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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AMIGOS E AMANTES / Diana Palmer
AMIGOS E AMANTES / Diana Palmer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

AMIGOS E AMANTES

 

Haviam sido amigos durante muitos anos, até que, certo dia, Madeline se sentiu atraída por John de uma maneira diferente. E quando se beijaram, a paixão pôs fogo em seus corações... e sua amizade ficou reduzida a cinzas...

A partir de então Madeline temeu converter-se em amante de John. Ela o queria, mas poderia o amor mantê-los unidos, se deixavam de serem amigos para converter-se em amantes?

 

As taças, ao chocar umas contra outras, faziam um ruído muito forte, ou, pelo menos, isso parecia para Madeline Vigny, que levava arrastando todo o dia uma terrível enxaqueca.

   Teria dado tudo para render-se ao cansaço e partir a casa, mas não podia fazê-lo. Ao fim e ao cabo, aquela festa se celebrava em sua honra. Seria uma grosseria imperdoável que partisse, ao menos tão logo. Tinha que tentar distrair-se um pouco e esquecer o cansaço e a terrível opressão que sentia nas têmporas.

   Retirou-se do bar e passeou por entre os convidados, sorrindo de vez em quando aos distinguidos membros da elite literária de Houston, sentindo que a cabeça ia estourar de dor de um momento a outro.

   Em seus vinte e sete anos, Madeline tinha ganho uma boa reputação a nível nacional como escritora de novelas de intriga; naquela festa se celebrava precisamente a publicação de sua última novela: A torre dos ruídos.

   Ao retornar da excursão de promoção, encontrou-se com a desagradável surpresa de que o editor necessitava que revisasse seu livro e lhe acrescentasse trinta páginas mais. Trinta páginas! Como se isso fosse algo fácil de solucionar...

   Conseguiu fazê-lo em um dia, toda uma façanha, mas o esforço tinha sido tanto, que o único que desejava da vida naquele momento era uma aspirina e uma cama confortável onde poderia abandonar-se ao sonho.

 

   Percorreu a sala com seus claros olhos verde; que faziam um precioso contraste com seu cabelo acobreado, que levava recolhida em um coque.

   Mais de uma vez tinha pensado em cortar o cabelo, mas sempre que o insinuava, John lhe lançava um olhar de horror e a convencia com todo tipo de argumentos para que não o fizesse.

   Verdadeiramente, John era um professor em convencer às pessoas. Possivelmente, pensava ela, por isso tinha chegado onde estava com sua empresa petrolífera, que mais que empresa era um império. Nos últimos anos tinha conseguido manter o controle de Petróleos Durango com uma tenacidade sem precedentes. O grande John sempre conseguia tudo o que queria. Tudo, exceto a Madeline.

   Buscou-lhe com o olhar entre os convidados; ali estava entre as garras daquela loira baixa de olhos de caixa registradora. Sempre que se tratava do John Durango, Madeline pensava invariavelmente que ninguém lhe chegava à sola dos sapatos. John era um tipão: muito alto, de corpo atlético e sem um grama de gordura, apesar de seus trinta e nove anos. Seu cabelo era negro e abundante, muito liso, e seus olhos, vistos de longe, também pareciam negros, embora em realidade fossem cinza. Seu cuidado bigode escondia uma boca sensual enquadrada em uma mandíbula retilínea e enérgica.

   Por muito que John fosse seu amigo a mais de dois anos, de vez em quando não podia evitar pensar nele como em um homem.

   John era um homem bonito, Madeline se dava conta e não o podia negar.

 Levou a taça de conhaque aos lábios, sem deixar de contemplar ao John e à loira. Resultava patente, pelos gestos dela, que John lhe agradava. Madeline sentiu um inesperado mal-estar; a amizade a fazia ser possessiva, pensou imediatamente.

   Suas relações com John não tinham acontecido nunca fora dos limites da amizade.

   Ele conhecia muito bem sua desastrosa experiência com Allen, um aspirante a escritor que, depois de comprometer-se com ela e seduzi-la, resultou estar casado e com filhos.

   Desde o começo, John se fez cargo do trauma que representava para a Madeline aquele fracasso. Compreendia seus reparos ante as relações sexuais, e nunca tinha tentado aproximar-se dela nesse sentido.

   Por sua parte, Madeline não interessava para nada seu dinheiro, o que significava que John podia confiar nela com toda tranqüilidade.

   Madeline sabia que, da morte da Ellen, John não tinha confiado em ninguém como confiava nela.

   Entretanto, fazia algum tempo, as coisas estavam mudando. John não era o mesmo; mostrava-se impaciente, e às vezes desagradável com ela. E uma coisa assim, vindo de um bom amigo, não era normal.

   A situação tinha piorado depois daquele desagradável incidente com o Jed.

   Jed era um empregado do John, ao que Madeline conhecia de vista. Um dia na semana anterior, quando ela esperava ao John na quadra, Jed, que pelo visto tinha bebido mais da conta, saiu da escuridão e tentou beijá-la. John apareceu ao momento, como por arte de magia, e mandou a seu empregado ao chão de um murro.

   Vá embora daqui agora mesmo! - gritou -. Que lhe paguem um mês. Depois desaparece imediatamente, não quero voltar a ver-te!

   Madeline, que permanecia muda de espanto a pouca distância, não dava crédito a seus olhos.

 

   Nunca tinha visto aquele gesto desumano no rosto do John. Era como se o homem amável e tenro que conhecia tivesse desaparecido de repente.

John não disse uma palavra mais. Limitou-se a olhar como o outro se levantava do chão e cambaleando, voltava seus olhos para a Madeline, e logo se dirigia para os escritórios do rancho com passo vacilante.

-Eu... obrigado.

   Madeline havia sentido aterrorizada. De repente tinha dado conta do que poderia ter acontecido se John não tivesse aparecido no momento oportuno. Sentiu náuseas.

John a estava olhando. Tinha nos lábios um charuto recém aceso, e seus olhos brilhavam de indignação.

-Quando aprenderá a diferença entre ser simpática e provocativa com os homens?

   -Isso é uma tolice! - protestou ela airadamente —. Jed sempre foi muito correto comigo. Eu acreditava que...

   Jed é um bom homem... quando está sóbrio - replicou ele -. Dá-me muita pena ter que lhe despedir.

Madeline se sentiu ferida por sua desacostumada dureza. -Não te zangue comigo - murmurou.

   E dizendo aquilo, tocou-lhe o braço em um gesto amistoso e conciliador.

   Ante seu assombro, John ficou rígido, apertou os dentes, e se soltou com inusitada brutalidade.

-Não tente me acalmar, Satin.

Satin era o diminutivo que ele mesmo tinha inventado para chamá-la.

   -E de agora em diante, se quer te divertir, busca a diversão fora de meu rancho! Compreende?

   Aquilo foi muito para a Madeline, que perdeu a calma e gritou:

     -Isso, John Cameron Durango, não voltarei a vir a seu rancho! Não sei que mosca te picou comigo. E para que se inteire, não estava tentando te consolar, simplesmente queria-te dizer obrigado, nem mais nem menos.

     E sem dizer uma palavra mais, partiu correndo a seu carro. Após não havia tornado a se falar.

   Recordando-o, Madeline se arrependia de seu arranque de mau gênio, e tinha querido arrumar as coisas.

   Mas estava absolutamente claro que aquela loira espantosa não lhe deixava nem a sol nem a sombra, e John não parecia ter intenções de livrar-se dela.

   Para piorar as coisas, Madeline se deu conta, ao vê-la melhor, de que conhecia a loira. Aquela mulher se chamava Melody, e era conhecida em todo Houston por seus devaneios com homens ricos de certa idade.

   -Dissimula neném, porque está pondo cara de poucos amigos - disse uma voz familiar a seu lado.

Voltou-se suspeitando de quem era aquela voz.

   Ao seu lado estava Donald Durango, e em seu rosto de menino havia uma expressão zombadora.

-Você diria que tenho cara de poucos amigos?

-Não estará com ciúmes da loira?

Madeline esboçou um sorriso de impaciência.

-John e eu somos amigos, nada mais.

   -Isso é o que diz sempre. E uma garota tão preciosa como você alguma vez minta verdade?

   Madeline não disse nada. Olhou-o, pensando no pouco que se pareciam os dois primos.

   John era alto e forte, enquanto que Donald era muito magro e poderia dizer-se que algo desajeitado. John era muito moreno de pele, e tinha o cabelo negro. Donald era o típico loiro de olhos azuis, com um encanto muito juvenil.

     Só se pareciam em uma coisa. Os dois eram bons homens de negócios, desumanos quando a ocasião o requeria. Nunca se tinham visto dois rivais tão ferozes.

   Seus enfrentamentos datavam de muito tempo atrás; certamente lhes movia algum grande conflito pessoal. Donald sempre andava ideando mutretas maliciosas e pondo armadilhas ao John; surpreendentemente, este adotava ante seu primo uma atitude defensiva mais que ofensiva o que não combinava com seu caráter, mas bem dominante e algo agressivo.

   Quando morreu seu pai, Donald iniciou uma implacável luta de poder contra seu primo John, que tinha herdado a maior parte de Petróleos Durango.

   O fato de que o pai do Donald favorecesse mais a seu sobrinho que a seu filho, surpreendeu a muitos. Apesar dos impetuosos esforços do Donald, John seguia sendo o mais forte dos dois, e o mais capacitado para os negócios. Mas seu primo não se dava por vencido, e a rivalidade entre eles era cada vez maior.

   -Quer ficar comigo o restante da festa? - perguntou Donald com um sorriso-. Assim te salvarei dos olhares lascivos e as falsas adulações de todos estes que andam por aqui a ver o que conseguem em benefício próprio.

   -E de você quem vai me salvar? - comentou ela com um sorriso zombador, sem apartar a vista do John-. Como essa estúpida loira lhe siga aproximando, vai terminar pegando-se a ele - murmurou.

   -Os solteiros ricos escasseiam hoje em dia. E essa garota tem muita vista. -

   Madeline não lhe escutava; estava muito ocupada pensando na vontade que tinha de lhe esvaziar a taça na cabeça daquela ditosa loira.

   -Tenho que lhe resgatar - murmurou-. É meu dever de antigo scout liberar a seu primo das garras dessa vampiresca sedenta de dinheiro.

   Ato seguido, Madeline se dirigiu para o casal com passo decidido.

   Naquele mesmo momento, a sorte quis que a loira pedisse algo de beber e que John fosse ao bar por isso. Madeline aproveitou a ocasião e lhe aproximou com passo decidido, embora algo inquieta.

   -Olá, John. Fala-me? Porque se não, basta com que mova a cabeça e me perderei por algum rincão.

   Em vez de tornar-se a rir, como tivesse sido de esperar, John adotou um gesto frio e cravou nela seu olhar cinza, duro como o aço.

   -Sim, quanto me surpreende que tenha sido capaz de te separar de meu primo...

   -«Seu primo» se chama Donald. Digo-lhe isso se por acaso não sabia, já que nunca o chama por seu nome. Além disso, quando alguém se aproxima para conversar não tenho o costume de lhe afugentar... você, é obvio, nem sequer te dignaste a se aproximar de mim.

   John, passando-a mão pelo bigode, olhou significativamente em direção a Melody.

   -É que, como te terá dado conta, não me faz nenhuma falta ir detrás das mulheres...

   Embora sentisse uma quebra de onda de fúria incontrolável, Madeline as arrumou para dissimulá-la.

   -Pois não sei se saberá que essa garota é uma elementa de muito cuidado. Além disso, acredito que recentemente que sua última conquista a deixou sem dinheiro, e agora está procurando uma boa árvore ao que aproximar-se.

John a obsequiou com um amplo sorriso.

   -Não me importa pagar pelo que quero. Posso me permitir o luxo.

     Aquele cinismo doía a Madeline, pois sabia que John estava convencido de que as mulheres só lhe buscavam por seu dinheiro.

   Não se dava conta de que era muito atrativo... De repente, surpreendeu-se olhando fixamente aos lábios, imaginando o que se sentiria ao beijá-los.

   -Está muito estranha, Satin. O que pretende procurar meu ponto débil? Não acredito que o encontre.

-Ah, não?

   Madeline se aproximou um pouco mais e segurou entre seus dedos um pedacinho de sua camisa.

   Sentia sob a mão o calor de sua pele, que se filtrava através do tecido com uma intensidade perturbadora.

   A reação dele não se fez esperar; com suavidade, apartou-lhe a mão de sua camisa.

-É que quer flertar comigo? -perguntou secamente.

-Quem? Eu? -disse Madeline em atitude defensiva-. É que me viu com cara de suicida?

   -Não se preocupe não te empurrarei até esses extremos - respondeu ele em tom desagradável-. Já tenho dois anos de prática; sei muito bem manter a distância com você. Você se encarregou de deixá-lo claro no primeiro momento.

Os olhos da Madeline se chocaram com seu olhar frio.

-Você sabe que eu...

   -Madeline, deixa de tolices. Porque tenha tido um desengano amoroso, não vejo muito normal que se retire da vida, me acredito.

Madeline saltou como se a tivessem cravado.

   -Dei um tempo a esta parte, leva-te comigo como um elefante em uma manada, John Durango - rugiu-. Se tiver fome, agarra um canapé. Não gosta que coma viva esta noite.

   Madeline deu meia volta e se afastou, embora não pôde dar mais de dois passos, porque John a segurou pelo braço e de repente, ela ficou a tremer, e o sangue lhe afluiu o rosto. Era inexplicável, mas o menor contato físico com o John a turvava. Nunca tinha experimentado uma sensação tão intensa com nenhum outro homem.

   -Não fuja de mim - sussurrou-lhe John a suas costas.

   -E como não vou fugir de você! Há algum tempo não pode ser mais frio comigo; parece que não me suporta, inclusive reage te apartando cada vez que te toco... Eu acreditava que éramos amigos.

Os olhos do John percorreram seu rosto.

-Claro que somos amigos. Tenha paciência comigo.

   -O que passa é que me preocupo com você, importa-me - disse Madeline, mais apaziguada-. Passa-te algo, verdade? Algo te incomoda. Por que não me conta do que se trata? Acredito que seria o mais sensato.

   -É a última pessoa a quem o contaria, querida. Alargou uma mão e lhe tocou uma mecha de cabelo que lhe tinha escapado do coque.

   -Por que prende o cabelo assim? Eu não gosto de nada.

   -Porque não sou uma cigana. As ciganas levam o cabelo solto e os pés descalços. O que ia pensar nossa anfitriã! John sorriu.

-Surpreende-a! Por que não te atreve?

   John, a última vez que me desafiou para que fizéssemos algo, atirei-me ao rio completamente vestida e deixei atônitos a todos os turistas do ônibus. Além disso - acrescentou levando-as mãos às têmporas-, esta noite não me sinto com forças para fazer extravagâncias. Dói-me a cabeça, estou que não me tenho de cansaço, e o único que gostaria era de partir para casa e me colocar na cama.

-E por que não vai?

   -Não quererá que me parta de uma festa que se celebra em minha honra, quando não tem uma hora que cheguei. Seria uma falta de educação imperdoável, mais ainda sabendo o trabalho que teve Elise para organizá-la.

   -Deixa de diplomacias - disse John categoricamente-. Eu te levo para casa.

   -E vai abandonar a sua espantosa conquista? Dizendo isto, dirigiu uma olhada a Melody, que lhes contemplava com um olhar chamejante enquanto um jovem tentava em vão captar sua atenção.

   -Deixa-o - acrescentou Madeline-. O direi ao Donald, ele pode me levar.

Ao John lhe mudou o rosto.

-Nada disso - disse com voz alterada.

   E sem mais preâmbulos, inclinou-se sobre ela, e um momento depois a levantou em seus braços como se se tratasse de uma pluma, embora estivesse longe de sê-lo.

-Fecha os olhos, como que tivesse desacordado.

   Assim o fez Madeline, que não teve tempo de reagir. Além disso, a sensação de estar entre seus braços era tão surpreendente e tão maravilhosa, que não deixava lugar a nenhum outro pensamento.

   -Mas John! O que acontece com Madeline? -exclamou Elise. -Esgotamento por excesso de trabalho - respondeu John simplesmente-. Vou levar para casa. Amanhã mandarei ao Josito para que recolha seu carro. Obrigado, Elise, a festa esteve estupenda. Boa noite.

-Adeus! Amanhã chamarei para ver como está.

   John saiu a grandes pernadas com ela em seus braços. Uma vez fora, Madeline sentiu frio e se amassou contra seu peito, agradecendo seu calor.

-Já pode abrir os olhos - sussurrou ele em tom zombador. Madeline abriu os olhos e lhe olhou com encantamento.

-Vá força! -disse sem pensar.

John pôs-se a rir, e Madeline se segurou melhor a seu pescoço. Sentiu que se estremeciam quando seus seios roçaram involuntariamente seu peito.

   -Tiveste uma idéia muito novelesca... Nada mais normal que uma mulher desmaiada! Embora... OH meu Deus! De repente Madeline ficou pálida.

-O que acontece?

   -Todo mundo vai pensar que estou grávida! -gemeu Madeline.

 

   Chegaram a Ferrari negra do John, e ele a depositou no assento dianteiro.

   -E o que? -disse com os olhos brilhantes de malícia-. Todo mundo sabe que os escritores revistam levar uma vida boêmia.

   Madeline, furiosa, esperou que John se sentasse ao volante. Quando esteve ao seu lado, estalou.

   -E com quem saio eu normalmente? Diga-me! Com quem estou sempre? Vão pensar que a criança é sua!

   -Se quiser, pode lhe pôr meu nome. Não me importa.

   O resto do caminho fizeram em silêncio; Madeline sumida em reflexões e John fumando e sem apartar a vista da estrada.

   Por fim chegaram ao Montrose, onde Madeline tinha uma casa de estilo vitoriano. Encontrava-se em um dos bairros mais antigos da cidade, e a tinha herdado de uma tia avó dela.

Chegaram frente a ela, e John deteve o carro.

-Que tal vai sua nova novela? -perguntou.

   -Devagar - respondeu ela-. Agora que me lembro, não sei se te hei dito que, em vista do êxito da casa dos ruídos, é possível que firme um contrato para levá-la ao cinema. Quando me disseram isso, pus-me tão contente que quase não podia acreditar nisso.

Estava desejando te chamar, para lhe contar isso, mas como não nos falávamos...

John a olhou com expressão contrita.

   -Me perdoe Madeline. Perdi os estribos; eu não queria ser tão desagradável com você.

Madeline ficou maravilhada lhe ouvindo falar assim.

   Aquilo era algo inusitado. John era um homem que nunca se desculpava com ninguém. Olhou-o com um tímido sorriso e deu de ombros.

   -Você sabe perfeitamente que eu não lhe estava provocando – murmurou -. Você sabe que, do meu relacionamento com o Allen, os homens...

   Madeline tinha ruborizado, e John a olhou irritado.

   -Tampouco pode te acontecer a vida recordando isso. Sobre tudo se levar um vestido como este...

-Esta coisa? Ora! Custou-me menos de um capítulo.

   John riu brandamente, sem tirar o cigarro dos lábios.

   -Você tudo o mede com seus livros - comentou-. Um carro é um livro, um vestido um capítulo...

   -Meu carro não vale um livro, nem muitíssimo menos - objetou Madeline-. Comprei isso de segunda mão, mas consome muito pouca gasolina, e eu adoro.

   -Não, se eu não tiver nada contra aproveitar a sucata velha.

-Sim, já...

   O pequeno Volkswagen amarelo ocupava pouco lugar. Estava acostumado a estacioná-lo no jardim, junto ao enorme carvalho.

   -Tem que cortar essa árvore - disse-lhe John. Já o tinha feito outras vezes. Fazia meses que não deixava de insistir a respeito-. É um perigo. Um dia vem um vento forte, vai esmagar o telhado. Estamos na temporada de tormentas, e já sabe que nos últimos anos houve fortes ciclones.

     -Olhe John, hei-te dito mil vezes que não tenho nenhuma intenção de cortar o velho carvalho da tia Jessie. Plantou-o meu avô - acrescentou com impaciência.

     -Ao diabo com seu avô. Além disso! Que avô? Sua tia era órfã.

     Madeline, exasperada, passou-se a mão pelo cabelo, pondo em grave perigo seu elaborado coque.

       -Mentira! Eu sei de boa fonte que tia Jessy era filha ilegítima de um capitão ianque. Minha bisavó teve relações com ele durante a Guerra de Secessão.

       -Escandaloso! Pois então por suas veias corre sangue quente, minha querida Madeline, não?

       -Mais escandalosa é essa pergunta. Para que saiba, minha vizinha, a senhorita Rose, contou-me isso tal e como o havia dito minha tia avó.

       John trocou de tema, dando por terminada aquela absurda conversação.

       -Amanhã pela manhã mandarei Josito para que te traga seu carro à em casa. Ou, se preferir, venho de buscar e nos damos antes uma volta a cavalo pelo rancho.

       -Se não me equivocar, isso é um convite, não? Ele assentiu, e Madeline olhou para outro lado.

       -Pois não sei se irei, porque, depois do outro dia, parece que está convencido de que sou uma mulher perversa que quão único quer é ir seduzindo os seus homens um a um.

       John a segurou pelo queixo e a obrigou a lhe olhar. Seus olhos a escrutinavam com uma insistência perturbadora.

       -Não diga isso! O que passa é que não suporto que nenhum homem se ultrapasse com você. E menos se esse homem trabalhar para mim e ainda por cima está bêbado!

       John a olhou de acima a abaixo.

   -Não quero que nenhum homem lhe... toque - sussurrou. Seus olhares se encontraram a da Madeline era tímida, indecisa. Sentia em seu rosto a respiração cálida e entrecortada do John, ao tempo que um formigamento estranho despertava por dentro.

   Quase sem querer, sem dar-se conta, alargou a mão e deslizou um dedo sob seu bigode, riscando a linha de seus lábios entreabertos.

John a separou de si, segurando-a pela mão com seu punho de ferro.

   -Não volte a fazer isso - disse asperamente-. É que não te dá conta de que não quero que me toque?

Madeline descarregou uma risada nervosa.

   -Entendido, senhor Durango. E agora, se quer me devolver meu braço, sairei do carro e ficará livre para voltar para a festa com sua loira espantosa.

Mas John não estava disposto a lhe soltar o braço.

   -Passaste-te a noite flertando comigo, Satin. Por quê? Por que quer provocar ciúmes no meu primo?

Madeline ficou boquiaberta.

   -Eu não tenho nada que ver com o Donald no sentido que está insinuando. Não é mais que um amigo igual a você.

   -Você e eu... somos isso? Amigos? -perguntou John com voz estranha.

