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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ATÉ QUE A ESPIONAGEM NOS SEPARE / Lou Carrigan
ATÉ QUE A ESPIONAGEM NOS SEPARE / Lou Carrigan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ATÉ QUE A ESPIONAGEM NOS SEPARE

 

                             Perigo atômico

Brigitte Montfort não teve o menor problema para achar o lugar do encontro.

Primeiro, porque era muito fácil. Bastava sair de New York e seguir pela estrada nacional. Deixá-la depois de Mianus e, em seguida, descer pela estrada secundária até alcançar a praia, na qual havia inúme­ras indicações para localizar o clube náutico chamado Riverside.

Em segundo lugar, porque seria muito se a espiã internacional mais ativa do mundo tivesse dificulda­des para localizar um ponto em seu próprio país e a tão pouca distância de New York. Sim, seria muito engraçado.

Em terceiro lugar, porque quando a senhorita Montfort, aliás, "Baby", a mais perigosa, astuta e implacável espiã do mundo decidia uma coisa, conse­guia chegar até ela. A menos que houvesse um milagre ou uma hecatombe.

Assim sendo, a agente "Baby" da CIA chegou ao local do encontro, vinha diretamente de New York, em seu próprio carro, no fim de duas horas, desde o recebimento da menssagem.

Chegou sozinha, com sua maletinha vermelha e sua decisão de sempre: se alguém pretendia cometer alguma canalhice valia a pena desistir a partir do momento em que Brigitte interviesse.

E, se não desistisse, pior para a pessoa. Ou para as pessoas que tivessem tido a má ideia de querer fazer algo contra gente inocente.

Dentro do carro que esperava perto da praia havia dois homens. Um deles era um simples agente da CIA. Um dos queridos companheiros a quem Brigitte chamava de Johnny.

O outro era nada menos que Mr. Cavanagh, o chefe do grupo da ação da CIA, um homen que tempos atrás também havia sido um Johnny e que, como tantos outros, devia a vida a divina espiã.

        Ali vem ela, senhor — disse o Johnny. - Ela quase chegou antes de carro. E nós viemos de helicóptero, hem?

        Isso é muito dela - murmurou Cavanagh. Viram-na sair do automóvel e aproximar-se do que eles ocupavam. Johnny saiu do carro e abriu a porta traseira. Brígitte sorriu para ele, sentou-se ao lado de Cavanagh e beijou-o nas duas faces, dizendo em seguida:

        Pensei que o senhor viria de helicóptero.

— E vim. Mas achamos muito aparatoso esperar num helicóptero aqui neste lugar. Dois rapazes da localidade de Stanford esperaram por nós com o carro. Eles se encarregaram de levar o helicóptero.

Agrada-me comprovar que a CIA funciona admi­ravelmente.

Não comece com suas ironias - grunhiu Cavanagh.

Ei, você não me beijou - protestou o Johnny, do banco da frente.

Brigitte avançou o corpo e beijou o espião nos lábios deixando-o atordoado. A espiã riu, enquanto Cavanagh sorria cinicamente.

Bem - disse Brigitte. - Se as formalidades já foram cumpridas e meus Johnnys estão satisfeitos... posso saber o que está acontecendo para nos ter imobilizado com tanta urgência?

        Um doido pretende explodir dois artefatos atômicos - respondeu Cavanagh.

Brigitte ficou imóvel encarando-o, espantada. Em seguida, gemeu desanimada e balbuciou:

Oh, não... por favor. Mais coisas desse tipo, não.

Você precisava ter ouvido a noticia pelo rádio e pela televisão - disse Cavanagh.

Claro que ouvi - exclamou a belíssima Brigitte.

Mas não dei a menor importância.

Fez mal.

Ora vamos senhor, não podemos passar a vida dando imporatância a tantos cretinos que há por aí fazendo ameaças. Já sei, já sei. Hoje em dia, dizem, é muito fácil fabricar engenhos atômicos. Inclusive em casa. Mas não exageremos. Ter uma bomba atómica não está ao alcance de qualquer pessoa.

Isso é certo, naturalmente. Mas pelo jeito o camarada em questão não é qualquer pessoa.

Ah, não? — murmurou Brigitte enrugando a testa. - Eu gostaria que alguém soubesse algo a respeito desse maluco... Como se chama? Dagobert Waldo Pershingwall, não é mesmo?

        Para não ter dado importância à notícia, é estranho você se lembrar com perfeição do nome, que não é dos mais comuns — disse Cavanagh, sorrindo.

        Oh, bem, isso é efeito da minha fabulosa memóRia. Não se trata de nenhum mérito especial. Nem significa que esse Dagobert me tenha preocupado em momento algum. Porque, vejamos... quem é esse tal Pershingwall? Alguém tem informações a respeito dele? Temos dados que o classifiquem comD um elemento perigoso? Existe algum motivo com bases sólidas para fazermos caso desse paspalhão? A CIA tem a ficha dele?

A CIA não tem. Mas Wilson Falk tem.

Quem é Wilson Falk?

Boa pergunta. Como era lógico você fazê-la, trouxe informações completas sobre Wilson Falk. Pelo menos as que temos.

Enquanto falava Cavanagh abriu uma pasta, do qual tirou um arquivo que estendeu para Brigitte. A espiã recebeu o arquivo, impressionada pelo volume de informações a respeito de Wilson Falk que, para ela, era tão desconhecido quanto ao suposto maluco chamado Dagobert Waldo Pershingwall.

As coisas estavam do seguinte modo: um sujeito que dizia chamar-se Dagobert Waldo Pershingwall enviara mensagens a diversas estações de rádio e de televisão, ameaçando explodir nada menos que doze artefatos atômicos em lugares altamente estratégicos e de alta densidade demográfica nos Estados Unidos da América, caso não atendessem seus pedidos.

E quais eram seus pedidos? Muito simples, nada complicados, realmente. O senhor Pershingwall exigia a entrega de cinco bilhões de dólares em cédulas de cem mil dólares, em menos de uma semana, numa data determinada e num lugar escolhido por ele, que seria revelado muito em breve à Casa Branca.

Quando a notícia foi irradiada e televisionada, naturalmente a CIA entrou em ação, recebendo infor­mações de todos os pontos sobre o referido senhor Pershingwall.

O resultado das investigações da CIA haviam sido nulas, até aquele momento. De onde se deduzia que Pershingwall não devia ser alguém em especial. Não devia ser um terrorista especializado ou um agente subverssivo. Ou representantes de grupos ou organi­zações inimigas dos Estados Unidos.

A conclusão era taxativa e tranquilizadora. Não existia ninguém com aquele nome que pudesse real­mente preocupar os serviços de inteligência e de segurança do país.

Logo, tratava-se de algum louco ou de um piadista a quem é claro, não se devia dar a mínima importân­cia.

Assim estavam as coisas quando Brigitte examina­va o arquivo sobre um sujeito chamado Wilson Falk que dizia ter dados sobre o suposto maluco chamado Pershingwall.

Brigitte examinou tudo com ordem e com método. Interessou-se por Wilson Falk, iniciando a leitura daquele extenso relatório, cujo interesse estava fora de qualquer dúvida.

Em primeiro lugar, porque Wilson Falk havia sido ugente da CIA. Isto é, havia sido um Johnny. Em segundo lugar porque, de acordo com todas as apa­rências, Falk era a única pessoa que podia trazer informações a respeito do tal Pershingwall.

Mas falemos de Wilson Falk. A medida que Brigitte avançava na leitura do relatório sobre o ex-agente da CIA, seu interesse por ele aumentava.

Segundo todas as aparências, Wilson Falk fora um ótimo agente até que um dia, um dia ruim, tivera a infeliz ideia de trair a CIA, num caso de relativa importância mas que para ele significara uma boa soma de dinheiro, que ele pretendia embolsar particu­larmente.

Esta jogada do magnifico agente Falk causou consternação e espanto na central. As coisas estavam tão claras a respeito do caso que ninguém deu ouvidos a Falk quando ele rechaçou a acusação, dizendo-se vítima de um complô contra ele para afastá-lo da CIA.

Um complô, precisamente, urdido por alguém que temia as investigações que Falk estava realizando em determinados ambientes das altas esferas de comando da CIA.

A defesa apresentada por Falk não foi ratificada por pessoa alguma e, em atenção a seus anteriores e excelentes serviços, muitos, inclusive, com risco de vida, ordenaram simplesmente sua expulsão da CIA, proibindo-lhe o acesso a qualquer emprego público que tivesse a menor relação com os interesses do governo ou com a segurança da nação.

Um agente de grande categoria fora acusado de traição, afastado, e podia sentir-se satisfeito por não ter sido trancafiado numa prisão para o resto de seus dias.

        Tudo isto é inacreditável - murmurou Brigitte depois de ler o relatório, sob os olhares pacientes de Cavanagh e de Johnny. - Um homem com esta folha de serviço não pode ser traidor.

Ora, vamos, Brigitte, não seja romântica. Come­teu traição e isso é tudo.

Aconteceu há onze anos... O que esteve Falk fazendo durante todo esse tempo?

Não se deu mal na vida. É um sujeito inteligente, formado em História ou coisa parecida. Segundo nossos investigadores, ele ganhou bastante dinheiro com artigos para revistas especializadas. Acaba de completar quarenta anos.

Sim, eu vi... Agora raciocinemos um pouco, para eu tentar compreender. A CIA expulsou Wilson Falk como traidor. Agora a CIA está num pequeno apuro, e Wilson Falk oferece-se para ajudá-la. Correio?

Correio - grunhiu Cavanagh. - Quanto ao apuro, eu não o classificaria como "pequeno" Brigitte.

Explique-se, por favor.

O lal Pershingwall enviou à casa Branca uma mensagem gravada, na qual indica os lugares de alta estratégia e alia densidade demográfica, sobre os quais pretende formar os doze artefatos, caso não pagarem o que ele pede.

Que lugares são esses?

As doze instalações científicas mais importantes da nação. Desde Cabo Kennedy até os laboratórios secretos de Skraton, onde realizam experiências de Iodos os lipos de armas.

Refere-se a armas gasosas e de vírus?

De Iodos os tipos - respondeu Cavanagh, inqui­eto.

Então, se esse lal Pershingwall lançar, realmente, seus artefatos alômicos em seus objelivos, não só destruirá as melhores instalações cienlíficas dos Estados Unidos como, ao deslruir algumas delas, poderá provocar uma mortandade em várias cidades. Já fizeram algum cálculo a respeito das mortes que poderiam causar um acontecimento dessa natureza?

Cerca de dez milhões.

O quê? - balbuciou Brigitte, empalidecendo.

Dez milhões de mortes, causadas pelo escapamento de gases, pela dispersão de vírus e pelas explosões em cadeia em instalações de energia das bases de lançamento e depósitos secretos de combus­tível.

Santo Deus... Então, é preciso pegar esse louco. O que fizermos depois deverá ser pensado. Mas por hora é importante pegá-lo.

Essa é uma parte do caso. A Casa Branca já se está ocupando disso díretamente. A outra parte do caso, precisamente, é como você disse: devemos trabalhar em outra direção. Não vamos permitir que um sujeito qualquer que talvez possa provocar real­mente uma catástrofe continue solto por aí, com umadúzia de artefatos atômicos.

Ou seja: acreditam que a ameaça seja concreta.

Não vamos nos descuidar, digamos. Como pri­meira medida, pensamos em ouvir o que Wilson Falk tiver para nos dizer sobre Dagobert Waldo Pershingwall.

Ou seja: primeiro, ele é expulso sem provas concretas, e agora a CIA resolve usá-lo novamente...

Ele se ofereceu - resmungou Cavanagh. - Ninguém pediu coisa alguma a ele.

Está bem. E escolheram-me para entrar em contato com ele...

Naturalmente. E se marcamos encontro com você aiqui, é porque ele está muito perto deste lugar. Já deve ter compreendido, não é mesmo?

Sim. Onde se encontra ele, exatamente?

No iate clube de Riverside. Segundo tudo indica, está de férias, a bordo de uma pequena lancha alugada.

Brigitte "Baby" Montfort balançou a cabeça pensa­tivamente. Mantinha seu olhar azul fixo na fotografia que mostrava um primeiro plano do rosto de Wilson Falk.

Havia no arquivo muitas fotografias de Falk. A divina examinou-as detidamente. Com cuidado. Mas a que mais concentrou sua atenção foi a do rosto.

Um rosto forte, anguloso, de feições viris e bastante atraentes. Wilson Falk era um verdadeiro atleta. Nas fotografias, ele tinha vinte e oito anos. E no momen­to, já completara quarenta.

Falk pediu que fosse eu a pessoa a ir falar com ele? - perguntou Brigitte de repente.

Não. Ele informou à central de que podia nos facilitar dados sobre Pershingwall nada mais. Se nos interessasse, podíamos encontrá-lo até segunda-feira que vem em Riverside. Depois, seu paradeiro será incerto.

Disseram a ele que a CIA aceita o contacto e que vai enviar alguém para avaliar a colaboração que ele possa prestar... Uma colaboração tão inesperada...

— Não. Não dissemos nada a ele. Mas, na minha opinião, seria uma boa ideia a agente "Baby" ser a encarregada desse contacto. Não só porque assim Falk se sentirá... altamente prestigiado, como tam­bém porque achamos você a pessoa mais indicada para cuidar desse caso em todas as suas direções.

Enquanto isso estão preparando o dinheiro para nosso misterioso e enigmático Pershingwall.

Sim.

Muito bem - disse Brigitte, tornando a contem­plar a fotografia que mostrava o rosto de Wilson Falk.

Vamos ver o que nos tem a dizer o ex-Johnny Falk. Mas não tenho a menor intenção de me apresentar a ele como "Baby". Por enquanto o senhor Falk terá que se conformar em fazer contacto com uma simples embora encantadora agente loura e simpática, chama­ da... Que tal o nome de Nina Warren?

Tão bom como outro qualquer - murmurou Cavanagh.

        Mas você não é loura - disse Johnny. – É morena... e como você não há Outra, sob a luz do sol.

Obrigada, Johnny. E diga-me uma coisa: você se espantaria se em menos de cinco minutos eu me trasformasse numa loura?

Da agente "Baby" nada me espanta - afirmou o espião. — Nem mesmo que qualquer dia ela apareça voando por aí, como um anjo, com asas e tudo...

Bem... disse Brigitte, fazendo uma careta. - Sendo tão má, não me vejo muito na figura de um anjo, com asas e tudo... Acho meio difícil...

 

                               Convite para jantar

Wilson Falk estava no interior da lancha, acabando de examinar o equipamento de homen-rã que preten­dia usar naqueles dias, quando, ao erguer um instante a cabeça, viu a loura na beira do cais.

Ela estava olhando para a lancha com certa indeci­são. Ele ficou olhando e lhe lançou um ar avaliador. A moça valia a pena. Vista de qualquer ângulo, era um espetáculo.

Tinha o corpo digno de um estudo anatômico meticuloso. Quanto ao rosto, era simplesmente en­cantador. Era em resumo, uma garota capaz de deixar qualquer sujeito caidinho por ela.

Apesar disso, Wilson Falk contraiu os lábios, e por um instante a expressão de seu rosto endureceu. Tinha certeza de não se enganar a respeito daquela bela jovem que procurava alguma coisa ou alguém.

Aposto que está me procurando - pensou Falk.

Mal chegou ao convés, ficou de frente para o cais, c dedicou seu tempo a acender um cigarro calmamen­te. Sem a menor pressa deixou-se observar pela loura.

Finalmente, a desconhecida perguntou:

O senhor é Wilson Falk?

Sim - respondeu Wilson, soltando uma baforada.

Perguntei pelo senhor no iate clube e me disseram que eslava deste lado do cais, mas não se lembravam qual era o nome de sua lancha. Eu me chamo Nina Warren.

Sei. Veio enviada pela CIA?

Bem... vim, sim senhor. Para que ficarmos com rodeios, não é mesmo?

Suba para a lancha.

Não estendeu a mão para ajudá-la. Ela, certamente, não precisaria da ajuda dele para coisa alguma. Subiu com facilidade e agilmente, pulando do cais para a embarcação. Quando Wilson apontou o interior, ela concordou com um movimento de cabeça e o prece­deu na entrada estreita.

Uma vez no interior da lancha, Wilson desocupou o beliche, oferecendo-o com um gesto a Nina Warren, que se sentou. Wilson Falk sentou-se num banquinho e ofereceu o maço de cigarros à visitante.

Nina aceitou, sempre observando-o com atenção. Isso não espantou Falk, pois conhecia muito bem a CIA. Sabia que, no mínimo, enviariam alguém capaz de despi-lo psicologicamente.

