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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CORAÇÃO SOBERANO / Sharon Kendrick
CORAÇÃO SOBERANO / Sharon Kendrick

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

A Casa Real dos Karedes

CORAÇÃO SOBERANO

 

Uma família real dividida por orgulho e sede de poder, reconciliada pela inocência e pela paixão.

O sheik Kaliq Al Farisi tem duas paixões: mulheres e cavalos. Ambos são selvagens e voluntariosos! Seu esporte favorito é domá-los. A cavalariça Eleni Laki é sua súdita. E quando seu pai, um apostador compul sivo, perde seus cavalos para Kaliq em um jogo de pôquer, Eleni se recusa a se separar deles. Logo Kaliq se vê determinado a possuí-la, e sua inocência torna o desafio ainda mais interessante...

 

Não havia razão pela qual um escorpião não deveria estar morto ali no chão... Mas não quando Eleni tinha acabado de varrer o pátio. Ela olhou para a forma preta do animal e uma certeza que desafiava a lógica fez sua pele suar frio. Aquilo era um presságio, sem dúvida. Um mau augúrio... Vindo mo­mentos antes que o misterioso convidado de seu pai chegasse. Ela engoliu em seco. Não eram as lendas do deserto cheias de sinais sinistros como esse?

— Eleni!

O grito de seu pai ecoou através do ar quente e parado, e Eleni ficou tensa enquanto tentava descobrir em que tipo de humor ele estava. Pelo menos o tom era firme, o que significava que estava sóbrio, mas era um tom impaciente também, e seu coração opri-miu-se... Pois aquilo só podia significar uma coisa.

Que ele estava ávido para começar seu jogo de cartas... E que seus companheiros de jogo estavam ficando impacientes. Homens que riam alto, e eram estúpidos o suficiente para jogar e perder tudo que tinham ganhado com o trabalho.

— Eleni! — A voz agora tinha se tornado um berro. — Onde você está, pelo amor de Deus?

— Estou aqui, papai! — disse ela, rapidamente chutando o escorpião para um monte de areia poeirenta do lado de fora do estábulo, e depois correndo em direção à casa, onde Gamal Lakis estava esperando na soleira da porta. O rosto enrugado e queimado de sol tinha uma expressão amarga quando ele olhou-a de cima a baixo.

— O que você estava fazendo que a manteve afastada da casa e de seus deveres? — criticou ele.

Era desnecessário dizer ao pai que ela acabara de vir do estábulo, onde estivera conversando suavemente com seus ca­valos bem-amados. E que aquele cuidado constante e vigilante os mantinha em excelentes condições, valorizando-os, fazen­do de Gamal Lakis um dos homens mais invejados naquele reino desértico. Eleni sabia, por experiência própria, que não havia explicação capaz de satisfazer o mais descontente dos homens.

— Desculpe, papai — disse ela de maneira automática, bai­xando os olhos para o chão antes de levantá-los novamente para lhe dar um sorriso tranquilizador. — Eu trarei refrescos para seus convidados num instante.

— Não, não. Não podemos beber ainda, nem comer a comi­da que foi preparada — disse o pai, inesperadamente. — Por­que estamos esperando pelo nosso convidado de honra. — Os olhos embaçados brilharam e ele deu um sorriso raro e astu­cioso. — E você sabe quem é esse convidado, Eleni?

Ela sacudiu a cabeça. A visita vinha sendo mantida em mis­tério por dias, mas Eleni sabia que não era hora de perguntar. Mulheres sabiam muito bem quando os homens julgavam que era a hora exata de perguntar algo, especialmente em lares como o deles.

— Não, papai, eu não sei.

— Ninguém menos que um dos mais importantes homens da Calista inteira — gabou-se ele. — Aposto que você não pode imaginar quem é.

Eleni entendeu a dica, fazendo a pergunta que ele claramen­te queria ouvir, embora a extravagância de seu pai agora a fazia imaginar se ele estava tão sóbrio quanto ela pensara antes.

— Não vai me contar quem é, papai... De modo que eu possa servi-lo com especial deferência quando ele chegar em nossa casa?

Os lábios finos de Gamal se curvaram num outro sorriso molhado e triunfante, pausando como um homem que tem a carta trunfo num jogo de alto lance.

— O que você diria, minha filha, se eu lhe contasse que um príncipe da realeza está vindo à casa de seu pai?

Na verdade, ela diria que ele estivera bebendo, afinal de contas. Mas nunca falaria isso em voz alta, é claro. Se seu pai estava tendo um de seus frequentes voos de fantasia, então era sempre melhor entrar no jogo dele.

— Um príncipe da realeza, papai? — perguntou ela com gravidade.

— Sim, é verdade! O príncipe Kaliq Al’Farisi está vindo à minha casa para jogar cartas comigo!

Seu pai ficara insano! Aquelas eram ideias malucas! E o que Eleni tinha de fazer? E se ele continuasse a se vangloriar na frente dos homens que estavam sentados, esperando para começar a longa noite de carteado? Certamente todos ririam de seu pai, arruinando a pouca reputação que lhe restava.

— Papai — sussurrou ela —, peço-lhe que pense claramen­te. Que lugar um príncipe da realeza teria nessa casa?

Mas ela estava destinada a nunca ouvir uma resposta, mes­mo que seu pai tivesse aberto a boca para falar... Pois, a dis­tância, eles ouviram o som de cascos de cavalos e as batidas firmes e poderosas das ferraduras sobre as areias ressecadas. No ar pesado e imóvel, o barulho abafado das patas dos ani­mais chegou cada vez mais perto, até que encheu os ouvidos de Eleni como o som dos lobos do deserto uivando sob a luz prateada em noites de lua cheia.

Em direção a eles galopava uma parelha de quatro cavalos, e, enquanto Eleni observava, um deles libertou-se dos outros e veio se aproximando ao longo da areia árida. Por um momento ela permaneceu ali, transfigurada... Porque aquela era a ca­valgada mais bonita e mais impulsiva que já testemunhara na vida.

Iluminado pelo ouro laranja do sol poente, um homem co­lossal podia ser visto montado num garanhão cor de ébano, enquanto ele o incitava com um grito de júbilo. A cabeça do homem era tão escura quanto o cavalo que ele montava e sua pele brilhava como metal queimado. Ele vestia roupas de seda pura, que evidenciavam seu corpo forte e a figura cheia de energia e, quando se aproximou, Eleni pôde ver um rosto tão sombrio que um terrível medo a fez imaginar se ele tinha o poder de transformar em poeira todos aqueles que estavam ali à sua frente.

E um rosto tão inerentemente bonito, que era como se todas as flores do deserto tivessem florescido de uma vez só.

Foi então que Eleni entendeu a verdade atemorizadora. A vanglória de seu pai tinha sido verdadeira, porque, quem vinha galopando em direção à humilde casa deles era, na ver­dade, príncipe Kaliq Al’Farisi. Kaliq, o intrépido, o aman­te das mulheres, o playboy, o jogador e irresponsável filho gêmeo do príncipe Ashraf. O homem que diziam ser capaz de fazer as mulheres gemerem de prazer somente com um olhar.

Ela não o vira desde que era uma jovem entre a multidão, olhando a família real passar. Na ocasião, ele estava prestando seu serviço militar e usava o uniforme da Marinha Calistan.

Mas agora... Uma década e meia depois... Estava no mais magnífico pico de sua virilidade, com uma beleza que parecia emanar de sua estrutura muscular.

— Pelos lobos que uivam! — sussurrou Eleni, e correu para dentro de casa.

— Alteza! — gritou Gamal, e quando o cavalo do príncipe adentrou os portões gastos, ele curvou-se o mais que seus ve­lhos ossos permitiam.

Kaliq desmontou com a mesma velocidade e graça que se desprenderia do corpo de uma mulher com a qual acabara de fazer amor.

Saltando para o chão, suas botas empoeiradas por baixo das roupas luxuosas que denotavam seu alto status, ele olhou ao redor, não tentando esconder a débil curva de seus lábios en­quanto tomava conhecimento do que o cercava...

Era exatamente como tinha imaginado... A casa não pas­sava de uma choupana! Humilde e tosca... Mas um lugar que lhe prometia algo que ele ansiava há tempos. Na verdade, seu coração deliciava-se. Seu olhar percorreu por cima da porta do estábulo antes de voltar para a figura humilhada diante dele.

— Levante-se, Lakis — ordenou ele. Gamal obedeceu, tremendo de leve.

— Posso dizer o quanto estou honrado por ter o mais vene­rável príncipe compartilhando de minha...

— Corte a bajulação — disse Kaliq, com a arrogância que aprendera em uma das muitas escolas internacionais que tinha frequentado. Uma arrogância que fora necessária para prote­gê-lo da avidez e ambição daqueles que ansiavam pela aten­ção da realeza. Seus olhos brilharam quando ele temperou sua curta resposta com o charme que sua irmã Yasmine costumava dizer que atraía até os pássaros das árvores.

— Não vim para ouvir sua admiração bajuladora, Lakis — advertiu ele —, mas para jogar cartas com um homem... E isso eu posso afirmar... Um homem que é imbatível nas cartas. Você é este homem, imagino?

Gamal sorriu de modo afetado e inflou seu peito.

— E o que dizem, alteza.

Kaliq apertou com impaciência o chicote que usava ao ca­valgar. O tolo não sabia que um homem do povo não deveria jactar superioridade sobre um príncipe real? Com indiferen­ça, ele atirou o chicote para um dos seus guarda-costas, que somente agora estava descendo do próprio cavalo e parecendo um pouco envergonhado.

— Veremos o quanto você é imbatível — disse Kaliq. — E estou no humor certo para um bom jogo esta noite... Mas pri­meiro quero beber alguma coisa. Você não tem nada a oferecer para saciar as gargantas ressecadas desses viajantes, Lakis? Porque cavalgamos por longo tempo através do deserto desde nossos palácios reais.

— Oh, perdoe-me, alteza, perdoe-me — gaguejou Gamal. — Por favor, entre no meu humilde lar, e qualquer coisa que deseje será trazida para você.

O salão enfumaçado estava iluminado por lamparinas a óleo, com um ponto de luz brilhante sobre a mesa de pôquer, e Kaliq baixou a cabeça enquanto entrou no cômodo, notando que um de seus guarda-costas havia passado à sua frente. O leve aroma de incenso misturava-se com o cheiro de tabaco, e as vozes profundas ficaram silenciosas enquanto os homens reunidos em volta da mesa se levantavam instantaneamente.

O sorriso de Kaliq era escarnecedor quando ele fez um ges­to com a mão para que voltassem a se sentar. Afinal, a regra número um para derrotar a oposição não era dar-lhes primei­ramente um falso sentido de segurança?

— Não, não. Esta noite vocês não farão cerimônia. Esta noite somos iguais — assegurou ele. — Porque as cartas não podem ser jogadas de maneira apropriada se alguém insiste em hierarquia. Esta noite eu não sou um príncipe de sua terra... Sou simplesmente um homem, como você, Lakis.

De pé do lado de fora da porta, e adquirindo coragem para entrar na sala, Eleni se perguntou se seu pai percebia a estratégia do príncipe, porque enquanto ela ouvia a pachor­renta declaração do príncipe, sentia que aquilo não soava muito verdadeiro. Como se o príncipe poderoso alguma vez na vida tivesse desejado que aqueles rufiões fossem seus iguais!

— Eleni!

Ela estava prestes a gritar: "Sim, papai", quando ouviu suas palavras seguintes:

— Minha criada nos trará comida e bebida! Eleni... Venha agora!

A despeito de seus nervos, Eleni quase sorriu.

Como seu pai era astuto. Não somente estava elevando seu próprio status diante do príncipe, mostrando que tinha uma empregada... Como, usando sua filha, garantiria absoluta dis­crição. Assim como não teria de pagar nada a ela!

Dando um profundo suspiro, Eleni entrou na sala, manten­do os olhos baixos e resistindo ao terrível instinto que a tor­nava ansiosa para olhar para o príncipe novamente, o que não era fácil, uma vez que criados não eram permitidos ter contato visual com um membro da família real de Calista. Ela sabia também que o protocolo demandava que ela fizesse uma reve­rência... Algo que não estava acostumada a fazer.

— Sua alteza — disse ela suavemente e, dobrando um joe­lho atrás do outro, fez uma espécie de mesura... Satisfeita que todos os seus anos de montaria haviam lhe dado certa graça. — O que meu amo quer que eu traga para seu honrado convi­dado? — acrescentou, rapidamente.

Kaliq olhou para ela, sua antena automaticamente alertada pelo som da voz de uma mulher. Aquele tom era suave e tran­quilo, pensou ele... Como água fria correndo através daquela sala opressiva e abafada. E era curiosamente fluente para uma criada. Seus olhos se estreitaram, mas ele não foi capaz de ver se ela era simples ou bonita.

A cabeça dela estava coberta com um véu, e as roupas que usava eram pardas e de tecido grosso... E embora fossem intei­ramente apropriadas para uma mulher da classe e status dela, ele teria preferido regalar seus olhos com algo atrativo. Ela era jovem e saudável, com os seios parcialmente cobertos e um anseio no olhar.

— Uma bebida — ordenou ele, forçando-se a afastar seus pensamentos do assunto, porque estava lá naquela noite para jogar cartas... Não para perder-se nas delícias de uma mulher.

— Você beberá Zelyoniy conosco? — perguntou Gamal.

Kaliq suprimiu um dar de ombros. Como se pudesse beber Zelyoniy! A potente bebida alcoólica verde feita de cacto era banida na maior parte do país, embora ele soubesse que seu uso ainda fosse largamente praticado nas regiões mais rústi­cas. Mas o que podia fazer se seus parceiros eram adeptos do forte licor?

— Não para mim — respondeu ele suavemente —, mas o restante de vocês devem beber o que lhes agrada. Traga-me suco de romã em substituição — disse para a criada.

— Imediatamente, alteza — murmurou Eleni, e afastou-se correndo.

Kaliq se recostou na sua cadeira enquanto o distribuidor de cartas abriu um novo baralho, e uma excitação familiar come­çou a tomar conta de sua pele. Ele queria ganhar, sim, porque adorava ganhar... Todavia, mais importante do que a vitória era o risco envolvido. Ele, na verdade, não deveria estar ali, agrupando-se com aqueles plebeus criadores e treinadores de cavalos... Mas aquilo, é claro, somente acrescentava mais emoção à noite. A sensação do desconhecido, do proibido e do ilícito.

Porque, às vezes, Kaliq ficava entediado com sua vida pri­vilegiada... Uma vida que o levava às cidades de todo o mun­do ocidental. Cidades onde ele podia agir facilmente no papel de sheik playboy... Como os jornais internacionais adoravam chamá-lo.

Terrivelmente próspero pela riqueza das minas de diamante de seu país, ele podia ter tudo que quisesse... E, na maioria das vezes, tinha.

Mas em algumas ocasiões, queria contrate severo, razão pela qual era levado a lugares como aquele.

Onde a miséria e aspereza da vida do deserto faziam os prazeres do mundo europeu parecerem insignificantes.

Quando as cartas começaram a ser dadas em volta da mesa, Kaliq sentiu a excitação familiar da expectativa.

— Aceita comer alguma coisa, alteza?

Kaliq levantou os olhos. A criada estava de pé diante dele, colocando um copo de suco de romã à sua frente. Ele sacudiu a cabeça escura impacientemente. Como se pudesse comer com pessoas como aquelas!

— Não. Estou sem apetite. — Então olhou para a bebida.

— Mas minha sede é grande. Experimente isso — murmurou para a garota.

O coração de Eleni disparou em confusão. Certamente o príncipe não pretendia que ela bebesse do copo dele?

— Mas...

— Eu disse, experimente — repetiu ele com delicadeza.

— Ou começarei a me preocupar que você está tentando me envenenar.

Com dedos nervosos, Eleni levou o copo pesado... O me­lhor que seu pai tinha... À boca, e sorveu o suco com gosto doce e picante, a ponta de sua língua automaticamente lam­bendo os traços deixados nos lábios.

Que horrível para o príncipe ter de viver com aqueles medos, pensou ela, não podendo evitar uma onda de compaixão.

Ele teria de olhar por sobre o ombro para qualquer lugar que fosse, com medo que algum assassino desconhecido esti­vesse espreitando nas sombras?, perguntou-se.

Ciente de que os olhos negros penetrantes estavam fixados nela, Eleni sentiu-se paralisada. O que deveria fazer agora?

E quanto tempo eles teriam de esperar para ver se ela tinha sido envenenada?

— Então? — perguntou Kaliq.

Eleni engoliu em seco enquanto olhava para o copo.

— Acho que a bebida lhe agradará, alteza.

— Então, dê-me — ordenou ele com suavidade.

Diante daquilo, a criada foi forçada a erguer os olhos en­quanto estendia o suco na sua direção e, no momento que Kaliq a olhou, sentiu o primeiro estremecimento de espanto. Porque ela tinha olhos verdes... Verdes claros e brilhantes! Como esmeraldas.

Os famosos olhos verdes de Calista... Uma regressão aos guerreiros da Pérsia, que tinham conquistado aquela terra e suas mulheres muitos séculos atrás, antes de serem derrotados por um de seus ancestrais. Olhos lendários... Raros e encantadores, e comentados nos palácios e nas salas de chá... Mas ele nunca os tinha visto até de agora.

— Por Alá — murmurou ele, com uma estranha e selvagem batida no coração, enquanto bebia um pouco do suco. — Que olhos bonitos.

Mas então as cartas começaram a serem dadas e Kaliq voltou sua atenção para o jogo, a criada desapareceu de sua men­te, os olhos verdes esquecidos.

Havia muito dinheiro em jogo, mas logo ficou claro para Kaliq que ele e Gamal estavam jogando de maneira diferen­te dos outros homens, e rapidamente a agressão natural deles garantiu que só restassem os dois no jogo. Mas Gamal estava bebendo álcool demais... E Kaliq sabia que havia um lugar no mundo onde você não podia ficar bêbado, e era justamente na mesa de pôquer.

Quando o distribuidor deu duas cartas a cada um deles, ele viu Gamal tentar... E fracassar... Esconder seu sorriso de triunfo, e Kaliq sentiu que seu momento estava se aproximan­do. Levantou a cabeça para descobrir que os olhos verdes da criada estavam fixos na mesa com uma expressão de terror. Ela estaria preocupada que seu amo perdesse tudo no jogo e, consequentemente, ela perdesse seu emprego?

Olhando para suas próprias cartas, Kaliq inclinou-se para frente.

 

— Aposto um mil — disse ele diante do suave ofego de um dos espectadores.

Gamal imediatamente empurrou uma pilha de notas hyakim para o centro da mesa.

— Três mil — disse ele, umedecendo os lábios secos.

Kaliq recostou-se mais confortavelmente na cadeira, sen­tindo a avidez do homem e sua certeza de que iria ganhar, e então o príncipe sorriu com a segurança de um homem que tem em mãos um imbatível par de cartas.

— Tenho a impressão de que você quer apostar mais, Lakis — disse ele. — Vamos aumentar o lance? Permitirei que faça uma aposta maior, se quiser.

Os olhos de Gamal brilharam.

— Quanto? Kaliq deu de ombros.

— Bem, como você sabe, não tenho uso para dinheiro... Mas se você quiser aumentar a aposta com aquele seu gara­nhão árabe de que tanto ouvi falar, então eu apostarei um mi­lhão. O que me diz disso, meu velho?

Incapaz de acreditar no que estava vendo, Eleni deixou cair uma colher numa tentativa de trazer o pai ao seu juízo normal, mas o ambiente na sala era tão tenso que ninguém nem mesmo notou o ruído que a colher fez ao cair no chão. Aquilo era como um pesadelo... Seu pai bêbado ameaçando usar seu garanhão premiado como aposta. Seu próprio cavalo bem-amado e a única coisa que a mantinha sã no ambiente rústico no qual vivia.

— Você disse um milhão? — perguntou Gamal avidamente. Um milhão — confirmou Kaliq.

Eleni queria gritar para o pai não persistir naquela tolice... Pois podia ver, pelo comportamento do príncipe, que ele deve­ria ter as cartas vencedoras nas mãos. Mas como podia ousar interferir na frente daqueles homens e em frente do convida­do da realeza? Com toda certeza, Kaliq mandaria um de seus guarda-costas carregá-la para fora da sala e jogá-la na cadeia em Serapolis!

— Você gostaria de outro copo de suco, alteza? — pergun­tou ela com desespero, esperando alterar a atmosfera.

— Não ouse falar comigo quando estamos empenhados no jogo — replicou Kaliq de modo áspero.

— Sim, sim, eu apostarei o garanhão! — disse Gamal esba­forido, triunfantemente jogando um par de reis na mesa.

Eleni apertou seu punho contra a boca.

— Não! — exclamou ela, mas ninguém ouviu. Ela qua­se não podia assistir àquilo, mas era tão inevitável quanto olhar o sol se pôr no horizonte. Seu pai iria perder, ou me­lhor, o príncipe iria ganhar... Isso tinha sido previsto no momento que ele aparecera galopando no seu próprio gara­nhão magnífico.

Vagarosamente, Kaliq colocou na mesa seu par de azes... O único jogo que poderia vencer o jogo de Gamal... E houve um ofego coletivo ao redor da sala.

— Ganho eu, acho — disse ele com um sorriso irônico.

Eleni pensou sinceramente que pudesse desmaiar e, com joelhos trêmulos, cambaleou para a porta, não se importando se era descortês ao convidado real sair sem pedir licença, não se importando com nada... Porque, para todos os propósitos, sua vida havia acabado.

Ela deu um último olhar para o rosto duro e bonito de Kaliq e para o sorriso cruel dele... E seus dedos coçaram de vonta­de de pegar a colher pesada e atirá-la em direção ao príncipe arrogante.

Como ele ousara tentar roubar-lhes a única coisa nas suas vidas que lhes trazia renda e prosperidade?

Quase tropeçando na noite escura, Eleni correu para o está­bulo e para a baia de seu bem-amado Nabat, que relinchou de prazer ao reconhecê-la e veio focinhar sua mão à procura de um torrão de açúcar.

— h, Nabat — sussurrou ela quando pôs os braços em volta do pescoço dele e enterrou seu rosto no seu pelo com cheiro doce. — Querido, querido Nabat... Como poderei vi­ver sem você? — Ela se afastou para olhar a cara do cavalo, parecendo ver espanto escrito nos olhos do animal. Ou estaria fazendo aquela coisa milenar dos amantes de animais e trans­ferindo seus sentimentos para Nabat?

Aquele era o cavalo que havia chegado como potrinho de pernas longas e, desde então, ela passara a ver a beleza, força e potencial inatos do animal. Mas ele tinha sido um cavalo infeliz. Eleni não sabia o que seu pai fizera para adquirir o ex­celente garanhão árabe, e não quisera saber... Tudo que sabia era que ele estivera em extrema necessidade de algum cuidado terno e amoroso.

Naqueles primeiros dias, quando Nabat tinha sido irascível e indomável, mostrando os dentes para quem quer que se aproximasse, fora Eleni quem o acalmara e quem o persuadira a comer.

— O animal é nervoso demais! — Gamal queixara-se em mais de uma ocasião, sua mão balançando em direção ao gran­de chicote que ele adorava carregar. — Talvez nós devêssemos ensinar a ele algumas boas maneiras à base de chicotada.

Mas Eleni se colocara em defesa da pobre criatura.

— Não, papai! — tinha suplicado. — Deixe-me domá-lo para você, de modo que ele seja feliz aqui.

— É melhor que ele seja feliz logo! — dissera o pai. — Ou em breve estará à venda numa banca de kebab em Aquila!

Portanto, por noites Eleni dormira sobre palha no outro lado do estábulo... Como uma mãe assistindo um recém-nascido irritável... E no final, ela e seu pai tinham sido ambos recompensados.

Ela, porque tivera a espécie de amor incondicional que nunca sentira por um ser humano desde que sua mãe morrera. E seu pai... Bem, ele começara a se deleitar na prosperidade promissora, a qual resultava do fato de que Nabat havia se transformado no lendário vencedor de todas as competições que entrava.

Era por essa razão que o príncipe queria aquele garanhão em especial?

Para tirar proveito da glória atlética de Nabat e satisfazer seus caprichos?

Eleni apertou os braços em volta do pescoço de seu cavalo amado.

— Bem, não deixarei você, Nabat — disse ela. — Prometo. Eu me esconderei no meio da palha que irá transportá-lo para longe de mim. E quando eu tiver a oportunidade, fugiremos juntos... Para encontrarmos uma vida de paz e tranquilidade.

Ela calculou quando o sheik viria pegar seu espólio. Presu­mivelmente, ele precisaria de tempo para arrumar um meio de levar Nabat para o palácio real. O que lhe daria tempo de en­gendrar a melhor maneira de esconder-se e reunir os pertences que precisaria levar.

Mas naquele momento, ouviu o som de homens conversan­do no pátio... E, em particular, o tom arrogante e autocrático da voz do sheik.

Com o coração disparado no peito, ela se desvencilhou do pescoço do cavalo, mas era tarde demais... A luz suave de uma lamparina a óleo derramou sua luz através do estábulo, iluminando-a com seu brilho dourado.

Eleni viu muito pouco do homem segurando a lamparina... Exceto pelo brilho duro de seus olhos e pelo brilho pálido de suas roupas de seda... E permaneceu ali, gelada por todas as espécies de emoções conflitantes, sentindo-se tão culpada como se tivesse sido encontrada nos braços de um amante.

— Você — disse Kaliq, praguejando enquanto a mirava. — O que, em nome de Alá, está fazendo aqui?

 

Seus medos esvaindo com a dura realidade do que estava prestes a acontecer, Eleni olhou para o sheik com puro ódio nos olhos... Sufocando as palavras como se elas fossem bagos de fruta azedos.

— Eu estava apenas... Apenas dizendo adeus ao meu cavalo.

— Seu cavalo? — Ele deu um passo para mais perto dela. — Acho que se esqueceu de alguns detalhes importantes, moça. Este é o cavalo que acabei de ganhar de seu amo num jogo de cartas... E você não faz reverência quando seu sheik aparece à sua frente?

Sua infelicidade era tal que Eleni estava tentada a desafiá-lo... A lhe dizer que preferiria fazer uma reverência para um camelo do que para ele... Mas de que isso adiantaria? Afinal, como seu pai alardeara antes de ser tomado como bobo... O príncipe Kaliq Al’Farisi era um dos homens mais poderosos da Calista inteira. Por que provocar a fúria de um homem como ele?

— Alteza — murmurou ela quando se curvou diante dele.

Kaliq a estudou com atenção. Havia alguma coisa na ati­tude dela que o deixava perplexo. Algo que não conseguia entender.

Por que uma mera criada se importava com o que acontece­ria com o cavalo do seu amo?

— Explique-se! — comandou ele.

A voz ríspida a fez recuar. Ele não era diferente de seu pai cruel, pensou amargamente. Era igual a todos os homens, com seus modos arrogantes e dominantes. Realmente esperava que ela lhe falasse livremente? Ele, que era homem, e um estra­nho, e um príncipe... Especialmente quando um de seus guarda-costas estava de prontidão no fundo do estábulo.

— O que quer que eu explique, alteza?

Kaliq viu os imensos olhos seguirem na direção de seu guarda-costas. E lembrou-se da cor incrível deles, também... Uma cor tão fascinante como jamais vira.

— Saia — disse ele, dispensando seu guarda-costas de for­ma categórica.

— Mas, alteza...

— Acha que preciso de sua proteção contra essa garota tão inofensiva como uma borboletinha? — questionou ele, er­guendo o cenho negro numa pergunta arrogante. — Ou talvez você pense que ela precisa da minha proteção?

— Não, alteza!

— Certíssimo, porque um sheik não se preocupa com coi­sas insignificantes como essa. Portanto, vá embora — repe­tiu Kaliq com um tom raivoso na voz, e o homem saiu do estábulo.

Eleni permaneceu parada ali, esperando que o interroga­tório começasse, mas o sheik era imprevisível. Ignorando-a completamente, ele avançou para estudar o cavalo, correndo seus olhos experientes sobre a musculatura, pele e membros flexíveis do animal. Kaliq deu um pequeno sorriso de satisfa­ção. Bem de perto, a criatura era até mesmo mais magnífica do que vista a distância na pista de corrida, na semana anterior.

Ele deu um passo à frente, mas Nabat relinchou nervosa­mente e afastou-se para o canto da baia. Com ansiedade, Eleni observou e esperou para ver se o príncipe mostraria o mesmo domínio e agressão que exibira na mesa de pôquer, mas para sua surpresa, ele não exibiu. Em vez disso, voltou-se e submeteu-a a um longo escrutínio, que de repente a fez sentir-se mui­to peculiar. Nenhum homem jamais a olhara de tal maneira.

E nenhum homem deveria, pensou, imaginando o que fazia seu coração bater tão descompassado, ou sua pele arrepiar e ruborizar.

— Acaricie o cavalo — instruiu ele.

— Mas...

— Não faça perguntas — interrompeu ele de modo gélido. — Jamais questione o sheik... Não lhe ensinaram isso na es­cola, moça?

Claro que tinham ensinado. Instruções básicas de bons mo­dos faziam parte do curso de história de Calista, e eram ensi­nadas em todas as escolas do país.

E nos dias atuais, mesmo criados de baixa estirpe iam para escola... Por ordem da rainha Anya, que havia revisado e atualizado o sistema, insistindo que todas as crianças do país deveriam ter a oportunidade de adquirir uma educação rudimentar.

Mas, surpreendentemente, as lições de história de Eleni não haviam incluído como uma pobre plebéia deveria se compor­tar quando estava sozinha no estábulo com um sheik! E não apenas qualquer sheik... Mas o playboy arrogante que estava prestes a lhe tomar a única coisa no mundo que ela realmente amava.

— Perdoe-me, alteza — murmurou ela.

Os olhos de Kaliq brilharam. Em seus 36 anos, ouvira mui­tas variações de deferência para saber que estava faltando res­peito na atitude daquela garota. Na verdade, ela parecia estar suprimindo uma espécie de raiva. Como ousava? E o que ha­via por trás de tão intolerável insolência?

— Acaricie o cavalo — repetiu ele.

Dessa vez ela não pôde recusar. Eleni aproximou-se de Nabat, que imediatamente saiu do canto onde estava, resfolegando, deliciado quando começou a focinhar na mão dela à procura de açúcar. E o calor da respiração quente nos seus dedos foi o suficiente para dissipar os nervos de Eleni e fazê-la se esquecer momentaneamente de onde estava e com quem.

— Não, não, meu amorzinho! — Ela riu. — Eu não tenho nenhum regalo para você hoje! — Eleni ouviu o ofego da res­piração do sheik e olhou para cima. Ele a observava como uma serpente com os olhos fixos em sua presa.

— Quem é você? — perguntou ele, finalmente.

— Meu nome... É Eleni.

Ele meneou a cabeça com impaciência.

— Seu nome não me interessa. — Fitando os olhos verdes com intensidade, ele baixou o tom de voz: — Quero saber por que você tem tanta familiaridade com esse animal tão valioso.

— Porque... — Eleni mordeu os lábios. Podia ver a expres­são rígida e ameaçadora do rosto dele, e sentiu um aperto no coração. Que tola era. Acreditara realmente que seria capaz de se introduzir clandestinamente nos estábulos do palácio real a fim de ficar perto de seu cavalo amado? Agora podia quase imaginar a raiva formidável daquele homem quando a desco­brisse, uma descoberta que seria inevitável.