   Madeline se sentia nervosa excitada. Algo estava passando, e aquela mão que a segurava lhe transmitia um calor estranho... -Sim, somos amigos.

   -Então não te importa o mais mínimo que me leve a Melody à cama, verdade? -perguntou ele, olhando-a fixamente. Madeline ficou pálida, e se separou dele sem separar os lábios.

       -Você não terá uma vida sexual, mas eu sim sabe? Não acredita que sou uma espécie de eunuco só porque nunca te tenha tocado.

Madeline não se atrevia a lhe olhar aos olhos.

   -Eu nunca pensei que você fosse um eunuco, nem nada parecido.

Houve um silêncio.

   Na escuridão Madeline escutou o estalo do acendedor. John havia acendido um cigarro.

-Fuma muito.

-Faço muitas coisas.

Seus olhos pareceram refletir ódio por um instante.

-Seduzir loiras, por exemplo?

       -É que, se quisesse te seduzir, levá-lo-ia claro. Madeline lhe dirigiu um olhar cintilante.

   -Allen me fez muito dano! Você é um homem, e não tem nem idéia do que uma mulher pode sentir quando...

   -Allen te fez mal porque foi virgem e porque quão único ele queria de você era seu corpo, sem lhe importar o que você sentisse e pensasse como pessoa.

Soltou um suspiro e acrescentou:

   -Se te tivesse querido, não teria feito tanto dano. Note, passaram dois anos e ainda não cicatrizou a ferida. Deixou-te traumatizada. Teria que lhe haver matado!

-Mas se você não lhe conhecia! -balbuciou Madeline.

   Estava realmente surpreendida ante aquele repentino ataque de violência.

   -Que não? Fiz averiguações. Foi muito fácil, só tive que chamar o clube de escritores onde lhes conheceram.

-O que está dizendo? É que falaste com ele? John assentiu.

-E o que?

John permaneceu em silêncio.

-John!

-Se te cair de um cavalo - começou a dizer ele com voz ausente-, o melhor que pode fazer para lhe perder o medo é voltar a montá-lo.

   Madeline já tinha ouvido o bastante, assim segurou sua bolsa e abriu a porta do carro.

Antes de sair, disse em tom frio:

   -Olhe John, neste momento não quero voltar a repetir uma experiência como aquela. Fica claro? Pois adeus.

   -Satin!

Ela voltou o olhar.

-Olhe Satin, se eu tivesse querido algo com você, lhe teria pedido faz isso dois anos, assim faz o favor de ser razoável e não me interprete mal.

   -Eu acreditava que você me estava interpretando mal. Madeline voltou a sentar-se em seu assento em atitude compungida.

   -John, John, o que nos está passando? Sempre fomos bons amigos, e agora, de repente, tudo começa a danificar. Tendeu a mão para ele, mas voltou a retirá-la assim que se deu conta do que estava fazendo.

   -Sabe? -continuou muito séria-. Custa muito me levar bem com as pessoas... custa-me me adaptar, sou um pouco estranha. E, já vê, com você não me custa nada falar, você me compreende. Não quero te perder.

John a olhou com ternura.

-Você sempre será amiga minha Satin - disse-. Isso não trocou, e nunca trocará. É que não te deste conta de que eu não tenho amigos nem amigas? A loira desta noite é coisa à parte; Ela gosta de presentes caros e eu sou rico. A combinação perfeita. Essa é das que se deitam com um sem vacilar assim que se asseguram de que podem conseguir algo em troca.

     -E se sabe, por que faz conta? John a olhou com gesto irritado.

   -Ouça Satin, pode-se saber por que te incomoda tanto à loira? É que você não gosta da idéia de que a maioria das mulheres não estejam tão frias como você?

Madeline se ruborizou violentamente.

   Era a segunda vez que John fazia um comentário semelhante, e já estava bem.

   Por um momento teve a tentação de lhe esbofetear. Levantou a mão. Seus olhos verdes despediam faíscas.

-Te atreva - disse-lhe então John com um olhar estranho-. Vamos, neném, te atreva a me bate.

   Faltou muito pouco para que o fizesse, mas não se atreveu.

   -Não, não quero - disse baixando a mão-. Tem direito a pensar de mim o que queira. E me dou conta de que ultimamente não pensa nada agradável.

John não deixava de observá-la.

-Sabe Madeline? Por um momento perdeste a máscara de frieza que sempre te põe comigo. Esteve a ponto de me bater, verdade?

     -Sim.

-E por que não o fez?

   -Porque sei que você é do tipo de homem que poria a outra bochecha.

   -Não, não te haveria devolvido a bofetada, se for isso ao que te refere.

John se inclinou sobre ela para lhe abrir a porta e, no movimento, roçou os seios da Madeline com seu braço.

   Ela ficou quieta como uma estátua e lhe olhou assombrada. Então se deu conta de que ele também estava contendo a respiração.

   -O que teria feito então? -sussurrou ela quase sem fôlego.

John a olhou através de uma nuvem de fumaça.

-Você o que acredita? -perguntou em tom insinuante.

   -Quão único acredito é que esta muito tarde.

   -Mais do que você acredita neném. Bom, amanhã mandarei ao Josito te busca as sete, de acordo?

Madeline olhou aos olhos, nervosa e assustada.

   -Nos tomaremos com calma e tranqüilidade - acrescentou ele brandamente.

   Madeline se ruborizou até as orelhas e sentiu que o coração lhe saía do peito do forte que lhe pulsava.

   -Seria melhor que deixássemos as coisas tal como estão - sussurrou.

   -Não tenha medo de mim. Você e eu sempre confiamos o um no outro, Satin.

Madeline se pôs a rir, um pouco envergonhada.

   -Eu acredito que o cansaço me faz dizer tolices. Não sei o que me passa esta noite.

       -Ah, não sabe, neném? Madeline pôs os pés no chão.

       -Obrigado por me trazer para casa.

   -Seguro que te encontra bem? - perguntou ele, preocupado.

   -Sim. Além disso, sei cuidar muito bem de mim sozinha. Sou muito independente.

   -Sim, eu também, mas, quem esteve ao lado de minha cama cuidando de mim durante um par de semanas quando caí doente com gripe?

Madeline se pôs a rir.

   -Vamos, vamos, não exagere. O pobre Josito não podia com você ele sozinho.

John sorriu.

-Eu teria feito o mesmo por você. Asseguro-te que me tivesse encantado... sobre tudo te banhar para que baixasse a febre, como você fez comigo.

-Adeus! - exclamou Madeline.

Baixou-se e fechou de repente a porta.

   -Amanhã as sete em ponto! -gritou-lhe John da janela do carro.

   Madeline deu meia volta e se inclinou com uma graciosa reverência.

   Pouco depois, a Ferrari se perdia na escuridão da noite enquanto ela entrava pensativa em sua casa.

 

   O rancho do John era pequeno em comparação com os do Texas, coisa que não lhe preocupava, pois, ao fim e ao cabo, não representava seu principal meio de vida.

   Ele vivia do petróleo, e o rancho, mais que um negócio, era uma distração. Dedicava-se à criação de gado puro sangue da Santa Gertrudes; seus touros campeões se cotavam muito bem no mercado. Por alguns exemplares, sobre tudo os mais velhos, tinham chegado a lhe pagar meio milhão de dólares.

   Madeline não podia apartar os olhos do John enquanto cavalgava junto a ele, ao longe, as terras de pastos se perdiam no horizonte.

   John retirou o habitual cigarro dos lábios com seus largos dedos.

   -Por que me olha assim?

   -Estava pensando em quão diferente está quando passeia por seu rancho.

   John também a contemplou. Madeline levava calças de montar e uma camisa de manga curta.

   -Eu gosto de como você fica de verde - comentou John. Madeline se tornou para trás a larga cabeleira com um movimento da cabeça.

-Dizem que é uma cor relaxante.

   -Sim, precisamente o que eu necessito relaxar. Esta noite dormi muito mal.

       Ela ficou pálida. Esporeou à égua que montava, e se lançou ao galope. Como se atrevia John a lhe esfregar dessa maneira sua aventura com a loira!

Pouco depois, John a alcançou, não sem bastante esforço.

-Pode-se saber o que te passa agora? -grunhiu.

-Nada. Ouça me diga, essas vacas são novas?

-Não, não são novas. Responda-me.

   A resposta da Madeline foi lançar-se a um galope desenfreado contra o vento, que lhe açoitava o rosto e lhe revolvia o cabelo. Estava tão nervosa, que necessitava uma impressão assim de forte.

   Correu a toda velocidade pelo largo caminho de terra que separava os pastos. Seus cabelos se desdobravam ao vento como uma larga esteira avermelhada.

   Mas, quando quis dar-se conta, John já a tinha alcançado e cravava seu olhar terrível em seus olhos. Rapidamente, inclinou-se sobre ela, segurou suas rédeas e segurou até que a égua se deteve, encontravam-se mais à frente do caminho, em uma alameda próxima à auto-estrada.

Madeline lhe fulminou com o olhar.

   -Por que tiveste que me parar? Estava passando muito bem!

   -Não te tem quebrado o pescoço por milagre! - disse John com voz entrecortada-. Que inseto te picou para se lançar assim, louca?

-Não grite comigo!

   -Eu não estou gritando! E eu não gosto que cometas essas loucuras!

John desmontou, e depois a obrigou-a a descer do cavalo. Quando os dois estiveram frente a frente a segurou pelos ombros como se quisesse sacudi-la.

John! Se só estava montando. Tenho-o feito milhares de vezes...

       Ele não fez conta. Limitou-se a olhá-la nos olhos intensamente como se quisesse fulminá-los com o olhar. Madeline sentiu que, de repente, tudo se resumia naqueles perturbadores olhos duros e cinzas como o aço. Sem dar-se conta, estendeu as mãos e lhe tocou o peito.

   John se acendeu violentamente e lhe apertou os ombros até lhe fazer danifico. Era a primeira vez que John perdia o controle na presença da Madeline. Parecia que ia estalar de um momento a outro.

   Madeline se aproximou mais, com os lábios úmidos e entreabertos, os dedos aventurando-se cada vez com mais insistência, as mãos que se apertavam mais contra sua pele...

   Então John fechou os punhos ao redor de suas mãos e a jogou a um lado.

 -Já está bem - disse com voz dura-. Que diabos te passa? Quando ela tentava procurar a maneira de explicar-lhe o ruído de um carro que se aproximava distraiu sua atenção.

   -OH, não, turistas! -murmurou John com desagrado. Efetivamente, uma caminhonete se deteve junto a eles. Na parte dianteira foram duas mulheres de certa idade. A condutora baixou o vidro e apareceu pela janela.

-Olá! -gritou.

-Olá! -respondeu John.

-Vamos bem por aqui para Houston?

   -Se quer ir pelos atalhos, vai bem. Mas lhe advirto que este é o rancho do John Durango:

-Ah, sim?

   A mulher abriu de par em par seus olhos azuis e lhe disse algo ao ouvido de sua acompanhante.

   -É certo que este é o rancho do grande John Durango?

   -Ah, é que ouviu falar dele? -perguntou John com uma insinuação de sorriso.

   -É obvio! Levo quase um ano se retirou dos negócios, mas sigo lendo as revistas financeiras. John Durango monopoliza sempre as primeiras páginas. Um magnata, e além muito bonito... coisas assim não se dão todos os dias!

John colocou o chapéu para trás.

   -A que negócios se dedicava você, senhora? -perguntou com sua acostumada curiosidade.

-Direito corporativo.

-Vá! Essa é uma profissão difícil.

   -Nem tanto. O único que precisa é um pouco de estudo e uma boa dose de prática.

   A mulher que, como não, era loira, olhava ao John com especial insistência.

   -Você acredita que teríamos a possibilidade de ver o senhor Durango em carne e osso antes de sair do rancho?

   -O que quer que lhe diga senhora. Esse homem nunca está quieto. Não sei se me entende. O mais seguro é que agora mesmo esteja na piscina, divertindo-se com suas amiguinhas, como sempre. Deixa-me todo o trabalho enquanto ele se entrega a suas tarefas de sedutor.

   Madeline tampou a boca com a mão para não tornar-se a rir. John, por sua parte, estava completamente sério.

   -Trabalha você aqui? -perguntou à loira.

   -Sim, senhora, e além como uma mula. Em cima, ainda estou esperando a que me pague o salário atrasado.

   -Pois não permita que fique com seu dinheiro. O denuncie.

   -Sim, eu lhe denunciaria... mas é que também eu lhe devo dinheiro.

   -Que lhe deve dinheiro? -exclamou a turista assombrada-. E como é isso?

   -Coisas que confia. Como por exemplo, o aluguel deste cavalo que estou montando.

   A mulher lhe olhou escandalizada, para regozijo da Madeline.

   -Mas, é que obriga a seus homens a pagar aluguel por montar os cavalos com os que cuidam seus cavalos?

   -Bom, é natural tendo em conta que com o gado não ganha muito dinheiro, assim de algum lugar o tem que tirar - disse John dando de ombros-. Se você ficar a somar tudo o que seus homens lhe devem em conceito de dívidas de jogo, compreenderá por que é tão rico.

   -Ah, é que vocês têm pendentes com ele dívidas de jogo?

   -Assim é, senhora. Verá todas as sextas-feiras de noite o senhor Durango bebe mais da conta e obriga a todos a jogar umas partidas de pôquer com ele. Eu não posso me queixar, devo-lhe bastante, menos que o resto de meus companheiros. Já só me faltam por lhe pagar vinte mil dólares.

-Meu deus! -gemeu a mulher.

John sacudiu a cabeça com um sorriso resignado.

-Me acredite, poderia ser pior.

-Pior?

   John adotou uma atitude interessante e prosseguiu com seu fantástico relato.

   -Ao fim e ao cabo, eu não tenho que dormir nos barracões, com os moços. Sabe? Nesses barracões aparecem de vez em quando serpentes e cascavel de três metros, da grossura de minha perna. Como não há forma de matá-las, a única solução é as domesticar. E como eu não tenho mão para as serpentes, o grande John me deixa dormir na casa grande.

   A mulher loira começava a lhe olhar com certo cepticismo.

   -Serpentes de três metros? Parece-me que me está tirando o sarro.

   -OH, não, senhora - assegurou-lhe John muito sério-. Eu só minto quando o grande John me ordena isso, como aquela vez que vieram os inspetores de fazenda para investigar sobre suas viagens a Europa e a questão das trinta pessoas que ele protege e se assegura que são filhos ilegítimos deles... embora o mais jovem tem vinte anos, sabe você?

   A mulher rompeu a rir. As gargalhadas eram tão fortes que terminou chorando, assim como sua acompanhante, em vista do qual, Madeline já não se pôde conter mais e também estalou em sonoras gargalhadas.

   -Obrigado, senhor Durango - conseguiu dizer a turista com voz entrecortada-. A próxima vez que ler um artigo sobre você em alguma revista, contar-me-ei entre os poucos privilegiados que sabem que é você todo um descarado. Olhe aluguel a seus empregados pelos cavalos! John emitiu um estalo.

-De vez em quando penso nisso, preocupa-me.

   Dizendo isto, tirou a carteira do bolso e entregou à senhora um cartão.

   -Tome. Sempre posso necessitar uma boa advogada. Se a aposentadoria lhe faz costa acima, não duvide em me chamar. É muito boa para te retirar, neném - acrescentou com uma piscada.

   Ao ver a expressão radiante da mulher, Madeline, encantada, esteve a ponto de jogar-se nos braços do John e lhe beijar.

   -Obrigado - disse a mulher de todo coração-. E agora me pode dizer por onde se vai a Houston?

   Depois daquele divertido incidente, John e Madeline voltaram a montar e se dirigiram para os estábulos, que mais parecia uma residência de luxo para os touros campeões. Ali os animais contavam com calefação no inverno e ar condicionado no verão.

   -É um descarado - brincou para alegrá-lo.

   John nem sequer se dignou a olhá-la, zangado.

 

   -John, como era seu pai? -perguntou Madeline então.

John atirou das rédeas de seu cavalo e a olhou perplexo.

-E isso a que vem?

-Não sei. É que como nunca me falaste dele... Tenho curiosidade.

   John exalou uma grande baforada de fumaça e fixou o olhar no horizonte.

   -Era um homem rígido. Duro. Muito disciplinado e tenaz. Sendo menino passou muitas penalidades, por isso se propôs demonstrar ao mundo inteiro que ele era capaz, por si mesmo, de chegar a ser rico. Fez a carreira militar na marinha antes de comprar Big Sabina e dedicar-se a procurar petróleo. Ao princípio não teve muita sorte, mas com o tempo, fizemos alguns investimentos acertados, compramos mais terreno e o negócio começou a partir vento em popa.

     -E sua mãe?

     -Morreu quando eu nasci.

     -Sinto muito.

     -Ao princípio meu pai não me tinha muita estima. Passaram-se os primeiros vinte dias de minha vida me recordando que eu tinha a culpa da morte de minha mãe. Odiava-me tanto, que me levou a viver com meu tio para não brigar.

   Chegaram frente aos estábulos. John desmontou e se dirigiu à cerca de onde contemplou os imensos pastos. A seu lado, Madeline ficou completamente absorta o olhando.

   Ao cabo de um momento, John lhe perguntou em tom sarcástico:

   -Por que me olha assim? É que tem intenção de me pintar um retrato?

Madeline apartou os olhos.

   -Não, é que estava pensando e fiquei te olhando sem me dar conta.

-No que pensava? Em seu próximo assassinato?

 Ao notar que se adoçava um tanto, Madeline se atreveu a lhe olhar com um tímido sorriso.

   -Não, o assassinato em si, não. Pensava mas bem na arma do crime e demais detalhes macabros.

   John, que estava acendendo um charuto, esboçou um sorriso irônico.

       -Quem vai empunhar a tocha nesta ocasião? Madeline ficou pensativa.

   -Não sei. Tinha pensado em me carregar ao detetive protagonista.

-Não o faça. Seus leitores lhe linchariam.

   Olhou-o um momento em silêncio, com os olhos entreabertos. Madeline estava sufocada pela carreira, e o cabelo revolto lhe caía sobre o peito.

   -Não, a verdade é que não tem pinta de assassina - manifestou John.

   -Pois já vê. Sempre gostei das histórias policiais. Eu adoro resolver crimes. Se não tivesse estado metida no jornalismo, teria gostado de ser policial.

-Me diga, tem saudades da sua época de jornalista?

   Madeline refletiu um momento. Os dias em que era a única repórter e fotógrafo do periódico de sua pequena cidade pareciam perdidos no tempo.

   -Não sei. Não estou segura. De vez em quando penso que daria o que fosse por voltar para isso. Comparado com o que faço agora, era um trabalho imensamente singelo. Não tinha que inventar as notícias; só as reproduzir.

   -Eu acreditava que não era tão difícil encontrar novas maneiras de matar as pessoas - observou John com um sorriso.

   -Pois te surpreenderia comprovar quão complicado pode chegar a ser. A competência é muito forte, sabe? Se não der o melhor de mim, corre o perigo das pessoas deixarem de gostar dos romances.

   -Eu gostei muito A torre dos ruídos.

-Obrigado.

-Alguns detalhes do protagonista... resultavam-me familiares.

   Madeline se ruborizou vivamente. O detetive era um homem alto, largo de ombros, com bigode, debilidade pelo whiskey escocês e o costume de forçar a máquina ao máximo com tal de conseguir seus objetivos. Sim, efetivamente tinha criado o personagem pensando no John.

     -Vai me processar?

-Não, não, justamente o contrário. Se me sentir muito adulado... a protagonista também se parecia bastante a você, sabe? -acrescentou percorrendo-a com um intenso olhar.

Madeline olhou aos olhos com o coração palpitante. -Ah, sim?

   John estendeu então a mão para ela e a segurou pelo decote da blusa, atraindo-a para ele. Uma vez que a teve perto deslizou a mão por cima de seus seios. Naquele momento, Madeline se deu conta de que não levava nada debaixo, e se sentiu perturbadísima.

   John tinha os ardentes olhos cinza fixos em seus redondos seios, que se adivinhavam sob o tecido. Quando seus olhares se encontraram, Madeline não pôde resistir mais a tensão contida e tentou apartar-se, mas ele a impediu rodeando-a com seus braços.

-Não te assuste, neném - murmurou.

   Atraiu-a para ele e lhe acariciou os seios com a mão aberta.

   -John, pode se saber por que esta fazendo? -exclamou Madeline, conseguindo se separar.

   -Você o que achas? Ultrapassei com você. A propósito, o que há sentido?

   Madeline levantou para ele seus olhos trêmulos. Tremia de pés a cabeça, como se John a tivesse despido.

-Nunca havia me tocado assim.

-Porque você não queria. Mas ontem à noite...

John tomou de novo entre seus braços e pressionou sua cintura contra a sua.

-Ontem à noite?

   -Não o negue, Madeline. Estava cega de ciúmes pela Melody. Como se tivesse algum motivo para estar ciumenta! Vêem aqui...

   Então Madeline sentiu pela primeira vez a carícia cálida e áspera da boca do John sobre a sua. Com o movimento insistente de seus lábios, obrigou-a a receber sua língua, enquanto deslizava as mãos sob sua blusa e lhe acariciava as costas. Madeline emitiu um gemido e afundou as unhas nos braços dele sem dar-se conta. Resultava incrível; beijar-se com tanta paixão a plena luz do dia, sob um sol de fogo, e que ele fosse... John.

   -Me beije! -exclamou ele então-. Não queria me tocar antes? Pois não me rechace agora!

   Aquelas arrudas palavras foram para a Madeline como um jarro de água fria.

   -Não quero – disse -. Você e eu somos amigos, e nada mais. John, olhando-a com olhos ardentes, segurou uma das mãos e a levou ao peito, para que ela pudesse sentir os violentos batimentos do seu coração.

   -Olhe como me põe. Sempre foi assim, desde que te conheço. E me diz que só somos amigos? Nada disso.

   -Não!

Madeline se separou dele bruscamente.

-Não quero que ocorra nada entre nós!

-Mas se já ocorreu...

   John a contemplava. Sim, Madeline estava tensa, a rigidez de seus seios se destacava vividamente sob a blusa e sua respiração era dificultosa e entrecortada. Tudo aquilo resultava muito inesperado para ela, mais ainda quando confiava plenamente no John.

-Madeline!

Madeline já tinha selado à égua.

   -É muito tarde para sair fugindo - murmurou John com expressão sombria.

-Não o é. Não voltaremos a nos ver, John.

   -Equivoca-te. Sabe por quê? Porque o que acaba de passar coube a nos dois.

   Madeline se afastou a galope, sem olhar para trás. As palavras do John ressonavam em seus ouvidos...

