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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Ataque a Old Man / H. G. Ewers
Ataque a Old Man / H. G. Ewers

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Ataque a Old Man

 

Os exércitos do robô coordenador são mobilizados — porque os agentes de cristal estão chegando.

Os homens que vivem no século vinte e cinco já deveriam estar acostumados às grandes conquistas da técnica. Mas o objeto gigantesco que saiu de repente do espaço linear, no mês de agosto do ano 2.435, para ameaçar a existência do Império Solar com seus milhares de ultracouraçados robotizados, produziu um choque nos que o viram pela primeira vez.

E isso ainda mais porque o robô gigante, chamado de Old Man, fora evidentemente construído segundo os modelos terranos.

Mas Gucky e seu “garotinho” não se assombraram. Desferem o primeiro golpe bem-sucedido contra uma das unidades de Old Man, capturando a nave robotizada VIII-696.

A nave conquistada leva 22 homens e uma mulher ao robô gigante, mas as perspectivas da operação-comando chefia­da por Perry Rhodan não são muito boas. Assim que penetram em Old Man, Perry Rhodan e seus companheiros se vêem en­volvidos numa luta de vida e morte. O círculo dos robôs de combate vai apertando cada vez mais os intrusos.

O punhado de terranos e mutantes parece perdido no mo­mento em que o Coordenador lança suas forças contra um inimigo novo e irreal, que lança o Ataque a Old Man...

 

                                                 

 

Sinto-me que nem uma formiga nua no meio de um enxame de abelhas — exclamou Oro Masut, Zangado e desespe­rado. Suas palavras tinham um estranho som oco, uma vez que Masut não falava pelo radiocapacete, mas usava o contato dire­to capacete-capacete.

Roi Danton riu. Não foi uma risada alegre. A idéia de que o gigante ertrusiano se sentia como uma formiga não deixava de ter seu lado trágico, pois todos sofriam com idéias semelhantes.

Todos. Tratava-se de Perry Rhodan, Atlan, Roi Danton — ou melhor, Michael Reginald Rhodan — Oro Masut, Tako Kakuta, John Marshall, Ivã Ivanovitch Goratchim, Orbiter Kaiman e sua assistente Janine Goya.

Além disso havia treze técnicos, especialistas em cibernética e cosmonautas.

Eram vinte e três pessoas ao todo.

Vinte e três terranos num objeto dividido em forma de fa­vos com um volume de 25.000 quilômetros cúbicos, uma pla­taforma gigantesca, que só era um dos doze acessórios do ob­jeto principal, ainda maior, que formava a chamada “esfera de sustentação”, com um volume de 20,77 milhões de quilômetros cúbicos...

Alguns quilômetros cúbicos de sua plataforma eles conheciam.

Mas ninguém sabia exatamente o que encontrariam no interior da esfera de sustentação — e era para onde pretendia ir, pois esperavam encontrar lá o dispositivo de comando por meio do qual poderiam assumir o controle de Old Man.

Por enquanto o robô gigante com suas doze plataforma hangares ainda se encontrava suspenso no interior do sistema de Vega, fazendo sair seus ultracouraçados, que esmagava com uma brutalidade tremenda toda e qualquer forma resistência.

A frota do Império Solar permanecia estacionada a muitas horas-luz dali, fora do sistema de Vega. Não podia arriscar-se a chegar mais perto, pois correria o perigo de ser destruída.

Os vinte e três terranos que tinham entrado em Old Man não podiam contar com qualquer ajuda.

O ar tremeu entre o Administrador-Geral e Roi Danton, o rato-castor Gucky materializou.

Acenou com a cabeça, o que era um sinal de que podiam entrar no próprio setor da oitava seção sem correr perigo. Perry Rhodan proibira as conversas pelo telecomunicador. Não havia a menor dúvida de que não tinham sido detetados, apesar dos estranhos fenômenos que se tinham verificado no labirinto da morte, e por isso Perry era de opinião que seria uma leviandade tremenda arriscarem-se a ser descobertos por meio da captação das mensagens transmitidas na faixa em que se comunicavam. Se necessário, podiam falar uns com os outros através do contato entre os capacetes pressurizados. O ar contido em seu interior conduzia as vibrações sonoras através do material de que eram feitos.

Rhodan levantou a mão direita, cerrou o punho e o fez subir rapidamente três vezes. Foi no momento em que a escotilha se abriu à sua frente, deixando passar um grupo de robôs de manutenção que caminhavam apaticamente.

Os homens pertencentes ao comando compreenderam o sinal.

Acompanharam o Administrador-Geral pela escotilha aberta. Avançaram aos saltos, sem fazer qualquer ruído que pudesse ser evitado.

A escotilha blindada entrou com um estrondo no dispositivo de vedação assim que o último homem tinha passado. O grupo passou a caminhar mais devagar. Percorreriam mais uns cem metros para encontrar outra escotilha. E então teriam de esperar novamente que ela se abrisse para deixar passar robôs de manutenção ou combate, ou veículos de carga.

Esta forma de locomoção deixava ainda mais patente a situação perigosa em que se encontravam os homens. Provavelmente os mecanismos de trava reagiriam à sua solicitação, mas era quase certo que estes fenômenos eram registrados e interpretados. E não era difícil prever a reação dos computadores positrônicos quando as escotilhas se abrissem e fechassem sozinhas como se tivessem sido movidas por mãos de fantasmas sem deixar passar ninguém.

Dentro de poucos segundos os receptores de vibrações individuais e os refletores de ondas luminosos inutilizariam disfarce.

Roi permanecia perto do pai, que nem imaginava que es se espertalhão que se comportava que nem um cortesão de Luíz XVIII da França era seu filho e que tinha a intenção de, se necessário, sacrificar-se pelo pai, cuja vida era mais importante para a existência do Império Solar que a sua.

A figura gigantesca de Oro Masut, o guarda-costas ertrusiano de Roi Danton, permanecia obstinadamente a seu lado Orbiter Kaiman ia no fim.

Roi viu-o quando virou a cabeça.

Aprovava esta disposição, pois tinha em alta conta a capa cidade do oxtornense em combate. Este ser, que dizia ser antropólogo, provara mais de uma vez que era capaz de resolver as situações mais difíceis. O pequeno grupo de combatentes não poderia desejar melhor cobertura na retaguarda.

Com uma forte pancada, o capacete pressurizado de Masut tocou no de Roi.

— Gostaria de tirar o capacete, monsieur! — cochichou o ertrusiano. Sua voz soava estranhamente oca e distorcida.

Roi sorriu.

— Fique à vontade, desde que respire nitrogênio...! Oro praguejou baixinho e retirou a cabeça de perto da de Roi.

Este já não estava sorrindo. Bem que preferiria respirar livremente, em vez de vegetar no interrior do circuito gerado por seu traje espacial. Mas só possuíam uma atmosfera de nitrogênio? No hangar da eclusa, pelo qual tinham entrado em Old Man,acontecia o contrário. O nitrogênio satisfazia os robôs e bastava para o material das instalações internas. Nem mesmo o vácuo reinante no espaço cósmico os teria prejudicado – ao menos por enquanto. Mas o enchimento de nitrogênio garantia a duração máxima do material. A duração era bem maior do que seria possível numa atmosfera de oxigênio com a composi­ção da terrana.

Perry Rhodan levantou o braço. Abriu a mão, o que era um sinal de que o grupo devia parar.

Roi Danton viu a escotilha fechada.

Mais uma vez teria de esperar até que se abrisse para dei­xar passar um grupo de robôs ou alguns carros com peças.

Esperariam que nem um cachorro, que aguardaria pacien­temente que o dono abrisse a porta para deixá-lo entrar...

Um sorriso cínico brincou em torno dos lábios do livre-mercador, quando sua mente concebeu a comparação.

Será que o cidadão comum da Terra ou dos mundos colo­niais saturados imaginava que a conquista do Universo pelo avanço eterno do espírito humano fosse assim?

Dificilmente!

Esta gente pensava em batalhas espaciais, em super-homens que subjugavam os mundos, armados apenas com uma pistola energética e um par de punhos de aço.

Mas qualquer um deveria ser bastante inteligente para sa­ber que estas coisas só acontecem no reino da ficção.

Roi gostaria de alguns desses cidadãos — dos quais exis­tem muitos em cada geração — pudessem estar presentes du­rante a conquista de Old Man, acompanhando o avanço caute­loso, a avaliação cuidadosa dos fatos e a paciência quase sobre humana que uma ação deste tipo exigia.

De fato, homens como Perry Rhodan, Atlan e Goratchim Podiam de certa forma ser considerados super-homens. Supe­ravam os homens de seu tempo em persistência, modéstia, autocontrole e na disposição de servir sua raça sem restrições, com o empenho de toda a personalidade.

Era esta a diferença fundamental entre os super-heróis das novelas e o heroísmo silencioso destes homens e mulheres feitos de carne e osso.

As lâminas da escotilha entraram na parede com um chiado.

Um contingente de oito carros de peças dirigidos por robôs passou rolando sobre as rodas pequenas.

Mais uma vez Rhodan arremeteu o punho fechado.

E mais uma vez os homens avançaram aos saltos e reuniram-se numa sala abobadada da qual saíam vários corredores e elevadores antigravitacionais.

O Administrador-Geral virou a cabeça e examinou seus companheiros.

De repente sua voz se fez ouvir nos receptores embutidos nos capacetes, que permaneciam ligados. Suas preocupações de serem detetados por causa das transmissões pelo rádio pa­reciam ter-se dissipado em parte.

— Ainda está na hora de tratarmos de conquistar um ultracouraçado e fugir nele...

— Não nos faça cair em tentação... — murmurou Roi. Alguns homens riram, enquanto outros se puseram a praguejar em voz baixa.

O rosto do administrador-Geral assumiu uma expressão de reprovação. Roi Danton notou perfeitamente através do capacete transparente. Mas também viu a expressão divertida que brilhava nos olhos do pai.

Rhodan apontou para um dos corredores.

— Por ali se vai ao hangar, onde o portal da liberdade se abre para nós — apontou com a cabeça para a porta dupla do elevador. — Para este lado existem perigos dos quais só temos uma idéia vaga. Vamos! Decidam.

Roi Danton também virou a cabeça. Abriu os braços e dirigiu-se em tom dramático aos homens.

— Messieurs! — exclamou. — Os senhores ouviram. Na minha opinião, que não pesa nada, tomamos nossa decisão antes do início desta operação. Estávamos dispostos a encarar o perigo sem medo e se necessário dar nosso sangue pelo ideal sublime da liberdade e da dignidade dos homens que a possuem.

O Lorde-Almirante Atlan deu uma risada áspera.

— Quanta sutileza, Monsieur Danton. Mas não importa. Também acho que a missão começada deve ser levada ao fim, de uma forma ou de outra. Mesmo sem o equipamento especial no interior da VIII-696 somos um fator nada desprezível. Cada um de nós carrega na mochila uma quantidade de microexplosivos capaz de causar graves danos a Old Man. Mas acho que isto só deve ser feito se todas as outras alternativas forem definitivamente eliminadas.

Gritos de apavoração se fizeram ouvir.

— Se necessário, destruo Old Man sozinho! — exclamou Ivã Goratchim.

— Seu olhar era como o relâmpago que desce do firmamento, como o fogo despejado pelos vulcões, como as erup­ções do sol! — recitou Roi muito sério.

— Pare com isso — gritou John Marshall, indignado. — Não precisamos de um bobo da corte, mas de alguém que sai­ba raciocinar.

Roi pôs a mão numa espada imaginária.

— Isso é uma ofensa mortal, monsieur! O senhor será de­safiado para um duelo!

— Cale a boca! — disse Perry Rhodan em tom enérgico.

Por alguns segundos ficaram falando todos ao mesmo tem­po. Parecia que Atlan era o único que tinha percebido que o livre-mercador se divertia a valer com o efeito que tinham pro­duzido suas palavras.

Quando finalmente se fez silêncio, os outros mutantes e os técnicos e cosmonautas também manifestaram a opinião de que a operação deveria prosseguir.

— Fico-lhes muito grato — disse Rhodan. — Acho que seremos bem-sucedidos.

Em seguida fez meia-volta e saiu caminhando em direção a um dos elevadores.

Um ligeiro raio de sondagem mostrou que a distância que os separava do fim do poço era de dois quilômetros e meio.

Era metade da distância para o convés principal, que divi­dia a plataforma VIII em duas partes principais.

Roi não teve de fazer um grande esforço para concluir que bastariam três elevadores iguais a este para que se chegasse ao convés superior da oitava seção.

Mas muitas vezes existia um abismo praticamente intrans­ponível entre a teoria e a prática.

Foi o que aconteceu aqui.

Quando tinham percorrido cerca de metade dos dois mil e quinhentos metros, uma coisa escura desceu pelo tubo de quatro metros de diâmetro.

Era uma plataforma de carga!

— Para trás! — disse Perry Rhodan. Isto era fácil de dizer, mas difícil de fazer. Encontravam-se sob os efeitos de um campo de inversão, que transformava a parte superior da plataforma no solo de um mundo imaginário de cerca de 0,2 gravos. Era pelo menos o que acreditavam, pois em suas espaçonaves sempre tinha sido assim.

Mas não podia ser, pois nesse caso a plataforma não desceria.

— Comando parcial da situação! — gritou Orbiter Kaiman — Vamos esperar que a plataforma chegue aqui e então tentaremos apoderar-nos dela.

— Gucky! Kakuta!

Foi a voz de Perry Rhodan.

O Administrador-Geral reconhecera que a sugestão de Kaiman valia mais que a que ele fizera no início. Mas como ia na frente tinha uma visão melhor que o oxtornense.

Roi Danton viu o que levara o pai a dar o grito de alerta.

O espaço entre a parede do poço e a plataforma era de cinqüenta centímetros no máximo, e além disso variava, um vez que a placa enorme oscilava ligeiramente.

Qualquer pessoa que fosse comprimida contra a parede sofreria uma morte dolorosa.

Não se sabia se os dois teleportadores tinham notado. De qualquer maneira, entraram em ação sem aguardar instruções detalhadas. Conheciam o chefe supremo quase tão bem quanto a si mesmos. Para eles era um companheiro fiel através dos séculos. E numa situação como esta isso produzia seus frutos.

Roi sentiu uma mão pousada em seu ombro. De repente os contornos das coisas que o cercavam se desmancharam, para em seguida serem substituídos pelo espaço em cima da plataforma.

Seu pai e Masut materializaram perto dele. Em seguida vieram Atlan, Goratchim e Marshall.

Finalmente todos os membros da expedição ficaram reunidos na plataforma.

Foi no último instante.

Houve um solavanco. A plataforma que levava uma carga

da acabara de tocar o fundo do poço. — Se ainda houvesse alguém lá embaixo...! — murmurou um dos cosmonautas em tom enfático.

Ninguém respondeu à observa Seção.

Não havia tempo para isso.

O comando parcial da situação ainda estava orientado pa­ra baixo Em outras palavras, tudo que se encontrava acima da extremidade inferior da plataforma era irresistivelmente arrasta­do para baixo. No caso, ficava preso ao fundo do poço.

Robôs carregadores aproximaram-se sobre esteiras, esten­dendo suas garras enormes de três lados ao mesmo tempo.

Por alguns minutos os terranos executaram uma dança bi­zarra para escapar às garras que seguravam firmemente e às cai­xas que eram puxadas pelo ar.

Quem estava em pior situação eram os gigantes Goratchim e Oro Masut.

O ertrusiano levou um soco no peito e caiu entre os dentes obtusos de uma das garras.

O oxtornense Orbiter Kaiman teve bastante presença de es­pírito para manter abertas as garras, resistindo à pressão do me­canismo hidráulico, até que Masut não corresse mais perigo. De­pois disso as garras do robô não fecharam mais.

Ivã Goratchim não sofreu um medo mortal, mas também se viu em situação difícil quando teve a mochila agarrada. Pen­durado numa garra, o mutante detonador foi colocado na pla­taforma de carga de um robô.

Praguejando, rastejou de volta para a plataforma do eleva­dor.

Finalmente o perigo passou, sem que a presença do grupo tivesse sido detetada.

Mas um dos técnicos ficou preocupado por causa das garras que tinham sido entortadas.

— Os robôs de carga possuem bastante inteligência para descobrir a causa das avarias sofridas. Para eles só houve uma resistência — que acabou passando. “ Mas as coisas mudam de figura se o computador positrônico investigar o caso, tentando descobrir por que a força das garras não foi suficiente para segurar a carga.

“Talvez chegue à conclusão de que houve uma manipulação indevida.”

Atlan concordou.

— Basta que confira a carga da plataforma antes e depois dos trabalhos de descarga, para que nosso truque com os neutralizadores individuais e os defletores seja desmascarado. O computador positrônico levará apenas alguns minutos para, com base nos dados colhidos, chegar à conclusão certa.

— Isto se o acidente lhe for comunicado — objetou Roi Danton. — Acho que incidentes como este são resolvidos pelos robôs de manutenção, independentemente de investigações criminais. Na pior das hipóteses a programação do robô atingido será revisada e a garra danificada substituída.

Não compartilho seu otimismo, monsieur — disse Perry Rhodan em tom sarcástico. — O senhor muitas vezes se tem mostrado otimista demais. Não vamos assumir riscos. Daqui em diante não usaremos mais os elevadores. Deve haver outras subidas.

— São mais cansativas — observou Gucky. Rhodan sorriu ligeiramente.

As crianças e os ratos-castores têm permissão de teleportar.

 

Perry Rhodan e seu grupo entraram na câmara de uma eclusa, seguindo um bando de robôs-mecânicos em forma de disco, com cerca de dois metros de diâmetro.

À sua frente o colosso gigantesco de um ultracouraçado erguia-se abruptamente para o firmamento de aço. Parecia que a calota polar superior tocava o teto de cerca de dois quilôme­tros e meio de altura. Os bocais de jato enegrecidos davam-lhe o aspecto de um gigante de boca escancarada.

Os robôs-mecânicos subiram silenciosamente, penetrara!” na abertura sombria de um bocal de jato e puseram-se a trabalhar.

— Temos de ir para o outro lado — cochichou Tako Kakuta.

O teleportador dera um salto de teleportação de pequena duração para investigar a escotilha que levava a uma das rampas de emergência.

Teleportara-se mais de três quilômetros na horizontal sem entrar em uma das temíveis armadilhas-labirinto, como acontecera horas antes com o rato-castor e Orbiter Kaiman.

Os dois tinham dado um salto vertical, e ao que parecia somente este que criava a estrutura semimaterial em cujo interior alguém pode ficar irremediavelmente perdido.

Roi Danton lançou um olhar pensativo para o teto abobadado.

Por enquanto ninguém sabia como e de que eram feitos estes labirintos. Não se podia dizer se eram formados no inte­rior da plataforma-hangar ou em outro lugar. Normalmente a gente examinaria e testaria o fenômeno misterioso, até encon­trar uma explicação com fundamentos precisos. Mas na situa­ção em que se encontravam a solução tinha de ficar para de­pois. O verdadeiro perigo era Old Man. Antes de mais nada era necessário alterar os comandos de Old Man. Depois disso seria mais fácil encontrar a solução dos problemas.

Roi viu o Administrador-Geral arremeter o punho fecha­do. Apressou-se em acompanhar o pai. Ao lado dele o gigante ertrusiano Masut pisava fortemente o chão, seguido por Atlan e Goratchim. O rato-castor Gucky estava sendo carregado so­bre o braço do mutante de duas cabeças.

Quem visse os robôs de manutenção e reparos pela câma­ra da eclusa da oitava seção, executando seu trabalho sem to­mar conhecimento da presença dos intrusos, poderia ser leva­do a concluir que o grupo se encontrava numa ronda de inspe­ção para conhecer as conquistas mais recentes da frota do Império.

Mas os robôs só não tomavam conhecimento de sua pre­sença porque não enxergavam. E os robôs postados nas entra­das e nas saídas só permaneciam inativos porque os impulsos cerebrais individuais dos terranos eram absorvidos pelos neutralizadores, que permaneciam ligados.

Bastaria uma falha de um destes aparelhos, por menor que fosse, e os terranos se veriam num inferno. ..

A operação em que estavam empenhados era uma dança sobre a cratera de um vulcão.

Ainda não tinham percorrido metade do trecho, quando os robôs trabalhadores saíram repentinamente das escotilhas e dos bocais de jato do ultracouraçado, voando para as escotilhas internas...

No mesmo instante começaram a funcionar as gigantescas bombas que sugavam a atmosfera de nitrogênio da câmara.

Placas luminosas amarelas acenderam-se nas paredes e no chão.

Perry Rhodan não perdeu tempo. Saiu correndo. Os homens compreenderam imediatamente o que estava acontecera do. Correram atrás do chefe, em direção à periferia das colunas de sustentação, que ficavam a alguns quilômetros de distância,

Mas muito antes que o grupo estivesse em segurança, os geradores nucleares da nave espacial entraram em funcionamento com um rugido infernal. Energias imensas bramiam atrás da parede abaulada de aço terconite, prontas para arremessar parte te delas pelos bocais de jato, juntamente com a massa de sustentação.

A cor das placas luminosas passou do amarelo para o vermelho.

Roi sabia que a nave decolaria dentro de dez segundos — e até lá não conseguiram sair da área de perigo mortal. Mesmo que os jatopropulsores só fossem ligados quando a nave já se encontrasse no espaço, a tremenda energia de impulsão dos campos de polarização invertida despedaçaria seus corpos.

Instintivamente contou os homens que se encontravam perto dele.

Eram vinte e um homens — e Janine Goya!

Faltava um!

Roi virou a cabeça.

Ficou estarrecido.

— Kaiman!

Orbiter Kaiman não deu atenção à voz que o chamava. O oxtornense estava de pé sob o corpo gigantesco do ultracouraçado, falando sozinho. Falando sozinho...?

Quando Roi Danton viu com quem Kaiman estava falando, os dez segundos que faltavam para a decolagem tinha passado.

Não aconteceu nada.

De repente as placas de advertência brilharam num verde tranqüilizante.

