Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DAMA DE COPAS / Carole Mortimer
DAMA DE COPAS / Carole Mortimer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Abril de 1817 — Palácio Brízzi, Veneza, Itália

— Eu mencionei para algum de vocês, cavalheiros, que pen¬sei em fazer uma oferta por uma das filhas de Westbourne?

O lorde Dominic Vaughn, conde de Blackstone e um dos dois cavalheiros a quem o anfitrião deles, lorde Gabriel Faulkner, se referiu, encontrou-se olhando boquiaberto para o homem à sua frente, do outro lado da mesa do café da manhã. Uma olhada para o amigo deles, Nathaniel Thorne, conde de Osbourne, mos¬trou-lhe que ele não estava menos surpreso com o anúncio, en¬quanto permaneceu sentado, com sua xícara de chá parada entre o pires e a boca.

Na verdade, era um daqueles momentos em que parecia que o próprio tempo deveria parar. Todos os movimentos, todos os sons. Na realidade, quando o mundo simplesmente deveria ter parado de girar.

Não parara, é claro; os gondoleiros ainda podiam ser ouvidos em suas embarcações no movimentado Grande Canal, os co¬merciantes continuavam a gritar enquanto se moviam ao longo do canal, vendendo suas mercadorias, e os pássaros ainda canta¬vam em um ritmo alegre. Aquela imobilidade total, a parada do tempo, existia apenas entre os três homens sentados no terraço do Palácio Brizzi, onde estavam apreciando um café da manhã tardio, antes da partida de Blackstone e Osbourne para a Ingla¬terra, mais tarde naquele dia.

— Cavalheiros? — falou o anfitrião deles falou, naquele sotaque arrastado divertido que lhe era tão típico, uma sobrancelha escura arqueada de maneira zombeteira sobre olhos azul-escuros, enquan¬to ele colocava a carta que estivera lendo sobre o tampo da mesa.

Dominic Vaughn foi o primeiro a se recuperar.

— Certamente você não está falando sério, Gabe?

Aquela sobrancelha escura zombeteira foi unida por sua gêmea.

— Não estou?

— Bem, é claro que não. — Osbourne finalmente recuperou-se para participar da conversa. — Você é Westbourne!

— Pelos últimos seis meses, sim. — O novo conde de West¬bourne reconheceu secamente. — Eu fiz a oferta para uma das filhas do conde anterior.

— Copeland?

Westbourne inclinou a cabeça escura de maneira arrogante.

— Exatamente.

— Eu... mas por que você faria uma coisa dessas? — Dominic não se esforçou para esconder seu desgosto diante da idéia de um dos três amigos sacrificando-se de livre e espontânea vonta¬de para a armadilha do casamento.

Os três homens tinham 28 anos e haviam ido à escola juntos antes de servirem o exército em Wellington por cinco anos. Eles haviam lutado juntos, bebido juntos, comido juntos, visitado prostíbulos juntos, compartilhado as mesmas acomodações em muitas ocasiões... E uma coisa com a qual todos tinham concor¬dado muito tempo atrás era a falta de necessidade de se conten¬tar com uma única fruta suculenta quando a cesta inteira estava disponível para seu deleite. O anúncio de Gabriel revelava a traição de tal pacto.

Westbourne deu de ombros sob a elegância de seu casaco azul-marinho.

— Pareceu-me a coisa correta a fazer.

A coisa correta a fazer! Desde quando Gabriel se incomoda¬va em agir corretamente? Banido do continente em desonra por sua própria família e sociedade havia oito anos, o lorde Gabriel Faulkner vinha levando sua vida desde aquela época conforme suas próprias regras, sem se importar com o que era correto.

O fato de ter herdado o título extremamente respeitado de conde de Westbourne colocava uma ênfase levemente diferente nas coisas, é claro, e significava que a sociedade de Londres — especialmente as mães interessadas em casamento para suas filhas —, sem dúvida, receberia o escandaloso Gabriel de volta, de braços abertos. Mas mesmo assim...

— Você está brincando, é claro, Gabriel. — Osbourne não he¬sitou em vociferar seu próprio ceticismo com relação à novida¬de do amigo deles.

— Lamento, mas não estou brincando — declarou Westbourne com firmeza. — Minha inesperada herança do título e proprieda¬des deixou o futuro das três filhas de Copeland à minha mer¬cê. — Ele curvou o lábio superior num sorriso irônico. — Sem dú-vida, Copeland esperava ver as três filhas seguramente casadas antes que deixasse este mundo. Infelizmente este não foi o caso e, sendo assim, as três mulheres se tornaram minhas protegidas.

— Está dizendo que você é guardião das três moças Copeland há seis meses e nunca disse uma palavra? — A voz de Osborne soava incrédula.

Westbourne inclinou sua cabeça arrogante.

— Isso é um pouco como deixar a porta aberta para a raposa entrar no galinheiro, não é?

Na verdade, era, pensou Dominic ironicamente. A reputação de Gabriel com as mulheres era lendária. Assim como era seu jeito implacável no que dizia respeito a colocar um fim em tais relacionamentos quando ele se cansava deles.

— Por que você nunca mencionou isso antes, Gabriel? O outro homem deu de ombros.

— Eu estou mencionando agora.

— Inacreditável! — Osborne ainda estava sem palavras. Gabriel deu um sorriso sem humor.

— Quase tão inacreditável quanto o fato de eu ter herdado meu título, na verdade.            

Aquele não seria o caso se os anos de batalha contra os exér¬citos de Napoleão não tivessem matado dois sobrinhos de Copeland, os dois únicos herdeiros possíveis do título. Mas era, por¬que Copeland tinha somente filhas e nenhum filho homem, o desonroso lorde Gabriel Faulkner herdara o título de conde de Westbourne de um homem que era meramente um primo de se¬gundo grau ou um parente distante.

— Obviamente o fato de que eu agora sou o guardião das mo¬ças torna a situação um pouco estranha, e então eu pedi que meu advogado fizesse uma oferta de casamento em meu nome — ex¬plicou Westbourne.

— Para qual das filhas? — Dominic tentou recordar seja tinha visto ou conhecido alguma das irmãs Copeland durante suas ocasionais aparições na sociedade nas últimas duas estações, mas nada lhe ocorreu. Ele não considerou um bom sinal que nenhuma das jovens mulheres parecesse atraente o bastante para despertar ao menos uma centelha de lembrança.

A boca esculpida de Westbourne se curvou num sorriso irônico.

— Não tendo conhecido nenhuma das moças, eu não senti que era necessário declarar uma preferência.

— Você não fez isso! — Dominic olhou para o outro homem, horrorizado. — Gabriel, você não pode estar dizendo que ofere¬ceu casamento para qualquer das garotas Copeland?

Westbourne deu um sorriso frio.

— Foi exatamente o que eu fiz.

— Não acredito, Gabe! — Osbourn parecia tão horrorizado quanto Dominic se sentia. — Assumindo um pouco de risco, você não acha? E se eles decidirem lhe dar a moça gorda e feia? Aquela que nenhum outro homem iria querer?

— Eu não vejo isso como um problema, uma vez que Harriet Copeland era mãe delas. — Westbourne gesticulou com uma das mãos para dispensar a objeção.

Todos os três homens tinham 19 anos quando lady Harriet Copeland, a condessa de Westbourne, tendo deixado seu marido e filhas, encontrara a morte tragicamente nas mãos do amante ciumento apenas meses depois. A beleza da mulher era lendária.

Dominic fez uma careta.

— Talvez eles decidam lhe dar aquela que se parece com o pai. — Copeland tinha sido um homem baixo e gordo, na casa dos 60 quando morrera, e com pouco charme também... Era de admirar que uma mulher tão linda com Harriet Copeland o hou¬vesse deixado por um homem mais jovem?

— E se eles decidirem assim? — Westbourne recostou-se em sua cadeira, os cabelos escuros se curvando sobre a nuca e tes¬ta. — Para proporcionar o herdeiro necessário, o conde de West¬bourne precisa de uma esposa. Qualquer esposa. Qualquer uma das irmãs Copeland é capaz de proporcionar tal herdeiro, inde¬pendentemente de sua aparência, certo? — Ele movimentou os ombros elegantemente largos num gesto de indiferença.

— Mas e quanto... quero dizer, se ela for gorda e feia, certa¬mente você nunca será capaz de enfrentar a situação a fim de providenciar este herdeiro necessário, não é? — Osbourne estre¬meceu visivelmente perante a imagem desagradável que acaba¬ra de criar.

— O que você tem a dizer quanto a isso, Gabe? — Dominic riu.

— Eu digo que não importa mais se eu conseguirei ou não executar minha tarefa na cama de casal. — Westbourne pegou a carta que tinha deixado de lado para ler o conteúdo mais uma vez, com aparente ar de calma. — Parece que minha reputação me precedeu, cavalheiros. — A voz dele se tornara dura. Dominic franziu o cenho.

— Explique, Gabriel.

Aqueles lábios esculpidos se apertaram.

— A carta que eu recebi de meu advogado esta manhã afirma que as três irmãs Copeland... sim, mesmo a gorda e feia, Nate — ele deu um olhar sarcástico para Osbourne —, rejeitaram qualquer idéia de casamento com o infame Gabriel Faulkner.

Dominic conhecia Gabriel tempo o bastante para perceber que aquela atitude calma era uma farsa, e que o brilho frio na¬queles olhos azuis como a noite e o maxilar rígido eram uma clara indicação do humor atual de seu amigo. Sob a aparente falta de interesse casual, ele estava perigosamente furioso.

Um fato confirmado por sua próxima declaração:

— Sob as circunstâncias, cavalheiros, eu decidi que logo seguirei vocês dois para a Inglaterra.

— Todas as moças de Veneza entrarão em depressão com a sua ida — previu Osbourne secamente.

— Talvez — concordou Gabriel, de maneira desapaixona¬da. — Mas eu decidi que é hora de o novo conde de Westbourne tomar seu lugar na sociedade de Londres.

— Excelente! — Osbourne não hesitou em vociferar sua apro¬vação do plano.

Dominic estava igualmente entusiasmado com o pensamento de ter Gabriel de volta a Londres com eles.

— Westbourne House, em Londres, não está habitada há anos, e deve estar parecendo um mausoléu, então talvez você queira ficar comigo em Blackstone House quando retornar, Ga¬briel? Eu também gostaria da sua opinião em relação às mudan¬ças que instruí que fossem feitas na Nick's durante minha au¬sência. — Ele se referiu à casa de jogo que ganhara um mês atrás num jogo de cartas com o dono anterior, Nicholas Brown.

— Você deveria tomar cuidado com quaisquer negociações futuras que possa fazer com Brown, Dom. — Gabriel franziu o cenho.

Um aviso desnecessário, na verdade. Dominic tinha ciência de que Nicholas Brown, longe de ser um cavalheiro, era o filho bastardo de um nobre, e um corrupto, e que suas conexões no submundo violento da capital da Inglaterra eram numerosas.

— Devidamente observado, Gabe.

O outro homem assentiu.

— Nesse caso, obrigado pelo convite para ficar na mansão Blackstone, mas não é minha intenção permanecer na cidade. Em vez disso, irei diretamente para Shoreley Park.

Uma ocorrência, Dominic tinha certeza, que não predizia coisas boas para as três irmãs Copeland...

 

 

 

 

Três dias depois... Casa de Jogos Nick’s Londres, Inglaterra

Caro atravessou o palco sobre pés escorregadios antes de se posicionar cuidadosamente sobre o divã de veludo vermelho, ve¬rificando se a máscara de ouro e pedras preciosas que cobria seu rosto da testa aos lábios estava seguramente no lugar. Então ajei¬tou os longos cachos cor de ébano da peruca teatral, de modo que cascateassem sobre seus seios generosos, descendo pela exten¬são de suas costas, antes de colocar seu vestido dourado, para que estivesse coberta do pescoço até os dedos dos pés.

Ela podia ouvir o murmurinho de excitação atrás das cortinas na frente do pequeno palco erguido, e sabia que os clientes do sexo masculino da casa de jogos estavam antecipando o momento em que aquelas cortinas seriam abertas e sua performance começaria.

O coração de Caro disparou, o sangue pulsando quente em suas veias quando a música introdutória começou a tocar, e a sala atrás das cortinas fechadas ficou silenciosa, o clima de total expectativa.

 

Dominic hesitou diante da entrada da Nick's, uma das casas de jogos mais sofisticada de Londres, e um de seus lugares favori¬tos para ir antes que ele tomasse posse do estabelecimento, um mês atrás.

Tendo chegado de Veneza naquela tarde, decidira visitar a casa de jogos na primeira oportunidade, e, quando entregou seu chapéu e casaco para o funcionário que o esperava ali, não pôde evitar notar que o jovem musculoso, que geralmente guardava a porta contra pessoas indesejáveis, não estava em seu posto usu¬al. Também percebeu que as salas de jogos atrás das cortinas de veludo vermelho estavam estranhamente silenciosas.

Que diabos estava acontecendo?

De súbito, o silêncio foi encantadoramente quebrado pela voz sensual e ardente de uma mulher cantando. Exceto que, antes de partir para Veneza, Dominic tinha dado instruções rígidas para que no futuro não houvesse mais mulheres trabalhando — em ne¬nhuma posição — na casa de jogos que agora lhe pertencia.

Ele estava com o cenho franzido de leve enquanto andava para o salão principal, vendo imediatamente o motivo da ausên¬cia do porteiro em seu lugar de costume, quando avistou Ben Jackson de pé, parecendo hipnotizado, dentro de uma sala reple¬ta de clientes igualmente hipnotizados, todos eles parecendo ouvir apenas uma coisa. Ver apenas uma coisa.

Uma mulher, a fonte óbvia daquela voz sensualmente sedu¬tora, deitada num divã de veludo vermelho sobre o palco, uma figura pequenina com uma abundância de cabelos cor de ébano que cascateavam em cachos sobre os ombros e desciam pelas costas delgadas. A maior parte do rosto da mulher estava cober¬ta por uma máscara de pedras preciosas, muito parecida com aquelas usadas durante o carnaval de Veneza, mas os lábios aparentes sob ela eram carnudos e sensuais, a pele do pescoço elegante, de um tom de branco perolado. Ela usava um vestido brilhante dourado, que mais insinuava curvas voluptuosas do que mostrava, o que tornava o visual ainda mais atraente.

Mesmo de máscara, ela era, sem sombra de dúvida, a criatura mais sedutora que Dominic já vira!

O fato de que todos os outros homens no salão pensavam a mesma coisa era evidente pelo ardor em seus olhares e rubor de seus rostos, muitos lambendo os lábios visivelmente enquanto a olhavam. Um fato que fez a carranca de Dominic aumentar quando seu próprio olhar voltou para a visão sedutora no palco.

 

Caro tentou não revelar, nem em sua expressão nem em sua voz, seu nervosismo perante o jeito raivoso com que o homem parado nos fundos do salão a olhava, enquanto ela terminava sua primeira performance da noite, levantando-se devagar, antes de mover-se graciosamente para a extremidade do palco, can¬tando as últimas notas com sua voz rouca e sensual.

Isso não a impediu de se sentir muito consciente daquele olhar de desaprovação ou do homem que possuía tal olhar.

Ele era tão alto que, mesmo de pé no fundo do salão, sua altu¬ra se sobressaía em relação aos outros homens do local. Usava um casaco preto que realçava ombros largos, e uma camisa bran¬ca impecável, com renda de Bruxelas no colarinho e nos pulsos. Os cabelos tinham um corte moderno e eram tão negros que o tom chegava a ser quase azulado. Os olhos, profundamente críti¬cos, eram acinzentados e claros, e pareciam quase prateados em sua intensidade. Ele possuía um rosto forte e aristocrático: maçãs do rosto altas, nariz reto, lábios firmes esculpidos e um queixo quadrado arrogantemente determinado. Era um rosto duro e in¬flexível, especialmente enfatizado pela cicatriz do lado esquerdo, que começava abaixo do olho e descia até o maxilar teimoso.

Os olhos acinzentados estavam atualmente estudando Caro com uma intensidade que falava de um desgosto que ela nunca encontrara antes em seus 20 anos. Sentia-se tão enervada pelo óbvio desdém do homem que mal conseguiu manter o sorriso no rosto enquanto se abaixava em agradecimento aos aplausos vi¬gorosos da platéia. Aplausos que sabia, por experiência, que durariam diversos minutos depois que ela tivesse retornado ao seu camarim nos fundos da casa de jogos.

Foi impossível não dar uma última olhada na direção do ho¬mem carrancudo antes que ela desaparecesse do palco, leve¬mente alarmada ao ver que ele agora parecia estar tendo uma conversa séria com o gerente da casa, Drew Butler.

 

— Qual é o significado disso, Drew? — perguntou Dominic fria¬mente sob a cobertura dos aplausos, enquanto ela ainda se cur¬vava no palco, em agradecimento.

O homem de cabelos grisalhos não pareceu nem um pou¬co abalado. Sendo gerente da Nick's pelos últimos vinte anos, o cinismo em seus olhos azuis declarava que ele já ti¬nha visto e feito a maioria das coisas durante seus 50 anos de vida, e não se deixava mais abalar por nenhuma delas, muito menos pelo tom desaprovador do homem que se tornara seu empregador apenas um mês atrás.

— Os clientes a adoram.

— Os clientes não beberam nem jogaram desde que esta mu¬lher começou a cantar, quase uma hora atrás — apontou Dominic.

— Observe-os agora — disse Drew suavemente.

Dominic observou, arqueando as sobrancelhas, quando cham¬panhe começou a ser servido copiosamente, enquanto os clientes faziam apostas muito altas no jogo, o nível de conversação aumen¬tando cada vez mais, enquanto os atributos da jovem mulher eram discutidos em voz alta, juntamente com mais apostas nas chances de algum deles ser privilegiado o bastante para ver atrás da máscara de pedras preciosas.

— Viu? — Drew deu de ombros, despreocupado, quando se virou para Dominic. — Ela é muito boa para os negócios.

Dominic meneou a cabeça impacientemente.

— Eu não deixei claro, quando estive aqui no mês passado, que no futuro esta deve ser apenas uma casa de jogos, e não um maldito bordel?

— Sim, deixou. — Mais uma vez, Drew permaneceu comple¬tamente inabalado. — E, segundo suas instruções, os quartos no andar de cima permaneceram trancados e indisponíveis.

Um cavalheiro, ninguém menos que um conde, que possuía uma casa de jogos da reputação da Nick's em Londres, era difi¬cilmente aceito na sociedade. Mas tinha sido uma questão de honra para Dominic quando Nicholas Brown o desafiara num jogo de cartas no mês anterior pela posse de Midnight Moon, o garanhão valioso mantido na fazenda de Dominic, em Kent. Em retorno, Dominic exigiu que Nicholas oferecesse a Nick's do seu próprio lado da aposta, e obviamente Dominic ganhara.

Possuir uma casa de jogos era uma coisa, mas meia dúzia de quartos no primeiro andar, até recentemente disponíveis para qualquer homem que desejasse privacidade com... qualquer pessoa, era totalmente inaceitável; Dominic se recusava a ser considerado um cafetão! Portanto, tinha ordenado que as mu¬lheres — todas as mulheres — fossem banidas de dentro da casa de jogos, e que os quartos no andar de cima fossem imediata¬mente fechados. Com a exceção da mulher misteriosa, que re-centemente hipnotizara os clientes do estabelecimento — e não apenas por causa de seu canto —, aquelas instruções aparente¬mente haviam sido cumpridas.

A boca de Dominic se comprimiu.

— Acredito que minhas instruções deveriam ser cumpridas em relação aos serviços de todas as... moças que trabalhavam aqui?

— Caro não é... prostituta. — Visivelmente irritado, Drew en¬rijeceu os ombros na defensiva.

Dominic arqueou as sobrancelhas escuras.

— Então, o que ela é?

— Exatamente o que você viu — disse Drew. — Duas vezes por noite, ela apenas deita no divã e canta. E os clientes bebem e jogam mais do que nunca depois que ela deixa o palco.

— Ela traz uma criada ou uma acompanhante?

O outro homem pareceu atônito pela pergunta.

— O que você acha?

— O que eu acho? — Os olhos de Dominic se estreitaram. — Acho que ela é um desastre em formação. — Ele fez uma care¬ta. — Que cavalheiro tem o privilégio de escoltá-la para casa no fim da noite?

— Eu tenho. — O porteiro, Ben Jackson, anunciou orgulhosa¬mente enquanto passava por eles em seu caminho de volta para a porta da casa de jogos, seu rosto redondo não parecendo me¬nos angelical pelo fato de que o nariz tinha obviamente sido quebrado mais de uma vez. Os enormes punhos também não falhariam numa briga.

Dominic arqueou sobrancelhas céticas.

— Você?

Ben deu um sorriso contente, mostrando diversos dentes quebrados.

— A srta. Caro insiste nisso.

Oh, ela insistia, não era?

Ben Jackson podia fazer homens adultos tremerem apenas ao olhar para eles, e Drew Butler era muito cínico; entretanto, a srta. Caro aparentemente tinha ambos comendo na delicada pal¬ma de sua mão!

— Talvez nós devêssemos continuar esta discussão em seu es¬critório, Drew? — Dominic virou-se, esperando que o outro ho¬mem o seguisse, mal conseguindo conter sua impaciência. Mes¬mo assim, ainda foi capaz de cumprimentar vários conhecidos e sorrir-lhes enquanto andava para os fundos da casa de jogos en¬fumaçada e para onde o escritório de Drew ficava situado.

Ele mal notou a opulência daquele escritório quando Drew o seguiu para dentro da sala e fechou a porta, efetivamente blo¬queando o barulho das salas de jogos. Todavia, Dominic viu uma garrafa do que sabia ser uísque da melhor qualidade, e ra-pidamente se serviu de uma dose e deu um gole com apreciação, antes de oferecer uma para o gerente também.

O homem mais velho meneou a cabeça.

— Eu nunca bebo durante o horário de trabalho.

Dominic encostou-se contra a frente da enorme mesa de mogno, numa postura relaxada.

— Bem, quem é ela, Drew? E de onde ela é? O gerente deu de ombros.

— Você quer a minha opinião sobre ela, ou o que ela me disse quando chegou à porta dos fundos, procurando emprego?

Os olhos de Dominic se estreitaram.

— As duas coisas. — Ele deu mais um gole de seu uísque, fin¬gindo estudar a ponta de uma das botas altamente polidas, en¬quanto o outro homem começava a relatar a história triste da jovem mulher.

Caro Morton alegava ser uma órfã que tinha vivido com uma tia solteira no interior até três semanas atrás, a morte da senhora idosa deixando-a sem lar. Consequentemente ela chegara a Lon¬dres há duas semanas, com muito pouco dinheiro e sem uma criada ou companhia, mas com uma determinação para cons¬truir uma vida para si mesma. Sua intenção, aparentemente, ha¬via sido oferecer-se como dama de companhia ou governanta numa casa de família respeitável, mas a falta de referências tor¬nara isso impossível, de modo que ela começara a bater de porta em porta nos teatros e casas noturnas.

Dominic olhou para cima nessa parte da história.

— Quantos estabelecimentos ela visitou antes de chegar aqui?

— Meia dúzia, ou coisa assim. — Drew fez uma careta. — Eu soube que ela recebeu diversas ofertas de... trabalho alternativo ao longo do caminho.

Dominic deu um sorriso sem humor enquanto facilmente adivinhava a natureza de tais ofertas.

— Você não ficou tentado a fazer o mesmo quando ela bateu à porta aqui? — Ele não tinha dúvida de que a srta. Caro Morton era uma mulher que a maioria dos homens, independentemente da idade, gostaria de levar para a cama.

O homem mais velho o olhou com o cenho franzido enquan¬to se movia para trás de sua mesa.

— Meu lorde, eu sou casado há vinte anos e feliz no casamen¬to, e tenho uma filha não muito mais velha do que Caro.

— Peço desculpas — murmurou Dominic. — Muito bem. — Seu olhar se intensificou. — Essa parece ser a versão da srta. Morton sobre a chegada dela a Londres; agora, diga-me quem ou o que você acha que ela é.

Drew pareceu pensativo.

— Talvez a tal tia solteira tenha existido, mas, de alguma ma¬neira, duvido disso. Minha suposição é que ela está em Londres, fugindo de alguma coisa ou de alguém. De um pai brutal, talvez. Ou, quem sabe, até de um marido cruel. De qualquer forma, ela é muito sofisticada para ser uma atriz comum ou prostituta.

Dominic o fitou de modo especulativo.

— Defina sofisticada.

— Refinada — respondeu o homem mais velho.

Dominic pareceu intrigado. Uma mulher fina tentando can¬celar sua identidade certamente explicaria o uso da máscara.

— E você não acha que atrizes e prostitutas são capazes de dar uma impressão de ser refinadas?

— Eu sei que elas são — respondeu Drew. — Apenas não acho que Caro Morton seja uma delas. — A expressão dele tornou-se fechada. — Talvez fosse melhor se você falasse com ela e deci¬disse por si mesmo.

Que o gerente se sentia protetor de uma maneira paternal em relação à "refinada" srta. Caro isso era óbvio. Assim como o porteiro, Ben Jackson. Se ela realmente fosse uma esposa ou filha fugitiva, então Dominic não nutria tais emoções suaves.

— Pretendo fazer exatamente isso — assegurou ele ao outro homem secamente, enquanto endireitava o corpo. Eu apenas queria ouvir seu ponto de vista primeiro.

Drew pareceu preocupado.

— Você pretende demiti-la?

Dominic pensou um pouco sobre aquilo antes de responder. Não havia dúvida quanto à alegação de Drew Butler de que as performances noturnas de Caro Morton eram atraentes para a casa de jogos; mas, mesmo assim, ela poderia causar mais pro-blemas do que valia a pena, se realmente fosse uma esposa ou filha fugitiva.

— Isso dependerá da srta. Morton.

— De que maneira?

Ele arqueou sobrancelhas arrogantes.

— Eu entendo que você é gerente da Nick's há diversos anos, Drew. Que você é, sem dúvida, o melhor homem para o traba¬lho. — Ele sorriu brevemente para suavizar o que estava prestes a dizer: — No entanto, tal habilidade não lhe dá o direito de ques-tionar nenhuma de minhas ações ou decisões.

— Não, meu lorde.

— Onde está Caro Morton agora?

— Eu geralmente me asseguro de que ela faça uma pequena refeição no camarim entre as performances. — A expressão de Drew desafiou Dominic a questionar aquela decisão dele.

Lembrando-se do corpo delgado da garota, e da pele quase translúcida, Dominic não sentiu inclinação de fazer isso; pela aparência dela, aquela "pequena refeição" que Drew lhe ofere¬cia talvez fosse a única coisa que Caro comesse num dia inteiro.

— Eu gostaria de ser informado se você decidir demiti-la. Ela tem salários para receber — defendeu Drew, enquanto Dominic parecia surpreso.

Ela também tinha o gerente da casa de jogos na pequena pal¬ma de sua mão, decidiu Dominic enquanto concordava com o pedido, antes de sair do escritório. E, sem dúvida, o homem mais velho se ofereceria para ajudá-la a encontrar outro empre¬go, caso Dominic decidisse demiti-la.

Decidir por si mesmo quem ou o quê a srta. Caro Morton era, prometia ser uma experiência interessante. Essa era uma per¬cepção surpreendente para um homem cujos anos no exército, e os dois anos desde que retornara à Inglaterra, passados evitando todas as mulheres da alta sociedade britânica interessadas em agarrar um marido, tinham tornado Dominic tão cínico, senão mais cínico ainda que o velho Drew Butler.

 

Caro teve um sobressalto de susto quando uma breve batida soou à porta de seu camarim. Bem, aquele não era exatamente um camarim, reconheceu com tristeza, e mais uma sala privada nos fundos da casa de jogos que o sr. Butler separara para seu uso entre as performances.

Uma sala cuja entrada ele lhe garantira que era completa¬mente proibida para todos os homens que freqüentavam a Nick's...

Ela se levantou devagar, nervosamente se certificando de que seu penhoar estivesse bem amarrado na cintura antes de atraves¬sar a pequena sala e parar ao lado da porta trancada.

— Quem é? — perguntou ela cuidadosamente.

— Meu nome é Dominic Vaughn. — Veio a resposta, em tom presunçoso.

Simplesmente assim, Caro soube que o homem parado do outro lado da porta trancada era o mesmo homem que a olhara mais cedo com a expressão desdenhosa naqueles olhos pratea¬dos. Ela não tinha certeza por que ou como sabia disso, mas sabia. Havia uma arrogância na voz profunda do homem, uma confiança que falava de anos de dar ordens e tê-las instantanea¬mente obedecidas. E ele estava agora, sem dúvida, esperando que ela lhe obedecesse, destrancando a porta e permitindo sua entrada.

Ela pôs as mãos nos bolsos de seu penhoar, as unhas se enter¬rando dolorosamente nas palmas.

— Cavalheiros não têm permissão de me visitar em meu ca¬marim.

Um breve silêncio seguiu sua declaração, antes que o homem replicasse com impaciência:

— Eu lhe asseguro de que estou aqui com a aprovação total de Drew Butler.

O gerente da Nick's tinha sido muito gentil com Caro naque¬la última semana, e, mais importante, ela sabia que podia confiar nele plenamente. Mas ter um homem chegando ao seu camarim daquela maneira inesperada, apenas declarando que o sr. Butler aprovava tal visita, e esperando que ela acreditasse na declara¬ção dele, não era bom o bastante.

— Sinto muito, mas a resposta ainda é "não".

— Eu lhe garanto, meu assunto com você só vai tomar alguns minutos do seu tempo. — Veio a resposta irritada.

— Eu preciso descansar antes da minha última performan¬ce — insistiu Caro.

A boca de Dominic se firmou em frustração diante da recusa teimosa daquela mulher em abrir a porta.

— Srta. Morton...

— Essa é a minha palavra final no assunto — informou-lhe ela com firmeza.

Drew tinha afirmado que Caro Morton era refinada, recordou Dominic, estreitando os olhos. Podia ouvir tal qualidade agora na dicção precisa da voz dela. Uma autoridade sutil, todavia inconfundível, no tom de voz, que falava de educação e refina¬mento.

— Ou fala comigo agora, srta. Morton, ou eu lhe asseguro de que não haverá "próxima performance" para você na Nick's. — Dominic permaneceu parado com um dos ombros encostado contra a parede no corredor escuro, os braços cruzados sobre o peito largo.

Houve um pequeno gemido indignado dentro da sala.

— Você está me ameaçando, sr. Vaughn? — Havia uma ponta de incerteza na voz dela agora.

— Eu não preciso ameaçar, srta. Morton, quando a verdade será útil o bastante.

 

Caro estava num dilema. Havia fugido de casa duas semanas atrás, certa de que encontraria trabalho na obscuridade de Lon¬dres como dama de companhia ou governanta, mas, em vez dis¬so, encontrara-se sendo rejeitada por aquelas famílias respeitá¬veis, diversas vezes seguidas, simplesmente porque não tinha as referências adequadas.

Tudo em Londres era tão mais caro do que ela imaginara que seria também. A pouca quantidade de dinheiro que levara consi¬go — economia de suas mesadas durante meses — diminuíra mui¬to mais depressa que o esperado, deixando-a sem escolha, se não quisesse retornar para uma situação intolerável, exceto ten¬tar sua sorte nos teatros da cidade. Caro sempre recebera elogios em relação ao seu canto, quando havia entretido pessoas, depois da refeição, nas raras ocasiões em que seu pai convidava amigos e vizinhos para jantar. Aquelas visitas aos teatros tinham resul¬tado em várias ofertas de trabalho... mas todas elas eram cho¬cantes para uma jovem criada no isolamento protegido de uma zona rural de Hampshire!

Ela devia seu emprego atual — e o dinheiro com o qual paga¬va suas modestas acomodações — à gentileza de Drew Butler. Sendo assim, não estava certa se poderia mandar Dominic Vaughn embora de seu camarim, se, por alguma razão, o homem mais velho tivesse realmente aprovado aquela visita.

Seus dedos tremeram de leve quando ela tirou as mãos dos bolsos de seu penhoar para virar a chave devagar na fechadura, apenas para dar um passo atrás quando a porta foi imediatamen¬te aberta de maneira impaciente.

Era o homem de olhos prateados que ela vira mais cedo! Ele parecia ainda mais demoníaco agora, uma vez que a luz da vela que iluminava o corredor realçava a cicatriz no rosto bonito, e o paletó preto e a camisa branca apenas enfatizavam o poder que parecia emanar dele.

Caro deu outro passo atrás.

— Sobre o que você deseja falar comigo?

Dominic deliberadamente adotou uma expressão que não re¬velasse nem um pouco do choque que sentira ao olhar para Caro Morton pela primeira vez sem o benefício daquela máscara de pedras preciosas. Ou sem a peruca cor de ébano, a qual parecia ter escondido cachos longos naturais gloriosamente dourados. Esses cachos agora emolduravam olhos verdes amendoados num delicado rosto em formato de coração, um rosto de tanta beleza que lhe tirou o fôlego.

Uma ocorrência, se ela fosse realmente uma filha desobediente ou... pior... uma esposa fugindo do marido, que não lhe agravada nem um pouco.

— Convide-me para entrar, srta. Morton — demandou ele em tom autoritário.

Pálpebras com longos cílios piscaram nervosamente antes que ela parasse o movimento e erguesse o queixo de forma or¬gulhosa.

— Como eu já expliquei, senhor, estou descansando até a mi¬nha próxima performance.

Os lábios de Dominic se apertaram.

— O que, segundo Drew me informou, não acontece antes de mais uma hora.

O pescoço delgado moveu-se convulsivamente, chamando a atenção de Dominic para a extensão de pele alva revelada pelo decote avantajado do penhoar. O olhar dele desceu mais um pouco, para onde o tecido de seda tocava seios firmes e peque¬nos. A cintura dela era tão fina que Dominic tinha certeza de que suas mãos abraçariam sua circunferência. Também reconheceu privadamente, enquanto seu corpo dava sinais de excitação, que suas mãos poderiam segurar aqueles seios pequenos com facili¬dade, antes de descerem para nádegas arredondadas e erguê-la contra seu corpo, de modo que ela pudesse envolver sua cintura com aquelas pernas longas e delgadas...

Caro descobriu que não se importava muito com o jeito como Dominic Vaughn a estava olhando, quase como se ele pudesse ver seu corpo nu embaixo do penhoar. Suas faces enrubesceram enquanto ela endireitava os ombros com determinação.

— Eu preferiria que permanecesse exatamente onde está, se¬nhor.

Aquele olhar prateado retornou para seu rosto.

— Meu lorde. Ela piscou.

— Perdão...

Ele se apresentou:

— Eu sou o lorde Dominic Vaughn, conde de Blackstone.

Caro sentiu um aperto no peito ao perceber que aquele ho¬mem era um membro da alta sociedade, um homem, sem dúvi¬da, tão arrogante quanto seu guardião recentemente adquirido.

— Se isso é designado a me impressionar, meu lorde, então lamento informar que fracassou completamente.

Ele arqueou as sobrancelhas escuras e ignorou o sarcasmo no tom de voz dela.

— Acredito que o costume usual é que a apresentação seja recíproca a esse ponto.

As faces dela queimaram diante da censura proposital.

— Se você falou com o sr. Butler, como alega ter falado, en¬tão já deve saber que meu nome é Caro Morton.

Ele a fitou com expressão astuta.

— É?

— Acabei de dizer isso, meu lorde.

— Ah, se o fato de falar alguma coisa a tornasse verdadei¬ra... — murmurou ele.

O aperto no peito de Caro se intensificou.

— Duvida da minha palavra, senhor?

— Infelizmente, com minha idade e experiência, querida Caro, duvido de tudo que ouço, até que o contrário seja provado.

Não havia dúvida de que a expressão cínica e zombeteira daquele homem dava-lhe uma aparência cansada, e a cicatriz na face esquerda lhe concedia um ar de perigo; mas, mesmo assim, ela suspeitava que ele não tivesse mais que 28 ou 29 anos. Não era muito mais velho do que ela, com seus 20 anos. Ela também não era estimada por ele!

— Que pena para você.

Não foi a resposta que Dominic tinha esperado. Nem tam¬pouco a resposta que queria; o rico e elegível conde de Blackstone não desejava ou precisava da piedade de ninguém. Muito menos de uma mulher que escondia sua própria aparência atrás de uma máscara e de uma peruca cor de ébano.

A avaliação que Butler fizera de Caro Morton poderia estar correta? Aquela jovem mulher tinha fugido de Londres para se esconder de um possível pai dominador, ou de um marido brutal e tirano? Ela possuía uma aparência tão pequena e delicada que Dominic achou a última possibilidade cruel demais para con¬templar.

Qualquer que fosse o mistério que cercava aquela mulher, Dominic era da opinião de que nem ele nem sua casa de jogos precisavam dos problemas que ela poderia lhes trazer.

— Você ao menos tem idade para estar numa casa de jogos, Caro?

Ela pareceu assustada.

— Meu lorde?

— Eu só queria saber a sua idade.

— Um cavalheiro nunca deve perguntar a idade de uma lady — retorquiu ela, de modo recatado.

Dominic lentamente permitiu que seu olhar se movesse do topo daquela cabeça dourada, passando pelo corpo delgado, pela delicadeza dos pulsos finos e mãos pequenas, até os pés descalços, antes de retornar ao rosto agora rubro, com expressão ressentida.

— Pelo que sei, ladies são sempre acompanhadas por criadas ou damas de companhia. Elas não pulam sobre o palco de uma casa de jogos para cavalheiros.

O pequeno queixo se ergueu mais uma vez.

— Eu não pulo, meu lorde, mas simplesmente me deito num divã — replicou ela com sarcasmo. — Também não vejo por que o fato de eu não ter uma criada ou uma dama de companhia seria problema seu.

Dominic olhou para a sala atrás dela, notando a bandeja sobre a penteadeira, com uma travessa de alguma carne rica ainda quente, um prato com pão ao lado dela, uma laranja grande e tentadora num outro prato, obviamente colocada ali como so¬bremesa. Sem dúvida, aquela pequena refeição que Butler mencionara que dava a ela.

— Eu pareço ter interrompido seu jantar — disse ele suave¬mente. — Sugiro que terminemos esta conversa mais tarde, quando eu, e não Ben, a escoltar para sua casa.

Os olhos verdes se arregalaram em alarme antes que ela meneasse a cabeça com firmeza.

— Lamento, mas isso não será possível.

— Oh?

Aquele não era um homem acostumado a receber um "não" como resposta, pensou Caro ao notar a arrogância naqueles olhos prateados, uma das sobrancelhas arqueada de maneira autocrática. E sua falta de criada ou dama de companhia era facilmente explicada... se ela tivesse se sentido inclinada a oferecer uma explicação para aquele homem, o que não tinha! Ter levado uma criada ou uma dama de companhia consigo quando partira de Hampshire duas semanas atrás as teria colocado na posição de cúmplice naquela fuga, e ela já estava encrencada o bastante, sem envolver mais alguém em seu problema.

— Não — reafirmou Caro agora. — Ben ficaria terrivelmente magoado se não pudesse me acompanhar até em casa. Além disso — acrescentou ela, quando o lorde teria descartado tal desculpa, eu não permito que cavalheiros desconhecidos me escoltem para casa. — Um homem que também não tinha o desejo de conhecer, Caro poderia ter adicionado.

Humor zombeteiro brilhou brevemente naqueles olhos claros acinzentados.

— Mesmo se Drew Butler pudesse atestar meu bom compor¬tamento?

— Eu ainda não o ouvi dizer isso. Agora, se me der licença. Eu gostaria de jantar, antes que a refeição esfrie muito. — A ten¬tativa de Caro de fechar a porta no rosto de Dominic Vaughn foi impedida pelo posicionamento de um pé com bota contra a mol¬dura da porta.

— Por favor, não me force a pedir a ajuda de Ben para remo¬vê-lo daqui.

Uma ameaça que não pareceu perturbar num um pouco o arrogante Dominic Vaughn, enquanto ele continuava lhe. sorrin¬do de modo confiante.

— Essa seria uma... experiência interessante.

Caro o olhou, incerta. Ben era tão alto quanto o conde, e obvia¬mente mais musculoso, mas havia um ar de perigo sob o exterior elegante daquele homem. Uma aura de poder que implicava que ele poderia vencer uma luta com qualquer pessoa, se escolhesse usar a força daqueles ombros largos e físico bem constituído. Além disso, Caro duvidava muito que o conde de Blackstone tivesse adquirido aquela cicatriz no rosto sentado em casa, confortavelmente diante de sua lareira.

Ela forçou-se a relaxar a tensão dos ombros quando lhe sorriu.

— Talvez nós devêssemos adiar nossa conversa sobre sua oferta de me escoltar até em casa para depois que eu tenha fala¬do com sr. Butler?

E talvez, supôs Dominic, aquela jovem lady escolhesse ir embora sem ao menos se preocupar em falar com Drew Butler.

— Eu estarei esperando por você do lado de fora, depois de sua próxima performance.

O escurecer irritadiço daqueles lindos olhos verdes como o mar lhe disse que ele tinha adivinhado corretamente.

— O senhor é muito persistente!

— Apenas ansioso para conhecer uma de minhas funcionárias.

Ela arfou, os olhos verdes se arregalando com alarme.

— Sua...? Você disse sua funcionária?

Dominic assentiu com um movimento da cabeça, e sentiu grande prazer ao notar toda a cor sendo drenada das faces delicadas quando Caro obviamente percebeu que ele tinha o poder de assegurar que ela nunca mais cantasse na Nick's.

— Até mais tarde então, srta. Morton. — Ele fez uma reverên¬cia elegante antes de retornar para as salas de jogos, um sorriso de satisfação curvando seus lábios.

 

— Eu prefiro andar, obrigada. — Pouco mais de duas horas de¬pois, Caro recusou com firmeza a idéia de entrar na bonita car¬ruagem de Dominic Vaughn, que estava parada do lado de fora da Nick's... um homem que Drew Butler confirmara para Caro que não era somente o conde de Blackstone, mas também o ho¬mem que recentemente comprara a casa de jogos na qual ambos estavam empregados. Apesar disso, ela não tinha intenção de colocar-se numa posição vulnerável de viajar sozinha numa car-ruagem com ele!

— Como desejar. — Ele indicou que o cocheiro da carruagem os seguisse, seus cabelos muito pretos agora cobertos por uma sofisticada cartola e um sobretudo preto jogado sobre os ombros largos e musculosos.

Caro lhe enviou um olhar de lado sob seu capuz marrom sem adornos, apenas alguns cachos dourados agora aparecendo na testa e na nuca. O vestido marrom que ela usava por baixo de seu casaco preto era igualmente modesto em aparência, com decote alto e mangas compridas.

Ela comprara três vestidos como aqueles quando chegara a Londres, duas semanas antes, esse marrom, um verde e um bege, tendo rapidamente percebido que os poucos vestidos de seda que levara consigo chamavam muita atenção no bairro levemente precário de Londres, onde Caro tinha conseguido encontrar aco¬modações limpas e baratas. E chamar atenção, ser notada — como ela mesma, em vez de como a cantora mascarada da Nick's — era algo que queria muito evitar.

Dizer que Dominic havia ficado surpreso — novamente — pela aparência de Caro Morton ao se juntar a ele alguns minutos an¬tes seria uma declaração muito fraca para seu sentimento. Na verdade, ele levara diversos segundos para reconhecê-la sob aquele capuz marrom que escondia a maioria dos cachos doura¬dos gloriosos, e sob o casaco igualmente antiquado que a cobria do pescoço até os tornozelos, o traje inteiro fazendo-a parecer uma jovem lady modesta e despretensiosa, de poucas posses.

A modéstia das roupas abria uma terceira possibilidade do motivo pelo qual Caro Morton estava vivendo sozinha em Londres, e tão obviamente necessitando trabalhar para se sustentar. Suas mãos delgadas eram desprovidas de anéis, mas isso não significava que ela não era uma daquelas ladies sonhadoras que, durante os anos de guerra contra Napoleão, abandonara todos os bens materiais para fugir com um soldado galanteador antes que ele fosse à batalha, apenas para se encontrar viúva dentro de semanas, às vezes dias, depois que o casamento escandaloso tivesse acontecido.

Não importava qual fosse a explicação, havia certamente muito pouco perigo que qualquer dos clientes da Nick's reco¬nhecesse aquela mulher vestida de maneira tão comum como a sereia de cabelos cor de ébano cuja performance sedutora havia enfeitiçado todos eles tão completamente duas vezes naquela noite.

Incluindo ele mesmo, admitiu de imediato.

— Talvez você queira me esclarecer por que uma jovem mulher desprotegida escolheria trabalhar numa das casas de jogos mais sofisticadas de Londres?

Aquela era uma pergunta que ela parecia estar esperando, uma vez que sua expressão continuou tranqüila.

— Pelo dinheiro, talvez?

Dominic fez uma careta.

— Se precisa trabalhar, então por que não encontrou um em¬prego mais respeitável? Você tem o refinamento para ser dama de companhia, ou para atender numa loja.

— Quanta amabilidade de sua parte dizer isso — retornou ela, com excesso de doçura. — Mas uma pessoa necessita de referên¬cias de empregos anteriores para se tornar qualquer uma dessas coisas. Referências que eu não tenho — acrescentou, de maneira enfática.

— Talvez porque você nunca tenha trabalhado como dama de companhia ou atendido numa loja? — pressionou Dominic.

— Ou talvez eu tenha sido tão inadequada em ambas as ocu¬pações que os empregadores me recusaram referências? — suge¬riu Caro com sarcasmo.

Dominic deu um sorriso apreciativo para sua resposta espirituosa.

— Então, em vez disso, você escolheu se colocar numa posi¬ção em que é cobiçada por dúzias de homens imorais todas as noites?

Caro parou abruptamente, seu próprio humor desaparecendo diante do insulto deliberado, tanto pelo tom de voz quanto pela expressão do conde, enquanto ele parava ao seu lado, na luz vaci¬lante do lampião, e a olhava, de maneira crítica, dos pés à cabeça.

— Parece que eu não preciso de referências para isso — infor¬mou-lhe ela, com arrogância.

Dominic sabia que realmente não era problema seu se ela escolhesse se expor ao tipo de comentários grosseiros que ele fora forçado a ouvir depois da segunda performance de Caro Morton naquela noite, quantas apostas sobre quem se tornaria amante e protetor dela tinham aumentado a um nível que ele achara muito desagradável. Entretanto...

— Você se importa tão pouco assim com sua reputação? Ela enrubesceu.

— A máscara de pedras preciosas que eu uso garante que mi¬nha reputação permaneça perfeitamente intacta, obrigada!

— Talvez. — O maxilar de Dominic enrijeceu. — Fico surpre¬so que você não tenha considerado um meio de vida menos... sacrificador.

Ela pareceu intrigada.

— Menos sacrificador.

Dominic deu de ombros.

— Você é jovem. Os comentários de seus inúmeros admiradores esta noite são testemunhos do quanto você é desejável. Não considerou adquirir um único protetor do sexo masculino, em vez de se expor dessa maneira para a atenção de dúzias de homens?

Caro sentiu o rubor que esquentava suas faces.

— Um protetor, meu lorde?

— Um homem que lhe desse moradia e roupas adequadas em troca do prazer de sua... companhia — elaborou ele.

A respiração de Caro ficou presa na garganta, o rubor agora cobrindo seu corpo inteiro, quando ela percebeu que o conde estava sugerindo que ela deveria ter achado um amante ao chegar a Londres, em vez de "cantar para comer" na Nick's.

Um amante!

Mas o pai de Caro tinha sido tão avesso à idéia de que qualquer uma de suas filhas aparecesse na sociedade londrina que nem sequer permitira que elas freqüentassem a temporada de bailes, mantendo-as isoladas em sua propriedade de Hampshire.

Ele superprotegera tanto as filhas que Caro nunca ficara a sós com um jovem cavalheiro, até agora.

Embora tal descrição dificilmente fosse apropriada em relação ao arrogante Dominic Vaughn. Aquela cicatriz no rosto bonito e o brilho zombeteiro naqueles olhos prateados, agora estreitos, proclamavam-no um cavalheiro muito mais cínico e experiente do que os anos que ele provavelmente possuía...

— Eu acredito que o interesse em tal arranjo não seria apenas minha companhia, meu lorde. — Ela arqueou insolentes sobran¬celhas loiras.

Dominic estava começando a desejar que nunca tivesse abor¬dado esse assunto. Na verdade, não tinha ideia de por que estava tão interessado no destino daquela jovem em particular. Talvez seu senso de cavalheirismo não estivesse tão morto quanto ele acreditara?

— Com certeza, a atenção de um único homem seria preferí¬vel a ser desnuda, mentalmente pelo menos, por dúzias de ho¬mens, noite após noite? — criticou ele, de maneira cruel.

Caro arfou de modo audível.

— Está tentando me chocar, senhor!

Sim, ele estava. Deliberadamente.

— Eu estou tentando enfatizar, senhora, a maneira tola com a qual vem se comportando, colocando-se repetidamente numa posição tão vulnerável.

Os olhos verdes se arregalaram com indignação.

— Eu lhe asseguro, senhor, que sou perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma. Não estou correndo perigo algum...

Dominic pôs um fim naquela ridícula declaração pelo sim¬ples ato de puxá-la, sem esforço, para seus braços e tomar posse dos lábios entreabertos, surpreendendo Caro.

Ele fez isso como uma maneira de demonstrar a vulnerabili¬dade da qual falava. Um jeito de mostrar a Caro com que facili¬dade um homem — qualquer homem — poderia se aproveitar de sua delicadeza. Como o corpo pequeno e delgado não era um desafio para um homem determinado a lhe roubar um beijo. Ou fazer coisa pior!

Ele curvou aquele corpo flexível contra o seu, muito mais rígido, enquanto tomava posse daqueles lábios entreabertos su¬aves. Com sensualidade deliberada, umedeceu-lhe o lábio infe¬rior com sua língua, antes de explorar mais fundo, suas mãos se movendo numa carícia leve pelas costas de Caro, antes de lhe segurarem as nádegas e puxá-la ainda mais firmemente contra si, enquanto aprofundava o beijo. Aplicando pressão. Deman¬dando uma resposta dela.

Nada na vida anterior de Caro, nada em seus 20 anos passa¬dos em isolamento em Hampshire, ou nas duas últimas sema¬nas em Londres, preparara-a para o turbilhão de sensações que a assaltavam agora, obrigando-a a agarrar os ombros largos e poderosos de Dominic Vaughn para que não desmaiasse aos pés dele.

Seu coração estava violentamente disparado, e um formiga¬mento estranho começou em seus seios, tornando-os inchados sob seu vestido, com os bicos rijos e desconfortavelmente sen¬síveis, enquanto um calor se espalhava pelo seu corpo, causando umidade entre suas coxas, de um jeito que ela nunca imaginara antes, muito menos experimentara. Ela...

— Olá, vocês!

— Não a mantenha inteirinha para si mesmo, velho camarada!

— Deixe-nos provar também!

Caro descobriu aqueles lábios firmes sendo removidos dos seus de uma maneira tão abrupta que a fez arfar, enquanto as mãos do conde seguravam sua cintura e os olhos prateados brilha¬vam brevemente, antes que ele a distanciasse de si com firmeza. Ele virou-se e olhou com ferocidade para três jovens cavalheiros que andavam de modo um pouco instável em direção a eles.

Uma vez liberada, Caro tropeçou de leve, percebendo que estava muito abalada pela intensidade do beijo de Dominic Vau¬ghn... Um assalto exigente e punitivo em seus lábios e sentidos que, de modo algum, se parecia com suas imaginações prévias de como um beijo devia ser. Não houvera nem um pouco da gentileza que esperara. Nenhum dos tremores tímidos de emo¬ção. Apenas aquele louco disparo no coração e o formigamento em seus seios e coxas.

Emoções não transpareciam na expressão dura e intensa do lorde quando ele sinalizou para seu cocheiro, indicando que estava no controle da situação atual, como obviamente estivera enquanto a beijava!

Os jovens cavalheiros tinham parado de maneira abrupta e cautelosa ao se descobrirem foco do olhar sério de Dominic, os três recuando um pouco diante da raiva que obviamente reco¬nheciam na expressão do conde, a cicatriz correndo a extensão da face esquerda, adicionando a impressão de perigo iminente.

— Nós não quisemos ofender, camarada. — O óbvio líder do trio ofereceu num sussurro apologético.

— Bebemos um pouco demais, acho. — O segundo descul¬pou-se nervosamente.

— Nós já estamos indo embora. — O terceiro membro do gru¬po segurou um braço de cada amigo, antes de virar-se e andar aos tropeços na mesma direção da qual tinham vindo.

Deixando uma Caro ainda trêmula à mercê do nada gentil Dominic Vaughn!

O tremor aumentou quando ele voltou o foco de sua atenção para ela.

— Acredito que você estava me assegurando de que é perfei¬tamente capaz de cuidar de si mesma, e que acredita não correr perigo algum como conseqüência das atenções indesejadas de qualquer homem?