 

   Madeline passou o resto da manhã pensando no ocorrido. Ela, que acreditava se imune depois do Allen...

   Allen... Levava muito tempo afastada de suas lembranças; mas essa tarde, quando sentou ante a máquina de escrever, ressurgiu com inesperada força, ao compasso do monótono golpear da chuva nas janelas.

   Fazia mais de dois anos... tinha-lhe conhecido em uma reunião, na associação de escritores. Ele era arquiteto, e sonhava escrever uma novela algum dia. Madeline, que acabava de publicar seu primeiro livro, ofereceu-se a lhe dar uma mão. Não conseguiram nada; Allen faltava talento. Mas Madeline se apaixonou por ele.

   Entregou-se a ele em uma noite, algo que lhe deixou um mau sabor na boca. À manhã seguinte, quando ainda não se recuperou da desagradável experiência, ele deixou cair à notícia. Allen lhe suplicou seu perdão depois de lhe falar de seu matrimônio e de seu filho, e do problema que se encontrava. Também se desculpava por seu comportamento aquela noite. Desejava-a tanto... e não sabia que era virgem.

   Madeline se levantou e vagou pela habitação. Aquele tinha sido o pior dia de sua vida. Faltou-lhe muito pouco para derrubar-se. Despediu-se do Allen friamente, sem gritos nem cenas. Depois, sentou-se ante a máquina e trabalhou horas e horas como uma possessa. Quando já era de noite, tomou algumas taças e saiu a passear sob a chuva. Quando quis dar conta, encontrava-se na estrada, em meio de uma torrente de carros que passavam roçando-a. Então apareceu ele, saiu de seu Rolls Royce branco, furioso, e começou a lhe gritar.

   Assim tinha conhecido ao John Durango. A metade de sua furiosa fuga se deteve em seco, agarrou-a em seus braços e a colocou com delicadeza no carro. Levou-a ao seu apartamento da cidade e, uma vez ali, deu-lhe roupa limpa, preparou-lhe um café bem carregado e a obrigou a andar de cima a baixo até que lhe doeram as pernas. Finalmente, deitou-a na habitação de hóspedes.

   Aquele foi o princípio de uma estranha e maravilhosa amizade, que não tinha trocado com o tempo. Em seguida descobriram que tinham um montão de coisas em comum.

   O timbre do telefone interrompeu seus pensamentos. Levantou correndo e segurou, com a vaga esperança de que fosse John.

-Diga? -perguntou com o coração palpitante.

   -Olá! Minha filha, quem esperava que fosse? -disse Donald Durango com uma risada-. Vou ter que lhe dizer ao primo John que tem algum competidor por aí.

-Ah, Donald, é você. Tudo bem?

   -Bem. Ontem à noite partiu tão repentinamente da festa, que não tive tempo de te transmitir meu convite para jantar esta noite. Aceita? Preparei carne assada à pimenta e sobremesa de pêssego.

Madeline jogou um olhar à janela.

   -Não sei. Faz um tempo muito ruim. E hão dito pelo rádio que se esperam tormentas fortes...

   -E por isso não quer vir? Não será por medo a possível reação do grande John se se inteira de que está jantando comigo?

-Não seja tolo. Ao John não tenho por que lhe temer e, além disso, ele não se dedica a me dizer com quem tenho que sair.

   -John tem debilidade por você. E isso que não sabe apreciar como eu sua inteligência e seu encanto, embora acredite que, em parte, é minha culpa. Se eu não tivesse passado tanto tempo com Ellen... John não é o mesmo desde que ela morreu. Enfim, o que me diz do jantar?

   -O jantar? - repetiu Madeline distraidamente -. Está bem, irei.

-De acordo. Passarei para te buscar por volta das cinco e meia.

-Bem. Até mais tarde.

   Madeline pendurou o receptor e ficou olhando-o pensativa. Ao John não ia fazer lhe nenhuma graça que saísse com seu primo; mas, como ele, ela levava sua própria vida.

   Quando Donald foi buscá-la, o céu estava negro e chovia muito forte. Ele estava ao volante de um enorme Lincoln negro.

   -É curioso - comentou Madeline por dizer algo-. Você com seu Lincoln, e John com seu Ferrari. Cada um de vocês escolheu o carro que melhor vai a sua personalidade.

   -O que aconteceu, neném - disse Donald com um sorriso travesso-, é que John só parece conservador, e eu o sou. Nossos respectivos carros vão como anel ao dedo. Verá você não conhece meu primo John tão bem como acredita.

   -Não estou muito de acordo com você - murmurou Madeline, recordando vividamente seu beijo daquela manhã.

   -Seu problema, querida, é que está reprimida. O que você precisa é um homem.

   Madeline lhe fulminou com um olhar assassino, que deixou ao Donald petrificado, sem ânimos de dizer nenhuma outra rabugice.

Um momento depois, ela perguntou:

-O que está fazendo ultimamente?

   -Estou preparando uma exposição, como sempre. Por isso te convidei para jantar; você tem muito bom gosto e poderá me ajude a escolher os vinte melhores tecidos. Trouxe todo o material que tinha no estudo onde trabalho e o reparti pelo salão de minha casa, para que lhe de uma olhada.

-Sinto-me muito adulada.

-Tem razões para isso, porque eu estou acostumado a ser muito resistente a que outras pessoas vejam meus trabalhos antes da exposição. Madeline sorriu.

   -Não acerto a compreender por que trabalha tanto pintando. Tem talento, isso já se sabe, mas, para que quer mais dinheiro se já é imensamente rico?

-Pois porque eu gosto de aporrinhar. Sabe o muito que se zanga John cada vez que exponho em um banco no que ele é o principal acionista.

   Madeline se pôs a rir a seu pesar. Sabia perfeitamente o muito que sofria John naquelas ocasiões em que não tinha mais remedeio que ser amável com seu odiado primo.

-Comparadas com as suas, as rixas familiares do Falcon Crest são jogos de meninos.

Donald a olhou com a extremidade do olho, com cara de menino bom.

   Naquele momento, um relâmpago rasgou as nuvens.

   -Vá! -exclamou Madeline amedrontada-. Prepara-se uma boa tormenta elétrica. Lembra, a última vez veio com tornado.

   -Não se preocupe Madeline. Não é mais que um relâmpago de nada. Se tranqüilize. Depois de estacionar o carro frente à casa do Donald, entraram correndo a casa. Depois de jantar, Donald foi mostrando a Madeline seus diversos quadros de paisagens. Por sua técnica a base de delicados tons bolo, sempre esfumaçados e nebulosos, evocava contos de fadas e gozavam de uma originalidade única. Madeline tinha uma pintura do Donald em sua casa e, sempre que se encontrava deprimida, olhava-a até sentir-se dentro do marco.

   -É estranho - comentou ela-. Suas pinturas respiram tranqüilidade, quando você é tão pouco tranqüilo...

   -Todo mundo necessita um pouco de paz de vez em quando. De repente, um relâmpago iluminou o céu e a casa retumbou dos alicerces ao telhado. Um segundo depois, a escuridão era absoluta.

   -O que passou? - sussurrou Madeline morta de medo.

   -Nada, neném. Deve ter caído um raio por aqui perto e se foi à luz. Mas, não terá que alarmar-se! Acredito que tenho uma lanterna por aqui. Encontrei-a. E agora... caramba! Não tem pilhas.

-Não terá uma vela?

-Sim, há uma aqui mesmo.

-Pois então o acende! - Com o que?

-Com um fósforo, tolo!

-Não tenho fósforos porque não fumo!

   -Pois então arranca duas lascas de seu cavalete e as esfregue até que saiam faíscas. Tenha um pouco de imaginação!

   Donald lançou uma gargalhada terrível, e exclamou com voz teatral:

   -Vêem aqui e me beije, e te asseguro que incendiaremos a casa com nosso ardor!

   Madeline suspirou dando-se por vencida. Naquele preciso momento, voltou à luz.

   -Menos mal! -exclamou-. Odeio a primavera em Houston com tanta umidade, chuva e tormentas.

   -Estou de acordo com você, Madeline, mas agora te esqueça disso e vamos pôr-nos mãos à obra com os quadros.

   Passou uma semana triste e lenta, durante a qual Madeline deu os primeiros passos no trabalho de investigação para sua nova novela. Chamou um amigo dela que trabalhava no departamento de polícia e ficou com ele para que lhe proporcionasse informação a respeito de assassinatos e tráfico de drogas.

   Mas, por muito ocupada que estivesse não podia tirar da cabeça a lembrança de John beijando-a e abraçando-a. O que teria ocorrido se ela, cedendo a seus impulsos, tivesse-lhe aberto à camisa e lhe tivesse acariciado e beijado? Madeline não sabia o que lhe estava passando; só notava que, fosse o que fosse, ia minando pouco a pouco sua força, seu orgulho e sua vontade.

   Na sexta-feira Madeline passou todo o dia próxima do telefone, e cada vez mais zangada porque este não soava. Possivelmente John tinha saído de viagem. Ou, ficando no pior, não tinha intenção de chamá-la. Tendo em conta que lhe havia dito que não queria lhe ver nunca mais, tampouco era uma idéia muito desatinada.

   Sem poder suportar mais a espera nem o silêncio, Madeline desprendeu o telefone e marcou muito depressa, odiando-se a si mesmo por sua debilidade. Josito respondeu à chamada.

-Olá, senhorita! -disse surpreso.

-Olá, Josito. Está John por aí?

-Sim - respondeu o menino em tom vacilante.

-Ou seja, que não saiu que Houston.

   -Não, senhorita. Está aqui, no rancho. Não a chamou a você?

-Não, não me chamou. Onde está agora?

-Se o digo não me vai acreditar.

-Ah, não? Onde está? Venha, Josito, se me disser isso, direi-te quem vai ser a vítima da segunda parte da torre dos ruídos.

-Dirá-me isso? -perguntou o moço entusiasmado-. Então se o conto. John está ajudando a seus homens a fazer os feixes de feno.

 

   -John? Mas se ele odiar esse trabalho. Além disso, com a máquina empacotadora só fazem falta um par de homens.

-A máquina não funciona.

   -Outra vez? Vá. E como o está fazendo? Em forma de Pelotas?

Josito suspirou.

-Não, está-o fazendo como sempre.

-Pois eu não perco isso. Agora mesmo vou a

-Sim, senhorita. Mas agora me diga quem vai morrer.

-Raggins. O velho diabo o merece, não acredita?

-OH, sim! Certamente!

   -Eu também lhe tenho certa mania a esse homem. É pouco tolo. Mas acredito que alegrar-se de um assassinato não está muito bem que digamos, não? Um mundo que se diverte com as tragédias alheias deve estar com falta de julgamento. A você o que te parece, Josito?

   -Isso deixe aos filósofos, senhorita - disse Josito com uma gargalhada-. Eu não entendo.

   -Bom, pois eu vou para lá ver o John. Ouça, não estará de mau humor?

-Deu no prego. Está que joga faíscas, senhorita. Eu espero que algum dia melhore o humor. É horrível passar-se horas mortas preparando uma maravilhosa bolacha, para que ele o jogue logo na sopa para que se abrande «porque está muito duro».

   -Não me diga que te tem feito isso!

   -Sim. E logo esvaziou sua xícara de café em um vaso de barro porque estava muito fraco.

-Pobre planta!

   -Não, pobre planta, não. Pobre de mim. Senhorita, não necessitará uma vítima para sua próxima novela, verdade? -aventurou Josito.

     -Não quererá que mate o meu melhor amigo, né, Josito?

     -Com o humor que tem, não pode ser amigo de ninguém. Não sei o que lhe passa. Muito mal têm que ir os negócios para que esteja assim.

-Bom, pois vou ver se posso lhe alegrar um pouco. Obrigado Josito.

No caminho, Madeline parou para comprar uma caixa de cervejas. O sol estava alto no céu, e apertava o calor; John e seus homens iriam agradecer uma bebida fria.

   Quando Madeline chegou à esplanada; perto do rio, havia dois homens inclinados sobre o motor da máquina danificada, suarentos e vermelhos pelo esforço. John e mais da metade de seus homens estavam carregando os feixes sobre dois enormes reboques. No horizonte se perfilavam nuvens de tormenta; a tarefa devia ser terminada antes que começasse a chover.

   Antes de sair do carro, Madeline contou as cabeças. Sim, havia cerveja para todos. Assim que a viu, depois de um momento, John deixou de trabalhar e foi direito para ela. Tinha o torso nu, queimado pelo sol e suarento. Enquanto avançava, ia tirando as luvas. Sua expressão era tão sombria como as nuvens que se formaram no horizonte.

   Sem dizer nada, abriu a porta do carro e se sentou junto a ela. Olhou-a fixamente.

-Olá - disse Madeline, atacada por um estranho acesso de acanhamento.

-Olá - respondeu ele secamente-. O que faz aqui?

     Ela o olhou, recordando vividamente a sensação daquela boca sobre a sua, e o brilho de desejo que se acendeu em seus olhos ao beijá-la.

       -Pois verá, estou investigando para minha novela. Trago cerveja envenenada, porque estou procurando um voluntário para estudar os espasmos da morte por intoxicação.

     John sorriu involuntariamente e, também involuntariamente, Madeline ficou olhando como se não lhe tivesse visto desde fazia muitos anos.

   -Acredito que poderei te conseguir um par de voluntários - murmurou ao fim com um suspiro.

   Dizendo isto, tirou o chapéu e se limpou o suor da frente com o dorso da mão.

-Puf, que calor faz.

-Quer uma cerveja?

   Madeline lhe entregou uma lata de cerveja, mas John a segurou pela mão e a olhou aos olhos.

   -Não quero cerveja - disse com voz suave-. Ainda não. Você não gosta de cerveja, verdade?

   Madeline negou com a cabeça, estranhamente turvada por seu olhar insinuante.

   John arrojou o chapéu para trás e se inclinou para ela, os olhos fixos em seus lábios.

   -Vou beijar-te antes – sussurrou -. Faz dias que não posso pensar em outra coisa!

Madeline alargou as mãos e lhe acariciou a nuca.

   -Tinha medo de que... estivesse zangado comigo - sussurrou com voz trêmula.

-Não diga nada. Beije-me.

   Madeline sentiu aquele beijo como uma descarga de eletricidade, como uma sacudida que a fez tremer dos pés a cabeça.

   -Meu deus, estava-o desejando tanto como eu, tem que reconhecê-lo - disse ele em um murmúrio apenas audível.

   Voltou a apoderar-se de sua boca e de seu corpo com força possessiva, afundando-a mais no assento. Suas mãos, grandes e ásperas, deslizaram-se por seu pescoço e riscaram o pronunciado decote de seu vestido, tocando apenas seus seios. Fora de si, Madeline arqueou as costas e lançou um gemido que foi afogado pela pressão insistente dos lábios do John.

       -Não posso te acariciar assim diante dos meus vaqueiros. É isso o que quer Satin, que meta as mãos sob seu vestido e te toque a pele nua?

-John!

   Madeline escondeu a cabeça em seu peito e deslizou as mãos sob sua camisa, sentindo a força de seus músculos.

   Os braços do John pareciam devorá-la. Ele também lutava por manter seus impulsos sob controle. Madeline sentia uma dor aguda que lhe procedia da alma, uma dor que não compreendia.

   -Não deveria ter feito isto - sussurrou-lhe John ao ouvido-. Estávamos muito famintos.

   Madeline se tornou um pouco para trás, e lhe contemplou com os olhos cheios de lágrimas.

-Sinto-me estranha.

   -Eu também. Não havia sentido uma coisa assim desde que tinha quinze anos. Não te acendeste você sozinha.

   -Senti a sua falta - sussurrou ela sem deixar de lhe olhar aos olhos.

   -Sei. Eu também senti a sua falta - disse lhe apartando o cabelo do rosto com ternura-. Acreditava que te tinha perdido para sempre, e não sabia o que fazer para remediá-lo.

Madeline lhe acariciou os lábios. Resultava maravilhoso poder lhe tocar sem medo de ser rechaçada.

-Se você quiser, barbeio-me o bigode. Madeline sorriu.

-Não, eu gosto. Eu gosto tanto, que estou pensando em me deixar isso eu também.

-Nem te ocorra, Satin. Já sabe que nem sequer me faz graça que ponha calças.

-É um asqueroso machista - disse Madeline em tom zombador.

-Tem pernas incríveis - disse ele procurando-lhe com o olhar.

-Você também.

 

   -Ah, sabe por que ajudou ao Josito a me banhar quando tinha tanta febre, verdade?

     -Sim, tem umas pernas cheias de cabelos, mas preciosas. A maioria dos homens tem as pernas feias, cheias de cabelos e brancas. As suas são largas e morenas, muito masculinas. John sorriu.

   -Interessante comentário - murmurou com uma piscada-. Eu acreditava que nunca te tinha dado conta de que eu tenho um corpo.

   -É difícil deixar de dar-se conta.

   John segurou uma mecha dos cabelos avermelhados e o retorceu entre seus dedos. Madeline tinha os olhos muito abertos, e os lábios úmidos.

-Me beije - murmurou John aproximando-se.

   Jogou os braços ao pescoço e se beijaram docemente, sem pressa. Quando se separaram, John sorria.

   -Gostaria de ver um balé esta noite? Tenho duas entradas para O lago dos cisnes.

   -Eu adoraria! - respondeu Madeline com entusiasmo. -Passarei para te buscar as seis. Logo podemos jantar em meu apartamento. Encarregarei ao Josito que fique há cozinhar um pouco antes para que esteja pronto o jantar assim que cheguemos.

   -Está distinto, John. Olharam-se longamente aos olhos.

-Você também, carinho. É tão doce... Madeline baixou os olhos.

   -Anda, beba a cerveja envenenada e vai fazer feixes. E se tiver um pouco de sentido comum, tira essa porcaria de máquina velha e compra uma nova.

   -Não - respondeu John-. Atirarei-a quando já não puder dar mais de si. Eu nunca substituí uma máquina que ainda funciona.

-Mas se tiver já dez anos!

   -Eu tenho um cavalo de dez anos, e agora corre melhor que nunca.

-Certamente tem medo de que encarregue a seus maravilhosos mecânicos que o arrumem se marcha mal.

John se inclinou para beijá-la.

-Vou. Até mais tarde.

Saiu com a caixa de cervejas. Madeline o viu afastar-se e pôs em marcha o carro. Alegrava-se de havê-lo levado, porque lhe tremiam tanto as pernas que não tivesse podido andar.

 

             Nessa noite, O lago dos cisnes lhe pareceu mais formoso que nunca.

   As bailarinas flutuavam no cenário como seres fantásticos. É obvio o fato de que John a tivesse segurando a sua mão durante toda a representação não tinha nada que ver com o entusiasmo da Madeline.

   Durante o descanso, no vestíbulo, John fumou um charuto sem apartar os olhos um momento dela. Com aquele vestido de noite dourado, Madeline era o centro de atenção de muitos homens do teatro.

-Eu gosto de como fica com essa cor. Ressalta-te os olhos. Madeline sorriu.

   -Tampouco fica nada mal seu traje. Há uma morena em nossa mesma fila que não deixou que te de olhar nem um momento.

John esboçou um sorriso malicioso.

-Ah, sim? Logo me tem que dizer quem é.

   -Digo nada - disse Madeline em um arranque de ciúmes-. Anda, vamos entrar já.

   John se aproximou dela, segurou-a pelo queixo e a olhou aos olhos.

-Eu gosto que seja assim possessiva.

   -Eu não quero te curvar, John. Certa vez me disse que você não gosta que ninguém te aproxime muito, não sei se te lembra.

   -Falei de outras pessoas, não você - respondeu ele -. Pode te aproximar quanto queira; tenha por seguro que eu não te vou rechaçar.

   -Pois nos últimos dias não tem feito outra coisa - Madeline lhe esquadrinhando os olhos.

John ficou subitamente sério.

-Não sabe ainda por que era? Não lhe imagina?

   Recordando seus beijos, sua maneira de olhá-la e acariciá-la, Madeline começava a compreender cada vez mais o motivo de seu recente comportamento.

   -Assim, me olhe - disse então John com voz rouca.

   -Claro... eu gosto de te olhar - disse Madeline, como hipnotizada.

   -Não é isso o que quero te dizer. Dá-te conta de que está começando a me olhar como a um homem?

   Aquela conversação estava ameaçando fazer ainda mais intrincado o amontoado de confusas idéias que tinha. Madeline baixou os olhos e disse:

-Sempre te olhei assim.

   -Assim não, e você sabe. Há umas semanas tem sido diferente. Diga-me, Madeline, o que se esconde detrás desses repentinos impulsos por me tocar?

-Sou uma pessoa de carne e osso.

   -Disso nada - replicou ele -. Você nunca toca a ninguém, neném, seja homem ou mulher. Foi uma das coisas que me chamou a atenção quando te conheci. Nesse aspecto resultava um tanto fastidiosa.

   -Já sabe que não conheci a minha mãe. E meu pai, embora estivéssemos muito unidos, nunca foi muito afetuoso.

   -Eu não te pedi que te justificasses simplesmente te estava perguntando que por que você gosta de me tocar.

   Madeline teve que reprimir o impulso de pôr-se a correr. Para não fazê-lo, aferrou-se à bolsa com todas suas forças.

   -OH, Meu deus, por que começarei eu estas conversações? -exclamou John olhando ao teto-. O que prefere seguir vendo o balé ou ir casa a ver se Josito já terminou o jantar? Quão único tomei em todo o dia foi sua cerveja. Madeline lhe olhou indignada.

-John! Não me diga que não tomaste o café da manhã!

       -Não tive tempo. A ditosa máquina se rompeu e ameaçava chuva. E quando por fim terminamos, tive que ir correndo a casa tomar banho e me barbear a toda pressa para chegar a tempo ao teatro.

   -E por que não me disse isso? Não teria me importado perder o balé, de verdade. Vamos, não vá ser que te dê um enjôo e tenha que sair daqui em uma maca.

-O que se pensaria toda essas pessoas! Imagina?

   Saíram e tiveram que correr até a Ferrari, porque já começava a cair às primeiras gotas da anunciada chuva.

   -De todas as maneiras, não sei como não te compra uma máquina nova - disse Madeline quando já estavam dentro do carro.

   -É muito difícil arrancar velhos costumes, neném. Quando fui viver com meu pai e começamos a tirar petróleo, empregávamos arranjos provisórios por falta de recursos. Fomos capazes de arrancar um carro da sucata e pô-lo a funcionar com cartões de embalar e forquilhas.

   -Agora pode te permitir ter uma Ferrari e um Rolls. E, ainda assim, estou convencida de que de vez em quando tem saudades dos velhos tempos.

