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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CALÚNIA / Corin Tellado
CALÚNIA / Corin Tellado

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

CALÚNIA

 

— Ao seu sucesso, Michael Kerr.

Dan Bogart bebeu as últimas gotas de sua taça de campanha.

— Ao seu, Dan. Desejo ardentemente que você se torne o mais famoso jornalista de Nova Iorque. Quando eu chegar, quero vê-lo casado, com uma mulher encantadora e muitos filhos, passando as noites em casa, de chinelos.

Dan sorriu ironicamente.

— Não me queira tanto mal assim, Michael. Aos diabos com mulheres, crianças, lar e chinelos. Jamais me casarei; não suportaria a tirania de um lar.

— Hum, hum! Sua incredulidade me mete medo, Dan. Eu só não me caso porque minha profissão não o permite. Quem me dera ter um emprego como o seu! Amanhã mesmo estaria casado!

— Somos diferentes.

Michael encheu de novo sua taça e sorriu.

— Você nunca foi noivo, Dan?

— Claro que não. Gosto de todas as mulheres e elas me amam e apreciam o que escrevo, mas não amo nem sequer estimo a nenhuma. São todas iguais!

— Você é um cínico. — disse Michael, sorrindo.

— Pode ser. Quando pretende voltar, Kerr?

— Sei lá! Vamos ver se desta vez tenho mais sorte. Quero ganhar uma bolsa para ter o que nunca tive: um lar, filhos e amor.

— Que sentimental! — disse Dan, com uma risada escandalosa.

Ficou de pé. Não era alto, mas forte, bem constituído, de ombros largos e cintura fina.

Seus cabelos louros, sua boca grande e bem desenhada, com dentes muito brancos, completavam suas feições viris. Os olhos de Dan Bogart, verdes, brilhantes e penetrantes, tinham o poder de sondar a alma de quem o encarava. Ostentavam, além disso, certo cinismo incômodo.

Michael, mais alto que ele, possuía também cabelos louros muito claros. No entanto, seus olhos azuis careciam da chama de inteligência que animava os de seu amigo.

— Vamos dar uma volta por aí, Dan? Gostaria de despedir-me de você depois de experimentar algumas emoções.

— Se, se trata de amor, isto não é comigo.

— Você é o homem mais satírico que conheço, Dan.

— Vamos embora, Michael!

Saíram do apartamento de Dan e perderam-se pela rua tão vazia àquela hora da noite.

— Você sempre me desconcertou, Dan, com o seu jeito cínico. Mas, agora, isto é demais! Que houve com aquela linda cantora?

— Pare com isso, Michael, senão acabo ficando com dor de cabeça. Já nem lembro mais a cor dos olhos dela...

— Você tem razão ao dizer que somos diferentes. Quando eu amar alguma mulher, jamais a esquecerei.

— Isto eu pensava aos dezessete anos. Mas quando o homem chega aos trinta, já não acredita em amor e, muito menos, nas mulheres.

— Não me diga que já teve alguma decepção amorosa.

— Deus me livre! Nunca tive jeito para isso e sempre escapei a tempo. Quem tinha as decepções nunca era eu!

— Sem dúvida, você é cínico, incrédulo, falso...

— Falso, eu? Por favor, Michael, não me ofenda. Nunca enganei mulher alguma: sempre as adverti de que não pensava em casamento. Se assim mesmo preferiam a minha companhia, que podia eu fazer?

— Não acredita em nada, não é, Dan?

Este parou por um instante e disse, entre uma baforada e um sorriso:

— Creio na sua amizade. Michael e, isto é o bastante. Creio em meu sucesso profissional, que nem o tratante do chefe nega. E creio na Providência Divina, que me afastou a tempo de todas as mulheres por quem poderia ter me apaixonado.

— Olhe! — disse Michael, apontando para o fim da rua. — Não é uma mulher?

— Sim, parece uma mulher. — disse Dan, estalando a língua.

— Vem em nossa direção.

— Não quero aventuras, Michael. Você ficará com ela.

Michael o pegou por um braço.

— Espere, Dan, talvez estejamos enganados.

O vulto feminino se aproximava cada vez mais. Quando chegou bem perto, Michael cumprimentou-a em voz baixa, confiando o bigode.

— Boa noite. — respondeu, com um tímido sorriso.

Dan franziu a testa. A moca estava parada diante deles, como um animal encurralado. Não parecia uma mulher da vida, mas nenhuma mulher decente andaria sozinha pelas ruas àquelas horas.

— Você é muito bonita — disse Michael. — Quer beber alguma coisa conosco?

Ela vacilou. O lampião permitia a Dan ver com nitidez suas feições. Não teria mais de dezessete anos. Vestia um costume cinzento, sapatos baixos e suas mãos crispadas sobre o peito deixavam ver um anel de muito bom gosto. Cabelos cor de mel, olhos pardos e uma linda boca ornada de dentes de pérola completavam sua descrição. Possuía um suave encanto feminino. Ao reparar no pequeno sinal em seu queixo, Dan começou a rir, mas logo se conteve.

— Se quiser tomar alguma coisa, venha conosco.

Apesar de ainda vacilar um pouco, encolheu os ombros e deixou-se ladear pelos dois rapazes.

— Não sou o que vocês estão pensando — murmurou.

— Todas dizem isto! — debochou Dan. — Mulheres decentes não andam na rua a estas horas.

— Deixe de ser estúpido, Dan! — retorquiu Michael, muito mais sensível que seu amigo. — Vá embora, se quiser. Eu fico com ela.

Dan parou e encarou a jovem pela última vez.

— Espero que se divirta, Michael. Agora é a minha vez de censurar sua ingenuidade. Boa noite!

Depois de bater amigavelmente no ombro do amigo, deu meia volta e retornou ao seu apartamento.

Ficou arrependido de ter regressado. Gostaria de saber como terminara tudo aquilo; afinal, a moça era linda e muito jovem. Michael, com seu ar bonachão, sempre levava a melhor.

Despiu-se vagarosamente e tomou uma ducha. Ainda molhado, envolto no roupão, dirigiu-se ao telefone e discou.

— Ainda não regressou, senhor Bogart. — responderam, do hotel de Michael.

Desligou com raiva, deitou-se e fechou os olhos. Lamentava tê-los deixado. Pouco a pouco, o sono o invadiu. Tinha trabalhado muito naquele dia e devia voltar à redação às cinco horas. Acabou adormecendo, para acordar às quatro da madrugada com o despertador. Ainda tonto de sono, discou o mesmo número.

— O senhor Michael Kerr? Sim, senhor, chegou há uma hora e saiu de novo. Foi para o aeroporto. Quer deixar recado?

— Não, obrigado.

Desligou e vestiu-se rapidamente. Lançou-se à rua, onde tomou um taxi e disse ao motorista:

— Rápido, para o aeroporto. Dez dólares se conseguir chegar antes do avião sair.

O taxi voava pelas ruas. No assento traseiro, Dan Bogart, o inalterável, inclinava-se para frente como se quisesse correr mais do que o veículo. Assim que este parou, saltou, dizendo com seus botões:

— Michael tem que contar-me o que aconteceu com a menina.

Aproximou-se do balcão e perguntou, ansioso:

— O avião para a Espanha...?

Um dos empregados apontou-lhe, indiferente, o céu, onde Dan viu o grande pássaro cinzento alçar voo. Seus braços penderam ao longo do corpo mas, ao cabo de um minuto, encolheu os ombros e disse em voz alta:

— E que tenho eu a ver com as aventuras de Michael? Que se dane!

Dirigiu-se de novo ao taxi.

— Chegamos muito tarde. Leve-me à redação. Deu o endereço e recostou-se na poltrona, acendendo um cigarro e contemplando absortas as espirais de fumaça.

Um ano havia se passado. Dan Bogart, sentado em confortável poltrona atrás de uma mesa repleta de papéis e recortes de jornal, descansava os pés em cima da mesma. O som do telefone veio surpreendê-lo nesta cômoda posição.

— O que há, chefe?

— Venha até aqui um instante, Dan. Quero dar-lhe uma ótima notícia.

Minutos depois, ele estava no escritório do chefe, homem de cabeça completamente branca, pequenos olhos negros e inteligentes e sorriso afável.

— O que há, chefe?

— Dan, você não está um pouco cansado?

— Não me diga que minha crônica de ontem não está boa. Falei direitinho sobre a colônia de férias dos trabalhadores.

— Estava um pouco liberal, mas vou deixar assim mesmo. Mas o artigo fez-me pensar se você não estaria necessitando de umas férias...

— Se quer me despedir, diga logo.

— Você é um idiota, Dan.

— Já ouvi isto antes.

— Sente-se, Dan. Não o chamei para brigar com você. Apesar de você ser um homem muito estranho e ter ideias que me deixam doido, estou satisfeito com você. — mudou subitamente de assunto. — Já lhe disse que estou pensando em me aposentar?

— Aposentar-se? Puxa, isto é uma surpresa para mim.

— Mas é verdade, meu amigo, quero aposentar-me dentro de um ou dois meses e quero... Que me substitua.

Dan nem se mexeu, habituado às emoções. Disse, encolhendo os ombros:

— Sinto muito, chefe. Afinal de contas, comecei a trabalhar com você aos vinte e três anos. É um bocado de tempo!

— É verdade. Lembro-me de como você embarafustou pela relação com uma crônica de futebol, pedindo que eu a publicasse. Quando eu disse para você voltar na semana seguinte, ficou furioso, como se eu tivesse a obrigação de atendê-lo. O que você escrevera não estava ruim e pedi que escrevesse outro artigo, sobre o que mais o agradasse. Você escreveu sobre a bomba atômica, o que me deixou surpreso. Logo a seguir, como pedisse um artigo sobre Hollywood argumentou que este assunto era muito fútil e que escreveria sobre política internacional. Tive que empregá-lo.

— E assim passei a fazer parte dos “focas”.

— Mas logo compreendi seu valor. Seus artigos eram muito lidos. Você é um homem muito inteligente, Dan. Às vezes, tenho até medo de você. Pois bem, como eu ia dizendo, pretendo aposentar-me. Você toma umas férias, procura uma boa moça para casar e depois me substituirá.

Dan encarou-o fixamente e perguntou sorrindo:

— Que psiquiatra você prefere que eu chame, chefe?

— Não estou brincando, Dan. Falo de pai para filho.

— Mas, como nunca tive pai, não adianta. Você pode me dar férias e até mesmo me deixar seu posto, mas nunca me casarei. Por que você não se casou?

— É por isso que me atrevo a dar-lhe este conselho — disse, com voz embargada. — Nunca me casei e quando quis fazê-lo, já era muito tarde. Hoje, sinto imensa falta de um lar, de amor e de filhos. Meu lar é um clube, um salão de recepções. Sinto-me sozinho e isto me deixa louco. Quem chorará por mim, quando eu morrer?

— Não se perturbe por tão pouco. Quanto a mim podem me jogar no mar. E se você continua com este tipo de conselhos, vou-me embora. Prefiro falar de minha licença.

— Está bem. Algum dia você se lembrará de minhas palavras. Quanto às férias, pode partir amanhã. Para onde vai?

— Não sei. Vou pegar o trem e parar na primeira praia que encontrar. Depois lhe escreverei dizendo onde estou. Até a volta, chefe!

 

— Posso entrar, papai?

O senhor sentado à mesa do escritório nem mesmo levantou a cabeça, ao ouvir a voz de sua filha.

— Posso entrar, papai? — repetiu ela.

— Entre — disse, por fim, com a voz alterada.

— Que quer você, afinal, Ava? Estou trabalhando e não tenho tempo para nada.

Uma centelha brilhou nos olhos de Ava Haymes e um triste sorriso assomou-lhe aos lábios. Entretanto, aproximou-se da mesa onde estava seu pai.

— Queria falar-lhe sobre Jarry, papai.

— Outra vez, Ava? — disse este, com estranho brilho nos olhos pardos. — Quer recordar de novo tudo o que se passou?

— Não gosto de Jarry, papai. — disse, com firmeza.

O senhor Haymes deu um murro na mesa, abanando vigorosamente a cabeça grisalha.

— Há um ano que vocês são noivos e nunca soube disso. Espero que não venha com bobagens de fugir de novo. Não entrará mais nesta casa se teimar em repetir isto. Você deve se dar por satisfeita se Jarry ainda quer se casar com você.

— Não fiz nada de mal. — murmurou a jovem, debilmente. — Tinha o direito de defender minha felicidade. Não amo Jarry e não vou casar com ele por causa de seu dinheiro.

O pai levantou-se, sacudindo-a violentamente pelo braço.

— Jarry é mais velho do que você quinze anos. E eu tenho mais que sua mãe...

— Ela não é minha mãe! — gritou Ava com fervor.

A bofetada estalou-lhe no rosto. Ava permaneceu no mesmo lugar, mas o senhor Haymes não teve coragem de repetir o gesto.

— Sua atrevida! Quantas vezes já lhe, bati por esse mesmo motivo e como sofro com isso! Tenho os nervos à flor da pele. Eu tenho muitos anos mais do que sua mãe — repetiu. Ava estremeceu, mas nada disse. Ele continuou: — No entanto, somos felizes. Jarry tem mais alguns anos que você. Que são quinze anos em uma vida?

— Tudo! — retorquiu Ava, com firmeza.

— Mas tem dinheiro e você precisa disso.

— Não preciso de dinheiro. Quero amor!

— Cale essa boca!

Uma formosa mulher surgiu à porta do escritório. Seus olhos negros se pousaram sobre Ava e dirigiu-se a ela, colocando a mão em seu ombro. Mas a moça desprendeu-se bruscamente.

— Não me toque, Elvira! Não quero que nenhum de vocês me toque! — e retirou-se, soluçando.

O senhor grisalho passou a mão pela fronte. Elvira aproximou-se, carinhosa.

— Não se aflija, meu bem. Ava está muito nervosa desde que fugiu de casa.

— A culpa será minha, Elvira?

Os olhos da mulher deixaram transparecer a raiva que lhe ia no íntimo, mas sua voz era doce:

— Não, meu amor. Você adora sua filha e eu também a amo muito. Só queremos o seu bem. Ava se casará com Jarry, tenho certeza.

— Mas, Elvira, e se Jarry não a fizer feliz?

Sem dúvida alguma, Elvira dominava o fraco Harry, que nunca poderia suspeitar o ódio desta por sua filha.

— Jarry é elegante e tem muito dinheiro. Nós precisamos dele, lembre-se das hipotecas. Ava não ama Jarry agora, mas passará a amá-lo com o tempo. Além disso, nenhum outro homem se casará com ela depois que passou a noite fora de casa.

— Silêncio Elvira. Ava é minha filha e dói-me sacrificá-la. Ela não tem culpa de que eu tenha sido um esbanjador. Também odeio Jarry. — disse, com voz surda.

— Querido!

— Estou em seu poder. Pode tomar todos os meus bens do dia para a noite e para salvar o nome dos Haymes, tenho que vender minha filha. Sabe bem o que isto significa, Elvira?

— Sei muito bem o que significa uma filha, Harry. Nunca a tive, mas amo Ava como se fosse minha filha. Mas a vida não se reduz a esse drama passageiro. Só o casamento de Ava com Jarry nos pode salvar. Tenho a certeza de que ela compreenderá isso. Acabará amando Jarry. Não pense nisso, meu amor!

Ava Haymes, apenas com uma saída de banho e o cabelo preso em um coque, atravessou a praia.

— É muito atraente — comentou alguém.

— Mas anda sempre triste.

— Não é de se estranhar. Está noiva de Jarry Merrill, imagine! É o maior absurdo que já vi.

— Que exagero!

— Exagero? Jarry é muito rico, mas está acabado. Ficarão tal como Elvira e o senhor Haymes.

— Mas o senhor Haymes ama Elvira.

— Claro! Mas Elvira ama Harry? — disse outro, sorrindo.

— Claro que não!

— E Ava não quer casar com um homem a quem não possa amar.

Quem tecia esses comentários era um grupo de seis homens da cidade. Conheciam bem a família Haymes e Ava criara-se junto com eles. Sabia que o juiz Harry tivera apenas essa filha de seu primeiro matrimônio e que havia desposado sua antiga governanta, Elvira Bali. Mulher profundamente egoísta, fingira amar Ava até conseguir seu objetivo.

Depois, esbanjara a fortuna dos Haymes e desejava o casamento de Ava com Jarry, a maior fortuna da cidade. Ava, embora conhecesse as intenções de sua madrasta, não se atrevia a contá-las a seu pai, escravo dos caprichos daquela mulher.

— Você seria capaz de casar-se com ela? — perguntou um dos rapazes.

— Ava já teve uma aventurazinha, apesar de ser tão jovem. Todo mundo sabe disso. Mas, apesar de tudo, me casaria, assim.

Depois de algum tempo, o grupo se dispersou. Um de seus componentes procurou Ava, encontrando-a perto da cabine dos Haymes. Seus lábios traduziam amargor e não se podia ler em seus olhos devido aos óculos escuros.

— Como vai, Ava?

— Olá, Adolph. Não vai cair n’água?

— Sem você, não. E não pense que sou um conquistador barato. Nunca disse isso à mulher alguma.

— Eu sei, Adolph. Nunca pensei isso de você.

— Por que continua com ele, Ava? — indagou subitamente o rapaz.

— Está se referindo a Jarry? Não tenho outro jeito. Sou menor de idade e...

— Mas você não o ama?

— Claro que não?

Ia prosseguir, mas, ao levantar a cabeça, estremeceu. Aquele homem que avançava em sua direção... Seus incríveis olhos verdes... Colocou rapidamente os óculos e deitou-se na areia, exatamente ao mesmo tempo em que ele passava, ao seu lado. Mas Dan já a vira.

— Puxa, que surpresa! Como vai, querida?

Ava ficou imóvel. Era o mesmo homem que estava com Michael Kerr naquela noite fatídica... E a reconhecera. Mas como fora isso possível se só a vira por um instante e à noite? E por que a cumprimentava com tanta familiaridade? O que lhe teria contado Michael Kerr?

Dan sentou-se ao seu lado, fazendo com que Adolph se afastasse discretamente.

— Repito que foi uma deliciosa surpresa. — disse Dan, com tanta naturalidade como se, se houvessem visto na véspera. — Veja onde me trouxe o destino.

— Não foi o destino, mas a fatalidade. — disse Ava com emoção.

— Ora, a fatalidade! Não tenha medo, amiguinha, sou um homem discreto.

— Como se isso importasse! Não pode falar nada de mim

— Ah não!? Encontrei-a sozinha no meio da noite... Como é que você se chama? — perguntou, mudando subitamente de assunto.