Não importava que a tal Nina - se é que esse era realmente o seu nome - parecesse uma criatura angelical. Ele tinha certeza que ele era um elemento digno de inspirar cuidados, sob muitos aspectos.

Está de férias? - perguntou Nina.

Mais ou menos. Propuseram-me escrever uma série de artigos sobre a história da Terranova e pensei que seria interessante passar uns dias lá. Como estamos no verão e adoro mergulhar pensei em fazer umas sondagens submarinas. Gostaria de ir comigo?

Se gostaria? Claro. Adoro mergulhar.

Então vamos.

Estou trabalhando, senhor Falk.

Passaria melhor se fosse comigo para Terranova. Comeria bem. faria amor comigo, dormiria como um anjinho e aprenderia História.

É uma proposta digna de ser estudada - murmurou Nina Warren sorrindo. - No momento, porém, que tal irmos direto ao assunto que me trouxe aqui? Pelo jeito o senhor nos poderá fornecer algumas informa­ções sobre o tal maluco.

Que maluco?

O tal Dagobert Waldo Pershingwall.

Ah... Diga-me: de onde tirou a ideia de que Dago é maluco?

Não é?

De modo algum.

Então... ele dispõe mesmo desses doze artefatos atômicos?

Aposto meu pescoço como dispõe. Quando Dago dá um passo é porque tem tudo que necessita para dar esse passo. No momento ele sabe, inclusive, qual vai ser a reação das autoridades norte-americanas, em diversos níveis. E uma das coisas     de que está convencido é que a CIA, o FBI, o G-2, e vários serviços de espionagem, contra-espionagem e segu­rança nacional estão à procura dele.

Isso significa que tomou medidas a respeito...

Você é uma garota inteligente, hem? - murmurou Wilson, com um gesto seco. - Pertence ao grupo de contactos ou ao de ação?

Depende das circunstâncias - respondeu Nina, tornando a sorrir.

Não parece perigosa... o que está me convencen­do de que é e muito.

O senhor é muito perspicaz, hem, senhor Falk?

Conheço o ambiente. Quanto mais angelical parece uma das garotas que complicam a vida traba­ lhando para a CIA, mais a usam para serviços que nada tenham de angelical. Se eu pretendesse, neste instante, incomodá-la de algum modo, você saberia como manter-me em meu lugar, não é mesmo?

—Não parece fácil manter no lugar um homen como o senhor. Além de ser um atleta cheio de músculos, tem o ar de possuir um génio difícil...

Os homens com esse aspecto são, em geral, mais dóceis que as moças com o seu aspecto.

Hum, que génio ruinzinho, hem? Mas de certo modo está com a razão. Bem, senhor Falk, não vim aqui para filosofar, nem para fazer estudos psicológi­ cos. Vim para obter informações sobre Pershingwall. Ou Dago, como o senhor o chama. Conhece-o bem?

Muito bem. É um ególatra muito inteligente e que não tem escrúpulos de espécie alguma.

O que significa: se ele fez uma ameaça é capaz de cumpri-la, mesmo eliminando alguns milhões de seres humanos...

— Tenho a impressão de isso, inclusive, agradaria muito ao Dago... Ele ameaçou matar alguns milhões de pessoas?

Se cumprir a ameaça que fez, pode ocasionar a morte de dez milhões de pessoas.

Como? É um número e tanto, hem?

Sim. O senhor tem como encontrar Pershingwall? Talvez.

Talvez? - perguntou Nina atordoada. - Se não entedi mal o senhor ofereceu-se a CIA para dar informações a respeito desse sujeito.

Exatamente - respondeu Falk. - E já informei, não foi? Acabo de lhe dizer que conheço o sujeito e que ele é capaz de cumprir as ameaças. Isso não é uma informação?

É - murmurou Nina, arqueando as sobrancelhas. - Agora que já disponho da informação a respeito do senhor Pershingwall, gostaria de saber onde encontrá-lo,

Essa já é outra espécie de informação e custará a CIA ou a Casa Branca a soma de dez milhões de dólares.

Está brincando?

Estou apenas avaliando em um dólar a vida de cada um desses dez milhões de cidadãos norte-americanos, que podem morrer se Dago cumprir a ameaça, senhorita Warren. Na sua opinião, um cidadão norte-americano não vale um dólar?

O senhor não falou que nos ia pedir dinheiro.

Pois deviam ter entendido logo. Escute aqui, nada de tolices, combinado? O que esperavam? Acusaram-me de algo que não fiz. Expulsaram-me como se fosse um cão leproso. Fecharam-me todas as portas. Passei tempos ruins... e agora que tenho um trunfo, querem que eu o dê de presente? Qual é a sua opinião a esse respeito?

Sua reação é vingativa e até miserável, senhor Falk.

Minha reação é muito normal para um ser humano que foi tratado injustamente. E não tenho a menor intenção de discutir com você nem com pessoa alguma sobre a minha atitude. Quero dez milhões de dólares. Caso me dêem, vou para a Terranova ama­nhã. Entendido?

—Fala dessa viagem à Terranova como se fosse um passeio. E daqui a Terranova, são dez mil milhas.

Não tenho pressa de chegar. Está lancha, embora um pouco envelhecida, está em excelentes condições.

Ou seja: quer dez milhões de dólares e se nos recusarmos a pagar não nos facilitará informação alguma sobre Pershingwall.

Quero um dólar por cada cidadão cuja vida vou salvar. Se puserem isso em votação popular, verão como as pessoas aceitam encantadas minha proposta. De qualquer modo quero os dez milhões de dólares... e quero-os, agora. Já.

O senhor não me agrada nem um pouco, sabe, senhor Falk?

Gostará mais de mim à medida que for me conhecendo melhor.

Duvido muito que o senhor e eu continuemos mantendo relações, sejam de que tipo forem.

Oh, verá como muda de ideia. Teremos que viajar juntos, sabe? - disse Falk, sorrindo de repente, com um ar quase simpático. - Ou acha que depois de algum tempo afastado das sujeiras da espionagem vou fazer Um passe de mágica e Dago aparecerá em minha mão?... Precisamos procurá-lo, beleza. E você irá comigo.

Nem pense nisso.

Ou me acompanha na busca ou diga à CIA que não há trato algum. Logo, vá dizer isso a seus patrões. Quero dez milhões de dólares hoje mesmo. Quero, linda, um helicóptero, um carro, um avião, uma lancha e um iate, segundo o terreno e as distâncias que formos obrigados a percorrer. E sempre a minha disposição, estejamos onde estivermos. E quero a sua companhia. A entrevista acabou.

        Que garantias o senhor oferece?

Wilson ficou apatetado. Levou uma das mãos ao ouvido, como se quisesse escutar melhor, e exclamou:

O quê?

O senhor pede tudo isso mas não oferece a mínima garantia de bons serviços. E eu quero essa garantia.

Que garantia, exatamente?

A de que encontraremos Pershingwall antes de cinco dias.

Para ser franco, não estou muito seguro disso.

Então não há trato.

Porque havemos de encontrá-lo antes de cinco dias? É o prazo dado por ele para satisfazerem ao que pediu e, caso contrário, ele lança os artefatos atômicos?

Exatamente.

Claro. Bem... e o que foi que Dago pediu?

Cinco bilhões de dólares.

Papagaio! - exclamou Dalk espantado. - Eu devia ter pedido mais de dez milhões, não acha? Ou pelo menos dez por cento do dinheiro que vou fazer o tio Sam poupar. Quinhentos milhões... Isso já é dinheiro, não concorda?

Se conseguir que lhe paguem os dez milhões já será muito, não lhe parece?

— Sim — respondeu Falk, após uma leve reflexão. -Realmente, transforman-se em multimilionário na flor da idade, sendo ainda forte, inteligente e com um futuro pela frente, não está ao alcance de qualquer um. Foi um prazer conhecê-la, senhorita Warren.

Lamento não poder dizer o mesmo.

Não se preocupe. Quando tudo isso acabar, estará perdida de amor por mim. Vai ver só.

Quer apostar como não estarei?

Apostar? O que? Os dez milhões?

O senhor é um cretino.

Permita-me acompanhá-la.

Wilson Falk cedeu passagem à Nina Warren e subiu com ela para o convés. Não tentou ajudá-la a sair da lancha mas desceu na frente pulando o embarcadouro e estendeu-lhe a mão, dizendo:

Acredite: Foi um prazer conhecê-la.

Nina Warren olhou para a mão dele, estendida diante dela. Mão grande, nervuda, forte, bonita. Olhou, em seguida, para os olhos de Wilson Falk. Depois sem comentários afastou-se.

Wilson Falk ficou olhando para sua própria mão. Balançou-a, sorriu, recolheu-a e encaminhou-se, meio irritado, para as dependências sociais do Iate Clube Riverside, onde pensava comemorar seu sucesso de maneira adequada... e dar um telefonema.

 

As seis da tarde a senhorita Nina Warren reapare­ceu no cais, trazendo uma mala de dimensões médias, cujo peso parecia bastante considerável.

Wilson Falk estava sentado a beira da lancha, contemplando as evoluções de um bando de gaivotas. Viu a agente da CIA aproximar-se da lancha e ficou olhando para ela com uma expressão amável.

de volta, senhorita Warren? Alegro-me por tornar a vê-la.

Suas condições foram aceitas - disse ela seca­ mente. - Trouxe o dinheiro.

Precisa de ajuda para subir a bordo?

Não.

Então suba. Não me parece acertado gritar aí no cais que me trouxe dez milhões de dólares.

Nina pulou para a lancha. Os dois foram para o interior da embarcação. Wilson Falk colocou a mala no beliche e ficou contemplando-a. Em seguida voltou- os olhos para a espiã, dizendo:

É melhor você abrir. Não quero ter a surpresa de terem colocado algum dispositivo desagradável no fecho da mala, entendeu?

Nina Warren sorriu e abriu a mala. Wilson Falk ficou imóvel, contemplando o conteúdo. Uma mala comum de viagem, contendo peças de indumentárias feminina, não muito arrumadas.

Não sou muito coquete - disse Nina. - Mas se vou ficar num iate durante alguns dias, indo de um lado para outro, precisarei de roupa de vez em quando. Na maletinha há objetos femininos... de uso pessoal. Ouanto aos meios de transporte que pediu para nossos translades, está tudo providenciado. Disponho de um rádio com onda especial que me coloca em comunicação com os serviços de urgência da CIA em todo o território nacional. Logo, quando eu chamar, de onde estivermos haverá alguém ouvindo e preparado para nos abastecer.

Mesmo se pedirmos, por exemplo, um sanduíche de presunto ou um cachorro quente?

Sim.

Que perfeição! Mas falta um pequeno detalhe: meu dinheiro.

Nina Warren meteu a mão sob as roupas e retirou um maço compacto de cédulas, que estendeu para Wilson Falk, dizendo:

Mil cédulas de dez mil dólares. Isto é: dez milhões de dólares. Seu dinheiro, senhor Falk.

Chame-me de Wilson, apenas, minha vida - murmurou Falk sorrindo.

 

Não vejo incoveniente nisso, Wilson. Mas não pense em chamar-me de outro modo, a não ser de senhorita Warrem.

Sempre existiram senhores e escravos. Evidente­ mente você é da raça dos senhores. Bem, direi o que vamos fazer. Passaremos a noite aqui. Amanhã de manhã irei depositar o dinheiro em minha conta do Barclays Bank. Já me informei que há uma filial em Stanford. Depois, partiremos em busca de Dago... caso não tenhamos problemas esta noite.

Problemas? Que problemas?

Na certa virão matar-me. Se não vierem, mal negócio. Será sinal de que meu telefonema não deu resultado.

Que telefonema?

O que dei, pouco depois de você ter ido embora.

Liguei para um amigo meu de New York, perguntan­do se ele me poderia fornecer alguma informação do atual paradeiro de Dago. Disse onde me encontro e espero notícias dele. Seguramente virá matar-me.

Então não é propriamente um amigo seu...

Não, não é. Para dizer a verdade, Jack Drysson já deve estar rindo por dentro, achando que poderá matar-me, finalmente. Anda procurando por mim há muito tempo.

E o senhor facilitou o modo dele o encontrar?

Exato. A jogada está clara. Se ele ganhar, me matará. Mas se eu ganhar e conseguir caçá-lo vivo, poderei obrigá-lo a me dizer onde se encontra Dago. Ou pelo menos obterei uma pista inicial para localizá-lo.

O senhor é dos que se arriscam, hem?

Só quando vale a pena - respondeu Wilson, agitando o maço de cédulas. - Ei, tive uma ideia! Que tal irmos jantar por aí, senhorita Warren?

Preferia que ficássemos aqui e o senhor me explicasse umas coisa de Dago. E desse seu "amigo" Jack Drysson, que virá matá-lo... Como conheceu um e outro?

-       Interessa-se por isso? De verdade?

-     Sim.

Explicarei tudo, se concordar em fazer amor comigo.

Não seja imbecil.

-       Não entendeu, senhorita Warren... Há muito tempo me trasformei num lobo solitário. A impossi­bilidade de fazer amor com uma garota como você me tem deixado transtornado. Olhe, basta ir até a rua, dar um assovio e resolvo minhas necessidades sexu­ais. Mas há algum tempo disse para mim mesmo que, daquele momento diante, só iria para a cama com quem valesse a pena. Ou seja: Não estou interessado em garotas banais, como há aos montes por aí. Acalmam o corpo e depois começam a falar, falar, falar... e só dizem bobagens... São umas incultas... Eu daria qualquer coisa para ter em meus braços uma garota como você... De classe, inteligente... e, não tenho a menor dúvida, com fogo nas veias. Esclareci­dos todos estes pontos, diga-me o que há de mal em fazer amor?

-       Wilson, você não devia escrever artigos sobre História. Devia escrever romances. Romances apai­xonados, é claro.

-Você não parece estar levando a sério o que digo.

-       Estou, sim. Mas previno-o: se tentar usarme sexualmente durante o tempo em que estivermos juntos, eu meto uma bala no seu coração. Está claro?

A cada segundo que passa, você me agrada mais, senhorita Warren.

E você me agrada menos.

Então? Vamos sair para jantar juntos? Ofereço-lhe champanhe.

O champanhe me agrada. Mas prefiro toma-lo na lancha.

Você é despótica, querida. Mas está bem. Vamos ver o que tenho por aqui... Depois sairei para comprar um bom champanhe e um bom jantar. Talvez este seja o meu último jantar, afinal de contas...

 

                         Rumo ao sul

Era quase meia noite quando a loura saiu da lancha, ajustando as alças do vestido e levando na mão os sapatos de salto alto. Na outra mão levava o sutiã.

Agachado junto a um dos automóveis estacionados no embarcadouro, o homem que esperava há algum tempo sorriu maliciosamente. Sorriu ainda mais quan­do a loura tornou a baixar as alças do vestido, deixando à mostra os seios rijos, e abraçou-se ao pilar que era Wilson Falk, beijando-o na boca.

- Papagaio - pensou Jack Drysson, escondido atrás do automóvel. - Não se pode dizer que Wilson faça mal as coisas...

Falk continuava beijando a loura. Mas logo afas­tou-a e ajudou-a a colocar o sutiã e a ajustar as alças do vestido. Depois deu-lhe uma palmadinha nas nádegas e empurrou-a para o cais.

A loura parecia estar um pouco embriagada e Wilson precisou ajudá-la a sair da lancha. Depois, atirando beijos com a ponta dos dedos, ela se afastou.

Passou muito perto do carro atrás do qual Jack Drysson esperava pacientemente. Não havia mais ninguém pelas imediações. Ao fundo brilhavam as luzes das instalações sociais do Iate Clube Riverside.

A loura desapareceu. No fim de mais alguns minutos de espera, Drysson saiu de seu esconderijo e encaminhou-se resolutamente para a beira do cais.

Olhou para a direita e para esquerda e pulou cauteloso para a lancha. Num piscar de olhos percor­reu a distancia até a entrada do camarote da embarca­ção. Empurrou a porta e entrou, de pistola em punho.

Sentado na borda do beliche, com um cigarro na boca e uma garrafa de champanhe na mão esquerda, sonolento, Wilson Falk ficou imóvel. Com ar apatetado. Mas sua expressão logo se modificou.

Ei, mas é o meu querido amigo Jack Drysson - exclamou Falk, de repente. - Como vai, Jack? Como vai a vida?

Já disse hoje cedo pelo telefone - respondeu o visitante. - Quem era a loura?

A loura...? Ah, sim... Ora, amigo, uma garota que veio até aqui dar uma transada comigo.

Amiga sua ou profissional?

Não tenho mais amigos, Jack... Bem, talvez excetuando-se você...

