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Arquivo X - O FANTASMA DA MÁQUINA
Arquivo X - O FANTASMA DA MÁQUINA

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Arquivo X

O FANTASMA DA MÁQUINA

 

Toda uma série de comandos que lhe daria o controle sobre o sistema de computadores que ele havia projetado.

De repente, piscando sem parar, no monitor do vídeo aparecia uma imagem de um homem parado diante da porta de aço inoxidável do elevador.

- Desce... - anunciou o computador.

O homem, boquiaberto, perdeu o equilíbrio no momento em que o piso sobre o qual se apoiava baixou.

Ele foi atirado de encontro à parede de aço inoxidável.

- Não gritou Wilczek.

Seu grito acabou ficando sufocado na garganta enquanto a cena no visor foi se apagando.

A última coisa que ele viu foi à imagem das pernas do homem tremendo com violência.

- Programa executado. - declarou o computador...

 

         A todas as maravilhosas pessoas que estão lá fora, no escuro

Crystal City, Virgínia. É aqui que fica o edifício Eurisko, sede mundial da Eurisko Corporation. Revestido de painéis de vidro escuro, o arranha-céu subia esguio, com seus trinta andares, na direção das nuvens. Era quase possível ouvir a gigantesca estrutura dizer:

"Eu sou o futuro".

Nesse momento, em um dos maiores escritórios que ficavam no último andar do prédio, dois homens discutiam a respeito desse futuro.

Bastava olhar para eles para ver como eram diferentes os seus respectivos pontos de vista.

Um dos dois estava vestido com um terno muito caro, que assentava perfeitamente em seu corpo. Seus cabelos grisalhos e cheios estavam muito bem cortados. Ele estava em pé, atrás de uma escrivaninha bastante grande e bem arrumada.

O outro homem, que estava na frente dele, usava uma camiseta de malha e um par de calças jeans desbotadas, que ficavam folgadas em seu corpo esquelético. Os cabelos desalinhados caíam por toda a volta de sua cabeça. Mas o que mais se destacava nele era o brilho intenso dos seus olhos, por trás dos óculos de armação de metal.

O homem magro era Brad Wilczek, fundador da Eurisko Corporation.

- Por que você acha que o preço das ações da Eurisko afundaram como um peso de chumbo? - perguntou ele.

O outro homem, Benjamin Drake, presidente da Eurisko, limitou-se a sorrir. Mas era o sorriso de alguém que parecia estar falando com uma criança que tem um ataque de teimosia.

- Os lucros foram muito pequenos no ano passado - disse Drake. - E não devem melhorar coisa alguma este ano, a menos que façamos uma drástica redução de custos.

- Errado - retrucou Wilczek. - É porque você cortou pela metade as verbas destinadas ao Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento de Produtos. Você se esqueceu de que os negócios da Eurisko se baseiam no futuro, e não no presente. Você não tem a menor idéia do significado da aventura.

O mesmo sorriso permaneceu no rosto de Drake.

- Queira você ou não, os negócios estão mudando muito no ramo de software para computadores - disse ele. - Não somos mais uma indústria que está apenas começando.

Estamos em pleno campo de batalha, diante dos gigantes do setor. Temos de ser uma empresa ascética e dura. Temos de cortar toda a gordura e acabar com os desperdícios.

- O que temos de cortar é a ganância desmedida de certas pessoas - disse Wilczek. - Precisamos sacrificar os lucros de curto prazo, em favor dos objetivos do futuro mais distante.

- Vamos mudar um pouco de assunto, está bem? - disse Drake. - Não se esqueça de que passamos por este mesmo debate durante a reunião dos nossos principais acionistas. E você se lembra bem o que eles decidiram. Quem é que está tentando convencer agora? A câmera que está ali?

Drake olhou para o teto. Havia uma luz acesa no centro do olho eletrônico que estava ligado ao Sistema Operacional Central, ou SOC. Com centenas de outros olhos eletrônicos semelhantes em todo o prédio, o sistema mantinha uma rigorosa vigilância sobre tudo o que acontecia no edifício, desde o porão até o ultimo andar.

Wilczek olhou com rancor para Drake e disse:

- Será que não entende? Você está me matando. Está matando minha empresa.

O sorriso de Drake permaneceu em seus lábios.

- A Eurisko não é sua empresa, Brad - lembrou ele a Wilczek. - E já faz tempo que não é.

Seria melhor você crescer um pouco e acostumar-se com isso. Agora, por que não vai embora e me deixa fazer meu trabalho?

Drake ficou olhando, enquanto Wilczek saía bufando de raiva. Então, tirou o paletó e sentou-se diante do pequeno computador portátil, para redigir o anúncio oficial de mudança de direção na Eurisko.

Já era noite quando Drake terminou. Ele tornou a ler o parágrafo final do documento:

"Como meu primeiro ato oficial, estou colocando um ponto final no Projeto SOC. Apesar de todas as nossas esperanças, as reduzidas vendas desse sistema e os custos em constante elevação exigem que esta decisão seja tomada".

Drake balançou a cabeça em sinal de satisfação, apertou a tela para salvar o arquivo, e fechou o pequeno computador. Bocejando, ele se levantou e espreguiçou. Tornou a vestir o paletó e caminhou em direção da porta.

Antes que chegasse à saída, ele ouviu o barulho de água corrente. Vinha do banheiro na grande sala da direção executiva. Fazendo uma careta, Drake virou-se em direção ao banheiro, para ver o que estava acontecendo lá.

Seus pés mergulharam na água que já se acumulava sobre o piso frio do banheiro. A luz que entrava pela porta aberta permitiu que ele visse a água que escapava pela borda superior da pia de mármore negro do lavatório. Ele se aproximou para ver melhor. A torneira estava aberta, e o ralo parecia estar entupido.

- Mais um bom motivo para acabar com o Projeto SOC - resmungou ele. - O sistema parece não ser capaz de controlar as coisas no prédio.

Ele chegou perto do lavatório e passou a mão por cima da torneira. A água parou de correr.

Pelo menos este controle eletrônico ainda está funcionando - pensou ele consigo mesmo.

Mas a pia continuou cheia até a boca. Drake tirou o paletó, dobrou as mangas da camisa e enfiou a mão na água, para desentupir o ralo.

Antes que conseguisse fazer o que pretendia, ouviu a campainha do telefone que havia sido instalado no banheiro.

- Quando não é uma coisa, é outra - suspirou Drake, tirando a mão de dentro da água.

Depois de sacudir o braço para livrar-se do excesso de água, ele apanhou o telefone.

- Alô - disse ele, laconicamente. Mas o receptor permaneceu em silêncio. Com um pouco mais de veemência, ele repetiu: - Alô.

Ouviu então uma voz digitalizada, gerada por um computador, que dizia:

- Ao sinal, a hora padrão do leste será sete e trinta e cinco da noite...

O barulho surdo da porta batendo impediu-o de ouvir o restante da mensagem ao telefone.

O banheiro ficou mergulhado na mais completa escuridão. Drake ouviu a tranca eletrônica da porta sendo fechada.

- Que diab...? - perguntou ele.

Colocou o fone no gancho. Foi até a porta e tirou do bolso o cartão magnético usado par abrir as fechaduras do prédio. Passou o cartão pelo sensor magnético e tentou torcer a maçaneta. Não funcionou.

- Raios! - disse Drake. - Acho que vou ter de agir à moda antiga.

Ele apanhou um chaveiro que trazia no bolso. Tateou entre as chaves até achar aquela que procurava, e passou os dedos pela porta, em busca da fechadura. Enfiou a chave e...

Uma bola de fogo explodiu no meio do banheiro.

O clarão foi a última coisa que Drake conseguiu ver.

Seu corpo voou violentamente para trás, no meio da escuridão, atingindo o grande espelho do banheiro.

Benjamin Drake caiu de costas sobre o piso molhado, com os braços estendidos para os lados, e o corpo totalmente imóvel. (Acima dele, a luz vermelha da câmera cintilou, ameaçadoramente).

 

Já era quase o Dia das Bruxas, e uma abóbora com uma vela acesa dentro decorava o saguão do edifício, sede do FBI. O agente especial Jerry Iamana observava aquela estranha decoração. A abóbora parecia estar sorrindo para ele. Dos dois, a abóbora com a vela dentro parecia ser um pouco mais inteligente.

Em nome da verdade, Jerry não era totalmente idiota. Mas, por outro lado, não era lá muito esperto.

Mas, apesar disso, ele havia feito uma coisa bem inteligente no FBI. Tinha sido parceiro do agente especial Fox Mulder durante um ano inteiro. Jerry lembrava-se, com saudade, daqueles doze meses. Na verdade, tinha sido muito divertido resolver todos aqueles casos.

Esta tinha sido a razão pela qual ele estava agora no saguão, procurando por Mulder.

Naquele momento, porém, ele não conseguia deixar de olhar para as balas e os doces que estavam dentro das abóboras que decoravam aquele ambiente.

Jerry sabia que não podia comer nenhum doce. Já estava com sete quilos além do normal para sua altura, segundo informação obtida durante o mais recente exame médico que fizera no FBI.

Mesmo assim, uma balinha só não faria mal nenhum. Além disso, ele sentia necessidade de energia.

Enfiou a mão na abóbora decorativa. E tirou de dentro uma porção de balas. Enfiou uma delas na boca e as outras no bolso do paletó. Afinal, não podia adivinhar quando sentiria novamente necessidade de um estímulo como aquele. O seu trabalho significava enfrentar uma emergência após a outra. Algumas vezes Jerry desejava que não tivesse assistido tantos filmes de bandido e mocinho, quando era criança. Assim, poderia ter seguido alguma outra carreira profissional. Mas já havia investido tempo demais no FBI para pensar em abandonar a profissão agora.

O olhar de Jerry percorreu todo o salão. Ele viu dezenas de agentes tomando café, batendo papo e comendo o lanche. Seu rosto se iluminou quando o olhar encontrou a figura de Fox Mulder.

Mulder e sua parceira, a agente especial Dana Scully, estavam apanhando o lanche em um carrinho.

Eles se viraram ao mesmo tempo, quando uma voz ecoou no salão:

- Mulder!

Mulder forçou um sorriso, quando viu quem gritava.

- Oi, Jerry - disse ele. - Que prazer vê-lo aqui.

Jerry também sorriu calorosamente, enquanto se aproximava. Mulder achava mais fácil imaginar que Jerry fosse semelhante a um cachorrinho de estimação, que se aproximava do dono, abanando a cauda.

Então Jerry sorriu ainda mais, olhando para Scully e estendendo a mão para ela.

- Você é Dana Scully, não é? - perguntou ele, enquanto apertava a mão dela. - Sou Jerry Lamana. Mulder já deve ter-lhe falado a meu respeito.

- Prazer em conhecê-lo - respondeu Scully Ela ergueu as sobrancelhas para Mulder, como se fizesse uma pergunta em silêncio.

- Jerry e eu trabalhamos juntos na seção de Crimes Violentos - explicou Mulder.

- Ei, que negócio é esse de "trabalhamos juntos"? - perguntou Jerry, com uma risada. - Fizemos muito mais do que "trabalhar juntos". Nós fomos bons parceiros, não é mesmo parceiro?

- É, sim, é verdade - disse Mulder, olhando interessado para o prato de salada.

Enquanto isso, Scully apanhava o sanduíche de atum que havia escolhido, feito com pão integral, de sete tipos de grãos. O homem que tomava conta do carrinho de lanche olhou para a bandeja única onde estavam os lanches de Mulder e Scully.

- São oito dólares e cinqüenta - disse ele.

- É minha vez de pagar, Mulder - disse Scully, abrindo a bolsa.

Rapidamente Jerry tirou a carteira do bolso de dentro do paletó.

- Vou pagar o almoço de vocês - anunciou ele, apanhando uma cédula de dez dólares.

Colocou o dinheiro sobre o balcão do carrinho de lanche, como se fosse uma nota de cem.

- Ora, muito obrigada - disse Scully, dando para Mulder outro olhar intrigado.

Mas Mulder não se mostrava nem um pouco interessado.

- Está enfrentando problemas em algum caso, Jerry? - perguntou ele, suavemente.

- Para dizer a verdade... - começou Jerry. Então fez uma pausa e olhou em volta, sussurrando: - Ouça, talvez fosse melhor discutirmos este assunto em particular.

- Se quiser podemos ir para minha sala - disse Mulder, espetando com o garfo um tomate vermelhinho.

- Boa idéia - respondeu Jerry E voltou-se para Scully, acrescentando: - É claro que você também está convidada para a conversa. Acho que três cabeças pensam melhor do que duas.

- Irei com prazer - respondeu Scully, sem poder esconder sua curiosidade.

- Posso até lhes oferecer a sobremesa - disse Jerry, apanhando do bolso duas balas doces.

Quando os três chegaram à porta da sala de Mulder, no porão do prédio, Jerry balançou a cabeça.

- Jamais consegui entender por que a chefia colocou você neste lugar horrível - disse ele. - Um sujeito brilhante como você...

Quando entraram, o olhar de Jerry percorreu toda a sala e ele tornou a balançar a cabeça.

- Jamais consegui entender como você pode trabalhar no meio de toda esta bagunça. Para mim as coisas precisam estar muito limpas e arrumadas.

- Alguns dos casos em que trabalho são... uma bagunça - disse Mulder, esperando que Jerry fosse direto ao assunto.

E não foi preciso esperar muito.

- Para dizer a verdade, o caso em que estou trabalhando agora é meio bagunçado e confuso - disse Jerry - Talvez vocês já tenham ouvido falar a respeito. O presidente da Eurisko Corporation foi encontrado frito no banheiro privativo de seu gabinete. Oficialmente ele foi considerado morto por eletrocussão.

- Não foi acidental? - perguntou Scully.

- Tudo indica que não - respondeu Jerry – Parece que ele caiu em uma armadilha bastante sofisticada. Mas ainda não temos a menor idéia de como foi armada ou quem a teria preparado. O pessoal encarregado da manutenção do prédio encontrou o corpo há apenas doze horas.

- E por que o FBI está investigando o caso? – perguntou Mulder.

- A Eurisko tem alguns contratos com o Governo - explicou Jerry - Acredita-se que poderia haver algum risco de segurança nacional.

- Por acaso esses contratos envolvem armamentos? - perguntou Mulder.

- Pelas informações que nos foram dadas, não - respondeu Jerry - É claro que ainda não temos todos os detalhes. Mas os contratos poderiam envolver outros interesses do Governo, além de armamentos. Afinal, hoje em dia utilizamos software de computadores para todos os tipos de coisa.

- Quem é o encarregado das investigações? - indagou Scully.

- Você conhece Nancy Spiller? - disse Jerry

- A catedrática de Medicina legal na Academia do FBI? - perguntou Scully - A guru oficial, especialista em morte e suas causas?

- Ela mesma - respondeu Jerry.

- Eu me lembro de ter feito o curso com ela – comentou Scully - Os alunos lhe deram o apelido de "A Dama de Ferro".

- Isso foi nos bons tempos dela - explicou Jerry.

- Hoje, basta cometer um erro e ela crucificará você. Mas, vamos ao que interessa: ela está organizando a equipe para a investigação e... - Jerry fez uma pausa, pigarreou e voltou-se para Mulder: - Depois que ela me escolheu, tomei a liberdade de sugerir o seu nome.

Mulder parou.

- Ouça Jerry, eu gostaria muito de ajudar você – disse ele. - Mas não estamos mais nas Investigações Gerais. A agente Scully e eu somos escalados apenas para casos muito particulares.

- Sim, eu já sabia disso - explicou Jerry. - São os Arquivos X. Foi para esse Departamento que você foi mandado, depois que deixou de trabalhar comigo. Me lembro que você achava que esse tipo de coisa não servia para mim.

- Como você mesmo disse, nós dois temos tipos bem diferentes - comentou Mulder. - Um gosta das coisas bem arrumadas e o outro é bagunçado. Acho que você combina melhor com o Departamento de Crimes Violentos. Geralmente esses casos são... bem mais simples. Sabe como é: tudo limpo e bem organizado.

- Este caso não - respondeu Jerry. - Ouça Mulder, eu não gosto de ficar implorando... Mas preciso muito de sua ajuda. Não sei para onde devo chutar a bola, neste caso.