Ava ergueu-se, olhou-o de cima a baixo e, tirando a saída, correu para o mar. Dan encolheu os ombros. Pensou em esperá-la, mas desistiu. Afinal de contas, a aventura fora de Michael, não sua. Ao pensar em Michael, percebeu que era a primeira vez que o fazia no ano inteiro.

— Sou mesmo um ingrato — murmurou com seus botões. E dirigiu-se para o Náutico.

 

Todas as moças da cidade notaram logo Dan. Embora algumas não ignorassem a dificuldade em apanhá-lo. Ás baterias femininas, assentaram-se em sua direção naquela mesma noite, na festa do Náutico. Dan deixou-se levar por elas: dançou e flertou com todas, divertindo-se às suas custas.

Ava o viu assim que chegou, ao lado de Jarry. Seu elegante terno preto se destacava no meio dos outros. Temia que ele dissesse alguma coisa do que se passara naquela noite fatídica. Mas Dan nem pensava nisso. Pelo contrário, cogitava como tirar proveito do que sabia, pois era um homem prático, sem muita ideia do que fosse correção moral.

— Parece-me que conheço o senhor ao lado dessa senhorita. — disse à sua companheira, despreocupadamente.

— Ah, sim! É Jarry Merrill, o ricaço da cidade.

Não acrescentou mais nada. Dan, que não gostava muito de dançar, permaneceu longo tempo recostado à balaustrada da varanda, dando tratos à bola para ver como conseguiria saber maiores detalhes sobre aquele estranho noivado.

Como sua companheira insistisse em dançar, acabou cedendo. Ao lembrar-se daqueles olhos pardos, procurou-os por todo o salão, mas só encontrou Jarry Merrill, apoiado ao balcão do bar.

Começou a desenhá-lo sobre a mesma de mármore, onde se sentara com Betty. Esta, ao percebê-lo, riu sarcasticamente. Dan ia falando enquanto desenhava:

— O nariz achatado... Olhos de rato encurralado... Cabelos pretos um pouco desbotados, boca sensual, lábios frouxos que lhe dão um ar de imbecil...

— Está perfeito! Sua profissão é fazer caricaturas?

— Às vezes. Diga-me uma coisa, por que essa jovem ficou noiva de um tipo assim?

— Que jovem, Dan? Está sozinho...

— Ah, pensei que ainda estivesse com ele. Já a vi em algum lugar.

— Ava Haymes já foi embora.

Ava Haymes? Então era esse o seu nome... Betty o convidou para dançar, mas Dan desculpou-se:

— Tenho uma reunião às duas da madrugada. Sou detetive.

— Oh, Dan! Como você me enganou! — disse Betty, indignada.

Andou durante algum tempo, pensando que gostaria de encontrar-se com a moça chamada Ava. Na manhã seguinte, procurou-a por toda a praia até que a encontrou sozinha, perto da cabine. Dirigiu-se para lá.

— Olá, Ava! Estou procurando-a a um século.

— Pois pode ir embora.

— Ir embora? Para onde? Sabe de uma coisa? Não gosto nada do seu noivo. Pena que Michael ainda não tenha voltado.

— Pouco me importa ele. O senhor está pensando que Michael e eu... ? — riu desconcertada. Que absurdo!

— No fundo, você bem sabe que não é absurdo nenhum. Mas que me importa isso? O importante é que o destino, ou a fatalidade, como você quiser, nos uniu.

— Ouça, senhor...

— Dan Bogart. Pode me chamar de Dan.

— Pouco se me dá. Quer fazer o favor de se esquecer de mim?

— E aquele encontro noturno? Vamos, Ava, que crueldade! Sabe que estava linda naquela noite?

— Juro que... — balbuciou, torcendo as mãos.

Dan soltou uma gargalhada.

— E que faria eu com tal juramente? Vi com meus próprios olhos... — inclinou-se para ela.

Ava sentiu que aquele homem jamais acreditaria em sua inocência.

— Quantos anos você tem?

— Por favor, senhor. Esqueça-se daquela noite. Estava desesperada.

— Todas as mulheres dizem o mesmo. Que pena! Aposto que você não tem mais de dezoito anos. Por que engana esse pobre Jarry Merrill?

Ava já suportara demais. Não bastavam seu pai e Elvira, tinha agora que suportar os insultos de um estranho. Seus olhos encheram-se de lágrimas, mas isto não comoveu Dan.

— Esta noite espero-a aqui mesmo. — disse, persuasivo.

— Por favor, vá embora! Seja cavalheiro uma vez na vida e acredite no que lhe digo. Juro que está enganado!

— Só acredito se o disser hoje à noite, neste mesmo lugar.

— O senhor nunca poderá compreender estas coisas, é um cínico, um descrente, um...

Um gemido abafou o restante de suas palavras. Correu para a água, deixando Dan desconcertado, por um segundo.

Mas sua reação foi rápida. Vira aquela moça vagando sozinha pelas ruas, altas horas da noite. Ela era tão hipócrita como as outras. Resolveu esquecer-se do incidente e deu umas voltas pela praia, onde foi bem acolhido tanto pelos rapazes quanto pelas moças.

Principalmente por estas últimas. De longe, viu Ava abandonar a praia e caminhar em direção ao centro da cidade.

Ava lia sossegada em seu quarto, quando a porta se abriu, deixando entrever a figura esbelta de Elvira.

— Minha filha...

O ódio de Ava era tão intenso que se refletia em seu rosto. Odiava aquela mulher por tudo o que fizera com seu pai e com ela.

— Que deseja Elvira? Já lhe disse para não vir ao meu quarto, meu único recanto. Não a quero aqui!

— Que ingratidão, minha querida!

Isto foi demais para Ava. Qualquer outro dia, talvez ô suportasse calada, mas naquela noite estava desesperada. Nunca esqueceria que fora ela a culpada de sua fuga de casa.

— Não me chame assim! Não suporto a sua falsidade! Pode poupar esforços comigo, porque já a conheço muito bem.

Elvira manteve-se serena, pois não lhe interessava ainda abrir o jogo. Ava ainda lhe proporcionaria excelentes trunfos, casando-se com Jarry.

— Não se perturbe dessa forma, Ava. Você pensa que sou má apenas porque casei com seu pai. Esquece-se de que ele estava muito sozinho e que você precisava de uma mãe.

— E você seria essa mãe!? Não me faça rir, Elvira. Você se casou com meu pai por interesse. Os Haymes sempre foram gente honrada e você veio manchar nosso nome, chegando mesmo a estragar minha reputação. Agora, todos pensam que eu sou uma perdida e que Jarry me faz o favor de casar-se comigo. Esse maldito Jarry, que odeio e de quem você espera alguns milhares de dólares...

— Cale-se!

— Este é o meu quarto e sempre que vier a ele, ouvirá coisa semelhante. Esta casa é pequena, demais para nós duas!

— Você é uma ingrata, Ava! — disse Harry Haymes, dirigindo-se a ela e sacudindo-a iradamente.

— Elvira a educou e amou e é assim que lhe paga. Peça já perdão por sua insolência!

Ava permaneceu calada. Não podia repetir diante dele o que dissera, mas jamais pediria desculpas àquela mulher.

— Você ouviu, Ava? Peça-lhe perdão!

Nem mesmo seus olhos cheios de lágrimas conseguiram comover seu pai. Ao ver que não obedecia, empurrou-a violentamente ao ponto de fazê-la cair ao chão. Elvira intercedeu por ela:

— Deixe-a, Harry. — disse, suavemente. — Já não me lembro que disse. Ava é uma criança grande e já a perdoei.

Ava, que a conhecia como a palma de sua mão e sabia a farsa que representava, disse, com voz trêmula:

— Disse apenas o que você merecia e não pense que esta comédia me comove. Você pode enganar papai, mas a mim não! — Ouviu-se uma bofetada e Ava cambaleou. — Outra vez você me bateu por causa dessa mulher, papai. Foi uma bofetada destas que me fez fugir de casa. Ela estragou a minha vida. Fingiu amar-me antes de casar com você e agora...

— Cale-se, Ava! Cale-se, ou não respondo por mim!

— E que me importa isso? O que me pode fazer? Bater-me de novo? Que fez você do carinho que sentia por mim? Pensa que ela vai ficar ao seu lado quando você envelhecer?

Estalaram várias bofetadas. Ava procurava esconder o rosto quando ouviu outra vez à voz daquela mulher, pedindo clemência.

Atirou-se porta afora, para não ver a cena que se seguiria.

Elvira, chorando, iludia mais uma vez seu marido.

— Não chore, Elvira. Ava não a perdoa porque estava acostumada a ser o centro das atenções. Não posso deixar que falte ao respeito que lhe deve.

— Que importa isso, meu bem? Conheço muito bem Ava e a amo muito. Quando casar com Jarry, tudo isso desaparecerá.

Enquanto isso, Ava caminhava pela praia, sem rumo, o rosto desfeito pelas pancadas e os olhos injetados de sangue.

— Finalmente, chegou! — disse uma voz masculina por detrás dela.

Ava estacou imediatamente. Outra vez aquele homem, e agora pensava que viera ao encontro! O destino decididamente zombava dela. Ninguém jamais acreditaria em sua inocência.

— O senhor também!? — desesperou-se. — Não percebe o quanto estou sofrendo?

— Mas, Ava, não é preciso sofrer assim. Por que não retorna a Nova Iorque? Garanto que...

— Vou casar-me com esse maldito Jarry e, ao menos, só terei que suportá-lo! — gritou, levantando os braços para o céu. — Oh, meu Deus!

Dan ficou um pouco abalado em meio a toda a sua indiferença. Que acontecerá à moça?

— Todos se voltam contra mim — prosseguiu Ava, quase para si mesma. — Todos pensam que fiz barbaridades em Nova Iorque, esquecendo-se de que uma mulher pode ser honesta no pior dos ambientes. Ninguém jamais abusará de mim...

Dan segurou-lhe o rosto com uma das mãos e com a outra acendeu o isqueiro. Ao ver-lhe o rosto castigado, exclamou, assustado:

— Ava! Que aconteceu? Quem fez isso? Santo Deus, que crime!

Ava fugiu correndo e Dan não conseguiu segui-la naquela escuridão, sem conhecer o terreno. Ficou pensativo.

— Se ao menos pudesse falar com Michael... Talvez uma chamada interurbana... Mas onde andará ele?

Levantou-se, encolhendo os ombros.

— E que tenho eu a ver com isso?

Dirigiu-se aos seus aposentos no hotel e, enquanto se despia, ia pensando: É linda, mas parece tão torturada. Por quê? Será por causa do noivo? Se for assim, por que não o abandona? Nenhuma mulher se casa à forca... E daí? Que se danem!

Deitou-se, mas não deixou de pensar no assunto.

— Não voltarei mais à praia. Nada tenho a ver com essa garota. Prefiro as mulheres sem problemas. Agora, chega, tenho que dormir.

Apagou a luz e fechou os olhos. Não conseguiu conciliar o sono, atormentado por mil indagações: Que estava acontecendo? Quem lhe teria batido? Jarry Merrill? Por que uma moça de uma das melhores famílias locais fora sozinha a Nova Iorque? O que acontecera entre ela e Michael?

— Chega! — berrou, irritado. Tapou a cabeça com o travesseiro e dormiu. Sua noite foi povoada por pesadelos incríveis, cujos personagens eram Ava, Jarry Merrill e Michael.

Acordou sobressaltado com os raios de sol que iluminavam seu quarto. Seu primeiro pensamento foi para ela.

— Maldita garota! — rugiu. — Vim aqui para descansar e minha imaginação está trabalhando mais do que nunca. Não pensarei mais nela.

No entanto, a primeira coisa que fez foi ligar para Nova Iorque. Ao completar a ligação, perguntou por Michael Kerr.

— O senhor Michael Kerr está na Suécia e não volta antes do fim do mês.

— Não regressou a Nova Iorque desde que partiu para a Espanha?

— Não, senhor.

Agradeceu e desligou. Meteu as mãos nos bolsos e dirigiu-se ao restaurante. Tentaria comer qualquer coisa, apesar de ter a garganta seca e o estômago dolorido.

 

Descobriu Ava Haymes sentada sobre as rochas, tal como havia imaginado. Afastou o pensamento de que a jovem pudesse ter passado a noite ali e dirigiu-se a ela:

— Olá, Ava! Está aqui há muito tempo?

Por incrível que parecesse, Ava passara a noite inteira ali, sem que ninguém se preocupasse com ela em casa. Olhou para Dan vagamente, como se não ouvisse suas palavras, ergueu-se cambaleante como um ébrio.

— Maldita seja! — disse Dan, agarrando-a pela cintura. — Dessa forma, acabo acreditando que está acontecendo algo errado com você!

— Que absurdo, não é mesmo? Uma perdida como eu não pode ter sentimentos, não pode sofrer. É um monstro, não é? — falou, com uma sombra de sorriso em seus lábios.

— Não disse isso, mas se você prefere que seja assim...

Sorriu dèbilmente e afastou-se sem que Dan tentasse impedi-la, muito embora os olhos do jornalista a acompanhasse durante todo o trajeto.

— Não posso crer que tenha passado a noite inteira aqui. Isto seria um verdadeiro absurdo. — resmungou, encolhendo os ombros. E procurou apagar de sua cabeça o sucedido.

Neste ínterim, Ava entrava em sua casa, quando uma voz a chamou.

— Isso não pode continuar assim, Ava! — disse Jarry.

— Por que, Jarry? - respondeu, voltando-se lentamente.

— Passar a noite inteira fora de casa! Não é verdade?

— Sim, é verdade. Mas sabe, por acaso, os meus motivos para isso? Pergunte a Elvira.

— Não é preciso, seu pai já me disse. Espere, Ava! — disse, ao ver que a moça se afastava. — Precisamos conversar. Isso tudo tem que acabar. É ridículo!

— O que é ridículo, Jarry?

— O seu comportamento! Nenhum outro homem casaria com você depois daquela noite e você hoje quase repetiu a mesma coisa...

— Não se case você também! — redarguiu com indiferença.

— Apesar de tudo, eu a amo, Ava! — disse Jarry, tomando-lhe as mãos. — Você sabe muito bem disso.

— Você ama minha beleza e minha juventude. Não é isso que anseio. — E, dizendo estas palavras, correu para seu quarto, de onde não saiu em todo o dia.

À noite, o pai subiu ao seu quarto e fechou a porta atrás de si.

— Onde estava você, Ava?

A moça olhou-o sem rancor. Sabia que a cena da véspera devia ser atribuída à influência de Elvira. Antes de casar-se com ela, era um pai extremamente carinhoso, mas aquela mulher calculista mantinha-o subjulgado. Seus olhos se encheram d’água.

— Olá, papai! — murmurou mansamente, beijando-o no rosto.

Harry Haymes não esperava aquele gesto. Acariciou levemente a face, dizendo:

— Sinto muito, minha filha. Jamais me perdoarei daquele ato impensado. Devia estar louco.

Abraçaram-se amorosamente. Harry, que viera falar-lhe sobre o casamento com Jarry, não teve coragem para tanto. Amava sua filha profundamente. O amor que acreditava dedicar a Elvira era, no entanto, a paixão dos que entram no acaso da vida, e não podia acreditar nas crueldades que sua filha atribuía a ela. Certamente, tratava-se de ciúmes.

— Não torne a passar a noite fora de casa, Ava. Não sabe o quanto ficamos preocupados. Principalmente eu, pois foi culpa minha!

— A culpa não foi sua, papai. Eu sou muito rebelde.

— Você precisa aprender a respeitar Elvira, meu bem. Mas esqueça isso agora. Vou mandar trazer o seu almoço aqui no quarto.

— Obrigada, papai.

Ao defrontar-se com sua esposa. Harry Haymes lhe disse, com ar cansado:

— Não tive coragem de falar-lhe, Elvira. Tenho remorsos terríveis. Talvez não tenha o direito de sacrificá-la. Falarei com Jarry e pedirei para que aguarde um pouco mais.

— Ele esteve aqui hoje de manhã, Harry.

— O que queria? — Indagou, levantando vivamente a cabeça. — Tocou nesta maldita dívida?

— Soube da fuga de Ava. Eu lhe disse que não fora uma verdadeira fuga, pois a pobre Ava está desesperada. Não sei por que não gosta de mim! Considera-me uma intrusa nesta casa.

— Você não é uma intrusa, Elvira, é a primeira em meu coração. — disse Harry Haymes, deixando-se, mais uma vez, levar pela lábia daquela mulher. — Ava se acostumará com você.

— Mas sofro com isso, Harry.

— Um dia tudo acabará, meu amor. — mudou de assunto. — O que disse Jarry, afinal?

— Ameaçou-nos com o escândalo se Ava não se casar com ele até o fim do verão. Tentei dissuadi-lo e acabou se acalmando. Você deve evitar recebê-lo, meu bem; eu o farei de agora em diante.

Elvira deu uma desculpa qualquer e dirigiu-se à cozinha, de onde saiu instante depois, deixando atrás de si um rastro de protestos.

— Parece que não se lembra mais do tempo em que era igual a nós!

— Proibiu-me de levar comida para a senhorita, que está em seu quarto chorando de fazer pena!

— Deixe que eu levo! — redarguiu a cozinheira, que estimava a moça como se fosse sua própria filha. Pegou a bandeja no exato momento em que Elvira retornava à cozinha.

— Onde você vai com esta bandeja Eu proibi que se levasse comida para Ava. Se quiser almoçar, que desça!

— Ela não quer descer, e estou levando porque quero!

— Deixe isso aí, ouviu bem!? — gritou enfurecida.

— Com quem pensa que está falando? Já se esqueceu, por acaso, que a mãe dela abrigou você quando era uma pobre coitada?

Elvira ergueu a mão, mas pensou melhor; dominou-se e disse:

— Você está despedida.

— O que há, querida? — disse Harry, da sala de estar. Ao ver sua mulher entrar, perguntou-lhe solícito: — Está; aborrecida meu bem? O que disse Tona?

Dominando-se com dificuldade, Elvira conseguiu sorrir.

— É uma pena, Harry. Tona tem tantos anos de casa e agora está se tornando insuportável com suas manias. Inventou uma estória de roubo na despensa... Que acha você de a aposentarmos? Poderia viver muito bem no pavilhão do jardim.

— Mas, Elvira... Meus empregados sempre saem daqui para a sepultura. Nunca aposentei nenhum e não creio que seja uma solução acertada.

— Isso é o que se costuma fazer.

— Pode ser... — encolheu os ombros. — Faça o que você quiser, meu bem. Você é a dona desta casa e não entendo nada desses problemas domésticos.

Sentindo-se humilhada por Dan a ter visto com o rosto tão maltratado, Ava vestiu-se com maior apuro naquela tarde. Suas amigas perguntaram por que não fora à praia de manhã.

— Dormi demais, querida. Sou uma preguiçosa!

