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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CORES DA PAIXÃO / Vanessa Grant
CORES DA PAIXÃO / Vanessa Grant

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

Alexander Kent sente uma estranhas combinação de irritação e desejo toda vez que encontra Jamie Ferguson,a bela artista plástica de Seattle.O que ele espera de uma mulher é que ela seja tão segura e sensata quanto ele.

Porém ,com seus cabelos castanhos e flamejantes olhos cor de esmeralda,Jamie é o retrato do espírito inquieto, exatamente o tipo de mulher que Alex conhece e abomina: moderninha,independente e volúvel.

Jamie não usaria seus melhores elogios para classificar Alex. Para ela ,Alex é dominador e estranhamente ríspido.

Mas quando Jamie passa semanas realizando um trabalho de pintura para ele,aos poucos descobre que sua expressão severa esconde uma imensa ternura.

E caberá a ela provar que o amor crescente que eles partilham não é apenas explosivo mas também belo,verdadeiro e infinito!

 

 

 

 

                                   Capítulo I

Jamila Ferguson segurou a taça com mais força. — Será que ouvi direito? Vendemos tudo isso em uma noite?!

— Vendemos oito de suas telas. — Liz Havers ajeitou o lenço de seda no pescoço. — Foi uma estréia sensacional, em se tratando de uma artista desconhecida.

Atrás de Liz havia um cartaz com os dizeres: "Um jovem e promissor talento, vindo do Northwestern".

No momento, a galeria encontrava-se vazia, embora uma hora atrás estivesse lotada. Um crítico de artes, que assinava por uma coluna em um jornal de grande circulação, dissera que, num futuro próximo, esperava ver mais de seu trabalho.

— Já pode relaxar, Jamie — sugeriu Liz, tirando o champanhe intocado da mão dela. — Vá para casa e tenha uma boa noite de sono. Quero que comece a pintar amanhã mesmo. Precisarei de no mínimo vinte e cinco telas para sua exposição de outono.

— Liz! Belisque-me para que eu me convença de que não estou sonhando. Pretende mesmo expor meus trabalhos no outono?

— Claro! E quero todas as vinte e cinco telas prontas com an­tecedência. Detesto correrias de última hora.

Jamila sorriu, feliz.

— Começarei a trabalhar ainda hoje. Parece mentira. Em crian­ça, eu costumava vir a sua galeria para admirar os quadros dos grandes artistas. Achava que saber pintar era uma dádiva divina.

— E agora, é um deles.

— Graças a você, que sempre me incentivou, desde a primeira vez em que lhe mostrei meus trabalhos.

Atrás de Liz, na parede, Jamila podia ver o perfil de uma jovem, parada em um ancoradouro, acenando para um barco que partia. Despedida, era o nome do quadro. Sentiu uma pontada de tristeza ao se dar conta de que talvez não tornasse a vê-lo.

— Venha apanhar seu cheque na segunda-feira, Jamie.

— Estarei aqui na segunda, como de costume. — Liz balançou a cabeça.

— Agora é uma artista profissional. Esqueça o trabalho na ga­leria e dedique todo o tempo possível às telas para a exposição no outono.

Lá fora, Jamila abençoou a chuva que caía em seu rosto, o cheiro de terra molhada no ar. Do outro lado da rua, um homem passava apressado, o chapéu puxado sobre o rosto, os ombros recurvados para se proteger da chuvarada. Na certa, em algum lugar, devia haver uma mulher calorosa a sua espera. Não dava para ver seu rosto, podia apenas vislumbrar a figura sombria caminhando na noite.

"Noite chuvosa...", pensou, começando a imaginar como pin­taria aquela cena. Cobriria a tela com tons acinzentados, criaria as calçadas escuras e os edifícios esbranquiçados.

Procurou pelas chaves dentro da bolsa. Agora, se quisesse, po­deria até adquirir um carro novo.

Não. Seria tolice investir todo aquele dinheiro num automóvel. Seu velho carrinho verde, de onze anos, ainda lhe servia muitíssi­mo bem. E, afinal, acabara de trocar os pneus.

Mas um cavalete novo ela podia comprar, e também saldar o empréstimo com o banco. O restante, iria investir, para o caso de Liz, até a exposição no outono, não ter vendido mais nenhum de seus quadros.

O motor funcionou na segunda tentativa, falhando um pouco, antes de se estabilizar. Foi em frente e fez o retorno na rua vazia.

Não conseguiria dormir. Oito de suas telas vendidas e por pre­ços escandalosos, e isso em sua primeira exposição!

Num impulso, girou o volante em direção à Magnólia Bluff e avançou devagar pela área residencial do bairro.

À luz do dia, teria dali uma bela visão do oceano, mas àquele horário, viam-se só os automóveis estacionados, as luzes tremu­lando das janelas das casas e dos apartamentos, difundindo um sentimento de desolação.

Ao pisar nos freios, no semáforo, teve a impressão de que algo se movia mais adiante. Avançou sem pressa, os olhos estreitados. Seria um pedestre, algum animal?

Nada, apenas a chuva caindo, cada vez mais forte. Não havia ninguém nas calçadas, e tampouco dentro dos veículos parados. Talvez o que julgou ter visto fosse apenas uma folha de palmeira arrancada pelo vento.

Uma rajada de água atingiu o lado de seu carro, inundando o pára brisa. Aumentou a velocidade do limpador e inclinou-se para a frente, tentando enxergar.

Foi então que algo se moveu a sua direita, que Jamila não con­seguiu distinguir. Diminuiu a velocidade e continuou seu caminho. De repente, avistou uma sombra escura, e tornou a pisar no freio, os pneus protestando no asfalto. Sentiu um baque.

— Meu Deus!

Abriu a porta e correu para a frente, protegendo a visão da claridade dos faróis.

Deparou com uma criança no chão, a alguns centímetros do pára choque. Ajoelhou-se. Era uma garotinha loira, e tinha o rosto muito pálido. Será que respirava? Tinha de chamar uma ambulân­cia. A menina, de repente, abriu os olhos escuros.

— Não se mexa — Jamila pediu, pousando a mão em seu peito. — Fique onde está e não se mova. Vou procurar ajuda.

A garota agarrou sua mão.

— E Squiggles? Você o viu? — Sua voz soou fraca, embora aflita. — Preciso encontrá-lo.

— Não estou mais com infeção, doutor? — perguntou o peque­no Timothy Wesley, de nove anos.

O dr. Alexander Kent procurava tranqüilizá-lo.

— Graças a Deus nós demos um jeito nela, amiguinho. Mesmo assim, você precisará passar a noite no hospital, em observação. Mas garanto que poderá ir à escola na segunda-feira.

— Eu voltarei a escutar direito? — Quando Timmy fez a per­gunta, Alexander notou a mãe dele estremecer.

— Examinei seu tímpano, Timmy. Agora está tudo bem. — A sra. Wesley relaxou.

— Fez bem em avisar sua mãe que estava com dor de ouvido. — Alexander levantou a cabeça, ao notar que alguém se aproxi­mava. — Ah! Aqui está a enfermeira Stanley. Vire-se de lado, Timmy. Iremos acabar com o que resta dessa infeção.

O menino deu uma risadinha antes de obedecer.

— Obrigada, dr. Kent — a sra. Wesley agradeceu, emocionada. — Lamento muito por ter arruinado a sua noite.

— Não tem problema. Era apenas um jantar beneficente. — Ele levara Diana Thurston ao evento, e ela sorriu, compreensiva, quando ele avisou que fora chamado ao hospital.

Alexander prometeu retornar a tempo de levá-la para casa.

— Volte para seu jantar, doutor, e aproveite bem o momento. — Farei isso, sra. Wesley. E não se preocupe, Timmy está ótimo. — Enquanto Alexander os deixava, a enfermeira murmurou:

— Poderia dar uma olhada em uma paciente, dr. Kent? Acaba de chegar. Pedestre atingido por um carro. Uma garota de seis ou sete anos de idade, consciente. Está chorando, mas não há nenhuma lesão visível. Foi trazida para cá pela motorista do carro.

— Qual o nome dela?

O que uma criança de seis anos estaria fazendo na rua àquela hora da noite?!

— Não sabemos. Não conseguimos fazer com que parasse de chorar.

Alexander podia ouvir os soluços da garotinha.

Ao adentrar a área do pronto atendimento, uma explosão de cores chamou sua atenção. Junto ao leito da paciente, encontrava-sè uma mulher jovem e atraente. Seus cabelos castanhos e macios caíam como uma cascata sedosa sobre a blusa absurdamente bri­lhante que usava. Afastou o olhar da figura estonteante e concen­trou-se na criança, que se debatia, enquanto a enfermeira tentava medir sua pressão arterial.

— Quero ir embora! Por favor, preciso encontrar Squiggles!

— Olá. — Alexander pousou a mão em seu ombro. — Não quer me falar a respeito desse... Wiggles?

Os soluços dela diminuíram um pouco, e ela o fitou. Do outro lado da cama, a vistosa criatura uniu as mãos no peito.

— Sou o dr. Kent — Alexander disse à garotinha, tentando com força desviar a atenção da figura a sua frente.

Olhos verdes e cabelos castanhos. Mesmo sem aqueles trajes extravagantes, pareceria imprópria naquela enfermaria, tanto quanto uma banda de rock.

— Fale-me sobre Wiggles.

— Squiggles — corrigiu-o a menina. Alexander assentiu, segurando seu pulso.

— Fale-me a respeito dele.

— É todo amarelo, e não pára quieto. Papai acha que não devo chamá-lo de nada, porque ele não pode ficar conosco.

— Squiggles é um gato? — Alexander fez um leve gesto para a enfermeira, para que medisse a pressão sangüínea da pequena. — Sente dor em alguma parte do corpo?

Ela fez que não.

— Ele é apenas um pobre gatinho. — Ela continuou falando, parecendo não se dar conta do aparelho que a enfermeira prendera em seu braço.

— Agora nós sabemos que o nome do gatinho é Squiggles... Mas como é o seu?

— Sara. Squiggles deve estar na chuva, todo molhado, e mor­rerá se pegar uma pneumonia.

— Não se preocupe, Sara, eu vou encontrá-lo.

Alexander levantou a cabeça. A presença colorida da moça pró­xima ao leito dominava a enfermaria. Seus lábios pareciam muito suaves quando ela disse:

— Prometo que o encontrarei e o colocarei a salvo.

— Jura?

— Juro.

Alexander viu a esperança de Sara renascer. Notou os olhos verdes e sinceros da jovem, mas ela não aparentava ser do tipo que saía na chuva atrás de um gato. Sinceridade fingida, promessas vazias.

— Era você que estava dirigindo o automóvel?

— Bem, eu...

— Conhece os pais de Sara?

— Não, eu nunca...

— Como foi que aconteceu?

— Eu passava pela Magnólia Bluff quando, de repente, julguei ter visto alguma coisa correndo pela rua. Olhei, mas não vi nada, além da chuva. Foi quando senti um baque, mas não a vi até...

— ...sair do carro — Alexander resumiu.

— Isso mesmo. Gostaria que me dissesse se ela está bem, doutor. —Alexander a fitou com ar desdenhoso.

— O que importa aqui não é o que você gostaria. A sala de espera fica no final do corredor. A enfermeira lhe mostrará o local. — Sem dizer mais nada, virou-se para a pequena paciente e tirou uma lanterninha do bolso. — Onde está sua mãe, Sara?

— No céu. Ela vai mesmo encontrar Squiggles?

"Pessoas que faziam promessas em vão, ainda mais para crian­ças, deviam ser castigadas."

— Examinarei seus olhos, meu bem. Olhe na direção de minha testa. Mora com seu pai, Sara?

— Hum — assentiu, obedecendo-o.

— Ótimo. Sabe se ele se encontra em casa?

Sara meneou a cabeça, antes de estremecer e parar. Sua pupila esquerda estava boa, mas a direita se encontrava um pouco fixa.

— Sabe onde ele está agora?

— No trabalho.

— Onde o papai trabalha?

— Na estação de força e luz. Seu nome é Wayne Miller.

— Muito bem. Vamos mandar alguém avisá-lo de que você está aqui.

— Papai ficará muito zangado quando souber. Estou proibida de sair na rua quando ele não está. Ai! Isso dói!

— Foi aqui que você bateu. Mas logo vai melhorar. Sente dor em algum outro lugar?

— Não.

— Quem cuida de você enquanto seu pai trabalha?

— A sra. Davis, que mora no primeiro andar. E se a moça não encontrar meu gato? Está chovendo muito, e ele vai se molhar.

— Os gatos sabem onde se abrigar. Na rua onde eu moro havia um que costumava se esconder em nossa garagem. Squiggles deve estar a salvo e bem protegido.

— Tomara que esteja...

— Mas agora a enfermeira a levará para tirar algumas radio­grafias. Coisa simples, não precisa ter medo. — Alexander anotou algo na ficha médica de Sara, e em seguida se afastou um pouco para falar com a funcionária: — Solicite raios-X do crânio, do ombro esquerdo e do braço. Conseguiram localizar o pai?

— Sim. Trabalha na companhia de força e luz, no turno da noite. Prometeu vir em seguida.

— Ligue para meu pager quando ele chegar. Também vou que­rer saber sobre as radiografias. A polícia foi avisada?

— Foi.

— Ótimo. A mulher que a trouxe ao hospital não me parece muito confiável. Fale com a assistente social e peça para que esteja aqui pela manhã.

A caminho da ala dos médicos, ele passou pela sala de espera. Perto da máquina de café encontrava-se a jovem colorida e de longos cabelos castanhos.

Quando ela o fitou, Alexander encarou-a com frieza. Seus imen­sos olhos verdes falavam de um paixão intranquila, algo que a faria desapontar qualquer um que confiasse nela, incluindo Sara. A garota acreditava que ela encontraria seu gato.

— A menina vai ficar bem, doutor?

— Por que decidiu removê-la para o hospital? Não sabe que não se deve tocar na vítima de um acidente? Poderia tê-la matado!

— Sinto muito. Eu estava para chamar uma ambulância, mas Sara ficou muito agitada. Achei ser mais prudente trazê-la para cá, em vez de deixá-la sozinha enquanto procurava ajuda.

O que seria aquilo nas íris dela? Puro fogo verde. Alexander não conseguia se desviar daquela chama.

Ela segurou em seu braço, com dedos longos e firmes.

— Seu estado é grave? Sara estava zonza quando a coloquei no automóvel.

Apesar de achar que não lhe devia explicações, ele se viu di­zendo:

— Suspeito que sofreu uma leve concussão, e deve ter machu­cado o ombro e o braço. Mas só saberemos ao certo pelas radio­grafias. De qualquer modo, nós a manteremos aqui esta noite, em observação.

— Como pode uma criança estar sozinha na rua no meio da noite?!

Boa pergunta. Os dedos dela pareciam queimar seu braço.

— E melhor você aguardar aqui. A polícia lhe fará algumas perguntas.

Jamila o soltou.

— Como é seu nome?

— Jamila Ferguson.

Lógico. De modo algum seria um nome comum, como Linda ou Anne. Tinha de ser um bem exótico, para combinar com sua figura.

— Com certeza vão querer testar o nível alcoólico em seu sangue.

Jamila engoliu em seco, desapontada, embora reconhecesse que não devia esperar outra coisa.

— Não estive bebendo.

Alexander tratou de se afastar antes que fizesse algo estúpido, como puxá-la contra o próprio corpo e enterrar a boca naqueles lábios vermelhos e sedutores...

Aquilo devia ser exaustão, aquela inexplicável atração pela ma­luca que atropelou uma criança.

Na ala dos médicos, serviu-se de uma xícara de café.

Ficara tarde para retornar ao jantar beneficente. Era uma pena. Planejava passar a noite na companhia do maior número possível de diretores da Fundação Thurston.

Mas fosse o que fosse que fizesse o restante da noite, decerto não iria ficar pensando em Jamila Ferguson e naquela vontade indômita de tomá-la nos braços e beijá-la.

Concussão. Nada animador.

Jamila estremeceu ao lembrar a terrível sensação do impacto. Sara devia ter sido atirada ao chão e batido a cabeça. Chegou a diminuir a velocidade, convencida de que vira algo. Se tivesse ouvido o próprio coração e parado...

Caminhava de um lado para o outro na sala de espera, inquieta. Onde aquele médico se metera? Será que deixaram Sara só? Uma criança ficaria assustadíssima, vendo-se sozinha na enfermaria de um hospital.

— Desculpe-me, senhorita...

Jamila de repente se viu diante de um policial uniformizado.

— Você é a motorista cujo carro atropelou Sara Miller? — Ela engoliu em seco e assentiu. O policial indicou o sofá.

— Por favor, queira sentar-se. Aceita uma xícara de café? — Dez minutos depois, Jamila tinha fornecido ao policial todos os detalhes do acidente.

A pedido dele, uma enfermeira veio coletar um pouco de seu sangue para o exame de teor alcoólico. Agradeceu aos céus por não ter tocado naquela taça de champanhe.

Após ser liberada, um homem com cerca de trinta e cinco anos chegou apressado. Uma enfermeira o seguia.

— Sou o pai de Sara Miller. Preciso vê-la. Onde ela está?

— Tenha calma, senhor. Sua filha está bem. Logo poderá vê-la. — Jamila testemunhou a enorme preocupação em seus olhos cinzentos.

— Posso falar com o dr. Kent?

— Ele é nosso pediatra. Sara está em boas mãos, senhor. — Quando a enfermeira se afastou, Jamila aproximou-se do aflito pai de Sara.

— Sr. Miller? Sou Jamila Ferguson. Sou a motorista do carro.

— O que minha filha estava fazendo sozinha na rua a essa hora da noite, quando devia estar na cama?

— Sara tentava encontrar um gato chamado Squiggles. Temia que ele se molhasse e pegasse uma pneumonia.

— Aquele gato miserável! — Ele afundou o corpo no sofá. — Pneumonia... De onde Sara tirou essa idéia? Ah, a mãe dela... pe­gou um resfriado, que de repente virou uma pneumonia. Morreu aqui mesmo, neste hospital, há seis meses.

 

                              Capítulo II

Vinte minutos tentando relaxar na ala dos médicos não dimi­nuiu nem um pouco a indignação de Alexander contra Jamila Ferguson.

Foram quarenta minutos até que ele deixasse o hospital, outros quinze, até que encontrasse a residência de Sara Miller, uma casa antiga, de três andares, convertida em um prédio de apartamentos. No local havia uma riqueza de cantos escondidos, onde um gato poderia se esconder.

Mas ali não havia sinal de derrapagens no solo ou algo que pudesse atestar o acidente. Apesar da própria convicção de que a mulher que dirigia o carro era uma inconsequente, Alexander tinha de admitir que a natureza dos ferimentos de Sara indicavam que, no momento do impacto, ela não estava em alta velocidade.

Três da manhã. Aquela hora, Jamila Ferguson devia estar dor­mindo, esquecida da promessa que fizera a Sara.

Alexander se perguntou se havia alguma chance de ele encon­trar Squiggles. Talvez sim, talvez não, mas se o encontrasse, pe­diria a Paula que ficasse com ele, por um ou dois dia. Sua irmã não ficaria muito feliz, mas com certeza se prontificaria a ajudar.

Teria tentado Diana, que tinha dois filhos pequenos e nenhum animal de estimação. Isso se ela não fosse viajar para a Europa no dia seguinte.

Admitiu, constrangido, que aquilo era um alívio. Ele e Diana vinham passando bastante tempo juntos, trabalhando nos números do futuro centro de tratamento da diabetes juvenil. Costumavam almoçar e às vezes jantar em seu luxuoso apartamento. Mas não passava disso. Foi então que, de repente, no último sábado...

Considerava-a como uma amiga querida, e não esperava en­contrá-la em seus braços, esperando por intimidade. Diana era uma mulher adorável, mas Alexander não estava pronto para aquele tipo de relacionamento. Precisava pensar melhor no que queria com ela.

Aquela providencial viagem à Europa lhe daria o espaço de que necessitava.

Tinha plena consciência de que Diana daria uma esposa perfei­ta. Era calma, calorosa, inteligente e do tipo maternal. Quando retornasse da viagem, Alexander pretendia dar o próximo passo e torná-la sua amante. E, em poucos meses, acabaria por lhe propor casamento.

Enquanto isso, ele conseguiu que Dennis, seu cunhado, prepa­rasse as planilhas do futuro centro de tratamento, e também fina­lizasse as especificações da construção do prédio.

Mas precisava tentar encontrar aquele gato. Teria de arrumar um lar para ele, no qual Sara pudesse visitá-lo, pelo menos até que aceitasse o fato de seu senhorio ser contra animais. Ou então, que seu pai concordasse em se mudar para outro local, onde animais eram permitidos.

Estacionou em uma vaga perto do prédio onde os Miller mora­vam e procurou esquecer o cansaço. Pegou a lanterna do porta-luvas e o guarda-chuva do banco traseiro. A chuva não dava trégua.

— Bichano, bichano? — chamou, abaixando-se para olhar sob os automóveis.

Em seguida, encaminhou-se até um beco atrás do edifício. O pai da garota era quem devia estar fazendo aquilo, mas pelo jeito ele continuava bastante abalado com a viuvez, que se dera seis meses atrás, para pensar em socorrer a filha.

Alexander se solidarizava com sua dor, mas o sr. Miller tinha de entender que Sara devia ser sua principal prioridade.

Era óbvio seu amor pela filha, Wayne Miller, porém, pelo jeito, ele não lhe dava atenção suficiente. A sra. Davis, do primeiro an­dar, devia ser mais conveniente do que competente.

Examinou a área atrás do prédio.

— Bichano?

Tudo indicava, que o gato não queria ser encontrado.

Iluminou o pulso para verificar as horas. Nem pensar em voltar para o jantar beneficente. Mas era até bom. Naquela noite, se le­vasse Diana para casa, ela sem dúvida o convidaria para entrar. Claro que Alexander queria aquilo tanto quanto ela, mas não na­quela noite. Não ainda.

Olhou para o portão dos fundos do prédio vizinho e tentou se proteger com o guarda-chuva da rajada de vento avançando em direção ao espaço entre os dois edifícios. Pisou em cheio em um buraco.

O tranco o fez largar a lanterna. Ao se abaixar no escuro e tentar encontrá-la, sentiu a água invadir seus sapatos. Algo se moveu adiante.

A lanterna se apagou e não acendeu mais. Pilhas molhadas. Guardou-a no bolso e estendeu a mão. No escuro, seus dedos se fecharam ao tocarem em algo suave e úmido.

Uma mulher.

Ela se desequilibrou e colidiu com seu peito, ofegante. Alexan­der logo reconheceu aquele perfume sutil, que devia ter custado uma pequena fortuna. Um aroma designado a abalar os sentidos de um homem.

— Sou eu, o dr. Kent, Jamila.

Naquele exato instante, alguém acendeu uma luz no segundo andar do edifício ao lado.

— Veio procurar o gato de Sara, doutor?

— E o que mais eu estaria fazendo aqui? Você está encharcada. Venha se proteger debaixo de meu guarda-chuva.

Ela deu de ombros.

— A chuva não me incomoda. Vim disposta a encontrar esse gato. Ele deve estar por aqui, em algum lugar. Eu trouxe uma lata de atum para atraí-lo, mas você me fez derrubá-la.

Alexander tornou a pegar a lanterna e sacudiu-a. A luz retornou e iluminou Jamila, abaixada a seus pés.

— Aqui está — disse ela.

Seus cabelos castanhos escureceram, molhados pela chuva, e seus cílios espessos pareciam muito longos. A blusa vermelha, molhada, colava-se aos contornos sensuais de seus seios fartos.

Em uma das mãos, segurava a lata de atum aberta.

— O dono da loja de conveniência a abriu para mim — explicou. — Não carrego um abridor de latas comigo.

— Nem um guarda-chuva. — Ela não respondeu.

— Squiggles! Aqui, gatinho!

Quando Alexander fez menção de segui-la, Jamila o impediu:

— E melhor nos separarmos. Cobriremos uma área maior, e Squiggles não se assustará tanto diante de uma pessoa apenas.

Alexander não sabia se aquilo fazia sentido. Sabia apenas que não era bom sinal o fato de incomodá-lo ver-se indo na direção oposta da mulher da qual ele nem sequer gostava.

— Leve o guarda-chuva.

— Não. É muita coisa para carregar. Dá para enxergar, mesmo sem a lanterna. Basta minha visão se acostumar ao escuro.

— Está bem. Fique atenta.

Minutos depois, Alexander a encontrou agachada, estendendo a lata de atum.

— Ele está aqui, doutor. Fique onde está. Não quero que o assuste. Venha comer, gatinho. Veja o que a titia trouxe para você.

O gato se aproximou, cauteloso, e Alexander se perguntou se a voz de Jamila causava em Squiggles o mesmo efeito encantador que causava nele.

No entanto, fosse o que fosse, o efeito relaxante da entonação dela ou o atum, fez com que Squiggles chegasse perto o bastante para que Jamila, com toda a habilidade, o pegasse no colo. Ale­xander viu-a erguer a barra da saia e com ela enrolar o animalzinho.

Calculou que ela devia ter cerca de vinte e cinco anos. Não era má pessoa, apenas um pouco irresponsável.

— É melhor sairmos da chuva. Venha. — Ele entendendo-lhe a mão.

O gato de repente se assustou e se contorceu nos braços dela, querendo se libertar. Alexander largou o guarda-chuva e o agarrou. Foi quando seus braços se entrelaçaram com os de Jamila e ele sentiu a suavidade dos seios dela contra si.

Notou o sobressalto dela, sentiu-a cambalear. Ao ampará-la, deixou a lanterna cair de novo.

— Você está bem?

— Estou. É melhor irmos embora, antes que ele fuja.