Caro sentiu um arrepio ao longo de sua coluna ao olhar para aquele rosto duro e severo. Não era de admirar que os três jo¬vens cavalheiros tivessem decidido que ir embora era o melhor e mais seguro curso de ação. Ela também sentiu vontade de ir embora quando se recordou quão exigente, entretanto excitante, aquela boca firmemente esculpida havia sido contra a sua...

Endireitou os ombros com determinação.

— Você me beijou de propósito, meu lorde, meramente num esforço de demonstrar que é mais forte do que eu.

As narinas dele se dilataram enquanto os olhos acinzentados a percorriam.

— Num esforço de demonstrar como qualquer homem seria mais forte do que você... mesmo aqueles três jovens embriaga¬dos que acabaram de fugir com o rabo entre as pernas.

Caro arqueou uma sobrancelha de maneira soberba.

— Está exagerando, senhor...

— Pelo contrário, srta. Morton — disse ele friamente. — Eu acredito conhecer melhor do que você os desejos de meu próprio sexo. — Ele torceu a boca em desgosto. — E, se eu não estivesse aqui para protegê-la, então garanto que agora você agora estaria em algum beco, com a saia levantada até a cintura, en¬quanto um daqueles patifes investia entre suas pernas, e os ou¬tros dois esperavam a vez!

Caro sentiu-se empalidecer e uma onda de náusea revolveu leu estômago diante da imagem vivida que ele pintou. Uma imagem certamente designada para chocá-la e assustá-la... e para alcançar tal resultado? Aqueles três jovens obviamente haviam bebido em excesso naquela noite, e estavam mais do que um pouco alegres, mas com certeza não teriam se comportado do modo chocante que o conde sugeria, teriam?

Ela o encarou com desafio.

— Então é uma pena que não havia ninguém aqui para me proteger de sua própria atenção indesejada, não é?

Dominic respirou fundo perante a acusação. Sob as circunstâncias, a acusação tinha muita lógica, admitiu de maneira justa. Pretendera apenas lhe ensinar uma lição, a fim de demonstrar a vulnerabilidade de Caro, ele mesmo se aproveitando dela. Em vez disso, descobrira-se apreciando o gosto de mel, enquanto explorava aquela boca deliciosa, assim como apreciando a sensação das curvas delgadas pressionadas contra seu corpo sólido.

A tal ponto que levara o beijo muito além do que pretendera Originalmente.

Dominic endireitou o corpo, a expressão nos olhos agora escondida atrás de pálpebras baixas.

— Eu somente pretendia demonstrar como sua exposição num palco noite após noite a deixa aberta para abusos tanto físi¬cos como verbais.

— Você está sendo ridículo — disse ela, sem demora. — Nem eu sou uma completa tola. Foi exatamente a fim de proteger a minha reputação que eu adotei a máscara e a peruca na Nick's. Na verdade, duvido que alguém reconhecesse a mulher que eu sou agora como a mulher mascarada de cabelos cor de ébano, que canta numa casa de jogos todas as noites.

Havia alguma verdade naquilo, Dominic mal a reconhecera quando ela se juntara a ele mais cedo. Mesmo assim...

— O fato de você estar mascarada no palco, e usar seus pró¬prios cachos loiros escondidos sob mechas falsas cor de ébano, apenas protegeria sua identidade, lamento, até o quarto.

O pescoço delicado se moveu convulsivamente enquanto ela continuava olhando-o de maneira orgulhosa.

— Minha... identidade?

Dominic deu um suspiro exasperado.

— Sua voz e seus modos proclamam você como sendo uma lady...

— Ou a criada desonrada de uma lady — interrompeu ela rapi¬damente.

— Talvez — concedeu Dominic, de forma sintetizada. — Eu não tenho ideia de quais são seus motivos para você ter agido como agiu... e duvido que esteja prestes a me esclarecer, está?

A boca de Caro firmou-se.

— Não.

— Como eu pensei. — Ele assentiu. — E claro, a resposta mais simples para esta situação difícil seria demiti-la. Pelo menos, então, eu não me sentiria moralmente obrigado a assumir a res¬ponsabilidade pelo seu bem-estar.

Ela bufou de modo deselegante:

— Isso apenas resolveria o seu problema, meu lorde. Eu ainda precisaria encontrar um meio de ganhar meu próprio sustento.

Ela estava certa, reconheceu Dominic amargamente. Mas ha¬via outra alternativa... Ele poderia se oferecer para se tornar o protetor de Caro... sua apreciação pelo beijo deles mais cedo provava que seus sentidos, pelo menos, não eram avessos à idéia. E, sem dúvida, com algumas orientações sobre suas pre¬ferências físicas, Caro seria mais do que capaz de satisfazer suas necessidades.

Todavia, nos dez anos desde que Dominic aparecera na cida¬de pela primeira vez, nunca tivera uma amante permanente, como muitos de seus conhecidos do sexo masculino escolhiam fazer, preferindo, em vez disso, se divertir sexualmente quando e com quem bem entendesse. Não desejava mudar esse arranjo fazendo da impetuosa e sincera Caro Morton sua amante.

— É claro, se você decidir me demitir do emprego, então eu não terei escolha senão procurar pela mesma posição em algum outro lugar. — Ela deu de ombros. — Algo que não deve se provar muito difícil, agora que a lady mascarada, como você diz, ga¬nhou um pouco da... aprovação masculina — acrescentou Caro.

Aquela era uma solução, é claro. Exceto que, na Nick's, a garota tivesse consciência disso ou não, Caro pelo menos tinha a proteção do atencioso Drew e de Ben. E, aparentemente, agora de Dominic também.

— Se for somente uma questão de dinheiro...

— E se fosse? — imediatamente questionou Caro com arrogância.

A boca de Dominic se comprimiu.

— Sob tais circunstâncias, talvez eu lhe empreste dinheiro suficiente para que você volte para o mesmo lugar de onde veio.

— Não! — Os olhos verde-mar brilharam com revolta. — Eu não tenho intenção de deixar Londres ainda.

Dominic não sabia se a veemência de Caro se devia à sua oferta de lhe emprestar dinheiro ou à sua sugestão de que ela usasse o dinheiro para voltar para casa, então ele decidiu investigar melhor:

— A situação em sua casa está tão intolerável, então?

Ela tentou reprimir um tremor e fracassou.

— No momento, sim.

Dominic estudou-a através de pálpebras estreitas, notando as sombras que tinham aparecido naqueles olhos verde-mar e a palidez no rosto dela.

— Esta observação parece implicar que a situação pode mu¬dar em algum momento no futuro?

— Eu espero muito que sim — confirmou ela, com sentimento.

— Mas, até que mude, sua intenção é permanecer em Lon¬dres, independentemente de se eu irei ou não continuar empregando-a na Nick's?

— É — replicou ela com firmeza.

— Você é muito teimosa, moça.

— Eu sou decidida, senhor, o que é completamente diferente.

Dominic suspirou, não querendo enviar Caro de volta para uma situação que ela obviamente achava tão desagradável, mas também muito capaz de imaginar as complicações nas quais aquela mulher impulsiva se meteria, se fosse deixada mais uma vez para percorrer as ruas de Londres à procura de emprego.

— Então eu acredito que, por enquanto, nós devemos deixar as coisas como estão. — Ele desviou o olhar. — Vamos continuar andando até suas acomodações?

Caro enviou-lhe um olhar triunfante.

— Nós estamos parados na frente delas por alguns minutos, meu lorde!

Dominic olhou-a com uma expressão irritada antes de estu¬dar a casa atrás deles. Era um prédio de três andares, tão típico de um bairro que um dia tinha sido da moda, mas que não era mais, tendo decaído muito com o tempo, embora o dono daque¬le alojamento em particular tivesse ao menos tentado manter um pouco de respeitabilidade, conservando o lado externo bem-cuidado. E as cortinas das janelas também pareciam limpas.

Ele voltou-se para Caro.

— Nesse caso, só me resta lhe desejar boa-noite. Ela fez uma reverência abrupta.

— Meu lorde.

— Srta. Morton. — Dominic assentiu com uma inclinação da cabeça.

Caro olhou para Dominic com expressão intrigada, quando ele não fez nenhum movimento para ir em direção à sua carrua¬gem, que o esperava.

— Não precisa esperar até que eu entre no prédio antes de partir, meu lorde.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Da mesma maneira que você não corria "perigo algum" mais cedo?

As faces dela coraram lindamente.

— Acho seus modos muito irritantes, meu lorde!

— Não mais do que eu acho os seus, eu lhe asseguro, srta. Morton.

Caro nunca antes conhecera alguém remotamente parecido com Dominic Vaughn. Nunca sonhara que homens como ele existissem, tão altos, elegantes e bonitos. Tão aristocráticos. Tão arrogantemente autoconfiantes!

Tinha de admitir que seu contato com pessoas do sexo oposto fora limitado antes que ela chegasse a Londres. No geral, apenas com alguns filhos dos membros da sociedade local e, ocasional¬mente, com o advogado de seu pai, quando ele ia de Londres para lá, a fim de discutir questões profissionais.

Entretanto, Caro sabia, pela atitude respeitosa de Drew Butler em relação ao conde, mais cedo naquela noite, e pela partida apressada daqueles três jovens cavalheiros, apenas minutos aliás, que Dominic Vaughn era um homem cuja presença de¬mandava respeito e obediência.

Exceto que, depois de anos não tendo escolha senão fazer o que outras pessoas lhe mandavam, Caro não queria mais obede¬cer a nenhum homem. Tampouco ao guardião que havia adqui¬rido recentemente.

Ela deu ao conde um sorriso inexpressivo antes de virar-se para andar em direção à porta da frente de seu alojamento, nem sequer olhando para trás a fim de ver se ele ainda a observava, enquanto entrava com a chave que a proprietária lhe dera quan¬do ela alugara os cômodos, duas semanas atrás.

Caro esperou diversos momentos antes de ousar olhar pela janela coberta por renda ao lado da porta da frente. Bem a tempo de ver o conde subindo na carruagem, antes que o cocheiro tam¬bém entrasse e fechasse a porta, acomodando-se no banco tra-seiro do veículo, que partiu em seguida.

Mas, antes que partisse, Caro viu o rosto oval de Dominic Vaughn à janela da carruagem, enquanto ele olhava na direção de onde ela estava escondida. Ela moveu-se rapidamente para se encostar contra a parede, levando as mãos ao peito e sentindo as batidas aceleradas de seu coração.

Não, ser beijada pelo conde de Blackstone não tinha sido nada como ela imaginara que um beijo seria.

Havia sido muito, muito mais excitante...  

 

— Então, aonde você foi ontem à noite, Dom? — perguntou pre¬guiçosamente Nathaniel Thorne, conde de Osbourne, na noite seguinte, quando os dois homens estavam sentados em poltronas opostas ao lado da lareira numa das grandes salas de White's.

— Eu fui... inevitavelmente detido. — Dominic esquivou-se de dar uma resposta direta à pergunta de seu amigo. Os dois homens haviam combinado de se encontrar tarde na noite ante¬rior, um compromisso que Dominic obviamente não cumprira, uma vez que estivera ocupado, acompanhando a srta. Caro Morton com segurança até seus alojamentos. E quanto agradecimen¬to recebera por todo o seu trabalho!

Nathaniel arqueou uma sobrancelha loira.

— Acredito que ela era tão insaciável quanto linda, não?

— Linda... sim. Insaciável? Eu não tenho idéia. — Na ver¬dade, horas depois, Dominic ainda não tinha idéia do que faria com Caro Morton, de quem e o que ela era. Todavia, ele mandara dizer para Drew Butler que a continuasse alimentan¬do, bem como para que o gerente mandasse Ben Jackson es¬coltá-la até onde Caro morava no final de cada noite de traba¬lho. Caro podia não se preocupar com o próprio bem-estar, mas, enquanto ela continuasse trabalhando para Dominic, ele tinha todas as intenções de assegurar que nenhum mal aconte¬cesse a ela.

— Ainda — murmurou Nathaniel.

Os dois pais de Dominic já haviam falecido, e ele não tinha irmãos, de modo que Nathaniel Thorne e Gabriel Faulkner eram o que ele possuía de mais próximo a uma família. Os anos que eles haviam passado juntos na escola, depois no exército, nunca sabendo se iriam ou não sobreviver à próxima batalha, os tornara tão íntimos como irmãos. Entretanto, naquele momento, Dominic desejou que Nathaniel não o conhecesse tão bem.

Felizmente ele possuía a diversão perfeita para fugir do as¬sunto que não aparecera na noite anterior.

— Eu recebi um bilhete de Gabriel hoje. Ele espera chegar à Inglaterra até o fim da semana. — Ele levantou seu copo de uís¬que e deu um gole com apreciação.

— Eu também recebi um — revelou Nathaniel. — Você pode imaginar as expressões nos rostos dos membros da sociedade quando Gabe fizer sua entrada?

— Ele reafirmou que pretendia ir primeiro a Shoreley Park e confrontar as irmãs Copeland — relembrou-o Dominic.

Osbourne bufou.

— Nós dois sabemos que isso somente tomará minutos do tempo dele. No momento que Gabriel retornar à cidade, depois do escândalo ou não, estou certo de que as três moças tolas es¬tarão ansiosas para se casar com ele! — Nathaniel fez um brinde silencioso de apreciação ao amigo ausente deles.

Era um fato que os anos durante os quais Gabriel estivera banido do continente e do exército não tivessem afetado suas conquistas com as mulheres; uma olhada para aqueles cabelos muito negros, olhos azul-índigo e físico musculoso, e mulheres de todas as idades caíam aos pés de Gabriel. Ou, mais precisa¬mente, na cama dele! Sem dúvida, as irmãs Copeland também seriam cativadas.

— O que iremos fazer com o resto da noite? — Depois da in¬satisfação que experimentara no final da noite anterior, Dominic estava no humor de beber muito, antes de cair na cama com uma mulher que fosse tão criativa quanto disposta.

Nathaniel o estudou de modo especulativo.

— Eu ouvi falar que há uma linda mulher misteriosa atual¬mente cantando na Nick's.

Por mais próximos que os três homens fossem, Dominic sa¬bia que era melhor guardar algumas coisas para si mesmo... E seu encontro com Caro Morton na noite anterior, sua vontade não característica de protegê-la, era com certeza uma delas! Mas Dominic não podia negar que estava satisfeito que Caro já fosse uma grande fonte de fofoca nos clubes de cavalheiros, apenas uma semana depois que aparecera na sua casa de jogos.

Ele fez uma careta.

— Acredito que ela só é considerada um mistério tão grande porque usa uma máscara de pedras preciosas enquanto canta.

— Oh. — O outro homem meneou a cabeça. — Sem dúvida para esconder o fato de que é marcada pela varíola.

— Possivelmente. — Dominic concordou num tom de voz de¬sinteressado, não querendo falar mais nada que aumentasse a curiosidade de seu amigo em relação a Caro.

Nate suspirou:

— Nesse caso, achou que eu deixarei a escolha do entreteni¬mento desta noite para você.

 

A escolha envolveu visitar diversas casas de jogos, antes de acabar a noite em uma casa brilhantemente iluminada, porém discreta, onde várias mulheres lindas e habilidosas, de reputação questionável, deixavam óbvio que ficariam satisfeitas em oferecer divertimento e companhia para dois jovens cavalhei¬ros bonitos.

 

Então foi ainda mais surpreendente quando aqueles mesmos dois cavalheiros foram embora apenas uma hora depois, ne¬nhum deles tendo se aproveitado das ofertas das belas moças.

— Talvez nós devêssemos ter ido ver a garota misteriosa na Nick's, afinal de contas. — Osbourne bocejou, entediado. — Mar¬cada pela varíola ou não, eu duvido que pudesse achá-la menos atraente do que as moças com as quais acabamos de perder nos¬so tempo!

Dominic franziu o cenho, sabendo que objetar uma segunda vez definitivamente aumentaria a curiosidade de Nate.

— Talvez nós estejamos nos tornando muito saturados em nossos gostos, Nate — murmurou ele, antes de bater no teto da carruagem e dar as novas instruções ao cocheiro.

O outro homem arqueou uma sobrancelha, numa expressão interrogativa.

— Você às vezes sente saudade da excitação de nossos cinco anos no exército?

Dominic sentia saudade do horror e derramamento de sangue da guerra? Do fato de nunca saber se iria sobreviver à próxima batalha ou se era sua vez de encontrar a morte na ponta de uma espada francesa? Da camaradagem com seus colegas oficiais que nascia da experiência de cada perigo? Não sentia saudade daquilo!

— Não a ponto de querer voltar para lá. E você? Osbourne deu de ombros.

— É um fato que a vida de civil pode ser muito tediosa, assim como terrivelmente repetitiva.

Dominic sentiu-se aliviado ao saber que não era o único que às vezes sentia falta da adrenalina causada por estar perto do perigo.

— Ouvi dizer que participar de uma temporada de bailes em Londres freqüentemente lembra um campo de batalha — mur¬murou ele.

— Não mencione a temporada de bailes para mim — resmun¬gou Nate. — Minha tia Gertrude pôs na cabeça que está mais do que na hora de eu me casar — explicou ele, em resposta ao olhar interrogativo de Dominic. — Por isso, ela está insistindo que eu a acompanhe em diversos bailes e soirées durante as próximas semanas. Sem dúvida com a expectativa de encontrar uma jo¬vem adequada para se tornar minha condessa.

— Ah. — Dominic começou a entender a inquietude de seu amigo naquela noite. A sra. Gertrude Wilson era o parente mais próximo de Osbourne, e uma pessoa de quem ele gostava muito. Ela retribuía o sentimento, tomando grande interesse na vida do sobrinho. A ponto de que, parecia, estava agora tentando encon¬trar uma esposa para ele. Razão suficiente para Dominic ser gra¬to por sua falta de parentes do sexo feminino! — Suponho que você não está de acordo com os desejos de sua tia.

— De acordo com a idéia de unir minha vida a uma mulher tímida e submissa, que sem dúvida foi ensinada a se deitar e pensar no rei e no país quando nós estivermos juntos na cama? Certamente não! — Osbourne mal reprimiu um tremor de repul¬sa. — Não posso entender como Gabriel até mesmo contempla tal destino.

O fato era que os três cavalheiros um dia teriam de se casar e produzir o herdeiro necessário para seus respectivos conda¬dos. Felizmente parecia que Osbourne, pelo menos, era tão contra aceitar tal destino quanto Dominic, embora não houves¬se dúvida de que a sra. Gertrude Wilson fosse uma força a ser reconhecida!

O humor de Dominic em relação à situação de seu amigo desapareceu, seus lábios se apertando em desaprovação quando os dois cavalheiros desceram da carruagem minutos depois, e ele viu que Ben Jackson estava mais uma vez ausente de seu posto à entrada da Nick's. Obviamente eles haviam chegado a tempo de Nathaniel testemunhar a segunda performance da noi¬te de Caro Morton.

No entanto, os sons de gritos, vidros quebrando e móveis sendo derrubados vindos da direção da principal sala de jogos, quando eles adentraram o espaçoso corredor do estabelecimen¬to, não lembravam em nada o silêncio com o qual Dominic se deparara em sua chegada, na noite anterior.

Especialmente quando eram acompanhados pelo som dos gritos de uma mulher!

 

Caro nunca sentira tanto medo na vida como naquele momen¬to. Mesmo com Ben e dois outros homens parados protetoramen¬te na sua frente, e mantendo a pior parte da briga a certa distân¬cia, ela ainda podia ver punhos masculinos voando, sangue escorrendo livremente de narizes e cortes em rostos, enquanto cadeiras, mesas e garrafas eram derrubadas e atiradas no ar.

Na verdade, ela não tinha idéia de como a briga começara. Num momento, estivera cantando como de costume, e, no ins¬tante seguinte, um cavalheiro tentara subir no palco e agarrá-la. No começo, Caro pensara que o segundo cavalheiro que havia subido no palco estivesse tentando ir ao seu socorro, até que ele empurrou o primeiro homem de lado, e também se aproximou de onde ela quase caíra do divã, pelo susto, e tentou agarrá-la.

Depois disso, tudo se tornara um caos, com mais de uma dú¬zia de homens brigando com os dois primeiros, usando os pu¬nhos e quaisquer móveis ou objetos que estivessem à mão.

E, durante todo o episódio, durante cada momento assusta¬dor, Caro se sentiu humilhantemente consciente dos avisos da noite anterior de Dominic Vaughn.

 

— Quer entrar na briga? — convidou Osbourne com alegria, quando os dois homens pararam à porta da sala de jogos, ainda de chapéu e casaco.

Dominic tinha analisado a situação com uma única olhada ao redor. Aproximadamente trinta cavalheiros brigando a sério. Di¬versas das cadeiras com brocado quebradas. Mesas viradas, e copos e garrafas estraçalhados. Drew Butler estava no meio da cena, tentando pôr um fim na briga. E, no palco erguido, Ben Jackson estava de pé, imóvel, na frente de onde uma cabeça de cachos cor de ébano era visível acima e atrás do diva.

— Vá para o palco — instruiu Dominic a Osbourne, enquanto jogava seu chapéu de lado. — Se você conseguir tirar a garota de lá, acho que a briga vai parar.

— Eu sinceramente espero que não pare! — Nathaniel sorriu com travessura quando andou com propósito para a cena da luta.

A maioria dos cavalheiros brigando parecia estar se divertin¬do tanto quanto Osbourne, apesar dos narizes sangrando, das ocasionais perdas de dente e dos diversos olhos que, sem dúvi¬da, estariam roxos na manhã seguinte. Eram os três ou quatro cavalheiros mais perto de Ben Jackson, e a determinação deles para colocar suas mãos em Caro, enquanto ela se agachava atrás do divã, era o que mais preocupava Dominic. Todavia, para cré¬dito de Ben, ele conseguira, até agora, manter todos a certa dis¬tância, e até mesmo conseguira enviar um sorriso de apreciação para Dominic e Osbourne quando eles pararam ao seu lado.

Nesse momento, Caro Morton emergiu de trás do divã e lan¬çou-se nos braços dele.

— Graças a Deus você chegou, Dominic!

Osbourne deu um sorriso intencional diante do espetáculo.

— Você leva a garota, Dom, esta é a experiência mais diver¬tida que tenho em anos! — Ele cerrou um punho e socou um dos homens, jogando-o para fora do palco.

Naquele momento, Dominic estava tão furioso que não que¬ria nada além de quebrar alguns ossos pessoalmente. Uma satisfação da qual sabia que teria de abrir mão, uma vez que os bra¬ços de Caro rodeavam seu pescoço, e um par de olhos verdes apavorados, visíveis através das aberturas da máscara, o fitava. Os olhos de Dominic escureceram quando ele viu que o ves¬tido dourado de Caro estava rasgado em diversos lugares.

— Eu não lhe avisei? — A voz de Dominic era gelada quando ele removeu-lhe os braços de seu pescoço e tirou o casaco para cobri-la, antes de abaixar-se, a fim de passar um braço na parte traseira dos joelhos dela e jogá-la sobre um ombro, enquanto endireitava o corpo.

— Eu... O quê... Ponha-me no chão imediatamente! — Pe¬quenas mãos fechadas em punhos bateram nas suas costas.

— Creio que agora seja um momento tão bom quanto qual¬quer outro para lhe ensinar quando é mais sábio permanecer si¬lenciosa — disse Dominic com irritação, notando diversas cabe¬ças masculinas se virarem na sua direção para assistirem, com inveja, enquanto ele a carregava do palco para a área privada nos fundos da casa de jogos.

 

A última coisa de que Caro precisava no meio daquele pesadelo era que lorde Dominic lhe dissesse "Eu lhe avisei". Ela já estava apavorada o bastante por uma noite, sem acrescentar a humilha¬ção de ser jogada sobre o ombro de um homem como se não passasse de um saco de batatas ou de um fardo de palha da fa¬zenda de seu pai!

Caro lutou para ser liberada assim que eles chegaram à rela¬tiva segurança do corredor deserto

— Ponha-me no chão agora! — instruiu ela, furiosa, quando seus esforços físicos lhe causaram apenas mais calor e mau humor.

— Com prazer. — Dominic deslizou-a sem cerimônia ao lon¬go de seu corpo rígido, antes de colocar-lhe os pés descalços sobre o piso frio de pedra.

— Eu nunca conheci um homem mais mal-educado do que você! — Caro o olhou de maneira acusatória, mesmo enquanto tentava, com dedos agitados, segurar o casaco dele sobre seus ombros e unir as lapelas de seda para cobrir seu corpo trêmulo.

— Depois que eu tentei salvá-la do perigo? — A voz profunda era tão sedosa quanto aqueles olhos prateados que brilhavam em aviso.

— Depois que você me pegou à força, senhor! — Caro não ex¬pressou arrependimento enquanto tentava ajeitar seus cachos cor de ébano, agora embaraçados, o tempo inteiro impressionada pelo fato de a máscara e a peruca terem conseguido ficar no lu¬gar. — Sua própria raiva alguns minutos atrás parecia implicar que você acredita que eu seja culpada pelo que acabou de acontecer...

— Você é culpada.

— Não seja ridículo! — Caro lhe deu um olhar desdenhoso. — Todas as mulheres sabem que os homens... embora sejam chamados de cavalheiros... gostam de achar uma desculpa para brigar.

Ela podia muito bem ter razão quanto àquilo, reconheceu Dominic, lembrando-se da alegria de Osbourne antes que seu amigo se lançasse no meio da briga. Mas isso não mudava o fato de que aquela briga em particular tinha começado porque Caro Se recusara a enxergar o perigo em se expor noite após noite diante de um salão repleto de homens embriagados.

Sendo assim, Dominic não sabia se a sacudia ou se a beijava loucamente pela ingenuidade dela.

— Estou pensando seriamente em lhe dar umas palmadas no traseiro pelos danos causados esta noite! — ralhou ele, em vez disso.

Os olhos verdes se arregalaram, e ela enrubesceu, mesmo enquanto erguia o queixo em desafio.

— Você não ousaria! Dominic bufou de maneira desgostosa.

— Não me tente, Caro.

Caro desistiu de qualquer tentativa de ajeitar aqueles cachos rebeIdes. Em vez disso, removeu a máscara de pedras preciosas, a fim de encará-lo.

— Acho que você está somente procurando uma desculpa para me bater.

Dominic tornou-se imóvel, estreitando os olhos e estudando a expressão desafiadora no rosto dela. Apenas o pensamento de algum homem sem rosto e sem nome pondo as mãos naquela mulher delicada e adorável era o bastante para despertar sua própria fúria. Todavia, nesse momento em particular, ele entendia muito bem o impulso; queria bater no traseiro de Caro com tanta força que ela não conseguiria se sentar por uma semana!

— Eu lhe asseguro de que, no que diz respeito a você, nenhuma desculpa é necessária — replicou ele.

— Oh! — exclamou ela, indignada. — O senhor é o homem mais dominador, arrogante e insultante que eu já tive a infelicidade de conhecer!

— E você, moça, é a mulher mais teimosa, deliberadamente estúpida...

— Estúpida? — ecoou ela com fúria.

— Deliberadamente estúpida — repetiu Dominic sem remor¬so, enquanto a olhava com raiva.

Caro nunca se sentira tão incendiada. Nunca sentira tanta vontade de socar um homem no seu nariz aristocrático!

Como se tivesse ciência dos pensamentos violentos dela, aqueles lábios esculpidos se curvaram num sorriso zombeteiro.

— Essa não seria uma atitude sábia, Caro. — O aviso foi voci¬ferado com tanta suavidade que era mais perigoso ainda por causa disso.

Os olhos verde-mar dela colidiram com. os olhos prateados dele por longos momentos desafiadores. Um desafio que ela es¬tava quase — quase! — reunindo força suficiente para aceitar, quando uma voz divertida quebrou a tensão:

— Eu vim lhe dizer que Butler e seus ajudantes expulsaram os últimos clientes e, neste momento, estão tentando limpar a bagunça, mas posso voltar mais tarde, se agora não é uma hora conveniente...

Dominic estava de pé diretamente na linha de visão de Caro, e ela teve de inclinar-se para um dos lados, a fim de ver onde um homem alto, elegantemente vestido, estava encostado de manei¬ra casual contra a parede do corredor. Braços fortes estavam cruzados sobre um peito largo, enquanto ele os observava com interesse, apenas os cabelos loiros e longos desalinhados ao re¬dor do rosto bonito evidenciando que ele estivera envolvido na briga feia momentos atrás.

— Eu acho que a nossa avaliação anterior da... situação foi errada, Blackstone. — O outro homem deu um sorriso apreciativo para Dominic, antes de voltar os olhos pretos para o rosto lindo e para a pele perfeita e livre de marcas de varíola de Caro.

Ela não entendeu a observação, muito menos por que ele a olhava com tanta intensidade!

— Para responder sua pergunta anterior, senhor... acredito que lorde Vaughn e eu terminamos a nossa conversa.

— Não por muito tempo. — Dominic estendeu uma das mãos, os dedos se curvando ao redor do pulso de Caro com força de aço, quando ela ia passar por ele. — Creio que não muitas cabe¬ças foram quebradas, Osbourne.

O homem de cabelos loiros deu de ombros.

— Nenhuma que não merecesse. — Ele afastou-se da pare¬de — Importa-se de me apresentar, Blackstone? — Os olhos castanhos alegres deles encontraram os do amigo por um breve Instante, antes de se focarem em Caro com admiração aberta.

— Caro Morton, lorde Nathaniel Thorne, conde de Osbour¬ne — disse Dominic friamente.

— Às suas ordens, madame. — Lorde Thorne fez uma reverência elegante.

— Meu lorde. — Realmente todo homem que ela conhecia em Londres tinha de ser um lorde ou um conde?, perguntou-se mal-humorada, enquanto ponderava sobre como era ridículo fazer uma cortesia formal para um cavalheiro em tais circunstâncias.

— Se você estava pensando em ir embora agora, toda a excitação acabou, Osbourne; então, por favor, faça isso — disse Dominic. — Lamento, mas eu não estarei livre para partir por algum tempo ainda.

Sua expressão endureceu quando ele olhou de maneira signi¬ficativa para Caro Morton, a boca se afinando quando aqueles olhos verde-mar mais uma vez o encararam de volta em silen¬ciosa rebelião.

Ela quebrou o contato visual, a fim de sorrir graciosamente para o outro homem.

— Talvez, se estiver indo embora, eu possa persuadi-lo a me levar com você, lorde Thorne?

Para todos os fins e intenções, Dominic reconheceu com im¬paciência, ela parecia uma lady conversando numa sala de estar! Como se uma briga não tivesse acabado de acontecer, porque alguns homens disputavam quem compartilharia a cama dela naquela noite. Como se o próprio estabelecimento de Dominic não tivesse sido destruído naquela confusão.

Como se ela não estivesse diante de dois cavalheiros elegan¬tes, usando apenas um vestido rasgado, e com sua peruca cor de ébano levemente inclinada na cabeça!

Dominic deu um suspiro frustrado.

— Eu acho que não.

Os olhos verde-mar dela brilharam para ele com irritação, antes que Caro o ignorasse e se voltasse mais uma vez para Nathaniel.

— Eu apreciaria muito se você concordasse em me acompa¬nhar até em casa, lorde Thorne. — Uma sereia não teria soado ou parecido mais docemente persuasiva.

Dominic leu, com facilidade, a incerteza na expressão de seu amigo. Um perfeito cavalheiro, Osbourne nunca fora capaz de resistir ao apelo de uma aparente “dama em apuros”. E essa pare¬cia ser, na opinião de Dominic, uma avaliação correta no que dizia respeito a Caro Morton. A mulher era uma ameaça absoluta, e tinha se tornado um verdadeiro problema para Dominic desde o momento em que ele pusera os olhos nela.

— Lamento, mas isso não é possível — respondeu Dominic suavemente no lugar de seu amigo.

Aquelas faces delicadas coraram.

— Acredito que meu pedido foi feito para lorde Thorne, e não para você!

Dominic permitiu-se relaxar um pouco os ombros, ciente de que estava num constante estado de tensão desde que a conhecera.

— Todavia, lorde Thorne é cavalheiro o bastante para aceitar uma alegação prévia, não é, Osbourne?

Os olhos de Osbourne se arregalaram. Como deveriam, pen¬sou Dominic, irritado. Dominic tinha negado, mais cedo, conhe¬cer aquela mulher, uma negação que perdera toda validade no momento em que Caro se lançara em seus braços e, em sua agitação, o chamara pelo primeiro nome.

— Creio que você estava correto em sua avaliação anterior, Blackstone. — O comentário preguiçoso de Osbourne interrom¬peu os pensamentos desagradáveis de Dominic. — Pessoalmente eu diria "maravilhosa", em vez de "linda"!

Dominic assentiu com irritação:

— Exatamente.

— Nesse caso, Blackstone, acho que eu irei me juntar a Butler e Ben e apreciar um uísque revigorante antes de ir embora. Meus respeitos, srta. Morton. — Osbourne inclinou a cabeça numa despedida, antes de deixar os dois a sós.

 

Caro piscou diante da súbita partida de lorde Thorne.

— Eu não entendo. — Ela também não tinha idéia do acordo tático que se passara entre os dois homens durante os últimos minutos. Mas alguma coisa certamente acontecera para que o gentil lorde Thorne a abandonasse daquela forma.

Dominic liberou-lhe o pulso, antes de se afastar alguns passos.

— Vá para seu camarim agora e troque de roupa. Eu estarei esperando no escritório de Drew Butler quando você estiver pronta para ir embora.

Caro franziu a testa.

— Mas...

— Você pode, pelo menos uma vez, fazer o que eu peço, sem discutir, Caro? — A cicatriz no rosto de Dominic realçou quando ele enrijeceu o maxilar.

Ela estudou aquele rosto duro e inflexível, reprimindo um tremor de apreensão ao ver o brilho perigoso nos olhos claros acinzentados. É claro... aquele homem já lhe dissera que a con¬siderava responsável pela ocorrência da briga, e pelos danos causados a sua propriedade, e também ameaçara castigá-la por tais danos com tapas no traseiro!

Nunca, em seus 20 anos, alguém lhe falara da maneira arro¬gante como Dominic Vaughn lhe falava. Com tanta familiaridade. Com tanta... tanta... intimidade. Um cavalheiro nunca de¬veria se referir ao traseiro de uma lady, muito menos ameaçar machucá-lo!

Ela levantou o queixo de um jeito presunçoso.

— Eu estou muito cansada, meu lorde, e preferiria ir direta¬mente para casa, depois que estiver vestida.

— E eu preferiria que você me encontrasse no escritório de Butler antes, de modo que possamos continuar a nossa conversa.

— Eu pensei que tivéssemos terminado.

— Caro, eu já fui envolvido numa briga da qual não tive cul¬pa, e minha propriedade foi extensivamente danificada. Sendo assim, não estou no humor de tolerar mais nenhuma teimosia de sua parte esta noite. — Suas mãos estavam cerradas nas laterais, num esforço de controlar sua exasperação.

— Verdade? — Ela arqueou as sobrancelhas, inocente. — Mi¬nha própria paciência com sua arrogância irritante acabou al¬guns minutos atrás.

Sim, reconheceu Dominic com tristeza, aquela jovem mulher era, sem dúvida, tão irascível quanto linda. Para sua própria per¬turbação, ele também passara muito tempo permitindo pensar em como o gosto da boca de Caro havia sido delicioso na noite anterior.

— Você teria sido mais maleável à sugestão se eu tivesse pe¬dido "por favor"?

Ela o olhou com cautela, com desconfiança.

— Teria sido um começo, certamente.

Dominic a olhou por diversos segundos, antes de assentir com um gesto de cabeça:

— Muito bem. Eu insisto que você se junte a mim no escritó¬rio de Butler em breve, de modo que possamos continuar essa conversa. Por favor.

Um segundo pedido que não pretendia ser mais gracioso do que o primeiro!

— Então concordo em encontrá-lo no escritório do sr. Butler em breve, meu lorde. Mas apenas por alguns minutos — acres¬centou Caro com firmeza, ao ver o brilho de triunfo naqueles olhos prateados. — É tarde, e eu estou realmente muito cansada.

— Compreensível. — Ele fez uma reverência zombeteira. — Eu necessito somente de mais alguns minutos de seu tempo esta noite.

A última observação tinha quase o tom de uma ameaça, percebeu Caro preocupada, enquanto ia lentamente para seu camarim, a fim de trocar de roupa. E, apesar de tudo que tinha falado para Dominic Vaughn de modo tão desafiador na noite anterior, que procuraria emprego em outro lugar se ele escolhesse demiti-la, depois do desastre desta noite, não suportava a idéia de permanecer em Londres sem a proteção de Drew e Ben.

Ela havia sido completamente honesta na noite anterior ao assegurar a Dominic que tinha todas as intenções de voltar para casa assim que se sentisse segura para fazer isso. Infelizmente não acreditava que essa hora já tivesse chegado...

 

Dominic não tentou esconder seu tremor de desgosto ao ver o vestido verde sem graça que Caro estava usando quando se jun¬tou a ele no escritório de Drew, alguns minutos depois. Um ves¬tido que não realçava os lindos olhos verde-mar, num estilo que não lhe favorecia o corpo delgado gracioso. Em vez disso, a cor apagada lhe tirava o brilho dos olhos e dava à pele translúcida uma aparência quase pálida. O fato de que o vestido também era abotoado até o pescoço, e que os cachos loiros estavam presos num coque severo à nuca, enquanto ela parava diante da mesa, com as mãos unidas numa postura rígida, fazia Caro parecer uma freira.

Dominic levantou-se e rodeou a mesa, com passos flexíveis, antes de encostar-se contra a mesma, enquanto continuava olhando-a de maneira crítica.

— Você não parece tão mal, considerando a situação pela qual passou.

— Então, sua aparência era enganosa — reconheceu Caro, com um tremor interno. A reação aos horrores da briga daquela noite começara realmente assim que ela entrara na segurança e paz de seu camarim, a ponto de que não tinha sido capaz de parar de tremer por um bom tempo. Tudo acontecera tão de re¬pente, de modo tão violento, o resgate do conde realizado com tanta eficácia... mesmo se de forma dominadora... que, na hora, Caro não tivera oportunidade de pensar além daquilo.

Ainda se sentia levemente trêmula, e esse era o motivo pelo qual suas mãos estavam unidas com força à sua frente. Não iria, por nenhuma razão, mostrar qualquer sinal de fraqueza para o arrogante Dominic Vaughn.

— Eu não tive oportunidade de lhe agradecer antes, meu lor¬de, por sua intervenção na hora certa. Agradeço-lhe agora. — Ela inclinou brevemente a cabeça.

Dominic não conseguiu reprimir seu sorriso diante daquela demonstração de gratidão rancorosa.

— Não tem de quê — replicou ele. — Obviamente levará diver¬sos dias, possivelmente uma semana, para efetuar os reparos no salão principal...

— Eu não tenho dinheiro para pagar por tais reparos, se essa for sua próxima sugestão — protestou ela instantaneamente.

Dominic olhou-a sob pálpebras baixas, vendo além da apa¬rência ao mesmo tempo desafiadora e comportada da jovem mu¬lher. Aqueles olhos verde-mar ainda estavam um pouco sombreados, o rosto, pálido, as mãos tremiam de leve... todas essas eram evidências de que Caro tinha ficado mais perturbada pela violência que testemunhara mais cedo do que desejava que al¬guém — principalmente ele — notasse.

Ele descobriu que admirava essa qualidade nela. Assim como admirava o orgulho e dignidade que Caro demonstrara ao se de¬parar com uma situação que obviamente nunca experimentara antes.

Tal inexperiência se estendia para a cama?, ele não pôde evi¬tar imaginar. Após a surpresa inicial na noite anterior, ela definitivamente retornara a paixão de seu beijo. Mas, depois, parecera inconsciente do perigo que os três jovens embriagados representavam para seu bem-estar.

Assim como tinha parecido inocente da luxúria crescente dos homens que voltavam noite após noite para vê-la cantar na Nick's. Talvez uma indicação de que era inexperiente em relação às excentricidades dos homens, pelo menos?

Caro Morton estava rapidamente se tornando um quebra-ca¬beça que Dominic encontrou-se desejando desvendar. Quase tanto, percebeu com um tremor interno, quanto desejava despi-la daquele vestido verde, antes de explorar cada centímetro de seu corpo nu deleitável...

— Não era essa a minha próxima sugestão — respondeu ele. — Eu estava apenas apontando que a Nick's provavelmente terá de ser fechada por diversos dias, enquanto reparos e outras renovações são feitos. Um fechamento que a impossibilitará de cantar aqui pela mesma quantidade de tempo.

Ela o olhou de forma inexpressiva por um longo momento, e então os olhos verdes se arregalaram quando Caro entendeu a importância total daquelas palavras. Ela lambeu os lábios subi¬tamente secos.

— Mas você acha que a Nick's ficará fechada somente por alguns dias?

Dominic estudou-a com atenção.

— Possivelmente uma semana.

— Uma semana? — ecoou ela com tristeza.

A reação dela o alertou para o fato de que era muito provável que Caro dependesse completamente do dinheiro que ganhava cada noite na casa de jogos... sua vestimenta, com certeza, indi¬cando isso! O tom de desespero na voz também provava que, juntamente com sua determinação de permanecer em Londres "por enquanto", ela devia estar enfrentando uma situação terrí¬vel em casa...

— Não há motivo para que fique tão preocupada, Caro — tranquilizou-a Dominic. — Goste ou não, por enquanto parece que você está sob minha proteção.

Os olhos dela se arregalaram com indignação.

— Eu não tenho a menor intenção de me tornar sua amante!

Assim como Dominic também não tinha intenção de torná-la — ou qualquer outra mulher — sua amante...

Seus dois pais haviam morrido quando ele estava com 12 anos. Dominic não tivera nenhuma tia amável para cuidar dele, como Nathaniel tivera. Em vez disso, a guarda de Dominic fora colocada nas mãos da firma de advogados de seu pai, até que ele completas¬se 21 anos. Durante aqueles anos intervenientes, quando não estava longe, na escola, Dominic vivera sozinho em Blackstone Park, em Berkshire, aos cuidados da gentileza impessoal de criados.

Teria sido muito fácil, uma vez que alcançara a maioridade, e recebera finalmente permissão para cuidar de seus próprios assuntos, se deixar seduzir pela afeição falsa dada por uma amante paga. Em vez disso, ele se contentara com a amizade verdadeira de Gabriel e Nathaniel. Sabia que não havia um mo¬tivo maior por trás da afeição que os dois homens sentiam por ele. O mesmo não poderia ser dito de uma amante.

— Eu disse "protetor", Caro, não amante. Embora, com cer¬teza, a maioria dos cavalheiros aqui esta noite agora duvida de minha honra — apontou ele.

Caro enrijeceu diante do insulto no tom de voz dele.

— Por quê?

— Diversos deles viram você se jogando nos meus braços mais cedo...

— Eu estava temendo pela minha vida! — Dois círculos rosa¬dos pintaram as faces pálidas de Caro.

Dominic acenou com uma das mãos no ar, descartando aquilo.

— O motivo disso não é importante. Os fatos são que uma lady mascarada está empregada em minha casa de jogos e, esta noite, atirou-se nos meus braços com uma familiaridade que foi confirmada quando ela me chamou pelo primeiro nome para que todos ouvissem. — Dominic deu de ombros. — Essas coisas são suficientes para a maioria dos homens concluir que a lady deci¬diu quem será seu protetor. Que ela é agora, muito provavel¬mente, propriedade exclusiva do conde de Blackstone.

Como se fosse possível, o rosto de Caro pareceu ainda mais pálido!

 

Talvez, pela primeira vez em sua vida, Caro ficou sem fala. Não somente era muito chocante que muitos dos membros mas¬culinos da sociedade acreditassem que ela fosse propriedade exclusiva de lorde Dominic Vaughn, como sua irmã mais velha, Diana, ficaria furiosa se ouvisse tal mentira em relação à irmã fugitiva, Caroline!

Caro havia deixado uma carta em sua cama, pedindo que suas irmãs não se preocupassem com ela, é claro, mas, além disso, não contara seu plano de ir para Londres nem para Diana nem para sua irmã mais nova, Elizabeth, antes de fugir de sua casa em Hampshire duas semanas atrás, antes que o guardião chegasse para tomar o controle da vida de todas elas. Um ho¬mem que nenhuma das irmãs Copeland conhecia ainda, mas que, mesmo assim, escolhera informá-las, através de um advo¬gado, que acreditava estar em posição de insistir que uma delas se tornasse sua esposa.

Que tipo de homem fazia isso?, tinha questionado Caro com incredulidade. Quão monstruoso lorde Gabriel Faulkner, o novo conde de Westbourne, poderia ser para mandar um advogado em seu lugar, oferecer casamento para qualquer das filhas do outro conde que estivesse disposta a aceitá-lo? E, se nenhuma delas assim quisesse, insistir nisso?!

Nunca tendo tido permissão para freqüentar a sociedade de Londres, nenhuma das irmãs Copeland possuía conhecimento prévio do herdeiro e primo de segundo grau de seu pai, lorde Gabriel Faulkner. Mas diversos de seus vizinhos mais próximos sabiam daquilo, e haviam ficado muito felizes em contar às ir¬mãs sobre a expulsão do lorde do continente, oito anos, seguida por um tremendo escândalo, com rumores de que ele se estabe¬lecera em Veneza alguns anos depois. Além disso, nenhuma das irmãs ouvira falar do homem antes que fossem informadas de que ele não era apenas o herdeiro do seu pai, mas também o guardião delas.

Elas sabiam e aceitavam que uma filha não podia herdar o título, é claro, mas foi somente durante a leitura do testamento de seu pai, depois do funeral, que as três irmãs descobriram que estavam totalmente sem finanças próprias. Por conseguinte, o futuro de todas estava à mercê dos caprichos e misericórdia do novo conde de Westbourne.

Mas, conforme semanas, e então meses, passaram, sem sinal do novo conde chegando para tomar posse da propriedade de Shoreley hall, ou para se estabelecer como guardião das três ir¬mãs, apenas lhes enviando a pensão pelo advogado do homem todo mês, elas tinham começado a relaxar, a acreditar que suas vidas poderiam continuar sem interferência do novo guardião.

Até que o advogado do conde chegara a Shoreley hall três se¬manas atrás, para informá-las de que o novo conde de Westbourne estava generosamente preparado para oferecer casamento para uma das irmãs pobres. Uma oferta, o advogado lhes informara Com severidade, que, como seu guardião, o conde poderia insis¬tir — e realmente insistiria — que uma delas aceitasse.

Diana, a mais velha, com 21 anos, estava meio prometida para o filho de um proprietário de terras da região; portanto, segura das atenções do conde. Elizabeth, com somente 19 anos, e a mais nova das três, declarara que preferia ir para um convento a se casar com um homem que não amava e que não a amava. E o plano de Caro para evitar casar-se com o conde tinha sido ainda mais ousado.

Desesperada para trazer alguma aventura à sua existência até agora tão monótona, Caro havia decidido ir para Londres por um mês, talvez dois, e procurar obscuridade como governanta ou dama de companhia. E, quando lorde Gabriel Faulkner chegasse à Ingla¬terra — como o advogado dele lhes assegurara que ele, sem dúvida, chegaria, uma vez que fosse informado sobre a recusa das irmãs à sua oferta —, então Diana, incendiada pelo desaparecimento de uma de suas irmãs, reduziria o homem a pó com sua lendária língua feri¬na, antes de mandá-lo embora com o rabo entre as pernas.

Um mês passado em Londres, talvez dois, seria suficiente, decidira Caro, enquanto arrumava sua mala animadamente, an¬tes de sair de casa na ponta dos pés, para andar mais ou menos um quilômetro até a intersecção, onde poderia pegar a carrua¬gem noturna para Londres.

Nenhum dos seus planos havia funcionado como ela espera¬ra, é claro. Nenhuma família respeitável empregaria uma jovem sem referências, assim como nenhuma loja de roupas, e a pe¬quena quantia de dinheiro que Caro levara já se esgotara, pois, em vez do aconchego e segurança de uma casa de família res¬peitável que ela imaginara, fora forçada a pagar um mês adian¬tado por suas modestas acomodações.

Na verdade, até que Drew Butler sentisse pena dela, permi¬tindo-lhe cantar na Nick's, Caro temera que tivesse de voltar para casa com seu próprio rabo entre as pernas, antes mesmo que o conde chegasse à Inglaterra e fosse mandado embora pela indomável Diana!

 

Dominic estivera observando o rosto expressivo de Caro com interesse, enquanto tentava imaginar no que ela estava pensando pelos últimos minutos.

— Sabe, você poderia simplesmente pôr um fim nessa boba¬gem retornando para o lugar de onde veio — disse ele, de manei¬ra persuasiva.

A expressão de Caro se fechou imediatamente, mais uma vez alertando Dominic para a óbvia aversão dela — talvez até mesmo medo — em retornar para sua vida anterior. Novamente, ele se per¬guntou do que, ou de quem, aquela linda jovem estava fugindo.

E por que isso é da sua conta?, censurou Dominic a si mesmo cm seguida. Não era. Entretanto, não conseguia insistir para que Caro voltasse para casa e enfrentasse qualquer punição que a esperasse por ter fugido, em primeiro lugar.

E se ela estivesse fugindo de um pai tirano? Ou de um mari¬do brutal? Qualquer um destes dois esmagaria o espírito de Caro, que Dominic achava tão intrigante...

Ela meneou a cabeça.

— Lamento, mas voltar para minha casa não é uma opção neste momento, meu lorde.

Ele arqueou as sobrancelhas escuras.

— Assim você já me informou. E, enquanto isso, é sua intenção continuar deixando meus cabelos prematuramente grisalhos enquanto eu me preocupo com a próxima confusão que você irá se meter?

— Eu não vejo um único fio grisalho entre seus cabelos pre¬los ainda, meu lorde. — Divertimento brilhou nos olhos cor do mar enquanto ela estudava suas mechas escuras.

— Suponho que é somente uma questão de tempo. — Dominic fez uma careta, apenas para se descobrir totalmente encantado pelo som da risada de Caro. Percebeu então, para seu desespero, que corria sério risco de cair sob o feitiço daquela mulher, como Butler e Ben — e possivelmente Osbourne — tinham caído.

Aquele era um feitiço ao qual Dominic não tinha a menor intenção de sucumbir. Levar uma mulher para a cama era uma coisa; permitir se envolver emocionalmente com uma, era outra bem diferente. Já estava na hora de mudar suas táticas; se não conseguia persuadir Caro a deixar Londres, apenas lhe pedindo para fazer isso, teria de tentar uma abordagem mais direta...

Caro deu um passo involuntário para trás, seus olhos se arregalando com cautela quando Dominic levantou-se lentamente, os movimentos quase predatórios enquanto ele rodeava a mesa para atravessar até a porta e girar a chave devagar na fechadura.

— Para que não sejamos perturbados — murmurou ele, apro¬ximando-se agora e parando a centímetros dela.

Caro umedeceu os lábios subitamente secos e inclinou a cabe¬ça para trás, de modo que pudesse olhar para cima, de forma corajosa, esperava, e para aquele rosto arrogantemente bonito.

— Está na hora de eu ir embora...

— Ainda não, Caro — murmurou o conde com a voz rouca, enquanto levava uma das mãos para a lateral do rosto dela, e traçava-lhe o lábio inferior com a ponta do polegar.

— Eu... O que você está fazendo, meu lorde?

— Você me chamou de Dominic mais cedo — relembrou a ela. A garganta de Caro movimentou-se convulsivamente quando ela engoliu em seco.

— O que você está fazendo, Dominic? — repetiu ela, ofegante. Ele deu de ombros.

— Tentando, eu espero, lhe mostrar que pode haver certos... benefícios em se tornar minha amante.

Os joelhos de Caro fraquejaram com o pensamento de qual método aquele homem pretendia usar para demonstrar tais "bene¬fícios". Ela se recordava tão bem da sensação daquela boca firme contra a sua na noite anterior, das mãos grandes deslizando ao longo de suas costas para seu traseiro, e da pressão da masculinidade contra seu corpo.

— Isso não é sensato, meu lorde.

Ele não respondeu. Em vez disso, moveu-se para descansar contra a beira da mesa, levando-a consigo, os olhos cor de prata fixos nos lábios entreabertos de Caro, a respiração quente so¬prando os fios de cabelo na testa dela.

Dominic estava muito perto. Tão perto que ela podia sentir o calor do corpo forte. Tão perto que ela estava ciente do cheiro dele, um cheiro que parecia ser uma combinação de colônia masculina com um aroma almiscarado da própria pele.

Caro esforçou-se para se recompor.

— Dominic, eu não tenho intenção de lhe permitir... oh! — Ela arfou quando ele lhe circulou a cintura e puxou-a para entre as pernas musculosas abertas, suas coxas agora pressionadas con¬tra ele, seus seios em contato direto com o peito largo e sólido. Caro posicionou as mãos nos ombros dele com a intenção de empurrá-lo.