— Pena que você já esteja noiva, Ava! Há um homem simplesmente espetacular na cidade. Mas é um detetive, sabe? Seu nome é Dan Bogart.

Ava sorriu ironicamente. Sabia que ele era jornalista, mas não disse uma palavra.

Tampouco fez confidências àquelas doidivanas. Embora a cidade inteira conhecesse seu drama, era respeitada por todos, que sabiam muito bem quem era Elvira.

Adolph tirou Betty para dançar e Dan aproveitou a oportunidade para aproximar-se dela.

— Olá! — exclamou. — Está com uma aparência bem melhor agora.

— Cada dia eu fico melhor! — brincou ela.

Dan a encarou com estranheza. Tinha se preocupado à toa com a moça, pois ela estava tranquila. Bom sinal, pensou.

— Quer dançar? — perguntou, em voz alta. — Não gosto disso, mas vá lá, você é uma garota interessante.

— Obrigada. Não gosto muito. O senhor está desculpado.

— Boa! Você é inteligente, garota! Michael deve casar-se com você.

— Já tenho noivo, obrigada.

— Aquele imbecil do Jarry? Não seja boba! Venha comigo a Nova Iorque e nos divertiremos um bocado!

— Quer fazer o favor de esquecer aquela noite? — suplicou Ava, encarando-o fixamente. — Sou uma moça honesta e pura.

— Sempre a mesma cantilena! Isso cola com os idiotas, não com Dan Bogart. Já ouvi demais esta estória de primeiro amor, primeiro beijo...

Os outros se aproximaram e a conversa generalizou-se. Dan ficou observando as manobras de Betty para conquistar Adolph. Subitamente, seus olhos se encontraram com os olhos tristes de Ava e praguejou baixinho:

— Malditas mulheres! Nunca se sabe quando são sinceras. — Ao ver que Ava se despedia de todos, saiu por uma porta lateral e abordou-a na rua:

— Vou com você até a sua casa.

— Não quero que me acompanhe. Sei muito bem o caminho.

— Vamos, Ava! Não sou um idiota qualquer, sabe? — disse, agarrando-a pelo braço.

A rua estava deserta. Andaram calados até que Dan quebrou o silêncio, dizendo:

— Todos os dias, passa aqui com Jarry Merrill. O que vocês conversam? O que se pode falar com um imbecil daqueles?

— Cale-se! — disse, irada.

— Engraçado! — redarguiu, puxando-a com violência.

Ava perdeu o equilíbrio e cairia, se os braços de Dan não a apoiassem. Ao ver aquele lindo rosto tão perto, de repente a abraçou e beijou-a com fervor.

— O senhor é um insolente! Atrevido! — disse ela, recuperando-se da surpresa.

— E daí?

— Este é o primeiro beijo de minha vida, compreende? Pode acreditar ou não, pouco se me dá, mas é a pura verdade! — disse, com os olhos cheios de lágrimas.

— Que sorte! — respondeu ironicamente.

Mas Ava já não o ouvia. Corria loucamente pela rua. Dan ficou meio sem jeito, mas encolheu os ombros e deu meia-volta.

— De fato, é uma guria encantadora! — murmurou alegremente.

— Olhe, Tona quantos anos você tem?

Tona enxugou as mãos no avental, olhando, desconfiada, para Elvira.

— Sessenta e seis. Por quê?

— Não é costume nesta casa que os empregados trabalhem até idade tão avançada.

— Não sei o que tem a idade a ver com o serviço. Não estamos em nenhum palácio...

— Pois tem muita coisa, sim. De hoje em diante, passará a morar no pavilhão do jardim. Virá uma, outra cozinheira substituí-la para que você possa descansar.

Tona encarou-a, rubra de cólera.

— Desta vez, não, Elvira! Você não vencerá! Irei ao patrão e contar-lhe-ei toda a verdade. Você não se verá livre tão facilmente de velha Tona!

— É uma ordem, Tona. — disse Elvira, secamente.

Tona pôs-se a chorar, rodeada pelos outros criados, indignados. Subitamente, um vulto delicado assomou à porta da cozinha.

— Que aconteceu, Tona? Por que chora desse jeito?

— Ah, dona Ava foi àquela megera: despediu-me, jogou-me no pavilhão do jardim, como se eu fosse uma pobre coitada!

— Mas, por quê? O que foi que você fez, Tona? Agora, ela é a dona desta casa e faz o que bem entende. E quando quer alguma coisa, não há santo que nos valha.

— Vou falar com o patrão, dona Ava.

— Deixe que eu falo. Se eu não conseguir nada, ninguém mais conseguirá.

Dirigiu-se ao seu quarto, de onde divisou a figura de Jarry caminhando em direção á casa. Desceu rapidamente as escadas e encontrou-o no jardim, antes que entrasse:

— Olá, Jarry.

Ele parou de chofre. Surgiu um novo brilho em seus olhos tristes e agarrou as mãos da moça apaixonadamente.

— Você me faz sofrer muito, Ava! Está melhor? Por que fugiu de novo?

— Só fugi uma vez, Jarry e assim mesmo, porque fui obrigada a fazê-lo.

O rosto macilento e a figura acabada de Jarry Merrill faziam um contraste gritante com a beleza e juventude da moça. Mas Jarry não era de todo mau. Seu único pecado era a paixão que nutria por Ava, mesmo sabendo que esta o desprezava.

— Contaram-me que você foi à festa do Náutico É verdade?

— Sim, Jarry — respondeu, com sinceridade desconcertante. E acrescentou, — compreendo seus sentimentos. Sinto muito, Jarry. Você quer entrar?

— Não, Ava. Vim aqui para convidá-la para a excursão de amanhã.

— Já sabia. Mas pensei que você não quisesse ir.

— Vou, sim, mais por você do que por mim. Você iria sozinha, de qualquer forma, não é? Não pense que eu sou um egoísta, Ava, pois não é verdade. Apenas, preciso tanto do seu carinho! Não importa — terminou bruscamente. — Passarei por aqui amanhã as sete em ponto.

Ava ficou na varanda, vendo-o afastar-se lentamente. Sentiu pena dele e de si mesma pela situação equívoca em que se encontravam.

— Que cena comovente! — disse uma voz cínica ao seu lado.

Virou-se assustada, a ponto de soltar um grito.

— Que faz o senhor aqui?

Era Dan, com um sorriso brincalhão.

— Queria saber até que ponto uma mulher poderia amar um homem como Jarry Merrill. Agora já sei. Por que o tolera?

— Largue-me! — disse, tentando soltar-se dos fortes dedos que lhe cingiam o pulso.

— Responda! Por quê? Qual é o seu pecado? O casamento com Jarry é o único jeito de apagar a mancha da sua consciência?

— Será inútil explicar isso a alguém como o senhor. Jamais poderia compreendê-lo.

— E se você estiver enganada?

— Não. Sei julgar as pessoas. O senhor é um materialista e só uma pessoa dotada de um espírito delicado poderia me entender, — desvaneceu-se nas sombras do jardim.

Dan ficou pensativo por uns segundos, repetindo aquelas últimas palavras. Mas logo encolheu os ombros e afastou-se sem se voltar.

Ao vê-la entrar no escritório, seu pai levantou a cabeça e olhou-a com meiguice.

— O que há, minha filha?

— Queria falar sobre Tona, papai.

— Tona? Que há com ela, meu bem?

— Vocês deram ordens para despedi-la, mas creio que ainda pode cozinhar por bastante tempo.

Um vulto feminino emergiu das sombras do aposento. Ava sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. Pensara que estava sozinha com seu pai e defrontava-se com aquela mulher. Levantou o busto, num sinal de desafio.

— Eu não entendo destas coisas, Ava. Se Elvira resolveu despedi-la, deve ter suas razões — disse seu pai.

— Tenho várias, e bem fortes. Tona estava muito velha e já estava até mesmo caducando ultimamente. Betty pode muito bem ocupar o lugar dela. Não estamos em condições de continuar mantendo uma arrumadeira. Dentro em pouco, despediremos também o chofer.

— Mas Tona tem que continuar em seu lugar! O resto não me interessa!

— Ava, vamos! Deixe de ser criança e de se ocupar de coisas que não lhe dizem respeito. Vá viver a sua vida!

— Todos eles são parte de minha vida, principalmente Tona. Ela é quase uma pessoa da família, papai!

— Minha filha... — disse Elvira.

— Não sou sua filha! — gritou Ava. — Não fale comigo!

— Ava! — disse severamente o pai.

— Perdão, papai. — E disse, jogando sua última cartada. — Se Tona é tão velha, Elvira, por que você se casou com meu pai, tão velho quanto ela?

Harry Haymes ergueu-se ao ouvi-la, mas Ava já desaparecera.

— Não aguento mais isso! — disse, cerrando os punhos. — Acabarei colocando Ava num internato!

— Deixe isso de lado, meu amor, Ava é muito, jovem, com o tempo se corrigirá - disse, com voz açucarada.

Mas Harry estava cego de paixão por ela.

— Você sempre encontra uma desculpa para ela, Elvira. Não entendo porque a odeia assim.

— É apenas ciúmes, meu adorado.

Algumas horas mais tarde, Tona, com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar, entrou no escritório de senhor Haymes. Este se enterneceu por alguns instantes, mas logo disse para si mesmo que aqueles problemas eram das mulheres e que Tona talvez fosse um estorvo na cozinha. Elvira sabia fazer as coisas, afinal.

— Patrão...

— Já sei, Tona, Ava já me falou. Que quer que eu faça? É coisas da vida, minha velha. Hoje você, amanhã Betty e assim por diante. Mas não se preocupe. No pavilhão será tão bem tratada como eu. Jamais esquecerei que fomos criados juntos.

— Quer dizer, patrão, que não vai adiantar nada se eu falar, não é?

— Falar o quê Tona?

— Sobre os motivos pelos quais me relegaram á segundo plano.

— Vamos, Tona, não invente estórias nem me olhe com esta cara. Minha mulher já me explicou o caso.

— Ela não nos ama, patrão. Não nasceu aqui, é uma intrusa.

— Tona, não esqueça que ela é a dona e a patroa. Por favor, vá-se embora.

— Patrão...

— Por favor, Tona! — repetiu ele.

Tona mordeu os lábios e deu meia volta, sem dizer mais nada. No dia seguinte, mudou-se para o pavilhão do jardim. Elvira conseguira seu intento.

 

Os cinco automóveis ficaram parados ao sopé da montanha, aos cuidados do guarda que ali morava, enquanto seus ocupantes, mochila ao ombro, iniciaram a subida.

Ava só percebeu que Dan também fazia parte da excursão algum tempo depois. Ao vê-lo, lembrou-se do beijo que queimara seus lábios. Se soubesse que ele viria, teria dado uma desculpa qualquer e ficado em casa. Agora, era tarde demais.

Fez a escalada ao lado de Jarry. Dan ainda não a olhara nem uma vez. E tinha consciência de que era uma das moças mais bonitas do grupo. Sua jardineira vermelha de alças largas, que deixava ver a pele queimada, ia-lhe muito bem. Calçava sandálias e estavam sem óculos.

Seus cabelos muito curtos estavam penteados como os de um rapazola.

A subida tornava-se mais difícil e árdua. Pararam para tomar fôlego.

— É melhor irmos de mãos dadas, daqui por diante — sugeriu Dan.

Aceita a sugestão, viu-se, de repente, entre Jarry e Dan, cada um segurando uma de suas mãos. Estremeceu ao sentir os dedos esguios de Dan se fechar suavemente sobre os seus. Num impulso, apertou a mão do rapaz e esqueceu-se completamente de Jarry.

A intensidade de seus desejos assustou-a. Não podia esquecer aquele beijo. Alguma coisa a impelia em direção a Dan.

— Está cansada? — indagou este, solícito, olhando-a nos olhos. — Quer descansar um minuto?

— Não, não estou cansada, obrigada.

Por que não era Jarry quem se preocupava com ela, e sim Dan? Por que esta súbita mudança?

Finalmente, chegaram ao topo. Jarry logo a soltou, mas Dan ainda manteve a mão entre as suas, acariciando suavemente seu braço. Aproveitando um repentino afastamento de Jarry, sussurrou-lhe:

— Posso ter sua companhia por alguns minutos?

— Não vê que estou com Jarry?

— E vai ficar a tarde inteira com ele?

— Tenho que fazê-lo.

— Faz porque quer.

— Não, faço porque devo.

— Não sabe que o amor não conhece deveres?

— Eu devo amar Jarry.

Era muito difícil afastar-se daqueles olhos verdes, brilhantes e apaixonados. Dan afagou a mão dela.

— Mas fui eu quem a beijou pela primeira vez.

Ava sorriu, feliz. Esquecera todos os seus sofrimentos. Sentia-se como que sozinha com aquele homem. Com ele!

— Todas as mulheres dizem isso — redarguiu, irônica.

— Mas, às vezes, gostamos de ouvir mentiras de bocas tão lindas.

— O senhor não deve ser...

— Que ridículo! Pare de me chamar de senhor! Todos me tratam de você.

Os outros se aproximaram e Ava afastou-se bruscamente. O piquenique prosseguia: cozinharam, comeram, beberam e conversaram muito. Os olhos de Ava brilhavam e sua boca tremia um pouco... O vislumbre de tristeza no fundo de seu olhar a tornava mais bela ainda.

— Sou um idiota! — resmungou Dan para si mesmo. — Conheci outras mulheres muito mais bonitas e, no entanto, gostaria de ficar para sempre ao lado desta.

— Vamos dançar? Dan? — convidou uma das garotas.

— Claro que sim, boneca!

Todos dançaram, menos ela e Jarry. Este dormia, exausto, a sono solto, sobre um monte de capim. Ava, estendida ao seu lado, entregava-se aos seus pensamentos. Pobre Jarry!

Viera apenas por sua causa e agora... Mas nenhuma mulher poderia gostar de um homem tão vulgar. Nem mesmo sua bondade conseguia despertar qualquer sentimento afetivo.

— Você suporta isso? — disse Dan, estirando-se ao lado dela.

— Isso o quê?

— A pasmaceira do seu noivo...

— Pobre Jarry! — disse, rindo suavemente.

— Você não o ama, não é?

— Não, Dan.

— Gosto de ouvir você dizer meu nome.

Continuaram na mesma posição por longo tempo. A eletrola tocava ao longe e os outros dançavam.

— Por que aceita ser sua noiva, então?

— Por força das circunstâncias.

— Mas o amor não é uma circunstância.

— Na verdade, não é. Sou sua noiva, e casarei com ele mas não o amo. Vou casar-me consciente do que faço.

— Que loucura!

Ava o olhou bem dentro dos olhos.

— Você se casaria comigo depois de ter me visto sozinha, em Nova Iorque, em companhia de um desconhecido?

— O que aconteceu realmente naquela noite, Ava? — perguntou, com emoção.

— Michael não lhe contou?

— Não o vi mais.

— Mas você foi ao aeroporto.

Dan encarou-a espantado.

— Como é que você sabe disso?

— Eu também estava lá, e o vi chegar de taxi.

— Por que não me chamou?

— Porque você não merecia minha confiança. Nem naquele tempo nem agora, que o conheço melhor.

— Você é muito inteligente — disse Dan, recobrando-se do breve encantamento que experimentara.

— Responda! Você teria se casado comigo depois daquilo?

— Não, claro que não.

— Dan, isso não vale, venha dançar!

— Você vem, Ava? — perguntou erguendo-se de um salto.

Ava não respondeu. A sinceridade daquele homem á deixara profundamente irritada e desconcertada. Ninguém, só mesmo Jarry, seria capaz de casar-se com ela. Jarry a amava de verdade. Os outros apenas a admiravam.

Acordou Jarry e ficou ao seu lado pelo resto do dia, apesar dos esforços de Dan. Ava tinha seu objetivo naquela tarde: Jarry.

Depois de desceram, por volta das oito da noite, todos procuravam um lugar nos carros.

— Vou voltar com vocês, Ava. Creio que lá não há lugar para mim.

— Lamento, mas não pode ser, Dan. Nosso caminho é diferente. Já é muito tarde e, se formos até o seu hotel, perderemos muito tempo.

Dan virou-se sem responder. Ava disse adeus a todos e o carro de Jarry tomou pela estrada vizinha, afastando-se rapidamente.

Encontraram-se por acaso. Dan saia de um café e esbarrou com ela na calçada.

— Desculpe...

Ao erguer os olhos, reconheceu-a e sorriu divertido.

— Mas é a minha garota! Como vai, boneca? Há exatamente três dias e seis minutos que não a vejo. Quase morri de saudades, Ava. — Segurou-a pelo braço.

— Solte-me. Vou à farmácia.

— Quem está doente?

— Pensa que não tenho família? Você sentiu saudades minhas, mas nunca se preocupou em saber como e com quem eu moro.

— Mas, Ava, eu não estou apaixonado por você. Senti saudades suas, como eu sinto de Betty ou de Michael — retorquiu com um muxoxo.

O nome de Michael provocou uma sensação de mal-estar tão flagrante em Ava, que Dan percebeu.

— Gostaria muito de saber o que aconteceu naquela noite, Ava. Isso já está se tornando uma obsessão para mim.

— Se você não me ama — respondeu, dominando-se, — por que se preocupa com o meu passado?

— Qualquer bom amigo faria isso. No início, pensei que me importasse menos com você mas agora, creio que a estimo bastante. Por isso, interessa-me tudo o que estiver relacionado com a sua pessoa.

— Foi o maior erro de minha vida, mas não estou arrependida — disse a jovem.

— Qual foi o erro?

Ava encolheu os ombros.

— Ter saído de casa naquela noite.

— Com quem você morava em Nova Iorque?

— Estava sozinha.

Dan já se perguntara várias vezes por que uma moça de boa família, bonita e bem relacionada como Ava Haymes, se achava em plena rua, em Nova Iorque, a altas horas da noite, tendo aceitado o convite de dois desconhecidos, inclusive o de Michael para terminarem a noite juntos.

Michael era conhecido por sua nobreza de coração e por um, certo dom-quixotismo.

Será que não havia acontecido nada entre eles? E daí? O que tinha ele a ver com isso?

— Sua franqueza me espanta — disse, olhando-a de soslaio. — Por que não nos sentamos um pouco e você me conta a verdade?

— Para quê?

— Quero saber, ora!

— Não, Dan. Não lhe contarei coisa alguma. Só posso repetir que não sou o que você pensa; estava meio louca naquela noite, precisava de falar com alguém e encontrei Michael. Aceitei o convite de vocês porque tinha necessidade de companhia. Vislumbrei nos olhos de Michael o que não tinha encontrado em nenhum outro olhar, naquela noite. Se fosse você que me convidasse, jamais o teria aceito.

— Por quê? — perguntou Dan, divertido, sem levá-la muito a sério. — Ficou com medo de mim?