Foi então que Alexander recuou, meio consternado, sem a me­nor vontade de soltá-la.

— Venha. Vamos pegar meu carro. — E tentou se ocupar re­colhendo do chão a lanterna e o guarda-chuva. — Minha irmã ficará com Squiggles.

— Prefiro eu mesma cuidar dele, se não se importa. Este danadinho passou a ser minha responsabilidade.

Ao contornarem o prédio, as luzes da rua acabaram com a ne­cessidade da claridade da lanterna. Assim, Alexander a desligou.

— Como quiser. Tem ração para gatos em casa?

— Não, mas posso comprar. Há uma loja de conveniência em meu caminho. Fica aberta a noite toda. Ali está meu carro. — Jamila passou o gato para o outro braço e procurou pelas chaves dentro do bolso.

— Não vai conseguir dirigir e segurar o gato ao mesmo tempo. Não seria seguro. Alguns animais entram em pânico quando presos:

— Eu darei um jeito.

— Meu automóvel está estacionado aqui perto. Será mais prá­tico vir comigo.

— Obrigada, doutor, mas prefiro ir para minha casa. Moro logo depois de Ballard Bridge.

— Você precisa se secar e tomar algo quente. Caso contrário...

— Fique tranquilo, não sou mais criança e sei me cuidar. Você, pelo visto, está acostumado a ditar ordens às pessoas, dr. Kent, mas não permito mais que me façam isso.

Alexander abriu a porta do lado do passageiro de seu BMW.

— Em um instante nós teremos ar quente.

O gato, nos braços de Jamila começou a miar, e ela decidiu aceitar a carona.

— Só mais um pouco, Squiggles... Estamos chegando, meu bem. Você se sentirá melhor quando chegarmos e eu o enxugar. Ah, droga! Temos de voltar. Esqueci a lata de atum.

— Como? Voltar até lá?

— Não demorará. Não gosto de deixar lixo nas ruas... — disse ela. — Entre na primeira à direita para fazer o retorno.

Alexander suspirou. Estar fechado dentro do veículo com ela era o pior dos martírios.

Seguiu em direção à Ballard Bridge. Devia ter usado o telefone celular para chamar um táxi para Jamila. Devia ter...

— Você perdeu o retorno! Agora terá de ir até a Vinte e Oito para fazer a volta.

— Esqueça a lata de atum. Vou levá-la para casa.

— Mas eu...

— Será que não é capaz de manter uma conversa sem argu­mentar, Jamila?

— Jamie, por favor. Todos me chamam de Jamie.

Por algum motivo louco, Alexander sentiu vontade de parar o carro e sacudi-la. Só podia ser química. Ela não era, de modo algum, seu tipo ideal de mulher, mas conseguia mexer com seus hormônios, embora fosse tudo aquilo que Alexander repudiava numa garota: inconsequente, independente e impulsiva.

Precisava acabar com aquilo. Era um homem feito, não um ado­lescente, portanto, capaz de lidar com aquela reação insana des­pertada por alguém tão inadequado.

— Não se preocupe com a lata. Mais tarde eu passarei para recolhê-la.

— Obrigada. — Ela virou-se para a frente e afundou-se no assento macio. — O policial para quem dei meu depoimento falou que você planejava conversar com uma assistente social a respeito de Sara.

— É mesmo?

Aquilo deveria ser uma informação confidencial.

Alexander avistou uma loja de conveniência adiante, daquelas que ficavam abertas vinte e quatro horas. Se não parasse ali para comprar ração e areia, acabaria tendo de fazê-lo mais tarde, e seria obrigado a levar para Jamila. Na certa então ela teria tomado banho e o receberia à porta usando um roupão colorido e transparente, amarrado à cintura e com um amplo decote, deixando à mostra a curva tentadora dos seios, só para atiçar sua imaginação, que já era bastante fértil, sem precisar de ajuda.

Girou o volante e estacionou diante da loja.

— Vou comprar ração e areia.

— Deixe que eu compro.

— Não. Cuide dele.

No colo dela, Squiggles levantou a cabeça e miou.

— Está bem, mas eu faço questão de pagar. Onde está minha bolsa? Não! Ficou em meu carro!

— Deixe. Será meu donativo à causa de ajuda a animais de­samparados.

Jamila sorriu, mas Alexander não correspondeu. Abriu a porta e saiu. Tirou o paletó do lado de fora.

— Use isto. — Entregou-o a ela e se foi.

Squiggles tinha se acalmado e podia até estar dormindo. Olhan­do para fora, pelo vidro do carro, Jamila avistou o dr. Kent dentro da loja. Naquele instante ele parava perto do balcão. Pagou a des­pesa com cartão de crédito, em seguida se dirigiu à saída.

Acomodou as compras no banco traseiro, e sentou-se ao volante.

— Obrigada pelo paletó, mas não adiantaria muito usá-lo sobre estas roupas molhadas. Tomarei um banho quente quando chegar.

Alexander a fitou, severo. Jamila sentiu o rosto arder.

— Use-o para enrolar o gato. Vejo que está tendo dificuldade em mantê-lo preso.

Jamila ficou grata quando ele desviou o olhar e ligou o motor. Momentos depois, atravessavam a Ballard Bridge, e ela lhe indicou o caminho a tomar.

Alexander parou diante de uma casinha térrea construída perto de um armazém e de um estaleiro.

— Obrigada. — Jamila segurou Squiggles com firmeza antes de abrir a porta. — Pretendo ir visitar Sara pela manhã e...

Mas Alexander já deixara o veículo e se aproximava para abrir-lhe a porta, o guarda-chuva aberto.

— Pode deixar. Um pouco mais de água não me fará mal.

— Esqueça o hospital. Direi a Sara que o gato foi encontrado, que está bem e em segurança. Ligarei quando conseguir alguém que o adote.

Jamila abriu a boca para protestar, mas demorou para conseguir se expressar:

— Vou ficar com ele, doutor. Sara poderá vir visitá-lo sempre que desejar.

— Esqueça. Você logo se cansará de ambos.

— Como assim? Acredita que eu seria capaz de abandonar Squiggles?!

— O que quer na verdade é aliviar sua consciência pesada, mas dentro em pouco, Sara e o gato se tornarão um fardo para você. Aquela criança não precisa de ninguém lhe fazendo promessas que não pretende cumprir.

— Com que direito...

— As chaves. Entre antes que Squiggles escape. Irei apanhar sua bolsa em seguida.

— Não é necessário. A bolsa está segura lá.

— Pare de argumentar.

— Pare você de tentar dizer o que eu devo fazer! Não sei aonde quer chegar com essa atitude condescendente. Não preciso de sua ajuda para nada. E saiba que, goste ou não, irei visitar Sara!

Enquanto ela enfiava a chave na fechadura, Squiggles de re­pente começou a se agitar, conseguindo pular para o chão. Ale­xander de imediato o capturou.

— Abra logo essa porta!

Quando a porta abriu, segurando o gato com firmeza, Alexander empurrou Jamila para dentro, e em seguida fechou a porta atrás deles.

— Ele a arranhou?

— Não foi nada.

— É melhor lavar isso e colocar um pouco de anti-séptico. — Jamila estava desconcertada e com vontade de gritar... e de fugir.

— Eu cuidarei disso.

Alexander nada disse. Apenas a olhava, como se ela fosse uma tola.

— Estou bem, doutor. Pode soltar o gato. Aqui dentro não há por onde ele possa escapar.

Solto, Squiggles de imediato foi se deitar na poltrona ao lado da mesinha do telefone.

— Onde fica o banheiro? Insisto em tratar de sua mão. Em seguida, recomendo que tome um banho quente.

Ela o deteve pela camisa quando Alexander fez menção de se dirigir ao banheiro no corredor. Precisava impedi-lo, senão, antes que percebesse, ele estaria assumindo o controle de sua vida.

"Que idéia absurda!"

Mas era como Jamila se sentia, como se aquele, a partir daquele momento, nada mais pudesse ser como antes. Jamila sentiu um arrepio percorrê-la.

— Pode ir agora, doutor. Está tudo sob controle. Obrigada.

— Pelo quê?

— Pela carona, pela ajuda com Squiggles... Mas agora, vá em­bora, sim?

Jamila sentia o coração bater nos ouvidos. Os olhos dele esta­vam escurecidos e fixos nos seus.

— Como quiser. Boa noite. — Mas Alexander não se moveu. Jamila também não.

— Se você não me soltar, não poderei ir, srta. Ferguson. — Jamila ainda o prendia, mas isso não o impediria de soltar-se, se desejasse. Ela olhou para a própria mão, que agarrava-o pela camisa.

Que tipo de loucura era aquela? Devia soltá-lo, deixá-lo ir, mas não queria...

Foi quando Jamila sentiu a mão máscula em seu pescoço, em suas faces, e soube que ele iria beijá-la.

Alexander tinha os lábios frios quando se apossaram dos dela.

Ele nunca antes beijara uma mulher num impulso de raiva. Por que o fizera? Percebeu que a ira aos poucos se desvanecia, levada pela súbita onda de desejo, deixando-o trêmulo e excitado. Tentou pôr fim à carícia, mas não foi capaz.

Desejava-a. A certeza daquilo explodiu em sua consciência com a mesma força, a mesma intensidade com que o instinto fazia pul­sar seu baixo-ventre. Tinha de terminar com aquele tormento, que nem deveria ter começado.

Tomou o rosto dela entre as mãos e afastou-se, devagar. Enca­rou-a por vários minutos, observando o rubor que lhe coloria a pele, depois os cabelos, as mechas sedosas descendo-lhe pelos ombros delicados. Jamila estava linda, feminina e convidativa.

— Nós não podemos... — Jamila lutava para se manter em pé. O mundo lá fora parecia ter parado. Até mesmo a chuva dera uma trégua, à espera.

— Lamento, Jamie. Eu não pretendia fazer isso. — Jamila nada disse.

Alexander deu-lhe as costas e se foi.

Segundos depois, ele bateu na porta. Ela engoliu em seco.

— Jamie? A ração e a areia do gato. Vai precisar delas. Jamila girou a maçaneta. O rosto dele voltava a ser severo como antes, e em seus olhos não havia vestígios do beijo que acabavam de trocar. Estendeu a mão para a sacola. Alexander a entregou, sem tocá-la.

— Tenha uma boa noite.

— Boa noite, doutor. Por favor, avise Sara que irei vê-la pela manhã.

 

                                  Capítulo III

Jamila encontrou Sara Miller muito bem disposta, brincando com uma boneca e sentada no leito do quarto 312.

— Olá, Sara.

A menina de imediato largou a boneca.

— E Squiggles? Você o encontrou? A enfermeira me disse que alguém foi apanhá-lo. Ele está bem?

— Está ótimo. Gostaria de vê-lo?

— Você o trouxe?

Jamila tirou as alças da sacola dos ombros.

— Está aqui dentro, mas precisamos ter cuidado. Não podemos deixar que escape.

— Quero ver o gatinho. Prometo ser cuidadosa.

Jamila puxou o zíper e abriu a sacola para que a garota espiasse dentro.

— Ei, Squiggles, fiquei com tanto medo de que você adoecesse!

— Ele dormiu em minha cama, após ter devorado uma vasilha inteira de ração. — Jamila ouviu o som de passos no corredor. — Está vindo alguém. É melhor escondê-lo.

Ela fechou o zíper da sacola, deixando aberta apenas uma bre­cha para a entrada de ar. Rezou para que Squiggles ficasse quieto. Mal escondeu a sacola sob a cama, e a porta se abriu para Wayne Miller.

— Papai! — Sara se ergueu, correndo para abraçar o pai. — Minha amiga encontrou Squiggles! Ele não está com pneumonia.

Wayne a abraçou.

— Sente-se bem, querida? A cabeça ainda dói muito? — Sara pegou a mão do pai.

— Ela o trouxe! Jamie, mostre para ele. — Miller largou sua mão.

— Sara, você sabe que o condomínio não permite a presença de animais no prédio.

— Mas Squiggles precisa de um lar, caso contrário ficará doente e morrerá.

Jamila interveio:

— Sara, meu bem, Squiggles vai morar comigo. Tenho bastante espaço. Sr. Miller, eu gostaria de poder fazer algo por sua filha. — Sorriu. — Moro do outro lado da ponte, cerca de dez minutos de carro de sua residência. Sara poderá visitar Squiggles sempre que desejar.

— Por favor, papai, diga que sim!

—Tenho referências — disse Jamila. — Moro em Seattle desde que nasci, e sou artista. Pintora. Meus trabalhos estão sendo exi­bidos na galeria Northern Imagens. Poderá verificar isso com... Um momento. Anotarei para vocês.

Ela tirou da bolsa uma caneta e um cartão de visitas que Liz insistiu em mandar imprimir.

— Fale com Liz Havers. Ela é proprietária da galeria onde mi­nhas telas estão expostas. Liz me conhece desde que eu tinha doze anos.

— Não é necessário, srta. Ferguson. Eu soube, pela polícia, que você não teve culpa, que foi Sara que...

— Mesmo assim, insisto em ajudar.

— Por favor, papai!

O sr. Miller parecia pouco à vontade.

— Bem... eu não vou precisar de suas referências...

Jamila se perguntou se o sr. Miller contratara a baby-sitter de Sara com a mesma falta de cuidado.

— Quando poderei ir visitar Squiggles? — Sara quis saber.

— Na quarta-feira, após a escola, filha. Tenho uma reunião de trabalho, e como é folga da sra. Davis...

— Posso ver Squiggles outra vez, Jamie? — Jamila pegou a sacola e abriu o zíper.

— Squiggles, você veio me visitar! Estou tão feliz... — Sara acariciou o animalzinho, que de imediato se pôs a ronronar.

— Você não tem obrigação de fazer isso. É muita gentileza da sua parte, senhorita. Mas confesso que será de grande auxílio. Tra­balho à noite, e estou em casa quando Sara sai para a escola, e também quando ela volta. A sra. Davis não se dispõe a cuidar dela mais do que o que foi combinado. Quando tenho de me ausentar fora do horário escolar, é difícil encontrar alguém que fique com minha menina.

— Será um prazer, sr. Miller. — Jamila tornou a escutar passos no corredor. — É melhor escondermos o gato.

Tentou pegá-lo, mas Squiggles foi mais rápido e correu para se esconder sob a cama ao lado.

— Sara? — disse alguém da porta. — O dr. Kent veio vê-la. Sara estava de quatro no chão, espiando sob o leito. Wayne aguardava, aflito.

— Olá, Sara. Sr. Miller... — Então, Alexander a reconheceu. — Srta. Ferguson...

— Dr. Kent...

— Srta. Ferguson, por favor, aguarde lá fora enquanto eu exa­mino Sara.

A enfermeira puxou uma cortina e impeliu Sara para a cama. O pai da garota foi com ela.

Onde será que Squiggles se metera? Jamila não conseguiu vê-lo, e passou a vigiar a entrada, para o caso de ele tentar escapar para o corredor.

— Srta. Ferguson? Saia, por favor.

— Eu preciso... encontrar o gato.

As vozes atrás da cortina silenciaram.

— Você disse "gato"? Está me dizendo que trouxe um gato para o hospital?

— Vou encontrá-lo, não se preocupe. — E tornou a se abaixar, localizando Squiggles escondido num canto.

Com toda a cautela, Jamila colocou a sacola de lado e avançou sob o leito até que conseguiu pegá-lo e colocá-lo dentro da sacola. Em seguida,  pôs-se de pé.

A enfermeira se aproximou dela.

— A senhorita devia saber que não pode trazer animais para um hospital.

— Desculpe-me, eu...

— Pode deixar, enfermeira — o dr. Kent interveio. — A srta. Ferguson já está de saída.

Quando ele sorriu para a enfermeira, Jamila a viu relaxar.

— Vou deixá-lo no carro. Por favor, doutor, diga a Sara e a seu pai que voltarei em um minuto.

— Direi a ela que você lhe deixou um beijo. — Alexander tomou-lhe o cotovelo. — Eu a acompanharei até a saída.

Jamila tentou se soltar, sem êxito.

— Largue-me! Quero me despedir de Sara!

Alexander a fez sair do quarto e quase a arrastou pelo corredor. Jamila ficou livre dele apenas quando alcançaram o hall dos ele­vadores. Esfregou o braço, certa de que ganharia um hematoma.

— Peço perdão, pelo gato. Eu só queria tranquilizar Sara.

— Você é mesmo irresponsável. Devia saber que há crianças com alergia internadas aqui. Vá para casa, srta. Ferguson, e tente ficar longe de encrencas. E, acima de tudo, não me crie mais pro­blemas! — Alexander acionou o botão do elevador.

— Como é seu nome? — de repente ela perguntou. — Dr. A. M. Kent... "A" de quê?

— De Alexander. Por que quer saber?

Os lábios sedutores curvaram-se em um sorriso travesso.

— Por nada. Só que acho estranho tratá-lo por dr. Kent, após o modo como nos beijamos.

Quando as portas do elevador se abriram, Jamila estendeu a mão e tocou os lábios dele com a ponta dos dedos.

— Tenha um bom dia, Alex. Foi um beijo muito especial.

Alexander se encaminhou, junto com Diana, para o balcão de embarque da primeira classe da American Airlines.

— Por favor, envie aqueles papéis logo que for possível — ela pediu.

— Sem dúvida. Dennis prometeu entregá-los na sexta-feira.

— Envie por fax. Quero que a diretoria tenha esses números nas mãos o quanto antes.

Espero que já tenham uma decisão for­mada quando eu chegar.

— Seria ótimo. — Alexander parou o carrinho com a bagagem atrás do senhor que era o primeiro da fila e virou-se para Diana. — Aproveite bem. Sei que é uma viagem de negócios, mas tire algum tempo para descansar.

Ela sorriu.

— Estarei em Veneza, lembra? Bem, não há razão para aguardar até que eu entre no avião, Alex. Seguirei para o salão de embarque assim que fizer o check-in.

Ele inclinou-se para beijá-la no rosto.

— Cuide-se, Diana. — Ela pegou-lhe a mão.

— Tire uma semana de folga e vá pescar.

— E uma boa sugestão. Na verdade, estive pensando em con­vidá-la para um fim de semana agradável, quando você voltar...

Alexander dirigiu de volta do aeroporto em meio a uma versão de domingo da hora do rush. Notou as famílias dentro dos auto­móveis indo em direção a Seattle, casais viajando no banco da frente e crianças no de trás.

Lembrou-se do condomínio onde morava, e experimentou uma estranha aversão por voltar para casa. Encontraria o apartamento vazio e silencioso. Naquele instante, aquele era o último lugar no mundo onde gostaria de estar.

Oito anos atrás, após o término da residência no hospital e quan­do ele se tornou um pediatra especializado em primeiros-socorros, escolheu com cuidado o lugar onde morar. Pretendia comprar uma casa nos arredores da cidade, mas acabou optando pelo apartamen­to. Iria viver ali por pouco tempo, já que pretendia se casar e ter filhos.

Contudo, antes disso, Alexander queria mais alguns anos de prática como especialista e influência suficiente para obter o ca­pital necessário para criar seu centro de tratamento de diabetes infantil.

Nenhum banco lhe emprestaria a quantia de que precisava. O dinheiro teria de vir da caridade, particular ou pública. Foi por isso que teve de aprender a conviver e a tolerar aqueles infindáveis jantares, bailes e demais eventos beneficentes de caridade.

Paula, sua irmã, se queixava sempre por ele nunca ir visitá-la, acusando-o de aparecer em casa só quando precisava discutir ne­gócios com Dennis. Alexander sabia que era verdade, mas tinha de prosseguir, agora que estava tão perto de realizar seu sonho.

Havia alguns meses, uma grande indústria de Seattle concordara em doar o terreno para Alexander. E teve muita sorte quando co­nheceu Diana Thurston, membro mais novo da diretoria da Fun­dação Thurston.

Em menina, Diana fora diagnosticada como sendo diabética. Aquela mulher calorosa e bondosa podia entender que, toda vez que Alexander tratava de uma criança portadora da doença, era renovada a promessa que fez de criar um centro de tratamento de diabetes infantil, um lugar onde os pequenos pudessem aprender como lidar com a própria enfermidade, e assim evitar o tipo de negligência que levara à morte o irmão do próprio Alexander.

Durante os últimos quatro meses, cada minuto livre que tinha, Alexander dedicava ao cálculo dos números e figuras que os mem­bros da diretoria da Fundação Thurston precisavam ter em mãos antes de qualquer decisão.

Na realidade, jamais viu Diana como mulher. Os dois eram amigos, e Alexander valorizava a calorosa afeição que se estabe­lecera entre eles.

Foi então que, uma semana atrás, ele a deixou em casa após uma longa reunião com a diretoria da Thurston, e Diana o convidou para entrar. Alexander aceitou. De repente viu-se com um drinque na mão, e sendo abraçado por ela. "Eu gostaria que você passasse a noite aqui, Alex", foi o que Diana lhe disse. Ele ficou atônito.

Para ser sincero, notava a afeição nos olhos dela, mas não pen­sava em sexo. Não com Diana. Não que ela não fosse atraente, pois era, mas não existia espaço em sua vida para mais nada além do trabalho.

Seu pager soou antes que pudesse responder se aceitava ou não o convite. Em seguida, deixou Diana dizendo: "Sinto muito... Eu gostaria de ficar", sem saber ao certo se aquilo era verdade. Teria de ponderar a respeito e tentar vê-la como mulher, em vez da colega de trabalho dedicada que partilhava seus sonhos.

Devia estar sentindo falta dela, decidiu ao deixar a estrada e entrar na cidade. Talvez fosse a causa daquela estranha relutância em voltar ao lar.

Estacionou na garagem e entrou no apartamento. Fez café e serviu-se de uma xícara. Passou a saboreá-lo enquanto ouvia as mensagens na secretária eletrônica. Havia apenas uma, de sua mãe: "Alex, me ligue. Estou esperando".

Discou para Nova York e ouviu uma voz mecânica avisar que o número se encontrava fora de serviço. Fora do gancho. Não era a primeira vez que sua mãe fazia isso. Deu de ombros, sabendo que, quando quisesse, ela tornaria a ligar. Nesse meio tempo, tinha muito trabalho a fazer.

Alexander estudou os papéis espalhados sobre a mesa: estima­tivas, número de pacientes, custos e rendimentos. Ligou o com­putador e mergulhou no trabalho.

Após três horas, notou que desenvolvera uma dor de cabeça. No momento em que engoliu um analgésico e pegou mais uma xícara de café, a impressora terminou seu serviço. Juntou ao res­tante dos documentos, colocou dentro de um envelope e dirigiu-se à garagem.

Entregaria tudo a Dennis ainda naquela noite. Isso lhe daria tempo extra pela manhã para conversar com a assistente social.

Ao se despedir de Sara, a menina lhe confidenciou que pretendia visitar a Jamila e Squiggles após a escola. Wayne Miller devia pensar duas vezes antes de permitir que a filha frequentasse a casa de estranhos.

Ao dirigir pelas ruas escuras de Seattle, Alexander tentava se organizar. Procuraria a assistente social e pediria que investigasse a pessoa que cuidava de Sara na ausência do pai. Que também investigasse Jamila Ferguson, e por fim que verificasse se o gato fora vacinado.

Encontrou a casa da irmã às escuras. Nenhum carro na garagem. Eles poderiam estar de volta em cinco minutos ou em cinco horas. Usou a própria chave para abrir a porta e entrar. Colocou os documentos sobre a escrivaninha, onde Dennis os encontraria com facilidade. Voltaria para o apartamento em seguida, onde passaria uma noite tranquila, lendo um bom livro.

Saiu com o automóvel para a rua e sinalizou que viraria à es­querda. Porém, mudou de ideia e, em vez disso, virou à direita.

Sara planejava visitar Jamila na quarta-feira à tarde. Mas, até lá, talvez a assistente social já a tivesse investigado. Ou não. Ale­xander não pretendia arriscar.

 

                           Capítulo IV

Alexander estacionou e, quando apagou os faróis, a casa de Jamila Ferguson desapareceu entre as sombras do armazém abandonado. Não havia luz na entrada, e nenhuma luminosidade se infiltrava através das duas pequenas janelas. Se não fosse pelo automóvel antigo estacionando, qualquer um julgaria que não ti­nha ninguém ali.

Ela teria ido dormir? Às oito e meia? Uma mulher tão vibrante, tão cheia de energia quanto ela, não dormiria cedo.

Não encontrou a campainha. Não havia. Bateu na porta. Nada. Tornou a bater, com mais insistência, e pareceu-lhe ter ouvido música tocando lá dentro.

Olhou em torno. Que lugar sombrio... Por que Jamila teria es­colhido morar naquela área industrial, sem vizinhos, sem luzes na rua, e nem na entrada da casa?

Ergueu a mão para tornar a bater, mas parou-a no ar quando de repente a porta se abriu. Desejou dizer algo, mas apenas engoliu em seco. Jamila usava uma espécie de camisão branco, que alcan­çava o meio de suas coxas. Sob a camisa, um legging preto. A claridade a cercava, deixando seu rosto na sombra.

A música tocando era Chopin, Alexander notou, romântica e melodiosa.

— Você não costuma verificar quem bate antes de atender.

Quando Jamila se afastou para o lado, Alexander se perguntou se aquilo seria um convite. Não tinha certeza, não dava para ver sua expressão. No entanto, entrou.

— Eu sabia que era você.

— Mas como? Não dá para ver nada na escuridão lá fora. Jamila se virou.

— Venha, Alex. Conversaremos enquanto trabalho. A lâmpada da entrada deve ter queimado.

Trabalho?

Ele a seguiu através da sala. Ela caminhava com muita graça, leve como uma bailarina. Estava ouvindo música. Seria bailarina e estaria ensaiando para algum papel no palco que jamais obteria?

