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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CATIVA DO AMOR / Cathy Williams
CATIVA DO AMOR / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

CATIVA DO AMOR

 

O empresário milionário Rafael Vives fica atordoado com a beleza de Amy, e imediatamente resolve que ela precisa ser sua nova amante!

Coberta de jóias e presentes, Amy sabe que deveria se sentir sortuda. Mas ela anseia por ser mais do que sua parceira nos momentos de prazer.

Dividida entre o coração e a razão, Amy vai embora. Rafael, determinado a trazê-la de volta, tentará tê-la não como amante, mas como sua legítima esposa!...

 

Rafael Vives não sabia se aquela situação era para ser engraçada, irritante, tediosa ou totalmente digna de causar fúria. Para um homem cuja raison d'être era o trabalho, estar aprisionado no paraíso por dez dias servindo de babá era suficiente para fazer os dentes rangerem de frustração. Até o companheiro insepará­vel, o fiel laptop, sem o qual ele estaria realmente perdido, não conseguia fazê-lo se esquecer de que a estadia na casa da mãe nos Hamptons não fora escolha dele.

Felizmente, estava em Nova York, e pelo menos isso já amenizava a inconveniência da distância de maneira considerável. Contudo, mesmo com o escri­tório por perto, lhe fora solicitado, ou melhor, deter­minado, pela mãe que deveria "permanecer e ficar de olho em seu irmão". Presumia que ela o conhecia o suficiente para saber que, no momento em que puses­se os pés no escritório, aquele enorme monstro de vidro em Lower Manhattan, a missão de "ficar de olho no James, você sabe como ele é" seria completamen­te esquecida.

O plano original dela era que Rafael participasse da festa de James, um presente merecido para alguns em­pregados seletos de Londres e Nova York para celebrar um ano de lucros substanciais para a Companhia.

Rafael não sabia quem era mais avesso à idéia: ele ou James. Do ponto de vista de James, com o qual ele concordava com cândido horror, a idéia de ver Rafael "aborrecido pelos cantos e assustando os empregados" fazia o sangue gelar.

E, no que dizia respeito a Rafael, a idéia de se mis­turar a um batalhão de pessoas dia e noite, sem inter­rupção, estava além da conta. Na administração do conglomerado, James era a imagem loura e de olhos azuis das campanhas de marketing, e ele, Rafael, o cé­rebro e força motora que dirigia a empresa.

O relacionamento simbiótico funcionava, e Eva, mãe de ambos, era forçada a aceitar o relutante acordo dos dois.

James seria o anfitrião da festa, numa grande mansão na praia, em uma propriedade de 1.200 hectares com vista para a beleza espetacular da melhor praia dos Hamptons.

Rafael, direto do sossego e reclusão da casa de hós­pedes, iria supervisionar as coisas, certificando-se de que nem a música, nem o divertimento, nem as palha­çadas passassem dos limites.

A última vez em que James dera uma festa na casa, os vizinhos reclamaram, o que não era pouco, conside­rando a distância da casa vizinha mais próxima.

Claro, como Rafael dissera à mãe, numa tentativa de dissuadi-la da insistência em ter a presença dele no evento, aquilo fora há dois anos, e a festa havia sido preparada para os amigos pessoais de James, todos com pouco mais de vinte anos, e não para empregados da Companhia. Mas as objeções não levaram a nada. Eva Lee ainda tremia ao se lembrar do fiasco e dos inevitá­veis pedidos de desculpas oferecidos a todos os amigos da East Hampton Improvement Society.

Então, ali estava ele, no papel de irmão mais velho por um dia, e já ansioso para voltar ao que conhecia e amava.

Mas, pelo menos, tinha de admitir, a vista era mag­nífica, mesmo que estivesse sendo forçado a contem­plá-la. Por um breve momento, mas muito breve, lhe ocorreu que não visitava aquele lugar em quantidade suficiente. Os dias idílicos da juventude passada na casa da família tinham gradualmente se tornado visitas ocasionais em meio a estudos universitários e à sede por viagens ao exterior. Então a vida profissional co­meçara de fato. A princípio trabalhando por conta pró­pria numa das maiores bolsa de valores do mundo e depois na direção da empresa da família, após a morte inesperada do padrasto, pai de James.

Rafael franziu o rosto e bebericou o uísque com soda que preparara. Introspecção não era um passatempo ao qual ele se dedicava. Sempre fora voltado para objetivos e raramente questionava a imponderável direção dos próprios planos.

E não ia começar a fazê-lo agora. Podia ouvir os sons distantes de umas 40 pessoas se divertindo trazidos pela brisa.

Não era difícil imaginar a cena. James, naturalmente, estaria no meio de tudo. Todos estariam animados, com muitas indiscrições, sem dúvida. Especialmente levando-se em conta que empregados dos dois lados do Atlântico estariam se encontrando pela primeira vez, sem a irritante presença de cônjuges ou parceiros para inibir a diversão.

Terminou o uísque e soltou um profundo suspiro de alívio por estar livre daquelas brincadeiras. Ele não conhecia mesmo nenhum dos convidados.

Enquanto olhava o oceano, da pequena varanda de madeira, Rafael pensava no quanto era diferente do meio-irmão. Eles pareciam estranhos, de tão grande o abismo entre os dois no que dizia respeito a gostos pessoais, amizades, mulheres e estilo de vida.

Estava imaginando, de maneira ociosa, como duas pessoas que dividiam ao menos parte do mesmo DNA podiam ser tão diferentes quando, de soslaio, percebeu algo ou alguém. Um leve som, no meio da vegetação rica e perfeitamente cultivada, que acusava uma presença.

E uma presença só podia significar uma coisa: um convidado, no calor do momento e com o vinho jorrando, não percebera que havia saído dos limites.

Rafael pousou o copo com cuidado e se voltou em direção ao som. Podia estar escurecendo, mas ele não era cego, e a tolinha que tentava deixar a cena do crime pé ante pé da cena devia ter apenas um neurônio para supor que ele não podia vê-la. Mas ele a vira. Cabelo louro, sem dúvida. Jeans desbotados bem justos. Naturalmente. Camiseta curta com aquela exposição obrigatória da barriguinha. Em outras palavras, justamente o tipo de mulher que Rafael achava profundamente... desagradável.

— Ei, você!

Meu Deus, a voz dele ricocheteou à volta de Amy e ela deu um gritinho, ao se virar para escapar. Um olhar para aquele homem, obscuro e imponente ao mesmo tempo, foi o suficiente para alertá-la de que, quem quer que ele fosse, não era o tipo que riria por ela provavelmente estar invadindo a propriedade.

Não que fosse fácil saber onde começava e terminava a propriedade de James Lee.

O lugar era tão grande! Mesmo sob um caso sério de jet lag, era impossível não perceber que "a casa da família" era quase um hotel. E o terreno!

— Quem diabos é você?

— Que diabos você pensa que está fazendo aqui? — Falaram ao mesmo tempo, se encarando com a mesma ferocidade, até que Amy tirou a mão dele de seu ombro e deu um passo atrás, os olhos azuis incandescentes.

— Eu perguntei primeiro! — Amy decidiu atacar de imediato porque, dessa vez, o vocabulário ameaçava deixá-la na mão quando ela mais precisava. Massageou o próprio ombro de maneira clara, enquanto emanava raiva de cada poro.

Rafael respirou fundo e apelou para o incrível autocontrole que fizera dele um poderoso competidor no mundo das finanças. Virou-se e caminhou em direção à casa, deixando a loura desprezível fumegar no próprio desconforto patético, ainda que cada pedaço dele desejasse prolongar o confronto para colocá-la no devido lugar.

— Ei! Onde é que você pensa que está indo, senhor?

Rafael voltou e encarou a pequena figura que não se movera de onde ele a deixara. Desta vez, as mãos delicadas estavam plantadas com firmeza nos quadris.

Esta mulher se encaixava à idéia de mulher perfeita para o irmão, das vestimentas óbvias ao cabelo louro esvoaçante. A única variação era que este modelo em particular não tinha os desejados seios grandes.

— Desculpe...? — disse Rafael com uma polidez fria, mal acreditando nos próprios ouvidos.

— Você me ouviu! — Amy deu uns passos para frente. — Quem você pensa que é e o que você pensa que está fazendo na propriedade de James Lee?

— Oh, meu Deus. Uma louca. Eu imagino que você seja uma das convidadas e que está um pouco embriagada.

— Como você se atreve?

Amy andou em direção a ele. Agora, com a luz da varanda caindo sobre ela, Rafael podia ver que o corpinho bonitinho, sem seios grandes, era acompanhado por um rosto que poderia ter passado por mais um rostinho bonito, não fosse a vivacidade da expressão. Percebeu que a mulher não se retraía quando a questão era se fazer ouvir. Linguajar grosseiro e em voz alta, ele constatou com desagrado.

Como que para confirmar a impressão desagradável, Amy o encarou.

— James sabe que você esta aqui? Ah! Aposto que não! E eu sei que com certeza que ele não vem muito aqui, portanto sei que ele ficaria muito feliz em saber que há um intruso na propriedade!

— Intruso? — Rafael soltou uma gargalhada.

— Você me ouviu. Um intruso! — Bem, ele não parecia exatamente um intruso, mas, por outro lado, não parecia com o tipo de pessoa à qual James normalmente se misturaria. Ela também não era exatamente uma delas, mas, certamente, sabia como eram, pois estava acostumada a vê-las no restaurante da diretoria, onde trabalhava preparando alimentos sofisticados para executivos sofisticados. E, às vezes, depois do expediente, para o grupo pessoal de James, mulheres glamorosas e playboys, que ocasionalmente faziam uma boquinha na sala da diretoria, antes de ir a algum ponto noturno da moda em Londres.

Claro, nenhum dos diretores sabia que James era o beneficiário extra-oficial dos talentos culinários de Amy. Durante um ano e meio fora o pequeno segredo dos dois, e da seguinte forma: James com jeito vencedor, comportamento sensual e encantadora desconsideração pelas convenções.

— Eu não sou um intruso. Na verdade, nunca ouvi uma coisa tão ridícula na minha vida.

— Então quem é você?

— Alguém que não vai se prestar a ficar aqui e ter uma discussão sem sentido com uma mulher que está mais pra lá do que pra cá.

— Eu não estou mais pra lá do que pra cá!

— Bem, você com certeza está se portando como se estivesse. — A voz de Rafael jorrava desaprovação. Alguns homens gostavam de mulheres que viviam aos gritinhos, mas ele não era um deles. Apreciava mulheres refinadas, elegantes, compostas. — E não tenho a menor intenção de conversar com uma desbocada.

E, mais uma vez, ele lhe virou as costas e seguiu para a casa. Não podia ignorar a presença de Amy porque ela não estava propriamente tentando ser silenciosa, mas certamente ele lhe dera as costas porque não tinha intenção de continuar o confronto.

Como era de se esperar, não demorou muito tempo para Rafael ouvir a mulher batendo à porta. Dessa forma, entre os gritos descontrolados e o barulho danado que ela estava fazendo, os vizinhos iriam reclamar dele!

Ele chegou bem perto da porta, o suficiente para não precisar levantar a voz.

— Vá embora. Você esta se comportando como uma tola. Estou pouco ligando se você está bêbada ou não, mas eu não tenho tempo para mulheres que pensam poder conseguir o que querem gritando e se esgoelando. Então vá para onde está a diversão, se encha de um pouco mais de bebida e depois caia na cama, como todos os outros.

— Se você não me disser quem é, vou ter que informar ao James. — Amy abaixou o tom de voz para se igualar a ele, no entanto não tinha certeza se soava tão fria e recriminadora. Ela só esperava não soar como uma criança petulante que ia bancar o alcagüete só porque o chilique não tinha funcionado.

— Estou sóbria o suficiente para saber que você pode não ter permissão para estar nesta propriedade. — Na verdade, ela não havia bebido, apesar da abundância de álcool disponível. Haviam colocado todo tipo de passeio à disposição e ela não ia perder nenhum deles por estar bêbada. Nem ia desperdiçar nenhum momento precioso que pudesse passar na companhia de James.

Funcionou. Para surpresa de Amy, funcionou. O homem abriu a porta, a encarou e disse que ela podia entrar.

Pela primeira vez, com as luzes da sala acesas, ela o viu bem. Era alto; e ela estava certa sobre o cabelo negro e brilhante. Na verdade, a única coisa que não notara, e que estava ficando bem clara, era que ele era incrivelmente, indiscutivelmente sexy. Não sexy como nas páginas das revistas, mas de um jeito forte, impactante, não lapidado. Ela quase perdeu o fôlego, e olhou à volta, silenciada pela curiosidade.

A casa podia ser pequena, mas estava bem longe de ser cafona. A patina do chão de madeira brilhava, convidando o olhar à confortável área de estar dominada por uma grande lareira moderna, em seguida a uma cozinha tecnologicamente equipada, e, por fim, até os poucos degraus que, supostamente, levavam aos quartos.

— Nada mal para um intruso — ela disse, acrescentando, — ha, ha — quando ele a olhou com a testa franzida. — Olha, eu sinto muito se você esta sofrendo uma caso sério de orgulho ferido porque o chamei de intruso, mas fiquei um pouco chocada por encontrar alguém aqui, enfurnado a quilômetros da casa.

Rafael a encarou, fascinado contra a vontade. Ela não só parecia desprovida de qualquer freio na fala, mas agora andava pela casa como se fosse convidada, e não uma intrometida que conseguira forçar o caminho por meio do desafio.

— Pois se você não é um intruso, então quem é você?

"Apenas o dono da Companhia para a qual você trabalha", Rafael ficou tentado a informá-la. Não o surpreendia que a mulher não o tivesse reconhecido, afinal ela era membro do "grupo dos esquecidos". Ele imaginava que, fosse qual fosse o trabalho dela, seria de bem menos destaque e fora de evidência. Tinha de admitir que ele também raramente ia a Londres, preferindo supervisionar as coisas de Nova York e, a julgar pelo sotaque, ela era totalmente londrina.

— Eu sou o... Jardineiro — improvisou Rafael.

— E você mora aqui?

— Onde mais você esperava que eu morasse?

— Numa pequena casa simples, num pequeno bairro simples, em algum lugar perto daqui... Como qualquer jardineiro normal...

— No caso de você não ter percebido, este não é exatamente um jardim pequeno, normal. É um emprego de tempo integral, daí eu morar na propriedade.

— E os empregados vêm todo dia para cortar a grama... — Isso fazia um pouco mais de sentido porque ela não podia mesmo imaginá-lo empunhando o cortador.

— Cortar a grama... Manter os jardins em ordem...

— Você é sempre tão... sério? — ela perguntou, olhando para ele, mas não por muito tempo, porque ele seria muito sexy se ela fosse chegada ao tipo intimidador. Mas não fazia o tipo de Amy.

Rafael, não habituado àquele tipo de abordagem, ficou sem palavras por um momento e, nesse pequeno intervalo, Amy prosseguiu de forma casual.

— Quero dizer... O que lhe faz ser tão sisudo? Você mora num lugar fantástico pago pelo seu empregador. E aposto que tem outras vantagens que vêm com o pacote.

— Vantagens?

— Com certeza. — Ela as enumerou nos dedos. — Carro. Escondido numa garagem em algum lugar, eu imagino, e provavelmente não uma lata velha. Plano de aposentadoria. Bônus de final de ano. Estou certa?

O cansaço que a fizera se distanciar da casa para tomar ar, indo muito mais longe do que pretendera, parecia ter desaparecido.

— Pelo seu silêncio, posso dizer que estou certa! — disse, triunfante. — Sortudo.

Rafael não tinha intenção de ser forçado a conversa alguma com uma loura tola que deixara o próprio ambiente. Ele abriu a boca para dizer educada, mas firmemente, que era hora de ela ir.

— Porque você diz isso? — se ouviu perguntar, e ela lhe dirigiu um grande e contagiante sorriso.

— Porque eu faço algo parecido e certamente não tenho as grandes vantagens que você tem.

— Você é... Jardineira?

— Fornecedora de mantimentos e serviços.

— E fornecer é parecido com jardinar?

— Bem, nós dois trabalhamos com as mãos e somos criativos com elas... Então, sim, bem parecido, você não concorda?

— Não posso dizer que há criatividade na jardinagem.

Amy o olhou com surpresa. Mais uma vez, ela ficou impressionada com a força daquela presença física, o que, disse a si sorrindo por dentro, era uma tolice.

— Então por que você faz isto?

Rafael deu de ombros, impaciente, e passou os dedos pelo cabelo.

— Olhe. Eu fui gentil ao deixá-la entrar aqui e agora você sabe por que estou aqui. Portanto está na hora de você ir e eu agradeceria se guardasse segredo sobre a minha presença neste lugar.

— Porque...?

— Porque não quero ser atropelado pelos convidados do James enquanto estiver tentando fazer meu trabalho.

— Você trata o seu patrão pelo primeiro nome? Hum. — Ela pensou no assunto por alguns segundos, então a expressão se suavizou. —Não é de surpreender mesmo.

— O que não é de surpreender? — Rafael franziu o cenho. — Não, esqueça o que eu disse. Aproveite a estadia aqui. Tenho certeza de que aproveitará. É um lugar lindo. Muita coisa para fazer e explorar se você se dispuser a deixar a casa e a piscina.

Ele caminhou em direção à porta, não dando tempo que ela continuasse com sua conversa infindável.

— Você percebeu que nem dissemos os nossos nomes? — Amy lembrou, estendendo a mão. — Eu me chamo Amy.

— Por que deveríamos ter dito nossos nomes? — Ele abriu a porta e deu um passo atrás, colocando a mão no bolso da bermuda bege.

Mesmo à noite, a temperatura indicava que shorts e camisetas podiam ser confortáveis. Para Rafael, que passava a maior parte do tempo em paletós feitos à mão, um par de shorts e uma camiseta desbotada constituíam o maior luxo.

— Isso é muito rude. — Amy recuou a mão e se empertigou, olhando atravessado.

— O que é muito rude? Quer saber? Eu não estou mesmo interessado. — Do lado de fora, uma brisa bem leve levantou os cachos louros estonteantes de Amy, fazendo-os dançar.

— Eu não me importo se você está interessado ou não! De qualquer maneira, vou lhe dizer! É rude olhar para alguém como se a pessoa tivesse uma doença contagiosa, quando ela só está tentando se apresentar! Se você não quer me dizer o seu nome, então tudo bem! Não estou nem aí! Não é como se eu...

— Rafael. Meu nome é Rafael Vives. — Ele estendeu a mão e, quando Amy a apertou, sentiu, de súbito, um estranho frêmito passar pelo corpo como uma corrente elétrica.

— Meu nome é Amy. — A raiva se foi tão rapidamente quanto viera. Raiva era algo que ela nunca conseguia manter por muito tempo. — Rafael... Que nome diferente... É... O quê? Italiano?

— Espanhol — disse Rafael de um modo abrupto. — Você consegue achar o caminho de volta?

— Oh, sim? Como um jardineiro espanhol acabou trabalhando nos Estados Unidos? — Ela vasculhou os bolsos, tirou um elástico e amarrou o cabelo de maneira exímia num rabo-de-cavalo frouxo.

— Compre um livro bem simples de História, faça uma leitura dinâmica e descobrirá como nós espanhóis achamos o caminho até aqui. Agora pode ir.

— Você é muito arrogante, não é?

— Sim, sim, eu sou, e agora que já sabemos disso você pode ir andando.

Para o próprio alívio, Rafael a observou indo embora, parando, olhando à volta, seguindo, mas desta vez em outra direção. Os terrenos à volta da casa eram imensos e os gramados verdejantes imersos em ondulações e árvores densas. Havia até um lago com uma cachoeira entre jardins ricamente coloridos. Quem conhecesse a propriedade, facilmente achava o caminho, mas para os não familiarizados podia ser confuso, especialmente no escuro. Com um suspiro impaciente, Rafael pegou a chave, fechou a porta e a alcançou quando ela se virava pela quarta vez, num esforço frustrado para achar o caminho de volta.

Ele passou a mão pelo braço dela e a encaminhou na direção oposta.

— Meu Deus, mulher! Onde está o seu senso de direção?

— Eu acabaria achando o caminho! E será que você pode me soltar? Você não é um policial e eu não estou sendo presa!

— Eu só quero garantir que você vá para fora da minha propriedade!

— Sua propriedade? Isto é um pouco de exagero, considerando que você é só o jardineiro! Eu sei que os jardins são extraordinariamente grandes e você deve ser um jardineiro extraordinariamente importante, mas ei!, você ainda é só um jardineiro!

— Você não cala a boca nunca? — resmungou Rafael entre dentes.

— Você nunca é educado? — Ele ainda estava segurando o braço dela, tal qual uma garra de aço, e Amy desistira de livrar-se dele. — Não é minha culpa que a propriedade seja tão grande! Bem, na verdade, é minha culpa de alguma forma. Eu imagino que podia ter ficado na casa com todos os outros.

— Sim. Você podia ter feito isso. Por que não fez? — Ela era bem esguia. O braço parecia frágil na mão forte. Ele pensou que, se a levantasse, ela não pesaria nada. Soltou-a e pôs as mãos nos bolsos.

— Eu estava cansada. — Ela sacudiu os ombros. — Normalmente sou animada para qualquer festa, mas quis algum tempo sozinha.

— Havia uma festa acontecendo quando você saiu? — Os ouvidos de Rafael se aguçaram — Que tipo de festa?

— É claro que não havia festa nenhuma, senhor jardineiro! Eu só quis dizer que, depois de "fazer as apresentações" durante os aperitivos, decidi que uma pequena caminhada pelo jardim podia me despertar! Tudo estava bem civilizado. Os canteiros de flores ainda estão intactos, caso isto o preocupe.

— É claro que eu não estava preocupado com os malditos canteiros de flores!

— Então você não leva seu trabalho tão a sério quanto deveria! —Amy reprovou, provocativa. — De qualquer forma, por que você iria se importar se o James dá uma festa na casa? Não é da sua conta mesmo, é?

— Se você olhar a distância, vai ver as luzes da casa. Pode segui-las.

— Você quer dizer que não vai ser cavalheiro e me levar até a porta da entrada? E antes de você começar a fazer cara feia, isto foi uma piada. Você às vezes se sente solitário?

— Como?

— Você às vezes se sente solitário? Quero dizer... Isolado, sozinho, no lusco fusco da madrugada...

— O que faz você pensar que fico isolado, sozinho? — Rafael não pôde evitar perguntar. E mesmo sem a vantagem da iluminação, viu a surpresa constrangida no rosto de Amy. — Você não acha que haveria uma mulher que não se importaria em me ajudar a passar uma ou outra noite solitária? — ele disse.

Amy sentiu a o calor lhe subir ao rosto enquanto procurava achar uma resposta adequada. Por fim, gaguejou, limpando a garganta.

— Bem, você pareceu reagir contra a idéia de uma festa, então pensei que talvez... Talvez você...

— Talvez eu seja um completo chato que não gosta de mais nada além de podar as roseiras e desprezar o divertimento dos outros?

— Não, claro que não!

— Eu sei como me divertir, pequena Amy. Só não sou louco por festas. Beber até cair nunca me atraiu.

Livre do embaraço repentino e da imaginação fértil, Amy ficou satisfeita ao retomar à opinião de que ele era um chato arrogante.

— Não, eu pude perceber. — A postura de Rafael indicava de forma inequívoca que ele não se preocupava em absoluto com o que ela pensava dele, mas Amy não conseguia desistir. Chato arrogante ou não, havia algo curiosamente fascinante nele. — Você com certeza nunca foi a uma boa festa — ela disse, consolando-o. — Não é só beber até cair. É boa companhia, boa música e muita dança.

Ela sorriu para ele, divertida ao fitar a expressão de desagrado.

— Qual dessas coisas você menos gosta?

— A parte que cheira a excesso — disse Rafael, friamente. — Que é onde você pode acabar se não for embora logo. Tenho certeza de que, louca por festas como é, não liga muito para privacidade, mas eu ligo. e agradeceria se você respeitasse isso e ficasse fora da minha propriedade. Dá para entender?

Amy sentiu lágrimas súbitas nos olhos e assentiu.

— Me desculpe — ela disse em voz baixa, o que o fez sentir-se um monstro.

Rafael fez um aceno curto usando a cabeça e se virou. Já era bastante ruim ter de tirar folga quando havia um milhão de coisas a serem feitas com urgência, sem ter o precioso tempo usurpado por uma horda de exploradores indesejáveis.

Quando, afinal, voltou-se para certificar-se de que Amy estava indo na direção certa, ela desaparecera.

 

Tudo estava preparado.

Amy acordou cedo na manhã seguinte, seguiu para o térreo e descobriu, surpresa, a julgar pela personalidade de James, que os dias haviam sido organizados e planejados com rara eficiência.

Por trás dela, a mais íntima amiga na casa, Claire, lhe bateu no ombro e deu um risinho que ironizava o modo de viver dos ricos, comentando que elas deviam mandar brasa no café da manhã. Não ter de prepará-lo era um luxo que não voltaria a acontecer tão cedo.

— Tem razão! — Amy devolveu o sorriso, voltando logo a ser a garota divertida que os amigos apreciavam.

Naturalmente, havia a opção de ficar por ali, mas também a oportunidade de passear de caiaque ou canoa. Para os mais preguiçosos, a pescaria era uma pedida, e uma chance de explorar algumas praias.

Amy pensou qual seria a atividade da qual James participaria. Ele não estava à vista, mas, quando aparecesse, ela pretendia se fazer notar como não o fizera até então.

Até agora, ela fora sempre a excelente fornecedora, sempre de uniforme branco sem graça e chapéu de cozinheira. A roupa menos sexy possível. Não que se considerasse um modelo de revista, mas tinha uma personalidade amigável e muitas pessoas lhe haviam dito que era uma gracinha.

— Em qual passeio você acha que ele vai estar? — ela sussurrou para Claire, logo que se sentaram diante dos pratos que transbordavam uma quantidade absurda de comida. — Eu me vesti de acordo. — Rápida e ines­peradamente, ela se lembrou do jardineiro arrogante que encontrara na noite anterior. Imaginou que ele lhe enviaria um daqueles olhares gelados caso a visse naquela roupa. Por um segundo, sentiu-se tentada a partilhar aquele pequeno segredo, mas mordeu a língua, lembrando a maneira com que ele lhe dissera que fosse discreta sobre a dele presença na propriedade.

— Como assim, "de acordo"? — Claire sorriu. Era tão curvilínea e morena quanto Amy era clara e magra, mas elas tinham se dado bem desde o momento em que se conheceram, há dois anos, e ainda eram melhores amigas.

— Não estando coberta por um uniforme branco, com calçados de lona brancos e uma rede de cabelo. Uma rede de cabelo! Você acha que ele vai me notar?

— Ele sempre nota você — disse Claire, condicionada a dar apoio.

— Sim, bem. Ele conversa e ri, mas é assim com todo mundo! — Ela espetou um pedaço de abacaxi fresco com o garfo, o examinou e levou à boca. — Eu fico imaginando em qual passeio ele vai estar.

— Apenas divirta-se, Amy, e esqueça o James. Ele vai estar no churrasco hoje à noite de qualquer forma!

E acabou que o jeans apertado e a blusa alegre foram em vão. James saiu para pescar o dia todo, fazendo amizade com alguns novatos do departamento de marketing.

O que ela estava fazendo? Tinha 24 anos e estava cometendo o pecado imperdoável de se atirar em alguém com o desespero de um solteirona velha sob a ameaça de ficar para titia!

Quase acreditou que as emoções estavam sob controle, quando o viu à noite no jardim, rindo, com uma bebida na mão, rodeado por um pequeno grupo de pessoas. O coração palpitou, ela respirou fundo e foi em direção a ele.

O churrasco seguia animado. Foram servidos vinho e uma seleção de canapés sofisticados, suficientes para controlar o efeito do álcool até a comida chegar.

James a observou serpentear em sua direção e, por um ou dois segundos, hesitou, mas logo separou-se do grupo e foi ao seu encontro.

— Eu não a reconheci. — Ele lhe segurou a mão, deu um passo atrás e a fez dar um giro improvisado; então deu um longo assobio.

— Isso é bom ou mau sinal? — disse Amy, enrubescendo. Não tinha muito jeito para fazer a voz soar rouca, mas deu o olhar mais flertante que sabia, pestanejando e sorrindo de maneira tímida.

— Muito bom sinal! — Ele sorriu. — A saia lhe cai bem. Na verdade, suas pernas lhe caem bem. Pernas muito bonitas.

— Hum. Todas as duas! — Ela sentiu-se bem satisfeita por ter decidido usar a saia vermelha e preta esvoaçante que trouxera, mesmo que o churrasco estivesse sendo servido no jardim e o traje não fosse a rigor. A camiseta vermelha de alcinhas fazia com que se sentisse bem feminina.

— Me conte o que fez hoje — ele disse, com os olhos nela enquanto terminava a bebida e pedia ao garçom para servir outra, sem nem se virar.

Amy lhe contou, pulando alguns detalhes desagra­dáveis, como quando quase virará o caiaque. Ele pareceu bastante divertido com o relato que ela fez dos eventos do dia.

O encontro com o jardineiro foi omitido.

Olhando de lado, podia ver Claire sorrindo como uma hiena, por isso Amy tratou de ficar de costas para a amiga. Ela podia ser doida por James, mas morreria de pavor se ele descobrisse, e Claire, com aquela atitude, estava longe de ser discreta.

Mas ela já sentia que James estava pronto para seguir e circular, então olhou desapontada quando ele se virou para pegar outro copo de vinho e se afastou sempre solícito, dando atenção a cada um dos convidados.

