Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CORAÇÃO COMANCHE / Catherine Anderson
CORAÇÃO COMANCHE / Catherine Anderson

 

 

                                                                                                                                   

 

 

 

 

 

Amy Masters se viu obrigada a deixar seu lar na planície do Texas e busca refugio nas douradas colinas do Oregón. Ali começará uma nova vida, embora não pode esquecer a promessa feita anos atrás a Antílope Veloz, um magnífico guerreiro comanche que tinha conquistado seu coração. Entretanto, muitas coisas trocaram no mundo que a rodeava e agora Antílope é um conhecido pistoleiro cuja cruel reputação lhe precede lá onde vai.

Ele jurou que jamais voltaria a perder sua honra e seu orgulho, e que a beleza com cabelos beijados pelo sol que com freqüência lhe atormenta em sonhos deverá cumprir a sagrada promessa que lhe fez sob a proteção e amparo de toda sua tribo. Mas poderá conseguir que ela cria em seus sinceros sentimentos e despertar sua paixão com suas ofegantes carícias?

 

 

 

 

                                                     Prólogo

Texas, 1876.

Como alma desconsolada, o vento assobiava e ululava envolvendo a Antílope Veloz, cegando-o com um véu negro de cabelo que lhe impedia de ver a tumba solitária que se elevava ante ele. Não pestanejava. A ardência que sentia nos olhos pertencia aos vivos, e neste momento só queria estar com os mortos.

A tosca cruz cravada na tumba da Amy Masters, sacudida pelas inclemências do tempo, havia já renunciado a manter-se ereta. Veloz examinou as ásperas letras esculpidas com crueldade na madeira, quase apagadas pelo tempo, e se perguntou se estas palavras conteriam a canção da Amy. Por algum motivo, duvidou que o tivo tiv-ope, a escritura dos homens brancos, pudesse compor uma imagem que fizesse honra a sua magnificência.

«Amy...»

As lembranças da Amy se formavam redemoinhos na cabeça de Antílope Veloz, com tanta vivacidade como se a tivesse visto ontem. Cabelo dourado, olhos azuis, sorriso radiante... sua formosa, doce e valente Amy. Estas lembranças o fizeram chorar com mais remorso que vergonha, porque deveria ter chorado sua perda muito tempo atrás. A dor lhe fez encolher-se de ombros. Se tivesse chegado antes. «Doze anos.» Rompia-lhe o coração imaginar que ela o tinha esperado ali, unida a ele de por vida por uma promessa de matrimônio, para morrer antes de que ele pudesse cumprir com sua parte do compromisso e voltar a procurá-la.

As palavras que Henry Masters lhe tinha dirigido sozinho uns momentos antes, ressonaram em sua cabeça: «Não está aqui, sujo comanche. E é uma bênção, se quer saber minha opinião, que seja assim, com tipejos como você vindo a cortejá-la. O cólera a levou faz cinco anos. Está enterrada na parte de atrás, junto ao celeiro».

Com mão tremente, Antílope Veloz endireitou a cruz que marcava a tumba da Amy, tratando de imaginar como devia ter sido sua vida, esperando-o nesta granja miserável. Ao morrer, teria cuidadoso ao horizonte com a esperança de vê-lo ali? Teria entendido que solo tinha sido a grande batalha por sua gente a que o tinha mantido afastado dela? Tinha prometido que voltaria para por ela, e tinha completo com sua promessa. Mas o tinha feito com cinco anos de atraso.

Antílope Veloz sabia que devia montar em seu cavalo e sair dali. Seus companheiros o esperavam a uns quilômetros ao oeste, com as alforjas cheias de lingotes de ouro e o olhar posto no norte, aonde esperavam conduzir o gado roubado. Mas era como se a Antílope Veloz faltasse a determinação necessária para pôr um pé diante de outro. Seu plano de comprar um próspero rancho de gado tinha deixado de lhe interessar. Tudo o que era jazia ali, com a Amy, naquela granja inóspita.

Antílope levantou a cabeça e ficou observando os campos de erva que se estendiam além da granja. Sentiu um enorme vazio, similar ao que sentiu quando um ano antes tinha entrado no canhão Tule. Nesse lugar, em mês passado de setembro, Mackenzie e seus soldados tinham massacrado a quatrocentos cavalos comanches e tinham deixado ali seus corpos para que se apodrecessem. Embora Antílope Veloz tinha tido notícias do assalto que tinha sofrido seu povo no canhão de Pau Duro, embora sabia de sua derrota, não pôde dá-lo como certo até que viu os milhares de ossos pulverizados pela superfície do canhão, únicos restos visíveis da manada comanche. Foi então quando Antílope Veloz soube, no mais profundo de seu ser, que sua gente estava acabada; sem cavalos não eram nada.

Ao igual a ele não era nada sem a Amy.

Ficando em pé, desencapou a faca e se rachou a bochecha da sobrancelha até o queixo, um último tributo à enérgica garota tosi que lhe tinha roubado o coração com a generosidade de seu amor. O sangue chegou jorrando até o montículo de terra de sua tumba. imaginou que era absorvida pela terra, que se mesclava com seus ossos. Se fosse assim, uma parte dele ficaria aqui com ela, por muito longe que viajasse ou muitos invernos que passassem.

O comanche elevou os ombros, embainhou a faca e caminhou para seu cavalo. depois de montar, ficou ali sentado um momento, com a vista perdida no horizonte. Seus amigos o esperavam para o oeste. Antílope esporeou o cavalo e cavalgou em direção sul. Não sabia aonde ia. E tampouco lhe importava.

                                                     Capítulo 1

Março de 1879.

Amy Masters golpeou o chão com os saltos de seus sapatos para manter em movimento a cadeira de balanço. A pesar do calor que desprendia a chaminé, o frio se penetrou por debaixo de sua saia de lã e instalado nas anáguas e meias de canalé. Tivesse-lhe ajudado acender o abajur, mas por agora preferia estar em penumbra. Por alguma razão, a luz do fogo lhe resultava reconfortante. Gostava de ver como jogava com o papel de motivos florais que cobria o salão, lhe recordando aquelas largas noites do verão no Texas, quando o fogo convertia os tipis do povoado de Caçador em cones investidos de âmbar brilhante contra o céu azul piçarra.

O som de vozes e risadas apagadas fez que Amy voltasse sua atenção para a rua. ouviu-se uma portada. Depois um cão ladrando, um som que lhe desejou muito distante e solitário. Todos em Terra de Lobos se recolheram em suas casas para dormir, algo que ela era incapaz de fazer. Logo dariam as cinco. O pai Ou'Grady do Jacksonville visitava o povo tão poucas vezes que odiava a idéia de perdê-la missa. Ele deixaria a região ao dia seguinte e tomaria o caminho do norte em direção à missão do Corvallis. Depois se encaminharia ao oeste, para o Empire, no Coos Bay, e depois ao este até o Lakeview. Passariam semanas antes de que voltasse a dizer missa outra vez no Saint Joseph, a igreja do Jacksonville, e muito mais para que visitasse Terra de Lobos. Com um marido, dois filhos e um padre visitante ao que alimentar, Loretta necessitaria ajuda para preparar o café da manhã. Mesmo assim, Amy resistia a ir-se dormir.

Despedir-se de um bom amigo e de suas queridos lembranças levava seu tempo.

Com um suspiro, baixou os olhos para as páginas cuidadosamente dobradas do periódico do Jacksonville, Democratic Teme, que tinha nas mãos. Os horríveis rumores sobre Antílope Veloz tinham circulado por Terra de Lobos desde fazia um par de anos, mas Amy se negou a acreditá-los. Agora, depois de ler esta nova notícia, não podia negar por mais tempo a realidade. Seu amigo da infância, o único homem ao que tinha amado em sua vida, converteu-se em um assassino.

Com a cabeça apoiada no respaldo da cadeira de balanço, Amy olhou o desenho ao lápis-carvão de Antílope Veloz que tinha pendurado sobre a chaminé. sabia-se de cor cada uma de suas linhas, sobre tudo porque o tinha desenhado ela. À luz lhe pisquem do fogo, seu perfil era tão vivo que parecia que em qualquer momento fosse girar se e lhe dedicar um sorriso. Uma estupidez, dado o pouco talento que tinha como pintora. Tinha um rosto tão belo... Antílope Veloz. Esse nome era como uma carícia para ela.

Segundo o artigo, agora se fazia chamar Veloz López. Seu nome comanche tinha deixado de lhe servir agora que tinha escapado da reserva e tinha começado a trabalhar como vaqueiro. Inclusive Amy tinha que admitir que sua eleição era inteligente. Tinha escolhido as últimas sílabas de «Antílope» para criar um nome mexicano. Apesar de ter sido adotado pela tribo e criado como um comanche, a origem espanhola de Antílope Veloz sempre tinha ficado patente em seus finos rasgos. Mas, embora admirasse seu engenho e compreendesse sua necessidade de escapar das estritas regras da vida na reserva, sentia-se traída.

Um comanchero e um pistoleiro de má fama...

As palavras do artigo do periódico ressonavam em sua mente, lhe conjurando imagens que lhe punham a pele de galinha. Durante todos estes anos tinha conservado as lembranças de seu querido Antílope Veloz, imaginando-o como quando tinham dezesseis anos, um jovem nobre, valente e amável, um sonhador. No mais profundo de seu ser, tinha acreditado que manteria sua promessa e viria a procurá-la assim que a batalha dos comanches pela sobrevivência tivesse terminado. Agora se dava conta de que nunca o faria. E inclusive embora o fizesse, desprezaria-o por aquilo no que se converteu.

Um triste sorriso se desenhou em sua cara. Com vinte e sete anos, era um pouco major para seguir construindo castelos no ar. Antílope Veloz tinha feito essa promessa de matrimônio a uma alegre menina de doze anos, e embora os comanches pensassem que as promessas eram para sempre, tinha chovido muito após: sua nação tinha sido destruída; seus seres queridos, massacrados. Embora a menina que havia em seu interior odiasse admiti-lo, ele devia ter trocado também, deixando de ser um amável e protetor menino para converter-se em um homem dominante e implacável. Deveria agradecer a Deus que não tivesse vindo a procurá-la.

Provavelmente nem sequer se lembraria dela. Amy era a estranha, a que vivia a vida da barreira, com o coração posto em um passado de promessas que se levou o vento do Texas.

Incorporando-se, atirou a página do periódico ao fogo. O papel se consumiu em uma chama de luz. O aroma acre da tinta ao arder penetrou em suas fossas nasais. levantou-se da cadeira de balanço e caminhou para a chaminé. Com mãos trementes, agarrou o desenho de Antílope Veloz. As lágrimas lhe enchiam os olhos quando se inclinou com a intenção de atirar o retrato às chamas.

Ao olhá-lo à cara, quase pôde cheirar as planícies do Texas no verão, ouvir o som das risadas dos meninos, sentir o tato de sua mão sobre a dela. «Mantén sempre os olhos no horizonte, garota de ouro. O que ficou atrás é passado.» Quantas vezes tinha encontrado consolo nessas palavras, recordando cada inflexão da voz de Antílope Veloz?

Não podia viver o resto de sua vida no passado. O Antílope Veloz que ela tinha conhecido tivesse sido o primeiro em brigá-la por manter-se obstinada às lembranças. E entretanto... Tocou com a ponta do dedo o papel, riscando a linha majestosa de seu nariz, o arco perfeito de sua boca... E se tocou sua própria boca, cheia de tristeza.

Com um suspiro esmigalhado voltou a pôr o desenho em cima da chaminé, incapaz de entregá-lo às chamas, incapaz de lhe dizer ainda o último adeus. Antílope Veloz tinha sido seu amigo, seu amor inocente, seu salvador. Lhe tinha feito sentir-se limpa de novo, e lhe havia devolvido a integridade. Podia ser tão mau entesourar estas lembranças? Acaso importava no que ele se converteu? De todas formas, não voltaria a vê-lo nunca mais.

Sentindo-se inexplicavelmente sozinha, Amy deu as costas ao retrato e caminhou pelo pequeno e pouco iluminado salão, detendo-se na vitrine cheia de figuras e adornos. Passou os dedos por um dos objetos, um urso que lhe tinha esculpido Jeremiah, um dos alunos. Na prateleira inferior ao do urso, havia um vaso com flores secas que a menina dos Hamstead tinha recolhido. Ao ver os presentes, e sua simplicidade, sentiu-se reanimada. Gostava de ensinar. Como podia sentir-se só quando sua vida estava cheia de pessoas que a queriam, não só seus estudantes, mas também Loretta e sua família?

Embora os ocos mais profundos da casa estavam às escuras, deu-se a volta em direção ao dormitório, e avançou uma vez mais sem acender o abajur. Desde menina sofria de uma cegueira noturna severo, mas fazia tempo que se familiarizou com a casa e podia mover-se por ela sem tropeçar, com um pouco de cuidado. Despindo-se rapidamente para não ficar fria, embainhou-se a camisola branca e o abotoou até o queixo. Tremendo, dobrou a roupa que acabava de tirar-se e a colocou em uma pilha sobre o escritório, para tê-la a emano pela manhã. Depois, desfrutando da tranqüilidade que dá a rotina, sentou-se frente ao penteadeira, soltou-se o cabelo e jogando mão da escova começou a pentear seus largos cabelos um centenar de vezes, como era seu costume.

Olhou fixamente em direção à cama, incapaz de discernir a forma. Tivesse-lhe vindo bem envolver algumas pedras quentes em uma toalha e as colocar entre os lençóis, mas não ficavam forças. Era como se a impenetrável escuridão a imobilizasse, silenciosa e opressiva. Começou a sentir uma estranha tensão na garganta. Deixou o pente a um lado, foi à janela e se apoiou no marco. Através do cristal embaciado, viu a rua principal do povo iluminada pelas luzes que saíam do botequim Lucky Nugget.

Não havia estrelas no céu. Em março, o sul do Oregón começava a desfrutar de alguns dias da primavera, mas o de hoje tinha sido especialmente frio. As capas de névoa cobriam a parte alta dos telhados. A claridade da lua permitia ver o vapor de chuva que caía sobre as calçadas. Ao dia seguinte, a rua estaria cheia de atoleiros. A diferença da próxima Jacksonville, Terra de Lobos não tinha retirado ainda a terra e o cascalho de suas ruas.

Teve outra vez um calafrio, suficiente para meter-se correndo na cama e procurar a calidez entre as frite lençóis. Com a bochecha sobre o travesseiro, observou o ramo nu que o vento agitava ao outro lado da janela.

Amy tinha medo de fechar os olhos, e esta noite mais que nenhuma outra. Ler esse artigo no periódico tinha removido muitas coisas do passado, lhe recordando todos esses horrores que ela preferia esquecer. Solo faltavam umas horas para que amanhecesse, mas isto não evitava a eternidade escura que ainda tinha por diante. Com estas histórias na cabeça, viriam os comancheros a seus sonhos? E se assim era, estaria o semblante de Antílope Veloz entre seus rostos brutais? Em outras ocasiões, ao despertar depois de um pesadelo, a lembrança de Antílope Veloz sempre tinha conseguido apaziguá-la. Agora ele cavalgava com os homens de seus pesadelos, com os assassinos, os ladrões... e os violadores.

imaginou a saída do sol nas pradarias do Texas, o horizonte para o este talher de débeis franjas rosadas, debaixo de um céu cinza plúmbeo. fixaria-se Antílope Veloz no amanhecer? Jogaria o vento do norte, com esse aroma doce a erva e flores selvagens da primavera, com seu rosto? Quando olhasse ao horizonte, recordaria ele, embora só fora por um instante, aquele longínquo verão?

 

À medida que o sol ia ascendendo, Veloz López parecia sentir uma tensão maior entre os homens com os que cavalgava. Inclusive seu cavalo negro, Diabo, parecia senti-la, já que relinchava e se moviam com nervosos quiebros. Veloz sabia que o aborrecimento no Chink Gabriel e seus homens tinha o mesmo efeito que a sujeição nos cavalos: voltava-os um pouco loucos. Durante muitos dias tinham viajado sem incidentes. Se por acaso isto fora pouco, o ar quente da manhã transportava os aromas da incipiente primavera. Esta estação do ano punha nervosos a todos. Solo que, no caso destes tipos, a tensão podia fazer que se voltassem perigosos.

Cobrindo-os olhos com a asa do chapéu negro, Veloz se tornou para trás na cadeira e deixou que o passo sereno dos cascos de seu cavalo o balançassem. Os pássaros gorjeavam posados sobre o campo de erva e revoavam com frenesi cada vez que os cavalos se aproximavam muito. Viu também a um coelho que corria dando saltos a sua direita.

Por um momento desejou poder voltar atrás no tempo, poder cavalgar outra vez com bons amigos que, além da linha de visão, elevasse-se um povoado comanche. Era um desejo que estava acostumado a ter muito freqüentemente e lhe resultava tão doce, tão real, que quase podia cheirar a carne fresca posta a cozinhar ao fogo.

ao longe se ouviu o repique de sinos de uma igreja. Anunciava-lhe o dia da semana no que estavam e a existência de um povo no alto da colina. Contraiu a boca, e tratou de perceber uma vez mais os aromas que trazia o ar. Chegou-lhe o aroma a vitela ao fogo. passou-se a mão pela mandíbula sem barbear. Nesse momento, daria o que fora por um banho e uma boa jarra de uísque.

Chink Gabriel, que cavalgava junto a Veloz, pôs a seu ruano ao passo.

—Que me crucifiquem se isso não é o sino de uma igreja. Há um povo ali perto. Anda que não faz tempo que não cheiro uma saia, estou mais quente que uma cadela em zelo.

Algo mais atrás, José Rodríguez cuspiu tabaco e disse:

—A última vez que estive com uma moça, estava tão bêbado que à manhã seguinte nem sequer lembrava de ter jogado uma calota. Saí do povo tão quente como quando entrei.

Touro Jesperson, cujo nome fazia honra a sua corpulenta figura, emitiu um desagradável mugido.

—Um dia destes, vais pagar muito caras suas bebedeiras.

—Ah, sim? E você o que sabe? —desafiou-lhe Rodríguez.

—vais agarrar uma dessas enfermidades, vá que sim. Levantará-te uma manhã e verá que tem podre sua pistola.

—E o que se pode esperar por dois dólares? —grunhiu outro homem—. Essas rameiras com as que estivemos a última vez eram o mais sujo que vi nunca.

Rodríguez riu.

—O único sítio limpo que tinha a minha era sua teta esquerda, e só porque Touro tinha estado com ela antes que eu.

—Né, Touro! —gritou alguém—. Acaso sua pistola se vê estranha ultimamente? Porque a mierda da do José parece haver-se limpo!

Houve uma explosão de risadas e os homens começaram a contar-se suas histórias favoritas: as de prostitutas. Veloz os escutava sozinho pela metade. Ele sozinho tinha pago uma vez por obter os favores de uma mulher, e não porque lhe pedisse dinheiro, mas sim porque ia vestida com farrapos. Entre comanches, as mulheres nunca têm que vender seus corpos para sobreviver. Em opinião de Veloz, os homens que freqüentavam os prostíbulos eram muito mais selvagens e insensíveis que qualquer das maldades que se supõe que tinham cometido os comanches.

Charlie Stone, um ruivo corpulento de barba rala, fez deter seu cavalo tordo.

—Sim, também tenho o pescoço dolorido. E você o que, López?

Consciente de que a pergunta comportava um desafio e de que sua resposta não ia não a influir no que decidissem vinte homens, Veloz se tirou o relógio do bolso e jogou uma olhada à hora.

—Ainda é cedo.

—Sim, todas as pichoncitas devem estar ainda na cama —sugeriu alguém.

—Talvez o negócio foi mal ontem à noite —comentou Chink—. Se não, dez dólares de mais farão que despertem imediatamente.

A Veloz não o fazia nenhuma graça entrar nos povos a plena luz do dia. E hoje menos que nunca, sabendo que Chink e outros estavam ansiosos de armar bronca. Fazendo um círculo com o cavalo, elevou a vista pela planície que se estendia ante eles. No horizonte podia ver-se uma granja. Voltou a colocar o relógio no bolso e tirou uma moeda de cinco dólares que lançou ao ar em direção ao Chink.

—Parece-me que vou me jogar uma sesta. me traga uma garrafa quando voltar.

—Não se pode joder com uma garrafa —protestou Charlie—. Você não é normal, López. Acaso te crie muito bom para ir de putas ou o que? —Ao ver que Veloz não respondia, Charlie apertou o lábio—. Irá onde nós vamos. É a norma. Não é certo, Chink?

Veloz saltou para baixar do cavalo, fazendo soar as esporas ao pisar na erva.

—O que passa é que tem medo, isso é o que passa —se gabou Charlie—. Tem medo de que algum menino mau reconheça essa linda tua cara e te arranque a cabeça de coalho. Não é assim, López? Está-te abrandando.

Com cara inexpressiva, Veloz devolveu o olhar ao Charlie Stone e soltou de repente a cilha da cadeira. depois de uns momentos de tensão, Charlie pigarreou com nervosismo. Apartou o olhar. Veloz desensilló ao cavalo e, bordeando aos outros cavaleiros, conduziu-o até um lugar à sombra.

Chink suspirou, esporeou suas arreios e saiu disparado para o povo. Veloz sabia que ao chefe dos comancheros não gostava que um de seus homens ficasse fora. Mas ele não se considerava um de seus homens, nunca tinha sido assim, e tampouco ia trocar agora. A única razão pela que se ficou com o Chink um ano e meio atrás era para seguir em movimento. Os problemas tinham a virtude de pisar nos talões de um, e ele tinha que ser preparado se queria evitá-los.

—Está seguro de que não quer vir? —perguntou Chink.

Veloz atou seu cavalo e depois se tombou de costas na sombra, com a cadeira como travesseiro. Sem responder, fechou os olhos. Sabia que Chink não tinha guelra para desencapar as pistolas por um pouco tão corriqueiro.

—Vamos —disse Charlie—, deixa a esse sujo filho de puta que durma tranqüilo.

Quando o som dos cascos se perdeu na lonjura, Veloz tirou seus revólveres Colt 45 chapeados da cartucheira e ficou a revisar o tambor, um costume já arraigado nele. Depois voltou a recostar-se na cadeira, abandonando-se ao sonho com a confiança de quem tem em suas mãos duas armas carregadas e está dotado de um fino ouvido e rápidos reflexos.

Não passariam nem cinco minutos antes de que Veloz tivesse que pôr a prova tanto seu ouvido como seus reflexos. Uns cavalos se aproximavam, e o faziam a grande velocidade. ficou em pé de um salto e tirou a pistola antes inclusive de reconhecer o som por completo. Ao descobrir que o primeiro cavalo era o do Chink, Gabriel se relaxou um pouco. Os homens açulavam seus monturas, e isto estava acostumado a pressagiar que se moravam problemas. Veloz embainhou seu Colt e selou rapidamente o cavalo, preparado para cavalgar se era necessário.

—Olhe o que encontramos —gritou Chink enquanto dirigia o cavalo para onde estava Veloz—. Uma pichoncita, e que me crucifiquem se não ser a coisa mais saborosa que viu nunca.

Embora lhe deslumbrava o sol, Veloz viu que Chantal levava a uma garota colocada na cadeira como se fora um fardo. Um arbusto de cabelo dourado lhe cobria a cara e formava uma espécie de cortina espessa que chegava até a pança do cavalo.

A Veloz lhe encolheu o estômago. Desde que se inteirou três anos atrás da morte da Amy, estranha vez se permitia pensar nela, mas cada certo tempo, como agora, as lembranças entravam em sua cabeça sem chamar, amargos, e então lhe invadia uma sensação de perda insuportável. O cabelo desta garota era de cor loira amarelo, e embora o da Amy era dourado como o mel, o parecido lhe golpeou como se lhe tivessem dado uma patada bem dirigida. Anos atrás Amy também tinha sido vítima de uma banda de comancheros.

Chink saltou do cavalo, sorridente e sem barbear. ficou a sová-la entrepierna com uma mão.

—Tiraremos um bom preço por ela na fronteira, mas antes, não acredito que perca muito valor se a provarmos um pouco.

Charlie cavalgou até ele e deixou cair à garota do cavalo. A moça gritou ao sentir o golpe do ombro contra a erva. Com muita dificuldade, tratou de ficar em pé. Levava uma roupa que Veloz não tinha visto nunca antes, uma saia calça e uma blusa feita à medida que se ajustava a seus peitos como uma segunda pele. Imaginou que o traje tinha sido desenhado para montar a cavalo, mas fora qual fora seu propósito, um modelo tão revelador do corpo feminino não servia a não ser para açular os apetites masculinos... vinte, em concreto.

A garota pôs-se a correr. Três homens esporearam seus cavalos para persegui-la, rendo-se de seus intentos de fuga. Veloz apertou a mandíbula. Não estava de acordo com as violações, mas não podia ajudar muito à garota com vinte pistolas lhe apontando ao gogó. Para começar, essa maldita garota não deveria ter estado cavalgando sozinha.

Chink deixou pendurando as rédeas do cavalo e correu a agarrar à loira, rendo-se ao ver que resistia. Deu-lhe uma patada e a levou de volta ao sítio no que havia sombra. Os outros homens descenderam de seus cavalos e lhe seguiram como pintinhos à galinha. Veloz se manteve em silêncio. Chink atirou à garota ao chão e a agarrou pela blusa. Os botões saíram voando. O tecido se rasgou. Dando um grande chiado, a garota lutou com todas suas forças para livrar-se dele.

—Maldito seja, Touro, não vais ter nem que lhe limpar as tetas —gritou alguém.

—Que alguém me ajude a lhe tirar as calças —ordenou Chink.

Veloz se deu a volta e se afastou caminhando. Solo um idiota se deixaria matar por uma mulher que não conhecia. Com essa roupa estava pedindo a gritos que a abrissem de pernas. Terminou de apertar a cilha da cadeira, fazendo ouvidos surdos aos gritos da garota. Acaso pensava que alguém ia ouvi-la? Em todo caso ninguém a quem lhe importasse seu bem-estar.

Chink grunhiu como se lhe tivessem dado uma patada. Ao momento seguinte, Veloz ouviu o doentio estampido que faz um punho ao tocar a carne. A garota voltou a gritar.

—Façam que a putita fique quieta —mugiu Chink—. Vós dois, agarrem pelos tornozelos. Não tão forte. Eu gosto que lutem um pouco. Porque vais enfrentar te a mim, verdade, preciosidade? Te vais animar e me dar uma viagem dos que possa logo recordar, a que sim?

Alguns dos homens riram e aclamaram para animá-lo. Veloz sabia sem olhar que Chink se estava colocando. Centrou a atenção nas alforjas da cadeira e ficou a apertar as correias. A risada dos homens quase ensurdecia os gritos se desesperados para a garota. Mesmo assim, os ouvidos de Veloz começaram a sentir o pranto como próprio. Começou a lhe suar a cara. Com um puxão de raiva, voltou a apertar uma das correias. Dado que era pouco o que podia fazer, parecia-lhe absurdo permanecer ali e escutá-lo tudo.

Agarrando-se ao corno da cadeira, pôs uma bota no estribo. A garota gritou:

—meu deus, não! Por favor! —Veloz ficou gelado. Lembranças da Amy correram por sua cabeça. Esta garota não tinha nenhum tipo de relação com ela, é obvio, se não era o fato de ser loira e mulher. Fechou os olhos, dizendo-se a si mesmo que seria um completo imbecil se se metia.

Então, antes de poder convencer-se de nada, tirou o pé do estribo e se tirou o chapéu, sujeitando-o pelos cordões ao corno da cadeira de montar. Era domingo. Embora Veloz não seguisse a religião tosi, não podia pensar em ninguém que merecesse ser violado durante o Sabbath. Deu uma palmada no lombo de Diabo, para que pudesse correr para um lugar seguro, e lhe aliviou ver que o cavalo do Chink o seguia. Não tinha sentido que os animais saíssem feridos.

Veloz se deu a volta lentamente, cada vez mais convencido do que ia fazer depois de ver o culo nu do Chink iluminado pelo sol. Um homem não podia ir muito longe com as calças baixadas.

—Chink!

De repente, fez-se um grande silêncio. Inclusive a garota se calou. Todos os olhos se voltaram para Veloz, quem permanecia de pé com suas largas e negras pernas abertas, os cotovelos dobrados e um pouco para trás e as mãos postas sobre as cartucheiras. Os olhos azuis do Chink se entreabriram.

—Não estará pensando em disparar a vinte homens? —disse—. Nem sequer um descerebrado como você faria uma loucura assim.

Veloz não necessitava que Chink lhe dissesse que o que estava a ponto de fazer era uma estupidez. Acabaria morto, e à garota a violariam de todas formas. Era sobre tudo uma questão de quão baixo podia cair um homem, e ele já tinha cansado muito baixo para poder largar-se dali e seguir vivendo em paz consigo mesmo.

—Você cairá comigo —disse ao Chink brandamente.

A garota conteve um soluço e aproveitou o momento de distração para mover os quadris fora do homem que quase a tinha penetrado. Veloz o registrou tudo com sua acuidade sensorial, consciente da brisa que agitava seu cabelo curto, do pescoço da camisa lhe abrasando a garganta, do peso das pistolas em seus quadris. Por um instante pôde ver o rosto da Amy e se sentiu reconfortado ao saber que ela o esperava no mais à frente, e que com o que ia fazer poderia por fim reunir-se com ela com a cabeça bem alta.

Os olhos do Chink se entreabriram ainda mais.

—Verei-te no inferno, maldito bode —disse enquanto agarrava sua pistola.

Com a rapidez que tinha feito de seu nome uma lenda, Veloz desencapou, levantou o percussor da pistola com o dedo polegar e agitou a mão direita à altura do estômago para mover a espora do percussor. Alguns dos que rodeavam ao Chink reagiram e desencaparam suas pistolas. Para Veloz se converteram em rostos imprecisos, objetivos capazes de matá-lo se ele não os matava primeiro. Seis disparos saíram de sua arma em uma sucessão tão rápida que soaram como uma explosão. Chink caiu de costas sobre a garota. Outros cinco homens se desabaram, mortos antes de abrir fogo. A garota começou a gritar, tratando de tirar a perna de debaixo do corpo do Chink. Os cavalos, acostumados aos tiroteios, moveram-se e deram um relincho.

Veloz se atirou a terra e começou a rodar. Uma ligeira elevação do terreno lhe proporcionava certo resguardo. A terra começou a formar nuvens de pó ao redor dele enquanto os quatorze homens que ficavam recuperaram o sentido e começaram a disparar. Veloz carregou seu outro revólver e, em um segundo varrido, fez outros três disparos. Três homens caíram ao chão.

Em uma trégua de disparos, Veloz se elevou sobre um cotovelo, a adrenalina bloqueando o medo e a palma da mão preparada sobre a impigem do percussor.

—Quem de vós, malditos bodes, quer ser o seguinte?

Entre todos, os onze homens que ficavam tinham ao menos cem cartuchos preparados para disparar. Quando nenhum deles se aventurou a disparar, Veloz disse:

—Sou homem morto, e sabem. Mas se eu cair, levarei-me a três mais de vós comigo. —Consciente de que José era o mais parecido a um líder entre os homens que ficavam vivos, Veloz pôs os olhos nele—. Rodríguez, você será o primeiro.

Um tremor de medo contraiu a cara moréia do mexicano. Com as pupilas dilatadas, olhou fixamente ao canhão do 45 que empunhava Veloz. depois de um momento, soltou o revólver e levantou as mãos.

—Não há mulher sobre a terra que mereça que alguém arrisque o cangote por ela.

Veloz viu que vários dos homens olhavam desconcertados ao Chink. Sem um chefe ao que obedecer, Veloz supôs que não deviam estar muito seguros do que fazer. Tomando o exemplo do Rodríguez, os homens deram todos um passo atrás e soltaram as armas.

—Se tanto a quer, fique a disse um.

—Não quero ter problemas contigo, López.

Touro cuspiu e olhou a Veloz com olhos assassinos.

—Soube que nos traria problemas desde a primeira vez que te vi. Mas as coisas não vão ficar assim. Prometo-lhe isso.

—te cale, Touro, e sobe ao maldito cavalo —lhe ordenou Rodríguez.

Veloz seguiu tendido de barriga para baixo até que os onze homens se partiram. Depois se voltou para olhar à garota, que se tinha ficado extrañamente em silêncio. Estava sentada com as costas arqueada, como um cervo assustado, seus olhos azuis fixos na parte baixa do torso nu do Chink. Veloz supôs que era a primeira vez que via um homem nu. Era algo que não podia lhe evitar. Que visse essa imagem era imensamente melhor que o que tinha estado a ponto de lhe ocorrer.

levantou-se e embainhou as armas. As mãos lhe tremiam com o incontrolável medo que seguia sempre a um tiroteio. Passou o olhar pelos corpos dispersados e lhe encolheu o estômago. Fechou os olhos e dobrou os dedos, sentindo o suor frio sobre o corpo. Assassinar. Estava cansado de fazê-lo, terrivelmente cansado. E entretanto, dava igual o que fizesse, parecia que nunca podia evitar fazê-lo.

Assobiou para chamar a seu cavalo e, quando o animal trotou até ele, abriu as alforjas em busca de mais cartuchos. Não ia arriscar se a que Rodríguez e os outros voltassem. Solo depois de ter recarregado seus Coks, ajustou-se o chapéu de asa larga sobre a cabeça e caminhou para onde jazia Chink. Arrastou ao comanchero longe da perna da garota e depois lhe subiu as calças.

—Está bem? —perguntou, com mais brutalidade do que tivesse querido.

Ela olhou primeiro o corpo do Chink e logo o dos outros oito homens que jaziam a seu redor. Veloz suspirou e se passou a mão pelo cabelo, sem saber muito bem o que fazer. Se a levava assim ao rancho que se via ao longe, o único agradecimento que receberia seria sem dúvida uma corda ao pescoço.

Reuniu a roupa da moça, que eram mais farrapos que algo possível de levar. Ajoelhando-se junto a ela, começou a difícil tarefa de vesti-la, para descobrir muito em breve que era uma missão impossível. Tocou-lhe o osso da mandíbula com um dedo.

—Deu-te um bom golpe, né?

Ela piscou lhe olhando aos olhos, ainda conmocionada.

Veloz caminhou para seu cavalo e agarrou uma das camisas que guardava no hatillo de roupa. A moça não opôs nenhuma resistência quando lhe aconteceu as mangas da camisa negra por seus inertes braços. Nem se alterou quando lhe roçou os peitos com os nódulos ao lhe abotoar a camisa. Veloz supôs que seguia insensível, paralisada pelo medo.

—Sinto não lhe haver disparado antes —começou a dizer—, mas pensei que não podia ter nenhuma oportunidade. Suponho que talvez esse seu deus ouviu você rezar e decidiu que devia ajudá-la.

Não parecia ouvir o que lhe dizia. Veloz suspirou e fixou a vista no rancho, perguntando-se se viveria ali. Fizesse-o ou não, era a casa mais próxima, e o tempo corria em seu contrário. Tinha que partir dali. Embora não os tivesse conhecido nunca, sabia que Chink tinha dois irmãos que não deixariam que as coisas ficassem assim. Assim que Rodríguez repensasse um pouco, voltaria. Se não vingava a morte do Chink, os irmãos Gabriel o fariam.

Veloz levou em braços à moça, que seguia tremendo, até seu cavalo. Pareceu reagir um pouco quando ele a colocou na cadeira. montou-se detrás dela, e cuidando de não aproximar a mão a seus peitos, rodeou-lhe o corpo com o braço.

—Obrigado —sussurrou ela com voz tremente—. Gra... obrigado...

—Não tem por que as dar. Morria por um pouco de ação.

Cavalgaram em silêncio um par de quilômetros até que a moça por fim pareceu recuperar a compostura. depois de uns quantos minutos, emitiu um suspiro comprido e entrecortado.

—Salvou-me. Podia haver partido, mas não o fez. por que?

Veloz ficou calado e fixou o olhar na casa que tinham ante eles. Queria dizer «por que não?», mas não o fez. Uma moça de sua idade nunca entenderia quão banal a vida podia ser para um homem que vagabundeava de um povo a outro, com toda sua gente morta, seus seres queridos mortos, seus sonhos mortos.

—Nunca vi a ninguém disparar tão rápido.

Veloz pôs seu cavalo negro ao trote, sem responder.

—Só um homem pode disparar dessa forma. —Dobrou o pescoço para lhe olhar, os olhos muito abertos com uma mescla de assombro e medo neles—. Meu pai me tinha falado de você. É Veloz López. Ele tem uma cicatriz na bochecha, como você. Agora que o penso, inclusive se parece com ele!

Veloz tratou de manter o tom o mais neutro possível.

—Só sou um vagabundo que teve sorte, isso é tudo.

—Mas eu ouvi um desses homens lhe chamar López.

Veloz resistiu negando-o com veemência.

—Gómez, não López.

—É Veloz López. —voltou-se para lhe estudar—. Vi uma fotografia sua uma vez. veste-se tudo de negro e é bonito, como na foto. É verdade que matou a mais de um centenar de homens?

Sentindo-se apanhado, Veloz apartou o olhar. Amanhã a essa hora, qualquer a cinqüenta quilômetros à redonda teria ouvido o do tiroteio e o número de mortos a suas costas se multiplicaria com o boca a boca. E em algum lugar aí fora, um novato com vontades de fazer-se famoso escutaria a história e poria a ponto suas pistolas. Antes ou depois Veloz se encontraria de pé em alguma suja rua, enfrentando-se a esse menino e tendo que decidir se ia disparar lhe ou deixar-se matar. E como sempre lhe tinha passado até então, nesse segundo de dúvida, seus reflexos se fariam com o controle de sua mão e desencaparia sem pensá-lo.

O cenário sempre era o mesmo, e sempre seria assim. Veloz amaldiçoou o dia em que havia meio doido um revólver pela primeira vez.

Com o olhar posto no oeste, contemplou o horizonte. Oregón. Estes últimos meses tinha pensado muito freqüentemente em seu amigo de toda a vida, Caçador. Veloz já não estava seguro de acreditar na antiga profecia comanche que tinha conduzido a Caçador ao oeste. Não parecia possível que os comanches e os brancos pudessem viver em harmonia em nenhum sítio, ao menos não nesta vida. Provavelmente Caçador se teria estabelecido no Oregón e não teria encontrado nada mais que ódio. Mas isso em realidade não importava. Para Veloz, a idéia de estar entre amigos de novo, inclusive embora fossem sozinho uns poucos, constituía uma saída muito atrativa.

A mulher tosi de Caçador, Loretta, tinha enviado vários anos atrás uma carta à reserva a Índia convidando a qualquer da tribo a que se unisse a eles nas terras do oeste. Veloz não tinha estado presente para ouvir a leitura em voz alta feita pela mulher do pastor, mas tinha ouvido os outros falar dela, sussurrando o nome do OH-rhee-gon e olhando com desejo para o horizonte. Nesse momento, Veloz tinha deixado já de sonhar em melhores lugares, mas agora... Lhe fez um nó na garganta. Com o pesadelo de vida que levava, um sonho, inclusive se este não tinha mais consistência que uma nuvem de fumaça, bem valia a pena ser açoitado.

Veloz não tinha idéia de que tipo de lugar seria Oregón, mas havia três coisas que o faziam recomendável: estava muito longe do Texas, dos irmãos Gabriel e da lenda de Veloz López. No momento no que deixasse à moça na casa do rancho, partiria para o oeste.

                                                 Capítulo 2

Outubro de 1879

O sol de meio-dia esquentava os ombros de Veloz enquanto guiava seu cavalo negro pelo caminho de terra que conduzia, depois de uma costa, a Terra de Lobos. depois de seis meses de viagem, em ocasiões pelo deserto, outras pela paisagem inóspita das altas planícies, a exuberância do outono do Oregón era como uma festa para os sentidos. Respirou fundo e exalou o ar fresco da montanha, com os olhos postos nas coloridas cúpulas, que formavam uma cadeia de cadências do laranja brilhante ao marrom escuro e distintas tonalidades de verde. Nunca tinha visto tantas espécies de árvores em um só lugar: carvalhos, abetos, pinheiros, arces e um de preciosa folha perene que não pôde identificar, com troncos cortados que se dobravam pelos brotos como dedos retorcidos.

A brisa lhe trouxe vozes de meninos ao subir pela colina. Sujeitou as rédeas do cavalo e se deteve um momento para contemplar pela primeira vez Terra de Lobos, um pequeno e buliçoso povo mineiro a dez quilômetros do Jacksonville, a capital do condado. A rua principal parecia como qualquer outra de uma comunidade branca, com coloridos pôsteres publicitários nas lojas que se alinhavam a ambos os lados da rua. À esquerda, três edifícios de dois novelo se alternavam com um botequim, um hotel e um restaurante.

Acima na colina, cravados junto a uma grande casa de madeira, Veloz divisou dois tipis. A julgar pela fumaça que saía pelos mastros, alguém mantinha ali as tradições índias. Sorriu ao recordar as palavras da antiga profecia comanche: «Um só lugar, onde comanches e tosi tivos vivam como um só povo».

Um maravilhoso aroma de pão assado flutuava no ar. Casas de vários tamanhos e estruturas, algumas impressionantes, outras meras barracões de uma habitação com jardins desertos, salpicavam o espesso terreno boscoso. Na distância, Veloz viu uma mulher pendurando a roupa junto a uma pequena cabana. um pouco mais acima dela, na ladeira, duas vacas perambulavam pelo bosque, uma mugindo, a outra pastando erva.

Veloz se relaxou na cadeira, deixando que o sentimento de paz lhe invadisse. Tinham passado três anos desde sua fuga da reserva a Índia —três compridos e penosos anos— e em todo esse tempo nunca tinha chegado a um lugar que lhe dissesse tantas coisas como este. Possivelmente, solo possivelmente, se esperava e tratava de passar desapercebido, poderia aqui escapar a sua reputação e abandonar para sempre as pistolas.

Um alvoroço de risadas captou sua atenção. jogou-se o chapéu para trás para ver com atenção o pátio do colégio que se achava a sua direita. Uma menina pequena corria pelo pátio em direção à escola, com sua saia de algodão a quadros revoando ao vento enquanto tratava de escapar de um menino que a perseguia. Pouco depois, alguém começou a golpear um triângulo com uma varinha metálica, com um som tão estridente, que Veloz entrecerró os olhos em direção ao alpendre. Viu um resplendor de cabelo dourado e depois ouviu uma voz doce e inquietantemente familiar.

—Hora de voltar para classe, meninos. O recreio terminou.

Veloz olhou fixamente à esbelta mulher que permanecia de pé na escalinata da escola, uma visão de musselina azul escuro. Não podia mover-se, não podia pensar. Era Amy! Não podia ser certo. Mas soava como ela. A mesma cor de cabelo, essa viva cabeleira dourada como o mel. Não podia ser Loretta, a prima maior da Amy? Com seu cabelo dourado, suas belas facções e seus olhos azuis, Loretta sempre se pareceu a Amy. Se não fora pela diferença de idade, as duas teriam passado pelas gema.

Os meninos correram para o colégio. Seus pés golpearam a madeira ao subir os degraus e entrar no edifício. Veloz, sobressaltado pelo pálido som da voz da mulher, fez dar um rodeio a Diabo e cavalgou para o pátio de recreio. deteve-se junto à escalinata, saltou da cadeira e atou as rédeas no palanque. Por um momento ficou ali imóvel, escutando, com medo a ter esperanças.

—Atenção, atenção! —gritou ela.

Os meninos ficaram de repente em silêncio.

—Jeremiah, você vai primeiro. Se um cavalheiro se encontrar com uma dama na calçada, por que lado deve ultrapassá-la?

—Por sua direita —soltou uma voz de menino—. E se a calçada for estreita, meterá-se no meio-fio e se assegurará de que a dama passa de forma segura.

—Muito bem, Jeremiah —disse a mulher com uma risada suave—. Está respondendo a minhas perguntas antes de que as tenha formulado. Peter, deveria o cavalheiro reconhecer à dama?

—Não, senhorita —replicou outro menino com um tom tímido e pouco convencido.

—Alguma vez? —perguntou ela, com uma voz cálida e sedutora.

—Bom, possivelmente, se conhecer a dama a saudará com uma inclinação.

—Excelente, Peter.

Veloz ouviu o som das páginas de um livro ao ser folheadas.

—Índigo Nicole? É adequado para uma senhorita caminhar entre dois cavalheiros, com uma mão no braço de cada um?

Uma garota respondeu:

—Não, senhorita. Uma verdadeira senhorita só concede seus favores a um homem cada vez.

Veloz não escutou a seguinte pergunta. Incrédulo, subiu as escadas, sentindo uma grande debilidade nas pernas, tremendo, com uma gota de suor caindo pelas costas. Conhecia a voz dessa mulher. A maturidade tinha enriquecido seus tons. A dicção era mais precisa e poda. Mas a voz era definitivamente a da Amy. Reconheceria-a em qualquer lugar, já que tinha permanecido em seus sonhos durante quinze anos. «Esperarei-te, Veloz. E quando for o bastante maior, serei sua esposa.» Essa promessa se converteu em sua maior tristeza, agora transformada em um milagre.

Deu um passo até a soleira da porta aberta, esquadrinhando a habitação escura por debaixo da asa de seu chapéu. Sem terminar de confiar em que os joelhos pudessem sustentá-lo, Veloz apoiou um ombro no marco e fixou a vista na professora, ainda sem poder acreditar o que viam seus olhos. Amy...