— Devia trocá-la.

— Farei isso — prometeu Jamila, ao entrar em um aposento amplo e bem iluminado.

O lugar era quase desprovido de mobília, e havia várias telas nas paredes. Sobre um carrinho, viam-se tubos de tinta, frascos com componentes desconhecidos e pincéis. Junto à mesa, um cavalete apoiando uma tela grande.

Alexander avistou outro cavalete perto da porta de vidro que levava ao pátio, onde havia duas cadeiras de ratã e uma mesinha de café. Aqueles eram os únicos móveis convencionais no aposento.

Jamila se aproximou do cavalete ao lado do carrinho e pegou um pincel.

— Então, você é pintora. — De perfil, ele viu seus olhos es­treitarem enquanto ela analisava algo na tela. Uma artista. Sim, claro.

— Falando assim, você dá a impressão de acreditar que ser artista é um crime. — Jamila tocou de leve o pincel na mistura de tintas em sua paleta. — Tem algo contra os artistas, Alex?

Alexander não respondeu e, absorta naquilo que fazia, Jamila pareceu ter esquecido da própria pergunta, além do fato de que não se encontrava sozinha.

Ali, naquela residência, Sara poderia ir para a cozinha, e de lá sair para a rua usando a porta dos fundos. E Jamila, a artista, nem sequer notaria.

Querendo provar aquela teoria, Alexander virou-se e caminhou em direção a uma porta, que calculou ser a da cozinha. Passou por ela, olhou para trás e viu Jamila lidando com as tintas e os pincéis, concentradíssima.

Acendeu a luz da cozinha, iluminando os armários de fórmica amarela com puxadores de madeira. Abriu a porta do gabinete sob a pia e encontrou vários frascos contendo limpadores instantâneos, álcool, limpa-forno e água sanitária. Ela não o seguiu. Nem devia ter percebido quando se afastou. Claro que Sara não tomaria ne­nhum daqueles produtos, pois já passara da idade de colocar tudo na boca. Mas a questão era: qualquer coisa que Sara decidisse fazer naquele lugar, Jamila não se daria conta.

Fechou a porta do armário e verificou dentro das gavetas. Em uma delas achou uma caixa com lâmpadas. Apanhou uma.

Será que Jamila notaria se ele trocasse a lâmpada lá de fora? Decerto que não. Meneou a cabeça. Apenas falar com a assistente social não adiantava. Teria de conversar com o pai de Sara, acon­selhá-lo quanto a ele estar prestes a confiar sua filha a uma mulher tão irresponsável.

Quando retornou trazendo a lâmpada, Jamila franzia a testa ao examinar a tela, uma das mãos no queixo, a outra mantendo o pincel no ar. Sua incrível concentração fez Alexander recordar a mãe, quando ela estudava algum trecho musical. Houve uma época em que ele a observava, absorta na própria fascinação, acreditando que de algum modo sua dedicação irrestrita criaria algo mágico, uma música mágica, quando soltasse a voz.

Passou por Jamila sem fazer o menor esforço para ser silencioso.

Com a porta aberta, a luz de dentro iluminou o lado de fora. Substituiu a lâmpada, e de repente uma claridade repentina ilumi­nou a frente da casa, a escada de cinco degraus sem corrimão, algo em desacordo com a lei. Uma criança corria o risco de se machucar caindo dali.

E quanto àquele carro velho? Quando foi a última vez que ela verificou os freios? Será que aquela cabeça-de-vento pretendia transportar Sara naquela sucata?

— Alex? — Ela o chamou da soleira, os cabelos castanhos captando a luminosidade de fora, tornando-se quase dourados. Sor­ria. — Podemos conversar agora...

E Jamila desapareceu dentro da residência.

Alexander a seguiu, irritado. Teria sido melhor confrontá-la pela manhã a caminho da clínica, à luz do dia.

Algo lhe aconteceu quando ela veio abrir-lhe a porta em meio a um transe artístico. Ele perdeu o controle da situação e, agora, mais uma vez, a seguia, observando o modo como a camisa larga insinuava o movimento de seus quadris. Era uma moça esguia, quase magra, embora, ao se mover, suas curvas sensuais...

"Pare com isso!"

Seguiu-a até a cozinha, preocupado.

— Aceita um pouco de chá?

— Não, obrigado. Vamos direto ao assunto. — Jamila se virou para a pia.

— Farei chá suficiente para dois, caso mude de ideia.

Ela encheu a chaleira com água e depois acendeu o fogão. Pelo menos era um fogão elétrico. Gás seria mais um elemento perigoso nas mãos dela.

Apanhou uma chaleira de sob a pia e colocou dois saquinhos quando a água ferveu.

Jamila lhe lançou um sorriso cativante, que Alexander se recu­sou a retribuir.

— Não quer se sentar?

Ficar sentado perto dela não seria boa ideia, concluiu.

Jamila de repente começou a desabotoar a camisa, que em se­guida foi descartada. Alexander engoliu em seco, mas logo respi­rou aliviado. Sob a camisa enorme ela usava um collant preto, que aderia aos seios fartos como se fosse uma segunda pele.

— Costuma usar essa camisa para pintar?

— Sim, como um avental, para proteger minhas roupas. — Alexander puxou outra cadeira e se acomodou. As coisas não estavam acontecendo como previra.

— Precisamos conversar... a respeito de Sara.

— Só um instante. Vou servir o chá.

Jamila tirou do armário uma caneca de louça. A visão de suas nádegas firmes e arredondadas ameaçou levá-lo à loucura. "Cristo!"

— Vou aceitar um pouco de chá — Alexander decidiu. Precisava ocupar as mãos, caso contrário não responderia por si. E, mais do que tudo, precisava sair dali.

Cinco minutos, pro­meteu a si mesmo. Nem um segundo a mais.

— E Sara? Como vai? — ela quis saber, após servir duas xícaras de chá e estender-lhe uma.

— Ela me preocupa. — Alexander sentiu que ainda mantinha a lâmpada queimada no bolso. Tirou-a e colocou sobre a mesa.

— Você trocou a lâmpada queimada... — Jamila gargalhou. — Bem, estava dizendo que Sara o preocupa. Por quê? Algo errado com ela? Está doente?

— Não. Estava muitíssimo saudável quando lhe dei alta, esta manhã. Acontece que a menina só tem sete anos, e seu pai não se concentra muito na seleção das pessoas que escolhe para cuidar da filha.

— Refere-se à vizinha do primeiro andar? Também me pergun­to por que Sara estava sozinha na rua, aquela noite.

— Mas não vim aqui para falar sobre a sra. Davis.—Alexander a viu arregalar os olhos verdes, cada vez mais brilhantes. — Você a convidou para vir visitá-la, não foi?

— Sim. Sara está ansiosa para ver Squiggles. — Ela tornou a rir. — Squiggles... Que nome estranho para um gato, não acha?

— Que dia ela virá?

— Na quarta-feira, após a aula. — Alexander pigarreou.

— O sr. Miller não deveria permitir que sua filha frequente a casa de pessoas que ele mal conhece e das quais nada sabe. — Após ter dito aquilo, sentiu uma ponta de arrependimento, porém, a ignorou. Afinal, não dava a mínima para a possibilidade de estar ferindo os sentimentos de Jamila Ferguson.

Ela recostou-se no espaldar, abraçando a si mesma.

— Veio aqui para me investigar? Para ver como vivo? Se sou adequada?

— Mais ou menos isso.

Jamila empurrou a cadeira para trás e se levantou.

— Vai querer ver minhas referências?

Ele também se ergueu, encarando-a, a mesa entre os dois.

— Mantém produtos químicos perigosos no armário sob a pia, e há cinco degraus na varanda da frente, sem corrimão, o que é contra a lei. E o estúdio onde trabalha contém substâncias tóxicas. Onde pretende receber Sara quando ela vier vê-la? Com o que ela se ocupará quando você ficar inspirada, começar a pintar e esque­cer por completo de sua existência?

— Não estou acreditando. Acha que trarei Sara para cá para  negligenciá-la? — Jamila tornou a abraçar-se, o olhar inocente como o de uma criança.

— Você me fez entrar aqui e foi pintar, esquecendo-se de mim. Eu poderia ter feito qualquer coisa, ter estado em qualquer lugar, e não seria notado.

— Isso é porque não me dei conta de que tinha de ficar de olho em você. Quer dizer que quer me proibir de ver Sara, porque sou pintora e a escada da frente de minha residência não tem corrimão?

— Sendo para sua segurança e bem-estar, é isso o que farei. A enfermeira disse que você ofereceu suas referências ao sr. Miller. Acho que ele devia aceitá-las.

— Quer que eu lhe dê referências?

— Quero.

— Mas não tem o direito de exigi-las, visto que não é o pai de Sara, nem seu parente próximo. Se decidiu que não sou apropriada, o problema é seu, não meu. — Jamila ergueu a cabeça, num de­safio. —A menina virá na quarta-feira, após a escola. Eu a convidei para vir, mas não sem a permissão do pai. Darei referências apenas a ele.

— Então terá de se entender com a assistente social. — De repente ele sentiu algo tocar sua perna. Olhou para baixo e viu o gato amarelo se esfregando nele. — Na certa não lhe ocorreu levar o gato ao veterinário. É um animal de rua, e precisa ser vacinado.

— Isso pode esperar até segunda-feira, quando as clínicas vete­rinárias atendem em horário normal. A não ser que queira que eu ligue para um dos números de emergência no catálogo telefônico.

— Espero que seja um pouco mais responsável e leve isso a sério.

— Se já falou tudo o que queria, pode ir agora. Ah! Se fizer questão, envie a conta pelos serviços prestados. — Ela sorriu, au­mentado ainda mais sua fúria. — Pela troca da lâmpada.

 

                                   Capítulo V

— Conheci uma pessoa — Jamila dizia, na manhã seguin­te, entrando no escritório de Liz. — Um homem muito atraente.

Sentada à escrivaninha, Liz deixou de lado o talão de cheques e levantou a cabeça para a recém-chegada.

— Diante desse seu entusiasmo, acredito que deva ser muito atraente.

Jamila se sentia feliz como nunca. Incrível. Não havia motivo para tanta alegria.

— Estou interessadíssima nele.

Liz assinou o cheque com um floreio.

— Todos esse anos você vem estudando, aprimorando sua arte, ansiando pelo momento em que será reconhecida, para poder então viver de sua arte. Justo agora, quando esse momento chegou, vem aqui e me diz isso... — Estendeu-lhe a folha.

Jamila a pegou, leu os números e fitou-a, intrigada.

— Você disse oito quadros vendidos, não foi? Mas isto é muito mais...

— Consegui vender mais três.

O cheque que tinha na mão fora preenchido com uma quantia inacreditável para Jamila.

— Quais foram esses últimos?

— Tarde de Sexta-feira, O Farol de Port Townsend e Primavera.

— Sentirei falta deles, sobretudo do Farol.

— Sempre sente falta dos quadros que vende, Jamie.

— Tem razão. Mas não hesitarei em vender todos eles. Sabe o quanto sonhei, o quanto tenho sonhado com isso, desde a primeira vez que vim a sua galeria, quando tinha doze anos.

Liz foi abraçá-la.

— Sabe que me preocupo com você, Jamie, por isso fiquei tão surpresa quando chegou aqui falando do homem que conheceu. Nesses anos, eu poderia tê-la apresentado a uma dúzia de rapazes excelentes, que tenho certeza, não iriam desviá-la da sua arte.

— Nada me desviará. Terminei um novo quadro. Representa um homem voltando para casa em meio a uma tempestade.

— Ele?

— No início não era para ser, mas agora, sim, é ele.

— Preciso de um café. Trarei chá para você, em seguida nos sentaremos e irá me falar desse ser especial.

Mas Jamila não conseguia ficar sentada. Foi para a janela, onde podia ver o sol incandescente anunciando a chegada da primavera. Virou-se e recostou-se no parapeito. Liz retornou, trazendo duas xícaras.

— Ele não gosta de mim, mas a química entre nós é poderosa. Nunca me senti desse jeito antes.

— De que jeito?

— Com a impressão de que estou febril, sentindo tontura, ca­lafrios... — Riu, emocionada.

— Mas vocês não...

— Eu o beijei. Ou ele me beijou, não tenho certeza.

— Pretende tornar a vê-lo?

— Sim, claro.

Alexander a desejava, estava certa disso, e estaria certa mesmo antes do beijo ardente que trocaram.

— Mas, Jamie, você mesma confessou que o homem não gosta de você!

— Porque ainda não me conhece. O antagonismo... deve ser química. Bem, já vou indo. Preciso levar o gato ao veterinário. Depois irei para casa.

Jamila alcançava a porta quando Liz acrescentou:

— Cuide-se, ouviu bem?

— Liz, meu bem, estou com vinte e oito anos, e talvez seja a única virgem nessa idade em toda Seattle.

Conheci alguém, um rapaz que me encantou, um que quero ter como amante. Não é uma questão de escolha, ou de ter cuidado. Acontecerá, eu sinto isso.

— Traga-o aqui. Quero conhecê-lo.

— Farei isso. E fique tranquila, pois não interferirá com o meu trabalho. Você terá todos os quadros de que precisa, e antes do programado.

Na quarta-feira, às duas da tarde, entre atender uma garota de treze anos sofrendo de anorexia e um bebê de seis meses com sarampo, Alexander recebeu um telefonema de Diana.

— Conseguiu as planilhas? — ela perguntou, a voz distorcida, um efeito da transmissão telefônica via satélite.

— Vou apanhar amanhã, com Dennis.

— Ótimo. Gostaria que você as enviasse para mim, via fax. Tive uma conversa bastante compensadora com vovô. Mande uma cópia para ele também. Estão perto de uma decisão, Alex.

— Que bom!

— Nós vamos conseguir nosso centro de tratamento.

Eram sete da noite quando Alexander deixou o hospital. Pouco depois, estacionava diante da casa de Jamila.

A lâmpada que ele instalara no domingo à noite iluminava o corrimão recém instalado na escada, em ambos os lados dos cinco degraus. Entre o domingo e a quarta-feira, ela conseguiu que al­guém fizesse aquele serviço. Para que Sara ficasse em segurança? Ou porque não queria mais ser importunada?

Na verdade, não havia nada de errado com Jamila, nada que a desabonasse. Em sua residência não existia nada que pudesse re­presentar algum perigo para Sara.

Subiu devagar os degraus, sua inquietação aumentando. Segu­rou o corrimão e se perguntou o que, afinal, estava fazendo ali.

O risco na escada da frente deixara de existir. Na certa, ao ve­rificar a cozinha, descobriria que todos aqueles produtos químicos, tão nocivos, já não se encontravam mais sob a pia. No entanto, o perigo que Jamila representava era mais insidioso. A garotinha, órfã de mãe e carente de afeto, seria atraída pelo calor e a afeição da nova amiga, por seu brilho e por sua risada suave. Sara se sentiria segura com ela, quando na verdade não havia segurança alguma.

A garota se tornaria dependente dela, até que, certo dia, Jamila partiria, deixando-a mais só do que nunca.

A porta foi aberta segundos após Alexander ter batido.

Naquela noite, um macacão preto e justo a cobria do pescoço aos tornozelos.

— Não está pintando?

— No momento, não, mas estive, até agora. — Com os cabelos puxados para trás, ela parecia muito séria. — Quer ver o que fiz?

Melhor não, pensou ele, mas a seguiu ao longo do corredor, forçando-se a manter o olhar fixo em sua nuca, afastado do balanço gracioso de seus quadris.

Quando parou meio hesitante à entrada do estúdio, Jamila o pegou pela mão e o conduziu até o cavalete. Lá, o soltou, recuando um passo.

O que era aquilo? Um oceano, Alexander concluiu, mas logo viu que não. Eram apenas ondas azuis... algo de tirar o fôlego, no modo como as linhas e cores tomavam forma.

— Que nome dará ao quadro?

— Ainda não decidi.

— É isso que você faz? Arte abstrata?

— Gosto de pintar pessoas e o mundo no qual vivem. Mas este trabalho é diferente. Estou com fome, Alex. Não lembro quando foi a última vez que comi algo. E quanto a você?

Alexander não respondeu, atento ao quadro. Não sabia dizer o que exatamente ela pintara, mas ao fitar a tela via apenas desejo. Precisava ter aquela mulher em sua cama.

Ou na cama dela. Desse modo, teria mais chances de ir embora depois.

Afastou-se, parando no meio da sala.

— Fez um belo trabalho, Jamila.

— Acha mesmo?

— Não dá para definir o que ele representa, mas sem dúvida é forte.

Por que será que o incomodava tanto descobrir que ela era tão boa artista?

— Obrigada. E então, comeu alguma coisa antes de vir?

— Não.

— Nesse caso, vou preparar algo para comermos.

Alexander a acompanhou até a cozinha. Um passo, dois, e ele segurou seu braço.

— Não prepare nada, Jamie. Vamos a um restaurante.

— Qual? — quis saber, a pulsação acelerando sob o toque dele.

— Um que conheço e do qual gosto muito.

Se Alexander não saísse logo dali, na certa a abraçaria e provaria seus lábios, saboreando seu beijo, mergulhando nele até obter aqui­lo que tanto desejava.

Soltou-a.

— Vista algo adequado e vamos embora.

 

                                       Capítulo VI

Algo bem feminino, Jamila decidiu, examinando as roupas no armário. Afinal, seria a primeira vez que ela e Alexander sairiam juntos.

Tentou adivinhar se ele viera para lhe dar sua aprovação quanto a Sara ou se, tal qual ela, não conseguia esquecer aquele beijo.

Pretendia fazer-lhe perguntas durante o jantar, absorver tudo o que pudesse de Alexander Kent.

Embora nada tivesse acontecido entre eles, Jamila se vestiu como uma mulher se vestia para seu amante. Ainda bem que to­mara banho pouco antes de ele chegar.

Procurou no armário até encontrar o corpete de renda preta. Sobre ele, o vestido de seda verde com uma fenda lateral, que lhe dava um ar muito sensual.

Colocou brincos de esmeralda e calçou sandálias de salto alto. Recuou diante do espelho do quarto. O vestido estava perfeito, mas os cabelos precisava de um toque. Escovou-os até brilharem, sedosos, alcançando-lhe os ombros. Passou batom com mãos trêmulas.

Incrível. A atração que sentia por Alexander era tão forte que a deixava vacilante, a ponto de não conseguir aplicar a máscara nos cílios. Será que aquela força que a fazia tremer era a mesma que o irritava tanto? Riu de si mesma e desistiu do rimel.

Encontrou-o no estúdio, apreciando o quadro O Homem na Chuva, que ela apoiara contra a lareira, que nunca era usada. Ale­xander se virou ao sentir sua presença, e Jamila se perguntou se ele notou que ela o pintara.

Como poderia? O homem no quadro, encolhendo-se na chuva, caminhando apressado ao encontro de seu amor, chamava-se Ale­xander. Mas aquele a seu lado, em sua casa, jamais saberia disso, a menos que ela contasse.

Diria a ele, quando se tornassem amantes.

— Podemos ir? — Alexander a analisou de cima abaixo. Jamila tentou ler sua expressão. Queria saber se ele gostava do que via, de seu vestido verde, dos brincos de esmeralda.

— Sim, podemos. — Ele nada comentou.

Jamila se dirigiu à saída, um sorriso no rosto. Podia apostar como Alexander gostara. Imensamente.

Alexander a levou ao Eduardo's, onde o mattre o saudou, tratando-o com intimidade, e sorriu para Jamila.

— Srta. Ferguson, é bom tornar a vê-la.

— Obrigada, Max.

— Já esteve aqui antes? — Alexander quis saber, ao serem conduzidos por Max à mesa, perto do piano.

— Costumo jantar aqui com meu pai, embora não com muita frequência nos últimos tempos.

O maitre puxou a cadeira para que ela se sentasse, e Alexander se acomodou no lado oposto. A iluminação era suave o bastante para criar um clima, embora desse para ver sua expressão, observar seus olhos.

Ele pediu champanhe.

— Por que você e seu pai não têm jantado juntos? — indagou ele, quando ficaram a sós.

— Papai é perito contador, e todos os anos, em fevereiro, sua vida social fica para segundo plano, de tanto trabalho que tem. Estamos em março, e mesmo assim, papai continua tão ocupado que só nos encontramos para um almoço rápido. Costumamos ir a um dos restaurantes no piso térreo do Edifício Bettner. E assim será até se encerrar o prazo da entrega do imposto de renda.

— Ele é mesmo perito contador?

— Sim, por quê? Acha estranho? O que achou que meu pai seria?

Alexander deu de ombros.

— Não sei... Mas você disse Edifício Bettner? Ferguson & Co., é esse o escritório de seu pai?

— Esse mesmo.

— Ele costumava fazer meu imposto de renda.

— Não! Que coincidência! Mas não se preocupe, Alex. Eu ja­mais tentaria ler as informações confidenciais em seus arquivos.

Jamila gostaria de saber o que ele diria se soubesse que ela havia trabalhado com o pai, que pedira demissão dois meses após ter sido aprovada nos exames e ter obtido o certificado de perita contadora.

De repente, ouviu um homem exclamar atrás dela.

— Alex! Eu estava falando justo de você!

Ao se virar, Jamila viu um senhor de seus sessenta e tantos anos de idade, usando bengala para caminhar. Ele estendeu a mão para Alexander, que se levantou e correspondeu com formalidade a seu cumprimento. Negócios, Jamila concluiu. Não eram amigos.

— Conhece Jamila Ferguson? — Alexander apresentou. — Ja­mie, este é Cyril Thurston.

Ela sorriu e cumprimentou-o. Sabia quem era aquele homem. Cyril Thurston, o presidente da Fundação Thurston.

— Espero que aproveite bem seu jantar, senhor.

— Sem dúvida, você está aproveitando o seu. — Thurston sor­riu, enigmático.

Alexander interveio:

— Estávamos discutindo uma paciente.

— Você é médica? — Thurston quis saber.

— Artista plástica.

— A srta. Ferguson se interessa muito por uma de minhas pa­cientes — Alex explicou.

Ele pareceria constrangido, Jamila notou, observando-o trocar cortesias com Thurston. Casado. Claro. Como pôde ser tão tola? Qualquer imbecil saberia que um homem bonito como Alexander devia ter uma esposa.

Nem sequer considerou aquela possibilidade. Mas como pode­ria saber, se ele não usava aliança? Seria daqueles que a escondiam para não revelar seu verdadeiro estado civil?

Alexander não parecia ser tão canalha, dava a impressão de ser um homem de bem. Jamila assumira que era um médico sempre pronto a ajudar as crianças, alguém que sentia a mesma “química” que ela, mas lutava contra isso devido a sua natureza cautelosa.

— Espero poder enviar-lhe a documentação dentro de um ou dois dias — dizia Alexander a Cyril.

— Estarei aguardando. Bom jantar... E diga alô a Diana por mim.

Ele era casado, e o nome dela era Diana.

Jamila ficou olhando Cyril Thurston se afastar. Alexander não gostou de ser surpreendido com ela. Aquilo tornou-se óbvio no modo como informou a Thurston que estavam no local para "dis­cutir uma paciente".

— Querem fazer os pedidos? — o garçom ofereceu.

Jamila assentiu, e Alexander deve ter feito a mesma coisa, por­que o rapaz fez uma leve reverência e se voltou para Jamila.

— Fettucini com molho de frutos do mar — pediu ela, mais por hábito.

— Filé à Nova York — foi a escolha de Alexander. Quando o garçom se afastou, Jamila estava pronta para enca­rá-lo com uma pergunta:

— Por que me trouxe aqui? Para discutirmos Sara? Continua achando que não sou uma companhia adequada para ela? — Jamila então se deu conta que podia haver outro motivo, mais intricado, para aquela atitude em relação à menina.

— Como conseguiu alguém que colocasse o corrimão tão rápido?

— Páginas Amarelas. Recorro sempre a elas. — O garçom trouxe a entrada.

— Você está muito preocupado com minha amizade com Sara. É assim tão protetor com todos os pacientes?

Alexander não respondeu.

— Como foi que se tornou uma artista, Jamie?

— Pintando.

— Quando foi que decidiu ser pintora? Não acho que seja uma escolha muito prática.

Jamila não pretendia tornar a vê-lo, já que era casado, mas apro­veitaria aquele jantar até o fim.

Pegou um pãozinho e partiu ao meio. Sentiu que Alexander a fitava espalhar a manteiga no pão.

— Você acha, Alex, que o fato de ser prático ou não deve mo­tivar a escolha de uma carreira?

— Muitos adotam a arte como um hobby, porque, financeira­mente falando, ser artista traz algumas desvantagens. Claro que se seu pai deve ajudá-la nesse sentido.

— Acha que preciso disso? — Jamila lembrou-se da batalha que teve de travar em casa com sua família quando decidiu estudar artes plásticas. Largou o pão e inclinou-se na direção dele. — Você não me tem em alta conta, não é? O que você pensa de mim?

— Que é irresponsável, impulsiva, passional, bonita e charmo­sa, além de imprevidente.

Jamila recostou-se no espaldar.

— Minha vez. Acho-o bonito, inteligente, convencional, frio e metido a julgar pessoas. Veja só como lida com o pão. Cortou-o com a faca, e com precisão, porque partir com a mão seria por demais impulsivo. É desse modo que lida com a vida, sempre deduzindo, raciocinando?

— Acha seu método melhor, dilacerando coisas, sem parar para pensar no que faz?

Jamila pegou o pão do prato e olhou para a irregular distribuição de manteiga com prazer perverso. Podia ter dito a ele que acabara de expor seus trabalhos na Northern Imagens, e que o lucro obtido com a venda de suas obras no último fim de semana seria suficiente para sustentá-la durante um ano inteiro.

