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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DAMA DE ESPADAS / Carole Mortimer
DAMA DE ESPADAS / Carole Mortimer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Após fugir de casa para evitar um noivado indesejado, lady Elizabeth Copeland precisa encontrar meios para sustentar seu disfarce como acompanhante de uma senhora idosa, incluindo aceitar ser enfermeira do sobrinho dela. Ao contrário do que imaginava, Lorde Nathaniel Thorne, Conde de Osbourne, é o homem mais incrível que já conheceu... Elizabeth anseia abandonar o uniforme sem graça e revelar seu sangue azul, tão nobre quanto o de Nathaniel. Mas ela ainda precisa esconder a verdadeira identidade, pois sua vida está em perigo! A não ser que Nathaniel descubra o disfarce e arranque dela uma confissão...

 

 

 

 

Maio, 1817 — Mansão Hepworth, Devon

— Como você ousa? Lorde Thorne, eu insisto que me solte imediatamente!

Lorde Nathaniel Thorne, conde de Osbourne, deu uma ri¬sada rouca, seus lábios se movendo para o bonito pescoço, parcialmente coberto por cabelos cor de ébano. Ela evitou o beijo, lutando nos confins de seus braços, as contorções da¬quelas curvas delgadas apenas conseguindo aumentar ainda mais o prazer de Nathaniel.

— Você sabe que não fala sério, minha querida Betsy...

— Eu certamente falo muito sério! — Ela levantou a cabeça para fitá-lo com aqueles olhos indignados e profundamente azuis, cercados por longos cílios escuros, os cachos morenos cheirando a limão e jasmim.

Nathaniel sorriu de maneira confiante.

— Um beijo, Betsy, isso é tudo que eu peço.

A boca de Elizabeth se comprimiu com determinação.

— Muito bem... você pediu por isto!

Nathaniel arfou quando a mulher em seus braços empur¬rou deliberadamente seu peito numa tentativa de se libertar, um lembrete doloroso de que ele tinha quebrado diversas costelas apenas nove dias atrás, o que resultara em seu estado de confinação àquela cama, ou à outra, desde então.

Um fato do qual essa pequena atrevida estava bem ciente!

— E você tem pedido por isso há dias! — Em vez de libertá-la, Nathaniel apertou mais os braços ao redor dela, enquanto seus dentes mordiscavam um lóbulo cheiroso delicadamente.

A luta de Betsy parou, a expressão no rosto dela se tornan¬do confusa enquanto o fitava.

— Eu tenho?

Bem... talvez ele tivesse exagerado um pouco a situação. Mas, depois de quatro dias passados em Londres, confinado à cama e mimado por seu parente mais próximo... sua tia Gertrude, que era viúva e não tinha filhos... seguidos por outros quatro dias de desconforto dentro de sua carruagem, enquanto eles viajavam para a casa de sua tia na costa irregu¬lar de Devonshire, Nathaniel sentira necessidade de alguma diversão feminina.

Acordou de uma soneca da tarde, para encontrar aquela garota deliciosa arrumando seu quarto, também ciente de que, independentemente do quanto seus ferimentos estives¬sem doendo, eles também o tinham permitido escapar do tédio de uma temporada de bailes em Londres, e da intenção de sua tia de lhe encontrar uma esposa, Nathaniel havia deci¬dido recompensar a si mesmo por aquela escapada de sorte com uma pequena brincadeira com a jovem dama de com¬panhia de sua tia.

Ele lhe sorriu descaradamente agora.

— Você estava mexendo no meu quarto durante a últi¬ma hora e meia... e, no final, mexendo em mim, também: arrumando o quarto, alisando as cobertas, afofando os traves¬seiros. — Tempo durante o qual Nathaniel tinha sido presentea¬do com uma vista tentadora de seios generosos, quando ela se inclinava contra ele, e com um vislumbre atraente de mamilos rosados que enfeitavam aqueles seios deliciosos!

— Foi instrução de sua tia que eu ficasse no seu quarto, de olho em você, esta tarde. — A linda garota de cabelos cor de ébano o olhou, o pequeno nariz erguido no ar.

— E onde está minha querida tia, esta tarde? — perguntou ele.

— Ela descansou bastante na viagem para cá, de modo que saiu na carruagem para encontrar amigas na área... Você está deliberadamente mudando de assunto, milorde! — A expressão de Betsy era indignada mais uma vez.

— Estou? — murmurou Nathaniel com divertimento.

—-Sim — confirmou ela com firmeza. — E eu não posso ver nenhum encorajamento de minha parte neste... neste seu ataque à minha pessoa, nas ações mundanas que acabou de descrever.

O que não era dizer que Elizabeth achara tais atenções completamente desagradáveis, se ela fosse honesta consigo mesma.

O último beijo de Elizabeth... na verdade, seu único beijo... lhe fora roubado diversos meses atrás, pelo filho precoce de 15 anos do vigário local, que, infelizmente, tinha propen¬são para doces, balas, manchas e uma gordura indecente.

Havia sido somente aquela expressão de satisfação pre¬guiçosa no rosto bonito de Nathaniel Thorne, quando ele a puxara sem esforço para o círculo de seus braços, que impedira Elizabeth de permitir que aqueles lábios sensu¬almente esculpidos — e, sem dúvida, muito mais experien¬tes — possuíssem os seus.

A mesma satisfação que o conde mostrava agora, enquan¬to olhava para o formato arredondado de seus seios, visível pelo decote avantajado de seu vestido azul.

— Um homem só pode suportar certa quantidade de ten¬tação, minha querida Betsy.

Elizabeth estremeceu interiormente diante do fato de que lorde Thorne usava continuamente o apelido que a sra. Wil¬son lhe dera quase duas semanas atrás, depois que a lady em questão declarou que Elizabeth era um nome muito refinado para a jovem lady que ela pretendia empregar como dama de companhia.

Elizabeth também não apreciava o jeito como lorde Thor¬ne continuava olhando para seus seios; ela não tinha dúvidas de que a sra. Wilson demitiria “Betsy” sem uma única refe¬rência, se entrasse no quarto agora e testemunhasse aquela cena incriminadora!

— Eu estou certa de que não lhe ofereci tal tentação, Sir — argumentou Elizabeth.

Ele a estudou com divertimento.

— Então talvez esse tenha sido apenas um pensamento desejoso de minha parte?

— E, sem dúvida, eu deveria ter esperado tal comportamen¬to de alguém que, obviamente, conhece tão bem um homem como lorde Gabriel Faulkner! — veio a resposta sarcástica.

O insulto desafiador teve o efeito desejado, de obter a súbi¬ta liberação de Elizabeth, e ela sentiu os braços dele baixarem instantaneamente para as laterais, o que lhe permitiu endi¬reitar o corpo sobre seus pés. Ela alisou o vestido amassado e passou as mãos pelos cabelos, a fim de parecer composta, antes de arriscar olhá-lo novamente.

A arrogância na expressão do conde e o brilho perigoso nos olhos castanhos estreitos que a encaravam com tanta frieza avisou-a instantaneamente de que ela fizera alguma coisa horrível. Elizabeth deu um suspiro silencioso. Ape¬sar do súbito comportamento frio, lorde Nathaniel Thorne, conde de Osbourne, devia ser um dos homens mais bonitos da Inglaterra... ele era, com certeza, uma dos homens mais bonitos que Elizabeth já vira na vida. Os cabelos tinham o corte da moda, e eram da cor de milho maduro, enquanto os olhos castanhos possuíam o tom de mogno rico. O rosto era incrivelmente masculino, com bochechas altas, um longo nariz aristocrático e lábios esculpidos acima de um maxilar quadrado e determinado.

Uma vez que o conde tinha passado a maior parte dos últimos nove dias usando pouca coisa além de uma cami¬sa, e ocasionalmente calça, para o conforto de seus feri-mentos, Elizabeth também podia atestar o fato de que ele tinha ombros muito largos, um peito musculoso e um es¬tômago adornado por pelos dourados, quadris poderosos e longas pernas másculas, perfeitamente adequadas para abraçar a calça justa que ele usara durante a viagem deles, para Devonshire.

Até aquele momento, considerando as ocasiões em que ela o testemunhara conversando com a tia excessivamente afetiva, Elizabeth também teria dito que ele possuía uma natureza agradável, mesmo que um pouco prepotente, para combinar com a aparência externa magnífica.

O brilho perigoso que agora iluminava aqueles olhos es¬curos... quase pretos... mostrava um lado de Nathaniel completamente distinto. Sem dúvida, tinha sido aquele mes¬mo aspecto implacável de sua natureza que levara o conde a adquirir um posto tão alto durante os cinco anos em que ele lutara como oficial no exército de Wellington.

— Pode explicar sua última observação, por favor.

O tom agradável na voz de lorde Thorne não fez nada para suavizar os sentimentos de desconforto de Elizabeth... o tipo de desconforto que alguém sentia, ela imaginava, se um gato de boa índole, dormindo pacificamente perto da lareira, de súbito se tornasse feroz!

Ela ergueu o queixo.

— Eu notei a visita que lorde Faulkner lhe fez, cinco dias atrás.

— No dia em que ele retornou à Inglaterra, depois de uma ausência de oito anos, sim. — Os modos do conde continua¬ram frios.

— Eu... bem... acredito que o passado escandaloso dele seja bem conhecido, não é, milorde?

— É?

A garganta de Elizabeth se moveu de maneira convulsiva diante do tom perigoso que agora ouvia na voz calma de Na¬thaniel Thorne.

— Os criados ficaram agitados depois da visita que ele lhe fez, e eu não pude evitar ouvir o que eles falavam sobre o es¬cândalo que marcou o passado de lorde Faulkner.

— Verdade? — Aquelas sobrancelhas loiras se arquearam. — E eu devo pensar que você é o tipo de jovem que gosta de ouvir fofocas tão maldosas?

Elizabeth sentiu seu rosto corar diante daquela colocação deliberada.

— Elas dificilmente podem ser consideradas maldosas, quando também são verdadeiras.

A excitação prévia de Nathaniel havia se dissipado com¬pletamente durante a última parte daquela conversa.

— Quantos anos tinha, oito anos atrás? — perguntou ele.

— Eu não vejo...

— Eu perguntei, quantos anos? — demandou ele em tom autoritário.

Ela piscou.

— Acredito que eu estava com 11 anos, Sir.

Nathaniel assentiu.

— E, sem dúvida, você residia em Cambridgeshire naque¬la época?

Uma expressão perplexa enrugou a pele sedosa da testa dela.

— Eu nunca residi em Cambridgeshire, meu lorde.

— Então como você, uma mera criança de 11 anos, que nem mesmo residia em Cambridgeshire na época desse su¬posto escândalo, pode falar, com alguma autoridade, sobre o que é ou não é verdade em relação ao passado de lorde Faulkner?

Nathaniel a olhou com uma fisionomia implacá¬vel, enquanto se sentava contra os travesseiros que ela recen¬temente afofara.

Um rubor delicado coloriu as faces alvas de Betsy, embora aquele pequeno queixinho teimoso permanecesse alto.

— Parece ser de conhecimento público que lorde Faulk¬ner esteve, uma vez, envolvido na sedução de uma jovem inocente.

Nathaniel estava ciente das fofocas que haviam circulado na sociedade londrina oito anos atrás, em relação a Gabriel Faulkner, um de seus dois melhores amigos. Não estivera, to¬davia, ciente de que a mesma fofoca estava mais uma vez circulando, com o retorno de Gabriel ao continente, para assumir seus deveres como o novo conde de Westbourne. Deveres que Gabriel calmamente declarara que incluíam fazer uma oferta de casamento para uma de suas protegidas... uma das três jovens ladies Copeland, que eram as filhas do conde anterior.

Nunca tendo conhecido as irmãs, Gabriel aparentemente não declarara uma preferência por uma das três garotas.

Ora, Nathaniel deveria ter estado em Londres para, pelo menos, ficar do lado de seu amigo quando ele anunciara sua presença de volta na sociedade, e não estar relaxando em Devon, cuidando de suas costelas quebradas. Não que Gabriel precisasse, ou até mesmo apreciasse, o apoio de alguém, ex¬pressado com ou sem palavras; durante seus oito longos anos de exílio, Gabriel Faulkner se tornara um dos homens mais arrogantes e mais orgulhosos que a sociedade inglesa prova¬velmente encontraria!

Entretanto, se nada mais, ele gostaria de estar presente para ver algumas das expressões naquelas pessoas educadas quando Gabriel tomasse seu lugar de direito na sociedade. Em vez disso, Nathaniel viajara de Londres para Devon quase imediatamente após a chegada de Gabriel de volta à cidade, sua única distração sendo essa jovem extrovertida, que era dama de companhia de sua tia.

— Verdade? — perguntou ele, friamente.

Elizabeth comprimiu sua boca deleitável.

— Você conhece uma versão diferente de eventos, talvez?

O olhar de Nathaniel a percorreu desdenhosamente, antes que ele replicasse numa voz sarcástica:

— Se eu conheço, então lhe asseguro que não estou incli¬nado a compartilhá-la com você.

Ele pretendera ser ofensivo, e conseguiu, fazendo com que a cor drenasse das faces de Elizabeth, enquanto ela se sentia adequadamente repreendida por ter ultrapassado os limites de seu papel atual de dama de companhia.

Porque aquele era um papel. E um que não combina¬va com uma jovem que, até duas semanas e meia atrás, tinha apreciado o título de lady Elizabeth Copeland, a filha mais nova do prévio conde de Westbourne, agora falecido.

E essa era precisamente a razão pela qual Elizabeth tivera tanto interesse em se inteirar da fofoca em relação a lorde Gabriel Faulkner, o homem que não apenas se tornara o novo conde de Westbourne, após a morte do pai de Elizabeth, sete meses atrás, mas também guardião de Elizabeth e de suas duas irmãs.

As três irmãs Copeland tinham ficado muito abaladas pela morte repentina do pai, e igualmente alarmadas ao saber que, graças ao fato de que seus dois primos haviam morrido na Batalha de Waterloo, o título de conde agora passara para um homem que era primo de segundo ou terceiro grau do pai delas. Esse homem era Gabriel Faulkner. Um homem que nenhuma de suas irmãs conhecera. Um homem, além disso, que, segundo os rumores, havia se comportado de maneira tão vergonhosa oito anos atrás que a sociedade escolhera ba¬nir, e a própria família o renegara.

Tendo morado durante suas vidas inteiras na casa de campo do pai, Diana, Caroline e Elizabeth nunca tomaram conheci¬mento dos detalhes daquele escândalo, e, apesar de terem fei¬to algumas perguntas discretas após descobrirem que ele era agora guardião delas, nenhuma das irmãs fora capaz de descobrir a exata natureza daquela vergonha. A única informação que tinham conseguido reunir na época — antes que Elizabeth ficasse sabendo sobre a natureza do escândalo por intermédio das fofocas na casa da sra. Wilson — era que Gabriel Faulkner fora banido do continente oito anos atrás, e que ele havia sido oficial no exército de Wellington por cinco anos, antes de resi-dir em Veneza pelos dois últimos anos.

Lorde Faulkner, parecia, não estivera com pressa de re¬tornar à Inglaterra e assumir seus deveres como conde de Westbourne, ou a tutela das irmãs Copeland, nenhuma delas tendo colocado os olhos nele, quando receberam uma carta do chamado cavalheiro alguns meses após a morte de seu pai, na qual ele fizera uma oferta de casamento para qualquer uma das três irmãs Copeland que quisesse aceitá-lo!

Sem dúvida, com o escândalo da mãe delas, por ter aban¬donado as três filhas pequenas dez anos atrás — Harriet Co¬peland havia fugido de Shoreley Park para Londres, e para os braços do amante mais jovem, então sido baleada por esse mesmo amante jovem apenas alguns meses depois, antes que ele mirasse o revólver em si mesmo, — lorde Faulkner talvez tivesse acreditado que uma das irmãs Copeland estaria tão desesperada para se casar que aceitaria uma oferta de um homem igualmente manchado pelo escândalo.

Ele estivera errado.

A resposta de sua irmã Caroline a tal oferta tinha sido fu¬gir de casa e de suas irmãs, três semanas atrás. Igualmente horrorizada com a perspectiva de tal casamento, Elizabeth seguira o exemplo da irmã, apenas dias depois.

Tendo escapado da possibilidade daquele casamento indesejado e, subsequente-mente, conseguido arranjar emprego em Londres com a sra. Wilson, Elizabeth então ficara muito chocada quando Gabriel Faulkner chegara à casa da lady em questão, dias atrás, para visitar o sobrinho machucado da sra. Wilson, lorde Nathaniel Thorne, os dois homens aparen¬temente sendo melhores amigos por alguns anos!

Elizabeth tinha de admitir que o novo conde de West¬bourne se provara incrivelmente bonito, mais do que ela e suas duas irmãs poderiam ter imaginado. Mas aquela apa¬rência arrogante e na moda não fazia nada para diminuir o choque que ela sentira ao ouvir os detalhes do escân¬dalo passado do cavalheiro, quando os criados fofocaram debaixo da escada, enquanto ele visitava lorde Thorne no andar de cima...

Somente o fato de que todos da casa da sra. Wilson seriam imediatamente removidos para Devonshire, bem longe de Londres — e de lorde Faulkner — impedira Elizabeth de fugir no meio da noite pela segunda vez em semanas.

— Não foi minha intenção insultar lorde Faulkner — mur¬murou ela, friamente agora, sabendo, pela sra. Wilson, que lorde Faulkner e lorde Thorne eram amigos desde os tempos de escola; um fato que talvez Elizabeth devesse ter perce¬bido mais cedo, considerando que a sra. Wilson também a informara, logo depois que ela começara a trabalhar na casa, do retorno recente do sobrinho, após ter visitado um amigo em Veneza.

— Então talvez o insulto tenha sido dirigido a mim? — questionou Nathanael, suavemente.

Ela pretendera insultá-lo, reconheceu Elizabeth com tris¬teza. Não podia entender por que qualquer cavalheiro da sociedade londrina desejaria permanecer amigo de um homem tão libertino quanto Gabriel Faulkner tinha a reputação de ser. A menos que Nathaniel Thorne fosse igualmente libertino?

Um fato talvez confirmado por lorde Thorne ter recebido seus ferimentos atuais no que parecia ser uma briga de bêbado, assim como pelos recentes avanços dele em relação a ela.

— Eu peço desculpas se essa foi a sua impressão, milorde — disse ela, de maneira tensa. — Todavia, em minha defesa, acredito que você tenha me provocado — não pôde resistir em acrescentar.

Nathaniel olhou-a por baixo de pálpebras parcialmente fechadas. Com pouco mais de um metro e meio, a figura del¬gada revelada pelo vestido azul simples, com os cachos cor de ébano bem penteados, e o rosto de uma beleza delicada — so¬brancelhas escuras finas, profundos olhos azuis, um nariz pequeno acima de uma boca perfeita em forma de arco —,a srta. Betsy Thompson, de alguma maneira, não tinha a apa¬rência, ou a voz, de uma dama de companhia paga por uma lady fina e rica.

E como ele saberia qual era a aparência de uma dessas damas de companhia?, Nathaniel pensou com zombaria.

Sim, a srta. Betsy Thompson possuía uma beleza rara e tentadora, e o refinamento da voz falava de educação. Mas, por tudo que Nathaniel sabia sobre tais coisas, isso poderia ser meramente porque ela era filha de um cavalheiro pobre ou de um clérigo, necessitando de um emprego para se sus¬tentar, até que um jovem igualmente pobre a tomasse como esposa, antes de, então, produzirem uma casa cheia de crian¬ças ainda mais pobres, a fim de continuarem o ciclo!

Encarcerado em Devon, privado de entretenimento, assim como de todas as notícias da sociedade londrina — sua tia se recusara até mesmo a permitir que Nathaniel lesse os jor¬nais nos últimos oito dias, caso ele ficasse “perturbado” por alguma coisa impressa neles —, Nathaniel somente pretende¬ra encontrar alguma diversão de seu tédio crescente quando tentara beijar a dama de companhia de sua tia. Certamente, não tivera a intenção de engajar-se numa troca verbal, du¬rante a qual aquela jovem extrovertida demais ousara insul¬tar um de seus amigos mais próximos e mais queridos.

Ele não tinha dúvidas que Gabriel teria apenas rido de tal insulto, acostumado, como estava, com olhares desconfiados dos cavalheiros da sociedade e com as fofocas de suas espo¬sas e filhas... juntamente com suas luxúrias secretas e hi¬pócritas pela boa aparência dele. Nathaniel nunca havia sido capaz de ignorar aquelas ofensas ao seu amigo tão facilmente, e nunca deixava de se sentir furioso por elas.

Especialmente quando sabia que as fofocas não eram in¬teiramente verdadeiras.

Sua boca se afinou agora, enquanto ele estudava Betsy Thompson sob pálpebras baixas.

— Somente o pedido de desculpas teria bastado — mur¬murou ele. — Agora, não há algum outro serviço que você precisa fazer para minha tia? Certamente, você completou este com a melhor de suas habilidades.

E acabou tomada por desejo, reconheceu Elizabeth com ir¬ritação, muito ciente de que o homem brincalhão que tentara beijá-la minutos atrás tinha desaparecido completamente, para ser substituído por um cavalheiro que era agora o rico e poderoso conde de Osbourne,com vastas propriedades em Kent e Sulfolk, assim como com uma linda casa em Londres, Ela efetuou uma breve inclinação de cabeça.

— Acho que está na hora da caminhada da tarde de Hector.

— Ah, sim. — O conde deu um sorriso duro e zombetei¬ro. Eu notei que, com a prima de minha tia, Letitia, já na re¬sidência, você faz mais companhia para o cachorro de minha tia do que para minha tia.

Mais um insulto, independentemente da maneira sua¬ve que fosse entregue, reconheceu Elizabeth. Infelizmente, a experiência lhe mostrara que, sem referências, era quase impossível conseguir um emprego em Londres. Na verdade, Elizabeth somente conseguira sua posição na casa da sra. Wilson por causa de seu resgate heroico do terrier escocês mimado e muito amado da lady, depois que ele havia escapado da coleira num parque em Londres numa tarde, e corrido feito louco.

Sendo assim, Elizabeth precisava manter seu emprego com a sra. Wilson, se não quisesse retornar para Shoreley Park e para a oferta duvidosa de casamento de lorde Faulk¬ner. Um destino que Elizabeth ainda considerava — apesar de agora saber como tal cavalheiro era bonito — mais doloroso que a morte em si.

Lorde Faulkner podia não saber, mas Elizabeth estava, na verdade, lhe prestando um grande favor em não aceitar sua proposta de casamento. Afinal de contas, ela era a filha mais parecida fisicamente com a mãe e, como tal, sempre tinha sido vista com desconfiança pelas mães de filhos com idade para se casarem, temendo, sem dúvida, que ela pudesse se parecer com a mãe de outras maneiras também...

Elizabeth ergueu o queixo orgulhosamente.

— Eu peço desculpas sinceras por qualquer ofensa que possa ter causado, milorde.

De alguma maneira, Nathaniel duvidava muito de tal sinceridade. Tinha visto facilmente a batalha acontecendo dentro da linda cabecinha da srta. Betsy Thompson, onde ela lutava com o conhecimento de que se considerava no di¬reito de falar aquilo, enquanto, ao mesmo tempo, tinha total ciência de que estava falando com o sobrinho favorito — na verdade, o único sobrinho — de sua empregadora.

De fato, aquela batalha interna havia sido tão transparente que ele poderia ter rido alto se ainda não estivesse se sentin¬do tão desgostoso com ela, em nome de Gabriel.

Afinal de contas, ele primeiro tentara roubar um beijo da¬quela jovem mulher para seu próprio divertimento. E o fato de que Nathaniel recebera seus ferimentos de brutamontes pagos, quando saía de uma casa de jogo, à qual pertencia a outro amigo seu de má reputação, não era nem um pouco lisonjeiro para seu próprio caráter...

Ele estudou Betsy Thompson através de olhos estreitos.

— Você não trabalha como criada há muito tempo, certo?

Um rubor delicado coloriu aquelas faces cor de marfim.

— O que o faz dizer isso, milorde?

O mero fato de que ela estava ousando questioná-lo da¬quela maneira... um conde, e o sobrinho da empregadora dela... era razão suficiente!

— Você parece não saber qual é o seu lugar.

Aqueles olhos azuis brilharam com o que ele sabia, sem sombra de dúvida, ser um temperamento forte.

— Meu lugar, milorde?

Ele alguma vez tivera uma conversa como aquela?, pensou Nathaniel com tristeza. De alguma maneira, duvidava.

— Eu acredito que é a prática usual mostrar um pouco mais... de respeito quando uma pessoa se dirige aos mais velhos e aos seus superiores — murmurou ele com provoca¬ção deliberada; afinal de contas, o tom de azul dos olhos de Betsy se tornava particularmente bonito quando ela estava irritada!

Uma vez que Nathaniel Thorne era apenas oito anos, ou no máximo nove, mais velho que ela, Elizabeth não o considerava “seu mais velho”. E, como lady Elizabeth Co-peland, a filha de um conde, ele certamente não era seu “superior”.

Exceto que ela não era Elizabeth Copeland naquele mo¬mento, era? E não tinha ideia de quando seria novamente. Ou, na verdade, se algum dia voltaria a ser...

Fugir de casa tinha sido um ato puramente instintivo de sua parte, uma reação à resposta já dada por Caroline ao pedido de casamento de lorde Faulkner, dois dias antes. Aqueles dois dias haviam sido passados numa busca inútil por Caroline na região, e resultado nas duas outras irmãs chegando à conclusão de que ela provavelmente fugira para Londres.

Londres...

As três garotas Copeland sempre tinham desejado conhe¬cer Londres, cujo desejo fora sempre negado pelo pai delas, que não lhes permitira nem sequer uma única viagem à ca¬pital da Inglaterra, muito menos uma temporada de bailes que poderia ter assegurado um casamento para qualquer uma delas. Marcus Copeland, sem dúvida, tinha se baseado na crença de que as tentações encontradas na cidade grande eram responsáveis por levar a esposa a abandonar a família.

Qualquer que fosse a razão dele para a decisão, Caroline e Elizabeth, principalmente, haviam ansiado por experimen¬tar algumas daquelas “tentações”. Diana, a irmã mais velha, com 21 anos agora, sempre fora a mais reservada das três, levando suas responsabilidades como dona da casa de Shoreley Park e mãe substituta para suas duas irmãs mais nova muito a sério.

E então, primeiro Caroline, depois Elizabeth, tinham dei¬xado o único lar que já conheceram pela excitação que Lon¬dres representava. Elizabeth não podia falar por Caroline, é claro, não tenho visto ou ouvido notícias sobre o paradeiro de sua irmã desde que chegara à cidade. Mas logo percebera que as excitações da cidade se aplicavam apenas aos mem¬bros ricos e com títulos da sociedade londrina, e que o em¬prego de dama de companhia que fora forçada a aceitar, por causa das circunstâncias, era uma posição subalterna, em que ela ficava a mercê dos caprichos e excentricidades de sua empregadora, com muito poucos vislumbres do mundo que tanto ansiara habitar.

Elizabeth também tivera muito tempo para perceber o quanto sentia falta de suas irmãs, o quanto se sentia sozinha, sem poder rir e fofocar com as duas. Para perceber como, sendo a irmã mais nova, Caroline e Diana haviam sido suas companheiras durante seus 19 anos de existência.

Na verdade, Elizabeth sentira tanta falta de suas irmãs que, no dia que realizara a captura de Hector, depois que o cachorro escapara da sra. Wilson no parque, ela acreditara ter visto Caroline sentada numa carruagem chique, passeando pelo parque.

Aquilo era bobagem, é claro, uma ideia ridícula, confir¬mada pela visão do cavalheiro controlando o par de cavalos acinzentados fortes à frente da carruagem brilhante. Um ca¬valheiro aristocrata, cuja boa aparência arrogante era real¬çada por uma cicatriz que corria na lateral da face esquerda, dando-lhe um aspecto perigoso. O tipo de cavalheiro arroja¬do que nenhuma das irmãs Copeland conhecia, ou conheceria algum dia.

De qualquer forma, o breve encontro servira para enfati¬zar quão profundamente ela desejava estar com suas irmãs de novo. Por infelicidade, Elizabeth — e, sem dúvida, Caroli¬ne também — percebera, desde sua chegada a Londres, que, quando deixara Hampshire de maneira tão repentina, não considerara de que forma descobriria quando, ou se, lorde Faulkner tinha ido embora de Shoreley Park, consequente¬mente tornando seu retorno ao lar seguro.

Até que uma maneira de remediar essa situação lhe ocorres¬se, era necessário que ela mantivesse sua posição atual na casa da sra. Wilson... algo que não seria capaz de fazer se criasse um desentendimento com o sobrinho tão amado da lady.

— Eu peço perdão mais uma vez, meu lorde, por quais¬quer... mal-entendidos — murmurou ela, tensa —, mas tenho certeza de que sua tia ficará contente em saber como você está se sentindo melhor esta tarde.

— Verdade? — Nathaniel fechou os olhos com força. — E o que mais você pretende contar à minha tia sobre esta tarde?

Ela pareceu aflita diante da acusação no tom de voz dele.

— Bem, nada mais, meu lorde.

— Você não considera que eu lhe devo um pedido de desculpas por meu próprio comportamento, agora a pou¬co? — Nathaniel a olhou com astúcia.

Um rubor delicado pintou as faces de Betsy enquanto ela evitava seu olhar.

— Eu prefiro esquecer que o incidente aconteceu, milor¬de. — Ela pareceu um pouco agitada. — Agora, se me der licen¬ça, Hector deve estar esperando para passear — acrescentou, com uma cortesia educada.

Nathaniel observou com pálpebras estreitas enquanto Betsy saía de seu quarto, experimentando um leve desapontamen¬to perante a resposta dela ao seu desafio deliberado; em vez de um retorno daquele temperamento explosivo que estivera esperando... desejando... a luz da batalha parecera se apagar daqueles olhos azul-claros, quando ela, mais uma vez, assumiu a companhia jovem e comportada do cachorro de sua tia.

Sim, assumiu, porque Nathaniel tinha sérias dúvidas de que a srta. Betsy Thompson havia nascido para um papel tão submisso...

 

— Eu decidi, uma vez que você obviamente está se sentin¬do muito melhor — a sra. Wilson deu um sorriso caloroso de aprovação para seu sobrinho, enquanto ele estava parado numa postura rígida, ao lado da lareira, na sala de visitas, an¬tes do jantar — organizar um pequeno jantar festivo. Para... daqui três dias, creio — anunciou ela, com satisfação.

— Tia...

— Como eu disse, será para um pequeno grupo. Apenas cerca de vinte de meus vizinhos mais próximos — acrescen¬tou ela, de forma persuasiva.

Elizabeth, tendo entrado na sala de estar a tempo de ouvir esse anúncio, olhou para Nathaniel sob cílios baixos, enquan¬to se abaixava numa reverência, antes de mover-se para o fundo da sala, a fim de se sentar comportadamente na cadei¬ra ao lado de Letitia Grant, sentindo-se um pouco ofegante diante da bela visão do conde em um terno preto e camisa branca, a luz da vela enviando um brilho dourado para os ca¬belos bem penteados e para as feições levemente bronzeadas.

Ela vira instantaneamente como os olhos cor de mogno de Nathaniel haviam se alarmado, por um breve momento, perante o anúncio da tia, antes que tal emoção fosse mas¬carada por uma expressão de desinteresse. Elizabeth podia adivinhar o motivo para aquela máscara!

A sra. Wilson, uma mulher viúva e ainda atraente, com seus quarenta e poucos anos, deixara claro que não tinha interesse em se casar novamente, em vez disso, preferindo concentrar sua atenção em encontrar uma condessa para o sobrinho. Na verdade, ela já estivera cheia de novidades quando retornara em sua carruagem mais cedo, contando que havia pelo me¬nos três jovens ladies atraentes na vizinhança que estavam ansiosas pela tarefa, e que talvez recebessem a aprovação crí¬tica de seu sobrinho.

Ela considerava, havia declarado com firmeza, que, aos 28 anos, já estava mais do que na hora de seu sobrinho de¬sistir de sua vida de solteiro e produzir um herdeiro. Uma vez que ele não tinha mãe, era dever dela analisar se a mu¬lher que Nathaniel escolhesse como sua condessa e mãe de seus filhos seria inteiramente adequada para tal papel, o conde tivesse ou não qualquer interesse que isso ocorresse.

A expressão agora reservada de Nathaniel Thorne parecia indicar que ele certamente não estava interessado naquilo!

Depois da discussão dos dois mais cedo, Elizabeth não pôde evitar sentir um pequeno prazer interior com o óbvio desconforto do conde; a sra. Wilson, uma vez que se determi¬nava a um curso de ação, era raramente, ou nunca, frustrada. A própria presença de Elizabeth ali era prova disso!

Tendo capturado Hector no parque naquele dia, tinha sido então uma tarefa simples para Elizabeth localizar a dona do cachorro; ela era obviamente a lady protestando de modo vee¬mente com um de seus cocheiros, enquanto andava com de-terminação ao longo do parque para onde Elizabeth segurava o cão fugitivo nos braços.

O encontro entre cachorro e dona levara uma lágrima emotiva aos olhos de Elizabeth... por uma razão completa¬mente distinta daquela do pobre cocheiro, que estava ao lado de sua ama, coçando as orelhas!

Uma vez tranquilizada do bem-estar de seu “querido Hector”, a sra. Wilson voltara sua atenção à salvadora do cão, in¬sistindo que Elizabeth deveria retornar na carruagem com ela, e receber mais agradecimentos, enquanto elas tomavam uma xícara de chá. Já do lado de dentro da opulência daque¬la casa confortável, a sra. Wilson havia exigido saber o que uma jovem lady como Elizabeth estivera fazendo, andando sozinha no parque o dia inteiro. Após ouvir que ela estava so¬mente atravessando o parque para se alegrar, depois de fra¬cassar em conseguir um emprego num armarinho, a senhora Wilson insistira que Elizabeth trabalhasse para ela, alegando que seu “querido Hector” obviamente a adorara tanto que não poderia haver outro curso de ação.

Antes que Elizabeth tivesse conseguido respirar, desco¬brira a si mesma, e aos poucos pertences que levara para Londres, sendo mudados para casa da senhora Wilson, e ela assumindo os cuidados do travesso e totalmente adorável Hector.

Se a senhora Wilson agora decidira voltar sua considerável atenção para encontrar uma esposa adequada para seu sobrinho, então Elizabeth não tinha dúvidas de que ela seria bem-sucedida... o conde de Osbourne quisesse isso ou não!

— ... É uma sorte que os Miller não foram para a tem¬porada de bailes na cidade este ano, uma vez que eles ainda estão de luto pela morte de lorde Miller — Elizabeth ouviu a sra. Wilson declarar com satisfação, quando voltou sua aten¬ção para a conversa da lady com o sobrinho.

— Eu duvido que lorde Miller visse isso como sorte! — co¬mentou o conde secamente.

Elizabeth reprimiu outro sorriso, apenas para que o hu¬mor de seu rosto desaparecesse completamente quando ela ergueu a cabeça e descobriu-se sendo o foco do olhar intenso de lorde Thorne.

Ela desviou o olhar rapidamente, e puxou conversa com Letitia Grand, o tempo todo ciente de que o bonito conde continuava observando-a...

Nathaniel ouvia apenas parcialmente a tagarelice de sua tia, enquanto ela continuava a listar o nome das pessoas que tinha convidado para o jantar de sábado à noite, não tendo o menor interesse por nenhum dos convidados de sua tia, muito menos nas duas srtas. Miller e a mãe deles, ou na srta. Penelope Rutledge, a filha igualmente elegível do magistrado local, visconde Rutledge.

Sua tia, sem dúvida, ficaria ultrajada ao saber que a úni¬ca mulher que despertava um pouco o interesse de Natha¬niel naquele momento estava agora sentada na poltrona nos fundos da sala de estar, engajada numa conversa muda com Letitia Grant... e que suas intenções em relação à Betsy mais cedo naquela tarde tinham sido muito desonráveis!

Nathaniel estava ciente da presença da jovem mulher des¬de o momento que ela entrara silenciosamente na sala, para fazer uma cortesia educada, antes de se sentar ao lado de Le¬titia. O vestido cor de creme de estilo simples que ela usava era um contraste perfeito com os cachos cor de ébano, que caíam de um penteado no topo da cabeça, e emolduravam o rosto oval cor de marfim, a cintura alta e o decote baixo dei¬xando o pescoço e o topo dos seios desnudos. Partes do corpo dela que Nathaniel admirara tanto naquela tarde.

A srta. Betsy Thompson, Nathaniel decidira depois que da saíra de seu quarto mais cedo, era uma contradição que justificava mais investigação. Perguntas discretas à Letitia Grant mais cedo tinham revelado que, pelo que tinha ciên¬cia, sua tia não sabia absolutamente nada sobre a jovem lady que empregara há pouco tempo, além do fato de que Hector a adorara... o que, aos olhos de tia Gertrude, parecia ser re¬ferência suficiente!

Nathaniel tinha uma opinião bem diferente... pois, por tudo que eles sabiam, Betsy podia ser uma esposa fugitiva, evitando que o marido ressentido a descobrisse, ou, pior, po¬dia ser uma criminosa, escondendo-se da justiça!

Pelo menos, essas eram as desculpas que Nathaniel dera a si mesmo por seu interesse contínuo naquela jovem lady...

— ...Você está me ouvindo, Osbourne? — perguntou sua tia agora, ao obviamente se tornar ciente de sua falta de atenção.

Nathaniel voltou seu olhar preguiçoso para sua tia um pouco zangada.

— Você estava exaltando as virtudes da srta. Rutledge, eu acredito — murmurou ele de forma desinteressada. — Como ela toca bem o piano. Que você e outras senhoras consideram os bordados e pinturas da srta. Rutledge de um padrão particularmente alto. Que ela vem atuando como a ama graciosa e competente da casa do visconde desde a morte da mãe, três anos atrás. Como...

— Acredito que você não esteja zombando de mim, Osbourne? — sua tia, muito bem-intencionada, perguntou com seriedade.

— Eu lhe asseguro, tia Gertrude, que um homem necessi¬tando de seu jantar raramente se sente inclinado a zombar.

Nathaniel ofereceu o braço para sua tia quando o mordomo apareceu à porta para anunciar que o jantar estava agora prestes a ser servido.

Elizabeth não pôde evitar apreciar quão suavemente o conde tinha se livrado daquela conversa embaraçosa, en¬quanto ela se levantava e andava ao lado de Letitia, para se¬guir Nathaniel Thorne e sua tia até a pequena sala de jantar familiar. Muitos cavalheiros jovens — precisando ou não se seu jantar — teriam lidado de maneira muito mais severa com a sra. Wilson, por insistir tanto naquele papel de casa¬menteira. Escolher não fazer isso era um testemunho da afei¬ção genuína que lorde Thorne nutria por sua tia.

Todavia, aquilo não desculpava, de maneira alguma, o que ele dissera para Elizabeth mais cedo, em relação ao que ela con¬siderava sua franqueza perfeitamente justificada em relação ao comportamento escandaloso do amigo dele, lorde Faulkner.

Também não desculpava o comportamento excessivamen¬te familiar que ela sofrera nas mãos dele antes disso...

Uma lembrança na qual Elizabeth talvez não devesse estar pensando agora, enquanto o conde, tendo ajudado sua tia e Letitia Grant a se sentarem, se agigantava sobre ela, parado atrás da cadeira de Elizabeth.

— Posso ousar ter a esperança de que este rubor é por minha causa, Betsy? — murmurou ele, o calor da respiração acariciando os cachos escuros na nuca de Elizabeth, quando Nathaniel inclinou-se para a frente a fim de posicionar a ca¬deira abaixo dela.

Elizabeth ficou tensa por um breve momento, antes de continuar a se sentar, apresentando seus ombros e costas rí¬gidos de desaprovação para o conde no processo. Não pôde evitar sentir um pequeno aborrecimento por ele ter acertado qual era a direção de seus pensamentos! Ela estivera muito chocada mais cedo pelos avanços repentinos do homem para analisar sua própria reação diante de estar nos braços dele quando tentara beijá-la, mais cedo.

Infelizmente, esse não se provara ser o caso quando, mais tarde, Elizabeth tinha levado Hector para um passeio nos bosques pacíficos ao redor da mansão Hepworth... seus pensamentos retornando diversas vezes para o corpo quente de Nathaniel Thorne, enquanto ele a segurava contra o peito musculoso, a alegria de sentir brevemente os lábios dele contra os seus, e o tremor de prazer que a percorrera quando aqueles mesmos lábios tinham viajado ao longo da extensão de seu pescoço. Quanto ao jeito sensual que ele olhara para o topo de seus seios... somente o pensamento daquilo fazia seu corpo inteiro formigar.

Elizabeth levara uma vida protegida em Shoreley Park, com os muitos poucos homens jovens morando na região, o mesmo eles não eram considerados companhias adequa¬das para suas três filhas por Marcus Copeland. A exceção a essa regra havia sido Malcolm Castle, o filho do proprietá¬rio de terras da região, mas, como ele sempre mostrara uma preferência pela companhia de Diana, desde a infância, tal possibilidade de flerte não estivera aberta para Elizabeth e Caroline.

De qualquer forma, a intimidade tomada por Nathaniel Thorne mais cedo não poderia ser chamada meramente de flerte! As liberdades que ele tentara tomar tinham implicado que ele não considerava Elizabeth mais digna de respeito do que uma... do que uma mulher a quem ele pagava para passar a noite! Sem dúvida, sua posição subalterna na casa da tia de Nathaniel era responsável por tal familiaridade, mas mesmo assim...

— Eu estaria tão inclinada a enrubescer se pensasse numa víbora quanto se pensasse em você, milorde — murmurou Elizabeth em resposta, enquanto se virava para olhá-lo, para o benefício da sra. Wilson e Letitia, como se estivesse agrade¬cendo o conde por seu comportamento atencioso, em vez de insultando-o.

O próprio sorriso de Nathaniel foi de apreciação irônica pela resposta impetuosa dela, antes que ele endireitasse o corpo lentamente e tomasse o próprio assento à cabeceira da mesa. Um sinal sutil para que o primeiro prato fosse servido, e para que sua tia começasse outro discurso sobre as virtudes das nobres locais e suas filhas repletas de atributos casadou¬ros, que seriam convidadas para a festa do próximo sábado.

Aquele era um monólogo que, mais uma vez, Nathaniel ou¬via apenas parcialmente, enquanto observava o refinamento dos modos de Betsy à mesa, e o jeito como ela graciosamen¬te engajava vivaz Letitia numa conversa, as duas mulheres sentadas uma de frente para a outra em lados opostos da mesa. Letitia era, é claro, a companhia perfeita para sua tia Gertrude, sendo muito cordata e nunca se opondo à prima, de temperamento mais forte e impetuoso. Não sendo nem cordata nem impetuosa, era crédito de Betsy o fato de ela se preocupar em envolver a mulher mais velha numa conversa.

Nathaniel estava tão entretido pelos esforços de Betsy em evitar um único olhar na sua direção — e, é claro, pelo exce¬lente jantar providenciado pelo cozinheiro de sua tia — que até mesmo conseguiu esquecer-se do desconforto de suas costelas quebradas por diversas horas.

 

— Eu acho que está na hora do último passeio com Hector antes de dormir, Betsy — finalmente anunciou sua tia, com um olhar afetuoso para a lareira do outro lado da sala, ao lado da qual seu adorado animal de estimação descansava, tanto no calor como no conforto resplandecente.

As ladies estavam prestes a ir para a sala de estar, a fim de tomar chá antes de se recolher para a noite, deixando Na¬thaniel à mesa, para apreciar o charuto e o conhaque que lhe haviam sido negados durante a última semana e meia, sua tia tendo aversão a qualquer pessoa fumando charutos em seus quartos. Razão suficiente, na verdade, para que Natha¬niel apressasse sua recuperação!

Ele tinha se levantado educadamente quando as ladies se levantaram para partir, mas agora olhou pela janela da sala de jantar e franziu o cenho.

— Isso é totalmente seguro para a srta. Thompson, tia Gertrude? A escuridão iluminada pela lua do outro lado des¬ta janela indica quão tarde da noite é.

— Eu nunca tive medo de sair no escuro, milorde — assegurou-o Elizabeth com veemência.

Ele ignorou o protesto dela para continuar a conversa com sua tia.

— Talvez fosse melhor que um dos lacaios cuidasse das necessidades de Hector a esta hora da noite, tia?

A sra. Wilson pareceu momentaneamente desconcertada.

— Betsy não reclamou...

Profundos olhos castanhos percorreram Elizabeth bre¬vemente, antes que Nathaniel Thorne se dirigisse à tia uma terceira vez:

— A srta. Thompson não me parece o tipo de lady que faz reclamações, minha querida tia — apontou ele, com um pe¬queno sorriso travesso.

Elizabeth sentiu o calor do rubor que coloriu suas faces diante da óbvia referência de Nathaniel ao fato de que ela mantivera sua palavra em não reclamar para a sra. Wilson sobre o comportamento do sobrinho, mais cedo naquele dia. Ela também não tinha intenção de quebrar sua palavra; considerando a posição submissa de Elizabeth na casa, a mu¬lher mais velha provavelmente iria culpá-la pela audácia do conde, uma vez que amava muito o sobrinho!

— A srta. Thompson pode encontrar diversos... indiví¬duos perigosos, andando ao redor de Devonshire a esta hora da noite — acrescentou o conde, secamente.

Pelo que Elizabeth sabia, o único “indivíduo perigoso” que ela poderia encontrar lá à noite — ou em qualquer outra hora — estava nessa mesma sala com ela! Elizabeth também não gostava da interferência do conde num assunto que não dizia respeito a ele; até agora tinha apreciado muito a solidão de suas caminhadas noturnas com Hector, tanto em Lon¬dres quanto ali. Além disso, ressentia-se por lorde Thorne considerá-la uma garotinha assustada, com medo de sair no escuro da noite.

— Aqui é Devonshire, Osbourne, não Londres. — A sra. Wil¬son obviamente compartilhava o ceticismo de Elizabeth.

— Mesmo assim...

— Tenho certeza de que eu estarei perfeitamente segura, lorde Thorne. — Elizabeth conseguiu manter o tom de voz calmo... ao mesmo tempo em que o fitava com expressão de desprazer através de cílios baixos.

Ele encontrou esse olhar, arqueando, então, uma sobran¬celha zombeteira.

— Talvez eu deva acompanhar srta. Thompson nesta ca¬minhada, tia? — sugeriu ele, suavemente. — Eu posso fumar meu charuto tanto lá fora quanto aqui dentro.

— Eu poderia acompanhar Betsy — ofereceu Letitia, com óbvio nervosismo.

— Isso apenas colocaria vocês duas em risco, tia Leti¬tia — o conde descartou a ideia, gentilmente.

A sra. Wilson franziu o cenho.

— Você realmente acha que há perigo em Betsy sair sozi¬nha à noite, aqui?

Lorde Thorne movimentou aqueles ombros largos num gesto de indiferença.

— Eu duvido que o contrabando na região seja menos predominante do que tem sido por diversos anos.

Elizabeth tinha ficado estranhamente perplexa pela su¬gestão do conde de acompanhá-la na caminhada ao ar livre, mas agora o encarou.

— Contrabando?

Profundos olhos castanhos a fitaram com expressão di¬vertida, quando ele inclinou a cabeça de lado.

— Um mercado ainda muito lucrativo, apesar de total¬mente ilegal, em Devonshire, eu creio. Um que tenho certeza de que os cavalheiros envolvidos preferiam não ser interrom¬pidos por uma jovem mulher passeando com um cachorro.

— Eu não tinha pensado nisso. — A sra. Wilson assentiu com um gesto de cabeça. — Talvez você deva acompanhar Betsy, Osbourne...

“Betsy” poderia ter gritado com a frustração de ser discutida como se ela não tivesse vontade própria. O que, é claro, como Betsy Thompson, dama de companhia do cachorro mi¬mado e adorado da sra. Wilson, ela não tinha...

— A menos que Betsy considere impróprio sair lá fora, so¬zinha comigo? — perguntou o conde, com a voz rouca.

A boca de Elizabeth se comprimiu enquanto ela olhava para o rosto bonito de Nathaniel Thorne, sabendo que, agora que o apetite dele pelo jantar fora saciado, podia facilmente estar no humor de zombar dela.

— Você...

— Esta é uma sugestão tão ridícula quanto àquela de que a empregada não deveria arrumar seu quarto, Osbourne — a sra. Wilson descartou a ideia, em tom de voz impaciente.

E isso colocava Elizabeth firmemente na posição de em¬pregada submissa, um papel que ela estava achando cada vez mais difícil de manter, quando na companhia de Natha¬niel Thorne,..

 

— Quanto tempo faz desde que você adquiriu o nome “Betsy”?

A jovem andando com passos determinados ao lado de Nathaniel, no caminho iluminado pela lua, que corria ao longo do topo do penhasco, agora tropeçou de leve diante da pergunta inesperada.

Que ela estava furiosa com a intervenção dele mais cedo era óbvio, considerando o silêncio gelado com o qual Betsy o vinha tratando desde que retornara, após coletar um casa¬co preto de pele de seu quarto. Ela havia pegado a coleira de Hector da mão do lacaio e andado para fora da casa, sem dar sequer um olhar na direção de Nathaniel.

Ele a seguira num ritmo mais preguiçoso, apreciando seu charuto enquanto andava, seus passos muito mais longos lhe permitindo alcançá-la dentro de segundos. Pelo silêncio contínuo de Betsy, e o subsequente olhar para o chão, com o objetivo de evitar fitá-lo, enquanto eles andavam lado a lado, ele percebeu que ela não tinha intenção de reconhecer sua presença, a menos que fosse provocada para fazer isso.

O que, a menos que Nathaniel estivesse enganado, ele aca¬bara de conseguir ...

Ela levantou a cabeça para encará-lo na luz do luar.

— O que você quer dizer com isso?

Estava uma noite clara de primavera, quente o bastante para que Nathaniel não sentisse necessidade de um casaco, sem uma única nuvem para mascarar as estrelas brilhando no céu escuro aveludado sobre suas cabeças. Provavelmente não a noite ideal para os contrabandistas estarem ao ar livre; Nathaniel acreditava que eles geralmente preferiam algumas nuvens para cobrir a luz da lua e, por conseguinte, mascarar seus movimentos.

Sendo assim, deveria ser agradável caminhar ao luar com uma mulher jovem e desejável, e o pequeno cachorro branco feliz trotando à sua frente. Em vez disso, até agora, eles pare¬ciam estar travando uma batalha silenciosa, para ver quem possuía mais força de vontade.

Ele suspirou.

— Eu notei que você parece se encolher quando minha tia... ou, na verdade, qualquer outra pessoa... se dirige a você como Betsy.

— Você está enganado, milorde...

— Eu acho que não — interrompeu ele firmemente; sua paciência com a jovem mulher não era ilimitada.

Elizabeth o olhou com cautela, sabendo que o subestimara seriamente, que o insight do conde agora mostrava que havia mais naquele cavalheiro do que o sobrinho afetuoso que ele era com a sra. Wilson, ou do amigo galanteador do escanda¬loso lorde Faulkner, que tentara fazer amor com ela naquela tarde.

— Seu longo silêncio trai sua necessidade de pensar numa explicação adequada para seu comportamento — disse Na¬thaniel calmamente.

Ela deu um suspiro determinado.

— Você somente precisa questionar sua tia para receber tal explicação, milorde — replicou ela em tom leve, enquanto continuava andando ao longo da trilha estreita.

— O que, por razões óbvias, eu não irei fazer!

Não, realmente não ficaria bem para o conde de Osbourne mostrar tanto interesse na jovem lady que era dama de com¬panhia do cachorro de sua tia!

— Eu lhe asseguro que não existe mistério nessa expli¬cação, milorde. A sra. Wilson não considerou meu nome inteiro, Elizabeth, adequado para uma criada em sua resi¬dência — explicou Betsy.

Então o nome dela era Elizabeth, pensou Nathaniel en¬quanto continuava caminhando ao seu lado. Sim, achava que a elegância daquele nome combinava muito mais com aquela jovem contraditória do que Betsy.

— Então, no futuro, eu a chamarei de Elizabeth...

— Eu preferiria que você não fizesse isso! — Ela havia parado novamente, em sua agitação. — Eu... sua tia não vai gostar — acrescentou, com menos veemência.

— Eu não me recordo de ter dito que pretendo pedir a per¬missão da minha tia — murmurou Nathaniel secamente.

Elizabeth franziu o cenho numa expressão de desprazer.

— Você também não pediu a minha permissão, milor¬de... Pois, se tivesse pedido, eu certamente teria recusado.

— Talvez, quando nós estivermos juntos sozinhos, como agora...

— Não, milorde!

Ele deu de ombros.

— Eu chamo Letitia pelo primeiro nome dela.

— Porque vocês dois são parentes através do casamen¬to — racionalizou ela, de maneira rígida. — Enquanto eu sou meramente...

— ... a jovem lady que eu beijei mais cedo — Nathaniel completou a sentença dela com uma voz rouca.

Profundos olhos azuis o fitaram na luz da lua quando Betsy parou mais uma vez na trilha.

— Que você tentou beijar, lorde Thorne! Uma tentativa que, acredito, não ter sido bem-sucedida — acrescentou ela, com satisfação presunçosa.

Apenas a satisfação de Elizabeth teria sido o bastante para ferir o ego masculino de Nathaniel; aquele óbvio ar convenci¬do estava levando as coisas longe demais!

Algo de que Elizabeth também se tornou ciente, quando ele começou a se afastar dela, cautelosamente.

— Você não pode sair por aí se aproveitando de jovens la¬dies que trabalham na casa de sua tia, Sir.

— Só há uma jovem lady na casa de minha tia em quem tenho interesse de me aproveitar, minha querida Elizabeth — murmurou Nathaniel, jogando fora o que restava de seu charuto para segui-la devagar.

— Eu não sou sua querida! — protestou ela, com total in¬dignação.

— Ainda não — reconheceu ele, com a voz rouca.

— Nunca serei! — Os cachos morenos balançavam na luz da lua. — Milorde, você realmente não pode...

— Oh, é claro que eu posso. — Nathaniel assentiu com um gesto de cabeça.

— Seu... oh! — Esse segundo protesto parou de maneira abrupta quando ele a puxou para seus braços e segurou-a fir¬memente contra o corpo poderoso.

