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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CONTRA O MÁSCARA NEGRA / Enid Blyton
CONTRA O MÁSCARA NEGRA / Enid Blyton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

 

OS CINCO

CONTRA O MÁSCARA NEGRA

 

VAMOS! Adivinhem onde vamos passar as férias este verão.

A Zé, uma rapariga de onze anos, que mais parecia um rapaz com os seus cabelos curtos e calças azuis, fitava os primos com um arzinho malicioso. Ao lado dela, o seu inseparável Tim olhava para os três jovens como se esperasse, ele também, uma resposta.

O Júlio, o David e a Ana trocaram olhares intrigados. Acabavam de chegar ao casal Kirrin, a casa dos pais da Zé, onde esperavam ficar todo o verão, como de costume. E eis que lhes anunciavam uma mudança de programa!

- O tio Alberto e a tia Clara querem então ver-se livres de nós? - perguntou o David por brincadeira.

Era tão moreno e vivaço como a prima. Da mesma idade,

parecia-se até um pouco com ela. A Zé pôs-se a rir e retorquiu:

-Não! Os meus pais virão connosco!

O Júlio, um jovem atleta loiro, muito alto para os seus treze anos, abanou a cabeça:

- Não gosto de brincar às adivinhas - disse ele. - E, sem ser Kirrin, não estou a ver onde poderíamos ir.

- Eu também não - disse a Ana, a mais nova do grupo com os seus dez anos quase feitos. - Desisto de adivinhar!

- Béu, fez o Tim.

A Ana sorriu gentilmente. Deitando para trás os longos cabelos loiros, prosseguiu:

- Desde que estejamos todos juntos, pouco importa que vamos para a beira-mar, para a montanha, para o campo ou para a cidade!

Os olhos da Zé brilhavam.

- Não estás mesmo a ver de que se trata!

Os três primos abriram uns grandes olhos admirados.

- Mas então, onde é? - quis saber o Júlio. - À lua? Para o centro da Terra?

- Não! Para a água.

- Uma pescaria! - exclamou o David.

- Muito melhor que isso! Um cruzeiro no Mediterrâneo. Que dizem vocês?

Os três primos, um momento embaraçados, deixaram explodir a sua alegria.

- Hurra! - exclamou o David com entusiasmo. - Isso é que é! Vamos navegar! Mas, concretamente, onde vamos?

A Zé apressou-se a dar explicações:

- Trata-se de um cruzeiro surpresa, cujas escalas serão anunciadas aos passageiros à medida que formos navegando.

Viajaremos a bordo do Aquilão, um barco perfeitamente equipado. Foi a mãe que teve esta ideia, sabem?

O Júlio deixou transparecer admiração:

- O tio Alberto não protestou? Consente em separar-se dos seus queridos trabalhos? Um sábio como ele. que não pensa senão nos seus livros e nos seus cálculos científicos!

-Justamente! - atalhou a Zé. - Trabalha demais. Desta vez a mãe deu prova de autoridade. Deseja arrastá-lo para longe das suas absorventes investigações. No mar não terá tentações.

A Zé, espertalhona, interrompeu-se para desatar a rir.

- Mas eu vou confiar-lhes uma coisa: julgo que a mãe está iludida a respeito disso. Se o pai aceitou participar neste cruzeiro, não foi sem razão: o professor Lagarde também vai na viagem.

O professor Lagarde era, como o tio Alberto, um sábio reputado. O seu filho, a quem chamavam Palu, contava-se entre os melhores amigos da Zé e dos primos.

- O Palu vai com o pai? - perguntou a Ana.

- Certamente! E ainda há melhor! A bordo do Aquilão são admitidos animais. O Tim será dos nossos. E o Palu poderá levar o macaco Passarola!

- Isso é que é uma bela notícia! - disse o Júlio.

- Tenho a certeza - declarou o David - que sem o Tim tu terias renunciado ao cruzeiro, Zé.

- Com certeza! - exclamou a Zé. - O meu cão e eu somos inseparáveis!

- E nós, sem ti e o Tim, já não seríamos o Clube dos Cinco! - replicou o David, rindo.

Era verdade! Os quatro primos, juntando-se ao Tim, tinham-se baptizado assim! O Clube dos Cinco adorava resolver mistérios... e já tinham mais dum sucesso no activo!

- Espero - continuou o David - que este cruzeiro nos ofereça ocasião de esclarecer um sedutor enigma ou de resolver um complicado caso policial!

- E porque não! - disse a Zé animada. - Em todo o caso, não vamos aborrecer-nos, isso é certo!

Os três primos deliciavam-se com a ideia das boas diversões em perspectiva. Acabavam, justamente, de chegar a casa dos pais da Zé e não esperavam nada a boa notícia que a prima lhes comunicava.

- Partimos depois de amanhã para Marselha - disse ainda a Zé. - Amanhã mesmo, temos que escolher os fatos de verão que levaremos para bordo. A mãeajuda-nos. Entretanto. se fôssemos fazer uma visita ao Palu. Deve estar tão contente como nós, tenho a certeza!

Dez minutos mais tarde, as crianças corriam de bicicleta pela estrada de Saint-Flavien, seguidos do Tim todo feliz por desentorpecer as patas. O professor Lagarde e o filho moravam a alguns quilómetros do Casal Kirrin, mesmo ao pé do farol, onde os Cinco tinham, recentemente, vivido uma palpitante aventura .

O Palu acolheu os amigos com alegria. Passarola, o seu engraçado macaquinho, saltou para o pescoço do Tim, depois pulou-lhe para as costas. Os dois animais entendiam-se muito bem.

- Vocês falam com um entusiasmo. - exclamou o Palu.

- Vamos fazer este cruzeiro todos juntos! O que nós nos vamos divertir.

 

' Ver Os Cinco e a Fórmula Secreta.

 

Durante bastante tempo, as crianças ficaram no jardim da vivenda, fazendo mil projectos. O pai do Palu trabalhava no escritório: nem pensar em o incomodar, nem que fosse para o cumprimentar.

Depois, a Joana, a governanta dos Lagarde, saiu de casa.

- Venham depressa - disse ela às crianças com um

caloroso sorriso. - Preparei-lhes um lanche delicioso... Pequena, gordinha, dinâmica, ela servia praticamente de mãe de Palu que perdera a sua muito novinho. Ao ver pela janela da cozinha que os Cinco acabavam de chegar, tinha logo feito tudo para lhes ser agradável: sabia como eram gulosos e fizera um grande bolo.

As crianças agradeceram-lhe e sentaram-se alegremente à mesa. E logo, enquanto se regalavam começaram a falar a torto e a direito. Depois de terem falado dos seus sucessos escolares, abordaram um assunto da actualidade.

- Vocês ouviram a rádio ao meio-dia? - perguntou de repente o Palu aos companheiros. - O Máscara Negra continua a dar que falar.

- O Máscara Negra! - repetiu a Ana, admirada. - O que é isso? Nunca de tal ouvi falar!

- Oh! disse o Júlio - encolhendo os ombros - trata- se de um ladrão internacional que opera sozinho. Suponho que a polícia não tardará a apanhá-lo.

O Júlio era um rapaz calmo, ponderado. Nunca se entusiasmava, ao contrário da Zé que exclamou com vivacidade:

-Não sou da tua opinião. Eu penso que o Máscará Negra é bastante inteligente para se deixar assim prender tão depressa! Parece esperto como trezentos macacos. Não, não, Passarola! É inútil puxares-me pela manga, não estou a falar de ti... e como ele não tem cúmplices, tem todas as probabilidades de não ser traído. Operando sozinho, proteje o seu anonimato.

- O seu quê? - perguntou a Ana.

- A sua identidade, se preferes.

- Então ninguém sabe quem ele é? - interrogou a Ana,

ingenuamente.

- Com certeza que não, pateta! - respondeu o David.

- Senão há muito tempo que ele estaria na cadeia!

- Desde que houvesse provas contra ele! - disse a Zé.

- Estão a ver que era preciso uma equipa como a nossa para conseguir alguma coisa: jovens detectives dos quais ele não desconfiasse, corajosos, dinâmicos, inteligentes...

- E modestos! - acrescentou o Palu, trocista. - Em todo o caso, menina, se a caça ao Máscara Negra te tenta, renuncia ao cruzeiro! Não é a bordo do Aquilão que tu o encontrarás! Esse senhor anda sempre demasiado ocupado para fazer férias!

Falaram ainda um pouco dos feitos do famoso e misterioso ladrão.

- Nunca ataca a não ser grandes presas - explicou o David à Ana. - Rouba as jóias das mulheres, muito ricas. Esta manhã, pelo que contou a rádio, forçou o cofre forte dum banco de Buenos Aires. O que é uma proeza pouco banal! Pergunto a mim próprio como ele pôde conseguir!

- Havemos de ler os pormenores no jornal da tarde - disse o Palu. - E sabem que esse senhor não é somente um escroque, um ladrão, mas também um espião?

- Um espião? - repetiu a Zé, admirada.

-É mesmo. O meu pai afirma que já aconteceu ele furtar documentos secretos a sábios e a diplomatas de diferentes nacionalidades para os vender em seguida ao governo que melhor lhe pagou.

- Como é possível que eu nunca tenha ouvido falar dele?

- exclamou a Ana.

- É que tu estás muitas vezes na lua! - respondeu o David para a arreliar. - E o Máscara Negra, até agora, não se lembrou de operar no nosso satélite.

A Ana estremeceu, evocando os delitos do temível salteador internacional que se revelava um espião mais temível ainda. A miúda detestava, por instinto, a violência, a traição, a desonestidade. Contudo, os seus dons de observação tinham muitas vezes ajudado a prima e os irmãos a resolver situações espinhosas e complicadas. Os seus poucos anos e a sua doçura natural eram-lhe preciosos auxiliares no decorrer dos inquéritos conduzidos pelos Cinco. A Ana desarmava as pessoas!

O Palu consultou o relógio:

-Cinco horas! - anunciou ele. - Vamos ouvir as notícias! Talvez falem do Máscara Negra.

Levou os amigos para a sala e ligou a televisão. Efectivamente, um locutor comentava o último feito do malfeitor:

- Uma vez mais, foi encontrado, em cada um dos cofres arrombados pelo Máscara Negra, um cartão de visita gravado com uma pequena máscara negra. Esta maneira irónica de assinar os seus feitos acaba geralmente por desmoralizar as suas vítimas. O director do banco argentino, desesperado pelo arrombamento e considerando-se desonrado, tentou pôr fim aos seus dias. Conseguiu-se, não sem custo, persuadi-lo a renunciar a esse gesto.

A Zé deu largas à sua indignação:

- Esse Máscara Negra é pior que um simples ladrão. tão perigoso como um verdadeiro assassino!

- É também a minha opinião, - disse o Júlio.

- E pensarmos que esse patife não pára! – resmungou David. - Ontem estava no Mónaco onde roubou a caixa do casino, hoje em Buenos Aires. Onde estará ele amanhã?

- Ora! - disse o Palu. - Não pensemos mais nele. Vamos antes falar da bela viagem que nos espera!

No dia seguinte, a casa dos pais da Zé conheceu uma alegre animação. Todos se preparavam para a partida que teve lugar no dia seguinte. Desembarcaram em Marselha ao fim da tarde.

Os organizadores do cruzeiro- surpresa a bordo do Aquilão tinham marcado, num hotel de luxo, quartos para todos os participantes. Com efeito, estava combinado que os viajantes passariam essa noite em terra e só embarcariam na manhã do dia seguinte.

As três famílias tinham viajado no mesmo avião. Depois de terem feito um pouco de toilette, a Zé, o Júlio, o David, a Ana e o Palu desceram para a sala enquanto esperavam a hora do jantar.

O pobre Passarola, pouco habituado a deslocar-se pelo ar, gemia e queixava-se, mal disposto do estômago. Com os braços passados à volta do pescoço do Tim, parecia pedir-lhe auxilio e protecção. O bom do cão dava-lhe de vez em quando uma afectuosa carícia com a língua, como para o reconfortar. A cena era ao mesmo tempo cómica e comovedora.

Os dois animais não tardaram a tornar-se um centro de interesse para os clientes do hotel que esperavam igualmente o momento de irem para a mesa.

-Como eles são cómicos! - exclamou um homem moreno, de óculos, dotado de forte pronúncia estrangeira. Eu não ver nunca nada de mais. como é que vocês dizem?... ah, sim, de mais giro!

O Palu pôs-se a rir. O estrangeiro sorriu-lhe e acariciou o Tim e depois o Passarola. No dedo anelar, um anel largo e chato, ornamentado com um enorme rubi, brilhou intensamente.

Uma voz áspera elevou-se repentinamente:

- Não devia ser permitido estarem aqui estes animais!

Têm, com certeza, pulgas!

A Zé lançou um olhar furioso à pessoa que acabava de

assim injuriar, tão gravemente, o seu bem-amado Tim.

Era uma mulher de idade, tão seca de aspecto como de palavras, cujo nariz de papagaio e o queixo comprido e curvo evocavam, irresistivelmente, a fisionomia clássica duma bruxa. O meu cão não tem pulgas! - declarou a Zé, muito alto.        

- O meu macaco também não - assegurou o Palu indignado.

Um homem gordo, risonho, de aspecto rubicundo, desatou a rir. Não dê atenção às reflexões desta senhora - murmurou ele, designando discretamente a bruxa, - Há uma hora que estou sentado na cadeira ao lado dela, ouvi-a sem cessar resmungar contra tudo. De resto, critica toda a gente.

A Zé, porém, que ia aos arames por dá cá aquela palha, não acalmou.

- Que mulher tão má! - disse por entre dentes.

A outra ouviu-a e disparou-lhe um olhar venenoso.

Uma asiática, delgada, de rosto enigmático, assistira à cena sem dizer nada. Sorria com um ar que não se sabia se era trocista ou cheio de simpatia.

- Vamos lá! - disse bruscamente um senhor distinto, de longas mãos brancas, levantando-se do seu lugar. – Julgo que começou o primeiro serviço...

Percebia-se que tinha a preocupação de aliviar a atmosfera. Atravessou a sala, negligentemente, e, seguido dos outros clientes do hotel, passou para a sala de jantar. Os Cinco, o Palu e o Passarola ficaram sós.

- Muito bem! - disse a Zé, batendo o pé. - Se esta velha bruxa tem que viajar connosco no Aquilão, prefiro ficar em terra com o Tim!

- Nesse caso, meu jovem amigo - disse uma voz por trás dela - o melhor é renunciar desde já ao cruzeiro! A Zé estremeceu e voltou a cabeça. Um homem duns trinta anos levantou-se da cadeira, cujas costas até então o tinham escondido aos olhares das crianças.

- Que quer o senhor dizer? - perguntou a Zé, surpreendida.

O desconhecido sorriu, e tomando-a por um rapaz, declarou:

-Eu vou explicar-lhe, rapazinho! Conheço um pouco a maior parte das pessoas que acabam de desfilar diante de vocês. O estrangeiro dos rubis não é outro senão o Pedro Ruiz, um riquíssimo plantador de café do Brasil, quase mun dialmente conhecido. A velha senhora rabugenta chama-se Hortense Richter e, apesar do seu simpático nome de flor, já levou três maridos à cova.

As crianças puseram-se a rir.

- Possui uma fortuna imensa e julga-se, por isso, autorizada a dar a sua opinião sobre tudo!

- O meu cão ter-lhe-ia feito passar esse mau hábito às dentadas nas pernas se eu lhe tivesse dado ordem para isso - declarou a Zé, muito convencida.

- Ainda pode ter ocasião para o fazer porque, como devem calcular, a senhora Richter viajará connosco!

- O senhor também participa no cruzeiro? - perguntou o Júlio.

- Sim. Eu chamo-me Max Normand. Mas deixem-me citar-lhes ainda alguns dos vossos futuros companheiros de viagem. O senhor gordo e jovial é um lapidário de diamantes holandês: O sr. Hagg. O personagem distinto de mãos finas é o grande pianista francês Fortuné Barge. E a chinesa de maneiras misteriosas chama-se menina Ping.

O Júlio então apresentou-se e aos seus companheiros. Max Normand apertou a mão a todos, sorrindo depois para a Zé:

- Desculpe-me de a ter tomado por um rapaz. - A coisa, porém, não era para desagradar à Zé.

Nessa noite, na sala de jantar, os Cinco e o Palu aproveitaram a refeição para estudar pelo cantinho do olho os seus futuros companheiros de viagem. pelo menos aqueles que o Max Normand lhes tinha assinalado como tais. O rapaz instalado a uma mesa próxima da dos seus jovens amigos, dirigia-lhes de vez em quando um olhar cheio de malícia.

- Ele é simpático, não acham? - murmurou o David.

- Mais que a Hortense Richter, em todo o caso - murmurou a Zé, acariciando o Tim por baixo da mesa.

- Ora - disse o Júlio filósofo. - Um cruzeiro é um pouco como a vida! Encontra-se toda a espécie de pessoas, uns bem, outros menos bem e também.

- Uns, francamente, chatos! - acabou muito pouco elegantemente a Zé que não esquecia a afronta feita ao seu cão favorito.

- É proibido falar calão! Aviso para ti e para o David - disse o Júlio. - Se o tio Alberto os pilha.

- Hu! os pilha, isso é calão! - disse o Palu, rindo. Não te zangues, meu velho, os antepassados não podem ouvir-nos.

E, irreverentemente, designava com o dedo os pais da Zé e o professor Lagarde, numa mesa mais longe e mergulhados numa ardente discussão.

- Felizmente que a mesa deles é muito pequena para nos reunir todos! Para uma vida feliz, vivamos separados, é a minha divisa!

- Palu! - censurou suavemente a Ana. - Estás a exagerar! O teu pai, o tio Alberto e a tia Clara são muito amáveis. Dão-nos sempre muita liberdade.

- É mesmo o que faz o seu encanto! - replicou o Palu com uma alegre careta. - Bebamos à sua saúde!

E despejou o seu copo de água duma vez.

No dia seguinte, todos se levantaram muito cedo. Estavam impacientes por embarcarem a bordo do Aquilão. Vários autocarros, postos à disposição dos passageiros, conduziram estes ao cais de embarque. À vista do paquete todo branco, de linhas elegantes, que ia servir-lhes de morada flutuante durante várias semanas, a Zé exclamou, encantada:

- Espampanante! Admirem só este perfil! O Aquilão parece-se com uma grande gaivota pousada na água e pronta a voar.

A Zé era uma fanática do mar. O David olhou para a prima com um ar irónico:

- Além das tuas qualidades bem conhecidas de coragem, de generosidade, de inteligência e de franqueza, ainda por cima és poeta, minha Zezinha!

A Zé, que detestava ser rapariga e tinha horror àquele diminutivo demasiado feminino para o seu gosto, deitou a língua de fora àquele implicante. Depois, alegremente, exclamou com o seu dinamismo habitual:

- Embarquemos depressa! Vamos assaltar o nosso novo domínio!

Numa alegre confusão, os passageiros tomaram posse das suas cabines onde os empregados colocaram as bagagens. Depois tornaram a subir para a coberta para assistirem à partida.

