podia ver nada em frente.

 

- Não podemos manter essa velocidade - disse o capitão. - Baixe para dezoito nós.

 

A essa velocidade, o destroyer mal podia resistir aos golpes do mar, e, embora a situação dos homens nos lugares expostos fosse horrível, ele pôde continuar em frente balançando e corcoveando. Os vigias, por mais que tentassem perscrutar através da escuridão, não podiam ver nada e não tinham a menor indicação do vasto vulto do Bismarck. O vigia, olhando fixamente sobre a proa a estibordo, não estava consciente de nada, por mais que se esforçasse, excepto da atroadora escuridão e do choque das ondas de espuma. Apesar disso, enquanto vigiava, a escuridão foi subitamente rasgada pelos clarões longos e intensos do fogo dos canhões, apontados, como lhe pareceu, directamente aos seus olhos. Quatro segundos depois, não mais do que isso, o uivo do vento foi aumentado pelo sibilar das granadas sobre a sua cabeça; o mar a toda a volta do destroyer foi dilacerado numa confusão mais selvagem ainda por uma saraivada de colunas de água, e sentiu-se, nitidamente, através das guinadas e cambaleios do navio, o impacto agudo de estilhaços contra o casco frágil.

 

- Bombordo quinze - disse o capitão.

 

O destroyer mudou de rumo, numa guinada abrupta. Antes que terminasse a curva, os longos clarões dos canhões do Bismarck apareceram outra vez na escuridão, e, perto da parte inferior da popa do destroyer, a salva mergulhou no mar e levantou colunas de água que pouco duraram devido ao vento forte.

 

- Bom tiro no escuro - disse o capitão.

 

- Isso é o radar deles.

 

A curva feita pelo destroyer tinha-o levado para dentro do fosso das ondas e agora o barco rodava mais longe, primeiro num bordo e depois no outro, mantendo-se com dificuldade suspenso nas ondas escarpadas.

 

- Tentaremos outra vez - disse o capitão. - Estibordo quinze.

 

Outra série de longos clarões, porém mais longos e brilhantes do que os anteriores, perfurou a escuridão, sem que, no entanto, nenhuma salva tivesse caído perto deles.

 

- Um dos outros está a ser alvejado - observou o navegador.

 

- Esse é o de quinze polegadas deles - disse o capitão. Estão a usar o armamento secundário sobre nós e a bateria principal para o outro lado.

 

O destroyer meteu o nariz numa onda e algo muito mais sólido do que espuma veio da ré até se despejar contra a ponte.

 

- Não podemos aguentar isto - disse o capitão. Vire dois pontos para bombordo e reduza para quinze nós.

 

Alguns segundos depois de esta ordem ter sido dada, os clarões dos canhões iluminaram de novo o céu para estibordo, e perto do lado estibordo da proa a salva atingiu a água.

 

- Foi bom termos feito essa volta - disse o capitão.

- Eles têm boa pontaria.

 

- E nem o vimos ainda! - admirou-se o navegador.

 

- Eles também não nos viram - disse o capitão. Guerra moderna é isto.

 

Era realmente a guerra moderna. Por baixo dos conveses do Bismarck, emparedados por chapas couraçadas, um grupo de oficiais e marinheiros sentava-se a mesas e painéis de interruptores. Apesar do tempo horrível que fazia lá fora, apesar do vento e das ondas, aqui havia quase silêncio; além das ordens e observações calmas da equipa de controle de tiro pelo radar, ouvia-se apenas o baixo ronronar dos valiosos instrumentos que estavam a ser operados. No centro do compartimento encontrava-se a tela amarelo-esverdeada do radar, ecoando as impressões recebidas pela antena no alto do mastro, trinta e três metros acima; o compartimento estava meio escurecido a fim de que a tela pudesse ser vista com mais clareza. E, do acordo com o que aquela tela mostrava, giravam-se botões, regulavam-se ponteiros e davam-se informações pelos telefones. Se não fossem os uniformes, poderia parecer uma reunião de feiticeiros medievais desempenhando algum ritual secreto, mas a cerimónia não bastava para fazer com que um inimigo se desgastasse espetando alfinetes na sua imagem de cera, ou invocando os demónios do inferno. Estas bruxarias apenas libertavam mil toneladas de energia dos canhões do Bismarck e arremessavam morte instantânea a dezoito quilómetros e meio de mar furioso. Era na inconsequência do que aquela tela mostrava que os homens exaustos do Bismarck se esforçavam em renovada actividade para servir os canhões, embora houvesse na realidade homens que caíam de sono com os canhões a atroar nos próprios ouvidos. De vez em quando, um clarão deslumbrante, ou granadas luminosas, elevavam-se dos destroyers e pendiam sobre o couraçado condenado, iluminando-o como se fosse dia. Algumas vezes, entrevia-se a sombra dos destroyers correndo a tomar posição, com as ondas da proa a brilhar, excepto quando o mar grosso explodia nas proas. O próprio Lutjens sucumbiu ao sono quando se sentou na sala de controle, cabeceando na cadeira e endireitando-se com um estremeção cada vez que os canhões atiravam. Uma das vezes em que acordou chamou um oficial do estado-maior.