— E, minha querida Elizabeth, desta vez, nenhuma van¬tagem injusta será tirada de minhas costelas machucadas. — Ele lhe sorriu de forma travessa, antes de abaixar a cabeça e clamar-lhe os lábios com os seus.

Elizabeth não estivera enganada antes; os lábios experien¬tes de Nathaniel Thorne sobre os seus lhe causavam tanto a sensação de estar sendo dominada quanto uma sensação de prazer. Um prazer que começava nos seus seios, fazendo com que os pequenos botões em seus mamilos se pressionassem contra o corpete do vestido, antes de espalhar-se para o resto do corpo e acabar entre as pernas.

Oh, meu Deus!

Elizabeth nunca experimentara nada como aquele calor em particular antes; parecia que estava inchando em sua parte mais íntima, e havia uma umidade ali também que, apesar de levemente desconfortável, causava tremor em suas pernas e uma sensação de fraqueza nos joelhos...

Suas mãos moveram-se para a frente do colete de seda de Nathaniel, os dedos se curvando no tecido, num esforço de que ela se firmasse. Instantaneamente, Elizabeth se tornou cônscia da rigidez dos músculos sob o colete e a camisa... músculos que tremeram em resposta ao seu toque, enquanto a boca sen¬sual de Nathaniel continuava a explorar a sua.

Aquela era, Elizabeth decidiu, completamente sem fôlego, a experiência mais excitante de sua vida. Diferente de qualquer coisa que já conhecera ou sentira antes. O calor que percor¬ria seu corpo aumentou muito quando uma das mãos dele se moveu para lhe capturar um seio...

Elizabeth ficou desolada quando ele subitamente acabou o  beijo, olhando para as feições sérias do conde.

— O que você fez, sua garota tola? — exclamou ele.

O que ela...

— Hector? — Tarde demais, Elizabeth percebeu que devia ter soltado a guia do cachorro enquanto eles se beijavam, e que Hector, latindo de algum lugar a distância, não apenas tinha fugido, mas já fora engolido pela escuridão.

 

— Você é o culpado disso! — exclamou ela, furiosamente.

— Não fui eu quem ficou tão absorvido em nossos beijos a ponto de deixar o cachorro fugir — relembrou-a Nathaniel, em tom irritado, enquanto os dois se apressavam no cami¬nho escuro ao longo do penhasco, em busca do pequeno cão travesso. Ou, pelo menos, Elizabeth se apressava; os passos normais de Nathaniel ainda o colocavam ao lado dela.

— Eu também não estava... Hector! Hector!... tão ab¬sorvida por eles! — Ela o olhou com expressão acusatória enquanto continuava chamando o cachorro. — Se você não ti¬vesse... Hector! Hector!... tomado liberdades... Hector!...

— Um aviso, Elizabeth... — Nathaniel decidiu interrom¬per o que parecia estar esquentando para um longo discur¬so, digno de sua tia, quando ela se esforçara arduamente para parecer indignada. — Os contrabandistas nesta região são muito reais. E, se algum deles estiver nos arredores a esta hora...

— Eu acho que você só está tentando me assustar, milorde.

— E por que eu desejaria fazer uma coisa dessas? — questionou ele, suavemente.

— Sem dúvida, porque sente algum tipo de prazer suspeito ao fazer isso — retorquiu Elizabeth, já tendo ouvido bobagens demais daquele homem por uma noite, de um tipo ou de ou¬tro... — E eu não pretendo ser assustada por mitos ou len¬das... — Ela parou de repente, quando, mais uma vez, ouviu os latidos de Hector a distância.

Latidos que foram acompanhados por um comando auto¬ritário, seguido pelo som de um cavalo obviamente pertur¬bado resfolegando e relinchando!

— Hector! — exclamou Elizabeth, antes de correr naquela direção.

Nathaniel correu atrás dela, seu coração parecendo pa¬rar no peito diante da visão de Elizabeth se aproximando de onde Hector podia ser visto latindo para um cavalo imenso de pelo claro, que empinava e mostrava o branco dos olhos, enquanto se movia precariamente perto da extremidade do penhasco, resistindo a todos os esforços de seu cavaleiro para recuperar o controle, enquanto se erguia sobre as patas traseiras.

— Quieto, Hector! — gritou Nathaniel, ao mesmo tempo em que Elizabeth agarrou as rédeas do cavalo, murmurando palavras suaves, quando ele desceu sobre as quatro patas, os cascos letalmente perigosos dançando na frente dela, os olhos selvagens, as narinas dilatadas, enquanto o cavalo continuava a resfolegar, e voltava a empinar, apesar de o cachorro agora ter ficado silencioso. — Assuma o controle, homem! — Natha¬niel instruiu o cavaleiro vestido de preto, ignorando a dor em suas costelas quando deu um passo à frente, a fim de agarrar as rédeas do cavalo com firmeza.

Mantido preso dos dois lados, o animal de pelo cinza fi¬nalmente conseguiu se acalmar.

— Bom garoto — murmurou Elizabeth com suavidade, e acariciou o pescoço sedoso do cavalo. — Bom garoto — conti¬nuou repetindo, enquanto o animal se tornava mais calmo a cada segundo. — Aqui está um bom rapaz.

Nathaniel decidiu que lidaria com a impulsividade da srta. Elizabeth Thompson, de se aproximar do cavalo nervoso, mais tarde. Em vez disso, concentrou sua raiva considerável em relação ao cavaleiro, quando o homem escorregou da sela e parou ao seu lado na trilha.

— O que você pensou que estava fazendo, homem? — de¬mandou ele com ferocidade, enquanto segurava firmemente as rédeas do cavalo ainda arisco.

— O que eu...? — O cavalheiro pareceu momentaneamen¬te sem palavras. — Se você não tivesse permitido que seu ca¬chorro desprezível fugisse para assustar Starlight, então nada disso teria acontecido!

Elizabeth estava muito ciente — exceto pela parte de cha¬mar Hector de desprezível — que a acusação do cavalheiro era merecida.

— Lamento, mas isso foi culpa minha, Sir. — O rosto oval e pálido do homem virou-se na sua direção. — Eu, sem querer, deixei que a coleira de Hector escapasse de meus dedos, o que obviamente causou...

— Quem é você? — exigiu saber o homem, a capa preta ondulando-se gentilmente ao seu redor no escuro, o chapéu alto tendo, de alguma maneira, permanecido seguro em sua cabeça. Elizabeth ficou espantada pela intensidade da pergunta.

— Eu sou... Eliza... Betsy Thompson, Sir. E, sinceramente, peço desculpas se causei qualquer aflição a você ou seu cavalo. Sinto muito, mas fui momentaneamente distraída, e deixei com que Hector escapasse. — Ela fez uma careta de desgosto pelo motivo daquela distração.

— Eliza Thompson, você diz? — perguntou o cavalheiro, de maneira tensa.

— Elizabeth, mas me chamam de Betsy — disse ela. — Creio que você e Starlight não sofreram danos, Sir?

— Eu não posso ter certeza disso até que leve Starlight de volta para o estábulo e o examine na luz de um lam¬pião — murmurou o homem.

— É você, Tennant? — perguntou Nathaniel subitamente.

— Meu nome é Sir Rufus Tennant, sim. — O outro homem o olhou longamente. — E você é... ?

— Osbourne.

A pronúncia de tal nome teve o efeito desejado, enquanto alguma da tensão pareceu deixar os ombros largos do outro cavalheiro.

— Nathaniel Thorne?

— Eu mesmo — confirmou o conde com seriedade.

— Você está hospedado na mansão Hepworth com sua tia?

— É claro — respondeu Nathaniel, secamente. — O que você estava fazendo, cavalgando na extremidade de um pe¬nhasco, à noite, Tennant?

— Um cavalheiro não discute suas buscas noturnas na frente de uma lady, Osbourne. — Sir Rufus Tennant parecia bastante divertido.

E assim, deixou Elizabeth — enquanto ela se ajoelhava no chão para acariciar um Hector muito ofegante — em dúvida se ele estava envolvido em contrabando, afinal de contas, ou se era apenas um cavalheiro voltando de um encontro amoroso.

— Você me surpreende, Tennant — murmurou Nathaniel lentamente, acreditando que a última opção fosse a verdadeira.

— Realmente? — o outro homem retornou em tom frio.

— Eu acho que está na hora de retornarmos à mansão Hepworth, milorde. — Elizabeth endireitou o corpo, a coleira de Hector mais uma vez seguramente em sua mão.

— Apresente-nos, Osbourne — instruiu o outro homem brevemente.

— Betsy Thompson. Sir Rufus Tennant. — O jeito abrupto do conde evidenciava sua irritação pela arrogância do outro homem.

— Srta. Thompson. — Sir Rufus Tennant lhe fez uma reve¬rência. — Eu tenho a permissão de visitá-la amanhã?

Elizabeth ficou momentaneamente sem fala, pela segun¬da vez nos últimos poucos minutos. Era óbvio que Sir Rufus acreditava que ela fosse uma hóspede na casa da sra. Wilson. Mas Nathaniel deixou claro que isso não era verdade, quando respondeu ao homem:

— A srta. Thompson é dama de companhia de minha tia, e, sem dúvida, estará ocupada com suas tarefas, se você decidir visitá-la amanhã — disse ele em tom de voz ríspi¬do. — Mas tenho certeza de que a sra. Wilson ficará muito satisfeita em recebê-lo.

Elizabeth, embora ciente do olhar de Sir Rufus ainda fixo nela, permaneceu estoica e desconfortavelmente silenciosa, tendo sido lembrada, de maneira muito veemente, que da¬mas de companhias de ladies ricas não recebiam visitas de cavalheiros com títulos.

 

— Você vai continuar em silêncio durante todo o caminho de volta para a mansão Hepworth, também? — perguntou Nathaniel, suas costelas agora doendo terrivelmente pela força necessária usada para acalmar o cavalo de Tennant, uma dor nem um pouco aliviada pelo ritmo ligeiro que Eli¬zabeth estabelecera para ambos. Sem dúvida, tinha pressa em livrar-se da companhia dele.

— Pensei que você preferisse assim, milorde — respon¬deu ela. — Tenho certeza de que a conversa tediosa de uma mera dama de companhia irritaria os nervos de um cava¬lheiro! — acrescentou, obviamente não podendo resistir à ob¬servação sarcástica.

Mais uma vez, Nathaniel foi alertado para a contradição que cercava aquela jovem mulher. O fato de que Tennant também achara que ela fosse uma lady nobre, pelo mero som de sua voz, era óbvio, pelo pedido de visitá-la no dia seguinte... um pedido que Nathaniel não gostara nem um pouco! Não mais do que Elizabeth claramente gostara de sua resposta a Tennant.

— Eu não acho a conversa desta dama de companhia em particular nem um pouco tediosa — admitiu Nathaniel.

Olhos azuis brilhantes se voltaram para ele no escuro.

— Acho muito difícil acreditar nisto, milorde!

— Por que, Elizabeth?

— Eu lhe disse para não...

— E eu lhe disse que, quando nós estivermos sozinhos, tenho toda a intenção de chamá-la de Elizabeth.

Ela lhe deu um olhar exasperado.

— E, uma vez que eu sou empregada de sua tia, não tenho nada a dizer sobre a questão?

Ele deu de ombros.

— Você prefere o nome Betsy?

Ela bufou, de maneira deselegante.

— E claro que não.

— Então por que se opõe ao fato de eu chamá-la de Eli¬zabeth?

— Porque você não pediu, milorde, e, sim, declarou. — Lá estava o calor da raiva na voz dela.

— Muito bem. — Nathaniel inclinou a cabeça de lado. — Eu posso me dirigir a você como Elizabeth, quando nós estiver¬mos sozinhos?

— Não! — Ela evidentemente sentia grande deleite em lhe negar aquilo.

— Agora você está sendo deliberadamente difícil — mur¬murou Nathaniel com impaciência. — Toda essa indignação porque eu disse a Tennant que você era empregada de mi¬nha tia?

Elizabeth enrijeceu.

— Por que eu ficaria aborrecida pelo fato de você ter de¬clarado a verdade?

— Eu não tenho ideia, eu somente sei que... Droga! — Nathaniel havia se virado, a fim de segurar os braços de Elizabeth com firmeza, apenas para perder o fôlego quando a agonia em seu peito o fez liberá-la abruptamente e lutar contra a vontade de se dobrar com a dor que o assolou.

— Milorde? — Elizabeth estava repleta de preocupação no momento que se virou para ele no escuro.

— Peço perdão por ter praguejado — disse Nathaniel entre dentes, antes de endireitar o corpo lentamente.

— Isso não importa agora. — Ela meneou a cabeça de ma¬neira agitada, os cachos escuros balançando abaixo do cha¬pou. — Você se machucou de novo...

— Eu apenas exacerbei meu ferimento original — corrigiu ele, o maxilar rígido numa tentativa de evitar a dor. — Por, sem dúvida, eu ter me intrometido e salvado você de sua im¬prudência!

A indignidade de Elizabeth retornou.

— O que você quer dizer?

— Eu imaginei que, a qualquer momento, fosse vê-la morta sob os cascos do cavalo. — Nathaniel a olhou de forma acusadora. — Que diabos você pensou que estivesse fazendo, aproxi¬mando-se do cavalo daquele jeito?

— Eu lhe asseguro que sabia exatamente o que estava fazendo.

— Verdade? — zombou Nathaniel.

— Eu fui colocada sobre meu primeiro cavalo com a ida¬de de... — Ela parou abruptamente, os lábios se unindo com força, ao perceber que havia falado demais.

Ou não o bastante, pensou Nathaniel com considerável frustração. Se ele descobrisse que Elizabeth Thompson era filha de algum cavalheiro pobre e sem importância, como seriamente estava começando a acreditar, então seu compor¬tamento em relação a ela mais cedo poderia colocá-lo numa posição muito estranha. Uma posição terrível, na verdade...

— Sim, você estava dizendo...? — ele a encorajou, de ma¬neira persuasiva.

Elizabeth endireitou o corpo.

— Deixe-me ajudá-lo a voltar para casa, milorde.

— Eu estou com dor, Elizabeth, não aleijado! — Nathaniel encolheu-se de leve diante do excesso de agressividade na própria voz, quando ela tentou pegar em seu braço.

A mão de Elizabeth baixou para a lateral do corpo.

— Então, talvez, Sir, você deva prestar atenção em suas próprias ações antes de criticar as minhas.

— Como assim? — Nathaniel franziu o cenho.

Ela assentiu com um breve gesto de cabeça.

— Se você não tivesse se envolvido numa briga, enquanto estava embriagado, então não teria recebido os ferimentos dos quais sofre agora.

— E se eu tivesse recebido tais ferimentos em defesa de uma lady. — ofereceu ele secamente, as ondas de dor come¬çando a diminuir agora.

Elizabeth arqueou sobrancelhas céticas.

— Acho muito difícil acreditar nisso. Uma lady nobre ja¬mais se colocaria numa posição de necessitar de tal defe¬sa — acrescentou ela, quando Nathaniel a fitou com expressão interrogativa.

Aquilo poderia ser verdade. Todavia, uma vez que o ami¬go de Nathaniel, lorde Dominic Vaughn, conde de Blackstone, tinha declarado que pretendia tornar a lady em questão sua esposa o mais brevemente possível, talvez fosse mais prudente da parte de Nathaniel manter essa opinião para si mesmo!

— Eu tenho certeza de que você nunca se colocaria numa posição como essa — murmurou ele, em vez disso.

Elizabeth franziu a testa, obviamente suspeitando que ele estava zombando dela.

— Eu sou uma dama de companhia, milorde, não uma lady — ela o informou em tom arrogante, quando retomou sua caminhada para a mansão Hepworth.

Uma arrogância que tornou Nathaniel menos convencido com aquela declaração do que Tennant obviamente estivera, minutos atrás!

— Porém, não menos merecedora da proteção de um ca¬valheiro, certamente? — Ele lhe acompanhou os passos.

Elizabeth o olhou com intensidade, as feições do conde se tornando mais claras conforme eles se aproximavam da casa iluminada por velas, feições duras e inflexíveis que perturba¬vam a paz mental já abalada dela.

— A única pessoa de quem eu precisei de proteção esta noite foi de você, milorde! — exclamou ela.

— Todas as evidências mostram o contrário, Elizabeth... tem sido minha experiência até agora, desde que eu a conheço, que você é mais do que capaz de se proteger, sozinha — mur¬murou Nathaniel com sentimento.

Ela o fitou com desdém.

— Talvez isso seja verdade. — A porta da frente foi aberta pelo mordomo, permitindo que os dois entrassem, deixando o ar frio da noite para trás. — Se você me der licença, milor¬de? — Com modéstia, Elizabeth manteve os olhos baixos na frente do mordomo. — A sra. Wilson deve estar esperando an¬siosamente pelo retorno de Hector.

Nathaniel permaneceu parado no hall, observando, atra¬vés de pálpebras estreitas, enquanto Elizabeth subia a escada, acompanhada pelo cachorro fugitivo, fazendo uma anotação mental para falar com sua tia no dia seguinte, e questionar exatamente o que ela sabia ou não sabia sobre a jovem lady que empregara recentemente.

— Leve-me um conhaque na biblioteca agora, por favor, Sewell — ele instruiu o mordomo, distraidamente.

— É claro, milorde.

Tendo se acomodado ao lado do fogo na biblioteca, com um copo de conhaque muito necessário na mão, Nathaniel voltou seus pensamentos para o encontro estranho com Sir Rufus Tennant.

Ele não conhecia bem a família Tennant, tivera apenas um contato superficial com o irmão mais novo de Sir Rufus, Giles, antes do envolvimento dele em algum escândalo, anos atrás, que resultara no homem tirando a própria vida. Não conhecia Sir Rufus, em absoluto, o outro homem sendo oito ou nove anos mais velho que Nathaniel. Com a reputação de ser taciturno e solitário, as visitas de Sir Rufus a Londres não eram frequentes, sua participação na sociedade não existen¬te, e não havia rumores de tipo algum sobre suas inclinações românticas.

Uma ocorrência que tinha, em uma ocasião, levado tia Gertrude a pensar, escandalizada, depois que o cavalheiro se recusara a mais um de seus convites para jantar, se as prefe¬rências sexuais de Sir Rufus podiam rumar para uma direção inteiramente distinta.

O pedido de Tennant para visitar Elizabeth no dia se¬guinte parecia implicar que as conclusões de sua tia estavam erradas.

 

— Sir Rufus está aqui para vê-la, senhora — anunciou Sewell de forma altiva, quando parou perto da porta da sala de estar, no fim da manhã seguinte.

Elizabeth estava sentada no fundo da sala, e ergueu os olhos de seu bordado, curiosa para ver como seria a aparên¬cia de Sir Rufus na luz do dia.

O cavalheiro que entrou na sala, alguns segundos de¬pois, tinha provavelmente um pouco menos de 1,80m, com cabelos escuros em necessidade de um corte, e os olhos mais azul-claros que Elizabeth já vira num rosto austero, porém não desagradável. Ele estava vestido num paletó marrom, colete e calça bege, e sapatos pretos co¬bertos de terra, o que obviamente acontecera durante a cavalgada para lá.

Ele pausou junto à porta, os olhos estreitos estudando bre¬vemente as duas mulheres mais velhas, antes de descansar sobre Elizabeth. Ele pareceu arfar, enrijecer o maxilar, antes de adentrar mais o cômodo para fazer uma reverência for¬mal diante da sra. Wilson.

— Como vai, senhora?

Elizabeth havia mencionado o encontro da noite anterior para sua empregadora, durante o café naquela manhã, de modo que a sra. Wilson, não surpresa em vê-lo, sorriu gra¬ciosamente para seu visitante.

— Faz muito tempo desde que nós o vimos pela última vez, Sir Rufus.

Aqueles olhos azuis semicerrados percorreram Eliza¬beth brevemente, antes de retornar para a mulher mais velha.

— Eu tenho estado, como de costume, muito ocupado com os negócios da propriedade, senhora. Na verdade, ape¬nas passei aqui esta manhã a fim de me assegurar que a srta. Thompson e seu sobrinho voltaram para casa com seguran¬ça, depois da caminhada de ontem à noite.

— Ah, sim. — O olhar gentil da sra. Wilson voltou-se para Elizabeth, que agora estava enrubescendo. — Betsy me con¬tou o que aconteceu. Espero que seu cavalo não tenha sofrido efeitos colaterais do encontro?

— De maneira alguma, obrigado, senhora — Sir Rufus a tranquilizou.

— Tomará um chá conosco, Sir Rufus? — A sra. Wilson ges¬ticulou a cabeça para Letitia, de modo que ela tocasse o sino para chamar Sewell.

— Obrigado. — Sir Rufus assentiu abruptamente. — Eu... tenho a sua permissão para perguntar sobre o bem-estar da srta. Thompson?

O rubor de Elizabeth aprofundou-se diante da expressão especulativa nos olhos da sra. Wilson, antes que ela assentisse sua permissão e, para todos os fins práticos, voltas¬se a se concentrar em seu bordado. Mas, a essas alturas,

Elizabeth conhecia a lady bem-intencionada, porém in¬trometida, o bastante para saber que a sra. Wilson estaria ciente de cada palavra trocada entre Sir Rufus e sua jovem dama de companhia.

— Srta. Thompson? — Sir Rufus parou diante de Elizabeth agora, os olhos azul-claros intensos, enquanto ele a fitava.

— Sir Rufus. — Elizabeth gesticulou a cabeça graciosa¬mente, levantando-se para colocar seu bordado na cadei¬ra atrás de si, antes de fazer uma breve cortesia, incerta se estava confortável com a decisão do homem de ir visitá-la.

— Fico contente em saber sobre a boa saúde de Starlight.

— Obrigado — retornou ele. — Eu... você é desta região?

— Não, Sir Rufus. Eu sou originalmente de H... — Eliza¬beth parou de maneira abrupta, um rubor delicado mais uma vez aquecendo suas faces, ao perceber que revelaria demais sobre si mesma se anunciasse que vinha original¬mente de Hampshire. — Herefordshire — respondeu com firmeza. — Mas, pelo pouco que vi, Devonshire é um muni¬cípio muito lindo.

— Suas trilhas ao longo do penhasco talvez não devam ser atravessadas à noite, a pé ou a cavalo — murmurou ele.

— Talvez não — concedeu Elizabeth com um sorriso. — O resto de sua jornada para casa deu-se sem ocorrências especiais?

Um nervo pulsou no maxilar rígido de Sir Rufus.

— Estou certo de que eu não poderia achar nada pertur¬bador depois de nosso... encontro significante.

Elizabeth se movimentou desconfortavelmente ao perce¬ber que Rufus Tennant estava tentando flertar com ela. Não um flerte praticado ou realizado com suavidade... como se ele não fizesse aquilo há muito tempo... Mas, de qualquer forma, estava tentando lisonjeá-la, pelo menos.

— É muita gentileza sua dizer isso, Sir Rufus.

Ele tentou um sorriso.

— Talvez...

— Que bom vê-lo novamente, Tennant — Nathaniel o cum¬primentou ao entrar na sala e andar para onde o homem mais velho estava parado ao lado de Elizabeth.

Ela teve muito tempo, enquanto os dois homens trocaram cumprimentos, para notar os contrastes entre eles. E acabou concedendo, por fim, que Sir Rufus saía perdendo quando comparado a lorde Thorne.

Nathaniel Thorne era provavelmente dez anos mais novo que Sir Rufus, e possuía uma vitalidade e uma beleza arden¬tes que obviamente faltavam ao homem mais velho. Sir Rufus era moreno, e lorde Thorne era loiro, e os cabelos do homem mais novo revelavam o corte da última moda. O corpo de lorde Thorne também era muito mais atraente, com seus ombros largos enfatizados pelo casaco escuro, cintura estrei¬ta e pernas longas cobertas por uma calça cor de couro cru, acima de sapatos polidos a tal grau que era quase possível ver o rosto de alguém neles, enquanto o homem mais velho mostrava sapatos empoeirados.

E tudo isso apenas conseguiu despertar a compaixão de Elizabeth pela aparência mais menos atraente de Sir Rufus...

 

Nathaniel podia quase ler os pensamentos da bonita cabe¬ça de Elizabeth, enquanto ela observava os dois homens por baixo dos seus cílios longos e escuros. Ele sentia que ela havia comparado os dois homens, achado Tennant insatisfatório, mas ainda assim preferia a companhia do cavalheiro à de Na¬thaniel. O que não era surpreendente, depois de os dois terem se separado tão em conflito um com o outro na noite anterior!

Ele tinha caído na tentação de beijá-la novamente... um beijo que nunca deveria ter acontecido, Nathaniel sabia, mas o qual, de qualquer forma, o mantivera acordado e se virando de um lado para o outro na cama por mais tempo que o normal.

Admitidamente, fazia três semanas, ou mais, desde a última vez que Nathaniel levara uma mulher para cama, enquanto visitava Gabriel no palazzo dele em Veneza, mas, mesmo assim, apenas beijar Elizabeth Thompson não de¬veria tê-lo afetado tão profundamente que ele fora incapaz de amortecer sua excitação. Consolar-se para aliviar tal ex¬citação não tinha sido agradável, também, motivo pelo qual Nathaniel não se sentia no melhor de seus humores nessa manhã.

Seu humor não melhorara quando ele havia entrado na sala de estar de sua tia alguns minutos atrás e encontrado Tennant no fundo do cômodo, numa conversa particular com Elizabeth.

O fato de se sentir assim tinha apenas aumentado seu des¬gosto em relação àquela atração totalmente inapropriada que ele sentia por Elizabeth Thompson.

— Talvez devêssemos nos juntar à minha tia, Tennant, e deixar a srta. Thompson com seu bordado? — sugeriu ele fria¬mente, quando Sewell entrou com a bandeja de chá.

O outro homem o fitou com os olhos azul-claros de um peixe.

— Eu...

— Sim, venham se juntar à Letitia e a mim — convidou tia Gertrude suavemente. — Eu poderei então convidar Sir Rufus para o jantar festivo que teremos no sábado à noite — acres¬centou ela, de forma calorosa.

Tennant, embora obviamente desgostoso pela interrup¬ção, não teve escolha senão assentir com um breve gesto de cabeça na direção de Elizabeth, antes de ir se sentar com as duas mulheres mais velhas.

Deixando Nathaniel sozinho com a irritada Elizabeth...

 

— Você sente algum deleite cruel em me humilhar? — per¬guntou ela, de modo acusador.

— Eu não queria que você fizesse papel de tola, flertando com um dos convidados de minha tia — veio a resposta fria de Nathaniel.

Elizabeth arfou com o insulto, lágrimas de humilhação brilhando nos olhos azuis profundos enquanto ela o fitava.

— Foi Sir Rufus que procurou a minha companhia, não o contrário. — A voz dela tremeu com emoção.

Nathaniel observou o homem mais velho tentando con¬versar educadamente com a sra. Wilson e Letitia Grant. Era óbvio que Tennant não estava à vontade na companhia das mulheres. O olhar ocasional que ele enviava na direção de Elizabeth parecia indicar que ela era a única razão pela qual ele estava passando por momentos tão desconfortáveis na¬quele dia.

A boca de Nathaniel se curvou num sorriso zombeteiro quando ele se voltou para Elizabeth.

— Sem dúvida, ele seria um bom partido para uma dama de companhia.

Ela franziu o cenho numa expressão triste, incerta do que tinha feito para ganhar o desprazer do conde desta vez, apenas ciente de que isso acontecera. Sir Rufus Tennant re¬almente podia ser um “bom partido” para uma dama de companhia... mas o mesmo não podia ser dito com relação à lady Elizabeth Copeland.

— Sem dúvida. — Ela manteve a expressão deliberada¬mente afável.

— Talvez...

— Você não vai se juntar a mim em meus esforços para per¬suadir Sir Rufus a vir ao nosso jantar festivo no sábado, Os¬bourne? — a sra. Wilson parecia expressar leve desaprovação pela conversa contínua do sobrinho com sua empregada.

— Eu me juntarei a você num momento, tia — respondeu ele, antes de, mais uma vez, abaixar o tom de voz para falar com Elizabeth: — É claro, Tennant pode ser um pouco velho para você...

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Eu duvido que uma dama de companhia tenha o luxo de se preocupar sobre coisas como a idade do marido, mi¬lorde. — Ela olhou para Sir Rufus. — O visual e modos dele parecem agradáveis o bastante. E ele parece ser um homem razoavelmente saudável, também.

— E isso é importante para você? — perguntou Nathaniel, estudando-a.

Os cílios de Elizabeth baixaram.

— Tenho certeza de que isso seria importante para a maio¬ria das noivas em potencial, milorde.

— Assim como um dote de noiva é sempre importante para o noivo — apontou ele, preguiçosamente.

Lembrando Elizabeth que um dote era algo que nem ela nem suas irmãs possuíam...

O pai delas tinha sido um homem amoroso e gentil, mas, de alguma maneira, sempre vago depois que a esposa o dei¬xara, fazendo-o se isolar da família e da sociedade a tal grau que não dera a consideração merecida para o futuro de suas filhas, depois de sua morte.

A morte dele havia sido inesperada, então talvez seu pai tivesse acreditado que Diana, Caroline e Elizabeth estivessem seguramente casadas antes que isso ocorresse. Entretanto, Elizabeth não imaginava como isso poderia acontecer, uma vez que nenhuma delas tinha permissão de conhecer cava¬lheiros elegíveis.

Qualquer que fosse o motivo de seu pai, a leitura do testa¬mento de Marcus Copeland revelara que ele não fizera provi¬sões para dotes de suas três filhas; em vez disso, deixara-as sob a tutela e mercê do primo distante e herdeiro, lorde Ga¬briel Faulkner.

Elizabeth deu um sorriso tenso.

— Então vamos esperar, para o seu bem, que tanto a srta. Miller quanto a srta. Rutledge possuam uma grande fortuna.

Nathaniel fez uma carranca, não gostando nem um pouco da maneira como ela mudou a conversa para as in¬tenções matrimoniais nem um pouco sutis de sua tia em relação a ele.

Seus dois melhores amigos podiam ter recentemente su¬cumbido à ideia do casamento, Dominic pretendendo se casar com a mascarada Caro Morton, e Gabriel, com mais sensatez, planejando oferecer casamento para uma das três jovens ladies que tinham se tornado suas protegidas na oca¬sião em que ele herdara o título de conde de Westbourne. Todavia, isso não fazia Nathaniel se sentir mais disposto a cair na armadilha do padre. Na verdade, ele considerava seu dever sustentar a ideia de estado de solteiro para aqueles de seus amigos que também tinham conseguido escapar de tal destino até agora.

Elizabeth mal conseguiu reprimir seu sorriso diante da expressão de desgosto que se estampou no rosto de Natha¬niel com a mera menção de matrimônio em relação a ele, revelando para ela, pelo menos, que as esperanças da sra. Wilson naquela direção não tinham muita chance de se tor¬nar realidade.

— Você realmente deveria se juntar à sua tia e à visita dela, milorde. — Ela olhou para o conde com uma fisionomia de¬safiadora, sentindo que havia sido a vitoriosa naquela troca em particular.

Nathaniel a olhou de forma arrogante.

— Eu estou acostumado a fazer o que quero, não o que outras pessoas desejam que eu faça.

Ela sorriu brevemente.

— Ninguém poderia imaginar uma coisa dessas!

Olhos castanhos se estreitaram perante o óbvio sarcasmo de Elizabeth.

— Sua...

—Seu chá está esfriando, Osbourne — interrompeu a sra. Wilson, imperiosamente.

E isso alertou Elizabeth para o fato de que ela estava cor¬rendo o sério risco de voltar a ira da lady para si mesma se não acabasse imediatamente com aquela conversa com o so¬brinho dela. Então Elizabeth nem mais olhou na direção do conde, antes de atravessar o cômodo a fim de parar na frente da mulher mais velha.

— Lorde Thorne estava apenas me aconselhando sobre o caminho mais seguro para meus passeios com Hector. — Ela deu um sorriso distraído para Sir Rufus Tennant quando ele se levantou, educadamente.

— É claro. — A sra. Wilson ofereceu um sorriso afetuo¬so para seu sobrinho no momento em que ele se juntou ao grupo. — Um rapaz tão bom, sempre preocupado com o bem-estar de outros...

Elizabeth bufou com incredulidade, antes que tivesse a chance de impedir o som, um som que ela rapidamente transformou numa tosse, ao ver a expressão intrigada no ros¬to de sua empregadora. Mas, realmente, a mera ideia de Na¬thaniel Thorne como um “bom rapaz”, sempre “preocupado com o bem-estar de outros”, era ridícula demais; o homem era a arrogância personificada, e a única pessoa por quem ele mostrava um pouco de consideração, além de si mesmo, era pela tia.

— Espero que você não esteja pegando um resfriado, Betsy. — A sra. Wilson delicadamente levantou um lenço de renda na frente do nariz.

Pelo canto do olho, Elizabeth podia ver, no sorriso curvan¬do aqueles lábios esculpidos e extremamente sensuais, que o irritante conde estava bem ciente da zombaria.

— Acho que não — ela tranquilizou a mulher mais velha, em tom suave. — Estou provavelmente com uma leve alergia a alguma coisa na sala — acrescentou, para o benefício do con¬de. — Tenho certeza de que não é nada que uma caminhada ao ar fresco não possa curar.

— Eu estava prestes a ir embora. — Sir Rufus Tennant pôs sua xícara de chá vazia sobre a mesa. — Talvez eu possa cami¬nhar com você por uma pequena distância?

Elizabeth entristeceu com a sugestão. Suas observações para lorde Thorne, alguns minutos atrás, em relação ao Sir Rufus, haviam sido pura bravata de sua parte; ela não tinha o menor interesse romântico num homem que não era ape¬nas quase vinte anos mais velho, mas também tão comum em aparência que ela quase sentia vergonha de admitir que, como lady Elizabeth Copeland, provavelmente não teria no¬tado a existência dele.

— Tenho certeza de que meu conhecimento da área é bas¬tante superior ao de Osbourne — acrescentou o cavalheiro, de maneira arrogante.

Não apenas comum, mas convencido, também, notou Eli¬zabeth, recuando internamente, certificando-se de não olhar na direção do conde agora, sabendo que ele estaria franzindo o cenho em desaprovação, o que era, talvez, razão suficiente para Elizabeth aceitar o convite de Sir Rufus. Exceto que ela não possuía o menor interesse romântico no homem mais velho, nem como Betsy Thompson nem como lady Elizabeth Copeland...

Ela respirou fundo.

— E muita gentileza de sua parte, Sir Rufus...

— Muita gentileza, realmente — concordou a sra. Wilson em tom de voz caloroso. — Ainda há jacintos em West Wood, Sir Rufus?

— Sim, senhora.

— Oh, então você deve permitir que Sir Rufus lhe mostre West Wood em plena floração, Betsy. — Sua empregadora sor¬riu para evidenciar a aprovação. — Hector sempre gostou de passear no bosque de jacintos — acrescentou ela, como se isso fechasse a discussão..

O que, na verdade, fechava, aceitou Elizabeth, ao mesmo tempo em que lutava com sua frustração interior. Os mimos da sra. Wilson para com o pequeno cachorro eram sem li¬mites e, se Hector gostasse de ir ao bosque de jacintos, então Elizabeth certamente tinha de levá-lo lá.

Trocar mesmo um único olhar muito breve com Nathaniel Thorne sob cílios baixos, a fim de avaliar a reação dele àquela conversa, foi um erro. Homem horrível, horrível... em vez de desaprovar, ele parecia altamente divertido... sem dúvida porque estava ciente da falta de entusiasmo de Elizabeth pela companhia de Sir Rufus!

Os lábios de Nathaniel estavam pressionados, como se para reprimir um sorriso que se via refletido nos olhos cas¬tanhos risonhos que a fitavam de maneira sedutora.

— Tenho certeza de que você irá gostar muito do bosque de jacintos, Betsy.

Se não fosse por sua audiência, que tanto a ouvia quanto a observava, ela teria apreciado lhe dizer exatamente o que pensava dele!

— Estou certa que sim. — Ela se virou para Sir Rufus. — Se você não se importa de esperar mais alguns minutos, eu irei lá em cima pegar meu chapéu, Sir.

— De maneira alguma. — Ele fez uma reverência breve, sem sorrir.

Os passos de Elizabeth eram lentos enquanto ela subia a escada. Na verdade, ela não sabia bem o que pensar de Sir Rufus Tennant. Oh, ele era educado de uma maneira brusca e prática, e parecia realmente desejar a sua companhia, entre¬tanto, ao mesmo tempo, não se esforçava para jogar charme ou para elogiá-la, como um cavalheiro mais jovem faria para capturar o interesse de uma lady. Ela...

— Acredito que essa foi a primeira vez que alguém insi¬nuou ter alergia à minha pessoa, Elizabeth.

Ao ouvir aquela voz zombeteira bem atrás de si, Elizabeth virou-se na escada de modo tão abrupto que poderia ter caí¬do se Nathaniel não tivesse segurado a parte superior de seus braços, a fim de ajudá-la a recuperar o equilíbrio.

Elizabeth afastou-se do toque dele assim que se sentiu segu¬ra sobre os pés, descobrindo-se um pouco ofegante enquanto olhava para o rosto bonito do conde, que estava dois degraus abaixo dela. Tão perto, na verdade, que ela podia ver os refle¬xos dourados nos olhos castanhos, e sentir a respiração quen¬te dele contra seus lábios. Tão suave como um beijo...

Elizabeth subiu mais um degrau, de costas, para escapar daquela atração sensual.

— Creio que seja mais uma irritação do que uma alergia propriamente dita — retrucou ela em tom gelado.

— Você alguma vez fica sem resposta? — O conde a fitou com semblante de admiração.

— Eu, sinceramente, espero que não — respondeu ela, sa¬tisfeita. — E você não deveria ter me seguido, milorde — acres¬centou, unindo as sobrancelhas numa expressão perplexa, o papel de dama de companhia podia não se acomodar confor-tavelmente sobre seus ombros, mas, pelo momento, era isso que ela era.

— Eu não “segui você”, Elizabeth — negou ele. — Eu só fui à sala de estar a pedido de minha tia, de modo que pudesse cumprimentar Tennant. Tendo feito isso, eu agora tenho tra¬balho a terminar na biblioteca.

Elizabeth sentiu suas faces esquentarem diante da óbvia repreensão.

— Trabalho, meu lorde?

— Tente parecer um pouco menos incrédula, Elizabeth — murmurou Nathaniel, preguiçosamente. — Apesar de mi¬nha recente estada em Veneza, eu não sou um vagabundo completo — acrescentou ele, irritando-se quando a expressão dela não mudou. — Como conde de Osbourne, eu tenho pro¬priedades e negócios para cuidar.

— Eu teria pensado que tinha administradores e advoga¬dos para fazer essas coisas — comentou ela.

— Bem, sim. Isso é verdade — reconheceu Nathaniel. — Mas essas pessoas respondem diretamente a mim.

— Entendo...

Ele franziu o cenho.

— Por que será que até mesmo suas observações mais le¬ves soam como uma crítica?

Elizabeth fitou-o com olhos azuis inocentes.

— Eu não tenho a menor ideia.

— Esta não é sua primeira mentira desde que nos conhe¬cemos — murmurou Nathaniel com impaciência —, mas é cer¬tamente uma das mais óbvias.

Elizabeth olhou-o com cautela.

— Eu não sei o que você quer dizer, milorde. — Ela nunca fora muito boa em enganar e mentir; na verdade, estava sur¬presa por ter conseguido manter seu papel como criada na casa da sra. Wilson até agora, sem ser descoberta.

A sra. Wilson estava muito envolvida em outras coisas desde o retorno do sobrinho de Veneza para se preocupar em ques¬tionar profundamente as origens de “Betsy”, mas lorde Thorne já tinha deixado bem claro que estava começando a considerá-la um quebra-cabeça que precisava ser solucionado.

De fato, o próximo comentário dele confirmou isso:

— Contanto que você esteja ciente de que, como meu úni¬co parente vivo, o bem-estar de minha tia Gertrude é muito importante para mim — disse ele de maneira significativa.

Elizabeth pareceu alarmada.

— Espero que você não esteja implicando que eu desejaria causar qualquer tipo de dano à lady?

Nathaniel estudou-a de maneira especulativa, notando-lhe as faces pálidas, e o jeito como os olhos azuis haviam es¬curecido. Ela se sentia culpada? Ou era nervosismo ao ouvi-lo vociferar suas desconfianças?

— Não de propósito, talvez — respondeu ele, lentamente. — Mas minha tia tende a confiar muito nas pessoas...

— Enquanto você, sem dúvida, tende a desconfiar delas até que lhe provem o contrário? — devolveu Elizabeth.

O maxilar dele enrijeceu.

— Talvez.

Não havia “talvez” naquilo, aos olhos de Elizabeth. Natha¬niel Thorne tinha mostrado muito claramente nas últimas 12 horas que o charme fácil que ele escolhia apresentar à sociedade — que Elizabeth também acreditara ser a natureza do homem — era, na verdade, nada mais do que uma fachada para sua mente inteligente e astuta. Uma astúcia que, agora que ele estava de pé novamente, e fora da cama, o fazia ques-tionar os motivos dela para aceitar o emprego com sua tia.

Ela inclinou a cabeça.

— Eu manterei sua preocupação com sua tia em mente. Agora, se me der licença...? Estou demorando tanto que Sir Rufus irá pensar que mudei de ideia sobre ir caminhar com ele.

O conde deu um sorriso irônico.

— Um conselho no que diz respeito ao Sir Rufus...

— Outro? — Elizabeth arqueou sobrancelhas, numa expres¬são irritada.

Aquele sorriso se ampliou.

— Hoje parece ser meu dia para dar conselhos.

Ela suspirou.

— E o que você quer me dizer sobre ele, agora?

Nathaniel considerou o que sabia da história do homem mais velho. Como Nathaniel, e a maioria dos membros da sociedade, acreditavam que o suicídio do irmão Tennant mais novo, diversos anos atrás, e a trágica natureza daquela morte, podiam ter enlouquecido temporariamente o homem mais velho. Com certeza, o fato de Tennant ter se afastado dos círculos sociais desde então tinha sido moti¬vo de especulação.

Um afastamento de companhias femininas, pelo menos, o qual agora havia chegado ao fim, se a razão do homem mais velho para estar cavalgando ao longo do caminho do penhas¬co tarde da noite anterior pudesse ser acreditada, juntamente com o interesse que ele mostrara em Elizabeth Thompson, visitando-a hoje.

E, se esse interesse se tornasse sério, a ponto de Tennant fazer uma proposta de casamento para Elizabeth, certamente então era prerrogativa de Tennant relatar a história trágica de sua própria família para a mulher com quem pretendia se casar? Que direito Nathaniel tinha de interferir? Afinal de contas, qualquer relacionamento entre ele e a dama de com¬panhia de sua tia não podia ter futuro, e era, na verdade, alta¬mente inapropriado.

— Nada importante. — Nathaniel deu de ombros. — Apre¬cie seu passeio no bosque de jacintos.

Elizabeth permaneceu na escada, olhando para o conde, enquanto ele ia para o corredor abaixo, antes de desaparecer na direção da biblioteca. E foi quando ela conseguiu respirar novamente.

Havia considerado o interesse pessoal de lorde Thorne nela inapropriado, mas o interesse que ele estava agora mos¬trando em seu passado somente podia ser considerado pe¬rigoso.

 

— De que parte de Hampshire você vem, srta. Thompson?

Elizabeth olhou para o homem que caminhava ao seu lado no bosque de jacintos, que ficava nos fundos da man¬são Hepworth, e depois olhou para trás deles. Tinha sido decidido pela sra. Wilson, enquanto Elizabeth estivera no andar de cima, pegando seu chapéu, que não era muito apropriado que Elizabeth fosse caminhar sozinha com um homem solteiro, e que Letitia deveria acompanhá-los. Toda¬via, isso de pouco adiantou, uma vez que a outra mulher se tornou tão distraída coletando flores fragrantes no momen¬to em que eles entraram no bosque que, agora, tinha ficado bem para trás.

Sir Rufus escolhera conduzir seu cavalo pelas rédeas, um fato no qual Hector, liberado de sua coleira, de modo que pu¬desse explorar livremente, estava se deleitando. Sir Rufus es¬tava menos impressionado, a julgar pelos olhares irritadiços que dava para o pequeno cão.

Elizabeth sorriu.

— Acredito que eu tenha lhe dito que sou originalmente de Herefordshire, Sir Rufus.

— Ah, sim, você disse. — Ele assentiu, o sol brilhante não sendo muito gentil com suas feições, mas, em vez disso, enfa¬tizando as rugas ao lado da boca e dos olhos azul-claros. — De que parte de Herefordshire?

— Leominster. — Elizabeth citou a única cidade de Here¬fordshire que já tinha ouvido falar. — E quanto a você? Sem¬pre viveu em Devonshire? — perguntou ela educadamente.

Ele deu um sorriso breve, que, de alguma maneira, suavi¬zou suas feições, tornando-o levemente atraente.

— Muito pouca coisa me interessa na sociedade londrina.

Para quem nunca frequentara a sociedade londrina, por óbvias razões, Elizabeth achou aquela declaração intensa¬mente irritante.

— Nem mesmo as lojas e entretenimentos?

Sir Rufus tremeu delicadamente.

— Taunton não é muito longe se eu preciso fazer compras. Quanto aos entretenimentos, não, eu não sinto a menor falta deles — replicou ele de modo brusco.

Não, aquele homem não era nem um pouco charmoso, reconheceu ela com tristeza. Mas talvez a sinceridade dele devesse ser admirada? Considerada uma qualidade para ser apreciada, em vez de um defeito? Certamente, seu próprio pai havia compartilhado a opinião de Sir Rufus sobre os entrete¬nimentos que Londres tinha a oferecer...

— Nesse caso, fico surpresa que a sra. Wilson conseguiu persuadi-lo a aceitar o convite para o jantar de sábado à noi¬te — observou Elizabeth, sem rodeios.

A expressão dele se suavizou quando ele a olhou.

— Este convite em particular contém outro... atrativo para mim.

Ela não tinha certeza se estava à vontade com a entonação quase de flerte que detectou na voz dele, especialmente uma vez que parecia destoar do resto do comportamento tenso de Sir Rufos.

— A sra. Wilson tem um chef de cozinha excelente.

— Eu não estava me referindo ao chef dela...

— Não, Hector! — Elizabeth deliberadamente escolheu aquele momento para se virar e ralhar com o cachorrinho por molestar o resignado Starlight. — Lamento, mas ele é muito levado — desculpou-se ela, enquanto se agachava para recolocar a coleira no cachorro.

As feições de Sir Rufus voltaram a se tornar austeras.

— A sra. Wilson é, de alguma forma... relaxada com a disciplina de Hector.

Elizabeth não gostou da óbvia crítica. A sra. Wilson podia mimar o cachorro em excesso, todavia, de modo geral, Hector não se aproveitava de tais mimos. Era levado e, como tal, total¬mente adorável por natureza.

Ela endireitou o corpo, numa postura rígida.

— Acho que está na hora de voltarmos.

— Agora eu a ofendi — adivinhou Sir Rufus.

— De jeito nenhum...

— É somente que eu acho que animais devem ser trata¬dos como as crianças, srta. Thompson: eles devem ser vistos ocasionalmente, e nunca devem ser ouvidos, a menos que ouçam primeiro — explicou ele. Se Sir Rufus pretendia fazer com que Elizabeth voltasse a simpatizar com ele, então estava fracassando miseravelmente!

Ela nunca ouvira tamanho absurdo com relação a animais ou crianças. Elizabeth considerava que tanto crianças quan¬to animais deviam receber amor e cuidados, serem aprecia¬dos, e não tratados como uma peça de móvel até que fossem chamados. Na verdade, sua babá uma vez lhe dissera que a atitude de um homem em relação a crianças e animais falava muito sobre sua natureza.

— Você tem direito à sua opinião, é claro, Sir Rufus — disse ela, friamente.

— Eu a ofendi. — A careta dele não fez nada para melhorar as feições comuns demais. — Talvez, no sábado à noite, você possa tentar me convencer a mudar de ponto de vista?

E por que ela desejaria fazer isso, quando nem Sir Rufus nem os pontos de vista cruéis dele lhe despertavam qualquer interesse?

— Lamento, mas isso não será possível, Sir.

Ele arqueou sobrancelhas escuras.

— Por que não?

O sorriso de Elizabeth foi de satisfação.

— Eu sou empregada da sra. Wilson, não uma hóspede da casa. Como tal, não participarei do jantar festivo no sábado.

Ele pareceu muito desapontado com a informação.

— Talvez, se eu sugerir a ela...

— Eu preferia que você não fizesse isso — interrompeu Eli¬zabeth, com ênfase. — Eu lhe asseguro, estarei muito ocupada na noite de sábado, mantendo Hector divertido e longe dos pés dos convidados da sra. Wilson.

Sir Rufus enviou um olhar de intenso desgosto para o cachorrinho.

— Ele deveria ser colocado no estábulo pela noite, com os outros animais.

Uma observação que fez Elizabeth imediatamente imagi¬nar se alguma vez antes desgostara tanto assim de uma pessoa logo de cara. Provavelmente não... ela era sociável por nature¬za, gostando de estar e conversar com pessoas. Bem, no geral, esse homem estava, infelizmente, provando ser a exceção.

— Está mesmo na hora de Letitia e eu retornarmos para a casa da sra. Wilson — anunciou ela, com algum alívio. — Eu apreciei muito o passeio no bosque de jacintos — acrescen¬tou, mais para ser educada do que para falar a verdade.

Oh, ela gostara bastante de ver e andar entre os jacintos, era apenas a companhia que deixava muito a desejar! Quão mais prazeroso teria sido andar no bosque florido romântico com um homem mais jovem. Um homem bonito e charmo¬so, querendo seduzi-la. Um homem com cabelos cor de ouro, que ficavam ainda mais dourados na luz do sol, talvez...

Um caminho que não falava apenas de desapontamento, mas de loucura!

Lorde Nathaniel Thorne era uma companhia ainda mais inadequada para Elizabeth compartilhar o romance do bosque de jacintos que o austero e taciturno Sir Rufus! Ele não era apenas inacessível como um interesse romântico para “Betsy Thompson”, mas a conversa deles mais cedo, e a conexão do conde com lorde Gabriel Faulkner, faziam dele um homem perigoso para sua verdadeira identidade de lady Elizabeth Copeland, e ela ainda não estava pronta para ser desmascarada.

Ela deu um sorriso brilhante e inexpressivo para Sir Rufus.

— Sem dúvida, há coisas em sua propriedade que preci¬sam de sua atenção. — Aquela era uma tática de Caro, per¬cebeu Elizabeth com uma pequena pontada de culpa; não havia nada que um homem apreciasse mais, sua irmã de vinte anos lhe assegurara de maneira conspiratória numa ocasião, do que a oportunidade de falar sobre si mesmo e de sua importância.

Como previsto, o peito de Sir Rufus estufou enquanto ele endireitava o corpo.

— Sim, é claro, você tem razão. Quanta consideração de sua parte perceber isso. — Ele assentiu com um gesto de ca¬beça, em aprovação.

Caroline tinha se esquecido de mencionar que aquele tipo de observação só fazia o homem apreciar ainda mais os char¬mes de uma mulher! O que, no que dizia respeito a Rufus Tennant, não havia sido a intenção de Elizabeth, em absoluto.

Em vez de responder ao comentário dele, ela se virou para procurar Letitia Grant.

— Oh, deixe-me levar algumas destas para você — ofereceu Elizabeth, calorosamente, ao se aproximar da mulher mais velha e pegar algumas das flores dos braços dela, ao mesmo tempo cuidando para segurar a coleira de Hector com firmeza.

— Desejo-lhe uma jornada segura de volta para casa, Sir Rufus — disse ela, virando-se para dispensá-lo.

Ele já estava montado em seu cavalo, as sobrancelhas uni¬das enquanto a estudava.

— Estes jacintos são exatamente da cor de seus olhos.

De outro homem, a observação teria soado charmosa, mas, de alguma maneira, pareceu mais uma crítica do que um elogio.

— Obrigada — murmurou Elizabeth, incerta.

Ele tirou o chapéu para as duas mulheres.

— Um bom dia para vocês. — Depois de mais um olhar intenso na direção de Elizabeth, ele puxou as rédeas de Star¬light para virar o cavalo e saiu cavalgando ao longo do cami¬nho do penhasco, as costas e ombros retos, enquanto ele não se esforçava para olhar para trás, e para as duas mulheres.

— Que excitante, Elizabeth, que você despertou o interes¬se de um homem como Sir Rufus! — comentou Letitia ao lado de Elizabeth.

Ela não achava o interesse dele nem um pouco excitante. Na verdade, nunca achara nada menos excitante em toda sua curta vida!

 

— Então, agora que você teve a chance de observá-las, qual é a sua opinião sobre os encantos da srta. Rutledge e das duas irmãs Miller?

Elizabeth teve um sobressalto de culpa quando lorde Thorne juntou-se a ela nos fundos da sala de estar da sra. Wilson, no sábado à noite, observando as três jovens ladies. Três ladies tolas, em sua opinião, uma vez que elas estavam juntas, do outro lado da sala, dando risadinhas afetadas. Algo que mesmo Elizabeth, que não possuía experiência em coisas como essa, sabia que jovens ladies com intenção de se casar nunca deveriam fazer. Qualquer cavalheiro remotamente in¬teressado em uma delas se sentiria intimidado pela presença das outras duas.

Elizabeth adotou um semblante desinteressado, dando a impressão de ignorar o homem de pé ao seu lado no cômodo movimentado e barulhento, onde os convidados haviam se reunido antes que fossem chamados para jantar.

Por infelicidade, Elizabeth tinha sido escolhida para completar o número de participantes no jantar. O convite de Sir Rufus aparentemente resultara num número impar de convidados, alguma coisa que a sra. Wilson não toleraria à sua mesa de jantar. A sugestão de Elizabeth de que Letitia seria muito mais adequada para a tarefa se provara inútil, quando a sra. Wilson revelou que Letitia já estava incluída no número de convidados, e que removê-la apenas resultaria em haver dois cavalheiros a mais do que ladies, em vez de um. E essa era outra coisa que a sra. Wilson não toleraria, aparentemente.