- Você não vai chutar errado, Jerry - disse Mulder. E esperava que suas palavras tivessem um tom mais convicto do que ele se sentia.

Jerry suspirou.

- Este caso é grande demais para que eu me arrisque. A vítima, Benjamin Drake, não era apenas o presidente de uma empresa gigantesca. Ele era amigo pessoal do Ministro da Justiça. Minha carreira receberia um belo empurrão se eu conseguisse descobrir o assassino.

E acreditem, minha carreira precisa desse empurrão.

Mulder começou a falar de novo:

- Jerry, eu gostaria muito de ajudá-lo, mas...

- Ora, vamos, Mulder - disse Jerry. - Tenha um pouco de compaixão. Em nome dos velhos tempos.

Scully sorriu consigo mesma, quando percebeu que Mulder titubeava.

Ela sabia que Mulder jamais conseguiria livrar-se de um mendigo sem tirar algumas moedas do bolso, nem passar perto de um pássaro caído, sem tentar colocá-lo de volta no ninho.

- Bem, não posso prometer coisa alguma – disse Mulder. - Mas vou ver o que posso fazer por você.

Ele olhou para Scully e ela arrematou:

- Vamos ver o que nós podemos fazer.

-- Página 21

Capítulo 3

Na manhã seguinte Mulder e Scully estavam parados na praça que havia em frente ao

edifício Eurisko, olhando para o seu ponto mais alto. A luz forte do sol se refletia nas

paredes externas revestidas de vidro, que mais pareciam gigantescos espelhos. A imagem

refletida era a do céu azul e brancas nuvens que vagavam lentamente.

- Puxa! - exclamou Scully - Parece que é o tipo de lugar de que você gosta, Mulder. Dá a

impressão de que desceu do espaço e foi colocado aqui.

- Na verdade veio do espaço cibernético – disse Mulder. - É o prédio construído por

software. E, pelo que eu andei lendo, também é mantido por um complexo sistema de

software. Recentemente havia um artigo a respeito deste prédio em uma revista de

informática. O título da matéria era "Alta tecnologia sobe para o céu". Parece que há um

gigantesco computador encarregado de toda a manutenção do edifício.

- Parece um lugar interessante para visitar, mas... - disse Scully, balançando a cabeça.

-- Página 22

- Bem, acho que devemos tratar de conhecê-lo por dentro - disse Mulder. - Já é hora de

darmos uma mãozinha a Jerry Lamana.

- Abra o jogo comigo, Mulder - disse Scully, enquanto eles caminhavam para a entrada do

prédio. - Por que foi que você e Jerry se separaram?

- Porque é muito difícil trabalhar com um cara como eu - respondeu Mulder.

- Falando sério, Mulder - disse Scully.

- Então não sou um cara chato? - perguntou Mulder.

- Ora vamos, Mulder - disse Scully.

Antes que Mulder pudesse responder, os dois tiveram de parar para mostrar suas cédulas

de identidade ao guarda de segurança que estava na entrada do prédio.

Quando passaram pela porta, Mulder continuou:

- Digamos que Jerry e eu tínhamos objetivos diferentes para nossas respectivas carreiras. A

vontade de Jerry era trabalhar até chegar a ocupar uma sala no último andar de cima do

prédio do FBI.

- E você? - perguntou Scully.

- Minha meta era chegar a ter uma sala no porão do prédio, sem janelas e nem aquecimento

no inverno - respondeu Mulder.

- Já sei o que aconteceu com você - disse Scully - Mas, o que houve com Jerry?

- Jerry teve um pouco de azar em Atlanta – disse Mulder. - Ele estava trabalhando nas

investigações de uma série de crimes hediondos.

- E que tipo de azar ele teve? - perguntou Scully.

- Parece que não guardou direito uma prova dos crimes, com a sacola plástica e tudo o mais

- explicou Mulder.

- Quando conseguiu encontrar a prova, um juiz federal já havia perdido ambas as mãos e o

olho direito. Isso tudo acabou colocando certos obstáculos na carreira de Jerry.

- Eu imagino que deve ter colocado mesmo – disse Scully.

A esta altura eles já haviam atravessado o saguão de brilhante mármore branco do edifício e chegado à porta dos elevadores. Mulder apertou o botão para subir. Ouviu-se o estalido forte de uma campainha e a porta de aço inoxidável abriu com um barulho de sopro.

A parte de dentro do elevador também era toda revestida de aço inoxidável. Scully passou os olhos por uma fileira vertical de botões que havia no painel de controle. E apertou o número 30. A porta se fechou, fazendo de novo o barulho de sopro forte.

- Sobe - anunciou uma voz digital, gerada por computador. E o elevador começou a subir silenciosamente.

- Primeiro andar... segundo andar... terceiro andar... - ia anunciando a voz digital.

De repente, sem qualquer aviso, o elevador parou com um salto.

A parada repentina fez com que Scully perdesse o equilíbrio e caísse.

Depois de ajudar sua parceira a levantar-se, Mulder olhou em volta, examinando todo o elevador. Em um dos cantos do teto podia-se ver a lente de uma câmera, com uma luz vermelha que parecia olhar direto para eles.

Scully viu uma porta no painel de controle onde estava escrita a palavra EMERGÊNCIA.

Ela abriu-a e viu um telefone.

Scully mal havia levado o fone ao ouvido quando uma voz digital lhe disse:

- Olá. Estou aqui para ajudar. Por favor, diga o seu nome.

- Sou a agente Dana Scully - disse ela. - Do FBI.

- Por favor, diga o motivo de sua visita - pediu a voz digital.

O elevador começou a mover-se lentamente, tornando a subir.

- Por favor, diga o motivo de sua visita - repetiu a voz digital.

- Bem - disse Scully - Tudo parece ter voltado ao normal por aqui. Agradeço da mesma forma.

Ela colocou o fone no gancho e trocou olhares inquisitivos com Mulder.

Quando a porta do elevador abriu, no trigésimo andar do edifício, apareceu Jerry Lamana, que estava esperando por eles.

- Descobriu alguma coisa? - perguntou Mulder, enquanto eles caminhavam em direção ao gabinete de Benjamin Drake.

- Descobri, sim - respondeu Jerry, com uma expressão de alegria no rosto. E levou Mulder e Scully até um painel aberto na parede do gabinete.

Do lado de dentro havia uma complexa placa de circuitos elétricos.

- Está vendo isto? - perguntou Jerry - Alguém andou mexendo nestes circuitos. A carga positiva foi transformada em negativa. É um processo que produz choques elétricos de alta voltagem. E estão vendo isto? - Ele apontou para um fio que saía da placa de circuitos e entrava pela fechadura do banheiro. - Quando Drake enfiou a chave aqui... finito! - explicou Jerry, apontando para a chave que ainda se encontrava na fechadura.

- Belo trabalho, agente Lamana - disse Scully.

- Eu não sabia que você entendia tanto de circuitos elétricos, Jerry - disse Mulder.

- Para dizer a verdade, foi um dos funcionários do prédio que me forneceu determinados detalhes – explicou Jerry. - Um tal de Peterson. Acho que ele é da equipe de manutenção.

- Por acaso haveria perigo em colocar a mão na chave agora? - perguntou Scully - Gostaria de examiná-la melhor.

- Não há como tirar a chave dali - respondeu Jerry. - Acabou sendo fundida junto com a fechadura. - Ele balançou a cabeça e acrescentou: - É necessária uma voltagem extremamente alta para fundir desse jeito uma chave de aço.

- Assim como para atirar longe o corpo de um homem que pesava mais de oitenta quilos - acrescentou Scully. Ela olhou para o perfil do corpo de um homem, assinalado sobre o piso do banheiro. Acima do lavatório, havia um espelho de parede, com a superfície toda rachada.

Enquanto isso, Mulder havia voltado ao painel de circuito elétrico.

- Este interruptor... Por acaso foi acionado por mãos humanas? - perguntou ele.

Jerry coçou a cabeça por alguns instantes. Depois disse:

- Bem, não encontramos nenhuma impressão digital.

- Mas poderia ter sido acionado por mãos humanas? - perguntou Mulder.

- An... - resmungou Jerry, procurando alguma coisa para dizer.

Uma voz que veio da direção da porta salvou-o de seu embaraço.

- Claro que o interruptor poderia ter sido acionado manualmente - disse uma voz que vinha de trás deles. Era uma voz carregada de autoridade.

 

O homem que estava parado junto à porta tinha uma constituição forte. Seu terno bege claro contrastava com a pele escura. O homem parecia tão frio e competente como sua voz. Jerry encarregou-se das apresentações.

- Este é Claude Peterson, engenheiro de sistemas que trabalha na manutenção do edifício.

Foi ele quem descobriu o cadáver aqui.

- O senhor acha que alguém poderia ter montado propositalmente uma armadilha eletrônica? – perguntou Mulder a Peterson.

- Teoricamente isso seria possível – respondeu Peterson. - Mas, antes de mais nada, seria preciso desativar o SOC.

- SOC? - perguntou Mulder.

- É o Sistema Operacional Central, que comanda o edifício - respondeu Peterson.

- Esse tal de SOC comanda tudo que há no prédio? - perguntou Scully.

- Sim. Tudo e algumas coisas mais – respondeu Peterson. - O sistema controla desde as lâmpadas até os elevadores e a água dos banheiros. Foi uma criação de Wilczek.

- Wilczek? - perguntou Mulder.

- Brad Wilczek - explicou Peterson. - Foi ele quem criou o SOC. Insistiu que o sistema fosse instalado quando este edifício estava em construção, fosse qual fosse o custo. Achava que seria um projeto-piloto para sistemas que, em futuro próximo, cuidariam da manutenção de todo tipo de prédio, desde simples residências até estruturas gigantescas, como as torres gêmeas do World Trade Center, de Nova York.

- Pelo que estou entendendo, esse Wilczek deve ser a luz que ilumina os caminhos da Eurisko - disse Scully.

- Era a luz que iluminava nossos caminhos – disse Peterson, balançando a cabeça. - A Eurisko e ele passaram a seguir caminhos diferentes, depois da mais recente reunião dos acionistas.

Mulder e Scully trocaram um rápido olhar. Então, Mulder tornou a dirigir-se a Peterson, perguntando:

- Como engenheiro de sistemas, o senhor seria capaz de desativar o SOC?

- Quem? Eu? - perguntou Peterson de volta. E balançou a cabeça, com um leve sorriso nos lábios. - Não se deixe enganar pela posição que ocupo aqui. Na verdade, não passo de um zelador importante. Tudo o que tenho a fazer é monitorar o sistema o tempo todo, para ter certeza de que está funcionando bem. Foi o que aconteceu quando observei a sobrecarga de energia que se manifestou neste gabinete e vim ver o que estava acontecendo, acabando por descobrir o... - Ele parou, fazendo uma careta ao lembrar-se do cadáver que encontrara.

- Pelo que estou entendendo, a desativação do SOC exige um alto grau de especialização - disse Mulder.

- Antes de mais nada, seria preciso violar o código de acesso, o que é bastante... - Peterson fez outra pausa, como se estivesse fazendo cálculos. - Bem, acho suficiente dizer que não seria nada fácil.

- Vamos precisar de uma lista com os nomes de todas as pessoas que trabalham aqui e têm suficiente conhecimento para isso - disse Mulder. - Poderia nos fornecer essa lista de nomes?

- Claro - respondeu Peterson. - Mas já posso lhe adiantar que vai ser uma lista de pouquíssimos nomes.

- Mais uma coisa - disse Mulder. - Por acaso o SOC também controla as linhas telefônicas?

- Claro que controla - respondeu Peterson. – Wilczek estava planejando um sistema de controle total.

- Ele pode ouvir e gravar as chamadas telefônicas de fora para dentro, e os telefonemas feitos daqui para fora? - perguntou Mulder.

- Sim, pode - respondeu Peterson. - Por quê?

- Nada. Só queria saber - respondeu Mulder.

- Posso ir agora? - perguntou Peterson. - Tenho de examinar todo o sistema de ventilação do décimo andar. Já prestei minhas declarações ao agente Lamana e lhe dei o número de meu bip aqui no trabalho, assim como o telefone de minha casa.

- Se precisarmos do senhor nós trataremos de chamá-lo - disse Jerry, dando permissão para que Peterson saísse. Assim que Peterson se afastou, Jerry perguntou a Mulder: - Por que você lhe perguntou aquilo sobre os telefonemas?

- Porque o aparelho que há no banheiro está fora do gancho - respondeu Mulder.

Jerry olhou bem para o banheiro e disse:

- Bem, sim, isso mesmo. Está fora do gancho. Na verdade, eu estava começando a verificar esse tipo de coisa quando vocês dois chegaram.

- Talvez Drake estivesse conversando com alguém pouco antes de fazer sua imitação de Benjamin Franklin - disse Mulder. Jerry olhou para ele sem expressão alguma no rosto. E Mulder explicou: - Você sabe da história de Benjamin Franklin com o papagaio, no meio da tempestade... Com uma chave amarrada na ponta da linha. E o relâmpago que o atingiu...

- Ó, sim, claro. Agora entendi - disse Jerry. Ele sorriu para Scully e deu um tapinha no ombro de Mulder. – Eu ensinei a ele tudo o que ele sabe...

- Tudo o que você sabe, hein Mulder? - disse Scully, em tom de provocação, enquanto Jerry saía do gabinete.

 

Na tarde seguinte, Scully encontrou Mulder em sua sala, procurando nervosamente por alguma coisa, no meio da papelada que havia sobre sua mesa.

A confusão ali era muito grande. Havia livros, panfletos, revistas, pastas de documentos e todo tipo de objetos sobre a mesa.

- Perdeu alguma coisa? - perguntou Scully.

- As anotações que havia feito, durante as investigações na Eurisko - respondeu Mulder distraído, sem levantar os olhos da mesa.

- Talvez fosse mais fácil se você limpasse sua mesa mais de uma vez por ano - comentou Scully - Ou só limpa a cada dez anos?

- Pois eu lhe digo que aquelas anotações estavam aqui mesmo - insistiu Mulder.

- Não temos tempo para procurar por elas agora - disse Scully - Já passa das três horas.

Estamos atrasados.

- É verdade - disse Mulder. Ele acompanhou Scully para fora de sua sala e foram os dois pelo corredor.

Na sala de reuniões já havia uma dúzia de outros agentes, todos sentados ao redor de uma longa mesa. Na cabeceira estava a agente especial Spiller. Scully sorriu para sua antiga instrutora da Academia, enquanto ela e Mulder se apressavam para ocuparem os dois últimos lugares vagos.

Spiller sorriu de volta com sua expressão corriqueira, que era totalmente neutra.

- Que bom que vocês dois puderam vir a esta reunião - disse ela laconicamente. - Chegaram bem a tempo de ouvir o relatório preparado pelo agente Lamana.

Jerry Lamana não olhou para Mulder nem para Scully. Manteve os olhos fixos no bloco de papel amarelo que tinha nas mãos.

- Tanto a raridade estatística do assassinato por eletrocussão como a complexidade do próprio crime indicam que foi cometido por um tipo de assassino bastante fora do comum - disse Jerry, lendo as anotações. - Afinal de contas, existem maneiras muito mais simples de se matar alguém.

Scully olhou para Mulder. Ele balançou a cabeça com uma expressão de total incredulidade, quando ouviu o perfil que Jerry traçava do criminoso. Os olhos de Scully começaram a brilhar mais intensamente, quando ela se deu conta do que estava acontecendo.

- E tudo isso me leva a crer que o culpado por este assassinato tem um tipo de personalidade totalmente antisocial - disse Jerry. Ele parecia tornar-se mais confiante a cada palavra que dizia.

Enquanto isso, Mulder havia conseguido recompor-se a duras penas. Mas seus lábios permaneciam tensos, como se ele houvesse engolido um comprimido amargo.

- Talvez o assassino seja um recluso – continuou Jerry -, já que projetou uma armadilha não apenas para evitar que fosse descoberto, mas também para não ter contato direto com a vítima.

Scully não conseguiu mais se conter. Inclinou o corpo para o lado, em direção a Mulder, e sussurrou em seu ouvido:

- Mulder, por acaso foi você quem escreveu esse perfil?

Mulder voltou-se para ela e mexeu os lábios para formar as palavras: "Deixa pra lá".

Enquanto isso, Jerry colocava uma fita cassete em um gravador que havia sobre a mesa.