— Não foi medo — redarguiu a moça, vagarosamente. — O que senti foi repugnância.

— Puxa! Isso é muito interessante.

— Não leve na brincadeira. Michael me olhou como um bom menino, sorriu-me; você me olhou como um homem olha uma mulher sozinha, na rua, no meio da noite.

— Estava sendo sincero, não?

— Sinceridade esmagadora! Senti nojo e pensei nas baixezas humanas. Naquela noite, eu era um animalzinho assustado e foi Michael quem me reconduziu ao lar de onde nunca deveria ter saído.

— Você está me contando coisa muito interessante.

Ava seguiu em frente, com um vinco na testa.

— Pena que tenha um conceito tão falso das mulheres.

— A culpa não foi minha, sem brincadeira.

— Você leva tudo na brincadeira, até mesmo sua profissão. Foi dizer a Betty que era detetive, o que é uma mentira. Eu, na verdade, fugi de casa e não me perdoarei nunca este erro. Mas você...

— Qual foi o meu erro? — perguntou Dan, sorrindo.

Ava encarou-o firmemente, depois encolheu os ombros.

— Torno a dizer que é uma pena.

— E posso saber por quê? Nunca tive pena e não gostaria de ter agora.

— É esse o seu erro, Dan: nunca ter se compadecido de ninguém. Você domina a pena e pensa que com isso conquistou o mundo. Que estupidez! Você é um homem como os outros, com coração, nervos, alma. Acha que nunca vai amar ninguém. Está certo disso?

Dan parou, espantado. Que coisas dizia aquela guria! O que pretendia com aquilo tudo? Fazê-lo apaixonar-se?

— Não a entendo muito bem, Ava. Sempre pensei que você fosse uma moça sem problemas psicológicos. Mas hoje...

— Bem, eu fico aqui — disse Ava, parando.

— Eu a espero.

— Para quê? Se eu não lhe interesso como mulher... Além do mais, você sabe muito bem que estou noiva e vou me casar com Jarry. Ainda não sei quando, mas certamente algum dia; casarei com ele.

Dan se desconcertou. Na verdade, por que a procurava se nada queria com ela? Por que pensava nela e sonhava com seus olhos pardos? Não era amizade o que queria dela, era algo mais; mas, ao mesmo tempo, não queria comprometer-se. Estaria ficando louco?

— Mas você não o ama.

— Claro que não!

— E por que vai casar com ele?

— Você não vive dizendo que isso de amor é uma estupidez? Concordamos em certas coisas, vê?

— Muito engraçado.

Ava disse-lhe adeus e entrou na farmácia. Dan, encostado a um poste, ficou pensando. Gostava do modo de falar daquela pequena. Além disso, era muito bonita.

— Se ao menos pudesse localizar Michael!

— Vai ser muito difícil — disse Ava, a seu lado.

Dan sobressaltou-se e encarou-a curiosamente.

— O que é que é difícil, Ava?

— Encontrar Michael.

— Puxa; eu estava pensando em voz alta?

— O bastante para que eu o ouvisse.

Tomou-lhe o braço. A noite caia rapidamente.

— Solte-me, Dan. Sei andar sozinha.

— Você pode tropeçar.

Livrou-se bruscamente.

— Não torne a tocar em mim. Você me beijou uma vez e nunca mais o fará. Está muito enganado, Dan! — disse, com os olhos fuzilando de raiva. — Pode-se pegar uma mulher de surpresa apenas uma vez, nunca duas. Você está acostumado a lidar com mulheres fáceis e, ao encontrar-me em uma situação duvidosa, pensou mal de mim. Se só lhe interesso dessa forma, pode desistir desde já. Sou uma moça direita, Dan! Mas tenho uma madrasta, sabe? Você nunca teve, não é? Não imagina como é horrível. Por isso fugi de casa. Agora, vá embora, Dan. Suas palavras me ferem e eu já estou tão magoada! Meu Deus, por que o encontrei naquela noite? Por que veio para cá?

Suspirou, ofegante. Dan acompanhava cuidadosamente suas menores reações. Ela prosseguiu, com ar suplicante:

— Se você não tivesse vindo, já estaria casada com Jarry. Por que veio, afinal? Por que me tortura com aquela lembrança?

— Não quero atormentá-la — disse Dan, sacudindo-a por um braço e encarando-a fixamente. — Se eu lhe pedisse que se tornasse minha mulher, aceitaria? — perguntou com a voz rouca.

Ava estremeceu. Vacilou ligeiramente e murmurou:

— Aceitaria.

Encararam-se durante alguns minutos. Depois, Dan a soltou, com esforço evidente.

A jovem mordia os lábios. Andaram em silêncio até a casa dela. Ao chegarem lá, Dan beijou-lhe delicadamente a mão.

— Obrigado por sua sinceridade, Ava — disse, com a voz embargada — mas não posso esquecer a forma como á conheci.

Dando meia-volta, afastou-se depressa. Os olhos de Ava ficaram subitamente úmidos. Naquele instante, teve a certeza de que amava o jornalista cínico.

 

— Olá, Jarry! Ava saiu há uma meia hora. Você não a encontrou por aí?

Jarry deixou-se cair numa poltrona da sala e olhou vagamente para Elvira.

— Não a estava procurando. Você não pode compreender certas coisas, Elvira, amo Ava demais para obrigá-la a casar-se comigo. Que mais posso oferecer a ela? Já lhe disse tantas vezes que a amo, mas isso não adianta, nunca me amará, embora não me repudie abertamente. Não imagina como isso é doloroso!

— Deixe-se de pessimismo, meu amigo! — retorquiu Elvira, disfarçando sua contrariedade. — Você se esquece de que tem uma arma poderosíssima para obrigar Ava a casar com você. No início, não o amará, mas com o tempo, quando se acostumar com você...

— Qual é essa arma, Elvira? — indagou, ansioso.

— O dinheiro que Harry lhe deve — disse calmamente.

Jarry permaneceu calado durante alguns instantes e redarguiu:

— E que tem isso a ver com Ava? Harry e eu somos dois cavalheiros. Não tenho nem mesmo recibo desse empréstimo.

Elvira mordeu os lábios, olhando para todos os lados, como se temesse que alguém a visse, e falou:

— E as hipotecas?

— Devolvi ao tabelião. Tenho mais dinheiro do que posso gastar, Elvira. Emprestei-o a Harry como o faria a qualquer outro que me solicitasse auxílio. Não sou usuário nem empresto dinheiro a juros. Tanto Harry como eu, somos homens honrados. — Levantou-se e acrescentou, com suavidade: — Nem sequer me lembrava desse dinheiro. Se Ava não quiser casar comigo, paciência. Saberei perder ainda desta vez. Jamais a obrigarei. Prezo o meu orgulho. Como poderia comprar uma esposa? Eu também não me venderia — finalizou, com sarcasmo.

Elvira endireitou o corpo e um rápido clarão lhe cruzou os olhos. Mas Jarry já havia se retirado, deixando-a com todo o seu despeito. Subiu aos aposentos de seu marido, que se encontrava acamado.

— Como vai meu bem, está melhor do resfriado? Ava foi à farmácia mais ainda não voltou.

— Quem estava aí, Elvira?

Ela relutou um pouco, como quem quer evitar uma notícia má. Harry se aprumou na cama.

— Era Jarry, Elvira?

— Sim, era ele, meu bem.

— Meu Deus, que vergonha! Que disse ele, querida?

— O mesmo de sempre, Harry. Queixou-se de que Ava não pensa em casar-se, e diz que sua paciência está chegando ao fim.

Harry deixou-se cair sobre o leito, com a fronte inundada de suor. Suas rugas pareciam ter-se aprofundado.

— Isto é horrível, Elvira! Eu sempre fui um homem honesto, soube honrar meu nome e minha fortuna e agora... Não, não suportaria o escândalo! Jamais!

A mulher se aproximou dele, acariciando-o com uma ternura que, no entanto, não saía do fundo do seu coração. Nunca amara aquele homem. Mas Harry ficou profundamente tocado: jamais poderia supor que sua mulher o iludia.

— Nada disso acontecerá, meu amor! Acalme-se. Prometi a Jarry que esta noite você falaria com Ava.

— De novo, Elvira? Não sabe como isto me fere! Amo Ava extremadamente: foi ela que me consolou quando fiquei sozinho e me ajudou a superar aquelas horas amargas.

— Por que recordar agora fatos que não tem nada a ver com o presente? — indagou, ferina.

— Desculpe, Elvira... — murmurou Harry, despertando de seus sonhos. — Se eu falar de novo com Ava, a resposta será a mesma, não ama Jarry, não posso obrigá-la a casar-se. Vai me ofender e acabarei batendo nela. — Passou a mão na testa banhada de suor. — E não tenho o direito de bater em minha filha, Elvira! É uma mulher feita e deve decidir livremente o seu destino. Por que há de pagar o que gastamos? Fomos nós os perdulários, que mantivemos mais empregados do que poderíamos, que levamos uma vida acima das nossas posses. Meu cargo de juiz não permite tomar empréstimos. Agora, limitar-me-ei a viver com o meu salário e a pequena renda de que disponho.

— Não fique nervoso, querido, pode piorar!

— Que importa isso? Estou desesperado!

— Eu nada significo para você?

Harry caiu em si e abrandou o tom áspero de sua voz, segurando a mão da esposa:

— Desculpe, Elvira, mas quando penso neste dinheiro fico meio louco!

Ouviram-se passos na sala vizinha e logo uma voz carinhosa falou:

— Posso entrar, papai?

— Entre, meu bem!

Ava entrou no quarto, mas ao ver Elvira, estremeceu ligeiramente; caminhou direto a seu pai e, inclinando-se para colocar o vidro de remédio sobre a mesinha de cabeceira, beijou-o na testa.

— Está melhor, papai?

— Um pouco, minha filha. Sente-se.

Fez um gesto para Elvira por sobre a cabeça curvada de sua filha e esta se retirou.

Estava furiosa. Não queria o casamento de Ava com Jarry apenas por causa do dinheiro deste último: queria ferir, humilhar aquela pequena orgulhosa, a quem fora obrigada a tratar de senhorita. Mesmo agora, quando era esposa de seu antigo patrão, a moça não a amava, pelo contrário, repelia-a e tratava-a como se fosse ainda uma criada.

Elvira sempre invejara a mãe de Ava e a própria moça por sua posição social. Agora, invejava-a por sua beleza e juventude e por causa do elegante e decidido rapaz que a amava, como bem o pudera perceber ao vê-los juntos. O que Ava não via, o olhar invejoso de Elvira notara, ao ouvir a conversa dos dois jovens, ao saber que Dan a procurava por todos os cantos.

— Não deixarei que isto aconteça — murmurou com raiva. — Vou destruí-los a todos. Harry ainda tem saudades de sua primeira mulher. Qualquer dia perceberá que cometeu um erro ao casar-se comigo e me expulsará de casa. Mas, antes disso...

— Você está tão pensativa, minha filha! O que há com você?

— Nada, nada, papai! — disse Ava, tratando de sorrir. — Só quero que você fique bom logo.

— Jarry veio aqui, você soube? Disse que não a havia visto o dia inteiro.

— Não o amo, papai, eu nunca poderei casar com ele!

— Não diga isso. Ava!

— Isso o incomoda tanto assim, papai? Por que todo esse empenho para que me case com ele? Já lhe disse muitas vezes que é velho demais para mim e não me casarei com ele. Ainda mais agora!

— E por que agora, Ava?

— Estou apaixonada por outro, papai.

— Há quanto tempo, Ava? — indagou, inquieto, erguendo-se a meio no leito.

— Desde que fui à Nova Iorque, onde o encontrei. Depois, o destino o trouxe a esta praia: compreendi que o amava assim que tornei a vê-lo.

Harry deixou-se cair sobre os travesseiros. Sua fronte inundou-se de suor. Uma sombra fugaz perpassou em seu olhar. Ava, percebendo-o, tomou-lhe as mãos suavemente e perguntou aflita:

— Por que, papai? Por que você sofre assim? Qual o seu interesse em meu casamento com Jarry? — acrescentou, com voz triste: — Você sempre quis a minha felicidade, se lembra, papai? Costumava falar no homem que seria meu marido, um ser decidido, de caráter, honesto e trabalhador... Jarry é honesto e trabalhador, mas não é decidido, não tem personalidade. Jamais seria o marido ideal que você sonhava para mim.

— Por favor, Ava, cale-se! Por favor!

— O que houve, papai? Por que mudou tanto?

Harry agitou-se nervosamente e enxugou a fronte banhada de suor, sussurrando com voz entrecortada:

— Vai embora, Ava! Deixe-me sozinho! Falaremos disso em uma, outra oportunidade!

Ava levantou-se.

— Sossegue, papai. Amo Dan Bogart — acrescentou num sopro de voz, — mas ele nunca será meu. Apenas Jarry é capaz de perdoar o erro que cometi naquela noite.

Harry tentou falar, mas a voz não lhe saiu da garganta.

— Não se preocupe, papai. Sabe? Penso, às vezes, que existe uma trama contra nós. Não sei quem é o seu autor, mas posso senti-la muito concretamente.

— Ava...

Virou-se para seu pai e beijou-o demoradamente no rosto.

— Ava, eu tenho medo! — sussurrou com a voz trêmula.

— Medo, papai? Medo de que? De quem?

Harry Haymes estremeceu. Ava ficou inquieta. Por que seu pai tinha medo? De quem? Acaso de Elvira, mesmo sem ter consciência disso Ava conhecia bem a madrasta e a sabia capaz de tudo. Tinha certeza de que era ela quem fazia seu pai sofrer. Por que a fatalidade o fizera unir-se àquela mulher?

Afagou com suavidade a cabeça de seu pai e sorriu para levantar-lhe o ânimo.

— Não tema, papai, não é preciso ter medo. Eu estou ao seu lado e o amo com todas as minhas forças. Não deixarei que ninguém o faça sofrer.

Harry não sabia explicar porque, exatamente naquele instante, cruzara-lhe a mente o pensamento de que nunca deveria ter casado de novo. Recordara nitidamente o olhar límpido de sua primeira mulher, comparando-o com o de Elvira.

— Quanto fiz você sofrer, Ava! — murmurou. — Jamais deveria... Não, nunca deveria ter feito aquilo, meu Deus!

— Papai...

— Deixe-me sozinho, Ava! Por favor, querida! Não se preocupe, não tenho o direito de sacrificar a sua felicidade. E, no entanto... — Seu corpo se inteiriçou e, com voz embargada, rogou: — Agora, deixe-me só, minha filha...

Ava beijou-o, passando-lhe de leve a mão pela face e dirigiu-se silenciosamente para a porta.

Quando a abriu, deparou-se com o rosto crismado de Elvira.

— Era só o que faltava, Elvira, para ser o que...

— Cale-se — rugiu Elvira, arrastando-a por um braço até a sala contígua.

— Escutar atrás das portas, tal como se ainda fosse uma criada intrigante! — exclamou Ava, com desprezo. — Seu lugar é na cozinha! Seu casamento com meu pai foi o erro mais trágico que ele já cometeu. Diga-me, Elvira, qual foi o feitiço que você usou para conseguir seu objetivo? E como consegue atormentá-lo dessa maneira? E Meu pai já não é o mesmo homem... Nem sequer se atreve a olhar-me nos olhos, parece sentir asco de si mesmo. Por que isso? Gostaria de sabê-lo...

— Você nada conseguirá Ava! — replicou Elvira com sarcasmo. — Consegui tudo o que queria: casei-me com seu pai, sou a dona desta casa e farei com que você se case com Jarry. Eu também era jovem, sabe? — acrescentou com a voz tensa. — Também queria casar-me com um homem da minha idade, mas acabei me casando com seu pai e você se casará com ele de qualquer jeito, por amor a seu pai.

— Mesmo assim, Elvira, pensa que odiaria meu marido como você odeia o seu? Não, não sei odiar ninguém. Se tivesse que fazê-lo, você seria a odiada. Não se preocupe. Se papai precisa que me case com Jarry, casarei, mas não serei infeliz como você. Acostumar-me-ei a ele e o respeitarei como uma mulher honesta deve respeitar seu marido. Mas você não é uma mulher honesta, Elvira, você está dominada pelos mais baixos instintos. Se algum dia meu pai chegar a compreender isso e penso que já está começando, meu sacrifício será recompensado. É tudo o que anseio e creio que o conseguirei, sem infâmias ou estardalhaços. Deus Nosso Senhor está comigo e me protege.

Furiosa com a serenidade majestosa da garota, Elvira exclamou entre dentes:

— Tenho todos os trunfos em meu poder!

— Trunfos? E que trunfos são esses? Não esqueça que o demônio jamais venceu uma batalha — disse Ava, sorrindo e dirigindo-se para seu quarto

Ao ficar só, deu larga ao seu desespero contido havia tantas horas. Jogou-se na cama e soluçou amargamente.

— Olá, Ava!

Um calafrio percorreu a espinha da moça, mas esta não se moveu. Continuou deitada sobre a areia, sem nada dizer. Um clarão de impotência cruzou seu olhar, oculto pelos óculos.

— Não vai me responder?

— Nada tenho a dizer-lhe. Já pedi que me deixe em paz. Você sabe que sou noiva, por que me persegue?

— Porque sei que você me ama.

Ava levantou-se e deparou-se com o sorriso divertido de Dan.

— O que quer você afinal? Qual é o seu objetivo?

— Levá-la comigo para Nova Iorque — foi à resposta.

Ava suportou o golpe com dignidade. Talvez não merecesse mesmo o seu respeito, mas não podia suportar a sua zombaria e, para pôr um ponto final naquilo, respondeu friamente:

— Não é a primeira vez que lhe digo que faz mau juízo de mim. Não creio que valha a pena ficar zangada, pois você está acostumado a lidar com mulheres...

— Fáceis, ande, continue, Ava! Você me disse Isso. Estou cansado de saber.

A interrupção desconcertou a garota que se calou, abanando a cabeça.

— Sinto muito, Dan.

— Sente o quê?

— Que faça tão triste ideia de mim.

— A culpa é sua mesmo.

Ava estremeceu de novo.

— Por que você me insulta dessa forma? Procure Michael e pergunte-lhe o que aconteceu.

Dan pegou-lhe a mão e perguntou, com seriedade desusada:

— Que quer você que eu faça. Ava? Quer mesmo que eu procure falar com Michael?

— Se me ama de verdade...

Dan se aprumou e riu selvagenmente. Mas parou de chofre e sentou-se na areia, ao seu lado.

Uma forca estranha emanava daquele homem sentia-se segura junto a ele, apesar de suas palavras grosseiras. Era atraída por sua virilidade, sua eloquência, e mesmo por seu sarcasmo, embora não o desejasse. Os olhos verdes de Dan penetravam no seu íntimo, fazendo com que quisesse viver para sempre com ele, mesmo que depois se arrependesse.