Então agora, depois de dois dias muito ocupados, ajudan¬do a sra. Wilson a organizar a festa, a fim de garantir seu sucesso — dois dias nos quais Elizabeth também conseguira evitar conversas particulares com o sobrinho de sua empre¬gadora ela se encontrava como convidada do jantar fes¬tivo da sra. Wilson, afinal de contas, tendo antes removido toda a renda de seu vestido de seda azul, de modo a deixá-lo mais simples. Estava se sentindo muito desconfortável entre os aristocratas de Devonshire. Todos estavam extremamente bem-vestidos e pareciam já se conhecer entre si.

Porém, até mesmo isso era preferível à companhia do con¬de irritante!

— Eu tenho certeza de que qualquer uma delas daria uma condessa admirável para você — respondeu Elizabeth, com indiferença.

Ele a olhou com expressão zombeteira.

— Eu detectei uma leve ênfase na palavra você em sua sentença?

Elizabeth arqueou as sobrancelhas escuras.

— Acredito que não.

Ele deu uma risada apreciativa.

— Mentirosa!

Ela respirou fundo.

— Você parece gostar muito de me fazer esta acusação, milorde.

Nathaniel ficou sério, as pálpebras se estreitando enquan¬to ele continuava olhando para a jovem lady tão friamente composta ao seu lado. Para todos os fins práticos, ela não de¬veria ser notável naquela sala repleta de mulheres vestidas com sofisticação e adornadas com joias, entretanto, de algu¬ma maneira, era a simplicidade da aparência de Elizabeth que tinha atraído mais do que um par de olhos masculinos em admiração... incluindo seus próprios olhos.

Ela usava apenas uma fita estreita da mesma cor do vestido, entremeando os cachos escuros, e o vestido era simples: de cin¬tura alta, com um decote redondo quê revelava a parte de cima dos seios, um ou dois centímetros dos braços cor de marfim visíveis entre as mangas bufantes e as luvas brancas de renda que iam até abaixo dos cotovelos.

Era, Nathaniel reconheceu com uma fisionomia intrigada, um diamante perfeito entre joias mais berrantes. A boca dele se comprimiu.

— Você deve estar desapontada por Sir Rufus estar tão atrasado...?

Tendo recebido um buquê de rosas brancas do cavalhei¬ro em questão no dia anterior — as primeiras flores que ela recebia de um cavalheiro — juntamente com um cartão que dizia somente “Tennant”, Elizabeth não estava nem um pou¬co desapontada com a chegada tardia do homem naquela noite. Na verdade, sentia-se aliviada pelo atraso em revê-lo, não tendo a menor ideia do que as rosas, ou a única assina¬tura no cartão que as acompanhara, queriam transmitir. Se fossem rosas vermelhas, ela poderia ter entendido como um sinal de admiração, e até mesmo rosas amarelas, mas o que rosas brancas significavam? Quanto à assinatura sintetizada no cartão...!

Ela escrevera um bilhete curto e educado para Sir Rufus, agradecendo-lhe pelas flores, é claro, juntamente com a notí¬cia de que estaria presente no jantar da sra. Wilson, afinal de contas, no caso de que ele achasse que ela lhe mentira delibe¬radamente, durante o tempo inteiro ciente de que não sabia se gostava dele, ou se entendia o estranho interesse que tinha por ela.

Sua incerteza não era ajudada pelo fato de que ela, e apa¬rentemente todas as outras mulheres da sala, perdera o fôlego pela aparência magnífica de lorde Nathaniel Thorne naquela noite.

Elizabeth podia ter sido bem-sucedida em ignorar o con¬de pela maior parte dos últimos dois dias, mas era impos¬sível ignorar a masculinidade resplandecente que ele exibia hoje, num terno preto impecável e camisa branca. As muitas velas que iluminavam a sala davam uma tonalidade profun¬damente dourada aos cabelos dele. Além disso, os olhos cor de âmbar pareciam mais brilhantes, e as feições eram como uma escultura de beleza masculina.

Certamente, Sir Rufus Tennant, quando ele se dignasse a chegar — ou qualquer dos homens presentes ali naquela noi¬te —, não poderia ter a esperança de competir com uma visão de pura elegância e sensualidade!

— Muito desapontada — respondeu Elizabeth, tão cons¬ciente dele que suas unhas curtas enterraram nas palmas quando ela fechou as mãos em suas laterais. — E qual destas três ladies você acha mais atraente?

Nathaniel não ficou nem um pouco surpreso por Elizabeth virar a conversa de si mesma para ele; tinha percebido, nos últimos dois dias, que ela podia ser extremamente evasiva quando escolhia ser. Não que ele tivesse procurado a compa¬nhia de Elizabeth de propósito durante esse tempo... deci¬dira que estava se tornando um hábito constante beijá-la toda vez que ficavam a sós. Ainda assim, era impossível não notar que ela evitava sua companhia, como se ele possuísse uma doença contagiosa.

Nathaniel fingiu agora considerar as três jovens ladies que estavam de pé do outro lado da sala, embora, por dentro, achasse os vestidos delas fantasiados demais, e as constantes risadinhas e olhares na sua direção, extrema¬mente irritantes.

— Talvez a srta. Rutledge seja a mais sensata das três — ofe¬receu ele finalmente.

Elizabeth pareceu surpresa.

— E sensatez é uma qualidade que você requer numa es¬posa?

Nathaniel sabia que tinha sido ele quem introduzira o as¬sunto essa noite, todavia achava estranhamente desagradável discutir os méritos, ou a falta deles, de qualquer futura espo¬sa que viesse a escolher com uma mulher que havia beijado com paixão, mais de uma vez.

Por sorte, ele foi salvo de ter de continuar discutindo o as¬sunto, quando seu olhar se estreitou no homem que agora atravessava a sala com propósito.

— Vejo que Tennant finalmente chegou, e está vindo neste momento determinadamente para o seu lado — murmurou ele com sarcasmo, o progresso do homem mais velho não tão direto quanto ele teria desejado, uma vez que vizinhos que não o viam numa ocasião social como aquela por anos insis¬tiram em envolvê-lo em conversas.

Elizabeth, também tendo notado a chegada de Sir Rufus, estivera muito ocupada, pensando em maneiras nas quais poderia evitá-lo. Mas, com a zombaria tão evidente de lorde Thorne, ela mudou de ideia completamente, e esboçou seu sorriso mais caloroso para o outro homem quando ele final¬mente chegou ao seu lado — nem de perto tão resplandecente como o conde, é claro, mas com aparência atraente de qual¬quer forma, também de terno preto e camisa branca.

— Que adorável vê-lo novamente, Sir Rufus. — Ela fez uma reverência elegante quando ele se virou para ela, depois de cumprimentar lorde Thorne com uma inclinação de cabe¬ça. — E eu devo lhe agradecer mais uma vez pelas lindas rosas que você me enviou ontem. — Elizabeth não precisou olhar para o conde para ficar ciente da surpresa dele. Obviamen¬te, a chegada das rosas no dia anterior escapara da atenção dele. — Eu as coloquei no meu quarto na esperança de que durem o máximo de tempo possível — acrescentou ela, com deliberada doçura.

— Eu mesmo as cultivo na minha estufa em Gifford House — informou-a Sir Rufus com a voz rouca, obviamente sa¬tisfeito pelos comentários dela.

Nathaniel não se importava se o homem tivesse parido as flores pessoalmente... enviar rosas a uma jovem mulher que ele só conhecia por alguns dias era certamente inaceitável? A menos, é claro, que as intenções de Tennant em relação à Elizabeth fossem realmente sérias...

— Botões brancos tão perfeitos — continuou Elizabeth.

Rosas brancas? Tennant tinha enviado rosas brancas para Elizabeth? Como um sinal da pureza que via em Elizabeth, talvez? Meu Deus, quem teria adivinhado que Tennant era um romântico?

Nathaniel nem mesmo podia se lembrar da última vez que tinha enviado flores para uma mulher. Ou, na verdade, se já enviara alguma vez. Mulheres tendiam a colocar esse tipo de coisa fora do contexto, ler emoções que simplesmente não existiam em tais gestos.

O fato de Elizabeth ter levado aquelas flores para a priva¬cidade de seu quarto parecia indicar que ela não era imune a tal gesto, também, mesmo se esse gesto tivesse sido feito por um velho antiquado como Tennant.

— Eu acho que sua tia está sinalizando que é hora de você escoltá-la para a sala de jantar, Osbourne — aquele antiqua¬do informou-o, ao mesmo tempo em que ofereceu o próprio braço à Elizabeth.

Isso não deu a Nathaniel outra escolha senão responder ao pedido de sua tia de que ele fizesse o mesmo por ela. Mas ainda não...

— Minha tia me disse que haverá dança depois do jantar. Você pode reservar a primeira rodada de danças para mim, srta. Thompson?

Elizabeth franziu o cenho para lorde Thorne, sabendo, pelo brilho desafiador naqueles olhos cor de âmbar, que ele estava sendo deliberadamente irritante. Algo que adorava ser, toda vez que acontecia de estar em sua companhia!

— Tenho certeza de que a srta. Rutledge apreciaria essa honra muito mais que eu, Sir.

O conde deu um sorriso sedutor, ao mesmo tempo em que aqueles olhos maravilhosos lhe sorriam.

— A honra será toda minha, eu lhe asseguro, srta. Thompson.

— Mas você tem certeza de que suas costelas irão aguen¬tar o exercício, milorde? — devolveu ela, com a mesma do¬çura falsa com a qual agradecera a Sir Rufus pelas flores.

— Eu me certificarei de que elas aguentem. — Aquele olhar caloroso continuou sorrindo para Elizabeth.

— Então eu reivindicarei a segunda rodada — falou Sir Ru¬fus em tom impaciente.

— Se a srta. Thompson não estiver muito fatigada de nos¬sa... dança — provocou Nathaniel.

— Tenho certeza de que eu não estarei, Sir Rufus. — Ela olhou para o conde com desaprovação, enquanto respondia ao outro homem, um olhar que Nathaniel retornou com di¬vertimento zombeteiro.

— Até mais tarde, então, srta. Thompson. — Nathaniel cur¬vou a cabeça sobre a mão dela, então fez uma breve reverên¬cia para Sir Rufus, antes de juntar-se à sua tia impaciente e oferecer-lhe seu braço.

Elizabeth seguiu-o com o olhar em frustração, sua irrita¬ção aumentando ao ver que todas as outras mulheres na sala também estavam observando o sobrinho alto e bonito da an¬fitriã, algumas por trás da discrição de seus leques, outras abertamente admirando a figura magnífica que ele formava no terno impecável, que enfatizava os músculos fortes dos ombros.

Elizabeth suspirou, sabendo que, como mera dama de com¬panhia da sra. Wilson — pior, do cachorro da sra. Wilson —, ela sentia um interesse grande demais no arrogante conde de Osbourne.

— Srta. Thompson?

E obviamente nenhum interesse no homem impaciente ao seu lado, com o braço ainda estendido para escoltá-la à sala de jantar!

— Obrigada. — Ela posicionou sua mão no braço de Sir Rufus, o rosto levemente rubro pela desaprovação que leu nas feições austeras dele, enquanto eles se reuniam com a fila de convidados se movendo para a sala de jantar.

Como esperado, pela sua posição subalterna naquela casa, Elizabeth foi posicionada bem longe do meio da mesa, bem longe do anfitrião e anfitriã. A sra. Wilson, ciente das rosas que haviam chegado para Elizabeth no dia anterior, posicio¬nara Rufus à esquerda dela, com o levemente surdo e velho sr. Amory, o vigário da região, à sua direita.

O único consolo que ela podia ver naquele arranjo era que, como o anfitrião, Nathaniel Thorne estava sentado à cabeceira da mesa, com a “sensata” srta. Rutledge à sua es¬querda, e a “tola” srta. Miller mais velha à sua direita!

 

— Eu realmente acreditei que, depois de duas horas passa¬das na companhia de Tennant, você estivesse prestes a dor¬mir em cima do sorvete! — Nathaniel sorriu para Elizabeth mais tarde, quando eles dançavam a primeira rodada de músicas no pequeno salão de bailes iluminado por velas, na mansão Hepworth, o som ao vivo oferecido por quatro músi¬cos posicionados na galeria.

Ela o fitou com grandes olhos inocentes.

— Você está enganado, milorde. Eu apreciei muito a con¬versa de Sir Rufus. Ele estava me explicando sobre a melhor maneira de cultivar rosas.

Aquelas rosas malditas de novo!

Divertimento brilhou nos olhos azuis quando ela conti¬nuou:

— Parece que isso envolve muito... estrume de cavalo.

A gargalhada de Nathaniel foi completamente espontânea, e atraiu diversos olhares interessados na direção deles, olhares que Nathaniel escolheu ignorar, enquanto estudava Elizabeth.

— Ele é realmente um homem muito rude — disse Natha¬niel, meneando a cabeça em incredulidade.

Elizabeth enviou a Sir Rufus um olhar levemente culpado quando o viu na extremidade da pista de dança, observando-os dançar.

— Você está sendo indelicado...

— Em minha opinião, ninguém pode ser indelicado o bas¬tante sobre um homem que passa duas horas na companhia de uma linda jovem e só pode pensar em discutir sobre estru¬me de cavalo — murmurou Nathaniel.

O rubor que aquecia as faces de Elizabeth não se devia in¬teiramente ao exercício da dança. O conde de Osbourne, um homem para quem todas as mulheres do salão olhavam de modo tão cobiçoso, acabara de chamá-la de linda...

Mas, e daí? Admitidamente, ela já recebera alguns elogios em sua vida jovem, mas, sem dúvida, o conde tinha falado aquilo para dezenas... centenas de outras mulheres antes de Elizabeth!

— Tenho certeza de que a srta. Miller e a srta. Rutledge não sofreram o mesmo destino em sua companhia — retorquiu ela, de maneira irritadiça, tendo se tornado ciente, enquanto ouvia educadamente a voz monótona de Sir Rufus — ele pro¬vara ser um homem que adorava o som da própria voz das risadinhas e sorrisos afetados daquelas duas jovens ladies durante o jantar.

— Vamos esperar que não — provocou Nathaniel, quando eles voltaram a se unir na dança. — Eu tenho fama de agradar, sabe?

É claro que ele tinha, Elizabeth lembrou a si mesma com fir¬meza. Uma reputação de galanteador que ele, sem dúvida, gos¬tara de ganhar. O fato de que ela ficara totalmente consciente do homem durante o curso da dança, do calor da mão grande que segurava a sua através da luva, do corpo másculo que ro¬çava o seu, da sensualidade ardente nos olhos castanhos es¬curos que a fitavam, não tinha a menor importância, quando ela também considerava por quanto tempo, e na companhia de quem, ele vinha alimentando aquela reputação de libertino.

Elizabeth abaixou seus cílios escuros ao endireitar o corpo após a cortesia no fim da rodada.

— Sem dúvida, você pretende convidar Letitia para dan¬çar a próxima rodada, milorde?

Não ocorrera a Nathaniel dançar com a prima de sua tia, uma mulher de quase 60 anos, e que ele sabia que não gosta¬va de chamar a atenção, o que, com certeza, aconteceria se ele a convidasse para dançar.

— E por que eu desejaria fazer isso?

Elizabeth arqueou as sobrancelhas.

— Possivelmente porque a sra. Wilson pareceu bastante desgostosa quando nós nos juntamos para a primeira rodada de danças da noite.

— Ah. — Nathaniel olhou para o outro lado da sala, onde sua tia estava sentada com diversas ladies mais velhas, sa¬bendo, pelo sorriso forçado no rosto dela que não estava ouvindo a conversa das amigas, o olhar fixo nele e em Eliza¬beth, enquanto eles saíam da pista de dança. — Eu acredito que seria mais... politicamente correto tirar minha própria tia para dançar, em vez de Letitia.

Elizabeth assentiu com um gesto gracioso de cabeça.

— Estou certa de que ela ficará muito satisfeita.

Ele fez uma reverência.

— Como, sem dúvida, você irá apreciar dançar a próxima rodada com Tennant. Talvez ele até mesmo ofereça conselhos sobre como cultivar tulipas e narcisos, a seguir.

— Oh, muito engraçado, milorde. — Ela fungou, então es¬boçou um sorriso gracioso quando Sir Rufus chegou para reivindicar as próximas danças.

— Osbourne — falou ele, de modo abrupto.

Nathaniel arqueou sobrancelhas arrogantes diante da ób¬via dispensa, parecendo totalmente o conde superior de Os¬bourne, enquanto seu olhar sério percorria o homem mais velho sem misericórdia.

— Cuidado, Tennant — avisou ele, suavemente.

Sir Rufus franziu o cenho.

— Perdão?

O conde relaxou a tensão dos ombros, esboçando um sor¬riso charmoso.

— Eu o estava aconselhando a tomar cuidado com os pés da srta. Thompson; lamento, mas eu pisei, sem querer, em um deles durante a última dança. — Os dois homens con¬tinuaram se entreolhando, os olhos azul-claros e os castanho-escuros numa batalha silenciosa de força de vontade.

— Eu estou com um pouco de sede, Sir Rufus... tal¬vez possamos encontrar algum refresco antes de dançar¬mos? — O pedido calmo de Elizabeth quebrou a tensão. — E creio que você estava prestes a convidar sua tia para dançar, milorde? — acrescentou ela com firmeza.

O que Nathaniel estivera prestes a fazer e o que deseja¬va fazer agora eram duas coisas inteiramente distintas... e uma delas envolvia socar o queixo arrogante de um dos convidados de sua tia!

Em vez disso, ele se virou e tomou uma das mãos enluvadas de Elizabeth na sua.

— Eu a procurarei mais tarde esta noite — prometeu ele, erguendo-lhe a mão para posicionar o calor de seus lábios contra a luva fina.

Elizabeth recolheu a mão assim que foi capaz de fazer isso, sem ser muito óbvia, e observou-o sob cílios baixos quando ele os deixou, a fim de atravessar o salão e ir em direção à tia. Sua palma queimava por baixo da renda da luva, pelo toque dos dedos de Nathaniel, e o dorso da mão, pela sensação daqueles lábios quentes tão perto de sua pele.

Sabia que a intimidade havia ocorrido como um resul¬tado direto da necessidade irritante do conde de irritar Sir Rufus, mas isso não tornava sua própria resposta mais aceitável, enquanto ela lembrava a si mesma de que Natha¬niel Thorne era um libertino experiente, e a atitude de fler¬tar com ela, por qualquer que fosse o motivo, não deveria ser tolerada.

Ela se virou e sorriu para o mal-humorado Sir Rufus.

— Que jovem tedioso é o conde!

A expressão mal-humorada desapareceu instantaneamen¬te, substituída por um sorriso.

— Fico aliviado em ouvir que você compartilha minha opinião sobre isso. — Eles andaram em direção às bebidas que estavam sendo servidas no espaçoso hall de entrada.

Elizabeth aceitou o copo de ponche que ele lhe estendeu, dando um gole para esfriar o rubor de culpa em seu rosto, antes de responder:

— Conte-me novamente como você conseguiu produzir aquela linda flor branca que chamou de Pureza.

— Ah. — Ele se alegrou. — Bem, há uma espécie...

Elizabeth mais uma vez agradeceu ao conselho de sua irmã Caroline, enquanto Sir Rufus repetia a explicação de como sua obsessão pelo cultivo de rosas o encorajara a produzir uma flor desconhecida até hoje. Elizabeth sorria e assentia com gestos de cabeça de vez em quando, sem a real necessidade de ouvir a mesma coisa pela segunda vez naquela noite.

 

Não foi possível evitar completamente a rodada de danças com Sir Rufus, todavia ele provou ser um dançarino habili¬doso, mesmo se não particularmente gracioso. O fato de que a terceira dança da rodada envolvia girá-la de parceiro para parceiro, com o elegante lorde Thorne sendo um deles, não ajudou a causa do outro homem.

Consequentemente, Elizabeth ficou aliviada quando a rodada acabou, e ela foi reivindicada pelo sr. Amory para a seguinte, seguido pelo visconde Rutledge, o último sendo um viúvo charmoso de cinquenta e poucos anos, a conversa dele, sobre a região local e seu papel como magistrado, provando ser muito mais interessante que as rosas de Sir Rufus. Um interesse pelo qual Elizabeth ficou grata quando viu Nathaniel Thorne entrar na pista de dança com a srta. Rutledge no braço, e Sir Rufus com a sra. Wilson, felizmente numa dança em que os parceiros permaneciam juntos o tempo inteiro... Elizabeth já ti¬nha sofrido o bastante pela companhia do conde e de Sir Rufus por uma noite!

Na verdade, estava tão envolvida na companhia do viscon¬de que, depois que a rodada de danças acabou, ela pronta¬mente aceitou o convite dele, e o braço, para ir até o hall de entrada, a fim de tomar outra bebida.

— Parece que você capturou a admiração de outro preten¬dente de meia-idade.

Elizabeth estava parada num canto do hall, esperando o retorno do visconde Rutledge com os copos de ponche, e fechou os olhos agora, ao ouvir o irritante conde de Osbourne falar suavemente atrás dela.

Muito perto dela... se o jeito com que a respiração dele fazia os cachos de sua nuca se moverem fosse alguma in¬dicação...

 

Elizabeth respirou fundo, um sorriso fixo nos lábios no momento em que se virou para encarar o conde parado numa postura muito confiante atrás dela.

— Eu tenho certeza de que a atenção do visconde para comigo não passa de educação da parte dele, milorde. — Ela dispensou o comentário, friamente.

Nathaniel não perdeu a implicação não falada de que tal “educação” era um traço que Elizabeth não sentia que ele, pessoalmente, possuía.

— Nem eu considero Sir Rufus de meia-idade — conti¬nuou ela.

Mas ela o consideraria um admirador?

Sem sombra de dúvida, reconheceu Nathaniel com o cenho franzido. O outro homem tinha somente 38 anos, e era rico o bastante. Nathaniel também notara que Tennant tinha observado Elizabeth durante a noite inteira, no geral, com uma intensidade que beirava à rudeza.

— Você não acha que é um pouco de ganância demais de sua parte, quando há diversas outras jovens solteiras aqui, ter obviamente enfeitiçado todos os cavalheiros solteiros presen¬tes? — perguntou ele.

Os olhos cor de safira o percorram de forma desde¬nhosa.

— Nem todos, milorde.

Nathaniel não estava tão convencido daquilo quanto ela parecia estar; certamente ele se descobrira observando Eli¬zabeth naquela noite mais do que era necessário — ou sá¬bio — também.

Jovens mulheres da posição de Elizabeth, apesar de, talvez, serem adequadas para se casar com um homem de classe mais baixa, eram completamente inadequadas para qual¬quer papel na vida de um conde, além de como sua amante; havia um ar de independência sobre aquela jovem lady que dizia que ela seria totalmente contra tal sugestão, partindo dele ou de qualquer outro cavalheiro.

O que levantava uma séria questão na mente de Nathaniel sobre o que ele iria fazer com aquela atração crescente em relação à Elizabeth...

— Noite quente, não está, Osbourne? — O visconde Ru¬tledge retornou para dar um copo de ponche à Elizabeth, um homem acima do peso que estava sempre de bom-humor... apesar de, Nathaniel ouvira, estar enviando algum pobre su¬jeito para passar diversos anos na prisão!

— Muito quente, Sir — replicou Nathaniel.

— Talvez você queira meu ponche, e eu voltarei para pe¬gar outro? — O homem mais velho ofereceu-lhe o segundo copo.

— De modo algum. — Nathaniel recusou, enquanto tremia internamente com o pensamento de beber uma mistura tão doce. — Eu vim apenas para reivindicar a srta. Thompson para a próxima rodada de danças.

— Bom para você. — O homem mais velho sorriu. — Você não irá se arrepender disso; acho que eu não dançava com uma parceira de pés tão leves há mais de um ano.

Elizabeth enrubesceu, tanto pelo elogio bem-intencionado quanto pelo fato de que lorde Thorne não a convidara para dan¬çar em absoluto, mas, em vez disso, agora a colocara numa posi¬ção de ter de ficar com ele durante a próxima rodada de danças, ou chamá-lo de mentiroso, como ele a chamara mais cedo!

Não que ela não achasse excitante dançar com o conde — era provavelmente excitante demais —, mas sentia-se in¬feliz sobre o fato de ter ficado tão consciente de Nathaniel Thorne enquanto eles dançavam mais cedo. Também se des¬cobrira observando-o o tempo todo, enquanto ele dançava com outras. Elizabeth acreditava que seria melhor para sua paz mental se não dançasse mais com ele essa noite...

Seu salvador chegou de forma inesperada... mas não ne¬cessariamente bem-vinda.

— Nossa dança, acredito, srta. Thompson? — Sir Rufus anunciou firmemente quando se juntou ao grupo.

Elizabeth tinha apenas dito que dançaria com ele nova¬mente mais tarde naquela noite, se houvesse tempo.

— É claro, Sir Rufus. Com licença, cavalheiros. — Ela entre¬gou seu copo de ponche vazio para o conde mal-humorado, antes de soltar o braço de Sir Rufus.

— Uma garota tão bonita como inteligente — observou Giles Rutledge, quando Nathaniel foi deixado segurando um copo vazio, em vez de Elizabeth.

Ele comprimiu a boca, e seus olhos estreitos seguiram o progresso dela de volta para o salão de bailes.

— É o que parece.

Giles riu.

— Ela trabalha na casa de sua tia há muito tempo?

Por tempo demais, na opinião frustrada de Nathaniel. Na verdade, teria sido melhor, para todos os envolvidos, que ela nunca tivesse ido trabalhar para Gertrude.

 

— Você realmente deveria falar com a sra. Wilson, se as atenções do jovem Osbourne estão se tornando um aborre¬cimento.

Elizabeth olhou para Sir Rufus, enquanto eles dançavam.

— Não sei o que você quer dizer, Sir. — Mas é claro que ela sabia. E, sem dúvida, a sra. Wilson também teria alguma coi¬sa para lhe falar, mais tarde naquela noite ou logo cedo na manhã seguinte, em relação às notáveis atenções do sobri¬nho para com ela. A questão não foi ajudada pelo fato de que lorde Thorne e o visconde Rutledge haviam voltado ao salão de bailes e Nathaniel estava mais uma vez observando-a sob pálpebras estreitas.

Elizabeth tinha sido convidada para a festa daquela noite a fim de empatar o número de homens e mulheres, e não, como Nathaniel Thorne apontara tão zombeteiramente mais cedo, para despertar o interesse de todos os cavalheiros sol¬teiros presentes.

No entanto, era uma sensação agradável ser tão popular, reconheceu Elizabeth, depois de anos sendo isolada no cam¬po, onde havia apenas seu pai, Squire Castle, ou o filho dele, Malcolm, que o pai dela considerara adequados para ficar ao lado de suas filhas nas assembleias locais.

— Aquele homem está se tornando muito irritante — re¬clamou Sir Rufus, quando obviamente também notou a pre¬sença do homem mais jovem. — Toda vez que eu me viro, lá está ele, rodeando você.

Elizabeth duvidava que muitas pessoas, especialmente as mulheres, considerassem “irritantes” as atenções do conde de Osbourne! Ela também não gostou do tom quase posses¬sivo que ouviu na voz de Sir Rufus.

— Eu tenho certeza de que ele só está sendo gentil. — Eli¬zabeth manteve os cílios baixos, de modo que aquele homem arrogante e autocrata não visse a raiva brilhando em seus olhos. Ela descobriu que estava se tornando cada vez mais difícil manter seu papel como uma humilde dama de compa¬nhia numa sala repleta de pessoas nobres.

Diana sempre agira como anfitriã do pai delas durante as raras ocasiões sociais em Shoreley Park, mas também tinha sido esperado que Caroline e Elizabeth fizessem seus con¬vidados se sentirem bem-vindos e confortáveis. Ali, entre o povo da região e membros da aristocracia de Devonshire, ela se pegava comportando-se da mesma maneira, o que, certamente, não era um papel que Betsy Thompson teria assumido!

Sir Rufus respondeu bufando, de forma cética:

— Homens como Osbourne não são gentis com lindas mulheres por bondade de seus corações.

Elizabeth não gostou do comentário de Sir Rufus... ape¬sar de ter dito exatamente a mesma coisa para o conde, so¬mente dias atrás! Mas uma coisa era ela falar aquilo, outra bem diferente era o homem fazer isso.

Ela o fitou com expressão deliberadamente inocente nos olhos.

— Que outra razão poderia haver?

— A óbvia, é claro!

— Óbvia, Sir? — Certamente, o homem não ousaria vocife¬rar alguma coisa tão ultrajante em sua presença.

— Pelo que eu ouvi dizer, Osbourne prefere tomar suas in¬feriores como amantes.

Ele não ousaria!

Aquela era uma indiscrição indecente da qual Sir Ru¬fus também pareceu tomar consciência, quando prosse¬guiu:

— Não que eu tenha sugerido, por um momento, que você encorajou as atenções dele de alguma maneira...

— Para mim, basta! — Elizabeth parou de dançar. — Se me der licença, Sir Rufus? Eu... eu sinto que já dancei demais por uma noite. — Ela se virou e saiu da pista de dança, indo na direção oposta de onde lorde Thorne estava agora conver¬sando com lady Miller.

— Srta. Thompson!

De forma insensata, Sir Rufus a seguiu. Com maior insen¬satez ainda, ele ousou segurar o braço de Elizabeth e virá-la, de modo que ela o encarasse mais uma vez. Ela realmente havia aguentado o bastante da companhia daquele homem rude por uma noite!

— Solte-me imediatamente, Sir Rufus — falou Elizabeth em tom de voz baixo, mas a força por trás de suas palavras era inconfundível.

Um aviso que ele entendeu claramente, pois abaixou a mão na lateral do corpo.

— Eu não quis insultá-la...

Lágrimas de humilhação haviam se acumulado nos cílios de Elizabeth quando ela o olhou.

— Se era a sua intenção ou não, foi exatamente isso que ocorreu, Sir. — Ela ergueu o queixo de modo orgulhoso.

Ele tentou um sorriso apaziguante, mas era como se o ges¬to não lhe fosse familiar.

— Eu me desculpo sinceramente, srta. Thompson.

— Desculpas aceitas — replicou Elizabeth, ciente de que lágrimas quentes estavam muito perto de escorrer por suas faces.

— Eu tinha pretendido perguntar a sra. Wilson se eu po¬dia levá-la para um passeio em minha carruagem amanhã à tarde — disse ele.

Elizabeth mordeu a língua para conter a resposta malcria¬da que veio aos seus lábios. Era inacreditável que aquele ho¬mem a insultasse, e então esperasse que ela fosse passear na carruagem dele na tarde seguinte!

— Lamento, mas isso não será possível, Sir Rufus...

— Você pode até mesmo levar aquele animal levado, se quiser — ofereceu ele com óbvio desgosto.

Uma concessão relutante, que apenas tornou Elizabeth ain¬da mais determinada a recusá-lo.

— Tenho certeza de que eu estarei muito ocupada ama¬nhã, ajudando a arrumar tudo na casa, após as festividades desta noite — murmurou ela.

— A sra. Wilson tem servos para fazer isso — insistiu ele.

— E acredito que nós já estabelecemos que eu sou um de¬les — apontou Elizabeth em tom ríspido. — Agora, você realmen¬te precisa me dar licença. — Ela não se incomodou em esperar pela resposta dele, mas, em vez disso, saiu pelas portas france-sas que levavam ao terraço nos fundos da casa, movendo-se para parar ao lado de uma balaustrada de metal e respirar fundo diversas vezes, enquanto tentava conter as lágrimas que desli¬zavam por suas faces.

E fracassava.

Que homem pedante Sir Rufus Tennant era! Como ele ou¬sava. ..? Quem ele pensava que era... para insultá-la insinu¬ando que... ohh!

Elizabeth estava furiosa. Irada. Sua noite tinha sido total¬mente arruinada. A partir de agora, ela sabia que se preocu¬paria muito mais com os sentimentos de sua própria criada, Mary.

Não que já tivesse sido rude com a jovem alegre e prestativa, mas, tendo feito o papel submisso de criada pelas duas últimas semanas, podia apreciar mais os esforços de Mary para com ela, e agora percebia que o simples fato de contar com tais esforços como algo garantido podia magoar uma pessoa.

Mary alguma vez sofrera as atenções indesejadas e insul¬tos de homens como Sir Rufus Tennant? Se isso tivesse acon¬tecido, então Elizabeth só podia sentir pena dela...

— Elizabeth?

Mesmo se ela não tivesse instantaneamente reconhecido aquela voz sensual como pertencendo a Nathaniel Thorne, teria sabido que era ele; o conde era a única pessoa na man¬são Hepworth que insistia em chamá-la por seu primeiro nome.

E ela estava parada lá, como uma tola, com lágrimas de humilhação molhando seu rosto e, sem dúvida, com os olhos vermelhos e inchados, também!

 

Nathaniel, tendo testemunhado a discussão de Elizabeth com Tennant, e a partida abrupta dela da casa, não estava nem um pouco tranquilizado agora, pelo fato de que ela nem sequer se virava para olhar para ele.

— Elizabeth...

— Vá embora, milorde! Por favor! — acrescentou ela, de maneira menos convincente.

Nathaniel atravessou o terraço para parar ao lado dela, a luz da lua forte o bastante para lhe permitir ver a brancu¬ra das articulações nos dedos delicados enquanto Elizabeth agarrava o balaústre de metal. Uma olhada para o perfil dela também revelou a evidência de lágrimas na face pálida que estava voltada para ele. Nathaniel franziu o cenho, enquanto lhe segurava os braços e a virava para si, a fim de ver mais evidências daquelas lágrimas na outra face. Estudou-lhe as feições, antes de tomá-la nos braços, a maciez dos cachos es¬curos descansando contra seu peito, enquanto ele lhe circu¬lava a cintura.

Talvez não fosse a coisa mais sensata a fazer, considerando que mal tinha conseguido tirar os olhos de Elizabeth durante a noite inteira!

Pretendera oferecer-lhe conforto e, esperançosamente, estava fazendo isso. Todavia, a proximidade daquelas curvas suaves e atraentes, o perfume feminino sedutor dos cabelos dela... estavam causando efeito sobre seus sentidos. Natha¬niel podia sentir sua excitação crescente, um fato do qual Elizabeth também logo se tornaria ciente, se ele continuasse abraçando-a tão junto ao seu corpo.

Ele a afastou um pouco de si.

— O que Tennant fez ou falou para aborrecê-la tanto? — de¬mandou Nathaniel.

Ela balançou a cabeça.

— Isso não é importante...

— Eu discordo.

— Por favor, solte-me, de modo que eu possa pegar meu lenço do bolso. — Ela lhe deu um olhar suplicante.

Uma súplica à qual Nathaniel cedeu ao ver novas lágrimas escapando dos cílios longos e escorrendo pelo rosto de Eliza¬beth, esperando que ela as secasse, antes de falar novamente:

— Tennant lhe fez alguma proposta indecorosa?

Elizabeth deu uma risada estrangulada diante da ironia.

— Não, é claro que não.

— O que ele fez, então? — Nathaniel a olhou com expressão séria. — E não me diga que ele não fez nada, porque eu não irei acreditar.

Ela respirou— fundo e firmou-se, antes de responder no mesmo tom de voz:

— O que você escolhe ou não acreditar não é relevante para mim.

— Realmente? — perguntou ele com desdém. — Então tal¬vez eu deva discutir esse incidente com minha tia.

Elizabeth arfou.

— Você não fará uma coisa dessas...

— E como você pretende me impedir? — Ele arqueou uma sobrancelha sardônica.

Ela o olhou, frustrada, sabendo que aquela expressão pa¬ciente no rosto dele não passava de uma ilusão; podia sentir o desprazer interno do conde como se emanasse dele em ondas.

Elizabeth estava dolorosamente cônscia de quão sozinhos eles estavam no terraço, nenhum dos outros convidados já tendo sentido a necessidade de escapar para tomar um ar fresco, deixando a quietude da noite envolver apenas os dois em sua intimidade.

Ela se movimentou desconfortavelmente.

— Talvez fosse melhor nós entrarmos.

— Não até que você me conte o que Tennant fez para aborrecê-la — insistiu Nathaniel com teimosia, o escudo de seu corpo grande não permitindo que ela voltasse a entrar sem sua concordância, a qual ele não tinha intenção de lhe dar. Não até que soubesse exatamente o que Tennant tinha dito ou feito para reduzir Elizabeth — que, no geral, era for¬te — a lágrimas.

Ver a tristeza dela lhe causara um aperto no peito e, ao mesmo tempo, uma onda de violência em relação ao homem que provocara isso. Nathaniel saberia o motivo, antes que acabasse com Tennant verbalmente, se não de maneira física!

Elizabeth o fitou sob cílios escuros longos e sedosos.

— Tem certeza de que você quer mesmo saber, milorde?

O comentário instantaneamente alertou Nathaniel para o fato de que ele talvez tivesse alguma coisa a ver com o jeito como Tennant magoara Elizabeth, o que o tornou ainda mais determinado a descobrir o que tinha acontecido.

— Certeza absoluta — respondeu ele, um nervo pulsando em seu maxilar.

— Muito bem. — Ela inclinou a cabeça de leve. — Sir Rufus estava preocupado pelo fato de que parecia encontrar você “me rodeando” o tempo inteiro, com suas intenções em re¬lação a mim.

— Minhas intenções?

O tom de cautela na voz dele foi o bastante para fazer Eli¬zabeth dar um sorriso triste.

— Ele parece ter a impressão de que você escolhe suas amantes de classes mais baixas.

— Meu Deus! — o conde pareceu atônito. — Ele realmente disse isso para você?

— Sim. — O sorriso de Elizabeth se ampliou, quando seu senso de humor retornou, sem dúvida por causa da perple¬xidade genuína do conde pelo fato de Sir Rufus ter discutido um assunto tão indelicado com ela. Elizabeth ficara chocada na ocasião, mas, depois da reação de Nathaniel Thorne, ela não pôde evitar achar o incidente divertido. Tossiu delicada¬mente. — Ele pareceu ter a impressão de que você muito em breve tentaria me oferecer esta posição, considerando que eu me encaixava em suas preferências.

Considerando que os próprios pensamentos de Nathaniel haviam girado em torno do mesmo assunto, mais cedo na¬quela noite, e a maneira com que sua ereção pulsava apenas por ter envolvido Elizabeth brevemente nos braços alguns minutos atrás, ele poderia ter passado sem as observações nada discretas de Tennant.

Olhou para Elizabeth.

— E quais foram os seus pensamentos sobre o assunto?

Ela deu uma pequena risada incrédula.

— Eu lhe assegurei que essa não era nem mesmo uma possibilidade, é claro.

E claro. Então era uma pena que os pensamentos de Na¬thaniel ainda estivessem tão indecisos.

Não havia dúvida de que ele estava atraído pela bela jo¬vem, ou que aquela atração era inadequada, considerando a posição de Elizabeth na casa de sua tia. Mas, enquanto a observara ao longo da noite, e se sentira atraído para a elegância sensual do corpo curvilíneo enquanto ela dança¬va, testemunhando o charme fácil com que Elizabeth lida¬va com todos ao seu redor, ele começara a imaginar se não seria possível convencê-la a largar o emprego e instalá-la numa casa discreta, onde ele pudesse visitá-la sempre que sentisse vontade.

O que, considerando a excitação despertada apenas por segurar as curvas femininas suaves contra seu corpo, seria muito frequente nas primeiras semanas daquele acordo!

Mas era um acordo que ele não ousava nem pensar em sugerir agora, não depois da forma desajeitada com a qual Tennant lidara com a situação... O que, talvez, tivesse sido a intenção do outro homem, questionou-se.

— Meu lorde? — Elizabeth o olhou com cautela agora.

Nathaniel suspirou, internamente.

— No geral, é educado esperar por um pedido, antes de negá-lo. — Especialmente se a mera sugestão daquilo reduzi¬ra Elizabeth a lágrimas.

Ela uniu as sobrancelhas numa expressão intrigada.

— Eu meramente pensei em compartilhar o absurdo da sugestão de Sir Rufus com você, milorde.

Então ela não somente achara a sugestão tão insultante que a fizera chorar, mas, pensando agora, achava a ideia de um arranjo como aquele absurda!

Nenhuma das duas coisas era particularmente lisonjeira para o ego de um homem, reconheceu Nathaniel com triste¬za. Principalmente quando a observação era feita pela mu¬lher jovem e linda que o excitava tanto!

— Você percebe o motivo da interferência de Tennant, es¬pero? — perguntou ele.

Elizabeth não era tão ingênua a ponto de não perceber a razão para o comportamento rude de Sir Rufus. Mas, se ele pretendia se tornar benquisto por ela, agindo como seu pro¬tetor da maneira rude que agira naquela noite, então ficaria muito desapontado. Um cavalheiro simplesmente não discu¬tia tais assuntos com uma lady solteira, não importava quão baixa fosse sua posição social.

Ela meneou a cabeça.

— Eu não retornei o interesse de Sir Rufus, em absoluto.

— Você também não se sentiria inclinada a aceitar uma oferta de casamento, se ele lhe fizesse uma?

— Não. — Elizabeth mal conseguiu reprimir um tremor de repulsa diante da mera ideia de se casar com um homem como Sir Rufus Tennant.

— Fico satisfeito em ouvir isso — falou Nathaniel, com ób¬vio alívio.

— Fica? — Elizabeth o estudou com curiosidade. — Por quê?

Ele a olhou por diversos segundos tensos antes de respon¬der de forma evasiva:

— Você realmente pode se ver presa no campo pelo resto de sua vida?

Uma vez que esse tinha sido o destino de Elizabeth até poucas semanas atrás, ela teve de reprimir um sorriso!

— Devonshire é certamente uma parte muito linda da In¬glaterra. — Ela deu de ombros.

— Eu duvido que você achasse o lugar tão atraente se fosse a esposa de um homem arrogante e de mente estreita como Tennant. — Os lábios de Nathaniel se torceram numa careta de desgosto.

— Talvez nem todo mundo ache Sir Rufus tão... irritante quanto nós achamos? — sugeriu Elizabeth.

— Duvido que isso seja verdade, considerando que ele tem 38 anos e ainda está solteiro — disse Nathaniel bruscamente, tendo todas as intenções de levar uma conversa séria com o cavalheiro em questão sobre o assunto de Elizabeth Thomp¬son antes que a noite acabasse.

— Talvez ele tenha permanecido solteiro por esco¬lha. — murmurou ela.

— Talvez.

Elizabeth o olhou, pensativamente.

— Você fala como se soubesse o motivo para tal escolha.

Nathaniel meneou a cabeça.

— Não creio que alguém conheça Tennant bem o bastante para saber isso. — Com certeza, não bem o bastante para afirmar se Sir Rufus tinha ou não enlouquecido por causa do suicídio do irmão mais novo, todos aqueles anos atrás. — Eu só estou tentando apontar a estranheza de um homem de boa aparência e razoavelmente rico, como Sir Rufus, ainda estar solteiro com a idade de 38 anos.

— De que maneira isso é estranho? — incentivou ela.

Nathaniel se arrependeu de ter abordado aquele assunto.

Não porque não desejava fazer Elizabeth desgostar ainda mais do homem — porque desejava —, mas o fato de Giles Tennant ter tirado a própria vida havia deixado um gosto amargo nas bocas de todos os membros da sociedade.

Casos extraconjugais na sociedade, e havia muitos deles, eram geralmente conduzidos atrás de portas fechadas, longe de olhos espreitadores, e da visão, se não do conhecimento, da esposa ou do marido. O fato de Giles Tennant não ter apenas conduzido tal caso com uma mulher casada, mas que a mulher em questão abandonara o marido e os filhos para ficar aberta¬mente com ele, tinha abalado profundamente a sociedade.

Os dois haviam sido banidos, é claro; casos amorosos eram aceitos pela sociedade, mas um jovem homem moran¬do abertamente com uma mulher casada que abandonara o marido e os filhos não era.

Mesmo assim, os dois tinham permanecido em Londres, aparentemente muito apaixonados para se importar que a sociedade os rejeitasse. E então fora requisitado que Sir Ru¬fus Tennant tentasse colocar um pouco de juízo na cabeça do irmão mais novo. E isso, obviamente, ele não conseguira fazer; o casal continuou vivendo junto por mais diversas se¬manas, antes que Giles matasse primeiro sua amante casada, depois se matasse.

Com certeza, aquilo era o bastante para enlouquecer até mesmo o mais equilibrado dos homens, como Sir Rufus Ten¬nant sempre fora considerado.

— Lorde Thorne...?

— Peço desculpas. — Nathaniel reprimiu as lembranças e voltou ao momento presente, ao som da voz suave de Elizabe¬th. Afinal de contas, o episódio ocorrera tantos anos atrás... ele apenas conhecera Giles Tennant socialmente, e jamais co¬nhecera a amante casada dele.

— Eu estava somente imaginando se talvez Sir Rufus não tenha feito tais comentários porque os próprios interesses dele em relação a você não sejam mais honráveis do que ele alega que os meus são? — sugeriu ele.

Elizabeth arregalou os olhos.

— Você acha que Sir Rufus pode querer me tornar amante dele?

— É uma possibilidade — respondeu Nathaniel, seriamente.

Elizabeth decidiu que já tinha ouvido coisas demais sobre aquele assunto em particular naquela noite!

— Então parece que eu deveria evitar ficar sozinha na companhia de vocês dois.

— Eliz...

— Eu lhe desejo boa-noite, lorde Thorne — acrescentou ela com firmeza, antes de se virar e voltar para o salão de bailes quente e barulhento.

E para longe da companhia perturbadora de Nathaniel Thorne.

 

— Você poderia nos deixar a sós por um tempo, Letitia? — A sra. Wilson sorriu gentilmente para a prima, enquanto as três ladies estavam sentadas juntas na sala de estar. — Eu gostaria de falar em particular com Betsy por alguns minutos.

O dia seguinte do jantar da sra. Wilson havia se provado ser muito ocupado para Elizabeth, a manhã passada, como ela previra, ajudando na arrumação da casa, e a tarde, recebendo as ladies que queriam agradecer a sra. Wilson pessoalmente pela festa tão maravilhosa da noite anterior.

Elizabeth não tinha visto lorde Thorne nem por um mo¬mento hoje, Sewell tendo informado a sra. Wilson no café da manhã que o conde recebera diversas cartas de correspon¬dência, e que precisaria passar a maior parte do dia na biblio¬teca. Ele também não queria ser perturbado.

Cansada de toda aquela atividade e visitantes, Elizabeth pedira licença, minutos atrás, da presença da sra. Wilson, com a intenção de levar Hector para o passeio da tarde. O pedido de sua empregadora para que ela esperasse um pouco antes de sair, de modo que elas pudessem “conversar em particular”, não predizia coisas boas...

— Sente-se novamente por alguns minutos, minha que¬rida — ralhou a sra. Wilson em tom gentil, quando Elizabeth levantou-se e parou ao lado da porta pela qual Letitia tinha acabado de sair.

Ela se sentou na beirada de uma cadeira. A sra. Wilson era uma mulher tão poderosa que era impossível ignorar qual¬quer pedido dela, por mais simples que fosse!

— Eu fiz alguma coisa para desagradá-la? — Depois dos eventos da noite anterior, Elizabeth suspeitava o pior. — Eu lhe asseguro que não fiz nada ontem à noite para encorajar as atenções de Sir Rufus ou do visconde Rutledge. — Ela enrubesceu, sentindo-se sem graça ao omitir o nome do homem cujas atenções provavelmente haviam desagradado a sra. Wilson.

— Em minha experiência, uma linda jovem não precisa fazer nada para encorajar as atenções de um cavalheiro — de¬clarou a sra. Wilson, secamente.

— Talvez não. — Elizabeth franziu a testa. — De qualquer forma, eu lhe garanto que não procurei a companhia de ne¬nhum daqueles cavalheiros.

— Minha querida garota. — A sra. Wilson balançou a ca¬beça, em perplexidade. — Você parece estar sob a impressão de que eu desejo castigá-la por alguma coisa que você fez ou disse durante a noite de ontem.

— Não deseja? — Elizabeth fitou a outra mulher com ex¬pressão incerta.

— É claro que não. Na verdade, é comum cavalheiros fa¬zerem papel de tolos diante de uma garota bonita. — Sua em¬pregadora deu um suspiro desdenhoso.

Neste caso, Elizabeth não tinha a menor ideia sobre o que a outra mulher queria lhe falar em particular.

O olhar da sra. Wilson era penetrante.

— Você está comigo por diversas semanas agora, e... di¬ga-me, está contente com seu emprego?

— Muito. — Um pouco da tensão nos ombros de Elizabe¬th se suavizou. Quem poderia não estar feliz trabalhando na casa de uma lady tão amável como era sra. Gertrude Wilson, com o bônus de cuidar do adorável Hector?

— Mas não foi para isso que você nasceu, foi?

Elizabeth percebeu que tinha se permitido relaxar rapi¬damente demais, quando o olhar penetrante da sra. Wilson pareceu enxergar dentro de seu coração culpado. Ela des¬viou os próprios olhos e umedeceu os lábios, incerta de como responder.

— Conte-me, Elizabeth — encorajou a sra. Wilson. — Está óbvio para mim que sua voz e seus modos são aqueles de uma lady.

O fato de que a mulher mais velha havia usado seu nome inteiro não a tranquilizou de maneira alguma!

— Uma lady passando por momentos difíceis, talvez — ex¬plicou ela, de forma evasiva.

— Talvez. — A sra. Wilson assentiu devagar. — Eu aprendi a gostar de você nestas últimas semanas, Elizabeth, e não gostaria de pensar que... Você está envolvida em algum tipo de problema? Com sua família, ou, possivelmente — ela estreme¬ceu —, com a lei?

— Lorde Thorne instigou essas dúvidas em sua mente sobre mim, sra. Wilson? — A impaciência de Elizabeth com o cavalheiro em questão foi relevada no seu tom de voz.

— Osbourne? — A expressão atônita no rosto da sra. Wil¬son foi o bastante para indicar que o sobrinho ainda não co¬metara suas próprias suspeitas com a tia.

— Eu lhe asseguro que não estou envolvida em nenhum tipo de problema, sra. Wilson — disse Elizabeth, com hones¬tidade.

Oh, ela não tinha dúvidas de que, quando encontrasse Diana novamente, sua irmã estaria muito desgostosa com sua fuga, mas Diana nunca ficava zangada com nenhuma das duas irmãs temperamentais por muito tempo, e com certeza, neste caso, o alívio ao ver Elizabeth retornar pesaria mais que qualquer aborrecimento. Ela não poderia se importar menos com o que seu novo guardião, o escandaloso lorde Faulkner, conde de Westbourne, pensasse sobre sua fuga, mesmo se ele descobrisse isso, o que era muito improvável, uma vez que Diana jamais trairia suas irmãs.

— Fico contente em ouvir isso — murmurou a sra. Wilson.

— Mas você não... Não há nada que você gostaria de discutir comigo?

Tendo crescido sem a orientação de uma mãe pelos últi¬mos dez anos, Elizabeth sentiu um nó de emoção na garganta diante da óbvia gentileza da sra. Wilson. A ponto de quase... quase... ficar tentada a contar seu dilema atual para a mu¬lher mais velha. Na verdade, apenas o conhecimento de que a sra. Wilson não poderia continuar empregando-a, uma vez que soubesse da identidade verdadeira de Elizabeth, e da oferta de casamento do conde de Westbourne, um homem que a sra. Wilson conhecia pessoalmente, e que era um ami¬go íntimo do sobrinho dela, impediu-a de fazer isso.

— Eu lhe asseguro que não há nada a discutir. — A situ¬ação de Elizabeth, embora pudesse ser causa de embaraço se sua identidade fosse conhecida, não afetava seu emprego lá de modo algum. — Não tendo um parente do sexo mascu¬lino de quem eu possa depender, necessito do emprego para me sustentar — acrescentou ela para esclarecimento. Lorde Gabriel Faulkner podia ser primo de terceiro grau de seu pai, mas o relacionamento dele com Elizabeth era tênue, para di¬zer o mínimo, apesar da oferta fria de casamento para ela ou para uma de suas irmãs!

— Muito bem. — A sra. Wilson aceitou o fim do assunto. — Há apenas mais uma questão que eu gostaria de discutir com você...

Elizabeth ficou tensa.

— Sim?

A sra. Wilson deu um sorriso amável.

— Sir Rufus me abordou, antes de ir embora da festa on¬tem, e pediu a minha permissão para levá-la a um passeio de carruagem. Minha querida, eu entendo que ele não é o homem mais interessante do mundo. — Sua empregadora riu da expressão desgostosa de Elizabeth. — Na verdade, é a companhia de homens como ele que me faz apreciar a sorte que eu tive em passar quase vinte anos de casamento com meu querido Bastian! — Ela deu um sorriso afetuoso diante da lembrança. — Todavia, por mais tedioso que Sir Rufus sem dúvida é, eu tenho o dever de relembrá-la que ele é um cava¬lheiro respeitável e com título.

E pobres não podiam escolher — reconheceu Elizabeth com tristeza. Exceto que, mesmo como lady Elizabeth Copeland, ela não era pobre o bastante para aceitar as atenções de um homem velho e desinteressante como Rufus Tennant.

E isso não tinha nada a ver com seus sentimentos pelo jo¬vem viril e incrivelmente lindo Nathaniel Thorne!

Exceto, é claro, que tinha...

Por mais irritante que o conde fosse, Elizabeth não podia negar que seu coração batia mais acelerado toda vez que ele estava perto, ou que os beijos dele a tinham afetado mais do que deveriam. Somente pensar naqueles abraços agora foi suficiente para fazer seus seios enrijecerem, e os bicos se arrepiarem!

Ela se movimentou desconfortavelmente.

— Eu informei ao Sir Rufus, ontem à noite, que eu não ti¬nha o desejo de passear na carruagem dele.

— Tedioso, porém insistente. — A sra. Wilson fez uma careta, mostrando sua impaciência com o homem. — Não se preocupe, minha querida, eu lidarei com Sir Rufus — de¬clarou ela. — E se, em algum momento, você quiser conver¬sar comigo sobre qualquer coisa, então saiba que eu sou uma ouvinte compassiva — acrescentou, com um sorriso encorajador.

Um encorajamento que quase desfez Elizabeth, quando ela sentiu o ardor de lágrimas nos olhos. Diana era uma irmã maravilhosa, uma verdadeira força para Elizabeth e Caroline desde que a mãe delas as abandonara, muito mais do que tia Humphries, que vivia com elas há muito anos. A oferta de compaixão da sra. Wilson fez Elizabeth perceber o quanto ela sentira falta de ter uma mulher mais velha com quem com¬partilhar suas incertezas da juventude.