- O telefonema que Drake recebeu poucos instantes antes de morrer dá total apoio a esta teoria - declarou Jerry, ao apertar o botão play.

- Ao sinal, a hora padrão do leste será sete e trinta e cinco da noite... - disse uma voz eletrônica digitalizada.

- Esta é a hora estimada da morte de Drake - informou Jerry, desligando o gravador.

Spiller curvou-se para a frente, sem poder esconder o interesse por aquelas informações, que agora iluminava seus olhos.

- Por que Drake teria telefonado para saber a hora certa, pouco antes de morrer? - perguntou ela.

- Ele não apanhou o telefone para chamar, mas atendeu a um telefonema vindo de algum outro ponto do próprio edifício Eurisko - disse Jerry. E fez uma pausa, para criar tensão.

Quando percebeu que todos os presentes estavam concentrados no que ele dizia, continuou: - O assassino queria ter certeza de que Drake morderia a isca. Devo admitir que foi um plano muito brilhante.

- E sua análise também foi brilhante - disse Spiller. Era possível notar um ligeiro traço de calor na voz dela.

- Excelente trabalho, agente Lamana.

Jerry fez um grande esforço para mostrar-se modesto.

- Estou apenas tentando fazer o meu trabalho – disse ele.

Mas, depois da reunião, Jerry tinha uma tarefa muito mais complicada pela frente. Teria de dar explicações a Mulder.

- Que diabo você pensa que está fazendo? - perguntou Mulder, cercando Jerry perto do bebedouro.

- Ei, antigo parceiro, não precisa ficar tão irritado - disse Jerry.

- Aquelas eram minhas anotações - disse Mulder.

- Achei que você não se importaria - respondeu Jerry, apaziguadoramente. - Afinal de contas, estamos todos em família.

Mulder chegou a abrir a boca para responder, mas não conseguiu pensar em coisa alguma para dizer. Enquanto isso, Jerry olhava nervosamente ao redor, para ter certeza de que ninguém estava ouvindo. Então, voltou-se para Mulder e declarou:

- De qualquer maneira, não passavam de algumas anotações. Se você tivesse prestado mais atenção, teria visto que eu preenchi todos os espaços em branco.

- Jerry, você foi à minha sala e deliberadamente roubou minhas anotações - disse Mulder, ainda tentando entender

o que o outro havia feito.

- Olhe - disse Jerry, dando umas batidinhas de leve no braço de Mulder -, você só está envolvido neste caso porque eu pedi que viesse me ajudar. E foi exatamente isso que fez.

Você me ajudou. Qual é o problema?

Dizendo isso, ele se afastou.

Mulder ficou olhando-o se afastar, limitando-se a balançar a cabeça.

- O que foi que Jerry disse? - perguntou Scully, aparecendo de repente por trás de Mulder.

Mulder virou-se para ela e encolheu os ombros.

- Ele pediu desculpas... de um modo bastante peculiar.

- Ah, é? - disse Scully, erguendo as sobrancelhas.

Mulder preferiu mudar de assunto.

- Tem alguma novidade a respeito do caso? - perguntou ele.

- Acabei de falar por telefone com Peterson, o engenheiro de sistemas - respondeu Scully - Ele me passou a lista de nomes das pessoas que dominam o código de acesso ao SOC.

Scully entregou uma folha de papel a Mulder.

Ele olhou para o papel e disse:

- Um nome? Brad Wilczek?

- Ele disse que seria uma lista bem curta, lembra? - disse Scully - Andei fazendo algumas pesquisas nos jornais especializados em notícias do mercado financeiro. A coisa mais comentada ultimamente era o ódio mortal que Wilczek tinha por Drake.

- Faz sentido pensar em Wilczek assassinando Drake

- disse Mulder. - E o problema é justamente este: faz sentido demais. Só um louco egomaníaco tentaria fazer uma coisa tão óbvia como essa.

- E isso demonstra que o excelente perfil psicológico do assassino, traçado por Jerry Lamana, acertou em cheio no alvo - disse Scully secamente. - Acho que você deveria dar os parabéns a ele.

- Tratarei de fazer isso - respondeu Mulder. - Assim que acabarmos de investigar o Sr. Wilczek.

 

Excelente lugar para morar - disse Scully, olhando pela janela do carro. Ela e Mulder passavam de automóvel pela linda região arborizada e de verdejantes colinas do interior da Virgínia.

- Este lugar era antes conhecido como paraíso dos cavalos - disse Mulder. - E talvez ainda seja. Acho que os puros-sangues locais ainda correm atrás dos cachorros na caça às raposas.

- Duvido que isso seja uma coisa do agrado de Brad Wilczek - disse Scully, ao virar o carro pela longa avenida que levava à casa de Wilczek.

- Tenho a impressão de que sua impressão é correta - disse Mulder, olhando para a brilhante e ultra-moderna estrutura que ficava no final da avenida. - Aquela não é nenhuma velha casa de fazenda desta região.

Scully estacionou atrás de outro carro que já estava parado ali, e os dois desceram.

- Excelente de novo - disse ela, observando o luzidio carro esporte. - É um Corvette 1957.

Em magníficas condições. Deve ter custado uma soma magnífica em algum leilão.

Mulder olhou para a placa de licenciamento: EURISKO 1. Acariciou o brilhante capô do veículo e tornou a olhar para a casa. - Então é isso que se consegue com um QI de 220 e um salário anual de vários milhões de dólares.

- Tudo isso e o paraíso também - disse Scully.

- O paraíso da alta tecnologia - resmungou Mulder, olhando para a câmera do sistema de segurança, instalada na parte superior da porta da mansão, e apontada diretamente para eles.

A câmera movimentava-se para seguir cada movimento deles.

- Não acho que seja necessário tocar a campainha para avisar que chegamos - comentou Scully, ao mesmo tempo em que apertava o botão.

Seu dedo mal se levantara do botão quando a porta se abriu.

Brad Wilczek apareceu em pessoa. Era exatamente a mesma pessoa que Scully vira nas fotos encontradas nos artigos de jornal a seu respeito. Franzino, magro e fraco. Mas nenhuma das fotos tinha capturado a intensa energia que irradiava daquele homem.

- Sim? - perguntou Wilczek. A palavra saíra rápida e clara, como uma fagulha no meio da escuridão.

- É Brad Wilczek? - perguntou Scully.

- Sou - respondeu ele.

Scully mostrou sua identificação e disse:

- Somos do FBI.

- Por que foi que demoraram tanto? – perguntou Wilczek, com um misto de impaciência e desprezo.

Scully trocou um olhar com Mulder. Wilczek podia ser muitas coisas, mas claramente não tinha nada de humilde.

- Entrem - disse Wilczek, ao mesmo tempo em que se virava para levá-los para dentro. - Oh, vocês se importariam de tirar os sapatos?

Foi só então que Scully percebeu que Wilczek estava descalço.

Wilczek foi à frente, caminhando sobre pisos de mármore, passando por magníficos jardins japoneses, construídos debaixo de clarabóias de vidro, até chegarem a um grande espaço aberto, dominado por uma gigantesca escrivaninha de aço inoxidável. Entronizado, havia sobre ela um poderoso computador.

Wilczek empoleirou-se em uma beirada da escrivaninha. E fez sinal para que Scully e Mulder tomassem lugares em duas poltronas.

- O que querem de mim? - perguntou Wilczek. Então, antes que Scully ou Mulder pudesse dizer uma palavra, ele respondeu sua própria pergunta: - Suponho que pretendem obter informações a respeito do meu relacionamento com o falecido Benjamin Drake.

- Se houver alguma coisa que poderia nos dizer, estamos esperando - disse Scully.

- Podemos dividir aqueles que estão envolvidos na indústria da ciência da computação em dois tipos de pessoas - disse Wilczek. - Os organizados e os desorganizados. Na verdade, acho que podemos dividir o mundo da mesma forma.

- Imagino que o senhor considera que Drake fazia parte do primeiro grupo - disse Scully.

Enquanto falava, não conseguiu evitar de olhar para Mulder. Surpreendeu-o enquanto ele balançava a cabeça consigo mesmo, com um brilho de compreensão nos olhos. Como ela havia suspeitado, Mulder e Wilczek pareciam estar na mesma faixa de onda.

- As pessoas organizadas gostam de tudo muito claro - continuou Wilczek, com absoluta clareza na voz. – Usam roupas limpas e bem passadas. Gostam de trabalhar com coisas que podem ser somadas ou subtraídas sem deixar restos nem sobras. Coisas do tipo percentagem de mercado, ações e lucros anuais, semestrais e trimestrais, além de gordos abonos individuais.

- Mas o senhor tinha uma visão diferente para a companhia - disse Scully.

- Eu comecei a Eurisko no fundo da garagem da casa de meus pais - disse Wilczek. Havia orgulho em sua voz. Orgulho e um toque de tristeza, por um passado desaparecido. - Eu estava com vinte e dois anos de idade. Tinha acabado de passar um ano acompanhando os Grateful Dead. Minha mente estava completamente aberta, e eu conseguia sentir que todo o Universo entrava pelo meu cérebro.

Scully conseguia imaginar com muita facilidade o quadro que estava sendo pintado pelas palavras de Wilczek. Os cabelos dele eram ralos na parte de cima da cabeça, e havia umas poucas rugas no rosto daquele homem. Mas o garoto de vinte e dois anos de idade, cheio de sonhos, ainda estava muito vivo em cada palavra que ele dizia, e em cada gesto que fazia.

Wilczek fez uma pausa, e depois perguntou:

- Por acaso sabe o que significa eurisko?

Mulder pigarreou e falou:

- É uma palavra grega, não é mesmo? Significa "eu aprendo coisas".

Wilczek deu-lhe um relutante e ligeiro olhar surpreso de aprovação.

- É quase isso - disse ele. - Na verdade a palavra significa "eu descubro coisas".

Dizendo isso, Wilczek desceu da escrivaninha. Sua voz adquiriu um tom amargo, quando ele disse:

- Infelizmente, Ben Drake não estava interessado em descobertas. Era um homem de pouca visão, tinha sede de poder, e era apenas mais um homem ganancioso, que tinha olhos apenas para si mesmo... Era completamente cego para tudo o mais.

- O senhor poderia ser um pouco mais específico?

- pediu Scully - Poderia definir melhor essa cegueira que atribui a Benjamin Drake?

- Ele era cego para todas as novas possibilidades de aplicação dos softwares de computador- disse Wilczek, como se estivesse cuspindo as palavras. - Como os programas de realidade virtual, a inteligência artificial, a Casa Inteligente.

- Casa Inteligente? - perguntou Scully.

Movendo-se com rapidez, Wilczek levou Scully e Mulder para um gabinete preto impressionantemente grande. Abriu o armário, deixando à vista um enorme monitor de tela plana.

- Este é o protótipo de um sistema que algum dia será usado em todos os edifícios que forem construídos - explicou ele. - Com este sistema, tenho acesso a cada centímetro quadrado de minha casa.

Wilczek apertou um botão para ligar o aparelho.

Apareceu na tela um emaranhado de linhas e pontos interligados.

- O que estão vendo é um plano detalhado do primeiro piso de minha casa - disse Wilczek.

- Todas as portas, janelas, peças de mobília, detectores de fumaça, lâmpadas, canos do sistema hidráulico, linhas de fiação elétrica, sistemas de telecomunicações... tudo. Estes gráficos indicam a temperatura e a umidade. Aquelas três luzes vermelhas que estão piscando representam nós três parados aqui e, se houvesse qualquer outra coisa em movimento dentro da casa, o sistema também acompanharia cada um dos seus movimentos.

- Impressionante - disse Scully, enquanto Mulder balançava a cabeça, indicando concordar com ela.

- Impressionante? Claro que é - disse Wilczek. – Este lugar é tão seguro como Fort Knox, e tem a mesma eficiência energética de qualquer iglu construído pelos esquimós.

- Quando foi que instalou este sistema? – perguntou Mulder.

- Três anos atrás - respondeu Wilczek, com um tom de ódio envolvendo suas palavras. - A Eurisko estava muito à frente da Microsoft e de outros gigantes do software, neste projeto em particular. Mas então, Ben Drake, em um dos seus típicos golpes de mestre, resolveu cortar

os fundos destinados ao projeto.

Mulder permitiu que Wilczek tivesse alguns momentos para controlar-se. Então, perguntou:

- Sr. Wilczek, por acaso este sistema é semelhante àquele que se acha instalado na sede mundial da Eurisko?

- Está falando do SOC? - perguntou Wilczek. - Claro que sim. O SOC é uma variação do sistema que tenho instalado aqui. A única diferença é que o SOC é bem maior, o que o torna ainda melhor. Depois que projetei o SOC, achei que ninguém seria capaz de negar que se tratava de uma amostra do futuro. - Wilczek fez uma pausa. - Mas Ben Drake provou que eu estava errado.

Com um movimento brusco e quase selvagem, Wilczek desligou o monitor. E olhou com uma expressão severa para a tela escura.

- Em sua opinião, Sr. Wilczek - disse Mulder -, quantas pessoas conhecem suficientemente aquele sistema para poder desativá-lo?

- Ah, estava demorando a pergunta principal - disse Wilczek. Havia uma certa malícia em sua voz. - Eu estava imaginando quanto tempo ainda iria demorar até me perguntarem isso.

E a resposta é: não são muitas.

- Poderia alguém ter penetrado ilegalmente no sistema?

- Duvido que isso fosse possível para a média dos viciados em computador - respondeu Wilczek. – Mas existem muitos malucos por aí. Malucos bastante talentosos. Pessoas que vivem viajando pela Internet. Gênios da eletrônica. Anarquistas da tecnologia. E até mesmo garotos de vinte e dois anos trabalham dia e noite em suas garagens. No espaço cibernético tudo é possível.

Scully voltou à carga.

- O senhor poderia ter feito isso? - perguntou ela.

Wilczek respondeu com um sorriso.

- Claro que sim - disse ele. - Eu inventei o sistema. O SOC é minha criação. - Ele fez uma pausa e, ainda sorrindo, acrescentou: - Mas, naturalmente, esta declaração poderia ser interpretada de outra maneira. Poder-se-ia dizer que o SOC poderia ser minha arma. Por isso é que vocês estão aqui, não é mesmo? Pela lógica, eu sou o principal suspeito.

- O senhor não parece estar muito preocupado com isso - disse Scully.

- É um quebra-cabeças, Srta. Scully - disse Wilczek. - Pessoas desorganizadas como eu gostam de quebra-cabeças. Gostamos de caminhar pelas avenidas desconhecidas do pensamento. Adoramos dobrar novas esquinas. Gostamos de dizer: eurisko.

Scully sentia-se de certo modo atraída por aquele homem. Era muito difícil para ela não sentir simpatia por ele.

Wilczek parecia estar lendo os pensamentos dela.

- Mais uma coisa a respeito dos tipos desorganizados - disse ele. - Como regra geral, não cometemos assassinatos.

 

Esta noite eu cuidarei do relatório de campo sobre as investigações de hoje em casa - disse Scully a Mulder, quando eles voltaram para o escritório. - Vai ser mais seguro deixar as anotações lá em casa. Você sabe, a segurança aqui ...

- Jerry não é um mau sujeito - disse Mulder, compreendendo o que ela bem queria dizer. - Ele é apenas ... Jerry.

- Bom, você o conhece muito melhor do que eu - disse Scully. - E não me importo nem um pouco em conhecê-lo melhor do que já conheço.

- Jerry é uma pessoa com quem precisamos nos acostumar aos poucos - concordou Mulder.

- Acho que a apreciação por ele só pode ser adquirida com o tempo.

- É isso mesmo, como chocolate quente em cima de sanduíche de atum - disse Scully, com um sorriso irônico. - E, se você o quer de volta como parceiro, pode deixar que eu me transfiro para outra Unidade.

- Até amanhã, Scully - disse Mulder. – Acho que vou fazer mais algumas investigações a respeito de Brad Wilczek. Com a reduzida lista de suspeitos que temos, parece que ele é o único que merece investigações.

De volta ao seu apartamento naquela noite, Scully descobriu que suas anotações estavam ficando ao mesmo tempo fáceis e difíceis.

Era fácil fazer uma lista das razões pelas quais poder-se-ia considerar Brad Wilczek como a pessoa que havia assassinado Ben Drake.