Nem eu - disse Drysson, esticando ameaçadoramente o braço armado. - Você foi um idiota pensando que depois do que me fez poderíamos ser amigos de algum modo. Vim para matá-lo, Wilson.

Falk pestanejou como se isso facilitasse a seu cérebro o esforço de compreender a situação.

Matar-me - resmungou. - Ei, hoje de manhã, quando disse que um favor ia lhe pedir, Jack, e que podia pagar bem, você me deu a entender claramente que aquilo ficara esquecido no passado... e que se eu dispusesse de uma boa grana estaria tudo bem, pois você estava quebrado... Não foi o que você me disse hoje de manhã?

Foi. Mas menti. Se há algo que desejo com todas minhas forças é matá-lo. Antes você me entregará o dinheiro com o qual pretendia comprar minha   ajuda. E queria nada menos do que encontrar Pershingwall, heim?

Sabe onde ele se encontra por acaso?

   - Claro que sei. Mas não direi a você.

-       E a mim? - perguntou uma voz melodiosa, vinda da retaguarda de Jack. - Não se mexa!

Jack Drysson não parecia ter a mínima intenção de se mexer. Compreendia bem a situação. Hesitou levemente e isso foi tudo. Wilson ficou de pé. Com um gesto amável, tomou a pistola da mão de Drysson. De repente, enterrou o joelho no baixo ventre de Jack, que deu um berro e se encolheu.

Uma bofetada violenta dada por Wilson, jogou Jack de lado do beliche. O visitante ficou encolhido e pálido como um morto, com as mãos protegendo a região atingida.

Wilson olhou para Nina Warren e resmungou:

Viu mais alguém lá fora?

Não. Estou convencida de que ele veio sozinho. Como fingiu não ter guardado rancor de você, não achou necessário trazer alguém para ajudá-lo a acabar com você. Achou que você confiaria nele.

Sabe, senhorita Warren? - disse Wilson, voltando a cabeça. - Você é uma gatinha. Quando esperava sua volta, ouvi seus passos. A lancha nem balançou quando você subiu a bordo. Como conseguiu isso?

Não ando - respondeu Nina sorrindo. - Voo.

-Sei, sei. Talvez seja um anjinho e não uma gatinha. Mas vamos cuidar do nosso amigo Jack, que não é nem um gatinho nem um anjinho. Na minha opinião ele é... um pato de mau génio. Concorda comigo?

Nina Warren encarou Drysson, que se recuperava lentamente e olhava para Wilson e para ela, atordoa­do.

-       Para ser franca, seu amigo Jack parece-me simplesmente um idiota - murmurou Nina.

Também - concordou Wilson, semicerrando os olhos e voltando-se para Drysson, que passou a língua pelos lábios. - Bem Jack... já sabe qual é o nosso desejo: encontrar Dago. Onde ele está?

Não sei - resmungou Drysson, sentando-se no beliche e fazendo um gesto de dor.

Não sabe onde ele está? - repetiu Wilson, como se tivesse dificuldade para entender a frase. - Sim, está bem. Mas aposto como conhece alguém que sabe onde ele está, neste momento, o nosso amado Dago. Não é, Jack?

Não...

Minha memória e exelente. Antes, você disse que sabia onde Dago se encontrava mas que não queria dizer-me. Agora diz que não sabe. E não sabe de alguém que tenha conhecimento do paradeiro de Dago. Vejamos, Jack... o que você está querendo? Que eu arranque seus testículos com umas tenazes?

Se vai fazer isso irei dar um passeio - disse Nina.

De acordo. Volte daqui a quinze minutos.

Não pode fazer isso comigo - gritou Drysson. — Por que não? - perguntou Wilson espantado. Jack Drysson encarou o atleta com uma expressão de pavor. Nina olhava para o homenzinho com uma expressão compassiva de quem vê diante de si um sujeito em tiras.

Wilson Falk ergueu a tampa de uma caixa metida sob a pia da cozinha e dela tirou um martelo e umas tenazes. Olhou para as ferramentas e disse num tom de dúvida:

-       Também posso esmagar seus testículos, sem arrancá-los... Será menos sangrento.

Até logo - disse Nina.

Não vá — suplicou Drysson. — Direi, sim... Direi tudo...

-       O contrário me teria deixado muito surpresa — murmurou Nina, presenteando-o com um sorriso simpático. - Há muito tempo eu sei que todos nós somos de carne e osso e não de aço. Bem, senhor Drysson: onde está este homem chamado Dagobert Waldo Pershingwall?

Não sei onde ele está. De verdade. Disse que sabia para bancar o importante... Mas conheço uma pessoa que sabe onde Dago se encontra.

Que pessoa é essa?

Chama-se Jane Talbot.

Oh, não - protestou Wilson Falk. - jurei a Jane que se nossos caminhos tornassem a se cruzar eu a mataria, Jack.

Quem é essa Jane Talbot? - perguntou Nina.

Ela é... parte de uma parte da história de minha vida. De uma velha parte da minha história. E eu preferiria não toma-la a vê-la. Se tal acontecer serei obrigado a matá-la. Arranje-me outro contato, Jack.

Não conheço mais ninguém da organização que saiba como encontrar Dago — disse Drysson. — Sei que Jane o vê com bastante frequência.

Está certo. E onde está Jane agora?

 

Mora numa casa em Fairfield. Uma pequena localidade ao sul de Baltimore. Fica perto de Wagner Point. O endereço exaio é Patapsco River Avenue 1266. Escute, Wilson...Não diga a ela que eu lhe dei o endereço... Não diga...

Por que tanta preocupação? - espantou-se Falk. — Meu querido amigo, todas as preocupações áa sua Vida acabaram-se... Acabaram-se as desta vida, para começarem as da outra.

Jack Drysson escancarou a boca. O início de um grito abafado e furioso protesto, que não ecoou direito. Em seus olhos arregalados surgiu um briiho de incredulidade, de fúria, de raiva infinita.

Wilson Falk meteu-lhe uma bala no coração, derru­bando-o, morto, de costas sobre o beliche, com os pés ainda tocando o chão. Os olhos de Drysson pareciam querer saltar das órbitas. Seu corpo estremeceu e de sua boca brotou um espesso e violento sangue.

O lençol do beliche vai ficar sujo de sangue - disse Nina Warren.

Mudaremos o lençol.

Não acha que foi apressado demais? Era um pobre homem.

Wilson Falk ficou espantado um instante. Em seguida, soltou uma gargalhada e deixou-se cair no banquinho, mantendo a pistola munida de silenciador empunhada na mão direita.

- Boa piada! - exclamou. - Jack Drysson um pobre homem! Escute aqui, senhorita Warren, se toda a sua perspicácia como agente da CIA está nesse nível, é melhor dedicar-se a outra coisa. Saiba que Drysson era um assassino profissional da pior espécie. Sabe o quero dizer quando o classifico como "da pior espé­cie"?

Não exatamente.

Não vamos nos enganar um ao outro, está bem? -      resmungou Wilson, enrugando a testa. - Se você está aqui é porque tem o nariz no lugar. E não me venha agora querer bancar o personagem de novela piegas, dizendo que nunca matou ninguém. Nesta profissão todos nós já matamos. Certo?

Certo - concordou Nina.

Muito bem. Pois olhe, quando eu tive que matar alguém, não achei a menor graça na história. Você também não gostou muito, aposto. Mas precisei fazer e fiz. Uma coisa ruim... e não transformei isso no maior divertimento da minha vida. Não é assim?

—    Creio que estou entendendo. Está querendo dizer que Drysson sentia prazer em matar.

—    Prazer? Isso é pouco. Jamais conheci alguém tão assassino e que merecesse ser esquartejado vivo... E simplesmente meti uma bala no coração dele! Nesse coração podre!

-       Está bem, está bem. E quanto a essa tal de Jane Talbot? Que relacionamento tem ela com Pershingwall?

-       Eu explicarei de muito boa vontade, mas se o fizesse, garanto como você vomitaria o champanhe que acabamos de tomar enquanto esperávamos que a armadilha preparada para Drysson funcionasse.

- Ora, vamos, Wilson. As coisas não são tão terriveis assim. Suponho que essa velha história entre você e Jane Talbot é uma como tantas outras. Uma mulher, uma traição de amor... Não é isso?.

-       Quer mesmo que eu conte?

Quero. Mas não agora. Quando estivermos espe­rando o helicóptero.

Que helicóptero?

O que vou pedir pelo rádio para rios levar até o lugar onde mora sua velha amiga Jane. Partiremos rumo ao sul e o helicóptero irá ao nosso encontro, num ponto conveniente que marcarei com meus companheiros. Aí, sim; teremos tempo para conver­sar. Trate de pôr a lancha em marcha, ande.

As ordens serão cumpridas - exclamou Wilson Falk, fazendo uma continência. - Mas deixe-me dizer uma coisa beleza: não se acustume a me dar ordens. Tenho um péssimo génio para essas coisas e com uma patada no traseiro posso jogá-la pela amurada da lancha.

É? - perguntou Nina Warren, sorrindo. – Gostaria de ver isso.

Não me provoque, senhorita Warren.

-       Encare como quiser, mas saiba que ainda não nasceu o homem capaz de me atirar pela amurada de uma lancha com um chute no traseiro.

Wilson Falk encarou Nina Warren durante alguns segundos. Com atenção. De repente, sorriu. Coçou a nuca. Balançou a cabeça e encaminho-se para o convés, murmurando:

-       Diga-me, depois, onde devemos parar para o helicóptero nos recolher.

Nina Warren ficou sozinha no camarote. A lancha reiniciou a marcha. A espiã aproximou-se do cadáver de Jack Drysson e revistou-lhe os bolsos. Apalpou as costuras da roupa.

Ao lado do cadáver acumulou tudo o que encontrou o que não podia ser mais banal e vulgar. Dinheiro, chaves, cigarros, isqueiro, lenço... Não restou, sequer, o detalhe interessante: o isqueiro nem mesmo era uma câmara fotográfica camuflada. Tratava-se de um isqueiro comum e nada mais. Vulgar e comum como Jack Drysson.

Nina Warren lançou mão de seu rádio com onda especial.

Do lado de fora, ao comando da lancha, Wilson Falk manteve-se atento à rota, observando as luzes de Long Island. A navegação pelo Long Island Sound não era das mais cómodas. Havia necessidade de uma atenção constante.

Quando Nina apareceu no convés, Wilson voltou a cabeça e a contemplou, dizendo:

Demorada a conferência com seus companheiros, hem?

Gostamos de conversar.

Sei. Bem, diga onde eles nos irão recolher.

Siga direto para a costa de Long Island - indicou

Nina, apontando para à frente. — Direi onde devemos parar. Estamos muito perto.

- Ótimo.

Quinze minutos mais tarde, depois de Wilson ter desligado o motor, a lancha continuou a se mexer, impulsionada pelas ondas. Wilson jogou a âncora e verificou se as luzes regulamentares estavam acesas. Depois foi sentar-se no convés, ao lado de Nina, que fumava pensativa. Wilson acendeu um cigarro e perguntou:

As estrelas a deixam romântica?

Fale-me sobre Jane Talbot. Você a amou?

Não perde tempo, hem, senhorita Warren? Bem... Eu amei a mulher a quem ela amou. O que é bem diferente.

Não entendi.

Ora, havia uma garota chamada Rosie. Fazia parte do pessoal a serviço de Dago e eu me apaixonei por ela.

Quer dizer que você esteve trabalhando para Dago?

Exato. Durante uma temporada. As coisas nem sempre correm bem para mim depois que a CIA me expulsou, sabe?

Não tenho culpa se... Compreende minha posição, não é mesmo, senhor Falk?

Ah, nada de senhor Falk. Combinamos que me chamaria de Wilson simplesmente, não foi? Logo, deixemos de tolices e de cerimónias idiotas. Tratemo- nos de Wilson e Nina. Afinal de contas estamos juntos nesta enrascada, não é mesmo?

Até que a espionagem nos separe – murmurou Nina, sorrindo.

Linda frase, menina! Está bem, está bem. Não consegue confiar em mim, hem? Depois do que a CIA disse a meu respeito não é de espantar que uma garota como você não confie em mim. Isso, porém, não me altera. Você está trabalhando e eu me meti nessa jogada por dinheiro. Ponto final. Agora continuemos com a história de Rosie. Nós dois trabalhávamos para Dago. Fazíamos pequenas coisas. Tudo correu bem até Jane pôr os olhos em Rosie. Até Jane se apaixonar por Rosie. A partir daquele momento, não a deixou em paz. Não sossegou enquanto não tornou a situação difícil. A tal ponto que fui obrigado a dizer a ela que se continuasse me aborrecendo e aborrecendo Rosie, nós dois sairíamos da organização. Sabe o que fez Jane Talbot?

— Não faço a menor ideia.

-       Uma noite ela mandou Jack Drysson e outro sujeito chamado Carey ao barracão onde Rosie e eu nos encontrávamos. Para me matarem e levarem

Rosie ao bangalô dela.

Onde vocês estavam?

Em determinado ponto da América Central que não vem ao caso no momento. Estávamos preparando um comando para uma dessas pequenas e malditas porcarias... Bem, Drysson e Carey entraram em nosso barracão. Ordenaram, aos gritos, para sairmos da cama e nos separarmos. E acenderam a luz. Eu compreendi que nos devíamos separar. Mas quando pulei da cama já estava de pistola em punho. Nunca a deixava longe do alcance da mão. Meti uma bala na cabeça de Carey e outra no estômago de Drysson. Agarrei Rosie pela mão e saímos correndo do barra­cão, nus, arrastando a pouca roupa que conseguimos agarrar na passagem. Chegamos a uma das lanchas...

Então o tal lugar ficava perto da costa...

Nina, querida, não direi a você onde estávamos - grunhiu Wilson. - E se me interromper novamente ficará sem saber o final da história nojenta. De acordo?

De acordo.

Chegamos a uma das lanchas. Pulei na embarca­ção e voltei-me para ajudar Rosie. Aí apareceu Jane Talbot, usando uma camisola branca, do pescoço aos pés... Parecia um globo enorme. Ela mandou que voltássemos para terra ou atirava em Rosie. Com ela havia três homens da vigilância do circuito interior. E também o vigia do embarcadouro. Não houve outro remédio. Entregamo-nos nas mãos dela. Quando nos teve à sua frente, disse que ia transformar Rosie em amante dela e que ia denunciar-me a Dago como traidor da organização. Já disse que Rosie e eu estávamos despidos... Jane aproximou-se de Rosie e acariciou-a. Rosie deu-lhe um empurrão dizendo que tirasse as mãos de cima dela, pois não era lésbica. Empurrou Jane Talbot com tanta força, com tanto nojo, que Jane caiu sentada no chão. Um dos homens que nos apontavam os rifles achou a cena divertida e soltou uma gargalhada. Ainda sentada, Jane atirou em Rosie. Meteu-lhe uma bala no olho, arrebentando-lhe a cabeça... Foi tudo tão horrível que até os vigias, aqueles animais, ficaram paralisados e gelados de espanto... Eu também, é claro. Jane levantou-se e mandou que me prendessem. Eu gritei que na próxi­ma ocasião em que a encontrasse, não a pouparia. Ela riu e disse que eu não teria oportunidade para isso, pois ao amanhecer me mandaria enforcar, depois de convencer Dago a concordar com a ordem. Tudo deve ter corrido conforme ela queria. Mas naquela noite mesmo consegui fugir numa daquelas lanchas e não quis mais saber daquela gente. Há pouco tempo, vi Jack em New York. Fiquei tentado a matá-lo, mas não quis complicar a vida. As coisas melhoraram para mim e eu esquecera a dor da morte de Rosie... Bem, Nina, digamos que nos últimos anos de vida tranquila dediquei-me a escrever artigos para revistas e jornais e aprendi a valorizar a paz e a segurança. Matar Jack seria complicar minha vida e por isso, deixei-o correr. Mas quando vi a possibilidade de ganhar tanto dinheiro usando Jack para localizar Dago, não hesitei. Achei que merecia uma recompensa pelo que me tiraram.

-       Lamento o que aconteceu - murmurou Nina. - Como é Dago?

—    Vulgar e comum, e com cara de coruja. Nina riu.

—    Quanto ao aspecto físico ele é assim, é claro — disse a agente da CIA, entre risadas. - Mas eu pergunto... como é por dentro;

Um criminoso - disse Wilson com ar sombrio. - Nesse sentido nada do que me disserem dele poderá espantar-me.

Ou seja: na sua opinião ele pode conseguir uma dúzia de artefatos atômicos? Não só conseguir, como é bem capaz de cumprir as ameaças...