Elizabeth levantou-se.

— Você é muito gentil, sra. Wilson — murmurou ela, a voz rouca com emoção.

— Um segredo que é melhor não ser confiado a Os¬bourne... Caso contrário, eu poderei nunca ter sucesso em casá-lo! — A mulher mais velha riu, afetuosamente.

— Lamento, porém é tarde demais para guardar este segredo em particular, tia. Eu já conheço sua gentileza há muito tempo — disse Nathaniel, afastando-se da porta, onde estivera parado pelos últimos minutos, ouvindo, meio sem querer, a conversa das ladies.

Um fato que, obviamente, desagradou Elizabeth Thomp¬son, uma vez que ela se virou para ele de maneira acusatória.

— Uma lady deve ter a permissão de guardar alguns se¬gredos, milorde.

Nathaniel adentrou mais a sala, ciente de que ela agora não estava se referindo à gentileza de sua tia. Assim como estava ciente de quão adorável Elizabeth parecia hoje, num vestido amarelo-claro, os cachos escuros naturalmente ar¬ranjados em volta do bonito rosto delicado, e enfatizando o azul profundo dos olhos, que haviam se tornado tempestuo¬sos ao direcionar a ira dela para ele.

— Contanto que a lady em questão perceba que são es¬tes precisos segredos que aprofundam o interesse de um homem... — Ele observou, através de pálpebras estreitas, quando um rubor delicado tingiu as faces dela. Um rubor de culpa?

— Você terminou sua correspondência pelo dia, Osbour¬ne? — perguntou sua tia.

Ele meneou a cabeça.

— Estou apenas cansado de ficar confinado entre quatro paredes, tia, a ponto de vir perguntar se posso acompanhar a srta. Thompson e Hector no passeio deles da tarde?

Elizabeth não havia gostado nem um pouco da interrup¬ção de lorde Thorne e do fato de ele ter ouvido sua conversa, às escondidas, com a sra. Wilson, e gostou menos ainda da ideia de ficar sozinha com ele novamente.

Eles tinham se separado de maneira pouco amigável na noite anterior, e Elizabeth certamente não pretendia continuar aquela conversa indecente.

— Tem certeza de que você está bem o bastante depois... dos esforços de ontem à noite, milorde?

— E que “esforços” seriam estes, srta. Thompson? — per¬guntou ele, de maneira significativa.

A fala de Nathaniel lembrou Elizabeth da sensação de es¬tar envolvida naqueles braços fortes, contra o calor e a rigidez do corpo poderoso, enquanto eles dançavam juntos...

— Bem, as danças e as conversas, milorde. — Ela sincera¬mente esperou que a sra. Wilson não adivinhasse a razão do rubor em suas faces.

A boca de Nathaniel se curvou num sorriso.

— Eu posso ter me sentido indisposto nos últimos dias, mas asseguro-lhe que ainda não estou tão fraco que um pou¬co de dança e conversa me deixem prostrado na cama no dia seguinte.

O calor no rosto de Elizabeth se intensificou diante do co¬nhecimento íntimo de que aquele homem não tinha nada de fraco!

— Eu não tive a intenção...

— Pare de provocar Elizabeth, Osbourne — a sra. Wilson veio ao seu resgate.

Nathaniel arqueou as sobrancelhas e olhou para a tia com expressão intrigada.

— Pensei que você preferisse chamá-la de Betsy?

— Isso não parece mais... apropriado — explicou a sra. Wilson. — E tenho certeza de que uma caminhada ao ar livre fará bem a vocês dois — acrescentou. — Enquanto o que fará bem para mim é me deitar um pouco na minha cama. — Ela estava sorrindo quando se levantou para sair da sala.

Os olhos de Elizabeth se arregalaram sobre o conde, quando ela viu a especulação ardente na fisionomia dele, enquanto ele a olhava, depois das palavras da tia. Como se estivesse visualizando os benefícios dos dois deitados juntos numa cama...

Aquela era uma imagem que tanto a assustava quanto excitava. Sem dúvida, seria muito excitante deitar-se numa cama ao lado do lindo Nathaniel Thorne. Assim como sua inexperiência em tais assuntos a deixava insegura e positiva¬mente alarmada pelo que poderia se seguir!

Diana, como tia Humphries fizera previamente com ela, havia conversado com suas duas irmãs mais novas sobre o que era esperado na cama de um casal quando a hora che¬gasse. Entretanto, Elizabeth somente precisara ser envolvida nos braços de Nathaniel Thorne, ser beijada por ele, acari¬ciada por ele, para saber que podia haver muito mais entre um homem e uma mulher do que simplesmente deitar-se sobre as costas e permitir que o marido tomasse seu prazer.

O que era aquele formigamento nos seios quando ele a beijava e a abraçava? 0 enrijecer dos mamilos e bicos quando ele a tocava lá? A umidade quente que surgia entre as coxas de maneira inesperada, toda vez que ele estava por perto? Simplesmente tinha de haver mais entre um homem e uma mulher do que o que Diana descrevera!

Uma curiosidade para saber o que “mais” tinha sido des¬pertado em Elizabeth pelo obviamente experiente conde de Osbourne...

 

— Você realmente revelou sua verdadeira intenção, ontem à noite, quando disse que não desejava um passeio na carrua¬gem de Tennant...

Elizabeth olhou para o conde, por baixo de seu chapéu de palha, enquanto os dois, mais uma vez, andavam ao longo do caminho do penhasco, com Hector firmemente preso à sua coleira, na luz do sol. Dessa vez, a vista magnífica da costa de Devonshire estava diante deles. Um cenário que foi desperdiçado para Elizabeth, uma vez que ela só podia pensar na presença de lorde Thorne ao seu lado, e naque¬les pensamentos perturbadores que tivera mais cedo, sobre intimidade.

O comentário do conde revelava que ele tinha ouvido mais de sua conversa com a sra. Wilson do que Elizabeth imagina¬ra previamente.

— Eu raramente escondo minha verdadeira intenção quan¬do falo alguma coisa, milorde — replicou ela, enquanto parava para permitir que Hector investigasse um arranjo aromático de flores selvagens em particular.

— Então, você é incomum entre seu sexo, Elizabeth — dis¬se ele, muito elegante num casaco azul-marinho, com um colete prateado bordado, calça cinza-clara, sapatos pretos brilhantes e o chapéu levemente torto sobre as mechas loiras.

— Talvez seja somente entre os membros do meu sexo que você... encontrou até agora, milorde — retrucou Elizabeth com sarcasmo, quando eles continuaram a andar.

E isso o colocou firmemente no seu lugar, reconheceu Na¬thaniel. Assim como a observação de Elizabeth era, prova¬velmente, correta. Ele tendia a se manter distante das jovens ladies casadouras da sociedade... sendo sempre cauteloso para não cair na armadilha do padre! E também mantinha distância das ladies casadas mais lindas, que geralmente estavam interessadas em fazer jogos na cama, enquanto seus maridos conduziam os próprios casos extraconjugais. Aque¬le era um jogo do qual Nathaniel nunca se sentira inclinado a participar, tendo aversão a envolvimento com mulheres casadas, independentemente de suas posições sociais. Des¬sa forma, ele só podia flertar com as ladies viúvas ou com as ocasionais atrizes que chamavam sua atenção.

Apesar das observações ultrajantes de Tennant para Eliza¬beth, na noite anterior, Nathaniel não se aproveitava de ladies empregadas por ele, por seus amigos ou por sua tia!

O que levantava a questão: o que ele estava fazendo mais uma vez sozinho na companhia de Elizabeth, torturando-se com o que não podia ter?

Depois da noite anterior, Nathaniel tinha decidido que talvez devesse ficar longe de Elizabeth, se a atenção que ele lhe dava seria o assunto de fofoca feita por pessoas como Ten¬nant. Na verdade, ele havia se ocupado respondendo corres¬pondências na biblioteca o dia inteiro num esforço de fazer exatamente isso. Apenas para descobrir, após encontrar Leti¬tia no corredor mais cedo, onde ela deixara sua tia e Elizabeth conversando a sós.

Nathaniel havia parado perto da porta e observado sem ser notado, por diversos minutos. Admirando a beleza do perfil dela. Admirando-lhe a postura elegante. Cobiçando a saliên¬cia dos seios visível acima do decote baixo do vestido amarelo.

Não era alguma coisa na qual ele deveria estar pensando enquanto caminhava sozinho com ela no topo de um pe¬nhasco, apenas com o bom Hector para agir como dama de companhia!

— Eu esperava que pudesse receber uma correspondência de meu amigo de má reputação, Westbourne, esta manhã.

Nathaniel falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça... nina cabeça que percebeu que estava novamente repleta de pensamentos sobre tomar Elizabeth nos braços e beijá-la com ardor!

Ela enrijeceu, sem dúvida, em desaprovação.

— Você não recebeu?

— Não. — Ele fez uma careta diante do óbvio desprazer de Elizabeth. — Ele, com certeza, está ocupado com os próprios assuntos.

— Oh?

Ele assentiu.

— Você, sem dúvida, ficará surpresa ao saber que, quase sete meses atrás, ele recebeu a tutela de três jovens ladies.

Elizabeth obviamente não estava nem um pouco surpresa em ouvir aquilo... como poderia estar, quando ela era uma destas ladies?

— Eu só posso sentir pena destas três ladies desafortuna¬das — murmurou ela.

O conde deu uma risada rouca.

— Conhecendo Westbourne, eu não tenho dúvidas que, muito em breve, as três estarão apaixonadas por ele.

— Verdade? — Elizabeth deu-lhe um olhar gelado, sabendo que esta lady em particular não se apaixonaria por Westbourne! E acreditava que suas duas irmãs tivessem mais bom-senso que isso, também.

— A maioria das mulheres se apaixona por ele, sabe? — admitiu Nathaniel com tristeza.

— Então elas devem ser mulheres particularmente es¬túpidas — retrucou Elizabeth com sarcasmo, desconfortável por discutir seu novo guardião daquela maneira. A menos que... — E por que você acha que eu estaria interessada em alguma coisa que diz respeito ao lorde Faulkner?

O conde deu de ombros.

— Eu só estava puxando assunto.

— Sobre um homem que você já sabe que eu desaprovo?

Ele fez uma careta.

— Talvez na esperança de que você percebesse que há ho¬mens de reputação muito pior que a minha!

Elizabeth fitou-o de modo especulativo.

— Eu não sabia que havia diferentes graus numa má repu¬tação.

— Oh, é claro que há. — Ele lhe sorriu. — A minha reputação, por exemplo, é considerada apenas moderadamente ruim.

— Enquanto a de lorde Faulkner é considerada totalmente péssima. — Elizabeth assentiu com um gesto de cabeça vee¬mente. — Entendo.

O conde irritou-se.

— Agora, veja uma coisa, Elizabeth... — Ele parou quando ela lhe deu um sorriso provocante. — Você está zombando de mim — percebeu Nathaniel, devagar.

Ela realmente estava. E, pela reação dele, aquilo não era algo que ocorria com frequência, muito menos vindo de uma mulher...

Como filha de um conde, Elizabeth sabia que o título de conde de Osbourne exercia muito poder e influência, tanto na sociedade como no lar. Sendo assim, somente seus amigos mais íntimos e família, tais como lorde Gabriel Faulkner e a sra. Wilson, ousariam falar com ele daquela forma irreveren¬te. Parte do motivo pelo qual, talvez, ele estivesse procurando a companhia menos que respeitosa de Elizabeth, como vinha fazendo?

Bem, ela certamente não tinha intenção de se comportar como uma tola, a fim de dissipar aquele interesse, batendo os cílios para ele e dando risadinhas diante da mais leve ob¬servação de Nathaniel Thorne, como as irmãs Miller e a srta. Rutledge haviam feito na noite anterior! Mesmo se Elizabeth desejasse genuinamente dissipar qualquer interesse que ele pudesse ter nela — o que, quanto mais tempo passava na companhia dele, menos desejava fazer...

Esse homem podia irritá-la com frequência, mas ele tam¬bém a excitava, a fazia se sentir verdadeiramente desejável pela primeira vez. Depois de anos levando uma vida quase de freira, escondida no campo sob os olhos vigilantes de seu pai, era muito lisonjeiro saber que um homem tão bonito e cobiçado quanto Nathaniel Thorne achava sua companhia agradável. Que ele a achava agradável.

Havia também a vantagem adicional de que sua provoca¬ção tinha sido capaz de desviar a conversa potencialmente perigosa do assunto do conde de Westbourne.

— Eu estou zombando só um pouquinho de você, milor¬de — respondeu ela, secamente. — E, nesta escala de má repu¬tação, em que nível você consideraria que Sir Rufus Tennant está? — perguntou ela, de maneira travessa.

— Ele não tem má reputação, em absoluto — replicou Na¬thaniel com desdém.

— Não?

— O irmão mais novo de Tennant era quem tinha a má reputação na família — revelou ele.

Elizabeth arregalou os olhos.

— Era?

Nathaniel franziu o cenho em irritação, tanto pelo retorno da conversa sobre o Tennant mais velho quanto pelo fato de que ele se permitira aborrecer-se tanto com aquilo que esta¬va repetindo uma fofoca.

— Giles Tennant se matou, diversos anos atrás.

— Que triste para Sir Rufus! — Elizabeth arfou, obviamente muito tocada por aquela revelação.

Estava claro que ele conseguira despertar a compaixão dela pelo homem mais velho, percebeu Nathaniel com impaciência.

— Não sinta pela dele, Elizabeth. Giles atirou e matou a amante casada, antes de tirar a própria vida — contou ele, de modo ríspido.

Elizabeth parou de andar abruptamente, balançando no lugar, a cor drenando de seu rosto, seu peito se tornando tão apertado que ela mal conseguia respirar. Certamente... certa¬mente aquilo não era possível...? Seria possível que o irmão de Sir Rufus Tennant tivesse sido o amante de sua própria mãe?

Todavia, a coincidência de eventos era inegável, os ho¬mens jovens dos círculos sociais eram conhecidos por ser devassos e escandalosos, mas quantos deles poderia haver com a mesma história... de ter atirado na amante casada e a matado, antes de se matar?

— Elizabeth?

— Eu... que chocante. — Sua garganta estava tão seca que ela mal conseguia falar, a cabeça girando com as possibilida¬des. — Quanto tempo atrás isso aconteceu?

— Que diferença faz quando o fato ocorreu? — perguntou ele, com curiosidade.

— Bem... eu saberia então se devo ou não oferecer mi¬nhas condolências ao Sir Rufus, quando encontrá-lo uma próxima vez — inventou Elizabeth, ofegante.

— Você não deve — anunciou o conde em tom definitivo, com a fisionomia zangada.

— Mas...

— Elizabeth, isso aconteceu anos atrás. Ora, eu apenas lhe revelei o escândalo, a fim de demonstrar a você que, provavel¬mente, existe instabilidade emocional naquela família — explicou ele.

E, agora que ele lhe revelara, Elizabeth precisava saber mais. Precisava saber tudo que havia para saber sobre o assassinato da amante de Giles Tennant, seguido pelo pró¬prio suicídio dele. Sentia uma necessidade desesperadora de saber se Sir Rufus era o irmão mais velho do homem por quem sua mãe tinha abandonado o marido e três filhas pequenas, dez anos atrás...

 

— Você está bem? — Nathaniel olhou para ela, franzindo o cenho ao ver como o rosto de Elizabeth tinha empalide¬cido, os olhos arregalados e com sombras escuras, ambas as coisas relembrando-o que, por mais que ela desse a im¬pressão de ser uma pessoa independente, era, na verdade, uma lady muito jovem, empregada por sua tia. E, com a irritação dele pelo interesse persistente de Rufus Tennant em Elizabeth, Nathaniel relatara algo obviamente muito chocante para ela.

Irritação...?

Era somente irritação que Nathaniel sentia perante a per¬sistência de Tennant, ou podia ser alguma outra emoção? Algo muito mais feio? Tal como ressentimento pelo interesse do outro homem em Elizabeth?

Certamente, não. Ressentimento parecia implicar em algum tipo de ciúme, e ciúme era uma emoção irracional. Nathaniel não era um homem irracional. Decisivo, até mesmo arrogante, mas não acreditava que fosse irracional.

Sem sombra de dúvida, estava atraído por Elizabeth, porém certamente não mais do que se sentira atraído por dezenas de outras mulheres ao longo dos anos. Atrações que sempre tinham sido bem-sucedidas em seus resultados...

Algo que não podia ser dito da atração atual pela elusiva, até mesmo um pouco misteriosa, Elizabeth Thompson. Talvez esse fosse o motivo de sua irritação atual? Com cer¬teza, era uma explicação mais agradável do que tinha sido a anterior!

Elizabeth ainda se sentia atordoada, sabendo que sua reação diante da revelação de lorde Thorne sobre o escân¬dalo envolvendo o irmão de Sir Rufus devia parecer es-tranha... e a última coisa que ela queria era despertar a desconfiança do conde em relação ao seu interesse pessoal no assunto.

Não, se ela quisesse saber mais sobre aquilo, confirmar se suas suspeitas eram verdadeiras ou não, então deveria falar com o próprio Sir Rufus.

— Eu... acho que nós já andamos o bastante por uma tar¬de, milorde. — Ela deu um sorriso tenso, enquanto puxava a coleira de Hector, de modo que pudesse virar em direção à mansão Hepworth.

Nathaniel a seguiu no mesmo ritmo.

— Peço desculpas — murmurou ele. — Eu, obviamente, abor¬reci você ao falar do escândalo que envolveu o irmão de Ten¬nant.

— Mas você não falou sobre isso — negou Elizabeth. — Não em detalhes, pelo menos — acrescentou ela, franzindo a tes¬ta. — Você não revelou o nome da amante casada dele, por exemplo...

— Nem irei revelar. — A boca de Nathaniel estava compri¬mida. — Eu não devia ter dito nem o pouco que disse. Este não é um assunto adequado para conversar com você. O que eu falei abalou-a o bastante, Elizabeth.

Elizabeth sempre seria grata pelo fato de ele ter mencio¬nado aquilo. Especialmente se Giles Tennant tivesse realmen¬te sido o jovem amante de sua mãe...

Isso, pelo menos, dava-lhe a oportunidade de falar com Sir Rufus, um homem que, com certeza, saberia mais sobre o es¬cândalo que resultara na morte da mãe de Elizabeth... algo que nem ela nem suas irmãs tinham descoberto até agora.

Não ocorrera a nenhuma de suas irmãs questionar o pai muito profundamente, logo que a mãe os deixara, elas eram jovens demais na época, e estavam muito traumatizadas por aquele abandono, enquanto o pai delas parecia totalmente devastado. E, mais tarde, uma vez que as três irmãs tinham idade suficiente para vociferar suas curiosidades sobre o passado, o pai delas recusara-se terminantemente a discutir sobre a esposa, ou o escândalo que cercava a morte dela, com qualquer uma das filhas.

É claro, talvez Sir Rufus também se provasse ser inflexível sobre o assunto da morte do irmão, e, mesmo se não fosse, as esperanças de Elizabeth poderiam ser destruídas se ele reve¬lasse que a morte do irmão não tinha conexão alguma com a morte de Harriet Copeland.

Mas, até que Elizabeth tivesse oportunidade de falar com sir Rufus novamente, não tinha como saber daquilo. Moti¬vo pelo qual, uma vez que retornou à mansão Hepworth, ela agora pretendia aceitar o convite de Sir Rufus para um pas¬seio de carruagem com ele.

— Eu estou apenas cansada, milorde, e não abalada pela conversa — disse ela, a fim de explicar sua decisão repentina de voltar para a mansão Hepworth.

Nathaniel experimentou uma onda de insatisfação com a resposta de Elizabeth, ciente de que havia alguma coisa... reticente sobre ela naqueles últimos minutos. E ele estava certo; não era choque ou abalo que agora sentia nas emoções de Elizabeth, mas alguma outra coisa. Algo que ele não en¬tendia, o que o incomodava muito.

Ele a olhou com intensidade sob a aba de seu chapéu.

— Talvez você devesse ter seguido o exemplo de minha tia, e descansado em seu quarto, em vez de sair para uma caminhada.

— Talvez — ecoou ela de maneira evasiva.

A frustração de Nathaniel aumentou.

— Eu tenho a intenção de visitar o visconde Rutledge amanhã.

— Uma excelente ideia. — Elizabeth assentiu, friamente.

— Tenho certeza de que srta. Rutledge também achará — acres¬centou ela, com sarcasmo.

A boca dele se firmou diante da óbvia provocação.

— Talvez você queira ir comigo?

— E estragar o prazer da srta. Rutledge em vê-lo nova¬mente? — Ela meneou a cabeça.

— Eu estava pensando mais nas linhas de que Rutledge poderia ficar contente em receber uma visita sua — falou Na¬thaniel com ironia.

— E claro... — Ela pareceu refletir um pouco sobre o assunto, enquanto Hector investigava um buraco de coe¬lho. — Não, eu acho que seria melhor se você fosse sozinho, milorde. Além disso — continuou com firmeza, quando Nathaniel ia falar de novo — , eu não tenho a liberdade de simplesmente desaparecer com você para visitar um dos vi¬zinhos da sra. Wilson.

— Tem tal liberdade, se eu disser que você... — Natha¬niel parou e emitiu um gemido de irritação. — Esque¬ça. — Ele fez uma careta. — Acho que irei deixar que você e Hector terminem a caminhada no seu ritmo. — Olhou para o pequeno cachorro, que continuava cavando o buraco de coelho. — Preciso lidar com mais algumas correspondências antes do jantar.

— Cuidado, milorde, ou todo esse trabalho poderá torná-lo tão tedioso quanto você considera Sir Rufus! — provocou Eli¬zabeth.

Nathaniel sentiu-se altamente frustrado enquanto retorna¬va o olhar provocador, sabendo que apenas pretendia se fechar na privacidade relativa da biblioteca da mansão Hepworth com o objetivo de impedir-se de fazer alguma coisa totalmente irresponsável... como tomar Elizabeth nos braços e beijá-la de novo.

Ele arqueou uma sobrancelha zombeteira.

— Eu não acho que poderia existir outro homem vivo tão tedioso como ele!

Até pouco tempo atrás, Elizabeth teria concordado ple¬namente com ele. Todavia, se sua suspeita quanto à conexão do jovem amante de sua mãe se provasse correta, Elizabeth sabia que, então, consideraria Sir Rufus o homem mais inte¬ressante que conhecia!

Não da maneira como achava Nathaniel Thorne interes¬sante, é claro; o conde lhe despertara sentimentos interiores, desejos secretos que ela, até agora, havia sido totalmente in¬capaz de racionalizar. Ou de resistir...

Ela deu de ombros, delicadamente.

— Sem dúvida, o que uma pessoa considera tédio, outra pode considerar estabilidade e constância... ambas qualidades desejáveis, tenho certeza que você concorda?

— Espero que nada que lhe contei hoje tenha lhe despertado tanta compaixão por Tennant que você está agora recon¬siderando sua recusa em passear de carruagem com ele? — O conde a fitou com expressão zangada.

Elizabeth deliberadamente manteve os cílios baixos.

— A sra. Wilson estava se esforçando para apontar, mais cedo, as qualidades de tal cavalheiro para mim...

— Você está reconsiderando! — Nathaniel não foi capaz de esconder a incredulidade de seu tom de voz.

Olhos azuis se ergueram para encontrar os seus.

— Talvez.

— Você está sendo ridícula.

— Estou?

Nathaniel não pôde perder a leve inflexão na voz dela. Ou o motivo dela. Era ele quem estava se comportando de maneira ridícula. Especialmente quando ainda não tinha ideia sobre o      que fazer com a atração que sentia por ela. Por muitas ra¬zões — entre elas, a desaprovação de sua tia Gertrude tor¬nar Elizabeth sua amante parecia uma ideia impraticável.

— Talvez, se eu lhe contasse a triste história dos próprios pais, ambos tendo se afogado durante uma viagem pelo Atlân¬tico, quando eu estava com 17 anos, você sentisse a mesma compaixão em relação a mim! — murmurou ele com tristeza.

— E foi isso que aconteceu? — perguntou ela, gentilmente.

Ele inclinou a cabeça.

— Sim.

Ela pareceu pesarosa.

— Isso é realmente uma tragédia...

— Mas não trágico o bastante para obter a mesma com¬paixão que Tennant, aparentemente — reclamou Nathaniel.

— Você tem sua tia Gertrude para apoiá-lo, enquanto Sir Rufus parece não ter ninguém — apontou ela.

Nathaniel franziu o cenho.

— Você é misericordiosa demais.

— Eu sou o que sou, milorde.

— E, sendo você, sem dúvida, fará exatamente o que deseja!

Elizabeth deu um sorriso travesso.

— Isso é exatamente o que tenho feito nestas últimas se¬manas, sim.

Nathaniel desejou que tivesse a mesma liberdade de esco¬lha. Todavia, suas responsabilidades, tanto para com seu tí¬tulo quanto para com seus bens, decretava que ele não tinha.

— Nesse caso, se você me der licença... — Ele fez uma re¬verência antes de virar-se.

Elizabeth, observando-o se afastar com passos determi¬nados, não pôde evitar admirar a largura daqueles ombros, a cintura estreita e as longas pernas musculosas, cobertas por bonitas botas pretas. O sol de maio parecia transformar os cabelos dele em ouro rico e queimado. Um ouro sedoso que os dedos de Elizabeth coçavam de vontade de tocar...

Ela deu um suspiro exasperado, sabendo que sua aparente mudança de interesse em Sir Rufus Tennant havia causado ou¬tro desacordo em seu relacionamento com o conde. Mas talvez fosse melhor assim, pensou... uma vez que não havia futuro na atração crescente que sentia por Nathaniel Thorne, nem em seu papel de dama de companhia, nem como lady Elizabeth Copeland. O máximo que podia esperar era que eles não se se¬parassem como inimigos quando a hora chegasse. Ela...

— Eu pensei que o homem nunca mais fosse embora!

Elizabeth estivera muito perdida naqueles pensamentos perturbadores sobre lorde Thorne para notar a aproximação do outro homem, mas ela se virou agora para ver Sir Rufus montado em Starlight, a aba do chapéu escondendo a ex¬pressão nos olhos azul-claros, embora o comentário dele im¬plicasse que ele os estivera observando por alguns minutos, antes de abordá-la.

— Que bom ver você novamente, Sir Rufus — falou Elizabeth com entusiasmo forçado. Apenas segundos na companhia do homem foram necessários para informá-la que ela não o acha¬va mais agradável, apesar do fato de que ele talvez tivesse a res¬posta para alguns dos segredos do passado de sua mãe.

Ele desceu da sela para parar ao seu lado, removendo o chapéu, antes de fazer uma leve reverência.

— Eu estava cavalgando ao redor da mansão Hepworth na esperança de que pudesse falar com você. — Ele recolocou o chapéu sobre a cabeça escura.

E, em vez disso, ele encontrara Elizabeth passeando e con¬versando com o conde de Osbourne. Uma conversa que Sir Rufus tinha escolhido, deliberadamente, não interromper?

— Tenho certeza de que lorde Thorne teria gostado da opor¬tunidade de lhe falar, também.

Sir Rufus bufou.

— Eu não tenho paciência com libertinos como ele!

Elizabeth imediatamente sentiu-se ofendida em nome do conde, se ele realmente fosse o libertino que Sir Rufus afirmava, então, com certeza, teria se aproveitado da oportu¬nidade de encontrar-se sozinho em sua companhia agora a pouco, para tentar avanços em relação a ela?

No entanto, Elizabeth também estava ciente de que preci¬saria da boa vontade de Sir Rufus se quisesse lhe fazer as per¬guntas necessárias, então conduziu a conversa com cuidado.

— Ele ainda é muito jovem, Sir Rufus — disse ela, de forma evasiva.

Sir Rufus pareceu satisfeito pela aparente falta de interesse de Elizabeth na boa aparência e charme de um homem dez anos mais novo que ele.

— Você gostaria de continuar caminhando ao longo do penhasco em minha companhia?

Considerando que ela estivera, minutos atrás, andando na direção contrária...

— Isso seria adorável. — Elizabeth aceitou, alegremente. — Mas e quanto a Starlight? — Ela estendeu o braço para acari¬ciar o nariz sedoso do cavalo cinza.

— Eu o amarrarei a uma das árvores pelo tempo de nossa caminhada; ele ficará bem aqui. — Sir Rufus pôs suas palavras em ação, antes de voltar andando para o lado dela. — Creio que eu lhe devo um pedido de desculpas, srta. Thompson — disse ele de modo desajeitado, como se não estivesse acostumado a admitir um erro. — Eu... falei bobagem ontem à noite, e peço desculpas sinceras se a ofendi.

— Não pense mais sobre isso, Sir Rufus. — O sorriso de Elizabeth foi fraco.

— Eu não posso evitar pensar. — Ele parou para se virar e pegar-lhe uma das mãos enluvadas na sua. — Eu obviamente perturbei você com meus comentários sobre Osbourne, e a última coisa que desejo é aborrecê-la, Elizabeth — acrescen¬tou com a voz rouca.

Elizabeth engoliu em seco, não se sentindo confortável em ter sua mão segurada pela de Sir Rufus, muito menos com o brilho fervoroso que viu naqueles olhos azul-claros, enquanto ele a fitava com tanta avidez.

— Eu admito que fiquei aborrecida no momento, mas não estou mais — ela lhe assegurou, enquanto recolhia a mão gentilmente, porém com firmeza.

— Eu apenas quis avisá-la da possibilidade de Osbourne se aproveitar de você...

— Acho que seria melhor se nós não falássemos mais neste assunto. Eu lhe asseguro que lorde Thorne é apenas o sobri¬nho de minha empregadora, e nada mais. — Elizabeth virou-se para continuar andando ao longo do caminho.

Sir Rufus acompanhou-a, sem falar por diversos minutos.

— Está um dia lindo, não está?

Era certamente mais seguro discutir sobre o tempo do que sobre Nathaniel Thorne!

— Lindo — concordou Elizabeth, distraidamente. Uma coisa era ter decidido falar com Sir Rufus na primeira oportunidade que tivesse, outra bem diferente era sofrer o interesse quase possessivo dele. E mais difícil ainda era abordar um assunto tão pessoal quanto o irmão que ele nunca nem sequer men¬cionara para ela.

— Você está gostando de Devonshire? — perguntou Sir Ru¬fus, educadamente.

— E muito bonito.

Sir Rufus assentiu, mostrando-se satisfeito com sua res¬posta.

— Não há outro lugar como este.

Elizabeth olhou-o sob cílios baixos.

— E quanto à sua família? Eles também preferem a sim¬plicidade de Devonshire à agitação e correria de Londres?

A expressão dele adquiriu sua austeridade usual.

— Eu não tenho família.

Ela arregalou os olhos, inocentemente.

— Oh, mas eu tenho certeza de que a sra. Wilson mencio¬nou um irmão mais novo seu? — O coração de Elizabeth es¬tava bombeando tão alto no peito diante da mentira que ela temeu que Sir Rufus pudesse ouvir.

O maxilar dele enrijeceu.

— Eu tive um irmão mais novo. Ele morreu alguns anos atrás.

— Eu não pretendia ser tão insensível. — Elizabeth parou na trilha para colocar a mão enluvada sobre o braço de Sir Rufus, esperando que sua expressão compassiva não traísse a frustra¬ção interna que ela sentiu pelo fato de ele não ter dito exatamente quantos anos fazia desde que o irmão havia morrido.

Um nervo pulsou no rosto de Sir Rufus.

— Você não poderia saber — murmurou ele, suavemente.

— Você não tem outras pessoas de sua família?

— Ninguém com que eu fale.

Ela assentiu com um gesto de cabeça.

— Seu irmão devia ser muito jovem quando morreu.

A expressão dele endureceu.

— Eu preferiria não falar sobre isso, se você não se importa.

Elizabeth se importava muito, ao mesmo tempo em que aceitava que Sir Rufus não a conhecia bem o bastante para lhe contar detalhes íntimos de sua família. Na verdade, ele não parecia ser o tipo de homem que alguma vez sentia a necessidade de se abrir com alguém, sobre qualquer coisa.

— É claro — concordou ela tranquilamente; afinal de con¬tas, não queria alertar Sir Rufus sobre a profundidade de seu interesse sobre a morte do irmão dele... ou sua possível co¬nexão com a mulher que Giles Tennant havia matado. — Eu não deveria ter me intrometido num assunto que é, obvia¬mente, muito delicado para você.

Ele uniu as sobrancelhas numa expressão fechada.

— Não é um assunto delicado de maneira alguma; eu ape¬nas não vejo razão para discuti-lo mais.

O tom de voz dele era tão definitivo que se tornou impos¬sível para Elizabeth continuar perguntando. Mas aquele era um assunto para o qual tinha todas as intenções de voltar na primeira oportunidade que surgisse.

— A sra. Wilson me deu permissão para passear em sua carruagem amanhã à tarde, se isso for conveniente para você? — Ela o fitou com expectativa.

Uma expressão de puro triunfo subitamente iluminou os olhos azul-claros.

— Amanhã à tarde está perfeito para mim.

— Maravilhoso! — Elizabeth sorriu-lhe. — Agora, eu preci¬so voltar para a mansão Hepworth...

— Tão breve? — Sir Rufus voltou a fechar o semblante.

— A sra. Wilson conta com o meu conselho para escolher seu traje do jantar — replicou ela com afeição, se não com sin¬ceridade.

Mas mesmo aquele breve tempo na companhia de Sir Ru¬fus deixara Elizabeth nervosa, e revelara que ele não era um homem com quem ela se sentia à vontade, muito menos cuja companhia apreciava. Além disso, não havia mais nada que desejasse lhe falar, e já mostrara curiosidade suficiente sobre o irmão dele por um dia.

— Se você sente mesmo que precisa ir... — Sir Rufus ain¬da parecia desgostoso.

— Eu sinto. — Mais uma vez, Elizabeth tocou-lhe o braço brevemente. — Afinal de contas, não quero abusar da gentile¬za da sra. Wilson, quando ela já me deu permissão para pas¬sear em sua companhia amanhã.

— É claro que não. — Sir Rufus pareceu contente em acei¬tar sua partida, agora que estava seguro no conhecimento de revê-la no dia seguinte, embora aquele olhar de satis¬fação tivesse desaparecido no momento em que ele olhou para Hector. — Acredito que não será necessário levar este cachorro com você?

Elizabeth mais uma vez lembrou que havia sido avisada que um homem que não gostava de cachorros e crianças não devia ser confiável. Admitidamente, naquele momento, tinha certeza que Sir Rufus não gostava de cachorros, mas mesmo assim...

— Com certeza, não. — Ela forçou um sorriso. — Afinal de contas, não haveria exercício para ele, sentado dentro de uma carruagem.

Sir Rufus pareceu aliviado, enquanto tentava explicar sua aversão.

— Uma vez eu fui mordido por um cachorro quando era criança, você entende.

— Ah. — Elizabeth assentiu. — Eu lhe asseguro, Hector é um animal de natureza muito doce. Talvez o cachorro que mordeu você estivesse doente, ou com dor? — Ou talvez Sir Rufus tivesse sido tão frio e desagradável quando criança quanto era como adulto...

Ele a fitou, friamente.

— Não há desculpa para um comportamento tão inaceitável.

Elizabeth temeu até mesmo perguntar o que tinha aconte¬cido ao pobre cão depois que ele o mordera!

— Animais às vezes podem sentir quando uma pessoa... não se sente confortável com eles.

Aqueles olhos azuis se tornaram glaciais.

— Quando alguém está com medo, você quer dizer?

— Em absoluto. — Ela se apressou em dizer ao perceber a discussão que estava criando. — Eu, por exemplo, não cresci com gatos, e sinto-me um pouco cautelosa na companhia deles.

Um pouco da tensão foi aliviada dos ombros de Sir Rufus.

— Gatos são como cavalos, criaturas independentes. Eu simplesmente não tolero o jeito como cachorros se humi¬lham e choramingam por atenção.

Elizabeth decidiu que bastava daquele assunto, tam¬bém... se eles continuassem daquela maneira, não restaria assuntos seguros para discutirem!

— Até amanhã à tarde, Sir Rufus. — Ela se abaixou numa breve cortesia.

Ele assentiu em resposta com um movimento de cabeça, suavizando o comportamento gelado.

— Eu já estou ansioso por isso.

O que era mais do que Elizabeth estava!

Não gostava nem um pouco de Sir Rufus, ela percebeu com tristeza quando se virou para andar devagar em di¬reção à mansão Hepworth. Considerava-o arrogante, obs-tinado e até mesmo um pouco cruel, quando ele falava do adorável Hector.

Talvez não devesse ter concordado com aquele passeio de carruagem. Talvez, agora que ela superara o choque inicial pelas coisas que lorde Thorne lhe contara sobre Giles Ten¬nant, e estava pensando com mais clareza, teria sido mais sábio perguntar a sra. Wilson o que ela sabia sobre o irmão mais novo de Sir Rufus. A sra. Wilson não era uma mulher que fazia fofocas, é claro, mas isso não significava que ela não soubesse exatamente quando e como Giles Tennant tinha morrido. E também o nome da amante casada que ele matara antes de tirar a própria vida.

Sim, talvez tivesse sido mais sensato de sua parte ter con¬versado com a sra. Wilson sobre o assunto, em vez de sofrer diversas horas, sozinha na companhia de Sir Rufus, no dia seguinte...

 

— Quando você retornar de seu passeio de carruagem com Tennant amanhã à tarde, minha tia terá organizado a leitura do anúncio de casamento na igreja, no domingo, e combinado com a costureira sobre o seu vestido de noiva!

Elizabeth fechou os olhos brevemente, quando parou no hall de entrada amplo e deserto da mansão Hepworth. Ten¬do pedido licença e deixado as outras duas ladies tomando chá no salão privado da sra. Wilson, depois de outro jantar suntuoso — e uma conversa embaraçosamente especulativa sobre seu passeio com Sir Rufus no dia seguinte —, ela esti¬vera ansiando pela privacidade de seu quarto. No entanto, em vez disso, parecia que tinha de lidar mais uma vez com o zombeteiro conde de Osbourne antes que pudesse realizar sua escapada.

Ela se virou lentamente para encará-lo agora, esperando que fosse capaz de manter sua expressão fria, enquanto ob¬servava que o conde removera o casaco e a gravata, desde que saíra da sala de jantar. Ele agora estava parado à porta da bi¬blioteca, usando apenas um colete azul-claro bordado sobre uma camisa branca desabotoada no colarinho, revelando o começo de uma trilha de pelos dourados, a qual, Elizabeth sabia, dos dias que ele estava incapacitado na cama, cobria os músculos do peito largo, antes de descer até abaixo do cós da calça...

Ela uniu as mãos para esconder o tremor delas, e a tenta¬ção que sentia em tocar aqueles cabelos dourados sedosos e levemente despenteados, enquanto respirava com dificulda¬de. Então respondeu com frieza:

— Tenho certeza de que seus amigos acham você muito divertido, milorde, mas sinto em dizer que, esta noite pelo menos, seu tipo de humor em particular não tem a menor graça para mim!

Nathaniel inclinou um ombro contra a moldura da porta, enquanto a observava através de olhos estreitos. Estava cien¬te, pelo estado de sua ereção, apenas ao vê-la naquele vestido cor de pêssego, que deixava o topo dos ombros delgados e uma grande extensão dos seios nus, que provavelmente tinha bebido muito conhaque desde o jantar para tê-la envolvido numa conversa.

Uma ocorrência incomum para ele, por mais que ela pen¬sasse o contrário. Na verdade, Nathaniel não achava que bebera tanto assim desde seus anos no exército, quando parecera que o gosto amargo da batalha poderia ser eliminado por uma garrafa de excelente conhaque, a qual Gabriel sempre mantinha em sua bagagem para tais ocasiões.

Sua entrega à bebida nessa noite devia-se a uma batalha de um tipo bem diferente... mais especificamente à jovem lady que estava agora parada, tão distante e inacessível, do outro lado do hall de entrada. Elizabeth parecia absoluta¬mente encantadora, a cor de pêssego do vestido dando-lhe uma aparência cremosa à pele, e uma tonalidade perolada aos lábios, ambas as coisas altamente desejáveis, na opinião de Nathaniel. A luz da vela também enviava um brilho cor de ébano para os cachos escuros, um fato do qual ele estivera completamente cônscio durante o tempo todo que eles estavam sentados à mesa de jantar.

Sua boca se torceu num sorriso irônico agora.

— Por que especialmente esta noite?

Elizabeth pareceu ainda mais irritada.

— Porque eu acho que você interpretou erroneamente mi¬nhas razões para concordar em sair com Sir Rufus amanhã.

— Verdade? — Ele arqueou sobrancelhas loiras numa ex¬pressão interrogativa.

A boca de Elizabeth se firmou.

— Sim.

— Então talvez você quisesse entrar na biblioteca e me ex¬plicar estas razões? — Ele deu um passo ao lado num convite para que ela entrasse.

Elizabeth não queria se explicar para ninguém, muito me¬nos para o irritante Nathaniel Thorne! Na verdade, a falta de formalidade na aparência do conde tornava a ideia de ela ficar completamente sozinha com ele na biblioteca perturbadora.

Mesmo se — em total contradição ao modo como ela se sentia com o pensamento de estar sozinha com Sir Rufus Tennant — essa fosse uma tentação que Elizabeth achava di¬fícil resistir.

— Eu acho que não — respondeu ela, de maneira recata¬da. — Você está obviamente um pouco... indisposto.

— Eu estou um pouco embriagado, Elizabeth, não “indis¬posto” — corrigiu Nathaniel secamente, antes de endireitar o corpo. — Com ênfase no um pouco.

— Mesmo assim...

— Você vai se comportar como uma leoa ou como um rato, Elizabeth?

Os olhos azuis dela brilharam.

— Não acredito que eu seja uma dessas coisas, milorde. Apenas não considero aconselhável estar sozinha na compa¬nhia de um cavalheiro em qualquer momento, mas especial¬mente quando-ele bebeu um pouco demais.

— A maldita bebida, hum?

— De forma alguma. — Ela franziu o cenho quando ele continuou ironizando-a. — Na verdade, meu pai considerava a bebida alcoólica uma panaceia para qualquer coisa que pu¬desse afligi-lo — acrescentou afetuosamente.

— E o que você imagina que possa estar me afligindo esta noite?

Ela franziu ainda mais o cenho.

— Eu não tenho ideia.

— Não? — desafiou o conde, antes de estreitar os olhos numa expressão astuta. — Você usou o verbo no tempo passado quan¬do se referiu ao seu pai.

Um rubor tingiu as faces de Elizabeth diante da percep¬ção que ela novamente revelara demais para o conde muito observador.

— Talvez porque meu pai esteja morto, milorde.

— Entendo — murmurou ele, devagar. — E que coisas costumavam “afligir” seu pai antes que ele morresse, para que sentisse a necessidade de buscar alívio na bebida al¬coólica?

Elizabeth se movimentou desconfortavelmente.

— Sem dúvida, as coisas comuns de um pai com diversas filhas jovens.

— Então há mais irmãs em sua casa? — perguntou Nathaniel, pensativamente, enquanto guardava o conhecimento, que poderia lhe servir no futuro. — Mais velhas ou mais no¬vas? — incentivou ele com ênfase.

Ela lhe deu um olhar cauteloso.

— O número e idade de minhas irmãs são irrelevantes, milorde.

— Talvez você devesse me deixar julgar isso? — Ele a fitou de maneira desafiadora.

— Não, eu não acho que eu deveria. — Ela lhe encontrou os olhos com a mesma expressão desafiadora dos seus. — Agora, se você me der licença...? Eu estava indo para meu quarto quando você... me envolveu nesta conversa.

Nathaniel deu um sorriso malicioso.

— Eu não faço objeção alguma em continuar esta conver¬sa em seu quarto. Na verdade, acho que até prefiro isso. — Ele endireitou o corpo, com a óbvia intenção de juntar-se a ela.

— Não foi isso que eu quis dizer, em absoluto! — Elizabeth arfou, enquanto sentia aquele rubor colorindo suas faces no¬vamente.

Ele parou.

— A biblioteca ou seu quarto, a escolha é sua, Elizabeth.

Ela respirou fundo.

— Eu não vejo isso como uma escolha, de maneira algu¬ma, milorde!

— A biblioteca. — Nathaniel olhou para a sala atrás de si, o brilho do fogo adicionando um ar de intimidade. — Ou seu quarto. — O olhar dele percorreu Elizabeth, desde os pés em sapatos baixos até os cachos escuros, antes de, lentamente, desviar para o topo da escadaria.

Ela pareceu agitada.

— Você está sendo irracional, milorde...

— Eu estou lhe dando uma escolha, Elizabeth. — O tom de voz era firme. — A decisão depende totalmente de você.

As escolhas que ele tinha lhe dado não eram, na opinião de Elizabeth, escolhas em absoluto. Qualquer opção a deixa¬ria sozinha com ele.

Uma leoa ou um rato...?

Lorde Thorne tivera a intenção de desafiá-la com aquela provocação, e infelizmente fora bem-sucedido. Elizabeth, com certeza, não era mais um rato — se, na verdade, tivesse sido um algum dia, entretanto também não se sentia uma leoa.

— A biblioteca — anunciou ela, antes de passar por ele para entrar na sala iluminada por velas. O motivo para o descarte do casaco e gravata do conde tornou-se imediatamente óbvio, o fogo na lareira deixava a biblioteca muito quente naquela noite de primavera, com clima ameno.

A garrafa de conhaque pela metade sobre a mesa ao lado da poltrona junto à lareira, com um copo contendo uma dose de tal líquido, e um livro aberto posicionado no braço da poltrona eram claras indicações do que o conde estivera fazendo quando a ouvira do lado de fora, no hall de entrada.

Elizabeth estava usando sapatilhas de seda cor de pêssego, para combinar com o vestido, e sempre tinha sido elogiada por ter os passos leves... tais fatos parecendo sugerir que o conde deixara a porta da biblioteca aberta com o propósito de ouvi-la passar.

Ela estava com a expressão levemente intrigada, quando parou no tapete diante do fogo e virou-se para encará-lo.

— O que você queria discutir comigo, lorde Thorne?

Nathaniel imaginou se Elizabeth tinha alguma ideia de quão régia parecia parada ali, banhada no brilho da luz do fogo: os olhos muito azuis, o nariz pequeno e perfeitamente reto acima de lábios carnudos e queixo erguido em desafio, a postura corporal altiva.

Quem quer que fossem os antecedentes daquela jovem lady, Nathaniel apostaria sua reputação que havia uma duquesa ou uma condessa entre eles. Talvez, por causa da tendência para bebidas alcoólicas, o pai que Elizabeth mencionara pou¬cos minutos atrás tivesse nascido fora do casamento, pos¬suindo todos os genes de um cavalheiro, mesmo que não a legitimidade deste. Genes que teria então passado para seus próprios filhos?

A cada dia que se passava, o passado de Elizabeth parecia mais misterioso. Ela era um enigma para o qual ele se sentia atraído, apesar de desejar o contrário.

Elizabeth olhou para Nathaniel com cautela, quando ele fechou a porta da biblioteca silenciosamente, e atravessou a sala para parar a centímetros diante dela.

— Elizabeth.

Ela sentiu o timbre rouco da voz dele percorrer toda a ex¬tensão de sua coluna. Um tremor de consciência que a aque¬ceu de dentro para fora, causando um rubor em suas faces e um brilho em seus olhos, enquanto os lábios pareceram in¬chados e sensíveis quando ela os umedeceu com a ponta da língua. Quanto ao resto de seu corpo...!

Sentia dores em lugares sobre os quais apenas falara com suas irmãs em sussurros: seus seios e entre suas coxas. Os bicos rijos dos seios roçavam contra o tecido macio do vesti¬do e, entre as pernas, Elizabeth se sentia quente e levemente úmida.

Olhou para o conde por baixo da cortina de seus cílios longos.

— Milorde...? — Aquela voz suave e ofegante realmente lhe pertencia?

Nathaniel não pôde mais resistir tocá-la, quando levantou uma das mãos para gentilmente afastar-lhe os cachos escuros da testa, as pontas de seus dedos formigando ao sentir a pele sedosa.

— Nós estávamos discutindo o motivo para eu ter tomado diversos copos de conhaque esta noite...

Aqueles cílios escuros piscaram nervosamente, revelando, por um instante, o azul profundo dos olhos.

— Estávamos?

— Sim — confirmou ele, com um pequeno sorriso. — Eli¬zabeth, você tem alguma ideia do efeito que causa em mim?

A pele sedosa do pescoço elegante se moveu quando ela engoliu em seco.

— Eu... talvez — respondeu Elizabeth, bravamente.

A risada que Nathaniel em resposta não foi muito feliz.

— E você tem ideia de quanto tal atração é inadequada?

Elizabeth começou a se sentir irritada.

— Eu acho que você está me insultando, milorde.

— Por que ainda insiste em me chamar assim? Nós já pas¬samos do estágio de você me chamar de qualquer coisa que não seja Nathaniel — anunciou ele, olhando-a com seriedade.

Ela piscou, nervosamente.

— Isso é muito impróprio...

— Isso é ainda mais... — E ele a envolveu nos braços, antes de abaixar a cabeça e tomar-lhe a boca na sua com ferocida¬de. Estivera desejando, ansiando beijar Elizabeth por horas... não, dias, parecia... e agora se aproveitou do fato de que mais uma vez tinha a suavidade sedutora dela em seus braços.

Não houve gentileza da parte dele quando seus lábios de¬voraram os de Elizabeth, com a força de uma tempestade que destruía qualquer resistência em seu caminho. Ela não pôde fazer nada, a não ser agarrar-se aos ombros largos, en¬quanto esquecia tudo mais, exceto a demanda apaixonada daquele beijo.

Elizabeth quase se esqueceu de respirar sob aquela ava¬lanche de calor, ciente de nada e de ninguém, exceto da boca de Nathaniel e da carícia quente das mãos grandes que mol¬davam suas curvas contra curvas muito mais rígidas, antes de segurar-lhe as nádegas e puxá-la para sua intimidade.

Ele se afastou do beijo, respirando com dificuldade en¬quanto movia os lábios ao longo da coluna do pescoço dela, o qual se arqueou num convite quando Elizabeth sentiu o calor daquela boca sensual contra sua pele, o corpo inteiro incendiando-se com sensações.

Seus dedos finalmente conseguiram o que vinham que¬rendo há tanto tempo, quando se entrelaçaram nos cabelos dourados e grossos de Nathaniel. Ela tremeu quando a mão grande moveu-se para segurar um de seus seios, e o calor da¬queles lábios foi pressionado contra o volume de pele visível acima do decote avantajado do vestido.

— Como você é linda, Elizabeth — murmurou ele com a voz rouca, a respiração morna, uma carícia contra sua pele em chamas, enquanto ele abria diversos botões na parte traseira do vestido, de modo que pudesse descer o corpete e desnudar-lhe os seios para seu olhar extasiado. Ele tomou um dos botões inchados no calor de sua boca, e roçou a lín¬gua sobre e ao redor do bico sensível, enquanto Elizabeth suspirava e gemia com o toque.

Olhar para Nathaniel enquanto ele a abraçava — os olhos dele estavam fechados, os cílios longos e dourados contra as maçãs perfeitamente esculpidas do rosto, os lábios úmidos e exigentes ao redor de seu mamilo — era a experiência mais erótica da vida de Elizabeth.

Ela nem mesmo pôde pensar em negar aquele prazer sen¬sual a nenhum dos dois, quando ele a ergueu nos braços e a carregou para o outro lado da sala, abaixando-a sobre a poltrona reclinável que ficava à frente da janela. Nathaniel endireitou o corpo para remover o colete, e depois a camisa, revelando a faixa ainda ao redor do peito largo, e a força dos músculos dos ombros banhados na luz das velas, antes que ele se ajoelhasse ao lado da poltrona, os olhos ardentes de dese¬jo, focados em seus seios nus. Desviou os olhos para capturar os seus então, enquanto as mãos seguravam o peso dos seios, antes que ele abaixasse a cabeça para depositar um beijo de¬morado no primeiro botão inchado, depois no outro.

Elizabeth tremeu e respirou fundo quando sentiu o roçar da língua quente contra sua carne sensível.

— Nathaniel...

— Sim... Nathaniel! — encorajou ele, com a voz rouca.— Fale de novo, Elizabeth!

— Nathaniel... — repetiu ela, perdendo o fôlego quando os lábios dele exploraram a longa coluna de seu pescoço, a maciez do lóbulo de sua orelha, antes de, mais uma vez, capturar-lhe os lábios num beijo que excitava e seduzia em sua intensidade, enquanto a língua hábil se entrelaçava com a sua numa dan¬ça erótica.

Elizabeth subiu as mãos para o peito másculo, antes de explorar o contorno das costas e ombros largos, totalmente perdida na sedução daquele beijo, mesmo enquanto se delei¬tava com outras sensações que bombardeavam seu corpo... o calor da pele de Nathaniel, enquanto os músculos podero¬sos se flexionavam sob a carícia de seus dedos, os pelos sedo¬sos do peito, que eram levemente abrasivos contra seus seios muito sensíveis.

Nathaniel afastou a boca da sua para fitá-la com olhos ar dentes, então ergueu as mãos para moldar o lindo rosto dela,

— Você é pura tentação, Elizabeth — murmurou ele. — Ten¬tação profunda e devassa!

Aqueles olhos azuis se arregalaram.

— Mas eu não fiz nada...

— Você é tentadora apenas por existir — declarou ele com a voz rouca, sua ereção pulsando de maneira quase insuportável.

— Mas...

— Sinta quanto eu quero você! — Ele lhe capturou uma das mãos na sua e levou-a para baixo, de modo que ela sen¬tisse sua ereção rígida e pulsante, exalando o ar num gemido torturado ao sentir aqueles dedos delgados contra sua carne responsiva, instantaneamente sabendo que queria mais. Pre¬cisava de mais! — Toque-me — suplicou ele, mesmo enquanto abria os botões da frente de sua calça, dando liberdade à sua virilidade. Segurando a mão delicada na sua, envolveu-lhe os dedos ao seu redor, antes de lhe mostrar exatamente como manuseá-lo.

Elizabeth nunca tinha experimentado alguma coisa tão incrível. A excitação de Nathaniel estava rija e pulsando em sua mão. Como aço coberto em veludo. Ele tremeu inteiro quando ela deslizou o polegar de leve sobre a ponta sensível.