Essa tumba atrás do celeiro do Henry Masters não era a da Amy. A cruz que Veloz tinha endireitado com tanto amor não levava seu nome nem a canção de sua vida. Seu doce, sua preciosa Amy estava aqui, sã e salva em Terra de Lobos. Tinha perdido três anos! Só Deus sabia por que Henry Masters lhe tinha mentido dessa maneira. Uma onda de raiva lhe alagou o corpo.

Entretanto, sentia-se tão feliz que deixou de pensar em todo o resto. Amy estava de pé ante ele, respirando, sonriendo, falando, tão formosa que lhe tirava a respiração. Quinze anos atrás, sua beleza era a de uma menina brincalhona, magra como um junco, com uma naricilla impertinente cheia de sardas, um queixo rebelde e grandes olhos azuis debruados de umas espessas pestanas escuras. Agora, embora seguia sendo frágil de constituição, tinha adquirido as suaves curva da feminilidade. Seu olhar se deteve fugazmente no cós branco que bordeaba seu afetado sutiã, depois descendeu até sua esbelta cintura e o suave vôo de seus quadris, acentuada por dois redemoinhos de tecido que lhe caíam com majestuosidad pelo traseiro. Lhe fez um nó na garganta, e por um momento foi impossível respirar. Isto não era nenhum sonho, era real!

Pela extremidade do olho, Amy vislumbrou uma sombra ameaçadora na entrada. Distraída com a página do Manual dos Bons Costumes que estava lendo, esqueceu o que ia dizer e levantou a vista. Sua atenção se concentrou no homem alto, vestido tudo de negro, que levava um poncho de lã ao estilo comanchero pendurado de um ombro e uma arma reluzente como a prata no quadril. Contendo um gemido, deu um passo atrás e apoiou as costas sobre o encerado.

—Apodreci... posso lhe ajudar, senhor? —perguntou com uma voz afogada.

Ele não respondeu. Com o ombro apoiado no marco da porta, deixava cair o peso de seu corpo sobre uma só de seus quadris, o joelho ligeiramente dobrado, com uma postura descuidada mas em certa forma insolente. A asa larga de seu chapéu de vaqueiro negro lhe escurecia o rosto, mas a luz jogava com a comissura de seus finos e bem definidos lábios e o brilho de seus dentes. Tocando a asa do chapéu, fez uma inclinação v trocou o peso de seu corpo ao outro pé enquanto se estirava em toda sua longitude, que parecia ser quão mesma a da porta.

—Olá, Amy.

A voz profunda e sedosa que ouviu Amy foi como um banho de água fria sobre sua pele. Piscou e tragou saliva, tratando de assimilar o fato de que na porta do colégio tinha apoiado um comanchero, bloqueando assim o único sítio pelo que poder escapar. O fato de que soubesse seu nome a aterrorizava ainda mais. Isto não era Texas e, entretanto, era como se o pesadelo de seu passado a tivesse encontrado de algum modo.

Com a boca seca, olhou-o fixamente, procurando em sua mente a melhor saída para um ritmo frenético. Haveria outros fora? Amy pôde sentir o desconcerto de seus alunos, sabia que estavam assustados porque viam que ela o estava, mas não era capaz de encontrar nenhuma coragem, se é que ficava algo disso no corpo. O medo a consumia, um pânico frio e paralizador.

O homem deu um passo para ela, fazendo tilintar suas esporas ao pisar no chão de madeira. O som fez que Amy voltasse atrás no tempo, a essa longínqua tarde em que os comancheros a violaram. Ainda agora, podia recordar a sensação de suas brutais mãos nos peitos, o som cruel de sua risada, a dor interminável depois de que um homem atrás de outro violasse seu corpo de menina.

O chão se afundou sob seus pés. Em sua cabeça, os ecos do passado se uniam aos do presente em uma cacofonia ensurdecedora que lhe golpeava as têmporas.

O comanchero se aproximou ainda mais, com passo implacável, as estrelas de suas esporas roçando as pranchas do chão. Amy não podia mover-se. Então, detendo-se uns escassos pés dela, tirou-se o chapéu. Amy olhou fixamente sua cara moréia e reconheceu a familiaridade dessa mesma cara anos atrás, uma cara esculpida agora pela maturidade. Reconheceu cada linha aprendida à força de olhar a gravura que tinha dele na chaminé, tão trocadas que agora configuravam a cara de um estranho.

—Veloz...

Foi um sussurro o que escapou de seus lábios, um sussurro apenas audível. Uns pontos negros cegaram sua visão. Piscou e procurou com nervosismo algo com o que sujeitar-se, mas era como se sua mão só pudesse encontrar o ar vazio. Como se viesse de um lugar longínquo, escutou-o repetir seu nome. Depois, sentiu que caía, que caía..., entrando na negrume mais absoluta.

—Amy!

Veloz se precipitou para diante, agarrando a da cintura para que não caísse ao chão. Ela se agarrou a ele fracamente, com a cabeça pendurando, os braços movendo-se como pêndulos, os olhos ao meio fechar. Não se tratava de um mero desvanecimento..., mas sim de uma verdadeira perda de consciencia.

Ele pôs um joelho no chão. Assustado, mediu-lhe a garganta com o dedo para lhe encontrar o pulso. Embora não podia ser grave, atemorizava-lhe a palidez que via em seu rosto. Amaldiçoando em voz baixa, dispôs-se a lhe desabotoar os botões do decote, frustrado pela resistência da musselina engomada que formava o sobrecuello.

—lhe tire as mãos de cima!

A voz se quebrou nas duas últimas palavras da frase para converter-se em um grito. Veloz levantou a cabeça e se encontrou com o brilho da folha de uma faca a uns centímetros do nariz. que o sustentava era um menino moreno que devia ter uns quinze anos. Vestido com camisa de camurça e calças jeans, Veloz pensou que o jovem recordava a alguém, embora não podia pensar em quem. O menino tinha umas facções brunidas pelo sol e o cabelo moreno e liso.

—Não me provoque, senhor. Cortarei-lhe a garganta antes de que possa pestanejar.

Veloz levantou lentamente as mãos do pescoço da Amy, com os olhos postos na faca. Normalmente não se preocupou por um moço, por muito veemente que tivessem sido suas ameaças, mas a forma com a que este jovem movia a faca na mão dizia a Veloz que podia não só usá-lo, a não ser fazê-lo com uma certeza mortal.

—Não fique nervoso —lhe disse Veloz brandamente—. Ninguém tem por que sair ferido, estamos de acordo?

O soluço assustado de uma menina pequena particularizou a questão. O ambiente estava tão carregado que Veloz quase podia apalpar a tensão. Examinou a habitação com rapidez e descobriu que todos os estudantes, inclusive aqueles que não levantavam um metro do chão, puseram-se em pé e estavam preparados para enfrentar-se a ele. Não pôde evitar pensar em que o infame Veloz López poderia muito bem terminar seus dias nesta escola, linchado por um grupo de meninos.

Um sorriso lento cruzou sua cara.

—A senhorita se deprimiu e só tentava ajudá-la.

—A senhorita não necessita ajuda de alguém dos de sua índole. Mantenha suas sujas mãos longe dela —replicou o menino—. Índigo, corre a procurar papai. Date pressa!

Um movimento por detrás do ombro esquerdo de Veloz chamou sua atenção. Ali descobriu a uma garota de cabelo leonado que se mantinha de pé a uns sessenta centímetros de distância, com um ponteiro para o encerado pego entre as mãos. Parecia preparada para fazer um pinchito moruno dele com a arma. Quase riu ao ver a expressão assassina em seus grandes olhos azuis.

—Não penso ir! Manda ao Peter! —gritou.

—Índigo Nicole, faz o que te digo! Encontra a nosso pai!

Veloz supôs que a garota devia ter uns treze ou quatorze anos, com um tom de pele tão brunido que contrastava de maneira surpreendente com seu cabelo e seus olhos. «Indômita», foi a palavra que primeiro lhe veio à mente, mais impressionado ainda pela roupa comanche que levava: blusa de largas mangas belamente bordadas, saia vaporosa e uns mocasines atados aos tornozelos.

Veloz baixou o nariz afastando-a da faca que seguia blandiendo o moço. Agora que tinha visto a garota, recordou por fim a quem se pareciam. Com razão sabia como utilizar uma faca.

—Seu pai é... Caçador de Lobos? —perguntou Veloz.

Os olhos azuis do menino procuraram os da garota que estava detrás de Veloz.

—Como sabe seu nome comanche?

—Sou um velho amigo.

—Isso é mentira. Meu pai nunca teria relações com alguém como você. Índigo, te esfume! Se não ir agora mesmo, vou dar uma boa surra, ouve-me?

A garota ficou onde estava.

—E te deixar sozinho? É um pistoleiro, Chase. Qualquer se daria conta disso. Não pode lhe fazer frente! —Aproximou o ponteiro para ele—. Peter, vê você! E rápido! lhe diga a nosso pai que tia Amy o necessita!

Peter, um ruivo de dez anos, rodeou a toda velocidade a carteira e correu para a porta. Veloz, mais preocupado da Amy que de poder terminar seus dias à mãos dos meninos, fez um gesto com o olhar em sua direção.

—Se não querer que a toque, Chase, faz algo. lhe abra o pescoço do sutiã. lhe traga um pouco de água.

—Ocupe-se de seus assuntos —ordenou o menino. Olhou com preocupação a cara esbranquiçada da Amy e tragou saliva—. Meu pai chegará em um momento. A tempo para ocupar-se de tia Amy. Será melhor que vá pensando no que vai dizer lhe. Não gosta de muito ver foragidos por aqui.

Muito tarde, Veloz compreendeu que seu aspecto era o de um foragido, vestido como tal, o que explicava a hostilidade recebida e o desmaio da Amy ao lhe ver. Sentiu que os outros meninos se aproximavam para onde eles estavam, assustados pelo estado de sua professora. A pequena seguia ainda soluçando, contendo-se de maneira que os mucos lhe saíam pelo nariz.

Veloz suspirou.

—Tem o nome de Antílope Veloz algum significado para ti?

O rosto do menino se esticou. Pela primeira vez, começava a lhe olhar com incerteza.

—E o que se for assim?

—Porque eu sou Antílope Veloz.

A garota que sujeitava o ponteiro se moveu a um lado para estudar a cara de Veloz e, depois de lhe observar bem, ofegou.

—Ai, Deus, é Antílope Veloz, Chase! É o homem do desenho.

—Não o é —disse Chase bruscamente, mas inclusive quando falava ficou a observar mais de perto a Veloz—. Bom, possivelmente se parece um pouco. Isso não significa nada. Tem uma cicatriz na cara e Veloz, não.

—Pode que a cicatriz a tenha feito depois, pedaço de zopenco. —A garota baixou o ponteiro lentamente—. Hein ein mahsu-ite? —perguntou.

Ouvir o idioma de sua infância fez que a Veloz lhe encolhesse o coração.

—Quero cuidar de sua tia. depois disto, não estaria mal que dessem a adequada bem-vinda a um bom amigo.

—Vê! Entende comanche!

O moço parecia cada vez mais confundido. Veloz se inclinou sobre a Amy para lhe desabotoar o pescoço do vestido. Retirou o tecido e depois dedicou um olhar à garota.

—me traga um pouco de água.

Índigo apartou a arma e correu para uma grande jarra que havia na esquina. A pequena chorã fez um som úmido e afogado e gritou:

—Quero ir com minha mamãe.

Índigo a olhou de soslaio, enquanto suas belas facções se suavizavam.

—Não chore, Lê Ann. A senhorita Amy solo se deprimiu. ficará bem.

Chase se aproximou de Veloz, com atitude ameaçadora, lhe percorrendo as mãos e os braços com o olhar.

—Se minta, meu pai lhe matará por havê-la meio doido.

Veloz assentiu.

—Conheço bem o caráter de seu pai. Se eu fosse você, embainharia essa faca antes de que chegue, se não querer que sua ira se volte contra ti.

ouviram-se uns passos no alpendre. Índigo voltou junto a Veloz com um copo de água na mão. Sustentando a Amy com um braço, Veloz se tirou com o outro o lenço negro que levava no pescoço. Depois colocou uma de suas esquinas na água e roçou brandamente com ele os lábios da Amy. Ela enrugou o nariz com desgosto, movendo as pestanas.

—Amy —sussurrou Veloz.

—O que está acontecendo aqui? —trovejou uma voz profunda da entrada.

Os meninos começaram a falar todos de uma vez. Chase os fez calar, gritando.

—Este homem apareceu de repente na escola e tia Amy se assustou tanto que se deprimiu e caiu ao chão! Depois começou a lhe desabotoar o vestido! Assegura que é Antílope Veloz.

Veloz olhou por cima do ombro ao homem alto e musculoso que se encontrava na porta. Inclusive sem o cabelo comprido e as roupas comanches, Caçador tivesse sido reconhecível pela amplitude de seus ombros. Levantando o olhar, Veloz tratou de ver o rosto de Caçador, mas o sol o cegava.

—Olá, hites, meu amigo.

—Veloz. —Caçador entrou na habitação lentamente, com os mocasines tocando ligeiramente o chão, e esse olhar azul escura cheia de incredulidade—. Veloz, de verdade é você?

Veloz assentiu e voltou a centrar sua atenção na Amy, que tinha aberto os olhos e o olhava confusa e um pouco desorientada.

—Pode agarrá-la você, Caçador? Acredito que foi lombriga... o que tem feito que se deprimisse.

Caçador se ajoelhou junto à Amy e lhe rodeou os ombros com o braço.

—Amy —sussurrou—. Ai, Amy.

Veloz se tornou para trás e se sentou sobre os talões de suas botas. Uma onda de ternura lhe subiu pela garganta ao ver que Amy se aproximava de Caçador para lhe agarrar da camisa de camurça.

—Caçador, um comanchero!

—Não, não, não é um comanchero. É sozinho Veloz, vê? Nosso velho amigo, que veio a nos visitar.

Como se sentisse sua presença, Amy ficou tensa e o olhou por cima do ombro, aterrorizada. Para Veloz, ver essa expressão de terror em seus grandes olhos, foi como receber uma patada no estômago. Procurou no interior desses olhos azuis um brilho mínimo de carinho, de alegria, mas não encontrou nenhum. Era evidente que o lhe ver tinha suposto para ela algo mais que um simples susto.

Isto lhe doeu. Que Amy, sua Amy, tivesse medo dele...

Acabava de descobrir que Amy estava viva. Entretanto, tinha medo dele. Duas emoções que juntas o fizeram cambalear-se.

Caçador se voltou para os meninos. De pé e imóveis junto a suas carteiras, não perdiam de vista aos três adultos. Veloz se deu conta de que o pequeno ruivo, o chamado Peter, estava tremendo.

—A classe se terminou por hoje, entendido? —disse-lhes Caçador—. Vão a casa e digam a suas mães. Voltem amanhã pela manhã na hora de sempre.

—vai ficar bem a senhorita Amy? —perguntou um moço de uns doze anos.

—Sim —lhe tranqüilizou Caçador—. Eu me ocuparei dela agora. Vete a casa, Jeremiah.

Como molas comprimidas, os meninos pareceram todos liberar-se o mesmo tempo, convergindo no perchero e recolhendo suas cestas de comida e casacos antes de sair pela porta. Veloz os observou, perplexo. Índigo se deteve na soleira e lhe dedicou um olhar fugaz, com um sorriso tímido na cara e os olhos azuis tilintando.

—Me alegro de que esteja aqui, tio Veloz. —E dito isto, saltou para a porta detrás do Chase.

Veloz a olhou, satisfeito de que lhe tivesse chamado «tio». Embora não pertencessem à mesma família, Veloz e Caçador tinham sido irmãos em espírito. Enchia-lhe de felicidade saber que Caçador tinha falado com freqüência dele aos meninos e que os tinha educado lhes fazendo pensar que era parte da família.

—Os meninos do colégio são bastante desconfiados. —Caçador inclinou a cabeça em direção à arma que Veloz levava no quadril—. Não estamos acostumados a ver homens armados por aqui.

—Os homens aqui não levam armas?

A comissura dos lábios de Caçador se aprofundou.

—Armas, sim, mas não... —Amy se moveu de novo e Caçador se calou para ajudá-la a incorporar-se. Ao ver que se passava a mão pelos olhos sem deixar de tremer, Caçador a olhou preocupado—. Está bem?

—Sim, sim.

Dedicou um olhar desconfiado a Veloz e tratou de apoiar-se nos joelhos. Veloz se levantou imediatamente, lhe oferecendo a mão para ajudá-la. Ela ficou de pé sem ajuda, lutando com os pesados bordem de sua saia. Caçador a agarrou pelo cotovelo para que recuperasse o equilíbrio.

—Amy... —Veloz observou sua cara ao dizer seu nome, descorazonado ao ver que voltava a empalidecer. Ela apartou a vista—. Amy, me olhe.

Estirando-a saia, abotoou-se depois o pescoço, com um tremor tão persistente nas mãos que Veloz tivesse dado o que fosse ajudá-la. Afastando-se de Caçador, Amy deu um passo incerto para o escritório, depois duvidou, como desorientada. Veloz se adiantou para agarrá-la do braço, com medo a que fora a cair, mas quando seus dedos se fecharam em sua manga, ela o apartou, com os olhos postos no poncho negro do comanche.

Nunca tivesse esperado encontrar a Amy assim... com essa expressão acusadora nos olhos. Tirando o chapéu, tirou-se o poncho pela cabeça e se dirigiu para os cabides para pendurá-lo em uma delas. Colocando-se de novo o chapéu, voltou-se para olhá-la.

Ela tinha chegado ao escritório quando ele ainda estava de costas. Agora permanecia de pé, arranca-rabo ao bordo da mesa, os nódulos brancos, a vista fixa nas botas de Veloz. Ele olhou a Caçador, desconcertado.

Caçador se encolheu de ombros.

—Bem! Isto merece uma celebração —sua voz trovejou cheia de vitalidade, fazendo que Amy desse um salto—. Vamos a casa. Loretta quererá verte, Veloz. Sempre assegurou que viria a pela Amy um dia e, como a maioria das mulheres, não há nada que goste mais que comprovar que estava no certo.

Veloz observou que Amy ficava ainda mais branca ao escutar as palavras de Caçador e de repente soube por que parecia tão assustada. Quando Caçador se encaminhou para a porta, Veloz tratou de imaginar como devia sentir-se e se deu conta de que se não lhe deixava claro agora que não tinha nenhuma intenção de precipitar as coisas, pode que não encontrasse nenhum momento logo para falar com ela em privado.

—Caçador? —Veloz seguiu a seu amigo até a porta, consciente de que Amy tinha saído disparada detrás dele, desesperada-se por lhe passar no segundo no que viu uma oportunidade—. Eu gostaria de ficar um momento a sós com a Amy.

—Não!

O enérgico protesto da Amy agarrou aos dois homens por surpresa. Veloz tinha o desagradável sentimento de que se lhe gritava «Uh!» voltaria a deprimir-se de novo. Voltou a olhar a Caçador, lhe pedindo com os olhos que os deixasse a sós. Quando Caçador compreendeu e saiu ao alpendre, Amy tratou de correr detrás dele.

Veloz impediu o intento agarrando-a do braço e fechando a porta. Ela tentou tornar-se atrás, com as mãos na cintura e o olhar fixo no chão. Sob a palma da mão, Veloz podia sentir a tensão de seu corpo. Podia notar o pulso que se precipitava até sua garganta. Então a soltou, consciente de que não devia incomodá-la mais do que já estava.

—Amy...

Por fim levantou a cabeça, com esses olhos azuis fixos olhando-o com horror. Veloz sentiu como se de repente se encontrassem quinze anos atrás. Recordou esse olhar, naquele verão longínquo no que conseguiu arrastá-la fora do povoado, um dia atrás de outro, para que caminhasse com ele com o passar do rio. Tinha temido então que ele fosse violar a e forçá-la.

—Amy, podemos falar... um momento?

Tremia-lhe a boca.

—Não quero falar contigo. Como te atreve sequer a vir aqui? Como te atreve?

Para a Amy, o som da porta ao fechar-se tinha sido como o disparo de um rifle. Dava-lhe voltas a cabeça e seus pensamentos se formavam redemoinhos de tal forma que lhe resultava impossível pensar com claridade. Veloz havia tornado. depois de quinze anos, tinha voltado para por ela. Veloz era agora um comanchero, um pistoleiro, um assassino. As palavras se repetiam uma e outra vez em sua mente como uma letanía.

Ela sabia muito bem qual era o trato que os homens como ele davam às mulheres. Sabia também que os comanches acreditavam que as promessas comprometiam de por vida. Veloz trataria de lhe fazer cumprir o compromisso de matrimônio que lhe tinha feito sendo uma menina. Esperaria, possivelmente inclusive o demandaria, que se casasse com ele.

Olhou-o fixamente, incapaz de reconhecer em suas facções ao jovem guerreiro comanche que ela tinha conhecido. Seu rosto brunido, uma vez tão infantil e atrativo, endureceu-se com os anos; a mandíbula se converteu em uma linha dura, elevada por um queixo quadrado e partida. Umas pequenas linhas debruavam as comissuras de seus olhos marrom escuro. Suas sobrancelhas bem arqueadas de cor azul escura se espessaram. A que fora uma vez um nariz majestoso levava agora uma terminação nodosa na ponte. Uma magra cicatriz lhe atravessava a cara do exterior da sobrancelha direita até o queixo. A boca, que ela recordava como muito perfeita para um homem, tornou-se firme, e as covinhas a cada lado da cara agora se enrugavam em profundas fendas que cortavam suas bochechas. O vento e o sol abrasador tinham curtido sua pele convertendo-a em um casaco duro.

E estas não eram as únicas mudanças.

Era mais alto, muito mais alto, e os anos tinham endurecido seu corpo magro como um arame, com uns ombros alargados muito diferentes aos que ela recordava. O menino que ela recordava tinha desaparecido. Em seu lugar, tinha ante si a um estranho homem alto, moreno e perigoso que lhe impedia de sair pela porta.

—Pensei que estava morta —lhe disse brandamente—. Tem que me acreditar, Amy. Crie que tivesse feito todo este caminho, de forma imprevista, sem te enviar uma carta dizendo que vinha?

—Não tenho nem idéia do que tivesse podido ou não fazer. E, como pode ver, estou de tudo menos morta.

—Fui à granja para te buscar, como prometi que faria. Henry me disse que tinha morrido de cólera fazia cinco anos.

Para ouvir o nome do Henry, Amy ficou tensa.

—Havia uma tumba ali. Não pude ler o que tinha escrito na cruz. —Um sorriso irônico rasgou sua boca—. É um milagre te encontrar aqui. Pensei que te tinha perdido.

Temendo que ele estivesse pensando em abraçá-la, Amy deu um passo atrás. Também tinha perdido o inglês encantador cheio de enganos que tinha falado uma vez. Agora falava como um homem branco. Inclusive a maneira em que dizia seu nome tinha trocado. Além disso, olhava-a de maneira diferente... da maneira em que um homem olhe a uma mulher.

—E... era a tumba de minha mãe, mas isso já não importa. passaram muitos anos, Veloz.

—Muitos anos. —Seu sorriso se fez mais profunda—. Temos muito do que falar, não te parece?

Muito do que falar? Amy tentou fazer uma imagem mental dos dois ficando ao dia diante de um café.

—Veloz, foi toda uma vida. Você... trocaste.

—E você também. —Percorreu-a com o olhar e sua expressão se fez cálida de uma maneira inequivocamente apreciativa—. Foi uma promessa como menina, e agora essa promessa se feito realidade.

que mencionasse a palavra promessa a exasperou. Como se o tivesse notado, Veloz agudizó o olhar, e o sorriso que antes lhe tinha parecido cortante se transformou em ternura esta vez.

—Amy, poderia te relaxar?

—me relaxar —repetiu ela—. me Relaxar, Veloz? Não pensei que fora a verte nunca mais.

Ele se aproximou para tocar uma mecha do cabelo que lhe caía pela têmpora, lhe roçando a pele com seus quentes dedos e lhe transmitindo umas sacudidas que a puseram em guarda.

—É tão mau lombriga de novo? Atua como se minha chegada fora uma espécie de perigo para ti.

Ela jogou para trás a cabeça.

—E crie que não é assim? Não esqueci os costumes comanches. O passado não tem lugar em minha vida agora. Não posso voltar aonde o deixamos quinze anos atrás. Agora sou professora. Tenho uma casa aqui. Tenho amigos Y...

—Né —a interrompeu. Jogando uma olhada a aquela acolhedora classe, apartou a mão de seu cabelo—, e por que crie que o fato de que eu esteja aqui pode fazer que troque algo disto? Ou acaso pensa que isso é o que quero?

—Porque pró... —agarrou-se o vestido com o punho, levantando os olhos para ele, enquanto a incerteza lhe percorria o estômago. Possivelmente se tinha apressado em suas conclusões—. Está me dizendo que...? —umedeceu-se os lábios e exalou profundamente—. Sempre pensei que, quando viesse..., quero dizer, bem, assumi que viria porque nós... —O calor lhe aprisionava o pescoço—. Significa isso que já não nos considera... comprometidos?

Seu sorriso se apagou lentamente.

—Amy, temos que discutir isso agora? Apenas nos saudamos ainda.

—Aparece em minha vida quando não te vi em quinze anos e esperas que deixe algo tão importante no ar? Que não me sinta ameaçada? Sei como se fazem os compromissos e as bodas comanches. —Fez um gesto fútil com as mãos—. dentro de cinco minutos, poderia muito bem decidir anunciar publicamente nosso matrimônio e me arrastar daqui para me levar a Deus sabe onde!

Seus olhos a olharam com uma pergunta no ar.

—De verdade crie que faria algo assim?

—Não sei o que faria ou o que não —gritou—. Te converteste em um assassino. cavalgaste com comancheros. Posso te dizer o que eu gostaria que fizesse. Eu gostaria que montasse em seu cavalo e que voltasse para lugar de onde vem. É um capítulo em minha vida que tinha fechado já e que quero que siga fechado.

—cavalguei mais de trezentos quilómetros para chegar aqui —lhe brilhavam os dentes ao falar, um branco perfeito e luminoso que contrastava com sua pele escura—, e inclusive embora tivesse a intenção de voltar, Amy, não teria nada ao que voltar.

—Bom, pois tampouco há nada para ti aqui.

Veloz nunca tivesse acreditado que a conversação pudesse converter-se em um pouco tão desagradável. Mas ela não estava lhe deixando muita margem. O que esperava? Que a liberasse de seu compromisso e se fosse dali, pretendendo que não tinha havido alguma vez nada entre eles?

—Em minha opinião, há muito para mim aqui —respondeu ele sem alterar a voz.

Ela ficou pálida.

—Refere-te para mim, se o entendi bem?

—Não só você. Estão Caçador e Loretta e seus filhos. Amy... —suspirou, cansado—. Não me ponha agora em um beco sem saída.

—Que não ponha em um beco sem saída? —Amy tratou de abrir a boca para falar, mas por um segundo não foi capaz de emitir nenhum som. Cravou o olhar em suas cartucheiras rematadas em prata, tremendo com tanta força que acreditou que ia cair—. Quinze anos é muito tempo. Muito tempo. Não me casarei contigo. Se isto for o que tem em mente agora que me encontraste, já pode ir se esquecendo.

Deu um rodeio para poder alcançar a porta. Lhe impediu o passo pondo a mão no marco de madeira da porta. Ela ficou ali de pé, agarrada ao pomo, com o coração lhe palpitando a toda velocidade e os sentidos a flor de pele por sua proximidade.

—Tem-te proposto que cheguemos a uma conclusão sobre isto agora mesmo, verdade? —a voz de Veloz, baixa e rouca, foi como uma jarra de água geada—. O que não sei é por que me surpreendo. Sempre foi dada a perder a razão assim que terei que enfrentar-se a situações estranhas.

—Isso é uma ameaça? —perguntou tremendo.

—É um fato.

Com o pescoço tenso, moveu a cabeça para lhe olhar.

—E significa?

—Sabe de sobra o que significa.

agarrou-se com mais força ao pomo da porta.

—Sabia. No instante em que te vi, soube. vais obrigar me a cumprir essas promessas que te fiz, verdade? Não te importa absolutamente que tivesse sozinho doze anos. Não te importa que não te tenha visto em quinze anos ou que você tenha traído tudo o que houve uma vez entre nós. vais obrigar me a fazê-lo.

A tensão que viu em sua mandíbula lhe deu a resposta que ela esperava. Olhou-o fixamente, sentindo-se apanhada. Como se ele lesse seus pensamentos, retirou a mão da porta.

—Não te equivoque, Veloz. Isto é Terra de Lobos, não Texas. Caçador pode que respeite muitas dos antigos costumes, mas nunca tolerará que tente me forçar a um matrimônio que eu deteste.

Desta forma, Amy saiu rapidamente, dando uma portada detrás de si. Enquanto corria escada abaixo, quase esperava ouvir as botas do vaqueiro ressonando nas madeiras desgastadas. Ao ver que não era assim, sentiu-se aliviada. Saiu disparada como uma exalação por diante do cavalo negro que estava pacote ao palanque. Levando a mão à garganta, seu único pensamento era encontrar a Caçador para falar com ele antes de que Veloz o fizesse.

                                                     Capítulo 3

O aroma de pão assado impregnava a sala principal da casa dos Lobo. Amy se deteve justo na porta, tratando de recuperar a compostura. Caçador estava de pé, junto à mesa de madeira. levava-se uma fatia de pão quente lubrificada de manteiga à boca.

—Onde está Veloz? —perguntou.

—Já... já vem —respondeu, com um fio de voz. A habitação lhe transmitiu um sentimento familiar e confortável, embora por algum motivo lhe parecia tudo desfocado. À esquerda estava o apreciado piano Chickering da Loretta, comprado em Boston e gasto por Caçador em um grande carromato desde o Crescent City. A bem encerada madeira de palisandro reluzia à luz do sol. Os tapetes trancados que se estendiam sobre o chão de madeira, brilhantes e coloridas, pareciam retorcer-se e ondular-se. O calor que desprendia a estufa da cozinha era sufocante—. Caçador, onde está Loretta? Tenho que falar com os dois.

—foi aonde os defumados, a por presunto. —Seus olhos se encontraram—. Parece como se acabasse de te encontrar uma mofeta na pilha de lenha.

—E assim é. —Amy se concentrou no retrato familiar que pendurava da parede em cima da chaminé, tomado pouco depois de sua chegada do Texas. A fotografia a tinha feito um tal Britt, do Jacksonville. Como todas as dele, tinha conseguido captar de uma forma real a Loretta e sua família, e a ela mesma, tal e como eram oito anos atrás. Naquele tempo, Amy rezava para que Veloz viesse ao Oregón. Agora, ironicamente, essas orações abandonadas faz tempo, tinham obtido resposta—. Não posso acreditar que esteja aqui —anunciou.

—Sei que lhe ver deve ter sido desconcertante, mas agora que falastes, estou seguro de que se sente melhor.

Amy tragou saliva e se limpou a boca com a manga da camisa.

—Temo-me que vai querer que faça honra à promessa que lhe fiz.

—Ah, e você não quer? Isso não é próprio de ti. As palavras que pronunciamos são para sempre.

—Não dirá a sério que quer que me converta na mulher desse homem horrível.

Caçador se meteu outra parte de pão na boca e o mastigou com uma lentidão desesperador, com os olhos cor índiga fixos nela.

—Veloz, um homem horrível? foi meu melhor amigo durante mais anos dos que posso contar. Quando cavalguei com ele na batalha, confiei-lhe minha vida muitas vezes. esqueceste tudo o que fez por ti, Amy?

—Não é a mesma pessoa que conheceu. Nem a mesma que eu conheci. É um assassino. E só Deus sabe quantas coisas mais.

—E só Deus deveria lhe julgar —disse estudando-a com o olhar—. Você não é das que não perdoam. Pode condenar a Veloz pelo que tem feito? Quando Miro em seus olhos, não vejo um assassino, solo a um homem solitário que tem feito um comprido caminho para reunir-se com seus amigos.

—Não quero julgá-lo. Solo quero lombriga livre dele.

—As promessas que fizeram são entre você e Veloz. Não me corresponde ...

—Ameaçou-me anunciando nosso compromisso. me arrastando a ele.

Caçador entrecerró os olhos ao olhá-la.

—Disse ele isso ou essas são sozinho suas palavras, Amy?

Amy avançou um passo para ele dentro da habitação.

—Não fez falta que o dissesse, Caçador. Sei perfeitamente o que estava pensando.

—O melhor seria que encontrasse um pastor para que o matrimônio se ajustasse às leis dos tosi tivo e dos comanches.

Amy o olhou fixamente, horrorizada e sem poder dar crédito ao que ouvia.

—Deixaria que fizesse isso?

Caçador olhou com ansiedade para a janela, com a esperança de que Loretta se desse pressa e voltasse. esclareceu-se garganta.

—Não me corresponde dizer nada.

Amy avançou para ele, com os punhos fechados a ambos os lados do corpo, os ombros rígidos, a ponto de perder os nervos.

—Sou parte de sua família. Desde dia em que me resgatou dos comancheros, sempre me protegeste e foste meu amigo. Como pode ficar agora aí sentado Y... seguir comendo?

Ele olhou o pão um momento, depois dirigiu seus olhos para ela, confundido.

—Porque tenho fome?

A Amy custava respirar. Estirou um braço para a porta, com os pulmões contraídos e o peito palpitante.

—Esse homem é um assassino. Sabe há meses. E mesmo assim vais deixar que me leve? Acabo de te dizer que me ameaçou e atua como se nem sequer te importasse.

Caçador procurou com os olhos a porta fechada.

—Não te ameaçou com um revólver, verdade?

Amy o olhou boquiaberta. Reconhecia esse brilho em seus olhos. Caçador se estava divertindo com o que estava passando.

—Se te disparar, matarei-o —acrescentou Caçador, comendo-se outra parte de pão—. Se te ameaçar com uma faca, matarei-o. —Levantou uma sobrancelha—. Mas se tudo o que faz é te ameaçar com o matrimônio, Amy, isso é um assunto que têm que resolver entre vós. Não deveria ter feito promessas que logo não tem intenção de cumprir.

—Foi faz quinze anos!

—Ah, sim, é muito tempo. Mas, já sejam quinze anos ou uma vida inteira, as promessas de matrimônio são inquebráveis. Suponho que poderia lhe pedir a Veloz que te liberasse dela...

Amy ficou uma mão no coração em um fútil intento de deter a selvagem palpitação em seu peito. Não podia acreditar o que estava passando.

—Nunca acessaria a isso. Sabe que não o faria.

—O perguntaste?

—Não exatamente, mas ele deve saber como me sinto.

Caçador sorriu.

—Acredito que está pondo muitas palavras em boca de Veloz, em vez de lhe dar a oportunidade de que fale por si mesmo. Como sabe que se negaria se não ir e lhe pede tranqüilamente que te libere de suas promessas?

—Que lhe suplique, quererá dizer.

—O que seja necessário, não crie?

Amy passou diante dele direta à porta traseira.

—Já vejo de que lado está. Bem, veremos como se sente quando falar com a Loretta. supunha-se que este ia ser um lar no que as crenças comanches e tosi se respeitassem por igual. Em minha opinião, você está favorecendo claramente a uma das duas.

Amy encontrou a Loretta justo quando saía da cabana de defumados. Uns cachos dourados escapavam da diadema trancada que levava sobre a cabeça. Enquanto fechava a porta com o fecho, deu-se conta da cor ruborizada nas bochechas da Amy e franziu o cenho.

—Amy, carinho, estou segura de que não pode ser tão mau como para que esteja assim.

Amy se agarrou o pescoço do vestido, notando como lhe subia o medo pela garganta. Podia contar com a Loretta. Bastaria com que lhe explicasse o que tinha ocorrido, e sua prima entraria na casa, daria a Caçador um bom bate-papo e solucionaria tudo isto rapidamente. O problema era que Amy não era capaz de organizar seus pensamentos e pô-los em palavras.

—Amy? Carinho, não ponha assim. Sei que agora te parece mau. Mas não crie que te está adiantando aos acontecimentos? lhe dê uma oportunidade, de acordo? O que tem que mau nisso?

—Que o que tem que mau nisso? Veloz vai obrigar me a cumprir os votos que lhe fiz. Deveria ter visto esse olhar em seus olhos. Já sabe, esse olhar que põem quando estão seguros de algo.

Loretta a olhou preocupada, com seus intensos olhos azuis.

—Está segura de ter interpretado corretamente seu olhar? Veloz sempre te quis muito. Não posso imaginar o te obrigando a fazer algo que não quer. Possivelmente o pilhou despreparado. Possivelmente necessita tempo para refletir sobre isso.

Amy tentou tirar-se da frente uma mecha de cabelo, lutando por manter-se tranqüila.

—Digo-te que o conheço. Pretende casar-se comigo agora que me encontrou. Simplesmente sei. E Caçador há dito que não corresponde a ele intervir. Tem que fazer algo.

—O que sugere?

Amy fez um gesto para a casa.

—Entra aí e lhe diga a Caçador que... —Sua voz se quebrou. Era como se a envolvesse um sentimento de irrealidade e teve que centrar-se no que a rodeava, perguntando-se como um dia do mais ordinário se pôde torcer dessa maneira. À direita se ouvia o murmúrio da água ao correr. Delilah, a vaca, dirigiu-se lentamente para a cerca e ficou a mugir, fazendo que as galinhas que havia ao redor ficassem a revoar—. Estou segura de que te escutará.

As pequenas rugas que rodeavam os olhos da Loretta se agudizaron.

—O primeiro que me disse Caçador quando entrou na casa é que isto não era nosso assunto. Foi assim de contundente. Ai, Amy, dá-te conta do que me está pedindo? —aproximou-se da cerca e agarrou um saco com coalho que tinha deixado pendurado de um prego para que se secasse o soro—. Caçador e eu levamos toda nossa vida de casados tratando de honrar tanto seus costumes como as minhas. Como posso lhe pedir que dê um passo atrás e interfira em algo que é contrário a suas crenças?

—O que acontece nossas crenças, com as crenças dos brancos ?

Loretta agitou o saco de coalho para remover o que ficava de soro no fundo.

—Temo-me que você perdeu esse direito quando participou da cerimônia de compromisso comanche. Teria sido diferente se te tivesse comprometido segundo nosso costume. Poderia te limitar a esquecê-lo tudo. Mas, Amy, prometeu-te ante os deuses de Veloz, ante seu povo. E quando o fez sabia que era para sempre.

—Era uma menina, uma menina impulsiva.

—Sim. Se te lembrar, não me entusiasmei precisamente com a notícia quando me disse isso. Mas para quando soube, já te tinha prometido com ele. Não havia muito que eu pudesse fazer para retificar a situação então, como tampouco o há agora.

—Esse homem é um pistoleiro, um comanchero. É que perdestes a cabeça, Caçador e você? o ter aqui nesta casa é um pesadelo!

Loretta empalideceu.

—Sei como se sente, de verdade que sei. Meus filhos também vivem aqui, e se for tão mau como dizem os periódicos, não podemos confiar nele.

—Então, como pode...?

—E como não fazê-lo? —Loretta dedicou a Amy um olhar de súplica—. Caçador é meu marido. Veloz é seu melhor amigo. Caçador pensa de um modo diferente a nós, já sabe. Ele olhe para diante, nunca para trás. Não importa o que Veloz tenha feito, o que importa a Caçador é o que faça de agora em diante. vou entrar aí e lhe dizer que seu amigo não é bem-vindo a minha mesa? Também é a mesa de Caçador, Amy. E é ele o que traz a comida.

—O que é o que está dizendo, Loretta? Que não vais ajudar me?

—Estou-te dizendo que não posso..., não até que Veloz faça algo que o desacredite.

levantou-se uma ligeira brisa que fez revoar a saia da Amy. Ela tremeu e se abraçou o corpo com os braços.

—Se rumorea que matou a mais de cem homens, pelo amor de Deus.

—Se arbusto a alguém aqui em Terra de Lobos, então poderemos começar a contar —respondeu Loretta com amabilidade—. Amy, amor, tentaste simplesmente falar com Veloz? lhe dizer como se sente? O Veloz que eu recordo escutaria e sopesaria o que você tenha que lhe dizer. Estou segura de que não foi sua intenção te incomodar ao vir aqui.

Amy jogou a cabeça para trás, com a vista posta no alto de um majestoso pinheiro, os olhos entrecerrados pelo sol.

—De verdade crie que vai escutar me?

—Acredito que deveria tentá-lo.

 

Veloz passou a almohaza pelo flanco de seu cavalo, com os pensamentos postos na Amy e as duras palavras que se haviam dito. Quando a luz no celeiro empalideceu, deu-se conta de que havia alguém de pé na porta que havia detrás dele. Um sexto sentido lhe disse quem podia ser. Pretendendo não haver-se dado conta, falou brandamente com animal, sem parar de lhe arranhar a pele, com o corpo tenso enquanto esperava a que lhe dirigisse a palavra.

—Veloz?

Soava como uma menina assustada. Começaram a lhe assaltar as lembranças, lembranças daquele longínquo verão e essas primeiras semanas depois de que os comancheros a seqüestrassem de sua família. Recordou o aterrada que estava ao princípio em sua companhia. Ao pensar no que tinha passado hoje no colégio, recordou essa mesma expressão de pânico em seus olhos, a expressão de um animal apanhado. Não queria ver isso.

Ficando direito, Veloz se deu a volta devagar para olhá-la. A luz do sol penetrava pela porta detrás dela e iluminava a trança que coroava sua cabeça como se fora de ouro. Como estava a contraluz, não podia ver a expressão de sua cara, mas pela pose erguida que tinha, soube o muito que lhe havia flanco aproximar-se assim até ele, a sós no celeiro.

—Vejo que... que encontraste tudo... a comida e o resto.

—Chase me indicou onde estava tudo.

Um dos cavalos de Caçador deu um relincho. Diabo lhe respondeu da mesma maneira, movendo-se de lado.

—É um formoso cavalo. Faz muito que o tem?

Veloz duvidou que estivesse verdadeiramente interessada no cavalo. Mas se precisava dar um rodeio antes de dizer o que necessitava, não seria ele quem o impedisse.

—Tenho-o desde que era um potro. Não tem tão más pulgas como parece. Se quer acariciá-lo, está acostumado a ser muito sensível com as mulheres.

—Talvez mais tarde. Agora, isto... bom, preciso falar contigo.

O caminhou para a parede, com as esporas tilintando, e voltou a pôr a escova em seu cabide.

—Escuto-te —respondeu brandamente.

surpreendeu-se ao ver que ela dava outro passo ao interior do celeiro. Uma vez fora do contraluz, seu rosto se fez visível... um rosto tão encantador e doce que lhe encolheu o coração. Limpando o suor das mãos na saia, olhou a seu redor com nervosismo, como se esperasse que um fantasma fora a saltar sobre ela. Veloz lhe indicou um maço de palha que havia junto ao estábulo, mas ela negou com a cabeça; estava muito nervosa para sentar-se. Sem parar de entrelaçar os dedos e dobrar os nódulos, conseguiu por fim levantar os olhos para ele.

—Né..., eu..., em primeiro lugar, eu gostaria de me desculpar. Não te dei uma calorosa bem-vinda que digamos. É maravilhoso verte de novo.

Veloz conteve um sorriso. Amy nunca tinha sabido mentir bem.

—Talvez possamos começar desde o começo outra vez, não é assim? —Ele levantou os olhos para ela, desejando encontrar a forma de lhe tirar o medo—. Olá, Amy.

Ela se umedeceu os lábios.

—Estava acostumado a me chamar Aye-mije.

Ele sorriu.

—Que soava como um cordeiro doente. Seu nome é muito bonito quando se diz corretamente.

—aprendeste muito bem a falar inglês —disse ela fracamente.

—Não tive outra opção. Já tenho muitos condenações detrás de mim como para em cima falar estranho. Se a gente praticar com o suficiente afinco, é possível chegar a dominar algo.

Amy lamentou a mudança. A inépcia de Veloz para expressar-se em inglês freqüentemente lhe tinha levado a dizer coisas que lhe tinham parecido muito profundas. «Ali onde ponha seu rosto, Amy, seus olhos verão o horizonte e suas manhãs, não o ontem. A tristeza de seu coração é um ontem que já não poderá ver mais, por isso ponha detrás de ti e caminha sempre para diante.»

Uma mecha de cabelo negro lhe caía sobre a frente. Ela recordou haver meio doido esse cabelo muitos anos atrás, lhe haver acariciado as tranças, recolocado as plumas de seu meio doido. Amy passou a vista de seu rosto escuro às cartucheiras chapeadas que levava nos quadris. Umas tiras de couro ancoravam as capas das pistolas a suas musculosas coxas. Embora sua postura parecia relaxada, sentia esse estar em alerta, como se inclusive agora estivesse registrando todos os sons que se produziam ao redor dele. A camisa e as calças negras magnificavam esse efeito, lhe dando um aspecto sinistro. Amy se perguntou se teria eleito a cor escura para intimidar a seus oponentes.

—Veloz... tenho uma petição que te fazer.

Lhe olhou as mãos e viu que tinha os dedos tão dobrados que corriam o perigo de romper-se, com os nódulos dolorosamente brancos.

—E o que pode ser?

—Promete-me que o pensará atentamente antes de responder?