Antes de mais nada, Wilczek tinha um bom motivo para o crime. Já fazia um bom tempo que ele não gostava de Drake. E a ordem de Drake para que o Projeto SOC fosse encerrado poderia ter sido a gota d'água final.

Em segundo lugar, Wilczek tinha os conhecimentos necessários para o crime. Se havia alguém capaz de programar o SOC no edifício Eurisko pára cometer um assassinato, esse alguém era Wilczek.

E o mais importante de tudo era o fato de Wilczek ter a personalidade ideal para aquele crime. O assassinato de Drake tinha sido, claramente, obra de alguém que gostava de brincar de gato e rato. Para uma pessoa como ele, a linha divisória entre a realidade e a realidade virtual, era praticamente invisível. Seria muito difícil para ele ver a diferença entre eletrocutar uma pessoa na tela ou fora dela.

O grande problema era que, embora fosse fácil apontar o dedo para ele, seria muito difícil encurralar o homem. Fosse Wilczek o que fosse, sua grande característica era que se tratava de um gênio. Conforme Scully escreveu ao final do seu relatório diário: "O problema aqui é que Wilczek parece ser um verdadeiro gênio, capaz de usar toda a sua genialidade para destruir quaisquer pistas que possam levar a ele. Se Wilczek é tão esperto, como faremos para sermos mais espertos do que ele?"

Ela releu todo o relatório, corrigiu um par de erros de grafia, e salvou o arquivo.

Na manhã seguinte colocaria o relatório em um disquete e o levaria para o escritório, a salvo de olhares curiosos.

Desligou o computador e foi para a cama, adormecendo quase no mesmo instante.

Ela não despertou quando um ruído leve de campainha ecoou pelo apartamento. Ouviu-se uma série de bips e estalidos quando o modem completou uma ligação. Na sala ao lado, a tela do pequeno computador acendeu-se.

O relatório a respeito de Wilczek subiu pela tela, desde a primeira até a última palavra.

Depois de alguns instantes, a tela tornou a ficar escura, como se nunca tivesse acendido no meio da noite.

No dia seguinte, na sala de Mulder, Scully mostrou-lhe o relatório.

Ele leu, balançando a cabeça em aprovação. Era exatamente aquilo que ele teria escrito.

Então ele mostrou a Scully o que havia descoberto. Uma série de fitas de áudio do tipo digital. Os rótulos diziam: BRAD WILCZEK, SÉRIE DE PALESTRAS NO INSTITUTO SMITHSONIAN.

Então ele passou a ela uma fita marcada GRAVAÇÕES DE CONVERSAS TELEFÔNICAS, DO SOC DA SEDE DA EURISKO.

- Acho que seria interessante fazermos uma comparação - disse ele.

E estava certo. Uma hora depois, Scully ainda estava ouvindo as fitas.

A voz de Wilczek saía com a clareza do cristal:

- Desde o princípio eu sempre soube que a Eurisko não se expandia de acordo com o pensamento ocidental tradicional, mas sim empregando determinadas crenças Zen e de outras filosofias orientais...

Scully apertou o botão de PAUSA. Voltou rapidamente a fita e apertou PLAY mais uma vez:

       ... filosofias orientais...

Outra pausa, a volta da fita, e PLAY mais uma vez.

       ... orientais...

Balançando a cabeça, Scully apertou de novo o botão de PAUSA e estendeu a mão, para que Mulder lhe passasse outra fita.

Ela estava a ponto de colocar a fita no gravador quando viu os olhos de Mulder virando-se depressa para o lado do corredor.

Jerry Lamana estava parado na porta.

- Espere só um segundo - disse Mulder a Scully.

Ele se levantou e foi falar com Jerry.

- O que é? - perguntou ele. - Como pode ver, a agente Scully e eu estamos bastante ocupados.

- Tenho de conversar com você - disse Jerry

Mulder olhou para Scully.

- Por que não saímos para o corredor e conversamos? - disse ele.

Jerry não se moveu.

- Olhe - disse ele. - Vim até aqui de chapéu na mão. Concordo que fiz uma besteira. Peço perdão. o que mais posso dizer?

- A única coisa que precisava fazer era pedir – disse Mulder, com tristeza na voz. - Eu o teria ajudado a preparar seu perfil do assassino.

- Você não sabe o que eu passo, Mulder - disse Jerry.

- E o que é que você passa? - perguntou Mulder.

- Já ouviu falar do que me aconteceu em Atlanta - disse Jerry - Mulder balançou a cabeça, sem dizer nada. E Jerry continuou, sua voz se tornando quase um lamento: - Por causa daquele episódio eu fiquei seis meses sob observação. Tinha de preparar relatórios diários sobre cada passo que dava, como qualquer agente recém-contratado.

- Você teve má sorte - disse Mulder. - Poderia ter acontecido com qualquer um.

- Com você não! - disse Jerry, em tom de acusação.

- Não fique se martirizando, Jerry - disse Mulder, procurando acalmar o colega. - Você é um bom agente. Fizemos um excelente trabalho juntos.

Jerry balançou a cabeça e disse:

- Ora, vamos. A única coisa que eu fazia era acompanhar você.

- Não foi bem assim - disse Mulder. Mas sua afirmação não parecia ter muito peso.

- Como é que você poderia saber, Mulder? - perguntou Jerry - Você estava sempre ocupado, como um artista no palco, arrancando aplausos da chefia o tempo todo. Do mesmo jeito que está fazendo agora. Está fazendo suas próprias investigações neste caso, enquanto eu fico aqui, totalmente no escuro.

- Nada disso, Jerry - declarou Mulder, sem olhar para Scully dessa vez. - Para dizer a verdade, acho bom que você tenha aparecido aqui justamente agora. Assim, não preciso me preocupar em lhe telefonar. A agente Scully e eu queremos sua opinião a respeito de um material que estamos investigando. Não é mesmo, Scully?

Scully forçou um sorriso e disse:

- É verdade. Por favor, entre, agente Lamana.

Eles se sentaram diante de um grande monitor de computador. A máquina estava ligada a dois gravadores de fita do tipo digital. Conforme o próprio Jerry observou, era "um equipamento e tanto".

- Com este equipamento nós podemos produzir espectrogramas computadorizados - explicou Scully. – O sistema foi desenvolvido pelo laboratório de Biométrica Vocal da Universidade de Georgetown.

- Para quê? - perguntou Jerry.

- Este sistema tem a capacidade de identificar as características individuais dos sons vocais de cada pessoa - explicou Scully

Jerry balançou a cabeça, admirado.

- Certo. É como eu disse: vocês têm um equipamento e tanto.

Ele coçou a cabeça, enquanto Scully dizia:

- Agora olhe para isto.

Ela apertou o botão PLAY, em um dos dois gravadores digitais.

Uma voz digitalizada disse:

- Ao sinal, a hora padrão do leste será sete e trinta e cinco da noite...

Na tela, o som daquela voz apareceu na forma de um espectrograma, uma série de linhas e barras variando de tonalidades, entre o cinza e o negro.

Scully salvou a imagem da tela.

Então, tocou a segunda fita. Ali estavam gravadas palavras e sílabas gravadas a partir da série de palestras proferidas por Wilczek. Os sons saíam aos saltos e desiguais, mas perfeitamente distintos.

- Ao sinal, a hora padrão do leste será sete e trinta e cinco da noite...

Na tela do computador, apareceu um novo espectrograma.

- Agora, vamos combinar as duas imagens – disse Scully E digitou um comando no teclado.

Os dois espectrogramas apareceram na tela, um sobre o outro.

Scully digitou um novo comando.

O computador iluminou as mesmas palavras em ambos os espectrogramas, indo de palavra para palavra, e de sílaba para sílaba.

- Você estava com a razão, Mulder - anunciou Scully, congelando as imagens na tela.

- Com a razão a respeito do quê? - perguntou Jerry.

Scully não perdeu tempo em responder. Ao invés disso, apanhou um lápis de cera.

- Observe a primeira sílaba da palavra padrão – disse ela. Aquela sílaba havia sido iluminada pelo computador, em ambos os espectrogramas. Com o lápis de cera, Scully fez um círculo ao redor das sílabas. - A imagem é absolutamente idêntica em ambos os gráficos.

Não há dúvida de que foram ambas proferidas pela mesmíssima voz.

o rosto de Jerry Lamana iluminou-se de repente.

- Então você está dizendo que a voz da palestra é a mesma voz que foi gravada durante aquele telefonema? - perguntou ele. Parecia estar muito feliz com sua capacidade de dedução.

- Estou afirmando que ambas as gravações foram feitas por Brad Wilczek - disse Mulder. - Ele usou de recursos eletrônicos para disfarçar sua própria voz. Mas não poderia Ter adulterado os ritmos e entonações subjacentes, peculiares aos seus próprios padrões de fala.

- E isso quer dizer que foi ele quem matou Drake - disse Scully - Ele tinha motivo e dispunha dos meios necessários. Agora temos prova suficiente para incriminá-lo.

Ela apanhou a blusa que estava no encosto da poltrona e começou a se vestir.

- Vou telefonar para o juiz Benson, em Virgínia – disse ela. - Acho que posso conseguir um mandado de prisão contra Wilczek em menos de uma hora.

Jerry também se levantou. E já estava com o paletó.

- Alguém tem de garantir que Wilczek não tente fugir. A gente nunca sabe o que um cara como aquele poderá fazer.

Mulder estava pensando a mesma coisa.

- Vou com você, Jerry - sugeriu ele.

- Não! - exclamou Jerry, em um tom de voz bem mais agressivo.

- Mas talvez seja melhor assim... - disse Mulder, calmamente.

- Deixe que eu o traga sozinho - disse Jerry, quase implorando. - Eu preciso de um sucesso desse tipo, Mulder.

Sem esperar pela resposta, Jerry saiu porta afora.

 

Brad Wilczek estava enfrentando sérios problemas.

Não com a morte de Ben Drake. De acordo com a opinião de Wilczek, o mundo estava muito melhor sem ele. A Eurisko certamente estava melhor. Drake havia prometido libertar a Eurisko dos seus problemas financeiros, vendendo ações da companhia ao público. Mas, ao invés de melhorar, a empresa caiu nas mãos de pessoas que não tinham a menor preocupação com as coisas que a Eurisko poderia fazer para o mundo, e sim apenas com o crescimento de suas próprias contas bancárias.

E seus problemas tampouco tinham a ver com aqueles abelhudos do FBI. Wilczek sabia que podia dar voltas e mais voltas ao redor deles, no espaço cibernético. Além disso, ele achava simpático aquele sujeito, qual era mesmo o nome dele? Mulder, isso mesmo. Ele tinha um

certo brilho nos olhos, uma tal intensidade que Wilczek entendia bastante bem. Quanto à outra agente, Scanlan... Solly .. ah, Scully, ela parecia simplesmente interessada em obter todos os fatos, seguindo as pistas para onde quer que elas a levassem.

Isso Wilczek também conseguia entender bem. Ele sempre havia acreditado em permitir que as descobertas o levassem até onde quisessem.

Mas Wilczek estava tendo sérios problemas com a única coisa que ele pensara ser digna de sua confiança.

O SOC.

Era como se estivesse sendo traído por seu melhor amigo. Ou, mais exatamente, por seu único filho. Era isso que o SOC era, o filho de sua mente. E nenhum pai jamais amara seu filho como ele amava o SOC.

Mas agora, ele estava tentando entrar no sistema, e era como se estivesse batendo contra uma porta trancada.

Sentado diante da tela do computador, lia a mensagem que aparecia e reaparecia no monitor.

ACESSO NEGADO.

- Diabo! - resmungou Wilczek. Sentia vontade de dar murros na tela e de arrebentar a proteção de plástico com os punhos.

Mas, ao invés disso, digitou mais um comando.

O computador começou a emitir uma longa série de senhas, em alta velocidade. As senhas iam correndo para baixo na tela, como verdadeiros raios. Mas a resposta era sempre a mesma.

ACESSO NEGADO.

- Ora vamos, abra logo isso - resmungou ele. O teclado parecia uma metralhadora, quando ele digitou mais um comando.

Finalmente, ele teclou ENTER.

Mas o sistema tornou a responder: ACESSO NEGADO.

Os ombros de Wilczek tombaram, quando ele decidiu desligar seu computador.

Balançando a cabeça, ele olhou para a tela escura.

Então levantou-se e caminhou por sua imensa casa, a caminho da porta de entrada principal.

Ali ele calçou um par de tênis bastante surrados, e saiu.

Aproximou-se de seu Corvette, entrou e saiu em disparada, procurando recuperar o tempo perdido.

Voava pela estrada, sem se preocupar em olhar pelo espelho retrovisor.

Se tivesse olhado, teria visto um carro que saía do acostamento para persegui-lo.

Meia-hora depois, Wilczek estacionava seu carro diante do Edifício Eurisko. A área de estacionamento estava quase completamente vazia. O dia de trabalho já havia terminado. Ele desceu do carro e correu para dentro do prédio, sem olhar para trás.

Se tivesse olhado, teria visto o outro carro parar bem atrás do Corvette, e o agente especial Jerry Lamana saltar de dentro.

Wilczek não se preocupou em parar, quando passou ao lado do guarda de segurança, sentado atrás de um balcão.

- Sr. Wilczek - disse o guarda, quando Wilczek passou por ele rapidamente.

Já fazia dez anos que aquele guarda trabalhava na Eurisko. Ele conhecia suficientemente Brad Wilczek para não achar estranha qualquer coisa que o homem fazia. Afinal de contas, Wilczek era um gênio, e os gênios raciocinam e fazem as coisas à sua própria maneira.

No entanto, o guarda parou o rapaz gorducho que veio entrando apressadamente, logo em seguida, pela porta principal do prédio. Mesmo quando o homem apresentou sua cédula de identidade do FBI, o guarda ainda olhou para ele com ar de suspeita.

Jerry Lamana perguntou:

- Para onde foi Wilczek.

- Pode procurar no último andar de cima – disse finalmente o guarda. - É lá que fica a sala de Wilczek. Pelo menos era lá.

Jerry nem pensou em agradecer pela informação. Apenas correu em direção aos elevadores. Apertou um botão e a porta se abriu, com um sopro. Ele entrou e apertou o botão para o último andar, e o elevador imediatamente começou a subir. Jerry mantinha os olhos fixos no indicador dos andares, enquanto os números iam mudando rapidamente. Não olhou para cima, quando se acendeu a luz vermelha de uma câmera comandada por computador.

Nem viu quando a lente da câmera fechou em zoom sobre ele, que estava preso no elevador.

 

Brad Wilczek prendeu a respiração ao colocar o cartão magnético na fechadura eletrônica da porta de sua sala. Bem, naquela que era sua sala.

Empurrou, e a porta abriu com facilidade.

Ele deu um sorriso ironicamente. Ben Drake não tinha tido tempo de mandar trocar o código eletrônico da fechadura.

Ligou o interruptor da luz e caminhou direto para o computador que estava sobre a escrivaninha. Sentou-se junto à escrivaninha. Era como se estivesse voltando para casa.

Poderia ter usado alguns dos vários milhões de dólares que havia ganho com a Eurisko para construir a casa dos seus sonhos, mas tinha sido naquela mesa que os seus sonhos haviam nascido. Era ali o seu lugar.

Correu levemente os dedos pelo teclado do computador. Era possível fechar os olhos e lembrar-se de como ele se sentira no começo de tudo, quando ainda era jovem e o futuro estava em toda parte por onde olhava. Isso havia sido antes de a porta do futuro ter-se fechado bem na sua cara, devagar a princípio, mas depois com uma forte pancada.

Achou uma vantagem os seus inimigos não terem ainda conseguido destruir o SOC. O sistema ainda estava funcionando. E ele ainda tinha o poder de fazer o sistema funcionar a seu favor.

Pelo menos é o que esperava.

Endireitou o corpo na cadeira e começou a digitar um comando.

Fez uma pausa, digitou ENTER, e prendeu a respiração.

- É bom vê-lo de volta, Brad - disse o computador.

O queixo de Wilczek caiu.

Estarrecido, ele ficou parado por alguns instantes.

Então, voltou a digitar no teclado. Enquanto digitava, ia falando as palavras que escrevia:

- Você não está equipado com um sintetizador de voz. Quando foi que fizeram essa modificação?

A máquina nada respondeu.

Os dedos de Wilczek voltaram a voar sobre o teclado.