Ela arregalou os olhos no momento em que viu a expres¬são no rosto de Nathaniel, enquanto ele estava sentado so¬bre os calcanhares cobertos pelas botas, permitindo que ela o acariciasse; uma expressão que parecia mais de agonia do que de prazer.

— Eu estou machucando você? — perguntou ela, parando os movimentos.

— Deus, não! — ele gemeu. — Não pare, Elizabeth! — acres¬centou, pondo os próprios dedos sobre os dela, a fim de encorajá-la a recomeçar as carícias rítmicas sobre sua extensão.

Ela moveu as pernas para o chão quando ele a liberou, para que continuasse sozinha com as carícias, ciente do olhar ardente de Nathaniel em seus seios, no momento em que ela se sentou mais ereta para olhar o que segurava nos dedos. Ele era lindo, muito lindo, e tão grande e longo!

Os olhos de Elizabeth se arregalaram quando ela viu a gota de umidade cremosa que escapou da ponta, rapidamen¬te seguida por outra, aquele líquido molhando seus dedos. Ela lambeu os lábios, querendo, querendo...

Ela agiu por instinto quando escorregou para o chão, na frente de Nathaniel, ajoelhou-se e abaixou a cabeça para lambê-lo, provando o líquido salgado, e então, provando-o de novo e de novo, achando aquilo viciante, enquanto ele gemia numa resposta de prazer.

— Deus amado! — exclamou Nathaniel com fraqueza, quan¬do um prazer alucinante o percorreu, tanto pela visão erótica de Elizabeth ajoelhada à sua frente quanto pela excitação da língua quente e sensual deslizando ao longo de sua ereção, antes que ela o tomasse inteiro na boca. Sentia-se ainda mais excitado, porque sabia que as ações dela eram puramente ins¬tintivas, em vez de praticadas.

Ele entrelaçou os dedos nos cachos escuros de Elizabeth no momento em que se entregou ao prazer tão intenso que ela lhe causava, arqueando as costas, cerrando os dentes en¬quanto se rendia à necessidade de investir devagar e com ritmo dentro daquela boca sensual, os dedos delgados mal conseguindo tocar a base do membro viril.

Nathaniel teria permitido que Elizabeth continuasse com suas carícias deleitosas se o som das vozes de sua tia e de Letitia do lado de fora, no hall de entrada, não tivesse permea¬do seu cérebro movido por êxtase? Teria conseguido destruir completamente a inocência dela, permitindo-lhe levá-lo à conclusão explosiva que ele precisava com tanto desespero?

Talvez... Ele não podia se lembrar de já ter se sentido tão fora de controle e totalmente à mercê da boca e das mãos de uma mulher antes, mas esperava que tivesse a capacidade de recuar antes que fosse tarde demais para impedir sua li¬beração final.

Quando se afastou agora, suas mãos seguraram o rosto de Elizabeth. Ela o fitou, a vista parecendo desfocada, obvia¬mente inconsciente da presença das outras mulheres no hall do lado de fora.

— Nós não estamos sozinhos na casa — Nathaniel a relem¬brou, num sussurrou rouco.

Ela piscou em confusão, antes de olhar ao redor da sala, quase como se esperasse encontrar alguém ali, que tivesse entrado sem o seu conhecimento. Uma vez que se assegurou de que não havia ninguém, voltou a encará-lo.

— Eu não...

— Shhh — avisou ele. — Ouça.

Elizabeth tornou-se muito imóvel quando fez o que ele pediu, o rosto empalidecendo no momento em que ouviu a sra. Wilson e Letitia conversando, enquanto elas subiam a escada, juntas.

E percebeu que apenas um pedaço de madeira estava en¬tre ela e a completa exposição, como a devassa que, apenas minutos atrás, Nathaniel a acusara de ser!

 

— Não precisa ficar tão chocada, Elizabeth — murmurou Nathaniel, de sua posição em pé ao lado da lareira, a força do ato de amor deles e a dor de suas costelas agora o tornando completamente sóbrio. Ele endireitara a calça poucos minu¬tos atrás, vestira a camisa e a deixara para fora da calça, a fim de esconder sua ereção ainda em evidência. Uma ereção que, sem dúvida, continuaria por algum tempo!

— Como eu posso não ficar chocada? — Elizabeth ajeitara o vestido no corpo, mas seus cachos ainda estavam desali¬nhados, e o rosto, vermelho com mortificação. Ela nem podia encontrar seu olhar, de onde estava, do outro lado da sala. — E se a sra. Wilson tivesse decidido entrar na biblioteca para lhe desejar boa-noite?

— Ela não entrou — disse Nathaniel suavemente.

— Mas...

— Há coisas suficientes com que nos preocuparmos esta noite, sem acrescentar uma preocupação por algo que não aconteceu — declarou ele secamente, pegando seu copo de conhaque e bebendo o conteúdo num único gole, gostando da sensação de ardência em sua garganta, antes que o calor atingisse seu estômago.

Elizabeth deu um suspiro indignado.

— É claro que eu devo me preocupar... Que coisas? — in¬dagou ela cuidadosamente, quando o resto do comentário dele obviamente penetrou-lhe o cérebro.

Nathaniel a olhou com uma fisionomia exasperada.

— Coisas do tipo: como nós continuaremos aqui juntos no futuro.

— Continuaremos?

— Sério, Elizabeth — ele suspirou normalmente não lhe falta tanta inteligência.

— Não está me faltando inteligência agora, milorde...

— Chame-me de Nathaniel! — ordenou ele, e, de súbito, aproximou-se. Apenas para parar de maneira abrupta quan¬do ela instantaneamente deu um passo atrás, distanciando-se. Ele estreitou os olhos. — Eu a choquei tanto que você agora está com medo de ficar perto de mim?

Não era de Nathaniel que Elizabeth estava com medo, mas de suas próprias respostas a ele!

Quanto a estar chocada? Como podia não se sentir choca¬da diante da própria audácia? Como podia não querer correr para seu quarto e se esconder debaixo das cobertas de sua cama, com o pensamento das intimidades que eles tinham acabado de compartilhar? Das intimidades que ela se permi¬tira experimentar?

Pois certamente não havia sido correto ceder ao desejo de tocar Nathaniel, não apenas com as mãos, mas também com seus lábios e língua... Elizabeth ainda podia sentir aquele gos¬to salgado, e ao mesmo tempo doce, dele. Ainda podia sentir a suavidade aveludada da pele que envolvia a extensão pulsante... uma entidade viva quase além do controle de Nathaniel.

Tudo aquilo tão... diferente do que Elizabeth imaginara que seria. E todo seu comportamento era tão chocante para si mesma que ela nem sequer conseguia encará-lo, então focou seu olhar em algum lugar acima do ombro esquerdo dele.

— Amanhã bem cedo, eu falarei para a sra. Wilson que vou deixar o emprego...

— Por quê? — demandou ele.

Agora, Elizabeth o olhou, seu coração parecendo parar de bater diante da expressão fria e aristocrática no rosto de Na¬thaniel. Ele parecia tão diferente do homem que fizera amor com ela apenas minutos atrás, e que se perdera nas carícias de suas mãos e boca sobre a parte mais sensível do corpo...

Ela o fitou com expressão interrogativa, seu rosto esquen¬tando com as lembranças daquelas intimidades.

— Um de nós deve ir embora...

— Se isso é verdade...

— Você certamente não pode duvidar disso!

— Neste caso, com certeza, sou eu quem deve ir embo¬ra...? — disse Nathaniel.

Elizabeth meneou a cabeça com tristeza.

— A sra. Wilson preferiria que o sobrinho permanecesse aqui em vez de a jovem mulher que ela contratou como dama de companhia de seu cão.

— Eu não teria tanta certeza disso, se fosse você — mur¬murou Nathaniel. — Não tenho dúvidas de que minha tia me ama, mas ela adora Hector! — acrescentou ele secamente, em resposta ao olhar interrogativo de Elizabeth.

Ele pretendera fazê-la sorrir... em vez disso, os olhos azuis profundos se encheram de lágrimas. Que situação complicada, pensou Nathaniel com pesar, ao mesmo tempo em que acei¬tava que era o culpado por aquilo. Já parecia ruim o bastante ter tocado Elizabeth tão intimamente, mas tê-la encorajado a retornar tais intimidades, abrindo a própria calça e guiando-lhe as mãos para seu corpo nu, era certamente imperdoável!

O semblante perplexo no rosto jovem dela atestava isso...

Nathaniel emitiu um suspiro pesado.

— Eu irei explicar para minha tia, amanhã, que negócios exigem que eu deixe a mansão Hepworth imediatamente.

— Ela irá perguntar por que você não mencionou tais ne¬gócios esta noite — apontou Elizabeth.

Ele apertou os lábios.

— Ao que eu responderei que não estou acostumado a dar satisfações. A ninguém — acrescentou, em tom de voz duro.

Elizabeth deu um sorriso fraco.

— Sua tia não é qualquer pessoa. Ela também não está acostumada a ser rejeitada.

Nathaniel não pôde perder a ênfase na palavra ela. Também não podia negar a declaração, sua tia Gertrude era realmente uma mulher teimosa e direta, que exigiria mais explicações do que ele estava disposto a dar. Ademais, ela ainda se preocupa¬va com seus ferimentos, apesar de estarem cicatrizando bem.

Que confusão. Que confusão terrível era aquela. Talvez, se ele não tivesse ficado tão zangado com Elizabeth por ela ter mudado de ideia sobre sair com Tennant na tarde seguinte, então não teria bebido o conhaque, não teria insistido que ela entrasse na biblioteca, não a teria beijado e abraçado, antes de encorajá-la a fazer o mesmo com ele...

Ora, sim, ele teria feito todas essas coisas, mesmo se não ti¬vesse tomado conhaque. O fato de que estava completamente sóbrio agora mostrava que não bebera nem de perto o bastante para pôr a culpa de seu comportamento no álcool. Quisera lazer amor com Elizabeth, quisera que ela fizesse amor com ele em retorno.

Deus, o jeito como ela o beijara e o acariciara!

Nathaniel nunca tinha experimentado nada como aquilo na vida. Oh, estivera com mulheres durante seus anos no exér¬cito e, desde então, todas elas experientes em dar prazer a um homem, mas nunca antes ele sentira um prazer tão irrestrito nas mãos e boca de uma jovem lady inocente.

Nunca estivera tão perdido em prazer, tão sem controle na presença de uma lady, a ponto de correr o risco de liberar tal prazer dentro da umidade quente da boca de Elizabeth!

E havia corrido o risco de fazer exatamente isso, reconhe¬ceu com autodesgosto. Estivera muito perto de perder todo o controle, quando as vozes de seus parentes o tinham chama¬do abruptamente de volta à razão.

Apenas olhar para a boca de Elizabeth agora, imaginando aqueles lábios suaves e deleitáveis sobre seu membro viril, foi o bastante para fazer a pulsação acelerar, avisando-o de que deveria sair dali o mais breve possível, mesmo que fosse para encontrar uma mulher experiente para aliviar aquela dor, an¬tes que fizesse papel de tolo novamente!

Ele se virou para evitar olhar até mesmo para os lábios rosados e sedutores de Elizabeth.

— Eu falarei com minha tia pela manhã, e lhe darei mi¬nhas desculpas.

— Eu realmente gostaria que você não fizesse isso, mi... Nathaniel — corrigiu ela depressa, quando ele lhe enviou ou¬tro olhar irritado. — Eu não pretendia que meu emprego com a sra. Wilson fosse de longa duração, de qualquer maneira.

Olhos escuros se estreitaram.

— Por que não?

Elizabeth franziu a testa.

— Eu não tenho de explicar meus motivos para você... Nathaniel! — Ela arfou quando ele atravessou o cômodo em dois passos longos para segurar seu braço com firmeza.

— Não fale comigo neste tom de recriminação. — Ele a olhou com intensidade. — Se você sair daqui amanhã, para onde irá? Para quem irá? — acrescentou, de modo desconfiado.

Ela lhe encontrou o olhar acusador, calmamente.

— Uma vez que eu sair daqui, não será de sua conta para onde eu escolherei ir.

A boca dele se comprimiu.

— Ou para quem?

— Exatamente. — Elizabeth assentiu.

Ele arqueou sobrancelhas loiras arrogantes.

— Acho que você subestima meus poderes de persuasão.

— Eu acho que você subestima minha própria habilidade de resistir a tal persuasão, milorde — devolveu ela no mesmo tom firme de voz, a expressão desafiadora, enquanto delibe¬radamente se soltava do aperto dele.

Nathaniel emitiu um suspiro frustrado.

— Eu me recuso a permitir que você vá embora daqui, sem dizer para onde e para quem está indo.

— Você não tem o direito de me recusar nada — insistiu Elizabeth com veemência.

Aquela mulher ia ser sua morte, pensou Nathaniel com irritação. Sua morte lenta e agonizante!

Como poderia ser de alguma outra maneira, quando ela lhe dava prazer até o ponto da liberação em um minuto, e lhe causava impaciência e frustração no minuto seguinte? Quan¬do apenas o pensamento de Elizabeth desaparecendo da ma¬neira tão completa e inesperada que entrara em sua vida era o bastante para deixá-lo — um homem que raramente perdia a calma — num estado de tamanha insatisfação que ele não tinha palavras para descrever?

Apesar de agora representar o papel de um homem sofis¬ticado da sociedade, seus anos no exército haviam feito de Nathaniel um homem acostumado à ação. A decisão de Eliza¬beth de desaparecer para algum lugar que não tinha intenção de dizer a ninguém onde era fazia com que ele se sentisse totalmente impotente. Uma situação inaceitável, tanto para o soldado quanto para o conde.

Ele a estudou com olhos estreitos.

— Talvez nisso você esteja certa, Elizabeth.

— E claro que eu estou certa...

— Eu tenho, todavia — continuou ele com firmeza —, total liberdade de dizer à minha tia que minhas ações desta noite foram o motivo de sua decisão de abandonar o emprego.

Elizabeth arfou, em horror.

— Você não faria isso!

— Acredito que você me conhece o bastante para saber que eu faria — murmurou ele.

Elizabeth conhecia aquele homem melhor, mais intima¬mente, que qualquer outro homem vivo! Como ele aponta¬ra, aquele era o motivo de sua decisão de deixar a mansão Hepworth... Por causa da intimidade que tinha acabado de ocorrer entre eles, ela não poderia ficar.

— Por que você faria uma coisa dessas? — Ela o olhou com raiva.

Ele deu de ombros.

— Eu me sentirei totalmente responsável se você sair da¬qui de maneira tão impulsiva e se encontrar em dificuldades. E culpa é uma emoção que não se acomoda facilmente nos meus ombros.

E aqueles eram ombros tão largos, reconheceu Elizabeth, privadamente. Ombros largos e musculosos que ela acari¬ciara momentos atrás, e... Deus, precisava parar com isso! Deveria apagar aquelas intimidades de sua mente, ou enlou¬queceria pensando nelas.

Elizabeth endireitou a coluna, numa postura orgulhosa.

— Você somente conseguiria envergonhar a nós dois, se con¬tasse o verdadeiro motivo de minha partida para a sra. Wilson.

Nathaniel tornou-se muito imóvel, a expressão inescrutável. Envergonhá-los? Elizabeth considerava o ato de amor deles vergonhoso? Imprudente, talvez, até mesmo chocante em sua intensidade, mas vergonhoso? Não, diferentemente dela, não considerava o que eles haviam compartilhado nem um pouco vergonhoso. Mas, talvez, ela esperasse mais dele?

Ele fez uma careta.

— Você esperava ouvir o meu nome, em vez do nome de Tennant, lido em conexão com o seu na missa de domingo?

Elizabeth arfou.

— Perdão?

Nathaniel arqueou uma sobrancelha.

— Uma única palavra sobre os eventos desta noite no ou¬vido certo... do visconde Rutledge, talvez?... e seria espera¬do que eu lhe fizesse uma oferta de casamento.

Elizabeth adotou uma postura altiva.

— Eu não tenho intenção que meu nome seja lido na mis¬sa de domingo, em conexão com o seu ou com o de Sir Rufus.

Aquela jovem mulher nunca parava de surpreendê-lo, per¬cebeu Nathaniel. A maioria das mulheres nas circunstâncias dela, quando deparada com a escolha de lançar-se de volta aos caprichos do mundo, ou da possibilidade de comprometer um conde ao casamento, certamente teria escolhido a úl¬tima opção. Não Elizabeth...

— Agora, se você me der licença... — Ela se virou para sair da sala.

— Elizabeth!

Ela se virou devagar, relutante em encará-lo, o queixo erguido orgulhosamente, de qualquer forma.

— Não há mais nada a ser dito, Nathaniel.

Ainda tinha muito a ser dito, e deveria ser dito, reconhe¬ceu ele com honestidade. Mas sabia que aquele não era o mo mento certo, com emoções correndo soltas.

Ele assentiu, com um breve gesto da cabeça.

— Nós conversaremos novamente pela manhã.

— Eu irei embora pela manhã — anunciou ela de maneira enfática.

— E quanto ao seu passeio de carruagem com Tennant, na parte da tarde? — perguntou Nathaniel, calmamente. — Sir Rufus, sem dúvida, ficará muito desapontado se você lhe enviar um bilhete informando-o de que não apenas não irá mais acompa-nhá-lo ao passeio, mas que está partindo da região para sempre.

Na verdade, Elizabeth tinha esquecido tudo sobre Sir Ru¬fus Tennant e o passeio de carruagem em sua companhia na tarde seguinte.

É claro que ela o esquecera; Elizabeth desafiava qualquer mulher a não esquecer um homem tão comum e desinteres¬sante como Sir Rufus Tennant depois de conhecer o prazer do ato de amor de Nathaniel Thorne!

— Eu tenho certeza de que Sir Rufus irá entender perfei¬tamente.

— De alguma maneira, eu duvido muito disso — murmu¬rou Nathaniel. — Eu nunca vi um homem tão desesperado para capturar as atenções de uma mulher.

— Você está deliberadamente exagerando o interesse dele em mim, a fim de me causar embaraço. — O rosto de Natha¬niel estava vermelho de desgosto.

Não... Nathaniel não achava que estivesse exagerando em relação ao interesse obcecado de Tennant por ela. Na verdade, não acreditava que já tivesse visto um homem tão determi¬nado em sua conquista quanto Tennant estava em conquistar Elizabeth nos últimos dias. Bem, a decisão dela de partir de Devonshire pelo menos a afastaria daquela situação pegajosa desagradável...

— Se você escolhe pensar assim — disse Nathaniel, de ma¬neira sintetizada.

— Eu escolho — afirmou ela com veemência, antes de, mais uma vez, virar-se para sair da sala.

Nathaniel observou-a ir, a expressão pensativa quando se virou a fim de olhar para o fogo. Seu comportamento essa noite não tinha sido apenas imprudente, mas também nem um pouco característico de sua personalidade, a ponto de que teria sido culpa sua se Elizabeth fosse o tipo de mulher que se aproveitaria de uma situação e exigisse que ele se casasse com ela imediatamente. Para o total deleite das pessoas ma-liciosas e fofoqueiras da sociedade, sem dúvida... o conde de Osbourne amarrado num casamento por um jovem lady sem dinheiro ou título!

Ele deveria estar se sentindo tanto aliviado quanto agra¬decido por ter escapado de tal destino, mas, em vez de alívio, descobriu que só podia pensar que Elizabeth classificara o ato de amor deles como sendo vergonhoso.

 

— ... simplesmente não posso entender o que pode ter acon¬tecido com ele! — Uma ansiosa sra. Wilson andava de um lado para o outro no enorme hall de entrada da mansão Hepworth na manhã seguinte, o rosto pálido e enrugado, relevando cada um de seus 43 anos.

Ela estava totalmente justificada em sua aflição, reconhe¬ceu Elizabeth com o coração pesado. Hector tinha sido per¬mitido a sair no jardim por um lacaio, enquanto as ladies e lorde Thorne terminavam o café da manhã, apenas para que o jovem lacaio não encontrasse sinal do pequeno cão quando voltou ao jardim para pegá-lo, somente alguns mi¬nutos depois.

Uma busca extensiva ao redor do terreno da proprieda¬de por diversos dos lacaios e criadas não havia melhorado a situação, até que o mordomo sentira que não tinha escolha senão entrar no salão de café da manhã para informar sua ama do desaparecimento de Hector.

Nathaniel tinha se levantado da mesa imediatamente, or¬denando que seu cavalo fosse selado, então confortara a tia, antes de sair da casa de maneira apressada.

O conde estava fora há mais de uma hora agora, com a sra. Wilson mais aflita a cada minuto que se passava...

Não, com certeza aquele não era o momento ideal para Elizabeth informar a sua empregadora sobre sua decisão de partir naquela manhã. Não o dia para tal anúncio, na verda¬de, uma vez que, sem dúvida, a sra. Wilson ficaria prostrada com alívio quando o pequeno cachorro fosse encontrado.

Se ele fosse encontrado...

O que ninguém até agora mencionara, ou ousaria mencio¬nar na presença da sra. Wilson, eram os penhascos íngremes e rochosos que delimitavam os terrenos da mansão Hepwor¬th. Penhascos que seriam mortais se um cachorro pequeno como Hector caísse de um deles acidentalmente.

E então, por enquanto, Elizabeth estava adiando sua deci¬são de partir, sabendo que não havia possibilidade de aban¬donar a sra. Wilson num momento de necessidade, quando a lady tinha sido tão amável com ela.

Em vez disso, andava pelo hall ao lado da sra. Wilson, ten¬tando tranquilizá-la com palavras de conforto.

— Lorde Thorne o encontrará, eu tenho certeza.

— Mas e se... sim! Sim, é claro que meu querido Nathaniel irá encontrá-lo — falou com determinação a sra. Wilson. — Ele ira retornar em breve, sem duvida, com um Hector envergo¬nhado nos braços.

Era o desejo mais sincero de Elizabeth que esse se provas¬se ser o caso. Ela passara a gostar de Hector naquelas duas úl¬timas semanas, assim como da sra. Wilson; na verdade, não conseguia pensar em um sem o outro.

— Pare de chorar, Letitia! — ralhou a sra. Wilson com sua prima, enquanto Letitia estava sentada numa cadeira ao lado da porta da frente, soluçando num lenço de renda. — Chorar não adianta nada, e está apenas conseguindo deixar seus olhos e nariz excessivamente vermelhos.

— Mas eu me sinto tão responsável. — A mulher mais velha continuou a soluçar de maneira inconsolável. — Eu devia ter ido lá fora com Hector. Devia...

— Não seja ridícula, Letitia. — A sra. Wilson suspirou. — Hector tem seis anos de idade, já ficou nesta casa muitas ve¬zes, e nunca antes se afastou das redondezas quando a porta era aberta para ele, de manhã cedo.

O que era verdade; o lacaio sempre deixava o cachorrinho sair pela manhã, e Elizabeth levava Hector para um passeio mais longo depois que os dois tinham tomado café. O fato de Hector não ter nem retornado para o café da manhã era estranho; o pequeno cão adorava comida quase tanto quanto adorava sua dona.

Elizabeth, depois de ter passado uma noite sem dormir em seu quarto, não tivera apetite para seu desjejum essa ma¬nhã, muito perturbada pelo próprio comportamento com Nathaniel na biblioteca, na noite anterior, para ser capaz de pensar em comer.

Não que houvera alguma evidência daquele incidente per¬turbador no rosto bonito e aparência de Nathaniel, quando ele saboreava os alimentos matinais e bebia diversas xícaras de chá, enquanto conversava calmamente com sua tia sobre conhecidos em comum.

Ele até mesmo falara duas vezes com Elizabeth, uma para comentar que ela parecia pálida naquela manhã, e a outra para pedir que ela lhe passasse o açúcar. A primeira, ela ig¬norara completamente e, na segunda, fizera o que ele pedira sem responder.

A sra. Wilson deu um suspiro trêmulo.

— O que pode estar atrasando Nathaniel?

Presumivelmente, a inabilidade dele de encontrar Hector, Elizabeth pensou com preocupação. O que a sra. Wilson faria se o conde voltasse sem o pequeno cachorro...?

Todas as ladies se viraram ansiosamente em direção à por¬ta, quando uma batida alta soou do outro lado, acompanhada pelo que parecia distintamente o latido familiar de Hector.

 

— Eu simplesmente não posso agradecê-lo o bastante por ter me trazido meu querido Hector ileso, Sir Rufus. — A sra. Wilson sorriu para o cavalheiro em questão sobre o topo da cabeça do cachorrinho, enquanto ela ainda o aninhava nos braços de maneira possessiva, cerca de dez minutos depois que ele tinha retornado para ela.

Nathaniel, tendo acabado de chegar de sua própria busca fracassada por Hector, apenas para encontrá-lo nos braços de sua dona adorada, agora estava de pé, ao lado da lareira apagada, observando a cena acontecendo do outro lado da sala de estar, seu humor pensativo, enquanto as três ladies conversavam e olhavam para o homem mais velho com apro¬vação. Uma aprovação com a qual Tennant estava obviamente se deleitando.

E da qual Nathaniel se ressentia, reconheceu ele com autodesprezo. Isso se devia apenas ao fato de que Elizabeth, enquanto acariciava Hector, estava sorrindo para Tennant...

Ele não sabia ao certo o que o irritava mais... que ela não o estivesse acariciando daquele jeito feliz ou que estivesse sorrindo tão brilhantemente para Tennant, quando não tinha sido capaz de encontrar os olhos de Nathaniel durante o café naquela manhã.

Ressentimento, realmente!

— Foi um prazer, eu lhe asseguro, sra. Wilson — Sir Rufus aceitou o reconhecimento do mérito. — Apenas aconteceu de eu estar cavalgando quando ouvi o cachorro choramingando.

A tia de Nathaniel reprimiu um tremor de horror.

— Meu pobre amorzinho poderia ter ficado preso naquele buraco de coelho por horas, se você não o tivesse encontrado.

Duvidoso, uma vez que Nathaniel estivera a caminho de explorar os bosques, depois de primeiro ter cavalgado pela extensão do penhasco à procura do cachorro travesso, mo¬mento no qual ele, sem dúvida, teria ouvido o choro de Hec¬tor. Mas não fizera isso, e tinha de aceitar que Sir Rufus era o herói da situação.

— Nós realmente estamos em débito com você, Tennant. — Ele fez uma reverência tensa para o outro homem.

— De maneira alguma, Osbourne — o outro homem dis¬pensou a ideia, em tom de voz suave. — Sabendo como a sra. Wilson adora seu animal de estimação, fico apenas contente que esta circunstância infeliz teve um final satisfatório.

— Posso persuadi-lo a tomar chá conosco, Sir Rufus? — A sra. Wilson sorriu para ele.

— Infelizmente, negócios da propriedade exigem que eu esteja em casa hoje — recusou ele com tristeza. — Mas eu vol¬tarei esta tarde, a fim de apanhar a srta. Thompson para nos¬so passeio de carruagem. — Sir Rufus sorriu para Elizabeth de um jeito tão possessivo que Nathaniel precisou cerrar os dentes para se impedir de fazer um comentário sarcástico. Na verdade, ele tinha decidido durante a noite, enquanto mais uma vez se virava de um lado para o outro na cama, incapaz de dormir depois da conclusão insatisfatória de seu encontro com Elizabeth na biblioteca, que a única coisa posi¬tiva sobre a decisão dela de deixar a mansão Hepworth hoje era que, embora aquilo a estivesse levando para longe dele, também a estaria removendo das atenções mais do que ób¬vias de Tennant.

— Eu estarei esperando ansiosamente, Sir Rufus — res¬pondeu Elizabeth para o outro homem.

O semblante de Nathaniel fechou.

— Mas eu pensei...

— Sim? — Elizabeth virou-se para ele, o brilho nos olhos azuis avisando Nathaniel para não levantar o assunto de sua partida.

Isso significava que ela mudara de ideia e pretendia ficar, afinal de contas? Possivelmente porque a preocupação da sra. Wilson com Hector naquela manhã tornara o momento nada oportuno para Elizabeth informá-la de sua decisão de partir? Ou ela havia mudado de ideia porque o resgate de Tennant do pequeno cão agora significava que ela o via de uma forma mais amável do que antes?

Essa era uma possibilidade que não agradava nem um pouco a Nathaniel.

— Acredito que pode chover hoje, mais tarde — murmu¬rou ele, em vez de fazer seu comentário pretendido.

— Tenho certeza de que Sir Rufus possui uma carruagem apropriada, se esse se provar ser o caso — replicou Elizabeth, e deu as costas para o conde taciturno.

Ora, Nathaniel Thorne não tinha noção do estado emocional da tia? De forma alguma ela iria se demitir hoje e arriscar aborrecer ainda mais a sra. Wilson, quando já passara por um nervosismo tão grande!

Ela achava irônico o fato de Sir Rufus ter sido o salvador do cachorro. Na verdade, considerando a opinião menos do que favorável do homem em relação a Hector, o resgate que ele fizera do pequeno cão era duplamente admirável.

Todavia, Hector não parecia muito agradecido por tal res¬gate, uma vez que rosnou para Sir Rufus quando o cavalheiro se aproximou para se inclinar sobre a mão da sra. Wilson an¬tes de ir embora!

— Eu peço desculpas pela falta de modos de Hector, Sir Rufus. — A sra. Wilson ficou sem graça quando Sir Rufus re¬cuou, alarmado. — Que ingratidão de sua parte, Hector! — Ela franziu o cenho, em desaprovação, para seu cachorro en¬quanto se levantava para colocar o cão, ainda rosnando, nos braços de Elizabeth. — Talvez você possa levar Hector ao sa¬lão, e dar-lhe um banho, depois dá aventura dele?

— É claro. — Elizabeth virou-se para fazer uma breve cor¬tesia ao salvador de Hector. — Eu o verei esta tarde, Sir Rufus.

— Eu estarei aqui às 15h em ponto — ele lhe assegurou, calorosamente.

— Eu acompanharei nosso visitante até lá fora, tia. — Na¬thaniel afastou-se da lareira para acompanhar o outro ho¬mem ao longo do imenso hall. — Você prestou um grande favor para minha tia hoje, Tennant — murmurou ele com re¬lutância.

— Eu fiquei feliz em ajudar. — A expressão do homem era amigável quando eles saíram da casa.

Nathaniel assentiu com um breve gesto da cabeça quando um dos cavalariços ajudou Sir Rufus a montar seu cavalo.

— Eu acredito que, considerando as circunstâncias, você não deveria manter a srta. Thompson muito tempo longe de sua empregadora esta tarde?

Sir Rufus o olhou sob a aba de seu chapéu.

— Eu notei que você parece ter um... grande interesse pelo bem-estar da srta. Thompson.

A expressão de Nathaniel permaneceu imutável diante da¬quela acusação desafiadora.

— Como um membro da casa de minha tia, Elizabeth na¬turalmente está sob minha responsabilidade.

— Com a indulgente sra. Wilson, sem dúvida, agindo como protetora dela dentro desta casa? — o outro homem falou em tom irônico.

Nathaniel respirou fundo com o óbvio insulto. Talvez um me¬recido, considerando o próprio comportamento nada cavalhei¬resco com Elizabeth na noite anterior, mas de qualquer forma...

— O que você está sugerindo exatamente, Tennant?

— Nada, Osbourne. — Sir Rufus deu um sorriso que não alcançou os olhos azuis gelados. — Exceto que você é um feli¬zardo em ter uma tia tão generosa quanto a sra. Wilson.

E a sugestão do homem, apesar de não declarada, era óbvia.

— Acho que é melhor se eu lhe desejar um bom-dia, Sir Rufus. — O olhar de Nathaniel foi tão gelado quanto o que recebeu.

— Até esta tarde. — O homem mais velho inclinou a cabeça numa despedida, antes de puxar as rédeas de seu cavalo para virar-se e partir cavalgando.

Nathaniel permaneceu mais um pouco do lado de fora, observando, até que o outro homem desapareceu de visão, os pensamentos tão sombrios quanto a fisionomia fechada, sua desconfiança de Tennant — apesar de ele ter resgatado Hector — tendo aumentado durante aqueles últimos minutos de conversa. O fato de que o outro homem ainda suspeitava de Nathaniel ter intenções menos do que honráveis em relação à Elizabeth havia ficado muito claro para ele.

Intenções que Nathaniel seria pressionado a negar depois de fazer amor com Elizabeth, e encorajá-la a fazer amor com ele em retorno, na noite anterior.

 

— O que aconteceu?

Elizabeth respirou fundo para se acalmar, antes que olhas¬se para cima, após espalhar unguento na pata dianteira de Hector, seguido do banho dele diante do fogo. Esperou que sua expressão fosse de desinteresse frio, ao ver Nathaniel pa¬rado perto da porta do pequeno salão.

— Hector arranhou a pata em sua aventura para dentro do buraco do coelho. — Ela gentilmente envolveu o cachorrinho numa toalha morna.

— Verdade? — O conde adentrou a sala em pernas longas e graciosas envoltas em calça bege e botas marrons de cano alto. — Como será que isso ocorreu?

— Sem dúvida, nos esforços dele de escapar do confinamento. — Elizabeth segurou o cachorro à sua frente de ma¬neira protetora.

Nathaniel deu um sorriso lastimoso.

— Ele não pareceu muito agradecido pelos esforços de Sir Rufus, mais cedo.

— Não, ele não pareceu. — Ela fez uma careta. — O que foi uma infelicidade, considerando que Sir Rufus não se sente muito confortável na companhia de cães.

O conde arqueou sobrancelhas douradas.

— Verdade?

— Uma experiência ruim quando ele era criança, pare¬ce. — Pelo menos, Elizabeth achava que ele tinha sido criança na época. Naquele momento, estava muito consciente das in¬timidades que havia compartilhado com Nathaniel na noite anterior para ser capaz de lembrar exatamente o que Sir Rufus falara sobre o incidente. De beijar Nathaniel. De tocá-lo de um jeito que a fazia enrubescer somente em pensar sobre isso!

Apesar da preocupação pelo desaparecimento de Hector naquela manhã, Elizabeth sabia que pensara em pouca coisa, exceto em Nathaniel, desde que deixara a presença dele na noite anterior. Não tivera ideia, por exemplo, de como a exci¬tação de um homem podia ser linda, tanto para olhar quanto para tocar. Longa, grossa e firme, entretanto tão suavemente aveludada ao toque. Também não imaginara que teria um gosto delicioso. Um sabor viciante que, apesar de horas terem se passado, ela ainda podia sentir em sua língua...

— Não parece um arranhão.

A atenção de Elizabeth voltou para o homem de seus pensamentos atuais, a respiração ficando presa na garganta quando ele parou ao seu lado, a fim de examinar a pata fron¬tal de Hector. Tão perto que ela podia sentir o calor do corpo másculo, e ver os longos cílios dourados tocando as maçãs esculpidas do rosto.

— O que você quer dizer? — Elizabeth também examinou a pata de Hector, notando, pela primeira vez, que a pele pare¬cia arranhada em volta de um pequeno corte. — Sem dúvida, ele se enroscou em algum arbusto ou algo assim, antes de ficar preso no buraco do coelho. — Ela sorriu para o peque¬no cão sonolento, enquanto ele se deitava confortavelmente em seus braços. — Fora isso, ele parece não ter sofrido em sua escapada.

— E quanto a você, Elizabeth? — O olhar de Nathaniel se estreitou no bonito rosto rosado, notando as leves som¬bras sob os profundos olhos azuis que não encontravam os seus... causadas por uma falta de sono similar na noite ante¬rior, talvez? — Também não sofreu em sua escapada de ontem à noite, Elizabeth? — perguntou ele com a voz rouca.

Os cílios escuros se ergueram, então rapidamente volta¬ram a baixar, depois que ela lhe deu um olhar penetrante.

— Acredito que, quanto menos falarmos sobre ontem à noite, melhor! — Seu tom de voz era irritadiço.

A boca de Nathaniel se afinou com desprazer.

— E a razão para a óbvia mudança em seus planos de ir embora daqui hoje?

Ela se moveu para colocar Hector, agora dormindo, em sua cesta ao lado do fogo.

— Eu não poderia arriscar aborrecer ainda mais a sra. Wilson, informando-a de minha partida iminente. — Ela en¬direitou o corpo, o olhar muito direto. — A menos, é claro, que você tenha dito alguma coisa, em cujo caso...

— Eu não disse nada, Elizabeth. — O tom de voz de Natha¬niel revelava a própria impaciência com a situação. — Foi de¬cisão sua ir embora daqui, não minha.

— Porque a situação se tornou intolerável. — Elizabeth não acrescentou que o motivo era o ato de amor deles na noite an¬terior, mas, mesmo assim, ele ouviu tal declaração no tom de voz monótono dela.

O maxilar de Nathaniel enrijeceu.

— Acha que encorajar os avanços de Tennant tornará a si¬tuação mais suportável para você?

— E claro que não. — Elizabeth o fitou com impaciência. — E eu não considero um passeio de carruagem um encoraja¬mento para ele. Ter de continuar aqui por mais um ou dois dias, e a bravura de Sir Rufus ao resgatar Hector nesta ma¬nhã, significaram que eu não poderia recusar a companhia dele esta tarde. — Ela fungou de maneira desafiante. — Além do mais, eu estou tão grata a Sir Rufus quanto a sra. Wilson, por ter trazido Hector seguramente de volta para nós.

Uma ocorrência que o cavalheiro em questão estivera saboreando minutos atrás, reconheceu Nathaniel, enquanto sua frustração pelo ar de autossatisfação de Tennant aumen¬tava. Ao mesmo tempo, percebia que, naquele momento, es¬tava se comportando como um jovem idiota da sociedade, ressentido pelo fato de que outro homem ousara se aproxi¬mar da mulher em quem ele estava interessado.

Nathaniel não podia negar que se sentia profundamente atraído por Elizabeth... como demonstrara claramente atra¬vés de suas respostas a ela na noite anterior. Mas a própria falta de controle durante o ato de amor deles não lhe dava o direito de protestar o fato de que outro homem tinha o mes¬mo interesse nela. Mesmo se, naquele exato momento, sentis¬se vontade de estrangulá-lo.

Olhou para Elizabeth agora.

— Eu acho que seria aconselhável que você levasse uma das criadas de minha tia para agir como sua dama de com¬panhia, esta tarde.

Ela ergueu o queixo de modo desafiador.

— Para minha proteção ou para a proteção de Sir Rufus?

O maxilar de Nathaniel enrijeceu.

— Para a sua, é claro.

Elizabeth inclinou a cabeça para um dos lados.

— Se você sente que isso é necessário...

— Eu sinto.

Elizabeth tinha achado toda aquela conversa dolorosa. Eles eram amantes — a sensibilidade de seus seios naquela manhã atestara isso! — e, ao mesmo tempo, não eram. Estranhos, en¬tretanto, também não eram. Na verdade, ela não tinha mais a menor ideia do que eles eram! Também não queria saber. Seus planos de ir embora da mansão Hepworth haviam sido adia¬dos apenas temporariamente, não abandonados por completo.

— Há mais alguma coisa que você deseja discutir comigo, milorde? Se não houver — continuou ela firmemente, quando os olhos dele brilharam seu desprazer pela formalidade —, acho que irei me juntar mais uma vez a sra. Wilson, na sala de estar.

— É claro. — Ele assentiu com um breve gesto da cabeça.

Aquela dispensa não impediu Elizabeth de estar totalmen¬te ciente do olhar fixo dele em suas costas e ombros rígidos enquanto ela saía do salão. Ela somente relaxou a postura de¬fensiva uma vez que estava do lado de fora, no hall de entra¬da, exalando a respiração num suspiro trêmulo no momento em que se inclinou, com fraqueza, contra a parede fria.

Chamara a situação entre ela e Nathaniel de intolerável, mas era muito pior que isso. Ela aparentemente achava im¬possível lidar com a função natural de respirar quando esta¬va na companhia dele...

 

— Depois de nossas discussões sobre o assunto no jantar da outra noite, eu pensei que, após nosso passeio, talvez você quisesse ver as rosas na minha estufa, em Gifford House?

A previsão de chuva feita por Nathaniel mais cedo naquela manhã não se provara verdadeira, permitindo que Sir Rufus levasse Elizabeth numa carruagem aberta, que ele mesmo conduzia. Elizabeth estava sentada ao lado dele, com a criada da sra. Wilson e o cavalariço de Sir Rufus sentados menos confortavelmente na parte de trás.

Tinha sido um alívio para Elizabeth aproveitar a oportu¬nidade para escapar da atmosfera claustrofóbica que agora a rodeava na mansão Hepworth; suas faces estavam coradas e seus olhos brilhavam em apreciação à linda e fresca tarde de maio.

— Eu gostaria muito disso, Sir Rufus — disse ela, tão ali¬viada por estar ao ar livre, longe da presença perturbadora de Nathaniel Thorne, que nem se importou se uma visita à estufa envolvia outro discurso sobre os méritos de estrume de cavalo como fertilizante para aquelas rosas!

Sir Rufus pareceu satisfeito com sua resposta.

— Você não ficará desapontada, eu lhe asseguro.

Elizabeth não estava predisposta a ficar nem um pouco desapontada. Na verdade, ela havia conseguido se livrar com¬pletamente de suas dúvidas anteriores sobre Sir Rufus após ele ter resgatado Hector naquela manhã, e aceitado agora que, talvez, ele fosse apenas um homem que não se sentia à vontade na sociedade. O que não era um defeito de caráter, pensou, apenas uma inaptidão criada pela falta de comuni¬cação com outras pessoas.

Ele certamente parecia amigável o bastante naquela tarde, enquanto apontava os pontos turísticos durante o trajeto da carruagem, o cenário espetacular sendo outro bálsamo para os nervos alterados de Elizabeth. Tanto que, no momento em que eles adentraram os terrenos de Gifford House, ela esta¬va se sentindo relaxada o bastante na companhia dele para pensar em introduzir o assunto do irmão mais novo de Sir Rufus. O motivo verdadeiro, afinal de contas, pelo qual acei¬tara aquele convite.

— Esta é uma casa tão grande para você morar sozinho, Sir Rufus. — Ela olhou com admiração para a casa de três an¬dares belamente situada, enquanto ele a ajudava a descer no caminho de cascalho.

— Ultimamente eu comecei a ter esperanças de que este pode não ser sempre o caso. — Ele enganchou a mão no braço dela, de maneira possessiva, antes que eles subissem os de¬graus para a porta da frente.

Ah. Em sua ansiedade para abordar o assunto de Giles Tennant, Elizabeth não pensara em que interpretação Sir Rufus po¬deria dar a tal observação. Fitou-o com inocentes olhos azuis.

— Talvez você esteja pretendendo receber sua família para uma estada no verão?

Ele lhe deu um olhar de reprovação.

— Acredito que eu já lhe disse que não tenho família.

— É claro que disse. — Elizabeth deu uma risada falsa, grata pela presença da criada da sra. Wilson, seguindo a uma distân¬cia segura atrás deles. — Que lindo hall de entrada! — anunciou ela, sem muita sinceridade quando eles adentraram a casa para parar num hall não tão imenso quanto o da mansão Hepworth, e que parecia ser um lugar muito mais frio.

Na verdade, Elizabeth não gostava nem um pouco do hall, com um piso muito escuro no chão e cabeças de veados embalsamados nas paredes... sem dúvida, animais caçados pelo próprio Sir Rufus, durante suas cavalgadas pelos bos¬ques e campos da região. Embora Elizabeth soubesse que caça era uma atividade normal da vida no campo, sempre se sentira grata que seu pai não escolhera levar troféus como esses para casa, de suas próprias excursões para caçar.

— Talvez nós devêssemos ir diretamente para a estufa? — sugeriu ela, ansiosa para escapar dos olhares vidrados da¬quelas cabeças embalsamadas nas paredes.

Sir Rufus arqueou sobrancelhas escuras, enquanto entre¬gava seu chapéu e bengala para o mordomo.

— Você não prefere tomar um chá antes?

Talvez chá espantasse o frio que Elizabeth estava sentindo agora, mas não se a sala de estar também tivesse aqueles tro¬féus desagradáveis dispostos em suas paredes.

— Acho que eu estou muito ansiosa para ver a beleza de suas rosas para me importar com chá agora. — Ela não fez es¬forço para remover o próprio chapéu e casaco, o frio da casa parecendo penetrar seus ossos, depois do calor do sol do lado de fora.

Sir Rufus sorriu em aprovação.

— Então é isso que nós faremos! — O sorriso desapareceu quando ele olhou para a criada que ainda os acompanha¬va. — Você pode ir para a cozinha com Campbell.

Annie pareceu incerta com a sugestão, fazendo Elizabeth imaginar se Nathaniel tinha dado instruções à garota para que ela não saísse do lado dela durante todo o passeio com Sir Rufus. Elizabeth não duvidava que o conde fosse arrogan¬te o bastante para fazer isso!

— Vá, garota — exclamou Sir Rufus, mostrando sua im¬paciência com a hesitação de Annie. — Nós tocaremos o sino para chamá-la quando estiver na hora de a srta. Thompson ir embora.

A criada deu um último olhar demorado para Elizabeth, antes de se virar para seguir o mordomo pela porta que le¬vava à escada que descia para a cozinha nos fundos da casa.

Assim, Elizabeth ficou completamente sozinha na compa¬nhia de Sir Rufus Tennant.

 

Nathaniel não pretendera cavalgar em nenhum lugar per¬to de Gifford House quando saiu naquela tarde. Todavia, era exatamente onde agora se encontrava, montado em Midnight, puxando as rédeas a fim de parar o cavalo no fim do caminho de acesso que levava à residência austera de três andares. Ele fez uma carranca ao ver a carruagem aberta parada na frente da casa, juntamente com um cocheiro, indicando que Ten¬nant e Elizabeth estavam em algum lugar do lado de dentro. Com Elizabeth, sem duvida, deleitando-se com a óbvia admi¬ração de Tennant por ela...

Estava sendo injusto agora, Nathaniel reconheceu, mal-humorado. Sir Rufus tinha tanto direito a mostrar seu interesse por Elizabeth quanto qualquer outro homem. O interlúdio dos dois na noite anterior certamente não dava a Nathaniel o direito de exclusividade no que dizia respeito à lady em questão, especialmente quando ele não podia ver fu¬turo naquilo. Além do mais, Tennant — maldito! — se provara ser o herói do dia.

Sim, era muito provável que Elizabeth não achasse mais Sir Rufus tão tedioso quanto um dia achara, e estivesse, nesse instante, dando aqueles sorrisos lindos e brilhantes para o outro homem, enquanto ele, orgulhosamente, lhe mostrava sua casa.

Uma casa que Nathaniel estava começando a suspeitar que o outro homem pretendia compartilhar com Elizabeth.

 

— Quanto trabalho você teve, Sir Rufus! — Elizabeth pare¬cia verdadeiramente impressionada com as numerosas flores espalhadas na vasta estufa, anexada a Gifford House. Assim como estava aliviada pelo calor do lado de dentro do prédio de vidro, seguindo o frio que sentira dentro de Gifford House.

— Eu gosto de cultivar rosas desde que era criança — o ca¬valheiro anunciou orgulhosamente, enquanto eles andavam pelos caminhos entre dúzias de rosas coloridas e fragrantes.

— Um hobby interessante, com certeza. — Elizabeth assen¬tiu educadamente.

— Eu acredito que isso tenha se tornado mais uma obses¬são do que um hobby — admitiu Sir Rufus. — Na verdade, foi meu desejo de uma vida inteira produzir uma flor original.

— E você conseguiu? — Tendo recebido uma amostra das rosas Purity apenas dois dias atrás, Elizabeth estava ansiosa para distrair a atenção de Sir Rufus.

— Sim, eu consegui — confirmou o cavalheiro, enquanto conduzia o caminho para o fim da estufa, onde uma rosa crescia em esplendor, isolada das outras.

Era realmente uma linda flor, reconheceu Elizabeth: uma rosa enorme cor de creme, tingida com toques de cor de pês¬sego nas pontas das pétalas, e exalando um perfume forte, no momento em que Elizabeth inclinou-se para admirá-la.

— E que nome você deu para sua rosa, Sir Rufus?

— Nenhum, por enquanto. Eu, uma vez, pensei em chamá-la de “Inocência de Harriet” — acrescentou ele, franzindo o cenho. — Mas, agora que finalmente consegui produzi-la, eu não tenho mais certeza... — Sir Rufus a olhou com tanta in¬tensidade que Elizabeth se sentiu desconfortável.

Tão desconfortável que, por alguns momentos, perdeu o significado do nome original que Sir Rufus escolhera para sua rosa.

Harriet...

O nome da mãe de Elizabeth. Isso podia ser uma coinci¬dência?

 

Nathaniel não tinha a menor ideia do que estava fazendo, à porta da frente de Gifford House, o chicote do cavalo ba¬tendo impacientemente em uma de suas pernas musculosas, enquanto ele esperava que o mordomo abrisse a porta, em resposta à sua batida.

A atitude certa teria sido continuar sua cavalgada, de volta para a mansão Hepworth. Exceto que Nathaniel descobriu que não podia. Não gostara da ideia de Elizabeth saindo na carrua¬gem com Tennant naquela tarde, em primeiro lugar. E, agora, Nathaniel considerava altamente impróprio o fato de que o ca¬valheiro em questão a levara para dentro de sua casa, na com¬panhia apenas de uma das jovens criadas da sra. Wilson.

Pelo menos, tinha sido isso que ele dissera a si mesmo quando instigara Midnight para um galope ao longo do ca¬minho de acesso à propriedade, antes de entregar as rédeas para o cavalariço e desmontar para subir correndo os de¬graus da frente. Nathaniel decidiu que qualquer análise em sua alma para descobrir seus motivos poderia esperar até depois que ele retornasse com Elizabeth para a segurança da mansão Hepworth da sra. Wilson.

 

Elizabeth endireitou o corpo lentamente, confusa quanto ao significado da escolha original de Sir Rufus do nome de sua rosa. Ou talvez aquilo não tivesse significado algum?

Ela ainda não sabia se Giles Tennant tinha ou não sido o cavalheiro com quem sua mãe fugira de Londres. Mas certa¬mente Sir Rufus nunca teria pensado em nomear sua rosa em homenagem à mulher responsável pela desgraça e suicídio do irmão...?

Não, isso não faria o menor sentido, percebeu Elizabeth com pesar, significando que ela deveria estar enganada o tempo inteiro, que não havia mistério, afinal de contas, atado à morte de Giles Tennant, que estivesse relacionado aos Copeland de alguma maneira.

Todavia, nenhum desses fatos mudava o jeito cobiçoso com o qual Sir Rufus a estava olhando agora!

Atrasadamente, Elizabeth percebeu que não deveria ter concordado em ir à estufa sozinha com ele, e que, ao fazer isso, havia se colocado numa posição de vulnerabilidade. Talvez Sir Rufus estivesse inclinado a acreditar que ela cor¬respondia às suas atenções.

Ela deu um passo ao lado, distanciando-se.

— Acho que está na hora de eu voltar para a mansão Hepworth, Sir Rufus — anunciou ela, rapidamente. — A sra. Wilson ficará... Sir Rufus...! — Elizabeth arfou em protesto ao se encontrar subitamente puxada para os braços do ca¬valheiro e esmagada contra o peito dele, enquanto ele dava diversos beijos em seu rosto. — Sir Rufus, pare com isto ime¬diatamente!

— Você é tão linda, Elizabeth! — Ele continuou segurando-a com firmeza em seus braços, enquanto lhe beijava o pesco¬ço e as orelhas, entortando o chapéu dela no processo. — Tão inocente. Tão...

— Sir Rufus, por favor! — Elizabeth tentou lutar contra a força musculosa dos ombros dele, apenas para se descobrir aprisionada por braços de aço que a envolviam, e agora a pressionavam tão perto que era impossível que ela se mexes¬se. — Você... — Seu protesto foi silenciado quando Sir Rufus cobriu-lhe os lábios com os seus.

Foi um beijo totalmente diferente daqueles que Elizabeth compartilhara com Nathaniel, e não lhe proporcionou o mes¬mo prazer, em absoluto. Os lábios de Sir Rufus, excessiva¬mente molhados, também eram rígidos e exigentes sobre os seus, quando ele a inclinou em seus braços, beijando-a com uma insistência que quase lhe causava dor. Ela...

— Talvez eu tenha chegado numa hora inconveniente? — Não havia engano no tom duro da voz que era normalmente agradável.

Todavia, Sir Rufus pareceu inconsciente da presença do conde, pois continuou beijando-a com fervor, de uma manei¬ra que Elizabeth achava desprazerosa, na melhor das hipóte¬ses, e nauseante, na pior. Na verdade, se Sir Rufus não parasse com aquele assalto nos próximos momentos, ela temeu que fosse forçada a desmaiar, pela primeira vez na vida!

— Tennant!

O tom agudo da voz de Nathaniel finalmente pareceu per¬mear qualquer onda de paixão na qual Sir Rufus estivera perdido, os olhos azuis tempestuosos quando ele levantou a cabeça a fim de olhar brevemente para Elizabeth, e abraçá-la de modo possessivo do seu lado, antes de olhar para o homem parado mais adiante, na estufa.

— Como você ousa entrar aqui sem ser convidado? — de¬mandou ele, furiosamente.

— Seu mordomo, sem dúvida, teria me anunciado se você não estivesse... ocupado com outra coisa no momento. — Olhos castanhos gelados percorreram o homem mais velho com expressão desdenhosa. — Assim, eu achei melhor dispensá-lo e anunciar a mim mesmo. — Aquele olhar gelado agora se voltou para Elizabeth, ela tendo finalmente conseguido se libertar do confinamento dos braços de Sir Rufus, e se afas¬tado dele.

Ela podia apenas imaginar que impressão aquela cena deveria ter dado a Nathaniel quando ele entrou na estufa, Elizabeth não precisava de um espelho para saber que seu chapéu estava completamente torto na cabeça, seus cachos, desalinhados, seus olhos brilhando com lágrimas não derra¬madas, suas faces, rubras, e seus lábios provavelmente incha¬dos e machucados.

Se isso não bastasse, o desgosto que ela podia ver no sem¬blante de Nathaniel claramente mostrava que ele achava que ela havia encorajado os avanços de Sir Rufus!

A onda de náusea de Elizabeth retornou.

— Milorde...

— Eu lhe darei todas as oportunidades para se explicar mais tarde, Elizabeth — interrompeu Nathaniel entre dentes cerrados, antes de voltar a força de sua raiva para Sir Rufus. — Enquanto isso, eu pegarei sua carruagem emprestada, Sir Rufus, a fim de levar Elizabeth de volta para a mansão

Hepworth. Seu cocheiro a retornará mais tarde.