     John acendeu um charuto sem soltar o volante.

   -É verdade. Sabe? Antes eu tinha tempo para montar a cavalo todas as manhãs, como fizemos o outro dia. Madeline contemplava através da janela as luzes noturnas de Houston. Chovia.

   -Também te dedicava a indicar aos turistas perdidos o caminho dos barracões cheios de serpentes?

John se pôs a rir.

-Não me negará que consegui enganar a senhora...

-Sim, até que disse o das serpentes de três metros e o dos filhos ilegítimos.

John guardou silêncio um momento.

-Antes de me casar com a Ellen, em minha casa entravam e saíam muitas mulheres.

Madeline se removeu intranqüila no assento.

-E depois?

   -Vou fazer quarenta anos em Setembro, Madeline - disse John com certa solenidade-. Os negócios me absorvem todas as horas do dia, e pelas noites tenho que dormir. A isso refiro quando digo que tenho saudades dos velhos tempos. Não tinha muito dinheiro, mas dispunha de muito mais tempo.

   -Diz-o como se fosse Matusalém. Mas se você dá cem voltas a todos seus vice-presidentes! -acrescentou Madeline o olhando significativamente.

     -Equivoca-te. A maioria deles tem filhos e se mantêm em forma jogando com eles.

   A Madeline não passou despercebido seu tom amargo.

   -É que você gostaria de ter filhos? -perguntou um tanto surpreendida.

       -A quem vou deixar Big Sabine e Petróleos Durango quando eu morre? A meu primo? -acrescentou olhando-a com a extremidade do olho.

Acabavam de estacionar frente aos apartamentos do John.

-Então o que tem que fazer é te casar.

     Apesar do que acabava de dizer, Madeline não podia suportar a idéia de ver o John casado e com filhos.

       -Que idéia tão original! Posso arrumá-lo com um contrato: dou tantos dólares por uma mulher que me dê um filho varão.

       -Não diga isso! Diz-o com um sangue-frio incrível.

       -É que, tal e como me expuseste isso, seria assim. Sou cínico porque a vida me tem feito assim. Certa vez te disse que não me importava pagar pelo que queria, e assim é; mas dentro de certos limites. Por exemplo, não estou disposto a pagar a uma mulher por ter um filho. Os filhos são frutos do amor, não dos interesses.

   -É um romântico contumaz - comentou Madeline com um sorriso.

-É que você não deseja ter filhos?

   -A mim já passou a idade de ter filhos.

       -Aos vinte e sete anos? Mas se as mulheres têm meninos até os quarenta! O que te assusta é te comprometer, verdade? Você lhe poderia arrumar isso para ter uma relação pouco séria com um homem, mas um filho são já palavras maiores para você...

Madeline sorriu timidamente.

-Conhece-me bastante bem.

   -Não tanto como eu hajo. Nem da maneira que eu quero.

   -A que te refere? -perguntou Madeline sem pensar. John abriu a portinhola do carro e saiu sem lhe responder. Quando chegaram ao elevador, fez sua pergunta:

-De verdade tem medo do sexo?

   Aquilo não esperava Madeline. Ficou petrificada por um momento, mas logo acertou a dizer:

   -E se eu tiver medo? Não sei. Já sabe que só fiz amor uma vez, e foi uma primeira experiência bastante brutal.

-Ele deve ter te feito muito dano.

   Madeline se amassou em seu xale, dolorida pela lembrança.

   -Allen não sabia que eu era virgem, e não se inteirou até que já era muito tarde, quando o tinha feito tudo sem nenhum cuidado. Eu estava loucamente apaixonada pela primeira vez em minha vida, ou isso acreditava. Quão único tenho que lhe agradecer ao Allen é que ensinou a não voltar a cometer nunca aquele mesmo engano.

   -Não tem nada que lhe agradecer - afirmou John tremendamente sério-. Pensa seguir vivendo toda a vida como agora?

   -Como?

Madeline abriu muito seus olhos verdes.

-Sozinha.

-Você também está sozinho.

-Mas nem sempre vou estar - disse ele com evidente segunda intenção.

Madeline lhe lançou um olhar feroz.

-Eu não gosto das aventuras passageiras; além disso, nunca entregaria a um homem só por satisfazer meus instintos sexuais.

-E se esse homem te quisesse e você quisesse a ele? Seus olhares se encontraram.

-Então não sei.

-E se fosse eu? -perguntou ele com voz doce.

Madeline ficou olhando como se acabasse de pronunciar o maior disparate do mundo. John, ao vê-la tão confusa, logo que pôde dissimular um sorriso.

   -O que... vamos jantar? -perguntou então Madeline, vermelha como uma papoula.

John riu baixo.

-Espera e verá.

Josito lhes serviu um jantar delicioso, consistente em carne assada, salada italiana, vinho e pudim de queijo. John comeu com bastante apetite, enquanto que Madeline se limitou a escavar em seu prato contemplando distraidamente as rajadas de luz dos relâmpagos que recortavam no horizonte os arranha-céus de Houston. Assaltava-a idéia de ter ao John por amante e lhe parecia impossível; ainda assim, imaginava sem esforço compartilhando sua cama...

   -Não estava com fome? - perguntou John enquanto se servia uma segunda xícara de café.    

-Não, a verdade é que não - disse ela um tanto violenta.

-Noto-te um pouco incômoda.

   John inclinou a cabeça, olhando-a inquisitivamente aos olhos e acrescentou:

   -É pelo que eu falei, de que se alguma vez havia pensado em fazer amor comigo?

   A Madeline deixou cair à xícara das mãos e o café derramou por toda a toalha manchando-o tudo e ameaçando escorrendo fora da mesa. Felizmente, Madeline se levantou a tempo de salvar seu vestido.

-Bom isso responde a minha pergunta. Josito!

   O moço acudiu correndo e tranqüilizou a Madeline lhe dizendo que a mancha da toalha desapareceria. Enquanto ele recolhia tudo, eles partiram ao salão. John, ainda rindo, tirou a gravata e a jaqueta.

-Meu deus! Que reação a sua!

   -Me escorregou das mãos - disse Madeline muito digna, enquanto tirava os sapatos.

   Depois, acomodando-se no sofá, dirigiu ao John um olhar cintilante.

-Sim, claro.

Madeline olhou as mãos.

   -Muito bem, tenho que reconhecer que não esperava uma proposição desse tipo.

John arqueou as sobrancelhas.

-Ah! Pois eu não me tinha dado conta de que te estava fazendo uma proposição.

-Então, se não ser uma proposição, o que é?

   -Vá! Isso é o que se chama uma pergunta direta. Quão único eu quero saber é se alguma vez pensaste na possibilidade de fazer amor comigo.

-Por quê?

John se inclinou para diante e espremeu no cinzeiro o cigarro que acabava de acender momentos antes.

   -Porque já não podemos voltar atrás. Disse-lhe isso antes e lhe repito isso agora. Agora que te tive um pouco pela primeira vez, não posso resistir, quero mais. A natureza humana é a natureza humana, neném, e você não é menos fraca que eu.

   -Não te precipite...

-Que eu me precipito? -rugiu John no cúmulo de sua paciência-. Tiveste dois anos para te fazer à idéia!

   -É que não quero ser uma propriedade mais, como a Ferrari, o rancho e a companhia de petróleo!

John exalou um suspiro de irritação.

-Pode-se saber por que achas isso?

   -É que... John, você é um homem tão poderoso... Suas coisas as poses.

   -Sim, eu gostaria de te possuir a você. Toda você, da cabeça aos pés!

       -Não grite! -sussurrou ela-. Josito vai ouvir.

   -Com a tormenta que está caindo Josito não vai ouvir nada. Mas se tanto se preocupa...

John se levantou e se dirigiu à cozinha, e ao cabo de um momento voltou com o moço.

-Boa noite, senhorita - disse Josito a Madeline com um malicioso sorriso-. Até manhã, senhor Durango.

   Assim que saiu, Madeline desatou sua indignação.

   -Vê o que tem feito! Seguro que pensa que vai me seduzir!

-Pois é a verdade - respondeu John tranqüilamente.

Madeline ficou a procurar freneticamente seus sapatos.

         -Isso é o que você acredita! Eu vou para casa agora mesmo! Quando se levantou para partir, John se aproximou dela e a segurou pelos ombros.

   -Perdão Madeline - disse olhando-a aos olhos-. Estou-me precipitando.

   Ela ficou confusa, sem saber o que dizer, só acertou a soltar uma gargalhada nervosa. Sentia a pressão cálida e estranhamente reconfortante das mãos do John sobre seus ombros nus.

   -Sinto-me como uma colegial com seu primeiro amor. E é que deve ser que me estou comportando dessa forma. Mas compreende que fazia muito tempo que não tinha um homem tão perto.

   -O que nos está ocorrendo ultimamente é bastante inesperado e novo - disse John esboçando um leve sorriso.

   -Bom... Suponho que nunca te terá encontrado em uma situação semelhante.

-Que situação?

   -Que uma mulher, a que virtualmente já tem conquistada, saia no último momento fugindo espavorida. Dizendo isto, Madeline deslizou suas mãos pela suave camisa entreaberta do John.

   -Suponho que a maioria das vezes é você o que tem que te liberar delas.

   -Sim, mais de uma vez encontrei alguma escondida debaixo da cama. Mas você não é nenhuma conquista nem a aventura de uma noite.

Madeline lhe buscou os olhos com o olhar.

-E então o que sou?

John deixou escapar um profundo suspiro e a abraçou.

   -É especial, por dizê-lo de algum jeito. Confio plenamente em você.

Madeline pôs-se a rir.

-Eu antes confiava em você.

       -Você gostou que te beijasse. Por isso ficou tão nervosa e saiu fugindo. Mas não foi capaz de te manter afastada muito tempo, verdade?

   -Sim - admitiu Madeline apoiando a frente em seu peito-. Não podia suportar a situação em que nos encontrávamos. Não fazíamos mais que discutir, estávamo-nos afastando um do outro. Cheguei inclusive a pensar no que seria te perder para sempre, e não podia suportar a idéia. Tinha que saber se estava zangado comigo.

-Por isso veio correndo ver-me com uma caixa de cervejas?

-Mais ou menos.

Suspirou e logo lhe olhou com um sorriso.

   -Quando vi que te dirigia para meu carro, não sabia se te dava a cerveja ou lhe atirar isso à cabeça. Parecia que iria me bater.

   -Estava de muito mau humor. Pergunte ao Josito que tal me levei durante a semana passada.

-Sim, já me contou algo.

-Assim que esse fofoqueiro...?

-Não te zangue com ele. É um bom menino.

-Eu também o sou se você estiver comigo.

       -Não sempre - murmurou Madeline tentando decifrar os segredos escondidos em seu olhar.

John riscou a linha de seus lábios com um dedo.

-Os homens não revistam ser muito agradáveis quando estão excitados.

     -Vamos deixar esse tema - respondeu Madeline -. Bom, vai dar outra xícara de café, ou vai me levar a sua caverna me arrastando pelo cabelo?

       John levantou as mãos e as afundou em seus suaves cabelos. Sua respiração era cada vez mais agitada.

       Madeline, por sua parte, começava a sentir os efeitos da proximidade do corpo do John. Depois de beijá-la na boca, John deslizou seus lábios pelo rosto da Madeline, como se quisesse aprender cada centímetro de sua pele. Quão seguinte ela soube foi que a levantava em seus braços e a levava até o sofá. Depositou-a sobre seu regaço e a abraçou como a uma menina. Madeline murmurou:

   -Sabe John? Confio completamente em você. É meu melhor amigo e faria por você algo.

   Madeline sentia o ritmo acelerado do coração do John. Seu olhar se obscureceu, e suas mãos tinham cobrado uma força inesperada ao apertá-la contra si. Fora, a chuva e o vento aumentavam.

   Madeline experimentava uma sensação nova em seu corpo. Sob o olhar do John, se deslizou voluptuosamente, arqueando as costas, e seus mamilos cobraram uma rigidez que o fino tecido de seu vestido não pôde ocultar. John, então, beijou-a com paixão e impaciência, como se quisesse devorá-la. Madeline protestou com um fraco gemido, mas jogou os braços ao pescoço e lhe abraçou com toda a força de que era capaz. Ao apartar-se tinha os olhos cheios de lágrimas.

   Então John recapturou seus lábios, esta vez sem pressa, embora com o mesmo ardor. Madeline ficou tensa ao notar sua mão grande e cálida na borda do decote de seu vestido, sem passar daí, tocando-a com uma suavidade insinuante que resultava uma tortura. Quando não pôde mais, Madeline arqueou as costas e murmurou com voz trêmula:

-Por favor, John...!

   -É isto o que quer Satin? -perguntou John, percorrendo com deliciosa suavidade as formas redondas de seus seios. Madeline se estremeceu de prazer. Afundou as unhas nos braços dele, arrastada pela paixão que acendiam nela aquelas carícias.

John segurou uma de suas mãos e a levou até sua camisa.

-Me acaricie, Madeline. Quero que te dê conta do que me faz sentir.

 

   Madeline lhe desabotoou os botões da camisa com certa estupidez.

   Quando esteve aberta, contemplou com prazer sua pele morena coberta de pêlo escuro. Depois deslizou as mãos por seus ombros, por seu estômago, sentindo sob seus dedos a força e a solidez de seus músculos. Era a primeira vez que acariciava a um homem com tanto desejo, a primeira vez que via tanto prazer no rosto de um homem.

-John, é maravilhoso. Não sabe o muito que me importa. Importa-me... muitíssimo.

-Você... você também a mim - respondeu ele com certa estupidez, como se não estivesse acostumado a dizer coisas assim. Madeline riu brandamente.

   -Por isso vejo, chegou o momento das confissões, não?

-Isso parece.

   Madeline apoiou a cabeça em seu braço e o olhou com um sorriso insinuante.

-por que não me beija um pouco mais?

   John a estudou com os olhos entreabertos e deslizou insinuante mente um dedo por seu pescoço e por cima de seus seios.

   -Porque eu não gosto de deixar as coisas pela metade. Algum dia você e eu faremos amor - disse enquanto riscava no assombrado corpo da Madeline uma carícia nova que a fez tremer sob seu olhar atento-. Faremos amor, compreende? Mas até então não podemos nos excitar muito um ao outro para acabar em nada.

-Ainda não... É melhor - disse Madeline em tom que tinha um pouco de súplica.

     -Ainda não, neném - disse ele com ternura-. De todas as formas, hoje é um mau dia, porque estou morto de cansaço e amanhã tenho que estar no aeroporto para pegar um avião às sete da manhã. Mas temos que fazer amor, asseguro-lhe isso.

O silêncio cresceu entre eles, ao compasso de seus olhares.

-E logo, o que? -perguntou finalmente Madeline.

-Isso dirá o tempo.

   -Mas é que eu não quero te perder - murmurou Madeline aconchegando-se contra ele.

   -Não se preocupe Madeline. Eu sempre estarei com você. A respiração da Madeline se voltou dificultosa e entrecortada de repente, como se tivesse sofrido uma forte impressão. John, você nunca me chama Madeline.

-Satin vai melhor - respondeu ele.

   Enquanto isso tinha levado as mãos a suas costas e, muito lentamente, começava a lhe baixar o zíper do vestido.

A voz da Madeline protestou sem energia.

   -John... -disse lhe sujeitando a mão-, não levo roupa interior debaixo.

-Sei - respondeu ele com um sorriso malévolo.

-Acaba de dizer que você não gosta de deixar as coisas pela metade.

-Pode ser que tenha trocado de opinião. Deixa-o.

   E dizendo isto, livrou-se da mão da Madeline e lhe baixou o vestido até a cintura. Contemplou sua nudez por um longo momento, sem pestanejar.

-É preciosa - disse com ternura.

   John a fez recostar-se em seu braço e lhe acariciou a pele suave de seus seios com movimentos leves e lentos. Madeline estremeceu em um gemido.

-Não tenha medo.

   Então se inclinou e percorreu a suavidade de seu seio com os lábios. Madeline, aturdida por aquela sensação cálida e úmida, agarrou-lhe pela cabeça, não sabendo se lhe apartar ou lhe apertar mais contra si.

Enquanto isso, John tinha deslizado os braços por debaixo dela para aproximá-la mais a seus lábios.

Madeline sentiu a dureza de seus dentes em sua pele, e se estremeceu como se a tivessem cravado com cem agulhas. Então John a beijou riscando um caminho ascendente, em busca de sua boca. Quando a teve, apoderou-se dela com voracidade. Nesse momento, sentiu a respiração pesada do John em seu ouvido e um estremecimento que a sacudiu com violência.

-John? -sussurrou.

   John se estendeu no sofá levando-a a ela sob seu corpo, sem deixar de beijá-la um momento.

   Sua excitação se fazia já evidente, e Madeline lhe devolveu as carícias com a mesma ternura que ele punha nelas, com a mesma delicadeza cheia de desejo.

-Deseja-me... muito, verdade? -sussurrou em um momento em que conseguiu falar.

-Sim, mas posso me controlar.

Mas sua voz trêmula e a tensão de seus braços, diziam o contrário.

   Madeline respirou profundamente. Tantas emoções novas a transbordavam; sentia-se a ponto de estalar. Quão único desejava nesse momento, com todas suas forças, era dar ao John o que tanto necessitava.

-De verdade... está tão cansado?

   -Sim, estou cansado. Mas vamos fazer algo maravilhoso, porque quero ir muito devagar com você. Deixe tomar, neném. Deixe-me te amar. Quero lhe ensinar quão maravilhoso é fazer amor quando as duas pessoas... importam-se mutuamente - sussurrou com voz rouca.

Madeline sentiu um calafrio.

-Eu o único que desejo é te agradar. E quero te dar isso tudo.

       -Eu também lhe vou dar isso tudo. E não quero sexo. Quero fazer amor com você. Quero te possuir e ser possuído por você. Quero dar e receber. Quero unir nossos corpos, nossas mentes, nossas almas... Quero me unir completamente com você, só com você.

   E então se apoderou de sua boca como se estivesse morto de sede e só pudesse saciá-la nos lábios dela. Madeline o abraçou com ternura, e naquele mesmo momento se deu conta de que não tinha nada que temer porque o amava, amava-o de verdade.

-Só com você - repetiu então.

   E se deixou levar em seus braços pelo escuro corredor até a calidez remota de seus lençóis.

 

   Ainda chovia muito quando o táxi dobrou a esquina da rua da Madeline.

-Noite chuvosa e tempestuosa temos! - comentou o taxista-. Em minha vida tinha visto relâmpagos tão fortes. Note-o que tem feito um raio nessa casa!

E era precisamente a casa da Madeline. O velho carvalho, arrancado do solo, veio abaixo esmagando em sua queda o pequeno Volkswagen e o teto do salão.

     -Meu deus! Por favor, pare. Essa é minha casa. Que desgraça! O homem a olhou com gesto compassivo e a deixou ali mesmo. Imóvel, Madeline sentia mesclá-la chuva com suas lágrimas enquanto contemplava aquele desastre. O carro estava destroçado, e quanto a casa...

   Ela não era uma mulher débil; pelo geral sabia sair graciosa das situações difíceis. Mas naquele momento tudo se via negro e lhe tivesse gostado que John não estivesse em Denver para poder lhe chamar.

   Quantas vezes haviam dito John que cortasse a ditosa árvore!

-Madeline!

Donald Durango acabava de sair pela porta da vizinha. Madeline correu a refugiar-se em seus braços.

-Graças a Deus! - exclamou ele -. Estava-me voltando louco te buscando. Pode-se saber onde estava?

     -Isso é o de menos - gemeu Madeline, que não queria responder-. Olhe minha casa. Olhe meu pobre carro! OH, Donald! Secou as lágrimas com o reverso da mão.

   -Ia entrar agora mesmo a preparar um café... - murmurou chorando desconsoladamente.

   -Anda venha para casa comigo. Pode ficar em meu estúdio, se quiser, porque agora vou passar-me uma temporada sem pintar. Deixo-lhe isso até que lhe arrumem o telhado. Já verá como não é tão terrível.

   -Meu carro! -soluçou Madeline, que não saía de seu atordoamento.

   -De todas as formas, necessitava um novo. O motor do Volkswagen parecia uma porcaria.

   -Mas se estava bem. Ainda podia agüentar uma temporada mais.

   -Tudo se pega menos a formosura, diz o refrão. Nota-se que freqüenta a companhia do John. Esse carro estava já para atirá-lo à sucata, querida.

Madeline se olhou o vestido, que estava empapado.

-Não tenho roupa!

   -Fique aqui. Vou ver se posso entrar e te trago algo. Parece que a árvore só alcançou o teto do salão. O resto está bem.

-Mas talvez seja perigoso que entre, Donald.

-Não se preocupe.

   -A senhorita Rose... -exclamou Madeline alarmada.

   -Está perfeitamente - tranqüilizou-a Donald-. Quando vi este desastre fui correndo a sua casa. Depois te estive chamando como um louco toda a noite. A senhorita Rose me disse que ontem passou a te recolher um homem com uma Ferrari e que ainda não havia retornado. É uma mulher muito observadora, e uma romântica terrível. Estava convencida de que John e você lhes tinham fugido com a intenção de lhes casar.

Madeline se tinha posto vermelha até as orelhas.

-Pois se equivocava a pobre.

 

-Bom, bom, não me dê explicações, porque não é meu assunto - disse Donald, embora seu olhar curioso lhe desmentisse — vou ver o que se pode resgatar daí dentro.

Madeline ficou ali, sob a fria chuva.

A sua mente acudiu os momentos vividos com o John aquela noite. Podia sentir ainda o roce de seus lábios em cada dobra de sua pele.

Pela manhã, ao despertar, sua atitude tinha sido distinta. Ele havia se mostrado reticente, e ela, tímida e turvada. John lhe disse que falariam com tranqüilidade quando ele voltasse de Denver. Depois a tinha deixado no táxi e havia tornado a entrar na casa sem olhá-la sequer...

-Hei-te dito que se quiser que nos partamos já - gritou-lhe Donald ao ouvido-. Fechei as habitações que não foram danificadas para que não entre água. A árvore só causou imperfeições no salão, e acredito que tampouco são muito graves. O pior vai ser retirar a árvore.

-Bom, já chamarei a alguém. Agora eu gostaria de me trocar; estou ficando gelada.

-Vamos então. Tenho o carro estacionado na casa da senhorita Rose.

   Assim que ficaram em caminho, o jovem lhe fez a fatídica pergunta.

       -Bom, quer-me dizer onde estiveste em realidade? Já sei que não aconteceu toda a noite com o John; conheço-te muito bem para pensar isso.

       Madeline riu para seus atentos. O olhou com um sorriso logo que esboçado, e se deu de ombros.