— Acho que não — murmurou Dominic ao perceber a inten¬ção dela, segurando-a pela cintura e abraçando-a mais forte, detendo-lhe os esforços enquanto olhava para onde os cabelos loiros estavam presos, num coque tão rígido quanto o de uma freira. — Tire os grampos de seus cabelos para mim, Caro.

Ela parou abruptamente.

— Não!

— Você prefere que eu faça isso? — Ele arqueou as sobrance¬lhas escuras.

— Eu prefiro que meus cabelos continuem exatamente como... oh! — Ela emitiu outro daqueles sons ofegantes quando Dominic ergueu uma das mãos para lhe remover os grampos. Era uma es¬pécie de ofego que ele descobriu que gostava muito de ouvir.

— Melhor assim. — Dominic assentiu em aprovação no mo¬mento em que lhe soltou os cabelos, e os cachos dourados cascatearam sobre os ombros e as costas delgados. — Agora, vamos aos botões deste vestido horrível...

— Eu não posso permitir que você desabotoe a frente de meu vestido! — Os dedos de Caro cobriram os dele, mesmo enquanto ela o olhava com raiva.

Dominic se pegou sorrindo diante daquela demonstração de ultraje feminino.

— Este vestido é tão atraente quanto o hábito de uma freira — observou ele secamente.

— Essa é exatamente a intenção... — Caro parou o protesto ao ver o jeito que aqueles olhos prateados tinham se estreitado com astúcia.

— Como, sem dúvida, a intenção de seu capuz sem adornos é esconder cada cacho dourado e encantador sob sua cabeça?

— Sim — admitiu ela.

Ele meneou a cabeça enquanto continuava abrindo os botões da frente do vestido dela.

— Isso é um sacrilégio, Caro, e um ao qual não estou inclina¬do a me entregar. — Ele abriu as laterais do vestido para revelar a extensão do peito dela coberta apenas por uma combinação fina acima do espartilho.

Caro não teve mais forças para protestar ao ver o jeito como os olhos acinzentados brilharam com admiração, quando o olhar de Dominic a percorreu. Na verdade, descobriu que mal conse¬guia respirar enquanto o observava erguer uma das mãos para abrir sua combinação e desnudar seus seios completamente. Seu rosto queimou com rubor quando os bicos de seus seios come¬çaram a enrijecer e se tornaram salientes.

— Você é tão maravilhosa aqui — sussurrou ele com a voz rou¬ca, a respiração quente agora uma carícia torturante contra aque¬la carne sensível. Ele a fitou com uma pergunta nos olhos. — Eu quero provar seu gosto, Caro.

Ela descobriu-se hipnotizada pelos movimentos lentos da língua de Dominic contra seus lábios. Hipnotizada e dolorida, a cor dos bicos de seus seios se aprofundando, enquanto eles se tornavam ainda mais firmes. Em antecipação. Em desejo, ela sabia, de sentir aquela língua quente se curvando sobre seus ma¬milos e umedecendo-os.

De onde tinham vindo esses pensamentos?, imaginou Caro admirada. Como sabia que o toque dos lábios e boca de Dominic contra seus seios lhe daria mais prazer do que ela já sonhara ser possível? Intuição feminina? Um legado de Eva? Embora soubesse dessas coisas, certamente não pode¬ria permitir que Dominic...

Todos os seus pensamentos pararam, qualquer esperança de protesto morrendo quando ele abaixou a cabeça para gen¬tilmente tomar um dos mamilos, agora pulsando, dentro do calor de sua boca. Ao mesmo tempo, a mão de Dominic curvou-se sob o seio, enquanto ele umedecia o botão dolorido com a língua quente e enviava ondas de prazer para o outro seio e para a curva suave de seu abdômen, causando umidade entre suas coxas.

Caro foi preenchida com as mais estranhas sensações, seus seios parecendo cheios e pesados sob a intimidade das carícias de Dominic, os músculos de sua barriga se comprimindo, aquele ca¬lor entre suas coxas umedecendo o local. Ela descobriu que queria apertar uma coxa contra a outra, ao mesmo tempo que queria apará-las. Queria que Dominic a tocasse lá para aliviar aquela dor também.

Suas costas se arquearam instintivamente quando uma mão grande se moveu para capturar o outro seio, a almofada macia do polegar agora manuseando o bico rijo no mesmo ritmo que a boca provocava seu gêmeo.

As carícias íntimas de Dominic haviam tido a intenção de mostrar a Caro que ela não pertencia a Londres, que não era feita para ele ou para outros homens experientes da alta socieda¬de, em vez disso, foi forçado a reconhecer que nunca provara alguma coisa tão deliciosa quanto aquele seio, o mamilo doce como mel, enquanto ele a beijava ali com ganância, a rigidez de sua ereção pulsando dentro de sua calça, testemunhando a força de sua própria excitação.

Afastou-se um pouco para olhar para aquele lindo botão saliente, provocando-o com a língua antes de mover-se para cap¬turar seu gêmeo, tomando-b na boca, antes de erguer os olhos para o rosto rubro e os olhos brilhantes de Caro.

— Diga-me como você gostaria que eu a tocasse, Caro — murmurou ele contra a carne inchada.

Dedos delgados se enterraram nos seus ombros.

— Dominic! — Foi um gemido rouco de protesto. Ele sentiu compaixão pela timidez dela.

— Você gosta disso? — Ele roçou-lhe o mamilo com o polegar.

— Sim! — exclamou ela, tremendo de prazer.

— Disso? — Dominic abaixou a boca para um dos seios novamente, mesmo enquanto abaixava a mão para o tornozelo dela, a fim de afastar o vestido de lado e começar uma carícia lenta no joelho delicado.

— Oh, sim!

— E disso? — Dominic correu a língua com movimentos re¬petitivos sobre o mamilo inchado, enquanto sua mão subia para traçar um padrão de sedução ao longo do interior da coxa delgada, o calor e umidade da pele ali lhe informando da excitação de Caro.

Nada na vida de Caro a preparara para ser tocada com tanta intimidade. Como poderia, quando ela nunca soubera da exis¬tência de tais intimidades? Intimidades tão prazerosas que ela desejou que nunca terminassem.

— Eu gostaria que você me tocasse da mesma maneira, Caro — encorajou-a Dominic com voz rouca.

Ela engoliu em seco.

— Eu... — O protesto instintivo foi interrompido quando al¬guém girou a maçaneta, num esforço de abrir a porta trancada.

— Meu lorde? — Drew Butler soava tão desaprovador quanto preocupado por sua inabilidade de entrar no próprio escritório.

Dominic virou a cabeça abruptamente em direção à porta.

— O que foi?

— Eu preciso lhe falar imediatamente, meu lorde. — O outro homem parecia tão irritado quanto Dominic.

Ele fez uma careta, mostrando seu desprazer, enquanto Caro aproveitava a distração para sair dos braços fortes, antes de se virar e abotoar a frente de seu vestido com dedos tão trêmulos que ela levou o dobro do tempo que teria levado normalmente. No que estivera pensando? Pior, quão longe teria permitido que aquelas intimidades chegassem se não fosse pela intervenção de Drew?

— Caro...

— O sr. Butler requer a sua atenção, meu lorde, não eu! — pro¬testou Caro, sentindo as faces queimarem.

Dominic olhou com preocupação para o rosto rubro e des¬concertado dela, sabendo que era, e lamentando ser, a causa de tal desconforto. Não pretendera que as coisas fossem tão longe. Apesar de ter desejado apenas demonstrar como Caro estava mal-preparada para fugir dos avanços dos cavalheiros da alta sociedade, Dominic sabia muito bem que ele correra o sério ris¬co de ultrapassar aquela linha!

— Caro...

— Sr. Butler quer lhe falar, meu lorde — relembrou-lhe ela.

Dominic andou impacientemente para a porta e destrancou-a, seu semblante se fechando quando o olhar do outro homem pas¬sou por ele e seguiu para onde Caro estava de pé, de costas para a porta. Dominic deliberadamente deu um passo ao lado, colo¬cando-se na frente da linha de visão de Drew.

— Sim?

Olhos azuis especulativos o encararam.

— Há... alguma coisa no salão principal que acho que você deveria ver.

Dominic franziu o cenho.

— Isso não pode esperar?

— Não, meu lorde, não pode — declarou Drew sem rodeios.

— Muito bem. — Ele assentiu com um gesto de cabeça, antes de virar-se para falar com Caro: — Parece que eu tenho de deixá-la por alguns minutos. Se você puder fazer a gentileza de me esperar aqui...

— Não.

Os olhos de Dominic se arregalaram.

— Não?

— Não — repetiu Caro, ainda embaraçada pelas intimidades que permitira a ele, mas determinada a não permitir que tal embaraço a fizesse fraquejar. Cuidadosamente pegou seu casaco e a boina da cadeira, onde os colocara mais cedo. — Sr. Butler, Ben está disponível para me acompanhar até em casa agora?

— Sim, ele está.

— Eu preferiria que você esperasse por mim aqui, Caro — insistiu Dominic, com firmeza.

Ela encontrou-lhe o olhar sem hesitação.

— E eu preferiria que Ben fosse a pessoa que me acompa¬nhasse até minhas acomodações.

Um nervo pulsou ao lado da cicatriz na face esquerda de Dominic.

— Por quê?

Caro desviou o olhar ao descobrir que não podia agüentar o exame profundo daqueles olhos prateados estreitos.

— Eu simplesmente prefiro a companhia dele a esta hora, meu lorde.

— Drew, você pode esperar do lado de fora por um momento, por favor? — Dominic nem mesmo esperou pela concordância do homem, antes dar um passo de volta para dentro da sala e fechar a porta com firmeza.

— Eu não tenho mais nada a lhe dizer, meu lorde...

— Dominic. Caro arfou.

— Como?

O conde deu de ombros graciosamente.

— Você não parecia ter alguma dificuldade de me chamar de Dominic minutos atrás — relembrou a ela.

O rosto de Caro queimou com mortificação quando ela se recordou das mais recentes circunstâncias sob as quais o chama¬ra pelo primeiro nome.

— Eu não quero pensar sobre isso agora...

— Não seja melodramática — interrompeu Dominic. — Ou tal¬vez você não queira pensar sobre o aspecto repulsivo de minhas cicatrizes? — A voz endureceu quando ele levou uma das mãos ao próprio rosto marcado.

— Acho que eu não sou tão covarde assim, meu lorde — pro¬testou Caro, com indignação. — Sem dúvida, você obteve esta cicatriz durante as guerras contra Napoleão.

— Sim.

Ela assentiu.

— Então seria muita ingratidão da minha parte... de qualquer mulher... ver sua cicatriz como qualquer coisa menos do que o resultado de um ato de bravura que, sem dúvida, foi.

Dominic tinha consciência de que algumas mulheres acha¬vam a cicatriz no seu rosto feia, até mesmo assustadora. Devia ter sabido que a irascível Caro era feita de material mais forte.

— Eu irei me esforçar para concluir meu assunto com Butler o mais rapidamente possível, depois do que estarei livre para acompanhá-la até sua casa. Não, por favor, não discuta mais comigo esta noite — aconselhou ele ao ver ó familiar brilho de rebelião surgir naqueles olhos verdes da cor do mar.

— O senhor é muito determinado a conseguir as coisas do seu jeito. — Ela franziu a testa em desaprovação.

E os esforços de Dominic para assustar aquela jovem mulher, a fim de fazê-la partir de Londres, tinham somente conseguido alarmar a si próprio, reconheceu com frustração.

— E se mais uma vez eu adicionar à frase: por favor?

— Então? — incentivou ela sarcasticamente, quando ele não acrescentou mais nada.

Dominic pegou-se sorrindo diante da impertinência de Caro.

— Por favor, Caro, você esperará por mim? — perguntou ele. O queixo dela permaneceu orgulhosamente alto.

— Vou considerar a idéia enquanto você conversa com o sr. Butler.

Dominic deu-lhe um último olhar exasperado antes de sair da sala com passos determinados. Esqueceu-se de tudo o mais; to¬davia de beijar e tocar Caro, da resposta dela a tais beijos e carícias, de sua própria falta de controle da situação —, no mo¬mento em que entrou no salão principal da casa de jogos e viu uma mancha de sangue, e Nathaniel Thorne... obviamente muito machucado pela luta... reclinado em um de seus sofás...

 

— Dominic, porquê...

— Agora não, por favor, Caro — interrompeu ele, enquanto permanecia pensativo, sentado na frente dela dentro da carrua¬gem iluminada por um lampião.

Não que o lampião fosse realmente necessário, o dia já tendo amanhecido, com o sol começando a aparecer acima dos telha¬dos e chaminés de Londres, no momento em que eles tinham deixado Nathaniel seguramente em sua casa. Os dois haviam permanecido tempo o bastante para vê-lo se acomodar no quar¬to, e ser atendido por diversos servos, antes de partirem.

Caro arfara, horrorizada, mais cedo, quando tinha saído do escritório de Drew e entrado no salão principal da casa de jogos para ver um grupo de homens ao redor de lorde Thorne, que estava estendido sobre um dos sofás, com sangue cobrindo grande parte do rosto e das mãos, e pingando na roupa elegante.

Não que Dominic tivesse desperdiçado tempo para notar a palidez do rosto dela ou sua expressão chocada, quando havia se virado e a visto parada ali.

— Alguém tire Caro daqui! — ordenara ele, enquanto ela con¬tinuava imóvel, chocada demais para se mexer.

— Dom...

— Fique calmo, Nate. — A voz de Dominic se suavizou ao fa¬lar com o homem ferido, parte da suavidade permanecendo na fisionomia quando ele voltou-se para Caro. — Seria muito me¬lhor para todos os envolvidos se você fosse embora, Caro.

— Eu a levarei de volta para o meu escritório — ofereceu Drew antes de atravessar o salão, segurar-lhe o braço com firmeza e praticamente arrastá-la de lá.

Ela mal ouviu as palavras de conforto do homem mais velho enquanto ele a levava para o escritório, antes de instruir Ben para permanecer de guarda do lado de fora da porta. Caro havia andado de um lado para o outro por mais de uma hora, enquanto os dois homens obviamente lidavam com o sangue e com Nathaniel Thorne... que Caro esperava com sinceridade que não estivesse muito machucado.

Dominic evitara responder quaisquer de suas perguntas quan¬do ele finalmente chegara, a fim de acompanhá-la para casa. Caro havia arfado em surpresa quando ele jogara o próprio casaco so¬bre a cabeça dela no momento em que ela estava prestes a sair.

— O que você está fazendo?

Ele facilmente detivera sua luta para se libertar.

— Continue andando para a carruagem — instruíra Dominic.

Caro tinha tirado o casaco da cabeça, impacientemente, de¬pois de entrar na carruagem. Todavia, qualquer pensamento de protesto pelos modos grosseiros com que Dominic a tratara morreram em sua garganta quando ela viu lorde Thorne recostado sobre o assento oposto, as faixas enroladas em ambas as mãos parecendo indicar que ele recebera a atenção de um médico desde que ela o vira pela última vez. O sangue havia sido limpo do rosto dele, revelando muitos cortes e manchas roxas, ferimentos que só poderiam ter sido causados por punhos e facas.

Caro tremeu agora ao se recordar da extensão dos numerosos cortes e manchas roxas, e da violência imaginada por trás deles.

— Como...?

— Eu não estou no humor de discutir mais sobre isso esta noite — interrompeu Dominic, o ataque a Nathaniel tendo sido um despertar brutal, um lembrete na hora certa de que não havia lugar em sua vida para uma mulher vulnerável como Caro.

Os olhos verde-mar o encararam de volta de forma reprovadora.

— Mas por que alguém faria uma coisa dessas com lorde Thorne?

— Eu deveria ter percebido que pedir para você ficar em si¬lêncio, mesmo por alguns minutos, era uma impossibilidade. — Dominic deu um suspiro exasperado. — A resposta simples para a sua pergunta é que eu não sei. Ainda — acrescentou ele, fechando a carranca. Mas tinha todas as intenções de descobrir quem era o responsável pelo ataque a Nathaniel e por quê.  

Caro estremeceu.

— Ele parece estar muito machucado... Dominic assentiu brevemente:

— Ele apanhou. De maneira severa e repetitiva. De quatro brutamontes usando facas, assim como seus punhos. — Ele sa¬bia, melhor do que a maioria, o quanto Nathaniel era um lutador forte, mas as probabilidades de quatro contra um, especialmente quando estes quatro estavam armados, não tinham estado a fa¬vor de seu amigo.

Ela arfou quando suas suspeitas foram confirmadas, uma das mãos se erguendo para tocar o pescoço elegante.

— Mas por quê? — Caro parecia totalmente perplexa.

Nathaniel permanecera consciente tempo o bastante para ex¬plicar que ele tinha sido atacado no momento em que saíra da casa de jogos mais cedo, os ferimentos em suas mãos causados tanto pelos socos que conseguira dar nos seus agressores quanto pelos movimentos defensivos enquanto segurara as mãos à sua frente a fim de impedir o pior do corte das facas em seu rosto. Uma vez que caíra no chão, ele não tivera mais chance, enquan¬to era chutado repetidamente, até que um dos golpes o atingira na lateral da cabeça. Depois disso, não se lembrava de mais nada, até que acordara e fora cambaleando para dentro da casa de jogos, pedir ajuda.

Considerando as probabilidades de quatro contra um, Dominic tinha certeza de que, se assassinato tivesse sido a intenção, então Nathaniel estaria morto agora. Além disso, a carteira ain¬da estivera no bolso de seu amigo quando ele recobrara a cons-ciência, e o alfinete de diamante continuava no colarinho da camisa, de modo que roubo também não era o motivo. Levando tudo isso em conta, Dominic só podia concluir que os brutamontes tinham conseguido o que queriam, e que o ataque fora algum tipo de aviso.

Mas um aviso para quem, exatamente?

As palavras de cautela que Gabriel falara para Dominic antes que ele saísse de Veneza, em relação a Nicholas Brown, o dono anterior da Nick's, haviam lhe vindo à cabeça imediatamente. Dominic tinha total ciência da reputação violenta do outro ho-mem: embora Brown se comportasse como um cavalheiro em público, privadamente era famoso por sua crueldade e jeito vingativo, a maioria de seus associados pertencendo à escória dos bairros pobres de Londres. Ademais, o outro homem não gostara nem um pouco de perder a Nick's para Dominic naquela aposta.

Quanto mais ele pensava sobre a situação — quando Caro lhe permitia tempo para pensar —, mais se convencia de que Nicholas Brown estava envolvido naquilo de alguma maneira. Que o ataque daquela noite podia não ter sido para Nathaniel em absoluto...

Dominic havia partido para Veneza apenas dias depois de ganhar a aposta que custara a Brown sua casa de jogos, somente retornando a Londres dois dias atrás, um fato que, sem dúvida, tinha chegado aos ouvidos do outro homem no dia anterior. Sendo assim, era muito provável que os quatro brutamontes esperando do lado de fora da casa de jogos tivessem presumido que o cavalheiro saindo sozinho, muito depois que o último cliente havia ido embora, com o rosto escondido, tanto pela escuridão quanto pelo chapéu sobre sua cabeça, fosse o próprio Dominic.

Ele havia discutido as possibilidades brevemente com Drew, o homem mais velho tendo concordado que seu ex-empregador era mais do que capaz de enviar alguns de seus assassinos pagos para atacar Dominic. Exceto que aqueles assassinos não tinham dado o golpe letal ao homem que atacaram. Drew levantara a possibilidade de que aquele não fosse um caso de identidade confundida, afinal de contas. Talvez Brown estivesse deliberadamente mandando machucar pessoas associadas a Dominic, tanto como uma ameaça quanto como um aviso, antes de extrair sua vingança do próprio Dominic.

Ele fez uma careta ao antecipar a reação de Caro diante do próximo assunto que eles discutiriam.

— Eu ainda não tenho idéia de por que isso aconteceu. Mas, em vista do fato de que o ataque ocorreu do lado de fora da Nick's, foi decidido que, pelos próximos dias, pelo menos, to¬dos nós, associados à casa de jogos, devemos tomar as precau¬ções necessárias.

Caro o olhou com a expressão confusa.

— Mas eu certamente não corro perigo? Ninguém, exceto você, lorde Thorne, Drew Butler e Ben Jackson viu o rosto da lady mascarada que canta na Nick's. Foi por isso que você jogou seu casaco sobre mim quando nós estávamos saindo da casa de jogos mais cedo! — percebeu ela de repente, parecendo chocada.

Dominic assentiu.

— Não é minha intenção assustá-la, Caro. — Ele franziu o cenho quando ela obviamente se assustou. — Mas, até que sai¬bamos mais, Drew e eu concordamos que a moça mascarada deve desaparecer por completo, enquanto, ao mesmo tempo, todas as precauções para garantir a segurança de Caro Morton devem ser tomadas.

— Talvez eu deva me hospedar com o sr. Butler e a família dele?

— Drew e eu descartamos essa possibilidade — explicou Do¬minic. — Infelizmente Drew e a família compartilham uma casa modesta com os pais da esposa, assim como com os pais dele, de modo que não há lugar.

— Oh. — Caro franziu o cenho. — Então talvez eu deva me mudar para o anonimato de um hotel barato...

O conde meneou a cabeça com firmeza.

— Um hotel é público demais.

Ela suspirou, frustrada diante daquela situação.

— Existe algum perigo real para mim, ou essa é apenas outra maneira de você alegar que eu não posso fazer nada além de retornar para o lugar de "onde eu vim"?

Dominic estudou-a pensativamente.

— Você até mesmo consideraria a idéia, se eu a sugerisse?

— Não — declarou ela com firmeza.

— Não — concedeu Dominic. Na verdade, essa não era mais uma opção. Se Brown realmente fosse responsável pelo ataque daquela noite, também havia a possibilidade de que já soubesse sobre a identidade da lady mascarada. Ele, sem dúvida, tinha informantes e espiões por toda parte. Sendo assim, o retorno de Caro ao lar, sem proteção, poderia colocá-la em mais perigo do que se ela permanecesse em Londres.

— Drew e eu encontramos outra solução. Caro o olhou cautelosamente.

— E qual seria?

— Que agora eu a acompanho para suas acomodações, onde você irá reunir seus pertences e retornar para Blackstone House comigo. — Não uma solução ideal, concedeu ele com honesti¬dade, mas uma que o capacitaria a garantir a segurança dela com mais facilidade. O fato de que Caro, ao mesmo tempo, estaria muito disponível para o desejo ao que ele achava cada vez mais difícil resistir era algo sobre o que tentara — e fracassara — não pensar.

Não era de admirar que Caro o estivesse olhando com tanta incredulidade!

Dominic arqueou uma sobrancelha.

— Se você escolher me acompanhar para Blackstone House, então eu farei tudo que estiver ao meu alcance para assegurar que sua estadia lá seja temporária. Se precisarmos de mais de dois ou três dias para garantir sua segurança, então eu me empenharei para encontrar acomodações alternativas para você. De qualquer forma, minha oferta de proteção é somente por conveniência. Um desejo de não encontrar um, ou mais de um, de meus empre¬gados morto perto de uma porta durante os próximos dias.

Caro sentiu-se empalidecer.

— Você acredita mesmo que aqueles brutamontes atacarão novamente? — Ela estava muito confusa sobre o que fazer. Tinha conseguido escapar de Hampshire com certa facilidade, mas co¬nhecia sua irmã mais velha bem o bastante para saber que Diana não permitiria que aquela situação continuasse por muito tem¬po. Que, apesar da carta de Caro tranquilizando-a, uma vez que Diana descobrisse que sua irmã não estava em parte alguma de Hampshire, estenderia sua busca, provavelmente até Londres.

A ira de Diana, se ela então descobrisse Caro vivendo na casa de um cavalheiro solteiro da alta sociedade britânica, seria, sem sombra de dúvida, mais do que um páreo duro para este homem arrogante!

Ela meneou a cabeça.

— Certamente o sr. Butler não concordou com este plano?

— Considerando a situação atual, Drew concordou comigo que, no momento, sua segurança é mais importante do que sua... reputação. — A boca de Dominic se torceu numa expres¬são zombeteira.

Caro balançou a cabeça.

— Eu simplesmente não posso...

— Caro, estou ficando cansado de ouvi-la dizendo o que pode e o que não pode fazer. — Ele inclinou-se para a frente no assen¬to, de modo que os rostos deles agora ficassem a centímetros de distância, seus olhos acinzentados brilhando como prata no sol fraco das primeiras horas da manhã. — Eu lhe falei sobre as es¬colhas disponíveis para você...

— Nenhuma das quais é aceitável para mim! Ele deu-lhe um sorriso duro.

— Então parece que você terá de escolher o que considera o menor dos dois males.

Caro entendia que Dominic estava chateado por causa dos ferimentos infligidos ao seu amigo naquela noite, e também por causa dos danos causados ao seu estabelecimento antes do ata¬que, que ele temia que seus empregados ou pessoas associadas à casa de jogos sofressem outro ataque. Mas, já tendo sofrido repressão durante vinte anos por amor e respeito ao seu pai, ela não pretendia acatar ordens do que podia ou não podia fazer, nem de seu guardião, nem de um homem que conhecera no dia anterior pela primeira vez.

— E se eu me recusar a fazer qualquer dessas duas coisas... voltar para minha casa ou acompanhá-lo?

Dominic tinha admirado a coragem daquela jovem desde o começo. Apreciado sua vivacidade, o fato de ela não se sentir intimidada por ele ou por seu título, assim como a disposição para discordar dele, se assim escolhesse. Mas, nesse momento, desejou que ela fosse de natureza dócil e obediente!

— É tarde, Caro... ou cedo, dependendo da perspectiva de cada um. — Ele deu um suspiro cansado. — De qualquer forma, essa foi uma noite muito longa e, como conseqüência, talvez seja melhor esperarmos até mais tarde, antes de tomarmos uma decisão mais firme. Ela assentiu.

— Então nós estamos de acordo que, uma vez que chegarmos ao meu alojamento, eu permanecerei lá até que possamos con¬versar novamente?

Caro estava tão atraente como uma velha solteirona compor¬tada naquele capuz marrom que mais uma vez escondia a maior parte de seus cabelos, decidiu Dominic de maneira desapaixo¬nada. Na verdade, ela não se parecia em nada com a deliciosa mulher seminua com quem ele fizera amor mais cedo. O que talvez fosse bom, considerando as circunstâncias! Ele pensara em lhe ensinar uma lição mais cedo, e, em vez disso, aprendera uma... Que, no mínimo, Caro Morton era um sério perigo para seu autocontrole.

— Nós não estamos de acordo com nada disso — contradisse Dominic, não se esforçando para continuar aquela discussão, mas fechando o teto da carruagem e dando instruções para que o cocheiro se dirigisse diretamente para Blackstone House. — Eu mandarei buscar suas coisas no alojamento mais tarde — infor¬mou a ela.

— Seu...

— Caro, eu já lhe assegurei que, se minhas investigações leva¬rem mais que dois ou três dias, então eu farei outros arranjos para você; deixe que esse seja o fim do assunto. — Dominic recostou-se em seu assento, uma sobrancelha escura erguida em desafio.

Um desafio que Caro retornou:

— É realmente sua intenção me apresentar... mesmo tempo¬rariamente... para as pessoas de sua casa?

— Sim — respondeu Dominic.

Ela bufou com desgosto:

— Como o quê, posso perguntar?

— Ninguém deverá pedir uma explicação. — O tom de voz dele implicava que poucas pessoas ousariam pedir uma explica¬ção ao conde de Blackstone por qualquer de suas ações. — Então eu sugiro que você seja minha prima viúva e pobre... tantas jo¬vens ficaram viúvas depois de Waterloo. Que você chegou re¬centemente do interior na carruagem da manhã, com a intenção de se hospedar em Blackstone House, enquanto eu lhe arranjo uma casa modesta em Londres.

— Sem roupas ou uma criada? — zombou Caro. Dominic deu de ombros, de forma despreocupada.

— Uma viúva pobre não tem condições de empregar uma criada até que eu arranje uma, e sua mala será entregue hoje, mais tarde.

Ela o olhou com impaciência.

— O conde de Blackstone ao menos tem uma prima viúva e pobre?

— Não.

— Você tem alguma prima?

— Não.

Ela o fitou com expressão intrigada.

— Alguma família, pelo menos?

— Nem um único membro.

Caro não podia nem imaginar uma vida sem suas duas irmãs. Certo, então colocara uma distância entre elas agora, mas isso havia sido feito com o conhecimento de que retornaria para suas irmãs assim que Gabriel Faulkner tivesse sido convencido por Diana que nenhuma das irmãs Copeland tinha a menor intenção de se casar com ele.

— Não desperdice sua piedade comigo. — O tom de voz de Dominic era carregado de aviso, quando ele obviamente viu a emoção no rosto dela. — Tendo testemunhado as complicações que pessoas com familiares próximos enfrentam, passei a considerar minha falta de parentes mais uma bênção do que uma privação.

Aquilo poderia realmente ser verdade?, perguntou-se Caro com um franzir da testa. Dominic preferia mesmo uma vida sem nenhum tipo de laços familiares? Uma existência solitária que permitia apenas alguns amigos íntimos, como lorde Thorne?

Ela não teve mais tempo de refletir sobre aquele assunto, ou sobre nenhum outro, uma vez que a carruagem parou, uma olhada para fora revelando uma casa enorme num bairro obviamente sofisticado de Londres. Mayfair, talvez. Ou St. James's? Qualquer que fosse a localização, Blackstone House era a casa mais magnífica que Caro já tinha visto na vida.

Shoreley Hall era uma casa de formato irregular, que fora erguida para o primeiro conde de Westbourne, no século XVI.

Havia sido construída de modo aleatório por sucessivos condes, até que, agora, não passava de uma monstruosidade cercada por milhares de acres de fazenda.

Em contraste, a casa de Dominic Vaughn era pintada num tom suave de creme, possuindo quatro andares, com jardins ao redor de toda a construção, cobertos por uma abundância de flores da primavera e cercado por um alto portão preto de ferro batido.

— Caro?

Ela estivera tão hipnotizada pela beleza de Blackstone House, tão maravilhada por sua grandeza que não notara que um dos cocheiros tinha aberto a porta e descido os degraus, e agora es¬tava esperando que ela descesse.

— Obrigada: — Caro aceitou a mão do jovem e desceu para o pavimento, a óbvia riqueza de Dominic tornando-a mais cons¬ciente do que nunca de sua própria aparência desmazelada e simplória.

Vaidade, sua irmã Diana teria dito. E estaria certa. Mas isso não fazia Caro se sentir melhor!

Novamente ela não teve mais tempo para protestar, quando Dominic segurou seu braço com firmeza e conduziu-a degraus acima, para a frente da casa. A porta se abriu antes que eles che¬gassem ao topo da escada — apesar de ter acabado de amanhe¬cer — por um lacaio todo uniformizado. Se ele ficou surpreso ao ver seu empregador acompanhado por uma jovem vestida de maneira desmazelada, que ele apresentou como sua prima, a sra. Morton, então o homem não demonstrou.

O interior de Blackstone House era ainda mais esplendoroso do que o exterior, se isso fosse possível. O hall de entrada pos¬suía um lindo piso de mármore, em verde e cor de creme, com quatro pilastras de alabastro de cada lado, levando à larga esca¬daria que subia para uma galeria que cercava todo o primeiro andar. Acima deles, suspenso de um teto alto e convexo, um magnífico candelabro de cristal brilhava na luz do sol. Caro teve a impressão de que o resto da casa de Dominic seria tão lindo quanto àquela parte.

— Por favor, leve a srta. Morton para a Suíte Verde, Simpson. — Dominic ignorou a expressão atônita de Caro enquanto se dirigia ao mordomo, que agora tinha aparecido ao hall de entra¬da. — E providencie quaisquer refrescos que ela pedir. — Ele virou-se, com a óbvia intenção de entregá-la aos cuidados dos servos.

— Meu lorde!

Ele estava franzindo o cenho de leve quando se virou.

— O que foi agora?

Caro nervosamente umedeceu seus lábios com a ponta da língua antes de responder:

— Eu... lembra que minha mala não chegará até mais tarde no dia de hoje...?

Dominic a olhou com expressão impaciente.

— Tenho certeza de que Simpson ficará contente em lhe providenciar qualquer coisa que você requeira. — Ele gesticulou a cabeça de modo abrupto para o mordomo, antes de virar-se e seguir o corredor para onde seu estúdio ficava situado, nos fun¬dos da casa.

Precisava de tempo para pensar. Agora que ele e Caro estavam seguramente escondidos em Blackstone House, Dominic queria tentar dar sentido a tudo que tinha ocorrido durante as ultimas horas.

E, infelizmente, reconheceu com mau humor, era incapaz de qualquer reflexão enquanto se encontrava na companhia de Caro Morton...

Foi a indignação de Caro diante da partida abrupta de Dominic que a ajudou a enfrentar os minutos seguintes, enquanto era levada para a suíte nos cômodos do primeiro andar, tal indignação não sendo amenizada pela saleta de estar particular encantadora, anexa ao espaçoso dormitório. Ambos os cômodos eram decorados em tons de creme e verde — motivo pelo qual o lugar rece¬bera o nome de Suíte Verde, sem dúvida —, com móveis cor de creme na sala e uma cama de quatro colunas combinando no quarto, a última cercada pelas mesmas cortinas brocadas em cor de creme que estavam penduradas nas enormes janelas, com vista para a frente da casa e para a praça além.

Sim, era tudo incrivelmente lindo, reconheceu ela, uma vez que foi deixada sozinha com a água quente para se lavar, e uma criada levou um bule de chá fresco para reavivar seu ânimo can¬sado. Mas a beleza ao seu redor não mudava o fato de que ela não deveria estar lá.

Fugir de Londres e atuar como Caro Morton, a fim de evitar a proposta de casamento de seu guardião, era uma coisa, mas mudar a possibilidade de algum dia ser encontrada como lady Caroline Copeland era outra muito distinta, e certamente isso nunca entrara em seus planos feitos de maneira apressada.

Aquilo também não era parte de seus planos agora. Apenas porque Dominic escolhera levá-la para lá, supostamente para sua própria proteção, não significava que Caro tinha de perma¬necer lá. Sendo assim, fugiria na primeira oportunidade...

— Eu a aconselharia seriamente contra isso...

Caro levou um susto tão grande ao ouvir a voz suave de Do¬minic atrás de si que quase derrubou a xícara que segurava entre as duas mãos. Um pouco do chá quente entornou e espirrou nos seus dedos no momento em que ela virou-se para encontrá-lo junto à porta aberta da saleta de estar.

— Você me aconselharia contra o quê, posso saber? — deman¬dou ela mal-humorada, enquanto colocava a xícara de volta no pires, antes de inspecionar seus dedos escaldados.

— O que você fez agora? — A preocupação podia ser ouvida no timbre profundo da voz de Dominic Vaughn quando ele jo¬gou alguma coisa sobre uma cadeira, então atravessou o quarto na sua direção.

Caro virou-se para encará-lo ao mesmo tempo que uniu as mãos nas costas.

— O que eu fiz? Foi você quem me assustou e me fez derra¬mar o chá!

— Deixe-me ver suas mãos. — Aqueles olhos prateados bri¬lharam, mesmo enquanto ele alcançava a parte de trás dela para abrir as mãos de Caro com facilidade, antes de trazê-Ias para a frente, a fim de examiná-las.

O protesto de Caro morreu na garganta quando ela viu como suas mãos eram alvas e pequenas aninhadas contra aquelas, muito maiores. Ele também estava perto demais, percebeu ela um pouco ofegante, a luz do candelabro dando aquele tom azu-lado aos cabelos pretos de Dominic, enquanto ele se inclinava sobre ela, as feições fortes e bonitas realçadas pela luz das velas.

— Por que você está aqui, Dominic?

— Por quê? — Ele não podia mais se lembrar da razão pela qual estava ali, uma vez que seu corpo estava reagindo fortemente diante do jeito como ela falou seu nome, com a voz tão rouca. Sentiu o peito se apertar, a excitação crescer dentro de sua calça.

— Eu certamente não vim com a intenção de machucá-la — murmurou Dominic, erguendo-lhe uma das mãos para traçar sua língua lentamente sobre a pele vermelha, mesmo enquanto lhe prendia o olhar.

— Eu... foi um acidente. — Os lábios de Caro estavam entreabertos, a respiração, ofegante.

— Um que não teria acontecido se eu não tivesse assustado você — desculpou-se ele, enquanto continuava deslizando a língua contra a pele suave de Caro. O pescoço delgado moveu-se convulsivamente.

— Eu... acho que minha mão está melhor agora, meu lorde. — Mas ela não se esforçou para liberar os dedos da mão de Dominic ou das atenções daqueles lábios e língua quentes. O gosto dela era... delicioso, reconheceu ele, excitado, enquanto depositava beijos delicados entre cada dedo, o tremor da pequena mão que segurava em sua palma uma indicação do prazer que Caro sentia com suas carícias.

As coxas de Dominic doíam agora, pulsavam, sua ereção mais potente pelo ato erótico de beijar os dedos de Caro do que ele jamais experimentara sob a atenção das cortesãs mais habilidosas.

Caro removera o casaco e o capuz desde a última vez em que ele a vira, e diversos cachos dourados haviam escapado do confinamento dos grampos, e agora brilhavam lindamente na luz suave das velas. Os olhos verde-mar tinham escurecido, as faces estavam levemente rubras, os lábios carnudos, entreabertos, como se esperando para ser beijados.

Ela recolheu a mão agora, antes de dar um passo atrás, os olhos verdes arregalados com alarme.

— Acredito que nós já concordamos que eu não tenho a me¬nor intenção de me tornar sua amante, meu lorde.

Dominic respirou fundo diversas vezes para se controlar, e reconheceu que uma vez tinha caído sob o feitiço sensual da¬quela mulher. Uma mulher que se recusava a lhe contar qual¬quer coisa sobre si mesma além do próprio nome... e ele suspei¬tava que até mesmo isso era uma invenção!

Ele meneou a cabeça de leve quando endireitou o corpo.

— Pelo fato de Butler e Jackson não se esforçarem para escon¬der o quanto a admiram, parece, Caro, que você está sob a falsa impressão de que todos os homens que a conhecerem devem ne¬cessariamente ficar tão impressionados quanto eles — murmurou Dominic com zombaria.

O rosto de Caro enrubesceu violentamente perante a acusação.

— E claro que eu não...

— Talvez isso seja bom. — Ele a fitou de modo arrogan¬te. — Eu lhe asseguro, meu próprio gosto saturado requer um pouco mais de estímulo do que o toque dos dedos de uma mu¬lher... Principalmente de uma mulher cujo gosto para moda com certeza faria uma freira chorar! — Aqueles olhos prateados a percorreram com expressão crítica.

Caro não sabia por que, mas sentia que ele estava sendo deliberadamente cruel com ela. Não que seu vestido verde fosse menos feio do que o marrom que usara na noite anterior, porque ela sabia que ambos eram feios. Mas esse tinha sido o propósito de comprá-los, não tinha? Além do mais, Dominic não parecera achar seu vestido tão horrível quando provocara seus sentidos mais cedo com beijos e toques!

— Eu escolho meus vestidos para atender aos meus propósi¬tos, e não aos seus, meu lorde — disse ela calmamente.

— Suas escolhas são deploráveis. — Ele curvou o lábio superior num sorriso irônico. — Providenciarei para que uma costureira ve¬nha lhe visitar mais tarde. Esperançosamente ela terá alguns ves¬tidos adequados prontos que possam ser alterados para lhe servir, mas você também precisará escolher tecidos para alguns vestidos de noite. — Ele fez uma careta. — Se eu devo tê-la como hóspede cm minha casa pelos próximos dias, então posso ao menos garan¬tir que você seja uma hóspede agradável aos olhos.

— Eu sou sua hóspede a contragosto, lembra?

Dominic deu de ombros.

— Seus motivos para estar aqui não importam... o mais im¬portante é não ter os meus sentidos delicados constantemente ofendidos por sua aparência desmazelada, mesmo durante o curto período que você ficará aqui! — Ele estava sendo delibera-damente cruel, sabia. Porque não tinha se importado mais cedo, ou mesmo um minutos atrás, em quão desmazelado era o vestido de Caro, ou nem sequer com quem ela poderia ser; estivera apenas interessado nas curvas tentadoras sob o corpo sedoso que sabia estar por baixo daquele vestido.

Aqueles olhos verde-mar reluziram para ele com raiva agora.

— Você é ofensivo, senhor!

Dominic pareceu completamente inabalado pela irritação dela.

— Se você escolhe achar a verdade ofensiva, então quem sou eu para discutir? — Ele vírou-se a fim de andar para a porta, parando no meio do quarto quando o traje que jogara sobre a cadeira chamou sua atenção. — Considerando sua reticência mais cedo, ocorreu-me que você poderia se sentir desconfortável em pedir que Simpson lhe providenciasse alguma coisa adequada para dormir, então eu lhe trouxe isto. — Ele indicou o penhoar branco sobre a cadeira.

O pensamento era gentil, reconheceu Caro... O método de conceder tal gentileza, não era! Ela também não apreciara o fato de que Dominic Vaughn tivesse arranjado uma costureira para visitá-la mais tarde naquele dia.

— Eu não poderia... — Caro parou abruptamente, lembrando-se do comentário desdenhoso dele quando ela declarara o que poderia e não poderia permitir. — Lamento, mas, no que diz res¬peito às minhas roupas, seus "sentidos delicados" terão de con¬tinuar sendo ofendidos, meu lorde!

Ele a olhou com incredulidade.

— Você está dizendo que não gosta de vestidos bonitos?

É claro que ela gostava de vestidos bonitos... secretamente não desejava todos os lindos vestidos que tinha deixado para trás em Shoreley hall? Mesmo que somente para usar um deles e mostrar a Dominic Vaughn como possuía bom gosto para moda!

Mas não desejava aqueles tecidos de seda e renda o bastante para concordar em receber uma costureira lá... quase como se estivesse prestes a se tornar amante de Dominic!

— Não no momento — disse ela de forma desonesta, apenas percebendo o erro de responder tão sem cuidado quando viu os olhos do conde se estreitarem com astúcia.

— E por que isso, Caro? — perguntou ele lentamente. — Tal¬vez porque você se considere menos notável nestes vestidos sem graça?

Caro empinou o nariz diante da descrição. .

— Informo-lhe que estes vestidos me custaram diversas mo¬edas britânicas.

— Então dinheiro foi obviamente desperdiçado — murmurou ele, antes de acrescentar com suavidade: — Eu devo lhe avisar, Caro, que cada tentativa sua de esconder sua verdadeira identi¬dade de mim apenas me deixa mais curioso para descobrir o que você está escondendo, ou de quem está se escondendo...

Um arrepio de apreensão percorreu a coluna dela.

— O senhor está imaginando coisas! — Seu desdém soou in¬sincero até mesmo para seus próprios ouvidos.

— Veremos — disse Dominic, então continuou sua caminhada para a porta, antes de olhar para trás brevemente. — Posso acre¬ditar que você manterá em mente o que eu lhe disse mais cedo?

Caro deu um suspiro cansado, tão exausta agora quanto ele alegara estar, mais cedo.

— Você me disse tantas coisas esta noite... a que conselho sábio se refere?

— Eu também pareço recordar que nós falamos muitas coisas um para o outro... e a maioria delas rude. — A boca do conde se torceu numa expressão aborrecida. — Mas o conselho ao qual me refiro agora é que você não tente ir embora daqui sem o meu conhecimento. Como falei, não quero assustá-la — acrescentou ele com mais gentileza, quando ela ficou visivelmente tensa. — Mas, até que eu saiba mais sobre os eventos desta noite, não posso enfatizar o bastante sua necessidade de cautela.

A garganta de Caro moveu-se convulsivamente quando ela engoliu em seco.

— Verdade?

— Verdade — ecoou Dominic com tristeza.

Caro pôde apenas permanecer entorpecida e silenciosa, de¬pois que Dominic saiu e fechou-a porta, as paredes do quarto instantaneamente parecendo se fechar ao seu redor, mantendo-a cativa do lugar.

Não... mantendo-a cativa, a contragosto, de lorde Dominic Vaughn...

 

Caro acordou descansada, um sorriso curvando seus lábios ao sentir o sol batendo em seu rosto, enquanto ela permanecia aconchegada debaixo do calor das cobertas. Um sorriso que de¬sapareceu assim que se lembrou de onde estava. Ou, mais exa¬tamente, a quem pertencia a cama na qual estava dormindo. Ao arrogante homem de olhos prateados, lorde Dominic Vaughn, conde de Blackstone!

Ela abriu os olhos e olhou ao redor, alarmada, enquanto ten¬tava calcular que hora do dia seria. O sol não estivera banhando o quarto quando Caro pegara no sono mais cedo, mas agora o espaço estava totalmente claro e quente, significando que ela devia ter dormido por diversas horas, pelo menos.

Dormir durante o dia lhe parecera decadente uma semana atrás, mas logo descobrira que era impossível fazer qualquer outra coisa, quando a casa de jogos não abriria até...

Não, a Nick's não abriria por diversos dias, segundo Domi¬nic, o que significava que Caro não poderia trabalhar lá durante as noites também. Possuía dinheiro suficiente por enquanto, cortesia de Drew Butler, que lhe pagara quando ela chegara para trabalhar na noite anterior. Mas como iria preencher seu tempo agora, encarcerada em Blackstone House por vários dias?

Caro sempre desgostara das tarefas usuais que eram espera¬das das mulheres de sua classe; seu trabalho de bordado era sem definição, e ela não tinha talento para desenhar ou pintar. Mon¬tava bem, mas duvidava de que apreciasse a quietude de andar a cavalo nos parques de Londres. Talvez Dominic tivesse uma biblioteca decente que ela pudesse explorar? Caro sempre gos¬tara de ler...

O que estava fazendo?, perguntou-se com desgosto. Como tinha percebido mais cedo naquela manhã, não era uma hóspede lá, mas sim uma prisioneira, mesmo que numa gaiola de ouro, até que Dominic Vaughn considerasse sua partida segura.

Ela afastou as cobertas com impaciência, e levou as pernas ao chão antes de se levantar, apenas para se tornar instantanea¬mente ciente do traje que o conde lhe providenciara para dormir. Branco, batendo quase abaixo de seus joelhos, com botões que iam do meio de seu peito ao pescoço, e abotoaduras nas mangas compridas, aquilo só podia ser uma das camisas de pijama do próprio Dominic.

Uma camisa de seda branca muito sensual de um cavalheiro depravado. Um traje quê, uma vez que foi deslizado pelo corpo nu de Caro, evocou pensamentos igualmente depravados sobre o cavalheiro a quem pertencia...

Caro sentou-se na lateral da cama quando se recordou da natureza libidinosa de seus pensamentos antes de adormecer. De como aquelas lembranças, dos lábios e língua de Dominic sobre os seios nus os fizeram inchar mais uma vez, os bicos se tor-nando rijos e salientes, provocando umidade entre suas coxas e uma onda de prazer tão forte que ela teve de apertar uma perna a outra e...

— A senhora está finalmente acordada. — Uma jovem criada tinha inclinado a cabeça ao redor da porta entreaberta, mas abriu-a por inteiro agora, antes de desaparecer no corredor por diversos segundos.

Segundos suficientes, felizmente, para que Caro voltasse a entrar debaixo das cobertas e puxá-las até o queixo, antes que a criada reaparecesse, carregando uma bandeja de prata, so¬bre a qual ela esperou muito que tivesse chá e torradas, pois não comia há algum tempo, e apenas o pensamento de comida fez seu estômago roncar de maneira nada elegante. Ela fez uma careta, sentindo-se encabulada, enquanto a empregada sorri¬dente abria pequenas pernas sob a bandeja, antes de posicioná-la sobre as coxas de Caro por cima das cobertas.

Não havia apenas chá e torradas, percebeu Caro com avidez, mas dois ovos fritos e diversas fatias de presunto de cheiro doce.

— Isto parece delicioso.

— Tenho certeza de que está, senhora. — A garota curvou-se numa reverência. — O lorde certamente tem a melhor cozinheira de Londres.

Infelizmente o apetite de Caro de súbito desapareceu. O con¬tínuo uso do título "senhora" por parte da criada era um lembre¬te de que ela deveria fingir ser a prima pobre e viúva de Dominic Vaughn, uma mentira que não lhe agradava nem um pouco. Ela não queria estar conectada a Dominic de nenhuma maneira, nem mesmo numa farsa.

— Coma, senhora — encorajou-a a criada alegremente, en¬quanto permanecia ao lado da cama. — A costureira está espe¬rando no andar de baixo por algum tempo.

A costureira que Caro dissera ao conde que não queria. De¬veria ter sabido que o homem arrogante desconsideraria sua ins¬trução. Assim como ela pretendia desconsiderar a dele!

Caro sorriu para a criada.

— Qual é o seu nome, querida?

— Mabel, senhora. Caro assentiu.

— Então, Mabel, você poderia descer e informar à costureira que houve um engano...

— Não houve engano algum, Caro — declarou Dominic en¬quanto entrava sem ser convidado, atravessando o quarto com os pés calçados com botas, até que estivesse ao lado da cama, olhando sarcasticamente para o rosto vermelho de Caro. Aque¬les olhos acinzentados a percorreram sem misericórdia, antes que ele se voltasse para a jovem criada. — Isso é tudo, obrigado.

— Meu lorde. Senhora. — A garota fez uma reverência para ambos antes de se apressar para fora do quarto.

Caro desejou que pudesse escapar com Mabel, mas, em vez disso, mais uma vez se encontrou sendo o foco daqueles olhos gelados cor de prata, enquanto o conde permanecia parado ao lado da cama, alto e dominante. E muito lindo, pensou ela, em calça caqui, camisa branca e um casaco preto que enfatizava a largura daqueles ombros poderosos.

A camisa branca era, sem dúvida, parecida com aquela que ela agora usava como camisola!

— Primo da viúva pobre ou não, eu não acredito que isso lhe dê o direito de entrar no meu quarto sem ser convidado, meu lorde — censurou Caro, quando finalmente conseguiu recuperar o fôlego.

Dominic não pôde evitar admirar como Caro estava linda com seus cachos dourados espalhados sobre o travesseiro, os seios firmes cobertos apenas pela seda branca de uma de suas próprias camisas, os bicos sobressaindo-se através do tecido fino.

Seu maxilar enrijeceu agora, quando ele mais uma vez resistiu à vontade de afastar aquele tecido de lado e deleitar-se nos botões firmes e tentadores.

— Coma, Caro. A costureira não tem o dia inteiro para perder, enquanto você continua descansando na cama preguiçosamente.

As faces dela enrubesceram de raiva.

— Recordo-me distintamente de ter lhe dito que eu não quero os serviços de uma costureira.

— E me recordo distintamente de ter lhe dito que eu me recu¬so a vê-la num daqueles vestidos desmazelados por mais um momento. — Dominic abaixou-se para pegar uma fatia de pre¬sunto da bandeja depois de fazer seu anúncio.

Caro descobriu seu olhar fixo nos lábios esculpidos de Domi¬nic, enquanto ele saboreava o presunto de cheiro delicioso, in¬certa se a água que se formou de súbito em sua boca devia-se à tentação do presunto ou à sensualidade inesperada de observar Dominic comer...

Aqueles lábios tinham estado em seus seios apenas horas atrás, a língua que ele agora usava para umedecê-los traçara um deleitoso padrão de prazer sobre sua pele.

Ela desviou o olhar do rosto perigosamente bonito do conde quando o conteúdo da bandeja posicionada contra suas coxas balançou no ritmo de sua consciência trêmula.

— Eu perdi o apetite. — Seus dedos se curvaram nas alças da bandeja quando Caro tentou removê-la de seu colo.

— Cuidado! — Dominic Vaughn tirou a bandeja de seus dedos trêmulos e colocou-a sobre a penteadeira, antes de virar-se para encará-la, o sol que se infiltrava pela janela dando aos cabelos pretos a aparência de uma asa de ave de rapina, enquanto os olhos prateados a fitavam com expressão crítica. — Falando como um homem que prefere um pouco mais de carne sobre os ossos das mulheres com quem dorme, acredito que você precisa comer mais — finalmente murmurou ele.

Caro ergueu o queixo em desafio.

— Falando como uma mulher que não tem interesse em suas preferências em relação "às mulheres com quem você dorme", eu prefiro continuar exatamente como sou, muito obrigada!

Dominic deu um sorriso apreciativo. Caro obviamente não perdera seu jeito irascível desde que ele a vira pela última vez, algumas horas antes.

Horas que haviam sido movimentadas para ele, uma vez que primeiro contatara alguns de seus ex-companheiros de exército, agora civis, a fim de lhes dar a tarefa de investigar as negocia¬ções de Nicholas Brown durante os últimos dias, antes de discu¬tir assuntos domésticos com seus empregados, e depois retornar à casa de Nathaniel para ver como seu amigo estava. A boca de Dominic se apertou com tristeza ao pensar no desconforto e ób¬via dor do outro homem.