Veloz pôs os polegares sobre o cinturão das cartucheiras, esperando, sabendo antes de que ela falasse o que lhe ia pedir.

—Eu..., eu gostaria que você... —Fez uma pausa e levantou os olhos para ele com o coração posto neles—. Quero que me libere da promessa de matrimônio que te fiz.

Ele se voltou para o cavalo e desatou habilmente a brida do animal.

—Prometeu que o pensaria.

—Tenho que entender então que Caçador ainda honra os costumes de nosso povo?

—Sabe que sim!

Veloz sorriu.

—E te sugeriu que viesse a me pedir que te liberasse da promessa? Que rápido esquece.

—O que quer dizer?

—Não te lembra de suas bodas com a Loretta? —Lançou a brida sobre o fardo de palha e se voltou para olhá-la—. Virtualmente a arrastou até o padre.

—Para eles era diferente. —Em sua agitação deu vários passos para ele, tão perto que Veloz tivesse podido tocá-la—. Eles se querem, Veloz.

—Crie que eu não te amo, Amy? —Não podia resistir a tentação. Levantando uma mão, roçou-lhe com os dedos a pálida bochecha. Sua pele era tão suave como o veludo—. Tem idéia de quantas vezes sonhei contigo nestes últimos quinze anos? Quantas vezes chorei porque a grande luta de nosso povo me mantinha afastado de ti?

Amy o olhou fixamente, tratando de imaginá-lo com lágrimas nos olhos.

—Amas uma lembrança. Já não sou a menina que conheceu.

Conteve-lhe o queixo com o oco da mão. O roce de sua pele calosa a esquentou por dentro como se fora um gole medicinal de uísque. Amy se tornou para trás, encolhida, mas ele a seguiu com a mão. Passou-lhe ligeiramente os nódulos pela garganta, a vista sempre posta em sua cara, alerta a cada troco em sua expressão.

—Não é a mesma menina? —perguntou ele com voz rouca.

—Como poderia sê-lo? Não é nenhum estúpido. por que quereria te casar com uma mulher que não te corresponde quando poderia encontrar a qualquer outra?

—Não me corresponde ou é sozinho que tem medo? —Sua boca se torceu em um sorriso irônico, e fechou a distância que havia entre eles—. Te encontraste alguma vez com uma serpente e pensaste que era de cascavel? O primeiro que pensa é que te vai picar, e isso te assusta tanto que não pode te parar a olhá-la. Não olha se for realmente venenosa ou não. Se tiver algo em suas mãos com o que matá-la, golpeia-a sem pensar.

Ao olhá-lo, pareceu-lhe que tinha uns ombros imensamente largos. Cheirava a couro e a cavalo, e a pólvora, um aroma claramente masculino, uma combinação extrañamente embriagadora nos limites encerrados do celeiro. lhe tocando o queixo com um dedo, fez-lhe jogar a cabeça para trás.

—Não sou venenoso, Amy, e não vou morder te. me dê a oportunidade de me lavar, me tirar esta capa de pó e de tomar uma taça de café.

—Então não tenho nada do que me preocupar? —Sua voz tremia—. Não te entendo. É isso o que está dizendo? Que não tem intenção de me fazer cumprir a promessa que fiz faz quinze anos?

—Eu gostaria de discuti-lo mais tarde, isso é o que estou dizendo. Você necessita um tempo para caminhar fazendo um círculo ao redor de mim. E eu necessito tempo para me acostumar à idéia de que está viva. Não tenho intenção alguma de fazer nenhum anúncio de matrimônio hoje, assim pode te relaxar nesse sentido. —Voltou a cara para olhá-la, sonriendo com os olhos—. Quanto ao de que não é a mesma garota que conheci... Parece-te com ela, falas como ela, cheira como ela... —Inclinou lentamente a cabeça para a dela—. me Peça que me corte o braço direito por ti e o farei. me peça que deixe minha vida por ti e o farei. Mas, por favor, não me peça que te deixe agora que te encontrei de novo. Não, não me peça isso, Amy.

—Mas... isso é o que te estou pedindo, Veloz. —Jogou a cabeça para trás ante seu avanço—. Lhe estou suplicando isso. Se de verdade me amar, não destroce minha vida desta maneira.

Inclinado para beijá-la, Veloz esticou a mão com a que lhe sujeitava o queixo. No segundo último, ela apartou a cara. Com um soluço quebrado, separou-se dele e correu ao exterior. Veloz ficou olhando-a ao sair, com a mão ainda em alto.

depois de um momento, dirigiu-se ele também à porta do celeiro e observou como corria rua abaixo. Passou de comprimento a casa de Caçador e se dirigiu a uma pequena casa de madeira que havia entre um grupo de pinheiros ao outro lado do povo.

«Não destrua minha vida desta maneira.» Estas palavras ressonavam ainda na mente de Veloz, lhe rompendo o coração de uma forma que não queria admitir, mas que tampouco podia evitar.

depois de passar a tarde e o princípio da noite falando dos velhos tempos com a Loretta e conhecendo um pouco aos meninos, Veloz acompanhou a Caçador a seu refúgio comanche, onde puderam desfrutar de um pouco de privacidade para falar. Caçador pôs um tronco no fogo, depois se sentou com as pernas cruzadas no chão, olhando a Veloz através das chamas. O vento da noite golpeava as paredes de pele do tipi, fazendo um som como de tambor que recordou a Veloz dias melhores. À luz do fogo, as rugas que se desenhavam na formosa cara de Caçador se faziam invisíveis. Vestido com pele de camurça, com sua cabeleira cor mogno ainda larga, seguia tal e como Veloz o recordava; um guerreiro alto, ágil, com uns penetrantes olhos cor azul índigo.

—Não me posso acreditar que tenha guardado seu tipi todos estes anos, Caçador. por que o tem feito se te construíste uma casa tão boa?

Caçador olhou a seu redor.

—Aqui é onde me encontro mesmo. Vivo em um mundo, mas meu coração às vezes tem saudades o outro.

Com um fio de voz tão fino como um junco, Veloz respondeu:

—É um mundo que deixou que existir. —Tão afetuosamente como pôde, começou a lhe contar a Caçador a respeito das mortes de todos seus parentes. A Caçador lhe encheram os olhos de lágrimas, mas Veloz continuou, porque sabia que estas coisas devem dizer-se e que Caçador lhe tinha levado a tipi para as ouvir—. O menos morreram livres e com orgulho, meu amigo —terminou dizendo Veloz, pondo cuidado em suas palavras—. Seu mundo já não existe, por isso possivelmente seja melhor que tenham viajado a um lugar melhor.

Caçador moveu a mão em direção às paredes da loja.

—Ah, mas sim existe, e enquanto meus filhos vivam, seguirá existindo, porque canto as canções de meu povo e ensino a meus filhos nossos costumes. —golpeou-se o peito com o punho—. Nosso povo está aqui, para sempre, até que seja pó no vento. Foi a última petição de meu irmão, recorda? E a cumpri. Era o sonho de minha mãe, e tenho feito que seja uma realidade. —Emitiu um gemido de raiva—. Sabia de sua partida há algum tempo. Meu irmão caminha junto a mim. Sinto o calor do amor de minha mãe sobre meus ombros. Quando escuto, posso ouvir seus sussurros de alegria.

Durante anos, Veloz se havia recubierto de uma couraça para não sentir nada, mas agora o discurso de Caçador estava abrindo uma brecha nela.

—Pela parte comanche que há em mim, minha vida aqui foi algumas vezes um caminho solitário, mas dentro de mim existe um lugar mágico no que minha gente ainda cavalga livre e caça búfalos. Quando venho a esta loja, escuto, embora solo seja por um instante, o sussurro das almas perdidas, e um sorriso aparece em minha cara.

Veloz começou a sentir uma dor no peito.

—Eu já não posso ouvir os sussurros —admitiu tristemente—. Algumas vezes, quando o vento me acaricia a cara, minhas lembranças se voltam tão claros que tenho vontades de chorar. Mas o lugar em meu interior que era comanche morreu.

Caçador fechou os olhos, abraçando-se com seus musculosos braços os joelhos e o corpo depravado. Parecia absorver o mesmo ar que lhe rodeava.

—Não, Veloz. O comanche que há em ti não morreu. Solo deixaste que ouvi-lo. Eu te sinto como sempre, exceto porque há essa grande dor em seu coração.

A luz do fogo que se elevava frente a Veloz parecia flutuar no ar e ele a olhava com lágrimas nos olhos.

—Não é dor, Caçador, solo um sentimento de perda. Quando nosso povo caiu, não houve mais caminho para mim. Ninguém que me dissesse aonde caminhar, nem como. E comecei a andar sozinho. —Tragou saliva—. Não segui o bom caminho. Seguro que ouviste essas histórias. —Levantou os olhos para olhar aos de seu amigo—. São certas. Se me voltar a cara, não te culparei. Se sua mulher não me quiser em casa esta noite, entenderei-o. Fica pouca luz no coração, só escuridão. E a escuridão pode estender-se a outros.

Caçador sorriu.

—E a luz do sol pode acabar com a escuridão. Solo tem que te levantar a alvorada para te dar conta disso. Veloz, você arriscou sua vida por mim na batalha. Confiei em ti o suficiente para benzer seu compromisso com a Amy. Sinto muito que tenha tido que seguir um caminho tão difícil, mas eu agora solo posso ver a terra que pisam em seus pés. foste um irmão para mim. Isso nunca trocará.

—Quando viajava para aqui pensei tanto em ti, em todos os bons momentos que compartilhamos... Espero que possamos construir novas lembranças outra vez.

Um silêncio de compreensão se abateu sobre eles. Pouco depois, Caçador perguntou a Veloz:

—Então, está pensando em partir ?

Veloz ficou tenso.

—Como sabe?

—Vejo essa dor de despedida em seus olhos. —Caçador se inclinou para diante sobre seus joelhos e avivou o fogo com outro tronco. As faíscas iluminaram o interior da loja—. por que vai, Veloz? Fez uma viagem tão comprido para chegar aqui, e antes de passar sequer uma noite, já está olhando para o caminho que deixou atrás. Quando um homem encontra por fim seu caminho, é estúpido que volte a deixá-lo.

Veloz fechou os olhos, inalando o maravilhoso aroma da loja de Caçador, cansado de uma forma que ultrapassava os limites do físico.

—Algumas vezes um homem deve fazer coisas que preferiria não fazer.

—Vai pela Amy, verdade?

Veloz levantou as pestanas.

—Minha chegada a perturbou. O que diz é certo. Ela era sozinho uma menina quando se comprometeu comigo. —encolheu-se de ombros—. Por muito que a ame, não estou cego. trocou, Caçador. O velho temor voltou para seus olhos. Não estou seguro de poder fazer que o perca de novo. E, se não pudesse, a única alternativa que ficaria seria forçá-la. Não posso voltar para sua vida e lhe fazer isto. Não seria justo.

—Não? —Caçador ficou pensativo—. Se de verdade amar a Amy, não estou seguro de que um pouco de força lhe venha mau.

—Força, Caçador? Esse não foi nunca seu estilo.

—Não. —Caçador escutou os sons do exterior um momento, como se queria assegurar-se de que ninguém de sua família estivesse perto da loja—. Veloz, o que vou dizer te é sozinho para ti. Loretta me queimará a comida durante um mês se se inteira. —Lhe acendeu uma faísca nos olhos—. Ela quer muito a Amy, sabe? E não sempre estamos de acordo sobre o que é melhor para ela. Loretta vê com seu coração de mulher e aparta as sombras, tratando de fazer que o mundo da Amy seja tudo de cor de rosa.

—Parece que aqui todo mundo ama a Amy. Pensei que seus alunos foram atacar me esta manhã.

—Sim, muito amor, mas não do bom. —Caçador se mordeu a comissura do lábio, como se sopesasse cada palavra antes de dizê-la—. Amy é como... —Seu olhar ficou perdida—. Uma vez conheci um homem no Jacksonville que colecionava mariposas. Mantinha-as em caixas, sob um cristal. Amy é assim, vive detrás de um cristal, onde ninguém pode tocá-la. Entende-o? Quer a seus alunos. Quer-me , a Loretta e a nossos filhos. Entretanto não quer a ninguém para si mesmo, com quem ter seus próprios filhos.

Veloz passou as Palmas da mão pelo tecido vaqueiro negra que se ajustava a suas coxas. Depois cravou os dedos nos joelhos dobrados.

—Talvez não queira ter filhos, Caçador.

—Ah, claro que sim. Vi esse desejo em seus olhos. Mas há um grande medo dentro dela. Tem... —Fez uma breve pausa—. Quando veio a nós do Texas, tinha trocado. Tinha deixado de ter a coragem que uma vez a fez lutar pelo que queria.

Veloz pensou nisso, e recordou a suja e miserável granja, e ao Henry Masters, balançando-se bêbado na entrada, com uma jarra de mezcal pendurando de sua mão.

—Ocorreu-lhe algo mais no Texas? Quero dizer, além do seqüestro dos comancheros.

Caçador colocou um tronco no fogo.

—Não acredito. Amy não tem secretos conosco. —encolheu-se de ombros—. O que Santos e seus homens lhe fizeram... isso caminhará sempre com ela. O medo é algo estranho. Quando o combatemos, como ela fez esse verão no que lhes fizeram amigos, o medo se faz pequeno. Mas quando fugimos dele, cresce e cresce. Durante muito tempo, Amy esteve fugindo.

Veloz pensou nisto, tentando ler na expressão de Caçador suas intenções.

Caçador o olhou.

—Quando chegou aqui, a Terra de Lobos, sonhava com o futuro, no momento no que a luta comanche pela sobrevivência terminasse e você voltasse por ela. Eram sonhos bons, e sonhá-los era seguro. Entende-o? Você foi seu grande amor, mas sempre no futuro, nunca no presente. mantinha-se afastada dos outros porque se prometeu a ti. Conforme os anos foram passando e os sonhos se voltaram pó, encheu sua vida com outras coisas. Minha família. Seus alunos. —O afeto enchia suas palavras—. É uma mulher formosa. Há muitos homens que se casariam com ela e lhe dariam filhos, mas ela fica atrás do cristal, onde ninguém possa tocá-la.

—mais de vinte homens a violaram. —As palavras soaram duras, engasgadas na garganta de Veloz—. O inferno pelo que ela passou teria destruído à maioria das mulheres. Amy era sozinho uma menina. Imagino que, se alguém tiver direito a viver detrás de um cristal, essa é ela.

—Sim, tem todo o direito se você o concede e vai cavalgando amanhã. —Caçador arqueou uma sobrancelha, desafiando-o—. Mas é feliz? Estar segura pode ser às vezes muito solitário.

Veloz olhou para outro lado.

—O que está dizendo, Caçador? Ódio quando fala com rodeios. Lembrança quando era um menino, sempre tinha a impressão de estar andando sobre carvão quente quando você me dava conselhos.

—Se te falar com rodeios é porque quero que pense mais à frente —respondeu Caçador com um sorriso—. O aprendi de um homem muito sábio.

—Seu pai. —Veloz riu brandamente e depois, com um suspiro, sussurrou—: Muitos Cavalos... o que daria de vê-lo de novo, embora solo fora uma hora. Ainda posso recordá-lo sentado em sua loja, eu fumando com ele e me pondo de cor verde, muito jovem e orgulhoso para admitir que a pipa me dava vontade de vomitar.

—Ele era muito bom dando rodeios.

Sem deixar de sorrir, Veloz agarrou a saca do Bull Durham e o papel de fumar de La Croix de seu bolso e ficou a atar um cigarro. Com o tronco que Caçador tinha atirado ao fogo, acendeu e inalou profundamente.

—Sim, mas eu gosto de falar diretamente. O que acredito que te ouvi dizer é... —cuspiu uma bolinha de tabaco— que crie que devo ficar. Inclusive embora ela odeie todo aquilo no que me converti.

—É isso? Ou é que sabe que você romperá o cristal e lhe exigirá coisas que outros homens não se atreveram a lhe exigir? Acredito que tem muito medo de que seu sonho se faça realidade e de que tenha que enfrentar-se a um homem de carne e osso, um homem que não sairá correndo se ela o despreza. —Caçador sorriu, indulgente—. Lhe dá muito bem mostrar-se desdenhosa. Os homens daqui tratam de impressioná-la com suas maneiras e terminam sempre replegando vela.

—E crie que eu posso conseguir o que outros não conseguiram?

—Não acredito que você vás aproximar te dela com um livro de bons maneiras em uma mão e o chapéu na outra.

—Não poderia lê-lo embora o tivesse. Por Deus, Caçador... —Veloz introduziu o tronco ainda mais dentro nas cinzas, lhe dando um golpe forte e raivoso—. Me olhe e quão único vê é um passado que a persegue. E tem razão. Vi coisas que agora me perseguem !Fiz coisas que não poderia perdoar a outros homens. Ela assegura que já não nos conhecemos, mas a verdade é que Amy me conhece muito bem. Se ficar aqui, romperei em pedaços sua vida. A promessa que me fez me dá direito a fazê-lo, mas se de verdade me importa, deveria fazê-lo?

—Isso solo você pode sabê-lo. —Fazendo uma nova pausa, Caçador olhou fixamente ao fogo um momento e depois levantou o olhar—. O que terá ela se você desaparecer no horizonte, Veloz?

—Sua vida aqui. Paz e tranqüilidade. Bons amigos. A escola.

—Ah, sim. Como você, ela segue seu próprio caminho. Mas é isso bom?

—Pode que seja muito melhor que o que eu posso lhe dar.

—Não, porque sua vida aqui é nada. —Caçador ficou outra vez pensativo—. Chase encontrou um mapache ferido uma vez, ao que curou e criou em uma jaula até que se fez adulto.

Veloz protestou.

—Já vejo que esta é outra de suas histórias. Como demônios pode um mapache ter algo que ver com o que estamos falando?

Caçador levantou a mão.

—Possivelmente se abrir os ouvidos, possa averiguá-lo. —Sorriu e se tornou para trás—. O mapache... sempre via o mundo desde detrás das grades, farejando e desejando a liberdade. Como Amy, sonhava no ontem e nos «algum dia», mas seus «agora» não eram nada. Chase decidiu que era cruel o ter encerrado e abriu a porta da jaula. O mapache, que tinha sido gravemente ferido por outro animal, ficou aterrorizado e se escondeu no rincão mais profundo de sua prisão.

Veloz apertou a mandíbula.

—Amy não é um mapache, Caçador.

—Mas se esconde na curva mais profunda da mesma forma. —Caçador o olhou entrecerrando os olhos através da cortina de fumaça—. O mapache era muito violento quando estava assustado, assim Chase, em lugar de tratar de agarrá-lo para tirá-lo dali, açulava-lhe com uma vara, até que o mapache ficava tão furioso que esquecia o medo que tinha e saía pela porta. Chase o açulava todos os dias com essa vara, e cada vez o mapache saía da jaula e permanecia mais tempo no exterior, até que perdeu o medo e pôde ficar fora. Esta é uma história com um final feliz. Os sonhos do mapache sobre o ontem e o algum dia se converteram no agora.

Veloz soprou.

—Não posso ir e açular a Amy com um pau. me diga algo que tenha mais sentido que isso.

—O que te digo tem muito sentido. Resgatei a Amy de Santos, não? E curei suas feridas, justo como Chase fez com as do mapache. E como Chase, construí um lugar muito seguro aqui para a Amy, onde pode esconder-se e sonhar. —Caçador pigarreou, distendendo os músculos da garganta. Quando voltou a falar, sua voz soava mais tensa—. Meu coração tinha boas intenções, mas o que tenho feito está mau. A segurança se converteu em sua jaula e ela está apanhada dentro, com medo a sair.

Com o dedo indicador, Veloz riscou a cruz de Malte que tinha desenhada no pacote do papel de atar.

—Dá-te conta de que não tenho nada? Um cavalo, algumas peças de ouro e um bom maço de problemas me pisando os talões. Isso é tudo.

Caçador considerou suas palavras um momento e, como sempre, não ofereceu nenhuma solução.

—Seria muito mais fácil para os dois se simplesmente me fora daqui —assegurou Veloz.

—Sim.

Essa única palavra era um desafio silencioso.

—É que não te importa absolutamente que seja um pistoleiro? Que tenha cavalgado com os comancheros? Se me encontrasse mesmo na rua, diria-me «Olhe, aí vai o bastardo maior que tenha conhecido nunca».

—Só sei o que posso ver em seus olhos.

—E o que passaria se depois de pôr seu mundo patas acima meu passado viesse e me apanhasse? —Veloz atirou o final do cigarro ao fogo—. Amanhã, na próxima semana, dentro de um ano. Poderia acontecer, Caçador.

—Então terá que te voltar e te enfrentar a seu passado. Da mesma forma que Amy deve enfrentar-se ao dele. —Caçador ficou em pé projetando atrás dele uma sombra alargada sobre a parede da loja—. Fica em meu tipi um momento e escuta a seu coração. Se depois de escutá-lo, ainda quer ir amanhã, saberei que é o melhor e o aceitarei. Mas te encontre a ti mesmo primeiro. Não ao moço que foi, não ao homem no que esse moço se converteu, a não ser ao que é esta noite. Então terá um caminho marcado ante ti. Deixo-te com uma grande verdade. Um homem cujos ayeres permanecem fixos no horizonte caminha de novo para seu passado. O resultado é que percorre um grande caminho para nenhuma parte.

                                                       Capítulo 4

A casa dos Lobo estava repleta de vozes que retumbavam alegremente nas paredes de madeira e que afogavam o som lhe tilintem do equipamento de porcelana. Veloz não fazia mais que perguntar pela mina de Caçador, claramente fascinado de que seu velho amigo tivesse tido tanto êxito na busca de ouro. Com sua paciência habitual, Caçador explicava a diferença entre os prazeres auríferos e os filões de ouro, descrevendo a equipe e as técnicas utilizadas em cada mina, e como ambas se utilizavam em sua exploração. Loretta e os meninos participavam contando divertidas anedotas de vez em quando, ou explicando os resultados das prospecções que se feito ao redor do Jacksonville e os recentes achados em Terra de Lobos.

—Estas colinas estão cheias de ouro, não o duvide —disse Índigo, excitada—. No cárcere do Jacksonville, um detento escavou o chão de terra de sua cela. Resultou ser tão rentável que já não tinha nenhum interesse por sair em liberdade. Então, justo antes de que terminasse sua condenação, deu com uma nervura e insistiu em que era de sua propriedade. O xerife teve que lhe obrigar a sair dali a ponta de pistola.

Loretta piscou os olhos um olho a Veloz.

—Da maneira em que esta garota o conta, é como se lhe estivessem crescendo dentes de ouro. O cárcere do Jacksonville tem um chão de madeira de dobro capa. Por isso sei, é o único cárcere que o tem.

Com voz carinhosa, Caçador interveio.

—Índigo espera me substituir na mina quando for maior.

Chase soprou, visivelmente aborrecido com a idéia. Os olhos azuis de Índigo brilharam de emoção.

—Ao menos eu conheço a diferença entre o ouro real e o falso! —gritou.

—Quanto te aposta a que não pode saber a altura de uma árvore pela sombra que projeta? —bufou Chase.

—A quem lhe importa isso?

Amy escutava em silêncio, com a cabeça afundada no prato e os dedos duros ao redor da manga do garfo. Com sua ajuda, Loretta tinha preparado um maravilhoso jantar para celebrar a chegada de Veloz, mas a Amy a comida estava tendo sabor de raios. Inclusive o requeijão lhe parecia insípido. Amy dava voltas às partes de requeijão com a língua, como se estivesse comendo cimento.

Quando os meninos ficaram sem anedotas que contar, a conversação derivou para as experiências de Veloz desde que tinha deixado a reserva. Bombardeado a perguntas sobre o Texas, Veloz era quase o único que falava, e a Amy se o fazia um nó no estômago cada vez que ouvia sua voz. Quando por fim se atreveu a olhá-lo, sentiu um calafrio nervoso por todo o corpo. Uma parte dela ainda não podia acreditar que estivesse ali e o muito que tinha trocado. Seu aspecto era desumano agora, com um olhar duro, cínica e amarga que lhe encolhia o coração. E, entretanto, apesar disto, seguia tão bonito como sempre, mas de uma maneira mais potente, poderosa e desconcertante.

Algo mais tinha trocado nele também, algo muito mais recente e sutil. A primeira hora da manhã no celeiro, quando lhe tinha pedido que a liberasse do compromisso, ele tinha duvidado. Agora, essa incerteza tinha desaparecido, substituída por um brilho de determinação. Amy tinha o pressentimento de que Veloz e Caçador tinham falado sobre ela na loja de Caçador e que, fora o que fosse o que houvessem dito, havia de algum jeito ajudado a Veloz a tomar uma decisão.

—Então, tio Veloz, nos conte o de suas brigas —pediu Chase—. É verdade que mataste a mais de cem homens?

De repente se produziu um silêncio, amplificado pelo suave tinido dos garfos ao golpear a porcelana. Estirando seus largos ombros, Veloz se esclareceu garganta.

         Acredito que as histórias sobre meus duelos se exageraram, Chase. —depois de uma pausa, acrescentou em tom de brincadeira—. Pôde que tenha matado em total a mais de noventa.

—Noventa? Que bárbaro!

Loretta desaprovou com o olhar a seu filho.

—Chase, seu tio te está tirando o sarro.

A cara do Chase se escureceu.

—Então me diga a verdade. Quantos?

Índigo arreganhou a seu irmão.

—Não seja pesado, Chase Kelly.

O olhar de Veloz se encontrou com a da Amy e seu sorriso se esticou.

—Um homem não faz um entalhe em seu cinturão cada vez que dispara a alguém, Chase. Utilizei meu revólver sempre que me vi obrigado a fazê-lo, e depois tratei de esquecê-lo.

—Mas está o mais rápido do Texas. Assim o dizem no periódico, verdade?

—«É» o mais rápido... —corrigiu-lhe Loretta.

—Sempre há alguém mais rápido, Chase —respondeu Veloz—. Se esquecer isso, embora solo seja por um instante, é homem morto.

Chase assentiu, visivelmente assustado com a idéia.

—Agora que está aqui, ensinará-me a dirigir o revólver?

Veloz baixou a taça com um estalo terminante.

—Não.

Índigo deu uma cotovelada a seu irmão outra vez, com uma expressão de seriedade na cara que o fazia parecer major do que era.

Chase olhou a sua irmã como se queria fulminá-la e depois se voltou para Veloz com olhos suplicantes.

—Mas por que? Sou bom com as armas.

Com o corpo completamente tenso, Amy esperou para ouvir a resposta de Veloz.

—Porque isso não é meio de vida, por isso. —A Veloz lhe moveu um músculo da bochecha. Pôs o garfo a um lado do prato, deixando uma peça de presunto sem tocar—. Confia em mim. Se pudesse voltar atrás no tempo e não tocar nunca mais um revólver de seis balas, faria-o.

Amy levantou o olhar e viu que Loretta tinha lágrimas nos olhos. Contendo as vontades de vomitar, Amy seguiu o exemplo de Veloz e deixou o garfo a um lado; por uma parte, odiava-o por aquilo no que se converteu, mas, por outra, sentia vontades de chorar como Loretta. Ninguém que o olhasse deixaria passar por cima a expressão angustiada nos olhos de Veloz López.

Caçador se levantou da mesa, e recolheu seu prato e sua taça. Levando-os a pia, disse:

—Então me diga, Veloz, o que é o que te trouxe de volta a nós? E quanto tempo pensa ficar ?

—Vim aqui com a esperança de começar de novo. —Veloz desviou o olhar para a Amy outra vez—. Descobrir que minha mulher estava viva é como um sonho feito realidade. Acredito que pendurarei aqui meu chapéu, agora que a encontrei.

produziu-se outro desses silêncios incômodos. Amy sabia que esta era sua forma de fazer saber à família que não tinha esquecido a promessa que lhe tinha feito, e que esperava que a cumprisse. Os bandos para a batalha estavam definidos. Amy observou a amplitude lhe intimidem de seu peito e o jogo de músculos que se adivinhavam sob as mangas de sua camisa. Tinha o horrível pressentimento de que o resultado desta particular guerra estava escrito.

Amy empurrou para trás a cadeira. Tratando de não deixar entrever nenhuma expressão em seu rosto, ficou a recolher a mesa, ansiosa por lavar os pratos. Chase trouxe água e Loretta a pôs no fogão para que fervesse. Índigo, quase tão alta como sua mãe, passou-se o avental pela cabeça e o atou com rapidez à costas.

—Amy, deixa-o, Índigo e eu lavaremos os pratos —disse Loretta—. Você tem que trabalhar amanhã na escola. por que não vai a casa?

Desejosa de encontrar qualquer desculpa para ir-se, Amy agarrou o xale que pendurava no cabide próximo à porta e o passou pelos ombros.

—foi um jantar maravilhoso, Loretta Jane. boa noite, Caçador. —A língua lhe pôs pastosa—. Me alegrei que verte de novo, Veloz.

Índigo correu para a Amy para lhe dar um abraço de despedida. Beijando-a na bochecha, sussurrou:

—Agora entendo que tenha esperado por ele todos estes anos, tia Amy. É tão bonito!

Amy se apartou, olhando a Índigo aos olhos, conmocionada de que a menina houvesse dito algo assim. deu-se conta então de que aquela jovencita a que tanto queria se estava convertendo em uma mujercita.

Veloz se levantou da mesa. Com passos preguiçosos e esporas tintineantes, aproximou-se do perchero a agarrar as cartucheiras e ficar as Continuando, agarrou o chapéu. Umas covinhas travessas se marcaram nas bochechas de Índigo ao sorrir enquanto passava por diante de Veloz e se aproximava de sua mãe para lhe ajudar com a mesa. Amy ficou ali só com ele, aterrada ao ver que tratava de acompanhá-la. Lhe passou pela mente uma imagem dos dois, solos na escuridão.

—Acompanho a casa —disse ele brandamente.

—E... isso não é para nada necessário. Sempre volto para casa eu sozinha. Verdade, Caçador?

Caçador se limitou a sorrir.

—Acompanharei-te de todas formas. Estou seguro de que a noite deve ser magnífica, depois deste dia de sol.

Amy se abraçou ao xale, procurando em sua mente uma desculpa rápida para desfazer-se dele. Ao final se decantou por ser honesta.

—Preferiria que não me acompanhasse.

Veloz fez uma careta enquanto ficava o chapéu. Baixando a asa até os olhos, respondeu com uma voz perigosamente sedosa.

—E eu preferiria te acompanhar.

depois de olhar a Caçador com olhos suplicantes e mesmo assim não receber nada dele, Amy abriu a porta e saiu ao amplo alpendre. Decidida a andar com rapidez, baixou os degraus e cruzou o jardim, mantendo-se sempre um passo por diante das botas e as esporas que tilintavam detrás dela. O ar da noite esfriava suas bochechas. abraçou-se com força ao xale.

—O que é o que diz nesse teu livro de maneiras sobre as mulheres que correm e deixam que seus acompanhantes remoam o pó?

Ela se deteve para dá-la volta, olhando-o fixamente com a luz que emitia a lua.

—A você ninguém há convidado como acompanhante, senhor López. —Se o fazia estranho pronunciar o novo nome e, entretanto, fez-o para recordar-se a si mesmo e lhe recordar a ele quem era e no que se converteu—. Um cavalheiro nunca imporia a uma dama sua companhia.

rua abaixo, um homem saía da Lucky Nugget. Veloz ficou à altura da Amy, tirou-a do braço e a guiou ao outro lado da rua. Quando seus pés tocaram a calçada, disse:

—Inclusive embora queria ser um cavalheiro, nunca ninguém me ensinou bons maneiras. O mais parecido a um professor que tive foi um rancheiro para o que trabalhei chamado Rowlins, e tudo o que esse homem sabia fazer era disparar e cuspir. Lhe davam muito bem essas duas coisas, e me ensinou tudo o que sabia, mas nunca foi nem pretendeu ser um cavalheiro.

—É evidente. De outro modo, não me deixaria ir por fora da calçada.

Ele riu fracamente e, lhe pondo a mão na cintura, fez-se a um lado e deixou que ela caminhasse pelo lado interior da calçada, perto de onde estavam os comércios. Ao lado da Amy, a figura de Veloz se elevava ameaçadora na escuridão, com a cinta chapeada do chapéu e as tachinhas do revólver brilhando à luz da lua. Amy se estremeceu ao sentir uma mão nas costas, mão que foi deslizando-se até encontrar um lugar onde descansar, justo em cima de seu quadril esquerda. A familiaridade com a que a tocava acelerou seu coração. Nenhum homem de Terra de Lobos se atreveu a tomar-se tantas confianças.

—Não tive muitas oportunidades de acompanhar a casa às damas. Estou-o fazendo bem? —perguntou arrastando as palavras, como se se estivesse divertindo. Depois ficou tenso, como se estivesse preparando-se para algo—. Tome cuidado por onde pisa.

—Conheço-me esta rua como a palma de minha mão —respondeu ela com voz crispada, salvando o obstáculo na calçada sem dificuldade.

—Não o duvido, pelo rápido que anda. A Amy que eu conhecia não podia ver um palmo além de seus narizes quando se fazia de noite.

Amy conteve uma resposta, pensando sozinho nas vontades que tinha de chegar a casa e jogar o ferrolho. Com isto em mente, aliviou o passo. A mão de Veloz se fez mais firme em sua cintura.

—Né! A idéia era caminhar tranqüilamente e voltar a nos conhecer.

—Eu não quero voltar a te conhecer.

Como se seus desejos carecessem de nenhuma importância. Veloz evitou seu comentário. Pareceu-lhe que tinha passado uma eternidade até que chegaram ao alpendre. Amy se apressou a subir os dois degraus e a abrir a porta.

—Obrigado por me acompanhar. boa noite.

Ela entrou na escuridão e tratou de empurrar a porta a suas costas, mas Veloz tinha posto uma mão na madeira para impedi-lo.

—Não vais pedir me que entre?

—Certamente que não! Sou professora. Tenho uma reputação que manter. Uma dama não deixa que um homem...

Ele deu um empurrão à porta, e a obrigou a retroceder dois passos.

—Em realidade vou convidar me eu mesmo.

E, sem mais, entrou na casa. Até então, solo tinha desejado fechar a porta, mas agora, Amy agarrava o pomo com dedos trementes para que ele não a fechasse. Ele ganhou a batalha fazendo pressão com um ombro sobre a porta. O som final ao fechar-se foi definitivo, e Veloz colocou em seu lugar a tranca do ferrolho.

—Dois ferrolhos, Amy? Pensei que Terra de Lobos era um lugar seguro e tranqüilo para viver. Encerra a ti mesma ou encerra ao resto do mundo aí fora?

A escuridão se abatia sobre eles. Amy ficou imóvel, de pé, com o coração a mil por hora. Vestido tudo de negro, Veloz se camuflava tão bem nas sombras que ela não podia vê-lo. Mas podia senti-lo, e com essas horríveis e fantasmagóricas esporas, podia também ouvi-lo quando se movia. O aroma de couro, mezclilla e tabaco o impregnava tudo.

—Acende o abajur —disse ele com tranqüilidade—. Temos que falar.

Dirigindo-se diretamente até a mesa, mediu em busca do abajur e os fósforos. Prendeu a mecha arranhando o fósforo em uma dobra do papel de vidro e fazendo que as faíscas se expandissem. Depois girou rapidamente a mecha e ajustou a chama. O fedor do fósforo a fez chorar e se tornou para trás para escapar da fumaça gasosa enquanto regulava a chama.

—Não deveria utilizar essas coisas dentro da casa. Quer te lesar os pulmões ou te provocar uma necrose fosfórica?

—Não... não estou acostumado a utilizá-lo. Meu yesquero se está ficando sem casca de cedro e não saí a procurar mais. Faz falta muito mais que umas quantas fósforos para danificar meus pulmões ou meus ossos.

—Está tremendo —observou ele fríamente—. Tanto medo te dou?

Ela continuou como se estivesse ajustando a luz, fazendo caso omisso a sua pergunta.

—Pode ao menos tratar de falar disso?

levou-se a caixa de fósforos à chaminé e se agachou para acender fogo. Quando ele deu um passo entre ela e o abajur, sua sombra se interpôs, grande e ameaçadora. O segundo de silêncio se alargou interminavelmente.

—Demônios, estou-te falando!

Amy se aproximou mais ao fogo para insuflar um pouco de ire às débeis chama que começavam a elevar-se e reorganizou a lenha para que prendesse com facilidade.

—Não blasfeme em minha casa.

Ele deixou escapar uma risada de incredulidade.

—Se não recordar mau, foi você quem me ensinou essa palavra e outras pelo estilo. «Demônios» e «maldição» eram suas palavras favoritas, recorda-o? E quando estava de verdade zangada, dizia...

—Importa-te? —ficou em pé, agitando a caixa de fósforos com tanta força que quase lhe caiu desta mãos é minha casa. Eu gostaria de me preparar para ir dormir.

—Adiante.

Amy pestanejou. À luz das chamas, era a viva imagem do que ela imaginava como o demônio: alto, bonito, vestido de negro. Lhe puseram os nervos de ponta. Pôs os fósforos no suporte da chaminé, tocou-se a frente com a parte exterior da boneca e fechou os olhos.

—Veloz, por favor.

—Por favor, o que? Fala comigo, Amy. me diga o que é o que te tem tão molesta que nem sequer é capaz de me olhar. Sei que recorda como eram as coisas entre nós... —calou-se de repente. Então, assombrado, sussurrou—: Que me crucifiquem se isso não... —As botas ressonaram com suas esporas no chão de madeira—. O desenhaste você, Amy?

Muito tarde para lembrar do desenho. Com um revôo de saias, tratou de passar por diante dele e retirar o do suporte. antes de que seus dedos pudessem agarrar o marco, ele o tinha agarrado.

—Não —disse ele.

Vencida, Amy se tornou para trás, observando-o enquanto ele estudava o retrato. Vendo-o ali de pé, com um perfil tão similar ao do menino que desenhou, viu-se alagada de lembranças. Por um instante, sentiu uma pontada de desejo por todo o corpo. Veloz, seu Veloz. As cenas do passado voltaram a passar por sua mente. Dois jovencitos pulando e rendo junto ao arroio. Veloz, saindo a seu passo no bosque, com um buquê de flores nas mãos. Veloz, lhe ensinando a falar comanche, a disparar um rifle, a utilizar o arco, a montar a cavalo, a caminhar sem fazer ruído. Tantas lembranças. Nnaquele tempo, naquele tempo, tinham sido tão bons amigos... O que lhes tinha passado para que estivessem agora na mesma habitação e se sentissem tão longe um do outro? Houve um momento no que ela teria posto a mão no fogo por ele.

E agora?

Amy olhou para outro lado. Agora não confiava nele nem para acompanhá-la a casa..., que era precisamente o que tinha feito. Agora não o queria em casa quando ela estivesse sozinha de noite..., que era o que estava acontecendo.

Ouviu o tinido das esporas, e esse único som bastou para trazê-la do passado e fazê-la gemer de terror. Lhe encolheu o estômago. Por um momento, aromas que acreditava esquecidos lhe embriagaram o nariz: aroma de homem e a luxúria, e a sangue, seu sangue. balançou-se, tratando de apartar as imagens de sua mente, mas elas não lhe deram trégua.

—Amy, me olhe.

Sua voz se tornou rouca. Agarrou-lhe o queixo e lhe levantou a cara para que o olhasse. Finalmente, ela o olhou sozinho um momento aos olhos e soube o que tentava. apartou-se, retrocedendo de costas até dar com a parede. Ele a seguiu. Uma vez mais, tratou de escapar, mas ele a tinha abraçada, bloqueando-a para que não escapasse.

—Amy, pelo amor de Deus, o que crie que vou fazer te?

Não pôde falar. Ele se deteve mais perto, tão perto que ela podia sentir como sua camisa lhe roçava o sutiã do vestido. O roce, já fora intencionado ou não, excitou-lhe os mamilos, que se ergueram contra o tecido da camisa, doloridos. Amy evitou o contato pegando as costas contra a parede. Ele se tirou o chapéu e o mandou voando para a porta. A cinta nacarada, odiada-a cinta nacarada e o chapéu, foram parar ao chão. Santos, o chefe dos comancheros que a seqüestraram, levava madrepérola nas calças. A maioria de seus homens também o levava. Não podia ver os discos chapeados sem que ficasse a suar.

—Amy. —Veloz lhe roçou com os lábios um de seus cachos—. Recorda aquele dia em que baixamos ao rio, quando me ensinou o que era um beijo?

Esta vez a colheu com firmeza, obrigando-a a jogar a cabeça para trás. Seus olhos escuros apanharam os dela.

—Fechou os olhos, enrugou o nariz e franziu os lábios como um cacto chato. —Aproximou a cara—. Tiveram que passar anos para que me desse conta de que essa não era a forma de fazê-lo.

Seu peito se aproximou do dela, imobilizando-a contra a parede. Ela tratou de jogar a cabeça para trás, tentou afastar-se de sua boca.

—Veloz, não... por favor, não.

Ele se inclinou ainda mais até que seu fôlego não pôde distinguir do dela, um halo quente e doce a café com mel.

—Lembra-te, Amy?

—Sim —admitiu com um soluço afogado—. O recordo. Foi um beijo estúpido de menina. Não tem nada que ver com isto. —Conseguiu interpor as mãos entre seu corpo e o dele até lhe conter o peito com as duas mãos. Utilizando todas suas forças, empurrou-o.

A ponto de perder o equilíbrio, Veloz se cambaleou para trás, e ela aproveitou para escapar dele penetrando por debaixo do braço. Deu vários passos em retirada e se deu a volta, abraçando-se a si mesmo para que ele não pudesse ver que estava tremendo. Em um intento por soar tranqüila, disse:

—O nosso se terminou, Veloz. Aquilo que compartilhamos foi algo entre meninos. Agora somos adultos. passaram muitas coisas. Sinto que tenha esperado algo distinto. Mas assim estão as coisas.

Ele cruzou a habitação e se apoiou contra a mesa, cruzando-se de braços com naturalidade. Esta pose relaxada não a consolou. Cada vez que ele flexionava os músculos, ela dava um salto, aterrada pelo que pudesse tentar fazer. Conhecendo os costumes comanches, Amy sabia bem que ele podia levar a à habitação e forçá-la. Ninguém que acreditasse o que tinha feito se surpreenderia de que usasse a força de seu braço. Que Deus a ajudasse, tinha-lhe outorgado direitos inalienáveis sobre seu corpo e sua vida, e esse brilho possessivo nos olhos lhe dizia que poderia muito bem estar pensando em exercê-los.

Sem deixar de estudá-la intensamente, Veloz perguntou:

—Tudo isto é porque cavalguei com os comancheros? Se for assim, posso explicá-lo.

—Explicá-lo? —Ela o olhou de cima abaixo, com desprezo—. Crie que não sei todas as coisas diabólicas que tem feito?

—Isso se acabou.

Ela ficou uma mão na cintura. Desde sua chegada, tinha o estômago como uma carreta de mulas: baixava aos pés um minuto para subir à garganta ao minuto seguinte.

—Acabado? E já está, crie que pode apagá-lo assim? —Olhou-o fixamente, esperando a que dissesse algo—. A quanta gente mataram seus amigos os comancheros, Veloz? Violaram... a mulheres? Fizeram-no? Responde!

Veloz tragou saliva, determinado a não deixar que seu olhar fraquejasse.

—Não posso responder pelo que eles fizeram, Amy.

—Então responde por ti mesmo. Roubou e matou e violou? Fez-o? —Sua voz era como um chiado angustiado.

—Sou culpado de algumas costure, mas não de todas. —Tinha um brilho nos olhos—. Não acreditará que violei a mulheres, verdade? Em seu interior...

—Violaria-me —lhe rebateu—. Nega isso, e porei uma chaleira para fazer café. Teremos um bonito bate-papo os dois, recordando os velhos tempos como queria. me jure que não me tocará nunca.

Veloz a olhou em silêncio, assustado dela mais do que o tinha estado nunca. Parecia como se qualquer movimento inesperado por sua parte fora a fazer que pusesse-se a voar longe dele. De repente compreendeu o que Caçador tinha tentado lhe fazer entender com a história do mapache. Amy estava apanhada aqui, em Terra de Lobos, aterrada por tudo e de todos os que supusessem uma ameaça para seu mundo.

—Não me pode jurar isso verdade, Veloz? —tremia-lhe a voz ao falar—. Se não fazer honra à promessa que te fiz, tem a intenção de me obrigar a que a cumpra, verdade? —Olhou-o fixamente, com as pupilas tão dilatadas que seus grandes olhos quase se tornaram negros—. me Responda. traíste todo o resto que havia entre nós. Por favor, não acrescente a mentira à lista.

Veloz se sentia como se estivesse ao bordo de um precipício com alguém lhe açulando para que saltasse. Não queria lhe mentir. Mas podia ver que a verdade ia atemorizá-la, abrindo ainda mais a brecha que havia entre eles.

—Nunca te farei mal, Amy. Tem minha palavra.

A pele que cobria os ossos de suas bochechas ficou tensa, o delicado músculo interior se contraiu e sua cara se converteu em uma caricatura de sua beleza, esquelética e dura.

—Violação sem dor? Onde aprendeste esse truque?

A Veloz lhe revolveu o estômago.