Dali a instantes o ruído infernal das gigantescas bombas voltou a fazer-se ouvir, primeiro muito fraco, porque a concentração do nitrogênio no interior, da câmara ainda era muito fraca para conduzir normalmente o som. Depois foi ficando cada vez mais forte.

Dentro de alguns minutos o ruído cessou.

As entradas da eclusa abriram-se e os robôs-mecânicos en­traram que nem bandos de insetos, voaram em torno da espaço-nave e entraram pelas portinholas que se abriram automati­camente.

Roi esperou que o oxtornense o alcançasse. Colocou a mão em seu braço, desligou o telecomunicador e encostou o capa­cete ao do companheiro.

Orbiter compreendeu. Também desligou seu rádio.

— Como fez isso? — perguntou Roi em tom insistente. — Ou será que foi o Little Man que carrega consigo?

— Não sei do que está falando — retrucou Kaiman.

— Não queira fazer-me de bobo! — indignou-se Roi. — Quero uma resposta que faça sentido, senão pedirei ao Administrador-Geral que mande examinar por um especialista o apa­relho que carrega no ombro.

— Quer chantagear? — perguntou o oxtornense com uma risada de desprezo.

Roi Danton acompanhou a risada. Havia nela um tom de ameaça fria.

— Sei que é oxtornense, e também sei que os habitantes de seu mundo extremo são considerados os colonos mais leais do Império, mas o senhor tem alguma coisa que, não se sabe como, o faz diferente dos outros. Além disso possui um mini-computador positrônico com o qual vive conversando e que é capaz de resolver problemas diante dos quais os homens mais competentes de Rhodan se vêem impotentes. Não compreen­de que isso tem de me deixar desconfiado? Procure compreender que sua capacidade — ou a capacidade do Little Man que carrega consigo — representa um perigo em potencial. Se faz questão de não revelar o segredo, poderia fornecer ao menos algumas indicações, para que a pessoa não informada esteja em condições de julgar se o segredo que carrega consigo representa uma ameaça à nossa segurança.

— Em outras palavras, o senhor quer ao menos satisfazem sua curiosidade, Monsieur Danton.

Kaiman sorriu quase reconciliado.

— Como livre-mercador o senhor tem um interesse enorme pela segurança da elite dirigente do Império Solar. Mas estou disposto a fazer uma troca. Seu segredo contra o meu...

Roi entesou-se.

— Nada feito! O senhor sabe quem sou e quais são os interesses que defendo. Além disso não tenho nenhum segredo técnico. Enquanto isso o senhor acaba de salvar nossa vida, usando recursos sobre os quais não sabemos absolutamente nada.

O oxtornense suspirou numa resignação fingida.

— Está bem. Já que adivinhou, provoquei um defeito na regulagem dos propulsores, Monsieur Danton. Em virtude dis­so o controle automático adiou a decolagem até que o defeito seja corrigido. Para o senhor isto deve bastar. Não lhe darei ou­tras informações.

O livre-mercador quis prosseguir na discussão, mas Kaiman afastou-se, interrompendo o contato através do capacete.

— Foi um acaso formidável que nos salvou, não é mesmo, sir? — disse, olhando para outro lado e voltando a ativar seu telecomunicador.

Roi Danton virou-se abruptamente e viu seu pai e Atlan aproximar-se de Orbiter Kaiman. Apressou-se em também pôr em funcionamento seu rádio.

Havia um sorriso frio no rosto do arcônida.

— O grau de probabilidade de acontecer um acaso come este é extremamente reduzido, Mr. Kaiman. O que acha que pode ter acontecido lá em cima... — apontou para o abaulamento polar inferior do ultracouraçado — ...que provocou o adiamento da decolagem?

Kaiman deu de ombros.

— Deve ter sido algum defeito, senhor. Dificilmente saberemos o que foi mesmo. As eventualidades no interior de um gigante espacial como este são muito numerosas.

— Sem dúvida — confirmou Perry Rhodan. — Acontece que a permissão de decolagem só é conhecida depois de uma verificação que mostre que está tudo cem por cento em ordem.

É estranho que um dispositivo automático altamente aperfeiçoado possa cometer um erro destes. Não acha? — Os erros existem em toda parte! — respondeu o oxtornense. Havia em sua voz uma ponta de ironia que ninguém podia deixar de notar.

Apesar disso tanto Atlan como o Administrador-Geral deram-se por satisfeitos por enquanto.

Roi Danton, que conhecia o pai tão bem quanto a si mes­mo, sabia que este ficaria de olho em Kaiman e não descansa­ria enquanto não descobrisse seu segredo.

Mas Orbiter Kaiman parecia acreditar mesmo que o assun­to estava liquidado. Ou então tinha certeza de que ninguém po­deria desvendar seu segredo se ele não quisesse.

“E dali se conclui”, pensou Roi, “que o oxtornense ainda nos apresentará alguns segredos...”

 

A entrada para a escada de emergência era estreita e escu­ra. Não se tratava propriamente de uma escada, mas de uma rampa íngreme de aço plastificado, com inúmeras ranhuras. A única iluminação era a luz vinda de fora, que não chegava mui­to longe. O resto estava mergulhado na escuridão.

— Hum! — fez Perry Rhodan, pensativo. — Se formos des­cobertos a meio caminho, estaremos numa armadilha.

Roi sabia que seu pai tinha razão. Se fossem descobertos, certamente não teriam tempo para recorrer aos teleportadores. Devia haver uma proteção contra estes.

De qualquer maneira tinha de arriscar.

— Permettez-vous, Grandseigneur!

Num movimento resoluto, com o temperamento impetuoso da juventude, Roi passou pelo pai, empurrando-o para o lado.

— Espere aí! — protestou Rhodan.

Roi já se encontrava na zona intermediária entre a claridade e a escuridão.

Virou o rosto, arrancou uma espada imaginária de uma bainha também imaginária e brandiu-a sobre a cabeça.

— Allons, enfants de la patrie! — Para a frente, filhos da pátria!

Palavras num tom inflamado, que arrebatou até mesmo seu pai. Alguns técnicos, que deviam ser natural da região francesa do planeta Terra, acompanharam o grito, que representava o princípio da canção que estimulara os soldados da revolução francesa do século dezoito para feitos incríveis: a Marseillaise.

Um brilho úmido surgiu nos olhos de Atlan. O velho arcônida certamente acabara de recordar os acontecimentos históricos que deram início a uma nova época e que marcaram a primeira vez em que os oprimidos e os desprezados se rebelaram contra o regime brutal e inescrupuloso de um bando decadentes.

O velho grito de guerra não perdera sua força, nem mesmo numa época em que quase ninguém se lembrava dele. Encerrava uma força mágica, que fazia o sangue circular mais depressa e enchia os homens de coragem.

Roi Danton voltou a olhar para a frente e subiu correndo a rampa. Os companheiros seguiram-no imediatamente.

Era um caminho difícil. Os pés humanos quase não encontravam apoio nas ranhuras pouco profundas, e os dispositivos antigravitacionais dos trajes de combate não podiam ser ativados, pois as energias liberadas poderiam ser detetadas.

Gucky mudara de montaria. Estava sentado nos ombros de Oro Masut. De vez em quando assobiava para animar os companheiros, enquanto balançava alegremente de um lado para outro.

Depois de uma hora de subida, a rampa descreveu uma curva fechada para a direita. Roi Danton passou pela curva viu uma luz amarelo avermelhada que brilhava à sua frente. Dali a um minuto atravessou a projeção camufladora imaterial da saída e foi ter num corredor largo e comprido.

— Voilá — disse a seu pai, que apareceu perto dele. Conseguimos. Estamos na parte superior desta seção.

Perry Rhodan fitou-o com uma expressão indefinida, mas não disse nada.

Atlan também lançou um olhar estranho para o livre-mercador.

Mas Gucky soltou um assobio agudo.

— Parabéns, corsário! — disse. — O senhor acaba de me proporcionar um novo tema para uma epopéia espacial.

Roi fez uma mesura.

— Merci bien, monsieur! Faço votos de que o número edições de sua grande epopéia suba tão depressa como a rampa pela qual Oro Masut se dignou de carregá-lo.

O Administrador-Geral pigarreou.

— Não percamos tempo com coisas que não importam. Não percorremos mais de um quarto do caminho para o convés superior da plataforma. Acho que devemos procurar ime­diatamente a subida mais próxima.

Levaram apenas vinte minutos para encontrá-la — mas à frente da projeção de camuflagem, que fazia aparecer uma pa­rede sólida na respectiva entrada, estava postado um robusto robô de combate, de dois metros e meio de altura...

O Administrador-Geral levantou o braço e o grupo parou.

— Gostaria de saber se esta máquina está aqui por acaso — murmurou Perry Rhodan.

Roi ficou espantado.

Notara pelo tom de voz do pai que, apesar dos incidentes, a operação até então lhe parecera fácil demais. Estava acostu­mado a enfrentar inúmeras dificuldades quando visava a um ob­jetivo, e espantou-se porque o robô gigante de Old Man nem tomara conhecimento de sua presença.

— É bem provável — disse, respondendo à pergunta re­tórica. — Um robô sempre é um robô, quer se trate de uma fi­gura como esta... — Rhodan apontou para o robô de combate que permanecia imóvel — ...ou do gigantesco centro de com­putação positrônica de Old Man. Seu raciocínio puramente ló­gico e inteiramente pragmático só permite uma ação total. Se Old Man estivesse informado da nossa presença, não se limita­ria a vigiar justamente esta entrada por um único robô de combate.

— O senhor tem razão, monsieur, como sempre — disse Roi em tom sarcástico. — Mas falta um problema. Como fare­mos para passar por este colosso sem alertá-lo?

— Quer que o afaste telecineticamente, Chefe? — piou Gucky enquanto saía caminhando desajeitadamente para o robô.

Parou a alguns centímetros de distância e apoiou as mãozinhas nos quadris.

— Allez! Pule — disse Gucky.

Atlan deu um salto e com um gesto enérgico puxou o atrevido rato-castor para trás.

— Não faça isso, safado! Quer transformar isto aqui num inferno? Respirou profundamente.

— Desculpe eu o ter chamado de safado, mas você me meteu um tremendo susto, baixinho.

O rato-castor exibiu o dente roedor.

— Está desculpado — disse em tom condescendente. — Então? Que tal se o empurrasse milímetro após...

— Nem mesmo um micrômetro! — disse Rhodan em tom enérgico. — Ele registraria o deslocamento e daria o alarme. Você sabe perfeitamente que os robôs não acreditam em fantasmas ou alucinações.

— Está bem! — suspirou Gucky, resignado. — Neste caso Tako e eu teleportaremos para o outro lado.

O Administrador-Geral sacudiu a cabeça.

— Sem saber o que há do outro lado...? Nada disso! — fez um gesto para que Gucky se calasse, quando viu que este queria contraditá-lo. — Sem dúvida é bastante razoável que não encontraremos nada além da rampa. Mas é possível que o fato de haver um robô à frente da entrada signifique que lá dentro estejam sendo executados reparos. O que aconteceria se você materializasse na cabeça de um robô-mecânico...?

— Acontece que temos de fazer alguma coisa, Grandseineur — disse Roi. — Talvez consigamos fazê-lo sair...

Interrompeu-se.

Fazê-lo sair daqui, quisera dizer, mas percebeu que para isso teria de ser feita uma coisa que parecesse suspeita. E era o que tinha de evitar, custasse o que custasse.

Fitou o colosso metálico com uma expressão furiosa.

O robô permanecia completamente imóvel. Os braços armados que terminavam num canhão energético e num desintegrador pesado pendiam junto ao corpo. O único sinal de que o monstro tinha sido ativado era um fraco brilho avermelhado das células oculares.

De repente Roi sobressaltou-se.

Uma das células oculares acabara de apagar-se. Por um instante parecera que o robô queria piscar. Mas a lente continuava apagada.

Um, dois segundo passaram.

De repente o robô de combate virou-se e saiu pisando fortemente.

Roi Danton fitou Orbiter Kaiman com uma expressão

indagadora.

O oxtornense retribuiu o olhar com um interesse fingido. Mas o filho de Rhodan tinha certeza de que o pretenso antropólogo acabara de fazer mais uma das suas.

 

— Há algo de errado — murmurou Oro Masut, que reduzira a potência de seu telecomunicador a tal ponto que Roi só ouviu um susurro. — Por quê? — perguntou Roi, fazendo-se de espantado. — Uma das células oculares entrou em pane. Vi perfeitamente. Logicamente o robô comunicou o defeito ao centro de comando de sua seção e recebeu instruções para dirigir-se à oficina. Estas coisas devem acontecer rapidamente numa construção do tamanho de Old Man.

— Sem dúvida! Mas é pouco provável que tudo isso acon­teça dentro de duas horas, na nossa presença. E a probabilida­de de que estes incidentes sempre nos salvam numa situação desesperadora é igual a zero. Há alguma coisa atrás disso, Chefe.

Roi sorriu com uma expressão triste. Não gostava de men­tir para seu criado de confiança. Mas não poderia falar sobre os segredos de Kaiman, pois certamente seria ouvido por mais alguém.

— O senhor é um pessimista incorrigível, Masut — disse. — Gosto de gente que de um fator positivo tira conclusões ne­gativas — acrescentou em tom de brincadeira.

Praguejou baixinho quando escorregou numa mancha de óleo e quase caiu.

Ao que parecia, a subida de emergência a cuja frente se encontravam era usada com mais freqüência que aquela pela qual tinham vindo.

Ninguém sabia que obstáculos encontrariam na escuridão. Mas não podiam usar suas lanternas. Não havia dúvida de que os detetores, que certamente tinham sido instalados, registrariam qualquer luminosidade.

Era uma sensação estranha ter de deslocar-se no interior das paredes do hangar. Mas isso podia ser dito de todos os cor­redores e elevadores comuns da seção VIII. Numa plataforma-hangar monstruosa como esta não poderia ter sido usada forma de construção mais racional.

Quando tinham percorrido metade da rampa, fizeram uma pequena pausa. Os homens estavam em ótimas condições, mas os técnicos e cibernéticos não possuíam treinamento militar. Até mesmo Roi estava cansado.

— Procurez-moi um taxi, s'il vous plaît! — pediu a Atlan. O arcônida riu.

— Para que um táxi, monsieur? Andar faz bem à saúde.

— Vous êtes bien aimable — murmurou Roi. — O senhor é muito gentil.

— O que estão falando desta vez que uma pessoa decente não pode ouvir? — perguntou Gucky, curioso. — Estão contando piadas sujas?

— Suas insinuações me fazem enrubescer, Monsieur Gucky — retrucou Roi Danton.

— É uma pena a gente não ver isso no escuro — observou Ivã Goratchim. — Gostaria de ver um livre-mercador com o rosto vermelho.

— Ouvi dizer que estes caras ficam vermelhos muitas vezes — escarneceu o rato-castor. — Quando levam ao banco o dinheiro que dizem ter ganho com muito suor.

— Que nem os poetas que vivem fazendo epopéias! — retrucou Roi. — Recebem honorários imensos por algumas mil linhas e vivem se queixando.

— Ele fala como se fosse sócio da editora que publica minhas obras — disse Gucky com a voz estridente. — É o que eles vivem me dizendo toda vez que fico pedindo mais alguns solares. Sempre acabo sofrendo complexos de inferiorida ou coisa que o valha.

— Dá para perceber, mon ami — repondeu Roi, irônico. Os alto-falantes dos telecomunicadores transmitiram uma risada estrondosa. Os homens tinham acompanhado a troca de palavras e divertiram-se a valer.

Gucky sorriu ligeiramente, mas ninguém viu por causa da escuridão.

Não fazia questão de receber aplausos. Bastou que mais uma vez tivesse desfeito uma tensão psíquica da maneira conhecida.

— Silêncio! — disse Rhodan em tom enérgico. — Já vejo a saída. Daqui a pouco chegaremos ao convés intermediário.

— Estou curioso para ver se lá existem mesmo labirintos semimateriais — observou Oro Masut.

— Poderíamos teleportar-nos para lá — sugeriu rato-castor.

Mas ficou calado ao ouvir o resmungo de advertência de Rhodan.

A luz que penetrava pela saída era cada vez mais forte. Os contornos dos homens e de Janine começaram a destacar na escuridão. Pareciam envoltos numa auréola dourada, quando do saíram para o convés intermediário.

Para Roi estes efeitos luminosos eram um bom sinal. Afinal, tinham atravessado metade da oitava seção sem que tivessem sido descobertos, o que representava um novo estímulo.

— Hum — fez Gucky. — As salas são grandes, mas não muito altas.

— Encontramo-nos no piso de setor superior, baixinho — disse Atlan. — Trate de não esquecer disso. O chamado convés principal é uma espécie de parede divisória entre o setor superior e o setor inferior.

Roi Danton acenou instintivamente com a cabeça. Conhe­cia o relatório de Don Redhorse tão bem quanto Atlan ou seu pai. O que mais o impressionava nele era a evolução mental que o cheiene revelava. Este tipo impetuoso, que às vezes che­gava a ser temerário e desleixado, parecia atingir uma idade em que se via se um dia alcançaria o estado normal de maturidade intelectual, ou se continuaria pela vida a fora como aventureiro, que parecia estar sempre à procura de alguma coisa. Don Red­horse, o cavalo vermelho, parecia ter entrado no caminho certo sem sacrificar nada de sua vitalidade. Na verdade, por ocasião de seu pouso involuntário nas seções desativadas e durante sua permanência nas mesmas ele se comportara como convinha a um oficial elevado da frota do Império.

O que sabiam a respeito de Old Man lhes fora comunica­do por Redhorse. As informações fornecidas por este eram de um valor inestimável. Sem elas a missão em que estavam em­penhados seria impossível; nem se poderia pensar nela.

— Quem me dera que eu soubesse — refletiu em voz alta — por que Redhorse encontrou o vácuo em alguns conveses das suas seções desativadas. Normalmente as instalações inter­nas costumam ser conservadas numa atmosfera de nitrogênio, como acontece aqui. Gostaria de saber se a mesma diferença se verifica nos conveses superiores, ou se lá em cima encontra­remos uma atmosfera de oxigênio respirável.

— Quando chegarmos lá em cima saberemos — respondeu Ivã Goratchim — Por que vamos quebrar a cabeça com isso?

— Por quê...? Porque isso seria uma prova de que os conveses superiores habitáveis das seções foram abastecidos de ar na chegada a Alvorecer, ou pouco depois. Seria lógico, não seria? Pelo menos se os terranos comandados pelo Major Barnard e o Capitão Rog, que construíram Old Man, providenciaram para que este pudesse ser assuimido sem incidentes por seus legítimos proprietários — mais precisamente, pelo senhor Administrador-Geral.

— Quer dizer que em sua opinião isso seria uma prova robusta de que Old Man foi construído e colocado em movimento para apoiar o Império Solar? — perguntou Perry Rhodan.

Roi sorriu.

— Para apoiar um Império Solar representado pelo senhor, por Atlan ou pelo Marechal-de-Estado Bell, Grandseigneur. Acho que isso faz muita diferença. Talvez esteja aí a explicação da reação errada do robô gigante.

Rhodan suspirou.

— No entanto, não posso simplesmente identificar-me. Como explica isso, Monsieur Danton?

O livre-mercador deu de ombros.

Formulara várias hipóteses, mas nenhuma delas lhe parecia muito sólida. Por isso preferiu ficar calado. Meras suposições não teriam nenhuma utilidade.

O Administrador-Geral soube interpretar o gesto. Virei e saiu andando pelo corredor retilíneo, que parecia alcançar o infinito.

Roi Danton acompanhou o pai. Havia um traço pensativo em seu rosto.

Por que, pensou, são sempre os homens e suas obras que causam as maiores dificuldades aos homens?

Estacou quando um abalo sacudiu o chão. Um rugido distante se fez ouvir.

Dali a um instante passaram a andar mais depressa.

Havia uma pergunta no ar.

Será que os abalos eram sinal de uma decolagem em massa, de um ataque em grande escala ao Sistema Solar? Por enquanto não tinham a resposta a esta pergunta. Os homens que se encontravam no interior da estrutura gigante estavam isolados do mundo exterior. Não havia nada que mostrasse se Old Man ainda se encontrava no sistema de Vega, ou se alcançara as órbitas planetárias do Sistema Solar.

 

No último setor da parte de cima reinava o silêncio. Os homens tiveram de andar cerca de seis quilômetros pelo convés do hangar antes de descobrir uma subida.

Durante esta marcha viram pela primeira vez várias espaçonaves colocadas lado a lado e notaram que as superfícies de apoio não se encontravam na mesma altura. A diferença de altura permitia o estacionamento de maior número de unidades na mesma área, já que as protuberâncias equatoriais em cujo interior tinham sido montados os propulsores ficavam em planos superpostos, reduzindo a distância entre os supercouraçados ao mínimo indispensável.

Esta disposição também correspondia ao raciocínio lógico dos terranos e era mais um fator a favor da teoria de que Old Man e seus diversos setores deviam ser obra de homens do pla­neta Terra.

Perry Rhodan não demorou um segundo além do estrita­mente necessário. Queria ter certeza se Old Man ainda se en­contrava no sistema de Vega, ou se já se deslocara ao Sistema Solar.

Os outros membros do grupo também estavam ansiosos para saber. Forçaram o corpo ao máximo, embora as conseqüên­cias da perda do sono se fizessem sentir.

Roi Danton admirou seu criado ertrusiano. Oro Masut ca­minhava resolutamente, como no início da operação. Era bem verdade que já tinha engolido alimentos concentrados em quan­tidade suficiente para alimentar quatro terranos. O fato era que seu metabolismo exigia mais calorias que o de um homem nas­cido no planeta Terra.

As mesma coisa acontecia com os oxtornenses, apesar de eles serem do mesmo tamanho dos terranos. Até mesmo as pes­soas que usavam ativadores de células, como Perry Rhodan, Atlan, Marshall, Kakuta e Goratchim precisavam de mais calorias. Graças a estes aparelhos possuíam a mesma resistência dos oxtornenses, mas em compensação o metabolismo sofria uma aceleração.