Não. Portanto, não poderia arriscar-se contar a verdade a ele?

— Porque eu cuidei dele desde quando chegou nesse es­tábulo! — declarou ela. — Quando Nabat era pouco mais do que um potrinho maltratado.

— Nabat?

— É o nome do garanhão. Significa doçura.

— Continue — disse Kaliq num tom de voz estranho.

— Eu o lavei, o escovei e o persuadi a pegar comida da mi­nha mão. Fui eu a primeira pessoa a montá-lo sem sela — dis­se ela, um estranho calor aquecendo seu coração enquanto se lembrava daquele dia glorioso quando havia montado Nabat e galopado em volta do pátio. — E fui eu quem primeiro pus uma sela no seu lombo. — Eleni engoliu em seco. — No prin­cípio, ele não gostou disso... É um cavalo de raça que ins­tintivamente deseja ficar livre. Mas, gradualmente, permitiu e sentiu-se confortável com a sela. E eu... Eu...

Sua voz se tornou embargada pela emoção quando tentou imaginar um mundo sem Nabat, e de repente toda restrição a deixou, enquanto se esquecia da posição do homem de olhos escuros à sua frente.

— Eu amo essa criatura — sussurrou Eleni, e seu coração doeu tanto que ela sentiu a primeira lágrima escorrer pelo rosto.

Mas Kaliq a olhou com incredulidade. Uma criada ousando mostrar emoção na frente de seu sheik! Como ousava?

— Seque seus olhos — ordenou ele, asperamente, endure­cendo seu coração diante do brilho de lágrimas que faziam os olhos dela parecerem imensos e mais verdes e resplandecentes do que nunca. — E depois responda minha pergunta como quero que seja respondida!

— Mas acabei de responder — objetou Eleni enquanto en­xugava as lágrimas.

— Não — disse ele secamente. — Não respondeu. Faltou satisfazer minha curiosidade em saber por que você, uma po­bre e humilde criada que serve a mesa de jogadores bêbados, teria acesso para cuidar de uma mercadoria tão valiosa?

Ela quis dizer que Nabat não era uma mercadoria, mas per­cebeu que tal capricho acrescentaria combustível à raiva que já estava crescendo a cada minuto.

Ele queria a verdade, não queria? Então, muito bem... Ela lhe daria a verdade de maneira pura e indisfarçada.

— Porque não sou uma pobre e humilde criada, sua alteza. — Eleni deu um profundo suspiro. — Na verdade, sou a filha de seu anfitrião, Gamal.

Filha dele! — O maxilar de Kaliq enrijeceu em des­crença.

— Então que farsa foi aquela que eu acabei de testemunhar, com você me servindo? — demandou ele, os olhos furiosos. — E você se vestiu de modo desalinhado para pare­cer uma criada?

Eleni não disse nada, porque preferiria morrer a admitir que aquelas eram suas roupas normais.

— Você pediu ao seu pai pelo privilégio de servir seu sheik? — perguntou ele com arrogância. — Desejou regalar seus olhos diante de um verdadeiro homem?

Nunca em sua vida Eleni ouvira tão ultrajante exemplo de narcisismo. E não importa qual sua posição na sociedade... Ele não tinha o direito de duvidar de sua integridade e pureza como mulher.

— Não, alteza, eu não pedi. Tal comportamento não seria adequado.

— Então por quê?

— Porque...

— Olhe para mim — demandou ele. — Quando fala comigo.

Vagarosamente ela ergueu o olhar, sentindo como se estives­se lutando para se libertar de um peso que a pressionava... Pois como podia de repente abandonar um ensinamento de uma vida inteira num instante? Abandonar a modéstia que era enraizada em todas as mulheres desde o berço e olhar no rosto de um dos homens mais poderosos e mais atemorizadores do planeta?

Mas que escolha tinha?

— Como queira, sua alteza — disse ela com relutância.

Kaliq viu-se dando um profundo suspiro enquanto ela lhe obedecia. Normalmente jamais diria a uma mulher para fitá-lo nos olhos, e particularmente não uma mulher como aquela, mas havia algum anseio inexplicável de ver mais uma vez aqueles olhos incrivelmente verdes. Como um homem que ti­vera a chance de dar uma rápida olhada no paraíso e queria se certificar de que não imaginara aquilo...

Sua boca secou quando a luz do lampião iluminou os olhos brilhantes. Eles eram do tom mais raro que eleja vira... Verdes claros com a mesma nuance da aurora boreal que coloria os céus árticos.

— Explique-me seus motivos de fingir ser criada de Gamal, em vez de sua filha.

Houve uma pausa. Suas vidas eram tão diferentes... Ele en­tenderia, mesmo se ela tentasse explicar?

— Não mantemos muitos empregados — admitiu Eleni, levemente envergonhada.

— Oh? E por quê?

Ele estava propositadamente querendo humilhá-la? Que homem cruel e arrogante!

— É uma questão de finanças, alteza — disse ela de modo orgulhoso.

— Verdade? — Kaliq olhou ao redor. Embora precisassem de trabalho e renovação, os estábulos eram de bom tamanho, assim como as acomodações da casa. Suspeitava que tivesse havido dinheiro suficiente para empregados uma vez, mas que Gamal bebera e perdera a maior parte no jogo.

Ele se aproximou, e Eleni de repente ficou ciente da potente aura da masculinidade, e seu coração disparou de medo e de algo mais também... Algo aterrorizador e irreconhecível.

— Então, o que você está fazendo aqui no estábulo? — questionou ele. — Por que eu a encontrei com seus braços em volta do meu cavalo e parecendo tão culpada?

Ouvir aquilo quase despedaçou o coração de Eleni. Meu ca­valo, ele tinha dito... E falara nada além da verdade. Porque agora Nabat era do sheik... Entregue como aposta num jogo co­mum de pôquer! Em breve, iria embora para uma vida de luxo em um dos estábulos do palácio, e ela nunca mais o veria.

Ele não poderia imaginar... Mesmo que tivesse um coração de pedra... O quanto ela estava sofrendo por pensar de ter de dizer adeus à única coisa que amava no mundo?

As palavras irromperam na sua boca como se ela não pu­desse controlá-las:

— Não posso suportar a ideia de ficar sem meu... Seu cava­lo — corrigiu ela, dolorosamente. — Portanto, engendrei um plano para me assegurar de que não precisaria ficar.

Com isso, os lábios de Kaliq se curvaram num sorriso in­dulgente.

— Oh? E poderia me contar qual era seu plano, borboletinha?

Ela detestou o tom sardônico dele, a expressão zombeteira naqueles olhos escuros e brilhantes, e detestou o modo que ele a mediu de cima para baixo, como se ela fosse um monte de farrapos.

— Eu ia me esconder no meio da palha, de modo que quan­do você viesse para levá-lo embora, teria de me levar também.

Para surpresa de Eleni, ele não disse nada, apenas estreitou os olhos, como se ela tivesse dito algo inteiramente inesperado.

— Você não acha que teria sido descoberta? Que um dos guardas do palácio a encontraria e enfiaria uma espada no seu coração, pensando que você pudesse estar ali para uma tenta­tiva de assassinato à minha vida?

Ela lembrou-se de ter sido obrigada a experimentar o suco no caso de estar envenenado, e mais uma vez pensou que, apesar de toda riqueza, poder e status, ele deveria ser muito solitário.

— Eu não estava pensando em mim mesma — respondeu ela.

— Não. Posso ver isso. — Ele levantou a mão para alisar seus pelos negros, e novamente o cavalo relinchou.

— Ele não gosta de homens — explicou Eleni.

— Pois aprenderá a gostar muito em breve.

Eleni achou que ele falava sobre o uso de chicote, como seu pai ameaçara fazer com tanta frequência.

— E ele também não responde a tratamento rude. Por um momento Kaliq quase sorriu.

Parada ali em suas roupas simples e deselegantes... Mal batendo na altura do peito dele... Ela, sem dúvida, o fazia ad­mirar sua coragem.

Poucas pessoas haviam lhe falado com tal franqueza e tal paixão, a menos que se tratasse de riqueza e ganância.

— Cavalos são como mulheres — disse ele, suavemente. — Tanto um como outro não respondem bem a tratamento rude.

E para horror de Eleni, ela começou a corar... Da cabeça aos pés. Não que corar fosse um crime, ou até mesmo descortês, mas corar como o resultado de uma declaração fazia aquilo parecer... Como se ela estivesse imaginando de que forma res­ponderia ao sheik como mulher! E não estava?

Agora Kaliq sorriu.

— Não se preocupe, borboletinha — murmurou ele. — Você estará perfeitamente segura comigo.

O significado por trás daquelas palavras era claro... Mesmo para alguém com a inexperiência de Eleni em relação aos ho­mens. Obviamente ela... Uma humilde garota do país... Estaria a salvo da atenção do poderoso e experiente sheik. Ela não teria esperado outra coisa. Entretanto, aquilo ainda doía... O fato de ele a desprezar tão abertamente.

Mas Eleni esforçou-se para reprimir tais pensamentos. Desconfiava que ele estivesse engendrando algum plano na mente... Algo para fazer com Nabat, e talvez com ela também. E um fio de esperança começou a ganhar vida.

O instinto lhe disse para permanecer calada... Como se suas palavras pudessem estragar a possibilidade... Enquanto espe­rava que o sheik falasse.

— Você cuidou e educou o cavalo — observou ele.

— Sim, alteza.

— Ele a conhece e responde bem a você.

— Sim, alteza.

— E como acha que ele se comportará sem você?

— E quantos anos você tinha?

— Eu tinha... Dez.

Dez? Quase a mesma idade que ele tinha quando sua mãe morrera. Kaliq afastou o olhar do rosto conturbado dela, não querendo reconhecer a onda de dor que o assolou... Porque algumas coisas deviam permanecer enterrada nas profunde­zas da memória. Realeza e plebéia... Unidos por um estranho laço. Todos tinham seus fardos, reconheceu amargamente... Apenas que os de alguns eram mais pesados do que os de outros. Com experiência de anos de prática, suprimiu os pensamentos.

A lógica lhe dizia para descartar aquela garota órfã de mãe, com uma língua afiada e um comportamento atrevido. Como se ela pudesse ter algum lugar nos estábulos do palácio!

Contudo, Eleni, sem dúvida, havia falado a verdade sobre o cavalo. A performance dele nas corridas não seria melhor se estivesse perto da dona? Não seria infinitamente preferí­vel poupar seu staff do trabalho de ter de domar um gara­nhão de raça, que poderia ficar amuado e se recusar a correr devidamente?

Ele se virou... Vendo que dessa vez ela não baixara o olhar, mas o fitava com uma pergunta firme nos olhos verdes. A borboletinha se tornara corajosa pelo amor de seu cavalo!

— Seu pai sentirá sua falta — comentou ele.

— Sim, alteza.

Kaliq notou um estremecimento involuntário diante de uma observação que desconfiava não ser verdadeira, e observou também que ela não difamou o nome do pai. Portanto, Eleni era leal. Isso era bom.

Na verdade, era uma qualidade que ele prezava acima de todas as outras. Lealdade!

Supunha que o pai embriagado dela fosse grosseiro, insen­sível e imprestável, mas também desconfiava que não haveria um papel verdadeiro para a garota, agora que seu mais precioso bem tinha sido perdido no jogo. E o que ela faria na ausência do cavalo?

Continuaria a servir o pai e aos amigos inúteis dele até que sua juventude desaparecesse e ela se transformasse numa ve­lha solteirona?

— Você quer ir comigo? Para trabalhar no meu estábulo?

Eleni o olhou, quase incapaz de acreditar no que estava ou­vindo. Seu coração estava batendo tão ferozmente que parecia ressonar por todo o estábulo.

— Oh, sim, por favor, alteza.

— Então quero que olhe para mim sempre que eu estiver falando com você — declarou ele com firmeza.

— Mas...

— Se você vai trabalhar para mim, então será tratada da mesma maneira que os rapazes do estábulo. Entendido?

— Sim, alteza.

A mente de Kaliq começou a girar sobre as praticidades de tal passo. A decisão de levar uma mulher para o palácio causaria comentários maliciosos nos salões da corte? Muito provavelmente... Mas ele não se deleitava com sua reputação de rebelde?

Ele deu um sorriso seco quando chamou seu guarda-costas? que entrou no estábulo com a velocidade de um raio.

— Vamos levar essa garota conosco.

O rosto do homem permaneceu impassível.

— Vamos, alteza?

— Ela trabalhará no estábulo, com exclusiva responsabi­lidade sobre o novo garanhão. Combine um preço com o pai dela — ordenou Kaliq. — Quanto você achar que ela vale. E então, leve-a para meu palácio real.

Kaliq saiu do estábulo sem dar outro olhar ou palavra na direção dela, e mais uma vez Eleni mordeu o lábio... Dessa vez para esconder o brilho de lágrimas do olhar hostil do guarda-costas.

Porque, sim, de alguma maneira... O sheik da realeza viera em seu resgate. Ela não precisaria se separar de seu amado Nabat, afinal de contas, e ficaria livre daquele mundo escuro e sujo no qual vinha vivendo desde a morte de sua mãe.

Mas jamais poderia esquecer que o príncipe Kaliq Al'Farisi acabara de ordenar seu guarda-costas que a comprasse... como se ela fosse um saco de grão-de-bico, à venda no mercado de Serapolis!

 

— Por Alá! — murmurou Eleni maravilhada quando, gen­tilmente, fez seu cavalo parar. Sua jornada árdua através do deserto inóspito foi esquecida quando ela olhou para o mag­nífico palácio do príncipe Kaliq... Facilmente visível do tam­bém magnífico estábulo real, para onde tinha sido levada e que seria seu novo lar.

Ainda não podia acreditar que estivesse lá... Que seu pai lhe deixara ir tão facilmente.

Ele tinha apenas dado de ombros quando Eleni fora se despedir.

— Você é como sua mãe — dissera ele com uma carranca.

— Não sentirei falta sua.

O sheik deveria ter oferecido a Gamal uma boa quantia de dinheiro, pensou ela... Para que seu pai aceitasse que a filha deixasse o lar sem tentar lhe dar uma surra.

E agora ela possuía um novo lar. O palácio do sheik, cir­cundado por jardins de inacreditável esplendor, que pareciam zombar do deserto árido do lado de fora dos altos muros. No­vamente, Eleni sacudiu a cabeça em fascinação.

— É tão maravilhoso!

— Realmente. O lugar é famoso pelos seus encantos — concordou o guarda-costas que a acompanhara na longa viagem da casa de seu pai. — Você nunca viu o palácio do príncipe antes?

— Não, nunca — disse ela, timidamente, enquanto des­montava de Nabat e batia no seu flanco brilhante.

Eleni tinha visto o palácio principal de Calista, é claro... Em sua posição estratégica, a qual dava para o movimentado Porto de Aquila. Lembrou-se de sua mãe a levando lá uma vez no Dia da Bandeira... Que era o maior feriado nacional de Calista.

E que dia brilhante e ensolarado havia sido... Somente elas duas... E a última viagem antes da morte de sua mãe. Talvez por isso o momento passado estivesse sempre tão presente na memória de Eleni.

Na ocasião, as ruas estavam no meio de uma multidão de pessoas que tinha vindo de toda a Calista... Acenando suas bandeiras e ansiosas para ver o desfile real enquanto passava.

Para uma jovem garota que era estranha à cidade, Eleni co­meçara a ficar excitada com antecipação de dias.

Usara sua melhor túnica com calça combinando, que as mulheres calistanas de todas as idades usavam, e seus longos cabelos espessos tinham sido trançados com uma fita verde-claro, da mesma cor de seus olhos.

Sob o dossel largo e sombreado das tamareiras que ladea­vam o caminho, sua mãe lhe dera amêndoas açucaradas e me­lão seco para comer. Elas haviam bebido o doce suco de romã enquanto um dos atores da corte cantava o Destan, que era um poema épico entoado em honra da família real.

Enquanto as carruagens passavam, Eleni lembrou-se da aparência serena da rainha Anya... E que mulher maravilhosa ela deveria ter sido para ter recolhido os sete filhos órfãos de sheik Ashraf. Sete! Imagine isso. E Eleni se recordou de seus olhos terem sido atraídos pelo bonito Kaliq, enquanto se per­guntava por que o irmão gêmeo do sheik, Aarif, não estava em lugar algum à vista.

Agora olhou para o palácio azul e dourado que brilhava sob o sol da tarde com uma sensação de descrença.

Quem pensaria que ela... Eleni Lakis... Um dia estaria dian­te daquela mesma casa de Kaliq, empregada como uma servi­çal do estábulo! Que o lar dele seria seu próprio lar?

— Eu lhe mostrarei seus aposentos — disse o guarda-costas, mas Eleni meneou a cabeça.

— Obrigada, mas isso pode ficar para depois. Primeiro, preciso estabelecer Nabat no seu novo lar.

— Um dos rapazes fará isso para você.

— Não. — Eleni sacudiu a cabeça com veemência. Estava consciente de suas responsabilidades e também do quanto era importante permanecer valiosa para o sheik, pois o que acon­teceria se o desagradasse? Ele poderia mandá-la de volta para seu pai?

Ela tremeu com o pensamento. Certamente ele não faria isso. Afinal de contas, não tinha sentido que o sheik entendia seu alívio em afastar-se do futuro repressivo e limitado que lhe era reservado? Ou esse era apenas um pensamento desejoso de sua parte?

Não importava. Agora precisava mostrar ao sheik que ele tomara uma decisão sábia ao levá-la consigo. Ela seria leal. Trabalharia arduamente. Desde o alvorecer até a hora de ir para a cama... Tornando-se tão indispensável que o sheik se perguntaria como um dia havia sido capaz de lidar com um estábulo de sucesso sem ela!

— Eu mesma devo fazer isso — replicou Eleni com tei­mosia.

O guarda-costas deu de ombros.

— Então voltarei em meia hora com uma criada que lhe mostrará seus aposentos.

Mas Eleni quase não o notou sair enquanto seus olhos se deleitavam com o complexo do estábulo da realeza. Era tudo que um cavalo podia querer... Confortável, espaçoso e seguro...

E pela primeira vez, ela pensou na vida maravilhosa que Nabat iria ter.

Esguichando-o até que ele ficasse refrescado e molhado, Eleni escovou os pelos macios e depois lhe deu um pouco de palha e água para beber. Estava acabando de colocar uma manta no lombo do animal quando ouviu o som de passos atrás de si, e o instinto a fez virar-se, e um tremor estranho percorreu sua pele quando viu quem estava lá.

Era Kaliq.

Ele estava parado na entrada do estábulo, a iluminação do céu magnífico atrás formando uma bela silhueta. Mas o con­torno escuro parecia somente enfatizar o físico musculoso e a presença dominante... Tão vibrante e poderosa como o próprio garanhão.

O coração de Eleni disparou de maneira tão violenta que a deixou levemente tonta. Queria se proteger daquele olhar ardente, abaixando a cabeça e olhando para o chão, como fora ensinada a fazer a vida inteira... Em suas aulas de modéstia e subserviência.

No entanto, o próprio sheik não a proibira de fazer isso?

Ignorando a garota completamente, Kaliq continuou olhan­do para o cavalo, apenas admirando a mera magnificência de sua última aquisição, até que algo desfavorável lhe chamou a atenção. Ele fez uma careta de desgosto e caminhou até o cava­lo, levantando uma ponta da manta sobre o lombo do animal.

— O que é isto? — perguntou de modo ríspido.

— Uma manta, alteza. Eu trouxe comigo. Sempre cubro o dorso de Nabat com palha depois que o esguicho, e então coloco essa manta por cima... Pode ver que fiz buracos nela, de forma que o excesso de água escape durante a noite. É um excelente método de manter o cavalo confortável e seco.

Kaliq agora a fitava com expressão de descrença.

— Você quer dizer que trouxe esse cobertor velho e imundo desde a casa de seu pai?

Ela se forçou a não reagir ao insulto.

— Sim, alteza.

— Mas e quanto a suas roupas? Seus pertences?

— Estão naquela maleta ali — disse Eleni, apontando. Ele fez uma careta diante do modesto tamanho da sacola surrada que jazia sobre a palha.

— E isso é tudo que você trouxe?

— Sim. — Envergonhada, Eleni sentiu-se corar.

— Mas você vai ficar aqui para sempre! — explodiu ele. — Não por uma noite!

— Sem problemas... Eu posso lavar minhas roupas à mão todas as noites, alteza. E como estou acostumada.

A ironia não passou despercebida a ele. Num momento ela estava modestamente olhando para o chão... Todavia, agora, falava ao seu príncipe sobre lavar roupas íntimas!

Kaliq sentiu uma vaga raiva começar a dominá-lo... E não somente porque Eleni tinha sido insubordinada. Não, porque aquela coloração nas faces dela fizera seus olhos parecerem tão verdes quanto pistache e tão brilhantes quanto folhas ten­ras. E, inapropriadamente, ele sentiu um repentino pulsar de luxúria no seu baixo ventre. Era uma sensação familiar. Um apetite que exigia ser alimentado. Desejo podia algumas vezes ser mais poderoso quando era indiscriminado... E Kaliq era um homem altamente sensual.

Parte sua queria atirá-la sobre a palha e acabar com aquilo. Porque não havia modo mais certo de dissipar o desejo por uma mulher do que possuí-la. Mas sentia que Eleni podia ser vagarosa para perceber que seu dever era satisfazer seu sheik em todos os aspectos que ele exigisse. Sua boca se curvou num sorriso malicioso.

Ela aprenderia em breve.

— Você pode ser uma garota que trabalha no estábulo sem compromissos sociais... Mas também é uma representante do palácio real de Al’Farisi — disse ele, forçando-se a reprimir o frêmito de dor que sentia no baixo ventre. — E como tal... Não andará vestida em andrajos è parecendo um garota serviçal de cozinha. Fui claro?

— S-sim, alteza.

Ele bateu palmas e uma jovem criada com véu apareceu das sombras.

— Esta é Amina — disse Kaliq. — Ela lhe mostrará seus aposentos e providenciará para que você tenha algo apropria­do para vestir.

Satisfeita que a irritação dele parecia ter desaparecido, Eleni assentiu com um gesto obediente da cabeça.

— Obrigada, alteza.

Olhos negros a percorreram de maneira crítica.

— E certifique-se de lavar seus cabelos para tirar a palha impregnada neles.

Com o rosto ainda quente, Eleni se curvou numa reverên­cia, mas eleja tinha saído, e seu coração começou a bater ner­vosamente.

Ele não percebia o quão maravilhoso era? Não percebia como uma jovem inexperiente poderia ser atemorizada pela poderosa mistura de homem e majestade?

Eleni passou os dedos pelos cabelos. Realmente parecia horrível, então? E não estava muito certa de como deveria jul­gar. Aparência nunca fora uma de suas prioridades... Simples­mente não houvera tempo. Ou incentivo.

Amina fez o caminho até os fundos do palácio, e mesmo que Eleni soubesse que aqueles eram os aposentos dos empre­gados... Ainda assim era uma experiência novinha em folha para ela. Não podia se imaginar achando um escorpião ali... Ou precisando chutar um rato para longe da porta dos fundos.

E quando finalmente Amina abriu uma porta e indicou que Eleni deveria precedê-la, ela achou que deveria haver alguma espécie de equívoco.

— O que... O que é isso? — gaguejou ela.

— Este é seu quarto — disse Amina, mas Eleni sacudiu a cabeça e não se moveu.

— Deve haver algum engano — disse ela a Amina en­quanto olhava para o imenso sofá, o chão frio de lajotas e as lâmpadas intrincadas que pendiam do teto. Janelas des­providas de venezianas davam para um sereno retângulo de água, onde jatos suaves jorravam de uma fonte, com música suave.

Era como uma ilustração de um daqueles livros de poesia que ela costumava ler na escola. Livros que costumavam levá-la para um mundo inatingível. Eleni engoliu em seco.

— Estes não podem ser meus aposentos. Amina assentiu.

— Mas são.

— E eu terei que compartilhar a cama e o quarto com outra criada?

— Não, Eleni — replicou Amina, gentilmente. — Você está no palácio real agora, e isso significa que vai ter seu próprio quarto.

O coração de Eleni disparou no peito, com um misto de medo e perplexidade.

— Mas... Mas eu sou apenas uma empregada do estábulo! A expressão de Amina permaneceu fechada.

— Meu papel aqui é simplesmente obedecer às instruções, não questioná-las. E uma vez que o sheik valoriza seus cava­los mais do que diamantes... Aqueles que zelam por eles são altamente valorizados.

Estaria Eleni sendo ultrassensível... Ou havia algo que Amina não estava lhe contando?

— Obrigada.

— E há roupas novas penduradas naquele guarda-roupa alto. Venha e dê uma olhada.

Eleni piscou quando a garota abriu a porta do guarda-roupa, Porque certamente aquela quantidade de roupas daria para 20 mulheres pelo menos. Eram as típicas túnicas calistanas, com calças justas por baixo... Mas aquelas eram feitas de seda, não do algodão rústico com o qual ela estava acostumada.

E como o arco-íris que com frequência segue as chuvas do deserto, Eleni nunca vira tantas nuances de cores... Do vibran­te ao pálido, com todas os tons entre eles.

— E lhe preparei um banho — continuou Amina. Eleni olhou para ela.

— Um banho? — repetiu.

Amina abriu outra porta, e lá, brilhando no meio de vapo­res, havia uma imensa banheira decorada com ouro. Fascina­da, Eleni olhou para a garota.

— Pelas asas do falcão! — exclamou ela. — Para quem é isso?

Amina deu um leve sorriso.

— É para você, Eleni — disse ela, suavemente. — Tudo para você.

Eleni piscou, lágrimas inesperadas inundando seus olhos.

— Isso é verdadeiramente espantoso — sussurrou ela. Amina assentiu.

— Eu senti a mesma coisa quando fui trazida para o palá­cio. Agora, você quer que eu a ajude a banhar-se?

Se o pensamento do banho era uma perspectiva fascinante, a ideia de ficar nua na frente de alguém fez Eleni querer correr um milhão de milhas com medo.

— Oh, não! Obrigada, Amina... Eu me arranjarei sozinha. Ver a larga banheira quadrada cheia de água perfumada a entorpecera, porém, ela ficou ainda mais chocada quando se deparou com seu próprio reflexo no espelho. Há quanto tem­po não se via num espelho? Desde a escola. Seu pai havia banido todos os espelhos na casa, alegando que eram indica­dores de vaidade, e Eleni acabara acreditando que não havia necessidade de se olhar em um.

Mas agora, a visão que a cumprimentou não podia ser pior.

Seu rosto estava impregnado da poeira do deserto, e em suas faces exibiam gotas de suor, que deveriam ter despontado durante a longa viagem até ali. Seus cabelos grossos estavam sujos e necessitando desesperadamente de uma la­vagem, e suas roupas estavam cobertas com fina camada de areia.

Eleni quase chorou. Onde estava qualquer traço de sua feminilidade? Parecia mais um moleque de rua do que uma mulher! Com dedos trêmulos, removeu as roupas sujas, mas quando se virou foi confrontada por outro espelho e, de certo modo, aquele era até mesmo pior.

Era um espelho de corpo inteiro, e ela olhou, com uma es­pécie de fascinação horrorizada, para uma Eleni que não re­conheceu.

Seus pequenos seios pareciam tão arredondados... E seus mamilos eram rosados.

Ela não percebera o quanto seu corpo tinha se tornado cur­vilíneo... Ou que a cintura estivesse tão delgada, como o tron­co de uma jovem nogueira. E havia mais, também...

Pela primeira vez, foi capaz de ver o triângulo de pelos que jazia entre suas coxias, e estremeceu de medo, resolutamente dando as costas para sua imagem a fim de entrar na banhei­ra. Deixou a água quente cobrir seus membros doloridos e com uma sensação de alívio.

E descrença.

Porque aquele era o primeiro gosto verdadeiro que Eleni tinha do luxo, e mais uma vez ela quase chorou, só que dessa vez por pura alegria, perguntando-se como qualquer experiên­cia podia ser tão prazerosa.

Aprendera a encontrar diversão em coisas simples... Como sentir o vento nos cabelos quando estava galopando Nabat, ou na visão de uma bonito pôr-do-sol afundando por trás do poderoso esplendor das montanhas. Mas aquilo era diferente. Era...

Desassossegadamente, Eleni se movimentou enquanto on­das de água tocavam sua pele, e pegou uma barra de sabone­te linda e aromática. Sua lavagem normalmente consistia de uma esfregada com água fria fora de casa, enquanto o resto do mundo dormia. Todavia, apenas o toque desse sabonete era... era...

Ela engoliu em seco quando a espuma abundante cobriu sua pele, e teve a sensação mais estranha no momento que, ex­perimentalmente, passou o sabonete em um de seus seios. Um rosto surgiu na sua mente. Um rosto bronzeado e zombeteiro, com olhos negros duros e lábios curvados cruéis.

O sabonete caiu de sua mão dentro da água, e, depois que Eleni saiu da banheira com os membros escorregadios, pare­cia não conseguir parar de tremer.

 

Na manhã seguinte, Eleni chegou ao estábulo tão logo o sol nasceu. Sua primeira noite dormindo no palácio tinha sido desassossegada, provavelmente por causa da comida exage­rada que haviam lhe servido na cozinha... Deixando-a perple­xa ao descobrir que não era esperado que cozinhasse para si mesma.

Eleni nunca tinha sido servida em toda sua vida.

Nem sentido seda macia contra sua pele, como quando usa­ra algumas de suas roupas novas para o jantar. Mas antes que fosse para a cama, ela havia lavado suas roupas velhas... Mais como hábito do que por qualquer outro motivo.

Depois as pendurara num varal improvisado no banheiro,^-vestira-as naquela manhã.

Daquela maneira, sentia-se mais confortável. Mais ela mesma.

Aproximou-se de Nabat, que veio relinchando para retri­buir o cumprimento.

— Olá, rapaz — murmurou ela. — Você parece feliz! — Eleni o escovou e depois fez com que ele se exercitasse... E enquanto Nabat comia seus cereais... Ela percorreu o estábulo para olhar todos os outros cavalos do sheik. Eles eram, como já esperava, magníficos... Mas o melhor de todos era um ga­ranhão preto imenso nos fundos do campo. Era o cavalo de Kaliq! O que ele cavalgara até a casa do pai dela, na primeira vez que o vira.

Eleni podia ver que o animal era aristocrático e muito nervo­so e, no início, espreitou-a com olhos desconfiados. Mas ela se aproximou calmamente, e depois de alguns momentos o cavalo começou a focinhá-la de uma maneira impaciente e amigável.

— Olá, meu querido — disse ela, suavemente, enquanto lhe acariciava o pescoço. — Você é tão bonito. Quase tão bo­nito como Nabat... Embora nunca permitiremos que ele me ouça dizer isso!

Mas um som suave no campo a perturbou, e Eleni virou-se para ver o sheik parado muito quieto, apenas observando-a, e ela engoliu em seco, seu coração disparando. Era o rosto de seus sonhos... Que mantivera seu sono tão desassossegado a noite inteira. O rosto que entrava e saía de sua mente quando estivera deitada nua na banheira. Que fizera seu corpo sentir-se tão irrequieto.

Ela novamente engoliu em seco enquanto absorvia a beleza do sheik. Aqueles olhos negros. Aqueles cabelos cor de ébano. E para sua surpresa, o corpo forte estava vestido em roupas esportivas naquele dia.