- Qual é meu nível de autorização de uso?

Wilczek ouviu o computador funcionando. Por baixo desse barulho, podia ouvir as batidas do seu próprio coração.

- Isso agora é uma decisão a ser feita pelo Sistema Operacional - disse a voz do computador.

- Vamos ver se eu consigo influenciar essa decisão - resmungou Wilczek.

Sua testa franziu durante a concentração, enquanto digitava uma série de comandos que poderiam lhe dar o controle sobre o sistema que ele mesmo havia projetado.

- Desculpe, estes comandos não estão disponíveis no seu nível de autorização de uso. Tente de novo - disse-lhe a voz do computador.

Tentar de novo? Mas tentar o quê?

A nova direção da empresa não havia tido tempo de mandar trocar o código eletrônico da fechadura de sua porta, mas alguém havia mudado o código de acesso ao centro de comando do SOC. Seu cérebro funcionava a mil por hora, e seus dedos voavam pelo teclado enquanto ele procurava pelas teclas apropriadas para conseguir acesso.

De repente, ele se imobilizou. Piscando no monitor apareceu o rosto de um homem.

Era um rosto gorducho e pálido . Olhava para cima, com um ar curioso.

Wilczeck conseguia ouvir a voz digitalizada do computador anunciando os andares:

- Vigésimo-sexto andar.

- Que diabo... - disse Wilczek. E digitou rapidamente uma pergunta: O que está fazendo?

O computador nada respondeu, e a imagem que aparecia no monitor mudou de repente.

Agora era possível ver o corpo inteiro do homem, que usava um terno escuro, tinha a camisa suada no colarinho e a gravata desarrumada. Estava em pé, dentro do elevador revestido de aço inoxidável.

- Vigésimo-sétimo andar - anunciou o computador.

O homem que estava no elevador sorriu, mostrando sua ansiedade. Tocou um volume que havia em seu paletó, embaixo do braço esquerdo.

- Coldre de ombros - disse Wilczek consigo mesmo. - Deve ser outro agente do FBI.

- Vigésimo-oitavo andar - disse o computador.

- O que está fazendo? - Wilczek digitou freneticamente.

- Vigésimo-nono andar - disse o computador. - Trigésimo and... Vigésimo-nono... Trigés... vigés...

Wilczek deu um salto da cadeira. Levantou-se e saiu correndo para uma fila de monitores de vídeo que havia na parede da sala.

Todos mostravam a mesma imagem do homem no elevador.

Wilczek puxou a porta que abria o painel de controle, embaixo dos monitores. Com uma velocidade frenética, ele ligou e desligou vários interruptores. Nada que ele fazia tinha o menor efeito.

-Trigés... Vigés... Trigés... - O computador ia cuspindo as meias palavras, como uma metralhadora.

Agora o sensor captava a voz do homem que estava no elevador.

- Que diabo é isto? - perguntou ele, quando o elevador parou de repente e as portas se abriram de uma vez.

O homem olhou pela porta aberta, junto à parede de concreto do poço do elevador.

- O que está fazendo? - Wilczek gritou para o SOC.

Enquanto isso, o homem no elevador apertava o botão da campainha de emergência. Ele apertou mais e mais forte, e tornou a apertar.

Era possível ver o suor correndo pelo seu rosto quando ele finalmente resolveu desistir. E ficou parado ali, em silêncio.

De algum lugar veio um barulho metálico. Então ele ouviu uma batida de leve. E novamente o silêncio.

- Desce... - anunciou o computador.

O homem ficou boquiaberto. Ele perdeu o equilíbrio no momento em que o piso sobre o qual se apoiava baixou.

Ele foi atirado contra a parede, e sua cabeça esmagada pela chapa de aço inoxidável, no momento em que o elevador caiu.

Através da porta aberta, o túnel de concreto passava com uma velocidade estonteante, enquanto o homem jazia caído no chão.

- Não! - gritou Wilczek.

Seu grito acabou ficando sufocado na garganta, enquanto balançava a cena mostrada no visor do computador, que foi se apagando como uma vela.

A última coisa que ele viu foi a imagem das pernas do homem tremendo com violência, e que pararam de balançar no instante em que a tela ficou negra.

- Programa executado - declarou o computador.

 

Scully sentia-se muito mal. E tinha um gosto horrível na boca.

Não tinha dado muito apoio ao agente Jerry Lamana durante aquelas investigações. E agora ele estava morto. Ela chegou à porta da sala de Mulder, engoliu em seco, e bateu.

Não houve resposta.

Engraçado - pensou ela. Já era tarde da noite, mas ela estava certa de que Mulder poderia ser encontrado ali. Ele havia passado muitas noites em claro, desde o início do caso Eurisko.

Agora, deveria estar trabalhando mais duro do que nunca.

Scully tentou abrir a porta. Ela observou que, como sempre, a porta estava destrancada.

Abriu, entrou, e viu Mulder sentado no escuro, diante de um monitor de vídeo. Em sua mão havia um aparelho de controle remoto. Estava apertando rapidamente os botões, desacelerando o movimento da imagem, congelando-a, acelerando-a de novo e voltando tudo, para fazer mais uma verificação.

Scully o observou durante alguns minutos. Ele nem havia percebido que ela entrara. Seus olhos estavam grudados ao monitor.

Finalmente, Scully pigarreou e disse:

- Estive procurando por você. E achei que iria mesmo encontrá-lo aqui.

Mulder nada respondeu. Ainda estava completamente concentrado no vídeo.

Scully tentou mais uma vez.

- Ouvi as notícias sobre Jerry - Isso fez com que Mulder levantasse o rosto. - Estou muito sentida – disse ela.

Mulder balançou a cabeça devagar.

Houve então um longo momento de silêncio.

Depois, Mulder disse:

- Não acho que Wilczek tenha feito isso.

- O quê? - perguntou Scully, espantada. Nunca tinha tido oportunidade de ver o julgamento de Mulder sendo influenciado por suas emoções. Mas sempre há uma primeira vez paratudo.

- Não faz sentido algum - disse Mulder, com firmeza na voz. - Por que ele teria voltado à sede da Eurisko?

Scully encolheu os ombros.

- Talvez pretendesse destruir alguma prova – disse ela. - Talvez pretendesse assegurar-se de haver acabado com todas as pistas.

- Se alguém pretende destruir provas, por acaso faz pose para as câmeras? - perguntou Mulder. - Olhe para este vídeo. A imagem mostra Wilczek em sua antiga sala. Ele deveria saber que havia uma câmera gravando cada um dos seus movimentos. Foi ele mesmo quem projetou todo aquele sistema e mandou instalar as câmeras.

- Talvez tivesse esquecido esse detalhe – sugeriu Scully

- Seria possível, se Wilczek tivesse uma mente comum. Mas não a inteligência privilegiada que tem – disse Mulder. - Olhe, veja bem o vídeo. - Ele apertou o botão REWIND, esperou alguns instantes e tornou a apertar PLAY. - Por acaso isto lhe parece com a imagem de um homem que está cometendo assassinato?

Scully ficou observando Wilczek entrar em sua sala. Viu quando ele digitou furiosamente no teclado do computador. E notou quando ele deu um salto e saiu correndo em direção aos monitores de vídeo que havia na parede, batendo com força nos controles que havia embaixo. Finalmente, viu Wilczek sair correndo como louco de sua sala, um instante depois que os monitores haviam tornado a ficar escuros.

- Quem poderia dizer o que está se passando em uma mente como a dele? - perguntou Scully - Talvez tenha voltado à sua antiga sala por egoísmo e satisfação pessoal. Talvez quisesse brincar uma última vez com seu brinquedinho predileto. Também poderia ter sido uma simples compulsão no sentido de voltar à cena do crime. E pode ter sido que, ao observar Jerry vindo atrás dele, tenha entrado em pânico e reagido como um rato encurralado, desencadeando um ataque em defesa própria. Eu diria que esta última possibilidade é a mais forte de todas.

- Pois eu lhe digo uma coisa: estou convencido de que alguma coisa não está muito certa nestas imagens – insistiu Mulder. - Há algo muito errado aí.

Scully mordeu os lábios. Era doloroso para ela ver Mulder agindo desse jeito, completamente surdo para a voz da razão.

- Ouça o que estou dizendo, Mulder - disse ela. - Você passou por uma situação difícil...

Muito mais difícil do que possa estar imaginando.

Com uma expressão completamente neutra, Mulder limitou-se a balançar a cabeça.

Deu as costas para Scully e voltou a concentrar suas atenções no monitor de vídeo.

- Mulder... - começou a dizer Scully.

- Eu posso lhe garantir que Wilczek é muito mais esperto do que esta gravação mostra - disse Mulder, enquanto observava a imagem de Wilczek gritando silenciosamente contra o SOC.

Scully suspirou fundo.

- Mulder - disse ela. - Brad Wilczek acabou de assinar sua confissão. Que provas você ainda precisa da culpa dele?

Ouviu-se um estalido forte, vindo do aparelho de controle remoto.

O monitor apagou.

Mas Mulder continuou olhando para o aparelho.

- Mulder - disse Scully Mas não continuou a frase, quando percebeu que ele não lhe dava a mínima atenção. Os olhos dele estavam congelados sobre a tela escura.

- Scully .. - disse ele finalmente.

- Sim? - respondeu ela.

- Eu acho que gostaria de ficar sozinho por algum tempo - disse ele. - Tenho que pensar em algumas coisas.

- Claro - disse ela. Voltou-se e saiu da sala, fechando a porta devagar, ao passar por ela.

Chegou a abrir automaticamente a boca para lembrar a Mulder de que deveria trancar a porta... mas não chegou a dizer isso.

Jerry Iamana não estava mais por perto para roubar as anotações de Mulder.

Ela precisava esquecer dele... do mesmo modo que Mulder precisava esquecer.

Os dois precisavam deixar o passado ficar no passado.

Ela sabia que conseguia isso. Mas, e Mulder? Conseguiria?

 

Mulder virou o carro para entrar no largo caminho que levava à casa de Wilczek.

Era possível que ele conseguisse passar pelo sistema de segurança eletrônica montado por Wilczek. Com Wilczek ausente, incapaz de comandar o sistema, qualquer alarme seria como uma árvore caindo no meio da floresta.

Mulder fez uma curva na alameda e viu um carro parado à frente da casa de Wilczek.

Não era o Corvette antigo de Wilczek. Era um carro muito diferente. Um sedã como milhares de outros, muito comum, daqueles cuja presença não é sequer notada nas ruas.

Ninguém percebe um carro desses, exceto Mulder. Ele reconheceu o carro no mesmo instante em que o viu. Do mesmo modo como reconheceu os três homens parados ao lado do veículo.

Não sabia os nomes deles, mas sabia muito bem o significado daquelas expressões duras e o que era o volume que cada um tinha por baixo do braço esquerdo.

Eram todos muito educados, como Mulder sabia que seriam. E deixariam de ser educados apenas quando fosse necessário. Mas não era uma atitude muito inteligente fazer com que eles o fizessem.

Quando Mulder desceu do carro e começou a andar em direção à casa, um dos homens colocou-se lentamente na frente dele.

- Desculpe, cavalheiro - disse o homem. - Mas está entrando na cena de um crime. Vai ter de ir embora.

- Sim, eu sei - disse Mulder. - Mas tenho um mandado de busca.

Ele tirou o documento do bolso.

O homem nem perdeu tempo em ler o documento. Seus dois companheiros aproximaram-se e ficaram ao lado dele. Nenhum dos outros dois preocupou-se em olhar para o documento.

Todos se concentraram no rosto de Mulder, com olhos tão frios e insensíveis como espelhos.

- Ouçam, eu sou do FBI - explicou Mulder. E mostrou sua carteira com a cédula de identidade e a insígnia.

Nenhum dos três homens piscou.

- Esse mandado já não vale mais nada - disse o primeiro dos homens.

- O quê? - perguntou Mulder. - Mas foi emitido apenas esta manhã. A tinta da assinatura do juiz mal secou!

Enquanto dizia isso, Mulder tentou olhar por trás dos homens, para ver se conseguia enxergar o que estaria acontecendo na casa de Wilczek.

Isso serviu apenas para que os três homens se aproximassem mais dele, impedindo sua visão e obrigando-o a dar um passo para trás.

- Se o senhor não tiver autorização de acesso de Código Cinco, seremos obrigados a pedir que se retire imediatamente - disse o primeiro dos três homens.

- Autorização de Código Cinco? - perguntou Mulder. - Mas as únicas pessoas que possuem esse tipo de autorização são...

- São as únicas que poderão entrar nesta casa por enquanto - interrompeu o primeiro homem.

Mulder olhou de um homem para o outro. Era como se estivesse olhando para três tijolos absolutamente idênticos, em uma parede sólida.

Mesmo assim, eles lhe haviam dito o que precisava saber.

E ele sabia que havia apenas uma coisa que poderia fazer para descobrir mais alguma coisa.

Havia alguém com quem ele tinha de conversar. Essa pessoa era um homem de muitos segredos... E entre esses segredos estava o seu próprio nome, e o papel que desempenhava em uma agência do Governo tão misteriosa como ele mesmo. O homem usava o pseudônimo de Garganta Profunda.

Não era uma pessoa muito fácil de encontrar. Mas Mulder sabia como agir para isso.

Dispunha de meios que eram desconhecidos até daqueles que tinham autorização de acesso de Código Cinco.

- Obrigado por atender ao meu chamado – disse Mulder a Garganta Profunda.

Era hora do almoço na grande praça que havia em frente ao prédio sede da Eurisko. Todo aquele espaço aberto era iluminado pela luz forte e clara do sol, e estava ocupado pelos funcionários da empresa, que se deliciavam com o ar limpo e fresco. Garganta Profunda havia escolhido a hora e o lugar para aquele encontro. Havia calculado bem as coisas para poder misturar-se à multidão. Seu terno cinza facilitaria o seu desaparecimento. Até os seus cabelos grisalhos e sua pele pálida pareciam fazer parte do seu projeto de se misturar à multidão. Garganta Profunda era um mestre na arte da invisibilidade.

O próprio Mulder estava usando óculos escuros, como uma atitude de respeito diante da paixão que Garganta Profunda tinha pela necessidade de manter-se incógnito.

Apesar disso, Garganta Profunda estava irritado, como aliás Mulder sabia que estaria.

Garganta Profunda não gostava nem um pouco de aparecer. Era ele quem preferia entrar em contato com Mulder, e não o contrário. Gostava de deixar claro que ele era quem exercia o controle das coisas, o tempo todo. Controle era algo de que ele jamais abriria mão.

- Estou aqui contra minha vontade - disse ele a Mulder, enquanto caminhavam pela praça apinhada de gente. Seu olhar saltava de um ponto para outro, para ter certeza de que ninguém prestava a mínima atenção aos dois. Ninguém parecia notar a presença deles. - No futuro, eu faço questão absoluta de que você se atenha aos termos de nosso acordo.

- Desculpe - disse Mulder. - Mas há um certo tipo de informação que só posso obter por seu intermédio. Informação muito importante. Preciso saber por que Brad Wilczek está sendo objeto de uma investigação de Código Cinco. Em geral esse nível de código compreende apenas os casos mais secretos das áreas de Segurança Militar. Qual o interesse que o Departamento de Defesa tem nesse homem?

Garganta Profunda nada podia fazer senão sorrir. As perguntas de Mulder eram, quase sempre, uma fonte de diversão para ele, já que o próprio Mulder muitas vezes sabia as respostas. Era como um jogo, cuja meta era fazer com que Garganta Profunda colocasse o carimbo oficial de verdade a determinadas suspeitas que vinham de fora. Felizmente para Mulder, Garganta Profunda era um homem que gostava de jogos e de brincadeiras de gato e rato.

- Por que você acha que eles se interessariam pelo mais audacioso e mais brilhante programador de computador que existe no mundo? - perguntou Garganta Profunda.

Ele parou alguns instantes diante de um carrinho de cachorro-quente e levantou um dedo para fazer seu pedido.

Mulder imitou o gesto dele. Quando os dois estavam colocando mostarda nos seus sanduíches, Mulder perguntou:

- O pessoal da Defesa quer que Wilczek crie algum software especial?