Normalmente isso teria levado o Administrador-Geral a não exigir dos outros a mesma coisa de que ele era capaz. Mas a situação não era normal. Por isso deu ordem para que Tako Kakuta cuidasse dos que fossem ficando para trás, exaustos, carregando-os um pedaço.

Mas Roi manteve passo com o pai, embora fosse apenas um homem natural da Terra e não possuísse ativador de células. O zumbido do equipamento de climatização de seu traje de combate era cada vez mais forte. Sem dúvida tinha de absorver o calor do corpo e a umidade por ele segregada às escondidas.

Gucky teleportava ininterruptamente para trás e para a frente. Investigava o caminho que a expedição teria de percorrer e em várias ocasiões evitou um choque com os robôs-mecânicos ou veículos de carga. Parecia que no interior do robô gigante não havia um segundo de descanso. Neste ponto podia ser comparado com um organismo vivo, onde as peças gastas são constantemente substituídas por outras, novas. E da mesma forma que os glóbulos brancos do sangue se precipitam sobre os corpos estranhos que penetram no corpo — quer sejam bactérias, quer objetos sólidos — os equivalentes mecânicos Old Man, que era os robôs gigantes, investiriam contra os intrusos, assim que sua presença fosse detetada.

Roi Danton tinha certeza de que neste caso seriam tão indefesos contra os robôs de combate pertencentes ao robô gigante como vinte e três bacilos contra os glóbulos brancos um organismo sadio.

Mas havia uma diferença.

Os bacilos só poderiam sair vitoriosos ou vencidos — enquanto aos homens restava a alternativa da fuga.

 

Quando saíram dos hangares do convés superior, tiveram a impressão de que estavam entrando num mundo diferente.

Atravessaram às pressas um corredor e entraram por uma porta aberta, que dava para um recinto que parecia pertencer a uma habitação. Havia poltronas largas de couro sintético dispostas em torno de mesas equipadas com dispositivos de serviço robotizados. Vasos com folhagens extraterrestres contribuíam para tornar o ambiente mais descontraído, e as telas panorâmicas dispostas nas paredes, que imitavam janelas, transmitiam a ilusão de um contato visual direto com os arredores da seção VIII.

Nos primeiros instantes o Administrador-Geral não interessou por nada além daquilo que estava nas telas.

No início não se via nada de importante. O aspecto do espaço cósmico era igual em toda parte, e os bilhões de estrelas que se destacavam sobre o negro aveludado eram a melhor prova de que Old Man se encontrava no espaço.

De vez em quando passavam algumas naves esféricas com os jatopropulsores chamejantes. De resto estava tudo em paz e em silêncio.

Rhodan e seu filho identificaram quase ao mesmo tempo o disco brilhante branco-azulado com a coroa chamejante. Era o sol Vega.

Respiraram aliviados.

Old Man ainda se encontrava no sistema de Vega.

A Terra ainda não corria um perigo iminente.

As palavras de Atlan os fizeram voltar à realidade. — Ainda dispomos de algum tempo, amigos — disse o arcônida, sério. — Old Man não continuará para sempre no sistema de Vega. Acabará partindo em direção ao Sistema Solar. Se até lá não estivermos em condições de assumir o comando...!

Não havia necessidade de explicações detalhadas. Todos sabiam o que estava em jogo. E sabiam que não era somente a Terra que estava em perigo. A maior parte de uma raça ami­ga, os ferronenses, vivia em Ferrol, um dos planetas de Vega. Além de parceiros e aliados da humanidade terrana, eram co­laboradores do Império Solar — e por isso os homens eram obri­gados a ajudá-los, assim que pudessem, a afastar a ameaça tre­menda representada por Old Man.

— Vamos separar-nos! — decidiu Perry Rhodan pronta­mente. — Os técnicos, cibernéticos e cosmonautas farão uma pausa. Depois examinarão com o cuidado que se torna neces­sário diante das circunstâncias as salas ao lado. Gucky exami­nará as áreas adjacentes em alguns saltos de teleportação de curta distância, e Kakuta ficará aqui de reserva, assim que che­gar com os retardatários. Atlan, Marshall e Goratchim me acom­panharão numa ronda pelo convés superior. Talvez descubra­mos um caminho seguro para a área superior livre.

— Peço permissão para acompanhá-los, Grandseigneur! — disse Roi.

O Administrador-Geral sorriu e sacudiu a cabeça.

— O senhor fica aqui, Monsieur Danton!

— Mas...

— É uma ordem!

— Pois não, Grandseigneur — murmurou Roi deprimido. Seria impossível rebelar-se contra a ordem do pai. Ao pedir que lhe fosse permitido participar da expedição, assumira automaticamente a obrigação de no curso desta cumprir sem discutir as ordens deste. Além disso seu pai chegara a atender a uma sugestão sua, deixando dois dos mutantes escolhidos junto à frota que se mantinha à espera, levando Orbiter Kaiman e Janine Goya no lugar deles. Embora os dois oxtornenses tivessem mostrando quanto valiam — se bem que por assim dizer em caráter não oficial — sua participação obrigara moralmente o livre-mercador a cumprir suas obrigações com uma dedicação toda especial.

Roi sorriu às escondidas.

Conhecia o pai e sabia que este tinha algo em mente ao atender ao seu pedido. Perry Rhodan era conhecido como um homem que sabia cativar os amigos e inimigos, prestando-lhes certos serviços.

— Podemos abrir os capacetes? — perguntou. — Pelo que indicam os analisadores, existe uma mistura gasosa semelhante à atmosfera terrana, e a temperatura é de vinte graus centígrados positivos.

— E a gravitação é exatamente de um gravo — acrescentou Perry Rhodan. — Concordo, com uma condição. Só metade do grupo abrirá os capacetes de cada vez.

Roi Danton fez uma mesura.

— Merci infinitement, Grandseigneur!

O Administrador-Geral fez um gesto de pouco-caso.

— Poderia fazer-me um grande favor, monsieur? — perguntou com um sorriso ligeiro.

Roi abriu os braços num gesto amplo.

— Dê suas ordens, Grandseigneur, que eu as cumprirei!

— Macaco! — gritou Gucky com a voz estridente. Roi estremeceu.

Há poucos dias sua irmã usara para com ele uma expressão são semelhante à que acabara de ser empregada pelo rato-castor.

Perry Rhodan olhou para Gucky com uma expressão de reprovação. Em seguida voltou a dirigir-se a Roi.

— Por favor, não dê atenção a Gucky. O senhor e ele têm muita coisa em comum. Mas vamos à pergunta que fiz. Poria assumir, na minha ausência, o comando sobre o grupo de de técnicos, cosmonautas e cibernéticos?

— O senhor me deixa embaraçado, Grandseigneur! Seu criado mais insignificante e humilde sentir-se-á honrado em cumprir uma tarefa destas.

— Fico-lhe muito agradecido, monsieur! — respondeu Rhodan e afastou-se.

A primeira ordem de Roi consistiu em dividir os homens que ficaram com ele em dois grupos, que abriam alternadamente seus capacetes.

Roi incluiu-se no segundo grupo.

Nem imaginava que o pai pudesse ter acompanhado a ordem pelo telecomunicador. E assim ficou sem saber que acabara de passar num teste de caráter.

Ficou admirado porque os dois oxtornenses não pediram que fossem incluídos no grupo de Rhodan, ainda mais que este certamente cumpriria seu desejo. Estavam com o corpo descansado e, o que era o principal, representavam um mistério em cuja solução o Administrador-Geral certamente estava interessado.

 

Gucky materializou num recinto que em sua opinião po­deria estar em qualquer lugar do Universo, menos numa cons­trução como Old Man.

O cidadão comum do planeta Terra do século vinte e cin­co provavelmente não teria nenhuma idéia das finalidades des­te recinto. Os habitantes dos silos residenciais não costumavam cozinhar a comida que consumiam. Por isso não havia cozinhas nas residências, mas somente os chamados centros de supri­mento, nos quais podiam ser encomendados alimentos cons­tantes de uma lista, que eram enviados através de tubos pneumáticos.

Somente uns poucos milhões de pessoas usavam o méto­do antiquado de preparar as refeições em casa, usando ingre­dientes comuns.

Gucky não pertencia a este grupo, mas no bangalô de Bell junto ao lago salgado de Goshum e também na mansão de Allan D. Mercant existiam instalações esnobes como cozinhas.

Por isso o rato-castor não teve a menor dificuldade em iden­tificar o fogão elétrico, a chapa de preparo dos alimentos, a ge­ladeira e as diversas máquinas usadas na cozinha.

Sem pensar em nada, fez a panela de apito voar telecineticamente pelo recinto, abriu e fechou as portas do armário e executou uma estranha procissão voadora com a máquina de cortar pão, o batedor de carne, o pau de macarrão e a vassoura. No fim todos estes objetos foram parar ruidosamente na pia.

Olhou um tanto desconfiado para um cronômetro usado para cozinhar ovos. Não sabia para que servia. Sacudiu a cabeça enquanto via a areia descer.

— Esquisito! — murmurou. — Parece que Old Man é um esnobe.

Colocou o cronômetro na mesa com tamanho cuidado que até parecia que estava com medo de que pudesse explodir. Finalmente saiu saltitando para perto da geladeira e examino interior.

Espantado, pegou um pacote coberto de cristais de gelo, afastou estes e soltou um assobio.

“Cenouras tenras de Nancy”estava escrito na embalagem. Embaixo disso alguém escrevera com um estilete magnético. “Para Gucky!”

O rato-castor olhou em volta, para ver se o autor destas palavras aparecia de repente.

Mas era claro que isso não poderia acontecer.

O homem que escrevera isso tinha morrido há 50.000 anos relativistas...

Gucky assoou o nariz, emocionado. Mas apesar da emoção abriu o pacote e despejou seu conteúdo no descongelador. Dentro de cinco minutos retirou as cenouras descongeladas e aquecidas a vinte graus positivos. Guardou-as nos bolsos extet nos do traje de combate, enfiou algumas na boca e teleportou, mastigando com as bochechas salientes.

Materializou numa estepe marrom-amarelada — no meio de um capim que crescia no planeta Terra.

Assustado, permaneceu imóvel por alguns minutos. Até esqueceu de mastigar, embora esta fosse sua última atividade visível. Quando saiu da paralisia, a primeira parte de seu corpo que voltou a mexer-se foi o dente roedor.

Uma metade de cenoura caiu ao chão. Gucky não percebeu, embora quando se tratava de cenou­ras não costumasse perder nem um pedacinho.

Um vento quente e seco brincava com os pêlos um pouco mais longos que ficavam atrás das orelhas. A uns cem metros do lugar em que Gucky se encontrava o tronco e os galhos nus de uma acácia subiam pelo ar pesado. Alguns arbustos espinhentos tremiam ao vento. A vista do horizonte era impedida por uma cadeia de montanhas nuas e entrecortadas.

— É a estepe de Serengeti — murmurou o rato-castor pensativo.

Há muito anos Gucky fizera, juntamente com Julian Tiflor e Ras Tschubai, um foto-safári pelo território africano da Terra. O que mais se gravara em sua memória fora a gigantesca reserva ecológica que abrangia Serengeti e as áreas adjacentes.

E ali, no convés superior da plataforma-hangar do robô gigante, estava apreciando o mesmo quadro.

— Só falta uma manada de gnus passar fazendo trovejar o chão — disse o rato-castor a si mesmo.

Até parecia que suas palavras tinham sido uma espécie de fórmula mágica. De repente sentiu o chão tremer. Pareciam milhares de pés batendo no chão duro da estepe.

À sua direita subiu uma enorme nuvem de poeira. Foi-se aproximando, e de repente os contornos de cavalos galopando se destacaram na poeira.

Cavalos...?

Não, não eram cavalos!

Gucky reconheceu nos animais que se aproximavam rapi­damente as corcovas características, os chifres dobrados para trás e os corpos baixos dos gnus. Entre eles zebras com listras negras e brancas moviam-se graciosamente.

“É claro!”, pensou Gucky, distraído. “Em Serengeti os gnus e as zebras sempre foram encontrados juntos. Por que aqui havia de ser diferente?”

Um forte rugido chamou-o de volta à realidade.

Olhou para cima.

Não havia uma única nuvem no céu azul, encoberto por um delicado véu de poeira.

Os gnus e as zebras mudaram de rumo, vindo em sua direção.

Assustado, Gucky fitou os corpos dos animais e as inúmeras pernas.

Quis teleportar-se para o bosque de acácias — mas não conseguiu. Até parecia que nunca possuíra o dom da teleportação.

E os animais chegavam cada vez mais perto... O rugido surdo voltou a soar.

O rato-castor sentiu os pêlos da nuca se eriçarem. Num sú­bito medo de morrer, ficou saltitando de um lado para outro. As acácias ficavam longe demais para que pudesse atingi-las an­tes que os gnus e as zebras chegassem.

E chegaram.

No momento em que a morte parecia mais próxima do que estivera em qualquer outro momento de sua vida longa e mo­vimentada, Gucky ficou bem calmo. Pegou a pistola energéti­ca. Soltou um assobio agudo e atirou para o alto.

Ou melhor, quis atirar. Nenhuma energia saiu do cano de sua arma.

Mas desta vez a morte não o atingiu. A manada de ani­mais que fugiam dividiu-se perto dele. Os corpos empoeirados passaram à sua direita e à sua esquerda, enquanto os pés tamborilavam num ritmo alucinante.

Finalmente a manada passou.

Mas dois enormes cães amarelos perseguiam os animais em saltos ágeis. Outro cão desistiu. Deu mais alguns passos can­sados e deitou no capim, soltando um bramido apavorante.

Gucky tremeu.

Nem percebera que, ao contrário dos outros cães, este pos­suía uma juba marrom. Era um leão!

E os outros dois animais não eram cães, mas leoas!

À fase do pavor seguiu-se o despertar.

Os homens comandados pelo Major Barnard poderiam ter colocado um céu artificial num pavilhão e coberto o chão com terra e sementes de capim. Mas no tender Dino-3, pertencente à Frota Solar, certamente não houvera gnus ou zebras, e muito menos leões. Os veículos espaciais da frota terrana não eram zoológicos voadores.

E os animais existentes em outros planetas podiam ser pa­recidos com os da Terra, mas nunca iguais.

O leão levantou e bocejou gostosamente, pondo à mostra a língua comprida e os dentes afiados. As mandíbulas voltaram a fechar-se ruidosamente.

A fera espreguiçou-se — e deu a impressão de que acaba­ra de transformar-se numa estátua.

Mantinha os olhos amarelos presos no rato-castor.

Gucky teve de fazer um grande esforço para reprimir o instinto da fuga, que é em maior ou menor grau uma caracte­rística de todo ser vivo.

— Só pode ser uma alucinação! — disse em voz alta. Mas quando o leão voltou a rugir, teve suas dúvidas de que realmente fosse assim. Se não fosse...

Pegou uma cenoura, atirou-a para cima e tentou segurá-la telecineticamente.

Mas a cenoura caiu em seu nariz voltado para cima.

Nada de teleportação ou telecinesia.

Gucky tentou captar os impulsos cerebrais do animal.

Nada.

Absolutamente nada.

Portanto, fora privado completamente de suas paracapacidades.

“Talvez seja conveniente fazer uma retirada estratégica!” pensou.

Mas já era tarde.

A fera aproximou-se rastejando no chão. Só parte da ca­beça aparecia no capim da estepe.

De repente, quando ainda se encontrava a uns cinco me­tros de Gucky, o leão deitou no meio do capim. Sua cauda chicoteava fortemente o chão duro. Os olhos do animal brilhavam perigosamente.

Quando o animal se dispôs a saltar, o rato-castor pulou apressadamente para o lado. O leão virou-se fungando furiosamente.

Gucky atirou a arma energética, que se tomara inútil, na boca aberta do animal.

O leão deu um salto, girou no ar e caiu pesadamente. O corpo pesado tremeu, esticou-se e ficou quieto.

O rato-castor suspirou.

— Quem dera que eu tivesse uma máquina de filmar... Fechou instintivamente os olhos, quando de repente os contornos das coisas que o cercavam se desmancharam em névoa-prateadas cintilantes.

Quando voltou a abri-los, estava sentado na poltrona ampla de uma instalação de hipnovídeo. A arma energética estava presa no coldre, e a metade de uma cenoura continuava pendurada na ponta de seu dente roedor.

 

— Que pena — murmurou. — Não posso dizer a Bell que matei um leão adulto atirando uma coisa nele.

Sobressaltou-se apavorado quando uma risada homérica ressoou em seu cérebro.

Mas por mais que forçasse os olhos e o sentido de espia, não conseguiu descobrir ninguém no hipnovídeo-cinema.

— Este robô gigante ainda acaba me deixando louco! — exclamou, apavorado. — Caramba! Este hipnovídeo tem cada cristal de armazenagem. Até parece que foi gravado por terranos.

Coçou-se atrás das orelhas.

— Só pode ter sido mesmo. Não sei por que estou tão ner­voso. Afinal, conheço de sobra estes seres.

Por mais que tentasse convencer-se a ficar calmo, não teve ânimo para tentar outra teleportação. Depois da aventura com o hipnovídeo não queria mais nada. Quem sabe onde iria parar da próxima vez?

Seus dedos coçaram de tanta vontade que teve de exami­nar as instalações, mas conseguiu controlar-se. Levou algum tem­po para recuperar a atitude típica de rato-castor.

— Estou curioso para ver que surpresas ainda nos estão reservadas!

Enfiou mais uma cenoura na boca — e voltou a teleportar-se.

Desta vez só foi até o corredor mais próximo.

Uma vez lá, caminhou saltitando junto à esteira transpor­tadora desativada. Preferiu não subir nela. Provavelmente a má­quina se ligaria automaticamente, mas o fenômeno certamente seria registrado por algum centro de controle. Com isso revela­ria sua presença e colocaria em perigo os companheiros.

Ficou caminhando pelos corredores durante dez minutos. Enfiava a cabeça nas portas abertas, desviava-se de robôs de manutenção e fazia tudo isso sem saber o que estava procurando.

Finalmente perdeu a paciência.

Disse a si mesmo que poderia levar semanas andando pe­lo convés superior, sem descobrir qualquer coisa que pudesse ser interessante para a expedição. Afinal, Perry Rhodan o man­dara sair por aí por considerá-lo o elemento mais competente do Exército de Mutantes.

Gucky estufou o peito.

— Nada me acontecerá. Sempre posso saltar. Concentrou-se num lugar situado no mesmo plano, que ficava a quinhentos metros de onde estava — e teleportou.

Quando voltou a materializar, prendeu a respiração.

— Pois então! — pensou, satisfeito, quando viu que o lugar em que fora parar não era nenhum labirinto da morte, nem uma cena produzida pelo hipnovídeo. — Eu sabia!

Para recompensar-se pelo feito, ingeriu mais uma cenoura.

Mas interrompeu-se enquanto estava mastigando.

Levou alguns segundos tentando descobrir o que alarmara seus sentidos.

De repente sentiu.

O chão vibrava sob seus pés. Eram vibrações fracas, mas vinham e desapareciam num certo ritmo, que lembrava alguma coisa.

Gucky pôs-se a refletir, mas não encontrou a solução.

Numa súbita decisão, tentou descobrir um poço de eleva­dor ou uma rampa que descesse para baixo das chapas de re­vestimento do assoalho do convés superior.

Encontrava-se numa sala circular de teto plano, que tinha cerca de quarenta metros de altura e cinqüenta de diâmetro no chão. Havia colunas cilíndricas de cerca de dois metros de diâ­metro regularmente espalhadas pela sala. Fora isso a mesma es­tava vazia.

O rato-castor conhecia as construções do século 25 do ca­lendário terrano e sabia que numa sala com estas dimensões não havia necessidade de colunas de sustentação.

Logo, a finalidade das colunas devia ser outra.

Gucky engoliu o mingau de cenoura que tinha na boca, foi saltitando para perto de uma das colunas e encostou o ouvi­do a ela.

Nada.

Bateu nela com a ponta da bota. Nada.

A coluna não devia ser oca, ou então tinha paredes muito espessas.

Pelo menos a coluna não parecia quente ao tato, e o dete­tor de radiações não indicava uma radiatividade acima do normal.

Gucky refletiu se devia fazer uma experiência, teleportando-se para dentro da coluna, uma vez que parecia não haver outro acesso. O risco ficaria dentro do normal. A coluna era um tuba e então Gucky materializaria em seu interior, ou era maciça, e neste caso seria atirado de volta ao ponto de partida da teleportação.

— Hum! — fez o rato-castor, pensativo.

Teve o cuidado de fechar o capacete antes de saltar. Foi o que salvou sua vida, uma vez que materializou no vácuo.

O primeiro reflexo o fez saltar de volta.

Mas quando se viu novamente na sala percebeu que nada lhe poderia acontecer dentro do tubo, desde que mantivesse fe­chado seu traje espacial. Além disso sentira uma força que o puxava suavemente para baixo, igual à que estava acostumado a encontrar nos elevadores antigravitacionais.

— Lá vou eu de novo! — murmurou num acesso de auto-ironia, antes de teleportar-se de novo para dentro do tubo.

Desta vez ligou a lanterna do capacete antes de saltar, pois queria contemplar o ambiente em que iria parar.

Viu que descia devagar junto às paredes lisas. Jogou a ca­beça para trás e viu que o tubo — ou o poço — terminava pou­cos metros acima dele.

— Esquisito! — raciocinou. — O elevador não sobe além da sala. Mas, pelos espíritos do espaço, por que então não exis­te nenhuma entrada para as colunas?

Gucky não perdeu tempo tentando descobrir a resposta.

Inclinou a cabeça bem para a frente, para que a lanterna embutida em seu capacete iluminasse a parte de baixo do poço.

No início os reflexos foram tateando junto às paredes, mas de repente a luz encontrou uma coisa cintilante que a refletia no centro do tubo.

Gucky dirigiu o detetor de impulsos para lá.

Tratava-se de uma eclusa energética!

Aproximou-se dela — e atravessou-a. Embaixo havia uma atmosfera respirável. Gucky abriu o capacete.