Lentamente, o lindo barco branco afastou-se do cais. O Sol brilhava alegremente no céu. O mar estava de um azul límpido. O cruzeiro começava sob os mais favoráveis auspícios.

Encostados à amurada, o Júlio, o David, a Ana, a Zé e o Palu viam as ondas fazer uma orla de espuma no flanco do navio. Este avançava calma e suavemente, como para permitir àqueles que transportava que saboreassem a embriaguês do seu deslizar.

- Isto é maravilhoso! - murmurou a Ana. - Dá-me a impressão de respirar duas vezes mais.

- Vamos vestir os fatos de banho - propôs a Zé. - Há uma piscina a bordo. Nadamos e podemos bronzear-nos ao sol.

As crianças preparavam-se para descer à cabina quando umas exclamações, por trás deles, os fizeram voltar-se...

Alguns passageiros acabavam de se instalar em cadeirões na coberta para lerem tranquilamente o jornal comprado momentos antes de embarcarem. Era precisamente esse jornal que provocava um reboliço inesperado.

- Viram este artigo? - exclamava um senhor de idade.

- Devia ser proibido alarmar assim o público. Só pode ser uma brincadeira!

- Alguém procura sabotar este cruzeiro! - sugeriu uma senhora ainda nova.

- Não sou da mesma opinião! - protestou uma solteirona. - Eu tomo isso muito a sério. Podemos todos ser assassi nados dum momento para o outro. É horroroso... terrivel. espantoso!           - Acalme-se, menina - atalhou uma mulher que acabava de ler o famoso artigo. - O Máscara Negra é um malfeitor notório, é certo, mas não é um assassino. Mesmo se se encontra a bordo do Aquilão, não vai matar ninguém.

Os miúdos olharam-se siderados.

- O Máscara Negra! A bordo. - disse a Zé. – Vem mesmo a calhar! Se nós conseguíssemos desmascará-lo, a reputação do Clube dos Cinco estendia-se até muito longe.

- Sempre modesta como a violeta! - cantarolou o Palu.

- O que era preciso - disse o David, com vivacidade - era saber o que diz ao certo esse artigo que parece transtornar toda a gente. Eu gostava era de.

Não acabara a frase já o Tim, espevitado pelo Passarola encarrapitado às suas costas, ia direitinho a uma cadeira de repouso sobre a qual alguém abandonara um jornal.

O macaquinho malicioso apoderou-se das folhas e, triunfante, veio oferecê-las ao Palu como um troféu de guerra. O Palu ficou pasmado.

- Ora esta! - exclamou ele. - Esses animais são mais inteligentes do que muitos humanos. Julgo que eles compreendem o que nós dizemos!

- Dá cá depressa! - intimou a Zé, imperiosa. E, quase arrancando o jornal das mãos do companheiro, abriu-o com um gesto impaciente.

Esta manhã as redacções de todos os quotidianos de Paris e Marselha receberam, no primeiro correio, um pequeno cartá assinado pelo Máscara Negra e ornamentado com a já bem conhecida máscara.

Nas suas costas, a voz indignada de alguns passageiros fez-se ouvir:

- Como é que permitiram que este cruzeiro tivesse lugar com uma tal ameaça suspensa sobre as nossas cabeças?

- É insensato!

- É preciso reclamar e pedir uma explicação ao comandante! - gritou mais um.

Antes que alguém tivesse tido tempo de se mexer, um altifalante lançou um convite ao silêncio. Era precisamente o comandante, Yves Perrec, que tinha uma declaração a fazer... Perante a perturbação dos seus passageiros, ele queria sossegá- los:

- O Aquilão - anunciou ele - só partira depois de uma investigação policial rápida, mas apertada. O Máscara Negra não se encontrava a bordo! Todos os passageiros eram honrosamente conhecidos e o pessoal da maior confiança. A informação publicada com demasiada préssa pelos jornais tinha passado em silêncio na rádio a pedido das autoridades, preocupadas em não alarmar o público. Tratava-se sem dúvida alguma, duma simples brincadeira, ainda que de muito mau gosto.

- De qualquer modo - concluiu o comandante em voz animadora -, convençam-se de que, mesmo se o Máscara Negra se encontrasse miraculosamente entre nós, só o facto de ele ter anunciado a sua presença bastaria para o impedir de agir. Não poderá cometer nenhum delito sob pena de se ver rapidamente cercado e apanhado. Não se esqueçam que este barco é uma pequenina ilha flutuante com um número reduzido de habitantes. E agora, eu e a minha tripulação, desejamos-vos boa viagem!

A voz do comandante deu lugar a uma música suave. A Zé tinha um ar tão desiludido que o David desatou a rir.

- Tens que te resignar, minha velhota. Os Cinco têm de se convencer. Nada de Máscara Negra a bordo para nos distrair! Que pavorosa catástrofe!

O Júlio, a Ana e o Palu puseram-se também a rir e o Tim ladrou. O Passarola deu uns gritinhos muito alegres. A Zé acabou por ficar bem disposta. Esqueceram o Máscara Negra.

O resto deste primeiro dia no mar passou-se o mais agradavelmente possível. Aproveitando-se do tempo magnífico, as crianças gozaram todos os prazeres do ar livre: piscina, banho de sol, jogos na coberta. Percorreram também o barco em todos os sentidos, explorando as partes acessíveis ao público e indo de descoberta em descoberta.

Bem depressa a coberta e as coxias não tiveram segredos para eles. Não havia para aquele cruzeiro senão uma classe única a bordo o que facilitava a visita.

Depois da refeição da noite, que reuniu na sala de jantar uma alegre multidão cheia de apetite devido ao ar puro daquele vasto mar, os Cinco, o Palu e o Passarola subiram à coberta.

- Estou um pouco tonta com tanta coisa que vimos - confessou a Ana, bocejando. - Acho que vou dormir muito bem esta noite.

- Não vais já meter-te na cama tão cedo! - protestou o David. - Temos licença de estarmos levantados mais um bocadinho. Se fôssemos ver o filme que passa no cinema de bordo?

- Vamos antes aplaudir o ilusionista - disse o Palu. Parece que há uma sessão muito interessante esta noite.

- Oh, que bom! - exclamou a Ana, entusiasmada. Eu adoro isso!

- Ora! - disse a Zé, desdenhosa. - Uma sessão de ilusionismo é bom para os meninos pequenos que nunca viram nada.

- Mesmo assim vamos! - insistiu o Palu. - Será a maneira agradável de terminar o dia!

O garoto levou consigo os companheiros para a sala de jantar que uns empregados diligentes tinham transformado em sala de espectáculo.

- Como se chama o ilusionista? - perguntou o Júlio.

- Não sei dizer - respondeu o pequeno Lagarde. - Só ouvi o comissário de bordo anunciar a representação a alguém, explicando que se tratava de um ilusionista pouco conhecido, mas excelente.

Os pequenos tiveram a sorte de achar lugares nas primeiras filas. O Tim deitou-se, com muito juizinho, aos pés da Zé. O Passarola dormitava, aninhado no ombro do Palu.

De repente, no estrado erguido à pressa diante daquele público de criançada, um homem elegante apareceu, sorridente. Trazia uma casaca e um chapéu alto. A varinha tradicional dos mágicos reluzia entre os seus dedos.

- Ora esta! - exclamou a Zé já interessada. - Mas é o nosso amigo Max Normand!

- Eu já tinha reparado - disse o Júlio - que ele não nos confiara o que fazia na vida. Ilusionista! É uma profissão divertida! Olha! Já nos viu!

Com efeito, o Max Normand acabava de avistar os seus amiguinhos e dirigia-lhes um pequeno sinal de cumprimento.

Depois disso, lançou-se numa pantominice cheia de graça. Quase imediatamente, começou as suas habilidades. A Ana, de boca aberta, viu-o fazer malabarismo com bolas brancas que desapareceram umas após outras no ar, transformar um canário num pequeno coelho, devorar uma quantidade de salsichas que apareceram depois no seu chapéu alto, enfim, executar as partidas mais clássicas.

A seguir a um pequeno intervalo, o Max Normand apresentou outros números, esses de sua invenção pessoal. Entre outros, sob o olhar maravilhado da assistência, transformou um pequeno jacto de água em fogo de artifício. Depois, com o auxílio de diversas peças, montou um pequeno automóvel com rodas quadradas... que rodava na perfeição. Para coroar tudo, e graças, sem dúvida, a um jogo de espelhos, decapitou uma pessoa que, da melhor vontade, consentiu em subir ao estrado. e calhou a vez ao David!

Para finalizar, viu-se a cabeça do David, sozinha e como que suspensa no espaço, continuar a conversar com o ilusionista. E, durante todo este tempo, o David não se apercebeu de nada.

Depois deste número notável, os aplausos estalaram de todos os lados.

- Bravo! - gritava a Zé, excitada. - Bravo!

- As minhas artes mágicas agradaram-lhes? - perguntou Max.

- Obrigado! Muito obrigado! - respondeu o Passarola, acordado de sobressalto pelo ruído.

Antes que o Palu viesse a si da surpresa, o Tim exclamava estupefacto:

- E esta agora! É a primeira vez que eu oiço um macaco falar, palavra de cão!

A Zé, sem saber que pensar durante um segundo, riu a bom rir. Acabava de compreender que não eram os animais que tinham falado. O Max Normand era, não só ilusionista, mas também, em certos momentos, ventríloquo!

A sessão acabou com estrondosos aplausos. Os Cinco e Palu só foram para as suas cabinas depois de terem calorosamente felicitado o Max. Estavam orgulhosos de o terem por amigo.

A Zé partilhava a cabina com a Ana. e o Tim, claro está! Os três rapazes, ocupavam uma cabina vizinha, com quatro camas. Estavam à larga!

Depois de uma noite dormida dum só sono, os cinco amigos tornaram a encontrar-se frescos e bem dispostos à mesa do pequeno almoço. O tio Alberto e o Sr. Lagarde estavam já mergulhados numa discussão apaixonada, respeitante aos seus trabalhos em curso.

Os pequenos estavam livres para ocuparem o tempo à sua vontade. Neste cruzeiro-surpresa era costume todas as manhãs o comissário de bordo vir anunciar as diferentes etapas do dia. Vendo-o entrar, as conversas pararam.

- Hoje - explicou o comissário Félix Duval, sorrindo

- contentar-nos-emos em navegar ao longo das costas de Espanha. Avistaremos Gerona, Barcelona, Tarragona e Valência. Faremos escala para passarmos a noite nesta última cidade. Depois, amanhã de manhã, viramos a proa às Baleares e visitaremos Ibiza.

- E pronto! - comentou o David. - Só nos revelarão as etapas do percurso à medida que formos avançando.

- Acho estas disposições muito simpáticas - declarou o Max Normand, indo ter com os pequenos. - Isto é diferente dos meus passeios sempre muito bem organizados, quase cronometrados. Aqui, ao menos, posso viajar quase sem destino.

Foi o Max que, à noitinha, depois do jantar, se ofereceu para mostrar Valência às crianças. Com efeito, a tia Clara estava com enxaqueca e não se sentia com disposição para ir a terra. Pelo seu lado, os dois sábios inclinavam-se desde manhã sobre um problema que lhes interessava muitíssimo e não lhes apetecia perder o seu tempo.

Todos se mostraram encantados com a proposta do Max.

O jovem ilusionista já tinha representado em Espanha e conhecia a região. No momento em que ele se preparava para partir com as crianças, a menina Ping, a linda e misteriosa chinesa, pediu para os acompanhar.

-Dá-me a impressão que Valência não tem segredos para si - disse ela gentilmente a Max. - Seria muito bom para mim se me deixasse aproveitar da sua experiência.

Antes que o Max tivesse tido tempo de responder, um rapagão alto, de cabelos hirsutos, boca sorridente e compleição atlética, avançou por sua vez e pediu com todo o seu à- vontade:

- Posso acompanhá-lo também? O meu doente retirou-se ao anoitecer e autorizou-me a distrair-me um pouco. Sozinho corro o risco de me aborrecer.

O seu rosto simpático e alegre dava prazer ver. As crianças sabiam quem ele era. Tinham-no visto a empurrar a cadeira de rodas de Jean Bellac, um homem de negócios, parisiense, que tinha fracturado uma anca, no inverno anterior, num acidente de automóvel, e que só se podia deslocar com muletas. A bordo, o doente preferia circular na cadeira de rodas. O atlético Luciano desempenhava simultaneamente as funções de enfermeiro e de secretário. Os pequenos teriam gostado mais de saírem só com o Max, mas era impossível oporem uma recusa à menina Ping e ao Luciano Merlot sob pena de parecerem grosseiros. De resto, o Max já estava a responder com um amável sorriso:

-Pelo amor de Deus! Juntem- se ambos a nós. E demasiado tarde para visitar monumentos e museus. Temos de nos contentar de ver Valência, viver a sua vida nocturna. uma vida ruidosa e agitada, como a de todas as cidades de Espanha!

Efectivamente, o Max acompanhou os seus convidados através da cidade iluminada e cujos habitantes viviam como se fosse em pleno dia. Parecia que toda a gente viera para a rua!

- É moda nesta terra - explicou o ilusionista. - As pessoas fazem a sesta à hora do calor e saem à noite.

Para acabar, conduziu o pequeno grupo a uma ruazita animada e ofereceu-lhes refrescos na esplanada dum café.

Os pequenos estavam reconhecidíssimos ao Max daquela saída e disseram-lho. O Max piscou um olho:

- Amanhã - disse ele - vamos visitar Ibiza e, desta vez, em pleno dia! Vão ver! É uma ilha maravilhosa!

Dirigiram-se para o Aquilão com uma noite tépida e perfumada. As crianças, a menina Ping e o Luciano Merlot agradeceram ao Max e retiraram-se para as suas cabinas.

- O que é que achaste da menina Ping? - perguntou a Ana quando ficou só com a prima. - Eu, por mim, acho-a simpática.

- Parece uma pantera amansada - disse a Zé. - Ou então uma gata encolhendo as unhas. Nunca sabemos o que esconde o seu sorriso.

-E o Luciano Merlot? Esse é divertido como tudo. Parece-me um bom tipo.

- Talvez. sim. sem dúvida. Vá! Boa noite! Estou a cair de sono.

No dia seguinte de manhã, Félix Duval, o comissário de bordo, anunciou aos passageiros que, depois da visita a Ibiza, o Aquilão faria escala em Córsega, na Ilha Ruiva.

- Vamos lá passar um dia inteiro - continuou ele.

Assim terão tempo de tirar umas fotos e de mergulharem no mar se isso lhes apetecer.

A visita a Ibiza foi absolutamente maravilhosa. Numa alegre confusão, todos os passageiros, sem excepção, desceram a terra. Os que, no princípio do cruzeiro, tinham realmente receado uma intervenção do Máscara Negra, começavam a adquirir confiança. O aventureiro não dera mais novas e também não se manifestava.

- Estás a ver - disse o David à Ana. - Não tinhas razão para te alarmar! O Máscara Negra não está a bordo.

- Não estou assim tão certa disso - respondeu a miúda, repentinamente pensativa. - A rádio não anunciou nenhum delito da parte dele! Ou ele está sossegado... ou está entre nós.

- E, nesse caso, há-de estar igualmente sossegado, minha menina - disse alguém por trás de Ana. - Lembrem-se do que nos explicou o comandante. Operando a bordo, o Máscara Negra traía-se. No nosso ciclo restrito, seria fácil desmascará-lo! Era Fortuné Barge, o pianista, quem falava assim.

A Ana agradeceu-lhe com um sorriso muito amável. Tinha tendência a achar toda a gente encantadora, e o artista, célebre e distinto, agradava-lhe particularmente.

- Espero que o senhor tenha razão! - suspirou ela com gratidão.

Os passageiros, por pequenos grupos, espalharam-se pela ilha cujos terraços sobrepostos e floridos dominavam o mar azul e pareciam outros tantos paraísos terrestres em miniatura.

Toda a gente se declarava encantada excepto, claro,

Hortense Richter que se queixava de tudo: do sol, do vento das pedras... e até do Tim que, contudo caminhava a boa distância dela: ele sentia, instintivamente, que ela não gostava nada dele!

No caminho de regresso, a menina Ping, que ia atrás

do grupo formado pelas crianças e pelos pais, deu de repente um gritinho:

- O meu alfinete de peito! Já não o tenho! É muito valioso e gosto muito dele, sentimentalmente. Era da minha mãe.

Imediatamente o procuraram por toda a parte. Todos voltaram atrás. Bateram as sebes frágeis, examinaram todos os maciços de ervas, inspeccionaram as pedras do caminho. Em vão!

A menina Ping estava desolada. A Zé, os primos e o Palu lembravam-se perfeitamente da jóia que ela acabava de perder: representava um admirável raminho de oiro cinzelado, finamente desligadas as hastes e ornamentado de brilhantes em forma de estrela. Uma verdadeira obra de arte!

Por fim, tiveram que regressar sem o encontrar: a jóia desaparecera de verdade. Foi então que a Hortense Richter achou por bem meter a sua colherada:

- A menina não o perdeu! - disse ela à chinesinha. Acredite-me. Foi um roubo!

- E quem a roubou?

- O Máscara Negra, evidentemente! Esse patife é capaz de tudo!

- Mas, com certeza - concordou, rindo, o Sr. holandês gorducho. - É um golpe desse bandido Máscara Negra. Ontem à noite, eu próprio perdi cem francos ao poquer. Se calhar foi ele que mos roubou. Ah! Ah! Ah!

Furiosa de ver que estavam a troçar dela, Hortense mordeu os lábios e não disse mais uma nem duas.

Era o que ela tinha ganho!

No fim da tarde, o Aquilão lançou âncora na Ilha Ruiva.

-Prepara a tua máquina, Júlio! - disse o David.

Olha para estas lindas cores! Vais tirar umas esplêndidas fotos!

A Zé, como toda a gente, admirava os ilhéus que se viam aqui e além. Mas parecia estar distraída. A Zé, com efeito, estava perturbada. Não conseguia expulsar do espírito uma imagem que se lhe impunha: o Máscara Negra a roubar a jóia da menina Ping. Perguntava a si própria se, desta vez, as recriminações de Hortense Richter não teriam fundamento.

- Quem sabe se não foi, realmente, o Máscara Negra que roubou a jóia! - dizia ela para consigo.

A Zé não ousava dar parte dos seus pensamentos aos primos e ao Palu. Receava que fizessem troça dela porque por vezes censuravam-na de ter imaginação a mais!

- No fundo, até é verdade! - suspirou ela interiormente.

- As minhas desconfianças são certamente ridículas . Não é que o comandante nos assegurou que todos os passageiros eram conhecidos como pessoas sérias? De resto, eu própria começo a conhecer os nossos companheiros de viagem. Não vejo nenhum no papel de Máscara Negra! Vamos, pensemos noutra coisa!

O dia seguinte, na Ilha Ruiva, desenrolou-se sem incidente notável. Os pequenos passaram a tarde a bronzear-se na praia. Quando os passageiros foram para o Aquilão, a fim de mudarem de vestuário para a refeição da noite, esperava-os uma surpresa.

Efectivamente, o comissário de bordo anunciou que essa noite estava previsto um baile.