Garganta Profunda deu uma mordida, mastigou, engoliu e respondeu:

- Por anos, o Sr. Wilczek teve inúmeras oportunidades de recusar algumas das ofertas mais tentadoras para o desenvolvimento de avançados sistemas de telemetria para sistemas de foguetes teleguiados. - Os lábios de Garganta Profunda se curvaram, indicando todo o seu desprezo, enquanto apanhava um guardanapo de papel para limpar a mostarda de seu lábio superior. - Parece que Wilczek não é a favor da guerra. É um verdadeiro bebê chorão.

- De que tipo de software estamos falando? - perguntou Mulder, quando começaram a caminhar de novo.

- O que você sabe a respeito de inteligência artificial? - perguntou Garganta Profunda.

- Pensei que se tratasse apenas de teoria – disse Mulder. - Achei que seria apenas um tema para os autores de obras de ficção científica. Jamais imaginei que se tratasse de uma possibilidade que alguém poderia vir a levar a sério.

- Ninguém levou isso a sério... até há dois anos atrás - disse Garganta Profunda. - Por acaso você se recorda daquela partida de xadrez realizada em Helsinque, na Finlândia? Quando um computador venceu um Grande Mestre? Foi aquela a primeira vez que uma máquina produziu uma linha de raciocínio melhor do que uma afinadíssima mente humana.

- Eu me lembro de ter lido a respeito - disse Mulder.

- Por acaso você pensou a respeito disso... e do que o fato poderia significar? - perguntou Garganta Profunda.

- Sim, eu pensei a respeito - disse Mulder.

- Então eu acho que você estará interessado em saber que aquele computador, campeão mundial de xadrez, tinha sido programado por Brad Wilczek informou Garganta Profunda.

Ele olhou para o céu claro e brilhante, onde havia inúmeras nuvens brancas. Uma delas passou na frente do sol, e uma sombra fria atravessou a praça. - Segundo os rumores, Wilczek conseguiu aquilo através do desenvolvimento da primeira rede de adaptação.

- Rede de adaptação? - perguntou Mulder, procurando ter certeza de que entendia o significado da expressão. Era uma coisa importante demais, para ele arriscar-se a uma interpretação errada.

- Uma máquina de aprendizado - confirmou Garganta Profunda. - Um computador que absorve experiências e é alterado por elas. Um computador que vai continuamente melhorando o seu próprio funcionamento. Em outras palavras, um computador que consegue pensar por si mesmo.

- Inteligência artificial - disse Mulder, piscando por trás das lentes dos óculos escuros, quando o sol apareceu de novo. - Então, isso é mesmo possível.

- Suficientemente possível para que algumas pessoas do Departamento de Defesa façam tudo o que podem para tentar colocar as mãos no sistema - disse Garganta Profunda.

- Dá para ver isso - disse Mulder. - E dá para ver que eles talvez sejam capazes de qualquer coisa para obter o que desejam.

Garganta Profunda parou, olhou bem para Mulder e disse:

- A questão aqui é saber o que você pode fazer.

 

Depois de seu encontro com Garganta Profunda, Mulder ficou mais convencido do que nunca de que estava certo a respeito de Brad Wilczek. Tinha certeza de que Wilczek havia

confessado os assassinatos para dar proteção ao SOC.

Ele tinha de falar com Wilczek e convencer o gênio da computação de que estava errado, o que ele vinha fazendo. Errado demais.

Felizmente, a carteira de identidade de Mulder como agente da FBI era suficiente para que ele chegasse até a cela onde Wilczek vinha sendo mantido preso. Os homens do Governo haviam conseguido colocar a casa de Wilczek fora do acesso dele. Mas o Centro Federal de Detenção, em Washington, DC, ainda ficava dentro do território de Mulder.

A cela onde Wilczek estava tinha paredes lisas em três dos seus quatro lados, e barras de ferro, do piso ao teto, na parte da frente. Não havia TV, nenhum livro e nem jornais. Wilczek tinha sido deixado ali sozinho para ficar olhando para as paredes sem janelas, ou através das barras de ferro, pensando e repensando em sua vida.

Wilczek estava sentado em uma cadeira, contando as manchas que havia no teto, quando Mulder entrou. O rosto de Wilczek mostrava a barba preta, que ele não fazia havia dois dias.

Tinha círculos vermelhos ao redor dos olhos. E sua camiseta e calças jeans tinham sido substituídas por um uniforme de prisioneiro, de cor azul escura.

Mas havia mais uma diferença.

- Como pode ver, eles me obrigam a andar calçado o tempo todo - disse ele a Mulder.

- É um prazer vê-lo tão bem disposto - disse Mulder, procurando quebrar o gelo.

Enquanto falava, Mulder corria os olhos rapidamente por toda a cela, investigando cada canto e cada rachadura nas paredes.

Wilczek sorriu.

- Pode parar de perder seu tempo, agente Mulder - disse ele. - Já procurei por toda parte e não encontrei nenhum grampo. Aqui não existem insetos nem grampos eletrônicos que imitam insetos. Nada. Pode acreditar no que estou dizendo. Tenho tido muito tempo livre para procurar por eles. Além do mais, raciocine comigo: por que eles iriam preocupar-se em grampear minha cela? Já estão com a confissão que eu assinei. E isso me leva a uma pergunta: O que deseja de mim, agente Mulder? Ou será que veio aqui apenas para zombar de mim?

- Preciso de uma simples informação - disse Mulder.

- O que seria? - perguntou Wilczek. - O número que eu calço?

- Diga-me: Por que está disposto a passar o resto da vida na cadeia, por um crime que nunca cometeu? - perguntou Mulder.

- O que está tentando me dizer? - retrucou Wilczek. - Sou culpado. Você deve ter lido a confissão que assinei. E posso lhe garantir, como vou garantir ao Tribunal, que a assinei por minha livre e espontânea vontade.

- Eu sei que é inocente - disse Mulder. Usava um tom de voz direto e firme, como se estivesse somando dois mais dois.

Os olhos de Mulder encontraram-se com os de Wilczek. Houve um longo momento de silêncio. Então, Wilczek olhou para o outro lado. Mas não disse coisa alguma.

- Está dando sua proteção a uma máquina – disse Mulder, no mesmo nível e tom de voz. - Está protegendo sua criação intelectual, o Sistema Operacional Central da Eurisko.

Houve mais uma longa pausa.

Finalmente, Wilczek disse:

- Se estou protegendo alguma coisa... Não é a máquina!

- Então, o que está protegendo? - perguntou Mulder, com uma voz repentinamente intensa, como se alguém houvesse ligado o interruptor de uma luz muito forte.

De novo houve um longo silêncio.

Quando Wilczek falou, sua voz parecia vir de longe. Era como se as palavras estivessem nascendo no fundo de sua alma.

- Uma vez eu li a história da vida de Robert Oppenheimer - disse ele. - Acho que você sabe de quem estou falando.

- Do cientista americano que chefiava a equipe de pesquisadores responsável pelo desenvolvimento da bomba atômica - disse Mulder.

Wilczek fez que sim, com um movimento da cabeça, e continuou:

- Depois que derrubaram a bomba sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão, Oppenheimer passou o resto de sua vida lamentando o fato de haver estudado o átomo.

- É possível que Oppenheimer tenha lamentado suas ações - disse Mulder -, mas ele jamais negou ter sido responsável pelo que fez. Ele era quem era, fazia o que fazia, e nunca tentou esconder-se ou fugir da realidade de sua própria vida.

- Oppenheimer era um cientista que amava o trabalho que fazia - disse Wilczek, com a voz agora cheia de sentimento. - O grande erro que cometeu foi colocar seu trabalho em mãos erradas. As mãos daqueles cuja responsabilidade era matar.

Havia dor na voz de Wilczek. A dor que Oppenheimer devia ter sentido. E sua própria dor.

- É comum as pessoas cometerem erros – disse Mulder.

- Não cometerei o mesmo erro - declarou Wilczek.

- Mas sua máquina matou Drake - disse Mulder. – E também matou meu amigo.

Wilczek tornou a virar o rosto para o outro lado, evitando o olhar acusador de Mulder.

Depois de alguns instantes, ele disse com frieza:

- Sinto muito por tudo o que aconteceu. Mas não há mais nada que eu possa fazer.

Havia chegado a vez de Mulder falar com sentimento.

- É interessante que você fala na grande maldade que existe em matar. Você tem medo de que o Governo descubra o que o SOC pode fazer, e teme que a máquina seja controlada por aquelas pessoas. Mas está se arriscando a permitir que o SOC continue matando.

Wilczek encolheu os ombros e disse.

- Acho que é o menor dos dois males – resmungou ele.

- E que tal se houvesse uma terceira opção? - perguntou Mulder. - Wilczek ficou calado.

Mas o olhar que deu a Mulder estava cheio de interrogação. E Mulder continuou: - Aquela maldita máquina é uma criação sua. E do mesmo modo como a projetou, sei que pode achar um modo para que eu a destrua.

- Mulder, estou preocupada com você - disse-lhe Scully.

- Não precisa preocupar-se – respondeu Mulder - Temos coisas muito mais importantes em que pensar.

Mulder a havia chamado e combinado o encontro na praça diante do Edifício Eurisko, no final daquela tarde. Achava melhor e mais seguro conversarem ao ar livre. No seu modo de ver, a investigação havia chegado a um estágio em que era necessário manter o mais alto nível de segurança possível.

Isso fazia com que Scully se preocupasse ainda mais. Não considerava como bom sinal o fato de uma pessoa começar a ficar imaginando que todos os outros a estão espionando.

Uma atitude assim indicava uma certa... tensão.

Agora, caminhando lado a lado com ele, Scully disse:

- Não estou entendendo o que diz, Mulder A qual estágio da investigação você está se referindo? A investigação acabou. O caso está encerrado. Wilczek confessou seus crimes.

Ele nem está tentando alegar insanidade ou coisa parecida. A única questão que permanece no ar é saber quantos anos de cadeia ele vai acabar pegando.

Mulder balançou a cabeça.

- A confissão dele não passa de uma grande mentira. Ele está tentando proteger o SOC.

Não quer que determinadas pessoas fiquem sabendo da capacidade total do sistema. Quer evitar que essas pessoas ponham as mãos em sua criação e a utilizem para o mal.

- Olha, Mulder, eu sei que você se recusa a acreditar que Wilczek é culpado - disse Scully - Mas os fatos estão aí para provar tudo. Nenhum sistema de computador poderia tomar sozinho a decisão de matar.

- O SOC pode fazer isso - disse Mulder.

- Acho que você tem conversado demais com Wilczek - disse Scully - E também acho que ele confundiu seu julgamento, com toda aquela conversa sobre alta tecnologia. Ele passou a vida inteira defendendo os computadores. Mas me parece bem claro que está apenas colocando toda a culpa sobre a máquina, como último recurso. É uma atitude desesperada. E não vai dar certo.

- Mas é a única coisa que faz sentido nesta história toda - insistiu Mulder. - O Projeto SOC estava representando uma grande perda de dinheiro para a Eurisko. Drake estava a ponto de acabar com o projeto. O SOC tem olhos e ouvidos em todo o Edifício Eurisko, e ficou sabendo dos planos de Drake. Foi o próprio SOC que tomou a decisão de matar, e que acabou cometendo o assassinato.

- Ora, vamos, Mulder - disse Scully, balançando a cabeça. - Por acaso está tentando me dizer que a máquina assassinou Drake como recurso de autodefesa?

- Como recurso de auto-preservação - disse Mulder. - É a primeira lei da vida. É o primeiro e mais importante instinto de todas as criaturas vivas.

- Mas o SOC não tem vida - disse Scully - Não tem sentimentos. Não pode pensar.

- Mas, e se pudesse pensar? - perguntou Mulder.

- Mulder, tal nível de inteligência artificial só poderá ser alcançado daqui a várias décadas, se é que será alcançado - disse Scully

- Então, por que acha que o Governo vem tentando assumir o controle das pesquisas de Wilczek? - perguntou Mulder. - O que é que eles sabem e que você não quer acreditar?

- Com quem é que você anda conversando? - perguntou Scully - Desculpe, mas vai ter de confiar em mim - respondeu Mulder.

- Tem certeza de que não anda ouvindo vozes misteriosas? - perguntou Scully, olhando para Mulder com ar de viva preocupação.

Mulder ignorou as dúvidas dela.

- O mais importante de tudo é que Wilczek pode desenvolver um vírus capaz de destruir o SOC - disse ele.

Scully parou de andar, fazendo com que Mulder parasse também.

- Mulder, não sei como vou lhe dizer isto...

- Dizer o quê? - perguntou Mulder.

- Acho que você está procurando por alguma coisa que não existe - disse Scully gentilmente. - Parece-me que a morte de Jerry Lamana afetou você mais do que pode estar imaginando. E acho que você deseja encontrar uma causa para aquela morte, uma causa tão grande como a culpa que você sente a respeito. Talvez fosse boa idéia você conversar com alguém... Com uma pessoa que o pudesse ajudar.

Mulder olhou bem para Scully.

Depois de alguns instantes, ele falou:

- É provável que você esteja certa. Até amanhã.

Ele deu as costas para ela e afastou-se.

- Ei, aonde é que você vai? - perguntou Scully.

- Conversar com alguém - respondeu Mulder. E continuou indo embora a passos rápidos pela praça vazia, sob o sol poente.

Já era tarde da noite, e Brad Wilczek estava deitado no escuro, com os olhos bem abertos.

Não conseguia dormir, e mesmo que conseguisse, não queria adormecer.

Achava que estava vivendo como nos velhos tempos, quando trabalhava sobre uma idéia, sentindo que seu cérebro funcionava a toda velocidade, acelerado ao máximo. A emoção, pelo menos, era a mesma.

Sentia a energia. Era isso que ele havia pretendido experimentar durante toda a sua vida.

Mas havia uma diferença, uma enorme diferença.

Nos velhos tempos, as emoções que sentia tinham origem na sua intensa motivação, procurando criar alguma coisa nova.

Agora, o que dominava sua mente era a destruição.

De repente, a luz se acendeu em sua cela.

Ele ouviu o barulho metálico da fechadura sendo destrancada, e a porta da cela se abrindo.

Mulder apareceu na porta, com o guarda vindo logo atrás.

- Poderia por favor nos deixar conversar a sós? - pediu Mulder ao guarda. - Tenho de falar com o prisioneiro sobre alguns aspectos confidenciais. Material altamente secreto.

- Tem certeza de que não corre perigo? – perguntou o guarda. - O prisioneiro pode estar... emocionalmente estressado. Talvez seja violento.

- Pode ficar tranqüilo - garantiu Mulder. E bateu de leve sobre o bolso, acrescentando: - Posso cuidar de tudo.

- Muito bem - disse o guarda.

O homem fechou a porta da cela e tomou o caminho de volta pelo corredor.

- Então, já tomou a decisão? - perguntou Mulder, assim que o guarda se afastou o suficiente para não ouvir a conversa dos dois.

- Sim - respondeu Wilczek.

- Vai fazer o que pedi? - perguntou Mulder.

- Sim - respondeu Wilczek.

- Acha que consegue fazer isso? - perguntou Mulder.

- Suponho que sim - respondeu Wilczek. - Talvez. Vou ter de tentar. Ou melhor: você vai ter de tentar. O caso é que o SOC passou por algumas modificações. E algumas modificações que eu talvez nem conheça. Pode ter sofrido mudanças feitas pelo próprio sistema.

Mulder colocou um computador portátil sobre a cama de Wilczek. Era um computador tão pequeno que ele o havia trazido debaixo da capa de chuva.

- Quanto tempo acha que vai demorar? – perguntou Mulder.

- Volte dentro de algumas horas - disse Wilczek, abrindo a tela do computador. E imediatamente ligou o pequeno aparelho. Seus dedos começaram a pairar sobre o teclado, enquanto o sistema operacional ainda estava sendo carregado. - Acho que vou conseguir fazer o que você deseja. A partir daí, vai ter de enfrentar a fera sozinho.

 

Naquela noite, Scully não estava gostando de escrever seu relatório de atividades do dia.

Quando terminou, desligou o computador e foi deitar-se.

Mas, apesar de ter adormecido, ficou virando de um lado para o outro na cama, assaltada por uma série de pesadelos.

Foi quase um alívio quando a campainha do telefone a acordou no meio da noite.