— Sou uma artista porque essa é minha paixão, mas se você acredita ser médico porque é prático, está mentindo para si mesmo.

— Por que acha que sabe alguma coisa a meu respeito?

— E você? Por que acha que sabe alguma coisa a meu respeito? Só porque me viu partir o pão ao meio me tornei um perigo pú­blico? Quando foi que descobriu que queria ser médico, Alex? Quantos anos tinha?

— Doze.

— Por que médico, e não um perito contador? Um médico ganha um bom dinheiro, mas corre o risco de ser processado, com tantas mortes acontecendo nas mãos deles. Sendo um contador ficaria rico, como meu pai, e nessa área ninguém morre. Não seria mais prático?

Quando Alexander se inclinou para a frente, por um instante Jamila sentiu medo.

— Não sabe o que está falando — acusou-a, rude. — Quando eu tinha doze anos, meu irmão sofreu um choque de insulina e morreu. Eu teria feito qualquer coisa para salvá-lo. No entanto, sendo um perito contador, não haveria nada que pudesse ter feito, além de cuidar das despesas médicas.

— Oh, Alex, sinto muito... Não sabia da morte de seu irmão.

— Ele faleceu porque as pessoas que deviam tratar dele foram descuidadas, como você é descuidada em relação a Sara.

Jamila estendeu a mão para a dele.

— A culpa não foi sua... era apenas uma criança. Deve ter sido terrível perder um irmão aos doze anos. — Quis muito tocá-lo, mas as mãos dele desapareceram sob a mesa.

— Aqui está nossa salada — disse Alexander, quando o garçom se aproximou.

— Por que me convidou para jantar, se não me aprova? — Alexander apenas levantou a cabeça, o olhar distante. — Você me acusou de ser egoísta, impulsiva... Não sabia que isso era pecado.

Ele espetou um pedaço de alface com o garfo.

— É sempre assim tão intensa, Jamie?

— Sou. Essa deve ser mais uma característica que você desa­prova. Por que fez questão de sair comigo, Alex?

— Precisávamos conversar sobre Sara.

— Não poderíamos ter feito isso lá em casa? Já que condena minhas atitudes, não existe nenhuma razão prática para estarmos aqui. Devia ter aparecido lá esta tarde, quando a garota estava comigo. Teria tido oportunidade de nos ver juntas e de decidir se de fato sou imprópria.

— O mundo não gira em torno de você, Jamie. Estive o dia todo com uma criança muito doente.

— Essa deve ser uma linha designada para me colocar em meu lugar. — De repente ela se sentiu cansada daquele confronto e se levantou. — Desculpe-me, Alex.

Ele também ergueu, suas maneiras impecáveis. Ela pegou a bolsa e quase correu para o banheiro, determinada a não olhar para trás. Se tivesse bom senso, aproveitaria a oportunidade e iria embora.

 

                                   Capítulo VII

Por que precisou dizer a Thurston que ele e Jamila estavam discutindo uma paciente? Embora fosse verdade, ou quase, aquilo soou como se tivesse algo a esconder, como se aquele jantar com Jamila fosse uma coisa proibida, como se estivesse traindo Diana. Não que ele e Diana fossem um casal. Pelo menos, ainda não eram, embora Thurston acreditasse que sim. E por que Jamila teve de dizer que era uma artista?!

Será que ela pretendia ficar a noite toda naquele toalete? Ou será que decidiu ir embora, deixando-o plantado ali, àquela mesa, com dois jantares prestes a ser servidos? Aquela irresponsável era bem capaz disso.

Jamila apareceu justo quando Alexander começava a duvidar que algum dia tornaria a vê-la. Não que importasse. Melhor seria se desaparecesse e ele nunca mais tivesse notícias dela. Podia ficar de olho em Sara a distancia, sem precisar sair para jantar com aquela maluca.

Quando ela parou próxima dele, Alexander se levantou para puxar-lhe a cadeira.

— Achei que não fosse mais voltar...

— Confesso que considerei a possibilidade.

— Então por que aceitou jantar comigo?

— Porque acreditava que nós nos tornaríamos amantes. — Alexander quase engasgou com a água que levara aos lábios.

Depositou o copo no tampo, notando a pulsação na garganta de­licada e lutou contra a necessidade urgente de tocar o local com a boca.

— Mas isso foi antes de eu descobrir que você é casado.

— Casado? Eu? De onde você tirou essa ideia?! — Jamila fez um gesto em direção a Thurston.

— Você me pareceu bastante culpado diante dele. Tentou des­pistar, alegando que estamos aqui para discutir uma paciente.

— E não é verdade? Viemos por causa de Sara. Saiba que não sou casado, embora esteja meio comprometido. O nome dela é Diana.

— Diana. O sr. Thurston pediu você que desse alô para ela quando se falassem. Quando será isso?

— Esta noite. Onde foi que estudou artes?

— O que o faz pensar que estudei? — Seus olhos verdes se tornaram frios. — Talvez tenha apenas comprado alguns pincéis e começando a pintar.

— Calculei que tivesse estudado. Seu pai deve ter insistido nisso, e na certa pagou por seus estudos.

— Muito pelo contrário. Papai achava que eu estava destruindo meu futuro. Disse que, se eu queria ser uma artista, teria de ser por minha conta.

— Mas ele lhe pagava almoços.

— Sim. E não pense que algum dia tentei tirar vantagem disso. Cursei a Escola de Arte e Design com a ajuda de uma bolsa de estudos. Trabalhei em uma galeria de arte para ajudar nas despesas. Acredite ou não, pago todas as contas em dia.

— Eu não disse que não.

— No entanto, me acusou de ser irresponsável. Nisso está in­cluído ser negligente com as obrigações.

Alexander se perguntou o que aconteceria se a pegasse pelos ombros, se a sacudisse... e se beijasse.

— Mas você deve ter feito outros cursos.

— Fiz um curso de administração de negócios antes de frequen­tar a escola de arte.

— É mesmo? E por quê?

— Porque meu pai esperava isso de mim e eu o amo, embora desde os doze anos sonhasse em ser pintora. — O sorriso dela cintilou, mas se apagou rápido.

— Estranho nós dois termos de­cidido o que queríamos ser quando crescêssemos aos doze anos. Minha decisão também foi influenciada por um caso de morte.

— O que houve?

— Minha mãe faleceu pouco antes de meu aniversário. Foi quando uma amiga me ajudou a descobrir a arte. Eu acreditava que, de algum modo, se me tornasse uma grande pintora, seria como se mamãe tivesse voltado para mim. Você pode dizer que isso é ir­racional, mas era no que eu acreditava.

— E fez o curso de administração só para agradar a seu pai. — Ele lidava com adolescentes o bastante para entender que perder a mãe, ou o pai, aos doze anos podia deixar marcas profundas.

— Estudei em uma excelente universidade, me formei com lou­vor, mas no fim de nada adiantou.

— Sara a faz lembrar-se de si mesma quando menina?

— Talvez. Eu jamais a magoaria, Alex.

Talvez ela acreditasse que não, mas algum dia a paixão pela garota terminaria, assim como sua paixão pela pintura.

Do outro lado da mesa, Alexander a viu pegar o garfo e enrolar ofettucini. Pegou a faca e se concentrou em seu bife.

"...acreditava que nos tornaríamos amantes."

Tolice. Não iria discutir aquilo. Não naquele momento.

Uma hora depois, percorrendo as ruas tranquilas de Seattle, rumo à casa dela, Jamila se mantinha em silêncio, a cabeça reclinada para trás no assento de couro, o som de Chopin a embalá-la.

Alexander parou na entrada, desejando ser convidado para en­trar, mesmo ciente de que recusaria o convite. Jamila o fitou e sorriu. Em seguida, abriu a porta antes que ele tivesse a chance de fazê-lo.

Ele saiu do automóvel e pegou as chaves da mão dela. Sobre­vivera ao jantar, e agora era hora de dizer adeus.

Destrancou a porta e a manteve aberta, mas Jamila não entrou.

— Diga-me, Alex, você e Diana têm um compromisso?

— Não.

— São amantes?

— Ainda não. Mas pretendo me casar com ela. Diana é a mulher que quero como esposa.

— Porque seria prático? — Alexander apenas assentiu.

— E ela não é nem impetuosa, nem irresponsável?

— De forma nenhuma. — Ele desejou apontar as inúmeras virtudes de Diana, mas Jamila, com seu frescor e suavidade, im­pregnava seus sentidos.

— Quero que você me beije uma última vez antes de voltar para Diana. Para guardar essa lembrança comigo.

Alexander não se lembrava de tê-la puxado de encontro ao peito, embora tivesse feito isso. Encontrou sua boca entreaberta, ávida de paixão. Arfou, abraçando-a apertado enquanto a beijava. Ela correspondia, a língua dançando com a dele em um ritmo enlouquecido.

Precisava senti-la mais ainda. Entrou na sala, sem parar de bei­já-la, e girou o corpo, prensando-a contra a parede. Sentia-se rígido de excitação, e ansiou por perder-se por completo dentro dela.

Suas mãos escorregaram e modelaram seus quadris, e um sus­piro, ou um gemido, escapou da garganta dela. Ou da dele. A cintura de Jamila era tão frágil, os seios tão fartos, Alexander notou ao afagá-la até encontrá-los.

O mamilo delicado endureceu contra sua palma, arrancando dela um suspiro. Ele quase arrancou os botões do corpete, e afastou para o lado o tecido de seda do vestido verde. Em seguida, cur­vou-se e lambeu a curva suave de seu seio.

Jamila gemeu alto e Alexander recuou, fítando-a com olhos semicerrados, embaçados pela paixão.

— Jamie... Isso é loucura.

Jamila se afastou dele e ajeitou o vestido, mas os botões conti­nuaram abertos sobre a renda negra do corpete, o que a tornava ainda mais sensual.

— Minhas chaves, Alex.

Ele precisava arrastá-la para a luz e tentar saber o que seu sem­blante revelava. Mas, se tornasse a tocá-la, sabia que estaria perdido.

— As chaves? — Tirou-as do bolso, meio zonzo, e colocou na mão dela, com cuidado para não tocá-la.

Jamila permanecia diante dele, com os seios meio desnudos. "Deus, não terei forças para deixá-la!"

— Vá, Alex. E não volte, nunca mais. — Jamila abriu a porta, sem olhar em sua direção, enquanto ele saía.

— Que nome lhe dará? — Liz quis saber, caminhando devagar para a direita do quadro que Jamila terminara na véspera.

— Ainda não sei.

— O jogo de cores ficou uma beleza. Está... deslumbrante! Aquela tela era totalmente diferente das outras, nada tinha a ver com os retratos e as paisagens que costumava pintar.

— Não é necessário olhar duas vezes para se concluir que é um Jamila Ferguson. O uso audacioso de tons contrastantes, uma qua­lidade da emoção que desperta... Magnífico. O que pretende fazer a seguir? Outro abstrato?

— Creio que sim.

— Uma série deles seria um sucesso. Mesmo sendo apenas três. Podemos expor todos na parede da fonte. Cinco seria o ideal, e sugiro um nome para toda a série. Seria interessante. Pense nisso enquanto trabalha neles. Onde está O Homem na Chuva?

Jamila apontou para a parede atrás de Liz, que virou-se para analisar a tela.

Sentia-se inquieta aquela manhã. Acordou de madrugada e pas­sou horas trabalhando em um novo quadro, pintando seus sonhos, toda sua tensão sendo transferida para as cores e emoções na tela.

As oito da manhã, viu-se ansiosa por notícias de Alexander. Será que ele ligaria? Apareceria em sua casa?

Alexander a beijara duas vezes. O primeiro beijo foi mágico, sedutor. O segundo...

Quantas pessoas faziam amor sem jamais ter sentido a magni­tude daquilo que lhe aconteceu nos braços dele? Sentiu-se viva, desperta, passional e cheia de volúpia. Ao acordar, tratou de trans­ferir tudo aquilo para a tela.

Jamila se esforçou para voltar para o presente e para Liz.

— Fiz as reservas para nosso almoço. Podemos ir. Deixe-me apenas verificar se Squiggles tem água e ração suficientes.

Minutos depois, as duas estavam de saída, quando o telefone tocou.

Jamila sabia quem era. Alexander parecia não conseguir ficar longe dela por muito tempo. Mas ele tinha a mulher que queria. Era um homem que planejava todos os passos que dava. Não tinha tempo, nem inclinação para um romance ardente, tempestuoso com uma artista que, embora desejasse, não aprovava.

— Não vai atender, Jamie?

— Não. Vamos embora.

— E se for ele?

— Não deve ser. Mas é melhor esquecê-lo. Está envolvido com alguém... Uma moça com quem pretende se casar.

Liz meneou a cabeça.

Jamila pretendia ocupar-se todas as noites. Ligaria para o pai naquela tarde e o convidaria para jantar na sexta-feira.

Após o almoço, Jamila e Liz se despediram na saída do restau­rante. Jamila seguiu para o banco, pretendendo quitar o saldo do empréstimo de estudante. Aplicou o restante do dinheiro, ficando com apenas o suficiente para a compra de um novo cavalete, e para as despesas dos próximos meses. Tendo cuidado, aquela quantia poderia durar um ano inteiro.

Ligou para o pai ao chegar em casa, ele estava com um cliente. Jamila deixou uma mensagem e foi para o estúdio. Squiggles dor­mia encolhido na cadeira perto da porta do pátio.

Ela parou diante do cavalete, examinando o trabalho. Olhava com crítica para o traçado irregular de linhas verdes e vermelhas. Por demais distintas, por demais concretas. Pegou o pincel e se concentrou.

Duas horas depois, largou o pincel e recuou. Aquela, sem dúvi­da, seria sua melhor obra.

Quando o telefone tocou, ela correu para atender.

— Jamie? Lamento, meu bem, mas só tenho alguns minutos. O que deseja, filhinha?

— Papai, você jantaria comigo amanhã? Faz quase um mês que não nos vemos.

— Minha querida, sabe que estou atarefado até o pescoço. Que tal deixarmos para a semana que vem? Poderíamos almoçar juntos e colocar os assuntos em dia. — Aquela resposta era previsível.

— Mesmo com tanto serviço, você precisa comer. Comprarei algo e almoçaremos em sua sala. Vinte minutos apenas. Acho que não o atrasará tanto.

— Está bem, mas terá de ser rápido.

— Amanhã, então.

— Certo.

Estava a meio caminho da cozinha quando o telefone tocou.

— Alô?

— Onde esteve o dia inteiro?!

— Alex? Aqui mesmo, em casa.

— Liguei três vezes!

— Saí para almoçar, voltei e pintei o restante do tempo. Não ouvi o telefone tocar.

— Por que não compra uma secretária eletrônica? Não tenho tempo para ficar pendurado nesse aparelho.

Jamila respirou fundo.

— O que é agora, Alex?

A pergunta o fez silenciar por um momento, até que disse:

— Irei jantar esta noite na casa de minha irmã. Um jantar de negócios. Meu cunhado está preparando uma documentação para mim e preciso vê-lo. Queria que fosse comigo. Use algo casual.

— Está me convidando para jantar com sua família? Por quê?

— Isso importa?

Sim, importava. E muito.

— Passarei para apanhá-la às seis.

 

                                   Capítulo VIII

Minha nossa, Alex, são três da tarde! Podia ter me avisado. Programei algo simples, só para nós. Quem é essa moça que virá com você?

— Não se estresse, Paula. Compre comida pronta, se preferir. — Não se trata disso. Essa mulher... Vocês estão saindo juntos?

— Não. Ela cuida de uma das minhas pacientes.

— É enfermeira?

— Também não. Precisávamos conversar, e eu também tinha de falar com seu marido, portanto, decidi unir o útil ao agradável. Mas agora, Paula, se não se importa, tenho alguns telefonemas a fazer.

— Mas eu... Oh, deixe para lá. A que horas pretende chegar?

— As seis e meia. Até lá.

Devia saber que Paula ficaria curiosa, mas estava envolvido demais nele mesmo, nas próprias necessidades, para pensar em outra coisa.

Necessidades. Repudiou o termo, substituindo-o por "objetivos". Pegou o telefone para falar com a mãe de um de seus pacientes.

Jamila abriu a porta para Alexander e de imediato percebeu sua expressão fechada. Será que não gostou de sua aparência, ou já chegou zangado?

Ele disse "casual", e ela optou por calça jeans e camisa preta de seda. E sandálias de salto alto.

— Boa noite, Alex. — Pondo-se na ponta dos pés, beijou-o no rosto.

Alexander ficou ainda mais tenso.

— Vamos embora. — E a fez entrar em seu luxuoso automóvel, no qual o motor zunia, suave.

— Estamos com pressa?

— Paula e Dennis nos aguardam.

Bem, pelo menos agora eles tinham um nome, sua irmã e seu cunhado. Alexander convidou-a para jantar com sua família, no entanto, não demonstrava prazer algum em estar em sua companhia.

— Isto é um encontro, Alex? Porque, se for, não está parecendo.

— Você não é artista? Eu sempre soube que eles não se preo­cupam com nada. Por que não deixa o barco correr, como seus colegas costumam fazer?

Alexander a tratava feito uma tola, que não precisava saber aonde a levavam. Quando Jamila decidiu que eles seriam amantes, lhe pareceu uma decisão simples, inevitável. Mas não antecipou aquela relutância, embora ele não tivesse demonstrado nem um pouco de má vontade quando a beijou.

Envolvida pela música do CD, ela sentiu como se seu próprio eu estivesse sendo esvaziado. Em defesa própria, estendeu a mão e desligou o som.

Silêncio.

— Não gosta de música, Jamie? — Conversar. Eles precisavam conversar.

— Sara ficou emocionada quando esteve em casa ontem e viu Squiggles. Brincou o tempo todo com ele, mas o que mais gostou foi de alimentá-lo.

— Hum...

— Não sei por que motivo Sara não pode ter um gato. A po­brezinha perdeu a mãe no ano passado e não tem irmão com quem brincar. Fica muito sozinha naquele apartamento, com ou sem a sra. Davis. — Jamila ouviu-se falando rápido demais. — É verdade que o condomínio não permite animais no prédio, mas pelo amor de Deus! Que mal faria um gatinho?

— Você não faz muita questão de seguir as normas, não é verdade?

Jamila se virou no assento para encará-lo, mas não pôde ver seu rosto. Parecia concentrado na direção.

— Só quando faz sentido.

— No prédio onde Sara mora, assim como em qualquer outro, existem normas a serem cumpridas, e no dela existe uma que proí­be a permanência de animais dentro de suas dependências.

— Ah, se Sara fosse minha filha... Eu não respeitaria essa norma tão ridícula.

— Parece esquecer que, sem normas, o mundo viraria um caos.

— Um pouquinho de caos não mata ninguém.

Claro que Alexander jamais aceitaria aquilo. E, embora ela não fosse capaz de parar de discordar dele, naquela noite ansiava para que eles ficassem em paz. Na véspera, chegaram a trocar insultos, e as palavras magoaram.

— Disse que tem negócios a tratar com seu cunhado, Alex. De que tipo?

— Dennis é meu contador.

— Ah, aquele que você preferiu ao meu pai? Fez isso por fide­lidade familiar?

Alexander fez uma volta e Jamila o viu olhar pelo retrovisor. À direita dela, a estátua de uma figura grega marcava uma entrada particular de carros. Deixaram o mundo comum lá fora e adentra­ram a espaçosa propriedade em Laurelhurst.

— Rogozza? Seu cunhado é Dennis Rogozza? — Alexander assentiu.

— Ele e meu pai já participam juntos de alguns congressos. — Jamila sorriu. — Mas não o conheço. Há quantos anos ele e sua irmã são casados?

— Alguns.

Ela suspirou, frustrada.

— Você é sempre assim mal-humorado, ou é só quando estou por perto?

Sem responder, Alexander dirigiu até a entrada da residência. Ansiando por alguma resposta dele, Jamila insistiu:

— Sua irmã mora aqui?

— Sim.

— Bela propriedade... — Soltou o cinto de segurança enquanto ele estacionava.

Jamila saiu do BMW antes que ele viesse abrir a porta e olhou ao redor. Gramado bem cuidado, árvores frondosas.

— Está parecendo que você terá assuntos fascinantes para dis­cutir, hoje. Por que decidiu me trazer?

De repente, a porta principal se abriu e uma mulher de cabelos claros e curtos veio recebê-los.

— Como sempre pontual, Alex. — Desceu os quatro degraus e estendeu a mão para Jamila. — Sou Paula. Alex não me disse seu nome.

— Jamie. Obrigada pelo convite. Paula trocou um olhar com o irmão.

— Espero que nos desculpe pela bagunça, Jamie. Danny, meu filho de dois anos, é um bagunceiro.

No entanto, contrastando com o aviso de Paula, a residência se encontrava impecável. No hall, o piso de madeira brilhava de tão limpo. Na sóbria e elegante sala de estar, o carpete dava sinais de ter acabado de ser aspirado. A única coisa que destoava do am­biente era um estoque multicolorido de brinquedos de plástico no chão, em volta do bebê, que com dificuldade se levantou quando eles adentraram o recinto e correu para Alexander.

— Tio Alex!

Alexander tomou no colo, abraçando o sorridente garotinho.

— Ei, Danny Boy! Onde está seu pai?

Danny desvencilhou-se do abraço do tio, que o colocou de pé outra vez, e pegou-lhe a mão.

— No escritório. Vem!

E Alexander o seguiu, deixando Jamila a sós com Paula.

— Alex disse que você é artista. Pintora, não é?

— É sim. Isso mesmo. — Jamila colocou as mãos nos bolsos da calça, pouco à vontade com a anfitriã. — Estou expondo meus trabalhos na galeria Northern Imagens.

— Creio que já estive lá. Fica na Pioneer Square.

Jamila fez que sim, sorrindo. Não tinha uma pista sequer do que dizer.

— Tenho algumas gravuras de McKenzie. — Paula apontou em direção à lareira.

— Ali está uma delas. Alex trabalha com Emma, a mulher de Gray McKenzie. Vimos essa obra quando fomos ao casamento deles, no ano passado. Desde então, viramos colecionadores.

— De fato é uma beleza. Precisa de ajuda, com o jantar?

— Não se incomode. Está tudo sob controle. Mas sente-se. De­seja tomar algo?

— Não, obrigada. — Jamila sentou-se no longo sofá branco, porque isso era esperado, embora tivesse preferido ir ver de perto a gravura de McKenzie, dando a si mesma algo para fazer.

Paula preferiu a poltrona forrada com tecido brocado.

— Mora aqui em Seattle?

— Sim, moro.

-— Como foi que conheceu Alex?

— No hospital. Não sei se ele comentou, mas houve um aci­dente. Atingi uma garotinha com meu carro. Não pude evitar. Ela atravessou a rua correndo na minha frente. Graças a Deus não foi nada grave.

— Ela está bem agora?

— Felizmente, sim. Esteve em casa ontem.

— Que bom. Com licença. Preciso verificar algo na cozinha. Um gato branco, macio e lustroso, passou pela porta em arco.

Virou a cabeça aristocrática e pôs-se a estudar Jamila de maneira bastante desdenhosa.

— Você também? Ora...

— Gato! — E Danny correu titubeando na direção do bichano. Atrás dele vinha Alexander e um homem alto e loiro.

— Jamila Ferguson? Sou Dennis Rogozza. É um prazer rece­bê-la. — Seu sorriso era irresistível.

— Jamie, por favor. Você deve conhecer meu pai, James Ferguson.

— Jim é seu pai?! — O sorriso se alargou. — Mas claro! Alex me contou que você era artista plástica. Eu devia ter adivinhado. Ele me falou a respeito de sua exposição, e li um artigo no jornal. Seus trabalhos causaram alvoroço no mundo das artes de Seattle. Parabéns!

— Obrigada.

Dennis se sentou na cadeira de brocado que Paula ocupara mo­mentos antes. A calça cinzenta combinava com o suéter que ele usava sobre a camisa branca e gravata. Aparentava ser o que era, um contador caro em horas de folga.

"Use algo casual", Alexander avisara, mas todos ali se trajavam com formalidade. Até mesmo ele, naquela camisa de seda azul. Silencioso, permanecia junto da lareira, a mão direita afagando a cabeça do gato branco, enquanto examinava, absorto, a gravura de McKenzie.

Dennis se levantou e caminhou até um aparador.

— Aceita uma bebida, Jamie? Xerez? Gim-tônica?

— Apenas água sem gás, obrigada.

O anfitrião serviu-lhe seu pedido, e uma dose de uísque para Alexander.

— Ser artista não é nada fácil hoje em dia. Tenho alguns clientes que trabalham com arte e vivem se queixando das incertezas da profissão.

— Não creio que alguém pense em dinheiro e segurança quando escolhe a arte como meio de vida, Dennis. É uma profissão que escolhe você.

— Uma vocação. Ser pintora é tudo com que sempre sonhou? — Jamila riu, um tanto aturdida com a acuidade com a qual Dennis a estudava ao fazer aquelas perguntas.

— Não consigo me imaginar fazendo outra coisa além de pintar.

— Eu a invejo, Jamie. Não são muitos os que acertam na mosca quanto à carreira que escolhem. Alex, por exemplo, durante toda a vida quis curar as crianças.

Alexander mudou de posição, mas continuou parado e quieto perto da lareira, o copo intato na mão.

— E quanto a você? — perguntou Jamila.

Dennis deu de ombros, e ela soube que seu charme era o que tornava tão popular entre seus clientes.

— Sou bom com números. É gratificante fazer disso algo va­lioso para as pessoas. Mas fiquem à vontade. Irei verificar como está indo o jantar.

Pouco depois, Paula entrou na sala chamando pelo filho. Apro­ximou-se do pequeno, que continuava entretido com seus brinque­dos coloridos.

