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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DAMA DE OUROS / Carole Mortimer
DAMA DE OUROS / Carole Mortimer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Lady Diana Copeland partiu para Londres de imediato quando soube que seu guardião, lorde Faulkner, desejava desposar uma das irmãs Copeland. Determinada a não mais adiar sua decisão, ela iria declarar olho no olho exatamente aquilo que pensava acerca de sua proposta ultrajante! Afinal, suas duas irmãs haviam sido mais astutas e partiram antes de receberem a oferta... Entretanto, Diana se surpreende quando encontra a sua espera um homem magnífico com um brilho sagaz no olhar, e não o velho tolo e pomposo que imaginava ser. Respirando fundo, Diana luta para não sé deixar seduzir pelo poderoso magnetismo de lorde Faulkner... Pois agora corria o risco de cometer um erro irreversível: ser tornar sua condessa!

 

 

 

 

— Bom deus, Nathaniel, o que você fez consigo mes­mo?! — exclamou lorde Gabriel Faulkner, conde de Westbourne, com menos que sua autoconfiança arro­gante.

Gabriel tinha parado abruptamente junto à porta do quarto assim que vira seu amigo prostrado na cama. O rosto de lorde Nathaniel Thorne, conde de Osbourne, estava repleto de cortes e arranhões, e uma bandagem larga circulando o peito desnudo musculoso atestava para a possibilidade de diversas costelas quebradas.

Gabriel recuperou-se o bastante para se virar e fa­zer uma cortesia para a mulher parada no corredor ao seu lado:

— Não foi nada, meu lorde. — A sra. Gertrude Wil­son, tia de Osbourne, dispensou seu pedido de descul­pas rapidamente. — Eu sofri dos mesmos sentimentos de choque ao ver a extensão dos ferimentos de meu sobrinho pela primeira vez, quatro dias atrás.

— Vocês dois podem parar de falar de mim como se eu não estivesse aqui? — O paciente estava obviamen­te menos que satisfeito com a situação.

— O médico falou que você precisa descansar, Nathaniel — instruiu sua tia seriamente, antes de vol­tar sua atenção para Gabriel. — Deixarei vocês dois conversarem agora, meu lorde. Porém, por apenas dez minutos — avisou ela. — Como você vê, Nathaniel está precisando mais de paz e tranqüilidade do que de conversa. — Virou-se no corredor. — Venha, Betsy — acrescentou. — Está na hora da caminhada de Hector.

Gabriel ficou curioso com aquele último comentá­rio, até que outra figura saiu das sombras do corredor: uma jovem esbelta, com cachos cor de ébano emoldu­rando um rosto oval com lindos olhos azuis, seguran­do um pequeno cachorro branco nos braços.

— Se eu tiver de sofrer muitos mais destes mimos, provavelmente torcerei o pescoço de alguém — res­mungou Nathaniel assim que sua tia e a dama de companhia dela desapareceram, e os dois cavalheiros finalmente foram deixados sozinhos no quarto. — É tão bom ver você, Gabe — acrescentou mais caloro­samente, enquanto se esforçava para se sentar, sua expressão indicando, apesar de suas negações, que aquele era um exercício doloroso.

— Fique onde está, homem. — Gabriel atravessou para o lado da cama de seu amigo, a usual fisionomia determinada agora de volta ao rosto arrogantemente bonito, dominado por olhos azuis meia-noite.

Alto e forte, e vestido com paletó preto, camisa branca e calça cinza acima de botas pretas, o conde de Westbourne tinha toda a aparência de ser um elegante cavalheiro inglês, apesar de ter passado os últimos oito anos viajando pela Europa.

Osbourne relaxou contra os muitos travesseiros atrás de si.

— Eu teria pensado que você pretendia ir direta­mente para Shoreley Park quando chegou de Veneza, em vez de vir para Londres, Gabe. O que me leva a perguntar...

— Acredito que sua tia o aconselhou a descansar, Nate — murmurou Gabriel, arqueando uma sobrance­lha arrogante.

Osbourne fez uma careta.

— Tendo me removido de minha própria casa e me trazido para este excesso de mimo, acredito que mi­nha tia Gertrude me amarraria à cama e recusaria a entrada de todos os visitantes, se pudesse.

Apesar das reclamações de seu amigo, Gabriel per­cebeu que a tia de Nate tinha feito a coisa certa, uma vez que Nate obviamente sentia dor cada vez que se movia, e não podia cuidar de si mesmo.

— O que aconteceu com você, Nate? — perguntou ele, enquanto acomodava seu corpo alto e elegante na cadeira posicionada ao lado da cama.

O outro homem fez uma careta.

— Bem, apesar do que você disse assim que me viu, eu certamente não fiz isso comigo mesmo.

Tendo servido com Osbourne no exército do rei por cinco anos, Gabriel sabia melhor do que a maio­ria das pessoas quão proficiente Osbourne era tanto com uma espada quanto com um revólver.

— Como isso aconteceu então?

— Um pequeno... desentendimento do lado de fora da nova casa de jogo de Dominic, com quatro pares de punhos e a mesma quantidade de botas pesadas.

— Ah — assentiu Gabriel. — E esses quatro pares de punhos e botas pesadas têm alguma conexão com a fofoca agora circulando na cidade sobre a morte re­pentina de certo sr. Nicholas Brown?

Nate lhe deu um sorriso apreciativo.

— Você encontrou Dominic então? — Ele referia-se ao amigo em comum dos dois, Dominic Vaughn, conde de Blackstone, que ganhara uma casa de jogo chamada Nick’s de um sujeito perigoso com o nome de Nicholas Brown, que tinha então tentado sabotar e ameaçar Dominic de todas as maneiras que pudesse, até que Dominic tivera de lidar com ele de maneira violenta.

— Infelizmente não. Eu liguei para Blackstone House quando cheguei à cidade mais cedo, esta ma­nhã, e fui informado de que Dominic não estava em casa. Que ele tinha, na verdade, viajado para o cam­po por diversos dias. — Gabriel pareceu pensativo.

Os três homens eram amigos desde o tempo de es­cola, a amizade continuando apesar da súbita expul­são de Gabriel para o continente, oito anos atrás. Ele esperava muito que a abrupta partida de Dominic da cidade não significasse que seu amigo estava prestes a encarar o mesmo destino, depois de ter sido forçado a matar o patife Nicholas Brown...

— Não é o que você pensa, de forma alguma, Gabe.

— O sorriso de Nathaniel se ampliou quando ele es­tendeu o braço, pegou a carta sobre o criado-mudo e entregou-a para o amigo. — As autoridades acei­taram a versão de Dominic sobre o que aconteceu entre ele e Brown; parece que Dominic está, neste exato momento, viajando para Hampshire com a in­tenção de visitar a família da mulher com quem tem todas as intenções de se casar. Olhe, veja o que ele me escreveu antes de partir.

Gabriel rapidamente leu o conteúdo da carta de seu amigo. Uma carta breve, obviamente escrita com pressa, com poucas informações reais... aparte a notí­cia de que Dominic tinha mesmo ido para Hampshire com a intenção de pedir permissão ao guardião da­quela mulher para que os dois se cassassem.

— E quem é a srta. Morton? — Ele pôs a carta de Dominic de volta sobre o criado-mudo.

— Uma beleza absoluta. — Os olhos de Osbourne se iluminaram de modo apreciativo. — Não que isso te­nha ficado aparente de imediato, é claro, por causa da máscara de joia e peruca cor de ébano que ela usava na primeira vez em que eu a vi. Mas uma vez que estas foram removidas...

— Ela estava usando uma máscara e uma peruca! — repetiu Gabriel em perplexidade.

Osbourne pareceu menos seguro de si mesmo diante da incredulidade de Gabriel.

— Ela estava cantando no Nick’s na noite em que a briga estourou, de modo que Dom e eu não tivemos es­colha senão interferir e... — Ele parou quando Gabriel ergueu uma das mãos para silenciá-lo.

— Deixe-me ver se eu entendi direito — murmurou Gabriel com seriedade. — Você está me dizendo que Blackstone se encontra prestes a pedir em casamen­to uma mulher que, até pouco tempo atrás, cantava numa casa de jogo, disfarçada com uma máscara de joia e uma peruca cor de ébano? — Seu tom de voz se tomara positivamente gelado com desaprovação.

— Eu... Bem... Sim, suponho que esteja — confirmou Osbourne, constrangido.

— Dominic enlouqueceu completamente? Ou tal­vez ele também tenha recebido um golpe na cabeça de uma daquelas botas pesadas! — explodiu Gabriel. Não podia imaginar outra explicação para seu amigo mui­to elegível até mesmo contemplar propor casamento a uma cantora de uma casa de jogo... por mais linda que ela fosse.

Nathaniel deu de ombros.

— Ele diz na carta que explicará tudo quando retor­nar à cidade.

— Até lá, sem dúvida, será tarde demais para salvá-lo da iniciativa impulsiva; nenhum guardião de uma mu­lher como essa consideraria recusar uma oferta de ca­samento de um conde. Na verdade, eu não ficaria nem um pouco surpreso se Dominic voltasse para a cidade já casado com a garota. — Gabriel fez uma careta para mostrar Seu desprazer diante do pensamento da óbvia armadilha na qual a “absoluta beleza” o faria cair.

— Eu não tinha pensado nisso dessa forma. — Nathaniel franziu o cenho em preocupação. — Ela pareceu uma moça de qualidade quando falei com ela.

— Meu caro Nate, eu posso ter ficado ausente da sociedade de Londres por alguns anos — murmurou Gabriel preguiçosamente — mas não acredito que a sociedade tenha mudado tanto que agora as damas de qualidade procurem emprego em casas de jogo, as quais são freqüentadas apenas por homens.

— Hum. — Nathaniel considerou a questão por um mo­mento. — Talvez, já que você irá viajar para Hampshire, possa procurar Dominic e...

— Meu plano original de ir para Shoreley Park mudou. — A boca de Gabriel se comprimiu com o pensamento da conversa que acontecera mais cedo naquela manhã, no escritório de seu advogado, a qual tinha levado à mudança de seus planos. — Che­guei à Inglaterra apenas horas atrás, para descobrir um mensageiro de meu advogado me esperando no cais, na posse de uma carta, requisitando que eu fos­se encontrá-lo na cidade imediatamente. Parece que as três srtas. Copeland... tendo, como você está cien­te, decidido recusar a minha oferta de casamento... agora escolheram se ausentar de Shoreley Park com­pletamente. Sem dúvida, em antecipação à minha chegada lá.

Aquela era uma ocorrência que não agradara Gabriel nem um pouco. Já era insultante o sufi­ciente que sua oferta de se casar com uma de suas protegidas tivesse sido recusada, sem que as damas o vissem de antemão. E agora ele tinha a incumbên­cia de procurar as três garotas rebeldes!

Com os dois herdeiros Westbourne anteriores tendo morrido na Batalha de Waterloo, Gabriel re­cebera, de maneira inesperada, o título de conde de Westbourne seis meses atrás, juntamente com a tu­tela das três filhas solteiras do conde anterior. Sob as circunstâncias, e uma vez que ele não tinha o menor interesse em se casar com nenhuma outra mulher, Gabriel achara apropriado oferecer casamento a uma daquelas filhas. Elas não somente haviam recusado sua oferta como, para adicionar ao insulto, as três ga­rotas tinham decidido desafiar sua tutela. Um desafio que Gabriel não pretendia tolerar!

— Contatei Dominic mais cedo, com a intenção de aceitar o convite para que eu ficasse hospedado em Blackstone House com ele, quando retornasse à cida­de. — Gabriel deu de ombros. — Considerando a via­gem dele para o campo, parece que terei de fazer de Westbourne House meu lar, afinal de contas.

— A casa está fechada pelos últimos dez anos. — Na­thaniel fez uma careta. — Não passa de um mausoléu, e está provavelmente cheia de ratos e outros roedores.

Gabriel estava ciente do estado de abandono de Westbourne House. Essa era exatamente a razão pela qual ele adiara sua chegada lá durante toda a manhã. Depois que acabara de falar com seu advo­gado, ele havia ligado para Dominic em Blackstone House, apenas para ser informado de que seu ami­go desaparecera numa viagem para o campo. Uma visita similar à residência de Nathaniel o informara que ele estava atualmente morando na casa da tia, sra. Gertrude Wilson, significando que Gabriel não poderia ficar com Nathaniel também.

— Não há nenhuma razão pela qual você não possa ficar em Osbourne House em minha ausência — asse­gurou-lhe o conde, como se lesse seus pensamentos.

— Nós poderíamos ir juntos para lá, se minha tia não tivesse cismado em me remover para o campo esta tarde. — Ele parecia menos do que feliz com os arran­jos. — Aceite meu conselho, Gabe... Nunca deixe uma mulher ter o controle; ela tende a tirar proveito disso enquanto um homem está vulnerável.

Gabriel não tinha a intenção de permitir que uma mulher, qualquer mulher, se aproveitasse dele nova­mente, tendo aprendido muito bem essa dura lição oito anos atrás...

— Oh, desculpe! — Osbourne pareceu instantanea­mente arrependido. — Eu não quis implicar...

— Eu sei, Nate, não se preocupe. E, por mais ge­nerosa que seja sua oferta, eu acho que, uma vez que preciso tomar residência em Westbourne House mais cedo ou mais tarde, é melhor que seja agora. — Gabriel se levantou. — Verei se posso encontrar uma pessoa adequada para ir a Hampshire e localizar Dominic, e, esperançosamente, fazer com que ele recupere o bom senso antes que seja tarde demais — acrescentou.

A sociedade, como Gabriel sabia muito bem, não perdoava, e não perdoaria tamanha indiscrição social como um conde unindo-se em casamento a uma mu­lher que tinha sido cantora numa casa de jogo antes.

— Agora, acredito que está na hora de eu ir... antes que a sra. Wilson retorne e me expulse! — Ele endirei­tou o punho de renda de sua camisa sob o paletó.

— Não acredito nisso. — Seu amigo bufou, enquanto tocava o sino para que um dos criados escoltasse Gabriel até o andar de baixo. — Minha tia Gertrude pode ter a mim em desvantagem no momento, mas duvido que ela tivesse o mesmo efeito em você.

Na verdade, Gabriel achara a atitude educada, mesmo que fria, da sra. Wilson com relação a ele um alívio, após ter sido evitado por anos pela sociedade. Obviamente ter chegado com o título de conde fazia uma diferença!

— Pense que você tem sorte em poder contar com um parente que o aprecia o bastante para se incomo­dar com você — disse ele secamente.

Sua própria família não se incomodara em saber sobre o paradeiro de Gabriel durante os últimos oito anos, muito menos em perguntar sobre sua saúde.

Enquanto Gabriel viajava em sua carruagem para Westbourne House, considerou a possibilidade, agora que estava em posse do velho e muito respeitado títu­lo de conde de Westbourne, com toda riqueza, bens e poder que o título trazia, de que houvesse uma mu­dança na atitude da família que escolhera bani-lo de suas vistas todos aqueles anos atrás. Mesmo se hou­vesse, pensou Gabriel friamente, ele não tinha vonta­de de se relacionar com nenhum deles.

O ar de indiferença estudada de Gabriel sofreu um severo golpe, todavia, quando ele chegou a Westbourne House, alguns minutos depois.

A porta da frente foi aberta por um mordomo per­feitamente uniformizado que, quando questionado, informou Gabriel:

— Lady Diana não está em casa no momento, meu lorde, mas é esperada de volta muito em breve.

Lady Diana Copeland? Uma das filhas rebeldes do conde anterior de Westbourne, que estava supostamen­te desaparecida de casa? E, se assim fosse, há quanto tempo ela estaria residindo em Westbourne House?

— O conde pede que você se junte a ele na biblioteca imediatamente após o seu retorno, minha lady — infor­mou Soames a lady Diana Copeland assim que abriu a porta da frente para admiti-la. Em vez disso, o mordo­mo conseguiu fazê-la parar abruptamente e continuar imóvel na soleira da porta.

— O conde de...?

— Westbourne, minha lady.

O conde de Westbourne!

Lorde Gabriel Faulkner?

Aqui?

Agora?

E aparentemente esperando por ela na biblioteca...

Bem, quem teria mais direito que lorde Gabriel Faulkner, o recém-intitulado conde de Westbourne, de estar esperando Diana no que era agora, afinal de contas, a nova biblioteca dele, ela repreendeu a si mesma. Além disso, não havia antecipado uma opor­tunidade como aquela para informá-lo pessoalmente do que pensava ao seu respeito, e de sua oferta de casamento para ela e suas duas irmãs, e sobre as sérias repercussões de tal oferta absurda?

Diana enrijeceu a coluna em preparação para aquela conversa.

— Obrigada, Soames. — Ela entrou no hall com confiança, antes de remover seu chapéu e entregá-lo, juntamente à sua sombrinha, para a criada que a acompanhara em suas tarefas matinais fora de casa. — Minha tia Humphries ainda está em seus aposentos?

— Sim, está, minha lady — confirmou o mordomo, sua expressão tão neutra e desprovida de emoção quanto a expressão de um mordomo deveria ser.

Apesar disso, Diana sentiu a desaprovação do homem pelo fato de que a sra. Humphries tinha se recolhido ao quarto logo após a chegada delas a Westbourne House, três dias atrás, e permanecido fechada lá durante os esforços de Diana para asse­gurar que a casa fosse limpa e polida do sótão ao porão.

Diana estivera incerta do que encontraria quando chegasse a Westbourne House. Nem ela nem suas duas irmãs tinham estado em Londres antes, muito menos ficado hospedadas no que era a casa da família lá. O pai delas, o conde anterior, escolhera não ir para lá nos últimos dez anos antes de sua morte, seis meses atrás.

O ar de decadência e negligência que Diana encon­trara logo ao entrar em Westbourne House tinha sido tão ruim quanto ela temera que seria... assim como confirmara que o novo conde ainda não retornara de sua casa em Veneza para tomar residência ali. Os pou­cos servos que permaneciam haviam se tornado tão decadentes e negligentes quanto a casa, na ausência de um dono ou dona da propriedade que os ordenasse a cumprir suas tarefas. Uma ocorrência da qual Diana cuidara imediatamente, dispensando os criados não dispostos ou incapazes de trabalhar, e contratando novos para substituí-los, a primeira tarefa deles sendo restaurar a casa, na medida do possível, à sua glória anterior.

Uma tarefa benfeita, notou Diana, olhando ao re­dor com um ar de satisfação. A madeira agora brilha­va. Pisos estavam polidos. Portas e janelas tinham sido deixadas abertas por muitas horas todos os dias para que todo o cheiro de mofo saísse.

O novo conde certamente não poderia ter recla­mações sobre o conforto restaurado de sua casa em Londres!

E, Diana sabia, ela adiara aquele primeiro encon­tro com o novo conde por tempo demais...

— Leve chá para a biblioteca, por favor, Soames — instruiu ela, sabendo que todos os servos, antigos ou novos, agora trabalhavam com eficiência sob a lide­rança deste novo mordomo, que Diana entrevistara e apontara pessoalmente.

— Sim, minha lady. — Ele fez uma reverência rígi­da. — Chá para uma ou duas pessoas, minha lady? Sua senhoria instruiu que uma garrafa de uísque fosse levada para ele na biblioteca quase uma hora atrás — acrescentou quando Diana o olhou com expressão interrogativa.

Diana não pôde evitar um olhar para o relógio antigo no hall de entrada, notando que era apenas meio-dia... Com certeza, muito cedo ainda para o conde estar bebendo uísque. Mas, então, o que ela, que vivera seus 21 anos no campo, sabia sobre o es­tilo de vida em Londres? Ou, o conde tendo vivido em Veneza por tantos anos, aquele seria um costume italiano, talvez?

De qualquer maneira, uma xícara de chá faria mui­to melhor a lorde Gabriel Faulkner àquela hora do dia do que um ou dois copos de uísque.

— Chá para dois, obrigada, Soames. — Ela gesticulou a cabeça para dispensá-lo, antes de respirar fundo e andar determinadamente na direção da biblioteca.

— Entre — disse Gabriel quando uma batida soou à porta da biblioteca.

Ele se levantou, um copo com uísque pela metade na mão, olhando para fora e para o que tinha sido, sem dúvida, um jardim, quando propriamente cuida­do, mas que no momento lembrava mais uma selva desordenada. A pessoa que cuidara da limpeza da casa, presumivelmente a ausente lady Diana, ainda não tivera a chance de colocar criados para trabalhar nos jardins.

Virou-se, a luz do sol atrás de si deixando seu rosto na sombra, quando a porta foi aberta com ligeireza decisiva, combinando com a jovem lady elegante que entrou na biblioteca com passos determinados e fe­chou a porta em seguida.

A cor do cabelo dela foi a primeira coisa que Gabriel notou. Não era dourado nem vermelho, mas alguma coisa entre os dois, e, apesar de estar preso, diversos cachos caíam sobre a nuca alva e a testa dela, dando-lhe um aspecto suave, contrastando com o ângulo or­gulhoso do pequeno queixo. Os olhos, do mesmo azul profundo do vestido de cintura alta, brilhavam com desaprovação para o copo de uísque que ele segurava, antes que ela lhe encontrasse os olhos com o mesmo desafio com o qual agora erguia o queixo.

— Lady Diana Copeland, presumo. — Gabriel fez uma reverência breve, não dando indicação, pelo tom de voz ou expressão, de sua surpresa ao encontrá-la ali, quando suas últimas instruções para as três irmãs tinham sido para que elas permanecessem em Shoreley Park, em Hampshire, e esperassem sua chegada à Inglaterra.

A cortesia dela também foi breve:

— Meu lorde.

Apenas as duas palavras. Entretanto, Gabriel ex­perimentou um arrepio de consciência ao longo da coluna ao ouvir o tom rouco na voz dela. Uma voz que certamente não pertenceria a uma jovem lady da sociedade, de forma alguma, mas a uma amante, enquanto sussurrava palavras de encorajamento para seu amado...

Seu olhar se estreitou diante daquelas imagens inapropriadas.

— E qual das três sras. Copeland você é, com rela­ção à idade? — Na verdade, Gabriel não estivera in­teressado o bastante em suas três protegidas para se incomodar em saber qualquer coisa sobre elas, aparte o fato de que estavam todas na idade de se casar!

Haveria muito tempo para isso, ele decidira com arrogância, uma vez que uma delas concordasse em se tornar sua esposa. Exceto que nenhuma das três tinha concordado, lembrou-se com irritação.

— Eu sou a mais velha, meu lorde. — Diana Cope­land adentrou mais a sala, a luz do sol imediatamente fazendo o cabelo dela parecer mais dourado que ver­melho. — E eu gostaria de conversar com você sobre minhas irmãs.

— Uma vez que suas duas irmãs não estão nesta sala no momento, eu não tenho o menor interesse em discuti-las — disse Gabriel friamente. — Enquanto você...

— Então posso sugerir que você se empenhe em se interessar por elas? — perguntou Diana, os ombros delgados rígidos com indignação.

— Minha querida Diana... acredito que, como seu guardião, eu posso chamá-la assim... Sugiro que no futuro — continuou ele suavemente, sem se incomodar em esperar resposta — você não tente me dizer pelo que devo ou não devo me interessar.

Uma jovem presunçosa, muito acostumada a con­seguir o que queria, não apresentava desafio verbal ou físico para Gabriel, depois de seus anos passados como um oficial no exército do rei.

— Sendo assim, serei eu quem decidirá o que deve ou não deve ser discutido entre nós. O assunto mais imediato é: por que você decidiu vir para Londres, completamente contra minhas instruções? — Ele an­dou mais para o centro da sala.

Qualquer comentário ríspido que Diana estivera prestes a fazer em resposta ao lembrete da arrogância com a qual ela via as “instruções” de lorde Gabriel Faulkner permaneceu não dito quando ele saiu da luz do sol, e ela o viu claramente pela primeira vez.

Ele era simplesmente... magnífico!

Nenhuma outra palavra descrevia a beleza daquele rosto arrogantemente incrível. Ele possuía um maxilar quadrado e forte, lábios esculpidos, maçãs do rosto al­tas, um nariz longo e aquilino, e os olhos... oh, aqueles olhos!... de um azul tão escuro como a cor de um céu noturno de inverno. O cabelo escuro estava penteado com estilo, de modo que lhe caía desordenadamente sobre a testa, e se curvava na nuca, o paletó preto en­fatizando ombros largos, a calça cinza agarrando per­nas elegantemente musculosas, acima de botas pretas perfeitamente polidas.

Sim, lorde Gabriel Faulkner era, sem dúvida, o ca­valheiro mais bonito e elegante que Diana já vira em seus 21 anos...

— Diana, eu ainda estou esperando para ouvir suas razões para ter me desobedecido e vindo para a ci­dade.

...assim como o mais arrogante!

Tendo sido privada de sua mãe com a idade de 11 anos, e com duas irmãs mais novas, Diana tivera de assumir o papel de mãe para suas irmãs e de dona da casa de seu pai; como tal, tornara-se mais inclinada a dar instruções do que recebê-las.

Ela ergueu o queixo.

— O sr. Johnston apenas avisou que você nos visi­taria em Shoreley Park assim que fosse conveniente, depois de sua chegada de Veneza. Uma vez que, na ocasião, ele não pôde especificar precisamente qual seria a data de sua chegada, tomei a iniciativa de de­cidir qual seria a melhor maneira de lidar com esta situação delicada.

Arrogante e orgulhosa, reconheceu Gabriel com algum divertimento interno pelo retorno daquela in­clinação desafiadora do delicioso queixinho de Diana Copeland. Se ele não estivesse enganado, ela também desenvolvera um desgosto por ele pessoalmente, as­sim como por seu papel como guardião das três irmãs.

A última parte, Gabriel podia entender facilmente. Pelo que soubera por meio de seu advogado, William Johnston, Diana era a senhora de Shoreley Park desde a morte da mãe, Harriet Copeland, aproximadamen­te dez anos atrás. Como tal, não estaria acostumada a obedecer ordens, muito menos de um guardião que nunca vira antes.

Quanto ao desgosto da garota por Gabriel pessoal­mente, também não era algo sem precedentes, mas, no geral, uma pessoa levava mais do que alguns mi­nutos depois de conhecê-lo para que isso aconteces­se. A menos, é claro, que lady Diana já desgostasse dele antes mesmo de conhecê-lo. Ele arqueou uma sobrancelha escura zombeteira.

— E que “situação delicada” seria esta?

Um rubor coloriu a face alva dela, aqueles olhos azuis brilhando enquanto ela obviamente registrava o sarcasmo na voz dele.

— O desaparecimento de minhas duas irmãs, é claro.

— O quê?! — perguntou Gabriel em perplexidade.

Ele soubera que as irmãs Copeland tinham es­colhido se ausentar de Shoreley Park, é claro, mas, uma vez que fora informado da presença de Diana em Westbourne House, presumira que as irmãs estariam lá com ela, ou que Diana pelo menos soubesse do seu paradeiro.

— Explique-se... clara e precisamente, por favor. — Um nervo pulsou em seu maxilar tenso.

Diana deu-lhe um olhar seco.

— Caroline e Elizabeth, estando tão... alarmadas por sua oferta de casamento, decidiram sair do único lar que já conheceram e fugir só Deus sabe para onde!

Gabriel suspirou enquanto cuidadosamente punha o copo de uísque sobre a mesa, antes de virar-se a fim de olhar pela janela mais uma vez. Embora ele soubes­se que as três irmãs Copeland haviam se ausentado de Shoreley Park, saber agora que sua oferta de casamen­to causara a fuga das duas irmãs mais jovens, sem se­quer informarem à irmã mais velha para onde estavam indo, não era apenas insultante, mas também, surpre­endentemente, aquilo conseguira afetar Gabriel, quan­do ele se considerara incapaz de reagir a tais insultos.

Ele fora forçado a viver desacreditado durante to­dos aqueles anos, sempre sabendo que, de todas as pessoas que um dia amara ou com quem se impor­tara, somente seus amigos Blackstone e Osbourne acreditavam em sua inocência. Isso significara que ele não se importara particularmente, durante seus cinco anos no exército, se viveria ou morreria. Ironicamen­te, tinha sido essa mesma coragem, e imprudência, que acabara fazendo-o parecer um herói aos olhos de seus companheiros oficiais.

Perceber que duas damas jovens bem-criadas ti­nham sido tão adversas à sugestão de se casar com o desprezível lorde Gabriel Faulkner até mesmo ao ponto de escolher fugir de casa em vez de contemplar tal destino abrira uma ferida que Gabriel acreditara estar curada havia muito tempo, se não esquecida...

— Meu lorde?

Gabriel respirou fundo, as mãos fechadas em suas laterais, enquanto lutava contra seus demônios do passado, sabendo que eles não tinham lugar aqui e agora.

— Meu lorde, o que... — Diana encolheu-se diante da fúria gelada que podia ver nas feições arrogante­mente bonitas de Gabriel, quando ele virou-se para encará-la do outro lado da sala, os olhos brilhantes que pareciam tão pretos quanto ela imaginava que os olhos do demônio seriam.

Ele arqueou uma sobrancelha escura e a encarou com aqueles olhos azuis penetrantes.

— Você não sentiu o mesmo desejo de fugir?

Na verdade, nem passara pela cabeça de Diana fa­zer isso. Não era de sua natureza fugir de problemas, e ela estivera muito ocupada desde que descobrira a ausência das irmãs para que houvesse tempo de pen­sar em qualquer outra coisa. Mas se tivesse pensado nisso, o que ela teria feito?

Dez anos sendo a filha responsável, a prática e a sensata, tinha, aos poucos, acabado com a garota des­preocupada e travessa que ela fora um dia, até que Diana não pudesse mais se recordar de como era comportar-se de maneira impetuosa ou impulsiva, ou considerar suas próprias necessidades antes daquelas de seu pai e suas irmãs. Ela definitivamente não teria fugido.

— Não, eu não senti — respondeu ela sem rodeios.

— E por que isso? — Um olhar quase predatório sur­gira no rosto dele.

Diana endireitou os olhos.

— Eu...

Ela não sabia bem o que estivera prestes a dizer a Gabriel, quando o mordomo escolheu aquele mo­mento para entrar com uma bandeja de chá e colocá-la sobre a mesa ao lado da lareira. Uma bandeja de chá para dois, notou Gabriel com algum divertimen­to. Obviamente, pelo olhar de desprezo que ele vira no rosto dela minutos atrás, Diana não aprovava o consumo de bebida alcoólica antes do almoço, se é que aprovava em algum outro momento.

Para o inferno com o que lady Diana aprovasse!

Gabriel moveu-se com deliberação enquanto pe­gava o copo de uísque que estivera apreciando mais cedo e bebeu o conteúdo num único gole, antes de recolocar o copo vazio sobre a mesa, ao lado da ban­deja de chá, o líquido forte aquecendo seu corpo, se não seu humor.

Ele esperou até que o mordomo tivesse saído da sala, antes de falar novamente:

— Acredito que você estava prestes a me contar por que não escolheu fugir, como suas irmãs fizeram.

— Gostaria de chá, meu lorde?

Os olhos de Gabriel se estreitaram diante da demo­ra dela em responder.

— Não, eu não quero.

Sobrancelhas loiras se arquearam.

— Você não gosta de chá?

— Certamente chá não é uma das coisas de que senti falta durante todos estes anos morando no exterior — disse ele secamente.

Diana continuou se servindo calmamente de uma xí­cara de chá, antes de endireitar o corpo, seu olhar muito direto quando o encarou.

— Imagino que sua jornada de Veneza para cá tenha sido tranqüila, meu lorde.

Gabriel deu um suspiro impaciente.

— Se você pretende me distrair com essas tolices, Diana, então creio que devo avisar que eu não tenho o hábito de me permitir ser distraído.

— Ouvi dizer que você foi considerado uma espécie de herói de guerra durante seus anos no exército — comentou ela,

Ela ouvira sobre seu tempo no exército? Também te­ria ouvido alguma coisa sobre aqueles outros rumores muito mais perigosos sobre seu comportamento oito anos atrás?

A expressão de Gabriel se fechou enquanto ele ob­servava Diana através de olhos estreitos.

— E o que mais você ouviu falar sobre mim?

Olhos azuis sinceros encontraram os seus sem piscar.

— Em que contexto, meu lorde?

Ao longo dos anos, Gabriel tinha enfrentado inimi­gos, assim como supostos amigos, sem a menor pos­sibilidade de que algum deles o derrotasse; todavia, essa jovem, que passara a vida inteira no campo, não mostrava hesitação em desafiá-lo.

— Em qualquer contexto, senhorita — ele finalmente replicou.

Ombros delgados se movimentaram num gesto de indiferença.

— Eu sempre faço o possível para não ouvir fofo­cas, meu lorde. Mas mesmo se tivesse ouvido — con­tinuou ela, no momento em que Gabriel começou a relaxar —, temo não estar na cidade tempo o bastan­te para ter tido oportunidade de conhecer pessoas e compartilhar... confidências.

Se Diana Copeland temesse alguma coisa, então Gabriel estaria interessado em saber o que era. Ela cer­tamente ainda não tinha mostrado hesitação em falar o que lhe passava pela cabeça, com clareza e frequência! E se dependesse de Gabriel, aquela jovem voltaria para o campo muito antes que tivesse oportunidade de “co­nhecer pessoas e compartilhar confidências”...

Ela arqueou uma sobrancelha delicada.

— Talvez você pudesse me esclarecer.

Ela era boa, reconheceu Gabriel com admiração. Muito boa, na verdade. Mostrava apenas a quantidade certa de desinteresse para indicar que o assunto sobre o qual eles falavam lhe era de pouca ou nenhuma re­levância. Se Gabriel fosse menos sensível ao assunto, talvez até tivesse sido enganado por ela...

— Não, neste momento, não, — O maxilar dele en­rijeceu. — Eu também não esqueci nosso assunto ori­ginal.

— Que era...?

Gabriel respirou fundo para se controlar, mesmo enquanto suas mãos se flexionavam impacientemente em suas laterais.

— Gostaria de saber por que, em vez de desaparecer antes de minha chegada à Inglaterra, como suas irmãs obviamente escolheram fazer, você veio se hospedar em Westbourne.

Ela endireitou o corpo de maneira altiva.

— Você está, como o novo dono desta propriedade, expressando o sentimento de que eu não tenho mais esse direito?

Gabriel fez outra tentativa para recuperar o con­trole da conversa. Algo que estava achando cada vez mais difícil de fazer no momento!

— Não, eu não estou dizendo isso. Como minha pro­tegida, você tem, é claro, liberdade de continuar usan­do quaisquer das casas ou propriedades Westbourne. É apenas que, neste caso, deve estar ciente de que, uma vez que eu soube que vocês não estavam em Shoreley Park, Westbourne House naturalmente foi minha pri­meira escolha de residência.

— Estou ciente disso, sim.

— Então? — Gabriel se descobriu cada vez mais frus­trado com aquela conversa.

— Certamente a razão de eu estar aqui é óbvia, meu lorde.

— Talvez para fazer perguntas sobre suas duas irmãs?

— Essa foi a minha primeira preocupação, sim.

— E sua segunda? — Aquele nervo estava pulsando novamente no maxilar de Gabriel, e se não estivesse enganado, estava desenvolvendo um espasmo na pál­pebra esquerda também.

Diana inclinou-se cuidadosamente para a frente, a fim de colocar sua xícara vazia sobre a bandeja de prata, aquele leve ajuste da pose revelando mais da curva acima dos seios. Seios generosos e arredonda­dos, notou Gabriel com admiração, destoando leve­mente do resto do corpo delgado revelado pelo corte do vestido. Nascida e criada no campo ou não, Diana Copeland era uma perfeita lady, notou ele, enquanto seu olhar trilhava os braços graciosos dela e as mãos elegantes em luvas de renda branca. Uma jovem autoconfiante e franca que...

— Minha segunda razão por ter esperado a sua che­gada aqui é, claro, que eu decidi aceitar sua oferta de casamento.

Se Gabriel ainda estivesse bebendo seu uísque na­quele momento, certamente teria engasgado!

 

Diana permaneceu calma por fora enquanto atraves­sava a sala com propósito e rearranjava as flores no vaso que jazia sobre a pequena mesa perto da janela, cuidando para manter as feições inexpressivas, antes que a trepidação interna que sentia por ter vociferado sua aceitação ao pedido de casamento daquele ho­mem pudesse ser revelada.

A surpresa do lorde ao ouvir tal aceitação tinha sido muito óbvia, no jeito que aqueles olhos azuis meia-noite haviam se arregalado, seguido pelo silêncio absoluto dele. Em qualquer outro momento, Diana poderia ter sentido certa satisfação por ter deixado um homem com a arrogância e sofisticação de lorde Gabriel Faulkner sem fala. Infelizmente, neste caso, e naquele assunto em particular, ela teria dado boas-vindas a quase qualquer resposta dele.

Era possível que, uma vez que Diana inicialmente recusara a oferta, o conde tivesse agora decidido reti­rá-la? Se fosse o caso, Diana não apenas teria causado embaraço para si mesma como também o colocado na posição constrangedora de ter de livrar-se de um noivado não desejado.

Se aquela incredulidade fosse por outra razão, como, por exemplo, agora que ele a conhecera, o novo conde de Westbourne não considerasse sua apa­rência ou sua personalidade adequada para sua futu­ra condessa, então Diana não tinha certeza, seguindo outros eventos perturbadores desta última semana, se suportaria a humilhação.

— Corrija-me se eu estiver errado, mas você não disse que é a mais velha das irmãs Copeland? — conse­guiu ele finalmente perguntar.

As sobrancelhas de Diana se uniram numa expres­são intrigada quando ela virou-se.

— Eu disse, sim...

Ele pareceu um pouco confuso.

— Meu advogado me levou a acreditar que a mais velha das irmãs Copeland já estava noiva. Isso não está correto?

Diana respirou fundo, mesmo enquanto sentia o rubor quente colorindo sua face.

— Então ele estava desinformado, meu lorde. Eu não estou, nem nunca estive formalmente noiva. Tam­bém não tenho a menor idéia de como o sr. Johnston pode ter ouvido uma coisa dessas — acrescentou ela com irritação.

Gabriel a estudou de perto, notando o rubor no rosto dela, a inclinação orgulhosa e quase rebelde do queixo, e o brilho desafiador naqueles olhos azuis da cor do céu. Perguntou-se qual seria o motivo de tais reações. Assim como questionou a maneira precisa e cuidadosa com a qual ela negara a existência de qual­quer noivado...

A boca de Gabriel firmou-se.

— Acredito que Johnston tenha ouvido sobre o noi­vado por uma de suas irmãs.

— Verdade? — Sobrancelhas loiras se arquearam numa expressão arrogante. — Então parece que o homem não foi mal informado, afinal de contas, mas apenas enten­deu a informação que recebeu de maneira errada.

De alguma maneira, Gabriel achava que não... Ele herdara William Johnston, juntamente do título, das propriedades e da tutela das jovens, do pai das três irmãs Copeland, Marcus Copeland, o anterior conde de Westbourne. O advogado era um homem peque­no, meticuloso e satisfeito consigo mesmo, de quem Gabriel não gostava particularmente, mas ao mesmo tempo, acreditava que o advogado, por uma questão de orgulho profissional, nunca confundiria uma infor­mação que dava para um de seus clientes mais ricos e mais importantes. Então, por que o tal noivado não existia mais?

Gabriel olhou-a diretamente.

— Foi você ou o jovem cavalheiro que mudou de ideia?

— Acabei de lhe dizer que não há cavalheiro algum! — protestou ela.

— Um jovem então. Um que, sem dúvida, achou a perspectiva de se casar com uma jovem lady de título, cuja fortuna agora está nas mãos de seu guardião, mui­to diferente daquela de se casar com a filha mais velha de um conde rico? — perguntou Gabriel, dando-lhe um olhar intencional.

Diana sustentou aquele olhar pelo máximo de tempo que foi capaz, antes de virar-se abruptamente, determinada a esconder as lágrimas que agora brilha­vam em seus olhos e em seus cílios.

Que o homem fosse para o inferno!

Que todos os homens fossem para o inferno!

E mais especificamente, Malcolm Castle, por ter a determinação de uma pessoa covarde!

Ela e Malcolm tinham crescido juntos no vilarejo de Shoreley. Brincaram juntos quando crianças. Dan­çaram juntos nos bailes da região, quando alcançaram idade suficiente para frequentá-los. Eles haviam feito caminhadas nos dias frios de inverno e nas noites de verão. Diana até mesmo permitira a Malcolm a liber­dade de roubar-lhe o primeiro beijo, depois que ele declarara seu amor por ela.

Ela acreditara estar igualmente apaixonada. Seu pai não mostrara desaprovação pela amizade crescente entre os dois. Os pais de Malcolm, o proprietário de terras local e sua esposa, estavam obviamente radian­tes diante da ideia de um possível casamento entre seu filho e a filha mais velha do rico conde de Westbourne. Tudo parecera perfeito.

Exceto que, como lorde Gabriel Faulkner acabara de apontar tão cruelmente, ao se tornar pobre, a filha mais velha do anterior conde de Westbourne não pa­recera mais tão atraente como esposa para Malcolm, ou para os pais dele. O pai de Diana não esperara morrer de modo tão súbito e não preparara nada para acertar a situação de suas filhas. Financeiramente, elas estavam completamente à mercê da boa vonta­de do novo conde... e, uma vez que ele passara tanto tempo afastado da sociedade, lorde Gabriel Faulkner era uma incógnita.

Diana notara, é claro, que as visitas de Malcolm a Shoreley Park haviam se tornado menos freqüentes após a morte de seu pai. Não houvera mais suges­tões para que eles caminhassem juntos, muito menos o roubo de um ou dois beijos, e, é claro, eles não tinham ido a bailes, porque Diana e suas irmãs esta­vam de luto. Todavia, Diana não ficara preocupada, acreditando que a ausência de Malcolm era por con­sideração ao seu luto, e nada mais.

Até a semana anterior, quando Diana descobrira, ao ouvir, sem querer, a fofoca entre duas criadas, so­bre o anúncio do noivado de Malcolm com uma tal de srta. Vera Douglas, a filha de um comerciante rico, que recentemente comprara uma casa na região.

Para piorar as coisas e insultá-la ainda mais, Malcolm tinha ido visitar Diana naquela mesma tarde, cheio de pedidos de desculpas por não ter lhe contado pessoal­mente sobre o noivado, e insistindo que os pais o ha­viam pressionado para aquele outro casamento, e que não era uma escolha dele. E que, apesar de tudo, ainda era Diana quem ele amava.

Talvez Diana pudesse ter perdoado Malcolm se ele tivesse se apaixonado por outra mulher, mas ouvir dos lábios dele que só ia se casar com a moça rica porque os pais assim queriam era insuportável demais. Um covarde, realmente! E Diana sabia que deveria se pa­rabenizar por estar livre de um homem covarde.

Exceto que a deslealdade de Malcolm deixara seu orgulho em frangalhos e a tornara o objeto de olhares piedosos cada vez que ela se aventurava a ir para o vilarejo. Então Diana havia decidido, com seu usual jeito prático, que a maneira perfeita de acabar com tais fofocas seria aceitar, afinal de contas, a oferta de casamento de lorde Gabriel Faulkner, sétimo conde de Westbourne. Casamento com qualquer homem, mesmo levando em consideração o escândalo passa­do conectado a Gabriel, sobre o qual os vizinhos de Diana tinham dado indiretas, mas nunca discutido abertamente, com certeza era melhor do que todos acreditarem que ela fora dispensada pela filha de um comerciante aposentado!

— Eu estou correto em pensar que a dissolução de seu noivado seja a única razão pela qual você agora decidiu aceitar a minha oferta de casamento? — per­guntou aquele conde zombeteiro, agora em tom de irritação.

Como Diana teria sabido, quando, de maneira tão sensata, tomara sua decisão de aceitar a oferta do lorde, que ele era tão lindo? Tão alto e musculoso? Tão elegante e na moda?

E como ele era irritantemente perceptivo, tendo adivinhado, dentro de minutos depois que ela anun­ciara que aceitaria a oferta, o motivo verdadeiro pelo qual Diana mudara de ideia?

— Ficou muito claro que uma de nós teria de acei­tar sua oferta se desejássemos continuar vivendo em Shoreley Park — informou-lhe na defensiva.

Gabriel franziu o cenho.

— Quem deixou isso muito claro exatamente?

— O sr. Johnston, é claro.

Gabriel não podia ver “é claro” sobre aquilo.

— Explique-se, por favor.

Ela deu um suspiro impaciente.

— Seu advogado nos declarou em sua última visita que, se nós três continuássemos a recusar sua oferta, nós nos encontraríamos não apenas pobres, mas tam­bém seriamos instadas a deixar a nossa casa.

O maxilar de Gabriel ficou tenso, e ele sentiu aque­le nervo novamente pulsando no seu rosto.

— Essas foram as palavras exatas que ele usou quan­do falou com você?

Diana inclinou a cabeça loiro-avermelhada.

— Não tenho o hábito de mentir, meu lorde.

Se esse fosse o caso, e Gabriel não tinha motivo para acreditar que não fosse, então William Johnston exce­dera muito sua autoridade. Não era culpa das irmãs Copeland que elas não tivessem irmãos para herdar o título e as propriedades, ou que o pai delas não houves­se tomado a precaução de assegurar o futuro das filhas antes de sua morte.

Ora, Gabriel só fizera aquela oferta de casamento devido a um senso de justiça, entendendo que, se não fosse pelo golpe do destino, um dos primos das irmãs Copeland teria herdado o título, em vez de um com­pleto estranho. Um primo, esperançosamente, que teria tratado as filhas do conde anterior de modo tão justo quanto Gabriel estava tentando tratá-las.

Sua boca se comprimiu.

— Eu não tenho intenção de pedir que você e suas irmãs deixem seu lar, nem agora nem no futuro.

Diana pareceu confusa.

— Mas o sr. Johnston foi muito preciso com rela­ção...

— O sr. Johnston obviamente falou bobagem. — A expressão de Gabriel era sombria enquanto ele ante­cipava sua próxima conversa com o pequeno homem empolado que obviamente tinha assustado tanto as irmãs Copeland que elas haviam se sentido como ani­mais encurralados. — Foi por isso que suas duas irmãs fugiram?

— Eu acredito que esse foi... o catalisador, sim.

Gabriel estudou-a com curiosidade.

— Mas apenas o catalisador?

Diana fez uma careta.

— Minhas irmãs têm achado a vida em Shoreley Park limitada nestes últimos anos. Não me entenda mal — acrescentou ela apressadamente quando Gabriel arqueou as sobrancelhas. — Caroline e Elizabeth foram filhas dedicadas. Aceitaram as razões pelas quais nosso pai nunca nos permitiu freqüentar as estações de bailes em Londres, ou o desejo dele de não nos introduzir na sociedade londrina, em absoluto...

— Estou certo em pensar que seu pai tomou essa decisão com base no comportamento de sua mãe, dez anos atrás? — interrompeu ele gentilmente.

Cílios loiros se abaixaram sobre aqueles olhos azul-celestes.