 

- Mande imediatamente isto para Berlim: «Lutaremos até ao fim. Viva o Fuhrer.

 

Na sala de operações em Londres, o contra-almirante entrou após uma pequena ausência.

 

- Vian ainda está a lutar - explicou um dos oficiais.

 

- O Bismarck ainda transmite - disse outro.

 

- Qual é o boletim do tempo?

 

- Não há mudança, senhor. Vento força oito, de oeste. Mar encapelado, nuvens baixas, visibilidade má.

 

- O King George V deve estar a entrar em contacto visual.

 

De volta à sala de controle do Bismarck, Lutjens cabeceava outra vez na sua cadeira. A sua caía cada vez mais e, pouco depois, desistiu de lutar e mergulhou num sono profundo, que durou muito pouco, pois o chefe do estado-maior aproximou-se e pôs-lhe a mão no ombro.

 

- Alvorada dentro de meia hora, senhor.

 

- Tenho que ir para a ponte - disse Lutjens. - Acho que um pouco de ar fresco me fará bem.

 

- O   seu   casaco,   senhor -   disse   o   oficial-ajudante quando ele saiu.

 

- Acha que vou precisar dele? - perguntou Lutjens. Mas, de qualquer maneira, vestiu-o.

 

Lá fora a claridade aumentava. Como sempre, o vento uivava à volta deles; o navio balançava nas ondas e a espuma voava em lençóis.

 

- Bom dia, almirante - disse Lindemann. : -- Bom dia, capitão - disse Lutjens.

 

- Os destroyers estão fora de alcance a estibordo da proa, senhor - disse Lindemann. - E há um cruzador algures a norte de nós. Tenho a certeza de que é o Norfolk.


- Esse foi o navio que nos viu no estreito da Dinamarca

- disse Lutjens, - Connosco ainda, hem?

 

Um dos vigias piscou os olhos para espantar o sono e olhou fixamente para a frente pelo binóculo.

 

- Navio à nossa frente! Dois navios à nossa frente! Lutjens e Lindemann apontaram os binóculos na direcção indicada.

 

- Couraçados? - perguntou Lutjens.

 

- Acho que sim, senhor. Couraçados.

 

Capítulo quinquagésimo primeiro

 

O vigia no KVwg George V olhava fixamente :pel» binóculo.

 

- Navio mesmo à frente! O vigia no Rodney anunciou:                  

 

- Navio na direcção verde cinco!

 

- É o Bismarck! - disse um oficial na ponte do Rodney,

 

Pelo tubo acústico, sobre a cabeça do contramestre na roda do leme do Rodney, veio uma ordem calma.

 

- Bombordo dez.

 

- Bombordo dez, senhor - repetiu o contramestre, girando a roda.

 

Em cima, na torre de controle de tiro, a voz do capitão fez-se ouvir nos auscultadores do oficial de artilharia.

 

«Estamos a virar para bombordo. Abra fogo quando os canhões estiverem apontados.»

 

O oficial de artilharia baixou os olhos para as luzes de Canhões Prontos, Olhou pelo binóculo com a mira no meio da silhueta do Bismarck.

 

- Fogo! - disse.

 

Lá fora, na asa da ponte, estavam, de binóculos nos olhos, o oficial americano e o tenente inglês. Abaixo deles, como na noite anterior, os seis canhões de dez polegadas giravam sobre si elevando os seus tubos ao ponto extremo. Depois, veio o rugido e a concussão incríveis da selva. O fumo pardo da cordite jorrou das bocas e foi rapidamente carregado pelo vento, enquanto as granadas tomavam o caminho invisível da sua missão de morte.

 

- Curto, porém perto. Perto de mais - disse o inglês. As últimas palavras foram engolidas pelo estrondo da segunda salva e ele ficou mudo durante o breve tempo do percurso. Mas quando falou foi numa voz aguda de excitação.