- Será um baile de máscaras! - declarou ele. - Convidamos a todos, tanto às pessoas crescidas como aos mais pequenos, que se mascarem com os meios de que disponham a bordo mas dando prova de imaginação. Vai haver prémios.

A Zé e os primos deram pulos de alegria: a perspectiva desse baile improvisado encantava-os.

Durante toda a refeição deram parte uns aos outros

das ideias que lhes vinham à mente.

- Eu - disse o Júlio - não vou matar a cabeça.

Ponho um lençol e estarei transformado em fantasma!

- Eu também utilizarei um lençol - declarou David. -, mas para me servir de toga romana. Com umas sandálias e os cabelos penteados em caracolinhos, fico mesmo parecido com o Júlio César.

- Que era careca como todos sabem! - fez notar a Zé desatando a rir. - Eu vou mascarar-me de pirata.

- E eu, como apresentador de macacos! - disse o Palu com um piscar de olhos malicioso. - Na cozinha hão-de dar-me um cartão velho com o qual fabricarei um realejo!

- Eu - anunciou a Ana - serei a rainha Cleópatra. Com a minha toalha de banho às riscas, vou fazer um turbante à antiga. E a minha pulseira em feitio de cobra, será a víbora que deu a morte à rainha do Egipto!

- Quanto a mim - disse o Max, sentado junto dos seus amiguinhos - vou aparecer vestido de faquir indiano. É um pouco desleal para com as outras máscaras! Mas tenho no fundo da minha mala um belo fato de cena!

Os outros convivas faziam também mil divertidos projectos. A Zé olhou de lado para Hortense Richter.

- Ela podia vestir-se de fada má ou de bruxa. Bastava-lhe pegar numa vassoura! - murmurou ela.

- Às nove da noite, a orquestra pôs-se a tocar alegremente. Uns após outros, os passageiros, desejosos de assistir ao baile, apareceram. A tia Clara fazia de odalisca, graças a um pijama vaporoso. O marido e o pai do Palu tinham ficado na sala de fumo.

A aparição de Hortense Richter provocou um sorriso geral. Quisera fazer honra ao seu nome e tinha- se ornamentado toda com flores artificiais, que fora desencantar não se sabia onde, e que faziam o mais ridículo efeito. Desta vez, até estava toda risonha.

O Sr. Hagg chegou com um trapo vermelho na cabeça e as faces vermelhíssimas. Redondo como era, parecia-se mesmo com um queijo da Holanda.

De repente, todos ficaram estáticos: um homem de casaca, mas com o rosto escondido por uma máscara, parara à entrada do salão: o Máscara Negra! A menina Ping, deliciosa num autêntico fato chinês, soltou um grito de pavor. E, logo a seguir, a assistência respirou: tratava-se apenas do sr. Stone, um inglês magro e taciturno que, durante o dia, usava não uma máscara, mas uns óculos escuros.

A surpresa tornou-se divertimento, logo que um segundo Máscara Negra fez a sua aparição. Desta vez a máscara dissimulava o rosto de Pedro Ruiz, o riquíssimo brasileiro. O divertimento deu lugar ao riso quando este segundo Máscara Negra foi seguido dum terceiro: Fortuné Barge. Enfim, a hilariedade atingiu toda a gente quando um quarto máscara se apresentou na pessoa de Luciano Merlot.

- Bem - disse o sr. Stone com uma ligeira careta. - isto é bom para aprendermos a ter mais imaginação. Eu quase esperava fazer sensação, mostrando-me original.

A noite foi sensacional e loucamente alegre. A Zé e os companheiros divertiram-se do princípio a fim. No momento da entrega dos prémios, Jean Bellac, surgiu na sua cadeira de rodas. Também ele queria assistir ao baile.

Com grande pompa, o comissário atribuiu o primeiro prémio à senhora Hortense Richter! A velha bruxa sorriu radiante. Sem dúvida, o comandante quisera lisonjeá-la!

- E agora - exclamou o amável comissário - música!

O serão prolongar-se-á até à meia-noite!

Os músicos, porém, não tiveram tempo de se porem a tocar. Bruscamente, uma senhora gorda precipitou-se para o comissário, muito aflita:

- Comissário! Comissário! É espantoso! Roubaram-me o meu colar de brilhantes. Sim do meu pescoço. enquanto eu dançava com o meu marido!

Tratava-se da sr.a Herrington, uma das maiores fortunas da América. O marido, que possuía poços de petróleo, não parecia lá muito perturbado.

- Ora - disse ele, friamente. - As jóias da minha mulher estão no seguro. O seguro paga!

- Mas, entretanto, eu já não tenho. o meu colar. e o ladrão está a bordo! - exclamou a esposa.

- Talvez a senhora tenha perdido essa jóia! - arriscou o comissário.

-Impossível! Tem um duplo fecho de segurança. Foi preciso que alguém o abrisse. E quem fez esse golpe é muitíssimo habilidoso!

A Zé deu um grito:

- Olhem o que eu encontrei no chão!

Ela entregava a Félix Duval um rectângulo de cartão onde estava gravado, em cima e à esquerda, uma pequena máscara negra.

- O cartão de visita do Máscara Negra! - exclamou o comissário consternado.

- Há duas linhas acrescentadas a lápis! - reparou o David, estendendo o pescoço.

- Sim - disse o Júlio. - Eu vou ler: O Máscara Negra cumprimenta e agradece à sr. a Herrington o seu belo presente!

Um silêncio de morte pairou na assistência. Hortense

foi a primeira a rompê-lo.

- Eu bem dizia! O Máscara Negra está aqui... a bordo do Aquilão! Pode ser qualquer um de nós!

A Zé esteve quase a aplaudir. A intrépida chefe dos Cinco regozijava-se com a sorte que se lhes oferecia para, mais uma vez, terem a ocasião de deslindar os fios emaranhados dum aliciante mistério. O David olhou para ela:

-Bravo, minha velha! Ganhaste! Estás contente, não estás?

A Ana continuava calada. Ajudava de boa vontade os irmãos e a prima nas suas investigações, mas, pessoalmente, não procurava aventuras. Era demasiado meiga e prudente para isso.

O Júlio assumia um ar sério. O Palu deu-lhe uma cotovelada.

- Então, meu velho, o que pensas disto? - perguntou a meia voz. - Parece-me que há pano para mangas para o Clube dos Cinco!

-Certamente! - disse a Zé. - A sorte dá-nos uma oportunidade, inesperada, de tornar um pouco mais divertidas as nossas férias.

- Béu! - fez o Tim, aprovando.

- Hi, hi! - acrescentou o Passarola para não lhe ficar atrás.

- Não percam a cabeça! - interveio, calmamente, Félix Duval. - Vou fazer imediatamente o meu relatório para o comandante. Que ninguém abandone esta sala antes do meu regresso!

Enquanto ele se afastava, todos os passageiros presentes começaram a olhar uns para os outros com ares desconfiados. Cada um dizia a si próprio que o Máscara Negra estava entre eles, e podia ser o seu próprio vizinho.

- O inquérito do comandante e do detective será facilitado - disse o Júlio - devido ao reduzido número de passageiros que participaram nesta festa!

- O meu pai e o Sr. Lagarde não estão aqui - disse a Zé. - Eles, pelo menos, não são incomodados.

- Nós próprios somos demasiado jovens para que desconfiem de nós - acrescentou o Palu, aliviado.

- E a tia Clara é uma mulher! - disse a Ana.

- Ora - disse a Zé, - já pensaram que o Máscara Negra pode, perfeitamente, não ser um homem? Afinal ignora-se a sua identidade!

O David desatou a rir.

- Aposto que foi a menina Ping! - disse ele. - Os asiáticos são malignos como demónios!

- Eu - ripostou a Zé - o que queria era que a culpada fosse a minha inimiga pessoal, a Hortense Richter! Fechavam-na no porão e já o Tim não ficava a tremer como todas as vezes que a vê. Ele, tão corajoso, fica aterrorizado com ela.

- Béu, béu! - fez o Tim, muito convicto.

- Parem de dizer disparates! - intimou o Júlio. - Lá vem o comissário, acompanhado do comandante!

Um indivíduo magro e moreno seguia Yves Perrec que o apresentou aos passageiros atentos:

- O Sr. Veyrac, detective particular da nossa companhia; vai iniciar entre todos vós um primeiro e rápido inquérito. Agradeço que lhe facilitem ao máximo a sua tarefa.

Um após outro, os passageiros desfilaram diante da mesa a que o detective tomara lugar. Cada um declinou a sua identidade e fez o seu testemunho; a Zé e os primos fizeram como os outros. A Zé só pôde indicar pela sua parte, onde encontrara o cartão de visita do Máscara Negra. Finalmente, todos foram apalpados. e só então os passageiros foram autorizados a ir para as suas cabinas. E não se encontrara nenhuma jóia!

O dia seguinte desenrolou-se no meio de uma actividade febril. O Sr. Veyrac, o detective de bordo, ajudado por alguns agentes, procedeu a uma investigação completa das cabines dos passageiros. Ninguém pensou em protestar.

-Tem razão - declarou gravemente o Sr. Stone, o inglês. - O facto de nada encontrar nas nossas coisas prova que estamos inocentes.

Todas as buscas se revelaram infrutíferas. Os quatro primos e o Palu reuniram conselho à beira da piscina, deserta nesse dia, sem os amadores de natação.

- O comandante está muito aborrecido - declarou o Júlio. - O colar de brilhantes da sr. a Herrington continua sem aparecer. O Máscara Negra está de certeza a bordo, mas não conseguem identificá-lo. O que quer dizer que a ameaça de novos roubos paira sobre nós!

- Parece que procuraram não só nas cabinas como em todo o barco! - disse a Ana.

- Sim - replicou o Palu. - É possível que o Máscara Negra tenha escondido a jóia noutro sítio que não seja a cabina. num sítio qualquer onde pense recuperá-la mais tarde.

- Eu suponho que todas as bagagens serão revistadas quando os passageiros deixarem o Aquilão, no fim do cruzeiro.

- Evidentemente, Ana! - respondeu a Zé. – Mas não se pode impedir as pessoas de descerem a terra durante as escalas. E também não podem ser revistados todas as vezes. Talvez o Máscara Negra aproveite essa circunstância para expedir o colar duma estação de correio qualquer, dirigido a ele mesmo!

- Muito bem! - exclamou o David. - Só nos resta vigiar toda a gente! Os que se dirigirem para uma estação de correio serão suspeitos. Talvez, assim, consigamos desmascarar o ladrão!

A prima suspirou, pouco convencida.

A Zé pôs-se a rir.

- Estás a exagerar, mas tens uma certa razão, Palu. De qualquer modo, os meus pais não gostariam que nos lançássemos numa nova aventura que pode tornar-se perigosa.

- Perigosa? Que queres tu dizer? - perguntou a Ana, abrindo uns grandes olhos.

- Ora essa! imagina só as reacções do Máscara Negra se conseguirmos arrancar-lhe a sua máscara!

A Ana teve um arrepio de medo.

- É verdade! - suspirou ela. - É um grande risco que nós corremos!

Mas isso de maneira alguma servia para fazer parar a intrépida Zé. Excitada ao máximo por saber o Máscara Negra a bordo, contava tentar o impossível para o identificar primeiro e fazer com que o prendessem em seguida.

Mas o empreendimento era perigosíssimo. Era agir com prudência e astúcia.

Os Cinco, o Palu e o Passarola formavam uma equipa bizarra, mas sólida. A Zé esperava muito da cooperação de todos. Como eram apenas crianças, acompanhadas por um bom cão e por um inocente macaquinho, o Máscara Negra nunca desconfiaria deles. E nem lhe passaria pela cabeça que eles conduzissem um inquérito à margem do das autoridades. Por isso, talvez, tivessem mais probabilidades de êxito do que o Sr. Veyrac.

O Aquilão ficou um dia suplementar na Ilha Ruiva, para que o detective tivesse tempo de tomar contacto com a tripulação e que a sr.a Herrington pudesse apresentar queixa. Depois o barco levantou âncora para passar ao longo da costa ocidental da Córsega, em direcção ao sul.

O tempo continuava esplêndido. A bordo, contudo, a preocupação das pessoas passava a pouco e pouco. Uma investigação efectuada na Ilha Ruiva pela polícia oficial não dera em nada. Porém, foi com o maior cuidado que revistaram cabinas, bagagens e passageiros!

Passada a primeira perturbação, os passageiros que tinham embarcado para se distraírem, reagiram. Não queriam deixar-se desmoralizar pela misteriosa presença do Máscara Negra. Afinal, nada provava que o malfeitor agisse de novo.

Em pequenos grupos, os passageiros participantes na excursão meteram-se pela estrada ladeada de falésias vermelhas.

- É inútil vigiar seja quem for! - disse baixinho o David à prima. - Não há estação de correio na vizinhança.

- Mesmo assim, convém estarmos bem atentos - respondeu-lhe a Zé no mesmo tom. - Sabe-se lá.

Em breve, contudo, os cinco pequenos ficaram maravilhados pela beleza do espectáculo. O próprio Tim parecia impressionado pela vista grandiosa que se disfrutava do alto do monte escarpado. Com as patas da frente apoiadas ao parapeito de pedra, ali ficou um bom bocado a ladrar.

Aborrecida, a Zé, que estava a ver o Júlio tirar retratos, acabou por lhe gritar que se calasse. Todo triste, o Tim voltou para o pé dela muito calado. A Ana posava diante da objectiva com os cabelos loiros ao vento. O David e o Palu, um pouco mais longe, riam às gargalhadas de verem o Passarola dirigir um grande discurso a um burro surgido de repente do mato e que parara espantado à vista do macaco mesmo no meio da estrada.

Quando todos fotografaram de todos os ângulos os pitorescos vales escarpados invadidos pelo mar, o Félix Duval, fazendo de guia com Max Normand que conhecia bem a região, anunciou que um almoço campestre, composto de especialidades da Córsega, esperava os viajantes na Estalagem do Norte, em Piana.

Tornaram, pois, a descer alegremente para a aldeia. O burro, encantado pela lábia do Passarola que acabara por lhe saltar para as costas, foi andando, naturalmente, atrás dos turistas. A Zé, vendo uma padaria, comprou à passagem um pão com que regalou o seu novo amigo de longas orelhas. Tim, animal bonzinho, não manifestou o mínimo ciúme.

Na Estalagem do Norte, todos se sentaram à mesa, alegremente. Estava-se já no meio da refeição quando a voz de Hortense Richter se elevou, áspera e penetrante, interrompendo as conversas:

- O que faz este talher ao meu lado? Só serve para incomodar! Tirem-me isto daqui!

O Félix Duval fez um sinal ao empregado de mesa e murmurou-lhe uma ordem. O rapaz pareceu admirado, tirou uma lista da algibeira e consultou-a.

- O senhor, tinha-me prevenido que seriam ao todo dezoito pessoas. Não estou enganado, pois não?

-Não - respondeu o comissário. - Efectivamente dezoito pessoas participam neste passeio. Os outros passageiros preferiram ficar a bordo. Porquê essa pergunta?

- Porque, por agora, estão apenas dezassete. Este talher que o senhor me pede para tirar está previsto para mais um conviva, o décimo oitavo, portanto. Esse senhor ou senhora ainda aqui não está, e é tudo!

O comissário contou rapidamente as pessoas.

Efectivamente, o empregado não estava enganado. Estavam ali apenas dezassete convivas.

A Zé, que ouvira tudo, contou por sua vez. O grupo que descera em Piana incluia os passageiros mais ávidos de ver tudo e de aproveitar todas as saídas, isto é: o Júlio, a Zé, o David, a Ana e o Palu (ou seja cinco crianças); o amigo deles, Max Normand; a menina Ping; Hortense Richter; o industrial brasileiro, Pedro Ruiz; o sr. Stone, o inglês; Fortuné Barge, o pianista; o sr. Hagg, o lapidador de diamantes holandês; Jean Bellac que se deslocara com o auxílio de Luciano Merlot; o sr. e a sr.a Herrington; a tia Clara e, claro está, Félix Duval. Eram, portanto, dezoito. E apenas havia dezassete pessoas à volta da mesa!

- Falta o sr. Ruiz! - disse a Zé, muito senhora de si.

- Mas ainda há pouco o vi. Estava a tirar fotografias aos vales escarpados e rochosos, a poucos metros de nós!

Cada um olhou à sua volta, como se isso, por magia, pudesse fazer surgir o ausente.

- Sim - disse Max, lentamente. - É, realmente, o sr. Ruiz que falta. Onde diabo se meteu ele?

- A menina diz que o viu ainda há pouco no Vale Calancas?

- Béu, fez o Tim.

- Com certeza - respondeu a Zé. - Mas não lhe prestei especial atenção. Agora lamento que o não tenha feito.

Só os primos e o Palu compreendiam a que ponto a Zé estava furiosa consigo própria. Depois de ter aconselhado os companheiros a abrir bem os olhos, ela perdera a noção do tempo, admirando a paisagem. E eis que o Pedro Ruiz desaparecera. A chefe do Clube dos Cinco censurava-se a si própria, amargamente.

- Talvez não esteja longe! - arriscou o sr. Hagg, optimista.

- Pode ter-se ausentado só por uns minutos!

- Desde que estamos sentados, já tinha tido tempo de se juntar a nós! - fez notar o comissário, visivelmente preocupado.

Félix Duval levantou-se da mesa. Dirigindo-se aos outros declarou:

-Fiquem aqui. Continuem a almoçar, tranquilamente. Eu vou à procura do sr. Ruiz.

- Eu vou consigo! - propôs o Max, espontaneamente.

- Podemos ir também? - perguntaram ao mesmo tempo a Zé e o Júlio.

- E porque não? - disse o Max. - Sabe-se bem que os jovens têm sempre necessidade de se mexerem. Venham então!

Os Cinco e o Palu, com o Passarola encarrapitado no seu ombro, levantaram-se ao mesmo tempo. Depois de terem verificado que o brasileiro não se encontrava na estalagem, o pequeno grupo seguiu pela estrada aberta no terreno escarpado. Chegaram às Calancas sem terem encontrado o Pedro Ruiz. Este parecia ter-se volatilizado.

- Não percebo mesmo nada disto - murmurou o comisário.

Um béu imperioso do Tim cortou-lhe a palavra. O cão acabava de se atirar contra o parapeito que dominava o mar e ladrava com todas as suas forças. Depois voltou a cabeça para a Zé e dirigiu-lhe um olhar eloquente.

- O meu cão viu qualquer coisa! - exclamou a Zé.

Ainda há pouco, ele ladrava neste mesmo lugar. Vamos! Sem esperar ela debruçou-se, seguida pelos companheiros. O Tim ladrou outra vez. Com o focinho estendido, parecia olhar um ponto lá em baixo. A Zé inclinou-se.

 

' Vales abertos em terrenos escarpados por onde o mar entra, na Córcega.

 

Distinguiu, então, uma forma humana, alongada, entre dois maciços de lentiscos, sobre uma rocha. Por baixo, as vagas esmagavam-se contra os recifes.

- Oh, meu Deus! - exclamou a Ana que por sua vez se tinha inclinado. - É mesmo o sr. Ruiz. Estou a reconhecê-lo pelo seu fato carmezim com riscas cor-de-rosa. Só ele é capaz de usar uns fatos tão vistosos!