—Amy, pelo amor de Deus. por que está me atacando desta maneira? Começou a fazê-lo no mesmo instante no que pus os pés aqui, e ainda não deixaste que fazê-lo.

Amy não tinha resposta. Quão último devia fazer era zangá-lo e, entretanto, não podia deixar as coisas assim. Tinha que saber quais eram suas intenções. Não podia suportar a idéia de passar uma noite inteira perguntando-lhe —¿Quieres una pelea? —preguntó él suavemente—. ¿Quieres que te amenace? ¿Es eso? ¿Para así tener una razón para odiarme?

—Quer uma briga? —perguntou ele brandamente—. Quer que te ameace? É isso? Para assim ter uma razão para me odiar?

—Já tenho razões mais que suficientes para te odiar. Estou-te pedindo honestidade, se for capaz disso. Quero saber quais são suas intenções. Acredito que tenho todo o direito ou seja o. É minha vida a que está em jogo. Tão covarde é que não pode me responder?

—Está bem, maldita seja, sim —disse, afastando-se da mesa. Esse movimento repentino a fez tremer—. Quer que lhe diga isso com todas as letras, Amy? É minha! Foste-o durante quinze anos. Ninguém te obrigou a te prometer a mim. Sabia exatamente o que estava fazendo. E queria fazê-lo tanto como eu. Se tráficos de trair nosso compromisso, obrigarei-te a cumpri-lo. Assim são as coisas e assim vão seguir sendo.

Ela se abraçou, como se esperasse que ele fora a pegá-la. Veloz ficou gelado, o corpo intumescido, a pele fria.

—Sente-se melhor agora? —perguntou-lhe com brutalidade—. Agora já sabe ao que atenerte. Estou aqui, vou ficar me e será melhor que vá aprendendo a viver com isso.

Ela parecia a ponto de cair. Veloz queria sujeitá-la mas não se atreveu.

—Amy —lhe falou com emoção e com arrependimento, porque o último que queria era assustá-la a propósito—. Sabe qual é o lugar mais seguro no que pode estar agora mesmo? Vêem aqui e lhe mostrarei isso. Dá sozinho três passos, e te juro por seu Deus e por meus que nada nem ninguém te fará mal enquanto fique uma gota de sangue nas veias.

Ela olhou sua mão estendida, incrédula e horrorizada.

—Confiou em mim uma vez. Pode voltar a fazê-lo. Vêem aqui e me lhe deixe demonstrar isso Por favor...

—Confiei em Antílope Veloz. Antílope Veloz morreu.

Veloz se sentiu como se o tivessem esbofeteado. Baixou lentamente o braço e fechou a mão em um punho.

—Se estivesse morto, carinho, não teria que preocupar-se por nosso compromisso de matrimônio. Está fazendo que isto seja mais difícil do que deveria ser, e você será quão única o sofrerá.

—Possivelmente, mas cairei lutando. —Inclusive enquanto o dizia seguia retirando-se, com a voz débil e tremente—. Que não te caiba a menor duvida de que lutarei. Até meu último fôlego. Prefiro morrer a deixar que um homem como você me volte a pôr as mãos em cima.

Valentes palavras, mas lhes faltava força que as sustentassem. Veloz a observou e lamentou o que viu. O que lhe tinha passado à a Amy que ele conhecia, a valorosa moça que se enfrentou uma vez a sessenta guerreiros comanches com um rifle que era maior que ela? Inclusive embora significasse que ia perder a, teria preferido ver esse fogo em seus olhos outra vez, embora só fora por um instante. Tal e como se mostrava agora, era unicamente um carapaça, um formoso e intocável carapaça da mulher que tinha sido uma vez.

—Um homem como eu? Não sabe nada de mim.

—Sei que já não é o moço que eu amava! É o único que preciso saber.

—Não pode te desfazer de mim tão facilmente. —Caminhou para a porta e agarrou o chapéu. depois de sacudi-lo em suas calças, voltou-se para olhá-la—. Uma promessa de matrimônio é para sempre, Amy. Sei que quinze anos são muitos anos, mas não se aproxima sequer à eternidade. Prometeu-te para mim ante o fogo central. Nada nem ninguém pode trocar isso. Darei-te um pouco de tempo para que te acostume à idéia, mas não muito. Tal e a meu ver, já perdemos muito tempo.

Abriu a porta.

—Veloz, espera!

Ele se deteve e olhou para trás.

—Não... não pode de verdade esperar que cumpra uma promessa que fiz quando tinha doze anos.

—Sim, Amy. Claro que posso.

Podia ver como tremia, inclusive do outro lado da habitação.

—Inclusive embora saiba que preferiria morrer ?

Veloz a percorreu com o olhar.

—Não me preocupa muito que morra por mim. Talvez o deseja, mas desejá-lo e fazê-lo são duas coisas diferentes. Pode tentá-lo. Veremos se tiver mais êxito do que eu tive. Mas te aconselho que passe mais tempo tratando de te acostumar à idéia do matrimônio..., solo se por acaso a idéia da morte não funcionasse. Seria um tanto embaraçoso que te desiludisse no último minuto e comprovasse que, apesar de todos seus desejos, sente algo por um homem como eu.

Esperou, com a esperança de que lhe devolvesse o golpe, mas em vez disso, solo ficou pálida. Com o coração encolhido, afastou-se e fechou brandamente a porta ao sair.

 

Não teve um sonho reparador. Amy despertou justo depois do amanhecer com o som de uma tocha. Deslizando-se fora da cama, aproximou-se da janela, perguntando-se quem poderia estar em seu jardim cortando lenha. Com a cara pega ao cristal, esquadrinhou a penumbra cinzenta.

—Veloz!

aferrou-se com os dedos ao marco da janela ao ver quem era. Seu cabelo curto e negro tinha um aspecto murcho e úmido pelo suor, mas aqueles que não soubessem poderiam pensar que os tinha despenteados depois de ter dormido e úmidos por haver-se lavado a cara. Nu até a cintura, oferecia a imagem de seu torso brunido pelo sol. Com cada movimento, lhe amontoavam os músculos nas costas. Se não fora pela pistolera que rodeava sua cintura, tivesse parecido simplesmente um homem recém saído da cama cortando lenha para o fogo do café da manhã. Um fogo que a gente acreditaria que ia se acender na cozinha da casa da Amy.

—O que crie que está fazendo? —chamou-o, olhando com ansiedade para o povo para ver se alguém o tinha visto.

Ele não pareceu escutá-la. Zangada, Amy agarrou seu xale e se cobriu com ele os braços enquanto saía do dormitório. Abriu a porta de par em par e repetiu a pergunta com um grito. Ele deixou de mover a tocha e se deu a volta para fazer recair toda a força de seu olhar nela, começando pelos dedos dos pés e subindo até sua cara, detendo-se pelo caminho em vários pontos estratégicos.

—Estou cortando a lenha para minha mulher —explicou com um sorriso preguiçoso—. Assim é como vós os brancos fazem estas coisas, não?

—Eu não sou sua mulher! E eu não gosto de nada que te passeie por meu jardim semidesnudo. Sou professora de escola, Veloz. Quer que perca meu trabalho?

Pôs uma parte de madeira no toco, deu um passo para trás e o partiu em duas de uma só machadada.

Furiosa, Amy cruzou o alpendre correndo.

—Fora daqui. A gente pode verte e pensar que aconteceste aqui a noite.

—Vá, por que não terei pensado nisso?

Ela o observou enquanto cortava outro tronco, um pouco mais zangada com cada machadada que dava. Ao ver que seguia sem lhe fazer caso, correu para ele com os pés descalços, sem saber muito bem o que fazer uma vez teve chegado aonde ele estava, mas convencida de que tinha que fazer algo.

—Hei-te dito que vá de minha casa.

—Nossa casa.

—O que?

—Nossa casa. O que é teu é meu, e o que é meu é teu. Já sabe como funciona.

—Quão único você tem é um cavalo.

—Mas é um cavalo condenadamente bom. —Seus olhos se encontraram e os de Veloz piscaram com malícia—. meu Deus, Amy, está tentadora com essa camisola. Da distância, pode parecer que algo está passando entre nós agora mesmo.

Amy sentiu o rubor subindo pelo pescoço.

—Sal daqui!

Ele a olhou, como se a medisse.

—Está-me jogando?

Queria lhe tirar a tocha das mãos, mas não se atrevia.

—A escola é minha vida. Pode entender isso?

—Sim, e é uma maldita perda de tempo.

—Não é uma perda de tempo. Eu gosto. eu adoro!

—Muito bem. Insígnia então se isso te fizer feliz. Eles não têm nada contra uma professora casada, não?

Amy o olhou fixamente. As pernas lhe tremiam de raiva. agarrou-se as mãos. Veloz notou o gesto e sorriu, desafiando-a com seus olhos a que lhe pegasse. Amy se aproximou dele para lhe dar o gosto. Solo o pensamento do que ele poderia fazer em revanche a deteve.

—Os homens que formam parte do comitê me despedirão no ato se pensarem que estou tendo um comportamento... inadequado. A diferença de ti, não posso roubar para ganhar a vida.

Ele levantou uma sobrancelha, sonriendo cada vez mais.

—Está-te escutando? É a mesma garota que me ajudou a atirar de todas as cordas da loja de Homem Velho uma noite e depois se escondeu comigo no bosque para ver todas suas mulheres unir-se a ele sob suas mantas de búfalo? Inadequado, Amy?

Amy o olhou, incapaz de falar. Fazia anos que não tinha pensado nessa noite. Ela e Veloz tinham rodado pela erva, mortos da risada, tratando de não fazer nenhum ruído enquanto Homem Velho tratava de acalmar a suas mulheres. A lembrança foi tão repentino e tão claro que por um momento quase esqueceu por que estava ali de pé. lhe olhando aos olhos, sentiu-se por um segundo como se flutuasse, como se não houvesse presente, solo passado. Como se fosse outra vez uma menina e ele um jovem despreocupado.

—Crie que alguma vez soube que fomos nós os que atiramos das cordas? —perguntou Veloz.

Amy pestanejou. Homem Velho morreu em uma massacre pouco depois daquela noite, assassinado pelos bandidos da fronteira. A realidade, com toda sua dureza, voltou a cobri-la. Com ela, a consciencia do presente. Já não era nenhuma menina, e Veloz já não a olhava como se o fora. Os dois sabiam o que as mulheres de Homem Velho tinham esperado dele quando correram com tanta impaciência até sua loja.

Não podia deixar de olhá-lo. Saber que ele, de entre todos os homens, tinha-a visto comportar-se com essa completa falta de decência o fazia sentir-se muito vulnerável. E aqui estava agora, de pé frente a ele, levando sozinho uma camisola e um xale, virtualmente a plena luz do dia.

—Eu... —Tratou de procurar se desesperada algo que dizer—. vou chegar tarde.

Com isto, deu-se a volta e correu assustada para a casa. O som rítmico da tocha seguiu durante todo o tempo que lhe levou vestir-se. Agarrou uma parte de pão e uma maçã para o almoço e depois deixou a casa, dando uma portada tão forte que as janelas tremeram. Veloz cravou a tocha no toco de cortar e apoiou um braço na manga. Seguiu-a com o olhar enquanto passava frente a ele cheia de fúria. Solo havia uma palavra capaz de descrever o que leu no olhar de Veloz: depredador. E, que Deus a ajudasse, ela era sua presa.

                                                         Capítulo 5

O primeiro que Amy viu quando pôs os pés no sala-de-aula foi o poncho negro de Veloz pendurado no perchero. Assim que deixou os livros sobre a mesa, caminhou para ali para desfazer-se daquela desagradável vestimenta, mas quando elevou o braço para agarrar o objeto de lã negra, começou a tremer. Embora o tentou, foi incapaz de fechar os dedos para agarrá-lo.

Pouco a pouco, os meninos começaram a entrar no sala-de-aula. À exceção das amostras de preocupação por sua saúde depois do enjôo do dia anterior, parecia um dia como outro qualquer, embora não o era, porque ela sabia que Veloz vagava pelo povo e que em qualquer momento poderia aparecer pela porta. No caso de, fechou-a. Muito em breve teve que voltar a abri-la, já que os meninos começaram a suar. Era uma manhã extrañamente calorosa para o mês de outubro, e a classe se afogava sem um pouco de ar fresco.

antes de que Amy pedisse silêncio, ouviu um disparo ao longe.

Veloz sempre tinha sido muito dado a praticar com suas armas, por isso ouvir os disparos não tivesse tido que surpreendê-la. Recordou a vez em que Veloz lhe ensinou a atirar uma faca, guiando suas mãos com as suas, seu peito contra suas costas e um sussurro de voz profunda junto ao ouvido. Se pudessem voltar para atrás. Se os anos não os tivessem trocado tanto...

Amy se umedeceu os lábios e se esforçou por centrar-se no presente, no tiroteio. Veloz tinha deixado de ser um jovem inofensivo. Tinha matado a mais homens dos que podia contar e tinha feito brincadeiras a este respeito a noite anterior. «Não mais de noventa.» A gente já era muito para ela.

ouviu-se outra réstia de disparos. Distraída com o som, e os nervos a flor de pele, Amy confiou na segurança da rotina e abriu a lição do dia com aritmética. Depois passou à ortografia. Quando os disparos cessaram, seus sentidos, alerta ao menor som, centraram-se na porta. Durante o recreio, rechaçou o convite das meninas a sair com elas para jogar às tabas. Preferiu ficar sentada em seu escritório, com a parede a suas costas, mordiscando sua maçã e tratando de ler sem consegui-lo.

Ao final do dia, sentia-se exausta e crispada. Embora lhe aliviava que Veloz não tivesse vindo a visitar a escola, seguia ainda pensando no que ficava de tarde e noite. Sem nenhuma pressa por voltar para casa, onde estava segura de encontrá-lo, sentou-se no escritório a revisar suas notas para a lição do dia seguinte.

Uma sombra repentina ao outro lado da habitação lhe fez levantar a vista e esticar os músculos. Veloz a olhava de pé da porta. Como não o tinha ouvido chegar, afundou a vista em suas botas. tirou-se as esporas de prata. Com o que detestava o tinido que faziam, não pôde evitar sentir-se zangada. por que as tinha tirado? Para poder espiá-la melhor?

Uma capa de pó avermelhada cobria as ponteiras e os talões de suas botas. Amy tragou saliva e levantou o olhar. Também tinha pó nas calças. Todo vestido de negro, com o chapéu lhe cobrindo os olhos e a pistolera pendurando de seus quadris, seu aspecto era de pés a cabeça o de um duro pistoleiro, o tipo de homem preparado para meter-se em problemas e disparar a morte. O tipo de homem que ditaria todos e cada um dos pensamentos de sua mulher, cada palavra e cada ato.

Levava as mangas da camisa enroladas até os antebraços, como se tivesse estado trabalhando. Os primeiros três botões os tinha desabotoados, o que deixava ver em forma de v seu peito bronzeado.

—Apodreci... posso te ajudar?

—Há algo aqui que me pertence —respondeu ele com voz sedosa—. Acredito que vou passar a recolhê-lo.

Amy agarrou o bordo do livro com tanta força que lhe doeram os nódulos.

—Acredito que lhe deixei isso bem claro ontem à noite e esta manhã. Não sou tua. Não há nada no mundo que possa me convencer de que me case com um homem que nem sequer tem a decência de desfazer-se de suas armas na escola. Talvez Caçador não me apóie, mas existem leis aqui em Terra de Lobos. Se voltar a me incomodar, irei diretamente à a prisão a falar com o delegado Hilton.

Ele levantou a cabeça, de maneira que um raio de sol penetrou por debaixo da asa de seu chapéu, deixando à vista um sorriso lento e zombador. A cinta de concha nacarada se refletia por cima de seus olhos como um espelho.

Com um estalo de dedos, desatou a pistolera e a pendurou do ombro enquanto entrava na sala.

—Falava de meu poncho, Amy. Estive trabalhando todo o dia na mina com Caçador, e faz um frio do demônio ali abaixo. O poncho é o mais parecido a uma jaqueta de casaco que tenho.

—Ah. —Amy tragou saliva, sentindo-se do mais ridícula. Como podia haver-se esquecido do poncho? Veloz o fazia perder os nervos de tal forma que inclusive recordar seu próprio nome se o fazia difícil quando o tinha perto.

Assim tinha estado trabalhando na mina todo o dia, né? Sem dúvida, ele e Caçador teriam estado ficando ao dia. Isto era muito próprio dos homens, ameaçar e deixar a uma mulher sofrendo, para logo esquecer-se disso, enquanto ela ficava sem poder pensar em nada mais.

Veloz se dirigiu ao perchero.

—Sinto te haver assustado. Era já tarde, pensei que te teria partido.

Para seu desespero, em vez de recolher o poncho, pendurou a pistolera de um dos cabides e percorreu a classe com as mãos agarradas à costas. Amy centrou sua atenção na faca e a capa que tinha atada ao cinturão. Reconheceu o punho lavrado à mão; seguia levando a mesma faca daqueles anos. Pôde quase sentir a suavidade da madeira contra sua palma, cálida ainda pelas mãos dele, o tremor de superar sua marca.

Ele se deteve ante um painel com desenhos.

—parece-se bastante a um cavalo. Quem desenhou isto?

—Peter Crenton. Seu pai é o dono do botequim Lucky Nugget. É um pequeno ruivo. Possivelmente o tenha visto.

Ele assentiu.

—Essa cabeça cor cenoura não pode acontecer desapercebida.

—Seu nome está no ângulo inferior direito.

—Não sei ler, Amy. Já sabe.

Sentiu uma pontada de dor ao imaginar a vida que devia ter levado, mas tratou de não pensar nisso.

—O que sabe fazer, Veloz? Quero dizer, além de montar a cavalo, roubar às almas temerosas de Deus e disparar uma arma?

Ele se jogou o chapéu para trás, com um movimento lento e preguiçoso, depois se voltou para observá-la, com um sorriso ainda nos lábios.

—Faço o amor muito bem.

Um calor feroz lhe alagou o pescoço, subiu-lhe até a cara e a fez ruborizar-se. Olhou-o fixamente, com os olhos secos e as pestanas muito abertas.

—E você o que sabe fazer? —perguntou-lhe ele a sua vez—. além de ensinar aos meninos e afugentar aos homens lhes fazendo observar as regras de etiqueta, quero dizer?

Amy se passou a ponta da língua pelo lábio.

—Sabe fazer bem o amor, Amy? —perguntou-lhe brandamente—. Arrumado a que não. Imagino que haverá uma grande quantidade de regras para o cortejo, e apostaria todas as peças de ouro que tenho a que todos aqueles que tentaram aproximar-se de ti alguma vez puderam ir mais à frente do «Como está, senhorita Amy?». —deu-se a volta para olhá-la. Como o chapéu não deixava lhe ver os olhos, ela sozinho pôde imaginar que haveria um olhar de desejo neles—. É uma lástima que fosse tão jovem faz quinze anos. Te teria feito o amor e não te encontraria agora na situação em que te encontra.

—terminaste já?

—Nem sequer comecei —lhe respondeu com uma pequena gargalhada. Caminhou para ela dando grandes pernadas, tocando o chão de madeira com tanta ligeireza que ela sentiu como se a espreitassem—. Por sorte para ti, nenhum livro de maneiras pode me fazer trocar. —apoiou-se com as mãos no bordo da mesa, inclinando-se por volta dela—. Seria uma pena que vivesse o resto de seus dias como uma virgem engomada e pedante, não te parece?

—Não sou virgem, e você sabe.

—Ah, não? Em minha opinião está tão pura como uma mulher pode estar. Nunca tem feito o amor, Amy. Foi utilizada, e a diferença é condenadamente grande.

Foi como se tivesse deixado de lhe circular o sangue pela cara. O Veloz que ela tinha conhecido nunca se atreveu a lhe falar assim sobre o que lhe passou com os comancheros.

—Sal daqui —sussurrou—. Porque te asseguro que se não vai irei procurar ao delegado Hilton.

Ele sorriu e ficou direito.

—Assim é ele o que luta suas batalhas agora? O que foi que sua fortaleza? A garota que conheci me teria cuspido na cara. Ou me teria pego um murro. Lutava pelo que acreditava, sem lhe importar as conseqüências. E me chama covarde? Carinho, já não ficam guelra para te defender se alguém te atacar.

—Já não sou a garota que conheceu. Já lhe hei isso dito. Agora, por favor, vete antes de que nos enredemos em uma desagradável e desnecessária confrontação com o delegado.

Movendo-se para o perchero, Veloz começou a assobiar. A canção se fez reconhecível depois de um momento. Incapaz de acreditar que ainda pudesse recordá-la, jogou uma olhada a suas grande costas. depois de agarrar as pistoleras e o poncho, deu-se a volta e a olhou outra vez. Com uma voz aguda e baixa disse:

—Como continua esta canção? «Acima no celeiro com uma garota chamada Sue...» —Seus olhos se encontraram, os dele, divertidos—. Você me ensinou isso, lembra-te? Sabia o que significava? Não sabia, verdade?

—E... era uma canção que ouvi... cantar a meu padrasto. A essa idade, nunca me ocorreu que poderia ser... —calou-se e apartou o olhar—. O que pretende com tudo isto, Veloz? me envergonhar e me humilhar? Porque se for assim, está-o conseguindo.

Ele vacilou na porta, olhando para ela por cima do ombro.

—Só queria te recordar que houve uma vez em que te ria e cantava e corria comigo como uma selvagem pelas pradarias do Texas. Esse capítulo de sua vida não está fechado. A última metade nem sequer se escrito ainda. Como pinjente, darei-te um pouco de tempo para que te acostume à idéia de te casar comigo. Aproveita-o bem.

 

Durante os dias seguintes, Amy esperava que Veloz aparecesse a cada passo que dava. No colégio, o menor som do exterior a fazia estremecer-se e acelerava os batimentos do coração de seu coração. De caminho a casa, saltava cada vez que se movia um arbusto. Pelas noites, segura de que viria e provocaria uma confrontação, caminhava de um lado a outro da casa, com os ouvidos atentos a qualquer som de passos que pudesse produzir-se no alpendre. Ao não aparecer, em vez de sentir-se aliviada, ficava furiosa. Ele tinha convertido sua vida em um inferno, e agora desaparecia para fazer todo aquilo que os homens fazem, esquecendo-se por completo de sua existência.

Era isto ao que se referia quando lhe disse que lhe daria tempo para habituar-se à idéia do matrimônio? Esta espera tortuosa? Sem saber quando poderia voltar e encontrar-lhe ali?

Evitou a casa de Caçador e Loretta como se seus ocupantes estivessem em quarentena, indo diretamente de casa ao colégio e do colégio a casa, fechando a porta com dobro ferrolho pelas noites e perambulando acordada até altas horas da noite, incapaz de dormir. Não se atrevia a colocar a banheira na cozinha e lavar-se, por medo de que ele escolhesse esse momento para forçar a porta e entrar. Quando se vestia, o fazia com tanta rapidez como se fora uma atriz que tivesse que trocar-se de indumentária entre cena e cena.

A primeira tarde, viu veloz a certa distância quando retornava ao povo depois de trabalhar na mina. Uns minutos mais tarde, viu-o cavalgando em seu semental negro, impressionando ao Chase com suas proezas como cavaleiro comanche. O segundo dia, viu que passeava com Índigo pela rua principal. comportava-se como um homem despreocupado, levando o chapéu baixo, com os andar relaxados e preguiçosos. Nunca se privava de olhar às mulheres que passavam a seu lado, ao parecer sem dar-se conta de que elas davam um rodeio para não cruzar-se com ele. A última hora da terceira tarde, viu-lhes ele e a Caçador no bosque que havia junto a sua casa, lançando tochas e facas a um toco. Divertindo-se, pelo amor de Deus!

O quarto dia, a necessidade fez que Amy fosse à rua das lojas. ficou-se sem pão, sem ovos, e necessitava querosene, farinha, açúcar e melaço. apressou-se a fazer suas compras, com a esperança de poder ir procurar uma fogaça de pão e ovos à casa da Loretta antes de que os homens voltassem da mina.

Samuel Jones, o lojista, sorriu abertamente ao vê-la.

—Vá! Olá, senhorita Amy. Como se encontra esta tarde?

—Bem, e você? —perguntou, movendo-se para ele, com suas saias de musselina verde revoando a cada passo.

—Agora que seu sorriso ilumina o lugar, não poderia estar melhor —brincou ele—. Acabo de receber uma remessa de gênero novo. Quereria lhe jogar uma olhada? As cores são tentadoras.

—Não tive muito tempo para a costura.

—Não a vi muito por aqui ultimamente. passou todo este tempo visitando hóspede de Caçador e Loretta? ouvi que é amigo da família há anos.

Amy ficou tensa.

—Sim, assim é. Entretanto, não é isso o que me manteve ocupada. estive preparando as classes e demais. O princípio de curso é sempre o momento de mais trabalho.

Jogou uma olhada à lista que trazia e leu os artigos que necessitava. Sam o empilhou rapidamente tudo no mostrador, observando os olhares de curiosidade que lhe dedicava enquanto fazia seu trabalho.

—É certo que se trata de Veloz López, o pistoleiro do que se fala nos periódicos?

Amy fez uma bola de papel com a lista.

—Sim.

Sam deu um tapinha no saco de farinha. Tinha a cara cheia de marcas pela epidemia de varíola que assolou Jacksonville em 1869, e as cicatrizes realçavam seu olhar lhe dando uma aparência basta.

—Às pessoas lhe põe nervosa o ter por aqui. Inclusive me põe nervoso. Se não fosse porque Caçador é o fundador de nossa comunidade, acredito que haveria já uma petição circulando por aí para que o delegado expulsasse ao senhor López.

A lealdade familiar da Amy a impulsionou a dizer:

—Você sabe que Caçador nunca permitiria que um malfeitor se assentasse em nossa comunidade. Conforme me hão dito, o senhor López veio aqui a começar de novo. Estou segura de que não tem nenhuma intenção de voltar a usar seu revólver.

—Espero que seja o bastante preparado como para não fazê-lo. Já sabe o que caiu ao John Wesley Hardin, verdade? Vinte e cinco anos na prisão estatal do Texas. Para quando voltar a estar em liberdade, já será um velho. —foi procurar o querosene. Enquanto punha o depósito de combustível no mostrador, sacudiu a cabeça—. Parece incrível que vamos ver o dia no que os abajures de querosene fiquem obsoletas.

Amy forçou um sorriso. Nunca deixava de lhe surpreender a capacidade que tinha Sam para tirar qualquer tema de conversação com tal de mantê-la na loja. Era um bom homem e de aspecto quase atrativo, mas a Amy não gostava.

—Os abajures, obsoletas? Como é possível?

—Luz elétrica —disse e inclinando-se no mostrador, Samuel dobrou seus musculosos braços e lhe dedicou um sorriso. Seu cabelo loiro resplandecia quando baixou a cabeça—. Dizem que ao Edison falta muito pouco para desenvolver uma lâmpada que se queimará durante mais tempo mais. Não tem lido as notícias?

—Não tenho muito tempo para ler o periódico. Como lhe disse, meus alunos me mantêm muito ocupada.

Ele a olhou com os olhos azuis cheios de carinho.

—Deveria encontrar o tempo. Da maneira em que as coisas estão trocando, as mulheres vão precisar estar à corrente de tudo. Sem ir mais longe, este fevereiro, o presidente Hayes assinou uma lei que permite às mulheres advogado defender casos frente ao Tribunal Supremo.

—Já era hora, se lhe interessar minha opinião. —Amy colocou o querosene em cima dos outros pacotes que levava, ficou o vulto sob o braço e se deu a volta para sair—. Ponha isto em minha conta, quer, senhor Jones?

—Sam —a corrigiu—. Com o tempo que faz que nos conhecemos, senhorita Amy, acredito que pode me chamar por meu nome de pilha.

—Isso não seria apropriado, senhor Jones; sou a professora do povo.

—O comitê não a despedirá porque me chame Sam.

Sem deixar de sorrir, Amy se despediu dele em seu caminho para a porta. Ao sair da loja, viu veloz de costas, de pé com um ombro apoiado no edifício. Amy ficou geada. Havia uma mulher falando com ele.

Apartando-se um pouco para poder ver o outro lado, Amy identificou a Elmira Johnson, uma das mulheres solteiras do povo. Ela tinha a cabeça arremesso para trás e batia as asas as pestanas, renda-se. Parva presumida! Era evidente que um homem misterioso como Veloz López a fascinava. A seus dezoito anos, Elmira era o suficientemente imprudente e inocente para cair nas garras do perigo. Se seu pai, um fornido mineiro, soubesse que estava flertando com alguém como López, esfolaria-a viva.

Amy apertou contra si os pacotes que levava e começou a caminhar pela calçada, tratando de cruzar a rua e chegar à casa da Loretta agora que Veloz estava ocupado. Por desgraça, não parecia muito interessado no que Elmira estava dizendo e olhou a sua redor quando Amy se afastou da loja. Amy apertou o passo. Com a extremidade do olho, viu que ele se endireitava. Amy se sentiu torpe e desconjurado. Tentar andar com elegância não era tarefa fácil quando se levava uma pilha de pacotes como a que ela levava.

—Amy! Espera!

Essa voz profunda lhe arrepiou o pêlo da nuca. Veloz cruzou a rua de duas pernadas e sem dizer uma palavra, agarrou-lhe os pacotes.

—estive me ocupando de todo eu sozinha há cinco anos, Veloz..., desde que mudei a uma casa para mim sozinha.

De algum modo, conseguiu sustentar os pacotes com um só braço e com o outro pôde agarrá-la do cotovelo. A pressão de seus dedos lhe queimava através da manga do vestido.

—Já não tem que fazê-lo só —respondeu ele, conduzindo a pela calçada em direção à casa da Loretta—. Seja como for, me alegro de que por fim tenha decidido sair de seu esconderijo. Estava começando a me preocupar, e também o resto da família.

—Os meninos me vêem todos os dias, e não estava me escondendo.

—te isolando, então.

—Sempre estou sozinha.

—Não, segundo Loretta. Diz que revista ir ali todos os dias depois do colégio. Não remoo, Amy. —Seus olhos pícaros lhe olharam o pescoço—. Ao menos, não muito forte.

Ela escapou dele e se apressou para deixá-lo atrás, subindo as escadas do alpendre da Loretta com tal velocidade que esteve a ponto de tropeçar-se com a saia. Veloz a seguiu ao interior, pôs os pacotes sobre a mesa e se sentou em uma cadeira. Estirando suas largas pernas, cruzou-as pelos tornozelos e se agarrou as mãos detrás da nuca, com uma meia sorriso na cara.

—Amy! —gritou Loretta com alegria. Deixando a um lado os pastéis redondos que estava fazendo, cruzou a habitação, com as mãos cheias de farinha por todos lados, e a cara preparada para receber um beijo na bochecha—. Te senti falta de. por que não vieste para ver-me depois do colégio?

Amy sentiu o olhar divertido de Veloz. Enquanto abraçava a Loretta, desculpou-se.

—estive ocupada.

—Fiz pão de sobra para ti. E juraria que já não ficam ovos.

—Pois sim, acertaste. —Amy agarrou a cesta dos ovos do escorredor—. Irei eu mesma para buscá-los. Não se preocupe, Loretta. Termina de fazer os pastéis redondos. Posso fazê-lo sozinha.

Loretta a olhou preocupada.

—Não pode tomar um café comigo? Parece como se tivessem acontecido anos desde que falamos por última vez.

Amy não podia imaginar-se falando com a Loretta sob o atento olhar de Veloz. ficou a brincar com o laço de organdi descolorido de seu sutiã.

—Eu, isto..., Loretta Jane, vou ter uma noite muito ocupada. —Procurou desesperadamente uma desculpa e só pôde encontrar a que acabava de dar ao Samuel Jones—. Já sabe, preparando as classes.

—Pensei que já as tinha preparadas, dos anos anteriores.

Amy se umedeceu os lábios.

—Sim, bom, ainda tenho que as repassar.

Loretta não pareceu acreditar-lhe muito. Com Veloz sentado ali, teria sido imperdonablemente mal educado admitir a verdadeira razão de sua prolongada ausência. Possivelmente Loretta chegasse a captar a verdadeira razão, se não o tinha feito já.

—Bem. —Amy se dirigiu para a porta de atrás—. vou roubar às galinhas. Volto agora mesmo.

depois de deixar a casa, meteu-se os borde do xale sob o faixa. Quando chegou ao galinheiro, fez-se um nó com os baixos da saia por cima dos joelhos para não sujar-se com o barro. Solo lhe levou uns minutos agarrar os ovos. Quando saiu do curral, limpou-se os sapatos com um punhado de erva. Ao incorporar-se, viu que havia um par de botas negras frente a ela.

—Veloz! Assustaste-me.

Ele permanecia de pé com as costas apoiada em um madroño próximo.

—Não faz falta muito para te assustar. Algumas vezes penso que se pausa na direção equivocada te assustarei.

A vista foi às anáguas que tinha deixado descobertas e deu um passo adiante, com a mão estendida para lhe agarrar a cesta de ovos. Ruborizada e envergonhada por ter esquecido baixá-la saia, passou-lhe a cesta e se agachou para desfazer o nó.

—Quanto tempo vai continuar isto, Amy? —perguntou-lhe brandamente.

Ela olhou para cima.

—Quanto tempo vai continuar o que?

—Você, te escondendo por aí e tratando de lombriga da janela. Disse-te que te daria algum tempo para que te familiarizasse com a situação, mas o que está fazendo é me evitar. Se não houvesse tornado logo de trabalhar hoje, teria vindo e te teria partido sem lombriga.

—Sempre ficará Elmira.

—Ciumenta?

Soltou um pequeno bufido de brincadeira.

Quando fez gesto de voltar para a casa, ele não se moveu.

—Se esquece dos ovos.

Ela se deu a volta, apertando os dentes e evitando seu olhar enquanto estendia a mão. Ele não deixou que os agarrasse. Sem outra alternativa, levantou por fim os olhos para ele. As rugas que rodeavam sua boca se acentuaram e contraiu os lábios levemente ao olhá-la.

—Depende de ti que isto saia de uma maneira ou de outra.

—Que saia o que?

Ele não emprestou atenção à pergunta.

—Que seja difícil ou fácil, depende de ti. Se segue te escondendo por aí, terei que trocar de estratégia. E pode que você não goste de muito meus métodos.

Necessitou de toda sua fortaleza para manter a voz tranqüila.

—Não me ameace, Veloz.

Lhe aconteceu a cesta.

—Não é uma ameaça. É uma promessa. Não pode sair correndo disto, Amy. Não pode fazer como se eu não existisse. Não deixarei que o faça.

—O que está dizendo exatamente?

—Queria te dar a oportunidade de que me conhecesse de novo, aqui, perto de sua família. Não tem feito nenhum esforço.

—Porque não quero te conhecer de novo.

Os olhos lhe brilharam. Respirou profundamente, exalando o ar com uma lentidão exagerada.

—Vou dar um conselho. Faz um henar enquanto o sol brilha. Se não o fizer, sem que te dê conta, nublará-se e choverá sobre ti.

As pernas da Amy se debilitaram de repente. molhou-se os lábios, olhando em direção às árvores.

—vou estar metendo em bolsas o pó de ouro de Caçador para levá-lo ao Jacksonville. —Baixou a voz e lhe pôs rouca—. por que não me ajuda? Chase e Índigo estarão ali. vamos fazer um grande fogo e Loretta diz que preparará chocolate quente. Pode ficar para jantar. Será divertido. Quem sabe, talvez descobre que não sou tão terrível depois de tudo.

Quão único Amy queria fazer era correr.

—Estou ocupada esta noite.

Ele suspirou.

—Está bem. Faz o que queira.

Ela apertou a asa de vime da cesta. Veloz ficou ali um momento, observando-a, depois fez uma inclinação com a cabeça em direção à casa. Ela se deu a volta e correu para ali diante dele. Quando entrou na casa, agarrou alguns panos da gaveta e envolveu os ovos e o pão, consciente do momento no que Veloz entrava na habitação.

—Tem o bastante? —perguntou Loretta.

—Suficiente para uns quantos dias. —Amy agarrou a pilha de pacotes e pôs os ovos e o pão na parte superior.

—Posso-te ajudar a levar isso —sugeriu Veloz.

—Obrigado por te oferecer, mas já me arrumo eu.

Seus olhares se encontraram. Com o dedo indicador tocou a asa de seu chapéu para movê-lo para trás de uma maneira quase imperceptível, o suficiente para poder captar seu olhar. Nos olhos tinha uma expressão travessa que lhe pôs os cabelos de ponta.

—Não seja tão esquiva de agora em diante.

A Amy lhe fez um nó na garganta. Embora o havia dito de brincadeira, ambos sabiam que não era mais que uma advertência.

—Obrigado pelos ovos e o pão, Loretta.

Loretta elevou os olhos ao céu.

—É parte de seu contrato de professora. Se necessitar mais, sempre temos suficientes. Direi a Caçador que te leve uma frigideira. Como te está saindo o presunto e a panceta?

—Bom.

Amy procedeu a despedir-se. Como tinha os braços ocupados, Veloz abriu a porta principal para ela e depois a seguiu ao alpendre. Enquanto descendia os degraus, disse-lhe:

—Se não aparecer amanhã, tudo deixará de ser um caminho de rosas como foi até agora.

Amy olhou para trás. Quatro degraus por cima dela, ele parecia uma aparição, largo de ombros, estreito de quadris e umas pernas larguísimas que pareciam não acabar-se nunca. Seu olhar manteve a dela por um instante, implacável e penetrante.

—Você escolhe —acrescentou—. Um dia mais, Amy. Depois faremos as coisas a minha maneira.

Ela se precipitou para a rua. Maldição! sentia-se como se lhe tivessem posto uma soga ao pescoço e o nó se fora fechando lentamente.

Furiosa de que ele pudesse ter um poder semelhante sobre ela, Amy se rebelou colocando a banheira na cozinha nada mais chegar a casa. Não deixaria que ele regulasse cada momento de sua vida. depois de ir a por água e pô-la na cozinha a esquentar, assegurou-se de que todas as janelas estavam bem fechadas e fez uma barricada sobre a porta principal com um dos móveis do salão. Solo então encontrou o valor para despir-se. Foi o banho mais miserável de toda sua vida.

 

À tarde seguinte, Amy se dirigiu à loja com a intenção de comprar um pouco de tecido para um vestido. depois de regatear com o senhor Hamstead pelo preço, comprou a medida de uma maravilhosa sarja ligeira de cor azul e se permitiu gastar um pouco mais com o meio metro de encaixe cor crua para adornar o pescoço, o sutiã e os punhos. Tinha um precioso patrão feito à medida que tinha encontrado no Harper's Bazaar, de um vestido ajustado no torso, com uma saia ligeiramente acampanada e um volante triplo na parte traseira. Enquanto admirava uma das máquinas de costurar do catálogo do senhor Hamstead, dedicou-lhe um sorriso cheia de nostalgia.

—Ainda economizando? —perguntou ele com uma risita. Atou seus pacotes com uma corda de cânhamo e lhes deu um tapinha—. Em cada nova edição, são um pouco mais caras, sabe?

Amy se mordeu o lábio, tentada a reservar uma nesse mesmo instante. Mas, se o fazia, ficaria sem economias, e ela se sentia mais segura com um pouco de dinheiro guardado.

—Não me importa, estarei lista para pedir uma muito em breve. E, com uma máquina de costurar, poderia ter este vestido terminado em duas noites de trabalho. Poderia costurar para a Loretta e Índigo. Fazer camisas para Caçador e Chase. —Estalou os dedos—. E os ter preparados em menos que canta um galo.

Seus olhos azuis resplandeciam.

—As mulheres as adoram, certamente. E Tess Bronson pediu una a semana passada.

—Não! —Amy se inclinou sobre o catálogo, cheia de desejo—. Duro que trabalha no restaurante, a merece.

—Ser professora tampouco é pouco trabalho —lhe recordou ele.

—Mas tampouco te faz rico —lhe respondeu ela—. Com solo um ingresso, tenho que cuidar cada um de meus peniques.

—Faça ao Sam Jones feliz e lhe comprará uma máquina de costurar para cada habitação.

—É um bom homem, mas não estou no mercado das casaderas. Limitarei-me a economizar, obrigado.

—Assim que esteja lista para fazer o pedido, farei-lhe o desconto que lhe tenho prometido, não importa o que tarde.

Amy lhe piscou os olhos um olho.

—Como se acreditasse que o ia deixar escapar...

Contente de imaginar o dia no que pudesse pedir uma máquina de costurar, Amy recolheu os pacotes, despediu-se do senhor Hamstead e se dirigiu à porta, prometendo-se que essa noite se manteria ocupada e não desperdiçaria nem um só pensamento em Veloz López.

Depois de abandonar a loja, armou-se de coragem e foi visitar a Loretta, como sempre tinha feito ao sair da escola. Como era de esperar, Veloz e Caçador não tinham retornado ainda da mina. Esteve a ponto de sorrir de gosto. Veloz não poderia nublar-se e chover sobre ela esta vez, ao menos tampouco hoje. Ela tinha aparecido. Não poderia reprovar-lhe —Eso creo —contestó Loretta, inclinada sobre el horno para vigilar el pan—. Dios sabe que hay suficiente oro en esa montaña para dar y regalar, y Cazador bien puede hacerse con un socio para compartir el trabajo. Quién sabe, quizá teniendo aquí a Veloz, él tendrá más tiempo para disfrutar de la vida. Los otros hombres que trabajan para él no saben hacer nada sin que Cazador les diga cómo hacerlo.

—Veloz vai trabalhar para Caçador? —perguntou Amy pouco depois de chegar. Embora temia a resposta, sentia a necessidade de sabê-lo.

—Isso acredito —respondeu Loretta, inclinada sobre o forno para vigiar o pão—. Deus sabe que há suficiente ouro nessa montanha para dar e dar de presente, e Caçador bem pode fazer-se com um sócio para compartilhar o trabalho. Quem sabe, possivelmente tendo aqui a Veloz, ele terá mais tempo para desfrutar da vida. Os outros homens que trabalham para ele não sabem fazer nada sem que Caçador lhes diga como fazê-lo.

Amy sabia que Caçador trabalhava muito e se sentia contente de ver que havia a possibilidade de que isto melhorasse, mas não podia alegrar-se quando a salvação vinha em forma de Veloz López.

Loretta, com as bochechas vermelhas do calor, fechou a porta do forno e se separou da cara uma mecha de cabelo dourado. Seus olhos azuis se escureceram de ansiedade.

—O que ocorre? —Amy pôs os pacotes na mesa.

Loretta deixou cair as mãos.

—Ah, Amy! Estou muito preocupada com Índigo.

—por que? —Amy cruzou a habitação. Loretta não era das que se preocupavam com tolices—. Ainda não voltou para casa? Saiu da escola à hora habitual.

—Não, sim veio para casa —Loretta fez uma careta—, para voltar a ir-se pouco depois. Juro-te que Caçador é muito permissivo. A maneira comanche de educar aos filhos não basta em nossa sociedade. Esquece que nossa gente, os homens em particular, não sempre procuram coisas nobres de uma jovem bonita como Índigo.

—Isto parece sério.

—É sério. Ela está apaixonando-se por esse tal Marshall, esse menino do Jacksonville que se crie tão superior que até no nome tem um número posto ao final.

Amy não pôde evitar um sorriso.

—As pessoas mais humildes podem também repetir os nomes de pilha durante três gerações, Loretta. —Deu-lhe um tapinha com carinho a sua prima—. Entretanto, estou de acordo. O señorito Marshall parece ter uma opinião muito elevada de si mesmo. Vi como se comporta quando vem ao povo. Não perde a ocasião de nos fazer saber que ele procede de Boston.

—Seja como for. passeia-se como se a senhora Hamstead acabasse de lhe dar seu chá de boñiga de ovelha —disse Loretta com uma inalação.

Amy enrugou o nariz.

—Chá de boñiga de ovelha?

—É seu último remédio. Faz-te jogar até as tripas se for necessário. supõe-se que te libera das impurezas que tenha dentro.

Esquecendo-se por um momento de suas preocupações com Veloz, Amy soltou uma gargalhada.

—Suponho que se tiver esse efeito, então possivelmente tenha razão e te limpe por dentro. Mas o que é todo esse assunto sobre Índigo e o señorito Marshall?

—Ela acredita que o sol sai por onde esse moço pisa, isso é o que acontece. Escuta bem o que te digo, fará-lhe mal assim que tenha a menor oportunidade. Vi esse olhar em seus olhos. Em sua opinião, as regras não se aplicam às garotas como Índigo.

—Porque é metade a Índia? —A Amy lhe puseram os cabelos de ponta. Tinha visto muitos prejuízos na região contra os índios e os chineses para entender o que a Loretta preocupava, sem necessidade de dizê-lo em voz alta—. O há dito a Caçador?

—Sim, e está seguro de que Índigo o mandará a passeio se tenta tocá-la. —Loretta se encolheu de ombros—. Caçador tem razão. Sei que o fará. É seu coração o que me preocupa, não sua castidade. tentei falar com ela, mas faz ouvidos surdos. Não entende quão cruel podem ser algumas pessoas com os de sangue mestiço. Caçador nunca deixa que fale disso, por temor a que os meninos se sintam envergonhados de suas raízes. Não quero que se sinta inferior, e Deus sabe. Mas tampouco quero que lhe façam mal.

Amy se mordeu o lábio.

—Quer que fale com ela?