— Antes que você dispense a costureira de maneira tão arbi¬trária, creio que deveria saber que, quando suas coisas foram trazidas de seu alojamento mais cedo, eu imediatamente instruí uma das criadas para colocar todos os vestidos dentro do incine-rador — anunciou ele com satisfação.

Caro arfou.

— Todos eles?

— Todos.

O olhar atônito de Caro foi para a cadeira onde ela colocara seu vestido verde mais cedo, apenas para descobrir a cadeira vazia agora, exceto por suas roupas de baixo. — E, se o conde realmente mandara queimar todos os seus vestidos, então de¬via ter incluído os três lindos vestidos de noite que ela levara de Londres duas semanas atrás. Voltou-se para ele de modo acusatório.

— Você não tinha o direito de tocar em minhas coisas!

— Você estava se recusando a substituí-los. — Dominic deu de ombros num gesto apologético. — Pareceu mais fácil deixá-la sem escolha na questão do que continuar discutindo o ponto.

Os olhos verdes faiscaram com indignação.

— E suponho que devo descer para ir ao encontro da costurei¬ra apenas em minha combinação?

Aquele era um pensamento agradável, mesmo que não fosse prático, aceitou Dominic.

— Ela virá aqui em cima ao seu encontro, é claro. Com, devo adicionar, pelo menos dois vestidos que você será capaz de usar imediatamente. — Ele tinha instruído a costureira pessoalmente para levar um vestido verde-mar e um cor-de-rosa... um que o lembrava os olhos de Caro, e outro que o lembrava os bicos dos seios dela quando excitados.

— Você recebeu notícias sobre o estado de lorde Thorne?

Os pensamentos de Dominic sobre como a aparência de Caro mudaria foram completamente dissipados com o lembrete do ataque a um de seus dois melhores amigos. Não que ele al¬gum dia seria capaz de esquecer aquele primeiro momento, quando vira Osbourne coberto em sangue nas primeiras horas daquela manhã.

Como poderia, quando esse era um lembrete vivo das últimas lembranças que Dominic tinha de sua mãe, há 16 anos?

Ele afastou-se da cama para parar diante de uma das janelas, suas costas para o quarto, as mãos unidas com força nas costas, enquanto lutava para reprimir tais lembranças. Lembranças que haviam voltado muito vividamente depois que Caro o questio¬nara sobre sua família...

Dominic respirou fundo antes de responder:

— Eu fiz melhor do que isso; fui visitá-lo. — Ele então expli¬cou que a tia de Nathaniel, a sra. Gertrude Wilson, tendo ficado sabendo que o sobrinho sofrera ferimentos e estava confinado à cama, não perdera tempo em enviar o próprio médico para vê-lo, e pretendia remover Osbourne para sua casa na St. James 's Square naquela mesma tarde. Uma ocorrência que ajudara a de¬terminação de Dominic em assegurar a futura proteção de seu amigo.

Dominic esperava ter algumas notícias, mais tarde naquele dia, referentes à investigação sobre o ataque da noite anterior, mas, se tal investigação se provasse inútil, então ele tinha seus próprios planos para aquela noite, que poderiam lhe dar algu¬mas das respostas, senão todas.

— E? — perguntou Caro com preocupação, ao perceber o si¬lêncio tenso de Dominic.

— E o médico descobriu que ele tem duas costelas quebradas para acompanhar os muitos cortes e manchas roxas.

Caro sabia, pelo tom duro na voz de Dominic, que ele não estava nem um pouco feliz com a notícia das condições de seu amigo.

— Eu tenho certeza de que ele se recuperará completamente, meu lorde.

Ele não pareceu confortado por sua tentativa de tranquilizá-lo.

— Tem?

— Ele é jovem e saudável. — Caro assentiu. — Agora, se... se você não se importa, eu gostaria de sair da cama. — Ela não tive¬ra tempo de fazer a higiene matinal antes que seu quarto fosse invadido, primeiro pela criada e depois por Dominic Vaughn, e tal necessidade estava se tornando maior a cada momento.

Ele arqueou as sobrancelhas escuras.

— Eu não sabia que a estava impedindo de fazer isso.

— Você sabe muito bem que sua presença aqui está me impe¬dindo de sair da cama.

Dominic deu uma risada incrédula.

— Você se expôs numa casa de jogos pela última semana, na frente de dúzias de homens, mas agora objeta por eu vê-la vestida com uma de minhas próprias camisas?

Caro franziu o cenho.

— O vestido que eu usava naquelas performances me cobria do pescoço aos pés.

— E, mais ainda por causa disso, despertava o interesse e a excitação da audiência!

O vestido tinha despertado o interesse e a excitação de Domi¬nic?, perguntou-se Caro sem fôlego. Obviamente alguma coisa linha, se a paixão mais cedo naquela manhã fosse alguma indi¬cação. Uma paixão à qual correspondera de um jeito que ainda a fazia enrubescer.

— Então parece que, quanto antes eu estiver vestida num de meus novos trajes, melhor será para todos.

A boca maravilhosa de Dominic se curvou num sorriso.

— Você se recuperou suficientemente de seu ultraje anterior para agora aceitar os vestidos novos?

Caro empertigou-se.

— Eu acredito que seja mais uma questão de ter pouca esco¬lha, uma vez que você mandou queimar todos os meus vestidos. Se não aceitasse os vestidos novos, eu me tornaria uma prisio¬neira deste quarto, em vez de apenas prisioneira da casa, não é?

Ele enrijeceu.

— Você não é prisioneira aqui, Caro. Apenas tome a precau¬ção de ser acompanhada, se decidir sair.

— Eu nem mesmo sei onde "aqui" é — retrucou ela causticamente.

— Blackstone House fica em Mayfair — explicou ele. — E, as¬sim que você estiver vestida, e a costureira tiver ido embora, eu ficarei feliz em levá-la para um passeio em minha carruagem.

— Acompanhada pela criada que eu não tenho? — devolveu ela com sarcasmo.

— As pessoas pensam que nós somos primos, Caro — relem¬brou-a Dominic secamente. — Dar tanta importância às regras de etiqueta seria bobagem.

— Neste caso, se você pedir que a costureira suba agora, eu gostaria muito de sair para um passeio.

O tom de voz dela, notou Dominic, era quase tão imperioso quanto o da tia Gertrude de Osbourne. Mais uma evidência de que Caro Morton era uma mulher acostumada a instruir seus próprios criados e ter tais instruções obedecidas. Porque ela era, de fato, uma lady de alto nível?

Dominic atravessou o quarto para mais uma vez parar ao lado da cama.

— Já considerou a possibilidade, Caro, de que eu seria mais... afável, se você não me desafiasse o tempo inteiro?

— Eu considerei, meu lorde... com a mesma rapidez com que descartei a possibilidade. — Ela o encarou com expressão desa¬fiadora. — Isso vai totalmente contra a minha natureza, entende?

Dominic não pôde conter uma risada, enquanto a olhava com admiração. Não, ele nunca ficava entediado na companhia de Caro, mesmo quando não a estava beijando e tocando!

— Providenciarei para que a carruagem seja trazida dentro de uma hora. — Ele curvou-se numa breve reverência antes de sair do quarto.

Caro não se moveu por diversos minutos depois que Dominic saiu, ainda levemente ofegante pela transformação que testemunhara nas feições austeras quando ele rira. O brilho naqueles olhos prateados havia se tomado caloroso, e a curva dos lábios esculpidos revelara dentes brancos e perfeitos. Até mes¬mo a cicatriz profunda na face esquerda suavizara. O rosto intei¬ro se tornara tão devastadoramente bonito que apenas olhá-lo linha lhe roubado o fôlego...

 

— Relaxe, Caro — murmurou Dominic suavemente para ela, que estava sentada tensa ao seu lado, enquanto ele controlava as rédeas do coche de duas rodas, seus dois cavalos favoritos per¬correndo, com energia, o parque ensolarado. — A essa hora ama-nhã, toda a sociedade estará ansiosa para saber quem era a linda lady passeando no parque com Blackstone em seu coche. — E ela realmente parecia uma lady de alto nível em seu vestido cor-de-rosa e capuz combinando, com diversos cachos dourados emoldurando a beleza delicada do rosto e as mãos cobertas por luvas cor de creme.

— Como as pessoas ficarão desapontadas quando descobri¬rem que é somente sua prima pobre e viúva do interior — repli¬cou ela com sarcasmo. — E a última coisa que eu quero é me tornar o assunto da sociedade londrina — acrescentou ela, com um delicado tremor.

Era tarde demais para aquilo, pensou Dominic, sabendo que muitos membros da sociedade britânica, pelo menos, haviam discutido avidamente sobre a mulher mascarada que cantara na Nick's pela última semana! Não que algum daqueles homens fosse capaz de reconhecer a mulher loira sentada de modo tão comportado ao seu lado na carruagem como a mesma sereia mascarada de cabelos cor de ébano que os havia entretido na Nick's. Diversos destes cavalheiros já tinham cumprimentado Dominic enquanto passavam em suas próprias carruagens, sem o menor brilho de reconhecimento em suas expressões ao olha¬rem para a linda mulher de cabelos dourados ao seu lado.

— Uma mulher bonita, pobre ou não, é sempre fonte de fofo¬ca entre os nossos membros — apontou ele.

Caro o fitou sob longos cílios dourados, notando quão facil¬mente ele mantinha os dois cavalos de cor cinza num trote con¬trolado, enquanto conduzia seu coche elegante através do par¬que. Ela também notara os olhos de admiração enviados na direção dele por todas as ladies em carruagens que passavam, antes que aqueles olhares cobiçosos se voltassem friamente para Caro, sem dúvida devido ao fato de que era ela quem esta¬va sentada ao lado do elegível conde de Blackstone em sua carruagem.

Usar um lindo vestido e passear no parque de Londres numa carruagem sofisticada, com um homem incrivelmente bonito ao seu lado, havia sido um dos sonhos de Caro por muito tempo. Mas, naqueles sonhos infantis, o homem estava apaixonado por ela, algo que sabia que nunca aconteceria com Dominic.

Admitidamente as circunstâncias nas quais eles tinham se conhecido estavam longe de ser ideais, mas, se lady Caroline Copeland e lorde Dominic Vaughn, conde de Blackstone, tives¬sem se conhecido num salão social de Londres, ele com certeza teria se comportado de maneira mais cautelosa em relação a ela.

Exceto que ela não era, neste momento, lady Caroline Cope¬land, e o jeito casual do conde em relação a ela refletia tal fato.

— Acho que eu gostaria de voltar para Blackstone House agora, por favor — disse ela, tensa.

Dominic olhou para Caro, franzindo o cenho de leve ao ver como os cílios dela estavam estranhamente baixos.

— Há um cobertor ao seu lado, se você estiver ficando com frio.

— Eu não estou nem um pouco com frio; apenas prefiro ir embora agora. — A voz de Caro era suave e rouca, porém deter¬minada.

Dominic transferiu ambas as rédeas para sua mão direita, an¬tes de estender a esquerda para erguer o queixo de Caro, de modo que pudesse ver-lhe o rosto. Em vez de o passeio tê-la revigorado, Caro parecia ter empalidecido, e, a menos que esti¬vesse enganado, o brilho nos olhos verdes não se devia à usual rebelião dela.

— Você está prestes a chorar? — A voz de Dominic transpare¬ceu a mesma incredulidade que ele sentia.

— É claro que não! — Ela afastou o queixo da mão dele e virou-se. — Eu apenas quero voltar para casa, nada mais. Para Blackstone House, eu quis dizer — acrescentou, de forma de¬sajeitada.

Dominic sabia exatamente o que Caro quisera dizer. Estra¬nho, em todos aqueles anos que vinha sendo o conde de Blacks¬tone, nunca considerara nenhuma de suas casas ou fazendas como sendo seu lar... Como poderia, quando todas as proprie¬dades eram lembretes de pais que haviam falecido quando ele tinha somente 12 anos?

Ou como, quando, juntamente com tais lembranças, vinha o terrível lembrete de sua participação na morte deles? Lembran¬ças que, no geral, permaneciam reprimidas, mas que o vinham perseguindo nas últimas horas...

— É claro. — Dominic assentiu com um breve gesto da cabe¬ça antes de virar os cavalos cinzentos na frente do coche, e con¬duzi-los de volta para Blackstone House. — Talvez você deva ir para seu quarto e descansar antes do jantar.

— Eu apenas enjoei de passear no parque, Dominic, não estou decrépita.

Ele sorriu em apreciação quando Caro respondeu com sua usual maneira irritadiça, todos os traços do que ele pensara se¬rem lágrimas tendo desaparecido agora.

— Eu lhe garanto, Caro, que não a teria trazido para cá se a considerasse decrépita.

— Isso é porque somente as mulheres que você considera bo¬nitas são permitidas em sua carruagem? — perguntou ela, fitando-o com uma expressão zombeteira na boca.

Dominic queria muito beijar aquela boca e fazer tal expres¬são sumir. Ora, não quisera nada mais do que beijá-la novamen¬te desde que Caro tinha aparecido no andar de baixo mais cedo, deslumbrante no novo vestido cor-de-rosa.

— Nenhuma mulher, bonita ou não, já foi convidada a me acompanhar no parque em meu coche antes de hoje — admitiu ele, após um momento de silêncio.

Ela o estudou com curiosidade.

— Eu devo me sentir lisonjeada?

— Você se sente? — perguntou Dominic.

— Nem um pouco — replicou ela, com seu usual jeito irascível. — Sem dúvida, no que diz respeito aos cavalheiros da alta sociedade britânica, pelo menos se eles acreditarem que você tem a lady mascarada de cabelos cor de ébano em sua cama de noite, e a lady de cabelos dourados em seu coche de dia, isso somente aumentará sua reputação já considerável.

Dominic enviou-lhe um olhar zombeteiro.

— Sem dúvida — concordou ele. Os olhos verdes de Caro brilharam.

— Você... Dominic, há um cachorro prestes a atravessar na frente da carruagem! — Ela agarrou-lhe o braço, levantando-se parcialmente do seu assento quando uma criatura branca peluda correu bem na frente dos cascos dos cavalos, que agora empina-ram, seguido por uma jovem garota num chapéu de palha, que parecia ser tão descuidada com seu próprio bem-estar quanto o cachorro, quando ela por pouco evitou ser atropelada pelos cavalos, antes de seguir o animal para a grama, sem ao menos uma olhada para os ocupantes da carruagem.

Dominic necessitou de diversos minutos para controlar os cavalos assustados, e, quando conseguiu, a garota e o cachorro haviam desaparecido completamente, deixando Caro com a es¬tranha impressão de que a jovem garota de chapéu de palha se parecia notavelmente com sua irmã mais nova, Elizabeth!

 

— Traga uísque para a biblioteca, por favor, Simpson. — Dominic instruiu o mordomo enquanto segurava o braço de Caro com firmeza, incerto se ela poderia desmaiar ou não aos seus pés, se ele não a segurasse.

Admitidamente, o quase desastre no parque tinha sido moti¬vo de preocupação por vários segundos, mas, mesmo assim, ele ficara surpreso ao ver Caro tão branca e tremendo após o evento. Ora, ela ainda estava branca e tremendo!

Dominic apertou-lhe mais o braço.

— Imediatamente, por favor — falou ele para o mordomo, an¬tes de levar Caro para a biblioteca e fechar a porta contra olhos curiosos. Conduziu-a gentilmente para o outro lado da sala e acomodou-a numa poltrona ao lado da lareira.

No geral, teria ficado impaciente com uma crise de nervos de uma mulher. Todavia, já tendo testemunhado a força de Caro diversas vezes — quando deparada com os três jovens bêbados e rudes, no meio de uma briga, e então novamente, quando Osbourne havia levado uma surra daqueles quatro brutamontes —, Dominic podia apenas experimentar a preocupação que um in¬cidente pequeno, tal como aquele que acabara de acontecer no parque, abalara Caro com tanta intensidade.

Ele agachou-se ao lado da cadeira na qual ela estava sentada agora, antes de cobrir-lhe as mãos unidas e trêmulas com uma das suas.

— Nenhum dano foi causado, Caro. Na verdade, creio que aquela jovem garota estava completamente inconsciente do quase acidente que causou.

A jovem garota que lembrara tanto Caro de sua irmã mais nova, Elizabeth...

Pois não podia realmente ter sido Elizabeth, podia? Não, a garota de cabelos cor de ébano num vestido azul e chapéu de palha não podia ser Elizabeth, apenas alguém que se parecia com ela... porque Elizabeth estava seguramente escondida em Shoreley hall com a irmã delas, Diana.

Caro vinha repetindo isso para si mesma durante os dez mi¬nutos que o trajeto de volta no coche para Blackstone House levara... o tempo todo tentando desviar daqueles olhos pratea¬dos, os quais obviamente tinham visto sua reação exagerada ao quase acidente.

Uma suposição que ela não ousava refutar, por medo de que ele exigisse uma explicação sobre o que verdadeiramente a aborrecia.

Caro retirou as mãos de baixo da mão grande que envolvia as suas.

— Não se preocupe, Dominic. Eu lhe asseguro que agora es¬tou perfeitamente recuperada.

Dominic endireitou o corpo e apoiou o braço sobre a cornija da lareira de forma casual, enquanto a estudava. Esta Caro sar¬cástica era muito mais parecida com aquela que ele passara a conhecer nos últimos dois dias.

— Fico contente em saber disso. — Ele inclinou a cabeça de forma zombeteira, não demonstrando nem um pouco, espera¬va, de suas próprias emoções perturbadas com relação ao qua¬se acidente.

Após tudo que tinha acontecido nas últimas 12 horas, era difícil, quase impossível, que o incidente não lhe lembrasse do acidente de carruagem que matara sua mãe, há 16 anos, e resul¬tara na morte de seu pai também, apenas dias depois. Especial¬mente quando Caro havia ficado tão abalada.

— Ah, obrigado, Simpson. — Ele virou-se quando o mordomo entrou para colocar a bandeja contendo uma garrafa de uísque e dois copos sobre a mesa no centro da sala.

— Espero que a srta. Morton esteja se sentindo melhor, meu lorde? — A pergunta foi feita a Dominic, mas o olhar do homem idoso fixou-se com preocupação em Caro, enquanto ela estava sentada, ainda tão pálida ao lado do fogo.

Ela virou-se agora para oferecer um sorriso gracioso ao ho¬mem mais velho.

— Eu estou bem agora, obrigada, Simpson. — Caro continuou sorrindo calorosamente enquanto removia seu chapéu.

Dominic ouviu a troca com incredulidade... Quando, por tudo que era sagrado, Caro tinha conseguido encantar seu mor¬domo? O senhor idoso era geralmente tão rígido e tenso que corria o risco de se cortar com a goma do colarinho.

— Isso é tudo, Simpson — dispensou ele o criado brevemente. Caro esperou até que os dois estivessem sozinhos antes de falar:

— Talvez descobrisse, Dominic, que seus criados estariam mais felizes em seus empregos se você os tratasse com um pou¬co mais de educação.

Levando uma bronca daquela garota atrevida, ora!

— E o que você saberia sobre criados felizes em seus traba¬lhos? — Dominic resolveu atacar em vez de se defender, e foi instantaneamente recompensado por um rubor no rosto dela. — A menos, é claro, que você tenha sido uma criada um dia?

Caro ergueu o queixo.

— E se eu tivesse sido?

Então Dominic ficaria surpreso. Muito surpreso!

— Eu saberei a história de seu passado um dia, Caro — avi¬sou ele suavemente, enquanto se movia para servir uísque em dois copos.

Ela o fitou friamente.

— Duvido que você ache minha história interessante, meu lorde.

Ele estendeu-lhe um dos copos.

— Oh, eu acredito que posso achar...

Em vez de responder-lhe, Caro tomou um gole de seu uísque, os olhos se arregalando quando o álcool atingiu sua garganta e tirou-lhe o fôlego.

— Meu Deus! — exclamou ela, os olhos lacrimejando en¬quanto o líquido continuava queimando em sua descida para o estômago.

Dominic a olhou com divertimento.

— Suponho que você nunca tomou uísque antes?

Ela pôs o copo cuidadosamente sobre a mesa ao seu lado.

— Que bebida horrível!

— Esse é o tipo de gosto com o qual uma pessoa precisa se acostumar. — Dominic deu mais um gole com apreciação.

Caro estremeceu de leve, experimentando a sensação de que havia um fogo dentro de seu estômago.

— Não um gosto com o qual eu algum dia pretenda me acos¬tumar, garanto-lhe.

— Fico contente em ouvir isso. — Ele sorriu. — Não existe nada mais desagradável para um homem do que uma mulher embriagada.

Caro torceu o nariz delicadamente.

— Verdade? De que maneira?

— Esqueça. Você gostaria de um chá, em vez disso?

— Não é necessário... Oh. Você joga? — Caro tinha olhado ao redor da confortável biblioteca enquanto os dois conversa¬vam, vendo as peças de xadrez montadas sobre a mesa ao lado da janela.

Dominic seguiu sua linha de visão.

— Você joga?

— Um pouco — respondeu ela, de forma evasiva.

As sobrancelhas escuras dele se arquearam.

— Verdade?

— Parece que você não acredita em mim. — Os olhos verdes dela brilharam com desafio.

Dominic deu de ombros.

— Em minha experiência, mulheres geralmente não jogam xadrez.

— Então eu devo ser uma mulher incomum, pois acredito que jogo muito bem.

Dominic não duvidava que ela fosse uma mulher incomum; Caro vinha sendo a fonte de uma surpresa, atrás da outra desde que ele a conhecera.

— Gostaria de jogar uma partida antes do jantar? — desafiou ela.

Ele fez uma careta.

— Acho que não. Eu fui ensinado por um grande mestre — ex¬plicou, quando Caro o fitou com expressão interrogativa.

Como campeã indisputável de xadrez em sua família, e isso incluía seu pai, ela não hesitaria em testar sua própria habilidade contra Dominic Vaughn, ou contra qualquer outra pessoa. Era certamente uma jogadora boa o bastante para não se embaraçar.

Levantou-se e seguiu até a mesa do xadrez. As peças pare¬ciam ter sido entalhadas em mármore branco e preto, e o tabu¬leiro também era entalhado na mesa do mesmo mármore lindo. Ela olhou para onde Dominic estava de pé ao lado da lareira.

— Certamente você não pode estar recusando um jogo contra mim somente porque eu sou mulher?

— De modo algum — replicou Dominic. — Eu apenas prefiro jogar contra um oponente que considero ser meu igual no jogo.

Os olhos dela se arregalaram.

— Como sabe que eu não sou até que joguemos juntos? Ele arqueou uma sobrancelha.

— Um jogo no quarto de criança com sua babá não a torna apta para jogar com um campeão.

Caro irritou-se:

— O senhor está sendo presunçoso!

— Em relação ao seu jogo ou à babá?

— Ambos! — Caro sabia o quanto Dominic estava determina¬do a descobrir mais sobre seu passado. — Mas, sendo um cava¬lheiro da alta sociedade britânica, talvez o senhor ache mais desafiador se eu propuser uma aposta?

Ele a olhou com desconfiança.

— Que tipo de aposta?

— Suas investigações em relação ao ataque de lorde Thorne estão progredindo?

A expressão de Dominic se tornou ainda mais cautelosa.

— Eu espero receber notícias sobre o assunto ainda hoje.

— Mas você não tem certeza? — pressionou ela. A boca de Dominic se comprimiu.

— Neste preciso momento, não. Caro assentiu com a cabeça.

— Nesse caso, se eu ganhar, eu gostaria que você me encon¬trasse outra acomodação o mais breve possível.

Os olhos prateados se estreitaram.

— Porquê?

— Eu não preciso declarar um motivo, meu lorde, meramente nomear uma punição — apontou ela, de maneira recatada. — E, se você ganhar...

— Eu não deveria ter permissão de escolher minha própria punição? — interrompeu Dominic suavemente, os olhos acinzentados brilhando em desafio.

Caro respirou fundo, incerta se não tinha ido longe demais com aquilo. Dominic parecia totalmente convencido de que ga¬nharia qualquer jogo de xadrez entre eles. Mas ela não podia Voltar atrás agora; devia defender a reputação de outras mulheres que jogavam xadrez contra homens tão preconceituosos! Alem do mais, queria muito escapar de Blackstone House. E do perturbador lorde Dominic Vaughn...

— Nomeie sua punição, meu lorde.

— Dominic.

Os olhos verdes de Caro se arregalaram.

— Esta é sua punição?

— Esse é apenas um pedido aparte, Caro, e não a punição em si — replicou ele. — Tenho certeza de que você não achará isso muito difícil, uma vez que parece não ter o menor problema em me chamar de Dominic antes de se atirar em meus braços! — Os olhos cor de prata riram para ela sob longos cílios escuros.

Caro enrubesceu, incerta sobre qual das ocasiões ele estava se referindo... parecia ter havido tantas!

— Muito bem, diga qual é a sua punição... Dominic.

Ele pareceu pensar sobre à questão.

— Você me revelará alguma coisa sobre quem verdadeira¬mente é, talvez?

Caro o estudou de modo cauteloso. Conhecia sua própria ha¬bilidade para jogar xadrez, mas a autoconfiança de Dominic não podia ser negligenciada também. Ele estava tão seguro de sua própria habilidade que nem mesmo tentara discutir o castigo que ela demandaria dele se fosse a vencedora. Concordar em contar alguma coisa sobre sua verdadeira identidade não era algo que Caro pretendia fazer, agora ou no futuro. Mas, então, também não pretendia deixá-lo ganhar aquele jogo de xadrez...

— Muito bem, eu concordo. — Ela inclinou a cabeça numa postura arrogante.

 

Dominic recostou-se na cadeira, a expressão de tédio quando o jogo começou, certo de que estava desperdiçando o tempo de ambos com aquilo.

Após mais alguns movimentos no jogo, soube que a vitória não seria tão facilmente conquistada. O gambito de abertura de Caro tinha sido incomum, e Dominic achara que isso se devia à falta de experiência no jogo, mas agora, quando estudou as pe¬ças no tabuleiro, viu que, se o jogo continuasse no padrão atual, então ela o teria colocado em xeque pela primeira vez em ape¬nas três movimentos.

— Muito bom — murmurou ele com apreciação, quando mo¬veu o seu rei para fora do caminho do perigo.

Caro pôde ver que, em vez de continuar recostado na cadeira, desinteressado, ela agora tinha a atenção total de Dominic.

— Talvez nós devêssemos jogar a sério agora? — Seu coração deu um salto estranho quando ele olhou para cima e sorriu-lhe. Um sorriso caloroso e genuíno, que não continha nada da ex¬pressão usual de zombaria ou desdém, dando um charme quase infantil às feições austeras.

— Eu estou ansioso por isso, Caro — replicou ele, sua atenção agora concentrada no tabuleiro de xadrez.

 

A criada, Mabel, havia entrado e cuidado do fogo, e Simpson chegara para acender diversas velas enquanto o jogo continua¬va, mas nenhum dos oponentes tivera ciência da presença deles, toda sua concentração no tabuleiro entre os dois.

Aquilo se tornara mais do que um jogo de xadrez para Caro, passando a representar a igualdade do relacionamento que atu¬almente existia entre eles. Uma igualdade que não teria existido entre lorde Dominic Vaughn e lady Caroline Copeland, mas que definitivamente existia entre lorde Dominic Vaughn e Caro Morton. Sendo assim, aquilo se tornara mais do que uma bata¬lha de forças para Caro, e ela jogava como um inimigo, em sua determinação de não ser derrotada.

Algo de que Dominic estava ciente enquanto lhe estudava a expressão determinada entre pálpebras estreitas. Os olhos ver¬des brilhavam com intensidade, as faces alvas estavam coradas, assim como a pele acima dos seios. Aqueles mamilos rosados também estariam rubros, sem dúvida, talvez inchados e supli¬cando pelo seu toque...

— Xeque! — anunciou Caro, sem esconder sua excitação.

Dominic relutou para parar de pensar no gosto dos seios de Caro e voltar sua atenção ao tabuleiro. Moveu sua própria peça para fora do perigo.

Irritação fez Caro unir as sobrancelhas, antes que ela relaxas¬se as feições novamente e fizesse outro movimento.

— Xeque. Dominic estudou o tabuleiro por longos segundos.

— Acredito que este jogo não vai sair disso e, consequente¬mente, devemos declarar um empate.

Ela o olhou com ironia.

— A menos que você ceda?

— Ou que você faça isso? Caro recostou-se na cadeira.

— Eu acho que não.

— Então declararemos um empate — disse Dominic. — E es¬pero que um de nós consiga a vitória amanhã.

— Nós poderíamos jogar de novo agora...

— Está na hora do jantar, Caro — murmurou ele após uma olhada para o relógio sobre a lareira, surpreso ao descobrir que duas horas já tinham se passado desde que eles haviam come¬çado a jogar. Surpreso também pelo quanto apreciara aquelas duas horas.

Caro não falava enquanto jogava, mas o silêncio não era pe¬sado ou desconfortável. Na verdade, apesar do fato de eles esta¬rem em oposição, o silêncio tinha sido muito agradável. E ele, decidiu Dominic quando a percepção o fez levantar-se abrupta¬mente, não era um homem para ser domesticado por uma mu¬lher a ficar do lado da lareira. Muito menos por uma mulher que se recusava a lhe revelar sua verdadeira identidade!

— Isso significa que ambos pagaremos as nossas punições, ou nenhum de nós pagará? — perguntou ela.

Dominic estreitou os olhos ao olhar para onde Caro agora estava de pé, perto da mesa.

— Empate parece implicar que nenhum de nós pagará — re¬plicou ele. — Uma vez que estamos tão atrasados, sugiro que nenhum de nós troque de roupa antes do jantar.

— Oh, ótimo. — Ela atravessou a sala graciosamente enquan¬to murmurava: — Eu estou morrendo de fome.

Dominic se pegou rindo, apesar de seus pensamentos pertur¬badores sobre domesticidade, minutos atrás.

— Ninguém nunca lhe disse que ladies devem ter o apetite e a delicadeza de um pardal? — perguntou ele.

— Se me disseram, eu esqueci — retorquiu Caro, enquanto eles seguiam o corredor para a pequena sala de jantar, iluminada por velas, onde havia outra lareira acesa para aquecer o ambiente.

— Suponho que você esteja agora em total antagonismo, pres¬tes a mostrar que tem o apetite e a delicadeza de uma águia. — Do¬minic afastou a cadeira dela, permanecendo atrás da mesma por alguns segundos além dos necessários, a fim de apreciar o perfu¬me floral dos cabelos dourados.

Caro, no ato de colocar o guardanapo sobre seus joelhos, pausou para refletir um pouco sobre a questão antes de responder. Pelo que podia se recordar, não tinha comido nada até agora, hoje.

— Talvez um corvo. — Não uma boa comparação, percebeu com um tremor interno, uma vez que a cor dos cabelos de Do¬minic a lembravam de uma asa de ave de rapina...

Dominic estava rindo quando se sentou do lado oposto da pequena mesa redonda. Não tão pequena que os joelhos de ambos se tocassem sob a mesa, mas pequena o bastante para criar uma atmosfera de intimidade que Caro preferiria que não existisse.

Ela ignorou Dominic, a fim de sorrir para Simpson quando ele entrou na sala com uma sopeira e começou a servir o primeiro prato. Era uma sopa de agrião deliciosa, e Caro gostou tanto que repetiu.

— Como eu disse, uma águia — sussurrou Dominic de modo que somente ela pudesse ouvir, recuando de leve, mas não emitindo um único som quando ela chutou-lhe a canela por baixo da mesa. Considerando que Caro usava um chinelo de pano, aquilo devia ter doído mais nela do que nele!

Dominic silenciosamente aprovou o fato de que Caro não se esforçava para esconder seu apetite. Ele passara muitas noites com mulheres que só beliscavam a comida, e, ao fazerem isso, arruinavam seu próprio apetite. Em contraste com tais mulhe-res, Caro comeu o peixe com puro deleite, assim como o rosbife e os vegetais, seguidos por um doce de chocolate no qual se deliciou ainda mais que nos pratos anteriores.

Tanto que Dominic se pegou observando-a, em vez de des¬frutando de sua própria sobremesa.

— Talvez você queira comer o meu doce também? — Ele em¬purrou a tigelinha intocada de vidro na direção dela.

Os olhos verdes se iluminaram, antes que ela meneasse a ca¬beça com relutância.

— Eu realmente não deveria...

— Acho que é um pouco tarde para uma demonstração de de¬licadeza feminina — provocou Dominic, colocando a tigelinha na frente dela, antes de se levantar para se servir do uísque que Caro tão obviamente desgostara mais cedo. Sentou-se de novo para estudá-la, enquanto girava o líquido no copo, notando o rubor no rosto dela. — Eu estava me referindo à comida, é claro...

O rubor se aprofundou.

— Se você vai começar a ser rude novamente...

— Não sabia que, aos seus olhos, eu já tinha parado de ser? — Dominic arqueou as sobrancelhas escuras e zombeteiras.

Talvez não, concedeu Caro, mas houvera algum tipo de tré¬gua durante e desde o jogo de xadrez. Na verdade, ela pensara até mesmo ter visto um brilho de respeito naqueles olhos acinzentados quando o jogo terminara em empate.

— O que nós faremos com o resto da noite? — Ela optou por um assunto mais seguro.

— Eu, minha querida Caro, vou sair...

— Sair? — Ela franziu a testa depois de uma olhada para o relógio dourado sobre a cornija da lareira. — Mas são quase 11h da noite.

Ele inclinou a cabeça.

— E, se a Nick's estivesse aberta, você ainda teria de apresen¬tar sua segunda performance da noite.

Verdade. Mas, tendo passado a maior parte do dia dormindo, Caro não estava pronta para ir para a cama ainda.

— Você vai visitar lorde Thorne? Em caso positivo, talvez eu possa ir junto?

— Não para as duas coisas, Caro — disse Dominic. Mesmo en¬quanto estivera concentrado no jogo de xadrez, e por mais que tivesse apreciado seu jantar, não se esquecera nem por um minu¬to de que a notícia que estava esperando em relação a Nicholas Brown não chegara, deixando-o sem escolha, senão executar seus próprios planos para a noite.

— Eu já visitei Osbourne uma vez hoje, e duvido que uma segunda visita, a essa hora da noite, seria bem-vinda. — A sra. Gertrude com certeza não ia gostar! — E, para onde eu vou esta noite, você definitivamente não pode me acompanhar.

— Oh.

Dominic arqueou uma sobrancelha ao notar como as faces de Caro haviam enrubescido.

— Oh?

Caro irritou-se, tanto com sua própria ingenuidade quanto com Dominic Vaughn. Somente porque ele a beijava toda vez que lhe dava vontade não significava que não tinha uma mulher com quem passava a noite, às vezes. Que ele não ia sair em alguns minutos para passar o resto da noite na cama com tal mulher!

Estranho como a mera idéia daquilo lhe parecia horrível...

Caro tinha, percebeu com desespero, apreciado a companhia de Dominic naquela noite. As trocas verbais. O desafio de tentar ganhar dele no xadrez. Até mesmo as provocações em relação ao seu apetite. Agora achava muito desagradável estar ciente da possibilidade de que ele passasse o resto da noite na cama com alguma mulher sem rosto.

O que era totalmente ridículo!

Ela levantou-se de maneira abrupta.

— Nesse caso, com sua permissão, acho que eu voltarei para a biblioteca e escolherei um livro para ler.

Não foi muito difícil para Dominic adivinhar sobre o que Caro estivera pensando naqueles últimos minutos de silêncio: que ele pretendia passar a noite na cama de alguma mulher dis¬posta. Por mais agradável que a idéia fosse — fazia um bom tem¬po que Dominic não dormia com uma mulher —, isso não estava nos seus planos para a noite.

Não, o destino imediato de Dominic não tinha nada a ver com levar uma mulher para a cama, e mais a ver com fazer uma visita pessoalmente a Nicholas Brown...

— Não se incomode em me esperar, Caro. Eu devo chegar muito tarde — disse ele, depois de dar o último gole em seu uísque e colocar o copo sobre a mesa.

O rosto dela corou com raiva.

— Como se eu tivesse algum interesse no horário que você vai chegar... ou se vai voltar hoje!

Dominic riu suavemente enquanto andava para a porta.

— Bons sonhos, Caro.

— Contanto que eu não sonhe com você, tenho certeza de que eles serão! — retrucou ela.

Ele pausou junto à porta para olhá-la.

— Eu duvido muito que algum dia terei o prazer duvidoso de aparecer nos sonhos de qualquer garota — disse ele secamente, antes de sair e fechar a porta.

Dominic não podia ter certeza, mas pensou ter ouvido o ba¬rulho de vidro quebrando do outro lado da porta fechada...

 

Algumas horas depois, quando Dominic finalmente retomou à Blackstone House, ele não pôde evitar um pequeno sorriso no momento em que o atencioso Simpson abriu-lhe a porta como se fossem 3h da tarde, em vez de 3h da manhã.

— A sra. Morton está na biblioteca, meu lorde — avisou o mordomo suavemente.

Dominic parou de modo abrupto no meio do hall de entrada e virou-se.

— Que diabos ela ainda está fazendo lá? O mordomo trancou a porta e virou-se. — Acredito que ela tenha adormecido enquanto lia, meu lorde. Parecia tão pacífica que eu não quis acordá-la.

Dominic não teria tais escrúpulos, pensou, olhando na direção da biblioteca, a expressão mal-humorada.

— Vá para a cama, homem. Eu lidarei com a sra. Morton.

— Muito bem, meu lorde. — O homem mais velho fez uma reverência formal. — Eu... eu acho que a sra. Morton estava cha¬teada mais cedo, meu lorde — acrescentou, quando Dominic co¬meçou a andar em direção à biblioteca, Dominic demorou mais a se virar desta vez.

— Chateada?

— Creio que ela estava chorando, meu lorde. — Simpson pa¬recia aflito.

Que droga! A última coisa que Dominic precisava naquela noite era lidar com as lágrimas de uma mulher. Ou, como era geralmente o caso, ter de adivinhar o motivo de tais lágrimas. O que tinha acontecido para reduzir a indomável Caro às lágri¬mas? Talvez o perigo sobre o qual ele lhe avisara tornara-se muito real, uma vez que ela fora deixada sozinha?

Qualquer que fosse o motivo, pensar em Caro sozinha e tris¬te lhe causava uma sensação distintamente desagradável, um nó na boca do estômago...

Ele pôde ver a evidência das lágrimas na palidez do rosto dela, assim que entrou na biblioteca e a viu dormindo na poltro¬na ao lado do fogo, o livro que estivera lendo ainda aberto sobre os joelhos.

Também ficou impressionado ao notar como Caro parecia jovem e vulnerável sem o brilho da batalha nos olhos e o rubor do temperamento forte nas faces. Tão jovem e vulnerável, na verdade, que Dominic se questionou como ela sobrevivera em Londres na primeira semana, sem acabar vítima de algum desastre.

Não que imaginasse por um momento que Caro teria sucum¬bido sem lutar — submissão não fazia parte da personalidade dela —, mas não era fisicamente forte o bastante para lutar contra um predador do sexo masculino, e sua juventude e falta de um protetor a teriam tornado uma presa fácil para o submundo de uma cidade como aquela. Como era, ele não tinha dúvidas de que Caro devia seu bem-estar físico à proteção de Drew Butler; naquela última semana, pelo menos.

Se Dominic precisara de confirmação que fizera a coisa certa ao colocar Caro agora sob sua proteção, então havia recebido tal confirmação esta noite, quando visitara Nicholas Brown na residência dele em Cheapside.

O filho bastardo de um nobre e de alguma prostituta há muito tempo esquecida, Brown, embora agora aparentasse estar rico, tinha crescido nas ruas de Londres, e era tão cruel e violento quanto qualquer assassino que andava por aquelas ruas escuras. Uma crueldade da qual ele se aproveitara, construindo para si mesmo um império lucrativo que freqüentemente satisfazia aos excessos menos aceitáveis da alta sociedade; a Nick's era a mais respeitável das três casas de jogos que o homem possuía.

Depois de minutos após Dominic ter entrado na casa de Brown mais cedo, o outro homem tivera a audácia de oferecer permissão para que a lady mascarada cantasse numa outra de suas casas de jogos, até que a Nick's reabrisse. Uma oferta que Dominic não hesitara em recusar no nome de Caro!

Olhando-a agora, enquanto ela dormia o sono dos inocentes, ele estremeceu com o pensamento de Caro sendo exposta ao mundo cruel e odioso de Nicholas Brown. Ao mesmo tempo, Dominic temia que Brown, com seus muitos espiões no sub¬mundo de Londres, já pudesse saber que a jovem agora hospedada na casa de Dominic, passando-se por sua prima viúva, fosse a mesma lady mascarada...

Brown não tinha revelado, por palavras ou por ações, se este era o caso ou não, mas o fato de ter negado ouvir quaisquer ru¬mores sobre o ataque criminoso a Nathaniel Thorne no dia anterior, quando questionado diretamente por Dominic, era suspeito por si só. Brown era famoso por saber de todos os segredos do submundo de Londres.

Como oficial e soldado que ele fora um dia, Dominic somente se retirara agora a fim de decidir qual era a melhor forma de lidar com o vilão.

Mas, antes, precisava levar Caro seguramente para a cama dela...

A expressão de Dominic suavizou-se quando ele pegou o livro dos joelhos de Caro e colocou-o sobre a mesa lateral, antes de abaixar-se para erguê-la nos braços. Ela se mexeu só um pouquinho, antes de rodear-lhe o pescoço com os braços e dar um suspi¬ro contente, enquanto descansava a cabeça contra o seu ombro.

Apesar de todo o apetite que Caro mostrara mais cedo, não pesava quase nada, e não foi esforço algum para Dominic carre¬gá-la escada acima para o quarto dela, onde o fogo estava aceso e velas queimavam sobre a penteadeira, iluminando o quarto.

Dominic atravessou o cômodo e deitou-a sobre as cobertas, tendo todas as intenções de endireitar o corpo e deixá-la lá, ape¬nas para descobrir que não era capaz, uma vez que os braços delgados não se soltaram de seu pescoço.

— Solte-me, Caro — instruiu ele suavemente. A única resposta dela foi apertá-lo ainda mais, a ponto de que Dominic teve de se sentar na lateral da cama, ou arriscaria causar-lhe desconforto.

Uma vez que não tinha a menor intenção de permanecer na¬quela posição desconfortável pelo resto da noite, ele não pos¬suía escolha, exceto acordá-la. Deus sabia que Caro ficaria in¬dignada o bastante quando acordasse e descobrisse que ele a carregara para a cama, sem precisar exacerbar a situação, caindo na tentação que Dominic sentia agora de remover suas botas, deitar ao lado dela e dormir com sua cabeça descansando sobre aqueles seios magníficos!

— Acorde, Caro — encorajou ele com a voz rouca.

Ela torceu o pequeno nariz numa expressão irritada, antes que suas pálpebras se erguessem lentamente, os olhos verdes sonolentos focando-o.

— Dominic?

Ele arqueou as sobrancelhas zombeteiras.

— Você estava esperando outra pessoa?

Caro refletiu, sabendo, pelas velas acesas no quarto e o silên¬cio da casa, que devia ser muito tarde. O que levava à pergun¬ta... O que Dominic estava fazendo no seu quarto? Mais especi¬ficamente, como ela havia chegado ao quarto? A última coisa de que se lembrava era de estar sentada ao lado do fogo na biblio¬teca, lendo um livro...

— Você pegou no sono, e eu a carreguei para a cama — escla¬receu Dominic sua pergunta silenciosa.

Mesmo assim, aquilo não explicava o que ele ainda estava fazendo lá! Ou por que os dedos dela estavam lhe curvando o pescoço, a ação causando uma proximidade tão grande dos ros¬tos de ambos.

Ela abriu os dedos devagar, mas seus braços permaneceram sobre os ombros largos.

— Isso foi... muita gentileza sua.

Dominic deu-lhe um sorriso duro.

— Estou certo de que ambos temos ciência de que gentileza não faz parte de minha natureza.

Caro não podia concordar com aquilo. Como poderia, quan¬do ele a salvara repetidas vezes de perigos que ela nem soubera existir, quando tinha deixado Hampshire para embarcar no que acreditara ser uma aventura maravilhosa?

E, ao fazer isso, deixara duas irmãs e tudo na vida que lhe era familiar...

Um fato do qual Caro tomara total consciência hoje mais cedo, quando vira a jovem garota no parque que lembrava tanto Elizabeth. Não importava que não tivesse sido realmente sua Irmã; a familiaridade, juntamente com o jogo de xadrez que apreciara com Dominic, e que lhe lembrara das vezes que ela havia jogado com seu pai, tinham sido suficientes para lhe causar uma saudade dolorosa de casa, uma vez que ficara sozinha. Saudade tanto de sua casa quanto de sua família.

Dominic franziu o cenho ao ver as emoções brincando no rosto expressivo de Caro.

— Simpson parece acreditar que você estava... chateada, en¬quanto eu estive fora esta noite.

A expressão aberta imediatamente se fechou, e ela tirou os braços dos ombros de Dominic e usou as mãos para afastar mechas de cabelos do rosto.

— Se eu estava chateada, então eu lhe asseguro de que isso não teve absolutamente nada a ver com sua ausência.

Aquela se parecia mais com a Caro que ele estava acostuma¬do a lidar!

— Com o que tinha a ver, então?

Ela parecia mais irritadiça do que chateada agora.

— Precisa haver um motivo?

No que dizia respeito àquela mulher em particular? Sim. Com certeza. Dominic não acreditava que ela fosse o tipo de mulher que chorasse sem uma boa razão. Assim como o orgulho não lhe permitiria revelar o motivo de tais lágrimas.

— Talvez você tenha achado os eventos dos últimos dias mais perturbadores do que pensou, no começo?

— Eu acho que eles teriam levado qualquer mulher sensível às lágrimas — devolveu ela com ironia.

E com rapidez excessiva para convencer Dominic de que a desculpa que ele tão convenientemente lhe dera fosse a verda¬deira razão para a tristeza de Caro. Mas ele podia ver, pela tei¬mosia no semblante dela, que esta era a única explicação que Caro estava disposta a dar.

— Eu devo sair agora e permitir que você se prepare para dormir — murmurou ele.

— Você deve — assentiu Caro em concordância. Entretanto, nenhum dos dois se moveu. Caro estava recostada contra os travesseiros, Dominic sentado ao seu lado na cama, tão lindo na luz das velas, as feições fortes no rosto bonito pare¬cendo ainda mais fortes pela cicatriz iluminada.

Era uma cicatriz profunda e irregular, como se a pele tivesse sido rasgada em pedaços.

— Como isso aconteceu? — Caro finalmente cedeu ao desejo que vinha sentindo de tocar a cicatriz com a ponta dos dedos.

Dominic estremeceu, mas não se afastou.

— Caro...

— Conte-me, por favor — encorajou ela com a voz rouca.

A boca de Dominic se comprimiu.

— Foi um sabre francês.

Os olhos de Caro se arregalaram antes de retornarem para a cicatriz.

— Não tem a aparência regular do golpe de uma espada...

Dominic deu de ombros, mais do que um pouco enervado pelo toque gentil de dedos delicados contra sua pele áspera.

— Isso é porque eu não fiz um bom trabalho quando costurei a pele para unir os dois lados.

Os olhos verdes dela se arregalaram mais uma vez.

— Você costurou seu próprio ferimento?

— Era uma batalha violenta, com muitos feridos, e os médicos estavam ocupados com ferimentos mais sérios e homens morren¬do para se preocuparem com um pequeno corte no meu rosto.

— Mas...

— Caro, está tarde... O quê... — Dominic parou, chocado até a alma, quando ela sentou-se para colocar os lábios contra a ci¬catriz na sua face. — O que você acha que está fazendo? — Ele segurou-lhe os braços com firmeza para afastá-la de si, e olhou-a com intensidade.

Caro ignorou a raiva de Dominic e os dedos firmes apertando deus braços, muito preocupada — e perturbada — pelo pensamento do terrível ferimento que ele tinha sofrido, antes de dar pontos na própria pele. Com certeza, não havia tido ajuda do álcool, que teria anestesiado a dor, mas, por outro lado, prejudicado o julgamento dele. Somente o pensamento daquilo a fez tremer. Guerra é uma coisa bárbara!

Dominic deu um sorriso amargo. Assim como tirania.

Lembrando Caro que, embora agora Dominic desse a im¬pressão de ser um homem dissoluto e moderno da cidade, ele admitira ser um soldado, um oficial no controle de homens, todos eles lutando para manter a Inglaterra segura das mãos gananciosas de Napoleão.

Os olhos de Caro mais uma vez foram atraídos para a cica¬triz. Um lembrete diário para ele, sem dúvida, dos sofrimentos e dificuldades daquela guerra longa e sanguinária.

— Você foi um herói.

— Não tente me romantizar, Caro! — Dominic levantou-se abrup¬tamente, um nervo pulsando, no maxilar tenso, enquanto ele a olhava com a fisionomia fechada.

Ao fazer isso, ele não pôde evitar notar a maneira com que os seios se sobressaíam sobre o topo do vestido, enquanto ela descansava sobre os cotovelos. Ou como diversos cachos ha¬viam se soltado de seus grampos, e agora caíam sobre delica-dos ombros nus. Dominic reconheceu que naquele momento sua excitação estava rígida e pulsando, e que tudo que mais queria era recostá-la de volta contra os travesseiros, antes de despi-la e tomá-la com uma ferocidade que causou ainda mais dor em seu sexo.

— Eu não sou, nem nunca serei, o herói de nenhuma mu¬lher — declarou ele com dureza.

Caro engoliu em seco ao ver o desejo ardente naqueles olhos prateados. Soube instantaneamente que Dominic estava no limi¬te de seu controle, e que uma palavra errada de sua parte poderia fazê-lo perder tal controle.

Caro, com as emoções à flor da pele — pelo seu medo durante a briga que acontecera na Nick's na noite anterior, pela brutali¬dade do ataque contra lorde Thorne que se seguira, pelo fato de ser levada por Dominic para a esplendorosa Blackstone House, e então por aquela cena da garota no parque, que lembrara sua irmã mais nova —, não pôde evitar saborear a idéia de Dominic perdendo o controle que estava tentando tão arduamente conter.

Ela umedeceu os lábios com a ponta da língua.

— A cicatriz no seu rosto diz o contrário, Dominic.

Dominic sabia que a maioria das mulheres sentia repulsa pela feia cicatriz que corria na extensão de sua face, do olho ao maxilar. Caro já lhe assegurara de que não sentia tal repulsão.

Mas, então, Dominic já sabia que ela era diferente de qualquer outra mulher que ele conhecera...

Deveria ir embora dali. Precisava colocar distância entre ele e Caro. Agora!

Todavia, alguma coisa na expressão dela o deteve. O tom suave do verde dos olhos, talvez. O rubor nas faces. O biquinho formado por lábios entreabertos...

— Você deve me mandar embora, Caro! — Mesmo enquan¬to falava as palavras, Dominic estava voltando para a lateral da cama e puxando-a para posicioná-la sobre os joelhos. Fi¬tou-a com intensidade. — Se devemos fingir que você é uma mulher casada...

Ela arfou.

— Eu não sou...

Esse foi todo o encorajamento de que Dominic precisou quando abaixou a cabeça e cobriu-lhe a boca com a sua, inter¬rompendo o resto da sentença dela.

Caro sentiu-se em chamas no momento em que aqueles lá¬bios sensuais tomaram os seus com fúria, sem gentileza, braços fortes rodeando sua cintura enquanto ele a moldava contra o corpo sólido, não lhe dando tempo ou chance de nutrir outros pensamentos. Ela ergueu as mãos e agarrou os ombros largos.

Nada mais existia naquele momento, exceto Dominic. Seus lábios sedentos, seu corpo rígido e poderoso. As mãos quentes e irrequietas acariciando suas costas antes de segurar-lhe o trasei¬ro e erguê-la contra ele, um gemido baixo escapando da garganta de Dominic quando pressionou as coxas contra as dela.

Caro pareceu derreter de dentro para fora ao sentir a evidência do desejo masculino contra seu corpo, tão rijo e pulsante, e Causando um calor recíproco em seu interior, enquanto seus seios se inchavam e o ponto entre suas coxas se tornava úmido. Um calor que aumentou, intensificado ainda mais quando uma das mãos de Dominic segurou um de seus seios, antes de abaixar o tecido e desnudá-lo para suas carícias, capturando o bico rijo e provocando-o entre seu polegar e o indicador.

Caro emitiu um gemido baixo quando aquelas carícias mar¬geavam as extremidades entre prazer e dor, tornando-as ainda mais excitantes por causa disso. Ela arqueou o seio em direção aos toques, mesmo enquanto a boca de Dominic continuava ex¬plorando a sua com paixão.

Seus lábios se entreabriram, convidando, quando Dominic umedeceu-os com a língua, gentilmente no começo, e então com mais voracidade, explorando-lhe o interior da boca no mes¬mo ritmo que acariciava um de seus mamilos...