 

- Um impacto! Um impacto! Na segunda salva! Bem te disse que o velho Rodney...

 

Na sala de radar do Bismarck, em baixo, o mesmo grupo disciplinado continuava a trabalhar.

 

- Alcance, dezassete mil metros - disse o marinheiro na tela.

 

Ouviu-se então um estrondo como o de um trovão a toda a volta deles quando a primeira salva atingiu o Bismarck. As luzes apagaram-se e acenderam-se, voltaram a apagar-se e a acender-se, e o olho amarelo-esverdeado da tela do radar ficou subitamente sem vida. O marinheiro responsável esticou o braço para outros interruptores, ligou-os e desligou-os; tentou outra combinação.

 

- O radar não está a funcionar, senhor - anunciou.

 

- Tentou a antena da ré? - perguntou o oficial.

 

- Sim, senhor. Não adiantou.

 

- Ligação cortada com o controle de tiro, senhor anunciou outro marinheiro.

 

- Ligação cortada com... - começou outro marinheiro, mas novo revoar de canhões interrompeu-o e as luzes piscaram outra vez. - Ligação cortada com a ponte, senhor.

 

- Muito bem.

 

- Ligação cortada com a sala de máquinas, senhor.

 

- Muito bem.

 

Os primeiros sinais de fumo tinham começado a insinuar-se na sala de radar através do sistema de ventilação. Infiltrava-se cada vez mais grosso, rodopiando para dentro, enquanto as luzes enfraqueciam pouco a pouco. E, estrondo após estrondo de trovão, a estrutura era toda sacudida. As ondas de choque faziam com que as espirais do fumo rodopiassem abruptamente a cada impacto, e uma secção do lambri soltou-se do anteparo com um ruído súbito. Foi como se o ritual de bruxas tivesse agora despertado as forças infernais para a sua própria destruição. Por todo o navio condenado, as luzes estavam enfraquecidas e o fumo arrastava-se para dentro, cada vez mais denso.

 

Na sala de operações o jovem oficial repetia as mensagens que ia ouvindo pelo telefone.

 

«Urgentíssimo do Norfolk. O Rodney abriu fogo... O King George V abriu fogo... O Bismarck está a responder ao fogo... O Bismarck atingido... Bismarck atingido outra vez.»

 

Para os homens que se ecnontravam na sala de operações era quase possível visualizar o que realmente estava a acontecer. Quando o Bismarck girou os seus canhões para apontar, foi cercado por uma floresta de colunas de água da salva do Rodney e, antes que pudesse atirar, as colunas de água da salva do King George V cercaram-no também. Mal os seus canhões dispararam, uma granada atingiu a segunda torre e explodiu com estrondo, fazendo uma nuvem de fumo. O sopro e os fragmentos varreram tudo na ponte. Da estrutura ficou uma confusão retorcida de ferros, e sobre ela, aos montes, havia alguns corpos contorcidos, entre eles o de Lindemann, que a Cruz de Cavaleiro identificava, e o de Lutjens.

 

A voz do oficial ao telefone continuava a descrever o que acontecia.

 

«Bismarck em chamas à ré... Outra vez... Uma torre fora de acção.»

 

Entrou outro oficial.

 

- Mensagem do Ark Royal, senhor: «Lançados todos os aviões.»

 

- Ark Royal? Receio que os seus aviões já não tenham nada a fazer. Mas foi bom tê-los enviado.

 

No convés de voo do Ark Royal o som do canhoneio ouvia-se nitidamente nos intervalos entre a aceleração dos motores e a descolagem dos Swordfish. As condições de tempo estavam tão más como sempre, enquanto o navio subia e mergulhava sob o céu baixo e pardacento e, apesar disso, os aviões conseguiam sair, circular, entrar em formação e mergulhar nas nuvens gotejantes, na direcção norte do mar revolto. Passaram-se apenas alguns segundos até que o primeiro avião avistasse o que procurava. Havia um banco comprido de fumo negro na superfície do mar, espalhando-se e crescendo de um núcleo mais denso e estreito para o norte, e foi em direcção a esse núcleo que voou o avião.