- É ele é - disse o comissário, cerrando os dentes. Temos que o tirar dali.

- Mas ele está amarrado de pés e mãos! - exclamou o Max, cuja vista era penetrante. - Ora esta!

- Venha! - intimou Félix Duval a Max. - Não há tempo a perder. Nós dois, conseguiremos trazê-lo para cima!

Apesar dos protestos do Júlio, e das preces da Ana, a Zé e o David saltaram o parapeito, seguindo os dois homens.

Nem um nem outro tinham vertigens. E era uma sorte pois era grande a altura que separava do mar a estreita plataforma onde se encontrava o plantador brasileiro.

Os quatro conseguiram sem dificuldade chegar até ao homem inanimado. Pedro Ruiz tinha os olhos fechados. Um pouco acima da fonte direita, um ferimento parecia indi que o seu agressor lhe batera antes de o amarrar.

Não sem custo, Félix Duval, Max, a Zé e o David puxaram o brasileiro até ao parapeito. O Júlio, o Palu e a Ana ajudaram-nos a fazê-lo passar por cima.

Estenderam então o pobre homem sobre uma escarpa na erva, num canto à sombra. O Max cortou, com um canivete, um delgado cordel que lhe ligava os tornozelos e os pulsos. Depois friccionou-o para activar a circulação do sangue.

A Ana, com os gestos meigos duma boa pequena humedeceu as fontes do infeliz com água de colónia que por felicidade trouxera na malinha.

 

' Planta que segrega um líquido viscoso.

 

Ao fim dum momento, Pedro Ruiz voltou a si e fez a pergunta clássica:

- Onde estou eu?

Depois, antes mesmo que lhe tivessem respondido, recuperou a memória, assim como toda a lucidez.

Então uma chama de cólera brilhou-lhe nos olhos.

- Onde está o miserável que me atacou? - exclamou com uma voz sonante que tranquilizou imediatamente os que o rodeavam sobre o seu estado de saúde. - Se alguma vez lhe ponho a mão, há-de ver o bom e o bonito!

- Quem era? - perguntou com vivacidade o comissário.

- Como quer você que eu saiba? - resmungou o Pedro Ruiz apalpando a cabeça. - Eu tinha-me afastado um pouco dos outros para fotografar melhor estas estranhas rochas vermelhas quando, de repente, alguém me agarrou por trás. Fizeram-me um golpe de judo. A cabeça bateu no solo com violência e... não me lembro de mais nada!

- O meu cão é que o descobriu lá em baixo numa rocha suspensa por cima das ondas - começou por dizer a Zé, e... Foi interrompida por uma palavra menos bonita que escapou ao sr. Ruiz, cujo furor aumentava.

- Misericórdia! - acrescentou o brasileiro. - Roubaram-me. Vejam! Desapareceu-me a carteira, não tenho nada! As minhas algibeiras estão vazias. E o rubi valioso que usava no dedo foi-se também. Ah . o que é isto?

Acabava de achar, no fundo dos bolsos que explorava febrilmente, um cartãozinho branco, rectangular, decorado com uma meia máscara negra.

A Zé reconheceu logo o cartão à primeira vista.

- Outra vez o Máscara Negra! - exclamou bem alto. Estava então entre nós hoje! Este homem é de uma audácia, de uma imprudência louca! - E baixinho aos primos: óptimo. Aqui está o que vai facilitar as nossas investigações! Esquecendo a pouca sorte de Pedro Ruiz, era a custo que continha a sua alegria. O último golpe do Máscara Negra só podia contribuir para o perder. Os Cinco acabariam, de certeza, por penetrar no seu segredo!

Nessa noite, a bordo do Aquilão, só se falou da agressão de que fora vítima o infortunado sr. Ruiz. Uma busca aos suspeitos não resultara. O Máscara Negra tivera tempo de esconder o seu roubo.

Claro que a Hortense Richter formulava as mais assustadoras previsões.

- Vão ver que seremos todos assassinados nas nossas cabinas, uns após outros! - profetizou ela. - Eu bem preveni!

E ela parecia deleitar-se com as suas sinistras palavras que, de resto, ninguém escutava.

Depois do jantar, a Zé, o Júlio, o David, a Ana e o Palu subiram, com o Tim e o Passarola, à coberta superior para conversarem em paz, abrigados por um dos barcos de salvação.

- O que vamos fazer? - perguntou o Júlio à Zé. - Ocolar da sr. a Herrington, o rubi e a carteira do sr. Ruiz, talvez mesmo a jóia da menina Ping. e o nosso inquérito, por assim dizer, ainda não começou!

- Espera um pouco - disse a Zé. - Vamos puxar pelas cabeças antes de passarmos à acção. Sem um plano feito, arriscamo-nos a falhar.

- De acordo! - disse o David. - Para começar, passemos os suspeitos em revista.

- Isso mesmo! - disse o Palu. - Fazemos a lista das pessoas que participaram na excursão de hoje e, elibando aqueles de quem não podemos desconfiar. O Máscara Negra encontra-se forçosamente entre os outros.

-Já repararam? - disse a Ana. - Os que estavam connosco hoje assistiram, igualmente, ao baile de máscaras!

O Júlio tirou um papel da algibeira e começou a inscrever o nome dos passageiros que tinham tomado parte no passeio às Calancas. Depois leu-os em voz alta.

- São dezoito pessoas! - resumiu a Zé. - E des dezoito, há vários que podemos, desde já, riscar da lista negra.

- Comecemos por afastar a tia Clara e nós próprios!

disse o David. - Já estão seis suspeitos a menos!

- Não te esqueças do comissário Félix Duval e do nosso amigo Max! - acrescentou a Ana.

- Oito.

- Podemos igualmente riscar o infeliz Pedro Ruiz - disse o Júlio. - E também a magricela Hortense Richter. Não estou nada a vê-la a atacar o Pedro Ruiz com um golpe de judo.

A Zé ergueu a mão.

- Atenção! Não podemos julgar pelas aparências. O Pedro Ruiz talvez tenha fingido esta agressão. Ter-lhe-ia sido fácil ferir-se ligeiramente na testa, ligar a si próprio os tornozelos e até mesmo os pulsos. Depois disso, só lhe restava proclamar que o Máscara Negra o tinha roubado.

- Mas com que fim? - perguntou o Palu, estupefacto.

- Para desviar as atenções dele próprio se, por acaso é ele o Máscara Negra. Quanto à Hortense Richter, é mais robusta do que parece e nada prova que ignore o judo. No fim de contas, é um desporto destinado aos fracos que desejam defender-se contra os mais fortes. ou atacá-los.

- Bom, visto que assim o queres, deixemos então o Ruiz e a tua inimiga pessoal na lista! - condescendeu o Júlio.

- Mas podemos eliminar o Jean Bellac que é doente.

- Doente? Que provas temos disso? - disse com ímpeto a Zé.

- Passa por doente - explicou a Zé - porque se diz assim e se desloca com dificuldade. Mas a sua doença pode ser apenas um disfarce no caso de ser ele o Máscara Negra.

O David abanou a cabeça:

- Talvez não deixes de ter razão! Nesse caso, o Luciano Merlot seria seu cúmplice. Vejamos, e o que pensas tu do sr. e da sr. a Herrington?

- Como o Ruiz, podem muito bem ter simulado serem vítimas do Máscara Negra.

- Em suma, concluiu o David, restam-nos dez suspeitos: o sr. Stone, o sr. Hagg, o Fortuné Barge, a Hortense Richter a menina Ping, o sr. e a sr. a Herrington, o Pedro Ruiz, o Jean Bellac e o Luciano Merlot!

- Exactamente.

- Tanta gente! - disse o Palu.

- O sr. Barge é amável demais para poder ser culpado

- protestou a Ana.

-Nos romances policiais o culpado é sempre o

que parece mais inocente! - lembrou o Júlio.

- Se pedíssemos ao Max que nos ajudasse? - sugeriu

o David. - Já lhe falei das proezas do Clube dos Cinco. Isso pareceu interessá-lo.

- Ele pretenderia, com certeza, tomar a sério o inquérito - declarou a Zé -, mas mais vale desembaraçarmo-nos sozinhos.

- Não é essa a minha opinião - disse o Júlio. O Máscara Negra é um indivíduo perigoso. Ter connosco uma pessoa crescida pode ser-nos muito útil. E o Max é, realmente, um tipo às direitas.

A Zé mostrou-se contrariada, mas acabou por ceder. Os Cinco e o Palu foram, pois, procurar o Max. O rapaz, posto ao corrente do plano, aceitou ajudá-los.

- Fico lisonjeado que tenham recorrido a mim - disse-lhes amavelmente. - Estou à vossa inteira disposição. Mas não se esqueçam que têm que enfrentar um atrevido resoluto e extremamente hábil. Desmascará-lo não vai ser fácil!

No dia seguinte, de manhã, depois duma noite passada na baía de Ajácio, os passageiros visitaram a cidade e as Ilhas Sanguinárias. Depois, o Aquilão continuou a navegar fazendo rumo à Argélia.

Coisa curiosa, ninguém pensava em desertar do cruzeiro: Aqueles que o Máscara Negra despojara, pensavam nada ter já a recear dele. Os outros só receavam pelo seu dinheiro. O malfeitor lançara-lhes um desafio. Pois bem, eles aceitavam-no.

- Também é preciso pensar - explicou a Zé, espertalhona - que, se alguém fugisse do Aquilão, poder-se-ia logo imaginar que era o Máscara Negra. A polícia não deixaria de o massacrar. Por isso, todos se conservam muito quietinhos.

- E os que o nosso homem roubou sabem também que a companhia de seguros pagará! - acrescentou o Max.

O pequeno-almoço reuniu os passageiros na sala de jantar. Yves Perrec, o comandante, concedeu às crianças a honra de as acolher à sua mesa. Lisonjeadas, a Zé, o Júlio, o David, a Ana e o Palu aproveitaram para o interrogar sobre o que chamavam a bordo O Mistério do Máscara Negra.

O rosto do comandante tornou- se sombrio:

- Este homem estraga o nosso cruzeiro - confessou ele.

- O Sr. Veyrac está na expectativa. Espera poder desmascarar o bandido dentro de pouco tempo.

Ao pensar nas pesadas responsabilidades que tinha que enfrentar, o comandante sentiu gotas de suor escorregarem-lhe pela testa. Ao limpá-las, tirou do bolso o lenço, arrastando, assim, um pequeno cartão que caiu no chão. A Zé baixou-se com vivacidade para apanhar o objecto. Então, imobilizou-se, siderada.

Era um dos cartões de visita do Máscara Negra! Estupefactos, os pequenos convivas contemplavam Yves Perrec. O comandante! Era impossível que fosse ele o malfeitor? Não, com certeza. E contudo...

Antes que voltassem a si da sua surpresa, o Passarola saltou de repente e, com um ar descontente, arrancou o cartão das mãos da Zé. Depois, sempre a palrar, correu a metê-lo no bolso da camisola do comandante, onde ele se encontrava uns momentos antes.

Então, o Palu desatou a rir. Acabava bruscamente de compreender.

- Desculpe o meu macaco, comandante! Foi ele que pregou esta partida, o maroto!

Alguns passageiros, contudo, atraídos pelo incidente, observavam o cartão que o Yves Perrec tirara de novo do bolso.

- Mas este é o meu cartão! - exclamou, de repente,

Pedro Ruiz. - Quero dizer. o que o Máscara Negra deixou em cima de mim depois de me ter atacado! Reconheço-o perfeitamente! Vejam! Há aqui, à direita, uma minúscula nódoa de sangue, proveniente da minha ferida. Este cartão tinha ficado na minha cabine e.

-E o Passarola surripiou-lho para o meter no meu bolso - acabou por dizer o comandante com um ligeiro sorriso. Diabos! Esse macaquinho causou-me um embaraço!

O incidente terminou entre risadas.

Encostada à amurada, a Zé via desfilar as costas de África. Perguntava a si própria se a próxima escala se passaria tão bem como a de Ajácio.

De tarde, chegaram à Argélia. A visita à cidade ocupou as horas que se seguiram. A das grutas da Chiffa estava inscrita no programa do dia seguinte.

Nesse dia, o grupo dos passageiros ávidos de ver tudo, aumentado de mais alguns, tomou lugar num autocarro de aluguer. Claro que a Zé, os primos e o Palu, sem esquecer o Tim e o Passarola, estavam instalados nos primeiros lugares.

-As gargantas ou desfiladeiros que vamos visitar - explicou o comissário Félix Duval aos turistas - servem de quadro pitoresco ao célebre Vale dos Macacos. Este, como o nome indica, é frequentado por tribos inteiras de símios.

O David deu uma cotovelada no Palu.

- Espero que segures o Passarola pela trela, meu velho! Só faltava agora que ele se escapasse.

- Está descansado! - respondeu o pequeno Lagarde. Ele gosta bastante de mim para não fugir e ir juntar-se a seus semelhantes.

Os desfiladeiros de Chiffa pareceram muito belos aos pequenos; ficaram impressionados pela altura das árvores que lá cresciam e ensurdecidos pelos chios dos macacos que apareciam por todo o lado à volta deles. O Passarola puxava uma corrente para chegar ao pé, não dos seus congéneres, mas da carroça dum pequeno árabe que vendia amendoins.

O Tim, assaltado por dois macacos que lhe puxavam a cauda e as orelhas, foi valentemente defendido pelo Passarola que, renunciando aos seus sonhos de guloseima, pôs-se a distribuir sopapos à esquerda e à direita para o libertar. Os transeuntes, atraídos por este singular espectáculo, agruparam-se à volta deles, rindo. De repente, ouviu-se um grito... A Zé e os companheiros voltaram-se rapidamente. A alguma distância dali, a menina Ping fazia frente a um grande macaco que lhe barrava a passagem. Bruscamente, o animal agarrou num pau e, com a arma erguida, fez menção de atacar a chinesinha.

Antes que alguém tivesse tempo de intervir, aconteceu uma coisa surpreendente: a frágil menina Ping, longe de parecer assustada, foi direita ao seu adversário, agarrou no braço peludo que a ameaçava, deu uma pirueta sobre si própria e fez balouçar por cima da sua cabeça o grande macaco que se pôs a lançar gritos de terror. Então ela largou-o: o animal levantou-se de um salto e desatou a fugir. Viram-no desaparecer entre a folhagem, sem querer saber de mais nada. As crianças trocaram uns olhares de inteligência.

- Vocês viram isto? - murmurou a Ana. - A Ping sabe judo! E tem um sangue frio extraordinário.

- Isto dá que pensar - respondeu o David no mesmo

tom. - Aquela menina está a tornar-se o nosso suspeito número um.

- Sim - admitiu o Júlio, pensativo. - Ela poderia ter atacado o Pedro Ruiz.

Os jovens detectives regressaram à Argélia, prometendo eles mesmos vigiarem a menina Ping. O Max era da opinião deles: ele também desconfiava mais da pequena e frágil chinesa, agora que conhecia a sua mestria no judo.

A etapa seguinte, depois de um agradável passeio ao longo das costas da Argélia e da Tunísia, era Cartago; o Aquilão lançou a âncora no golfo de Tunes, justamente junto da cidade antiga que se elevava em pequenos degraus, com as suas magníficas vivendas brancas metidas entre as palmeiras, até à catedral de São Luís.

Designando esta com um gesto, o Max explicou aos seus amigos:

- Foi neste local que São Luís, assaltando Tunes, morreu de peste em 1270. E foi aqui, igualmente, que Dido, em 878 antes de Jesus Cristo, fundou a célebre cidade!

A Zé, os primos e o Palu felicitavam-se de terem o Max por guia. Parecia conhecer tudo, ter visto tudo. É que ele viajara tanto!

Quase todos os passageiros, desta vez, quiseram descer a terra para visitarem as famosas ruínas de Cartago.

- De qualquer modo - declarou a Zé aos amigos. - temos de nos preocupar com os nossos dez suspeitos, visto que são os únicos a encontrarem-se sempre nos sítios onde operou o Máscara Negra. Este facto elimina todos os outros.

- Eu - disse o Palu - não recuarei um passo quanto a Ping.

- O Clube dos Cinco bastará para vigiar os outros no barco - declarou a Zé, com soberba. - Estaremos em toda a parte ao mesmo tempo.

- Isso agora - disse o Júlio, rindo - acho que estás a exagerar um pouco. Não podemos desdobrar-nos.

- Pessoalmente - disse o Max - vigiarei a Richter. Ela pediu-me que lhe servisse de escolta.

- Desejo-lhe muito prazer nessa companhia! - disse o David, alegremente.

A visita das ruínas fez-se sob um sol ardente. Um pouco cansado, Fortuné Barge, o pianista, sentou-se em cima duma pedra, à sombra do pórtico de um templo em ruínas.

Os pequenos avistaram-no de longe. Estava só e fumava um cigarro. Um pouco mais tarde, quando todos tinham ido para os autocarros, o sr. Barge exclamou de repente: - O meu relógio! Já não o tenho!

- Era um relógio electrónico, de platina - explicou ele -, e de imenso valor.

- A última vez que vi as horas foi lá, à entrada do velho templo.

- Sim - disse a Zé. - O senhor ficou muito tempo naquele lugar. Talvez o tenha lá perdido. Vamos ver!

Ela caminhou, seguida dos companheiros, na direcção do pórtico em ruínas. Os pequenos acharam com facilidade á pedra sobre a qual descansara o pianista. Mas não havia sinais do relógio. Em contrapartida, apertado entre duas pedras, bem em evidência, um cartão branco atraíu a atenção.

Era mais um cartão de visita do Máscara Negra!

- Isto é demais! - exclamou a Zé, louca de raiva. Esse indivíduo roubou o relógio a Fortuné Barge, ali, quase sob as suas barbas! Anda a fazer troça de nós!

- Isso leva-nos a considerar inocente o sr. Barge, nãoé?

- perguntou a Ana.

-Nada disso! - afirmou o David. - Ele continua a ser tão suspeito como as duas outras vítimas do Máscara Negra.

- Vamos perguntar-lhe se ninguém se aproximou dele enquanto estava aqui a descansar - decidiu a Zé.

Mas o músico apenas vira passar a Hortense Richter escoltada pelo Max. A velha senhora apenas trocara uma ou duas palavras com ele.

- Ah, sim, contudo! - exclamou bruscamente Barge, batendo na testa. - O Sr. Bellac e o Luciano pararam um momento junto de mim. Mas não posso realmente desconfiar de nenhum deles.

A Zé reflectiu rapidamente. O Sr. Barge, sempre distraído, podia muito bem ter falado a outras pessoas. Os outros tinham-se dispersado de tal modo na paisagem que os Cinco tinham tido muita dificuldade em os não perder de vista... tanto mais que eles não pretendiam fazer-se notar! Somente, o Palu se mostrou afirmativo: seguira tão de perto a menina Ping que podia jurar por tudo que ela não era culpada.