Scully decidiu permitir que sua secretária eletrônica atendesse o chamado. O telefone tocou mais uma vez e então parou. Mas, ao invés do som familiar de sua voz na gravação da secretária eletrônica, ela ouviu uma série de ruídos de alta freqüência. Ruídos que ela reconheceu como o som do modem fechando um contato através da linha telefônica.

Bem acordada agora, Scully saltou da cama e dirigiu-se ao computador, na sala de visitas.

Mas não foi rápida o bastante. Pela porta do quarto ela viu quando a tela do computador acendeu.

 

Scully correu para o computador. Viu uma seqüência de comandos aparecendo na tela, o primeiro dos quais era WILCZEK.DOC.

Ficou imobilizada quando viu seu relatório de campo subindo pela tela do computador. Ao final do relatório, ouviu mais uma série de bips breves, e o computador se desligou.

Scully não hesitou. Apanhou o telefone, discou um número, e disse à telefonista que atendeu no outro lado da linha:

- Aqui é a agente especial Dana Scully, do FBI, identidade profissional número 2317-616.

Preciso saber imediatamente onde foi que se originou uma conexão via modem, que acaba de ser feita para o telefone de número (202) 555-6431.

A resposta demorou apenas alguns minutos. Assim que Scully ouviu a informação, agradeceu à telefonista, desligou o telefone e começou a vestir as primeiras peças de roupa que conseguiu encontrar.

- Droga! - disse Mulder consigo mesmo.

Havia estacionado o carro perto do Edifício Eurisko. Tinha acabado de sair do veículo e estava a ponto de abrir o porta-malas quando viu faróis aproximando-se pela rua, que até então havia estado deserta.

O automóvel que chegava parou cantando pneus atrás do carro dele.

Scully desceu de dentro. Mulder ergueu as sobrancelhas. Pela primeira vez na vida, Scully não estava impecável. Parecia que ela havia vestido as roupas no escuro.

- Mulder! - gritou ela, com um tom de ansiedade na voz.

- O que está fazendo aqui? - perguntou ele.

- Alguém... ou alguma coisa... tem acompanhado tudo o que escrevo nos arquivos do meu computador - disse ela.

 

- E provavelmente meu telefone também está grampeado. Acessaram todas as informações a respeito deste caso nos arquivos do meu disco rígido, mas eu consegui descobrir de onde foi que roubaram os dados... - Scully fez uma pausa e levantou os olhos para o Edifício Eurisko, que se erguia bem alto na escuridão da noite. - Os chamados foram feitos de algum lugar aí dentro...

- E a máquina, Scully - disse Mulder.

Dessa vez Scully não retrucou. Limitou-se apenas a perguntar:

- Como vamos fazer para entrar?

Mulder sorriu e abriu o porta-malas do carro.

- Lembra-se do Cavalo de Tróia? - perguntou ele, tirando do porta-malas uma placa de licença de veículo e uma chave de fenda.

Scully olhou para a placa.

A licença era EURISKO 1.

- Você teve acesso ao carro de Wilczek?

- É maravilhoso o que se pode fazer com uma carteirinha do FBI - comentou Mulder. E começou a trocar a placa de seu carro pela de Wilczek.

Terminado o trabalho, sentou-se ao volante com Scully ao seu lado. Dirigiu o veículo até a porta de ferro da garagem que ficava no porão do Edifício Eurisko.

- A patente dos oficiais oferece alguns privilégios - disse Mulder. - Vamos ver se a patente de Wilczek pode nos ajudar.

Uma câmera instalada acima da porta de entrada da garagem examinou a licença do carro.

Ouviu-se um leve ruído metálico e a enorme porta metálica começou a se levantar lentamente.

- Abre-te Sésamo - disse Mulder, e colocou o carro em marcha para entrar pela garagem.

O veículo já havia quase passado pela porta quando um grande braço de ferro baixou, bloqueando sua passagem.

- Ei, que diabo... - disse Mulder.

- Mulder! - sussurrou Scully, quando olhou pela janela do carro e viu a enorme porta de aço descendo como uma guilhotina.

Uma fração de segundo depois, ela estava olhando para o vidro estilhaçado da janela.

Logo atrás do banco da frente, o teto do carro havia sido amassado até embaixo. Se houvesse alguém no banco de trás, certamente teria ficado com cabeça achatada.

Todo o corpo dela tremia convulsivamente, e Scully não conseguia ouvir coisa alguma, além do alarme do carro, que havia disparado com a pancada.

- Acho que nossa viagem de carro termina aqui - disse Mulder, fazendo um enorme esforço para abrir a porta do seu lado. Finalmente ele conseguiu abrir e saiu do carro. Estendeu a mão para a parte de trás do veículo e tirou uma pequena sacola preta, ajudando então Scully

a sair também.

- Não adiantou muito tentar usar o elemento surpresa - disse ele, gritando para ser ouvido no meio do barulho do alarme. Ele ergueu o capô do carro e arrancou o fio. O silêncio repentino pareceu tão alto como o ensurdecedor barulho da sirene do alarme.

A voz dele ecoou pela garagem vazia, quando Mulder disse:

- Não me parece boa idéia tomar o elevador neste prédio. O que acha de subirmos pelas escadas?

- Claro - disse Scully. - Vai ser um ótimo exercício para mim. Tenho faltado muito da academia recentemente.

A escadaria era iluminada por lâmpadas muito fortes. Mas no vigésimo-quinto andar, onde Mulder e Scully pararam para descansar e respirar um pouco, as luzes se apagaram.

- Mulder? - chamou Scully no meio da escuridão.

- Buuuu! - respondeu Mulder. E o facho da lanterna que ele havia acabado de tirar da sacola iluminou os degraus da escada acima.

Quando a lanterna iluminou o número 30, eles pararam de subir e caminharam em direção à porta que levava aos gabinetes dos diretores-executivos.

Uma luz verde estava piscando perto da maçaneta da porta.

- Parece que está aberta - disse Scully.

Ela estendeu a mão em direção da maçaneta... mas Mulder segurou seu pulso com firmeza.

- Ei, está me machucando! - disse ela. - O que está pretendendo fazer?

- Segure a lanterna - disse Mulder, estendendo a mão com o farolete.

Mulder apanhou na sacola uma grossa luva de borracha e uma chave de fenda.

- Não vamos cair no mesmo erro que Benjamin Drake cometeu - disse Mulder, calçando a luva de borracha.

Com a mão protegida ele enfiou a ponta da chave de fenda no buraco da fechadura.

Explodiu um clarão azulado, e Mulder deixou cair a chave de fenda, saltando para trás.

- Parece que lhe devo mais uma, Mulder - disse Scully.

Mas Mulder não estava prestando atenção ao que ela dizia. Estava ouvindo o barulho do ferrolho da porta sendo fechado.

- Pode me devolver a lanterna? - pediu ele, estendendo a mão.

Scully lhe passou a lanterna acesa, e Mulder usou o facho para examinar cuidadosamente as extremidades da porta.

- O vão parece estreito demais para que eu possa enfiar um cartão plástico por aqui – disse ele. E examinou a fechadura eletrônica. - É preciso ter um cartão magnético especial para abrir. Não há como abrir de outra forma.

Então, levantou a lanterna para cima, para o ponto onde havia uma câmera observando os movimentos dos dois, com uma luz vermelha acesa.

- Por alguma razão eu tenho a impressão de que não estamos sozinhos - disse ele. - Temos companhia desde o instante em que entramos aqui.

- Cada centímetro deste prédio deve ser constantemente observado - disse Scully E fez uma pausa. – Estamos sendo vistos... pela máquina.

Mulder levantou os olhos para a luz vermelha acesa lá em cima.

- O que é que você está olhando? - rosnou ele, tirando a luva de borracha. Erguendo o corpo sobre as pontas dos pés, cobriu a lente da câmera com a luva, e disse: - Agora, que finalmente temos um pouco de privacidade, vamos ver se podemos encontrar algum ponto fraco no sistema de segurança do prédio.

Lentamente ele varreu todas as paredes com o facho da lanterna. Ele e Scully viram ao mesmo tempo a grade metálica que havia no teto, bem acima da porta.

- Aquilo é parte do sistema de ventilação - disse Scully - Isso quer dizer que a passagem dá para um ducto de ar.

- Talvez haja uma passagem através do ducto, que leve ao outro lado da porta - disse Mulder.

- Eu vou à frente - disse Scully. - Sou menor do que você. Vou encaixar melhor ali.

Mulder não tinha como recusar.

- Bem, se o ducto lhe serve... - disse ele, entregando a Scully a lanterna e a chave de fenda.

Mulder cruzou os dedos das duas mãos para dar apoio a Scully Ela se apoiou nele para erguer o corpo, com a lanterna e a chave de fenda embaixo do cinto.

- Mal dá para alcançar a grade - disse ela.

Estendeu os braços para cima, soltou os parafusos da grade de ferro e deixou o pesado objeto cair no piso do corredor.

Enfiou o pescoço e acendeu a lanterna pela abertura.

- Não dá para ver onde o ducto termina - disse ela. - Mas acho que é grande o bastante para que eu possa engatinhar dentro dele. Pode me desejar boa sorte.

Ela tornou a colocar a lanterna e a chave de fenda embaixo do cinto. Usando as duas mãos, ergueu o corpo e entrou pela abertura do ducto de ar.

 

O ducto de ar através do qual Scully estava engatinhando era feito de aço inoxidável. O metal refletia toda a intensidade do facho da lanterna, a ponto de dificultar a visão dela.

Scully engatinhava na direção que supunha ser a do gabinete da diretoria executiva. Deveria haver outra grade de saída de ar no gabinete. A idéia era soltar os parafusos dessa grade, descer no escritório e abrir a porta para que Mulder entrasse.

Só que ela não conseguia encontrar grade alguma.

Achou que havia calculado mal as distâncias. Ou talvez houvesse perdido seu sentido de direção naquele espaço confinado, e tivesse engatinhado pela divisão errada do sistema de ventilação. Decidiu continuar engatinhando mais algum tempo na mesma direção em que estava indo. Se continuasse perdida, teria de...

Mas ela não teve tempo de decidir o que faria.

Já não podia mais continuar no rumo em que estava indo.

Bateu em seu rosto uma ventania forte, impedindo-a de continuar, como se fosse uma parede de tijolos.

Ela sentiu que estava sendo empurrada para trás por aquela forte rajada de vento, o que a forçaria a entrar por uma divisão do sistema de ventilação, pela qual havia passado anteriormente.

Demorou alguns instantes para que ela compreendesse que o vento não a estava empurrando.

Ao ver pequenos pedaços de papel e outros objetos que vinham na sua direção, batiam em seu rosto e caíam, percebeu que estava sendo puxada para trás. Alguma coisa estava sugando o ar para dentro do ducto.

Scully agarrou-se a uma borda do encanamento de ar que havia junto à solda de uma das emendas. Desesperadamente, agarrada à borda com uma das mãos e segurando a lanterna na outra, conseguiu virar o corpo para ver onde ficava a origem daquela forte sucção.

O facho da lanterna mostrou um enorme ventilador que girava com grande velocidade, na extremidade do ducto de ar. As lâminas pareciam extremamente afiadas.

A força exercida pelo ventilador era enorme. A aceleração parecia estar aumentando, puxando o ar com mais força, até que Scully não conseguiu mais manter-se agarrada à pequena borda de metal. Seu corpo voltou a escorregar pelo ducto, enquanto ela procurava agarrar-se desesperada às chapas de aço extremamente lisas. Ela viu que as lâminas do ventilador se aproximavam cada vez mais, tornando-se maiores a cada instante.

Havia um cano que corria pela lateral do ducto, e ela agarrou-se a ele com toda a força de uma das mãos, quando passou perto dele. Procurou manter-se agarrada, ao mesmo tempo em que tentava apoiar os pés junto à curvatura do ducto de ar.

Não vai me pegar! - pensou ela consigo mesma, atirando a chave de fenda e depois a lanterna contra o ventilador, na esperança de quebrar-lhe as pás.

O ventilador mastigou os objetos com a mesma facilidade com que um cachorro engole pedaços de ração.

- Ora, vamos, Scully, pelo menos procure tombar lutando - disse ela a si mesma, tirando do coldre seu revólver calibre 45 automático.

Rangendo os dentes, ela fez mira sobre o cano da arma e começou a disparar contra o alvo impossível.

- Scully? - gritou Mulder, quando ouviu o barulho metálico do ferrolho sendo aberto e viu a luz verde que se acendia na fechadura.

Ela conseguiu - pensou ele, com um suspiro de alívio. Não deveria ter-se preocupado tanto.

Deveria saber que ela haveria de conseguir chegar ao outro lado da porta.

Então a porta se abriu, e Mulder sentiu o coração bater em sua boca.

Não era Scully quem estava do lado de dentro.

Era Peterson, o engenheiro de sistemas do Edifício Eurisko.

- Agente Mulder - disse Peterson, com as sobrancelhas levantadas. - O que está fazendo aqui?

Antes que Mulder pudesse responder, ouviu um barulho distante que fez todo o seu corpo congelar.

Poderia ter sido um trovão, mas era impossível, porque a noite lá fora estava clara e seca, com milhares de estrelas brilhando no céu.

Ou poderia ter sido uma série de tiros.

Mas Peterson tinha outra explicação.

- O SOC tem agido de maneira estranha ultimamente - disse ele. - A queda daquele elevador que matou seu colega do FBI foi apenas o começo de tudo. Desde então temos visto muita coisa estranha acontecendo por aqui. E esta noite a situação acabou ficando ainda mais confusa. Os barulhos estranhos são apenas uma parte de tudo. Temos enfrentado enormes variações no fornecimento de energia, com as luzes acendendo e apagando sem mais nem menos. E por isso que estou trabalhando até tarde hoje. Estou procurando manter as coisas mais ou menos sob controle. Mas devo admitir que é trabalho demais para mim. Como já tive oportunidade de dizer antes, não passo de um zelador que ganha bastante bem...

- Poderia me deixar dar uma olhada? – perguntou Mulder.

Peterson encolheu os ombros e foi na frente, em direção à sala onde estava o computador do gabinete da diretoria executiva.

Ele afastou-se para o lado e deixou Mulder passar. Rapidamente Mulder passou os dedos pelas laterais e pela parte de trás da máquina.

- Onde está a abertura B? - perguntou a si mesmo em voz alta.

- Algumas dessas coisas eu sei - disse Peterson. E abriu um painel que havia na lateral do computador. Apareceu uma coluna de portas de acesso eletrônico.

Antes de permitir que Mulder entrasse em ação, ele perguntou, com as sobrancelhas cerradas:

- Tem certeza que sabe o que está fazendo? Porque, se não sabe, pode colocar em risco o meu emprego aqui...

- As instruções de Wilczek foram bastante claras - garantiu Mulder.

Da sacola que trazia ao ombro, Mulder tirou uma pequena caixa preta, mais ou menos do tamanho de um isqueiro, conectando-a à ranhura B.

O computador pareceu ganhar vida, acendendo e piscando várias luzes.

- Puxa vida! - exclamou Peterson admirado, coçando a cabeça com as duas mãos.

- Droga! - resmungou Mulder, quando leu a mensagem que aparecia na tela do computador.

ACESSO NEGADO.

Apertando os lábios com força, Mulder apanhou outra caixinha preta na sacola e a conectou à ranhura C.

Digitou uma série de números no teclado e esperou.

Uma grande quantidade de asteriscos encheu a tela, como estrelas cadentes.

Então, uma voz anunciou:

- Acesso permitido ao sistema. Código de autorização de uso em Nível Sete.

Peterson ficou boquiaberto.

A boca de Mulder abriu-se em um sorriso de triunfo.

Ele enfiou a mão na sacola e tirou o disquete com o vírus que Wilczek havia preparado para ele. Lembrou-se do olhar de Wilczek, sem brilho e carregado de tristeza, quando lhe entregara aquele disquete.

Mulder estava em posição para colocar o disquete no drive, quando a voz gelada de Peterson o fez parar.

- Nada mau, agente Mulder - disse Peterson. Mulder virou a cabeça para trás. E notou que estava olhando para o cano de um revólver de grande calibre. E Peterson continuou: - Obrigado, agente Mulder. Faz mais de dois anos que estou tentando acessar o Nível Sete.

Agora, afaste-se por favor.

 

Mulder arregalou os olhos para a arma brilhante de Peterson. Então, analisou a expressão dura do rosto dele. E conseguiu entender o que estava acontecendo. Na verdade, considerou-se um imbecil por não ter percebido tudo muito antes.