— Não! — Dominic de súbito afastou a boca da sua, os olhos brilhando furiosamente enquanto ele endireitava-lhe o vestido, antes de distanciá-la de si.

Caro sentiu-se tonta, desorientada, magoada pela súbita rejeição.

— Dominic...

— Eu posso ser acusado de muitas coisas, Caro — disse ele com frieza, as mãos unidas nas costas como se para resistir à tentação. — E não tenho dúvida de que sou culpado por todas elas. — Torceu a boca numa expressão de autodesgosto. — Mas, casada ou não, eu não pretendo adicionar sedução a uma hóspe¬de desprotegida em minha própria casa à lista de meus erros, mesmo quando sou convidado a fazer isso!

Aquilo poderia ser chamado de sedução, quando Caro tinha sido uma participante tão disposta? Quando ainda queria, ansia¬va pelas mãos e pela boca de Dominic sobre si? Quando apenas pensar nessas coisas a deixava trêmula em antecipação?

Quando o último comentário de Dominic mostrava que ele estava ciente de todas essas coisas...

Uma olhada para a expressão furiosa e inflexível no rosto de Dominic foi o bastante para dizer a Caro que o momento de lou¬cura havia passado. Para ele pelo menos... Tudo que lhe restava fazer era tentar salvar um pouco de seu orgulho.

— Eu não convidei você a me seduzir, Dominic! Os lábios dele se comprimiram numa linha fina.

— Você convida sedução com cada olhar e cada palavra que fala.

— Isso é injusto! — Caro arfou diante da acusação. Sim, seu corpo ainda doía de desejo, mas ela precisava somente olhar para Dominic para ver a evidência da excitação dele sob a calça.

— É? — As narinas de Dominic se dilataram, enquanto o olhar dele a percorria sem misericórdia. Aquela mulher o tentava, o seduzia apenas com sua presença. Tanto que ele não acreditava que poderia ficar sob o mesmo teto que ela por mais uma noite e reter sua honra. — Durma, Caro — instruiu em tom de voz ríspi¬do. — Nós falaremos sobre isso pela manhã novamente.

— Eu... o que há para falar? — Ela pareceu confusa.

As pálpebras de Dominic se estreitaram até que os olhos pa¬recessem apenas fios de prata.

— Como eu disse, amanhã falaremos...

— Eu prefiro que conversemos agora! — Os olhos dela bri¬lharam com o aviso.

Um aviso ao qual Dominic não pretendia dar atenção. Ora, ele tinha sido um oficial comandante do exército por cinco anos, responsável por vidas e disciplina de dúzias de homens sob seu comando; a raiva de uma mulher pequena não o preocupava ou o impressionava.

— Eu disse que conversaremos amanhã, Caro — repetiu ele com firmeza.

Caro enrubesceu com irritação.

— Eu estou começando a achar sua arrogância um pouco cansativa, Dominic.

Ele deu um sorriso sem humor.

— Então, vamos, os dois, esperar que você não precise suportá-la por muito mais tempo.

Caro sinceramente esperou que aquilo significasse que os arranjos para sua remoção de Blackstone House estivessem progredindo; não achava que poderia suportar ficar lá com ele por muito mais tempo.

Ela deitou-se na cama novamente, depois que Dominic saiu do quarto e fechou a porta. As lágrimas que escorriam agora pelo seu rosto eram por uma razão completamente distinta das lágrimas que derramara mais cedo naquela noite.

O que havia sobre Dominic Vaughn que a fazia se comportar de maneira tão desavergonhada? A ponto de que, momentos atrás, ela estivera praticamente suplicando pelos beijos dele, por aquelas mãos másculas em seus seios? Qualquer que fosse o motivo, Caro sabia que corria o sério risco de sucumbir à tenta¬ção daqueles beijos e carícias, se continuasse na casa de Blackstone por muito mais tempo...

 

— Você acha que lorde Vaughn vai descer em breve, Simpson? — perguntou Caro ao mordomo, às 9h da manhã seguinte, enquanto estava sentada sozinha à mesa do café da manhã, to¬mando chá e comendo uma torrada com manteiga.

Depois que Dominic tinha saído de seu quarto na noite ante¬rior, Caro passara o resto da noite num estado de inquietude, enquanto tentava, sem sucesso, dormir, seus pensamentos muitos perturbadores após se encontrar mais uma vez nos braços sedu-tores do conde. Todos esses pensamentos perturbadores levavam à conclusão de que era quase impossível que permanecesse em Blackstone House, sob a proteção de Dominic Vaughn.

— O lorde tomou o café da manhã e saiu há algum tempo, sra. Morton — respondeu o mordomo.

Caro arregalou os olhos.

— Ele saiu?

— Sim, senhora.

O coração de Caro se entristeceu. Por mais que ela apreciasse o esplendor de Blackstone House e a atenção dos criados, a mera idéia de ter uma manhã vagando por ali sozinha era impensável, lembrando-lhe da vida tediosa que fora forçada a levar em Shoreley hall pelos primeiros vinte anos de sua vida.

Estranho, fazia somente duas semanas desde que estava em Londres; entretanto, durante esse tempo — e apesar dos aspectos mais audaciosos de seu comportamento —, Caro tinha passado a apreciar exercer controle sobre suas próprias ações. Tanto que não suportava mais o pensamento de ter seus movimentos restri¬tos dessa forma, muito menos por um homem cujas emoções ela nem sequer podia começar a entender...

Ela olhou para cima e sorriu para o atencioso Simpson, que estava ali de pé, pronto para lhe servir mais chá ou torradas.

— O lorde tem outra carruagem que eu posso usar? — Caro prendeu a respiração enquanto esperava para ver se Dominic linha agido com sua usual eficiência e deixado instruções com os criados para impedi-la de sair de Blackstone House.

O homem idoso assentiu com um gesto de cabeça.

— O lorde mantém quatro carruagens para seu uso quando está em Londres, sra. Morton.

O coração de Caro começou a disparar no peito.

— E você supõe que eu poderia usar uma dessas carruagens? O mordomo assentiu novamente.

— Se a senhora desejar, posso mandar preparar uma para seu uso, logo após seu café da manhã.

Caro exalou o ar lentamente, controlando as feições para não entregar seus sentimentos ou sua euforia. Dominic não ti¬vera tempo — ou, o que era mais provável, em sua arrogância, ele decidira que não precisava se incomodar — de deixar instruções para que Caro não saísse de Blackstone House desacompanhada.

Não que ela pretendesse ir embora para sempre. Não era tão tola, e sabia o bastante para acreditar em Dominic quando ele lhe avisara do perigo que podia haver do lado de fora daquelas quatro paredes... Na verdade, o ataque a lorde Thorne era prova suficiente! Mas um passeio numa das carruagens de Dominic, conduzida por um dos criados dele, certamente era seguro o bastante?

— Eu gostaria disso, Simpson — falou ela alegremente para o mordomo. Então, levantou-se. — Na verdade, vou subir neste minuto e pegar meu chapéu e as luvas. — Caro saiu da sala e subiu a escada de forma apressada, ansiosa para estar ausente de Blackstone House antes que Dominic tivesse a chance de retor¬nar e impedi-la de ir.

 

Dominic já se sentira tão furioso em sua vida antes?

Ele achava que não. Afinal de contas, até três dias atrás, havia sido abençoada-mente ignorante da existência de Caro Morton! Agora, depois de anos passados no controle total de suas emo¬ções, ele se encontrava vivenciando o oposto. Num minuto, estava excitado por ela; no instante seguinte, encantado; porém, com mais freqüência, furioso. Neste momento, sentia-se definitivamente furioso. Tinha retornado à Blackstone House um pouco depois das 10h, apenas para que Simpson lhe contasse que Caro se aproveitara de sua ausência e fugira só Deus sabia para onde. Mais insultante ainda era o fato de que ela escapara em uma das carruagens dele!

Dominic andava de um lado para o outro no hall de entrada, enquanto esperava pelo retorno daquela carruagem, de modo que pudesse saber para onde o cocheiro a levara. E, enquanto andava, pensava de que maneiras ele a puniria por tamanha impulsividade, quando finalmente a encontrasse. E, com certeza, encontraria. Queria uma explicação sobre o que ela pensara estar fazendo colocando-se em perigo dessa forma...

— Eu creio que a sra. Morton tem todas as intenções de retor¬nar, meu lorde — falou Simpson timidamente atrás dele, tendo percebido, minutos atrás, o desprazer de seu empregador ao des¬cobrir que Caro tinha saído.

Dominic virou-se de modo abrupto, estreitando os olhos.

— E o que lhe dá esta impressão, Simpson?

O outro homem hesitou de leve diante do óbvio desprazer que ouviu na voz de seu empregador.

— Eu tomei a liberdade, depois de nossa conversa mais cedo, de pedir que uma das criadas subisse para checar o quarto da sra. Morton.

— E? — perguntou Dominic.

— Todas as coisas da sra. Morton estão como ela as deixou, meu lorde. — O homem pareceu aliviado por ser capaz de fazer tal pronunciamento.

Pelo que Dominic sabia, todas as coisas de Caro agora con¬sistiam de poucos pertences, depois que ele mandara queimar os vestidos velhos, e não acreditava que ela fosse apegada o bas¬tante a qualquer desses pertences para retornar por eles.

Assim como Caro não tinha hesitado em deixar Blackstone House no instante em que Dominic virara as costas, apesar de seus avisos. Isso, talvez mais do que qualquer outra coisa, era o que mais o irritava, quando sua existência inteira fora invadida por ela nos três dias desde que eles haviam se conhecido. Não uma percepção agradável para um homem que, muito tempo atrás, decidira que jamais permitiria que uma mulher, nem mes¬mo a esposa da qual necessitava para lhe dar um herdeiro, ditas¬se como ele levaria sua vida, muito menos tomando conta dela da maneira como Caro parecia estar fazendo.

De qualquer forma, as circunstâncias da situação de Nicholas Brown eram tais que Dominic não podia — como disse a si mes¬mo que era o seu desejo — livrar-se daquela imposição particu¬lar, por enquanto. O fato de que Caro não apenas tentara sair de Blackstone House desacompanhada naquela manhã, mas também tivera sucesso, mostrava que um deles, pelo menos, preci¬sava cuidar do bem-estar dela.

Dominic deu um suspiro cansado ao responder para seu mordomo:

— Eu admiro muito seu otimismo, Simpson, mas lamento que, neste instante, acho que tal otimismo está fora da realidade. Parece que a sra. Morton está insatisfeita com a sociedade de Londres e decidiu retornar à sua vida anterior. — Ele falou com cuidado, considerando o fato de que, independentemente do que os criados pudessem pensar ou falar daquela situação específi¬ca — publicamente, pelo menos —, Dominic deveria continuar afirmando que Caro era sua prima viúva.

Quanto mais considerava a insatisfação de Caro naquela ma¬nhã, menos inclinado se sentia a acreditar que ela teria partido sem se despedir de Drew Butler e Ben Jackson... E Dominic sabia que ambos os homens estavam na Nick's naquela manhã, supervisionando os reparos.

— Acho que eu sairei novamente, Simpson. — Dominic pegou seu chapéu e o casaco. — Se a sra. Morton retornar em mi¬nha ausência...

— Eu a avisarei de sua preocupação, meu lorde — assegurou-lhe o homem mais velho, enquanto mantinha a porta aberta, num gesto atencioso.

A preocupação dele? Seus sentimentos, quando subiu mais uma vez no seu coche, estavam mais inclinados a torcer o bonito pescoço de Caro do que demonstrar sua preocupação com ela. Um prazer que continuou a saborear durante o tempo que levou para manobrar os cavalos cinzentos através das ruas movimen¬tadas de Londres, até a Nick's.

 

Ele tinha sido muito precipitado mais cedo, reconheceu Domi¬nic quando entrou na casa de jogos meia hora depois... Agora era o momento em que sentia uma raiva maior do que já sentira em toda sua vida!

E, mais uma vez, Caro era o motivo dessa emoção.

Como era usual nessa hora do dia, a casa de jogos parecia fechada e deserta pelo lado de fora, mas, assim que Dominic entrou pela porta dos fundos, teve ciência do murmurinho de vozes vindo do salão principal. Os tons profundos das vozes de Drew Butler e Ben Jackson foram facilmente reconhecidos, as¬sim como a risada suave de Caro, mas havia também uma ter¬ceira voz, que Dominic achou chocantemente familiar.

A razão para isso se tornou óbvia quando Dominic parou jun¬to à porta do salão, estudando, através de pálpebras estreitas, as quatro pessoas sentadas ao redor de uma das mesas: Drew Bu¬tler, Ben Jackson, Caro... e, por incrível que parecesse, o dono anterior da casa de jogos, Nicholas Brown!

Admitidamente, Drew e Ben estavam sentados de maneira protetora de cada lado de Caro, com Brown sentado do lado oposto. Mas tal proteção era anulada pelo brilho de admiração nos olhos castanhos calculistas de Brown, enquanto ele a fitava do outro lado da mesa sob pálpebras baixas.

O fato de que os quatro pareciam estar apreciando uma gar¬rafa de um excelente uísque, às 11h da manhã, apenas aumentou o desprazer de Dominic.

— Pela sua falta de atividade, Drew, suponho que os reparos foram completados?

 

Caro emitiu um gemido culpado diante do sarcasmo inconfun¬dível no tom de voz de Dominic, e instantaneamente viu a mes¬ma culpa refletida nos rostos de pelo menos dois dos três ho¬mens sentados à mesa em sua companhia. Drew Butler e Ben Jackson se levantaram de imediato e pediram licença, antes de se retirarem para ir supervisionar os reparos.

Apenas o charmoso e relaxado Nicholas Brown pareceu imperturbado pela interrupção inesperada, enquanto se. virará e sorria para o homem mais jovem.

— Eu sou o culpado pela distração. Perdoe-me, Blackstone. Depois de nossa conversa ontem à noite, senti que deveria vir aqui e ver as coisas por mim mesmo. Encontrar a linda sra. Morton aqui foi um prazer inesperado. — Ele virou-se para oferecer um sorriso caloroso a ela.

Caro enrubesceu com o elogio, embora a bonita cor tivesse desaparecido em seguida, e um tremor de apreensão lhe percor¬reu a coluna, quando ela viu a expressão carrancuda com que Dominic a encarava, os olhos acinzentados repletos de fúria, a boca comprimida numa linha fina, o maxilar tenso de modo desafiador. Todavia, ela ainda não tinha certeza se o desprazer de Dominic era por causa da admiração de Nicholas Brown por ela, ou porque Caro desobedecera à ordem que declarava que não deveria sair de Blackstone House desacompanhada.

Caro estava inclinada a pensar que a fúria dele se devia ao Último motivo. Depois do modo abrupto como ele tinha saído de seu quarto na noite anterior, após rejeitá-la, ela não podia imagi¬ná-lo chateado por causa das atenções que estava recebendo de Nicholas Brown. Entretanto, o comentário do homem de que os dois haviam se falado na noite anterior parecia indicar que Do¬minic dissera a verdade ao afirmar que não tinha saído com a menção de visitar uma amante.

 

— Você deve desculpar minha prima, Brown. Ela é nova no país, e não está familiarizada com as regras da sociedade londrina, que a impedem de sair sem sua criada — declarou Domi¬nic friamente, enquanto atravessava o salão e parava ao lado da mesa, onde Caro e Brown estavam sentados frente a frente. Todavia, uma olhada rápida para o topo da mesa revelou que Caro tinha meia xícara de chá à sua frente, e não compartilha-ra uísque com os homens. Dominic perguntou-se, de maneira distraída, onde o mordomo da casa de jogos conseguira obter uma xícara de porcelana chinesa, e, principalmente, o chá dentro da mesma!

— Eu lhe asseguro que um pedido de desculpa não é necessá¬rio, Blackstone — respondeu Brown com suavidade. — Na verda¬de, eu considero tal natureza independente numa linda mulher uma qualidade revigorante.

As faces de Caro tinham enrubescido perante a repreensão no tom de voz de Dominic.

— Eu pensei em oferecer minha ajuda ao sr. Butler, depois que você me informou sobre os danos ocorridos aqui.

Dominic arqueou as sobrancelhas escuras.

— E, da mesma forma, esperei encontrá-la em Blackstone House quando eu retornasse.

Caro arqueou as sobrancelhas.

— Você já tinha saído de casa quando eu desci para o café, e não gostei da idéia de passar o resto da manhã sozinha.

— Talvez eu devesse me retirar para que vocês dois possam continuar esta conversa em particular — ofereceu Brown, em tom leve.

Dominic estreitou os olhos no outro homem, não convencido, nem por um momento, da expressão inocente no rosto de Brown. Com roupas escuras e na moda, e com seus bons modos, ele dava a impressão de ser um cavalheiro; entretanto, certamente não era. Era de conhecimento comum que Nicholas Brown venderia a própria mãe pela maior oferta, se isso fosse de seu interesse.

Dominic também estava cônscio do significado da visita do outro homem à Nick's, imediatamente após a conversa deles sobre o ataque a Nathaniel, na noite anterior. A única coisa que ainda estava em questão era se Brown sabia ou não sobre a iden¬tidade de Caro como a lady mascarada que cantava na Nick's...

Mas Dominic não podia culpar nenhuma jovem mulher — incluindo Caro — por se sentir lisonjeada pela atenção do ho¬mem mais velho; aos 42 anos, com cabelos escuros e bem-tratados, um rosto bonito de maneira rústica, sem dúvida o arrojado Nicholas Brown possuía charme suficiente para en¬cantar qualquer mulher.

— Isso não é necessário, Brown — respondeu Dominic, com uma casualidade que estava longe de sentir enquanto ocupava o assento que Drew Butler tinha vagado recentemente. — Minha censura só foi feita para indicar meu desapontamento em não encontrar minha prima em casa quando eu retornei mais cedo.

Caro o fitou sob cílios baixos, sabendo muito bem que a emo¬ção de Dominic não tinha sido "desapontamento" em não en¬contrá-la onde ele a deixara. Ele ficara, e obviamente ainda estava, furioso.

— Tenho liberdade de ir e vir conforme me agrada, eu espero, meu lorde — disse ela com facilidade, escolhendo ignorar a retribuição prometida nos olhos acinzentados por esse desafio aber¬to às prévias instruções de Dominic em relação a sair de Blackstone House.

— Não sem a sua criada...

— Talvez nós devêssemos; afinal de contas, discutir isso mais tarde. — Caro interrompeu o que tinha certeza de que seria outra reprimenda verbal relacionada à sua atitude de ter se aventurado vozinha pelas ruas de Londres. — Estou certa de que nenhum de nós deseja continuar aborrecendo o sr. Brown com a trivialidade do que é apenas um desacordo familiar.

— Pelo contrário, sra. Morton, eu estou altamente divertido pela discussão. — O homem mais velho olhou para ambos de maneira especulativa.

Aquela era uma especulação da qual Caro não gostou nem um pouco.

— O senhor deve perdoar o pobre Dominic, sr. Brown. — Ela estendeu o braço e descansou a mão enluvada sobre o dorso da mão de Dominic, que estava em cima da mesa. — Infelizmente minha viuvez o fez se sentir numa posição em que ele tem de agir como meu protetor. Muito como um irmão mais velho, ou talvez até mesmo como um pai.

Dominic não foi enganado, nem por um momento, pela expressão recatada naqueles olhos verde-azulados, sabendo, por experiência, que Caro não tinha nada de recatada. Nicholas Brown também estava ciente da insinceridade dela, se o brilho de apreciação nos olhos escuros que a fitavam fosse alguma indicação...

Dominic virou a mão e entrelaçou os dedos enluvados de Caro nos seus.

— Eu lhe asseguro, minha querida prima, que meus senti¬mentos em relação a você nunca foram nem um pouco fraternais ou paternais. — Ele ergueu-lhe a mão, prendendo-lhe o olhar com intensidade enquanto, devagar e deliberadamente, beijava-lhe a palma da mão enluvada. Então teve a satisfação de ver um rubor de indignação colorir-lhe as faces.

— Eu estou entendendo agora... — Nicholas Brown deu uma risada apreciativa e levantou-se elegantemente. — Espero não ter causado ofensas por nenhum de meus comentários anteriores, Blackstone. — Os movimentos eram preguiçosos quando ele en-direitou as abotoaduras sob o impecável casaco preto.

Os dedos de Dominic apertaram os de Caro com mais firme¬za, impedindo-a de recolher a mão, enquanto ele encarava o ho¬mem mais velho em desafio.

— Em absoluto, Brown. Posso ver que, no futuro, eu terei de me certificar em permanecer constantemente ao lado de Caro, a fim de proporcionar diversão adequada a ela. — Na última sen¬tença, a voz dele endureceu num aviso. Um aviso do qual Domi¬nic soube que Brown estava ciente, quando os olhos castanhos calculistas encontraram os seus.

Caro sabia que Dominic estava manipulando a conversa nos últimos minutos. E, apesar de não gostar nem um pouco daqui¬lo, depois das coisas que ele tinha dito e implicado, ela achava que o bonito e charmoso sr. Nicholas Brown só podia chegar a uma única conclusão no que dizia respeito ao relacionamento do conde de Blackstone com a "prima"!

— Talvez, se tiver tempo, sr. Brown, o senhor gostaria de dar uma volta no parque comigo, antes de ir embora?

Dominic teve a cruel satisfação de ver a expressão triunfante de Caro se transformar numa de dor quando ele lhe apertou os dedos.

— Eu não acho que isso seja aconselhável, Caro — disse ele com frieza. — Para começar, esfriou um pouco. — O tom de voz implicava que esfriaria muito mais! — Lamento, Brown, mas Caro e eu temos outro compromisso também — informou ele o outro homem.

Nicholas Brown virou-se a fim de fazer uma breve reverência a Caro antes de entregar-lhe seu cartão.

— A senhora precisa me contatar se sentir necessidade de companhia durante outro de seus passeios em Londres, sra. Morton.

Nicholas Brown somente teria permissão de acompanhar Caro a algum lugar por cima do cadáver de Dominic! O que, pensou ele com irritação, era uma possibilidade real se ela con¬tinuasse a se comportar de maneira tão impulsiva...

 

— Sua tolinha! — Os dentes de Dominic estavam cerrados quan¬do ele voltou, depois de dispensar a carruagem na qual Caro chegara mais cedo, um nervo agora pulsando em seu maxilar, a cicatriz no rosto mais uma vez parecendo um talho vivo quando ele ergueu-a para dentro da carruagem, como se ela não pesasse mais do que uma pena.

Ela empertigou-se, com indignação.

— Eu não acho que há necessidade para...

— Acredite-me, Caro, você não vai querer ouvir quais são as minhas necessidades neste momento. — O olhar feroz dele silen¬ciou-a.

— Seu... — O segundo protesto de Caro ficou preso na gar¬ganta quando Dominic instigou os cavalos de cor cinza ao que ela considerava uma velocidade altamente perigosa. Não que tivesse dúvida de que ele estava no total controle dos animais elegantes e poderosos, mas temia pela segurança dos ocupantes das outras carruagens, que conduziam seus cavalos num ritmo mais lento ao longo das ruas movimentadas de Londres. Ruas que não lhe pareciam nem um pouco familiares...

— Este não parece o caminho de volta para Blackstone House. Dominic pareceu cerrar os dentes com mais força ainda.

— Possivelmente porque não é.

— Mas...

Ele virou-se para fitá-la, uma expressão perigosa nos olhos prateados.

— A menos que você queira que eu pare esta carruagem ago¬ra mesmo, e aqueça seu traseiro de modo que não poderá se sentar novamente por uma semana, é melhor não falar mais uma palavra pelo resto de nossa jornada!

Cautela normalmente não fazia parte da natureza de Caro, mas ela decidiu que, naquele instante, silêncio talvez fosse a atitude mais sábia. Dominic estava furioso o bastante para cum¬prir a ameaça absurda!

Que Dominic ficara zangado ao descobrir que ela saíra de Blackstone House na ausência dele não havia dúvida. O fato de ele ter tido o trabalho de ir procurá-la obviamente não melhorara seu humor. E, aparentemente, tê-la encontrado na com-panhia do charmoso sr. Nicholas Brown apenas aumentara a irritação dele.

Mas por que qualquer daquelas coisas o fazia se comportar com a selvageria de um bárbaro Caro não tinha idéia. Nem achava que seria sensato questioná-lo mais naquele momento. Na verdade, isso podia ser altamente prejudicial para sua saúde.

Ela observou ao redor quando Dominic virou a carruagem numa das ruas residenciais mais tranqüilas da cidade, as casas grandes, com pintura cor de creme ao longo da rua alinhada por árvores, nem de perto tão magníficas quanto Blackstone House, mas de um estilo elegante e requintado, de qualquer maneira. Ela olhou para Dominic com a testa franzida.

— Nós vamos visitar alguém?

Ele fez uma careta mal-humorada.

— Dificilmente.

— Então, por que estamos aqui?

Eles estavam ali porque Dominic tinha percebido, depois de quase fazer amor com ela na noite anterior, que, para a seguran¬ça de Caro, assim como para a sua própria, eles não poderiam continuar sob o mesmo teto nem mais por uma noite. Que tê-la tão disponível em Blackstone House era uma tentação à qual ele estava achando cada vez mais difícil resistir. A única solução para esse dilema, achava, era mudar Caro para outro lugar o mais breve possível. Com a segurança adicional de poder equi¬par aquele lugar com homens e mulheres que não permitiriam que ela repetisse a mesma impulsividade daquela manhã.

Na verdade, quanto antes ela soubesse quem era o charmoso sr. Nicholas Brown, que soubesse do perigo do qual Dominic estava tentando protegê-la, melhor para todos eles!

Dominic parou a carruagem na frente da casa de três andares com terraço que mandara preparar para a chegada de Caro ape¬nas naquela manhã, permitindo que um cavalariço de prontidão segurasse os cavalos, antes que saltasse para o pavimento. Rodeou a carruagem e ergueu uma das mãos com uma educação que estava longe de sentir.

— Caro? — incentivou ele de modo tenso, quando ela conti¬nuou sentada.

A curiosidade anterior de Caro obviamente se transformou em cautela quando ela recusou-se, com teimosia, a aceitar a mão oferecida e descer da carruagem.

— O que estamos fazendo aqui, Dominic?

Dominic não era famoso por sua paciência, e o pouco que possuía já tinha sido esgotada naquela manhã por essa mulher irritante. Ele também não queria se explicar no meio da rua.

— Você vai descer por livre e espontânea vontade, ou devo tomar outras medidas, talvez menos dignas?

Os olhos verdes cor do mar brilharam com raiva.

— Você não pareceu ter a menor consideração por minha dig¬nidade mais cedo, quando me fez de boba na frente do sr. Brown!

— É à minha dignidade que me refiro agora, e não à sua. — Dominic a encarou com expressão autoritária.

— Então, deixe-me lhe dizer que eu não tenho a menor inten¬ção de ir a lugar algum até que você explique onde estamos... Dominic... — Caro gritou de susto quando ele não perdeu mais tempo com discussão, e pegou-lhe a mão, puxou-a para a frente no assento antes de jogá-la sobre um de seus ombros. — Como você ousa? Ponha-me no chão imediatamente!

Não, reconheceu Dominic enquanto começava a descer o ca¬minho na direção da casa, dignidade certamente não fazia parte daquelas condutas!

 

Era um pouco difícil para Caro observar seus arredores não familiares quando estava pendurada de ponta-cabeça sobre um dos ombros largos de Dominic. Mesmo assim, conseguiu notar a elegância do hall de entrada uma vez que eles estavam dentro da casa, e diversas portas conduzindo para o que deveriam ser salões e salas.

Vários criados estavam parados no hall, enquanto o conde de Blackstone calmamente entregava seu chapéu a um deles, antes de começar a subir a escada com Caro ainda em seu ombro.

— Nem uma palavra! — avisou ele, obviamente adivinhando que ela estava prestes a vociferar outro protesto.

Caro apertou os lábios, seu rosto vermelho de mortificação ao notar que os criados no andar de baixo continuavam obser¬vando-os, até que Dominic rodeou uma curva para entrar num corredor longo.

— Eu o farei se arrepender desta atitude indigna nem que seja a última coisa que eu faça na vida! — exclamou ela, com fúria.

Ele bufou com sarcasmo.

— Se eu tivesse certeza de que esse seria o resultado, talvez lhe permitisse tal privilégio!

— Você é desprezível! Um homem arrogante, dominador... — Caro parou com os insultos de maneira abrupta quando Dominic entrou num dos dormitórios e inclinou-a para a frente sobre seu ombro, antes de jogá-la, sem cerimônia, sobre uma cama. Ela mal teve tempo de lhe dar um olhar zangado antes que so¬fresse a indignidade de ter seu chapéu inclinado sobre os olhos, quando tombou de modo deselegante sobre o colchão.

Ajeitando o chapéu na cabeça, ela o olhou furiosamente.

— Como você ousa me tratar de forma tão dominadora?

— Como você ousou desobedecer totalmente às minhas ins¬truções esta manhã, e sair desacompanhada de Blackstone House? — devolveu Dominic, não parecendo nem um pouco afetado pela indignação dela.

Caro estreitou os olhos em aviso.

— Eu não acho que preciso de sua permissão para qualquer coisa que escolho ou não fazer! — Ela deu um suspiro irrita¬do. — E nada que eu fiz esta manhã se compara com seu compor¬tamento absurdo de agora.

— Eu suplico a oportunidade para discordar — zombou ele, os cabelos escuros desalinhados, embora o resto de sua aparência estivesse impecável como sempre: um terno cinza-chumbo, com uma camisa branca e um colete cinza-claro sob o paletó. As botas eram pretas, e o nó da gravata estava feito com perfeição.

O traje elegante deixava Caro ainda mais ciente de sua pró¬pria aparência desmazelada. Seu vestido verde estava amassa¬do, seus cabelos, totalmente despenteados, quando ela se sentou para remover o chapéu.

Caro bufou de modo deselegante quando jogou o chapéu de lado.

— Eu não acredito que você já tenha suplicado por alguma coisa em sua vida.

— Não — admitiu ele sem hesitar. — Nem estou prestes a co¬meçar agora.

— O que nós estamos fazendo aqui, Dominic? — Caro ainda se sentia agitada pelo fato de que ele parecia tê-la levado para a casa de alguém que ela não conhecia; não havia como ela co¬nhecer o dono daquela casa quando não conhecia ninguém em Londres, exceto o próprio Dominic. E Drew Butler e Ben Jackson, é claro. E agora Nicholas Brown.

Dominic observou friamente enquanto Caro tentava, sem su¬cesso, desembaraçar seus cachos com os dedos.

— Neste momento, eu estou mais preocupado com o fato de que sua impulsividade em ter ido à Nick's esta manhã possa trazer repercussões muito mais sérias do que sua visão indigna¬da por ser carregada contra sua vontade para dentro desta casa.

Caro parou de mexer nos cabelos e olhou-o com ironia.

— Você está sendo ridículo. Não houve perigo envolvido em minha escolha de visitar o sr. Butler e Ben...

— E Nicholas Brown? — As narinas de Dominic se dilataram cm fúria. — Você acredita que não corria o menor perigo com ele também?

Ela ergueu o queixo.

— O sr. Brown foi charmoso, e comportou-se como um per¬feito cavalheiro em minha companhia.

Dominic fez uma careta.

— Ben Jackson é mais cavalheiro que Nicholas Brown.

Ela o encarou de maneira arrogante.

— Depois de seu comportamento mais recente, estou inclina¬da a acreditar que Ben é mais cavalheiro do que você também!

Os olhos acinzentados de Dominic se tornaram gelados, o maxilar enrijecendo enquanto ele, mais uma vez, lutava para reter o controle usual de suas emoções, em vez de deixar que o controlassem. Aquela era uma batalha que estivera desti¬nado a perder desde o momento em que tinha entrado na Nick's mais cedo e visto Caro sentada calmamente, tomando chá com o homem que ele acreditava ser o responsável pelo ataque a Nathaniel Thorne. Quanto a ser um cavalheiro, Brown era um homem cuja beleza arrojada freqüentemente o fazia ser convi¬dado para a cama de ladies casadas da alta sociedade, mas nun¬ca para a sala de estar de uma delas.

Dominic cerrou os dentes com tanta força que ouviu seu ma¬xilar estalar.

— Você não tem a menor idéia do que fez, tem?

Ela pareceu despreocupada.

— Eu meramente exerci meu livre-arbítrio...

— Para se sentar e tomar chá com o ex-dono da Nick's.

— Oh. — Caro pareceu momentaneamente desconcertada pela informação, mas logo se recuperou. — Eu não entendo por que, quando você agora é o dono da casa de jogos, deveria escolher manter isso contra ele.

— A Nick's é uma propriedade que Brown passou para mim com grande relutância — apontou Dominic com irritação.

— Sem dúvida. Mesmo assim...

— Caro, eu sei que você é uma mulher inteligente — falou Dominic com impaciência controlada. — Eu gostaria que você agora parasse de discutir comigo tempo o bastante para usar essa inteligência.

Ela o olhou cautelosamente.

— Com relação a quê?

— Com relação ao fato de que apenas dez minutos atrás você se sentou e tomou chá com o homem que eu tenho todas as ra¬zões para acreditar que é o mesmo homem de quem estou ten¬tando protegê-la há dois dias. — As mãos de Dominic agora esta¬vam cerradas em suas laterais.

Caro pareceu assustada!

— Está se referindo ao sr. Brown?

— Estou realmente me referindo ao homem que você pensa que é um perfeito cavalheiro. — O tom de voz de Dominic impli¬cava que ele sabia que o homem era o oposto disso. — Acredito que ele está por trás do ataque a Nathaniel.

Caro engoliu em seco.

— Tem certeza?

A expressão de Dominic era amarga.

— Depois desta manhã, sim!

Caro começou a tremer de leve, quando se deu conta da importância total do que havia feito. Achara Nicholas Brown afável e charmoso, tinha flertado um pouco com ele, até convidando-o para um passeio no parque! Certo, então o convite ao parque fora uma resposta à atitude dominadora de Domi¬nic Vaughn, mas isso não mudava o fato de que ela fizera o convite. Durante o tempo inteiro, o homem era um completo vilão!

— Se tem mesmo certeza disso, então eu não entendo por que você não o desafiou imediatamente com a ação desprezível. — Caro, desconfortavelmente cônscia da severidade de seu erro, decidiu atacar, em vez de se defender, somente percebendo seu engano quando notou a raiva brilhando nos olhos acinzentados gelados mais uma vez.

— Eu fui um oficial no exército do rei, Caro, e um soldado não confronta o inimigo antes que tenha sua tropa firmemente posicionada, e, mais importante que isso, os civis removidos do caminho do perigo.

Ela suspirou com desdém.

— Exceto eu, vocês dois eram os únicos presentes esta manhã.

— E os assassinos de Brown, sem dúvida, estavam esperan¬do escondidos do lado de fora, ansiosos para ajudá-lo se a ne¬cessidade surgisse. — Dominic a olhou, friamente. — Um de meus melhores amigos já apanhou por minha causa. Eu não permiti¬ria que o mesmo acontecesse a você esta manhã. Ou a Butler e a Jackson.

Ela arregalou os olhos.

— Acha que o ataque a lorde Thorne era para você?

— Apenas de forma indireta. Parece que, por enquanto, pelo menos, Brown está gostando de brincar de gato e rato, prejudi¬cando meus amigos, em vez de me atacar diretamente.

— Então esse é mais um motivo pelo qual você deveria tê-lo confrontado esta manhã, não é?

— Caro, eu tenho a distinta impressão de que você está me acusando de falta de coragem pessoal para confrontá-lo. — O tom de voz de Dominic agora era tão gelado quanto seu olhar.

Seria muita tolice acusá-lo de tal covardia, quando, três noi¬tes atrás, ela o testemunhara pessoalmente desafiando, com bra¬vura, aqueles três jovens embriagados. Quando Dominic não hesitara em ir ao seu resgate no meio de uma briga. Quando Caro sabia que ele tinha sido um oficial valente, como a cicatriz no rosto bem atestava.

Mas tola era exatamente como Caro se sentia ao descobrir como estivera enganada em relação à natureza de Nicholas Brown. Tola e embaraçada por ter ficado lisonjeada pelas atenções do homem que agora sabia quem era.

Ela ergueu o queixo de maneira orgulhosa.

— Eu teria pensado que você deveria, no mínimo, mostrar-lhe que está ciente de sua culpa.

Dominic deu um sorriso irônico.

— Oh, eu tenho certeza de que ele sabe disso.

— Como ele poderia saber, quando, tirando o fato de você fa¬zer uma cena que mostrou que nosso relacionamento é mais do que entre primos, você foi muito educado? — questionou Caro.

— Eu dei a entender que o nosso relacionamento é maior do que um entre primos, como você colocou com tanta delicadeza, com a intenção de avisar Brown, caso ele considerasse a idéia, de que não seria sábio da parte dele tocar em um único fio dou-rado da sua cabeça. — Um nervo pulsou no maxilar rijo de Do¬minic. — O que não quer dizer que eu agora sinto, a mesma relu¬tância. — A suavidade exagerada no tom de voz dele indicava a profundidade de sua raiva.

O tremor de Caro intensificou-se quando ela percebeu, tarde demais, seu erro em questionar Dominic, quando ele já estava tão irritado com ela; os olhos acinzentados fuzilando-a de raiva, a cicatriz realçada no rosto tenso, a boca comprimida numa li¬nha fina.

Se essas coisas não fossem indicações suficientes do erro de Caro, então a expressão determinada nos olhos prateados quan¬do ele se moveu para se ajoelhar na cama ao seu lado, antes de puxá-la contra o corpo sólido e baixar a boca para capturar a sua, certamente era!

Não havia gentileza nos lábios que se moveram contra os seus, antes que a língua dele exigisse entrada em sua boca, en¬quanto uma das mãos grandes lhe segurava e apertava um dos seios com o mesmo ritmo imperdoável do beijo.

Caro sabia que deveria se sentir no mínimo assustada, senão enojada, pela força da paixão de Dominic, mas, em vez disso, foi preenchida com uma excitação dolorosa; sentindo o rosto queimar, os seios enrijecerem e aquela umidade e pulsação entre as coxas.

De maneira rude, Dominic abaixou-lhe o vestido e a combi¬nação até a cintura, então puxou as duas peças até os joelhos dela, antes que lhe capturasse a boca novamente. Fechando uma das mãos sobre um de seus seios expostos, ele começou a provo¬car o bico rijo.

Ela esqueceu-se de tudo o mais, exceto de Dominic. Arqueou o pescoço de maneira convidativa quando ele finalmente afas¬tou a boca da sua para trilhar um caminho de fogo ao longo de seu pescoço. Caro ergueu os braços para os ombros largos, então entrelaçou os dedos nos cabelos grossos na nuca de Domi¬nic, enquanto a cabeça escura se abaixava mais para que ele to¬masse um de seus mamilos no calor da boca sensual.

Caro arfou em choque quando sentiu uma linha direta de pra¬zer entre o toque rítmico de Dominic em seu seio e a umidade entre suas pernas, seus movimentos se tornando agitados en¬quanto ela pressionava o corpo contra a ereção masculina, em busca de algum tipo de alívio daquele calor pulsante.

Dominic pretendera apenas puni-la por desobediência, por ela questionar a sua coragem, mas, enquanto a beijava e a acariciava, sentiu-se mais excitado do que já estivera em toda a sua vida. Tanto que não tinha hesitado em abaixar o vestido e a combina¬ção de Caro e expor a linda brancura do corpo nu ao seu olhar ardente. Os seios eram altos e firmes, a cintura, fina, e havia se¬dutores cachinhos dourados no "V" entre as coxas delgadas.

Ele continuou provocando ambos os seios com seus lábios, língua e dentes, enquanto usava uma das mãos para lhe abrir as pernas, antes de permitir que seus dedos explorassem o coração da feminilidade. Caro estava úmida quando ele apartou aquelas dobras suaves para passar um dedo ao longo da abertura quente, devagar, gentilmente, circulando, mas não tocando o botão in¬chado aninhado entre os cachos loiros, sem querer apressar a liberação dela, mas sim saboreando cada gemido baixinho que Caro emitia.

Ele a tocou ali uma vez, de levinho, sentindo a resposta da¬quele ponto sensível pulsando contra seu dedo, ouvindo, mas ignorando o gemido de Caro, enquanto a penetrava com um dedo e sentia os músculos femininos se contraírem, mesmo quando ela ergueu os quadris num esforço de tomá-lo mais pro¬fundamente. Um convite ao qual Dominic resistiu, enquanto continuava a provocá-la e a torturá-la.

— Dominic, por favor!

Ele levantou a cabeça para estudar o rosto rubro de Caro.

— Por favor o quê?

Os olhos verdes brilharam muito, e os dedos dela apertaram os ombros largos.

— Não me provoque, Dominic.

— Diga-me precisamente o que quer de mim, Caro — encora¬jou ele, com a voz rouca. — Você só precisa dar a instrução e eu a obedecerei.

Ela podia fazer isso?, perguntou-se Caro freneticamente. Po¬deria falar para Dominic, de maneira clara e evidente, o que queria dele, a fim de conseguir alívio para o ardor que ameaçava consumi-la?

— Você quer uma parte minha dentro de sua doçura, Caro? -incentivou Dominic suavemente, ao parecer um pouco penaliza¬do pelo silêncio desesperado dela.

— Sim! — exclamou ela, com um gemido.

— Que parte, Caro? — pressionou ele. — Meus dedos? Minha língua? Meu pênis?

Oh, socorro! Aqueles dedos hábeis? Aquela língua deliciosa¬mente úmida e quente? A enorme ereção que ela podia ver pul¬sando contra a calça dele? Por não saber o que precisava, Caro somente sabia que queria experimentar todas as três coisas em seu interior.

— Talvez devêssemos experimentar? Ver do que você gosta mais? — Dominic estudou-lhe a nudez com olhos que tinham se tornado escuros e sedentos, quando, mais uma vez, levou os de¬dos para os cachinhos sedosos entre as pernas dela, a fim de encontrar a parte feminina secreta e massageá-la.

Caro sentiu o retorno imediato do prazer anterior, mais forte agora, mais exigente, enquanto, instintivamente, ela começava a se mover dentro daquelas carícias, sabendo que estava à beira de alguma coisa... Não sabia à beira do que estava, mas sabia que queria, que precisava daquilo com um desespero que jamais ex¬perimentara antes.

Emitiu um gemido profundo quando um dedo longo explo¬rou-a antes de deslizar para dentro de seu calor. Mais fundo. Então ainda mais fundo. E, finalmente, dando-lhe algum alívio daquele desejo doloroso quando ela movimentou os quadris em ritmo com o dedo que entrava e saía de seu interior.

— Deite-se na cama, Caro — instruiu Dominic, mesmo enquanto a recostava contra os travesseiros e acabava de lhe remo¬ver o vestido e a combinação, antes de ajoelhar-se entre as pernas delgadas e abaixar a cabeça.

Os quadris de Caro saltaram do colchão ao primeiro toque da língua quente contra sua carne sensível, seus dedos se contraindo, agarrando as cobertas ao seu lado. Ela gritou, inclinando a cabeça para trás contra os travesseiros, um prazer inimaginável a percorrendo. Dominic penetrou-a com um segundo dedo, ao mesmo tempo que lhe provocava o clitóris com a língua.

Caro sentiu que estava pegando fogo, enquanto onda após onda de prazer se irradiava de um lugar profundo entre suas coxas para todo o seu corpo, cada carícia da língua e dos dedos de Do¬minic criando um prazer mais enlouquecedor do que o anterior.

Dominic observou o rosto de Caro, mesmo enquanto conti¬nuava banhando-a com sua língua e massageando-a com seus dedos, sabendo o exato momento em que ela atingiu o clímax; os olhos verde-azulados se arregalando e se tornando tempestu¬osos, as faces rubras, os lábios levemente entreabertos, os mamilos rijos, o sexo pulsando sob sua língua, enquanto o corpo delgado se convulsionava ao redor de seus dedos...

Ao olhá-la, Dominic soube que nunca tinha experimentado nada mais bonito, mais fisicamente satisfatório do que ver Caro perdida no prazer que ela sentia pelo toque de sua boca e mãos. Ele achou isso ainda mais satisfatório do que atingir o próprio clímax.

Estivera tão zangado com ela mais cedo, tão furioso, princi¬palmente porque, comportando-se daquela maneira impulsiva, ela havia exposto seu paradeiro para Nicholas Brown. Mas ele não queria pensar nisso agora, quando Caro ainda estava tre-mendo por suas carícias. Não com ela praticamente nua sob seu corpo, apenas usando um par de meias de seda branca.

Além disso, ele ainda não obtivera resposta para sua pergun¬ta anterior: dedos, língua ou pênis?

Caro estava deitada contra os travesseiros, fraca e saciada, en¬quanto observava Dominic remover as botas, o paletó, a gravata, o colete e a camisa, para revelar um peito musculoso, coberto por uma trilha fina de pelos escuros que desaparecia dentro do cós da calça. Uma calça da qual ele estava se livrando agora, revelando pernas igualmente musculosas e um membro viril e excitado.

Caro nunca tinha visto um homem nu na sua vida antes, mas, mesmo assim, sabia que Dominic era um homem fisicamente bem-estruturado. Ela ergueu os olhos para o rosto dele, e engoliu em seco ao ver o rubor no rosto bonito e o brilho ardente nos olhos prateados, quando ele envolveu com uma das mãos aquela extensão impressionante, antes de mover-se para a frente, a fim de roçá-la lentamente contra a abertura entre as pernas dela.

Caro sentiu-se tremer com cada toque da masculinidade rija contra seu ponto sensível, respirando com dificuldade ao sentir o retorno do calor entre suas coxas. Certamente não poderia sen¬tir aquele prazer de novo tão rapidamente, poderia?

Sim, poderia, descobriu apenas segundos depois, quando Dominic continuou roçando o pênis contra seu clitóris nova¬mente desperto, seus seios se tornando firmes, os mamilos, intumescidos.

— Dedos? Língua? Ou pênis? — perguntou Dominic com a voz rouca, mesmo enquanto movia os quadris para a frente e co¬meçava a penetrá-la, centímetro por centímetro, antes de se reti¬rar e recomeçar. Um centímetro. Dois. Três desta vez, antes que ele saísse e começasse novamente.

Caro nunca experimentara um prazer como aquele em toda a sua vida. Nunca imaginara nada tão maravilhoso como Dominic ajoelhado entre suas coxas, e abrindo-a lentamente, centímetro por centímetro glorioso.

Cada vez que Dominic investia em seu interior, Caro se sentia completa e satisfeita. Cada vez que ele se retirava, ela se sentia abandonada e vazia. E, cada vez que ele investia um pou¬co mais fundo, ela tinha certeza de que alcançara o limite, que se estendera por dentro e o acomodara o máximo que era capaz. Até que Dominic se retirava, antes de penetrá-la mais profunda¬mente da próxima vez.

Caro estivera convencida, quando vira o tamanho da excitação de Dominic pela primeira vez, que ela nunca seria capaz de acomodar uma coisa tão grande...

— Oh, meu Deus! — Caro ficou tensa subitamente, os olhos se arregalando em choque quando sentiu começar a se rasgar por dentro, no momento em que Dominic apoiou o peso nos braços para investir mais fundo e preenchê-la completamente. A sensa¬ção era como se ela estivesse sendo partida ao meio.

— O quê...! — Dominic congelou acima dela, o rosto de re¬pente pálido, os olhos brilhando como prata opaca, enquanto ele a fitava com incredulidade.

— Está tudo bem, Dominic — assegurou-lhe Caro, ofegante. E, por incrível que parecesse, estava, aquela primeira dor dilacerante tendo agora passado, permitindo-lhe mais uma vez se tornar consciente do prazer de ter toda aquela extensão dentro de seu corpo.

A expressão dele era zangada.

— Certamente não está tudo bem!

— Eu lhe asseguro de que está — disse ela suavemente. Podia sentir agora a ereção rija em seu interior envolvida em pele aveludada e sedutora. Caro movimentou os quadris, a fim de sentir mais a extensão sedosa se movendo contra sua carne sensível.

— Não se mexa assim de novo, Caro, ou eu não poderei me responsabilizar pelas conseqüências. — O maxilar de Dominic estava rígido, a expressão, sofrida, e havia uma linha de transpiração acima das sobrancelhas escuras.

Mas é claro que Caro devia se mexer! Como poderia não se mexer, quando cada parte sua, cada centímetro de seu corpo gri¬tava pela liberação daquele prazer oferecido pelo membro pode¬roso investindo em seu interior?

Dominic se tornara imóvel no momento em que descobrira a inocência de Caro.

 

— Por que você não me contou? — Ele olhou para o bonito rosto corado dela, mais zangado consigo mesmo do que com Caro no momento, sabendo que deveria ter colocado uma fim naquilo muito antes de chegar ao ponto de lhe tirar a virgindade.

E tinha todas as intenções de pôr um fim naquilo agora!

Ergueu o corpo com cuidado, franzindo o cenho ao ver o tre¬mor de desconforto de Caro quando ele saiu de dentro da abertu¬ra feminina obviamente dolorida. E sua expressão se tornou ain¬da mais carrancuda no momento em que olhou para baixo e viu sangue entre as coxas dela, assim como em sua própria pele.

— Não se mexa — instruiu ele, levantando-se e atravessando o quarto, a fim de pegar o jarro e a bacia no lavatório, pondo um pouco da água do jarro na bacia, antes de umedecer um pano e limpar o sangue de Caro de seu próprio corpo. Então enxaguou o pano e levou-o úmido para ela. A água estava fria, é claro, mas, esperançosamente, causaria ainda mais alívio por causa disso.

Caro tinha observado Dominic sob cílios baixos enquanto ele se levantava e atravessava o quarto, completamente inconscien¬te de sua própria nudez, os movimentos graciosos e predatórios como os movimentos de um tigre da floresta. Ele parou de cos¬tas para ela agora, os ombros largos, as costas musculosas, as¬sim como eram as nádegas e as pernas. Se um homem pudesse ser descrito como lindo, então Caro sabia que poderia descrevê-lo assim.

Um rubor esquentou seu rosto, todavia, quando ele virou-se para se sentar na lateral da cama e começou a banhá-la entre as coxas com um pano frio e suave, a expressão inescrutável. Caro tentou empurrar aquelas mãos de seu corpo.

— Não há necessidade disso...

— Há toda necessidade. — Dominic mal a olhou, antes de continuar limpando-a entre as coxas sensíveis.

Caro se sentiu envergonhada, tanto pela intimidade dos toques quanto pelo fato de que o ato de amor deles tinha parado de maneira tão abrupta, uma vez que ele se tornara ciente de sua inocência.

Certamente teria havido mais do que aquilo? Uma finalização? Um prazer recíproco? Afinal, Dominic não mostrara sinais de ter experimentado nada como o prazer que Caro havia sentido.

E, durante o tempo inteiro, eles estavam no quarto de uma casa que ela nunca visitara antes!

Caro umedeceu os lábios, percebendo como eles ainda esta¬vam inchados e sensíveis pela força dos beijos dele.

— Onde estamos exatamente, Dominic?

Ele a fitou por um breve instante, antes de virar-se para colo¬car o pano de volta na bacia.

— Espero que você esteja se sentindo um pouco mais confor¬tável agora. — Dominic levantou-se de modo abrupto, a ereção já notavelmente reduzida. — Talvez eu deva chamar um médico, para que ele lhe dê algum tipo de bálsamo para aplicar...

— Eu não tenho a menor intenção de ser atendida por um médico! — As faces de Caro esquentaram com embaraço quando ela imaginou ter de explicar aquela situação para uma terceira pessoa. — Dominic, é possível eu ter ficado grávida... pelo que acabou de acontecer entre nós?

Dominic fechou os olhos e emitiu um gemido de autodesgosto. Uma inocente. Droga, ele acabara de deflorar uma completa inocente!

 

— É improvável — respondeu Dominic, de maneira rígida.

— Mas possível?

— Talvez — admitiu ele.

Caro virou a cabeça para o outro lado.

— De quem é esta casa?

Dominic estudou-a através de pálpebras baixas, notando-lhe as faces rubras, a boca tremendo de leve, enquanto ela puxava o lençol sobre sua nudez. Era um pouco tarde para modéstia femi¬nina, é claro, mas agora provavelmente não era a hora certa para Dominic mencionar tal fato.

— Eu não acho que isso seja importante neste momento...

— Eu acho. — Havia uma estranha quietude em Caro agora. Uma cautela que beirava a raiva, talvez?

Ele deu um sorriso sem humor.

— Você deixou claro desde o começo que não desejava per¬manecer em Blackstone House. E, ontem à noite, tornou-se ób¬vio para mim que nós dois não poderíamos continuar residindo sob o mesmo teto...