       -Morre de curiosidade, né? Pode ser que tenha cometido algum assassinato, como trabalho de investigação para meu próximo livro.

     Donald suspirou tristemente.

     -Claro, e agora me acusarão de cumplicidade.

 

   Madeline se pôs a rir, recostando-se no assento.

   -Donald, agradeço-te muito que me deixe seu estúdio. Não o necessitará para receber A... algum amigo? -disse com um ritintín zombador.

-Pois isso é você precisamente, uma amiga.

   -O que não sei é o que vai passar quando John Durango se inteire de onde estou.

   -A senhorita Rose te ofereceu uma habitação em sua casa - assinalou Donald.

   -A senhorita Rose é membro da Associação Histórica de Viúvas de Guerra, se por acaso não sabia.

-E?

   -Porque de vez em quando gostam de recordar a Primeira guerra mundial. Reúnem-se umas quantas anciãs e recitam poesias, cantam canções militares, e tudo isso.

   -Conhecendo a senhorita Rose não me surpreende nada. Além disso, pensou Madeline para si, ela preferia a tranqüilidade da casa do Donald. Não lhe importava a possível reação do John porque, por muito maravilhosa que tivesse sido aquela noite, ela não estava disposta a ser tratada como uma propriedade mais.

   O estúdio do Donald era uma grande habitação encostada à parte traseira de sua casa.

   Constava de um amplo salão com uma cama, um quarto de banho completo e uma cozinha. A sala estava um pouco desordenada, com quadros a terminar em qualquer parte, mas Madeline não se importava, porque ela quão único necessitava para escrever era uma mesa com boa luz.

   Quando desempacotou a mala que Donald tinha tirado de sua casa, sentiu falta da roupa interior e da máquina de escrever. Assim que pudesse dispor de um carro, teria que voltar ali para procurar essas coisas tão necessárias.

   Depois de tomar banho e de vestir-se, foi a casa procurar o Donald.

   -Ouça, importa-te que pegue um de seus carros? -perguntou sem mais preâmbulos-. Tenho que começar a procurar um substituto de meu Volkswagen.

   -Não tenha pressa. Pode usar meu Lincoln quando o necessitar.

   -O Lincoln é muito grande - disse Madeline, embora seja uma desculpa porque não gostava de depender de ninguém-. Verá, é que eu sem carro não faço nada. Por que não acompanha a uma loja de venda de carros? Tem tempo?

   -Já sabe que por você faço algo.

Saíram no enorme Lincoln.

   -Bom, e que tipo de carro quer? Um Fiat, uma Ferrari...?

-Não, um Volkswagen - disse ela com firmeza.

-Mas se você não é uma escritora morta de fome, nem muitíssimo menos.

   -É que eu gosto dos Volkswagen. Consomem pouca gasolina, correm muito e são muito preparados.

   -Deus me atira. Vamos anda, antes que ponha a falar com o carro.

   Quando tiveram terminado com a compra, que finalmente resultou ser um pequeno Volkswagen amarelo, virtualmente exato a seu malogrado carro, Madeline foi a sua casa. Quando chegou, já estavam os pedreiros ali, acabando de retirar o enorme tronco derrubado. Ao ver seu carro esmagado lhe encolheu o coração como se se tratasse de um velho amigo. Depois entrou na casa pegou as poucas coisas que necessitava, e voltou para estúdio do Donald.

     Transcorreram dois dias sem que recebesse notícia alguma do John; dois dias que passou sentada ante a máquina de escrever, trabalhando arduamente na caracterização dos personagens e os cenários da segunda parte da Torre dos ruídos.

       Em muitos aspectos preferia o método de trabalho que estava acostumado a seguir quando escrevia pelas noites, depois de voltar da revista onde trabalhava.

       Então aproveitava melhor o tempo, porque quando deixou a revista e se dedicou por inteiro a suas novelas, adquiriu alguns maus costumes, tais como ir à agência de correios todas as manhãs a recolher a correspondência. Isso significava que não ficava a trabalhar até bem tarde da manhã; além disso, acrescentando a isso a interrupção da comida, sua inspiração se via bastante prejudicada.

   As lembranças também lhe impediam de concentrar-se. Lembranças da larga e turbulenta noite passada com o John Durango. John tinha sido extremamente paciente e tenro; soube refrear seus desejos o tempo necessário para que Madeline sentisse plenamente o momento final. Mas a segunda vez foi diferente; John a amou sem contemplações, apaixonadamente, chegando a perder o controle. Depois se tinha desculpado por isso, coisa que a Madeline sentiu saudades.

   Madeline havia oposto certa resistência ao princípio, recordando com certo medo a dor passada. Mas John soube acalmá-la com suas suaves palavras e com suas mãos cheias de ternura.

   Depois a tinha acariciado e beijado até que ela teve que lhe suplicar que acabasse de uma vez aquela deliciosa tortura. E assim tinham passado toda a noite de chuva, raios e trovões, um nos braços do outro, até que o amanhecer se fez visível depois das cortinas.

   John só pôde dormir uma hora, porque tinha que partir em viagem de negócios a Denver. Depois de ouvir o despertador, Madeline lhe olhou vestir-se sem atrever-se a sair da cama por pudor. Ele, dando-se conta, sem dúvida, não disse nada e saiu da habitação quando ela foi se vestir.

   Logo que falaram. Acompanhou-a ao táxi, e Madeline advertiu em seus olhos cinza um olhar culpado, cheia de angústia, arrependida.

Madeline sacudiu a cabeça relendo o único parágrafo que tinha escrito em toda a manhã.

Por que se tinha despertado assim John se de noite foi tão carinhoso, tão tenro?

-Se te fizer mal, diga-me tinha-lhe sussurrado no último momento-. Não quero te fazer dano, quero que seja perfeito. Perfeito...

-É maravilhoso.

   E então se havia sentido inundada em muitas sensações novas; um prazer que raiava na loucura.

Madeline fechou os olhos, afligida pela lembrança.

     Levantou-se e tampou a máquina de escrever. Dava-se por vencida; se seguia pensando no John não ia poder trabalhar, assim preparou um sanduíche de queijo e uma xícara de café. Com um pouco de sorte, mais tarde recuperaria a inspiração.

     Mas as nove, já que não tinha adiantado nenhuma linha, decidiu abandonar por completo, tomar banho e partir cedo à cama.

       A sensação cálida e tonificante da água sobre sua pele voltou a lhe trazer lembranças sensuais de carícias. Fechou os olhos, exasperada. Não, não queria recordar.

       Entregou-se ao John uma vez, e daí a converter-se em sua amante só havia um passo. Mas ela não estava disposta! Não queria ser a amiguinha do John, um zero à esquerda. No fundo lhe parecia imoral manter uma relação dessa índole, à vista de toda Houston.

Saiu da ducha, secou-se e se escovou cuidadosamente o cabelo.

 

   Sumida em suas reflexões, saiu à sala completamente nua e de repente ouviu uma forte portada e alguns passos. Antes que pudesse dar-se conta de que alguém se aproximava pelo jardim, a porta do apartamento se abriu de repente e apareceu a figura furiosa do John Durango.

 

         Madeline o olhou alucinada.      

-Estava esperando meu primo? - perguntou John friamente olhando-a de acima à abaixo.

Ela se envolveu na toalha com mãos trementes.

-Não esperava ninguém.

   -Que demônios está fazendo aqui? -inquiriu John em tom autoritário.

   Madeline levantou a cabeça em atitude orgulhosa. Tinha avermelhado ligeiramente, e os olhos brilhavam.

-E você que te importa?

-É capaz de me dizer uma coisa assim depois do que vivemos juntos? -rugiu John.

Madeline avermelhou vivamente e desviou o olhar.

   -Acreditas possivelmente que depois da outra noite é já meu amo e senhor?

-Deixa de responder a minhas perguntas com mais perguntas!

   -Estiveste em minha casa? -perguntou então Madeline -. Sabe o que passou?

-Sim, estive em sua casa - disse John empalidecendo ligeiramente-. Deveria haver me deixado uma nota na porta - acrescentou em tom de recriminação -. Tive que tirar a senhorita Rose da cama para lhe perguntar se estava viva. A propósito, ficou muito surpreendida e me contou não sei que história de que nos tínhamos fugido.

-A senhorita Rose é uma romântica incurável.

-Não podia te haver dignado a chamar o Josito para dizer que estava bem?

   -Sinto muito - desculpou-se Madeline-. Estava tão desgostada que nem sequer parei para pensar. Tive que comprar um carro, chamar os pedreiros... e buscar um lugar para viver. A árvore esmagou o teto!

   -Pois quando passei por lá não havia nenhuma árvore - replicou John.

   -Como quer que siga aí? Os bombeiros já o retiraram.

   -Este assunto não tem nem pé nem cabeça. E ainda não me explicaste por que está aqui!

   -Eu não tenho por que te dar explicações de nada. Sou uma pessoa livre, responsável e maior de idade, e já faz muito que ninguém me diz o que tenho que fazer.

   -Ah, isso você acredita? - disse John com uma fria careta.

   -Não, não acredito. Sei. John, não quero seguir discutindo com você.

-Está vivendo com ele?

   -Mas, que desatino é esse, John! É obvio que não! Pelo amor de Deus, o que pensaria as pessoas!

   -As pessoas já estão pensando, se for isso o que te preocupa - replicou John friamente-. Ou é que acreditava que ninguém se ia dar conta?

   Madeline fechou os olhos, e uma forte quebra de onda de calor lhe golpeou o rosto.

-Em algum lugar havia que viver não?

-E por que não na casa da senhorita Rose?

-Pois por culpa da Associação Histórica de Viúvas de Guerra, por isso.

-Podia ter vindo comigo.

   Madeline empalideceu ao lhe escutar. Viver com ele, estar com ele, comer frente a ele, compartilhar sua vida...

John se aproximou dela, seu gesto ainda era duro, embora seus olhos se adoçassem um pouquinho. Segurou-a pelos ombros e a olhou atentamente.

-Venha viver comigo - sussurrou.

   E a beijou meigamente nos lábios, pondo em perigo todas as defesas que Madeline tinha levantado em sua imaginação.

-Não posso - sussurrou ela.

-Mas você quer - objetou John-. Ou não?

   Então a levantou como uma pluma entre seus braços e beijou seus lábios entreabertos com um pouco mais de paixão.

     -Lembra-te da outra noite, Madeline? Você me suplicava...

-Não!

Madeline lutou por largar-se dele, odiando-se a si mesmo por sua debilidade e a ele por sua fácil vitória. Assim que John a tocava se rendia!

-Sim.

   Sem saber como havia chegado até ali, Madeline se encontrou de repente sobre a cama, sentindo o calor e o peso do corpo do John sobre o seu.

   -Quanto pesas... – gemeu quando por fim John deixou de beijá-la.

John esboçou um sorriso.

-A culpa é da roupa, não minha.

Sua respiração se fazia cada vez mais agitada à medida que percorria com seus lábios suas bochechas, o contorno de sua boca, seu pescoço, seu decote, a branda redondez de seus seios que revelavam a intensidade de seu próprio desejo ao endurecer-se sob a tenra carícia.

-Me ajude a me despir - sussurrou John com voz sensual. Madeline elevou as mãos e lhe sujeitou o rosto perto de seus olhos.

-Temos que falar.

-Agora não - respondeu John riscando a linha de seus lábios com um dedo-. Meu deus! Não sabe quanto senti a sua falta. Só podia pensar em nós, recordava a cada momento o tato de sua pele contra a minha, seus gemidos...

-Não! -soluçou Madeline apartando o rosto.

John se apartou e a percorreu com um atento olhar.

-É que te envergonha disso. Sim, vejo-o em seus olhos - sussurrou.

-Sim, envergonho-me - conseguiu dizer-. Deixe-me, John. Por favor.

Sem dizer uma palavra mais, John se levantou da cama. Madeline se voltou a cobrir com a toalha e se incorporou vermelha como uma papoula. John a observava com as mãos metidas nos bolsos.

   -Fala de uma vez, maldita seja! Diga-me o que tem de mal para que te envergonhe!

   Nesse momento, Madeline odiava a ele tanto como a si mesmo.

   -Nós tínhamos uma maravilhosa amizade - conseguiu dizer ao fim-. Acabamos com ela. Por que teve que fazê-lo? Por que danificou tudo?

   -Eu não te obriguei a nada - disse John com voz gélida.

   Madeline fechou os olhos.

     -Não, não me obrigou. Limitou-te a te aproveitar de meus sentimentos. É como outros John Durango! Todos os homens vão pelo mesmo! Surpreende-me sua paciência para esperar dois anos, quando há tantas Melody pelo mundo... John empalideceu intensamente.

-Então... para você não foi mais que isso? Madeline se pôs a rir.

-E que mais quer que seja? Sentia-se orgulhosa de quão bem ocultava sua debilidade. Então John ficou a olhar a seu redor como um louco.

     -Me diga uma coisa, como é que vieste aqui? É que estava meu primo sentado no alpendre te esperando?

-Quando cheguei a casa depois de estar com você encontrei a árvore caída, o carro esmagado e a casa feita um desastre. Você se encontrava de caminho para Denver e Donald estava me esperando na casa da senhorita Rose. Ofereceu-me sua casa; não podia me negar.

-Como que não podia? dizendo-lhe que não, tivesse sido suficiente. Você respira a afeição de meu primo por você dês do dia que lhes conheceram. Eu o tolerei porque não queria pôr em perigo nossa amizade. Mas viver em sua casa já é muito. Isso não o passo.

-Aflige-me sua confiança.

-Não se trata de confiança - disse John com um suspiro de cansaço-. A outra noite, eu acreditei que nós começávamos algo duradouro, algo muito mais importante que uma aventura passageira. Mas já vejo que você não compartilha sua vida. Você sabe como é meu primo; e o que sente por você. Se tanto te empenha em viver perto dele, será porque corresponde a seus sentimentos. Tentei desprezar essa possibilidade, mas agora vejo que é certa.

-Eu não tenho nenhum sentimento oculto pelo Donald! -replicou Madeline.

-Pois me demonstre isso e venha a minha casa.

-Não.

-Aí está a prova. Prefere a ele antes de mim.

-Isso não é verdade! - gritou Madeline ficando de pé-. John, você te equivoca. Eu não me deito com seu primo!

   -Você, com meu primo... - murmurou.

   -Donald. Chama-se Donald. Por que não lhe chama alguma vez por seu nome?

     -Chamavam-me? Parece-me ter ouvido meu nome. Donald apareceu na soleira da porta, em pijama, com uma garrafa de champanha em uma mão, duas taças de cristal na outra, e um sorriso zombador nos lábios.

-Me perdoe por ter demorado tanto, carinho...

John explodiu. Aproximando do seu primo com um murro tão forte, que foi aterrissar na metade do tapete, em meio de um barulho de cristais quebrados. Milagrosamente, a garrafa de champanha ficou intacta.

   -Mas, primo John, que maneiras são esses? -perguntou Donald esfregando-a mandíbula.

   John não se dignou em responder. Seu terrível olhar se posou no rosto pálido e desencaixado da Madeline, que assistia à cena sem dar crédito a seus olhos. John olhou primeiro a ela e logo ao Donald com gesto de recriminação e desprezo. Depois deu meia volta e partiu.

   Madeline se voltou para o Donald com gesto acusador.

   -Pode-se saber que diabo te colocou no corpo?

   -Maisie me há dito que John acabava de chegar perguntando por você e quis lhe obsequiar com um recebimento amigável.

-Ah, sim?

-Não te zangue, neném, já sabe que de vez em quando me atacam alguns impulsos insuportáveis de cravar um pouco ao velho John. Viu que cara pôs? Minha mãe!

-Donald, faz o favor de te tirar de minha vista quanto antes.

Donald suspirou arrependido.

-Sinto muito, Madeline. Amanhã recolherei os cristais quebrados. Tome cuidado, não os vás pisar. Até a manhã.

Madeline não lhe respondeu. Quando teve partido, pôs-se a chorar desconsoladamente e se meteu na cama. Como não teria dado conta de que o estava jogando tudo a perder a noite que sucumbiu ao John?

   Já não galopariam o dia inteiro os dois no mesmo cavalo, nem iriam mais noites ao balé, nem veriam juntos televisão comendo pipocas. Já não receberia mais chamadas do John a altas horas da noite porque ele se encontrava sozinho e precisava falar. Perder ao John era como perder uma parte de sua vida...

   Bom! Era um consolo pensar que ainda ficava sua liberdade e sua independência, por muito vazias que estas lhe parecessem sem o John.

 

À manhã seguinte, Madeline, pálida e triste, saiu cedo de casa para encontrar-se com seu amigo o policial. Quando ia entrar no carro, Donald saiu a seu encontro.

-Bom dia – disse -. Perdoe-me por ontem à noite. Que tal está?

   Madeline não se pôde resistir a seu sorriso de menino, e se esqueceu imediatamente de seu rancor.

   -Estou bem. De todas as formas, não se sinta culpado. De um tempo a esta parte, John e eu vamos de discussão em discussão.

-É uma garota estupenda. Aonde vai?

-A Rena'S.

Rena's era um restaurante do centro de Houston.

-Estou começando com as investigações para meu próximo livro.

Donald franziu o sobrecenho.

-Suponho que saberá que John freqüenta esse restaurante, não?

Madeline não tinha pensado nisso. O que menos gostava naquele momento era encontrar-se com John. Mas já era muito tarde para chamar o sargento Mulligan, não havia tempo.

-Que tenha sorte, Madeline.

-Obrigado, Donald. Adeus.

 

   Madeline conheceu sargento Mulligan quando trabalhava na revista, e após tinha sido uma de suas mais valiosas fontes de informação.

   Conversaram amigavelmente enquanto saboreavam deliciosos espaguetes.

   O sargento, homem de grande experiência por seus vinte anos de serviço nas ruas, descreveu-lhe detalhadamente o mundinho da droga; os distintos tipos de maconha, de que países eram importados, os traficantes, os preços... tudo. Madeline apontou a informação em seu caderno de notas.

   -É assombroso, verdade? - comentou o policial-. Eu levo trabalhando toda a vida nisso e ainda me fascina. Madeline se pôs a rir, mas seu sorriso se esfumou quando seus olhos se chocaram com a alta figura de um homem vestido com traje cinza que a olhava com olhos chamejantes.

-OH, não! -sussurrou.

O sargento Mulligan seguiu a direção de seu olhar.

-É teu amigo?

-Boa pergunta. Isso eu gostaria saber.

John Durango se separou de seus acompanhantes e se dirigiu para a mesa da Madeline com passo enérgico e terrível. Ela pôs-se a tremer, temendo algo.

   -Pode-se saber a que joga? - perguntou sem mais preâmbulos, jogando um olhar de soslaio ao sargento-. Hei-te dito que tínhamos terminado assim não te vai servir de nada me perseguir.

-Que eu te persigo?

-Não, não me persegue. Limita-te a vir ao meu restaurante favorito.

-Estou comendo com um amigo - respondeu Madeline friamente-. Não te perseguindo. Eu não me dedico a perseguir homens presunçosos como você.

 

-Tem o gosto bastante quebrado, Madeline. Seu acompanhante é muito velho para você.

-Não te deixe enganar pelo rosto, filho. Embora não o pareça, acabo de sair do instituto - disse Mulligan em tom sarcástico.

   Ao John não fez nenhuma graça. Naquele momento parecia que não tinha sorrido em sua vida.

   -Já que está tão desesperada que vieste a me buscar, estou disposto a falar com você.

Agarrou uma cadeira e se sentou entre a Madeline e o sargento.

-Diga a seu amigo que se vá.

-Disso nem pensar. Eu não tenho nada que te dizer.

-Ah, não? -respondeu John medindo ao Mulligan com o olhar-. É você um personagem dos baixos recursos, desses com os que Madeline se trata para solicitar informação?

-Não! -respondeu Madeline ao limite de sua paciência-. Além disso, eu não conheço nenhum personagem dos baixos recursos.

-Ah, não? E aquele contrabandista retirado com o que te escrevia?

-Quer-te calar?

Madeline lançava angustiadas olhadas ao Mulligan, que fazia se desesperados esforços por conservar seu sorriso.

-Assim não vamos a nenhuma parte - anunciou John-. Venha comer comigo e falaremos tranqüilamente de ontem à noite.

-Eu não quero comer com você - anunciou Madeline.

-Você vai comer comigo, queira ou não. Madeline esboçou um sorriso.

-Se insistir. Toma, prova meus espaguetes.

E, sem deixar de sorrir, Madeline agarrou seu prato de espaguetes e o derrubou sobre o John. O molho de tomate correu em seu colo e por suas pernas, estragando o muito caro tecido das calças.

   Quando chegaram ao estacionamento, o sargento Mulligan ainda tinha lágrimas nos olhos de dando que riu.

   -Nunca esquecerei a cara do Durango. A partir de hoje decidi não te levar a contrária nunca, Madeline.

Madeline também ria a mandíbula batente.

   -Eu não sei o que foi melhor, se o molho de tomate ou o susto o qual levou a inteirar-se de que foi policial depois de todas as barbaridades que há dito.

   -Sinto que não pudesse terminar a comida. Quer ir a outro lugar a ver se lhe deixam terminar isso?

   -Não, obrigado, me tirou o apetite. Agradeço-te muito a ajuda que me emprestaste. Se alguma vez me necessitar para algo, já sabe onde estou.

   Horas depois, quando Madeline se achava no apartamento passando a limpo suas notas, começou-se a perguntar se teria feito bem se negando às tentativas do John. Possivelmente o que ele queria era desculpar-se por suas acusações de antes. Possivelmente queria reconciliar-se.

   Ou possivelmente quão único procurava era voltar para a cama... porque John lhe tinha pedido que fora a viver a sua casa, mas não que se casasse com ele.

   E o que mais doía a Madeline era que John a considerasse como uma mulher a mais.

   Pouco a pouco, tinha ido chegando à conclusão de que o que mais desejava no mundo era compartilhar sua vida com o John; ter filhos deles, lhe amar para sempre. Mas não estava disposta a ser relegada a um rincão escondido, como um entretenimento vergonhoso que não quer dar a conhecer resto das pessoas. Levantou-se de seu escritório e olhou pela janela. Seguia-se assim, John ia acabar com ela antes que ela terminasse com o livro. Não recordava haver-se sentido tão vazia e tão só nunca em sua vida.

   Transcorreram vários dias sem que Madeline saísse daquele estado de depressão. Custou-lhe um enorme esforço de vontade não chamar o Josito para averiguar se John se encontrava ou não em Houston. Em meio de sua tristeza imaginava saindo com o Melody pela cidade, sem lhe importar absolutamente que Madeline tivesse desaparecido de sua vida para sempre. Ao fim e ao cabo, eram incontáveis as mulheres que aspiravam a compartilhar sua cama. E ela era uma mais, provavelmente como resultado da daquela noite havia perdido todo o respeito.