- A minha presença sempre atrás dela acabou mesmo por a importunar - confessou o Palu aos companheiros. - Ela até me pediu para eu não a perseguir constantemente. Então contentei-me em a observar menos abertamente. Porém, não a perdi de vista nem um só momento. Podemos riscá-la da nossa lista de suspeitos.

Entretanto, os condutores apressavam os retardatários a subirem para os autocarros. As crianças não se fizeram esperar...

Durante o breve trajecto entre Cartago e Sidi, onde parariam para tomar o chá com hortelã e admirar a paisagem, o Júlio tirou do bolso a lista dos suspeitos discretamente, riscou o nome da menina Ping!

- Realmente, eu nunca desconfiei dela! - confiou ele à Zé num murmúrio. - Não estou a ver uma mulher no papel do Máscara Negra.

-Pois eu, continuo a considerar a Hortense como suspeita! E em Sidi Bou Said, hei-de segui-la como sua sombra! O Max acaba de me confessar que a deixarra ao fim dum quarto de hora de passeio, tanto ela o aborrecia com as suas recriminações. Daqui a bocado, serei eu que servirei de guia e de apoio para os seus passos cambaleantes.

Com efeito, logo que chegou a Sidi Bou Said, a Zé precipitou-se para a sua inimiga, e propôs-lhe acompanhá-la na sua visita à aldeia.

A Hortense Richter lançou- lhe um olhar desconfiado.

- Combinado. se isso a diverte! - disse por fim.

Oh, não, pelo contrário! Aquilo não divertia nada a Zé. Mas ela dizia para consigo que, se a etapa tivesse que ser perturbada por qualquer manifestação do Máscara Negra, saberiam pelo menos com que contar no que respeitava à velhota.

Os passageiros do Aquilão começavam a estar fartos até à ponta dos cabelos de todos aqueles incidentes do cruzeiro. Quase por toda a parte, era preciso perder tempo a fazer declarações à polícia. Tornava-se insuportável.

Depois de terem tomado o chá num café árabe, os viajantes encaminharam-se, como era hábito, cada um para os seus locais favoritos. Como combinado, a Zé seguiu a Hortense Richter. O Tim abria a marcha, agitando a cauda como para significar que estava feliz de participar na acção.

A Zé teve que dar provas duma paciência de santo durante toda a excursão. A sua companheira insistiu em subir uma escada íngreme que ia ter a um mirante, encostando-se ao seu ombro. A pobre Zé, transpirando e fatigada, manteve-se, porém, firme e aguentou. Enfim, satisfeita, a velha senhora manifestou o desejo de voltar para o carro.

Chegando ao pé do seu veículo, as duas verificaram que uma singular animação reinava entre os seus companheiros de viagem. Estes gesticulavam e falavam muito alto. O David viu a prima e fez-lhe sinal. Ela acorreu.

- O sr. Hagg foi atacado! - anunciou o David.

- Sim - disse a Ana. - O pobre homem afastara-se dos outros. Alguém o assaltou e lhe arrancou o casaco que segurava no braço. O sr. Hagg não teve a possibilidade de reconhecer o agressor. O homem trazia uma meia máscara preta. e também um fato como o do sr. Stone. Fugiu. O sr. Hagg é gordo. Não conseguiu apanhar o fugitivo. Encontrou o casaco no chão alguns minutos depois.

- Mas a carteira desapareceu - acrescentou o Júlio. Em vez dela, o sr. Hagg achou o cartão de visita do Máscara Negra.

- Eu peço para ser revistado! - exclamou o sr. Stone, indignado. - Se sou eu o ladrão, tenho, de certeza, a carteira comigo! Exijo uma busca! Sim, exijo-a!

- Eu não o acuso! - respondeu o gordo holandês, muito aborrecido. - Vamos fazer o nosso depoimento à polícia.

Tudo isso, claro está, não levou a nada. O sr. Stone não tinha com ele a carteira do sr. Hagg; este bem podia dizer adeus ao dinheiro. O sr. Veyrac, o detective de bordo, suportava o seu ressentimento em silêncio: O Máscara Negra escapara-lhe mais uma vez!

- Em todo o caso - murmurou a Zé, pensativa enquanto o carro seguia a estrada de Tunes -, devo riscar a nossa querida Hortense Richter da lista.

- Já só nos restam oito suspeitos! - lembrou o David.

- Sete homens e uma mulher! - disse o Palu.

-Já repararam - disse a Ana - como o Máscara

Negra actuou muitas vezes, nestes últimos dias? Tem de desafiar toda a gente: o sr. Veyrac, o comandante, os passageiros, a polícia. e até nós!

- Pergunto a mim própria o que nos reserva a etapa

de Tunes - resmungou a Zé. - Pela maneira como vão as coisas, tenho uma ideia de que vai passar-se qualquer coisa má no sítio para onde vamos!

O Max Normand ria à socapa. Ele compreendia

que a Zé estava sobretudo despeitada de ver que a sua inimiga pessoal, e do Tim, estava agora fora de suspeita. O Tim tinha um aspecto abatido. O mau humor da dona também contava para ele. E foi em vão que o Passarola se empenhou a fazer caretas para o distrair.

Como Tunes ficava a poucos quilómetros de Sidi Bou Said, os viajantes chegaram lá num instante. O programa indicava um jantar típico da região no Hotel Nova-África.

O Hotel Nova-África erguia- se no centro da cidade a dois passos da grande mesquita. Era um edifício ultra- moderno, de seis andares, servido por quatro elevadores. Era animado por um perpétuo vai-vém. Os salões eram no quinto andar e a sala de jantar no segundo.

A maior parte dos turistas, com muita sede, começaram por subir ao bar, no terraço. Outros preferiram descansar nos salões. Outros optaram por ficar na vasta sala de recepção onde se podiam ver montras com objectos para vender e onde um jacto de água mantinha uma agradável frescura.

As crianças acharam engraçado instalarem-se no bar, encarrapitadas em bancos altos, enquanto os adultos optavam por assentos mais confortáveis.

Saboreando uma bebida aromatizada com anis, sem álcool, os cinco amigos discutiram os acontecimentos do dia.

- O sr. Stone tornou-se o meu suspeito número um! declarou o Palu enquanto o Passarola furtava azeitonas do pequeno prato em forma de canoa.

- Temos de ser imparciales! - disse a Ana.

- ciais - rectificou o Júlio. - Diz-se imparciais no plural, minha querida.

-Ah! bom! Eu só queria dizer que não devemos ter ideias fixas. Não é lá porque o Máscara Negra tem um pouco o aspecto de inglês que temos, forçosamente, que suspeitar deste.

- Repararam - disse o David - que é a primeira vez que o Máscara Negra se mostra?

- Sim - disse a Zé com ar sombrio. - Trata-se de um homem delgado e mais para o alto, talvez. ou da Mrs. Herrington. Ela também usa calças.

- Aí está um facto que elimina o sr. Hagg - disse o Palu. - O holandês é gordo e baixo!

A Zé encolheu os ombros:

- Isso podia eliminá-lo - suspirou ela - se tivéssemos a certeza que ele está a dizer a verdade. Mas que provas há de que ele tenha sido mesmo roubado? Só temos a sua palavra. Só ele terá visto o Máscara Negra. A descrição que ele nos faz pode ser falsa.

- Lá isso é verdade - concordou o Júlio.

- Por outras palavras - concluiu o David -, estamos na mesma.

- Oh! Sim? A não ser que.

A Zé calou-se ao ouvir o empregado do bar soltar um grito de espanto:

- Ali . Ali. o alarme vermelho - exclamava ele. E, com um dedo trémulo, apontava uma luzinha pisca- pisca que acabava de se acender na parede ao pé dele.

- O que é que isso significa? - perguntou-lhe o David.

- Estão a atacar. a direcção - gaguejou o empregado.

- Nesse caso, devia tocar uma campainha em todo o hotel. Mas os fios devem ter sido cortados, sem dúvida... O sr Haziz, o director, deve ter carregado nesse botão secreto que comanda este alarme. Deve ser roubo à mão armada!... Alerta Alerta

O homem pusera-se a gritar a plenos pulmões. Ao mesmo tempo punha a funcionar outra campainha dependente daquele andar.

Num instante, o hotel mais parecia uma colmeia em plena efervescência. Os empregados corriam em todos os sentidos. Os clientes, ignorando o que acontecia, interrogavam-nos para obterem respostas.

A Zé exclamou:

- A polícia! É preciso telefonar imediatamente à polícia! Era, evidentemente, a primeira coisa a fazer.

Antes da chegada da polícia, contudo ficou a saber-se o       que se passara ao certo. o sr. Veyrac, Félix Duval, o Max, os Cinco e o Palu tinham por fim conseguido ficar juntos. Pediram que lhes indicassem o gabinete particular do director e precipitaram-se para lá, seguidos do recepcionista do hotel. Encontraram a porta aberta de par em par e o sr. Haziz

desmaiado no tapete. A Ana e a Zé esforçaram-se por reanimar o pobre homem enquanto o sr. Veyrac ia chamar o médico.

Em breve, o director voltou a si e explicou que estava a começar a contar a receita do dia quando um indivíduo forçara a porta e lhe batera. Antes de perder os sentidos, o Sr. Haziz tivera tido tempo de accionar o alarme vermelho, graças a um botão escondido debaixo da secretária.

Claro que o cofre-forte ficara esvaziado do seu conteúdo. O Máscara Negra - porque fora ele o culpado! - apenas lá deixara o seu cartão de visita!

Aos polícias que, por fim, tinham chegado, o sr. Haziz deu os sinais do seu agressor: um homem envolvido numa túnica flutuante, mas que lhe parecera alto e magro. O rosto não se via, coberto com uma máscara negra.

A Zé, com o ar mais sombrio que nunca, afastou os primos e o Palu:

- Operando em terra, o Máscara Negra torna a nossa tarefa particularmente difícil - explicou ela, suspirando. Qualquer dos nossos suspeitos pode passar uma túnica por cima do vestuário habitual e tirá-la em seguida num abrir e fechar de olhos.

- O autor da agressão e roubo é alto e magro - lembrou o Júlio. - Isso confirma o que disse o sr. Hagg. Desta forma podemos estar certos de que não é ele o Máscara Negra;

O Palu tomou uns ares optimistas:

- Conseguimos chegar assim a mais uma conclusão declarou. - O número dos nossos suspeitos reduz-se daqui em diante a sete!

No dia seguinte, os passageiros do Aquilão tinham que visitar Tunes e os seus mercados árabes. O Júlio, o David, a Ana e o Palu adoraram andar pelas ruelas em declive onde mercadores expunham os seus pitorescos artigos.

A certa altura, o Passarola, escapando ao Palu, foi fechar-se numa grande gaiola de pássaros em forma de mesquita. Os basbaques riam. Só a Zé continuava aborrecida.

A chefe do Clube dos Cinco pensava que, a despeito da sua louca temeridade, o Máscara Negra continuava invisível, desafiando a polícia e o sr. Veyrac. Dizia para consigo; sobretudo, que o inquérito dos Cinco não avançava.

- Certamente - pensava ela - fizemos o melhor que pudemos, mas procedendo sempre por exclusão de partes. Não é assim que fazem os detectives!

Esquecia-se que o sr. Veyrac sabia ainda menos do que ela! Mas considerava como uma afronta pessoal a desenvoltura incrível com que aquele máscara, impossível de ser apanhado, dava provas no decorrer do cruzeiro.

O Aquilão voltou a navegar desta vez para se dirigir a Gabés. Atracaram no golfo ao fim da tarde. A noite passou-se a bordo. Apesar da presença entre eles do malfeitor intencional, os passageiros estavam bem resolvidos a aproveitar o momento presente. O ar estava perfumado. Uma música suave acompanhava o jantar.

Logo depois da refeição, as cinco crianças subiram à coberta com o Tim e o Passarola. Sob as estrelas brilhantes, discutiram o assunto que os interessava.

- Restam apenas - anunciou o Júlio puxando do bloco de notas - os srs. Ruiz, Stone, Barge, Bellac, Merlot, Herrington e a mulher deste último.

A Ana suspirou:

- Depois destes golpes em terra, eu suponho que o Máscara Negra, seja ele quem for, vai estar um pouco em repouso... Deve querer limitar os riscos. Eu, em todo o caso, tenho sono. Tu vens, Zé?

- Tu estás doida! - respondeu a Zé, bastante indignada. - É ainda muito cedo.

- Vamos ter com o Max! - propôs o Júlio. - Julgo que ele está a preparar novas magias para a sessão de ilusiw nismo de domingo. Talvez nos permita assistir ao treino.

- Boa ideia! - exclamou o David, saltando da cadeira - Vamos lá!

- Mais valia vigiarmos os nossos suspeitos - disse a Zé. - O Ruiz e o Hagg estão a jogar xadrez na sala de fumo. Têm ali para um bom bocado. Mas os outros seis.

- O sr. e a sr. Herrington estão no salão - disse a Ana. - Estão a conversar com a tia Clara.

- Nesse caso - resumiu o Júlio -, resta-nos o Ston o Bellac, o Merlot e o Fortuné Barge. Mas eu sou da opinião da Ana! Não penso que o Máscara Negra se manifeste esta noite. Vamos ter com o Max!

A Zé hesitou, depois acabou por se decidir:

- De acordo! - disse ela. - Mas só um momento! Em seguida, procuraremos saber como ocupam os nossos suspeitos o seu serão.

O pequeno grupo deixou a coberta para se dirigir ao camarote do Max que ficava afastado. A alcatifa abafava ruído dos passos. De repente, ao voltar a esquina, o Palu, que ia à frente, parou sufocado.

- Olhem! - disse ele, baixinho aos companheiros. Alguém está a tentar entrar no quarto do sr. Hagg!

Os cinco amigos tinham-se imobilizado. À claridade das luzes de vigília da coxia, avistaram um homem curvado sobre a fechadura da cabina do holandês e manifestamente ocupado em a abrir com uma gazua ou uma chave falsa.

As crianças viam-no de perfil. O desconhecido parecia-lhes alto e magro. Estava vestido com um fato escuro. A Zé, louca de alegria, verificou que ele trazia uma máscara negra. Por gestos, fez compreender aos outros que deviam aproximar-se sem fazer barulho e saltarem todos juntos sobre as costas do Máscara Negra! Mas o Passarola fez falhar o plano. Soltou um gritinho intempestivo.

O homem voltou-se. Os seus olhos, que brilhavam através dos buraquinhos da máscara, pousaram-se nas crianças. Reagiu então num relâmpago. Dando rapidamente meia-volta; saltou para a outra extremidade da coxia. Todos se lançaram em sua perseguição.

Foi uma corrida louca. A Zé e o David galopavam à frente. O Júlio seguia-os. Depois vinham o Palu e a Ana. Tim excitado pela voz da dona voltou a esquina antes dos outros.

- O Máscara Negra não pode escapar-nos! - gritava a Zé.

- O Tim vai saltar-lhe ao pescoço!

Ao chegarem ao fim da coxia, os jovens detectives viram uma passagem transversal para a qual davam outros corredores. Que caminho deveriam eles tomar?

- Tim - chamou a Zé.

Um breve latido respondeu- lhe, vindo da direita. Todos se precipitaram para chocarem com o Max que chegava, acompanhado de um Tim todo alegre.

- Misericórdia! - disse o David, consternado. Que se passou?

- Isso pergunto eu - respondeu o Max, com um ar intrigado. - Vocês estão com umas caras!

A Zé explicou-lhe em duas palavras que eles andavam na perseguição do Máscara Negra.

O Max soltou uma exclamação de despeito:

- Ah! então é isso? Que imbecil que eu fui! Estraguei tudo! Ia a sair do meu camarote quando avistei o Tim que se escapava como uma flecha. Sem pensar que fazia mal, chameio-o à passagem. Ele parou logo para vir para mim. Eu julgava que ele ia à caça do gato do cozinheiro!

- Demasiado tarde agora para recuperar o tempo perdido! - suspirou o Júlio, desolado. - O Máscara Negra teve cem vezes tempo de se pôr ao fresco.

- Vamos tentar, apesar de tudo - propôs o Max, visivelmente desejoso de reparar o seu erro. - Venham por aqui, eu vou por ali. Talvez achemos um indício.

Mas foi em vão que os Cinco, o Palu e o Max exploraram aquele sector.

- Vocês estão certos - perguntou o Max aos pequenos

- que era mesmo o camarote do sr. Hagg que o Máscara Negra estava a tentar assaltar?. Sim?. Vamos até lá ver!

A fechadura, efectivamente, tinha vestígios de ter sido forçada pouco tempo antes.

- Só resta prevenir o comandante, o sr. Veyrac e o sr Hagg! - decidiu o Júlio.

O sr. Hagg estava na sala de fumo a jogar uma partida de xadrez com o sr. Ruiz. Declarou que ele e o seu parceiro nem por um segundo tinham saído dali toda a noite. Um facto evidente: o Pedro Ruiz, por sua vez, devia ser riscado da lista negra.

A Zé teve uma ideia: correu ao salão a ver se a mãe e a sr. a Herrington ainda lá estavam.

Elas também não se tinham afastado dali, segundo parecia! Do limiar da sala, a Zé fez sinal à mãe. A tia Clara desculpou-se amavelmente e veio ter com ela.

- O que há, Zé?

- Mãe - disse esta com vivacidade. - Alguém tentou assaltar o camarote do sr. Hagg há pouco mais duma hora. Os         sr. e a sr.a Herrington estiveram sempre consigo?

- Nem um segundo me deixaram! - afirmou a senhora, peremptória. - Não parámos de conversar juntos desde o jantar.

- Óptimo. Obrigada.

A Zé partiu a correr para ir ter com os outros.

- O casal americano é inocente como um cordeirinho

acabado de nascer! - declarou ela aos amigos.

- De quantas pessoas desconfiam ainda vocês? - perguntou o Max.

-Apenas nos restam quatro pessoas! - anunciou o Júlio, considerando a sua lista copiosamente emendada. O Fortuné Barge, o sr. Stone, o Jean Bellac e o Luciano Merlot.

- Magnífico! - exclamou o Max, todo bem disposto.

Daqui em diante, se a luta for desigual, é em nosso proveito. Somos seis para termos os olhos bem abertos, sem contar com o Veyrac... e também com o Tim - apressou-se ele a acrescentar com receio de melindrar a Zé.

Mas a Zé não dava sinais do seu entusiasmo habitual.

Também estava menos faladora que de costume.

O David não pôde deixar de lho fazer notar, por brincadeira, logo que o Max se afastou:

- Então, minha velhota! O que é que te aborrece?

Não pareces estar nas tuas sete quintas!

A Zé respondeu em tom voluntariamente desenvolto:

- Ora! Bem sabes que está tudo a correr mal! Parece que o Máscarà Negra se diverte à nossa custa. Ataca cada vez com mais frequência, como se estivesse seguro da impunidade. Foi uma sorte termos conseguido que falhasse a tentativa de assalto de hoje.

Na realidade, a Zé tinha um pouco de vergonha dos sentimentos que a agitavam no seu íntimo. Ela, tão generosa habitualmente, sentia uma vaga irritação desde que o Max se esforçava por ajudar os Cinco.