Dali a pouco seus pés tocaram o chão de um recinto semi-esférico.

No mesmo instante acenderam-se as luzes.

O rato-castor soltou um grito.

Era a primeira vez desde que entrara na plataforma-hangar VIII que acionara um mecanismo que devia estar diretamente ligado a um centro de controle.

Mas os segundos foram passando, sem que acontecesse na­da que indicasse que desencadeara um alarme.

Gucky respirou aliviado.

Examinou cuidadosamente a única tela de imagem insta­lada no recinto. A superfície oval mostrava o interior de um recinto grande, perfeitamente esférico. No interior deste recinto estava suspensa outra esfera, que parecia ser sustentada por projetores antigravitacionais. Era um objeto enorme, cujo revestimento externo parecia muito estável.

Cabos grossos pendiam frouxamente no teto e entravam na esfera blindada. Pareciam enormes cordões umbilicais que pulsavam num ritmo uniforme...

No ritmo que Gucky sentira na sala em que ficavam as colunas!

O rato-castor estremeceu.

Sentiu uma repugnância instintiva contra a esfera suspensa — mas ao mesmo tempo sentiu-se atraído por ela como se fosse um velho amigo.

Fez um esforço para refletir fria e objetivamente.

Não havia dúvida de que se tratava do revestimento do cé­rebro robotizado que comandava a oitava seção — e ele, Gucky, o descobrira!

Levou algum tempo para dar-se conta da importância da descoberta.

Mas depois disso agiu sem perda de tempo.

Teleportou-se de volta para a sala das colunas e dali voltou em saltos ligeiros e cuidadosos ao lugar em que se separara dos companheiros.

Encontrou Perry Rhodan e riu, consciente do seu triunfo,

Nem imaginava que não havia motivo para isso — nem para ele, nem para os companheiros que se encontravam na oitava seção.

 

O Coordenador era idoso, muito idoso pelos padrões terranos. Mas em termos relativistas era mais jovem que por exemplo Perry Rhodan...

Mas Perry Rhodan não sabia disso, da mesma forma que ignorava a existência do Coordenador.

De dentro do envoltório suspenso na grande cúpula de sus­tentação do robô gigante Old Man, o Coordenador guiava o gi­gantesco mecanismo. Doze auxiliares o ajudavam no trabalho imenso e cheio de responsabilidade. Eram doze cérebros humanos, separados dos corpos, que boiavam no plasma de conser­vação, mantendo contato com o décimo terceiro cérebro e cumprinndo as instruções dele. Cada um deles estava encarregado do comando de uma das grandes plataformas-hangares. Tinham cumprido esta tarefa por muito mais que 50.000 anos relativistas.

Mas nada dura para sempre. Aos poucos energia psíquica dos doze cérebros foi diminuindo. A capacidade de julgamento ficou embotada.

Dois deles perderam o juízo. Ainda agiam, mas sem qualquer objetivo ou plano, perdendo completamente o senso de responsabilidade que deveria mantê-los ligados à tarefa comum. O Coordenador passou a designar as respectivas plataformas-hangares como seções desativadas.

Nesse dia 28 de setembro de 2435, tempo terrano, aconteceu uma coisa bem pior, que não poderia ter sido prevista uma vez que o mesmo perigo já surgira no passado e, segundo pensavam os dirigentes do Império Solar, fora afastado para sempre.

Mais uma vez confirmou-se o sábio princípio de que não se deve considerar afastado um perigo enquanto sua causa con­tinua a existir.

E no caso a causa do perigo ainda existia!

Mas nem o Coordenador, nem os dez cérebros que fun­cionavam perfeitamente, e muito menos os cérebros das seções desativadas possuíam qualquer informação sobre o perigo, a for­ma pela qual se manifestava e suas características.

E por isso o perigo não foi identificado.

O Coordenador limitou-se a constatar que coisas inexpli­cáveis estavam acontecendo nas seções III e IV. De repente os cérebros dementes desenvolviam uma atividade fantástica, que não combinava com suas energias psíquicas amortecidas.

Por enquanto essa atividade não se estendia à cúpula de sustentação e às outras dez plataformas, mas o Coordenador estava acostumado a planejar e prever, para abafar no nasce­douro as dificuldades que pudessem pôr em perigo o cumpri­mento da tarefa.

Levara Old Man ao sistema de Vega — mais precisamen­te, transmitira os respectivos impulsos de comando ao meca­nismo robotizado — porque queria certificar-se, naquele setor relativamente próximo aos homens, se estes se encontravam nu­ma guerra fratricida, como pareciam indicar os acontecimentos que se verificavam no setor Alvorecer.

Mas antes disso a situação das duas seções desativadas ti­nha de ser estabilizada, pelo menos até certo ponto.

Por isso fez um relato da situação aos cérebros que ainda estavam funcionando, e informou que tentaria encontrar a so­lução do problema.

Mas antes que pudesse começar com isso aconteceu uma coisa...

 

— Acho que devemos ir diretamente ao objetivo — disse o Lorde-Almirante Atlan. — Enquanto não soubermos exatamente por que Old Man nos combate só devemos interessar-nos pelo centro de comando principal.

Mas Perry Rhodan, pensativo, passava a mão pela barba de três dias.

— Sou de opinião que sempre é recomendável treinar num objetivo secundário, que evidentemente não é tão perigoso, antes de passar ao objetivo principal.

Enquanto dizia isto, enfiou na boca um cubo de extrato de carne.

— É bastante provável que os centros de computação positrônica das seções tenham sido construídos segundo o mes­mo princípio do sistema positrônico do centro de comando. A mesma coisa deve acontecer com os dispositivos de segurança. Desta forma a esfera blindada descoberta por Gucky poderá ensinar-nos o que deveremos fazer para mexer nos controles que comandam o robô gigante.

— E se formos descobertos enquanto estivermos trabalhan­do no centro de computação secundário?

O Administrador-Geral deu de ombros.

— Se formos descobertos lá, com mais razão seríamos jun­to ao centro de computação principal. Não se esqueça de que Gucky chegou bem perto da esfera blindada em que está guar­dado o centro positrônico seccional, sem que fosse dado o alarme.

— A que distância chegou? — perguntou Rhodan, dirigindo-se ao rato-castor.

— A uns cinqüenta metros, Chefe!

— Pois então! John, qual é sua opinião?

O chefe do exército dos mutantes pigarreou.

— Acho que seremos recompensados em dobro pelo tem­po que perderemos, senhor.

— E o senhor, Monsieur Danton?

Roi, que também acabara de abrir o capacete, passou o len­ço de rendas pelo rosto e suspirou.

— Cest un malheur, Grandseigneur! Não temos oportu­nidade de barbear-nos, falta água fresca, não podemos trocar de roupa. Sinto-me miseravelmente mal por causa da sujeira e do suor. Mas estou disposto a fazer um grande sacrifício, li­quidando antes de mais nada o centro de computação positrônica desta seção.

Encostou o frasco de perfume ao nariz e aspirou gostosamente a fragrância. Contemplou com uma expressão triste, nível baixo do líquido.

— Quem dera que pelo menos pudesse fazer a barba e lavar as mãos...!

— Sinto muito — retrucou Rhodan em tom áspero. — Se usarmos as instalações, poderemos trair nossa presença.

Gucky deixou cair a cabeça.

Não mencionara o fato de ter usado o descongelador. Achou preferível continuar a silenciar a este respeito. Aquilo que dera certo numa cozinha manual poderia provocar uma catástrofe nas outras instalações.

— Chego à conclusão de que segundo a opinião genera­lizada devemos examinar em primeiro lugar o cérebro desta se­ção, Atlan — observou o Administrador-Geral.

— Naturalmente acompanho a maioria — respondeu o arcônida com um sorriso. — Só queria evitar que tivessem de dar uma volta, cavalheiros — e dama.

Perry Rhodan olhou para o relógio.

Faltava pouco para as vinte e uma horas. Dentro de três horas começaria o dia 29 de setembro de 2435.

Fazia mais de trinta dias que a Humanidade vivia na som­bra da terrível ameaça representada por Old Man.

— Tomara que tenhamos sorte! — disse em tom enfático. Em seguida deu o sinal de partida.

Os membros da expedição marcharam na ordem a que es­tavam acostumados. Perry Rhodan e Roi Danton caminharam na ponta, seguidos por Oro Masut, Atlan e os mutantes, os es­pecialistas iriam no meio e a retaguarda seria formada por Orbiter Kaiman e sua assistente Janine Goya.

Com um sorriso que transformava seu rosto numa másca­ra, o Administrador-Geral contemplou as fileiras formadas pelos companheiros. Atrás do sorriso escondia-se uma variedade de sentimentos: melancolia, orgulho, tristeza e confiança, além de outros.

“Quantas vezes já dei início a uma operação arriscada, com um punhado de amigos fiéis?”, perguntou-se. “Quantas vezes isso aconteceu nos últimos quatrocentos e sessenta anos, pois que descobri a espaçonave arcônida que fizera um pouso forçado na Lua terrana? Quanta coisa não aconteceu depois disso! A Humanidade tinha construído um gigantesco império sideral — mas sempre se defrontara com novos inimigos, cada vez mais poderosos, e teve de lutar pela própria existência. Ge­rações inteiras de combatentes tinham desaparecido, outras ge­rações se formaram — mas todos seguiriam pelo caminho no qual não havia retorno, além das poucas pessoas que, como eu, receberam o presente da imortalidade...”

Rhodan fitou os olhos azuis-escuros de Roi Danton. Por um instante teve a impressão de enxergar neles o reflexo de seus pensamentos mais íntimos.

Este livre-mercador era um mistério.

Costumava comportar-se que nem um esobe decadente — mas não era nada disso. “Provavelmente”, pensou Rhodan, “seu espírito combina melhor com o meu que o de qualquer outra pessoa que já conheci. Seus modos afetados são apenas uma máscara atrás da qual esconde sua verdadeira personalidade.”

Fez um grande esforço para não pensar mais nisso.

— Vamos embora! — ordenou com a voz áspera.

Virou-se e saiu andando. Os outros seguiram-no, um atrás do outro, cada um deslocado meio metro para a esquerda ou a direita em relação ao que ia à sua frente, para que, se neces­sário, as linhas de tiro não ficassem impedidas.

O rato-castor e Tako Kakuta saltavam para a frente e para trás, para fazer o reconhecimento do caminho. Sempre que os teleportadores descobriam robôs ou veículos de carga, preve­niam o Administrador-Geral. Conforme o caso, Perry Rhodan fazia seu grupo entrar num corredor lateral, deixando que as máquinas automáticas passassem enquanto os homens ficavam encostados à parede.

Isso não deixava de acarretar certo risco. Era verdade que até mesmo os veículos de carga possuíam um dispositivo auto­mático anticolisão, mas como seus rastreadores de radar não estavam em condições de detetar os terranos, chegavam à con­clusão de que o corredor estava desimpedido. Muitas vezes isto os levava a trafegar em fila dupla, e neste caso os terranos eram obrigados a saltar desesperadamente para colocar-se em segu­rança.

Quando finalmente o grupo chegou à sala das colunas, to­dos, com exceção do oxtornense e do ertrusiano, estavam en­charcados de suor.

Perry Rhodan deu ordem de revistar as paredes e as colunas,

 à procura de portas camufladas. Não acreditava que a única possibilidade de atingir o centro do computador positrônico da seção fosse a teleportação.

— Normalmente a única coisa que teríamos de fazer seria queimar um buraco na parede — disse um dos técnicos acabara de revistar uma das colunas, sem encontrar nada.

Roi, que ouvira estas palavras, fez um gesto afirmativo,

— Sem dúvida, monsieur! — disse. — Se fizéssemos ques­tão de ser detetados. Mas isto poderia ser conseguido de ma­neira mais fácil — e mais rápida.

— Sei disso — retrucou o homem, contrariado. — Mas gostaria que me contasse como vamos chegar ao centro de computação positrônica.

Roi sorriu e deu de ombros.

— Je suis moi-même étranger ici! — Também não sou daqui.

Janine Goya traduziu a resposta. Roi Danton esperava ou­vir estrondosas gargalhadas.

Mas estas não vieram, e Roi virou o rosto, preocupado. Notou a expressão tensa nos rostos dos companheiros, cu­jos olhos chamejavam nervosamente.

— Sugiro que alguns de nós saltem com os teleportadores para dentro do poço do elevador antigravitacional, Granelseigneur — sussurrou para o Administrador. — A falta de ativi­dade está desgastando os nervos destes homens.

Perry Rhodan confirmou com um gesto.

— O senhor tem razão, monsieur, mas não compreende que o acesso só possa ser usado por mutantes. Afinal, Old Man foi projetado e construído por homens normais.

— Certamente tiveram seus motivos para isso — respondeu Roi em tom de oráculo.

 

Estavam de pé na câmara semi-esférica, contemplando tela de imagem que mostrava a esfera blindada que continha o sistema de computação positrônica da seção: Perry Rhodan Atlan, Roi e um cibernético. Gucky e Tako, que os tinham trazido, mantinham-se um pouco afastados.

Depois de algum tempo o Administrador-Geral virou o rosto.

— Você certamente sabe — disse em voz baixa, como se tivesse medo de que o centro de computação positrônica pu­desse ouvi-lo — que o centro positrônico pode ficar a cinqüen­ta ou a cinco mil metros daqui...

Gucky abriu a boca e num sorriso exibiu o dente roedor.

— Eu disse que fica a apenas cinqüenta metros, não disse?

— Disse! gostaria de saber como pode ter tanta certeza. Afinal, a imagem projetada na tela não mudaria nem que o cé­rebro da seção ficasse a cinqüenta quilômetros daqui.

O sorriso do rato-castor abriu-se ainda mais. Aproximou-se saltitando calmamente. Parou embaixo da tela e olhou fixa­mente para a parede.

De repente teve-se a impressão de que a imagem escorre­gava para o lado. Uma figura trêmula atravessou a tela, mas a imagem da esfera blindada voltou a estabilizar-se.

— Telecinesia? — perguntou Roi Danton. O rato-castor fez um gesto afirmativo.

— Sempre pensei que o oficial de patente especial Gucky só pudesse movimentar telecineticamente um objeto que visse a olho nu! — protestou o cibernético.

Roi sorriu com uma expressão condescendente.

— Na versão oficial realmente é assim. É claro que Gucky nunca seria capaz de movimentar a esfera blindada sem sair da­qui. Mas uma peça fácil de movimentar como a objetiva articu­lada de uma câmera pode ser atingida telecineticamente a pe­quena distância, mesmo que não possa ser vista diretamente.

— Compreendo — respondeu o cibernético e respirou ali­viado. — Se Gucky é capaz de movimentar a câmera, deve-se concluir que ela fica atrás desta parede. Não é isto?

— É isso mesmo — confirmou Gucky. — Mas como se explica que o senhor conheça meus pontos fortes e fracos, monsieur? Para uma pessoa vinda de fora sabe muito.

Roi deu de ombros e mudou de assunto.

— Quel est le chemin le plus vers cerveau, Monsieur Guck?

— Não compreender, mossiê! — retrucou o rato-castor. Em seguida dirigiu-se a Janine. — O que falou o corsário, gatinha?

A oxtornense teve de fazer um grande esforço para não soltar uma gargalhada.

— Monsieur perguntou qual é o caminho mais curto o cérebro.

Algumas rugas grossas formaram-se na testa de Gucky,

— Por aí! — respondeu, apontando numa direção. — Ande uns cinqüenta metros em linha reta, mossiê, e o senhor está lá. Satisfeito?

— Hum! — fez Roi, embaraçado. — O senhor é muito gentil, Monsieur Guck. Acontece que para um homem normal este caminho é impraticável.

— Acontece que para um rato-castor normal não é — Gucky passou a dirigir-se a Perry Rhodan. — Então, Chefe? Pos­so teleportar?

O Administrador-Geral balançou a cabeça num gesto de dúvida.

— Vamos tentar primeiro o caminho normal. Acho que deve haver um caminho que qualquer um possa usar. Estamos numa espécie de observatório. O acesso ao centro positrônico desta seção fica fora desta sala.

Fez sinal para que Tako Kakuta se aproximasse.

— Tako, faça o favor de teleportar-nos de volta para a cha­mada sala das colunas. De lá tentaremos encontrar um cami­nho que leve para junto da esfera do centro de computação positrônica.

— E eu? — perguntou Gucky em tom atrevido.

— Você fica aqui. Quero que haja alguém nesta sala que, se for necessário, possa saber outra coisa além de teleportar. E este alguém é você. Entendido?

— Entendido, patrão — respondeu Gucky, lisonjeado. — Confie em mim. Se for necessário teleporto-me para dentro do computador positrônico e levo-o para o espaço. Acho que com isto ele ficará desativado.

— Se você for capaz disso, Tako também é — observou Rhodan, sarcástico. — Trate de pensar numa coisa melhor.

Rhodan colocou a mão no braço de Kakuta e fez um sinal. No mesmo instante os dois desapareceram. A sucção do vácuo que se formou arrancou o chapéu de três pontas da ca­beça de Roi.

 

Dali a dez minutos Rhodan e Tako voltaram a materializar. Roi e Gucky fitaram o Administrador-Geral com uma ex­pressão de curiosidade.

— Nada! — disse Rhodan em tom resignado. — Parece que não existe qualquer acesso ao centro de computação positrônica.

— Por que diz que parece? — perguntou Roi. — O se­nhor é de opinião que apesar da aparência existem acessos normais?

— Tenho certeza!

— Mas meu método dá mais certeza! — brincou Gucky. Perry Rhodan sacudiu a cabeça.

— Ele só serve para ganhar tempo. Mas está bem. Se ain­da quiser, pode teleportar.

Roi sorriu escondido por causa da linguagem diplomática do pai. Não dera qualquer ordem ao rato-castor. Deixara ao cri­tério dele se queria teleportar ou não, deixando implícita a per­gunta se ainda tinha coragem para isso.

O rato-castor não pôde deixar de concordar. Na verdade, ansiava para encontrar logo a solução. Se o salto em direção ao cérebro fosse bem-sucedido, ele veria se a mudança dos con­troles poderia ser feita sem maiores dificuldades. Em seguida a ação poderia ser dirigida contra a semi-esfera em cujo interior fora instalado o centro de comando.

— O que pretende fazer? — perguntou Perry Rhodan. Gucky empertigou-se, empolgado com a própria importância.

— É simples, Chefe. Salto diretamente para dentro do cen­tro de computação positrônica.

— Não é muito arriscado? Você poderia saltar primeiro pa­ra perto do revestimento blindado e depois...

— De qualquer maneira terei de entrar! — retrucou o rato-castor, violento. — E entrarei lá sem estar preparado para as eventualidades que possam surgir. Enquanto não me telepor­tar para dentro da esfera, não saberei o que há dentro dela.

— Está bem, Gucky. Mas tenha cuidado. Se estiver em pe­rigo, volte imediatamente, ou chame pela faixa de emergência do telecomunicador. Danton e eu iremos imediatamente com a ajuda de Tako.

— Não se preocupe! — disse Gucky em tom de desprezo.

— Vamos dar um jeito de colocar a criança na água.

— De balançar a criança — objetou Roi.

O rato-castor confirmou com um gesto. Parecia sério.

— Está certo. Daremos um jeito de balançar a criança jogá-la na água antes que esta fique coberta. Não pense que não conheço os ditados dos terranos.

Distraído, Gucky tirou do bolso duas cenouras e enfiou-a embaixo do dente roedor.

— Para Gucky...! — disse, compenetrado, em voz tão baixa que ninguém pôde ouvi-lo.

— Não se deve teleportar com a boca cheia! — repreendeu Roi.

— Nada disso! Não se deve falar! — retrucou Gucky, Levantou o dedo, piscou os olhos — e saltou.

O ar entrou no vácuo que se formou — somente para se: expulso no mesmo instante.

Gucky estava jogado no chão, contorcendo-se em convulsões. Gritava, mas parecia não ter consciência das coisas que o cercavam.

Perry Rhodan saltou para junto do rato-castor e tenta acalmá-lo.

Mas Roi Danton não deu atenção a Gucky. Sentia que acabara de acontecer uma coisa que estragaria seus planos. Aproximou-se rapidamente da tela — e ficou estarrecido Um campo defensivo verde com um brilho fraco estendia-se em torno da esfera blindada.

— Um campo hiperenergético! — gritou Roi. — Para trás. Rápido!

Deu um empurrão em Tako Kakuta, fazendo com que fosse parar perto do rato-castor. O japonês compreendeu o que Roi Danton queria que ele fizesse. Segurou Perry Rhodan com uma das mãos e Gucky com a outra e teleportou.

Levou apenas um segundo para voltar.

            — Vamos embora! — gritou com a voz se atropelando. O centro positrônico da seção deu o alarme!

 

O som estridente das campainhas de alarme e o uivo intermitente das sereias pareciam uma ameaça física, um ataque que estivesse sendo desfechado de todos os lados ao mesmo tempo.

Roi Danton e Kakuta rematerializaram na sala das colunas. No mesmo instante foram erguidos pela onda de pressão de uma explosão. Roi ficou deitado, passando os olhos pela sala.

Os homens pertencentes ao comando estavam espalhados junto às entradas, vigiando as escotilhas abertas e as fechadas de arma em punho. Oro Masut e Orbiter Kaiman estavam ajoe­lhados junto a uma escotilha aberta, despejando lampejos ener­géticos das armas portáteis superpesadas para o corredor.

Dois robôs caídos junto à porta haviam-se desmanchado em peças disformes de metal fumegante. Um terceiro robô estava explodindo. Old Man acabara de identificar o inimigo e atacava implacavelmente.

Tako Kakuta voltou a desmaterializar, depois de gritar para o Administrador-Geral que sairia à procura de um caminho pe­lo qual pudessem fugir.

Roi ficou de joelhos, fez pontaria para um objeto semi-esférico que acabara de sair do teto e atirou.

Uma chuva de fragmentos incandescentes caiu na sala.

— Que foi isso? — gritou Perry Rhodan de trás de uma coluna.