Eleni ficou tão surpresa que simplesmente olhou para a vi­são que ele formava. Usava uma calça muito justa, uma cami­sa de seda branca e botas de couro longas. Nunca na vida, ela vira um homem vestido de modo tão... Inapropriado.

Isso porque era quase possível ver a definição das coxas grossas e dos músculos poderosos.

Seu coração estava batendo de maneira selvagem agora... Tanto que por um momento Eleni sentiu-se zonza.

Soube que estava enrubescendo quando lhe fez uma reve­rência, mas ele acenou uma mão no ar, impacientemente.

— Gosta do meu cavalo, borboletinha?

Cavalos eram a paixão de Eleni... Sua razão por estar ali... Portanto, precisava afastar da mente a terrível fascinação de ver o sheik naquela vestimenta que a distraía. Concentrando-se na pergunta, ela respondeu:

— Ele é magnífico, alteza.

— Sim. Mas temperamental, também. Ele não costuma deixar um estranho chegar tão perto. Isso é muito raro e in-comum. — Os olhos negros eram observadores. — Acha que pode montá-lo? — sugeriu sedosamente.

Eleni não estava certa de como responder. Aquilo era um desafio? Um teste para ver se ela era intimidada para montar tão poderoso e valioso animal? Mas parecia que ele falava sé­rio, porque ao mesmo tempo estava entrelaçando os dedos a fim de fazer uma espécie de escadinha para que ela subisse no cavalo, e assim ela fez, sem dizer uma palavra.

Por alguns segundos, permaneceu imóvel contra o lombo quente do animal, quase se permitindo fundir-se com ele... Para oferecer segurança tanto ao animal como a ela. Breve­mente, viu os olhos negros do sheik se estreitarem em perple­xidade quando ela começou a trotear o garanhão em volta do campo, como se tivesse passado sua vida sobre aquele animal. Mas aquilo era algo que parecia lhe acontecer com todos os cavalos... Alguma coisa mágica, inexplicável, o que parecia compensar, de alguma maneira, o fato de que eram sempre os humanos que a decepcionavam.

Eleni incitou velocidade ao cavalo enquanto dava algumas voltas ao redor da área, sabendo que estava se exibindo um pouco... Mas quem podia culpá-la, uma vez que o olhar crítico de Kaliq a queimava como fogo? Quando fora a última vez que se sentira tão segura e confiante?

Enquanto Kaliq a observava cavalgando, a trança balan­çando nas costas delgadas, sentiu a dor de um reconhecimento que era mais feroz do que o reconhecimento do desejo. Porque reconhecia que estava testemunhando algo raro... A combina­ção potente de talento, instinto e desafio. Uma verdadeira bra­vata. E executada por uma mulher! Seus lábios se curvaram num sorriso fugaz quando ela trouxe o animal de volta e parou ao seu lado, curvando-se sobre o pescoço do cavalo, acaricia^ do-o e sorrindo diretamente para o rosto de Kaliq.

— Quer que eu o faça saltar para você ver? — perguntou ela, momentaneamente esquecendo com quem estava falando.

— Acha que consegue? — desafiou ele, enquanto o brilho de genuína excitação nos olhos verdes o fazia responder com igual candura.

— Oh, sim!

O som de um grito a distancia trouxe Kaliq de volta à rea­lidade. Pois, por um segundo, estivera tão admirado pela ha­bilidade de Eleni lidar com o cavalo que havia se esquecido que ela não passava de uma humilde garota que trabalhava no estábulo. Na verdade, tinha esquecido também que ela era uma garota.

Mas agora notou como o suor colado à pele suave fazia a túnica se aderir às curvas deleitosas... Inegavelmente enfati­zando sua feminilidade. Na verdade, ela não era uma garota. Em absoluto. Aquela criada de olhos verdes com pele cor de mel era mulher na sua verdadeira acepção.

De repente, Kaliq sentiu o insistente clamor de apetite sexual. Uma súbita pulsação em resposta à provocação, en­quanto ela o assegurara com confiança que poderia saltar obs­táculos com seu cavalo poderoso... Uma provocação que se tornava mais sensual ainda pelo fato de ser completamente sem intenção.

A boca de Kaliq secou.

— Não agora — disse ele com a voz rouca. — Desmonte. Algo naquela voz aristocrática fez Eleni lembrar-se exatamente de onde estava. E que o que acabara de fazer era ofensa punível... Tinha falado com o príncipe Kaliq Al’Farisi como se ele fosse um igual!

Era como se o mundo houvesse mudado de seguro para perigoso no piscar de um olhos.

Ciente da estranha tensão crescendo em volta deles, Eleni escorregou para o chão. Com dedos trêmulos, atou o garanhão pilar e então olhou para o sheik, temendo o que ele pen­saria sobre seu comportamento.

Kaliq a fitou, sentindo o sangue correr descontrolado nas veias.

— Você tem um dom — disse ele, simplesmente.

Eleni deu um suspiro de alívio. Então ele não estava zanga­do por ela ter falado com ele como se estivesse falando com um rapaz do estábulo!

— Obrigada, alteza.

Um dom que ele precisava utilizar, pensou Kaliq, e então a olhou novamente... Dessa vez tentando ignorar a curva do quadril feminino e o viço ousado dos seios. A despeito do res­plendor dos cabelos recém-lavados... Como poderia levá-la a qualquer lugar quando ela ainda parecia o garoto sujo que ele encontrara numa quase choupana no deserto?

— Você já se estabeleceu nos seus aposentos? — perguntou ele de modo ríspido.

— Sim, alteza.

— E?

— Eles são realmente os mais bonitos...

Ele interrompeu-lhe as palavras com um impaciente aceno de mão.

— Por favor, não declare o óbvio. Tenho um palácio in­teiro de pessoas que fazem isso constantemente... O que me aborrece. Ordenei que roupas novas fossem enviadas para seu quarto... Todavia, hoje você aparece diante de mim com trajes humildes. Por que razão? Rejeita minha generosidade?

— Não, alteza.

— Por que, então?

Eleni se contorceu intimamente.

— Por que, o quê?

O brilho dos olhos negros era penetrante. Como Eleni poderia lhe dizer que o tato de seda fina roçando contra sua pele a fizera se sentir estranha... E não como ela mesma?

— Hábito, suponho — respondeu ela, em vez disso.

— Então quebre esse hábito — ordenou Kaliq com deli­cadeza desta vez. — Quando você trabalha para um príncipe tem de se vestir adequadamente. Fui claro?

— Sim, alteza.

De modo preguiçoso, ele passou as mãos sobre o quadril estreito.

— Na verdade, você deveria estar usando calça de montaria — zombou ele. — Como a que eu estou usando.

Era impossível afastar o olhar do tecido bege que se ajusta­va quase indecentemente sobre aquele quadril estreito e coxas musculosas, mas o medo e a modéstia natural de Eleni fizeram suas palavras soarem confusas.

— Eu não poderia usar um traje como esse, alteza!

— Não? — Ele pensou que a coloração rosada do rosto de Eleni fazia os olhos verdes parecerem ainda mais magníficos. Ela seria tão boa na cama como era na sela? — imaginou, e foi punido com outra ponta de desejo. — Talvez não — concor­dou, num murmúrio sutil e sentiu sua garganta seca.

Tentando dissipar a imagem de como aquele belo traseiro ficaria agarrado a um par de culotes, esforçou-se para trazer os pensamentos ao presente.

— Agora, ouça-me. Tenho assuntos que desejo discutir com você — murmurou ele com a voz rouca. — Você será levada a mim mais tarde, esta noite.

Levada a ele. Eleni movimentou-se desconfortavelmente.

— Não poderíamos... Conversar agora? — aventurou-se ela, de repente nervosa.

Ele atirou-lhe um olhar gelado.

— Eu disse esta noite, não agora. Você seguirá meu horá­rio. Não o seu. Fui claro?

— Sim, alteza.

Ótimo! — E, com isso, Kaliq desamarrou seu garanhão negro e montou-o, sua mão enlaçando a crina enquanto ele incitava o animal com rápido aperto das coxas poderosas.

Entorpecida, Eleni o observou sair galopando numa nuvem de poeira, e estava tão preocupada que nem notou a espanto­sa técnica de montaria do sheik. Por que ele queria recebê-la naquela noite? E por que fazia sua convocação parecer não somente imperiosa... Mas também... Vagamente... Eleni en­goliu em seco.

Não ameaçadora, não... Essa seria uma descrição muito forte. Mas perturbadora, sim... Definitivamente perturbado­ra... E ela não estava muito certa do motivo.

Mas não tinha o luxo de perder tempo com tais pensamen­tos. Havia muita coisa para fazer e aprender, portanto, empenhou-se em descobrir o máximo que podia sobre seu novo lugar de emprego.

Foi gratificada ao descobrir que o staff ao estábulo era mui­to mais receptivo do que ela esperava... Embora todos pare­cessem meio confusos por terem uma mulher no meio deles. Mas então ela estava acostumada a trabalhar praticamente iso­lada... Com nada além da interferência ocasional de um pai duro e cruel... E ter companhia era uma mudança bem-vinda.

Um dia passado com cavalos era sempre prazeroso e cor­ria muito rápido... Mas aqui havia o bônus adicional de ter as mais excelente mordomias. Eleni sentia-se como se tivesse morrido e ido para o céu.

Ela levou Nabat para uma galopada... Acompanhada por um rapaz jovem do estábulo, que, bajuladoramente, copiava tudo que ela fazia!

Mas mesmo enquanto as horas passavam com suas tarefas, Eleni não deixava de pensar em seu encontro com Kaliq mais arde, e seu coração batia descompassado quando voltou para seus aposentos.

Enquanto umedecia os lábios, subitamente secos, com a língua, o pensamento que passara quase a maior parte do dia tentando suprimir voltou à sua mente.

Esta noite seria levada ao sheik e não sabia por quê.

Amina havia lhe preparado um banho perfumado, e com a crítica de Kaliq sobre suas roupas ainda soando nos seus ouvidos, Eleni selecionou um dos vestidos pendurados no armário.

Optando pela cor menos viva que conseguiu encontrar... Uma espécie de cinza prateado... Ela vestiu a roupa de seda e trançou os cabelos com uma fita que combinava. Mas quando abriu a porta em resposta à batida gentil de Amina; foi descon­certante ver a expressão atônita no rosto da criada.

— Algo errado? — perguntou Eleni ansiosamente.

— Não. Nada em absoluto. Você parece... Oh, você está muito bonita, Eleni — disse Amina. — Com toda certeza sa­tisfará o sheik com sua aparência.

— Mas... Mas isso não é o que eu pretendia! Quero dizer, obviamente quero satisfazê-lo com meus cuidados em relação aos cavalos, porém, de nenhuma outra forma.

No começo, Amina pareceu perplexa, e depois o semblante se tornou levemente desaprovador.

— Você sabe que seus próprios desejos são como brisa do vento? — perguntou ela, suavemente. — Invisível aos olhos e desaparecem num instante. Os desejos do príncipe Kaliq são soberanos no palácio... E ele gosta de observar coisas encan­tadoras. Agora venha comigo, e venha rapidamente... Porque uma coisa que ele não gosta é de esperar.

Que tirano poderoso e controlador ele parecia, pensou Eleni, com tristeza. Na verdade, o sheik não era diferente de seu próprio pai... Apenas régio e muito mais rico! Com o co­ração disparado e as mãos frias, ela seguiu Amina através de um labirinto de corredores de mármore que aumentavam pro­gressivamente de tamanho a cada passo. Lamparinas de metal intrincadas iluminavam o caminho e formavam sombras bruxuleantes, enquanto o ar quente era pesado, pelas flores dos jardins do pátio.

Finalmente Amina parou do lado de fora de suntuosas por­tas de carvalho esculpidas, onde dois guardas permaneciam de pé, e voltou-se para Eleni com expressão suave no rosto jovem.

— Preciso deixá-la agora — sussurrou ela quando um dos guardas começou a abrir as portas com certa cerimônia.

— Boa sorte.

Eleni viu o interior brilhante quando as portas se abriram e, naquele momento, sentiu-se cinco anos mais velha do que seus 25 anos. Uma mistura terrível de pavor, excitação e espe­rança começou a dominá-la.

E dando um profundo suspiro, Eleni ergueu a cabeça, criou coragem e entrou para enfrentar o sheik.

 

No vasto salão de jantar do palácio, Kaliq se recostou so­bre as almofadas bordadas, usando uma túnica que brilhava como ouro sob a luz de velas altas. Numa mesa baixa à sua frente repousava um copo pesado, o qual ele estava prestes a pegar quando olhou para cima e a viu.

E naquela fração de segundo, Eleni esqueceu por que estava lá e por que se encontrava numa situação tão extraordinária. Esqueceu-se de tudo... Inclusive de sua sanidade... Enquanto seu coração bombeava de modo curioso. Olhos cor de ébano brilhavam ao olhá-la, e uma boca que certamente definia pe­cado estava curvada num tipo de sorriso zombeteiro. Por um momento, ela se sentiu tão fraca, tão maravilhada por aquela presença da realeza que ficou grata pelo protocolo que deman­dava uma reverência de sua parte. Mas seu rosto ainda estava vermelho quando endireitou o corpo novamente.

Kaliq não tinha se movido; não ousara... Uma vez que a flechada de desejo deixara seu sexo rígido e dolorido. Um de seus ancestrais teria estalado os dedos e pedido que ela usasse a boca para lhe dar prazer, mas tal comportamento não era mais aprovado dentro dos círculos da realeza... Nem mes­mo em Calista. Ele suspirou. Por que sua madrasta Anya ha­via estabelecido alguma igualdade para as mulheres daquela ilha?

— Bem bem — murmurou Kaliq. — Deixe-me ver você.

— Alteza?

— Fique parada aí.

A boca de Kaliq enrijeceu enquanto seus olhos a percoreram. De muitas maneiras, não era uma aparência promissora.

Fia prendera aqueles cabelos magníficos, e o rosto permaneceram livres de qualquer artifício. Não apenas isso, mas escolhera a roupa do tom provavelmente mais neutro possível... Quando a maioria das mulheres com a coloração de pele de Eleni teria optado por alguma coisa vibrante. Algo verde e exuberante para combinar com a cor daqueles olhos incríveis.

Ainda assim, era extraordinário o modo que ela havia emer­gido como Vênus das ondas, agora que toda a poeira do deser­to fora lavada de seu rosto delicado. As roupas desalinhadas tinham sido substituídas por seda fina, o que acentuava as cur­vas deleitosas do corpo jovem. Bem, sua borboletinha estava quase linda!

Kaliq mudou de posição de modo a tornar a pulsação em seu baixo ventre menos insuportável.

— Acredito que é isso que as pessoas chamam de "remode­lação" — observou ele.

Eleni piscou.

— Eu não entendo o que você quer dizer, alteza.

— Não. Suponho que você não entenda. — Os olhos dele brilharam com travessura. — No ocidente, mulheres às vezes tiram as roupas para as câmeras de televisão. Você já viu tele­visão alguma vez, borboletinha?

— Uma vez — admitiu ela. Tinha sido numa velha tela pendurada na parede de um café, perto de onde Eleni e seu pai haviam levado Nabat para correr, e ela não ficara muito im­pressionada com o programa turbulento que fizera a maioria dos outros clientes gargalharem.

E você gostou? — perguntou Kaliq. Não particularmente, alteza.

— As pessoas no ocidente são viciadas em televisão — comentou ele, secamente. — E permitem às câmeras muita liber­dade com suas vidas. As mulheres nos programas de remode­lação deixam que outras mulheres manuseiem sua pele nua e lhe digam o que vestir.

Desaprovando o fato de que o sheik assistira a um progra­ma como aquele, Eleni não pôde evitar protestar:

— Ora, você deve estar brincando comigo, alteza!

— Mas eu não brinco. — Um sorriso zombeteiro curvou os lábios dele, mas seu lado chauvinista silenciosamente aplaudiu a reação totalmente previsível de Eleni, e o fato que ela não tentou esconder sua desaprovação pudica. Como era raro encontrar uma mulher não sofisticada... Particularmente para um homem que frequentava os círculos sociais da elite e viajava muito, como Kaliq. Ele havia voltado da Argenti­na recentemente... Onde participara de um campeonato de pólo.

Depois, voara para o Rio, onde se divertira muito nos bra­ços de uma amante que estava sempre disponível toda vez que ele a chamava. E, às vezes, era mais fácil fazer sexo com uma mulher que você já conhecia do que se dar ao trabalho de con­quistar alguém nova.

A moça em questão, do Rio de Janeiro, possuía um cor­po magnífico, o qual se encantava em exibir. Kaliq se pegou lembrando-se dos seios espetaculares da carioca, exibidos em toda sua glória na pérgula de uma piscina... E o traseiro firme mal escondido por um minúsculo biquini vermelho.

Todavia, embora Kaliq apreciasse a beleza e sexualidade de mulheres ousadas... Não havia alguma coisa deliciosamente refrescante sobre essa jovem ingênua e sinceramente ultraja­da? Ele observou-lhe as faces rubras e olhos verdes-claros. Suas sobrancelhas se arquearam numa expressão pensativa. Como Eleni seria na cama?, imaginou preguiçosamente. Fica­ria ultrajada com algumas das coisas que ele gostaria de fazer.

Ou as abraçaria com a mesma habilidade que mostrara com ela... sobre a sela?

Kaliq deu um tapinha na almofada ao seu lado.

— Venha se sentar. Você vai comer.

— Comer? Quer dizer, aqui? — Eleni engoliu em seco. — Com você?

— Mas é claro. — Ele lhe deu um sorriso. — Precisamos discutir meus planos para os cavalos, e não há razão para não fazermos isso no conforto.

— Mas...

— Por favor, não discuta comigo — murmurou ele, embora seu tom de voz fosse empático. — Da primeira vez que você expressa uma dúvida, posso achar tolerável... Mas repita isso e logo se tornará tediosa. Você entende?

Oh, ela entendia, claro. O sheik mimado estava acostumado a conseguir as coisas do seu jeito. Sempre! Mas Eleni manteve o rosto impassível enquanto assentia.

— Sim, Alteza.

Os olhos pretos brilhavam como jóias enquanto ele aponta­va para as almofadas e, embora Eleni sentisse seus membros se transformando em geleia, de alguma maneira conseguiu an­dar até lá e se sentar ao seu lado. Afinal de contas, que escolha tinha, quando aquele era um comando do sheik? Dizer-lhe que preferia comer com os outros criados na cozinha, como fizera na noite anterior? Que nenhuma porção de comida seria capaz de passar por seus lábios na presença ameaçadora dele?

Então, servente após servente começou a aparecer silen­ciosamente, carregando pratos sofisticados... Alguns que Eleni nunca tinha visto antes, muito menos experimentado. Juntamente com a usual carne ao molho de curry havia um peixe raro das águas do rio Kordela, e frutas coloridas jaziam sobre uma travessa de ouro puro. Havia nozes e doces, tam­bém... De uma variedade vista somente em dias de festa e comemorações.

Eleni não percebia que nunca existira uma mulher viva que recusasse a oportunidade de viver um prazer sensual com príncipe Kaliq Al’Farisi ? Não sabia que poderia haver conse­quências terríveis por não atender a um desejo do príncipe? Baixando a mão do rosto oval de Eleni, ele deu um suspiro de irritação.

— Não estou interessado no bendito cavalo! — gritou ele incapaz de conter-se.

A expressão de Eleni não revelou nada, exceto curiosidade embora seu coração estivesse loucamente disparado no peito.

— Mas pensei que fosse por causa do cavalo que você ti­vesse me trazido para cá, alteza.

Ele encontrou-lhe os olhos inocentes com o cenho franzido. Era imaginação sua ou havia um desafio provocador nas pro­fundezas daqueles olhos verdes? Se ele lhe dissesse que a co­ragem, a juventude e os olhos espetaculares dela tinham con­tribuído para sua escolha de levá-la para lá... Então isso não o colocaria em desvantagem? Eleni não percebia que ele podia ter qualquer mulher que quisesse, e que tinha sorte por ter sido escolhida? Bem, ela descobriria isso muito rapidamente!

— Então iremos discutir os cavalos — disse ele, repri­mindo um bocejo... Como se tivesse ficado entediado com a conversa.

Por um momento, Eleni se perguntou se tinha ido longe demais... Porém, que escolha possuía? Teria agido da mesma maneira com qualquer pessoa que tentasse aquele tipo de se­dução. E somente porque Kaliq era um sheik não significava que deveria ser tratado de forma diferente de qualquer outro homem, certo?

Era verdade que ninguém jamais a fizera se sentir daquele jeito... Como se de súbito tivesse descoberto para que o corpo de uma mulher era designado... Mas certamente tal fato em si era perigoso? Imagine se ela se acostumasse às carícias do sheik e começasse a comparar todos com ele. Isso, é claro, presumindo que algum dia houvesse outro homem em sua vida, o que parecia bastante improvável, uma vez que já se aproximava dos trinta anos... Como o próprio sheik cruelmen­te apontara.

Eleni lhe deu um sorriso brilhante.

— O sheik não toma chá de menta depois do jantar? — per­guntou, suavemente. — Eu sempre achei o chá muito relaxante.

Por um momento, Kaliq não sabia se ria, se explodia, ou se mandava aquela garota atrevida de volta para a choupana de onde viera, e para o pai bêbado. Mas o desafio dela estava se provando quase irresistível, percebeu e pegou-se batendo palmas para pedir chá de menta.

Todavia, no momento que fez isso, as mangas de seda de sua túnica escorregaram para revelar seus braços, e os olhos de Eleni se arregalaram enquanto ela reprimia um gemido de horror. Porque lá, nos pulsos do sheik, havia cicatrizes profun­das e lívidas.

— Oh, alteza! —exclamou ela, suavemente... Toda a paixão esquecida diante da visão chocante dos ferimentos. — Quem ousou machucá-lo?

 

Sem pensar, Eleni inclinou-se para frente e roçou a ponta dos dedos nas marcas vermelhas e ásperas sobre ambos os pulsos do sheik, e Kaliq fez uma careta.

O gesto impulsivo dela não era apropriado... Como uma plebeia ousava tocar um príncipe daquela forma? Todavia, considerando que ele a tocara momentos atrás, achou que não deveria impedi-la. Mesmo se a sensação dos seios de Eleni fosse infinitamente mais prazerosa do que a sensação dos de­dos. Embora...

Ele franziu o cenho. O toque dela o distraía. Era suave, com um efeito... Quase curativo. Por isso era tão boa com cavalos?, perguntou-se... Porque tinha o dom da suavidade? E se ele lhe permitisse tais toques, isso não os levaria para o caminho do prazer sensual? Somente que dessa vez... Com a compaixão de Eleni envolvida... Seria menos provável que ela o detivesse. Kaliq lhe sorriu. As mulheres eram muito previsíveis.

— O que aconteceu? — perguntou ela, automaticamente alisando as extremidades das cicatrizes, enquanto o observava arquear as sobrancelhas pretas.

— Você é muito impertinente, borboletinha — murmurou ele. Mas não afastou a mão da carícia confortante. — Fazer uma pergunta como essa para um sheik.

Mordiscando os lábios, ela soltou-lhe o pulso.

—Perdoe-me.

Mas estranhamente, a pergunta de Eleni não o perturbara como mandava o protocolo. Agora, por que isso? Seria por que as mulheres sempre perguntavam sobre aquelas marcas... Apenas que ele geralmente estava nu quando elas notavam pela primeira vez? E as cicatrizes nas costas de Kaliq eram muito piores... Fa­zendo essas pareceram quase insignificantes em comparação.

Às vezes, ele explicava aquilo dizendo que uma parceira se tornara excessivamente empolgada durante um ato sexual. Algumas acreditavam... Dependendo de suas próprias experi­ências. E quando não acreditavam, raramente o desafiavam... Porque estavam muito ocupadas realizando as fantasias do sheik. Tentavam ser tudo que ele queria, para satisfazê-lo... E ao fazer isso, acabavam sendo ninguém em especial.

Mas Eleni era diferente. Provavelmente porque era de clas­se baixa. Não percebia quanta ousadia era para uma plebeia acariciar os pulsos do sheik?

Mas, talvez, seu beijo a tenha feito pensar que tal contato fosse apropriado.

Kaliq a estudou, então subitamente a recusa de Eleni em não permitir mais do que um beijo fez sentido.

— Você é virgem? — perguntou ele.

Ela teve um sobressalto.

— Alteza!

Os olhos negros brilharam.

— Você me fez uma pergunta petulante, e agora é a minha vez de lhe fazer uma. O que me diz... Devemos trocar conhe­cimentos íntimos, borboletinha? Isso me parece justo.

Eleni mordeu o lábio. Aquilo parecia algo terrivelmente pessoal, mas talvez, se contasse ao sheik, ele não tentasse mais seduzi-la, como havia feito naquela noite.

Mesmo que você queira que ele tente?, soou uma vozinha em sua cabeça. Mesmo quando o toque dos lábios dele afez se sentir mais viva do que jamais se sentiu antes?

Contudo, ainda mais perturbador do que a visão da fartura, era a proximidade do príncipe. Eleni podia quase sentir o calor do corpo dele ao lado do seu, e estava apavorada pela maneira que aquilo fazia seu coração disparar com um estranho tipo de excitação. Ela não sabia o que fazer, ou para onde olhar. Por­que, se olhasse para baixo, como pensava ser correto, ele não protestaria mais uma vez? Por outro lado, não podia olhar diretamente para aquele rosto aristocrático... Por medo de jamais ser capaz de desviar os olhos daquela beleza estonteante.

— Eleni.

Ele até mesmo lembrava seu nome! Ela fitou os olhos cor de ébano diretamente, o coração ba­tendo descompassado de novo.

— Sim, Alteza.

— Vamos... Você deve estar com fome. Pare de olhar para o espaço e coma alguma coisa — disse ele, suavemente. — Sei que teve um longo dia no estábulo.

Eleni não podia lhe dizer que nunca sentira menos vontade de comer na vida, podia? Isso não pareceria um insulto à hos­pitalidade do sheik? E, de qualquer forma, ele ainda não tinha comido nada, embora a olhasse com expectativa.

— Mas um homem deve sempre se servir e comer primeiro que uma mulher — protestou ela, enquanto tentava... E fracas­sava... Imaginar seu pai deixando-a se servir antes dele.

Kaliq franziu o cenho. E aquilo, percebeu... Com um insight... Era o lado negativo da desigualdade. Nunca havia consi­derado esse aspecto antes, e pela primeira vez na vida viu que a luta de sua madrasta falecida para acabar com a discrimina­ção sexual em Calista podia não ter sido algo ruim.

— Coma — murmurou ele, suavemente. — Pois esse é um comando de seu sheik.

E todos não sabiam que os desejos de um sheik deveriam ser satisfeitos? Pegando um pedaço de peixe, Eleni o embru­lhou numa folha comestível e começou a comer. Subitamente, todas as suas dúvidas e medos desapareceram no despertar de uma deliciosa explosão de sabores em sua boca. O sheik es­tivera certo... Ela havia cavalgado e trabalhado desde o ama­nhecer, sem nada mais do que uma fruta na barriga. E aquela era como a comida dos deuses.

— Está bom? — questionou Kaliq quase de modo in­dulgente.

— Está... Maravilhoso.

Ele observou enquanto ela comia, seus olhos percorrendo-a com fascinação... Pensando que cada movimento de Eleni con­tinha certa graça.

Mas ele não a empregara pela graça, e sim pela habilida­de que ela possuía com os cavalos. Mas agora podia ver que Eleni também tinha outros atributos interessantes. E certa­mente seria um crime não se beneficiar deles? Quando a seda escorregadia ondulou-se sobre o braço firme e jovem dela, ele sentiu o primeiro pulsar de antecipação.

Forçando-se a esperar até que ela acabasse de comer, bateu palmas e os pratos foram removidos... E então dispensou o último dos guardas e outros criados que sempre permaneciam por ali, caso ele desejasse mais alguma coisa.

— Agora — disse Kaliq com suavidade.

Os sentidos de Eleni foram alertados... Mas para o querela não sabia. Quase sem pretender, recostou-se contra as almofa­das macias, então olhou para o rosto bonito cujos olhos negros brilhavam muito.

— Você quer discutir o bem-estar dos cavalos? — questio­nou ela, nervosamente.

Kaliq quase riu... Mas sabia que risadas não tinham lugar ali. O bem-estar dos cavalos era a última coisa em sua mente no momento! Então Eleni estava sendo hipócrita. Ou mera­mente assustada pela presença da realeza? Ele se inclinou para mais perto, vendo os olhos verdes escurecerem.

— Quantos anos você tem?

— Vinte... Vinte cinco.

Mais velha do que ele tinha pensado.

— Ah, isso é bom — murmurou enquanto erguia uma das tranças dos cabelos dela e roçava os dedos experimentalmente na ponta sedosa.

— Já se aproxima dos trinta anos e nunca teve um marido?

— Não, alteza.

— Você nunca quis um?

Eleni comprimiu os lábios. Aquelas eram questões muito pessoais e dolorosas para um reinante perguntar... Embora ela suspeitasse que ele não estava realmente interessado. Duvida­va que o sheik quisesse ouvir que os jovens que tinham ten­tado cortejá-la ou eram tolos demais ou haviam sido expulsos por um pai relutante em perder sua criada não remunerada. E por que ele a estava tocando daquele jeito?

— Minha vida tem sido meus cavalos — respondeu Eleni com sinceridade.

— Que louvável — murmurou ele. — Porém, existe muito mais na vida do que cavalos.

Não havia lugar para olhar senão para o brilho dos olhos cor de ébano, os quais pareciam emitir faíscas, roubando toda força do corpo dela, fazendo-a se sentir indefesa sob aquele escrutínio poderoso.

— Não existe, Eleni? — continuou o sheik suavemente.

— Eu... — Mas Eleni não teve tempo de terminar a sen­tença... Mesmo se seu cérebro não tivesse se transformado em favo de mel... Por causa do fato inacreditável que estava acon­tecendo. Príncipe Kaliq Al'Farisi estava baixando sua cabeça escura e linda, e aqueles lábios zombeteiros se moviam em direção aos seus.

Ele ia beijá-la!

Eleni nunca tinha sido beijada antes, e não podia saber que aquilo estava sendo executado por um mestre na arte. Tudo que sabia era que estava sendo inundada por sensações conflitantes que a levavam para um mundo docemente erótico que nunca sonhara existir. Pôde sentir o leve roçar da boca sedosa sobre a sua, e seus sentidos respondendo. Podia ouvir o pró­prio coração batendo tão alto que temeu que explodisse do peito. E agora uma estranha umidade se formava entre suas coxas, o que quase a fez arfar de prazer.

O sheik a estava pressionando contra as almofadas agora, uma das mãos espalmadas sobre seu seio e... Tanto envergo­nhada quanto fascinada... Eleni percebeu seus seios reagindo às carícias. Estavam inchando e formigando... E, inexplicavel­mente, descobriu-se desejando que ele a tocasse mais.

— Alteza! — exclamou ela ao sentir o deslize sensual da língua do príncipe sobre seus lábios. — Oh, Alteza!

— Humm?

Lutando contra todos os instintos de seu corpo, Eleni afas­tou a boca.

— Devemos parar com isso — disse ela com fraqueza.

— Não! — replicou ele, circulando-lhe um dos mamilos com a ponta dos dedos e gemendo quanto o botão se tornou saliente contra o tecido de seda. Aumentando a pressão do beijo, sentiu os lábios dela se abrirem, e começou a erguer o vestido que batia nos tornozelos. Ah, as canelas eram firmes e sedosas! Quantos tesouros haveria por baixo daquele vestido? — Ainda não.