- O Palu, ainda vá! - dizia para consigo. - É um amigo! E mesmo assim. Sem o grito soltado pelo Passarola, tenho a certeza que teríamos apanhado o Máscara Negra! Mas o Max. é perfeitamente um estranho para nós. E em vez de nos ajudar, incomoda-nos. E a prova é que desviou o Tim da sua missão, chamando-o. O inquérito andaria duas vezes mais depressa, se fossem os Cinco sozinhos a ocuparem-se...

Sim, a Zé envergonhava-se dos seus pensamentos secretos que se pareciam tão pouco com ela. E, contudo. não podia deixar de os ter.

Claro, o inquérito do Sr. Veyrac não deu nada...

Porém, como o último golpe do Máscara Negra não passava dum falhanço para o diabólico malfeitor e dado que a maior parte dos passageiros nem sequer chegou a saber, todos estavam bem dispostos quando, no dia seguinte de man foram a terra.

O passeio no meio do oásis foi um encanto. As flores das romãzeiras manchavam a verdura de vermelho. Uma folha fresca alimentava um pequeno lago de pedra no qual pequenos indígenas mergulhavam para irem apanhar, no fundo da água, as moedas que lhes atiravam os turistas divertidos.

Então, no momento em que estes se apertavam um pouco para ver melhor o pitoresco espectáculo, uma senhora nova, desconhecida da Zé e dos seus companheiros, exclamou de repente:

- Ladrão! Levou a minha carteira...

Avistaram um homem magro, vestido com uma túnica,

que fugia a correr. A Zé gritou logo:

- O Máscara Negra! Depressa meninos! Desta vez, não o deixemos escapar! Tim, anda! Apanha-o!

No momento em que o Tim começou a correr, o Passarola saltou-lhe para cima, e, agarrando-se ao pescoço dele, excitou-o, soltando gritos agudos. Mas o Tim não precisava de ser encorajado.

Em alguns instantes, agarrou o ladrão. Este largou a mala que segurava para tentar defender-se. Mas o Tim, já o derrubara enquanto o Passarola, fazendo voar o barrete, lhe puxava os cabelos com toda a força.

O ladrão pôs-se a berrar. Uma quantidade de palavras árabes escapou-se-lhe dos lábios.

- O Máscara Negra leva tudo muito a sério! - disse o David que corria lado a lado com a Zé. - Agora põe-se a falar árabe. Não calculava nada que ele fosse poliglota!

Já então, seguidos pelos outros turistas, tinham chegado ao pé do ladrão e do Tim. A Zé ordenou ao cão que segurasse bem o bandido e o tivesse em respeito. O homem, com o rosto voltado para o chão, já não se mexia.

- Levante-se! - ordenou a Zé, toda triunfante. Tire a sua máscara e mostre-nos o seu rosto!

O momento era solene. O homem levantou-se,

e todos puderam verificar que ele não usava a máscara negra. O rosto moreno era o de um árabe, ao mesmo tempo aterrado e furioso de ter sido apanhado.

-Bolas! - exclamou o Júlio. - Não é o Máscara Negra.

Tratava-se apenas de um ladrãozito indígena de pouca envergadura. A Zé, despeitada, teve que se convencer que não era ainda desta Vez que os Cinco podiam orgulhar-se de ter capturado o famoso malfeitor que ninguém conseguia apanhar.

O Aquilão, sempre ancorado no golfo de Gabés, balouçava-se, preguiçosamente, nas suas águas. Nessa tarde, o calor era tal que a maior parte dos passageiros fazia a sesta. A tia Clara, o marido e o Professor Lagarde tinham ido estender-se um pouco nos seus beliches. O próprio Max tinha-se retirado para o seu camarote.

Entregues a si mesmos, os Cinco e o Palu aborreciam-se um pouco.

- Podíamos jogar o monopólio! - propôs a Ana que adorava as distracções tranquilas.

- Se queres! - condescendeu a Zé. - Vou buscar a caixa. Encontramo-nos no salão!

Partiu a correr, seguida pelo Tim... Por contraste com o sol deslumbrante lá de fora, a coxia pareceu-lhe sombria, Contudo, ela distinguiu, de repente, uma brancura a alguma distância diante de si: um empregado, vestido com um casaco impecavelmente branco, acabava de sair do quarto do Hagg.

Ressonadelas pouco harmoniosas escapavam-se do camarote do holandês: o sr. Hagg dormia! A Zé sorriu. O empregado tornou a fechar a porta devagarinho, depois afastou-se em passo rápido.

Bruscamente, o sorriso da Zé desvaneceu-se. Num relâmpago, compreendera que a pequena cena, aparentemente banalíssima a que acabava de assistir não era normal. Aquele empregado nada tinha a fazer no camarote do sr. Hagg, e que este, estando adormecido, não podia tê-lo chamado.

- Olhe - chamou a Zé, precipitando-se atrás do empregado. - Venha cá! Por favor!

Mas o empregado da cabina, em vez de parar e voltar-se para ela, pôs-se a correr e desapareceu.

- Agarra que é ladrão! - gritou a Zé sem sequer ter tempo para reflectir. - Ladrão! O Máscara Negra!

Instintivamente, ela sentia que, desta vez, não se enganava. À sua volta houve um reboliço confuso. Depois, ouviram-se exclamações, portas a bater. A Zé e o Tim deram a volta à coxia. Avistaram o fugitivo na outra extremidade.

- Corre, Tim! - gritou a Zé.

E depois, lamentou ter dado o alerta. Passageiros, acordados pelos gritos, saíam para a estreita coxia, refreando o seu entusiasmo e fazendo atrasar o Tim... Na coxia seguinte, havia ainda mais gente. Uma verdadeira multidão da qual faziam parte dois empregados apertava-se no estreito corredor: A Zé compreendeu que, mais uma vez, perdera a partida.

Contudo, triunfante, o Tim voltava para o pé dela, trazendo na boca uma luva branca...

- O patife utiliza luvas para não deixar impressões digitais! - disse a Zé para consigo.

- O que há?... O que se passou? - perguntavam vozes à sua volta.

Uns gritos que mais pareciam uivos, dispensaram-na de responder. Voltou a correr ao camarote do sr. Hagg e encontrou o lapidário de diamantes, gesticulando como um possesso.

- Roubaram-me! A minha colecção de brilhantes e rubis ... Desaparecida ... E eu que recusei pô-la no cofre de bordo! Julgava-a mais em segurança comigo... As jóias estavam metidas num cinto de pano que eu uso dia e noite junto à pele. Mas hoje, estava tanto calor, que o tirei o tempo de fazer a sesta. O Máscara Negra aproveitou para me roubar... Olhem! Aqui está o seu cartão!

O sr. Veyrac, prevenido, apenas pôde verificar o roubo.

A Zé entregou-lhe a luva branca achada pelo Tim.

- Talvez seja um indício. e talvez não! - murmurou o detective, franzindo o sobrolho.

- Se não pertencesse ao ladrão, o Tim não a teria apanhado - afirmou a Zé.

- Vejamos . - disse o Max que acabava de chegar ao mesmo tempo que o Júlio, a Ana e o Palu. - Esta luva é idêntica às que usam os empregados. O Máscara Negra arranjou o uniforme completo dum empregado de bordo. Duvido que isso baste para o identificar.

Félix Duval, o comissário, chegou por sua vez. Examinou a luva bem de perto, e declarou, pensativo:

- Não! não se trata duma luva dum empregado. Esta é muito mais fina. Apalpe o tecido, Veyrac... Nunca vi nenhuma nem parecida. Curioso!

Claro, os passageiros tiveram de sujeitar-se a uma busca completa das suas pessoas e bagagens. O comandante não sabia como acalmar a Hortense Richter, que declarava a quem queria ouvi-la que se devia suspender o cruzeiro.

Foi então, mesmo no meio do tumulto geral, que o Passarola apareceu de repente. Palrava muito excitado, apertando contra si uma caixinha de cartão, rectangular.

- Que foste tu desencantar, Passarola? - exclamou o Palu, estendendo a mão. - Vamos, dá cá . Obrigado, meu velho. Abriu e deu um grito:

- Ora esta! Os cartões de visita do Máscara Negra! A sua reserva secreta, sem dúvida!

Toda a gente ficou imóvel.

- É preciso - disse o Sr. Veyrac - saber onde e que os encontrou.

Os assistentes olharam uns para os outros. Aquele camarote era o de Fortuné Barge! Claro, o pianista, interrogado, defendeu-se como um pobre diabo.

- Não sou eu o Máscara Negra! - protestou ele. - Este macaco diabólico compraz-se em pregar partidas. Lembra-se comandante? Um dia pôs um destes cartões mesmo no seu bolso. Eu sou tão culpado como o senhor!

A próxima etapa devia ser a Sicília. Enquanto o Aquilão navegava tranquilamente para essa ilha, os Cinco, reunidos à sombra duma baleeira que tinham tomado por quartel general; formavam conselho com o Palu e o Max.

- Recapitulemos o que se passou - propôs o Júlio - e tratemos de ver como as coisas estão. Talvez isso nos ajude:

- Vá lá, disse a Zé. Mostra a tua lista.

- Eu também tirei algumas notas e resumi os

feitos do nosso adversário desde a partida.

- Um adversário que ignora que nós estamos a persegui-lo - disse o David. - Se ele soubesse que os Cinco estão decididos a agarrá-lo, mostrar-se-ia menos ousado.

-Essa faz-me rir! - disse o Palú, trocista.

Ele, afinal, é duma imprudência louca, e vocês ainda não conseguiram, até agora, desmascará-lo. O espertalhão safa-se sempre.

- O que tu estás a dizer não é lá muito amável para os teus amigos! - declarou o Max. - Estiveram quase a apanhar o tal empregado. Só um azar inesperado, os impediu de o fazer.

O Palu corou.

- Eu estava a dizer isso só para arreliar a Zé e o David. Estão sempre tão seguros de conseguirem tudo.

- E sempre conseguiram até agora! - disse a Ana, com a sua voz meiga.

- Com a tua ajuda, minha flor! - disse a Zé, dando-lhe um beijo.

A Zé nunca fazia ostentação dos seus sentimentos. Por isso, este sinal de afecto sensibilizou muito a Ana.

- Oh! Sim - pensou a Ana - nós cinco formamos uma equipa bem sólida. E não há razão para que não desmascaremos o Máscara Negra.

- Aqui está o ponto da situação - tornou o Júlio. - O Máscara Negra roubou sucessivamente: a Ping (julgamos nós) e, de certeza: a sr. a Herrington, o Pedro Ruiz, o Fortuné Barge, o sr. Hagg, o sr. Haziz o director do Hotel Nova-África de Tunes, e, novamente o sr. Hagg que, decididamente, não tem sorte nenhuma. Por outro lado, eliminámos da lista uns suspeitos: a menina Ping o Pedro Ruiz, o sr. Hagg, a Hortense Richter e o casal Herrington.

- O que indica - concluiu o Max, contando pelos dedos

- que o Máscara Negra é certamente um destes: Fortune Barge, o sr. Stone, o Jean Bellac ou o Luciano Merlot...

O Palu, que se inclinara no parapeito para dar uma vista de olhos na coberta de baixo, viu, precisamente nesse instante, passar o Jean Bellac com o seu enfermeiro.

- Eu estava capaz de apostar naqueles dois - murmurou ele. - Fazem um par tão esquisito! E não me admirava que o Máscara Negra tivesse um cúmplice!

A chegada a Siracusa foi uma festa para todos. ficaram vários dias nesta cidade e, a partir dali, a fazerem excursões interessantes. Muitos passageiros, fatigados pelo calor, preferiram aproveitar dum agradável repouso a bordo.    

Nenhuma proeza do Máscara Negra marcou particularmente esta escala. Os passageiros começavam a respirar. Mas, na véspera da partida.

Nesse dia, os Cinco e o Palu tinham obtido licença de circularem sozinhos pela cidade. Vagueavam pelas lojas de Siracusa, divertidos com o contraste entre os armazéns ultra-modernos e as antigas barracas de madeira de aspecto muito característico que resistiam valentemente às mudanças impostas pela civilização.

A Ana acabava de comprar para si um lenço de cores variadas, para o pescoço, quando, de repente, a Zé soltou uma exclamação:

- Olhem - disse ela. - Aquele homem. Além!

- Mas é o Fortuné Barge! - exclamou o David -,            ele tinha anunciado que ia fazer a sesta!

- E lá está ele a avançar junto à parede! - disse o Júlio. - No fundo, é, talvez, apenas para aproveitar a sombra. - O aspecto dele é bem misterioso - insinuou o David.

- Vamos segui-lo de longe sem que nos veja mas sem o perdermos de vista - decidiu a Zé. - E tu, não ladres, Tim. O pequeno grupo pôs-se em marcha, seguindo o suspeito.

- Ele tem na mão um embrulho, cuidadosamente agarrado - observou o Júlio.

- E parece ir direitinho ao correio - disse a Zé.

- Oh! Oh! Se por acaso é ele o Máscara Negra, vou apostar que há na sua encomenda o rubi de Pedro e os diamantes do sr. Hagg, as carteiras dos dois homens, o da sr. a Herrington e talvez a jóia da Ping!

- Muito bem! - exclamou o David. - Só indo atrás dele o saberemos.

- Isso mesmo! - disse o Palu, rindo. - Vamos atrás dele e exigimos que abra o embrulho na nossa frente. é muito simples.

A sua ironia não afectou em nada a Zé que já procurava um meio de verificar o conteúdo do pacote que o pianista se preparava para expedir.

- Tenho uma ideia! - murmurou ela, parando bruscamente.

-Despacha-te e diz o que é! - murmurou o Júlio, vendo o Fortuné Barge entrar para o edifício do correio.

Dentro dum instante será tarde demais...

-Não é nada! Sigam-me!

Então, a Zé correu até um café que havia ali perto e, tendo-se certificado que havia lá uma cabina telefónica isolada, pediu uma moeda.

- Mandem vir seja o que for enquanto eu telefono! - disse ela aos companheiros. - Eu volto já!

Juntou-se a eles ao fim de alguns minutos com um ar triunfante.

- Já está! Dentro de momentos, saberemos o que contém o pacote suspeito! - anunciou a Zé aos primos e ao Palu espantadíssimos.

- Mas o que é que tu fizeste? - perguntou o Júlio.

           A Zé desatou a rir.

- Sem dizer o meu nome, com certeza - explicou ela - telefonei para os correios a prevenir que uma bomba estava no interior do embrulho que um inglês - do qual dei o nome e os sinais - depunha lá nesse mesmo instante.

Deve haver uma bela confusão do outro lado da rua acrescentou ela, designando com o dedo o edifício dos correios, que se avistava através do vidro do café. - É o estado de alerta. Devem estar afadigados a controlar!

Os companheiros olharam-na com admiração. Podiam confiar à vontade na imaginação da Zé para conseguir resolver os problemas mais difíceis.

- Palavra que eu por mim nunca teria encontrado uma solução! - declarou o David. - És bestial, Zé!

- A rainha. perdão. o rei dos detectives - acrescentou o Palu.

A Zé, mesmo sem querer, ficou toda inchada de orgulho. Enquanto os amigos espreitavam a saída eventual de Fortune Barge, a Zé, ao fim dum momento, voltou à cabina e ligou para a estação dos correios. À sua cândida pergunta:

Acharam uma bomba no pacote suspeito?. uma voz furiosa respondeu que um embrulho de livros sobre a história da Sicília não tinha nada de parecido com uma bomba e que o engraçadinho que se atrevia a tais brincadeiras merecia que lhe puxassem as orelhas.

A Zé não quis ouvir mais e desligou com um rápido pedido de desculpa. Assim, a encomenda do músico não continha nada de suspeito.

Os companheiros da Zé esperavam-na, muito agitados. - O Fortuné Barge acaba de sair da estação do correio! - disse a Ana. - Ia com um ar indignado.

- Não me custa a crer - replicou a Zé, rindo (rindo com um riso amarelo). - O embrulho dele só contém livros, segundo parece.

-Então nós, mais uma vez, não obtivemos resultado positivo! - disse o Júlio.

- Ora! Isso não é assim tão grave. Eu devia ter calculado que, se ele tivesse as jóias, não teria podido tão facilmente expedi-las do estrangeiro! Nem pensei na alfândega! Vamos voltar para o barco!

O pequeno grupo encontrou o Aquilão em sobressalto. Na ausência deles, o Máscara Negra tinha-se de novo manifestado, tomando por alvo Hortense Richter. A bruxa estava terrivelmente irada. Excepcionalmente, as suas recriminações eram fundadas: o ladrão tinha-lhe roubado os sete anéis de diamante, esmeralda, safira, rubis, topázio, lápis lazuli e alga - marinha - que ela usava, sucessivamente, em cada dia da semana.

- O dia - disse a Zé - não terá sido inteiramente infrutuoso...

-Para o Máscara Negra? - disse o David, para a aborrecer.

           - Não, para nós ... Com efeito, enquanto roubavam a Hortense, nós seguíamos os passos do Fortune. Não é ele o Máscara Negra.

- Por outras palavras - concluiu o Júlio - o nome dele é igualmente para ser riscado, e apenas nos restam três suspeitos. o inglês, o Bellac e o enfermeiro deste. Durante a noite o mau humor dos passageiros dissipou-se um pouco, logo que o Aquilão, depois de ter deixado Siracusa e subido de novo a costa oriental da Sicília, entrou no estreito de Messina.

- Aqui está - explicou o Max, mostrando aos amiguinhos um turbilhão de espuma, o famoso golfo que tanto assustava os navegadores de outrora.

Os nossos barcos modernos não têm nada a recear dele, estejam tranquilos! De resto, a corrente só é muito forte a determinadas horas, e conforme estiver a maré. E aqui temos o não menos célebre grupo de recifes que os antigos ainda temiam...

Os pequenos escutavam-no cheios de interesse...

O dia fora fatigante. Depois da refeição, os Cinco e o Palu não se demoraram... Foram directamente para a cama.

No dia seguinte, as crianças acordaram em Nápoles. O Aquilão ia passar aí uma semana inteira. Numerosas Excursões estavam previstas no programa.

A Zé, contudo, estava preocupada:

- Estamos na etapa final do cruzeiro - disse ela aos companheiros - e continuamos a não identificar o nosso adversário. Recuso-me a acreditar que ele seja mais esperto que nós.

A evidência está bem à vista, contudo! - suspirou o Júlio. - Não conseguimos desmascará-lo. Estou convencido de que vamos chegar a Marselha sem nada termos descoberto.

A Ana interveio com a sua voz calma:

- Eu não sou da tua opinião! - disse ela. - Seria a

primeira vez que os Cinco falhavam. Estou convencida de que a Zé saberá dirigir o nosso inquérito e fazê-lo chegar a bom termo.

- Béu - aprovou o Tim com força.

A Zé sorriu lisonjeada.      

- Muito obrigada pela tua confiança, Ana! É verdade eu espero bem termos sucesso! Não se poderá dizer que o Máscara Negra nos tenha derrotado... sobretudo porque temos a ajuda do Palu e do Passarola - acrescentou gentilmente.

Contudo, os seis primeiros dias da escala napolitana passaram sem incidente de maior... Mas no sétimo, no decorrer duma excursão a Capri, desenrolou-se um episódio cómico-dramático, segundo a expressão do David.