— Escute aqui...

— Eu lhe aconselho... a menos que você deseje que eu o desafie aqui e agora... que não tente discutir o ponto, Tennant. — Nathaniel estava tão furioso que corria o risco de fechar a curta distância que os separava e dar um bom uso para as horas que ele passara praticando no ringue, e pelas quais tinha grande reputação entre os cavalheiros da sociedade.

Um fato do qual Tennant também estava ciente, se a pali¬dez de seu rosto fosse alguma indicação.

— A luta de duelos é proibida pela família real — respon¬deu ele.

Nathaniel deu um sorriso sem humor.

— Nesse caso, que bom que não há nenhum membro da família real aqui neste momento para testemunhar o duelo, não é?

— Nathaniel...

— Eu sugeri que você espere até mais tarde para se ex¬plicar, Elizabeth. — A suavidade no tom de voz dele era to¬talmente anulada pela expressão de ira nos olhos que, mais uma vez, a percorriam com desdém.

— Mas...

— Você ficará em silêncio! — Nathaniel estava tão zanga¬do... com Elizabeth, pela sua ingenuidade em se colocar na¬quela posição tênue, e com Tennant, por ter se aproveitado de tal inexperiência... que corria o sério risco de perder o restava de sua compostura.

Alguma coisa que jamais ocorrera.

Como filho único de pais amáveis, Nathaniel sabia que tinha sido obstinado durante sua juventude, com um tempera mento difícil. Depois do choque da morte de seus pais, e sua convivência com seu o arrogante e autoconfiante tio Bastian, assim como com Gabriel Faulkner e Dominic Vaughn, ele aprendera a controlar aquele comportamento voluntarioso, e a se comportar, na maioria das ocasiões, com a mesma indiferença de seus dois melhores amigos. Ver Elizabeth nos braços de Tennant, beijada ardentemente pelo outro homem, tinha penetrado seu controle gelado com tanta força que ele ansiava bater em Tennant até deixá-lo estendido no chão, antes de chacoalhar Elizabeth até que os dentes dela batessem uns nos outros. Ou fazer amor com ela de forma tão apaixonada!

O que ele não poderia fazer.

— Vamos, Elizabeth — instruiu Nathaniel em tom de voz autoritário, esperando até que ela tivesse, hesitantemente, atravessado a pequena distância para seu lado, então lhe se¬gurando o braço com firmeza, antes que voltasse a atenção para o outro homem.

— Será melhor para todos os envolvidos que você não apa¬reça mais na mansão Hepworth, até que eu tenha ido embora de lá.

Os olhos de Sir Rufus se estreitaram.

— Eu não levo a sério ameaças de sujeitos libertinos como você!

Elizabeth respirou fundo, sabendo, pela súbita imobilidade de Nathaniel, que o outro homem tinha acabado de cruzar uma linha e lançado mão de um insulto que Nathaniel não poderia ignorar.

Não que ela não gostasse da ideia de ver Sir Rufus apa¬nhando um pouco, depois do jeito como ele a manipulara apenas minutos atrás, mas não queria arriscar que Nathaniel sofresse qualquer dano, social ou físico. Socialmente, ele corria o risco de ser banido da sociedade por ordem da família real, por ter provocado um duelo. E fisicamente... Uma única olhada para os músculos tensos sob o casaco preto de Nathaniel, e a estrutura flexível do resto do corpo, foi o bastante para lhe dizer que ele era mais do que capaz de vencer o ho¬mem mais velho em qualquer demonstração de força física, mesmo com seus machucados ainda em fase de cicatrização.

No entanto, Elizabeth sabia que sua ida para a estufa com Sir Rufus era diretamente responsável pela situação tensa que agora existia entre os dois homens.

— Podemos apenas ir embora, Nathaniel? Por favor? — Ela se virou para olhá-lo com uma fisionomia suplicante. — Eu não estou me sentindo nada bem — acrescentou para enco¬rajá-lo.

Por mais alguns segundos tensos, ela temeu que suas sú¬plicas não fossem ouvidas, enquanto os dois homens se entreolhavam com raiva, então sentiu um pouco da tensão se aliviar do corpo de Nathaniel, quando os dedos dele afrou¬xaram o aperto em seu braço, e ele respirou fundo, como se para se controlar, antes de se dirigir ao outro homem com desprezo.

— Assim como eu não levo a sério um insulto vindo de um homem que tenta seduzir uma jovem lady desprotegida!

Aqueles olhos azul-claros continuaram a encontrar o de¬safio nos olhos castanhos de Nathaniel por vários segundos, fazendo Elizabeth temer que a observação desdenhosa do conde tivesse apenas acrescentado lenha à fogueira.

Até que os olhos azul-claros de Sir Rufus se voltaram para ela, tornando-se mais suaves, quase suplicantes.

— Eu peço perdão, Elizabeth, se minhas ações de minutos atrás... assustaram você. Eu não devia ter permitido me tornar tão movido por sua beleza que esqueci sua inocência. — Ele fez uma reverência profunda para se desculpar.

Era um pedido de desculpas que não fazia nada para dissipar a repulsa que ela agora sentia diante da memória daqueles lábios molhados e exigentes sobre os seus, de se sentir presa e impotente no abraço quase violento, enquanto ele in vestia contra sua boca com uma rudeza que fez o estômago de Elizabeth se revolver só de pensar naquilo.

Mas tais lembranças não tinham lugar numa situação que ainda era tão tensa, com o perigo em potencial de um duelo ilegal acontecendo por sua causa.

— Desculpas aceitas, Sir Rufus — disse ela friamente, antes de se virar para, mais uma vez, olhar de modo suplicante para Nathaniel. — Podemos ir embora agora, por favor, milorde?

Nathaniel ainda estava lutando com a necessidade inter¬na que sentia de bater muito no outro homem, e apreciar cada momento do sofrimento de Sir Rufus, por ele ter ou¬sado até mesmo tocar em Elizabeth, e mais ainda por tê-la beijado!

Em vez disso, olhou para o outro homem com frieza, quan¬do repetiu a declaração que tinha feito antes:

— Sua carruagem e seu cocheiro serão devolvidos para você mais tarde.

Nathaniel manteve um aperto firme no braço de Elizabeth enquanto voltava a entrar na casa, passando pelo hall escuro e saindo para o ar fresco e revigorante da primavera, respi¬rando fundo diversas vezes, antes de se aproximar da carru¬agem, que estava pronta, sobre o pátio com piso de cascalho.

— Amarre meu cavalo atrás da carruagem e suba, ho¬mem — ele instruiu o cocheiro, então ajudou Elizabeth a subir seguramente, antes de fazer o mesmo, sentar-se ao seu lado e pegar as rédeas. — Nem uma única palavra até que estejamos seguros e na privacidade da mansão Hepworth — avisou ele entre dentes cerrados, no momento em que Elizabeth virou-se no assento com a óbvia intenção de lhe falar. Nathaniel estava muito ciente do cocheiro sentado atrás deles, se Elizabeth não estivesse.

Ela pareceu confusa, antes de franzir õ cenho.

— Mas e quanto à criada da sra. Wilson?

— Não é um pouco tarde demais para você ter se lembrado da existência da jovem lady? — perguntou Nathaniel, mesmo quando puxou as rédeas de modo abrupto e virou-se para o cocheiro. — Vá buscar a criada — ordenou ele.

— Ela está na cozinha — acrescentou Elizabeth, esperando até que o jovem cocheiro tivesse corrido para dentro da casa, antes de voltar-se para Nathaniel. — A situação que você tes¬temunhou há pouco não é o que pareceu, milorde.

— Não? — Ele a olhou com expressão arrogante. — Parece-me que você é uma jovem que tem o hábito de se envolver em “situações” inconvenientes, Elizabeth. Ou talvez seja o que eu uma vez sugeri, e você esteja fazendo o possível para procu¬rar uma proposta de casamento, de Tennant ou minha?

Nathaniel pretendera magoar, e obteve sucesso. Elizabeth deu um suspiro trêmulo diante do lembrete doloroso de seu comportamento devasso nos braços dele na noite anterior, percebendo que aquilo a deixava indefesa na cena que Na¬thaniel tinha acabado de interromper.

Declarar que sua resposta irrefreável ao ato de amor de Nathaniel se devera aos seus sentimentos, os quais ela não ousara admitir nem para. si mesma, apenas a faria parecer mais ridícula, e a deixaria aberta para a rejeição dele.

Nathaniel era diferente de qualquer homem que Eliza¬beth já conhecera. Certamente, ela não poderia ter achado um homem como Sir Rufus nem um pouco atraente, de¬pois de conhecer os beijos e as carícias íntimas de Nathaniel Thorne!

— Você está sendo injusto, Nathaniel — falou ela, em tom de voz emocionado.

— Se eu estiver, então você terá muitas oportunidade para desafiar essa injustiça, uma vez que nos encontrarmos na segurança da mansão Hepworth — ele a tranquilizou, quando o cocheiro felizmente voltou com a criada naquele momento, e os dois subiram na parte traseira da carruagem permitindo que Nathaniel instigasse os cavalos, de modo que eles partissem.

Houve silêncio na carruagem por diversos minutos, até que Elizabeth falou num tom de voz baixo, para que somente ele ouvisse:

— Você... pretende contar para a sra. Wilson sobre esta... situação lamentável?

— Creio que eu terei de dizer alguma coisa a ela. Do contrário, minha tia irá se perguntar por que um de seus vizi¬nhos mais próximos, o homem que nesta mesma manhã resgatou seu “amado Hector”, decidiu subitamente desapa¬recer de sua casa — replicou ele, no mesmo tom baixo de voz.

Elizabeth mordeu o lábio inferior antes de falar nova¬mente:

— Acredita que o Sir Rufus seguirá seu conselho e não aparecerá mais na mansão Hepworth, enquanto você estiver aqui?

Era alívio ou desapontamento que ele ouvia na voz dela?

Ou talvez apenas curiosidade mórbida? Elizabeth era romântica o bastante, ingênua o bastante para gostar da ideia de dois homens duelando por sua honra?

— Já está sofrendo pela separação de seu admirador de meia-idade, Elizabeth?

As faces dela se tornaram ainda mais pálidas.

— Você deveria saber que não.

— Eu deveria?

Ela respirou fundo.

— Sim.

Nathaniel suspirou.

— Eu não tenho o desejo de falar mais sobre isso agora, Elizabeth — murmurou ele, sabendo que seus sentimentos assassinos em relação ao homem mais velho ainda estavam a ponto de sair de controle... e uma admissão tão perturbadora de um homem que sempre se orgulhara da facilidade com que exercia seu autocontrole o levava a concluir que talvez fosse realmente hora de voltar para sua vida em Londres...

Ele ainda não recebera resposta à sua correspondência para Gabriel, portanto não tinha ideia se Westbourne ou Blackstone estavam na cidade ou não. Mas, mesmo se eles não estivessem, Nathaniel certamente seria capaz de encontrar alguma outra companhia divertida para distraí-lo... com¬panhia feminina que, sem dúvida, tiraria a srta. Elizabeth Thompson de sua cabeça, assim como aliviaria sua necessi¬dade física por liberação.

Sim, voltar para Londres, para a cama de uma cortesã experiente, agora tinha um atrativo que Nathaniel sabia que seria tolice de sua parte ignorar.

 

No que dizia respeito à chance, não houve nenhuma para Elizabeth e Nathaniel conversarem em particular quando chegaram à mansão Hepworth, o conde tendo ficado do lado de fora para cuidar do retorno da carruagem e cocheiro de Sir Rufus, e a sra. Wilson imediatamente exigindo que ela com¬parecesse ao seu salão particular.

— Sente-me e me conte tudo, minha querida! — A sra. Wil¬son sorriu-lhe de maneira conspiratória, enquanto dava um tapinha na poltrona ao seu lado.

Elizabeth ignorou o convite, assim como pretendia igno¬rar a óbvia intenção da outra mulher de pedir detalhes sobre o passeio com Sir Rufus... Sem dúvida, Nathaniel logo relataria tudo para a tia, com detalhes escandalosos.

— Eu estou me sentindo empoeirada do passeio de carruagem, então a senhora se importaria muito se eu subisse para meu quarto, a fim de me refrescar, primeiro? — Ela sorriu num esforço de diminuir o evidente desapontamento da sra, Wilson.

— Não, é claro que não. Mas... ah, você também voltou, Osbourne. — Ela se virou para sorrir para o sobrinho quando ele entrou no salão, franzindo a testa ao ver a expressão som¬bria no rosto dele. — Bem, eu devo dizer que nenhum de vo¬cês parece revigorado depois de ter ficado ao ar livre num dia tão lindo. — Ela pareceu perturbada pelo fato.

Elizabeth mal ousou olhar para Nathaniel, um olhar mui¬to rápido lhe mostrando que ele não parecia mais acessível agora do que estivera na carruagem durante o trajeto de volta para a mansão Hepworth, o maxilar rígido, a expressão dos olhos escondida por pálpebras semicerradas.

Mas essas duas coisas eram suficientes para informá-la do contínuo desprazer, dele.

— Se vocês dois me derem licença... — Ela abaixou a ca¬beça enquanto atravessava o cômodo, se Nathaniel agora pretendesse contar à tia os detalhes de sua desgraça, então Elizabeth preferia não estar presente quando isso acontecesse.

Nathaniel estendeu a mão e segurou o braço de Elizabeth quando ela estava passando por ele.

— Você não precisa ir embora por minha causa — disse ele.

Elizabeth o fitou por sob seus cílios escuros.

— Eu já tinha declarado meu desejo de ir para meu quarto, antes de você entrar, milorde.

A boca de Nathaniel se comprimiu.

— E recebeu grande oposição, tenho certeza — murmurou ele, conhecendo sua tia bem o bastante para perceber que ela desejaria saber todos os detalhes da tarde que Elizabeth passara na companhia de Sir Rufus. Detalhes que Elizabeth, sem dúvida, estava relutante em compartilhar.

Elizabeth fez uma careta antes de murmurar suavemente

— Eu decidi deixar a revelação de minha desgraça em suas mãos capazes, milorde.

Ele franziu o cenho.

— Eu...

— Sobre o que vocês dois estão cochichando aí? — sua tia demandou em tom de voz ríspido, obviamente não gostando de estar excluída da conversa.

Nathaniel deu um último olhar interrogativo para Eliza¬beth, antes de liberar-lhe o braço e adentrar mais o salão, para se juntará tia.

— Tenho certeza de que nós já seguramos a srta. Thomp¬son aqui por tempo suficiente, tia. — Ele levantou a tampa do bule de chá, e, descobrindo que ainda estava morno, serviu-se de uma xícara, ao mesmo tempo permitindo que Elizabeth aproveitasse para fazer sua escapada.

Sua tia pareceu perplexa ao notar a partida apressada de Elizabeth.

— Você não acha que Sir Rufus pode ter se comportado de maneira inadequada em relação à Elizabeth, acha?

Agora era o momento certo para Nathaniel contar à sua tia sobre a cena com a qual ele se deparara mais cedo, de revelar o comportamento de Elizabeth com Tennant.

Exceto que, fazendo isso, ele sabia que prejudicaria Elizabeth e, apesar de ela ter se comportado de maneira impulsiva, indo para Gifford House com Tennant, acompanhada apenas pela criada de sua tia, Nathaniel descobriu que não queria, afinal de contas, ver Elizabeth menosprezada aos olhos de sua tia. Era óbvio que Elizabeth tinha uma afeição sincera pela mulher mais velha, uma afeição que a sra. Wilson mostrava agora, através de sua preocupação.

— Eu duvido muito disso, tia. — Ele deu um gole do chá morno.

Sua tia ainda olhava, distraidamente, em direção à porta pela qual Elizabeth havia saído tão recentemente.

— O que você conclui sobre ela, Osbourne?

Nathaniel quase engasgou com o chá, engolindo o líquido com esforço antes de responder:

— O que você quer dizer com isso, tia?

Sua tia Gertrude lhe deu um olhar repreensivo.

— Eu posso às vezes dar a impressão de ser frívola, Natha¬niel, mas não pense que sou tola — aconselhou ela.

— Eu não sonharia em pensar uma coisa dessas.

Sua tia assentiu.

— Então não podemos fingir que não temos ciência de que existe um mistério atado à garota. E, a menos que eu esteja enganada, você está tão intrigado com isso quanto eu. — Ela o estudou, de modo especulativo.

Sim, ele estava, reconheceu Nathaniel com tristeza. Ainda estava. Apesar de, apenas horas depois de ter feito amor com ela, ter encontrado Elizabeth nos braços de outro homem, sendo beijada com paixão...

 

Elizabeth não podia se lembrar de alguma vez ter se sentido tão desolada como estava agora, enquanto andava de um lado para o outro nos confins de seu quarto, facilmente capaz de imaginar a conversa que acontecia no salão, do andar de baixo entre Nathaniel e a tia, enquanto ele revelava a desgraça dela para a lady.

Não adiantaria de nada negar sua inocência no ocorrido pensou. Ela havia sido encontrada numa posição comprometedora... por Nathaniel Thorne, de todas as pessoas, com um homem que conhecia há poucos dias. Além disse, sabia que, em sua ansiedade de ficar sozinha com Sir Rufus de modo que pudesse questioná-lo mais sobre o irmão, ela e somente ela era responsável por ter se colocado naquela posição vulnerável. O fato de que tinha recebido uma resposta sem a necessidade de vociferar uma única de suas perguntas era um conforto muito pequeno, quando Elizabeth sabia que Nathaniel agora a olhava com desprezo e desconfiança.

Como ela podia ter sido tão estúpida, tão impulsiva, quan¬do Sir Rufus já mostrara tanto interesse em sua companhia, para se colocar à mercê dele daquela maneira? E, com tal ati¬tude, ela, sem dúvida, ganhara o desprezo de Nathaniel. Isso era o que mais a entristecia. Não sua própria falta de cautela. Não o fato de Sir Rufus ter se aproveitado de sua ingenuida¬de. Não, era o fato de Nathaniel ter testemunhado ambas as coisas que agora a arrasava.

O que ele estaria pensando ao seu respeito agora? O que estaria sentindo por ela agora?

Como se Elizabeth realmente precisasse se fazer alguma dessas perguntas... era óbvio que ele a considerava uma desajeitada ingênua ou uma manipuladora interessada em garantir uma oferta de casamento. E o que ela poderia falar em sua defesa, se Nathaniel a acusasse de tais coisas? Com Certeza, não que ela agira sem pensar, por uma necessidade de descobrir se Giles Tennant havia sido amante de sua mãe.

Ela...

Elizabeth parou de andar e virou-se abruptamente quan¬do uma batida soou à porta de seu quarto.

— Sim? — perguntou ela, em tom cauteloso. Com mais curiosidade da sra. Wilson ela, talvez, pudesse lidar sem desmoronar completamente. Com mais acusações de Nathaniel, não.

Foi uma pena que, quando ela abriu a porta, era realmente Nathaniel parado do lado de fora, no corredor.

— Eu acredito que nós temos uma conversa inacabada, Elizabeth?

Ela fechou os olhos brevemente, antes de abri-los mais uma vez, apenas para se descobrir o foco da força total do desprezo brilhando nos olhos escuros de Nathaniel.

— Eu duvido que sua tia consideraria este um lugar apro¬priado para qualquer tipo de conversa entre seu sobrinho e uma jovem lady solteira.

Nathaniel não teve problemas em ouvir o nervosismo por trás da demonstração externa de confiança de Elizabeth.

— Minha tia não precisa saber disto. — Ele entrou no quar¬to e fechou á porta. — Você está se sentindo mal? — Nathaniel franziu o cenho ao notar a inconfundível palidez no rosto dela, visível agora que ela removera o chapéu.

Ela deu um sorriso sem humor.

— Eu fui beijada por um homem contra a minha vontade, e acusada de encorajar estes avanços por outro cavalheiro, a fim de conquistar uma oferta de casamento, então, sim, estou me sentindo um pouco... agitada!

Nathaniel arqueou as sobrancelhas.

— Você não parecia estar resistindo aos avanços de Ten¬nant quando eu entrei na estufa.

Os olhos azuis brilharam com indignação.

— Talvez porque Sir Rufus tenha impossibilitado que eu libertasse meus braços ou meus lábios para protestar!

Nathaniel pareceu subitamente irado.

— Ele a beijou à força?

Elizabeth hesitou em dar uma resposta afirmativa, ciente de que Nathaniel tinha praticamente desafiado o outro homem a duelar mais cedo; um desafio que ele sentiria o dever de repetir se ela, uma criada de sua tia, confirmasse que Sir Rufus a beijara contra sua vontade. Ademais, tal vez o fato de ter ido para Gifford House com Sir Rufus, e entrado na estufa com ela, sem uma dama de companhia, pudesse ser considerado encorajamento suficiente para o que se seguiu?

Ela suspirou.

— Eu acredito que minha própria falta de... experiência em tais assuntos possa ter encorajado Sir Rufus a interpretar a situação de maneira errada. — Elizabeth estava ciente de quão ridícula sua declaração deveria parecer, depois de seu comportamento devasso nos braços de Nathaniel na noite anterior, mas isso era tudo que tinha a oferecer.

Que confusão era aquilo... sentir desgosto pelo mero to¬que de um homem, enquanto, ao mesmo tempo, era incapaz de resistir às atenções de outro.

Talvez seu pai tivesse agido certo, afinal de contas, em recusar que as três filhas jovens entrassem na sociedade; Elizabeth, pelo menos, mostrara como estava mal equipada para lidar com avanços de cavalheiros mais velhos e muito mais experientes que ela.

Abaixou os cílios agora.

— Creio que eu me esqueci de lhe agradecer mais cedo por sua... intervenção na hora certa.

Nathaniel deu um sorriso frio e sem humor.

— Se passasse um pouco da “hora certa”, eu teria encontrado vocês dois numa situação não facilmente esquecida por um homem, muito menos um que compartilhou intimi¬dade com você apenas na noite anterior!

Elizabeth arfou diante do insulto deliberado.

— Você ousaria falar sobre isso agora?

— Oh, eu ousaria muitas coisas — replicou ele, movendo-se mais para dentro do quarto, estreitando os brilhantes olhos escuros. — Mas você pode ser confortada pelo fato de que eu ainda não revelei a... indiscrição desta tarde para minha tia.

Ela ergueu o queixo, orgulhosamente.

— Por que não?

O sorriso de Nathaniel foi totalmente desprovido de humor.

— Você parece quase desapontada, Elizabeth.

Ela meneou a cabeça.

— Apenas surpresa, milorde. Parece-me, em vista de sua óbvia suspeita sobre mim, que esta teria sido a oportunidade ideal para você persuadir sua tia a acabar com meu emprego imediatamente, em vez de me deixar ir embora por livre e espontânea vontade, amanhã.

Em vez disso, Nathaniel havia informado sua tia que ele iria embora da mansão Hepworth no dia seguinte... Tia Gertrude não recebera bem a notícia. Na verdade, ela argu¬mentara contra isso por diversos minutos, depois que Natha¬niel lhe contara sobre sua decisão de começar sua jornada de volta para Londres pela manhã. Argumentos que ele tinha refutado, explicando que, após quase uma semana e meia confinado à cama, tinha assuntos de negócios para cuidar na cidade, os quais não podia mais ignorar.

Quando, de fato, Nathaniel sabia que o verdadeiro mo¬tivo de sua partida estava bem diante dele... Com rosto pálido, cachos escuros desalinhados e um vestido antigo, Elizabeth ainda o atraía de maneira incrível. Uma atração da qual ele precisava se distanciar se quisesse encontrar alguma paz mental.

— Realmente teria sido — concedeu ele, com frieza. — Porém, como você falou mais cedo, não seria justo discutir aquela situação com uma terceira parte, até que eu conhecesse todos os fatos.

— E agora que você conhece?

Agora que conhecia, Nathaniel não queria nada mais do que voltar para Gifford House e arrancar todos os membros de Tennant!

Tamanha violência de emoções era algo fora do comum para ele. Inaceitável. Inexplicável. Tanto que Nathaniel acreditava que o curso mais seguro de ação era colocar o máximo de quilômetros possíveis entre ele e Elizabeth, e na mais bre¬ve oportunidade.

Ele endireitou o corpo, com determinação.

— Eu informei minha tia que irei embora da mansão Hep¬worth pela manhã...

— Mas por que você faria uma coisa dessas, quando eu já declarei que partirei amanhã? — Elizabeth arfou, muito descon¬certada por aquele anúncio até mesmo para tentar esconder seu horror diante do pensamento de Nathaniel indo embora.

Pálpebras pesadas com cílios longos escondiam agora a expressão daqueles olhos escuros.

— Eu reconheço que nosso próprio comportamento, jun¬tos, foi menos do que sábio, mas eu a aconselho a não pensar que isso lhe dá o direito de questionar minhas futuras ações!

Elizabeth sentiu como se tivesse levado um tapa no rosto. Na verdade, a frieza no tom de voz de Nathaniel era comuni¬cada com a mesma precisão de um golpe físico.

— Eu peço desculpas. — Ela manteve os cílios baixos, para que ele não visse a dor que seus olhos, sem dúvida, estavam revelando diante daquela agressão verbal. — Eu fiquei ape¬nas surpresa pela sua decisão repentina de ir embora daqui, nada mais.

Elizabeth não era uma cortesã, ou uma jovem viúva solitária dos círculos sociais, que Nathaniel geralmente tomava como sua amante, mas uma mulher solteira da alta sociedade, mesmo que tivesse empobrecido por algum motivo, conse¬quentemente não tendo escolha senão trabalhar como dama de companhia, a fim de se sustentar. Sendo assim, ele não podia levá-la para cama em sã consciência, muito menos lhe oferecer o papel de amante pelos diversos meses que levaria para ficar entediado dos charmes dela, uma vez que, fazen¬do isso, ele lhe roubaria as únicas duas coisas que Elizabeth tinha a oferecer para um futuro marido... sua reputação e sua inocência. Na verdade, nas circunstâncias atuais, Sir Ru¬fus Tennant era um candidato mais do que adequado para uma jovem como Elizabeth.

Incapaz... não querendo... oferecer-lhe nada além de si mesmo, Nathaniel sabia que não tinha outra escolha senão fazer uma reverência graciosa e sair da vida de Elizabeth, deixando o caminho aberto para que algum outro homem... mesmo Sir Rufus... a cortejasse.

O fato de que ainda sentia vontade de matar o outro ho¬mem somente por olhar para Elizabeth, sem mencionar tocá-la, dizia-lhe que ele deveria partir o quanto antes!

— Por mais agradável que tenha sido ontem à noite, a verdade é que tenho outros... compromissos na cidade, os quais estão precisando desesperadamente de minha atenção.

Apenas pelo jeito que ele falara “outros... compromissos”, Elizabeth soube que Nathaniel estava se referindo a uma mulher. Sem dúvida, uma mulher mais velha e mais experiente que, diferentemente de Elizabeth, combinava mais com as extensivas habilidades físicas dele. Uma mulher mais velha e mais experiente “precisando desesperadamente da atenção dele”...

Nathaniel não poderia ter declarado com mais clareza que estivera apenas brincando com ela. Que não passara de uma diversão até que ele se sentisse capaz de retomar sua vida anterior. Até que se sentisse fisicamente recuperado, o bastante para dar aquelas “atenções” à amante!

Ela já sofrera tanto antes?, Elizabeth perguntou-se, entorpecida. Alguma vez antes tinha desejado, precisado gritar e chorar diante da mágoa que estava sentindo?

Certamente, nunca antes sentira a vontade de arranhar e machucar uma mulher sem rosto e sem nome, cujo único crime era se entregar ao disposto Nathaniel Thorne, tanto em seus braços quanto em sua cama.

Elizabeth umedeceu os lábios dormentes antes de falar:

— Nesse caso, só me resta lhe desejar uma viagem segura amanhã, milorde.

A intenção de Nathaniel havia sido colocar a distância necessária entre ele e Elizabeth, tanto de maneira física quanto social... algo que, obviamente, tivera sucesso em fazer, se a distância fria na expressão dela agora fosse algu¬ma indicação. Uma expressão tão neutra, na verdade, que de não queria nada mais do que beijá-la, para encontrar a mulher vibrante e calorosa que segurara nos braços na noite anterior.

Uma ação que apenas complicaria ainda mais uma situação já inaceitável...

— Eu aceito seus bons votos — disse ele, de modo distante.

— Você agora irá considerar continuar aqui? — Nathaniel não foi capaz de resistir à pergunta.

Ela ficaria?, perguntou-se Elizabeth. Poderia ficar? Poderia permanecer em Devonshire, com todas aquelas lembranas presentes, depois que Nathaniel tivesse voltado para sua vida... e para sua amante... em Londres?

Ainda não sabia se lorde Gabriel Faulkner tinha ido embora de Shoreley Park, ou se ele ainda estava lá, com todas as intenções de permanecer até que tivesse persuadido uma das irmãs Copeland a se casar com ele. Elizabeth também não po¬dia voltar para Londres, agora que sabia que Nathaniel estaria lá. Depois do jeito como ele a dispensara há pouco, ela não ousaria correr o risco de vê-lo acusando-a de tê-lo seguido até lá!

Ela liberou o ar num suspiro.

— Eu acho que ficarei aqui.

— Não pareça tão arrasada, Elizabeth — zombou o con¬de. — Talvez Tennant apareça de novo, afinal de contas, e lhe ofereça casamento.

Os olhos azuis de Elizabeth reluziram com raiva quando ela o encarou.

— E, se ele fizer isso, eu não hesitarei em recusar a oferta!

Nathaniel arqueou sobrancelhas loiras diante da veemên¬cia dela.

— Esta não seria uma decisão... imprudente de sua par¬te, considerando suas circunstâncias atuais?

Ela franziu a testa.

— Imprudente de que maneira, milorde?

Ele bufou de forma impaciente.

— Evidentemente, se você se casasse com Tennant, passa¬ria a ser lady Tennant.

Elizabeth já era lady Elizabeth! O que não lhe adiantava de nada no momento atual...

— Há isso a considerar, é claro. — Ela lhe deu um olhar sar¬cástico. — Você está correto em me aconselhar a não tomar uma atitude de modo apressado, milorde.

Nathaniel a olhou com impaciência, mal podendo conter sua frustração. Elizabeth poderia estar seriamente conside¬rando aceitar, se Rufus Tennant lhe oferecesse casamento? E ele mesmo não acabara de aconselhá-la a considerar tal ofer¬ta com cuidado, antes de recusar?

Sim, Nathaniel havia feito isso... mas apenas porque acreditara que Elizabeth recusaria um pedido de casamento como aquele. Ora, somente imaginá-la na cama de Tennant todas as noites foi o bastante para que seus sentimentos de violência voltassem. Quanto aos sentimentos de imaginar as mãos de Tennant sobre o corpo deliciosamente curvilíneo de Elizabeth...!

Mas, se não fosse Tennant, então seria um outro homem que algum dia se casaria com ela, e a levaria para cama...

— Acredito que nossa conversa acabou agora, milor¬de — declarou Elizabeth, quando ele parecia não ter pressa de sair de seu quarto. E ela precisava muito que Nathaniel fizes¬se isso... antes que não conseguisse mais conter as lágrimas que queimavam em seus olhos e ameaçavam cair!

Aquele devia ser o pior dia de sua vida. O desapontamento de perceber que o irmão de Sir Rufus não oferecia respostas em relação à morte de sua mãe, seguido pela indignidade de sofrer os beijos de Sir Rufus; para então ser descoberta por ninguém menos do que Nathaniel Thorne, um homem que a beijara e a acariciara com tanta paixão na noite anterior; e agora ser aconselhada, por este mesmo cavalheiro, que ela deveria considerar seriamente qualquer oferta de casamento que Sir Rufus pudesse lhe fazer... Quaisquer emoções ter¬nas que pudesse ter sentido por Nathaniel Thorne deveriam agora acabar?

— Lorde Thorne! — repetiu ela em tom de voz agudo, quan¬do ele ainda não havia respondido.

Ele comprimiu os lábios, o maxilar rígido em desapro¬vação.

— Eu lhe desejo toda a felicidade em suas futuras... rea¬lizações.

Elizabeth inclinou a cabeça em um breve reconhecimento.

— E eu lhe desejo o mesmo.

Não havia mais nada a ser dito, percebeu Nathaniel com impaciência. Nada mais a ser feito. Apenas aquela despedida artificial entre duas pessoas que tinham se unido contra todas as probabilidades, e cujas circunstâncias os haviam leva¬do a compartilhar mais intimidade do que o adequadamente permitido.

Entretanto...

— Elizabeth...

— Nós já nos despedimos, Nathaniel. Vamos deixar as coisas como estão — murmurou ela

Despedida.

Sim, aquela era a despedida deles, percebeu Nathaniel com tristeza. Quaisquer conversas futuras entre os dois acontece¬riam na presença de sua tia ou de Letitia, e seriam mais formais por causa disso. Ele sentiria falta das discussões verbais deles. Sentiria falta do ataque e defesa de suas conversas parti¬culares. Lamentava profundamente o fato de que nunca mais teria Elizabeth nos braços, que nunca mais a beijaria. Nunca mais a acariciaria...

— Eu realmente preciso lhe pedir que saia do meu quarto agora, milorde — insistiu Elizabeth, com irritação.

Nathaniel endireitou o corpo abruptamente, fez uma reve¬rência breve, e sua expressão era distante quando ele falou:

— Sem dúvida, eu a verei no jantar.

— Sem dúvida. — A cortesia dela foi igualmente formal.

Elizabeth observou Nathaniel sair de seu quarto, sabendo que qualquer outro encontro entre os dois, antes da partida dele no dia seguinte, seria como lorde Nathaniel Thorne, conde de Osbourne, e srta. Elizabeth Thompson, a dama de companhia jovem e pobre da tia dele.

 

— Eu quero saber como isso pode ter acontecido! — A voz de Nathaniel estava fria, com fúria reprimida, enquanto ele olhava para Midnight deitado prostrado na palha de sua baia, o garanhão evidentemente sentindo muita dor e desconforto. — E por quê! — acrescentou com ferocidade, as mãos cer¬radas em suas laterais.

Finch, um homem de aproximadamente 50 anos, e cavala¬riço principal dos estábulos de sua tia, na mansão Hepworth, não parecia menos aborrecido quando endireitou o corpo, após examinar o garanhão preto.

— Ele deve ter comido alguma coisa, milorde.

— Como o quê? — Nathaniel olhou para os cavalos nas baias vizinhas, onde eles comiam, felizes e saudáveis, seu alimento matinal.

O cavalariço balançou a cabeça.

— Ele pareceu perfeitamente bem quando eu o chequei, às 11h da noite de ontem, e ele adoeceu rápido demais para ter sido qualquer outra coisa.

Nathaniel não estivera no melhor dos humores esta ma¬nhã, mesmo antes que chegasse ao estábulo para ver Midnight e instruir o cavalariço para que ele fosse preparado para sua partida, hoje.

Jantar na noite anterior tinha sido uma situação tensa, com sua tia e Letitia conversando na maior parte do tempo, en¬quanto ele e Elizabeth nem mesmo se olhavam, muito menos se falavam, o que não resultara numa boa noite de sono para ele. Nathaniel tivera a esperança de falar com Elizabeth naque¬la manhã, de modo que eles, pelo menos, não se separassem de maneira inamistosa, apenas para ter seu plano frustrado quando ela enviara, através de uma criada, suas desculpas para não descer, com a explicação de que estava resfriada. Sua tia Gertrude havia subido imediatamente para ver a jovem dama de companhia, é claro, retornando diversos minutos depois para confirmar que Elizabeth não parecia nada bem, e que ela fora aconselhada a passar o resto do dia na cama.

Ter agora chegado ao estábulo e encontrado seu cavalo sofrendo de alguma doença inexplicável tinha sido a gota d’água no que dizia respeito à paciência de Nathaniel. O fato de que ele não partiria hoje, como planejado, estava mais que óbvio. Pretendia descobrir a causa da súbita indisposição de Midnight. Esta era uma lição que ele aprendera muito bem enquanto estava no exército: um soldado devia cuidar do conforto de seu cavalo, antes de pensar no próprio conforto.

— Faça o que puder por ele — falou Nathaniel para Finch então endireitou o corpo na lateral do cavalo. — Se houver alguma mudança até por volta de meio-dia... — Ele adotou uma expressão carrancuda diante do pensamento de que tal vez eles tivessem de tirar o cavalo de seu sofrimento.

— Vamos esperar que isso não seja necessário, milorde replicou o cavalariço-chefe. — Eu dei um purgante a ele, e isso deve trazer alguns resultados positivos.

Enquanto isso, Nathaniel não tinha escolha senão voltar para a casa e instruir o lacaio para adiar sua partida; talvez ele ainda precisasse das roupas já empacotadas em diversas malas e colocadas dentro da carruagem.

— Parece que não estamos tendo muita sorte com a saúde de nossos animais no momento, Osbourne — murmurou sua tia com compaixão, quando ele a informou do motivo de ter adiado a viagem, o alerta Hector sentado confortavel¬mente sobre os joelhos cobertos de seda de sua dona, e não mostrando nenhum sinal da própria falta de sorte do dia interior.

Nathaniel franziu o cenho.

— Não, nós não estamos, tia.

— Com licença, senhora, mas isto acabou de chegar para a srta. Thompson... — Sewell estava parado à porta do salão, um enorme buquê de rosas cor de creme, cada pétala tingida com um toque cor de pêssego, obscurecendo a maior parte ele seu torso. — Considerando que a srta. Thompson está se sentindo indisposta esta manhã, eu fiquei incerto se deveria ou não levar as flores para o quarto dela.

Nathaniel fez uma careta mal-humorada para o arranjo de lindas flores, sabendo que Tennant era o responsável por enviá-las.

— Deixe-as sobre a mesa aqui, Sewell — ele instruiu o mor¬domo, esperando até que o homem mais velho saísse da sala, antes de se aproximar da mesa para remover o cartão aninhado entre as flores, e ler, descaradamente, a mensagem escrita ali: Por favor, aceite estas rosas como um pedido de desculpas por meu comportamento ontem, e como uma evidência de meu profundo respeito por você. Eu decidi nomear a rosa de “Inocência de Elizabeth”. Tennant.

— Por que você está lendo um bilhete particular para Eli¬zabeth, Nathaniel? — a tia soou chocada pelo comportamento inapropriado.

Os dedos de Nathaniel se apertaram ao redor do cartão quando ele se virou para Gertrude, não se importando com o fato de estar amassando o papel na palma.

— Com licença, tia. — Ele pegou o buquê de flores com a óbvia intenção de sair da sala.

— Eu... mas... — A sra. Wilson parecia completamente confusa por aquele estranho comportamento. — Você não pode subir para o quarto de Elizabeth, Nathaniel! — Ela se le¬vantou, a expressão escandalizada. — Deixe que Sewell ou um dos criados leve as rosas, se quer que ela as receba agora. Você simplesmente não pode...

— Oh, eu simplesmente preciso fazer isto, tia — declarou ele.

— Mas... o que os criados irão pensar? — Sua tia ergueu a mão agitada para o peito amplo.

Ele deu um sorriso sem humor.

— Eu não contarei a eles, tia, se você não contar. — Nathaniel escapou, antes que sua tia pudesse pensar em mais objeções, não pretendendo ouvi-las, de qualquer forma.

Já nervoso pela doença de Midnight, e irritado pelo atraso em sua partida, ele agora via a chegada das rosas de Tennant como sendo o insulto final, quando Elizabeth nem sequer tinha deixado o quarto para se despedir dele As flores eram a desculpa que Nathaniel precisava para ir até ela...

 

Na noite anterior, Elizabeth havia chorado tanto e por um tempo tão longo que não tivera a menor dificuldade de convencer a sra. Wilson que estava pegando um resfriado Sua garganta doía, e seus olhos estavam inchados e vermelhos o bastante pelo choro para serem convincentes.

Nathaniel, não um vírus, era o motivo daquelas lágrimas de humilhação, é claro.

Ele mal fora capaz de olhá-la durante o jantar da noite an¬terior, muito menos de falar com ela, todas as suas poucas observações sendo dirigidas para a tia ou para Letitia Grant. No final da noite, ela estivera consumida de tristeza, por sa¬ber que Nathaniel agora acreditava que ela não passava de uma mulher manipuladora, à procura de um marido rico.

Descer a escada naquela manhã, e fingir uma calma que não sentia, enquanto Nathaniel partia em viagem, seria insu¬portável em seu estado emotivo frágil.

Por que ela ficava tão deprimida pelo fato de Nathaniel ter uma opinião ruim ao seu respeito, isso Elizabeth se recusava a considerar; apenas sabia que seu sofrimento era muito real e muito intenso. Ela...

O olhar de Elizabeth voltou-se abruptamente em direção à porta, quando ela foi aberta sem cerimônia. Nathaniel esta¬va parado na soleira, um enorme buquê de rosas nos braços. A expressão sombria no rosto dele, e a cor distinta daquelas flores, foram o bastante para alertá-la ao fato de que as rosas não eram uma oferta de paz do lorde.

Ela umedeceu os lábios secos antes de falar:

— Eu pensei que você já tivesse ido embora, a essas alturas, milorde.

Ele estreitou os olhos tempestuosos.

— Você quer dizer, talvez, que desejava que eu tivesse ido.

— Não, eu...

— Talvez eu já estivesse longe agora, se meu cavalo não tivesse sido abatido por uma doença misteriosa. — Ele deu um chute atrás de si para fechar a porta, e adentrou o quarto, parando ao lado da cama e olhando-a. — Estas, como prova¬velmente adivinhou, acabaram de chegar para você. — Ele derrubou o buquê de rosas sobre o topo das cobertas ema¬ranhadas. — Isto veio com as flores. — A expressão era de des¬prezo quando ele jogou um cartão amassado sobre a cama, também.

Elizabeth se sentou ereta na cama e recostou-se contra os travesseiros, puxando as cobertas consigo para proteger sua modéstia, antes de alisar o cartão amassado e ler a mensa¬gem escrita ali.

— Obviamente, falta total compreensão a Sir Rufus! Ele se comportou de maneira inaceitável comigo, ontem. — Ela pôs o cartão na mesa ao lado da cama, com uma careta de des¬gosto, antes de mover as rosas para um lado, não mostrando prazer na presença delas.

A ira que enviara Nathaniel para o andar de cima como uma bala saindo de uma pistola se suavizou um pouco com a falta de interesse de Elizabeth em receber as rosas de Ten¬nant. Ela também não parecia nem um pouco lisonjeada pelo fato de o homem ter dado seu nome às flores.

Sua raiva desapareceu completamente quando Natha¬niel deleitou-se na visão dos cachos escuros soltos, espa¬lhados nos travesseiros atrás dela, e emoldurando o rosto pálido e bonito, algumas das mechas sedosas caindo con¬tra a parte alta dos seios, visível sob a camisola de seda branca.

A diminuição de sua ira finalmente o fez perceber as consequências de suas ações recentes. Ele desafiara sua tia Ger¬trude, subindo para o quarto de sua dama de companhia solteira, uma vez que ele não deveria nem mesmo saber onde tal quarto ficava situado, assim como não deveria ter entrado sem permissão!

Fatos confirmados pelo nervosismo refletido agora naque¬les olhos azuis, que o fitavam por baixo de longos cílios escuros.

Ele se afastou alguns passos da cama, na esperança de que parecesse menos ameaçador.

— Elizabeth, eu peço desculpas por minha falta de... eu não deveria... Meu Deus, o que está errado com você? — Na¬thaniel instantaneamente esqueceu sua intenção de ser con¬ciliatório, quando a estudou com intensidade, sem fortes emoções nublando sua visão.

Não havia nada de errado com Elizabeth, exceto que ela não tivera desejo de sair da cama naquela manhã, apenas para testemunhar Nathaniel fugindo dela.

— Eu acho que estou um pouco resfriada, milorde — res¬pondeu Elizabeth, de modo mentiroso, sabendo que sua voz e sua aparência confirmariam tal diagnóstico, como aconte¬cera com a tia dele mais cedo.

Ele comprimiu a boca.

— Seu mal-estar pelo resfriado irá piorar, se você ousar me chamar de “milorde” mais uma vez, quando nós estamos sozinhos!

Elizabeth sentiu seu rosto enrubescer.

— Eu fiz isso porque considerei apropriado para o nível de nosso... relacionamento agora, mi... Nathaniel — emendou ela rapidamente, quando a expressão dele tornou-se zangada.

Nathaniel arqueou sobrancelhas loiras arrogantes.

— E acho que eu a informarei se alguma coisa é ou não apropriada para você fazer. O que pretende fazer sobre as rosas de Tennant? — Os olhos escuros se tornaram mais in¬tensos quando ele de repente mudou de assunto.

Elizabeth olhou para as lindas flores sobre as cobertas ao seu lado, internamente lamentando que um homem tão in¬sensível e detestável fosse responsável pela existência delas.

— Eu não farei nada sobre elas, mi... Nathaniel. — Ela deu um suspiro cansado. — As flores são, sem dúvida, muito bo¬nitas, mas até mesmo reconhecê-las ofereceria um encoraja¬mento para Sir Rufus que eu não sinto.

Nathaniel sentiu ainda mais tensão se aliviando de seus ombros.

— Se é assim que você sinceramente se sente em relação a Tennant, então creio que está sendo sábia em sua falta de ação.

— O que você quer dizer com “se é assim que eu me sin¬to”? — questionou Elizabeth. — Ainda duvida de minha falta de interesse naquele cavalheiro?

Que coisa, ela precisava se ofender com cada palavra que saía de sua boca?, pensou Nathaniel.

— E claro que eu não duvido. Eu apenas... oh, esque¬ça — murmurou ele. — Devo pedir que minha tia chame um médico para examinar você?

— Por causa de um simples resfriado? — Elizabeth meneou a cabeça. — Tenho certeza de que estarei bem o bastante para descer na hora do jantar. — Ela franziu o cenho subita¬mente. — Você falou mais cedo que seu cavalo está doente?

Mais cedo, logo que Nathaniel invadira o quarto dela como um lunático com destino ao hospício. Deus sabia o que sua tia Gertrude estava pensando de suas ações neste exato momento!

— Sim, eu falei — confirmou ele, sabendo que receberia uma bronca de sua tia quando retornasse ao andar de bai¬xo. — Algum desconforto no estômago, o que o cavalariço atribui ao fato de Midnight ter comido alguma coisa indevi¬da durante a noite.

Ela pareceu preocupada.

— Algum outro cavalo no estábulo está sofrendo do mes¬mo desconforto?

Nathaniel silenciosamente aplaudiu a presença de espí¬rito dela em fazer a mesma pergunta que ele se fizera mais cedo.

— Não — replicou ele. — O cavalariço-chefe tem esperança de que Midnight se recupere, mas isso significa que eu não irei embora daqui hoje, afinal de contas.

— Oh.

Era desapontamento ou alívio que ele via na expressão dela? O primeiro seria a escolha lógica, é claro, mas a situação entre eles nunca fora particularmente lógica,

— Portanto, ficarei contente em vê-la bem o bastante para jantar conosco esta noite — disse ele, devagar.

Aquele rubor delicado voltou ao rosto de Elizabeth.

— Para que você mais uma vez tenha a oportunidade de me ignorar, como fez ontem à noite?

Nathaniel ouviu a repreensão no tom de voz dela.

— Eu pensei que era assim que você queria que fosse en¬tre nós no futuro.

Os olhos azuis brilharam com raiva quando ela o encarou.

— Ser ignorada, como se eu não existisse? Sentir-me calu¬niada, indigna e não merecedora nem sequer de conversar?

— Agora, ouça, as coisas não são assim, em absoluto — pro¬testou Nathaniel com firmeza. — Eu não considerei você indig¬na ou não merecedora...

— Acho que estou tentando declarar como ser ignorada por você me fez sentir, Nathaniel. — Ela se sentou, a cortina escura de cachos longos caindo para a frente, sobre os seios, e batendo quase na cintura. — E, sendo assim, estou lhe di¬zendo que você se comportou de maneira abominável em relação a mim, ontem à noite.

Nathaniel estava agora muito ciente da beleza selvagem de Elizabeth, da falta de roupas formais entre eles, para conseguir dar total atenção à acusação dela. De qualquer for¬ma, fez o possível para responder com honestidade.

— Eu não tive a intenção de magoar você, Elizabeth — murmurou ele, com a voz rouca.

— Então é uma pena que tenha sido exatamente o que você conseguiu fazer.

Deus amado, ela estava tão deliciosamente linda, deitada ali, fazendo um biquinho, que ele queria devorá-la! Queria remover aquela camisola e revelar as curvas nuas do corpo esbelto, antes de provar cada centímetro daquela pele sedosa. Na verdade, podia quase sentir o gosto em sua língua... a perfeição perfumada da pele, os pequenos botões que se so¬bressaíam nos seios arredondados, a umidade cremosa entre as coxas dela...

Oh, pare com isso!

O que ele estava fazendo? Na verdade, no que estivera pen¬sando antes de invadir o quarto de Elizabeth, quando sabia que ela ainda estava de cama? Ele estivera pensando, ou ape¬nas agindo por instinto, porque seus nervos já estavam alterados, mesmo antes que as rosas de Tennant tivessem chegado?

Seu comportamento impulsivo dos últimos minutos era tão diferente de seu controle normalmente estudado que Nathaniel se sentia incapaz de responder algumas de suas próprias perguntas, especialmente com Elizabeth ainda recostada ali, exposta de maneira tão tentadora à sua frente.

Elizabeth sentiu uma mudança sutil na tensão que agora existia entre os dois. Uma tensão, uma consciência, que não estivera presente segundos atrás, a atmosfera do quarto pa¬recendo ser preenchida com expectativa.

Ela umedeceu os lábios lentamente.

— Talvez esteja na hora de você sair do meu quarto, Nathaniel.

Ele arqueou uma sobrancelha para ela.

— Minha tia deixou muito claro para mim que eu não de¬via vir aqui, em absoluto.

— A sra. Wilson sabe que você está aqui? — perguntou ela, alarmada.

Nathaniel fez uma careta.

— Infelizmente, sim.

Elizabeth se sentiu arrasada.

— O que ela deve estar pensando de mim? — murmurou ela, com desespero.

— De você? — disse ele. — Acredito que foi a minha reputa¬ção que sofreu aos olhos de tia Gertrude.

De alguma maneira, Elizabeth duvidava daquilo. A sra. Wilson não somente adorava o sobrinho — ele não poderia fazer nada de muito errado na opinião da dela —, mas tam¬bém era sempre a reputação da mulher que sofria em situa¬ções como essa.

— Você deve ir embora imediatamente. — Elizabeth afas¬tou as cobertas de cima de seu corpo, levantou-se e pegou o penhoar, então o vestiu e amarrou a faixa ao redor da cintura com firmeza. — Neste instante! O que você está fazendo? — ex¬clamou ela, quando de repente se encontrou sendo puxada para os braços dele, a suavidade de seus seios pressionada contra o peito sólido coberto por um colete.

Ele lhe deu um sorriso malicioso.

— Eu teria pensado que minha intenção fosse mais do que óbvia, Elizabeth. — Lábios quentes roçaram a coluna sensível do pescoço dela.

É claro que a intenção de Nathaniel era óbvia, a menos que a outra parte fosse imbecil, o que ela certamente não era. Eli¬zabeth também não podia negar que apreciava estar naque¬les braços fortes de novo, sentindo os lábios dele explorando o arco delicada de seu pescoço. Todavia, tal comportamento não era sábio, quando a sra. Wilson poderia decidir, a qual¬quer momento, que o sobrinho já ficara tempo demais no quarto de Elizabeth, e subir para procurá-lo.

— Eu pareço não conseguir tirar minhas mãos de você — murmurou Nathaniel, quando segurou um dos seios de Elizabeth e provocou o bico já saliente com a ponta de seu polegar.

— Você tem de conseguir! — Mesmo enquanto vociferava seu protesto rouco, Elizabeth arqueou-se na mão habilidosa dele.

— Eu não consigo! — A língua que explorava as curvas de seu pescoço era quente e sensual. — Não me peça algo que eu não posso dar.

Elizabeth estava perdida no prazer daquelas carícias, sentindo como se fogo líquido corresse em suas veias, em vez de sangue, o corpo inteiro em chamas, enquanto ela se agarrava aos ombros largos. Na verdade, estava tão consu¬mida pela paixão daqueles beijos que temia desmaiar aos pés de Nathaniel!

— Você tem os cabelos mais gloriosos que eu já vi. — Os dedos de Nathaniel se entrelaçaram naqueles cachos cor dê ébano que chegavam até a cintura delgada dela. — Eu que¬ro enrolá-los ao meu redor, enquanto me deito nu em sua cama. — Ele levantou a cabeça para olhar, maravilhado, para as madeixas sedosas.

— Nathaniel... — Elizabeth gemeu com fraqueza diante da visão sensual que ele pintara.

 

— Eu preciso falar com você imediatamente, Osbourne! — Uma batida soou à porta para acompanhar o comando da tia dele.

Elizabeth congelou nos braços de Nathaniel, seus olhos ar¬regalados em alarme, quando ela se virou a fim de olhar para o outro lado do quarto.

— Agora, Osbourne!

Elizabeth quase esperou que, a qualquer momento, a sra. Wilson perdesse toda a paciência e abrisse a porta do quarto para vê-los intimamente abraçados...

 

— Nós conversaremos sobre a inadequação de sua pre¬sença no quarto de Elizabeth mais tarde, Nathaniel — disse sua tia, enquanto ele a acompanhava escada abaixo, alguns segundos mais tarde.

Nathaniel tinha certeza de que eles conversariam... e de que tia Gertrude falaria pela maior parte do tempo. Mas isso poderia esperar um pouco, uma vez que essa não era a razão pela qual sua tia fora chamá-lo.

— Então Finch diz que a condição de Midnight piorou, em vez de melhorar, como nós tínhamos esperanças? — pergun¬tou Nathaniel.

A fisionomia de sua tia se suavizou um pouco.

— Eu sinto muito, Nathaniel. — Ela pôs a mão confortante sobre o braço dele. — Finch parece pensar que... ele acha que seu lindo garanhão vai morrer.

E, uma vez que o outro homem trabalhara com cavalos durante sua vida inteira, o pai tendo sido cavalariço lá antes dele, Nathaniel não tinha dúvidas que Finch sabia sobre o que estava falando.

Parecia inacreditável que Midnight tivesse adoecido de maneira tão súbita. O cavalo parecera perfeitamente bem quando eles haviam cavalgado no dia anterior. O que ele po¬deria ter achado para comer durante as horas da noite que o deixara tão doente?