— Sim! — Eleni conhecia muito pouco sobre a arte do amor... Não tivera educação sexual na escola, além de uma rápida espiada num livro de artes mostrado por sua professora favorita, o qual havia sido confiscado pelo diretor do colégio. Sabia que sexo era sagrado, secreto e proibido... Todavia, ago­ra que experimentava uma pequena amostra daquilo, desco­briu que era tentador, também.

Kaliq brincava com seu seio dolorido e subia seu vestido ate as coxas, e ela simplesmente permanecia quase deitada lá, permitindo aquilo... Mesmo sabendo que era errado!

Era como se forçar a sair do paraíso, mas Eleni sabia que precisava sair de uma situação tão perigosa com um homem altamente experiente e poderoso. E sair agora... Antes que fosse tarde demais.

Com uma força que não sabia possuir... Uma força construída de anos de trabalho físico nos estábulos... Ela empurrou o sheik, notando uma série de emoções conflitantes no rosto dele enquanto fazia isso.

Viu frustração e uma espécie de raiva feroz, mas, acima de tudo, viu total perplexidade.

— O que, em nome de Alá, você pensa que está fazendo? — questionou ele de forma ameaçadora.

A respiração de Eleni estava tão ofegante que levou um momento antes que ela conseguisse falar, e mesmo então, sentiu-se estranha... Tonta, desorientada. Sangue fervia em suas veias e a cabeça girava.

— Estou guardando minha honra! — exclamou ela, não se importando com o protocolo.

A boca de Kaliq se torceu numa careta.

— Sua honrai — perguntou, friamente, como se ela tivesse acabado de inventar uma palavra nova. — Do que você está falando?

Eleni não podia se mover... E, na verdade, não achou que seria capaz de fazer isso. Mas sabia que as coisas precisavam se acalmar, e que, de alguma maneira, devia ajudar o sheik a perder aquela expressão de fúria do rosto. Porque certamen­te quando entendesse a verdade da declaração dela... Então compreenderia?

— Não acha que tenho uma reputação, a qual guardo feroz­mente? — perguntou ela com emoção. — Que não vale a pena preservar minha honra?

— Sua honra? — ecoou Kaliq mais uma vez, enquanto ten­tava ignorar as ondas de desejo que pulsavam através de seu corpo.

— Posso ser uma garota simples do campo... Mas até eu sei que tal ato entre duas pessoas que mal se conhecem seria errado.

Frustração o fez querer perguntar se ela estava esperando ser convidada para jantar fora primeiro... Mas suspeitou que Eleni não entenderia a ironia, além do fato de que provavel­mente nunca tinha sido levada para jantar fora na vida.

— Mas eu, como seu sheik, quero isso — argumentou ele. — Como pode ser errado?

Eleni aproveitou a oportunidade para se sentar mais ereta naquele banco de almofadas, tentando controlar a respiração ainda ofegante e diminuir o ritmo das batidas de seu coração. Mas aquela pequena distância que colocou entre os dois fez toda a diferença.

— Eu perderia o respeito — disse Eleni.

— Respeito de quem? O meu? Posso lhe assegurar que sua rendição me fará respeitá-la mais — murmurou ele, erguendo uma das mãos para afastar uma mecha de cabelos que se sol­tara da bonita trança.

Eleni o olhou, tentando ignorar a excitação instintiva que sentia quando ele a tocava. Não acreditava no sheik, nem por um momento. Ele a lembrava de seu gato favorito... Uma cria­tura delgada e linda, mas que seguiria, de bom grado, qualquer pessoa que quisesse alimentá-la. Mas é claro que ela não faria nada tão estúpido quanto chamar o sheik de mentiroso.

— Não seria adequado, alteza — continuou ela de modo implacável. — Ademais, isso poderia distrair minha atenção de Nabat.

Por um momento, Kaliq não entendeu sobre o que ela es­tava falando, até que percebeu que Eleni se referia ao novo cavalo. Por um instante, quis explicar que não se importaria se o cavalo fosse para o inferno... Que o corpo doce dela o exci­tava muito mais... Mas então reconheceu que isso não ajudaria sua causa em nada.

Eleni não percebia que nunca existira uma mulher viva que recusasse a oportunidade de viver um prazer sensual com príncipe Kaliq Al'Farisi? Não sabia que poderia haver conse­quências terríveis por não atender a um desejo do príncipe? Baixando a mão do rosto oval de Eleni, ele deu um suspiro de irritação.

— Não estou interessado no bendito cavalo! — gritou ele, incapaz de conter-se.

A expressão de Eleni não revelou nada, exceto curiosidade, embora seu coração estivesse loucamente disparado no peito.

— Mas pensei que fosse por causa do cavalo que você ti­vesse me trazido para cá, alteza.

Ele encontrou-lhe os olhos inocentes com o cenho franzido. Era imaginação sua ou havia um desafio provocador nas pro­fundezas daqueles olhos verdes? Se ele lhe dissesse que a co­ragem, a juventude e os olhos espetaculares dela tinham con­tribuído para sua escolha de levá-la para lá... Então isso não o colocaria em desvantagem? Eleni não percebia que ele podia ter qualquer mulher que quisesse, e que tinha sorte por ter sido escolhida? Bem, ela descobriria isso muito rapidamente!

— Então iremos discutir os cavalos — disse ele, repri­mindo um bocejo... Como se tivesse ficado entediado com a conversa.

Por um momento, Eleni se perguntou se tinha ido longe demais... Porém, que escolha possuía? Teria agido da mesma maneira com qualquer pessoa que tentasse aquele tipo de se­dução. E somente porque Kaliq era um sheik não significava que deveria ser tratado de forma diferente de qualquer outro homem, certo?

Era verdade que ninguém jamais a fizera se sentir daquele jeito... Como se de súbito tivesse descoberto para que o corpo de uma mulher era designado... Mas certamente tal fato em si era perigoso? Imagine se ela se acostumasse às carícias do sheik e começasse a comparar todos com ele. Isso, é claro, presumindo que algum dia houvesse outro homem em sua vida, o que parecia bastante improvável, uma vez que já se aproximava dos trinta anos... Como o próprio sheik cruelmen­te apontara.

Eleni lhe deu um sorriso brilhante.

— O sheik não toma chá de menta depois do jantar? — per­guntou, suavemente. — Eu sempre achei o chá muito relaxante.

Por um momento, Kaliq não sabia se ria, se explodia, ou se mandava aquela garota atrevida de volta para a choupana de onde viera, e para o pai bêbado. Mas o desafio dela estava se provando quase irresistível, percebeu e pegou-se batendo palmas para pedir chá de menta.

Todavia, no momento que fez isso, as mangas de seda de sua túnica escorregaram para revelar seus braços, e os olhos de Eleni se arregalaram enquanto ela reprimia um gemido de horror. Porque lá, nos pulsos do sheik, havia cicatrizes profun­das e lívidas.

— Oh, alteza! — exclamou ela, suavemente... Toda a paixão esquecida diante da visão chocante dos ferimentos. — Quem ousou machucá-lo?

 

Sem pensar, Eleni inclinou-se para frente e roçou a ponta dos dedos nas marcas vermelhas e ásperas sobre ambos os pulsos do sheik, e Kaliq fez uma careta.

O gesto impulsivo dela não era apropriado... Como uma plebeia ousava tocar um príncipe daquela forma? Todavia, considerando que ele a tocara momentos atrás, achou que não deveria impedi-la. Mesmo se a sensação dos seios de Eleni fosse infinitamente mais prazerosa do que a sensação dos de­dos. Embora...

Ele franziu o cenho. O toque dela o distraía. Era suave, com um efeito... Quase curativo. Por isso era tão boa com cavalos?, perguntou-se... Porque tinha o dom da suavidade? E se ele lhe permitisse tais toques, isso não os levaria para o caminho do prazer sensual? Somente que dessa vez... Com a compaixão de Eleni envolvida... Seria menos provável que ela o detivesse. Kaliq lhe sorriu. As mulheres eram muito previsíveis.

— O que aconteceu? — perguntou ela, automaticamente alisando as extremidades das cicatrizes, enquanto o observava arquear as sobrancelhas pretas.

— Você é muito impertinente, borboletinha — murmurou ele. Mas não afastou a mão da carícia confortante. — Fazer uma pergunta como essa para um sheik.

Mordiscando os lábios, ela soltou-lhe o pulso.

— Perdoe-me.

Mas estranhamente, a pergunta de Eleni não o perturbara como mandava o protocolo. Agora, por que isso? Seria por que as mulheres sempre perguntavam sobre aquelas marcas... Apenas que ele geralmente estava nu quando elas notavam pela primeira vez? E as cicatrizes nas costas de Kaliq eram muito piores... Fa­zendo essas pareceram quase insignificantes em comparação.

Às vezes, ele explicava aquilo dizendo que uma parceira se tornara excessivamente empolgada durante um ato sexual. Algumas acreditavam... Dependendo de suas próprias experi­ências. E quando não acreditavam, raramente o desafiavam... Porque estavam muito ocupadas realizando as fantasias do sheik. Tentavam ser tudo que ele queria, para satisfazê-lo... E ao fazer isso, acabavam sendo ninguém em especial.

Mas Eleni era diferente. Provavelmente porque era de clas­se baixa. Não percebia quanta ousadia era para uma plebeia acariciar os pulsos do sheik?

Mas, talvez, seu beijo a tenha feito pensar que tal contato fosse apropriado.

Kaliq a estudou, então subitamente a recusa de Eleni em não permitir mais do que um beijo fez sentido.

— Você é virgem? — perguntou ele.

Ela teve um sobressalto.

— Alteza!

Os olhos negros brilharam.

— Você me fez uma pergunta petulante, e agora é a minha vez de lhe fazer uma. O que me diz... Devemos trocar conhe­cimentos íntimos, borboletinha? Isso me parece justo.

Eleni mordeu o lábio. Aquilo parecia algo terrivelmente pessoal, mas talvez, se contasse ao sheik, ele não tentasse mais seduzi-la, como havia feito naquela noite.

Mesmo que você queira que ele tente?, soou uma vozinha em sua cabeça. Mesmo quando o toque dos lábios dele afez se sentir mais viva do que jamais se sentiu antes?

Reprimindo os pensamentos perturbadores, Eleni assentiu com relutância.

— Sim, sou virgem, Alteza — admitiu ela, corando violentamente.

Kaliq absorveu a informação com uma sensação de triunfo. Então era por isso que ela fizera o impensável e resistira aos seus avanços. Mas ele pôde sentir a excitação se renovando, também. Uma virgem. Uma virgem doce de olhos verdes. Quão prazeroso seria desfrutar daquele presente.

— Não acredito que você nunca conheceu o amor de um homem — observou Kaliq, sua boca secando com o pensa­mento de iniciá-la na arte da sensualidade. De ter aqueles seios suaves nas mãos, e aquelas pernas firmes entrelaçadas ao redor de suas costas. — Pensei que garotas do campo às vezes fizessem sexo fora do casamento.

— Talvez algumas façam. Mas não eu, alteza — disse Eleni, de modo desaprovador.

— Entretanto, você pode morrer e nunca conhecer os pra­zeres do corpo.

— Então aceitarei meu destino alegremente — respondeu ela com firmeza.

Ele riu.

— Ah, mas você está perdendo muita coisa, Eleni... Uma das maiores maravilhas da vida. Mais do que imagina, se não experimentar por si mesma.

Os olhos dele haviam se suavizado, assim como a voz, fa­zendo Eleni se recordar do quão potente aquele beijo tinha sido. E da sensação estranha e maravilhosa da língua do sheik penetrando sua boca e... E...

— Talvez isso seja verdade, alteza, mas não vou tentar con­trolar meu próprio destino me deitando com um homem. Libertar-me de minha virgindade somente porque isso dá prazer não é a maneira de uma garota bem-criada se comportar!

— E você é uma garota bem-criada, Eleni?

Ela ouviu o sarcasmo na voz dele e queria lhe dizer que não a confundisse com seu pai... Que sua mãe a criara para se comportar como uma dama, mesmo vivendo em condições econômicas básicas. Mas, é claro, não poderia se gabar de suas próprias qualidades à custa da reputação de seu pai.

— Sim, alteza, eu sou. Sei a diferença entre certo e errado, e se esse não for meu destino, então eu aceito. Afinal de con­tas, ninguém pode ter tudo na vida — respondeu ela cuidado­samente. — E agora que respondi a sua pergunta... Não é justo que responda a minha, alteza? Como obteve essas cicatrizes horríveis?

Como ela era ousada, pensou Kaliq com admiração, e com uma renovada onda de desejo. E que atitude ultrajante interro­gá-lo, mesmo tendo se recusado a compartilhar sua cama. Ele poderia mandá-la embora...

Mas há quanto tempo não falava sobre aquele dia terrível, quando seu mundo tinha mudado para sempre? Era um assun­to proibido, até mesmo com seu irmão gêmeo, que comparti­lhava a culpa. Um segredo sombrio. Uma mancha na família Al'Farisi.

Todavia, segredos se tornavam fardos que podiam pesar cada vez mais, até se tornarem insuportáveis... E, de súbito, a jovem inocente de olhos verdes parecia muito acolhedora e inofensiva.

— Você sabe sobre meu irmão? — perguntou Kaliq.

A família real de Calista era uma fonte infinita de fasci­nação para seu povo. Mesmo sem comunicação em massa, boatos sobre o clã reinante estavam sempre disponíveis... No mercado, do lado de fora dos portões das escolas...

Eleni sabia que houvera cinco irmãos no começo... Um dos quais, Aarif, era gêmeo de Kaliq. E também sabia que aconte­cera alguma tragédia terrível envolvendo o mais novo. Ele não tinha desaparecido... Quando era criança?

— Você quer dizer... Zafir? — aventurou-se Eleni, nervo­samente.

Kaliq estremeceu. Ela estava simplesmente respondendo uma pergunta sua... Entretanto, era doloroso ouvir o nome de Zafir pronunciado em voz alta, e uma onda de remorso o as­solou. Há quanto tempo não pensava sobre seu irmãozinho de olhos pretos?

Ele, e o palácio, tinham sido culpados de banir todas as lem­branças do pequeno sheik de cabelos desalinhados, que desa­parecera aos seis anos de idade sem deixar rastros e nunca mais fora visto? Isso porque a realidade dolorosa havia se tornado demais para todos suportarem? Ou eles eram covardes emocio­nais que apenas reprimiam as coisas negativas da vida?

Todavia, Kaliq não era um homem dado à auto-análise, e olhou para a jovem humilde com raiva, culpando-a por lhe despertar aquela lembrança.

— O que você sabe sobre Zafir?

Eleni perguntou-se o que causara tanta dor naqueles olhos escuros. Tanta, tanta dor que ela teve vontade de pegar o pulso machucado em sua mão e acariciá-lo novamente... Mas não ousaria por diversas razões.

— Eu sei que alguma coisa terrível aconteceu com ele — respondeu ela com honestidade.

Olhos negros a encararam.

— Mas não sabe o quê?

— Nossas aulas de história na escola... Eram muito básicas, Alteza. — Eleni lembrou-se de um dos companheiros de jogo de seu pai... Um poeta louco que tinha bebido muito Zelyoniy durante um jogo de pôquer. O que ele dissera? Que as pessoas sabiam somente o que os membros do palácio queriam que elas soubessem. Censura, ele chamara aquilo... Mas, na época, Eleni pensara que manter um segredo era um jeito de manter privacidade, certamente? O tipo de coisa que todas as famílias deveriam fazer... Especialmente a família real, que era sempre causa de grande curiosidade e especulação do povo.

— O que houve com ele, Alteza?

A voz suave dela penetrou a pedra fria da memória de Kaliq. Há quanto tempo não falava aquilo em voz alta?

— Meu irmão gêmeo e eu íamos sair de barco no mar — murmurou ele, enquanto as lembranças do pesadelo voltavam, tão vividamente amargas como se tivessem acontecido ontem.

— E Zafir suplicou para ir conosco. Nós deveríamos cuidar dele. Nenhum de meus outros irmãos estava por perto, então Zafir era nossa responsabilidade. Deveríamos tê-lo deixado em casa, mas...

— Crianças podem ser muito persistentes — murmurou Eleni de forma empática.

E muito lindas, pensou Kaliq... Lembrando-se do sorriso conquistador de seu irmãozinho. Era porque a mãe deles ti­nha morrido no parto de Zafir e porque ele nunca conhecera o conforto e segurança do amor materno que todos no palácio abriam concessões para Zafir, que logo aprendera que tinha o poder de convencer todos a fazerem as suas vontades?

— O barco foi arrastado para fora do mar — recordou-se Kaliq lentamente. — E fomos capturados por alguns contra­bandistas de diamante... E no meio da luta, Zafir falou que eles haviam capturado três sheiks da realeza como prisioneiros.

— O que teria sido um prêmio muito mais lucrativo do que todos os diamantes de Calista — comentou Eleni, horrorizada, imaginando a alegria dos contrabandistas ao descobrirem o valor de seus cativos. — Oh, Alteza, o que aconteceu?

Kaliq mal notou a familiaridade daquela pergunta. Era como se tivesse libertado uma torrente de fatos secretos de sua jaula, e agora precisasse falar tudo.

— Zafir conseguiu nos libertar das cordas que nos pren­diam, e nós rapidamente o pusemos no barco, mas quando estávamos enviando-o para o mar, nossa escapada foi nota­da. Fomos baleados... Aarif foi atingido no rosto. Ele caiu no mar e eu mergulhei para salvá-lo. Naturalmente, nós fomos capturados.

— E... Zafir?

Kaliq estremeceu, cerrando os punhos.

— O barco flutuou para longe... E com ele, Zafir. Nenhum traço dele jamais foi encontrado... Apesar das buscas inten­sivas ordenadas pelo meu pai. Aquela foi a última vez que alguém o viu. Ele tinha seis anos de idade — repetiu Kaliq, a expressão contorcida de dor.

Eleni o olhou, horrorizada.

— E o que aconteceu com você e com seu irmão gêmeo, se ainda eram prisioneiros?

— Oh, eles bateram em nós e quase nos mataram. Às vezes, desejo que tivessem me matado...

— Alteza! Nunca deveria desejar uma coisa dessas.

— Eu preferia morrer se meu irmãozinho tivesse sido en­contrado — disse ele, enquanto o velho desespero voltava a assaltá-lo. Olhou para Eleni e sentiu mais raiva dela por ter instigado aquela conversa. Por fazê-lo sofrer novamente, quando havia trancado o sentimento dentro de si por tanto tempo. Ele lhe ensinaria não se meter em assuntos alheios... Lhe ensinaria tudo!

Kaliq a estudou, vendo que os olhos verdes estavam arre­galados.

— Você vai me beijar — murmurou ele. — Não vai me negar isso.

Eleni sabia que não deveria ousar recusar, mas não queria beijá-lo, porque o que via escrito no rosto dele era muito mais do que desejo. Havia dor, amargura e um ódio profundo de si mesmo. Kaliq se culpava pelo desaparecimento do irmãozi­nho, percebeu ela, embora também não fosse um pouco mais do que uma criança na época.

Ela mordiscou o lábio. Todavia, nenhum dano poderia resultar de um simples beijo... Pois instintivamente sentia que o sheik não a tomaria à força. Ou estaria confiando demais?

Eleni tocou-lhe a boca com os dedos, querendo, acima de tudo, ver aqueles lábios esculpidos se suavizarem e sorrirem.

— Sim, Alteza — sussurrou ela. — Eu lhe dou a permissão de me beijar.

Apesar de sua angústia e desejo frustrado, Kaliq quase riu alto da petulância de sua empregada do estábulo, dando a ele... Ele, o sheik... Permissão para beijá-la!

Mas os lábios dela eram muito suaves e convidativos para protestos. Muito sedutores para o próprio bem de Eleni. Con­tudo, em vez de tomar-lhe os lábios com rapidez e sem cerimônia, Kaliq descobriu-se exercitando uma estranha contenção. Seria porque toda aquela situação era tão bizarra? Ele era um homem cujo apetite era cansado pelo excesso, e o incomum tinha o poder de cativá-lo... Quem poderia culpá-lo de querer prolongar o prazer?

Primeiro, traçou o contorno dos lábios doces com as pontas dos dedos, antes de seguir o mesmo caminho com a boca. Roçou-lhe os lábios de leve... Sentindo-os tremerem em resposta. E, estranhamente, descobriu que se deleitava naquela sensu­alidade lenta do encontro das bocas de ambos. Deleitava-se com a percepção de que Eleni era beijada por um homem pela primeira vez. E Kaliq reconheceu, meio assustado, que não podia se lembrar de um beijo ter sido tão prazeroso antes.

Porque nunca havia dormido com uma virgem... E tal­vez elas precisassem ser tratadas de forma diferente. Talvez ele devesse ir com calma desta vez... Assim como você ia com calma ao colocar a sela numa égua nervosa, antes de montá-la.

Eleni — murmurou ele, suavemente.

— Al... alteza.

Recostando-a sobre as almofadas, Kaliq segurou-lhe o rosto entre as mãos e olhou-a longa e intensamente antes de beija-la... Com uma suavidade que nunca experimentara antes. Apenas o bastante para provocar, mas não o bastante para assustá-la. E não podia negar que estava inebriado pela res­posta dela.

Os lábios de Eleni eram como veludo e totalmente inexpe­rientes, entretanto ele podia sentir a avidez instintiva por trás da inocência. Sem dúvida, o mesmo instinto natural que ela demonstrava com cavalos. Ele poderia se aproveitar daquela pureza? Beijá-la até deixá-la submissa de desejo, de modo que lhe desse tudo?

Kaliq afastou a boca, notando o rubor no rosto dela, os olhos grandes, e o jeito que a respiração se tornara ofegante. E subitamente percebeu que seria muito mais excitante se a seduzisse ao ponto de Eleni enlouquecer de desejo... Até que ela suplicasse para que ele a tomasse. Que grande prêmio isso seria!

— Você gosta de ser beijada por mim, Eleni?

Confusa por seus sentimentos tumultuosos, e hipnotizada pelo olhar sincero que ele lhe dava, Eleni mordiscou o lábio. Que pergunta desnecessária... E como poderia respondê-la? Dizendo que aquele beijo era a coisa mais maravilhosa que já lhe acontecera? Que a fazia querer abrir o coração para ele, assim como seu corpo? Porque isso seria a verdade. Mas algu­ma coisa a avisou para focar nos fatos, não em sentimentos... Uma vez que o sheik não queria ouvir declarações fervorosas de emoção de uma humilde plebeia.

— Sim, Alteza — replicou ela, suavemente. Os olhos negros a fitaram com intensidade.

— Que resposta fria! — zombou ele. Ela o olhou.

— Eu gostei muito.

A declaração tímida era estranhamente comovente, e Kaliq fez uma careta. A menos que ela estivesse fazendo um jogo, como outras mulheres frequentemente faziam... Fingindo-se de recatada para agradar o senso de honra do sheik. Mas Ka­liq não achava que aquilo era um jogo. A parte qualquer outra coisa jogos tinham de ser aprendidos, e o que Eleni poderia aprendido na vida além de montar e treinar um cavalo?

O pensamento de vê-la montada num cavalo... Dos múscu­los fortes do animal entre aquelas coxas suaves... O excitou ainda mais, porém Kaliq rapidamente tomou uma decisão. Não haveria sexo naquela noite... Não sem um grande esforço de sua parte... Isso estava claro. Portanto, não fazia muito sen­tido continuar beijando-a ali contra as almofadas.

Mas ele a queria... E a teria. Só precisava descobrir a me­lhor maneira de chegar lá.

— Vá descansar agora — disse Kaliq, dispensando-a. En­tão um sorriso lento se formou nos seus lábios quando uma ideia excitante lhe veio à mente. — Precisaremos conversar pela manhã sobre nossa viagem.

Eleni já tinha se levantado, em parte feliz por ele ter lhe concedido a liberdade de sair dali, e em parte desapontada que o príncipe não queria continuar beijando-a. Mas as palavras dele a fizeram parar e olhá-lo.

— Viagem, Alteza? E... Que viagem seria essa?

— Eu não lhe contei? — murmurou ele, casualmente. — Estou indo para a Europa... E vou levá-la comigo.

 

Eleni aprendeu rapidamente que se um sheik da realeza não queria falar com você, então não adiantava tentar persuadi-lo a uma conversa. E que um sheik certamente nunca considera­va que precisava explicar seu comportamento.

Portanto, na noite anterior, quando Eleni tinha se virado para príncipe Kaliq para lhe perguntar o que ele pretendia levando-a para Europa... Ele simplesmente acenara uma mão no ar, num gesto arrogante de dispensa. E então os acompa­nhantes do rei haviam chegado como se tivessem recebido um chamado silencioso... Antes que todos desaparecessem num nevoeiro de túnicas brilhantes.

Deixando Eleni para retornar sozinha aos seus aposentos, virando e revirando na cama confortável do palácio, enquanto sua mente se atormentava com possibilidades e dúvidas.

Europa, ele tinha dito. Kaliq estivera fazendo algum tipo de brincadeira com ela? Que possível razão poderia haver para que ela viajasse para uma região afastada que só vira repre­sentada em páginas dos livros de geografia? Franzindo a testa, tentou lembrar-se... Mas geografia tinha parecido uma matéria inútil para abraçar, quando Eleni soubera que era improvável que deixasse a costa Calista algum dia. Madri era a capital da Espanha, ou era Barcelona? E Inglaterra era o país que parecia um gafanhoto descansando?

Apesar de sua noite irrequieta, estava em pé antes do amanhecer para escovar e exercitar Nabat. E ela cavalgou, até o galopou... Enquanto sentia o vento bater em seu rosto e dissipar suas preocupações. Depois de alimentá-lo, serviu-se de um café forte que um dos rapazes do estábulo levou. Então pegou a xícara e uma laranja e foi se sentar num murinho baixo que dava vista para a galopada dos outros cavalos, assistin­do ao sol se erguer na montanha distante, enquanto descascava e comia a fruta.

No começo, não ouviu os passos atrás de si, perdida em pensamentos como estava. Na verdade, não até que uma voz suave murmurou seu nome e Eleni saltou... A boca tão cheia de laranja que por um momento não pôde falar, enquanto des­cia do muro para encarar Kaliq.

Hoje, ele estava usando uma das túnicas tradicionais... Pelo menos não a distraindo com a visão da calça justa de monta­ria... E fitando-a com expressão intensa e zombeteira.

Kaliq fez uma careta. Os cabelos trançados de Eleni es­tavam escapando das fitas... Presumivelmente porque ela saíra para cavalgar... E ela usava aquelas roupas velhas de novo. Os olhos verdes dominavam o rosto lavado, todavia, os lábios carnudos brilhavam pela fruta que estava comen­do. Nenhuma mulher poderia parecer mais inesperadamente provocativa, pensou ele com desejo, entretanto, nenhuma mulher que ele conhecia podia ser tão inconsciente da pró­pria beleza.

— Bom dia, Eleni — cumprimentou Kaliq, sedosamente. — Dormiu bem?

Ela fez uma reverência.

Bom dia, Alteza — respondeu ela, ignorando a pergunta por medo do rumo que a conversa pudesse tomar.

— Como está Nabat?

— Ele está muito contente com seu novo lar — disse ela com sinceridade.

— Eu vi um dos criados acariciando-o agora mesmo. — Ka­liq notou o espanto no rosto de Eleni, e um sorriso curvou seus lábios. — Acalme-se, borboletinha. Não fará nenhum favor à criatura se tentar torná-lo completamente dependente de você.

— Mas ele é!

— Não é verdade, e você sabe disso. Ele prefere você — admitiu Kaliq. — E isso sempre será assim. Mas dê-lhe um pote de aveia e um estábulo limpo, e ele será um cavalo feliz. — Os olhos negros a estudaram. — Porque Nabat terá de se acostumar sem você por alguns dias. Lembra-se do que eu lhe disse ontem à noite?

Eleni meneou a cabeça, tentando dissipar as imagens que aquela pergunta tinha produzido. Ele dissera e fizera muitas coisas na noite anterior, e cada uma delas a fazia se sentir des­confortável agora.

— Alteza, não — sussurrou Eleni.

— Você certamente não está objetando que seu sheik a leve para Europa? A maioria das mulheres daria qualquer coisa por uma oportunidade como essa — acrescentou ele, apreciando vê-la lutar contra as emoções, até que não pudesse mais contê-las.

— Eu não posso ir para a Europa com você, alteza.

— Por que não?

— Porque... Porque isso não seria apropriado.

— Apropriado? — ecoou Kaliq.

Incapaz de ver a cilada que ele estava lhe preparando, Eleni assentiu.

— Certamente isso causaria fofocas, Alteza. Sobrancelhas escuras se ergueram numa expressão zom­beteira.

— Talvez você esteja preocupada com os arranjos para dor­mir, enquanto eu só estou pensando nos cavalos. Ah, mas com que rapidez nossos papéis foram trocados, borboletinha. Acha que meus subordinados irão imaginar que o príncipe Kaliq Al’Farisi dorme com sua empregada do estábulo?

Eleni sentiu o início de um rubor subir ao seu rosto. Colocado daquela maneira parecia realmente risível.

— Eu não quis dizer...

— Não cabe a você me dizer o que é apropriado. Não cabe a você me dizer nada. E não estou Vaz pedindo que vá comigo para Europa, estou comandando. — declarou ele.—p0r aca­so, há um pônei de pólo na Inglaterra, que estou pensando em comprar para trazer ao clube daqui. E quero seu conselho

— Mas... — Eleni engoliu o resto da sentença e olhou para o chão, furiosa agora. Como ele ousava tomar liberdades com ela na noite anterior, e nessa manhã obrigá-la a acompanhá-lo para Inglaterra, como se ela fosse um tipo de cachorrinho de colo.

— Mas o quê, Eleni?

Relutantemente, ela ergueu o olhar, imaginando se sua rai­va tinha desaparecido completamente... Embora parte sua não se importasse que ele visse.

— Nada, alteza.

Kaliq notou as faíscas de raiva nos olhos cor de pistache.

— Não, eu quero saber.

— Achei que não coubesse a mim lhe oferecer uma opinião — disse Eleni.

Os olhos de Kaliq se estreitaram. Ela estava zombando dele? Não, é claro que não. Ela não ousaria.

— Fale — instruiu ele, suavemente.

— Eu não sei nada sobre pôneis de pólo.

— Talvez não, mas você tem instinto com os cavalos... Um instinto no qual eu confio. — Ele a estudou. — Não devia ter se exibido tanto no meu garanhão ontem se não queria que eu me aproveitasse de seu dom. O cavalo em questão é um dos mais caros do mundo... E quero usar seu instinto para saber se devo ou não comprá-lo.

Eleni queria apontar que ele tinha acabado de adquirir um cavalo... Nabat... Então por que queria comprar outro? Mas, é claro, Nabat não era um pônei de pólo experiente... E apenas um vencedor de corridas entre cavalos árabes como ele. E ela sabia que Kaliq investira grande parte de sua fortuna pessoal para modernizar o clube de pólo de Calista... Então, presumi­velmente, precisava construir um estábulo vencedor.

Eleni subitamente reconheceu que, além de príncipes se­rem mimados com posses e riquezas, ali estava um homem com baixo limiar para tédio. Um cavalo nunca era o bastante. Poderia ter cem cavalos, e ainda estaria procurando um que não tinha! E mesmo se o clube de pólo de Calista se tornasse o mais famoso do mundo... Ele provavelmente ainda não ficaria satisfeito.