— Em que momento da noite de ontem isso se tornou óbvio para você, Dominic? — interrompeu Caro, em tom irritado. — Talvez no momento em que anunciou o quanto era impróprio sedu¬zir uma hóspede em sua própria casa? — Um rubor de raiva agora realçava a delicadeza das faces dela.

Olhando-a, o calor do ato de amor deles ainda visível no cor¬po de Caro, Dominic soube que ela nunca parecera mais adorá¬vel: os olhos verdes reluziam, os lábios estavam levemente in¬chados pela paixão de seus beijos e a pele dos ombros delgados e do topo exposto dos seios estava levemente rosada por ter sido roçada pela barba que despontava no maxilar de Dominic.

Um maxilar que enrijeceu diante da acusação que ele ouviu no tom de voz dela.

— Se você, de alguma maneira, está tentando dizer que eu a trouxe para esta casa a fim de seduzi-la...

— Não trouxe? — Ela levantou-se, os movimentos agitados enquanto segurava o lençol contra os seios e andava pelo quarto.

— Não seja ridícula, Caro. — A raiva de Dominic surgiu rapi¬damente para se equiparar à dela. Ora, era ele quem estivera ignorante da inocência de Caro até minutos atrás!

Os sinais haviam estado presentes, se ele tivesse prestado atenção, censurou-se Dominic instantaneamente. A ingenuidade de Caro em relação ao interesse dos homens que iam vê-la na Nick's noite após noite. As indicações freqüentes de ser uma lady refinada. Os modos imperiosos que falavam de uma pessoa acostumada a dar ordens, em vez de recebê-las.

O fato de Dominic não ser culpado por tentar seduzir uma mulher casada ou um membro de classe social inferior era um consolo fraco, quando, em vez disso, tinha roubado a inocência de uma jovem mulher, com a qual ela, um dia, deveria presente¬ar o marido.

— Ridícula? — repetiu Caro agora suavemente, os olhos bri¬lhando como esmeraldas. — Você entrou nesta casa mais cedo como se ela fosse sua... e talvez seja porque isso é verdade, não é? — Ela não esperou resposta, antes que atravessasse o cômodo e abrisse as portas dos armários, sua expressão se tornando sombria ao ver três vestidos de seda pendurados lá. Virou-se para dar um olhar furioso para Dominic. — A ocupante anterior desta casa parece ter sido removida com tanta pressa que deixou di-versos vestidos para trás!

— Não houve ocupante anterior nesta casa...

— Todas as evidências dizem o contrário, meu querido Do¬minic! — Caro estava ofegando em sua agitação... Podia apenas esperar que esta raiva servisse para esconder a mágoa profunda que realmente sentia.

Era humilhante o bastante que ele nem mesmo a desejara o suficiente para completar o ato de amor deles, uma vez que se tornara ciente de sua virgindade, mas o fato de Dominic ter es¬colhido levá-la para uma casa que já possuía, e de onde outra mulher obviamente fora removida às pressas, era um insulto muito mais doloroso.

 

Dominic sabia muito bem que, naquele momento, Caro não o considerava seu "querido". Na verdade, ela parecia mais do que capaz de golpeá-lo com uma faca, se tivesse uma disponível.

— Olhe para os vestidos com mais atenção, Caro — ordenou ele.

Ela torceu o nariz delicadamente com a sugestão.

— Eu não desejo...

— Olhe-os, droga! — demandou Dominic, com impaciência. — Olhe para os vestidos — repetiu, num tom de voz mais cal¬mo, quando percebeu que estava zangado consigo mesmo, não com ela. — Assim que fizer isso, verá que estes são os vestidos que foram encomendados para você ontem.

Caro o fitou com incerteza por diversos segundos, antes de voltar sua atenção para os vestidos pendurados no armário, franzindo o cenho ao perceber que eram realmente aqueles encomendados para a costureira no dia anterior. Dois vestidos para o dia, um cor de pêssego, o outro amarelo. Um terceiro vestido para a noite, de seda branca pura e renda.

Uma pureza que Caro sabia não mais possuir...

— Se você olhar nas gavetas da cômoda, descobrirá suas pró¬prias roupas de baixo e novas camisolas também.

Caro fechou as portas do armário com firmeza.

— Tudo isso prova que você foi sensato o bastante, afinal de contas, para remover os pertences de sua amante e substituí-los pelos meus.

Dominic deu um suspiro exasperado, sabendo que engajar-se numa discussão verbal com Caro não ajudaria aquela situação já desastrosa. E, por mais que ela escolhesse pensar o contrário, ele não a levara lá com a intenção de seduzi-la. O oposto, na verdade. Tinha pensado — esperado — que, ao removê-la de Blackstone House, estivesse removendo-a de sua tentação. Em vez disso, havia meramente exacerbado a situação, levando Caro para lá e fazendo amor com ela antes mesmo que tivesse a chan¬ce de explicar-se.

— Caro, eu adquiri a posse desta casa apenas nesta manhã.

— Agora, quem está sendo ridículo?

Dominic sabia, apesar de toda a fachada corajosa que Caro mostrava, que ela devia estar sentindo terrivelmente a perda de sua inocência.

— Eu posso levá-la ao escritório de meu advogado, se você quiser — murmurou ele gentilmente. — Tenho certeza de que ele ficará contente em lhe mostrar a transferência da escritura com a data de hoje, se isso ajudará a convencê-la de que estou falan¬do a verdade.

O queixo de Caro se ergueu.

— Você não somente comprou esta casa hoje de manhã, como também conseguiu, de alguma maneira, colocar todos aqueles criados no andar de baixo? — Um rubor pintou-lhe o rosto quan¬do ela obviamente lembrou-se dos olhares curiosos dos criados quando Dominic a carregara pelo hall de entrada e escada acima.

Um impulso do qual Dominic agora se arrependia profunda¬mente, uma vez que acabara fazendo com que ele tomasse a inocência de Caro...

— Todos eles, os homens e as mulheres, são meus conheci¬dos. Homens que serviram o exército sob meu comando, e suas esposas. Pessoas em quem eu sei que posso confiar para prote¬ger você — admitiu ele com tristeza.

Os olhos verdes dela brilharam, mas, se de raiva ou com lá¬grimas, isso Dominic não sabia.

— Obviamente eles não acharam que proteção era necessária quando se aplicava a você!

— Caro...

— Não me toque, Dominic! — O aviso foi acompanhado por um passo que a distanciou dele, os dedos delicados se tornando brancos por ela apertar tanto o lençol sobre sua nudez. — Se esta será mesmo a minha casa pelo futuro imediato, eu gostaria que você fosse embora agora.

Não mais do que Dominic queria ir, pensou ele. Naquele mo¬mento, tudo que mais queria era sair de Brockle House e esque¬cer que já conhecera Caro Morton. Esquecer principalmente que tinha lhe tirado a inocência.

— Talvez, no seu caminho para fora, você possa pedir que uma banheira e água quente sejam trazidas para mim? — Caro pediu, quando Dominic vestiu a calça e a camisa, antes de sen¬tar-se na lateral da cama para calçar as botas.

Ele estremeceu interiormente com o pensamento da dor que ela devia estar experimentando depois do ato de amor.

— Por favor, acredite em mim quando eu lhe digo que não planejei o que aconteceu esta manhã...

— Planejado ou não, está feito agora.

Havia tanta tristeza no tom de voz dela que, se aquela faca estivesse disponível, Dominic talvez tivesse sido capaz de enfiá-la em seu próprio coração naquele momento.

— Não posso expressar o quanto eu... lamento pelo que aconteceu.

Caro olhou para cima e estudou-lhe o rosto, incerta se deve¬ria se sentir tranqüilizada pela declaração de Dominic ou insultada por ela. O ato de amor deles havia sido um erro, é claro, um erro terrível de ambas as partes. Entretanto...

— Não acreditei que você pudesse me insultar mais do que já me insultou, mas vejo que eu estava enganada. — Ela virou-se de costas e olhou para a janela e para a praça abaixo, sem ver nada. — Eu gostaria que a banheira e a água quente fossem trazi-das para mim agora, por favor, Dominic.

Dominic olhou para os ombros desnudos aprumados numa postura orgulhosa por diversos segundos, antes de se abaixar para pegar o restante de suas roupas do chão.

— Eu virei visitá-la mais tarde, ainda hoje. Ela virou-se abruptamente.

— Com que propósito?

Dominic entristeceu diante da desconfiança que leu com tan¬ta facilidade na expressão dela.

— Com o propósito de verificar se você não sofreu nenhum problema de saúde como conseqüência da... atividade desta manhã.

Caro deu uma risada sem humor.

— Pelo que sei, nós não fizemos nada que não seja natural esta manhã.

Um rubor esquentou o rosto de Dominic.

— Não, é claro que não fizemos.

— Então não vejo por que você acha que eu poderei sofrer algum problema de saúde por causa disso.

— Ora, Caro...

— Suponho que você acha que seria mais adequado se eu desmaiasse ou tivesse uma crise de depressão — continuou ela, com sarcasmo. — Mas somente farei isso se considerar que é ab¬solutamente necessário. — O pequeno nariz torceu-se. — Pesso¬almente eu sempre acreditei que mulheres que se comportam dessa maneira diante da mais leve provocação são muito tolas.

Mesmo no meio do que Dominic considerava ser uma situa¬ção altamente constrangedora, ele não pôde deixar de admirar o espírito corajoso de Caro. Ela realmente era uma mulher como nenhuma outra que ele conhecera. O que acabara de acontecer entre eles não podia ser definido como "a mais leve provoca¬ção". Na verdade, Dominic tinha certeza de que a maioria das mulheres na posição de Caro estaria gritando obscenidades para ele ou exigindo jóias e vestidos, os últimos como uma compen¬sação pela perda da inocência. Caro somente pedia uma banhei¬ra e água quente, na qual suavizaria a dor de seu corpo. Dominic deu um sorriso amargo.

— Eu também preferiria que você não desmaiasse ou tivesse uma crise de depressão. — Seu sorriso desapareceu quando ele estudou-lhe o rosto. — Você não está mesmo machucada pelo nosso encontro?

Ele sabia que tinha sido seriamente provocado quando retor¬nara a Blackstone mais cedo e não a encontrara lá. Mais ainda no momento em que havia chegado à Nick's e encontrado Caro conversando alegremente com Nicholas Brown... Mesmo ago-ra, temia pensar no que poderia ter acontecido a ela se ele não estivesse presente para impedi-la de ir passear no parque com Brown, por convite da própria Caro! E, depois, ela questionara seu comportamento em relação a Brown, e, para os nervos já abalados de Dominic, isso tinha sido mais do que ele fora capaz de tolerar.

Uma intolerância que Caro tinha pago com sua inocência...

— Estou tão bem quanto pode ser esperado nas circunstân¬cias. — Caro manteve o queixo erguido orgulhosamente, mesmo quando viu Dominic estremecer diante de sua resposta. Na ver¬dade, era seu orgulho que doía, mais do que seu corpo.

Caro o olhou incerta agora sob cílios baixos, ainda muito ciente da beleza de Dominic, com os cabelos escuros desalinha¬dos, a camisa para fora da calça, os botões fechados só até a metade, a abertura revelando o peito com músculos poderosos. Músculos poderosos que Caro agora conhecia mais intimamen¬te do que conhecia seus próprios músculos...

Ela balançou a cabeça com veemência.

— Nós dois cometemos um erro mais cedo. Vamos esquecer isso agora.

Dominic continuou estudando-a por longos segundos. Um es¬tudo detalhado que Caro estava determinada a agüentar sem in¬formá-lo do quanto se sentia, arrasada por dentro. E não por causa do ato de amor deles, como Dominic presumia, mas por causa das emoções que tinham instigado sua própria participação naquele ato de amor louco e maravilhoso.

Ele franziu o cenho.

— Eu tenho a sua promessa de que você ficará bem longe de Nicholas Brown?

— Tal promessa é totalmente desnecessária, eu lhe garan¬to. — Caro arqueou as sobrancelhas com irritação pelo fato de que Dominic, após ter revelado que Brown era a pessoa por trás do ataque a lorde Thorne, e, consequentemente, a desculpa para a própria prisão dela nessa casa, pudesse pensar, por um momen¬to, que Caro tinha interesse em ver o vilão mais alguma vez!

Dominic queria muito tomá-la nos braços e suavizar-lhe a expressão no rosto e as sombras sob os olhos verdes. Mesmo sabendo do desconforto físico que ela devia estar sentindo ago¬ra, ele não estava no controle total de suas emoções para ter certeza de que seria capaz de se impedir de amá-la completa¬mente se a tocasse de novo.

Era um homem que tivera seu primeiro encontro sexual com a idade de 16 anos. E houvera muitas mulheres desde aquela primeira vez, com quem ele apreciara o mesmo tipo de liberação física. Era perturbador saber que o quase ato de amor com Caro tinha sido completamente distinto daqueles encontros prévios. Mais sensual. Mais descontrolado. Com a promessa de ser mui¬to mais satisfatório...

— Caro...

— Dominic! — Os olhos verdes dela reluziram em aviso quan¬do virou-se para encará-lo, o controle que estivera exercendo sobre as próprias emoções obviamente chegando ao fim. — Nos últimos dois dias, eu fui encontrada no meio de uma briga, vi um homem inocente apanhar até quase morrer. Fui levada para a sua casa contra a minha vontade, tomei chá com um homem que você me assegura que é responsável pela surra que aquele homem inocente levou. Fui literalmente carregada e depositada nesta casa como uma bagagem indesejada, antes que você fizes¬se amor comigo. Devo avisá-lo que estou correndo o sério risco de me comportar como aquela tola completa que mencionei mais cedo, se você não sair daqui logo! — A voz de Caro tremeu com emoção, uma emoção que ela mascarou atravessando o quarto para tocar o sino e chamar a criada. Ele ainda hesitou.

— Eu também gostaria de sua promessa de que não vai tentar sair sozinha novamente, agora que está ciente do perigo.

Caro poderia fazer tal promessa a Dominic? Que escolha pos¬suía? O único lugar para o qual desejava ir era de volta para Shoreley hall, em Hampshire, onde poderia estar com suas irmãs e lamber suas feridas em privacidade. Algo que não tinha condi¬ções de fazer agora que ela e Nicholas Brown haviam se conhe¬cido, uma vez que isso poderia resultar em Caro levando o perigo que aquele homem representava para sua própria casa...

Na verdade, o que Caro mais queria naquele momento era a privacidade para se sentar e chorar. Para gritar e berrar, se ne¬cessário. E, depois de fazer estas coisas, necessitava da paz e quietude para entender e aceitar a perda de sua inocência, e seu próprio comportamento devasso daquela manhã, nos braços de. Dominic.

Ela inclinou a cabeça friamente.

— Você tem a minha promessa. Agora, não acha que seu pró¬prio tempo seria mais bem aproveitado se você fosse lidar com Nicholas Brown, em vez de continuar aqui, extraindo promessas inúteis de mim?

Os olhos de Dominic se estreitaram.

— Inúteis?

Caro deu um sorriso tenso.

— É claro que esta é uma promessa inútil, quando eu obvia¬mente não tenho outro lugar seguro para ir.

— Caro... — Dominic parou o que ia falar, quando, após uma batida leve à porta, uma criada apareceu em resposta ao chamado de Caro. — Sua senhora requer uma banheira e água quente — ins¬truiu ele. — Imediatamente — acrescentou com firmeza, quando a criada pareceu inclinada a se demorar ali, a fim de satisfazer sua curiosidade, em vez de cumprir a ordem. Dominic esperou até que a mulher saísse antes de se voltar para Caro. — Meu conselho é que, depois do seu banho, você descanse...

— Por que será, Dominic, que, toda vez que você oferece um conselho, parece estar dando uma ordem? — Caro o fitou com exasperação.

Dominic deu um suspiro cansado e passou dedos impacien¬tes pelos cabelos já desalinhados.

— Caro, esta situação já é difícil o bastante... não podemos ao menos tentar nos comportar de uma maneira civilizada um com o outro?

Poderiam? De alguma forma, Caro duvidava de que algum dia eles pudessem ser completamente civilizados um com o ou¬tro. Parecia que, sempre que estavam juntos, suas emoções al¬cançavam extremos. Arrogância. Raiva. Desejo.

Ela suspirou.

— Talvez, quando você retornar esta tarde, nossas emoções estejam menos... abaladas do que estão agora — murmurou ela friamente.

Dominic esperava muito que esse fosse o caso. Mas, de algum modo, duvidava disso.

 

— Lamento, mas eu não posso descrever de forma precisa nenhum dos quatro homens que me atacaram. — Nathaniel Thorne estava recostado contra os travesseiros, num dos quartos da Casa de sua tia viúva, Gertrude, a expressão lastimosa enquanto olhava para onde Dominic estava de pé na frente de uma das longas janelas.

Dominic tinha ficado chocado pela piora na aparência de seu amigo quando chegara à casa da sra. Wilson poucos minutos atrás, e a dama de companhia da senhora idosa o levara ao quarto de Nathaniel. O rosto de seu amigo estava muito pálido, exceto pelas manchas roxas e cortes que, embora estivessem começando a cicatrizar, ainda pareciam fundos e doloridos. A faixa ao redor das costelas de Nathaniel era visível, uma vez que ele usava uma camisa de pijama larga e desabotoada no colarinho.

Nathaniel meneou a cabeça.

— Como eu lhe disse na ocasião, eu mal tinha saído do lado de fora da Nick's quando fui atacado por quatro homens empu¬nhando facas, e punhos que tinham a força de martelos. Eu fiquei imediatamente ocupado demais tentando me defender para notar a aparência de qualquer um dos homens. — Ele fez uma careta por sua desatenção.

Na verdade, Dominic não tivera muita esperança de que Nathaniel pudesse ser capaz de acrescentar mais luz àquela inves¬tigação em particular. Lamentavelmente seus motivos para ter ido lá, na realidade, eram muito mais egoístas do que sua preo¬cupação com Nathaniel. Por mais que quisesse se assegurar do bem-estar de Osbourne, estava precisando de uma diversão de sua própria companhia!

Tendo retornado a Blackstone House mais cedo para se ba¬nhar e trocar de roupas, Dominic então se encontrara andando de um lado para o outro em seu estúdio, irrequieto demais, com pensamentos muito perturbadores para que fosse capaz de se concentrar na papelada de trabalho que estava sobre a mesa, aguardando por sua atenção.

Como podia fazer qualquer coisa, quando tudo que conse¬guia pensar era sobre a inocência roubada de Caro?

— O que houve, Dom? — A pergunta de Nathaniel, em tom de voz preocupado, era a primeira indicação de que ele devia ter expressado seu autodesgosto em voz alta.

Dominic tinha acreditado, esperado que pudesse conversar com Nathaniel sobre seu dilema atual em relação a Caro. Em vez disso, percebera, desde que chegara lá, que, por mais ínti¬mos que os dois homens fossem, não havia como confessar sua ação desprezível para o outro homem. Mais importante, não po¬deria falar sobre Caro dessa forma com uma terceira pessoa, Nem mesmo com um de seus melhores amigos.

Gabriel, Nathaniel e Dominic sempre haviam sido como ir¬mãos, mas, mesmo assim, Dominic sabia que não poderia reve¬lar a um de seus amigos o que acontecera em Brockle House naquela manhã. Osbourne, com certeza, consideraria a tomada da inocência de Caro uma atitude desprezível da parte de Domi¬nic, assim como o próprio Dominic a considerava como uma atitude desprezível de sua parte...

A verdade era que ele tinha experimentado um forte senti¬mento de impotência ao descobrir que Caro saíra de Blackstone House naquela manhã, mas, em vez de se sentir aliviado quando a encontrara na Nick's, fora preenchido com raiva ao vê-la cal¬mamente sentada, tomando chá com Nicholas Brown. Tanto que perdera o controle da situação assim que eles haviam chegado a Brockle House.

Como Caro deveria odiá-lo e desprezá-lo agora...

— Dom?

Ele fechou os olhos brevemente antes de se focar em Osbourne.

— Acho melhor eu ir embora; sem dúvida, já cansei você o bastante por um dia — disse ele, afastando-se da janela, pronto para partir. — Quer que eu lhe traga alguma coisa para deixá-lo mais confortável?

Nathaniel meneou a cabeça.

— Não. Como sempre, minha tia Gertrude parece ter tudo à mão.

Dominic sorriu da ironia afetuosa de seu amigo.

— Eu não a vi quando cheguei mais cedo.

— Ela foi persuadida a fazer uma visita esta manhã. — Alívio podia ser ouvido na voz de Osbourne. — Com a superproteção e a língua ferina da dama de companhia da minha tia, não tenho certeza se eu sobreviverei uma semana!

Dominic não teria pensado que a lady quieta e graciosa que o levara até o quarto de Nathaniel tivesse a língua ferina.

— Tenho certeza de que você vai sobreviver, Nate.

— Eu gostaria de ter a mesma confiança. — Seu amigo balançou a cabeça. — De todas as coisas, minha tia está falando em me se mover para o campo para convalescer, assim que eu estiver bem o bastante para viajar.

A ideia tinha mérito, decidiu Dominic depois de uma breve consideração. Nathaniel seria afastado do perigo, pelo menos, se estivesse seguramente guardado pela formidável casa de campo da sra. Wilson.

— Parece-me um bom plano.

— Não é um bom plano! — exclamou Nathaniel. — A tempora¬da de bailes mal começou, e tia Gertrude pretende me sujeitar ao tédio do campo quando eu não estou em condições de protestar.

— Nada mal, certamente, quando ela também o está remo¬vendo da esfera gananciosa de todas aquelas mães procurando casamento para as filhas — apontou Dominic.

— Uma vez que eu cheguei à idade de 28 anos sem sofrer a pressão destas mães, não terei problema em continuar resistindo à sedução das lindas filhas. — Osbourne olhou para Dominic com curiosidade. — Falando nisso... eu estava alucinando, devi¬do à surra que levei, ou seu anjo nos acompanhou até a minha casa na sua carruagem duas noites atrás?

Dominic enrijeceu.

— Meu anjo?

Ele sabia a quem Nathaniel se referia, é claro; embora, da última vez que tinha visto Caro, ela o tratara com toda a ternura de uma estátua de porcelana...

— Você sabe exatamente a quem estou me referindo, Dom — disse Nathaniel.

— Na verdade, sim.

— Sei?

— Tem idéia do quanto é tedioso apenas ficar deitado aqui, sem nada para fazer, exceto pensar? — A careta de Nathaniel foi de insatisfação, para dizer o mínimo.

— Se você precisa pensar, então talvez devesse refletir um pouco sobre o futuro de Gabriel, em vez de sobre o meu? — Dominic tentou mudar de assunto.

Osbourne sorriu.

— Ele deve estar chegando à Inglaterra muito em breve. Dominic deu de ombros.

— Mas com a intenção de viajar para Shoreley hall em seguida, lembra? — Felizmente. Se informado, Gabriel com certeza teria algo a dizer sobre a situação na qual Dominic se encontrava. — Eu...

— Estamos muito gratos pela freqüência de suas visitas, Blackstone, mas o médico disse que meu sobrinho precisa mais de descanso do que de conversas excessivas. — A obsequiosa sra. Wilson entrou no quarto e começou a afofar os tra-vesseiros sob a cabeça de Osbourne, obviamente tendo retor¬nado agora de sua visita, e nem um pouco satisfeita por encontrar Dominic mais uma vez perturbando seu sobrinho em convalescença.

Dominic lhe fez uma reverência educada.

— Eu lhe garanto que estou tão preocupado com o bem-estar de Osbourne quanto a senhora. Na verdade, eu estava prestes a sair um momento antes de sua chegada.

— Oh, minha tia é...

— Nós todos devemos ouvir a sra. Wilson, Nate, se você qui¬ser se recuperar rapidamente — falou Dominic em tom zombeteiro, interrompendo o protesto de seu amigo.

O outro homem enviou-lhe um olhar que continha a promessa de retribuição pela deslealdade de Dominic, em algum mo¬mento no futuro. Um olhar que ele escolheu ignorar, enquanto ia embora, sorrindo. Mas o sorriso desapareceu assim que Domi¬nic saiu da casa da sra. Wilson, ao reconhecer que não podia odiar mais seu retorno para Brockle House.

E para Caro...

 

— Lorde Vaughn está aqui para vê-la, sra. Morton.

Caro ouviu as palavras do mordomo, mas não respondeu de imediato.

A primeira coisa que tinha feito, depois que Dominic final¬mente partira mais cedo naquela manhã, havia sido tirar os len¬çóis da cama e tentar remover o máximo das manchas de sangue com um pouco da água fria que sobrara do jarro; já era num o bastante que estava ciente da evidência tangível da perda de sua inocência, sem que todos na casa precisassem saber disso também.

Apesar de ser improvável que houvesse muitas dúvidas na mente dos criados que Dominic empregara em Brockle House, em relação aos eventos daquela manhã!

Para crédito deles, Caro não podia alegar que houvera evidên¬cia disso no comportamento de qualquer um dos criados que lhe levaram a banheira e a água quente meia hora após a partida de Dominic. Todos tinham sido educados e atenciosos, enquanto acendiam o fogo na lareira, antes que o lacaio posicionasse a banheira na frente do fogo e despejasse água para enchê-la.

Caro recusara a oferta de ajuda de uma das criadas, todavia, precisando estar sozinha durante o banho para refletir sobre os eventos ocorridos naquela manhã.

Nenhum de seus pensamentos oferecera conforto à situação na qual ela agora se encontrava. Caro sabia que deveria estai zangada com Dominic por ele ter tomado sua inocência; no en¬tanto, de alguma maneira, não conseguia nutrir tal sentimento. Talvez porque soubesse que era tão responsável quanto ele — se não mais — pelo que acontecera.

Quisera que Dominic a amasse naquela manhã. Desejara-o com a mesma intensidade que ele a desejara, a ponto de que sua emoção predominante tinha sido desapontamento, quando ele parara o ato de amor de modo abrupto. Aquela era uma admissão vergonhosa para uma jovem criada para acreditar que mulheres que se comportavam daquela forma eram devassas, não melhores do que as prostitutas que vagavam pelas ruas de qual quer cidade.

Quanto ao que Caro agora sentia em relação a Dominic...

Essa era uma questão que ela considerara, então evitara res¬ponder. Quaisquer que fossem seus sentimentos por ele, seria loucura gostar do conde de Blackstone... um homem que obviamente fugia de todas as emoções suaves na vida.

O fato de que Dominic agora retornara, como havia dito que faria, tomou Caro ainda mais determinada a esconder suas emoções confusas dele.

— Mande-o entrar, por favor — instruiu Caro ao mordomo friamente, enquanto se levantava para receber Dominic com a mesma formalidade da sala de estar na qual ela se encontrava.

 

Uma olhada para a expressão fria de Caro e para o corpo ele¬gante foram o bastante para dizer a Dominic que, mesmo se ela não tivesse se recuperado daquela manhã, não pretendia revelar isso em seu comportamento. Ciente da presença do mordomo, Dominic a cumprimentou formalmente:

— Sra. Morton.

Ela fez uma cortesia breve em resposta à inclinação da cabe¬ça dele.

— Quanta gentileza da sua parte me visitar novamente tão breve, lorde Vaughn.

Dominic não foi enganado, nem por um momento, pelo cum¬primento educado de Caro, cônscio como estava da expressão desdenhosa no rosto dela. Cônscio, na verdade, de como ela es¬tava linda num vestido verde-limão, com o sol se infiltrando pela janela e dando aos cachos delicados a aparência de um cor¬dão de ouro, o perfume feminino leve e floral provocando seus sentidos.

Dominic esperou até que o mordomo saísse da sala e fechasse a porta antes de responder:

— Uma visita que você obviamente desejaria que eu não tivesse feito.

Caro ergueu suas sobrancelhas loiras.

— Pelo contrário, eu estou muito curiosa para saber por que você se incomodou em ser anunciado, quando é o dono desta casa.

Dominic suspirou com irritação.

— Eu posso ser o dono da casa, Caro, mas é você quem está morando aqui...

— Temporariamente.

— Mesmo assim — continuou Dominic com firmeza —, teria sido falta de educação simplesmente entrar sem ser anunciado.

O sorriso dela era mais amargo do que divertido.

— E educação deve estar entre nós de agora em diante, certo? A boca de Dominic se comprimiu enquanto ele adentrava mais a sala.

— Devemos tentar ser educados um com o outro, sim.

— Que ótimo. — Caro voltou a se sentar no sofá, unindo as mãos e descansando-as sobre o colo, enquanto o fitava com ex¬pressão serena. — Neste caso, gostaria de tomar um chá comigo, lorde Vaughn?

O que Dominic queria mesmo era o retorno da velha Caro. A Caro que não se importava mais do que ele com tolas regras de educação, e que o desafiava e o enfrentava o tempo todo. A mesma Caro que lhe assegurara inúmeras vezes que faria exa¬tamente o que lhe desse vontade, quando lhe desse vontade. Uma Caro que, pelo que Dominic podia perceber, não estava naquela jovem lady fria e composta que o encarava de modo tão indiferente.

— Ou talvez você prefira alguma coisa mais forte que chá? — perguntou ela quando Dominic não respondeu, não traindo, por palavras ou expressões, o quão profundamente a presença dele a afetava.

Caro não tinha idéia de como uma mulher deveria se com¬portar em relação a um homem que apenas naquela manhã to¬mara sua inocência, mas que, depois, deixara muito claro o quanto considerava errada sua ação. Mas tinha certeza, conside¬rando as circunstâncias, de que não deveria estar tão ciente do como ele estava magnífico num paletó azul e um colete mais claro sobre uma camisa branca impecável.

Todavia, a expressão naqueles olhos prateados e a rigidez do maxilar mostravam que ele não estava tão relaxado quanto de¬sejava aparentar.

A frieza que agora existia entre os dois era intolerável, deci¬diu Caro. Não que desejasse que algum deles comentasse sobre os eventos daquela manhã — o que, na verdade, era a última coi¬sa sobre o que queria falar —, mas achava inaceitável a estranhe¬za educada que estavam fingindo. Tanto que suas emoções esta¬vam mais uma vez levando-a para perto das lágrimas.

Ela levantou-se abruptamente para puxar o sino.

— Você prefere um conhaque? Ou talvez uísque?

Uma dose de qualquer uma das duas bebidas era atraente, reconheceu Dominic. Exceto que duvidava que até mesmo uma garrafa inteira de álcool entorpecesse os sentimentos de culpa que o assolavam, enquanto ele observava as mudanças em Caro.

— Peça chá para nós dois. — Dominic andou até a janela, en¬quanto ela falava gentilmente com o mordomo, quando ele che¬gou para atender ao chamado do sino.

Ele poderia ser o convidado do sexo masculino na sala de estar de qualquer mulher da alta sociedade, reconheceu Domi¬nic, franzindo o cenho. Havia a mesma educação, a mesma for¬malidade e rigidez que teria esperado lá. O tipo de formalidade que nunca existira entre ele e Caro!

Ele a olhou com determinação quando os dois estavam sozi¬nhos mais uma vez.

— Caro, deve estar tão óbvio para você quanto está para mim que nós precisamos conversar.

— Sobre o que gostaria de conversar, lorde Vaughn? — per¬guntou Caro, retomando seu assento no sofá e fitando-o com olhos verdes ilegíveis. — Sobre o tempo, talvez? Ou sobre a be¬leza do jardim nesta época do ano? Lamento que, nunca tendo ido a um deles, não posso falar, com conhecimento, sobre os bailes dados nas casas de...

— Pare com essa bobagem imediatamente. — Dominic não pôde mais conter sua impaciência com a enorme distância entre eles. — Não desejo discutir o tempo, o jardim ou os bai¬les da sociedade, assim como você, com certeza, também não deseja.

Ela ergueu sobrancelhas arrogantes.

— Eu pensei que você ficaria contente em conversar sobre um dos dois primeiros assuntos...

— Se você não parar com essa tagarelice absurda, Caro, en¬tão eu não terei outro recurso senão ir aí e sacudi-la até que seus dentes estejam batendo uns nos outros! — Dominic fechou as mãos em suas laterais, como se para resistir a tal impulso, um nervo pulsando no maxilar tenso, enquanto ele a encarava do outro lado da sala.

Ela irritou-se visivelmente.

— Se você até mesmo tentar fazer isso, então, garanto-lhe que eu não terei outro recurso senão pegar o abridor de cartas da mesa e golpeá-lo!

Dominic deu um sorriso de apreciação quando sua tensão amenizou um pouco. Aquilo era melhor. Muito melhor. Quase a Caro que ele conhecia, na verdade.

Ele esperou até que a bandeja de chá fosse colocada sobre a mesa baixa na frente de Caro, e até que o mordomo se retirasse, antes de falar de novo:

— Eu pensei que talvez você estivesse interessada em saber sobre o estado de saúde de lorde Thorne esta tarde. — Ele atra¬vessou a sala para se sentar na poltrona confortável diante do Caro, enquanto ela se inclinava para a frente, a fim de servir as duas xícaras de chá.

Ela pausou para fitá-lo.

— Ele está bem, espero?

— Um pouco melhor, sim. Mas, se eu entendi a situação co retamente, ele também está sufocado pela gentileza da tia super protetora, assim como intimidado pela língua ferina da dama de companhia da tia.

Caro deu um pequeno sorriso perante a imagem que ele for¬mou do bonito lorde Thorne sendo mimado por uma lady, e cen¬surado por outra.

— Sem dúvida, ele considera isso mais cansativo que seus ferimentos. — Ela entregou, o chá para Dominic, antes de pegar sua própria xícara e pires e recostar-se contra o sofá.

Houve uma breve pausa, antes que Dominic falasse nova¬mente:

— Caro, nós deveríamos ter tido esta conversa hoje de ma¬nhã, mas — ele meneou a cabeça — as emoções estavam tão aflo¬radas que não senti que era o momento certo...

— Eu sinceramente espero que você não pretenda me ator¬mentar com perguntas sobre a minha saúde novamente, lorde Vaughn! — Os olhos verdes dela o encararam com raiva. — Eu já lhe assegurei que estou muito bem, e não quero mais discutir esse assunto. — Para desespero de Caro, sua mão tremeu um pou¬co quando ela levou a xícara aos lábios para dar um gole em seu chá com leite e evitar encontrar os olhos prateados intensos dele.

Era desconfortável ficar sentada lá com ele, tomando chá, como se eles fossem conhecidos casuais, mas Caro sabia que preferia até mesmo isso à humilhação de discutir os eventos da¬quela manhã. Apenas estar no mesmo cômodo que Dominic era o bastante para torná-la ciente das leves dores em diferentes par¬tes de seu corpo... todas elas um lembrete físico do ato de amor que tinham feito mais cedo.

Como ela esperara, o banho aliviara um pouco do seu des¬conforto. Mas o tom rosado em sua pele sensível dos seios, causado pela barba que despontara no maxilar de Dominic, pa¬recia não clarear, e o leve ardor entre as pernas toda vez que ela se mexia era um constante lembrete do que havia acontecido entre eles.

Caro não queria discutir nenhuma daquelas coisas com Dominic!

Ou as coisas sobre as quais pensara, uma vez que eleja dei¬xara claro que considerava o ato de amor deles um erro.

Se ao menos Caro não continuasse tão consciente dele... Do jeito que os cabelos escuros sedosos tinham caído sobre as so¬brancelhas. Ou como a mão que ele agora levantava para afastar as mechas escuras do rosto estivera em seus cachos dourados entre as coxas...

— Você acha que podemos esquecer esse assunto tão facil¬mente? — A boca de Dominic estava fina, numa expressão de desgosto.

Ela reprimiu as lembranças do deleite carnal.

— Não vejo por que não podemos.

Caro podia ser realmente tão inocente?, perguntou-se Dominic. Se assim fosse, então era ainda mais importante que eles tivessem aquela discussão.

— Foi você quem mencionou mais cedo que talvez haja con¬seqüências de nossas ações.

— Conseqüências que você mesmo disse que são improváveis.

Dominic desistiu de todo fingimento de parecer relaxado quando se levantou para andar de um lado para o outro no tapete diante da lareira. Mais cedo, estivera muito chocado pela prova da inocência de Caro, tão perturbado pela intensi¬dade de sua própria excitação, para ter condições de racioci¬nar com clareza, e menos ainda para ter uma discussão racional sobre o assunto.

Mesmo agora, Dominic encontrava-se em perigo de querer fazer amor com ela novamente, em vez de conversar, como eles, sem dúvida, precisavam fazer. Beijar-lhe o pescoço exposto vul¬nerável, tocar e acariciar aqueles seios firmes, abrir os cachos macios entre as coxas delgadas e provocar o centro da feminili¬dade, antes de erguer-lhe a saia e mais uma vez investir sua ereção no doce prazer de Caro!

Ele cerrou as mãos em suas laterais.

— Conseqüências que eu disse que podiam ser uma possibili¬dade — corrigiu-a Dominic.

— Eu não entendo.

— Por mais doloroso que seja, Caro, existe a possibilidade... remota, eu reconheço... de que, meramente por tê-la penetrado, você esteja grávida de um filho meu — explicou Dominic, quan¬do ela o fitou em confusão.

Os olhos verdes dela se arregalaram, e toda a cor foi drenada do rosto, enquanto a xícara e o pires escorregavam de seus de¬dos e caíam no chão.

 

Caro pôde apenas olhar, entorpecida, para a xícara e o pires quebrados no chão, onde uma poça de chá com leite rapidamen¬te se espalhava e ameaçava molhar suas sapatilhas de cetim, assim como o tapete na frente do fogo.

— Caro...

— Chame Denby, por favor, Dominic. — Caro pegou um guardanapo da bandeja de chá e ajoelhou-se para absorver um pouco do chá no pano, antes de começar a recolher os cacos de porcela¬na, grata pela atividade se tornar um meio de evitar responder à declaração prévia de Dominic.

Caro não era ignorante sobre como os bebês eram feitos. Mesmo se Diana, como a irmã mais velha, não tivesse sentido que era seu dever discutir tais assuntos com suas irmãs mais novas, teria sido impossível evitar saber sobre tais coisas, quan¬do o pai delas havia freqüentemente discutido o aperfeiçoamen¬to de raças para veados e outros animais em Shoreley hall, com o administrador de sua fazenda, na presença das três filhas.

Ela apenas escolhera acreditar, a ponto da negação, que aqui¬lo não poderia acontecer como resultado da penetração breve de Dominic.

— Deixe isso, Caro. — Ele aproximou-se, pegou-lhe o braço e colocou-a de pé sem esforço, ainda segurando-a quando se voltou para falar com o mordomo que tinha entrado na sala: — Denby, pode providenciar para que isso seja limpo? Eu leva¬rei a sra. Morton para um passeio revigorante pelo jardim. — A expressão de Dominic foi amarga, enquanto Caro parecia mui¬to confusa para responder com sua aversão usual a receber or¬dens, mas, em vez disso, permitindo-lhe conduzi-la para o jar¬dim ensolarado. Na verdade, Dominic não estava certo se ela não teria desmaiado se ele não tivesse mantido o aperto firme em seu braço. — Caro, eu percebo a delicadeza desta situação, mas certamente...

— Não agora, Dominic — conseguiu ela falar num sussur¬ro. — Eu... permita-me alguns minutos para pensar, por fa¬vor — acrescentou, libertando-se do aperto dele, antes de dar-lhe as costas e andar para o lago de peixes, olhando para o fundo escuro.

Ela parecia tão delicada, pensou Dominic, franzindo o cenho, tão jovem e vulnerável, parada ali, imóvel e silenciosa. Sem ver nada também, ele não tinha dúvida, sabendo que, pela expressão no rosto pálido de Caro, os pensamentos dela eram perturbadores.

Tão perturbadores quanto os seus próprios.

— Eu vim aqui esta tarde para lhe assegurar de que, se por algum infortúnio, você se descobrir grávida de um filho meu, eu irei, é claro, fazer a coisa honrosa e pedi-la em casamento.

— Casamento?! — Caro pareceu apavorada pela mera suges¬tão, quando se virou para olhá-lo.

Dominic sempre soubera que um dia teria de se casar. A fim de proporcionar um herdeiro, se por nenhuma outra razão. Mas, se pensasse sobre o assunto, então a futura noiva que imaginara para si mesmo seria selecionada de uma das famílias da alta sociedade britânica, uma jovem lady dócil e obediente. Ela cer¬tamente não seria uma mulher teimosa, que se recusava até mesmo a ouvir... Pior, que fazia sempre o que lhe dava na cabeça, independentemente dos conselhos que lhe eram oferecidos. Ele respirou fundo.

— E óbvio para mim, apesar das circunstâncias sob as quais nós nos conhecemos, que você foi criada para ser uma lady.

— Verdade? — O tom de voz de Caro era gelado.

— E, por motivos pessoais — continuou Dominic com deter¬minação —, você escolheu se separar temporariamente de sua família. Por sorte, ninguém além de Butler e Jackson — e talvez Nicholas Brown, reconheceu ele em silêncio — sabe que Caro Morton e a lady mascarada são a mesma pessoa. É lamentável que você algum dia tenha se associado a uma casa de jogos, é claro, mas isso não pode ser mudado agora...

— Eu lhe asseguro de que, se tenho algum desejo de mudar alguma coisa sobre minha visita a Londres, então é o fato de ter tido a infelicidade de conhecer você! — informou-o Caro de maneira fria.

A boca de Dominic se apertou diante do insulto deliberado.

— Mesmo assim, se por acaso você estiver esperando um fi¬lho, então eu estou preparado, em vista do fato de que sei de sua prévia inocência, a aceitar minhas responsabilidades...

— Eu lhe aconselho a não falar mais nem uma palavra insultante. — Os olhos verdes dela faiscaram com raiva. — Esperando um bebê ou não, eu jamais consideraria a possibilidade de me casar com você — continuou ela com desdém. — Nem mesmo se você se ajoelhasse e me suplicasse para fazer isso!

Dominic nunca podia imaginar uma situação na qual se ajoe¬lharia e suplicaria a qualquer mulher que se casasse com ele, em¬bora a veemência com a qual Caro dispensava a noção de casa¬mento entre os dois fosse mais ofensiva do que tranqüilizadora.

Ela estremeceu de maneira delicada agora.

— Eu sabia que você era um homem arrogante, meu lorde, mas não pensei que fosse convencido também!

Dominic sentiu raiva o percorrendo com mais aquele insulto.

— Estas minhas falhas de caráter não pareceram um obstácu¬lo ao desejo que você sentiu por mim hoje mais cedo!

Caro enrubesceu diante do lembrete de sua resposta ao ato de amor deles. Mas, tendo ido a Londres, em primeiro lugar, para escapar da possibilidade de que seu guardião — outro conde, ninguém menos — fosse capaz de coagi-la ao casamento de al¬guma maneira, ela não pôde evitar sentir-se desprezada pela ób¬via aversão de Dominic perante a possibilidade de ter de tomá-la como sua condessa.

— Creio que nós dois deixamos os nossos sentimentos muito claros nesta questão, lorde Vaughn — disse ela. — Portanto, esta conversa chegou ao fim. Seria melhor se você nunca mais pu¬sesse as mãos em mim! — Caro estreitou os olhos ao encontrá-lo agora muito perto e prestes a segurar seu braço.

Os olhos dele brilharam enquanto dedos fortes se fecharam ao redor do braço de Caro.

— E se eu escolher não aceitar esse conselho? O queixo de Caro se ergueu em desafio.

— Então você não me deixará escolha senão socar seu queixo arrogante!

Dominic emitiu um som surpreso, então a raiva que brilhava em seus olhos foi substituída por admiração. Ele deu uma risada curta.

— Você, sem dúvida, é a mulher mais incomum que eu já conheci.

Infelizmente para ele, a raiva de Caro continuava tão intensa quanto antes.

— Porque eu escolho tratá-lo de um jeito que você entende, em vez de com histeria feminina?

— Exatamente por isso. — Os dedos fortes relaxaram no bra¬ço dela, mas ele não a liberou. — Caro, eu não quis insultá-la quando falei que estou disposto a lhe oferecer casamento, se houver uma criança...

— Não quis? — Ela inclinou a cabeça para trás. — Devo enten¬der que você espera que eu me sinta grata, então, por sua oferta honrosa? Lisonjeada, quando você expressa quão lamentável considera esta situação? Sugerindo que, uma vez que você tem certeza absoluta de que eu era virgem antes de hoje, eu deveria estar feliz por sua disposição em aceitar suas responsabilidades como pai de qualquer bebê que eu possa ter nos próximos nove meses?

— Você está distorcendo minhas palavras...

— Na verdade, não estou — negou Caro com fervor, sua raiva se aprofundando mais cada vez que pensava na chamada pro¬posta de casamento de Dominic. No momento, ela realmente se sentia capaz de socar aquele queixo arrogante! — Fique tranqüi¬lo, lorde Vaughn, pois, se eu me descobrir desafortunada o bas¬tante por estar carregando um filho seu, você seria o último ho¬mem para quem eu pediria ajuda.

Dominic a encarou com o semblante furioso.

— À quem mais você deveria recorrer, senão a mim?

Caro podia ter se comportado de maneira impulsiva ao ir para Londres, em primeiro lugar, mais especialmente por ter se tornado cantora numa casa de jogos, e ainda mais por ter se permitido fazer amor com Dominic naquela manhã, porém ne-nhuma dessas coisas mudava o fato de que ela era, na realidade, lady Caroline Copeland, a filha de um conde. Uma mulher da mesma classe social de Dominic Vaughn. O fato de que ele não tinha idéia de sua identidade verdadeira era irrelevante... O ho¬mem era a arrogância personificada!

— Eu tenho amigos, senhor. — Caro empinou o nariz para olhá-lo de cima... não uma tarefa fácil, quando era muito mais baixa que ele. — Amigos bons e leais, que me apoiariam inde¬pendentemente do que eu fiz. — Caro considerava suas duas ir¬mãs suas melhores amigas, assim como sua família. Portanto, não tinha dúvidas de que Diana e Elizabeth lhe dariam apoio, quaisquer que fossem as circunstâncias.

O lábio superior dele se curvou numa careta irônica.

— E onde estes amigos estavam nas duas últimas semanas? Ela ergueu o queixo.

— Onde sempre estiveram. — Caro se sentia confortada ao saber que suas duas irmãs a estariam esperando em Shoreley hall em qualquer momento que ela escolhesse retornar. Sem dúvida com uma severa reprimenda de Diana por Caro ter fu¬gido, e um pedido sussurrado de Elizabeth para que ela relatas¬se suas aventuras uma vez que elas estivessem sozinhas, mas, de qualquer forma, suas irmãs estariam ao seu lado em qual-quer circunstância.

Com expressão zangada, Dominic mais uma vez segurou o braço dela com firmeza.

— Ora,Caro...

— Sem dúvida, até amanhã, eu estarei com tantas manchas roxas quanto lorde Thorne! — protestou Caro, sabendo muito bem que Dominic não a estava machucando, mas a implicação de que ele estava o faria liberá-la imediatamente.

— Peço desculpas. — Como ela previra, Dominic soltou-lhe o braço de modo abrupto. — Caro, ponha seu orgulho teimoso de lado por um momento, e apenas considere...

— A honra de me tornar sua condessa? — interrompeu ela com sarcasmo. — Eu já considerei isso, meu lorde... E, com a mesma rapidez, descartei a ideia! — Caro o fitou com o desdém de uma rainha.

Dominic estava rapidamente perdendo a paciência com aque¬la conversa. Ao tentar ser correto com ela e propor-lhe casamen¬to no caso de uma gravidez, parecia que só tinha conseguido ofendê-la. E nada do que falara desde então havia retificado a situação de alguma forma. Parecia, na verdade, que ele não con¬seguia recuperar a simpatia de Caro, independentemente do que fizesse ou dissesse.

Todavia, desejava recuperar a simpatia de Caro? Certamente seria melhor para ambos se ele deixasse as coisas como estavam?

Não era agradável ouvir os insultos de Caro e a frieza dela em relação a ele, mas a alternativa resultaria, sem dúvida, em outro daqueles encontros apaixonados. Dominic ainda queimava de desejo por ela, apesar de saber que não seria nem um pouco sábio repetir as atividades daquela manhã.

Apenas olhar para Caro o fazia se lembrar da suavidade da¬quela pele sedosa sob seus dedos. Recordar-se da sensação dos mamilos rijos em sua boca. Da umidade quente entre as coxas delgadas enquanto ela o tomava dentro de si... Não, talvez fosse mais seguro encorajar esse desacordo entre eles!

— Como você desejar, Caro — disse ele de maneira arrogante, virando-se para endireitar as abotoaduras da camisa sob o paletó.

Caro ficou absolutamente furiosa quando ele lhe deu as costas.

— Não imagino no que eu estava pensando esta manhã para permitir que você fizesse amor comigo, quando você é tudo que eu mais desprezo num homem!

Ele virou-se num movimento abrupto, as narinas dilatadas.

— Assim como a sua natureza rebelde e franca demais é tudo que eu mais desgosto numa mulher!

Caro o fitou friamente.

— Então concordamos que não gostamos um do outro? O maxilar dele enrijeceu.

— É claro que concordamos!

Ela assentiu com um gesto da cabeça.

— Então eu lhe desejo um bom-dia, lorde Vaughn.

Dominic a olhou com frustração. Nunca conhecera uma mu¬lher que despertasse sua raiva com tanta rapidez. Que despertas¬se sua impaciência. Sua fúria. E, acima de tudo, que despertasse seu desejo com tanta rapidez...

Lógica lhe dizia que, se quisesse reter sua sanidade, então qualquer proteção futura que providenciasse para a segurança de Caro deveria ser dada a distância. Estar com ela brincava demais com seu autocontrole...

— Eu devo continuar sendo uma prisioneira aqui, como era em Blackstone House, até que o perigo de Nicholas Brown aca¬be? — Caro interrompeu seus pensamentos perturbadores. — Ou tenho permissão para um passeio de carruagem, pelo menos?

Dominic a estudou, seus instintos lhe dizendo que, pela pró¬pria segurança de Caro, ele devia negar-lhe até mesmo esse pe¬queno prazer. Todavia, tal instinto foi cancelado pela lembrança de como ela desobedecera àquelas mesmas instruções naquela manhã, e no que isso tinha resultado!

Ele fez uma careta. Se lhe negasse o pedido, ela poderia en¬contrar um meio de lhe desobedecer, e então a confusão se ins¬talaria. Era melhor saber o que ela estaria fazendo o tempo todo.

— Creio que um passeio de carruagem é permissível.

— Quanta gentileza! — O sarcasmo de Caro era inconfundí¬vel. — E eu devo levar uma criada neste passeio?

— Não acho que isso seja necessário, a menos que você as¬sim deseje. Os cavalariços e cocheiros daqui são todos velhos camaradas meus — acrescentou Dominic, antes que ela tivesse a oportunidade de fazer outro comentário mordaz. — Eu confio em sua habilidade de assegurar que nenhum dano a atinja.

— Mais algum dano, acho que você quer dizer?

Dominic tremeu quando o ataque verbal o atingiu em cheio. Como ansiava por tomar aquela mulher rebelde nos braços. Beijá-la até a submissão, se não podia fazê-la lhe obedecer de nenhuma outra maneira. Entretanto, ao mesmo tempo, sabia que não deveria, que não poderia fazer isso.

— Eu virei vê-la amanhã novamente...

— Você não precisa se dar ao trabalho — interrompeu-o ela.

Mais uma vez, Dominic reprimiu sua frustração, sabendo que já tinha lidado muito mal com aquela situação.

— Eu irei embora, então.

Ela assentiu friamente.

— Lorde Vaughn.

Não havia mais nada que Dominic pudesse fazer ou dizer, aparentemente, para que o relacionamento deles voltasse ao que era antes.

Mesmo se não soubesse, não pudesse compreender bem, exatamente que tipo de relacionamento tinha sido aquele...

 

Caro foi preenchida com uma inquietação irritante assim que teve certeza de que o conde tinha saído da casa, ciente do resto da tarde e da longa noite sozinha que agora se estendiam à sua frente. No dia seguinte também, com toda probabilidade, uma vez que havia dito a Dominic que a visita dele era desnecessária.

Ele não deveria tê-la enfurecido tanto! Não deveria ter lhe dito aquelas coisas insultantes. Insultos, reconheceu Caro com tristeza, que ela mais do que retornara.

Como as coisas teriam sido diferentes se, em vez de lhe ofe¬recer casamento daquele modo ofensivo, Dominic tivesse pri¬meiro lhe feito uma declaração de amor.

E se ele tivesse?, questionou-se Caro. Qual teria sido sua res¬posta ao pedido de casamento? Ela teria retornado a declaração de amor antes de aceitar a proposta?

O pensamento de que talvez tivesse feito ambas as coisas era tão perturbador que Caro pegou-se correndo da sala de estar, pausando no hall de entrada apenas tempo o bastante para pedir que Denby mandasse trazer uma carruagem, antes de apressar-se para o seu quarto e pegar seu chapéu e casaco de pele. A tarde parecia ter esfriado muito desde a partida de Dominic...