A menina Ping, sorridente e um pouco confusa, trazia na blusa o famoso alfinete de ouro que ela declarara ter perdido no passeio a Ibiza.

- Achei-o, preso ao forro do vestido que eu trazia, e não tornara a vestir - explicou ela. - Não foi, portanto, o Máscara Negra quem o roubou.

- Portanto, um roubo a descontar no cadastro!

- murmurou o David. Este perdera, no entanto, uma boa ocasião para estar calado.

Ao chegarem da excursão, com efeito, a menina Ping, consternada, perdera outra vez a jóia! Em compensação, achou na malinha de mão o cartão de visita do ladrão internacional...

- Desta vez - disse a Zé, furiosa de não ter visto nada, podemos eliminar o Jean Bellac. Ficou a bordo toda a tarde.

- Não podemos é concluir daí que o Stone e o Lucien Merlot sejam agora os únicos suspeitos! - declarou o Júlio.

- O Bellac e o Merlot podem muito bem ser cúmplices e operarem um de cada vez.

Esta opinião pareceu ser confirmada por uma aventura vivida pela Ana no dia seguinte, quando o Aquilão, deixava a baía de Nápoles e seguia a rota de Osti.

A Ana, nesse dia, estava a nadar na piscina com os companheiros quando, de súbito, rebentou-lhe a alça do fato de banho. Como tinha um outro de reserva no camarote, correu a vesti-lo...

A Ana seguia ao longo duma coxia quando avistou no chão uma grossa pulseira de prata. Apanhou-a... A palavra Luciano estava gravada na placa de identidade.

Erguendo os olhos, a Ana reparou que se encontrava, precisamente, diante da porta do camarote ocupado por Bellac e Lucien Merlot. A miúda preparava-se para bater, quando, de repente, uma voz colérica se fez ouvir por trás da porta.

- Eu bem te tinha dito que deixasses a chinesa em paz - dizia o Jean Bellac. - Ela adorava a jóia e ela tem pouco valor em comparação com as outras jóias! Não podemos correr o risco de sermos apanhados por bagatelas.

- Bom, bom, patrão! Não se zangue! Pareceu-me engraçado pregar essa partida à pequena. E como eu tinha os seus cartões comigo, diverti-me a pô-lo na mala dela!

- Isso também, é uma imprudência! De futuro.

A Ana, muitíssimo perturbada, apressou-se a pôr a pulseira ao pé da porta e afastou-se rapidamente. As palavras trocadas entre os dois homens não deixavam dúvidas. o Jean Bellac era o Máscara Negra! E o Lucien            Merlot o seu cúmplice!

Logo que a Ana mudou de fato foi ter com o Júlio, o David, a Zé e o Palu.

- Ana! O que é que tu tens? - exclamou o David olhando para ela. - Estás pálida e a tremer!   

Trago novidades! - anunciou ela.

Os companheiros, reunidos à beira da piscina, um pouco à parte dos outros banhistas, olharam para ela, com atenção. - Já sei quem é o Máscara Negra! - continuou a Ana.

- Schiu! - atalhou a Zé em sobressalto. - Vamos subir ao nosso quartel general. a baleeira. Lá em cima conta-nos tudo. Depois das revelações da Ana, o pequeno grupo ficou mudo por instantes. O Tim não se mexia. O Passarola estava calado.

- Tudo se explica! - murmurou o David. - Assim é então o Jean Bellac! Até que enfim o Máscara Negra está desmascarado!

- Só resta apanhá-lo com a boca na botija. confundi-lo - disse o Júlio.

- E descobrir também onde ele esconde o que rouba! acrescentou o Palu.

- Sim - disse a Zé, pensativa - o Jean Bellac! Sim. É preciso ter lata para se fingir assim de doente!

- Como havemos de fazer para o apanhar em flagrante delito? - perguntou o David que fervia de impaciência.

- Vamos vigiá-lo discretamente noite e dia, - declarou a Zé. - Desde o momento que sabemos a identidade do nosso adversário, tudo se torna fácil. enfim. eu assim espero!

A sua falta de entusiasmo chocou a Ana que não fez, contudo, a mínima observação. Decidiram que as crianças se revezariam por equipas para vigiar o Bellac e o Merlot: o Júlio e o Palu, o David e a Ana, a Zé e o Tim.

Foi em Roma, no decorrer dum passeio em autocarro ao longo da via Ápia que um novo incidente se deu. Bruscamente, o Jean Bellac deu um grito:

- A minha carteira! Os valores que eu trazia comigo. Desapareceram! Roubaram-mos!

Tornara-se pálido e parecia verdadeiramente perturbado.

- Que grande actor! - disse baixinho o David aos seus colegas. - Agora coloca-se a si mesmo no número das vítimas!

A Zé, sentada não longe do Bellac, não respondeu. Com um olhar indiferente, fitava o cartão que o enfermo acabava de achar no bolso e que agitava mesmo junto dos seus vizinhos: o do Máscara Negra!

Uma busca imediata aos passageiros do autocarro nada apurou.

- Devem tê-lo roubado antes do senhor subir para o autocarro - declarou o Félix Duval, muito aborrecido.

- Em todo o caso, tenho a certeza de que tinha esses papéis comigo ao sair do Aquilão, afirmou o Jean Bellac.

- Ora aqui está um facto, disse ainda em voz baixa o David que, se fosse preciso, tornaria inocente o Sr. Stone. O nosso inglês sofre de dor de dentes: ficou a bordo!

A Zé continuava estranhamente silenciosa. só exporia os seus pensamentos secretos mais tarde, quando todos fossem para o barco. Então, à sombra da baleeira, ela fez esta espantosa declaração:

- Não acredito que o Jean Bellac e o Luciano sejam os culpados.

O Júlio, o David, a Ana e o Palu trocaram uns olhares assustados.           

- Mas. mas. - gaguejou a Ana. - Eu própria ouvi o Jean Bellac censurar o seu enfermeiro de ter roubado a menina Ping. e também de ter posto um dos seus cartões na mala dela.

- Justamente - disse a Zé. - Essa conversa parece-me muito suspeita.

- O que queres dizer?

- Escuta! Tu dizes que os dois homens falavam muito alto?

- Oh, sim! Eu ouvia-os distintamente, mesmo sem estar à escuta, afirmo-te!

- Vocês não acham isso estranho? - continuou a Zé. Acham que é costume elevar a voz quando temos que trocar palavras secretas? Estão a ver o Máscara Negra, traindo-se a si próprio aos berros?

- Não. não. tens razão - murmurou o Júlio, pensativo.

- Outra coisa?. Se o Bellac tivesse querido repreender o enfermeiro, teria tido mil oportunidades de o fazer antes da Ana passar à porta do camarote.

- Lá isso é verdade! - disse o David. - Ainda ontem à noite, por exemplo.

- E mais, essa pulseira com nome do Luciano... justamente diante do camarote dos dois homens - prosseguiu a Zé. Isso faz-me pensar que estava tudo preparado, que não passava duma encenação.

- Contudo, ouvi bem a conversa que lhes relatei! insistiu a Ana.

- Não duvido disso. Mas acontece que, eu também, um dia, ouvi o Bellac e o Merlot conversarem juntos, julgando que estavam sós. Pois bem, o Bellac nunca o tratou por enfermeiro. Ora, tu garantes que ele o tratava por tal.

- Tenho a certeza.

- Aí está porque é que - declarou a Zé - eu tanto creio na culpabilidade do Bellac e do Merlot como na de todos os outros... que nós considerámos inocentes. Trata-se, muito provavelmente, dum golpe preparado! Na minha opinião, o Máscara Negra já percebeu que nós fazemos um inquérito rigoroso a par do do Sr. Veyrac e tenta fazer-nos falhar com uma falsa pista.

- Mas como? - exclamou o David. - De que maneira? - Como?. Resta-nos descobri-lo! - respondeu a Zé.

Fez sinal aos companheiros para se aproximarem dela e continuou muito baixinho.

- Antes de nos reunirmos aqui - explicou a Zé -, dei-me ao trabalho de tirar a limpo uma coisa de que já desconfiava. E obtive assim a prova de que o Bellac e o Merlot deviam ficar fora de causa. Com efeito, interrogando o empregado do bar, tive conhecimento de que, no momento em que a Ana ouvia o diálogo revelador entre o Bellac e o seu enfermeiro, os dois homens se encontravam a jogar às cartas na sala de fumo.

- Mas então! - explodiu o Palu. - Já não nos resta nenhum suspeito! Se o Máscara Negra não é nem a Hortense Richter, nem o sr. Hagg, nem a Ping, mesmo Fortuné nem o Pedro Ruiz, nem os Herrington, nem o sr. Stone, o par Bellac-Merlot, então. quem é ele?

- Isso também nos resta descobrir! - Replicou a Zé, tristemente - temos de recomeçar todo o nosso inquérito a partir do zero!

A última escala do Aquilão antes do regresso a Marselha devia ser em Génova. Enquanto o luxuoso paquete sulcava o mar em direcção ao grande porto italiano, os Cinco e o Palu, ajudados pelo Max, esgotavam-se a vigiar, um pouco ao acaso, todos os seus antigos suspeitos. Mas a Zé concordava perfeitamente que este processo não podia resultar se o acaso os não favorecesse. Ora, a sorte parecia decididamente voltar-lhes as costas.

Em vão, ora uma ora outra, revezavam-se as equipas dos jovens detectives. De noite, a Zé, e o Tim ou o Júlio e o David rondavam, silenciosos, ao longo das coxias. De dia encontravam-nos assim como ao Max, a Ana e o Palu, nos lugares mais inverosímeis... Todos andavam à espreita... sem o mínimo resultado positivo, infelizmente!

Por fim, a própria Zé sentiu-se desanimada.

- Nunca conseguiremos nada! - confiou ela ao Tim com grande segredo.

Logo que o Aquilão atracou numa das grandes bacias do imenso porto de Génova, Félix Duval anunciou que essa última etapa do cruzeiro seria marcada por festas a bordo e excursões em terra.

- E, para começar - disse ele - suponho que todos concordam com uma visita à casa de Cristóvão Colombo!     

Claro que aquele grupo habitual de passageiros, que queria ver tudo, fez coro, dizendo que sim.

A casa de Cristóvão Colombo, desiludiu os pequenos:

Esperavam encontrar uma construção grandiosa e depararam com um casebre mal seguro, minúsculo, género barraca de cantoneiro, em pleno coração da cidade. Se as paredes daquele pardieiro quase a desabar não estivessem cobértas de cal, o que lhes dava um aspecto pitoresco, teria parecido ridículo.

Os turistas, desapontados, voltaram murchos para o autocarro que os transportara.

- Vamos almoçar na cidade, uma refeição típica italiana - anunciou o Félix Duval. - Depois iremos visitar o célebre Campo Santo de Génova, o cemitério mais vasto do mundo...

- Pois bem! - disse o Júlio, triste. - Só faltava isso para nos alegrar o coração! Um cemitério!

O Max, que o ouviu, pôs- se a rir.

- Vocês vão sem mim! - disse ele aos pequenos. Esta noite tenho uma grande sessão de ilusionismo a bordo.

- Vou ensaiar durante a tarde. Espero que vão aplaudir-me! Com efeito, o Max deixou os seus amigos logo depois da refeição. Os passageiros do Aquilão foram para o autocarro e tomaram o caminho, um pouco íngreme, do longínquo Campo Santo.

Coisa absolutamente extraordinária, os dois sábios, o tio Alberto e o professor Lagarde, participavam na excursão.

- Custou-me a convencê-los - explicou a tia Clara à filha, aos sobrinhos e ao Palu. - E só consegui arrancá-los às suas discussões científicas por se tratar dum passeio interessante. O grande cemitério de Génova contém os túmulos de personagens célebres e vale a pena ser visto. O teu pai, Zé, e o teu, Palu, estão com curiosidade de examinar certas datas inscritas nas antigas lages funerárias.

O Campo Santo estendia-se numa superfície tão vasta

que ocupava três colinas inteiras - que de longe, mais parecia uma cidade. Avenidas, ruas, jardins e mesmo lavabos acentuavam ainda esta semelhança.

Antes de transpor o portão monumental, o Palu virou-se maquinalmente para o pai ao qual até ali prestara atenção. Palu ficou de boca aberta.

- É fantástico! - murmurou ele enfim. - O pai engordou imenso nestes últimos tempos. Não tinha reparado.

- Mas. mas. o pai também - exclamou a Zé, espantada.

A tia Clara pôs-se a rir.

- Sosseguem, meninos. Os vossos pais não estão ameaçados de obesidade. Não! Muito simplesmente, seguiram o exemplo do Sr. Hagg!

Como a Zé e o Palu mostravam não terem percebido nada, a tia Clara explicou rindo:

- O Sr. Hagg escondia as suas pedras preciosas num cinto de pano que trazia à volta da cintura. Pois bem, o professor Lagarde e o teu pai, Zé, resolveram imitá-lo. Não têm a mínima confiança no cofre-forte do Aquilão, sabendo que o Máscara Negra está a bordo. Por isso, preferiram trazer com eles os seus preciosíssimos documentos. Daí que, antes do passeio, encheram os bolsos com esses valiosos papéis!

- Mas isso é dum ridículo! - exclamou a Zé com a sua franqueza habitual. - O Máscara Negra nunca pensaria em roubar essa papelada!

- Nisso é que tu estás enganada! - disse a tia Clara. Esta papelada, como tu dizes, tem um valor enorme. Contém indicações secretas sobre determinada fórmula que os nossos dois sábios procuram descobrir.

- Ah, Ah! - fez o David, rindo. - Aí está uma coisa que não me admira no meu tio! O sr. Lagarde e ele eram incapazes de aproveitar o cruzeiro sem trabalharem! Logo após outros turistas, o pequeno grupo penetrou no extenso campo de repouso. Um guia precipitou-se ao seu encontro:

- Por aqui, senhores e senhoras. Se quiserem seguir

-me. - propôs ele num francês cantarolado.

Estava um calor pesado. As crianças começavam a arrepender-se de terem vindo.

- Ábram bem os olhos! - repetiu a Zé pela décima vez, pouco mais ou menos.

- Oh! está descansada, não fazemos outra coisa!

- Bom! - exclamou o Palu. - O pai já está a tirar o casaco por causa do calor. Esquece-se que os bolsos estão cheios de papéis importantes.

- Vamos aproximar-nos deles, - aconselhou o Júlio. Bastava que o Máscara Negra.

O rapazinho não teve tempo de acabar a sua frase porque, no mesmo momento, aconteceu uma coisa extraordinária. O pai do Palu passava diante duma alta capela funerária, encimada por um anjo de bronze com as asas abertas. De repente, o anjo pareceu desdobrar-se. mas foi um demónio de máscara negra que caiu sobre as costas do professor Lagarde. Os dois homens rolaram pelo chão. Antes que os espectadores voltassem a si da surpresa, o agressor do sábio saltou entre os jazigos e, apertando contra ele o casaco do sr. Lagarde, desapareceu num abrir e fechar de olhos.

- O Máscara Negra! - exclamou a Zé. - Depressa! Vamos persegui-lo. Ele não pode escapar-nos! Temos de o apanhar!

Dizê-lo era fácil. Fazê-lo, porém, era bem mais difícil. O Máscara Negra era ágil. Viram-no reaparecer num breve momento, correndo entre os túmulos e os monumentos com umas artimanhas destinadas a desnortear os seus adversários. Bem depressa deixaram de saber onde podiam achá-lo. Os passageiros do Aquilão tinham-se espalhado em desordem entre os jazigos para o caçarem e saltavam sobre tudo o que mexesse à sua volta.

Isso deu lugar a cenas divertidas. Foi assim que, distinguindo uma sombra à sua esquerda, o sr. Hagg saltou sobre o sr. Stone no mesmo momento em que este se preparava para agarrar o holandês.

A multiplicidade destes enganos encheu a Zé de desespero. Só o Tim poderia conseguir captar o incrível Máscara Negra. Mas, azar! Os cães não podiam entrar no cemitério. o Tim tivera que ficar no autocarro!

Obrigando o Tim a ficar no autocarro, o valente animal perdera a oportunidade de apanhar o Máscara Negra pelo fundo das calças.

O mau humor das crianças dissipou-se durante a noite. Na verdade puderam assistir à sessão de ilusionismo que o Max Normand deu a espectadores muito atentos. O artista apareceu, sorridente, elegante e bem vestido com o seu smoking azul escuro. Com uma lentidão calculada, enfiou um par de luvas brancas e finas e pôs-se a manipular umas cartas e umas bolas com uma destreza surpreendente.

Depois disso apresentou novas habilidades, entre outras um número inesperado para o qual escolheu o Tim como parceiro.

O Tim, muito surpreendido, viu as pombas voarem entre as suas patas para virem depois colocar-se-lhe na cabeça. Contudo, se aquilo o emocionou, o Tim não o deixou transparecer. O Max era o amigo da Zé, portanto seu amigo. Ora, o Max tinha-lhe ordenado que não se mexesse. E o Tim não se mexeu.

A assistência aplaudiu delirante.

No fim da representação, o Júllio, o David, a Zé, a Ana e o Palu felicitaram o Max. Depois foram deitar-se. Mas a Zé, toda a noite, não cessou de pensar no roubo de que o sr Lagarde fora vítima.

No dia seguinte de manhã, a Zé tinha um aspecto cansado pela noite passada em claro. Mas uma chamazinha brilhava-lhe nos olhos. Logo depois do pequeno almoço, declarou com gravidade aos primos e ao Palu:

- Vamos lá acima! Tenho que falar com vocês!

Quando se abrigaram na baleeira, a chefe dos Cinco entrou a sério no assunto:

- Depois do roubo feito ao teu pai, Palu, temos de agir depressa e. em segurança!. isto é, mandar prender o Máscara Negra e obrigá-lo a confessar.

O Júlio ficou a olhar para a prima, espantadíssimo:

- Prender o Máscara Negra! - exclamou ele. - Mas se nós nem sequer sabemos quem ele é!

-Ora aí está porque é preciso agirmos depressa. Só temos dois dias à nossa frente! Suponho que o nosso problema os preocupa há já bastante tempo para que tenham uma ideia sobre o assunto. Pois bem, estamos aqui para confrontarmos os nossos pontos de vista!

- Eu não tenho ideia nenhuma, - confessou o Palu. Ao princípio havia tantos suspeitos que não sabíamos qual escolher. E agora, já não resta nem um. Parece uma história de malucos. Estou a zero.

- Eu estou como o Palu - confessou a Ana. - Eu também não tenho ideia nenhuma!

A Zé voltou-se para o Júlio e para o David:

- E vocês? - perguntou ela.

O David esfregou o queixo:

- Eu - disse ele - tenho uma ideia. mas tão disparatada. Eu penso no Félix Duval. Ninguém se lembrou de desconfiar dele porque é o comissário de bordo. participou em todas as nossas descidas a Terra e se quiser pode encaminhar o Veyrac para falsas pistas.

A Zé abanou a cabeça:

- Não - disse ela. - Julgo que podes riscar o comissário. Passa a vida no mar e o Máscara Negra ataca a todo o momento.