Por alguns segundos, ela se deu conta de que aqueles poucos momentos roubados, durante os quais ele a elogiara, na verdade, olhara para ela, realmente não significavam muito, mas rapidamente tentou afastar o pensamento pessimista.

— Eu acho — ela disse a Claire mais tarde — que estou progredindo.

— Oh, não sei, Amy... — James parecia ter desaparecido de cena, embora fosse difícil dizer, pois estava escuro e havia gente por todo lado.

— Ele me perguntou o que eu achei da comida.

— O que você disse?

— Eu disse que não se comparava à minha...

— Má idéia. Talvez ele despeça os cozinheiros daqui e te coloque para fazer a comida.

Elas riram, apreciando a novidade de estar num lugar diferente, o qual nunca mais teriam oportunidade de aproveitar.

Amy terminou o copo de vinho e decidiu procurar James.

Passava das 11 h da noite e a festa, calma, considerando a quantidade de bebida disponível, ainda estava animada. Ninguém, na verdade, fora para a cama, por isso Amy não seria a primeira. O grupo dos americanos hospedados no hotel local ou que moravam na cidade seria o primeiro a ir embora. Ela imaginou que, com o grupo reduzido, poderia ainda achar outra oportunidade para conversar com James.

Foi divertido se misturar e dançar. Além disso, à medida que a noite avançava, o vinho fazia um bom trabalho, mantendo os pensamentos sentimentais sob controle. Ser apaixonada pelo patrão era a um clichê antigo.

Com este pensamento, deixou o copo de vinho e se afastou da festa e da casa. Longe do grupo, veio a nítida percepção de que não estava se divertindo como deveria e Amy começou a sentir-se um pouco mais otimista. Ia sentar-se por um momento e deixar a natureza e a personalidade alegre seguirem o curso.

Silenciosa, se dirigiu à área arborizada bem cuidada, se afastando do barulho da festa pouco a pouco.

Era tarde, mas não estava muito frio e o ar fresco fazia bem à cabeça confusa. Na verdade, o humor já estava melhorando quando percebeu um movimento na pequena clareira entre as árvores.

Espreitou, descobrindo, enfim, que eram as duas pessoas no banco. Estava escuro, mas não completamente. A lua irradiava uma luz pálida, efêmera, e, quando o casal se separou por alguns segundos, ela os viu com clareza. Não reconheceu a mulher: cabelos lisos, pele bem clara e o corpo semi-despido.

O homem... Bem, o homem...

Ela sentiu uma onda de náusea lhe subir à garganta e deu uns passos para trás, paralisando quando um graveto quebrou sob o pé; porém, os dois estavam muito concentrados para ouvir um graveto se quebrando. Na verdade, provavelmente não teriam ouvido a aproximação de um trem. Quando ele puxou a mulher para que ela se sentasse no colo dele, Amy fugiu.

Chegou a algum lugar dos jardins, mas não tinha certeza de onde porque não podia mais ver a casa, nem ouvir a música.

Eis os fatos: o homem pelo qual era louca estava envolvido com outra. E ela também estava perdida. O primeiro fato Amy precisava agüentar, até poder chorar mais tarde. O segundo, tinha de resolver de imediato. Respirou fundo e fez o que todo bom livro de escoteiros sugeriria num momento como aquele. Procurou uma árvore alta. Não foi muito difícil. Chutou as sandálias de tirinhas e começou a subir.

Quando teve coragem de olhar para baixo, foi para ver a forma inconfundível do jardineiro que a observava. Claro, tinha de ser o jardineiro.

— Estou presa aqui!

— Por que você está no alto dessa arvore? — Aquele emaranhado de cabelo louro denunciava a dona sem sutileza alguma.

— Isso não importa! Você precisa me tirar daqui!

— Desculpe, mas não ouvi você dizer aquela palavrinha especial.

— Não é hora para joguinhos!

— Sempre é hora de ter educação.

— Olha quem fala! — gritou Amy.

— Não há escada nenhuma na casa. Espere, eu lhe trago para baixo!

Amy fechou os olhos. Percebeu que ele subia na árvore, manobrando habilmente o tronco e os galhos.

Rafael a encorajava e ajudava a descer, segurando-a quando necessário, até que pode colocá-la delicadamente no chão; então pulou, pondo-se, ao lado de forma suave.

— Obrigada. — Amy sacudiu a saia e evitou olhar para ele.

— Então. Se incomodaria de me dizer o que estava fazendo no alto de uma árvore às... — ele olhou no relógio — ...à meia-noite e meia?

— O que você estava fazendo acordado?

— Eu estava planejando meu próximo ataque aos insetos que estão destruindo as roseiras. O que você acha? Ouvi alguém gritando desesperadamente e achei melhor investigar.

— Você não respondeu à minha pergunta e, considerando que me submeti a um monte de transtornos desnecessários, acho que tenho direito a uma explicação. Que diabos você achou que estava fazendo?

Amy lhe dirigiu o olhar mais desafiador e cruzou os braços, mas ele não estava convencido e, por fim, ela sacudiu os ombros e olhou em outra direção.

— Nada de especial.

— Que seria...

— Garota encontra garoto, garota gosta do garoto, garota... — ela olhou a saia amassada e suja — ...coloca roupa nova para impressionar o garoto, só para descobrir que o garoto se foi para as árvores para ficar com outra garota!

— E, na frustração, você decidiu subir numa árvore...

Amy se lembrou do quanto este homem era detestável. Encarou-o e disse, soando até para si como um disco quebrado, para ele indicar o caminho. Desse jeito, o homem infernal ia começar a pensar que ela o estava seguindo.

— A casa fica a uma boa caminhada daqui, pelo menos se você tomar um caminho direto, e eu certamente não vou lhe mandar de volta pela floresta fechada e escura. Só Deus sabe onde você iria parar.

Rafael se virou, começou a se afastar e, num misto de frustração e ressentimento, Amy praticamente correu atrás dele, com dificuldade para acompanhar os passos largos.

— Eu acho que consigo!

Seria possível ler a expressão de alguém pela inclinação das costas que desapareciam rapidamente? Amy achava que sim!

— Por favor, espere! — ela gritou. — Estas sandálias não foram feitas para correr!

Rafael parou e voltou-se, esperando que ela o alcançasse. A mulher era mesmo doida. Quantos seres humanos normais subiam em árvores à meia-noite numa tentativa de lidar com um coração partido? De fato, quantos adultos normais subiam árvores? Ele não subia numa arvore desde criança!

— Você devia ter pensado nisso antes de decidir caminhar através da propriedade — respondeu Rafael, numa voz calma apropriada para lidar com um retardado.

— Eu não estava "caminhando" através da propriedade — disse Amy, friamente — Eu estava...

— Sou todo ouvidos. — Ele continuou a caminhar, felizmente num passo mais lento, e ela o acompanhou, relutante.

— Tirando um tempo para tomar ar fresco.

— Você parece fazer isso bastante, não é? Respirar ar fresco e cobrir grandes distâncias no percurso?

— Sim, eu gosto de caminhar!

Chegaram à casa dele. Na verdade, mais alguns minutos de corrida, e ela se teria visto a salvo, na porta da frente do casarão, em vez de no alto de uma árvore; não que esta opção fosse particularmente interessante, mas pelo menos a saia cara ainda estaria intacta. Agora só era boa para se juntar aos sapatos de miçangas prateadas no grande paraíso das roupas.

— Você tem que tirar estas coisas. Está imunda.

— Eu quero voltar para a casa. Preciso voltar para lá. Minhas roupas estão todas lá.

— Eu não vou levá-la. Você já me incomodou demais.

— Eu sei que é uma boa caminhada, mas você pode me levar de carro, não pode? Quero dizer, você deve ter um carro escondido em algum lugar. — Amy sentiu-se no limite. Apertou os braços à volta do corpo e se manteve bem quieta para não começar a chorar.

— Vou encher a banheira.

— Por favor, me leve de volta para a casa. Por favor.

— Você não está em condições — Rafael lhe disse sem preâmbulos. — Não importa o estado das suas roupas, você parece à beira de um colapso. Precisa se controlar. Agora sente-se. Vou encher a banheira e, enquanto está enchendo, vou preparar algo quente para você beber.

Antes que ela pudesse começar mais uma série de súplicas para ser levada de volta, Rafael já subia ao toalete. Ele voltou e a encontrou sentada no chão da sala de estar.

— Eu não queria que sua bela mobília ficasse suja — disse Amy, encontrando olhos questionadores. — Estou imunda. — Ela se levantou. — Tenho ainda mais um par de sapatos arruinados. Dois pares num dia. Um recorde, mesmo para mim — ela disse, aborrecida, balançando as pobres sandálias.

— O que aconteceu com o outro par? — Rafael viu-se perguntando.

— Ensopado num incidente num caiaque de manhã.

— Bem. E agora? O banheiro é lá em cima. Deixe as roupas do lado de fora da porta, que eu as ponho na máquina. Estarão prontas pela manhã.

— Eu não posso passar a noite aqui. — Ela hesitou, atirando para trás um pé descalço.

— Tome um banho. Discutiremos isso quando você terminar. Separei uma das minhas camisas para você vestir.

Bem, não havia nada a discutir. Amy saiu 20 minutos depois, sentindo-se refeita e usando só a sua roupa de baixo e a camisa branca dele, que atingia um comprimento respeitável a meio corpo. Poderia parecer estranho para os que ainda estivessem acordados ver Amy retornar vestindo apenas uma camisa de homem e não muito mais do que isso; porém, com alguma sorte, o lugar estaria deserto. Provavelmente com exceção do James, que ainda estaria com a amiguinha.

Rafael, parecendo alerta e animado de um jeito incômodo, esperava por ela, sentado na sala de estar e com um copo de chocolate quente sobre a mesa, que ele apontou no momento em que a viu.

— Sente-se melhor?

— Não muito. Obrigada por perguntar.

— Suas roupas estão na máquina — ele disse, evitando a própria curiosidade. — Então, acho que poderia levar você de volta, mas o carro está estacionado um pouco longe.

— Por que seu carro está estacionado longe? Seus patrões não imaginam que você pode gostar de sair de vez em quando? Você deve ser um jardineiro muito dedicado, mas eles não imaginam que você pode querer um pouco de folga às vezes?

— É mais fácil estacionar atrás do bosque, no beco, fora da propriedade. A alternativa seria dirigir no gramado ou, claro, entre as árvores. O terreno foi planejado priorizando a estética e, acredite ou não, uma trilha de asfalto atravessando os jardins cuidados não foi considerado muito atraente.

— Você alguma vez deixa de ser sarcástico? — Ela fungou, consciente de que a compostura estava bem frágil e que o jardineiro não era o tipo ouvinte simpático.

— Há dois quartos, mas um não está arrumado. Vou usar este e você pode ficar com a minha cama.

— De jeito nenhum. Não vou dormir na sua cama.

— Por que não? — perguntou Rafael, cansado. — Vamos lá. Beba tudo e vá para cima.

Amy corou. Ele usara aquele tom de voz com ela antes. De fato, ele parecia habituado a usá-lo desde que ela, infelizmente, o conhecera. Era o tom de voz de um adulto falando com uma criança. Era isso o que James pensava dela? Era nada mais do que uma criança com quem ele podia brincar?

— Ok, desembuche.

Amy, olhando para baixo enquanto o seguia para o quarto, quase esbarrou naquele corpo grande, imóvel, quando ele parou do lado de fora do cômodo.

— Desembuchar?

— O que quer que lhe esteja consumindo. Não vamos conseguir dormir mesmo esta noite.

— Preciso me sentar — ela disse, trêmula. Rafael se pôs de lado e fez um gesto galante em direção à cama, que, para Amy, parecia incrivelmente tentadora.

A cama cheirava como ele: um cheiro limpo, masculino, que fazia com que ela quisesse fechar os olhos e respirar fundo, porque era um cheiro estranhamente acalentador. E por que ter pudores? Enfiou-se sob o edredom luxuoso e macio, e bocejou.

— Eu nem posso acreditar — disse Amy, quando Rafael estava prestes a sair do quarto.

— Não pode acreditar em quê? — Rafael não era um homem acostumado às complexidades emocionais de uma mulher. Sempre ouvira as reclamações de James com certo divertimento e se congratulara, em segredo, pela própria sabedoria de sair com mulheres que não faziam jogos nem tinham humores instáveis, ou seja, que não eram confusas. Considerava-se bem resolvido emocionalmente. Um homem que sabia o que queria na vida, e isso incluía mulheres.

— Não posso acreditar como pude ser tão idiota. Quero dizer... Só porque ele olhou para mim uma ou duas vezes e porque conversa comigo de vez em quando... Isso já aconteceu com você? Fabricar na cabeça um desejo muito fora da realidade?

— Não.

— O quê... Nunca? — perguntou Amy, desconcertada por um momento.

— Nunca.

— Oh. Então imagino que você não saberia mesmo como é...

— Não. Não saberia. Mas posso lhe assegurar de que ele não vale a pena.

— Você não pode dizer isso. Você não o conhece.

— Eu sei que não vale a pena derramar lágrimas por ninguém.

— Oh! — Com relutância, ela abandonou a tentação de sucumbir e franziu a testa, curiosa. — Imagino que você nunca amou...

Rafael já estava se arrependendo do impulso de ouvir aquela mulher por causa da pena que sentira em algum momento.

— Não estou totalmente certo se acredito no conceito — ele disse de forma brusca. — Os românticos se agarram a isso com unhas e dentes porque acham que dá sentido à vida, mas para mim... Não. E penso que vou evitar isso como uma praga se o resultado for o que eu estou vendo justamente agora.

Amy achou energia para encará-lo, mas não durou.

— Pelo menos nós românticos nos divertimos!

— Se divertimento é estar deitada na cama de um estranho à uma e meia da manhã, balbuciando... — Rafael falou de um jeito seco e Amy foi forçada a aceitar a derrota.

— Ok. Você venceu. Sou uma tola. Talvez tenha sorte da próxima vez. — Ela deu um sorriso forçado, e foi uma tentativa de sorrir tão corajosa que Rafael, devolveu um sorriso involuntário.

— Talvez — ela refletiu, — da próxima vez eu não me apaixone pelo patrão...

 

Ok. Rafael admitia que estava curioso. Ele presumia que aquilo era o que solidão forçada causava a uma pessoa, pois seu contato com o mundo externo durante os últimos três dias tinha se limitado a conversas telefônicas ou, mais freqüentemente, comunicações via e-mail.

Na ocasião, ele não vira tal fato como um problema. O trabalho poderia ser feito com tanta facilidade via computador e fax quanto pessoalmente, e ele tinha se certificado de que teria total acesso ao mundo. Apertando uma tecla, podia dar à secretária todas as instruções a fim de assegurar que os numerosos tentáculos das Companhias altamente lucrativas operassem com perfeição.

Rafael fez uma pausa de poucos segundos, enquanto pensava em Elizabeth, a célebre adequada Elizabeth e sua partida tão civilizada. Ele a conhecera quando ela liderava o grupo de advogados que eles haviam contratado oito meses atrás para destrinchar alguns complexos problemas legais numa negociação que ele estava finalizando. Rafael se impressionara pela grande competência e sua autoconfiança. Depois pelas várias coisas que tinham em comum, como ópera, teatro, jazz, vinhos finos...

E, para completar o quadro perfeito, ela era exatamente o tipo que ele apreciava: cabelos curtos e gosto refinado por tudo o que era cultural.

Fora um pouco exasperante que sua mãe, de imediato, não tivesse gostado dela, mas Rafael não permitiu que isso perturbasse as idéias que alimentara sobre partir para o matrimônio.

No entanto, aquele relacionamento perfeito começou a se tornar um pouco monótono. Três semanas atrás, lhe ocorreu a visão desconfortável de um elegante casal de meia-idade, mas essencialmente sem graça, ainda freqüentando a ópera tendo após ter criado filhos impecáveis, porém chatíssimos, para fazer exatamente o mesmo que os pais.

Rafael encheu uma xícara de café forte e bem quente, e subiu as escadas, parando à porta do próprio quarto, de forma a poder olhar, sem qualquer paixão, para a mulher ali deitada.

Tudo à volta dela estava em desordem. Os cabelos louros jogados para todo lado; as cobertas meio afastadas, com metade delas no chão. Um delicado pezinho pendia para um canto, lhe permitindo ver unhas pintadas com esmalte de cor púrpura, de uma forma nada conservadora. Uma pessoa confiante, ele pensou, do jeito que estava dormindo, de barriga para cima. Não era de se estranhar que James conseguira conquistá-la sem esforço.

— Hora de despertar, Bela Adormecida. — Ele caminhou em direção às cortinas e as abriu, ao que Amy sentou-se dando um grito, indignada, protegendo os olhos do horrível clarão invasor. — Eu lhe trouxe café.

— Não havia necessidade de puxar as cortinas assim! — Ela gemeu, mergulhando de novo na cama e colocou o travesseiro sobre o rosto.

Rafael caminhou até ela com calma e lhe arrancou o travesseiro, mantendo-o fora de alcance enquanto ela se debatia para recuperá-lo, finalmente desistindo e se apoiando nas mãos para sentir melhor a claridade

— Que horas são? — ela perguntou, se erguendo e servindo-se da muito bem-vinda xícara de café — Oh, Deus. — Ela o fitou com desespero. — O que Claire vai pensar?

— Quem é Claire?

— Para não falar em todos os outros!

— Não se preocupe. Eu liguei para a casa.

— Você fez o quê?

— Liguei para a casa. — Rafael levantou as sobrancelhas. — Qual é o problema?

— Qual é o problema? — Amy imaginou a melhor amiga rindo junto a todos os outros. — O que você disse? — perguntou, com menos pânico na voz, esperando que ele tivesse considerado impróprio divulgar cada detalhe daquela situação que a fizera terminar indo dormir na cama dele.

— Eu disse que você saiu para tomar ar, se perdeu e, quando apareceu à minha porta, era muito tarde para mandá-la de volta e você estava exausta. Então gentilmente a convidei para ficar e que eu a mandaria de volta cedo. Essa desculpa vai de encontro à sua aprovação?

— Posso ver que não vai de encontro à sua, a julgar pelo seu tom. Com quem você falou?

— Ora, com seu patrão, é claro.

— Você falou com James...

— Com quem mais?

— O que você lhe disse? — perguntou Amy.

— Oh, só que você passou a noite vagando pela mata com o coração cheio de amor apenas para encontrar seu amado abraçado à outra mulher, então decidiu subir numa árvore de onde eu tive que resgatá-la...

— Você não fez isso!

— Claro que eu não fiz! — Rafael se virou a tempo de aparar o travesseiro que voava pronto para lhe acer­tar a cabeça.

— Quem você acha que era a mulher? — Amy pensou alto, o rosto apoiado pensativamente na palma da mão, enquanto batia os dedos nos dentes da frente, distraída.

— Suas roupas estão lá em baixo. E também o café da manhã. Você pode tomar uma ducha, se quiser. — Já eram dez horas. A mulher estragara o dia de trabalho. Ele não tinha a intenção de prolongar aquela situação desagradável. Decisão tomada, Rafael a deixou com os pertences, certificando-se de que as roupas estavam na porta, assim ela não resolveria passear pela casa duran­te o dia, a fim de afugentar as mágoas, vestindo apenas a camisa dele. Ele não era pudico, mas esperava certo decoro das mulheres. A mente se desviou para o rela­tório na tela do computador.

— Que diabos você está fazendo? — perguntou Amy, surpresa por encontrá-lo diante de um laptop, para não falar nas complicadas fileiras de números para as quais ele olhava.

Rafael fechou o computador depressa. James sabia que ela passara a noite na casa de hóspedes, e achou muito engraçado que Rafael tivesse se referido ao fato com na­turalidade, mas acabou concordando que seria melhor que ela não soubesse a verdadeira identidade dele.

— Ela acredita que eu sou o jardineiro, — Rafael disse ao irmão e esperou, enquanto James gargalhava do outro lado da linha, o levando a perguntar o que havia de tão extraordinário nisso.

— Talvez se você estivesse testando o cortador de grama que inventou ao inaugurar a Companhia que se apossaria de todo o negócio de jardinagem do universo.

— Você me faz parecer um megalomaníaco — dis­se Rafael, irritado.

— Bem, um de nós tem que ser, e certamente não serei eu — James lhe disse, amigável.

— De qualquer forma — disse Rafael, terminando a conversa —, se ela souber quem eu sou, não terei outra escolha a não ser admitir.

— E eu não quero que você seja uma mosca na mi­nha sopa, mano velho, então prefiro deixar como está. De qualquer forma, ela vai lhe fazer bem.

— Duvido muito — disse Rafael. — A mulher tem um parafuso solto. Eu geralmente não tenho muito in­teresse por mulheres loucas.

— Certo... Bem... Diga-lhe que nós a veremos mais tarde...

— Bem? — Amy começou, colocando-se por trás dele, e tentou abrir a tampa do computador que ele fechara para olhar por cima dos ombros. Rafael lhe pegou os pulsos e a puxou com suavidade, de modo que ela quase se desequilibrou e caiu sobre ele.

— Já ouviu falar em privacidade?

— Perdão... Estou simplesmente tão habituada a... — Ela ficou calada dando alguns passos para trás e rindo de si por agir como uma tola.

— A...? — Ele se levantou e se dirigiu à cozinha. Amy o seguiu.

Na cozinha, de alguma forma, parecia mais fácil fa­lar por trás dele.

— A conviver com uma família grande. Três irmãos. — Amy riu, enquanto recuperava o equilíbrio. — E a viver numa casa muito pequena. Eu acho que privaci­dade não era o forte lá... Desculpe...

— Desculpas aceitas. Agora, o que você gostaria para o café da manhã? — Ele abriu a geladeira e Amy ficou boquiaberta. Ela esperava uma caixa de leite longa-vida com validade quase no limite, talvez um ou dois ovos, algumas latas de cerveja e um pedaço de queijo. Em vez disso, ela se deparou com uma abun­dância de delícias. Um salmão defumado dividia o es­paço com o que parecia ser um patê muito caro, havia uma dúzia de ovos arrumados sobre uma prateleira com vinho branco, tinha também salada, bem verde e fresca, e uma grande variedade de queijos. Como era banqueteira, ela estava acostumada a examinar prateleiras e geladeiras com rapidez, e nunca vira nada melhor ou mais caro.

Ela estendeu a mão e pegou uma caixinha de patê.

— Sirva-se — disse Rafael, seco.

— Estoque fantástico — suspirou Amy — Descul­pe por bisbilhotar... — Ela olhou para dentro e teria investigado mais se ele não tivesse fechado a porta com tanta rapidez.

— Eu vou pegar o pão. Sente-se.

Amy sentou-se à mesa, obediente. Ficou imaginan­do como um humilde jardineiro, mas não dono de uma personalidade humilde, podia sustentar tamanho luxo.

— Interessante... — Ela não conseguia se conter. Pegou o pãozinho de nozes e o girou entre os dedos, pensativa.

— O pãozinho é interessante? — perguntou Rafael, servindo-se de outra xícara de café, e virou uma cadei­ra para que pudesse sentar-se ao contrário e encará-la.

— Muito interessante. — A voz de Amy estava car­regada de intenções. — Como sou do ramo de alimentação, eu diria que isto é um pãozinho caseiro, não do tipo comum dos supermercados...

— Onde você está querendo chegar?

— À esta pergunta... Como um jardineiro pode ter condições de encher a geladeira com as iguarias mais finas que o dinheiro pode comprar?

— Por que não? — Ele deu de ombros. — Sou um homem de bom gosto, independentemente da minha profissão e, como pode ver, não tenho família com que gastar o dinheiro que ganho. — Isso era verdade.

— O que acontece se você decidir... Casar-se, cons­tituir família? Quero dizer, sei que disse que não era romântico, mas até pragmáticos chatos acabam encon­trando a mulher certa e se casam... O que eu estou di­zendo é isso... Você teria que deixar este lugar fantás­tico?

— Não posso acreditar no tamanho da sua bisbilhotice — disse Rafael, admirado. — Se algum dia você se cansar do seu trabalho atual, detetive particular seria a opção mais certa.

— Foi só uma pergunta — disse Amy, magoada. — Eu não pensava que estava invadindo sua preciosa privacidade. Não é de se estranhar que você não con­siga uma alma gêmea jardineira para viver com você!

— Não estou à procura de uma jardineira alma gê­mea, ou seja lá o que for. — Rafael se irritou, pensando na advogada fria, sofisticada. Elizabeth. A ex-namorada. — E para responder à sua normal, e ainda que incrivelmente intrometida pergunta, sim, a casa é minha, e in­depende de minhas condições pessoais.

— Ainda penso que você deve achar isso um pou­co... Difícil em certos aspectos...

Era como perceber uma armadilha à distância, sa­bendo que a única forma de evitá-la envolveria uma simples manobra e, mesmo assim, o levaria direto para a emboscada. Rafael sabia que deveria ignorar a obser­vação e expulsá-la da casa, no entanto...

— Não tenho idéia do que está querendo dizer, — ele respondeu de forma um tanto desagradável.

— Bem... — Amy se lembrou da observação sobre privacidade e, antes de falar seguindo um impulso, como sempre, percebeu que estava prestes a se deparar com o aviso "Não entre". Ela se levantou, procurou as sandálias arrumadas e se dirigiu à porta. — Não tem importância — falou por cima do ombro. — Vou em­bora já, deixando-o em paz. Acho que posso voltar so­zinha.

— Eu não acho que você irá a algum lugar com estas sandálias — disse Rafael. — Receio que as tenha colocado junto às roupas, pensando que daria certo.

— Teria dado se elas fossem de pano — disse Amy.

Não se preocupe. De qualquer maneira, estão estra­gadas. James não olhou para mim duas vezes quando eu as usei.

— Vamos. Vamos pegar o carro. — Rafael se deci­diu. Prós infernos com o trabalho.

Amy aceitou, alegre.

Agora, a parte menos fácil de engolir foi notar que o carro esperava por eles, quando chegaram ao cami­nho cercado de vastos terrenos. Não era um calhambe­que, e sim um esportivo último tipo.

— Não fale nada — ele avisou, destrancando o car­ro com o controle remoto.

— Nem sonharia. — Amy lhe permitiu abrir a por­ta, apreciando a demonstração de boas maneiras à qual não estava acostumada, e entrou. Ela se virou para ele, sorrindo, e não conseguiu deixar de acrescentar. — Eu queria ser uma mosca para presenciar quando você en­contrar aquela sua alma gêmea jardineira, aquela que você diz não estar procurando!

— Nem vou me preocupar com o que você está pen­sando porque sei que, de qualquer maneira, você vai dizer. — De repente, quando o carro deu a partida, ele sentiu-se à vontade e despreocupado...

Amy, totalmente atenta a Rafael, felizmente não per­cebia que ele estava se afastando do rumo da casa. De fato, ela não percebia nada além daquele perfil forte e bem delineado, o leve sorriso nos cantos dos lábios, a mão apoiada no volante, um homem em completo do­mínio de sua máquina.

— Bem, se você insiste em saber, e, por favor, não me dê um longo e maçante sermão sobre privacidade, já que você me permitiu falar o que estou pensando...

Rafael lhe lançou um olhar enviesado.

— ...mas gostaria de vê-lo quando tiver que se sepa­rar deste carro esporte... Garotos e seus brinquedos...

— Não estou conseguindo acompanhar seu racio­cínio.

— Bem, você pode ter tudo isso agora porque não tem outras responsabilidades. Além dos jardins, claro, — ela acrescentou — mas, pode acreditar, essa será a primeira coisa da qual terá de renunciar quando cons­tituir família.

— Outra razão pela qual não estou procurando uma alma gêmea. — Rafael sorriu e a olhou de lado. — Aliás, não estamos indo para a casa, por enquanto...

— Não? Por que não? — Ela sentiu-se alegre e ali­viada por não ter de passar o dia inteiro sozinha, pen­sando em James daquela forma melancólica.

— Sinto-me moralmente obrigado a repor os sapa­tos que destruí — disse Rafael com entonação tão gra­ve que Amy não soube dizer se ele falava sério.

— Não é preciso — ela respondeu. — Honestamen­te. Tenho meu tênis e sempre posso pegar algo empres­tado com Claire. Calçamos o mesmo número.

— Nego-me a ouvir isto.

— Mas e seu trabalho? Você estava ocupado no computador de manhã. Não desejaria interromper... O que quer que estivesse fazendo...

— Então por que tenho a sensação de haver algo de irônico nas suas palavras?

— Você não parece um jardineiro, não é? — provo­cou Amy.

— Eu não sei. Você conheceu vários jardineiros?

— Eu conheci vários, de todos os tipos. — Amy riu.

— Você devia tomar cuidado com o que diz — traçou Rafael, dando uma olhada em sua direção. — homens podem ter uma impressão errada.

— Bem, eles é que estariam errados — respondeu com sinceridade. Ela se virou e olhou pela janela. En­quanto conversavam, o maravilhoso cenário desfilava lá fora. Amy percebeu claramente que o lugar cheirava a dinheiro. Quando chegaram à graciosa cidadezinha histórica, perfeitamente preservada, com sofisticadas butiques, ela comentou, desajeitada, que o preço das sandálias estaria além do modesto orçamento que possuía.

— É por minha conta — ele disse, estacionando o carro e se virando para olhá-la antes de abrir a porta.

— Não pode ser "por sua conta". E, de qualquer forma, por que deveria?

— Eu lavei aquelas malditas coisas.