 

- Meu Deus! - disse o piloto. O fumo saía do casco castigado e quase disforme do Bismarck, privado do mastro, chaminés, ponte e de tudo o resto. No entanto, mais abaixo, pôde ver distintamente, à melancólica luz cinzenta, uma floresta de altas chamas rubras sair de dentro do casco. Mas não foi o fumo nem as chamas que prenderam o seu olhar, por estranho que pareça, mas sim a dança incessante das altas colunas de água a toda a volta. Dois couraçados estavam a disparar granadas sobre ele, tanto com as baterias principais como com as secundárias; e aos cruzadores, acompanhavam-nos vinte canhões de oito polegadas. Não houve um só momento em que não estivesse cercado pelas colunas de água dos tiros próximos. Mas quando o piloto forçou a vista para ignorar a distracção causada por esta dança selvagem da água, viu algo mais; da proa à popa, em todo o comprimento do casco torturado, uma ida e vinda contínua de explosões de granadas, vulcões de chamas e fumo. Da baixa altitude a que voava pôde ver tudo quando o Swordfish se aproximou. Pôde ver as duas torres inutilizadas, uma delas com a cúpula arrancada e os canhões apontados para o lado com elevação máxima; a outra com os canhões de vante e de ré caídos com elevação negativa. Apesar disso, a última torre da ré ainda atirava, e enquanto observava viu um dos seus canhões soltar um jacto de fumo na direcção do vulto indistinto do King George V; lá em baixo, na torre de aço, envoltos pelas chamas, alguns heróis ainda tentavam carregar e dirigir o fogo. E ainda viu mais, no último momento da aproximação: havia alguns vultos minúsculos visíveis aqui e ali que se espalhavam sobre os destroços, incrivelmente vivos entre as chamas e as explosões, saltando do casco escaldante para o mar que borbulhava.

 

Desviou o Swordfish daquela visão horrível para regressar ao Ark Royal. Enquanto decorria o bombardeio não havia oportunidade para um frágil avião tentar um ataque de torpedos eficaz. Tinha acabado de assistir ao clímax da manifestação do poderio naval, o desafiante solitário esmagado por uma colossal concentração de forças. Não tinha consciência da escassez de tempo e espaço, de como nos couraçados ingleses as últimas toneladas de óleo combustível estavam a ser bombeadas para dentro das fornalhas; dos submarinos alemães que se dirigiam à pressa, só que tarde de mais, de todos os pontos do Atlântico Norte para tentar intervir na luta; do poder aéreo alemão incapacitado de tomar parte numa batalha a alguns quilómetros apenas além do seu alcance máximo.

 

Enquanto o esquadrão era levado de regresso ao Ark Royal, o oficial, ao telefone na sala de operações, continuava a anunciar mensagens que chegavam.

 

«Bismarck atingido outra vez... É apenas uma ruína agora... O King George F e o Rodney afastam-se.»

 

Na sala de operações os presentes olhavam intensamente uns para os outros, face a esta notícia. O almirante olhou para o relógio.

 

- Não podem demorar nem mais um momento. Têm apenas o combustível estritamente necessário para os trazer de volta. Não têm nem cinco minutos a perder.

 

- Aqui está uma mensagem da Capitania, senhor interrompeu outro jovem oficial. - «Os navios com torpedos avançam e afundam-no.»

 

- E cá está o Norfolk de novo - disse o primeiro-oficial. - «Dorsetshire a avançar.»

 

Quando o Dorsetshire se aproximou, o Bismarck era um casco destroçado, incendiado e já a naufragar. A cerca de quatro quilómetros, disparou dois torpedos que explodiram a estibordo do Bismarck. A cerca de três quilómetros, disparou outro que explodiu a bombordo dos destroços. O Bismarck emborcou e afundou-se, deixando a superfície do mar coberta de destroços e homens a debaterem-se.

 

- Bismarck afundado - disse o jovem oficial na sala de operações. - Bismarck afundado.

 

Aquelas palavras do jovem oficial foram ditas numa voz abafada e, apesar disso, o eco delas foi ouvido em todo o mundo. Numa centena de países, os locutores de rádio apressaram-se a repeti-las aos seus ouvintes. Numa centena de línguas, os cabeçalhos dos jornais proclamavam «Bismarck afundado» para milhões de leitores.

 

Mulheres fúteis escutaram aquelas palavras sem lhes darem qualquer atenção; camponeses analfabetos ouviram-nas sem as compreender. Mas os destinos de todos eles tinham mudado naquele instante. Especuladores da Bolsa reviram os seus planos. Primeiros-ministros e chefes de Estado tomaram, gravemente, nota daquelas palavras. Almirantes de grande número de Marinhas prepararam-se para redigir memorandos, aconselhando os seus governos de acordo com as conclusões políticas e técnicas extraídas delas.

 

E houve esposas, mães e crianças que também ouviram aquelas palavras, da mesma forma que a mãe de Nobby tinha ouvido a notícia da perda do Hood.

 

                                                                               C. S. Forester 

 

 

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