—Ai, Amy, faria-o? Ela te escuta. Por alguma razão, desacredita a metade do que eu lhe digo.

—O que poderia saber sua mãe de estar apaixonada?

—Suficiente como para que me saíssem cãs. Fui alguma vez tão teimosa eu também?

—Não te educou Caçador. E nossas vidas foram... mais duras. —Amy recolheu os pacotes—. Me passearei pelo povo e verei se posso encontrá-la. Se não, não se preocupe; buscarei-a. Esperarei e encontrarei um momento no colégio para falar a sós com ela. Se descobrir que falaste comigo, ficará feita uma fúria.

—Vê-o? Isso é o que intento lhe explicar a Caçador. Sobre o de ficar feita uma fúria. Uma garota de sua idade deveria dobrar-se. Necessita uma mão firme, e ele se nega a impor um pouco de disciplina.

—Essa não é sua maneira de fazer as coisas. Índigo estará bem, Loretta. —Amy agarrou os pacotes com mais força—. Índigo tem sorte de ter um pai como Caçador e não como o que nós tivemos. Ao menos, Índigo não tem medo de dizer o que pensa.

—Amém. —Os olhos da Loretta se escureceram ao recordar sua infância na granja do Henry Masters no Texas—. Que Deus não permita que nenhum menino tenha um pai como Henry. —Tremeu ligeiramente, e depois pareceu afastar esses pensamentos—. Ao menos Caçador ensinou a Índigo a defender-se por si mesmo. Que Deus tenha piedade do homem que se case com ela. Fará-o bem quanto ao amor e à honra, mas a obediência não é uma   palavra que esteja em seu vocabulário. —riu—. Suponho que não deveria falar mal do Henry. ocupou-se de ti três anos depois de que tia Rachel muriese. Estarei-lhe sempre agradecida por isso. Muitos homens tivessem dado porta a sua enteada para que ganhasse a vida por si mesmo.

Apenas capaz de olhar a Loretta, Amy pretendeu estar ocupada em colocar o xale.

—Bem, porei-me em caminho. Não tenho nem idéia de onde pode ter ido Índigo. —deteve-se antes de abrir a porta—. Ah, Loretta, saúda veloz de minha parte, fará-o? Dirá-lhe que sinto não haver me encontrado isso?

Os olhos azuis da Loretta se entreabriram, incrédulos.

—Acaso sente não haver lhe encontrado isso? Significa isso que seus sentimentos para ele trocaram?

Amy se mordiscou o lábio.

—Digamos que é mais uma mudança de tática. O dirá, verdade?

Claramente, perplexa, Loretta assentiu.

—Está bem.

Amy percorreu de cima abaixo o povo duas vezes e depois deu um rodeio por detrás dos edifícios de madeira, esperando encontrar a Índigo sentada sob uma árvore, sonhando, como a garota estava acostumada fazer, mas não houve forma de encontrá-la. antes de que Amy se desse conta, o sol se ocultou detrás da colina. Convencida de que Índigo se teria ido já a casa, decidiu fazer o mesmo antes de que se encontrasse no bosque sem luz para ver. A escuridão caía implacável sobre as montanhas, e ela conhecia suas limitações.

Doíam-lhe os braços de carregar com os pacotes, assim que se apressou para a casa. Ao aproximar-se, jogou uma olhada rápida ao jardim, frustrada com as negras sombras que o cobriam. Subiu as escadas do alpendre correndo, abriu a porta e entrou. Depois se trocou os pacotes de mão para poder jogar os ferrolhos por dentro.

—Agora se sente segura? —A voz soou no momento em que ela terminava de fechá-los.

                                                           Capítulo 6

A Amy deu um tombo o coração. Deu-se a volta e todos os pacotes lhe caíram ao chão. Veloz! Deus bendito, tinha entrado em sua casa. Esquadrinhou a escuridão. Pôde cheirar os traçados de couro e tabaco no ar. Ficando uma mão na garganta, gemeu.

—Onde está, Veloz?

—Aqui mesmo.

Foi um sussurro em sua orelha. Amy só pôde chiar de terror.

—Por todos os demônios! Quer que me dê um ataque ao coração? —voltou-se, tratando de ver—. por que está em minha casa?

—Nossa casa. Estamos prometidos. O que é teu é meu —lhe recordou, com uma voz que provinha de um lugar ligeiramente distinto esta vez—. É minha, a todos os efeitos.

Ela fez um som de protesto mas não pôde articular o que pensava.

—Amy, amor, esqueceste tudo o que te ensinei. Cega que é quando se faz de noite, deveria ter mais cuidado. É uma estupidez entrar e fechar a porta com ferrolho antes de comprovar se estiver sozinha. Nem sequer te parou a escutar primeiro. Alguém poderia esconder-se aqui uma noite e esperar a que fechasse a porta. Nunca poderia abri-la-o bastante rápido para escapar dele.

Não lhe escapou a ameaça velada.

—A casa da Loretta e Caçador está o bastante perto como para que me ouçam gritar.

—Se é que pode gritar. Quando um homem traz más intenções, o primeiro que faz é te pôr uma mão sobre a boca.

Amy localizou a voz e se voltou para ali.

—Até que você veio, nunca tive que me preocupar com ser acossada em meu próprio salão.

—E esse é seu problema, verdade, Amy? Vive em seu pequeno mundo seguro, em um pequeno povo seguro, em uma pequena casa segura, e a vida é a mesma, um dia atrás de outro. —Um braço forte lhe rodeou a cintura atraindo-a por volta de um corpo forte e esbelto—. Agora estou aqui e já não poderá te sentir segura nem um minuto sobre o que possa ocorrer depois.

—fui a casa da Loretta hoje —gritou ela.

—Quando eu não estava ali. Sinto muito, Amy. Dava-te uma oportunidade. Agora o tentaremos a minha maneira.

Com isto, seus lábios reclamaram os dela. Por um instante de loucura, o beijo a deslumbrou de tal maneira que não pôde pensar, muito menos sentir medo. apoiou-se em seus ombros para apartar-se. Veludo contra aço. Assim era como se sentia em seus braços. Lutou por manter os lábios fechados e perdeu a batalha. Ele se inclinou e sua boca encontrou a maneira de lhe introduzir a língua no mais profundo. Foi muito tarde quando ela quis dar-se conta de que tinha a boca aberta.

Tentou dizer seu nome, soltar-se, mas ele a sujeitava de tal modo que não tinha escapatória. E sua boca. Veloz inclinou a cabeça e a beijou até que todo lhe deu voltas. Quando ele se apartou para tomar fôlego, ela se agarrou a ele como sem vida, com as, pernas tremendo e a respiração entrecortada sobre a curva de seu pescoço.

Então o medo lhe correu pelas veias. A porta. Tinha jogado os dois ferrolhos. Estava encerrada ali com ele e se pendurava de seus braços como um fardo inconsciente, lhe convidando a beijá-la de novo. E possivelmente algo mais. Algo mais...

lhe pondo as mãos no peito, deu-lhe um golpe para apartá-lo e se surpreendeu ao notar que ele retrocedia. Sabia que tinha força de sobra para imobilizá-la se queria fazê-lo. afastou-se dele balançando-se. Ao menos, isso esperava, porque o certo era que não podia vê-lo.

—Por favor, Veloz, qui... quero que vá. —Como se emergissem da escuridão, notou uns nódulos que lhe roçavam a bochecha, assustando a de tal modo que deu um salto. Foi uma carícia suave, tão incrivelmente suave que lhe cortou a respiração—. Por favor, Veloz.

Tremia-lhe a voz. Ele apartou a mão. Tragando saliva e fechando os olhos, esperou a que ele tirasse o braço da escuridão e a agarrasse de novo. Mas o que ouviu foi o som dos ferrolhos. A porta se abriu de par em par, e ela pôde ver sua alta silhueta contra a luz da lua que iluminava o alpendre.

—Não mais jogos de esconderijo, Amy. Voltarei. —Sua voz lhe chegou como uma rajada de ar frio, embora em realidade não contivesse nenhuma ameaça, a não ser solo uma promessa cálida e vibrante—. Uma e outra vez. Até que se esqueça de me rechaçar, até que se esqueça de ter medo, até que o esqueça tudo salvo a certeza de que me ama.

Movendo-se como se fosse uma sombra sem substância, saiu e fechou a porta, deixando-a funda na escuridão de sua casa. Amy se cambaleou ao se chocar com os pacotes e correr para a porta para jogar o fecho. Quando os teve fechado, deixou cair a frente contra a madeira, aliviada e débil, sentindo a rapidez com a que lhe pulsava o pulso.

Pelas gretas da porta, pôde ouvir sua voz.

—Agora se sente mais segura? —Acreditou ouvir uma risada do outro lado. A fúria lhe fez levantar a cabeça—. Uma porta fechada não me deterá, Amy. Sabe condenadamente bem que não o fará. Assim para que te incomoda?

Amy pegou o ouvido à porta. teria ido? Retumbavam-lhe as têmporas. deu-se a volta e aguçou o ouvido se por acaso podia captar qualquer som que proviesse das janelas. Sabia muito bem que se Veloz queria entrar, faria-o tão silenciosamente como um gato.

Os segundos foram convertendo-se em minutos. Amy apoiou as costas contra a parede. Demônios! Esta era sua casa. Era-o tudo para ela. Ele não tinha direito a entrar nela desse modo.

Tremente e desorientada, dirigiu-se para a mesa, acendeu o abajur e se arrastou até o dormitório. A colcha da cama estava removida, como se ele se tombou ali, o que para a Amy era uma última prova da invasão de sua privacidade. Havia um pires da cozinha sobre a mesinha de noite e uma bituca em cima.

Lentamente, girou sobre si mesmo para observar a habitação. As coisas que tinha sobre o escritório tinham sido movidas: a escova do cabelo, o espelho, o perfume. Fixou a atenção na roupa interior que tinha lavado a noite anterior e que tinha posto a secar sobre os barrotes da cama. Acreditou recordar que tinha pendurado os pololos com a cintura para a cama e as pernas das calças para o chão. Agora estavam postos ao reverso. sentiu-se furiosa. E impotente.

Acendendo o abajur da mesinha, afundou-se na cama com a vista posta no teto. Imaginou as mãos dele tocando sua roupa interior. O que outra coisa podia esperar de um homem capaz de matar sem pestanejar, de um homem que tinha cavalgado com os comancheros? Os homens como Veloz se guiavam por suas próprias regras, sempre a mercê de seu estado de ânimo.

Amy se abraçou em um intento por deixar de tremer. Conhecia veloz muito bem. Tinha-lhe declarado a guerra. Por quanto tempo se contentaria sozinho com as brincadeiras? Não muito, se não estava muito equivocada. Se o resto não funcionava, trataria de dobrar sua vontade de uma maneira ou de outra. Esse pensamento lhe aterrava como nenhuma outra costure no mundo. Ser sua mulher, sua propriedade, forçada a lhe obedecer, a passar sua vida cumprindo seus desejos, tratando de agradá-lo para que não se zangasse, sem leis às que recorrer...

O ramo da árvore que tocava a janela da habitação golpeou o cristal lhe fazendo dar um salto. Tremendo, tampou-se os olhos com a mão. Quanto tempo poderia resistir este estado de tensão contínua? Por Deus bendito, o que podia fazer? Veloz se tinha criado como comanche. Toda sua vida tinha visto como os homens possuíam às mulheres contra sua vontade, Caçador incluído. Fazê-la desaparecer durante a noite seria para ele como um jogo de meninos. E depois? A lembrança dos comancheros passou por sua mente. Esta lembrança e aqueles outros...

«Outra vez não, por favor, Deus, outra vez não.»

Umas gotas de suor lhe caíram pela frente. Um ano antes, nunca tivesse pensado que Veloz fora capaz de lhe fazer danifico, mas já não era a mesma pessoa que tinha conhecido. A vida o tinha endurecido, tinha-o convertido em alguém seco e implacável. Agora lhe tinha medo, um medo que lhe gelava os ossos, e detestava que a fizesse sentir tão indefesa.

 

A luz cinzenta da manhã penetrou pela janela. Bocejando, Amy se acurrucó entre as mantas, desfrutando de do prazer de poder vadiar pelas manhãs e despertar com o aroma de panceta de porco e café. Loretta estava já levantada e preparando o café da manhã.

Com os olhos abertos, ficou olhando a janela, tratando de acostumar-se à realidade do novo dia. As cortinas de encaixe branco, o papel de flores, o barrote do travesseiro de sua cama. Se desperezó. Esta era sua casa.

Já completamente acordada, Amy se levantou da cama, jogou mão do xale e correu para a porta. Silêncio. aventurou-se pelo salão até a parte traseira da casa, pisando sem fazer ruído o chão com os pés descalços e fazendo uma careta quando as madeiras rangiam. Apoiada no marco da porta, esquadrinhou a cozinha. A habitação estava às escuras, salvo pela débil luz que entrava pelo ventanuco superior.

—Quem anda aí? —perguntou—. Índigo, é você?

Ninguém. Franzindo o cenho, transpassou a soleira, com a vista posta na mesa. Havia três rosas vermelhas em um dos vasos. Do jardim da Loretta? Os arbustos de detrás da casa dos Lobo tinham ainda umas quantas flores. Com a pele de galinha, deu-se a volta e viu que sua frigideira de ferro fundido descansava sobre o fogão, cheia de batatas fritas, tiras de panceta e ovos. Tocou o lateral da bule. Estava quente.

Amy voltou correndo ao salão e olhou para a porta. Os ferrolhos seguiam jogados.

—Olá? —Doía-lhe a garganta—. Veloz, tem que ser você. —Não obteve nenhuma resposta.

Percorrendo a casa, Amy registrou rapidamente todos os rincões, terminando no dormitório. Perplexa, afundou os pés no tapete e pôs os braços em jarras. Como era possível que tivesse entrado, preparado o café da manhã e saído pela porta que ainda permanecia fechada?

Uma mancha vermelha sobre o travesseiro chamou sua atenção. Era uma rosa. aproximou-se para vê-la melhor. Não a tinha visto antes, ao levantar-se.

Veloz. Tinha entrado, de algum modo, e depois se foi. Apesar da pureza perfeita da rosa, Amy estava segura de que não era um gesto romântico. Era mas bem uma mensagem para ela. «Fecha porta e janelas. Isto não me deterá. Nada o fará. Estive aqui enquanto dormia, e não se inteirou de que estava aqui.»

oprimiu-se o peito com a palma da mão, tratando de respirar. Tinha que fazer algo para detê-lo, e tinha que fazê-lo logo.

 

Veloz blandió a tocha, atravessando com a folha o tronco que pretendia partir. O suor lhe jorrava pelas têmporas, mas seguia trabalhando, tão frustrado que começava a duvidar de que a remessa de lenha que Caçador lhe tinha dado para cortar fosse suficiente para lhe acalmar os nervos.

Miúda covarde! foi-se à escola como se nada tivesse passado, sem dedicar sequer um olhar à casa de Caçador. Quanto teria ainda que pressioná-la antes de conseguir que reagisse? Veloz apertou os dentes, blandiendo de novo a tocha com um grunhido de desgosto. Tinha esperado mais dela. Algum tipo de enfrentamento, ao menos. Inclusive que ao fazê-lo tremesse.

Doíam-lhe os braços e sentia que ficava sem pulmões, assim deixou a tocha cravada em vertical sobre o toco e dirigiu a vista para a escola. «O que é o que te passa, Amy?» escondeu-se em sua casa durante quatro dias! Era como se algo vital em seu interior se quebrou. Podia entender que se sentisse intimidada por ele, mas não até esse ponto. O que tinha sido de seu orgulho? E do incrível temperamento que tinha mostrado uma vez? Agora parecia que sua resposta para tudo era ficar pálida e tremer.

Um sorriso triste lhe curvou a boca. «Admite-o, López. Em seu interior, esperava que gostasse das rosas, que em vez de enfrentar-se a ti, viesse para te dar as obrigado e assinar uma trégua.»

—Senhor López?

López se deu a volta para a voz que lhe falava, incômodo por ter deixado que alguém lhe aproximasse sem que ele se desse conta. Seria homem morto se deixava que isto lhe ocorresse com freqüência. centrou-se no homem alto e corpulento que caminhava para ele, sorteando as galinhas da Loretta que bicavam o chão em busca de sementes. A luz do sol iluminava a placa que o homem levava na camisa. Veloz conteve uma maldição.

—Você deve ser o delegado Hilton.

O representante da lei assentiu e se deteve uns metros de Veloz, olhando com reticência suas pistolas.

—Sinto comparecer desta maneira. Mas se apresentou uma queixa contra você.

Veloz se limpou o suor do queixo, com a vista posta na escola.

—Me imaginei assim que vi sua placa. Ameaçou-me com que iria ver o. Não pensei que falasse a sério.

—Pois se equivocou. —O delegado Hilton franziu o cenho—. Tenho entendido que entrou ontem à noite em casa da senhorita Amy sem sua permissão... duas vezes. Nega-o?

Veloz agarrou com mais força a manga da tocha.

—Não.

—A meu parecer, um homem poderia encontrar melhores costure que fazer que atormentar a uma mulher indefesa.

O café da manhã e as rosas se consideravam agora um tortura? Veloz trocou o peso de seu corpo de um pé a outro.

—Indefesa? Você não conhece bem à senhorita Amy, delegado. Pode ser um verdadeiro torvelinho quando se zanga.

O delegado se esfregou o queixo.

—vou ter que insistir em que deve deixá-la tranqüila. Tenho sua palavra sobre isto?

Veloz se ergueu de ombros.

—Não, senhor, não a tem.

O delegado dirigiu outro olhar nervoso às pistolas de Veloz.

—Ou me dá sua palavra, ou terei que colocá-lo entre grades. Sei que Amy é uma mulher muito bonita, mas existem formas mais apropriadas de cortejar a uma dama. Entrar em sua casa não é uma delas. —Mordendo o lábio, o homem o olhou aos olhos—. Conheço sua reputação. —Sua voz tremia ligeiramente ao falar—. Sei que pode me matar agora mesmo, porque eu não sou um atirador rápido. Mas tenho que fazer cumprir a lei. Não pode incomodar a uma mulher indefesa em meu povo e andar por aí como se nada.

Veloz respeitou suas palavras.

—Nunca disparei a um homem que não me tivesse disparado primeiro —respondeu, com os dentes apertados.

O delegado se relaxou um pouco.

—Não sou estúpido.

Furioso, Veloz voltou a cravar a folha da tocha no toco e estirou o braço para agarrar sua camisa.

—Quando a senhorita Amy lhe pôs a denúncia, mencionou-lhe por um casual que ela e eu estamos prometidos?

Os olhos do delegado se encheram de surpresa.

—Prometidos?

Veloz se dirigiu tranqüilamente para ele, ficando-a camisa e grampeando-os botões.

—Há quinze anos. Segundo a lei comanche, ela é minha mulher.

—Não recordo que ela o mencionasse. É obvio, a lei comanche não é de minha incumbência, por isso significaria uma grande diferencia. A lei dos brancos prohíbe a um homem aterrorizar a uma mulher.

—Aterrorizar? Preparei-lhe o café da manhã e lhe levei rosas vermelhas recém cortadas!

O delegado parecia confundido agora. Tratou de digerir esta informação e suspirou.

—Às vezes é impossível entender às mulheres.

Veloz chegou até ele. Pretendendo uma indiferença que estava longe de sentir, disse-lhe:

—Suponho que pode me encerrar. Mas por quanto tempo? Um dia, possivelmente dois?

—Acredito que um dia será suficiente para lhe baixar as fumaças. Embora seria muito mais fácil se acessasse a deixá-la em paz.

—Não posso fazer isso. —Solo o pensamento de estar encerrado-lhe fazia sentir um nó no estômago—. E quanto a me baixar as fumaças, está equivocado. Assim que volte a sair, vou diretamente a sua casa e persegui-la até que lhe tremam os dentes. levou as coisas muito longe ao lhe colocar nisto. Por umas rosas! Não me posso acreditar isso.

O delegado se esclareceu garganta.

—Senhor López, não a ameace diante de mim. Encerrarei-o e atirarei a chave ao rio.

Veloz ficou a andar em direção ao cárcere, metendo-a camisa por debaixo da calça.

—Não é uma ameaça, é uma promessa. —deu-se a volta, arqueando uma sobrancelha em direção ao delegado—. Bom, vem ou não?

 

Amy nunca tinha visto caçador tão zangado. Correu para onde ele estava tratando de lhe fazer entrar em razão.

—Não posso deixar deste modo a classe. A Veloz não acontecerá nada porque espere a que termine a classe.

—Está esperando em uma cela —protestou Caçador—. E você sabe como a gente de nosso povo se sente entre barrotes, Amy! Índigo e Chase podem ocupar-se da classe até que volte.

Amy esteve a ponto de tropeçar com as anáguas.

—Nunca foi minha intenção que terminasse no cárcere, Caçador. Tem que me acreditar.

—foste ver o delegado.

—Sim, mas solo para lhe pedir que interviesse. Pensei que assim que falasse com ele, Veloz me deixaria em paz. —Amy se levantou a saia acetinada de raias cinzentas para subir o degrau da calçada—. De todas formas, é um condenado pistoleiro cabezota —murmurou—, por que não pôde prometer que não se aproximaria mais a minha casa? O delegado não o teria encerrado se Veloz tivesse sido razoável.

—Razoável? —Caçador a fulminou com o olhar—. Também é sua casa. O delegado não entende isto, mas você sim.

—Segundo suas crenças —lhe recordou ela.

Caçador se deteve. Seus olhos jogavam faíscas ao olhá-la.

—até agora, tinha respeitado nossos costumes. O dia que deixe de fazê-lo, deixará de ser parte de nossa família. Entende-o?

Amy não podia acreditar o que estava ouvindo.

—Caçador —sussurrou—, não o diz a sério.

—Digo muito a sério —respondeu ele—. Veloz é meu amigo. Vive em minha casa. E, por sua culpa, agora está no cárcere.

—O que outra coisa podia fazer? Não posso me enfrentar a ele de outra maneira, e você sabe. Você tem feito ouvidos surdos e te negaste a me proteger.

Caçador apertou a mandíbula.

—Tem-te feito mal? Sujeitou-te acaso pelo braço e apertado até te causar dor? —Fez uma pausa, esperando uma resposta—. Responde, sim ou não?

As lágrimas nublavam a vista da Amy. Com a boca seca, conseguiu dizer fracamente:

—Não.

—Mais alto!

—Não!

Caçador assentiu.

—E entretanto, está no cárcere. Arrumem suas diferenças entre vós. Mas nunca coloque ao delegado Hilton nisto. Entendido?

Com isto, ficou a andar rua acima, em direção ao cárcere. Amy lhe seguiu, sentindo-se mais só que nunca. Caçador abriu a porta do cárcere com tal força que se estampou contra a parede. Entrou e gritou:

—Delegado Hilton!

Cruzando a soleira, Amy esquadrinhou a penumbra do lugar. Na parte traseira do pequeno cárcere, viu o delegado de pé junto à única cela, com o ombro apoiado nos barrotes. Caçador não falou, o que a levou a pensar que esperava que ela o fizesse. Amy deixou cair o olhar no homem escuro que estava reclinado no camastro da cela. Cada poro de seu corpo emanava o apanhado que se sentia.

Umedecendo-os lábios, disse:

—Delegado, acredito que interpretou mal minhas intenções quando vim a lhe ver esta manhã. Eu, isto..., nunca quis que o senhor López fora encarcerado. Solo queria dissuadir o de que seguisse me incomodando.

—Não é fácil de dissuadir —respondeu o delegado com voz divertida—. O fato é que ainda não acessou a manter-se longe de você. Ao contrário, suas ameaças são maiores.

A Amy lhe puseram os cabelos de ponta. Olhou a Caçador mas ele seguia espectador. Ficou a garganta seca. Com os olhos postos em Veloz, agarrou-se as mãos. Suas pupilas brilhavam ao olhá-la, lhe prometendo uma represália que era incapaz de imaginar.

—Amy... —A voz de Caçador era um grunhido baixo.

—Eu, isto... —Amy olhou a Veloz aos olhos. A mensagem neles era evidente. Tremiam-lhe as pernas—. A meu parecer, o senhor López não pode culpar a ninguém a não ser a si mesmo. Se ele... ele sozinho quisesse... —Duvidou, consciente de que tinha a Caçador ao lado—. Se prometesse que vai deixar me tranqüila, poderíamos lhe deixar em liberdade.

—Ai-ee! —exclamou Caçador.

Amy esperou, implorando com os olhos a Veloz. Sua única resposta foi acomodá-la cabeça sobre os braços, fechando os olhos, como se estivesse preparado para permanecer ali até que o inferno se congelasse.

—Suponho que... —Amy se calou, sua mente trabalhava a toda velocidade para confrontar o momento inevitável no que teria que as ver-se com ele... a sós. Mas não tinha outra opção. Caçador o tinha deixado claro, e ele e Loretta eram sua única família. Respirando profundamente, voltou a tentá-lo—. Suponho que será melhor que o deixe livre, delegado Hilton. —voltou-se e dedicou a Caçador um olhar acusador, depois deu meia volta e saiu da habitação.

Veloz abriu os olhos e viu como partia, a mandíbula tensa. Esforçando-se por não mostrar o impaciente que se sentia por sair de seu confinamento, levantou-se, agarrou o chapéu do cabide e se encaminhou à porta da cela. O delegado lhe entregou a faca e os revólveres.

Grampeando o cinturão das pistoleras, Veloz disse:

—Um prazer lhe conhecer, Hilton. Espero não ter que voltar a lhe ver em muito tempo.

Depois, Veloz se ajustou o chapéu e seguiu a Amy para a porta, com Caçador detrás.

                                                         Capítulo 7

Com os nervos a ponto de devorá-la por dentro, Amy partiu mais cedo da escola e se foi diretamente a casa; tão logo entrou, jogou o ferrolho da porta e se assegurou de que as janelas estivessem bem fechadas. Sabia que Veloz viria, era tão só questão de tempo. Caminhou intranqüila de um lado a outro da habitação e notou como os nervos empapavam de suor todo seu corpo. Estaria zangado. Certamente até furioso. Não havia possibilidade alguma de saber o que estava disposto a fazer em tais circunstâncias.

O tempo passava enquanto Amy cravava seu olhar no relógio, mas havia momentos nos que nem sequer podia recordar onde estavam os ponteiros de relógio antes, por isso era incapaz de saber quantos minutos tinham transcorrido já. Caçador se tinha posto em seu contrário. Não podia acreditar. Caçador e Loretta eram sua única família, o único apoio que tinha. A chegada de Veloz tinha posto inclusive isso em perigo: sim, odiava-o.

Alguém chamou brandamente à porta. Amy saltou sobressaltada e se dirigiu para ela, com o olhar fixo no ferrolho.

—Qui... quem é?

—Adivinha-o —disse com voz grave.

Amy se agarrou o estômago, como se de repente tivesse vontades de vomitar.

—Vê... vete daqui, Veloz.

—Não penso ir a nenhum sítio. Amy, abre a porta para que possamos falar. Solo quero isso, falar. —Seu tom suave e aparentemente tranqüilo não serve para enganá-la.

—Está zangado. Não vou cruzar nenhuma só palavra contigo enquanto tenha esse mau humor.

—E eu não vou deixar de está-lo até que não falemos —respondeu com um tom de voz um pouco mais elevado—. Abre o condenado ferrolho!

Amy deu um passo atrás, olhando desesperadamente a seu redor.

—Não. Vete e te acalme. Depois, falaremos. —Ela escutou suas injúrias e, depois de um comprido silencio, ele gritou:

—Não penso me tranqüilizar; ao menos não até que falemos. Colocaste-me entre grades. Tem idéia de quanto isso ódio? Sei que é capaz de algo, Amy, mas ir falar com o delegado?

—Foi por sua culpa. por que não pode ser uma pessoa razoável?

—Razoável? ir falar com o delegado te parece razoável?

—Eu... eu não pretendia te colocar na prisão —murmurou Amy com voz tremente—. De verdade que não queria.

—Abre a porta e me diga isso à cara —respondeu em um tom não tão alto como esperava.

ficou paralisada.

—Amy... —Ela o ouviu suspirar—. me Escute com atenção, de acordo? Não te vou fazer mal. Solo quero que falemos.

—Está furioso, sei —gritou.

—Sim, assim é como me sinto agora mesmo.

—E esperas que te abra a porta?

—Lhe vou expor isso da seguinte maneira: se não o fizer, a vou derrubar; e quando entre aí, terei enlouquecido ainda mais. Seria o que você chama uma má mão, ou de qualquer maneira que o chame. Por seu bem, faz-o já.

Fechou os olhos tratando de deixar de tremer.

—M... promete-me que não me vais tocar?

—Prometo não te fazer danifico. Acaso não é isso suficiente?

Amy se retorceu as mãos.

—Quero que me prometa que não vais pôr me nem um dedo em cima.

—Preferiria ir ao inferno metido em uma cesta antes de não fazê-lo.

—Sabia. Pensa que sou tão estúpida?

—Brilhante não é precisamente seu sobrenome. Vamos, Amy. Se derrubar a maldita porta, terei que me passar todo o dia de amanhã arrumando-a. Que sentido tem isso?

Amy deu outro passo para trás enquanto escutava. Ouviu como golpeava pesadamente as botas contra o chão e soube que o estava fazendo a propósito, para que soubesse que se estava afastando da porta para jogá-la abaixo.

—E... espera! Eu, isto... —levou-se uma mão à cabeça, sujeitando o coque de tranças. Tinha que sair dali, mas onde podia ir? Caçador não a ajudaria. A única solução era esconder-se. Possivelmente no celeiro, ou no bosque. Tendo em conta o humor de Veloz, não havia forma alguma de predizer sua reação—. Não estou vestida.

—por que não leva roupa a estas horas da tarde?

—Eu, pois... —Retrocedeu um passo mais—. Um banho, estava-me dando um banho.

—Amy, se me está mentindo, vou esfolar te viva.

—Não, não te estou mentindo. me dê dois minutos. Tão só dois e te abrirei a porta, de acordo?

—Está bem. Dois minutos, mas nem um segundo mais.

Amy se deu a volta rapidamente e correu para a cozinha. Tratando de alcançar a janela, ficou nas pontas dos pés para girar o passador e abri-lo. Ao olhar para cima, perguntou-se se haveria espaço suficiente para sair por ali, embora tampouco tinha outra alternativa. Com o coração em um punho, e tentando ser o mais silenciosa possível, arrastou uma cadeira até a janela e subiu.

Sua saia, larga até os pés, esteve a ponto de lhe fazer perder o equilíbrio ao tratar de pôr uma perna no batente. agarrou-se ao marco da janela e tomou impulso para subir até que conseguiu sentar-se escarranchado. encolheu-se tudo o que pôde e agachou a cabeça em seu afã por passar os ombros através daquele espaço tão pequeno. Com um gesto de dor, tratou de levantar o outro joelho. depois de estirar-se ao máximo e de retorcer quanto pôde a perna que tinha dobrada, conseguiu subir ao batente completamente. Agora o único que tinha que fazer era dá-la volta de tal modo que pudesse saltar.

—Só um minuto mais, Veloz.

—Provavelmente necessite cinco —disse uma voz do jardim—. Acredito que te ficaste entupida.

Amy se assustou e a ponto esteve de cair de costas da janela. Uma mão grande a empurrou agarrando-a firmemente do traseiro e se pôde pôr direita de novo.

—Veloz? —murmurou enquanto girava a cabeça para tratar de ver por cima do braço, que rodeava no joelho.

—Quem diabos pensa que pode ser?

—OH, Deus...

Veloz lhe rodeou fortemente a cintura com as mãos para atirar dela através da janela. Uma dor aguda lhe percorreu o corpo, dos joelhos até os ombros, passando pelos quadris. Se antes tinha obtido não ficar trancada ao passar pelo buraco, agora sim que o estava. Lançou um grito.

—Maldita seja! Ficaste-te entupida —disse de abaixo—. Amy, por que diabos escolheste esta janela? Não é o bastante grande.

—Era a única que não podia ver.

—Não precisava ver nada. Com toda a animação que armaste, não foi muito difícil adivinhar o que estava fazendo. E agora olhe onde está. É um milagre que não te tenha cansado e te tenha quebrado o maldito pescoço. —Atirou dela uma vez mais—. Agora sim que te colocaste em uma boa confusão. Pode pôr dentro aquela perna de novo?       

Com a cabeça pega ao peito, logo que podia respirar.

—Tenho-a trancada.

Veloz lhe tirou as mãos da cintura e lhe disse:

—Sabe o que? Deveria te deixar aí.   

—Pois então parte. Nem necessito nem quero sua ajuda.

—É toda uma atração para a vista, mostrando suas anáguas ao mundo. O que pensaria Peter Crenton se pudesse verte agora mesmo? Estou seguro de que uma senhorita correta não escala pelas janelas.

Amy apertou com força os olhos.

—OH, Meu deus, não me diga que me vêem as anáguas. Baixa me a saia!

—Nem o sonhe, querida —disse sonriendo—. São as anáguas mais bonitas que vi em minha vida.

Amy apertou os dentes com força.

—Odeio a morte, não te posso nem ver! Está convertendo minha vida em um pesadelo! Como te pode ficar aí parado, me olhando como se nada, quando me está vendo a roupa interior?

—Tem razão, é de muito mal gosto. Fumarei-me um cigarro enquanto lhe Miro.

Furiosa, atirou fortemente do pé fazendo um grande esforço para tratar de voltar a pôr a perna dentro. De sua garganta brotou um soluço de frustração.

—Você, maldito bastardo! Limita-te a olhar, por que demônios não faz nada?

Veloz não respondeu. Amy tratou de girar a cabeça para lhe ver, mas não pôde.

—Veloz? —Nada. ficou quieta um instante para escutar melhor. foi-se! Moveu bruscamente o pé, presa da fúria. fez-se mal nos ombros com o marco da janela e não pôde evitar que lhe caíssem as lágrimas.

—Fica aquieta. Não vais parar até que fique sem pele como uma serpente em fase de mudança, e eu não penso estar aí para te agarrar.

sobressaltou-se ao dar-se conta de que a voz provinha do interior da casa, por seu lado direito.

—Você segue me dando esses sustos de morte! Pensei que te tinha ido.

—Não sou tão incorreto para fazer isso —disse renda-se. Amy ouviu como arrastava a cadeira fazendo ruído contra o estou acostumado a—. Era algo tentador, para que negá-lo. Se não tivesse medo de que te pudesse romper esse pescoço larguirucho que tem, tivesse-o feito. —Agarrou-a pelo tornozelo e atirou dela—. te Relaxe, Amy. Está mais rígida que uma tabela. Se quiser que te tire daqui, terá que te relaxar.

—Dizê-lo é muito fácil para ti. Meu pompis está encaixado no marco da janela.

—Seu pompis? Sonha como se estivesse te empoeirando o nariz. Que tal traseiro ou nádegas? O...?

—Pelo amor de Deus, me ajude!

Veloz voltou a rir e atirou de novo de seu pé com força. Conseguiu lhe liberar a perna e, ao mesmo tempo, a parte de acima de seu corpo se inclinou para a direção contrária. Agarrou-a pela cintura e a empurrou para ele para tirá-la dali e, uma vez que a deixou bem sujeita, desceu-se da cadeira.

—Ou simplesmente culo —acabou dizendo com um bufo antes de deixar a Amy no chão, dando-a volta com ela ainda em braços.

Amy, ainda cambaleando-se e com as bochechas tintas, estirou-se o sutiã e se colocou bem a saia.

—Não me dava conta de que tinha jogado a porta abaixo.

—É que não o fiz. Entrei pela janela do salão.

—Estava fechada.

—Tenho-a aberto.

—Espera um momento, se tiver podido... —deteve-se e o olhou fixamente—. Então, por que montou todo esse escândalo pela porta?

No rosto de Veloz se desenhou um sorriso zombador que deixou a Amy entrever seus dentes brancos.

—Porque estava enfadadísimo. Conseguir abrir o ferrolho da janela não me tivesse deixado satisfeito. Rompê-la possivelmente sim. O que passa é que, se tivesse feito isso, tivesse-te ficado sem cristal na janela até que conseguisse pedir um novo e nos trouxessem isso.

Amy não dava crédito ao que estava escutando.

—Tudo isto não é mais que um jogo para ti.

—E você vai perdendo.

Disso não cabia dúvida. Amy olhou para outro lado.

—Bom, pois já está dentro. Já... agora o que?

—Tinha pensado em te dar uma patadita nesse precioso pompis que tem.

Amy o fulminou com o olhar.

—Faz-o e me deixe um moratón se te atrever, desavergonhado. Deixa uma só marca em meu corpo e Caçador te matará.

Veloz se deteve ante aquele olhar aniquiladora e voltou a sorrir.

—Ensinaria-lhe o traseiro para que pudesse ver os moratones? Arrumado o que seja a que, embora lhe deixasse isso completamente negro e arroxeado, não o faria. Em todo caso, seria algo que não me perderia por nada do mundo: a senhorita Amy com a saia levantada e seu brilhante traseiro ao descoberto.

—É repugnante.

—E você me tira de gonzo. Amy, o cárcere? Quando o delegado Hilton apareceu, não me podia acreditar isso.

inclinou-se um pouco para ele tremendo.

—Se não tivesse sido por Caçador, teria deixado que te apodrecesse aí dentro.

—Isto já se parece um pouco mais à verdade. Disse-me que não queria me encerrar!

adiantou-se uns passos, com os punhos fechados.

—Menti-te. Qualquer idiota que não dê o braço a torcer quando o delegado lhe chama a atenção merece estar entre grades.

Veloz se manteve firme e seguiu observando-a. Parecia o suficientemente furiosa para lhe pegar e, de fato, desejava que o fizesse; solo necessitava que ela tivesse o valor de fazê-lo. Amy ficou longe dele. Seus olhos azuis e suas bochechas ardiam pela ira, e se mordia os lábios, enfurecida, por todo o acontecido.

—Não sabia que um café da manhã e umas rosas pudessem te zangar tanto. —Elevou a cabeça olhando-a com uma atitude desafiante. tocou-se o queixo e disse em tom de mofa—: Quer me pegar? Vamos, Amy. Esta é sua oportunidade. Acaso é uma covarde? Deixo-te que me golpeie uma vez.

—Não se trata nem do café da manhã nem das rosas. entraste em minha casa sem permissão. Simplesmente estou cansada de que me acosse, atormente-me e me ameace.

—Nossa casa.

—Minha casa, mexicano arrogante sem cérebro.

depois destas palavras, Amy se lançou a lhe golpear. Em menos de um segundo, Veloz viu um punho ante sua cara. Em um instante, perdeu toda noção do tempo e só foi consciente da dor imensa que lhe cobria o nariz. Imediatamente se tocou a cara.

—Por Deus!

—E não volte a entrar em minha casa.

Amy voltou a golpear com o pé a Veloz, esta vez no joelho. Ele perdeu o equilíbrio e caiu para trás, cambaleando-se até se chocar contra a cozinha. Algo quente começou a lhe correr pelos dedos enquanto se tocava o nariz. Piscou umas quantas vezes tentando abrir os olhos. Pensou que possivelmente lhe voltaria a golpear, acostumada como parecia com fazê-lo de repente, assim que ficou com os ombros encolhidos. A sala ficou em silêncio.

—Veloz? —Amy pronunciou seu nome com voz tremente. Ele voltou a pestanejar e pôde comprovar que já podia ver com um pouco mais de claridade—. Veloz, está bem?

—Não! Diabos! Pois claro que não estou bem. Tem-me quebrado o maldito nariz.

Veloz sentiu que Amy inalava ar rapidamente e, ao mesmo tempo, ouviu esse frufrú peculiar que fazia ao mover a saia.

—OH, Meu deus! OH, Meu deus! Seu sangue está por todo o chão!

Veloz se cobriu o nariz com a outra mão e disse:

—Não posso saber se deixar de sangrar ou não —lhe disse com voz apagada—. me Aconteça um trapo.

Escutou a água correr. Instantes depois, sentiu um pano molhado que se deslizava por detrás de suas mãos. Sujeitou-o bem e o colocou de tal forma que lhe tampasse os orifícios nasais.

—Ai, Veloz, sinto-o muito. Vêem, sente-se aqui e me deixe lhe jogar uma olhada.

—Estarei bem, não se preocupe —protestou enquanto deixava que o agarrasse por braço e lhe insistia para que se sentasse na cadeira.

Finalmente, obrigou-o a sentar-se e se inclinou sobre ele, com aquela pequena cara mostrando preocupação à medida que retirava o pano. Quando Veloz a viu, deu-se conta de que um nariz rota não era nada se com isso tinha podido ver a Amy perder os papéis. Embora lhe caíam as lágrimas, não pôde evitar esboçar um sorriso. Amy lhe tocou o nariz, estremecendo-se de tal maneira que parecia ser ela a que sofria.

—Ai, Veloz, temo-me que está rota.

—Um cavalo me deu um coice uma vez. Meu nariz nunca voltou a ser a mesma após, assim não há grande diferencia. —limpou-se o sangue que lhe tinha ficado no lábio, queixando cada vez que lhe tocava a parte fraturada—. Com cuidado! Dói-me uma barbaridade.

Amy retirou a mão para trás com expressão preocupada.

—Não queria te fazer danifico.

Veloz não pôde conter-se e se voltou a rir.

—Pequena mentirosa. Quase consegue que o nariz me atravesse o cérebro.

Seus olhares se encontraram. Ela o observou incrédula.

—Não está furioso comigo?

—Eu te provoquei para que o fizesse. por que ia estar zangado? —Com cuidado, agarrou-se a ponte do nariz com o índice e o polegar, e tentou pô-lo em seu sítio—. De todos os modos, devo dizer que pensei que me golpearia no queixo. Teria que me haver dado conta de que iria a pelo sangue se lhe fazia perder os estribos. —Veloz aspirou forte para comprovar que o ar seguia correndo pelo nariz e depois se dirigiu para ela—. Eu a curarei. Não é a primeira vez que me rompo isso, nem acredito que seja a última.

Depois de agarrar outra cadeira da mesa do comilão, Amy se deixou cair sobre ela como se seus joelhos tivessem deixado de lhe responder. Suspirou em um gesto de esgotamento e se cobriu os olhos com as mãos.

—Ah, Veloz.

Ele se voltou a limpar o lábio com o pano, sem deixar de olhar nem um só seu momento dourada cabeleira.

—Já não posso mais —admitiu com voz tremente—. De verdade que não posso. Tem que parar.

—te case comigo e acabarei com tudo isto.

Amy levantou a cabeça, e o olhou aos olhos com tristeza.

—Não vê que não posso fazê-lo?

—Amy, se quisesse, poderia resolver o assunto te agarrando comigo pela força e te tirando daqui a cavalo. —Lhe pôs a tez branca—. por que te crie que não o tenho feito já? Direi-te por que. Quero te fazer feliz. Não pensa me dar uma oportunidade? Faria tudo o que estivesse em minhas mãos para te demonstrar que te casar comigo não é um engano, juro-lhe isso.

—Não existe nenhuma outra costure no mundo que aborreça mais que a idéia de ser sua esposa.

—Não será assim, prometo-lhe isso.

—Como poderia me fazer feliz, Veloz? —perguntou ela com voz débil—. Está pensando em ofícios como roubar ou matar?

—Sabe que não.

—Ah, sim? E não só é seu passado o que me incomoda, mas sim tampouco quer trocar. te olhe, segue levando essas pistolas em cima, segue vestindo de negro como a morte, segue intimidando às pessoas. Já não vive no Texas, com os comancheros. Agora está no Oregón, no mundo tosi, e se quer ficar, não pode te comportar como se fosse um pagão.

Veloz lhe sustentou o olhar.

—Hoje acessei a acompanhar ao delegado Hilton. É assim como se comporta um pagão?

—E faz cinco segundos, ameaçou-me me atando ao cavalo e me levar contigo. —Brilhavam-lhe os olhos, cheios de lágrimas—. Estava furioso porque te coloquei entre grades, porque odeia estar encerrado em um lugar! Como te crie que me está fazendo sentir você ?Sinto-me da mesma forma: apanhada! —Amy elevou a mão assinalando a casa—. invadiste meu lar e aparece de repente entre a escuridão. conseguiste pôr a minha família em meu contrário, puseste-os que seu lado, e agora tampouco posso lhe pedir ajuda ao delegado para que me proteja. Não há nenhum lugar no que esteja a salvo de ti.

—Amy, está a salvo de mim e está a salvo comigo, neste momento. Isso é o que tratei que te fazer ver. —Agarrou o trapo e o mostrou—. O que crie que queria quando entrei aqui?

mordeu-se o lábio, as pálpebras molhadas pelas lágrimas.

—Não quis me prometer que não me tocaria.

—Porque tenho o direito de fazê-lo. Amy, quero-te. Crie que vou desperdiçar a única vantagem que fica sobre ti? O fato de que não queira renunciar a esse direito não significa que o vá pôr em prática.

—Estava zangado. Pensei que o faria.

—Pois te equivocou. Entretanto, ponhamos por caso que estava no certo. O que aconteceria tivesse decidido, aqui e agora, te pôr em cima de meus ombros e te levar a cama? De verdade crie que te faria mal? —Veloz a aproximou para ele—. me Olhe e me diga que pensa assim.

Começou-lhe a tremer o bordo da pálpebra esquerda.

—me fazer danifico? Veloz, as pessoas podem sofrer por dentro, além do que você pode ver.