O livre-mercador sorriu fracamente.

— São aparelhos de deteção especiais, Grandseigneur. Pa­rece que estão registrando nossos campos defletores e neutralizadores. Deveríamos retirar-nos a um lugar em que não haja estas abóbodas rastreadoras.

Roi destruiu mais um objeto esférico.

— Para cá! — berrou Tako Kakuta de repente em meio ao fragor da batalha.

Roi viu o teleportador acenar com os braços e correu para perto dele.

— Oro, você vai pegar Gucky! — decidiu, voltando-se no­vamente para Rhodan. — Grandseigneur! Poderia fazer o favor de mandar o corneteiro dar o sinal de uma retirada estratégica?

Orbiter Kaiman deu uma estrondosa gargalhada. Perry Rhodan praguejou, mas deu a ordem de retirada. Pa­recia que a interferência do livre-mercador o deixara indignado. Oro Masut pegou o rato-castor, que continuava fora de ação, e saiu correndo atrás de Kakuta, que assumira a direção do grupo. Roi esperou que o pai o alcançasse e correu na mesma velocidade. Cuidaria para que nada acontecesse ao pai.

O grosso do grupo de comando veio atrás deles.

Como sempre, os dois oxtornenses formaram a retaguar­da. Lutavam como leões.

“Como tigres...!”, retificou Roi Danton para si mesmo.

Janine Goya não ficava atrás do chefe. Manejava a arma energética pesada como se nunca tivesse feito outra coisa. O comando não poderia desejar uma retaguarda melhor. Nenhum robô resistiu ao fogo disparado pelos oxtornenses. Às vezes Roi chegava a ter a impressão de que os robôs de combate que os perseguiam hesitavam exatamente a fração de segundo correspondente à maior lentidão da reação dos seres humanos.

Mas só podia ser uma ilusão.

E se não fosse? Quais seriam as conclusões?

“Se sairmos daqui com vida”, jurou o livre-mercador para si mesmo, “tentarei convencer os oxtornenses a me acompanharem. Ainda acabarei descobrindo seu mistério.”

Atirou para dentro de um corredor lateral, no qual notara um movimento enquanto estava passando. Foi uma reação ins­tintiva. De fato, já tinha percorrido mais uns dez metros antes de ouvir o estrondo de uma nova explosão. Parecia que todos os homens haviam reagido da mesma forma ao passar pelo corredor, disparando um tiro para ele.

Quando o grupo passou por um cruzamento, outras abóbadas de rastreamento semi-esféricas saíram do teto.

Não podiam destruí-las, pois com isso colocariam em perigo os homens que vinham atrás deles. Mas Orbiter Kaiman, que vinha no fim, as destruía depois de ter transposto cada cruzamento.

— Enquanto não sairmos da área dos rastreadores espe­ciais, não teremos descanso! — fungou Kakuta.

O fogo tornou-se mais intenso atrás deles. Ao que parecia os oxtornenses estavam lutando contra uma grande superioridade de forças.

Atlan quis correr em seu auxílio com alguns cosmonautas mas Kaiman gritou que fizessem o favor de cobrir os flancos pois ele e sua companheira seriam capazes de enfrentar os robôs que os perseguiam.

“O fato de termos sido descobertos tem pelo menos uma vantagem”, pensou Roi enquanto abria uma escotilha. “Não pre­cisamos esperar mais até que possamos passar pelas portas acompanhando alguns robôs.”

O grupo evitou os elevadores antigravitacionais, onde po­deriam ser presos facilmente. Bastaria fechar o tubo e desligar o campo antigravitacional.

Mas os robôs de combate usavam os elevadores. Mas logo desistiram, uma vez que os terranos atiravam uma minibomba térmica em cada poço pelo qual passavam. Esta bomba derre­tia tudo que se encontrasse nos poços.

Kakuta voltou a teleportar.

Sua paracapacidade representou um auxílio extremamen­te valioso. Sem ela o grupo de comando logo seria acossado e dizimado. Tako podia, numa ação-relâmpago, sondar os arre­dores e escolher o melhor caminho de fuga, frustrando as ten­tativas de cercar o grupo.

De repente Roi Danton sorriu, embora não parecesse ha­ver motivo.

As peças do mosaico encaixaram-se em sua mente, forman­do um quadro. Imaginou por que o cérebro da seção fora pro­tegido por um hipercampo — e imaginou mais algumas coisas.

Dali a uma hora, quando Tako já os tinha levado a um se­tor em que não havia rastreadores especiais, o que permitiu que se livrassem dos perseguidores por algum tempo, Roi apresen­tou suas conclusões a seu pai e Atlan.

— Tenho certeza — disse — de que apesar do campo de sobrecarga altamente energetizado existe uma possibilidade de entrar na esfera de comando da oitava seção. Mas deve ser um caminho tão complicado que é muito difícil de encontrar.

“Parece que os trinta e um homens da Good Hope foram mais inteligentes do que acreditávamos. Provavelmente conta­vam com a possibilidade de ter havido uma revolta de mutantes na Terra. Por isso tomaram suas providências para que ne­nhum mutante pudesse entrar na esfera de comando sem que estivesse autorizado.

“Chego a afirmar que os homens da Good Hope toma­ram suas providências para evitar que uma pessoa não autori­zada pudesse modificar de uma só vez os comandos de todas as instalações. Teremos de avançar às apalpadelas para chegar perto da abóbada de comando. Acho que a mudança de co­mando do centro de computação positrônica de uma única se­ção não bastará. Suas funções provavelmente passariam a ser exercidas pelo comando central.”

O Administrador-Geral encostou-se à parede e fechou os olhos, fazendo de conta que não estava nem um pouco inte­ressado na exposição de Danton.

Mas Roi conhecia essa atitude. Sabia que seu pai estava eliminando as impressões vindas de fora para concentrar-se.

Em compensação o Lorde-Almirante Atlan não escondeu seu interesse na exposição do jovem. Encarou-o abertamente. Os olhos velhíssimos do arcônida, que tinham visto muito mais que os olhos de todos os seres com que Roi se tinha encontra­do, pareciam dissecar o interior e o exterior de Roi.

Mas Atlan não era tão frio como fingia.

Roi Danton conhecia o amigo de seus pais, que não podia enganá-lo. Mas era claro que Atlan não sabia disso.

— Nada mau, monsieur — disse finalmente com sua voz profunda. — Vejo que sabe raciocinar de forma lógica e preci­sa, melhor que a maior parte dos mestres desta arte que co­nheci em minha longa vida.

Atlan deu uma risada áspera, mas logo voltou a ficar sério e voltou a fitar atentamente o rosto do livre-mercador.

— Gostaria de saber se já nos encontramos alguma vez, Monsieur Danton...! Tenho certeza de que já vi seu rosto antes.

Roi teve de fazer um esforço para esconder o susto que estas palavras lhe causaram.

— O Universo é muito grande, sire — respondeu indife­rente. — E todo homem tem um sósia. Isto é uma verdade an­tiga e conhecida. Tenho certeza de nunca tê-lo visto.

O velho almirante arcônida sorriu com uma expressão irônica.

— Teria sido melhor que não enfatizasse tanto a idéia do sósia, monsieur. As pessoas com que conversa sempre costu­mam fazer um esforço para ver se conseguem lembrar-se de um eventual encontro, quando aludo a esta possibilidade. Mas o se­nhor mostrou-se completamente desinteressado. Isto pode ter vários motivos. Talvez saiba perfeitamente que já nos vimos antes, mas não quer que eu me lembre...

— Il est encore trop tôt — cochichou Roi. — Ainda é cedo.

Antes que Atlan pudesse dar uma resposta, Perry Rhodan empurrou-se da parede à qual estivera apoiado e abriu os olhos.

— Vamos para a frente! — exclamou. — Tako, faça o fa­vor de sondar o caminho para a abóbada em que está guarda­do o centro de comando. Como vai Gucky?

— Logo acordará, senhor! — Informou Janine Goya, que estava cuidando do rato-castor. — Não acredito que sua saúde tenha sido afetada em caráter permanente.

O rosto do Administrador-Geral ficou um pouco mais descontraído.

— Está bem. Mr. Masut, o senhor poderia fazer o favor de voltar a carregar Gucky?

— Eu me encarrego dele, senhor! — protestou Janine. — Sou mais forte que o ertrusiano.

Oro Masut sorriu e sacudiu os ombros enormes.

— OK! — disse Rhodan. De repente havia uma fria reso­lução em sua voz. — Old Man foi feito para a Humanidade. Lo­go, deve existir um meio pelo qual os homens possam chegar ao centro de computação positrônica e mudar seus comandos.

Rhodan calou-se e encarou os homens um por um. Pare­cia satisfeito com o exame.

— Vamos em frente! — disse com um sorriso confiante.

 

— Coordenados os cérebros de comando das seções um, dois, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze. Os comandos individuais são postos fora de ação. Favor ligar imediatamente para meus impulsos de comando. Coisas terríveis estão aconte­cendo nas seções desativadas. Parece que a ligação está para ser interrompida definitivamente.

— Cérebros de comando das seções um, dois, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze ao Coordenador. Entendido. Estamos entrosados. Desligamos.

Consulta da seção oito ao Coordenador:

— As instruções que acabam de ser dadas aplicam-se in­tegralmente a mim?

Coordenador ao cérebro da seção oito:

— Afirmativo. As instruções aplicam-se integralmente. O outro risco é de natureza secundária. Fim.

 

Fazia cinco minutos que tinham partido, quando se defrontaram com uma centena de robôs de combate.

Houve uma batalha encarniçada. Os terranos só não fo­ram derrotados imediatamente porque nos corredores os robôs não podiam tirar proveito da superioridade numérica, enquan­to as dimensões reduzidas do campo de batalha davam oportu­nidade a Tako Kakuta de aparecer subitamente atrás de um gru­po de robôs, lançar uma minibomba e desaparecer antes que pudessem reagir à sua presença.

Gucky não demorou a recuperar-se. Quis por tudo partici­par da luta, mas Perry Rhodan não permitiu. Disse que se des­cansasse mais um pouco poderia tornar-se muito mais útil.

Uma luta entre homens e robôs é uma luta desequilibrada, mesmo que os homens possam contar com o auxílio de um teleportador, cuja atuação compensa a inferioridade física dos seres humanos. A superioridade numérica das máquinas de guerra acaba rompendo o equilíbrio.

Perry Rhodan e seu grupo de comando tiveram de reco­nhecer esta verdade amarga quando se viram encurralados nu­ma sala de distribuição. As figuras de aço terconite de dois me­tros de altura aproximavam-se de todos os lados. Seus passos retumbavam firmemente, e seus canhões energéticos e desintegradores criaram uma zona de destruição em torno dos terra­nos, que desfechavam ataques-relâmpago de dentro da área blo­queada. Quando eram rechaçados, dentro de instantes ataca­vam em outro lugar.

— Neuf! — exclamou Roi Danton quando viu mais um ro­bô desmanchar-se na nuvem formada pela explosão de um minifoguete. — Nove!

— Dix! — Dez!

Fazia tempo que seguira o exemplo dos companheiros, fe­chando o capacete. Do contrário as ondas de fogo que se apro­ximavam constantemente o teriam transformado em cinzas. Além disso mantinha ligado seu campo defensivo individual, que já lhe salvara a vida mais de uma vez, já que os robôs atiravam com uma precisão assustadora. Só a rapidez das reações do sub­consciente humano foi capaz de compensar o tempo de refle­xão reduzido dos cérebros positrônicos. O homem cujas mãos e olhos agiam por assim dizer independentemente do cérebro, cujo espírito andava ocupado exclusivamente com o planejamento geral da operação, tinha boas chances de sobrevivência até mesmo num confronto com robôs.

— L’Onzième! — exclamou Roi, zangado. — O décimo primeiro!

A onda causada pela explosão atirou-o para trás alguns me­tros, mas Roi logo voltou a rastejar para onde estivera.

Por uma fração de segundo pensou que para um homem com senso de responsabilidade, que tinha seus ideais, era mais fácil combater robôs que seres humanos. Suas ações não eram tolhidas por escrúpulos morais, uma vez que não estava des­truindo seres dotados de raciocínio, mas apenas máquinas. Isso também o ajudava a compensar a superioridade psíquica dos robôs de combate.

Mais um minifoguete saiu do cano de sua Redeye-M-XI, procurou o alvo com base nas radiações infravermelhas emiti­das pelo gerador nuclear do robô, e explodiu exatamente no lugar em que a máquina de guerra era mais vulnerável.

— Le douziême. — O décimo segundo.

Durante a pausa que se seguiu Roi sorriu porque o papel que no início assumira com tanto esforço para ocultar sua ver­dadeira identidade acabara por substituir sua verdadeira perso­nalidade, transformando-o naquilo que só queria representar. Nem mesmo a exaltação do combate era capaz de dissociar os dois egos que se tinham fundido estreitamente.

O ruído da batalha passou a soar do outro lado da sala de distribuição, onde os dois oxtornenses estavam montando guar­da. Eles não deixariam passar um único robô.

Roi virou a cabeça e viu que o pai, que estava deitado per­to dele, o fitava atentamente.

O livre-mercador sorriu.

— Il approche de minuit, Grandseigneur. — Já é quase meia-noite, alteza — seu sorriso tornou-se mais forte. — Quem sabe se a hora dos fantasmas não trará a virada decisiva?

Perry Rhodan retribuiu ligeiramente o sorriso.

— O senhor nunca pode falar sério, Monsieur Danton? — disse num misto de recriminação e indulgência.

— A vida é séria que chega, Grandseigneur — retrucou Roi. — Não custa a gente torná-la um pouco mais alegre.

— Ainda bem que existem pessoas ingênuas como o se­nhor — murmurou Rhodan. — Também já pensei assim, mas hoje a responsabilidade pesa sobre meus ombros que nem uma rocha. Aí torna-se difícil aceitar as coisas com um sorriso.

Seu rosto desapareceu de repente. Uma onda de pressão acabara de levantá-lo e atirá-lo a certa distância.

Roi Danton caiu em cima do pai. Os campos defensivos entraram em contato e confundiram-se por alguns instantes. Não houve descargas energéticas, graças a um dispositivo de segurança.

Roi e Perry Rhodan levaram apenas alguns segundos para pôr-se de pé.

Olhavam através das nuvens de fumaça e do fogo e viram um buraco no teto.

— É o fim — disse a voz apagada de um cosmonauta nos rádios embutidos em seus capacetes. — Estão nos defumando.

Perry Rhodan empertigou-se.

— Quem foi o idiota que disse isso? Só estaremos perdi­dos quando desistirmos de lutar. Atenção! Preparem-se para abrir passagem à força. Masut, assim que eu der um sinal o senhor se retira para cá. Danton, Atlan e eu forçaremos a passagem. Os outros nos seguirão. Kaiman e sua assistente manterão livre a passagem pelo corredor que usaremos. Tako e Gucky salta­rão para a frente, para colocar bombas térmicas nos corredores. Isso atrasará o avanço dos robôs, além de causar muitas baixas entre eles.

Rhodan esperou alguns segundos.

— Masut! — gritou finalmente.

O ertrusiano atravessou a sala em saltos enormes e entrou no corredor junto ao qual Rhodan e Danton mantinham guarda.

O Administrador-Geral e o livre-mercador foram atrás de­le. Atlan seguiu-os o mais depressa que pôde.

A investida pegou os robôs de surpresa. O pensamento de seus cérebros positrônicos guiava-se exclusivamente pela lógi­ca, e por isso acreditavam que era impossível que os terranos saíssem de um lugar em que estavam relativamente seguros, para atacar uma força muito superior.

O fogo disparado pelas armas energéticas de Masut, Rho­dan e Danton destruiu cinco robôs de combate, deixando livre o caminho.

Os cosmonautas, cibernéticos e técnicos seguiram o gru­po. Os que avançavam na frente do grupo iam se revezando, para distribuir de forma equilibrada a carga física e psíquica do combate.

Os robôs de combate não demoraram a reagir à nova si­tuação. Deixaram que os terranos saíssem correndo. Persegui­ram-nos pelos corredores paralelos, para poder travar-lhes o ca­minho mais adiante.

As bombas térmicas lançadas por Gucky tinham destruído ou danificado cerca de trinta máquinas de guerra.

Mas depois que tinham corrido dez minutos, os terranos ouviram nitidamente as batidas fortes dos pés de centenas de robôs de combate. O ruído vinha de todos os lados, da esquer­da e da direita, da frente, de cima e de baixo.

Roi percebeu que, lenta mas seguramente, a iniciativa es­tava passando para o lado dos robôs.

— Temos de arriscar-nos a descer um andar — gritou pa­ra o pai.

Perry Rhodan fez um sinal afirmativo. Estava com o rosto suado, barbudo e marcado pelo cansaço.

Mas antes que pudesse dar a ordem aconteceu uma coisa que ninguém esperava.

As batidas dos pés dos robôs de combate pararam de repente.

Por alguns segundos reinou um silêncio completo da se­ção VIII. Até mesmo os homens pararam e mal se atreviam a respirar.

Depois os passos dos robôs voltaram a fazer-se ouvir. Mas não se aproximavam; afastavam-se.

Os terranos, que ainda há pouco se sentiam ameaçados de morte e planejavam uma ação desesperada para abrir pas­sagem, ficaram perplexos.

Ninguém tomava conhecimento deles.

Seis robôs gigantescos passaram menos de cinco metros à frente do grupo, com os braços armados pendurados junto ao corpo. Nem olharam para os terranos. Roi e seus compa­nheiros poderiam perfeitamente destruí-los, mas não o fizeram. Nem mesmo uma máquina deve ser destruída sem motivo.

— Qu'est-ce que cela signifie? — cochichou Roi Danton, estarrecido. — O que significa isso?

Até parecia que os receptores dos microfones externos que­riam dar uma resposta a esta pergunta, pois deram alguns estalos.

Era um ruído característico. Os homens compreenderam imediatamente que os alto-falantes de um sistema de transmis­são geral tinham sido ligados.

De repente uma voz humana começou a falar num intercosmo impecável através de inúmeros alto-falantes camuflados. O som oco vinha de todos os lados, atravessando corredores, salas e poços de elevadores.

— Comando superposto falando. Atenção, amigos. Dirijam-se aos abrigos. A operação de vedação será iniciada den­tro de dez minutos, tempo-padrão.

 

Roy virou abruptamente a cabeça. Contemplou com os olhos chamejantes os rostos desfigu­rados de seu pai e de Atlan. — Mon Dieu!

O livre-mercador não conseguiu dizer mais nada. Nem precisava.

Ninguém tinha a menor idéia de onde ficavam os abrigos.

Mas todos sabiam o que vinha a ser a operação de vedação.

O fato de que as palavras “velhos amigos” só podiam referir-se aos terranos perdiam o sentido diante de um fato muito mais importante.

Dentro de dez minutos teriam de abandonar os recintos que ficavam no interior da seção e atingir a área livre da plataforma, senão nunca mais escapariam.

O Administrador-Geral foi o primeiro a esboçar uma reação

— Sigam-me! — gritou, superando a repetição monóto­na da mensagem pelos alto-falantes. — Rápido.

Não precisou dar instruções especiais a Gucky e Kakuta. Os dois davam saltos curtos para a frente, sondando o terrena Mas não se atreviam a avançar mais de duzentos metros de ca­da vez. Encontravam-se em situação desesperadora e não po­diam arriscar-se a ficar presos em um dos misteriosos labirintos da morte.

Roi Danton corria ofegante ao lado do pai. Via as costas enormes de Oro Masut à sua frente. O ertrusiano corria que nem um touro enfurecido, disposto a varrer do caminho qualquer coisa que pudesse representar um obstáculo para seu dono.

Mas não havia nada que impedisse seu avanço. De vez em quando encontravam-se com colunas de robôs que marchavam não se sabia para onde, sem tomar conhecimento da presença dos humanos.

Era um quadro fantasmagórico.

Há pouco os homens e os robôs ainda tinham travado uma luta de vida e morte, mas agora simplesmente se ignoravam.

Roi desconfiava de que a operação de vedação que aca­bara de ser anunciada não se dirigia contra eles.

Mas isso não modificaria o resultado.

— Bongue!

Um minuto dos dez tinha passado.

Oro Masut deu um salto enorme através de uma escotilha estreita e foi parar numa galeria de inspeção, que se estendia em forma de círculo pela parede interna de um hangar de espaçonaves.

Roi veio correndo atrás dele.

Os passos dos companheiros tamborilavam no chão. Era como se os cascos de uma manada de bois batessem no chão duro da estepe.

As escotilhas das espaçonaves estacionadas no hangar fecharam-se ruidosamente.

Roi olhou por acaso para as escotilhas da eclusa que fica­va a uns três quilômetros de distância.

Teve a impressão e que uma mão gelada apertava seu coração.

Soltou um grito.

A luminosidade verde de um campo hiperenergético estendia-se à frente da escotilha.

— Mais depressa! — gritou Masut, que continuava à fren­te do grupo.

Roi não demorou a ver o motivo.

Uma porta de correr de aço terconite maciço saiu do chão, na linha divisória entre duas áreas de estacionamento. Outra por­ta de correr veio ao seu encontro, saída do teto, em posição li­geiramente deslocada em relação à primeira, por causa das protuberâncias sobrepostas dos gigantes espaciais.

Roi tirou o máximo de si. Foi ao menos o que pensou.

— Bongue!

O gongo soou pela segunda vez. Ou seria a terceira vez?

A noção do tempo tinha sido completamente perdida.

Bateu violentamente com o cotovelo na parede do hangar.

Arregalou os olhos, apavorado, ao notar que a galeria de inspeção estava sendo recolhida dentro da parede.

Em meio ao encontro das escotilhas se fechando e ao ran­ger das portas de correr, seu grito de alerta se fez ouvir.

— Ativar equipamento de vôo! — ordenou Perry Rhodan.

Um após o outro, ou em grupos de dois e três, os homens foram levantando vôo da galeria de inspeção, flutuando com os geradores antigravitacionais ativados e os micropropulsores em direção à abertura entre as duas portas de correr, que ia se estreitando.