- Tens alguma ideia, Júlio?

O rapaz alto e loiro pareceu hesitar:

-Tenho, sim - disse ele por fim. - Para explicar como o Máscara Negra faz o que quer de toda a gente, só vejo uma possibilidade: é haver vários ao mesmo tempo!

- Como é isso? - exclamou o David.

- Pois bem, esta designação de Máscara Negra esconderia na realidade um pequeno grupo de bandidos, actuando um de cada vez.

- Nesse caso - disse o Palu - pode ser qualquer dos passageiros.

- Exactamente!

De novo a Zé abanou a cabeça. Não parecia absolutamente nada convencida.

- Na minha opinião - disse ela - a existência de vários cúmplices complica geralmente as coisas. Os membros do grupo acabam por brigar, mais cedo ou mais tarde. A quadrilha acaba por dissolver-se. E é uma sorte quando os cúmplices não se traem mutuamente. Ora, o Máscara Negra opera já há muito tempo, e com toda a impunidade. Tenho a certeza de que ele costuma agir só!

- Tu - disse o David - tens com certeza alguma ideia... e melhor que as nossas, certamente!

A Zé sorriu, não sem um pouquinho de tristeza:

- Sim - disse ela prontamente. - Julgo que o Máscara Negra não é outro senão o Max Normand!

Um silêncio estupefacto acolheu esta declaração inesperada. Depois o Júlio, o David, a Ana e o Palu puseram-se a falar todos ao mesmo tempo.

-Mas não é possível... o Max! O nosso amigo!... É o melhor rapaz do mundo . Um tipo formidável . Tu estás doida, Zé.

A Zé levantou a mão para os mandar calar.

- Um tipo formidável! - respondeu ela. - Quem

o pode provar?... Nosso amigo? É ele que o diz...

- Mas ele ajudou-nos no nosso inquérito! - lembrou o David.

- Diz antes que ele ouviu as nossas confidências, que se manteve ao corrente dos nossos passos e gestos e que teve, mais que qualquer outro, a possibilidade de destruir os nossos planos e de troçar de nós!

- Ah! Como ele se deve ter rido de nós tanta vez.

- Zé! - exclamou o Júlio. - Que razões tens tu para desconfiares do Max?

A Zé levantou-se e contemplou com ar sério os primos e o Palu. Depois, com um suspiro:

- Oiçam. Mil coisas despertaram a minha atenção sem eu dar por isso. Primeiro. este nome de Max Normand que tem as mesmas iniciais que o de Máscara Negra. Em seguida, o Max tornou-se desde o princípio nosso aliado. Por isso, ainda que ele tenha participado em todas as excursões em que o Máscara Negra se manifestou, nunca pensámos em considerá-lo um dos suspeitos. Houve também outros factos. a luva branca, perdida pelo falso empregado de bordo depois do roubo das pedras preciosas do sr. Hagg, era uma luva muito fina, completamente fora do vulgar. Pois bem, ontem à noite vocês mesmos puderam ver que o Max utilizava umas luvas iguais para apresentar os seus números.

Os outros escutavam, fascinados.

- Outra coisa! - prosseguiu a Zé. - Quando da tentativa falhada do Máscara Negra para penetrar no camarote do holandês, o Tim lançou-se em perseguição do ladrão; lembram- se?. E o que se passou?.

A Zé fez uma pausa antes de continuar.

- Vimos então o Tim regressar na companhia do Max;

E o Max explicou-nos que, ignorando o que se passava, chamara o Tim à passagem e que o cão deixara imediamente de perseguir o Máscara Negra! Pois bem, qualquer coisa me faz espécie nesta declaração... Nunca o Tim, tendo recebido uma ordem minha, pararia ao apelo de alguém, nem que fosse um amigo. A verdade era outra. Eu disse ao Tim: Agarra-o, designando-lhe o fugitivo. E o Tim apanhou-o lindamente. Só que o fugitivo era o Max! O Tim não o atacou, é certo, porque ele o tinha por amigo nosso. Para ele, essa perseguição não passava duma brincadeira. Bastou em seguida o Max tirar o casaco e a máscara.

- Bolas! Assim está tudo explicado! - exclamou o Palu.

-Espera! Ainda não acabei. Portanto, não admira que tenhamos tido tão pouco sucesso no nosso inquérito. O Max ainda se ria à nossa custa. Mas a pior partida que ele nos fez foi convencer a Ana de que o Bellac e o Merlot eram os culpados que procurávamos.

- Como foi isso? - perguntou a Ana.

- Depois de ter roubado a pulseira ao Merlot, ele colocou-a bem à vista diante da porta do camarote, que ele sabia estar vazio. A primeira pessoa que passasse por ali não podia deixar de ver a pulseira. Naturalmente essa pessoa parava... Foste tu que chegaste ali, Ana. Eu julgo que o Max vigiava pela porta entreaberta dos lavabos. Logo que ele te viu decidida a bater à porta do Bellac e do Merlot, projectou a voz dele, imitando a dos dois homens. Lembrei-me daquela nito em que ele era não só ilusionista, mas também ventríloquo. Este duplo talento foi um precioso trunfo para ele!

- Ah! Bem podemos dizer que ele nos enganou a todos! - exclamou o David, furioso. - Que vamos fazer agora? Como confundi-lo, atrapalhá-lo?

- Pensei nisso esta noite! - disse a Zé.

- Zé! És fantástica! - declarou o Júlio. - Como eu te admiro!

A prima corou de prazer e continuou:

- Veio-me uma ideia. Oiçam o que vamos fazer.

Pouco depois, os pequenos abordavam o Max aparentemente com a maior das simpatias.

- Então? - disse o Max. - O que há de novo hoje? O teu pai não achou os papéis, Palu? Estou desolado por ele, como calculas!

- Oh, não é assim tão grave! - replicou o Palu.

- É verdade - atalhou a Zé. - Vamos confiar-lhe um segredo, Max. O que o Máscara Negra roubou ontem ao sr. Lagarde não é lá muito importante. O pai do Palu é um espertalhão. As fórmulas mais preciosas que ele possui estão escritas à máquina num papel muito fino que ele guarda no seu cofre-forte secreto. Ah, Ah, Ah . E sabe qual é esse cofre-forte? A parte detrás do sapato esquerdo!

- Zé! - disse o Palu, reprovando a atitude da amiga. Tu não devias ter dito isso! Era segredo!

- Ora! Com o Max isso não tem importância! - afirmou a Zé desenvolta. - E agora, se fôssemos para a piscina?

Os Cinco e o Palu desapareceram, deixando o Max sozinho. Um sorriso aberto desenhou-se nos lábios delgados do ilusionista.

- Olha, olha! - murmurou ele. - O sapato esquerdo. Obrigado pela informação, patetinhas!

Nessa noite, como em todas as noites, o sr. Lagarde para o camarote depois dum longo debate com o tio Alberto.

Despiu-se rapidamente, tomou um duche e deitou-se...

Pouco depois, dormia profundamente.

Era aproximadamente uma hora da manhã e o professor dormia a sono solto quando, de repente, uma sombra entrou pela porta e deslizou até junto da cadeira onde estava a roupa do visitante, cujo rosto se escondia por detrás de uma máscara negra, apoderou-se de um sapato e bateu em retirada na ponta dos pés.

E então, bruscamente, quebrou-se o silêncio do barco. Dos camarotes vizinhos saíram, ao mesmo tempo, os Cinco, o Palu, o tio Alberto e a tia Clara, o comandante, o comissário e o sr. Veyrac.

Antes mesmo de ter podido compreender o que lhe acontecia, o Máscara Negra. que tinha resolvido copiar o documento roubado e tornar a pô-lo no lugar. achou-se atado, preso, reduzido à impotência. A máscara negra foi-lhe arrancada.

- Bom trabalho, Zé! - exclamou o David. - Não te enganaste. É mesmo o Max Normand! Caiu na tua armadilha!

O ladrão encarou a Zé com uns olhos chamejantes:

-Maldita miúda! - exclamou ele. - Se não fosse ela...

Ele que durante tanto tempo desafiara o mundo, devia agora a sua derrota a um grupo de crianças. Enquanto o arrastavam, os passageiros, alertados pelo ruído, surgiam e pediam que lhes explicassem aquela espantosa história. As exclamações cruzavam-se. Todos quiseram felicitar os jovens detectives.

Mas a Zé não se sentia satisfeita. No dia seguinte de manhã, soube que Max recusara revelar onde tinha escondido o produto dos roubos e também que uma busca geral ao barco não tinha surtido efeito. Então, reuniu de novo os companheiros:

- A nós compete deslindar esta meada! - declarou ela.

- Amanhã chegaremos a Marselha, e os polícias vão invadir o barco. É preciso que encontremos, antes deles, as jóias roubadas e os papéis do sr. Lagarde. De acordo?

- De acordo, - responderam em coro o Júlio, o David,

a Ana e o Palu.

Os jovens detectives apenas dispunham dum tempo muito limitado para encontrarem os tesouros roubados pelo Máscara Negra. Iriam consegui-lo?

Para começar, resolveram passar a pente fino todas as partes do Aquilão às quais o Max pudera ter acesso. A Hortense Richter, mais brandinha e cheia de esperança, veio propor-lhes a sua ajuda. Os Herrington, a menina Ping, o sr. Stone e o Fortuné Barge fizeram outro tanto. O Jean Bellac prometeu-lhes uma bela recompensa se achassem a carteira dele.

Em suma, cada um fez o melhor que pôde para os ajudar e estimular... Mas, nada! Esse dia passou-se em buscas vãs.

- Sótemos esta noite e amanhã de manhã! - suspirou finalmente a Ana. - Em seguida, será a chegada a Marselha e o regresso a Kirrin.

- Não vamos agora perder a coragem - disse o Palu. Continuemos a procurar!

Ele próprio pôs tanto ardor nas suas investigações que ficou entalado com a cabeça para baixo numa mangueira metálica de ar. Dois empregados de bordo tiveram as maiores dificuldades em tirá-lo da sua infeliz posição sem o magoarem.

Veio a noite. Os Cinco continuavam sem nada conseguir.

- Ora! - disse o David. - Amanhã voltaremos à nossa tarefa. Para esta noite, chega. sabem que vão deitar fogo de artifício a bordo?

- Óptimo! - exclamou a Zé. - Estou ansiosa por ver isso!

Esquecendo as suas preocupações, os jovens agentes da polícia secreta só pensaram em aproveitar da sua última noite no mar. Só a Ana estava um pouco triste. O seu coração comprimia-se ao pensar na velhacaria do seu amigo, Max em quem ela, tão inocentemente, depositara confiança.

- É a vida, minha linda! Esquece tudo isso! - aconselhou o David com a filosofia própria de quem era mais velho.

- Hás-de aprender com a idade.

Nessa noite, o jantar reuniu os passageiros à volta duma ementa particularmente cuidada. Desde a prisão do Máscara Negra, que devia ser entregue no dia seguinte à polícia francesa, a atmosfera estava menos pesada. A própria Hortense Richter mostrava-se de uma amabilidade extrema.

- Brindo - disse o comandante erguendo a taça e dirigindo-se às crianças - ao triunfo dos jovens detectives que aqui estão! Graças a eles este cruzeiro tão movimentado acaba em alegria.

O pobre sr. Veyrac, infeliz investigador, aplaudiu como toda a gente. A tia Clara parecia feliz e orgulhosa. Em contrapartida, o marido e o sr. Lagarde só prestavam atenção à sua própria conversa.

- E agora, o fogo de artifício! - anunciou o comissário Félix Duval. - Dois dos nossos oficiais vão atirá-lo duma lancha bastante afastada do Aquilão para que todos possam aproveitar do espectáculo sem terem que recear desagradáveis consequências. Convido-os a passarem à coberta!

Enquanto a lancha dos pirotécnicos se afastava na noite, os passageiros instalaram-se, comodamente, em cadeiras, na coberta, ou encostaram-se à amurada.

- Vamos mais lá para cima! - sugeriu o Júlio. - lá, teremos uma vista maravilhosa.

- Vamos! - concordaram os companheiros em coro. Não tiveram muito que esperar. em breve um primeiro foguete se elevou, graciosamente, no ar calmo da noite. espalhou-se num ramo de fogo e caíu no mar, emitindo fraco crepitar.

O Passarola, encarrapitado no ombro do Palu, esfregava os olhos e deixara escapar pequenos gemidos inquietos. Não parecia lá muito à vontade.

Os pequenos, entretidos com o pitoresco espectáculo, nem prestavam atenção ao macaco. um novo foguete elevou-se no céu! Desta vez, uma série de estalos assinalou a sua desintegração no meio dum feixe de centelhas multicores.

O Passarola, realmente assustado, meteu o focinho no pescoço do Palu, que lhe deu uma pancada com a mão para ele estar quieto.

- Está quieto, Passarola! Não tenhas medo! O fogo de artifício prosseguiu, transformando as ondas calmas num espelho mágico. Céu e mar estavam igualmente iluminados pelo bailado feérico dos foguetes. A atracção acabou por um ramalhete enorme acompanhado pelo que pareciam verdadeiros tiros de canhão.

Desta vez, o Passarola, tomado de pânico, perdeu a cabeça. Deu um salto para o chão e, guinchando de susto, desapareceu nas trevas.

- Bolas! - disse o Palu. - Eu devia tê-lo prendido. Mas, habitualmente, ele é tão sossegado que nem me lembrei!

- Vamos apanhá-lo! - aconselhou o David. - De toda a maneira, a festa já terminou.

Os Cinco e o Palu precipitaram-se então para a escada por onde o Passarola devia, sem dúvida, ter descido.

- É possível que ele deva ter procurado refugiar-se no nosso camarote - disse o Palu ao Júlio e ao David. - Vão ver que está lá à porta.

Mas o macaco não estava diante do camarote dos três rapazes.

Durante a hora que se seguiu, os jovens detectives procuraram por todos os lados e interrogavam as pessoas que iam encontrando. Mas ninguém vira o Passarola que continuava sem aparecer!

O Palu acabou por perder a coragem.

- Receio que o meu pobre Passarola tenha saltado do barco! Estava num tal estado de pânico!.

A Zé teve uma inspiração súbita:

- Oh! Palu! como é que eu não pensei nisso mais cedo?

- exclamou ela. - Vamos depressa buscar a almofada em que o Passarola costuma dormir. Depois, damo-la a cheirar ao Tim.

O Tim farejou muito tempo a almofada.

- E agora - disse a Zé - procura, meu querido Tim! Procura o Passarola!. Vai buscá-lo!

O Tim não se fez esperar. Correu tão depressa que a Zé mal teve tempo de o agarrar pela coleira.

-Então! Não vás tão depressa! Espera por nós! O Tim começou por voltar à coberta. Dali, foi para o local, junto da baleeira onde os Cinco costumavam juntar-se.

- Vá lá, cão! Meu bom cão! - resmungou o David. Ele trouxe-nos ao ponto de partida. Assim não vamos longe!

- Deixa lá! Ele sabe o que faz! - respondeu a Zé.

O Tim parou diante da baleeira onde as crianças costumavam reunir-se. Então, ergueu-se e apoiou-se nas patas da frente. A seguir meteu o focinho debaixo do toldo e cheirou intensamente.

- Béu! - fez ele.

Um pequeno guincho amedrontado fez-se ouvir. O Palu e a Zé afastaram o toldo e avistaram o Passarola encolhido no fundo do barco. Quando o Palu estendeu a mão, o macaco desapareceu na caixa dos víveres que tinha conseguido abrir.

- Maroto! - disse o Palu. - Queres sair daí! Ao estender o braço para tentar apanhar o Passarola o rapaz entornou um garrafão de água doce. Esta, em vez de fazer glu- glu fez ding-ding!

Os pequenos olharam-se, intrigados.

- Então o que é que há lá dentro? - exclamou a Zé. Tirou a rolha e deitou o conteúdo do recipiente sobre a coberta. Jóias e objectos valiosos caíram a seus pés.

- As pedras do sr. Hagg! O colar da sr.a Herrington! O rubi do Pedro Ruiz! O relógio do sr. Barge! Os anéis da Hortense Richter! A jóia da menina Ping! Está tudo aqui!

O Júlio apoderou-se então duma caixa de biscoitos e abriu-a.

Lá dentro, encontrou as carteiras roubadas a diferentes passageiros e também os documentos do pai do Palu.

-Formidável! - exclamou o David, cheio de entusiasmo. - O Tim encontrou o esconderijo onde o Máscara Negra amontoava os seus tesouros!

- O Passarola tem meia parte na descoberta! - disse a Zé, amavelmente.

- Mas tu é que tiveste a ideia de largares o cão na pista do macaco! - replicou generosamente o Palu que tinha empenho em prestar homenagem à chefe do Clube dos Cinco.

Delirantes de alegria, os jovens detectives reuniram depressa os objectos encontrados e, com grande formalidade, foram levá-los ao comandante. Yves Perrec abriu uns enormes olhos de espanto. O comissário e o Sr. Veyrac, que se encontravam ao pé dele soltaram exclamações de surpresa:

- Meus filhos - disse o comandante, maravilhado - jamais esquecerei o que acabo de presenciar! Graças a vocês, espero evitar aborrecimentos com a companhia proprietária do navio. Amanhã entregaremos o Max Normand às autoridades... Mas, para já, vamos restituir os objectos roubados aos passageiros lesados.

A hora que se seguiu foi extraordinária. Toda a gente queria agradecer, felicitar, abraçar, recompensar os Cinco e o Palu. E o Tim só escapou a uma indigestão de açúcar, por ser um cão muito comedido.

A chegada do Aquilão a Marselha foi, de facto, triunfal. A polícia e a imprensa, prevenidas pela rádio, estavam lá à espera...

Quando a passerelle foi colocada no lugar e os Cinco, seguidos do Palu e do Passarola, começaram a descer, os repórteres começaram a disparar os flashes.

Pouco depois de ter desembarcado o último passageiro, o Max Normand, aliás o Máscara Negra, fez a sua aparição. Tinha a cabeça baixa e fez o possível por escapar aos jornalistas... É que o Max já não pensava fazer de fanfarrão...

Nesse mesmo dia, antes de tomarem o comboio para Kirrin, o Tio Alberto e a tia Clara, o sr. Lagarde e as crianças foram convidados para uma refeição oferecida pelos restantes passageiros como prova de reconhecimento.

Foi uma alegre reunião. Daí a instantes, todos se separariam para seguir cada um o seu caminho.

- Mas nunca esqueceremos o que fizeram por nós, meus queridos, vocês e o vosso admirável cão - disse, à sobremesa, uma voz cheia de doçura.

A Zé mordeu os lábios para não se rir. A pessoa que acabava de falar era nem mais nem menos que a Hortense Richter!

- Estão a ver - sussurrou a Zé aos primos e ao Palu. Há uma coisa mais espantosa ainda que os golpes do Máscara Negra e até que a nossa descoberta. Foi a transformação da nossa bruxa numa mulher reconhecida e amável. Pode dizer-se que este cruzeiro foi recheado de imprevistos!

- Béu - aprovou o Tim.

E a refeição acabou entre alegres risadas.

 

                                                                                Enid Blyton  

 

                      

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