Se ela tivesse liberdade para falar o que pensava, talvez lhe dissesse aquilo e jogasse as consequências ao vento. Mesmo se Kaliq a expulsasse de seu palácio... Então certa­mente Eleni poderia encontrar algum emprego para ganhar seu sustento.

Mas além de ter medo de se aventurar sozinha... Num mun­do onde estivera relativamente protegida... Também teria de deixar Nabat para trás. Não havia saída, estava totalmente pre­sa àquela situação bizarra.

E então se recordou de algumas das coisas que o sheik lhe dissera na noite anterior... Quando não a estivera beijan­do. Lembrou-se da expressão de profunda dor que tinha mo­mentaneamente transformado o rosto dele numa máscara de amargura, e seu coração se derreteu, apesar de suas dúvidas. A perda trágica do irmão e a culpa subsequente haviam ajudado a transformá-lo no homem que era hoje? Um homem que não sabia realmente o que estava procurando? E ela não deveria levar isso em conta ao lidar com ele... Pois, com certeza, deve­ria haver um cantinho de bondade em seu coração para aquele homem privilegiado, no entanto, ferido.

— Eu não tenho passaporte — disse Eleni, e Kaliq jogou a cabeça para trás e riu.

— Você acha que isso será um problema para a acompanhante do sheik? — perguntou ele.

— Não, suponho que não — concordou ela. — Mas queria lhe perguntar se ele alguma vez não desejava que fosse. Nunca ansiava pelas restrições e problemas de uma pessoa comum?

— Seu passaporte será providenciado — disse Kaliq, medindo-a de cima a baixo preguiçosamente. — Mas você vai precisar de roupas mais adequadas para o ocidente.

De maneira protetora, Eleni passou a mão sobre sua blusa gasta.

— Entendo que isso não será adequado, mas você já encheu meu guarda-roupa de roupas finas, pelas quais eu agradeço, alteza. E prometo que de agora em diante eu as usarei o tempo todo...

— Mas talvez você queira usar roupas diferentes na Europa.

— Você quer? — desafiou Eleni. Ele riu.

— Não, eu não quero, mas sou o sheik, e posso me com­portar da maneira que desejo, enquanto você não passa de uma empregada do estábulo. O mundo do pólo na Europa é diferente de qualquer coisa que você já sonhou, Eleni. Estará circulando ao redor das mulheres mais ricas e sofisticadas do mundo, e talvez prefira se misturar. Vista-se assim e será tratada como se fosse inferior.

Eleni balançou a cabeça em negação.

— A atitude de outras mulheres não me preocupa — decla­rou ela, orgulhosamente. — Pois sou uma mulher decente de Calista, e não posso mostrar minha carne em público!

— E você não mostrará — concordou ele. — Mas há outras formas de cobrir o corpo do que usando túnicas tradicionais. Oh, e, Eleni?

— Sim, alteza.

— Vamos esclarecer uma coisa. Você pode ser decente, e certamente de Calista, e pode parecer mulher, mas ainda não é uma. — Kaliq pausou. — Você ainda é uma garota — acres­centou, suavemente.

Que tola ela poderia ser para não ter interpretado o brilho ardente nos olhos negros enquanto ele falava aquelas pala­vras? Ou ver a mão que se estendera e a puxara contra o corpo forte?

E apesar da túnica larga de seda que o sheik usava, Eleni pôde sentir os músculos abaixo, quase como se, como se...

— Sim — murmurou ele, suavemente, notando as faces dela ruborizarem e sentindo a súbita mudança em seu próprio corpo com a consciência. — Não sabe que membros da reale­za não gostam de se sentir restringidos? Estou nu sob minha túnica!

— Alteza! — Era como se ele tivesse lido os pensamentos dela. Oh, mas Eleni rezava para que o sheik não tivesse tal ca­pacidade. Porque então, teria alguma ideia do quão... Do quão excitante ela achava aquele abraço. De como se sentia tentada com tal proximidade.

Atordoada, Eleni balançou, ciente do cheiro almiscarado vindo do corpo masculino quente, e, apesar de sua total falta de experiência com o sexo oposto, sabia o bastante para per­ceber que aquilo era desejo, puro e simples. E não sentia um desejo em resposta... Enquanto a memória dos beijos doces dele lhe preenchiam a mente?

Kaliq levou os lábios perto da orelha de Eleni, a respiração quente e suave como uma brisa de verão soprando ali e fazendo-a dar um suspiro.

Ah, Eleni — disse ele, suavemente. — Devo dispensar os empregados do estábulo, levá-la para um canto tranquilo e transformá-la em mulher aqui e agora? Acredite, você nunca receberá uma oferta melhor. Seu sheik lhe mostrando todos os prazeres do corpo que existem. Deslize suas mãos por baixo da minha túnica e sinta como estou excitado por você.

— Alteza! — exclamou ela num sussurro.

— Isso foi um protesto? — provocou ele, sedosamente, enquanto sua boca se movia ao longo do pescoço delicado. — Porque se foi, você precisa colocar um pouco mais de sen­timento nele para me convencer.

— Eu... Eu... — Sua garganta estava tão seca que Eleni não conseguia falar. Apenas me beije, pensou, mesmo desprezan­do a si mesma por querer aquilo. Por favor, me beije do jeito que você me beijou ontem à noite.

Sentindo o desejo de Eleni crescer, Kaliq ficou tentado a possuí-la. Acabar com o desejo e livrar-se do mesmo. Mas seria rude submetê-la a uma primeira vez ali no estábulo... E talvez também causasse fofocas entre o staff, independen­temente de quanto eles temessem as consequências de espa­lhar boatos. E embora Kaliq fosse sempre assunto de fofoca, e não se importasse com isso, reconheceu que fazer sexo com a garota do estábulo seria ir um pouco longe demais. Ele era impulsivo, sim... Mas não um tolo completo.

Ele afrouxou o aperto, não a liberando completamente por­que percebeu que Eleni poderia realmente desmaiar. Uma mu­lher desmaiando em seus braços... Isso realizaria outra de suas fantasias! Por um momento, uma paixão tão doce e tão intensa o envolveu que sua resolução foi severamente testada.

Todavia, seria muito mais fácil conseguir o que queria com ela na Europa... Onde liberdade sexual era direito de todos. Poderia apreciar o corpo virgem e doce... E dar-lhe a expe­riência magnífica que tinha prometido. Ninguém saberia... E mesmo se soubessem, quem se importaria? E depois disso ele poderia demiti-la e se certificar de que ela conseguisse um emprego para sobreviver. Durante as longas noites de inverno, Eleni teria lembranças de estar em seus braços quentes.

— Não se preocupe com isso, borboletinha — murmurou ele.

Eleni o fitou e mordiscou o lábio.

— Por que você me chama de borboletinha?

— Porque você é uma garota doce e inofensiva, e se move com tanta graça e leveza que parece quase estar voando— Ele ergueu uma das mãos e segurou-lhe o queixo. — E porque você é muito rápida.

Houve um momento ofegante no qual Kaliq pôde ver o rosto dela brilhar... Claramente lisonjeada com o apelido... assim deveria estar. Tome-a agora, pensou ele, então olhou para cima e viu Abdul-Aziz atravessando o campo para o es­tábulo e se aproximando deles. Abruptamente Kaliq liberou Eleni com um suspiro impaciente.

Aquela era a primeira vez que ele via seu assistente desde o retorno dele da ilha de Aristo, onde tinha representado Kaliq no funeral do rei Aegeus.

— Então, como anda a grande luta pela sucessão do rei falecido? — perguntou Kaliq, embora não se importasse re­almente... Pois as rivalidades entre as duas famílias reais de Calista manchavam a história das duas ilhas há muitos anos.

O olhar de Abdul-Aziz percorreu Eleni com incerteza, que continuava parada lá, esperando ser dispensada.

— Não se preocupe, ela é leal — disse Kaliq, e Eleni detestou-se pelo forte sentimento de prazer que aquelas simples palavras lhe causavam.

Abdul-Aziz fez uma reverência.

— A sucessão, sem dúvida, já está decidida, alteza.

— Príncipe Sebastian está ansioso para herdar o trono, não é? — ironizou Kaliq. — Ah, mas ambição cria homens tão predadores. Como sou feliz por não ter ambição dinástica regrando minha vida!

— Realmente, alteza — concordou Abdul-Aziz com outra breve reverência. — Gostaria de ouvir um relatório dos fatos ocorridos ao longo do dia?

— Acha que estou interessado em hostilidades familiares. — disse Kaliq, mas então, vendo a expressão solene de Abdul-Aziz, fez um gesto impaciente com a mão. — Oh, muito bem. Vamos retornar ao palácio e você me conta tudo sobre isso.

Ele deu uma olhada rápida para Eleni.

— A propósito, minha nova funcionária do estábulo irá me acompanhar à Europa, a fim de ver aquele cavalo de pólo sobre o qual eu lhe falei.

Abdul-Aziz arregalou os olhos.

— Acompanhá-lo?

— Foi o que eu disse — confirmou Kaliq.

— Mas, alteza...

Olhos negros se fixaram no assistente como espadas cor de ébano.

— Mas, o quê, Aziz? — ecoou ele, sedosamente. — Você acha que isso criará boatos?

— Sim, alteza.

— Então, deixe-os falar... Porque vou levar esta garota co­migo. Este é o começo e o fim da história. Partiremos no meu avião pela manhã, entendido?

Com o semblante impassível, Abdul-Aziz assentiu com a resignação de alguém que passara a vida aceitando ordens de reinantes resolutos, e Eleni descobriu-se imaginando como ele conseguia nunca ser capaz de retrucar.

— Sim, alteza.

— Ótimo. Então prepare tudo.

E, dando a Eleni um último olhar irônico, Kaliq foi embora, deixando-a com o coração disparado e um misto de emoções confusas.

 

— Você pode soltar minha mão agora — disse Kaliq, suave­mente. — E abra seus olhos, borboletinha... Pois nada irá lhe acontecer.

Eleni nem tinha notado que estivera segurando a mão do sheik! Experimentalmente, afrouxou o aperto enquanto se permitia abrir os olhos para ver o rosto dele muito perto do seu, enquanto os dois estavam sentados lado a lado no avião luxuoso. E, mais uma vez, ela reprimiu o medo e espiou pela janela.

— Estou voando no ar — exclamou com incredulidade.

— Oh, por favor, não me venha com aquela velha conversa sobre magia — zombou ele. — Você deve ter visto aviões so­brevoando Calista incontáveis vezes.

— Mas nunca viajei em um antes, alteza... Nem imaginei que viajaria.

— Sua primeira vez — murmurou Kaliq, suavemente. — Como deve ser excitante.

— Excitante? — repetiu Eleni... Não se importando se deveria responder à observação dele, porque ainda estava tremendo pela experiência de ter andado pelas ruas alinhadas de palmeiras de Jaladhar num carro "4x4" durante o caminho para o aeroporto. Um veículo sofisticado e muito diferen­te do velho carro enferrujado e batido de seu pai. — Apavorada seria uma descrição mais exata — replicou ela com honestidade.

— Tal atitude não é boa para novas experiências, borboletinha. — disse ele, embora só tivesse uma coisa em mente. Pois maior experiência de todas a esperava mais tarde, nos braços, Kaliq a estudou, pensando em como Eleni parecia inocente com aquelas tranças que iam até a cintura. Como ela se comportaria na Inglaterra?, imaginou.

—Você nunca quis seu próprio carro? — questionou ele, curiosamente.

É claro que não — retornou Eleni. — Carros têm usos limitados em regiões desertas. Um cavalo é muito mais rá­pido e mais confiável nas areias, e o carro torna as pessoas preguiçosas.

— Oh, verdade? — Os olhos de Kaliq brilharam. — Você está me acusando de ser preguiçoso?

Eleni baixou os olhos, brevemente.

— Eu não o conheço o bastante para fazer tal julgamento, alteza... Mesmo se eu quebrasse o protocolo fazendo isso.

Ele a estudou, pensativamente.

— Às vezes, quase acho que você está sendo sardônica, borboletinha... Até que me lembro que uma garota do deserto saberia pouco sobre tais sutilezas.

Eleni não pôde evitar. Era a experiência de estar voando entre as nuvens que estava virando todas as regras normais da vida de ponta-cabeça? Por que mais teria ousado considerar responder ao sheik daquela maneira? Não seria porque agora sabia como era ser abraçada e beijada por ele?

— Você disse que as mulheres do ocidente iriam me tratar como se eu fosse inferior, por causa de minha aparência — dis­se ela. — Entretanto, agora você faz o mesmo. Fala sobre sutileza, e me diz que não posso compreender isso... E por que não posso? Uma vez que isso é somente uma variação no comportamento humano, e eu sou humana... Exatamente como você.

Kaliq franziu o cenho, todavia, aceitava que aquele era um ponto válido... Apenas que ela era a última pessoa do mundo que ele teria esperado que apontasse aquilo.

— Eu não falei como uma crítica — replicou ele num tom de voz quase gentil. — Foi uma observação. Mas você parece quase... Educada... Considerando a maneira que foi criada.

— Mas eu sou educada, Alteza. Sabe, eu... — E então ela parou, abruptamente. O que lhe dera para falar sobre assuntos como aquele com o sheik? — Perdoe-me — murmurou. — Eu me esqueci.

— Não, não. — Kaliq meneou a cabeça escura. — Suas observações me interessam, Eleni. Você me dá insight sobre as vidas de meus subordinados. Por favor, continue.

Eleni deu de ombros levemente.

— Bem, eu gostava da escola. As reformas educacionais iniciadas por sua madrasta, rainha Anya, significaram que ga­rotas como eu tivessem acesso a livros e aprendessem pela primeira vez. Eu tinha uma professora que me encorajava... Ela me deixava ler seus próprios livros... Romances — elabo­rou ela, timidamente.

Tinha sido tão prazeroso se sentar a uma mesa após uma cavalgada e receber papel branco e canetas. Uma escapada do trabalho penoso em casa, e da tirania de seu pai.

— Então, por que você saiu da escola, se gostava tanto? — questionou Kaliq, suavemente. —Você poderia ter continuado estudando... Isso é raro entre as garotas, verdade, mas as opor­tunidades estão aí, e Jaladhar tem sua própria universidade.

Eleni o fitou.

— Porque eu era pobre — respondeu ela, enrubescendo.

— Existem bolsas de estudo, Eleni — apontou ele.

— E porque meu pai nunca teria permitido. Porque no final das contas, os homens ainda tomam as decisões em Calista e as mulheres lhes obedecem, independentemente de quão gran­des são as oportunidades diante delas.

Kaliq ficou silencioso por um momento. Eleni era muito mais inteligente do que tinha imaginado... Com uma perspi­cácia natural que poderia significar problema se ele não fosse cuidadoso. Ela estava lá apenas para ajudá-lo a decidir sobre um cavalo, e para aquecer sua cama de noite... E nenhum dos dois deveria se esquecer disso. Então, de quem era a culpa se eles agora estavam tendo um debate inapropriado sobre as oportunidades disponíveis para mulheres em Calista? Dele!

— Prepare-se, pois estamos prestes a aterrissar. Pode ser uma experiência forte, mas não há necessidade de ter medo — disse Kaliq friamente, e começou a folhear um jornal in­glês, sabendo que suas palavras não eram exatamente verda­deiras. Mas que propósito havia em dizer-lhe que decolagem e aterrissagem eram os dois momentos mais perigosos durante um voo?

Eleni perguntou-se o que havia acontecido para que o sheik mudasse de atitude tão de repente... Mas, então, os motores começaram a fazer um barulho tão alto e assustador que ela ficou muito preocupada para se importar.

E quando descera os degraus do avião sob pernas trêmulas, um carro preto brilhante os aguardava para levá-los através de estradas estreitas, as quais Kaliq chamava de "ruas", e que eram alinhadas com as cercas vivas mais verdes e mais espes­sas que Eleni já vira. Tudo era tão lindo e tão exuberante que um pouco de sua trepidação passou. O que sua professora lhe dissera? Que a vida estava lá para ser experimentada e apre­ciada. Então, que sentido fazia preocupar-se com o que talvez acontecesse? Ainda não tinha acontecido.

— Você gosta do que vê? — perguntou ele ao ouvir seu suspiro suave.

Eleni virou-se para ele, os olhos brilhando. Oh, sim, Alteza. Nos vamos para minha casa em Surrey — disse ele, pensando se ela tinha alguma ideia do quanto aquele entusiasmo verdadeiro era potente. Não, é claro que não tinha ideia. Era uma simples garota do campo... E virgem... Então, o que saberia sobre desejos dos homens? — Pensei que você pudesse achar Londres agitado demais... E esse lugar é mais perto dos estábu­los que iremos visitar.

— Você... Tem uma casa na Inglaterra? — perguntou Eleni atônita.

— Sim, tenho.

— Então é onde você mora quando não está em Calista?

— Oh, fico aqui quando estou na Inglaterra, e quando es­tou querendo mais tranquilidade — murmurou Kaliq. — Mas também tenho um apartamento em Nova York, um em Milão e um palacete no sul da França.

— Tantos lares!

O tom de voz dela parecia implicar perplexidade em vez de admiração, e a boca de Kaliq se curvou num sorriso estranho. Pelo menos ninguém poderia acusá-la de ser interesseira!

— Ficar em hotéis tem dificuldades incômodas — explicou ele, sem parar para se perguntar por que estava se importando em explicar sua conduta para aquela garota do estábulo. — Significa que preciso confiar nos arranjos seguros de outras pessoas.

— Oh, entendo — disse Eleni, lembrando-se do dia na casa de seu pai, quando Kaliq a fizera provar o suco de romã, caso estivesse envenenado. Quando eles conversavam assim, era quase fácil demais esquecer que ele era um príncipe... E para alguns, talvez, um alvo. — Mas eu não notei nenhum guarda--costas, Alteza.

— Há um carro na nossa frente e outro atrás, mas eles são discretos, porque é assim que eu gosto. E, às vezes, prefiro não ter nenhum... Quando a presença deles me inibem — acres­centou Kaliq com um brilho nos olhos negros que Eleni não entendeu. — Todavia, minha propriedade é tão bem guardada que tenho alguma liberdade quando estou aqui. Agora olhe ali — instruiu ele, suavemente. — Chegamos.

Nada poderia ter preparado Eleni para aquela primeira vi­sgo da casa do sheik na Inglaterra. O palácio dele em Calista era esplêndido... Tão rico e suntuoso... Mas aquilo era tão di­ferente de tudo que ela conhecia que, por um momento, ficou impressionada.

— Oh! — exclamou Eleni, os dedos cobrindo os lábios en­quanto olhava o cenário com descrença.

— O que você acha?

A casa se erguia de um gramado cuja tonalidade de verde parecia impossível... Uma construção grandiosa coberta por tijolos tão quentes e vermelhos quanto o pôr do sol do deserto. Degraus de pedra levavam a uma porta ladeada por pilares entalhados. E para todo canto que olhava, ela podia ver flores coloridas e incríveis.

— É... É maravilhosa, alteza. Verdadeiramente maravilhosa.

Por mais ridículo que parecesse, o comentário de Eleni o agradou... Porque sentia que ela falava do coração, em vez de somente para agradá-lo. E para um homem que tinha passado a vida ouvindo outros dizendo o que ele queria ouvir, aquilo era tão refrescante como uma chuva de verão.

— Obrigado — murmurou Kaliq seriamente.

— E olhe para aquelas flores... Eu nunca vi tantas num único lugar!

— Narcisos — disse ele, pensando que a cor dos olhos dela era tão verde quanto à folhagem fresca da primavera. — Chamam-se narcisos. Existe um poema muito famoso sobre elas escrito por um homem chamado Wordsworth.

— Eu gostaria de ler — murmurou Eleni.

— Você pode ler. — E subitamente, ele não foi capaz de se conter. O brilho úmido na boca de Eleni era provocativo de­mais, e o jeito inocentemente maravilhado era como um afro­disíaco potente... E Kaliq a puxou para seus braços, olhando-a.

— Você poderá fazer muitas coisas enquanto estiver comigo, Eleni... Entende isso?

Fitando-lhe o rosto, viu a intenção escrita nos olhos brilhantes, e soube o que estava prestes a acontecer. Mas não foi medo que sentiu em seu coração, e sim uma grande onda de desejo. Houve uma fração de segundo que tentou dizer a si mesma que aquilo era errado... Mas as feições fortes e bonitas dominaram sua visão, roubando-lhe todas as dúvidas.

Porque estava impaciente pelo beijo dele... Ávida para pro­vá-los mais uma vez. Era como se o sheik tivesse lhe desperta­do um desejo dormente, que Eleni não soubera existir até que ele o libertara com o primeiro toque de seus lábios, naquela noite em Calista.

— Oh — ofegou ela, e os lábios de Kaliq começaram a explorar os seus, tirando-lhe o fôlego.

Kaliq a beijou e, para sua perplexidade, Eleni correspondeu com a entrega e doçura de uma amante experiente. Beijou-o até lhe roubar todo ar dos pulmões e, após alguns momentos, ele afastou-se para olhar o rosto maravilhado dela.

— É bom, não é, borboletinha? — perguntou Kaliq. — Bei­jar assim?

Eleni engoliu em seco.

— Oh, sim, Alteza.

Rapidamente, ele tomou-lhe a boca mais uma vez... Apre­ciando o gemido baixinho dela quando ele assumiu o controle. Eleni era como um cavalo não domado, percebeu. Repleta de fogo e energia... Com a necessidade inata de ser conquistada. E como aprendia rápido, pensou com admiração, enquanto as mãos delicadas se fechavam sobre seus ombros, e ele imagi­nava aqueles dedos pressionando sua pele nua.

Sentiu a umidade suave dos lábios de Eleni... Os movimen­tos tímidos da língua enquanto ela imitava os seus próprios movimentos. Hesitante, no começo... E então com uma con­fiança crescente, até que o beijo se tornou tão ousado que o fez gemer.

Ele a recostou contra o assento macio de couro e pôde ver os incríveis olhos verdes quase completamente obscurecidos pelo brilho do desejo. Os seios jovens e firmes estavam pres­sionados contra a túnica de seda... Os mamilos salientes e rí­gidos como os diamantes de Calista... E como ele ansiava por desnudá-los. Deleitar os olhos na carne nua de Eleni. Tomá-los na boca e lambê-los.

Kaliq afastou-lhe os cabelos do rosto vermelho, sabendo que poderia remover a seda do corpo dela e explorar os luga­res secretos que nenhum homem jamais tocara. Bem, sem dú­vida, poderia abrir o cordão de sua calça de seda e posicioná-la ali, no banco de trás do carro... Até fazê-la gritar seu prazer.

Olhou para os vidros escurecidos da limusine... Mas já po­dia ver a atividade começando. O staff tinha sido alertado e avisado que o sheik estava lá. E agora, encontrou-se olhando para Eleni com novos olhos... Vendo-a como um estrangeiro a veria.

Seus criados mais próximos eram de Calista, sim... Mas parte do staff residente lá era da Inglaterra. Que impressão ele daria emergindo do carro com sua empregada do estábulo de cabelos rebeldes, evidenciando a sedução que acabara de acontecer no banco de trás do carro?

Kaliq franziu o cenho. Eleni possuía habilidades naturais, e um talento com cavalos que a maioria deles podia apenas sonhar em ter... Mas como ela seria capaz de exercer alguma autoridade lá se fosse vista como sua amante submissa? O tipo de mulher que deixava um homem possuí-la num lugar semi-público?

Irritado com seus próprios pensamentos, e para onde eles o levavam, Kaliq se afastou de Eleni... Tentando acalmar a pulsação de desejo em seu baixo-ventre.

Qual era o problema com ele?

— Arrume seus cabelos — instruiu Kaliq. — E certifique-se de aparecer apresentável para meu staff.

Eleni imediatamente se sentou ereta e levou as mãos às tran­ças, terrivelmente ciente da posição que se colocara, permitindo-se ser seduzida tão facilmente. Seu coração ainda estava disparado e o rosto parecia pegar fogo. Se o sheik não tivesse parado aquilo, nem podia imaginar o que teria acontecido.

Você sabe exatamente o que teria acontecido, Eleni... Uma voz zombou dentro de sua consciência.

Seu rubor aumentou quando o sheik bateu no painel de vi­dro escuro que os separava do motorista... E aquilo devia ter acionado algum mecanismo, porque, quase imediatamente, uma sombra surgiu do lado de fora da janela do carro, e a porta foi aberta por um membro do staff.

Era uma mulher... Obviamente natural de Calista, julgando por seus olhos escuros e pele cor de oliva. Mas estava vestida de um jeito que Eleni nunca vira antes. Usava uma saia justa, que batia logo abaixo dos joelhos, e um par de botas de couro que pareciam quase como as botas de montaria. Enfiada den­tro do cós da saia, havia uma blusa de um tecido lindo, e a mu­lher usava os cabelos escuros soltos... Caindo sobre os ombros de uma maneira que sugeria que ela os cortava regularmente. Bem, estava vestida como uma ocidental! Eleni piscou quan­do a mulher fez uma reverência suave para o sheik.

— Esta é Zahra — apresentou Kaliq. — Ela ajuda a admi­nistrar meu escritório na Inglaterra. Providenciará tudo que você precisa. Ponha Eleni no quarto branco, Zahra — adicio­nou ele, e passou pelos dois, sua boca contorcida numa careta de desprazer. — Vou para meu escritório.

Eleni o observou sair, de repente com medo. Seu coração ainda batia descompassado pelo encontro apaixonado, e, ver­gonhosamente, seu corpo estava dolorido... Mas ver o sheik se afastar, deixando-a com a estranha glamourosa, a fez se sentir muito sozinha, e perdida.

— Como foi seu voo? — perguntou Zahra, interrompendo seus pensamentos.

Eleni hesitou. O protocolo da realeza mandava que ela dis­sesse que tinha sido maravilhoso? Que o avião do príncipe era luxuoso e confortável... Porque isso era verdade. Todavia, muitas experiências haviam acontecido num espaço muito curto de tempo para que ela fosse capaz de manter qualquer tipo de fachada. E por que fingir ser alguém que não era?

— Foi apavorante — admitiu Eleni. — Foi a primeira vez que andei de avião!

Zahra reprimiu um sorriso.

— Ah, sim, eu me recordo bem do sentimento. Da primeira vez que eu voei de Calista, aquilo parecia estar acontecendo com outra pessoa. Mas você está aqui segura, agora. Vou levá-la à sua suite para que possa se refrescar e trocar de roupa.

Eleni assentiu, seus ânimos se elevando pelo pensamento de tomar outro banho. Era engraçado quão rapidamente tinha se acostumado com o luxo de água corrente.

— Sim, por favor.

Do lado de dentro, o hall era tão grande que continha uma lareira, empilhada com lenha e pronta para ser acesa. E a es­cadaria de madeira também era impressionante... Entalhada com folhas e flores. Eleni parou por um momento apenas para admirar.

— Meu Deus — murmurou ela. — Esse é realmente um lugar lindo.

— Verdade. — Zahra a olhou enquanto indicava que Eleni subisse a escada. — Sheik Kaliq Al’Farisi diz que você é espetacular com cavalos.

Eleni sorriu.

— O sheik é muito gentil.

— E o assistente dele me informou que você vai precisar de roupas inglesas.

Eleni olhou para o traje estranho e bonito de Zahra. A mu­lher Catalistan estava perfeitamente... Decente, não estava? No entanto, Eleni recordou-se dos culotes de Kaliq abraçando cada centímetro do quadril e traseiro, e meneou a cabeça. Como poderia se vestir daquela forma?

— Eu não quero rejeitar os valores de meu país — respondeu ela com firmeza... E o assunto foi temporariamente esquecido quando Zahra abriu a porta e lhe mostrou um quarto de tirar o fôlego.

Tudo era branco... Branco como os picos das montanhas cobertas de neve no inverno. Paredes brancas... Um tapete branco grosso que afundava sob seus pés como areia movedi­ça. Véus de musselina parecendo nuvens penduradas da cama de quatro pilastras, e cortinas brancas bordadas emoldurando uma vista perfeita das janelas imensas.

— Este é seu quarto. — Zahra sorriu.

Eleni retornou o sorriso, seu coração de repente leve. Ele realmente trata muito bem seu staff pensou, enquanto espiava através de uma porta aberta para ver um banheiro branco de proporções majestosas. Quando se virou para falar com Zahra, viu outra porta que não tinha notado antes.

— E para onde aquela porta leva? — questionou, inocen­temente.

— Aquela? — As feições de Zahra permaneceram impassí­veis. — Oh, ela conecta sua suite com a suite do sheik.

 

Eleni estava num terrível dilema enquanto se vestia para o jantar, escolhendo o traje mais tradicional das roupas que le­vara do palácio do sheik em Calista. E durante o tempo in­teiro, uma única questão atormentava sua mente: o príncipe deliberadamente a colocava na suite que se conectava com a dele através de uma porta... E ele planejava usá-la?

Mas certamente seria petulante perguntar-lhe... Como se estivesse questionando os motivos dele. Talvez até mesmo um pouco presunçoso... Quase como se ela estivesse esperando que ele entrasse em seu quarto?

E você não está?, soou aquela voz que vinha perturbando seus pensamentos, independentemente do quanto Eleni tentasse abafá-la. Quase não conseguia pensar em outra coisa além de na sensação que os lábios do sheik haviam lhe provocado no banco de trás do carro e... E...

Com as faces queimando, Eleni acabou de trançar os cabe­los antes de ir até a porta de conexão checar se havia uma cha­ve. E por que não ficou surpresa ao descobrir que não havia?

Suas mãos tremiam quando ela ouviu um batida à porta, e lá estava Zahra, esperando-a para escoltá-la até o salão de jantar no andar de baixo.

Decidi vir buscá-la pessoalmente — disse Zahra com gentileza.     Melhor do que enviar uma das outras empregadas.

E enquanto Eleni a seguia pela escada em caracol, decidiu que se o sheik fosse abordá-la em seu quarto naquela noite, ela simplesmente diria não. Porque, embora ele fosse um homem no auge de sua virilidade, ela sabia instintivamente que ele não a tomaria à força.

Mas Kaliq parecia preocupado durante a refeição, as so­brancelhas franzidas numa expressão pensativa. Zahra o cha­mou diversas vezes para atender telefonemas, deixando Eleni sentada ali sozinha, enquanto diversos criados lhe ofereciam delícias para as quais ela não tinha apetite.

Estava justamente se perguntando como poderia escapar sem ser notada quando o sheik retornou, os olhos se estreitan­do ao ver a pêra quase inteira diante dela... Como se a estives se notando pela primeira vez. Ele sentou-se do lado oposto c suspirou.

— Estou sendo um péssimo anfitrião esta noite, borboletinha. Perdoe-me.

— Não cabe ao sheik pedir perdão para seus subordinados — respondeu Eleni, esperando que o protocolo enfatizasse a diferença entre os dois.

— Como você parece correta e formal esta noite — observou ele, sardonicamente. — Ninguém sonharia que estava deitada em meus braços algumas horas atrás... Com seu corpo supli­cando pelos meus toques!

— Alteza! — Eleni sussurrou, apavorada, mas ele deu de ombros.

— Alteza, o quê? — zombou Kaliq. — Alteza, não fale a verdade? Você não gosta da verdade, Eleni? Ou está tentando fingir que se eu não tivesse parado aquilo, então não teria tira­do sua virgindade no banco de trás da limusine?