Conseguia ocultar aqueles sentimentos com dificuldade.

— Ava! — exclamou Dan, apertando sua mão càlidamente. — Não sei se o que sinto por você é amor, ou simplesmente desejo. Não se ofenda com a minha sinceridade, nunca soube lidar com mulheres delicadas... Na verdade, sou um animal para essas coisas de moral. Mas não posso casar-me com você sem falar com Michael, compreende? Pense o que quiser de mim, pode até desprezar-me por isso, mas não posso: é superior às minhas forças.

— Confessa que me ama?

Dan soltou-lhe a mão e pegou distraidamente um punhado de areia que lhe escorregou por entre os dedos.

— Que diabo, Ava, você faz cada pergunta! Não. Não sei se a amo... Nunca quis casar, compreende? Sempre fui refratário ao casamento... Mas quando a vejo ao lado de Jarry, tenho ganas de matá-lo, agarrá-la pelo pescoço e levá-la comigo. Por que o danado do destino me trouxe a esta praia?

— Não foi o destino, foi à fatalidade.

— De novo? Se você acredita nisso, por que me ama?

Ava não tentou sequer negar. Amava Dan e não sabia dissimular aquele sentimento superior às suas forças. Era a mesma coisa quando se defrontava com Elvira: dizia sempre a verdade. Dan podia ser bruto, mas era profundamente sincero. Se algum dia chegassem á entender-se, fariam o casal perfeito. Mas havia entre eles o pesadelo daquela noite, a sua fuga.

— Se você não surgisse em minha vida, já me teria resignado a casar com Jarry. Por isso você representa a fatalidade para mim, Dan.

— Mas que fatalidade deliciosa! — disse ele com suavidade. — Levantou a cabeça e exclamou: — Olhe, está chovendo! Veja como o pessoal corre! Lá vai Adolph puxando Betty pela mão para o Náutico. — Meneou a cabeça e prosseguiu: — Estamos nos molhando como dois idiotas. Vamos para lá, Ava.

Mas a chuva engrossava e o clube estava muito longe.

— Vamos entrar na cabine, Dan. Isso passará logo é uma chuvinha de verão.

Dan apanhou as coisas de Ava e dirigiram-se ao abrigo.

— Não posso ficar de pé, Ava, fico morto de cansaço. — disse Dan comicamente. — Vamos sentar no chão.

A cabine era muito pequena mas, sentados, podiam acomodar-se. Estavam a uma distância perigosa e Dan teve que passar seu braço pela cintura da moça para não cair e rasgar a lona.

— Isto é um verdadeiro abraço à força — disse, brincalhão, embora escondendo uma, certa emoção. — Você tem que me desculpar.

— Está desculpado. — Respondeu, com certa vacilação na voz, que fez Dan voltar-se para ela.

— Você tem olhos lindos, Ava, maravilhoso. Seria o mais feliz dos homens se pudesse tê-los para mim a vida inteira, iluminando meu caminho.

— Mas que lugar comum!

— Ora, Ava, você estragou o momento mais emocionante de minha existência!

— Olhe, Dan, por que não para de brincar? Por que se diverte à custa do amor que sinto por você, do que sente por mim e até às suas próprias custas? O que há sobre está máscara de zombaria?

— O que há é isto, Ava! Isto! — Abraçou-a apaixonadamente e colou os lábios aos dela. Beijou-a repentinamente, murmurando palavras de amor com uma voz cálida, profunda, completamente inaudita numa pessoa tão zombeteira como ele, que debochava de tudo e de todos, até da mulher que amava a contragosto. Ava viu nele um homem diferente e estremeceu, quando seus braços vigorosos a estreitaram contra o peito.

— Por favor... — disse, num suspiro.

— Não está gostando?

— Não deve fazer isso. Só servirá para reafirmar a impressão daquela noite...

— Esqueça aquela noite! Estamos só nós dois aqui e nos amamos, Ava! Por que não? Sempre me senti atraído por você... Que poder emana de sua pessoa, Ava, para me perturbar assim? Nunca senti isso ao lado de mulher alguma...

Dan beijou com ardor a mão que o impediu de terminar a frase.

— Não é verdade, Dan, você não me ama. Quando for embora, esquecerá de mim. Surgirá outra mulher mais bela, provocante, embora mais superficial, e a pequena provinciana será mais uma lembrança agradável em sua vida.

— Levarei você comigo, Ava! Preciso de você, jamais poderei acostumar-me a outros beijos depois de haver experimentado os seus.

Estreitou-a violentamente...

— Dan! — gritou Ava, desvencilhando-se.

— Ande, Ava, não seja tola!

Com os olhos cheios d’água, a moça se levantou e encarou-o com desprezo.

— Nunca pensei que fosse capaz disso, Dan. Você é...

— Sou um homem! — exclamou irado, como a disfarçar sua emoção. — Você é uma mulher e passou toda uma noite ao lado de Michael, chegando a levá-lo ao aeroporto para despedir-se. Por que fez isso? Por que ficou com ele até raiar o dia? E por que me olha deste jeito? Não podemos nos enganar, Ava: é tarde demais. Você pode enganar Jarry, esta sociedade estúpida, o mundo inteiro; mas nunca a um homem como eu e muito menos a si mesma. Essa sua cara de santa não me faz esquecer que a encontrei sozinha numa Rua de Nova Iorque, exposta a tudo. Conheço os homens e, embora Michael seja o melhor deles, é sempre um homem e você é uma moça.

Continuo dizendo tudo o que lhe passava pela cabeça. Ava tapou ou ouvidos, desesperada, e saiu da cabine. A chuva já não era tão forte, mas bastou para lhe molhar os cabelos, misturando-se às lágrimas sentidas que corriam livremente de seus olhos.

— Cale-se, pelo amor de Deus! — suplicou, num fio de voz. — Você está destruindo o que tenho de mais puro, de melhor!

— Por acaso não é verdade? — gritou Dan, com um brilho estranho nos olhos. — Diga, não é verdade? Não a encontrei à noite sozinha numa rua deserta? Não aceitou o convite de um desconhecido?

— Não me faça sofrer assim! Sim, tudo isso é verdade! — replicou entre soluços. — Mas nada fiz de mal, apenas contei minha vida a Michael, o casamento de meu pai...

— Toda mulher sempre tem um desses contos da carochinha à mão. Pobres mulheres!

Isso foi demais para Ava. Enxugou as lágrimas, ergueu a cabeça e disse irada, num assomo de desespero:

— Você não tem o direito de maltratar-me assim! Não devia ter permitido que me beijasse, nem ter correspondido. Está muito enganado. Pode ser que o perceba um dia, talvez tarde demais. Nunca fui nem serei o que você está pensando. Adeus, Dan!

Enfrentou a chuva sem a sentir. Corria como louca para onde deixara sua bicicleta.

E Dan? Deixou-se ficar dentro da cabine, rindo às gargalhadas, até lhe saltarem lágrimas dos olhos. Qual a razão de tanto, riso? Estaria rindo de Ava?

 

— Que tristeza é essa, papai?

O senhor Haymes estava sentado em uma poltrona, com um cigarro apagado entre os lábios e as mãos abandonadas sobre os joelhos. Levantou a cabeça e sorriu ligeiramente.

— É você, Ava? De onde vem, molhada deste jeito?

— A chuva me surpreendeu na praia.

— Por que estava chorando?

— Chorando, eu?

— Ava, eu conheço-a desde menina e, embora nos tenhamos afastados um pouco, continuo sabendo ler em seus olhos.

— Ora, papai, que imaginação fértil!

Beijou-o rapidamente na testa e galgou as escadas em direção ao seu quarto.

Harry ouviu nitidamente a voz irada de Elvira.

— Quem molhou deste jeito o tapete da sala? Quem foi, Mary?

Os olhos pardos de Harry brilharam estranhamente. Não ouviu resposta alguma, mas sim a voz de sua mulher, cada vez mais alterada.

— Responda, estúpida! Quem molhou assim o tapete?

Harry crispou as mãos e levantou-se lentamente, dirigindo-se para a porta, onde se encostou. Elvira, de costas para ele, esbravejava. Sem sentir, comparou sua vulgaridade com a elegância e dignidade de sua primeira esposa e sentiu-se gelar.

Elvira sacudia Mary com violência, mas esta, embora soubesse que fora Ava a culpada, preferiria morrer a delatá-la.

— Responda, está ouvindo? Responda ou a matarei de pancada. Por quem me toma? Pensa que ainda sou uma simples governanta?

Ava assomou no alto da escada, descalça, os cabelos envoltos em uma toalha e trazendo um roupão sobre o corpo.

— Por que este escândalo, Elvira? — perguntou com serenidade.

Harry comparou a elegância e a fineza inatas de sua filha com o comportamento de Elvira e estremeceu. Ava era o retrato da falecida, em todos os sentidos.

— Solte Mary, Elvira! Fui eu quem molhou o tapete. Foi um crime tão grande assim?

Em dois pulos, Elvira cobriu a distância que a separava de Ava, agarrando-a com mais força ainda, despeitada por sua suave beleza.

— Elvira! — disse uma voz serena, porém cortante, da porta da sala.

Vacilou um pouco e deixou cair os braços ao longo do corpo, virando-se em direção ao marido com um sorriso forçado:

— Pensei que você ainda estivesse descansando. Molharam todo o tapete, sabe, o que Jarry Merrill nos deu de presente de casamento. Fiquei uma fera, pois era uma verdadeira joia!

Ava ordenou a Mary, com um gesto, que se retirasse e partiu logo depois, preocupada com seu pai. Que acontecera com ele? Teria, afinal, percebido quem era aquela mulher? Sempre fora tão tolerante para com ela...

Quando eles ficaram a sós na sala, Elvira pressentiu que algo ia mal. Manteve o sorriso, mas Harry Haymes era um homem inteligente e não se deixou enganar por tão pouco. Seus olhos vagaram pelo aposento, sem se pousarem, como de hábito, nos de sua esposa, e refletindo a profunda tristeza que lhe ia n’alma.

— Sinto muito, meu bem! Estou tão nervosa hoje!

— Não faz mal, Elvira; mande servir o almoço.

Afastou-a suave mas enèrgicamente. Elvira saiu, mordendo os lábios e ele ficou só, com o rosto entre as mãos.

No dia seguinte, não havia tapete no vestíbulo. Quando Ava desceu para tomar café, percebeu-o e franziu a testa. Foi até a cozinha.

— Mary, quem tirou o tapete do vestíbulo?

— Fui eu, senhorita.

— Você!? Quem deu ordem?

— O patrão.

Ava estremeceu, percebendo a alegria incontida que iluminava todos os semblantes.

Tentou analisar seus sentimentos, mas apenas conseguiu tomar consciência de que Elvira caíra do pedestal em que seu pai a colocara até então.

— Onde o pôs?

— O patrão mandou colocá-lo no sótão, junto aos trastes velhos, sem utilidade.

Deu meia volta mas ao chegar ao vestíbulo, deparou com Elvira, que não conseguia despregar os olhos do soalho.

— Quem fez isso? — perguntou, pronta a estourar num ataque de raiva.

— Foi Mary, Elvira — falou uma voz masculina.

— Mas por que, Harry?

— Eu mandei.

Elvira empalideceu. Por um momento, Ava pensou que ia replicar, mas finalmente ela comentou com um sorriso:

— Foi melhor assim, querido. Vamos pô-lo no salão.

— É inútil, Elvira. A estas horas, já está no sótão.

Seu rosto contraiu-se por um momento, mas logo se distendeu em outro sorriso.

— Está muito bem, querido.

Ava saiu, dirigiu-se ao jardim. Sentia-se infeliz, não pelo que acontecera no dia anterior, mas porque percebia que seu pai começava a conhecer Elvira. Se isso acontecesse, poderia mesmo vir a odiá-la, o que o faria desgraçado. Talvez fosse melhor que continuasse na ignorância.

Atou o lenço à cabeça e ganhou a rua. Queria dar um pulo até o clube, onde encontraria suas amigas. Mas não chegou lá, pois um vulto masculino barrou-lhe a passagem.

— Estava à sua espera.

Ava virou-se bruscamente. Dan se achava a beira da rua, sentado na calçada, com um sorriso irônico nos lábios.

— De novo? Já não chega o que me disse ontem?

— Não vim aqui para retirar uma só palavra, mas para despedir-me. Parto esta tarde, minhas férias acabaram. Você vai comigo?

Profundamente irritada, Ava conseguiu dominar-se. Encostou a bicicleta e sentou-se junto a ele na calçada, respondendo com voz pausada:

— Não, Dan, eu não vou com você. Pode ir embora e quanto mais cedo, melhor para mim.

— E insiste em dizer que me ama!? Seria inútil negá-lo. Pelo menos, assim, posso justificar meus... Beijos. — disse intrèpidamente.

— Nem por isso permitirei que você me ofenda a esse ponto. Está enganado mais uma vez, Dan, e fico muito triste com isso.

— Se fosse verdade, iria comigo! — disse, apertando as mãos dela entre as suas. — Eu a amo como nunca amei ninguém, percebe? Você é a mulher ideal, com que sempre sonhei, é...

Ava cobriu-lhe a boca com a mão e indagou:

— Se me ama, por que não se casa comigo?

Dan endireitou o corpo e seus olhos ficaram inquietos.

— Não posso! — exclamou, com voz rouca. — Seria um golpe para mim se um dia Michael surgisse em nossa vida. Sempre a verei naquela noite, de braço dado com ele, caminhando por uma Rua de Nova Iorque. Não consigo esquecer, sabe? Por isso, não posso casar-me com você: seria fazê-la infeliz...

— E pensa que serei feliz da outra forma?

— Nós dois somos livres...

— Cale-se! Basta, por favor! Não mereço tanta humilhação! — Aproximou-se dele, olhando-o no fundo dos olhos longamente falou com emoção: — Não, Dan, jamais. Algum dia perceberá que cometeu um erro, mas nesta época já estarei casada com Jarry. Sim, vou casar-me com ele, pois não ignora que passei uma noite inteira com um homem e nunca me fez uma pergunta sequer a esse respeito. Conhece-me o bastante para saber que prezo demais meu nome e minha moral para haver caído tão baixo como você pensa. — Montou na bicicleta e acrescentou ainda: — Adeus, Dan. Não pode imaginar como o amo, com seu cinismo, sua crueldade e tudo mais que oculta sob esta máscara de frivolidade. Daqui a alguns anos, você se lembrará de mim e rirá junto com sua esposa; farei o mesmo ao lado de meu marido. Não nascemos um para o outro. Vá e não volte mais, em nome de nosso amor.

A bicicleta perdeu-se na distância. Dan abanou a cabeça e enxugou o suor do rosto.

— Ainda não sei se sou um imbecil ou louco — monologou, levantando-se. — De qualquer forma, partirei sozinho.

Enterrou as mãos nos bolsos e ergueu a cabeça.

— Jamais esquecerei este céu tão azul nem os olhos mais puros que já conheci, os lábios mais doces que beijei. Mas o dever o chama, Dan Bogart. Talvez a agitação do jornalismo o faça esquecer-se de Ava Haymes.

Em volta da grande mesa de jantar, o silêncio era profundo. Harry comia sem dizer palavra e Ava parecia levar a colher à boca maquinalmente. Elvira estava ferida em seu amor-próprio, em seu orgulho de mulher, mas tinha o cuidado de ocultar isso sob um sorriso compreensivo.

— Este prato não está bom — disse Harry subitamente. — Há alguns dias, a comida anda ruim sem gosto.

— Mas está muito bem temperado, meu bem — disse Elvira, sorrindo.

— Não digo que não, mas quando o paladar se acostuma com um tempero, dificilmente se adapta a outro.

— Mas não está tão ruim, papai.

Harry colocou o guardanapo sobre a mesa e levantou-se, dando a refeição por terminada. Falou friamente, antes de afastar-se:

— Acho melhor colocar Tona de novo em seu lugar.

O coração de Ava pulou. Procurou o olhar de seu pai, mas este já se retirava. Elvira estava vermelha de raiva, com os olhos brilhantes e os punhos crispados.

— Jamais! — riu com ódio. — Tona jamais voltará a esta cozinha!

Ava reteve a respiração. Não queria meter-se naquele assunto. Conhecia seu pai o bastante para saber que Tona voltaria à cozinha de qualquer jeito, pois era inflexível quando tomava uma decisão.

— Você entendeu, Ava?

— Nada tenho a ver com isso, Elvira. Sabia que esse dia chegaria mais cedo ou mais tarde e está ai. — Levantou-se.

— Espere!

— Uma vez lhe disse que o demônio nunca vencera batalha alguma. Você se casou com Harry Haymes sem conhecê-lo, Elvira; ou melhor, com conhecimento superficial que toda criada tem de seu patrão. Por isso, nunca descobriu que, sendo um cavalheiro, Harry Haymes não suporta injustiças.

— Cale-se!

— Foi você quem me mandou esperar e fiquei apenas para dizer-lhe isso. Você está caindo de seu pedestal, Elvira! Tenha cuidado!

Elvira cerrou os punhos e foi à procura de seu marido. Ia tentar sua última cartada.

Entrou no escritório sem bater.

— Harry — chamou.

O Senhor Haymes ergueu vagarosamente a cabeça grisalha e a contemplou curioso.

— Pensei que talvez eu mesma pudesse temperar sua comida.

— Você nunca foi cozinheira, Elvira, somente governanta.

Elvira engoliu em seco, mas suportou a humilhação com um sorriso. Harry sentiu um nojo tremendo daquela mulher, e compreendeu que seu casamento chegara ao fim.

— Tona voltará, Elvira, creio mesmo que já está na cozinha.

Voltou a absorver-se nos papéis que se encontravam sobre a mesa. Elvira, mordeu os lábios e, ao sair do escritório, subiu imediatamente para seus aposentos. Perdera aquela partida mas ainda havia o caso de Jarry, que era o mais sério.

Na cozinha, Tona se pavoneava com um avental imaculadamente branco à cintura e um olhar brilhante.

— Temos que celebrar isto, Tona! — disse o chofer.

— Sabia que terminaria assim. Ainda está para nascer à pessoa que vai dominar o patrão!

— Psiu! Silêncio, minha boa Tona! — disse uma voz suave. — Limite-se a cumprir o seu dever sem fazer comentários. Faça isto por mim!

Quando Ava se retirou. Tona sentiu lágrimas de felicidade lhe assomar aos olhos.

 

O inverno chegou violento, com muita chuva e frio intenso. Dan, sentado na poltrona em seu escritório de diretor, um cigarro pendurado na boca, parecia um pouco alheio a tudo.

— Está bom, chefe?

— Sim, está.