   Na sexta-feira de noite, Donald, vendo-a naquele penoso estado, insistiu em levá-la a uma discoteca.

   -Você adorará - assegurou-lhe-. Pode-se jantar uma carne assada muito gostosa, e a música está tão alta que chega a te esquecer de seu próprio nome. É o lugar de moda da pessoa jovem.

-Como de jovem? -perguntou Madeline.

-Não se preocupe neném. Se nos vestirmos adequadamente, passaremos inadvertidos.

-Homem, muito obrigado - grunhiu ela-. Não sabia que parecesse tão velha.

-Bom, os dois temos a mesma idade. Madeline suspirou.

-Eu ultimamente me sinto como se tivesse chegado aos quarenta. Tenho a terrível sensação de que estou de volta de tudo. Mas irei com você. Dá a casualidade de que tenho aqui um vestido prateado, comprei isso precisamente para uma festa em uma discoteca, e nunca tenho ocasião de me pôr isso.

Donald sorriu.

-Assim eu gosto de minha garota!

Madeline teria que haver perguntado ao Donald por que a levava a uma discoteca quando seus gostos musicais começavam no Verdi e terminavam no Wagner. Até que não estiveram sentados em uma mesa, frente à pista iluminada com luzes multicoloridos e sumidos em uma música ensurdecedora, Madeline não se precaveu das intenções do Donald. A poucos metros deles, umas mesas mais à frente, encontrava-se John acompanhado de Melody, que por muito pouco não estava sentada sobre seus joelhos.  

   -Não sei o que te faria - disse ao Donald docemente-. Sim, acredito que te envenenaria e depois contemplaria os lentos espasmos de sua morte. Isso faria!

   Donald bebeu um gole de vinho. Brilhavam-lhe os olhos de malícia.

   -Me aposto o que queira que não o faria. O que passa é que sabia que não fazia mais que pensar nele, assim chamou o Josito e lhe perguntei onde ia estar. Quer dizer, pedi ao Maisie que chamasse. O resto me resultou muito fácil.

   Madeline arrojou seu guardanapo sobre a mesa, indignada.

   -Parece-me magnífico! Me leve a casa agora mesmo!

   -Não, não posso. Olhe, se te vê sair agora com essa cara, vai acreditar que está com ciúmes.

-Não estou ciúmes.

-Sim o está.

De repente, Madeline se sentiu observada, e assim que levantou a cabeça se encontrou com os olhos penetrantes do John. Olhava-a com uma atitude rígida. Rapidamente baixou a cabeça; o coração lhe pulsava atropeladamente.

   - Miúda maldita! -exclamou Donald ironicamente-. Está furioso, verdade?

   -Sabe perfeitamente que seria capaz de partir andando a casa com tal de não me encontrar com o John.

   -Pois se a cara de meu querido primo expressa o que me parece que expressa, acredito que ele estaria disposto a fazer o mesmo por sua parte. E Melody parece que lhe vai engolir de um momento a outro. É preciosa essa menina, verdade? É tão jovem... Madeline se sentiu ferida por aquele comentário, e dirigiu ao Donald um olhar fulminante.

-Sim, essa garota o tem tudo - disse com o mais doce de seus sorrisos-. John está com sorte.

   -Que estranho - observou Donald-. Isso não foi o que me disse na festa da Elise. De fato, se não recordar mal, fez todo o possível por lhe resgatar de entre suas garras.

-Então éramos amigos - disse ela tristemente.

-Espero que pelo menos siga te considerando amiga minha. Madeline suspirou.

   -Sim, suponho que o sou. Com um caráter tão insuportável como o teu, está muito necessitado de amizade. Tem sorte de que eu seja uma pessoa bastante paciente.

Donald se pôs a rir.

-Anda, vamos dançar. Vamos ensinar a esses dois o que é bom.

-Eu não sei dançar como estas pessoas - murmurou Madeline quando se dirigiam à pista.

-É muito fácil. Quão único tem que fazer é imaginar que está pisando em ovos. O resto sai sozinho.

   Madeline tentou passar junto à mesa do John sem olhar sequer, mas não serve de nada, porque, como era de esperar, Donald parou nesse momento e lhe dedicou a melhor de seus sorrisos ao seu primo.

   -Homem, homem; se estiver aqui meu querido primo John. E... quem é você? Melody, verdade? - acrescentou lhe dirigindo um intenso olhar à loira-. Melody parece-me que não sabe, mas Madeline é muito amiga do John.

-Sim, conheço-a muito bem - replicou John.

-Comemos juntos na semana passada – comentou - Madeline a Melody amigavelmente-. Comemos espaguetes, verdade? -acrescentou olhando ao John.

-Sim, isso me pareceu - respondeu ele.

   -Não sabia que você gostasse de discotecas, primo - disse Donald com malícia.

   -A Melody adora - replicou John friamente. Madeline começava a sentir que o sangue lhe fervia nas veias, não obstante as engenhou para esboçar um sorriso.

   -Claro jovem é muito dada a freqüentar discotecas! Embora, a sua idade, meu amigo, estes bailes tão movidos podem ser prejudiciais. Sobre tudo tendo em conta sua artrite galopante.

-Eu não tenho artrite.

-Isso acredita. Mas ultimamente não tem feito mais que te queixar de dores há todas as horas.

-Sim, mas agora encontrei um remédio perfeito para esses dores - respondeu-lhe, lhe passando ao Melody o braço pelos ombros.

   A jovem se apoiou nele e dirigiu um olhar triunfante a Madeline.

   -Vamos, carinho - disse então Donald agarrando-a pela cintura.

   Madeline se deixou conduzir à pista. Embargou-a uma tristeza desmesurada ao pensar que só duas semanas atrás John e ela tinham compartilhado o mais maravilhoso que duas pessoas podiam compartilhar e que, de repente, encontravam-se completamente afastados, como se não se conhecessem.

   Enquanto dançavam, John e Melody foram à pista. John dançava maravilhosamente, e a maioria das garotas da discoteca dirigia olhadas lânguidas.

   Madeline, por sua parte, deixou-se levar pela música, concentrando-se no ritmo e abandonando o corpo com tal sensualidade que também atraía a atenção de boa parte da concorrência masculina.

   Aquela, sem lugar a dúvidas, foi à melhor atuação de sua vida; dançou e riu até não poder mais enquanto que o coração lhe rasgava por dentro.

   Alguns minutos mais tarde, Melody deixou ao John um momento porque ia ao quarto de banho. Donald aproveitou a ocasião e se foi ao bar, deixando ao John e a Madeline sozinhos.

-Não vai conseguir nada - disse ele.

-Como? -perguntou Madeline.

 

-Que não vai conseguir nada me seguindo a todas as partes - repetiu ele com sua arrogância habitual.

Madeline teve que conter-se para não jogar-se em seus braços.

-Eu não estou te perseguindo.

-Então, quem chamou o Josito e lhe perguntou onde ia estar eu esta noite?     Josito me disse que foi você.

   -Era Maisie! -exclamou Madeline sem parar-se a pensar.

   -Dá igual, seria porque você o pediu. Bom, continua. Agora me diga que meu primo entrou em sua habitação por me gastar uma brincadeira.

-Pois sim, essa é a verdade - disse Madeline lhe dirigindo sem querer um olhar suplicante-. Fez-o para te cravar.

-Incomodou-me um pouco, mas aos cinco minutos já me tinha passado. Quando me pus a raciocinar me dava conta de que não me importava absolutamente o que você faça ou deixe de fazer! Eu não desejo às mulheres que assim que saem de minha cama correm a meter-se na de outro.

   -E então, o que é que faz você abraçado em público com a Melody?

   Olharam-se aos olhos, e foi como se de repente tudo estivesse esquecido e começassem de novo desde o começo; um frente ao outro, desejando-se tanto que nada mais importava. Levada por aquela força, Madeline avançou um passo para o e tropeçou pesadamente.

Se John não a tivesse agarrado rapidamente, tivesse caído ao chão.

-O que te passa? É que bebeste?

Madeline tomou uma grande baforada de ar, agradecendo imensamente aquela repentina aproximação do John.

-Escorreguei - disse em tom desafiante.

-Bom, pois faz o favor de te acalmar - rugiu John, agarrando-a com mais força-. Esta não é a festa da Elise, e eu não estou disposto a que finja um desmaio para te tirar daqui. Hei-te dito que o nosso terminou e lhe volto isso a repetir. Já não te desejo Madeline.

   Madeline nunca tivesse pensado que simples palavras pudessem lhe fazer tanto dano. Olhou ao John alucinada. Seus olhos verdes, coalhados de lágrimas, delatavam a dor que se desencadeou em seu interior.

   Assim que reagiu, voltou o rosto e se separou de suas mãos.

   -Me perdoe, tenho que ir - disse com a maior correção de que foi capaz.

-Madeline...

   Naquela maneira de chamá-la escondia uma inusitada debilidade, uma espécie de súplica. Mas ela não podia esperar nem um momento mais.

   Afastou-se por volta do quarto de banho. Uma vez ali, passou de comprimento ante o Melody e se introduziu em um dos banheiros para tranqüilizar-se. Contou até dez e se prometeu a si mesmo que não ia chorar sob nenhum conceito.

   Depois, uniu-se a Melody, que estava pintando os lábios frente ao espelho.

   -Passa-te algo? -perguntou-lhe Melody lhe dirigindo um olhar, mas bem indiferente-. Não tem muito boa cara que digamos.

   -Acredito que bebi muito vinho - mentiu Madeline.

   -Bom, pois eu volto com o Johny antes que comece a me jogar de menos. Ai! -suspirou pondo os olhos em branco-. É um homem tão varonil...! vamos passar o próximo fim de semana em Nassau, os dois sozinhos. Já sabe que ele tem uma casa ali. Estou impaciente! Bom, até mais tarde, chata, que melhore. Até!

   Assim que saiu, Madeline deu rédea solta às lágrimas que tinha estado contendo toda a noite. Odiava ao John, e a Melody, e o único que desejava era partir a casa e esquecer-se de tudo.

   Quando voltou para a mesa onde a esperava Donald, este a olhou com o cenho franzido.

-O que te ocorre? - perguntou alarmado.

-Como?

-Parece um cadáver! Vamos agora mesmo.

-Mas...

   -Não há, mas que valham. Não deveria te haver trazido aqui. Peço-te perdão, Madeline. Vamos.

E enlaçando-a pela cintura a conduziu para a saída. Madeline não se atreveu a olhar ao John quando passaram junto a ele. Tinha que acostumar-se a terrível realidade de que ele não a queria.

Quando chegaram em casa, Donald a acompanhou até a porta do estúdio.

     -O que te tem feito John para que te desgoste tanto? Madeline sacudiu a cabeça com um sorriso.

-Nada. Foi à impressão de voltar a lhe ver.

Donald colocou as mãos nos bolsos, com gesto pesaroso.

-Foi minha culpa. Você é a única debilidade do John. Ou pelo menos o foi. Quão única recordo.

Entraram e Madeline se sentou no sofá.

-Pode-se saber por que lhe odeia tanto, Donald? Não acredito que seja porque seu pai deixasse as posses...

Donald soltou uma amarga gargalhada. Sua expressão se tornou dura.

-John e eu nos criamos juntos. Viveu conosco o tempo que seu pai esteve servindo no corpo dos Marinhe. Assim que chegou John, minha vida trocou completamente, sempre em função dele e do que ele queria. Meu pai preferia a ele. John nunca fazia nada mal, enquanto que eu, segundo o, não fazia nada direito. John ficou conosco até que eu fiz dezesseis anos; o suficiente para me privar do carinho de meu pai, porque eu nunca consegui estar à altura de meu querido John. E não credite que me importava tanto; eu tivesse sido capaz de tragar sem pigarrear todo aquilo, incluído o da herança. Mas quando ele se casou com a Ellen...

Por fim compreendeu todo aquele mistério de ódio e ressentimentos. Donald tinha o olhar perdido e triste.

-Você a amava...

-Sim, adorava-a. Era minha noiva... até que John se interpôs.

-Mas ele a queria - comentou Madeline recordando as poucas vezes que John lhe falava do tema.

     -John era seu dono e senhor. Ellen tinha que lhe pedir permissão até para respirar. Tinha-a em um punho, não podia desembrulhar uma vida própria - acrescentou amargamente-. E John só vivia para seus negócios. As noites que ela passava sozinha, as férias que John partia...

   Madeline ficou de pé e apoiou uma mão em seu ombro.

   -Donald, ela pôde lhe haver deixado. A maioria das pessoas vive encerrada nas prisões que elas mesmas se levantam. Não se pode descarregar a responsabilidade sobre os ombros de outros. A felicidade está em cada um.

Donald lançou um profundo suspiro.

-O que importa já? Ellen está morta e a vida deve continuar. Mantém-me vivo martirizar ao John, sabe. É uma razão para me levantar cada manhã.

-Pois que razão tão estúpida! Donald se ruborizou.

-Como diz?

-O mundo não foi criado para ser um depósito de cadáveres. Ellen está morta, e você ainda é jovem e tem muito que oferecer a outras mulheres. Por que não deixa de passear ao redor de sua sepultura e vive um pouquinho? Se seguir assim, um bom dia te dará conta de que já não é capaz de amar.

Donald a olhou como sacudido por um golpe.

-Está apaixonada pelo John, Madeline?

-John era meu amigo - replicou ela apartando o olhar-. Estou muito cansada, Donald. Boa noite.

Quando chegou o dia do baile anual de Caridade, duas semanas depois, Madeline tinha organizado sua vida, derrubando-se em seu novo livro.

   Trabalhava muitas horas diárias, assim agradeceu a pequena distração que significava o baile. No último momento surgiu um imprevisto e Donald não pôde acompanhá-la. Ela não tinha mais remédio que assistir, já que formava parte do comitê de organização. Com um pouco de sorte, John estaria ausente da cidade em algum de suas viagens.

   Nada mais entrar pela porta do majestoso edifício viu o John Durango.

   Madeline lhe contemplou tremente, maravilhada como sempre por sua elegância. Naquele momento ele se voltou para sua vez e a olhou de acima a abaixo, com esse olhar que parecia despi-la.

   De algum jeito as arrumou para lhe evitar toda a noite. Felizmente, conhecia a maioria dos convidados e não esteve sozinha nem um momento.

     Quase ao final da festa, pouco antes das doze, Jack Rafter, um amigo comum da Madeline e John, foi para ela e a segurou da mão, dizendo:

     -Por fim te encontro. John, vêem, olhe, aqui está Madeline. Já que os dois estão livres para este baile, que é o último, que melhor casal, não? Venha, venha não dançastes juntos em toda a noite!

 

Madeline lhe tivesse dado com a bolsa na cabeça a aquele homenzinho.

-Dança então? -perguntou John com toda correção. A orquestra começou a tocar uma melodia lenta e romântica.

-Sinto muito que não tenha mais remédio que dançar comigo - disse Madeline, completamente rígida entre os braços do John.

-Pois me deu a impressão de que você teria posto a correr se tivesse podido. Mas, fazer você uma cena? Isso nunca!

Madeline sorriu e baixou os olhos. John respirou profundamente e a abraçou com mais força. Muito mais perto, suas coxas se roçavam ao mover-se.

   Aquela mão grande e cálida começava a lhe causar estremecimentos. Sentia o fôlego do John na frente.

   -Te relaxe - sussurrou-lhe ele ao ouvido-. Só um momento. Quero... sentir-te perto de mim uma vez mais.

   Não deveria havê-lo feito, mas Madeline se sentia incapaz de resistir depois de todas as tensões e sofrimentos daqueles últimos dias. Deixou seu corpo como morto contra o do John, e ele a sujeitou pela cintura. Dançaram assim, pegos completamente um no outro. Logo, John apoiou a bochecha em sua têmpora e roçou com seus lábios a pele delicada de Madeline. Enquanto isso, afundava os dedos em sua carne, sem que nenhuma queixa, escapasse de seus lábios. Pouco a pouco o abraço se fez mais intenso, até que Madeline sentiu que uma espécie de incêndio se desatava em seu interior.

-John... -sussurrou com voz queixosa.

-Mais perto? Quer que te abrace assim?

John baixou os braços e a estreitou contra si no mais íntimo dos contatos. Madeline escondeu a cabeça em seu peito. Então sentiu que ele se estremecia.

-Não! -sussurrou com angústia-. Não, por favor! Não posso... suportá-lo!

-Ainda me deseja Madeline. Não pode ocultá-lo.

-Não!

Separou-se dele com os olhos coalhados de lágrimas.

-Terminamos tal e como me disse. Disse-me... que já não me desejava.

Com estas palavras, deu meia volta e saiu correndo ao jardim. Quando quis dar-se conta, ele a tinha alcançado e a retinha na escuridão contra uma das grandes colunas da entrada.

-Não vá! Está-me deixando louco!

Madeline limpou as lágrimas com o reverso da mão.

-Equivoca-te de mulher. É que não te lembra de sua loira amiguinha?

John a sacudiu brandamente.

-Não pense agora na Melody!- Mas, John, se for uma garota doce, complacente, jovem... -seguiu dizendo Madeline lutando desesperadamente por largar-se de seus braços.

-Te cale!

Madeline se tornou um pouco para trás para lhe olhar e soltou uma amarga gargalhada.

-O que te passa John, é que te incomodo?

-E você me pergunta isso? -rugiu John com um olhar que assustava-. Diga-me por que entrou meu primo em seu quarto aquela noite.

-Como diz?

-Quero que me dê uma explicação se é que a há.

-Comove-me sua generosidade, John! É uma pena que tenha decidido não te dar nenhuma explicação de nada.

Os braços do John a apertaram com brutalidade.

-Você me deseja tanto como eu a você, e me vai dizer o que quero saber de todas as formas - inclinou-se e a beijou na boca. Nesse momento ela se sentiu no paraíso. Por muito que o tentou, Madeline não pôde aparentar frieza. Assim afundou as unhas em seus braços, e abriu a boca para receber seu beijo com ansiedade.

-Meu Deus, como te necessito - sussurrou John contra seus lábios, mordendo-a, beijando-a, riscando seus contornos com a língua-. Necessito-te!

Madeline tivesse querido dizer o mesmo, mas fazia um momento que a capacidade de articular palavra a tinha abandonado. Fechou os braços ao redor de seu pescoço e se deixou abraçar, completamente abandonada ao que ele quisesse.

- Venha para casa comigo, Madeline - sussurrou ele, estremecido por um calafrio de desejo.

   Ao mesmo tempo, pressionou os quadris da Madeline contra os seus para lhe fazer sentir sua evidente excitação. Mas ela fez um esforço sobre-humano para recuperar a tranqüilidade e se separou dele com firmeza. Surpreendentemente, John não resistiu.

-Não, John.

-É que prefere a meu primo? -rugiu ele. Madeline lhe olhou, estava vermelha de indignação.

-Maldito seja! -exclamou fora de si.

-Te acalme - disse-lhe então ele, voltando a tomá-la entre seus braços-. Venha para casa comigo. Está-o desejando.

Madeline voltou o rosto e disse com voz trêmula: - Reconheço que te devo muito porque me ensinaste a conhecer meu corpo e a perder o medo ao sexo. Mas tenho que partir, porque Donald me está esperando em casa. Apartou-se definitivamente. Depois daquela mentira, sentia-se incapaz de lhe olhar o rosto.

 

   Mas mentir era a única maneira de evitar que a levasse a cama.

-Então não te retenho mais - disse John depois de um momento-. Ao fim e ao cabo, que mais dá um corpo que outro. Madeline deu meia volta e pôs-se a correr para ocultar as lágrimas.

   De repente lhe pareceu que a vida sem o John não tinha nenhum sentido.

 

   Aquela noite, Madeline passou horas pensando. Desde que conhecia John, aquela era a primeira vez que lhe dizia uma mentira.

   Em seguida se arrependeu e sentiu a imperiosa necessidade de lhe chamar por telefone para lhe contar a verdade. Não tinha nada que perder. Nada, salvo seu orgulho e sua estima...

   O telefone soou muitas vezes. Madeline nem parou a pensar que estava chamando altas horas da madrugada. Por fim alguém respondeu. Era Josito, com voz de sono.

   -Residência Durango. Diga-me.

   -Olá, Josito, sou eu. Houve uma breve pausa.

   -Me... alegro-me de ouvi-la senhorita, em que posso servi-la?

-Pode-me pôr com o John? Josito pigarreou ligeiramente.

   -Um momento. Senhor Durango! É a senhorita Vigny.

   Ouviram-se alguns desagradáveis cochichos afogados, apenas inteligíveis.

Josito voltou para aparelho, pigarreando de novo.

-Ele! Senhorita, diz que...

-Diga-lhe maldita seja! -ouviu-se a voz do John a seu lado.

-Sinto muito, senhorita - continuou Josito muito devagar-, mas diz que... não quer voltar a falar com você nem... nem vê-la nunca mais... e também que não lhe volte a incomodar.

Madeline nem sequer respondeu.

 

Pendurou o telefone e deixou que as lágrimas se deslizassem por suas bochechas. Sentia-se como se John acabasse de ditar sua sentença de morte. Porque, sem ele, isso ia ser a vida para ela, uma morte constante.

   O fim de semana passou como um pesadelo. Na segunda-feira seguinte recebeu uma boa notícia; sua casa já estava pronta para voltar a ser ocupada.

   Rapidamente ficou a fazer os preparativos para mudar-se.

   Donald a observava ir e vir com as mãos nos bolsos. Desde que tinham tido aquela conversação, parecia mais feliz e depravado.

-Encantou-me te ter em casa - disse-lhe com um sorriso-. E te asseguro que não é porque ao John ponha furioso.

-Eu também estive muito a gosto aqui. É um favor que te devo.

-Que bem! Assim quando uma árvore esmague meu telhado terei um lugar seguro aonde ir.

Os dois puseram-se a rir.

   -Falando a sério, Madeline; cuide-te, vejo-te muito pálida. Deveria ir ao médico.

-Devem ser nervos, nada mais. Além disso, não acredito que esteja doente, porque em lugar de emagrecer estou ganhando peso. Olhe quase não posso fechar as calças.

-De toda a forma me preocupa.

-Que amável! -disse-lhe Madeline com um sorriso de vampiresca-. Ouça, fará o favor de dizer a quem me chame que já estou em casa?

Donald lhe dirigiu um olhar inquisitivo.

-Sobre tudo se se trata do John, verdade? Madeline se ruborizou.