— Você só o fez porque eu andei quilômetros através da propriedade, acabando em cima de uma árvore.

— Pelo menos parece que você se curou de sua dor-de-cotovelo.

— Eu não queria aborrecê-lo com minhas emo­ções...

— Oh, suponho que eu deveria ser grato por isso. — Ele bateu a porta do carro, esperando que ela esti­vesse ao lado, quase chegando à altura do ombro dele sem a ajuda dos saltos das sandálias. Ele olhou para os pés descalços. — É melhor arranjarmos uns sapatos logo.

Rafael a observava experimentar os sapatos, paran­do em frente ao espelho para contemplá-los melhor. Essa mulher, o que quer que tivesse na cabeça, era o máxima da feminilidade, desde os cabelos louros até os delicados quadris, que agora estavam desfilando diante dele

— Não posso adquiri-los a menos que nós rache­mos — disse Amy com firmeza. — São muito caros. — Olhando para os próprios pés, não viu o olhar estu­pefato que Rafael recebeu do proprietário da butique e o rápido sacudir da cabeça em resposta.

Rafael deu de ombros e concordou. Ele imaginou se ela seria tão cuidadosa com as finanças caso soubesse o tamanho da fortuna dele.

— Oh, por Deus! Não precisa ser tão rabugento!

— Você sempre tem que dizer a primeira coisa que lhe vem à cabeça?

— Se está querendo dizer que sou uma pessoa sin­cera, então sim.

— Você está sendo agora? — Ele entregou o cartão de crédito, mas continuou a olhar para ela de forma tão pensativa que Amy suspirou.

— Sim. Sim, procuro ser.

Rafael decidiu que voltaria àquele assunto mais tar­de. Entregou a Amy a sacola com os sapatos, que ela imediatamente calçou, expondo um sorriso.

— Você gosta de coisas bonitas, não é? — ele mur­murou. Ela era como uma criança com um brinquedo novo. Nunca fizera compras com uma mulher e se perguntou se Elizabeth teria o mesmo prazer na compra de um novo par de sapatos. Concluiu que não. Para começar, não era uma mulher que gostasse de sandálias de tiras com losangos, e ele duvidava se mesmo um par de sapatos altos despertaria nela um entusiasmo semelhante.

— Mostre-me uma mulher que não goste — obser­vou Amy, faceira, olhando para ele e sorrindo, embora Rafael ainda se mostrasse tão sério quanto um juiz — e eu lhe mostrarei um mentiroso.

Era praticamente impossível não sorrir de volta para ela.

— Vamos almoçar.

— Ok, mas tenho uma idéia. Vamos pegar umas roupas de banho e seguir para a praia com uma cesta para piquenique. Todo mundo faria isso.

Ela quase esperava que ele descartasse a idéia, mas, para sua surpresa, ele concordou sem hesitar.

— Um longo e preguiçoso almoço em qualquer lu­gar — murmurou Rafael —, me parece uma idéia mui­to boa... E uma boa forma de descobrir quem você é...

 

Impulsiva por natureza, Amy costumava agir de im­proviso, para só muito depois avaliar as conseqüên­cias. Teria achado uma perda de tempo organizar um simples piquenique na praia. Pensar sobre qual maiô usar, roupas para trocar, que tipo de comida levar e como transportar tudo. Não estava preparada para a extraordinária eficiência de Rafael. Ele lhe deu cinco minutos para correr em casa e pegar tudo de que pre­cisasse.

— Oh, maravilha — ela murmurou com ironia con­trariada, mas fez exatamente como ele disse. Em segui­da, tudo pareceu se resolver num instante. Ele deixou o motor ligado, enquanto corria em casa, retornando em cinco minutos, vestindo sunga, uma camiseta fol­gada e uma toalha no ombro. E óculos de sol que re­metiam à origem mediterrânea.

Então, rumo a uma boa delicatessen. Ela bem que gostaria de acompanhá-lo e aproveitar para olhar a es­timulante variedade de comidas, mas, como se lesse a mente dela, ele lhe disse que o esperasse no carro. Um típico troglodita, ela pensou, e não pode deixar de reparar que uma quantidade considerável de mulheres parecia apreciar aquele tipo de homem.

Aquilo era ridículo, loucura. O homem não era o tipo dela. Nunca fora chegada ao gênero machão, exagera­do em músculos e minguado em senso de humor, e, além do mais, Amy já gostava de um cara com senso de humor.

Mas o jardineiro dizia umas coisas... Ela deu uma olhada rápida para aquele perfil forte, com apenas a som­bra de um sorriso nos lábios, e pestanejou confusa.

— Aposto que você também tem o mesmo pro­blema...

— Que problema?

— Saber que a vida boa vai acabar quando você se casar e largar o emprego.

Amy caiu na gargalhada.

— Em primeiro lugar, não pretendo "largar o em­prego" logo que me casar. Em segundo lugar, eu não tenho uma vida boa nos moldes que você imagina!

Rafael parou numa praia à qual parecia ter acesso exclusivo e a observou sair correndo à frente, chutando a areia. Ela trocara de roupa, estava usando jeans des­botados curtos e uma camiseta branca fina, que foi ti­rando enquanto corria, revelando a parte superior do biquíni azul-turquesa extremamente pequeno. Rafael respirou fundo.

Ela agora corria de volta para ele, ofegante, se des­culpando por não ter ajudado a carregar as provisões.

Por trás dos óculos, os olhos de Rafael se voltaram para os seios atrevidos, escassamente cobertos pelo biquíni. A figura de Amy era esguia e graciosa, com seios pequenos, e ele ficou fascinado pela curva da­queles quadris.

Movido por um estímulo traiçoeiro, Rafael acelerou o passo.

— Ótimo, sr. He-Man! Por mim está tudo bem, se você quer provar o quanto é grande e forte! — Mas ele realmente era grande e forte. Muito grande. Ela parou e logo continuou a caminhar atrás dele.

Rafael pensou em buscar uma coberta que estava no porta-malas. Estendeu o cobertor, jogou por cima as embalagens e esperou que Amy se juntasse a ele.

— Pernas curtas não são boas na areia. — Ela olhou em direção ao mar, para evitar o olhar desconcertante de Rafael — Fantástico. Não estive em muitas praias, mas esta é uma das melhores. — Ambos estavam de pé e ela começava a sentir-se um pouco ridícula e mui­to encabulada por causa do sutiã minúsculo. Na frente de Rafael, ela sentia-se exposta. De pronto, Amy estendeu a toalha e sentou-se, descansando sobre os cotovelos.

Para seu alívio, ele seguiu o gesto, e ela teve de ad­mitir, quando ele tirou a camisa, que a jardinagem cer­tamente trabalhara a favor, lhe proporcionando um fí­sico belo e impressionante. Não havia sequer um milímetro de flacidez no homem e, a cada movimento, por mínimo que fosse, ela podia ver cada tendão e músculo bem definidos. Sentiu a boca secar.

— Eu me admiro por todos terem ido embora... — Amy pensou alto, imaginando que podia desviar o assunto para James e tentar dar uma impressão mais positiva, porque estava lhe ocorrendo que aquilo que sentira pelo chefe não duraria mais, e ela se envergonhava de admitir, do que um resfriado de verão.

— Por quê? — perguntou Rafael, de imediato. — Sua função não vai muito além de adular o patrão. A menos que, naturalmente, você já tenha ido para a cama com ele, e isso nada mais é do que uma tática de ma­nutenção...

Amy se empertigou e se voltou para ele, o rosto rubro de indignação.

— Como ousa? — Pôs-se de pé e começou a cami­nhar. Quando sentiu a mão dele lhe segurar o braço, nem se deu ao trabalho de olhar em torno. Só tentou se livrar, mas era como tentar se soltar de um grilhão de aço. Por fim, se viu forçada a dar meia-volta.

— Você faz disso um hábito, não faz? É assim que lida com conversas difíceis? Ou situações difíceis? Fu­gindo o mais rápido possível em qualquer direção?

Já tendo ido parar por duas vezes na porta dele por esta mesma razão, Amy teve dificuldade para achar uma resposta à altura.

— Você acha? Você está me machucando! Não quero sentar com você e comer enquanto você me insulta! — Retrocedeu alguns passos e olhou furiosa para ele. — Você me deve desculpas!

— Como? — Em toda a vida dele, ninguém lhe exi­gira desculpas.

— Você me ouviu, sabichão! Eu exijo desculpas! Você acaba de me insultar, se é que se esqueceu!

— Eu não a insultei.

— Você me acusou de ser o tipo de garota que dor­me por aí com uns e outros.

— Eu levantei uma hipótese coerente.

— Bem, "uma hipótese coerente" errada e eu não saio daqui antes de você se desculpar!

— Oh, pelo amor de Deus — murmurou Rafael. — Se você achou meu comentário ofensivo, eu me des­culpo.

— Ótimo...

— Eu realmente não sei o que você vê nele — ele disse, depois de terem voltado ao cobertor, numa trégua temporária.

— Será que é porque você o conhece tão bem?

Rafael reprimiu um riso

— De vez em quando ele vem para casa — disse de forma diplomática.

— Oh, e pelas visitas esporádicas, você julga co­nhecê-lo?

— E você? Acha que o conhece? — Rafael devol­veu a pergunta. Dispunha do dia todo e pretendia usá-lo a favor. Poderia descobrir quais eram as intenções de Amy e não via problema em desencavar a informação. A mulher não ficava atrás quando se tratava de ser in­discreta e, de qualquer modo, ele era um perito quando se tratava de obter o que queria.

— Claro que sim! — Amy explodiu, se erguendo um pouco, de modo a dirigir toda a força do mau humor ao perfil duramente lindo de Rafael. — Não que isto seja da sua conta!

— E com que freqüência você realmente chegou a conversar com ele? — perguntou Rafael com curiosi­dade.

— Nós nos divertimos por aí. Eu organizo todo o fornecimento de comida para os diretores. Na maior parte do tempo é só um trabalho de entrega, mas de vez em quando James encomendava algo especial para os amigos. Na verdade, eu já estive na casa dele para tra­balhos particulares.

— Então ele é amigável com você e, em função disso, você resolve se apaixonar.

Amy sentiu a raiva aflorar, enquanto pensava nas palavras dele, o quadro extremamente ridículo que Ra­fael apresentara. Suspirou.

— Ele me cativou quando eu estava vulnerável — ela admitiu. Havia algo extremamente acolhedor no bruto deitado no cobertor, ao lado.

— Vulnerável... Em relação a quê?

— Você é bom ouvinte? — perguntou Amy, voltan­do a se deitar no cobertor, de modo que agora ambos tinham os olhos voltados para o céu, Amy os mantendo fechados.

Rafael, com histórico de uma de série de ex-namoradas bem tratadas, perfeitamente controladas e segu­ras, se perguntou o que significaria "bom ouvinte" no entender daquela mulher estendida ali.

— Inexperiente — ele disse, desanimado, embora sabendo que estava obtendo uma ótima oportunidade de desvendar as intenções de Amy, se é que ela ainda as tinha, com o irmão.

— É mesmo?

— Eu conheço uma porção de mulheres que não se julgam no dever de me manter informado sobre todos seus pensamentos. Mas estamos falando de você. Você disse que era... vulnerável.

— Acabei de terminar um relacionamento de dois anos. Nos conhecemos no mesmo curso de cozinha. — Ela sorriu ao se lembrar. — Ele era muito divertido. Queria se tornar um chef na TV, fazer nome. Trabalhar nos bastidores não era o suficiente para Freddie. Tentou por algum tempo, mas realmente percebeu que era talentoso demais para apenas cozinhar por trás da cena. Ele poderia ter continuado a praticar, ir trabalhar para um chefão no ramo de hotelaria, galgando os degraus como qualquer outro chefe promissor, mas Freddie queria isso tudo, e queria para antes de ontem. A princípio, eu só achava engraçado que ele fosse tão obcecado pela idéia de ser famoso.

— Foi bom você ficar livre dele.

— Bem, sim, mas também... Ele terminou por meio de uma mensagem de texto! Disse que tinha encontrado outra pessoa. Mais tarde, fiquei sabendo que a "outra pessoa" tinha o dobro da idade dele e era podre de rica! Hoje ele vive na Itália e tem um restaurante. Talvez um dia eu apareça lá e lhe dê o maior susto.

— Então... Depois você conheceu o James...

— No trabalho. Ele me fazia rir.

E ele estava seguro, Rafael deduziu. Ter uma quedinha pelo patrão era como ir atrás do impossível, mesmo porque tudo não passava disso: uma quedinha. Será que Amy teria decidido levar aquilo adiante quando vira quanto dinheiro estava envolvido na si­tuação?

— Ele faz muita gente rir. — Rafael deu de ombros. — Você achou que era especial por causa disso?

— Não, não achei! —Amy enrubesceu com a men­tira.

— Porque você seria uma tola se achasse.

— Eu realmente não preciso que você me dê sermão quando não sabe nada sobre mim. E provavelmente não sabe muito sobre o James também.

Ele recuou com relutância. Tinha muito mais a dizer sobre ela ser louca só de pensar em ter algum envolvi­mento com o irmão. A mulher ideal para James era aquela sem interesse por compromisso algum. Ele se misturava a um pessoal da alta roda, gente que gostava de tirar férias nas ilhas Grenadines e de festas de loucas em casas de campo. Ele só morara em Londres por alguns poucos anos, mas naquele curto espaço de tem­po havia acumulado mais contatos do que a maioria das pessoas numa vida inteira. Este era o dom de James, a razão pela qual era tão brilhante no que fazia. Mas ela estava na defensiva e Rafael não queria que ficasse assim. Trouxe o assunto de volta à cozinha, que parecia um assunto natural, enquanto desempacotava os embrulhos de comida.

— Você não faz isto com freqüência, faz?

— Faço o quê?

— Piqueniques. — Ela olhou para ele. — Quero dizer — ela esclareceu —, você comprou um monte de patês, mas nada com que espalhá-las, e pão, mas nada com o que cortá-lo, e onde vamos colocar estas coisas todas?

Rafael estava confuso.

— Talvez eu ache que seja um passatempo idiota passar ainda mais tempo ao ar livre quando a maior parte do meu tempo já é passada ao ar livre. Cortando a grama. Tirando ervas daninhas. De vez em quando cortando uma árvore.

Amy franziu a testa. Será que ele estava rindo dela? Ela pensou ter feito uma observação bem coe­rente.

— Na verdade, esta não é, de modo algum, minha idéia de diversão — ele disse de maneira direta. — Sol demais, sombra de menos, areia nos sanduíches. Sugi­ro que a gente vá para o carro e veja para onde o vento nos leva. Podemos comer algo no caminho — Amy lhe deu um sorriso radiante.

— Ok. Mas o que faremos com a comida? Quero dizer, deve ter custado caro e você não me deixou pa­gar... Talvez eu possa convidá-lo para o almoço. Eu sei que você tem coisas melhores a fazer do que me escol­tar por aí, porque fui idiota o suficiente para aparecer à sua porta na noite passada.

— Talvez.

Quatro horas mais tarde, Rafael teve de admitir que estava se divertindo. Em matéria de experiências inu­sitadas, passar tempo na companhia de uma mulher que não tinha nenhum interesse em notícias ou ópera, pouca experiência em teatro e um interesse doentio por reality shows era uma descoberta. Não havia ne­nhuma conversa intelectual sobre o a situação do país ou a economia mundial, e certamente, ao contrário do caso de Elizabeth, sobre o sistema legal norte-ameri­cano.

Rafael percebera, quando, afinal, voltaram para casa, que nada descobrira sobre as intenções dela quan­to a James, o que justificaria tudo aquilo. E agora ela estava determinada a ir embora.

— Porquê?

— Porque as pessoas vão começar a sentir minha falta. — Amy enumerou todas as razões nos dedos. — Porque há uma porção de brincadeiras preparadas para esta noite e vai ser divertido. Porque eu não posso continuar a usar as mesmas roupas para sempre.

Rafael teve que aceitar a derrota, entretanto, não ten­do conseguido nada durante o dia, decidiu, naquele momento, que teria de adiar o trabalho por mais umas duas horas e entreter a mulher no dia seguinte. Seria por uma boa causa.

— Brincadeiras... — Rafael não podia pensar em coisa pior.

— Sim. Noite do cassino. Claro, não com dinheiro de verdade, mas vai ser divertido.

— Ok. Entre no carro. Eu lhe levo de volta para casa.

Amy, estranhamente decepcionada, manteve silên­cio durante o curto caminho.

— Vou lhe deixar no portão, se você não se impor­ta. Imagino que seria um tanto embaraçoso para você... — Ele insinuou, casualmente, desligando o motor e se recostando na porta para olhar para ela. O sol tinha salpicado o rosto delicado com sardas leves.

Amy, tal como Rafael havia descoberto durante o dia, podia não ter a aparência estonteante de modelo que o seu irmão preferia, mas tinha uma personalidade aberta, que podia ser tão contagiosamente sociável quanto fatalmente atraente.

— Quero dizer, estando às voltas com seu patrão... Sabendo que ele tem outra mulher, que ele não tem nenhum tempo para você...

— Muito obrigada.

— Especialmente porque você investiu tempo e energia criando fantasias sobre estar na cama com ele... — Ele não gostou da imagem de Amy na cama com James, de jeito nenhum.

Ela estava entre a indignação por causa das presunções dele e o embaraço por serem corretas. Sim, de fato investira tempo e energia criando fantasias.

— Não sou tão patética! — Amy disfarçou. — De qualquer forma, há um monte de pessoas à volta. Não é como se eu fosse forçada a falar com ele se não qui­sesse.

— E você quer?

— Quero o quê...?

— Falar com ele. Ou você já se recuperou disso agora?

— As mulheres simplesmente não se recuperam de uma decepção amorosa num espaço de poucas horas! — Ela argumentou, evitando uma resposta direta.

— Você pensou nele pelo menos uma vez durante o dia?

— Claro que sim! Não que isso seja da sua conta!

Rafael pensou que ela se surpreenderia se soubesse o quanto aquilo era da conta dele.

— Porque eu pensei que você gostaria de dar uma saída e passar o dia de amanhã em Manhattan...

Ele jogou a isca e aguardou que Amy a mordesse. Ela nunca estivera no exterior. Havia sempre crianças demais para que seus pais pudessem arcar com a des­pesa. Ele percebera tudo isso no decorrer do dia.

— Não seja tolo — disse Amy, afastando da mente a idéia de encarar arranha-céus e o Central Park, que vira na televisão milhões de vezes. — Você não pode simplesmente tirar folga quando quer, e eu não gostaria de colocá-lo em apuros.

— Isto é muito nobre da sua parte, mas não há ne­cessidade de se preocupar comigo. O patrão e eu temos um relacionamento muito amigável. Claro, se você não quiser...

— Imagino que poderia ser um alívio não estar na companhia de James, sabendo que fui uma tola... — Ela se lembrou de que era uma mulher forte, mas ainda sofria a decepção amorosa. — E seria duro vê-lo, sa­bendo o que sei e ainda... Continuar a desejá-lo...

— Então interpreto isto como um sim...

 

Ele a pegou às oito e meia em ponto na manhã seguin­te. Amy já estava de pé e pronta desde as sete. Usava o jeans de novo, mas desta vez com uma camiseta peque­na e apertada, além dos maravilhosos sapatos novos. Tinha um encontro com o jardineiro, disse, de passa­gem, a Claire, que estava secretamente aliviada por Amy ter desistido das tentativas inúteis com James.

— Me traga um souvenir — disse Claire.

— Só se puder ser um bem cafona! — retrucou Amy, rindo.

— E não se apaixone pelo jardineiro.

— Pode acreditar — disse Amy com sinceridade — não há a menor chance!

— Ok, já entendi! Muito embora não faça idéia da razão pela qual você quer passar tempo com alguém que lhe parece tão difícil.

Amy saiu com a desculpa oferecida por Rafael e da qual ela havia se apropriado com avidez:

— Eu prefiro não estar por perto de James no momento. Para ser honesta, me sinto uma idiota completa. Fui uma boba, Claire. Então eu apenas penso que vai ser bom para mim não estar muito perto dele aqui. Você poderia vir conosco hoje se quisesse... — Ela percebeu estar desejando que a amiga recusasse o convite — Bom, você não vai perder grande coisa. O jardineiro não é o que se possa considerar uma fonte de diversão. Quero dizer, as únicas vezes em ele que ri é quando está rindo de mim!

— Mas ele é atraente... — disse Claire pensativa.

— Não é o meu tipo. Eu imagino que as pessoas possam considerá-lo atraente... Que ele recebe alguns olhares quando anda por aí... Mas também, pudera, todo aquele trabalho físico ao ar livre... Músculos fortes...

— Por que ele estaria tirando um dia de folga só para levá-la a Nova York?

— Talvez ele sinta pena de mim. Eu exagerei sobre a minha desilusão.

— Talvez ele esteja ficando caído pelos charmes da linda Amy...

— Essa é uma idéia ridícula — disse Amy bruscamente.

— Mas ele está passando um dia inteiro com você, mesmo sem precisar...

— Talvez ele apenas goste da idéia de sair com alguém da Casa Grande...

— Mesmo sabendo que você não tem dinheiro?

— Quem sabe o que move o interesse do homem?

Quem se importa?

Ela queria ir embora antes que James descesse para o café da manhã.

Quando viu o carro esporte esperando por ela, o cora­ção estava disparado. Era apenas o esforço da corrida.

 

Rafael não estava no melhor dos humores. Havia aca­bado de admitir a James que levaria Amy para sair du­rante o dia e, como não podia revelar o motivo, tivera de agüentar uma avalanche de risadas. A notícia se es­palhara rápido e, por isso, recebera um inesperado te­lefonema da mãe estupidamente cedo. Percebeu logo por causa dos gracejos iniciais.

— Quando foi a última vez em que você realmente tirou um tempo do trabalho, por impulso? — ela per­guntou.

Rafael foi diplomático e conteve o ímpeto de lhe dizer que sair quando bem lhe conviesse não seria exa­tamente do melhor interesse para a empresa que ele dirigia com sucesso tão assombroso. Em vez disso ele respondeu:

— Há cerca de uma semana, quando eu estava cui­dando de James...

 

— O que diabos você está vestindo? — ele pergun­tou tão logo Amy entrou no carro.

— Jeans — respondeu Amy. — E bom dia para você também.

Rafael olhou para a parte nua da cintura e grunhiu:

— O jeans está muito baixo.

— E você está falando como um pai.

— Segundo quem?

— Segundo alguém com menos de 30 anos... O que eu acho que exclui você...

E aqui vamos nós novamente, pensou Amy, como dois lutadores rodeando um ao outro, dando socos rá­pidos a cada oportunidade.

— Eu nunca vi você usando jeans! — ela disse.

— É porque eu não tenho um.

— Todo mundo tem um par de jeans!

Rafael deu de ombros. A observação era correta. Ele imaginou como Amy reagiria se ele lhe dissesse que ti­nha contas nas mais seletas lojas de Nova York e que um vendedor pessoal o atendia em tudo o que precisasse.

— Hum. Sem jeans. Talvez pudéssemos fazer umas compras no shopping hoje — disse Amy, travessa. — Vai fazer você se parecer um pouco menos com um velho resmungão.

— Você acha que eu pareço um velho resmungão? — Rafael lhe deu um sorriso de lado e Amy piscou.

— Não, eu só acho esquisito que você não tenha uma calça jeans. De qualquer modo, não quero fazer compras. Só estava brincando. Na verdade, não me im­porto com o que você veste ou possui...

— Eu penso que fazer compras seria uma idéia mui­to boa. Afinal você não pode ir a Manhattan e não fazer compras.

— Eu posso comprar uma calça jeans para você — Amy falou, se entusiasmando com a idéia.

— Você pensa realmente que eu preciso disso, não é? — Rafael falou de forma, arrastando as palavras.

— Certamente! E talvez uma camisa estampada, em vez das lisas que você parece gostar de usar...

Ele sorriu e pensou como ela reagiria só de saber o custo daquelas "camisas lisas"! Todas feitas à mão. A cada seis meses Rafael descartava um lote e o substituía por outro. Podia ser fastidioso, mas era muito conve­niente.

— Estampada?

— Estilo havaiano, talvez? — pensou Amy, diver­tida, imaginando-o num conjunto ridículo — Talvez algo com grandes flores de cores vivas que mudariam a velha monotonia creme ou branca! Felizmente você não trabalha num escritório. Aposto que teria uma porção de ternos risca de giz para acrescentar à sua coleção!

Por volta de 30, Rafael pensou com ironia.

— Eis um acordo: você pode me meter em algo in­formal e eu visto você conforme uma mulher deve se vestir.

— Conforme uma mulher deve se vestir?

— Ah, sim. Nada de jeans. Eu pago tudo...

— De jeito nenhum! — Ela corou. — Não seria correto. Quero dizer, não se estivéssemos saindo jun­tos. Não que fizesse qualquer diferença. Não aceito um homem que paga tudo.

— Oh. Você quer dizer que é uma dessas feministas que fazem questão de dividir as despesas? E se você estivesse saindo com o patrão? Ainda insistiria na prá­tica do rachar as despesas?

— Isso seria diferente.

— Por quê?

— Sei que vai parecer que tenho regras diferentes, mas James tem muito dinheiro. Se eu estivesse saindo com ele... — estremeceu com o pensamento —... eu teria alegremente permitido que ele me desse mimos. Afinal, estou dura e ele não. Eu lhe teria pago do meu jeito.

— Por que você não me esclarece? — perguntou Rafael entre dentes.

— Eu teria feito pratos especiais para ele... Com­prado pequenas coisas que pudessem significar algo. Há formas de mostrar apreço que não podem ser ava­liadas em termos financeiros.

— E você pensa que o jardineiro não tem condições de sair gastando às vezes...

— Talvez você possa, mas por que deveria? Você mal me conhece.

— Recentemente recebi um generoso bônus do pa­trão — disse Rafael. — Me dê o gosto de pagar.

— Ok, mas sem outras implicações.

— Que tipo de implicações?

— Você sabe do que estou falando.

— Sei? Por que você não explica?

—- Você pode querer comprar uma roupa para mim por achar que eu não pareço suficientemente feminina.

— Eu disse isso?

— Bem, não, mas...

— Na verdade, eu acho você incrivelmente femini­na. Mas se você quer me enfiar em um jeans, eu vou enfiá-la numa saia.

Assim ficou acertado. Entre Long Island e Manhat­tan, ele deu um jeito de desenterrar os nomes de lojas baratas e alegres, no Soho. Decidiu enfrentar primeiro a parte dolorosa do dia. Isto o levou a renunciar a toda a resistência e experimentar uma variedade de jeans, o que parecia hilário para Amy. Depois da quinta loja e da oitava calça, ele ameaçou comprar a próxima que experimentasse, quer lhe caísse bem ou não. Amy es­colheu uma, com relutância. Ela estava se divertindo. Ele ficava completamente diferente enfiado num jeans. Mais jovem. Sexualmente perigoso, de uma forma di­reta e mundana. Deveria ter sido diferente. Ele deveria ter usado jeans a vida toda, como Amy fazia, mas gos­to não era algo a ser discutido.

Ela fazia perguntas sobre todas as coisas e todos os lugares. Rafael percebeu e achou graça. Ele era indife­rente aos encantos de Nova York.

— Alguma vez você desejou morar em Nova York, em vez da sua casinha em propriedade alheia? — Ela perguntou em certo momento, e ele pensou na mag­nífica cobertura que possuía defronte o Central Park. Sentiu uma ponta de culpa e habilmente mudou de assunto.

Era o momento de ela cumprir sua parte no acordo, e depois ele a levaria para jantar. Dessa vez, ela insistiu em pagar, satisfeita por ter trazido o cartão de crédito.

— Eu não posso levá-lo ao tipo de lugar que esta vestimenta requer... — Ela disse de forma ambígua, pois o elegante vestido pedia algum lugar sofisticado. Podia sentir os olhos se turvando enquanto caminhava para mostrar a ele como o traje caía bem.

— Qual é o problema? — perguntou Rafael, surpre­so, levantando-lhe o rosto.

— Nada. — A voz de Amy era vacilante, mas ela se aprumou e reassumiu o sorriso encantador, que não te­ria enganado nem um idiota.

— Eu acho que não há necessidade de experimentar mais nada. Nós vamos ficar com este.

— E o que está acontecendo?

Mas o breve momento de fraqueza tinha passado.

— O choque de me sentir dentro de um vestido me trouxe um súbito ataque de melancolia. Eu sempre fui o garoto da família. Minhas irmãs se vestiam como rainhas do baile logo que completavam 16 anos, en­quanto eu realmente nunca abandonei meus jeans.

— E você os continua usando para relembrar os dias em que subia nas árvores? — Rafael teve uma súbita e surpreendente percepção do íntimo de Amy. Usar o vestido lhe mostrou um mundo que, ele estava certo, ela raramente freqüentava. Ele não sabia se isso a tor­nava mais vulnerável aos encantos que o dinheiro podia comprar, o que, de fato, não lhe importava.

— Nós precisamos encontrar um lugar para trocar de roupa. Vamos terminar o dia indo a um lugar decen­te para comer.

— Tudo isso para me salvar do trauma de ter que encarar James? Todas estas coisas... — Ela falou, sem jeito.

— Coisas?

— O vestido. Agora o jantar. Espero que você não esteja pensando que...

— Que...?

Rafael se inclinou e passou a lhe dar total atenção.

Um tanto alarmada, Amy recuou e tentou colocar os pensamentos dispersos em ordem. O que ele estava pensando dela?