Mais uma vez, o rosto dela pareceu pegar fogo, porém, mais preocupante... Todo seu corpo. Uma dor estranha fez seus seios parecerem pesados... Como a sensação peculiar que havia experimentado dentro da banheira aromática no palácio de Kaliq. Aquilo era desejo, Eleni entendeu... E o sheik era um amante tão eficiente que podia lhe provocar desejo com palavras que nem mesmo eram doces ou de admiração!

— Nada a dizer? — continuou ele.

Ela podia sentir o perigo desconhecido e potente no ar. Os olhos dele eram desafiadores, e a linguagem corporal de súbito parecia tensa, fazendo-a reconhecer que, se permitisse a con­tinuidade daquela conversa, então poderia acabar no lugar que mais queria, entretanto que mais temia. Nos braços do sheik.

— Estou muito cansada após a viagem, e gostaria de pedir que o sheik me dispensasse — disse Eleni, de modo tenso.

Houve uma pausa enquanto Kaliq estreitava os olhos. Ex­cessivamente formal, pensou ele. E quanta insolência da parte de Eleni pedir para ser dispensada antes que o anfitrião da realeza deixasse o salão. Mas não poderia ser mais fácil tê-la nua e esperando por ele?

— Então vá — murmurou ele. — Na verdade, tenho algum trabalho a fazer. — Seus olhos pretos brilharam. — Acha que pode encontrar o caminho para seu quarto?

— É claro — replicou Eleni, afastando a cadeira da mesa e levantando-se, o coração disparado no peito. Lembre-o do mo­tivo pelo qual você está aqui... E lembre a si mesma do fato, antes que se deixe envolver na vida de riquezas e privilegies do sheik. — E quando iremos ver o cavalo?

— Amanhã. Haverá um jogo de pólo num campo aqui per­to... Talvez seja melhor você vê-lo em ação antes de fazer seu julgamento.

— Estou ansiosa por isso. — Eleni fez uma reverência. — Boa... Noite, Alteza.

Ele deu um sorriso sardônico quando ouviu a hesitação tremula. Eleni era inocente, sim... Mas também possuía uma inteligência natural, que não a deixaria negar a química exis­tente entre eles. Ela realmente achava que ia dormir sozinha naquela noite? Que ele permitiria que isso acontecesse?

— Boa noite, Eleni.

Com a boca seca de medo, Eleni subiu para seu quarto, ten­tando se convencer de que não estava surpresa ou desapontada porque o sheik a liberara tão facilmente. Afinal, as palavras dele não a tinham deixado sem graça? O jeito que descrevera sua resposta a ele no banco do carro... Bem, aquilo a fizera se sentir envergonhada e repleta de desejo, ao mesmo tempo!

Mas foi quase com desespero que ela se despiu rapidamen­te... Apagou todas as luzes e entrou debaixo dos lençóis... Com os cabelos ainda presos nas fitas.

Através das cortinas finas, Eleni viu a curva da lua e algu­mas estrelas... Mas elas pareciam imitações pálidas das estre­las brilhantes do céu de Calista e, subitamente, ela se sentiu muito sozinha.

Tentou permanecer acordada, em estado de alerta, caso o prín­cipe arrogante tentasse entrar em seu quarto sem ser convidado. E deveria estar muito excitada e nervosa para dormir, depois de tudo que tinha acontecido... O trajeto de carro, o voo, o fato de que ela, Eleni Lakis, estava na Inglaterra*. Mas de qualquer for­ma, havia sido um dia exaustivo, e a cama era tão confortável que ela não conseguia manter as pálpebras abertas...

Parecia ter passado apenas segundos quando Eleni acordou com a sensação da cama se afundando, e seus olhos se abriram em alarme. Por um momento, quase sentiu como se alguém estivesse... Entrando na cama ao seu lado!

Ajustando os olhos à parca iluminação vinda das estrelas do lado de fora, ela virou a cabeça e lá... Lá... Deitado ao seu lado como se tivesse todo o direito de estar ali, e claramen­te tão nu quanto no dia que nascera... Estava o sheik Kaliq Al’Farisi !

Eleni sentou-se ereta na cama, cobrindo o pescoço com a mão, sentindo a pulsação acelerada ali.

— Por Alá! — exclamou ela. — O que você acha que está fazendo aqui?

Kaliq deu uma risada suave enquanto estendia uma das mãos para girar uma trança sedosa ao redor de seus dedos.

— Por mais inocente que você seja, minha linda... Não acha que eu preciso realmente responder esta pergunta, acha, Eleni?

Mais tarde, ela disse a si mesma que deveria ter gritado... Se ele não a tivesse puxado contra seu corpo nu. E as sensa­ções que a percorreram eram tão intensas que Eleni fechou os olhos e rezou para que fosse forte durante o caminho de tamanha tentação.

— Alteza, por favor! — protestou ela.

— Por favor, o quê? Por favor, isso...

Quase preguiçosamente, ele a beijou, sentindo-a tremer sob seu toque.

— Al... Alteza! — gaguejou Eleni com fraqueza.

Kaliq ergueu-se sobre um dos cotovelos para ver o rosto dela, a expressão séria, os olhos brilhando intensamente com um desejo primitivo.

— Agora, ouça o que vou lhe dizer, e ouça bem. Por esta noite, eu não sou sua alteza, Eleni — disse ele. — Esta noite, sou apenas Kaliq. Nesta cama, pelo menos, nós somos iguais. Entendeu?

E uma pequena parte do coração de Eleni amoleceu ao ouvir o simples apelo naquelas palavras... A percepção de que na­quela noite ele queria ser tratado como um homem, não como um príncipe. Ela poderia lhe negar um presente tão simples... Ou esse era apenas um pensamento desejoso de sua parte?

Queria perguntar-lhe como conseguiria chamá-lo pelo nome de batismo... Mas então o sheik estava enfiando a mão por baixo dos lençóis e tocando seus seios. Parecia que ele, pelo menos, não tinha problemas com familiaridade. Eleni fe­chou os olhos, tentando lutar contra a onda gigantesca de pra­zer que a dominava, enquanto ele brincava com os pequenos botões de seus mamilos e os fazia pulsar com vida.

— Al... Alteza — gaguejou ela.

— Kaliq — ele a relembrou.

— K... Kaliq. — Vagamente, ela pensou como era estranho pronunciar o nome do sheik... Entretanto, que sensação deli­ciosa o nome provocava em seus lábios. Quase tão deliciosa quanto as doces carícias dos dedos másculos.

— Sim, Eleni? Fale.

— Eu... Eu... — Distraidamente, ela balançou as tranças contra os travesseiros, enquanto ele operava algum tipo de magia com seus toques. — Eu não lembro.

Na semiescuridão, Kaliq sorriu enquanto continuava acariciando-a.

— Isso é bom. Apenas sinta. Aprecie o que estou fazendo com você. Diga-me, você gosta quando eu faço isso, Eleni?

— Oh! Oh!

— Pela sua resposta, acho que devemos julgar que você gosta — murmurou ele. — Vamos tentar outra coisa?

Cuidadosamente, Kaliq trilhou os dedos ao redor do umbigo dela, e os deixou ali, instintivamente esperando, até que Eleni lhe circundou o quadril numa súplica silenciosa. Então, devagar... Mais devagar do que ele jamais se movera na vida... Abaixou a mão até mergulhá-la na doçura da sua feminilidade... E ficou atônito ao perceber que ela estava úmida e pronta para ele.

— E aqui? Gosta que eu a toque aqui também?

Enquanto se contorcia sob os dedos dele, Eleni honesta­mente achou que ia desmaiar de prazer... Caso se permitisse ir em frente com aquilo, e não focar no fato de que o homem em questão era o sheik.

— Mas isso certamente é errado — sussurrou ela, ofegante. Kaliq engoliu em seco, estranhamente tocado por aquela combinação de inocência e entusiasmo.

— Como pode ser errado se é para isso que um homem e uma mulher foram designados? — questionou ele com a voz rouca.

Eleni sentia como se estivesse mergulhando numa doçura inacreditável... Mais doce do que qualquer coisa que já co­nhecera. Sabia sobre as bases do sexo... É claro que sabia... Então por que o sheik não estava dentro de seu corpo, como ela esperava?

Por que movimentava os dedos deliciosamente entre suas pernas daquela forma... Fazendo-a sentir que o controle esta­va escapando de suas mãos? Como se um mundo encantado a estivesse chamando e Eleni estivesse deslizando em direção a esse mundo. Ela começou a tremer e lágrimas nublaram seus olhos quando ondas de êxtase a abalaram.

— K... Kaliq! — Ela arfou.

Ele quase acendeu o abajur para assistir ao primeiro orgas­mo dela, mas não queria destruir o clima. Com a luz da lua e das estrelas, era possível ver uma lágrima escorrendo pelo rosto dela, e Kaliq abaixou a cabeça para lamber o líquido salgado.

— Não chore — murmurou ele, e então, inexplicavelmen­te, sentiu um súbito aperto em seu coração. — Você está triste que eu tirei sua pureza?

Eleni balançou a cabeça, então, descansou-a sobre o peito dele, onde podia ouvir as batidas fortes do coração.

— Como eu poderia estar triste sobre alguma coisa tão ma­ravilhosa? — sussurrou ela. — A sensação é tão incrível-que nem parece humana.

— E por isso que alguns dizem que o ato de amor é divino disse Kaliq. — Agora venha aqui que vou lhe mostrar ainda mais beleza.

Movendo-se sobre ela, removeu alguns cachos soltos do rosto delicado enquanto Eleni envolvia os braços ao redor de seu pescoço e o fitava com extrema confiança. Que amante sincera ela estava provando ser, pensou ele... Tão honesta e destemida quanto era sobre uma sela!

Kaliq a beijou... No começo, preguiçosamente... Como se estivesse arrancando outra resposta daqueles lábios sensuais.

Então o beijo se aprofundou e tornou-se mais intenso... E su­bitamente ele não podia mais esperar.

Apartando-lhe as coxas firmes, penetrou-a com uma longa investida, ouvindo-a abafar um grito enquanto a inocência de Eleni era tirada para sempre. Como ela era ardente e apertada. Kaliq gemeu. Poderia ter despejado sua semente dentro dela ali e agora... E por que não? Pois era um direito do sheik absor­ver prazer onde o encontrasse.

Todavia, estranhamente descobriu-se querendo que aquela garota doce e bonita tivesse o melhor momento de sua vida. Que liberasse prazer mais uma vez sob o assalto de suas faça­nhas sexuais. Então ele se conteve. Provocou-a com investidas do seu corpo, então se retirou, repetidas vezes, até que o corpo de sua garota "não mais virgem" começou a se ajustar e a se climatizar com as novas sensações provocadas. Como Eleni aprendia depressa, pensou com admiração, ao sentir o prazer dela se construindo novamente.

— Kaliq! — sussurrou Eleni.

No escuro, ele sorriu. E quão depressa ele se acostumara ao uso de seu nome, também.

— O que foi, minha lindeza de olhos verdes?

— É... É... Oh! Aquela coisa... Aquela coisa... Vai aconte­cer de novo!

— Seu orgasmo — esclareceu ele... Mas dessa vez, quando Eleni se convulsionou ao redor de sua carne dolorida, Kaliq se juntou a ela, perdendo-se num mar de encantos, seu corpo estremecendo com espasmos que pareciam não acabar nunca, deixando-o completamente ofegante.

Depois, ele deitou-se de costas contra a pilha de travessei­ros, olhando para o teto... Sabendo que agora deveria voltar para sua própria suite, entretanto, estranhamente relutante em fazer isso. Eleni estava se aconchegando a ele, passando o braço ao seu redor, e Kaliq normalmente se irritava com a proximidade física depois de um ato sexual completado. Mas com Eleni, não sentia tal irritação.

Seria por que estava seguro de ambição com ela? Por que a humilde garota ficaria apenas grata pelo que recebera dele e não faria exigências, como a maioria das mulheres fazia?

Ele poderia apenas fechar os olhos por um momento, e de­pois retornaria à sua suite...

Ao seu lado, Eleni ouviu a respiração se aprofundando quando ele adormeceu, enquanto refletia sobre o que tinha acabado de acontecer. Verdadeiramente, não era mais uma ga­rota... Havia sido transformada em mulher pelo sheik.

Com cuidado, virou a cabeça para olhá-lo. Os cabelos es­curos estavam desalinhados e as feições, geralmente duras, re­laxadas. Que bizarro pensar que o príncipe de Calista dormia nu ao seu lado. Que o corpo dele estivera intimamente ligado ao seu... Do jeito que ela vira os garanhões fazendo com as éguas no estábulo.

Mas isso era diferente. Cavalos não tinham emoções tão fortes e poderosas envolvendo um ato sexual. Ela mordiscou o lábio. E o que aquela noite extraordinária significava? Eles se tornariam amantes, ou Kaliq simplesmente a mandaria embo­ra pela manhã, fingindo que nada havia acontecido?

Seus pensamentos eram tão tumultuados que ela não d#^ veria ter dormido, mas dormiu... Um fato que só descobriu quando foi acordada pelo suave toque de um dedo em cada uma de suas pálpebras.

Abriu os olhos para descobrir que o sol da manhã se in­filtrava pelas janelas, e que Kaliq a estava olhando. Ansio­samente, ela estudou-lhe o rosto por um sinal do que a noite anterior tinha significado para ele. Ainda a respeitava? Considerava-a uma amante digna? Mas os olhos cor de ébano estavam inescrutáveis e os lábios sensuais não entregavam nada, exceto... Pensou... Que parecia que ele queria beijá-la novamente.

— O que você achou de seu despertar sexual, borboletinha? Eleni se sentiu enrubescer. O que era esperado que ela dissesse?

— Foi muito... Agradável.

— Agradável? — Ele riu, suavemente, pensando como era irônico o fato de sua garota do estábulo lhe dar uma resposta tão fria... Ele, que tinha sido altamente elogiado por mulheres glamourosas do mundo inteiro. — Agradável o bastante para querer fazer isso de novo? — zombou Kaliq enquanto contornava-lhe os lábios com o dedo.

A pele dele continha um cheiro almiscarado... Algo que Eleni sabia que tinha a ver com desejo, e sentiu-se enrubescer novamente. E não havia lugar para se esconder na luz cruel do dia.

— Alteza... Kaliq... Eu...

Kaliq franziu o cenho. Na noite anterior, na paixão e calor do momento, negligenciara o fato de que Eleni não era apenas fisicamente inexperiente... Mas emocionalmente também. E esta manhã, necessitava esclarecer a situação, de modo que ela não interpretasse as coisas de maneira errada.

— Antes de continuarmos, há algo que preciso lhe dizer, Eleni — começou ele, suavemente, inclinando-lhe o queixo, de modo que ela fosse forçada a encará-lo. — Você sabe que sexo é sempre diferente para uma mulher?

Ela o olhou em confusão.

— Algumas mulheres não têm a mesma capacidade dos ho­mens de apreciar o ato... Ou assim acredito — admitiu Kaliq com sinceridade —, uma vez que nenhuma mulher na minha cama experimentou outra coisa além de prazer. — Ele ignorou a expressão sofrida de Eleni... Mas apenas atestara um fato. Ela estava tolamente se permitindo fantasiar que ele nunca ti­vera outra amante?

— A natureza fez homens e mulheres de maneiras diferentes — continuou Kaliq. — Para o homem, sexo é somente uma aberação natural de sua semente, porém, para as mulheres é o satilho... E no fundo, elas estão procurando por um parceiro para ser pai de seus filhos. É isso que faz as mulheres criarem um laço de emoção ao ato.

— E... Emoção? — Eleni se sentiu insultada... Embora não soubesse bem por quê. — Eu não entendo o que você quer dizer.

Ele firmou-se contra o sofrimento que viu no rosto dela.

— Quero dizer que as mulheres às vezes se convencem que estão apaixonadas por um homem, depois que fazem amor com ele. Porque isso faz o ato parecer mais respeitável aos olhos delas.

Por um momento, Eleni não reagiu, até que o impacto total das palavras a atingiu. De todos os homens cruéis e frios que podia ter escolhido como seu amante, Kaliq devia ser o pior. Tentou dizer a si mesma que poderia ter resistido a ele... Mas sabia que isso era mentira. Não poderia ter resistido ao sheik mais do que um homem vagando por três dias no deserto po­deria resistir a um copo de água fresca. Não tivera controle sobre sua reação a ele... Pelo menos, não fisicamente.

Mas agora via que precisava proteger-se o máximo possível contra a dor inevitável que se seguiria, se ignorasse as pala­vras de Kaliq. Como se fosse tola o bastante para se apaixonar por um homem que a jogaria de lado num instante, se assim quisesse.

Não, Eleni aprenderia tudo que pudesse de um amante prín­cipe... Estudaria técnicas sexuais da mesma forma que tinha aprendido sobre cavalos. Ela se tornaria uma amante especia­lista na cama dele... E quando o caso fosse concluído, deixaria o sheik arrogante ansiando por ela.

— Eu concordo completamente, Kaliq — disse ela com firmeza.

Ele estreitou os olhos.

— Concorda?

— Mas é claro. E você não precisa se preocupar comigo. Pois por que eu perderia meu tempo me apaixonando por um homem com quem não tenho a menor possibilidade de um futuro?

Aquela deveria ter sido a resposta perfeita... Mas para sua fúria, Kaliq se sentiu totalmente indignado. Eleni tinha acei­tado seu destino sem derramar uma única lágrima! Pensava que seria fácil esquecê-lo? Bem, logo descobriria que estava errada.

Kaliq moveu a mão debaixo dos lençóis.

— Estou entediado de conversar — murmurou ele enquan­to começava a tocá-la. — Venha aqui e me beije.

E mesmo enquanto Eleni obedecia... O prazer intenso a percorrendo novamente... Ficou satisfeita que tinha soado tanto orgulhosa como independente. Mas se aquilo era uma vitória... Então devia ter sido a vitória de menor duração na história do mundo. Porque depois de fazer amor com ela de maneira quase bruta, porém altamente excitante, Kaliq saiu da cama... Parecendo apreciar o rubor de Eleni enquanto desfila­va seu magnífico corpo nu pelo quarto branco.

— Sairemos para o jogo de pólo depois do almoço — dis­se ele.

Eleni puxou os lençóis até o queixo e assentiu.

— Sim, Kaliq.

Pausando no ato de amarrar a faixa do roupão, ele lhe deu um olhar impenetrável.

— Duas coisas — disse ele. — Quando você se preparar para cama essa noite, não trance seus cabelos como uma go­vernanta. Quero vê-los espalhados sobre meu travesseiro.

Os dedos brincando com uma das fitas, Eleni o fitou, inca­paz de negar a pequena esperança que surgiu em seu coração.

— E a outra?

O sorriso dele foi cruel.

— Certifique-se de nunca me chamar de Kaliq em público.

 

— Café, Eleni?

Eleni estava sentada à mesa do café da manhã, enquanto Zahra erguia um bule de prata pesado, perguntando-se se algo em seu comportamento dava à assistente do sheik alguma dica do que tinha acontecido na noite anterior.

Ou aquela era uma casa sem segredos... A porta que co­nectava as duas suites sendo o suficiente para deixar tudo claro? Os empregados sabiam que príncipe Kaliq havia su­bido na cama de sua funcionária do estábulo e lhe tirado a virgindade do jeito mais maravilhoso possível? Bem, talvez a própria Zahra tivesse passado por uma cerimônia de inicia­ção similar.

O rosto de Eleni esquentou quando ela sentiu a dor que tal pensamento lhe causava. Por favor, não deixe que esse seja o caso, rezou silenciosamente.

— Eu adoraria um pouco de café — respondeu ela. Zahra despejou o líquido escuro numa xícara de ouro e co­locou diante de Eleni.

— O sheik me pediu para informá-la que alguém virá aqui depois do café da manhã a fim de tirar suas medidas. Então uma seleção de roupas será enviada depois de uma hora. Al­gum traje para você usar no jogo de pólo. — Zahra sorriu.

— Vai ser divertido, acredite.

Mas Eleni ainda estava magoada com o comando do sheik de que ela nunca o chamasse pelo nome em público. Embora soubesse que aquilo fazia sentido, isso não a impedia de se sentir magoada... Mas pelo menos a ajudara tomar uma deci­são. Kaliq havia estabelecido as regras dele com muita firme­za... Então por que ela não deveria estabelecer suas próprias regras? Por que deveria se vestir em alguma coisa que não era? Mascarar-se como um manequim ocidental até que Kaliq se cansasse dela e a dispensasse?

Além disso... Já se sentia deslocada o bastante na casa in­glesa do sheik. Certamente se começasse a se vestir como uma ocidental, sentiria que era uma estranha completa?

— Por favor, agradeça ao sheik pela oferta generosa — co­meçou Eleni, tensa. — Mas diga-lhe que não posso aceitar. Não há razão pela qual eu não possa ir ao jogo de pólo vestida numa túnica tradicional. Estou lá para avaliar um cavalo, não para impressionar outros.

Zahra deu-lhe um sorriso preocupado enquanto lhe oferecia uma cesta de pães quentes.

— Eu direi a ele, Eleni, mas já posso lhe adiantar que o sheik não vai gostar.

Eleni deu de ombros. Não, Kaliq era um homem que não gostava de ser desobedecido em nada.

— Onde está o sheik esta manhã? — perguntou Eleni, di­zendo a si mesma que as palavras ameaçadoras de Zahra não a amedrontavam.

— No escritório da casa. — Zahra hesitou por um momento. — Você precisa falar com ele?

Eleni meneou a cabeça rapidamente.

— Não. Eu não quero perturbá-lo.

Ela precisava tomar um ar fresco. Esfriar seu corpo supe­raquecido e dissipar sua inquietude, e, depois do café, foi ex­plorar o terreno externo... Descobrindo um pequeno bosque carpetado de flores azuis no formato de sinos.

E sua mente continuou revivendo o que tinha acontecido na noite anterior... Seu primeiro ato de amor com um homem que não poderia ter sido um amante mais perfeito. Exceto que não havia amor envolvido, lembrou-se amargamente. Nenhum sentimento. O sheik havia deixado isso bem claro... Ilustrado pelo modo que descrevera sexo de uma forma tão mecânica e desprovida de sentimentos! Ele não se importava com o quan­to fora frio e cruel com uma mulher que o recebera dentro de seu corpo durante uma noite deliciosa?

Eleni apanhou uma das flores azuis e levou-a ao nariz, ina­lando a fragrância doce. E claro que ele não se importava. Ela era sua empregada, não era? Sua garota do estábulo... Nada mais. E nunca seria.

Antes que eles saíssem para o jogo de pólo, Eleni tomou banho e vestiu uma túnica de seda e calça. Kaliq estreitou os olhos quando entrou no quarto e a viu.

Então ela havia ignorado suas instruções, pensou, irritado. Ele estivera ansioso para ver aquele incrível traseiro firme abraçado por um jeans justo. Ou por um vestido elegante.

— Você vai chamar muita atenção vestida assim — disse ele, secamente. — Todavia, Zahra me informou que recusou as roupas que lhe foram oferecidas.

— Sim, recusei.

— Teimosa, obstinada Eleni — criticou ele num tom de voz baixo. — E por que você fez isso?

— Porque prefiro ser verdadeira comigo mesma a fingir ser alguma coisa que não sou, alteza — replicou ela, curvando-se numa reverência.

Ele a olhou... Amaldiçoando a túnica larga que escondia o corpo esbelto de seus olhos. Como ela ousava desobedecer aos seus desejos e cobrir-se inteira?

Sem modéstia para procurar seu príncipe essa manhã? — zombou ele. — Sem agradecimentos pelos tesouros que ele levou ao seu quarto ontem à noite, fazendo-a gemer de tanta alegria?

Eleni manteve o semblante inexpressivo, mesmo que seu coração estivesse batendo violentamente.

— Mas você me disse para não manter familiaridades em público, alteza — protestou ela.

Ele olhou ao redor.

— E como você pode ver, o quarto está vazio! O sorriso dela foi sereno.

— É melhor já praticar para manter o protocolo normal, alteza... dessa forma nenhum erro embaraçoso poderá ser co­metido.

Para sua fúria, Kaliq se sentiu pego de surpresa por aquela garota atrevida. Como ela ousava retrucar... De um jeito que conseguia parecer tanto insubordinada quanto diplomática? Quase como se ela tivesse o controle! Bem, ele lhe mostraria quem era o chefe... E... E...

Sob sua túnica, Kaliq podia sentir a excitação começando, e estava prestes a trancar a porta e tomá-la em seus braços quando percebeu que tal ação o atrasaria.

— Vamos! — disse ele.

Ela o seguiu para fora, onde havia um carro baixo e verme­lho brilhante, para o qual olhou com desconfiança.

— Vamos — disse Kaliq, impacientemente.

— Que tipo de máquina é essa?

— É um Maserati, e voa como um foguete.

— Mas, alteza, eu não tenho o desejo de viajar num foguete.,

— Apenas entre — ordenou ele.

O que Eleni podia fazer senão obedecer?

— Ei — murmurou Kaliq, suavemente, enquanto dirigia ao longo do caminho de cascalhos, diminuindo um pouco a velo­cidade quando a viu apertar as mãos sobre o colo. — Relaxe, borboletinha.

— Como posso relaxar quando você dirige tão rápido? — perguntou ela com voz trêmula.

— Isso é uma crítica?

É uma observação.

— Você pode cavalgar muito rapidamente. Eu já vi.

— Um cavalo é diferente... Pelo menos, então, eu tenho algum elemento de controle.

— Você não confia em mim dirigindo... É isso?

— Não tenho certeza.

— Oh? — murmurou ele em tom interrogativo.

Medo e todas as emoções conflitantes da noite anterior ti­nham soltado sua língua, pensou Eleni.

— Você tem a reputação de ser...

— De ser o quê? — perguntou Kaliq.

— Nada.

— Fale!

Eleni se movimentou no assento. Todas as regras tinham sido viradas de ponta-cabeça... Talvez se ela o ofendesse o bastante com a verdade, então o sheik a mandaria de volta para Calista, e ela seria libertada da excitação perigosa da compa­nhia dele.

— Impulsivo — replicou ela, relutante.

A boca de Kaliq endureceu. Sabia disso... Pois não era se­gredo. E, por um lado, ele sempre se divertira por sua imagem de playboy impulsivo. Quando adolescente, tinha abrasado riscos como se abraça um velho amigo. Adrenalina estava em seu sangue... Assim como conduzir a vida desafiando os limi­tes. Esta tinha sido sua maneira de lidar com um mundo que se tornara triste pelo desaparecimento do seu irmão... E pela culpa que tivera nisso.

Entretanto, precisava admitir que, com o passar do tempo, descobrira que o risco podia ser desgastante... Até mesmo te­dioso. Mas fazer tal descoberta por si mesmo era uma coisa... Ter uma mera empregada apontando isso, era outra bem dife­rente! Sentiu o fogo da raiva, da indignação e de alguma outra coisa que não reconheceu.

Num impulso, virou o carro abruptamente para a esquer­da antes de chegar aos portões principais, e então parou num pequeno bosque sombreado e desligou o motor, olhando pa­ra ela.

— Esse não é o caminho para o campo de pólo — disse Eleni.

— Não.

— Pensei que você estivesse preocupado que chegaríamos atrasados para o jogo.

— Eu estava.

— Então... O que está fazendo?

— Isto — replicou ele, ferozmente. — Se você acha que sou tão impulsivo, então vou corresponder à minha reputação. — Kaliq inclinou-se sobre ela e começou a beijá-la com uma paixão tão intensa que ela não poderia tê-lo detido, mesmo se quisesse.

O corpo de Eleni estava em chamas. Era como se ele ti­vesse posto fogo nela com aquele primeiro toque de lábios e abraço apertado... De modo que quando Kaliq segurou um de seus seios quase com agressividade, ela o incentivou com um fervoroso "sim"! E no momento que ele começou a erguer-lhe a túnica e abrir o cinto de sua calça, ela encontrou-se gemendo com impaciência... Erguendo o traseiro para ajudá-lo a remo­ver a calça, como se tivesse nascido para seduzir no espaço confinado de um carro esporte.

E sua avidez pareceu enlouquecê-lo... Como se Kaliq pre­cisasse de mais encorajamento! Ele gemeu ao se afastar um pouco, ardendo tanto por ela que pensou que pudesse explodir. Se Eleni fosse mais experiente, ele teria lhe dito simplesmente para tomá-lo na boca... Mas por alguma razão, percebeu que estava satisfeito que ela não era. Pois a queria... Queria pene­trar aquele corpo e perder-se lá.

Abaixando o banco de modo a deixá-lo quase na horizon­tal, Kaliq afrouxou suas roupas e posicionou-se de maneira que pudesse se enterrar em Eleni em um momento. Apenas se deleitando na sensação magnífica de preenche-la, vendo os olhos verdes escurecerem e as faces delicadas corarem.

— Pela tempestade do deserto - murmurou de e começou os movimentos.

Tudo aconteceu muito rapidamente. Pareceu levar apenas se­gundos antes que Eleni estivesse arfando com o mesmo prazer que descobrira recentemente... E alguma coisa em seu clímax pareceu agradá-lo, porque Kaliq observou seu rosto antes de finalmente tombar contra ela com seu próprio gemido gutural.

Ele não se moveu. Eles permaneceram daquele jeito por segundos... Talvez minutos... Até que Kaliq mudou de posição e aninhou-lhe a cabeça contra seu peito, acariciando-a quase distraidamente, enquanto lutava para se libertar da letargia que se instalara sobre ele como um cobertor suave, e que era di­ferente de qualquer coisa que já tinha experimentado na vida. Como um sexo rápido naquele carro podia causar uma sensa­ção tão maravilhosa?

Ele enrolou um cacho sedoso no dedo.

— Você aprende muito depressa.

Ciente de um súbito perigo... Do estranho desejo de lhe di­zer que ele fazia seu coração cantar... Eleni afastou a cabeça do peito largo.

— Eu devo ser julgada como um cavalo no campo? — per­guntou em tom leve.

Ele alisou-lhe a pele sedosa do traseiro.

Bem, você tem um flanco magnífico — brincou. Automaticamente, ela deslizou as pontas dos dedos pela coxa musculosa de Kaliq. E você também. Kaliq engoliu em seco, sentindo-se excitado novamente. Era bizarro com que facilidade Eleni havia mergulhado no mundo da intimidade, pensou... Mas as palavras dela o fize­ram lembrar de onde estava, e com quem. Olhou para o reló­gio de ouro que brilhava em seu pulso.

— É melhor irmos — disse ele, encarando-a com olhos crí­ticos, e suspirando. Ela parecia como uma mulher que tinha acabado de ser violentada no banco de um carro. — Você pode arrumar sua aparência? — perguntou.

O prazer daquele sexo impulsivo e fantástico foi abalado pela vergonha e percepção de como devia estar sua aparência. Era impressionante a rapidez com que Kaliq podia mudar do amante ardente para o crítico cruel.

— Farei o melhor possível — disse ela, friamente.

Enquanto ele voltava para a estrada e recomeçava a jorna­da, Eleni sentou-se e penteou os cabelos, não se importando que ele a olhava o tempo todo.

— Você deveria usar os cabelos sempre soltos — comentou Kaliq.

— Não é prático sobre um cavalo — replicou Eleni com ironia, pois estava magoada com o que ele dissera antes.

— Você está zangada comigo? — Agora, por que ele estava lhe perguntando isso?