— Nosso pai certamente culpava o... excesso da socie­dade londrina por minha mãe ter nos abandonado, sim.

Circunstâncias impuseram ao próprio Gabriel que não fizesse parte da sociedade por alguns anos, mas, ainda assim, ele podia entender a preocupação de Copeland pelas três filhas, sem dúvida, influenciáveis.

— Seu pai não teve medo de que manter você e suas irmãs presas em Hampshire pudesse resultar no opos­to do que ele pretendia? Que uma de vocês, ou todas, pudessem ficar tentadas a fazer exatamente o que sua mãe fez, e fugir para Londres?.

— Certamente não! — A resposta de Diana foi tanto rápida quanto indignada. — Como eu falei, Caroline e Elizabeth achavam a vida no campo restrita, mas elas nunca magoariam nosso pai desobedecendo a ele aber­tamente.

— Elas, com certeza, não sentiram a mesma relu­tância com relação a mim — apontou Gabriel em tom de lástima. — Sua presença aqui parece implicar que você acredita que suas irmãs finalmente vieram para Londres agora.

Na verdade, Diana não tinha ideia de aonde suas irmãs haviam ido após deixarem Shoreley Park. Mas, tendo procurado extensivamente por toda a região, sem sucesso, Londres, com todas as suas tentações e excitação, parecera a próxima escolha lógica. Exceto que Diana não percebera, até chegar lá, quão grande e agitada a cidade de Londres era. Ou como seria di­fícil localizar duas jovens em particular entre aquela multidão.

— Acreditei que existisse uma possibilidade de en­contrar pelo menos uma delas aqui. Minhas irmãs não partiram juntas, sabe? — explicou ela quando Gabriel mais uma vez ergueu as sobrancelhas numa expres­são interrogativa. — Caroline desapareceu primeiro, com Elizabeth seguindo-a dois dias depois. Caroline sempre foi a mais impulsiva das duas. — Ela deu um suspiro exasperado, porém afetuoso.

Gabriel adquiriu uma expressão preocupada.

— Elas tiveram o bom senso de levar suas criadas como acompanhantes, eu espero.

Diana hesitou.

— Acho que ambas pensaram que uma criada pode­ria tentar impedir a fuga...

— Você está me dizendo que elas provavelmente es­tão em algum lugar aqui em Londres completamente desprotegidas? — O conde parecia escandalizado com a perspectiva.

Diana não estava menos alarmada, agora que tinha chegado a Londres e se tornado ciente de alguns dos perigos que uma mulher sozinha podia enfrentar ali... Excesso de proximidade e roubo sendo os menores deles.

— Estou rezando para que esse não seja o caso, e que as duas tenham feito uma espécie de pacto para se encontrar, uma vez que estivessem aqui.

O que era pouco provável, considerando que Elizabeth parecera tão surpresa quanto Diana, e res­sentida, pelo súbito desaparecimento de Caroline.

— De qualquer forma, tenho certeza de que nada de ruim irá acontecer com elas. Que talvez um dia nós todas riremos dessa aventura.

Gabriel não foi enganado nem por um momento pelas palavras otimistas de Diana e podia claramente ver as linhas de preocupação enrugando a testa per­feita. Era uma preocupação que ele, conhecendo bem os bairros perigosos de Londres, agora compartilhava.

— Imagino que você também não tenha vindo para Londres desacompanhada.

— Oh, não — assegurou ela rapidamente. — Minha tia Humphries e nossas duas criadas me acompanharam para cá.

— Sua tia Humphries?

— A irmã mais nova de meu pai. Ela era casada com um homem da Marinha, mas infelizmente ele morreu durante a Batalha de Trafalgar.

— Estou certo em pensar que ela agora reside com vocês em Hampshire?

— Desde a morte do marido, sim.

Bom Deus, parecia que ele não tinha somente três jo­vens protegidas indisciplinadas para importuná-lo, mas que também era responsável por uma senhora viúva!

— E onde está sua tia agora?

Diana se empertigou.

— Ela não gosta de Londres e está em seus aposen­tos desde a nossa chegada.

Consequentemente, não tem utilidade alguma como acompanhante da sobrinha!

— Então — começou Gabriel, devagar —, se eu en­tendi bem, suas duas irmãs tendo fugido, você agora decidiu se oferecer ao sacrifício do casamento na es­perança de que, uma vez que, elas saibam de nosso noivado, serão encorajadas a voltar para casa?

Diana encontrou-lhe o olhar com firmeza.

— Essa é minha esperança, sim.

Gabriel deu uma risada dura e sem humor.

— Sua coragem é admirável, senhorita.

Ela pareceu atônita.

— Minha coragem?

— Tenho certeza de que, mesmo na relativa segu­rança de Hampshire, você não pode permanecer in­consciente do fato de estar considerando casamento com um homem com quem a sociedade não quis ter nada a ver durante os últimos oito anos.

— Eu ouvi... rumores e insinuações, é claro — admi­tiu ela gravemente.

Gabriel podia apostar que ela ouvira!

— E isso não a preocupa?

Lógico que aquilo a preocupava. Mas se ninguém podia ser persuadido a lhe contar sobre aquele pas­sado escandaloso, o que esperavam que ela fizesse sobre isso?

— Deveria me preocupar? — perguntou Diana len­tamente.

Ele deu de ombros, como se estivesse entediado.

— Somente você pode saber a resposta para isso.

Diana franziu a testa de leve.

— Talvez se você me esclarecesse sobre a natureza do escândalo...

Aqueles lábios esculpidos se torceram numa ex­pressão amarga.

— E por que cargas d’água você supõe que eu faria isso?

Diana o olhou em frustração.

— Com certeza seria melhor para todos os envol­vidos se você me informasse de suas supostas ações incorretas, em vez de eu ficar sabendo sobre elas por uma terceira parte possivelmente maliciosa.

— E se eu preferir não lhe contar? — murmurou ele.

Ela lhe deu um olhar frustrado.

— Você matou alguém, por acaso?

Gabriel sorriu sem humor.

— Matei muita gente para numerar.

— Eu quis dizer fora do campo de batalha, é cla­ro! — Aqueles olhos azuis brilharam com censura pelo comentário dele.

— Não, não matei ninguém.

— Tomou mais de uma esposa ao mesmo tempo?

— Definitivamente não! — Gabriel estremeceu diante da mera possibilidade. Considerava a ideia de to­mar uma única esposa ameaçadora o bastante... Duas seria loucura total!

— Foi cruel com uma criança ou um animal?

— Não e não — respondeu ele, seco.

Ela deu de ombros, num gesto delicado.

— Nesse caso, não considero o que a sociedade acre­dita ou não sobre você relevante para minha própria decisão de aceitar sua oferta de casamento.

— Você considera assassinato, bigamia e crueldade com crianças ou animais como sendo os piores peca­dos de um homem então? — perguntou ele em tom divertido.

— Não tenho outra escolha quando você insiste em permanecer silencioso sobre o assunto. Mas, talvez, tendo agora me conhecido — ela, de repente, parecia mais insegura — você tenha decidido que casamento comigo não é aceitável.

Era ansiedade o que Gabriel podia ver na expres­são dela? O jovem tolo que a rejeitara, sem dúvida por causa da mudança nas circunstâncias de Diana, também lhe roubara a confiança em seus atrativos? Se assim fosse, então o homem não era apenas um ca­çador de fortuna, ambicioso por uma melhor posição social, mas também cego por isso!

Diana Copeland era, sem sombra de dúvida, lin­da... Certamente não “gorda e feia”, como Osbourne tinha sugerido que ela pudesse ser, logo que soubera da oferta de Gabriel para uma das irmãs Copeland, sem ao menos colocar os olhos nelas! Ela não era so­mente muito bonita como também obviamente inte­ligente... e capaz. Gabriel estava muito ciente de que devia agradecer a Diana por ele ter chegado a uma casa que não estava infestada por roedores e cheiran­do a mofo, e com criados que eram bastante eficien­tes. Ela era, na verdade, tudo o que um conde poderia querer ou desejar em sua condessa.

Além disso, tendo agora conhecido Diana, Gabriel percebera outro benefício inesperado, no caso de decidir torná-la sua esposa... Sem dúvida aquele cabelo loiro-avermelhado, quando solto de seus grampos, chegaria até a cintura delgada. Assim como aqueles seios altos e generosos prometiam encher suas pal­mas, e aquele corpo delicado e feminino se beneficia­ria de uma longa exploração de seus lábios.

Obviamente essa era uma intimidade à qual a altiva Diana provavelmente não daria as boas-vindas entre os dois no momento presente, porque ainda estivesse apaixonada pelo caçador de fortunas, talvez, mas ela, sem dúvida, permitiria isso caso se tornasse sua esposa.

Diana sentiu seu nervosismo aumentar devido ao silêncio contínuo do conde. Também não podia ler nada dos pensamentos de Gabriel enquanto ele continuava fitando-a com aqueles grandes olhos azul-escuros.

Ela era tão sem atrativos então? O papel de Diana como senhora da propriedade de seu pai e mãe de suas duas irmãs mais velhas durante os últimos dez anos a tornara uma pessoa de natureza prática e, como resul­tado, simples? Gabriel Faulkner estaria, neste exato momento, formulando as palavras para lhe falar de sua falta de interesse nela?

— Entende que um casamento entre nós dois reque­reria que você produzisse os herdeiros necessários?

Diana o olhou com intensidade diante da pergunta feita suavemente e sentiu o rubor mais uma vez aque­cendo sua face quando viu a expressão especulativa naqueles olhos escuros. Ela engoliu em seco antes de falar:

— Eu entendo que essa é uma das razões pelas quais você deseja tomar uma esposa, sim.

— Não uma das razões, mas a única razão pela qual eu contemplaria tal aliança — disse Gabriel Faulkner, suas feições arrogantes agora frias e reservadas.

Diana umedeceu os lábios com a ponta da língua.

— Tenho total ciência das tarefas de uma esposa, meu lorde.

A boca de Gabriel se comprimiu.

— De alguma maneira, eu acho isso surpreenden­te, considerando a completa falta de interesse de sua própria mãe nisso.

Os olhos dela se arregalaram diante daquela ob­servação dura, e o queixo se ergueu orgulhosamente.

— Você conheceu minha mãe, Sir?

— Não pessoalmente. — A expressão desdenhosa dele declarava que não tinha o desejo de conhecê-la também.

— Então não pode ter ideia do motivo pelo qual ela abandonou o marido e as filhas, pode?

— Essa é uma desculpa aceitável para tal compor­tamento?

No que dizia respeito a Diana e suas irmãs? Não, não era. Quanto ao pai delas... Marcus Copeland não se recuperara do abandono da esposa por um homem mais jovem e tinha se tornado uma sombra da pessoa alegre e saudável que costumava ser, fechando-se em seu estúdio por horas de cada vez, e com muita fre­quência fazendo suas refeições lá também, quando se dignava a comer alguma coisa.

Não, não havia explicação aceitável para que Harriet Copeland abandonasse a família. Mas Diana não apre­ciava que Gabriel Faulkner, um homem com um escân­dalo conhecido em seu passado, mesmo se não falado, lhe apontasse isso.

— Eu não sou minha mãe, Sir — disse ela friamente.

— Sei...

Ela se ressentiu da provocação incessante dele.

— Se, tendo considerado a questão, você agora mu­dou de ideia sobre me oferecer casamento, então eu gostaria que me falasse isso. Não é necessário que insulte minha mãe, uma mulher que admite nem mes­mo conhecer!

Na verdade, Gabriel não tinha nenhum interesse no casamento de Marcus e Harriet Copeland, estava ciente de que casamentos entre membros da socieda­de eram geralmente realizados sem amor, com ambas as partes arranjando amantes uma vez que os herdei­ros necessários tivessem sido produzidos. O fato de Harriet ter escolhido deixar a família por seu amante mais jovem, e mais tarde ter sido morta com um tiro pelo mesmo amante, quando ele a encontrara nos braços de um terceiro homem, não tinha conseqüên­cias reais para a situação atual.

Não, a composta e franca Diana Copeland, apesar de ser tão deslumbrante quanto a deplorável Harriet Cope­land, certamente não era a mãe!

— Sua mãe produziu apenas filhas — murmurou ele.

Aqueles olhos azuis brilharam com raiva mais uma vez.

— E se ela não tivesse produzido tais filhas, então você não estaria aqui agora!

Gabriel deu um sorriso apreciativo.

— Touché.

— Também não é possível prever que crianças nas­cerão dentro de qual casamento — argumentou ela.

— Isso também é verdade. — Ele inclinou a cabeça. — Eu estava meramente questionando se você estava ou não preparada para a intimidade física necessária para produzir tais crianças. Se nós tivermos meninas das primeiras vezes, continuaremos tentando até ter um menino.

Diana respirou fundo. Tinha levado diversos dias depois da deserção de Malcolm, acompanhada por muitos olhares piedosos de vizinhos e amigos, para que ela aceitasse a ideia de considerar seriamente a oferta de casamento de lorde Gabriel Faulkner.

Aceitar tal oferta não apenas salvaria um pouco de seu orgulho, assegurara a si mesma, mas também ajudaria a convencer suas duas irmãs a voltarem para casa, agora que a possibilidade de casamento com um homem que elas não amavam tinha sido removida.

Ambas eram razões boas e práticas, decidiu Diana, para que ela aceitasse a oferta de Gabriel. Exceto que não se sentia nem um pouco prática agora que depa­rara com o homem de carne e osso...

Ela o olhou sob cílios baixos, apreciando o jeito como as roupas impecáveis enfatizavam a largura dos ombros, o peito musculoso, a cintura estreita, as coxas poderosas e pernas longas, antes de erguer seu olhar de volta para aquele rosto incrivelmente bonito, o calor subindo por sua face quando ela viu a expressão provocante nos olhos escuros que a en­caravam sem piscar. Um tremor de... Alguma coisa percorreu sua coluna, e Diana descobriu-se incapaz de desviar a atenção daqueles olhos hipnotizantes azuis meia-noite.

Se aquilo era um tremor de apreensão ou de ante­cipação, ela não podia ter certeza. Embora a sensação de formigamento que ela subitamente sentiu nos seios parecesse indicar o último.

Diana achou isso um pouco chocante, quando ele nem sequer a tocara. Ela somente conhecera um calor prazeroso quando Malcolm a beijara, não esse calor ardente com reação a um único olhar de Gabriel...

— Como eu declarei, acredito que sei e estou dis­posta a cumprir todas as tarefas que são esperadas de mim como esposa — disse ela de maneira tensa.

— Talvez devêssemos testar essa teoria antes de to­mar qualquer decisão final — sugeriu ele.

Diana não gostou nem um pouco do retorno da­quele brilho predador nos olhos azul-escuros.

— Testar essa teoria como?

Ele arqueou sobrancelhas especulativas.

— Eu sugiro que tentemos um simples beijo, para começar.

Ela arfou em choque.

— Para começar?

— Exatamente.

Diana engoliu em seco, orgulho e somente orgulho impedindo-a de dar um passo atrás quando Gabriel atravessou a sala e parou a apenas centímetros na sua frente. Tão perto, na verdade, que ela teve total ciên­cia do calor do corpo grande e do cheiro másculo, que provocavam e despertavam seus sentidos, deixando sua respiração presa na garganta enquanto ela final­mente olhava para o rosto irresistível de Gabriel.

Os olhos azul meia-noite estavam parcialmente co­bertos por pálpebras emolduradas por cílios longos e escuros, as maçãs do rosto lindamente altas de cada lado do nariz aristocrático, lábios esculpidos levemen­te entreabertos, o maxilar quadrado e firme.

Em contraste, os lábios de Diana tinham se torna­do subitamente secos, sua respiração ofegante... Na verdade, ela começava a se sentir tonta pela falta de ar em seus pulmões! Sabia, instintivamente, que qual­quer beijo que recebesse daquele homem não seria nada como o virginal encontro de lábios que ela fre­quentemente compartilhara com Malcolm Castle.

Diana podia sentir sua pulsação começar a acelerar, e uma onda de excitação subiu dentro de seus seios quando aqueles braços poderosos se moveram para sua cintura, antes que ela fosse puxada contra o peito sólido de Gabriel e a cabeça dele começasse a baixar em direção à sua.

Ela estava certa. Ser beijada por Gabriel Faulkner não era, de forma alguma, nada como ser beijada por Malcolm...

Os braços que rodeavam sua cintura pressionaram-lhe os seios contra aquele peito sólido, mesmo en­quanto ele possuía-lhe os lábios com os seus de forma magistral. A boca de Gabriel moveu-se sobre a sua numa exploração lenta e sensual, antes que a língua dele lhe entreabrisse os lábios e ele a beijasse ainda mais intimamente, a língua habilidosa procurando en­trada com movimentos gentis.

O coração de Diana continuou disparado, ela se sentia tanto quente quanto trêmula conforme o beijo continuava, suas mãos indo para o peito de Gabriel com a intenção de empurrá-lo, mas em vez disso, agarrando-lhe os ombros largos, conseguindo sentir os músculos se flexionarem abaixo do paletó. Sem dú­vida, ele podia sentir seu próprio tremor, enquanto aquelas mãos grandes acariciavam a extensão de sua coluna, antes de segurar-lhe as nádegas para puxar as coxas dela contra as pernas musculosas dele.

Nada do que tinha acontecido antes, nem os beijos de Malcolm, ou o discurso que tia Humphries fizera sobre a vida sexual de um casal no aniversário de 16 anos de Diana, o qual Diana passara para suas duas irmãs assim que elas alcançaram idade suficiente para entender, a preparara para o ardor dos beijos de Ga­briel, ou para a sua total consciência da rigidez que pulsava entre as coxas dele.

Gabriel começou a parar o beijo quando sentiu o pânico crescente de Diana diante da intimidade, sa­bendo, pela timidez das respostas dela, que o tolo que a dispensara nem mesmo se incomodara em beijá-la propriamente, muito menos em introduzi-la ao prazer físico.

Ele olhou para as pálpebras baixas de Diana, tendo assegurado a si mesmo com firmeza de sua disposição para introduzi-la a cada prazer físico inimaginável, antes de permitir que seus braços baixassem da cintu­ra delgada dela. Ele se afastou, sua expressão delibe­radamente ilegível.

— Talvez agora fosse o momento certo para lhe di­zer que você não me fez a pergunta adequada alguns minutos atrás, quando estava me pedindo detalhes daquele escândalo passado.

Ela piscou, sua face ainda rubra.

— Não?

A fisionomia de Gabriel tornou-se amarga.

— Não.

Diana balançou a cabeça, como se para clareá-la.

— Então o que eu deveria ter lhe perguntado?

— Se eu já fui acusado de tomar a inocência de uma garota e depois me recusar a me casar, quando ela descobriu que estava esperando um bebê.

O pescoço de Diana moveu-se convulsivamente quando ela engoliu em seco, sabendo que seu rosto não estava mais vermelho, mas sim muito pálido.

— E você foi acusado disso?

— Oh, sim. — Ele deu um sorriso sem humor.

Ela experimentou um breve momento de pânico, o sangue pulsando em suas veias, a palma de suas mãos de repente úmida dentro das luvas, as pernas um pou­co trêmulas. Não havia possibilidade para ela, ou para nenhuma mulher decente, de casar-se com um ho­mem tão insensível, tão sem honra... Não, espere um momento, disse a si mesma. Gabriel tinha falado que fora acusado de tal crime horrível, e não admitira ser culpado por isso...

Ela o estudou. Ele possuía um rosto duro e impla­cável, o rosto de um homem que não faria papel de tolo. Os olhos azuis meia-noite eram igualmente frios e inflexíveis. Mas aquele não era um rosto de uma pessoa dissimulada ou má... e sim de alguém que de­safiaria qualquer um que questionasse suas ações. E ele a estava desafiando a fazer isso?

Diana respirou fundo.

— Você disse que foi acusado, não que era culpado.

Aqueles olhos escuros se estreitaram.

— Eu disse isso, sim — concedeu ele suavemente.

— E, na verdade, você é inocente de tal crime?

Gabriel deu um pequeno sorriso apreciativo. Nem um único membro de sua família havia se incomoda­do em lhe fazer essa pergunta oito anos atrás, esco­lhendo, em vez disso, acreditar na versão de eventos de Jennifer Lindsay.

Seus amigos Osbourne e Blackstone também não tinham se incomodado em perguntar, mas porque o conheciam muito bem para acreditar que Gabriel fosse capaz de um comportamento tão indigno, se ele fosse realmente culpado de tomar a inocência de uma jovem.

O fato de que Diana Copeland, uma jovem que ele acabara de conhecer, além disso, uma mulher que Gabriel deliberadamente beijara com paixão, em vez de com alguma consideração pela inocência dela, ter feito aquela pergunta era quase inacreditável.

Gabriel fitou-lhe os olhos diretamente.

— Eu sou. — Estreitando os olhos, ele continuou: — Tendo perguntado e recebido uma resposta, você ago­ra está duvidando de minha palavra no assunto?

— De maneira alguma. — Ela meneou a cabeça. — Eu apenas... O que essa jovem espera ganhar contando uma mentira tão monstruosa?

— Como filho único, eu era herdeiro da fortuna e das terras de meu pai — explicou Gabriel.

— Era?

A boca dele se firmou.

— Tais fortuna e terras foram deixadas, em vez dis­so, aos cuidados de minha mãe, com a morte de meu pai, seis anos atrás. Felizmente, eu não fui destituído, uma vez que os bens de meu avô tinham sido deixados em um fundo fiduciário, e não puderam ser tirados de mim.

— E foi por causa das mentiras dessa jovem que sua família e a sociedade o trataram de maneira tão dura, todos aqueles anos atrás? — perguntou ela.

— Sim — afirmou Gabriel.

Diana deu-lhe um olhar compreensivo.

— Então só posso imaginar que deve ter sido uma pílula duplamente amarga de engolir, quando você sabia que era inocente do crime.

— Você só tem a minha palavra para isso — apontou ele com seriedade.

— E deve-se duvidar da sua palavra? — indagou ela deliberadamente, olhando-o com expressão interro­gativa.

Gabriel franziu o cenho.

— Minha cara Diana, se eu realmente fosse o ho­mem que a maioria das pessoas acredita que sou, então eu poderia estar mentindo mais uma vez quando nego isso, certo?

Ela esboçou um sorriso gentil.

— Eu não acredito nisso. Acho que você é um ho­mem que falaria a verdade, e... perdoe-me... ao infer­no com aquilo em que cada pessoa escolhe acreditar!

Sim, ele era. Sempre fora esse homem, e aqueles últimos oito anos tinham apenas aprofundado tal re­solução. Mas novamente era surpreendente que esta mulher já o conhecesse tão bem para ter percebido e aceitado isso...

— E a... a garota? — perguntou Diana de modo hesi­tante. — O que aconteceu com ela?

Gabriel comprimiu os lábios.

— Meu pai pagou a outro homem para se casar com ela.

— E o bebê?

Aquele nervo pulsou outra vez no maxilar tenso de Gabriel.

— Perdido mesmo antes de nascer.

A expressão de Diana era sofrida.

— Que triste.

— Sabendo de tudo isso, você ainda deseja se tornar minha condessa? — perguntou ele sem rodeios.

A face de Diana estava pálida, o cabelo levemente despenteado pelos seus beijos, mas ainda havia, aque­le brilho familiar de resolução nos olhos azul-celestes.

— Você não é mais responsável por aquilo em que as pessoas escolhem, erroneamente, acreditar ao seu respeito do que eu sou pelo fato de minha mãe ter abandonado o marido e as três filhas.

A boca de Gabriel se curvou num pequeno sorriso.

— O anúncio de um noivado entre nós certamente daria muito assunto para a sociedade!

Ela deu um sorriso um pouco triste.

— Sem dúvida. Se você espera se reconciliar com a sociedade, talvez não deva, afinal de contas, contemplar tomar uma das filhas de Harriet Copeland como sua condessa.

A expressão de Gabriel endureceu.

— Não tenho o menor interesse em me reconciliar com a sociedade, ou em ter a sociedade reconciliada comigo. Também não me importo com o que cada pessoa escolhe pensar sobre mim ou sobre a mulher que eu tomar como minha condessa.

— Então estamos de acordo? — Diana prendeu a res­piração enquanto esperava pela resposta.

— Providenciarei para que o anúncio de nosso noi­vado saia nos jornais o mais brevemente possível.

Ele inclinou a cabeça arrogante.

Aquilo era o que Diana quisera, o que sabia ser necessário para salvar seu próprio orgulho, depois do abandono de Malcolm, e para encorajar suas irmãs a voltarem para casa. Todavia, a realidade de ficar noiva do duro e inflexível lorde Gabriel Faulkner, um ho­mem cercado por um escândalo passado que rivaliza­va até mesmo com o passado da mãe de Diana... pior, um homem que a beijara com tanta paixão apenas minutos atrás... a fazia tremer por dentro.

Se aquele tremor era causado por apreensão ou antecipação, ela ainda não estava muito certa...

 

— Estou seriamente começando a duvidar que sua tia Humphries existe — comentou Gabriel na manhã se­guinte, quando ele e Diana estavam sentados juntos na pequena sala de jantar, tomando café da manhã, servido pelo eficiente Soames.

A tarde anterior tinha sido tomada com diver­sas visitas aos escritórios de jornais, ao advogado de Westbourne e a um velho camarada em conexão com o desaparecimento de Dominic Vaughn’s den­tro do país. Mas Gabriel tinha voltado para casa a tempo de trocar de roupa para o jantar, antes de en­contrar Diana no andar de baixo. Apenas Diana. A sra. Humphries enviara um pedido de desculpa. O mesmo pedido de desculpa havia se repetido com re­lação ao café da manhã de hoje.

Diana sorriu.

— Eu lhe asseguro que ela existe, mas sofre muito dos nervos. Na verdade, ela não queria vir a Londres de jeito nenhum, e somente está aqui porque eu insisti em vir — acrescentou ela afetuosamente.

Gabriel arqueou sobrancelhas escuras.

— Estou aliviado por ela ter tido o bom senso de acompanhar você, pelo menos. Mas ter ido para o quarto assim que vocês chegaram, e permanecido lá, certamente não é muito útil. Na verdade, isso é total­mente inaceitável, agora que eu estou residindo aqui Também.

Ela o olhou com expressão interrogativa.

— Certamente, isso não pode ser impróprio, consi­derando que você é meu guardião.

— Um guardião que agora é, oficialmente, seu noi­vo. — Gabriel passou o jornal aberto que estivera len­do para o outro lado da mesa.

As mãos de Diana tremeram de leve quando ela pegou o jornal, procurando a coluna apropriada, até localizar o anúncio relevante. “É anunciado o noivado entre lorde Gabriel Maxwell Carter Faulkner, sétimo conde de Westbourne, Westbourne House, Londres, e sua protegida, lady Diana Harriet Beatrice Copeland, de Shoreley Park, Hampshire. O casamento acontecerá em breve, na igreja St George, Hanover Square.”

Não havia nada mais. Não havia nomes dos pais de Gabriel Faulkner, nem de seus próprios pais, apenas o anúncio do noivado deles. De qualquer forma, havia alguma coisa tão real sobre ver o anúncio do noivado impresso no jornal, e saber que seria, sem dúvida, lido por centenas de pessoas em Londres naquela manhã, enquanto também estavam sentadas a mesas, toman­do seu desjejum.

Não que Diana tivesse até mesmo considerado mu­dar de ideia sobre o noivado desde que eles haviam checado a um acordo no dia anterior. Ela também não protestava o comentário de que o casamento de­veria “acontecer em breve”... Quanto antes, melhor, em sua opinião, de preferência, antes que Malcolm Castle e srta. Vera Douglas seguissem juntos pela nave da igreja!

Não, Diana não tinha arrependimentos de sua decisão; apenas ver o anúncio do noivado impresso fazia Gabriel Faulkner parecer muito real para ela também. Não que realmente houvera dúvidas em sua mente sobre isso, depois de ser envolvida por aqueles braços fortes e beijada de forma tão apaixonada por ele no dia anterior.

Apenas pensar sobre aquele beijo a mantivera acordada na noite anterior, depois que Diana se reco­lhera em seu quarto...

Nada no discurso de tia Humphries todos aqueles anos atrás, sobre o que acontecia na cama entre duas pessoas casadas, preparara Diana para as sensações que tinham assaltado seu corpo quando Gabriel a beijara e a abraçara. O calor. A excitação intensa. O desejo dolo­rido por mais alguma coisa, algo que ela não sabia bem o que era, mas acreditava que o casamento com um ho­mem da experiência e sofisticação de Gabriel, sem dúvi­da, lhe revelaria...

Gabriel observou sob pálpebras baixas quando a cor primeiro desapareceu da face suave de Diana, an­tes de retornar, mais profunda do que nunca. O rubor que lhe pintou o rosto era praticamente da mesma cor do vestido que ela usava aquela manhã, acompa­nhado por um brilho quase fervoroso naqueles olhos azul-celestes, quando, ela ergueu pálpebras pesadas para fitá-lo do outro lado da mesa do café da manhã.

— Você está preocupada com a expressão “em breve” no anúncio talvez? — perguntou ele.

— De modo algum — negou ela prontamente. — Eu gostaria de encontrar minhas irmãs, antes, é claro, mas não vejo razão para que o casamento não aconteça logo depois disso.

— Não? — Gabriel a olhou. — Eu tinha imaginado que talvez você desejasse dar ao seu jovem... acredito que ele seja jovem... o tempo apropriado para que ele a procure e admita ter cometido um erro, enquanto proclama seu amor eterno por você.

Um rubor de irritação agora escureceu a face de Diana diante do tom provocante de Gabriel.

— Ele é jovem, sim... e também muito estúpido. E mesmo se ele fizesse isso, eu não acreditaria em tal declaração. — Aquela boca deliciosamente cheia e ten­tadora firmou-se com resolução.

Gabriel recostou-se em sua cadeira para estudá-la. Que Diana era linda não podia ser negado. Que ela possuía determinação também não havia dúvida. Mas a atitude implacável dela com relação àquele homem o       surpreendeu. Especialmente considerando que ela aceitara a declaração de inocência de Gabriel na noite anterior, sem que ele tivesse produzido nenhum tipo de evidência para sustentar sua declaração. Exceto sua palavra...

Ele firmou seu maxilar.

— Talvez eu deva saber o nome deste jovem. Assim poderei mandá-lo cuidar da própria vida, se ele deci­dir aparecer — acrescentou Gabriel quando Diana lhe deu um olhar intenso.

— Creio que eu sou perfeitamente capaz de lidar com tal situação sozinha, se esta surgir — retorquiu ela de maneira impertinente.

Gabriel estava bastante ciente da força do caráter de Diana... Como poderia não estar, quando sabia que ela agira como a ama da casa do pai e mãe das duas irmãs desde a idade de 11 anos?

Não, seu motivo para querer saber, por meio de Diana, quem era o jovem tolo que a rejeitara era pu­ramente egoísta. Tendo assegurado a concordância dela para o casamento entre os dois, ele não tinha in­tenção de permitir que agora Diana fosse persuadida a mudar de ideia. Primeiro, porque eles fariam papel de tolos se o noivado acabasse antes de começar. E segundo, porque beijá-la no dia anterior lhe mostrara que casamento com Diana não seria o sacrifício que ele sempre imaginara que matrimônio seria...

Sob a frieza, e aquele ar de praticidade e eficiên­cia que ela mostrara tão claramente ao preparar Westbourne House para ser habitada, Gabriel ti­nha descoberto uma jovem calorosa e apaixonada, a quem gostaria muito de apresentar os prazeres físicos. Ele não tinha a menor intenção de permitir que algum idiota caçador de fortunas reaparecesse na vida dela e roubasse Diana debaixo de seu nariz. Ou de nenhuma parte de sua anatomia!

A boca de Gabriel se comprimiu.

— De qualquer forma, você irá me comunicar se qualquer situação surgir.

Diana pareceu irritada.

— Sinto que devo avisá-lo, meu lorde, que eu me acostumei a lidar com meus próprios assuntos da ma­neira que acho melhor.

Ele inclinou a cabeça escura em reconhecimento.

— Uma ocorrência que acredito que nosso noivado agora torna desnecessária.

Aquela foi a primeira indicação para Diana de como sua vida iria mudar, agora que tinha concor­dado em se tornar esposa de Gabriel. Uma mudança que ela não estava muito certa se gostava. Dez anos sem ter de dar satisfações a ninguém, exceto a si mes­ma, haviam lhe proporcionado uma independência da qual não seria fácil abrir mão. Nem mesmo por um marido.

— Eu não estou acostumada a permitir que outra pessoa tome decisões por mim — reiterou ela.

Gabriel não duvidava daquilo, era porque Diana não era uma lady que sorria com afetação, nem uma jovem idealista para se apaixonar e ter o homem igual­mente apaixonado por ela, que ele podia ver o futuro casamento dos dois com algum grau de tranqüilidade.

— Eu tenho certeza de que, com o tempo, nós aprenderemos a lidar bem um com o outro.

Diana deu um sorriso astucioso.

— Acho que com isso você quer dizer que, com o tempo, eu aprenderei a aceitar sua superioridade masculina!

Gabriel pegou-se retornando aquele sorriso.

— Você não concorda?

Ela meneou a cabeça.

— Não acredito que você seja nem um pouco superior a mim somente porque é homem. Nem está em minha natureza ser submissa e obedecer a alguém sem questionamento.

Desde que conhecera Diana, Gabriel passara a en­tender que a última coisa que desejava numa esposa era submissão ou obediência. Quando ele contara a Osbourne e Blackstone, aproximadamente uma se­mana atrás, sobre seus planos de se casar, Gabriel as­segurara os dois de que seu casamento era uma questão de obrigação e conveniência. Primeiro, porque ele precisava de uma esposa, e, segundo, por causa de um senso de obrigação com as irmãs Copeland, porque todas tinham sido deixadas sem provisão para seus futuros, quando o pai morrera de maneira tão ines­perada. Sendo assim, submissão e obediência de sua futura esposa haviam parecido o mínimo que Gabriel podia esperar.

Tendo vislumbrado o fogo escondido atrás do ex­terior frio de Diana, Gabriel sabia que na cama, pelo menos, ele não precisaria de nenhuma dessas coisas!

— Meu lorde...? — Diana o olhou de modo especula­tivo quando o silêncio entre eles se estendeu desconfortavelmente.

Ela falara demais? Tinha sido muito franca sobre seu caráter? Mas certamente era melhor que ele sou­besse de seus piores defeitos antes que eles embarcas­sem num casamento. Melhor saber agora do que após o evento, não era?

Ela acreditava que sim. Mas talvez tivesse sido um pouco honesta demais.

— Talvez eu possa tentar... domar algumas de mi­nhas inclinações para muita independência.

— Não há necessidade de fazer isso por minha causa, eu lhe asseguro — falou ele com um brilho nos olhos, então se virou para dispensar o atencioso Soames, es­perando até que o mordomo tivesse saído, antes de continuar: — Diana, eu tinha esperado ficar entediado, no mínimo, em qualquer casamento ao qual me sub­metesse. É uma espécie de alívio saber que esse não será o caso, afinal de contas.

Ela arregalou os olhos.

— Você não acha que seria preferível esperar e tal­vez se casar com uma mulher que ame?

— Amor? — Ele conseguiu transmitir uma boa quan­tidade de ódio à única palavra.

— Você não acredita no sentimento? — perguntou Diana cautelosamente.

O lábio superior de Gabriel curvou-se numa ex­pressão de desdém.

— Minha querida Diana, eu descobri que o amor vem em muitos disfarces... E todos eles são falsos.

Talvez ela entendesse o cinismo de Gabriel com re­lação à emoção, quando ele tinha sido completamente banido da sociedade, após ser falsamente acusado de aproveitar-se de uma jovem lady inocente. Ele amara a jovem lady antes que ela o enganasse?

Sim, Diana podia se identificar com ele... talvez até compartilhar seu cinismo com relação ao amor. Malcolm Castle certamente tornara aquele senti­mento sem sentido quando declarara ainda amar Diana, mas ter todas as intenções de se casar com outra mulher!

Ela suspirou.

— Talvez você tenha razão, e um casamento como o nosso, com base em nada tão tênue e instável quanto o amor, mas em bom senso e honestidade, em vez dis­so, seja o melhor.

Gabriel franziu o cenho ao ouvir a tristeza no tom de voz de Diana. Vinte e um anos era muito jovem para uma linda lady ter formado uma opinião tão pragmáti­ca sobre amor e casamento. Mas, talvez, a experiência do casamento dos pais dela e o recente abandono de um jovem namorado justificassem tal opinião. Afinal de contas, Gabriel contava 20 anos quando descobrira essa dura lição.

— O que não é dizer... — Ele levantou-se lentamente para rodear a mesa e pegar a mão de Diana na sua, antes de colocá-la de pé sem p menor esforço — que não haverá outras... compensações em nosso casa­mento para a falta de amor.

Ela piscou quando obviamente percebeu a inten­ção dele de beijá-la de novo.

— Eu... meu lorde, são apenas 9h da manhã!

Gabriel jogou a cabeça para trás e riu.

— Acredito, minha querida, que não irá querer im­por limites de quando e onde eu posso fazer amor com você?

De jeito nenhum. Na verdade, ela duvidava que alguém conseguisse pôr limites em um homem como Gabriel Faulkner. Era apenas que o comportamento dele agora desviava drasticamente da descrição de tia Humphries de como um casamento seria.

Sua tia a levara a acreditar que era comum para um marido e uma esposa passarem seus dias separados... com o marido lidando com negócios e correspondên­cias pela manhã, e visitando seu clube na parte da tarde, enquanto a esposa lidava com as responsabili­dades da casa, tais como cardápios do dia, responder cartas, receber visitantes e retornar tais visitas, assim como bordar e ler. Ás noites seriam possivelmente passadas juntos, ou em casa ou indo a eventos sociais, seguidas pelo retorno ao lar, onde eles se recolhiam em quartos separados.

Em uma, talvez duas noites por semana, o marido ia brevemente ao quarto da esposa, e, durante esse tempo, era dever da esposa fazer qualquer coisa que o marido lhe pedisse. Tia Humphries fora um pouco vaga sobre o que “qualquer coisa” poderia envolver, acrescentando que um marido possuía “necessidades” que uma esposa deveria satisfazer, “silenciosamente e sem reclamar”...

Felizmente, Diana tinha alguma ideia do que tais “necessidades” envolviam; seu pai criara veados na fa­zenda em Hampshire... Sem dúvida, o que acontecia entre marido e esposa em sua cama de casal não era tão diferente daquele processo. E não era surpreen­dente que sua tia tivesse escolhido não discutir um as­sunto tão indigno em detalhes!

Mas, em momento algum, a tia de Diana mencio­nara que um marido, ou, nesse caso em particular, um noivo, tivesse o hábito de roubar beijos durante o dia.

Muito menos o tipo de beijos que fizera Diana tremer por dentro no dia anterior.

Ela endireitou o corpo.

— Como eu lhe disse ontem, acredito que conhe­ço meus deveres com relação ao meu futuro marido, meu lorde.

As sobrancelhas de Gabriel se uniram. Ora, ele não queria que Diana lhe permitisse beijá-la por um senso de dever; queria que ela agora desse livremente o que ele tomara no dia anterior.

— Gabriel — encorajou ele com voz rouca.

Aquela pulsação estava, mais uma vez, batendo de maneira intrigante no pescoço esbelto dela.

— Tal intimidade seria inapropriada da minha parte até depois de nos casarmos, meu lorde — disse ela, os olhos baixos com discrição.

O maxilar dele enrijeceu.

— Acredito que você me conheça bem o bastante a essas alturas para perceber que eu não me importo com o que é considerado “apropriado”.

Diana deu um sorriso nervoso.

— Eu não tenho certeza... — Suas palavras foram in­terrompidas abruptamente quando Gabriel baixou a cabeça e tomou-lhe os lábios nos seus.

Lábios carnudos e sensuais que o vinham tentan­do de maneira insuportável na última hora, quando Diana primeiro tomara seu chá, depois comera uma torrada com manteiga e mel. Ele se encontrara ima­ginando que outros usos ela poderia dar para aqueles lábios deliciosos...

Diana tinha o gosto do mel que passara sobre a torrada mais cedo, deliciosamente doce, com um ar­dor secreto que o encorajou a aprofundar o beijo. Sua língua apreciou o mel dos lábios carnudos, antes de penetrar-lhe a boca.

Gabriel tivera muitas mulheres em sua vida duran­te os anos passados no continente: loiras, ruivas, mo­renas, mulheres jovens, outras mais velhas, todas ex­perientes, e, no começo, intrigadas pelo seu passado escandaloso, mas esperando permanecer após com­partilhar sua cama uma vez, na esperança de serem convidadas para compartilharem novamente.

Ele se tomara um amante experiente durante aque­les anos, capaz de dar prazer até mesmo às mulheres mais experientes e exigentes. O fato de que nunca apreciara nada além da satisfação imediata da carne não era culpa de nenhuma daquelas mulheres; Gabriel só permitira que suas emoções físicas fossem envolvi­das em tais encontros.

Segurar Diana em seus braços, moldando-lhe as curvas suaves do corpo contra o seu, provando, alimentando-se daqueles lábios deleitosos e, experi­mentando a doçura da resposta dela, despertou uma gentileza em Gabriel, uma necessidade de proteger, a qual ele achara que estava esquecida há muito tempo, se não completamente morta... Emoções que sabia, por experiência, que eram impetuosas na melhor das hipóteses, e perigosas, na pior. Introduzir, aos poucos, Diana nos prazeres de uma vida marital, derretendo aquele exterior frio, era uma coisa, sentir qualquer emoção além de prazer físico era algo que Gabriel não pretendia permitir que acontecesse. Por mais ten­tador que o pote de mel fosse!

Não gostando da direção de seus próprios pensamen­tos, ele rapidamente removeu a boca da de Diana e le­vantou a cabeça, antes de afastá-la de si com firmeza.

— Eu acho que devemos parar por aqui, você não acha, Diana?

Diana estava muito atordoada no começo para en­tender por que ele tinha parado o beijo deles de maneira tão abrupta, mas quando as palavras de Gabriel penetraram seu cérebro, ela instantaneamente sentiu o rubor de embaraço esquentar seu rosto. Sua respos­ta entusiasta àquelas carícias talvez fosse inapropriada para a futura condessa dele, afinal de contas.

Diana deu um passo atrás, sua expressão se tornan­do fria, apesar de sentir suas pernas tremendo pelo efeito daquele beijo apaixonado.

— Creio que foi você quem iniciou o beijo, Sir.

Ele a fitou de modo arrogante.

— Você está questionando meu direito de fazer isso?

Diana subitamente percebeu que, uma vez que fosse esposa de Gabriel, não teria direito de questioná-lo so­bre nada que ele escolhesse exigir dela. Poderia supor­tar aquilo? Poderia suportar não ser nada mais que a posse de um homem, atendendo-lhe todos os desejos?

Se isso conseguisse salvar seu orgulho ferido, que se seguira da traição de Malcolm do amor que eles tinham declarado sentir um pelo outro, então sim, po­deria, pensou com desafio.

— Eu peço desculpas se você sente que me faltou... decoro — ela murmurou, tensa. — Eu... eu estou aba­lada, creio, e muito emotiva, tanto pelo desapareci­mento de Caroline e Elizabeth quanto por ter visto o anúncio de nosso noivado esta manhã.

Gabriel experimentou um momento de arrependi­mento, até mesmo de culpa, pelo que Diana evidente­mente acreditara. Mas apenas por um momento... as emoções ternas que havia sentido com relação a ela enquanto a beijava não eram para alguém tão desilu­dido como ele. Era melhor manter alguma distância entre os dois. Porque, por mais que acreditasse que iria apreciar introduzi-la aos prazeres da carne depois que eles estivessem casados, não tinha o desejo de fa­zer isso se houvesse algum perigo de ele se entregar a fantasias românticas. Isso somente resultaria em Diana sofrendo uma desilusão ainda maior do que já sofrera nas mãos do jovem volúvel.

Gabriel recuou e posicionou as mãos firmemente atrás das costas, para fugir da tentação de tocá-la ou­tra vez.

— Sem dúvida, nós receberemos uma avalanche de cartões e convites esta manhã, em resposta ao anúncio de nosso noivado. — Ele curvou a boca numa expres­são zombeteira. — As pessoas educadas socialmente e as simplesmente curiosas, todas ansiosas para decla­rar que foram as primeiras a receber lorde Gabriel Faulkner na ocasião de seu retorno para Londres, depois de oito anos de ausência. Desnecessário dizer que eu não quero que você aceite nenhum convite an­tes de me consultar primeiro — acrescentou.

Diana empertigou-se, com óbvia irritação.

— Posso não ter passado minha vida inteira em Londres, mas acho que até mesmo eu sei a maneira correta de me comportar. De modo que é claro que não receberei visitantes, ou aceitarei qualquer convi­te, sem discutir o assunto com você antes.

Ele deu um sorriso duro.

— Meu pedido tem pouco a ver com comportamen­to correto, e mais a ver com o fato de que eu não gosto da maioria das pessoas da sociedade.

Diana estava ciente da razão para a sentença de Gabriel... “Pedido” não era uma descrição adequa­da para aquilo! Ela também se identificava com isso, como a filha de uma condessa famosa, Diana, sem dú­vida, despertaria sua própria cota de curiosidade no que dizia respeito à sociedade, após o anúncio do noi­vado deles. Sendo assim, ela estava mais do que con­tente em deixar a escolha de decidir que convites eles deveriam aceitar ou recusar nas mãos de Gabriel, que possuía mais conhecimento no assunto. Do contrário, Diana poderia cometer uma gafe social.

Ela reprimiu um suspiro.

— Acho que vou subir e dar uma olhada na minha tia.

— Enquanto estiver lá, talvez você deva sugerir que seria uma boa ideia se ela se juntasse a nós no jantar esta noite.

Diana tinha consciência de que aquilo era mais uma ordem do que uma “sugestão”.

— Eu certamente irei perguntar se ela está se sen­tindo bem o bastante para jantar conosco esta noite — replicou ela friamente.

Era melhor começar a desafiar as ordens de Gabriel se quisesse prosseguir com aquele casamento. Não ti­nha intenção de permitir que Gabriel dominasse cada aspecto de sua vida, por mais arrogante que ele fosse.

Ele franziu o cenho de leve.

— E suponho que isso é o máximo que posso esperar?

— Sim, é. — Diana encontrou-lhe o olhar sem piscar.

Gabriel deu-lhe um sorriso apreciativo. Uma coisa podia dizer de Diana... Ela não se acovardava diante de nenhum de seus desafios.

— É minha intenção esta manhã fazer perguntas discretas sobre suas duas irmãs. Eu obviamente preci­sarei de descrições detalhadas sobre elas... — Ele ouviu com atenção enquanto Diana lhe dava os detalhes. — Há mais alguma coisa que você precisa me dizer antes que eu saia?

Ela pareceu confusa.

— Como o quê?

A expressão de Gabriel se tornou sarcástica.

— Como se alguma de suas irmãs fugiu para estar com um homem.

— É claro que não! — A negação de Diana foi imediata.