— Você estava dizendo...? — ele perguntou, inte­ressado. — Você não quer que pense que estou com­prando você por estar lhe dando um vestido barato e algo para comer... E você acha que não apenas sou um dinossauro sem contato com o mundo real, mas tam­bém preso ao antiquado hábito masculino de pensar que jantar implica em sexo.

— Não! Não é o que eu queria dizer!

— Não era?

Amy se refugiou num gole de café. Por que tinham vindo a uma cafeteria? Por que não a uma casa de vi­nhos, onde ela poderia ter tomado uma taça restauradora e conseguido um pouco de coragem para continuar a conversa?

— Bem, você não pode me culpar, pode? Quero di­zer, é justo que as cartas sejam postas na mesa logo no começo. Dessa forma não haverá nenhum mal-enten­dido, e uma moça precisa se proteger, você não concor­da? — ela perguntou, em pânico.

— O que faz você pensar que é meu tipo?

— Não sou seu tipo tanto quanto você não é o meu — ela disse num tom resignado —, mas não quero que haja nenhum mal-entendido.

— Qual é o seu tipo? — perguntou Rafael. — Ja­mes, eu suponho...

Naquela fração de segundo, Amy teve um momento de terrível constatação. James não era o tipo dela, mes­mo que tivesse pensado sinceramente que era, entre­tanto era o tipo de cara que geralmente lhe agradava. Todos os namorados haviam sido louros, haja Deus! Era uma piada constante na família. Como ousava este homem cínico de cabelos escuros se esgueirar para den­tro de sua vida, lhe invadir o íntimo?

— Está certo. James. Ele é o meu tipo. — Como é que ela podia sentir-se atraída por um homem que a tratava do jeito errado na maior parte do tempo, que parecia se divertir rindo dela em silêncio? — Sempre fui atraída por louros.

Rafael, ele era pecaminosamente sexy. Como pode­ria ter presumido que seria imune a isso, só porque ele não se enquadrava no padrão imposto por ela?

— Algumas pessoas são assim, não são? Eu sempre fui atraída por caras louros. — Ela tentou parecer divertida e sincera ao mesmo tempo. — Eu aposto que você é igual... Você gosta de morenas. Sim. Morenas espor­tivas que não gostam de nada além de escalar montanhas ou correr em maratonas. O tipo que acredita que ma­quiagem é um pecado contra a natureza. — Ela riu, mesmo sentindo o coração acelerado e os olhos se per­dendo no rosto de Rafael, memorizando cada linha.

— James não é conhecido por ser dono de boa re­putação no que se refere a mulheres... Isso não a abor­rece?

— Por que deveria? — disse Amy de forma negli­gente.

— Você quer dizer que está convicta de seus encan­tos...?

— Oh, bem... Eu vejo da seguinte forma: James anda com tipos padronizados. Elas são todas altas, lou­ras e parece ter saltado da capa da revista Vogue. Por­tanto ele podia ficar ofuscado por eu ser diferente... — A teoria, não que isso importasse, só lhe ocorrera agora, mas, pensando bem, fazia sentido. Decidiu ela­borar a respeito, como uma forma de retroceder da afir­mação constrangedora de que deviam pôr as cartas na mesa. Era também uma forma de fazer face à chocante descoberta de que as imagens sexy em sua mente não tinham nada a ver com James.                                      

— Quero dizer, pense a respeito... — Ela não achava já ter visto olhos escuros tão profundos como aqueles. Uma mulher podia se perder neles. Algumas pro­vavelmente haviam se perdido. Imaginou, com ciúme, como elas seriam. Amazonas alpinistas, como imagi­nara? — Ele podia ser encantado pela novidade de uma mulher sem semelhança alguma com qualquer tipo que saísse da capa de alguma revista...

Algo brotou dentro dele. James já era bem crescido e podia cuidar de si, mas Rafael sentiu um desejo se cristalizar no íntimo. Fora mandado para os Hamptons com a incumbência de tomar conta do irmão. A mãe pensara em muito mais do que apenas nisso, mas ele estava certo de que ela sentiria o mesmo que ele sentia agora. Que Amy devia ser mantida longe de James e assim permanecer. Definitivamente.

O celular vibrou e ele pediu licença, aproveitando a oportunidade para pagar a conta. Desligou o aparelho ao se aproximar dela.

— Não me diga... Seu patrão. Checando para se assegurar de que você estará de volta ao trabalho amanhã, para o caso de sua cabeça ficar transtornada por todas as coisas excitantes que acontecem em Manhattan.

— Acho que James sabe que sou um empregado leal. — disse Rafael com uma expressão firme. — De fato eu lhe disse que estávamos atrasados e ele, muito gentil­mente, nos ofereceu o apartamento da Companhia caso quiséssemos trocar de roupa antes de ir jantar... — Bem, aquele dia trouxe à tona uma faceta que nunca explorara. Trabalho, uma prioridade para ele, ficou em segundo plano, e agora estava pronto para estabelecer as bases para a sedução. A sedução de uma mulher que afirmara, categoricamente, que não o achava atraente.

Rafael começava a se dar conta de como a vida amo­rosa que experimentara fora simples. Conhecia mulhe­res com facilidade, através de amigos ou, com mais freqüência, no dia a dia do trabalho. Conhecera Elizabeth numa negociação e os interesses comuns nos assuntos da Companhia levaram a um relacionamento que transcorreu maravilhosamente durante algum tem­po. Ele nunca teve de trabalhar um relacionamento e certamente nunca teve de persuadir uma mulher a ir para a cama.

Mas o desafio oferecido pelo território desconhecido lhe provocou uma estranha excitação. Era como a sen­sação que experimentava no começo de uma nova ne­gociação, que podia dar certo ou não, mas a excitação de agora tinha o acréscimo da conquista sexual, e, por mais detestável que fosse para ele observar qualquer mulher a partir de tal ângulo, não podia evitar o impulso primitivo da adrenalina que lhe corria o copo. O conceito não sofisticado da caça associado ao instinto do homem das cavernas se revelava uma excitação ir­resistível.

— Eu acho que nós deveríamos voltar para casa. É duro abandonar a festa quando tudo foi organizado com tanto cuidado. Não especialmente para mim, claro, mas para todos nós. Não é que não lhe esteja grata por afas­tar a minha mente de... Coisas...

— Mas você está apavorada...

Amy gelou e, com as mãos nos quadris, o encarou.

— Apavorada com o quê?

Ele continuara a andar. Então se virou e se voltou para ela devagar. Até mesmo aqueles movimentos sim­ples e elegantes eram particularmente hipnóticos.

— Por usar o vestido que eu lhe dei...

De todas as coisas erradas que Rafael poderia ter dito, esta pareceu a pior. Amy gargalhou.

— Eu adoraria vestir essa roupa! — ela disse. — Eu nunca uso vestidos. Sempre uso calças compridas ou saias. Mas, acredite, não estou apavorada por me meter num vestido só porque também uso jeans!

— Não acredito em você — disse Rafael, frio como aço, uma das mãos segurando as sacolas, a outra no bolso da calça. — Você acha que ficaria deslocada num restaurante sofisticado de Nova York?

— Só porque sou uma qualquer vinda do outro lado do Atlântico? — retrucou Amy, ferida. — Não é a mes­ma coisa que o roto rir do esfarrapado?

— Oh, Nova York é meu lar. Além disso, como você mesma declarou, tenho hábitos dispendiosos, indepen­dentemente da minha profissão. Você verá que, aqui em Nova York, usar a roupa certa é um passaporte para entrar em qualquer lugar.

— Ah, e você usará realmente os jeans ou uma des­sas bermudas que está vestindo! — De maneira equi­vocada, Amy pensou que ele provavelmente o faria.

— Sem problemas. Eu comprarei algo decente.

— Simples assim! — Ela estalou os dedos e imagi­nou, não pela primeira vez, a quantidade aparentemen­te ilimitada de dinheiro que ele continuava a gastar. Ela tampouco tinha dependentes, mas, ainda assim, parecia estar sempre contando os tostões e tentando organizar as finanças por escrito.

— Simples assim — concordou Rafael. Ele nunca se preocupava com dinheiro. Ganhava grandes somas, portanto não precisava economizar de modo algum. As mulheres com que saíra, mesmo quando totalmente alheias ao contexto, também eram bastante ricas, para ele, longos debates sobre o preço de um par de sapatos eram incompreensíveis. E Rafael sempre se considerou o irmão mais realista! — Mas, antes que você rejeite minha oferta sem me ouvir, o apartamento da Compa­nhia não está sendo usado no momento. Não estou comprando você, mas está ficando tarde. Podemos muito bem pegar uma coisa aqui e você pode usar seu vestido. A menos que prefira ir embora cedo e afogar as mágoas num Cassino de mentirinha...

Ela deu de ombros e moveu a cabeça, concordando.

— Não posso acreditar nas vantagens que você tem em seu emprego — ela o provocou. — Apartamento da Companhia, casa fantástica da Companhia... E que apa­rentemente não estão ajudando muito...

Rafael riu e olhou para ela, em divertida apreciação. O sol estava atuando na pele de Amy, lhe dando um leve tom dourado, pondo mechas claras nos cabelos. Ela agora se perguntava com que freqüência ele ficava no apartamento da empresa, gracejando acerca de ela própria desejar também um apartamento "da Compa­nhia", mas talvez em algum lugar quente e ensolarado como o Caribe.

— Eu acho que fiquei no apartamento uma vez — respondeu Rafael, sinceramente —, poucos anos atrás.

— Mas você tem uma chave?

— Há um porteiro. Acredito que James telefonará para ele avisando da minha chegada.

— Uau!

Desde criança Rafael não ouvia alguém dizer "uau".

Teve vontade de rir.

— Então vamos apenas chegar lá, usamos o lugar e saímos para comer alguma coisa?

— Há sempre a opção de passar a noite — disse Ra­fael, casualmente, e pôde sentir a evidente tensão de Amy. Mais uma vez lhe veio aquela excitação primitiva. A parte civilizada reagiu contra aquele efeito, mas a ou­tra parte já se preparava para um desafio que nunca pen­sara em desejar. Onde estava aquele homem urbano, sofisticado, amante de ópera e teatro?, ele se perguntou. Foi andando para chamar um táxi, prevendo o tráfego congestionado que quase o faria desistir da idéia.

Rafael trouxe a conversa de volta à terra firme, per­cebendo que ela se acalmava, tal que, quando finalmen­te chegaram ao prédio afastado do centro, que era an­tigo e perfeitamente conservado, ela mal reagiu à idéia de que estariam juntos e sozinhos num apartamento.

Mesmo quando saíram do táxi, depois de cessarem as anedotas de Rafael sobre a vida em Nova York e de ele pagar ao motorista, ela ainda não sentia qualquer nervosismo.

Por que sentiria?, disse a si. Foi uma surpresa, mas não era um crime sentir-se atraída por ele. Voltaria a Londres em poucos dias e levaria uma agradável lem­brança. O jardineiro diferente de todos os jardineiros que conhecera. Uma nova experiência. Que ela esque­ceria no vôo, pois assim era a vida.

 

Amy podia se ouvir balbuciando. Era algo que costu­mava acontecer depois de alguns copos de vinho, quan­do ficava relaxada e expansiva, confidenciando as emoções a quem a estivesse ouvindo. Os amigos lhe diziam que isso era muito doce. Quando sóbria, ela interpretava tal fato como um traço muito irritante e aborrecedor que eles aturavam, afinal eram amigos.

Rafael Vives não era um amigo. Ela não estava cer­ta do que ele era, mas certamente não era um amigo, mesmo tendo lhe dado um vestido fantástico que lhe assentava tão bem, e que agora estivesse gastando di­nheiro para alimentá-la. Em um restaurante que parecia muito caro, embora ele houvesse assegurado de que era muito razoável e parte de uma cadeia do mesmo nível que o Pizza Hut, onde ela ia freqüentemente com os amigos depois do trabalho.

— Você precisa sair mais — ela disse, de súbito, se interrompendo com uma brusca mudança de assunto. Ficou impressionada ao ver que Rafael não piscou diante daquela atitude. Ele encheu o copo de Amy e ergueu as sobrancelhas como quem perguntava. Fez aquilo com muita gentileza, ela pensou, com apreciação embriagada. Pequena inclinação de cabeça, leve sorriso, uma insinuação na expressão atraente e diver­tida.

— Por que você diz isso?

— Bem, todo esse esforço por uma estranha? — Amy olhou ao redor. — Sei que você me disse que isto é uma espécie de cadeia fastfood barata.

— Não me recordo de ter usado as palavras "barata" ou "fastfood".

— Tecnicamente... — Amy balançou a mão para afastar a interpretação dele. — O fato é... — ela se inclinou e fez um esforço concentrado para soar séria e no controle da língua im­pertinente que tinha uma tendência em deixá-la na mão nos melhores momentos, ainda mais depois de alguns drinques. —...que você não precisava me trazer para este passeio na Big Apple... — Ela franziu a testa. — De qualquer modo, de onde vem esta expressão — A Big Apple? Coisas engraçadas, as expressões... — Apoiou o queixo na palma da mão e o fitou, pensativa. De qualquer forma, pensativa era o que ela procurava parecer, em vez de aparvalhada, que era como realmente se sentia desde que a noite se antecipou com aquele drinque em um bar sofisticado do centro de Manhattan. Ela se vestira com aquele vestido vermelho sexy e simples que parecia ter custado um milhão, e Rafael usara algo que comprara em cinco segundos antes de voltar ao apartamento. Como podia uma compra de cinco segundos produzir um resultado tão espantoso?, ela pensou depois. As calças pretas, a camisa lisa e os sapatos escuros bem pode­riam ter sido o tipo de roupa que ela acharia ridícula, sem graça em qualquer homem, mas que nele parecia fantás­tica. Então, mesmo consciente da presença dele durante todo o tempo que passaram no apartamento, aquilo não foi realmente muito ruim. O lugar era enorme, grande o suficiente para se aprontarem sem se esbarrar, o que, ela estava certa, a teria aborrecido muito mais do que a ele. Foi somente quando ela o viu enfiado no traje de gala completo que o coração disparou.

Naquele instante, ele deixou de ser o jardineiro e se transformou em outra pessoa. Amy pensou consigo que essa impressão era tola, afinal as pessoas não se modi­ficam conforme a roupa, mas, mesmo assim, ficou estupidamente emudecida e tomou o caminho mais rápi­do para o autocontrole através de um Bloody Mary forte consumido no primeiro bar, depois vinho no se­gundo e, finalmente, no restaurante.

Num minuto ela começaria a embaralhar as palavras e ninguém poderia dizer que aquela era a maneira cor­reta de uma dama se comportar. Tomou alguns goles de água mineral e respirou fundo.

— Histérica — disse Rafael, divertido.

— O que é isso?

— Esqueça. Você falava...? Sobre minha decisão de lhe mostrar um pouco de Nova York? — Estava maravilhado com tanta feminilidade numa mulher que obviamente já bebera muito, o que, no passado, ele sempre achara detestável. A alça vermelha do vestido começava a lhe escorregar do ombro delicado, apesar dos esforços que ela fazia para mantê-la no lugar, e o cabelo estava num estado que provavelmen­te ela não queria. Amy olhava para ele com uma ex­pressão muito séria. Na verdade tão séria que ele sus­peitou que ela estivesse tentando pôr os pensamentos em ordem. Ele sentia-se bem assim, esperando em silêncio, porque a concentração intensa de Amy era hipnótica.

— Sim. Certo. Por que você fez isso? Você nunca me disse.

Rafael deu de ombros.

— Por que você aceitou? Você também nunca me disse.

— Detesto a maneira como você faz isso. Respon­der a uma pergunta com outra. Isso é grosseiro. Mamãe dizia que, quando lhe perguntam alguma coisa, a edu­cação manda no mínimo responder.

— Já ouvi um bocado de coisas sobre sua mãe. Gos­taria de conhecê-la.

— Ela tem sangue irlandês e o comeria vivo.

Como ninguém tinha chegado perto de fazer isso, Rafael não pôde evitar uma risada.

— Ela o faria agora? — ele murmurou lentamente.

— Sim, ela o faria — informou Amy, enraivecida, porque de repente ele se mostrou muito arrogante e muito cheio de si para o gosto dela.

Que favor ele estava prestando ao irmão, pensou Rafael. Se James apenas soubesse! Aquela mulher podia, oh, tê-lo fisgado tão facilmente, porque, como Ra­fael percebia cada vez mais, ela estava longe de ser a loura avoada que no princípio acreditou que ela fosse. Na verdade, ela partilhava do apetite carnívoro da mãe, porque teria devorado James vivo! James, com toda a experiência no sexo oposto se tornaria maleável nas mãos de Amy se ela o tivesse agarrado, pois sob aque­le delicado exterior louro, ela era tão afiada quanto uma faca. Perto dela, as louras de James eram bonecas maleáveis. Ele não tinha experiência com variedade.

— Sinto pena de você — ele disse. — Cometer o erro de se apaixonar pelo patrão não é propriamente um crime. Estupidez sim, mas não crime. E se afundar em praias estranhas quando você se dá conta da própria estupidez não é engraçado. Manhattan parecia um an­tídoto útil.

Amy tentou analisar as palavras dele, suspeitando de que poucas eram elogiosas.

— Por que é estupidez? — ela disse, chateada con­sigo por estar diante de um homem que a considerava estúpida.

— Porque patrões raramente prestam atenção em serviçais. — Ele certamente nem imaginava como era a mulher que fazia o fornecimento, e nem mesmo sabia se era mulher.

— Oh, realmente, e você fala se baseando em uma experiência amarga, não é? — disse Amy, abafando o riso e sentindo uma oportunidade perfeita para se opor a ele. — Você tem algum vínculo com seu patrão? É por isso que vive confinado, cuidando do jardim dele, em vez de viver numa casa própria, casado, com dois filhos e cuidando do próprio jardim?

Levou alguns segundos para que as palavras de Amy penetrassem a mente, até que ele não pode evitar. Ele riu até o rosto doer, até que lágrimas lhe corressem as faces, até perceber os olhares curiosos das pessoas se pergun­tando se ele estava bem. Finalmente, quando o riso ces­sou, ele arriscou um olhar para ela e começou a rir de novo, desta vez, da fria expressão facial de Amy.

Ela o esperou acabar de rir.

— Não sei o que você acha tão engraçado — ela disse, baixando os olhos e tentando ignorar como aquela explosão de gargalhadas o fizera parecer ainda mais sexy. — É muito estranho que um homem como você ainda esteja vivendo na casa de outro, cuidando de jardins.

— Um homem como eu?

Amy sacudiu os ombros e olhou para o resto do café na xícara. Para algo simples e informal, o restaurante demonstrou ser o máximo quanto à comida, e cheio de gente que não parecia ser simples nem particularmente informal.

— Muita gente se apaixona pelo patrão — ela disse, na defensiva, porque parecia que ele podia começar outra gargalhada incontrolável. — Secretárias inescrupulosas estão sempre saindo por aí com os homens para quem trabalham!

— Você está dizendo que é inescrupulosa?

— Estou dizendo que não é uma coisa tão absurda assim uma mulher se apaixonar pelo cara para quem trabalha.

— Você não é secretária de James. — Graças a Deus, Rafael acrescentou em pensamento. Ele a ima­ginava debruçada na escrivaninha, expondo a coxa atraente um pouco além da conta, olhando para ele com todo aquele cabelo louro encaracolado caindo sobre o rosto, parecendo ao, mesmo tempo, bem menina e sen­sual. Como parecia agora. Rafael sentiu o corpo res­ponder rapidamente e se moveu na cadeira, tentando evitar uma inconveniente ereção.

— Eu percebo que — retrucou Amy — não tenho idéia do motivo de eu estar tendo essa conversa com você! Você nunca entenderia!

— Porque não sou um patrão?

— Bom, você é um patrão...

— Mas nenhum dos meus empregados é uma coisinha sexy...

Estava ele se referindo a ela como sexy? Ela bebeu, depressa, um pouco mais de água, e corou.

— Porque, se eles fossem, eu certamente ficaria atraído por algum deles. Isso é um pouco vitoriano, não é? Eu percebo que você acha que eu sou um dinossau­ro, mas, com certeza, não sou um chauvinista.

— Eu não disse que você era... Estou apenas defen­dendo meus... sentimentos por James. Sim, loucura. Sim, estupidez, como você teve a gentileza de declarar. Mas não, não tão incomum.

— Você fala dos sentimentos que tinha por James.

— Bem, na verdade isso não é da sua conta, é, Ra­fael? Nós continuamos sempre voltando ao assunto. Por que tanto interesse quanto a eu estar ou não atrás do seu patrão?

— Ele não é do seu meio.

Amy afugentou os pensamentos confusos e olhou para Rafael, chocada.

— Esta é uma forma antiquada de pensar — ela disse lentamente. — E eu acho que já é tempo de irmos, se é que temos que voltar à casa esta noite.

Ele pagou a conta, sem discutir, mas, tão logo esta­vam fora do restaurante, se voltou para ela e disse, de forma brusca:

— Desembuche.

— Eu pensei — disse Amy, sem se preocupar se passaria a impressão de que não saberia do que ele falava —, esta noite, que talvez estivesse errada a seu respeito. Eu pensei que talvez, apenas talvez, você não fosse tão arrogante e... Bem... Mas eu estava errada...

— Por lhe ter dito que você não pertencia ao ambien­te dele? — Rafael chamou um táxi e Amy deslizou para dentro. Era tarde e o tráfego estava menos intenso do que antes, quando tinham voltado ao apartamento. Ela sabia para onde eles se dirigiam agora, pelo menos porque ambos haviam deixado as roupas lá. O patrão podia ser generoso, mas não seria assim tão generoso a ponto de permitir que o empregado acampasse no luxuoso apartamento da empresa por tempo indeterminado.

— Eu não sei como é aqui — ela disse com frieza —, mas essas distinções de classe desapareceram na Inglaterra há muito tempo. — Os olhos de ambos se encontraram. Os dele, incrédulos, os dela defensivos. — Bem, mais ou menos — ela sentiu-se obrigada a reconsiderar. — Ninguém se sente preso em seu nível, como se estivesse destinado a lá permanecer por toda a eternidade!

— Por outro lado — declarou Rafael, áspero —, alguns homens ricos podem não concordar com esse ponto de vista.

— Você está dizendo, com o pouco conhecimento que tem do seu patrão, que ele é um rematado esnobe?

— Você está fazendo uma cena. — Rafael se voltou para ela, os olhos duros. — Eu não gosto de mulheres que fazem cena.

— E eu não gosto de homens que baseiam suas vi­das em padrões. Então, pronto. Somos iguais. Não gos­tamos um do outro.

— Você parece uma gatinha — murmurou Rafael entre dentes —, mas tem as garras de um gato.

Amy, que não decifrou o que ele disse, mas presumiu que devia ser um insulto, continuou a encará-lo.

— O que você disse? — ela perguntou em tom de acusação. Não estaria sendo ela mesma se fosse bancar a mocinha silenciosa enquanto ele a insultava como bem entendesse.

— Recuso-me a conversar com você até que se acalme.

— Oh, por Deus! Você está falando sério? Você não sabe que auto expressão é uma das formas mais impor­tantes de deixar o ambiente mais leve?

— De acordo com... quem?

— De acordo com todo mundo! Pegue qualquer li­vro de psicologia — ela fungou, se acalmando por um segundo — e você verá que ali está dito que um bom grito vale quanto pesa. Eu sei que você é do tipo con­tido e controlado, mas deve ter tido alguns atritos sau­dáveis e violentos com namoradas.

— Nunca — respondeu Rafael, calmo.

— Nunca?

— Não acho mulheres que gritam atraentes. De­monstra falta de controle.

— Com que tipo de mulher você sai? — perguntou Amy, incrédula. Ainda existiam mulheres do tipo forte e controlado? Por experiência própria, a maioria das mulheres eram criaturas emocionais, que não se conti­nham ao expressar sentimentos. Não se considerava fora do comum nesse aspecto, mas a julgar pela manei­ra como ele a olhava, ela o era, pelo menos aos olhos de Rafael.

— Mulheres que não ficam histéricas por pouco. — Rafael teve uma cruel sensação de prazer quando, por alguns segundos, ela rangeu os dentes em silêncio, então balançou a cabeça em aparente compreensão.

— Oh, sim, por um minuto eu tive que pensar assim porque a maioria das mulheres que conheço realmente pensa que é bom expressar sentimentos, mas agora posso ver que o tipo de mulher a que está se referindo é o das chatas. Eu conheci algumas... —Amy abafou um riso — ...sempre franzindo o rosto por trás dos óculos se você ri muito alto num lugar público, ou fazendo observações críticas sobre "a juventude de hoje".

Rafael desviou o olhar para evitar o risco de explodir em gargalhadas. Quando conseguiu controlar o impul­so, olhou para ela, impassível:

— Eu não disse que saía com velhas — ele respon­deu, sem nenhum ar de riso.

— Bem, se você não me aborrecer, não vou explo­dir! — Com que tipo de mulheres você sai e como elas são?, ela queria perguntar. E onde você as encontra?

Então lhe ocorreu. Ele as conhecia através de James, claro! Por que não pensara nisso antes? Não era de se estranhar que ele não parecesse um jardineiro qual­quer! Ele estava definitivamente um nível acima e, com aquela aparência e corpo, não teria dificuldade em atrair as jovens super ricas entediadas que provavel­mente conhecia através do patrão, ou mesmo, quem sabe, os tipos mais velhos, super ricos e entediados que podia conhecer através da mãe do patrão!

— Você se apaixona por homens inadequados. Você sobe em árvores no meio da noite. Fala exatamente o que lhe vem à cabeça e que se danem as conseqüências. Eu acho que é justo dizer que você é do tipo que explo­de sem muita provocação.

Amy gostaria de pegá-lo nesta acusação de "se apai­xonar por pessoas inadequadas". Caso as suspeitas dela se confirmassem, então, definitivamente, era o equiva­lente ao "roto rindo do esfarrapado". Infelizmente, sem provas, ela estaria na linha de fogo, mesmo porque ele já havia pensado que Amy disse a primeira coisa que veio à mente.

— Eu nem vou me defender — ela disse, com alti­vez. — Você tem as suas opiniões e tem o direito de tê-las. — Ela deu uma olhada para Rafael e teve uma súbita visão dele deitado na cama, exaurido depois do amor. Devia ser um amante apaixonado, ela estava cer­ta disso, com comportamento pré-histórico ou não. Jogou a cabeça para trás e se virou com rapidez. — Não é como se você significasse algo para mim, de qualquer forma.

O táxi estava agora em frente ao edifício do aparta­mento, o que a fez perceber duas coisas. A primeira, era que não estivera nem mesmo consciente do passar do tempo, de tão perdida que estivera naquela conversinha. A segunda, que eles ainda não tinham combinado o que ia acontecer em relação à volta aos Hamptons.

Como se lesse a mente de Amy, Rafael se virou para ela e disse, com uma das mãos na maçaneta, sem se preocupar em dourar a pílula:

— Está muito tarde para voltar para a casa agora.

Desculpe.

Amy pulou para fora do carro e contou até dez, então caminhou até ele, que ainda estava como um cavalhei­ro, pagando ao taxista sem pedir para dividir a corrida, e sorriu para Rafael de forma doce.

— Muito bem. Meus parabéns! — Ele sorriu de vol­ta e falou antes que ela tivesse uma chance.

— Do que você está falando? — Ela o seguiu até o edifício. Depois de uma longa noite fora, os pés esta­vam doendo dentro dos sapatos novos e ela os tirou, diminuindo ainda mais a própria altura.

— Você controlou o impulso de gritar — ele disse com aprovação. — Talvez, com o tempo, eu possa transformá-la numa daquelas mulheres chatas que não se entregam a qualquer tentação passageira de perder o controle.

— Bem, felizmente você não tem o tempo a seu favor — disse Amy com aspereza, — porque não pos­so pensar em nada pior. Isto é, exceto ficar nesse apartamento esta noite, o que está fora de questão.

— Não há escolha. — Rafael não olhou para ela, mas estava perfeitamente consciente da presença ao lado. Para uma pessoa tão pequenina, ela possuía uma presença notável, ele estava descobrindo.

— Claro que há escolha. — Agora eles estavam no elevador, rumo ao terceiro andar. Amy gostou. Não ti­nha a modernidade agressiva de tudo o mais que ela vira naquele dia em Manhattan.

— Sim, você está certa, claro. — O elevador parou e a porta se abriu, silenciosa.

— Estou contente por você concordar comigo. — Via-se que ela estava um pouco surpresa por ter venci­do a discussão com tanta facilidade. Ele podia não gostar de cenas, mas, de alguma forma, sem fazer ne­nhuma, parecia sempre conseguir o que queria.

— A escolha é sua. Fique aqui ou volte para a casa grande. Por sua conta. Porque, quanto a mim, não vou a lugar algum. — Ele destrancou a porta, abriu-a e en­trou no apartamento a passos largos, sem se virar. Se o tivesse feito, teria visto que ela não cruzara a soleira. De fato, Amy ficou na entrada, de boca aberta, como um peixe subitamente privado de água.

— Não posso voltar sozinha à esta hora!

— Então parece que você está presa aqui comigo.

— Não é justo.

— Para mim ou para você?

Ela trincou os dentes, muito frustrada.

— Pensei que você fosse um cavalheiro.

— É por isso que lhe estou oferecendo o quarto maior.

Amy queria muito gritar. Em vez disso, se emperti­gou e entrou no apartamento, pois não tinha outra es­colha e queria tornar a situação a melhor possível, o que significava, antes de tudo, ficar no quarto maior que ele oferecera, com um banheiro e closet.