— Já brincou bastante, querido. Agora vamos guardar tudo. — Ela olhou para Jamila. — Vou servir a refeição dele, e em seguida nós jantaremos.

Uma bela rotina aquela. Logo, Danny colocou todos os brin­quedos no lugar de onde os tirara.

Quando Paula o pegou no colo, apoiando-o no quadril e levan­do-o embora, Jamila se aproximou de Alexander, dando-se ao luxo de tocar o rosto dele com a ponta dos dedos.

Então, fitou a gravura, que mostrava um leão da montanha, com seus olhos brilhantes. Vira algumas obras de McKenzie em uma galeria, mas nunca adornando a parede de uma casa. Sozinho, o felino dominava a sala com sua força e graça.

— Você o conhece?

— Quem?

— Gray McKenzie. Paula falou que trabalha com a esposa dele.

— Oh, claro... Emma é pediatra, especializada em ortopedia.

— Como ele é?

— Bonitão. Parece um daqueles modelos que se vê nos outdoors. Alto, musculoso, bronzeado. É observador e muito inteli­gente. E, de acordo com Emma, teimoso como ninguém.

Jamila tocou os cabelos.

— Você parece aprová-lo, o que é uma surpresa, sendo ele um artista.

Foi quando Dennis reapareceu.

— O jantar está servido, pessoal.

Na ampla sala de jantar dos Rogozza havia outra gravura de McKenzie, uma fêmea de puma com seu filhote, juntos à margem de um rio, majestosos, com as cabeças viradas de lado.

Alexander segurou a cadeira para que Jamila sentasse. Quando todos se acomodaram à mesa, ela se viu sentada entre Dennis e Paula, com Alexander a sua frente.

— Se Thurston não gostar destes números — Dennis diri­giu-se ao cunhado — podemos trabalhar em cima de um cenário alternativo.

— Depois nós falaremos sobre isso.

Então, o negócio entre Dennis e Alexander tinha algo a ver com a Fundação Thurston, Jamila concluiu.

Dennis passou a conduzir a conversa, agora sobre artes, algo que Jamila poderia ter desfrutado se não fossem as constantes in­dagações de Paula. "Você não se preocupa com a instabilidade da vida artística?" "Nunca pensou em fazer algo mais... sério?"

— Levo a pintura muito a sério, Paula. — E respirou aliviada quando ela perdeu o interesse por sua pessoa e se concentrou no irmão.

— Como vai indo aquele seu centro de tratamento infantil, Alex?

Ele fez um gesto evasivo, sem nada comentar.

A refeição seguiu-se o café preto e forte, e Jamila estava tão afetada pela atmosfera restritiva criada por Paula e Alexander que aceitou uma xícara. Até mesmo fingiu tomar um gole.

Deu graças a Deus quando Alexander, por fim, dirigiu-se aos donos da casa:

— Bem, nós vamos indo. Tenho trabalho para terminar ainda hoje.

— Foi um jantar muito agradável. Agradeço pelo convite.

— Daremos uma olhada em sua exposição, Jamie — Dennis garantiu. — Irá até quando?

— Sábado, quando serei substituída por outro artista. Mas Liz manterá alguns trabalhos meus na galeria.

— Ótimo, iremos até lá conferir.

— Obrigada. — Ela sorriu para Dennis, e tentou ser do mesmo modo calorosa ao se despedir de Paula.

Lá fora, o ar estava fresco. Alexander abriu a porta do carro e aguardou que ela entrasse. Então, colocou a pasta de trabalhos no assento de trás, antes de se acomodar ao volante.

Ele não havia trazido aquela pasta, portanto devia tê-la recebido de Dennis. Na certa continha os papéis nos quais pretendia traba­lhar ainda aquela noite.

Jamila esfregou os braços sobre o tecido da blusa. Esfriara bas­tante, mas era a fúria que a fazia se arrepiar, não o frio.

 

                                         Capítulo IX

Quando Alexander parou o automóvel, Jamila permaneceu sentada, olhando pelo pára-brisa. O trajeto até ali fora feito em total quietude. Não conseguiu lembrar-se de alguma vez em que tivesse sentido tanta raiva. Sabia que, quando começasse a falar, nada a interromperia.

— Fique onde está! — esbravejou, quando Alexander desatou o cinto de segurança. — Posso ir sozinha até minha porta.

Quando ele se virou para encará-la, Jamila fez o mesmo.

— Antes de ir, quero saber por que me levou à casa de sua irmã. E não venha dizer que queria conversar comigo, porque não me dirigiu uma dúzia de palavras o tempo todo. Por quê, Alex?

— Precisa haver motivo?

Jamila reconheceu na sua voz o mesmo tom apaziguador que ele usou para acalmar Sara no hospital.

— Evidente que sim, porque você, Alexander Kent, não dá ponto sem nó!

Ele descansou uma das mãos no volante, a outra, no encosto do banco de passageiro, bem perto do ombro dela.

— Eu queria que você conhecesse minha irmã.

—E por quê? — De repente, algo lhe ocorreu. — Você planejou tudo, não foi? Paula, um modelo de mãe, Danny, tão pequeno e tão organizado.

— Quis que visse com seus próprios olhos como se cuida de uma criança.

— É mesmo? Decidiu nos comparar, porque desde o momento em que me viu assumiu que eu não devia me aproximar de um menor de idade?

— Não há motivo para histeria, Jamie. — Jamila gargalhou.

— Fiquei histérica, sim, e furiosa! Como ousa?! — Balançou a cabeça. — Meu relacionamento com Sara não é de sua conta! Ela não é sua parente, nem sequer é sua paciente! Você não sabe nada de mim. Nada!

— Jamie...

— Para mim chega! Tive o bastante de você, Alexander Kent. Foi um engano julgá-lo bom e justo. Mas, como qualquer pessoa, também posso cometer erros de julgamento. Contudo, costumo voltar atrás quando percebo que errei. — Jamila se inclinou para a frente e encostou a ponta do dedo no peito dele. — Você é capaz disso? Duvido!

Alexander tocou o braço dela, que o empurrou.

— Tire as mãos de mim!

Ele congelou quando ela gritou, dando-lhe tempo suficiente para abrir a porta e sair, sem deixar de fitá-lo.

— Estou farta de tanto preconceito, estou farta de você, dr. Kent. Não quero vê-lo nunca mais!

Jamila entrou em sua residência e esperou que a respiração voltasse ao normal. Tentou ouvir o som do BMW se afastando.

Fora muito ingênua ao acreditar que Alexander a chamara para aquele jantar porque não conseguia esquecer o sabor de seus lábios. Acreditando, contra toda e qualquer razão, que aquele convite tão familiar tinha algum significado.

Mas teve, sim. Significava que Alexander era um completo idiota. Por quê? Por que a odiava tanto?

Entrou no estúdio feito um furacão. Pegou a tela com a lavagem cinza e apoiou-a no cavalete.

A pintura fluiu em meio à ira e à frustração. Por fim, perto do amanhecer, sentia-se exausta e vazia.

Alexander saiu do hospital e foi para o consultório, onde passou duas horas trabalhando na papelada acumulada sobre a mesa. Pas­sou mais uma hora pesquisando nos livros de medicina, antes de terminar a artigo para o Diário Americano de Medicina.

Chegou em casa exausto e encontrou a luz de mensagem pis­cando na secretária eletrônica.

— Oi, Alex, é Paula. Ligue para mim.

Paula na certa queria fazer perguntas a respeito Jamila, enquan­to ele dava o melhor de si para não pensar em sua reação furiosa após o jantar que tiveram. Será que a julgara mal?

O outro recado era de Diana, pedindo também que ligasse.

Consultou o relógio. Duas e meia da manhã. Em Veneza se­riam... Franziu a testa e calculou, decidindo que naquele momento Diana estaria entre o desjejum e o almoço.

Discou o número da suíte de Diana no hotel e se viu falando com uma gravação, que pedia que deixasse uma mensagem.

— Diana? Estamos nos desencontrando... Acabo de entrar em casa e estou indo para a cama. São duas e meia da madrugada. Tentarei entrar em contato amanhã.

No dia seguinte, faria mais uma tentativa. Sendo sexta-feira, significava mais um fim de semana sem uma resposta da fundação.

Três meses atrás, quando Diana Thurston conversou com o avô sobre a proposta que ele fez à fundação, Alexander imaginou que teria uma resposta dentro de dias. Devia saber que as rodas da Fundação Thurston se moviam com a mesma lentidão de qualquer outra organização burocrática.

A cada dia perdido, mais crianças correriam risco de vida. Mas Alexander não conhecia nenhum modo de agilizar o processo.

Diana chamou no meio da tarde, quando Alexander examinava um paciente. Retornou a ligação às seis, porém, não a encontrou. Telefonou para casa e descobriu que ela deixara uma nova mensagem.

— Alex, estou de partida para Roma. Não tive tempo ainda para analisar seu fax, contudo, tive uma rápida conversa com vovô. Ele quer que você se reúna com a diretoria da fundação na próxima quarta-feira, às cinco da tarde. A secretária dele entrará em contato. Tornarei a ligar no início da semana. Até lá.

Alexander deixou o hospital. Ao pegar o carro no estaciona­mento, pensava em ir jantar em algum lugar. Sentia-se desanima­do, ciente de que o aguardava um apartamento frio e vazio.

Não queria ir para lá para se sentar e sozinho ficar vendo a noite cair. Estaria de folga naquele fim de semana, mas desejou não estar.

Dirigiu até o Eduardo's. Ao avistar o amontoado de gente à entrada, lembrou-se de que não havia feito reserva. Desistiu do restaurante. Decidiu ir à casa de Paula. Na certa haveria as inevi­táveis perguntas sobre Jamila, mas por outro lado, ele desfrutaria algum tempo com Danny, e conversaria com Dennis.

Não conseguiu recordar em que momento resolveu seguir para a residência de Jamila, em vez da de sua irmã. Não sabia como seria recebido. Ela estava brava com ele.

Bateu na porta e nada. Ninguém atendeu.

Olhou em torno. O carro dela não se encontrava na garagem. Aonde teria ido? O que estaria fazendo? De repente, deu-se conta da óbvia solução para a ausência dela. Sexta-feira à noite. Jamila devia ter saído com alguém.

Voltou para o BMW, ligou o motor e saiu.

Em seu apartamento, Alexander tentou trabalhar no artigo para o jornal, mas não conseguia se concentrar no que fazia. Foi para a cama e dormiu mal, despertando várias vezes.

No sábado, às dez e meia da manhã, Alexander localizou a Galeria Northern Imagens. Ao pisar lá dentro, de imediato sentiu a atmosfera silenciosa, como se tivesse entrado em um museu ou em uma biblioteca. Vigas de madeira esculpidas e paredes ornadas com tapeçarias proporcionavam uma colocação sem igual para cada pintura. Uma tabuleta de carvalho esculpido o dirigiu à esca­da, à exposição dos trabalho de Jamila.

Foi quando uma mulher loira, alta e sorridente, com cerca de quarenta anos, veio recebê-lo.

— Fique à vontade — disse ela, num tom afável. — Se ainda não visitou a exposição, sugiro que comece por ali.

E gesticuiou à esquerda de Alexander.

— Estarei a sua disposição, caso tenha alguma pergunta a fazer.

Queria perguntar por Jamila, mas em vez disso, virou à esquer­da. Ligara para ela há cerca de uma hora, sentiu-se frustrado quan­do não a encontrou. Estaria em casa pintando, ignorando o telefone?

Dirigira até a casa dela só para descobrir que seu automóvel não se achava na garagem. Será que voltara para casa tarde da noite e saíra cedo? Ou teria passado a noite fora, com o seu amante desconhecido?

Teria um namorado? Disse que pretendia ser sua amante, mas aquilo significava que não havia ninguém? Ou que para ela o sexo era algo fácil e casual, e que ele seria mais um entre muitos?

Não tinha intenção de se envolver com ela. Só que não podia deixar as coisas como estavam. Como diriam os conselheiros, aquele caso precisava de algum tipo de conclusão. Teria de pôr um fim naquela história.

Por isso resolveu ia à galeria, um lugar público onde eles não poderiam se exaltar. Mas, em vez de procurar por Jamila, viu-se atraído por suas pinturas. Observou uma delas, que representava uma cena antiga, uma jovem no balanço, com ar sonhador, em um campo relvado, sob um céu muito azul. E foi como se ele pudesse ver a jovem sonhar com uma bonita casa, com um marido que voltava para ela todas as noites. Então, a abraçava e beijava com intensa paixão. Observando-a, Alexander viu nela a mulher que se tornaria.

Virou-se para a tela ao lado, e foi quando ouviu o som de vozes femininas. Dirigiu-se aporta, que avistou aberta. Era um escritório acarpetado, decerto onde as vendas eram fechadas. Jamila se sen­tava na beirada da escrivaninha, e falava com a dona da galeria, que a observava, preocupada.

— Na verdade são três. O terceiro é um acrílico. Estão todos secos... — Jamila virou a cabeça, como se sentisse que havia al­guém espreitando.

— Jamie...

Por um momento, ela ficou parada, então girou o corpo para o lado e pulou para o chão.

— Deseja alguma coisa? — Liz indagou.

— O cavalheiro veio falar comigo — avisou Jamila. E foi até ele, parando longe de seu alcance.

Alexander a queria mais perto, para poder tocar seu rosto, mas seus pés pareciam colados no solo.

— O que deseja, dr. Kent?

Ele forçou um sorriso.

— Conversar com você.

— Não diga.

— Não quer tomar café comigo? Ou melhor, chá?

— Creio que já conversamos bastante. — Ela falava firme, sem emoção.

Alexander não sabia o que fazer para que Jamila o ouvisse. E tinha de ser naquele momento, pois quanto mais demorasse, mais difícil ficaria.

Agora entendia como um homem infernizava a vida de uma mulher quando se recusava a aceitar que estava tudo terminado. Não que tivesse começado, nada havia acontecido entre eles, nada que Alexander pudesse chamar de uma relação.

Ele não queria ter nada com ela. Na realidade, não sabia o que queria. Entendia apenas que era necessário acabar com aquela con­fusão de emoções que se iniciara na madrugada de sábado para domingo, quando pela primeira vez a viu no hospital.

— Quero me desculpar, Jamie.

Os olhos dela se arregalaram, porém logo se controlou.

— Liz, nós podemos usar a sua sala um minuto?

 

                                 Capítulo X

— Onde esteve, Jamie? Não a encontrei em casa na noite passada, nem esta manhã.

— Você disse que queria se desculpar. — Alexander colocou as mãos nos bolsos.

— E quero.

Jamila sabia que ele devia estar odiando aquela turbulência que ela via em seus olhos escuros. Tentou adivinhar o que seus próprios olhos mostravam. Pensou no modo como anunciara a Liz que pre­tendia ter aquele homem como seu amante, acreditando que seria possível manter um caso sem se arriscar.

Contudo, ela não imaginava que poderia se apaixonar, nem como poderia doer. Entretanto, estava ciente de que, se permitisse que aquela situação continuasse, o poder daquele homem sobre seus sentimentos só aumentaria. Não podia se dar ao luxo de ter um caso com Alexander.

— Jamie... Tenho sido muito injusto, mas... você causa esse efeito em mim.

Ele afastou os cabelos para trás, impaciente, e Jamila soube que o risco que corria naquele momento era bem pior, porque Alexan­der ia ser honesto.

Como se fosse incapaz de ficar parado, ele começou a caminhar de um lado para o outro.

— E você tem toda a razão quanto a Paula.

— Você me levou àquela casa porque queria que eu aprendesse a cuidar de uma criança, e reconhecesse como sou inadequada. Não foi isso?

— Sim, admito. Confesso que não consigo ser muito racional quando estou perto de você. Aquilo foi uma grande tolice, mas queria ver se recuperava o bom senso. Não posso me envolver sentimentalmente com você, não devo querê-la.

Jamila sentiu desde sempre aquela sua relutância. No começo, aceitou-a como um desafio, mas ao decidir que Alexander seria seu amante, pensou em usar o poder que exercia sobre ele, que sentia possuir, sempre que ele estava próximo, fazê-lo deixar de relutar e render-se a seus carinhos.

— Você não me conhece, Alex.

— Sei disso. Tive algumas experiências frustrantes com pes­soas do meio artístico. Lá fora... — Fez um gesto para indicar a galeria. — ...olhando para seus quadros, percebi que você está certa. Não a conheço. Não tenho nenhum motivo para acreditar que você não é a pessoa certa para lidar com Sara. Peço que me perdoe.

— Está tudo bem. Eu também disse algumas coisas que não queria dizer.

Alexander riu então, e ela sorriu antes que percebesse.

— Acho que agora você pode ir, Alex.

— Almoce comigo, ou pelo menos, me acompanhe num café. Chá, se preferir.

Jamila fez um gesto em direção aos papéis sobre a mesa.

— Tenho trabalho a minha espera. Além disso, não acho que devemos continuar a nos ver.

—Não era o que achava na noite em que a levei ao jantar. Disse que me queria como amante...

— Mudei de ideia.

Quando ele fez menção de se aproximar, ela estendeu a mão para impedi-lo.

— Por quê, Jamie? O que foi que mudou?

— Desculpe, Alex, mas não tenho tempo para brincadeiras. Preciso trabalhar.

— Mas você saiu ontem à noite, não ficou em casa pintando. Não pode tirar nem ao menos uma hora de folga?

— Por que eu faria isso?

— Quero conhecê-la melhor. Vamos sair para um drinque. Pas­se a tarde comigo, o resto do dia.

Alexander sorriu, e Jamila soube que seria loucura deixar-se levar. Ele jamais entenderia, e ela sabia o quanto isso importava.

— Jamais concordaremos um com o outro. Eu sou tudo o que você desaprova, e deixou isso claro quando me levou ao Eduar­do. Quer para si uma mulher satisfatória. E seu nome é Diana.

Ele estendeu a mão por sobre a escrivaninha e segurou seu pulso.

— Eu deveria querer Diana, mas tudo que o vejo a minha frente é você. Preciso descobrir o que está acontecendo.

— Isso é problema seu, não meu. — Jamila fez força para re­laxar a mão, se concentrar nos olhos dele e ignorar que seus dedos a tocavam.

— Do que tem medo, Jamie? — Ela deu de ombros.

— Não de você, eu garanto.

— Passe o dia comigo.

— Não o quero em minha casa, e eu não iria a sua. Não pretendo ter um caso com você.

— Um chá apenas. Um chá pode aceitar, mesmo que não me queira.

— Está bem. Um chá apenas.

Ele a soltou antes de notar o quanto ela começara a tremer.

— Podemos ir?

— Tudo bem.

Jamila já descera alguns degraus quando percebeu que Alexan­der ficara para trás. Retrocedeu a tempo de ouvi-lo dizer a Liz que ficaria com o quadro A Jovem no Balanço.

Lá fora, Jamila o fez parar quando ele foi em direção ao carro.

— Há uma cafeteria na próxima esquina. Servem todos os tipos de chás, e café, claro.

Alexander se deixou levar por ela.

— Ouvi você dizer a Liz que queria comprar um de meus qua­dros — Jamila comentou, ao se acomodarem a uma das mesas do estabelecimento.

— Isso mesmo. Algum problema?

Uma mulher se aproximou, usando um avental sobre a calça jeans e a camiseta.

— Chá, Jamie?

— Sim, obrigada, Jen. Meu amigo quer café.

— Certo. Trarei em um minuto.

— Serei franca, Alex. Não posso evitar imaginar que você está querendo me aprontar alguma.

— O quê? Acha que eu iria usar um de seus quadros contra você? Sei que me portei feito um canalha, mas jamais lhe faria mal. Gostei da obra, apenas isso.

Jamila confiara nele no começo, mas confiava não mais.

— Hoje é sábado. Por que não está com Diana?

— Ela está em Veneza. Devia ser por isso que ele tanto corria atrás dela, porque sua namorada estava longe.

— E quando volta?

— Dentro de um mês.

— Café — anunciou Jen ao entregar uma caneca para Alexan­der. — E seu chá, Jamie.

— Obrigada.

Jen sorriu e os deixou.

Alexander inclinou-se para a frente, a caneca nas mãos.

— Eu e Diana não temos nenhum compromisso.

— Mas você disse que irá se casar com ela.

— Sim, pretendo me casar com ela, ou com alguém parecido. — Jamila serviu-se de chá.

— E enquanto isso não acontece, você me quer...

— Quanto a isso, creio que não há dúvida. E você não pode negar que o sentimento seja mútuo.

Não, não podia. Se fosse esperta, pegaria seu material de pin­tura, seu cavalete, o gato e partiria rumo ao sul, para pintar as pedras volumosas que ameaçam a costa do Oregon, e as curvas arenosas da costa do Pacífico. Se partisse ainda naquele dia, po­deria escapar.

— Não posso negar que também o quero.

— O dia está perfeito para a praia. Passe o dia comigo, Jamie. Levaremos um lanche, pegaremos a balsa para Bainbridge Island e faremos um piquenique.

— Não posso. Sara irá a minha casa.

— Ela poderá ir conosco.

— Não. — Jamila parou perto de seu carro e o encarou. — Reservei esta tarde para ela, mas estarei livre à noite, se você quiser.

— Sete horas, então?

— Certo, às sete.

Julgou que Alexander ia puxá-la contra si, ali no meio da rua, talvez para dar-lhe um leve beijo de despedida, e por isso recuou. Então, com o automóvel dela entre os dois, sentiu-se segura para se despedir.

De algum modo, chegou a sua residência sem nenhum acidente, mas precisara fazer força para se concentrar na direção.

Alexander a levou para jantar em um restaurante pequeno e elegante na beira da praia. Estivera ali uma vez, e lembrava-se da música suave tocando, embora não houvesse pista de dança. Do salão, avistava-se o panorama inigualável da baía.

— Gostei daqui. Nunca estive neste lugar—murmurou Jamila, ao se sentarem.

— Achei que iria apreciar essa bela visão do porto.

— Adoro o mar. Nele existe algo de magia que nos hipnotiza. — Alexander tomou a mão dela.

— Eu não sabia que você gostava de poesia.

Ela achou graça, e ele sentiu a vibração em seus dedos.

— Qualquer um pode bancar o poeta, basta um pouco de sen­sibilidade. Mas me fale sobre aquele centro de tratamento que Paula mencionou.

— É apenas um projeto no qual estou trabalhando.

— Secreto?

Alexander a soltou quando o garçom se aproximou. Observou-a pedir vinho branco suave, e em seguida solicitou um refrigerante. Queria se manter sóbrio. Não iria partilhar seus sonhos com ela. No entanto, ouviu-se dizendo:

— As crianças diabéticas vivem em condições que restringem sobremaneira suas escolhas. Em um mundo ideal, os próprios pais as abrigariam e cuidariam delas.

— Mas este está longe de ser um mundo ideal.

— Pois é. Alguns pais são dedicados, enquanto outros nem se preocupam. E as crianças costumam sabotar a si mesmas, com frequência. Tenho um paciente diabético a quem há pouco dei alta. Está ciente de que, para ele, cuidar da própria saúde e manter controle sobre a doença é uma questão de vida ou morte. Só que se julga imortal. E seus pais não podem, ou não querem, controlar nem sequer o que o menino come.

— E o centro de tratamento mudará isso?

— Com educação, monitoramento e cuidados. Tenho me dedi­cado muito a esse menino, Mark. Ele foi admitido com choque de insulina. Mas fui forçado a lhe dar alta, ontem. O problema é o de sempre, o garoto acha que jamais morrerá. Com o centro de tra­tamento de acesso grátis, Mark teria mais chances. Receberia todo tipo de tratamento médico e nutricional e apoio psiquiátrico.

— E esse seu projeto só será levado adiante com a ajuda da Fundação Thurston... Esse é o negócio que foi tratar com Dennis, aquela noite?

— Sim. Mas eu não a trouxe aqui para conversar sobre isso. Vamos falar sobre você. O que é mais importante em sua vida, Jamie?

— Tudo. A existência em si, as pessoas, a arte... — O gesto dela pareceu cercar o restaurante e o porto inteiro.

A refeição foi servida. Jamila se pôs a comer seu salmão em porções pequenas, ansiosas. Alexander se deu conta de que come­çava a se encantar pelo modo como aquela boca se curvava para refletir as mudanças de humor dela. Humores, para Jamila, pare­ciam ser como o tempo, fluindo por ela com tanta naturalidade quanto o vento soprava as nuvens no céu.

— Notei que colocou a arte em último lugar em sua lista, mas suspeito que na realidade deva vir em primeiro.

— Você avalia tudo não é, Alex?

— Acho que um homem deve ter em mente o que de fato im­porta, o que é de fato sua prioridade. !

— Isso significa que tudo o mais deva ser sacrificado? Como seria triste se o que estivesse em primeiro fosse a única coisa que você tivesse. Suas crianças são prioritárias, não é? Todavia, colo­cando-os em primeiro lugar, a todo momento, estaria enganando a ambos: a si mesmo e a elas.

— Quer dizer que acha que eu deveria sacrificá-los?

— Em minha opinião, seu mundo foi pintado em branco e preto, Alexander Kent. E me faz desejar botar um pouco de cor nele.

A atmosfera ao redor deles mudou, enquanto se encaravam, incapazes falar, de afastar os olhos um do outro.

Jamila pousou o garfo e afastou o prato diante de si.

O garçom devia estar esperando pelo sinal, porque de imediato surgiu ao lado de Alexander para oferecer:

— Café, senhora? Senhor?