— Acho que não é realístico de sua parte esperar que eu pa­reça... Arrumada... Quando você estava escalando sobre mim.

Kaliq reprimiu um sorriso. Deveria protestar por ela ousar repreender o sheik, não admirar a irritação perspicaz de Eleni.

— Pensei que tivesse gostado de me ter escalando sobre você.

— Essa não é a questão.

Eles chegaram no exato momento que a partida estava começando e, pelo menos, os cascos dos cavalos na grama eram uma distração bem-vinda para os pensamentos eróticos de Eleni, enquanto tentava ignorar a presença do bonito sheik ao seu lado. Ou a atenção que ele estava recebendo. O campo de pólo estava lotado de espectadores... Incluindo as mulheres mais lindas e mais bem vestidas que Eleni já vira. E cada uma delas parecia estar olhando para Kaliq.

— Todas as mulheres estão olhando para você — disse ela antes que pudesse se conter.

Ele deu um sorriso arrogante.

— É claro que estão — confirmou ele, dando de ombros. — Eu chamo a atenção das mulheres em todo lugar que vou... Elas são naturalmente atraídas pelo meu poder e virilidade. —- Os olhos negros brilharam. — Você não está mostrando sinais de ciúme, está, Eleni?

Ela ouviu o aviso inconfundível na voz dele, e meneou a cabeça.

— Não é meu papel mostrar sinais de ciúme ou possessão, alteza — disse Eleni, docemente.

Os olhos de Kaliq se estreitaram. Aquele tom submisso de Eleni parecia muito indicar insubordinação, especialmente de­pois das respostas entusiasmadas que ela dera no carro.

— Apenas se certifique de não fazer isso. Ocasionalmente, as mulheres a olhavam também... E Eleni sabia que não estava imaginando o desprezo franco por sua aparência na expressão daquelas mulheres. E, de súbito, en­tendeu por que Kaliq a avisara que ela estava se arriscando a ser vista como inferior se não tentasse se misturar. Tinha realmen­te achado que aquilo ia ser simples?

Até que se forçou a lembrar que nada daquilo importava. Seus sentimentos não contam. Você está aqui para um úni­co propósito, que é oferecer-lhe um conselho na compra de um cavalo. O fato de ter entregado seu corpo para o sheik e feito amor frenético no carro dele não tem consequência para Kaliq, ou para você.

— Então, qual é o cavalo que você está pensando em com­prar? — perguntou ela, a voz calma em total contraste com o tumulto de seus pensamentos.

Ele a olhou, sentindo que Eleni estava inconsciente do im­pacto que acabara de causar em seus sentidos! O leve rubor seguido ao ato de amor acentuava as maçãs do rosto dela, e os cabelos pareciam uma cachoeira de seda escura.

Ela era, percebeu ele, infinitamente mais sedutora do que as mulheres que o observavam, com seus seios e pernas à mostra, como se desfilando a fim de competirem pela maior oferta. E os outros homens na multidão também notavam Eleni. Ela era como uma flor exótica no meio de um jardim comum.

Kaliq engoliu em seco. Bem, quem pensaria que ela es­tivera sob seu corpo no Maserati apenas minutos atrás? Ele sentiu a onda de desejo renovado e forçou-se a se concentrar no cavalo.

— Qual você acha que é meu favorito? Eleni estreitou os olhos e estudou o campo.

— O cavalo baio, eu diria... Aquele com as cores amarelas. Ele é certamente o mais bonito.

Kaliq sorriu.

— Bravo — disse ele, suavemente. — Ele é da Argentina, o lar mais fino dos pôneis de pólo. Veja como ele se move.

Ela fixou os olhos no cavalo e observou-o... Vendo a mus­culatura poderosa e agilidade, enquanto o cavaleiro o instiga­va em direção ao gol.

— Então, o que você acha? — questionou Kaliq.

— Ele é realmente magnífico — replicou ela após um mo­mento. — Parece seguir a bola com os olhos, em qualquer lugar do campo que ela esteja.

— Observar a bola é a marca de um excelente pônei de pólo — disse Kaliq, de modo triunfante. — Viu, Eleni... Você não entende nada de pólo, entretanto, seus instintos a guiam para o fator mais importante que determina quando comprar!

Naquele momento, o cavaleiro do baio marcou um gol, e a multidão aplaudiu.

— Então, eu devo comprá-lo, borboletinha?

Eleni o olhou.

— O sheik é muito extravagante com dinheiro! E muito cedo para dizer... Eu precisaria montá-lo antes.

— Isso pode ser arranjado.

Eleni não falava inglês, mas, depois do jogo, ficou muito claro, pelos olhares céticos que o dono do cavalo lhe dava, que ele duvidava de sua habilidade de montar um animal tão alto e poderoso.

Kaliq virou-se para ela.

— Ele quer que voltemos amanhã, quando o cavalo estiver descansado.

— O melhor teste de todos é quando um cavalo está cansado — replicou Eleni teimosamente. — Diga-lhe que só preciso de cinco minutos... E que serei gentil com ele.

Kaliq sorriu.

— Qualquer coisa que a moça quiser, a moça terá.

Eleni ficou chocada pela alegria que sentiu com o elogio im­plícito naquela frase. Mas por que ele não deveria elogiá-la? O fato de que ela pertencia a uma classe econômica inferior não significava que não poderia ser elogiada como qualquer outra mulher que lhe desse prazer.

E como dar mais prazer a ele?, perguntou-se, enquanto montava o cavalo baio. Como se tornar a amante mais ines­quecível do sheik? De modo que ele sempre ficasse excitado ao se lembrar dela?

Levou dez minutos para que Eleni descobrisse tudo que precisava sobre o cavalo, então desmontou, o rosto completa­mente inexpressivo quando encontrou os olhos interrogativos de Kaliq.

Você não o considera muito bom? — questionou ele.

Na verdade, eu o considero espetacular. O baio é o me­lhor cavalo que já montei. É forte, suave e tem um equilíbrio perfeito. E responde tão bem que você poderia transformá-lo numa ação no mercado de valores.

— Então, por que essa sua expressão mal-humorada? Eleni deu um tapinha no pescoço do animal.

— Tenho ciência de que o dono está nos observando de perto, e embora não possa entender nossa língua nativa, certa­mente é capaz de ler expressões em nossos rostos. E é melhor que ele pense o pior. Dessa forma, você conseguirá um melhor preço pelo cavalo, alteza.

— Eu a cumprimento por sua perspicácia — disse Kaliq com uma risada baixa. — Mas acha mesmo que um homem na minha posição precisa barganhar, borboletinha?

Eleni deu de ombros.

— Eu teria pensado que orgulho o faria tentar o melhor preço possível.

Os olhos dele a percorreram com apreciação.

— Em que achado perfeito você se tornou — murmurou Kaliq. — Mas não percebe que sua sabedoria excita meu ape­tite sexual? De repente, anseio por tê-la em meus braços e entre minhas pernas novamente.

Eleni ruborizou.

— Alteza, por favor, pare com isso. Não estamos sozinhos... E há sua reputação a considerar.

— Saiba que nunca me importei com minha reputação.

— Talvez não, mas eu me importo com a minha. E haverá tempo o bastante para isso mais tarde... Quando estivermos sozinhos de novo.

— Isso é uma promessa, não é? — perguntou ele, sedo­samente.

De súbito, Eleni pegou-se apreciando aquele jogo, e des­cobriu que também estava ficando excitada. As batidas de seu coração aceleraram e desejou que pudesse gritar para que o dono do cavalo os deixassem em paz, de modo que ela pu­desse tombar seu amante sobre uma cama de palha e deitar-se com ele num dos jeitos mais básicos.

Eu quero beijar você, Kaliq, pensou com desejo.

Quero beijá-lo inteirinho. Quero começar pelo pescoço e acabar nos dedos de seus pés, e dizer-lhe que você está entrando meu coração como se tivesse jogado uma rede sedosa ao redor dele.

Mas não era contra aquilo que ele explicitamente a avisara? Que ela não confundisse o prazer do corpo com amor? Eleni fechou os olhos, forçando-se a se concentrar no físico. O cor­po dele é tudo sobre o que você tem direito, lembrou-se. E isso é apenas por um período de tempo limitado.

Preciso aproveitar ao máximo meu tempo com o sheik, pen­sou, mas seu rosto não demonstrava a dor repentina compri­mindo seu coração quando lhe sorriu.

— Compre o cavalo — incentivou ela. Ele assentiu.

— Vou aceitar seu conselho. — Kaliq virou-se para o dono do cavalo e começou a falar em inglês, e o homem murmurou alguma coisa que fez Kaliq franzir o cenho.

— Ele não quer vender? — questionou Eleni, surpresa. — O que ele diz?

Kaliq a fitou antes de trocar o idioma para Calistan.

— Ele falou que nunca viu uma mulher mostrar tanta habilidade sobre uma sela. E que se um dia você desistir de trabalhar para mim, ele quer lhe oferecer um emprego aqui.

— Bem, isso é um elogio, não é? — replicou Eleni, perguntando-se o que fizera o semblante dele tornar-se raivoso.

— Um elogio tanto para você quanto para mim.

— Não cabe a ele tentar roubar um membro do staff ao sheik! — retorquiu ele, irritado.

Eleni sentiu a pontada de humilhação. Que palavras insultosas. Era como se não passasse de um objeto. Uma parte enorme força de trabalho do sheik. Mas isso é tudo que você é, murmurou a voz da razão. A empregada do estábulo. E sempre será. Ou estava se iludindo ao pensar que compartilhar o cor­po dele lhe dava algum direito à vida de Kaliq?

— Ele provavelmente a quer na sua cama, também — acres­centou Kaliq.

Eleni se sentiu nauseada. Não apenas sua empregada do estábulo, mas seu brinquedo sexual também. Até que ele se cansasse dela. E então sentiu um arrepio gelado percorrer sua pele enquanto visualizava um fragmento do futuro. O que aconteceria quando esse dia chegasse... Quando o príncipe a dispensasse... Quando outra amante o atraísse? Eleni engoliu o gosto do medo no momento que o fitou.

— Esse homem tem cerca de sessenta anos — apontou ela, friamente.

Os olhos deles se encontraram.

— Você acha que o desejo sexual de um homem viril dimi­nuiu com a idade? — questionou ele, de modo arrogante.

— Não pensei muito sobre isso.

Kaliq estreitou os olhos. Qual era o problema com Eleni agora? Não entendia que seu papel era sorrir e agradá-lo... Não enfrentá-lo com aquela expressão desafiadora nos olhos verdes. Talvez ele tivesse de levá-la para casa e ensinar-lhe tal lição.

— Vamos. Eu vou levá-la para cama — declarou Kaliq com a voz rouca.

 

— K... Kaliq! Oh, Kaliq! Oh!

Esperando até que os últimos espasmos ofegantes tremes­sem contra sua língua, Kaliq posicionou-se em cima do corpo nu de Eleni e observou-lhe o rosto corado.

— Você gostou disso? — sussurrou ele.

Com o rubor se intensificando, ela abaixou os olhos para esconder o embaraço.

— Sim.

— Olha para mim — comandou Kaliq.

Como ela poderia olhá-lo depois do que ele acabara de lhe fazer? Mas sabendo que Kaliq insistiria, Eleni fitou os olhos cor de ébano com relutância, mal podendo acreditar que o sheik a beijara lá, e no prazer alucinante que aquilo lhe causa­ra. Outro tremor abalou seu corpo, e ela engoliu em seco.

— Oh, Kaliq... Uma coisa como essa não é... Não é...

— Não é o quê, minha linda?

— Oh, eu não sei. — Eleni parecia não saber mais nada.

— Errada, suponho.

Ele acariciou-lhe os seios e os sentiu enrijecer contra seus dedos.

— Por que seria errado?

— Porque parece perverso, de alguma maneira. — Ela movimentou os ombros. — E porque a sensação é tão boa.

— Assim como tudo que eles vinham fazendo na última se­mana. Tudo era maravilhoso demais. Novamente, Eleni sentiu o arrepio de medo, o qual a perseguia cada vez mais. Como poderia viver quando Kaliq a deixasse?

Pensativamente, ele afastou uma mecha de cabelo sedoso do rosto úmido de Eleni.

— Mas sexo às vezes é perverso — concordou ele. — Isso faz parte da sedução. O senso do proibido. Do ilícito. — E do inesperado, pensou ele de repente. Porque Eleni o confundia. Kaliq nunca esperara que pudesse ser tão incrível. A essa al­tura já deveria estar entediado do corpo dela. A voz deveria estar irritando seus ouvidos. Deveria estar procurando descul­pas para evitá-la. Todavia, surpreendentemente, o oposto era verdadeiro.

Queria-a cada vez mais. Encontrava-se seduzindo Eleni para cama quando eles tinham acabado de sair de lá. E des­cobrindo que ela aprendia as habilidades do sexo com uma rapidez impressionante.

As palavras de Eleni interromperam seus pensamentos.

— E é sempre tão bom assim?

Agora foi a vez dele fechar os olhos, principalmente para bloquear a pergunta irresistível nos olhos verdes. A inocência dela o atraía, assim como a curiosidade infinita e disposição para aprender. Kaliq não podia recordar-se de se sentir tão re­laxado e à vontade nos braços de uma mulher.

Quando lhe pedia uma opinião... Embora fosse loucura pe­dir a opinião de uma empregada de estábulo... Ela a expressa­va com honestidade. Com Eleni, era como se ele tivesse acha­do uma pedra no deserto, e removido a areia para descobrir a pedra preciosa que havia por baixo.

Existia intimidade verdadeira entre eles, percebeu com al­guma emoção que beirava o medo. E uma parte sua não de­sejava que Eleni tivesse experimentado outros amantes? De modo que ela não parecesse tão maravilhada em seus braços...

E que ele pudesse provocá-la com questões sobre quão melhor era comparado a outros homens. De modo que não se sentisse culpado quando decidisse deixá-la.

— Você faz muitas perguntas! — reclamou Kaliq.

— Pensei que você gostasse que eu fizesse perguntas.

— Não sempre. Agora você deve retribuir o favor — ins­truiu ele, sem abrir os olhos.

Sentindo que de alguma maneira o desagradara, Eleni mudou de posição e começou a tocar os lábios no torso de Kaliq, do jeito que ele lhe ensinara fazer. Sentiu-o se contor­cer quando passou a língua ao longo da pele salgada... E ele gemeu e entrelaçou as mãos nos seus cabelos.

Mas mesmo enquanto punha suas habilidades sexuais recém-descobertas em prática, sentiu aquele familiar aperto no coração. Pois era amargo reconhecer a espécie de caos no qual sua vida tinha se transformado desde que se tornara amante do sheik. Fisicamente, estava radiante... Vibrante... Mas, emocio­nalmente, sentia-se insegura.

Uma semana na Inglaterra parecia uma vida inteira em mi­niatura... Uma vida que gostaria que nunca acabasse. Compar­tilhava a cama do príncipe, fazia as refeições exclusivamen­te com ele... E, nos intervalos disso, Kaliq lhe mostrara um pouco da vida na Inglaterra. No avião particular luxuoso, eles haviam ido para York e Cambridge... Onde ele inspecionara alguns cavalos para adicionar aos seus estábulos.

— Eu quero que meu clube de pólo seja o mais prestigiado do mundo — disse ele. — Que traga o melhor tipo de turismo a Calista... Beneficiando assim seu povo.

E depois o quê?, imaginou Eleni, embora não ousasse per­guntar. A natureza de Kaliq era tão desassossegada que ela suspeitava que nada... Absolutamente nada no mundo... Iria satisfazê-lo um dia.

Ele levava uma vida repleta de aquisições. A garagem cheia e carros brilhantes. O avião particular era raramente usado, assim como o iate que ficava ancorado na costa sul, sempre pronto e esperando por uma de suas visitas raras.

— Quando você navega? — perguntara Eleni um dia.

— Quando o mar está bastante desafiador.

A resposta não a surpreendeu. Risco era um parceiro cons­tante de Kaliq... Fazendo tanto parte de sua personalidade quanto a luxúria fazia de sua vida. Era por isso que ele rejei­tava os serviços dos guarda-costas sempre que possível? Por isso que dirigia em velocidade e saltava de grandes alturas com seus cavalos?

Ela continuava imaginando quando ele a levaria de volta para Calista, mas tinha muito medo de perguntar... Medo que uma palavra errada precipitasse sua partida. No fundo, reco­nhecia que seu tempo com ele como amante estava chegando ao fim. Um homem acostumado às mulheres mais ricas e lin­das do mundo com certeza logo começaria a se cansar de uma garota do campo? Especialmente agora que Eleni não possuía mais a vantagem de ser virgem. Talvez fosse melhor que esse dia chegasse de uma vez.

Porque agora, enquanto estava deitada na cama dando pra­zer a Kaliq, com a luz do sol da tarde banhando seus corpos nus, Eleni percebeu que tinha caído na armadilha contra a qual ele a avisara. De alguma maneira ao longo do caminho havia se apaixonado por ele. Exceto que Kaliq descrevera aquilo como uma reação... Uma mulher se convencendo de que esta­va apaixonada para justificar o sexo.

Mas aquilo não parecia uma justificativa. Ela não se sentia como uma mulher envergonhada de seu comportamento, pre­cisando de um rótulo para aceitar o que fazia.

Parecia real. Tão real quanto a chuva no seu rosto, o ven­to embaraçando seus cabelos quando galopava ao longo das areias do deserto.

Os sentimentos que nutria por Kaliq eram tão poderosos e constantes como o sol. Sentimentos contra os quais tinha ele passar a maior parte do tempo lutando. Descobriu-se que­rendo banhar-lhe a pele com pequenos beijos e suavizar o espaço entre as sobrancelhas que parecia tenso, quando ele estava reflexivo. Queria aconchegar a cabeça escura em seu peito... Confortá-lo e amá-lo, enquanto lhe acariciava os ca­belos gentilmente.

Eu o amo, pensou Eleni com tristeza. Eu o amo com um poder que faz o resto da vida parecer inadequada.

Ela tentou reprimir o sentimento, dizendo a si mesma que estava apenas enfeitiçada pela posição inacreditável na qual se encontrava... Como amante do príncipe. No fundo, talvez fosse uma daquelas mulheres que buscavam riqueza. Que gos­tavam de todas as coisas que o dinheiro podia comprar. A água correndo das torneiras brilhantes. As túnicas de seda pura. Os melhores cavalos para cavalgar, e refeições servidas em pratos de ouro.

Talvez não fosse tão prática e realista quanto pensara, mas secretamente estivesse sonhando com um futuro irreal. Estaria contemplando como seria ter um papel permanente na vida do sheik?

Mas mesmo enquanto tais pensamentos lhe passavam pela cabeça, Eleni sabia que não representavam a pessoa que real­mente era, ou o que sentia por dentro. Se Kaliq lhe dissesse que ia abandonar todas as riquezas e privilégios de um sheik... Ela não ficaria mais do que feliz em pegar-lhe a mão e andar para um futuro desconhecido com ele? Na verdade, no fundo não desejava um cenário tão improvável? Uma vez que essa seria a única forma de ter um futuro ao seu lado.

Porém, não haveria um futuro.

Prazer o inundou quando Kaliq gemeu e despejou sua se­mente no rosto de Eleni, então ele a puxou para cima de seu corpo e aninhou-a.

— Quem lhe ensinou a fazer isso? — perguntou ele.

— Você.

— O que mais eu lhe ensinei?

— Isso. — Ousadamente, ela inclinou-se e o beijou com tanta doçura que lhe causou uma sensação quase comovente.

Certamente não se lembrava de ter ensinado Eleni a fazer aquilo. Beijar era algo que ele sempre fazia o mínimo possível... Pois trazia à tona sentimentos há muito tempo reprimidos. Beijar era quase íntimo demais... Muito mais íntimo do que o sexo em si. Muito perto da emoção, e Kaliq não gostava de emoções.

Entretanto... Ele recostou-se contra os travesseiros... E, por uma vez na vida, permaneceu passivo à deliciosa atenção da boca de Eleni. Apenas daquela vez lhe permitiria um momento de carinho, e permitiria a si mesmo envolver-se naquela teia perigosa. Apenas por um momento, correspondeu ao beijo... Sem contenção ou reserva... Um calor suave esquentando seu sangue enquanto fazia isso.

Com um gemido de deleite, ela envolveu braços e pernas ao seu redor e aprofundou o beijo silencioso. O beijo continuou infinitamente até ele gemer o nome dela dentro da boca de Eleni, e quando o telefone tocou sobre o criado-mudo, Kaliq se afastou com certo alívio.

— Pensei que você tivesse dito a Zahra que não queria ser perturbado — observou Eleni antes que pudesse se conter, ciente de que a magia tinha sido quebrada.

Os olhos negros brilharam com um aviso distinto... Enviando uma mensagem silenciosa de que não cabia a ela questioná-lo.

— É óbvio que alguém está insistindo em falar comigo. O que deve significar que é um de meus irmãos. — Passando os dedos pelos cabelos desalinhados, ele ergueu o telefone e escutou. — Oh, é você, Zakari — disse, secamente. — Se está me perturbando? Bem, sim... Na verdade, está. — Ele admirou os seios nus de Eleni e estreitou os olhos. — Gostaria de ligar mais tarde? Não, achei que não. — Ouviu por mais alguns momentos, então deu um sorriso estranho depois de desligar o telefone.

— Está tudo... Bem? — perguntou Eleni.

Kaliq bocejou e estendeu os braços acima da cabeça.

— Isso depende de como você se sente sobre a chegada iminente de meu irmão mais velho.

— Sheik Zakari? — Os olhos de Eleni se arregalaram em horror quando entendeu o que estava acontecendo. — Você quer dizer que ele está vindo para cá?

— Aparentemente. Ele foi a Londres falar com algum especialista em diamantes, descobriu que eu estava no país, e decidiu vir jantar comigo.

Eleni se sentou ereta, os cabelos cascateando sobre os seios, o coração bombeando freneticamente.

— Então eu vou me esconder até que ele vá embora!

Kaliq a olhou. Naquele momento, ela parecia adorável... Corada e desalinhada por uma tarde na cama, mas com a graça e elegância naturais que lhe eram próprias. Em breve, ela não seria mais sua amante, mas isso não significava que ele não poderia apreciá-la ao máximo enquanto tivesse oportunidade. E subitamente uma ideia audaciosa lhe ocorreu.

— Por que você não fica e o conhece pessoalmente? — questionou Kaliq.

Eleni piscou em incredulidade, mas então lembrou-se de sua situação. De que não passava de uma empregada de classe baixa, e que o homem mais poderoso de Calista estava vindo para jantar! Ela conhecer Zakari! Kaliq tinha enlouquecido para sugerir uma coisa dessas?

— Conhecer sheik Zakari? Mas eu jamais poderia fazer isso!

— Por que não?

— Porque... Porque ele é o rei, e não vai aprovar uma garota de baixo nível tendo... Tendo — ela procurou pela palavra certa... uma vez que relacionamento era um termo muito presunçoso — um envolvimento sexual com o irmão mais novo dele.

Aquela era um sentença rude e insultante para que Eleni usasse, pensou Kaliq com uma ponta de irritação.

— Eu não planejava anunciar isso durante o jantar — repli­cou ele, sardonicamente.

— N... Não. Não, é claro que não — gaguejou ela, ciente de que tinha sido presunçosa.

— É claro, nós poderiam os fazer um pequeno jogo — su­geriu ele, cuidadosamente.

— Um jogo? — Eleni o olhou desconfiada. — Que tipo de jogo?

Os olhos negros reluziram.

— Veja como você se tornou relaxada em minha companhia — murmurou ele. — Então, por que não testarmos até onde seus talentos podem ir? Acha que pode agir como anfitriã por um tempo, enquanto entretenho meu irmão durante o jantar?

Eleni o fitou.

— Mas certamente ele não aprovaria que uma... Emprega­da do estábulo fizesse papel de anfitriã na família real! — pro­testou ela.

— Então não diremos a ele. Finja que você é uma mulher nobre de Calista... Talvez a filha de um de nossos diplomatas. Seja vaga. Posso lhe assegurar que ele não ficará interessado o bastante para perseguir a questão.

— Mas isso não é... Desonesto? — questionou Eleni, incerta. Kaliq sorriu.

— Menos desonesto do que escondê-la com o resto do staff, como se você não significasse absolutamente nada para mim.

Ela podia ler o desafio nos olhos escuros. Mas não significo nada para você, pensou, e a compreensão dolorosa ajudou-a a tomar uma decisão. Na cama, pelo menos, eles eram iguais. En­tão, por que não agarrar a chance de fingir que eram iguais de todas as maneiras? Uma noite de faz-de-conta. Por uma vez podia fingir ser uma princesa. Obter um vislumbre da vida que nunca poderia levar.

Aquela não era uma oportunidade de banir seus sentimen­tos de inferioridade de uma vez por todas... De provar que era tão boa quanto Kaliq? E não havia um cantinho de seu coração que desejava que ele reconhecesse esse fato, também?

Eleni engoliu seus medos e assentiu. Na teoria, aquilo não seria diferente de montar um cavalo temperamental... Você precisava apenas se adaptar ao desafio que a situação apresen­tava. Mostraria ao seu amante da realeza que era uma anfitriã graciosa e eficiente... Porém, acima de tudo, provaria isso a si mesma.

— Muito bem, Kaliq — concordou Eleni com firmeza. — Eu receberei o seu irmão.

 

— E esta É Eleni — Kaliq deu-lhe um olhar de soslaio. — Eleni, quero apresentar-lhe o sheik Zakari Al’Farisi.

Tentando dominar os nervos, Eleni fez uma profunda reverência diante do homem alto que acabara de entrar na sala e estava ao lado de Kaliq, depois vagarosamente levantou os olhos para o rosto dele, porque somente criados eram obriga­dos a permanecer olhando para o chão.

De início, era fácil dizer que os dois homens eram irmãos... Tinham os mesmos olhos negros brilhantes, os mesmos nari­zes aquilinos e aquelas feições altamente autocráticas. Mas a boca de Zakari era levemente mais carnuda... E sisuda.

O olhar astuto de Zakari a percorreu de cima a baixo, e por um momento Eleni percebeu o que estava fazendo... Fingindo ser algo que não era, e portanto se tornando uma fraude para o mais velho dos irmãos Al’Farisi. Seria aquilo uma ofensa à fa­mília real? E Kaliq estaria apenas usando-a para fazer algum tipo de jogo com o irmão, por alguma razão que ela desconhecia?

Sabia que o sheik de expressão carrancuda era noivo da bela, porém obstinada, princesa Kalila. Portanto, estava acos­tumado a confrontar-se com mulheres de puro sangue azul-E certamente isso significava que sabia muito bem quem ela era. Percebia que, por baixo de toda a vestimenta refinada e cara que ela usava... Não passava de uma garota humilde que trabalhava no estábulo? Por que, uma vez que a sociedade de Calista não era tão rígida... Eleni não podia bancar a anfitriã apenas sendo ela mesma? Todavia, por que não tentar apro­veitar a única oportunidade que tinha para bancar a princesa de Kaliq por esta noite?

— Estou muito honrada em conhecer o rei de Calista disse ela, suavemente.

Zakari franziu o cenho.

— Mas pensei que nós iríamos jantar sozinhos. Kaliq deu ao irmão um olhar imperturbável.

— E eu pensei que um pouco de companhia feminina pu­desse animar a noite. Além do mais, Eleni é muito discreta.

— Verdade? — Zakari a olhou de novo, agora de modo mais especulativo. — Ela é certamente muito bonita.

Dessa vez Eleni baixou as pálpebras modestamente... Es­condendo sua surpresa diante do comentário de Zakari.

Mas quando eles se sentaram à mesa, tomou consciência dos efeitos daquelas roupas especiais sobre si, pois se sentia quase como uma princesa verdadeira essa noite... Uma vez que havia se vestido para a ocasião, determinada a interpretar seu papel com classe.

Escolhera o traje mais fino de seu guarda-roupa... Seda em tom cor-de-rosa, com delicados bordados em ouro.

E Kaliq tinha insistido em jóias para combinar.

Eleni ficara atônita que poucas instruções sucintas através de uma ligação telefônica pudessem fazer aparecer um carro blindado uma hora depois... Com um homem extremamente protegido trazendo bandejas de veludo com jóias feitas de ge­mas preciosas brilhantes.

— Escolha uma — ordenou Kaliq.

O instinto de Eleni lhe mandou escolher a jóia mais modesta, mas Kaliq tinha outras ideias.

— Não. Use essas. — E pegou um colar de rubis e dia­mantes e colocou-o em volta do pescoço dela. — Tudo gelo e fogo... Como você, minha doce formosura.

Aquelas palavras a fizeram se derreter por dentro, e os de­dos de Eleni tremeram quando colocou os brincos que faziam jogo com o colar, e prendeu seus cabelos com alfinetes de rubi brilhante.

Zahra insistiu em emprestar-lhe lápis para sombrear as pál­pebras e mostrou-lhe como delinear uma linha sutil em volta dos olhos verdes, que os deixou imensos! Quando estava fi­nalmente pronta, Eleni olhou-se no espelho e quase não reco­nheceu a criatura deslumbrante que a fitava de volta.

— Eu estou... Estou bem? — perguntou para Kaliq.

— Oh, sim... Você está bem — ecoou ele, os lábios se cur­vando num sorriso. Tinha tentado imaginar como Eleni ficaria maquiada e bem-vestida, e agora que sabia queria lhe dizer para tirar tudo novamente. — Na verdade — disse ele —, eu gostaria de remover todas essas jóias finas e roupas luxuosas e levar minha Eleni para cama... Pois, apesar de estar linda assim, fica muito mais linda totalmente nua.

Tais palavras, como sempre, a desarmaram e a alarmaram. Palavras não significavam nada. E quando Kaliq dizia algo como minha Eleni era simplesmente um termo de posse, nada mais.

Durante a refeição, Eleni comeu muito pouco... Seu estôma­go se contorcia de nervoso... Mas, para sua surpresa, foi capaz de manter a compostura enquanto conversava com o rei Zakari. Falaram de cavalos e da grande literatura do povo de Calista. E ela viu-se discutindo novos métodos de criação de falcões e o impacto que teriam sobre um dos esportes favoritos de Calista.

— Então, na verdade, quem é você, Eleni? — perguntou Zakari, finalmente... Afastando sua taça de sorvete de romã.

Kaliq ruborizou. Seu irmão não estava passando muito tempo da refeição monopolizando Eleni? E ela não estava permitindo aquilo com um entusiasmo que era completamente inapropriado?

— Eu não sabia que você viria para conversar sobre minha hóspede — reclamou Kaliq.

— E eu não sabia que você era tão sensível sobre o bem-estar de sua hóspede — devolveu Zakari.

— Então você está aqui para passar o dia, ou há uma razão por trás de sua visita? — perguntou Kaliq.

Os irmãos se entreolharam num momento de batalha silen­ciosa antes que Zakari desse de ombros.

É verdade. Vim à Inglaterra à procura de jóias que pa­recem ter sido roubadas de nossos palácios reais muitos anos atrás. Mas, na verdade, estou cansado de jóias e seus signifi­cados para nossas ilhas. — A voz dele baixou, enquanto dava uma rápida olhada para Eleni antes de continuar: — Quando eu estava no funeral do rei... Descobri que a metade dos dia­mantes de Stefani está faltando.

Kaliq deu uma risada baixa.

— E daí? Há diamantes suficientes em ambos os reinos para preocupar-se com tal perda... Não importa o quanto se­jam magníficos.