— Eu aceito. — Ela se dirigiu ao quarto, ignorando o silêncio atônito de Rafael. Talvez ele esperasse que, movida pelo orgulho, ela fosse recusar a oferta.

— À que horas sairemos, de manhã? Ou... — ela olhou para ele por cima do ombro — ...você ficaria aqui e me mandaria voltar sozinha, só para me testar, para ver se posso corresponder ao seu tipo ideal de mulher, que nem sonharia em criar cenas sob qualquer circuns­tância?

— Quem falou em ideal? — murmurou Rafael.

— Ok. Talvez não propriamente ideal. — Amy se voltou, encarando-o. — Mas o tipo de mulher de que você gosta. O tipo com que você sai, tem um relacio­namento, apaixona-se... — Amy não sabia de onde tudo aquilo surgira. Entretanto, sabia que seria melhor se tivesse guardado para si. Levou a mão à boca e corou.

De repente, livrar James daquele destino, protegendo-o de uma exploradora em potencial, se tornou um objetivo vago num horizonte distante. Rafael ficou mo­mentaneamente desconcertado ao perder o senso de perspectiva. Era como se o chão lhe fugisse.

— Vá se deitar — ele disse de modo rude — e não. Você não terá que voltar sozinha. — Ele lhe virou as costas e Amy temeu que o comentário casual pudesse ter ido longe demais, tivesse mesmo sido uma invasão de privacidade.

Ele devia estar cheio dela, pensou, arrasada. Entrou num banho demorado para se limpar dos efeitos da noi­tada que começara tão bem e acabara mal. Mergulhada na água quente em que jogara muitos sais de banho, com a espuma ocultando as poucas partes expostas do corpo, ela fechou os olhos e reviveu cada minuto do dia e da noite que haviam passado juntos.

Aceitara que ele lhe apresentasse Manhattan e, em vez de se mostrar grata pela tentativa de distraí-la da humilhação que sofrerá com James, fora sarcástica sem necessidade. Como Rafael podia saber que o sofrimento dela não tinha nada a ver com aquilo, que a reação extrema contra ele se devia àquela atração inadequada e sem nenhuma chance de acontecer?

Amy espremeu a esponja e olhou a água escorrer entre os dedos, fazendo desenhos na superfície branca da espuma.

Pensando, ela percebeu que, quando estava com Ra­fael, ou tagarelava sobre episódios da vida nos quais provavelmente ele não estava interessado, ou sentia vontade de esganá-lo por coisas que ele não havia dito nem feito.

Como pudera responsabilizá-lo por não levá-la de volta para a casa imediatamente e contra a própria con­veniência? Ela estremeceu e mergulhou um pouco mais na água.

Mas, também, que desaforo, Amy procurava alguma justificativa para si, Rafael dizer que ela estava abaixo do nível de James!

Não ia continuar a se agredir por ter sido uma tola.

Ela relaxou se lembrando do esforço para ter êxito no trabalho que fazia, e da decepção dos pais que prefeririam que ela cursasse uma faculdade e se formasse professora, já que os próprios jamais tiveram tal oportunidade. Mas Amy resistira a todas as tentativas de ser influenciada, pensando nas provas, nas salas de aula e em crianças rebeldes, o que lhe provocava um suor frio.

Oh! O que será que Rafael enfrentou para conseguir o emprego de jardineiro?

Será que passara anos praticando sob as ordens de um jardineiro chefe? Ela achava que não.

Provavelmente, ele apenas se apresentara, tirara a camisa para mostrar a musculatura e, assim, consegui­ra o emprego.

Amy deixou a mente vagar de maneira perigosa so­bre a imagem de Rafael revelando aqueles músculos esplêndidos, mas afastou-a dos pensamentos, dando-se um tapa mental.

Infelizmente, tal ato fez com que a moral desapare­cesse como por encanto, e ela recomeçou a se recrimi­nar por reagir como uma criança mimada à bem-inten­cionada e provavelmente verdadeira observação de que ela não estava no nível de James.

Com um grunhido de impaciência consigo, Amy se enxugou e se envolveu no robe branco oferecido pela firma que cuidava do apartamento.

Não ia continuar a perder tempo, discutindo consigo a fim de se desculpar, pensou, decidindo com a típica impulsividade. Saiu do quarto e se encaminhou para a área onde ficava o outro quarto.

Pôde ver, pela luz que filtrava por baixo da porta, que ele estava de pé. Ótimo! Uma coisa era se desculpar no impulso de um momento, outra seria acordá-lo só para isso.

Amy respirou fundo e bateu à porta. Quando, depois de alguns segundos, ela o ouviu dizer para entrar, foi logo abrindo a porta antes que tivesse tempo de recuar.

Rafael estava na cama, recostado nos travesseiros, 0 laptop sobre as pernas. E vestindo apenas cuecas pretas.

Tudo bem, ela pensou. Estava ali simplesmente para esclarecer a situação e sair logo em seguida.

— Você está trabalhando?

Veio-lhe à mente que era meio estranho um jardineiro estar trabalhando num laptop quase à meia-noite, mas a dúvida foi respondida quando ele fechou o com­putador e, casualmente, lhe disse que estava apenas pondo em dia a correspondência pessoal.

Amy passou a língua pelos lábios, nervosa.

— Certo. Bem...

— Você pode entrar — disse Rafael. — Eu não mor­do. — Ele pôs o computador de lado e cruzou os braços atrás da cabeça, a fim de observar melhor o constran­gimento de Amy, parada à entrada.

O robe que ela usava se destinava a uma pessoa mui­to maior e engolia o corpo delicado.

— O que você quer? — ele perguntou, de forma brusca, saiu da cama, caminhou até a janela e se apoiou no peitoril. De alguma forma, ficar na cama enquanto ela estava ali de pé lhe dava uma sensação de... inquie­tação.

Amy respirou fundo e disse, num ímpeto:

— Eu vim para me desculpar. Por me descontrolar e criar... Bem... Uma situação deplorável, depois de tudo o que você fez por mim hoje. — Tensa, ela entrou para não ter de falar como se estivesse num palco. — Eu apareci no seu caminho e você podia simplesmente se livrar de mim me mandando de volta, mas você me ouviu tagarelar e se dispôs até a me trazer a Manhattan para eu não ter que encontrar James na noite passada. — Nesse momento, ela sentiu, que estava se enrolando.

Rafael resistiu ao impulso de dizer que o passeio não fora o maior sacrifício do mundo. Uma boa ação fora dos hábitos, é verdade, mas ele tivera razões para tal, e, do jeito que as coisas aconteceram, acabou tendo... Momen­tos inesquecíveis, apesar do anticlímax da noite.

Amy deu alguns passos vacilantes em direção a ele.

— Acho que realmente não agradeci pelo... Vesti­do... E pelo passeio... E... — Ela ficou pensando se deveria começar a enumerar todas as corridas de táxi que ele pagara, para não falar nas refeições.

Rafael ergueu a mão a fim de interrompê-la.

— Sei, sei...

— E você estava certo.

— Eu estava? A respeito de quê? — Algumas, se­guir a conversa dela era como tentar agarrar a água. E agora ela estava bem perto dele, muito perto. Rafael cerrou os dentes e fixou os olhos na boca trêmula de Amy para evitar que eles se dirigissem ao decote do robe, que revelava um pouco mais do que ela provavel­mente supunha.

— Quando você disse que eu não era do nível social do James... — Ela chegou mais perto e, impulsivamen­te pegou o braço dele. Fitou-o, tremendo, com urgên­cia desesperada de fazê-lo sentir a sinceridade.

— Não é preciso que você abra o coração... neste momento... — A boca de Rafael estava seca. Ele pigarreou.

— Eu quero — disse Amy com firmeza.

Agora as mãos dela estavam sobre os braços cruzados de Rafael, e ele sabia que estava reagindo como qualquer homem diante de uma mulher sexy, vestida com apenas um roupão grande demais, mesmo que essa mulher sexy não fizesse o tipo dele em nenhum aspecto.

— Eu não sou do meio dele. — Tentou imaginar James se encontrando com a família dela e não con­seguiu. Ele falaria com qualquer pessoa, mas só se daria com pessoas que rissem das mesmas coisas que ele e apreciassem o mesmo estilo de vida extravagan­te que ele levava. Isto não fazia dele uma pessoa má, mas alguém que fora criado num mundo completa­mente diferente do deles. — Naquela noite, eu não sei como pude ter pensado que ele estava interessado por mim. Eu conheci alguns dos seus amigos quando os estava atendendo no escritório... E as mulheres não se pareciam comigo em nada. Eram todas... Chiques... — Ela deu um risinho e se pôs a imitar uma chiquérrima socialite de Londres discutindo sobre a previsão do tempo.

Quando ela riu, o robe se abriu um pouco e ele pode ver o contorno dos seus seios, quase grunhiu alto.

— Desculpas... aceitas...

Ele tentou recuar, mas, encostado ao peitoril da ja­nela, não tinha como fazê-lo. Então permaneceu ali, excitado, assegurando-se de que ela não se aproximaria mais ainda e esperando que ela não olhasse para baixo. Estava excitado como um adolescente. Ele! O homem que controlava os prazeres, que nunca fora escravo das emoções!

— Obrigada — disse Amy com sinceridade. Do fundo do coração. Ela nunca refreava qualquer emoção que estivesse sentindo. E agora se tratava de arrepen­dimento.

Ergueu-se na ponta dos pés, afinal ele era muito mais alto, e fechou os olhos. Ela tencionava lhe dar um bei­jo no rosto. Algo caloroso, amigável e inteiramente adequado.

Em vez disso...

 

A última mulher que Rafael tocara fora Elizabeth, uma mulher alta, angulosa. Em comparação, Amy era magra e frágil como uma peça de porcelana. Rafael quase sen­tia que ela poderia quebrar caso ele fosse muito bruto.

Uma intensa onda de emoções conflitantes o envol­veu. Que diabos estava fazendo, atraindo-a para si? Beijando-a como se a vida dependesse disto? Ele não se cansava daqueles lábios macios se abrindo à pressão da avidez. Ela gemeu e o tênue autocontrole afrouxou mais um pouco. Não era nada parecido com tudo o que ele sentira antes.

Ele recuou, mas era difícil, mais difícil ainda segurá-la à distância, observá-la, apertando o roupão enorme à volta e o encarando, rosto vermelho, boca ainda trê­mula pelo impacto com a dele.

Passou os dedos nos cabelos.

— Isto não devia ter acontecido.

Amy abriu a boca para dizer que ele estava totalmen­te certo, que ela não havia entrado no quarto para ser atacada, que não adiantaria tentar botar a culpa nela! Mas, em vez disso, se ouviu dizer:

— Por que não?

Quando ela, alguma vez, poderia contar com a pró­pria boca para dizer a coisa certa? Quando?

— O que eu quero dizer... — Ela recorreu à primei­ra desculpa que lhe veio à mente — ... foi por quê? Sim... Por que o que aconteceu... aconteceu?

—- Você está certa — murmurou Rafael. — Por que não?

— Não foi isso que eu quis dizer!

— Não. — Ele se derreteu num sorriso sexy. — A verdade tem o mau hábito de nos pegar de surpresa, não é? — Qualquer dúvida que ainda houvesse, desapa­receu. Por que ele se preocupara? Por que ficara tentando achar respostas a perguntas desnecessárias? Ela resumira todo o assunto em três simples palavras: por que não?

— O que você quis dizer é que você me quer...

Amy queria desesperadamente discordar. Encarou-o num silêncio torturante enquanto a mão que a havia afastado agora começava a lhe acariciar os braços de forma preguiçosa.

— Nem tente negar — continuou Rafael. — Você não sabe mentir. — Ele lhe acariciou os cabelos e sen­tiu as madeixas louras e sedosas se enroscarem nos dedos.

— Eu não vim aqui para... Para...

— Me seduzir? — Ele deixou um dos dedos deslizar ao longo do pescoço macio, pelo "V" do roupão, que ela havia pudicamente apertado. — Como posso acre­ditar, se você vai entrando no meu quarto praticamente nua...?

Amy ficou horrorizada, com razão. Tudo o que ela precisava fazer agora era transformar o horror numa saudável raiva e se retirar. Infelizmente, o dedo de Ra­fael estava produzindo coisas e mais coisas em seu sistema nervoso. Levando-o à loucura.

— Eu não estou "praticamente nua"! — Ela apertou mais o roupão. Uma freira não poderia estar mais bem protegida! No entanto, ela estava dolorosamente ciente da nudez por baixo do traje, dos mamilos roçando o algodão áspero, ficando eretos, sensíveis. — E eu não entrei aqui...

— Eu sei. Se você fosse o tipo de mulher que entras­se no meu quarto para se oferecer com apenas um rou­pão, aí eu não ficaria interessado. Mas essa não seria você, seria? — Ele se curvou e a provocou passando a língua na boca semi-aberta. Podia tê-la possuído logo ali, tão forte era o desejo, mas controlou a ânsia. Queria ir devagar, saborear cada pedacinho de seu corpo.

— Não há necessidade de você se desculpar por... nada. — Ele lhe acariciou o pescoço e continuou a bei­já-la. Não podia se separar para falar, então murmurou na boca de Amy.

Ela sentiu todo o corpo amolecer. Aquilo era loucura completa! Impulsiva ou não, ela nunca fora tanto assim, a ponto de ir para a cama com um homem só porque o achava atraente. Sempre havia um preâmbulo. Encon­tros, a descoberta gradual das personalidades, alguma forma de relacionamento. Aquilo era totalmente dife­rente. Era primitivo, rápido e brutal no modo como a pegou desprevenida. Não era um processo delicado, progressivo. Ela não queria que ele se afastasse. Não queria nem mesmo que falasse. Só queria que ele lhe arrancasse o roupão e a arrastasse para a cama! E de­pois?, ela imaginou, trêmula. A Terra começaria a tre­mer sob os pés, tal como acontecia em canções de amor açucaradas descrevendo o beijo entre duas pessoas?

Aturdida, Amy o percebia guiando-a para a cama. Percebia também que ele estava tão excitado quanto ela. Sentiu-se estonteada. Podia perceber o quanto era evidente a virilidade de Rafael sob a cueca.

Ele se inclinou sobre ela. O cabelo claro se espalha­va no travesseiro e ela ainda se agarrava àquele roupão, como se sua vida dependesse daquilo.

— Ainda há tempo para você... mudar de idéia. — Ele buscou um último fio de civilização em si. — A porta é logo ali e eu não vou impedi-la se você decidir usá-la.

Amy olhou a porta.

— Normalmente, eu não faço... este tipo de coisa...

— Que tipo de coisa? "Coisas com homens?"

— O tipo "ir para cama com um homem depois de um dia..."

— Eu sabia que encontraríamos algum ponto em comum. Vou tirar minha roupa de baixo agora. Você quer que eu faça isso?

Amy moveu a cabeça concordando, já que as cordas vocais falhavam.

Ela observou e engoliu em seco. Não era dada a fazer comparações, mas... Rafael franziu a testa.

— Qual é o problema? — Ela ia recuar justamente agora!? Ele imaginou se uma chuveirada fria daria al­gum resultado. Enfiou-se na cama ao lado e virou o rosto de Amy em direção a si.

— Você está agarrando este roupão como se sua vida dependesse disso. Por quê? Se você me quer...

— Você é... Bem grande, não é?

Rafael olhou para ela, francamente atônito.

— Um metro e oitenta e cinco. Não me considero um gigante.

— Não. Quero dizer... Lá em baixo...

A ficha caiu e Rafael sorriu lentamente para ela.

— É isso a assusta? — Ele tirou a mão dela do rou­pão com delicadeza e a levou para baixo, até que ela, com timidez, o circundou com os dedos.

Sim, ela foi pega por um pensamento selvagem, mas também era impressionante.

— Uma simples questão de Biologia — Rafael res­pirava de forma irregular enquanto a mão dela achava o próprio ritmo e ele ficava livre para deixar as próprias mãos explorarem sob o roupão e ao longo da cintura, depois para cima, sobre os seios. À essa altura ele teve que segurar-se no autocontrole, especialmente porque o ritmo dela estava se acelerando. — Uma mulher é feita para acomodar um homem, qualquer que seja o seu tamanho. E você vai ter que parar... de fazer o que está fazendo... — ele colocou a mão sobre a dela — ...ou eu não vou ser responsável pelos meus instintos...

A respiração se estabilizou, mas levou algum tem­po e ele teve a breve sensação de estar em outra di­mensão. Uma dimensão onde a paixão mandava no intelecto e o sexo era apenas prazer, em vez de um encontro de corpos essencialmente bem-educado. Qual foi a última vez na qual teve de lutar para não perder o controle?

Ele a deitou de costas e lhe segurou as mãos sobre o travesseiro, de forma que pudesse montá-la. O roupão se abrira, revelando a perfeição dos seios.

Rafael respirou fundo. Os grandes mamilos róseos de Amy exigiam atenção. Com lentidão deliberada, ele a despiu mais ainda.

Amy se contorceu em ansiosa antecipação. Rafael a segurava, mas ela sentia-se esvair. Quase não queria que ele a largasse, mas, se não o fizesse, como poderia con­tinuar o que fazia? Beijava-lhe o pescoço até fazê-la tremer. Movia-se devagar para baixo, para poder come­çar a sugar o mamilo... E era um prazer tão agonizante que Amy só podia suspirar e se contorcer de encontro à boca decidida.

Ele colocou as mãos sob a curva da cintura de Amy, de modo tal que ela se arqueou ainda mais ao encontro dele, numa generosa entrega.

Com excitação febril, ela passou os dedos pelos cabe­los de Rafael. Em vez de fechar os olhos, preferiu olhá-lo enquanto ele explorava-lhe os seios com a boca e a língua, observando com calor crescente quando a ca­beça escura se movia, dando prazer a ambos.

Ela tentou se erguer para tocá-lo também, mas ele não deixou. Não iria deixá-la.

A língua, passando pelo ventre de Amy a fez gemer alto, e ela então fechou os olhos quando as mãos dele escorregaram por baixo das nádegas, puxando-a para cima, de forma que ela pudesse acariciar os cabelos castanhos posicionados entre as pernas.

Amy murmurou e então inalou fundo, porque agora ele não estava mais acariciando, mas explorando-a com língua e boca.

Abrir os olhos e olhar para ele se movendo sobre ela seria insuportavelmente erótico.

Mas quando a língua sedenta continuou passando pelo botão hiper sensível, ela teve de se abaixar e puxá-lo, ou arriscar o próprio orgasmo prematuro!

— Ainda não — foi tudo o que ela conseguiu dizer.

Queria tocá-lo também. Precisava! Tinha de lamber os mamilos, e então fazer a própria exploração daque­le corpo magnífico. Ele era incrivelmente musculoso. Nada de se admirar, considerando a profissão à qual se dedicava, mas ainda era uma grande atração contornar com as mãos o plano liso e duro da barriga.

Então, ela lhe deu prazer da mesma forma que ele dera a ela, lenta e calmamente. Ambos souberam quan­do o momento chegou. Nunca Rafael sentira-se tão sintonizado ao corpo de alguém. Era quase como se ela pudesse se comunicar através dos sentidos.

Ele a penetrou bem, da maneira tradicional. Haveria tempo suficiente para uma abordagem mais aventurei­ra. No exato momento... No exato momento Rafael só precisava demais dela.

Foi levado pelas necessidades do corpo e perdeu o controle da direção. Só mais tarde, quando estavam dei­tados lado a lado, um pensamento súbito lhe ocorreu.

— Nós não usamos proteção.

Amy teve de fazer um esforço para participar da con­versa séria e sensata. Tudo que ela queria era aproveitar aquela sensação maravilhosa de pleno contentamento e brincar com os cabelos dele. Como estava fazendo agora. Contra a vontade, se levantou, apoiou nos coto­velos e olhou para ele.

— Não — ela concordou. — Não usamos. Eu acho... Que as coisas aconteceram muito rápidas. Num momen­to eu estava parada à sua porta com a desculpa prepara­da, no outro, de alguma forma, estávamos na cama. Sem muita conversa profunda nesse meio tempo.

— O que pode ser um problema.

— Bem, e se eu disser que também não estava pro­tegida?

Amy não sabia o que esperar em resposta à observa­ção provocadora, mas não esperava o completo silên­cio, a expressão fechada, selada.

— Isso não é piada, Amy. Você estava ou não?

Ela pulou para trás, subitamente perturbada com a resposta; então disse a si, sem segurança, que estava sendo paranóica.

— É claro que estou protegida — ela disse com sin­ceridade. — Você não precisa se preocupar. Não apa­recerei daqui a um ano com um presente inesperado numa cesta. Não sou irresponsável a tal ponto!

— Não. Hábitos antigos custam a ir embora — dis­se Rafael, em tom igualmente franco. — Estou acostu­mado a me certificar de que uma mulher não tem se­gundas intenções...

— Que tipo de segundas intenções teria uma mu­lher? — "Com você?", ela quase acrescentou, tendo mais ou menos se convencido de que a incrível segu­rança sexual de Rafael se devia ao fato de ele ter casos com as ricas e possivelmente famosas que ficavam na casa. Bem, não era como se elas vissem nele um bom partido, não é?

— O tipo comum. — Rafael sacudiu os ombros.

— Você tem fobia de compromisso... — disse Amy. Ela não sabia por que doía pensar que ele estava pondo obstáculos no que dizia respeito a se envolver com ela, considerando que não havia chance alguma, afinal ela ia voltar para a Inglaterra em alguns dias.

E mesmo que fosse ficar, mesmo que fosse passar o resto da vida morando perto dele, como poderia supor que ele já estivesse pensando em casamento e filhos na primeira noite em que dormiram juntos?

Na verdade, nem tinham saído juntos! Pelo menos, não de verdade. Levar uma pessoa a passear por estar com pena não conta como encontro, e dormir com a pessoa porque, por acaso, há uma chama de atração física mútua não conta como amor.

Ela pensou de onde aquela palavra viera e franziu a testa.

— Eu não diria que tenho fobia do assunto — inter­veio Rafael. — Por que você está tão preocupada? Ser cuidadoso faz parte da minha natureza.

— Eu estou parecendo preocupada? — Amy riu abertamente. — Esse riso parece preocupado para você? — Pronto, assim estava melhor! Ela estava ali, eles haviam acabado de fazer amor de forma fabulosa e tudo nela queria continuar a se divertir enquanto pu­desse com aquele homem.

— Eu a magoei?

— Me magoou? Como?

— Por querer ter certeza de que você usou algum contraceptivo.

— Não. Não, você não me magoou. E por que ma­goaria? — Amy olhou para ele, séria. — Eu estaria muito preocupada se tivéssemos feito sexo sem qual­quer proteção. Os homens sempre pensam que serão os mais prejudicados caso uma mulher com quem dormi­ram fica grávida. Eles nunca param para pensar que a mulher provavelmente ficaria numa situação muito mais difícil! Você pergunta a todas as mulheres com quem dorme se elas estão tomando pílula?

— Não, porque geralmente lido com a coisa eu mesmo — Rafael começou a pensar em como a conversa conseguira se prolongar tanto. Como sempre, Amy es­tava divagando e, de alguma forma, o arrastando com ela.

— O que você quer dizer?

— O que você acha? — Ele se inclinou para lhe beijar a boca e ela se esquivou, de modo que pudesse lhe dirigir um olhar sério.

Ok. Entendi. Mas por que você tem tanto medo de compromisso? Rafael rugiu:

— Vamos passar o resto da noite conversando? — ele perguntou. — Porque eu posso pensar em coisas melho­res para fazermos. — Ele a olhou de um jeito quente, ameaçador, que fez a pulsação de Amy disparar.

— Como o quê? — perguntou Amy, inocente, se movendo um pouco mais para perto, de forma a encai­xar o corpo contra o dele.

— Eu acho que você sabe...

Ela sabia e, desta vez, eles fizeram amor languidamente, um explorando o corpo do outro, enquanto o tempo passava, a noite virando dia e, finalmente, com­pletamente saciados, adormeceram abraçados. Amy acordou e encontrou o lugar onde o Rafael deveria es­tar vazio. Imediatamente, pensou na conversa sobre compromisso que havia sido abandonada no entorpecimento do amor. Ela se perguntou se ele tinha ficado com medo e desaparecido, de volta à segurança da casa de jardineiro.

Mas não tinha.

Ele entrou usando apenas as cuecas e trazendo uma bandeja com pães, geléias e canecas de cappuccino es­pumante que comprara no Café mais próximo.

— Você devia ter me acordado! —Amy sentou-se e Rafael observava enquanto os deliciosos seios apare­ciam por baixo do edredom. Na deixa, ele endureceu imediatamente, em resposta. — Você parece tão em paz. — Colocou a bandeja na cama, ao lado dela, e se sentou. — Agora, antes de comermos qualquer coisa...

Ele abriu um pequeno pote de geléia e colocou os dedos dentro, aí cobriu os mamilos de Amy enquanto ela ria, prendendo a respiração. Então ele começou a sugar o doce pegajoso. Fez um bom trabalho: lambeu até os mamilos brilharem, e tudo dentro dela derreter e Amy pedir mais.

— Pronto — disse Rafael. Ele riu quando ela usou uma voz suplicante e disse, com extrema feminilidade:

— Por favor, senhor posso ter um pouco mais...?

— Acho que vai ser possível daqui a pouco. Agora, café, pães. Nós, nova-iorquinos somos muito bons em matéria de pães. Fazemos os melhores do mundo. — Ele partiu um pedaço e deu a ela na boca. Isto, para ele, era como estar de férias. Fizera algumas ligações de trabalho no caminho do Café e checara os e-mails antes de ela acordar, mas, fora isso, o trabalho estava fora do alcance. E ali estava ele, dando pão a uma mulher, de um modo que qualquer observador imparcial teria con­siderado um gesto romântico. Apesar de romance nun­ca ter sido coisa dele. Uma noite junto a uma mulher sempre envolvia sair bem cedo para o trabalho depois de um beijo automático no rosto da parceira adormeci­da, se de fato ela ainda estivesse adormecida. Normalmente, já estaria acordada e também pronta para sair. E, se fosse num final de semana, acordaria um pouco mais tarde, mas a rotina o levaria a ler o jornal e a che­car a bolsa de valores, depois de comer algo rapidamen­te. E a comidinha rápida nunca teria sido na cama!

— Oh, qualquer lojinha por aí pode vender um pão que não seja muito ruim — implicou Amy, na verdade constatando que nunca havia comido nada tão delicio­so —, e qualquer pessoa pode ir comprá-lo. O teste real é se um homem pode fazer o pão ele mesmo!

— Oh. Você está dizendo que homem de verdade faz pão!

— Exatamente! — Oh, mas isso era delicioso! O bate-papo. A camaradagem fácil. Aquela sensação estra­nha de que ela podia confiar naquele homem até o fim.

Não que fosse ter a chance, afinal estava deixando o país logo, logo.

— Bem, isso resolve qualquer dúvida que eu possa ter sobre o meu sexo — retrucou Rafael sem pestanejar. — Sou um camundongo.

Amy riu e imaginou como alguém podia se afinar tão bem com o particular senso de humor dela! E, mais tarde, admirou-se de que um homem pudesse ter tanta força física e que, ao mesmo tempo, pensou, pudesse excitá-la com tanta rapidez, tão completamente e com tanta freqüência, a ponto de fazê-la pensar que nunca iria se saciar dele!

Claro, ficou cautelosa no dia seguinte enquanto eles exploravam recantos ocultos ao longo da costa. Era apenas um romance de férias. De fato, nem mesmo um romance de verdade. Mais um caso. Um caso sem cul­pa e sem consciência.

Realmente, enquanto jantavam à moda dela, o que significava "jeans" para ele, numa pizzaria que servia as maiores pizzas que Amy já vira, ela disse a si mesma que era melhor mesmo que aquela breve ligação esti­vesse destinada a ser breve, porque isso afastava todas aquelas tolas idéias românticas do gênero "viveram felizes para sempre".

Podia apenas aproveitar a companhia dele sem que­rer mais. Querer mais era chato, decidiu. Quanto mais você idealizava, maior a chance de perder o presente. E o presente, dois dias mais tarde, foi mais uma ida a Manhattan, ainda mais fantástica do que a primeira porque, dessa vez, eles eram amantes. Sem brigas, sem irritações, apenas a coisa brega de dar as mãos e buscar saber mais um do outro. E, mais uma vez, ele conseguiu o apartamento de James emprestado, o que era muito prático mesmo.

Foi só quando o dia da partida começou a se aproxi­mar que algumas verdades começaram a aparecer por baixo da cômoda camada de auto-afirmações.

A primeira auto-afirmação a cair era a de que o que ela sentia era superficial. Não era.

A segunda era que partir seria uma bênção porque eli­minaria sonhos infundados. Não era e não eliminava.

E depois, havia a questão de só aproveitar o momento. Quando o penúltimo dia já estava por terminar, ela percebeu que não podia apenas aproveitar o momento, sabendo que não haveria mais momentos pela frente.

Ela se alimentara com coisas incríveis e agora, olhando a estrada para um futuro de mediocridades, percebia que era insaciável. Queria mais.

Ele cozinhara para ela. Na casa dele. Nada compli­cado, mas Amy teve a impressão de que era algo que ele raramente fazia, o que tornou a coisa especial. Tam­bém a fez imaginar que podia haver uma pequena chan­ce de ela significar algo para ele.