Gabriel ergueu as mãos na defensiva.

— Eu precisava perguntar.

Havia um rubor de indignação na face dela agora.

— Minhas irmãs podem ter agido de maneira impul­siva ao fugir, mas eu não acredito que elas teriam sido tão impulsivas a ponto de arruinar totalmente suas re­putações, meu lorde.

Gabriel desejou que tivesse a mesma certeza que ela sobre aquilo. Infelizmente, mesmo se Caroline nem Elizabeth tivessem fugido com um homem no início, ele sabia que a situação podia ter mudado. Caroline estava agora, segundo Diana, desapareci­da havia mais de duas semanas, e Elizabeth parti­ra apenas dois dias depois da irmã. Muito tempo para que homens inescrupulosos tivessem notado e se aproveitado de duas jovens mulheres sozinhas e desprotegidas.

— Fico contente em ouvir isso. — Foi tudo o que Gabriel falou, uma vez que não queria preocupá-la ainda mais. — Por favor, envie meus respeitos à sua tia.

Diana observou quando ele atravessou a sala de café da manhã em passos longos e determinados, notando o jeito que o paletó se moldava aos ombros largos e cintura estreita, a calça fazendo o mesmo com as pernas longas e musculosas. Atributos físicos, juntamente àqueles beijos tão prazerosos, cuja mera lembrança fazia sua pulsação acelerar, indicavam que o melhor curso de ação, e, com certeza, o mais seguro, era não pensar sobre eles em absoluto!

— Eu quase esqueci — disse Gabriel subitamente, quando parou perto da porta e virou-se para olhá-la.

Diana estava parada numa postura elegante no meio da sala.

— Sei que Hampshire é um município grande, mas por acaso, você conhece uma família chamada Morton? — Ele já enviara diversos velhos camaradas a Hampshire, à procura de Dominic Vaughn e da mulher que ele anun­ciara ter a intenção de desposar, mas seria negligência de sua parte não perguntar se Diana conhecia a família da mulher. Algo que quase se esquecera de fazer, desde que a beijara mais cedo.

— Morton? — Ela pareceu momentaneamente as­sustada. — O mordomo em Shoreley Park chama-se Morton, mas, aparte ele, não conheço nenhuma família com este nome.

A expressão de Gabriel tornou-se reservada.

— Verdade? E ele tem uma filha? Em particular, uma filha na idade de se casar?

— Não que eu saiba... Não, tenho certeza de que não — respondeu ela com firmeza. — Morton está co­nosco há anos. Sem dúvida, eu teria ouvido falar de uma filha, se ele tivesse uma.

— Hum — murmurou Gabriel suavemente. — Ainda assim, é curioso que seu mordomo também possua este nome...

— Por que é curioso, meu lorde? — Diana parecia intrigada.

— Não tenho certeza. — Ele adotou uma fisionomia pensativa, as peças daquele quebra-cabeça em parti­cular se tomando mais obscuras quanto mais Gabriel refletia sobre o assunto. — É um começo, pelo menos — acrescentou. — Talvez o mordomo tenha uma sobrinha com este nome.

— Eu não me recordo de tê-lo ouvido mencionar uma sobrinha. — As sobrancelhas de Diana se uniram. O que esta mulher é para você, meu lorde?

Gabriel tornou-se subitamente imóvel.

— Por que você assumiria que ela é alguma coisa minha?

Um rubor delicado coloriu a face de Diana.

— Eu pensei, uma vez que você me perguntou sobre ela...

— Pelo fato de eu ter dito que a mulher é jovem, você pensou que eu deveria, ou agora, ou em algum momento no passado, ter um interesse pessoal nela? — perguntou ele com um brilho nos olhos que Diana não sabia bem como interpretar.

Diana também não sabia o que pensar. Na verdade, toda aquela conversa a estava confundindo, de algu­ma forma. Ela ainda se sentia um pouco abalada por sua reação ao beijo dele mais cedo, e pelo fim abrupto que a magoara.

De repente, tornou-se ciente de quão pouco sabia sobre o homem com quem ia se casar. Havia acredi­tado em Gabriel no dia anterior, quando ele lhe dis­sera que não era responsável por seduzir a jovem e deixá-la grávida. No entanto, tinha de reconhecer que o passado dele talvez se mostrasse sob uma luz dife­rente para ela, se descobrisse que a suposta mulher errada de oito anos atrás e aquela que Gabriel procu­rava agora eram a mesma pessoa...

 

As pálpebras de Gabriel se estreitaram sobre os bri­lhantes olhos azul-escuros enquanto ele observava as emoções brincando no rosto expressivo de Diana. Perplexidade. Alarme, seguido por cautela.

— Então? — demandou ele de maneira dura.

A garganta de Diana se moveu, quando ela engoliu em seco antes de falar:

— Eu não sei o que pensar, meu lorde.

— Então talvez fosse prudente se você permaneces­se silenciosa sobre o assunto até que saiba — disse ele, zangado.

Gabriel sofrera todas as desconfianças e acusações que pudera suportar oito anos atrás. Não tinha a in­tenção de sofrê-las novamente por meio da jovem que pretendia tornar sua condessa.

Mesmo que esta jovem tivesse aceitado nada além de sua palavra no dia anterior, quando ele se declara­ra inocente daquele delito passado?, sua consciência perguntou num sussurro.

Ele olhou para Diana com frustração, suas narinas se alargando, seu maxilar rígido. Não estava acostu­mado a dar explicações a ninguém, mas...

— Se você quer saber, eu estou procurando esta mu­lher em conexão com um amigo, em vez de ter algum interesse pessoal nela — disse Gabriel.

— Um amigo, meu lorde?

Gabriel deu um sorriso sem humor diante da incer­teza contínua dela.

— Acredite ou não, eu possuo alguns amigos. Ho­mens que permaneceram leais e verdadeiros durante todos esses anos, apesar do que minha família e socie­dade escolheram acreditar sobre mim.

Diana não tinha pretendido implicar o contrário; estivera apenas curiosa para saber quem poderia ser a tal jovem lady, e o que ela significava exatamente para Gabriel. Por exemplo, ela podia ser amante dele? Quando Diana decidira, de maneira fria e prática, aceitar a oferta de casamento, fizera isso sem consi­derar o fato de que Gabriel pudesse já estar envolvi­do com outra mulher. E se estivesse, ele iria querer continuar vendo tal mulher, mesmo depois de casado com Diana?

Sua tia mencionara que tanto homens casados quanto mulheres casadas da sociedade, uma vez que seus herdeiros nasciam, frequentemente escolhiam se envolver com outros parceiros de cama. O fato de que o casamento de Diana pudesse se tornar tão sordida­mente complicado era, em sua opinião, uma situação muito desagradável até mesmo para contemplar.

— Fico feliz em saber disso. — Ela inclinou a cabeça.

— E você diz que é para um desses amigos que está procurando a lady chamada Morton?

— Isso mesmo.

Diana o estudou ao ouvir o tom de desafio na voz dele. Um desafio que era refletido no brilho dos olhos azuis meia-noite, quando eles facilmente encontra­ram seu olhar.

— Então eu espero que sua procura seja bem-suce­dida.

Gabriel também esperava. Caso contrário, era ca­paz de Dominic casar-se com a garota e tornar-se so­cialmente arruinado. Tendo experimentado isso por si mesmo, não era algo que Gabriel desejava para um de seus melhores amigos.

Isso não significava que ele esqueceria facilmente as desconfianças de Diana ao seu respeito agora...

— Você não pode ter ficado noiva de um homem de tanta má reputação como Gabriel Faulkner! — Tia Humphries olhou-a de onde estava descansando em sua poltrona reclinável na saleta de estar anexa ao seu quarto.

Uma sala que Diana achou que estava bagunçada e quente, o calor vindo tanto do fogo queimando na la­reira quanto do sol se infiltrando pela enorme janela.

— Ele é lorde Gabriel Faulkner agora, sétimo conde de Westbourne, tia — murmurou ela calmamente.

— Bem... sim. E a mãe dele era uma mulher adorá­vel e graciosa...

— Você conheceu a sra. Faulkner? — perguntou Diana com curiosidade.

— Felicity Campbell-Smythe e eu fomos grandes amigas trinta anos atrás. — Sua tia Sorriu de modo afetuoso com a lembrança daquela amizade. — Nós perdemos contato quando nos casamos, é claro — continuou ela rapidamente. — Mas eu me recordo de quando o filho dela foi envolvido num escândalo hor­roroso alguns anos atrás...

— O lorde e eu falamos sobre isso. — O tom de voz de Diana era desaprovador.

Ela amava muito sua tia, que ajudara a preencher o papel da mãe que abandonara o marido e as filhas todos aqueles anos atrás. Mas, mesmo assim, não pre­tendia discutir o passado de Gabriel com ela ou com mais ninguém. Ele lhe falara sobre o assunto em con­fiança, e aquela era uma confiança que ela não iria, não poderia, violar.

Sua tia se sentou ereta, os cachos loiros com mechas grisalhas balançando ao redor do rosto fino e enrugado.

— Mas...

— Não é educado para nós discutirmos a sra. Faulk­ner ou o conde dessa forma. — Por mais que Diana quisesse saber sobre Felicity Faulkner, sabia que isso somente levaria a mais perguntas e comentário de sua tia sobre Gabriel. — Tudo o que importa agora é que você saiba que eu estou noiva dele e que nos ca­saremos em breve.

— Mas...

— Não há mais nada a ser dito sobre o assunto, tia — acrescentou ela com firmeza, afastando-se da poltro­na de sua tia para parar na frente da janela, olhando para a praça abaixo.

Havia uma ama-seca com uma criança no parque do outro lado da rua e um lacaio passeando com um enorme cachorro preto, assim como uma criada correndo ao longo da calçada, carregando diversos pacotes embrulhados em papel marrom. Todas elas, ocorrências normais do dia a dia. Foi tão estranho quando Diana sentiu como se sua vida nunca mais seria o que ela considerava normal...

Logo iria casar-se. Iria se tornar a esposa do arro­gante e poderoso conde de Westbourne. As mudanças em sua vida haviam começado antes disso, é claro. Ti­nham começado com a morte de seu pai, seis meses e meio atrás. Se não fosse por isso, Gabriel nunca teria herdado o título. Suas irmãs não teriam tido motivo para fugir de casa. Diana não teria tido nenhum mo­tivo para concordar em se casar com um homem que não conhecia, e que também não a conhecia.

Como o destino era estranho. Como era instável. Alguns meses atrás, a vida de Diana parecera estabe­lecida. Malcolm Castle se tornaria seu marido, e, após o casamento, eles residiriam na casa menor da Pro­priedade Castle, somente se mudando para a mansão depois que o pai de Malcolm falecesse.

Diana conseguira visualizar tudo aquilo na mente. Seu futuro, certo e seguro, estendendo-se à sua fren­te. Ela se casaria com Malcolm. Eles teriam diver­sos filhos, seguidos por netos. Com suas duas irmãs talvez também casadas com homens que viviam na região, as três se encontrariam com frequência para fofocar e rir juntas.

Em vez disso, Diana agora se encontrava em Lon­dres. Malcolm ia se casar com outra mulher e não fa­zia mais parte de sua vida. Suas duas irmãs estavam desaparecidas, só Deus sabia onde. E ela estava noiva de um homem de humor inconstante, na melhor das hipóteses, e frio e inacessível, na pior.

Um homem bonito e excitante, que, ela privada­mente admitia, fazia seu coração bater mais forte so­mente estando no mesmo cômodo que ela...

— Más notícias, meu lorde?

Gabriel fez uma careta quando olhou para cima da carta que estivera lendo, para ver Diana parada junto á porta do estúdio. Era uma das muitas cartas e car­tões de visita que tinham sido entregues na casa desde que o anúncio do noivado deles saíra no jornal, dois dias atrás.

Diana não estivera em evidência quando ele retor­nara, no fim daquela tarde, de outra tentativa inútil de localizar as irmãs Copeland desaparecidas, e, sendo questionado, Soames o informara de que ela estava com a governanta, consultando os cardápios para a semana. Cardápios que, sem dúvida, teriam de ser mudados, uma vez que ele estudasse os convites que haviam chegado nos últimos dois dias e decidisse a quais dos eventos sociais eles iriam.

Por si mesmo, Gabriel não tinha o menor interesse em ir a nenhum evento social, não desejando colocar-se numa posição de ser o foco visível dos falatórios da sociedade. Mas recusar todos seria injusto com Diana, quando ele sabia que ela vivera seus 21 anos isolada da classe de pessoas às quais ela pertencia por direito. Já era ruim o bastante que ela teria de se tor­nar esposa do escandaloso Gabriel Faulkner, sem que ele, como o pai de Diana já fizera, negasse-lhe a com­panhia de outros nobres.

— Não são notícias que dizem respeito a qualquer de suas irmãs, se essa é a sua preocupação. — Gabriel pôs a carta que estivera lendo sobre a mesa à sua fren­te, enquanto a olhava com apreciação.

Ela usava um vestido azul-claro, os reflexos ver­melhos no cabelo parecendo mais realçados contra a cor suave da roupa. A face estava levemente rubo­rizada, com os olhos azul-celestes brilhando, o con­junto dando-lhe uma beleza vibrante que agradava imensamente os olhos de Gabriel.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Talvez nós devêssemos começar a discutir os pre­parativos para o casamento. Eu pensei que a próxima semana seria...

— A próxima semana! — ecoou ela sem fôlego, os olhos azuis se arregalando.

Gabriel franziu o cenho.

— Você falou que não tinha objeções que o casa­mento acontecesse logo.

— Eu não tenho — explicou ela. — É apenas que não pensei em me casar antes de ter encontrado minhas duas irmãs.

Gabriel suspirou.

— Mas nós não temos ideia de quando iremos en­contrá-las.

Diana pareceu infeliz.

— Você não teve sucesso novamente em suas buscas?

Ele levantou-se, impaciente.

— Parece que suas duas irmãs tiveram sucesso em desaparecer completamente da face da Terra... Es­pero que você não esteja prestes a desmaiar, Diana — disse Gabriel enquanto atravessava a sala em três longos passos para lhe segurar os dois braços quando ela balançou.

Censurou a si mesmo por ter falado sobre as ir­mãs dela de maneira tão franca. Seu humor estava tenso e irritadiço pelos últimos dois dias, quando ele primeiro contratara um novo advogado, após dispensar os serviços de William Johnston... mas não antes de expressar seu desprazer para o outro homem com relação ao tratamento que ele dera às irmãs Copeland. Depois disso, Gabriel tivera de contatar meia dúzia de homens que tinham servi­do com ele em seu regimento um dia e instruí-los a vasculhar cada centímetro de Londres, à procura das duas mulheres desaparecidas.

Ele também havia arriscado a almoçar no seu velho clube hoje, o que não se provara uma decisão sábia, uma vez que fora forçado a satisfazer a curiosidade de diversos membros, que tinham obviamente sido instruídos por suas esposas para extraírem quaisquer informações possíveis sobre ele e sua futura noiva.

Retornar para outra avalanche de convites e car­tas, e ler uma daquelas cartas em particular, não melhorara seu humor, com o resultado que ele agora aborrecera Diana.

Ela balançou a cabeça em negação, o rosto muito pálido.

— Minhas irmãs têm de estar em algum lugar!

Gabriel baixou as mãos em suas laterais quando se afastou dela.

— Sim, é claro que estão — tranquilizou-a, embora, privadamente, não tinha certeza de que esse “algum lugar” fosse em Londres.

Ele estivera pensando na revelação de Diana, de que o nome do mordomo em Shoreley Park era Morton. Aquilo parecia coincidência demais.

— Diga-me, Diana, alguma de suas irmãs canta?

Ela pareceu um pouco confusa pela pergunta.

— Eu... As duas cantam. Caroline tem a melhor voz das duas, mas ambas são muito competentes. Por que a pergunta?

— Eu apenas queria saber o máximo possível sobre elas — replicou Gabriel vagamente, guardando aquela informação com o resto que agora sabia sobre Caroline e Elizabeth Copeland.

Informações que, com relação a Caroline pelo me­nos, o estava levando a uma conclusão que mal podia acreditar!

— É claro — aceitou Diana com tristeza. — Estou mui­to grata por toda a sua ajuda nesse problema delicado.

Ele comprimiu a boca.

— Haverá bastante tempo para agradecimentos de­pois que elas forem encontradas.

Algo que Diana estava começando a duvidar que pudesse acontecer. Estava em Londres há uma semana agora, sem nenhuma pista de suas irmãs. Parecia real­mente, como Gabriel apontara de modo tão sucinto, que Caroline e Elizabeth tinham desaparecido da face da Terra!

Com firmeza, ela reprimiu tamanha negatividade da mente. Suas irmãs seriam encontradas sãs e salvas.

— Você parecia... distraído por sua carta, quando eu entrei aqui, meu lorde — comentou ela.

— Eu parecia? — Uma máscara pareceu descer sobre o rosto de Gabriel, antes que ele se virasse para voltar à mesa. — Talvez tenha sido o pensamento de precisar res­ponder a todas essas cartas e convites — murmurou ele.

Havia realmente um grande número delas. Diana ficara surpresa pela quantidade de correspondência que chegara nos últimos dois dias, quando Gabriel tinha sido ignorado durante todos aqueles anos. O vo­lume exagerado de correspondência parecia indicar que os últimos pecados dele haviam sido perdoados, se não totalmente esquecidos, agora que ele era o rico conde de Westbourne.

Ela suspirou.

— Talvez nós devêssemos recusar todos os convites. Com minhas irmãs ainda desaparecidas, eu não me sinto particularmente sociável, e temos a desculpa adicional de que eu ainda estou de luto pelo meu pai.

Gabriel inclinou-se contra a mesa enquanto estu­dava Diana através de olhos estreitos. Ela era uma mulher linda e graciosa, e sem dúvida, causaria co­mentários na sociedade. Entre os homens, especial­mente... As mulheres, tanto as jovens quanto as mais velhas, invejariam a beleza dela. Uma beleza que me­recia ser vista, se não tocada...

— Não, lamento, mas nós não podemos fazer isso, Diana. — Gabriel gemeu internamente com o pensa­mento das pessoas falsas que, sem dúvida, seria for­çado a enfrentar durante aquelas idas necessárias a bailes na cidade. — Faz mais de seis meses que seu pai morreu, e o nosso noivado foi anunciado. Teremos de ir a alguns dos eventos sociais mais calmos, pelo me­nos. — Endireitou o corpo para reassumir seu assen­to atrás da mesa, sua expressão tornando-se sombria quando ele mais uma vez olhou para uma das cartas que recebera naquele dia.

Diana aproximou-se da mesa.

— Você não vai compartilhar suas notícias comigo, meu lorde?

Ele deveria lhe mostrar a carta que o perturbara tanto? Talvez fosse melhor que Diana não tivesse ne­nhuma ilusão a respeito do homem que ele era, e con­tinuaria sendo, depois que eles se casassem.

— Parece que o anúncio de nosso noivado nos jor­nais não alertou somente a sociedade de minha pre­sença aqui em Westbourne House. — Gabriel esten­deu-lhe a carta.

Diana o estudou por um momento, antes de pegar a única folha de papel de carta, conseguindo sentir a tensão no corpo poderoso e atlético dele. Ela olhou para a assinatura no fim da folha que segurava, mas o nome que leu não lhe disse nada.

— Quem é Alice Britton?

— Ela era dama de companhia de minha mãe.

Diana arqueou uma sobrancelha sedosa.

— Era?

Gabriel inclinou a cabeça de modo tenso.

— Parece que ela se aposentou alguns meses atrás e agora está vivendo em Eastbourne.

Ela rapidamente leu o conteúdo da carta, logo per­cebendo o motivo da tensão de Gabriel.

— Nós dois devemos nos preparar para viajar para Cambridgeshire imediatamente...

— Não.

Ela o fitou em perplexidade.

— É claro, entenderei se você preferir que eu não o acompanhe...

— Diana, se eu preferiria que você me acompanhasse é absolutamente irrelevante, porque não tenho a menor intenção de ir a nenhum lugar perto de Cambridgeshire, agora ou no futuro. — A expressão de Gabriel se tomou amarga quando ele começou a andar de um lado para o outro da sala.

— Mas... a srta. Britton diz que a saúde de sua mãe estava frágil quando ela a viu, quatro meses atrás.

Os olhos dele brilharam quando ele a encarou.

— Então minha presença em Cambridgeshire para visitá-la iria apenas resultar numa piora da saúde dela.

Diana percebeu que ele acreditava na verdade da­quela declaração. Apenas achava difícil aceitar que a própria mãe de Gabriel não quisesse vê-lo, se estava tão ruim de saúde.

— Eu tenho certeza de que você está enganado, Gabriel...

— Tem? — Gabriel a olhou amargamente. — Eu não recebi um único cartão ou carta de nenhum membro de minha família desde que parti. E o que você me diz do fato — continuou ele sem remorso, quando Diana te­ria apontado que talvez a família não tivesse lhe escrito por não saber sobre seu paradeiro — de que, quando eu soube da morte de meu pai, seis anos atrás, escrevi para minha mãe imediatamente, expressando minha dor, e com o pedido adicional de lhe fazer uma visita? Uma carta à qual ela nem se incomodou em responder.

O coração de Diana doeu diante da emoção que ouvia tão claramente no tom de voz dele.

— Isso parece horrível, sim...

— Não é mais do que eu deveria ter esperado — disse ele friamente. — Todavia, agora a dama de companhia de minha mãe pede que eu visite minha mãe porque a saúde dela está “frágil”? Eu acho que não.

— Ela também declara que sua mãe está querendo vê-lo por algum tempo...

— Algo que eu acho extremamente improvável. Nem ela receberá meu perdão para aliviar sua consciência.

Diana o olhou com compaixão.

— Não era preocupação com a alma mortal de sua mãe que eu estava considerando quando sugeri que nós dois fossemos lá para vê-la.

Gabriel estreitou os olhos.

— O que era então?

— Era preocupação com a sua alma — disse ela gen­tilmente.

— Com a minha? Você alegou acreditar em mim quando eu lhe disse que não fiz absolutamente nada pelo que preciso me envergonhar.

Diana acreditara nele. Ainda acreditava. Na verda­de, os últimos dois dias na companhia dele deixara-a ainda mais convencida de que era impossível não acre­ditar em Gabriel Faulkner quando ele declarava algu­ma coisa de sua própria personalidade!

— Você não percebe que, se sua mãe morrer, agora ou em algum momento no futuro, sem que vocês dois tenham se reconciliado, então é você quem ficará vivo para sofrer o tormento, possivelmente pelo resto de sua vida, sabendo que poderia ter acertado as coisas entre vocês, mas que seu orgulho não lhe permitiu fa­zer isso?

Ele parou de andar, a fisionomia subitamente pers­picaz enquanto a estudava.

— E foi isso que aconteceu com você, Diana? Sua mãe lhe pediu perdão por ter abandonado a família, e você se recusou a perdoá-la?

O coração de Diana disparou no peito.

— Nós não estamos discutindo minha mãe...

— Estamos agora — interrompeu Gabriel. — Conte-me, sua mãe arrependeu-se de abandonar vocês todos pelos braços do amante mais jovem? Você se recusou a lhe conceder o perdão? — persistiu ele cruelmente.

Diana sabia que seu rosto empalidecera diante das memórias que a assaltaram daquela época hor­rível que todos tinham sofrido depois que sua mãe os abandonara: seu pai parecendo uma figura fantasma­górica, enquanto andava de cômodo em cômodo em Shoreley Park, como se pudesse, de alguma forma, encontrar a esposa em algum deles, se procurasse bas­tante; suas duas irmãs chorando todas as noites até cair num sono exausto, apenas para acordarem gritan­do ou chorando e exigindo saber por que sua mãe não tinha ido confortá-las como costumava fazer quando elas tinham pesadelos.

E no meio daquilo tudo, enquanto Diana tentava confortar todos, ela sentira a raiva por sua mãe cres­cendo, por ter ferido a família inteira de maneira tão egoísta, até que seu coração pareceu inteiramente consumido por ódio de sua mãe.

Sua garganta se moveu convulsivamente agora, e ela engoliu em seco o gosto amargo que surgiu em sua boca.

— Minha mãe nunca desejou voltar para nós, ou nunca pediu perdão, então como eu poderia ter lhe recusado o perdão? — A voz dela era neutra, despro­vida de emoção.

Gabriel franziu o cenho.

— Diana...

— Se você me der licença, meu lorde. — Ela ergueu a cabeça de forma régia, o olhar deliberadamente evi­tando o dele. — Está na hora de eu subir e trocar de roupa antes do jantar. — Apenas o pensamento de co­mer agora a fazia se sentir enjoada.

Ela raramente pensava em sua mãe hoje em dia. Parecia não fazer muito sentido.

— Você está no meu caminho, meu lorde — disse ela quando Gabriel efetivamente bloqueou seu escape, movendo-se para parar no vão da porta aberta do es­túdio.

— Vai permitir que eu me desculpe, Diana? — Gabriel a estudou, sabendo, pela palidez no rosto dela e pela expressão assombrada nos olhos azul-celestes, que ele a magoara com suas provocações sobre a mãe dela.

Apesar de também estar magoado após receber a carta de sua própria mãe, essa não era uma razão aceitável para ter aborrecido Diana.

Ele estendeu os braços para tocar os braços dela de leve.

— Sinto muito por minha rudeza — murmurou Gabriel com voz rouca. — E apenas que... — A boca dele se com­primiu. — Tenho certeza de que a intenção de Alice Britton foi das melhores, mas é melhor não mexer no passado. Para nós dois, parece — acrescentou ele gen­tilmente.

Diana ergueu pálpebras com cílios longos, revelan­do olhos azul-celestes brilhantes. Com lágrimas não derramadas? Gabriel a ferira tanto assim? Tinha se tomado tão insensível nos últimos oito anos? Tão egoisticamente absorvido em suas próprias desilusões que parara de se importar se, ou quando, machucava outros com sua frieza e cinismo?

— Você está perdoado, Gabriel.

Ele respirou fundo ao ouvir a absolvição falada suavemente por Diana, pois, pela primeira vez na vida, não sabia o que fazer ou dizer a seguir. Mais um pouco de sua arrogância ou sarcasmo poderia fazer com quê as lágrimas acumuladas nos olhos de Diana escorressem, entretanto, fazer qualquer outra coisa seria...

— Assim como eu espero que me perdoe pela minha intrusão em um assunto tão pessoal para você.

Aquilo era demais. Diana pedindo desculpas para ele, quando era ele quem tinha agido de maneira tão grosseira. Gabriel a puxou para seus braços, o topo dos cachos dourado-avermelhados agora descansan­do sob seu queixo e cheirando a limões.

— Eu sou um bruto por machucar você.

O calor do rosto dela descansava contra seu peito.

— Eu não deveria ter tentado interferir.

— Ninguém tem mais direito de fazer isso — murmu­rou Gabriel com ferocidade. — Você será minha espo­sa. Minha condessa.

E foi somente agora, segurando-a em seus braços e totalmente ciente da vulnerabilidade que Diana geral­mente escondia atrás do jeito prático e determinado, que ele percebeu a enormidade do que seu noivado com aquela mulher significava.

Tinha renovado sua oferta de casamento acreditando que aquele seria um arranjo de conveniência mútua: Diana precisando de um bálsamo para seu orgulho ferido, o qual se seguira ao abandono do jovem, e ele precisando de uma esposa adequada para agir como ama de suas propriedades e proporcionar os herdei­ros necessários. Tudo muito simples e bom.

Exceto que ele não esperara gostar da mulher com quem se casasse. Ou desejá-la ao ponto que abraçá-la assim novamente era uma tortura física. Todavia, como Gabriel se recusava a correr o risco de seu herdeiro nascer depois de sete ou oito meses do casamento, consequentemente causando ainda mais fofocas indesejadas para ambos, ele sabia que teria de continuar so­frendo a tortura por um pouco mais de tempo, a menos que removesse a tentação.

Segurando-lhe os braços com firmeza, ele afastou-a de si, seus olhos escuros cobertos por pálpebras baixas enquanto a fitavam.

— Como você diz, está na hora de subirmos a fim de trocarmos de roupa para o jantar.

Diana piscou, momentaneamente atônita pelo re­torno súbito da frieza prévia dele. Mas o que ela havia esperado? Que falar sobre a dor mútua de ambos de­vido às suas mães de alguma maneira formaria um elo entre eles? Que aquilo traria uma compreensão entre os dois, uma proximidade que faria o noivado deles parecer menos, amedrontador para ela?

Se essa tinha sido a esperança de Diana, então uma olhada para a expressão, distante de Gabriel, para a frieza naqueles olhos azul-escuros que a encaravam de volta, foi o suficiente para lhe dizer que tal com­preensão calorosa não existia, nem nunca existiria, entre eles.

Sua própria expressão foi orgulhosamente distante quando ela inclinou a cabeça com rigidez.

— Até a hora do jantar então, meu lor... — Diana pa­rou abruptamente, ficando em silêncio ao ouvir o som de vozes altas do lado de fora, no hall de entrada. — O que é isso?

— Eu pergunto o mesmo. — O semblante de Gabriel estava repentinamente tenso, enquanto ele ouvia a comoção.

Ela franziu o cenho.

— Talvez nós devêssemos ir verificar o que está er­rado?

— Talvez devêssemos. — Ele passou por ela e andou apressadamente em direção às vozes alteradas.

Diana quase teve de correr para alcançá-lo, tão determinada a fazer isso que quase colidiu com as costas largas dele quando Gabriel parou de súbito na sua frente, a fim de olhar do outro lado do grande hall, onde três pessoas estavam de pé perto da porta aberta.

O mordomo, Soames. Um homem alto e bonito de cabelo escuro, com olhos acinzentados e uma cicatriz lívida na face es­querda, que não fazia nada para diminuir sua beleza, mas, em vez disso, dava-lhe um ar quase perigoso.

E parada ao lado dele, o rosto lindamente animado, estava Caroline, a irmã de Diana...

 

Se tivesse havido alguma dúvida na mente de Gabriel quanto à identidade da jovem parada ao lado de seu amigo Dominic Vaughn, o conde de Blackstone, en­tão esta tinha sido instantaneamente dissipada quan­do Diana deu um soluço estrangulado, antes de passar por ele e correr para o outro lado do hall de entrada.

Ela jogou-se nos braços da outra mulher, gritando “Caroline”, sua alegria tão óbvia enquanto começava a rir e chorar ao mesmo tempo.

Caroline se juntou à emoção enquanto elas se abra­çavam com força, fazendo Gabriel e Blackstone tro­carem um olhar que envolveu sobrancelhas arquea­das e sorrisos irônicos, antes que Gabriel voltasse sua atenção para estudar lady Caroline Copeland. Vendo como seu amigo olhava para ela, sem dúvida Caro­line era a “srta. Morton”... A mesma jovem que, até poucos dias atrás, estivera cantando na casa de jogo de Dominic, usando uma máscara de joia e uma peru­ca cor de ébano a fim de disfarçar sua aparência. Ele começara a suspeitar da verdade depois de descobrir que o nome do mordomo dos Copeland era Morton... realmente não uma coincidência.

Delgada e elegante num vestido verde-mar sob um casaco cinza, o cabelo de Caroline Copeland era intei­ramente dourado, em vez de com mechas avermelha­das como o de Diana, os olhos eram do mesmo tom de verde-mar do vestido, a pele clara e quase translúcida, o queixo angulado mostrando a mesma determinação da irmã mais velha.

Uma determinação que, no caso de Caroline, pelo menos, a levara a arriscar a própria reputação, assim como colocá-la em perigo, pensou Gabriel.

— Que bom ver você de volta à Inglaterra finalmen­te, Westbourne! — Dominic Vaughn aproximou-se para apertar a mão de Gabriel. — Não agora, Gabe — ele inclinou-se para murmurar suavemente para seu amigo, antes de dar um passo atrás, o sorriso brilhante conferindo às suas feições geralmente austeras uma qualidade infantil-que Gabriel não via nele fazia mui­tos anos. — Nós viajamos até Shoreley Park a fim de encontrá-lo, apenas para chegar e descobrir que você não tinha ido para lá, afinal de contas.

— Vocês vieram de Shoreley Park então?

Gabriel virou-se para ver uma Diana de alguma ma­neira confusa parada ao lado da irmã, o braço de cada uma ao redor da cintura da outra, enquanto Diana olhava para os dois cavalheiros, sem dúvida se pergun­tando o que Caroline estava fazendo na companhia de um homem de aparência tão perigosa. Ferido na Batalha de Waterloo, Dominic Vaughn tinha uma cicatriz que corria por toda a extensão de sua face esquerda, desde o olho até o maxilar arrogante. Uma cicatriz que lhe dava uma aparência um pouco sinistra.

Gabriel virou-se para o mordomo, que parecia uma estátua de pedra, parado ali.

— Leve chá para as damas e uísque para os cavalhei­ros no estúdio, por favor, Soames.

— É claro, meu lorde. — O homem mais velho fez uma reverência formal antes de sair, não dando indi­cação, por palavras ou comportamento, que estivera envolvido numa discussão verbal com um homem e uma mulher que eram obviamente conhecidos de seu empregador.

— O quê...?

— Vamos conversar no estúdio, Diana — instruiu Gabriel, antes de dar um passo atrás a fim de permi­tir que as damas o precedessem, sua futura noiva ob­viamente ainda confusa pela aparição súbita e ines­perada da irmã na companhia de Dominic Vaughn, e Caroline olhando para Gabriel de maneira desafia­dora enquanto andava ao lado da irmã.

— Você terá um grande desafio pela frente com esta garota, Dom — murmurou ele para seu amigo, en­quanto os dois andavam atrás das mulheres.

Dominic deu-lhe um sorriso despreocupado.

— Eu já tenho. — Ele ficou sério. — Você pretende nos dar sua bênção então, Gabe?

— Pelo pouco que já ouvi sobre essa história de Na­thaniel, acho que é melhor eu fazer isso! — Ele balançou a cabeça enquanto seguia as damas para dentro do es­túdio.

Como esperado, Diana imediatamente exigiu saber como e por que sua irmã tinha aparecido lá, ainda por cima acompanhada por um homem como o conde de Blackstone.

O que se seguiu, depois que Soames levou o chá e uísque requisitados, foi quase uma versão resumida do que lady Caroline Copeland havia feito desde sua chegada a Londres, totalmente para o benefício de Diana, de modo que ela não precisasse se preocupar com os riscos em potencial da reputação da irmã, e também para colocar Dominic sob a luz mais positiva possível.

— Parece que eu tenho de agradecer-lhe por trazer minha irmã com segurança de volta para a família dela, meu lorde. — A gratidão de Diana para Dominic, por ter cuidado da segurança de sua irmã desde que ela chegara a Londres, era misturada com preocupação.

O fato de que Dominic era amigo íntimo de Gabriel por anos tornou-se óbvio durante a conversa, mas, mesmo grata como Diana estava por ter Caroline de volta, não podia evitar pensar que o fato de sua irmã ter viajado pelo país na companhia de um homem como o conde era muito impróprio.

Ela voltou-se para Caroline.

— Por que Elizabeth não viajou de volta com você?

Sua irmã pareceu surpresa.

— Comigo? Mas eu pensei que ela tivesse vindo para Londres com você e tia Humphries.

O nervosismo de Diana aumentou.

— Ela partiu de Shoreley Park dois dias depois de você. — O rosto de Caroline empalideceu.

— Você quer dizer que Elizabeth pode estar sozinha em Londres por todas essas semanas? Dominic! — A expressão de Caroline era quase de pânico quando ela virou-se para agarrar o braço do sério conde de Blackstone.

Diana não ficou menos preocupada em ter seu pior medo confirmado... que Elizabeth e Caroline não ti­nham, como esperara, combinado de se encontrar em Londres...

— Uma de suas irmãs voltou sã e salva, minha queri­da. Há todas as razões para acreditar que o mesmo se provará verdadeiro com relação à sua outra irmã.

Diana mal ouviu as palavras de conforto de Gabriel enquanto ele entrava, sem ser convidado, no seu quar­to, quando ela não respondera à breve batida à porta.

O choque inicial ao perceber que Elizabeth con­tinuava desaparecida resultara na existência de mais perguntas do que respostas. Como tinha ficado tarde, Gabriel sugerira que lorde Vaughn também ficasse lá, pelo menos pela noite, e que a bagagem de Caroline e do conde fosse levada para o andar de cima, de modo que todos pudessem se recolher e trocar de roupa an­tes de se reunir para jantar e retomar a conversa.

Exceto que Diana estivera muito arrasada para fazer mais do que deitar em sua cama, uma vez que chegara ao quarto.

Ela agora estava sentada na lateral da cama, os olhos vermelhos e inchados pelo choro, a face ain­da molhada de lágrimas quando ergueu a cabeça e olhou para Gabriel.

— Eu não consideraria que Caroline tenha voltado sã e salva na companhia de um homem como Dominic Vaughn.

Gabriel enrijeceu.

— Blackstone é um de meus melhores amigos desde a infância. Além disso, ele é um homem em quem eu confiaria a minha vida. Na verdade, acredito ter feito isso em diversas ocasiões.

Diana meneou a cabeça em desespero.

— Caroline só tem 20 anos...

— Blackstone só tem 28...

— Em idade, talvez. Mas qualquer um que olhar para ele pode ver que, em experiência, ele é um ho­mem muito mais velho. — Ela tremeu de maneira deli­cada. — Que ele é...

— Cuidado, Diana. — Gabriel a fitou com expressão gelada agora. — Depois que você e sua irmã saíram do estúdio mais cedo, Blackstone pediu minha permissão para se casar com Caroline, e eu dei minha bênção a eles.

Diana levantou-se abruptamente, os olhos se arre­galando com choque.

— Você não pode estar falando sério!

Ele assentiu.

— Muito sério.

— Mas...

— Não seja ingênua, Diana. Uma pessoa precisa apenas olhar para os dois juntos para ver como as coi­sas estão entre eles.

Sim, Diana tinha sentido as correntes de calor entre sua irmã e o conde de Blackstone. Sentira-as, enquanto, ao mesmo tempo, temera por sua irmã impetuosa.

— Caroline sempre levou uma vida tão protegida...

— Diana. — Era apenas seu nome, mas falado num tom de tamanha reprovação que não seria sábio ignorar.

Exceto que ela estava se sentindo menos que sábia naquele momento!

— Caroline sempre foi decidida e determinada, mas, neste caso, ela não pode ter certeza de seus sentimen­tos. Ela e o conde não se conhecem há muito tempo...

— E nós nos conhecíamos havia menos de um dia quando você aceitou a minha oferta de casamento — apontou ele.

— Não é a mesma coisa, em absoluto! — protestou ela com impaciência. — Você sabe tão bem quanto eu que só aceitei sua oferta de casamento para que ne­nhuma de minhas irmãs precisasse fazer isso.

Sim, Gabriel sabia das razões de Diana para aceitá-lo. Mas saber delas e ouvir Diana declarando-as de modo tão direto eram duas coisas inteiramente distintas...

Algo de que ela também se tornou ciente quando o olhou com uma expressão quase culpada.

— Eu não quis implicar...

— Eu, sei o que você quis dizer, Diana — falou Gabriel friamente. — Mas nossas razões para um casamento não devem se refletir em Dominic e Caroline. Aprove você ou não a parceria, eles estão apaixonados e pretendem se casar.

E a opinião de Gabriel também não importara! Sua conversa com seu amigo, uma vez que as duas damas haviam se recolhido em seus quartos, tinha sido bre­ve e direta. Dominic pretendia se casar com Caroline Copeland o mais breve possível. Seu conselho duro de que Gabriel não fizesse objeções ao casal, ou à rapi­dez com que eles queriam se casar, indicara claramen­te a intimidade do relacionamento dos dois.

Todavia, Gabriel duvidava que Diana gostaria de ouvir isso.

— Eu tive a impressão, durante nossas conversas sobre suas irmãs, que você desejava que elas fossem livres para escolher por quem se apaixonar.

— Sim, é claro que eu desejo.

— Mas não aceita, porque eles não se conhecem há muito tempo, que Caroline está profundamente apai­xonada por Dominic, assim como ele está por ela?

Diana aceitava aquilo? Caroline sempre fora a mais teimosa e rebelde das três irmãs, a que sempre se metia em alguma espécie de travessura enquanto elas cres­ciam. Nunca tendo medo de nada, uma vez que enfiava uma coisa na cabeça. E a fuga de Caroline, duas sema­nas e meia atrás, era evidência disso!

Mas aceitar que Caroline estava apaixonada por Dominic Vaughn, o conde de aparência feroz, e que, ele estava apaixonado por ela, que ambos queriam se casar, não podia ser atribuído a nenhum tipo de tra­vessura ou teimosia. Entretanto, Diana vira o amor brilhando nos olhos de Caroline toda vez que sua irmã olhava para Dominic, assim como vira amor nos olhos dele quando ele retornava tais olhares. Na verdade, Diana teria de ser cega para não ver o jeito como os dois se tocavam o tempo inteiro e se entreolhavam. Ou como Caroline, geralmente tão independente, voltara-se para ele de imediato, à procura de conforto, no momento em que descobrira que Elizabeth es­tava desaparecida...

Era possível que Diana estivesse com ciúme da­quela proximidade? Oh, não invejava o amor que ob­viamente fluía entre o casal... Tendo sofrido o que se provara ser a superficialidade do amor de Malcolm Castle, Diana não tinha a intenção de algum dia confiar na declaração de um homem novamente, por con­seguinte, o casamento de conveniência com Gabriel.

Mas sua apreensão agora poderia ser porque ela se ressentia do fato de que Dominic Vaughn tomara o lugar principal na vida de Caroline? Era possível que essas fossem suas dúvidas sobre a união dos dois? Se esse fosse o caso, então eram dúvidas egoístas e não mereciam ser reconhecidas, muito menos vociferadas!

Além disso, havia um ar de intimidade entre sua irmã e o conde que implicava que já podia ser tarde demais para suas preocupações...

Ela endireitou o corpo com determinação.

— Eu lhes oferecerei meus desejos mais sinceros de felicidade quando nós nos encontrarmos lá embaixo para jantar.

Gabriel olhou-a com admiração. Quaisquer dúvi­das e preocupações que Diana ainda tivesse com rela­ção ao noivado repentino da irmã mais nova estavam agora sob rígido controle. Sem dúvida, a mesma fir­meza de controle que governara a decisão de Diana em aceitar sua própria oferta de casamento.

— Talvez, quando eles souberem sobre nosso noiva­do, também venham a oferecer seus votos sinceros de felicidade para nós — provocou ele.

— É claro. — Pela leve palidez na face de Diana fi­cou óbvio que, em sua preocupação com a irmã, ela momentaneamente esquecera seu próprio noivado apressado.

— Então estamos de acordo que sua irmã e Blackstone se casem logo? — perguntou ele.

— Eu não pensei que você precisasse de minha con­cordância para abençoar o casal — replicou ela.

— Não preciso — admitiu Gabriel. — Mas tenho certeza de que sua irmã precisa. — Endireitou o corpo e virou-se para sair do quarto.

— Meu lorde, o que você pretende fazer com rela­ção à nossa conversa de mais cedo?

Os olhos de Gabriel se estreitaram.

— Que conversa seria essa, Diana?

Ela umedeceu aqueles lábios carnudos sensuais an­tes de falar:

— Eu... Sobre a carta que você recebeu da srta. Britton, com relação à sua mãe, é claro.

É claro. Ele deveria ter sabido, estado preparado para o fato que a conscienciosa Diana não deixaria simplesmente o assunto morrer.

— Nada, Diana. Não pretendo fazer absolutamente nada com relação àquela carta.

— Talvez você devesse viajar para Eastbourne pri­meiro e conversar pessoalmente com a srta. Britton.

— Eu já escrevi para Alice Britton, informando-a de que estou muito ocupado na cidade no momen­to para desperdiçar tempo com uma viagem para Cambridgeshire. — Ele bufou de modo impaciente quando Diana pareceu menos que satisfeita com sua resposta. — Eu gostaria que nunca tivesse lhe mostrado a maldita carta!

Na verdade, desejava que nunca tivesse colocado o anúncio do noivado deles no jornal, se, ao fazer isso, tinha oferecido um endereço para o qual Alice Britton pudesse lhe escrever.

Olhos azuis se arregalaram.

— A carta da srta. Britton estava tão cheia de afei­ção por sua mãe...

— Sim, ela ficou com minha mãe por muitos anos.

— Ela também parece muito preocupada que sua mãe esteja agora vivendo sozinha na Mansão Faulkner, apar­te os criados e alguém que ela se refere como sr. e sra. Prescott — pressionou ela.

Com boa razão... Gabriel não teria confiado um de seus cavalos aos cuidados do casal Prescott!

— O irmão mais novo de minha mãe, Charles, e a esposa dele — esclareceu Gabriel.

Diana o estudou com curiosidade, ciente da dureza na expressão dele e do aumento da tensão naquele corpo musculoso; os ombros largos estavam rigida­mente para trás, as mãos fechadas com força em suas laterais.

— Você tem uma família grande?

Na verdade, Gabriel era um homem que, por sua própria natureza, dava a impressão de completo au­todomínio; tanto que nunca ocorrera a Diana que ele pudesse ter família além da mãe e do pai falecido.

— Eu não tenho família. — Aqueles olhos azuis meia-noite estavam implacáveis.

— Mas...

— Pelo menos, não uma que eu me importe em re­conhecer — acrescentou ele. — Nem uma que quis me reconhecer pelos últimos oito anos. — O aviso no tom de voz de Gabriel era muito claro agora.

Mesmo assim, ela descobriu-se curiosa de saber mais sobre a família que ele dispensava tão facilmente.

— O sr. Charles Prescott é o único irmão de sua mãe, ou...

— Eu disse que não quero mais discutir esse assunto com você, Diana. — Ele a encarou com olhos ferozes.

As últimas horas haviam sido carregadas de emo­ção, para dizer o mínimo, e, sendo assim, Diana não se sentia inclinada a ceder à arrogância usual dele.

— Seu desejo de não discutir certo assunto geral­mente é atendido com sucesso? — devolveu ela com sarcasmo.

— Sim, sempre. — Gabriel arqueou as sobrancelhas numa expressão divertida quando viu o brilho da ba­talha se aprofundar nos olhos azul-celestes.

Percebesse ou não, Diana era tão decidida e deter­minada quanto alegava que Caroline era!

— Que pena, então, que isso tenha falhado neste caso. — Ela ergueu o queixo com teimosia.

Ele sorriu.

— Eu acredito, Diana, que você não irá me deso­bedecer antes que nossos votos de casamento sejam feitos, não é? — Gabriel não foi capaz de resistir pro­vocá-la.

Aqueles olhos azuis reluziram com rebeldia.

— Na verdade, acabo de pensar em lhe pedir que esta parte do casamento seja omitida completamente, meu lorde!

Gabriel deu uma risada apreciativa.

— Pessoalmente, eu sempre preferi a parte dos vo­tos que diz “com meu corpo, eu o adoro” — murmurou ele e teve a satisfação imediata de ver dois círculos vermelhos colorindo a face de Diana.