-Dá no mesmo quem é.

Donald ficou pensativo um momento.

 

   -Ouça, quer que lhe diga que o do champanha daquela noite não foi mais que uma brincadeira?

   -Não, porque se o diz eu lhe teria que explicar outra mentira que lhe contei no baile de caridade... deixei-lhe acreditar que tinha que partir logo porque você me estava esperando aqui, compreende?

-Mas, por que fez isso?

-É uma longa história. Por desgraça não lhe custou nada acreditar e quando o chamei para lhe contar a verdade se negou a fala ao telefone. E me disse que não voltasse a lhe incomodar nunca mais.

   -O mais provável é que estivesse fora de suas casinhas e não fosse isso o que queria dizer. Conhecendo-lhe...

   -Possivelmente - suspirou Madeline-. Só fica esperar. Não teve que esperar muito. Aquela mesma tarde, um Rolls Royce se deteve ante sua porta.

   Madeline apareceu à janela a toda pressa pensando que se tratava do John, mas a esperava uma decepção. Não era John quem chegava, era Josito.

   Trazia consigo uma caixa de cartão cheia de pequenos objetos que Madeline tinha ido deixando na casa durante todo aquele tempo. Ao vê-los, quase se põe a chorar.

   -Sinto muito - disse Josito-. Estes dias está que não se pode falar com ele. Disse-lhe que queria chamá-la para me desculpar pelo que lhe tive que dizer o outro dia, e me ameaçou me despedindo.

-Te despedir a você? Mas se levar anos...

-Assim é. Mas eu não sei o que lhe passa. A noite que você chamou, encerrou-se em seu quarto com uma garrafa de uísque e ontem não se pôde levantar em toda a manhã. É a primeira vez, da morte da senhora Durango, que lhe vejo beber assim. Quando por fim deu sinais de vida, ordenou-me de muito má maneira que procurasse por toda a casa todas as coisas delas e que as trouxesse aqui... quer dizer, a casa do outro senhor Durango. Está furioso, e não faz mais que atirar coisas!

Lançou um suspiro e acrescentou:

-O outro dia, vendo essa série de televisão que gostavam tanto aos dois, lançou um vaso de barro de flores em plena tela. Um destroço!

Madeline lançou um sentido suspiro.

-Josito, me diga uma coisa... sabe se o senhor Durango segue saindo com a Melody? Ela me comentou recentemente que foram passar um fim de semana em Nassau.

   -Melody? Mas senhorita, de um tempo a esta parte o senhor passa as noites no escritório trabalhando em um novo poço...

À manhã seguinte, assim que pôs os pés no chão, Madeline sentiu um forte enjôo e náuseas. Sentou-se na cama, dizendo-se a si mesmo que não eram mais que nervos.

Mas os dias se converteram em semanas, e as náuseas se repetiam invariavelmente todas as manhãs. Madeline começou a preocupar-se seriamente. Finalmente teve que meter-se na cama, porque ia de mal em pior. Quando já levava dois dias, apareceu Donald.

   Madeline foi lhe abrir em bata, despenteada e pálida como uma morta.

-Olá - disse com voz débil.

-Meu Deus, mas o que te passa? -perguntou-lhe ele olhando-a alarmado.

-Deve ser gripe. O que é esse pacote que traz?

Donald rasgou o papel de embalar e apareceu um quadro que representava sua casa com o Volkswagen amarelo estacionado na porta.

 

-É um presente de bom-vinda a sua própria casa - disse com um sorriso-. Quero que fique contente.

A Madeline lhe encheu os olhos de lágrimas sem querer. De um tempo pra cá acontecia algo estranho; estava tão sensível que nem sequer podia ver os filmes sentimentais que punham na televisão.

-Muito obrigado. Que detalhe tão bonito, Donald!

Ele se deu de ombros com acanhamento.

-Não tinha nada melhor que fazer E... ouça, viu ao John ultimamente?

-Não. Já sabe que tudo terminou entre nós.

-Me vai perdoar alguma vez?

Madeline lhe pôs a mão no ombro.

-Não se sinta culpado, Donald. De todas as formas teríamos terminado assim. Perdoe-me, mas tenho que voltar para a cama - acrescentou-. Encontro-me um pouco doente.

-Quer que te traga algo? Chamo o médico?

Madeline meneou a cabeça.

-Não deve ser nada importante, o único inconveniente é que resulta muito pesado não poder sair da cama. Encontro-me sem forças. Levei-me a máquina de escrever à cama, não te digo mais.

-Bom, se necessitar algo, me chame, vale?

-É um amor, Donald, obrigado.

Donald fez um gracioso gesto de despedida e partiu.

À medida que passava o tempo, Madeline foi chegando à conclusão de que seu mal não tinha nada que ver com a gripe. Começava a assaltá-la uma séria suspeita.

A noite que John e ela fizeram amor não tomaram nenhuma precaução... Tinha que reconhecer que não tinha ido ao médico por medo, ou seja, a verdade.

   Quando se cumpriram seis semanas, foi por fim ao ginecologista. O resultado não se deixou esperar. Estava grávida. Grávida! Nada mais inteirar-se da notícia, Madeline se desabou em sua poltrona, levando-as mãos ao ventre em um movimento involuntário.

De repente a assaltou a certeza de que uma pequena vida se estava desenvolvendo em seu interior. Um filho.

Um filho. Sorriu, pensando nas roupinhas diminutas e naquele serzinho ao que quereria tanto. Não importava que se encontrasse sozinha e solteira... Mas, que futuro podia lhe esperar a um menino sem pai? Houston era uma cidade grande, mas ainda assim ela era muito conhecida, e todo mundo o comentaria. Não ia poder ficar ali.

Não seria justo para o menino crescer em um ambiente hostil, como um marginalizado.

Outra solução podia ser casar-se com o Donald. Certamente, ele o faria encantado, mas não era o que ela queria. E se John se inteirava de que estava grávida... A Madeline lhe desenhou no rosto um sorriso amargo. Pensaria que o menino era do Donald, não dele.

Ellen e ele não puderam ter filhos, e ela sabia que John se negou sempre a submeter-se a provas para averiguar qual dos dois era o estéril.

Por um momento, Madeline considerou a possibilidade de contar-lhe Mas só foi um momento.

Não merecia a pena dizer-lhe, pois sabia que John nunca ia acreditar que o menino era dele. E, em caso de que acreditasse e a pedisse que se casasse com ele, faria-o por obrigação, pois estava muito claro que não a amava.

Com um suspiro, Madeline se levantou da poltrona e se dispôs a ficar a trabalhar.

Naquele momento soou o timbre da porta. «OH, não», pensou, «por favor, que não seja a senhorita Rose». Estava cansada' de ouvir seus intermináveis queixa por culpa dos ruidosos vizinhos de em frente.

Abriu a porta, resignada ao pior. Mas não era a senhorita Rose, a não ser John Durango, que levava um ramo de rosas vermelhas na mão.

 

     Madeline ficou olhando como se fora uma aparição. Ia vestido com sua elegância de sempre, impecável com seu traje azul marinho.

   -Acabo de manter uma larga conversação com meu primo - disse olhando-a fixamente-. Agora vejo que tinha razão. Encontro-te pior.

   Madeline sentiu vontade de chorar. Ia reconciliar se, quando já não havia remédio. Tudo estava perdido... A angústia lhe amontoou na garganta, formando um nó difícil de tragar.

   -Me alegro de verte por aqui, John, mas a festa de reinauguração da casa será dentro de dez anos. Eu me ocuparei pessoalmente de que te chegue um convite - acrescentou tentando fechar a porta.

John a deteve com o pé.

-Não vai me deixar passar embora seja em nome dos velhos tempos? - perguntou-lhe olhando-a com ansiedade.

-Não vai passar - foi à resposta-. E agora, por favor, tira o pé daí.

John esboçou uma careta de desespero.

-O que mandei ao Josito que te dissesse por telefone não era verdade.

-Ah, não? -perguntou Madeline lhe olhando com os olhos carregados de tristeza.

John apertou a mão com que tinha as rosas agarradas.

-Mas, meu deus, o que esperava? Queria que me pusesse de joelhos quando acabava de me dizer que meu primo te estava esperando para deitar-se com você?

-Deveria ter acreditado em mim, John, mas desde o começo. Assim que me viu no estúdio de seu primo pensou o pior! E isso não o perdôo, John. Não lhe perdôo isso porque o que mais me pode doer é que não confie em mim.         

   -Você não sabe como estão às coisas entre meu primo e eu. Nossa rivalidade não vem de agora, mas sim de anos atrás, sobre tudo da morte da Ellen. Ele me odeia por certas coisas que eu não podia evitar que escapavam a minha vontade. E nenhum dos dois teu jamais nenhum passo para nos reconciliar, até esta manhã. Meu primo... há - dito ao Josito que queria falar comigo. Disse-lhe que viesse a meu escritório e conversamos... sobre o passado e sobre você. Estava muito preocupado por sua saúde - concluiu com um suspiro-. E é verdade. Está pálida...

   Madeline colocou para trás os longos cabelos, perfeitamente consciente de como John seguia seu movimento com o olhar.

   -O que passa é que estou trabalhando muito depressa, porque me puseram uma data limite e durmo muito pouco. Ontem fui ao médico e me disse que me encontra perfeitamente.

   «Para estar grávida», acrescentou para si mesma.

   -Está segura de que o medico te examinou bem? -perguntou John franzindo o cenho.

-Sim, John, e agora, se não te importar, parte. Estou muito ocupada...

-E eu também, maldita seja! Agora mesmo tinha que estar reunido com um xeque árabe, e lhe deixei plantado.

-Então não te entretenho mais - respondeu Madeline tentando fechar a porta de novo.

-Quer fazer o favor de me escutar? -gritou John furioso.

-Sim, vou escutar-te igual me escutou você quando tentei te contar do Donald!

-Isso já me contou ele, tudo o que disse e por que, e também a mentira que me fez acreditar no baile de Caridade.

Madeline se ruborizou vivamente, desviando o olhar.

-Isso já não tem nenhuma importância. Passou à história. Acabou-se.

-Madeline, eu não posso aceitá-lo. Não o compreende?

Madeline lhe olhou com os olhos cintilantes.

-O que te há dito Donald?

John adotou então uma atitude de fria dignidade.

-Aceita as rosas pelo menos? As malditas flores me dão alergia.

-Encantada!

Madeline lhe arrancou as rosas da mão e as estampou no peitilho de sua camisa de seda branca.

À manhã seguinte, Madeline se levantou, tomou a pastilha contra as náuseas que o médico lhe havia receitado e se vestiu para ir às compras à cidade. Estava engordando a passos aumentados e necessitava roupa ampla.

Entretanto, não tinha intenção ainda de comprar modelos de grávidas antes de manifestar publicamente sua gravidez devia decidir seu futuro. Uma das possibilidades era partir com uma velha tia dela que vivia muito longe, mas para isso deveria inventar uma história de um marido tragicamente morto em um acidente.

   Madeline queria alguns pares de calças de cintura elástica, mas não os encontrou por nenhuma parte, assim não ficou outro remédio que ir ao grande complexo comercial da parte administrativa de Houston, desgraçadamente onde John tinha seu escritório.

   Por fim, em uma pequena loja, encontrou o que queria. Comprou três pares de calças, três números maiores do que ela estava acostumada usar e duas blusas amplas a jogo. Quando teve terminado, saiu à rua e se sentou em um banco há descansar um pouco.

   Começava a sentir um calor insuportável, logo que podia respirar do sufoco. Encontrava-se cada vez pior. Agachou a cabeça, mas o enjôo e as náuseas se fizeram mais intensos, até o ponto de que se sentia incapaz de chegar ao carro.

   Depois de alguns minutos cansativos, decidiu que tinha que andar como fora, porque ou fazia o esforço, ou ficava ali sentada todo o dia.

   Com a bolsa em uma mão e o pacote na outra, Madeline pôs-se a andar com passo vacilante, enquanto as paredes iniciavam uma absurda dança circular a seu redor e as figuras se apagavam. Quão último acertou a ver foi um homem alto, vestido com um traje escuro, de rosto impreciso. Depois, sua visão ficou reduzida a uma nuvem de pontos brancos e negros...

   Despertou tombada em um sofá, olhando a um teto que lhe resultava completamente desconhecido. Voltou a fechar os olhos, respirando profundamente. Graças a Deus, já não tinha vontade de vomitar. Encontrava-se tranqüila e relaxada. O enjôo havia passado. Muito perto de seu rosto, os olhos atormentados do John Durango a vigiavam.

-Encontra-te melhor?

Madeline olhou a seu redor. Havia na habitação três homens desconhecidos, que estavam de pé, perto da porta, e John, que se encontrava sentado a seu lado no sofá.

-Sim, obrigado - respondeu com um fio de voz.

-Importa-te me dizer então que demônio fazia passeando pelo centro comercial com este maldito calor? Madeline tirou forças de sua indignação para incorporar-se e sentar-se.

-Estava fazendo compras. Ou é que não o vê? -disse assinalando aos pacotes-. Além disso. A você o que te importa onde eu desmaio? É que é o dono das lojas?

Os outros três personagens se retiraram discretamente, deixando a porta fechada.

-Gostaria de beber algo frio?

-Bom, uma limonada não me viria mau.

-Agora mesmo lhe trago isso - dito isto, saiu do escritório. Madeline se entreteve contemplando o escritório, que estava decorado com notável bom gosto. Quando chegou, bebeu um longo gole de refresco. Estava gelado.

-É como um mago - murmurou.

-Isso é exatamente o que sou - respondeu John com um estranho sorriso e um brilho malicioso nos olhos-. Não quer nada de comer? -acrescentou-. O que tomaste no café da manhã hoje?

-Uma xícara de chá.

-Como é possível! Anda, vêem comigo. Convido-te a comer.

-Ainda não é a hora de comer - protestou Madeline.

-Então te convido a tomar o café da manhã.

-É já um pouco tarde para isso.

-Olhe neném, se gosta de tomar o café da manhã às doze da noite, pois café da manhã sem mais. O que te aposta?

Madeline sorriu. Fazia séculos que não sorria assim com John. A reação dele a deixou atônita; ficou olhando-a tanto momento que ela não foi capaz de lhe sustentar o olhar e baixou os olhos timidamente.

-Vamos, Satin?

Madeline se alegrou enormemente para ouvir de novo aquele diminutivo; isso significava que John já não estava zangado com ela... havia, portanto esperança de que voltassem a ser amigos, pelo menos até que ela fosse viver fora com seu filho.

   Comeram ovos fritos com presunto em um pequeno restaurante. John se encontrava calmo.

   -Os ovos são muito bons para evitar os enjôos – dizia -, porque contêm muitas proteínas. A carne assada tampouco vem má. Se quiser, podemos jantar juntos esta noite. Madeline lhe olhou com certo temor.

-Não sei...

John se inclinou sobre a mesa e passou sua mão sobre a dela.

-Neném, não vou tentar te levar pra cama outra vez, prometo-o. Se você não quiser, nem sequer te tocarei.

-John, você acredita que podemos voltar atrás, como se nada tivesse passado?

   -Não, quão único podemos fazer é avançar dia a dia, passo a passo. Sem compromissos, sem tensões, sem olhar atrás. Madeline lhe olhou devagar, pensando que não deveria aceitar. Seu sentido comum lhe dizia que o que tinha que fazer era fugir o antes possível.

   Mas lhe amava muito para rechaçar aquela mão de consolo que lhe estendia. Alguns dias mais em sua companhia não tinham por que lhe fazer nenhum dano. Depois, assim que seu estado começasse a fazer-se manifestamente evidente, partiria de Houston.

   -Parece-me muito bem - respondeu depois de um momento-. Podemos jantar juntos esta noite.

A expressão do John se iluminou.

-Mandarei ao Josito para te buscar as seis. Ou melhor, ainda irei eu com ele.

-Mas John! Não necessito uma escolta completa.

-É que não quero que conduza sozinha de noite, certo?

-Mas se sempre conduzi sozinha e nunca me aconteceu nada.

John a olhou como se estivesse morrendo por lhe dizer algo e não se atrevesse.

-Esta semana houve dois ataques. E foi sempre de noite. Faz-o por mim, por favor.

Madeline se pôs a rir.

-Muito bem. A gasolina é sua.

-Exatamente, a gasolina é minha. E, além disso, do que serve ter uma companhia de petróleo se não posso desfrutar consumindo seu próprio produto?

Madeline não pôde discutir isso.

As seis em ponto o Rolls parou em sua porta. Dentro a esperavam um Josito sorridente e um John radiante e muito bonito.

- Aonde vamos? - perguntou Madeline.

-Vamos ao lugar onde preparam a melhor carne assada de Houston - replicou John com um sorriso.

-E onde é isso?

-Em minha casa.

Madeline empalideceu sem querer, mas rapidamente John lhe segurou a mão com gesto tranqüilizador.

-Não tem nada que temer - disse-lhe em voz baixa-. Recorda o que te hei dito antes. Além disso, Josito vai ficar em casa toda a noite.

Madeline se tranqüilizou um tanto, embora não de tudo, porque sabia que assim que cruzasse aquela soleira as lembranças daquela noite única foram amontoar se em sua memória.

   Por um momento se perguntou o que aconteceria se de repente dissesse ao John que estava grávida. Provavelmente desmaiaria... mas, e depois?

Isso era uma incógnita para ela.

 

   A carne estava deliciosa, assim como os bolinhos de pão, as batatas assadas e o molho. Madeline devorou tudo como se aquela fosse à última comida de sua vida, sempre sob o olhar atento e divertido do John.

-Estava muito bom - comentou ela ao terminar, possivelmente um pouco à defensiva.

-Me alegro de que tenha gostado.

Levantaram-se da mesa e foram sentar se ao salão.

-Quer um copo de conhaque?

Madeline negou, pensando que não lhe faria bem ao menino que estava por vir.

John se serviu um copo de uísque e, apoiado no bar, contemplou-a com olhar ardente.

   -Você gosta do tecido de meu vestido? -perguntou ela com fingida inocência.

   -Prefiro o cabide. Além disso, engordaste um pouco, dei-me conta.

   Madeline sorriu e fez um lugar ao John, que se sentou junto a ela no sofá. O olhando, lhe veio à memória como terminou o jantar do último dia que estiveram assim.

   -Não me olhe com tanto pavor. Prometi não te tocar, verdade?

   -Mas é que às vezes também se pode tocar com o olhar, John Durango, e você sabe fazer especialmente bem. Madeline lhe sentia perto, angustiantemente perto... Seu calor, seu aroma característico. Cada vez mais nervosa, cruzou as pernas em uma postura rígida.

   John se recostou no respaldo com um profundo suspiro. Parecia muito fatigado.

-Está cansado?

-Estou morto. Ultimamente levo um ritmo de trabalho que mataria a qualquer um. Por não mencionar o muito que me afetou me zangar com você - acrescentou olhando-a com a extremidade do olho.

Madeline se ruborizou.

-Não me jogue a culpa de tudo, por favor. Tudo começou por culpa de suas exageradas suspeitas.

   -Não, neném. Tudo se desencadeou no momento em que te levei a cama. Diga-me uma coisa, Madeline, resultou-te tão difícil como a mim deixar de nos ver?

Ela assentiu.

-Até agora não me tinha dado conta da quantidade de tempo que passávamos juntos normalmente. Sentia-me... sozinha - acrescentou com um sorriso tímido.

   -Eu também - disse John. Então segurou a mão e, entrelaçando seus dedos com os dela, acrescentou-: Madeline imagine que passássemos muito mais tempo juntos.

-O que quer dizer?

Ele respirou fundo e a olhou diretamente aos olhos.

-Quero dizer que... por que não nos casamos?

Madeline ficou muda da impressão, incapaz de fazer outra coisa mais que lhe olhar.

-Vá Por Deus! -exclamou John estalando a língua-. Não lhe deveria haver dito isso tão de sopetão. Eu queria ir sugerindo pouco a pouco... Mas, bom, já parece. Quer-te casar comigo?

-Mas nós... Você sempre diz que não quer voltar a te casar.

-Mudei de idéia.

John, muito nervoso, ficou um cigarro nos lábios e o acendeu. Madeline seguia lhe contemplando, atônita. Em nenhum momento John lhe havia dito que a amava. Também estava o menino... como lhe convencer de que era verdadeiramente dele e não do Donald? E se voltava a abandoná-la?A gravidez começaria a ser patente um mês mais tarde; a situação era impossível.

-Não posso me casar com você - disse ao fim.

Pelo sorriso que lhe dirigiu John, o medo e a indecisão da Madeline deviam ler-se claramente em seu rosto.

-Eu acredito que sim te vai casar comigo, neném. Quão único precisa é te fazer à idéia. Já sabe que eu sempre consigo o que quero... precisamente te desejo muitíssimo. E agora mesmo mais que nunca - acrescentou com um insinuante sussurro.

-Por quê? -perguntou Madeline turvada.

-Surpreender-te-ia se lhe dissesse isso, neném. Melhor vêem aqui e lhe demonstrarei isso sobre a marcha.

Sem dar lugar a mais, Madeline segurou sua bolsa e se dirigiu para a porta com passo enérgico.

-Adeus, John. Obrigado pelo jantar.

-Como pretende partir a casa? - perguntou ele sem alterá-lo mais mínimo.

-Procurarei um táxi.

-Espera um momento. Vou chamar ao Josito para que te leve a casa. Eu não irei desta vez, tranqüila. Prefere-o, verdade?

-Se quiser que te seja sincera, sim.

Então John se levantou e a acompanhou fora com um sorriso. Pelo caminho ia dizendo:

-Não se esqueça do que te hei dito Satin. Sairei-me com a minha mais tarde ou mais cedo.

   A casa da Madeline ia cobrando gradualmente o aspecto de uma floricultura. Cada dia chegava uma variedade de rosas distintas; vermelhas, rosas, brancas, amarelas. Todas do John.

   Também mandava ao Josito pelas manhãs, à hora do café da manhã, com um prato de ovos fritos com presunto.

   Mas Madeline não cedia um ápice de todo aquele cuidado, e se negava a falar com ele, embora a chamasse seis vezes ao dia, cada quatro horas exatamente. E se negava por medo de que a convencesse. Conhecia o John tão bem para saber que quando algo lhe punha na cabeça estava acostumada chegar até o final, sem reparar em obstáculos. Não obstante, sua decisão era firme.

   Demonstraria ao John Durango que as coisas não sempre se podem conseguir a base de vontade.

   Na sexta-feira pela tarde, como tinha por costume, Madeline foi ao supermercado para fazer a compra da semana. Na porta se encontrava John, esperando-a com gesto impaciente.