Não deixou de perceber que, naqueles dias, ele nun­ca, nem uma vez, nem mesmo no calor do momento, quando os homens supostamente diziam todo tipo de coisas impensadas, falou sobre um futuro para eles. Ela não estava pedindo para ele trazer a agenda e marcar uma data para dali a dois meses. Não estava pedindo para começar a vender as posses e gastar o dinheiro em vôos através do Atlântico. Por outro lado, Rafael não tinha mencionado nem uma vez a menor possibilidade de que algum dia pudesse visitar Londres.

Mesmo após Amy ter falado exaustivamente das coi­sas maravilhosas que havia lá e de todos os lugares fabulosos para visitar. Todos os pontos históricos, al­guns dos quais ela inventou, já que o conhecimento de História era um tanto limitado.

— Você nunca... Hum... — Amy tentou uma abor­dagem casual — ...teve vontade de deixar este lugar?

— "Este lugar" é...? — Rafael sabia aonde a con­versa estava indo. Bem, mais cedo ou mais tarde ia acontecer, porque, não importava o quanto ela fosse diferente das mulheres que ele havia conhecido, não o era a ponto de ser imune ao mesmo desejo de construir um relacionamento estável.

E a conversa estava por acontecer a qualquer mo­mento como aquele, quando eles haviam acabado de fazer amor e aproveitavam o calor prazeroso após o ato. Ele se virou para olhá-la e ela se ajeitou de modo que pudesse continuar deitada na curva do seu braço forte, podendo assim ver o rosto de Rafael. Queria buscar pistas, apesar de ter certeza de que não as encontraria.

— Esta casa. Quero dizer, é uma casa muito agra­dável, mas... Você nunca pensa em jardinar em algum outro lugar? Afinal, o mundo é cheio de jardins grandes e desafiadores.

— Este jardim e bem grande.

— Eu sei que é grande, Rafael, mas você deve tê-lo na palma da mão. As árvores, as plantas, as roseiras...

— Você parece obcecada com as roseiras. — Ele acariciou-lhe o cabelo, que cheirava a xampu e sol. Tinha de admitir que ela era uma coisinha graciosa. Era muito fácil implicar com ela. Por quê? Ele supunha que tivesse a ver com a falta de seriedade em Amy. Teve que admitir, com culpa, que havia algo estimulante no fato de ela ter uma natureza tão irreverente. Mas não, ele disse a si, ela era uma novidade e as novidades desaparecem. As mulheres de que ele precisava e queria eram as Elizabeths deste mundo, competitivas como ele, compreensivas em relação às longas horas de trabalho, assim como ele era em relação às delas, tão in­teressadas quanto ele na bolsa de valores. E, de qual­quer modo, ele se lembrou que só se envolvera com Amy porque ela podia significar uma ameaça ao James, a quem ele protegia muito.

Lembrou-se vagamente de um plano ou outro de afastá-la de qualquer idéia que pudesse ter de retomar o interesse pelo irmão quando eles voltassem à rotina na Inglaterra. Agora, enquanto ela olhava para ele, Ra­fael recordou todos aqueles pensamentos saudáveis.

Porque ele não tinha, de modo algum, qualquer in­tenção de levá-la de volta aos jardins.

Tirara férias, se afastara da rotina e, sim, tinha se divertido, mas estava na hora de voltar à vida normal, ordenada, dinâmica.

Comunicar-se com o escritório por e-mail e telefone era bom, mas aquilo tinha de terminar. Assim como aquele caso agradável, porém passageiro.

— Você não tem vontade de... ver o mundo?

— Talvez, se eu não pensasse que o familiar é tão importante quanto o desconhecido.

— Você está fazendo isso de propósito, não está?

— Fazendo o quê? — Ele colocou os quadris entre os dela e começou a se mexer lentamente para frente e para trás. Ela respirou fundo e semicerrou os olhos.

— Não. Não faça. — Amy se desvencilhou das carícias eróticas e colocou as pernas firmemente sobre as dele. — Eu quero conversar, Rafael. E não quero você me confundindo. Você é inteligente com as palavras, mas eu não o quero inteligente, quero honesto. Você percebe que eu vou embora amanhã? Esta é a última noite que vamos passar juntos e... — ela suspirou e disse rapidamente — ...eu prometi a mim que não ia lhe perguntar nada disso, mas aí vai... O que vai acon­tecer com a gente? Não estou pedindo compromisso, Rafael, mas nós teremos algum tipo, qualquer tipo de futuro, mesmo que curto? Obviamente, você tem res­ponsabilidades aqui... As roseiras... — Ela tentou uma piada leve, mas já podia senti-lo recuar.

— Ok. Esqueça o que eu disse — ela sussurrou, se afastando.

— Não. — Rafael suspirou e teve um gesto que a fez sentir como se tivesse levado uma martelada, e mostrou o quanto ela fora ridícula por começar a ter aquelas idéias malucas chamadas esperanças e sonhos.

Ele saiu da cama.

— Nós nos divertimos bastante nos últimos dias e você quer conversar, então conversaremos. Mas eu não acho que a cama seja o melhor lugar para isso.

— Eu não quero conversar — disse Amy, desolada.

Ele não respondeu. Começou a se vestir. Só o rou­pão, mas era como se fosse um terno, considerando a distância que subitamente se estabeleceu entre eles.

Amy se moveu para fazer o mesmo. O fato de ele ter desaparecido no banheiro ajudou. Aquele lugar testemunhara muitos banhos juntos. Bem depressa, ela pôs as roupas, e estava totalmente vestida quando ele retornou.

— Café? — ele perguntou. "Está acabado", foi assim que ela ouviu.

— Ok.

Ela observou em silêncio enquanto ele fez café para os dois. Em apenas alguns dias, parecia ter se acostu­mado ao jeito dele, à forma como se apoiava no balcão da cozinha enquanto esperava a água da chaleira ferver, ao modo como franzia a testa e passava a mão pelos cabelos antes de dizer algo que considerava importan­te, à maneira como coçava a nuca quando estava can­sado. Esta era uma percepção horrível, porque mostra­va o quanto ele a havia afetado.

— Você quer saber aonde isso vai nos levar. É o que estas perguntas todas, "você não deseja viajar e ver o mundo?", estão insinuando. — Ela sentara-se à mesa da cozinha e Rafael agora virava a cadeira, sentando-se atravessado, de forma a encará-la diretamente. Ela po­dia ver aquele olhar, aquele olhar de "eu estou prestes a terminar com você gentilmente". Coitada de Amy. Estava na hora da conversa da despedida.

— Oh, pelo amor de Deus, Rafael. Não há necessi­dade de tanta encenação — Ela ia acabar de tomar o café rapidamente enquanto fazia o próprio discurso. — Eu não estava tentando organizar um encontro na Inglaterra!

— Não? Então o que quis dizer com o "qualquer tipo de futuro, mesmo que seja curto"?

— Oh. — Amy sacudiu os ombros. — Eu imagino que seria o que qualquer pessoa diria no meu lugar. Não significa que eu esteja ouvindo os sinos da igreja. Que­ro dizer, foi divertido, mas, conforme estabelecemos desde o primeiro dia, não somos almas gêmeas, não é? — Ela riu para enfatizar a tolice da idéia. — Mas, olhe, eu estava pensando que a gente podia manter contato por e-mail... Você poderia aparecer algum dia se tives­se um desejo de conhecer os Kew Gardens e ver como nós ingleses fazemos jardinagem. Para ser honesta — ela sentiu-se encorajada a continuar — eu só estava sendo educada. Eu não pretendia começar um inciden­te internacional. Mas, conforme já sabemos, você leva a vida a sério demais, então eu devia saber como você iria reagir!

Rafael nada disse. Ela antecipara o que ele pretendia dizer. E isso era bom. Eles se entendiam. Não haveria nenhuma necessidade de ela ser arrancada dele quando estivesse na hora de partir. Bom! Não podia ser melhor.

Ele percebeu que Amy estava se movimentando, di­zendo algo a respeito de ir embora.

— Já? — Ele levantou as sobrancelhas, surpreso, já que a última noite se reduzira a poucos minutos. Uma avalanche parecia se formar dentro dele, e Rafael a soterrou ainda mais rápido.

— Está tarde, Rafael.

— Você teria ficado se eu tivesse decidido que terí­amos qualquer tipo de futuro, ainda que curto?

— Eu não acabei de fazer as malas. E realmente gostaria de estar de volta para pegar pelo menos parte das festividades de despedida. James está planejando fogos de artifício.

— Você poderia vê-los daqui.

Isto era tentador. Sentar-se do lado de fora com ele, abraçados. Tentador, mas sem sentido. Ela precisava ir embora o mais rápido possível.

— Eu poderia, mas não vou. — Ela suspirou e se moveu na direção dele, só mais um abraço, só mais uma coisa para a caixinha de lembranças. Ela colocou os braços à volta dele. De sapato baixo, só lhe alcançava os ombros. Ele meteu a cabeça nos cabelos dela e aper­tou-a. Para o próprio horror, ele queria implorar a ela que não fosse, que passasse a noite. Bem delicadamente, afastou-a e puxou com firmeza as rédeas dos pensa­mentos galopantes.

— Tudo bem.

A garganta de Amy começou a doer pelo esforço de segurar as lágrimas.

— Eu vou levá-la de volta.

— Não! Por favor, não. Eu... — Ela se virou e co­meçou a andar para a porta da frente. — Eu sei o cami­nho de volta. Sei todos os atalhos! E o ar fresco vai ser agradável. — Ela segurou a maçaneta e olhou para ele uma última vez. — Foi divertido, Rafael. Tome conta daquelas roseiras. Você sabe que eu sou obcecada por elas.

Rafael estava começando a se arrepender seriamen­te por não ter feito sons de concordância sobre o "qual­quer tipo de um futuro, ainda que curto" que ela mencionara. Mas era tarde demais. Ele não podia recuperar a situação sem parecer fraco. Observou-a olhar à volta para ver se havia se esquecido de alguma coisa, aí ele a viu caminhar porta afora, e para fora de sua vida para sempre.

Missão cumprida, ele disse a si. Não havia a menor chance de ela olhar para James uma segunda vez. Ele a conhecia o suficiente para saber que seria tão hones­ta consigo quanto possível e que tal honestidade a for­çaria a admitir que, com base no que eles tinham vivi­do, qualquer coisa que Amy pudesse ter sentido por James havia sido uma ilusão.

Nesse meio tempo ele passara ótimos momentos. O que mais podia querer?

 

Amy nunca tivera dificuldade em aprender lições de vida. Do relacionamento com Freddie, aprendeu a evi­tar homens que colocam a ambição acima de tudo. Ho­mens como esses usam as pessoas, inclusive as mulhe­res, como degraus para chegar onde querem. E com James, a paixão impossível, aprendeu que homens ri­cos gostavam de mulheres que se moldavam ao estilo de vida deles. Não queriam o desafio de uma mulher que pensava que férias a cada três semanas eram perda de tempo, ou cujas idéias se chocavam com a extrava­gância de pessoas que tinham casas pelo mundo afora sem utilizar nem a metade delas.

Ela sabia disso porque, no vôo de volta a Londres, acabou sentada ao lado de James. Pela primeira vez passou mais de dez minutos conversando com ele. Ele fora tão doce e charmoso quanto Amy havia imaginado, fazendo as perguntas certas, tentando fazê-la revelar como havia passado o tempo nos Hamptons, pois não a vira muito nos eventos.

E ela se mostrou determinada a evitar mencionar Rafael. Ok, não ia fazer diferença, mas, ainda assim parecia uma invasão da privacidade. Não queria dividir aqueles momentos com mais ninguém, menos ainda com James. Não sabia como ele reagiria ao fato de o jardineiro ter tido um caso com uma convidada, e não queria ser responsável pela demissão de alguém.

Ele, por fim, desistiu das perguntas, e Amy não teve dificuldade alguma em fazê-lo falar sobre si. James gostava de falar de si e era muito bom nisso. Ele envol­via o ouvinte. De fato, era fácil se esquecer de que 95% da conversa, se você analisasse, era sobre ele. O que fazia, os lugares onde estivera, o que vira, e claro, o que ele pensava... bem, a respeito de tudo. Ler nas entreli­nhas não requereu muito esforço. Ao final de mais ou menos sete horas, Amy tinha uma boa idéia do que interessava a James e do que não ia além dos limites da própria vida dourada.

Com Rafael era diferente... Amy havia aperfeiçoado uma técnica quando se tratava de pensar em Rafael. Desviava o pensamento para algu­ma outra coisa. E, com certeza, estava funcionando.

Agora, pensava no ponto a que chegara em dois me­ses. Dois longos meses durante os quais prestara aten­ção em que aquelas experiências ensinaram, e em como haviam mudado totalmente em sua vida.

A primeira coisa que fez foi parar de trabalhar para James. Não por não querer vê-lo. Bem, francamente, ela não se importava mais se o via ou não. O que não queria era se lembrar de Rafael, e James era uma liga­ção com Rafael. Não confiava em si. Sabia que acabaria perguntando, assim como quem não quer nada, como estava aquele jardineiro... O orgulho dela nunca teria se recuperado caso tivesse se enveredado por aquele caminho, porque uma coisa tinha percebido bem rápido: ela não significara coisa alguma para Rafael. Amy morria de vergonha quando se lembrava do modo como perguntara a ele sobre um possível fu­turo.

Disse a si que devia ser fácil esquecê-lo por causa do jeito indiferente como ele a descartara depois dos dias mais maravilhosos que vivera, mas o coração lu­tava contra a mente. Apesar de tudo, a mudança radical havia ajudado. Ela não só deixara o emprego, como também volta­ra à escola, para se especializar. Jamais teria o tipo "o céu é o limite" do Freddie, desejando ser uma cele­bridade culinária, mas isso não significava que ela de­via permanecer à sombra, fazendo um trabalho inferior para empresas, sabendo que podia ir mais longe. Um novo e positivo começo, ela disse a si. A mãe a ajudava financeiramente e Amy comple­mentava o orçamento, trabalhando em eventos esporá­dicos de amigos de amigos de amigos, pessoas que queriam experimentar algumas novidades culinárias. Não ficou muito surpresa ao receber o telefonema de uma mulher, a quem fora recomendada, perguntan­do se Amy podia fazer algo no final de semana para o patrão dela, que ia dar uma festinha particular na casa dele, em Londres.

— Ele não vem aqui com freqüência — ela disse, — e você será bem paga caso aceite o trabalho. — Ela mencionou uma quantia que fez Amy engasgar.

— Bem... Acho que sim... O endereço...? E o nome...?

— Lee. Senhor Lee.

Mas não o James, claro. Ele a teria chamado direta­mente, se quisesse os seus serviços, e a discrição pro­fissional a impedia de pedir mais detalhes.

Ela anotou o endereço, satisfeita por ter sido infor­mada de que poderia cozinhar o que quisesse, e ime­diatamente se esqueceu da coincidência do nome, até, cinco dias mais tarde, quanto estava parada em frente a uma mansão georgiana. Claire, que ainda trabalhava para a Companhia de James, se oferecera para ajudá-la, mas Amy recusara. Era uma refeição pequena, só para quatro pessoas, algo que ela podia fazer sozinha e de olhos fechados.

Não gostava de ir sozinha a um lugar desconhecido, mas não queria aturar a tagarelice de Claire, que a dei­xava exausta.

Ela tocou a campainha. Enquanto inspecionava as bolsas de provisões, fazendo uma checagem mental para se certificar de que não havia se esquecido de nada, a porta foi aberta Ela não olhou para cima, mas não o fez imediatamente. Estava muito ocupada fechando o zíper da bolsa térmica que continha todos os ingredientes re­frigerados dos quais ia precisar para a sobremesa.

Então, a primeira coisa que viu foram os sapatos marrons. Bem engraxados. Muito bem feitos. Muito caros. De fato, o que se esperaria ver à porta de uma imaculada casa Georgiana num dos melhores bairros de Londres.

Amy se empertigou com elegância. Ela descobrira que pessoas ricas queriam resultados. Pagavam e espe­ravam que a comida deliciosa aparecesse como por encanto. Não gostavam de envolvimento com os bas­tidores.

A mão dela já se estendia, quando a surpresa a para­lisou e Amy quase perdeu o equilíbrio. Teve de piscar, pois estava certa de que a mente estava lhe pregando uma peça.

Ele não podia estar ali! Parado bem à frente! Parado nos degraus de uma casa que devia ter custado mi­lhões!

— Oi, Amy. Acho que você pensou que nunca mais nos encontraríamos...?

— Rafael?

— Entre. Você parece estar a ponto de desmaiar na calçada.

Amy mal o notou levando para dentro tudo o que ela trouxera, conduzindo-a pelo magnífico hall da entrada com lajotas brancas e pretas, até a cozinha, que era suntuosa, um milagre de equipamento tecnológico. O tipo de cozinha que todos os cozinheiros sonhavam possuir um dia.

Ela se sentiu como se a cabeça estivesse oca.

— Você deve estar querendo saber que diabos está acontecendo... — Rafael sentou-a numa das cadeiras. Era de couro. Couro preto para combinar com a banca­da de granito e a brilhante superfície da mesa. Tudo brilhava por falta de uso.

— O que diabos está acontecendo? — repetiu Amy.

— Você quer alguma coisa para beber?

— Não! Eu quero saber o que está acontecendo! — Ela não pôde se segurar. O coração disparou. Ela se lembrava de cada pedacinho dele, mas, de alguma for­ma, se esquecera do impacto que ele lhe causava. — Me disseram... A mulher me disse... Que você era um sr. Lee... Eu pensei...

— James é meu irmão. Eu usei o sobrenome dele para você não saber que estava cozinhando para mim.

— O quê? — Amy ergueu a cabeça de repente e olhou para o Rafael, totalmente confusa. — Do que você está falando?

Os dois últimos meses não tinham sido bons para Rafael. Ele descartara a ligação com ela considerando tudo agradável, porém passageiro, que viera apenas para ajudar a seguir o rumo após a separação de Elizabeth. Mas a lembrança de Amy lhe ficara na mente, vibrando até que todos os aspectos da vida foram sutis, porém claramente afetados. Ele se surpreendia olhando para o vazio, quando deveria estar olhando para o com­putador; pensando nela, quando a cabeça deveria estar cheia de relatórios e contratos. Teve de conter o desejo de ligar para o irmão e perguntar o que ela estava fazendo, até que não pôde mais se conter. Aí descobriu que ela havia deixado a empresa e, logo que percebeu que não a veria mais, tomou uma decisão. Nada o impedia de ir à Inglaterra. Não precisava dar explicações a ninguém. E não questionara os motivos que o impeliam a pro­curá-la. Na cabeça dele, o motivo era simples. O rela­cionamento, o caso, o affair, o que quer que fosse, não havia chegado ao fim. E não havia nada mais inconve­niente do que negócios inacabados.

Ele havia começado algo que precisava ser concluído, e tinha bastante certeza de que ela iria sentir o mesmo. No entanto, ele não previu a reação que provocaria em Amy, mas estava começando a perceber que alegria e êxtase não estavam incluídos.

— Meu meio-irmão, quero dizer.

— Mas você é o jardineiro dele... — disse Amy, confusa.

— O que eu sei sobre jardins caberia num selo de correio — admitiu Rafael.

— Você quer dizer que mentiu para mim? — Rafael corou. — Por quê? Por quê? Por que você faria isso?

— Se você se acalmar e me deixar falar, talvez eu consiga explicar.

— Você quer que eu me acalme? Eu não me sinto calma! Você mentiu para mim e agora você está aqui. Para quê?

Rafael se afastou do balcão e abriu um dos armários para pegar duas taças, nas quais despejou doses de co­nhaque.

— Quer beber?

— Eu não quero beber! Quero saber o que você está fazendo aqui! E por que mentiu para mim! E, por favor, não faça nenhum discurso sobre detestar mulheres his­téricas. Eu estou histérica!

Mas ela tomou o copo com mãos trêmulas e bebeu alguns goles, o que a acalmou de forma instantânea.

Ele puxou uma cadeira e sentou-se diante dela. Amy estava a ponto de desmaiar.

— Você não pode ser irmão de James. Você não se parece nada com ele.

— Meio-irmão — suspirou Rafael. — Temos a mesma mãe, mas meu pai era espanhol, daí a minha cor.

— Eu não entendo. Por que você estava fingindo ser o jardineiro?

— É uma história longa, mas... — Ele explicou. Se ele estava esperando entendimento gradual seguido de compreensão, estava muito enganado. O entendimento gradual acontecia, sem dúvida, mas foi seguido de um crescente olhar de horror.

— Então... — Amy tinha terminado a taça de brandy. Ela imaginou que o pedido por uma cozinheira tinha sido tão falso quanto um cavalo com chifres. Tão falso quanto... a identidade dele. Noite após noite, deitada na cama, fantasiava sobre aquele homem, criando sonhos nos quais ele acabava declarando eterno amor, sonhos nos quais eles passavam o resto da vida num conto de fadas, criando um próspero centro de cultivo de flores no campo. Ela sentiu uma onda de ressentimento por ter sido feita de tola, e se perguntou se ele e James te­riam rido dela pelas costas.

— Deixe-me ver se entendi. Você tinha que espio­nar o seu irmão...

— Ficar de olho... E meio-irmão.

— E, na incumbência, você me encontrou e pensou em fingir que era outra pessoa... Porque... Bem, por que você faria isso? — A revelação a atingiu como uma martelada.

— Eu lhe contei sobre o James, não contei?

— Não comece a tirar conclusões precipitadas...

— Eu mencionei o James por acaso... De fato, se me lembro bem, abri meu coração e confessei que es­tava apaixonada pelo patrão, o seu irmão!

Rafael rangeu os dentes, frustrado, ao se dar conta do que ela estava pensando.

— Foi aí que você decidiu que podia ser uma boa idéia não revelar sua identidade? — Ela interpretou o silêncio dele, corretamente, como consentimento.

Amy havia pensado que nada poderia doer mais do que tê-lo deixado para trás. Mas estava enganada. Doía muito, muito mais saber que havia sido usada.

— Estou certa, não estou? — ela disse baixinho. — Você achou que podia obter informações sobre mim se fingisse ser um simples jardineiro. Afinal, a simples prestadora de serviços confiaria mais facilmente em alguém do mesmo nível.

— É claro que fiquei interessado quando você me disse como se sentia quanto ao James. Você acha que teria sido normal se eu não ficasse?

— Interessado demais para me dizer que era irmão dele... Oh, desculpe, meio-irmão, não que isso faça di­ferença! Não é de surpreender que você soubesse tanto sobre o James. Não é de surpreender que você se sen­tisse à vontade para me dizer que ele estava fora do meu alcance!

— Eu disse aquilo para lhe abrir os olhos. James... É previsível na escolha de mulheres.

— Oh... Então você estava me protegendo!

Rafael passou as mãos pelos cabelos e fechou a cara.

Aquela era a mulher que estava tumultuando a vida ordenada dele, lhe arruinando a concentração, fazendo sua cabeça rodar. Ele havia feito o impensável, viera a Londres atrás dela, e o que encontrou? Uma megera escandalosa que não estava preparada para ouvi-lo!

Megera escandalosa que agora despejava sobre ele tudo que lhe vinha à cabeça.

— Oh, eu acho que não! Você pensou que eu estava atrás do dinheiro dele, não é? Você achou que podia ser uma boa idéia me sondar, descobrir qual era o meu jogo... Tudo está ficando claro agora.

Vendo aquela fúria que a fizera ficar vermelha, Ra­fael não conseguia tirar os olhos dela, nem reprimir o desejo de fazê-la calar com um beijo. Levantou-se bruscamente para pegar mais uma bebida. Não conha­que. Nada que subisse como fogo à cabeça. Vinho. Um copo de vinho tinto.

Ele encheu sua taça e se apoiou no balcão. Não es­perava que ela viesse como um furacão ao encontro dele. Nem pensou que ela teria a capacidade de lhe arrancar a taça e jogar tudo na pia enquanto dizia que, de jeito nenhum ele iria ignorar o que ela tinha a dizer ficando bêbado.

Então Amy ficou parada à frente dele, mãos nos qua­dris, incitando-o a desafiá-la.

Rafael, que não tinha a menor experiência com mu­lheres enraivecidas, instintivamente soube que era me­lhor não aceitar o desafio.

— Agora eu sei por que você foi tão horrível para mim de início. Você é uma pessoa horrorosa! Até você decidir que seria melhor ser só um pouquinho mais agradável... Porque, se você quer saber, ser horroroso não é mesmo a melhor maneira de obtê-la!

— Eu fui horroroso porque tive que salvar você de uma árvore no meio da noite — devolveu Rafael, ra­cionalmente.

— E então todas aquelas vezes que eu o peguei na frente do computador... Sabia que eu realmente acreditei quando você disse que estava checando seus e-mails pessoais? — Ela riu, espantada com a própria idiotice. — Vamos ver... Administrando um império. Checando e-mails pessoais... Hum... Não faz muita diferença, faz?

— Oh, pelo amor de Deus... — Ele a encarou, desa­pontado. — Vamos nos sentar e discutir como adultos...

— Ah, esqueci! — Amy esboçou um irônico sorriso açucarado. — Você detesta mulheres que gritam! Não é adulto ou civilizado se enfurecer e gritar mesmo quando você descobre que o homem que você... — num instante, ela quase disse a palavra "ama", e se enfureceu consigo por quase ter cometido a gafe —... com quem teve um caso usou você o tempo todo para extrair informações! Bem, você quer saber de uma coi­sa, Rafael? Eu não sou muito adulta e não sou muito civilizada quando se trata desse tipo de coisa! — Ela se virou e começou a pegar as bolsas de utensílios e ingredientes para a refeição que não estava destinada a preparar de forma alguma.

— E você podia ter me poupado do dinheiro do táxi hoje — ela gritou, trêmula —, trazendo todas estas coi­sas aqui, para nada! — Ela olhou para os próprios pés, exausta.

— Ok. Eu cometi um erro.

Amy o ignorou. Tinha conseguido pegar todas as coisas e estava indo, com dificuldade, até a porta. Trou­xera ingredientes para uma refeição deliciosa para qua­tro pessoas. A maioria dos pratos estava semi-pronta, faltando apenas o toque final. Ela tentou não pensar no esforço de levar tudo até a rua, como uma mendiga, tendo de parar a cada cinco passos para tentar acenar para um táxi, pois não havia como voltar para casa de ônibus.

— Não estou interessada em ouvir o que você tem a dizer — ela disse friamente, porque precisava dizer algo. Ele estava parado diante dela, bloqueando o ca­minho. Amy simplesmente não podia olhar para ele, porque era como olhar para um estranho.

— Eu levo você para casa, se você quiser, e pode­mos conversar no caminho.

— Já lhe disse... Não estou interessada. Estou can­sada de conversa. Para começar, eu só queria nunca ter posto os olhos em você.

— Você não acredita nisso — resmungou Rafael com timbre rouco.

O que ele esperava? Começou a perceber que ele mesmo não sabia. Um pouco de constrangimento, sim. Por que não havia nenhum jeito de evitar a verdade. Não podia repetir a farsa do jardineiro, e nem queria. Ele sabia que ela ficaria surpresa, até mesmo chocada. Mas, de alguma forma, Amy conseguira descobrir pe­daços da verdade e colocá-los juntos numa imagem dele que ele mal reconhecia.

E agora ela estava falando em ir embora! Rafael foi tomado de um impulso louco de lhe ar­rancar as bolsas e prendê-la na casa até que tivessem resolvido as coisas. O que, ele sabia, significava até ir para a cama.

— Você se incomodaria em sair do meu caminho.

Rafael percebeu que ela não estava mais gritando. A voz era fraca e distante e, de alguma forma, isso era muito pior.

— Sim. Me incomodo.

— Então eu acho que vamos ter que ficar aqui até você decidir se mover, mas não vou ter nenhuma con­versa sobre coisas que estão mortas e enterradas. — Ela sentou-se em cima da bolsa maior. Apoiou o quei­xo nas mãos fechadas e olhou na direção das pernas dele.

Depois do desabafo de mágoa e raiva, a mente pare­cia estar completamente vazia.

Lembrou-se do breve tempo juntos, montando, len­tamente, como um quebra-cabeça, os aspectos do com­portamento de Rafael, que, agora, olhando para trás, faziam sentido. A forma como a persuadira a não dizer nada sobre a presença dele na propriedade. Ela não questionara naquele momento, mas, realmente, por que, afinal, um jardineiro precisaria ser tão misterioso? E, também, a falta de interesse em todas as coisas ver­des. Ela falara detalhadamente sobre o próprio traba­lho, sobre a paixão por cozinhar, sobre os pratos predi­letos. Ele evitara qualquer assunto sobre jardins, jardinagem, flores, plantas e horticultura em geral, com um indiferente sacudir de ombros.

Havia a pequena questão do apartamento, o chama­do apartamento da empresa, com sua localização privilegiada em Manhattan. E o carro fantástico. A lista era interminável e Amy estava morrendo de raiva por não ter prestado a menor atenção a nenhum dos sinais e alerta que tinham piscado à frente como grandes letras em néon.

No meio de pensamentos gritantes, ela percebeu que ele se abaixara, de forma a estar ao nível dela, olhando-a diretamente no rosto. E perto demais. Amy olhou-o de maneira inexpressiva.

— Eu estava errado — disse Rafael, pesaroso. — E você vai ouvir o que tenho a dizer, queira ou não. E não pretendo conversar com você agachado no chão. — Ele se levantou, ergueu-a e Amy tropeçou de encontro a ele, e recuou em pânico.

Ela abriu a boca para repetir o mantra sobre não ter mais nada a dizer, mas não foi muito longe, antes de se ver carregada, carregada!, nos ombros fortes, para a sala de estar, onde foi colocada no sofá, sem qualquer cerimônia.