De vergonha? Ou diante da memória das vezes em que Gabriel já a tomara nos braços e a beijara?

Uma ação que, contra seu melhor julgamento, ele se sentia mais do que inclinado a repetir agora. Talvez pudesse se permitir um pouco, só um pouquinho, de prazer daquele corpo gracioso e desejável.

Os olhos de Diana se arregalaram em alarme quan­do ele se aproximou.

— Eu... O que você está fazendo? — A voz dela saiu num sussurro ofegante quando Gabriel estava agora tão perto que Diana podia sentir o calor do corpo másculo através do tecido fino de seu vestido.

Ele arqueou sobrancelhas escuras.

— Pensei que, depois da tensão da última hora, talvez uma pequena demonstração de como eu pretendo ado­rá-la com meu corpo, uma vez que estejamos casados, pudesse ser benéfica para nós dois.

Ela engoliu em seco, ao mesmo tempo, consciente de que seu coração estava batendo tão alto que Gabriel devia estar ouvindo também.

— Nós estamos sozinhos em meu quarto, meu lor­de...

Aqueles lábios esculpidos se curvaram num sorriso que adicionou calor à intensidade Os olhos azuis meia-noite.

— Lugar e horas perfeitos, eu diria, para uma de­monstração tão privada... Você não concorda?

Diana estava mais do que alarmada agora... Sentia-se zonza, tanto pela proximidade dele quanto pela inten­ção deliciosa refletida naqueles olhos azul-escuros fixos com tanto propósito em seus lábios entreabertos.

— Isso não será necessário, meu lorde.

— Eu não me recordo de ter dito que era necessário, Diana — murmurou ele. — Apenas alguma coisa que ambos possamos apreciar.

Diana estaria enganando a si mesma se não admi­tisse ter apreciado as vezes em que Gabriel a tomara nos braços, assim como notara a ausência desses con­tatos nos últimos dois dias. E talvez a intimidade tão óbvia que existia entre Caroline e Dominic Vaughn estivesse tendo um efeito em suas próprias sensibili­dades... porque o que Diana mais queria no momen­to era que Gabriel repetisse aqueles beijos que já lhe dera antes.

Ela umedeceu os lábios com a ponta da língua.

— Eu não tenho certeza se meu guardião aprovaria.

O sorriso de Gabriel só poderia ser descrito como voraz.

— Pelo contrário, seu guardião está completamente de acordo com sua participação no exercício.

— Então como eu posso recusar? — Ela sorriu-lhe timidamente.

Como antes, Gabriel sentiu Diana muito leve e fe­minina quando ele envolveu-a nos braços, com aquele cheiro de limão e flores, os lábios suaves e flexíveis sob os seus, as curvas delgadas moldadas contra seu corpo mais sólido. Gabriel não pôde evitar aprofun­dar o beijo, tornando-se mais exigente, enquanto lhe abria os lábios com movimentos lentos de sua língua, antes de mergulhá-la na boca deleitosa e tornar-se ainda mais excitado pelo calor dela.

Deus amado! Ele não devia ter começado aquele jogo perigoso, devia ter dado atenção aos seus próprios avi­sos internos de mais cedo, e evitado tomá-la nos braços novamente até que eles estivessem casados. No mínimo, deveria encontrar forças para afastá-la de si agora.

Em vez disso, pegou-se emitindo um gemido pro­fundo quando puro desejo o inundou, enrijecendo seu membro viril, até que este pulsasse com a mesma ra­pidez que as batidas de seu coração. O beijo se tornou mais apaixonado enquanto seus lábios agora a devora­vam, e ele pressionava os seios femininos arredonda­dos contra seu peito largo.

Diana arfou, arqueando o pescoço quando Gabriel afastou a boca da sua para deslizá-la ao longo da ex­tensão de seu pescoço, a língua quente acariciando-a. Um tremor que começou nos joelhos de Diana subiu entre suas coxas, enquanto a mão grande se movia so­bre suas costas e quadris, antes de subir para segurar um de seus seios.

— Perfeição — murmurou ele com voz rouca, sua mão se apertando, dedos explorando, roçando o bico sensível através do tecido fino do vestido, mesmo en­quanto seus lábios e sua língua continuavam a trilha sensual pelo pescoço elegante.

Os dedos de Diana se moveram dos ombros lar­gos de Gabriel para se entrelaçar no cabelo grosso na nuca dele. Ela se sentia em chamas, sensível a cada toque, a cada carícia. Os lábios contra sua pele eram úmidos e quentes enquanto desciam numa trilha de beijos para o volume desnudo de seus seios acima do vestido, fazendo com que os mamilos já arrepiados se tornassem ainda mais rijos e desejosos por mais. Pelo que exatamente, Diana ainda não sabia.

Gabriel puxou o tecido de seu vestido para baixo e desnudou-lhe um dos seios, satisfazendo aquela ânsia quando tomou o bico no calor de sua boca, provocan­do-o com a língua, fazendo-o se arrepiar e queimar ao mesmo tempo.

Diana nunca imaginara que um prazer como aquele pudesse existir, um prazer pulsante que causava umi­dade entre suas coxas, de modo que ela agora sentia dor ali também. Uma dor que aumentou quando os dedos de Gabriel se curvaram em volta de seus qua­dris a fim de puxá-la para a ereção entre as coxas dele, movendo-se ritmicamente contra ela. Cada investida daquela ereção enviava uma onda de desejo feroz pelo corpo dela, enquanto ele continuava provocando seu seio, aumentando cada vez mais o seu prazer, até que Diana sentiu-se prestes a explodir.

— Gabriel? — Ela não sabia se o nome sussurrado com voz ofegante era uma súplica para que ele pa­rasse ou para que continuasse, seus dedos curvados no cabelo de Gabriel enquanto ela o segurava junto a si, ao mesmo tempo em que queria pôr um fim na­quele tormento de emoções que inundava seu corpo.

Ouvir a incerteza na voz dela foi o bastante para fazer Gabriel recuperar o bom senso e perceber exa­tamente o que estava fazendo, e com quem. Aquela não era uma mulher experiente, não uma mulher que ele poderia levar para sua cama, para explorá-la livre­mente e lhe dar prazer, depois esquecer tudo sobre sua existência. Diana se tornaria sua esposa. Sua con­dessa. A mãe de seus filhos. Filhos que ele pretendia que nascessem com segurança, dentro dos parâmetros do casamento deles, de modo que nenhum escândalo envolvesse seus nomes. Até que Elizabeth fosse en­contrada, Diana não se casaria com ele, e Gabriel não tinha ideia de quanto tempo levaria para achar sua última protegida desaparecida. Não ousaria ir para cama com Diana até que o nó do matrimônio fosse atado.

Ele respirou fundo e afastou-se dela. Apenas a vi­são daquele seio redondo e nu, levemente rosado pela carícia de seus lábios e língua foi o bastante para fazer seu baixo-ventre pulsar desconfortavelmente.

— Acredito que isso foi divertimento suficiente por uma noite — murmurou ele, enquanto uma Diana ru­bra endireitava o vestido de modo apressado e o fitava com olhos azuis desnorteados.

Gabriel também estava começando a se sentir des­norteado e inseguro de si toda vez que estava sozinho na companhia de Diana, e não gostava disso nem um pouco!

— Acho que está na hora de você trocar de roupa para jantar — disse ele, tentando recobrar o controle da situação.

— Mas...

— Agora, por favor, Diana.

Se ela continuasse parada ali, tentando-o, fitando-o com seus lindos olhos azuis, ele teria de tomá-la nos braços de novo, e isso seria um desastre. Bom senso e experiência lhe diziam para não deixar aquela mulher penetrar as barreiras que ele tinha erguido tão cuida­dosamente em volta de suas emoções, oito anos atrás. Todavia, apenas segurá-la em seus braços era o bastan­te para apagar todas as boas intenções de sua mente. Que diabos estava acontecendo com ele?

 

— Você pareceu, de alguma maneira, preocupado du­rante a noite inteira, Gabe.

Gabriel olhou ao longo da extensão da mesa, para onde Dominic estava sentado, a expressão estranha­mente inquisitiva enquanto ele bebia seu conhaque após a refeição noturna, agora, que os dois homens estavam sozinhos na sala de jantar.

Na verdade, Gabriel achara o comportamento de seu amigo inteiramente estranho naquela noite, quando os quatro tinham jantado juntos, antes que as damas tivessem se retirado para permitir que os ho­mens apreciassem seus conhaques e charutos. A sra. Humphries mais uma vez enviara suas desculpas; apa­rentemente tinha ficado abalada com o súbito reapa­recimento de sua sobrinha Caroline na companhia do décimo segundo conde de Blackstone!

Dominic era certamente um homem mudado. Para começar, Gabriel nunca vira seu amigo sorrir tanto como naquela noite, muito menos fazer brincadeiras amorosas e provocativas, que pareciam ser parte de seu relacionamento com Caroline Copeland.

A situação era o contraste total da educação força­da que agora existia entre Diana e Gabriel!

Para piorar as coisas, o anúncio do noivado entre os dois não tinha sido recebido com congratulações calo­rosas, afinal de contas, mas com perplexidade da par­te de Caroline e preocupação silenciosa de Dominic... A mesma preocupação com a qual ele ainda olhava para Gabriel agora.

— Você e Caroline não pareceram particularmente contentes mais cedo com o anúncio de meu noivado com Diana — comentou Gabriel, dando um gole de seu conhaque.

O outro homem fez uma careta.

— Obviamente, eu ainda não tive a chance de uma conversa particular com Caro, mas acho que ela acre­dita que a irmã somente concordou com o casamento porque ela e Elizabeth deixaram claro suas próprias relutâncias em fazer isso.

Gabriel arqueou sobrancelhas escuras.

— E qual é a sua opinião sobre o assunto?

Dominic respirou fundo antes de responder:

— Lembrando-me de seus comentários em Veneza pouco mais de uma semana atrás, eu não posso evitar pensar que este pode ser realmente o caso. Você mes­mo disse que apenas ofereceu casamento para uma das irmãs Copeland porque sentia que era a coisa cor­reta a fazer, uma vez que elas tinham sido deixadas sem nenhuma provisão do pai... assim como, é claro, para que você tivesse os herdeiros necessários.

Ambas, pensou Gabriel, as razões eram muito boas para sua oferta de casamento às irmãs Copeland. Exceto que ele não conhecera Diana quando havia feito tal oferta. Não a envolvera nos braços. Não a beijara apai­xonadamente, acariciando-lhe as curvas generosas...

Ele recostou-se em sua cadeira de modo abrupto.

— E se este for puramente um casamento de con­veniência?

Seu amigo suspirou.

— Eu entendo muito bem seus motivos para que­rer evitar envolvimento emocional, Gabriel. Afinal, eu me sentia exatamente da mesma maneira até co­nhecer e me apaixonar por Caro — acrescentou ele em tom lastimoso.

— Sim, eu gostaria muito de ouvir como isso acon­teceu... — Gabriel olhou para seu amigo de forma es­peculativa.

— Sem dúvida, você gostaria — murmurou Dominic.

— Mas, como sabe, um cavalheiro não conta a outro suas intimidades com uma lady.

Gabriel arqueou as sobrancelhas.

— Nem mesmo quando a lady em questão, por aca­so, é minha própria protegida?

— Mais especialmente nesse caso! — Dominic sorriu.

— Eu detestaria colocá-lo na posição de me chamar para brigar. Especialmente quando eu ganharia.

Gabriel riu. Como, sem dúvida, seu amigo espera­va. Ambos os homens sabiam que, dos dois, Gabriel era superior com a espada, enquanto Dominic era su­perior com um revólver. Assim como ambos sabiam que, sob nenhuma circunstância, Gabriel lançaria um desafio como aquele para um de seus dois melhores amigos.

Ele sorriu.

— Pelo contrário, eu desejo a você e Caroline toda a felicidade do mundo juntos.

Dominic inclinou a cabeça em reconhecimento.

— E acha que você e Diana serão felizes juntos?

Ele desviou o olhar.

— Podemos ter essa esperança.

— Gabriel...

— Dominic, independentemente do que você possa ou não pensar ao contrário, eu não coagi, de maneira nenhuma, Diana a aceitar o noivado. — Ele fez uma careta. — Na verdade, fiquei tão surpreso quanto você quando ela decidiu aceitar a minha oferta.

— Caro me levou a acreditar que Diana ia se casar com o filho de aristocrata de Hampshire. O que acon­teceu com isso?

Caroline também era provavelmente a pessoa que revelara esse fato a William Johnston.

— Creio que você irá descobrir que foi a mudança de ideia do tal cavalheiro que a incentivou a aceitar minha oferta — admitiu Gabriel de forma concisa.

Dominic pareceu pesaroso.

— Então este é realmente um casamento de conve­niência para vocês dois?

— O que mais? — disse ele com arrogância.

— Gabe...

— Nós somos amigos por um longo tempo, Dominic, e é uma amizade que eu valorizo muito, mas nesta cir­cunstância em particular, eu lhe agradeço se mantiver sua opinião para si mesmo — interrompeu Gabriel, dan­do um olhar de aviso ao seu amigo.

Dominic retornou o olhar por diversos segundos, antes de permitir que a tensão se aliviasse aos poucos de seus ombros largos.

— Você percebe que, neste momento, Caro está pro­vavelmente tendo uma conversa similar com Diana?

Gabriel assentiu.

— Tenho certeza de que Caroline está aconselhando Diana a me informar que mudou de ideia e não irá se casar comigo, afinal de contas.

O amigo pareceu intrigado.

— E qual seria a sua reação se Diana fizesse isso?

O que ele sentiria se aquilo acontecesse?, Gabriel se questionou. Irritação, com certeza, por ter de re­tratar o anúncio nos jornais. Porém o que mais ele, pessoalmente, sentiria?

Não sentiria nada mais. Nada. Diana não era mais necessária para sua felicidade do que qualquer outra mulher tinha sido. Se ela mudasse de ideia sobre o casamento, então ele, sem dúvida, logo encontraria outra que aceitasse. Pela montanha de convites que recebera nos últimos dois dias, parecia que a heran­ça do condado de Westbourne o tornara tão elegível para as damas da sociedade quanto tinha assegurado seu lugar de volta na sociedade.

Além disso...

— Diana não mudará de ideia.

— Você parece muito seguro desse fato — murmurou Dominic.

Gabriel deu um pequeno sorriso.

— Quando você passar a conhecer sua futura cunha­da um pouco melhor, perceberá que Diana não é uma mulher que volta atrás em sua palavra. — O modo abrupto com o qual ele se levantou pôs um fim naque­la conversa em particular, e Gabriel andou ao longo da mesa para completar os copos de ambos os homens antes de falar novamente: — Dominic, há outro assun­to sobre o qual eu quero lhe falar...

O olhar do amigo se intensificou.

— Sim?

— Recebi uma carta hoje mais cedo da dama de companhia de minha mãe, Alice Britton.

— Não acredito! — exclamou Dominic em tom de incredulidade.

— É verdade. — Em vez de voltar a ocupar seu lugar à mesa, Gabriel começou a andar de um lado para o outro na sala.

— Com que propósito?

Ele passou uma das mãos pelo cabelo.

— Para me informar que a saúde de minha mãe está frágil desde que meu pai morreu.

— Sinto muito por isso, Gabe.

— Assim como eu — admitiu ele. — Ela também que­ria que eu soubesse que meu tio Charles e a esposa têm residido na Mansão Faulkner com minha mãe pe­los últimos seis anos.

— Meu Deus!

— Sim.

— O que você pretende fazer sobre isso?

— Você é a segunda pessoa esta noite que me per­gunta isso. — Gabriel suspirou.

— Diana? — Dominic questionou sabiamente.

— A própria.

— Você irá para Cambridgeshire então?

Gabriel o olhou.

— O que você acha?

Seu amigo bufou.

— Eu acho que é tão provável que você retorne à Mansão Faulkner com Charles e Jennifer Prescott morando lá quanto que você se consigne ao fogo do inferno!

— Exatamente — confirmou Gabriel.

— Diana sabe? Do que aconteceu oito anos atrás?

— Eu não sou um patife completo, Dominic — repli­cou Gabriel. — Achei que era justo que Diana soubes­se sobre os fatos... básicos do escândalo passado.

— Mas não dos detalhes? — perguntou Dominic com astúcia.

— Não.

— Tal como o nome da lady que você supostamente arruinou? — insistiu seu amigo.

— Nós dois sabemos que eu nunca encostei um úni­co dedo nela. — A boca de Gabriel se comprimiu numa linha fina. — E discordo da alegação de que ela algum dia foi, ou poderia ser, considerada uma lady.

— Gabriel...

— Não, eu não informei Diana sobre o nome dela. — A mão de Gabriel estava agora tão apertada ao redor do copo de conhaque que ele surpreendeu-se que o cristal não tivesse quebrado.

Dominic pareceu cauteloso.

— Você não acha que talvez devesse contar a ela?

Gabriel meneou a cabeça.

— Eu não sinto que seja necessário fazer isso neste momento.

E, no que dependesse dele, aquilo nunca seria necessário...

 

Caroline estava perturbada.

— Eu nem mesmo posso suportar o pensamento de você se casando com um homem que não ama. Mes­mo um que nos surpreendeu sendo tão pecadoramente lindo — disse ela com relutância.

Diana sorriu afetuosamente para Caroline agora, enquanto ela andava pelo quarto de Diana com agi­tação.

— Ele é muito bonito.

— Mesmo assim...

— Se, como nossa tia Humphries, você está prestes a levantar o assunto do escândalo passado ligado ao nome do conde, então acho que deve saber que ele já discutiu isso comigo.

Os olhos de sua irmã se arregalaram com curiosi­dade.

— Verdade.

Diana deu um sorriso triste.

— Se não há mais nada entre nós, então eu acredi­to que existe honestidade, pelo menos. Mas somente entre nós dois — acrescentou ela com firmeza ao notar o interesse de Caroline. — Eu não tenho intenção de quebrar a confiança do conde, discutindo o assunto com você ou com qualquer outra pessoa.

— Mas apenas o pensamento de um casamento sem amor...

— Caroline, eu não estou procurando amor e ro­mance em meu casamento. — Ela suspirou.

— Por que não? — demandou sua irmã, ultrajada.

Diana deu outro sorriso triste.

— Possivelmente porque eu tenho um bom motivo para saber como estas duas coisas podem ser instá­veis.

— Eu não entendo. — Caroline parou de andar e balançou a cabeça. — Eu tinha certeza de que você e Malcolm Castle iriam se casar.

— Malcolm não faz mais parte da minha vida. — Foi a vez de Diana de levantar-se de maneira irrequieta.

— Mas por que não? O que aconteceu?

— Ele vai se casar com outra. E isso é o fim de tudo, Caroline — acrescentou Diana com firmeza quando sua irmã ia exigir saber mais. — Agora eu estou feliz em me contentar com um casamento com um homem que não faz declarações falsas de amor, mas que de­clarou, sem rodeios, exatamente o que espera de mim.

— Ele espera que você não passe de uma procriadora — disse sua irmã.

Diana ficou tensa.

— Você está sendo injusta...

— Perdoe-me, Diana! — Caroline se aproximou para abraçá-la impulsivamente. — É apenas que amar, e saber que sou profundamente amada em retorno, é a experiência mais maravilhosa da minha vida. Eu não consigo suportar a ideia de você se contentando com menos. — O brilho de rebelião surgiu nos olhos verde-mar.

— Eu não sou como você, Caroline. — Diana sor­riu gentilmente. — Não preciso que um homem esteja loucamente apaixonado por mim como seu conde está por você. Apreciação e respeito mútuo me satisfarão muito bem.

— E você aprecia e respeita Gabriel Faulkner, Diana? — perguntou sua irmã com suavidade.

Ela apreciava e respeitava Gabriel?, Diana ques­tionou-se, de súbito sentindo o rosto esquentar. Res­peitava a honestidade dele, pelo menos, e ele era, como Caroline proclamara, pecadoramente lindo. Com certeza, não era um homem para ser negligen­ciado sob nenhuma circunstância. Diana também achara os beijos e carícias dele muito prazerosos... Mas todas as coisas significavam que ela gostava dele?

— Eu tenho total confiança que lorde Faulkner e eu lidaremos muito bem com nosso casamento — falou ela finalmente de modo evasivo.

Caroline a olhou.

— Isso não responde à minha pergunta.

Não, não respondia, porque Diana não tinha ideia se gostava ou não do homem com quem concordara em se casar. Certamente, gostar de alguém era um sentimento confortável, um relacionamento fácil, e não envolvia aquela consciência aguda que Diana ex­perimentava toda vez que estava na companhia dele...

— É o bastante por enquanto que eu respeito tanto Gabriel quanto a honestidade que ele tem me ofere­cido — reiterou ela com tanta finalidade que mesmo a impulsiva Caroline soube que não devia mais pressio­nar o assunto.

— Parece que nós causamos certa comoção ao anunciar nosso noivado para Dominic e Caroline ontem à noite — comentou Gabriel, olhando para a composta Diana, sentada do outro lado da mesa do café da manhã.

Caroline e Blackstone ainda não tinham aparecido nesta manhã, fazendo Gabriel imaginar privadamente se os dois estavam compartilhando uma das camas de casal e experimentando a intimidade que estivera tão aparente entre eles no dia anterior. Não que isso o preocupasse; Dominic deixara bem claro no dia ante­rior que o casamento deveria acontecer no momento mais breve possível.

Como era diferente, como era muito mais aceitá­vel para Gabriel o ar de calma eficiente de Diana do que a natureza obviamente impulsiva e feroz da irmã dela; ele certamente não invejava a escolha de esposa de Blackstone. No entanto, não tinha dúvidas de que a compostura fria de Diana era apenas uma fachada esta manhã.

— Talvez, tendo tido a oportunidade de conversar com sua irmã, você decidiu que não deseja mais conti­nuar este noivado — sugeriu ele.

— Se mais uma pessoa ousar me fazer essa sugestão, então eu temo que possa realmente gritar! — Diana o encarou com olhos azuis brilhantes.

De alguma maneira, Gabriel não acreditava naquilo.

— Caroline?

— Sim.

— E sua tia Humphries foi menos do que caloro­sa diante da ideia, quando informada de sua decisão, não é?

Diana ergueu aquele queixo teimoso.

— Eu dei a minha palavra, Gabriel, e não irei que­brá-la.

A boca de Gabriel se curvou num sorriso quando ela repetiu a declaração que ele fizera para Blackstone na noite anterior. Parecia que ele estava lendo correta­mente o caráter de Diana.

— Independentemente das coisas horríveis que você ouve ao meu respeito?

— Sim, independentemente disso.

Gabriel olhou-a com admiração.

— Se tivéssemos tido uma dúzia de mulheres como você ao nosso lado na luta contra Napoleão, então a guerra, sem dúvida, teria acabado muito antes do que acabou.

— Se aquela situação tivesse sido deixada nas mãos de mulheres, então não teria havido guerra em abso­luto — retornou Diana em tom irônico.

Gabriel deu um sorriso apreciativo.

— Você está determinada a ir em frente com nosso casamento então?

A confiança externa de Diana vacilou um pouco perante a cautela que ela sentiu no jeito de Gabriel.

— A menos que você tenha mudado de ideia sobre a questão.

— De maneira alguma — negou ele com facilidade.

Ela se sentiu tranqüilizada por aquela resposta.

— Nesse caso, sugiro que mudemos de assunto, para discutir o que faremos sobre o desaparecimento de Elizabeth.

O bom humor do conde evaporou instantaneamente.

— Diga-me, ela é tão destemida quanto Caroline?

A expressão de Diana se suavizou com afeição.

— Apesar das aparências, Elizabeth tem uma per­sonalidade menos teimosa, com certeza. Os impulsos iniciais dela são sempre temperados por cautela — ex­plicou Diana quando Gabriel lhe deu um olhar inter­rogativo.

— Isso é algo pelo que devo agradecer, pelo menos!

Diana riu.

— Eu só conheci lorde Vaughn ontem, mas acredito que ele é mais do que capaz de controlar os excessos mais perigosos de Caroline.

— Vamos esperar que sim.

— Eles estão tão apaixonados, não estão?

Gabriel imaginou se Diana tinha ciência do quan­to soava e parecia desejosa. Provavelmente não... Sua própria experiência no amor romântico não tivera um final feliz. Não mais do que um casamento entre os dois teria?, perguntou-se.

— Eles estão, sim. — De modo resoluto, Gabriel repri­miu quaisquer dúvidas que pudesse ter sobre Diana se tornar a esposa de um homem que era incapaz de sen­tir amor. — Com a ajuda de Blackstone, eu pretendo in­tensificar a procura de Elizabeth nesta mesma manhã.

A pele da testa delicada se franziu quando ela uniu as sobrancelhas.

— Você realmente acha possível que ela tenha se­guido Caroline para cá?

— Eu tenho certeza disso. — Assim como ele tinha cer­teza de que seria esperar demais que a irmã Copeland mais nova tivesse se dado tão bem quanto Caroline, que caíra em mãos seguras.

Diana lhe deu um olhar intrigado.

— E, nesta manhã, você continua tão determinado a não viajar para Cambridgeshire a fim de ver sua mãe?

A boca dele se comprimiu.

— Oh, sim.

— Muito bem. — Ela inclinou a cabeça friamente. — Se você mudar de ideia...

— Eu não mudarei. — Gabriel pôs o guardanapo em cima da mesa e levantou-se, um nervo pulsando no rosto. Tinha sido bem-sucedido em distrair tanto a atenção de Diana quanto sua própria atenção daque­le assunto na noite anterior, tomando-a nos braços e beijando-a. Um curso de ação que, alguma coisa, ha­via se voltado contra ele. — O assunto está encerrado, Diana. Eu a aconselho a não tentar discuti-lo comigo, novamente.

Diana sabia, pela resolução inflexível que podia ver no semblante de Gabriel quando ele saiu da sala, que teria pouca escolha senão fazer o que ele pedira.

Ou, pelo menos, Diana teria tido pouca escolha se uma segunda carta de Alice Britton não tivesse che­gado na manhã seguinte, aos cuidados de Westbourne House, e endereçada a ela desta vez...

 

— Caro está ficando muito aflita com a falta de pro­gresso com relação à nossa busca por Elizabeth. — Dominic fez uma careta enquanto os dois homens entravam de novo no hall de Westbourne House.

Gabriel deu um olhar de incredulidade ao seu amigo, depois de entregar o chapéu e a bengala para o aten­cioso Soames.

— Eu não acredito com que rapidez você caiu aos lindos pés da jovem lady.

Dominic deu um sorriso relaxado.

— Não foi aos lindos pés de Caro que eu caí!

Gabriel riu.

— Eu teria achado essa história nauseante se não fosse por sua óbvia felicidade com o arranjo. — Na ver­dade, ele nunca vira seu amigo tão feliz e satisfeito; até mesmo aquelas poucas horas que Dominic tinha passado longe da companhia de Caro o estavam dei­xando impaciente.

Dominic sorriu sem embaraço quando se virou após ter entregado seu próprio chapéu e bengala ao mordomo.

— Eu não poderia recomendar o arranjo fortemente o bastante.

Gabriel meneou a cabeça.

— Estou muito contente com meu próprio noivado com Diana, obrigado.

— Como você quiser. — Blackstone deu de ombros.

— Como eu quiser — replicou Gabriel, antes de voltar-se para o mordomo. — Onde estão as damas, Soames?

— Creio que lady Caroline está no andar de cima com a tia, meu lorde.

— E lady Diana?

— Ela e a criada partiram na carruagem mais de uma hora atrás, meu lorde.

— Partiram? — repetiu Gabriel suavemente, enquanto um mau presságio o assolava.

— Sim, meu lorde.

— Para onde?

— Ela não disse, meu lorde. — O mordomo posicio­nou os dois chapéus e as bengalas sobre o suporte no hall. — Lady Diana parecia com pressa quando saiu, mas pediu-me que lhe entregasse este bilhete assim que o senhor retornasse. — O mordomo retirou uma carta levemente amassada do bolso de seu casaco.

Gabriel pegou o bilhete antes de andar para a pri­vacidade da sala de estar e romper o lacre. Era a letra de Diana, explicando para onde ela havia ido e por quê. Dentro do bilhete havia uma segunda carta, de Alice Britton, e endereçada a Diana, pedindo que ela exercesse sua influência sobre Gabriel a fim de en­corajá-lo a visitar a mãe o mais brevemente possível.

Gabriel leu a carta de Diana três vezes. Aquilo era inacreditável. Ela fora para Cambridgeshire! Toda cor foi drenada de seu rosto, e um brilho de fúria entrou em seus olhos, seus dedos finalmente se fechando ao redor do papel antes que ele o amassasse na palma de sua mão.

 

O nervosismo de Diana diante de sua decisão de viajar para a Mansão Faulkner, em Cambridgeshire, acompanhada somente de sua criada, aumentou con­forme elas se afastavam de Londres, ciente de que Gabriel ficaria muito aborrecido quando retornasse a Westbourne House e descobrisse o que ela havia feito.

Aborrecido o bastante, ela esperava, para segui-la...

Em vista da determinação dele em nem mesmo querer discutir mais o assunto, Diana não vira outra maneira de assegurar que Gabriel viajasse para visitar a mãe, algo que ela sentia que ele deveria fazer, mais fortemente depois da segunda carta de Alice Britton. A senhora idosa estava obviamente muito preocupa­da com Felicity Faulkner.

Exceto que Diana logo percebera a falha no seu plano: não havia garantia de que Gabriel a seguisse. Na verdade, ele não fizera isso nas quase 24 horas desde que ela partira de Londres.

Diana também não tinha dormido durante seu per­noite numa hospedaria da estrada, quando, em vez disso, se preocupara com a força da raiva de Gabriel quando eles se encontrassem de novo. Entretanto, ele ainda não chegara.

A decisão de Diana de viajar para a Mansão Faulkner não tinha sido tomada com leveza, dividida como estava entre as preocupações com o paradeiro de sua irmã mais nova e as obrigações que sentia que eram esperadas dela como futura esposa do conde de Westbourne. Na verdade, nem mesmo teria con­templado tal jornada se não tivesse sido tranqüiliza­da sobre o bem-estar de Elizabeth pelo fato de que Caroline e lorde Vaughn, agora que tinham ciência do desaparecimento de Elizabeth, também estavam determinados a encontrá-la.

Com essa preocupação em particular colocada de lado, Diana foi capaz de concentrar-se em seus deveres como futura esposa de Gabriel; sendo assim, havia fei­to os preparativos a fim de viajar para Cambridgeshire.

Somente agora era assaltada com tamanha trepida­ção, tanto por sua audácia em ter pedido que o lacaio de Gabriel arrumasse uma mala com as roupas do conde, de modo que ela levasse na carruagem con­sigo, quanto pela raiva que sabia que Gabriel senti­ria ao saber sobre sua partida. Diana duvidava muito que ele aceitasse sua explicação que, uma vez que eles estavam noivos, ela agora considerava a família dele uma responsabilidade sua também!

Era tarde demais para fazer qualquer outra coisa, exceto continuar sua jornada, Diana disse a si mes­ma com um endireitar determinado dos ombros. Tal­vez neste exato momento, não custava ter esperança, Gabriel estivesse em algum lugar da estrada, seguin­do-a, num humor furioso...

 

— Acredito que haja uma boa razão pela qual você ainda não tenha ido atrás de Diana.

Gabriel virou-se lentamente de onde estivera de pé, olhando pela janela de seu estúdio, para o que parecia ser um exército de jardineiros trabalhando para recobrar a ordem do gramado crescido em ex­cesso e dos canteiros intrincados; sem dúvida um trabalho que estava sendo realizado sob as instru­ções de lady Diana Copeland...

Lady Caroline Copeland estava parada imperiosa­mente junto à porta aberta, o olhar de Gabriel frio e desprovido de emoção quando ele a fitou com arro­gância. Ele tivera ciência da batida à porta, segundos atrás, mas escolhera não reconhecê-la.

— Eu não me recordo de ter lhe dado permissão para entrar.

Ela adentrou mais a sala e fechou a porta.

— Eu não me recordo de ter pedido tal permissão.

Não, ela não pedira, reconheceu Gabriel com he­sitante admiração. Pequenina e linda num vestido cinza-claro, com somente 20 anos, Caroline possuía uma força de vontade que excedia ambos os atributos.

Era de se admirar que ela conseguira impressionar o cínico e prepotente conde de Blackstone?

De qualquer forma...

— Não tenho o hábito de discutir minhas ações, ou a falta delas, com ninguém.

— Verdade? — Ela bufou de maneira deselegante. — Eu sugiro que, no que diz respeito a Diana, pelo menos, você passe a se acostumar com isso.

Gabriel arqueou sobrancelhas arrogantes.

— Você sugere?

— Eu insisto — replicou ela com veemência.

— Como eu pensei. — Gabriel suprimiu um peque­no sorriso quando se virou completamente dentro da saIa, o sol da tarde esquentando suas costas, um calor que não fez nada para dissipar o frio de raiva que sen­tia com relação a Diana.

Ele também estava, admitiu com tristeza, de algu­ma maneira, desconcertado por ter descoberto sobre a ida de Diana para a Mansão Faulkner. Os anos que passara como oficial no exército do rei tinham resulta­do em Gabriel se acostumando a dar ordens e ter tais ordens obedecidas. O fato de que a mulher de quem estava noivo por apenas seis dias, uma jovem linda e elegante que possuía um senso de dever muito além de seus 22 anos, havia simplesmente desrespeitado seus desejos era inacreditável.

Talvez ele devesse ter prestado mais atenção aos comentários prévios de Diana sobre ter a palavra “obedecer” removida dos votos de casamento deles!

— Então?

Gabriel franziu o cenho ao focar a atenção mais uma vez na irmã de Diana.

— Como eu já declarei, não vejo motivo para dar satisfações a você, ou a qualquer outra pessoa.

Ela deu um suspiro exasperado.

— Você é tão teimosamente orgulhoso quanto Dominic.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Sem dúvida, a razão pela qual permanecemos amigos por tantos anos.

— Sem dúvida — concordou ela. — Deixando seus de­feitos de lado, é Diana que me preocupa.

Ele pareceu perplexo diante daquele segundo in­sulto em poucos minutos.

— Você quer me dizer por quê?

Olhos verdes-mar revelaram impaciência quando ela adentrou mais a sala.

— Talvez você não tenha ciência disso, mas minha irmã já pôs seus próprios desejos e necessidades de lado a favor de outras pessoas...

— Considerando as suas próprias ações recentes, eu fico surpreso em saber que você tem ciência do ca­ráter altruísta de Diana! — A boca de Gabriel estava comprimida com desaprovação.

Rubor cobriu a face de Caroline perante a repre­ensão mais que óbvia de suas recentes atitudes im­pulsivas.

— Como eu posso não ter consciência disso quando esta é, sem sombra de dúvida, a única razão pela qual ela concordou em se casar com você?

Olhos escuros se estreitaram em aviso,

— Cuidado, Caroline. — A voz de Gabriel era sedo­sa. — Eu deliberadamente não contei a Diana sobre seu comportamento escandaloso recente, de ter fugi­do e se tornado uma cantora numa casa de jogo, por causa do amor profundo que sua irmã tem por você, e por causa de minha amizade com Blackstone. Mas eu lhe asseguro que tais coisas irão parar de impor­tar se você continuar se comportando dessa maneira inaceitável.

A cor rapidamente se esvaiu do rosto dela, mas Caroline continuou, de maneira heróica:

— Eu sei pouco ou nada sobre os acontecimentos passados, é claro, mas você não pode seriamente pre­tender deixar Diana enfrentar sua família sozinha!

— Acredito que eu estaria totalmente dentro de meus direitos de fazer isso, quando ela desobedeceu aos meus desejos de maneira tão ousada — respondeu Gabriel. — Mas não — acrescentou ao ver a expressão ultrajada de Caroline —, essa não é a minha intenção.

Desde o momento em que lera a carta mais cedo, ele soubera que teria de segui-la, que permanecer em Londres assim estava apenas adiando o inevi­tável.

— Hã? — Caroline agora parecia menos certa de sua indignação em nome de sua irmã.

Gabriel explicou.

— Mesmo enquanto falamos, meu cavalo está sendo selado em preparação para minha partida.

Caroline relaxou visivelmente a tensão nos ombros.

— Por que você não falou isso assim que eu entrei na sala?

Gabriel deu um sorriso irônico.

— Você pareceu tão determinada em mostrar seu ul­traje em nome de Diana que eu não quis desapontá-la.

Ela inclinou a cabeça.

— Você e Dominic são tão parecidos que poderiam ser irmãos!

Ele sorriu.

— Considerando que você e ele logo irão se casar, eu considerarei isso um elogio.

— Eu não consideraria se fosse você — disse Caroline com honestidade. — Um pouco de arrogância na pessoa amada pode ser aceitável, mas não é tão atraente num homem determinado a se casar com a irmã de alguém.

— Eu tentarei manter isso em mente — replicou Gabriel, no fundo aquecido pelo óbvio amor de Caroline pela irmã e pela declaração aberta de amar Dominic tanto quanto ele a amava, isso predizia coisas boas para um casamento entre os dois.

Ela o fitou com fisionomia incerta.

— Espero que você não fique muito zangado com Diana quando reencontrá-la.

Ele a encarou diretamente.

— Pelo contrário, Caroline... Eu estou ansioso para demonstrar a profundidade de meu desprazer com sua irmã. — Na verdade, ele estava antecipando muito aquilo!

 

Diana estava com frio, cansada e sentindo-se extre­mamente irritada no momento em que a carruagem parou no fim do longo caminho de cascalho, na frente da Mansão Faulkner no começo da segunda noite após sua partida apressada de Westbourne House.

O frio e o cansaço eram explicados pelas longas horas viajando na carruagem, enquanto a chuva caía com firmeza do lado de fora, a mesma chuva molhan­do seu casaco e chapéu quando elas tinham arriscado uma breve parada numa hospedaria de estrada de boa reputação, a fim de apreciar um almoço leve.

O motivo pelos sentimentos de irritação estava fir­memente apoiado sobre os ombros largos de Gabriel Faulkner.

Seu nervosismo inicial diante do pensamento da raiva de Gabriel, — uma vez que ele descobrisse para onde Diana tinha ido, primeiro mudara para alívio, quando não houvera sons de cascos de cavalo perse­guindo-a em fúria. Mas tal alívio se transformara em perplexidade conforme um dia e uma noite se pas­saram, então outro dia, ainda sem sinal de Gabriel. Finalmente, ela se tornara irritada ao aceitar que ele decidira não segui-la.

Tivera tanta certeza de que ele a seguiria... Então, por que ele não fora? É claro que o noivado deles era uma questão de conveniência para ambos, entretanto, Diana acreditara que o senso de honra de um cava­lheiro o faria pelo menos mostrar lealdade para com a mulher que ele pretendia tornar sua esposa.

Aparentemente, no caso de Gabriel, esse senso de honra não funcionava quando o assunto envolvia reencontrar qualquer membro de sua família. O que Diana diria a eles sobre a ausência de Gabriel? O que diria à mãe dele?

Seus pensamentos foram interrompidos quando o cavalariço ofereceu a mão para ajudá-la a descer da carruagem, seus sentidos de repente se aguçando quando ela se tornou ciente de um sentimento de... de alguma coisa...

Foi puro instinto que a fez virar-se e olhar para a extensão do caminho de cascalho, seu rosto empali­decendo, seus olhos se arregalando diante da visão da silhueta de um enorme garanhão preto iluminado pe­los últimos raios de sol. O cavaleiro sobre o lombo do cavalo era igualmente enorme e intimidador, vestido todo de preto, com o chapéu puxado sobre as sobran­celhas e o casaco preto esvoaçando atrás de si.

Diana soube, com certeza, quem era o cavaleiro. Gabriel!

Mesmo enquanto ela ficava parada em total imobi­lidade, um raio brilhou no céu escuro atrás dele e fez com que o cavalo empinasse sobre as patas traseiras, revelando claramente o rosto de Gabriel, os olhos es­curos acusadores visíveis abaixo da aba do chapéu, a expressão dura quando as patas dianteiras do cavalo voltaram a tocar o chão. de cascalho.

O cavalo galopou na sua direção, seu cavaleiro abai­xado sobre o lombo do animal, dando-lhe a aparência de um arcanjo prestes a se vingar de seu inimigo.

Diana...

 

Gabriel tivera a esperança de conseguir alcançar Diana antes que ela chegasse à Mansão Faulkner e, ao fazer isso, impedir a ida deles para lá. Infelizmente, ao ter protelado sua partida em Londres, esse não foi o caso. Ele reconheceu, com facilidade, a carruagem preta que havia parado... assim deveria, uma vez que aquela carruagem agora era sua e exibia a insígnia de Westbourne de um anjo e um unicórnio violento em suas portas. Um cavalariço usando o uniforme de Westbourne abrira uma das portas, abaixara os de­graus e estava esperando para ajudar Diana a descer da carruagem.

Ela virou um rosto assustado na direção de Gabriel, mesmo quando pisava sobre o cascalho, os olhos azuis se arregalando em apreensão quando ela obviamente o reconheceu sentado sobre as costas do brilhante ga­ranhão preto.

Uma apreensão que Diana acharia bem merecida assim que eles estivessem a sós, pensou ele com amar­ga satisfação!

Tinha sido uma cavalgada longa e desconfortável desde Londres, apesar de um pernoite numa hospe­daria medíocre, e ele agora estava cansado, com fome e muito molhado; chovera pela maior parte do dia, mas o céu havia se aberto completamente oito qui­lômetros atrás e conseguido ensopá-lo até a pele no processo.

Mas nenhuma dessas coisas lhe era tão desagradá­vel quanto se encontrar de volta na Mansão Faulkner, depois de todos aqueles anos. E Gabriel não tinha a menor dúvida de quem era a culpa por aquilo.

Lady Diana Copeland. A mulher de quem ele re­centemente ficara noivo. A jovem intrometida que logo conheceria a penalidade por ter lhe desobede­cido...

Gabriel fez Maximiliam parar a meros metros de distância de Diana, antes de escorregar da sela e jogar as rédeas nas mãos do cavalariço esperando. Então andou para onde ela continuava imóvel ao lado da carruagem, os olhos de Diana se arregalando ainda mais quando ele segurou-lhe o braço.

A extensão do pescoço elegante moveu-se de ma­neira convulsiva quando ela engoliu em seco, antes de falar:

— Que bom vê-lo, meu lorde, quando eu pensei que você tivesse dito que compromissos na cidade não lhe permitiriam me encontrar até amanhã. — A voz de Diana era composta, apesar de seu óbvio desconforto.

Aquela última sentença foi falada em benefício dos criados, Gabriel sabia. Pelo que Diana tinha ciência, ele não pretendera encontrá-la lá em absoluto; na verdade, ele ainda desejava estar em qualquer lugar, exceto lá!

— Eu não suportei ficar longe de você nem por um curto período — replicou ele para lhe salvar a pele. — Especialmente, quando você decidiu trazer a maioria de minhas roupas em sua carruagem — sussurrou para que somente ela ouvisse.

Diana sabia que as palavras iniciais de Gabriel po­diam soar amorosas para aqueles que ouvissem, mas não havia engano na promessa de vingança no próximo comentário dele, ou naqueles olhos escuros e pene­trantes que encaravam os seus com tanta intensidade.

— Fico feliz em saber que você se sente dessa ma­neira, meu lorde.

— Vamos esperar que você se sinta tão feliz quanto agora, uma vez que estivermos sozinhos — murmurou ele.

O nervosismo de Diana aumentou.

— Você recebeu a minha carta de explicação.

— Eu não estaria aqui se não tivesse recebido — re­trucou ele.

— Então...

— Do que se trata todo esse barulho? Meu Deus, é você, Gabriel? — disse uma voz feminina.

Gabriel deu um último olhar ameaçador para Diana antes que uma máscara descesse sobre todas as suas emoções, quando ele virou-se para olhar para a jovem obviamente chocada, que estava no topo dos degraus que levavam a casa. Apenas o aperto dos dedos fortes em seu braço traía que ele não estava tão composto quanto a fisionomia neutra pretendia fazer crer.

Diana virou-se lentamente para estudar a mulher que ainda olhava para Gabriel com total increduli­dade.

Ela era jovem, possivelmente apenas alguns anos mais velha que Diana, e possuía uma beleza perfeita: uma testa larga e sedosa, bonitos olhos castanhos, um nariz pequeno e bem formado, lábios carnudos acima de um queixo delicado. O cabelo era muito preto e brilhante, arranjado em cachos modernos, e o corpo delgado era mostrado à perfeição num ele­gante vestido cor de pêssego.

— Seus poderes de percepção não enfraqueceram, senhora — respondeu Gabriel suavemente.

O rosto da jovem empalideceu, mesmo enquanto ela lutava por compostura diante do sarcasmo amargo de Gabriel.

— Vejo que os anos fizeram pouco para reduzir sua arrogância insuportável.

— Você esperou que minha arrogância tivesse dimi­nuído?

— Eu não esperava vê-lo em absoluto! — exclamou ela.

— Obviamente não — murmurou ele.

A mulher o olhou com raiva.

— Se você tivesse se incomodado em nos informar de sua visita, então eu teria lhe dito que você não é bem-vindo aqui.

Um nervo pulsou no maxilar rígido de Gabriel.

— Por alguma razão inexplicável, eu pareço ter tido diversas conversas recentemente sobre minha falta de necessidade de informar alguém sobre minhas ações.

Diana sabia que a provocação era para ela também...

— Se você não se importa... — Ele agora olhou fria­mente para a outra mulher — ... Diana e eu a encon­traremos dentro da casa num momento. — Aquela era uma dispensa inconfundível.

A jovem pareceu prestes a continuar discutindo o direito de Gabriel entrar na casa, mas então ob­viamente pensou melhor, depois de ver a expressão no rosto dele, satisfazendo-se com um último olhar zangado antes de virar-se e se apressar de volta para dentro.

Diana só podia supor que a bonita jovem prepo­tente fosse parente de Gabriel... Talvez a filha da sra. e do sr. Charles Prescott? Ela certamente parecera íntima de Gabriel, e insultante, o bastante para ser uma prima.

— Tudo logo será revelado, Diana — assegurou-lhe Gabriel quando a chuva forte recomeçou a cair. Ele segurou-lhe o braço e conduziu-a degraus acima.

— Mas... Cuidado, Gabriel! — protestou Diana, ten­tando acompanhar os passos dele, e, em vez disso, tro­peçando na bainha do vestido.

A impaciência e a raiva de Gabriel eram tamanhas que ele mal conseguia agir de modo racional. Diana os levara para a toca do escorpião, e ele não se incomoda­va se ela agora não gostasse de seu ressentimento.

— Já estou muito molhado e exausto por passar horas desnecessárias numa sela; eu a aconselharia a não acrescentar mais chateações à minha lista de desconfortos.

Ela puxou suas saias agora imundas de baixo de seus pés escorregadios, antes de olhá-lo sob cílios baixos.