Sua voz se fez mais grave e seu tom mais baixo.

—Sei que está assustada, mas se confiasse em mim, poderia fazer que esse sentimento se esfumasse para sempre.

—Não, agora te equivoca você. Nada conseguirá apagá-lo.

—Houve um tempo em que não pensava dessa maneira.

—Nnaquele tempo, naquele tempo, ainda era uma menina. Agora sou maior e mais preparada.

depois de limpar o lábio uma vez mais, Veloz seguiu com o dedo uma das linhas de sua saia de raso de cor cinza.

—Sei que não me tem em muito alta estima e que tampouco está orgulhosa de tudo o que tenho feito, mas ainda confia em minha palavra, não é assim? Pelos velhos tempos ao menos!

Ela o examinou com cautela.

—Suponho que se fizesse uma promessa, sabendo, como sei eu, que um dia foi um comanche e nunca mentiu, poderia confiar em ti.

Veloz apoiou as mãos sobre os joelhos.

—Se for assim, então me escute bem e recorda esta promessa para sempre: aconteça o que acontecer, por muito zangado que esteja, ou inclusive embora te leve comigo, nunca te farei mal ou te tratarei de forma violenta. Não te peço que pense que tudo irá bem entre os dois porque não acredito que nem sequer possa fazê-lo, mas te juro por minha vida que não te passará nada mau.

Por um instante, Amy pensou em Caçador e na Loretta, e em tudo o que tinham, desejando de todo coração que ela e Veloz pudessem compartilhar algo tão especial, que pudesse existir a possibilidade de que tivessem sua própria casa e seus próprios filhos. Entretanto, aqueles eram os pensamentos da menina que ainda vivia em seu interior, em um mundo cheio de sonhos; a realidade quase nunca tinha esse toque mágico.

—Veloz, por que não o esquece? Embora não tivesse passado nada entre nós, agora pertencemos a mundos diferentes. Nosso matrimônio nunca funcionaria.

—E se mudança? Se o tentar, você também o faria?

Ela ficou nervosa e, imediatamente, deu-se conta de que seu olhar estava fixo nas rosas que havia em cima da mesa.

—Não sei se poderia.

—Vamos, o que pode perder? Acredito que eu o deixei bem claro. Se as coisas não funcionarem entre os dois, não terei mais remedeio que fazê-lo a minha maneira. por que não tentá-lo pela via fácil? Venha, tentaria-o ao menos? Não te estou pedindo que te renda, simplesmente te peço uma trégua. Assim estaremos em igualdade de condições.

Amy pensou em tudo o que poderia ocorrer se se decidisse a tentá-lo, mas, acima de tudo, pensou em quais seriam as conseqüências se rechaçasse a proposta de Veloz.

—Seu... suponho que posso fazer um esforço, embora tampouco sei como isso vai ajudar a que...

—Promete-o?

Ela suspirou, dando-se conta de que tinha perdido terreno.

—Prometo tentá-lo, nada mais.

—Isso é mais que suficiente —concluiu.

 

Logo que saiu da casa da Amy e baixou pela rua principal para a casa de Caçador, Veloz se sentiu invadido por um profundo sentimento de determinação. Tinha que trocar. Quando aceitou fazê-lo, pareceu-lhe singelo, mas agora que o pensava com mais parada, não tinha nem idéia de por onde começar. Solo estava seguro de uma coisa: Amy não queria saber nada de um pistoleiro vestido como um comanchero. Se queria conquistá-la, e isso era precisamente o que ansiava, teria que trocar de aspecto.

Quando Veloz entrou na casa de Caçador, encontrou-o sentado na mesa da cozinha, concentrado com um livro de grandes dimensione em cujas páginas se desenhavam colunas verdes e uns quantos ganchos de ferro. Levantou a cabeça e olhou a Veloz com espera.

—O que te passou?

—O mapache saiu de sua guarida —murmurou Veloz, enquanto se aproximava da cozinha por uma taça de café—. Onde está todo mundo?

—A senhora Hamstead está doente, e Loretta foi a ver que tal estava. Chase e Índigo se foram com ela para ajudá-la a cortar madeira e recolher a casa.

—O que lhe passa?

—tomou chá de boñiga de ovelha de sua sogra. —Caçador sorriu quando Veloz se deu a volta e pôde lhe ver a cara—. Mas com o que te golpeou seu mapache? Esse nariz tem toda a pinta de estar rota.

—Porque o está... Embora o estúpido fui eu por lhe haver devotado a cara e lhe haver dito que me pegasse um guantazo.

A Caçador lhe pôs um sorriso de orelha a orelha. recostou-se na cadeira e deixou o lápis sobre a mesa.

—Faz anos que não vejo a Amy perder os papéis dessa maneira. Felicidades.

depois de tocá-la nariz, Veloz tratou de inalar ar e comprovou que suas fossas nasais estavam já completamente obstruídas.

—Não cante vitória ainda. Solo porque me deu um murro não significa que tenha conseguido o que queria. —Veloz voltou a suspirar e arrastou uma cadeira até ele para sentar-se. Depois de tomar um sorvo de café, disse—: Já não sei o que fazer, Caçador. Tudo o que tenho feito até agora serviu para algo ou unicamente serviu para piorar as coisas?

—Veloz, as coisas têm que ficar pior para ela; dessa maneira, dará-se conta de que tem que trocar. —Caçador voltou a agarrar o lápis, jogando com ele como um menino pequeno—. Acredito que tem feito o correto. A não ser que se vá de Terra de Lobos, este é seu único refúgio. Não fica mais remedeio que adaptar-se à nova situação.

—Eu gostaria de fazer o que verdadeiramente espera de mim e me levar isso comigo. As coisas seriam mais fáceis e mais rápidas desse modo.

—Sim, mas as fazer rápido não significa as fazer bem, e mais conhecendo o sofrimento pelo que teve que passar Amy. —A Caçador lhe enterneceu o olhar pelas lembranças que aquela frase lhe trouxe para a mente—. Conseguir que Loretta confiasse em mim me custou o seu, mas ao final a espera valeu a pena.

Veloz rebuscou no bolso de sua camisa para agarrar sua cigarreira de tabaco, mas em uns instantes se esqueceu do que estava fazendo e tirou a mão do bolso.

—Dá igual, estou falando por falar... Como se me pudesse levar isso embora quisesse. Odiaria-me mesmo mais do que ela poderia me aborrecer.

—Pode ser.

Veloz o olhou com certa dúvida.

—Alguma vez forçaste a uma mulher?

—um pouco.

—O que significa um pouco?

Caçador o olhava como se a conversação que estava a ponto de começar lhe divertisse.

—Durante um momento seja possivelmente o mais apropriado. Fiz-o até que minha mulher deixou de lutar; de todas formas, era Loretta. A história da Amy é muito mais complicada. —Continuando, estudou com atenção a ponta do lápis, como se a resposta a todos os mistérios do mundo se escondessem baixo aquela parte de carvão—. Loretta viu como martirizavam a sua mãe, e isso a marcou para sempre. Amy não só contemplou a cena, mas sim também foi vítima de vinte e três homens cruéis. Já aconteceram muitos anos mas, mesmo assim, viver com medo cada dia não é algo agradável. Escondeu tudas suas lembranças do passado em algum lugar do qual fosse impossível sentir nada, e agora, com sua chegada, essas lembranças tornaram.

Veloz se passou a mão pela cabeça, como se já tivesse saudades sua juba.

—Pediu-me que troque. —uma espécie de azeite azulado se deixou ver na superfície do café. Inclinando um pouco a taça, tratou de ver o que havia no fundo—. Não gosta de meu aspecto, nem tampouco lhe agrada que leve minhas pistolas. Não acredito que ela pense que conseguirei lhe oferecer um bom futuro sem que meu passado saia a reluzir de uma maneira ou de outra.

—Poderia fazê-lo?

Veloz começou a sentir o suor que se deslizava por seu pescoço.

—Poderia trabalhar contigo ou conseguir uma granja. Eu não sou um vago, Caçador.

—Poderia ter um companheiro na mina. Chase lhe jogou o olho ao setor da madeira, e espero que algum dia se dedique a isso. De todas maneiras, é sua capacidade para ganhar dinheiro o que verdadeiramente preocupa a Amy? Ou simplesmente se trata de que é um inseto estranho para ela?

—Refere a se não encaixar aqui? Poderia comprar um par de camisas novas e deixar de levar o chapéu. Não sou tão diferente do resto da gente que vive aqui.

Caçador negou com a cabeça.

—Não o está entendendo bem. A roupa é uma questão sem importância. O que importa é a pessoa que a leva. —Com um suave gesto, assinalou o livro que tinha frente a ele—. Para ser meu colega de trabalho, tem que saber ler e escrever, e de momento não sabe.

—Esperas que aprenda a ler? —Veloz ficou perplexo, sem poder acreditar que Caçador fosse dos que davam importância aos livros—. Não sei ler, Caçador. Nem sequer sou capaz de soletrar meu nome.

—Eu era um comanche tolo e aprendi. —Caçador passou os dedos por cima de sua caligrafia—. Meus livros me dizem quantas riquezas possuo. E aqui é onde ponho todas as cifras. Se eu posso fazê-lo, você também. E você fala de um par de camisas novas? Todo mundo pode comprar uma camisa, Veloz. O que demonstraria a Amy com isso?

—Porque quero tentá-lo.

—Sim, mas que está fazendo poucos esforços. Está no mundo dos brancos, Veloz. Nosso mundo, tal e como você diz, já não existe, exceto em nossos corações. Você quer uma mulher branca, te casar com ela e viver em seu mundo, mas, para fazê-lo, tem que tratar de te converter em um homem branco e lhe demonstrar que se preocupa por ela.

Veloz tragou saliva enquanto seu olhar se cravava nas folhas escritas daquele livro. Isso não era o que tinha imaginado.

—Não me faz falta ler para cuidar dela. Maldita seja, Caçador, isso é pedir muito. Acredito que já é suficiente com que tenha que renunciar a minhas pistolas para sempre. Nunca se sabe quando me podem descobrir e vir por mim.

Caçador se encolheu de ombros de uma forma um tanto eloqüente. Veloz resmungou entre dentes:

—Me vai levar anos aprender a ler e escrever! —grunhiu.

—Será muito menos se estudar a sério. Eu aprendi muito rápido.

—Já, bom, mas ao melhor você é mais preparado que eu.

Caçador voltou a encolher-se de ombros.

—Tem razão. É um preço muito alto que pagar simplesmente por uma mulher.

—Não se trata disso, e sabe.

—E então do que? Tem medo de tentá-lo?

Veloz se irritou ainda mais.

—Eu não tenho medo a nada, e muito menos a um punhado de letras escritas em um papel.

—Isso está por ver.

—Está-me pondo a prova?

Caçador o olhou desconcertado.

—Eu, Veloz? É você o que veio a mim, eu sozinho expressei minha opinião. Isso é tudo. Você não gosta do que penso, e o respeito, mas segue sendo minha opinião, e isso não vai trocar. Amy é professora de escola e gosta de ler e escrever. Acredito que adoraria ver que mostra interesse por aquilo que é importante para ela. Você sozinho lhe peça que cumpra sua promessa; o resto é tua coisa. Se o fizer, logo se dará conta de que está fazendo um grande esforço por ela.

—Está bem —acrescentou finalmente Veloz, ainda a contra gosto—. Hei dito que o tentaria e isso farei. Você me ensinará.

Caçador sorriu de novo.

—Eu não posso te ensinar, Veloz. Tenho que trabalhar na mina para alimentar a minha família e Loretta está muito ocupada com seu trabalho. Poderia estudar com o Chase e Índigo pelas noites, mas isso te levaria muito tempo.

—Então, onde demônios posso aprender?

—Possivelmente a solução é que vá à escola.

Veloz ficou absorto, incapaz de acreditar o que estava escutando.

—Refere-te a que vá à escola com os meninos?

                                                         Capítulo 8

Veloz observou como o sol da manhã entrava no sala-de-aula da escola pelo telhado. Caminhou arrastando as botas, sem mostrar muita ilusão por chegar ao final das escadas do alpendre. Naquele momento, sentia-se como a primeira vez que se deitou com uma mulher. Como então, sentia-se inseguro de si mesmo, com medo a fracassar. Com o passado do tempo, fazer o amor se converteu em uma de suas melhores habilidades, mas duvidava de que no mundo acadêmico pudesse triunfar da mesma maneira.

E se era estúpido? O que aconteceria, por muito que o tentasse, não pudesse nem sequer entender as letras? Amy o veria e se daria conta. Jamais poderia voltar a mostrar-se orgulhoso frente a ela. Faz anos, tinha-a impressionado com suas incontáveis habilidades, mas agora já não significavam nada para ela. Não seria mais sensato não tentá-lo, em lugar de deixar entrever sua incapacidade para aprender? Ao melhor, se se esforçava verdadeiramente em fazer bem todo o resto, não lhe emprestaria atenção a esse detalhe sem importância.

As gargalhadas dos meninos retumbavam em todo o edifício. Veloz pensou que ele era o motivo e juntou as mãos. Poderia enfrentar-se em um tiroteio ante qualquer homem que lhe aparecesse na rua, mas isto era diferente. Pela primeira vez em sua vida, quis sair correndo, mas seu orgulho não o permitiu. O que pensaria Caçador se se inteirasse? Veloz poderia reconhecer algo, mas nunca o ter sido um covarde.

Subiu devagar as escadas. Amy estava de pé, diante de toda a classe, com sua esbelta figura desenhando uma linha reta perfeita. Mantinha a cabeça erguida e, com essa voz sua característica, instruía a seus alunos no âmbito dos problemas aritméticos. Seus olhos surpreendidos advertiram a chegada de Veloz, quem se sentia como um peixe fora do aquário.

—bom dia, senhor López. —Olhou aos meninos e repetiu a frase em sintonia com eles—. bom dia, senhor López.

Que os meninos lhe tivessem deixado de ter certo receio lhe serve de consolo. Veloz se balançava de um lado ao outro, e enquanto agarrava o chapéu, disse:

—Boas.

—O que lhe traz por aqui? —perguntou Amy, ao mesmo tempo que percorria com o olhar a figura de Veloz, da pistolera até o chapéu.

Veloz o tirou, tragou saliva e olhou a quão jovens o observavam.

—Eu...

Pigarreou e continuou dizendo:

—vim porque... —Ela o observava com determinação—. Há sitio para um aluno mais?

—É obvio. Para quem?

—Para mim —disse Veloz entre dentes.

—Para quem?

Voltou a tragar saliva e repetiu em um tom de voz mais alto:

—Para mim.

—Para ti? —Ela o observava confusa.

—Quero aprender a ler e a escrever —disse Veloz com mais convencimento. Um dos meninos riu pelo baixo.

Amy não mostrou muita euforia ao escutá-lo e assim o fez ver, mas já estava ali e se condenaria a si mesmo se tivesse que dar marcha atrás.

—É você já um pouco mayorcito para ir à escola, não crie, senhor López?

—Sou dos que o deixam tudo para o último momento —disse enquanto se dirigia ao perchero. Pendurou seu chapéu e a seguir se tirou o cinturão, consciente em todo momento de que todos os que estavam no sala-de-aula o observavam. Deixou suas pistolas também penduradas de um dos ganchos e se deu a volta. Com um sorriso zombador, atreveu-se a dizer—: Possivelmente aprenderei mais rápido por ser maior.

Não havia nenhuma carteira vazia ao lado do Chase ou de Índigo, Peter, o pequeno ruivo, devolveu-lhe o sorriso a Veloz. Como havia um sem ocupar detrás daquele moço, Veloz se encaminhou para ele. Embora conseguiu sentar-se finalmente, tinha dúvidas sobre se poderia sair dali mais tarde. A lembrança da Amy apanhada na janela lhe veio à mente e não pôde evitar um novo sorriso. Imediatamente, ela se fixou em seu nariz, ainda torcida. Como estava quase seguro de que Amy não podia ler seus pensamentos, pensou que talvez rir ia contra as regras. mordeu-se o lábio e tratou de mostrar-se sério.

O silêncio começava a ser incômodo. Veloz se perguntava se Amy recuperaria a compostura ou se ficaria encantada olhando-o todo o dia. ficou cômodo recostando-se no banco e se foi relaxando pouco a pouco. Pode que não fosse aprender nada, mas as vistas de ali eram impressionantes. Não podia imaginar uma melhor maneira de ver acontecer os dias. Uma vez mais, examinou-a de cima abaixo, sem lhe tirar os olhos de cima.

Transcorridos uns instantes, Amy chamou a atenção de seus alunos com um par de palmadas, e não duvidou em situar suas mãos justo onde terminavam os botões de seu sutiã, como se tivesse adivinhado onde tinha ele posta a atenção. ruborizou-se ligeiramente, o que criou um bonito contraste com a sobriedade de seu vestido cinza.

—Bom, pois...

Amy parecia desconcertada, como se tivesse esquecido o que estava dizendo. Seus olhos se enfureceram e adquiriram um tom azul de tormenta, e ele sabia o que aquilo significava. Quando se zangava, seus olhos sempre se voltavam mais escuros e rebeldes.

—Quão último faria neste mundo seria mandar a um novo aluno de volta a sua casa, assim, senhor López, se na verdade deseja aprender, este é o melhor lugar para fazê-lo.

Não havia dúvida de que inclusive ela desconfiava da sinceridade de suas palavras. Veloz se esqueceu de que rir poderia ir contra as regras. A verdade é que, à medida que passava o tempo, o passava cada vez melhor. Passar horas e horas paquerando com a Amy Masters e fazer que se ruborizasse era muito mais do que um comanche podia sonhar.

Amy fez gesto de recuperar a normalidade e voltou para sua mesa. Procurou com energia seus apontamentos, que provavelmente se ficaram debaixo daquele sem-fim de folhas de deveres que seus alunos lhe acabavam de entregar. Sim, aritmética. Mas ela nem sequer podia recordar a lição de hoje. Veloz López em sua classe? Notou que voltava a aterrorizar-se sem razão alguma. Ele se sentaria ali, diante dela, olhando-a todo o dia... Estava segura disso. Queria aprender a ler e a escrever com o mesmo entusiasmo com o que os porcos desejam voar.

Finalmente, Amy conseguiu encontrar suas notas. Sujeitou-as bem com uma mão e se aventurou a dirigir-se de novo à classe. Veloz a percorria devagar com os olhos do peito até a cintura, para continuar descendendo com total naturalidade. Voltou a sentir-se furiosa. Quão único procurava era atormentá-la. Muito bem, pois então cortaria de raiz aquela situação sem sentido. Poria-lhe tantos exercícios para fazer em casa que se teria que ficar acordado até altas horas da madrugada para terminá-los. Em pouco tempo, compreenderia que aquele era seu território e que, a diferença de sua casa, aquele lugar era sagrado, a não ser que de verdade queria sacrificar sua vida por aprender.

Ainda sem saber como, Amy conseguiu recuperar o ritmo da classe de aritmética e se alegrou ao ver que cada grupo tinha compreendido as instruções e que estavam concentrados em resolver os problemas. Depois, aproximou-se do senhor López com o livro de aritmética na mão. Sua decisão de perturbá-lo e cansá-lo-se veio ao traste quando se deu conta de que logo que podia reconhecer nem um número, exceto os que apareciam nas cartas de pôquer. Decidida a não baixar o guarda, agarrou uma cadeira e se sentou a seu lado.

—O melhor será que comecemos pelo princípio —afirmou com severidade, convencida de que não deixaria que seu olhar jaqueta se cruzasse com a sua.

Veloz deixou de observá-la e olhou para as páginas do livro. Quando viu o que se teria que enfrentar, não pôde evitar soltar pelo sob um «Diabos!».

Lhe lançou um olhar reprobatoria, por isso ele se deu a volta para os outros alunos e pediu desculpas por aquele deslize.

—Está você na escola —lhe recordou—. Nunca o esqueça.

—Sim, senhorita. —Veloz viu que aquele olhar podia lhe matar e sorriu—. Pois comece com a primeira lição, senhorita Amy.

Amy não sabia como o tinha conseguido, mas Veloz fez que aquelas palavras soassem em sua cabeça com um certo tom sensual. Imediatamente, começou com o primeiro tema, sem logo que mostrar compaixão por ele, lhe obrigando a fazer exercícios durante e depois das horas de classe. Um deles, por exemplo, consistiu em escrever cem vezes os números do um aos vinte. Como Veloz jamais tinha pego um lápis, pensou que solo aquele exercício lhe levaria uns quantos dias, provavelmente até a semana seguinte. Pela primeira vez, sentiu-se superior ante ele e deixou esboçar um vingativo sorriso em seu rosto.

 

—O que pretende? Que as o Novo Testamento em uma semana? —perguntou-lhe Loretta aquela tarde ao ver como Veloz tratava laboriosamente de escrever todos aqueles números—. Cem vezes o primeiro dia? Não poderá pegar olho em toda a noite.

Veloz estirou os dedos depois de havê-los tido tanto tempo apertados, enquanto observava a horrível «J» que acabava de terminar.

—passei noites em vela muitas vezes. É bom que me mande tanto trabalho; aprenderei rápido.

Loretta fez um gesto de desaprovação.

—Eu acredito que o que tenta é te desanimar, isso é exatamente o que busca. O que está fazendo não é próprio dela. Normalmente é uma professora muito entregue a seu trabalho. —Loretta aproveitou aquele momento para lhe dar um tapinha no ombro—. Não se preocupe. Falarei com ela.

—Não. Isto é entre ela e eu, Loretta.

—Mas...

—Não —repetiu educadamente—. Não seria justo. A quem acudiria ela para pedir ajuda? A ti, a Caçador, ao delegado. Loretta, é nossa pequena batalha pessoal. nos deixe lutar em nosso terreno.

—Mas isto é diferente. Tem o mesmo direito a aprender que outros, e está convertendo-o em algo impossível deliberadamente.

—Sobreviverei —lhe garantiu Veloz—. E não penso me render. me deixe fazer isto a minha maneira. Quando Amy se dê conta de que quero aprender, ensinará-me como é devido, mas tem que vê-lo com seus próprios olhos.

 

Amy caminhou lentamente para sua cama e se deteve na janela. Esfregou uma esquina do cristal embaciado e olhou atentamente à casa dos Lobo através da escuridão. Ainda se podia vislumbrar um raio de luz que provinha do salão. Sorriu e se foi à cama, contente ao saber que Veloz jamais poderia terminar todos aqueles exercícios para o dia seguinte, não em uma noite. Mais ainda, jamais admitiria sua derrota frente a toda a classe. Sabendo-se quase livre, ao menos em sua mente, de ter a Veloz López em sua classe, Amy se acomodou cuidadosamente e fechou os olhos. O sonho se apoderou dela quase imediatamente.

Através de uma tumultuosa neblina, Amy voltou atrás no tempo. E não só a seu passado. Com as bonecas atadas aos rádios da roda de um vagão, viu-se si mesmo observando a sua classe, e não ao horizonte que desenhava a pradaria. Desesperada-se, e sabendo que os comancheros chegariam logo, lutava tratando de desatar o couro que a mantinha capturada.

—me ajude, Jeremiah! —gritava—. Chase, Índigo, que alguém me ajude!

Umas mãos a agarraram por forma cruel pelas coxas, apertando-os fortemente com os dedos. Jogou a cabeça para trás. Veloz sorria de acima, enquanto seus olhos desprendiam um brilho malicioso.

—Veloz, não! Você não!

—É minha —disse ele, rendo-se dela ante seus inúteis esforços de escapar de suas mãos—. Lhe adverti isso, não? Prometeu-me que o tentaria. Não me voltará a dar tantos exercícios, verdade, Amy?

Doía-lhe o corpo. Movia a cabeça de um lado ao outro e gritava com força; era sua única forma de defender-se contra aquela agonia que a corroía...

Amy despertou agitada; logo que podia respirar, e suas mãos estavam enredadas no edredom. Durante uns instantes, realidade e ficção pareceram fundir-se. Ao olhar a seu redor, a magia do sonho se rompeu. sentou-se, incorporando o corpo e, levando-as mãos à cara, assustou-se ainda mais.

—OH, Deus.

Amy se encolheu uma vez mais e soube que aquele pesadelo era fruto de seus remorsos. Obrigar a Veloz a fazer tantos exercícios não tinha estado bem. Tinha a obrigação de ensinar a qualquer que viesse a ela para pedir-lhe e quão único estava conseguindo era desanimar a Veloz. Se deixava que sua vida pessoal se mistura-se em seu trabalho, deixaria de ser uma boa professora. E ensinar era sua vida.

 

Veloz se dava golpecitos na cabeça, enquanto escutava um som que se repetia uma e outra vez. Observou a Caçador ao outro lado da mesa, que estava reduzindo o fogo, e lhe perguntou:

—Têm felinos grandes nestas terras?

—Pumas —respondeu Caçador, sem deixar de atender o que estava fazendo.

—Acredito que ouvi um. —Veloz examinou a Caçador, perguntando-se como ele se deu conta e seu amigo não—. O ouviste? assemelhava-se a uma mulher gritando. O suficiente para te pôr os cabelos de ponta, se não soubesse que se trata de um animal.

—Não era um puma.

—Então que demônios era?

Caçador deixou a tocha ancorada em uma parte de madeira.

—São sons que escutamos às vezes, mas não é nada do que tenha que preocupar-se, Veloz.

—De que tipo de animal se trata?

Loretta deixou de balançar-se na cadeira de balanço e parou de observar seu novelo de lã para lançar um olhar inquieto a seu marido.

—Não é um animal —afirmou Caçador com tom solene.

Veloz deixou cair o lápis, como se um comichão estranho lhe percorresse o corpo. Observou as caras de preocupação de ambos e, imediatamente, levantou-se sobressaltado da cadeira.

—Não —lhe disse Caçador, sem levantar o olhar de sua tocha—. Agora está acordada, e logo lhe passará. É mais fácil para ela se fazemos ver que esses pesadelos não existem. Não pode evitar gritar e lhe envergonha que outros a ouçam.

—Mais fácil? —respondeu Veloz enquanto fechava os punhos—. Jamais ouvi ninguém chiar assim. Não deveria estar alguém com ela?

Finalmente, Caçador levantou a cabeça, embora não para dirigir-se a Veloz, a não ser para olhar o chiado das chamas.

—Você tampouco sabe o motivo pelo que grita dessa maneira. Se pudesse estar com ela, em seus sonhos, possivelmente poderia ajudá-la, mas não é assim. E agora o pesadelo se terminou.

 

À manhã seguinte, Amy pôde saber em que momento entrou Veloz na escola. respirava-se um ar distinto; era como esse estranho sentimento que chega justo antes da tormenta, quando o ar resulta muito denso para respirar normalmente, quando todos os animais ficam em silêncio, esperando. Inclusive os meninos permaneciam calados, algo muito extraordinário. Amy não levantou o olhar de sua mesa até que viu uma mão de pele escura que acontecia diante de sua cara.

—Meus deveres —disse com carinho.

Quase tremendo, Amy aceitou aqueles fólios. Jogou-lhes uma olhada rapidamente para comprovar se os exercícios pareciam. Tudo estava terminado. Com medo de lhe olhar, mas incapaz de não fazê-lo, elevou o olhar e observou seu rosto cansado.

Seu nariz parecia estar melhor hoje, mas essa era a única melhoria. Embora não tivesse refletido sua cara a larga noite sem dormir que tinha passado, tivesse sabido de igual modo que não tinha pego olho simplesmente porque os tinha entregue. Inclusive o menor esforço, tendo em conta sua experiência, lhe teria levado horas. Ao mesmo tempo, Amy se deu conta de que tinha vindo sem chapéu nem pistolas.

—Acredito que os tenho feito bem —afirmou.

Sem poder logo que pronunciar palavra, Amy assentiu com a cabeça. Veloz esperou uns instantes, como se aguardasse algum comentário, mas logo se deu a volta e voltou para carteira onde se sentou no dia anterior. A Amy levou um momento corrigir seu trabalho. Duas mil e seiscentas letras perfeitamente desenhadas. As lágrimas começaram a descender por suas bochechas. A seguir revisou os números. Sabia, sem nem sequer contá-los, que tinha escrito os dois mil. Veloz, o guerreiro comanche, o caçador, o bandoleiro? humilhou-se a si mesmo indo até ali no dia anterior, situando-se ao mesmo nível que os meninos... mas jamais pensou que chegaria tão longe.

Ao ver que não tinha outra alternativa, Amy o buscou entre a classe com o olhar e disse:

—Tem-no feito tudo perfeito, senhor López. É mais, eu diria que se merece uma matrícula de honra em cada um dos exercícios.

—E isso é bom?

Alguns dos meninos soltaram uma pequena gargalhada, mas Amy os olhou recriminando seu comportamento.

—É a maior nota que pode conseguir um estudante. Significa que o trabalho que tem feito é mais que excelente.

Veloz procurou uma posição mais cômoda em sua banqueta. Os olhos lhe brilharam de orgulho ao escutar as palavras da Amy. Lhe respondeu com um leve sorriso. Escrever letras e números podia lhe parecer um jogo de meninos, mas para Veloz supunha toda uma proeza.

Emocionada, levantou-se da mesa. À margem de todo aquilo, ela era, por cima de todas as coisas, uma professora. E Veloz queria aprender. Nenhum homem se teria comportado como um escravo por capricho. Poderia rechaçá-lo sem nenhum remorso quando ele se aproximasse dela como um pretendente, mas não podia fazê-lo agora que tinha vindo sem chapéu nem pistolas a lhe pedir que fizesse o único para o que Deus a tinha dotado neste mundo. Parecia que a partir de agora, haveria um aluno mais na classe.

 

Amy atribuiu a Veloz muitos menos deveres aquele dia. Quando se terminou a classe, ele esperou a que os meninos se fossem aproximar-se até sua mesa. Ela, por sua parte, permaneceu imóvel, sem nem sequer poder olhá-lo, desejando que se partiu com outros e lhe tivesse economizado a necessidade de fazer o que sabia que devia fazer.

—Veloz, eu, isto... —Amy levantou a cabeça—. Te devo uma desculpa. Ontem te pus tantos exercícios porque pensei que, desse modo, não voltaria para a escola. —Esperou uns instantes se por acaso ele tinha algo que dizer, mas não abriu a boca—. O sinto na alma, de verdade. A partir de agora, tratarei-te como a outros.

—Agradeço-lhe isso. —Olhou-a com ternura, mostrando um brilho distinto ao da brincadeira do dia anterior—. É verdadeiramente importante para mim aprender a ler e a escrever.

—Eu... Eu nunca pensei que...

—Bom, pois agora já sabe. —Examinou-a por um momento—. Quando me disse que eu já não vivia no Texas..., tinha razão. Se quero cuidar de ti, tenho que procurar um oco nestas terras.

—É um maravilhoso esforço por sua parte, tendo em conta que não sabe se terá alguma recompensa.

Imediatamente, devolveu-lhe um sorriso.

—Isso é o que você pensa, mas eu sim que tenho alguma garantia. Dois, de fato.

—Dois?

—Por um lado, prometeu-me que te casaria comigo e, por outro, a outra noite me prometeu que poria de sua parte e o tentaria se eu também o fazia. Quando subi as escadas desta escola, eu pus já de minha parte.

—Que esperas de mim em realidade, Veloz?

—É a ti a quem corresponde responder a essa pergunta. O quando também depende de ti. Não te vou forçar mais, ao menos não como o tenho feito até agora. Jamais quis te fazer sentir apanhada em um beco sem saída.

deteve-se e pigarreou para esclarecer voz.

—Deu-me sua palavra de que o tentaria, e confio em que isso fará.

 

Ao longo dos seguintes dias, Amy pôde dar-se conta de quanto amaldiçoava o dia em que tomou a decisão de deixar que Veloz entrasse em formar parte de seu grupo de alunos, e começou a detestar seu trabalho como jamais o tivesse imaginado ao aceitar o desafio. Veloz se esforçou por aprender com a mesma tenacidade com a que uma vez se implicou na guerra comanche. Embora nem por um instante pensou em duvidar de sua sinceridade, Veloz não era um homem de idéias fixas. O principal motivo pelo que queria aprender era ganhar sua avaliação; de fato, esse seguia sendo seu único objetivo, por cima de tudo, ao igual a ao princípio.

Como estavam todo o tempo rodeados de meninos, as táticas de Veloz eram mais sutis, mas tinham o mesmo efeito devastador na Amy. Enquanto dava sua aula, ele observava cada um de seus movimentos e nunca desperdiçava qualquer oportunidade que lhe apresentasse para tocá-la. Em uma ocasião, inclinou-se para ele para lhe ajudar com seus exercícios, e Veloz girou a cara para que uma de suas bochechas roçasse com seu peito. Às vezes, Amy se perguntava se necessitava realmente ajuda na hora de escrever, ou se simplesmente queria sentir como seus dedos apertavam os seus.

Embora a professora que havia em seu interior não podia evitar admirar a determinação de Veloz de aprender e, embora se sentia orgulhosa de ser testemunha de seus avanços, Amy também lamentava a capacidade que aquele homem tinha para trocar sua vida por completo. Jeremiah, quem tinha demonstrado ser um aluno exemplar, agora se dedicava a incomodar durante as classes, fruto de seu ciúmes de Veloz. O pequeno Peter Crenton, cujo pai o maltratava, chegou ao colégio cheio de moratones uma manhã e não foi a ela para procurar refúgio, tal e como estava acostumado a fazer habitualmente. As jovencitas incluso tinham começado a dizer coisas sem sentido diante de Veloz, a fim de ganhá-la atenção do menino mais atrativo da classe.

E se por acaso todo aquilo fora pouco, um dia depois de classe, um grupo de mães visitou a Amy lhe fazendo saber sua preocupação pelo caráter mais que questionável de Veloz e a influência que estava exercendo em seus meninos. além de lhes garantir que o comportamento de Veloz nas classes era exemplar, Amy se deu conta de que inclusive estava defendendo seu direito a gozar de uma educação como outros, o que contribuiu a confundir seus sentimentos ainda mais. Estava pondo em seu risco posto como professora na escola por deixar que Veloz assistisse às classes?

Amy se passou um bom momento refletindo a respeito de por que se rebelou contra aquele grupo de mães. Podia ser que estivesse começando a sentir-se novamente atraída como Veloz? estremeceu-se tão solo de pensá-lo. Não lhe incomodava que queria ter uma educação, mas não podia evitar desejar que fosse à escola no Jacksonville, longe dela.

na quarta-feira, justo uma semana depois de que Veloz começasse a ir às classes, era o dia do jogo das letras, que se celebrava cada mês no colégio. Como Veloz não tinha nem a experiência nem o nível necessário para ser rival no concurso, Amy quis justificá-lo diante de todos para que não participasse do jogo antes de que os meninos escolhessem os dois capitães e começassem a dividir-se em grupos. Entretanto, quando anunciou que ele não participaria, os meninos começaram a resmungar e queixar-se dizendo «Isso não é justo!». A regra de ouro sempre tinha sido que todos os alunos da classe deviam participar do jogo das letras, e os meninos não queriam que esta vez se fizesse uma exceção.

—Não se preocupe, senhorita Amy —interrompeu Veloz quando ela tratava de explicar a situação—. As regras são as regras.

Amy sabia que Veloz não tinha nem a mais remota idéia de onde se estava colocando e esteve a ponto de voltar a insistir em que, por esta vez, não participasse. Não obstante, lhe ocorreu que possivelmente este era o momento que tanto estava esperando. Tinha tentado convencer a Veloz de que não o fizesse, mas tinha sido ele quem tinha insistido...

—Está bem, meninos —anunciou finalmente—. Escolhamos aos capitães.

Não fez falta esperar muito tempo para ver em que direção se decantariam as coisas. Veloz foi o último em ser eleito, e Jeremiah não teve mais remedeio que aceitá-lo em sua equipe por ser o único que ficava. Veloz se colocou do lado da classe capitaneado pelo Jeremiah, onde sua alta silhueta se desenhava em contraste com a fila de meninas com tranças que estavam a seu lado. Parecia disposto a algo, embora seu corpo seguia em tensão. O certo é que, na verdade, não tinha nem o menor pressentimento do que ia acontecer durante o jogo. Ele sempre tinha conseguido ser o vencedor em duelos e batalhas por meio da força, a agilidade, a velocidade e o engenho, mas, infelizmente, a acuidade de Veloz não estava acostumada a lutar com este tipo de justas.

—As perguntas deveriam ser fáceis para o senhor López —sugeriu Jeremiah—. Do contrário, não seria justo.

O rosto de Veloz trocou drasticamente. Amy sabia que, até o momento, ninguém tinha feito tais concessões a respeito de sua pessoa, e agora era um menino o que estava hiriendo seu orgulho. Amy se odiava por ter permitido que as coisas chegassem tão longe. Veloz se sentiria enrolado inclusive pela palavra mais simples, e ela tinha permitido que se encontrasse naquela situação, como um cordeiro ao que estão a ponto de degolar.

O jogo das letras começou. A expressão de Veloz se alterou quando Amy pronunciou a primeira palavra. O primeiro turno foi para a equipe de Índigo, a melhor aluna em ortografia. Sem problemas, soletrou a palavra «furão». A seguir, Amy se dirigiu à equipe do Jeremiah, com a vista posta em Veloz. Ele a correspondeu com um gesto solene que, contudo, deixava adivinhar seu nervosismo. A expressão que se ocultava atrás de seu olhar só se poderia descrever como doída. Inclusive possivelmente acusadora. Parecia que começava a compreendê-lo tudo.

Muito a mérito dele, Veloz manteve sua integridade habitual e se enfrentou a aquela humilhação que seguro que cairia sobre ele como o guerreiro que era e que sempre tinha sido. Quando por fim chegou seu turno e Amy teve que lhe pedir que soletrasse uma palavra, sentiu-se como esse inimigo que está a ponto de destruir a seu maior rival. Ele levantou a cabeça, com olhar orgulhoso, e a olhou. Enquanto procurava uma palavra, qualquer palavra da que ao menos conhecesse sua ortografia, a Amy lhe ocorreu dizer seu nome, já que ele mesmo o tinha escrito muitas vezes em cada um dos exercícios que lhe mandava para praticar em casa.

—«Veloz» —disse Amy, quase tremendo.

Um dos meninos riu. Amy se ruborizou e suas bochechas se voltaram de um vermelho ardente.

—É uma palavra totalmente válida. Significa rápido e de pés ligeiros.

Veloz tragou saliva e manteve a compostura, sem separar a vista da Amy.

—B-E-L-Ou-Z —soletrou rapidamente.

Amy sentiu que lhe caía a alma ao chão quando alguns meninos começaram a rir a gargalhadas.

—Nem sequer é capaz de soletrar bem seu nome —gritou um deles.

—Beeeeeeeloz! —acrescentou outro burlando-se dele enquanto imitava o balido de uma ovelha.

Uma das meninas saiu em sua defesa.

—Quase o diz perfeito. Tão solo confundiu a «v» com a «b».

—Isto não é justo —disse Jeremiah com raiva—. Nossa equipe vai perder porque um dos nossos é estúpido. O que está fazendo aqui, na escola, além disso? Se queria aprender de verdade, teria que havê-lo feito faz muito tempo.

antes de que Amy pudesse reagir, Veloz se fez a um lado e se separou da parede. Durante um instante, seus olhares se cruzaram e permaneceram imóveis o um fronte ao outro. Foi então quando soube que Veloz estava mais doído por sua traição que por ter feito o ridículo. ficou na mesma posição uns instantes e, depois, sem mediar palavra, foi da classe e fechou a porta com cuidado, como se não tivesse passado nada. Amy ficou paralisada, sujeitando com força seu livro e repetindo-se mil e uma vezes o mesmo: esta vez tinha ganho, mas em troca do que?

As gargalhadas dos meninos se multiplicaram em sua cabeça. Por um lado, Amy compreendia o gracioso que lhes podia ter resultado Veloz: um tipo alto, grande e perigoso, apanhado em uma carteira muito pequeno para ele e lutando por agarrar adequadamente o lápis com suas enormes mãos. Entretanto, aquela atitude zombadora não tinha perdão.

—Basta! —gritou.

Toda a classe ficou em silêncio. Índigo também se separou da parede, com seus grandes olhos azuis bem abertos. aproximou-se de sua carteira e agarrou seus livros da escola. Depois, voltou a olhar a Amy e disse:

—Isto é o mais rasteiro que vi em minha vida. O mais rasteiro. —E atrás dessas palavras, saiu correndo da escola, fechando a porta com tal força que a portada ressonou em toda a classe.

Sem saber verdadeiramente o que fazer, Amy decidiu dar o jogo por terminado e acabar as classes antes, o que uma vez mais, deu pé a que Jeremiah soltasse outro de seus comentários.

—Meu papai diz que saímos antes da escola desde que o senhor López está aqui, assim ao melhor já não viremos mais. E disse também que a junta da escola vai contratar a uma nova professora se isto seguir assim.

Uma vez mais, Amy ficou paralisada ao ver como seus alunos saíam um a um pela porta. Possivelmente Terra de Lobos devesse contratar a uma nova professora, a alguém que soubesse separar sua vida pessoal de sua vida profissional.

—Tia Amy?

A voz rouca do Chase devolveu a Amy à realidade. deu-se a volta, embora se sentia estranha ao estar de novo no mundo real, e se fixou nas belas facções do Chase. Por fim, seus olhares se encontraram.

—Índigo não quis dizer isso —lhe advertiu.

Amy deu um passo inseguro para sua mesa.

—Temo-me que sim, mas não a posso culpar. Foi muito cruel por minha parte deixar que a situação chegasse tão longe.

—Ele também foi cruel contigo.

Desconcertada, observou ao Chase como nunca o tinha feito. Até aquele momento, sempre o tinha visto como um menino, mas agora, olhando-o aos olhos, deu-se conta de que aquele pequeno ao que tinha entretido com histórias infantis durante tanto tempo se converteu em todo um jovencito.

Chase se ruborizou e se encolheu de ombros.

—No fundo, eu sei que ele não quer atuar dessa maneira, solo que para ele é... —Apartou o olhar—. Índigo é muito pequena para entender estas coisas, assim nem sequer entendeu o que está passando. Sei que o tio Veloz te esteve fazendo acontecer maus momentos.

As lágrimas quase lhe impediam de ver com claridade.

—Obrigado por seu apoio, Chase —disse tratando de controlar suas emoções.

Ele se voltou a encolher de ombros, incômodo pelo novo papel de menino adulto que estava desempenhando, inclusive embora fora durante um par de minutos.

—Mamãe nunca nos há dito exatamente o que é o que te passou, mas os ouvi murmurando quando ela e meu pai acreditavam que já estava dormindo. —umedeceu-se os lábios e prosseguiu—. Sei que sente que deixamos que cuidar de ti, mas eu... —pestanejou e se aproximou dela— eu te quero, tia Amy.

Segundos depois, Amy se viu abraçada pelo Chase, um abraço poderoso que quase a levantou do chão. lhe passando o braço pelo pescoço, devolveu-lhe o abraço, com lágrimas nos olhos, mas também com um bonito sorriso. A idéia de desafogar-se com ele era tentadora, mas Amy não o podia permitir. Caçador tinha deixado bem claro que estava do lado de Veloz. Não podia enfrentar a pai e filho.

—Eu também te quero, Chase —lhe disse logo que sussurrando—. Agradeço sua compreensão, mas merecido ou não, acabo-lhe de fazer uma coisa muito feia a seu tio Veloz. E tenho que arrumá-lo de algum jeito.

—Sei —disse enquanto a rodeava com seus braços uma vez mais—. Às vezes, a forma de atuar de meu pai faz as coisas ainda mais difíceis. Me alegro de que seja minha tia, porque levamos o mesmo sangue. O que não parece justo é que Veloz diga ser meu tio quando não o é. Ao menos não quando nos faz escolher entre você e ele. Solo queria que soubesse que eu não estou zangado contigo e que Índigo é muito pequena para entendê-lo. irei procurar a e falarei com ela. Acredito que quando o tio Veloz reflita sobre o que passou, também deixará de estar zangado contigo.

Amy fechou os olhos apertando-os bem forte. Sabia que Veloz não estava zangado, a não ser doído.

—Falarei com ele.

—Quer que vá contigo?

Amy se afastou, secando-as lágrimas e limpando-a nariz.

—Não, obrigado. Isto é algo que tenho que fazer eu sozinha.

—Está segura? Sei que lhe tem um pouco de medo.

O olhar preocupado do Chase fez que Amy não sorrisse. De verdade pensava que se sentiria mais segura com ele a seu lado diante de um homem da talha de Veloz? Seria como lançar um pedaço de carne à jaula dos leões.

—Em realidade, Chase, seu tio Veloz e eu somos velhos amigos.

Não era nenhuma mentira. Ela e Veloz tinham sido amigos uma vez. Grandes amigos, como solo os meninos podem sê-lo. Agora ele se converteu em um homem, ela em uma mulher, e suas vidas, tão diferentes, conformavam o muro que os separava. Embora, com muro ou sem ele, entre eles ainda existia a lembrança. Amy sabia que Veloz tinha crédulo nela quando o deixou participar do jogo. Ela o tinha traído, não pelo que havia dito ou feito, mas sim pelo que tinha deixado de fazer ou de dizer.