—    Sem a menor dúvida.

-       Onde você calcula que ele conseguiu os projéteis atômicos? Uma coisa é ser capaz de fazê-los explodir nos lugares ameaçados e outra coisa é consegui-los. Digam o que disserem mas não é muito fácil conse­guir armas atómicas, Wilson. Logo, eu me inclino a pensar que se, realmente, Dago possui esses artefatos, é porque alguém os arranjou para ele. Não faz ideia de quem possa ser essa pessoa?

Não... não faço a menor ideia. Lamento muito. Talvez ele mesmo os tenha fabricado.

Não seja ingénuo. Talvez alguém possa fabricar sua própria bomba atómica para jogar em quem quiser, como castigo para a humanidade. Mas doze artefatos não é tão simples assim. Alguém os conse­guiu para Pershingwall... E eu gostaria de saber quem foi. Jane Talbot poderá saber?

Perguntarei antes de matá-la.

Nada disso - atalhou Nina. - Eu decidirei a quem e quando é preciso matar. Você é apenas meu colaborador. Logo, como por enquanto me interessa que Jane Talbot continue com vida, serei eu quem irá visitá-la amanhã, na casa dela.

Wilson Falk riu ironicamente. Viu Nina enrugar a testa e apressou-se a mudar o rumo da conversa, dizendo:

-       Antes de ir visitar Jane, quero depositar meu dinheiro numa sucursal do meu banco, não se esque­ça.

Nina ia responder quando o ruído de um helicópte­ro começou a soar, aproximando-se. Em seguida avistaram as luzes piscantes do aparelho. Pouco depois o agente da CIA passou para a lancha, a fim de cuidar dela. A senhorita Warren e o senhor Falk afastaram-se no helicóptero, em direção ao sul.

Eram aproximadamente duas horas da madrugada.

 

                                   Uma mulher estranha

O número 1266 da Patapsco River Avenue era um chalé de aspecto agradável, cercado por um pequeno jardim no qual se destacavam enormes pinheiros em frente à casa.

O chalé estava situado bem perto da margem do rio, cujas as águas quietas tinham a tonalidade do aço naquela manhã. Do automóvel, ainda a certa distân­cia, Nina e Wilson contemplaram a casa, diante da qual haviam passado um pouco antes para dar uma olhadela.

-Continuo insistindo que seria melhor eu ir – disse Wilson. - Ou qualquer um dos seus companheiros da CIA...

Deixe meus companheiros da CIA sossegados. Sou eu quem está encarregada deste trabalho.

De acordo. Depois não diga que não a avisei, hem?

De que? Até agora você só riu o tempo todo... mas não me disse em que consiste a grande advertência.

Wilson Falk tornou a rir. Nina enrugou a testa mais uma vez. Sem novos comentários, agarrou sua maletinha, desceu do carro e encaminhou-se para a casa onde, segundo a informação do infeliz Jack Drysson, morava Jane Talbot.

Quando Nina chegou ao pequeno jardim, o canto de vários pássaros ecoava. A espiã sorriu. Tocou a campainha e aguçou o ouvido.

Quase em seguida, ouviu passos aproximando-se. Passos de sapatos de mulher, de salto alto. A porta abriu-se e Nina esboçou um sorriso amável... mas o sorriso petrificou-se em seus lábios.

Diante dela estava a mulher cuja estatura superava um metro e oitenta. E cujo peso não podia ser inferior aos cento e vinte quilos.

Era uma enormidade. Uma enormidade em tudo. O rosto, os seios, os quadris, os braços... Os lábios eram enormemente gordos. Os olhos enormemente gran­des. As mãos, gordas e incrivelmente brancas.

O sorriso da mulher enorme também tornou-se enorme.

Olá, pimpolho - disse ela como cumprimento. - Veio para vender alguma coisa? Entre, entre.

A senhora é Jane Talbot? - perguntou Nina, recuperando o controle e conseguindo raciocinar.

Sou - disse a mulher enorme, semicerrando os olhos. - Nós já nos conhecemos, lindeza?

Não... Mas eu conheço Jack Drysson. Ele me disse que se viesse até aqui a senhora poderia me ajudar a resolver alguns de meus apuros económicos.

 

Ah, você esteve com Jack, hem? Onde? — Em New York.

Ah, sim. Bem, entre. Conversaremos sobre a vida. Nina Warren entrou no chalé e Jane fechou a porta. Usava um roupão azul-pálido, sob o qual tremulavam suas abundantes e duríssimas carnes, cuja brancura chegava a espantar.

Chegaram a uma saleta. Mal entraram, a gordíssima Jane tirou o roupão com movimentos ágeis e precisos. Seu corpo era incrivelmente rijo. Tinha seios grandio­sos, arrematados por fantásticos bicos rosados, que assemelhavam-se a tomates,

-       Então Jack disse que você poderia conseguir algum dinheiro aqui, hem?

Sim — murmurou Nina. — A senhora está sozinha?

Claro, beleza - disse a gorda, aproximando-se de Nina e enlaçando-a pela cintura. - Vamos dê-me um beijo.

O olhar azul de Nina Warren pousou nos olhos escuros de Jane Talbot. Olhos que pareciam conter uma fogueira ardente. A gorda não era muito mas alta que Nina, mas pesava mais do dobro.

— Jack não me disse nada disso — balbuciou Nina. — Ele apenas me deu a entender que eu poderia ganhar algun dinheiro... mas de outra maneira. Falou-me de um tal de Dago, que poderia contratar-me.

Vou lhe dizer uma coisa, lindeza – murmurou Jane com um sorriso meloso. — O cretino do Jack não disse nada disso a você. E sabe porque estou tão segura disso? Porque ele sabe que quando se contrata algum novato nunca é enviado para cá. Marcamos encontro num lugar onde seja terreno neutro... Ou, pelo menos, num terreno da nossa comodidade... mas jamais na residência em que me encontro no momen­to. Compreendeu?

Não. Ele me disse...

- Belezoca, ele não lhe disse nada. Em todo o caso, talvez você pudesse obrigá-lo a dizer algumas coisinhas. Mas conversaremos sobre isso mais tarde. Depois que eu a esquartejar com as minhas próprias mãos. Agora dê-me sua linguinha!

Os enormes braços de Jane apertaram Nina com força, contra seu peito ansioso. A boca enorme apoderou-se dos lábios da espiã, num beijo sufocante, luxuriante, guloso.

A língua de Jane Talbot entrou na boca de Nina Warren como uma serpente furiosa, provocando um movimento lógico de repulsa na agente da CIA, que tentou libertar-se do beijo e dos braços daquela mulheraça.

Foi como se quisesse romper um cerco de aço. Enquanto a boca de Jane triturava a de Nina, os braços a apertavam de encontro a seu corpo volumo­so. Espremia-a com força... Com tal força que os ossos de Nina chegaram a estalar.

A espiã não aguentou mais de três minutos a agressão. Compreendendo que por bem não conse­guiria libertar-se do abraço, colocou a mão direita sob a orelha esquerda de Jane e apertou-a com uma violência espantosa.

A dor foi como uma chicotada que atingisse todo o corpo de Jane Talbot. A mulheraça soltou Nina, dando um urro e arregalando os olhos.

-       Sinto muito - disse Nina. - Mas a senhora me estava...

Ainda berrando Jane avançou contra Nina Warren, evidentemente pouco disposta a ouvir explicações. Nina julgou que poderia esquivar-se facilmente da­quela massa. Mas teve surpresa, pois Jane era muito mais ágil do que seu volume sugeria e tornou a enlaçar a espiã pela cintura.

-       Agora você vai ver - gritou a mulheraça. – Primeiro será minha e depois eu a estrangularei, sua raposa!

Deu um giro, como num passo de dança, e jogou-se ao chão, arrastando Nina Warren. Num instante as duas ficaram sobre o tapete. Jane por cima da espiã, que mal podia respirar. Jane começou a beijar Nina na boca. A agente da CIA balançava o rosto de um lado para o outro e gritava:

— Está cometendo um engano... tenho algo muito importante para dizer a Dago...

Deixe Dago em paz e vamos fazer amor...

Saia de cima de mim sua porca!

Jane soltou uma exclamação de raiva e colocou-se agilmente montada sobre Nina.

-       Porca, hem? — exclamou a mulheraça. – Está certo, sou uma porca... e você vai ser a minha porquinha...

Começou a rir de repente e a imitar o grunhido dos porcos. Nina Warren estava mais atormentada que assustada, é claro. Não queria sequer, machucar aquela mulher. Desejava, apenas, obter uma informa­ção...

Jane Talbot, porém, metia a mão por toda a parte. Tocava os seios da espiã, as coxas, o ventre... De repente, a mão de Jane aproximou-se do sexo de Nina e esbarrou na pistolinha que a senhorita Warren trazia presa a coxa esquerda com uma tira de esparadrapo. Arrancou a arma, alucinada, e arregalou ainda mais os olhos, exclamando:

-       Mas...

Com um movimento de mão Nina arrancou sua pistola dos dedos de Jane, jogando a arma longe das duas. Em seguida, sem dar tempo a que a gorda reagisse, tirou-a de cima de si, fazendo um hábil gesto com o corpo e derrubando a lésbica de lado.

Nina ficou de pé. Mas, quase tão ágil quanto a espiã, Jane agarrou-a pelos cabelos louros, rosnando:

-       Vou obrigá-la a aceitar minhas caricias... Mas calou-se, apatetada, olhando para a peruca que ficara em sua mãos. Enquanto isso, Nina fez um movimento

para afastar-se. Jane jogou a peruca para um lado e quis agarrar Nina pelos seios.

Farta daquela brincadeira, a espiã libertou-se com um tremendo golpe no ventre da gorda. Jane Talbot ficou paralisada. Uma bofetada quase a derrubou diante da lareira.

- Está certo - disse Nina Warren, num tom de advertência. - Estou tendo paciência demais com você, velha baleia. Fique quieta ou vai dar um passeio!

Os olhos de Jane Talbot pareciam duas enormes bolas de vidro girando para todos os lados, com uma expressão alucinada. De repente, os olhos da mulheraça viram o atiçador de fogo, junto a lareira. Uma das mãos gordas agarrou o atiçador, ergueu-o e o corpo todo saiu em disparada rumo a Nina Warren que já começava a ficar aborrecida com toda aquela teimo­sia.

Os tiros ecoaram, abafados pelo silenciador, vindos da retaguarda de Nina.

Jane Talbot parou em seco, com o atiçador no alto. Os peitos agitaram-se, recebendo as balas. Uma em cada seio. Bem acima dos bicos vermelhos, surgiram duas manchinhas, também vermelhas. No ar ainda brilhavam os salpicos do sangue.

O olhar desorbitado da mulher dirigiu-se a porta. Nina olhou na mesma direção. E viu Wilson Falk com a pistola em punho, contemplando com uma expres­são endurecida o corpanzil de Jane que, naquele momento deu mais um passo para Nina, emitindo um ronco abafado.

Wilson Falk atirou novamente.

Desta vez a bala arrebentou um olho de Jane Talbot. Seguindo a trajetória a bala arrebentou-lhe o cérebro e saiu pela parte traseira da cabeça, causando ali uma pequena erupção vulcânica de massa encefálica, de sangue, de cabelos e lascas de ossos.

A cabeça de Jane foi violentamente sacudida, enquanto seu corpo começava a cair para trás. O corpanzil fez um barulhão ao bater nas tábuas do assoalho. Os vidros das janelas estremeceram com o deslocamento de ar.

Você está bem? - grunhiu Wilson.

Não devia ter liquidado Jane - sussurrou Nina.

Não, hem? Se eu não tivesse interferido neste momento quem estaria morta no tapete seria você. Com a cabeça quebrada.

Já sai ilesa de situações piores - disse Nina, balançando a cabeça. - Você não conseguiu resistir não é? Tinha que matá-la... Tinha que matar essa pobre idiota, como ela matou sua Rosie...

Não se trata disso...

Trata-se disso, sim! Você a matou como Jane matou Rosie. Não pensou em outra coisa, não pensou em outra coisa a não ser em sua vingança. Pode dizer o que faremos agora? Como consiguiremos uma pista para chegar até Dago?

Não me repreenda, Nina. Acabo de salvar sua vida, que diabo!

Quer entender de uma vez por todas, idiota? Eu não precisava de ajuda de ninguém para manobrar essa mulher. Mas não vale a pena continuarmos discutindo. Deixemos de lado. Vamos ver se encon­tramos na casa alguma coisa que nos possa orientar.

Durante mais de quinze minutos os dois revistaram tudo. em busca de algo capaz de ajudá-los no prosse­guimento da pista até Dagobert Waldo Pershingwall. Mas tal pista parecia não existir.

Nina revistou minuciosamente o quarto de dormir de Jane Talbot, que parecia uma perfumaria, tal a quantidade de vidros de perfume que havia por toda a parte.

Encontrou, também, inúmeros roupões, camisolas e peças intimas. Parecia o guarda-roupa de dez mulheres juntas. Nem numa boutique haveria tal quantidade de roupa.

Nina Warren encontrou ainda fotografias de mu­lheres bonitas com dedicatória para Jane. Dedicatóri­as de todos os tipos, lembranças apaixonadas com frases sugestivas e excitantes. E em todas as fotogra­fias, as mulheres estavam nuas.

As frases eram patéticas e algumas fotos tinham flores desenhadas ou figurinhas alusivas ao sexo.

A campainha do telefone assustou Nina. Foi o aparelho da sala que tocou. Ao mesmo tempo, soou a extensão do quarto de dormir. Wilson apareceu imediatamente, apontando o aparelho e dizendo:

— Se não falar muito talvez consiga alguma coisa.

Nina captou imediatamente a ideia dele. Esperou que o telefone tocasse três ou quatro vezes e pegou o fone, perguntando com voz arrastada, como a de quem acabara de acordar:

Pronto?

Olá Jane? Aqui é Susan... Estava dormindo? -Sim.

Foi o que eu imaginei. O que fazemos agora?

Qual a sua sugestão? - resmungou Nina.

Do outro lado do fio houve alguns segundos de silêncio. Em seguida a voz de Susan tornou a falar:

-       Se devemos nos juntar a eles e ir para lá, não podemos perder mais tempo. Que tal se eu passar como carro para apanhar você. Mas nada de nos atrasar esta manhã com sua coisas. Sabe ao que me refiro, não é?

-       Está certo.

-       Depois teremos tempo para estas coisas! - exclamou Susan rindo. - Até logo. Estarei aí em menos de vinte minutos, amorzinho.

-       Ótimo.

Susan desligou e Nina fez o mesmo. Wilson Falk, que se colocara ao lado da espiã para poder ouvir a conversa telefónica, ficou olhando seriamente para o aparelho.

Não sei - murmurou Falk - Eu diria que ela não notou nada... Qual é a sua opinião?

Não tenho muita certeza. Mas ficaremos sabendo em menos de vinte minutos. Se ela vier, é que aceitou minha voz sonolenta como sendo a de Jane. Se não vier... devemos procurar outra pista capaz de nos aproximar de Pershingwall.

 

Susan apareceu.

Do interior do chalé, olhando pela janela, Nina e Wilson viram o carro aparecer na avenida, brilhando ao sol. O carro parou diante da casa de Jane Talbot e uma linda jovem ruiva, de movimentos vivos, nervo­sos, saiu do automóvel em seguida, aproximando-se com rapidez.

-       Que coisinha louca - sussurrou Wilson Falk.

—    Na certa é lésbica.

-       Precisava tirar meu entusiamo lembrando este detalhe?

—    Vamos abrir - disse Nina com um sorrisinho zombeteiro. - E nada de confiarmos demais, hem?

Ouviram a chamada na porta. Wilson colocou-se de um lado, com a pistola na mão e Nina abriu. Diante dela Nina sorriu docemente. Mas o sorriso mudou-se em susto ao deparar com Nina, que também sorria.

- Entre - disse a espiã. - Jane ainda está se arrumando. Você nos apanhou na cama, quando telefonou.

A expressão da ruiva nublou-se. Olhou para o interior da casa e, em seguida, para Nina. Finalmente entrou, com passos decididos e hostis.

Nina fechou a porta e Wilson tornou-se visível, com a pistola na mão, apontada para a ruiva. Sorriu para a ruiva, que engoliu em seco, inquieta.

— Como vai Susan? - perguntou Wilson.

- Quem são vocês? - gaguejou Susan.