— Posso ver que você está zangado comigo, Gabriel, mas eu lhe garanto que pensei apenas em você quan­do decidi vir para cá.

— Pelo contrário, eu acho que você agiu sem o me­nor respeito ou consideração pelos meus sentimentos, quando tomou essa decisão — corrigiu-a de maneira sucinta, sem se incomodar em olhá-la, enquanto a pu­xava para que eles subissem os últimos degraus.

Ela arfou.

— Como você pode dizer isso, quando abandonei minha busca por Elizabeth a fim de vir para cá?

— De modo que eu não sofresse com culpa e res­sentimento quando um dia ouvisse sobre a morte de minha mãe — relembrou-lhe secamente.

— Sim.

Gabriel a olhou com fúria.

— Essa era uma decisão minha, não sua.

— Mas...

— Eu lhe permitirei muito tempo para se explicar, mais tarde.

Diana sentiu o tom gelado na voz dele.

— Com alguma intenção verdadeira de ouvir o que eu tenho a dizer?

— Provavelmente não.

— Então não vejo motivo para...

— Você pode, pelo amor de Deus, ficar quieta, Diana? — disse ele, parando de repente, a respiração ofegante enquanto pausava do lado de fora da casa que deixara de maneira tão desonrosa, oito anos atrás.

A raiva que sentira de Diana o sustentara duran­te a árdua jornada até Cambridgeshire, enquanto ele mentalmente listava as muitas maneiras nas quais pretendia fazê-la sofrer por ter lhe dado o trabalho de segui-la até lá. Para que agora, se encontrasse dian­te da porta da casa da qual fora cruelmente banido, onde vivia uma família para a qual ele nunca pensara em voltar, preenchido com uma melancolia profunda que apertava seu coração.

— Gabriel? — Diana não podia evitar se sentir preo­cupada com a expressão desolada que ele olhava para casa que um dia fora seu lar.

O relacionamento deles era de tal natureza que ti­nha sido carregado de tensão desde o começo, mas enquanto olhava para o rosto acima do seu, agora, ela soube que aquele homem não era o homem arrogante e autoritário que conhecera pelos últimos seis dias, mas um que lhe era totalmente estranho...

Diana engoliu em seco, entendendo, naquele mo­mento, que não deveria ter forçado Gabriel a segui-la pra lá, que, ao fazer isso, havia aberto uma ferida que talvez devesse permanecer fechada.

— Eu nunca tive a intenção de lhe causar desconfor­to, meu lorde — sussurrou ela.

— Seu pedido de desculpas é muito pouco, e chega tarde demais, Diana. — Gabriel a encarou com os olhos do estranho que ele lhe parecia agora. — Não há como voltar atrás ou fugir agora — murmurou para que so­mente ela ouvisse, antes dar os passos que levaria os dois para dentro da casa.

Quando Diana pisou dentro do imenso hall de en­trada de mármore, um calafrio instantâneo percor­reu a extensão de sua coluna. Não era um frio que se devia à temperatura, mas à atmosfera, como se as paredes da casa tivessem absorvido uma malignidade de espírito por tanto tempo, e de maneira tão inten­sa, que esta agora existia dentro dos tijolos e cimento com os quais era construída.

O que era irreal, uma vez que tijolos e cimento não absorviam emoções, assim como as estátuas opulentas e quadros nas paredes também não, ela disse a si mes­ma. Tais imaginações deviam ser por causa de cansaço e fome... e pelo nervosismo diante do pensamento da conversa prometida com Gabriel, quando eles estives­sem sozinhos.

De qualquer forma, Diana pegou-se segurando as lapelas de seu casaco com mais força ao seu redor, num esforço de espantar aquele frio.

— Minha mãe está bem? — perguntou Gabriel quan­do a bonita moça de cabelo escuro desceu a escadaria larga correndo, o lindo rosto corado pelo exercício.

Ela ignorou a pergunta dele e, em vez disso, fa­lou com o mordomo, assim que acabou de descer a escada:

— Leve chá para o salão marrom, por favor, Reeve.

— Leve chá para as damas, Reeve, mas eu gosta­ria de alguma coisa mais forte. — Gabriel se dirigiu ao mordomo, ao mesmo tempo notando que a passagem dos anos não tinha sido gentil com o homem idoso.

Sua aparência fazia crer que haviam se passado vinte anos, e não oito, desde que Gabriel o vira pela última vez.

No entanto, havia uma expressão calorosa de boas-vindas nos olhos do mordomo quando ele reconheceu Gabriel.

— É claro, meu lorde.

— E mande preparar os quartos verde e dourado para mim e para lady Diana — acrescentou Gabriel, entregando chapéus e casacos para o mordomo, tanto os seus quanto os de Diana.

— Você não pode entrar aqui e dar ordem aos servos como se fosse dono do lugar! — exclamou a mulher.

— Acredito que minha mãe ainda seja a proprietária da Mansão Faulkner.

— Eu... Sim.

— Então faça isso, por favor, Reeve — disse Gabriel, antes de, mais uma vez, voltar seu olhar glacial para a beleza de cabelo escuro, que o fitava com tanto res­sentimento. — Eu sugiro, senhora, que continuemos esta conversa num lugar mais quente.

— Você...

— Agora — demandou ele.

Com um farfalhar da saia, a jovem lady virou-se e os precedeu para dentro de uma sala decorada em tons de marrom e dourado, o fogo queimando na lareira fazendo muito pouco para aliviar a atmosfera fria.

Os olhos de Gabriel se estreitaram.

— Eu acredito que perguntei sobre a saúde de mi­nha mãe.

A boca da mulher se comprimiu numa linha fina.

— Felicity está tão bem quanto pode ser esperado.

— O que significa isso exatamente? — indagou ele.

Ela deu de ombros.

— Felicity se tornou frágil desde que seu pai mor­reu. Na verdade, ela se recolheu a seus aposentos logo depois do funeral. Agora, raramente sai de lá.

— Sem dúvida, permitindo que você assuma o papel de dona da casa — comentou Gabriel com desprezo.

— Quão típico de você culpar outros pelo que todos sabem serem os resultados de suas próprias ações ina­dequadas — acusou ela com raiva.

Gabriel não mostrou uma única reação diante da menção à morte do pai, ou de como o sofrimento de sua mãe por tal morte tinha sido tão extremo que ela se isolara completamente de toda a sociedade, em­bora as duas informações tivessem conseguido pe­netrar o escudo que ele posicionara tão firmemente ao redor de suas emoções. Seu pai sempre fora um seguidor rígido das regras da sociedade, e sua mãe, mais uma borboleta social, mas a história dos dois havia sido uma atração dos opostos, o amor profun­do e permanente entre o casal, óbvio para todos que os rodeassem.

Gabriel era culpado? Se não tivesse se permitido ser banido oito anos atrás, as coisas seriam diferentes agora? Seu pai ainda estaria vivo, e a alegria de viver de sua mãe ainda tocaria todos e tudo ao seu redor?

— Você pode fazer as apresentações, Gabriel?

Ele voltou ao momento presente com o lembre­te gentil de Diana sobre seus bons modos, focando primeiro na mulher que o olhava com hostilidade do outro lado da sala, e depois em sua futura esposa, que lhe segurava o braço de leve.

— Diana, esta é sra. Jennifer Prescott, a esposa de meu tio Charles. Sra. Prescott, eu lhe apresento mi­nha noiva, lady Diana Copeland. — Ele foi breve e di­reto nas apresentações.

Diana olhou para ele com fisionomia confusa por di­versos segundos, antes de voltar o olhar para Jennifer, incapaz de esconder a incredulidade na expressão ao perceber que aquela mulher incrivelmente jovem e lin­da, de pé ao lado da lareira, era casada com o tio dele. Uma mulher que Gabriel desejara nunca mais encontrar na vida...

 

— Sra. Prescott. — A cortesia de Diana foi, na me­lhor das hipóteses, superficial, enquanto ela tentava dissipar sua opinião previamente formada de que a sra. Charles Prescott seria uma senhora com a apa­rência de uma matrona obesa.

Gabriel não lhe dissera que o tio era irmão da mãe, dele, certamente implicando que ele seria um cava­lheiro, no mínimo, na casa dos 40? A linda mulher que lhe fora apresentada agora como esposa de tal cavalheiro não tinha mais de 25 anos.

— Lady Diana. — A sra. Prescott inclinou a cabeça num cumprimento, em vez de retornar a cortesia.

Diana estava muito ciente da tensão de Gabriel, enquanto sua mão descansava na curva do braço dele, como se ele fosse uma fera selvagem, preparada para se defender se a necessidade surgisse. Ele temia que isso pudesse acontecer? Ela sentiu o retorno das sen­sações que experimentara ao entrar na casa, sabendo que estivera errada em descartá-los; havia algo muito errado dentro daquela casa, alguma coisa que jazia si­lenciosa e pacientemente, esperando nos cantos mais escuros. Ela queria escapar, mesmo que brevemente.

— Gabriel, acho que eu prefiro me refrescar, depois de nossa jornada, a tomar chá.

Ele pareceu não ouvi-la por longos segundos, o olhar preso numa batalha silenciosa ao da linda tia por casamento, então, aos poucos, Diana sentiu um pou­co da tensão se aliviar no braço dele quando Gabriel virou-se para fitá-la.

Todavia, o maxilar másculo continuava rígido quan­do ele respondeu:

— Tenho certeza de que a sra. Prescott ficará mais do que contente em nos dar licença.

Irritação surgiu naquele rosto bonito, mesmo en­quanto ela tocava o sino para chamar o mordomo.

— Eu teria ficado mais feliz se você nunca tivesse aparecido aqui — disse ela.

— E por que isso?

— Você sabe por quê.

— Talvez — concedeu ele. — Imagino que minha mãe ainda ocupe os mesmos aposentos.

— É claro. — Sra. Prescott franziu o cenho. — Mas eu não o aconselho a visitá-la esta noite, Gabriel. Felicity sempre janta cedo e já está acomodada para a noite...

— Creio que sou eu quem deve decidir se e quando é aconselhável que eu visite minha mãe, e não a mu­lher de cabeça vazia casada com meu tio — disse ele de maneira agressiva.

— Você é insolente, Sir. — exclamou ela em tom ul­trajado.

Gabriel arqueou sobrancelhas desafiadoras.

— Quanta astúcia de sua parte perceber que eu não sou o mesmo jovem idealista que você conheceu tanto tempo atrás, que foi forçado a ir embora.

Ela o encarou com raiva.

— A escolha foi sua, Sir.

— Eu achei a alternativa desprezível — murmurou Gabriel sedosamente.

Jennifer Prescott deu um suspiro exasperado.

— Seu...

— Onde está meu querido tio Charles esta noite? — interrompeu Gabriel, consciente de como era injusto para com Diana continuar uma conversa da qual ela não fazia parte.

O queixo da sra, Prescott se ergueu.

— Meu marido partiu ontem para Londres, com a intenção de passar diversos dias lá.

— A negócios ou por prazer?

— A negócios, é claro.

Não havia “é claro” sobre aquilo aos olhos de Gabriel. Seu tio sempre fora um jogador inveterado.

— Eu não sabia que meu tio ainda tinha negócios na cidade. — Não tendo interesse em encontrar aci­dentalmente seu tio ou a jovem esposa dele em algum evento social, Gabriel havia feito alguma investigação sobre Charles desde que retornara à Inglaterra, não ficando surpreso ao descobrir que seu tio passava a maior parte do tempo em Cambridgeshire, indo à ci­dade apenas ocasionalmente.

Ocasiões quando sempre perdia nas mesas de jogo.

— Ele não tem.

— Então...

— Charles e eu desistimos de nossa própria casa de­pois que seu pai morreu e sua mãe se recolheu a seus aposentos. Nós nos mudamos para cá, de modo que eu pudesse cuidar da casa, e Charles, dos negócios e pro­priedades de Felicity — informou-o Jennifer Prescott de maneira prepotente.

Gabriel continuava vendo-a com desprezo. Não havia dúvida de que Jennifer estava mais linda do que nunca, ou que suas curvas delgadas de menina haviam se tornado curvas voluptuosas de uma mu­lher desejável. Mas era uma beleza que não o atraía, uma vez que ele desconfiava de cada palavra que ela dizia ou cada gesto que fazia. Entretanto, tendo co­metido o erro de subestimá-la uma vez, Gabriel não pretendia cometê-lo uma segunda vez.

— Sem dúvida, Charles aproveitou cada oportunida­de para encher os próprios bolsos — disse Gabriel seca­mente.

Parecia que, em suas cartas educadas, Alice Britton tinha subestimado a situação na Mansão Faulkner, afinal de contas.

Toda cor se esvaiu do rosto de Jennifer Prescott quando ela arfou.

— Você foi longe demais!

A boca de Gabriel se comprimiu.

— Fui?

Olhos azul-escuros guerrearam com olhos casta­nhos em silêncio, até a entrada de Reeve, em res­posta ao chamado do sino mais cedo, abruptamente quebrando a tensão, uma vez que ela foi forçada a virar-se para instruí-lo a levar Gabriel e Diana para seus quartos.

O breve intervalo permitiu a Gabriel diversos se­gundos para recobrar seu habitual distanciamento. Ele não quisera ir para lá. Não teria ido se não fosse pela interferência de Diana.

Um fato que ela, sem dúvida, agora lamentava qua­se tanto quanto ele!

 

— Deve haver uma grande diferença de idade entre seu tio Charles e a esposa. — Foi uma declaração, e não uma pergunta. Diana observava, preocupada, enquan­to Gabriel andava de um lado para o outro no quarto com energia irrequieta.

Tinha sido, de alguma maneira, uma surpresa para Diana descobrir que os quartos verde e dourado que Gabriel requisitara que fossem preparados para eles eram, na verdade, quartos adjacentes, a porta de co­nexão entre os dois, aberta, um fato do qual ele se aproveitara assim que o mordomo saíra.

Não havia dúvida que o arranjo era um pouco im­próprio, implicando assim uma intimidade entre eles que não existia. Porém, ao mesmo tempo, ainda pertur­bada pelas influências ocultas naquela casa, Diana se sentia confortável com o conhecimento de que Gabriel estava perto, caso viesse a precisar dele.

Nenhum dos dois ainda aproveitara a água quente que já havia sido levada para os quartos, juntamen­te da bagagem deles. Em vez disso, Diana dispensara sua criada, antes de se sentar pesadamente na cama para assistir a Gabriel começar a andar em silêncio.

Ele a fitou agora.

— Quase trinta anos, acredito.

— Você parece não gostar muito de sua tia...

— Quanta astúcia de sua parte notar isso!

Ela franziu o cenho diante do tom sarcástico na voz de Gabriel.

— Por que você simplesmente não me explicou, quan­do nós recebemos a primeira carta da srta. Britton, a complexidade da situação aqui?

Ele parou de repente.

— Que situação?

— Para começar, que a esposa de seu tio não tinha a idade aproximada de sua mãe, como eu imaginei que tivesse? — Diana fez uma careta. Sabia que não era tão incomum encontrar um senhor da sociedade ca­sado com uma mulher muito mais jovem, mas mesmo assim...

— Como eu já declarei, para você, para Caroline e para sra. Prescott, não tenho o hábito de dar satisfações ou me explicar para ninguém.

Diana podia apenas imaginar as circunstâncias sob as quais ele falara aquilo para a franca Caroline!

— Com certeza, você devia saber que eu ficaria sur­presa ao descobrir que a sra. Prescott é tão jovem.

— Talvez.

Não havia “talvez” sobre aquilo aos olhos de Diana.

— E ela e seu tio residem aqui com sua mãe desde a morte de seu pai?

— Assim parece. — A boca dele se torceu com des­gosto.

— Mas certamente foi gentileza de seus tios desis­tirem da própria casa a fim de viver aqui e cuidar de sua mãe.

— Um conselho, Diana... Não acredite em tudo que você ouvir aqui. — Gabriel a olhou com intensidade. — Mais especialmente, — não acredite em uma palavra do que a sra. Prescott disser.

Diana arregalou os olhos.

— Eu não entendo...

— Então permita-me explicar — disse ele. — O sr. e a sra. Prescott não abriram mão de sua casa e se mu­daram para cá por preocupação com minha mãe. Eu mesmo providenciei para que a casa deles, juntamen­te a tudo mais de valor, fosse exigida pelo oficial de justiça, a fim de pagar as consideráveis dívidas de jogo de Charles.

Diana piscou.

— E agora você acha que ele está enchendo os pró­prios bolsos com a herança de sua mãe?

— Vamos esperar que a coisa não esteja tão feia. — Ele franziu o cenho. — Acredito que meu pai conhecia o   cunhado bem o bastante para deixar seu testamento de uma maneira que impossibilitasse qualquer pes­soa, exceto minha mãe, a tocar no capital.

— Entendo que esta situação não é ideal, Gabriel, mas talvez, agora que nós viemos para cá — murmu­rou Diana suavemente — devêssemos tentar fazer o melhor disso.

— Existe um “melhor” disso? — Gabriel parou de modo abrupto na frente dela. — Se existe, então eu gostaria que você me contasse qual é.

Diana estremeceu interiormente, sabendo que me­recia o desprazer de Gabriel, quando desconsiderara os desejos dele e colocara ambos naquela casa fria e não hospitaleira à qual ele um dia pertencera.

Na verdade, ela só podia ver um aspecto positivo naquela situação.

— Esperançosamente, você será capaz de fazer as pazes com sua mãe, pelo menos.

Ele suspirou.

— Como você é ingênua, Diana.

Ela o estudou, sentindo uma ponta de dor atrás das palavras dele.

— Eu posso... Gostaria que eu fosse com você quan­do visitar sua mãe?

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Com que propósito?

— Gabriel...

— Diana?

Ela franziu a testa diante da zombaria inconfundí­vel na repreensão dele.

— Se eu me tornarei sua esposa, então certamente meu lugar é ao seu lado.

Ele a fitou entre pálpebras estreitas.

— Quando você for minha esposa, seu lugar não será ao meu lado, mas sob mim na cama!

Diana sentiu sua face esquentar com rubor diante da rudeza deliberada dele.

— Entendo a razão de sua raiva, meu lorde...

— Raiva? — repetiu ele com incredulidade. — Eu lhe asseguro que o que sinto neste momento é muito fe­roz para ser chamado de algo tão morno como raiva!

Mais uma vez, ela teve ciência da sensação ao longo de sua coluna enquanto fitava a intensidade daqueles olhos azul-escuros. Mas não era apenas o calafrio de apreensão que experimentara mais cedo. Ela e Malcolm haviam sido amigos, e depois namo­rados, por anos. Diana conhecia Gabriel somente há alguns dias, todavia, naquele breve tempo, sentira mais de um despertar sexual do que jamais tinha sentido nos braços inexperientes de Malcolm. Em anos, Gabriel não era muito mais velho do que Malcolm, no entanto, ele era muito superior em sofisticação e experiência; tinha beijado Diana mais profundamen­te, tocado-a com mais intimidade do que qualquer pessoa já ousara fazer.

Enquanto o olhava sob cílios baixos, Diana sou­be que aqueles eram beijos e carícias que ela secretamente desejara que se repetissem, e o comentário que ele acabara de fazer sobre eles estarem juntos na cama apenas intensificara esse desejo...

Em vez de se encolher diante da raiva dele, Diana ergueu uma das mãos para deslizar os dedos de leve sobre o rosto de Gabriel. Ele estava quente ao toque, os olhos agora tão escuros que pareciam tinta preta.

— Não sou um gato ou um cachorro que você pode domar, até torná-lo dócil, com uma carícia de seus dedos, Diana! — A voz de Gabriel soou dura na súbita imobilidade que os cercava, um nervo agora pulsando naquele maxilar rijo.

O olhar de Diana se suavizou.

— Eu não sou tão tola para acreditar que alguém al­gum dia seria capaz de domá-lo, Gabriel — murmurou ela com voz rouca.

Aquele nervo continuou pulsando.

— Então o que você está tentando fazer comigo?

O que ela estava fazendo?, Diana questionou-se si­lenciosamente. Tinha forçado Gabriel a segui-la con­tra a vontade dele. Eles estavam numa casa com uma atmosfera desagradável, ela não se sentia à vontade na companhia da jovem e linda sra. Prescott, e ainda não conhecera a solitária mãe de Gabriel. Todavia, naquele momento, ali e agora, somente o óbvio sofri­mento dele parecia de alguma relevância para Diana.

— Acho que estou tentando lhe mostrar que, apesar de você parecer pensar o contrário, eu não sou sua inimiga — disse ela.

— Eu sei exatamente o que você é, Diana.

— Ou seja...

Ele bufou.

— Uma jovem idealista e ingênua que, apesar de suas próprias experiências ao contrário, de alguma forma, ainda acredita que a situação que existe nesta casa possa ter um final feliz.

Gabriel pretendera ferir com sua dureza, e soube que tinha sido bem-sucedido quando ela se encolheu em dor e removeu os dedos de seu rosto para baixá-los lentamente. Ao mesmo tempo, ele teve consciência da remoção do calor que experimentara brevemente com o toque compassivo de Diana.

Ora, não precisava da piedade de ninguém, muito menos da dela.

Paixão sexual, por outro lado, Gabriel sabia por ex­periência própria, permitia bem poucos pensamentos além da satisfação do desejo despertado. E ele estava excitado, percebeu, toda sua raiva e frustração recen­tes de súbito foram canalizadas em consciência sexual, enquanto ele olhava para Diana através de pálpebras baixas. Enquanto admirava os cachos vermelho-dourados levemente despenteados, ameaçando cair de seus grampos, a palidez do rosto dela, o pescoço, um delicado arco acima do rubor que coloria o topo dos seios, o qual era visível acima do decote baixo do ves­tido cor-de-rosa.

— Gabriel? — perguntou Diana incerta, ao sentir, mesmo se não entendesse completamente, a súbita tensão sexual que se instalou entre os dois.

Ele ergueu um olhar lânguido, notando o rubor no rosto dela e o brilho nos olhos azul-celestes, enquanto Diana umedecia os lábios sensuais com movimentos nervosos da língua.

— Você está com medo de mim, Diana? — perguntou ele com suavidade... ciente, naquele momento, de que suas emoções cruas haviam abandonado sua cautela anterior com relação a fazer amor com ela.

O peito de Diana subia e descia com a respiração ofegante, a garganta moveu-se acima quando ela en­goliu em seco antes de falar:

— Eu deveria estar?

Ele deu um sorriso irônico.

— Sem dúvida.

Ela meneou a cabeça, sem querer, liberando diversos cachos dos grampos que os mantinham precaria­mente no lugar.

— Não acredito que você algum dia me machucaria, Gabriel.

O sorriso dele tornou-se feroz.

— Eu lhe asseguro que neste momento sou mais do que capaz de machucar alguém.

Ela continuou olhando-o fixo.

— Eu não disse que você não é capaz de me machu­car, Gabriel, apenas que não acredito que você esco­lhesse fazer isso.

Então Diana o conhecia melhor do que ele conhe­cia a si mesmo... porque, naquele momento, não po­dia visualizar nada que apreciaria mais do que pegá-la nos braços, jogá-la sobre a cama, despi-la completa­mente, antes de violá-la ali mesmo.

Ou, alternativamente, deitá-la sobre a cama an­tes de soltar-lhe o cabelo, e então remover, devagar, peça por peça das roupas que Diana usava, antes de explorar lentamente com seus lábios, língua e mãos, cada centímetro deleitável e perfeito daquele corpo feminino.

Suas mãos se fecharam em suas laterais, enquanto ele podia quase sentir o gosto do prazer de Diana.

— Você está acordando a fera que existe em mim, e em todos os outros homens — avisou a ela, sabendo que ele corria sério risco de jogar todo bom senso pela janela e beijá-la apaixonadamente.

Pela primeira vez em sua vida bem ordenada, Diana não queria se comportar com cautela, queria apenas banir a frieza que existia entre ela e Gabriel, mesmo enquanto estava sedenta pela promessa de paixão que via naqueles olhos azul-escuros profundos que a enca­ravam com intensidade.

Muitos anos atrás, seu pai tinha lhe mostrado uma fotografia num dos livros que ele mantinha em seu estúdio de uma pantera preta elegante; naquele mo­mento, Gabriel a lembrava o animal. Feroz e elegan­te. Predatório. Perigoso.

Ela levantou o braço novamente, e desta vez, tocou-lhe o cabelo sedoso que lhe caía na testa. Longos se­gundos se passaram, e Diana prendeu a respiração em antecipação, enquanto ele estudava seus olhos azuis, seu nariz delicado e a pele alva de seu rosto, antes de fixar o olhar em seus lábios entreabertos.

Ela sentiu a intensidade daquele olhar quase como uma carícia, enquanto as batidas de seu coração ace­leravam, e um calor que começara nos seus seios ago­ra se espalhava para entre suas coxas. Diana queria, precisava, estar perto dele, queria tanto abraçá-lo, ba­nir, mesmo que por um breve período, a dor que ele estava obviamente sofrendo...

— Não, droga! — Gabriel de súbito segurou-lhe a parte superior dos braços e afastou-a de si com fir­meza, a expressão selvagem enquanto ele continuava olhando-a.

Diana tropeçou de leve ao sentir o frio da rejeição, sua humilhação completa quando ele deu-lhe as cos­tas para atravessar o quarto e parar na frente de uma das enormes janelas com vista para o estábulo.

O que ela havia esperado? Que eles, de alguma maneira, fossem unidos pela atmosfera desconfortá­vel que existia naquela casa? Que ela seria a pessoa para quem Gabriel pediria conforto, por causa do es­tresse que ele sentia estando lá?

Se Diana tivesse esperado que quaisquer dessas coisas ocorressem, então obviamente era a idealista ingênua da qual ele a acusara; Gabriel tinha deixado mais do que claro que não estaria lá se não fosse por sua interferência. Algo pelo que ele não a perdoaria facilmente...

Ela endireitou os ombros.

— Talvez agora seja um bom momento para você me oferecer alguma privacidade, de modo que eu possa me banhar e trocar de roupa para jantar.

Gabriel respirou fundo e com dificuldade quando ouviu claramente a mágoa no tom frio de Diana, uma mágoa que sabia ter sido causada por sua rejeição ao calor e conforto que ela lhe oferecera tão livremente.

Por mais que ele desejasse aceitar tal oferta, aceitar o conforto do corpo de Diana e esquecer tudo, exce­to a libertação física mútua e satisfatória, não podia fazer isso... e não apenas porque desejava esperar até depois que eles estivessem casados..

O mero pensamento de consumar o relacionamen­to deles pela primeira vez na opressão daquela casa foi o bastante para amortecer sua excitação. Não, era preferível que ela sofresse uma pequena mágoa agora a serem sempre perseguidos no futuro por aquela me­mória em particular.

Gabriel suspirou.

— Você ainda não tem ideia do que está acontecen­do nesta casa, tem, Diana?

Ela pareceu confusa.

— Você me contou um pouco sobre a situação, e eu sei que há uma atmosfera desagradável aqui.

Gabriel deu uma risada dura, sem humor.

— Se isso fosse tudo...

— Então, conte-me, Gabriel — encorajou Diana. — Deixe-me compartilhar isso com você.

— De modo que você possa tentar resolver as coi­sas? Assim como resolveu tantas outras coisas para sua própria família desde que sua mãe abandonou vo­cês tão cruelmente?

Ela encolheu-se, distanciando-se alguns passos dele.

— É você quem está sendo deliberadamente cruel.

— Sinto muito, Diana. Esta casa e as pessoas daqui fazem com que eu me sinta cruel. — Gabriel passou a mão agitada pelo cabelo grosso.

O coração de Diana amoleceu novamente com a explicação.

— Eu entendo...

— Você não entende nada! — Ele emitiu uma súbi­ta risada sarcástica. — Deus, eu estou de volta a esta casa por apenas minutos, e já estou me sentindo su­focando!

— Então desabafar comigo pode certamente ajudar a aliviar seu sofrimento. — Diana aproximou-se, e mais uma vez, tocou-lhe o braço tenso, enquanto o fitava de maneira suplicante.

— Acredita mesmo nisso?

— Mal não pode fazer.

— Você está errada, Diana. Muito, muito errada. — Gabriel meneou a cabeça, ao mesmo tempo sabendo que se eles iriam ficar lá, mesmo que por uma única noi­te, então não seria justo deixá-la na ignorância de seu passado por mais tempo.

Havia outra pessoa naquela casa que ficaria muito encantada em dar a Diana uma versão diferente dos eventos.

— Muito bem. — Ele tornou-se imóvel. — Você per­guntou e disse que deseja compartilhar isso comigo.

Diana não pôde evitar notar como a boca de Gabriel linha se comprimido numa linha inflexível, os olhos se tornando duros como ônix mais uma vez. Sabendo que ele não estava na posse de seu usual controle arrogante naquele momento, ela pensou que o humor dele esta­va tão abalado agora que a provocação anterior sobre o abandono da mãe dela iria provavelmente se tornar insignificante sob a avalanche do que ele estava prestes a lhe dizer.

Gabriel deu um sorriso amargo ao ver a apreensão nos olhos dela.

— Ou talvez você tenha mudado de ideia e prefere não saber?

Diana engoliu em seco, uma pequena parte covar­de sua querendo dizer sim, ela havia mudado de ideia, não queria ouvir o que ele estava prestes a lhe contar, ao mesmo tempo sabendo que nada naquela casa faria sentido até que ela ouvisse o que Gabriel tinha a dizer...

Diana ergueu o queixo orgulhosamente.

— Acredito que eu nunca me esquivei de ouvir a verdade, meu lorde.

Ele cerrou os dentes numa careta de dor.

— Eu não tenho dúvida de que você irá querer fugir desta verdade em particular.

A apreensão de Diana aumentou, mesmo enquan­to ela continuava sustentando-lhe o olhar de maneira resoluta.

— Nada do que você me contar agora irá mudar mi­nha opinião ao seu respeito.

— A qual é? — perguntou ele com curiosidade.

Ela umedeceu os lábios antes de responder:

— Eu sei que você é um homem que sente uma pro­funda obrigação com relação à sua tutela de minhas duas irmãs e de mim. Que lorde Vaughn, que foi um oficial, e é um cavalheiro, o tem em grande consideração.

— Nada do que você falou até agora reflete a sua opinião sobre mim — apontou ele.

Talvez porque parecesse mais sábio, com o relacio­namento deles tão novo, que Diana reconhecesse o que outros pensavam dele. Seus próprios sentimentos com relação ao homem de quem estava noiva ainda eram muito tênues para serem vociferados. O fato de que Gabriel era tanto arrogante quanto impaciente com os pontos fracos de outros, Diana já sabia. Que ele escolhia manter as próprias emoções firmemente escondidas, de olhos bisbilhoteiros, atrás de uma pa­rede de arrogância, ela também estava ciente... Mas como se sentia pessoalmente com relação a ele?

Sentia-se atraída pela inegável beleza de Gabriel. Tremia quando ele a segurava nos braços e pressio­nava-a contra seu corpo poderoso. Tremia quando ele a beijava com aqueles lábios sensualmente escul­pidos. Era preenchida com um desejo intenso quan­do Gabriel a tocava e a acariciava com mãos seguras, porém gentis.

Coisas que não desejava compartilhar com ele no momento.

— Não se incomode em procurar uma resposta quando obviamente está com tanta dificuldade de en­contrar uma — disse Gabriel em tom amargo ao ver Diana esforçando-se para encontrar uma resposta que não fosse muito insultante.

Ela pareceu desconfortável.

— Talvez você deva apenas me dizer o que sente que eu preciso saber?

— Por onde começar? — perguntou ele.

— Pelo começo?

Gabriel a olhou.

— Isso seria oito anos atrás.

Oito anos atrás? Na época do escândalo que sepa­rara a vida de Gabriel da de sua família?

O maxilar dele estava rígido de tensão.

— Eu lhe contei sobre o escândalo que resultou em eu ser desonrado e deserdado.

— Sim...

Ele assentiu com um gesto de cabeça, não mais á olhando.

— O que você também precisa saber, se quer enten­der as tensões que existem agora nesta casa, é... — Ele parou subitamente, a respiração se tomando ofegante.

— Gabriel, se você prefere não...

— O fato de você ter forçado a vinda de nós dois para cá não me dá mais escolha na questão — disse ele em tom lastimoso.

Diana estremeceu com apreensão. Gabriel tinha sido honesto com ela desde o começo, não hesitara em lhe contar o pior de si mesmo, assim como o me­lhor, entretanto, ela sabia, pela ferocidade no jeito dele agora, que o que Gabriel estava prestes a lhe contar era algo tão extremo, tão imenso que pode­ria destruir o respeito que Diana sentia por ele para sempre...

 

— Jennifer Prescott, a esposa de meu tio Charles, é a mesma mulher que eu fui acusado de seduzir e depois abandonar quando ela anunciou que estava esperan­do meu filho.

Diana sentiu como se tivesse sido golpeada no peito, quando deu um passo instável atrás, sua respiração presa na garganta, toda a cor drenando de seu rosto, enquanto ela olhava para Gabriel em perplexidade e confusão. Então tropeçou até que a parte de trás de seus joelhos tocasse a cama e sentou-se de modo abrupto sobre o colchão.

Aquilo não podia ser verdade... Podia?

A mulher jovem e linda casada com seu tio era a mesma que acusara Gabriel de seduzi-la, oito anos atrás? Pior, Charles Prescott era o homem que o pai dele tinha pagado para casar com ela no lugar de Ga­briel, porque acreditava que aquela mulher estava es­perando um bebê de seu filho?

Era inacreditável demais.

Todavia, aquela era uma solução tão inacreditável? Casando-se com Charles Prescott, a jovem ainda se casara dentro da família, consequentemente resultan­do em seu filho sendo criado dentro da família tam­bém. Exceto que a criança não tinha sobrevivido...

Ademais, esse conhecimento agora dava total sen­tido à hostilidade aberta entre o gelado Gabriel e a ultrajada Jennifer Prescott.

Diana ergueu as pálpebras para encontrar Gabriel observando-a com olhos estreitos intensos, o maxilar arrogantemente desafiador, os ombros rígidos e as mãos tensas em suas laterais.

Aquela tensão cautelosa lhe disse mais claramen­te do que qualquer outra coisa que as palavras que ela falasse a seguir seriam cruciais, não apenas para o momento presente, mas para relacionamento futuro entre eles.

Mas imaginar Gabriel e a linda Jennifer Prescott compartilhando intimidade era...

Não!

O fato de ter visto a outra pessoalmente, e reconhe­cido a beleza dela, não significava que Diana deveria agora descrer da declaração de inocência de Gabriel. Tinha de admitir que era difícil imaginar qualquer ho­mem sendo imune à beleza exótica da morena, mas se ele dizia que era, então ela não tinha motivo para duvidar da palavra dele. Como assegurara Caroline dois dias atrás, se não pudesse haver amor entre ela e Gabriel, então certamente eles deveriam pelo menos ter honestidade. Ou Diana confiava e acreditava na palavra do homem que agora era seu noivo, ou não. Era simples assim. Ela levantou-se para atravessar o quarto e parar da frente da janela que dava vista para o estábulo e um terreno extensivo, seus pensamentos girando enquanto ela tentava absorver o que ouvira.

A insistência de Gabriel de que era inocente do es­cândalo passado não mudara. Como nunca mudaria, Diana tinha certeza. Ele era um homem que falava a verdade, não se importando se as pessoas escolhes­sem acreditar nele ou não.

Ela escolhia acreditar nele. Deveria acreditar!

Seu olhar foi muito claro e direto quando Diana fi­nalmente o encarou, observando que ele ainda estava tenso, esperando sua resposta.

— Penso que lhe devo um pedido de desculpas, Gabriel.

— O quê?!

Diana assentiu com um leve movimento da cabeça diante da expressão chocada dele.

— Eu devia ter percebido que você tinha outro mo­tivo, além das tensões passadas entre sua mãe e você, para se recusar a visitar a Mansão Faulkner.

Gabriel a olhou sem palavras. Para uma jovem lady tão composta e independente, Diana o surpreendia com mais frequência do que ele teria desejado. Ele es­perara o choque inicial que ela sentiria ao saber quem era Jennifer Prescott, e nesse aspecto, não ficara desa­pontado. Todavia, esperara que lágrimas ou acusações zangadas se seguissem, não um pedido de desculpas!

Ao agir de maneira tão madura, ela zombara da própria raiva e do ressentimento dele em, mais uma vez, encontrar-se na Mansão Faulkner...

— O casamento de meu tio com Jennifer Lindsay não é um assunto sobre o qual eu algum dia desejei falar — murmurou ele.

Diana o fitou com expressão compreensiva.

— Eu entendo isso.

— Entende?

— Mas é claro. Você não apenas foi desacreditado oito anos atrás como a mulher que fez a acusação foi aceita em sua família, enquanto você foi banido. Isso deve ter parecido duplamente cruel.

Cruel a ponto de fazer Gabriel partir, jurando nunca mais pisar naquela mansão. E lá estava ele agora, não somente de volta à sua casa de infância, mas sendo re­cebido, mesmo que com óbvio choque e desprezo por sua reaparição, pela mesma mulher que um dia tinha armado para destruir sua vida completamente.

— Sim, foi — concordou ele.

— Seu tio e sua tia se conheciam antes de seu pai ter arranjado o casamento deles?

— Presumo que sim — respondeu Gabriel.

— Mas você não tem certeza?

— Não vejo por que isso é importante, para ser honesto — disse Gabriel. — Charles sempre foi um visitante assíduo da Mansão Faulkner, e a família de Jennifer morava aqui perto. Geralmente, ele vinha para pedir um empréstimo para meu pai, um que ambos sabiam que nunca seria pago. Mas o que meu pai podia fazer? Charles estava sempre em débito com agiotas, mas era irmão de minha mãe, e seu úni­co parente vivo.

— Certamente essas circunstâncias tornaram difícil uma recusa por parte de seu pai.

— Impossível — reiterou ele.

— E seu tio é um homem bonito? — perguntou Diana, pensativa.

Gabriel franziu o cenho.

— Não entendo o que a aparência de meu tio tem a ver com tudo isso.

Diana deu de ombros.

— Eu só estava curiosa de saber se havia uma seme­lhança familiar entre você e ele.

— Por quê? — Gabriel mal podia conter a impaciên­cia com as perguntas dela.

Por quê, realmente?, pensou Diana. As coisas eram tão mais complicadas do que ela percebera antes de ir para lá. Jennifer Prescott era incrivelmente linda. O fato de que tanto ela quanto o marido residissem na Mansão Faulkner, administrando a casa e os bens, en­quanto a mãe de Gabriel permanecia fechada em seus aposentos, como Gabriel a acusara mais cedo, fazia de Jennifer a dona daquela casa. E o óbvio choque da mu­lher ao ver Gabriel chegar lá tinha sido muito claro.

Mas assim como todas essas coisas, havia uma per­gunta que ninguém parecia ter respondido ainda...

Agora que Diana conhecera Jennifer Prescott, e, admitiu ela, desconfortavelmente, desgostara dela de imediato, aquela era uma pergunta que a intrigava muito. Se Jennifer Lindsay não estivera esperando o bebê de Gabriel oito anos atrás, então quem era o pai da criança?

Ela sorriu diante da enormidade de suas imagina­ções.

— Sem dúvida, seu tio é um cavalheiro gordo de meia-idade...

— Pelo contrário, ele é um homem de meia-idade muito bonito — disse Gabriel secamente. — Na verda­de, Charles era considerado um bom partido, até que seu gosto por jogo o tornou inaceitável para as mães interessadas em encontrar maridos em potencial para suas filhas.

— Entendo...

Gabriel lhe deu um olhar frustrado.

— O que exatamente você entende?

Diana não tinha certeza absoluta; precisava passar mais tempo ali, para observar a sra. Prescott, e talvez o marido dela, se ele retomasse para a Mansão Faulkner enquanto eles ainda estivessem lá, para colocar em pa­lavras o que era, neste momento, apenas o começo de uma desconfiança.

Ela meneou a cabeça.

— Acho que nós conversamos sobre isso o suficiente por enquanto. Ainda há algum tempo antes da hora que somos esperados para jantar... Este não seria um bom momento para visitar sua mãe?

— Sim, seria. — Na verdade, embora Gabriel agora desejasse muito ver sua mãe novamente, também ad­mitia um sentimento interno de relutância para fazer isso.

Seu relacionamento com a mãe sempre fora mais próximo do que o relacionamento com seu pai, mas era uma proximidade que parara de existir no mo­mento em que ele saíra de casa. Nem uma palavra ou carta havia sido trocada entre eles durante todo aque­le tempo. Sendo assim, apesar de Alice Britton alegar na carta que sua mãe desejava vê-lo, Gabriel ainda tinha suas dúvidas.

— Ficarei perfeitamente bem na sua ausência, Gabriel — assegurou Diana sem demora. — Na verda­de, eu apreciaria esse tempo para me lavar e trocar de roupa antes do jantar. — Seus lábios se Curvaram em antecipação. — Afinal de contas, não devemos permi­tir que a sra. Prescott pense que você vai se casar com uma lady fora de moda!

Gabriel fez uma carranca.

— Eu não dou a mínima para a opinião da sra. Prescott com relação a qualquer coisa, muito menos sobre a mulher com quem vou me casar.

Diana deu um sorriso triste.

— Isso é algo entre nós duas, senhoras, eu acho, Gabriel.

— Cuidado, Diana. — Ele pareceu perturbado. — Eu aprendi, por experiência própria, que ela é uma mu­lher cujo caminho é perigoso cruzar.

— Posso ter passado minha vida inteira no campo, Gabriel, mas lhe asseguro que tenho algum conheci­mento de meu próprio sexo. Sendo assim, acredito que a sra. Prescott logo descobrirá que eu não sou uma mulher sem pensamentos e ideias próprias.

Gabriel a olhou com admiração. Não podia evitar estar ciente da determinação de ferro de Diana, a mes­ma força de caráter que a mantivera firme durante to­dos aqueles anos cuidando do pai e das duas irmãs, e que a encorajara a aceitar seu pedido de casamento. A mesma força de vontade que a levara a viajar para Cambridgeshire, completamente contra os desejos dele.

Para sua surpresa, Gabriel de súbito descobriu que não conseguia mais sentir raiva de Diana por ela ter feito a viagem, aceitando a explicação de que ela acre­ditara estar agindo para o bem dele. E talvez estives­se...

E talvez Gabriel tivesse adiado essa visita à sua mãe por tempo demais!

— Sua força é admirável, minha querida.

Ela deu-lhe um sorriso confiante.

— Nós podemos estar nos casando por conveniência em vez de por amor, meu lorde, mas isso não me tor­na menos leal a você e ao nosso compromisso.

Ele não tivera dúvidas quanto a isso quando sou­bera que Diana tinha viajado para Cambridgeshire apenas com a criada simplesmente porque conside­rava que aquela era a coisa certa a fazer. Assim como Diana mostrava todas as indicações de que permane­ceria lá, apesar de saber da verdadeira situação desa­gradável que existia na casa.

Gabriel não podia deixar de sentir desprezo pelo jovem que recentemente rejeitara o amor e a conside­ração que Diana tão obviamente lhe dera, ainda mais porque seu próprio respeito por ela estava crescendo a cada minuto.

— Eu não tenho certeza se mereço tanta lealdade, Diana — murmurou ele com voz rouca, enquanto esten­dia o braço para lhe pegar a mão na sua, antes de erguê-la aos lábios e beijar-lhe a palma coberta de renda, dobrando os dedos delicados ao redor do beijo antes de liberar-lhe a mão.

— Tenho esperança de que um dia você vai merecer!

— Os olhos azul-celestes brilharam com travessura.

Ele pegou-se retornando o sorriso caloroso. Mas seu sorriso desapareceu quando ele considerou a ta­refa à sua frente.

— Como você sugeriu, eu irei visitar minha mãe agora, e deixá-la para se arrumar para o jantar.

Diana nem mesmo percebera que tinha parado de respirar até que Gabriel saiu do quarto e ela sentiu sua respiração sendo exalada num suspiro trêmulo. Apenas porque ele pegara sua mão e a beijara? Ridí­culo. Dúzias de homens, jovens e mais velhos, haviam beijado sua mão no passado... mas tinha sido o dorso de sua mão, nunca a palma...

Houvera uma intimidade inconfundível em Gabriel depositando aquele beijo em sua palma, antes de fe­char-lhe os dedos ao redor do beijo. Diana ainda podia sentir o calor dos lábios dele através da renda da luva. Tinha tanta consciência de tudo sobre ele, desde o ca­belo preto desalinhado até as botas molhadas de chu­va. Não havia dúvida de que, arrumado e bem-vestido, Gabriel era um dos homens mais incrivelmente bonitos que ela já conhecera. Todavia, ele era ainda mais lindo um pouco desalinhado e com menos de sua arrogância e autoconfiança usuais.

Mas nada daquilo era relevante no dilema presente deles. Bem... o dilema era principalmente de Gabriel, admitiu Diana, mas um dilema no qual ela o assegura­ra que não tinha intenção de abandoná-lo.

As preocupações de Alice Britton por Felicity Faulkner, pela estranheza da situação naquela casa, haviam sido completamente justificadas, pensou Diana. Sem dúvida, alguma coisa muito bizarra acontecia na­quela residência.

 

— Gabriel?

Tendo entrado em seu quarto apenas segundos atrás, Gabriel agora olhou para cima para ver Diana parada no vão da porta aberta que conectava os dois quartos, o peso que ele sentia em seu peito se dissipando momen­taneamente enquanto ele absorvia a beleza dela.

Como pretendera, Diana obviamente se aproveitara de sua ausência para se banhar e trocar de roupa, o ves­tido de seda e renda cor de creme realçando o tom alvo de sua pele, os olhos azuis luminosos, os lábios carnu­dos pintados de vermelho, os cachos dourado-avermelhados presos por dois pentes com pérolas incrustadas.

A figura que ela formava era linda de tirar o fôlego.

A expressão de Gabriel se suavizou, de alguma ma­neira.

— Você está... muito adorável, Diana.

— Como eu pretendia. — Ela entrou no quarto dele.

— Como estava sua mãe?

Gabriel ficou sério instantaneamente.

— E difícil dizer quando ela permaneceu dormindo durante todo o tempo que fiquei no quarto.

De qualquer forma, ele ficara chocado ao ver o quanto sua mãe tinha envelhecido; o rosto muito mais fino e pálido do que costumava ser, e havia uma abun­dância de fios de cabelo branco entre os cachos escu­ros que lhe caíam soltos sobre os ombros.

Diana franziu o cenho.

— Ela não teve ciência de sua presença em nenhum momento?

— Não.

— Você tentou acordá-la?

— É claro que tentei! — disse Gabriel. — Segurei a mão de minha mãe e falei com ela, mas ela permane­ceu completamente inconsciente de minha presença.

Diana podia ver, pela dureza na expressão de Gabriel, o quanto era doloroso para ele admitir aquilo. Sem dúvi­da, tendo se preparado para o encontro, fora frustrante que ela nem sequer houvesse acordado tempo suficiente para reconhecer que seu único filho estava no quarto.