Mal e mal conseguiram passar.

Atrás deles as gigantescas franjas de sucção encostaram-se ruidosamente nas protuberâncias equatoriais das espaçonaves, fechando hermeticamente o hangar.

A mesma coisa acabara de acontecer à frente dos homens...

 

— Bongue!

Faltavam cinco minutos para que a operação de vedação! se completasse.

Roi Danton teve a impressão de que a voz que acabara de ouvir anunciara uma desgraça inevitável.

Dentro de cinco minutos mais ninguém sairia da seção VIII. E os terranos que se encontravam no hangar de espaçonaves hermeticamente fechado nem sabiam como chegar à plataforma externa.

— O primeiro tempo já se foi! — ironizou um dos cosmonautas. Mas havia um tremor em sua voz, que mostrava que o senso que pretendia exibir não passava de um humor fúnebre.

De repente Gucky materializou.

Roi só viu o rato-castor agitar os bracinhos, para em seguida sair voando em seu traje de combate.

O grupo seguiu-o, sem saber onde terminaria a viagem. Todos sabiam que podiam confiar em Gucky, apesar das brincadeiras infantis que o pequeno ser peludo costumava fazer.

O livre-mercador respirou aliviado ao ver um corredor bem iluminado. Acelerou um pouco, quando viu que o brilho dos micropropulsores de Gucky se tornara mais intenso.

No seu íntimo ainda sentia medo de ver-se trancado, me­do este que parecia ser um instinto natural de todo ser huma­no. O rugido que se ouvia na oitava seção transformou-se num concerto ensurdecedor. Constantemente ouviam-se peças de aço baterem umas nas outras. Parecia que o robô gigante esta­va sendo despedaçado por marteladas de gigantes.

Cada vez que se ouvia um ruído, isso significava que mais um caminho de fuga acabara de ser fechado.

Os homens atravessaram o corredor em alta velocidade, um perto do outro. O ar deslocado assobiava junto a seus trajes protetores.

— Ali — uma bifurcação!

— Uuum!

— Em frente! Um grito.

— Vamos entrar no poço do elevador!

Uma parede cintilante verde formou-se crepitando junto à saída dupla do poço.

— Existem outros elevadores!

Entraram numa sala de distribuição em semi-circular, que espalhou uma luz tranqüilizadora sobre eles. Oito, nove escoti­lhas já se tinham fechado.

Ainda havia uma escotilha aberta!

— Vamos passar!

Uma gigantesca porta de correr saiu da parede, deslocou-se com uma lentidão materializante dentro de uma ranhura pro­funda e foi-se aproximando do outro lado da abertura.

Vinte e três terranos contornaram o obstáculo com os pro­pulsores chiando e foram parar no último corredor que conti­nuava desimpedido — e prosseguiram nas buscas.

Uma abertura gigantesca. Era o acesso de um hangar vazio.

Mais adiante, a mais de três quilômetros dali, distinguiam-se os contornos iluminados de um ultracouraçado.

Havia uma possibilidade. Ocupar o navio, decolar, fugir.

Um campo energético estendeu-se.

Esta possibilidade não existia mais.

O gongo continuava a soar, desgastando os nervos dos ho­mens que tentavam em vão escapar da armadilha perfeita.

— Falta um minuto para que a vedação se complete!

O gongo passou a bater de segundo em segundo. Até parecia que o mecanismo desalmado queria zombar dos seres que se haviam envolvido numa coisa grande demais para eles.

Alguém deu uma gargalhada estridente.

Alguém praguejou.

— Cale a boca! Old Man foi construído por homens!

“Isso mesmo”, pensou Roi. “Este mecanismo gigantesco foi criado por homens, e outros homens saberão lidar com ele.”

Tako Kakuta materializou entre Roi e Atlan.

O teleportador abriu a boca e disse uma coisa que se per­deu no ruído ensurdecedor.

Roi agarrou o ombro de Tako, puxou-o para perto de si e apontou para a frente.

O mutante compreendeu.

Ligou seu micropropulsor na potência máxima, passou per­to de Perry Rhodan com o bocal do jato zunindo, ultrapassou Oro Masut e seguiu na frente dos companheiros, indicando o caminho que acabara de descobrir.

“Tomara que quando chegarmos lá o caminho ainda este­ja aberto!”, pensou Roi.

Freou automaticamente quando ouviu um grito de alerta no receptor embutido em seu capacete. Seu campo defensivo iluminou-se ao tocar a parede de um grande poço de elevador. Os que vieram atrás dele esbarraram em seu campo defensivo.

Por alguns instantes reinou um caos inextricável no fundo do poço. Mas finalmente os homens foram se separando e su­biram na vertical, sustentados pelas emissões energétivas invisí­veis expelidas por suas mochilas.

Provavelmente Roi Danton teria voado até que seu com­bustível nuclear se esgotasse, se uma voz acostumada a dar or­dens não o tivesse chamado de volta. A ele e mais uma dezena de homens.

Roi acordou de um pesadelo e olhou em volta.

Em cima dele e à sua esquerda bilhões de pontos cintilan­tes destacavam-se num fundo negro aveludado. À direita e em­baixo viu uma gigantesca sombra escura. Era Old Man.

Demorou mais um segundo até que compreendesse que se encontrava no espaço cósmico, que estava livre, que deixara para trás os recintos apertados e os campos energéticos e as escotilhas da oitava seção.

Alguém soluçou. Outros homens riam.

Vozes ásperas competiam, soltando piadas grosseiras. A última passagem acabara de fechar-se — aquela pela qual tinham saído.

Depois ficaram em silêncio.

Um após o outro desceram para a plataforma vazia, reuniram-se em torno do homem que, segundo esperavam, lhes diria o que fazer em seguida: Perry Rhodan.

Mas Perry Rhodan também era apenas um ser humano.

Defrontava-se com um mistério e estava bastante preocu­pado com os fenômenos que se tinham verificado no interior de Old Man, sem que tivesse uma solução para seu problema principal.

— Les visiteurs sont invités à quitter le bateau — murmu­rou Roi. — Pede-se aos visitantes que abandonem o navio.

 

— Até é possível que o senhor tenha razão — observou Janine Goya. — Quando sai a próxima nave para a Terra?

Roi deu de ombros.

— Sugiro que voemos para as seções desativadas desco­bertas por Redhorse — disse Atlan, pigarreando. — Lá não pre­cisamos preocupar-nos com robôs, nem prevenir-nos contra as operações de vedação que certamente foram realizadas nas ou­tras seções, com exceção das de números III e IV. Os walkers que vivem lá não são perigosos.

— Acontece que de lá nunca chegaremos à cúpula em que foi instalado o centro de controle — objetou Roi. — As seções desativadas estão completamente isoladas.

— É verdade. Mas daqui também não poderemos entrar lá, pelo menos no momento. Além disso temos de contar com a possibilidade de Old Man entrar no espaço linear. Não gosta­ria que isso acontecesse, enquanto estiver na superfície despro­tegida da plataforma.

— Seus argumentos não deixam de ser válidos, amigo — disse Perry Rhodan. — Vamos à seção III. Façam o favor de examinar seus trajes espaciais e os equipamentos de vôo. O ca­minho que temos pela frente é muito difícil.

Roi Danton sorriu ligeiramente.

O pai não exagerara nem um pouco. Roi levantou a cabe­ça, jogou-a para trás e levantou os olhos pela gigantesca cúpu­la. Do lugar em que estava não se via o abaulamento polar su­perior, que ficava escondido atrás da curvatura da parede. Mas mesmo assim Old Man parecia um pesadelo feito de terconite e campos defensivos parciais com seu brilho fraco.

Roi fechou os olhos e sacudiu a cabeça para combater a tontura que de repente ameaçava dominá-lo. Por alguns instantes teve a impressão de que a cúpula iria tombar sobre ele. Mas foi uma ilusão provocada pela contradição entre o fato de que a gravitação artificial de um gravo fazia com que a superfície da plataforma parecesse estar na horizontal relativamente à posi­ção em que se encontrava, e a certeza de que esta idéia de ho­rizontal era puramente subjetiva.

Não se via sinal da terceira seção, que se encontrava qua­se exatamente do lado oposto de Old Man. Até mesmo a seção IV, que estava cinqüenta quilômetros mais perto, ficava fora do campo de visão. Do ponto em que se encontrava, no terço ex­terior da oitava plataforma, Roi Danton só via as luzes das pla­taformas VII e VI e um canto da de número V.

Teriam de observar todas estas plataformas, além da de nú­mero IV, pois embora esta se incluísse entre as seções desativa­das, continuava a ser, em comparação com a de número III, uma terra de ninguém. E na situação em que se encontravam os homens não podiam assumir o menor risco, desde que isso pudesse ser evitado.

O filho de Rhodan encolheu a cabeça. Não se sentia mui­to à vontade. Ainda assim os riscos seriam muito grandes.

Roi apressou-se em examinar seu traje espacial e o equi­pamento de vôo. Mais uma vez deu-se conta de como eram in­significantes em comparação com o robô gigante — que nem um bando de mosquitos perto de um ultracouraçado do tama­nho da Crest IV.

Embora a comparação fosse daquelas capazes de provo­car complexos de inferioridade, Roi sorriu, resoluto. Provavel­mente só teriam uma chance de sobrevivência por serem relati­vamente insignificantes.

Os equipamentos de defesa da Crest IV dificilmente detetariam um objeto do tamanho de um mosquito. Só lhe restava esperar que a mesma coisa acontecesse com Old Man.

— Não vamos ficar muito perto um do outro — disse a voz de seu pai no receptor de telecomunicação embutido em seu capacete. — Mas devemos voar de maneira a nos vermos. Cada um cuida de todos os outros, para que ninguém fique para trás sem ser notado. Assim que pousarmos na seção III, vol­taremos a reunir-nos. Durante o vôo o telecomunicador só será usado em caso de emergência. Atenção! — prosseguiu o Administrador-Geral depois de uma ligeira pausa. — Partiremos dentro de dez segundos. Dez... nove... oito...

Roi quase não prestou atenção às palavras do Administra­dor-Geral. Estava de olho nos dois oxtornenses.

Orbiter Kaiman e Janine Goya estavam bem juntos. Seus capacetes pressurizados se tocavam. Provavelmente estavam com os telecomunicadores desligados e conversavam através do contato dos capacetes.

O livre-mercador gostava de ver isso.

Para ele Kaiman e sua assistente continuavam a ser um mistério. Não acreditava que pudessem cometer alguma traição, mas preferia ficar atento para saber o que havia com os dois.

“Hawk!”, pensou. “Orbiter Kaiman mencionou o nome de Hawk perto de mim.” Será que havia alguma ligação entre o antigo tenente da Segurança Galática e o pretenso antropólogo Orbiter Kaiman?

Há muito tempo, quando ainda era criança, Michael Rho­dan ouvira conversas entre seus pais, e entre seu pai e o tio Reginald, segundo as quais o tenente Hawk desertara na área da nebulosa de Andrômeda, com o consentimento secreto do Administrador-Geral, levando alguém chamado Baar Lun. Tra­tava-se de um conversor de energia e modular, com o qual par­tira da nave da eternidade dos guardiões da luz, para levar os maahks e os tefrodenses a fazerem as pazes.

Mais tarde, quando Roi se tornara adulto, o assunto nunca mais chegara a ser abordado em sua presença. E quando já era homem, numa época em que seu pai sem dúvida lhe teria re­velado o segredo de Hawk e dos guardiões da luz de Andrô­meda, ele saíra de casa para construir seu próprio futuro, pas­sar por aventuras e praticar grandes feitos.

— Três... dois... um... zero! — contou Perry Rhodan. Vamos!

Vinte e dois homens e uma mulher levantaram vôo ao mes­mo tempo da plataforma externa da oitava seção. Os jatos saí­dos dos bocais do equipamento de vôo embutido em suas mo­chilas eram quase invisíveis ao olho humano. Só de vez em quando via-se uma ligeira cintilância na boca dos jatos, o que era um sinal do impacto prolongado da energia irradiada com as poeiras e os gases interplanetários, cuja densidade era relati­vamente elevada no interior do grande sistema de Vega.

— Basta um único raio energético expelido por Old Man, para que adicionemos mais algumas partículas aos gases inter­planetários! — disse a voz zangada de Ivã Goratchim, saída dos receptores.

— Silêncio! — disse Rhodan em tom enérgico. Todos ficaram calados.

Roi deu uma risada.

“É estranho como o pensamentos dos homens se pare­cem!” pensou.

Em seguida tentou chegar novamente perto do pai.

Perry Rhodan ia na frente do grupo. Voava em linha re­ta, seguindo a rota mais curta que os levaria à parede da cúpu­la de sustentação, passando por cima da sexta plataforma. Era a forma mais conveniente, embora não deixasse de ter seus riscos.

A distância que os separava da sétima plataforma foi dimi­nuindo aos poucos.

 

Ainda se encontravam a cerca de um quilômetro da seção VIII, quando três gigantescos ultracouraçados esféricos apare­ceram bem embaixo dos terranos.

O Administrador-Geral subiu imediatamente.

Parecia que as espaçonaves só tinham saído do espaço li­near pouco antes de chegarem a Old Man. No momento apro­ximavam-se em alta velocidade da sétima plataforma.

Roi observou-as atentamente enquanto usavam toda a po­tência dos jatopropulsores para completar a frenagem. Não era que estivesse interessado no espetáculo. Já o vira tantas vezes que não representava mais nada para ele. Mas queria ver se os portões dos hangares seriam abertos para que as naves que estavam regressando pudessem entrar. Isso não combinaria com o estado de vedação em que fora colocada a plataforma.

Ao que parecia os centros de computação positrônica que dirigiam os ultragigantes já tinham recebido suas instruções. Em vez de dirigir-se aos hangares fechados, subiram abruptamente.

Parecia que se dirigiam à plataforma da superfície, onde poderiam esperar que o estado de vedação chegasse ao fim.

A manobra acabou sendo uma catástrofe para os terranos.

Roi sentiu-se como um inseto que se vê ameaçado por uma mão gigantesca. Acelerou o mais que pôde, mas os ultracouraçados foram mais rápidos.

— Distância cem metros — leu na escala telemétrica que trazia sobre o peito.

Dali a um instante reduziu-se a cinco metros.

Roi prendeu a respiração e descontraiu o corpo, para ab­sorver melhor o impacto que parecia inevitável.

Alguns homens soltaram gritos de socorro.

Roi fechou os olhos.

A nave que subia em alta velocidade certamente o esma­garia com a força de um martelo mecânico. A ele e a seus companheiros.

Roi puxou desesperadamente a alavanca do acelerador, mas o pequeno jatopropulsor que trazia nas costas não podia desenvolver maior potência.

Quando começou a admirar-se por ainda estar vivo só fa­zia poucos segundos que as espaçonaves tinha aparecido. Mas em sua opinião estes segundos deveriam ser suficientes para matá-lo juntamente com os companheiros...

Mas em vez disso os ultragigantes afastavam-se aos pou­cos. A distância era de quatro quilômetros e estava aumentando.

De repente as três naves saíram de seu campo de visão — e dali a instantes apareceram três sóis artificiais em pleno espaço.

O telecomunicador transmitiu um grito saído de muitas bocas.

Mais tarde Roi não saberia dizer se também gritara. Mas tinha certeza de não ter ficado menos surpreso e apavorado que seus companheiros.

Old Man acabara de destruir três de suas espaçonaves.

Sem dúvida a perda seria compensada dentro de pouco tempo por novas construções, pois era provável que na cúpula porta-naves havia estaleiros. Mas apesar disso seu procedimen­to continuava envolto em mistério.

Pelo menos para a maior parte dos membros do comando.

O filho de Rhodan era o único que tinha uma suspeita va­ga — vaga porque sua inteligência se recusava a aceitar a ver­dade monstruosa que estava vindo à tona.

As espaçonaves tinham-se desviado deles, mudando de ro­ta e abandonando a rota de pouso fixada pelo centro de com­putação principal.

Para Old Man isso devia ser um fato anormal e preocupante, pelo menos se a ordem da manobra não tinha sido expedida pelo centro de computação principal.

Mas de onde poderia ter vindo então?

De Orbiter Kaiman? Ou de Little Man, que era como o oxtomense costumava chamar seu microrrobô?

Mas como era possível que uma figura do tamanho de uma bola de futebol, com um cérebro positrônico que não era maior que dois punhos humanos reunidos, superasse o poder de co­mando de um robô gigante como Old Man?

— Meu Deus! — disse uma voz apagada reproduzida pe­lo receptor de Roi. — O que foi isso? Nem sei por que ainda estamos vivos.

— O simples fato de estarmos vivos não basta? — pergun­tou Roi em tom sarcástico. — Vá queixar-se a Old Man, caso ache que ele o enganou. Se quiser fazer isso, espere até que estejamos num lugar seguro. Acontece que ao contrário do se­nhor amamos a vida. Eu pelo menos amo.

— Dei ordem para que os rádios não fossem usados, Monsieur Danton! — disse o Administrador-Geral em tom de censura.

Roi não deu resposta. De repente sorriu.

Seu pai falara assim toda vez que a pequena Suzan e o pequeno Mike se deixavam levar pelo arrebatamento juvenil, esquecendo as regras de moderação e de silêncio.

Mas só depois de participar de uma operação-comando di­rigida pelo pai o filho compreendeu por que sempre lhe obede­cera prontamente. É que a voz do pai irradiava autoridade, além de uma calma inabalável, que marcava o tom até mesmo num momento em que por pouco tinham escapado da morte.

De repente Roi deu-se conta de que o nível de inteligência de forma alguma serve de padrão para o respeito e a admira­ção que se tributa a uma pessoa. Para fundar e governar um império sideral precisava-se de certas qualidades que não po­diam ser expressas pelos números representativos do quociente intelectual.

 

A manobra que tinham realizado para desviar-se dos três ultracouraçados aparecidos de repente salvou-os do perigo que veio em seguida.

Encontravam-se cerca de trinta quilômetros acima da se­ção VII e tinham sobrevoado aproximadamente metade da pla­taforma montada na superfície, quando os indicadores eletrô­nicos dos rastreadores energéticos de repente deram um salto para cima.

Os contornos da plataforma desmancharam-se por uma fração de segundo, dando a impressão de que tinham sido mer­gulhados numa água agitada.

— É o campo hiperenergético! — anunciou a voz de Atlan saída do telecomunicador. — Estão ativando os campos defen­sivos de superfície.

— Tomara que não façam a mesma coisa nas seções de­sativadas! — exclamou Roi.

Ninguém respondeu à observação.

Não havia mesmo nada para ser dito. A terceira seção ainda estava muito distante. Só lhes restava esperar que nas cha­madas seções desativadas as ordens do centro de computação principal realmente pesassem pouco, conforme informara Don Redhorse.

Se não fosse assim — se os cérebros seccionais números três e quatro seguissem em determinadas condições a vontade do centro de computação principal — então estariam pratica­mente perdidos. Ficariam à deriva no espaço, levando uma vida vegetativa até que suas reservas de ar e água se esgotassem.

Nenhum veículo da frota imperial poderia vir em seu auxí­lio. Qualquer espaçonave vinda de fora seria destruída pelas ba­terias de Old Man ainda no espaço, isto se os ultracouraçados a deixassem chegar até lá.

O campo defensivo que cobria a superfície da seção VI su­biu a vinte e cinco quilômetros de altura.

Antes que aparecessem as três naves os membros do co­mando voavam paralelamente à superfície, a quinhentos me­tros de altura...

Via-se que os homens já não davam muita importância ao perigo, tanto que ninguém aludiu ao fato de que dentro de trin­ta minutos tinham escapado da morte por duas vezes.

O vôo prosseguiu, para além da plataforma, através do abis­mo que os separava da seção VI — e durante todo o tempo a face externa de Old Man ficou suspensa no espaço à direita dos homens, dando a impressão de que ali ficava a fronteira do Universo.

Roi Danton viu bem de perto os dois suportes mecânicos que sustentavam a plataforma. Como tudo em Old Man, exce­diam em muito os superlativos terranos até então conhecidos. O robô gigante era o monstro mais formidável de todos os tem­pos — um monstro que conferia um poder tremendo a seu dono.

Mas Old Man ainda não tinha dono.

Parecia certo que de direito o robô gigante pertencia à Hu­manidade, mas esta ainda não pudera tomar posse daquilo que era seu...

Plataforma número cinco!

Mais uma vez um campo defensivo formado por uma so­brecarga de energia mantida sob controle estendia-se sobre a superfície, impedindo o acesso de quem quer que fosse e com­pletando o regime de vedação instalado há pouco.

Plataforma número quatro!

Tinham atingido a primeira seção desativada. Mas ainda não era aquela que tinham escolhido como destino.

Roi Danton respirou aliviado quando viu a plataforma com­pletamente desguarnecida surgindo em posição oblíqua embai­xo dele. Nesta plataforma não havia nenhum campo hiperenergético.

Mas em compensação havia outra coisa.

Atlan foi o primeiro a descobrir.

Soltou um grito para chamar a atenção dos homens para uma coisa que se mantinha imóvel no espaço, bem em cima de suas cabeças.

Eram centenas de ultracouraçados!

Que nem um cacho enorme de frutas gigantescas, a for­mação de supergigantes da classe galáxia que se estendia em profundidade permanecia suspensa sobre a seção desativada. Mantinha-se na sombra da cúpula porta-naves que girava len­tamente, de tal forma que os raios de Vega, que pareciam uma auréola circundando o robô gigante, não o alcançassem. Por is­so não se enxergava nada a olho nu, além dos lampejos dos jatopropulsores usados na correção de rota.

Roi Danton só distinguiu os detalhes das naves esféricas na tela dobrável do minirastreador de energia embutido em seu capacete.

Era um quadro fantasmagórico de silêncio e imobilidade. Mas quem conhecesse o poder de fogo dos ultracouraçados de construção terrana imaginava que havia um potencial suficien­te para dissolver um hangar de cinqüenta por cinqüenta por dez quilômetros em seus átomos — juntamente com tudo que se encontrasse dentro dele.

Roi sentiu um calafrio na espinha.