Rafael não podia acreditar mais do que ela que tives­se mesmo feito aquilo.

Por um momento, ele pensou em trancar a porta e colocar a chave no bolso, mas os instintos civilizados se manifestaram contra aquele extremo. Em vez disso, foi até o sofá. Amy tinha se encolhido num canto e o observava com cautela.

— Eu devia ter dito quem era desde o começo, mas não disse porque, honestamente, não queria ser pertur­bado, nem despertar curiosidade. Minha mãe me pediu para ficar lá e foi o que fiz.

— Mas então, mesmo que você tivesse ficado ten­tado a me dizer quem realmente era, você logo perce­beu que descobriria muito mais sobre mim e sobre minhas intenções se ficasse calado.

— Certo. — Ele olhou para o outro lado e relaxou na cadeira, estirando as pernas compridas à frente e entrelaçando as mãos na nuca. — Eu queria descobrir se você estava atrás do James por alguma razão. — Ele se virou para olhá-la. Ela viera preparada para uma noite de trabalho duro, tinha amarrado o cabelo para trás em duas trancas apertadas, estava usando as roupas mais simples. Mas, ainda assim, era atraente. Na ver­dade, exatamente como ele se lembrava dela.

— Quando nós fizemos amor, eu sabia que você não estava interessada no James e, se estivesse, o dinheiro dele não tinha nada a ver com a história toda.

Ela não gostou quando ele se referiu ao ato deles como "ter feito amor". Era mais fácil se concentrar sua falsidade e sentir raiva dele sem pensar em Rafael como um amante.

— Isso mexe com você? — perguntou Rafael com suavidade. A postura era relaxada, mas o olhar era aten­to e observador.

— O quê? Eu não sei do que você está falando.

— Oh, sim, você sabe. A lembrança de nós dois, na cama, você não quer saber por que vim para Londres?

— Não. Eu não me importo.

— Eu não podia tirá-la da cabeça — confessou Rafael.

Amy bufou.

— Você quer dizer, depois de me ter descartado sem nem olhar para trás? — Ela se lembrou, constrangida, de que lhe perguntara, no momento de ir embora, se poderiam prolongar o relacionamento, e que ele dera uma resposta negativa imediata.

— Eu não estava buscando um relacionamento com alguém deste país. — Ele pensou em Elizabeth. — Ou de qualquer país, para falar a verdade — ele acrescentou.

— Oh, pare de fingir, Rafael. Você não estava bus­cando um relacionamento comigo. Você se lembra de que me disse que James estava fora do meu alcance? Bem, encare isso, você podia ter acrescentado seu nome nessa categoria. — Ela ouviu, com tristeza, o tom duro da própria voz. Nunca fora tão amarga. Ela não era uma pessoa amarga. Pelo menos não até agora.

Queria tanto falar com alguém da família. Uma das irmãs. Ou irmãos.

Precisava que uma voz amiga lhe dissesse que ia ficar bem.

— Ele estava fora do seu alcance porque só procu­ra certo tipo de mulher. Pode-se dizer que lhe falta ima­ginação.

— E você teve imaginação suficiente para me sedu­zir, mesmo que eu não fosse seu tipo.

— Obviamente eu não... — Rafael, apanhado de surpresa pela primeira vez na vida, ficou sem palavras. Fechou a cara e se levantou para andar pela sala. Pre­cisava se movimentar.

— Não o quê?

— Eu não saio com mulheres que são clones uma da outra. — Bem, na verdade ele saía.

— Eu não acredito em você. Eu acho... Você quer saber o que eu acho?

— Eu acho que você deveria pôr uma pedra sobre o passado e viver o presente. O presente que me trouxe aqui. Porque você tem estado na minha mente dia e noite, desde que foi embora. Acha que eu me submete­ria a isso se não tivesse percebido o quanto ainda a quero?

Interrompida no meio da frase, Amy só conseguia olhar para ele. Sim, ele a queria, e querer era uma coi­sa poderosa. Rafael Vives, mesmo no papel de falso jardineiro, era um homem que sempre iria fazer algo para conseguir o que queria.

— E o que você está esperando agora? — perguntou Amy baixinho. — Agora que você se submeteu a tudo isso?

— Não sei o que esperar... — Ele soubera, até o momento em que ela o atacara com força total. Agora ele só sabia o que queria. — Mas o que eu quero é que você dê uma chance...

— Pelo que eu imagino, você quer dizer que cami­nhemos para o quarto mais próximo, arranquemos as roupas um do outro e façamos amor. Se você estava tão desesperado pela minha companhia maravilhosa, por que levou tanto tempo para achar o caminho da Ingla­terra?

— Eu precisava tentar... Tirar você da cabeça...

Era incrível que Rafael admitisse tal fato. Ele nunca havia tido mulher alguma na cabeça, nunca tivera de tentar esquecê-la. Só de confessar essa fraqueza, sen­tiu-se exposto.

O que Amy ouviu foi a declaração de um homem que havia tentado mesmo... Tentado fazer tudo para esque­cê-la porque, para dizer a verdade, ela era inadequada. Tão inadequada para ele como tinha sido para o irmão. O meio-irmão, como ele não se cansava de lembrar, como se fizesse alguma diferença. Mas a única coisa que ela conseguia pensar é que ele mentira.

— Mas eu não consegui.

— Que pena — disse Amy, sarcástica. — Meio can­sativo ter que vir até aqui para se livrar disso. Você reservou um tempo para isso? Digamos, umas duas se­manas, para fazer sua vida voltar ao normal e você poder desaparecer de volta a Nova York para continuar de onde havia interrompido antes de eu aparecer?

— Escute, Amy...

— Não, não! — Ela se levantou. Havia manchas vermelhas no rosto dela. A raiva estava crescendo outra vez, como um vulcão prestes a entrar em erupção. — Eu lhe disse tudo sobre mim! E você ficou ali sentado, fingindo estar interessado, quando na verdade só queria achar pistas para proteger sua conta bancária! Foi por isso que você dormiu comigo, Rafael? Para tentar tirar o James da minha cabeça?

— Não seja ridícula. — Rafael ficou vermelho de raiva. Cada acusação ocultava um toque vergonhoso de verdade.

— Não se atreva a me dizer que eu estou sendo ri­dícula!

— Você é a mulher mais irritante da face da Terra!

— Será que é porque eu não tenho medo de ter uma opinião? Posso bem imaginar por que você me disse que eu não era seu tipo! Aposto que as mulheres de que você gosta nunca levantam a voz, pois quem iria se atrever a levantar a voz para um magnata? Você deve ter rido bastante às minhas custas com seu irmão — concluiu Amy, resignada. — Você ligou para ele toda noite com relatórios de como estava indo?

— Isto é um insulto.

— Não, não é. — Sim, era. —Você mentiu para mim. Eu nem sei quem você é. Quem é você? O homem que possui tudo isso... — Ela abriu os braços para indicar a casa luxuosa, mais uma, ela supunha, dentre muitas es­palhadas pelo globo. — Ou o homem sem nada?

— O mesmo homem — Rafael lhe disse com pesar. Não ia funcionar, ele pensou. Para começar, ele não devia tê-la persuadido. Ela estava certa. Não ia assumir compromisso, então qual havia sido a razão da busca? — Eu menti para você. Se você vai aceitar as minhas desculpas ou não, é secundário, porque você estava bem certa numa coisa. Nenhum de nós precisa disso, eu não devia ter vindo aqui. Foi um erro. Eu não vou levá-la para casa. Não faz sentido prolongar o inevitá­vel. Eu vou pedir ao meu motorista para levá-la de volta e, antes que você comece mais um monólogo enfu­recido sobre tudo o que eu possuo, sim, eu tenho um motorista. Ou, deveria dizer, uso o cara que trabalha para os diretores da empresa, mas as minhas priorida­des suplantam as deles. Esta casa magnífica também é minha, embora eu raramente a use. Também tenho ca­sas em Paris e no Caribe. Se sou um rematado menti­roso por não ter revelado todas as coisas que possuo, então é melhor você saber de todas. Você pode ir em­bora e dar graças a Deus por, afinal, ter escapado de um homem como eu.

Sim! Isso deveria tê-la feito sentir-se bem melhor! Não fez. Não havia mais nenhuma discussão e ela não percebeu que ele queria se livrar dela. Amy se esgoelara um pouco demais. Não que não tivesse razão, pen­sou, amarga. Mas,então, por que estava sentindo-se tão vazia quando entrou no Jaguar? Queria virar para trás para um último olhar, mas, quando o fez, ele já havia desaparecido para dentro da casa.

 

Amy esperava que Rafael voltasse para os Estados Unidos no primeiro avião. Ela nem sonhava em fazer algum esforço para descobrir isso, telefonando infor­malmente para James e jogando uma pergunta no meio da conversa, mesmo estando tomada de tristeza e qua­se paralisada. Ela só descobriu quando, três semanas após ter saído de casa, abriu o jornal por acaso e, ali, no meio das tediosas páginas financeiras que ela sem­pre evitava, estava uma foto dele, sorrindo, com uma mulher alta de cabelo escuro, levemente encostada nele, também sorridente.

Leu o artigo várias vezes, olhou repetidamente para a foto, até a colocou contra a luz e forçou a vista para ver se decifrava alguma expressão no rosto dele que pudesse lhe dar uma pequena idéia do que se passava naquela cabeça. Examinou a morena bem cuidada e tentou fingir que não se importava por vê-lo com outra mulher. Afinal de contas, ele era livre e desimpedido, e como poderia reclamar quando tinha sido ela quem o havia mandado passear?

Parecia que Rafael Vives, diretor e sócio majoritário de uma conhecida Companhia, havia decidido se mudar para Londres por um período de seis meses, duran­te os quais pretendia vender algumas parcelas da em­presa para que pudesse expandir o novo interesse na indústria de lazer. Havia todo tipo de somas e números e análise detalhada nas quais, Amy imaginou, outras pessoas do mundo dos negócios se interessariam, mas o único outro fato no qual ela estava interessada era a identidade da morena.

Ela jogou fora o artigo, só para buscá-lo de novo três horas depois, debaixo de cascas de batata. Aí passou três dias pensando naquilo.

A apatia se transformou em furiosa atividade. A sen­sação de estar vazia desapareceu. Em seu lugar estava uma energia frenética, agitada, que a deixava exausta ao final do dia.

Ela havia colocado o artigo na porta da geladeira, com um imã. De manhã, antes de sair de casa, comia uma tigela de cereal e olhava para ele da mesa da co­zinha. À noite, durante refeições elaboradas que prepa­rara para praticar, e para comer só a metade, fazia o mesmo.

Duas semanas assim a levaram à beira de um colap­so, até que Amy fez o impensável. Pegou o telefone e ligou para o James.

Disse todas as coisas de costume, disse que estava certificando-se de que ele não se esquecesse do nome dela, porque, quando começasse o estágio num dos melhores hotéis de Londres queria ter certeza de que ele iria vir e experimentar suas guloseimas. Mencionou o desejo de abrir o próprio restaurante e ficou orgulhosa quando ele disse que ficaria satisfeito em investir algum dinheiro na empreitada, era só dizer quando e onde. O que, na verdade, a fez parar e pensar que talvez viesse mesmo a abrir um restaurante, em vez de ficar se apegando a um sonho que jamais iria se realizar.

Então, como que por acaso, Amy mencionou que estava lendo o jornal e viu que o irmão dele havia de­cidido se mudar para Londres.

— Já estava na hora de ele usar aquela casa — brin­cou James —, estive lá algumas vezes, é como um mausoléu... Não que vá permanecer assim por muito tempo. Elizabeth vai dar um jeito nisso.

— Elizabeth? — Amy sentiu o sangue lhe subir à cabeça e, graças a Deus, não estava tendo aquela con­versa cara a cara.

— Oh, desculpe. Fui inconveniente? Eu sabia que você e ele estavam envolvidos... Tinha alguma coisa ro­lando...

— Oh, pelo amor de Deus! Um casinho breve, Ja­mes. Muito breve! Na verdade, eu não havia pensado mais no seu irmão até ver o artigo sobre ele no jornal, outro dia.

— Que artigo? Houve vários. Quando Rafael bota uma coisa na cabeça, o mundo inteiro para e escuta, e no momento todos estavam ouvindo com cuidado, por­que seu próximo passo pode ter um grande impacto na bolsa de valores.

— Oh, sim, claro — Amy pensou em como manobrar a conversa para longe do assunto desinteressante da bolsa de valores e de volta ao tópico mais importante: Elizabeth. Quem diabos era Elizabeth? Como Rafael podia ter encontrado uma mulher num espaço de tempo tão curto?

Então ela se lembrou dos vastos milhões. Os milhões que podiam atrair qualquer mulher de qualquer distân­cia em qualquer país. Acrescente-se à soma o tipo bonitão e o que você tem? Uma Elizabeth.

— Ele costuma sair com a Elizabeth em Nova York — James estava dizendo. Amy prestou atenção à con­versa e prendeu a respiração.

— É mesmo? — Ela tentou manter o tom correto e educado, de modo que James estendesse o assunto, mas ele não o fez. Encerrou a conversa justamente, ela pen­sou chateada, quando estava ficando interessante. Finalizou dizendo a ela para manter contato e chamá-lo tão logo decidisse abrir o restaurante. Se eles realmen­te decidissem expandir na indústria de lazer, haveria espaço para uma nova chef para dirigir todos os restau­rantes deles.

— Excelente! — É claro que ela sabia onde a mis­teriosa Elizabeth estaria hospedada. Onde mais do que na casa luxuosa de Rafael, no coração da cidade? E Amy não ia desistir dele, não sem lutar.

Sim, parte dela estava dizendo que seria uma luta em vão. Sim, cada membro da família com quem ela havia dividido o problema a havia aconselhado a se concentrar na carreira e deixar o problema do coração para mais tarde.

Infelizmente, o outro lado não tão comportado, es­tava dizendo que a vida havia sido deprimente nas úl­timas semanas, e o que havia a perder? Ou ela tentava ser a pessoa resignada que nunca fora ou se rendia e tentava fazer tudo que pudesse para reconquistá-lo. Se­ria um golpe no próprio orgulho, mas sofrer por causa do orgulho parecia um esforço pesado e doloroso.

Amy desligou o telefone, com apenas um plano vago se formando na cabeça.

Podia precisar de alguma artimanha e troca de favo­res, o que lhe causava mal-estar, mas quando pensava nas noites infindáveis e nos dias vazios se estendendo à frente, sentia-se ainda pior.

Claire ainda trabalhava na empresa. Até então, Amy havia tentado não alimentar a curiosidade. Evitara per­guntar qualquer coisa sobre Rafael. As razões para tal eram duas. Primeiro, estava desesperada para não pa­recer desesperada e, segundo, sabia que bastaria uma faísca de interesse para Claire fazer uma torrente de perguntas. Claire sabia dos fatos básicos do caso mal-sucedido, mas o silêncio de Amy sobre o assunto im­pedira que ela chegasse aos pormenores.

Amy resolveu pensar nas coisas por um ou dois dias, mas, enfim, a nobre resolução durou o tempo que levou para ela tomar banho. Ainda enrolada na toalha, telefo­nara para Claire, pulando a normal fofoca agradável e indo direto ao ponto.

— Então deixe-me entender bem — resumiu Claire quando finalmente ficou satisfeita com os planos de Amy —, você quer que eu descubra o que ele está fazendo e lhe conte.

— Não deve ser muito difícil — disse Amy com leveza. Começou a imaginar a reação de Rafael quan­to ao plano astuto, mas não gastou muito tempo naque­le pensamento específico. Era muito assustador. — Você pode ficar pelo andar dos diretores com uma bandeja de sanduíches e tentar pegar informações com a Jules.

— A Jules não trabalha para ele. É uma mulher nova que está lá, e parece um tipo assustador.

— Bom, vou deixar por sua conta. Sinceramente, Claire, você já deve ter feito das suas!

— Vou fazer o possível. Mas há um preço. Você vai ter que me dizer tudo que acontecer, não esconder nada, e vai ter que me convidar para o casamento.

— Sim, para as duas primeiras coisas e, ha ha ha, que piada boa a terceira. — Amy não havia nascido ontem. Não estava procurando amor e casamento. Só estava tentando achar um jeito de tirar o homem da cabeça. Estava completamente apaixonada por ele e o havia despachado porque queria muito mais do que ele oferecia. Agora tivera bastante tempo para experimen­tar aquela horrível sensação chamada arrependimento. Era a coisa que a acordava no domingo de manhã e lhe enchia a mente, de modo que relaxamento e diversão eram vagas lembranças.

— Nunca se sabe — disse Claire, mas soou duvido­so. No entanto, fez o combinado. Foi bem-sucedida, após dois dias de ansiedade para Amy, enquanto pesa­va os prós e contras do que pretendia fazer.

Quarta-feira. Ele estaria trabalhando até tarde. E sa­bia disso porque Rafael conduziria uma reunião com todos os diretores programada para terminar às 20h30. Havia pedido a ela, através da abominável secretária executiva, que algo lhe fosse preparado.

Tal qual um rei dando ordens, Amy pensou. Dê-me algo para comer e assim será!

Ao fazer intimamente a piada, quase acreditou que ela nunca poderia ter se apaixonado por ele. Como po­dia ser, se ela era tão diferente? Mas Amy sempre che­gava à mesma conclusão de que o amor nem sempre obedecia às regras estabelecidas na mente. Às vezes arrebentava as rédeas e galopava por todo lado, até que não houvesse nada mais a ser feito, a não ser seguir o galope, exatamente como ela estava fazendo, sem nem pensar na dor que viria mais tarde.

Amy só pedia, conforme a quarta-feira ia se aproxi­mando, que não houvesse nenhuma mudança de plano. Não precisava passar pelo trauma de dar de cara com alguém que pudesse reconhecê-la, e Claire, tendo cum­prido a promessa, tinha se recusado a ir mais adiante e montar guarda.

Assim, às 21h Amy estava conversando com o cara da recepção, que a reconheceu e felizmente não fez nenhuma pergunta constrangedora.

Então ela se esgueirou até o andar dos diretores, evi­tando os elevadores porque temia que a porta do eleva­dor se abrisse para revelar James e o bando de segui­dores a caminho do restaurante em Covent Garden.

Estava tudo silencioso. A reunião havia definitiva­mente terminado. Ela passou pela sala da diretoria, que estava coberta pelos restos do debate, os blocos de ano­tações, canetas e lápis espalhados ao acaso, o projetor ainda posicionado, porém desligado. Às 9h da manhã seguinte, a sala estaria impecável, limpa até o último centímetro.

Amy passou pela sala da diretoria na ponta dos pés, passou pelo pequeno foyer central, que estava decora­do como uma sala de estar informal e seguiu em frente depois de ver um facho de luz vindo do escritório no final do andar. Ela conhecia o andar muito bem e tam­bém soube de imediato que o escritório onde Rafael estava pertencia ao James. O coitado do James fora excluído, apesar de que ele não se incomodaria muito com isso, pois era notável o tom de admiração na voz quando falava sobre Rafael e seus grandes planos.

Ao chegar à porta, ela foi parada pela possibilidade de mudar de idéia, que estava ao alcance.

Antes de ter tempo de se acovardar, entrou pela porta e teve alguns momentos para observá-lo, porque ele ain­da não a vira. A cabeça estava curvada e ele, com a testa franzida, batia a caneta numa pequena pilha de papéis.

Rafael Vives, jardineiro. Rafael Vives, multimilionário. Ele havia dito a ela que era o mesmo homem, mas era difícil não se deixar afetar pela aura de poder que emanava. O que era loucura, especialmente quando se levava em consideração que ela dormira com aque­le homem e que o forçara a comprar um par de jeans!

Ela tossiu e ele ergueu a cabeça.

Estava tão chocado quanto possível ao vê-la e, na­quela fração de segundo, Amy tomou iniciativa antes que ele pudesse falar.

Na verdade, não havia planejado o que ia dizer. Pelo menos não em detalhes. Decidira que iria fazer o que fosse preciso.

— Eu ouvi que você decidiu ficar em Londres por um tempo — ela disse, entrando na toca do leão e fe­chando a porta, só para pensar, logo depois, que aque­le poderia ser um passo errado. — E eu estava por aqui e pensei em dar um pulinho... — Ela olhou para o rosto incrivelmente sexy e refletiu sobre como iria re­agir se ele a mandasse embora, sem perguntas.

— Oh, é verdade. — Rafael se afastou da escriva­ninha para poder se recostar e lhe dar toda a atenção. — Você só estava por aqui, é mesmo?

— Oh... A casa... Você sabe...

— Não, na verdade, eu não sei, mas vamos deixar passar. Você deu um pulinho... Por qual razão?

— Você se incomodaria se eu me sentasse?

— Você não vai ficar muito tempo, então qual é o sentido?

Amy murchou.

— Você está certo. Qual é o sentido?

— O que veio fazer aqui? — Rafael havia cancela­do o encontro com Elizabeth porque tinha muita coisa a fazer. Agora mesmo ela estaria esperando por ele na casa, após ter passado o dia fazendo turismo. Duas semanas de férias, uma chance de consertar as coisas entre eles, e o que ele estava fazendo? Passando a maior parte do tempo no trabalho. Estava contrariado consi­go, mas a reconciliação estava se tornando um desastre. O relacionamento era superficial e ele deveria ter dei­xado para lá.

— Eu vim para saber como você está e, para ser bem honesta, desejaria não ter me incomodado.

— O que você esperava? — A voz de Rafael foi fria e distante, mas ele podia sentir a raiva crescendo no íntimo, e estava irritado consigo, principalmente por­que não queria sentir raiva. Queria que ela permane­cesse no mundinho que ele havia criado, em algum lugar no fundo da cabeça. À uma distância boa e segu­ra em algum lugar que ele pudesse rotular como "his­tória". Assim poderia controlar a situação. — Você esperava que o tapete vermelho fosse desenrolado em sua honra?

— Não, mas um pouco de educação seria agradá­vel! — Gritando de novo, pensou Amy. O que se pas­sava com aquele homem? — Me desculpe. Eu não devia ter vindo.

— Como você soube que decidi ficar?

— Claire. A Claire me disse. Lembra-se dela? Ela foi aos Hamptons naquela viagem da empresa... — Amy teve uma explosão viva de lembranças e teve de se forçar a voltar ao presente, ao homem intransigente sentado diante dela. Uma coisa era pensar em lutar pela pessoa que amava, mas outra, bem diferente, era quan­do a pessoa em questão não queria lutar. Na verdade, só queria ser deixada em paz.

— Espionagem industrial.

— Dificilmente.

— Você quer dizer que perguntou a ela sobre mim?

— Não! Ela simplesmente mencionou por acaso... — Amy esperava não estar a caminho de criar dificul­dades para a amiga, mas confessar ter lido sobre ele no jornal levaria a ter de explicar que sabia sobre ele estar envolvido com outra pessoa e, de jeito algum pretendia deixá-lo saber que falara também com James. Não, em hipótese alguma.

— Eu fiquei curiosa, só isso. Queria saber por que você decidiu ficar mais.

— Por você ter achado que vim a Londres especifi­camente para lhe procurar?

— Eu nunca pensei isso! De qualquer forma... Já estou indo. — Ela se virou, derrotada, e se dirigiu à porta. Se tivesse sentado como uma pessoa normal e pensado na idéia maluca em vez de agir por impulso, descobriria que poderia ter previsto o resultado. Ela o havia descartado e ele não ia simplesmente esquecer e perdoar. O ego provavelmente ficara ferido e, mesmo que o dano fosse temporário, ainda assim ele teria dificuldade para perdoá-la, pois os homens, em geral, têm egos frágeis. E o ego de um homem rico seria particu­larmente frágil, ela pensou, afinal não estaria acostu­mado a ser ferido.

— Eu estava pensando em expandir por um tempo. — Rafael apreendeu-a na escapada para a porta. — Lon­dres pareceu um mercado mais controlável do que os Estados Unidos, com mais espaço para inovação, daí a viagem para cá. — Ele queria que ficasse perfeitamen­te claro, mesmo sendo uma completa invenção. Ele, na, verdade planejara retornar aos Estados Unidos imedia­tamente, mas, após a violenta reação de Amy à duplici­dade dele, Rafael sentira-se sem direção e, naquele inu­sitado vácuo, a idéia começou a se formar e a consolidar como algo a ser feito. E também, estranhamente, per­mitia que ele provasse a si que os passos não seriam ditados por alguma mulher que ele havia encontrado por acaso e com quem tivera um caso impensado.

Aquilo teria sido muito duro de engolir!

— Oh, meu Deus — disse Amy, vagamente, como sempre, perdendo o interesse no momento em que as­suntos de finanças entravam em cena.

— Sim. Elizabeth pensa o mesmo...

— Elizabeth? — Ela controlou os pensamentos e tentou soar como se o nome não significasse nada. — Quem é Elizabeth?

— A mulher com quem estou saindo. — Rafael não podia evitar um quê de satisfação pela reação de Amy. É claro que ele era adulto e sério também, não do tipo que gostava de fazer joguinhos. Nunca tinha sido, mas teve de admitir que aumentar a história era tentador.

— Eu já a conhecia de Nova York. Saí com ela por um tempo, para falar a verdade, então nós dois decidimos que precisávamos de espaço.

— E isso foi quando você me encontrou?

— Sim.

— E agora que você teve o casinho comigo, decidiu que estava na hora de voltar com a sua "ex" — A luta­dora dentro dela reagiu. Ela se lembrou de que estava ali para tentar tê-lo de volta porque sem ele a vida era vazia. Acenou com ar sábio e se aproximou da cadeira. Ok, ele havia dito para ela não se acomodar porque não ia demorar muito, mas Amy não ia ter uma conversa emotiva de pé.

— O que este aceno significa? — perguntou Rafael desconfiado.

— Você gostaria de uma bebida? Ou de algo para comer? Se é que você ainda não comeu.

Rafael havia planejado continuar trabalhando firme por uma hora ou mais, mesmo sentindo-se culpado por Elizabeth ter ficado sozinha à noite. Mas não contara com esse pequeno pedaço do passado aparecendo para uma visita. E não sabia porquê. Não acreditava naque­la conversa fiada de estar ali por perto. Oh, não. Ela estava ali por uma razão e a curiosidade dele era forte demais para resistir. Ele se levantou e acenou.

— Eu estava de saída, para falar a verdade; por que não? Um drinque rápido para relembrar os bons tempos.

— Então, que bom você ter sua namorada aqui com você — disse Amy quando estavam no elevador. — Apesar de eu achar um pouco estranho você ter vindo me procurar e me convidar quando, supostamente, estava pen­sando em voltar com sua "ex". Por que você faria isso? — Amy sempre tinha deixado a caça para os homens. Tinha enraizado nela o conceito de que eles deviam ir à caça. Mas, realmente, pensou, por que deveria ser assim? Em todas as outras áreas da vida ela fora ensi­nada a acreditar que, se quisesse algo, deveria buscar, pois era capaz de conseguir tudo o que quisesse. Os pais tinham lhe estimulado a autoconfiança. Por que não usá-la agora para buscar a única coisa na vida que realmente queria? Não ia ser fácil, mas ela podia tentar, não podia?

— Talvez você tenha feito o favor de me fazer per­ceber que bom sexo é uma coisa e um relacionamento duradouro é algo bem diferente. E relacionamento dura­douro, para mim pelo menos, tem que ser com uma mulher que não passe a maior parte da vida gritando.

Amy respirou fundo e resolveu não gritar mesmo que o quisesse. Agarrou-se ao "bom sexo" da frase. Não era o que ela queria, mas, tendo-o rejeitado, constatara que, na verdade, aquilo era melhor do que nada.

— Você sabe, dizem que gritar é muito bom para a alma.

— Realmente. Eu nunca ouvi isso. — Eles agora estavam andando até o bar freqüentado pelas pessoas que trabalhavam na cidade. Rafael olhou o relógio, sabendo que não deveria estar fazendo aquilo. Deveria estar indo para casa onde, sem dúvida, iria achar Elizabeth esperando pacientemente por ele. Eles iriam con­versar de forma sensata, falar sobre o dia de ambos, e ela faria perguntas importantes sobre o progresso das transações. Ele, em troca, iria perguntar sobre os casos que ela havia deixado para trás e que, ele sabia, a esta­vam incomodando. Ela não iria irritá-lo.

— Sim. É verdade. Absolutamente. Se você não grita, você perde contato com seu "id", o qual, supos­tamente, é a nossa parte viva e vital.

— Eu nunca ouvi tanta besteira na minha vida, — disse Rafael, mas ele teve vontade de rir. — Você quer uma taça de vinho?

— Ok. — Ela ficou observando enquanto ele foi até o balcão. Pensou em como pôde ter reagido de manei­ra tão brusca ao fato de ele lhe ter escondido a verdade, levando-a a acreditar que era alguém que não era. Ele só estava tentando proteger o irmão de alguém que po­dia ter sido uma interesseira caçadora de ouro. Ela provavelmente teria feito o mesmo! Tentou imaginar como seria ser fabulosamente rico e levado a suspeitar de alguém que não tivesse sido examinado com toda cau­tela, mas Amy não conseguia entender o conceito.

De qualquer forma, havia o assunto mais urgente: como ela iria recuar e tentar persuadi-lo a ter um caso com ela, quando era óbvio que ele estava relutante? E quando havia uma namorada no pedaço.