Cor na vida dele? Naquela noite ela era uma verdadeira explo­são de cores, toda de verde, roupas e olhos, contrastando com o castanho intenso dos cabelos. Não conseguia parar de apreciá-la, nem de deixar de nutrir por sentimentos perturbadores. Era como se tivesse se tornando uma de suas pinturas abstratas, um verda­deiro redemoinho de tons e de emoção.

 

                                   Capítulo XI

— Vamos dançar? — Alexander convidou. Jamila assentiu e levantou-se, caminhando à frente dele até a pista.

A música soava de algum lugar que ele não conseguia ver. Mú­sica lenta. Não pôde identificá-la, mas sabia que nunca mais a ouviria sem se lembrar do modo como Jamila se encaixava em seus braços. Desejou enterrar o rosto na suave abundância dos seus cabelos, ver seus lábios, para saber se estavam abertos, ou se a emoção do momento os havia fechado.

— Olhe para mim, Jamie.

Ela recuou um pouco e fitou-o direto nos olhos. Se ele baixasse um pouco a cabeça, seus lábios roçariam nos dela. Era difícil se conter, não estava preparado para o calor daqueles lábios. Jamais estaria.

— Jamie... — Alexander quis estreitá-la ainda mais junto a si, beijá-la, beber de seu rico sabor de mel, até esgotá-la, até que ficasse satisfeito.

Sua respiração ficou um tanto ofegante. Seus pulmões pareciam incapazes de respirar fundo quando puxou-a para mais perto. Os movimentos dela, seu corpo macio, pura tortura erótica contra sua excitação irrefreável.

Quando a música terminou, Alexander continuou a abraçá-la. Não era capaz de deixá-la ir. Não pretendia querê-la daquele jeito. Desejá-la. Sentir tamanha necessidade dela.

— Vamos sair daqui, Jamie.

A mão dele tocou suas costas quando Jamila virou em direção à mesa. Alexander manteve o contato enquanto caminhavam, deliciando-se com a suavidade morna de sua pele. O vestido dela tinha um amplo decote atrás, sua pele, branca e macia.

"Seja esperto e encerre de vez esse programa." Pegou a conta, e tentou se concentrar na transação feita com o cartão de crédito. Assinou, deu gorjeta. Foi bem-sucedido, tanto que, no instante em que saíram do restaurante, já tinha a imaginação sob controle.

— Poderíamos ir para minha casa. Que tal?

Quando Jamila virou a cabeça para responder-lhe, Alexander teve de se conter para não tocar os lábios nos dela.

— Não. Esta noite, não. Não podemos ir mais devagar?

— Sim, lógico. Acho que devemos. Vamos pegar o carro. — Conduziu-a pelo braço, sentindo a maciez de sua carne sob os dedos. — Daremos um passeio de automóvel pela orla marítima. Em seguida, levarei você embora.

Alexander procurou por um CD entre os muitos que mantinha no BMW, rejeitando a música erudita por algo mais leve, espe­rando que as notas melódicas aliviassem a pressão que sentia no peito.

E funcionou. Mas talvez tivesse sido a beleza do pôr-do-sol, que acontecia bem mais tarde naquela época do ano, que os acom­panhou durante todo o trajeto rumo norte. Jamila não falou, man­tendo a cabeça recostada para trás no assento, o olhar fixo na es­trada em frente.

Devia fazer isso mais vezes, concluiu Alexander. Entrar no car­ro e apenas dirigir ao longo da praia, perseguindo o pôr-do-sol.

Num impulso, Alexander sinalizou e entrou por uma estrada lateral que conduzia à praia. Lá, o pavimento deu lugar a um ca­minho de terra que bifurcou perto da extremidade de água.

A esquerda, um passeio de pedregulho passava por uma cons­trução em estilo vitoriano projetada de modo a que todos os cô­modos tivessem vista para o mar. Virou à direita, parando em seguida.

Deixaram o automóvel e caminharam de mãos dadas até a beira do mar. Pararam sem precisar de palavras. E ele, ávido, tentava desesperado saciar aquela inexplicável vontade de ficar olhando para ela, como que devorando-a com os olhos.

E seus lábios? Deus, que lábios!

Alexander sentiu uma urgente necessidade de tocá-los, de deliciar-se com seu sabor.

Ele ia beijá-la, Jamila tinha certeza. E que Deus a protegesse, mas queria aquele beijo como nunca quisera nada em sua vida.

— Vou beijar você, Jamie. Estou avisando, porque você disse que preferia ir devagar, mas não sei o que acontecerá quando eu beijá-la...

O que fazer enquanto os dedos dele seguiam a linha de seu maxilar, de seu queixo, traçavam o contorno de sua boca?

Jamila separou os lábios ante o toque insistente. Estavam tão próximos que suas respirações se misturavam.

Alexander baixou a cabeça devagar, prolongando aquele tormento que os assolava. Quando sentiu o calor dos lábios dele con­tra os seus, Jamila de imediato se rendeu.

Ele sentiu sua submissão no instante em que o corpo delicado   encostou-se no seu. A boca que recebeu a sua também falava de rendimento total.

As sensações que o invadiam foram tão intensas que Alexander temeu não se conter. Os lábios de Jamila eram os mais doces que já provara. Começava a entender o porquê de seu antagonismo por ela. Sabia, por intuição, que no momento em que a tivesse nos braços estaria perdido.

— O que quer, Jamie?

Sentia-se atordoado, desorientado, como se estivesse à beira de um precipício, prestes a mergulhar no desconhecido.

— Conte-me o que você quer. — Jamila engoliu em seco.

— Que faça amor comigo, Alex.

— Agora? — Precisava daquela certeza. Sob a superfície de sua calma, sabia que a luxúria aguardava, instigando-o a conquis­tar, encantar e possuir. Aterrorizava-o saber que, uma vez que começasse, não seria capaz de parar. — Onde?

— Aqui, ao luar, em Evensong House.

— Evensong House? — Sentiu um grande vazio quando ela deixou seus braços.

— Aquela construção antiga pela qual passamos há pouco. É um hotel. Estive lá no ano passado. Pensei que...

— Sim. — Alexander pegou-lhe a mão.

Conduziu-a em direção ao hotel, não de volta para o carro. Sabia que seria mais sensato levá-lo para o estacionamento, ou pelo menos, deixá-lo trancado. Mas temia afastar-se dela e des­truir a conexão.

— Tem certeza, Jamie?

Sorrindo, um tanto tímida, ela piscou.

— Vamos entrar — disse, num sussurro.

Assim que entraram no hotel, Jamila foi atraída para o fogo que ardia na lareira de pedra. Atravessou o saguão indo naquela dire­ção, as mãos estendidas para seu calor.

Vinte e oito anos, e ela escolheu ficar de costas para o balcão de recepção, o coração batendo apressado porque temia se apro­ximar de lá com Alexander. Tinha medo de que a recepcionista com quem se registrara no ano anterior a fitasse e perguntasse por que ele desejavam um quarto e por que não tinham bagagem.

Quando ouviu vozes, viu-se forçada a se virar e olhar. A moça na recepção era outra, não a mesma senhora maternal do ano anterior.

Como no mundo uma mulher se comporta em tal situação?

Alexander decerto acreditava que ela tivera outros amantes, que saberia o que fazer.

Claro que Jamila lera livros e assistira a filmes. Sabia que era provável que sentisse alguma dor, porém, suportável. Mas será que devia se despir ou esperar que ele a despisse? Conseguiria se desnudar com ele olhando?

Estremeceu e tornou a fitar o fogo.

— ...de casal... — de repente ouviu Alexander dizer. Apertou as mãos com força e suspirou. Nunca imaginou fazer amor com um homem de verdade antes.

Chegara a fantasiar estar na cama com um amante fictício, claro, visto que os homens reais sempre lhe pareceram menos interessantes do que os que pintava e os que surgiam em seus sonhos. Até Alexander aparecer.

Algo tocou seu ombro, e ela estremeceu.

— Vamos subir? — Alexander a olhava com intensidade. Jamila se viu caminhando a seu lado, o coração batendo mais forte a cada passo. Nunca imaginou que fosse ficar tão constrangida.

Ele, então, abriu a porta para uma das suítes e virou-se para que ela entrasse. Jamila atravessou a soleira e observou o aposento, enquanto passava pela cama de casal em direção às janelas.

As pesadas cortinas encontravam-se abertas para o luar. Abriu a porta do pátio e foi para o terraço. Voltou-se, recostando-se no parapeito.

— Eu não sabia que ficaria tão nervosa. Você está muito sério... Alexander chegou perto dela, e seu rosto iluminou-se à luz da lua. Sem sorrir, pegou-lhe a mão.

— O que espera que aconteça, Jamie? O que tanto a assusta?

— Não estou assustada, só um pouco... — Ela tentou rir, sem sucesso. — Nunca fiz isso antes.

— Nunca esteve com um homem em um hotel?

— Não... Nunca fiz sexo.

— Está me dizendo que é virgem?

— Sempre estive tão ocupada, e... bem, não sei por quê. Talvez por falta de oportunidade.

— Relaxe, não é o fim do mundo. Confesso que não esperava por isso, mas... — Roçou os lábios em sua testa. — Iremos devagar, Jamie, tão devagar quanto você desejar.

Ela virou a cabeça e deu com os lábios dele a milímetros dos seus.

Alexander sorriu.

— Que tal tomarmos um drinque, ouvir música e relaxar um pouco?

Jamila assentiu, e logo o aparelho de som começou a tocar. Ouviu Alexander atrás de si, mas não se virou para encará-lo.

— Lembra-se, Alex, da noite em que saímos para jantar, e você me beijou na porta de casa?

— Lembro.

— Eu queria que tivéssemos feito amor naquela ocasião. — Ele afagou seu ombro.

— Venha dançar, Jamie.

Sem demora, ela se aninhou nos braços dele.

— Apenas dance, meu bem.

Jamila se sentiu muito envolvida e confortável colada a ele da­quele modo, olhando para a paisagem banhada pela lua cheia. An­siava por Alexander tocá-la, acabando com aquela inquietação e satisfazendo aquela ânsia louca.

A cama os esperava. Jamila desejou que ele a beijasse, que a deitasse naquela colcha azul e destruísse todas as barreiras que ainda os separava.

— Adoro seus cabelos... — Alexander corria os dedos através das mechas castanhas. Então roçou um beijo nos lábios dela, puxando-a para mais perto.

Jamila sentiu os joelhos enfraquecerem. Louca de paixão, en­costou-se mais no corpo musculoso e rígido. Sem que se desse conta, suas mãos subiram, prendendo-se atrás do pescoço de Ale­xander, como se fosse a coisa mais natural do mundo, trazendo-o para mais perto.

Um gemido de antecipação lhe escapou. Sentiu tudo girar, ven­do-se transportada para outra dimensão. Estar assim, colada a Ale­xander, era como ter chegado ao paraíso.

Quando a intensidade da excitação dele se fez evidente de en­contro ao ventre de Jamila, a dor do desejo intensificou-se e se espalhou por todas as fibras de seu ser.

— Faça amor comigo, Alex.

O pedido foi feito em voz baixa e abafada, uma vez que Jamila ainda mantinha o rosto enterrado no ombro dele. Mas Alexander ouviu bem as palavras e compreendeu a urgência dela. Deu um passo para trás, afastando-se o suficiente para ver Jamila. As cha­mas do desejo que se refletiam nos olhos escuros e aveludados de Alexander encontraram reflexo nas íris verdes e límpidas que o fitavam sem hesitação.

Movido pela emoção do momento, sem dizer uma só frase, ele a tomou nos braços. Com o maior cuidado, como quem trata com uma joia rara, fez Jamila se deitar no colchão amplo.

— Tem certeza de que é isso mesmo que quer, Jamie? — Ela ergueu as mãos num convite mudo.

Alexander ainda hesitava, ao juntar-se a ela. Sentando-se no leito, Jamila tomou a iniciativa.

Bem devagar, desabotoou o pri­meiro botão da camisa dele. Depois, o próximo e o próximo. Cen­tímetro por tentador centímetro, o tórax largo foi se revelando para seu perscrutar ávido.

Acariciou os pêlos encaracolados e desceu a mão um pouco mais. Sentiu quando os músculos do abdome se contraíram com seu toque. Sorriu ao constatar seu poder sobre aquele homem.

Em seguida, Jamila tirou-lhe a camisa do cós da calça jeans, jogando-a, a seguir, no chão. As palmas subiram pelo peito moreno até o pescoço, explorando, deliciando-se com a textura deliciosa. Deleitou-se com os ombros largos, os braços fortes, até que Ale­xander não aguentou mais a tortura.

Com os dedos sob o queixo dela, ele forçou Jamila a fitá-lo.    Inclinando-se, deu-lhe um beijo apaixonado nos lábios carnudos.

— Não vou machucá-la, prometo.

Beijou-a outra vez, esse agora mais profundo, cheio de inten­ções, com uma fome tão insaciável quanto a dela. Sem separar os lábios, começou a despi-la. Afastando-se por uma fração de se­gundo, Alexander a livrou da blusa.

Jamila, que jamais tinha ficado nua na presença de um homem, não estava constrangida como imaginava que ficaria. Parecia na­tural ficar nua para que Alexander a olhasse, para que conhecesse cada curva de suas formas.

Prendeu a respiração quando o olhar dele pousou em seus seios, ansiando por ser tocada, por sentir-se arder com os carinhos que viriam a seguir.

Alexander abaixou-se e beijou-lhe os ombros estreitos, e Jamila se arqueou, arrepiada, querendo mais e mais.

Sem nenhum pudor, Jamila enterrou as mãos nos cabelos dele e puxou-o para outro beijo.

As sensações eram tantas que ela chegou a experimentar dor. Um aperto que começou no peito e espalhou-se por todos os mem­bros, chegando ao ponto mais sensível de sua feminilidade. Ale­xander estava roubando seus sentidos, o ar que respirava, o auto controle.

Ele percorreu com a língua a pele suave e perfumada. Sem pressa. Torturando. Adiando o momento do prazer maior.

Aquele perfume era o mais doce e delicioso que já sentira na vida. Suave. Quente. Inebriante. Alexander não encontrava os ter­mos certos para descrever o que sentia. Nem o maior poeta de todos os tempos seria capaz de traduzir em palavras um sentimento tão intenso e belo.

Seu controle, sempre tão presente, começava a desaparecer. As mãos já não se moviam mais com tanto vagar. Ávidas, queriam mais. Sempre mais. Precisava estar dentro dela, tê-la por inteiro. Sentir o momento em que os corpos se juntariam, como um só. Tinha de ouvir o palpitar absurdo de um coração contra o outro.

Queria-a toda nua. A próxima peça a cair foi o sutiã, que liberou os seios perfeitos para ele.

Jamila gemeu baixinho. Os mamilos reagiram sob a atenção predatória de Alexander. Seus batimentos cardíacos dobraram de ritmo.

— Alex, por favor, não agüento mais!

Ele também não. Cada célula ameaçava explodir. Separou-se dela o suficiente para se livrar do restante das roupas, orgulhoso por poder exibir para Jamila um corpo excitado, pronto para pro­porcionar o deleite que Jamila merecia.

Ela se extasiava com a perfeição daquele homem. Julgou-se poderosa ao constatar o efeito que tinha sobre alguém em geral tão fleumático. Em pé, a sua frente, Alexander esperou que o olhar despudorado dela o percorresse.

Quando Jamila começou a abrir o zíper do próprio jeans, ele a impediu.

— Não me roube essa oportunidade. Quero ver você aparecendo aos poucos e saborear cada momento da descoberta.

Aqueles dedos grossos resvalando pela pele sensível do ventre de Jamila a fez prender a respiração para evitar gritar. Cerrou as pálpebras para apreciar melhor suas sensações. Sentiu quando seus sapatos foram retirados e caíram no carpete. Em seguida, o jeans. Logo após, a calcinha, que desceu por toda a extensão de suas pernas e se foi.

Jamila queria o delírio que Alexander prometera com seus bei­jos. Queria-o além do medo que sua falta de experiência provocava. Mas não sabia o que dizer. Assim, por puro instinto, pres­sionou-se contra o dele e ergueu os braços para envolvê-lo.

Alexander estremeceu e gemeu contra a boca de Jamila. Seus músculos poderosos se contraíram, e ele se colocou sobre ela, até fazê-la sentir a masculinidade forte e pulsante contra o ventre, dessa vez estando nus. Ela se moveu, tensa.

— Calma, Jamie... Não vou feri-la.

E beijou-a com incrível delicadeza, colocando-se entre as per­nas dela. Deslizou a mão por sua coxa e subiu sem pressa até o quadril desnudo.

Tocou e beijou-lhe os seios até fazê-la gemer e querer mordiscá-lo. Quando Alexander a penetrou, Jamila sentiu uma dor aguda, mas ele continuou sussurrando em seu ouvido:

— Abrace-me com força, Jamie, com força.

Então, com um movimento determinado ele a penetrou por completo. Jamila fechou os olhos na tentativa de aplacar a pontada tão dolorida.

Houve um pequeno momento de silêncio, preenchido apenas pelas respirações ofegantes. Depois, Alexander gemeu baixinho e começou a se mover de novo, em uma dança erótica e excitante. A cada movimento, penetrava Jamila com mais facilidade, sem deixar de beijá-la e murmurar doces palavras, até que o prazer se tornou tão intenso que ela gritou e estremeceu dos pés à cabeça, descontrolada.

Alexander também teve um estremecimento fabuloso, enquanto dizia seu nome, perdido em sensações.

Alexander sentiu o peso da mão de Jamila contra o tórax quando ela se moveu. Virou a cabeça e olhou ela, para seu rosto, para sua boca voltada para ele, os lábios entreabertos.

Uma virgem, pelo amor de Deus!

Sentiu muita raiva dela por sua inocência... que ele lhe tirou. Mas foi Jamila quem sugeriu que entrassem naquele hotel. "Quero que faça amor comigo", pediu-lhe, com tanta clareza que seu corpo latejou no mesmo instante diante da perspectiva.

"Mas eu sou um médico!" Um homem responsável que por fim se rendeu ao inevitável, tendo um caso com uma mulher que o levava a loucura apenas ao fitá-lo.

E o que era pior, os três preservativos que trouxera na carteira ainda estavam lá, sem abrir.

Jamila murmurou algo no sono, e Alexander se mexeu, desli­zando o braço em torno dela, que respondeu ao toque, aninhando-se nele.

Alexander cerrou as pálpebras e inalou o aroma do sabonete com o qual a ensaboou, muito suave, quando foram para a banheira juntos depois do amor e mais uma vez se amaram.

Jamila não engravidaria, lógico que não, disse a si mesmo. Ela seria a última mulher com quem desejaria ter um filho. Uma vez, uma única vez na vida de sexo seguro esquecido, e tinha de ser justo com aquela mulher!

 

                           Capítulo XII

Jamila espreguiçou-se, sentindo uma dorzinha agradável nos quadris.

— Hum... — murmurou, o rosto aninhado entre os travesseiros, a mão procurando por Alexander.

Os olhos dela se abriram, e ergueu o corpo, apoiando-se nos cotovelos.

Não, Alexander não estava aqui. Para onde fora? Saiu da cama e caminhou para a porta da sacada. Estaria ali fora?

"Ele não voltou para a cidade. Claro que não. Alex não faria isso comigo."

Correu para o banheiro e tomou um banho rápido. O vestido verde não era nada adequado para se usar pela manhã, mas Jamila não tinha opção.

Retornou ao quarto, olhando em torno. Nenhum sinal dele. Pe­gou a bolsa, passou a alça pelo ombro e saiu.

Fora do hotel, localizou Alexander perto do passeio de pedregulho. Quando avançou naquela direção, o vento era tão forte que parecia querer arrancar sua roupa. Tentava lutar contra ele, sem sucesso.

Ao dar o primeiro passo na areia, seus sapatos afundaram. Agachou-se para tirá-los.

— Espere! Irei até você, Jamie! — Alexander gritou de onde estava.

Então de repente Jamila se encontrava colada a ele, os lábios calorosos sobre os dela, ao sussurrar:

— Como se sente esta manhã?

— Bem, muito bem. — Ela corou e afastou-se. — Julguei que você já poderia ter ido fazer o desjejum. Gostei de saber que me esperou.

— Dei um passeio ao longo da praia. — Alexander tomou-lhe o braço e a fez parar na extremidade da estrada de pedrinhas. — Jamie, precisamos conversar.

— Sobre o quê?

— Devo-lhe desculpas por ontem. Eu devia ter sido mais gentil com você. Pretendia ser, mas me descontrolei. Foi imperdoável. Sinto muito.

— Eu queria aquilo, Alex.

— Essa não é a questão. Perdi a cabeça. Isto não é um jogo. E se você ficar grávida...

— Isso não é impossível. Mas fique tranqüilo, não exigirei que se responsabilize por nada. — Viu o brilho previsível nas pupilas dele. — Você não gosta disso, não é? Quer ser o responsável por tudo o que acontece.

Ele pegou-a pelos ombros, e ela pendeu a cabeça para trás.

— Apenas uma vez, leve alguma coisa a sério. — Com uma imprecação, Alexander a puxou com força contra si, apossando-se, faminto, de sua boca.

— Eu te quero, Jamie. — Em seguida, tomou-a no colo e a carregou para o hotel.

Alexander imaginou que o trajeto de volta para a cidade seria a ocasião perfeita para falar com Jamila, mas na realidade seguiram todo o percurso em um confortável silêncio.

— Tenho algum trabalho para fazer esta tarde.

— E eu preciso pintar. Gostaria de vir à noite e jantar comigo?

— Claro. Eu virei. — Estacionou o carro e fez menção de soltar o cinto de segurança.

— Não precisa me acompanhar até a porta. — Jamila inclinou-se para beijá-lo no rosto. — Venha às sete. Estarei à espera. — E se foi em direção aos degraus da entrada.

Alexander desejou ir com ela, entrar por aquela porta, e afastá-la de suas telas, levando-a para o quarto. Desejava-a, com uma ur­gência que chegava a beirar a loucura. Era insano, impensável, querê-la tendo passado a maior parte da noite fazendo amor.

Dez minutos depois, Alexander acionava o controle remoto da porta da garagem de seu prédio. Ao entrar no apartamento, o sentiu o frio vazio costumeiro. Acendeu a luz e ligou o aquecedor central. Na próxima vez, convidaria Jamila para vir jantar com ele.

Não, não a queria ali. Não iria ter nenhuma lembrança dela naquele lugar. Se Jamila acordasse em sua cama, quando tudo terminasse ele jamais se veria livre de seu fantasma.

Era provável que ficassem juntos apenas algumas semanas. En­tão, Alexander diria adeus. Ou ela diria.

Estremeceu quando o telefone tocou.

— Alô?

— Alex? Sua voz está estranha... Você está bem? — "Diana!" Ele agarrou o receptor.

— Estou.

— Tem alguém com você?

Uma imagem perturbadora de Jamila enrascada em seus braços surgiu em sua mente, seu rosto enterrado na massa de cabelos castanhos, enquanto acariciava-a com total intimidade.

— Não. Estou sozinho. Desculpe-me se pareço distraído.

— Deve estar precisando de férias, Alex. Está esgotado. Tem trabalhando demais.

— Deve ser... E quanto a você, Diana? Aproveitou bem o fim de semana?

— Bem, na realidade foi mais uma viagem de negócios. Um antigo sócio de meu avô está considerando doar algum dinheiro à fundação. Ele quis que eu fosse até sua villa, para conhecer sua mulher.

Uma semana atrás, Alexander teria falado com mais naturali­dade com Diana, teria sabido o que dizer sem precisar primeiro pensar.

— Está acontecendo alguma coisa, Alex?

— Não, está tudo em ordem. Acho que vou ficar resfriado. — Agora estava mentindo! Ele, que sempre se orgulhou da própria honestidade. Bastou uma noite com Jamila para transformá-lo em um mentiroso.

— Por que não vai se deitar? Uma boa noite de sono faz milagres. — A última coisa que ele precisava era de ir para a cama.

— Recebeu meu fax, Diana? Enviei as planilhas e os outros documentos que me pediu.

— Recebi. Está tudo certo. Posso ligar de volta amanhã, às sete no horário de vocês?

— Claro. Até mais. Cuide-se bem.

Alexander se sentia como um marido infiel. Não que tivesse feito promessas a Diana, ou ela a ele. Mas tinha intenção de pedi-la em casamento.

Sair com Jamila foi um grande erro. Não devia ter feito amor com ela. Virgem... Isso jamais lhe ocorreu. O fato de Jamila ser virgem, o melhor, ter sido virgem até então, de algum modo mu­dava tudo.

Não, não mudava nada.

Alexander estava com trinta e oito anos, e se tornara um obce­cado. Sim, obcecado por aquela mulher, tão diferente de qualquer coisa com que sempre sonhou.

Diana tinha razão, ele vinha trabalhando muito. Não se sentia desgastado, mas devia estar. E isso o deixava vulnerável. E justo naquele momento Jamila Ferguson entrara em sua vida feito um furacão, com seu corpo estonteante e aqueles olhos verdes desa­fiadores. Tinha de se afastar dela, com urgência.

Mas marcara um jantar com ela naquela noite. Certo. Compa­receria e iria aproveitar a oportunidade para dizer que estava tudo terminado.

Jamila mais uma vez se viu trabalhando em óleo. Com tela, ela poderia estender as cores em camadas, misturar, criar efeitos que jamais conseguiria obter com acrílico.

"Não tenha pressa, garota. Precisa aperfeiçoar aquela linha do ombro, dos braços e do pescoço." Aproveitaria para estudá-lo na­quela noite, porque jamais se atreveria a pedir a Alexander que posasse para ela.

Meneou a cabeça. Como nunca tivera um amante, não sabia que o amor poderia transformar seu mundo.

Carregou a tela para a prateleira, cobriu-a e deixou-a para secar. Guardaria-a para si. Liz jamais veria aquele trabalho.