— Mas o senhor nem deu uma olhada!

— Vá para o diabo! — berrou, dando um soco na mesa. — Faça como quiser e não me aborreça mais! Estou farto de escutar esta sua voz a manhã inteira, James!

— Puxa, o chefe hoje se levantou com o pé esquerdo! — disse James, aparecendo na sala da redação. — Vou mandar para o prelo esta reportagem assim mesmo e ele que esbraveje, depois.

— Não reviu?

— Qual nada! Continua desenhando cabines de praia!

— Desde que voltou das férias, ninguém o entende. Está insuportável!

— Acho que está apaixonado.

— Bobagem. Desde quando você já viu Dan Bogart apaixonado? Não, meu caro, o que acontece é que tem menos liberdade do que antes. Cada vez que o velho vem aqui, fica uma fera. Outro dia, ouvi-o mandá-lo para o inferno.

— Mas você não sabe por quê?

James, de repente, se viu rodeado por todos os jornalistas.

— O velho estava falando sobre casamento.

— O que está acontecendo por aqui? — gritou uma voz tonitruante, vinda da porta.

O grupo se desfez como que por encanto. Mas Dan continuou de pé no umbral.

— Dê-me esta reportagem, James.

James apressou-se a atendê-lo. Dan passou uma vista de olhos naquelas linhas.

— É uma besteirada. Todo mundo está farto de saber como é uma praia da moda. Quem escreveu isso?

— Chegou pelo correio.

Dan amassou-a a enfiou no bolso.

— Na certa, é obra de algum desocupado — disse saindo de novo.

Ao regressar ao escritório, encontrou o antigo diretor, que todos chamavam carinhosamente de velho sentado confortàvelmente numa poltrona, com um enorme charuto Havana entre os lábios e sorrindo bonacheiramente.

— Puxa, você ainda não se resolveu?

Dan não deu resposta, sentando-se no tampo da mesa e girando automàticamente seu chaveiro em um dedo.

— Eis as minhas chaves. Se fosse casado, quem as teria era minha mulher e não teria sossego ao saber que poderia abrir a porta a qualquer um.

— Raios o partam, Dan, que juízo você faz das mulheres!

— Eu sempre fui o melhor dos homens, mas as mulheres devem torcer para se livrarem desta bondade desinteressada... Da parte dos homens. — acrescentou com cinismo.

— Você é um imbecil, Dan.

— Nós somos dois imbecis, chefe.

— Dois? Por que dois?

— É óbvio. O senhor, que não se casou porque não teve vontade, e eu, que não me caso porque não quero. Se o senhor não se casou e eu não quero casar, estamos quites, certo?

— Mas eu nunca estive apaixonado, seu estúpido!

— E, por acaso, eu estou?

O diretor se aproximou da mesa.

— Está vendo? Não falha. Todas as vezes que venho a seu escritor encontro a famosa cabine de praia. Foi aí que você a conheceu, Dan? Que encontro romântico!

— Foi o encontro mais molhado que já tive, chefe. Tomei um banho!

— Melhor ainda!

Dan se colocou no meio da sala, acintosamente.

— Olhe, chefe, o senhor quer mais alguma coisa ou prefere voltar a seu lugar, atrás desta maldita mesa?

— Dan! — exclamou o velho com seriedade — se você soubesse como sinto não me haver casado, a cada dia que passa. Sabe por que venho para cá? Porque o silêncio daquela casa, tão triste, me dá nos nervos. De que serve ser rico? Bem, rapaz, fique aí com sua cabine de praia. Vá dar uma volta pela cidade, porque faz tanto tempo que você a abandonou que já deve ter casado com outro.

— Vá amolar outro!

O velho saiu, sorrindo e Dan ficou só. Pegou o telefone e discou um número.

Enquanto esperava, destroçou maquinalmente o desenho da cabine.

— Por favor, o senhor Michael Kerr já está de volta?

— Não, senhor, eu creio que só voltará no próximo verão.

Bateu furiosamente com o fone no gancho. O ano que vem! Haviam respondido com a mesma indiferença com que anunciariam sua chegada para o dia seguinte! Cambada; de idiotas! Enterrou as mãos nos bolsos e se dirigiu para a rua, por onde vagou sem que ninguém, nem mesmo as mulheres mais bonitas, lhe chamassem a atenção.

Abriu a porta do apartamento e sentiu todo o seu silêncio. O barulho, de seus passos parecia dizer-lhe quanto estava só; irritado, bateu o pé e disse; como se o inimigo fosse visível:

— Cale-se!

Entrou no quarto, sentou-se à beira da cama e examinou o aposento. Afinal de contas, não era melhor assim? Para que queria uma mulher? O telefone tocou, interrompendo o fio de seus pensamentos: Atendeu.

— Olá, Dan! Está sozinho? Eu também e morto de ódio de tédio, por isso lhe telefonei. Afinal de contas, os solitários têm que se auxiliar mutuamente, pois esta solidão é horrível.

Velho imbecil! Por que metia o nariz onde não era chamado?

— Deixe-me em paz, chefe! O senhor está esgotando minha paciência!

— Que pena, Dan!

— Pena por qué?

— Porque ainda está em tempo. Daqui a dois ou três anos, você sentirá muito mais frio do que neste inverno. O calor de uma mulher é algo insubstituível! Pena que eu só tenha entendido isto tarde demais...

— Vá para o diabo! O senhor está me dando nos nervos!

— Veja bem, Dan, os nervos só irritam quando o que se ouve é verdade. Por que não vem jogar comigo um pouco? Estou tão chateado!

— Pois se dane! — rugiu Dan, desligando violentamente, mas não sem ouvir o risinho mordaz do velho.

Jogou-se de bruços na cama e tentou dormir. O dia seguinte seria domingo. Já deixara tudo pronto para os rapazes na oficina e nada tinha que fazer. Como passaria o tempo? Poderia almoçar com o chefe... Não, este o encheria de conselhos e acabaria ficando louco. Quem sabe, aquela pequena da Quinta Avenida... Não, começava já a ficar monótona. Talvez se ficasse em casa, lendo... Sentir-se-ia mais isolado do que nunca. Ah! Podia pedir o automóvel do chefe para dar umas voltas pelo campo! Iria para longe, mudaria de ares... E se fosse à cidade de Ava?

Rilhou os dentes. Nada queria com Ava, não lhe interessava vê-la. Bem, sempre havia alguns amigos por lá que ficariam muito felizes ao vê-lo. Saíra havia tanto tempo!

Impulsivamente, dirigiu-se ao telefone e discou:

— Olá, Dan! — respondeu a voz do ancião do outro lado.

— Raios, tinha tanta certeza de que eu telefonaria? — disse, com um gesto de enfado.

— Era inevitável. — respondeu-lhe, com aquele risinho irritante. — Quer que mande o chofer levar o carro ou você vem apanhá-lo?

Dan ficou boquiaberto; logo depois se recobrou, esbravejou mas terminou por soltar uma gargalhada.

— O senhor é uma raposa velha, chefe!

— Nada disso, seu tolo. Sou um homem velho, entende? Na minha idade, você também lerá o pensamento de seus filhos.

— Jamais terei filhos.

— Se eu soubesse o número premiado na loteria com tanta certeza como sei disso, já teria ficado rico. Que tal?

— O senhor é muito engraçadinho. — resmungou. — Bom, era isso mesmo que eu queria. Posso ir buscar o carro amanhã, as nove em ponto?

— Claro. E não esqueça de abraçar sua namorada por mim. Deve ser um encanto, pois do contrário não teria conquistado o homem mais empedernido do mundo.

Dan desligou com tal raiva que quase amassou o telefone, mas logo depois levantou precipitadamente, aos berros:

— Não vou vê-la, chefe ! — Mas este já não o escutava.

Sentado à beira da cama, remexeu os bolsos e encontrou uma bola de papel.

Fazia parte de uma série de reportagens que andava recebendo pelo correio todas as manhãs mas que nunca publicara, considerando-as totalmente desprovidas de interesse para o público. Leu-a com atenção, mais por curiosidade: falava dos encantos de uma praia minúscula não muito longe da capital. Conhecida àquela praia de algum lugar, mas de onde? Seria a...

Leu com maior atenção. Sem dúvida, era a praia onde passara as férias... E o artigo parecia escrito por uma mulher. Talvez... Ava Haymes... Mas com que finalidade?

— Irei vê-la amanhã — decidiu bruscamente. — Se for uma brincadeira, veremos quem sai perdendo...

Levantou-se, excitado. Iria, sim, por que não? Nada havia demais em querer saber quem era o autor daquela crônica que, no final das contas, não estava assim tão mal escrita.

O frio era intenso. Dan estacionou o carro ao lado do hotel onde se hospedara da outra vez. Seu terno cinza escuro lhe caía às mil maravilhas e os sapatos da mesma cor compunham o traje. Alisou o bigode, ergueu a gola do paletó e entrou no saguão.

— Senhor Bogart! Que surpresa agradável! — disse o proprietário, correndo a atendê-lo. — Como vai? Quantos dias pretende passar conosco?

— Apenas um, meu amigo. Parto amanhã cedo. — Mudou de assunto com toda a indiferença que foi capaz de aparentar. — Sabe onde poderei encontrar a senhorita Haymes?

O discreto dono do hotel limitou-se a responder no mesmo tom, sem tecer nenhum comentário, o que o elevou no conceito de Dan.

— Certamente à saída da Igreja, no fim da Missa. — relanceou os olhos pelo relógio. — É meio dia e quinze. As doze e meia, o senhor a encontrará à porta da Igreja.

— Obrigado. Virei almoçar — disse, acenando com a cabeça, e partiu.

Alguns minutos depois, encontrava-se ao lado da pia de água benta, de onde pôde vê-la imediatamente. Seu perfil era encantador e ficou absorto, admirando-a, entregue a seus pensamentos.

Certa vez, ela lhe dissera que tinha madrasta, com o que nem se preocupara. Ter uma madrasta era melhor do que nada, como lhe acontecera. Mas, haveria alguma tragédia atrás de tudo aquilo? Dan começou a pensar pela primeira vez e uma espécie de intuição lhe disse que Ava não era feliz no lar.

Estava mais magra; mantinha os cabelos curtos como antes, mas a pele perdera o queimado do sol e a palidez de seu rosto a favorecia.

Vestia um grande casacão preto com mangas largas, de corte muito elegante, cuja cor contribuía para acentuar a melancolia de seu semblante. Um costume cinza sob o casaco e sapatos altos de camurça completava harmoniosamente o conjunto. Dan nunca a vira tão bonita, tão feminina.

Esperou o fim da missa com impaciência. Aparentemente, mantinha-se calmo, mas o coração lhe saltava no peito.

Foi uma das primeiras a sair. Dan esticou o braço, mas Ava não o viu. O rapaz insistiu, fazendo-a erguer os olhos pardos, que súbito se arregalaram para logo se fecharem com forca. Seria verdade o que via?

— Dan! — suspirou baixinho, mas com emoção.

O rapaz sentiu-se emocionado como se fosse um novato naquelas questões. Seus olhos se embeberam, nos dela e assim eles ficaram longo tempo, até que os chamaram à realidade, pois impediam a passagem. Dan reagiu, deu-lhe o braço e saíram juntos.

— Você voltou, Dan, ou não devo acreditar em meus olhos?

— Voltei. Aonde vamos, Ava? Tem algum compromisso ou pode ficar comigo um pouco?

— Posso ficar com você até às três.

— Obrigado.

Caminhando em silêncio, para a praia, como se houvesse alguma combinação entre eles até que se viram livres dos olhares curiosos. Dan tirou as luvas de Ava e beijou-lhe as mãos suavemente.

— Estava morto de saudade — murmurou.

— Mas demorou todo este tempo!

— Você desejava que eu voltasse?

— Bem sabe que sim. Nunca fui hipócrita, sempre lhe confessei a verdade.

Dan abraçou-a pela cintura.

— Você está mais bonita do que antes, Ava; mas seus olhos estão tristes, mais tristes do que nunca.

— De quem é a culpa?

— Não, Ava, minha não é. Antes de partir, disse francamente que não poderia casar-me com você. Estou apaixonado por você, sabe, profundamente apaixonado. Nunca amei tanto uma mulher como a amo.

— Mas não quer casar comigo.

Dan não respondeu. Inclinou-se para ela e olhou no fundo de seus olhos. A moça sentiu que Dan ia beijá-la e teve certeza que não se esquivaria àquele beijo, pois o desejava mais do que tudo no mundo. Foi um beijo longo e apaixonado.

— E mesmo assim não vai me levar com você — disse, com profunda tristeza, quando Dan a afastou um pouco de si.

A batalha travada na alma de Dan era violenta. Forças as mais diversas se entrechocavam em seu íntimo. Escondeu a cabeça no pescoço de Ava e estreitou aquele corpo frágil até quase fundi-lo com o seu. Profundamente emocionada, no entanto, Ava intuiu que Dan ainda não vencera a si mesmo, ainda não acreditava na sua sinceridade.

Sofreu com isso um rude golpe, mas dominou-se e acariciou suavemente a cabeça do rapaz:

— Dan, você está cometendo um grande erro. Tomara que não sinta remorsos mais tarde. Não posso me zangar com você, entretanto, porque nos conhecemos numa situação muito dúbia e nada do que eu disser agora poderá convencê-lo. Naquela noite fatídica, de fato fui com Michael; sentamos-nos em um bar e Michael disse que minha tristeza se refletia no rosto.

— Continue, Ava.

A jovem afastou-se ligeiramente, segurou-lhe as mãos com calor e mergulhou seus olhos nos dele, continuando a falar:

— Comecei a chorar desesperadamente e contei-lhe o que estava acontecendo comigo.

Esperou que Dan perguntasse o que tinha acontecido, mas o rapaz tinha o olhar fixo em ponto longínquo, e a testa franzida.

— Depois de eu viver muitos anos, sozinha com papai, este resolveu casar-se com a nossa antiga governanta, mulher egoísta e má. Todos perceberam isto, mas papai estava cego a tudo: ela contava trinta e sete anos, papai cinquenta, e estava apaixonado. Elvira fazia de minha vida um verdadeiro inferno, longe das vistas de papai, chegando mesmo a obrigar-me a aceitar a corte de Jarry. Um dia, após uma briga terrível com minha madrasta fugi de casa, desesperada. Foi nesta noite que os encontrei. Michael me aconselhou a voltar para casa e foi o que fiz, tão logo partiu o avião que o levava. Jarry me recebeu como se nada houvesse acontecido, pois é um homem bom e me ama profundamente.

Calou-se e abandonou os dedos crispados de Dan, olhando cegamente para diante, tal como ele, sem nada ver.

— Dan...

O jornalista retirou a crônica do bolso e perguntou-lhe, num tom de voz esquisito:

— Foi você quem escreveu?

— Foi, Dan. Estes eram meus últimos cartuchos, mas você não publicou nenhuma.

— Tem pouco valor literário, Ava.

— Não sou uma escritora. Isso era apenas uma mensagem que eu enviava para você todos os dias. Consegui meu objetivo: você veio e agora não escreverei mais. Se você não pretende casar comigo não volte mais. É melhor que se esqueça de mim.

— Jamais a esquecerei, Ava — disse Dan, quase que para si mesmo. — Nunca, nunca.

— E sabendo que eu tampouco o esquecerei, vai me deixar aqui.

Dan apertou-lhe as mãos febrilmente.

— Venha comigo, Ava! Algum dia, casaremos; eu prometo, eu juro...

Ava afastou-se dele. Lia-se em seus olhos uma dor indescritível, que comoveu o rapaz.

— Dan, Dan... — censurou tristemente. — Ainda pensa que sou uma... Não, Dan, eu posso morrer de amor por você, posso passar o resto de minha vida chorando, posso ser torturada por Elvira... — jogou os cabelos para trás, num gesto de desespero. — Não, Dan, eu nunca o acompanharei dessa forma. Como você me ofende com essa proposta e quão pouco você me ama, para não ter piedade!

Dan tentou justificar-se, mas as palavras não saíram. Sem querer lembrou-se das palavras de seu chefe: “Você é um imbecil, Dan, completamente sem tato. Escreve artigos maravilhosos, dá jeito na vida dos outros, mas não sabe arrumar a sua, o que é muito mais importante. Isto é uma idiotice.”

O chefe teria repetido pessoalmente a mesma coisa, se estivesse ali naquela hora. Mas continuava apegado àquela obsessão que o deixava louco.

— Se ao menos Michael chegasse... — disse, finalmente, com voz rude.

Outra insensatez: Ava meneou a cabeça e sorriu amargamente.

— Agora não, Dan. Se Michael chegasse e repetisse o que eu acabei de lhe contar, já não haveria lugar para você em meu coração. Se me ama de verdade, deve crer em mim e não esperar que Michael venha e confirme o que eu disse. Não lhe guardo rancor por isso, embora esteja profundamente ferida. Apesar daquele encontro que realmente não favorece a minha reputação, se você me amasse como diz, acreditaria em mim, em minha honestidade.

Dan abaixou a cabeça, esmagado pela razão que havia naquelas palavras, mas... Oh! Maldito Michael, por que ainda não voltara!

— Se nos casarmos — disse, de repente, — você viverá torturada por minhas dúvidas e ciúmes. Sempre pensei que fosse um indiferente, mas agora sinto que morreria de ciúmes. Não posso tolerar a ideia de que outros lábios tenham tocado os seus... Não posso, entende, não posso!

Ava cobriu-lhe a boca com a mão.

— Estou vendo, Dan. Ande, vai embora, vá para a sua casa; eu me casarei com Jarry, o único que acredita em mim.

Dan levantou bruscamente a cabeça, agarrou-a e beijou-a ansioso.

— Isso é impossível, Ava! Você não pode casar com Jarry e condenar-me por toda a vida. Terá que esperar, eu suplico-lhe, Ava, por favor, espere!

— Esperar o quê, Dan? Que você, depois de velho, descubra que eu lhe disse a verdade porque falou com Michael? Aí será tarde demais, meu anjo!

— Não diga isso! Eu juro...

— Que adianta jurar, Dan, se você não sabe o que quer?

— Suplico-lhe que espere. Eu partirei, de fato, procurarei encontrar a mim mesmo e depois... Oh, Ava, não me olhe assim, com tanto desespero! Juro que voltarei! Agora, nada posso prometer, mas, pelo amor de Deus, espere! Você me esperará, não é, meu amor?

A jovem emoldurou-lhe o rosto com os dedos, olhando-o no fundo dos olhos e beijou-o na boca. Foi o beijo mais doce que Dan recebera em toda a sua vida e percebeu a intensidade do amor daquela mulher.