Wilson e Nina. Escute, vamos expor a situação para você do modo mais conciso e claro possível. Soubemos que você e Jane tinham que se encontrar para irem a algun lugar com "eles". Na certa são alguns dos homens de Dago, não é mesmo? Com quem vocês iam para lá. E lá só pode ser o lugar onde Dago está instalado nos Estados Unidos. Pois bem... Nós matamos Jane e estamos dispostos a fazer o mesmo com você, Susan, caso não nos leve até "eles". Entendeu?

Não é verdade - balbuciou a ruiva. - Ela não está morta...

Refere-se a Jane? Entre e vá ver.

Wilson apontou a saleta e Susan entrou nela. Deu um grito ao ver a enorme massa branca de Jane Talbot estendida no chão. Correu e ajoelhou-se a seu lado... Mas escondeu o rosto entre as mãos ao ver como havia ficado o rosto de Jane.

Quando retirou as mãos do rosto, Susan viu, aponta­do para seu olho esquerdo, o cano escuro munido de silenciador, a menos de um palmo de distância.

Atrás da arma, com os lábios contraídos e a expressão dura, os olhos imóveis, como se estivessem vitrificados, estava Wilson Falk, que perguntou sua­vemente:

-       E então, Susan?

— Eu... eu os levo ao lugar onde... onde marcamos encontro com eles...

Qual é esse lugar?

Bem, é uma encruzilhada que há ao norte de Baltimore. Entre Cockeysville e Ashland. Depois de Cockeysville...

A que horas é o encontro? - perguntou Wilson.

Ao meio-dia.

O ex-espião historiador consultou o relógio de pulso. Enrugou a testa e apontou para a porta, acrescentando:

Você nos dará todas as explicações que quiser pelo caminho. Tratemos de ir para lá. Quantos homens são?

Dois.

Bem vamos dizer o que você deve fazer, para que eles não descofiem ao não verem Jane em sua companhia. Isso, supondo que nós cheguemos antes. Se, quando chegarmos, eles já estiverem, não valerá a pena representarmos uma comédia.

Estamos perdendo tempo demais – murmurou Nina Warren.

 

Susan deteve a carro no cruzamento que apareceu pouco depois de deixarem para traí a localidade de Cockeysville. Não havia pessoa alguma por perto.

No banco traseiro do veículo, escondidos para não serem vistos do exterior, estavam Wilson e Nina. Com cautela, ao se aproximarem, os dois viram logo que não havia ninguém esperando.

Não chegaram - murmurou Nina.

Está certo - disse Wilson. - Fique dentro do carro, Susan, sem aparentar nervosismo. Acenda um cigarro.

A ruiva obedeceu, Nina Warren tinha um ouvido apuradíssimo. Apurou-o ainda mais, tentando captar algun ruído vindo do exterior. Não ouviu coisa alguma.

Susan acendeu um cigarro e apoiou o cotovelo na janelinha do carro. Parecia muito tranquila. De repen­te, Nina Warren captou um som que a deixou atordoada. Um décimo de segundo apenas.

Mas foi o suficiente. Quando compreendeu que o som vinha de uma cápsula de vidro que se quebrara no interior do carro, o gás contido na cápsula já fazia efeito sobre ela, sobre Wilson e sobre a própria Susan.

Segundos depois, três homens apareceram entre os pinheiros. Um deles trazia um rifle com o qual disparara a cápsula de gás narcótico que chegara ao interior do automóvel da ruiva.

Os três se aproximaram do carro, contemplaram os três passageiros adormecidos e um deles comentou:

- As pessoas estão mais fracas a cada dia que passa. Dormen em qualquer lugar...

 

                         Prisioneiros

Das diversas sensações a que mais persistia era a de estar voando. Ou melhor: a de ter estado voando pois, agora, não voava e sim navegava.

Espantou-se em ter tão clara e, súbita consciência disso. Estava deitada de costas, e no alto, via um teto de tela metálica. Não era um teto, compreendeu logo. Era o fundo de um beliche.

Então ela estava deitada num beliche e tinha um acima. Balançou a cabeça e viu a vigia fechada. Pelo vidro pode ver ainda o céu azul que começava a escurecer.

Sabia perfeitamente que durante horas estivera submetida aos efeitos do gás que haviam jogado no interior do carro. Sabia ainda que durante aquelas horas de inconsciência recebera várias injeções, que a mantiveram naquele estado de torpor, provocado por alguma droga. Droga que lhe produzira alucinações e que agora, pareciam lembranças distantes. Como de outra vida.

Respirou fundo, pigarreou e mexeu-se. Do beliche de cima surgiu Wilson Falk, que foi ajoelhar-se ao lado dela, encarando-a de testa enrugada mas tentando, ao mesmo tempo, esboçar um sorriso.

Já acordou, hem? - murmurou ele. - Como se sente?

Fomos drogados, não é mesmo? - perguntou Nina no mesmo tom.

Sim para não incomodarmos durante a viagem. Acho que viajamos de carro, de avião, de helicóptero e agora estamos num barco. Sem dúvida estamos dando a volta ao mundo.

- Imagina que esse tal Pershingwall esteja instala­do num local distante dos Estados Unidos?

-       Não - respondeu Wilson, pensativo. – Levando em conta o que está tramando, deve estar nos Estados Unidos.

—    Sendo assim, estamos perto de uma das nossas costas. Você acordou há muito tempo?

-       Quinze minutos, mais ou menos. Vi que você dormia. Verifiquei que estávamos trancados neste camarote. Garanto como neste barco viaja gente armada. Por isso enfrentarei a situação com calma. Principalmente levando em consideração um detalhe: não nos querem matar. Ao menos por hora... Se o quisessem já o teriam feito.

Nina Warren balaçou a cabeça afirmativamente. Estendeu a mão para Wilson e ele ajudou-a a levan­tar-se e sair do beliche. A espiã ficou parada um instante, verificando que estava em condições físicas normais. Depois, aproximou-se da vigia e olhou para o mar que, naquele momento, tinha uma tonalidade plúmbea. Isto não agradou a Nina Warren. Abriu a vigia e mal respirou o ar fresco vindo de fora, disse:

—    Não estamos no mar. Não cheira a mar.

Tem razão - concordou Wilson, farejando o ar. - Bem, eu não tinha aberto a vigia antes. Só olhei e pareceu-me ver o mar.

Parece, mas não é. Estamos navegando num lago.

Em boa nos metemos. Se estivéssemos no mar saberíamos estar no Atlântico ou no Pacífico... Mas se estamos num lago... Há centenas de lagos.

— Não como este. Estamos bem ao norte. Possivel­mente perto do Canadá. — Como pode ser isso?

-       Porque quanto mais ao norte, mais se sente o ar frio e úmido. Dia a dia detesto mais o frio e meus ossos percebem logo. Não me   espantaria se estivéssemos navegando num dos Grandes Lagos.

Wilson Falk tornou a enrugar a testa. Pestanejou e acabou concordando. Em seguida deu de ombros e ficou olhando para o exterior.

Os dois permaneceram alguns minutos de pé, diante da vigia. Escureceu rapidamente. No céu ficou a recordação de um belíssimo incêndio vermelho que foi perdendo a cor, tornando-se mais pálido e passan­do do vermelho para o arroxeado, até tornar-se escuro de todo.

Os dois foram sentar-se no beliche inferior e Wilson grunhiu:

-       Tiraram tudo o que tínhamos. Inclusive os cigarros.

-       Pois não fumaremos! - exclamou Nina.

Quase meia hora mais tarde os motores da embar­cação pararam de funcionar. Pouco depois compreen­deram que haviam jogado a âncora. O barco balança­va-se suavemente.

Pela vigia viram as estrelas. Ao apertado camarote vinha de vez em quando o ruído de vozes.

Mais dez minutos se passaram até que, finalmente, a porta do camarote abriu-se e Susan apareceu, acompanhada de dois homens armados.

Saiam - ordenou a ruiva. - Vamos desembarcar.

Onde estamos? - perguntou Nina.

Feche o bico - disse um dos homens.

Inesperadamente, parou diante de Wilson e acer­tou-lhe um chute brutal nos testículos. Não o atingiu por milagre, pois Wilson adivinhou a intenção do sujeito e juntou as coxas, girando com os quadris.

De qualquer modo o golpe foi tremendo e o derrubou. O outro homem aproximou-se e deu um pontapé no estômago do ex-espião. Nina fez um gesto em direção a eles mas uma pistola apareceu na mão de Susan, apontada para ela.

-       Deixe-os - murmurou a ruiva. - Eles estão fazendo isso por ordem minha. Eu amava Jane.

Nina imobilizou-se, contraindo os lábios. Viu os dois sujeitos continuarem a espancar Falk, que rolava pelo chão, protegendo o rosto. Mas recebia os golpes no estômago, nas costelas, nos rins, por toda a parte.

Acabou perdendo os sentidos, é claro. Ficou caído como uma massa inerte no meio do pequeno camarote, de cara voltada para o teto.

-       Levem-no - ordenou Susan. - Eu me encarrego dela.

Os dois homens carregaram Wilson, arrastando-o de qualquer maneira. Susan fez um gesto indicando a porta e Nina saiu do camarote. Pouco depois, do convés da embarcação, que parecia um pesqueiro, mas não cheirava a peixe, passaram para um bote que os levou para a terra.

O bote enterrou a quilha na areia. Wilson Falk que recuperara os sentidos, foi empurrado para fora do bote. Caiu na areia que mais parecia lodo e um dos sujeitos deu uma risadinha.

Nina pulou para terra e ajudou Wilson a ficar de pé.

Não muito longe dali, terra adentro, Nina viu passarem as luzes de um automóvel.

-       Andem - ordenou Susan.

Ajudando Wilson a caminhar, Nina seguiu em direção a estrada. Voltou a cabeça para trás duas vezes. Viu o lago. O barco não tinha luzes acesas. Nem as regulamentares.

Caminharam muito pouco até chegarem a estrada. Atravessaram-na e continuaram andando. Mal haviam percorido trezentos metros, avistaram as luzes de um veículo. Wilson já se recuperara totalmente.

O veículo deteve-se diante deles. Era uma cami­nhonete, em cujo compartimento de carga se acomo­daram Nina, Wilson, Susan e os dois sujeitos.

Mas a caminhonete só partiu quando chegou um terceiro homem, trazendo a maletinha de Nina Warren.

Aí, sim, a caminhonete partiu.

Parou quase uma hora mais tarde. Isso nada signi­ficava. Mesmo que tivessem percorrido sessenta ou setenta quilómetros, podiam tê-lo feito dando voltas no mesmo lugar, continuando perto do local onde o barco havia ancorado.

Um dos homens abriu a porta da caminhonete. Todos desceram. Diante da caminhonete havia uma casa, bem grande, com várias janelas iluminadas.

Nina e Wilson foram empurrados em direção à casa. A porta abriu e um sujeito alto, gordo, forte e peludo apareceu. Sorriu ao ver Nina e sem maiores protocolos apalpou-lhe grosseiramente os seios.

Wilson rosnou um palavrão mas Nina o conteve, segurando-o pelo braço. O gigante gordalhão tomou a rir.

Levou-os para a porta da esquerda. Abriu-a e afastou-se. Quando Nina passou por ele, recebeu uma palmada nas nádegas. O gigante deu mais uma risada.

Nina não fez o menor caso. Chegaram a uma sala. Nina viu o homem que os contemplou com ar de curiosidade. Imediatamente, ficou sabendo que se encontrava diante do próprio Dagobert Waldo Pershingwall.

Ficou sabendo porque o homem que se encontrava na sala tinha cara de coruja. Uma cara redonda, larga, com olhos enormes que pareciam hipnotizados. O nariz e a boca eram pequenos. As orelhas, pontiagu­das. Como se ele mesmo quisesse acentuar sua aparência de coruja, penteava os cabelos negros e lisos repartindo-os ao meio.

Quanto ao mais, era normal. Estatura comun. Físico comun. Usava um roupão de seda de cores vivas.

O olhar hipnótico do personagem fixou-se alguns segundos em Nina Warren. Depois, desviou-se para Wilson Falk.

Como vai Wilson? - perguntou o sujeito com cara de coruja, com voz aguda e irritante,

Vá para o inferno - grunhiu Wilson. - Ou acha que pode rir de mim?

Rir, talvez não - respondeu o homem do roupão de seda. - Mas posso matá-lo agora mesmo.

-       Isso pode. Mas vá rir do nariz da sua mãe, ouviu? O cara de coruja balançou a cabeça afirmativamen­te e acrescentou:

-       Depois daquilo andamos procurando você duran­te algum tempo. No final, resolvi deixá-lo sossegado. Principalmente nos últimos tempos pois tenho um negócio muito importante em mãos e não podia perder tempo, nem comprometer-me com ninharias.

Aí você aparece e mata Jane. Não podia deixar as Coisas como estavam?

-       Não. Também liquidei Jack Drysson.

-       Sei. Felizmente quando sua companheira tentou enganar Susan não conseguiu, e tivemos tempo de preparar a armadilha. Apenas porque tenho uma pergunta a lhe fazer, Wilson. Porque complicou a vida em troca de uma vingança absurda? Está aborre­cido de viver, Wilson?

-       Não mais gostaria de atrapalhar seus planos. Para isso, entrei em contato com a CIA, oferecendo-me para ajudá-la a encontrar você. Para tal recorri a velhas amizades como Jack Drysson.

O cara de coruja tornou a balançar a cabeça e voltou os olhos redondos em direção à Nina Warren, a quem perguntou:

A senhorita é da CIA, naturalmente. -Sou.

Adoro a CIA - murmurou Dago, sorrindo.

É o maior bando de canalhas e de inúteis que já conheci. Não está de acordo com isso, senhorita... Senhorita o quê?

-       Nina Warren - apresentou-se a espiã. - E não costumo discutir as opiniões das pessoas que se encontram em posição vantajosa.

-       Muito sensato de sua parte - admitiu Pershingwall. - É agente da CIA, mesmo? De verdade?

-       Sim, fui escolhida para entrar em contato com Wilson, a fim de ouvir a proposta dele. E fiquem sabendo que meus companheiros podem encontrar-me antes de duas horas, graças a determinador truques... especiais.

Dago arqueou as sobrancelhas. O homen que trou­xera a maletinha de Nina aproximou-se de Dago e sussurrou-lhe ao ouvido. Depois abriu a maletinha, mostrando-lhe o conteúdo.

Os dois cochicharam mais um pouco, enquanto examinavam o que havia na maletinha. Dagobert Waldo Pershingwall sorriu e tornou a voltar-se para a belíssima espiã, dizendo:

- Jane Talbot e eu tínhamos feito um pacto. Ela trabalhava na parte dela e eu me ocupava de assuntos de maior envergadura, que sem dúvida a senhorita já conhece. Quer que lhe explique qual era o pacto que havia entre eu e Jane, senhorita Warren?

Sim. Gostaria de saber.

Pois verá... Eu dava a Jane uma boa quantidade de dinheiro, e ela se instalava temporariamente perto de uma cidade bastante populosa, dedicando-se a procu­rar garotas simpáticas e bonitas, é lógico. O objetivo disso era surtir-me de moças periodicamente, pois gosto de variar minhas amiguinhas. Gosto de ter várias perto de mim para escolhê-las segundo o gosto do dia. Eu sabia que Jane era lésbica e que procurava moças que fossem, também, carinhosas com ela. Mas isso não me incomodava, acredite. Embora usando meu dinheiro, Jane sempre conseguia as melhores garotas para ela e para mim. Aqui temos Susan, por exemplo. Era uma das contratadas. Ultimamente ajudava Jane. Não gosta de Susan?

Muito bonita - disse Nina.

 

Bonita? É espetacular. Mas deixemos isso de lado. Eu estava falando do meu pacto com Jane. Estou explicando porque quero compreender o que você e Wilson fizeram. Ao matarem Jane deixaram-me sem a minha fornecedora de garotas.

Susan pode ocupar o posto de Jane – sugeriu Nina.

Não é má ideia - murmurou o cara de coruja, arqueando as sobrancelhas. - Mas isso exige tempo.

Estive pensando que, enquanto Susan reorganiza meus... caprichos nesse sentido, a senhorita, que certamente é maravilhosa, será a encarregada de satisfazer as minhas exigências sexuais. Que lhe parece?

-       Parece-me que o senhor é um infeliz. Como pode pensar nessas coisas, um homem que espera conse­guir cinco bilhões de dólares sob a ameaça de exterminar dez milhões de vidas?

-       Tem uma língua de víbora, nem, senhorita Warren?

-       O senhor é um cretino. Depois de conhecê-lo, não acredito que seja capaz de cumprir sua ameaça. Por uma razão muito simples: um bobo do seu calibre é incapaz de organizar o plano adequado. E não teria a menor ideia de como fazer para conseguir dez artefatos atômicos. O senhor é um palhaço com cara de coruja.