 

Exatamente para onde queria ir em seu passeio de carruagem Caro não sabia, ciente apenas de que precisava escapar dos con¬fins e das lembranças de Brockle House, mesmo que somente por um curto período de tempo.

Ela instruiu o cocheiro para ir ao mesmo parque do dia ante¬rior... Talvez com a esperança de que visse novamente a jovem com o cachorro, que lhe lembrara tanto de Elizabeth. Mas, se esse era seu desejo, então ficou desapontada, e, após alguns mi-nutos, também se cansou dos olhares curiosos sendo direciona¬dos para onde ela viajava, na carruagem preta, estampada com a insígnia do conde de Blackstone.

Sentindo a necessidade de companhia amigável, Caro bateu no teto da carruagem e instruiu o cocheiro para levá-la à Nick's. Drew Butler e Ben tinham ficado encantados quando ela os vi¬sitara pela manhã, então certamente uma segunda visita não se¬ria muito indesejada, seria?

Mas eles não tinham ido longe naquela direção antes que Caro olhasse para cima e notasse uma enorme nuvem negra su¬bindo ao céu, sua atenção fixa na névoa escura quando mais uma vez bateu no teto da carruagem.

— O que é aquilo, Daley?

— Eu acho que pode ser fumaça, sra. Morton — respondeu ele respeitosamente.

Fumaça? Se havia fumaça, então devia haver fogo. E fogo era uma coisa perigosa numa cidade do tamanho de Londres.

— Talvez nós devêssemos ir até lá e ver se podemos ser de alguma ajuda, Daley? O homem de meia-idade pareceu incerto.

— Eu duvido que o lorde aprovasse, senhora.

Dominic. Fumaça? Fogo! Por que Caro se sentia tão convencida de que estas três coisas estavam conectadas, ela não tinha idéia... Somente sabia que se tornava mais convencida disso a cada segundo!

 

— Você tem de parar agora, Drew; não há mais nada que pos¬samos fazer — instruiu Dominic o homem, com um suspiro cansado.

Os dois homens estavam pretos da cabeça aos pés por terem entrado diversas vezes na construção queimando diante deles, grossa fumaça preta agora saindo por todas as portas e janelas do prédio, mesmo enquanto as chamas e fagulhas escapavam através de um buraco no teto queimado.

Os olhos de Butler brilhavam de modo selvagem no rosto coberto de fuligem.

— Ben ainda está lá!

— Não há mais nada que possamos fazer — repetiu Dominic lentamente, sua própria expressão sombria sob a fuligem e sujei¬ra, enquanto olhava para o inferno que um dia tinha sido a Nick's.

— Mas...

— Ele se foi, Drew.

Os braços do homem mais velho caíram em suas laterais, num gesto de impotência, o rosto revelando a derrota que ambos os homens sentiam enquanto somente podiam ficar parados lá agora, observando o fogo queimar sem controle, apesar de seus próprios esforços e dos esforços dos homens que haviam chega¬do minutos atrás para ajudar.

O incêndio já estivera bem avançado quando Dominic chega¬ra, uma hora e meia atrás. Nem de perto tão feroz quanto agora, é claro, mas, mesmo assim, ele parara imediatamente os esforços de Drew e Ben Jackson, enquanto os dois homens entravam e saíam do prédio, salvando tudo que podiam.

Infelizmente Ben tinha decidido voltar uma última vez para buscar alguns pertences pessoais e os livros de contabilidade da mesa no escritório de Drew Butler.

Ele não saíra mais...

Drew cerrou as mãos em punhos em suas laterais.

— Eu vou matar o desgraçado! O maxilar de Dominic enrijeceu.

— Brown?

Os olhos do homem mais velho emitiam faíscas de fúria quan¬do ele se virou.

— Quem mais?

Aquela era uma conclusão à qual o próprio Dominic havia chegado no momento em que vira o incêndio e se recordara do ar de satisfação de Brown ao sair da casa de jogos mais cedo naquele dia.

Dominic tinha ido à toca do leão na noite anterior, com a in¬tenção de averiguar se Brown era mesmo o responsável pelo ataque a Osbourne. A perspicácia com a qual o outro homem negara qualquer conhecimento do ataque — quando era famoso por saber de tudo o que acontecia no lugar ao qual se referia como sendo "sua cidade" — parecera indicar que aquelas suspei¬tas estavam corretas.

O fato de Brown ter ido pessoalmente à casa de jogos, mais cedo, supostamente para visitar seus velhos amigos, Butler e Jackson, assim como a conversa cautelosa que transpirara entre Brown e Dominic na presença de Caro, era simplesmente um indicador, Dominic tinha certeza, da audácia do outro homem.

Um incêndio naquele prédio, apenas horas depois da visita de Brown, era, na opinião de Dominic, o equivalente a um desa¬fio direto...

Ele franziu o cenho.

— A lei precisará de evidências antes que eles concordem em agir.

O homem mais velho bufou de modo desdenhoso.

— Eu não preciso de nenhuma evidência para reconhecer que Brown teve participação nisto.

Dominic também não precisava.

— Tenha certeza de que eu me sinto exatamente da mesma maneira como você sobre isso, Drew, mas eu o aconselho a não resolver o assunto por conta própria...

— Então eu devo ficar sentado e deixá-lo se safar do crime de assassinato?

Dominic já experimentara um insulto à sua honra nos últi¬mos dois dias; não estava disposto a sofrer mais um. Pôs a mão no braço do homem mais velho.

— Espero que você confie em mim para garantir que isso não irá acontecer.

Drew mal pareceu ouvi-lo.

— Eu trabalhei para o homem por quase vinte anos. Se eu ti¬vesse desconfiado, antes disso, o patife que ele era, mas... — Ele balançou a cabeça com desgosto. — Tenho tanta certeza de que Brown fez isso quanto tenho certeza de que meu nome é Andrew Butler.

Dominic suspirou:

— E eu lhe garanti que farei pagá-lo por seus crimes...

— Dominic! Drew! Oh, graças a Deus, vocês dois estão seguros! Dominic virou-se bem a tempo de segurar Caro, quando ela se lançou em seus braços.

 

Caro mal tinha conseguido compreender a visão que surgira em seus olhos quando a carruagem virará na avenida e ela vira a casa de jogos, onde havia trabalhado até duas noites atrás, pegando fogo. O prédio inteiro estava em chamas, com aquela fumaça pre¬ta preenchendo o ar, e dúzias de homens jogando água no fogo, a fim de impedir que ele se alastrasse para as construções vizinhas.

Seu alívio ao avistar Dominic, em pé ali, conversando com Drew, tinha sido imenso. Tão imenso que ela se esquecera bre¬vemente da discórdia entre os dois, jogando-se nos braços dele por puro alívio de vê-lo seguro.

Seu rosto estava quente agora — e não pelo efeito do fogo —, en¬quanto ela se recompunha e saía do abraço de Dominic, antes de voltar-se para o homem mais velho.

— Que bom ver que você não está ferido, Drew...

— Esqueça isso agora, Caro. — Foi Dominic quem respondeu, puxando-a para longe do perigo das toras de madeira quente que estavam começando a cair do topo da construção em chamas. — Explique o que você está fazendo aqui, por favor!

Ela franziu a testa diante do semblante desaprovador dele.

— Eu tinha ido dar um passeio de carruagem, como lhe disse que pretendia fazer, quando vi a fumaça...

— E decidiu investigar — concluiu Dominic, não tentando es¬conder sua irritação. — Não percebe que, fazendo isso, você po¬deria ser pega no fogo e talvez ser ferida?

Ela gesticulou com uma das mãos no ar, como se descartando a idéia.

— Eu não teria chegado perto o bastante para isso...

— Entretanto, você está aqui! — Dominic a fitou, ciente de que ela ainda não se dera conta da ausência de Ben Jackson. E sabendo que, quando isso acontecesse, ele teria outra crise nas mãos. A afeição de Caro pelo gigante gentil tinha sido óbvia desde o começo, e, uma vez que ela descobrisse que Ben havia desaparecido no meio do fogo minutos atrás, e não retornado, com certeza reagiria. Na verdade, Dominic não tinha idéia de que direções aquelas emoções tornariam, lágrimas e choros de an¬gústia, ou raiva, porque seu amigo morrera no incêndio.

Ela deu um suspiro sofrido.

— Eu estava preocupada...

— E, agora que sua preocupação foi satisfeita, eu quero que você entre de novo na carruagem e volte para Brockle House — instruiu Dominic com firmeza.

— Mas...

— Caro, não discuta comigo sobre isso, como você parece sentir que precisa sobre todo e qualquer assunto que conversa¬mos. — O maxilar de Dominic estava tão tenso quanto os punhos de Drew tinham estado minutos atrás. — Você não pode ajudar em nada aqui — acrescentou ele.

— Posso sugerir que me deixe aqui para continuar lidando com a situação, enquanto você escolta Caro para casa? — falou Drew em tom baixo para Dominic, seu olhar significativo na direção de alguma atividade na lateral do prédio, que dizia que Ben fora encontrado, embora nenhum dos homens acreditasse que ele pudesse ter sobrevivido aos minutos que tinha passado preso naquele inferno...

— Isso não é necessário...

— É muito necessário. — Dominic interrompeu o protesto de Caro, mesmo enquanto assentia com um breve gesto de cabeça para o homem mais velho, em reconhecimento da troca silen¬ciosa entre eles.

— Para você, talvez...

— Para mim também, Caro — falou Drew gentilmente, enquan¬to se aproximava, de modo que se posicionasse ao lado de Domi¬nic. — Faça como o lorde aconselha e volte para sua carruagem...

— Por que vocês dois de repente estão com tanta pressa que eu vá embora? — Caro olhou para os dois homens com descon¬fiança, ao perceber que eles pareciam estar se agrupando ao seu redor, como se para impedi-la de ver alguma coisa.

— Eu... onde está Ben? — Caro olhou para a esquerda, depois para a direita, mas, com Drew e Dominic parados como duas sentinelas bem à sua frente, sua visão era limitada.

Aquilo era deliberado?

— Caro...

— Onde está Ben, Dominic? — Caro levantou as mãos e colo¬cou uma contra o peito de cada homem, com a intenção de empur¬rá-los para o lado, pisando nos pés deles e passando entre os dois quando nenhum homem se moveu. Bem a tempo de ver que diver¬sos dos homens que estiveram lutando contra o fogo antes estavam agora carregando alguma coisa a partir da lateral do prédio. Algu¬ma coisa pesada. Um peso morto, na verdade. — Ben? — Ela arfou com fraqueza.

— Não, Caro! — Dominic estendeu os braços e agarrou-a pe¬los ombros, quando ela começou a correr para onde os homens estavam agora colocando o fardo no chão.

O olhar de Caro era frenético quando ela ergueu as mãos para lutar contra o aperto de Dominic em seus ombros.

— Você não pode ver que é Ben?

— Nós sabemos quem é, Caro. — Mais uma vez, foi Drew quem falou gentilmente. — Se alguma coisa puder ser feita por Ben, tenha certeza de que será feita — acrescentou com triste¬za. — A melhor coisa que você pode fazer por ele agora é voltar para casa, sem mais confusão.

Caro tornou-se imóvel, enquanto olhava primeiro para Drew, depois para Dominic, que ainda segurava seus ombros, e que balançou a cabeça quando desviou o olhar das atividades frené¬ticas ao redor da trouxa de trapos queimados que obviamente era Ben Jackson.

Porque, mesmo a distância, Caro podia ver que o espírito dele não estava mais lá.

Um grito angustiado escapou de seus lábios, enquanto suas pernas se dobravam e ela começava a cair lentamente no chão.

 

— Você está perfeitamente segura, Caro. — A voz de Dominic soou mais ríspida do que ele pretendia, no silêncio da carruagem em movimento, enquanto tentava fazê-la parar de lutar para se desvencilhar de onde ele a abraçava contra seu peito. — Por fa¬vor, fique quieta, Caro — pediu mais gentilmente.

Pela primeira vez desde que eles se conheciam, Caro lhe deu ouvidos, imobilizando-se nos seus braços e fitando-o com enormes olhos cor do mar, que rapidamente se inundaram de lágrimas.

— Ben realmente se foi, Dominic? Ele deu um suspiro lastimoso.

— Se isso é algum consolo, então eu acredito que Ben morreu de respirar na fumaça muito antes que o fogo se aproximasse dele. — Dominic esperava que esse fosse o caso, pelo menos.

Todavia, o método da morte de Ben não alterava o fato de que ele estava morto. E como resultado de um incêndio que Drew e Dominic acreditavam ter sido causado deliberadamente por Nicholas Brown.

— Verdade, Dominic?

Ele reprimiu os pensamentos sobre o ato covarde de Brown antes de olhar para Caro, sabendo que ela precisava acreditar que a morte de Ben tinha sido o menos dolorosa possível, con¬siderando as circunstâncias.

— Verdade. — Dominic assentiu com a cabeça.

Ele pausara apenas tempo o bastante, depois de colocar a inconsciente Caro na segurança da carruagem, para conversar brevemente com os homens que haviam tirado o corpo de Ben da casa em chamas. Parecia que eles o tinham encontrado des¬maiado no corredor que levava ao escritório de Drew, situado nos fundos da casa de jogos, onde o fogo estava menos violento do que em todos os outros lugares.

— Ele era um homem tão gentil. — A voz de Caro estava em¬bargada pela emoção.

Dominic vira Ben de vez em quando, durante os anos de suas visitas à casa de jogos; tinha sido impossível não sentir afeição pela aceitação quase infantil do homem mais jovem pelo seu destino na vida.

Portanto, Dominic sabia que seria difícil para todos eles acei¬tarem a morte de um homem tão afável e amigável.

— Ele era — concordou Dominic.

Caro afastou-se de seus braços para se sentar ereta.

— Como isso aconteceu, Dominic? — Ela meneou a cabeça em confusão. — Mal posso acreditar que eu estava tomando chá com ele horas atrás... — Lágrimas começaram a escorrer livre¬mente pelas faces de Caro.

— Sim. — A boca de Dominic se comprimiu com a lembrança de Brown sentado àquela mesa também. — Talvez nós saibamos melhor como o fogo começou, depois que as chamas tiverem morrido e formos capazes de entrar no prédio. — Embora ele soubesse — assim como Drew Butler, sem dúvida, também sa¬bia — que Brown, ou um de seus capangas agindo sob instru¬ções, era o culpado.

— Você acha que Nicholas Brown foi o responsável? Dominic não estava nem um pouco surpreso peja astúcia rá¬pida de Caro.

— Sem sombra de dúvida — confirmou ele com pesar.

— Como outro ato deliberado para lhe causar o máximo de inconveniência possível, ou você acha que ele pretendia que Ben ou Drew... ou talvez ambos... morressem? — O rosto de Caro empalideceu quando ela vociferou a última possibilidade.

Dominic nunca mentira para Caro. Na verdade, suas ações, especialmente naquela manhã, haviam sido honestas até demais em relação a ela. Todos os seus comportamentos hoje, desde fazer amor com Caro até sua proposta grosseira de casamento, tinham sido honestos a ponto da autodestruição!

Dominic sabia que o fato de Caro ter permitido que ele a abraçasse agora, mesmo brevemente, devia-se apenas ao estres¬se por causa da morte de Ben. Uma vez que o choque passasse, eles, sem dúvida, voltariam a brigar.

Ele respirou fundo enquanto escolhia as palavras com cuidado.

— Eu acho que ele fez isso para me causar inconveniência. Ao mesmo tempo, também acredito que Brown não se importou se alguém se machucaria no incêndio — reconheceu Dominic com tristeza, antes de tirar um lenço do bolso e limpar um pouco da fuligem de seu rosto e mãos.

Caro deu um suspiro trêmulo.

— Ben não teria machucado uma mosca.

Lembrando-se daqueles punhos enormes, e das diversas oca¬siões em que ele testemunhara o homem mais jovem empunhá-los, Dominic não estava muito certo da verdade daquela decla¬ração! De qualquer forma, entendia o que Caro queria dizer; nunca houvera maldade nas ações de Ben, enquanto ele fazia seu trabalho, defendendo a casa de jogos.

— Tenho certeza de que foi puro infortúnio Ben ter perecido no fogo. — Dominic não estava tão certo disso quanto parecia, sabendo que, naquela manhã, Nicholas Brown havia testemu¬nhado Ben e Drew trabalhando na casa de jogos, de modo que ela pudesse reabrir o mais brevemente possível.

Caro o estudou com atenção.

— Você honestamente acredita nisso?

— Eu... acredito que esta é uma suposição razoável, sim — re¬plicou ele cuidadosamente.

— Eu não sou criança nem imbecil, Dominic, e, depois de tudo que aconteceu, não espero que você me trate como tal! — A expressão de Caro tornou-se feroz, quando ela obviamente per¬cebera o jeito evasivo dele.

Dominic não tinha dúvidas quanto à maturidade ou inteligên¬cia de Caro, mas não estava em sua natureza confiar seus pensa¬mentos e sentimentos a outra pessoa.

— Eu lhe asseguro que não é minha intenção fazer isso, Caro. Apenas acho que é melhor não vociferar minhas preocupações até que eu tenha certeza absoluta dos fatos.

Ele também não tinha intenção de permitir que ela se envol¬vesse no ajuste de contas que Drew pretendia cobrar de Nicholas Brown. Caro era muito impetuosa, impulsiva demais para se colocar em risco, se acreditasse que isso fosse necessário para vingar Ben.

Não, Dominic tinha todas as intenções de lidar pessoalmente com o sr. Nicholas Brown...

Caro ainda parecia um pouco pálida.

— Eu não posso conceber que uma pessoa faça algo tão... tão atroz, como deliberadamente incendiar um lugar.

Dominic sabia, pela reputação de Brown, que o homem já fizera coisas muito piores no passado. Assim como também sa¬bia — tarde demais para salvar Ben, infelizmente — que depois do ataque a Osbourne, duas noites atrás, e apesar de Drew ter alegado que podia cuidar de si mesmo e de sua própria família, incluindo Ben, Dominic deveria ter insistido em colocar mais guardas de segurança no local. E não tinha feito isso porque estivera tão distraído pela necessidade de proteger Caro que pensara muito pouco em qualquer outra coisa.

Um perigo que agora parecia mais imediato do que nunca; Dominic pensara em garantir a segurança de Caro oferecendo-lhe sua proteção, mudando-a o mais rapidamente possível para a obscuridade de Brockle House. Mas a visita de Brown à casa de jogos naquela manhã tinha exposto Caro, se não como a can¬tora mascarada, então, com certeza, como uma conhecida mais íntima de Dominic do que os primos que eles alegavam ser. Agora, ele temia que o homem soubesse que Caro residia em Brockle House desde aquela manhã...

Dominic compartilhava a ansiedade de Drew para confron¬tar Nicholas Brown, para assegurar que ele pagasse por seus crimes... Na verdade, naquele momento, tudo que mais queria era estrangular o homem com suas próprias mãos, mas sua ex¬plicação para Caro, quando ela previamente ousara questionar sua honra, também era verdade. Um soldado, um oficial, não confrontava seu inimigo até que tivesse todas as suas tropas posicionadas.

E Nicholas Brown era agora certamente seu maior inimigo!

— Caro, eu acho que seria melhor se eu passasse a noite em Brockle House. — Ele a olhou sob pálpebras baixas.

Os olhos dela se arregalaram.

— Acho que ambos já deixamos nossos sentimentos sobre esse assunto muito claros...

— Eu não disse que pretendo compartilhar sua cama — inter¬rompeu Dominic com impaciência. — Apenas que pode ser... mais seguro, talvez, se eu passar a noite em Brockle House.

Caro enrubesceu ao perceber seu engano. É claro que Domi¬nic não pretendia compartilhar sua cama novamente naquela noi¬te; ele não pretendia compartilhar sua cama nunca mais! Algo pelo que ela devia se sentir grata. Entretanto, por algum motivo, não se sentia...

— Você acha que nós dois estamos agora em perigo mortal de possíveis ações de Nicholas Brown?

Dominic deu de ombros.

— Talvez.

Caro estava muito irritada pela reticência de Dominic, pela recusa dele em compartilhar pensamentos e sentimentos com ela. Ele devia ser o homem mais fechado que ela já conhecera... e isso incluía seu pai, que se tornara tão fechado em si mesmo depois que a mãe delas tinha abandonado a família e ido morar em Londres havia dez anos que nunca mais fora emocionalmente inteiro com suas três filhas. Pelo que Caro podia ver, Dominic não compartilhava seus pensamentos e idéias com ninguém.

Muito menos com uma mulher para quem somente havia oferecido casamento se, por algum infortúnio, como ele coloca¬ra aquilo, ela se descobrisse carregando um filho seu!

— Se você sente que é necessário, Dominic, então é claro que tem todo o direito de passar a noite onde é, afinal de contas, sua própria propriedade. — Ela inclinou a cabeça de maneira fria.

Dominic respirou fundo.

— Neste caso, até que esta situação seja resolvida para minha completa satisfação, sinto que é melhor passar todas as minhas noites em Brockle House.

Os olhos verde-mar dela se arregalaram.

— Você não vai achar isso um pouco... restrito? Ele fez uma careta.

— De que maneira? Ela deu de ombros.

— Um arranjo como este não irá... limitar sua liberdade de ir e vir conforme sua vontade?

Dominic deu um suspiro zangado.

— Caro, se você vai sugerir mais uma vez que eu posso ter uma amante instalada numa outra casa em algum lugar de Lon¬dres, e com quem desejo passar as minhas noites, então, deixe-me declarar, de uma vez por todas, que eu não tenho, ou nunca tive, uma amante no verdadeiro sentido da palavra! — Ele a en¬carou com frieza.

— Não? — Caro arqueou as sobrancelhas. — Eu estaria inte¬ressada em saber por que não.

— Então lamento, mas terá de continuar interessada — repli¬cou Dominic. — Depois de apenas alguns dias tendo você como uma figura permanente em minha vida, de me sentir responsável por sua segurança 24 horas por dia, eu estou mais convencido do que nunca que minha decisão de nunca me unir a um arranjo desse tipo foi correta. — Ele pretendeu insultá-la, e soube que tinha sido bem-sucedido quando viu o brilho de raiva nas pro¬fundezas dos olhos verdes de Caro.

Um brilho de raiva que incitara deliberadamente...

— Essa situação pode ser retificada a qualquer momento que você escolher me deixar sair tanto de sua casa quanto de sua presença — devolveu ela de maneira desafiadora.

— Infelizmente isso não será possível. — Dominic suspirou. — Não até que Brown pague pelo que fez. Mas não tenha medo, Caro — acrescentou com zombaria. — Tenho certeza de que Brockle House é grande o bastante para que evitemos passar tempo um na companhia do outro, se isso é o que você deseja.

— Eu desejo isso mais do que qualquer coisa! — Havia um rubor de fúria nas faces de Caro quando ela virou-se para lhe apresentar seu perfil, enquanto olhava pela janela da carruagem.

Dominic reconheceu que tinha sido crueldade de sua parte atormentá-la daquela forma, quando o ato de amor deles acaba¬ra tão desastrosamente mais cedo naquele dia. Quando ela estivera presente no momento em que o corpo de Ben havia sido tirado de dentro do prédio em chamas. Sua única desculpa era que a provocação afastara brevemente o sofrimento de Caro pela morte de Ben, sendo substituído pelo espírito exaltado dela que ele tanto admirava, e o qual era uma parte imensa de sua natureza.

Um espírito que Dominic esperava muito que a ajudasse a enfrentar os dias difíceis que certamente se seguiriam...

 

— Caro, quando eu disse, mais cedo, que você poderia evitar a minha companhia o máximo possível pela duração de sua es¬tadia aqui, não foi com a intenção de que você jantasse em seu quarto, enquanto eu janto sozinho lá embaixo.

Ela permaneceu totalmente impassível diante do tom impa¬ciente na voz de Dominic quando se virou para vê-lo parado junto à porta aberta de seu quarto.

Fazia quase duas horas desde que eles tinham chegado à Brockle House. Dominic parecia ter se banhado e trocado de roupa, usando agora um terno preto, uma camisa branca de linho e uma gravata meticulosamente amarrada. Evidência, talvez, de que naquele ínterim ele mandara vir de Blackstone House tanto seu lacaio quanto suas roupas.

Caro passara aquelas mesmas duas horas tentando aceitar o fato de que Ben Jackson estava morto. Aceitar que seu amigo perecera num incêndio que Dominic acreditava ter sido causa¬do deliberadamente por Nicholas Brown, ou por um de seus associados.

Durante anos, ela se revoltara e lutara contra a vida protegida que tinha sido forçada a levar em Hampshire, com o resultado de que não hesitara em colocar seu plano em ação, uma vez que decidira fugir de Londres como um meio de evitar a chegada de seu guardião e sua oferta indesejada de casamento. Acreditara ser totalmente capaz de cuidar de si mesma, e que passar diversos dias em Londres seria uma aventura excitante, da qual se lem¬braria para o resto de sua vida.

Nada em sua vida anterior poderia tê-la preparado para a re¬alidade triste que testemunhara hoje.

Ela meneou a cabeça devagar.

— Eu não jantei no meu quarto.

Dominic fez uma careta, entrando no cômodo.

— Neste caso, por que não? Ela deu de ombros.

— Eu não estou com fome.

— Caro...

— Dominic, por favor! — Caro levantou-se, também tendo to¬mado banho e colocado um vestido cor-de-rosa. — Como eu posso comer quando, toda vez que penso no destino do pobre Ben, sinto-me totalmente nauseada?

A expressão de Dominic se suavizou quando ele percebeu que, embora tivesse tido um pequeno alivio do charme tentador de Caro nas últimas duas horas, sugerindo que evitar a compa¬nhia um do outro não havia sido benéfico somente para ela, po¬dia ver a evidência das lágrimas que Caro derramara, quando estava sozinha, nos olhos vermelhos e faces pálidas.

— Não vai ajudar mais se você adoecer...

— Você não pode esperar que eu coma quando Ben está dei¬tado morto no necrotério! — A voz de Caro tremeu de emoção, e ela enterrou o rosto nas mãos, os ombros tremendo, quando, mais uma vez, começou a chorar de forma lastimosa.

Dominic sentiu um aperto no peito ao testemunhar o desespero de Caro, dando os dois passos que o capacitavam a envolvê-la nos braços, acomodando-lhe a cabeça contra seu peito enquanto ela chorava. Ele nunca se sentira à vontade com as lágrimas de uma mulher, e, depois das intimidades que eles haviam compartilhado, achou particularmente difícil suportar as lágrimas de Caro. E foi ainda mais difícil quando ela passou os braços ao redor de sua cintura e deslizou os dedos quentes pelas costas dele.

Deus querido! Desejo, excitação era a última coisa que ele deveria estar sentindo quando ela estava tão triste. Entretanto, por mais que tentasse, Dominic não conseguiu controlar a ereção entre suas coxas, enquanto Caro aninhava o corpo suave contra o seu. Ela descansava contra ele com tanta confiança! E com certe¬za não tinha os mesmos pensamentos de desejo, enquanto conti¬nuava chorando baixinho. Sua própria resposta física àquela con¬fiança era inapropriada, e ele tentou não demonstrar como se sentia, zangando-se com a traição de seu próprio corpo.

 

No momento em que suas lágrimas começaram a parar, Caro sentiu uma mudança na atmosfera entre ela e Dominic. Uma tensão, uma intimidade que invadiu seus sentidos com uma su¬tileza que era tanto traiçoeira quanto inegável. O ar ao redor deles pareceu mais espesso, e ela estava subitamente ciente do calor do corpo másculo e da respiração irregular de Dominic, enquanto o peito dele levantava e abaixava contra seu rosto. Ela também se tornou cônscia da ereção crescente contra a suavidade de suas próprias coxas.

Sua respiração ficou presa na garganta quando levantou a ca¬beça lentamente para fitá-lo, sabendo, pelo brilho intenso nos olhos prateados que encontraram os seus, que não estava enga¬nada quanto ao estado atual de excitação de Dominic.

Ela umedeceu os lábios antes de falar:

— Dominic, como é possível que estejamos experimentan¬do... este desejo, depois de tudo o que aconteceu hoje? — Ela estava confusa... quase envergonhada... pelos sentimentos que agora inundavam seu próprio corpo.

Dominic meneou a cabeça.

— Eu vi isso dúzias de vezes em soldados depois de uma ba¬talha — murmurou ele com voz rouca. — Acho que é uma neces¬sidade, um desejo, de reafirmar o lugar de uma pessoa no mundo mortal, após um confronto com a morte.

Caro ofegou.

— O fato de eu me sentir assim agora não é horrível para mim?

A expressão dele se suavizou.

— Parece horrível para você?

— Não. — A ponta da língua rosada de Caro umedeceu os lábios uma segunda vez. — Eu... é como se, como você disse, eu sentisse a necessidade de saber que nós dois ainda estamos vivos.

Dominic a olhou com intensidade, um olhar que ela encon¬trou sem vacilar.

— Permitirá que eu faça amor com você, Caro? — perguntou ele gentilmente.

Os olhos verdes dela se arregalaram.

— Mas eu pensei que você tivesse deixado muito claro que nós não poderíamos repetir os eventos desta manhã.

— Nós não iremos repetir.

Ela franziu a testa em perplexidade.

— Eu não entendo. Dominic deu um sorriso.

— Há muitas maneiras de se fazer amor, minha querida. Mui¬tas delas não envolvem a penetração, que poderia tão facilmente resultar numa gravidez.

Caro enrubesceu.

— Eu entendo. E você irá... me mostrar essas outras manei¬ras? — As faces dela estavam coradas, os olhos, brilhantes.

Mas não com vergonha ou desconforto, notou Dominic com admiração, e sim com curiosidade e excitação. Ele sabia que não deveria permitir que aquilo acontecesse, que deveria se re¬cusar a aceitar o convite nos olhos dela. Mas, enquanto a estu¬dava, viu o mesmo desejo em Caro que pulsava em seu próprio corpo, e soube que não conseguiria ir embora dali, como certa¬mente deveria fazer.

Dominic também tivera tempo para pensar desde que eles haviam se separado após chegar a Brockle House mais cedo. Para perceber que Caro poderia ter ido visitar Drew e Ben na Nick's naquela tarde, em vez de naquela manhã. Para reconhe¬cer que ela poderia ter estado dentro da casa de jogos com os outros dois homens quando o fogo começou, e facilmente visu¬alizar o pesadelo do que poderia ter sido... Caro deitada no ne¬crotério, em vez de Ben Jackson...

O que talvez explicasse por que ele se sentira tão ansioso quando Denby lhe dissera, pouco tempo atrás, que Caro pedira para informá-lo que ela não desceria para jantar. Qualquer que fosse a razão, independentemente de quão mais as coisas pudes-sem se complicar se eles fizessem amor de novo, Dominic sabia que aquilo era algo que necessitava desesperadamente fazer.

Caro saiu dos braços dele para se virar de costas, antes de olhar para trás.

— Acredito que devemos começar removendo meu vestido?

Ele respirou fundo e estudou a expressão determinada de Caro por diversos segundos, antes de erguer as mãos para come¬çar a abrir os botões nas costas do vestido. Apenas para hesitar após abrir meia dúzia daqueles pequenos botões.

— Você tem certeza de que quer fazer isso?

— Eu tenho muita certeza, Dominic — murmurou ela, então inclinou a cabeça para a frente, a fim de revelar a frágil vulnera¬bilidade de sua nuca.

Aquilo era mais do que qualquer homem podia suportar e, no momento, Dominic não era capaz de resistir à absoluta convic¬ção de Caro no que eles estavam prestes a fazer. E, depois que ele desabotoou o vestido cor-de-rosa, permitindo-lhe cair no ta¬pete aos pés dela, antes que Caro pisasse fora do tecido e se vi¬rasse para ele, somente numa combinação transparente que re¬velava os seios firmes com mamilos escuros, e os cachos dou¬rados entre as coxas, não houve mais espaço para resistência nos pensamentos de Dominic. Seu desejo saiu completamente de controle quando ela deslizou as alças da combinação pelos bra¬ços delgados, deixando a última peça de roupa cair aos seus pés também, e ficando totalmente nua na frente dele.

Dominic pretendia ser gentil, em consideração ao desconfor¬to que ela ainda devia estar seguindo como resultado do ato de amor deles naquela manhã. Mas foi uma gentileza que Caro re¬jeitou com firmeza, indo ousadamente para seus braços, antes que erguesse a cabeça, de modo que seus lábios pudessem cap¬turar os dele. O beijo se tomou feroz, ardente, enquanto ela lhe removia o paletó e o colete, então enfiava as mãos por dentro da camisa para lhe acariciar o peito nu.

Dominic retornou o ardor do beijo, mesmo enquanto rasgava sua camisa em duas partes para lhe permitir melhor acesso à sua pele. As unhas de Caro roçavam os mamilos rijos aninhados entre pelos escuros sedosos que cobriam o peito largo, os bicos intumescidos de seus próprios seios pressionados contra os músculos do abdômen reto. Dominic gemeu dentro de sua boca quando as mãos confiantes e carinhosas de Caro desceram len¬tamente para manusear a extensão de sua ereção contra o confinamento da calça.

Uma ereção que não permaneceu confinada, uma vez que Caro abriu rapidamente os seis botões na lateral da calça dele, antes de afastar a aba para o lado e envolver o pênis ereto no calor de seus dedos.

Dominic afastou-se do beijo, emitindo um gemido gutural com as carícias torturantes.

— Sim, Caro! Oh, Deus, sim!

— Diga-me como lhe dar prazer, Dominic — encorajou ela suavemente.

A respiração dele ficou presa na garganta.

— Beije-me aqui, tome-me na doçura de sua boca! — O gemi¬do dele foi profundo quando Caro ajoelhou-se na sua frente, aqueles olhos verde-mar encontrando os seus com firmeza, en¬quanto ela deliberadamente abria os lábios inchados por seus beijos e o tomava no calor de sua boca.

Os joelhos de Dominic quase dobraram completamente quando ele observou-a lhe dando prazer, as mãos se movendo para os cachos dourados, enquanto ela continuava as manipula¬ções deliciosas, até que ele soube que perderia o controle. Preci-sava prová-la antes que isso acontecesse, queria lhe dar prazer da mesma maneira.

Dominic ignorou o olhar de censura de Caro quando ele gentilmente afastou-se dos toques e se levantou. Ergueu-a nos braços e carregou-a para deitá-la na cama, acomodando-lhe a cabeça sobre os travesseiros. Caro observou quando ele tirou as botas, antes de remover o resto das roupas e se ajoelhar entre suas pernas. Os olhos escuros prenderam os seus por um breve momento, então Dominic abaixou a cabeça entre suas coxas apartadas e deslizou a língua ao longo de sua abertura, antes de massagear-lhe o botão sensível, sentindo-o pulsar no ritmo de seus toques.

— Olhe para mim, Caro! — instruiu ele.

Ela obedeceu, então gritou quando Dominic continuou provocando-a com a língua, sentindo o prazer começar a se cons¬truir em seu interior. Preenchendo-a com calor. Derretendo seus membros. Caro jogou a cabeça para trás nos travesseiros, en-quanto seus quadris se erguiam em resposta aos toques enlouquecedores.

Aquele prazer saiu de controle quando mãos grandes e quen¬tes subiram para capturar ambos os seus seios, antes que ele rolasse seus bicos entre o indicador e o polegar, a liberação de Caro atingindo-a com a força de uma onda gigantesca, até que ela quase desfalecesse contra os travesseiros.

Dominic ajoelhou-se na cama para observá-la deitada ali, re¬pleta e nua contra os travesseiros.

— Minha vez agora, amor — murmurou ele com a voz rouca.

Caro estava muito ciente da ereção quando se ajoelhou e abaixou-se na cama para beijá-lo lentamente, desde a base até a ponta, antes de tomá-lo inteiro no calor de sua boca.

Aquilo foi demais para Dominic, que já estava excitado tanto pelo gosto de Caro em sua boca quanto pelas carícias que rece¬bera antes. Ele apertou as mãos sobre os ombros dela e atingiu um clímax poderoso, triunfante...

 

Caro alisava gentilmente os cabelos escuros de Dominic, a ca¬beça dele descansando contra seus seios, enquanto eles permane¬ciam aconchegados após o ato de amor selvagem e satisfatório.

Ela não sentia desconforto ou vergonha; sabia que ambos ti¬nham precisado do que acabara de acontecer, que Dominic estivera correto ao dizer que eles necessitavam afirmar seu apoio precário na mortalidade, e o silêncio entre os dois agora sugeria companheirismo, em vez de desconforto.

Dominic levantou um pouco a cabeça para fitá-la, aqueles olhos prateados reservados.

— Eu não fui muito rude com você?

— De modo algum — tranquilizou-o ela sem hesitação. — Eu fui muito rude com você? — devolveu a pergunta, ciente de que também tinha sido menos do que gentil.

Ele sorriu antes de voltar a deitar a cabeça sobre seu seio.

— Não de urna maneira que eu não gostaria de repetir, se, ou quando, você estiver neste humor.

Caro sentiu o rosto queimar ao se recordar do jeito que acari¬ciara e beijara Dominic tão intimamente. Ela não tinha conhecimento do ato de amor entre um homem e uma mulher além das coisas que ele lhe ensinara nos últimos dias; entretanto, deleita-ra-se em tocar e beijar a beleza da ereção viril.

— Eu não me sinto mais tão... vazia. — A voz dela estava rou¬ca de emoção.

— Nem eu — reconheceu Dominic suavemente.

Caro franziu o cenho quando um pensamento lhe ocorreu.

— Você sabe se Ben tinha família?

Os ombros de Dominic ficaram tensos sob as carícias dos dedos de Caro.

— Ele tem uma irmã, eu acho. A sra. Grey.

— Ela ficará profundamente triste pela morte dele.

— Assim como nós todos estamos — disse Dominic com pe¬sar. — Drew ficou de ir encontrá-la assim que pudesse sair do local do incêndio. Eu pedi que ele transmitisse meus pêsames, e também que lhe dissesse que eu irei procurá-la amanhã para discutir os arranjos do funeral, se for isso que ela deseja.

— Eu gostaria de ir ao funeral.

A tensão nos ombros de Dominic aumentou.

— Não tenho certeza se essa é uma boa idéia...

— Esse não foi um pedido, Dominic — insistiu Caro. — Você... você já viu muita gente morrer? — perguntou ela, antes que ele pudesse vociferar mais alguma objeção.

— Mais do que eu gosto de lembrar — admitiu ele com tristeza.

Caro suspirou:

— Minha mãe morreu quando eu tinha 10 anos, e ela não esta¬va em casa conosco quando isso aconteceu. — Ela adquiriu uma expressão sofrida ao se recordar das circunstâncias sob as quais sua mãe falecera. — Meu pai morreu apenas alguns meses atrás, mas ele estava doente há um bom tempo e, na verdade, foi mais uma libertação feliz para ele do que um choque para... a família.

Dominic estava ciente de que as peças do quebra-cabeça que formavam a vida de Caro eram dadas raramente e de forma econômica, mas ela falara o bastante agora para informá-lo que não era de um pai que Caro estava fugindo, e sim, talvez, de um marido.

Ele não pôde resistir de olhá-la e provocá-la um pouquinho:

— Eu acredito que você disse a Drew que a morte havia sido de uma tia solteirona meses atrás, que a deixou sem teto e sem um tostão.

Dois círculos rosados se formaram nas faces de Caro.

— Eu falei isso, sim.

— E?

Ela deu um suspiro irritado.

— Que diferença faz se foi um pai ou uma tia solteirona?

— Nenhuma... exceto talvez para este pai ou esta tia. — Do¬minic depositou um beijo lento e demorado sobre a lateral do seio dela, como um pedido de desculpa por provocá-la sobre o que ambos sabiam que era uma invenção total da vida anterior de Caro. Mas ele se sentia muito relaxado, muito saciado para questioná-la a sério nesse momento. Aquele contentamento re¬laxado não o preparou para a próxima pergunta de Caro:

— Obviamente, se você é um conde, seu próprio pai não está mais entre nós, mas e quanto ao resto de sua família? Sua mãe, por exemplo?

Toda a sensação de relaxamento desapareceu, assim como todo o contentamento, quando Dominic se sentou num movi¬mento abrupto.

— Morta também. Ambos morreram quando eu tinha 12 anos. Caro arfou.

— Seus dois pais?

— Sim.

— Juntos?

— Não. Caro...

— Por favor, não vá embora, Dominic! — Ela segurou-lhe o braço quando ele ia se levantar, seu olhar suplicante quando Dominic pausou para olhá-la. — Se você não quer falar sobre seus pais, então nós não falaremos — prometeu ela.

Dominic concentrou-se nos cachos soltos dos cabelos de Caro espalhados sobre o travesseiro. Os olhos verde-mar esta¬vam com uma linda luminosidade, os lábios sensuais levemente inchados pelos beijos que eles haviam compartilhado. O rosto estava corado, assim como a pele delicada dos seios, os mamilos rijos e rosados de suas carícias. A expressão de Dominic se suavizou, antes que ele mais uma vez abaixasse a cabeça para descansá-la sobre um daqueles seios macios, sua mão movendo-se para segurar o seu gêmeo.

— Não há mais nada a dizer sobre meus pais, além de que eles estão mortos.

— Mas sua mãe, pelo menos, devia ser muito jovem quando morreu?

Dominic suspirou.

— Tinha 32 anos na ocasião do acidente. Meu pai tinha 38 quando escolheu segui-la, apenas dias depois.

Caro enrijeceu, seu coração disparando violentamente sob a cabeça de Dominic.

— Ele escolheu segui-la?

Dominic já aprendera a não subestimar a inteligência de Caro, e, com essa pergunta, ela mais uma vez provou que ele tinha sido sábio em não fazer isso.

— Sim.

A garganta de Caro se moveu convulsivamente quando ela engoliu em seco, antes de falar:

— É possível que você esteja dizendo que seu pai tirou a pró¬pria vida?

Dominic se sentou e se afastou dela. Caro foi sensata o bas¬tante — ou ainda estava muito perplexa — para não tentar detê-lo, nem com palavras nem com ações. Ele deu de ombros.

— Ele amava muito minha mãe, e obviamente não viu razão para continuar vivendo sem ela.

— Mas ele tinha um filho pequeno para criar!

— É óbvio que ele não sentiu que eu era motivo suficiente para continuar vivendo. — Dominic se levantou e começou a ves¬tir a calça que descartara com tanta avidez apenas minutos atrás.

Caro estendeu o braço e puxou o lençol até o queixo, enquan¬to o observava com olhos arregalados e incrédulos.

— Meu pai também amava muito minha mãe, e ficou devas¬tado quando ela faleceu. Mas, mesmo assim, não acho que ele sequer tenha contemplado a idéia de tirar a própria vida. Aceitou que tinha outras responsabilidades e...

Dominic bufou de maneira desdenhosa, interrompendo o res¬to da sentença dela.

— Obviamente seu pai era feito de um material mais forte do que o meu.

— Eu não acho que essa era a questão...

— E eu acho que já falamos sobre isso o bastante por uma noite! — O brilho nos olhos prateados era perigoso.

Caro baixou o olhar.

— É somente que eu não entendo como qualquer homem, por mais arrasado que se sinta por uma perda, pode deliberadamente tirar a própria vida, deixando um filho de 12 anos sozinho no mundo.

— Eu lhe disse por quê! — Dominic pausou para encará-la, depois de vestir o que restava de sua camisa rasgada. — Ele ama¬va tanto minha mãe que não tinha desejo de viver sem ela.

A compaixão nos olhos verdes enquanto Caro o olhava quase o fez desmoronar. As lembranças dolorosas que aquela conversa evocava eram como um peso insuportável sobre ele.

— Estou certo de que meu pai se sentia justificado por suas ações, Caro — murmurou Dominic.

Caro continuou teimando:

— Eu não acho que possa haver alguma justificativa para dei¬xar um garoto de 12 anos sozinho, sem nenhum dos pais.

As sobrancelhas escuras de Dominic se arquearam, sua ex¬pressão dura e inflexível: os olhos acinzentados frios, o maxilar tenso realçando a cicatriz no rosto, a boca comprimida numa linha fina.

— Nem mesmo se este garoto de 12 anos... o próprio filho dele... fosse responsável pela morte da mulher que ele amava?

Caro arfou em choque, toda a cor sendo drenada de seu rosto, enquanto ela fitava Dominic com imensos olhos verde-mar.

 

Dominic sabia que a expressão horrorizada no rosto de Caro era perfeitamente justificada; sem dúvida, ela só podia estar sen¬tindo horror até mesmo diante da sugestão de que um garoto de 12 anos fosse responsável por matar a própria mãe. Mais ainda que isso pudesse ser verdade...

Não que Dominic tivesse feito o cocheiro de sua mãe deixar a estrada e cair dentro do rio. Ele também não tinha fechado a porta da carruagem, de modo que fosse impossível para ela es¬capar quando o veículo afundou e a água começou a inundá-la. Nem ele fisicamente segurara a cabeça de sua mãe dentro da água até que ela se afogasse.

Não, Dominic não tinha feito essas coisas pessoalmente. De qualquer forma, sabia que era tão culpado pela morte de sua mãe quanto se tivesse feito cada uma delas.

Caro balançou a cabeça em negação.

— É ridículo até mesmo sugerir que você possa ter feito uma coisa dessas.

— É?

— Muito ridículo — disse ela com convicção.

— Você não acredita que eu seja capaz de matar alguém? — Ele a olhou de forma zombeteira.

— É claro que você matou no calor da batalha — replicou ela. — É assim que as coisas são. Mas eu não acredito que você seja capaz de machucar uma mulher, muito menos matar sua própria mãe.

— Ora, Caro, tenho certeza de que você deve me conhecer bem o bastante a essas alturas para perceber que eu sou capaz de todo tipo de coisa. Seduzir, não uma vez, mas duas vezes, a jo¬vem que tomei sob meus cuidados, é uma delas. — Ele parecia desgostoso consigo mesmo.

— Eu fui tão instrumental quanto você em ambas as sedu¬ções. — Caro enrubesceu com culpa, enquanto se levantava para pegar sua combinação, prendendo o cinto ao redor de sua cintu¬ra. — Eu também creio que você só está falando essas coisas so¬bre sua mãe para me chocar.

Dominic deu um sorriso irônico.

— Eu estou sendo bem-sucedido?

— Eu estou desapontada por você sentir que precisa dizer coisas que não podem ser verdadeiras...

— Oh, mas elas são verdadeiras — interrompeu ele, o tom de voz sedoso, os olhos se estreitando sobre ela em desafio. — Eu, e somente eu, sou o responsável pela morte de minha mãe.

Mais uma vez, Caro pôde ver a crueldade na expressão de Dominic. Sim, não tinha dúvida de que, se ele considerasse a morte de alguém necessária, então seria frio e decisivo, até mes¬mo violento, na execução de tal morte. Mas o tom de voz gentil, e amoroso que Caro ouvira na voz dele ao falar da mãe dizia-lhe que ele não poderia ter culpa na morte dela. Além disso, o que um garoto de 12 anos sabia sobre matar alguém?

— Conte-me como ela morreu, Dominic — pediu Caro.

— Que diferença faz a maneira como minha mãe morreu?

— Toda a diferença do mundo — respondeu ela mal-humora¬da. — Por que você me disse estas coisas se não queria que eu o questionasse? — Embora ela suspeitasse que aquilo tivesse algu¬ma coisa a ver com Dominic pensar que merecia ter pesso¬as — mulheres, mais especificamente — sentindo afeição por ele.

Mas talvez aquela também fosse uma indicação de que Dominic temia que ela estivesse se apaixonando por ele? Caro estre¬meceu por dentro. O fato de ele estar determinado a frustrar uma emoção tão suave, se ela existisse, era humilhante. Mais do que humilhante, se ele adivinhasse seus sentimentos corretamente.

Em contraste, Dominic era um homem difícil de ler. Isso era deliberado, Caro tinha certeza. Externamente ele era um homem arrogante e intransigente, que ridicularizava todas as emoções suaves. Todavia, ao mesmo tempo, mostrara uma preocupação profunda pelo ataque ao seu amigo, lorde Thorne. E, em vez de ficar furioso mais cedo pela perda de sua casa de jogos, como muitos cavalheiros teriam ficado, Dominic revelara dor e raiva pela morte do pobre Ben.

E a preocupação de Dominic pela segurança e bem-estar de Caro também era inegável, mesmo que ele se esforçasse para declarar que tinha sido forçado a salvá-la do próprio comporta¬mento impulsivo dela!

Ele podia dar todos os tipos de justificativas para seu com¬portamento, mas Caro tinha visto o homem por trás desse, e não participaria daquilo.

— Eu quero a verdade, Dominic, por favor!

Ele arqueou sobrancelhas zombeteiras.

— E depois você me revelará a verdade sobre si mesma?

Caro estava num dilema. Sem dúvida, ele considerava tal tro¬ca de informações justa. E provavelmente era. Exceto que ela não podia confiar sua própria situação a ele, muito menos agora, quando, tendo refletido bastante, mais cedo naquela tarde, deci¬dira que, com ou sem guardião, ela deveria voltar para Shoreley hall logo depois do funeral de Ben.

Uma vez de volta a Shoreley hall, assumiria o papel de lady Caroline Copeland. Sendo assim, não havia a menor razão para que ele soubesse mais alguma coisa sobre Caro Morton, uma mulher que não existia no pequeno círculo de conhecidos que ela fizera em Londres.

Ela respirou fundo.

— Eu devo recusar.

Os lábios de Dominic se curvaram.

— Então, parece que estamos num impasse.

— As duas situações são completamente distintas. — Caro ex¬pressou sua impaciência diante da teimosia dele. — Eu não aca¬bei de alegar ter matado alguém!

— Como eu sei que você não se livrou dessa "tia solteirona" ou de seu pai antes de fugir para Londres? — Dominic a fitou com sarcasmo.

Porque não havia tia solteirona, e, é claro, Caro não estivera envolvida na morte de seu pai! Mas a segunda parte da declara¬ção dele, em relação à sua fuga para Londres, estava muito per¬to da verdade para conforto...

— Eu acho que você está apenas tentando fugir do assunto, fazendo acusações ridículas — disse ela.

— Você pode pensar o que quiser — retorquiu Dominic. — No que diz respeito à minha mãe, e ao modo como ela morreu, eu não tenho o desejo de discutir mais o assunto. Com você ou com outra pessoa qualquer. — A finalidade no tom de voz não permi¬tia mais discussão. — Creio que irei lhe desejar boa-noite agora, Caro. — Ele fez uma breve reverência, antes de atravessar o quarto, pausando ao chegar à porta. — Se você quiser, eu manda¬rei alguém lhe trazer o jantar.

— Isso não será necessário, obrigada. — Caro sentia ainda menos vontade de comer do que antes. Ben ainda estava morto, e contemplar uma refeição após as intimidades que ela e Domi¬nic haviam acabado de compartilhar era impossível. Ademais, a recusa dele em continuar discutindo a morte da mãe a deixara com mais perguntas do que respostas, principalmente agora, quando temia ter se apaixonado por ele!

 

A expressão de Dominic escureceu em fúria quando ele retor¬nou a Brockle House no fim da manhã seguinte, acompanhado de Drew, e foi informado por um preocupado Denby que a sra. Morton e o sr. Brown estavam tomando chá juntos no Salão Dourado.

O mero fato de que Nicholas Brown tinha ido lá já era preocu¬pante. O fato de que Caro escolhera recebê-lo, sabendo tudo que sabia sobre o outro homem, era mais do que preocupante, consi¬derando que Dominic a conhecia por sua natureza impulsiva!

— Droga, Denby. — Ele olhou para o homem que uma vez ti¬nha sido seu auxiliar pessoal no exército, mas que, agora, por conveniência, estava se passando por seu mordomo. — De que adiantou eu instalá-lo aqui para proteger Caro, quando você dei¬xa a maior ameaça dela entrar pela porta da frente?

O outro homem lhe enviou um olhar aflito.

— A sra. Morton estava passeando no parque... ela estava acompanhada de minha esposa — acrescentou Denby rapida¬mente quando Dominic pareceu perto de outra explosão. — Pa¬rece que, quando ela estava voltando para casa, viu o sr. Brown descendo da carruagem e parou para falar com ele.

O que parecia exatamente o tipo de coisa que Caro faria, per¬cebeu Dominic com frustração. Também percebeu que Brown devia ter mandado seguir os dois no dia anterior, para que sou¬besse que encontraria Caro em Brockle House.

— Isso ainda não explica por que você permitiu que o homem a acompanhasse para dentro da casa.

— Eu tentei impedir que isso acontecesse...

— Minha esposa está no Salão Dourado com eles, meu lorde.

— Fico aliviado em ver que você não perdeu o juízo comple¬tamente — ironizou Dominic.

— Nós estamos perdendo tempo aqui, meu lorde. — Drew pôs a mão firme sobre o braço de Dominic. — Brown pode ser um patife na melhor das ocasiões, e eu realmente não acho que de¬vemos deixar Caro continuar lidando sozinha com ele por mais tempo. Talvez ela também fale mais do que deveria...