Sabia que a ameaça não era dirigida contra os vinte e três seres insignificantes que se deslocavam sorrateiramente de uma seção para outra que nem ladrões noturnos — mas não era capaz de imaginar que o centro de computação principal da cúpula porta-naves concentrasse uma força tão poderosa em ci­ma de uma plataforma na qual, segundo as informações de Redhorse, só havia confusão e estagnação.

A solução do enigma devia ser outra — e bem no íntimo o filho de Rhodan temia o momento em que ela viesse à tona.

Engoliu em seco ao ver o pai descer em mergulho e desa­parecer. No primeiro instante pensou que alguma coisa lhe ti­vesse acontecido. Mas assim que conseguiu afastar os pensa­mentos que enchiam sua cabeça compreender que a última fa­se da operação tivera início. Iriam descer na seção III, onde es­peravam abrigar-se por algum tempo.

Restava saber se realmente encontrariam abrigo...

 

O cansaço psíquico e físico os fez cambalear. Acabavam de atravessar um inferno, um inferno em que a morte os rondava constantemente e no qual haviam encontrado dificuldades que em personalidades mais instáveis teriam provocado complexos de inferioridade. Tinham fugido no último instante de uma armadilha na qual haviam entrado para conquistá-la, transfor­maram-se em joguete de forças titânicas e durante horas a fio sobrevoaram figuras de aço terconite e atravessaram abismos dos quais as estrelas da galáxia lhes tinham enviado sua luz.

E agora queriam abrigar-se numa gigantesca plataforma-hangar, que por sua vez era apenas uma peça de um conjunto robotizado muito maior...

Procuraram abrigo na plataforma, mas encontraram uma coisa que fez com que desejassem que tivessem ficado no in­ferno do qual acabavam de fugir...

A escotilha da superfície abriu-se quando se encontravam a alguns metros de distância. Os vinte e três terranos desceram pelo poço de um elevador antigravitacional e foram parar no convés principal, em cima dos hangares de espaçonaves.

Ruídos difíceis de definir saíram de dentro da gigantesca plataforma.

De repente ouviu-se um grito prolongado, que quase con­gelou o sangue na veia dos homens.

Soava como o grito de um homem que se defronta com a perspectiva horripilante da morte.

O grito durou apenas alguns segundos. Foi substituído por um lamento agudo e constante, que maltratava ainda mais os nervos dos homens.

— O que é isso? — cochichou Ivã Ivanovitch Goratchim com a voz trêmula.

— Don Redhorse já falou a respeito disso — respondeu Perry Rhodan. — Segundo a interpretação computadorizada, os sons são produzidos por aparelhos acústicos com controles positrônicos e servem para repelir os intrusos. Devem por as­sim dizer sondar os limites de sua resistência psíquica.

— Acho isso pouco provável, senhor! — objetou Orbiter Kaiman.

Roi virou-se abruptamente e fitou intensamente o rosto do oxtornense.

Mas a máscara formada por conjunto de músculos manti­dos sob controle permanecia imóvel.

— Por que diz isso? — perguntou o Administrador-Geral. Mais uma vez Roi viu o oxtornense inclinar a cabeça — para o lado em que Little Man estava pousado em seu ombro.

— Seria um teste bastante rudimentar — respondeu Kai­man, tranqüilo. — Além disso não teria a menor utilidade, pois chegar aqui exige muito mais estabilidade psíquica do que agüentar esta voz. Só as crianças pequenas e as mulheres velhas — acrescentou com um sorriso indefinível — têm medo de vozes de fantasma.

John Marshall abriu a boca para dizer alguma coisa. Mas logo voltou a fechá-la firmemente e sacudiu a cabeça.

— John...? — perguntou Perry Rhodan, preocupado.

O telepata e chefe do Exército de Mutantes mostrou um sorriso encantadoramente perplexo.

— Só quis dizer que as palavras de Mr. Kaiman aplicam-se a um círculo restrito de pessoas. Quanto a mim, sinto cala­frios ao ouvir estes gritos e lamentos. Tenho a impressão de es­tar tendo um pesadelo, no qual me submetem a torturas, substituindo partes de meu corpo por mecanismos cibernéticos.

Orbiter Kaiman ergueu o sobrecenho.

— Tem certeza de que é isso que está sentindo, general? Marshal fez um gesto afirmativo.

Orbiter olhou para o rato-castor, que depois de terem pou­sado na plataforma voltou a sentar no braço de Janine.

— E você, Gucky? O que está sentindo?

Gucky não respondeu. Apoiou a cabeça no ombro de Janine, dando a impressão de que queria proteger-se de alguma coisa.

Esta cena fez com que Roi sentisse um medo inexplicável do desconhecido.

Gucky e Marshall poderiam ser tudo, menos medrosos. Naturalmente seu espírito era mais sensível que o de um ser que não possuísse nenhum dom parapsíquico. Um homem ou um rato-castor com dons telepáticos não poderia deixar de ser hipersensível. Mas apesar disso seu comportamento provocava al­go mais que uma simples apreensão.

Os lamentos terminaram tão abruptamente que os homens estremeceram.

Dali a instantes os alto-falantes do sistema de comunicação transmitiram uma gargalhada diabólica.

Mais alguns segundos, e voltou a reinar o silêncio.

John Marshall cambaleou. Teria caído, se Orbiter Kaiman não o tivesse amparado com seus braços robustos.

Grossos pingos de suor apareceram na testa do mutante.

Perry Rhodan levantou os olhos, para certificar-se de que a eclusa pela qual tinham entrado voltara a fechar-se.

Feito isso, dobrou o capacete para trás, aspirou o ar para experimentá-lo, acenou com a cabeça e abriu resolutamente o capacete de Marshall.

Dali a instantes o telepata abriu os olhos.

— Muito obrigado — disse em voz baixa. — Pode soltar-me, Mr. Kaiman.

Fitou os olhos do Administrador-Geral, que o encarava com uma expressão de expectativa.

— Não foi nada, senhor. Não posso dar nenhuma infor­mação concreta. É possível que mais tarde seja capaz.

Roi Danton imitou o exemplo dos outros, que também abri­ram os capacetes. Pegou o chapéu de três pontas, que trazia guardado num bolso traseiro, abriu-o e colocou-o na cabeça.

— Voilá, monsieurs. Un cognac, s'il vous plaít! — É isso aí! Um conhaque, por favor.

Os companheiros olharam-no com uma expressão de per­plexidade. Alguns até pareciam bastante preocupados.

Depois de mais algum tempo o livre-mercador sacudiu a cabeça, num gesto de reprovação.

— E o serviço? Se não estou enganado, Don Redhorse in­formou que os robôs da seção III entraram numa verdadeira competição, na ânsia de servir os homens.

Passou o lenço de rendas na testa, para enxugar alguns pin­gos de suor imaginários. Depois segurou-o entre dois dedos, e contemplou-o com uma evidente repugnância.

— Está sujo! Oú peut-on faire blanchir du linge? — Onde se pode mandar lavar roupa por aqui?

Houve um violento abalo, que derrubou Roi. Os homens caíram uns sobre os outros. Quando o abalo cessou, levanta­ram com os rostos pálidos.

Roi foi o único que ficou sentado no chão.

Parecia que não compreendera nada. Pegou o frasco de perfume, abriu-o e aspirou um restinho que ainda havia no fundo.

— Isto é um escândalo! — observou num sopro. — Je désire parler au directeur! — Quero falar com o diretor!

Ivã Goratchim inclinou-se sobre ele. Seus dois rostos irra­diavam benevolência. Deu uma palmadinha no ombro do livre-mercador.

— Acalme-se, irmão. O vovozinho Old Man certamente tem guardados alguns barrizinhos de vodca destilada por ele mesmo. Vamos bebê-la nos sapatos para esquecer nossas preocupações. Mas é bom que levante, irmãozinho, senão acabo que­brando seus dentinhos.

— Se faz questão, aplique uma anestesia — sussurrou Roi.

No mesmo instante ficou de pé.

Sorriu para os dois rostos do mutante — e os dois retribuíram o sorriso.

Cerrou firmemente os lábios, para não trair-se. “Sei o que quer dizer, Ivã”, iria dizer. “Quando ainda era criança você muitas vezes me assustou com seus modos ríspidos artificiais, mas sei que embaixo da casca áspera existe um núcleo de ternura.”

Por isso limitou-se a desferir um soco doloroso no peito de Goratchim, que retribuiu com outro soco igualmente doloroso.

Aquilo era um diálogo sem palavras. Ivã Goratchim dera a entender que já sabia o que havia atrás de seu drama decadente, e Roi lhe mostrara que sabia.

Mas os outros não conheciam Roi e Goratchim o bastante para perceber o jogo. Pareciam confusos.

Gucky foi o único a sorrir com uma expressão matreira.

“Bem feito, Roi”, devia pensar o rato-castor. “Já não têm medo, pois você os distraiu e deixou-os mais descontraídos. Você soube aprender comigo. Aprendeu muito bem.”

Mais uma vez Roi quase se traiu.

Isso talvez teria acontecido, se de repente não tivessem saído seres estranhos da sala ao lado.

Num segundo os terranos ficaram espalhados no chão, em formação bem aberta. As aberturas cintilantes dos canos de suas armas estavam ameaçadoramente apontadas para os seres parecidos com lagartas, com cerca de dois metros de comprimento, que corriam sobre seis pernas de aranha muito finas.

As cabeças de foca redondas giravam ininterruptamente, e os dois olhos enormes pareciam irradiar pânico. Quando caminhavam, os pêlos longos e incolores do ventre arrastavam no chão.

São walkers! — gritou Gucky, estarrecido. Os seres não ficaram parados.

Roi fez uma recapitulação rápida do que Redhorse lhe con­tara a respeito dos walkers.

Tratava-se de seres que pareciam ter saído de um cruza­mento entre lagartas gigantes, focas e aranhas enormes. Pos­suíam certo grau de inteligência. Mas tinham degenerado no curso dos milênios e perderam toda e qualquer autonomia, já que os robôs das seções desativadas executavam todos os trabalhos físicos por eles, não lhes deixando qualquer iniciativa. Redhor­se não descobrira como os walkers tinham ido parar nas duas plataformas do robô gigante. Mas sabia-se que descendiam de uma raça altamente civilizada, pois sempre que os chamados criados-robôs o permitiam, sabiam manipular perfeitamente os complicados comandos da terceira seção. Além disso falavam um intercosmo impecável e, uma vez esclarecidos certos mal-entendidos entre eles e o grupo de Redhorse, até chegaram a ajudar os homens a fugir.

Diante disso tornava-se ainda mais incompreensível que desta vez não tentassem estabelecer contato.

Desapareceram antes que alguém pudesse resolver o que fazer.

O Lorde-Almirante Atlan foi o primeiro a levantar do chão. Olhava fixamente, com o rosto transformado numa máscara, pa­ra o lugar do qual os walkers tinham vindo.

Finalmente virou o rosto e olhou para o Administrador-Geral.

— Se quiser um conselho de amigo, procure uma nave e fuja logo que puder. Por aqui acontecem coisas que estão fo­ra do nosso controle.

 

Perry Rhodan dispôs-se a seguir o arcônida, que o puxava pelo braço. Mas de repente levantou a cabeça e pôs-se a escutar. No mesmo instante sacudiu a mão de Atlan.

— Protejam-se!

Os terranos saltaram para dentro de nichos ou encostaram-se às paredes. Sabiam perfeitamente o que significavam os es­trondos e as batidas vindas de bem perto.

Robôs de combate!

Dali a instantes apareceram os seres colossais. Mas da mes­ma forma que os walkers, não tomaram conhecimento da pre­sença dos terranos. Passaram a passos estrondosos, com os bra­ços armados em ângulo.

Distraído, Roi Danton leu a marca de identificação gravada no peito e nas costas de um dos monstros.

— S-II-88...

De repente compreendeu.

— Estes robôs vieram da seção vizinha. Da segunda plataforma!

Perry Rhodan abriu a boca para dizer alguma coisa, mas sua resposta perdeu-se em meio aos rugidos e estrondos de pe­sadas descargas de energia.

Os terranos olharam com os rostos pálidos na direção em que os walkers e os robôs de combate da segunda seção acaba­vam de desaparecer.

— O que é isso? — perguntou Ivã Goratchim, perplexo.

— Por que estão fuzilando os inocentes walkers? Por que será...?

O Administrador-Geral saiu do lugar em que se abrigara.

— Ligar campos defensivos! — ordenou laconicamente.

— Vamos verificar o que está acontecendo nas proximidades da cúpula porta-naves. Já sabemos que estes robôs vêm da se­ção ao lado. Não acredito que tenham voado pelo espaço.

— Quer dizer que o centro de computação positrônica principal deve estar atrás disso — concluiu Roi.

Rhodan confirmou com um gesto. Havia uma expressão sombria em seu rosto.

— Veremos, Monsieur Danton!

Rhodan ligou o campo defensivo, ativou o gerador anti-gravitacional de seu traje de combate e saiu flutuando para o corredor que seguia em direção à cúpula.

Roi e Masut seguiram-no.

Atlan parecia relutante. Parecia que estava refletindo se valia a pena tentar convencer o amigo a voltar.

Mas logo pareceu dar-se conta de que ninguém impediria Perry Rhodan de fazer aquilo que achava certo. Também ativou seu campo defensivo individual e o projetor antigravitacional de seu traje de combate e seguiu os terranos.

Tinham percorrido apenas algumas centenas de metro quando se encontraram com os primeiros robôs. Eram máqui­nas de guerra iguais às que tinham visto há pouco. Mas havia uma diferença. Os que se encontravam ali estavam parados, com os braços armados pendurados junto ao corpo, contemplando os homens com as células oculares avermelhadas.

— S-III-252... S-III-253... — leu Oro Masut. — São robôs desta seção.

Roi ficou com os olhos semicerrados, mas não disse nada.

— Walkers vindos da frente! — informou o Administrador-Geral. — Deixem-nos passar.

Rhodan mal acabara de proferir estas palavras, quando vá­rias trilhas energéticas branco-azuladas se aproximaram chian­do, transformando-se em luminosas cascatas de fogo ao atingir os campos defensivos dos homens.

Os terranos foram tomados de surpresa. Ficaram alguns se­gundos sem esboçar qualquer reação. Don Redhorse descreve­ra os walkers como seres pacatos e fleumáticos.

Mas de repente abriam fogo sem aviso.

— Para trás! — ordenou Rhodan. — Não vamos respon­der ao fogo, a não ser que se tornem perigosos.

Por algum tempo parecia que os walkers iriam persegui-los. Mas de repente os seres monstruosos fizeram meia-volta e afastaram-se às pressas.

Os homens foram cautelosamente atrás deles.

No primeiro hall de distribuição que atingiram aconteceu.

Um grupo de robôs de combate saiu do poço de um eleva­dor antigravitacional que saía do teto e entrou em forma.

Os walkers soltaram gritos agudos e correram ao encontro dos robôs, atirando ininterruptamente com suas armas energéticas.

Três máquinas de guerra explodiram antes que tivessem tempo de ativar seus campos defensivos artificiais.

Mas os outros responderam ao fogo. As armas dos walkers revelaram-se impotentes diante de seus fortes campos defensivos.

A batalha não durou mais de trinta segundos.

Os robôs de combate voltaram a entrar em formação e saí­ram marchando por um corredor lateral, sem tomar conhecimento da presença dos terranos.

— Já não compreendo mais nada — murmurou Roi. — Na oitava seção éramos caçados por eles, apesar de termos ati­vado os neutralizadores de vibrações individuais — e aqui, onde podem detetar-nos com a maior facilidade, fazem como se não nos vissem.

— Mas viram as armas — disse Oro Masut rangendo os dentes.

— Olhem esta esteira transportadora! — disse Goratchim. — Acho que deveríamos usá-la.

— Está certo! — limitou-se Perry Rhodan a responder.

— Allons! — gritou Roi, enquanto se aproximava em grandes saltos do mutante de duas cabeças e subia na esteira antes que seu pai pudesse chegar lá.

Mas a animação que demonstrava era fingida.

Roi não tinha a menor dúvida de que iriam entrar no inferno. Se isso acontecesse, seu pai não deveria ser o primeiro a ficar exposto ao fogo inimigo.

Mas Roi fizera a conta sem lembrar o ertrusiano.

Masut correu sobre a esteira que se deslocava em alta ve­locidade, levantou o chefe e voltou a colocá-lo no chão atrás dele. Depois abriu as pernas, de tal forma que, quando mui­to, Danton poderia saltar sobre a esteira que se deslocava em sentido oposto e apoiou a arma energética superpesada aos quadris.

Durante a viagem pelo corredor assistiram a um drama apavorante.

O rugido das armas energéticas pesadas e os gritos estri­dentes dos combatentes walkers agonizantes saíam dos corre­dores laterais. De vez em quando uma trilha energética passava entre os homens ou quebrava-se no campo defensivo de algum deles. Muitas vezes viam-se restos das lagartas de pernas de ara­nha espalhados pelo chão.

Quando alcançaram os acessos da cúpula porta-naves, os homens viam que além das travas normais as escotilhas tinham sido bloqueadas por campos energéticos. Ninguém poderia pas­sar por essas escotilhas.

Enquanto isso na terceira seção os walkers eram impiedosamente caçados e mortos por milhares de robôs de combate, que tinham vindo de outra seção para cumprir um inexplicável comando de homicídio.

 

O teto ficou incandescente em cima de suas cabeças. Brilhou primeiro num vermelho escuro, passando em seguida ao rosa e finalmente a um branco ofuscante.

Os homens conseguiram pôs-se a salvo no corredor no mo­mento exato em que o teto do pavilhão se abaulava em forma de pingo, para em seguida desabar subitamente.

O estrondo de inúmeros pés metálicos e o rugido de mi­lhares de armas energéticas afastou-se, foi interrompido, voltou a aproximar-se vindo de outra direção e mudou novamente de direção.

Perry Rhodan e os homens de seu comando subiram cor­rendo por uma rampa em espiral. Quando tinham percorrido metade do caminho tiveram de parar. As salas que ficavam de ambos os lados da rampa tinham-se transformado em conjun­tos de paredes incandescentes, das quais saíam as erupções dos explosivos que detonavam, despejando fragmentos superaquecidos sobre a rampa.

Uma centena de robôs vindos de baixo aproximou-se rui­dosamente em passo cadenciado.

— Para trás! — gritou o Administrador-Geral.

Os homens fizeram meia-volta e correram para trás, pelo mesmo caminho que tinham tomado para fugir da batalha que parecia não fazer sentido. Ofegavam. Se não fossem os tabletes de energia e as ocasionais duchas de oxigênio aplicadas por meio dos recipientes guardados nas mochilas, certamente já teriam caído, exaustos.

Quando atingiram a entrada da rampa em espiral, reuniram-se em torno de Perry Rhodan.

Roi olhou para o pai. Estava com pena. Teve de fazer um grande esforço para controlar a onda de amor e veneração que ameaçava dominá-lo, e que poderia trair sua condição de filho.

Como sempre, recorreu a uma das suas brincadeiras afe­tadas.

— Je ne supporte pas la chaleur! — Não suporto o calor.

— Faites une compresse froide autour du cou! — recomen­dou Atlan. — Aplique uma compressa fria em torno do pescoço.

Roi riu, exibindo uma fileira de dentes brancos.

— Et vous, vous allez bien, sire?

Ivã Ivanovitch gemeu de tão impaciente que estava.

— Deixe em paz o enxame de abelhas, irmãozinho, senão lhe arranco as orelhas — disse.

Apontou a arma energética para dentro do poço pelo qual subia a rampa, onde estavam aparecendo os primeiros robôs de combate.

— Não atire! — gritou o Administrador-Geral com a voz penetrante. — Não vamos criar problemas sem necessidade.

Goratchim recuou resmungando.

Roi deu-lhe uma canelada com o calcanhar, afastou-se com um salto e sorriu irônico para o rosto do mutante, que estava desfigurado pela dor.

— Mal de dente? — Dor de dentes? Goratchim soltou um tremendo palavrão russo.

— Ora, paizinho Ivã...! — disse Roi em tom de reprovação. De repente o gigante de duas cabeças sorriu.

— Você não se abate com pouca coisa, não é mesmo, amiguinho? — perguntou.

O episódio mais uma vez aliviou a tensão psicológica. Os homens recuperaram parte da calma e segurança que tinham perdido e permaneceram calmos enquanto os robôs de comba­te passavam por eles.

O ataque dos walkers veio de surpresa.

De repente todas as escotilhas nos arredores se abriram. Cabeças de foca redondas saíram por elas, espiando com os olhos enormes. Os corpos de lagarta ergueram-se o suficiente para ficarem apoiados somente em quatro das seis pernas de aranha, enquanto o par de cima ficava pendurado no ar. Os braços estenderam-se atrás dos corpos redondos. As vigorosas mãos de seis dedos seguravam pesadas armas energéticas. Os walkers abriram fogo.

Desta vez os terranos tiveram de lutar sem contemplação. Estavam acuados, e dessa forma o simples instinto de autoconservação os levou a responder ao fogo.

Os raios energéticos abriram claros imensos nas fileiras dos atacantes. Além disso havia o fogo da centúria de robôs, que a primeira salva disparada pelos walkers reduzira à metade.

Desde o início os seres-lagarta ficaram em desvantagem, porque não possuíam geradores de campos defensivos. Para eles até mesmo um tiro de raspão trazia a morte, enquanto os terranos e os robôs só podiam ser destruídos pelo impacto simultâ­neo de vários tiros, desde que seus campos defensivos fossem ativados.

Cinco minutos depois do início do ataque o fogo dos wal­kers cessou. As paredes laterais praticamente estavam reduzi­das a fragmentos fumegantes. Poças de massa derretida borbulhavam no chão, enquanto nuvens de vapores tóxicos deslizavam preguiçosamente.

Os robôs marcharam entre os destroços, para dar cabo dos inimigos que tivessem sobrado.

— Gostaria de saber por que fazem isso — disse John Marshall, desesperado. — Por que será que o centro de computação positrônica principal deu ordem de exterminar estes seres sem a menor compaixão?