Diana se aproximou para lhe tocar o braço coberto pelo paletó, imediatamente sentindo a tensão sob seus dedos.

— Com certeza você terá mais sorte pela manhã.

— Vamos esperar que sim. — Na verdade, Gabriel ha­via ficado muito perturbado pela condição de sua mãe, e desejou que não tivesse permanecido longe por tanto tempo.

Um fato que deveria contar a Alice Britton na pri­meira oportunidade, juntamente de um pedido de desculpas por ter respondido a carta dela de forma tão sintetizada, dois dias atrás. A velha dama de com­panhia de sua mãe tinha abrandado os fatos sobre a situação que existia lá, tanto que Gabriel se sentia in­clinado a remover sua mãe daquela casa assim que ela se sentisse bem o bastante para viajar. Supondo que Felicity concordaria em partir com ele, é claro...

— Tenho certeza de que, quando acordar, sua mãe irá ficar radiante em vê-lo novamente, Gabriel — mur­murou Diana, sorrindo de modo encorajador.

O sorriso dele em resposta foi menos seguro.

— Vamos esperar que sim.

— Você e sua mãe foram próximos alguma vez?

— Muito.

O pai de Gabriel tinha 31 anos quando se casara com Felicity, de 20 anos, trinta anos atrás. Ele fora um homem muito fechado em si mesmo e não inclinado a visitar o quarto de bebê com frequência depois que seu filho nasceu. Somente se interessara por Gabriel quando o menino alcançara a idade na qual era possí­vel colocá-lo sobre um cavalo ou ensiná-lo como atirar.

Sua mãe, no entanto, costumava passar a maior parte de dia com seu único filho. Consequentemente, o relacionamento de Gabriel com a mãe sempre ti­nha sido muito mais próximo; era difícil suportar vê-la agora com aparência envelhecida e frágil.

Diana assentiu.

— Então não posso duvidar que vocês se tornarão próximos novamente.

Gabriel a fitou com expressão melancólica.

— Que bom que um de nós é otimista.

— Não apenas isso, mas eu deixei suas roupas para usar de noite sobre a cama para você.

Gabriel virou-se para ver que suas roupas estavam realmente preparadas para que ele as vestisse depois que se banhasse.

-— Senti que esse era o mínimo que eu podia fazer, considerando que fui a responsável por privá-lo de seu lacaio. — O sorriso dela tornou-se travesso.

Ele a olhou de maneira intrigada, depois de notar que até mesmo suas abotoaduras estavam arrumadas ao lado da gravata.

— A maioria das mulheres não teria ideia de como fazer isso.

A expressão de Diana se entristeceu.

— Meu pai decidiu dispensar os serviços de seu la­caio dois anos antes de morrer, então se tornou mi­nha tarefa não deixar que ele aparecesse no andar de baixo todas as manhãs e todas as noites usando suas roupas de dormir.

Gabriel franziu o cenho quando ela evitou encontrar-lhe o olhar, removendo a mão de seu bra­ço e virando-se para olhar pela janela. Diana era tão jovem para ter precisado assumir responsabilidades pelo pai cada vez mais solitário e por duas irmãs mais jovens e impulsivas. Todavia, ele não podia detectar ressentimento no tom de voz de Diana com relação à família... somente amor e aceitação.

Diana não era como nenhuma outra mulher que Gabriel já conhecera.

Como nenhuma mulher que ele provavelmente al­gum dia conheceria.

E muito em breve, ela se tornaria sua esposa.

Ele duvidava seriamente que merecia tanta sorte, considerando a maneira aleatória que tinha escolhido tal esposa. Seria um completo tolo se contasse com essa sorte como algo garantido.

Gabriel olhou, com admiração, para o arco frágil da nuca de Diana. Para o cabelo macio que caía em cachos contra a pele alva. Para os ombros e braços delgados revelados pelo decote baixo e pelas mangas curtas do vestido cor de creme. Para a delicada exten­são da coluna dela. Para as curvas implícitas do corpo feminino sob o tecido de seda.

E soube que não se importava mais sobre onde eles estavam, e por que estavam lá.

Ele queria... Não, precisava dessa conexão com Dia­na, como nunca precisara de nada antes em sua vida.

 

Pelo silêncio extenso e pesado que os cercava, Diana achou que tinha, de alguma maneira, desagradado Gabriel. Preparando as roupas de noite para que ele vestisse depois que retornasse da visita à sua mãe? Ou talvez estivesse enganada, e não houvesse sido ela quem o desagradara, mas a visita insatisfatória à mãe ainda o perturbasse?

— Meu Deus... Oh! — Diana levou um susto quando se virou para encontrá-lo bem atrás de si.

Tão perto que podia agora sentir o calor do cor­po másculo através do tecido fino de seu vestido. Tão perto que, quando ela lentamente ergueu o olhar para fitá-lo, pôde ver o anel preto que circulava o azul-escuro dos olhos dele, dando-lhes a aparência daquele intrigante e hipnotizador azul meia-noite.

Seus próprios olhos baixaram diante da intensida­de do olhar dele, apenas para descansar sobre a cur­va sensual da boca firme e lábios esculpidos, que ela sabia que seriam suaves e irresistíveis contra os seus.

Ela censurou-se mentalmente. Esses não eram pen­samentos e lembranças que deveria alimentar quando eles estavam sozinhos no quarto de Gabriel!

— Diana?

Ela ergueu pálpebras pesadas quando um tremor de consciência correu por sua coluna perante o tom rouco na voz dele. Parecia que estivera enganada, que Gabriel não estava insatisfeito com ela em absoluto, que as emoções dele estavam voltadas para algo intei­ramente distinto...

Diana umedeceu os lábios com a ponta da língua antes de tentar falar:

— Está realmente na hora de você trocar de roupa para o jantar.

As pálpebras de Gabriel também baixaram, a ex­pressão dos olhos escondida por cílios longos e escuros.

— Com prazer... se você quiser continuar agindo como meu lacaio.

Ela engoliu em seco, sentindo a atmosfera ser pre­enchida com expectativa ardente.

— É claro que o ajudarei, se você sente que isso é necessário.

Ele deu um pequeno sorriso.

— Não necessário, exatamente, mas acredito que talvez nós possamos apreciar essa intimidade.

Um calor traidor inundou o corpo de Diana enquan­to ela respondia à sensualidade preguiçosa na voz de Gabriel. Todas as outras coisas, todas as outras pessoas, desapareceram de sua mente, enquanto ela podia ver e sentir apenas Gabriel.

— Se você quiser se virar...

Ele prendeu-lhe o olhar por segundos infinitos, antes que assentisse com um gesto breve da cabeça e virasse as costas largas para ela. Algo, Diana achava, que ele não escolhia fazer com muitas pessoas...

Gabriel podia sentir como as mãos de Diana tre­miam de leve quando ela as ergueu para a gola de seu paletó, os dedos roçando o cabelo de sua nuca, que se curvava sobre o colarinho da camisa, fazendo-o quase gemer em resposta.

A visita ao quarto de sua mãe tinha sido totalmente improdutiva: ele nem sequer fora capaz de falar com ela, muito menos avaliar como a mãe se sentia com re­lação à sua presença lá. Voltar para encontrar Diana esperando-o o preenchera com uma estranha sensação de alegria. De calor humano, com o qual não estava acostumado:

Era uma sensação muito peculiar para um homem que havia passado os últimos oito anos longe de ami­gos, assim como de inimigos.

Gabriel era tão mais alto que Diana que não era fácil deslizar o paletó dos ombros largos e pela exten­são dos braços fortes. Ela estava muito ciente de tudo sobre ele enquanto, sem querer, tocava-lhe os ombros e braços poderosos, e finalmente a pele desnuda das mãos longas e elegantes.

Sentia-se inundada de calor, e muito incomodada, no momento em que ele virou-se para encará-la, obvia­mente pretendendo que ela agora desabotoasse seu co­lete. Evidência, se ela precisasse de alguma, que aquilo tinha pouco a ver com Diana agindo como lacaio pes­soal, e tudo a ver com a intimidade que ele mencionara mais cedo.

Ela estava tão consciente do olhar dele penetrando suas feições que se atrapalhou um pouco enquanto abria os botões do colete brocado, seus dedos entran­do em contato com a camisa que lhe cobria o peito, quando ela deslizou a peça de roupa pelos braços dele, antes de jogá-la na cama, ao lado do paletó.

Diana hesitou, então perguntou:

— Gostaria que eu removesse sua gravata e camisa também, ou você deseja fazer isso sozinho?

— O que você preferiria? — perguntou ele suave­mente.

O coração de Diana disparou no peito com o mero pensamento de desabotoar e remover-lhe a camisa, e, ao fazer isso, desnudar a larga expansão de músculos firmes daquele peito sólido. Ela ergueu a cabeça para fitá-lo, antes de desviar os olhos novamente ao ver o olhar de Gabriel focado no movimento de sobe e desce de seus seios.

— Isso seria sábio, Gabriel? — murmurou ela com voz rouca.

— Tudo entre nós tem de ser sábio? — questionou ele.

Diana o olhou.

— Em breve, nós seremos esperados no andar de baixo para jantar.

— Não é pelo jantar que eu me sinto faminto no mo­mento. — Havia um incrível ardor nos olhos escuros que continuavam encarando-a.

Diana descobriu que não podia mais desviar os olhos da intensidade daquelas profundezas azuis, em vez disso, perdendo-se no convite ardente que ele não se esforçava para esconder. Apesar do conflito recen­te, eles haviam encontrado uma proximidade ali na Mansão Faulkner que era muito preciosa. Sozinhos naquele quarto, só existiam os dois, tão perto, tão conscientes um do outro.

Ajudá-lo a se despir era muito diferente de quando ela ajudara seu pai...

— Espero que sim.

— Certamente eu não falei isso em voz alta... — O rubor coloriu a face de Diana quando ele respondeu, com provocação, ao comentário que ela acreditara que existia apenas dentro de sua cabeça, mas o qual obviamente tinha vociferado.

— Você falou — confirmou Gabriel, gostando daque­les círculos vermelhos na face dela, os olhos azul-ce­lestes brilhando enquanto ela o fitava. — Como você se sente então, Diana? — perguntou ele com voz rouca.

— Eu... diferente. Muito, muito diferente. — A voz fe­minina era tão suave e ofegante que quase fez Gabriel tremer em resposta.

— Mas não aborrecida? — insistiu ele.

— Eu... não, de jeito nenhum.

— Nesse caso, não vejo razão pela qual não devêsse­mos continuar... — Gabriel pegou-lhe ambas as mãos nas suas, antes de erguê-las e posicioná-las sobre seu próprio peito, contra a camisa.

Tocando-o, capaz de sentir a solidez musculosa da­quele peito através do tecido fino da camisa, as bati­das firmes do coração e o calor dele, Diana viu todas as razões pelas quais eles não deveriam continuar.

E todas as razões pelas quais deveriam!

Seus dedos trêmulos se moveram para desfazer o nó meticuloso da gravata, antes que ela a colocasse sobre a cama com o paletó e o colete, ciente do olhar intenso de Gabriel, enquanto ela liberava os quatro botões no colarinho da camisa de seda.

As duas laterais da camisa se separaram para re­velar que a pele abaixo era firme e levemente bron­zeada; havia uma trilha de pelos escuros sobre o pei­to poderoso.

— Você gritaria em protesto se eu removesse com­pletamente minha camisa de viagem?

Diana arqueou sobrancelhas loiras.

— Eu jamais grito, meu lorde.

Havia diversos cenários nos quais Gabriel podia ima­giná-la gritando... Cenários nos quais seus lábios e suas mãos estavam nas partes mais íntimas do corpo dela.

Ele removeu a camisa pela cabeça, antes de descar­tá-la no chão sem o menor cuidado.

— Deixe-a aí — instruiu ele quando ela ia pegar. — Pelo amor de Deus, Diana, você pode apenas me to­car? — O maxilar de Gabriel estava tenso, enquanto ele se fortalecia para as primeiras sensações daqueles dedos delgados sobre sua pele nua.

Observou quando a ponta da língua de Diana moveu-se nervosamente sobre os lábios, mesmo enquanto ela erguia as mãos e lhe tocava a pele de leve, de manei­ra hesitante, no começo, e então com mais confiança quando começou a traçar lentamente os contornos de seu peito. Gabriel inalou fundo e prendeu a respiração no momento em que dedos delicados roçaram seus ma­milos rijos, aninhados entre pelos escuros.

Diana parou, fitando-o com olhos arregalados.

— Você parece gostar disso tanto quanto... — Mais uma vez, ela parou, envergonhada.

— Quanto você gostou? — terminou Gabriel com voz rouca. — Oh, sim!

— Eu não tinha ideia. — Diana tocou-o novamente, o deleite agora aquecendo seu rosto quando ela viu o jeito que aqueles mamilos enrijeciam em resposta, a tensão nos ombros e mãos fechadas de Gabriel tam­bém revelando o prazer intenso que ele sentia pelas carícias de seus dedos.

Quando criança, Diana costumava adorar sentar na biblioteca de seu pai, folheando as centenas de livros que havia ali, e o peito largo e musculoso de Gabriel e os contornos retos do abdome eram tão parecidos com os desenhos dos deuses gregos em um daqueles livros.

Era tão estimulante, ela descobriu, ser capaz de re­tornar um pouco do prazer que tinha experimentado quando Gabriel a tocara e colocara a boca nela. Ah, sim...

— Diana, o que você está fazendo?

Seus lábios e língua agora estavam contra a pele firme de Gabriel, sua boca se curvando num sorriso de satisfação quando ela tanto ouviu como sentiu a excitação dele. Diana olhou para cima, notando a ten­são do maxilar dele e o nervo pulsando no pescoço.

— Você quer que eu pare?

— Meu Deus, não! — gemeu ele, e uma de suas mãos se entrelaçou nos cachos na nuca de Diana para segurá-la contra si.

Ela não precisou de mais incentivo para continuar depositando beijos molhados no peito dele, mesmo enquanto suas mãos se moviam mais para baixo, acariciando-lhe o abdome reto acima da ereção pressionada contra a calça masculina.

Surpreendeu-a sentir que havia uma umidade en­tre suas próprias coxas em resposta, seus seios se tor­nando mais cheios e doloridos, os bicos rijos contra o tecido suave de sua combinação.

Foi uma revelação para Diana o fato de que sentia tanta satisfação em dar prazer físico a Gabriel quanto em receber...

— Você devia ter considerado trancar a porta do seu quarto se pretendia dormir com sua futura esposa, Gabriel! — Não havia o menor tom apologético na voz sarcástica que interrompeu friamente a intimidade deles.

Diana havia se afastado, com culpa, de Gabriel ao primeiro som daquela voz horrivelmente familiar, seu rosto empalidecendo quando ela viu Jennifer Prescott parada junto à porta de conexão entre os dois quartos. Humilhada, sentiu-se enrubescendo em seguida, en­quanto Jennifer a olhava com total desprezo.

— E talvez você devesse ter considerado bater à porta antes de entrar — retrucou Gabriel no silêncio gelado, Diana conseguindo sentir o calor do corpo po­deroso contra suas costas quando ele a segurou com firmeza à sua frente.

A boca de Jennifer se torceu numa expressão des­denhosa para eles.

— Pode ter certeza de que eu farei isso no futuro.

— Uma ideia melhor seria você não voltar a estes quartos novamente enquanto Diana e eu estivermos aqui — disse Gabriel. — Agora que está aqui, talvez pretenda nos contar o que queria.

— Vocês estão aqui em cima por tanto tempo que eu achei melhor vir avisá-los de que o jantar está pronto para ser servido.

— Eu não sabia que a Mansão Faulkner estava tão desprovida de criados que você precisava fazer o pa­pel de um deles — zombou ele.

Jennifer arfou com o ultraje.

— Você é tão insultante, Gabriel!

— Eu nem mesmo comecei a insultar ainda — res­pondeu ele.

Um brilho de raiva surgiu nos olhos de Jennifer en­quanto estudava primeiro a aparência desalinhada de Diana, depois o peito desnudo de Gabriel, o olhar se demorando avidamente neste último.

O estômago de Gabriel se revolveu com desgosto quando ele reconheceu desejo no olhar de Jennifer.

— Você satisfez sua curiosidade, agora saia — orde­nou ele.

Os olhos escuros dela queimaram com fúria.

— Você irá longe demais um dia — avisou-lhe ela.

Gabriel a encarou com desprezo.

— Suas ameaças não me interessam, senhora.

— Verdade? — O olhar de Jennifer foi brevemente para a mulher que ainda estava parada e em silêncio na frente de Gabriel. — O mesmo é verdadeiro para lady Diana?

Gabriel puxou Diana mais firmemente contra o ca­lor de seu peito.

— Cuidado, senhora, pois eu verei qualquer ten­tativa de sua parte de magoar Diana, por palavra ou ações, como um ataque pessoal a mim. E responderei de acordo.

— Quem diria que você se tornaria tão doentiamente apaixonado, Gabriel? — zombou ela de maneira aber­ta agora.

O olhar dele foi glacial.

— Eu acredito que apenas ter conhecido você me desiludiu de tais sentimentos ternos.

Diana estava agora totalmente recuperada de seu embaraço por ter sido flagrada numa situação tão ín­tima com Gabriel. Na verdade, sentia-se encorajada, tanto pelas respostas de Gabriel quanto pelo prote­cionismo que ele agora demonstrava com relação a ela. Ou melhor, era uma ilusão de protecionismo que, com certeza, se tornaria inútil, a menos que ele conti­nuasse com seu estado de espírito atual.

— Há alguma coisa que você queria falar para mim, sra. Prescott? — O olhar de Diana foi firme quando ela encarou Jennifer do outro lado do quarto. — Isto é, algo que eu ainda não saiba — acrescentou, de modo cáustico.

— Nada que não possa esperar até... um momento mais conveniente — disse Jennifer.

— O qual certamente não é este — declarou Gabriel.

Aqueles olhos castanhos se estreitaram nele de ma­neira especulativa.

— Não tenho ideia de por que você está tão agitado, Gabriel. Afinal de contas, esta não é a primeira vez que eu o vejo sem roupas. — Triunfo foi evidenciado no rosto de Jennifer quando Diana foi incapaz de re­primir um gemido de choque. — Tenho de admitir que você está mais musculoso do que costumava ser, mas, sem dúvida, a marca marrom de nascença sobre sua coxa esquerda continua inalterada?

— Saia daqui — falou Gabriel entre os dentes cerrados.

—Um conselho, lady Diana. — Jennifer o ignorou para murmurar preguiçosamente: — Acho que você irá perceber que Gabriel tem o que chamamos de memó­ria seletiva.

— No que diz respeito a você, minha memória é re­almente muito seletiva — replicou Gabriel com raiva.

— Na verdade, é inexistente.

Jennifer deu um sorriso provocante.

— Escolher não lembrar alguma coisa não significa que tal coisa não aconteceu.

— E imaginar alguma coisa não significa que tal coi­sa aconteceu — retrucou ele.

O sorriso dela continuou triunfante.

— Sem dúvida, eu verei vocês dois no andar de baixo em breve. — Ela virou-se dentro do quarto adjacente, o som da porta externa se fechando segundos depois, evidência de que Jennifer tinha saído.

Diana permaneceu rígida e imóvel no círculo dos braços de Gabriel, sua confiança anterior abalada diante daquela avalanche de comentários zombetei­ros, sua cabeça girando. Sem dúvida, a mulher preten­dera machucar... no que dizia respeito a Diana, ela, sem dúvida, tivera sucesso!... mas isso não significava que não havia alguma verdade nas observações de Jennifer, significava?

Jennifer Prescott alegara ter visto Gabriel sem roupas no passado e observado como ele estava mais musculoso do que costumava ser. Até mesmo com mais audácia, ela revelara que ele possuía uma marca de nascença na coxa esquerda. Como a mulher pos­suía esse tipo de informação, quando Diana não?

— O que você está pensando?

Diana estava muito ciente de como o corpo de Gabriel permanecia pressionado com firmeza contra á extensão de sua coluna. Mas a euforia anterior que ela sentira havia definitivamente desaparecido! A proximidade de Gabriel agora a tornava consciente da respiração rasa dele e da rigidez do corpo, en­quanto ele esperava sua resposta.

Ela respirou fundo.

— É verdade que você tem uma marca de nascença sobre a coxa esquerda, meu lorde?

— Droga! — praguejou ele.

— Você tem?

— Sim!

— Meu Deus... — Diana saiu dos braços dele e afastou-se, despreocupada se o magoasse, apenas pre­cisando distanciar-se. Precisando pensar.

Gabriel não lhe deu tempo para fazer isso.

— Diana, isso não é o que parece.

— Então diga-me o que é! — Ela o olhou em confu­são. — Eu confiei em você, Gabriel, acreditei na sua palavra...

Ele imediatamente tornou-se frio e distante.

— Nada do que aconteceu aqui deveria impedi-la de continuar fazendo isso.

— Então, por favor, me explique por que aquela mulher sabe de uma marca de nascença em sua coxa, a qual você admite existir. — Uma pequena parte do cérebro de Diana percebia que ela estava agindo de maneira muito ilógica, mas o ciúme que a percorria a estava fazendo ignorar a razão e acusá-lo!

Gabriel deslizou a mão frustrada pelo cabelo gros­so. Não estava acostumado a ser questionado daquela maneira. Na verdade, tinha jurado, muito tempo atrás, que nunca mais tentaria se explicar para ninguém.

Exceto que a provocação de Jennifer dera uma im­pressão horrível, e ele percebeu que Diana já aceitara muito de sua palavra, pura e simplesmente. Ela não tinha motivos para confiar nele tão cegamente, além da crença de que Gabriel não tinha razão para lhe mentir...

Maldita Jennifer Prescott!

Seu maxilar enrijeceu.

— Você nunca fugiu dos confins de sua sala de aula quando era criança paira nadar no rio local em roupas de baixo com as crianças do vilarejo?

— Não.

De alguma forma, Gabriel soubera que essa seria a resposta de Diana; ela estivera ocupada demais, des­de muito jovem, cuidando de seu pai e irmãs, para ter tempo de se comportar como criança.

— Eu fugia — disse ele. — Com frequência.

— E a esposa de seu tio era uma das crianças do vilarejo que também nadavam lá?

— Ela era Jennifer Lindsay na época, é claro, mas, sim, era uma das crianças que iam do vilarejo para lá, a fim de nadar.

Ele parecia esperar que Diana duvidasse de sua palavra...

Ela ainda estava muito abalada por suas próprias emoções em turbilhão para saber o que pensar. No que acreditar.

Até que chegasse à Mansão Faulkner, a jovem do passado de Gabriel não tivera rosto nem nome. Des­cobrir que aquela mulher estava casada com o tio de Gabriel já era perturbador o bastante. Descobrir ago­ra que Gabriel tinha compartilhado boa parte de sua infância com a jovem Jennifer Lindsay era ainda mais enervante.

Ele devia ter apenas 20 anos quando o escândalo ocorrera. Quase um garoto, sem dúvida, ávido por aventuras e conquistas físicas. Jennifer Prescott era uma mulher incrivelmente linda e sensual agora, não havia motivo para supor que ela tivesse sido diferente disso oito anos atrás. Como o jovem viril e mais aven­tureiro Gabriel poderia ter resistido a ela?

Diana estivera tão certa antes de que podia confiar na palavra dele. Que Gabriel não tinha motivo para mentir. Na verdade, que ele não era um homem que se importava com alguém ou com alguma coisa o su­ficiente para sentir a necessidade de mentir ou falar meias verdades.

Mas não podia negar que as provocações da Sra. Prescott de alguma maneira haviam abalado sua con­fiança com relação à versão de Gabriel dos eventos passados. Ela queria desesperadamente acreditar nele. Necessitava fazer isso se haveria algum futuro para os dois.

Entretanto, ao mesmo tempo, precisava admitir o fato de que algumas sementes de dúvida tinham sido plantadas em sua mente...

Ela balançou a cabeça numa tentativa de se livrar dos pensamentos indesejados, não conseguindo mais encontrar os olhos de Gabriel.

— Nós podemos conversar sobre isso mais tarde...

— Nós conversaremos sobre isso agora, Diana, ou nunca. — Ele pareceu um completo estranho para ela, mesmo enquanto peito e braços desnudos faziam pouco para diminuir o abismo aumentando entre eles.

Diana franziu o cenho.

— Há tantas coisas mais para eu considerar agora...

— Como o quê, por exemplo?

— A beleza inegável da sra. Prescott e...

Ele fez uma careta.

— Não tenho interesse algum naquela mulher. Nunca tive e nunca terei. Ou você aceita a minha pa­lavra ou não aceita.

Diana o estudou com atenção. A fisionomia dele era inflexível: os olhos glaciais, as maçãs do rosto ten­sas, a boca comprimida numa linha dura acima do ma­xilar rígido e arrogante.

Sim, totalmente inflexível, e se Diana duvidasse dele, sabia que Gabriel não a perdoaria.

Ela suspirou.

— É injusto da sua parte me pressionar dessa manei­ra quando tanta coisa aconteceu desde a nossa chega­da aqui.

Era injusto?, considerou Gabriel. Diana tinha des­coberto muito mais coisas sobre seu passado desde a chegada à Mansão Faulkner. Era demais para ela ape­nas aceitar sua palavra, desta vez, de que alguma coisa era assim simplesmente porque ele dizia que era?

Talvez, reconheceu ele com rancor.

Mas Gabriel não tinha procurado, ou desejado, a opinião de alguém ao seu respeito pelos últimos oito anos. O orgulho ditava que ele não deveria pedir por isso agora, nem mesmo para a mulher corajosa que concordara em se tornar sua esposa.

— Não irá considerar, Gabriel — continuou Diana com voz emocionada — como você se sentiria se os papéis fossem invertidos? Se, talvez, Malcolm Castle lhe revelasse conhecer um sinal de nascença sobre meu seio esquerdo?

— Eu já conheço esse sinal pessoalmente — apontou Gabriel de forma tensa.

O rosto dela corou delicadamente.

— Sim, você conhece...

Ele estreitou os olhos.

— E se o cavalheiro em questão e eu conversássemos sobre o assunto, ele realmente seria capaz de revelar o conhecimento de tal coisa?

— Lógico que não! — A face de Diana estava agora muito vermelha.

— Então eu falho em ver o significado dessa com­paração — disse Gabriel, escondendo seu alívio pela notícia de que tinha sido o primeiro a ver a beleza dos seios nus de Diana.

Ele não gostara de ouvir que Castle poderia ter visto. Não gostara nem um pouco do pensamento de outro homem tendo tanta intimidade com as curvas suaves do corpo de Diana. Seus sentimentos violen­tos com relação ao assunto pareciam indicar emoções que lhe eram totalmente inaceitáveis.

Ele endireitou o corpo rapidamente.

— Acho que está na hora de você sair agora e deixar que eu me lave e troque de roupa para jantar.

Diana nem estava mais certa se queria descer para jantar. Mentira! Sabia que não tinha o menor desejo de se sentar a uma mesa para uma refeição que pro­metia ser desconfortável na melhor das hipóteses, e desagradável, na pior! Mas dar uma desculpa e não descer agora não apenas a faria parecer fraca aos olhos de Jennifer Prescott como também não estaria apoiando Gabriel.

É claro, Diana sabia que Jennifer deliberadamente armara para causar desentendimento entre ela e Ga­briel, e havia sido, sem dúvida, bem-sucedida; a proxi­midade que houvera entre eles mais cedo fora abalada pelas sementes da dúvida que tinham sido colocadas, de propósito e com malícia, na cabeça de Diana. Dú­vidas que ela desejava muito que pudesse descartar com a mesma facilidade que descartara tudo mais que Gabriel lhe dissera. Mas com o ciúme irracional ainda a perturbá-la, sentia-se incapaz de fazer isso.

Que seus sentimentos por Gabriel estavam se tor­nando mais calorosos, ela não podia negar... Como poderia, quando se derretia nos braços fortes toda vez que ele a tocava? Entretanto, parecia que cada passo que eles davam em direção a uma proximidade maior era imediatamente anulado por alguma coisa ou alguém, por sua vez, resultando numa completa falta de compreensão, entre os dois.

Diana tinha apreciado muito a liberdade de tocá-lo e beijá-lo mais cedo, a beleza masculina tão excitante, a pele sob seus dedos tendo a textura de aço coberto em veludo...

— Diana!

Ela teve um sobressalto quando o tom de censu­ra de Gabriel interrompeu suas lembranças daquelas carícias.

— Como você sugere, eu sairei agora. — Ela ergueu a cabeça de modo digno e andou para a porta de co­nexão entre os quartos.

— Talvez você queira me esperar em seu quarto, de modo que possamos descer juntos — sugeriu Gabriel. — A menos que prefira descer sozinha e ver se a esposa de meu tio não tem outras anedotas de nossa infância idealizada que deseja compartilhar com você — acres­centou ele causticamente.

Diana mal conseguiu reprimir um tremor diante dá ideia de qualquer conversa particular, sobre qualquer assunto, entre ela e aquela mulher.

— Esperarei por você no meu quarto.

— Eu achei que seria melhor. — A provocação suave de Gabriel a seguiu para fora do quarto.

Diana manteve a cabeça erguida, somente abrindo mão da compostura depois de fechar a porta de seu próprio quarto e atravessá-lo para se sentar graciosa­mente na lateral da cama.

Ela não devia ter ido para a Mansão Faulkner!

Teria preferido continuar na ignorância então? Ter se casado com Gabriel, apenas para descobrir mais tarde a identidade da sra. Charles Prescott como à mulher do passado dele?

Ela ainda não sabia a resposta para essa pergunta...

 

— Que diabos você está fazendo, Gabriel? — Uma Jennifer Prescott com expressão intrigada, num vestido de seda do mesmo tom de marrom de seus olhos, parou junto à porta da sala de jantar.

Gabriel mal a olhou.

— O que eu pareço estar fazendo?

— Tenho certeza de que a mesa se encontrava per­feitamente posta como estava!

Ela o olhou com irritação, mas ele estava despreocu­pado. Gabriel tinha pedido que Reeve removesse seu lu­gar à cabeceira e o colocasse no meio da mesa, de modo que ele agora se sentasse do lado oposto de Diana, em vez de à cabeceira oposta à esposa de seu tio.

Ele percebera o esquema dela assim que entrara na sala de jantar com uma composta Diana em seu braço. A intenção óbvia tinha sido dar a impressão que Jennifer e Gabriel eram os anfitriões, e Diana, uma mera convidada.

— Se eu tenho de me sentar à mesa diante de al­guém, então prefiro que seja de minha noiva. — Ele puxou a cadeira de Diana para trás e esperou que ela se sentasse confortavelmente, antes que desse a volta na mesa a fim de esperar para tomar o seu lugar, uma vez que o atencioso mordomo ajudasse a sra. Prescott a se acomodar.

Gabriel estava completamente ciente do silêncio contínuo de Diana, e de como a face dela estava pá­lida. Aceitara, com relutância, que ele era o culpado pela agonia de Diana, até mais do que a vingativa Jennifer Prescott. O tempo que levara para que ele se banhasse e se vestisse, antes de descer para jantar, também lhe dera a oportunidade de livrar-se de sua raiva e considerar a situação pelo ponto de vista de Diana. Gabriel tinha se comportado mal mais cedo, quando insistira em sua postura teimosa de que ela podia acreditar nele ou não no que dizia respeito ao conhecimento de Jennifer Prescott sobre sua marca de nascença. Não era desculpa para sua arrogância o fato que ele havia reagido com base em sua autodefe­sa usual, depois de oito anos fazendo isso.

Também admitia sentir-se perturbado por Diana ter mencionado o homem do passado dela. Quanto mais Gabriel pensava em Malcolm Castle, menos gostava dele. Certamente não apreciara ouvir a sugestão de que o outro homem pudesse ter tido alguma intimida­de com o corpo de Diana. Então, por mais que ainda relutasse em se explicar, sabia que, tendo reconhecido seus erros, deveria ter se desculpado com Diana antes que eles descessem para jantar. Aquele não era um pe­dido de desculpas que agora teria de esperar o jantar interminável acabar. Ele suspirou internamente.

— Entendo que você esteve... ocupado com outras coisas esta noite, Gabriel — disse Jennifer, esperando até depois que a sopa tivesse sido servida e o mordo­mo se retirado da sala para tentar envolvê-lo numa conversa. — Ocupado demais, tenho certeza, para ter encontrado tempo de visitar sua mãe. — O sorriso dela pareceu presumidamente satisfeito.

Gabriel a olhou com desgosto.

— Você está muito enganada, senhora.

— Hã?

Ele franziu o cenho diante do tom agudo inconfun­dível na única interjeição.

— Estive com minha mãe por algum tempo mais cedo.

— E como estava Felicity esta noite?

Ele não tinha imaginado aquilo; agora o tom de voz de Jennifer era definitivamente defensivo.

— Dormindo, como você disse que ela estaria — res­pondeu Gabriel, ciente da testa franzida de Diana en­quanto ela o olhava do outro lado da mesa.

Porque ela também percebia que havia alguma coi­sa estranha no comportamento de sua tia?

— Sem dúvida, você achou a aparência dela muito mudada — continuou Jennifer a conversa.

O maxilar de Gabriel enrijeceu.

— Sem dúvida. — Ele desistiu de fingir estar comen­do e virou-se na cadeira, a fim de encarar a esposa de seu tio. — O que eu gostaria de saber é por que, quan­do minha mãe obviamente não está nada bem, não há uma enfermeira cuidando dela.

— Charles dispensou tanto a enfermeira quanto o médico alguns meses atrás. Felicity está muito melhor agora, e os dois profissionais foram considerados uma despesa desnecessária — explicou ela de maneira casual.

Gabriel estreitou os olhos.

— Eles foram considerados uma despesa desneces­sária por quem?

— Por Charles, é claro.

— Eu não sabia que ele era um especialista em Me­dicina.

— Não seja ridículo, Gabriel...

— Eu não considero nem um pouco ridícula a minha preocupação com a falta de cuidados para com a mi­nha mãe nos últimos meses.

— O que você está implicando exatamente? — O rosto de Jennifer agora estava rubro de raiva. — Que Charles e eu somos, de alguma maneira, responsáveis pelo fato de sua mãe ter se isolado da sociedade? — Bufou com desgosto. — Você sabe tão bem quanto eu que o motivo para a indisposição de Felicity é que seu único filho foi forçado a deixar o país em desgraça, consequentemente fazendo com que o marido dela adoecesse e morresse, apenas dois anos depois.

Uma das mãos de Gabriel se fechou sobre sua coxa debaixo da mesa. Ele teve de lutar para se im­pedir de levantar-se, colocar as mãos ao redor do pescoço de Jennifer e apertá-lo até lhe tirar a vida! Ninguém nunca antes ousara implicar o que ela ha­via acabado de declarar tão abertamente.

Ele era culpado? Poderia acreditar que eventos passados tivessem afetado sua mãe daquela forma, mas lembrava-se muito bem do jeito rígido e não emotivo de seu pai para ser convencido de que sua partida do continente pudesse ter alguma coisa a ver com a morte prematura dele.

— Mas talvez você prefira discutir este assunto mais tarde, em particular? — sugeriu Jennifer. — Tenho cer­teza de que não é necessário que lady Diana conheça todos os escândalos da família numa única noite.

Foi impossível para Diana não detectar a ponta de triunfo no tom de voz da mulher mais velha diante da palidez de Gabriel ao ser acusado de causar so­frimento aos pais. Mas Diana não acreditava naquilo nem por um momento; seu próprio pai tinha sido pro­fundamente apaixonado por sua mãe e ficara arrasa­do quando ela o abandonara. Todavia, aquilo não o matara, nem a ausência de Gabriel havia matado o pai. Era deliberadamente cruel da parte de Jennifer Prescott afirmar que a culpa era dele.

Diana também percebeu que as observações mal­dosas da sra. Prescott sobre a marca de nascença de Gabriel a tinham tirado de equilíbrio temporariamen­te, mas apenas os últimos minutos passados na compa­nhia da mulher vingativa tinham capacitado Diana a ver exatamente o que estava acontecendo ali: Jennifer agia com o objetivo de machucar Gabriel, assim como de causar um desentendimento entre o casal de noivos.

E ela quase conseguira...

O olhar que Diana enviou para Jennifer, à cabecei­ra da mesa, foi frio.

— Estou certa de que toda família tem seus segredos e escândalos, sra. Prescott. Inclusive a minha — acres­centou ela secamente. — Mas nosso relacionamento é de tal modo que Gabriel e eu não temos segredos en­tre nós. — Diana estendeu o braço sobre a mesa para tocar a mão de Gabriel de leve, seu coração doendo quando ela viu a agonia de emoção nas profundezas dos olhos azul-escuros que a fitaram de volta.

— De alguma maneira, eu acho muito difícil acredi­tar nisso — disse Jennifer com desdém.

— Talvez porque você sempre tenha achado tão fá­cil compreender a desonestidade — lançou Gabriel o insulto para ela.

Ele tolamente se permitira ser abalado, por um momento, pelas provocações de sua tia... Uma perda de seu controle normal que Diana não apenas mascarara, desviando a atenção de Jennifer com sua pró­pria conversa, mas reconhecera privadamente, ofere­cendo-lhe o apoio gentil com aquele leve toque em sua mão. Considerando a forma desagradável como ele se comportara com relação a ela mais cedo, esse apoio era de tirar o fôlego. Gabriel estava rapidamen­te descobrindo que Diana era um diamante entre as mulheres.

Ele virou-lhe a mão e segurou-lhe os dedos com fir­meza, prendendo-lhe o olhar com intensidade quan­do ela o fitou com uma pergunta tímida na expressão. Gabriel apertou-lhe os dedos de um jeito tranquiliza­dor, enquanto reiterava sua resolução de se desculpar com Diana, assim que possível, por seu comporta­mento injusto mais cedo.

— Devo lembrá-lo de que não fui eu quem foi de­sonrada pela própria família?

Ele deveria ter sabido que Jennifer não permitiria que o insulto dele não fosse desafiado.

— Só havia seu pai, o pastor, e ele sempre foi cego para seus defeitos. — Gabriel a olhou com desprezo. — Meu tio pode ser igualmente cego, eu me pergunto?

Ela irritou-se, defensivamente.

— Charles e eu estamos muito felizes com nosso ca­samento.

— Verdade?

Um rubor de fúria mais uma vez coloriu a pele cla­ra do rosto dela.

— Você verá por si mesmo quando ele retornar da cidade.

Gabriel bufou.

— Não tenho a menor intenção de estar em Cambridgeshire quando meu tio retornar.

— Não?

— Não.

— Porque você é muito covarde para enfrentar meu marido talvez?

Os olhos de Gabriel brilharam com ferocidade diante da calúnia com relação à sua honra.

— Se você fosse homem, eu a desafiaria a uma luta por tal insulto!

— Se eu fosse homem, não haveria razão para o in­sulto!

— Sua...

— Gabriel. — Foi o aviso murmurado com suavidade de Diana que colocou um fim no que estava rapida­mente se transformando numa briga intolerável.

Ele respirou fundo para se controlar e forçou-se a se acalmar.

— Diana está correta; nós estamos nos desviando do ponto.

— E que ponto seria esse?

A boca de Gabriel se apertou de modo ameaçador diante do óbvio sarcasmo de Jennifer.

— Que não havia nem mesmo uma criada presen­te no quarto de minha mãe quando eu a visitei mais cedo, e que eu não estou satisfeito com o nível de cui­dados oferecidos a ela.

— Eu lhe falei...

— Eu também gostaria de saber por que e por quem a dama de companhia de minha mãe foi dispensada, quatro meses atrás. Terá sido essa outra das decisões que Charles tomou tão arbitrariamente?

— Como você sabe sobre Alice Britton? — pergun­tou ela, surpresa.

— Creio que eu perguntei por que e por quem, não como eu sei sobre o ocorrido.

Sobrancelhas escuras se arquearam de forma arro­gante.

— Charles decidiu que ela estava muito velha para continuar fazendo suas tarefas e dispensou-a.

— Mas não a substituiu? — perguntou ele.

— Não havia necessidade, quando eu estou aqui para fazer companhia à querida Felicity — murmurou a esposa de seu tio com um sorriso falso.

Gabriel preferiria ver sua mãe na companhia diá­ria de uma víbora a vê-la na companhia de Jennifer Prescott!

— E quando Charles decidiu dispensar a srta. Britton, ele também a proveu com uma pensão adequada? — Como Gabriel bem sabia, Alice Britton estava com sua mãe desde que Felicity era criança, primeiro como babá, depois como criada pessoal e, por último, como dama de companhia.

Não era apenas duvidoso que a senhora idosa tives­se meios de se sustentar em sua aposentadoria, como, agora que ele vira a situação por si mesmo, não podia acreditar que sua mãe tivesse concordado com a dis­pensa de sua dama de companhia.

Jennifer deu um sorriso sarcástico.

— Como você sabe, o que acontece nesta casa dei­xou de ser problema seu muito tempo atrás...

— Eu vou entender que isso significa que não. — O maxilar de Gabriel enrijeceu com desaprovação.

— Entenda como quiser — retrucou ela quando o mordomo voltou para tirar os pratos de sopa.

Quanto mais ele descobria sobre os acontecimen­tos naquela casa durante os últimos quatro meses, mais começava a temer que as preocupações da srta. Britton por sua mãe eram totalmente justificadas.

— Posso ver como você está preocupado com sua mãe, Gabriel. — Mais uma vez, foi a voz suave de Diana que assumiu a conversa depois que o mordomo se reti­rou da sala. — Sendo assim, tenho certeza de que minha própria criada ficará feliz em fazer companhia para sua mãe até que outros arranjos mais permanentes possam ser feitos.

— Isso não é necessário, lady Diana...

— Eu não quero parecer rude, sra. Prescott... — A voz de Diana tornou-se firme quando ela virou-se para se dirigir a Jennifer; já aguentara o bastante das opiniões de Jennifer por uma noite! — Mas acredito que minha observação tenha sido dirigida a Gabriel.

Jennifer agitou-se diante da óbvia repreensão.

— Mesmo assim, tenho certeza de que tal inconveni­ência para você é totalmente desnecessária.

— Minha cara sra. Prescott, eu lhe asseguro de que não considero a menor inconveniência ceder minha criada pessoal para confortar minha futura sogra. — Ela encontrou os olhos de Jennifer com firmeza.

Diana se tornara totalmente convencida, durante o jantar, de que a atmosfera que sentira na Mansão Faulkner desde a chegada deles era causada pela mal­dade de Jennifer Prescott. Certamente o retorno tão inesperado de Gabriel fora um choque, mas isso ainda não explicava por que Jennifer estava tão determina­da a arruinar qualquer chance de felicidade para ele, especialmente agora que Diana tinha certeza absoluta de que Gabriel não tentara seduzi-la no passado.

Jennifer não parecia estar infeliz no casamento; pelo contrário, a declaração de Jennifer de que seu casamento com Charles Prescott era feliz, apesar de seu começo incomum indicar que o oposto era verda­de, havia sido feita de maneira bastante convincente.

Então, o que acontecera oito anos atrás, e por que Jennifer Prescott mentira sobre aquilo?

Diana virou-se para fitar Gabriel do outro lado da mesa.

— Talvez nós devêssemos considerar levar sua mãe para Londres conosco, quando formos embora. Estou certa de que uma mudança de cenário poderia aju­dar...

— A saúde de Felicity está muito precária para uma jornada tão longa e árdua! — protestou Jennifer com veemência.

— Novamente, eu não quero parecer rude. — Diana retornou o olhar ressentido da mulher mais velha sem piscar. — Mas acredito que Gabriel é quem deve decidir se a mãe está bem o bastante para viajar para Londres conosco ou não.

— Meu marido é agora o chefe desta casa, não Gabriel.

— Perdoe-me. Eu fui levada a acreditar que esta era a propriedade da sra. Faulkner e que você e seu mari­do eram apenas hóspedes da casa — observou Diana.

Jennifer desistiu de fingir educação quando se le­vantou, zangada.

— Como você ousa me questionar dessa maneira?! — As saias do vestido giraram quando ela rodeou a mesa para se aproximar de Diana. — Somente porque você tem um título e bons modos não significa...

— Basta! — Gabriel também se levantou, a fim de se colocar entre Diana e Jennifer, que se aproximava ra­pidamente. — Eu lhe aconselho a recobrar o controle de suas emoções depressa, senhora, ou serei forçado a fazer isso por você — avisou-lhe ele.

Sua tia levou diversos segundos para recuperar a compostura.

— Peço desculpas pela minha explosão, lady Diana. Eu estava meramente... preocupada, pois você parece não entender a fragilidade da condição da sra. Faulk­ner. — A declaração condescendente negou o pedido de desculpas de Jennifer. — Garanto que não seria nem um pouco aconselhável movê-la neste momento.

Gabriel tinha de admitir, considerando que sua mãe estava inconsciente quando ele a visitara mais cedo, estar surpreso com a sugestão de Diana de que eles a removessem para Londres. Ele observou sua futura esposa se levantar e mover-se graciosamente para seu lado, os dedos delicados descansando na cur­va de seu braço, antes que ela se virasse para respon­der a Jennifer em tom de voz suave:

— Eu peço perdão por ter me intrometido, sra. Prescott. — Ela voltou-se para ele. — Tenho certeza de que sua tia é sábia ao aconselhar cautela com relação à sua mãe, meu querido. E, sem dúvida, ela também está correta ao acreditar que sua mãe não precisa dos serviços de minha criada.

Observações muito estranhas, considerando que tinha sido Diana quem dera as duas sugestões: que sua criada pessoal fizesse companhia para Felicity, e que eles deveriam levá-la para Londres. O que estava acontecendo lá?

Jennifer relaxou visivelmente.

— Agora que os ânimos se acalmaram, eu sugiro que todos nos sentemos e continuemos o nosso jantar.

— Uma ideia excelente. — Diana deu um sorriso bri­lhante antes de remover a mão do braço de Gabriel e retomar seu assento à mesa. — Uma pessoa sente tan­ta fome quando está no campo... — Ela posicionou o guardanapo sobre os joelhos cobertos de seda, então olhou para cima e sorriu para Jennifer Prescott, que agora estava sentada.

Gabriel retomou seu próprio lugar à mesa, sentindo-se ainda mais cauteloso. A esposa de seu tio acabara de insultar seriamente Diana, tanto com pa­lavras como com ações, no entanto, o sorriso que cur­vava os lábios deleitáveis de sua noiva não podia ser mais doce. Não porque ela não estivesse ciente na na­tureza pessoal do ataque, ele sabia; já tinha aprendido por si mesmo que não era sábio subestimar a mulher com quem ia se casar.

Sem dúvida, havia alguma coisa muito errada com o comportamento contraditório de Diana, mas Gabriel não tinha ideia do que era. Todavia, pretendia desco­brir na primeira oportunidade possível.