Suspirou. Tinha de estar bonita para Alexander, porque, se aquela fosse ser a última noite deles, ele se lembraria dela como uma mulher bela e sensual, mas também recordaria o jantar. Não haveria nada, nem um simples detalhe que não o fizesse ansiar por ela, desejar tê-la de volta.

Foi para a cozinha, lavou os peitos de frango e os secou. Colo­cou-os em sua melhor travessa de vidro. Em seguida, preparou molho: vinho tinto, azeite de oliva extra-virgem, alecrim, salsa, e despejou sobre a carne. Se tudo terminasse, Alexander pelo menos ficaria sabendo que boa cozinheira era.

Se fosse tomar banho naquele momento, sobraria tempo para secar os cabelos enquanto preparava a refeição. Foi para o banheiro.

Afundou-se na banheira, deixando a água lavar sua cabeleira, enquanto massageava o couro cabeludo, sonhando com as mãos dele ensaboando sua pele, seus seios...

De repente, estremeceu com o barulho que ouviu vindo da cozinha.

— O que foi aquilo?!

Apurou a audição. Foi como algo tivesse se espatifando. "Squiggles!"

Levantou-se e enrolou-se numa toalha, deixando a banheira.

— O frango! Eu o coloquei na geladeira? Pretendia colocar, mas não me lembro de ter feito isso.

Correu para a cozinha.

— Squiggles!

O gato se encontrava debaixo da mesa, um peito de frango preso entre as garras.

— Largue isso!

Quando avançou para tirar-lhe o petisco, sentiu uma dor aguda na planta do pé.

Foi pulando para longe da bagunça. A travessa que fora de sua mãe ficara em cacos. Havia vinho tinto, azeite e ervas respingados por toda parte.

Recostou-se na pia e examinou o pé. Localizou o fragmento afiado. Mordeu o lábio, tentando tirá-lo. O caquinho fez um som claro quando caiu no piso. Mas, quando ela sondou a pele com o dedo, a dor que sentiu indicou que não o retirara inteiro.

Mancou até o banheiro e a torneira da pia. Levantou a perna e lavou o pé debaixo d'água. Como iria tirar o caco de vidro dali? Não dava para ver nada, embora cada toque doloroso de seu dedo indicasse que estava lá.

Deu de ombros. Talvez saísse sozinho.

E agora? O que fazer para o jantar?

No quarto, pegou um par de meias de lã da gaveta e calçou-as, esperando isolar o doloroso porém invisível fragmento. Melhor calçar sapatos, decidiu, antes que acabasse incapacitada de ambos os pés.

Encontrou o segundo pedaço de frango dentro da pia. Resigna­da, jogou-o no lixo e se dedicou a colocar a cozinha em ordem.

Squiggles se esfregava em seus tornozelos, alheio ao caos que havia criado.

Com apenas duas horas para que Alexander chegasse, ela teria de optar por algo simples de preparar. "Espaguete!", decidiu, e tratou de fazer o molho.

Quando molho começou a chiar no fogão, Jamila apagou o fogo e mancou de volta ao banheiro, onde tirou os sapatos e as meias. Alexander chegaria em menos de uma hora, e queria estar bem, bonita e sedutora.

No quarto, abriu a porta do armário para escolher o que usar. Decidiu-se pela camisa colorida que pusera na exposição, que qua­se lhe alcançava os joelhos, mas sem a calça comprida, justa e elegante, deixando à mostra parte de suas pernas nuas.

Ao fechar a porta do armário, alguém bateu na porta da frente.

Alexander? Não tão cedo.

Descalça, foi atender. Seu pé já não doía tanto, contanto que o apoiasse na extremidade exterior ao caminhar. Girou a maçaneta e deparou com seu visitante.

 

                             Capítulo XIII

Ele já batia na porta antes mesmo que percebesse como era estranho ter vindo contar a Jamila sobre seu artigo no jornal. Ela nada sabia sobre medicina, nem se interessava pelo assunto. E não disse a si mesmo que viria para romper com Jamila? A porta se abriu antes que estivesse pronto para vê-la.

— Entre, Alex.

Percebeu que ela estava descalça, e de algum modo, aquilo fez seu coração bater mais forte.

Ridículo. Fizera amor com Jamila na noite anterior e duas vezes naquela manhã. Não podia estar sentindo aquele desejo esmagador. Talvez, afinal, não tivesse mentido para Diana. Devia ter contraído uma dessas viroses que costumam atacam no fim das estações.

Tratou de fechar a porta atrás de si. Não devia ter vindo. Teria sido melhor se houvesse procurado uma conferência fora da cidade para assistir, ou voar para Veneza e cercar-se de Diana até recordar o que queria de fato para si.

— Esteve pintando esta tarde?

— Sim. Mas não vou lhe mostrar, não ainda. Venha comigo. — Jamila o conduziu até o estúdio.

— O que houve? Por que manca?

— Quebrei uma travessa de vidro e pisei num caco. — Fez careta. — Tentei tirar, mas não consegui.

— Está dizendo que tem um caco de vidro na planta do pé?

— É, mas não está doendo tanto. Só quando piso...

— Não dá para acreditar. Nem pense em se apoiar nessa perna, senão vai empurrá-lo mais para dentro.

— Alexander a pegou no colo. — Onde fica o quarto?

— Lá atrás.

Ele a carregou até o aposento e a fez deitar-se na cama, forçando-se a olhar para seus olhos, não para suas coxas.

— Onde guarda os remédios?

— No armário do banheiro.

Alexander encontrou o que precisava, além de uma agulha em uma alfineteira. Foi para a cozinha esterilizá-la em água fervente. No fogão, algo dentro de uma panela cheirava muitíssimo bem enquanto fervia em fogo lento. Desligou a chama antes que queimasse.

Retornou ao dormitório.

— Deite-se de costas.

Jamila o fitou como se não tivesse entendido.

— De costas. Fique atravessada no colchão, para que a luz ilumine seu pé. — Não se mexa.

Alexander notou a região inflamada e procurou, gentil, com o polegar. Ao se aproximar do centro da área avermelhada, Jamila contraiu a perna. Ele pôde ver o lugar onde o caco se alojou.

— Respire fundo e procure relaxar. Vai doer um pouco. Segurou-lhe firme o tornozelo e, com todo o cuidado, inseriu a agulha. Jamila estremeceu quando Alexander alcançou o frag­mento de vidro e puxou para fora.

— Acabou. Doeu muito, Jamie?

— Um pouquinho... — Ela se contorceu sob as mãos dele.

— Agora fique quietinha. — Alexander pincelou o pequeno ferimento com anti-séptico antes de protegê-lo com um curativo. — Pronto.

Apanhou tudo o que utilizou e depositou sobre a mesinha-de-cabeceira. Permitiu-se então pousar a mão no tornozelo dela, mais uma vez. Pôde sentir seu pulso. Os olhos dela eram puro fogo verde, os lábios sedutores entreabertos.

— Eu te quero, Jamie... Não importa o fato de termos feito amor há poucas horas, nem de eu ter ficado plenamente satisfeito. Não ligo se você não é a mulher certa para mim. Quero e preciso de você agora.

Jamila estendeu-lhe as mãos, e Alexander foi a seu encontro.

Muito tempo depois, Jamie virou a cabeça e observou os olhos dele se abrirem devagar. Depois do amor, todas as linhas de seu rosto pareciam mais relaxadas.

— Eu te amo, Alex.

— Não diga isso. Não quero ouvi-la dizer tal coisa nunca mais. — Ainda unida a ele, Jamila sentiu suas palavras nos ouvidos e no corpo, e uma tristeza profunda a espicaçou.

— Não acredita que te amo? — Tocou seu rosto, sentiu a forma como Alexander estava tenso. — O que preciso fazer para que acredite?

Ele se afastou dela.

— Você deve sentir alguma coisa por mim, acredito que sinta. Mas não chame isso de amor.

— O fato de eu o amar o aborrece? Por causa dela? Por causa de Diana?

Alexander se abaixou até que seus lábios encontrassem. No princípio, o beijo dele parecia irritado, mais para a silenciar que possuir. Então, sem aviso, mudou, e ela se entregou.

Ele a encarou. Lá fora, o céu escurecera.

— Você me quer mais uma vez?

— Imagino que eu morreria se tentasse. — Alexander enrascou uma das mãos nos cabelos sedosos e enterrou a boca na dela, em um beijo lento que a deixou se sentindo marcada como sendo dele, de um modo indefinível, e que não tinha nada que ver com sexo.

Ele se virou e puxou-a para mais perto, dizendo a si mesmo que em seguida iria embora, para casa, para sua cama fria e vazia.

Acordou no escuro, sentindo um peso no ombro e outro no quadril. Continuou deitado, imóvel, inspirando o perfume dela, sentindo seus lábios contra o peito.

Jamila despertou quando ele se mexeu.

— Preciso ir, Jamie.

— Vou preparar algo para você comer.

— Não. Irei direto para o hospital.

Notou quando ela consultou o relógio de cabeceira. Seis horas, cedo ainda para ir trabalhar. Mas Jamila nada comentou.

Alexander não podia dizer que Diana ficara de ligar às sete, que ele precisava sair dali naquele instante ou, pensamento insano aquele, tentaria fazer amor mais uma vez.

Jamila deslizou para dentro de um vestido longo e macio, e o seguiu até a porta. Quando ela o abraçou, Alexander permitiu-se dar-lhe um beijo ávido.

— Você virá esta noite, Alex?

— Tenho uma reunião de trabalho. Não ficarei livre antes das dez.

Jamila deu de ombros.

— Estarei aqui.

O telefone tocou poucos minutos após as sete.

— Diana... Como estão as coisas? — perguntou, determinado a não mentir mais para ela.

— Correndo muitíssimo bem. Não vejo nada no projeto de que Cyril possa discordar. Vamos torcer para que tudo dê certo. — Suspirou. — Você está pronto para a reunião da diretoria na quar­ta-feira?

— Há séculos.

— Ótimo! Por que não vem para cá, depois da reunião, para passarmos o fim de semana juntos e comemorar?

— Tem certeza, Diana, de que a resposta da diretoria será "sim"?

— Toda a certeza do mundo. — Deu risada. — Cyril faz qual­quer coisa por mim. Não que seu projeto não seja merecedor, ló­gico. Mas ele fará isso.

— Por você?

Diana não podia estar falando sério.

— Seu avô fará isso, por você?

— Alex... — Ela riu nervosa, ou talvez o satélite causasse o efeito. — É um grande projeto. Eu só disse isso porque você sabe o quanto me importo. Com minha interferência, ele ganhou apenas um pouco mais de peso.

— Não gostaria de pensar que obtive essa parceria devido a algo além do mérito de meu trabalho.

— O que está havendo? Você está tão irritadiço.

— Diana, eu estou... — Não tomaria a mentir. — Não me sinto confortável com essa conversa.

— Pelo amor de Deus, sei o quanto você é ético! Tanto que chega a ser maçante.

O silêncio se alongou demais para se colocar a culpa no satélite.

— Estou saindo com outra mulher, Diana.

— Oh! Bem... só posso dizer que estou feliz por você.

— Feliz? Você não entendeu... Não é nada sério. — A risada dela soou natural.

— Pois para mim está parecendo ser. Esteve com ela no do­mingo? Notei algo diferente em você. Mas agora preciso desligar. Tenho milhares de coisas para providenciar.

— Diana, eu sinto muito.

— Por quê? Naquela ocasião eu perguntei se você queria ficar, mas foi por impulso. Não se tratou de uma declaração de amor eterno. Boa sorte na quarta.

Alexander ficou constrangido. Gostava de Diana, e se sentia mal só de imaginar que podia perder o centro de tratamento que suas crianças tanto necessitavam. Mas não havia nada que pudesse fazer, além de comparecer à reunião na quarta-feira e responder às questões que lhe seriam feitas. Se o centro dependesse da pos­sibilidade de seu relacionamento com Diana...

Não podia crer naquilo, esperava que não fosse verdade, porque as crianças não podiam ficar sem aquele centro. Mas agora era tarde. Tornou-se tarde no momento que conheceu Jamila Ferguson.

Em seu consultório no hospital, Alexander recebeu uma men­sagem importante de Paula. Esperou um minuto antes de discar número de sua irmã.

— Alex, até que enfim! — disse ela, em um tom de voz que lembrava sua mãe.

— Queria falar comigo?

— Sim. Venha jantar conosco hoje. Precisamos conversar. Ele consultou a agenda.

— Não posso. Tenho uma reunião marcada.

— Você está saindo com ela, não está?

— Como assim? Ela quem?

— Aquela mulher que você trouxe aqui. Sua artista.

Sua artista... Alexander não queria pensar em Jamila daquela forma. Ela não era sua artista, mas apenas uma mulher com quem mantinha um caso.

— Lamento, Paula. Esta é a última segunda-feira do mês e, como sempre, tenho uma reunião no hospital.

— Não pense que sou tola, Alex.

— Ouça, não é um bom momento. Estou muito ocupado. Tenho de desligar. Irei vê-la no sábado à tarde.

— Não pode vir amanhã à noite?

— Amanhã à noite eu irei ver Jamie.

— Ah, é? Você havia falado que não existia nada entre os dois...

— Não havia, mas agora há.

— Sendo assim, traga-a também. — Paula parecia zangada.

— Tenho um paciente à espera. E não, não a levarei. Você não foi muito gentil com Jamie quando estivemos aí.

— Não me diga que com ela é sério. Aquela mulher não é para você, Alex. Sabe que não é.

— Preciso desligar, Paula. Na próxima vez, não mande me avi­sar que é importante quando não for.

Bateu o telefone, praguejando. Não queria conselhos de nin­guém, menos ainda de sua irmã. Tinha trinta e oito anos e mantinha um caso com uma mulher dez anos mais nova. E não daria a ninguém o direito de lhe dizer que era loucura, tolice e que ele estava errado. Era um romance casual conduzido de forma adulta e responsável.

Responsável... não se contando a primeira vez.

Casual? Nada no impacto que Jamila lhe proporcionava poderia ser casual. Teria de ser louco para crer que aquela situação iria mudar.

 

                                Capítulo XIV

O telefone tocou quando Jamila acrescentava mais um pouco de vermelho na mistura de cores em sua paleta. Correu para atender.

— Alô?

— Jamie?

— Sim, sou eu. Como vai, Alex? — Podia ouvir sons ao fundo. — Está no hospital?

— Estou. Vai demorar um pouco até que eu esteja livre. Acho que irei direto para casa.

"Não implore", ordenou a si mesma.

— O que for mais conveniente para você. — Aquilo ficou bom, mas Jamila arruinou tudo ao completar: — Se mudar de ideia, saiba que não pretendo dormir cedo. Estou pintando.

Por um instante, ela pensou que ele havia desligado, então tor­nou a ouvir vozes ao fundo. Em seguida, Alexander perguntou:

— O que está pintando?

— Um pôr-do-sol.

Até pouco tempo atrás, ela estivera trabalhando no quadro de Alexander, colocando amor em seus olhos, suprindo as próprias necessidades. Mas ele não poderia saber.

— Viu o pôr-do-sol hoje? Que maravilha! Aí tem janela?

— Tem, mas as persianas estão sempre fechadas. Verei sua versão quando chegar.

— Claro — ela concordou, sorrindo, sabendo que afinal ele viria.

— Preciso desligar.

— Certo. Ficarei à espera.

— Quer que eu leve alguma coisa? Um vinho, quem sabe?

— Não. Quero dizer... Você teve de acordar cedo esta manhã. Por que não traz uma muda de roupa? Tenho uma escova de dentes nova e um aparelho de barbear. — Prendeu a respiração, aguar­dando sua resposta.

— Vou ver...

Jamila sorria quando ele desligou, esperançosa, sabendo que Alexander passaria a noite a seu lado.

De volta ao cavalete, acrescentou base neutra às cores na paleta, usando uma espátula para misturar. Um pouco mais de vermelho, só um toque... sim, perfeito!

Alexander deixou a reunião pensando em ir para casa, dizendo a si mesmo que era muito tarde para ver Jamila, que necessitava de muitas horas de sono de qualidade e de um tempo sozinho para avaliar suas prioridades.

Dali a dois dias seria quarta-feira, quando ele se sentaria diante da diretoria da Fundação Thurston. Então, aguardaria o veredicto.

Que faria se fosse recusado? Como levar avante o projeto sem a parceria com a fundação?

Em seu apartamento, olhou para a pilha de papéis, cópias dos documentos que enviara por fax a Diana e a Cyril Thurston. Mas o que, afinal de contas, faria permanecendo em casa? Ficaria se martirizando? Ansiando por Jamila, que lhe dissera "venha, não importa a que horas"?

A meio caminho da residência dela, pensou melhor e decidiu não pernoitar. Seria mais seguro acordar na própria cama, e a sós. Claro que depois ele se lembraria dela, mas pareceria como um sonho, uma fantasia, algo tentador, irreal, porém nada prático.

Estacionou, deixando no carro a sacola com as coisas que trou­xera. Devia ter trazido vinho e flores, em vez de roupas para trocar na manhã seguinte.

Jamila atendeu em segundos após ele ter batido na porta. Pouco depois, Alexander não tinha certeza se a puxara para seus braços, ou se ela fizera isso.

Lógico que ele passou uma noite. Deveria ter sabido disso. Como poderia deixar o calor dos braços dela para voltar a sua cama vazia e gélida?

Na manhã seguinte, Alexander acordou diferente. Estava frio, distraído.

— O que irá fazer hoje? — Jamila quis saber.

— O de sempre: ver meus pacientes. À tarde comparecerei a uma reunião.

— Na Fundação Thurston?

Jamila queria que ele confiasse nela, que partilhasse seu nervo­sismo, porque, sem dúvida, Alexander estava nervoso, preocupado com o encontro com os diretores da fundação, dos quais dependia a realização de seu sonho.

Acompanhou-o até a saída, como o fez na manhã anterior. E ele lhe deu um beijo longo e caloroso que lhe garantiu que voltaria.

— Boa sorte, Alex.

Ele a olhou, assustado, mas não perguntou o que ela queria dizer.

Jamila desejou indagar se Alexander viria naquela noite, porém se conteve. Ele viria, sentia isso. Não queria que pensasse que ela queria  prendê-lo, embora ansiasse por abraçá-lo e implorar para que prometesse que ficaria a seu lado. Não para sempre, só até que Diana voltasse.

Como Alexander poderia amá-la à noite, beijá-la como se ser separado dela o matasse, e ainda assim voltar para os braços da mulher a quem ele alegava ser seu ideal de uma esposa perfeita?

Fechou a porta e foi para o estúdio, para o quadro de Alexander.

Será que devia pintá-lo em preto e vermelho? Deveria repro­duzi-lo abandonando-a? Talvez devesse pintar Alexander partin­do, para se preparar.

Começou a esboçar linhas escuras sobre a tela, que cortavam a tela branca, ao mesmo tempo que feriam seu coração.

Recuou.

— Por favor, meu Deus, não permita que ele parta para sempre. Não depois do que partilhamos.

Alexander acreditava que Diana era o protótipo da perfeição, mas poderia ser diferente agora. Tinha três semanas para ensiná-lo a amá-la.

Naquele momento, uma hora e meia antes da reunião, Alexan­der se viu tentado a ligar para Diana em Veneza.

Mas, se a chamasse, não seria por nenhuma outra razão além da necessidade que tinha de estar seguro de que o encontro com os diretores seria bem-sucedido. Porém, parecia errado, além de injusto, agora que ele confessara que estava vendo outra mulher. Usara Diana, seu tempo e sua energia, permitindo que ela acredi­tasse que haveria uma relação. Não apreciava a ideia de tê-la tra­tado assim, de sentir culpa por ter sido descuidado com outro ser humano.

Apanhou a pasta com o projeto do centro de tratamento e saiu da sala.

— Sua mãe ligou — avisou Vanda, sua assistente.

— Ela deixou o número?

— Está aqui. — Estendeu-lhe o pedaço de papel no qual fizera a anotação.

Alexander o guardou no bolso.

— Se tornar a ligar, diga-lhe que ligarei de volta, à noite. — Devia ter dito que ligaria no dia seguinte, concluiu logo após.

Planejava ir ver Jamila depois da reunião. Se as notícias fossem boas, ele a levaria para jantar, de preferência em algum lugar espe­cialmente romântico.

As notícias seriam boas. Tinham de ser!

A elegante secretária o conduziu à sala de conferências da Fun­dação Thurston, e Alexander se viu frente a frente com Cyril Thurston, que ocupava a cabeceira da mesa, cercado por três outros cavalheiros.

Uma pasta com papeis fora colocada diante de cada um dos diretores, decerto cópias da proposta de Alexander. Ele mal se sentara quando o inquisição começou.

Durante a hora que se seguiu, as cinco pessoas a seu redor continuaram questionando-o sem cessar.

Só pararam com as indagações quando não havia mais nada a esclarecer.

— É um excelente projeto — Alexander comentou. — E muito necessário. Há crianças morrendo, e vocês poderiam salvá-las.

— Muito bem. Você receberá notícias nossas — disse Thurston, dispensando-o.

Alexander percebeu que só reduziria suas chances, se insistisse.

— Obrigado. Estarei aguardando.

Desejou saber quando seria isso, por quanto tempo teria de esperar, mas viu algo pessoal nos olhos de Cyril Thurston e se conteve.

Cyril estava bravo com ele, e devia ser por causa de Diana. Ela, na certa, contara algo ao avô. Mas o quê? Que Alexander tinha outra garota? A possibilidade de ele receber ajuda financeira da Fundação Thurston teria existido tão só em função de seu relacio­namento com Diana? Teria sido tão ingênuo que não percebera a verdade?

Não. Conhecia Diana muito bem. Ela jamais usaria a fundação para propósitos pessoais.

Todavia, Cyril devia saber que Alexander e Diana tinham es­tado à beira de uma relação mais séria, mas que Alexander pôs fim em tudo por causa de outra mulher.

Alexander se viu na praia, olhando para um barco de pesca se afastando do porto sob o brilhante sol de fim de tarde e sem que soubesse como chegou ao local.

As crianças deveriam sofrer por ele não ser capaz de se afastar de Jamila, porque seu desejo por ela era mais forte do que tudo?

Suspirou e saiu com o carro.

Logo ao chegar e ver o automóvel de Jamila parado na garagem da casa, sentiu uma onda de emoção invadi-lo. Em um minuto, bateria na porta e ela viria abrir, talvez dentro de uma daquelas camisas coloridas que usava como avental de pintura. Receberia-o sorrindo, aceitando seu abraço. Morrendo de saudade, ele então a beijaria.

Morrendo de saudade... Viera até ali por ela, para ela. Não ape­nas em busca de seu conforto. Estava cada vez mais resignado da necessidade que tinha de estar com Jamila.

Mas não queria que fosse desse modo, como se ela fosse o único abrigo que poderia se imaginar.

Não falaria sobre a reunião, decidiu. Manteria seu grande de­sapontamento só para si. Não iria se permitir precisar tanto dela.

Bateu na porta e decidiu lhe dar uma campainha de presente. Poderia instalá-la naquele fim de semana. E também um olho má­gico, para que Jamila pudesse ver quem chegava, antes de atender.

Quando a porta se abriu, Alexander começou a estender os bra­ços para alcançá-la, antes que percebesse que ela não estava lá. Era Sara Miller quem viera recebê-lo.

— Dr. Kent! Você veio me ver? Eu já fiquei boa.

— Sei disso, meu bem. Jamie está?

A garota o fitou com ar intrigado, e ele se corrigiu:

— Jamila está em casa?

— Sim, lavando os pincéis. Entre. — Alexander seguiu a garota até a cozinha.

Encontrou Jamila à pia, a cabeça abaixada, cuidando de seus pincéis. Virou-se à entrada de Sara.

— Alex!

Ele quis cruzar o espaço entre os dois e enlaçá-la com força, sentindo seu corpo macio lhe dar boas-vindas.

— O dr. Kent veio me ver, Jamie.

Mais tarde, os olhos dele prometeram a Jamila. Mais tarde ele lhe tiraria aquele suéter sedutor e beijaria cada centímetro de sua pele sedosa e perfumada.

— Quer ver Squiggles, dr. Kent?

— Quero, Sara.

E a menina se afastou, correndo.

Alexander aproveitou para se aproximar de Jamila. Moldou-lhe o rosto com as mãos e a beijou na boca, um beijo ardente que os deixou sem fôlego.

— Como foi a reunião, Alex? O que decidiram? Ele deu um passo atrás. Como Jamie soubera?

— Nada foi decidido. Ficaram de me dar notícias.

— Oh, Alex! — Ela tocou sua face com os dedos. — Se eles se recusarem a apoiá-lo, nós encontraremos um modo.

Quando foi que ele se tornou assim tão aberto a ponto de Jamila conseguir sentir sua decepção sem que lhe dissesse nada? Quando foi que começou a precisar tanto dela, até começar a achar que não havia outro lugar no mundo para onde desejasse ir quando seu dia terminava?

"Nós encontraremos um modo." Juntos.

Sara foi ao encontro dele fora da porta da cozinha.

— E Squiggles? — Alexander indagou.

Amor. Era isso. Amava Jamila, e não podia evitar.

— Não o encontrei. Ele gosta de passear! Deve ter ido dar uma volta. — A garota sorriu. — Mas agora tenho de ir embora. Jamie me levará para casa.

— Você espera um pouco, querida? — perguntou Jamila.

— Claro!

Ao vê-las, Alexander tentava imaginar como uma filha deles seria. Ou filho. Teria cabelos loiros como ele teve em criança, ou castanhos e cacheados, como o de Jamila?

— Pode vir conosco se quiser, Alex — convidou-o Jamila, he­sitando à entrada ao corredor.