Finch mantinha o estábulo meticulosamente limpo, e os cavalos, muito bem-cuidados. Na verdade, ele era tão bom em seu trabalho que Nathaniel tentara, diversas vezes no passado, roubar o cavalariço da casa de sua tia! Não havia negligência ali. Então, o quê...?

— Eu lamento muito, milorde. — Um Finch de rosto pálido olhou para ele do hall de entrada, um dos jovens ajudantes de estábulo ao seu lado. — Jim aqui acabou de me informar que Midnight morreu alguns minutos atrás...

 

Apesar de a sra. Wilson não ter lhe dito uma única palavra em reprovação, Elizabeth ainda não tinha muitas dúvidas quanto à desaprovação da outra mulher ao encontrar o sobrinho no quarto dela.

Na verdade, ela desejou que nunca precisasse encarar aquela mulher amável e querida novamente, todavia, ao mesmo tempo, sabia que essa era uma esperança tola. A sra. Wilson devia estar pensando até agora em como dizer à Elizabeth que ela estava dispensada de seus serviços e deveria ir embora imediatamente. Sem referências, é claro... como ela poderia dar uma referên¬cia favorável a uma jovem lady que encontrara na companhia privada de seu sobrinho, vestida apenas de camisola e penhoar?

Apesar da vergonha, ela se vestira apressadamente e segui¬ra Nathaniel e a sra. Wilson. Ele pareceu arrasado depois que a tia explicou rapidamente que o garanhão havia piorado, e que a presença de Nathaniel era requerida imediatamente no estábulo.

Foi necessária uma única olhada para os rostos brancos e chocados das quatro pessoas agora de pé no hall de entrada para Elizabeth perceber que o chamado chegara tarde de¬mais. Midnight já devia estar morto.

 

— Você deve tentar comer alguma coisa, Nathaniel — acon¬selhou a sra. Wilson gentilmente.

— Devo? — Nathaniel sabia que as intenções de sua tia eram as melhores, que ela estava apenas preocupada com seu estado emocional, mas ele ainda não conseguia se juntar à sua tia e às outras ladies ao chá da tarde, sentindo-se mui¬to abalado pela morte súbita e inexplicável de seu garanhão favorito.

Ele possuía o cavalo desde que Midnight nascera, filho de uma das melhores éguas de Kent e de um garanhão ganha¬dor de prêmios. O pequeno potro tinha crescido e se trans¬formado num garanhão forte e leal.

Nathaniel passara o que restava da manhã no estábulo com Finch e os outros cavalariços, cuidando da remoção do corpo de Midnight, antes que eles vasculhassem o estábu¬lo do chão ao teto, num esforço de achar o que poderia ter causado a doença do garanhão. Não encontraram nada de relevante.

Sentia-se deprimido e, de súbito, queria ficar sozinho.

— Eu acho que vou deixá-las para apreciar o chá, e voltar para a biblioteca.

O coração de Elizabeth doeu por ele, enquanto ela o ob¬servava sair do salão da tia, percebendo evidente sofrimento que sentia; o rosto dele pálido e cansado, aqueles olhos escu¬ros, por uma vez, não preenchidos com risada zombeteira ou com desdém arrogante, mas sim com profunda tristeza. Ela havia oferecido suas condolências pela perda do cavalo dele mais cedo, é claro, porém de maneira educada e tensa, ciente da atenção da sra. Wilson para qualquer troca que aconteces¬se entre ela e o sobrinho.

Pelo menos, a morte repentina do cavalo de Nathaniel adiara as reprimendas da sra. Wilson sobre o comportamen¬to impróprio deles mais cedo.

— Pobre garoto — Letitia Grant expressou sua compaixão.

— Ele sempre gostou de seus animais. — A sra. Wilson suspirou, mesmo enquanto dava um olhar afetuoso para Hector, que estava aninhado confortavelmente em sua cesta, dormindo diante do fogo aceso para esse propósito específico.

Elizabeth achava carinhoso quando aquelas duas ladies se referiam a Nathaniel como se ele não passasse de um meni¬no, o que, sem dúvida, ele devia parecer para elas. Não para Elizabeth, que nunca o veria como sendo menos que um ho¬mem... um homem forte e bonito que fazia seu coração ba¬ter descompassado somente ao pensar no ardor apaixonado de seus beijos e carícias.

Não era apenas isso que ela gostava sobre ele, é claro. Há muito tempo, percebera que o ar de cinismo e tédio de Na¬thaniel eram um escudo para emoções muito mais suaves. Ele podia não ter sentimentos mais fortes por Elizabeth do que o desejo que lhe mostrara em diversas ocasiões, mas o afeto que sentia pela tia era genuíno, assim tomo a tolerância com a, às vezes, irritante e efusiva Letitia. E ele era sempre educado com os criados e convidados de sua tia.

Parecia que apenas ela e Sir Rufus eram exceções à regra.

— Talvez nós todas devêssemos pensar em voltar para Londres, quando Nathaniel partir, amanhã. — A sra. Wilson obviamente não queria a opinião nem de Letitia nem de Eli¬zabeth, uma vez que fez de suas palavras uma declaração, e não uma pergunta.

Aquilo era exatamente o que Elizabeth desejava agora para si mesma, e teve de morder a língua a fim de impedir-se de dizer isso, sabendo que sua opinião não contaria nada em sua posição agora precária na casa da sra. Wilson.

Em vez disso, ela se levantou.

— Se vocês me dão licença...?

— Aonde você vai? — perguntou a sra. Wilson, desconfiada.

E deveria mesmo estar, considerando que tinha sido in¬tenção de Elizabeth procurar Nathaniel na biblioteca e oferecer-lhe condolências apropriadas. A sra. Wilson adivinhara sua intenção?

— Eu pensei em aproveitar esta oportunidade para... descansar um pouco antes do jantar.       

— Eu acho que... — A sra. Wilson parou no meio da sen¬tença, quando Sewell entrou, silenciosamente no salão.

— Sir Rufus Tennant está aqui para vê-la, senhora — ele informou sua ama, com seriedade.

Os ânimos de Elizabeth afundaram ainda mais com a notícia, enquanto ela se lembrava das rosas que recebera mais cedo. Ela não quisera responder ao gesto, mas certamente ele não poderia ser mais ignorado, quando Sir Rufus estava lá, em pessoa.

Ela desejou tanto que tivesse dado suas desculpas e se retirado do salão mais cedo! Em vez disso, ainda não havia sido liberada por sua empregadora, portanto era forçada a permanecer ali pelo menos durante os próximos minutos.

Além disso, ela imaginou o que o conde diria ou faria, em seu atual estado emocional, se percebesse que Sir Rufus havia ousado aparecer, depois de ter sido avisado categoricamente para não fazer isso, até que Nathaniel tivesse partido.

— Mande-o entrar, Sewell. — A impaciência da sra. Wilson com o momento inconveniente para a visita mal podia ser contida, entretanto ela esboçou um sorriso gracioso para Sir Rufus quando ele entrou no salão. — Desculpe-me pela infor¬malidade de meu salão, Sir Rufus. — Ela reconheceu a reve¬rência dele com uma inclinação da cabeça. — Nós estamos muito aborrecidos, hoje, lamento.

— Assim eu soube — disse ele. — Aqui é interior, sra. Wil¬son; notícias sempre viajam em velocidade muito maior nesta área do que em Londres — acrescentou, quando a sra. Wilson arqueou as sobrancelhas.

— Assim parece. — Ela franziu o cenho, mostrando seu desprazer em descobrir que os problemas de sua casa eram assuntos de fofoca.

Os olhos azul-claros se voltaram para Elizabeth, e ele fez outra reverência.

— Ladies.

— Sir Rufus. — Ela assentiu com um gesto frio de cabeça, enquanto Letitia sorria num cumprimento.

Ele se acomodou numa das poltronas baixas, quando foi convidado a fazer isso.

— Osbourne perdeu um de seus cavalos, eu acredito?

O tom da voz dele era tão desprovido de compaixão que Elizabeth instantanea-mente se sentiu indignada e furiosa em nome do conde.

Uma indignação que a sra. Wilson compartilhou, se o ru¬bor de raiva nas faces dela fosse alguma indicação.

— Nós somos uma família com grande afinidade por nos¬sos animais — declarou ela, a gratidão anterior em relação ao homem obviamente esquecida em face da rudez dele.

— Assim eu notei — replicou Sir Rufus, enviando um olhar desdenhoso na direção do mimado Hector. O pequeno ca¬chorro mais uma vez rosnou em resposta.

A sra. Wilson não ofereceu um pedido de desculpa pelo comportamento de seu cão, hoje.

— Você fala como se não aprovasse isso, Sir Rufus?

Ele deu de ombros.

— Eu tenho de admitir que não entendo a óbvia afeição que um homem inglês... ou uma mulher inglesa — ele as¬sentiu com a cabeça, em reconhecimento à sua anfitriã — por qualquer coisa com quatro patas.

Elizabeth encontrou-se prendendo a respiração, quando o silêncio reinou na sala. Ela esperou pela explosão da sra. Wilson, que parecia prestes a acontecer, apesar da maneira normalmente educada da lady com qualquer visita em sua casa.

— Talvez porque você tenha pouca afeição para dar a qual¬quer um, Tennant. Para criaturas de quatro patas ou para qualquer outro tipo de criatura! — A voz fria de Nathaniel soou, cheia de desprezo.

Elizabeth arfou quando se virou em direção à porta, perto de onde o conde estava parado, o olhar fixo e raivoso no ho¬mem sentado do outro lado da sala.

O homem mais velho levantou-se lentamente para devol¬ver aquele olhar, com desdém.

— Eu irei perdoar sua rudeza comigo, Osbourne, considerando que você está. obviamente aborrecido pela perda de um cavalo valioso.

— O valor de Midnight para mim não se traduzia em libras ou xelins — retrucou Nathaniel. — Também não estou tão aborrecido a ponto de não saber exatamente com quem falo!

— Nathaniel...

— O que você está fazendo aqui, Tennant? — demandou Nathaniel, ignorando a tentativa de sua tia de interceder entre os combatentes.

— Eu vim visitar a sra. Wilson, é claro.

— Porquê?

Sir Rufus pareceu um pouco agitado, antes de voltar a as¬sumir sua postura arrogante.

— Eu vim, em primeiro lugar, para oferecer minhas con¬dolências pela perda do seu cavalo...

— Considerando o conteúdo da compaixão que eu aca¬bei de ouvir, teria sido melhor você não ter se incomoda¬do em vir! — Nathaniel o interrompeu bruscamente. — E seu segundo motivo para a visita? — incentivou ele sua¬vemente.

Tennant suspirou de forma audível.

— Eu não acho que preciso me explicar para você, Os¬bourne.

— Como o único homem desta casa, eu tenho de discor¬dar. — Nathaniel sabia que não haveria argumento contra tal declaração.

Sir Rufus mais uma vez pareceu inseguro de si.

— Eu pensei, com a permissão da sra. Wilson, em convi¬dar a srta. Thompson para uma curta caminhada comigo.

Nathaniel bufou.

— Pelo que entendo, depois de ontem, a srta. Thompson não deseja ir a lugar algum com você, nunca mais. Estou certo, srta. Thompson? — Ele se virou para Elizabeth, as so¬brancelhas arqueadas numa pergunta arrogante.

Elizabeth estava atônita pelo nível de tensão que agora preenchia a sala. Os olhos da sra. Wilson estavam arregalados diante da rudeza do sobrinho, Letitia encontrava-se boquia¬berta em perplexidade, o rubor no rosto de Sir Rufus dando a impressão de que ele poderia saltar para a frente a qualquer momento e socar o queixo de Nathaniel. Quanto ao próprio Nathaniel...

Ela nunca o vira tão perigosamente furioso antes, nem mesmo no dia anterior, quando ele a encontrara nos braços de Sir Rufus. Na verdade, Nathaniel parecia estar dando as boas-vindas a um ataque do outro homem, de modo que ti¬vesse uma desculpa para retaliar. Se ele precisasse de uma desculpa, é claro...

Elizabeth virou-se para encarar friamente o rosto verme¬lho de Sir Rufus.

— Lorde Thorne está perfeitamente correto em sua decla¬ração, Sir. Eu estou sofrendo de um leve resfriado hoje.

— Pronto, agora você ouviu a recusa diretamente dos lá¬bios da srta. Thompson, Tennant — disse o conde.

A boca do outro homem se afinou com desprazer.

— Sinto muito em saber que você não está se sentindo muito bem, Elizabeth — murmurou ele. — Talvez eu deva vol¬tar amanhã?

— Eu...

— Isso não será possível, lamento, Sir Rufus — falou a sra. Wilson em tom suave. — Em vista da recuperação da saúde de meu sobrinho, e dos tristes acontecimentos aqui no mo¬mento, eu decidi que todos os meus empregados de Londres irão retornar à cidade amanhã.

— Amanhã? — Sir Rufus exclamou em protesto. — Mas... a srta. Thompson, também?

— Sim, é claro que Elizabeth também irá. — A sra. Wil¬son, obviamente tão cansada quanto o sobrinho da compa¬nhia tediosa de Sir Rufus, foi menos do que paciente em sua resposta. — Ela faz parte de minha equipe de empregados de Londres, afinal de contas.

Por enquanto, Elizabeth acrescentou silenciosamente, sa¬bendo que aquela situação não poderia continuar por mui¬to tempo, depois que todos eles voltassem para a cidade. Na verdade, considerando as circunstâncias, ela achava que era generosidade da parte da sra. Wilson lhe permitir retornar a Londres em sua companhia. Muitos empregadores na mes¬ma situação a teriam dispensado sem se preocupar em como ela ia conseguir transporte ou dinheiro para fazer a viagem de volta para Londres.

Sir Rufus fez uma carranca.

— Então, talvez eu pudesse ter a permissão de falar com a srta. Thompson em particular por alguns minutos?

Elizabeth tremeu por dentro quando a expressão de despre¬zo no rosto de Nathaniel se transformou numa de violência.

— Eu...

— Não, lamento, mas Elizabeth não pode ser dispensada nem por alguns minutos, uma vez que iremos todos nos pre¬parar para a viagem de amanhã. — A sra. Wilson apressou-se em responder ao homem. — Estou certa de que você entende, Sir Rufus? — O tom feroz por trás da voz educada avisava que era melhor ele entender.

Ele não respondeu por diversos longos momentos, enquanto seu bom-senso claramente lutava com o desgosto por ter tido seu desejo negado. Felizmente, o bom-senso ganhou, por fim.

— Neste caso, eu irei embora, senhora. — Ele fez uma re¬verência desajeitada para sua anfitriã, rudemente ignorando todas as outras pessoas na sala, inclusive Elizabeth... antes de se retirar do salão. Segundos depois, a porta da frente foi batida com força.

Um silêncio tenso se instalou sobre os habitantes do salão da sra. Wilson, Elizabeth mal conseguindo respirar, enquanto esperava alguém falar, sentindo-se incapaz de fazer isso, depois do que tinha acabado de acontecer.

— Bem! — Como era previsto, foi a sra. Wilson quem que¬brou o silêncio... embora o comentário dela não tenha sido o que Elizabeth esperava. — Que homem detestável Sir Rufus é! — Ela reprimiu um tremor de repulsa. — Na verdade, eu sempre desconfiei que, quando criança, ele era do tipo que gostava de arrancar pernas de aranhas e asas de insetos vo¬adores!

— Tia Gertrude! — A risada chocada de Nathaniel foi com¬pletamente espontânea, e um pouco da tensão se esvaiu do ambiente.

Sua tia ajeitou os cabelos já impecáveis, nem um pouco embaraçada por ter criticado um visitante de sua casa.

— Você não conheceu Sir Rufus quando menino, Natha¬niel. Ele só tinha 8 ou 9 anos na primeira vez em que eu vim para cá com meu querido Bastian, e era um garoto gordinho e sem atrativos, mesmo na época. Era absolutamente detes¬tável em seu comportamento com relação ao irmão, que era muito mais novo que ele.

— Giles — disse Nathaniel.

— Isso mesmo — confirmou sua tia. — Ele tinha ciúme de Giles, é claro, tendo sido filho único pelos primeiros seis anos de sua vida. E não deve ter ajudado que Giles possuía um caráter tão bom e um temperamento tão doce que conseguia encantar todos que se aproximavam dele. Ou que cresceu para se tornar um homem bonito, de ca¬belos dourados.

Nathaniel franziu o cenho.

— Eu sempre pensei que os dois irmãos haviam sido pró¬ximos.

— Publicamente, sim. Aqui, na privacidade de Gifford House? Uma história muito diferente — revelou a sra. Wil¬son. — E então, é claro, Giles conseguiu cativar a admiração e o amor da mulher que todos os homens da sociedade cobiça¬vam. — Ela bufou, de forma deselegante.

— Harriet Copeland... — murmurou Nathaniel com tris¬teza. Mesmo agora, dez anos depois do evento, recordava-se da beleza lendária da lady casada. Ele era muito jovem na época para ter conhecido a lady pessoalmente, é claro, mas havia roubado olhares ocasionais dela, onde ela brilhava em bailes da sociedade, com cabelos escuros, olhos verdes da cor do mar e uma beleza que chamava a atenção de todos os ho¬mens que a viam.

Isso tinha sido antes de a sociedade ser abalada pelo es¬cândalo de Harriet Copeland, quando deixara o marido e as filhas pequenas para ir morar com Giles Tennant, resultando em todos lhes virando as costas e fechando as portas da so¬ciedade para eles.

Sua tia assentiu.

— Eles estavam tão apaixonados. Mas com certeza... as características estranhas da personalidade de Sir Rufus de¬viam existir em Giles também, pois que outra explicação há para ele ter se comportado de maneira tão abominável no final?

Elizabeth se tornara muito imóvel diante da primeira menção do nome de sua mãe. Na verdade, ela não podia se mexer, mal conseguindo respirar, e havia um nó apertando seu peito, ao finalmente ouvir que Giles Tennant fora, afinal de contas, o jovem amante da mãe dela, dez anos atrás.

— Espero que você me perdoe por ter um dia encorajado você a apreciar as atenções de um homem como Sir Rufus, minha querida. — A sra. Wilson virou-se para, gentilmente, apertar o braço de Elizabeth, num pedido de desculpas. — Eu pensei que os anos pudessem ter melhorado o caráter do ho¬mem, mas você foi muito mais astuta que eu em relação à verdadeira natureza dele!

Elizabeth estivera certa quando decidira que não gostava muito do homem, mas tal astúcia não contava para nada, agora que ela sabia sobre a conexão passada da família de Sir Rufus com sua mãe. E perguntou-se por que Sir Rufus teria desejado nomear uma rosa em homenagem a uma mulher responsável por levar tanta desgraça para a família Tennant...

— Eu... sim, é claro. Nós realmente voltaremos para Lon¬dres, amanhã, sra. Wilson? — Ela franziu o cenho, imaginan¬do o que faria com a informação que tinha agora, se é que faria alguma coisa.

— Sim, tia Gertrude, do que se trata tudo isso? Eu pensei que fosse sua intenção permanecer em Devon por mais algu¬mas semanas?

Ela balançou a mão no ar num gesto de dispensa.

— Eu não achei tão prazeroso estar no campo quanto espe¬rava. Uma vez que a sua saúde foi o motivo principal de nossa vinda para cá, no meio da temporada de bailes de Londres, não vejo razão para que continuemos aqui, quando você vai embora amanhã. Especialmente quando um de nossos vizi¬nhos mais próximos se provou tão desagradável — acrescen¬tou ela, de forma indignada.

Aquelas razões eram muito boas, mas, ao mesmo tem¬po, negavam totalmente a própria razão de Nathaniel para deixar a mansão Hepworth... a razão de colocar distância entre ele e a tentação que Elizabeth representava.

A palidez que ele agora via no rosto de Elizabeth parecia indicar que ela estava tão abalada pela decisão repentina de sua empregadora quanto Nathaniel.

 

— Você não pareceu particularmente alegre, mais cedo, com a notícia de que irá voltar para Londres com minha tia, amanhã?

Elizabeth tinha pedido licença para sair do salão da sra. Wilson mais cedo, com o pretexto de arrumar seus poucos pertences, em preparação para a jornada de volta a Londres pela manhã. Mas, em vez disso, caíra na cama com fraqueza, assim que havia entrado em seu quarto e fechado a porta, ainda incerta do que deveria fazer, agora que sabia que Giles Tennant fora mesmo amante de sua mãe. Também ponderou sobre a estranheza da intenção anterior de Sir Rufus de no¬mear sua rosa em honra a Harriet Copeland, quando deveria tê-la odiado.

O retorno para Londres, sem ao menos falar com Sir Ru¬fus novamente, significava que Elizabeth deixaria para trás o único homem que talvez fosse capaz de responder algumas de suas perguntas. Contudo, ela não tinha ideia, depois da partida grosseira de Sir Rufus mais cedo, de como poderia encontrá-lo de novo, muito menos trazer à tona um assunto tão delicado quanto a morte trágica do irmão dele.

O fato de Nathaniel agora se intrometer em pensamentos tão perturbadores estava longe de ser bem-vindo.

— Sua tia ficará muito aborrecida se encontrá-lo em meu quarto pela segunda vez hoje — apontou ela com firmeza.

— Então devemos nos certificar de que ela não me en¬contre aqui. — Ele adentrou mais o cômodo e fechou a porta silenciosamente. — Pensei que você tivesse subido com a in¬tenção de arrumar a mala? — Ele olhou ao redor, absorven¬do o fato de que o quarto permanecia do mesmo jeito que antes, quando ele estivera lá, naquela manhã; escova e pen¬te sobre a penteadeira, a camisola e penhoar de Elizabeth sobre a cadeira, e a porta aberta do armário revelando que alguns vestidos continuavam pendurados, vários pares de sapatos ordenados na prateleira de baixo. O fato de que ela estava sentada na cama quando ele entrara era mais uma evidência de que Elizabeth não fizera o menor esforço para começar arrumar a mala.

Ela se levantou abruptamente.

— Eu me senti um pouco mal de novo, quando cheguei aqui, então eu me sentei por alguns minutos.

Nathaniel estudou-a entre pálpebras estreitas. Não havia engano de que as faces dela ainda estavam muito pálidas, e que os olhos azuis pareciam aflitos.

— Você ainda parece longe de estar bem.

Elizabeth virou-se do olhar investigativo.

— É somente um resfriado, acompanhado por uma febre baixa. — Ela afastou mechas de cabelo de uma testa que se tornara úmida, enquanto olhava pela janela e percebia que podia ver a fumaça saindo em espiral da chaminé de Gifford House, visível do outro lado da encosta no próximo vale. Tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe...

— Talvez você devesse, afinal de contas, permitir que mi¬nha tia chame um médico?

— Não, eu tenho certeza de que isso não será necessá¬rio. — Elizabeth virou-se do vislumbre tentador da casa de Sir Rufus Tennant. — Eu queria lhe dizer mais uma vez o quanto lamentei ouvir sobre a passagem de Midnight — murmurou ela, gentilmente.

O semblante do conde fechou-se.

— Eu gostaria que tivesse sido uma passagem tão pacífica quanto você faz parecer, mas infelizmente não foi uma morte fácil ou prazerosa.

Elizabeth estremeceu.

— Você tem alguma ideia do que pode ter causado isso?

— Nada foi confirmado, por enquanto — replicou Nathaniel.

Ela piscou.

— Mas você tem suas suspeitas?

— Talvez — respondeu ele, de modo evasivo. — Finch conti¬nuará investigando a causa, depois que eu me for.

— Acha que um dos cavalariços pode ter cometido o cri¬me? — insistiu ela.

— Se este for o caso, então Finch cortará a cabeça dele. — E Nathaniel teria o resto do homem, de preferência fatiado na ponta de sua espada, por ousar causar até mesmo um mo¬mento de dor num garanhão tão magnífico.

Elizabeth pareceu triste.

— Eu realmente sinto muito.

Ele deu um sorriso tenso.

— Você não tem culpa, Elizabeth.

— Bem, é claro que não. — Ela franziu o cenho. — Mas eu lamento por Midnight, de qualquer forma.

Nathaniel não tinha dúvidas sobre a bondade do coração de Elizabeth; vira aquela bondade repetidas vezes durante o tempo deles juntos. Na verdade, essa era uma das razões pelas quais achava duplamente difícil resistir à incrível be¬leza dela.

Se Elizabeth fosse menos amável, menos inteligente, me¬nos linda, então Nathaniel sabia que não se encontraria cons¬tantemente atraído por ela. E, mesmo agora, arrasado pela morte de Midnight, ciente de que sua tia já desconfiava de seu interesse por Elizabeth, ele fora incapaz de não subir para o quarto dela, e estar em sua companhia uma última vez.

Ele suspirou.

— Duvido que nós nos encontraremos muito, uma vez que retornarmos a Londres. Eu irei para Osbourne House, e você estará na casa de minha tia.

— Não — confirmou Elizabeth com a voz rouca, tendo percebido a mesma coisa, depois do anúncio da sra. Wilson, mais cedo.

Por mais que a entristecesse pensar que não veria ou estaria com Nathaniel novamente, não podia evitar sentir que talvez fosse melhor assim. Não poderia haver futuro naquela atração. Nathaniel era o elegível e próspero conde de Osbourne; enquanto Elizabeth percebia que, embora ele fosse amigo de seu novo guardião, e eles estivessem desti¬nados a se encontrar outras vezes, o fato de que ela era a filha empobrecida do falecido conde de Westbourne e da escandalosa Harriet Copeland não a tornaria mais aceitável para Nathaniel do que ela teria sido como a dama de com¬panhia da tia dele.

— Todavia, eu acho que você está sendo muito otimis¬ta em assumir que eu irei acompanhar sua tia para a casa dela — murmurou Elizabeth agora. Então deu um sorriso fraco. — Certamente, a sra. Wilson ficou bastante insatisfeita com meu comportamento hoje.

— Com seu comportamento? — O conde fez uma care¬ta. — Fui eu quem veio ao seu quarto. Duas vezes!

Elizabeth assentiu.

— E, como uma mera criada, em vez de um membro pró¬ximo da família, sou eu quem será demitida.

— Se você realmente acredita que este será o caso...

— Eu acredito — interrompeu Elizabeth.

— Então eu falarei com minha tia.

— Eu preferia que você não falasse! Por favor, não fale com sua tia — repetiu ela com veemência. — É desnecessário que você se envolva, quando eu já lhe disse que ser dama de companhia não é o que eu quero fazer. — Elizabeth tinha, na verdade, deci-dido que estava na hora de voltar para sua casa, em Hampshire.

Fugir de Shoreley Park e da oferta de casamento de lor¬de Faulkner, a fim de procurar liberdade e, possivelmente, aventura romântica em Londres, não tinha saído como ela esperara. Não poderia haver liberdade, quando ela possuía pouco dinheiro para se sustentar, e quando a única aventura romântica que encontrara havia sido ser perseguida por um homem de quem não gostava e por um de quem gostava mais do que deveria.

Não, Elizabeth não podia pensar sobre seus sentimentos confusos por Nathaniel agora, se quisesse conduzir aquela conversa com algum grau de decência.

— Decidi que está na hora de eu voltar para minha casa.

O conde pareceu intrigado.

— Que é... onde?

Elizabeth deu um pequeno sorriso.

— Não em Londres, certamente.

Nathaniel não gostou nem um pouco de saber que Eliza¬beth poderia partir e desaparecer só Deus sabia para onde. O que, percebeu, era provavelmente o ponto principal...

Ele atravessou o quarto para parar diante dela, estudan¬do-lhe a beleza delicada do rosto.

— Eu não gosto do pensamento de não a ver mais.

Um rubor substituiu a palidez anterior das faces de Eliza¬beth, enquanto ela evitava encontrar o seu olhar, concentrando-se, para isso, nos botões de seu colete.

— Eu tenho certeza de que, uma vez que você retornar a Londres e aos seus... amigos lá, irá esquecer rapidamente que Elizabeth Thompson já existiu.

Fazer isso certamente havia sido a intenção de Nathaniel. Apreciar os charmes descomplicados de uma mulher dispos¬ta a satisfazer suas necessidades físicas, antes de procurar seus amigos Westbourne e Blackstone. Nenhuma dessas ati¬vidades o atraía, quando elas seriam feitas com o conheci¬mento de que Elizabeth não era mais uma residente da casa de sua tia.

— Talvez... — Nathaniel parou de falar, e deu um gemido frustrado.

— Sim... ? — Elizabeth olhou para cima, timidamente.

Ele estava lutando com o dilema de permitir que Elizabeth saísse de sua vida contra a alternativa igualmente inaceitá¬vel de oferecer-lhe o papel de sua amante. A primeira opção era dolorosa de ser contemplada, a segunda o tornaria uma pessoa detestável... Qualquer curso de ação que tomasse, estaria condenado.

E então ele não faria nenhuma dessas coisas.

— Eu acho que sentirei sua falta — disse ele, em vez disso.

Elizabeth deu um sorriso triste.

— Você sentirá falta de minha língua ferina, talvez.

Lembrar-se das coisas que aquela jovem lady tinha feito com a língua apenas no dia anterior foi descuido da parte de Nathaniel. Mas, assim que a memória lhe veio à mente, o calor que o percorreu fez sua masculinidade enrijecer e pul¬sar desconfortável-mente...

Loucura. Total e absoluta loucura até mesmo pensar nos momentos em que ele e Elizabeth haviam feito amor!

Nathaniel distanciou-se.

— Talvez — concedeu ele. — Como, sem dúvida, você irá notar a ausência de minha tendência a provocá-la o tempo inteiro.

Elizabeth sabia que sentiria falta de muito mais do que as provocações dele, uma vez que fosse embora da casa da sra. Wilson. Que ansiaria por muito mais! Contudo, não ha¬via mais nada a ser feito. Ela precisava voltar para Shoreley Park, para a companhia de suas irmãs, e o mais brevemente possível, de modo que pudesse compartilhar com elas tudo que descobrira sobre o envolvimento de sua mãe com a fa-mília Tennant.

— Sem dúvida — respondeu ela suavemente. — E, quem sabe, talvez um dia nós nos encontremos de novo?

Nathaniel não podia imaginar como, quando os dois ocupa¬vam esferas completamente distintas na sociedade.

— Agora, se você não se importa, acho que está na hora de eu começar a arrumar minha mala...?

Tratando-se de dispensas, ele reconheceu que Elizabeth era muito educada, mesmo se mais decidida ainda, por cau¬sa disso.

— Então está bem — concordou Nathaniel com um peque¬no sorriso. — Se, em qualquer momento no futuro, você pre¬cisar de alguma ajuda...

— Não, isso não vai dar certo, Nathaniel — interrompeu ela com firme propósito.

— Então, se você algum dia precisar de uma referência, talvez...

— Isso seria ainda menos aceitável do que sua oferta ante¬rior! — disse ela secamente. — Qualquer empregador do sexo feminino olharia com desconfiança para uma referência pes¬soal minha do conde de Osbourne, e as suposições de um empregador do sexo masculino seriam ainda menos favorá¬veis para mim.

Ela estava certa, é claro, reconheceu Nathaniel, e não se sentiu menos frustrado por causa disso.

— Então, este é verdadeiramente um adeus? — perguntou ele, com a voz rouca.

O sorriso de Elizabeth foi fraco.

— Eu estou certa de que, uma vez que levaremos vários dias de viagem para chegar a Londres, teremos oportunidade de nos falar novamente durante esse tempo.

Mas não em particular, Nathaniel sabia. Não como agora. A sós. Sem a presença energética de sua tia ou da bem-inten¬cionada Letitia.

Ele privadamente amaldiçoou a distância que já se abria entre eles.

— Talvez, quando você estiver estabelecida em sua casa novamente, possa me escrever e me contar como está indo. Não, percebo que isso também não “vai dar certo” — respon¬deu Nathaniel a própria pergunta antes que ela o fizesse.

Perceber que Nathaniel parecia achar a separação deles quase tão dolorosa quanto ela achava era como um bálsamo para as emoções feridas de Elizabeth. Quase tão dolorosa. Porque o conde de Osbourne não poderia ter sentimentos verdadeiros em relação a uma mulher aparentemente tão abaixo de sua posição social.

— Realmente, já é mais do que hora de você sair do meu quarto, milorde.

— Mas...

— Por favor, milorde! — Elizabeth acrescentou, com uma firmeza que estava longe de sentir.

A boca de Nathaniel se comprimiu diante da formalidade dela.

— Como sempre, você está certa. — Ele imediatamente tornou-se o conde de Osbourne: endireitando os ombros, assumindo um ar de arrogância no rosto bonito, enquanto andava para a porta. — Eu lhe desejo boa sorte com a arru¬mação de sua mala.

— Milorde. — Elizabeth fez uma cortesia educada, man¬tendo o próprio ar de distância até que ele saísse e fechas¬se a porta, quando ela finalmente foi capaz de dar vazão às lágrimas que vinham ameaçando cair nos últimos minutos, expressando a tristeza profunda que sentia com o mero pen¬samento de se separar do homem que amava do fundo de seu coração.

 

— Aonde você vai?

— Isso não é óbvio, milorde? — Elizabeth olhou de modo significativo para a coleira e para Hector, que ofegava ao seu lado no hall de entrada, pronto para o passeio deles.

Nathaniel estava se sentindo irritadiço desde que retorna¬ra para o andar de baixo da casa, e certamente não estava no humor para tolerar o sarcasmo de Elizabeth.

— Tenho certeza de que Hector pode ficar sem passear por uma noite, se você ainda não estiver se sentindo bem. — Os olhos de Elizabeth pareciam vermelhos; a voz, estranha¬mente rouca.

Os cachos escuros estavam cobertos por um chapéu de palha, em preparação para sair no sol do fim de tarde.

— Eu acabei de arrumar minha mala, e acho que um pou¬co de ar fresco agora pode me fazer bem.

Ela provavelmente estava certa, mas ainda assim...

— Talvez eu deva acompanhá-la?

Uma sombra passou sobre as feições bonitas de Elizabeth, quando ela meneou a cabeça.

— Isso não...

— ... não vai dar certo — terminou Nathaniel em tom de voz ríspido, as mãos se fechando em suas laterais. — Eu estou ficando um pouco cansado de ouvir o que vai ou não vai dar certo em relação a nós dois, Elizabeth.

Ela lhe deu um sorriso triste.

— Eu ia dizer que isso não é necessário, milorde. Sou perfeitamente capaz de sair sozinha para o passeio de Hec¬tor — continuou ela, quando ele ia protestar.

Nathaniel estava se comportando de forma tão ridícula quanto o tom seco na voz de Elizabeth implicava que ele es¬tava, pensou com autodesgosto. Além disso, diversas cartas haviam chegado com a correspondência, pouco tempo atrás, e colocadas na biblioteca. Ele precisava dar atenção a elas an¬tes de sua partida no dia seguinte.

— Eu não a atrasarei mais, então.

Elizabeth somente se permitiu respirar de novo depois que Nathaniel desapareceu na direção da biblioteca, a com¬postura que colocara ao seu redor como uma capa, antes de descer a escada, tendo sido abalada no instante que ela o vira de novo. Seu interesse, os sentimentos que nutria para Natha¬niel, eram as coisas que definitivamente “não dariam certo”!

Elizabeth estava com medo de examinar tais sentimentos muito de perto; sem dúvida, teria muito tempo — dias, meses, anos — para fazer isso, uma vez que estivesse seguramente longe da presença dele e de volta a Shoreley Park.

Enquanto isso, era sua intenção manter-se o mais ocupa¬da possível, de modo a não se permitir tempo para pensar nesses sentimentos, começando por uma caminhada longa e, esperançosamente, prazerosa com Hector.

Todavia, depois de minutos que saíra da mansão Hep¬worth, Elizabeth teve a infelicidade de encontrar Sir Rufus andando propositadamente ao longo da trilha, em direção a ela.

Uma expressão satisfeita foi revelada no rosto comum dele, suas primeiras palavras confirmando que aquele não era um encontro ao acaso.

— Eu estou andando por aqui por algum tempo, na espe¬rança de que pudesse encontrá-la novamente.

— Sir Rufus. — O cumprimento de Elizabeth foi menos entusiasmado, quando ela o olhou com cautela. Estava mui¬to ciente dos comentários da sra. Wilson mais cedo, sobre alguma coisa estranha no caráter daquele homem, porém, ao mesmo tempo, não pôde evitar se perguntar se aquele encontro não estava predestinado. Uma resposta, na ver¬dade, às suas incertezas anteriores sobre o que ela deveria fazer com seu conhecimento recém-adquirido.

— Eu não tive oportunidade de lhe agradecer pelas rosas que você me mandou hoje, mais cedo, Sir Rufus — murmurou ela, quando ele começou a andar ao seu lado.

O rosto dele se iluminou com prazer sob o chapéu alto.

— Fico feliz que você tenha gostado das flores.

Elizabeth não dissera isso exatamente.

— Elas são muito bonitas — reconheceu ela, de forma evasiva.

Sir Rufus a olhou com admiração.

— Nem de perto tão bonitas quanto a pessoa que tem o nome delas.

Na verdade, Elizabeth sabia que não era nem de perto tão linda como as flores, assim como não estava mais perto de responder por que Sir Rufus algum dia tinha considerado nomear sua rosa favorita em homenagem à amante escanda¬losa de seu irmão mais novo.

— Você me honra muito, Sir.

— Imagine. — Ele parou para se virar e pegar a mão livre de Elizabeth na sua. — Elizabeth, você deve estar ciente, a es¬sas alturas, da estima que eu tenho por você... — Sir Rufus parou abruptamente, quando Hector escolheu aquele mo¬mento para anunciar seus sentimentos sobre aquele encon¬tro, rosnando ferozmente, antes de fincar os dentes num dos tornozelos do cavalheiro, coberto por bota. — Seu animal im¬becil! — O rosto de Sir Rufus estava contorcido de raiva quan¬do ele chutou o cachorrinho, com tanta força que a coleira se soltou da mão de Elizabeth, e Hector literalmente voou pelo ar, choramingando de dor quando aterrissou a diversos me¬tros de distância, na trilha seca e empoeirada.

— Sir Rufus! — Elizabeth arfou em choque, enquanto reco¬lhia a mão a fim de correr para o lado do pequeno cão. — Como você pôde fazer isto? — Ela se virou para lhe dar um olhar acusa¬dor, mesmo enquanto ajudava o pobre Hector a se equilibrar sobre as quatro patas novamente.

A expressão dele continuou distorcida pela raiva.

— Eu estou cheio das constantes interrupções causadas pela presença deste animal. — Sir Rufus aproximou-se para segurar o braço de Elizabeth com firmeza, de modo a puxá-la para seu lado. — Nós iremos para Gifford House, onde eu po¬derei conversar com você em privacidade, sem interrupções.

Os olhos de Elizabeth se arregalaram em alarme, tanto por aquela sugestão quanto pelo comportamento estranho e agressivo de Sir Rufus.

— Eu não desejo ir para Gifford House com você, Sir.

— É claro que deseja.

— Não...

— Sim, Elizabeth! — Ele começou a arrastá-la do seu lado, ao longo da trilha.

— Sir Rufus, eu insisto que você me solte neste instan¬te! — Os esforços de Elizabeth para se libertar foram encon¬trados com resistência, quando dedos fortes apertaram seu braço dolorosamente, e, sem dúvida, deixariam marcas roxas em sua pele sensível.

Hector, aparentemente recuperado do chute malvado, es¬colheu aquele momento para outro ataque ao tornozelo de Sir Rufus, seu rosnado longo e profundo.

Sir Rufus, o rosto contorcido numa expressão cruel, não hesitou em dar outro chute, com a ponta da bota, na lateral do pequeno cão. E Hector não levantou desta vez, mas caiu inconsciente sobre sua lateral, a alguma distância.

— Com alguma sorte, esta criatura abominável está mor¬ta! — anunciou o agressor do cachorro com satisfação.

Elizabeth virou-se ferozmente para o homem parado ao seu lado.

— Como você pode até mesmo dizer uma coisa dessas? — Mais uma vez, ela tentou se libertar dos dedos em seu braço, não se preocupando com a própria dor, em seu desespero para retornar ao lado de Hector. — Solte-me neste instante! — Suas faces queimavam com fúria.

— Você deve saber que eu não posso...

— Eu não sei de nada! — Raiva brilhava nos olhos de Elizabeth. — Você é um monstro! — Ela se virou e começou a socar o peito de Sir Rufus com os punhos cerrados. — Um monstro cruel e insensível! — Elizabeth estava além da razão, necessitando expressar o desgosto absoluto que sentia por aquele homem. Encontrava-se tão tomada pela raiva que levou diversos minutos para perceber que ele não estava oferecendo resistência, considerando que tinha uma mulher furiosa socando-lhe o peito!

Mas ela aos poucos tomou consciência de que Sir Rufus estava imóvel contra seu ataque. Imóvel demais, de um jeito não natural.

Elizabeth parou de socá-lo para olhar para ele, toda a cor drenando de seu rosto quando viu que ele a fitava com uma expressão muito estranha naqueles olhos azul-claros. Tão es¬tranha que enviou um tremor de apreensão ao longo de sua coluna.

Um nervo pulsou no maxilar rígido de Sir Rufus.

— Por que você continua falando assim comigo, quando sabe que eu só agi dessa forma para que nós pudéssemos fi¬nalmente ficar juntos?

Elizabeth engoliu em seco antes de falar.

— Sir Rufus...

— Eu não vou tolerar mais deste seu jeito puritano quan¬do há uma coisa que precisa ser feita, Harriet! — exclamou ele.

— Harriet? — Os olhos de Elizabeth agora estavam arre¬galados com mais do que alarme. Aquele homem estava tão fora de si que realmente acreditava que ela fosse sua mãe?

A expressão de Sir Rufus se suavizou um pouco enquanto ele a estudava.

— Minha querida Harriet. — As mãos dele se moveram para acariciar cada uma de suas faces. — Eu conheço muito bem a bondade de seu coração. Na verdade, tenho certeza de que eu não a amaria a metade do que amo, se não soubesse da con¬sideração que você tem pelos sentimentos dos outros. — A fisionomia endureceu. — Pelos sentimentos de meu irmão, principalmente. Mas é hora de pararmos de fingir, minha que¬rida. Hora de ficarmos juntos, como o destino traçou para nós.

O semblante dele evidenciava tanta loucura agora que Elizabeth percebeu, naquele momento, que Sir Rufus real¬mente acreditava que ela fosse Harriet Copeland, voltando para ele.

 

— Você precisa vir imediatamente, Nathaniel! Imediata¬mente, ouviu?

Nathaniel franziu o cenho quando ergueu os olhos da carta que recebera de Gabriel Faulkner naquela tarde, para ver sua tia pálida e claramente perturbada parada à por¬ta da biblioteca, apenas essas coisas sendo suficientes para informá-lo de que alguma coisa estava muito errada. Sua tia Gertrude orgulhava-se de ser uma pessoa calma e prática em todas as ocasiões.

Ele se levantou rapidamente de trás da mesa.

— O que aconteceu?

Lágrimas brilhavam nos olhos de sua tia, enquanto ela levava uma das mãos ao peito, que se movimentava visivel¬mente com a respiração ofegante.

— Hector voltou terrivelmente machucado, e sem Eli¬zabeth!

Nathaniel arqueou as sobrancelhas quando pisou no cen¬tro da sala alinhada por livros.

— Sem Elizabeth? — repetiu ele.

A sra. Wilson assentiu.

— Oh, Nathaniel, eu temo que ela tenha caído do topo do penhasco! Poder estar deitada morta sobre as pedras abaixo...

— Você deve se acalmar, tia — interrompeu ele, a histe¬ria de sua tia apenas aumentando sua própria preocupa¬ção. — Hector voltou machucado, você diz?

Sua tia assentiu com um movimento veemente da cabeça.

— Ele está mancando muito com a pata direita, e as cos¬telas do pobre Hector parecem machucadas ou quebradas.

— Mostre-me. — Ele atravessou a sala em dois passos lon¬gos, a fim de se juntar à sua tia, quando ela se virou para li¬derar o caminho para seu salão privado, onde Hector estava deitado imóvel em sua cesta ao lado da lareira.

O pequeno cachorro o fitou com olhos cheios de senti¬mento, quando Nathaniel se abaixou sobre os calcanhares ao lado da cesta, as mãos gentilmente tocando as costelas de Hector, antes de começaram a inspecionar a pata machucada.

Ele se virou para sua tia Gertrude.

— A coleira de Hector ainda estava no lugar quando ele retornou?

— Sim.

Nathaniel endireitou o corpo.

— Eu não acho que ele tenha quebrado alguma coisa...

— Oh, graças a Deus! — A sra. Wilson expressou seu alívio, antes que sua fisionomia revelasse preocupação novamen¬te. — Mas e quanto à Elizabeth? Onde ela pode estar? Você deve sair para procurá-la imediatamente, Nathaniel! — Ela torceu as mãos em sua ansiedade.

Ele tinha todas as intenções de procurar Elizabeth. Na ver¬dade, somente atrasara essa busca tempo suficiente para examinar o pequeno cão primeiro, num esforço de obter alguma informação a partir da aparência de Hector, sobre onde ela poderia estar.

— Hector não parece ter caído do penhasco, tia. Se assim fosse, tenho certeza de que ele teria outros cortes e ferimentos.

A sra. Wilson franziu a testa.

— Mas certamente Elizabeth já teria voltado a essas altu¬ras, se tivesse apenas deixado a coleira escapar da mão?

Nathaniel, sabendo que, com a pata e costelas machucadas, Hector teria demorado algum tempo para retornar ao lar, já havia chegado à mesma conclusão. O que significava que Eli¬zabeth estava deitada e ferida em algum ponto da trilha do pe-nhasco, ou que tinha sido impedida de voltar por outros meios.

Meios no formato de Sir Rufus Tennant, talvez?

Nathaniel fechou o semblante, sabendo que não possuía bases para tal conclusão. Exceto, é claro, pelo interesse quase fanático do homem em Elizabeth naqueles últimos dias.

Sua boca se apertou com o pensamento de Tennant estar em algum lugar perto dela.

— Instrua Sewell para organizar um grupo de busca, ime¬diatamente, tia.

— Mas onde você estará? — Sua tia virou-se para olhá-lo, quando ele andou com propósito em direção à porta.

Nathaniel voltou-se para a tia com olhos escuros e tem¬pestuosos.

— Eu irei fazer uma visita para um vizinho, antes de me juntar ao grupo de busca, querida tia.

Os olhos da sra. Wilson se arregalaram.

— Você não acha que Tennant tem alguma coisa a ver com isso?

— Neste momento, eu estou tentando não pensar, e sim agir, tia — replicou Nathaniel.

As articulações dos dedos da sra. Wilson se tornaram brancas quando ela apertou as mãos, uma contra a outra.

— Ele parece muito obcecado por Elizabeth recente¬mente...

E, sabendo que ela partiria no dia seguinte, talvez ele ti¬vesse decidido agir sobre tal obsessão, antes que fosse tarde demais?

Nathaniel nunca deveria ter permitido que Elizabeth fosse caminhar sozinha. Deveria ter insistido para acompanhá-la mais cedo.Devia...

Ora, não importava o que ele deveria ter feito! A coisa mais importante agora era encontrá-la e tranquilizar a si mesmo, e todos os outros, do bem-estar de Elizabeth.

 

Elizabeth nunca tinha sentido tanto medo em sua vida como agora, quando estava de pé no silêncio assustador da estufa de Sir Rufus, tão enervada pela crença dele de que ela era Harriet quanto pela faca afiada que ele segurava distraidamente em uma das mãos.

Ela não havia ido para Gifford House com ele por livre e espontânea vontade, mas Sir Rufus estivera tão incendiado pela intensidade de suas emoções que era como se Elizabeth não pesasse nada, enquanto ele a arrastava e a puxava do seu lado. No processo, ele entortara o chapéu na cabeça dela, en¬tão o removera completamente, quando Elizabeth não podia mais ver para onde ele a estava levando.

Eles tinham chegado rapidamente em Gifford House, onde qualquer esperança que Elizabeth tivera de conseguir pedir ajuda para um dos criados de Sir Rufus fora destruída, quan¬do ele escolhera ignorar a entrada frontal da casa e circulara a propriedade para entrar pelos fundos, seguindo diretamente para a estufa e trancando a porta, depois que os dois entraram.

Os comentários anteriores de Sir Rufus sobre a mãe de Elizabeth foram suficientes para convencê-la a segurar a lín¬gua, especialmente os comentários sobre o jeito puritano de Harriet sobre “alguma coisa que precisava ser feita”, de modo que “os dois pudessem estar finalmente juntos, como o desti¬no traçara para eles”.

Elizabeth queria muito saber o que exatamente Sir Rufus tinha feito no passado para assegurar que ele e Harriet ficas¬sem juntos...

 

Nathaniel saíra da mansão Hepworth com tanta pressa que nem mesmo pausara para pegar seu chapéu e luvas, enquanto corria para o estábulo, a fim de ajudar Finch a selar um ca¬valo castrado marrom. Ele cavalgou sobre o caminho do pe¬nhasco como se o demônio o estivesse perseguindo, o tempo inteiro olhando ao redor, caso Elizabeth tivesse, afinal de con¬tas, escorregado acidentalmente sobre a lateral do penhasco. O sinal mais próximo que pôde encontrar dela foi em uma parte específica do caminho, onde podia ver pequenas pegadas no solo empoeirado e as marcas das patas de Hector, intercaladas com pegadas de botas de um homem.

Botas de Tennant?

Nathaniel não tinha prova disso, é claro, mas, consideran¬do que aqueles dois pares de pegadas levavam na direção de Gifford House, ele virou seu cavalo firmemente naquela dire¬ção, seu semblante mais aflito do que nunca.

 

— Por favor, Sir...

— Minha querida Harriet, eu acho que podemos parar de fingir agora, e chamar um ao outro por nosso primeiro nome! — Sir Rufus falou em tom de voz satisfeito, enquanto a fitava com olhos brilhantes e calorosos.

Ela temia que ele tivesse enlouquecido completamente, talvez fosse mais seguro alimentar a fantasia dele?

— Rufus — concordou ela suavemente —,nós não ficaría¬mos mais confortáveis se entrássemos na casa e conversás¬semos? Durante o jantar, talvez? — Elizabeth sabia que se sentiria mais tranquila se houvessem criados por perto para escutar seus gritos.

Ele franziu o cenho numa expressão intrigada.

— Mas você sempre disse o quanto queria ver minhas rosas...

— E eu estou muito feliz por ter visto suas rosas ago¬ra — apressou-se em falar, Elizabeth com uma olhada de lado para a faca na mão dele. — Eu... eu pensei apenas no seu conforto quando sugeri que entrássemos na casa para jantar.

A expressão de Sir Rufus suavizou-se novamente.

— Como sempre, Harriet, você tem muita consideração pelos outros.

Elizabeth não se lembrava muito de sua mãe, tendo so¬mente nove anos de idade quando Harriet partira de Shoreley Park pela última vez, mas recordava-se de uma mãe carinhosa, e das risadas que sempre preenchiam o lar quando ela estava em casa. Naqueles últimos minutos, havia se tornado mais do que óbvio que não tinha sido apenas Giles Tennant que se apaixonara por Harriet Copeland, mas Sir Ru¬fus Tennant, também.

A morte dela nas mãos de Giles Tennant enlouquecera Sir Rufus completamente?

Ou alguma outra coisa era responsável pelo estado mental confuso dele? Algo ainda mais terrível?

Elizabeth umedeceu os lábios secos, consciente de que o estado mental dele estava tão inconstante que ele poderia se tornar violento a qualquer instante, especialmente se Eliza¬beth tentasse desafiar-lhe a crença de que ela era Harriet.

— Eu tenho de admitir que gosto da ideia de uma refeição leve. — Ela faria ou diria qualquer coisa para persuadi-lo a entrar na casa, e sair do completo isolamento daquela estufa fechada.

Ele deu uma risada suave, oferecendo-lhe um breve vis¬lumbre do homem jovem que tinha sido um dia. Sir Rufus ainda não era um homem bonito como diziam que o irmão fora, mas certamente tivera os próprios atrativos no passado.

— Você sabe que eu jamais consegui lhe negar nada.

— Então podemos entrar na casa e jantar? — Por mais que tivesse tentado, Elizabeth não foi capaz de esconder a ansie¬dade de escapar dali de seu tom de voz. — Você pode me mos¬trar o resto da casa, também — acrescentou ela de maneira encorajadora, quando ele franziu o cenho de leve.

— E claro, minha amada Harriet. Você deve estar ansiosa para ver o que será seu novo lar. — Sir Rufus apertou-lhe uma das mãos, num gesto tranquilizador.

— Muito ansiosa. — Elizabeth sentiu um tremor com o mero pensamento de qualquer mulher tendo de viver com ele, e com aqueles troféus embalsamados com olhos vidra¬dos, que adornavam o sombrio hall de entrada de Gifford House. Sua mãe, com certeza, havia sido uma mulher que se cercara de luz, risadas e coisas bonitas.

— Você não gostaria de ver o resto das rosas, antes?

— Mais tarde, talvez. — Elizabeth precisou de toda sua força de vontade para deslizar uma de suas mãos enluvadas dentro da curva do braço dele e sorrir-lhe. — Vamos entrar na casa para uma bebida quente, pelo menos. — Ela estreme¬ceu com delicadeza para acompanhar a última declaração.

Na verdade, ela sentia um terrível frio interno, como se gelo corresse em suas veias, causado por medo daquele homem — e da faca que ele ainda carregava — em vez de pela temperatura da estufa. Mas era até que ponto Sir Rufus podia ter chegado para garantir que Harriet Copeland se tornasse dele que Eliza¬beth temia saber, mais do que qualquer outra coisa.

 

— Você deve ter alguma ideia de onde Sir Rufus está! — Na¬thaniel falou para o mordomo que tinha aberto a porta de Gifford House, em resposta às suas batidas furiosas.

— Eu já lhe disse, milorde, Sir Rufus não está em casa — re¬petiu o homem idoso pacientemente.

Nathaniel olhou ao seu redor, imaginando para onde o ou¬tro homem podia ter ido. Para onde podia ter levado Elizabe¬th. Se ela realmente estivesse com ele...

O mordomo encolheu-se um pouco quando, mais uma vez, tornou-se o foco do olhar feroz de Nathaniel.

— Talvez o senhor possa tentar a estufa nos fundos da casa? Sir Rufus ia lá com frequência e...