Não importava o quanto Amy era tenaz, ela não po­dia se convencer de que tudo valia no amor e na guerra. Pensava em como ela se sentiria se estivesse enfiada num país estrangeiro, tentando fazer um relacionamen­to funcionar, enquanto lá fora um ex-caso afiava as garras e encarava seu homem como possível alvo.

Mas qual podia ser o mal em tentar saber algo mais sobre aquela mulher misteriosa? Querendo ou não, Ra­fael não podia ser tão a fim dela, podia? Não se ele já havia terminado com ela uma vez! Ha!

Amy se agarrou àquele pensamento como um afo­gado segurando-se a uma bóia.

— Então — ela disse no momento em que ele lhe deu a taça —, como ela é?

— Elizabeth? Por que você está interessada? É esta a razão por você ter caído do céu em cima de mim? Para descobrir porque eu ainda estou por aqui e se eu estou saindo com alguém? — Ele olhou para ela com cuidado.

— Ok. Eu confesso. Eu vi sua foto no jornal há pou­cos dias. Havia um longo artigo sobre você estar aqui fazendo isto ou aquilo...

— Ainda bastante interessada no noticiário finan­ceiro, eu percebo.

— E você tinha uma morena alta pendurada no braço.

Elizabeth, pensou Rafael, não se pendurava.

— E então você se rendeu à curiosidade e foi até o meu escritório para descobrir o que estava acontecen­do. Mesmo que não seja da sua conta.

Amy tentou e não conseguiu achar uma resposta ra­zoável.

— Bem, Elizabeth é... Uma mulher glamorosa, in­dependente, com uma brilhante carreira em Direito. Uma advogada, na verdade, a caminho de se tornar juíza antes de completar 40 anos.

— Oh. — Subitamente o topo da montanha que ela decidira alcançar pareceu demasiadamente alto. — Não o tipo, eu imagino, que assiste TV e leva duas semanas para verificar o extrato bancário.

— Não esse tipo, não.

— Como vocês se encontraram? Você estava... Saindo com ela quando... Quando nós...

— Não. — O tom de Rafael foi cortante.

— Você deve ter ficado surpreso quando me encon­trou — disse Amy com um sorriso melancólico. — Eu imagino que a Elizabeth não tenha o costume de subir muito em árvores.

— Nem acaba perdida porque foi andando pelo mato para tentar acalmar a mente agitada.

— Não. — Ela imaginou como fora pensar que po­dia lutar por aquele homem! — Por que você terminou com ela?

Rafael sacudiu os ombros. Ele tinha boas razões para não dizer nada, afinal o relacionamento não era de sua conta, mas, diabos, ela teve muita coragem em ir ao seu escritório e tornar óbvio que o queria de vol­ta, mesmo sabendo que a reação dele não seria dar as boas-vindas.

— Nós precisávamos dar um tempo. Temos vidas muito ocupadas e criamos o hábito de nos encontrar­mos às pressas. Isso não é jeito de se fazer um relacio­namento funcionar.

Amy imaginou se o tempo que eles tinham passado juntos, quando ele havia abandonado a vida ocupada e tirado folga, tinha sido essencial para jogá-lo de volta à "ex". Pensou que, se ela fosse uma pessoa generosa, teria ficado satisfeita por ter reunido duas pessoas, ain­da que de forma inconsciente. Em vez disso, decidiu que era bem gananciosa, porque tudo o que desejava era que a mulher miserável tivesse ficado onde estava, bem fora da cena.

E se ela não fosse a companheira de vida de Rafael? E se a advogada que nunca se perdia fosse mais do jeito dele? Ela, Amy, teria se divertido e ido em frente quando ele decidisse retornar ao sistema ao qual per­tencia. Quando ele falara sobre "negócios inacaba­dos", em vez de pular e gritar sobre ter sido enganada, ela devia ter percebido que ele tinha alguma razão. Mas, como de costume, agira sem pensar nas conse­qüências.

— Eu fico surpresa por ela ter conseguido tirar fol­ga da sua vida ocupada — Amy soou amarga. — Ela está tendo uma síndrome de abstinência?

— Estou tentando aliviá-la — disse Rafael, sentin­do o sabor da vitória quando o rosto dela se contraiu.

— Isto seria deixando-a sozinha enquanto você toma uma bebida comigo?

Rafael olhou para o cabelo louro despenteado, o ros­to gracioso, expressivo, e surpreendeu-se de como ela o fazia sentir-se tão primitivo.

— O que me lembra... Eu tenho que ir. — Ele esva­ziou a taça e se levantou. O cavalheiro emergiu nele para lembrá-lo de que havia uma namorada à espera, uma mulher inteligente, decente, que merecia ser tra­tada com respeito.

— Mas antes... — Ele colocou as mãos nos bolsos e esperou, enquanto Amy mexia na jaqueta curta. Estava frio, mas ela estava usando jeans com a cintura abaixo do umbigo e uma camiseta de mangas compridas que se recusava a ficar para baixo e insistia em subir, revelando o ventre reto e macio. Rafael olhou para outro lado. — Me diga por que você precisava saber sobre Elizabeth.

— Porque passei tempo demais... — Amy abriu a porta e foi recompensada com a escuridão do lado de fora, para que ele não pudesse ver a expressão no rosto dela —... muito, muito tempo pensando em você. Ok, eu admito, você... Me machucou. — Ela olhou para Rafael e ficou irritada que a escuridão escondesse tam­bém a expressão dele. E se ele estivesse segurando um bocejo? — Ninguém gosta de saber que alguém mentiu e ninguém gosta de sentir que alguém o considera uma pessoa interesseira.

— Então o que você esta fazendo aqui? — pergun­tou Rafael.

— Oh, eu vim tentar lhe reconquistar — disse Amy. Ela esticou a mão para chamar um táxi. — Eu percebi que poderia ter ficado firme e ser orgulhosa demais para fazer contato com você de novo ou, em vez disso engolir o orgulho e dar uma tentada... Mas isso foi antes...

Rafael colocou uma das mãos em volta do pulso dela e lhe puxou para junto de si.

— Antes do quê?

— Antes de eu... Falar com você — disse Amy num suspiro. Olhou para ele. — Eu não havia percebido que você era tão a fim da sua ex-namorada. Na verdade, quando você a descreveu, eu pude ver que ela é uma mulher perfeitamente adequada a você. Ela até se pa­rece com você! Alta e bem-composta, cabelo escuro. Porém, mais importante do que isso, ela pensa como você. Eu aposto que ela até entende quando você co­meça a falar do mundo dos negócios! — Aquilo fora uma pequena piada entre eles, o fato de ela saber tão pouco de como o mundo das finanças funcionava. Na­quela época, ela se divertira com o fato de ele ter tanto interesse em algo tão distante da jardinagem, como ne­gócios, e tinha acreditado quando ele dissera que era precisamente por causa disso que ele achava o assunto tão interessante. — Aposto que ela não boceja e os olhos dela não encaram o vazio quando você começa a tentar fazê-la entender que mercados monetários na verdade fazem sentido!

Rafael grunhiu, confirmando a observação. O ego dele tinha sido ferido pela recusa de semanas atrás, ele devia estar sentindo-se prazerosamente vingado por ela estar parada à frente, olhos grandes, se prostrando voluntariamente. Bem, ele estava vingado. E ainda tinha os dedos à volta do pulso dela. Pulsos finos. Na verda­de ele podia envolver a parte de cima do braço de Amy, se quisesse.

— Se você estava saindo com alguém... Você obviamente não admirou tanto... Alguém que não era adequada... — Ela suspirou e mordeu o lábio.

— Você teria tentado me tirar dela?

— Não para o compromisso final — disse Amy ra­pidamente. — Eu sei que nós não operamos na mesma onda, mas você estava certo... Talvez tivesse sido me­lhor não ter esta sensação de negócio inacabado entre nós. Não — ela corrigiu, para o caso de ele estar pen­sando que ela ainda ia procurá-lo, como algum tipo de lunática — que isso se aplique a você. Você achou a mulher dos seus sonhos e, honestamente, Rafael, eu desejo tudo de bom a vocês.

Ela se pôs na ponta dos pés e colocou as palmas das mãos no meio do peito dele. Um amigável beijo de apoio. Apenas algo para mostrar a ele que ela era boa perdedora, mesmo que doesse demais.

Rafael se tensionou ao toque corriqueiro. De perto, o cheiro dela era insinuante, aquele cheiro de flores leve a fresco, o qual com certeza deve ter sido aumen­tado e estimulado por algum perfume. Ele não percebeu o próprio gesto de lhe pegar os cotovelos e apoiá-la, não percebeu quando olhou para rosto doce e quase não percebeu quando lhe capturou a boca, transformando o beijo amigável na bochecha em um leve beijo que se aprofundou, e aprofundou até que lhe afastou qualquer pensamento são da cabeça.

Voltou à si bruscamente. Amy, ainda absorvida pela maravilha de beijá-lo, o sentiu enrijecer e se afastar. E, claro, ela fez o mesmo.

— Não diga nada, Rafael. — Ela recuou e levantou a mão para chamar um táxi. Ainda havia bastante mo­vimento nas ruas. Com certeza um táxi vazio iria vir e poupá-la da humilhação de prolongar aquela cena des­confortável.

Ela estava com sorte.

— Nós nos beijamos e eu estou feliz por isso, mas não significa que eu não lhe deseje felicidades, porque eu desejo. Todos merecem um parceiro adequado e você encontrou a sua. — Ela esticou a frase e terminou bem, quando abriu a porta do táxi e deslizou para den­tro. Ele não teve tempo de dizer nada e Amy ficou bem satisfeita, pois não queria ouvi-lo se repreender por ter feito algo que não devia ou, pior, tentar colocar a culpa nela.

Mais uma vez ela estava indo embora e mais uma vez não ia olhar para trás.

 

Com os olhos fixos no fundo do copo, Rafael repassa­va na mente o que lhe tinha acontecido. Ele abrira a garrafa de uísque na esperança de afogar a inquietude e frustração pelo tradicional recurso do álcool, mas, por fim, não conseguiu mais do que ficar olhando o copo. A casa ainda estava com os vestígios da súbita par­tida de Elizabeth, no dia anterior. Quando ele viera para a cozinha, ainda havia panelas e bandejas na pia a serem lavadas. Ele sabia que havia variedades de comida e sucos na geladeira.

Rafael girou o copo na mão e olhou fixamente para os restos de uísque e soda.

O fato é que, se a vida dele nunca tivesse sido alte­rada, interrompida, devastada, seja lá o que for, por uma bruxinha loura, ele podia muito bem ter voltado para Elizabeth e se casado com ela, porque evidentemente ela era a mulher certa para ele, pelo menos no papel.

Rafael sempre se divertia observando o estilo de vida playboy do irmão mais novo, mas o desaprovava. No íntimo, sempre desprezara as mulheres com quem James se envolvia. Conhecera uma meia dúzia delas e achara todas, sem exceção, superficiais, não importando a aparência que tivessem. Ele, Rafael Vives, não apenas mantivera o sobrenome espanhol, mas, é preciso dizer, se considerava um homem de mais seriedade do que o irmão. James aparecia, mas ele, Rafael, era quem con­trolava dos bastidores.

E aí aparecera Amy para lhe desarrumar a vida bem organizada e virar tudo de cabeça para baixo.

Ela estava tão distante do conceito de mulher ideal que lhe escapou totalmente o modo como ela se insi­nuara a ponto de, no espaço de uns poucos dias, não lhe sair mais da cabeça.

Rafael resistiu ao impulso de servir-se de outra dose e optou por água mineral. As garrafas bem organizadas ocupavam toda uma prateleira. As demais continham vegetais, frutas, iogurtes e um vidro de azeitonas.

Ele bebeu a água num só gole e quis sair de carro. Sabia que podia se poupar do trânsito londrino chaman­do o motorista, mas a última coisa de que precisava era de uma testemunha do próprio constrangimento em potencial. Deveria admitir: por que iria Amy aceitá-lo de volta logo agora, quando ele mais uma vez a man­dara embora educadamente, depois de ter ela se rebaixado, procurando-o e se dispondo a aceitar os termos dele? Ela podia não tê-lo amado, mas se demonstrara disposta a aprofundar o que ambos haviam vivido, e ele a mandara embora porque (que estupidez!) não podia conceber a idéia de se aprofundar em um relacionamen­to com uma mulher que não correspondesse ao padrão que estabelecera para si.

Pouco importava ela ser calorosa, divertida e origi­nal, capaz de fazê-lo se esquecer de que seu único amor era o trabalho. Pouco importava ela poder fazê-lo matar o trabalho, conseguir fazer amor nos lugares mais inu­sitados, excitá-lo mesmo quando o irritava.

Rafael pensou em Elizabeth e sentiu um profundo remorso pela mágoa que sabia lhe ter causado; mas ela soubera lidar com a situação, tal como ele esperava. Nada de escândalo, nem gritaria.

— Acho que não vai dar certo — ele disse, e ela o olhou com calma, a cabeça um tanto de lado, e assentiu.

— Enfim, Rafael, fizemos uma última tentativa, — ela disse com um sorriso triste, que o fez sentir-se um pouco pior do que grosseiro. — Eu acho, conside­rando todos os detalhes, que provavelmente é melhor mesmo que eu me vá. — E acenou, plenamente contro­lada. Ele até se ofereceu para ajudá-la a arrumar a ba­gagem. E ela calmamente recusou.

Aquilo foi tão civilizado.

Naquele exato momento, ela estava no hotel, até que pudesse remarcar o vôo. Rafael não se surpreenderia caso decidisse ela ficar mais alguns dias; afinal, por que não? Ainda havia coisas para se ver em Londres antes de ir embora e, sobretudo, Elizabeth era sensível.

Dirigindo bem devagar, ele tomou o caminho para a casa de Amy. Tivera um dia inteiro para estudar a ques­tão. Agora que estava escuro e fazia frio, ele teria me­lhores condições para fazer o que pretendia. Como de costume, o trânsito estava agitado.

Ele finalmente chegou à casa de Amy e desligou o motor.

No ato de concluir negócios, de movimentar ou de investir grandes somas, sempre sentira o efeito da adre­nalina. Mas nada o fizera sentir-se fraco e desprotegido como lhe ocorria agora, ali parado à porta de Amy, na escuridão.

Ele se perguntou se o desenrolar da visita a Londres teria sido diferente caso ele tivesse procurado Amy de outro modo. Em vez de tê-la atraído com falsos pretextos, enganado pela idéia de que o fator surpresa a lisonjearia. Talvez devesse apenas telefonar para ela, sugerindo um encontro em algum lugar neutro, e depois confessado que se comportara como um tolo, que a queria muito, que isto o levara à loucura, que os dois poderiam resolver o pro­blema da distância de um modo ou de outro. Talvez, ho­nestamente, aquela poderia ter sido a melhor política. Ficou pensando sobre como ia lhe falar agora.

Poderia dizer diretamente que Elizabeth se retirara de cena. Esta, ele pensou, seria a parte mais fácil. Me­nos fácil seria quando ela começasse a falar dos senti­mentos dele.

Rafael franziu a testa. Por onde, ele se perguntou, começaria um homem, quando se tratasse de discutir sentimentos?

Imaginou que James seria muito bom nisso. Já ele tendia a ser mais simples, bem como não estava intei­ramente certo do quanto estaria disposto a revelar dos próprios sentimentos. Havia uma coisa a dizer, mas ele também precisava se proteger.

Estava sentado no carro, estudando as táticas demoradamente, quando percebeu um movimento à frente. Não que estivesse olhando alguma coisa em particular. Na verdade o olhar se dirigia, sem atenção, ao aspecto geral da casa de Amy.

Levou uns poucos segundos para perceber que a por­ta da frente se abria e que Amy estava ali, de pé, e estava com um homem. E o homem estava vestindo o casaco e mexendo nos bolsos, como se quisesse achar algo.

Rafael ficou estupefato com aquela imagem inespe­rada. Nos pensamentos, ele já vinha preparado para muitas coisas, inclusive um vaso se quebrando naque­la cabeça arrependida. O que ele não previra foi ver um homem saindo da casa de Amy. Algum "ex". Caso con­trário, quem diabos seria ele?

O ciúme, essa emoção para a qual ele nunca tivera muito tempo, lhe bateu com tanta força que ele quase ficou ofegante. Em seguida, Rafael abriu a porta do carro, ao mesmo tempo em que o homem se inclinou para Amy, envolvendo-a num abraço que significava completa intimidade.

Apenas uma vez na vida Rafael se envolvera numa briga. Na época, era um adolescente e corriam comen­tários a respeito da nacionalidade dele. Os comentários comuns deram lugar a insultos e a zombaria o irritou, a ponto de fazê-lo ficar vermelho. Ele atacou os ofensores e, sozinho, pôs todos para correr. Depois disso, a mãe e o padrasto lhe deram livros sobre respostas a provocações, leituras que chamavam atenção para o fato de que a violência física não era a solução. Na verdade, não fora necessário, porque ele aprendeu a lição por si só.

Mas ele pôde sentir a lição lhe escapar pelos ares no momento em que alcançou e agarrou o homem pela gola do casaco, a fim de colocá-lo de encontro à parede enquanto Amy tentava puxá-lo para trás.

Ele estava certo que havia pessoas olhando e empur­rou o homem para dentro da casa, com Amy ainda ten­tando contê-lo, inutilmente. Rafael fechou a porta por trás de si, com o pé.

— Muito bem — falou com raiva —, quem diabos é você e o que faz aqui?

— Quer deixá-lo ir? — Amy gritou por trás dele. Rafael ignorou. Toda a concentração se fixava no rosto apavorado, confuso, do homem que parecia ter perdido a capacidade de falar.

— Ouça, parceiro.

— Eu não sou seu parceiro, — Rafael arremeteu, con­trolando a voz, bem como o punho, ainda que a vonta­de fosse mandá-lo em cima do cara, o qual, nem seria preciso dizer, fisicamente não era páreo para Rafael. Uns bons centímetros mais baixo e magro, comparado à massa muscular do outro.

— Olhe, apenas me solte e...

Foi uma confusão de palavras, o homem pedindo para ser solto e procurando algum ponto favorável a si. Amy gritando com Rafael, perguntando que diabos ele estava fazendo. E Rafael informando ao homem, ainda com voz controlada, que viera para pô-lo para fora, e fazendo Amy saber que ele tinha toda a intenção de descobrir o que o tal sujeito fazia debaixo do teto dela.

Amy assegurou ao irmão que estava bem e, em se­guida, com as mãos nos quadris, espumando raiva, se voltou para Rafael.

Ela se dirigiu à porta e o braço de Rafael lhe barrou a passagem.

— Sem chance. Você não vai a lugar algum até me dizer quem era aquele cara.

Ele tirou o casaco e o colocou no balaústre. Sim, estava se acalmando, mas não a ponto de sentir culpa pelo que acabara de fazer, mesmo com ela encarando-o com olhos arregalados e furiosos.

— Quem você pensa que é, Rafael Vives? Invadir minha casa desse jeito! Como ousa?

— Como diabos eu poderia reagir encontrando você de saída com outro homem à sua porta! — Especial­mente com você vestida deste jeito, ele pensou, irado.

Rafael passou os dedos pelos cabelos e a encarou.

— Ele tem sorte por eu não tê-lo espancado.

— Você ainda não me disse o que está fazendo aqui!

— E você ainda não me disse quem era aquele cara! — respondeu Rafael, sem parar para respirar.

Estavam de pé, na entrada, como dois gladiadores. Amy, ainda em estado de choque, tinha mil perguntas lhe queimando a cabeça.

Ela deu meia-volta e caminhou para a cozinha, pois as pernas vacilavam como geléia e ela precisava sentar-se.

Tinha certeza de que Rafael a seguia, o que fazia os cabelos da nuca eriçarem.

— Então? — ele perguntou tão logo estavam ambos na cozinha. Amy sentou-se, mas ele continuou de pé, o que aumentava ainda mais diferença de altura entre os dois.

— Quem ele é não é da sua conta — disse Amy, com raiva. — Não temos mais nada a falar.

— Então você decidiu simplesmente sair fora e en­contrar outro homem?

Sim! Amy desejou gritar. Sim, é isso mesmo. Sim­plesmente saí por aí numa bela manhã, peguei o pri­meiro cara que vi passar e sugeri termos um caso!

— É esse o tipo de mulher que você acha que eu sou? Não, não responda! Porque você uma vez pensou que eu era uma caçadora de milhões, portanto eu deduzo que, para você, eu sou capaz de qualquer coisa! E esta é a razão pela qual você nem sonharia em olhar para mim como outra coisa, a não ser uma conquista rápida e fácil! Onde está o amor da sua vida? — ela perguntou, com ironia. — Não me diga que você a dei­xou de novo! Eu detesto dizer isso, mas até mesmo a mulher mais controlada, mais bem-educada e mais in­teligente na profissão tem seu limite.

Rafael agitou a cabeça e sentou-se.

— Elizabeth foi embora.

Amy pensou se ela havia ido se preparar para o "grande dia".

— Eu terminei com ela.

— O quê? — Amy olhou para ele, cautelosa. Podia sentir o coração traiçoeiro acelerar e tratou de tentar refreá-lo.

— Não estava dando certo. Pensei que daria, mas estava enganado. — Amy estava louca para saber dos detalhes, mas fechou-se e preferiu ficar apenas olhando para ele, em silêncio.

— Agora me diga quem era ele, Amy. — Mesmo acionando o cérebro frio e lógico sobre o que faria caso ela começasse a expor detalhes sobre o novo namorado, ele ainda não podia controlar a explosão que lhe rugia no íntimo.

— Oh, pelo amor de Deus, Rafael! — A doce fan­tasia de conseguir exclamar que acabara de encontrar o homem dos sonhos lamentavelmente evaporou. — Era só o Jack, meu irmão.

— Seu irmão!

— Que, graças a você, deve estar machucado e cho­cado.

— Por que diabos você não me disse quem ele era?

— Porque você não me deu chance, deu? — Ela procurou dar força à raiva justificado horror, enquanto ele se mantinha frio, sentado à mesa, — Olhe só, num momento meu irmão me dava um abraço e, no minuto seguinte, você o atacava! Diga-me onde você vê a pos­sibilidade de conversas civilizadas e explicações no meio daquela cena!

— Entendido — disse Rafael. Irmão. Ele era irmão dela. O homem era irmão dela. Rafael não pôde acre­ditar no alívio que sentiu. Teve vontade de pular e dan­çar. Reação ridícula. Só atacar o irmão já fora uma reação ridícula.

— Eu não devia tê-lo agredido, mesmo tendo pen­sado que você havia encontrado alguém, alguém para me substituir...

— Por que você fez aquilo? — Ela olhou para ele de maneira amarga. — Você achou que, só porque sou franca e expressiva, ficaria impressionada com um Rafael que não se importava em demonstrar seus sen­timentos. Um Rafael todo novo. Porque deu uma chan­ce à sua "ex" e decidiu que me tinha usado por um tempo. Estou acertando, Rafael?

Amy levantou-se bruscamente, sentindo as pernas como barras de chumbo, e precisou caminhar para ati­var a circulação.

Também não queria olhar para ele. Infelizmente a cozinha era pequena. Não havia muitos pontos de onde ela não tivesse uma completa visão dele, sobressaindo no meio daquele microambiente.

Só restava a opção de ir para a sala de estar, onde pelo menos as cadeiras eram mais confortáveis e a luz não era tão nítida.

— Não sei como chegamos a isto, Rafael — ela disse devagar, olhando como aquele homem se acomo­dava confortavelmente numa poltrona muito pequena para ele —, mas está tudo errado. Pertencemos a mundos diferentes. Meu Deus, nós até vivemos em países completamente diferentes!

— Sim, você está certa. É verdade.

— E nunca teríamos um bom relacionamento.

— O que só demonstra que o destino existe e segue seu rumo.

— Não, não é assim. Isto só demonstra que nós ini­ciamos algo que, deveríamos saber, não teria continui­dade.

— Por quê?

— Por que o quê? Por que começamos? Porque... Bem... Isso é outra coisa! Você começou algo porque queria saber mais a respeito de mim e minhas inten­ções, e eu comecei porque acabei me sentindo atraída por você. Mas o que deveríamos ter feito era prestar atenção ao fato de que realmente não fazíamos sentido juntos. Quero dizer... — Amy procurou o meio mais eficaz no qual pôde pensar para expressar o que estava tentando dizer...

— Você só está falando besteiras. — Ele se levantou e puxou a cadeira para perto dela, de modo a desfazer o clima formal, e eles não estavam mais separados pela largura do cômodo. Agora, ele podia realmente vê-la à meia-luz suave, e poderia tocá-la, se quisesse. Bem melhor.

Amy abriu a boca para protestar e ele a tapou com a mão.

— Você teve a sua vez, agora é a minha. De acordo? — Ela meneou a cabeça e afastou a mão dele.

— Para mim — disse Rafael, calmamente — a úni­ca coisa que não faz sentido é minha vida sem você. — Ele enveredava por um terreno incerto e não se im­portava. Falar era algo libertador. Não entendia como pudera duvidar da própria habilidade para se revelar àquela mulher, porque agora isso lhe parecia a coisa mais fácil do mundo. Acercou-se dela, lhe procurando a mão, os olhos ainda fixos no rosto delicado.

— Já discutimos o assunto de quando nos conhece­mos, a estupidez de não lhe dizer quem eu era. Mas agora isso me parece irrelevante. O que importa, o que mudou minha vida é como você faz eu me sentir. En­contro você e começo a ver o mundo, minha vida, a mim mesmo, de uma forma diferente. Você entende o que estou dizendo?

— Não, você pode explicar melhor? — Amy pisca­va, espantada, sem saber se aquele momento mágico iria evaporar num sopro.

Rafael sorriu, divertido.

— Só se você tiver certeza de que não estou sendo chato.

— Oh, não... — Amy pigarreou e tentou manter o equilíbrio — ...faz bem aos homens demonstrar seus sentimentos. Homens realmente choram.

— Hum. Não estou certo disto... Mas estou certo de que não percebi o óbvio quando nos conhecemos. Quando voei para cá para ver você, não parei de ima­ginar como um simples caso de luxúria poderia me afetar tanto. Se o tivesse feito, talvez tivesse chegado a uma conclusão mais cedo...

— Conclusão? — perguntou Amy, cheia de espe­rança.

Rafael olhou para os dedos entrelaçados aos dela.

— Pensei que queria você e que tínhamos assuntos inacabados, mas só na parte física. Eis por que eu tinha voltado com Elizabeth. Estava determinado a dar mais uma chance porque havia cismado que o que sentia por ela tinha que ser mais importante do que o que senti por você. Afinal, no papel, ela seria meu par perfeito. Isso me fez voltar àquilo que você fala sobre não fazer sentido nós dois juntos. No papel, provavelmente não, mas o amor não obedece a regras escritas, obedece?

— Amor? — exclamou Amy.

— Isso tudo não tem a ver com amor? — Rafael olhou para ela e lhe tocou o rosto. — Eu me apaixonei por você, Amy. Você pegou a minha vida ordenada, previsível e a colocou de pernas para o ar. Eu terminei com a Elizabeth quando percebi que não podia conti­nuar mentindo para mim mesmo, e então vim até aqui lhe dizer que não posso viver sem você. Eu... Eu estou apostando que você... sinta o mesmo por mim.

— E isto deve ser muito duro — ela murmurou —, porque você não é um apostador nato.

De súbito, foi como se ela tivesse passado toda a vida no meio de uma tempestade, que agora havia termina­do. Os pensamentos estavam bem claros.

— Mas você não está apostando — ela disse em voz baixa. — É claro que eu o amo, meu querido. Eu quero dizer... — Ela não pode impedir um sorriso relutante.

—... Eu sei que faço as coisas de supetão, mas de modo algum eu teria vindo ao seu escritório só porque estava interessada no seu corpo. Não — ela acrescentou — que não seja um corpo muito agradável.

— Então talvez você queira chegar mais perto des­se corpo muito agradável, naquele sofá muito agradá­vel ali, pois seria bem melhor do que eu ficar curvado sobre você...

— Mas sem tocar — disse Amy, quando eles esta­vam deitados, enroscados, no sofá, que não havia sido projetado para acomodar duas pessoas deitadas, daí o fato de ela estar meio sobre ele e os pés dele estarem esticados para fora — pelo menos não até falarmos sobre... O que vai acontecer a seguir. Eu sei que você tem um problema com compromissos, mas...

— Mas isso era antes. Estamos falando de agora. — Rafael permitiu que os lábios passassem sobre os dela, saboreando a doçura e sabendo, com prazer pro­fundo, que em breve ele estaria saboreando mais do que só aquela boca. Era como estar em casa. — E, quanto ao que vai acontecer a seguir... Está na hora do James e eu fazermos uma troca. Meu irmão poderia encantar Nova York com suas incríveis qualidades de marketing e eu poderia agarrar Londres pelos chifres e realmente implementar aquelas idéias que tenho formulado.

— Você quer dizer que viria morar aqui... por mim?

— Por nós... Afinal, marido e mulher tendem a mo­rar no mesmo país.

— Agora eu vou começar a chorar — sussurrou Amy os olhos marejados. — Você sabe como eu sou...

Emotiva, briguenta, doce e muito, muito feminina. Ele sorriu, o coração cheio de um amor profundo, in­condicional.

— Então posso achar que isso é um "sim"...?

— Sim, sim, sim, sim e sim! Oh, meu Deus. Isso é tão maravilhoso! — Ela o cobriu de beijos. — Mal posso esperar para você fazer de mim uma mulher de respeito! E nesse meio tempo...

— Vamos ver como uma mulher sem respeito mos­tra o seu amor pelo seu homem...

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

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