— Eu esperarei, Dan — disse, depois, com a voz trêmula. Deu meia volta e afastou-se lentamente em direção à praça. Mas Dan não ousou segui-la. Qualquer outro homem teria corrido atrás dela e suplicado que se tornasse sua esposa; mas Dan era diferente. Queria dissipar todas as suas dúvidas antes de decidir-se. Algum tempo depois, já estava em seu carro.

— Não vai almoçar, senhor Bogart? — perguntou o dono do hotel, correndo atrás dele.

Dan deu a melhor desculpa que conseguiu encontrar e arrancou, sem olhar para trás.

Se o fizesse, não teria forcas para prosseguir.

 

Elvira percebera Dan à porta da Igreja e decidiu agir rapidamente, antes que fosse tarde demais. Essa decisão devia gerar mais um desgosto para Ava, talvez o maior de sua vida.

Todo o ódio acumulado em seu coração mesquinho maquinava uma armadilha para Ava. Jamais poderia perdoar Harry pelo desprezo que este lhe votava, a ponto de fazê-la sentir-se uma intrusa.

Conhecia-o muito bem para saber que este preferiria morrer a suplicar a Jarry um prazo maior. Elvira aproveitava-se habilmente desse orgulho para os seus propósitos inconfessáveis.

— Posso entrar, Harry? — chamou à porta do escritório.

Harry assentiu. As conversas entre eles tornavam-se a cada dia, mais raras devido ao ódio e desprezo mútuos.

— Quero falar-lhe de Jarry. Encontrei-o hoje de manhã e mencionou alguma coisa relacionada com o casamento.

— Isso se arranjará de outro modo, Elvira. — respondeu asperamente. — Não posso casar minha filha com um homem que não é amado por ela.

— Foi o que eu lhe disse, Harry.

— E por que você tem que andar dizendo estas coisas? Ele que venha falar diretamente comigo.

— Não quer vir aqui. Teme que você não lhe dê ouvidos. Hoje nos ameaçou.

A serenidade do olhar de Harry desapareceu por completo, substituída subitamente por uma expressão de pavor. Sua mulher prosseguiu:

— É verdade. Disse que se o casamento não sair ainda esta semana, processará você, e como sei o que isto significa, corri a avisá-lo

Harry apertou as têmporas, sem pensar sequer que sua mulher o estivesse ludibriando. Considerava-a egoísta, ordinária e mesquinha, mas jamais poderia supor os abismos de crueldades da sua alma.

Levantou-se e andou pela sala. Grossas gotas de suor lhe corriam pela testa A única forma de devolver aquele dinheiro era lançar mão do dote de Ava mas esta ação o descobriria aos olhos de sua filha, o que queria evitar a todo custo. Impossível recorrer aos amigos: seria expor sua vida privada sem a certeza de ser atendido. Nem lhe passou pela cabeça solicitar um adiamento de prazo, pois isto só seria possível com o casamento de Ava.

— Como sou egoísta! — pensou com seus botões.

— Retire-se, Elvira. — Disse, encarando sua mulher. — Já me contou o suficiente. Hoje mesmo falarei com Ava. — Gritou, com a voz embargada.

— Não quis dar-lhe um desgosto, Harry.

— Saia! — bradou, fora de si.

Ao sentir a porta fechar-se, continuou seu passeio, monologando:

— A culpa é dela... — Repetiu-se, mais uma vez. — Nunca deveria ter casado com uma mulher como Elvira. Foi uma verdadeira loucura e agora... Agora... — Meu Deus! — gemeu em voz alta. — O que restará de minha reputação de juiz, depois da um incidente desses? Se pedir a Ava que se case com ele, terei que dar-lhe uma explicação e não a posso dar, não posso! Mas também não posso sacrificar sua vida tão preciosa. Não tenho esse direito!

Ouviu passos no corredor. Reconheceu o leve pisar de Ava e, entreabrindo a porta, chamou-a:

— Minha filha!

Ava estacou de súbito, evitando virar o rosto pois sabia que sua perturbação se refletia nele.

— Venha cá um momento, meu bem.

Ava voltou à cabeça, procurou sorrir e aproximou-se dele.

— O que há, papai?

Harry perscrutou-lhe o semblante:

— De onde está vindo? Por que toda esta palidez? Por que chorou, Ava?

— Não faça perguntas, papai. É melhor.

— Foi aquele homem de novo? Voltou?

— Voltou.

— Oh, Ava! — disse, virando-se em direção à janela e falando sem encarar a filha. — Ava, eu ia pedir-lhe que se case com Jarry o mais cedo possível.

— Papai!

Harry virou-se e Ava percebeu os seus olhos cheios de lágrimas, assustando-se.

Aproximou-se dele.

— Por que, papai, por quê? Por que você quer que me case com Jarry quando sabe que amo outro homem?

— Não posso explicar, minha filha, só posso dizer-lhe que é preciso que você se case com ele.

— Mas deve haver um motivo muito poderoso!

— Uma questão de honra que você não entenderia, algo... Oh, Ava, pela memória de sua mãe!

— É terrível! — exclamou, entre soluços, tapando o rosto com as mãos. — Prometi a Dan que não me casaria com ele, papai. Eu amo Dan! Estou apaixonada por ele.

— Sei disso, Ava, mas mesmo assim insisto em que se case com Jarry.

— Não posso responder agora — murmurou, com a voz embargada. — Devo pensar muito. Tenho que... Oh, meu Deus!

Saiu correndo do escritório. Foi e lançou-se na cama, chorando desesperadamente.

Que fazer? Seu pai devia ter um poderoso motivo para exigir tamanho sacrifício e, como filha amorosa, devia obedecer. Mas que dever é superior ao amor? E se aceitasse casar com Jarry e escrevesse a Dan?... Talvez reagisse e, se isso não se desse, seria sinal de que não a amava, não se importava com ela...

Levantou-se bruscamente e dirigiu-se ao escritório do pai.

— Já refleti bastante, papai. Casar-me-ei com Jarry quando você quiser.

— Ava!

— Sim, papai. Dan veio mas já voltou... Pensa que naquela noite... — ocultou o rosto entre as mãos e suspirou. — Vou me casar com Jarry. É o único que acredita em mim.

— Sinto profundamente obrigá-la a fazer isso, Ava!

— Não faço, obrigada, papai. Fui eu quem decidiu casar-se. Telefonarei para Jarry marcando um encontro para esta tarde, no parque.

Harry não pôde suportar tamanha emoção; deixou-se cair sobre uma cadeira e ocultou o rosto entre as mãos, calado.

— Não fique assim, papai. Creio que isso é o melhor que faço.

Beijou-o na testa e saiu, deparando-se com Elvira no corredor, a quem não dirigiu sequer um cumprimento. Esta mordeu os lábios e cerrou os punhos ameaçadoramente.

— Olá, Jarry.

— Olá, querida, não esperava vê-la hoje.

— Por quê?

— Quando ia cumprimentar você à saída da igreja, vi Dan Bogart... — disse gentilmente.

— Não obstante, Jarry, você é meu noivo.

— Não, Ava, eu não me considero seu noivo, pois você não me ama. Nunca a incomodei. A única vez que o fiz, arrependi-me amargamente mais tarde.

Ava estendeu a mão sobre a mesa até alcançar a de Jarry.

— Você é bom demais, Jarry; foi por isso que me decidi a casar com você.

— Tem certeza, Ava? — disse Jarry, levantando-se a meio, com a voz embargada. — Não vai se arrepender mais tarde?

— Não, Jarry.

— Ava, a vida não é feita de um dia apenas. São vários dias, vários anos... Meu Deus! Um dia, estarei velho e você será ainda jovem e formosa; minha presença lhe dará asco. Não, Ava, você ama Dan Bogart, um homem decidido, forte, que tem a vida inteira pela frente e a ama. Jamais serei um obstáculo em sua vida. Amo-a demais para colocar-me entre você e Dan.

— De qualquer jeito casarei com você.

— Nada disso, vamos fazer uma coisa: você dirá a Dan que vai se casar comigo para despertar-lhe o desejo, mas nós nunca nos casaremos, Ava. — disse, com tristeza.

Ava suspirou. Jarry era tão bondoso que, se Dan não houvesse surgido, certamente acabaria gostando dele. Mas agora...

— Você tem que se casar comigo, Jarry, mesmo que eu não o ame agora. Amanhã, quem sabe? A vida é uma longa estrada: você é bom, me ama e um amor acaba atraindo outro amor.

Suas palavras eram sinceras: pressentia que Dan não voltaria ou voltaria tarde demais...

— Vamos pensar isso com calma Ava. — murmurou Jarry. — Eu a amo, mas isto não faz com que você venha a amar-me. Além disso, não somos donos de nossas emoções: jamais esquecerá Dan.

— Ainda menos se você não me ajuda! — exclamou, um pouco impaciente. — Se o procuro agora, Jarry, é para que me ajude a esquecê-lo. Mas eu o conheço, e tenho certeza de que você me ajudará, não é verdade, Jarry?

— Sim, eu a ajudarei, Ava — disse, levantando-se e dando-lhe o braço. — Já é tarde, querida, Vamos. Eu a ajudarei até o fim e, se o destino assim o quiser, você será minha.

Combinado o casamento de Ava com Jarry, os preparativos para a cerimônia foram feitos com rapidez. Marcou-se a data para a quinta- feira seguinte, ao meio-dia em ponto.

Ava fazia os maiores esforços para esquecer o passado e começar a amar Jarry.

Naquela tarde, Ava sentou-se à máquina de escrever e copiou sua pseudo reportagem, enviando-a para o jornal de Dan. Não assinou, mas acrescentou as seguintes palavras, no final do artigo:

“A senhorita Ava Haymes casar-se-á no dia doze, quinta-feira, às doze horas em ponto, na matriz desta cidade. O feliz noivo é o Senhor Jarry Merrill.”

Ela mesma fez questão de colocar o envelope no correio. Era sua última esperança e só lhe restava aguardar que Dan viesse impedir aquele casamento. Caso não viesse, deveria esquecê-lo para todo o sempre.

A partir daquele dia, Ava esperava, ansiosa, o rosto colado aos vidros da janela, algum sinal de seu amado. Mas apenas lhe surgiam os cabelos incolores de Jarry, sua silhueta ligeiramente curvada e seus olhos tristes, que lhe partiam o coração.

Certa tarde, observou que seu pai, ao ver Jarry, crispava o rosto e se afastava discretamente em direção ao escritório. Isso intrigou Ava, que perguntou ao noivo assim que se viu a sós com ele:

— Jarry, você e meu pai não são amigos?

— Claro que sim, Ava. Por que pergunta?

— Bobagens. Vocês já discutiram alguma vez, já tiveram alguma briga?

— Não, nunca. Sempre estimei muito seu pai, que me inspira profundo respeito. Talvez por isso nunca tenha conversado longamente com ele.

Ava mudou deliberadamente o rumo da conversa mas, em seu íntimo, permaneceu a curiosidade de saber o que havia por trás de tantos mistérios.

O dia pior para Ava foi à véspera de seu casamento. Estava chorando em seu quarto, quando uma voz pediu licença para entrar. Limpou ràpidamente os vestígios de seu desespero:

— Quem é?

— Sou eu, Ava. — respondeu-lhe uma voz odiosa que foi o bastante para sacudi-la de seu torpor.

— Que quer você aqui? Já não chega o mal que me fez? Que deseja?

Elvira sorriu com superioridade. Haviam conseguido separá-la de Harry, que agora a desprezava, mas ela os vencera a todos: ninguém poderia impedir aquele casamento disparatado de um velho e uma jovem na flor da idade. Algum dia, talvez, Ava descobrisse tudo, mas seria tarde demais

— Venho trazer o presente que chegou de Nova Iorque, minha filha!

O coração de Ava disparou; arrancou o embrulho das mãos de sua madrasta e abriu-o, rasgando o papel, ansiosamente.

— Veio da parte de Daniel Bogart, Ava! — acrescentou, com um sorriso cruel. — Por um portador especial!

Abriu a caixa, e um lindo gatinho angorá pulou graciosamente para o chão. Mas Ava não o via. Diante de seus olhos esgazeados perpassavam as figuras de Elvira, sorrindo amável e ironicamente; de Dan, zombando de seu amor; de Michael, tão bondoso e compreensivo; de Jarry, submisso e calado; de seu pai, frio e áspero; e a de sua vida arruinada, destroçada para sempre.

— Vá-se embora! — murmurou roucamente. — Deixe-me sozinha!

— Não gostou do presente? — indagou Elvira.

Ava avançou para ela como louca; agarrou-a pelos ombros e sacudiu-a violentamente.

— Como está satisfeita, não é? — perguntou entre dentes. — Conseguiu tudo o que queria. Que lhe importa o desprezo de meu pai se o mundo a considera dona e senhora desta casa? Que lhe importa o seu sofrimento, se ele lhe dá todo o poder de que você necessita? Você sempre me invejou, desde que pôs os pés nesta casa! Invejava o carinho dos criados e de meu pai, a estima que todos tinham por mim! Invejava meu nome de família e não descansou enquanto não o usurpou! Mas eu não sou assim, Elvira. — acrescentou com desprezo. — Casada ou solteira, sou uma mulher honesta e digna de respeito e saberei honrar meu marido, procurando amá-lo com todas as minhas forças.

Seus olhos caíram sobre o gatinho e continuou:

— Eu amava Dan, Elvira. Ele zombou de mim, mas não o odeio porque não há ódio em meu coração. Terei sempre dele uma boa recordação e se algum dia nos encontrar; irei agradecer-lhe por ter me mostrado á tempo quem ele era. Se você veio aqui apreciar meu desespero, lamento decepcioná-la. Hoje você é desprezada; mais tarde, Deus a castigará por todas as infâmias que você cometeu. Mas espero que a perdoe como eu o faço.

— Estas palavras revelam bem o desespero que você não pode mais ocultar! — redarguiu Elvira, ameaçadora.

— É verdade, estou desesperada, mas tenho fé em Deus, que me dará a resignação.

Dirigiu-se à porta, que abriu, e disse:

— Saia, Elvira, não se meta mais na minha vida. Procurarei evitar que você também perturbe meu pai. Queira Deus que se arrependa de seus atos antes de morrer, porque depois será tarde demais. Vá embora e não torne a pôr os pés em meu quarto.

— Você não pode me acusar de nada! — gritou Elvira, dirigindo-se para a porta. — Vai se casar nas mesmas circunstâncias em que eu me casei.

Ava ia replicar, mas a porta se fechou com estrondo. Atirou-se ao leito. Não conseguiu verter uma só lágrima... Tinha um nó na garganta, que a sufocava... Dan, aquele Dan ingrato e zombeteiro, a quem tanto amava, não tinha uma palavra de consolo para a mulher que dizia amar, em sua hora de maior provação.

As horas se passaram até que o pai, vendo que não descia para comer, foi até seu quarto.

— O que há, Ava? Por que está aí nesta prostração, como se fosse um saco? E o que é isso? — perguntou, vendo o gatinho.

— É o presente de casamento de Daniel Bogart.

— Tem certeza, Ava? — balbuciou, muito pálido.

— Creio que sim.

— Quem o trouxe?

— Ela.

Seu pai entendeu que se tratava de Elvira e procurou, num ímpeto, a caixa de papelão, examinando-a com cuidado.

— Você está duvidando dela, papai?

— Não! — respondeu asperamente.

Mas Ava percebeu a verdade. Não obstante, encontrava-se escrito muito claramente na caixa o nome completo de Dan e tanto o pai como a filha supunham que Elvira o ignorava. Não podiam avaliar a extraordinária crueldade daquela mulher que destroçara suas vidas.

— Sinto muito, Ava, sinto infinitamente. Jamais me perdoarei por ter sido a causa de sua Infelicidade.

— Não foi você, papaizinho! — disse, correndo a abraçá-lo. — Foi o destino, contra o qual é impossível lutar. Não vou descer hoje para jantar, desculpe-me; amanhã tudo estará terminado.

— Faça um esforço para amar Jarry...

— Certamente o farei. A partir de amanhã, todas as minhas forças serão dedicadas a esta tarefa.

— Deus a ajude, minha filha, e lhe dê forças, perdoando-nos a todos — disse, beijando-a.

Quando seus passos se afastaram no corredor, Ava sentou-se numa poltrona. Sua fronte escaldava e não podia dominar os pensamentos desordenados que lhe ocorriam. E foi pensando em Dan Bogart pela última vez que o sono a surpreendeu naquela noite.

Às dez da manhã, como um autômato, Ava deixava-se vestir de branco, sem poder afastar a tristeza de seus olhos pardos. Ás onze e quarenta, saiu de casa para unir seu destino ao de Jarry Merrill. Sua sorte estava lançada.

O velho empurrou a porta do escritório com a bengala e olhou em torno, com um sorriso de ironia velada.

Dan estava sentado à sua mesa de trabalho, e toda a sua pessoa espelhava um terrível desleixo.

— Bom dia, Dan.

O jornalista levantou vivamente a cabeça e uma sombra de contrariedade cruzou-lhe o olhar.

— Olá, chefe; acho que vou ter que lhe passar o cargo.

— Por quê?

— O senhor vem aqui todo santo dia zombar de mim. Pensa que alguém aguenta isso calmamente?

— Ora, ora! Sempre o tive na conta de um homem inteligente mas agora chego a duvidar dessa inteligência.

— Escute, chefe...

— Dan... — falou um redator, entrando no escritório. — Ao mexer numa pilha de papéis, encontrei esta carta dirigida a você, com a data da semana passada.

— Jogue-a fora. — resmungou, de mau humor, sem erguer a cabeça. — Bem, eu estava dizendo...

— Mas, Dan, você deve lê-la antes.

Dan olhou-o de cima a baixo e mastigou uma praga.

— Quer ir-se embora de uma vez, Kin? Estou farto de vocês. Queime o raio dessa carta, coma-a, faça o que quiser com ela, pouco se me dá...

— Ei, Dan, o que acha de colocarmos isso em segundo plano? — falou um, outro, estranho. — Você tinha reservado espaço na primeira página, mas o assunto já está ultrapassado, seu concorrente já deu o furo ontem à noite.

— Pois deixe prá lá, mande o James fazer um artigo zombando deles. Isso chamará maior atenção.

James, ao entrar, percebeu a carta nas mãos de Kin e comentou:

— Puxa, ainda às voltas com essa carta? Fui eu quem a botei no lixo! Dan recebeu mais de uma dúzia delas, e nunca publicou nenhum artigo. Está muito mal escrito e só diz bobagens. — Fez uma pausa e acrescentou, mudando de assunto. — Como é que fica, Dan? Primeira ou segunda página?

Dan os olhava como se não os estivesse vendo, completamente ausente, com o cigarro pendurado nos lábios. De repente, estourou, encarando-os:

— Querem fazer o favor de me deixar em paz!? Façam o que quiserem e vão para o inferno!