Nathaniel não esperou para ouvir mais explicações, e des¬ceu os degraus correndo e rodeou a casa para a parte traseira da propriedade, onde a estufa brilhava no sol do fim de tarde.

Apenas para parar abruptamente debaixo da sombra de um carvalho quando viu Elizabeth e Sir Rufus emergindo de dentro da estufa de vidro, dando total impressão de que estavam fazendo um passeio agradável, juntos. O braço de Elizabeth estava unido ao de Sir Rufus, e ela lhe sorria, con¬versando alegremente enquanto eles andavam na sua direção.

Até que Nathaniel viu os olhos dela ...

Elizabeth possuía os olhos mais expressivos que ele já vira... lindos olhos azuis da cor do céu, que, com frequência, estavam preenchidos ou com afeto ou com o brilho da batalha, que era uma parte tão vital de sua personalidade forte.

No momento presente, aqueles olhos adoráveis não mos¬travam afeto nem raiva, mas estavam escuros e estranha¬mente arregalados, preenchidos com uma expressão de tanto medo e apreensão que Nathaniel sentiu uma pontada de dor no próprio peito.

Sua preocupação aumentou quando ele notou outras coi¬sas estranhas sobre a aparência de Elizabeth que não com¬binavam com a demonstração externa de amabilidade: o chapéu de palha havia desaparecido, os cachos escuros esta¬vam despenteados, e havia manchas de poeira no seu vestido claro e luvas. Como se ela tivesse caído... ou sido puxada ao longo do caminho contra sua vontade?

Nathaniel deliberadamente saiu de baixo do abrigo do carvalho.

— Boa-noite, Tennant.

O coração de Elizabeth começou a disparar diante do pri¬meiro som da voz de Nathaniel, seu alívio imenso quando ela se virou para vê-lo parado a poucos metros de distância. Até, isto é, que se tornou ciente da tensão no homem ao seu lado. O braço de Sir Rufus enrijeceu sob o toque suave de seus dedos enluvados, o corpo inteiro dele parecendo ficar tenso, como se ele fosse saltar para a frente e atacar o homem mais jovem a qualquer momento.

Sob quaisquer outras circunstâncias, Elizabeth sabia que Nathaniel, dez anos mais jovem, e tendo sido um soldado, era mais do que capaz de vencer o outro homem numa luta, porém, naquele momento, Sir Rufus estava preenchido com uma força e um propósito alimentados por insanidade... e carregando uma faca em sua outra mão!

Coisas das quais Nathaniel deveria tomar ciência, de modo que entendesse o perigo da situação.

— Que adorável, Rufus; lorde Thorne veio jantar conos¬co. — Ela ignorou o olhar surpreso de Nathaniel, e virou-se para sorrir calorosamente para as feições dementes de Sir Rufus.

Por diversos segundos repletos de tensão, ela temeu que ele nem mesmo a tivesse ouvido, tão intensa era a expressão de desgosto de Sir Rufus, enquanto ele revelava sua fúria por Nathaniel ter interrompido seu momento com sua “adorada Harriet”.

Mas ele finalmente pareceu se tornar ciente do sorriso encorajador de Elizabeth, a tensão do braço diminuindo um pouco, a fisionomia se suavizando quando ele a olhou.

— Eu pensei que pudéssemos passar nossa primeira noite aqui juntos, sozinhos, minha querida.

Elizabeth forçou-se a continuar sorrindo para aqueles olhos azul-claros.

— Nos não devemos ser egoístas, Rufus. Devemos estar dispostos a compartilhar nossa boa sorte e felicidade com nossos amigos e vizinhos.

— É claro. — Ele retornou o sorriso dela com aprovação. — Você é graciosa como sempre, minha querida Harriet.

Elizabeth não viu a surpresa no olhar de Nathaniel desta vez, mas sentiu-a na súbita tensão dele, e depois a viu nas sobrance¬lhas unidas, quando se virou para fitá-lo com olhos suplicantes.

— Espero que você esteja livre para jantar conosco, lorde Thorne?

A raiva inicial de Nathaniel ao encontrar Elizabeth na com¬panhia de Sir Rufus tinha logo se transformado em perple¬xidade, rapidamente seguida por grande confusão. Agora o sentimento que o preenchia era preocupação... depois que Tennant a chamara de Harriet. Harriet Copeland? A amante de Giles?

Elizabeth, rezando para que Nathaniel finalmente enten¬desse o transtorno mental de Sir Rufus, tornou-se ciente dos olhos escuros se arregalando em surpresa, enquanto ele a es¬tudava. Como se a estivesse vendo pela primeira vez...

O que, talvez, estivesse?

Nathaniel era muito jovem quando lady Harriet Copeland fugira com Giles Tennant, mas não tão jovem que não tivesse pelo menos visto a condessa notória. Agora que a última peça do quebra-cabeça tinha sido colocada no lugar por Sir Rufus, Nathaniel finalmente vira a semelhança física de Elizabeth com a lady em questão?

A mesma semelhança que havia, sem dúvida, instigado a loucura atual de Sir Rufus...

A garganta de Elizabeth estava tão seca que ela teve difi¬culdade de engolir, antes de falar novamente:

— Oh, por favor, diga que pode ficar para jantar, lorde Thorne.

Não havia chance de que Nathaniel não percebesse o leve toque de histeria na voz de Elizabeth, ou a súplica silenciosa naqueles olhos azuis perturbados que o encaravam com tan¬ta intensidade.

Ou, na verdade, o ar de loucura malcontida que cercava Sir Rufus Tennant!

— Sim — Nathaniel respondeu calmamente. — Sim, é claro que eu ficaria feliz em me juntar a vocês dois. Se Sir Rufus tiver certeza de que eu não estou atrapalhando? — Ele voltou um olhar inquisitivo para o homem mais velho, observando os estranhos olhos desfocados de Tennant, o rubor não natu¬ral no rosto dele. A faca que ele segurava na mão esquerda, da qual nem sequer parecia ter ciência...

Ele tinha usado a faca para ameaçar Elizabeth? Deus, aque¬le maluco confundira Elizabeth com Harriet Copeland!

Havia uma semelhança física entre as duas, é claro. Os mesmos cachos escuros. A mesma delicadeza das feições. Admitidamente, lady Copeland era muito mais velha que Eli¬zabeth quando morrera, mas a elegância esbelta de sua figu¬ra era a mesma. Elizabeth poderia ter algum parentesco com a linda condessa de Westbourne?

O fato de Tennant confundir Elizabeth com lady Copeland era muita coincidência, em vista da carta que Nathaniel tinha finalmente recebido de Gabriel Faulkner mais cedo naquele dia. Seu amigo anunciara seu noivado com lady Diana Co¬peland — um caso de amor, aparentemente, em vez do casa¬mento de conveniência que o outro homem pretendera que fosse, no começo —, a mais velha das três irmãs. Ele também escrevera que o outro melhor amigo deles, Dominic Vaughn, ia se casar com a irmã mais nova de lady Diana, Caroline.

Os dois casamentos aconteceriam assim que eles encon¬trassem a irmã Copeland mais nova, lady Elizabeth, e ela vol¬tasse para os braços ansiosos de suas irmãs.

Lady Elizabeth Copeland.

Elizabeth.

Era possível que fosse a mesma mulher que Nathaniel vinha achando tão irresistível pelos últimos dias? A mesma Elizabeth com quem ele fizera amor tão apaixonadamente? Aquela era uma grande suposição para fazer, entretanto a semelhança entre Harriet Copeland e Elizabeth era óbvia, assim como eram outras dicas, se ele pensasse sobre aquilo.

A súbita aparição de Elizabeth na casa de Londres de sua tia, quase três semanas atrás, depois que as duas tinham se conhecido no parque... Gabriel declarara na carta que lady Elizabeth Copeland estava desaparecida há quase quatro semanas agora. Os modos confiantes de Elizabeth durante o jantar festivo da sra. Wilson, no sábado, e sua elegância e re¬finamento inatos... tudo indicando que ela havia sido criada como uma lady da alta sociedade, em vez de como uma dama subalterna de companhia.

Nathaniel pensara que talvez Elizabeth fosse uma lady de uma família da alta sociedade que empobrecera, mas todas as coisas que ele notara poderiam ser atribuídas ao fato de ela ser, na verdade, lady Elizabeth Copeland, a filha do conde.

Tennant parecia convencido do fato de que o sobrenome de Elizabeth, pelo menos, era Copeland!

 

Elizabeth não tinha a menor ideia dos pensamentos de Na¬thaniel durante os últimos minutos de silêncio, mas o brilho nos olhos escuros quando ele vira a faca na mão de Sir Rufus indicava que ele estava, pelo menos, ciente do temperamento instável do outro homem, assim como da posição precária em que Elizabeth se encontrava, ao lado de Sir Rufus.

— Rufus? — ela o incentivou em tom suave.

Ele lhe sorriu.

— É claro que Osbourne pode ficar para jantar, se é isso que você deseja, Harriet.

Elizabeth engoliu a onda de náusea que sentia cada vez que aquele homem a chamava pelo nome de sua mãe, em vez de pelo seu próprio nome. Não era capaz de evitar um tremor interno ao contemplar quais eventos poderiam ter levado Sir Rufus à loucura.

E claro, poderia ser simplesmente que Giles Tennant, tendo matado primeiro Harriet, depois a si mesmo, houvesse iniciado o declínio mental de Sir Rufus, uma vez que ele tinha perdido, num único dia, seu irmão mais novo e a mulher que, obviamente, amara. Todavia, Elizabeth estava inclinada a pen¬sar que havia mais do que isso naquela história, especialmente quando a sra. Wilson revelara, mais cedo naquele dia, que Sir Rufus não gostava do irmão, como as pessoas acreditavam que ele gostasse, e que sentira ciúme de Giles desde o momento em que ele tinha nascido.

Quão profundo esse ciúme poderia ter sido pelo irmão muito mais bonito, por ter conquistado a mulher que ele amava e queria para si mesmo? Profundo o bastante, talvez, para Sir Rufus ter desejado destruir os dois?

Elizabeth sentiu outro calafrio de apreensão ao longo da coluna, mesmo enquanto sugeria:

— Então, vamos todos entrar na casa?

— Uma excelente ideia. — Nathaniel deu um passo à fren¬te para oferecer seu braço à Elizabeth, o olhar fixo no rosto pálido, até que ela veio para o seu lado. Ele sentiu instanta¬neamente o tremor da mão que foi colocada sobre sua man¬ga. — Talvez você deva levar esta faca de volta para a estufa, primeiro, Tennant? — incentivou Nathaniel.

— O quê? Oh. — Sir Rufus olhou para a faca em sua mão, como se a estivesse vendo pela primeira vez. — E claro — con¬cordou ele, e voltou para dentro da estufa.

Aquela era exatamente a abertura que Nathaniel precisa¬va, e ele não perdeu tempo em posicionar Elizabeth para um lado, antes de dar alguns passos à frente, a fim de fechar a porta da estufa, e mantê-la fechada, com Sir Rufus do lado de dentro.

— Vá embora — instruiu com ferocidade. — Vá agora! — Ele a queria num lugar seguro, antes que abrisse a porta da estufa para lidar com Tennant.

— Mas...

— Não sei por quanto tempo eu serei capaz de contê-lo! — Mesmo agora, o homem mais velho tinha percebido a inten¬ção de Nathaniel, e estava tentando forçar a porta pelo lado de dentro, e as janelas de vidro que formavam o topo da porta não aguentariam a força de um punho, se Sir Rufus decidisse usar este método de escape.

— Eu irei buscar ajuda...

— Eu não me importo com o que você vai fazer... contan¬to que saia daqui imediatamente! — Tennant havia aumenta¬do seus esforços para se libertar, e estava puxando a porta com a força de sua demência, a faca ainda na mão.

Lágrimas inundavam aqueles lindos olhos azuis enquanto Elizabeth parecia incapaz de se mover.

— Oh, Nathaniel, ele... ele...

— Eu sei. — Ele estremeceu ao imaginar o terror que Eli¬zabeth passara nos últimos minutos, completamente sozinha com um homem louco. E o perigo não tinha passado ainda. — Nós podemos conversar sobre isto mais tarde! — murmurou, quando a janela ao lado da porta foi quebrada, rapidamente seguida pela mão de Tennant passando pelo vão entre os ca¬cos, alcançando e agarrando o braço de Nathaniel com for¬ça. — Vá, Elizabeth! — Nathaniel gritou, enquanto conseguia manter a porta fechada.

Elizabeth não tinha intenção de deixar Nathaniel lidar com aquela situação sozinho, de modo que olhou freneti¬camente ao seu redor, procurando por alguma coisa que pudesse ajudá-la a conter o outro homem. Finalmente viu algumas pequenas pedras decorativas no canteiro do jar¬dim a alguns metros de distância, e foi pegar uma delas, antes de voltar correndo e batê-la com força sobre a mão de Sir Rufus.

— Harriet! — Sir Rufus a olhou com emoção profunda na fisionomia, através da porta com topo de vidro, mas não fez nenhum esforço para soltar seu aperto no braço de Nathaniel.

— Elizabeth — falou ela ofegante, então bateu a pedra na mão dele uma segunda vez. — Meu nome é Elizabeth, não Harriet!

— Isto é mentira! — A expressão de Sir Rufus se tornou fu¬riosa. — Uma mentira horrível! Osbourne a obrigou a dizer isto?

Elizabeth piscou.

— Nathaniel não passa de um espectador inocente...

— Não tão inocente! — Sir Rufus voltou seus olhos azuis cruéis para o homem mais jovem. — A morte de seu cavalo não foi aviso suficiente para manter suas mãos e pensamen¬tos sujos longe de Harriet? Você quer que eu lhe ensine outra lição de boas maneiras?

— Você matou Midnight? — Elizabeth arfou em choque, e deu um passo atrás.

Sir Rufus pareceu satisfeito consigo mesmo.

— Um pouco do veneno de um dos componentes que eu uso para cultivar minhas rosas, misturado no balde de água dele, cuidou rapidamente do assunto, sim.

Não tão rapidamente... a morte de Midnight tinha sido lenta e agonizante. E esse homem... esse monstro era respon¬sável por aquela morte e pelo sofrimento de Nathaniel.

— E Hector? — Elizabeth o encarou com raiva. — Você teve alguma coisa a ver com o desaparecimento dele? — Lembrando que Hector rosnava cada vez que esse homem se aproxima¬va, e pensando no ferimento inexplicável na pata do cachorro, Elizabeth teve certeza de que Sir Rufus era o culpado.

Sir Rufus sorriu.

— Ele é um animal tão confiante que foi muito fácil amarrá-lo por uma hora ou coisa assim, antes de devolvê-lo para sua dona agradecida.

Elizabeth sentiu-se furiosa diante da dor e sofrimento que aquele homem tinha deliberadamente infligido em animais inocentes.

— Você... é... realmente... um... monstro! — Com cada palavra, Elizabeth bateu a pedra no dorso da mão de Sir Rufus, que se recusava a liberar o braço de Nathaniel, ape¬sar de sua pele agora estar esfolada e sangrando. Elizabeth sentiu-se enjoada diante da visão de todo aquele sangue. Mas sentia-se ainda pior com o pensamento de Sir Rufus escapando da estufa!

— Harriet...

— Eu não sou Harriet! — A voz zangada aumentou de volu¬me. — Entendeu? — Os olhos azuis reluziam com ódio, através da janela, para ele. — Você me confundiu com outra pessoa. Está me ouvindo? Eu não sou Harriet!

Nathaniel instantaneamente ficou preocupado com o olhar de absoluta fúria que possuiu o rosto do outro homem.

— Elizabeth, não o provoque...

— Ele é louco, Nathaniel! — exclamou ela, ignorando o tom racional nas palavras dele. — Completamente maluco. Pior que o tratamento que ele deu a Midnight e Hector, eu acredito que ele possa ser um... assassino! — exclamou ela num solu¬ço nervoso, as lágrimas começando a escorrer por suas faces.

— Harriet...

— Harriet está morta! — Elizabeth encarou Sir Rufus. — Morta, está ouvindo? Ela está morta há nove anos ou mais.

— Não! — Uma expressão de horror cobriu o semblante dele, e Nathaniel sentiu seu braço sendo liberado quando o outro homem tropeçou para trás, o rosto mortalmente páli¬do, o olhar desfocado.

— Você a matou? — Elizabeth deu um passo à frente, pressionando-se contra a janela quebrada da estufa. — Você matou os dois, minha mãe e seu irmão? — demandou ela, furio¬samente.

Se Nathaniel precisasse de mais alguma confirmação so¬bre a verdadeira identidade de Elizabeth, então a tinha agora. Somente pelo tratamento cruel de Midnight e Hector, aquele homem merecia ser chicotado, mas, se Sir Rufus tivesse real¬mente matado Harriet Copeland e Giles Tennant todos aque¬les anos atrás, como Elizabeth suspeitava, então ele devia ser capturado e apresentado à lei, para pagar pelo seu crime.

— Responda! — demandou ela friamente, quando Tennant continuou olhando-a com fisionomia inexpressiva. — Você matou minha mãe e seu irmão?

Tennant piscou, um leve brilho de consciência retornando para aqueles olhos azul-claros.

— Eu a amava. E ela me amava. Nós precisávamos estar juntos. Mas Giles se colocou no caminho. Portanto, eu o ma¬tei. Mas então Harriet tornou-se histérica, me acusando de coisas horríveis, e eu... eu não tive escolha senão matá-la, também. Você não entende...

— Eu entendo perfeitamente — falou Elizabeth de manei¬ra automática, recuando, a pedra ensanguentada caindo de sua mão, enquanto ela se permitia que o horror do passado a envolvesse.

Sua mãe havia errado ao abandonar a família dez anos atrás, para viver com o amor de sua vida, mas Harriet ainda sentira esperança de que ela um dia tivesse algum tipo de relaciona¬mento com as três filhas, se não tivesse sido vítima da espécie de amor doentio de Sir Rufus Tennant. Se ele não tivesse acaba¬do com as vidas de Harriet e Giles tão prematuramente.

— Você é realmente um monstro — repetiu Elizabeth, de forma entorpecida. — Um monstro cruel e sem coração. — Ela se virou, apenas para se encontrar diante de uma chocada sra. Wilson, assim como de diversos cavalheiros usando unifor¬me, que Elizabeth não reconheceu. Podia dizer, pela palidez nos rostos daquelas pessoas, que elas tinham testemunhado parte da conversa de Sir Rufus, pelo menos.

Sua vista começou a escurecer, e seu corpo balançou com fraqueza.

— Nathaniel! — a sra. Wilson chamou o sobrinho num aviso urgente, e ele se aproximou, bem a tempo de segurar Elizabeth nos braços quando ela desmaiou.

 

— Isso é inacreditável! — A tia de Nathaniel tremeu, horro¬rizada, quando estava sentada, mais tarde, em seu salão da mansão Hepworth. — Que Sir Rufus fez todos acreditarem por tantos anos que Giles era responsável por matar Harriet Copeland, e depois se matar. — Ela meneou a cabeça com vee¬mência. — Tenho certeza de que eu nunca me recuperarei deste choque!

Nathaniel tinha a mesma convicção de que, uma vez que o impacto maior do escândalo tivesse passado, sua tia se re¬cuperaria bem o bastante para discutir a história da culpa de Sir Rufus com suas amigas, quando voltasse para Londres. Ele estava menos convencido de que Elizabeth se recuperaria tão completamente.

Havia sido sorte que sua tia decidira ir para Gifford Hou¬se em sua carruagem, a fim de procurar pessoalmente por Elizabeth. Ela permanecera desmaiada na carruagem da sra. Wilson durante o tempo que levara para que o visconde Ru¬tledge, como magistrado local, chegasse a Gifford House e levasse Sir Rufus para a prisão, assegurando-os de que a lei lidaria com o homem insano da maneira que fosse apropria¬da para aquele caso.

Elizabeth somente retornara à consciência quando a car¬ruagem da sra. Wilson tinha parado no pátio da mansão Hepworth, o rosto ainda mortalmente pálido. Ela entrara na casa e os informara, de maneira distante, que desejava ficar sozinha em seu quarto. Um desejo ao qual sra. Wilson pro¬testara imediatamente, mas que Nathaniel insistira para que fosse atendido. Ele sabia que Elizabeth precisava muito de um tempo sozinha, se quisesse recuperar alguma de sua compos¬tura. Não podia começar a imaginar como ela se sentia depois de descobrir que a mãe não havia sido morta pelo seu amante jovem, afinal de contas, mas por um homem cujo ciúme do irmão mais novo acabara enlouquecendo-o completamente.

Pois não podia haver mais nenhuma dúvida de que Eli¬zabeth era realmente uma das filhas da condessa falecida de Westbourne.

Aquilo deixava Nathaniel num dilema sobre como deve¬ria proceder, ou se era possível até mesmo tomar alguma atitude...

Ele havia se comportado de modo imprudente com Eli¬zabeth Thompson nos últimos dias, tanto física como emo¬cionalmente, roubando-lhe beijos e fazendo amor com ela. Exceto que ela não era Elizabeth Thompson, humilde dama de companhia, mas lady Elizabeth Copeland, filha de um con¬de, e protegida do atual conde de Westbourne, um dos me¬lhores amigos de Nathaniel. Gabe seria obrigado, em nome da honra, a exigir casamento ou desafiar Nathaniel para um duelo, se algum dia soubesse de seu comportamento repre¬ensível em relação a uma de suas protegidas. Assim como Na¬thaniel tinha agora obrigação, em nome da honra, de revelar seu comportamento para Gabriel...

Todavia, aquela não era a maneira certa para duas pessoas começarem um casamento, especialmente quando Nathaniel sabia que Elizabeth jamais acreditaria que ele tinha senti¬mentos verdadeiros por ela.

 

— Eu peço perdão por tê-la enganado, sra. Wilson. — Elizabe¬th entrou e parou, sem graça, no meio do salão da lady, onde a sra. Wilson e Letitia estavam agora sentadas juntas, depois de um jantar do qual Elizabeth pedira para não participar. Não podia nem sequer pensar em comida depois dos eventos chocantes do dia.

Assim como não poderia ter se sentado à mesa de jantar e sofrido o olhar acusador de Nathaniel...

Midnight jamais teria morrido se não fosse pela obses¬são de Sir Rufus pela semelhança de Elizabeth com a mãe, e o desejo dele de machucar qualquer outro homem que se aproximasse dela. Hector não teria sofrido os maus-tratos, também.

Nem Nathaniel e nem qualquer outra pessoa daquele local poderiam estar ignorando sua verdadeira identidade, assim como deviam se perguntar sobre o motivo para sua duplicidade.

Ela não vira Nathaniel desde que tinha se recolhido em seu quarto mais cedo, então não estava bem certa dos sen¬timentos dele, porém não era difícil adivinhar seu desgosto. Nathaniel não apenas perdera o cavalo desnecessariamente, como convivera com uma mentirosa e impostora; ela podia apenas imaginar o quanto ele a desprezava agora.

— Isso não é necessário, minha querida. Eu estou certa de que você teve suas razões. — A sra. Wilson sorriu, e deu um tapinha na almofada ao seu lado, convidando-a a se sentar no sofá.

Oh, sim, Elizabeth tivera suas razões. Fizera aquilo para fugir da oferta de casamento de lorde Faulkner, e, ao mes¬mo tempo, para procurar aventura em Londres. Ambos os motivos agora pareciam ridículos à luz dos eventos recentes, ainda que, sem sua presença ali na mansão Hepworth, ne¬nhum deles teria descoberto a verdade em relação às mortes trágicas tantos anos atrás...

Elizabeth ainda tremia ao pensar no que acontecera mais cedo. Seu medo quando havia percebido que Sir Rufus não estava em seu juízo perfeito. Seu terror enquanto ela pensava como escaparia das garras dele. Seu choque quando ele reve¬lara que tinha envenenado Midnight e prendido Hector. Sua fúria ao ouvi-lo confirmar que matara sua mãe.

Ela se sentou ao lado da sra. Wilson, unindo as mãos trê¬mulas sobre o colo.

— Eu me comportei tanto de maneira tola quanto ingê¬nua — disse ela. — E, ao fazer isso, menti para a senhora... e para sua família. — Elizabeth nem mesmo conseguiu falar o nome de Nathaniel, tão desesperada que sentia ao saber como ele devia desprezá-la agora.

— Eu deveria ter adivinhado quem você era, é claro — mur¬murou a sra. Wilson, mais para si mesma. — Agora que sei da conexão, posso ver claramente que você se parece muito com sua mãe — acrescentou ela gentilmente, quando Elizabeth olhou para cima com expressão interrogativa. — Oh, sim, eu conheci sua mãe. Muito bem, na verdade. Ela era uma mulher maravilhosa, tanto por dentro quanto por fora.

— Então eu não posso me parecer nem um pouco com ela! — protestou Elizabeth.

— Mas é claro que pode — contradisse a sra. Wilson, em tom de reprovação. — Eu soube, desde o primeiro instante, quando você conseguiu salvar Hector das rodas de uma carruagem que passava, que você possuía um coração bom e amável.

Elizabeth deu um sorriso fraco, enquanto meneava a cabeça.

— Acho que é a senhora que está sendo amável agora.

A sra. Wilson posicionou sua mão sobre a de Elizabeth, num gesto tranquilizador.

— E, talvez, você não deva pensar tão mal de sua mãe...

Elizabeth nunca realmente soubera o que pensar do com¬portamento de sua mãe. Abandonar marido e filhos era algo chocante. Entretanto... Sempre houvera um elemento de dú¬vida... de esperança... na mente de Elizabeth no que dizia respeito ao fato de sua mãe ter abandonado a família.

Ela piscou para reprimir as lágrimas.

— A senhora acha que ela algum dia amou um de nós?

— Tenho certeza de que ela amava muito as filhas. — A sra. Wilson pareceu pensativa. — Eu não posso falar por experi¬ência própria, você entende, tendo passado quase vinte anos maravilhosos casada com o homem que eu amava, mas o ca¬samento de Harriet foi um arranjo entre os pais dela e seu pai. Ele era muito mais velho que ela, como sabe, com mais de 40 anos, e Harriet só tinha 18, quando eles se casaram. Seu pai era totalmente apaixonado por ela, é claro. — A sra. Wilson deu um sorriso triste. — E estou certa de que Harriet respeitava e gostava de Marcus Copeland.

— Exceto que respeito e afeto nem sempre são suficientes para sustentar um casamento, certo? — Elizabeth agora sabia bem disso. Na verdade, duvidava muito, considerando seus sentimentos por Nathaniel, que um dia se casasse. Seria injusto de sua parte, para com qualquer homem, sempre compará-lo a Nathaniel. E concluir que ninguém chegava aos pés dele.

— Certo, estas coisas nem sempre são suficientes — con¬cordou a sra. Wilson com tristeza. — Eu tenho certeza de que, se sua mãe tivesse tido tempo para isso, teria tentado algum tipo de arranjo com seu pai, de modo que pudesse ver as fi¬lhas novamente, pelo menos.

Aquilo era no que Elizabeth sempre quisera acreditar. O que tinha de acreditar, agora que sabia que havia sido Rufus Tennant quem acabara com a vida de Harriet, e não o jovem homem por quem sua mãe se apaixonara.

— E, agora, eu acho que está na hora de providenciarmos para que você retorne à companhia de suas irmãs — murmu¬rou a sra. Wilson, gentilmente.

— Sim — concordou Elizabeth com voz rouca de emoção, sabendo que não queria nada mais do que ser envolvida nos braços de Diana e Caroline, enquanto revelava a verdade do passado para elas.

Exceto, talvez, ser envolvida nos braços de Nathaniel... o que não aconteceria. Não agora. Não nunca.

Elizabeth se levantou.

— Eu acho que, com a sua permissão, voltarei para meu quarto e tentarei descansar até a hora de nossa viagem para Londres, pela manhã.

A mulher mais velha riu suavemente.

— Eu não acho que lady Elizabeth Copeland requer a per¬missão de uma pessoa como eu para fazer o que bem entende.

Talvez não, mas, naquele momento, ela não se sentia muito como lady Elizabeth Copeland. Em vez disso, sentia-se abala¬da e machucada, por dentro e por fora. Ela...

— Ah, aí está você, Nathaniel. — A sra. Wilson virou-se para cumprimentar o sobrinho calorosamente, quando ele entrou no salão, após ter apreciado seu conhaque e charuto, sozinho na sala de jantar. — Lady Elizabeth e eu estávamos discutindo sobre nosso retorno para Londres, e então devolvê-la para a família em Hampshire, logo em seguida.

Pálpebras baixas escondiam a expressão nos olhos escu¬ros quando ele olhou para Elizabeth, notando a palidez nas faces dela. Os círculos escuros sob os olhos azuis. O leve tre¬mor do corpo delgado. Ele também reconheceu que, em vez de encará-lo, ela preferiu olhar para os próprios pés.

Nathaniel comprimiu os lábios ao perceber a distância que agora se abrira entre eles.

— A última parte não será necessária, tia. — Ele adentrou mais o cômodo, para parar na frente da lareira. — Por acaso, eu sei que, neste momento, as irmãs de Elizabeth estão viven¬do em Westbourne House, na cidade.

Elizabeth o fitou, com surpresa.

— Como você sabe disso?

— Eu finalmente recebi uma correspondência de Gabriel Faulkner, hoje mais cedo. A carta revela que nosso amigo lor¬de Dominic Vaughn, o conde de Blackstone, irá se casar com lady Caroline, e que Gabriel irá se casar com lady Diana...

— Não! — Elizabeth arfou, o rosto adquirindo uma colo¬ração acinzentada. — Eu não sei absolutamente nada sobre o envolvimento de Caroline com o conde de Blackstone... como eu poderia saber? — Na verdade, Elizabeth jamais co¬nhecera o cavalheiro. — Mas não posso permitir que Diana se sacrifique, casando-se com lorde Faulkner! Ela...

— Nem mesmo se eles estiveram apaixonados? — interrom¬peu Nathaniel, gentilmente.

— Mas eles não estão! — Ela deu um gemido sofrido. — Dia¬na irá se casar com Malcolm Castle. Nem mesmo conhece lorde Faulkner; só pode ter concordado em se casar com ele agora por causa da ameaça dele de nos tirar de nossa própria casa, a menos que uma de nós aceitasse sua oferta de casamento!

— Isso parece o tipo de coisa que Westbourne faria, Na¬thaniel? — A sra. Wilson franziu o cenho.

— Não, não parece — confirmou Nathaniel. — Eu lhe assegu¬ro que você está enganada sobre essa questão, Elizabeth — dis¬se ele com veemência quando se virou para ela. — Westbourne pode ter começado essa história, sentindo-se obrigado a desposar uma de suas protegidas, mas eu garanto que ele agora está completamente apaixonado por Diana. E ela está igual¬mente apaixonada por ele.

— Não...

— Sim — insistiu Nathaniel com firmeza. — Eles todos es¬tão esperando o seu retorno, antes que os dois casamentos aconteçam.

Aquilo não fazia sentido para Elizabeth. Nem o envolvi¬mento de Caroline com o desconhecido conde de Blackstone, e muito menos a concordância de Diana em se casar com o conde de Westbourne.

Houvera um acordo de anos entre Diana e Malcolm Castle, o filho único do proprietário de terras local. Na realidade, a exis¬tência de tal acordo tinha permitido que Caroline e Elizabeth fugissem de Hampshire, para começar, seguras no conheci¬mento de que lorde Faulkner não seria capaz de forçar Diana a se casar com ele.

Que tipo de pressão o conde poderia ter feito sobre Diana para que ela abandonasse Malcolm, a favor de se casar com ele, afinal de contas?

 

— Eu não entendo. — Elizabeth deixou a carta que Nathaniel tinha recebido de lorde Faulkner cair sobre o topo da mesa da biblioteca, onde ele a levara alguns minutos atrás, de modo que ela pudesse ler por si mesma.

Nathaniel inclinou-se contra sua mesa, os braços cruza¬dos sobre o peito.

— Parece perfeitamente claro para mim, Elizabeth, que o acordo prévio de Diana com o tal Malcolm chegou a um fim, e que ela e Gabriel estão agora apaixonados.

— Mas — ela balançou a cabeça, em confusão — desde crian¬ça Diana pretendia se casar com Malcolm.

Ele sorriu.

— Acredito que você viu Gabe quando ele me visitou na casa de minha tia, aproximadamente uma semana atrás?

Elizabeth piscou, confusa.

— Sim.

— Ele é bonito, não é?

Um rubor delicado coloriu as faces dela.

— Muito.

O sorriso de Nathaniel desapareceu.

— E como é a aparência desse tal Malcolm, quando com¬parada à beleza de Gabriel?

Os olhos azuis se arregalaram com indignação.

— Você faz minha irmã parecer o tipo de mulher volúvel...

— Meramente uma mulher com capacidade de discerni¬mento — corrigiu ele.

— Mas... mas e quanto ao escândalo passado de lorde Faulkner?

Ele comprimiu a boca.

— Quanto a isso, eu só posso presumir que Gabe contou a verdade à sua irmã, e que ela, de forma justa, acreditou nele.

— A verdade...?

— Este não é um segredo meu para compartilhar, Eliza¬beth — murmurou Nathaniel. — Eu apenas lhe permiti ler a carta de Gabriel, de modo que você pudesse parar com esses sentimentos de culpa em relação ao casamento de sua irmã.

— Mas é claro que eu me sinto culpada! — As faces de Eli¬zabeth estavam rubras com agitação. — Graças a Deus, o ca¬samento ainda não aconteceu. Eu devo retornar a Londres imediatamente.

Ele franziu o cenho.

— Você irá retornar para a cidade pela manhã, comigo e com minha tia, conforme combinado...

Os olhos azuis reluziram.

— Você não está mais na posição de me dizer o que eu posso ou não posso fazer, Nathaniel!

Ele a estudou, com expressão irônica.

— Eu estive, algum dia?

Elizabeth suspirou. Tantas coisas haviam acontecido na¬quele dia, tantas coisas terríveis, que ouvir sobre o noivado de Diana com o guardião delas era demais para que ela ab¬sorvesse. Admitidamente, Elizabeth e Caroline nunca tinham entendido a atração de Diana pelo superficial e pomposo Malcolm Castle, mas haviam aceitado aquilo. Saber agora que sua irmã sempre calma e sensata ia se casar com um ho¬mem de uma beleza perigosa e reputação duvidosa parecia inacreditável para ela.

— Não, você não esteve — declarou ela. — Agora, se me der licença, eu preciso subir e acabar de arrumar minhas coisas.

— É claro — murmurou Nathaniel, preguiçosamente. — Mas, se eu conheço um pouco do temperamento de Gabriel... e eu conheço... suas objeções ao casamento não contarão para nada.

Os profundos olhos azuis brilharam com raiva.

— E, se eu conheço um pouco do temperamento de Diana... e eu conheço — acrescentou ela de modo zombeteiro —, então Caroline e eu não teremos problemas em convencê-la a repen¬sar sua decisão de se casar com lorde Faulkner! — Elizabeth virou-se e saiu da sala, o queixo erguido em desafio.

O humor de Nathaniel desapareceu assim que Elizabeth se foi. Ela parecera a típica filha do conde agora pouco. Uma jovem lady da alta sociedade, particularmente linda, que ago¬ra estava fora de seu alcance, graças às suas próprias ações.

 

— E, eu repito, esta situação de Elizabeth recolher-se em seu quarto toda vez que sabe que lorde Thorne virá visitar West¬bourne House simplesmente não pode continuar!

— Mas nós não podemos forçar Elizabeth a sair do quarto.

— Não é minha intenção usar força para isso.

— Então, o que você pretende fazer?

Elizabeth, sentada dentro de seu quarto, ouvindo suas duas irmãs discutirem em altos sussurros, no hall, do outro lado da porta fechada, estava muito interessada em ouvir a resposta para aquela pergunta, também.

Todavia, o fato de que era a normalmente calma e prática Diana que estava agora afirmando que elas tinham de tirar Elizabeth do quarto, enquanto a impetuosa Caroline argu¬mentava contra aquilo, era motivo de estupefação.

Elizabeth encontrara muitas mudanças em suas duas irmãs desde sua chegada a Westbourne House, três dias atrás...

A jornada de dois dias de Devon para Londres havia sido árdua, porém sem ocorrências especiais, o tempo de Eliza¬beth sendo passado em isolamento dentro da carruagem, com a sra. Wilson e Letitia, enquanto Nathaniel viajara se¬paradamente, em sua própria carruagem. Os dois tinham se encontrado apenas quando pararam para almoçar, ou para passar a noite numa hospedaria, momentos nos quais eles não sentiram grandes dificuldades em continuar evitando a companhia um do outro.

Era suficiente que Elizabeth agora entendia completamen¬te seus sentimentos por um homem que nunca poderia amá-la em retorno, sem ter de testemunhar a desilusão com a qual Nathaniel deveria vê-la, agora que sabia da mentira que ela vivera, a fim de entrar na casa de sua tia.

A chegada de Elizabeth em Westbourne House fora repleta de lágrimas, assim como de surpresas. De lágrimas, pela fe¬licidade de rever suas irmãs, assim como suas irmãs tinham ficado igualmente alegres em revê-la, as três chorando jun¬tas, uma vez que Elizabeth relatara a verdadeira sequencia de eventos no que dizia respeito à morte da mãe delas. Sur¬presas, porque tudo que Nathaniel alegara em relação às suas irmãs se provara ser verdade. Incluindo o amor muito real de Diana por Gabriel Faulkner...

Ter sido apresentada ao lorde Dominic Vaughn, um ho¬mem alto e bonito, com uma cicatriz vivida correndo ao longo da face esquerda, e o homem por quem Caroline se apaixonara, havia instantaneamente preenchido Elizabeth com uma sensação de que já o vira antes.

Uma sensação que, no começo, ela descartara, pois era ri¬dícula. Se ela algum dia tivesse conhecido o lindo e poderoso Dominic Vaughn, certamente se lembraria dele!

Até que se recordou daquele dia no parque, algumas se¬manas atrás, quando salvara Hector das rodas de uma car¬ruagem que passava... Uma carruagem conduzida por um homem bonito de cabelos escuros, com uma cicatriz ao longo da face esquerda, e com uma mulher jovem e linda sentada ao seu lado, que a lembrara tanto Caroline.

Uma conversa sobre os movimentos deles confirmara que tinham sido realmente Caroline e Dominic na carruagem, afinal de contas! Na verdade, as aventuras de Caroline des¬de que sua irmã chegara a Londres eram mais chocantes do que surpreendentes. Especialmente porque fora revelado que Nathaniel recebera os ferimentos no rosto e as costelas que¬bradas em defesa de Caroline, durante uma briga numa casa de jogos possuída por Dominic!

Ainda mais impressionante era o jeito como sua irmã, geralmente teimosa e independente, agora consultava lor¬de Vaughn para tudo, desde o vestido que devia usar para o jantar daquela noite até os arranjos para o casamento deles, que aconteceria na semana seguinte. Uma atitude que o arrogante e autoritário conde de Blackstone não explorava, mas, em vez disso, escolhia incentivar, sendo igualmente atencioso para atender a cada necessidade ou desejo de Caroline.

Os dois estavam tão obviamente apaixonados que era qua¬se doloroso para Elizabeth, arrasada por seus sentimentos não correspondidos por Nathaniel, estar na companhia deles.

O que mais deixava Elizabeth estupefata eram as mudan¬ças que encontrara em Diana. Sempre dócil, sempre colocan¬do as necessidades dos outros antes das próprias, aquelas poucas semanas de separação, e o inconfundível amor de Diana por Gabriel, tinham transformado sua irmã mais ve¬lha numa mulher autoconfiante que sabia o que queria, e não sentia mais medo de expressar isso, e que possuía desejos que Gabriel ficava mais do que feliz em satisfazer, o amor que ele sentia pela serena e confiante Diana brilhando nos olhos azuis da meia-noite, os quais a observavam constantemente.

Parecia que Elizabeth era a única que estava sofrendo no meio daquela estranha virada de eventos. Oh, não por¬que sentia inveja da evidente felicidade de suas irmãs, ou dos homens bonitos por quem elas haviam se apaixonado, mas porque, pela primeira vez em sua vida, sentia-se ver¬dadeiramente sozinha. A proximidade de suas irmãs ainda estava presente, mas temperada por outras demandas emo¬cionais nas quais Diana e Caroline estavam tão alegremente envolvidas.

Era porque Elizabeth estava sofrendo tanto por Nathaniel que se sentia sozinha, mesmo estando cercada por pessoas que a amavam. Com frequência, preferia recolher-se em seu quar¬to a ficar sentada como uma testemunha silenciosa daqueles romances.

E sempre escolhia ir para o quarto, toda vez que Nathaniel ia visitar Westbourne House.

Todavia, como Diana já declarara com tanta firmeza, e como Elizabeth tinha decidido por si mesma nesses últimos minu¬tos, aquela situação não poderia continuar. Especialmente uma vez que Elizabeth e Nathaniel seriam as duas testemunhas dos casamentos das ladies Copeland, na semana seguinte.

Elizabeth respirou fundo, antes de se levantar e abrir a porta, instantaneamente silenciando a conversa entusiasma¬da de suas irmãs, quando as duas se viraram, com expressões culpadas, para olhá-la.

— Eu acredito que a intenção de Diana seja usar o argu¬mento dos bons modos, a fim de conseguir minha concor¬dância para sair do quarto, não é? — perguntou ela, secamente.

Como esperado, Diana foi a primeira a se recuperar, quan¬do se virou para Elizabeth, o rosto rubro parcialmente obscurecido pelo buquê de cravos vermelhos que ela carregava.

— Estas flores são para você. — Ela pôs o buquê nas mãos surpresas de Elizabeth.

Elizabeth deu uma risada fraca.

— Já tendo decidido descer para jantar com todos vocês, afinal de contas, eu lhe asseguro de que não precisava me tra¬zer flores a fim de me persuadir. — De qualquer forma, ela não pôde resistir inalar o perfume delicioso das lindas flores.

Diana meneou a cabeça, cachos loiros dançando em suas têmporas.

— As flores não vieram de mim.

Elizabeth franziu o cenho, e ergueu os olhos para sua irmã mais velha.

— De quem vieram, então?

— Lorde Thorne — foi Caroline quem anunciou com satis¬fação.

Elizabeth sentiu a cor drenar de seu rosto, mesmo en¬quanto seus braços se apertavam de modo possessivo em volta das lindas flores.

— De Nathaniel? — perguntou ela, em tom de incredulidade.

— Aha! — exclamou Caroline. — Eu sabia! Eu falei para Do¬minic, ontem à noite...

— Caroline. — A repreensão de Diana, embora feita de for¬ma suave, foi ouvida, enquanto Diana estudava Elizabeth com atenção. — Elizabeth, lorde Thorne está no estúdio com Gabriel pela última meia hora, e agora está esperando por você lá, de modo que vocês tenham uma conversa em particular — expli¬cou ela, gentilmente.

Por três dias, Elizabeth vinha guardando seus sentimen¬tos por Nathaniel para si mesma, determinada a escondê-los, para não atrapalhar a óbvia felicidade de Diana e Caroline, mas agora via que seu silêncio apenas conseguira se tornar um motivo para especulação.

Entretanto, ela não imaginava sobre o que Nathaniel dese¬java lhe falar, assim como não'tinha ideia de por que ele lhe levara cravos vermelhos.

 

Nathaniel andava de um lado para o outro no estúdio ilumi¬nado por velas de Westbourne, sua impaciência malcontida enquanto esperava para saber se Elizabeth concordaria ou não em lhe falar. Todavia, ele achava que não; ela conseguira evitá-lo completamente desde o retorno deles para Londres, e ele não via motivo para que aquela aversão à sua companhia mudasse.

Os cravos tinham parecido uma boa ideia no momento, mas talvez, depois da loucura de Tennant, aquele dia na es¬tufa, ele não devesse ter lhe levado flores? Mesmo que tives¬se deliberadamente escolhido as flores mais diferentes das rosas de Tennant que pudera encontrar nesta época do ano.

Ora, nem mesmo se recordava da última vez que dera flo¬res a uma mulher... se é que algum dia já dera... e agora havia estragado tudo...

Virou-se subitamente em direção à porta, quando ela se abriu em silêncio, prendendo a respiração ao ver Elizabeth emoldurada no vão da entrada. Ela parecia pálida e frágil contra a escuridão do hall atrás, os cílios descansando sobre sombras abaixo dos olhos, a boca... aqueles lindos lábios beijáveis... séria acima do queixo erguido.

— Você deseja falar comigo, lorde Thorne? — Até mesmo a voz dela estava diferente, baixa e rouca, e totalmente despro¬vida do tom de desafio que ele passara a esperar dela.

Tristeza inundou Nathaniel, em reconhecimento às mu¬danças em Elizabeth, e pelo fato de que ela, mais uma vez, se dirigia a ele com tanta formalidade.

— Pode entrar e fechar a porta, por favor?

Os cílios de Elizabeth se ergueram quando ela o fitou, a expressão reservada nos olhos azuis.

— Se você acha que isso é muito necessário...

A boca de Nathaniel se comprimiu.

— Eu acho.

Elizabeth engoliu em seco quando se virou para fechar a porta, antes de entrar no ambiente sério da sala que Gabriel escolhera chamar de estúdio.

— Acho que eu lhe devo um pedido de desculpas, milorde.

Ele franziu o cenho.

— Eu não posso pensar numa razão para isso...

— Eu não tenho sido muito educada nestes últimos três dias. — Tendo tomado a decisão de parar de evitar a compa¬nhia de Nathaniel, ela pretendia fazer a coisa certa por com¬pleto. — O que foi ingratidão da minha parte, considerando que eu lhe devo minha vida.

— Pare com isso. Você está sendo melodramática...

— Nem um pouco. — Elizabeth aproximou-se mais da luz das velas, uma figura delgada num vestido cor de creme, uma fita combinando entrelaçada nos cachos escuros. — Sir Rufus estava realmente louco, e a instabilidade emocional dele po¬deria ter se tornado assassina, uma vez que ele percebesse que eu não era minha mãe.

Um nervo pulsou no maxilar rígido de Nathaniel.

— E eu deveria ter sabido, desde o começo, que você não era quem parecia.

Elizabeth deu um sorriso triste.

— Mas acho que você percebeu que havia alguma coisa erra¬da com meu papel como dama de companhia.

— Talvez — admitiu ele. — Infelizmente, tal percepção não me impediu de... tomar certas liberdades.

Elizabeth sentiu suas faces esquentarem ao se lembrar das intimidades que compartilhara com aquele homem.

— Acho que eu sou culpada de ter tomado as mesmas li¬berdades em relação a você.

Nathaniel quase gemeu alto quando se sentiu enrijecer... fisicamente doendo dentro da calça diante do mero pensa¬mento do toque das mãos e boca delicadas de Elizabeth em sua rigidez.

Ele se virou para olhar o fogo na lareira, de modo que ela não visse a evidência de sua reação física diante daquelas lembranças.

— Eu estou tentando me desculpar com você por meu com¬portamento anterior, Elizabeth...

— Eu preferia que você não se desculpasse! — protestou ela com veemência.

Nathaniel virou-se para encará-la.

— Sob as circunstâncias, isso é o mínimo que eu lhe devo.

— Você não me deve nada! — Elizabeth meneou a cabeça, seus cachos escuros balançando.

Ele respirou fundo.

— Eu conversei privadamente com Westbourne esta noite sobre meu comportamento em Devon.

— O quê? — Elizabeth arfou, em óbvia perplexidade.

— Meu comportamento anterior em relação à lady Eli¬zabeth Copeland foi repreensível. Imperdoável. Como tal, é requerido que eu lhe ofereça casamento, ou dê a Westbourne, como seu guardião, a satisfação de um duelo...

— Isto é ridículo! — protestou Elizabeth, com desespero.

— E, sendo assim, eu combinei de encontrar Gabriel em hora e local da escolha dele — terminou Nathaniel, gravemente.

Elizabeth permaneceu imóvel, gelada até os ossos. Na ver¬dade, sentia como se gelo tivesse correndo por suas veias.

Em vez de até mesmo considerar a ideia de se casar com ela, Nathaniel tinha escolhido arriscar a própria vida num duelo com um homem que Diana já lhe contara que era perito tan¬to com espada quanto com revólver. Não somente isso, mas, se os dois homens sobrevivessem a tal duelo, Nathaniel teria, de maneira irrevogável, destruído sua amizade com Gabriel. Um destino que ele obviamente preferia a sofrer uma vida de infelicidade com ela como sua esposa.

Elizabeth estava se sentindo mal. Muito mal. Na verdade, não tinha certeza se aguentaria ficar de pé por muito mais tempo.

— Eu não lhe contei tudo isso para magoá-la, Elizabeth...

Magoá-la? Mágoa estava muito longe de descrever o sen¬timento que a admissão dele lhe causara. Sentia como se ele tivesse enfiado a mão dentro de seu peito e lhe arrancado o coração.

— Elizabeth...?

Ela deu uma risada estrangulada.

— Eu não estou magoada, Nathaniel! Eu estou... você pre¬fere arriscar ser morto num duelo a me oferecer casamento? Uma oferta que nem mesmo sabia se eu aceitaria ou não? — O rosto dela tornou-se ainda mais pálido quando ela o encarou.

— É claro que não — exclamou ele.

— Então...

— Elizabeth, eu escolhi a última opção como a única maneira na qual eu poderia lhe provar que... droga! — Ele praguejou, atravessando a sala em dois passos longos para se colocar diante dela e pegar-lhe as mãos nas suas, alarmado ao sentir a pele gelada dela através da renda das luvas. — Eliza¬beth. — Ele se abaixou sobre um joelho, à sua frente. — Minha querida, linda Elizabeth, você me dará a honra de concordar em considerar ser minha esposa?

Ela o olhou como se fosse ele que tivesse enlouquecido, em vez de Rufus Tennant.

— Mas você acabou de dizer...

— Eu tentei lhe explicar... lhe provar... que não estou fazendo esta oferta sob coação, mas porque isso é o que eu mais quero.

Elizabeth pareceu totalmente confusa.

— Eu não entendo.

Nathaniel olhou para cima, fitando-a com seriedade.

— Eu a amo, Elizabeth. Foi amor à primeira vista, acho. Certamente, eu não podia suportar ver Tennant perto de você. E mesmo o visconde Rutledge correu o risco de desper¬tar minha ira com a atenção exagerada que lhe deu durante o jantar festivo de minha tia — reconheceu ele, amargamen¬te. — Eu a amo do fundo do meu coração, Elizabeth. Com cada parte minha. — Ele lhe apertou mais as mãos. — E, se eu tiver de brigar com um de meus melhores amigos num duelo para lhe provar isto, então é o que farei.

A única parte daquela explicação confusa que importava para ela era que ele alegava amá-la!

— Você está realmente apaixonado por mim?

— Tanto que estes últimos três dias foram pura tortura para mim — confessou ele, o rosto pálido, os olhos escuros bri¬lhando na luz do fogo. — Querida Elizabeth, não vê que eu es¬tou tentando... de maneira desajeitada, admito... cortejá-la?

— Por isto você me trouxe flores?

Ele fez uma careta.

— Eu não poderia lhe dar rosas vermelhas, por causa do comportamento de Tennant, mas... você pode me dar uma segunda chance, por favor? Pelo menos, a oportunidade de mostrar o quanto eu a adoro? A chance de persuadi-la a aprender a me amar em retorno? Eu farei qualquer coisa, serei qualquer coisa, se você me permitir isto, minha amada Elizabeth!

O frio no interior de Elizabeth derreteu-se com uma onda poderosa de calor, quando o próprio amor por ele ameaçou consumi-la. Estudou os olhos escuros de Nathaniel, que bri¬lhavam com emoção, e viu o amor dele por ela. Nathaniel a amava. Tanto que estava disposto a lutar um duelo com um de seus melhores amigos para lhe provar isso.

Ela umedeceu os lábios.

— E se eu recusar sua oferta?

Ele estremeceu.

— Nesse caso, você não me dará escolha senão segui-la da mesma maneira submissa que Hector a segue. Eu irei me tornar tão chato que uma hora você sentirá pena de mim e me jogará algumas migalhas de sua afeição.

Elizabeth deu uma risada estrangulada com o mero pen¬samento de aquele homem arrogantemente seguro algum dia se comportar dessa maneira.

— Depois de ter lutado um duelo com meu guardião pela minha honra, é claro!

Nathaniel a olhou, cautelosamente.

— Você está zombando, de mim?

— Nunca. — Ela meneou a cabeça enquanto se ajoelhava na frente dele, antes de liberar as mãos para segurar o rosto boni¬to. — Nathaniel, a oferta que estou recusando é aquela de você me persuadir a amá-lo. Eu já o amo — declarou, com a voz rou¬ca. — Eu o amo tanto que — ela deu uma risada emotiva — ver você nestes últimos três dias teria sido uma agonia para mim! Olhar para seu rosto e ver que agora você só me enxerga como a filha de Harriet Copeland, uma mulher que...

— Uma mulher cujo único pecado foi amar mais profun¬damente do que era sábio, talvez — terminou Nathaniel com firmeza. — Eu não tenho orgulho desta admissão, Elizabeth, mas se, por alguma infelicidade, você estivesse casada com outro homem quando nós nos conhecemos, então eu não teria me comportado de maneira muito diferente daquela como Giles Tennant se comportou dez anos atrás, e teria ten¬tado roubá-la de seu marido e família.

Elizabeth o olhou em perplexidade.

— Você faria isso?

— Eu não teria outra escolha — replicou ele, honestamen¬te. — Você realmente me ama? — acrescentou, com incredu¬lidade.

— Realmente. Verdadeiramente. Eternamente — confir¬mou ela com voz rouca pela emoção, aquele amor brilhando nas profundezas dos olhos azuis, enquanto o fitava com ado¬ração, não precisando mais esconder seus sentimentos de ninguém. — Você acha... que seria possível que nós dois nos casássemos ao mesmo tempo em que minhas irmãs?

Nathaniel envolveu-a no calor de seus braços.

— Eu tornarei isso possível — prometeu ele com veemência. — Agora, pelo amor de Deus, beije-me, Elizabeth!

E isso era uma coisa pela qual ela estava muito ansiosa para fazer.

 

E então, cinco dias depois, ladies Elizabeth, Caroline e Dia¬na Copeland foram unidas em casamento aos condes de Osbourne, Blackstone e Westbourne, respectivamente.

 

 

                                                                  Carole Mortimer

 

 

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