— Estou mais interessado em saber por que os walkers de repente se tomaram tão agressivos, atirando até mesmo em quem não tem nada com isso! — disse Perry Rhodan.

Olhou de um lado para outro, à procura do rato-castor.

— Gucky! Se nos defrontarmos novamente com os wal­kers, tente segurar telecineticamente um deles até que consigamos desarmá-lo.

Você acredita que um interrogatório poderia trazer a solução do enigma, Perry? — perguntou Atlan, sério.

— Precisamos tentar. Os walkers devem saber por que es­tão sendo perseguidos.

— Talvez seja apenas uma operação de limpeza que Old Man resolveu levar a efeito — ponderou Ivã Goratchim.

— Acho que o motivo da operação não é este — obser­vou Orbiter Kaiman, que se encontrava na fileira de trás. — Tenho a impressão de que os walkers de repente se tornaram muito perigosos para Old Man.

— Sabe alguma coisa sobre isso — perguntou Roi Danton em tom enérgico. — Pois então fale.

O oxtornense retribuiu com a maior calma o olhar chamejante do livre-mercador.

— Se soubesse alguma coisa, eu diria, Mr. Danton! — respondeu.

Atlan, que acompanhara a ligeira troca de palavras entre os dois, dirigiu-se a Kaiman.

— É o que espero, Mr. Kaiman. No seu interesse! — disse em tom de ameaça.

Orbiter Kaiman sorriu friamente, mas não deu atenção à ameaça velada.

Mais uma vez Roi viu o oxtornense inclinar a cabeça em direção a Little Man, dando a impressão de que recebia infor­mações deste.

Este homem já começava a assustá-lo. Sem dúvida sabia alguma coisa sobre os acontecimentos nas seções ativadas que não queria dizer. Mas não havia como provar!

— Parece que os robôs continuam a afastar-se — disse o Administrador-Geral em meio ao silêncio constrangedor. — Va­mos embora.

Virou-se para a esquerda e ligou o propulsor antigravitacional de seu traje de combate, para sobrevoar o mar de lava que começava a endurecer.

Em seguida passaram por cima de destroços incandescen­tes, atravessaram buracos abertos a tiro e voaram junto aos res­tos mortais dos walkers.

Parecia não haver mais vida na parte da terceira seção em que se encontravam. O único ruído que enchia o ar trêmulo era o arranhar do aço esfriando.

Quando estavam atravessando uma passagem estreita en­tre paredes desabadas e suportes de máquinas carbonizadas, um walker saiu de uma fresta na parede e abriu um fogo selvagem contra os terranos.

Os campos energéticos dos homens resistiram facilmente aos tiros.

— Gucky! — gritou Perry Rhodan em tom de comando. Dali a um instante o rato-castor materializou atrás das cos­tas do walker que avançava furiosamente.

A arma pareceu ser arrancada da mão do walker por um fantasma e saiu voando.

O walker soltou um grito e avançou sobre Roi, desarmado.

Danton recuou para evitar que o ser fosse carbonizado em seu campo defensivo.

As paraforças invisíveis de Gucky voltaram a agarrar a la­garta gigante.

De repente o walker não conseguiu dar mais um único pas­so. Suas pernas dobraram, enquanto os braços eram comprimi­dos contra o corpo.

Preso por amarras invisíveis, o walker subiu e voou em di­reção ao Administrador-Geral, onde desceu e ficou deitado, imó­vel. O único sinal de vida que havia em seu corpo eram os olhos grandes no rosto redondo.

Perry Rhodan empurrou Goratchim, que o encobria par­cialmente, pois queria chegar perto do prisioneiro. Os homens e Janine tinham desativado os campos defensivos, assim que o walker fora posto fora de ação.

Goratchim berrou e deu um salto no momento exato em que Rhodan ia inclinar-se sobre o ser imobilizado. Puxou o Administrador-Geral pelo ombro e golpeou-o no peito com o punho fechado, fazendo com que caísse de encontro à fileira dos outros homens.

O mutante de duas cabeças ficara irreconhecível.

— Para trás! — berrou. Sua voz ameaçava atropelar-se. Deu um tremendo soco em Roi, que vinha em sua dire­ção, agarrou-o no peito do uniforme e atirou-o contra Atlan.

— Fujam, pelo amor de Deus!

Em seguida Goratchim virou-se, apontou a arma energética contra o walker e puxou o gatilho.

Só suspendeu o fogo quando Oro Masut colocou a mão enorme em seu ombro.

Virou-se — e os companheiros ficaram assustados com a expressão de pavor estampada nos olhos do mutante...

 

Os alto-falantes voltaram a transmitir os horríveis gritos lamentos, formando um cenário acústico que parecia reforçar a explicação apressada que Ivã Goratchim estava dando.

— Não enlouqueci coisa alguma! — gritou. — Se não fu­girmos imediatamente, perderemos o juízo e nossa identidade de seres humanos.

— Acalme-se, Goratchim — disse Perry Rhodan.

Ao contrário do que costumava fazer, o mutante de duas cabeças discutiu violentamente com o Administrador-Geral.

— Não me acalmarei enquanto não tivermos saído de Old Man!

— Goratchim! — gritou Atlan em tom penetrante.

O mutante virou-se para Atlan, com um sorriso triste no rosto.

— Procure lembrar-se de Quinto Center, lorde-almirante, de uma nave-correio chamada Suchumi e do Major Glenn Edwards, da Segurança Solar — e finalmente do agente de cristal de Magalhães!

O arcônida recuou apavorado. Até parecia que um abismo acabara de abrir-se à sua frente. Estava com o rosto apavorado. Perry Rhodan ergueu as sobrancelhas.

— O senhor acha... — principiou. Mas logo compreendeu.

— Fechar trajes de combate! — disse com uma dureza que quase chegava a soar cruel. — Ativar campos defensivos! Da­qui em diante só nos comunicaremos pelo telecomunicador. Fa­le, Ivã.

Ouviu-se Goratchim engolir em seco.

— Pois não, senhor. Foi no dia 18 de março de 2388, quando a nave-laboratório Avicenna encontrou nas proximida­des do centro galático uma nave destroçada de características desconhecidas. Fez-se a reconstituição e chegou-se à conclu­são de que seu formato fora o de uma pêra. Os cálculos realiza­dos por Natã revelaram que antes de ser destruída a nave pas­sara nas imediações do quartel-general da USO em Quinto Cen­ter, onde realizara uma manobra do tipo que tem de ser execu­tada para fazer sair um barco espacial.

“Teve-se a impressão de que uma raça que ainda não co­nhecíamos tentara introduzir um agente secreto em Quinto Center.

“Uma coisa dessas era e continuava a ser impossível, mas a Segurança Galática e o Serviço de Segurança de Quinto Cen­ter, pertencente à USO, realizaram investigações minuciosas. Os resultados foram negativos. Ao que parecia, nenhuma espaço-nave forasteira se dirigira ao astro no qual fora instalado o quartel-general da USO, e nenhum agente aparecera em Quinto Center. Apesar disso Mercant mandou realizar novas pesquisas, sem que a USO soubesse disso. Mandou que um dos especialistas da Segurança Galática, o Major Glenn Edwards, fosse ao quartel-General da USO, sob o disfarce de um certo Dr. Alron Teleke. Edwards pertencia ao serviço de contra-espionagem da Segurança Galática, e fora submetido a uma intervenção cirúrgica que o tornara imune a toda e qualquer influência hipnossugestiva.

“Mercant desconfiava de que o agente de que se tratava tivesse usado certas influências hipnossugestivas para entrar no quartel-general sem ser notado.

“Os acontecimentos vieram confirmar a hipótese. Mas foi o próprio Glenn Edwards que introduziu o perigo nas instala­ções subterrâneas do centro, porque se tornara completamente insensível aos agentes de cristal de Magalhães, e por isso nem notara sua presença — a não ser que se encontrasse nas ime­diações de alguma concentração desses cristais, ou seja, numa cratera-meteoro, em cujo fundo jazia o cristal que tinha descido em forma de meteoro, e onde era assumido seu espírito.

“Naquela oportunidade por pouco não foi totalmente in­festado o quartel-general da USO. E dali a infestação provavel­mente se espalharia a todos os mundos controlados pelos terranos. Mas Glenn Edwards percebeu no último instante que introduzira o inimigo no centro — e que este inimigo consistia em cristaizinhos minúsculos, que ficaram presos ao seu traje espa­cial enquanto se encontrava na cratera-meteoro.

“Pensativo, Mercant sugou o líquido pelo canudo.

“O Major Edwards destruiu o agente de cristal com uma microbomba de fusão. Depois disso a quantidade reduzida de pó de cristal que entrara com ele no quartel-general não podia influenciar mais ninguém, uma vez que a concentração que co­mandava o processo e fornecia a energia deixara de existir.”

Depois destas explicações, todos ficaram em silêncio por alguns minutos.

Roi Danton viu pelos rostos dos companheiros que o pavor se insinuara em suas mentes. Mas alguns deles davam a im­pressão de não terem compreendido a gravidade dos aconteci­mentos. A inteligência do ser humano tinha certa dificuldade em compreender que algumas partículas de pó pudessem sub­jugar um espírito inteligente.

— Trata-se de figuras materiais — acrescentou Atlan em tom arrastado. — São produtos de uma microtécnica altamen­te desenvolvida, que nem somos capazes de conceber.

Atlan quis dizer mais alguma coisa, mas suas palavras fo­ram superadas pelo estrondo de uma arma energética.

Roi Danton atirou outra vez. Os raios energéticos concen­trados passaram à velocidade da luz entre os destroços e a des­carga verificou-se de uma maneira fora do comum: em forma de bolas de fogo, que ficaram suspensas no ar...

O livre-mercador teve que dar mais um tiro para que seus companheiros vissem o que estava mirando.

Também puseram as mãos nas armas. Mas já era tarde.

Por todas as frestas e pelos orifícios de penetração de tiros dos fragmentos da parede incandescente saíam névoas esverdeadas, que se condensavam em nuvens e avançavam silen­ciosamente em direção aos terranos.

— Para trás! — gritou Goratchim fora de si. — Aqui os campos defensivos não servem para nada. Não impedem a en­trada das vibrações hipnossugestivas dos cristais.

 

A retirada degenerou numa fuga desabalada. Os terranos atiravam ininterruptamente nas névoas verdes, mas quando des­truíam uma, esta era substituída imediatamente por cem outras. Vinham de todos os lados ao mesmo tempo, ficavam à espreita nas curvas, desciam pelos poços dos elevadores e entrelaçavam-se, formando redes gigantescas que vasculhavam os corredores.

O rugido e os estrondos das armas energéticas formaram o fundo musical do apocalipse — e dos gritos e lamentos que continuavam a ser transmitidos pelos alto-falantes...

Roi piscou os olhos, para evitar a penetração do suor. O equipamento de climatização de seu traje espacial uivava e api­tava em tons agudos, mas nem assim conseguia absorver as secreções do corpo à medida em que estas iam se formando. Roi cambaleou.

Apoiou-se na parede com uma das mãos, enquanto a ou­tra segurava a arma energética, que despejava trilhas energéti­cas solares para o hall de distribuição, onde se via uma confu­são de figuras metálicas e corpos de carne e osso.

— Não atire! — disse o pai de Roi. — São os walkers. Roi Danton gemeu.

Havia nele uma raiva incontida contra os hipnocristais, que tinham dado origem ao caos reinante nas seções desativadas.

Mas Roi só suspendeu o fogo quando não havia mais um único walker vivo no hall de distribuição. Depois disso os robôs de combate vindos das outras seções retiraram-se espontaneamente.

— Pardon, s'il vous plâit, Grandeseigneur — murmurou. — Não tive alternativa. Os walkers de qualquer maneira estão condenados à morte. Não podemos permitir que os cristais nos infestem.

— Está bem — respondeu Perry Rhodan. — Mas é duro ter de fazer uma coisa dessas. Também atirei.

Rhodan levantou e saiu correndo. Seu rosto parecia uma máscara.

O filho acompanhou-o, fortemente abalado.

Mais uma vez sentiu-se tentado a identificar-se diante do pai.

“Quem sabe?”, pensou. “É possível que daqui a alguns mi­nutos já não sejamos seres humanos, não passando de máqui­nas automáticas que cumprem a vontade de minúsculos agen­tes de cristal!”

Mas acabou cerrando os dentes e ficou calado.

Os companheiros entraram no hall atrás dele. O corredor pelo qual tinham vindo tornaram-se incandescente com o fogo das armas portáteis. Parecia antes um reator de fusão queimando. Os cristais os deixariam em paz por alguns minutos.

— Por aqui! — gritou o Administrador-Geral.

Os homens saíram andando, cambaleantes, suando, fungando, com os olhos injetados de sangue. Mas Roi não saiu do lugar.

Não tirava os olhos do lugar em que Orbiter Kaiman e Janine Goya tinham estado momentos antes. Os dois acabavam de desaparecer! Roi pôs-se a praguejar.

Em seguida ligou o telecomunicador instalado em seu capacete para a potência máxima.

— Alô, Kaiman! Alô, Janine! Respondam!

— Não houve resposta.

— Vamos embora, Danton! — disse Atlan.

Sem saber o que estava fazendo, Roi sacudiu a cabeça.| Uma voz dura chamou por ele. Era a voz do pai.

— Que houve com o senhor, Danton? Venha, senão... Não chegou a dizer o que pretendia fazer caso Roi Danton

insistisse na recusa. Mas o livre-mercador tinha certeza de que? o Administrador-Geral não cumpriria a ameaça implícita, mesmo que tivesse certeza de que Roi fora assumido pelos cristais.

Assim mesmo Roi virou-se e saiu correndo atrás dos ou­tros, duro que nem uma máquina. Entraram no elevador anti-gravitacional e subiram à plataforma que ficava na superfície.

Os faróis instalados em vinte e um capacetes irradiavam uma luz forte. Mas esta luz permaneceu invisível no vácuo do espaço. Somente o revestimento de terconite usado na plata­forma lançava reflexos luminosos ofuscantes.

Roi estremeceu de repente.

Não havia vinte e um faróis acesos — eram vinte e três!

— Kaiman!

Sem querer, Roi pensara em voz alta e seu telecomunica­dor de capacete transmitira sua voz com a intensidade máxima.

— Por que está gritando desse jeito, monsieur? — pergun­tou o oxtornense.

— Eu... pensei... pensei que o senhor tivesse...

— Que tivesse desaparecido? — respondeu o oxtornense em tom alegre. — Ora, meu caro monsieur. Venha certificar-se. Janine e eu estamos presentes em carne e osso.

Antes que Roi pudesse dar uma resposta, nuvens brilhan­tes que tremiam estranhamente apareceram no meio do grupo. A luz dos faróis era refletida por bilhões de partículas de pó de cristal.

— Acabou! — disse Rhodan em meio ao silêncio. — Só nos resta a fuga. Vamos apoderar-nos de uma nave.

 

Ficaram comprimidos contra a parede do corredor, enquan­to os robôs passavam pelos cruzamentos, a poucos metros de distância.

Roi Danton sentiu que o medo ameaçava tomar conta de­le, enquanto via as máquinas de guerra pisando fortemente — cobertas de partículas cintilantes de pó de cristal.

— Não são capazes de influenciar os cérebros positrôni­cos — cochichou Atlan em tom tranqüilizador para dentro do telecomunicador.

As palavras penetraram lentamente no cérebro de Roi, es­barraram numa série de fatos armazenados e provocaram objeções.

— Tem certeza, sire? — perguntou também num cochicho.

— Certeza absoluta, Danton! Roi deu uma risada áspera.

— É mesmo...?

O livre-mercador virou a cabeça e fitou o rosto do arcônida, que de repente mudou de cor.

— Deu para entender? — sussurrou. — Certas coisas nun­ca poderiam ter acontecido, se sua teoria fosse correta.

— Não... não — balbuciou Atlan. — Não é uma teoria. Temos certeza. Deve... deve haver outros motivos para as contradições.

Roi mordeu obstinadamente o lábio inferior, sem dar-se conta disso.

Talvez o arcônida tivesse razão. Do contrário os robôs de combate que estivessem sob a influência do pó não matariam os walkers que estavam sob controle, mas perseguiriam os se­res que ainda não tinham sido influenciados.

Mas nem por isso a contradição se resolvia. Continuava.

De repente Roi ergueu-se.

— Que houve? — perguntou Atlan.

— As vozes — exclamou Roi. — Desapareceram!

Parecia que seus companheiros ainda não haviam perce­bido que os gritos e lamentos saídos dos alto-falantes tinham cessado. Falaram todos ao mesmo tempo, mas Perry Rhodan deu ordem para que se calassem.

— Já sei! — gritou Goratchim em meio ao silêncio. — Além dos walkers deve ter havido outras formas de vida orgânica nesta plataforma. Ou melhor, ainda existem outras formas. Os gritos e o choro foram os pedidos de socorro de seres que se encon­travam em situação angustiante. Só mesmo os hipnocristais con­seguiram quebrar de vez sua resistência.

Roi sentiu um nó na garganta.

Aí estava a solução do mistério! A contradição deixava de existir, desde que se admitisse que além dos walkers havia ou­tros seres vivos na plataforma, seres que há poucos instantes ainda desempenhavam um papel importante na terceira seção.

— Que forma de vida será esta? — perguntou com a voz embargada.

Não houve resposta. Quem poderia conhecer a resposta? “Os dois oxtornenses?” pensou Roi. Não pôde levar avante o raciocínio.

— Vamos retirar-nos para os hangares externos de bom-bordo! — decidiu o Administrador-Geral. — Os hangares inter­nos certamente foram bloqueados.

Atravessaram os corredores apressados e andando abaixa­dos.

Depois de alguns minutos passaram perto de outro campo de batalha.

Robôs estavam lutando com os walkers.

Mas também havia robôs lutando com robôs.

Os homens levaram algum tempo para descobrir que os robôs de combate- das seções desativadas, que tinham perma­necido inativos, voltaram-se de repente contra os robôs das ou­tras seções.

Mas os terranos não deixaram que isso os atrasasse. Contornaram a área de conflito e prosseguiram correndo para o la­do de bombordo da plataforma, onde, tal qual a estibordo, ti­nham sido construídos hangares externos para quarenta ultra­couraçados.

Uma única vez encontraram-se com grupos de robôs co­bertos de cristais. Perry Rhodan deu ordem para que não abris­sem fogo, pois receava que os cristais expostos ao ataque pu­dessem chamar outros.

Contornaram o perigo, passando por uma rampa semidestruída, e atingiram a área adjacente aos hangares externos.

O ruído da batalha que se desenvolvia na seção III aumen­tava a cada segundo que passava. Ao que parecia, todas as tro­pas robotizadas das seções desativadas tinham despertado na inatividade e lutavam com as máquinas de guerra vindas das outras seções.

Depois de algum tempo, quando já se encontravam perto da última eclusa do hangar, os homens notaram uma coisa assustadora.

Os robôs de combate das seções vizinhas recuavam em for­mação compacta.

Parecia que o cérebro de comando da cúpula porta-naves, que coordenava a seção, já não sabia que mais poderia fazer para evitar a destruição mútua.

De repente Ivã Goratchim abriu as duas bocas, num estri­dente grito de alerta.

Mas ninguém lhe deu ouvidos. Ninguém que pudesse evi­tar a escalada do pavor.

A retirada das tropas de robôs procedia ininterruptamente — e não se precisava ter muita imaginação para compreender o que isso significava.

Goratchim exprimiu as preocupações gerais, depois que o grito de alerta dirigido ao Coordenador deixara de ser ouvido.

— Estes robôs carregarão bilhões de agentes de um po­der desconhecido para as seções ainda não contaminadas e para a cúpula porta-naves, assim que os campos defensivos que pro­tegem as escotilhas de ligação forem desativados. Desta forma Old Man realmente se transformou em inimigo da Humanidade. Ninguém respondeu.

Até mesmo Perry Rhodan mantinha um silêncio obstina­do. Sabia tão bem quanto os outros que o alerta de Goratchim não podia mudar mais nada, e que eles mesmos nada pode­riam fazer para evitar a desgraça.

Acontecera exatamente aquilo que receara constantemente nos últimos trinta anos de calma.

A Humanidade defrontava-se com um novo perigo — um perigo infinitamente mais grave que aquele que os senhores da galáxia representavam em outros tempos...

 

— ...três ...dois ...um ...zero!

A aceleração com que foi feita a decolagem de emergên­cia foi tão forte que os neutralizadores de pressão não puderam absorvê-la.

Roi teve a impressão de que uma mão de gigante o com­primia contra a poltrona anatômica. Anéis vermelhos dançavam à frente de seus olhos. Respirava com dificuldade.

Quando acreditava que o coração iria parar, os efeitos da aceleração terminaram tão de repente como tinham começado.

O ultracouraçado acabara de entrar no espaço linear.

No estado crepuscular entre a inconsciência e o estado de vigília mental, o livre-mercador sentiu-se grato no que tinham feito os cosmonautas do grupo. Eram especialistas altamente qualificados, que depois do desligamento do comando automá­tico tinham preparado e executado uma decolagem relâmpago seguida da entrada no espaço linear.

A manobra causaria avarias graves na seção III, mas isso era inevitável. Se as manobras tivessem sido realizadas segun­do mandavam as regras, sem dúvida teriam sido destruídos pe­las espaçonaves de Old Man.

— Retorno ao espaço normal será executado segundo o plano, nas coordenadas previamente estabelecidas! — disse uma voz tensa.

Roi Danton levantou a cabeça. Seus olhos clarearam.

Viu que a alegria panorâmica mostrava o espaço cósmico normal, com seus bilhões de estrelas. Roi respirou aliviado. Tinham conseguido! Não. Ainda faltava um pouco!

Virou o rosto para o pai e viu que este acabara de ativar o hipercomunicador e estava aproximando o microfone dos lá­bios, para dar o alarme geral que atingiria todo o Império Solar.

— Não. Só está começando — cochichou Roi.

 

                                                                                            H. G. Ewers  

 

                      

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