Wilson Falk deu uma gargalhada, contemplando com ar de zombaria o espantado Dagobert Waldo Pershingwall que, por sua vez, olhava atordoado para Nina Warren. A espiã uma expressão firme, herméti­ca, impenetrável.

-       Então a senhorita não acredita que eu tenha os artefatos atômicos preparados para serem disparados,

hem? Nem me acha capaz de organizar um plano de semelhante envergadura...

-       Claro que não, infeliz - continuou Nina Warren, usando um tom provocativo.

—    Bem... Por esta noite deixaremos as coisas como estão, pois preciso cuidar de assuntos diversos e urgentes. Mas no devido tempo, senhorita Warren, voltaremos a este ponto. A senhorita e Wilson pode­rão, então, convencer-se plenamente da realidade. Já viajou amarrada a um projetil atômico?

Já viajei até num foguete espacial – respondeu Nina Warren. - Nada que lhe passe pela cabeça será capaz de me surpreender.

Tem certeza disso?

Absoluta.

Dagobert Waldo Pershingwall sorriu perversamen­te e disse:

Veremos. Com a senhorita eu vou divertir-me, porque é muito insolente. Sempre é mais divertido dominar uma pessoa insolente que uma "maria vai com as outras". Não acha?

O senhor é um fanfarrão. Nem sequer chegará até o dia de amanhã, porque a CIA o aniquilará.

—    Continuaremos a conversa em outro momento — disse Dago, fazendo um gesto expressivo. – Vão instalá-los em qualquer lugar até que eu possa cuidar dos dois adequadamente. Fora daqui.

Pouco depois, Nina e Wilson foram fechados em um quarto do andar térreo cuja janela fora tapada há tempos, com grossos tijolos. O ex-espião contemplou a espiã da ativa com ar divertido e preucupado ao mesmo tempo, sentenciou:

Você parece louca... Provocar Dago, pelo menos, é uma loucura.

Então nós dois estamos loucos, não é? Wilson deu de ombros e começou a tirar a roupa, deixando à mostra sua musculatura não muito volumosa mais impressionante, pelas belas formas e pela potência. Havia em seu corpo alguns sinais dos golpes recebi­dos e Wilson murmurou:

Susan também me pagará. Escute, é verdade que a CIA vem no nosso rastro?

— Se eu pudesse usar o rádio que está em minha maletinha, ligaria o emissor de sinais e ele serviria para meus companheiros nos localizarem. Aí, não tardariam a aparecer. Enquanto não conseguir recu­perar minha maletinha estamos sozinhos, infelizmen­te. E abandonados à nossa sorte.

Juntos até a morte, hem? - exclamou Wilson.

Ou até que a espionagem nos separe.

Porque repete essa frase? O que está querendo me dizer?

A verdade é que nada é especial – murmurou Nina Warren. - Não faça caso. Devo ter gostado da frase e nada mais. Que tal se tentássemos dormir? É conveniente estarmos bem descansados para não deixarmos escapar qualquer oportunidade que talvez apareça.

Não vai ser fácil - rosnou Wilson. - Eu posso insultar Dago e você pode fazer dele o juízo que quiser... mas de tonto ele não tem nada, garanto. Não precisa que alguém o dirija ou o apoie economica­mente. Se o desgraçado decediu lançar os doze projéteis atômicos, pode ter certeza de que o fará.

Mesmo que paguem os cinco bilhões de dólares?

Ah, não - exclamou Wilson, voltando a cabeça. - É esperto demais para isso. Se, apesar de receber o dinheiro, cumprir a ameaça, na próxima vez não pagarão o que ele pedir, pois temeriam que, de qualquer modo, ele cumprisse a ameaça.

Então depois desta jogada dos projéteis atômicos ele vai inventar outra jogada para pedir dinheiro à Casa Branca?

-       Dinheiro ou qualquer outra coisa - disse Wilson, balançando a cabeça. - Talvez peça a frota da marinha dos Estados Unidos...

Nina ficou imóvel um segundo, olhando para Wilson. Depois, aproximou-se do catre que havia no quarto, apalpou-o e enrugou a testa, resmungando:

Enfim... já dormi em lugares piores.

Pior passarei eu - grunhiu Wilson. - Que vou dormir no chão.

Nada disso - cortou Nina. - Você dormirá comigo no catre. Mas por favor, Wilson, nada de tolices. Combinado?

Hum, estou vendo que ainda não se apaixonou por mim...

Quem sabe? - respondeu a espiã, sorrindo. – Mas você sabe que nós mulheres somos muito hipócritas e gostamos de dissimular...

 

                                 A revolta

O dia seguinte transcorreu simplesmente em bran­co. Permaneceram encerrados no quarto, sem verem pessoa alguma e sem saber o que estava acontecendo ao redor.

Nem sequer levaram água e comida. E os cigarros que tinham, acabaram.

A segunda noite passada naquele lugar foi igual­mente tranquila e silenciosa. Nada a destacar. Pela manhã, apareceu Susan, escoltada por dois ou três homens que já conheciam os prisioneiros. Trouxeram comida e água, que deixaram em cima da mesinha, comentando:

-       Para ele não deveríamos ter trazido nada. Por mim pode arrebentar. Mas você é um encanto...

O homem falou olhando para Nina Warren. A espiã arqueou a sobrancelhas com um gesto simpático, enquanto Wilson comentava:

O mesmo digo eu, desgraçado. Não há a menor dúvida. Se Nina tivesse que escolher entre você e eu, sei quem escolheria.

A quem? - perguntou Nina. - A quem escolheria? Você é tão tolo quanto Jane - rosnou Wilson. - Ainda não notou que Nina e eu estamos apaixonados um pelo outro? Logo, não nos venha com desvios sexuais. Porque não dá o fora e nos deixa sossegados, para continuarmos fazendo amor, hem?

Não conseguirá provócar-me - disse Susan fria­mente. - Muito breve terei o prazer de arrancar suas tripas com minhas mãos.

Não fique assim - murmurou Nina, seguindo o jogo de Wilson. - Seria uma pena você se sujar de sangue arrancando as vísceras dele com as mãos. Você tem mãos tão bonitas...

Acha mesmo bonitas as minhas mãos? - pergun­tou Susan aproximando-se.

— Você sabe que são — respondeu a espiã num tom carinhoso. - E estão perfumadas...

Alegro-me que tenha notado isso! – exclamou Susan, rindo. - Quanto ao perfume que uso é o seu.

Tive essa impressão. Pegou na minha maletinha não foi?

Exato. Você tem muito bom gosto para tudo. Por isso me surpreenderia muito se deitasse com esse nojento. Não fez isso, hem?

Claro que não - disse Nina suavemente.

— Alegro-me em saber — murmurou Susan acari­ciando lentamente o rosto de Nina. - É uma pena você e eu não nos termos conhecido em melhores circuns­tâncias.

-       Ora, sempre é tempo de se iniciar uma boa amizade, Susan.

-       Venha logo e deixe de idiotices - grunhiu um dos sujeitos. - Temos muito o que fazer. Acabe com a brincadeira e vamos embora, Susan.

A ruiva continuou olhando para Nina Warren. De repente deu meia-volta e encaminhou-se para a porta. No quarto, hermeticamente fechado, ficaram Wilson e Nina. O rapaz contemplou a companheira e murmu­rou:

- Devo reconhecer que você tem arte para mentir. Estava começando a creditar que passava uma canta­da em Susan.

— A ideia foi sua - exclamou Nina rindo. — Mas não creio que funcione.

-       O caso é sair daqui. Afinal de contas não creio que seja tão terrível assim trocar umas caricias com Susan.

-       Porque não faz essa troca com Dago? – insinuou Nina em tom de protesto.

-       Porque Dago não é homosexual – respondeu Wilson, tornando a rir. — Se fosse, pode ter certeza de que eu tentaria conquistá-lo. Talvez aí conseguísse­mos enganá-lo e fugir daqui. Mas como é você que tem a oportunidade com Susan, continue enquanto puder.

— Está bem - rosnou Nina, dando de ombros. -Farei o possível mas não acredito que dê grande resultado. Agora, tratemos de comer e de beber.

Dedicaram-se à refeição, com serenidade e comedimentos. Durante alguns minutos não pensa­ram em mais nada. De fora do quarto-cela não vinha som algum.

— Se ela está com sua maletinha você deveria fazer o possível para que a trouxessem — disse Wilson, de repente.

Tentarei. Mas não devemos considerá-la uma idiota, Wilson.

Suponhamos que você consiga a maletinha. Poderia realmente avisar a CIA?

Disponho de três possibilidades para fazê-lo - respondeu Nina. - Uma deles consiste pura e simples­ mente num rádio camuflado num maço de cigarros. Não só é o mais prático, como é o de maior alcance. O outro consiste em uns minúsculos emissores que funcionam quando os carrego em mim. Com o calor de meu corpo. O terceiro é um pequeno emissor de sinais a pilha, de alcance parecido ao anterior e que, igualmente, serve para que um receptor vá situando o lugar de onde partem os sinais. Você deve conhecer estes sistemas, pois não são novos.

Sim - concordou Wilson. - Droga! Se pudésse­ mos conseguir sua maletinha!

Se Susan reaparecer por aqui, tentarei. Mas Susan não reapareceu. Apareceram, muito mais tarde, os três sujeitos de cara feia. Um deles indicou Nina e rosnou:

Você. Venha conosco.

Wilson iniciou um gesto em direção a eles mas as pistolas apareceram como por arte de mágicas nas mãos dos homens. O ex-espião soltou um palavrão e ficou colado ao chão.

Nina olhou para ele, fez um gesto de despedida e encaminhou-se para a porta. Chegando ao corredor viu um dos sujeitos movendo a rosca que fechava uma tranca de um dos lados da porta.

O outro indicou o caminho! Nina foi andando diante dos três homens. No vestíbulo viu o sujeito alto e gordo, que a encarou com uma expressão faminta. Um dos acompanhantes agarrou Nina pelo braço e levou-a escada acima. Pelas janelas do amplo vestíbulo entrava a claridade da noite.

Chegaram ao andar superior e um dos sujeitos abriu uma porta. Moveu a cabeça, mandando Nina entrar no quarto. Nina entrou e o sujeito fechou a porta pelo lado de fora, deixando-a sozinha.

- Como vai - disse Susan, recebendo Nina com um comprimento acolhedor. - Como passou o dia?

A espiã semicerrou os olhos e observou o quarto. Não havia grande coisa para ver. Era um quarto agradável, embora fosse fácil notar que a casa fora dotada, apenas, do mínimo de conforto para ocupa­rem durante alguns dias. O necessário para poderem ficar ali durante determinada operação. Na certa a operação relacionada com a ameaça de Pershingwall.

Depois de olhar ao redor, Nina voltou-se para Susan que usava, apenas, uma calça curta, deixando a mostra o resto de seus encantos. Belos quadris, seios maravilhosos, pernas bem torneadas.

Não quer responder? - insistiu Susan.

Claro que sim, embora não seja necessário. Passei um dia terrível. Lá naquele quarto fazia muito calor.

É verdade. O tempo está começando a esquentar. Inclusive nesta região. Por isso uso tão pouca roupa. Pode fazer o mesmo, se quiser.

O que está pretendendo? - perguntou Nina, com ar desconfiado.

Nada de mais. Quero passar uns instantes agradá­veis ao seu lado. Isso é tudo.

Nina Warren tornou a olhar ao redor. Em cima da mesinha estava sua maletinha. Mas sua expressão não se alterou.

Quer pôr um pouco de perfume? – perguntou Susan. - Mas perderia seu tempo se quisesse usar o rádio disfarçado no maço de cigarros. Dago ficou com ele.

Era de imaginar...

Vamos não seja boba... Dago já foi e você pode passar bons momentos aqui comigo. É melhor que naquela cela sem ventilação. Espero que não tente fugir porque Leo e Barry estão lá fora, no corredor. São muito meus amigos.

Sei. E o outro?

Peter foi com Dago.

Para onde?

Não se preucupe. Levará algum tempo para voltar. Tempo suficiente...

Suficiente... para que?

-       Olhe, estou tentando poupar você de coisas aborrecidas, ouviu? - disse Susan, impacientando-se. - Se não fosse por mim Dago já a estaria usando sexualmente. Hoje, sem dúvida, você estaria transfor­mada num trapo, aguardando a hora de morrer. Graças a mim, está em boas condições e não passou por maus momentos até agora. Logo, o mínimo que poderia fazer, era agradecer-me.

De que modo?

Não banque a inocente. Sabe perfeitamente o que eu gostaria de fazer com você. Nina Warren tornou a sorrir. Mas só com os lábios. Os olhos continuaram observando Susan. Sabia que algo não estava funcio­nando de modo normal naquela situação. Havia qualquer coisa que não se encaixava direito.

Tornou a olhar pela janela. Se havia algo fácil para Nina Warren, naquele momento, era desembaraçar-se de Susan e fugir pela janela. Poderia fazê-lo com toda a facilidade. Tinha certeza, portanto, de que lhe haviam preparado uma armadilha, embora não conse­guisse adivinhar de que se tratava.

Gostaria que tomássemos um pouco de champa­nha? - propôs Susan.

Adoraria - afirmou a espiã, começando a tirar a roupa.

Susan abriu o armário e apanhou um balde de gelo com uma garrafa de champanhe. Tirou, também duas taças.

Comprei esta manhã quando estive em Lutsen - explicou a ruiva. - E fiz tudo sem Dago perceber.

Formidável.

Susan serviu as duas taças de champanhe, depois de abrir a garrafa com movimentos hábeis e precisos, evitando que a rolha especasse ao ser retirada.

As duas riram. Susan parecia nervosa, ao contem­plar o corpo escultural de Nina que estava, agora, usando apenas a calcinha e nada mais.

O olhar de Susan parecia devorar os belíssimos seios da espiã. Seios redondos e rijos. Aproximou-se de Nina com uma taça em cada mão. Estendeu uma para Nina, sussurrando:

— Você é maravilhosa...

Nina pegou a taça... e movimentou-se quando Susan inclinou-se e beijou-lhe o bico do seio esquerdo. Naquele instante, com um só golpe, Nina poderia ter fulminado a ruiva. Mas permaneceu imóvel. Estremeceu quando a língua de Susan deslizou suave­mente pelo seu peito. Recuou um passo, balbuciando:

Não tão depressa, por favor...

Desculpe querida...

Tomaram champanhe, olhando-se nos olhos. Onde estava a armadilha? Em que consistiria? Ou tratava-se, realmente de um capricho de Susan, capricho que ela queria satisfazer aprveitando-se da ausência de Pershingwall? Seria só isso? Uma lésbica que pensa­va divertir-se com ela?

-       Não acha o amor uma coisa maravilhosa? - perguntou Susan.

Nina dirigiu-lhe um olhar levemente perverso. Com quem julgava estar brincando?

Absolutamente maravilhoso - respondeu Nina, aceitando a jogada. - Mas há coisas que não podem ter propriamente o nome de amor.

A que se refere?

Acha, realmente, que duas pessoas do mesmo sexo possam estar apaixonadas... que possam amar-se?

Claro que sim! - exclamou Susan. - Querida, os sentimentos e o sexo têm a ver com o comportamento ou com as relações das pessoas. Os sentimentos e osexo são coisas muito vivas e variáveis.

-       Vivas e variáveis - repetiu Nina. - Sim. Talvez você esteja com a razão. Mas há coisas que...

Voltou-se bruscamente para a porta, que acabara de abrir-se. O sujeito alto e gordo apareceu. Fechou a porta pelo lado de dentro e contemplou as duas sorrindo. Parecia um gorila sarnento divertindo-se.

-       O que deseja, Honoré? - perguntou Susan muito tensa.

-       Quero ver como duas mulheres fazem estas coisas — disse ele, ampliando seu sorriso animalesco.

-       Vou divertir-me bastante vendo como duas mulhe­res fazem essas coisas entre elas. Logo, tratem de começar...

-       Saia daqui imediatamente - ordenou Susan, apontando a porta. - Se eu chamar Leo e Barry eles lhe darão uma surra...

— Leo e Barry precisaram sair — informou Honoré.

-       Receberam um chamado urgente de Dago. Muito em breve estarão todos de volta, com os caminhões. Agora estamos apenas nós na casa. Vamos, façam logo o amor de vocês.

-       Não gostaria de tomar parte na brincadeira? – propôs Nina Warren, rindo. - Venha tomar uma taça de champa­nhe conosco. Depois nos divertiremos os três.