 

Ele náo se sentia nada sábio no momento em que a refeição finalmente terminou, quase duas horas de­pois. Duas longas horas torturantes para Gabriel, em­bora as damas não parecessem sofrer tal desconforto enquanto conversavam sobre a moda de Londres e a dificuldade em adquirir as sedas e rendas corretas. As habilidades da cozinheira da Mansão Faulkner tam­bém foram discutidas enquanto cada prato delicioso era servido para eles. Diana pedira licença para se levantar brevemente da mesa, a fim de ir buscar um lenço, depois que o prato principal acabara, deixan­do Gabriel e a sra. Prescott para apreciar um silêncio desconfortável. Diana retomara o controle da conver­sa superficial em seu retorno, desta vez, perguntando sobre o conforto e tamanho da congregação que fre­qüentava a igreja do vilarejo, da qual o pai de Jennifer ainda era pastor.

Todos os assuntos inofensivos... e tão entediantes que Gabriel temeu que pudesse dormir sobre sua so­bremesa.

 

— Essas foram duas horas da minha vida que eu es­pero que nunca mais se repitam — murmurou ele en­quanto subia a larga escadaria com Diana.

Gabriel tinha pedido que seu conhaque após o jan­tar fosse entregue na privacidade de seu quarto, em vez de correr o risco de ter de sofrer mais da compa­nhia da esposa de seu tio.

Diana não pôde evitar uma risada diante da ex­pressão irritada dele. Ela concordava; aquela havia sido uma noite muito tediosa. Pior que tediosa, na verdade.

— Não importa, Gabriel. — Ela deu-lhe um tapinha na mão, em cumplicidade. — Esta noite serviu para uma coisa, pelo menos... Eu agora aceito completa­mente a sua explicação de como a sra. Prescott tem conhecimento de sua marca de nascença.

Ele arqueou sobrancelhas, surpreso.

— Você aceita?

— Oh, sim. — Diana bufou. — Eu tenho certeza de que, mesmo quando bem jovem, você teria requerido pelo menos um pouco de inteligência nas mulheres com quem se deitava.

Gabriel enrijeceu.

— Não sei dizer se esta é uma conversa correta...

— Oh, não seja tão pretensioso.

Ele fez uma careta.

— Acabo de sofrer a noite mais agonizantemente aborrecida de minha vida inteira, e agora você ousa me chamar de pretensioso?

Ela virou-se para olhá-lo de modo provocante quando eles chegaram ao topo da escada.

— Não é muito lisonjeador o fato de você incluir a companhia aparentemente tediosa de sua futura es­posa nessa declaração abrangente.

— Droga, eu não estava me referindo a você!

— Agora você está praguejando na frente de sua fu­tura esposa também.

— Farei muito mais disso se você não explicar logo sua observação de momentos atrás — prometeu ele, enquanto ela continuava andando ao longo do corre­dor para os quartos deles, não lhe deixando escolha senão segui-la, uma vez que ele carregava a vela para iluminar o caminho. — Na verdade, eu gostaria que você me explicasse toda esta noite peculiar. Estou in­teressado em saber, por exemplo, em que ponto você se tornou convencida de que Jennifer Prescott tem, como sempre teve, o intelecto de uma ervilha?

— Acho que você pode estar insultando a ervilha! — Diana riu. — E creio que isso ficou aparente para mim quando ela primeiramente descreveu a saúde de sua mãe como sendo uma simples indisposição que não exigia a necessidade de um médico ou de uma enfermeira; e, apenas momentos depois, decla­rou que a saúde de sua mãe está muito frágil para que ela seja removida para Londres. — Ela compri­miu os lábios. — Sempre acreditei que uma pessoa precisa de um pouco de inteligência para contar uma mentira bem-sucedida.

— Mas... — Gabriel foi deixado no corredor, enquan­to Diana entrava no seu quarto sem uma única olha­da para trás, significando que ele tinha de segui-la se quisesse continuar aquela conversa. — Você está me dizendo que decidiu, duas horas atrás, que ela é uma completa mentirosa?

Ela permaneceu composta enquanto removia as longas luvas de renda.

— Oh, não, eu decidi isso vários dias atrás. Até mes­mo antes de conhecê-la. Pense, Gabriel — incentivou ela quando ele pareceu totalmente confuso por sua admissão. — Eu não poderia ter acreditado em sua versão dos eventos passados sem, ao mesmo tempo, reconhecer que a jovem envolvida era uma mentiro­sa. Se Jennifer Prescott é esta mulher, então Jennifer Prescott é mentirosa. Uma vez que eu tinha isso fir­memente estabelecido na minha cabeça... E, de novo, peço desculpas por ter duvidado um pouco de sua pa­lavra mais cedo...

— Sou eu quem pede desculpas por ter me compor­tado de maneira tão rude — inseriu ele, sem demora.

— Não vamos discutir agora quem deve se descul­par com quem. — Diana dispensou a apologia com sua vivacidade usual. — Com relação à falta de honestida­de da sra. Prescott... Uma vez que lembrei que ela é inerentemente desonesta, tornou-se muito mais fácil perceber que eu deveria descrer de qualquer coisa que ela tivesse a dizer. Ela também foi muito esperta, é claro...

— Você acabou de dizer que ela não tem intelecto! — Gabriel a olhou com considerável exasperação.

— Seriamente, Gabriel, tenho certeza de que você sabe que verdadeira inteligência e esperteza de uma malvada não são a mesma coisa. — Diana lhe enviou um olhar reprovador.

— Eu sei?

— Mas é claro — confirmou ela. — Você é, fico feliz em dizer, o cavalheiro mais inteligente... aparte meu pai... que eu já conheci.

Gabriel não estava se sentindo particularmente in­teligente naquele momento. Na verdade, aquela con­versa toda parecia ter fugido de sua compreensão.

Diana, por outro lado, parecia alegremente satis­feita com a noite. E em seu estado de contentamento, estava ainda mais desejável para Gabriel. Ele, de sú­bito, percebeu que, embora ainda não quisesse fazer amor com ela pela primeira vez sob aquele teto, e an­tes que eles estivessem legalmente casados, havia ou­tras maneiras que poderiam satisfazer o desejo que se instalava entre os dois, cada vez que eles se tocavam. E ele tinha quase certeza de que conhecia todas elas...

 

Diana estava tão mergulhada em pensamentos sobre os resultados positivos da noite que nem notou quan­do Gabriel colocou a vela acesa sobre a penteadeira, antes de trancar as portas dos quartos. Ela apenas se tornou consciente quando ele parou muito perto, o ardor inconfundível nos olhos, enquanto os braços fortes lhe rodeavam a cintura e a puxavam com genti­leza, porém com determinação, para o calor do corpo poderoso.

Ela arregalou os olhos.

— O que você está fazendo, Gabriel?

— Tenho certeza de que você, pelo menos, é uma mulher muito inteligente para que eu precise explicar. — Ele baixou a cabeça, os lábios roçando o ponto no pescoço dela em que a pulsação batia freneticamente.

Ela estava, sem dúvida, agitada pelo calor daqueles lábios contra sua pele.

— Mas...

— Eu decidi que esta noite não precisa ser uma perda de tempo completa. — Aqueles lábios agora se moviam pela extensão do pescoço de Diana, devagar, prazerosamente. — Também admito que a única coi­sa que tornou esta noite suportável para mim foi o pensamento de ver mais uma vez a marca no seu seio esquerdo, uma vez que estivéssemos finalmente sozi­nhos... — As mãos grandes estavam nas costas delga­das, na qual ele começou a abrir os botões do vestido.

Um tremor de antecipação percorreu a coluna de Diana com o mero pensamento da familiaridade an­terior de Gabriel com seus seios; seios que agora for­migavam com consciência sob a seda de seu vestido, o calor agora familiar crescendo entre suas coxas.

— E também é sua intenção me apresentar a marca de nascença sobre sua coxa?

A risada rouca dele reverberou pelo corpo dela.

— Pode ser, sim. Com a sua concordância, minha querida?

Diana levantou a cabeça para olhá-lo e viu o de­sejo que queimava nas profundezas dos olhos azuis e as linhas de risada se espalhando nos cantos. A curva das maçãs do rosto também parecia menos severa do que o usual, e os lábios dele, aqueles lábios firmes e esculpidos, estavam curvados num sorriso divertido e preguiçoso.

Aquela era uma pergunta para qual Diana só podia ter uma resposta...

 

Foi a gentileza na expressão de Gabriel... uma emo­ção tão diferente da usual arrogância intransigente dele... que conseguiu derreter cada centímetro do corpo de Diana.

— Eu acho que gostaria muito disso — respondeu ela com voz rouca.

— Fico aliviado ao ouvir tal coisa. — Ele tinha acaba­do de abrir os botões nas costas do vestido de Diana, e agora permitiu que á peça deslizasse pelos braços delgados, antes de cair no chão ao redor dos pés dela, deixando-a apenas com uma combinação curta e um par de meias de náilon brancas, presas por ligas bran­cas, decoradas com minúsculos botões de rosa.

A respiração de Gabriel ficou presa na garganta quando ele a olhou, os seios arredondados visíveis através do tecido transparente da combinação, os bi­cos já excitados e arrepiados, pressionados convidativamente contra a combinação, um “V” mais escuro de pelos dourados também visível entre as coxas sedosas.

Seus olhos brilhavam com desejo quando se volta­ram para o rosto dela.

— Tanta coisa aconteceu desde que nós viemos para esta casa, e eu descubro que somente sua beleza e ho­nestidade parecem reais para mim.

Diana sentiu uma emoção muito boa dentro de seu peito. Gabriel tinha declarado, na época do noivado deles, que não a amava e nunca a amaria, mas ter ga­nhado o respeito de um homem como ele era um pre­sente inestimável.

A alegria daquilo iluminou seus olhos, enquanto ela erguia os braços e começava a desabotoar o colete de Gabriel.

— Neste caso, permita-me agir como seu lacaio no­vamente, meu lorde...

Não houve lentidão e remoção agonizantemente pra­zerosa das roupas dele desta vez, uma vez que Gabriel a ajudou no processo, antes de jogar as peças sobre o chão acarpetado ao lado da cama.

Diana sorriu com satisfação quando a pequena marca marrom de nascença foi revelada apenas al­guns centímetros acima do joelho dele, depois que Gabriel tinha se sentado na cama, a fim de tirar as botas, e então a calça.

— Muito respeitável, meu lorde.

Gabriel fez uma careta.

— Aquela mulher é uma bruxa vingativa...

Ele foi silenciado e impedido de continuar o co­mentário quando Diana posicionou os dedos de leve sobre seus lábios. Ela balançou a cabeça gentilmente.

— Ela não tem lugar aqui conosco agora.

— Não. — Ele estava totalmente à vontade em sua nu­dez quando se levantou, antes de alcançá-la e remover os grampos do cabelo de Diana.

Gabriel respirou fundo no momento em que aqueles cachos foram finalmente liberados para cair, como ele uma vez imaginara, em ondas sedosas vermelho-douradas que chegavam até a curva da cintura delgada, di­versos deles emoldurando a face e testa de Diana.

Suas mãos tremeram um pouco quando ele as le­vantou para segurar o rosto dela, antes de fitar-lhe os olhos com intensidade.

— Você é a personificação da beleza, Diana. Uma verdadeira deusa vinda para a Terra.

Diana se sentia quase estupefata pela intimidade deles, a nudez do corpo de Gabriel mais perfeita e mais maravilhosa do que ela poderia ter imaginado; os músculos fortes dos ombros e peitos eram gloriosa­mente esculpidos no brilho da luz de vela, e se estrei­tavam para o abdome reto e coxas grossas. Aqueles desenhos no livro dos deuses gregos, na biblioteca de seu pai, os quais Diana um dia admirara tanto, não a prepararam para a evidência física da excitação de um homem de carne e osso... Mas então, nenhum daque­les deuses gregos tinha sido desenhado excitado em toda a sua gloria!

Diana não conseguia parar de olhar para a ereção de Gabriel, como aço envolto em veludo. Como seria a sensação, perguntou-se, de se ajoelhar diante dele e posicionar seus lábios ali...

Ela parou, perplexa com suas próprias fantasias. Não tinha ideia de onde estas vinham! Exceto que sa­bia que era alguma coisa que se sentia compelida a fazer; estava certa de que Gabriel apreciaria tanto, ou mais, quanto ela...

— Sua vez chegará depois, pequena deusa. — Gabriel segurou-lhe os braços antes que ela pudesse se abai­xar na frente dele, tendo visto a direção de seu olhar voraz.

Experiente como ele era, talvez até mesmo cansa­do das mulheres com quem dormira nos últimos oito anos, se Diana lhe tocasse o membro pulsante com a boca naquele momento, então ele perderia o contro­le. E queria dar prazer a ela primeiro.

— Eu quero lhe dar prazer, Diana. — Ele deslizou uma alcinha do ombro delgado, depois a outra, per­mitindo que a combinação caísse suavemente ao redor dos quadris dela, revelando a nudez daqueles seios deliciosamente volumosos. — Ah, minha amiga familiar. — Ele correu a ponta da língua sobre a minús­cula marca, agora visível acima do mamilo esquerdo.

Diana estremeceu de prazer por aquela única ca­rícia, suas pernas começando a tremer quase de ma­neira descontrolada quando ele baixou a cabeça para deslizar a ponta da língua sobre a marca de nascença, antes de mover-se mais para baixo, a língua roçando ao redor de todo o seu mamilo, deixando o bico ereto antes que ele o capturasse entre os lábios e o tomasse no calor de sua boca.

O prazer espalhou-se dos seios de Diana para o ponto secreto entre suas coxas. Ela estendeu os bra­ços para agarrar os ombros musculosos quando sentiu seu centro feminino queimando, no momento em que ele aumentou a sucção em seu mamilo, mesmo en­quanto a outra mão segurava seu gêmeo, e o polegar se movia sobre o bico com o mesmo ritmo deleitável.

Diana estava tão perdida em prazer que mal notou quando Gabriel descartou sua combinação por com­pleto, apenas se tornando ciente de que ele tinha feito isso ao sentir a mão grande descendo de seu seio para a curva de seu ventre, antes de descer mais. A pressão da palma quente enviou tremores de prazer por todo o seu corpo, mesmo enquanto dedos hábeis começa­vam a acariciar sua abertura sensível e úmida.

Ela arfou, erguendo as mãos para entrelaçar os de­dos no cabelo escuro de Gabriel, quando um êxtase di­ferente de qualquer coisa que já experimentara abalou todo o seu corpo em ondas crescentes de puro deleite.

Diana gemeu no momento de sua liberação, antes de tombar contra ele com fraqueza.

Gabriel liberou-lhe o seio lentamente, então levan­tou a cabeça para ver que Diana não apenas relaxara, mas desmaiara, os cílios longos e sedosos descansan­do sobre à face sedosa, a respiração baixinha e rasa.

Ele franziu o cenho com preocupação, mesmo en­quanto a erguia nos braços e carregava-a em direção à cama. Gabriel tinha, pensou, feito amor com inúme­ras mulheres, mas nenhuma delas já tinha desmaiado após um clímax. Ele a machucara? Talvez ela fosse muito delicada para apreciar aqueles prazeres? Devia ser isso! Que tolo ele fora!

— Gabriel?

Ele a estudou com intensidade, sua expressão se suavizando de alívio ao ver que ela o estava olhando com satisfação sonhadora, em vez de com acusação horrorizada.

Diana franziu a testa de leve diante do silêncio dele, uma das mãos se erguendo para lhe tocar a lateral do maxilar.

— Eu não tinha ideia de que um ato de amor pudesse ser tão... gloriosamente intenso.

— Nem eu — assegurou ele com a voz rouca, ajoelhando-se sobre a cama para deitá-la gentilmente sobre a colcha.

— Mas você é um homem experiente — disse ela, in­trigada.

— Eu preferiria não falar sobre isso agora, minha querida — murmurou Gabriel desconfortavelmente.

Percebeu que todas as mulheres com quem dor­mira no passado tinham perdido a importância, sido esquecidas e se tornado insignificantes depois que ele segurara Diana nos braços e fizera amor com ela. Por que isso acontecera, ele não tinha ideia.

— Acho que agora é a minha vez de... explorar — disse ela timidamente.

O coração de Gabriel bombeou no peito diante do lembrete de Diana que ele parara a carícia dela mais cedo.

— Talvez nós tenhamos explorado o bastante por uma noite — murmurou ele gentilmente, recordando-se de como Diana havia ficado abalada. Aquela era, afinal de contas, a primeira experiência dela num ato de amor.

— Oh, não, Gabriel, — Diana sentou-se ereta, a lon­ga extensão do cabelo dourado caindo sedosamente ao redor dos ombros, os bicos dos seios nus projeta­dos através daqueles cachos, os mamilos cheios e ma­duros como os morangos que pareciam.

A respiração dele ficou presa na garganta perante a visão dos círculos suculentos, seu membro pulsando enquanto Gabriel se imaginava deleitando-se naque­les seios novamente.

— Diana...

— Deite-se e fique imóvel, por favor — instruiu ela, posicionando-se sobre os joelhos para empurrá-lo contra os travesseiros, não parecendo nem um pouco envergonhada por estar apenas em meias e ligas, en­quanto se ajoelhava entre as pernas abertas de Gabriel.

— Fique imóvel — repetiu ela.

E como, em nome de Deus, ele conseguiria fazer isso, quando Diana primeiro abaixou a cabeça para posicionar um beijo suave contra sua marca de nas­cença, depois deslizou as mãos pequenas ao longo da extensão de suas pernas? A cabeça de Gabriel caiu contra os travesseiros quando ele finalmente sentiu o calor dos lábios doces se fechando ao redor de sua ereção rija e pulsante, e o cabelo dela caindo como uma cortina dourada, antes de tocar suas coxas sedo­samente.

Diana foi encorajada em suas carícias pelos gemi­dos guturais de Gabriel e pelo pulsar quente da ere­ção masculina enquanto ela o tomava mais fundo em sua boca. Nunca tinha experimentado alguma coisa tão deliciosamente viciante em sua vida.

— Diana! — Gabriel soava ofegante, a voz baixa indi­cando uma súplica fervorosa.

Ela levantou a cabeça para estudá-lo, preocupada em ver a expressão agonizada no rosto dele.

— Eu estou machucando você?

— Deus, não, de jeito nenhum! É prazer demais para suportar, Diana. Muito mais disso, e eu irei me desgraçar completamente — explicou ele, mesmo en­quanto tentava puxá-la para si.

Diana esquivou-se do toque dele, encorajada pela admissão de Gabriel.

— Como assim? Você precisa me falar, Gabriel, pois de que outra maneira eu posso aprender como lhe dar prazer? — pediu ela.

Ele pareceu triste.

— Se você me der mais prazer do que já me deu, então eu perderei o controle e derramarei minha se­mente como um adolescente imaturo.

— Ah. — Ela assentiu em compreensão, mesmo en­quanto seu olhar ávido voltava para o longo membro rijo, ainda aninhado em sua mão.

Havia uma pequena gota de umidade na ponta, e ela inclinou-se para lambê-la delicadamente, antes de, mais uma vez, tomá-lo inteiro dentro de sua boca.

— Diana... — As mãos de Gabriel se fecharam em suas laterais, o corpo se tornando completamente tenso.

Apenas minutos atrás, ele lhe dera um prazer ini­maginável, um que ela agora queria retribuir.

— Meu Deus! — Os gemidos de Gabriel se tornaram uma litania quando... quase contra sua vontade, pare­cia... os quadris dele começaram a se erguer e baixar num ritmo distinto.

Apesar de anteriormente inocente de tal intimida­de, Diana soube o exato momento em que ele perdeu o controle e tornou-se consumido pelo próprio êxtase.

Minutos se passaram; tudo o que Gabriel podia ouvir era o som de sua própria respiração ofegante, enquanto permanecia deitado sobre as cobertas, fraco e imóvel, uma de suas mãos ainda entrelaçada de leve no cabelo dourado de Diana, conforme ele cascateava sobre seu corpo em um abandono selvagem, a respira­ção dela uma carícia quente contra suas coxas.

De alguma maneira, ele tinha encontrado paraíso num lugar que passara a considerar inferno. De al­guma forma, aquela mulher o tirara da escuridão e o levara para um paraíso dourado. Era como se...

Uma batida suave soou à porta do quarto, inter­rompendo seus pensamentos, seguida por um sussur­ro:

— Senhorita? Senhorita, você disse que eu poderia chamá-la se... bem, se eu precisasse de você?

— O quê...? — Gabriel estava saciado demais, muito repleto fisicamente para fazer mais do que virar-se e franzir o cenho na direção da porta trancada.

A resposta de Diana foi muito mais imediata, quan­do ela sentou-se rapidamente para tirar o cabelo do rosto, antes de atravessar o quarto correndo e vestir e amarrar seu penhoar.

— Meu Deus, como eu pude me permitir esquecer? — murmurou ela, nervosa.

— Diana? — Gabriel a olhou com intensidade quan­do névoa de sua plenitude física começou a diminuir.

Ela balançou a cabeça.

— Eu pretendia ir logo depois do jantar... Oh, eu não deveria ter me permitido ser tão distraída! — fa­lou ela para si mesma, irritada, enquanto se apressa­va para destrancar e abrir a porta, apenas o bastante para que pudesse falar com a pessoa no corredor do lado de fora, mas quem quer que estivesse lá não po­dia ver dentro do quarto, no qual Gabriel ainda estava deitado nu sobre a cama.

Ele sentou-se, uma expressão sombria e mal-humorada no rosto, enquanto a observava junto à porta. Tinha acabado de ser transportado para um patamar de prazer até então desconhecido, e ela se referira à intimidade deles como sendo uma distração de algum objetivo mais importante!

Diana não possuía experiência com a qual compa­rar o ato de amor deles, é claro, e não podia ter ideia de como tinha sido lindo e raro. Mas ele estava com­pletamente ciente disso.

Ela era incapaz de fingir. Era a mulher mais hones­ta e direta que ele já...

— Nós devemos nos vestir imediatamente. — Diana parecia agitada, quando, tendo concluído a conver­sa, fechou e trancou a porta, nem sequer o olhando enquanto atravessava o quarto em passos apressados para abrir portas de armários e procurar um entre a coleção de vestidos pendurados ali. Ela parou quando se virou no quarto, um vestido de lã azul na mão, e descobriu que ele não tinha se movido. — Você não me ouviu, Gabriel? — Franziu o cenho, mostrando sua impaciência com a inatividade dele, enquanto remo­via o penhoar e substituía-o pela combinação. — Você precisa se vestir. Não podemos ficar aqui mais nem um momento. — Diana colocou o vestido.

Gabriel estava atônito com a agitação crescente de Diana.

— Que diabos está acontecendo? Eu não tenho a intenção de me vestir ou ir a lugar algum até que eu saiba exatamente para onde vou e por quê — disse ele com um pouco de irritação.

É claro que Gabriel não tinha ideia de para onde eles iriam ou por quê, Diana censurou a si mesma enquanto acabava de colocar seu vestido. Como ele poderia saber, quando ela não encontrara uma opor­tunidade... estivera muito perdida nas maravilhas do que acabara de acontecer... para lhe contar que atitu­des havia colocado em ação mais cedo naquela noite?

Acabar o êxtase da intimidade deles estava longe de ser ideal, mas, sem dúvida, Gabriel a agradeceria uma vez que soubesse o que ela havia feito.

— Minha criada está na companhia de sua mãe por diversas horas agora, com instruções de vir me cha­mar se ela pudesse receber visitas — começou a expli­car apressadamente.

— Sua criada está com minha mãe? — repetiu ele lentamente.

Diana assentiu.

— Lembra-se de que eu saí da mesa de jantar mais cedo, à procura de um lenço?

— Sim.

É claro que de se lembrava disso, e do quanto Diana tinha demorado também. Mais de dez minutos de absoluto silêncio entre ele e Jennifer, enquanto eles se entreolhavam com desgosto, sabendo que se ele dissesse uma palavra para a bruxa, então uma avalanche delas se seguiria, todas desagradáveis. Jennifer parecera saber disso também e, por uma vez na vida, permanecera silenciosa.

— Eu não precisava realmente de um lenço. — Diana deu um sorriso triunfante. — Foi apenas um estrata­gema para me permitir tempo no qual combinar com minha criada que ela fosse para os aposentos de sua mãe.

Gabriel arqueou uma sobrancelha.

— Eu pensei que você tivesse concordado com Jennifer que não havia necessidade de sua criada fazer companhia à minha mãe?

— Eu só fingi concordar — corrigiu Diana, indo para a frente do espelho sobre a penteadeira, a fim de estu­dar seu reflexo e prender o cabelo novamente.

— Fingiu? — perguntou ele, confuso.

Ela virou-lhe para lhe dar um olhar impaciente.

— Ora, Gabriel, eu tenho certeza de que estou sen­do muito clara. Menti quando dei a impressão de que aceitava a opinião da sra. Prescott de que sua mãe não precisava de uma dama de companhia.

Gabriel tornou-se muito imóvel.

— Eu fui levado a crer que você era incapaz de mentir.

— As vezes, a situação é tal que não deixa escolha a uma pessoa senão mentir!

Gabriel a estudou sem palavras. Tinha acabado de elogiar Diana mentalmente por sua honestidade, por sua falta de artifícios, e durante todo o tempo, ela ha­via habilmente enganado Jennifer.

Sem dúvida, ela possuía uma razão muito boa para isso, Gabriel disse a si mesmo. Diana tinha uma boa razão para a maioria das coisas que fazia. Mesmo as­sim, era desconcertante perceber que ela era capaz de mentir para alguém.

— Você se importa de me dizer por que sentiu a ne­cessidade de mentir nesta ocasião específica?

— Não é óbvio? — questionou ela com incredulidade.

— Não completamente — replicou ele entre os den­tes cerrados. — Explique-se, por favor. — Gabriel levantou-se e começou a retinir suas roupas.

Diana piscou. Como conseguiria pensar, quanto mais explicar, quando Gabriel estava nu à sua frente em toda sua glória?! O ato de amor entre os dois fora uma revelação para ela. Algo mágico. Uma alegria além da imaginação. E apenas olhar para aquele cor­po magnífico despido foi o bastante para levar calor de volta ao seu rosto. E a outros lugares também. Lu­gares íntimos e privados de seu corpo que ele agora conhecia mais intimamente do que ela.

Gabriel estivera maravilhoso em sua excitação, e não estava menos maravilhoso agora, a luz dando-lhe um brilho dourado à pele, enquanto acari­ciava os planos sólidos do corpo másculo e revelava os pelos pretos ao redor do sexo, agora relaxado. Mesmo em repouso, o membro masculino era muito mais im­pressionante do que os dos desenhos dos deuses gre­gos daquele livro...

— Diana!

Ela balançou a cabeça de leve, fechando os olhos brevemente antes de erguê-los para se concentrar na expressão séria de Gabriel, em vez de na magnificên­cia do corpo dele; talvez fosse capaz de se concentrar no problema em mãos se não olhasse para aquela be­leza masculina!

— Eu posso me vestir enquanto explico?

— De bom grado, se isso irá acelerar o processo — replicou Gabriel. Então virou-se de costas para sepa­rar as roupas que tinha juntado em cima da cama.

Mesmo as costas esculpidas dele eram lindas, re­conheceu Diana, ansiando para tocar aqueles ombros largos e musculosos, os quais se estreitavam até uma cintura estreita, para revelar nádegas firmes e bem formadas...

— Você não parece estar explicando nada por en­quanto, Diana — relembrou-lhe com impaciência, ain­da de costas para ela enquanto vestia a camisa pela cabeça e cobria parte de sua nudez.

Mas ainda não o suficiente para que ela conseguis­se focar em pensamentos coerentes, a intimidade da situação deixando-a temporariamente sem fala.

— Eu juro que irei aí sacudi-la se você não começar essa explicação nos próximos dez segundos!

Diana deu um gemido culpado ao ouvir o tom de irritação na voz de Gabriel. Aquilo era compreensí­vel... Ela precisava se recompor.

— Quando eu saí da sala mais cedo com a desculpa de ir buscar um lenço, primeiro visitei os aposentos de sua mãe... Eu quis satisfazer minha curiosidade antes de tomar minha ação seguinte — explicou ela, enquan­to ele a olhava com incredulidade.

— E você satisfez sua curiosidade? — perguntou Gabriel.

— Sua mãe ainda estava dormindo — disse ela.

— Talvez tenha sido melhor, uma vez que ela não teria tido a menor ideia de quem você era se estivesse acordada. — Gabriel já tinha colocado a calça e as bo­tas, assim como a camisa, embora tivesse deixado esta aberta, e o cabelo escuro estava desalinhado quando ele a fitou com olhos acusadores. — Eu pretendia apre­sentar vocês duas amanhã.

— Obviamente, uma vez que sua mãe estava dor­mindo quando eu entrei no quarto dela, você ainda pode fazer isso...

— Quanta gentileza!

Ela atravessou o quarto para parar diante dele.

— Gabriel, eu acho que você não está entendendo o ponto...

— Talvez porque você ainda não tenha me dito qual é o ponto. — A frustração crescente de Gabriel com a situação estava óbvia no brilho perigoso dos olhos.

Diana suspirou.

— Apesar da indisposição alegada de sua mãe, eu não acredito que uma lady que não deve ter 50 anos ainda deva dormir tanto quanto a sra. Prescott alega que sua mãe tem dormido nos meses recentes.

— E?

— E então, quando eu entrei nos aposentos dela mais cedo, tomei a liberdade de verificar os conteú­dos dos frascos de remédio, os quais estavam sobre a penteadeira. Entre outras substâncias menos inó­cuas, eu descobri... como suspeitei que descobriria... que um dos medicamentos contém láudano. Eu te­nho familiaridade com tal substância porque meu pai a usou nos últimos anos de sua vida para ajudá-lo a dormir.

— Você está dizendo que durante todo esse tempo minha mãe tem usado uma droga para dormir? — per­guntou Gabriel devagar.

Aquilo não fazia o menor sentido para ele, quan­do o problema de sua mãe parecia ser abundância de sono, não a falta desse. A menos, é claro, que a vida dela agora estivesse tão horrível que ela prefe­risse dormir a maior parte do tempo a viver naquele inferno?

— Lamento, mas não há mais tempo para que eu ex­plique a situação agora. — Diana atravessou o quarto apressadamente para pegar a vela acesa. — Eu tinha pretendido ir para os aposentos de sua mãe logo de­pois do jantar. — Enrubesceu ao obviamente se recor­dar do motivo pelo qual não fizera aquilo. — May... mi­nha criada... veio me avisar que a sra. Prescott tentou visitar os aposentos de sua mãe apenas minutos atrás.

— E? — incentivou Gabriel.

— Quando ela não conseguiu entrar pela porta tran­cada, bateu. May ignorou a batida à porta, é claro, conforme eu a instruí para fazer se tal situação se apresentasse. A sra. Prescott desceu a escada agora para coletar uma segunda chave com a governanta. — Diana fez uma careta. — May se aproveitou da au­sência dela para deixar os aposentos de sua mãe rapi­damente e vir me informar dos eventos.

— Considerando que você é uma hóspede, recém-che­gada a esta casa, parece ter assumido muitas responsabi­lidades — comentou Gabriel.

Para ele, pelo menos, as coisas ainda eram incom­preensíveis. Por sorte, Diana dava a impressão de sa­ber exatamente o que estava fazendo e por quê.

— Eu teria preferido discutir isso com você antes, é claro...

— É claro — murmurou Gabriel, de maneira sarcás­tica.

— Todavia, uma vez que estávamos sentados todos juntos à mesa de jantar, não tive oportunidade de fazê-lo — continuou ela. — Como eu já expliquei, re­almente não há tempo a perder — acrescentou com firmeza quando Gabriel teria pedido mais detalhes.

— May está comigo há anos, e é muito leal, mas se­ria injusto deixar que ela lidasse com o jeito rude da sra. Prescott duas vezes numa noite. — Diana virou-se, com a óbvia intenção de sair do quarto.

Gabriel estendeu a mão e segurou-lhe o braço.

— Não tão depressa! Primeiro, pelo menos me diga qual era o propósito de impedir que a sra. Prescott entrasse nos aposentos de minha mãe.

— Certamente, isso é óbvio!

A boca dele se comprimiu.

— Explique.

Ela o fitou com irritação.

— Com o propósito de permitir que sua mãe acor­dasse, é claro, e capacitá-la a falar com o filho que ela não vê há oito anos.

Gabriel ficou tão atônito com aquela explicação que relaxou o aperto no braço de Diana. Um fato do qual ela não hesitou em tirar vantagem, quando se apressou para fora do quarto.

 

No momento em que Gabriel conseguiu sair de seu estado de confusão e correr para fora do quarto, ago­ra escuro, atrás dela, chegou a tempo de ver as saias de Diana desaparecendo na curva do corredor, en­quanto ela ia em direção dos aposentos de sua mãe, a vela desaparecendo com ela, deixando-o na escuridão mais uma vez.

Uma escuridão que não era apenas física, mas tam­bém emocional.

A profundidade do ato de amor deles tinha sido tão consumidora que, mesmo agora, ele achava difícil com­preender exatamente quais eram os planos de Diana, pelo pouco que ela lhe contara... Uma experiência não muito agradável para um homem que sempre se orgu­lhava de sua acuidade mental e emocional!

Do lado de fora dos aposentos de sua mãe, Diana tinha posicionado a vela acesa sobre a mesa do corre­dor e estava parada diante da porta, os braços estendi­dos e a expressão desafiadora, enquanto Jennifer usa­va de todos os meios possíveis para tentar removê-la daquela postura protetora.

Um dos meios agora foi agarrar um punhado do cabelo de Diana.

— Como você ousa? — gritou a esposa do tio de Gabriel, enquanto puxava aqueles cachos dourados com força. — Você não tem a menor autoridade para me impedir de entrar nos aposentos de minha cunha­da...

— Talvez Diana não tenha... mas eu certamente te­nho — anunciou ele.

Diana virou-se, agradecida, para ver Gabriel apro­ximando-se rapidamente, mais uma vez parecendo tão vingativo quanto seu homônimo angélico, com a camisa desabotoada, balançando ao seu redor. Entretanto, felizmente, desta vez a expressão furiosa nos olhos dele não era dirigida a ela, mas à jovem casada com o tio de Gabriel.

— Solte Diana imediatamente. — Ele se agigantou diante das duas mulheres, mas foi em Jennifer que manteve os olhos fixos. — Não me dê o trabalho de ter de repetir a instrução, senhora — avisou ele num tom de voz tão intimidador que enviou um tremor de apreensão pela coluna de Diana.

Uma apreensão que Jennifer também sentiu, se a maneira repentina com a qual ela liberou o cabelo de Diana fosse alguma indicação, embora tivesse manti­do a expressão desafiadora enquanto o encarava, as mãos agora descansando sobre os quadris.

— Talvez você devesse restringir o comportamento de sua noiva, em vez de me ameaçar.

Gabriel arqueou sobrancelhas escuras.

— Diana é mais do que capaz de decidir por si mes­ma o que ela fará ou não fará.

A secura no tom de voz dele deu a Diana a cora­gem de declarar exatamente o que pretendia fazer no momento:

— Eu acabei de informar a sra. Prescott que nós dois faremos companhia para sua mãe esta noite, conse­quentemente, deixando-a livre para apreciar um sono tranqüilo.

Gabriel a estudou por diversos longos segundos, uma cortina descendo sobre sua expressão, antes de voltar-se para Jennifer.

— Eu não vejo razão pela qual você teria alguma objeção a isso.

O lindo rosto de Jennifer enrubesceu com desprazer.

— Eu tenho cuidado de Felicity durante os últimos quatro meses...

— E tem criado...

— E agora você está merecendo uma noite ininter­rupta de sono — interrompeu Diana a explosão raivosa dele; uma explosão justificada, ela sabia, mas uma que, sem dúvida, inflamaria ainda mais aquela situação já fervorosa. — Eu lhe garanto — continuou Diana com fir­meza —, que Gabriel e eu estamos mais do que felizes em passar a noite na companhia da sra. Faulkner.

— E se eu objetar? — Os olhos castanhos brilhavam com a desaprovação de Jennifer com relação à pro­posta.

— Essa não é uma questão aberta para discussão, senhora. — Gabriel olhou-a com prepotência. — E eu também espero nunca mais vê-la tratando Diana da­quela maneira abominável.

— Mas...

— Se você não tem nada interessante a dizer, então eu apreciaria se fosse embora daqui. — A expressão dele era repleta de desgosto não disfarçado.

Diana sabia que morreria de mortificação se Gabriel a olhasse daquele jeito, e Jennifer Prescott não era à prova de tal olhar também, pois pareceu menos desa­fiadora do que o usual.

— Charles saberá de sua brutalidade assim que ele retornar.

O lábio superior de Gabriel se curvou em desdém.

— Estou ansioso por isso. — Foi tudo o que ele res­pondeu.

Olhos castanhos brilharam com fúria.

— Você não tem o direito...

— Se nada mais, eu tenho o direito de ser filho de minha mãe — interrompeu ele de modo brusco. — Você, por outro lado, não passa de uma hóspede na casa de minha mãe, sem autoridade para dizer quem irá ou não irá visitá-la. — Gabriel a olhou com desprezo. — Agora, se puder fazer a gentileza de ir embora, Diana e eu gostaríamos de entrar e ficar com minha mãe.

Jennifer parecia ferver de raiva.

— Se eu quisesse, poderia tornar a sua vida tão des­confortável que você desejaria nunca ter nascido.

— Senhora, se tal ocorrência significasse que eu nunca mais teria de colocar os olhos em você, então eu ficaria feliz por sua tentativa!

— Você gostou de mim uma vez — disse ela.

— Engano seu, senhora. — O tom de voz de Gabriel era de tédio agora. — O fato de eu ter conseguido tole­rar a sua presença quando éramos crianças seria uma descrição mais adequada.

A face de Jennifer agora se tornou mortalmente pálida.

— Como eu sempre detestei você — retrucou ela. — Com sua atitude de “lorde da Mansão” e seus modos tão superiores!

Ele a olhou com sarcasmo.

— Pelo menos, nós concordamos em alguma coisa, senhora... em nosso profundo desgosto um pelo outro.

Se Diana precisasse de mais alguma confirmação, o que não precisava, de que Jennifer Prescott tinha mentido sobre os acontecimentos do passado, então Jennifer acabara de lhe dar tal confirmação. Então ela sempre detestara Gabriel? Isso era muito inte­ressante...

— Está tarde, e estamos perdendo a calma. — Diana fa­lou, virando-se para Jennifer. — Por favor, não se preocu­pe mais com a sra. Faulkner. Eu lhe asseguro que, tendo cuidado de meu pai pelos últimos anos da vida dele, sou mais do que capaz de cuidar da mãe de Gabriel.

Tendo deixado Jennifer sem argumentos, Diana pôs um fim na conversa, batendo à porta de leve e pedindo que May a destrancasse para admiti-la.

Gabriel continuou numa batalha silenciosa de de­terminação com Jennifer por diversos segundos depois que Diana adentrara o quarto, antes que, finalmente, Jennifer desse um suspiro frustrado e descesse o corre­dor, deixando-o para seguir sua noiva para dentro dos aposentos quase escuros de sua mãe.

Diana estava de pé ao lado da cama, conversando aos sussurros com sua criada, que então fez uma breve cor­tesia para eles antes de se retirar do quarto, e Gabriel atravessou o espaço, a fim de parar ao lado da cama de sua mãe.

Gabriel falara a verdade mais cedo ao admitir que achara que sua mãe tinha mudado muito desde a últi­ma vez que ele a vira. Bem... talvez aquela última vez não fosse uma boa comparação; sua mãe estivera aba­lada no dia em que ele partira da Mansão Faulkner, o rosto mortalmente pálido, os olhos vermelhos por cho­rar diante da implacabilidade do pai dele com relação às acusações de Jennifer Lindsay.

Mas sua mãe sempre fora linda, parecendo ter, para ele, uma beleza sempre jovem. Agora, ela pare­cia ter cada um de seus 52 anos, o cabelo escuro exi­bindo mechas grisalhas, o rosto tão branco, magro e sem vida que era como uma daquelas máscaras usadas durante o carnaval de Veneza.

— Eu tenho certeza de que as mudanças que você vê em sua mãe são apenas superficiais, Gabriel.

Ele olhou para o outro lado da cama, onde Diana estava estudando-o de maneira tão compassiva. Uma compaixão que Gabriel achava difícil aceitar, mesmo da mulher com quem tivera uma intimidade recente.

Ele desviou o olhar.

— Talvez, tendo agora despachado a esposa de meu tio, você queira me dar uma explicação do motivo pelo qual nós fizemos isso?

— E claro. — Ela sorriu brevemente. — Mas talvez devêssemos ir para a sala de estar privada de sua mãe, de modo a não perturbá-la. — Indicou o cômodo adja­cente, a porta aberta revelando móveis confortáveis.

— Podemos deixar a porta aberta para ouvirmos se ela se mexer.

Gabriel a fitou através de olhos estreitos.

— Pelo que você me falou em seu quarto, eu pensei que perturbar minha mãe o bastante para acordá-la fosse o nosso principal propósito de estar aqui.

Diana sentiu sua face esquentar diante da referên­cia aos momentos em que eles tinham estado em seu quarto tão pouco tempo atrás, quando Gabriel a toca­ra com uma intimidade e uma habilidade que lhe rou­bara o fôlego. Quando ela retornara aquelas carícias de um jeito que a chocava só de pensar sobre aquilo...

Ela evitou encontrar-lhe os olhos.

— Tenho muita esperança de que sua mãe irá acor­dar em breve — murmurou Diana. — Apenas acho que seria melhor se esta conversa não fosse a primeira coi­sa que ela ouvisse quando acordar.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Por que não?

Diana pareceu aflita.

— Gabriel, quando eu vim aos aposentos de sua mãe mais cedo esta noite...

— Quer dizer, quando você falou que ia buscar um lenço?

— Sim. — Diana encolheu-se diante do lembrete dele de sua duplicidade... Sua única desculpa era que tinha feito o que acreditava ser melhor. — O láudano no re­médio de sua mãe está numa dosagem muito alta, mui­to mais alta do que o necessário, se for apenas para ajudá-la a dormir. Além disso, a sra. Prescott confir­mou várias vezes que ela, sozinha, tem sido responsável pelos cuidados com sua mãe nos últimos quatro meses. E tais cuidados, sem dúvida, incluem a administração dos remédios. — Diana escolheu suas palavras com cui­dado, porém com propósito.

Gabriel olhou-a por diversos segundos antes de assentir com um gesto de cabeça.

— Você tem razão, Diana... E melhor termos essa conversa na privacidade da sala de estar de minha mãe. — Ele saiu do quarto, sem esperar para ver se ela o seguia.

O que ela fez, é claro. Se as suspeitas de Diana esti­vessem corretas, então aquela não seria uma conversa particularmente agradável, mesmo que fosse necessária.

Gabriel adiou a conversa por alguns minutos en­quanto acendia a lareira, olhando para as chamas que rapidamente ganharam vida, antes de abaixar-se para acrescentar carvão do balde ao lado da lareira. E, du­rante o tempo inteiro, seus pensamentos estavam gi­rando. Pensando nas coisas que Diana já tinha falado. As suspeitas crescendo dessas observações.

Ele levou vários minutos para recobrar o controle de suas emoções o bastante para respirar fundo, antes de virar-se para encará-la, as mãos unidas com força atrás das costas.

— Muito bem — disse Gabriel. — Você pode continuar sua explicação agora.

Diana fez uma careta.

-— Você entende que isso é somente uma teoria, por enquanto?

— A essas alturas, uma teoria é mais que suficien­te. — O maxilar dele estava tão tenso que seus ossos pareciam prestes a quebrar.

O jantar fora um inferno, os momentos no quarto de Diana haviam sido paraíso; só Deus sabia como seriam os próximos minutos.

Ela começou a andar de um lado para o outro na sala.

— Eu achei o comportamento da sra. Prescott mui­to estranho desde a nossa chegada hoje, mais cedo. Lembra que ela não estava esperando por nós no hall quando finalmente entramos na casa, mas sim descen­do a escada correndo, o rosto vermelho pelo exercí­cio? Como se estivesse retornando de alguma tarefa urgente?

— Sim, eu lembro.

— Eu tinha pensado, depois que você me contou so­bre sua... conexão passada com Jennifer...

— Não houve conexão passada!

— Certo. Mesmo assim. — Diana sentiu-se um pou­co enervada pela força do protesto de Gabriel. — No começo, eu acreditei que pudesse haver uma explica­ção possível para o comportamento agitado da sra. Prescott, mas tive a chance de analisar as reações dela desde então, e, agora, acho que ela voltou a entrar na casa correndo, a fim de ir ao quarto de sua mãe e administrar outra dose do medicamento dela.

— Talvez estivesse na hora do remédio de minha mãe?

— Nesse caso, a dedicação da sra. Prescott para com a paciente, num momento em que ela estava obviamen­te vivenciando um tumulto pessoal, seria admirável. — Diana achou impossível esconder a ironia de seu tom de voz. Era geralmente uma pessoa paciente, contente em ver o bem nos outros, mas não conseguia encontrar uma única qualidade na sra. Prescott.

Gabriel estreitou os olhos.

— Então devemos assumir que houve outro motivo para a administração do remédio de minha mãe na­quele momento em particular?

— Eu acredito que sim.

— Tenho certeza de que você está prestes a me con­tar que motivo era esse — murmurou ele quando Diana hesitou.

— Nenhuma das atitudes da sra. Prescott teria me deixado intrigada se não fosse pela conversa estranha no jantar. Depois de, primeiro nos assegurar de que sua mãe não estava doente o bastante para que hou­vesse necessidade dos cuidados de um médico ou de uma enfermeira — explicou Diana ao ver o olhar inter­rogativo de Gabriel —, ela então declarou que sua mãe estava muito frágil para suportar uma viagem de car­ruagem até Londres conosco. As duas declarações fo­ram completamente contraditórias. Em vez de apenas permitir que minha imaginação corresse solta com relação aos possíveis motivos para aquilo, eu pedi li­cença, com a intenção de verificar a saúde de sua mãe por mim mesma. — Ela comprimiu os lábios. — Você lembra, sem dúvida, que a sra. Prescott mostrou os primeiros sinais de agitação durante o jantar, depois que você lhe contou que tinha encontrado tempo para visitar os aposentos de sua mãe mais cedo?

— Eu me lembro disso, sim — admitiu ele.

— Agora acredito que sua mãe não acordou durante a visita porque estava profundamente drogada pelo láudano contido em seu remédio.

— Com que propósito? — questionou Gabriel com curiosidade.

— Com o propósito de assegurar que sua mãe não estivesse acordada para conversar, caso você viesse visitá-la esta noite.

Gabriel sentiu-se empalidecer quando o impacto da suspeita de Diana começou a criar raízes em suas próprias imaginações. Uma delas sendo que seu tio e a esposa já estivessem residindo lá seis anos atrás, quando ele escrevera para sua mãe, pedindo permis­são para visitá-la depois da morte do pai dele. Uma carta que ele agora se perguntava se sua mãe havia recebido... A carta de Alice Britton, três dias atrás, alegara que era o maior desejo de sua mãe vê-lo no­vamente, e vinha sendo por algum tempo. A dispensa do médico de sua mãe, assim como da enfermeira e da dama de companhia, por Charles, nos últimos quatro meses, também era suspeita, deixando sua mãe total­mente sozinha e à mercê dos terríveis Prescott.