                                                       Capítulo 9

Amy encontrou a Veloz nos subúrbios do povo, sentado à sombra de um madroño, com as costas apoiada em seu tronco avermelhado, uma perna estendida e seus braços musculosos ao redor do outro joelho, que tinha flexionada. Ao vê-lo rodeado de natureza, com sua escura juba ao vento e com o olhar fixo no horizonte, voltou atrás no tempo. Durante uns instantes, embora breves, pôde ver aquele jovem ao que uma vez tinha amado com loucura: seu rosto majestoso, aquela sabedoria que enchia seus olhos, o gesto pensativo e solene de sua expressão. Antílope Veloz era agora um orgulhoso contumaz, às vezes intolerablemente arrogante, educado para ser um guerreiro, um caçador, um cavaleiro sem igual. E ela tinha permitido que um grupo de meninos o humilhasse.

Para ele, haver-se rebaixado a que lhe tratassem como a um estudante mais, a sentar-se durante horas diante de uma professora que apenas lhe ensinava nada, tinha suposto um grande esforço. Ao pensar nisso, Amy incluso duvidava de se, na verdade, tinha podido lhe ensinar algo. Ela podia havê-lo evitado tudo. Tinha tempo suficiente depois das classes para lhe dar aulas particulares e, em lugar disso, tinha-o obrigado a admitir publicamente sua ignorância, algo que nem sequer um homem branco tivesse estado disposto a aceitar jamais. O fato de que Veloz o tivesse feito, e que, além disso, tivesse-o feito principalmente por ela, fez-lhe sentir-se envergonhada: terrível e profundamente envergonhada.

aproximou-se dele devagar, observando uma vulnerabilidade em seu amigo da infância que jamais tinha visto até aquele momento. Não podia partir a viver ao Jacksonville com brancos desconhecidos e ir à escola. Fazer algo assim lhe seria tão fácil como a ela começar a freqüentar o botequim e ganhá-la vida como o fazia Mai Belle.

Ao caminhar, pisou em umas quantas ramos e folhas secas próprias do outono, sabendo o ruído que estava fazendo para aproximar-se dele. E sabendo também que ele se deu conta de que estava ali, embora não fizesse nada por demonstrar-lhe Durante un buen rato, permanecieron sentados en silencio. Amy no estaba segura de lo que iba a decir y cuando por fin encontró el valor para hablar, sus palabras le parecieron penosamente inadecuadas.

—Veloz?

Ele não trocou de posição e manteve seu olhar fixo no horizonte. Tragando-se seu próprio orgulho e com um grande desgosto, sentou-se a seu lado. O vento fez voar as folhas a seu redor, formando uma espiral de tons alaranjados e amarelados, maravilhoso e triste ao mesmo tempo, pois para ela o outono supunha o fim da primavera, e em sua vida supunha o fim da infância e a beleza.

Durante um bom momento, permaneceram sentados em silêncio. Amy não estava segura do que ia dizer e quando por fim encontrou o valor para falar, suas palavras lhe pareceram penosamente inadequadas.

—Sinto muito, Veloz.

Finalmente, ele reagiu, mas nem sequer se incomodou em olhá-la.

—Sei.

A Amy doeu esta atitude. esperava-se algo menos isso. Respondeu-lhe que sua intenção não tinha sido lhe fazer danifico, mas não era de tudo certo e, se havia algo que tinham em comum os dois, era seu amor pela honestidade.

—Era tão incômodo para mim te ter em classe. Queria me desfazer de ti.

—E o conseguiste. Não penso voltar.

Amy se mordeu os lábios até que seus olhos se encheram de lágrimas, mas, esta vez, a dor não pôde com ela.

—Veloz, poderia-te dar classes particulares, depois da escola.

—Não servirá de nada, Amy —suspirou, mostrando um gesto de derrota que feriu ainda mais a Amy—. Jeremiah tem razão. Sou muito estúpido para aprender. Não tem nem idéia do muito que me esforcei para fazer os exercícios corretamente. Nunca me aprenderei isso de cor, de maneira que possa soletrar qualquer palavra. Dei-me conta hoje mesmo. Tenho sorte de ter aprendido a falar inglês tão bem, mas tampouco isso foi fácil para mim. Tive que praticar todo o tempo enquanto cavalgava de um lado a outro da fronteira.

—Você não é estúpido! —gritou-lhe—. E não pensaria que o é se te tivesse dado uma oportunidade.

Ele seguia sem querer olhá-la. Enquanto o observava, Amy se deu conta de que ela não era a única que se havia sentido envergonhada. O que lhe tinha feito? Desde sua chegada a Terra de Lobos, unicamente se tinha preocupado de seus próprios problemas e sentimentos, esquecendo-se dos de Veloz. Quando possivelmente tinha a mesma capacidade para lhe fazer danifico que a que ele tinha tido com ela.

—Suvate, acabou-se —disse brandamente. Seus olhos escuros olharam por volta do campo aberto onde antes tinham estado as folhas secas e que agora o vento tinha varrido. depois de uns instantes, tragou saliva e acrescentou—: Antes que eu, outros muitos homens de grande peso tiveram a sabedoria suficiente para dizer estas palavras. Inclusive Quanah as acabou pronunciando.

—Quanah?

—Ele lutou durante a grande batalha em defesa de nosso povo e aceitou a derrota quando Mackenzie matou a nossos cavalos. Apoiei-o durante a batalha da Adobe Walls e sei que preferiria ter morrido antes que render-se, mas às vezes a morte não chega quando a desejas. O inverno, pelo contrário, sempre chega. Os recém-nascidos começavam a chorar de fome, e Quanah se rendeu para lhes dar a oportunidade de levar-se possivelmente algo à boca. —Ao falar lhe desenhou um sorriso na cara—. Não o venceram no campo de batalha, a não ser lhe deixando sem comida para sua gente. Foi um dos grandes guerreiros de todos os tempos, e foi o pranto dos meninos o que lhe fez abandonar as armas. É curioso, não crie? —levou-se os dedos da mão à orelha, como se estivesse escutando algo, saboreando o ar—. E eu fui derrotado por umas linhas escritas em um papel. Não sei por que vim aqui, Amy. O mundo ao que eu pertenço já não existe.

—Não —sussurrou com um tom um tanto brusco.

Ele sorriu, mas sem que houvesse em seus olhos rastro da calidez de outras vezes. De fato, Amy nunca tinha visto um olhar tão vazio. Ele a examinou por um momento, como se estivesse vendo tão solo uma lembrança e, continuando, voltou a desviar o olhar para o horizonte.

A Amy lhe fez um nó no estômago.

—Veloz, ao menos tem que tentá-lo. Não pode te render de qualquer jeito.

—Tentei-o, mas fracassei.

Aquele navio estava a ponto de naufragar. Amy adivinhou que ia persistir na idéia de abandonar com a mesma tozudez que tinha mostrado para outras coisas: não havia forma de lhe fazer trocar de parecer. Ela sabia o que tinha que fazer... se queria que ficasse. Pergunta-a era: de verdade o queria?

Durante uns instantes, o medo paralisou por completo a Amy. Até aquele dia, sempre tinha desejado que partisse, rezava para que assim fosse. As razões que tinha para fazê-lo seguiam sendo as mesmas. Aquele homem tinha a capacidade de desestabilizar a segurança de seu mundo e construir outro sob seu poder despótico, impondo regras a seu desejo. Se ficava, isso é justo o que faria. Era tão inevitável quanto chovesse durante a mais forte das tempestades. O que ninguém sabia era que, oito anos atrás, ela tinha sido vítima de um autêntico pesadelo e se jurou a si mesmo que jamais permitiria que ninguém a dominasse. ia deixar que esse vazio que sentia nos olhos de Veloz lhe fizesse esquecer sua promessa?

A desesperança pôde com a Amy, já que sabia que todas essas perguntas tinham uma resposta desde fazia muito tempo, toda uma vida, quando um arrumado jovem tinha acolhido a aquela menina chorã de doze anos entre seus braços.

Fechando suas mãos em um punho, inclinou-se para ele.

—Não seja estúpido, Veloz. começaste algo e agora deve terminá-lo. É a última pessoa a que pensei que poderia ver sentindo pena por si mesmo.

Imediatamente, ele a olhou, e ela se deu conta imediatamente de que tinha escolhido a tática correta, a única tática possível. Evitou pensar na confusão no que se estava colocando. O importante agora era que tinha cometido uma grande injustiça com ele, e desejava desesperadamente ter uma segunda oportunidade para remediá-lo.

—Nunca pensei que fosse dos que se rendem à primeira de mudança.

A Veloz começaram a lhe brilhar os olhos.

Ela riu pela metade.

—Não posso acreditar que me tenha tido tão atemorizada. Não trate de te sentir melhor comparando sua situação com a do Quanah. Ele tinha meninos que choravam, mas neste caso, o único que chora é você. te olhe, absolutamente abatido depois de uma mísera semana, te rendendo porque não conseguiste aprender em cinco dias o que a outros leva anos.

Tinha os olhos em chamas.

—Não sou um perdedor, e sabe.

—Sério? te olhe uma vez mais, choramingando pelas esquinas porque uns quantos meninos riram de ti. Não pertence a este mundo? Galinha! O que vais fazer então, Veloz? Voltar para o Texas e morrer de fome em uma reserva, sonhando cada dia com os tempos passados? Ou possivelmente voltar junto aos comancheros? Supostamente, vieste aqui para começar de zero. Hoje as coisas não foram bem, e o lamento. Ofereci-te inclusive classes particulares, e nem sequer o aceitaste. Em meus livros, isso se chama ser um perdedor.

—Tome cuidado com suas palavras, Amy.

levantou-se de um salto.

—Ah, claro, como não: me intimide e demonstra o macho e valente que é. Liberar uma batalha física comigo é o mais fácil que há no mundo mas, claro, aprender não o é. necessita-se valor para ficar diante de um livro cada dia. Seu problema não o tem entre as orelhas, a não ser entre o peito e as costas.

Finalmente, ele também se levantou pouco a pouco.

—Amy, advirto-lhe isso, não estou de humor para isto. Pode-me acusar de muitas coisas, e o entendo, mas não me chame covarde.

—Covarde, perdedor, fracassado... tudo é o mesmo. —Seus olhares se cruzaram de novo—. Estarei em minha casa amanhã às três em ponto, com os livros sobre a mesa. Se for verdade que não é um covarde, não me falta.

 

À tarde do dia seguinte, Amy caminhou de um lado a outro do salão, olhando repetidas vezes ao relógio. Passavam cinco minutos das três. Veloz não viria. Suspirou e se afundou no sofá de veludo azul escuro. «O mundo ao que pertenço já não existe.» Se não tinha conseguido convencer a Veloz de dar aos livros uma segunda oportunidade, levaria-se aquelas palavras à tumba.

haveria-se sentido mau por desanimar a qualquer pessoa que tivesse ido a ela para aprender, mas se sentia duplamente mal por haver falhado a Veloz. Por muito que lhe custasse admiti-lo, ele tinha sido sua salvação em uma ocasião, a única pessoa que se preocupou por ela o suficiente para passar horas e horas em sua companhia, lhe dando esperanças quando pensava que já não as havia, orgulhoso de havê-la tirado dali e de ajudá-la a recuperar sua auto-estima. E lhe tinha obsequiado com tudo aquilo com um cavalheirismo inigualável e com uma atitude incrivelmente pormenorizada e adulta, imprópria de um menino de sua idade.

Em troca, quando ele fugiu de sua vida no Texas e vinho a Terra de Lobos em busca de seus velhos amigos, ela o tinha desprezado, rechaçado e, por cima de tudo, tinha-o humilhado com desdenho. Pouco importava já no que se converteu nos últimos anos nem o que tivesse feito; não se merecia nada disso, e menos dela.

Amy se levantou do sofá, agarrou um xale e se cobriu os ombros. Possivelmente se falasse com ele uma vez mais, reconsideraria as coisas. aproximou-se até a porta e olhou fixamente os ferrolhos, com o coração em um punho e consciente das possíveis conseqüências do que estava a ponto de fazer. Se deixava as coisas como estavam, o mais provável era que Veloz deixasse Terra de Lobos e voltasse para o Texas. Seria uma estupidez fazer algo para evitar que isso acontecesse. Mas como ia deixar de fazê-lo?

Decidida, abriu os ferrolhos e, cobrindo-se com o xale grande para proteger-se da brisa fresca de outono, saiu até o alpendre. Assim que o fez, observou que algo se movia a seu lado. Ao girar-se, encontrou-se frente a frente com Veloz, que acabava de posar uma de suas botas negras no último degrau do alpendre. Seus olhares se encontraram, intercambiando mensagens que nenhum dos dois podia pronunciar; a dele mostrava seu aborrecimento e a dela, uma profunda sensação de alívio.

—vieste —disse finalmente.

Sem oferecer resposta alguma, continuou subindo o último degrau que lhe faltava, passou por diante dela e entrou na casa. Amy o observou com a boca quase seca. acostumou-se a controlar seus nervos quando a tratava bem. Seguiu-o até dentro e fechou a porta sem jogar o ferrolho, no caso de.

Ele se dirigiu à cozinha. Agarrou uma cadeira, girou-a e se sentou nela apoiando os braços sobre o respaldo. Amy caminhou cambaleando-se para ele, pretendendo sem êxito não parecer afetada por aquele comportamento impetuoso. Lançou-lhe um olhar penetrante e voltou a cabeça para a outra cadeira. Com o coração a ponto de estalar e tendo entendido a mensagem, agarrou-a e se sentou. colocou-se bem sua saia azul marinho e abriu o livro pela primeira lição. o ter aqui era o que ela queria, não? Esta era sua segunda oportunidade para lhe ensinar algo, e não ia permitir se um fracasso. Não poderia estar zangado de por vida, de todas formas.

Com grande determinação, Amy começou com a classe utilizando cartões de letras escritas por ambas as caras que ela mesma tinha preparado para este exercício. Levantou a que continha a letra A, explicou-lhe o que tinha que fazer e depois esperou enquanto ele a observava em profundo silêncio.

—Veloz, sei que pode reconhecer esta letra —lhe repreendeu—. Te vais pôr mãos à obra de uma vez ou não?

—Qual dos dois é mais covarde, Amy? —inclinou-se ligeiramente para ela—. Você me chama covarde por querer abandonar isto de aprender, e aqui estou, desejando que me ensine. Mas agora sou eu o que te chama covarde, por ter renunciado à vida. Tem o valor suficiente como para que eu seja o que te ensine um par de coisas?

Amy o olhava sem pestanejar, ainda com o cartão na mão.

Alcançou-a e a arrancou das mãos.    

—É uma A, como a da Amy.

Tratando de recuperar a compostura, viu como Veloz posava a carta sobre a mesa.

—Também pode levar uma H diante e ter o mesmo som, como em habitação. Ou ir ao final de palavra, como em cintura.

De repente, Veloz fixou seu olhar nela.

—Acredito que poderia rodeá-la tão solo com minhas mãos, se algum dia me deixa me aproximar de ti.

Amy tratou de atuar com normalidade e agarrou outra carta ao azar. Ele a examinou com certa indiferença e disse:

—Essa é uma T, como em traseiro ou tetas. Cravou os olhos em seu sutiã e arqueou uma sobrancelha—. Interessante, muito interessante.

—Também é uma T como em imbecil! —Amy se levantou bruscamente da cadeira, absolutamente decepcionada, envergonhada e cheia de ódio—. Já vejo que não vieste aqui para aprender. Se pensar que me vou ficar aqui uma hora agüentando este abuso verbal, está muito equivocado.

—Hei dito algo mal? T é a letra que conforma o som inicial de tetas. Acredito que o hei dito bem.

Amy deixou os cartões em cima da mesa com tal aborrecimento que atirou algumas ao chão. Veloz se agachou para as recolher.

—E este é o M de mel, seguro que assim sabe sua pele. —riu dessa maneira que exasperava a Amy—. Sim, toda como o mel, até o último centímetro.

—Acredito que já é suficiente.

—Não, carinho; assim é a vida.

—Ao melhor em seus livros. Mas eu sou feliz sem essa parte da vida, obrigado.

—Porque vive acovardada dia e noite, por isso. A Amy que eu conhecia era uma lutadora nata. Escapou-te e enfrentou a um grupo de comanches quando tinha doze anos, carregando um rifle maior que você. Lembra-te?

—A vida da Loretta estava em perigo. Não ficava outra.

—E agora é sua vida a que corre perigo, Amy, e a minha também. E nesta ocasião, tampouco fica outra porque não lhe penso dar isso maldita seja! A Amy que eu conheci não tinha medo de sua própria sombra nem renunciava ao que queria. vais permitir que o que te fez Santos arruíne sua vida? Já aconteceram quinze anos, e segue te torturando cada dia e cada noite. Luta, Amy. Enterra-o para sempre.

Amy respirava a tropicões, com força. Deu um passo atrás.

—Como te atreve a dizer que sabe o que quero? Tudo o que desejo, já o tenho, Veloz. —Assinalou a casa com a mão, tremente—. Uma casa, um trabalho que eu gosto, amigos. E quer que o atire tudo pela amurada? Para que? Para que possa me dizer o que dizer e quando? O que fazer e como fazê-lo? Ao melhor minha vida não é como você pensa que deveria ser, mas eu sou feliz assim.

—Seriamente? Sabe sequer o que te está perdendo aí fora? me deixe te mostrar tão solo um pedaço do que poderia ter. Alguma vez viu a Caçador e a Loretta, e desejaste ter isso? Uma casa, fogo na chaminé, meninos e sorrisos?

Deixou os cartões que tinha recolhido sobre a mesa.

—E esta é a Q, como a que há em Te quero. E eu te quero mais do que jamais poderei expressar com palavras. Quero demonstrar-lhe o de outra maneira, Amy. Da forma em que te beijo. Da forma em que te acaricio. Da forma em que te abraço. Deixará-me lhe dizer isso a minha maneira, embora seja sozinho uma vez?

Amy observou o cartão que estava de barriga para cima.

—Essa não é uma Q; é uma O.

Ele sorriu.

—Às vezes não te entendo.

—Pois já somos dois. Deveriam te lavar a boca com sabão.

—me olhe, Amy.

Ela sabia que não devia fazê-lo, que sua atitude era perigosa, e se sentia especialmente vulnerável, mas aquele tom de súplica pôde com ela. No momento em que seus olhares se encontraram de novo, um sem-fim de estranhas sensações a invadiram por completo.

—Prometi-te que o ia tentar porque agora vivo no mundo dos brancos e porque quero... —Fez uma breve pausa e a olhou fixamente aos olhos—. Porque quero ter uma vida, Amy. Uma vida de verdade. E você é minha última oportunidade. Terra de Lobos é minha última oportunidade. Entende-o? Se não poder consegui-lo aqui, entre amigos, onde diabos posso fazê-lo?

—OH, Veloz, não...

—Não o que? Que não te diga a verdade? Que não te faça sentir lástima por mim? Por Deus, Amy, poderia ganhar sua simpatia assim que quisesse.

Amy fechou os olhos apertando-os bem forte.

—Não, por favor.

—Crie que cavalguei mais de três mil quilômetros por capricho? vim em busca de minha vida, maldita seja! De minha vida!

levantou-se pela metade da cadeira, com as mãos apoiadas ainda no respaldo. O som que fez ao movera sobressaltou.

—E quando cheguei aqui, encontrei-te, viva e tão formosa como em meus sonhos. Não posso fechar os olhos e atuar como se nada. Não posso! E não porque seja um maldito cabezota e teimoso, mas sim porque não existe nada mais para mim. Nada. Entende-o?

O pior de tudo era que sim o entendia.

Veloz se destacou a si mesmo.

—Nada de cintas nacaradas, nada de pistolas, nada de esporas e nada de poncho. Barbeei-me. Loretta me cortou o cabelo ontem à noite. E estou aqui para tentar, uma vez mais, aprender a ler e a escrever. E você? O que tem feito para cumprir sua parte do trato? Prometeu-me que o faria. me diga, o que puseste que sua parte?

—Nada —admitiu ela. E rapidamente acrescentou—: Não sei como cumprir minha promessa. Cada vez que o penso, sinto-me...

—Sente-se como?

—Apanhada —disse com um suspiro.

—Prometeu que o tentaria —lhe recordou—. E esperei paciente, algo impróprio de minha natureza. Quero que tenhamos o mesmo tempo para cumprir nossas promessas, Amy.

—O que?

—O mesmo tempo. Aprenderei a ler e a escrever, mas em troca, tem que fazer um esforço para voltar a confiar em mim.

O primeiro que se aconteceu com Amy pela cabeça foi dizer que não, mas, de repente, deu-se conta de que, em realidade, parecia muito dúvidas. Estas duas últimas semanas, Veloz tinha feito verdadeiramente um esforço por trocar, tratando de fazer tudo o que estava em suas mãos por fazer as coisas bem por ela. Mas o mais importante era o que não tinha feito: não a tinha posto em cima de seu cavalo e a tinha levado com ele, como ela tinha temido em um princípio. Por não havê-lo feito, sua atitude para ele ia trocando pouco a pouco, algo que a atormentava e a fazia duvidar. O Veloz que um dia tinha conhecido seguia vivo baixo aquele perigoso e duro Veloz López? Se assim era, Amy ansiava encontrá-lo. Embora indecisa, e em que pese a que lhe custava admiti-lo, nunca tinha deixado de lhe amar.

—O mesmo tempo —se aventurou a dizer com tom dúbio—. A que te refere com isso exatamente?

—O mesmo tempo, tal e como sonha. Por cada hora que passe diante de um livro aprendendo, quero que você passe uma hora comigo.

Ela se mordiscou o lábio enquanto o observava, tratando de ler suas facções, mas não pôde adivinhar nada.

—Promete-me que não vai A...?

—Que não vou fazer o que? —perguntou-lhe carinhosamente.

Ela se armou de valor e se lançou a dizer-lhe —Creí que la idea era volver a empezar desde cero.

—A não me tocar enquanto estejamos juntos.

Seus olhos se cravaram nos seus.

—Não mais promessas, Amy. A graça de tudo isto é que confie em mim.

—Acreditei que a idéia era voltar a começar desde zero.

Ele sorriu.

—Exatamente. E não quero que milhares de regras entorpeçam o caminho.

Amy cometeu o engano de voltar a olhá-lo diretamente aos olhos e sentiu como se o ar absorvesse todas as faíscas que surgiam entre eles naquele momento, fazendo que lhe pusessem os cabelos de ponta.

—Dava que sim —lhe pediu—. Confia em mim, Amy; solo uma vez mais. Fez-o uma vez, faz muito tempo, lembra-te? E nunca perdi a fé. Pode apostar por mim uma vez mais?

Seu coração começou a palpitar com força.

—Já te prometi que alguma vez te farei mal —lhe recordou—. Se te detém um instante a pensá-lo, não crie que isso é suficiente para perder o medo que tem a que te passe algo?

Do ponto de vista da Amy, aquela promessa era, na verdade, suficiente. Quão único a aterrava era que Veloz e ela pudessem ter idéias diferentes do que significava fazer mal.

—Sim.

—Pois então?

umedeceu-se os lábios, sentindo que estava a ponto de cometer uma imprudência, como se houvesse algo maravilhoso esperando-a ao outro lado e tão solo tivesse que dar um passo para diante.

—Se disser que sim, dará-me a possibilidade de tomar meu tempo se não me sentir totalmente cômoda?

Veloz duvidou por um momento, como se estivesse meditando-o, e logo sorriu.

—Parece-me justo, sempre e quando não atirar a toalha quando ainda me deva tempo. De acordo?

—De acordo.

Durante um bom momento, ele a observou com atenção e, continuando, sussurrou-lhe de tal forma que logo que pôde lhe escutar:

—Não te arrependerá disto, Amy. Prometo-lhe isso.

Com as pernas ainda tremendo, Amy se sentou com certa rigidez na cadeira e reuniu de novo todas as fichas. Veloz a observava com ares de suficiência, sentindo-se a gosto consigo mesmo, e ela desejou que não se tratasse de um mau sinal.

Amy tinha preparado uma classe de uma hora, mas de um modo ou de outro, Veloz conseguiu alargar a hora até que foram dois. Ela suspeitava que o tinha feito a propósito, suspeitas que se confirmaram quando acabaram de fazer o trabalho. Ao momento, lhe pediu as duas horas que lhe correspondiam.

—Agora? —disse Amy enquanto observava a pequena janela que havia por cima deles—. Mas se já se tiver feito de noite. Loretta estará te esperando para jantar. Além disso, o que vamos fazer durante duas horas?

—Podemos ir dar um passeio... e falar. Disse a Loretta que chegaria tarde.

A Amy gostou de muito menos o momento de indecisão de Veloz antes de pronunciar a palavra «falar» que a piscada pícara e ruim que lhe tinha arrojado.

—Não posso ir dar um passeio depois de que anochezca. Nem pensar. Se a gente nos vir, já sabe o que vão pensar. Tenho que pensar em meu posto como professora.

—Quem nos vai ver estas horas? Crie que todo mundo observa o que faz e vigia o que acontece ao redor de seu alpendre através de suas janelas?

—Mas seguro que nos verão caminhando. A gente sim que caminha pelo povo depois de que anochezca.

—Não tenho nenhuma intenção de passear pelo povo.

Seus olhos se abriram como pratos.

—Então por onde pretende que caminhemos?

—Pelo bosque.

—O que?

—Confia em mim, Amy. —Rodeou-a com seu xale e a encaminhou para a porta—. Disso se trata, recorda? Confiança. De verdade crie que não penso em seu bem-estar?

—Simplesmente tenho medo de que tenhamos idéias diferentes do que é bom e o que não para mim —admitiu.

Ele riu e fechou a porta detrás de si. Amy caminhava a provas na escuridão, odiando-o cada vez mais.

—Veloz, logo será noite fechada, e já sabe o cega que me volto quando está todo escuro.

—Eu posso ver perfeitamente. —Apoiou a mão em seu ombro—. Não vou deixar que te caia, Amy. te relaxe. te lembre de quando fomos meninos, correndo livres pela borda do rio ao obscurecer. Agarrava a meu cinturão para poder seguir o caminho quando não via.

—Também recordo que tropeçou e nos caímos ao rio.

Guiou-a através das árvores. A escola, a aproximadamente duzentos metros dali, brilhava como um fantasma entre as trevas.

—Fiz-te tropeçar a propósito.

—Isso é mentira.

—É verdade. —Lhe mostrou seu olhar mais cálida—. Te roubei um abraço junto à borda, lembra-te?

Amy entrecerró várias vezes os olhos para tratar de ver o que havia diante deles.

—Veloz, o bosque está tão escuro. por que não passeamos perto do caminho?

—Não, não. Quero que caminhemos sozinhos, longe de onde nos possam escutar.

A Amy começaram a tremer os lábios.

—por que?

Aproximou-a dele quando viu que se aproximavam de uma árvore. Aproveitando o momento, levantou-lhe o braço e penetrou o seu ao redor de seu cotovelo. Sua mão, grande e cálida, deslizou-se por debaixo de seu xale até parar ao outro lado da cintura, com os dedos pedindo a gritos alcançar seu peito direito. Amy ficou mais rígida e lhe agarrou instintivamente a boneca.

—Confia em mim, Amy —lhe recordou—. Essa mão não vai se mover de seu sítio.

Imediatamente, observou o povo olhando por cima do ombro, ao mesmo tempo que lhe encolhia o coração ao comprovar que estavam já muito longe como para que alguém a ouvisse se gritava. Sentiu tensão na garganta. Contra sua vontade, deixou de agarrar a boneca de Veloz.

Duas largas horas lhe moravam e prometiam ser as mais angustiosas de toda sua vida. Ao momento, desejou não ter ido em busca de Veloz no dia anterior, nem ter desafiado seu orgulho para conseguir que ficasse. Mas, parva dela, ali estava, chutando o bosque com ele, tão pequena como era a seu lado, cega como estava, e indubitavelmente estúpida por lhe haver permitido cometer esta loucura.

Veloz a guiou até o riacho Shallows, embora isso de «guiar» era simplesmente em teoria, já que era tal a escuridão que já não podia se via nada. Um mocho ululou a seu passo e descendeu com um bato as asas até onde eles estavam, lhe pondo quase os cabelos de ponta. Por instinto, pegou-se ainda mais a Veloz e, quando a teve arranca-rabo mais forte, negou-se a voltar a soltá-la de novo. Seus quadris foram roçando as coxas dele à medida que caminhavam.

Amy pôde reconhecer logo o som da água. Chegaram a um claro, banhado pela luz da lua daquela noite, um resplendor que fazia que as árvores parecessem torres de prata e suas sombras se projetassem temerosamente na escuridão. Veloz a guiou até um grande tronco cansado e, sujeitando-a pela cintura, elevou-a para que se sentasse. Ela estendeu bem as mãos a cada lado, olhando-o nervosa ali abaixo, inquieta ao ver que os pés lhe penduravam em um nada sem saber o que havia debaixo deles.

Como uma sombra mais nesse bosque ameaçador de sombras, Veloz deu um salto e se sentou a seu lado, abraçando-as joelhos. Os raios da lua se refletiram em seu rosto. Brilhava-lhe o cabelo da cor do ébano, justo por onde lhe cobria a frente. Ao vê-lo, solo podia pensar em quão inconsciente tinha sido por ter acessado a semelhante loucura.

depois de olhar a água durante um bom momento, ele se voltou e a olhou com atenção, com aqueles olhos negros que se fundiam com o tom de seu rosto.

—Bom, senhorita Amy, chegou o momento que tanto temia, não é assim? Está completamente a sós comigo. Não há ninguém a quem pode acudir. O que se supõe que tem que passar agora? Certamente, detestaria decepcionar a uma dama.

Ela tragou saliva e jogou nervosa com os borde do xale.

—Eu, né... —Olhou-o de novo—. Acredito que isso é tua coisa. Essa era a idéia, não?

Sua branca dentadura brilhou à luz da lua ao sorrir. Um sorriso pequeno e presunçoso que lhe fez estremecer.

—Pensava em fazer algo que nunca esperaria, algo que te agarrasse absolutamente por surpresa agora que tenho a minha mercê.

—Có... como o que? —perguntou-lhe com voz trêmula.

—Como falar. —Seu sorriso se fez mais expressiva—. Isso é quão último esperaria de mim, não?

O alívio que a invadiu a fez sentir-se aturdida.

—Sim —admitiu ela com uma risada um tanto forçada—. Do que quer que falemos?

—Não sei. O que você gostaria de saber de mim?

Seu sorriso desapareceu.

—De acordo. O que te moveu a começar a levar sempre contigo uma pistola? Nunca foste que os que matam por matar, ou que lutam sem motivo. O que aconteceu matar formasse parte de sua vida diária?

—Não era meu pão de cada dia exatamente, Amy. Às vezes passavam semanas, inclusive meses, sem que tivesse que utilizar minha arma. —Suspirou e trocou de posição com cuidado—. E quanto a levar a pistola comigo, acredito que principalmente foi coisa do destino. Sabe a relação que há entre as armas e eu. Rowlins, meu chefe, ensinou-me a disparar com um revólver. —encolheu-se de ombros e continuou—: É algo que terá que saber quando é um vaqueiro. E uma vez que me ensinou o básico, pratiquei dia detrás dia, até que senti que já sabia fazê-lo bem.

Ela recordou a habilidade que Veloz tinha para as demais arma e quão importante estas tinham sido para ele como guerreiro.

—E, como não, converteu-te em um ás.

—Isso.

—Veloz, li a reportagem no periódico. Dizem que é o pistoleiro mais rápido e ágil do Texas, possivelmente do mundo inteiro.

Ele franziu o cenho em meio da escuridão.

—Depois do primeiro tiroteio, tive que aprender a ser rápido. Quando matas a um pistoleiro, já não há volta atrás. Sua reputação te segue lá aonde vai, e sempre há alguém que quer provar suas habilidades ante ti. Ou mostra as tuas, ou morre. Em minha primeira batalha, tive a má sorte de matar a um homem de renome na zona. Uma noite de sábado, fui ao povo com uns amigos; ele me viu, não gostou de meu aspecto e me desafiou. Desde aquela noite, minha vida se converteu em um autêntico pesadelo.

—E se alguém te segue até aqui?

Suspirou.

—Espero que ninguém o faça.

—Mas e se alguém o fizer?

voltou-se para olhá-la, e em seu rosto já não havia rastro de sorriso.

—O covarde que há em mim lhe dispararia. Lembra-te do que te disse sobre o de desejar morrer com todas suas forças e não poder? Sei o que é isso. tentei não procurar minha pistola na cartucheira ao menos uma dúzia de vezes, me prometendo que não o faria. Mas quando a fumaça se dissipava, eu seguia vivo. —Voltou a examinar —.sabe? Não é quão única sente medo às vezes. Todos o sentimos em alguma ocasião. Infelizmente para aquele que me desafia, quanto mais assustado estou, mais rápido desencapo minha pistola.

—Estou segura de que isso não é o que quisesse. —Ela tratou de ler sua expressão, mas não pôde por causa da escuridão—. Esses homens lhe tivessem matado se não o tivesse feito. por que foste permitir se o —Lo siento, Veloz. No te debería haber hecho preguntas sobre algo tan doloroso para ti. —Ella se moría de ganas por saber por qué se había convertido en un comanchero, cómo la había podido traicionar de aquella manera, pero ahora, después de haber sentido el dolor en su voz, no se veía capaz.

—Não sempre eram homens, Amy. —Veloz dirigiu seu olhar para as árvores, com o corpo totalmente paralisado; por um momento, parecia inclusive que tinha deixado de respirar—. Já viu os olhos do Chase a primeira noite, quando me perguntava a respeito dos tiroteios nos que tinha participado. Alguns de meus rivais eram simplesmente meninos, Amy, tão solo algo maiores que Chase. Possivelmente, legalmente, poderia-se dizer que eram homens... dezoito, vinte, alguns de mais idade. Mas isso não te serve de consolo quando os olha à cara.

Agitou as mãos como se não pudesse encontrar as palavras adequadas para expressar o que havia sentido.

—Havia moços que se passavam o dia aprendendo a desencapar a tempo suas armas, até que pensavam que estavam preparados para me derrotar. Mas estavam equivocados. —Tragou saliva e, quando prosseguiu com a história, sua voz pareceu apagada e vazia—. Eu ou eles, nisso consistia o jogo, e às vezes... me acredite que, às vezes, tivesse desejado ser eu.

Amy cravou as unhas na casca daquele tronco. Apartando a cara, disse-lhe:

—Sinto muito, Veloz. Não te deveria ter feito pergunta sobre um pouco tão doloroso para ti. —Ela morria de vontades por saber por que se converteu em um comanchero, como a tinha podido trair daquela maneira, mas agora, depois de haver sentido a dor em sua voz, não se via capaz.

Sua voz se fez ainda mais grave.

—Não se preocupe. Acredito que é algo que tinha que saber. Nunca quis ser um pistoleiro, simplesmente aconteceu. —Veloz se perdeu em seus pensamentos por um momento—. E que mais quer saber?

Sentia tanta pena por ele... Finalmente, suspirou e lhe olhou à cara.

—Quem te fez isso?

A expressão de sua boca trocou.

—Eu mesmo.

Ela o olhou surpreendida.

—Você? Mas por que?

—É uma cicatriz de luto —disse com voz rouca.

Amy sabia que os comanches só se cortavam a cara, deixando uma cicatriz para sempre, quando suas familiares ou suas mulheres faleciam.

—Então, perdeste a um ser querido?

—perdi a todos meus seres queridos —lhe respondeu—. Esta cicatriz é pela mulher a que amei. Por causa da guerra, tivemos que nos separar. Quando me inteirei de que estava morta, fiz-me esta marca na cara.

Amy fechou os olhos. De algum modo, sempre tinha sabido que, no fundo, Veloz tinha sido capaz de encontrar a outra pessoa. Quinze anos eram muito tempo. Respirou profundamente, tomou ar e abriu de novo os olhos.

—Sinto-o muito, Veloz. Não sabia... tinham meninos?

tocou-se a têmpora, observando-a com atenção.

—Ainda não os tivemos.

Esteve a ponto de assentir com a cabeça, até que se deu conta do que Veloz acabava de dizer.

—Mas eu pensei que ela estava... —Amy abriu os olhos ainda mais e fixou seu olhar naquela cicatriz. Todo o corpo lhe começou a tremer de uma forma horrível—. OH, Meu deus. Veloz, não.

—Sim —afirmou com voz solene—. Está louca se pensar que quis a alguém mais nesta vida. houve mais mulheres, não lhe vou negar isso. Muitas ao longo de todos estes anos, mas jamais senti nada mais por elas que carinho. Todo mundo tem sozinho um grande amor, e esse foi você.

Os olhos da Amy se encheram de lágrimas.

—Jamais pensei que... por que não me disse isso a primeira noite? por que esperaste até agora?

—Não queria que te parecesse que o estava utilizando em seu contrário. Haveria-te sentido fatal. Maldita seja! Assim é como se sente agora. Simplesmente pensei que lhe contar isso não era justo.

—Não me sinto mal —disse com a voz em tensão—. Me sinto absolutamente conmocionada. Foi tão... tão bonito.

Olhou-a de lado, como surpreso.

—Bonito? Você sim que é bonita, Amy.

—E você também o foi. —mordeu-se os lábios—. Quero dizer, e segue sendo-o, mas de um modo diferente. Essa cicatriz te confere um ar especial; «caráter» é a palavra.

—Isso é porque seu nome está escrito nela.

As lágrimas caíam agora por suas bochechas.

—OH, Veloz... queria-me de verdade, não é assim? Tanto como eu queria a ti.

—E te sigo querendo, Amy. Se lhe murieses ante mim, cortaria-me a outra bochecha. Seria tão horrível que nenhuma outra mulher me amaria. E tampouco me importaria. Você é a única a que quis, a única mulher que quereria. —Rebuscou em seu bolso e tirou sua cigarreira do Bull Durham—. E sabe o que? —perguntou-lhe enquanto se atava um cigarro—. Você me segue querendo tanto como me quiseste sempre. Mas está tão condenadamente assustada que não pode admiti-lo.

Ela se secou as lágrimas.

—Amo sua lembrança —disse sussurrando—. Nunca deixei que amá-lo. Inclusive quando soube que te tinha convertido em um comanchero, não pude queimar seu desenho porque seguia querendo a aquele moço que um dia foi.

Veloz acendeu seu cigarro esfregando um fósforo. Lançou-a para o rio e, depois de lhe dar uma imersão, soltou lentamente um fio de fumaça.

—Oxalá pudéssemos voltar atrás. —voltou-se para ela, com um olhar de angústia—. Oxalá pudesse desfazer tudo o que fiz, Amy. Mas não posso. Não sou o menino que conheceu uma vez. Nunca poderei voltar a sê-lo. Solo posso ser quem sou agora.

—Ambos trocamos.

Veloz assentiu.

—Sei que me neguei a aceitar isso quando cheguei, mas é a verdade, e só um idiota nega o evidente. troquei, e você também. Tanto que, às vezes, duvido de que alguma vez tenha existido aquela menina que foi antes. Em um primeiro momento, tratei de te obrigar a ser aquela jovencita que vivia em minhas lembranças. Mas essa já não é você. Ao final me golpeou o nariz, mas solo porque não te deixei outra opção.

Amy sentiu um calafrio e se cobriu melhor com o xale.

—naquela época, era uma menina amalucada, com mais temperamento que cérebro algumas vezes.

Ele soltou uma risita inocente.

—Foi gloriosa! Se existia alguém com um coração comanche, essa foi você, com seu cabelo dourado e seus olhos azuis, tudo. Inclusive nos piores momentos, quando mais medo me tinha, podia distinguir a valentia em seus olhos. O que têm feito contigo, Amy? Alguma vez lhe chegaste isso a perguntar?

Ela inclinou a cabeça para trás, sonriendo ao vislumbrar aquelas lembranças, sem por isso deixar de ter aquela tristeza que não podia evitar.

—A vida é assim —disse brandamente—. A menina cresceu e descobriu pelas más como inclusive toda a valentia do mundo não serve de nada para enfrentar-se a um homem.

Veloz a observou com atenção, dando-se conta da expressão amarga que tinham adquirido suas facções, vendo que sorria porque a única outra possibilidade era chorar, algo que jamais faria.

—Santos? diga-me isso Amy. Pensei que, bom, depois do de Santos... pensei que o tinha superado, que estava bem.

Amy se estremeceu de novo e respondeu falando lentamente.

—Uma pessoa nunca se recupera completamente depois de algo como aquilo. sobrevivi e soube manter a cabeça lúcida. Acaso não é suficiente?

Seus olhos, ainda úmidos pelas lágrimas, encontraram-se com os seus uma vez mais, lhe atravessando o coração e também a alma.

—Sinto ser uma fracassada para ti. Mas, ao igual a você, eu não posso dar marcha atrás no tempo. Sou o que sou.

—Carinho, não me parece uma fracassada. Não quero que te passe isso pela cabeça.

—Sim que o sou —disse, estica—. Às vezes inclusive eu penso que o sou. Mas, assim é a vida, verdade? acabou-se a função. Sou como sou e não há mais que falar.

—Eu simplesmente quero te conhecer tal e como é, Amy —lhe disse com ternura—. A outra noite, quando me golpeou, quando me descreveu como lhe fazia sentir, dava-me conta de que estava fazendo-o tudo ao reverso. E o lamento. Mas com ou sem defeitos, quero-te, Amy. A menina que foi e a mulher que é agora.

Ela negou com a cabeça.

—Não. Não sabe quem sou em realidade, Veloz. Você queria a uma jovencita gloriosa. Você mesmo o há dito. Já não há nada de glorioso em mim. Solo sou uma professora rotineira que vive em um povo pequeno e seguro, em uma casita pequena e segura, com uma vida pequena e segura. —Caminhou lentamente na escuridão, dirigindo-se para ele—. Deveria procurar uma mulher gloriosa. Isso é o que deveria fazer! Uma mulher a que admirar, lutadora, como Índigo será um dia. A uma mulher como eu sozinho fica lutar contra si mesmo, nada mais.

—Pois, então, me deixe te ajudar nessa batalha, Amy —lhe disse com voz rouca.

A luminosidade de seus olhos se fundiu com a da lua, convertendo-os em dois luzeiros cativantes.

—Até que chegou você, não havia batalhas que liberar. E eu gostava assim.

Ele o reconheceu fazendo um gesto com a cabeça. Observou o extremo alaranjado de seu cigarro e disse:

—Deixei-te que me fizesse perguntas. Agora é meu turno, de acordo? 

Ela duvidou, mas finalmente aceitou a contra gosto.

—Minha vida foi bastante aborrecida, mas suponho que é o justo.

Veloz levantou a cabeça, deu uma última imersão a seu cigarro e se desceu do tronco. Colocando-se diante dela, aproximou seu peito até os joelhos da Amy e abraçou sua cintura, cobrindo-a com os braços. depois de dirigir seu olhar para cima, ensimismado por sua beleza durante um bom momento, perguntou-lhe:

—Com o que sonha, Amy?

Ela sorriu.

—Com o que sonha todo mundo? Pois com um montão de coisas.

Veloz a observou de novo, sentindo que a tensão se apoderava de seu corpo.

—Isto não é justo, Amy. respondi a suas perguntas com sinceridade. Eu sozinho te tenho feito uma e quero a verdade, uma resposta de verdade.

Ainda na escuridão, pôde ver como empalidecia.

—Tenho maus sonhos com Santos e seus homens. E, em ocasiões, também com... —tremeu-lhe a comissura dos lábios— às vezes, com meu padrasto, Henry Masters.

Veloz soube pela dor que viu em seu rosto que lhe havia dito a verdade.

—E o que passa em seus pesadelos?

—Como sabe que as tenho? Disse-lhe isso Caçador?

—Sim —mentiu. Não queria envergonhá-la lhe dizendo que tinha ouvido seus gritos—. O que passa nelas, Amy?

Parecia inquieta entre seus braços e tratava de evitar seu olhar.

—Sabe perfeitamente com o que sonho. Uma e outra vez, sempre acontece o mesmo.

—E nos sonhos nos que aparece seu padrasto?

Ela voltou a duvidar, sentindo-se cada vez mais incômoda com cada pergunta que o fazia.

—Já sabe quão estúpidos podem chegar a ser os sonhos. Às vezes, nem têm sentido.

Veloz começou a sentir-se inquieto também. Tratou de formular a seguinte pergunta com total naturalidade, sem forçá-la a desvelar informação que não queria contar, mas com vontades de saber mais.

—Quantos anos tinha quando sua mãe morreu, Amy?

—Dezesseis. —Ela se apartou o cabelo dos olhos e o tremor de suas mãos delatava que estava ocultando algo—. O cólera a levou. Deu-lhe muito forte e, em dois dias, estava cavando sua tumba.

Veloz recordou a gravura da cruz, como tinha acariciado aquelas letras com seus dedos.

—E quantos anos tinha quando veio aqui?

Olhou-o intranqüila e respirou profundamente, embora sem deixar de tremer.

—Isto... Acredito que tinha dezenove. —Seu sorriso era pouco convincente—. É incrível, que rápido passa o tempo, verdade? Parece impossível que tenham acontecido oito anos.

O ar tinha deixado de lhe chegar à garganta, e lhe custou formular a seguinte pergunta:

—por que não me esperou no Texas, Amy, como tínhamos acordado?

Ela não queria que seus olhares se cruzassem de novo.

—Pois... —Enrugou o nariz—. Texas nunca eu gostei de muito. Ao menos não o lugar onde vivíamos. E ao Henry começou a gostar do álcool mais do devido, assim, uma noite, enquanto seguia bebendo, fartei-me e fui.