O ex-chefe olhava-os, curioso. A indiferença de Dan lhe parecia mal sinal, mas este não dava um níquel pela opinião do velho.

— Que decide, afinal? Queimo ou não a carta?

Isto foi demais para Dan; levantou-se esbravejando:

— Vocês combinaram me deixar; maluco? Queime o raio dessa carta, com mil demônios, e saia daqui, porque não respondo por mim.

— Claro, Kin — disse James, divertido. — Já não lhe disse a mesma coisa na semana passada? Essa carta contém uma reportagem sobre uma praia próxima, um monte de besteiras.

— Olhe, chefe, torno a repetir-lhe que não venha mais aqui bater papo... O quê? — olhou para todos os lados, procurando os outros jornalistas. — Uma reportagem sobre uma praia vizinha?! James, onde está você? Quer ser enforcado? — Avançou para cima de James, segurando-o por uma das mangas. — Você não me entregou por que... Kin!!!

O jornalista chegou às carreiras, banhado de suor.

— O que há, Dan?

— Onde está a carta?

— Mas James disse que você nunca a publicava!...

— Que se dane o James e sua maldita língua! Tragam já a carta ou estão todos despedidos! Ninguém receberá um tostão enquanto eu não estiver com essa carta na mão! Ouviu, James, imbecil...

Finalmente, a carta, já rasgada, lhe foi entregue. Os olhos de Dan cravaram-se no papel e leu... Justamente o final, a notícia do casamento.

Respirou profundamente, coçou a cabeça e virou-se para o chefe:

— Venceu-me, pois é, venceu-me. Que dia é hoje?

— Doze.

— Doze? Ficaram loucos? E que horas são?

— Onze horas.

— Onze!? Olhe, diga ao Douglas que venha imediatamente para cá com todos os jipes de sua garagem. Temos que chegar antes do casamento de Ava Haymes.

O velho, até então indiferente, ergueu-se brandindo a bengala e trovejou:

— Que está esperando, Kin? Dou dez minutos para voltarem aqui com os cinco jipes de Douglas. Só temos tempo de chegar à Igreja! Que estão esperando?

— Agora não é hora de explicações! — disse Dan, sacudindo-o pelo braço. — Vá fazer o que mandei e ai de você se chegar atrasado ao encontro com a felicidade. E você, James, se eu encontrar a mulher dos meus sonhos casada por sua culpa, eu vou esfolá-lo vivo! Fechem a redação! Vou buscar a mulher que amo e lutarei com uma cidade inteira, se for preciso!!!

Kin e James evaporaram-se. O velho jogou a bengala para o alto e deu uma gargalhada:

— Custou, mas reagiu, hem, Dan? Esta foi à reação mais formidável que já vi em toda a minha vida. Você dará um bom marido. Endireite a gravata, Dan. Ava Haymes sentirá vergonha de você desse jeito.

Dan nem o ouvia, tal a ansiedade de que se achava possuído. Endireitou maquinalmente o nó da gravata, quando os outros jornalistas chegaram esbaforidos.

— O jipe de Douglas já está aí embaixo. Kin vem com outro e os rapazes foram buscar o resto. Se você não tem tempo a perder, é melhor ir na frente; os outros irão logo atrás.

Dan não esperou segundo aviso: desceu aos pulos a escada e pulou para o assento do jipe, com o velho nos calcanhares.

— Temos que chegar antes do meio-dia, Douglas; minha felicidade está em suas mãos. Vou buscar a mulher que amo.

Quinze minutos depois, uma estranha caravana de cinco jipes voava pela estrada, mas nenhum conseguia ultrapassar o de Douglas.

Toda a cidade fora assistir o casamento de Ava e Jarry. Não é todos os dias que uma jovem lindíssima se casa com um milionário bem mais velho do que ela. E se esta jovem era Ava Haymes, a quem todos estimavam, a afluência ainda era maior.

Quando o carro que levava a noiva chegou, um murmúrio de admiração percorreu a praça fronteira à Igreja. Jarry saiu ao encontro e, juntos, de braços dados, atravessavam a distância que os separava do umbral, quando um barulho ensurdecedor fez-se ouvir.

Todos se voltaram na direção dos cinco jipes que avançavam a toda velocidade.

Ava não se dera conta do que estava acontecendo, mas Jarry, sorrindo tristemente, murmurou-lhe ao ouvido:

— Ele já está aí, Ava, olhe só! Dan Bogart não podia permitir que sua noiva se casasse com outro e eu me sinto feliz por poder retirar-me a tempo. Não se aflija por mim, querida. Sei perder. E desta vez, com muita satisfação. Deus os abençoe.

E dizendo isso, perdeu-se na multidão estarrecida. Neste momento, o jipe em que ia Dan aproximou-se de Ava: seus braços a colheram pela cintura e o rapaz a beijou apaixonadamente na boca, murmurando depois ao seu ouvido:

— Estou aqui, meu amor! Quero que você seja minha mulher! Já esqueci de tudo! Só existe o nosso grande amor. — E, dirigindo-se a Douglas. — Pode voltar, meu amigo, mas pare na primeira Igreja do caminho.

Ava estava muda de surpresa e emoção. Não conseguiria emitir um som, mesmo que o quisesse. Seus olhos vislumbraram o pai de relance e percebeu que estava horrorizado.

Mas Ava acenou-lhe com a mão e murmurou baixinho:

— Não tem por que censurar-me, papai. Quando você quis casar-se, não pediu a minha opinião, e procurou o que considerava a sua felicidade, deixando-me sozinha num mundo hostil e cruel...

— Deixe-se disso, meu bem, seu pai não a está ouvindo. — Gritou irritado para seus companheiros, que olhavam para trás. — O que estão olhando? Virem-se! Quero beijar Ava de novo e quero fazê-lo sem testemunhas. Vire-se o senhor também, chefe!

— Meus cabelos brancos me dão direito...

— Que se dane o direito! Vire-se!

Ava permaneceu entre aqueles braços amorosos.

— Como sofri por sua causa! — murmurou, docemente.

Dan colocou sua cabeça entre os véus do traje de Ava e respondeu no mesmo tom:

— Eu sofri muito mais! Lutei como um louco, mas, finalmente, tenho você, Ava! Você é minha!

Meia hora depois estavam casados. No jipe de Douglas, iam agora apenas um homem e uma mulher abraçados, enquanto ele dirigia com uma das mãos.

Sua trajetória para a felicidade, Ava pôde avaliar toda a maldade de Elvira: Dan nunca pensara em enviar-lhe um gatinho, pois só soubera de seu casamento naquele mesmo dia, uma hora antes da cerimônia. E soube também que seu amor vencera Dan, porque Michael ainda não chegara de sua viagem.

Na praça defronte à Igreja, a multidão ficara emocionada, embora um tanto desconcertada. Jarry Merrill, por quem todos sentiam uma simpatia profunda tornou-se o herói do dia, por sua nobre renúncia.

Mas duas pessoas, perdidas no meio da turma, tinham o inferno na alma: Harry Haymes, porque já pressentia o escândalo prestes a desabar sobre seus ombros, a ruína moral a destruição de sua reputação imaculada. Elvira, que temia a descoberta de sua trama de um momento para outro.

— Não se aflija, senhor Haymes. — disse-lhe Jarry, encaminhando-se para ele e apertando-lhe a mão trêmula. — Ava merecia muito mais que toda a felicidade que eu lhe poderia proporcionar. Estou feliz com a minha derrota desta vez. Tinha certeza de que Dan não a deixaria casar-se com outro.

Harry respirou fundo, agoniado. A multidão se dispersava, dirigindo sorrisos e acenos amigáveis para Jarry. Todos consideraram a presença de Dan como coisa muito natural, menos Harry, que se torturava com o pensamento de sua desgraça.

Dentro de alguns minutos, todos saberiam do empréstimo, e o desprezo cairia sobre sua cabeça...

— Venha comigo, senhor Haymes. Venha, Elvira. — convidou amàvelmente Jarry, abrindo-lhes a porta.

Harry sentou-se e permaneceu mudo durante alguns instantes, perscrutando-lhe o olhar.

— Jarry — disse, com voz trêmula — conforma-se com o que aconteceu?

— Claro que sim, Harry! — apressou-se a dizer Elvira, com o rosto pálido e alterado. — Jarry é um cavalheiro.

— Cale-se! — rosnou Harry entre dentes. — Na verdade, sempre o considerei um cavalheiro, mas não era esta a figura que você me pintava dele. Jarry — prosseguiu, voltando-se para o outro homem que o olhava espantado — sabe que ainda não posso devolver-lhe aquele dinheiro?

— Que dinheiro, senhor Haymes?

— O empréstimo que solicitei algum tempo após haver-me casado com esta mulher.

Estas últimas palavras foram pronunciadas com tal desprezo que Jarry sentiu um frio na espinha e Elvira tremeu de medo.

— Nunca mais me lembrei desse dinheiro, senhor Haymes. Pensa o senhor que me casaria com Ava se soubesse o juízo que fazia de mim? Meu amor por Ava é maior que tudo, mas jamais teria pedido sua mão se soubesse disso!

— Então, o senhor não disse a Elvira que provocaria um escândalo se não casasse com Ava?

Os olhos de Jarry se abriram naquele momento e compreendeu muitas coisas que lhe pareciam estranhas.

— Nunca disse isso, Senhor Haymes. — falou, encarando Elvira com asco — jamais compraria a mulher que amo. Por outro lado, queimei os papéis da hipoteca e informei a meu advogado que a dívida já estava paga. E nunca a cobrei, Senhor Haymes, nunca.

O carro parou em frente à casa dos Haymes.

— Salte! — gritou Harry a Elvira, empurrando-a. E virando-se para Jarry, encarou-o, dizendo: — Obrigado, Jarry, não sabe o bem que me fez. Venderei alguns terrenos e procurarei devolver-lhe o dinheiro o mais depressa possível.

— Nada disso, Senhor Haymes. — Disse Jarry, meneando a cabeça. — Este é o meu presente de casamento para Ava e se o recusar, ficarei ofendido. Só amei uma mulher neste mundo: sua filha. E agora que ela está casada, ficarei solteiro até morrer e seus filhos serão meus herdeiros.

O carro partiu, célere. Harry entrou em casa e dirigiu-se diretamente aos aposentos de Elvira, quase tropeçando no gatinho ao entrar. Olhou-o e ergueu a cabeça.

— Mas um traço de sua intriga perversa, mulher cruel! Sinto-me profundamente envergonhado por tê-la feito minha esposa.

— Perdão, Harry, juro que...

— Cale-se! Não á expulso de casa para não causar um escândalo e manchar o nome de minha família, mas não quero mais ouvir sua voz!

— Harry, eu prometo que...

— Chega! Já causou bastante mal! Eu estava cego, mas felizmente abri os olhos. De hoje em diante, você não será mais que um móvel dentro desta casa, que poderia ser sua se fosse; bondosa. Como você foi cruel, Elvira! Zombou de mim, torturou minha pobre filha por inveja, querendo obrigá-la a casar com Jarry, embora soubesse que amava outro. Para culminar, deu-lhe este presente, fingindo que vinha da parte de Daniel Bogart. Saia deste quarto, Elvira, e volte aos seus antigos aposentos de governanta, onde acabará seus dias. Se um dia tomar consciência de suas maldades, acabará odiando a si mesma! Enquanto eu viver, manteremos as aparências e continuaremos casados aos olhos do mundo. Mas nunca mais quero que me dirija à palavra dentro desta casa. Quando eu morrer, afaste-se daqui e vá viver da pensão que eu lhe deixarei de herança. — Sorriu amargamente. — Como vê, sou mais generoso do que você merece. Mas não se pode comparar um membro da família Haymes com uma pobre coitada sem princípios, sem consciência. Deus a perdoe e me dê forcas para levar minha cruz até o fim!

 

A chave girou na fechadura e Dan Bogart irrompeu por dentro do apartamento, despindo o paletó e atirando-o de qualquer jeito sobre uma poltrona.

— Ava! — gritou alegremente. — Cheguei!

Uma linda figura assomou à porta. Não havia mudado. Tinha os cabelos curtos, usava um vestido caseiro solto sobre o corpo. Seus lábios entreabriram-se num sorriso feliz, ao ver o rosto amado do marido, que a abraçou longamente.

— Minha adorada!

— Você demorou tanto, amor!

— Muito?

— Um milhão de anos!

Beijou-a e acariciou-a, levando-a como se fosse um neném. Quando se preparava para beijá-la outra vez, ouviu-se um pigarro discreto.

— Raios, quem está aí? — rosnou Dan, afastando-se ligeiramente de sua mulher.

Dirigiu-se ao vestíbulo e ficou estarrecido à porta, com um sorriso forçado nos lábios.

— Escute, chefe, tudo tem seus limites. Que brincadeira é esta? Se gostar tanto de mulheres, por que não se casa, com mil demônios?

O velho não se ofendeu; limitou-se a passar a mão pela cabeça, meneando-a:

— Por causa disso, meu amigo. Meus cabelos são brancos.

— Mas sua fortuna é enorme e não faltará mulher que queira casar com o senhor, desde que a faça sua herdeira.

— Sempre disse que você era um imbecil, Dan. — disse, com um sorriso brincalhão no rosto. — Você não merece a mulher que tem. Não vê logo que eu agora só dou para avô? Foi para isso que vim aqui. Escute: minha casa é tão grande que não me encontro dentro dela. Sempre gostei de você como de um filho, Dan. Por que não vem morar comigo?

— O que?!

— Já falei com sua mulher. A casa é muito grande, não amolarei vocês. Mas, se não forem, virei aqui todos os dias e será muito pior!!

Ava fitou-o, suplicante, porque gostava muito do velho. Conhecia a influência saudável que exercera sobre Dan e esta seria uma boa forma de agradecer-lhe. Dan sentiu as pálpebras úmidas e, para disfarçar a emoção, abraçou demoradamente o chefe.

— O senhor manda, chefe! Mas fique sabendo que tenho que beijar minha mulher de minuto em minuto!

— Sei disso, imbecil! — disse o velho, enxugando uma lágrima. — Vão jantar comigo esta noite. Fiquem sabendo que fiz testamento em favor de vocês e que se Harry Haymes quiser aparecer também, será muito bem-vindo!

Saiu, silenciosamente como entrara, deixando-os emocionados durante um longo tempo, sem poderem sequer falar.

— É um santo! — disse Ava, quando se recobrou.

Dan tomou-a nos braços e beijou-a até sufocá-la.

— Não abuse de minha fraqueza, Dan, pelo amor de Deus! Diga-me uma coisa, você encontrou meu pai?

— Encontrei, passei lá algum tempo. Vi também Jarry. Sabe, Ava, é um grande homem: pediu para ser o padrinho do nosso primeiro filho e eu prometi.

— Pois fez muito bem, meu amor. Jarry merece nossa afeição. E papai, como está?

— Qualquer dia desses virá visitar-nos.

— E ela?

— Está muito envelhecida e vive humildemente. Fiquei até com pena quando cruzou conosco. Seu pai não lhe dirige uma palavra. Ela come sozinha no quarto e parece ausente de tudo.

— Deus a perdoe, como eu perdoei. Papai um dia a perdoará também.

— É verdade. Seu pai disse que algum dia chegará a perdoar. Prometeu-me que jamais a expulsará de casa, como chegou a pensar. Betty casará com Adolph ainda este ano. O resto continua no mesmo, até a Praça da Igreja que ainda mantém as marcas dos pneus de nossos jipes!

— Irônico! Olhe, Dan, o telefone está tocando!

— Deixe-o arrebentar, agora estou ao seu lado e...

— Solte-me, Dan, está me sufocando!

Ele mesmo dirigiu-se ao telefone e atendeu. Ouviu uma voz conhecida que o fez estremecer. Havia-se esquecido completamente de Michael!

— Ah! É você? — disse, disfarçando a emoção.

— Contaram-me aqui no hotel que você me procurou umas mil vezes. Parto de novo ao meio-dia e, se você quiser falar comigo, venha depressa.

— Estarei aí num minuto! — respondeu, desligando.

— Quem era, Dan?

— Da redação, meu bem Volto já.

— Vai sem almoço?

— Não vou demorar.

Jogou-se pela escada abaixo e, num minuto, estava em companhia de Michael.

— Puxa, Dan, você emagreceu, está com as feições mais duras. Que aconteceu? Você me olha como se eu fosse seu inimigo?

— Nada. — respondeu Dan, tentando sorrir.

— É verdade que você está casado?

Dan não respondeu, limitou-se a contrair os lábios e disse:

— Escute, Michael, quando você foi embora, passou a noite anterior com uma pequena, lembra-se?

— Claro que sim! Nunca pude esquecer Ava Haymes. Que pequena sensacional!

— Cale-se! Que aconteceu entre vocês dois?

— Mas, Dan...

— Responda!

— Fui o maior idiota do mundo! — respondeu Michael. — Imagine que ela começou a chorar e me contou uma estória sobre a família e sei lá o que mais... E eu, que saíra disposto a passar uma noite alegre, acabei me comovendo e me comportei como um verdadeiro Dom Quixote. Bem, mas a verdade é que Ava Haymes não era uma mulher qualquer. Teria repelido qualquer proposta indigna. Passamos a noite conversando, andamos um pouco, e depois ela me deixou no aeroporto, dando-me um beijo em cada face. Era uma garota genial! Mas por que tantas, perguntas sobre um caso que se passou há tanto tempo?

Dan ergueu-se e seus olhos brilhavam como duas estrelas. Respondeu com malícia:

— Boa viagem, amigo.

— Espere aí, você não pode sair assim, sem explicar por que tem tanto interesse naquela moça!..

— Ava Haymes é minha esposa!

Michael deu um pulo, mas Dan já havia subido pelas escadas.

Ficou pensativo por alguns segundos, mas logo soltou uma gargalhada, murmurando:

— Que sorte tem estes boas-vidas!

Mas sentiu-se feliz, porque Dan era feito sobre medida para Ava.

A porta abriu-se outra vez... Dan voou para a cozinha e estreitou a esposa antes que ela percebesse o que acontecera.

— Sou o homem mais feliz do mundo!

— Que euforia é essa, Dan?

— Amor, meu bem, amor! Meu Deus, como eu pude esperar tanto tempo?

— Dan, você está me sufocando... Vamos almoçar!

— Comer agora!? A comida não passaria pela minha garganta! Vamos amar-nos, isso sim! Ninguém poderá separar-nos!

— Dan, está cheirando a queimado.

— É o meu coração que está ardendo.

— Que frase mais ridícula, adorado!

Mas não esperou resposta, pois se abraçou a ele, com todas as suas forças e o beijou na boca longamente.

Nunca soube que Dan se avistara com Michael.

 

                                                                                Corin Tellado  

 

                      

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