-       Boa ideia - exclamou Honoré, entusiasmando-se. Nina Warren esvaziou sua taça, apanhou a garrafa e tornou a encher a taça. Ofereceu-a gentilmente a Honoré, e a mão peluda do gorila segurou-a com cuidado, como se quisesse evitar triturar aquele delicado objeto de cristal.

-       À sua saúde! — exclamou o homem, rindo.

-       Muito gentil - murmurou Nina, aceitando o brinde.

Com a garrafa de champanhe na mão, assestou, de repente, um tremendo golpe na fronte esquerda de Honoré. O gorila emitiu um ronco abafado, girou nos calcanhares, revirando os olhos, e soltou a taça. Caiu de bruços, um enorme estrondo. Ficou imóvel no assoalho.

Susan não conteve um gritinho de espanto. Correu para a porta mas Nina agarou-a pelo pulso e a obrigou a voltar-se, encarando-a de frente.

-       Quer que quebre sua cabeça também? - pergun­tou Nina agitando a garrafa de champanhe.

— Não. Não faça isso. Você me mataria.

-       Claro que sim, porque você não deve ter a cabeça tão dura como a de Honoré. E agora, ouça com atenção, beleza: sente-se na cama e fique quietinha ou vai se haver comigo. E ficará sabendo como eu sou quando me enfezo de verdade. Entendeu?

Sim... sim...

Muito bem. Sente-se.

Empurrou-a para a cama e ficou observando-a. Depois, encaminhou-se para a maletinha. Abriu-a e examinou-lhe o conteúdo com ansiedade.

Não haviam deixado nada que pudesse ser usado como arma. Absolutamente nada. Nem as ampolas de gás, nem as cápsulas incendiárias, nem a escova de cabelo contendo um fino estilete no cabo.

Também não estava lá o maço de cigarros com o rádio camuflado. Felizmente estavam os emissores de sinais que funcionavam com o calor do corpo, após se fazer nele uma leve pressão.

Nina olhou para Susan, que permanecia imóvel. Honoré também não se mexeu mais, pois Nina ficou com receio que o coração dele também tivesse parado. Aproximou-se para examiná-lo. Verificou que o gorila peludo, realmente, não vivia mais.

Dirigiu um olhar a Susan e murmurou:

-       Viu só? O champanhe foi indigesto para o Honoré.

Susan não respondeu. Seu olhar estava tenso. Assustado. Assustada demais, na opinião de Nina. Afinal, eram duas mulheres. Uma contra outra.

Porque Susan estaria com tanto medo?

Voltou para junto da maletinha e retirou o invólu­cro de papel de alumínio de dois emissores de sinais. Pareciam drágeas analgésicas. Engoliu as duas. Em seguida, procurou onde esconder o outro emissor de sinais, após acioná-lo.

A partir daquele momento a CIA tinha três fontes emissoras. Três aparelhos estavam funcionando. O importante eram os sinais poderem chegar a distân­cias enormes, onde pudessem ser captados pelos agentes da CIA.

Não ia ser fácil mais era a aportunidade mais razoável.

Deite-se de bruços na cama e cubra a cabeça com o traveseiro - ordenou Nina.

O que vai fazer comigo? Eu não queria...

Pare de gemer e faça o que eu mandei.

Susan obedeceu. Nina colocou o último emissor sob um dos ângulos do colchão com tal perícia que Susan nada percebeu. Em seguida, Nina dirigiu-se ao ponto onde havia deixado suas roupas e colocou o sutiã. Não havia uma só arma em todo o quarto. Nem Honoré estava armado.

Acabava de ajustar o sutiã quando percebeu do exterior o motor de um automóvel, e umas luzes amarelas apareceram e desapareceram rapidamente.

Ouviu a batida de uma porta sendo fechada. Correu para a porta do quarto, esquecendo-se do resto das roupas. Precisava tirar Wilson do quarto-cela o quan­to antes. Antes que Dago e seus acompanhantes entrassem na casa. Precisava, ainda, aproveitar aque­les segundos para encontrar umas armas com as quais pudessem enfrentar a situação.

Abriu rapidamente a porta do quarto, deu um passo para fora... e a boca de um silenciador apareceu diante de seu rosto.

De algun lugar soou a voz de Dagobert Waldo Pershingwall:

- Volte para dentro, senhorita Warren. Vamos ter uma pequena conversa.

 

                           Os chineses

Peter empunhava a pistola. Fora ele quem acompa­nhara Dago. Os outros dois, Barry e Leo, estavam a direta de Peter, também empunhando suas armas. À esquerda estava Pershingwall, contemplando-a, com um ar meio irónico, meio surpreso.

- Recue - insistiu.

Nina Warren olhou para as três pistolas apontadas em sua direção. Contraiu os lábios e recuou. Os quatro homens entraram atrás dela.

Susan pulou da cama e ficou sentada, pálida, dizendo num tom histérico:

-       Dago, ela me enganou... Disse que se a tirasse de lá seria amável comigo, e perguntaria coisas para saber como, mais tarde, poder agradar a você. Eu achei que era uma boa ideia.

-       E não era? - murmurou o cara de coruja, interessando-se com ironia.

-       Ela mentiu - prosseguiu Susan. - Matou Honoré e tirou coisas da maletinha. E as engoliu.

Dago olhou para Nina. Ela compreendeu que o safado não precisava de novas explicações. Sabia perfeitamente que ela engolira dois transmissores de sinais.

Evidentemente enganara-se com ele. Wilson tinha razão. Dago não era um idiota. Enganara-a inclusive, entrando na casa sem fazer o menor ruído. Descon­fiado, possivelmente, por não ter visto Honoré sair para recebê-lo, como deveria ser normal. Mandou o motorista do carro fazer barulho com o motor, para que ela, então, percebesse que um carro se aproxima­va. Isso deu a Dago alguns segundos para andar livremente pela casa.

Então a CIA pode rastreá-la, senhorita Warren? - perguntou Dago, num tom amável.

Exato - respondeu Nina.

— Sim, mas enquanto seu corpo tiver calor suficien­te para fazer as pilhas funcionarem, não é mesmo? Se por exemplo, fosse levada para uma câmara frigorífica ou simplesmente a matassem, e seu corpo esfriasse, os emissores deixariam de funcionar, não é mesmo?

Nina não respondeu. Esforçou-se, inclusive, para não pensar no emissor escondido sob o colchão e que, evidentemente, passara desapercebido por Susan.

-       É uma lástima você ter precipitado as coisas desta maneira - prosseguiu Dago. - Teríamos passado horas bem agradáveis juntos. Eu, pelo menos, teria passado. Bem, espero não surpeendê-la demais, se lhe disser que uma coisa são os negócios e outra, o amor. Todos nós sabemos que não é bom misturar-se um com o outro.

-       Mesmo que me mate a CIA o encontrará. E meus ompanheiros farão picadinho de você.

-       Talvez. Mas... quem falou em matá-la? Nada disso — disse Dago, com um sorriso satânico. — Ao contrário. Vamos proporcionar a seus companheiros na boa pista... Veremos se serão capazes de segui-Julga que eles poderão rastreá-la quando viajar num dos meus projéteis? — Você não tem nada disso.

-       Não? Bem, prometi a você que viajaria amarrada em um dos mens projéteis atômicos e vou cumprir a promessa. Quanto ao fato de eu não ter os artefatos... Gostaria de vê-los?

Claro que sim.

Pois vou fazer sua vontade - murmurou o cara de coruja, tornando a sorrir. - É o mínimo que merece, considerando que vai viajar num deles. Amarrem bem as mãos dela às costas, pois não confio muito nessa moça, depois de ver o que ela fez com Honoré. Aonde vai?

A pergunta dirigida a Susan obrigou-a a parar em seco, voltando-se sobressaltada para Dago.

Vou vestir-me para...

Não se incomode - cortou Dagobert, arrebatando a pistola de Peter e apontando-a para a ruiva. – Nós a enrolaremos num lençol.

Plop.

Susan deu um grito quando a bala bateu brutalmen­te em seu estômago. O impacto foi tremendo e a ruiva deu um salto, indo cair de costas em cima da cama, com as mãos crispadas, cobrindo o furo enorme feito pela bala. De sua boca brotou um ronco abafado e seu corpo estremeceu.

Santo Deus - murmurou Nina Warren.

Venha depressa - disse Dago. - Não podemos ficar aqui muito tempo depois disso. A CIA nos encontraria facilmente, senhorita Warren, e nós nada mais temos a fazer aqui, pois os projéteis já chega­ram. Devemos levá-los para as rampas de lançamen­to.

Não seria melhor matá-la? - sugeriu Peter. – Se esse negócio dos transmissores funcionam mesmo...

Sou eu quem diz o que se deve fazer – atalhou Dago.

Ninguém fez novas objeções. Com os cordões de uma velha cortina, as mãos de Nina foram amarradas às costas. Depois, usando apenas o sutiã e as calci­nhas, a espiã foi levada para fora do quarto.

Desceram para o vestíbulo, onde mais dois homens apareceram, aproximando-se de Dago.

Falk continua na cela - informou um deles. – O que fazemos?

Por enquanto deixem-no lá mesmo. Mais tarde eu me encarregarei dele. Agora precisamos levar daqui os caminhões. Certifiquem-se de que cada um leve uma equipe de homens adequada, e repassem pela última vez o trajeto a ser feito. Já descarregaram o computer?

Estão cuidando disso.

Ótimo. Cuidem vocês pessoalmente da instalação da caminhonete. E muito cuidado, pois sem o computer nada teria utilidade.

Os dois homens balançaram a cabeça afirmativa­mente e saíram da casa, após Nina, Dago e os outros três. Na escuridão do exterior destacavam-se o for­mato de vários caminhões, graças às luzes refletidas pelas janelas. Em alguns pontos movimentavam-se as luzes das lanternas, e destacavam-se as silhuetas de alguns homens ao redor dos caminhões.

Dago apontou um deles e os cinco para lá se encaminharam.

O que é o computer? - murmurou Nina.

Não sabe o que é um computer?

Perguntei o que é o "seu" computer.

Você é penetrante, hem? O que é o computer? Bem, digamos que é o cérebro final da operação. Todos os projéteis foram programados para que, lançados de determinado lugar, para o qual se dirigi­rão agora, caiam com toda a exatidão no alvo que lhes foi destinado. Está claro que a ativação desse progra­ma precisa estar contido em um computador, não lhe parece?

— Então nesse computador estão programados os dez disparos e a trajetória dos projéteis corresponden­tes.

Exato - exclamou Dagobert, rindo. - E igual a todos esses aparelhinhos instalados atualmente nos escritórios. Você digita um determinado código e o aparelhinho lhe dá a resposta. Só que, neste caso, cada vez que eu digitar um determinado código, um projetil será disparado em busca de seu objetivo. E não haverá necessidade sequer da minha presença perto dos projéteis. Esteja onde estiver, se eu digitar o programa de disparo dos projéteis eles serão dispa­rados. Não é fantástico?

Não acredito.

Problema seu - retrucou Dagobert, tornando a rir. - Ficará convencida quando for disparado o projetil ao qual vai ser amarrada. Enfim, à ultima hora, talvez eu decida poupar-lhe tão trágico e violento destino e prefira levá-la para um lugar onde instalarei meu próximo   harém de garotas camaradas. Vê aquela caminhonete? Pois ali está sendo carregado o computer. E nele irei eu, quando estivermos acabado de desocupar esta região. Talvez... Talvez eu decida levá-la comigo. Por enquanto você merece uma boa lição, por ser tão audaciosa.

A esplanada diante da casa ficou para trás. A uns vinte metros de distância, tornaram a parar junto a um dos caminhões. No interior dele havia dois homens, que pularam para o chão a uma ordem de Dagobert.

Um deles foi até a cabine apanhar umas cordas, com a qual a senhorita Warren seria amarrada ao projetil. Do chão, Nina Warren olhou para o formato cilíndrico e escuro que se encontrava dentro do caminhão, bem amparados por suportes metálicos.

À esquerda verticalmente, avistou a cabeça do projetil, e a direita, a parte da cauda. Ou estava tendo visões ou ali se encontrava, realmente, um míssil.

Dago riu novamente e Nina compreendeu que o cara de coruja adivinhara seus pensamentos.

Ele subiu para o caminhão e ordenou que a subis­sem também. E a empurrou para junto do míssil, dizendo:

- Volte-se de costas e toque com suas lindas mãozinhas neste lindo brinquedo. Não vai pensar que é de papelão ou de algum material parecido. Trate de convencer-se, senhorita Warren, de que não estou brincando.

Parece - murmurou Nina. - De onde tirou estes mísseis?

Ah, começa a acreditar em mim, não é mesmo? Bem, alegro-me por ver que começa a raciocinar melhor. De onde os tirei? Chegaram, digamos, por via marítima.

- Seria mas acertado dizer por via lacustre. Não estamos perto do mar e sim à margem de um dos grande lagos. Eu me atreveria a afirmar que se trata do Lago Superior. Ou seja: se os projéteis chegaram de barco, isso significa que vieram do Canadá.

A senhorita o disse.

Mas o Canadá não tomaria parte numa coisa dessas contra os Estados Unidos.

Não esquente a cabecinha. Digamos que os projéteis chegaram aos Estados Unidos através do Canadá e finalmente, num pesqueiro canadense, que atravessou o lago sem problemas.

Tudo isso confirma que você trabalha para alguém... Não quer dizer-me para quem?

-       Ainda não compreendeu. Ou não quer compreen­ der. Não trabalho para ninguém, senhorita Warren. Eu simplesmente, estive muito tempo... economizan­do e procurando dinheiro por muitos meios, a fim de conseguir a quantia necessária para conseguir estes projéteis... Foi uma inversão de capital a longo prazo, e que agora me dará muito lucro. Um lucro assaz interessante: cinco bilhões de dólares.

O que fará com os projéteis depois que a casa Branca lhe pagar?

Ah, isso quer dizer que a Casa Branca pensa realmente em pagar?

Naturalmente.

Ótimo! O que farei com os projéteis? Bem, talvez os venda.

Isto não seria justo. Se lhe pagarem cinco bilhões de dólares o senhor deveria entregar os projéteis em troca.

Pensei no caso — murmurou Dagobert sorrindo. - Amarrem-na bem. Mesmo que a Casa Branca pague, terei que mudar meus planos a respeito da senhorita Warren. Não poderei lançá-la no espaço. Que pena! Seria um espetáculo formidável.

Se não vai lançar os foguetes seria melhor levar-me em sua companhia na caminhonete - disse Nina.

Não queira bancar a esperta - exclamou Dago rindo.

Nina Warren foi amarrada fortemente a um dos mísseis, numa posição forçada e ao mesmo tempo, sugestiva. Ajudado pela luz de uma lanterna, Dagobert verificou se a espiã estava amarrada a seu contento.

Depois, ordenou a todos os seus homens que saíssem do caminhão. Quando os dois ficaram sozi­nhos, o cara de coruja agarrou com a mão livre a beira da calcinha de Nina Warren e arrancou-a com um puxão violento.

Apontou a lanterna para o sexo da prisioneira, que permaneceu tensa, procurando atrás da lanterna o rosto de Pershingwall, para estudar-lhe a expressão.   Dagobert, porém, apagou a lanterna de repente, e Nina ouviu sua voz meio abafada dizer:

   — Vou fazer amor com você, espiã.

Nina Warren sentiu em primeiro lugar, nas coxas e no ventre, os lábios frios daquele homem. Seu corpo estremeceu. Experimentou uma sensação de náuseas quando a boca do cara de coruja chegou a dela, e ali ficou num beijo lento, úmido, podre.

A língua de Dagobert entrou na boca de Nina como uma víbora morta. A espiã não conteve um grito de nojo e virou a cabeça de lado, com força, interrom­pendo aquele beijo repugnante.

Ouviu a gargalhada de Dago e em seguida, mais uma vez, a voz dele:

- Vou possuir você... Está na posição perfeita. Vai gostar, aposto. Se me satisfazer direitinho, tanto como sua beleza promete, eu a conservarei viva durante uma temporada. Será a rainha do meu harém... até chegar o momento de liquidá-la... quando me aborrecer de fazer amor com você.

Nina sentiu a mão dele em suas coxas. O contato repelente tornou-se mais intimo. Os dedos dele me­xiam-se ansiosos. De repente, sofreu um contato inconfundível. Dagobert arquejava, como se estives­se tendo dificuldade para alcançar seu objetivo.

No momento em que Dago, com um grito de vitória, parecia ter alcançado seu alvo, as luzes de um veiculo destacaram-se do lado de fora do caminhão. Vozes fortes ecoaram.

Dago soltou um palavrão e afastou-se de Nina Warren, pulando para fora do caminhão.

 espiã continuou atenta, sem acreditar em sua sorte. Sentia o duro e frio contato do aço em suas costas. O suor empapava-lhe o corpo.