   -Pode-se saber por que te nega a falar comigo? - grunhiu nada mais vê-la-. É que você não gosta das condenadas rosas que te mando?

-Tenho que gostar, não fica outro remédio - replicou Madeline impacientemente-. Tenho duas habitações cheia de flores. Já tenho feito com elas almofadinhas perfumadas, sabões, adornos para bolos... até posso me banhar em água de rosas se quiser!

-Pois eu acreditava que você gostava das rosas.

-Nossa que curioso, eu também. O que eu não gosto é de morrer enterrada por quilogramas de rosas! Estou ficando sem vasilhas de cozinha, porque todos estou utilizando como vasos. Se seguir assim vou morrer de fome!

   -Ah, então direi ao Josito que te leve também a comida e o jantar, preparadas de minha casa.

As pessoas ao seu redor lhes dirigiam olhares de assombro.

-Não! -exclamou Madeline horrorizada-. Com o café da manhã tenho suficiente, obrigado. Além disso, a propósito, você sabe perfeitamente que odeio tomar o café da manhã.

       -Estiveste doente, Madeline. Precisa recuperar forças. Se te casasse comigo, não haveria problema, porque eu mesmo me encarregaria de te dar de comer pessoalmente.

   -Olhe John, repito-te pela última vez que não penso em casar com você! Por favor, me deixe em paz.

   -Não penso partir até que me diga que sim. Tenho todo o dia livre, acompanhar-te-ei aonde vá.

   Madeline lhe dirigiu um olhar furioso, e depois foi para a seção de confeitaria.

-Você adora o merengue, verdade John? Ele assentiu.

-Sim, gosto muito. O que, me vai comprar um pastel? Madeline agarrou um bolo e o olhou com um sorriso sedutor.

-Sim, carinho. Aqui tem, que o desfrute.

Dito e feito, o esmagou na metade do rosto.

 

   Madeline acreditou que a sacanagem do bolo lhe desanimaria. Mas se equivocava.

   À manhã seguinte, saiu muito cedo de sua casa para correr um pouco e começar bem o dia. De repente, ouviu o motor de um carro que parecia seguir-la de perto. Olhou para trás.

   Ali estava o chamativo Rolls branco do John, com o Josito ao volante e seu flamejante dono com a cabeça para fora da janela traseira.

-Bom dia - disse John.

-Bom dia - respondeu Madeline sem lhe fazer nem caso.

-Que dia tão bonito faz hoje, verdade? Parece mentira que ainda não tenhamos entrado plenamente no verão. Madeline continuou correndo sem lhe olhar.

-Sim. Faz um dia precioso.

-Por que não descansa um pouquinho e vem conosco a dar um passeio no carro?

-Não te pareceria melhor que você saía do carro e corresse um momento comigo? Não dizia que os executivos estão tão gordos por culpa da vida sedentária que levam?

Josito deteve o carro e um momento depois, John corria a seu lado.

-Madeline, muito obrigado pelo bolo. O outro dia não tive ocasião de lhe dizer isso o pouco que provei era delicioso. Madeline não se pôde conter mais e soltou a gargalhada.

   -Não há de que. De verdade, John, sinto muito, mas foi um impulso desses que me dão. Não pude me conter.

-O prato de espaguetes também foi um impulso?

-Eu acreditava que você gostava de espaguetes!

-Antes, sim. Ouça Madeline, está muito pálida. Encontra-te bem?

-Sim.

   A verdade era que se sentia mal, mas não pensava demonstrá-lo. Continuaram correndo um momento em silêncio, acompanhado sempre pelo Rolls. Não seriam mais das cinco e meia da manhã. De repente, o chão se voltou brando sob os pés da Madeline, e uma sensação de angústia lhe alagou a garganta.

   -John, acho que vou desmaiar - conseguiu dizer com voz entrecortada.

   John a segurou justo quando começavam a dobrar-se os as pernas, e a levantou nos braços.

-Madeline! O que te passa? - perguntou alarmado.

Ela não disse nada. Limitou-se a apoiar a cabeça em seu peito e a fechar os olhos, aliviada ao sentir-se naquele refugio seguro. John entrou em seguida no carro com ela. Colocou-a sobre suas pernas e disse ao Josito que conduzisse sem rumo fixo.

   -Madeline, você me contou que o médico te disse que não tinha nada. Por que então isso?

   -John, não me perturbe - gemeu Madeline-. Estou mareadísima.

John a apertou com ternura entre seus braços.

-Quer beber algo frio então? Uma limonada, uma raspadinha?

Madeline se aconchegou contra seu peito.

-Quero sorvete.

-Dito e feito, neném. Josito, nos leve a essa sorveteria nova que têm aberto por aqui.

-Sim senhor. Encontra-se melhor a senhorita?

-Acredito que sim.

Madeline já ia recuperando as cores. John a olhou muito sério.

-Neném, por que não te casa comigo? É que nem sequer vai pensar nisso. Olhou aos olhos.

   -Está bem, John. Pensá-lo-ei. Mas, por favor, não siga me perseguindo. Trata-se de uma decisão muito importante que preciso tomar sozinha. Não quero que me pressione. Faz-me falta um pouco de tempo, nada mais.

-O que você quiser Satin - murmurou John abraçando-a-. O que você quiser.

   Mas de nada serviam as promessas, porque as rosas seguiam chegando pontualmente. Madeline não o reprovava, já que conhecia por experiência a forma de ser do John e sabia muito bem que não ia trocar da noite para o dia. O que mais a impacientava era encontrar-lhe em todas as partes, como se a estivesse vigiando continuamente.

   Uma manhã voltava do supermercado para casa quando, na metade da estrada, teve um pneu furado. Tratando de conservar a calma apesar de seu desespero, saiu do carro e procurou no porta-malas as ferramentas necessárias para arrumá-lo. Quando se dispunha a colocar o macaco debaixo da roda, sentiu um rangido de ramos muito perto.

   Antes de voltar-se, soube que se tratava do John. Efetivamente, acabava de deixar a Ferrari estacionada ao outro lado da estrada e se aproximava para ela.

   -Pode-se saber que demônio está fazendo? -perguntou de má maneira.

-Pois acredito que está bastante claro. Estou trocando uma roda.

 

John tirou a jaqueta e arregaçou a camisa até os cotovelos.

   -Sai daí, anda. Isso é trabalho de homens.

   -Como te atreve! -exclamou Madeline interpondo-se entre o macaco e ele-. Recordo-te que não estamos na idade de pedra. Além disso, você pode ter uma companhia de petróleo se quiser, mas não é dono deste carro nem de mim. Entendido?

   -Hei dito que vou trocar a roda. Sai daí.

   -Não!

   -Você e eu vamos nos casar Madeline - anunciou John-. E logo. Já não posso esperar mais; estou cansado de cuidar de você enquanto espero a que lhe ditas de uma vez.

-O que quer dizer com isso?

   Ao outro lado da rua começava a congregar um grupo de pessoas que contemplavam a cena, entre divertidos e curiosos.

-Quero dizer que está me voltando louco! Compreende?

-Quem? Eu? -gritou Madeline indignada.

-Você! Por sua culpa não posso comer, não posso dormir, nem sequer posso trabalhar como é devido. Dedico todo meu tempo a te vigiar para que não te passe nada!

-Mas bom! É que acaso é tão perigoso correr um pouco pelas manhãs ou trocar uma roda?

-Em seu estado, sim!

Madeline empalideceu instantaneamente.

-Como diz? Em meu estado?

John exalou um grande suspiro; começou a dizer algo, mas logo trocou de opinião.

-O que quero dizer, querida, é que ultimamente estiveste doente e ainda não te recuperaste de tudo. E se pôr a trocar uma roda com este calor não pode te fazer nenhum bem!

Madeline inclinou a cabeça e lhe observou com cuidado, sem mover-se.

   -Quer apartar-se daí senhorita, ou prefere que a eu tire do meio? -perguntou-lhe John, que parecia ter chegado ao cúmulo de sua paciência.

-Você tenta me tirar à força e verá!

Um segundo depois, John a tinha levantado do chão e a levava em seus braços até o outro lado da rua, onde tinha estacionado seu carro.

-John Cameron Durango! - começou a dizer Madeline. John se deteve junto ao esportivo negro e a fez calar com um comprido e apaixonado beijo nos lábios, fazendo caso omisso dos numerosos olheiros.

Ela nem sequer resistiu. Os lábios de John a faziam perder a razão com seus movimentos lentos e suaves.

John tomou ar.

-Quer seguir discutindo comigo? -sussurrou.

-Sim, se seu castigo for ser como o que me acaba de dar, quero discutir.

John se pôs a rir brandamente.

-Espera a que cheguemos em casa, neném - disse deixando-a no chão-. Anda, entra. Já enviarei a alguém para recolher seu carro.

-Ah, é que o vai deixar aí?

-Não acredito que escape, verdade? Madeline esboçou uma careta.

-Pois o mínimo que pode fazer é me trazer minha bolsa. John elevou os olhos ao céu como invocando paciência.

-De acordo - disse.

«De maneira que trabalho de homens, né?», disse-se Madeline, passando-se ao assento do condutor. Ao tempo que arrancava, tirou meio corpo pela janela e gritou:

 

-Deixarei seu carro em frente de minha casa! Quando me trouxer o Volkswagen pode levar isso. E depois de derrapar se afastou a toda velocidade, entre as risadas dos curiosos e o manifesto desespero do John Durango.

   John sabia de tudo. Estava segura. Assim se explicava sua estranha atitude, os presentes, os encontros inesperados. Sabia do bebê, e por isso insistia em casar com ela. Queria a seu filho e também a Madeline, embora só fosse fisicamente. Certamente o que lhe impulsionava a lhe pedir o matrimônio era seu entristecedor sentido da responsabilidade. John nunca consentiria que um filho seu fora ilegítimo.

   Quando chegou em casa pôs-se a chorar desconsoladamente. Deixou a Ferrari fora, com as chaves postas, e correu a encerrar-se.

   Passou horas e horas chorando. Quando começava a acalmar-se, ouviram-se alguns golpes furiosos na porta.

-Vai embora! - gritou entre soluços.

   -Ou abre ou jogo a porta abaixo. Você decide. Pensando no caro que estavam às portas, Madeline se decidiu a abrir. Antes limpou as lágrimas apressadamente com o reverso da mão.

A expressão terrível do John se adoçou um tanto quando a olhou no rosto.

-Trouxe-te seu carro - disse-lhe lhe estendendo as chaves-. Encontra-te bem?

-Obrigado - respondeu Madeline tentando aparentar uma calma que estava muito longe de sentir.

John esboçou um gesto vago, como se quisesse lhe dizer algo.

-Até mais tarde - deu meia volta e se dirigiu para a porta.

 

Madeline contemplou suas costas com os olhos cheios de lágrimas. Pensou que era uma ingrata, John se tomava todas aquelas atitudes porque estava preocupado, enquanto lhe pagava atirando bolos à cara e lhe obrigando a trocar uma roda a pleno sol.

-John!

John se deteve em seco, sem voltar-se.

-Se quiser... dever jantar esta noite as sete, convido a espaguetes.

Houve um comprido silencio.

     -Sim, aqui estarei - disse por fim, em voz muito baixa. Logo partiu sem dignar-se a olhá-la.

   A tarde passou lentamente, em um torvelinho de atormentados pensamentos. Madeline repetia uma e outra vez que John não a queria que queria casar-se com ela porque se sentia culpado e responsável por seu filho... E um matrimônio sem amor estava destinado de antemão a fracassar. De nada serviria que lhe amasse com todo seu coração... Além disso, amar e não ser amada seria para ela uma tortura semelhante à morte.

   Não necessitava mais tempo para pensá-lo. A única solução que havia era que John e ela deixassem de ver-se. Devia partir de Houston quanto antes. E devia dizer-lhe ao John essa mesma noite.

   As sete em ponto, Madeline abriu a porta. John estava na soleira, com um ramo de margaridas na mão. Madeline se pôs a rir.

-O que acontece? Acabaram-se as rosas na floricultura?

-Disse-me que estava farta de rosas, ou não?

Com certo cansaço, Madeline tirou um pote de cristal de um armário e colocou as margaridas. John a olhava da porta.

-Há-me dito que iria preparar espaguetes, verdade?' São para comer ou para me atirar isso em cima outra vez?

-Não queixe e dá obrigado, porque não te preparei merengue de sobremesa.

Comeram na mesa de madeira da cozinha, frente a frente, em silêncio. Aquele jantar não se parecia em nada às dos velhos tempos, quando John lhe contava como foram seus começos na companhia de petróleo e lhe descrevia os lugares que tinha conhecido em algumas de suas viagens de negócios. Então ela estava acostumada lhe falar dos protagonistas que tinha entre mãos, ou das histórias de mistério que buliam em sua imaginação. Mas aquela noite, aparentemente, não havia nada que dizer um ao outro; os dois pareciam sumidos nas mesmas nostálgicas lembranças.

Quando terminaram, instalaram-se juntos no salão com uma xícara de café.

-Agora me dirá que quer partir de Houston, verdade? -perguntou John com toda naturalidade.

Madeline ficou boquiaberta.

-Sabe por que me imaginei isso? Fazia muito tempo que não me preparava um jantar tão bom, incluindo minha sobremesa preferida... por que não me disse isso antes? É que não te atrevia?

-John, sabe que me sobra valor. Por que ia ter medo de você?

-Pois quero que saiba uma coisa, Madeline. Se te partir de Houston, eu vou com você.

Madeline sentiu desejos de lhe sacudir.

-Seja um pouco razoável! -estalou-. Tenho vinte e sete anos, e sei me cuidar muito bem eu sozinha.

-Nem sequer come como é devido. Madeline... se quiser, você pode viver no rancho e eu no apartamento de Houston. Josito cuidaria de você, e poderia contratar uma criada, se quisesse.

 

John respirou fundo, e a contemplou com uma tristeza indefinível.

-Por que não te casa comigo? -exclamou quase em um lamento-. O que te tenho feito para que já não sinta nada por mim? A Madeline doía muito lhe ver sofrer assim. Encheram-lhe os olhos de lágrimas e correu a ficar de pé junto a ele.

-Sabe verdade? - sussurrou ansiosamente.

Muito devagar, John tirou o charuto dos lábios e o esmagou no cinzeiro. Depois a segurou pela cintura e a apertou contra si.

-Embora seja um homem - começou a dizer olhando-a aos olhos-, sei muito sobre essas coisas. Os enjôos, as náuseas... o aumento de peso.

Dizendo isto a acariciou no ventre, que já estava ligeiramente volumoso.

-E o que pensou ao te dar conta?

-Acreditei que me voltaria louco. Fui a uma loja de brinquedos, comprei a metade do estoque e logo o escondi em um armário. Depois comprei um desses livros de informação sobre os filhos e li isso inteiro em uma noite. Então me pus a pensar como ia dizer-te que sabia, quando você estava tão empenhada em que não me inteirasse.

Madeline, que brincava com um botão de sua camisa, fechou os olhos um momento.

-Não queria que se inteirasse porque temia que fizesse precisamente o que tem feito... insistir em te casar comigo.

-Mas se sempre nos levamos muito bem... até recentemente. Além disso, eu quereria muito ao menino, seria um bom pai.

De repente, com um movimento brusco, segurou-a pelo rosto e a olhou nos olhos.

-Me diga que quer ter ao menino, por favor. Embora seja mentira, diga-me isso.

   Madeline rompeu a chorar. Levantou uma mão vacilante e lhe acariciou a cabeça com uma ternura que fazia muito, muitíssimo tempo que não sentia.

   -Mas se lhe desejo com todo meu coração... -sussurrou com voz trêmula-. É seu filho. Nosso filho. Com o que eu te amo como não o vou querer?

-Que você me ama?

John se estremeceu. Depois a apertou contra si quase a machucando, percorrendo-a. Obsessivamente com o olhar.

-OH, meu deus, se isto for um sonho, não quero despertar nunca... Meu amor, meu amor! Um filho! Nosso filho. E queria partir?Como é possível?

Madeline apoiou a cabeça em seu ombro e afogou um soluço.

-Não queria que te casasse comigo só pelo bebê, compreende?

-Meu Deus, você não me conhece absolutamente! Deveria saber que eu sou incapaz de fazer algo que me desagrade. Casar-me com você me parece maravilhoso! Foi tola ao pensar que era só pelo bebê. Se o bebê foi um presente!

Madeline sentia que o coração lhe estalava de gozo.

-Deveríamos havê-lo sabido desde o começo, verdade? -acrescentou John-. Aquela noite foi tão maravilhosa... É natural que tenha dado fruto.

Madeline sorria radiante de sorte.

-Eu adoro que o diga assim.

Um pouco turvada, escondeu depois a cabeça em seu peito.

-Agora me prometa - acrescentou John-, que não vai voltar para atirar espaguete em cima de mim, nem a me esmagar um merengue no rosto, nem coisas assim...

Madeline se levantou para lhe beijar nos lábios.

-Prometo-lhe isso se você deixar de me seguir a todas as partes e de me enterrar viva em rosas. John... quer-me?

John fechou os olhos um momento.

 

   -Eu nunca lhe hei dito isso a ninguém. Nem a Ellen, nem ao meu pai. Deve ser pelas condições em que cresci, suponho. Mas te juro que quando te olho sinto; sinto-o quando te toco. Não lhe posso dizer isso sussurrou com a voz velada pela paixão-... ainda não. Mas lhe posso demonstrar isso     John a segurou nos braços e a depositou com cuidado no sofá. Depois, inclinou-se sobre ela, desabotoou-a a blusa e capturou entre seus lábios seus seios rosados e suaves.

-John... -gemeu ela estremecendo-se.

Abraçaram-se com uma ternura nova, desconhecida. O que naquele momento se expressavam mediante os beijos e as carícias ia muito mais longe que a paixão sexual. Madeline tirou a camisa do John com mãos trementes, e lhe acariciou o peito, lhe arrancando gemidos de prazer. Desejava com uma força quase sobre-humana beijar seus lábios cheios e sensuais. De repente, sacudida por uma dúvida, deteve-se e olhou aos olhos. John posso te fazer uma pergunta?

-Me diga.

-Chegou a fazer amor com a Melody?

-Não - disse simplesmente John-. É que não sabe que só quero a você? Não te deu conta a noite que nos amamos de que fazia muito tempo que não fazia amor?

-Se te disser a verdade, pensei-o, mas como não tinha experiência...

-Desde aquela noite que te encontrei vagando sob a chuva, não voltei a tocar a outra mulher. Desde o começo você foi uma obsessão para mim. Você não te dava conta... Ao princípio estava tão débil... Depois depositou em mim toda sua confiança, e eu tinha as mãos atadas, até aquele dia na festa da Elise. Olhava-me como se morresse de sede por meu beijo...

   -Não me dava conta - murmurou ela.

   -Madeline, por que se sentia tão envergonhada da noite que passamos juntos? Tinha medo possivelmente de que te considerasse uma conquista fácil?

   -Sim - admitiu Madeline-. Pensei que ao ficar com você, tinha passado a formar parte de sua lista de aventuras.

   -Boba - murmurou John lhe acariciando uma mecha de seus cabelos-. Já te hei dito que não houve outras conquistas...

   -Mas você me fez acreditar o contrário, recorda? E te levou muito duramente comigo quando fui à casa do Donald. John suspirou com certa tristeza.

   -Deu-me de pensar que você te arrependia do ocorrido e que te estava vingando em certo modo. Verá, é que sempre que Ellen e eu tínhamos algum problema, ela acudia ao Donald. Não é que suspeitasse que me enganassem não me interprete mal. Mas sempre que ela necessitava consolo, ali estava Donald. E a mim isso doía como não te pode imaginar. Com o passar do tempo, cheguei a lhes odiar aos dois. Quando Ellen morreu e vi o Donald desmoronar-se, compreendi tudo. Eu não devia ter me casado com ela. Era a noiva do Donald, suponho que sabe. Devia ter sabido que o que eu sentia por ela não era sólido; tratava-se de pura e simples atração. Mas quando quis me dar conta, já era muito tarde. Ela tinha se apaixonado por mim, e eu me sentia responsável. Mas ela necessitava mais do que eu podia lhe dar, e eu não me dava conta. Esse foi meu engano. Madeline lhe acariciou a bochecha.

-Donald alguma vez me há dito, sabe? Depois de você, não queria que ninguém mais me tocasse.

-Deveria me haver dado conta, mas não sei por que me deu de pensar que você preferia ao Donald... que tolo fui!

Apartou-a o cabelo do rosto e a olhou longamente, recreando-se em sua nudez.

-Meu Deus, é muito bela - murmurou.

Madeline se ruborizou intensamente e baixou a cabeça. Ele percorreu sua pele com seus lábios, pondo nisso uma ternura infinita.

-Amo-te - sussurrou Madeline com voz trêmula-. É meu melhor amigo, John Durango.

Ele levantou a cabeça e observou seus olhos verdes.

-Necessita que lhe diga isso, verdade? As mulheres necessitam palavras bonitas.

Madeline esboçou um sorriso.

-Não faz falta que me diga isso. Vejo-o em você.

John lhe acariciou os lábios, e pronunciou as palavras muito devagar.

-Eu... Amo-te. E sempre te amarei. Nunca haverá outra mulher para mim - acrescentou, apoiando sua testa na dela.

   -Nem outro homem para mim. Hei-me sentido tão só sem você... -disse lhe acariciando com o olhar.

   John lhe beijou os olhos fechados, ainda úmidos pelas lágrimas. Depois a beijou na boca com muita suavidade.

   -Meu amor - sussurrou Madeline quando pôde recuperar o fôlego.

   Então John se recostou sobre seu corpo, fundindo-se com ela em um beijo de paixão. Madeline o sentiu tremer e olhou aos olhos, que lhe pareceram duas labaredas cinza.

-Então, vai casar-te comigo? -perguntou ele.

-Parece-me que sim - murmurou Madeline com um fio de voz-. Mas com uma condição.

-Qual?

-Não quero dormir em um barracão com serpentes de três metros - sussurrou lhe percorrendo as têmporas com uma carícia mimosa.

John riu muito baixinho.

-Não, não se preocupe. Você dormirá comigo. E te protegerei entre meus braços toda a noite, todas as noites... Enquanto vivamos.

Madeline lhe abraçou com todas suas forças.

-Nós viveremos para sempre, porque penso em te amar sempre.

Na casa do lado, a senhorita Rose viu que as luzes se apagavam no lar da Madeline e distinguiu no jardim a sombra de uma Ferrari negra. Depois de fechar as cortinas, com um sorriso enternecido nos lábios, pensou que no dia seguinte teria que sair a comprar um presente de casamento.

 

                                                                                Diana Palmer  

 

                      

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