- Departamento de Defesa? - perguntou ele. Peterson encolheu os ombros, segurando a arma com firmeza.

- Quase acertou - disse ele. - Mas podemos dizer que nossos contra-cheques de pagamento são assinados pela mesma pessoa.

Mulder estremeceu, enquanto uma série de perguntas tomava conta de sua mente. Por que Garganta Profunda não lhe dera sequer uma pista a respeito da verdadeira profissão de Peterson? Por acaso haveria algum outro nível de Governo ao qual nem Garganta Profunda teria acesso? Ou estaria Garganta Profunda apenas testando Mulder?

Se fosse este o caso, Mulder havia sido reprovado. Peterson sacudiu a arma diante de Mulder e disse:

- Afaste-se da máquina e me entregue o disquete. - Quando Mulder hesitou, Peterson aproximou a arma do peito dele e disse: - É melhor não duvidar da minha determinação, agente Mulder. Tenho autoridade total para fazer tudo o que tiver de fazer.

Mulder ficou tenso... assim como ficou tenso o dedo de Peterson junto ao gatilho.

Por um instante, o tempo parecia haver parado.

- Pode baixar a arma - disse uma voz atrás deles.

Era Scully que estava junto à porta. As roupas dela estavam em farrapos, e seu rosto cheio de graxa e terra. Os cabelos totalmente desalinhados. Mas a arma que trazia na mão não tremia nem um pouco, apontada diretamente para Peterson.

Mas Peterson ainda tinha sua própria arma apontada para Mulder, quando virou a cabeça para olhar para Scully.

- Talvez pense que sabe com quem está lidando, mas eu devo lhe dizer que...

- Cale a boca e deixe cair a arma! - disse Scully, quase gritando.

Peterson percebeu a raiva que a dominava. E deixou a arma cair sobre o tapete que revestia o piso da sala.

Balançando a cabeça, ele advertiu:

- Está cometendo um erro, agente Scully Um grande erro. Está violando o juramento que fez ao entrar para o Bureau.

Mulder sentiu um calafrio na espinha quando percebeu uma sombra de dúvida no olhar de Scully.

Peterson notou a mesma coisa nela. E continuou falando, com a voz mais firme agora:

- Esta operação é mais importante do que poderia imaginar. Foi autorizada por pessoas que ocupam os mais altos postos no Governo. Tem um valor incalculável para a segurança de nosso país. Trata-se...

A voz de Mulder interrompeu o discurso dele:

- Não dê ouvidos a ele, Scully!

Os olhos de Scully começaram a mover-se de um homem para o outro, como se estivesse assistindo a uma partida de tênis.

Peterson continuou:

- A tecnologia que existe nesta máquina pode colocar os Estados Unidos na liderança mundial em...

- A máquina é um monstro, Scully – interrompeu Mulder. - Já conseguiu matar duas pessoas. O Governo não terá como controlar este computador, assim como o próprio Wilczek não conseguiu.

O tom de voz de Peterson tornou-se ameaçador.

- Não engane a si mesma, agente Scully. Sofrerá todas as conseqüências de seus atos se interferir com esta operação. Não será apenas o seu emprego que estará ameaçado, mas também a sua liberdade. E talvez até sua própria...

- Scully, pense naquelas pessoas que já morreram, e naquelas que poderão morrer no futuro - insistiu Mulder.

Scully olhou bem para Peterson. Depois olhou para Mulder.

Mulder entendia bem o que Scully estava passando naquele momento.

Ele a havia colocado em uma situação muito delicada. Ela estava entre a cruz e a espada, dividida entre sua lealdade pelo Bureau, e sua lealdade para com a pessoa do companheiro de trabalho. Dividida entre a exigência de fazer seu trabalho conforme o manual, e permitir que ele rescrevesse as regras de sua atuação.

Não era a primeira vez que ele a colocava em situação semelhante. De fato, ele a havia posto permanentemente nessa situação, desde o momento em que tinham começado a trabalhar juntos.

Ele sabia qual tinha sido a decisão dela em todas as ocasiões anteriores. Mas não tinha a menor idéia do que ela poderia fazer agora.

Scully olhou dele para Peterson e de novo para ele.

- Ponha o disquete no drive, Mulder - disse ela.

- Claro, Scully - respondeu Mulder.

- Está cometendo um erro... Não sabe o tamanho do erro que está cometendo - disse Peterson em tom ameaçador.

Mas ninguém estava prestando atenção ao que ele dizia.

Mulder respirou fundo, enfiou o disco no drive e prendeu a respiração enquanto esperava.

E não precisou esperar muito tempo.

Demorou apenas alguns segundos para que a máquina falasse, como se estivesse ferida:

- O que está fazendo, Brad? - Instantes depois, a pergunta se transformou em súplica: - Não faça isso, Brad.

Números, letras e símbolos começaram a correr pela tela, a uma velocidade cada vez maior. Milhões de números, letras e símbolos. Bilhões, talvez. Mulder não podia nem pensar em calcular a quantidade de coisas que via na tela. Só conseguia piscar enquanto a tela se

enchia cada vez mais.

As luzes do console do computador acendiam e apagavam nas mais inexplicáveis seqüências.

Por outro lado, as luzes que iluminavam a sala também começaram a acender e apagar. Do lado de fora vinha o barulho de portas abrindo e fechando, dos elevadores subindo e descendo a toda velocidade em seus poços profundos, até que os cabos começaram a se arrebentar.

Do meio de todos aqueles sons ensurdecedores formou-se a imagem de todo o enorme edifício sendo destruído e gemendo como um animal ferido. Um animal que enfrentava espasmos de agonia, enquanto as flechas eletrônicas iam dilacerando seu corpo.

De dentro do computador no gabinete da diretoria uma voz começou a dizer:

- Zona de segurança de Nível Sete... Cinco... Sobe...Desce... Olá... Adeus... Olá... Adeus...

01... Ad... 0... A...

Mulder inclinou o corpo para chegar mais perto da máquina e ouvir as últimas palavras que ela dizia, com a voz quase inaudível:

- Por quê, Brad?

 

A voz desapareceu. As luzes se apagaram. Tudo ficou envolto no mais completo silêncio e escuridão.

Então, pouco a pouco, em uma sala após a outra, andar após andar, as luzes do Edifício Eurisko voltaram a se acender.

Era como se todo o prédio estivesse acordando de um sono pesado.

Ou talvez de um pesadelo.

Mulder limpou o suor que lhe caía pela testa. Scully limpou a graxa que havia em sua face.

Peterson balançou a cabeça, com uma expressão severa no rosto.

- Isso precisava ser feito - disse-lhe Mulder. - Desculpe Peterson... se é que este é seu verdadeiro nome.

- Meu nome é o que menos importa - disse Peterson, com amargura na voz.

- Eu sei que estava apenas fazendo o seu trabalho - disse Mulder. - Achava que estava fazendo a coisa certa. Mas a agente Scully e eu pensávamos a mesma coisa.

Tínhamos a mesma sensação. Na verdade, foi um conflito entre diferentes pontos de vista.

Essas coisas acontecem.

Mulder e Scully deixaram Peterson olhando para a tela do computador. Ele não disse uma palavra sequer, quando eles saíram da sala. Ficou apenas parado ali, olhando para a tela escura, balançando a cabeça, desanimado.

   A primeira pergunta de Mulder quando eles chegaram ao centro de detenção foi:

- Como é que Brad Wilczek não está mais aqui? Por acaso ele foi posto em liberdade? - desculpe , mas esta é uma informação secreta - disse o guarda do presídio, como se estivesse repetindo uma frase decorada.

- Sou agente do Bureau Federal de Investigações, e fui escalado para investigar este caso - insistiu Mulder.

- Desculpe, mas o senhor não dispõe da autorização necessária para obter maiores informações - respondeu o guarda, no mesmo tom de voz quase automático.

Cinco dias mais tarde, uma tempestade de fúria dentro do peito de Mulder ainda não havia se acalmado. Mas os seus ombros começavam a cair. A essa altura dos acontecimentos, ele já estava cansado de procurar em todas as suas fontes normais de informações. Havia pesquisado em todos os bancos de dados aos quais tinha acesso. Tinha procurado falar com todas as pessoas que ocupavam altos cargos em todos os departamentos do Governo que conhecia. E ainda não havia progredido um centímetro sequer.

Só lhe faltava uma fonte de informações a consultar.

No entanto, Garganta Profunda apareceu para Mulder com uma espécie de surpresa. Foi muito mais simpático do que Mulder havia esperado, quando se encontraram na praça do Edifício Eurisko.

Claro que os vitoriosos sempre podem se dar ao luxo de parecerem simpáticos. E foi um olhar de vitorioso que Garganta Profunda deu a Mulder.

- Conversei com o congressista Klebanow e com a subcomissão encarregada do Departamento de Correções Criminais, a respeito do paradeiro de Wilczek - disse-lhe Mulder. - Cheguei inclusive a encaminhar uma petição ao gabinete do Ministro da Justiça.

- Não vai encontrar Wilczek - garantiu-lhe Garganta Profunda.

- Ninguém pode sumir com um homem da estatura de Brad Wilczek sem dar explicação alguma - insistiu Mulder.

- Eles podem fazer qualquer coisa que pretendam fazer - disse Garganta Profunda com toda seriedade.

- Mas, onde está ele? - Mulder precisava saber.

- Está participando de uma série de discussões muito importantes com representantes do Governo - disse Garganta Profunda. - Está em contato com gente que tem autoridade para lhe prestar importantes favores, em troca de sua ajuda em certas áreas. É o que nós poderíamos chamar de intercâmbio profissional, ou barganha.

- Brad Wilczek nunca fará esse tipo de acordo – disse Mulder, em um tom de voz ardente. - Jamais concordará em trabalhar para eles. É um homem que tem sua própria visão do futuro... diferente da visão deles.

- Permita-me lembrar que o futuro de Wilczek, pelo menos até onde podemos enxergar, seria dentro de uma cela muito pequena, sem acesso algum a qualquer computador, mesmo dos mais antigos - disse Garganta Profunda, ainda sorrindo. - A falta de liberdade costuma

provocar as mais estranhas reações na pessoa humana. Lembre-se de que Wilczek já confessou haver cometido dois assassinatos.

- Qualquer advogado pode conseguir anular essa confissão com a maior facilidade - disse Mulder.

- Na verdade isso dependeria mais do juiz escolhido para presidir o julgamento - disse Garganta Profunda. - Não se esqueça de que já não existe mais a única prova que poderia ser usada para ajudá-lo a recuperar a liberdade. A máquina está... kaput. Você mesmo a destruiu.

Mulder mordeu os lábios.

- Mas o que mais eu poderia ter feito? – perguntou ele.

- Nada - respondeu Garganta Profunda. - A menos que estivesse disposto a deixar a máquina sobreviver.

- Quer dizer que o Departamento de Defesa não encontrou coisa alguma que pudesse aproveitar? – perguntou Mulder.

- Pelo menos você pode encontrar conforto neste fato - disse Garganta Profunda. - Os técnicos deles estão trabalhando naquele computador há cinco dias. O vírus de Wilczek fez um trabalho muito bom. Não deixou qualquer rastro de inteligência artificial na máquina.

Enquanto estamos aqui conversando, os agentes estão terminando a pesquisa que fazem lá dentro. - Garganta Profunda apontou com o dedo para o Edifício Eurisko, que estava cercado de barricadas e guardas armados até os dentes.

- Quer dizer que não aproveitaram nada? - perguntou Mulder.

- A máquina está morta.

Quando Claude Peterson estava crescendo, seu pai lhe deu um lema para seguir na vida:

- Os vencedores nunca se entregam, e quem se entrega nunca vence.

Estas palavras o haviam incentivado durante os tempos de colégio e de faculdade. E o tinham levado adiante, passo a passo, pelos vários escalões da agência governamental para a qual trabalhava. Haviam feito com que ele chegasse onde estava agora, discutindo com seu superior pelo telefone.

- Chefe - disse ele -, acredito sinceramente que seria bastante proveitoso continuarmos nossa investigação durante, pelo menos, mais alguns dias. O sistema de computadores é bastante complexo. Acho que ainda existe uma possibilidade de...

A voz que vinha do outro lado da linha o interrompeu:

- Peterson, você conta com uma equipe de vinte homens, todos especialistas nesse campo, certo?

- Sim senhor - respondeu Peterson.

- Já está trabalhando no edifício há cinco dias, certo? - continuou dizendo a voz. Não era uma voz gerada por computador. Só parecia ser.

- Isso mesmo - disse Peterson. - Cinco dias e cinco noites.

- E não encontrou o menor sinal da existência de inteligência artificial naquela máquina, certo? - disse a voz.

- Não senhor... Isto é, sim senhor – respondeu Peterson.

- Por acaso tem idéia dos custos envolvidos em uma investigação desse tipo... e das dificuldades que muitas vezes encontramos ao tentarmos justificar nosso orçamento? - perguntou a voz.

- Sim senhor... Isto é, não exatamente, chefe – disse Peterson. - Essa não é minha especialidade.

- Pois eu sinto informá-lo de que é minha especialidade - disse a voz. - Nossa agência tem outras áreas em que pode aplicar o dinheiro com melhores resultados. Portanto, estou mandando que encerre de uma vez a investigação. Trate de limpar tudo e terminar o trabalho dentro das próximas cinco horas.

- Mas, chefe... - Peterson começou a dizer.

- Estou dizendo que, às 17 horas, você e os seus auxiliares têm de cair fora daí - disse a voz. - Está entendendo o que eu digo?

- Sim senhor - respondeu Peterson, desanimado.

- Mais alguma pergunta? - indagou a voz.

- Não senhor - respondeu Peterson.

- Então, cumpra minhas ordens! - disse a voz.

Peterson ouviu o telefone sendo desligado no outro lado da linha, e colocou o fone no gancho.

Ao redor dele, os técnicos ainda estavam investigando o que havia restado do Sistema

Operacional Central do Edifício Eurisko, com microscópios, estetoscópios, sensores

eletrônicos e uma parafernália de instrumentos... Tudo menos pentes finos.

Mais palavras da infância de Peterson passaram por sua mente:

         Humpty Dumpty estava sentado no muro

         E Humpty Dumpty logo caiu duro.

         Nem todos os cavalos do rei,

         nem todos os soldados do rei,

          conseguiram juntar

          os pedaços de Humpty outra vez.

Peterson suspirou fundo, e disse em voz alta:

- Atenção, pessoal. Temos exatamente cinco horas para terminar o trabalho aqui.

Sua ordem foi recebida com murmúrios e reclamações. Ele tinha uma equipe muito boa.

Assim como ele, nenhum dos seus companheiros queria abandonar aquela investigação.

Ele falou em um tom de voz mais forte:

- As ordens que recebi vieram lá de cima.

Um homem que estava ao lado dele resmungou:

- Claro. Não temos o direito de questionar as ordens recebidas. Temos de parar o que estamos fazendo e deixar as coisas como estão.

- Ora, vamos, Sam - disse outro homem que trabalhava ao lado do primeiro. - Esta máquina está morta. Encare este fato. Algumas vezes ganhamos. Outras perdemos.

Peterson fez questão de anotar o nome do segundo homem. Ele jamais faria parte de qualquer equipe que Peterson viesse a liderar no futuro.

Apesar de tudo, Peterson ainda teve de repetir:

- Vamos, pessoal. Temos de começar a juntar os aparelhos para cair fora daqui.

Ele deu uma rápida olhada em volta para ter certeza de que os seus comandados estavam começando a fazer as malas. Então, saiu da sala. Não queria estar por perto para ver o fim daquele trabalho.

Ele já não estava mais na sala para olhar embaixo de um monte de peças de computador e ver três luzes piscando uma após a outra. Se estivesse, teria jurado consigo mesmo que as luzes estavam piscando umas para as outras.

Ele não viu a luz vermelha da câmera acendendo e examinando todo aquele cenário, para ver se a equipe de investigadores já estaria partindo.

Não foi capaz de especular que nada estaria além das habilidades da inteligência pura... nem mesmo a capacidade do SOC de tornar a montar suas peças, a partir do nada.

E ele não poderia adivinhar quais seriam os planos da máquina para o futuro.

                                                                               

 

                      

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