A tensão e o nojo haviam sido excessivos. Tudo aquilo parecia um pesadelo que, de repente, tivesse chegado ao final. O que teria acontecido para que Dagobert abandonasse de modo tão precipitado o objetivo que demonstrava estar ansioso para atingir? Pelo jeito, alguém acabara de chegar... Novos persona­gens tomariam parte na trama. Novos personagens que, a julgar pela reação provocada em Dago, deviam ser muito importantes. Mais importantes que o próprio Dago.

Durante mais de cinco minutos, Nina não ouviu nada. Captou, apenas, o clarão de algumas luzes fugidias. Ouviu, depois, o ruído de um motor de caminhão. Depois outro, e mais outro. Nina ficou com os cabelos em pé.

Os caminhões estavam deixando aquele lugar. Cada um deles transportava um míssil que seria lançado se a Casa Branca não pagasse.

Mas a Casa Branca ia pagar.

Ou não?

Haveria alguém que quisesse bancar o esperto e preferisse não pagar os cinco bilhões de dólares?

Ouviu de repente, junto ao caminhão, um barulho diferente. Ergueu a cabaça como pôde. Na escuridão exterior, viu o vulto de um homem subindo e pulando para o interior do veículo.

O homem aproximou-se dela, tateando. Nina sentiu suas mãos ávidas lhe tocarem os seios, as coxas, o ventre... Mas o homem, sem dúvida, recomendara a si mesmo um pouco de prudência. Parou de apalpar a prisioneira. O ruído suave de um isqueiro ecoou no interior do caminhão. Nina viu o rosto do homem, que acendia um cigarro.

Tratava-se de um chinês. O isqueiro apagou-se.

Um chinês. Ora, por que não podia Dago ter empregado naquele caso um homen de raça chinesa?

O homem ficou fumando. Pelo jeito, aguardando alguma coisa. De vez em quando seu rosto se iluminava pela brasa do cigarro reavivada.

Dois minutos não se tinham passado, quando Nina ouviu a chegada de mais três homens. Novamente forçou o pescoço, tentando olhar para o interior do caminhão. Viu os três homens avançando para ela.

Um deles falou com o chinês, em seu idioma. O que chegara primeiro tornou a dar uma tragada no cigarro e Nina pôde ver o rosto dos três recém-chegados. Também eram chineses.

-       Santo Deus... Os chineses! Dez projéteis atômicos e um louco. Os chineses... Não podia acreditar. Mas... por que não? Por que não podia ser a China que estivesse interferindo naquele caso?

Os três chineses desapareceram e o que chegara em primeiro lugar acabou o cigarro e esmagou-o no chão. Estavam esperando algo, sem dúvida.

De repente uma voz ecoou vinda do exterior do caminhão. E Nina estremeceu, pois identificou a voz no mesmo instante: era a de Wilson Falk.

Ei, vou subir... A prisioneira está aí?

Sim - respondeu o chinês. - Dago enviou-me para ficar vigiando.

Eu também. Na certa ele não confiou em você... já tirou uma casquinha dela?

O chinês riu. Mas uma vez, Nina tentou mover a cabeça. Distinguiu a silhueta de Wilson Falk entrando no caminhão. Viu-a recortar-se com a pouca clarida­de que vinha de fora.

À sua direita ouvia a respiração do chinês. Viu o vulto de Wilson aproximando-se. Captou o brilho de uma faca e ouviu o estertor do chinês a seu lado, após receber na carne o impacto da lâmina de aço.

Ouviu também, o grunhido de Wilson e novamente o impacto do aço enterrando-se na carne do chinês. Nina imaginou o sangue do desgraçado jorrando pela boca.

Pouco depois ouviu o sussurro de Wilson, pergun­tando:

-       Você está bem, querida?

— Sim. Desamarre-me, depressa. Precisamos...

Acalme-se.

Como conseguiu escapar?

Silêncio! Não estamos numa reunião social. Vou soltá-la. Pularemos do caminhão e trataremos de dar o fora daqui, com quantas pernas tivermos. Lá fora há mais de uma dúzia de chineses armados até os dentes.

— Mas... de onde saíram? O que têm a ver com tudo isso?

-       Cale-se de uma vez.

A faca ensanguentada cortou as cordas e Nina ficou de pé, dolorida. Mal moveu um pé, esbarrou no corpo do chinês. Abaixou-se, localizou-lhe o rosto e pousou o dedo na carótida do amarelo.

O chinês estava morto. Wilson devia ter-lhe perfu­rado a facadas o baixo ventre ou talvez o coração...

—    O que está fazendo? — perguntou o ex-espião, ansioso.

-       Já vou. Mas antes, diga como escapou.

—    Susan abriu a porta e morreu em meus braços. Pediu-me que matasse Dago.

Wilson pulou para fora do caminhão. Nina o imitou. Respirou fundo, deleitando-se com o ar puro. Ainda havia algumas luzes na casa. Diante dela estavam no mínimo, uma dúzia de homens. E armas brilhavam.

Wilson Falk agarrou Nina pelas mãos e puxou-a para o meio das árvores. Ainda tiveram tempo de ouvir uma voz em chinês. Depois, a medida em que se afastavam, tiveram a impressão de mergulhar num silêncio infinito.

Por entre os galhos dos arbustos apareceu de repente a claridade da lua. Nina deteve-se, segurando Wilson pela mão.

—    O que aconteceu? — perguntou o ex-espião, inquieto.

-       Precisamos voltar até lá - sussurrou Nina. - Precisa­mos anular completamente esta operação, Wilson.

Como? Todos os caminhões já devem ter saído. O seu era o último. Não temos como alcançá-los.

Talvez Dago ainda esteja na casa. Se estiver,também estará a caminhonete com o computer.

De que diabos está falando? Dago pode estar na casa e o tal computer também. Mas há mais de quinze homens armados, sabia? O que deseja? Que nos matem?

Podiamos...

Não podíamos nada! Escute, beleza, se ainda não entendeu, eu explico. Dago, seja lá como for, aliou-se aos chineses. Foram eles que forneceram os projéteis. Do jeito que as coisas estão, o mais sensato e darmos o fora, entrarmos em contato com a CIA e informá-la de que Dago, realmente possui os malditos projé­teis e que a melhor coisa a fazer é pagar a ele... Expliquei direito?

-Sim.

-       Então vamos cair fora. Mais adiante veremos se é conveniente procurarmos os projéteis ou acusar a China na ONU, ou seja lá o que for. Agora, tratemos de fugir. Certo?

-       Não - disse Nina Warren. Movimentou-se velozmente. Com energia, Wilson

Falk recebeu o impacto do pequeno punho duríssimo e teve a sensação de que no interior de sua cabeça acabara de explodir um petardo ou uma porção de fogos de artifício. E desmaiou, caindo de costas aos pés da espiã.

 

                           Caso resolvido

Dagobert Waldo Pershingwall viu o grupo de chineses irem embora. Sorriu e entrou na casa. Todos já se haviam retirado, exceto os dois homens que o esperavam na caminhonete. Um, no interior do veícu­lo, com o computer, e o outro ao volante.

Dagobert queria certificar-se de que não deixara na casa coisa alguma capaz de proporcionar à CIA uma pista para encontrá-lo. Seria uma idiotice, depois de ter realizado o plano de modo tão perfeito.

Ou quase perfeito.

Na realidade... existe a perfeição?

Vagamente, Dagobert intuiu que não, quando en­trou no gabinete no qual dirigira sua parte na opera­ção. Teve a certeza de que a perfeição não existia, ao ver sentada atrás da mesa a senhorita Warren.

Ou era uma alucinação?

Sim, claro. Devia ser uma alucinação.

-       Olá cara de coruja - saudou a senhorita Warren. O espanto de Pershingwall foi tão grande que não acertou em coordenar suas ideias. De repente, admi­tiu a perigosa realidade. A senhorita Warren estava ali e não em outro lugar.

Estava ali, tinha uma pistola na mão e em cima da mesa encontrava-se a maletinha dela.

Ficou sem fala, estou vendo — disse a espiã, com um sorriso encantador. - Mas as coisas são assim. Assim é a vida. Não paramos de ter surpresas. Ah, obrigada por ter conservado minha pistolinha neste gabinete.

Como... como pode estar aqui? — gaguejou Dago.

-       De corpo e alma. Vamos, reaja, homem. Não há motivo para tanto. Direi como ocorreu tudo. Wilson foi salvar-me. Nós dois fugimos. Depois eu dei um golpe nele para que não me impedisse de voltar até aqui. Eu queria apanhar o que me pertencia e dizer-lhe que você é um homem muito mau, Dago. Tão mau que vou matá-lo sem a mínima contemplação.

- Não.. Não, espere... Espere! Isto não é obra minha, juro!

— Como não é? - exclamou a espiã americana, espantando-se comicamente. — Você passou o tempo todo dizendo-me o quanto é esperto, gabando-se do que sabe fazer... Como vem dizer agora que não é obra sua? De quem é, então?

Dele... De Wilson. Foi ele quem planejou tudo!

Que tolice! Foi precisamente Wilson quem forne­ceu à CIA um modo de localizá-lo, Dago.

Sim, mas tudo... tudo estava preparado assim... Ele precisava fazer o papel dele, para que tudo fosse convincente. Ele planejou tudo. Inclusive a morte de Jack Drysson, a de Jane Talbot, a de Susan, a do chinês do caminhão... Usou todos como comparsas, incluindo eu para você acreditar em tudo e quando... quando os projéteis forem disparados você acusasse a China de ter interferido na operação.

Isso quer dizer que os projéteis iam ser dispara­dos, mesmo que a casa Branca pagasse os cinco bilhões de dólares?

-       Claro! Wilson está furioso com a CIA porque descobriu a traição dele há alguns anos e o jogou numa vida dura e cheia de problemas. Passou muito tempo planejando tudo isso. Ele está louco. Eu não passo de um cúmplice insignificante.

-       Vejam só como as coisas mudam, hem? - murmurou Nina. - Antes , você era o rei. Agora, não passa de bobo da corte... e o rei é Wilson. Não é assim?

Exato. Ele sempre foi o chefe. Ele tramou tudo. Contratou vários chineses, pesqueiros, mulheres... Tudo foi feito por ele.

De onde tiraram os dez projéteis?

—    Não sei.

Está bem claro que os mísseis são autênticos, não é mesmo?

Creio que são autênticos.

—    E você sabe de onde ele os tirou?

-       Foram facilitados por alguém que odeia os Estados Unidos,   mas com a condição de que não mencionassem jamais quem os forneceu. Wilson explicou o plano de envolver os chineses, para parecer obra deles, e quem ajudou Wilson achou muito bom. Mas juro que não sei quem o ajudou.

Em resumo, o que pretendia Wilson Falk, afinal de contas?

Vingar-se. Receber cinco bilhões de dólares e, apesar disso, lançar os foguetes para danificar o mais possível o potencial científico dos Estados Unidos, causando o maior número possível de vítimas. E se as zonas de impacto ficassem desguarnecidas de pesso­al, provocar o pânico em toda a nação. Ele queria assestar este golpe nos Estados Unidos. E outro golpe não menos doloroso na CIA quando enviasse sua cabeça. — Que cabeça?

A sua. Você não é a agente "Baby"?

Sou - respondeu Nina Warren, estremecendo. - Sim, sou eu. Então Wilson sabia que eu iria interferir neste caso, hem?

-       Ele me disse: se enviarem um homem para contato comigo, o plano prosseguirá de qualquer modo. Mas se enviarem uma mulher, querido Dago, essa mulher só poderá ser a agente "Baby". E saberei manobrá-la ao meu gosto. Farei uso dela para con­vencer a Casa Branca do horror que será se os dez projéteis explodirem. E depois, como já a terei identificado e localizado, eu a atrairei para uma armadilha que ela julgará ser um encontro de amor, ao qual não poderá corresponder. Aí, eu a violentarei, a esquartejarei e enviarei os seios, o sexo e a cabeça para a CIA. Então serei um homem feliz, porque me terei vingado de todos, começando pela CIA.

-       Dago... você não sentiu medo em instante algum, lidando com semelhante monstro?

Bem, ele... ele e eu sempre... sempre fomos amigos, desde meninos. E ele me pediu... que o ajudasse.

Tenho a impressão de que você jamais esteve na América Central e que ele contou-lhe uma porção de mentiras, seguindo este plano diabólico tão minucio­samente montado. De tudo isso deduzo, apenas, uma verdade: você, sim, é homosexual e sempre esteve apaixonado por Wilson Falk. Essa história das mulhe­res, o que quis fazer comigo... tudo mentira. Fingi­mento, disfarce. Não é verdade, Dago? Não é, cara decoruja? Sabe que Wilson acha que você tem cara de coruja?

E você tem cara de...

Ao gritar, Dago acabou de fazer a pistola escorre­gar pela manga, disposto a aproveitar a vantagem que julgava ter obtido, distraindo a espiã mais perigosa do mundo. Mas se havia algo mais distante da realidade era a distração de Brigitte "Baby" Montfort que simplesmente, sem se alterar, puxou o gatilho de sua pistolinha.

A bala cravou-se no meio da testa de Dagobert Waldo Pershingwall, que recuou um passo, caiu sentado, entortou os olhos, emitiu um ligeiro suspiro e desabou de costas. Nina Warren não lhe concedeu, sequer, um olhar de curiosidade.

Acabou de revistar a mesa de Dago, recolhendo o que pertencia a sua maletinha. Quando acabou, usou o tripé de alumínio para montar seu tubo-fuzil. Dentro dele colocou uma das ampolas explosivas. Após uma leve hesitação, colocou outra ampola no tubo. Aproximando-se da janela encaixando a culatra do tubo-fuzil que, na verdade, era o secador de cabelos. Abriu a janela, apontou para a caminhonete dentro da qual se encontrava o computer, o único dispositivo capaz de disparar os dez projéteis atômicos. Conteve a respiração um instante e atirou. A uns quarenta metros, a caminhonete transformou-se ime­diatamente numa bola de fogo e de fumaça. O computer saltou pelos ares, em pedaços. A caminho­nete também. E os dois assassinos profissionais que se encontravam dentro dela.

Os restantes seriam caçados pela CIA, sem grandes problemas, antes do amanhecer do novo dia.

 

                 ESTE É O FINAL

Até que a morte nos separe

Estava amanhecendo quando finalmente Wilson Falk ouviu barulho a seu lado.

Compreendeu que alguém se aproximava. Alguém que caminhava com cautela. Pela direção dos passos só podia dirigir-se, precisamente, para o lugar onde ele se encontrava.

Quem se aproximava, portanto, só podia ser Nina Warrem, Ou melhor: a agente "Baby". Sim, porque ele soubera o tempo todo, que a senhorita Warrem era a agente "Baby". Ou pensaram que ele fosse um pobre imbecil? Wilson só não entendia o fato dela o ter golpeado e que ao voltar a si, se encontrasse amarrado. Pés e mãos, solidamente. Tão solidamente que apesar do esforço que fizera tentando soltar-se, nada conseguira. Sentia os pulsos e os tornozelos doloridos. Todo o corpo lhe doía e estava empapado de suor. Tenso, furioso... Mas não pudera soltar um dedo, sequer.

De repente, à luz incerta do amanhecer, Nina Warren surgiu diante dele, avançando por entre os arbustos. A claridade do novo dia batia em cheio no rosto dela.

É você - gritou Wilson. - Posso saber o que significa isso? Por que me golpeou? Por que me deixou aqui amarrado?

Porque seria impossível, com o ferimento recebi­do no ventre, que a pobre Susan tivesse a oportunida­de de sair da cama na qual caiu já morta, querido. Você devia ter encontrado uma explicação melhor para sua libertação.

Mas... de que está falando?

Direi de outra maneira, amor. Duas vezes eu disse a você que estaríamos juntos até a espionagem nos separar. É o que costumo dizer aos meus amigos e aos meus bons inimigos. Mas você não é meu amigo nemum bom inimigo a quem devo respeitar. Logo, não ficaremos juntos até a espionagem nos separar e sim, até a morte nos separar. E isso, amor, vai ser já.

- Não se atreveria a matar-me... Não teria cora­gem...

Nina Warren pestanejou, espantada. Em seguida, sacou sua pistolinha de cabo de madrepérola, apontou para a testa do ex-espião e puxou o gatilho.

Depois, com a maior tranquilidade do mundo, acendeu um cigarro e preparou-se para esperar o helicóptero que não tardaria a chegar, e no qual seguiria rumo a New York.

Era um lindo dia de verão.

 

                                                                                Lou Carrigan  

 

                      

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