— Obrigado. Prefiro aguardar.

Era estranho, mas Alexander não sentiu o frio vazio quando ela se foi.

Caminhou lentamente pelos quartos. Era um imóvel tão peque­no, uma verdadeira miniatura, e no entanto, de certo modo, Ale­xander se sentia em seu lar ali, muito mais do que em seu amplo apartamento. Tentou rememorar uma época, um lugar onde tivesse sido surpreendido por aquela sensação de pertencer.

Se fossem viver ali, seria necessário ampliar a casinha, construir mais dormitórios. Ou procurar outro lugar, com mais espaço, em um bairro melhor para as crianças.

Afastou-se da janela, o coração batendo forte. Calma, avisou a si mesmo. Um passo de cada vez. Era um relacionamento novo o deles, e não tinha como saber onde terminaria.

No entanto, não podia mais pensar no próprio futuro sem incluí-la.

Empurrou a porta do pátio aberto e saiu. "Para sempre" era um pulo muito grande para dar com uma mulher que, uma semana atrás, ele acreditava ser inadequada.

Tomou a entrar e seguiu pelo corredor. O que Jamila acharia de morar no apartamento dele?

Não, ela necessitava do mar. Encontraria uma casa na praia para eles morarem, com um jardim relvado e quarto para as crianças. Talvez na ilha de Bainbridge, embora Alexander nunca tivesse lhe falado sobre seu sonho de possuir um imóvel lá.

"Nós encontraremos um modo." Claro que era uma figura de linguagem, mas as palavras dela tocaram sua sensibilidade.

Passou a mão pelos cabelos. Acreditando ser a Fundação Thurs­ton a única resposta a sua luta por um centro de tratamento, ele esqueceu das opções. No dia seguinte, tornaria a ligar para a Gordon Ali Saints. Talvez os hospitais não pudessem doar dinheiro, mas Alexander poderia usar sua influência.

Animou-se um pouco, abastecido por novas ideias, pela forma embrionária de um novo plano.

Pegou uma caneta e sua agenda de compromissos e sentou-se na cozinha. Examinou a lista de compromissos para o dia seguinte e anotou uma serie de nomes e de telefonemas que teria de dar até a hora do almoço.

Ao repor a agenda no bolso, de dentro dela deslizou um pedaço de papel no qual sua assistente anotara o número de telefone de sua mãe. Pelo código de área, ela devia estar em San Francisco.

Pegou telefone e digitou. Não foi nenhuma surpresa ser aten­dido pela recepção de um hotel. Alisha Kent morava em hotéis havia anos, desde que se divorciou do segundo marido. Foi quando ela decidiu retomar sua carreira de cantora.

Deu o nome de sua mãe à recepcionista, apenas para descobrir que Alisha deixara o local fazia trinta minutos. Típico de sua mãe dar um número de telefone e não estar lá para atender. Encolheu os ombros e repôs o aparelho no gancho. Ela tornaria a ligar.

Alexander se inquietava. Por que Jamila demorava tanto? Devia ter levado Sara até seu apartamento. Evidente que não a largaria na rua.

Rondado através do estúdio, olhou para o cavalete onde estava um quadro de Sara com Squiggles. Aquela pintura não mostrava que Jamila era diferente, que se preocupava com as pessoas? Que a realização de seus próprios desejos e necessidades jamais anu­lariam seu senso de responsabilidade?

Ela fizera muito por Sara, levando Squiggles para casa, apresen­tando o mundo da arte à garota.

Estudou o retrato de Sara. Jamila capturou algo mágico naquele trabalho, o ar sonhador, a terna inocência dos muito jovens, a selvageria felina adormecida nos olhos estreitados do gato.

Lembrou-se do quadro de Jamila que comprara na galeria, A Jovem no Balanço. O problema foi que, ao levá-lo consigo, notou que a obra não se ajustava à sala de estar.

Ele mesmo não parecia mais se ajustar àquela sala. Até conhecer Jamila, nunca notara o quanto sua vida e seu apartamento eram insípidos.

Não podia chamar de lar o lugar onde morava. Aquele lugar em que estava era um lar, aquela casa que possuía um estúdio, e no qual em todos os cantos de sua estrutura minúscula se podia sentir a personalidade viva e calorosa de uma mulher.

Sem pressa aproximou-se da parede do fundo onde três pinturas permaneciam cobertas com pano branco. Ergueu o primeiro e viu a si próprio sentado em uma cama... a mesma na qual eles fizeram amor pela primeira vez.

Engoliu em seco. O homem na tela estendia a mão para uma mulher, um homem irremediavelmente atraído pelo feitiço da pai­xão, o olhar demonstrando toda sua ansiedade e adoração.

Jamila conseguira enxergar dentro dele, alcançado o lugar mais secreto para tirar proveito da sua vulnerabilidade, do amor que ele próprio acabava de descobrir. E usou isso para criar sua imagem em tela, imortalizar sua fraqueza. Usou-o enquanto lhe ensinava a precisar dela, apossando-se da fragilidade dele, do sentimento dele e expondo-os em tela.

A exposição de outono. Ela colocaria aquelas telas na galeria de Liz, exibindo para qualquer um que lá entrasse, o desejo contra o qual Alexander não conseguia lutar. Um poderoso talento novo. Os críticos olhariam a alma dele naquela obra e escreveriam sobre o que viam em suas colunas.

— Alex?—Jamila chamou-o ao chegar. — O que você... Essas pinturas são particulares!

Ele riu com amargor.

— Jura? — Virou a cabeça e viu nos olhos dela sua fingida inocência. — Foi para isso que fez tanta questão da amizade de Sara?

— Como assim? Pintei Sara e você... Sou uma artista. Esse é meu trabalho.

— Quando planejou isso? — Jamila balançou a cabeça.

— Não planejei nada, apensas fiz. Quando vi Sara sentada com Squiggles no colo, o rosto triste, soube que estava se lembrando da mãe, ansiando por ela, mesmo sabendo que não a teria de volta nunca mais. Eu... — Uniu as mãos. — ...senti necessidade de pintá-la.

— E quanto a mim? Quando me olhou e me incluiu em seus planos? Na certa desde o começo você quis passar para a tela. E sugeriu, Jamie. Disse que queria ter um caso comigo. E também escolheu o hotel. Eu devia ter adivinhado.

— Adivinhado o quê?

— Que procurava por uma experiência artística. Obteve o que desejava? — Aproximou-se, não pôde evitar. — É o bastante ou quer ainda mais? Duas pinturas? Seis? Quantas serão necessárias para que satisfaça sua luxúria?!

— Eu te amo, Alex. — Jamila tocou seu peito, e ele continuou olhando fixo para ela.

— Claro que me ama. Ama a tudo e a todos. Ama Sara, e a amará até ter sugado dela toda a emoção. E a mim também. Oh, claro, ensaiou bem seu papel! Mas eu lamento, porque não ficarei para o fim do espetáculo. Uma coisa tenho de admitir: você é muito boa de cama.

— Está enganado, Alex.

— Não, não estou. — Desejava afastar-se, mas em vez disso chegou mais perto, odiando a si mesmo, incapaz de resistir. Des­lizou a mão nos cabelos sedosos e puxou a cabeça dela para al­cançar-lhe os lábios.

Julgou que ela fosse lutar. Queria que ela lutasse, mas Jamila mais parecia uma boneca de trapo entre seus braços. Beijou-a com avidez, e em seguida soltou-a, como se o contato o queimasse.

— Você usa todo o mundo, Jamie. Eu, Sara e aquele pobre tolo rua abaixo. Até mesmo o gato. Olha para nós, nos atrai, nos usa, e depois se desfaz.

— Isso não é verdade!

— Não? Pode negar que quando estamos juntos na cama você está pensando em como aquilo ficaria em tela?

— Acha mesmo que só porque sou apaixonada por pintura não valorizo meus sentimentos por você?

Ele gargalhou, sarcástico.

— Estou indo embora, Jamila Ferguson, e desta vez é para sempre. Continue com suas experiências artísticas. Mas se colocar aquele quadro à venda, se o puser naquela maldita exposição, eu a processarei. Tomarei até o último centavo que ganhou com sua arte. Vou arruiná-la!

Jamila empinou o queixo, os olhos soltando faíscas. De repente, ele sentiu a energia, a raiva ardendo nela.

— Eu a advirto, Jamie, que irei processá-la.

Ela então apontou o redemoinho vermelho e preto em tela.

— Somos nós dois ali, Alex, fazendo amor. Quando eu exibir essa tela, os críticos falarão sobre poder e paixão. E você pode processar se quiser, porque não ganhará. Vou chamá-la de Alexander.

— Irá se arrepender!

— Esse é seu objetivo? Fazer com que eu me arrependa? Desde o início eu sabia que me arrependeria. Como ousa ficar aí, de pé, me acusando? E quanto a você? Antipatizou comigo mesmo antes de me conhecer. Ah, mas você me cobiçou, não foi? E conseguiu o que queria!

— Você se ofereceu.

—Muito conveniente... E agora que me teve, procura encontrar um modo de cair fora usando o velho subterfúgio de me culpar. Foi o que fez desde o começo. Tentou jogar toda a culpa da face da terra sobre mim. Quando voltar para Diana, tentará se convencer de que deixou de me querer? Não será fácil, Alex. Se decidir re­tornar para os braços dela, se se casar com ela, passará o resto da vida me querendo!

Pela primeira vez desde que seu irmão faleceu, Alexander se viu prestes a fazer uso da violência física. Cerrou os punhos com força.

— Jamie...

— Saia daqui! Saia de minha casa!

Alexander girou nos calcanhares e foi em direção à saída, lu­tando contra a vontade que tinha de agarrá-la pelos ombros e sa­cudi-la, enterrar a boca na dela até que a loucura o deixasse.

De algum modo, conseguiu chegar ao carro.

Jamila que o aguardasse, porque voltaria para pegar aquele qua­dro e destruí-lo.

Colocou a marcha à ré e manobrou o BMW. Era melhor sair dali o quanto antes, ou acabaria entrando de novo naquela resi­dência, e terminaria a noite, sem sombra de dúvida, junto dela.

 

                                 Capítulo X

Na galeria, Liz maravilhava-se ao ver a primeira tela que Jamila desembrulhou.

— Ficaram incríveis! — exclamou, quando as pinturas foram recostadas à parede. — Meus parabéns, Jamie.

Jamila analisou o próprio trabalho, dando-se conta de que fa­lhara. Pintaria a própria aflição, e lá estava ela, mas pintá-la a não a livrou dela. Não sentiu nenhuma alegria diante do entusiasmo de Liz.

—Vou falar com Enders em San Francisco. Pretendo fazer algo grande, não só uma simples exposição aqui na galeria. Pretendo exibi-las em Nova York também.

— Agradeço, Liz, mas agora eu preciso ir. — Liz desviou a atenção das telas.

— Você me parece terrível, querida. Espere...

— Entrarei em contato. Adeus, Liz.

— Jamie!

Ela se foi, caminhando apressada através da elegante galeria até alcançar a saída.

Tinha necessidade de desaparecer, se ausentar de tudo. Pegaria material de pintura, roupas, Squiggles, colocaria tudo dentro do carro e partiria para a praia.

Não, para algum lugar diferente, dessa vez. Talvez subisse em direção ao norte do Canadá. Seguiria dirigindo rumo ao norte, até alcançar ao Alasca.

Dirigia devagar, reconhecendo que não podia confiar em seu estado mental.

Alexander não disse que ela não era confiável? Que usava a tudo e a todos em prol de sua arte? Era verdade, mas isso não significava que não o amasse, ou que o amasse menos.

Alexander nunca quis acreditar no amor que lhe dedicava.

Estacionou diante de casa. Ao entrar, foi em direção ao quadro que fizera de Alexander, que deixara para secar.

Quando Alex o viu foi como se tudo o que sentia por ela fosse destruído. Por quê?

Tocou a tela. Retratou amor nos olhos dele. Se Alexander não a amasse, por que isso o aborreceria?

Mas se ele de fato a amava...

Vanda, a assistente de Alexander, levou o pacote para o consul­tório dele.

— Um mensageiro mandou entregar isto para você, Alex. Quer que eu abra?

— Não.

Vanda se foi, aturdida com os modos bruscos que ele assumira havia pouco tempo.

Alexander olhou para o embrulho apoiado contra a mesa. Era do tamanho de uma das telas de Jamila.

Guardou-o no armário e fechou a porta. Pegou o interfone e disse a Vanda que mandasse entrar o próximo paciente.

Duas horas depois, Alexander ainda não se animara a abrir o pacote que pusera no armário.

Alguém bateu, salvando-o da tentação de abri-lo.

Recebeu Dennis, que entrou e tirou alguns papeis da pasta. Es­queceu de que o cunhado viria. Esqueceu-se de muitas coisas na­quelas três semanas, mas nem por um momento conseguiu esque­cer Jamila.

— Terminou o expediente, Alex? Não tem mais nenhum pa­ciente para atender?

— Não. Nenhum. Como foram as coisas lá no banco?

— Diga-me mais uma vez por que estamos fazendo isso quando ainda não recebemos uma resposta de Thurston? Não faria mais sentido aguardar?

— Sabe que eu não sou de esperar. — Alexander sentiu a fa­miliar pressão no peito aumentar.

Se não tomasse alguma providência urgente quanto àquela ten­são nova, não sabia aonde iria parar.

— O que Jamie acha dessa ideia? — Dennis quis saber.

— Que ideia?

— Não se faça desentendido. Eu acho que nós ainda poderíamos pensar em uma segunda opção. Você está falando em dar seus próprios recursos, sua casa, seus investimentos como garantia do empréstimo que pediu ao banco. Eu o aconselho a não fazer isso.

— São meus ativos, Dennis.

— É verdade, mas acho que precisa ser melhor avaliado. Com que dinheiro bancará os custos operacionais? Jamie poderia acon­selhá-lo melhor.

— Jamie não sabe nada sobre finanças.

— Evidente que sabe! Seu pai costuma dizer que ela tem mais talento natural para lidar com números do que ele próprio.

Alexander balançou uma cabeça.

— Não vou mostrar nada para ela. Não estamos mais juntos.

— Talvez seja esse o problema... — Dennis repôs os documen­tos na pasta. — Não posso apoiá-lo nisso, Alex. Vá com calma, dê algum tempo a Thurston. Então, se a fundação disser "não", procuraremos uma saída.

Alexander sentia a raiva ferver nas veias. Jamila o traíra, e ago­ra, Dennis.

Seu cunhado parou à soleira.

— Quer um conselho? Esqueça o centro de tratamento por al­guns dias. Procure Jamie e faça as pazes com ela. Então, talvez você consiga avaliar melhor as coisas.

— Suma daqui, Dennis! — Alexander esbravejou.

Fazer as pazes com ela? Era tudo de que ele precisava, conselhos do cunhado que não sabia a respeito de Jamila. Perita contadora... Filha de James Ferguson. Era o que ela dissera na primeira noite em que eles se encontraram. Jamila contou que cursou a faculdade, como seu pai desejava, mas seu coração batia com a necessidade de criar arte.

Uma garotinha sem mãe tentando ser o que seu pai desejava, porque ele era a única família que lhe restava, e ela ansiava que por sua aprovação.

Jamila teve sorte quando conheceu Liz, que reconheceu seu talento como pintora e a incentivou a alimentá-lo.

Devagar, Alexander se aproximou do armário e apanhou o pacote, desembrulhando a tela. Jamila a emoldurara, e agora, de certa forma, a nudez a seus próprios olhos tornou-se ainda mais esmagadora.

Ouviu uma porta se abrir.

— Alex? — Era Emma McKenzie. — Tem um minuto para falar sobre o problema com Betty Emerson?

Ele não pôde se virar, não conseguiria olhar para ela, com a mente repleta de lembranças de acordar vendo Jamila pelo quarto e sentindo a pulsação disparar diante da visão...

— Desculpe-me, eu não queria interromper... Isso parece pes­soal — disse Emma, com suavidade.

Alexander engoliu em seco, ainda fitando a tela.

— De fato, é.

— Confesso que julguei que ela o tivesse deixado, mas creio que me enganei.

— O quê? — Alexander virou a cabeça e deu com Emma olhan­do para a pintura.

— Tem estado tão abatido, Alex... Essa mulher pintou isso, mas não o abandonou. Foi você quem a largou, seu tolo!

Alexander se concentrou em Emma, pressentindo que estava a ponto de dizer-lhe algo muito importante.

Emma descansou a mão no ventre, como toda mulher grávida fazia, e sorriu com tristeza.

— Tem de abrir os olhos, Alex. A moça que pintou esse quadro está loucamente apaixonada com você, não tenho a menor dúvida disso.

— Como pode fazer tal afirmação apenas olhando para o quadro?

— Quando descobri que amava Gray com loucura, se eu pu­desse tê-lo retratado num quadro, teria colocado essa expressão nos olhos dele. Sonhava que um dia Gray me olhasse como se eu fosse o mundo dele. Alex, seu bobo apaixonado, encontre-a e diga-lhe que também a ama. O que está esperando?

E Emma foi embora, deixando aquelas palavras ecoando atrás de si.

O que pinta um pintor? ele se perguntava. Seus sonhos, seus medos, sua dor?

Jamila pintara Sara ansiando pela mãe que nunca mais voltaria.

Claro que Jamila sentia-se atraída pela menina. Ela mesma per­dera a mãe, entendia o sofrimento da garota e quis aliviar sua dor.

Alexander tentara em vão agarrar-se à imagem de Jamila como uma jovem exótica e perigosa, como se pudesse se proteger man­tendo-a distante.

Manteve distância de todos, durante toda a vida protegendo-se de vínculos mais íntimos. Quando achou que chegara a hora de procurar uma esposa, na verdade buscava não se envolver, fixando-se em mulheres que eram suas amigas, não amantes, o que o manteria a salvo de sofrimento.

Nem mesmo com a própria irmã compartilhava a si mesmo. Evitava a maioria de seus convites, e mudava de assunto quando ela tentava falar sobre a mãe deles. Quanto a Alisha, Alexander não lhe dera nenhuma chance. Apenas frios telefonemas e um ou outro jantar quando ela estava na cidade. Jamais a convidou para se hospedar em sua casa.

Nunca a perdoou pela morte de Ricky, seu irmão.

Porque ela era uma criatura de paixões, saltando de impulso para impulso, sem jamais olhar para trás. Porque Ricky, seu pró­prio filho, precisou muito de seus cuidados. Alisha, no entanto, mantinha-se mais preocupada com as chances de se tornar cantora da banda do que com a vida de seu menino.

Alexander saiu do consultório carregando o quadro. Colocou-o no carro e foi para casa. O telefone tocava quando chegou. Correu para atender.

— Jamie...

— É Cyril Thurston falando.

Ele fechou os olhos, lutando com a própria decepção.

— Sim, sr. Thurston.

Iria vê-la logo após aquela ligação. Não sabia o que diria, mas tinha de vê-la.

— ...deliberações concluídas — Thurston estava dizendo. — ...nós decidimos prosseguir com o projeto. Precisamos nos sentar e discutir.

— Discutir? — Alexander perdera algo ali. — Quer dizer que vocês vão financiar meu centro de tratamento?

— Sim. Mas, como digo, precisamos sentar e examinar melhor a proposta. Dadas as necessidades da área de Seattle, poderíamos aumentar o projeto. Podemos nos encontrar amanhã?

Momentos depois, Alexander desligou, sem acreditar no que ouvira. A Fundação Thurston financiaria tudo e ainda queria que o prédio fosse maior. Dessa vez, insistiria para que Dennis esti­vesse presente à reunião.

Discou o número do cunhado.

— Eu não lhe disse? Só perdemos tempo com aquela proposta que fizemos ao banco.

Quando Alexander acabou de falar com o cunhado, viu-se outra vez sozinho com o quadro que Jamila lhe enviou. Tornou a pegar o telefone e discou os três primeiros números da casa dela, mas desistiu.

Embora o automóvel estivesse estacionado na garagem, Jamila não atendeu quando ele bateu na porta. Tornou a bater, e nada.

Deu a volta, chegando ao terraço. Deu pancadinhas na janela, esperando, por fim, ganhar sua atenção.

Existia algum modo de dizer a sua amada o quanto lamentava e implorar para que o perdoasse? Devia ter ligado antes. E trazido flores. Devia isso a ela.

As janelas estavam escuras, e não havia uma única luz dentro da residência. Não dava para ver nada. Pulou para dentro do terraço e tentou a porta corrediça. Trancada. Precisava ver Jamila, falar com ela, confessar que a amava.

O coração de Jamila disparou quando dobrou a esquina e avistou o BMW de Alexander estacionado junto à entrada. Respirou fundo e caminhou devagar.

Notou um movimento perto do portão, uma sombra que de re­pente se transformou em Alexander quando ele alcançou a rua.

— Onde você estava? — Ele parecia calmo, calmo demais.

— Caminhando.

— Sozinha, à noite?

— O bairro é bastante tranquilo e seguro.

— Eu me preocupo com você, Jamie. Não posso evitar isso. — Ela nada disse.

— Por que me enviou o quadro?

Jamila não respondeu. Não pôde. Talvez em um momento a raiva viria e ela poderia falar.

—Temos de conversar. — Alexander tocou seu braço. — Viria comigo?

— Claro.

Dentro do carro, o silêncio tornou-se opressivo. Jamila abra­çou-se e olhou para as mãos dele no volante, enquanto Alexander cruzava a ponte rumo a Capital Hill. Em um bairro elegante, entrou numa garagem. Quando desligou o motor, a porta de garagem se fechou atrás dele.

— Você mora aqui?

— Moro.

Sem fitá-lo, Jamila saiu do veículo, dizendo a si mesma que tinha de passar por aquilo, fingir que ele não partira seu coração, tolerar estar perto dele sem sentir seus braços a seu redor, sabendo que nunca mais a abraçaria.

Em instantes, chegaram ao apartamento. Adentraram a sala de estar, decorada com mobília de couro e tapete branco. Pararam bem no meio, olhando um para o outro, separados pela mesinha de café.

— Não sei o que lhe dizer, Jamie.

— Então, direi eu. Eu te amo, Alex. Creio que isso aconteceu quando estávamos diante do prédio de Sara, procurando o gato no meio da chuva. Foi como se eu o conhecesse desde sempre.

— Jamie... Quantas vezes eu a feri! Na primeira vez que fizemos amor, fui tão ganancioso que não pude me conter.

— Eu tentei fazê-lo perder controle, admito. No princípio, disse a mim mesma que seria apenas um caso. Nunca tinha tido um, e achava que já era hora. Fiquei amedrontada, porque foi demais, e descobri que não poderia ser apenas um romance fortuito.

Ela o encarou.

— Aquilo que me disse sobre eu estar usando tudo e todos é verdade. Contudo, já sabia que te amava, e também que não du­raria, porque você iria me deixar. Portanto, falei para mim mesma que, quando chegasse a hora, eu passaria minha dor para a tela e a venderia. Você tinha razão.

Alexander chegou mais perto e deslizou os dedos por entre os cabelos castanhos.

— Você é uma artista, com olhos de artista. É parte de sua natureza, não uma falha. — Engoliu com dificuldade. — Prometi que nunca usaria sua pintura contra sua pessoa, Jamie, entretanto foi isso o que fiz. Vi em seu trabalho o quanto precisava de você, e isso me aterrorizou. E, para me proteger, usei sua arte contra você. Não sei como poderá me perdoar.

Ela ficou na ponta dos pés para alcançar seus lábios, mas Ale­xander assumiu o controle do beijo, cobrindo os lábios dela com os seus, uma saudade imensa a queimar seu peito.

— Se fizer isso de novo, não poderei dizer as coisas tenho de dizer. — Alexander respirou fundo. — Eu te amo, Jamie. Se não te amasse tanto, não teria sido tão bruto. Não estava pronto para amar, e não sabia disso até me apaixonar por você. Não percebi o quanto meu mundo era vazio até nos conhecermos.

Jamila viu os olhos dele mudarem de cor, e tocou sua face, maravilhada.

— Eu o pintei assim... Exatamente assim. — Sorriu, suave. — Tenho mais uma mais coisa para confessar.

— Também tenho. Há um milhão de coisas para lhe dizer, mas primeiro... — Os lábios dele mais uma vez encontraram os dela.

Jamila correspondeu sem reservas.

— Este lugar é frio demais para se viver. Para mim, sua casa se parece muito mais um lar.

Jamila viu o quadro no momento em que Alexander cruzou a sala de estar com ela no colo.

— Alex...

— Eu te quero muito, Jamie. — Deitou-a na cama. — E não apenas aqui, em meu leito, mas em minha vida. Anseio pelo dia em que saberei que você estará me esperando quando voltar para casa, após um dia de trabalho, pelo dia em que poderemos construir nossas vidas juntos.

As palavras se perderam quando ele a beijou mais uma vez.

— Alex, naquela primeira vez, quando fizemos amor, quando você temeu que eu tivesse engravidado, no fundo da alma quis que fosse verdade. Queria muito um filho seu, e chorei quando descobri que não estava grávida, que não teria nada de seu.

— Você tinha o quadro, mas o enviou para mim.

— Existe outro. Tornei a pintá-lo.

— Ainda bem que não se desfez de tudo o que se relacionava a mim... — Ele riu. — Jamie, Jamie, diga, meu amor, você se casará comigo?

Jamila não cabia em si de alegria.

— Sim, meu querido, claro que me casarei!

— Ainda bem, porque sem você eu não saberia viver. Sem você, tudo a meu redor é preto e branco.

Transbordando de felicidade, sentindo-se dentro do próprio arco-íris, Jamila se entregou de corpo e alma ao homem que amava.

 

                                                                                Vanessa Grant

 

 

                      

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