Veloz sentiu, uma vez mais, o encanto daquele olhar sem malícia, o orgulho frágil que se escondia baixo aquele queixo, e o sentimento de culpa que o invadiu foi tal que quase lhe fez perder a razão. Seguia sem saber com certeza o que lhe tinha passado a Amy. Do único que estava seguro era de que lhe tinha prometido que voltaria a procurá-la, e a guerra o tinha impedido. Enquanto ele lutava com valentia por seu povo, Amy liberava sozinha suas próprias batalhas.

 

                                                         Capítulo 10

Com a cara da Amy entre suas mãos, Veloz percorreu com os dedos suas frágeis bochechas e, ao roce, algumas mechas de prateado se moveram quase eletrificados. A luz da lua a banhava e a fazia distinguible na escuridão: seu cabelo parecia o halo; sua pele, prata brunida, e seus preciosos olhos refulgiam com tal profundidade que Veloz se sentiu perdido ao olhá-los. Parecia-lhe incrível que alguém tivesse podido fazer mal a sua querida Amy. Entretanto, assim era. Henry Masters? E se tinha sido ele, o que era o que lhe tinha feito? depois de tanto tempo, Veloz pensou que possivelmente já não merecesse a pena pensar nisso. O aqui e o agora é ao que se tinha que enfrentar nestes momentos. E, mesmo assim...

—Diz que decidiu partir do Texas de noite?

Ela se encolheu de ombros.

—Bom, não de noite exatamente. Foi pela tarde. Ainda havia luz.

—E o que pretendia? te levar um dos cavalos do Henry?

Sua boca começou a tremer.

—Pois... Não tínhamos nenhum cavalo. Henry o vendeu. Não era de muita utilidade para seu trabalho. E a bebida acabou arruinando-o. ficou sem economias e se viu obrigado a vender-lhe a um desses vendedores ambulantes.

—Ah. —Refletiu sobre o que acabava de dizer Amy, desejando poder deixar as coisas tal e como estavam—. Então agarrou uma das mulas.

Veloz notou certo espiono de resistência na Amy.

—Parti-me a pé.

—O que?

—Parti-me a pé —repetiu—. Uma noite, depois de que se embebedou, agarrei um par de sapatos extra que tinha guardados na água-furtada e me parti caminhando.

Veloz tragou saliva ao sentir em seu corpo uma rajada de pânico que, desgraçadamente, chegava oito anos muito tarde.

—E o que acontecia com as mulas?

—Uma delas estava doente.

—Havia dois. O que aconteceu com a outra?

—A outra, isto... —passou-se a língua pelos lábios, tratando de evitar seu olhar—. Lhe disparou um tiro.

O coração de Veloz começou a pulsar com força.

—por que diabos matou à mula?

Amy lhe girou a cara, sentindo-se apanhada, e olhou a seu redor como procurando uma escapatória.

—Pois... isto... Está começando a fazer afresco aqui fora. —agasalhou-se com o xale e sentiu um calafrio, ainda tratando de evitar que seus olhares se cruzassem—. Está chegando o inverno. Já se sente no ar. Você não o nota?

Veloz se tornou para trás, querendo lhe dar um pouco de espaço, pois sentia que o necessitava, possivelmente desesperadamente.

—Sim, vai se ficar uma noite fria. —Esperou uns instantes e se imaginou a Amy cruzando as intermináveis planícies do Texas. De repente, deu-se conta de que não era totalmente consciente do significado da palavra «valor»—. Amy, por que Henry lhe pegou um tiro à mula? Estava doente? Ou simplesmente tinha um mau dia?

Com um olhar enche de pânico, separou-se dele e quase caiu do tronco. Veloz conseguiu agarrá-la antes de que caísse. Quando a voltou a colocar no chão, Amy se escabulló e escapou de seus braços. Veloz a seguiu com medo de que fora a tropeçar na escuridão.

—Quero voltar para casa agora —disse com voz débil—. Me estou ficando geada. Seriamente que o estou. E, além disso, eu... —Fez uma pausa um momento e tomou ar—. Não me faça mais perguntas, Veloz, quer?

Ele ficou frente a ela para que pudesse lhe ver a cara.

—Amy, poderia me olhar um momento?

Ela emitiu um som de protesto e apartou a cara.

—Quero ir a casa agora mesmo.

—Amy...

—Quero ir a casa.

—Está bem. Mas me olhe, embora solo seja um minuto.

—Não. Fará-me mais pergunta e não quero falar mais disso, nem agora nem nunca. Jamais quis que soubesse nada e agora quero que atue como se não tivesse ouvido nada disto.

Veloz não estava do todo seguro do que sabia exatamente. Solo podia fazer hipóteses, e algumas delas inclusive lhe começavam a repugnar.

—Não posso fazer como se nunca tivéssemos tido esta conversação.

—Então manten longe de mim.

—Tampouco posso fazer isso. Amy, não olhe ao chão.

—Não comece de novo.

—Começar o que?

—A me exortar.

Veloz fez um gesto fútil com as mãos.

—Sou a pessoa menos indicada para dar sermões. Eu sozinho digo a verdade.

—Sei tudo a respeito de suas verdades... Manhãs no horizonte e estrelas no paraíso. Sempre com o olhar à frente.

—Vejo que tem boa memória.

—Também sei o que acontece quando caminha sem olhar por onde pisa. Não gaste saliva me dizendo coisas bonitas, Veloz.

Lhe estreitou a mão e lhe acariciou a cabeça.

—Amy, o que seria de nós se não existissem as coisas bonitas?

—Veríamos a realidade. —limpou-se o nariz e, finalmente, olhou-o—. E agora me pode levar a casa?

Veloz sabia que o simples feito de que acreditasse que a levaria a casa era, para ela, uma pequena vitória. Ao menos por aquela noite, tinha que conformar-se com o que tinha conseguido.

—Antes posso dizer uma coisa mais?

Amy mostrou um gesto de resignação.

—Suponho que o acabará dizendo de todas maneiras, assim solta o de uma vez.

—Sinto não ter estado ali.

Sua boca se esticou e a dor encheu seu olhar.

—Eu também o sinto.

Veloz passou o braço por seu ombro e iniciou o caminho de volta a casa, guiando-a através da escuridão da mesma maneira que lhe teria gostado de guiá-la com o passar do resto de sua vida. Amy se tinha convertido em muito mais que em uma garota com cegueira noturna.

 

Quando pôde divisar seu lar, Amy se sentiu aliviada. Veloz nem sequer tinha tentado beijá-la quando estavam no bosque. perguntou-se se tinha sido pelo que lhe tinha contado. desfez-se rapidamente daquele pensamento, decidida a não permitir que lhe fizesse mal. Estes dias logo que tinha dado trégua às poucas forças que ficavam.

De todas maneiras, não queria que ninguém a beijasse. Nem ele nem ninguém. Especialmente ele. Solo pensá-lo-a aterrava. Uma vez que se acostumasse a isso, obrigaria-a a ir mais à frente. Se tinha conseguido assustá-lo essa noite, muito melhor. Sua vida poderia voltar para a normalidade. Quando se tivesse partido, não teria que voltar a preocupar-se de que um homem queria impor-se a ela. Poderia deixar de sentir-se ameaçada, poderia deixar de sentir-se ao bordo do abismo, poderia deixar de sentir, a secas.

Para ela, Veloz era perigoso em muitos sentidos. Sempre tinha sido um sonhador, lutando por alcançar coisas belas além de um horizonte que, em realidade, não existia. Quando era menina, deixou-se maravilhar por aqueles sonhos e os tinha acreditado... durante um tempo. Entretanto, os sonhos se esfumavam tão rápido como apareciam e, quando isso acontece, é muito difícil fazê-los reaparecer.

Quando Amy subiu ao alpendre, ele tirou seu relógio do bolso e o olhou à luz da lua.

—Calculei o tempo perfeitamente —disse—. Ainda ficam dez minutos.

Amy se cobriu ainda mais com o xale.

—Como pode calcular o tempo se não saber contar?

Ele fechou a tampa do relógio e o pôs de novo no bolso.

—Não sempre o posso calcular com exatidão, mas o que sei, ensinou-me isso Rowlins. Entendo melhor os números alargados que os teus arredondados.

levantou-se brisa, fresca e enérgica, e sentiu que uns dedos congelados lhe roçavam o pescoço do vestido. estremeceu-se e encolheu os ombros.

—Arredondados? —Pensou nisso uns instantes—. Sim, poderia dizer-se que meu som em certa forma arredondados, de verdade?

Ele não parecia muito interessado em seguir a conversação. Descendeu um degrau e ficou com a cara à altura da da Amy. lhe gostava dessa postura, fazia que Veloz a intimidasse menos.

—Bom, pois... —Ela se estremeceu de novo—. Obrigado pelo agradável passeio. Imagino que temos suficiente para dizer boa noite.

—Nunca em minha vida me levou dez minutos lhe desejar as boa noite a alguém.

—Sempre há uma primeira vez para tudo.

Veloz lhe pôs uma mão na cintura e a aproximou de seu peito. Com a outra mão, sujeitou-a pela parte de atrás da cabeça. Quando viu que a olhava aos olhos, Amy soube que queria beijá-la. E a rapidez com a que tudo estava acontecendo a assustou. Tentou escapulir-se de algum jeito, mas Veloz enredou seus dedos em seu cabelo e conseguiu mantê-la imóvel, deslocando a mão da cintura até a parte inferior de suas costas. Amy sentiu sua força e soube que resistir não serviria de nada. De fato, nunca lhe tinha servido.

—Veloz, por favor, não.

—Ainda estamos dentro do tempo que me corresponde, Amy. Dez minutos mais. Não está cumprindo com sua parte do trato.

Ela cravou seu olhar na boca dele. De repente, custava-lhe respirar.

—O que pode passar na soleira de sua porta? —perguntou-lhe com voz rouca, aproximando sua boca cada vez mais a dela—. te Relaxe e comprova por ti mesma a que sabem meus beijos. Agora pode te sentir segura, tem a segurança de estar ao alcance das pessoas do povo.

Não lhe faltava razão. Enquanto ninguém os visse, era melhor que a beijasse aqui, se de verdade queria fazê-lo, que lá longe, ao lado do riacho. Ela jogou a cabeça um pouco para trás com cuidado, abraçando-se a si mesmo, quase segura de que sua boca estaria tão faminta e exigente como refletia aquele brilho em seus olhos.

Seu fôlego quente se fundiu com o dela. Amy tragou saliva e fechou os olhos, mantendo os dentes apertados. E depois, os lábios dele roçaram os seus, com tanta suavidade, com uma ternura tão assombrosa, que o contato pareceu um sussurro dócil e delicado. Fez-o com tanta doçura, com tanta... que lhe roubou o fôlego de um suspiro e quase a fez chorar. Não havia exigência alguma naquele beijo, nem um espiono daquela fome de desejo que a aterrava, tão solo havia uma promessa de carinho profundo que lhe fez separar os lábios, desejosos e espectadores. Lhe agarrou com força a camisa, agora mais perto, mas ele se manteve firme e rechaçou agradar aquele desejo que ela procurava. Não lhe importava, pois o certo era que nem ela mesma estava segura do que queria, embora...

—Amy... —Seu nome foi como uma carícia em sua boca. Roçou-lhe a bochecha com os lábios até chegar a sua orelha, e depois explorou a curva de seu pescoço—. Amy, minha doce e preciosa Amy. Quero-te.

E, de repente, deu-se conta do que ele tinha querido dizer ao lhe pedir que lhe desse uma oportunidade para expressá-lo a sua maneira. A mão de Veloz tremia enquanto lhe acariciava o pescoço. Seus lábios eram dignos de veneração. Não tinha exercido nenhuma amostra de força nem de brutalidade; não se tinha aproveitado da situação. Simplesmente lhe tinha ensinado a ternura que escondiam os beijos, tão suaves que lhe arrepiaram a pele e despertaram todos seus sentidos. Afrouxavam-lhe as pernas e teve medo de cair, mas seu corpo musculoso estava ali para evitá-lo, quente e forte, com o coração lhe palpitando com força, mas a um ritmo firme, a diferencia do dele, que pulsava de forma selvagem em seu interior.

Quando, por fim, levantou a cabeça, Amy sentiu que não podia mover-se dali. Percorreu seus braços com as mãos, tocou-lhe o queixo, a ponta de seu nariz, o cacho que lhe caía pela têmpora, tratando de tranqüilizá-la, como se soubesse quão fortes eram as sacudidas de seu coração e a moleza de suas pernas. A expressão que adquiriu seu rosto quando a olhou a fez sentir-se querida e, ao mesmo tempo, vulnerável.

—me prometa uma coisa —murmurou ele.

—Cada vez que me descuido, pede-me que faça uma nova concessão —sussurrou ela.

—Sei, mas esta é importante. —Sujeitou-lhe com suavidade o queixo e a olhou profundamente aos olhos—. Quando deitar esta noite e fechamentos os olhos para ficar dormida, me leve contigo. Se voltarem seus pesadelos, sonha que estou aí para te proteger. —Uniu seu queixo a dela e sentiu sua pele úmida—. Não enfrente a eles sozinha nunca mais.

Embora o tivesse querido, não teria podido pronunciar palavra; simplesmente assentiu com a cabeça. deu-se a volta e partiu, entrando na escuridão. Amy ficou ali, olhando-o durante um bom momento e, continuando, ainda com mãos trementes, secou-se a lágrima que lhe caía pela bochecha.

 

Veloz comprovou que ainda havia uma luz acesa no salão enquanto subia as escadas da casa de Caçador. Sem saber se tinha sido Loretta a que a tinha deixado acesa para ele ou se alguém estava acordado ainda, abriu a porta principal o mais silenciosamente que pôde. Loretta levantou o olhar desde sua cadeira de balanço, com a agulha de tecer ligeiramente no ar.

—Ah, olá! —sussurrou enquanto lhe sorria.

—Surpreende-me que ainda siga acordada —lhe respondeu, também com um sussurro.

—Queria terminar isto primeiro. Tem fome?

—A verdade é que não. —Veloz cruzou a sala até a chaminé e girou o tamborete de Caçador para ela para se sentar e esquentá-las mãos diante do fogo. O abajur que estava sobre a mesa, ao lado da Loretta, emitiu um vaio que, por alguma estranha razão, resultava tranqüilizador—. Se ficou uma noite fria aí fora. O inverno não demorará para chegar.

Deixou o que estava fazendo sobre seu regaço para examiná-lo durante uns instantes.

—por que traz essa cara?

Ele forçou um sorriso.

—Que cara trago?

—Amy está bem?

—Como uma rosa. Acabamos de voltar depois de um agradável passeio.

Loretta arqueou uma sobrancelha, mostrando uma expressão de incredulidade.

—Amy saiu a dar um passeio? Só contigo? De noite?

—Só fomos até o riacho, mas é um bom começo.

Loretta sorriu e seus olhos adquiriram um brilho especial.

—Mas bem, eu diria que está conseguindo grandes progressos.

—Dou-me com um canto nos dentes, em qualquer caso. —apoiou-se com as mãos no tamborete e trocou de posição—. Simplesmente nos dedicamos a falar e a nos pôr um pouco ao dia depois de todos estes anos. —Veloz duvidou por um momento—. Até esta noite, não sabia que Amy se ficou no Texas com seu padrasto depois da morte de sua mãe.

Loretta assentiu com a cabeça.

—Sim, uns três anos. —Enquanto falava, cruzou a agulha de cima abaixo várias vezes pelo talão do meia três-quartos que estava cerzindo e depois esticou bem o fio—. Assim que soubemos da morte de tia Rachel, Caçador e eu enviamos dinheiro a Amy para que viesse ao Oregón. Aos poucos dias, devolveu-nos isso, acompanhado de uma bonita letra que dizia que estava imensamente feliz no Texas e que Henry a necessitava na granja. Acredito que não se sentia cômoda com a idéia de abandoná-lo justo depois da morte de tia Rachel e não a culpo por isso. As famílias devem permanecer unidas em momentos assim.

—Estava acostumado a lhes escrever freqüentemente?

—Bastante freqüentemente, sim. Isso nos tranqüilizava.

—E isso por que?

Movendo a agulha com mais rapidez, Loretta apoiou os pés no chão para deter a cadeira de balanço.

—Houve um tempo no que Henry não era exatamente o que se diz fácil de levar. Ao princípio, Caçador e eu estávamos preocupados com que Amy estivesse vivendo sozinha com ele. —De repente, olhou para cima—. A tia Rachel sempre dizia que havia algo de bom nele e que, se procurávamos no mais profundo de seu ser, encontraríamos essa bondade. —riu entre dentes—. Imagino que ao final tinha razão. Depois da morte de tia Rachel, ele se comportou muito bem com nossa Amy e isso nos fez pensar que devíamos fazer borrão e conta nova.

Veloz se arranhou detrás da nuca.

—Então, vós dois não lhes levavam bem?

Loretta sentiu que lhe congelavam as mãos enquanto seguia cerzindo. Depois de uns instantes, acabou os últimos pontos.

—poderia-se dizer que, quando eu era uma jovencita, Henry quis que nos levássemos ainda melhor, não sei se me entende —disse enrugando o nariz—. Suponho que, ao eu ser sua sobrinha política e ele ser o segundo marido de tia Rachel, não me via como sangue de seu sangue. Foram os olhos detrás das mulheres, o que fazia que visitasse o prostíbulo do Jacksboro uma vez ao mês. —Sua boca ficou tensa—. Com os anos, quando cresci, meu tio pensou que poderia conseguir o que queria sem sair de casa.

—Isso de viver na mesma casa deveu ser um autêntico pesadelo para ti.

—Por sorte, Caçador estava ali quando Henry tratou de ir mais à frente e, antes de que voltasse a acontecer, tirou-me daquela granja.

Veloz se agarrou ao bordo do tamborete.

—E, pelo resto, como era Henry?

Ela cravou o olhar no meia três-quartos e lhe deu umas quantas pontos mais.

—depois de haver-se comportado tão bem com a Amy, ódio falar mal dele. Arrumou-o a sua maneira. Devemos ser capazes de perdoar e esquecer.

—Não o direi a ninguém.

Ela suspirou.

—Bom, para ser sincera, houve um tempo em que estava de mau humor constantemente e jogava mão de seu cinturão.

—O que significa de mau humor?

Uma vez mais, deteve a cadeira de balanço, e seu olhar pareceu mais distante.

—OH, nada sério, suponho. Embora, quando o usava comigo, era horrível, especialmente quando não tinha feito nada tão mau para merecê-lo. —Seus olhares se cruzaram, e seu rosto se suavizou pelas lembranças que percorriam sua mente naquele momento—. Embora é certo que foi Amy quem o sofreu mais. Sua infância não foi fácil. Durante um bom período de tempo, a tia Rachel parecia ter medo de enfrentar-se ao Henry. E eu fiquei sem fala depois da massacre que se levou a vida de meus pais. Amy era a única que se atrevia a falar com ele. Ela nunca o considerou verdadeiramente um pai. Ele tinha o costume de discutir com tia Rachel e utilizar os punhos de vez em quando. E já sabe a pequena fera que há dentro da Amy. Sempre saltava para defendê-la. Henry não tinha tanto descaramento, mas essa palavra descrevia perfeitamente a Amy naquela época.

Veloz sorriu.

—Ela diz que tinha mais temperamento que cérebro.

—Sim. De fato, deste no prego. Dava igual as vezes que Henry lhe pegasse com o cinturão: nunca soube manter a boca fechada quando pensava que ele estava fazendo algo mau. E, como lhe dava de ficar ainda mais insistente no armazém de lenha, suponho que não era uma boa combinação. Em qualquer caso, suponho que nunca lhe fez muito dano. Entretanto, sim houve ocasiões nas que tive que intervir quando considerava que já tinha sido suficiente.

Loretta afrouxou um pouco os fios e inclinou a cabeça para colocar dois fios ao mesmo tempo. Posou o meia três-quartos que acabava de arrumar sobre seu regaço uma vez mais e olhou para ele.

—Bom, resulta difícil te explicar como era Henry então. —Franziu o sobrecenho e acrescentou—: Eu sempre tive a impressão de que... —Fez uma breve pausa e sorriu—. Não tem importância, passado-o, passado está.

—Loretta, a impressão do que?

—Ai!, não sei. A impressão de que estava ocultando algo, de que ainda seria mais irritável se não se contivesse. Acredito que, de algum jeito, sabia que solo podia chegar até aqueles extremos com a tia Rachel.

—Quer dizer que ele mesmo se reprimia?

—Em certo modo, sim. As coisas pioraram quando soube que estava grávida do Chase Kelly. Ameaçou matando ao bebê quando nascesse porque Caçador era comanche. Ao final, a tia Rachel se enfrentou a ele e lhe ensinou a comportar-se como era devido apontando-o com uma carabina Sharps. Encurralado por três mulheres lutadoras e de grande temperamento que já estavam fartas de suas formas, sua atitude melhorou de forma incrível. —Voltou a sorrir—. Suponho que se acostumou a ser agradável e gostou da sensação, não crie?

O rosto de Veloz ficou rígido.

—Sim, suponho que sim. —Depois de haver ficado absorto observando as chamas da chaminé, perguntou—: Amy alguma vez mencionou que Henry tivesse mostrado seu mau gênio com ela depois da morte de sua mãe, não? Refiro-me tanto em suas cartas como depois de ter chegado aqui.

—Não. por que? Sabe algo que eu ainda não saiba?

—Não, não se preocupe. Era simplesmente curiosidade. —Veloz elevou os ombros e jogou a cabeça para trás, recordando o olhar de desespero da Amy quando insistiu em que não queria que ninguém soubesse nada sobre o que ele tinha descoberto. O problema era que ainda não sabia o que supostamente tinha descoberto.

—Pois... —disse apartando as mãos do pescoço—. Suponho que se nunca disse nada, deveu-a que tratar bem.

—Estou segura de que nos teria escrito e teria vindo ao Oregón se não tivesse sido assim.

Veloz não podia negar aquela afirmação.

—E em suas cartas, tudo parecia estar bem?

—Mais que bem! Escrevia sempre umas cartas muito alegres, nas que nos contava as reformas que Henry estava fazendo na casa e no jardim, e nos falava do que estava preparando para o inverno sobre seus projetos de costura. Parecia feliz.

—E se estava tão contente ali, então por que quereria partir?

—Acredito que pela solidão que sentia. Os vizinhos mais próximos viviam a quilômetros de distância. Escreveu-nos nos dizendo que ficaria trabalhando no Jacksboro até que nós lhe enviássemos dinheiro para a viagem. Dizia que estar isolada na granja a estava voltando louca e que Henry parecia bastante recuperado depois da morte da tia Rachel. Imagino que considerou que já tinha passado o tempo suficiente com ele e que já era hora de partir.

—Como conseguiu ir da granja até o Jacksboro?

—Não me lembro de tudo o que nos contou. Suponho que a levou Henry. por que?

—Por nada, solo é curiosidade. Jacksboro está bastante longe da granja, se não recordar mau.

—Há algo que me queira contar? —perguntou-lhe com suavidade e um olhar cheia de preocupação.

Veloz forçou outra risita.

—Ah, não. Simplesmente trato de encaixar as peças da história de todos estes anos. isso solo. Amy trocou muito. Às vezes me pergunto se lhe aconteceu algo, algo do que nunca lhes tenha falado.

As facções da Loretta se relaxaram.

—Amy não tem secretos comigo. —Observou-o por um momento—. Não espere muito, Veloz. Amy viveu um autêntico pesadelo com os comancheros, já sabe. Não pode esperar que não tenha sofrido nestes anos.

Veloz tragou saliva e elevou a vista, com o olhar perdido no horizonte.

—Não, suponho que não.

—lhe dê tempo. As coisas boas se fazem de rogar. No fundo de seu coração, Amy nunca deixou que te querer, e isso a faz vulnerável. Acredito que se sente aterrada quando reflete sobre isso.

Veloz respirou fundo e exalou o ar lentamente.

—Estou tratando de ser paciente, me acredite.

Sonriendo, guardou agulha e fio em sua cesta de costura e se levantou da cadeira de balanço.

—É como se a tivessem encantado, sabe? Amy tem que voltar a te conhecer desde o começo. —Continuando, pô-lhe uma mão sobre o ombro—. Deixa que o faça a seu ritmo.

Ele assentiu, ainda com o olhar perdido. Depois a ouviu bocejar.

—Bom, acredito que é hora de que esta abuelita vá se descansar. boa noite, Veloz.

—boa noite, Loretta.

—Me alegro de que tenha convencido a Amy de ir dar um passeio.

—Não mais que eu.

Ao passar por detrás dele, deu-lhe um tapinha nas costas. Veloz se deu a volta e voltou a cravar os olhos no fogo. Escutou o suave clique da porta da habitação quando Loretta a fechou. No ir e vir desse som, pôde perceber o eco da voz da Amy. «Parti-me a pé. Uma noite me fartei daquela situação e me parti caminhando.» Fechou as mãos em um punho ao recordar aqueles olhos angustiados na cara da Amy.

Ao longo da semana seguinte, Amy teve que modificar seu ritmo de vida diário para fazer um oco para as classes particulares de Veloz. Por cada hora de classe, Veloz lhe pedia que lhe devolvesse uma hora em sua companhia, durante a qual ela não tinha mais remedeio que cumprir com o combinado. Como pelas manhãs ela ensinava na escola e ele trabalhava na mina, quase sempre davam os passeios de noite, depois de uma hora de estudo. Amy logo conseguiu perder o medo a que alguém pudesse vê-los e extrair conclusões errôneas, a não ser justamente o contrário. Começou a preocupar-se de que ninguém podia vê-los aquelas horas, e porque, possivelmente alguma noite, depois de afastá-lo suficiente do povo, Veloz queria aproveitar-se de sua solidão no bosque.

A Veloz parecia lhe divertir que ela não confiasse nele e quase cada tarde comentava algo a respeito, lhe fazendo saber que poderia aproveitar-se da situação se gostava, mas que ainda não tinha decidido que noite ocorreria. Tomava cuidado com a forma em que o dizia, de maneira que ela não confundisse as coisas e entendesse que ele jamais faria uma coisa assim. Amy não tinha nem idéia do que podia acontecer de um momento a outro.

Entretanto, a Veloz isto não preocupava o mais mínimo. É como se dissesse: «Pensa o pior. Não me importa. Note em cada um de meus movimentos. cedo ou tarde, baixará o guarda». Amy ainda não sabia por que jogava com ela daquela maneira. Às vezes, desejava que lhe dissesse que jamais a tocaria, mesmo que se tratasse de uma mentira; solo assim se tranqüilizaria e desfrutaria de do tempo que passava com ele.

Não obstante, Veloz não oferecia garantia alguma.

As experiências que estava vivendo com ele eram muitas e muito distintas. Às vezes parecia falar com seriedade e, ao minuto seguinte, já se estava colocando de novo com ela. As lembranças do ontem se converteram em seus companheiros de viagem dia detrás dia. Em ocasiões, podia ver o antigo Veloz, aquele jovem despreocupado ao que tanto tinha amado. Mas, pelo general, quem estava aí era Veloz López, um homem de rasgos duros e sombrios, de olhar apagado e com uns olhos cheios de dor por um sem-fim de penas que não podia sequer mencionar. Quão único podia adivinhar neles era a tremenda dor pelo que tinha que ter passado, os seres queridos que tinha perdido e a desesperança que havia sentido.

na sábado seguinte, ia ter lugar um baile social em Terra de Lobos. Veloz lhe pediu que acudisse.

—Nunca vou a esses atos sociais, Veloz —lhe respondeu nervosa.

—Só tive a oportunidade de conhecer umas quantas pessoas aqui. Por favor, Amy, vamos. Solo um momento. Com quem vou estar eu ali?

—Pois não vá.

—Quero ir. Eu gostaria de conhecê-los todos melhor. Vejo gente pela rua, mas não é o mesmo. E, com a imagem que têm de mim, sempre me olham com receio. Ir ao baile me daria a oportunidade de lhes demonstrar que sou um homem normal, como outros, como eles; que quero formar parte da comunidade.

—Veloz, um homem normal? Me pensarei —disse isso finalmente.

—Pensa-o de verdade, Amy. Simplesmente se trata de um estúpido ato social. Se você não gostar, não terá que ir nunca mais.

Amy lhe deu mil voltas ao assunto durante três dias, indecisa sobre se ir a aquela entrevista ou não, com o coração em um punho cada vez que se imaginava a si mesmo dançando com Veloz. Ao longo de toda sua vida adulta, jamais tinha ido a um baile de verdade e solo de pensá-lo o estômago lhe enchia de mariposas revoando. E o que passaria se ela decidisse ir finalmente e Veloz não aparecia? Ou o que aconteceria se ela não ia e ele sim? Possivelmente se teria que ficar ali de pé, sozinho, tratando de evitar a toda a gente do povo. Ou possivelmente conheceria outra mulher...

Aquele pensamento a aterrou, embora não quis refletir no porquê. Se conhecesse alguém, as coisas seriam muito mais fáceis para ela, não? Finalmente, decidiu acudir a Loretta em busca de conselho e esta abriu imediatamente o armário para procurar um vestido para a Amy.

—Este é perfeito! —gritou Loretta, dançando com um vestido de seda azul ante ela por toda a habitação—. É justa da cor de seus olhos, Amelia Rose. Com tão solo verte, Veloz pensará que morreu e que entrou diretamente no paraíso.

—Mas, Loretta... —Amy assinalou o chamativo decote do vestido—. Não posso me pôr isso. É precioso, mas simplesmente... não é para mim.

—Santo Céu, Amy, crie que Veloz não sabe que tem dois peitos? Este vestido é muito modesto em comparação com a maioria dos que se levam agora. Sei um pouco atrevida por uma vez em sua vida. Te darei uma mão com o cabelo. Estará tão formosa. E sabe o que? Arrumado o que queira a que pagará uma fortuna para comprar sua cesta com o jantar para poder comer contigo.

—Não penso levar nenhuma cesta à luta.

—Mas, Amy, todas as mulheres solteiras a levam. Ou prepara uma você mesma, ou o farei eu. Quer que ele compre a de outra mulher?

—Nunca fui a um ato social como este antes e sobra dizer que jamais levei uma cesta para a luta. E não penso fazê-lo agora. É totalmente inaceitável que as mulheres permitam que os homens puxem por sua companhia.

Amy enrugou o nariz.

—O que passa é que tem medo de que outro homem que não seja Veloz compre sua cesta.

—Ao melhor tampouco quero nem que ele o faça. Se passado a tarde com um cavalheiro, quero que seja porque eu o quis assim, não porque ele tenha pago cinco dólares que lhe hão flanco suor e lágrimas ganhar. Sentiria-me obrigada a passar a tarde inteira com ele sozinho por isso.

—Vamos, Amy, o que faria Veloz se te partir antes? Eu gostaria que essa tarde fora tudo bem para ele. por que não vamos todos? Leva uma cesta para a luta. Veloz estará faminto depois de todo um dia de trabalho.

—Posso preparar uma cesta e não submetê-la a leilão —recordou Amy, tratando de alisar as rugas do vôo do vestido.

—E que graça tinha isso? Não é uma velha e aborrecida mulher casada como eu. supõe-se que tem que ser emocionante ver como um homem se deixa um rim em uma cesta de comida para passar uma noite contigo.

—lhe pergunte ao Mai Belle a do botequim, a ver quão emocionante é.

—meu deus, Amy, que mente mais retorcida. Como pode comparar a luta de um par de cestas de comida com a profissão do Mai Belle?

—Porque uma luta de cestas é o mesmo. Crie que esses homens as compram sozinho para sentar-se e comer tranqüilamente o que há dentro? Se quisessem, poderiam comer a comida de suas mães.

Loretta riu.

—Suponho que tem um pouco de razão. Agora que o penso, acredito recordar a Caçador engolindo com rapidez os primeiros pratos e logo me olhando como se eu fosse a sobremesa.

Amy também riu.

—Ponha este vestido na sábado de noite e verá como quer tomar a sobremesa antes do jantar.

Loretta ficou tinta.

—Com dois meninos no salão, estamos acostumados a tomar a sobremesa muito depois do jantar, isso lhe asseguro isso. —Imediatamente, emitiu um suspiro nostálgico, passando os dedos com suavidade por cima do vestido de seda.

—OH, Amy, oxalá aceitasse levar a cesta e deixar que Veloz puxasse por ela. até agora, estiveste-te perdendo todo o divertido, sabe?

—Com todos meus respeitos, Loretta, mas ter a um homem diante mordiscando uma coxa de frango sem me tirar um olho de cima não é precisamente minha idéia de diversão. Não quero que se pague dinheiro por mim e ponto.

—Está bem, mas te levará a menos o vestido?

Amy se mordiscou o lábio, passando a mão delicadamente por uma das mangas.

—É maravilhoso, verdade?

—E perfeito para ti.

—E, se eu me puser isto, você que te porá?

—Meu vestido de seda rosa. É o favorito de Caçador. —Loretta pôs o vestido a Amy nos braços—. lhe Leve isso

—Nem sequer estou segura de querer ir.

—Se não ir, te vou esfolar viva.

—E se o viúvo senhor Black me pede um baile?

Loretta se estremeceu.

—lhe diga que não dança. Não é uma mentira. Exceto aqui, em casa, nunca te vi mover os quadris.

 

No sábado pela manhã, Amy entrou no curral que havia na parte traseira da casa da Loretta e tratou de agarrar uma galinha. Como eram Caçador e Chase os que o faziam normalmente, não tinha muita prática. Sua saia larga complicava a tarefa ainda mais, fazendo ir mais devagar e assustando às galinhas. antes de que se pudesse dar conta, já se tinha ficado sem respiração e estava empapada de suor. Até lhe tinha desfeito a trança e lhe tinha parecido uma pedra no sapato. Mas, por cima de tudo, estava muito desgostada.

Odiava a idéia de ter que lhe retorcer o pescoço e lhe cortar a cabeça a aquele animal. Do que lhe tinha acontecido com os comancheros anos atrás, tinha uma absoluta aversão à violência, inclusive embora se tratasse de uma necessidade doméstica. Pobres galinhas indefesas. Tinha comido mais das que tinha agora diante mas, quando o tinha feito, prometeu-se não pensar na procedência daquela carne de ave.

—Venham aqui, pitas, pitas, pitas —as chamou, com a esperança de agarrar a uma galinha de formosa plumagem que não estava demonstrando muito entusiasmo por querer acabar na panela—. Vêem, minha gallinita. Vêem aqui com a Amy.

—Não acredito que lhe caia bem —disse alguém com voz grave.

Amy se endireitou e se deu a volta de repente, levando-as mãos à cabeça.

—Veloz! Pensei que estava na mina.

—E o estava. Mas tenho que ir à loja para comprar uma camisa nova, assim saí antes do trabalho.

O único no que Amy podia pensar naquele momento era em por que quereria ele gastar-se dinheiro em outra camisa. Negra que levava posta, desabotoada até a metade do peito e com as mangas dobradas até os antebraços, parecia o homem mais bonito e atrativo que tinha visto em sua vida.

—Amy, a não ser que pretenda acabar feita uma pelanca, o que é o que tenta em realidade? —Veloz a seguiu com os olhos desde sua trança desfeita até a prega, agora sujo.

—Necessito uma galinha para minha cesta do jantar. —Ardiam-lhe as bochechas, não queria que Veloz soubesse nada—. Para que se inteire, não é para a luta. Simplesmente é para levá-la comigo, se por acaso me entra fome.

Veloz não deixava de lhe olhar o cabelo, lhe fazendo sentir-se inquieta e com vontades de recolocarse a trança. quanto mais a movia e recolocaba em seu sítio, mais solta ficava. Finalmente, decidiu deixá-la tal e como estava, consciente de que ele a estava observando com manifesta curiosidade. Provavelmente por quão estúpida parecia.

—Assim vai à festa depois de tudo, verdade?

—Pensei que poderia ir um momento e ver como é.

—Estou orgulhoso de ti, Amy. Sei que não é precisamente uma prioridade em sua vida. —ficou olhando o curral—. Se quiser, posso apanhar eu a galinha.

—Não. —Se ia ser ele quem a acompanhasse no jantar, não lhe parecia oportuno que a ajudasse a prepará-la—. Quero dizer, não se preocupe. Posso fazê-lo. De fato, estou-me divertindo.

—Parece um desastre. —tirou-se o chapéu e o deixou sobre uma das pilhas de madeira. Arregaçando-se ainda mais, fixou-se em uma galinha das gordas—. Há um truque para apanhar às galinhas, sabe?

—Ah, sim?

Caminhou devagar através do curral, serpenteando os dedos como se estivesse jogando sementes ao chão. Todas as galinhas ficaram de repente ao redor dele.

—As mulheres são iguais. Se as perseguir, correm; assim que o melhor é as deixar —se inclinou com delicadeza para um lado, com a mão aberta— que persigam a ti, até as apanhar. —E com essas palavras, tratou de apanhar à galinha, falhou em seu intento e caiu diretamente no barro.

—Vá, é o truque mais engenhoso que vi nunca —disse Amy com um sonrisita—. Caramba, caramba! Imagino que um homem tão preparado como você tem que ter a milhares de mulheres comendo de sua mão.

Ele a olhou pela extremidade do olho.

—O certo é que, ultimamente, a sorte não me acompanha muito nesse aspecto.

Amy soltou uma última gargalhada e centrou sua atenção de novo nas galinhas. Veloz se uniu a ela. Sem logo que dar-se conta, os dois estavam correndo por todo o curral, renda-se como loucos, com as galinhas saltando de um lado para outro, fazendo que a caça fosse divertida. Quando ficaram sem fôlego, Veloz se tombou em um dos blocos de madeira, com os braços ao redor dos joelhos. Sorriu enquanto a olhava.

—Perseguiria uma vaca?

Amy se agarrou o estômago, dolorido de tanto rir, e sorriu de novo.

—Uma vaca? Necessitaria uma cesta muito grande. E duvido de que uma vaca seja fácil de apanhar.

—Ao menos poderia lhe disparar. Se lhe pegar um tiro a uma dessas galinhas, não acredito que fique muito dela para comer.

A porta traseira se fechou dando um golpe. Amy se deu a volta e viu a Loretta um tanto encurvada, com as mãos apoiadas nos quadris e uns olhos brilhantes que refletiam o sol de outubro que penetrava por entre as árvores.

—Essas galinhas não vão dar ovos durante semanas se vós dois seguem as perseguindo assim.

Veloz assinalou com a mão aos animais.

—Está bem, pois então vêem você aqui e nos agarre uma, Loretta Jane.

—Para isso primeiro terá que as pôr no curral, senhor López. Já vejo que não tem nem idéia sobre o que se coze em uma granja. E Amy não aparece o nariz fora de um livro, ao menos não o suficiente para preocupar-se com o que acontece a seu redor. Como lhes ides arrumar isso vós dois sozinhos? —Loretta se agarrou o avental e baixou as escadas—. Vêem? Seguem-me derechitas até dentro.

Veloz arqueou uma sobrancelha.

—Eu não tenho avental.

—O que não tem é sentido comum, isso é o que te falta. Anda que perseguir as galinhas até que percam todas as plumas!

Algo depois, Loretta saiu do galinheiro, sujeitando pelo cangote a uma frenética galinha que se debatia a grasnidos. dirigiu-se para Veloz e lhe deu a galinha. Ele se levantou do tronco no que estava sentado e ficou de pé, com a galinha nas mãos.

—E agora o que?

—lhe retorça o cangote.

Veloz olhou a Amy e não havia nenhuma dúvida: era impossível passar por cima a pena que se refletia em seus olhos ao ver aquele animal chiando e movendo-se. Tinha visto o processo milhares de vezes e sabia como fazê-lo: com um movimento rápido e seco. O pescoço da galinha parecia quente e frágil entre os dedos de Veloz. Sabia perfeitamente que podia retorcê-lo quando quisesse, ágil e facilmente. Entretanto, como ia se atrever a fazê-lo com a Amy ali, olhando-o?

Quão único podia imaginar naqueles momentos era a voz da Amy reprovando-lhe a próxima vez que se encontrassem, tremendo de medo, lhe chamando comanchero inútil, pistoleiro e assassino de galinhas.

—O vais fazer ou não? —perguntou-lhe Loretta.

Veloz sabia que Amy tinha os olhos fixos nele. Esses enormes olhos azuis, cheios de preocupação. Ele a voltou a olhar. estava-se mordendo o lábio. Começou a sentir-se bastante estúpido, ali de pé, sujeitando a uma galinha se desesperada, movendo o braço de cima abaixo enquanto duas mulheres o observavam, uma com terror, a outra com impaciência. Ao longo de toda sua vida, tinha arrancado cabeleiras, preparado o couro, estripado búfalos e mutilado a cervos, ursos, lobos e todo tipo de criaturas viventes. Matar a uma galinha sem cérebro teria que ser fácil.

—Melhor vamos disparar lhe a uma vaca.

Amy não dava crédito ao que viam seus olhos e agarrou a galinha.

—Deus Santo, Veloz, acredito que com tudo o que tem feito, matar a uma galinha deveria ser pão comido.

Acaso não era esse o problema? Não necessitava que ninguém mais o repetisse.

—Nunca lhe retorci o cangote a uma pobre ave.

Amy se inclinou ligeiramente, preparando-se para girar o braço. Entretanto, olhou depois a pobre galinha e lhe tiraram as vontades.

—OH, vamos, pelo amor de Deus! —Loretta lhes pediu que lhe dessem a galinha, com as bochechas tintas pela indignação que sentia—. Com todo o frango que come, Amelia Rose, acredito que deveria ser um pouco menos delicada.

Amy se tornou para trás, enrugando o nariz, abraçando-se à altura do ventre. Loretta se preparou para fazer um bom giro com o braço, a seguir duvidou por um instante e cravou seus grandes olhos azuis primeiro na Amy e depois na incansável galinha.

—Por todos os demônios! Não podemos matar a esta galinha. É Henrietta. vai ser uma de meus melhores ponedoras. Caçador me perseguiria até a morte.

Veloz soltou uma gargalhada.

—Acredito que ficamos com a vaca.

Loretta liberou à galinha e a espantou com o avental.

—Que tal presunto? Você gosta do presunto, Veloz?

—Não é para mim. É para a cesta do jantar da Amy. —Veloz piscou os olhos o olho a Loretta com cuidado—. Você o que opina, Amy? Servirá o presunto?

Ao recordar a primeira noite de Veloz em Terra de Lobos e a grande parte de presunto que ele tinha deixado em cima do prato, Amy o olhou com olhos inquisidores.

—Pois... isto, a ti...? Quer dizer, se fosse um homem, o que você gostaria mais, o frango ou o presunto?

Veloz arqueou uma sobrancelha.

—Um homem?

Ela se ruborizou.

—Bom, claro, você é um homem, Veloz. Queria dizer um homem que fosse jantar em um ato social do povo. O que preferiria, frango ou presunto?

—Suponho que qualquer dos dois. A não ser, claro está, que tivesse que matar à galinha. Se esse fosse o caso, então me decantaria pelo presunto sem duvidá-lo.

 

 

 

                                                               CONTINUA

 

 

                                                             Capítulo 11

Amy se sentia como um lombo recheado no vestido de seda azul. Loretta tinha insistido em que levasse espartilho, o que tinha distribuído suas curvas por lugares que nunca pensou que tivesse. O som dos violinos lhe cravava nas têmporas, e um retumbo de pés produzia vibrações pelo chão do salão comunitário. Amy desejava estar em casa, na tranqüilidade de seu lar e com a certeza de saber o que ocorreria depois.

—Ele virá —assegurou Loretta inclinando-se sobre ela para que pudesse ouvi-la—. Ele e Caçador devem ter trabalhado até tarde. Seguro que já estão em casa, lavando-se.

Amy se mordeu o lábio.

—Acredito que vou a casa. Não é tão divertido como pensava.

Loretta a agarrou pela boneca.

—Disso nada.

 

 

 

 

Índigo passou ante elas dando voltas, um poquito muito abraçada a seu casal de baile, com uns sapatos negros de salto que reluziam debaixo de seu vestido rosa. Loretta seguiu a sua filha com o olhar.

Com um suspiro, soltou a Amy do braço e disse:

—Que desperdício que leve esse vestido para tipos como esse.

Amy estudou ao Brandon Marshall, o companheiro de Índigo. Era um loiro alto de olhos azuis e vivazes, o sonho perfeito de qualquer garota. Bonito, bem vestido e sofisticado. Podia entender por que Índigo o olhava com olhos sonhadores e por que Loretta estava tão preocupada. Brandon Marshall parecia ter uns vinte anos, muito major para cortejar a Índigo.

—Não pude falar com ela essa noite, quando fui buscá-la —admitiu Amy—. E logo, estive tão atada com meus próprios...

Loretta perdeu a sua filha no bulício dos bailarinos.

—Não passa nada —lhe dedicou um sorriso—. Algumas vezes me esquecimento de que aqueles aos que quero devem também viver suas próprias experiências. Não posso lhe proibir nada. Seria um engano. —O olhar da Loretta passou dos bailarinos a Amy—. Já o fiz contigo também, sabe?

A Amy lhe encolheu o coração ao ver a cara de tristeza da Loretta.

—Não seja boba, Loretta Jones. Foi maravilhosa comigo...

 

 

                                         

O melhor da literatura para todos os gostos e idades