— Acho que você não entende a significado disso, Kaliq. A coroação do novo rei de Aristo não pode se realizar até que a metade perdida dos diamantes de Stefani seja encontrada.

Os olhos de Kaliq se estreitaram.

— E a implicação para isso é...? — perguntou ele, suave­mente.                                                                        

— Não descansarei até encontrá-la — declarou Zakari com veemência. — É meu dever descobrir... Não o de Sebastian! Então meu maior desejo será realizado... Pois, com a desco­berta daquela jóia preciosa, irei reunir as duas metades dos diamantes de Stefani, e reunirei as duas metades das ilhas no nome de nossa bem-amada madrasta, rainha Anya.

Eleni piscou. Aquilo era uma informação altamente confi­dencial dos lábios do próprio rei!

E foi naquele momento que soube que não podia mais se intrometer na conversa... Não agora que parecia ter tomado um rumo dramático e muito pessoal, julgando pelas expres­sões deles.

Ela não tinha mais lugar ali naquela mesa.

Eleni e Kaliq haviam sido bem-sucedidos em seu pequeno jogo, e Zakari se sentira confortável o suficiente para passar a noite jantando com ela... Sem perceber sua verdadeira posição social. De repente, Eleni sentiu-se perturbada.

Levantou-se da mesa, ignorando o repentino olhar interro­gativo de Kaliq.

— Por favor, desculpem-me — disse ela. — Vocês dois têm assuntos importantes para discutir e eu não devo me intro­meter neles. Desejo-lhe uma boa noite, sheik Zakari, e fiquei honrada em conhecê-lo — acrescentou e curvou-se em outra reverência formal.

— A honra foi toda minha — murmurou Zakari.

Agarrando um dobra de seu vestido entre o polegar e indi­cador, Eleni deixou a sala com a cabeça erguida, mas quando fechou as grandes portas de madeira, ouviu as inegáveis pala­vras que Zakari proferiu:

— Ela é sua amante, não é? Houve uma pausa.

— Você acha que eu teria alguém de tal formosura hospe­dada na minha casa e não iria para a cama com ela?

O tom de Zakari foi pensativo.

— Mas há alguma coisa que você não me contou.

Eleni sabia que ouvir atrás da porta era errado... Mas have­ria alguma mulher no mundo que não teria feito o mesmo sob tais circunstâncias?

Kaliq riu.

— Você não acreditaria se eu contasse!

E então ele baixou a voz e começou a falar: Ela ouviu as palavras "garota do estábulo" e algo mais, e a pequena exclamação de descrença de Zakari. Eleni inclinou-se contra a porta e lágrimas salgadas anuviaram sua visão enquanto tentava bloquear o tom detestável e presunçoso de Kaliq. Seus olhos se fecharam.

Como ele deveria estar rindo dela agora? Estaria se gabando de como tirara a virgindade de sua empregada do estábulo, e depois lhe ensinado a arte de fazer amor, assim como ensinaria um cavalo indomado? Exibindo-se para seu irmão mais velho como se ela fosse uma espé­cie de diversão! Mas o que esperara? Que tola fora em imagi­nar que existira uma espécie de vínculo especial entre os dois. Apenas acreditara no que queria acreditar, e não porque era verdade.

E o que pensaria o poderoso Zakari do comportamento de seu irmão? Porque Kaliq não somente tinha ido para cama com alguém completamente inadequada para um sheik, mas permitira que ela entretesse seu poderoso irmão... E certamen­te aquele era um alto risco para ele. Como não pensara nisso antes?

E claro que era um risco, percebeu. Pois não era essa a motivação atrás de todo comportamento de Kaliq? Porque ris­co tornava o mundano tolerável... Assim como proporcionava excitação para o apetite de um homem rico e poderoso.

Dor e sofrimento tomaram conta do coração de Eleni, e no seu quarto ela quis arrancar a jóia ofuscante do pescoço, mas não ousou, com medo de quebrá-la. Com dedos trêmulos, removeu o colar, brincos e grampos de cabelo e recolocou-os na caixa de veludo. Nunca teve tanta consciência da natureza temporária de sua situação como no momento que tirou aque­las jóias. Depois, pendurou suas roupas e vestiu um penhoar de seda... Porque jamais esperaria seu sheik nua na cama, como um cordeiro em sacrifício.

Seu coração estava batendo descompassado quando ouviu o distante bater da pesada porta da frente, o som de passos aproximando-se do seu quarto.

Dando um suspiro profundo, esperou para ver se ele bateria a porta... Mas é claro que não bateu. Por que lhe mostraria algum respeito quando Eleni não passava de uma criada?

Kaliq entrou no quarto, seus lábios esboçando um sorriso especulativo quando a viu de pé... De penhoar... Ao lado da mesa. Seus cabelos longos caíam em cascatas até a cintura numa nuvem sedosa. A voz dele era quase uma carícia.

— Você não está cansada?

— Deveria estar?

Ele a fitou com expressão intrigada, como se o tom da voz de Eleni o tivesse alertado para o fato de que nem tudo estava bem.

— O jantar deve ter sido algo enfadonho para você. Ela voltou-se, seus olhos verdes cheios de sofrimento.

— Você acha isso? Talvez tenha sido um triunfo que eu ter conseguido aturar o jantar sem me envergonhar? Sem pegar uma coxa de frango e roê-la como um animal! Sem dúvida, você está perplexo por poder confiar que sua empregada do estábulo comportou-se na mais atemorizada das circunstân­cias... Ou que seu irmão se dignou a sentar-se e compartilhar a refeição comigo.

Um nervo começou a pulsar na têmpora de Kaliq quando ele sentiu a primeira ponta de raiva.

— Não seja ridícula, Eleni. Meu irmão gostou muito de você.

— Até que você lhe contou quem eu era?

— Do que você está falando? — perguntou ele, friamente.

— Você... Você contou a ele quem eu realmente sou, não contou, Kaliq?

Houve uma pausa.

— E se eu contei?

Por alguma razão, Eleni quis gritar... Todavia, razão não estava fazendo parte dessa massa de emoções que pareciam esmagar seu coração.

— E o que exatamente você disse a ele? — perguntou ela, tremendo. — Que eu era sua garotinha do estábulo adaptável, a quem você disciplinou e depois vestiu luxuosamente como uma marionete, de modo que ela pudesse enganar o mundo e a família real fingindo ser outra pessoa?

— O que eu contei a ele só diz respeito a mim! Não é de sua conta. Como ousa falar comigo dessa maneira?

Mas Eleni ignorou aquele tom altivo... Alguma força maior que o bom-senso levava-a a se defender.

— Porque estou zangada — respondeu ela. — E porque você me feriu. Somos amantes, Kaliq... E isso deveria nos tor­nar iguais, mas é claro que não torna! E não estou falando sobre as diferenças em nossas posições, mas sobre igualdade verdadeira. Porque se eu fosse verdadeiramente igual, então deveria ter a liberdade de dizer-lhe o que se passa na minha mente... Mesmo que você não concorde com isso.

— E o que exatamente se passa na sua mente? — perguntou ele com raiva.

Eleni ouviu o tom áspero da voz de Kaliq e parou, antes que fosse tarde demais. Antes que dissesse algo irrevocável do que ele jamais a perdoasse. Antes que as coisas mudassem para sempre.

Mas já não haviam mudado de qualquer maneira? Da ma­neira que as coisas mudam, porque nada na vida jamais per­manece o mesmo.

Seu caso rápido e bonito com o príncipe estava chegando ao fim; ela soubera que acabaria quase desde o momento que começara, e precisava aceitar isso.

E Eleni sabia que tinha ido longe demais para não lhe dizer o que pensava... E não seria desonesta consigo mesma se não falasse?

Fazer o que... Uma reverência para seu sheik como se nada tivesse acontecido... Afastar tudo de sua mente e continuar como antes? Permitir que ele a deixasse nua e a amasse, como se ela não tivesse sentimentos? Como poderia?

— Você gostou de me deixar agir como sendo sua hóspede esta noite? — perguntou ela, tremendo. — Ou gostou do risco que isso envolveu... Porque risco é sua inteira razão de viver não é, Kaliq? É a razão pela qual contou a Zakari que eu era sua amante... Mesmo que não houvesse necessidade de fazer isso. Ele nunca mais me encontrará depois de hoje... Ambos sabemos disso. Mas talvez estivesse esperando por alguma es­pécie de reação? De inveja de seu irmão por você estar aber­tamente ostentando seu caso com uma criada... Ou talvez a desaprovação dele?

— Chega! — gritou ele, furiosamente.

Mas Eleni não podia impedir que as palavras saíssem de sua boca. Afinal, aquele aspecto do caráter dele não a vinha perturbando?

— É quase como se você quisesse trazer discórdia para sua vida, onde nenhuma existe — sussurrou ela. — Como se isso fosse compensá-lo pelo fato que nunca se perdoou pelo desa­parecimento de Zafir...

— Eu disse basta! — enraiveceu-se ele, agarrando-lhe os braços e aproximando o rosto do dela, seus olhos negros emi­tindo faíscas enfurecidas. — Entendeu?

Mas Eleni não estava com medo. Tinha vivido com um ho­mem muito mais ameaçador do que este e, por acaso, se apai­xonara por este.

Amava-o tanto que, mesmo sabendo que não havia fu­turo para eles, devia a Kaliq dizer-lhe algumas verdades que ninguém mais tivera coragem de dizer, e talvez nunca tivessem.

— Não, não basta — devolveu ela, e quando o viu atônito pelo desafio, seu coração começou a fraquejar. Porque Kaliq era um produto de sua própria criação, e como poderia Eleni culpá-lo por ser autocrático e exigente quando era exatamente assim que ele aprendera a se comportar?

Num instante, toda raiva e amargura desapareceram, e sua voz baixou com gentil compaixão enquanto procurava fazê-lo entender.

— Quando você vai aceitar que o desaparecimento de Zafir não foi culpa sua, meu querido? Algumas vezes as coisas acontecem na vida e não há nada que possamos fazer para impedi-las. E a menos que você possa aceitar isso... Vai con­tinuar desafiando os limites da vida até que aceite um risco grande demais, e a termine prematuramente. É isso que você quer, Kaliq?

Por um minuto, ele a encarou, quase maravilhado pela co­ragem de Eleni e pela clareza de raciocínio, até que se lembrou da imperdoável insolência daquelas palavras e todas as feridas ainda cruas que ela abrira.

— Acho que você se esqueceu de quem é — disse ele, fu­riosamente. — Não discuto tais assuntos com uma de minhas empregadas. Não cabe a você ditar para seu sheik, nem ousar sugerir, como eu deveria ou não deveria me comportar. Acha que uma garota de uma choupana no deserto sabe melhor do que seu senhor real?

Eleni ofegou quando as farpas cruéis das palavras dele as atingiram como minúsculas flechas. O rosto de Kaliq estava contorcido de raiva. A dispensa impiedosa invadiu-a como uma onda negra.

— Não é sua opinião nem sua afeição que eu quero — con­tinuou ele. — Nunca se esqueça disso! Na verdade, há apenas uma coisa que quero de você, Eleni Lakis, e ambos sabemos o que é!

E com uma espécie de gemido, ele curvou-se e ergueu-a... Tão inesperadamente que a pegou de surpresa, pois que mu­lher anteciparia que ele quisesse sexo depois de tudo que lhe dissera? Carregou-a sem esforço em direção ao quarto... Fe­chando a porta com um chute.

 

Eleni tremeu nos braços de Kaliq quando ele a carregou em direção à cama, mordendo seu lábio para reter as lágrimas, porque um orgulho feroz determinou que ele não a veria cho­rar. Não poderia ver. Depois de toda coragem que ela adquiri­ra para lhe dizer a verdade, ele estava ignorando suas palavras e colocando-a na cama.

— Kaliq...

— Não agora! — disse ele, mas não podia livrar-se da me­mória das palavras dela, que ainda giravam em sua cabeça quando olhou para os olhos verdes tão grandes e brilhantes.

Tentando não reagir ao cândido escrutínio daquele olhar ardente, Eleni estremeceu quando ele parou acima dela. Querendo-o e tentando não querê-lo.

E então ele curvou-se para erguer seu queixo com as pontas dos dedos, enquanto a estudava, os olhos terrivelmente frios... A boca tão dura quanto pedra.

— Kaliq — ofegou ela de novo. A palavra soou miraculo­samente calma... Era tanto afirmação como súplica... Pois com certeza ele perceberia a inutilidade de prolongar aquele agonia?

O coração de Kaliq batia com raiva... Uma raiva temperada pelo calor do desejo. Ele deslizou na cama ao seu lado, puxando-a contra seu corpo excitado.

— Perdoarei você pela sua impertinência apenas essa vez, borboletinha... Mas nunca mais fale com seu sheik dessa maneira, entendeu? — sussurrou ele junto ao ouvido de Eleni. —Agora venha aqui e beije-me em compensação!

Eleni poderia ter chorado. Ele simplesmente descartara tudo que ela lhe dissera, como se aquilo não importasse.

Porque não importava... Não para ele. E ela também não importava para Kaliq. Seus pensamentos ou opiniões eram in­consequentes.... Ele não acabara de lhe dizer isso? Mesmo que Eleni usasse as finas roupas do sheik ou as preciosas jóias... Jamais passaria de uma humilde garota de estábulo que ele retirara da obscuridade. Uma parceira de cama a ser tomada quando e onde lhe aprouvesse.

Mas Eleni ainda tinha seu orgulho. Engoliu em seco.

Estaria preparada para deixar o homem que amava continu­ar tomando e tomando dela, até que não lhe sobrasse nada para dar e restasse apenas uma concha vazia de uma mulher... Com o coração partido e pronta para ser descartada?

Nunca! Na sela de um cavalo, ela era tão destemida quanto um homem... Buscaria no fundo de si mesma um pouco da­quele destemor agora. Encontrou-lhe os olhos com firmeza, concentrando-se em manter seu corpo impassível e indiferen­te, mesmo que as mãos deliciosas estivessem agora acarician­do seus seios e fazendo-os latejar de desejo.

— Kaliq...

— Não agora! — repetiu ele com voz rouca, levando a boca para o botão ereto de seu mamilo, provocando-o através da seda escorregadia do penhoar.

E enquanto a boca elaborava tal magia, ele entrelaçava as mãos nos cabelos dela... Enrolando as mechas nos pulsos ci­catrizados, como se fossem cordões sedosos.

— Não agora, minha doce Eleni! — gemeu Kaliq.

Desejo ardente a dominou e o coração de Eleni começou a derreter-se como uma vela sob o sol do meio-dia. Mas de alguma maneira, lutou contra isso. Resistindo ao poder dos lá­bios sensuais, ficou quieta e imóvel nos braços musculosos...

Lutando contra o desejo e o amor por ele. Porque para ela o amor era mais importante que o desejo.

Intimamente, sabia que o caso deles estava terminado... Portanto, faria sexo vazio e zangado com ele agora? Aquilo não tornaria vulgar tudo o que eles haviam compartilhado? Se tudo que teria de seu sheik seriam memórias... Então Eleni queria guardar apenas as boas lembranças, e não recordações amargas pela raiva deles.

Kaliq sentiu a resistência dela e levantou a cabeça... Seus olhos negros estreitos e observadores enquanto seu coração bombeava no peito.

— Você está tentando provar algo, Eleni?

— Mas não há nada a ser provado, há, Kaliq? — disse ela, calmamente. — Não mais. Depois das palavras pesadas que acabamos de trocar... Não é melhor simplesmente deixar isso terminar agora e para sempre?

O baixo ventre dele queria explodir. De que diabos ela es­tava falando? Eleni o queria... Assim como ele a queria. Mais do que qualquer outra mulher que já tivera, percebeu... Seu coração acelerando ainda mais.

— Você acha isso? — murmurou ele, seus lábios movendo-se para roçar a pele sedosa acima dos seios, esperando que os braços delgados se entrelaçassem no seu pescoço... Mas isso não aconteceu, mesmo que ela tremesse sob suas carícias.

Kaliq deslizou a mão sobre as curvas do quadril de Eleni, então possessivamente deixou-a descansar entre a maciez das coxas esbeltas, antecipando o gemido que Eleni sempre emitia toda vez que ele a tocava.

Mas nenhum som surgiu, embora ela estivesse ofegante.

Ele dirigiu-se para um destino até mesmo mais íntimo, to­davia, mesmo que estivesse úmida de excitação, ela permane­ceu tão imóvel como se tivesse sido modelada na forma de um bloco de gelo.

Sua apaixonada parceira de cama tinha se transformado numa rainha da neve! Os olhos de Kaliq estreitaram-se quan­do ele viu os incríveis seios arrepiados contra a seda macia da camisola... Reconhecendo que a mente e o corpo de Eleni estavam em conflito.

— Eleni? — disse ele, suavemente.

Eleni encontrou-lhe o olhar sem hesitar, mesmo que seu coração estivesse disparado pelo amor e medo.

— Sim, Kaliq?

— Você está me recusando? — perguntou ele, incrédulo.

— Estou tentando — respondeu ela honestamente, rezan­do para que pudesse conter as lágrimas por mais um tempo. — Embora, se insiste em me seduzir, ambos sabemos que se­rei incapaz de resistir a você.

A honestidade daquelas palavras pegou Kaliq de surpresa... Todavia, qual era a razão de tal surpresa? Eleni não fora sem­pre honesta com ele? Mais honesta que qualquer uma de suas mulheres anteriores... Mas então, algumas vezes ele pensava que ela era mais corajosa e mais ousada do que todas as outras juntas.

No entanto, Eleni era forte o suficiente para admitir que se­ria incapaz de resisti-lo... E, oh, como ele estava tentado a pro­var isso a ela. Começar uma sedução vagarosa e impiedosa até fazê-la gritar no momento do orgasmo. Senti-la trêmula pela rendição debaixo de seu corpo. Mas de repente percebeu que tal vitória seria vazia, que não lhe daria nenhuma satisfação.

Que ele não queria apenas parte de Eleni... Aparte física... Ele a queria. Por inteiro. Tudo que ela lhe dava tão generosa­mente todas as vezes que faziam amor.

Uma dor desconhecida e inesperada o assolou, e ele aper­tou os punhos, como se tentando lutar contra as desconfortá­veis emoções que ameaçavam dominá-lo.

Emoções que haviam começado a definhar quando o nas­cimento de seu irmão resultara na morte da mãe deles, e que morrera completamente quando o mesmo irmão desaparecera da face da terra.

Desde então, Kaliq bloqueava pessoas tão grosseiramente quanto bloqueava a emoção, e agora entendia por quê. Porque aquilo era o que acontecia quando você permitia que alguém se aproximasse muito... Você começa a sentir coisas. Abria-se para o sofrimento. E a vida era mais fácil sem ser machucado.

Ele afastou-se dela, sua voz soando dura:

— Então agora você faz os jogos da amante, não faz, Eleni? Usando o sexo como uma arma?

Registrando o insulto cruel com descrença, Eleni observou quando ele levantou-se da cama, a avaliação crítica dele so­ando nos seus ouvidos. Todavia, ela o levara àquilo, certo? Não podia culpar ninguém além de si mesma pelo fato de que Kaliq caminhava agora em direção à porta.

E quando ele a abriu, voltou-se para ela... Seus olhos negros tão ilegíveis quanto naquele primeiro dia, quando ele galopara à luz do pôr do sol para dentro de sua vida.

— Você aprendeu muito bem sua lição, minha linda — dis­se ele, suavemente, então se foi.

Eleni olhou para a porta de comunicação entre os quartos quando esta se fechou. Ele não a bateu; talvez se tivesse ba­tido, teria se sentido melhor, desabafando um pouco de sua raiva.

E então a reação se instalou em seu interior. Mesmo ouvin­do Kaliq se mover no quarto ao lado... Uma dor dilacerante a fez querer bramir alto, como um animal ferido no deserto.

Mas não ousou fazer um único som... Por medo de que ele a ouvisse. Porque seu coração poderia se partir, e seu futuro ser incerto... Mas manteria sua dignidade.

Por um tempo, apenas permaneceu na cama onde ele a deixara, tentando acalmar sua respiração acelerada, tentando dizer a si mesma que tudo ficaria bem... Mesmo que realmen­te não acreditasse nisso. Podia ouvir o tique-tique do relógio, sentir o ar úmido e pegajoso, e percebeu que estava presa a armadilha, como sempre estivera na casa de seu pai. Sozinha num quarto estranho dentro de um mundo estranho... Com uma noite longa e de improvável insônia pela frente. E quem sabia o que a manhã e o futuro lhe trariam?

Olhando para seu relógio de pulso, Eleni viu que somente vinte minutos haviam se passado! Deixou as lágrimas rolarem e quis chorar e socar as paredes com os punhos... para extrava­sar aquela terrível dor dilacerante que apertava seu coração.

Sua respiração estava presa na garganta e uma sensação de que as paredes estavam se fechando ao seu redor a envolvia... E Eleni soube que tinha de escapar dali, para o espaço e ar fresco dos jardins. Pelo menos lá poderia dar livre curso às lágrimas que marejavam seus olhos, sem que Kaliq tivesse a satisfação de saber que a fizera chorar.

E os guardas da segurança estariam patrulhando o terreno do palácio... Ela estaria segura o suficiente.

Colocando uma túnica e calça comprida, atirou um xale de cashmere sobre os ombros, porque estava tremendo... Embora mais de exaustão emocional do que de frio. Depois calçou um par de chinelos bordados e saiu do quarto, fechando a porta muito suavemente.

Ouvindo por um momento, mas escutando somente o silêncio, Eleni desceu a escadaria larga e escura, saindo pela porta da frente para a noite lá fora.

O céu estava pesado de nuvens, que obscureciam a pálida luz da lua, e o ar era rarefeito. Olhando para cima, viu que luz do quarto de Kaliq ainda estava acesa, e viu a sombra da silhueta dele aparecer. Uma dor feroz atravessou seu coração, e ela começou a tropeçar ao fugir das primeiras gotas de chuva que caíam na sua cabeça descoberta.

E, em algum lugar a distância, ouviu o som de latidos de cachorros.

 

Kaliq parou para ouvir quando os latidos furiosos dos ca­chorros penetraram seus sentidos, alertando perigo.

Atravessando a vasta suite master, ele abriu a porta de co­municação entre os quartos, mas tão logo seus olhos percorre­ram o espaço, os lençóis amarfanhados e o silêncio lhe disse­ram o que já sabia. Eleni tinha ido embora.

O latido dos cães aumentou e ele apressou-se a sair do quar­to, descer a escada, tocando o botão do alarme no controle que sempre carregava consigo, e tirando o celular do bolso enquanto tentava fazer contato com o guarda-costas. Mas não houve resposta e ele desconfiou que eles não tinham escutado nenhum dos dois. Que estavam todos ocupados investigando o que havia alertado os cachorros... Não sabendo que era Ele­ni. Ele havia até mesmo dispensado seu guarda-costas pessoal propositadamente, porque esperara passar a noite no feliz ano­nimato dos braços de sua amante.

Kaliq corria ao longo da área externa quando gotas pesadas de chuva começaram a cair em sua cabeça, e ele gritou nome dela.

— Eleni!

Mas não houve nenhum som em resposta. Nada. Seu cora­ção batia de maneira que parecia que iria explodir, seu estô­mago ácido pelo medo. Era como estar catapultado de vote a um tempo que mantivera estritamente fora dos limites, mas sentiu aquilo de novo como se fosse ontem. Terror e desalento do ele e seu irmão gêmeo tinham descoberto a ausência de Zafir. Aqueles sentimentos de desesperança e desespero A sensação de impotência... De que era tarde demais para Salvar a criança do destino desconhecido.

Ele podia ver o brilho de algo pálido contra as árvores a distancia, nos gramados.

Seria ela? Abrigando-se contra a amedrontadora perspec­tiva de cachorros perigosos... Ou abrigando-se da rispidez de seu irrefletido amante?

Por instinto, ele caminhou através da relva escorregadia sob a chuva pesada que caía e que encharcava seu corpo inteiro. De dentro das sombrias profundezas das nuvens pesadas, pen­sou ter ouvido o barulho assustador de trovões, e seu coração bombeou com renovado medo. E se o relâmpago atingisse a árvore sob a qual sua amante estava se abrigando?

— Eleni! — A palavra perturbada saiu de seus lábios en­quanto ele corria em direção aos bosques, e agora podia defini­tivamente ver a forma pálida de uma figura. Os latidos estavam mais fortes, e embora Kaliq tivesse competido e ganho muitas corridas durante seu tempo na Marinha, nunca correra tão rápido como agora. Instinto de proteger dava poder ao seu corpo, assim como certamente o levava em direção a ela. E agora podia ver mais claramente... Porque sim, sim... Era ela! Sua amedrontada e ensopada Eleni abrigada debaixo de uma árvore... Os olhos arregalados com incredulidade, enquanto ele corria na sua direção.

Kaliq a alcançou em segundos... Envolvendo-a nos seus braços exatamente no momento que os latidos dos cães soa­ram mais perto.

E então tudo se transformou numa loucura.

Havia luzes de holofotes enquanto figuras e animais o rode­avam... A luz iluminando os dentes brilhantes de cães de guar­da enquanto eles se contorciam contra as rédeas dos homens poderosos que os continham.

Eleni pensou ter visto o cilindro de uma arma apontada Para ela, mas seus medos foram dominados... Embora temporariamente... Pelo calor protetor de Kaliq quando ele a acon­chegou mais junto de seu corpo, enlaçou-a nos braços fortes e começou a gritar:

— Parem! — Sua ordem de comando foi reconhecida ao mesmo tempo em que os cachorros foram silenciados como que por mágica, e o principal dos guarda-costas deu um passo à frente e curvou-se numa reverência profunda.

— Alteza...

Mas Kaliq o interrompeu com uma pergunta impaciente e furiosa. Eram os cachorros e os guardas tão idiotas em não perceber que estavam ameaçando sua hóspede?

Eleni ouviu a explicação canhestra do guarda-costas, que foi novamente cortado por uma dispensa furiosa, e quando os homens encharcados e cachorros se afastaram, ela realmente sentiu um pouco de pena deles. Até que percebeu que talvez fosse mais fácil sentir pena de estranhos completos do que de si mesma. Ou de ter de encarar a terrível realidade.

A verdadeira razão pela qual tinha escapado para lá em pri­meiro lugar... Como se aquilo fosse capaz de ajudá-la a fugir da terrível inevitabilidade de sua situação. Eleni olhou para o chão, determinada que Kaliq não se sentisse sobrecarregado pelo sofrimento dela quando se preparou para agradecê-lo por seu socorro.

— E agora... — Kaliq estava distraído das gotas da chuva que continuam a cair através das folhas da árvore. Os cantos de sua boca curvaram-se num sorriso... Pois aquilo era como voltar no tempo, quando a conhecera?

— Olhe para mim, Eleni.

Eleni achou que a voz de Kaliq estava estranhamente gen­til, mais gentil do que já ouvira antes... Exceto talvez quando falava sobre cavalos... E, vagarosamente, ergueu os olhos ver­des para fitá-lo.

Kaliq ofegou fortemente... Porque, mesmo na escuridão, podia ver a beleza brilhante que tanto o extasiava. Um príncipe pego numa armadilha, seduzido por uma garota de estábulo.

Aquilo nunca deveria ter acontecido... Mas acontecera. Teria a 2rande mão do destino interferido?, perguntou-se ele. Porque, ao longo do caminho, ela o forçara a confrontar seus mais pro­fundos temores e, fazendo isso, desafiá-los. Kaliq fizera tudo que podia para salvar Zafir, percebeu... E agora deveria seguir em frente e aceitar isso.

Viver no momento presente e aceitar o que estava olhando para ele tão belamente no rosto.

De repente percebeu que se sentia leve. Mais leve do que em anos. Um fardo tinha sido tirado de seu coração e de sua mente, e tudo por causa daquela mulher... Sua leal e verdadei­ra Eleni, irascível e determinada Eleni.

Ele planejara dizer-lhe que ela nunca deveria ter fugido, colocando-se em perigo como agora... Mas aquelas palavras não vieram.

Outras vieram. Palavras estranhas e incomuns que ele pare­cia ter esperado sua vida inteira para dizer.

— Eu amo você, Eleni — declarou Kaliq, simplesmente. — E quero que seja minha noiva.

Foi talvez de bom augúrio que a lua escolheu justamen­te aquele momento para aparecer por detrás das nuvens... O que significava que Eleni podia ver da claridade brilhante nos olhos do príncipe, sabendo que ele estava sendo sincero em tudo que dizia.

Mas mesmo se o céu estivesse preto como carvão, ela te­ria acreditado. Porque Kaliq Al'Farisi era impulsivo, sim, mas nunca com palavras.

Seu coração estava batendo mais rápido do que quando ela escapara do som dos cachorros que latiam, e Eleni levantou a mão para acariciar o rosto de seu amado, engolindo as lágri­mas de alegria e oferecendo-lhe um sorriso trêmulo.

— Eu o amo também, meu querido. Meu querido, querido Kaliq — sussurrou ela quando o rosto dele desceu para enco­brir a dor do passado.

 

A mídia mundial enlouqueceu.

O SHEIK PLAYBOY E A GAROTA DO ESTÁBULO gritavam as manchetes dos tablóides. A imprensa mundial elogiou o sheik Kaliq por sua atitude moderna em tomar tal noiva de baixa estirpe... E aplaudiu o fato de um membro de tão nobre família real estar se casando por amor, em vez de por poder.

Houve fotos do casal por toda a parte. Eleni e Kaliq dei­xando um restaurante em Londres. Imagens dos dois pegan­do um jato em Madrid... E, mais tarde, de uma viagem para Paris.

Havia fotos deles nas corridas de cavalo... E diversas da primeira visita de Eleni à América, quando ela se deslumbrou com o país. E finalmente as fotos oficiais, que foram tiradas no palácio real na ocasião do casamento deles. E que casamento foi aquele.

Ninguém que esteve lá haveria de esquecer a vista de Nabat, o cavalo... Seu pescoço engalanado com uma coroa de flores... Quando carregou a noiva através das ruas fervilhantes para a cerimônia.

Líderes mundiais e membros de todas as casas reais foram ao casamento, o que colocou Calista no alto da lista dos desti­nos mais desejados de serem vistos.

Mas houve outros convidados, também... Amina estava lá, assim como Zahra e a extensa família de Kaliq. Eleni até mes­mo insistira em convidar o pai.

—Depois de tudo que ele fez para você? — perguntou ele.

Mas Eleni colocou uma mão amorosa no rosto de seu sheik orgulhoso.

— Preciso perdoá-lo, meu querido. Porque sem perdão não podemos viver.

E uma vez que Kaliq tinha finalmente aprendido a perdoar a si mesmo, pegou aquela mão e beijou-a, porque sabia que aquilo era verdade. Ademais, sua querida Eleni sempre dissera a verdade. Fora seu conselho que o levara a começar uma ca­ridade internacional para crianças perdidas, que estava sendo fundada por seu clube de pólo em Calista.

Isso jamais traria Zafir de volta, mas felizmente outros voltariam.

O anel de Eleni foi feito dos diamantes mais finos de Ca­lista... E seu véu dourado, que se estendia pelo chão como um raio de sol, estava preso por uma tiara de pedras preciosas. Na verdade, diamantes brilhantes.

Mas todos os convidados concordaram que as coisas mais brilhantes apresentadas eram os olhos e o sorriso do príncipe Kaliq Al’Farisi e de sua nova princesa Eleni.

 

                                                                                Sharon Kendrick  

 

                      

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