— Caro tem mais bom-senso que uma...

— Ela é apenas idealisticamente jovem — interrompeu-o ho¬mem mais velho, de maneira diplomática.

— Nada que umas boas palmadas não curariam! — assegurou Dominic ao outro homem, enquanto atravessava o hall para abrir a porta do Salão Dourado, observando a expressão determinada no rosto de Caro, enquanto ela permanecia sentada no sofá, olhando para Nicholas Brown, que estava de pé ao lado da lareira apagada, parecendo relaxado e indiferente.

— Perdoe-me por você ter tido de receber nosso visitante so¬zinha, Caro.

Ela teve um sobressalto de susto ao som gelado da voz de Dominic. E uma olhada para o rosto furioso dele foi suficiente para informá-la do quanto ele estava insatisfeito por ter voltado a Brockle House para descobrir que, apesar de todos os seus avisos, ela escolhera convidar Nicholas Brown para entrar, quando o homem tivera a audácia de chegar à frente da casa com sua carruagem, alguns minutos mais cedo.

Dominic, sem dúvida, estava ciente de que o único propósito de Caro para convidar o outro homem para um chá — sabendo que ele era o responsável pela morte de Ben e pelo ataque a lorde Thorne — era confrontá-lo com sua traição! Algo que ela estivera prestes a fazer segundos antes que Dominic chegasse, acompanhado por Drew Butler.

Na verdade, Caro experimentou certo alívio com a chegada dos dois homens. Todas as suas tentativas de desafiar o vilão com suas ações horríveis tinham sido frustradas por ele, que, de modo suave e charmoso, começara uma série de fofocas e discursos vazios des¬de o instante em que eles haviam entrado no Salão Dourado. Caro até mesmo começara a duvidar da convicção de Dominic, e da sua própria convicção, de que Brown era responsável por alguma coi¬sa além de ter tido o infortúnio de ganhar uma má reputação!

— A que devemos o prazer de sua visita, Brown? — Dominic — obviamente não nutria tais dúvidas, enquanto mantinha o olhar gelado fixo no homem mais velho.

Brow arqueou as sobrancelhas escuras e zombeteiras.

— Eu meramente vim para prestar meus respeitos à sra. Morton.

— Verdade? — Os dentes de Dominic mostraram um sorriso predatório.

— Eu soube que ela estava presente quando o incêndio ocor¬reu ontem à tarde — murmurou Brown com suavidade.

O maxilar de Dominic enrijeceu.

— E daí?

— Eu queria me assegurar de que ela estava bem de saúde, é claro. — O sorriso de Brown era preguiçosamente confiante. — Mulheres são criaturas tão frágeis, não são?

Dominic não perdeu a ameaça naquela única observação. Sentiu o sangue gelar nas veias com o pensamento daquele ho¬mem tocando num fio de cabelo dourado na cabeça de Caro. Ele apertou os lábios.

— Motivo pelo qual os homens, presumivelmente, foram cria¬dos para protegê-las. — Os dois estavam fazendo aquele jogo de ameaças veladas. E, uma vez que o jogo em questão obviamente envolvia Caro, Dominic tinha todas as intenções de Vencer.

Como era de esperar, Caro foi incapaz de permanecer silen¬ciosa diante da observação de Dominic:

— Eu sou perfeitamente capaz de me proteger, Dominic.

— Todas as evidências mostram o contrário, minha queri¬da — disse ele com irritação.

O rosto dela corou lindamente.

— Seu...

— Eu também estou muito feliz em ver que a senhora se re¬cuperou da experiência horrível de ontem, sra. Morton — inter¬rompeu Drew de modo tático.

Caro deu-lhe um sorriso agradecido.

— Digo o mesmo em relação a você.

— Oh, creio que será necessário mais do que um incêndio para acabar comigo — disse ele, com um olhar significativo na direção de Brown.

— Meus parabéns pela escapada sortuda, Drew — provocou o outro homem.

— Eu gostaria que Ben tivesse tido a mesma sorte — murmurou Drew.

Os olhos castanhos duros de Brown brilharam com satisfação.

— Tamanho desperdício de uma vida tão jovem...

— Um desperdício desnecessário — concordou Drew fria¬mente.

— Eu soube que você teve uma manhã movimentada, Brown? — Dominic sentiu que era hora de interferir, antes que a raiva de Drew saísse de controle e levasse a uma situação caótica enquan¬to Caro ainda estava presente. Dominic e Drew tinham conversa¬do mais cedo, e concordado que isso não deveria acontecer. Se ela não estivesse presente agora, a conversa, sem dúvida, teria deixado de ser educada muito tempo atrás!

Até mesmo o pensamento de Caro estar em qualquer lugar por perto quando o verniz da cortesia fosse removido daquela situação, para revelar a feia verdade que todos eles conheciam, foi o bastante para enviar um calafrio de medo pela coluna de Dominic. Ele não tinha dúvidas, apesar de toda a elegância de Brown nas roupas impecáveis, de que o outro homem carregava uma faca, ou talvez até um revólver pequeno, escondido em al¬gum lugar do corpo. Assim como Dominic acreditava que Caro seria o alvo de Brown se aquela situação explodisse em violên¬cia agora...

— Realmente? — murmurou Brown. Dominic assentiu.

— Eu fui informado pela irmã de Ben, a sra. Grey, que você a ajudou, financiando os arranjos para o funeral de amanhã.

Brown deu de ombros.

— Era o mínimo que eu podia fazer nas circunstâncias.

— E que circunstâncias são estas? — perguntou Dominic. Nicholas Brown encontrou-lhe o olhar sem piscar.

— Ben era meu empregado, e foi leal a mim, por muito mais tempo do que foi a você.

Aquilo era o mesmo que declarar que tinha sido essa mudan¬ça de lealdade da parte de Ben — e, sem dúvida, da parte de Drew também — o que essencialmente levara à morte do jovem homem. Que Brown teria ficado mais do que feliz se tanto Drew quanto Ben tivessem perecido no incêndio do dia anterior, como retribuição pelo fato de que eles haviam escolhido continuar ser empregados pelo novo dono da Nick's, em vez de partir.

Assim como a visita de Brown a Caro era outra ameaça vela¬da? O fato de que o vilão claramente soubera onde Caro residia agora era, no modo de pensar de Dominic, uma evidência tangí¬vel daquela ameaça...

— Acho que está na hora de você ir embora, Brown. — Domi¬nic tivera de tentar ser educado o bastante com aquele homem.

— Caro parece um pouco pálida. Sem dúvida, ela precisa descan¬sar depois dos eventos de ontem e de toda essa conversa sobre morte e funerais, hoje. — Ele tocou o sino para Denby.

Caro sabia que sua aparência devia estar menos do que per¬feita, mas ainda não tivera a oportunidade de falar tudo que queria para o sr. Nicholas Brown! Além do mais, tinha ficado sem fala diante da educação — pelo menos superficialmente — que permeara a conversa entre os três homens. Por que Dominic ou Drew não confrontavam o homem? Por que não declaravam sua desconfiança e exigiam uma explicação? Era o que ela pre¬tendera fazer, até que havia sido calada pelo charme lisonjeiro do homem!

— Tendo agora me certificado de seu bem-estar, Caro, acho que eu vou indo — murmurou Drew com suavidade.

Mas não com suavidade suficiente para que Caro não perce¬besse o nervosismo por baixo do tom brando de sua voz.

— Sem dúvida, nós nos encontraremos amanhã novamente, no funeral de Ben.

Brown arqueou as sobrancelhas, numa expressão surpresa.

— Você irá ao funeral? Caro o olhou friamente.

— Mas é claro que irei...

— Isso ainda será decidido. — Dominic deu alguns passos à frente para erguer uma das mãos de Caro e enganchá-la firme¬mente no seu braço, de modo que os dois ficassem agora lado a lado, encarando Brown.

O gesto foi tão obviamente possessivo que Caro não pôde evitar tomar consciência disso. Assim como estava cônscia dos dedos quentes de Dominic apertando os seus, enquanto ele man¬tinha a mão dela ancorada na curva de seu braço.

— Dominic...

— É hora de se despedir do sr. Brown e de Drew agora, Caro — instruiu ele de maneira rígida.

Como se ela fosse uma criança precisando ser lembrada de seus bons modos! Ou como se Dominic pretendesse silenciá-la antes que ela tivesse a chance de fazer ou falar alguma coisa que acabaria com aquela educação falsa e tensa. Ela firmou a boca com determinação.

— Talvez, antes que ele vá embora, eu possa perguntar ao sr. Brown...

— Tenho certeza, Caro, de que quaisquer perguntas que você tenha para o sr. Brown podem esperar até outro dia. — Aqueles dedos longos pressionaram os de Caro mais uma vez.

— Talvez amanhã, no funeral de Ben? — perseverou ela.

Os olhos prateados de Dominic brilharam para ela em aviso.

— Talvez.

As faces de Caro ruborizaram de raiva.

— Isso é ridículo...

— Ah, Denby. — Dominic virou-se para o mordomo, que en¬trava silenciosamente na sala. — O sr. Brown e o sr. Butler estão partindo.

— Mas...

— Despeça-se de nossas visitas, Caro. — O brilho perigoso nos olhos de Dominic a desafiou a fazer qualquer coisa além disso.

Por mais que quisesse acusar Nicholas Brown, Caro tinha sabedoria suficiente para perceber quando Dominic chegava ao limite de sua paciência. E a rigidez do corpo que estava ao seu lado informou-a que ele chegara a tal limite algum tempo atrás.

Caro despediu-se dos dois homens de maneira distraída, sua agitação tão grande agora que ela mal podia se conter.

Era uma falta de contenção que Dominic claramente ecoava, enquanto esperava que os visitantes saíssem e que Denby fe¬chasse a porta com firmeza, antes de libertar a mão de Caro e circulá-la furiosamente.

— O que você achou que estava fazendo ao convidar, calma¬mente, Brown para entrar aqui? Não, não me diga, eu sei muito bem quais eram as suas intenções!

— Alguém deve confrontar o sr. Brown...

— E alguém irá confrontá-lo — assegurou-lhe Dominic com ferocidade. — Mas não você, Caro. Nunca você! E, se ousar... se até mesmo ousar me acusar de agir com covardia por não con¬frontá-lo pessoalmente agora, então eu devo avisá-la, Caro, que não terei outro recurso senão lhe dar as palmadas que alguém deveria ter lhe dado muito tempo atrás!

Ela empalideceu.

— Eu não tinha intenção de acusá-lo de covardia!

— Isso é alguma coisa, suponho — murmurou Dominic com mau humor.

Caro o conhecia bem o bastante para saber que ele podia ser tão perigoso quanto Nicholas Brown, se escolhesse ser. Não que ela tivesse perdido o olhar letal que ele havia direcionado a Brown ao entrar no salão, minutos atrás.

A diferença entre os dois homens era que, é claro, Dominic era um homem de honra. De integridade. Um cavalheiro. Um cavalheiro que a fizera se comportar como menos do que a lady que era desde o momento em que eles haviam se conhecido!

Mas esse pensamento não tinha nada a ver com a conversa atual dos dois!

— Mas eu não entendo por que nem você nem o sr. Butler desafiou o sr. Brown, tanto pelo ataque a lorde Thorne quanto pelo incêndio que resultou na morte de Ben. — Ela franziu o cenho numa expressão confusa.

— Talvez porque nós dois estávamos empenhados em prote¬ger você?

— Eu?

Dominic meneou a cabeça diante da expressão surpresa de Caro. Apesar de ter passado uma semana cantando numa casa de jogos para cavalheiros, e, apesar de tudo que acontecera nos últimos dias — incluindo o ato de amor deles —, ela continuava sendo uma garota inocente. Caro não podia conceber, parecia, que Nicholas Brown era mais do que capaz de matá-la ali mesmo onde ela se encontrava, sem se importar com as con¬seqüências.

Entretanto, Dominic temia agora que a visita de Brown àque¬la casa hoje significava que ele tinha decidido, por implicação, se não por ação ainda, concentrar o foco de suas maldades na própria Caro...

 

Aquela era uma ameaça que Dominic pretendia levar muito a sério.

— Eu decidi, agora que Brown deixou tão óbvio que sabe sobre o seu paradeiro, que, para sua própria segurança, seria uma boa idéia se você fosse levada imediatamente de Londres para minha fazenda em Berkshire.

Caro arregalou os olhos, inicialmente em choque, em segui¬da com indignação. Ela já tinha passado uma noite em Blackstone House, outra em Brockle House, ambas propriedades do conde de Blackstone. Mudar-se agora para a fazenda dele em Berkshire era inaceitável. Além disso, havia o insulto adicio¬nal de que ele nem se incomodara em consultá-la antes de to¬mar a decisão.

Caro meneou a cabeça com firmeza.

— Não.

Ele se tornou imóvel, os olhos se estreitando.

— Não?

Caro deu de ombros.

— Não, Dominic. Eu devo poder opinar para onde vou e o que faço... E isso faz eu me sentir como um parente indesejado, que você precisa mudar de uma casa para outra, a fim de evitar a sua companhia.

Se Caro realmente fosse um parente seu, então Dominic a teria colocado sobre seus joelhos e dado palmadas naquele tra¬seiro bonito, dias atrás. Pela tolice dela, por sua completa falta de cautela em ir sozinha para Londres, e, por conseguinte, co¬locar-se no meio de uma situação altamente volátil. E, agora, Dominic estava sendo visto — por Brown, se por ninguém mais — como sendo o protetor de Caro.

— No que se refere ao assunto de sua segurança, Caro, sinto que você tem de fazer como eu quero.

— Não, Dominic, eu não tenho. — Os olhos verdes intensos o desafiaram, enquanto ela erguia o queixo de modo prepoten¬te. — Eu não tive a oportunidade de lhe dizer isso antes, mas já era minha intenção ir embora de Londres amanhã, depois do funeral de Ben.

— Ir para onde, posso saber? — Ele a fitou com raiva.

— Não, você não pode... Dominic! — Caro protestou quan¬do ele segurou-lhe o pulso com força. — Você não conseguirá me forçar à obediência simplesmente pelo uso da força bru¬ta — falou ela calma e claramente, a expressão acusatória en¬quanto o olhava.

Dominic não pretendia forçá-la a obedecer ou machucá-la de alguma maneira. Mas somente o pensamento de um homem como Brown poder causar algum sofrimento a ela comprimia seu peito.

Assim como o pensamento de Caro deixando Londres. Dei¬xando-o...

Ele também duvidava, caso aquela discussão atual entre os dois não tivesse acontecido, de que teria se incomodado em informá-lo de sua intenção de deixar Londres, muito menos lhe contado onde ele poderia achá-la, se ele desejasse vê-la novamente.

Se ele desejasse vê-la novamente?

Dominic soltou o braço de Caro para se afastar de maneira abrupta, as sobrancelhas se unindo, enquanto ele a estudava en¬tre pálpebras semicerradas. Não havia dúvida de que ela era uma jovem linda, de tirar o fôlego. Ou que apenas olhá-la agora, naquele vestido verde, e imaginar as curvas nuas por baixo o preenchia com o desejo de fazer amor com ela de novo. Mas certamente isso era tudo que Caro era, e podia ser, para ele? Somente uma linda mulher que, pelo momento, ele sentia uma necessidade de proteger? Imaginar que ela pudesse significar mais do que isso era inaceitável para um homem que tinha deci¬dido, muito tempo atrás, que não queria ou precisava de uma mulher específica em sua vida. Especialmente se pudesse amar essa mulher o bastante para que a morte dela o levasse à mesma loucura que seu pai sofrera após a morte da mãe de Dominic.

Ele balançou a cabeça.

— Você sabe que eu não posso permitir isso, Caro.

— Por que não? — Ousar ter a esperança de que ele sentisse a mesma tristeza com o pensamento de os dois se separando era pedir demais, ela sabia.

Ele parecia irritado agora.

— Porque Brown ainda é uma ameaça.

— Para mim?

— Caro, como você imagina que Brown sabia que você esta¬va aqui em Brockle House?

Ela arregalou os olhos lentamente.

— Ele nos seguiu ontem?

— Exatamente — replicou Dominic. — E, até que ele esteja... até que ele responda pelos crimes que cometeu, eu devo insistir que, se você não concordar em ir para minha fazenda em Berkshire, pelo menos deve concordar em permanecer em Bro-ckle House por enquanto.

Caro o estudou, notando a expressão determinada no rosto dele, a. luz de combate nos olhos escuros.

— Você pretende lidar com o sr. Brown pessoalmente, não é?

Dominic respirou fundo, desejando, não pela primeira vez, que Caro não fosse tão astuta quanto era linda. Ou tão direta em vociferar suas opiniões e observações perspicazes.

— Isso é para a justiça...

— Dominic, eu já lhe pedi diversas vezes que você não me trate como criança ou como imbecil.

Ele suspirou perante a óbvia irritação dela.

— Muito bem, então. Sim, se a lei não for suficiente para fa¬zer justiça no caso de Brown, então eu não hesitarei em lidar com ele pessoalmente.

— Como?

— Eu acho que é melhor que você não saiba dos detalhes.

— Dominic.

— Caro! — exclamou ele em exasperação. — Não é o bastante saber que eu a respeito, a admiro, até mesmo gosto de você? — per¬guntou Dominic. — E que é porque eu sinto todas estas coisas a seu respeito que não quero envolvê-la mais do que você já está envolvida nesta confusão.

Caro sabia, pelo tom implacável na voz de Dominic, que ele não lhe falaria mais sobre o assunto. Assim como sabia que ter o respeito, a admiração e o afeto dele, apesar de se sentir secre¬tamente estimada, nunca seria o bastante para ela. Caro queria que Dominic sentisse muito mais do que isso. Precisava que ele a amasse da mesma forma que ela percebeu que o amava. Com¬pletamente. De maneira irrevogável.

Quem poderia ter imaginado que, ao ir para Londres daquele jeito, ela encontraria o homem por quem se apaixonaria louca¬mente? Com certeza não Caro, que apenas pensara em evitar ser coagida a um casamento que não queria. Em vez disso, conhe-cera o homem que amaria pelo resto de sua vida, e ele não que¬ria se casar com ela...

Caro afastou-se, unindo as mãos trêmulas à sua frente, sa¬bendo que seu orgulho jamais permitiria deixá-lo ver o quão profundamente se apaixonara.

— Entendo que, por enquanto, é melhor que eu permaneça aqui. Mas eu realmente desejo partir assim que você sentir que isso é seguro — acrescentou ela com firmeza.

Dominic estudou-a entre pálpebras estreitas.

— Com a intenção de retornar para sua família?

— Sim. E, por favor, não me pergunte para onde, ou quem é esta família — disse ela, ao ver que era exatamente o que Domi¬nic estava prestes a fazer. — Assim como eu não devo saber nada sobre suas ações em relação ao sr. Brown, você também não deve saber detalhes do meu destino.

Ele endireitou o corpo, abruptamente.

— E se você precisar falar comigo em algum momento no futuro?

Se ela descobrisse que estava esperando um bebê, ele queria dizer...

— Então eu saberei onde encontrá-lo — replicou Caro. Dominic suspirou.

— Sabe, Caro, não há muitas pessoas que eu considero ami¬gas a ponto de permitir que uma delas apenas saia de Londres e desapareça para sempre.

Dominic pensava neles como sendo amigos?

Sabendo como e por que, depois de ouvir a triste história dos pais dele, Dominic evitava elos emocionais de qualquer tipo. Caro não pôde evitar sentir-se lisonjeada pelo fato de que ele a considerava uma amiga. Infelizmente, ela queria ser muito mais do que apenas uma amiga para ele!

— Estou certa de que você tem muito mais amigos do que lorde Thorne, Drew Butler e eu — disse ela em tom leve.

— Talvez — concedeu Dominic secamente. — Osbourne e eu passamos o último mês em Veneza com um de nossos amigos mais antigos e íntimos.

Veneza?

Caro enrijeceu, mal ousando respirar enquanto estudava Dominic. Ele tinha passado um mês em Veneza recentemente? Onde lorde Gabriel Faulkner, conde de Westbourne desde a morte do pai de Caro, e agora guardião das três irmãs — o mes¬mo homem que enviara o advogado com a oferta de casamento para uma das três irmãs Copeland, sem ao menos conhecê-las —, morara pelos últimos dois anos, pelo menos?

Caro sabia que Veneza era uma cidade grande, com uma po¬pulação maior ainda, de venezianos e muitos turistas. Entretan¬to, não conseguia dissipar seus sentimentos de inquietude com o conhecimento de que Dominic tinha passado um mês lá. Onde ele, sem dúvida, se socializara tanto com a aristocracia venezia¬na quanto com membros da sociedade inglesa que atualmente ali residiam. Possivelmente incluindo lorde Faulkner?

— Talvez você tenha a chance de conhecê-lo — continuou Dominic. — Westbourne está voltando para a Inglaterra nos pró¬ximos dias — explicou, diante do olhar interrogativo de Caro.

Westbourne!

Os medos de Caro tinham acabado de se tornar realidade.

Dominic não apenas conhecia lorde Faulkner, mas os dois homens eram obviamente amigos íntimos por diversos anos. Pior de tudo, Dominic estava esperando que Westbourne che¬gasse à Inglaterra a qualquer dia! Sem dúvida, uma das primei¬ras coisas que ele faria era visitar o amigo, lorde Vaughn... E Dominic acabara de lhe dizer que apresentaria os dois!

Caro andou cuidadosamente até uma cadeira e se sentou, sa¬bendo que suas pernas corriam o risco de não sustentá-la por muito mais tempo. O que ela iria fazer? Se, como Dominic dis¬sera, ele estava esperando o conde de Westbourne chegar à In¬glaterra dentro de dias — possivelmente hoje —, então Caro não podia mais continuar em Londres, se quisesse evitar ser desco¬berta, apesar do que tinha prometido para Dominic mais cedo.

Não que lorde Faulkner fosse reconhecê-la como alguém além de Caro Morton, ali em Londres. Mas ela nunca pretende¬ra que sua ausência de Shoreley hall e a separação de suas irmãs amadas fossem permanentes, o que significava que Westbourne um dia seria apresentado para sua protegida, lady Caroline Copeland. Se ele já tivesse sido apresentado a Caro Morton, as re¬percussões para todos eles quando isso acontecesse seriam enormes!

Caro realmente queria ir ao funeral de Ben antes de voltar para Shoreley hall, e o pensamento de deixar Dominic tão breve era muito doloroso, mas o conhecimento da chegada de seu guardião à Inglaterra significava que ela não possuía escolha senão partir agora.

Caro Morton precisava parar de existir imediatamente.

— Caro?

Ela endireitou a coluna, pondo uma máscara de cortesia social no rosto, reconhecida como lady Caroline Copeland, quando olhou para cima e viu a preocupação na fisionomia de Dominic.

— Sim?

— Você me promete não sair de casa desacompanhada até que este problema seja resolvido?

Ela não podia fazer tal promessa e ser honesta. Não agora.

— Acho que eu não sou tão tola em tentar uma coisa dessas, agora que você me alertou para o fato de que Nicholas Brown está vigiando cada movimento meu.

Dominic assentiu, aparentemente não percebendo a evasão na resposta dela.

— Eu estarei fora pelo resto do dia, mas espero voltar a tempo para que nós jantemos juntos esta noite.

— Estarei esperando ansiosamente por isso. — Eles tinham se tornado quase como estranhos nos últimos minutos, reconheceu Caro com tristeza, a amizade de Dominic com lorde Faulkner e o conhecimento de sua própria partida iminente de Londres pa¬recendo ter desfeito os elos tênues da amizade entre os dois. Caro podia sentir o ardor de lágrimas em seus olhos.

— Acho que eu vou subir para descansar. — Dominic tinha de sair de lá. Agora. Antes que aquelas lágrimas ameaçadoras co¬meçassem a cair e ele exigisse saber o motivo delas. Ela duvida¬va que Dominic apreciasse saber que seu coração estava se des¬pedaçando diante do mero pensamento de se separar dele.

 

Agora que a hora tinha chegado, Dominic sentiu uma estranha relutância em se separar de Caro, mesmo que por algumas horas.

Ele praguejou silenciosamente. A parte a amizade de longa duração com Osbourne e Westbourne, nunca se permitira qual¬quer outro tipo de envolvimento emocional. No entanto, estava ciente de que havia formado algum tipo de amizade nos últimos dias com Drew Butler e Ben Jackson.

E formara uma amizade com Caro também...

Uma amizade que Dominic sabia que acontecera porque ti¬nha sido incapaz de negar o respeito e a admiração que sentia pela coragem e determinação que ela lhe mostrara desde o pri¬meiro encontro dos dois. Ele sentiria ainda mais a falta de Caro quando ela tivesse permissão para retornar ao seu lar e família. Mas era uma amizade que Dominic não podia permitir que con¬trolasse suas ações ou seu julgamento.

Ele se levantou.

— Até de noite, então. — Inclinou a cabeça numa despedida, antes de se virar e andar determinadamente para fora da sala.

Caro esperou tempo suficiente para ter certeza de que ele se fora, antes de permitir-se dar vazão às lágrimas. Lágrimas quen¬tes e impiedosas que quase a fizeram desmoronar. Com o pensa¬mento de nunca mais ver Dominic. Com o conhecimento de que nunca mais experimentaria o calor de estar naqueles braços for¬tes. De que nunca mais o beijaria. Nunca mais vivenciaria a beleza do ato de amor deles.

Caro chorou até que não restassem mais lágrimas a ser derra¬madas. Até que tudo que restasse fosse o conhecimento de que tinha de deixar aquela casa imediatamente.

Tinha de deixar Londres.

E Dominic...

 

Uma vez do lado de fora, Dominic dispensou a carruagem na qual ele e Butler haviam chegado mais cedo, decidindo que uma caminhada para a casa da sra. Wilson, a fim de visitar Osbourne uma última vez antes que a tia o mandasse convales¬cer no campo, seria muito mais benéfica para clarear os pensa¬mentos perturbadores que o vinham atormentando desde que percebera o quanto sentiria quando Caro fosse embora de Lon¬dres para sempre.

Exceto que seus pensamentos permaneceram confusos pela duração de sua caminhada, e enquanto conversava com o insa¬tisfeito, porém resignado, Osbourne. E continuaram perturbando-o depois que ele saiu na calçada da casa da sra. Wilson.

Ele pretendera almoçar no seu clube, antes de voltar para Blackstone House e trabalhar lá durante a tarde inteira, de modo que ficasse livre para passar mais uma noite em Brockle House.

Entretanto, não fez nenhuma dessas coisas. Em vez disso, seus pés o levaram na direção de Brockle House. De volta para Caro.

Seu comportamento era totalmente ilógico. Sem preceden¬tes. Ele sentia um desejo de estar com ela ao qual sabia que de¬veria resistir. Mas não foi capaz...

Assim como não foi capaz de acreditar em seus próprios olhos quando se aproximou de Brockle House e viu Caro andan¬do apressadamente na sua direção. Sozinha. Estava vestida com uma capa escura e com aquele capuz marrom feio na cabeça, o qual deveria ter sido incinerado junto com os vestidos desmazelados, mas que, de alguma maneira, não tinha sido. E carregando a mala na qual os pertences dela haviam sido transportados para Brockle House.

Caro parou abruptamente, seus olhos se arregalando em alar¬me ao ver um Dominic furioso andando em sua direção. Não podia ser! Dominic saíra para trabalhar, e só deveria voltar no fim do dia. Ele não estava lá realmente, aquilo era um produto de sua imaginação, causado pelo terrível sofrimento que estava experimentando com o pensamento de se separar dele.

— Aonde você pensa que vai? — O aperto de mãos grandes em seus braços parecia real o bastante, assim como a expres¬são feroz com a qual ele a encarava. — Responda-me neste ins¬tante, Caro!

Dominic era real! Estava realmente ali!

Caro não conseguia respirar. Não conseguia pensar. Podia apenas olhar para o rosto de Dominic e saber que o amava com desespero...

— Sua tola! — Ele a sacudiu, os olhos brilhando no rosto bo¬nito. — Você não percebe o perigo no qual se colocou, aventurando-se a sair sozinha, dessa forma?

— Por que você está aqui? — Caro balançou a cabeça em confusão. — Você disse que ficaria ocupado pelo resto do dia. Falou que...

— Eu sei o que falei, Caro — interrompeu ele. — Assim como sei que você mentiu para mim quando disse que ia descansar em seu quarto pelo resto da manhã. Obviamente aproveitou-se de minha ausência para fazer sua mala e fugir, sem ao menos uma palavra de despedida!

— Eu... — Caro umedeceu os lábios secos.

— Para onde você vai? — demandou Dominic, sacudindo-a de leve mais uma vez. — O quê...? — Ele parou de modo abrupto, os olhos de repente se arregalando.

— Dominic? — Caro o fitou sem compreender, vendo aque¬les olhos prateados rolarem na cabeça, antes de se tornarem completamente vidrados, sua boca ficando frouxa e as mãos grandes soltando seus braços quando ele começou a cair lenta¬mente no chão.

Revelando, para o olhar apavorado de Caro, o homem corpu¬lento de aparência brutal que estava atrás dele, algum tipo de bastão numa das mãos, antes que alguma coisa, fosse jogada so¬bre sua cabeça para apagar toda a visão, enquanto Caro se sentia sendo erguida e carregada para longe...

 

Caro não tinha idéia por quanto tempo estava sendo mantida prisioneira naquele quarto opulentamente mobiliado. Pareciam horas; todavia, também podiam ter sido minutos. O tempo per¬dera a importância desde que ela vira Dominic cair no chão, depois de receber um golpe na parte de trás da cabeça.

Nenhum de seus pensamentos angustiados desde então ha¬viam sido sobre si mesma; estava muito preocupada se o golpe na cabeça de Dominic tinha sido forte o bastante para matá-lo.

Uma vida sem Dominic era impensável. Inimaginável. E tor¬nava insignificante qualquer preocupação que Caro pudesse ter com seu próprio bem-estar. Ela se tornara prisioneira de Nicholas Brown, é claro. Não podia haver outra explicação para o que ocorrera. Mas nada disso importava para Caro, se Dominic esti¬vesse morto agora.

Ela se levantou e andou, com impaciência, ao redor do quar¬to, até que parou em frente à janela. Uma janela coberta com barras do lado de fora, e com vista para um jardim murado e isolado, resguardado por árvores que impossibilitavam que quaisquer das casas vizinhas vissem o jardim ou a casa.

Era um isolamento do qual Caro já tinha ciência, pois a jane¬la tinha sido o primeiro lugar que ela checara para escapar, uma vez que conseguira se livrar do cobertor que fora mantido ao seu redor, enquanto havia sido colocada numa carruagem e trans¬portada para essa casa.

Houvera dois homens dentro da carruagem com ela e, embo¬ra o cobertor não lhe permitisse ver o rosto deles, Caro pôde facilmente concluir que um deles tinha golpeado Dominic, e o segundo era o homem que parara atrás dela e jogara o cobertor sobre sua cabeça. Nenhum dos homens se dignara a responder a suas demandas repetitivas durante a jornada, para saber se eles haviam ou não matado Dominic.

Até agora, ela não vira sinal de Nicholas Brown...

Caro sabia que deveria estar com medo do homem. Que os homens que ele empregava eram responsáveis pela morte de Ben e pelos ferimentos severos que lorde Thorne adquirira di¬versas noites antes. Que aqueles mesmos homens podiam tam¬bém ter matado Dominic...

Todavia, Caro estava com muito ódio de Brown para sentir medo dele. Sentia desprezo pelo homem, porque todos aqueles atos tinham sido covardes, administrados de tal maneira que nem Brown nem nenhum de seus homens corressem qualquer risco de perigo. Ódio porque, se Dominic estivesse realmente morto em algum lugar, então Caro se sentia capaz de dar o mes¬mo destino a Brown, se tivesse a menor oportunidade.

Um soluço estrangulado subiu à sua garganta. Dominic não podia estar morto! Aquela era uma possibilidade horrível de¬mais até mesmo para contemplar...

Caro virou a cabeça abruptamente ao ouvir a chave girar na fechadura da porta, erguendo o queixo de maneira orgulhosa, seus olhos verdes se enchendo do desprezo que sentia, quando Nicholas Brown entrou no quarto.

— Sra. Morton — cumprimentou ele, com seu usual charme relaxado... Como se eles estivessem trocando amenidades numa sala de estar! — A senhora está confortável, eu espero? — acres¬centou ele com cortesia, enquanto permanecia parado junto à porta do quarto.

Ela ergueu mais o queixo, com desdém.

— Eu testemunhei um homem sendo... derrubado no chão diante de meus olhos. — Caro reuniu sua coragem, após ga¬guejar, enquanto falava do ataque a Dominic, determinada a não mostrar a menor fraqueza para aquele homem. — Eu fui levada de maneira rude em um cobertor fedorento, seqüestra¬da numa carruagem, e estou sendo mantida prisioneira neste quarto por algum tempo. Sim, sr. Brown, eu estou muito con-fortável, obrigada.

Admiração rancorosa brilhou naqueles olhos castanhos frios.

— Eu entendo agora por que Blackstone ficou tão encantado por você — murmurou ele.

Aquela era uma admiração que Caro não valorizava nem um pouco. Assim como não acreditava que Dominic algum dia se encantara por ela. Mas tal pensamento foi o bastante para lhe dar coragem de continuar na mesma linha de ataque:

— Infelizmente, eu o considero tão desprezível que você nem mesmo tem o direito de falar o nome de lorde Vaughn.

Ele estreitou os olhos castanhos, parecendo ficar tenso.

— Veremos o quanto você ainda o achará maravilhoso quan¬do ele fracassar em resgatá-la a tempo de minhas garras "des¬prezíveis".

A única parte daquela declaração que importava para Caro era a indicação de que Dominic ainda estava vivo! Ela relaxou por dentro. Se aquilo fosse verdade, se Dominic ainda estivesse vivo, então se ele teria ou não sucesso em resgatá-la não impor¬tava. Caro somente queria que ele estivesse seguro.

Ela arqueou sobrancelhas sarcásticas.

— Dominic vale cem... não, mil... de você. Brown fez uma careta, mostrando irritação.

— Talvez você deva esperar para fazer comparações sobre quem é o melhor homem depois que eu a levar para a cama?

Os olhos de Caro haviam se arregalado antes que ela tivesse a chance de controlar sua reação diante daquela declaração chocante.

— Não encontrará em mim uma parceira de cama disposta, sr. Brown — assegurou-lhe, o queixo ainda erguido em desafio.

A boca de Brown se torceu num sorriso zombeteiro.

— Eu estou contando com isso, sra. Morton — murmurou Brown. — Blackstone me tomou minha posse favorita, e agora estou saboreando a antecipação de tomar a dele — declarou em tom irônico, antes de sair do quarto e fechar a porta.

Caro sentou-se na cama com fraqueza, perguntando-se como algum dia tinha sido enganada ao pensar que Nicholas Brown fosse alguma coisa além do que era: um homem bai¬xo e desprezível, sem honra, ou, na verdade, sem nenhuma virtude.

Ela podia apenas esperar que, se Dominic ainda estivesse vivo, ele procurasse por ela, e a encontrasse, antes que Brown decidisse cumprir sua ameaça.

 

— Estão todos em posição, meu lorde — falou Drew Butler sua¬vemente ao lado de Dominic, enquanto os dois homens estavam escondidos no vão da porta da casa em Cheapside, que pertencia a Nicholas Brown.

A casa onde Dominic esperava — e rezava — encontrar Caro. Viva. E ilesa. Qualquer outra opção era inaceitável para ele.

O que diria a Caro uma vez que eles estivessem novamente seguros em Brockle House, nisso Dominic ainda não ousara pensar. Ainda não tinha se recuperado do choque que sentira ao recobrar a consciência mais cedo e descobrir que Caro não esta-va em parte alguma.

— Tem certeza de que está apto para isso, meu lorde? — vo¬ciferou Drew sua preocupação. — O golpe em sua cabeça foi severo e...

— Vamos acabar logo com isso, Drew. — Ele levantou os dois revólveres em suas mãos, pronto para arrombar a porta da frente da casa de Brown. — Haverá muito tempo para preocu¬pação sobre o golpe que recebi na cabeça depois que nós en¬contrarmos Caro e eu me assegurar de que ela não sofreu dano algum nas mãos de Brown. — A expressão no rosto dele mos¬trava o que aconteceria ao homem se Caro tivesse sofrido de alguma maneira...

Dominic havia bebido um copo de uísque mais cedo, a fim de recobrar bem os sentidos, então mandado chamar Drew Butler, e depois levado Drew e os homens que tinham servido no exér¬cito sob seu comando para o estúdio em Brockle House, de modo que eles pudessem elaborar um plano para efetuar um resgate, sem ferir Caro no processo.

Passar mais de duas horas observando as idas e vindas dos homens de Brown naquela casa em Cheapside, de modo que eles pudessem contar o número de adversários que teriam de enfrentar uma vez que entrassem, quase esgotara a paciência de Dominic. E agora não podia mais esperar para invadir a casa e resolver seu assunto com Brown de uma vez por todas.

E, muito mais importante, para saber que Caro estava segura e intocada...

 

Caro sentia sede e fome enquanto estava deitada na cama, tendo passado diversas horas sem que alguém lhe oferecesse qualquer tipo de refresco. Mas não se sentia inclinada a chamar a atenção de alguém, quando não tinha mais visto Nicholas Brown pela mesma extensão de tempo.

Era...

Caro sentou-se abruptamente quando ouviu o som de estron¬dos estranhos, levando diversos segundos — e mais alguns da¬queles estrondos altos — antes que ela percebesse que o que es¬tava ouvindo eram tiros.

Dominic!

Ela se levantou da cama e correu para a porta trancada, pressionando o ouvido contra ela, a fim de tentar ouvir alguma coisa do que estava acontecendo do outro lado. Homens gri¬tando. Pés correndo. Mais tiros. E então um silêncio não natu¬ral e misterioso...

Caro afastou-se da porta, incerta se Dominic e os homens que o acompanhavam eram os vencedores da batalha, ou se eram Nicholas Brown e seus homens. Se fosse a última opção...

A chave estava sendo virada na fechadura!

A maçaneta estava girando.

A porta estava se abrindo...

— Dominic! — gritou Caro com alegria ao vê-lo parado ali, alto e no comando, sua alegria se transformando em horror, e seu rosto empalidecendo, quando ela viu sangue no paletó e ca¬misa dele. Atravessou o quarto correndo. — Você está ferido!

— Esse sangue não é meu, Caro. — Ele teve tempo de tranquilizá-la antes que a envolvesse nos braços e a pressionasse contra seu peito.

Ela inclinou a cabeça para trás, a fim de fitar-lhe os olhos.

— É o sangue de Nicholas Brown? O maxilar de Dominic enrijeceu.

— Nós lutamos, e o revólver entre nós disparou. Ele está morto, Caro — acrescentou ele com a voz baixa.

— Eu fico feliz! — murmurou Caro com fervor. — Ele que¬ria... ele ameaçou...

— Não pense mais nisso, minha querida. — Dominic não su¬portaria saber agora quais ameaças Brown tinha feito a Caro, se ela não tivesse sido resgatada. Também não queria pensar na batalha e nas mortes que haviam acabado de ocorrer.

Todas as conversas e explicações poderiam ficar para mais tarde. Tudo que ele queria agora era continuar abraçando-a em segurança...

 

— O médico não aprovaria que você bebesse uísque tão pouco tempo depois de ter recebido aquele golpe forte na cabeça! — Caro estava parada perto da porta do estúdio em Brockle House, olhando para Dominic de modo desaprovador.

Na verdade, a cabeça dele estava doendo mais do que tinha doído naquela manhã. Mas, mesmo que o médico que fora cha¬mado não aprovasse suas ações, Dominic sabia que uma dose do bom uísque, seu primeiro depois de ter levado Caro de volta para Brockle House duas horas antes, era necessária, se quisesse ter a conversa que precisava ter com ela. Talvez, até precisasse mais de uma dose antes que a noite terminasse...

Tinha sido uma tarde difícil para todos eles... explicações a serem dadas para os representantes da lei, arranjos a serem feitos para a remoção do corpo de Brown e dos corpos dos homens dele.

Com tantas testemunhas para o que acontecera, e com o pró¬prio testemunho de Caro de seu seqüestro e das intenções de Brown em relação a ela, não tinha sido difícil persuadir as au¬toridades de que Brown e seus homens eram as partes culpadas, e Dominic e seus homens meramente efetuaram um resgate. Na verdade, ele desconfiava que alguns membros da lei haviam ficado satisfeitos por se ver livres de Nicholas Brown de uma vez por todas.

Caro, como Dominic devia ter esperado, permanecera mara¬vilhosamente firme durante toda a situação estressante.

— Entre e feche a porta, Caro — pediu Dominic suavemente agora, inclinando-se sobre a mesa com tampo de couro.

Ela fez como ele pediu, perturbada pela aparência dele, havia um brilho quase acinzentado na pele normalmente bronzeada, sombras escuras sob os olhos. A boca estava comprimida numa linha fina e o maxilar estava visivelmente tenso.

— Os... eventos desta tarde lhe causaram repugnância? — per¬guntou ele, com a voz rouca.

Caro o estudou por um longo momento, mas foi incapaz de ler alguma coisa no humor dele pela expressão facial.

— Como eu poderia me sentir repugnada quando sei que, se você não tivesse conseguido matar Brown, então seríamos nós dois que estaríamos mortos agora?

Ele deu um sorriso irônico.

— Houve diversas ocasiões em que você me deu a impressão de que não consideraria minha morte uma coisa tão ruim.

— Eu era jovem e tola...

— E agora você é madura e muito mais sábia? — provocou ele.

Caro sentiu suas faces queimarem com rubor.

— Eu me sinto... mais velha do que esta manhã, com certeza.

A expressão de Dominic foi sofrida.

— Eu sinto muito por isso.

— Por que você deveria sentir? — Ela o fitou com expressão interrogativa. — Nicholas Brown é responsável por minha nova maturidade, Dominic, e não você. Ele... se você não tivesse me resgatado, ele disse que pretendia...

Dominic se levantou e envolveu-a firmemente nos braços.

— Eu já lhe disse que não lhe fará bem algum continuar pensando sobre isso — murmurou ele. — Já é ruim o bastante que eu tenha de pensar, imaginar esse horror, sem saber que isso a machuca também. — Os braços de Dominic se apertaram ao redor dela.

Caro ergueu a cabeça para olhá-lo novamente.

— Pensar sobre isso o machuca tanto assim, Dominic? Os olhos cor de prata brilharam.

— Quase tanto quanto o conhecimento de que você estava me deixando.

— Eu não estava deixando você, Dominic. — Ela suspirou. — Eu apenas pensei que seria melhor voltar para casa...

— Sem ao menos se despedir? Sem me dar a menor pista de onde eu poderia encontrá-la novamente? — O semblante de Dominic se tomou feroz, os olhos acinzentados reluzindo com emoção reprimi¬da, enquanto ele a encarava.

Caro umedeceu os lábios secos com a ponta da língua, uma esperança, um sonho começando a se construir e crescer em seu interior.

— Você teria querido me encontrar novamente?

— Como pode até mesmo me perguntar isso? — Dominic ba¬lançou a cabeça de leve em exasperação. — Você não sabe... não percebeu ainda o quanto eu a amo?

— O que você disse? — Caro mal ousava acreditar nas emo¬ções que agora podia ler nos brilhantes olhos prateados. Cari¬nho. Admiração. Amor!

— Eu a amo, Caro — repetiu ele com a voz rouca. — Acha que, depois de tudo o que aconteceu, se eu me ajoelhasse e suplicas¬se, você algum dia seria capaz de me amar em retorno e consi¬derar ser minha esposa?

Ela corou ao se lembrar da ocasião na qual lhe dissera aque¬las palavras.

— Se bem me recordo, você tinha acabado de me dizer que nosso ato de amor foi um erro...

— Então foi o erro mais maravilhoso, mais glorioso do mun¬do! — murmurou ele com firmeza, enquanto lhe segurava o ros¬to entre mãos gentis. — Eu fui um tolo, Caro. Um tolo arrogan¬te. Minha única desculpa... se pode haver alguma... é que nunca conheci uma mulher como você antes. Jamais conheci uma mulher com sua coragem, sua generosidade de espírito, sua honestidade. Eu a amo muito, Caro. E, se um dia você puder aprender a me amar, prometo que irei amá-la pelo resto de nossas vidas juntos. Você me dará a chance de lhe mostrar o quanto eu a amo, Caro? Uma chance para persuadi-la a apren¬der a me amar? — acrescentou com menos segurança.

Foi aquela insegurança não característica que convenceu Caro de que ela não estava sonhando, afinal de contas. Mesmo num sonho, não teria dado insegurança a um homem que sem¬pre conhecera como autoconfiante e seguro, tanto das próprias emoções quanto das emoções daqueles ao seu redor!

Todavia, Dominic parecia não ter idéia de que ela também se apaixonara por ele.

— Meu querido — começou Caro com voz gentil —, eu já sou apaixonada por você...

— Meu amor! — Dominic ergueu-a entusiasmadamente nos braços, antes de cobrir-lhe a boca com a sua.

Caro ainda estava tão impressionada pela declaração de amor e pelo pedido de casamento de Dominic que, por diversos minu¬tos prazerosos, tudo que pôde fazer foi corresponder à paixão daqueles beijos.

Foi algum tempo depois que sua sanidade retornou.

— Eu entendo que o conde de Blackstone não poderia se ca¬sar com uma mulher como Caro Morton...

— Eu posso me casar com quem bem entender — declarou ele, com o retorno de sua arrogância usual. — E escolho me casar com você, se me aceitar, Caro — acrescentou com determina¬ção. — Não me importo com quem ou o que você é. Ou do que está fugindo. Eu a amo. E é meu desejo mais profundo... meu único desejo... torná-la minha esposa.

Isso, mais do que qualquer outra coisa, finalmente convenceu Caro da profundidade do amor de Dominic por ela. Ele era um lorde, um conde, e, entretanto, estava pedindo em casamento uma mulher que apenas conhecia como uma cantora numa casa de jo¬gos. Uma mulher com quem já tinha feito amor. Duas vezes!

Ela mordiscou o lábio inferior brevemente.

— Eu devo lhe dizer que minha mãe fugiu com o amante quando eu era criança, e mais tarde foi morta por ele com um tiro, quando ele a pegou nos braços de outro amante.

Dominic traçou-lhe o lábio inferior com o polegar, os olhos repletos do amor que alegava sentir por ela.

— Eu já disse que não me importo sobre o seu passado, meu amor, e realmente não me importo — jurou ele. — Além disso, você não é responsável pelas ações de sua mãe.

— Assim como você não é culpado pela morte de sua própria mãe.

Dominic exalou o ar num suspiro profundo.

— Eu sempre me senti responsável...

Caro tocou-lhe o rosto gentilmente com a ponta dos dedos.

— Conte-me o que aconteceu.

Ele tremeu de leve.

— Eu não acho que poderia suportar se, depois que eu lhe contasse, você decidisse que não me ama, afinal de contas.

— Isso não irá acontecer — prometeu ela com firmeza. — Do¬minic, eu sei que você é um homem honesto e bom. Um homem que se importa profundamente com os outros, mesmo quando quer evitar isso... Com lorde Thorne, Drew, Ben, comigo, para nomear apenas quatro pessoas. Eu me recuso a acreditar que você teria prejudicado sua própria mãe.

— Espero que você ainda pense assim depois que eu lhe con¬tar o que aconteceu. — Ele beijou-a demoradamente antes de voltar a falar: — Fui para um colégio interno quando tinha 12 anos. Não era um bom aluno. Eu me ressentia por ter sido envia¬do para lá, e me metia era todo tipo de encrencas numa tentativa de ser mandado para casa novamente. — Ele fez uma careta. — Apenas que isso resultou em minha mãe ter de viajar para o colégio logo após os feriados do Natal, a fim de impedir que o diretor me expulsasse.

Caro podia ouvir o coração dele batendo rapidamente no pei¬to, a respiração ofegante de Dominic, enquanto ele era assaltado pelas lembranças que o tinham perseguido para a vida adulta.

— Eu amo você, Dominic — encorajou ela gentilmente. Ele a abraçou com mais força antes de continuar:

— A carruagem dela derrapou no gelo que havia na estrada, e caiu num rio com mais gelo ainda. As portas travaram automa¬ticamente, e ela não conseguiu sair enquanto a água...

— Não fale mais nada! — Caro pôs os dedos sobre os lábios dele e o fitou. — Você era uma criança, Dominic. Uma criança que se sentia magoada e revoltada porque tinha sido mandada para longe daqueles que amava. Você não foi mais responsável pela morte de sua mãe ou de seu pai... do que eu fui.

Estranhamente, quando Dominic fitou os olhos compassivos e repletos de amor de Caro, toda a culpa, o sentimento de que era indigno de ser amado, desapareceu de forma tranqüila e per¬manente.

Ela meneou a cabeça.

— É triste que seu pai tenha sentido que não podia continuar vivendo sem ela, mas... amando-o como eu o amo, imagino como ele deve ter se sentido — acrescentou ela timidamente. Se Dominic tivesse morrido hoje mais cedo, então Caro também teria achado difícil continuar vivendo...

Ele deu um gemido estrangulado, pressionando-a mais con¬tra si e enterrando o rosto nos cabelos dela.

— Como eu tive tanta sorte de encontrá-la, Caro? Como?

Caro não queria mais vê-lo triste. Dominic já sofrerá o bas¬tante, acreditando-se indigno de amor por um longo tempo.

— Mas você ainda não sabe quem encontrou — relembrou a ele de modo brincalhão.

Ele ergueu a cabeça para lhe sorrir.

— Primeiro fale que se casará comigo, seja você quem for.

— Eu me casarei com você.

— Caro... — Dominic beijou-a por mais diversos minutos re¬pletos de amor, a felicidade no rosto, quando ele finalmente le¬vantou a cabeça e sorriu-lhe, dando-lhe uma aparência quase infantil.

— Mas, antes que isso aconteça — murmurou Caro —, você precisará obter a aprovação de meu guardião.

O sorriso de Dominic diminuiu.

— Seu guardião?

— Lamento, mas, sim. Ele franziu o cenho.

— Diga-me quem é este guardião, e irei encontrá-lo imedia¬tamente, para assegurá-lo de que sou um homem de caráter, re¬generado desde que eu a conheci, e pedir-lhe permissão para me casar com você.

— Não precisa ir encontrá-lo. — Os olhos de Caro brilha¬ram. — Eu acho que ele virá até você.

— Virá até mim? — Dominic franziu o cenho em confusão. — Mas, como...? — Seus olhos se arregalaram, e ele ficou imóvel. — Westbourne? — sussurrou com incredulidade.

— Exatamente — admitiu Caro.

Dominic a olhou, completamente perplexo por longos segun¬dos, e então começou a sorrir, e depois a rir.

— Westbourne! — Ele ficou sério de repente. — Foi porque eu lhe disse que o esperava chegar à Inglaterra a qualquer dia que você estava indo embora, de Londres com tanta pressa mais cedo — percebeu Dominic, atônito.

— Sim.

— O que eu deveria ter acrescentado é que Gabriel não pre¬tende permanecer em Londres, mas viajar quase imediatamente para Shoreley hall.

— Oh, Deus! — Caro tremeu agora, diante do pensamento do que sua irmã Diana teria a dizer para o amigo de Dominic, quan¬do ele chegasse.

Dominic parecia não alimentar tais preocupações enquanto ria, mais uma vez divertido pelo pensamento de que tinha rou¬bado uma das possíveis escolhas de noiva de seu amigo.

— E qual das ladies Copeland eu terei o prazer de tornar mi¬nha esposa?

— Caroline... eu sou a segunda filha.

— E você decidiu fugir de Londres depois de se recusar a até mesmo contemplar ficar noiva de Westbourne?

Ela estremeceu com delicadeza.

— Eu jamais poderia me casar com um homem que não amo.

— E suas irmãs? Elas também fugiram?

— Oh, não, tenho certeza de que elas não fugiram. — Caro meneou a cabeça, firmemente afastando a dúvida em sua mente sobre a garota que vira no parque, e que se parecera tanto com Elizabeth. — Eu sou a filha rebelde, lamento informá-lo.

— Algo pelo que eu serei grato até o dia de minha morte — declarou ele, de maneira amorosa.

Dominic a amava tanto quanto Caro o amava... E ela estava totalmente certa de que ele obteria a permissão do amigo para que os dois se casassem o mais rapidamente possível.

Ela envolveu-lhe o pescoço com os braços e ergueu-se na ponta dos pés.

— Pode me mostrar o quanto está grato, Dominic?

— Com prazer! — murmurou ele, enquanto abaixava a cabeça para capturar-lhe a boca, os dois rapidamente esquecendo tudo e todos, exceto o amor que sentiam um pelo outro, agora e para sempre.

 

 

 

                                                                  Carole Mortimer

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

                                         

O melhor da literatura para todos os gostos e idades