O coração de Diana doeu quando ela viu a palidez do rosto de Gabriel, a expressão desolada revelando o quanto ele estava afetado pelas descobertas dela...

— Eu sinto muito, Gabriel...

— Você não tem nada pelo que se desculpar — assegurou-lhe ele.

Talvez não, mas ela não estava gostando de dizer nenhuma daquelas coisas para ele. Especialmente quando isso resultara no retorno do homem frio e emocionalmente fechado do primeiro encontro deles.

— Se a intenção da sra. Prescott mais cedo fosse ga­rantir que sua mãe continuasse dormindo, então eu sei, por experiência, que outra dose de láudano preci­saria ser administrada em outro momento desta noite para manter o estado de inconsciência — continuou ela em tom gentil. — Eu coloquei minha criada aqui, com a porta firmemente trancada, a fim de impedir tal ocorrência.

Gabriel deu um suspiro exasperado.

— Jennifer não pode ter acreditado seriamente que conseguiria manter minha mãe dormindo durante toda a nossa estada aqui.

— Com certeza, ela pretendia conseguir fazer isso até que seu tio voltasse de Londres — sugeriu Diana. — Então a sra. Prescott, sem dúvida, pretendia passar a responsabilidade da situação delicada para ele.

Gabriel bufou.

— Charles não é páreo para mim, eu lhe asseguro.

Ela não tinha problemas em acreditar nisso. Assim como sabia que Gabriel teria conseguido ver o perigo da situação estranha que existia na Mansão Faulkner por si mesmo se não estivesse tão emocionalmente fechado para tudo. Se o desprazer por reencontrar Jennifer Prescott não tivesse nublado seus poderes de dedução...

Diana deu um sorriso triste.

— Duvido que isso importe agora.

O olhar dele se tornou mais intenso.

— Como assim?

Ela deu de ombros.

— Se minhas suspeitas estiverem corretas, e a fal­ta de mais medicação conseguir despertar sua mãe, então a sra. Prescott deve saber que nós logo desco­briremos tudo sobre a vida de sua mãe nesses últimos seis anos.

A expressão de Gabriel era subitamente angustiada.

— Você acha mesmo possível que minha mãe tenha sido enganada durante todo esse tempo? Que pode ter sido mantida prisioneira em sua própria casa nes­tes quatro meses?

— Sim, acho que esta é uma possibilidade — respon­deu Diana cautelosamente.

— Com que objetivo? — Gabriel se moveu, de ma­neira irrequieta. — O que aconteceu quatro meses atrás para causar uma mudança tão repentina?

— Isso é algo a que somente seu tio e sua tia podem responder...

— Você não tem alguma outra “teoria” sobre isso também?

Ela encolheu-se ao ouvir a amargura no tom de voz dele.

— Sim, eu tenho.

— Foi o que imaginei — murmurou Gabriel com um suspiro.

— Obviamente, Charles e Jennifer se acostumaram, a viver aqui como hóspedes de sua mãe durante seis anos, uma existência confortável e privilegiada que, tenho certeza, eles apreciaram muito. Você também mencionou que seu tio é um homem que gosta de jo­gar e que perdeu a própria casa por causa disso.

— É verdade.

— Então talvez a resposta esteja aí. Débitos de jogo ainda maiores do que no passado, significando que eles precisavam de mais controle sobre a propriedade. Eu realmente não sei as razões pelas quais as coisas mudaram quatro meses atrás, Gabriel. — Ela abriu as mãos, como se estivesse se desculpando. — Só posso dizer do que desconfio. Se eu estiver errada, então pe­direi desculpas por todas as minhas suposições.

— Você não está errada — falou ele com total finali­dade, a expressão desolada.

— Nós não podemos ter certeza...

— Ora, eu tenho certeza! — A fisionomia de Gabriel era quase selvagem agora. — E o pior de tudo é que nada disso teria acontecido se eu tivesse insistido em visitar minha mãe depois que meu pai morreu.

— Autorrecriminação não servirá para nada agora, Gabriel...

— Serve para aliviar um pouco de minha frustração com esta situação. — Ele começou a andar pela sala.

— Se tudo isso for verdade, e tenho todos os motivos para acreditar que seja, então eu estrangularei os Prescott com minhas próprias mãos.

— Ver o próprio filho preso por assassinar o tio e a tia não ajudará nem um pouco na recuperação de sua mãe — murmurou ela.

Os olhos de Gabriel brilharam de maneira vingativa.

— Valeria a pena.

Diana atravessou a sala para colocar sua mão gen­tilmente sobre o braço dele.

— Sabe que não valeria. — Ela deu-lhe um sorriso doce. — Você ama muito sua mãe, não é?

Ele ficou tenso.

— Sempre. — Gabriel ergueu o queixo, como se con­vidasse alguém que pudesse desafiá-lo a fazer tal de­claração depois da dor que sua família sofrerá por sua causa, oito anos atrás.

Mas era uma dor que Diana acreditava nunca ter sido causada por ele.

— Eu acho que, quando você falar novamente com a sra. Prescott...

— Eu não pretendo fazer nada tão banal quanto falar com ela...

— Quando você falar com ela da próxima vez — repe­tiu Diana com firmeza —, talvez também queira ques­tioná-la sobre quem era realmente o pai do bebê dela.

Gabriel tornou-se muito imóvel enquanto a olhava, a expressão mudando de perplexidade para choque, e depois para total incredulidade, em questão de se­gundos.

— Você não pode estar sugerindo... Não desconfia que o bebê fosse de Charles!

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Essa é uma possibilidade, não é? Estou ciente de que não é incomum, num casamento arranjado, como foi o dos Prescott, encontrar uma medida de suces­so, um respeito mútuo entre o casal, pelo menos. — Como Diana esperava que acontecesse um dia em seu próprio casamento Com Gabriel. — Mas eu acho que a esposa de seu tio fala do marido com mais do que apenas respeito. Acho que ela é profundamente apaixonada por ele. E Jennifer declarou mais cedo, de maneira muito convincente, que o casamento deles era feliz.

— Eu tenho todas as razões para acreditar que é — concordou Gabriel, pensativo.

Ela inclinou a cabeça de leve.

— Minha tia Humphries... que, por acaso, conheceu tanto sua mãe quanto seu tio Charles durante a tem­porada de bailes em Londres, quase trinta anos atrás... me contou que ele era muito charmoso na época. Não tanto quanto o sobrinho de má reputação, é claro — provocou Diana. — Mas charmoso, de qualquer forma.

A fisionomia de Gabriel suavizou-se um pouquinho.

— Posso ver que já é mais do que hora de sua tia e eu nos conhecermos.

Diana riu.

— Duvido que isso a tranqüilizasse!

— Talvez não — aceitou ele secamente, e então fi­cou sério. — Você acha mesmo possível que Charles e Jennifer estivessem intimamente envolvidos oito anos atrás e que o bebê que ela carregava fosse dele? Pior ainda, que eles planejaram minha desgraça juntos, sa­bendo que eu me recusaria a assumir a responsabili­dade por uma criança que não era minha e acabaria sendo deserdado por meu pai, enquanto Charles era generosamente pago para se casar com Jennifer?

Diana pareceu triste.

— Eu não posso responder a tais perguntas com cer­teza. Mas acho que vale a pena investigar todas essas questões.

— Eu realmente irei estrangular os dois se isso tudo for verdade...

— Gabriel? Gabriel, é você, meu menino querido?

Ele congelou ao primeiro som da voz fraca e suave chamando seu nome do quarto adjacente, seus olhos se arregalando com incredulidade, e seu rosto se tor­nando ainda mais pálido enquanto Gabriel registrava as palavras carinhosas de sua mãe.

— Vá para ela, Gabriel — incentivou Diana em tom emocionado, apertando-lhe o braço brevemente em encorajamento, antes que se afastasse.

— Venha comigo — pediu ele.

Ela meneou a cabeça.

— Eu estarei esperando por você em meu quarto, depois que você e sua mãe tiverem a chance de con­versar. — Diana sorriu-lhe. — Não importa a hora, eu estarei esperando.

Ela sabia que não conseguiria dormir, muito menos sozinha, até que soubesse se suas suspeitas estavam corretas. Embora o amor que tinha Ouvido na voz de Felicity Faulkner ao chamar o nome do filho tivesse dado a Diana a esperança de que esse realmente era o caso...

 

Gabriel entrou no quarto de Diana completamente sem aviso, algumas horas depois, ainda vestido em sua camisa aberta, calça e botas, o cabelo ainda mais de­salinhado, como se ele tivesse passado dedos agitados por eles durante um bom tempo.

— Tenho certeza de que você não ficará surpresa em descobrir que Jennifer fez uso de uma das carruagens e fugiu da Mansão Faulkner como se o próprio demô­nio a estivesse perseguindo!

Diana tinha tentado ocupar-se de maneira provei­tosa na ausência de Gabriel, como sua tia lhe ensi­nara a fazer em momentos de ociosidade. Primeiro, lendo um livro. Então, pegando seu bordado quando nenhum de seus livros favoritos conseguia lhe prender a atenção ou o interesse. Depois de desembaraçar a linha de seu bordado pela quarta vez, Diana largara este também, seus pensamentos e suas emoções mui­to tumultuados para que ela fosse capaz de realizar qualquer ocupação que valesse a pena.

Em vez disso, havia começado a andar de um lado para o outro. E quando se cansou de andar, apenas se sentou na poltrona diante do fogo, olhando para as chamas. Pensando. Rezando. Rezando para que o rela­cionamento de Gabriel com a mãe que ele tanto amava voltasse a se tornar tão amoroso quanto sempre fora. Para o bem dele. Para o bem da mãe viúva dele.

Entretanto, ao mesmo tempo, ela não podia evitar perguntar-se como essa reconciliação com a mãe de Gabriel afetaria seu próprio noivado com ele. Gabriel tinha sido completamente honesto com ela desde o começo. Era agora conde de Westbourne e, como tal, sentia que necessitava de uma esposa, em primeiro lu­gar, para ser a ama de suas casas e, depois, para con­ceber seus filhos. Diana era a filha do conde anterior, por conseguinte, ela, ou uma de suas irmãs, fora uma escolha óbvia para o papel da nova esposa do conde. Mas se Gabriel se reconciliasse com a mãe, e o gelo sobre suas emoções derretesse, talvez ele não susten­tasse mais o mesmo estado cínico da mente. Podia até mesmo decidir que não queria mais uma esposa no momento; sua mãe viúva poderia administrar seus la­res, e com somente 28 anos, não havia pressa para que ele produzisse herdeiros.

Diana levantou-se devagar, mantendo a expressão deliberadamente calma e composta, mesmo que suas dúvidas com relação ao seu próprio futuro como es­posa de Gabriel significasse que ela não se sentia cal­ma ou composta.

— Não, eu não posso dizer que estou surpresa.

Na verdade, se a visita de Gabriel à mãe tivesse pro­vado que as teorias de Diana sobre Jennifer Prescott estavam certas, então ela não seria capaz de ver outra solução para o dilema da tia de Gabriel: Jennifer teria de deixar a Mansão Faulkner imediatamente, sem dúvida, com a intenção de se juntar ao marido em Londres, ou arriscar enfrentar, sozinha, a ira considerável de Gabriel. O próprio demônio, na verdade... E Jennifer, apesar de defensiva e escandalosa, não parecia muito corajosa!

— Imagino que sua mãe esteja se sentindo mais ela mesma agora.

A expressão de Gabriel instantaneamente se tor­nou menos feroz, as linhas ao lado do nariz e boca se suavizando, os olhos de um azul profundo e compas­sivo.

— Ela adormeceu alguns minutos atrás, enquanto ainda conversávamos — revelou ele com voz rouca.

Diana assentiu.

— Levará diversos dias para que os efeitos do láuda­no passem completamente. Eu... Vocês dois consegui­ram resolver algumas de suas diferenças?

— Sim, conseguimos — afirmou ele.

— Fico tão contente.

Gabriel de repente pareceu furioso.

— Você também ficará contente em saber que a maioria de suas teorias pode se provar correta.

— Eu não estou exatamente contente em ouvir isso, Gabriel — protestou ela.

Ele balançou a cabeça com impaciência antes de atravessar o quarto e parar ao lado da lareira, olhando para as chamas abaixo.

— A pedido de Charles, minha mãe aparentemente colocou o irmão no comando das contas da proprie­dade depois que meu pai faleceu. Ela diz que fez isso porque, na época, sentia-se incapaz de lidar com as questões complicadas de administrar a propriedade e a fortuna, e na esperança de que a responsabilidade fizesse Charles parar de jogar.

— Não fez?

— Não. — Gabriel franziu o cenho. — Ah, ele foi muito esperto em suas maquinações durante diversos anos, a quantidade de dinheiro que tomava para si mesmo aparentemente insignificante no grande esquema das coisas. Então, quatro meses atrás, minha mãe o con­frontou quando descobriu que uma grande soma de dinheiro havia desaparecido da conta da propriedade. — O rosto de Gabriel endureceu. — Minha mãe não se lembra de mais nada desde então. Tem sido mantida dormindo por tanto tempo que nem mesmo estava ciente que Alice Britton fora demitida.

Diana arfou.

— Isso é monstruoso.

— Minha mãe também não recebeu minha carta de­pois da morte de meu pai, quando eu pedi para visitá-la, assim como para visitar o túmulo de meu pai. E eu não recebi nenhuma das cartas que ela me escreveu durante os últimos seis anos, nas quais sempre pedia que eu a visitasse. Cartas que ela confiava a Charles, para garantir que fossem enviadas com segurança. — O ódio na expressão de Gabriel prometia retribuição somente por isso... que dirá pelos outros crimes que seu tio pudesse ter cometido na época.

— Eu sinto muito...

— Não tenha pena de mim, Diana. — O semblante de Gabriel era selvagem na luz do fogo quando ele virou-se para encará-la. — Pena é para os fracos. E eu lhe garanto que, neste momento, minhas emoções com relação ao meu tio e a esposa dele são muito fortes!

Ela não tinha dúvidas de que eram. Assim como não podia haver mais nenhuma dúvida de que a fuga de Jen­nifer no meio da noite era equivalente a uma admissão da culpa dos Prescott.

— Então eu reservarei a minha compaixão para sua mãe. Pelo o que ela sofreu.

Gabriel respirou fundo antes de fazer uma reverên­cia formal para ela, um gesto que não perdeu nada de sua sinceridade pela falta de um traje formal.

— Eu deveria estar lhe agradecendo de joelhos, não descontando minha raiva em você.

Numa situação similar, Diana sabia que sentiria emoções igualmente violentas.

— O que você vai fazer agora?

— Apesar da fuga de Jennifer, acho melhor que eu permaneça ao lado de minha mãe por esta noite, pelo menos.

Por aquela declaração, ficou óbvio que Gabriel não pretendia passar o resto da noite na cama de Diana... Mas ela realmente esperara que isso acontecesse? O modo horrível com que os Prescott tinham tratado a mãe dele devia ser muito perturbador para Gabriel. E, embora ela ainda tremesse com a lembrança do pra­zer que experimentara durante a intimidade dos dois mais cedo, Gabriel não conhecera tamanho prazer pela primeira vez, e o ocorrido provavelmente não tivera o mesmo impacto sobre as emoções dele. Na verdade, o impacto parecia ter sido tão pequeno que Gabriel nem sequer dava alguma indicação de lembrar-se daquilo.

Diana deu um pequeno sorriso.

— Eu não me referia aos seus planos imediatos, Gabriel...

— Assim que minha mãe estiver bem o bastante para viajar, nós faremos o que você sugeriu no jantar e viajaremos para Londres. Uma vez que ela estiver segura e confortavelmente instalada em Westbourne House, tenho todas as intenções de procurar meu tio e Jennifer, persegui-los até o fim da Terra, se neces­sário, e assegurar que eles paguem pelo que foi feito aqui — prometeu ele.

Talvez fosse egoísmo de Diana, mas ela não pôde deixar de notar que nem ela nem o noivado deles fo­ram mencionados nos planos de Gabriel... nos planos imediatos ou nos planos para um futuro mais distante.

 

A cabeça de Gabriel ainda girava, tanto no sentido emocional quanto mental, quando ele entrara no quarto de Diana alguns minutos atrás. Ele nunca po­deria ter imaginado a profundidade na qual Charles e a esposa tinham sucumbido desde que haviam se mudado para a Mansão Faulkner, a fim de viver com a mãe recentemente viúva de Gabriel. Começando, parecia, com a apropriação das cartas enviadas entre mãe e filho ao longo dos anos...

Sem dúvida, uma vez que Gabriel tivesse a chan­ce de checar as contas da propriedade por si mesmo, descobriria que Charles estivera suplementando seu hábito de jogar com aqueles fundos pela maior parte dos últimos seis anos, se não por todo esse tempo. Ele acreditava que a grande quantidade de dinheiro que sua mãe dera a Charles, quatro meses atrás, e a qual, com sua famosa falta de sorte nas mesas de jogo, ele não tinha esperanças de repagar, provaria ser o mo­tivo da demissão de todas aquelas pessoas próximas a Felicity. Assim como pelo uso de grandes doses de láudano para assegurar que ela permanecesse num estado constantemente sonolento desde então.

Quanto aos verdadeiros eventos daquele suposto escândalo oito anos atrás...

Se Gabriel tivesse pensado sobre a identidade real do pai do bebê de Jennifer Lindsay algum dia, então assumira que devia ser um dos homens do vilarejo.

Jamais lhe ocorrera, até que Diana fizera a sugestão mais cedo, que pudesse ter sido seu tio Charles.

Talvez ele devesse ter considerado tal possibilida­de. Mesmo naquela época, Charles não tivera muita sorte no jogo e, com frequência, passava meses na Man­são Faulkner, vivendo à custa da generosidade do pai de Gabriel, assim como fugindo de seus credores. E sem dúvida, apreciando os favores das mulheres da região, o máximo que pudesse.

Sim, quanto mais Gabriel considerava a possibili­dade de Charles ser o pai do bebê de Jennifer, mais inclinado ficava a acreditar que toda a série de even­tos tinha sido planejada, com o objetivo de deserdar Gabriel e, ao mesmo tempo, prover Charles com uma boa quantidade de dinheiro para que ele se casasse com a mulher que já era sua amante.

Ele precisara que Diana, com seu distanciamento frio, enxergasse o possível curso verdadeiro de eventos. Gabriel sentia-se tolo, até mesmo ridículo, por não ter visto aquelas coisas na época. Não somente isso, mas, devido ao seu orgulho e arrogância, ao recusar-se a vi­sitar a Mansão Faulkner, sujeitara sua mãe a meses de sofrimento.

O que Diana devia pensar ao seu respeito agora, pelo fato de ele não ter visto os acontecimentos reais, oito anos atrás, por ter permitido que sua arrogância orgulhosa deixasse sua mãe sofrer por anos nas mãos dos Prescott? Ele sabia que Diana, com sua atitude sensata e seus pontos de vista muito definidos sobre o que era certo e o que era errado, nunca teria permiti­do que isso acontecesse a um membro de sua própria família.

Gabriel olhou para ela agora, através de pálpebras estreitas, mas foi incapaz de ler quaisquer pensamen­tos ou emoções no jeito calmo com que ela o fitava de volta. Aquele era um jeito deliberado?

Sem dúvida, Diana precisaria de algum tempo para digerir e aceitar tudo o que eles haviam descoberto lá. Para decidir como se sentia sobre tais descobertas. E talvez como, ou se, aquelas coisas afetavam o noivado deles e o respeito que vinha crescendo aos poucos en­tre os dois. Ele não queria que ela prosseguisse com o casamento se ele a tivesse decepcionado. Sim, sob as circunstâncias, Gabriel aceitava que esse tempo para refletir sobre as coisas era o mínimo que ele podia lhe dar.

Ergueu-se em toda a sua altura, a fisionomia deli­beradamente desprovida de emoção.

— Entre estar com minha mãe e cuidar dos negócios da propriedade, eu, sem dúvida, ficarei muito ocu­pado durante os próximos dias, enquanto esperamos que a saúde de minha mãe se fortaleça o suficiente para realizar a viagem.

Os olhos de Diana estavam subitamente muito azuis no rosto alvo, enquanto ela sustentava seu olhar com firmeza.

— É claro.

— Obrigado. — Gabriel fez uma reverência elegan­te. — Você é, como sempre, muito generosa em sua compreensão.

Ela era? Naquele momento, sentia vontade de gritar e protestar contra a expressão e maneira distantes de Gabriel, quando tudo o que queria era atirar-se naque­les braços fortes e fazer amor com ele, sentia uma neces­sidade incrível da evidência de que o desejo de Gabriel por ela não mudara, pelo menos.

Diana não faria nenhuma dessas coisas, é claro. Aprendera, muito tempo atrás, a nunca pedir, ou es­perar, a consideração de outros com relação às suas próprias emoções, mas a manter suas próprias neces­sidades e emoções sob controle rígido. Exceto quando ela e Gabriel fizeram amor...

— Irei me empenhar para ajudar, de qualquer ma­neira que eu puder, a tornar a recuperação total da saúde de sua mãe o mais suave e tranqüila possível. — O tom de voz de Diana foi tão frio quanto era o dele.

Gabriel inclinou a cabeça.

— Eu apreciaria muito qualquer gentileza que você mostrasse a ela.

Aquela vontade interna de gritar e chorar tornou-se quase insuportável quando Gabriel continuou lhe falando com a educação de um estranho. Eles haviam compartilhado uma intimidade tão maravilhosa mais cedo, cuja mera lembrança ainda a fazia enrubescer, todavia, ele agora a tratava como se ela não passasse de uma amiga gentil e atenciosa!

Enquanto ela agora pensava em Gabriel como... como o quê?

Diana franziu o cenho, sabendo que agora não era o momento para analisar suas emoções a fim de en­tender como se sentia com relação a ele.

— É claro. Por favor, não se demore mais aqui — dis­se ela. — Sua mãe pode ter acordado em sua ausência e se perguntado se sua presença lá mais cedo não tinha sido um sonho, afinal de contas.

— É verdade. — O maxilar de Gabriel estava rígido, enquanto ele continuava olhando para ela por diver­sos segundos. Segundos nos quais ainda não conse­guia ler nada na expressão calma de Diana, quando desejou por nada mais além de tomá-la nos braços novamente e...

— Eu lhe desejo uma boa noite, então, meu lorde — acrescentou ela, o tom de voz obviamente de dispensa.

Gabriel ergueu-se de maneira orgulhosa. Sentira-se tão próximo de Diana quando eles tinham feito amor mais cedo, sentira-se como se eles estivessem prestes a... a quê? Experimentar afeição verdadeira um pelo outro talvez? Uma afeição que poderia se aprofundar ao longo dos anos, consequentemente tornando o casamento de conveniência mais suportá­vel para ambos.

Não havia afeição no comportamento de Diana agora. Nenhum traço do aconchego ou provocação anterior. Em vez disso, parecia haver uma parede en­tre eles.

Uma parede intransponível?

 

— Eu não posso me lembrar da última vez que visitei Londres... — A expressão da sra. Felicity Faulkner era extasiada enquanto ela olhava pela janela da carrua­gem, e absorvia a agitação, o barulho, os cheiros que formavam a capital da Inglaterra.

As ruas estavam lotadas com outras carruagens, com crianças correndo entre os cavalos, cachorros la­tindo, vozes gritando enquanto mulheres vendiam flo­res nas esquinas, e homens ficavam atrás de barracas, vendendo tortas quentes e refrigerantes.

Nada daquilo conseguiu diminuir a tristeza interna de Diana.

Eles haviam ficado mais dois dias na Mansão Faulkner para que Felicity se recuperasse e tivesse forças suficientes para fazer a jornada lenta de três dias para Londres. Os dois dias extras na mansão ha­viam sido torturantes para Diana, uma vez que ela quase não vira Gabriel, e fora tratada com educa­ção fria por ele quando eles tinham a chance de se encontrar durante o café da manhã e no jantar. Ele ficara, como previra, excessivamente ocupado com os assuntos da propriedade, seu humor tornando-se mais sombrio a cada hora, parecia, enquanto Gabriel obviamente encontrava muitas discrepâncias nos li­vros contáveis de sua mãe.

Felicity era tão encantadora quando Gabriel levara Diana a acreditar que ela fosse; uma mulher linda e vivaz, que, apesar de ter sofrido emocionalmente por muitos anos, havia se recuperado com rapidez, uma vez que não era mais drogada com doses altas de láudano, e podia apreciar o retomo de seu filho. Ela também ficara radiante em saber que Gabriel tinha herdado o título e as propriedades do conde de Westbourne.

Proibida por Gabriel de até mesmo mencionar o nome Prescott para a mãe dele, Diana frequentemen­te se refugiava discutindo Shoreley Park com a mu­lher mais velha, como um meio de evitar conversas sobre assuntos mais pessoais. Algo que não se provara muito difícil fazer, uma vez que Gabriel, sem dúvida, por razões pessoais, ainda não contara a Felicity so­bre o noivado deles; pelo que Felicity sabia, Diana era apenas a mais velha das protegidas de seu filho.

Talvez ele tivesse todas as intenções de pedir para ser liberado daquele noivado, uma vez que eles estives­sem de volta em Londres, pensou Diana com tristeza. Se isso acontecesse, então não apenas um, mas dois homens teriam desistido dela como suas escolhas para uma esposa, Malcolm porque conhecera e conquistara uma mulher que poderia lhe dar riqueza em vez de um título, com o casamento, e Gabriel porque o noivado deles sempre fora uma questão de conveniência para ele, desde o começo. Um noivado que ele, obviamente, não considerava mais conveniente ou necessário.

Quanto mais Diana pensava sobre as duas re­jeições, mais zangada ficava. Como eles ousavam?

Como aqueles homens ousavam descartá-la como se ela não passasse de um par de botas que não ser­via mais? Exatamente quando Gabriel pretendia lhe pedir, de modo oficial, para ser liberado do noivado, Diana não tinha ideia, mas os últimos cinco dias, pas­sados numa agonia de emoções, significavam que ela agora desejava lhe dizer muitas coisas no momento que ele decidisse fazer isso. Tantas coisas, na verdade, que não sabia se seria capaz de parar o fluxo das pala­vras uma vez que estas começassem a sair de sua boca.

— Você parece pensativa, minha querida.

Diana virou-se da janela a fim de olhar para Felicity do outro lado da carruagem.

— Perdoe-me se eu não estou sendo uma boa com­panhia, mas há uma pequena... perturbação familiar que ocupa todos os meus pensamentos no momento. — Não inteiramente verdade, quando ela queria dizer que Gabriel a mantinha tão mentalmente exausta, to­davia, quanto mais eles se aproximavam de Londres, mais seus pensamentos se voltavam para sua irmã de­saparecida, Elizabeth.

Eles não tinham recebido notícias na Mansão Faulkner sobre o assunto, de Caroline ou de lorde Vaughn, de modo que Diana só podia presumir que Elizabeth continuava desaparecida. Perdida e sozinha em algum lugar daquela metrópole barulhenta...

Mais do que qualquer coisa, ela agora desejava re­tornar a Shoreley Park, mesmo se somente para lamber suas feridas em privacidade; algo que não podia fazer até que eles tivessem encontrado e levado Elizabeth de volta para a segurança da família.

O rosto gentil de Felicity se suavizou em com­preensão.

— Gabriel me explicou a... situação... — Ela olhou para a criada de Diana, que também estava sentada na carruagem com elas — no que diz respeito à sua irmã.

Diana arregalou os olhos.

— Ele contou?

— Oh, sim. — Felicity sorriu. — Gabriel leva o papel como seu guardião, e de suas irmãs, muito a sério.

O papel como seu guardião...

Quando Diana queria tanto mais dele! Queria um retorno do homem que a amara tão lindamente cin­co noites atrás, e ainda queria se tomar esposa dele, na esperança de que Gabriel um dia passasse a gostar dela de verdade.

Como gostava dele...

Seus sentimentos, por Gabriel eram alguma coisa que Diana não questionava com frequência durante os últimos dias. Amor, uma vez reconhecido, mesmo que apenas para a pessoa, não podia mais ser ignora­do, então ela se recusava a analisar profundamente seus sentimentos, para saber se era amor ou não o que sentia por ele. Além disso, se estivesse apaixonada por Gabriel, com certeza não sentiria aquela vonta­de desesperadora de socar-lhe o peito com os punhos cerrados, enquanto o xingava de uma longa lista de nomes que combinaria mais se falada pela esposa de um pescador.

— Eu aprecio a preocupação dele — replicou ela de forma tensa.

A mãe de Gabriel pareceu desejosa.

— Eu gostaria que você o tivesse conhecido antes da ocorrência desta situação desagradável. Gabriel era tão mais gentil então, tão generoso com afeições. — Ela meneou a cabeça com tristeza.

E em retorno daquela gentileza e generosidade de afeição, ele tinha sido deserdado e banido por sua fa­mília e pela sociedade. Era de admirar que Gabriel se tornara o homem duro e cínico que era hoje?, pensou Diana.

— Ele ainda é gentil e generoso em suas afeições com relação à senhora — apontou Diana.

— Oh, ele é. — Profundos olhos azuis, como os do filho, se encheram com lágrimas não derramadas — Eu apenas desejaria... Meu marido não era um homem tão duro e inflexível, Diana. Ele sofria por agir da maneira que agiu com Gabriel. Tenho certeza de que, se Neville tivesse vivido mais tempo, ele e Gabriel te­riam acabado fazendo as pazes.

Diana sabia que mãe e filho haviam visitado o tú­mulo do pai, antes que eles partissem. A expressão de Gabriel se mostrara tão carregada de emoções no momento em que ele retornara que Diana não ousara lhe falar, antes que ele desaparecesse dentro do es­túdio do pai e não reaparecesse até o horário do jan­tar, duas horas mais tarde, o comportamento ainda tão distante que ela achara melhor deixá-lo com suas próprias reflexões.

Diana estendeu o braço para o outro lado da carrua­gem agora, a fim de apertar a mão de Felicity.

— Eu também tenho certeza disso.

Felicity espantou a tristeza.

— Agora que eu vim para Londres, poderei reno­var a amizade com sua tia Humphries. Dorothea e eu fomos tão amigas na juventude, sabe? — confidenciou ela calorosamente.

Diana sorriu.

— Ela me contou.

— Não tudo, tenho certeza. — Felicity pareceu ter muito menos que seus 52 anos quando sorriu de ma­neira travessa. — Dorothea era considerada uma pes­soa “original”, sabia?

— Tia Humphries? Verdade? — Diana não pôde es­conder sua surpresa pela descoberta, sua tia sempre dera a impressão de ser tímida e puritana.

— Oh, sim — confirmou Felicity. — Na verdade, todos na sociedade ficaram surpresos quando ela aceitou a oferta do capitão Humphries, não somente um ho­mem bem mais velho do que ela, mas um que podia ser muito austero na ocasião.

— Acredito que eles foram muito felizes no casa­mento.

— Oh, eu espero que sim! — A preocupação de Felicity com a felicidade de sua velha amiga era sincera. — Mal posso esperar para rever Dorothea e saber tudo o que aconteceu na vida dela nos últimos trinta anos.

E Diana ficaria muito feliz em ser liberada da com­panhia; quanto mais elas se aproximavam de Londres, mais difícil se tornava esconder de Felicity seus senti­mentos com relação a Gabriel. Especialmente quando nem a própria Diana entendia aquele misto confu­so de raiva, carinho e desespero!

 

Gabriel estava cansado, tenso e bastante mal-humorado quando desceu das costas largas de Maximiliam, antes de entregar as rédeas para um dos cavalariços, que tinha corrido do estábulo de Westbourne House para recebê-los.

O primeiro dos dois desconfortos era causado pelas muitas horas passadas na sela, e o segundo, por uma frustração crescente pelo jeito esquivo de Diana, que ultimamente evitava até mesmo conversas educadas com ele nas poucas ocasiões que eles estavam juntos.

Gabriel havia esperado, uma total arrogância de sua parte, sem dúvida, que, com o tempo, ela passaria a se sentir mais calorosa com relação a ele novamen­te; em vez disso, Diana se tornara mais fria com cada dia que se passara, ao ponto que agora parecia evitar sua companhia sempre que possível.

O estigma de seu escândalo passado não a impedi­ra de concordar em se casar com ele... Sem dúvida, a natureza gentil de Diana significava que ela vira nele uma alma perdida em necessidade de salvamento. Descobrir que a esposa de seu tio era a mulher do seu passado também não a fizera perder a compostu­ra por muito tempo. Não, parecia que descobrir que o orgulho e a arrogância de Gabriel tinham resultado no sofrimento e aprisionamento da mãe dele havia fi­nalmente sido demais para o bom coração de Diana suportar. Afinal de contas, pensou ele com tristeza, era aquela mesma arrogância que, no começo, o in­centivara a propor casamento para qualquer das ir­mãs Copeland.

— Você finalmente retornou, Diana!

As duas damas mal tiveram tempo de descer da car­ruagem, antes que a porta da frente de Westbourne House se abrisse e uma Caroline excitada descesse cor­rendo os degraus, para cumprimentar a irmã com um entusiasmo que atestava a afeição profunda que elas sentiam uma pela outra.

— Sra. Faulkner. — Caroline fez uma reverência educada depois que Diana acabou as apresentações.

— Meu lorde. — O tom de voz de Caroline esfriou um pouco quando ela virou-se para reconhecê-lo com uma breve inclinação da cabeça.

Nenhuma chance ali, então, refletiu Gabriel com pe­sar, enquanto se juntava às damas e retornava o cum­primento com sua própria inclinação da cabeça. Nem mesmo a amizade que Dominic tinha por Gabriel po­dia mudar a opinião de Caroline de que ele não era bom o bastante para sua irmã adorada. Uma opinião que Gabriel agora compartilhava.

— É tão bom ter você de volta conosco em Londres. — Caroline uniu seu braço ao da irmã, quando as três damas precederam Gabriel na subida dos degraus para a casa. — E você nunca irá adivinhar quem mais veio para a cidade! — Os olhos verdes de Caroline bri­lharam enquanto ela olhava para Diana com empolgação.

— Tenho certeza de que eu não preciso adivinhar, quando você obviamente está louca para me contar — murmurou Diana.

— Malcolm Castle! — exclamou Caroline, o ros­to iluminado de alegria. — Ele apareceu aqui, pela primeira vez, quatro dias atrás e, desde então, volta todos os dias na esperança de descobrir que você retornou de Cambridgeshire!

Gabriel hesitou em seus passos ao ouvir a notícia, seu coração pesado quando ele percebeu o significado daquela informação. O jovem tinha agora percebido seu erro e voltado a procurar Diana na esperança de tentar reconquistá-la?

 

— Eu acredito que você não dificultará as coisas no que diz respeito a liberar minha irmã do noivado.

Gabriel fechou os olhos brevemente, antes de reabri-los, o retorno da vista do jardim impecável do lado de fora da janela do estúdio fazendo pouco para amenizar seu humor sombrio. Como poderia, quando cada vez que ele olhava para o jardim lembrava que tinha sido Diana quem instruíra os jardineiros sobre a aparência que este deveria ficar? Tudo naquela casa havia sido restaurado à sua antiga glória sob a orientação dela...

— Você é surdo, meu lorde, ou apenas escolhe me ignorar?

Assim como Caroline sempre seria defensora de Diana! Isso se provaria estranho para todos eles se... quando o noivado de Gabriel com Diana chegasse ao fim e Caroline e Dominic estivessem casados.

Ele virou-se devagar, a expressão permanecendo impassível enquanto estudava a irritação no lindo ros­to de Caroline, que o encarava do outro lado da sala.

— Eu não sou surdo nem estou ignorando você, Caroline — disse ele sedosamente.

— Então?

— Então o quê?

Ela adentrou o estúdio antes de fechar a porta com firmeza.

— É sua intenção liberar Diana do noivado sem criar confusão?

A boca de Gabriel se comprimiu.

— Que eu saiba, sua irmã não me fez tal pedido.

Aqueles olhos verdes-mar se arregalaram.

— Mas certamente você deve saber que ela pedirá.

— Devo? — perguntou ele de modo evasivo.

Ela fez uma careta,

— Eu não acredito que você seja estúpido ou insen­sível.

— Sinto-me gratificado em ouvir isso!

Caroline bufou com impaciência.

— Você está sendo deliberadamente obtuso...

— Pelo contrário, minha querida Caroline, eu estou tentando... e obviamente não conseguindo... entender por que é da sua conta como, ou se, meu noivado com Diana chegará a um fim. — Ele a fitou de forma desa­fiadora.

Verdadeira ao seu caráter, Caroline não se acovar­dou nem um pouco.

— Isso passou a ser da minha conta, meu lorde, no momento em que minha irmã, uma mulher que nunca chora, apenas minutos atrás começou a soluçar nos meus braços, como se seu coração fosse quebrar!

Aquelas palavras foram como um ferimento de espada no peito de Gabriel. Ele e Diana tinham se separado apenas uma hora atrás, ela, para subir com a irmã, Gabriel para cuidar que sua mãe fosse levada para o conforto do quarto onde, para o óbvio encanto de Felicity, Alice Britton estava esperando para lhe dar as boas-vindas, o que Gabriel havia conseguido enquanto ainda estava na Mansão. A alegria no rosto de sua mãe quando as duas mulheres se reuniram foi o bastante para lhe mostrar que, pelo menos, ele agira corretamente.

Assim como teria de fazer, liberando Diana do noi­vado?

Diana lhe assegurara, quando eles tinham concor­dado com o casamento, que não havia nem mesmo a menor possibilidade de ela voltar com Castle. Mas essa foi uma negação que fizera de forma abstrata, acreditando que aquilo nunca aconteceria. O estado de perturbação que Diana ficara ao descobrir que Castle desejava revê-la evidenciava os verdadeiros sentimentos dela na questão.

Caroline o olhou com cautela.

— Não o incomoda nem um pouco saber quer Diana está inconsolável?

Ele arfou diante do mero pensamento de Diana mergulhada em tal agonia de emoções.

— É claro que me incomoda! — Um nervo pulsou em seu maxilar rígido. — Sinto-me insultado por você pensar que isso não me incomodaria. Eu lhe asseguro que não tenho desejo de causar o menor desconforto em Diana.

Aqueles olhos verde-mar se arregalaram em choque.

— Creio que você esteja falando sério — murmurou ela com expressão duvidosa.

Gabriel fez uma careta.

— Eu acho seu tom de voz incrédulo muito insultante.

A expressão de Caroline se tornou intrigada.

— Você parece mudado desde a última vez que nos falamos, Gabriel.

Ele franziu o cenho, o semblante reservado.

— Mudado como?

— Menos vigoroso. Menos inflexível. Certamente, menos arrogante — acrescentou ela com um sorriso provocante.

— Verdade? — replicou Gabriel secamente. — Tenho certeza de que sua irmã gostará de ouvir isso!

— Assim como todos nós — respondeu ela. — Acredi­to que você irá falar com ela então?

Gabriel assentiu.

— Sim.

O semblante de Gabriel tornou-se ainda mais amargo uma vez que Caroline saiu de seu estúdio, deixando-o para contemplar a conversa iminente, e muito necessária, com a irmã mais velha dela.

 

— Esta almofada ofendeu você de alguma maneira?

Diana enrijeceu ao primeiro som da voz de Gabriel, virando-se agora de onde estava sentada na poltrona, para vê-lo parado junto à porta de seu quarto, as so­brancelhas escuras arqueadas sobre olhos azuis zom­beteiros.

Ele havia trocado as roupas empoeiradas de via­gem e usava agora um casaco azul-marinho, uma ca­misa num tom de azul mais claro, calça bege e botas pretas brilhantes, o cabelo ainda úmido do banho.

A mera presença física de Gabriel lhe tirou o fôlego.

— Perdão?

— Você parece estar querendo rasgar as franjas des­ta almofada — murmurou ele, entrando no quarto. — Eu pensei que ela pudesse tê-la ofendido de alguma maneira.

Diana olhou para a almofada que aninhava sobre seus joelhos, não tendo sequer consciência da presen­ça desta ali, até que ele lhe chamou a atenção. Muito menos que estivera puxando freneticamente as fran­jas de seda na ponta.

Ela rapidamente se levantou e posicionou a almo­fada sobre a poltrona.

— O que eu posso fazer por você, meu lorde?

O que, sozinha com ele em seu quarto, ela não po­deria fazer por ele?, perguntou-se Gabriel com deses­pero. A dor que sentia tornou-se um desconforto físi­co, enquanto ele enrijecia com desejo de tomá-la nos braços e finalmente amá-la de maneira apropriada.

Um desejo totalmente ridículo, quando a evidên­cia das lágrimas recentes de Diana estava nos olhos vermelhos e na face úmida dela. Quando aquela boca carnuda e beijável parecia tremer de leve, antes que ela comprimisse os lábios com firmeza e erguesse o queixo, a fim de apresentar para ele, mais uma vez, aquela imagem familiar de fria compostura.

Gabriel moveu-se para parar diante da janela que dava vista para a praça na frente da casa.

— Você deve estar contente por se encontrar de vol­ta em Londres? — comentou ele.

Ela deveria? Por quê? Diana não podia pensar num único motivo, além de continuar procurando Elizabeth... Uma irmã que obviamente não tinha de­sejo de ser encontrada!

Ela também não apreciava que Gabriel a visse na­quele estado, a evidência das lágrimas, sem dúvida, aparente para ele. Todavia, Diana estava firme em sua resolução de que ele nunca saberia a razão de suas lá­grimas, pois tinha certeza de que, agora que eles esta­vam de volta em Londres, Gabriel não perderia tempo em terminar o noivado.

Ela endireitou a coluna, como se seu corpo estives­se se preparando para um golpe.

— É certamente um prazer estar unida com pelo menos uma de minhas irmãs.

Gabriel virou-se para encará-la.

— Eu lhe asseguro que Vaughn e eu continuaremos nossa busca por Elizabeth, fazendo tudo o que for possível para encontrá-la.

— Não pretendi criticar você ou lorde Vaughn, meu lorde — disse ela rapidamente.

A luz do sol brilhando na janela atrás dele dava um tom azulado ao cabelo preto de Gabriel, e deixava sua expressão amarga na sombra.

— Não? — Ele arqueou uma sobrancelha escura. — Então talvez você devesse ter feito isso. Dominic ob­viamente não teve sucesso nesta última semana, en­quanto eu estava muito ocupado com outros assuntos.

Diana inclinou a cabeça em reconhecimento.

— Eu entendo perfeitamente que o bem-estar de sua mãe era mais importante para você no momento.

Gabriel franziu o cenho.

— É parte de sua natureza calorosa estar sempre preocupada com a felicidade dos outros.

Era? Diana não tinha mais certeza disso. Como poderia ter quando, neste momento, eram pensamen­tos sobre sua própria infelicidade que a consumiam? Quando a certeza de que Gabriel fora lá para pedir que ela o liberasse do noivado deles fazia-a sentir como se seu coração estivesse estraçalhado em tan­tos pedaços que talvez ela nunca mais fosse capaz de consertá-lo?

Ela o amava...

Diana não podia mais negar o sentimento. Não podia mais ignorá-lo. Estava irrevogavelmente apai­xonada por lorde Gabriel Faulkner, o conde de Wes­tbourne. O conhecimento de que Malcolm Castle re­aparecera em sua vida havia subitamente cristalizado seus sentimentos. O único homem no mundo para Diana era Gabriel, e uma imensa onda de emoções a percorria cada vez que ela o olhava. Queria esten­der o braço e tocá-lo. Ser envolta nos braços fortes e beijada e abraçada por ele, e saber que ele nunca a libertaria.

Quando libertá-la era, sem dúvida, exatamente o que Gabriel tinha ido fazer lá...

Ela podia ver isso na expressão lastimosa dos olhos escuros, na fisionomia resignada, nos movimentos irrequietos quando ele começou a andar de um lado para o outro no quarto. Com certeza, procurando as palavras apropriadas para lhe dizer que não desejava mais se casar com ela.

Aquilo a faria se sentir tão indigna que Diana des­cobriu que não suportava nem mesmo contemplar a ideia. Ergueu o queixo de maneira orgulhosa, o rosto pálido.

— Acredito que numa situação como a nossa, o pro­cedimento correto é que a lady termine o noivado.

Gabriel respirou fundo antes de, mais uma vez, virar-se para olhar pela janela, um calafrio preenchen­do seu peito ao finalmente ouvi-la pedir para ser libe­rada da promessa que lhe fizera. Com o pensamento de ter de recuar e assistir Diana dando todo o calor e carinho de sua natureza para outra pessoa. De ter de testemunhá-la se casando com outro homem... até mesmo entrando com ela na igreja e entregando-a para outro noivo!

Gabriel entrara naquele noivado sem se importar com qual das irmãs Copeland aceitaria sua oferta de casamento, na crença errônea que uma jovem seria igual a qualquer outra. Ele agora sabia o quanto isso era mentira. Não existia mulher igual a Diana. Nenhu­ma mulher com o coração tão terno. Com tanta lealda­de. Com tantos cuidados para com os deveres. Quanto à coragem de Diana... ela desafiaria até o demônio, se necessário, e nunca ficaria com o mérito para si mesma.

Porque era isso que Diana fazia. O que tinha fei­to pelos últimos dez anos, pela família e por outros, desconsiderando a própria felicidade. E era o que ela, sem dúvida, continuaria fazendo se ele não concor­dasse em liberá-la do noivado...

Ele não poderia lhe pedir isso. Não lhe pediria isso.

Que irônico que Gabriel, um homem que vivera os últimos anos com quase um desrespeito completo pe­los sentimentos dos outros, não suportava ser a razão pela qual Diana sofreria nem mais um momento de infelicidade.

Ele virou-se para concordar com um movimento tenso da cabeça, as pálpebras baixas de modo a não revelar qualquer emoção em seus olhos.

— Eu irei mandar colocar o anúncio no jornal ama­nhã, ou, no máximo, depois de amanhã, se isso esti­ver bem para você. — Sem dúvida, ele teria de colocar outro anúncio no jornal alguns dias depois, desta vez anunciando o noivado de Diana com o patife Castle!

Os olhos dela eram de um azul profundo e sombrea­do no rosto pálido.

— Eu apreciaria isso, meu lorde.

Ele assentiu.

— Há mais alguma coisa que você deseja discutir comigo?

O que mais poderia haver?, perguntou-se Diana, sentindo-se entorpecida. Gabriel não mais a queria como sua esposa ou como qualquer outra coisa... O que mais poderia ter algum significado? Todas as coi­sas que ela quisera lhe dizer nos últimos cinco dias, a raiva e a mágoa que tinham se construído em seu in­terior... tudo se dissolvera em entorpecimento diante da ocorrência que ela tanto temera.

O fim do noivado deles. Não havia nada mais... apenas a agonia das emoções que ameaçava fazer os joelhos de Diana cederem. Ela precisava que ele fosse embora, de modo que pudesse desmoronar e chorar sem o conhecimento de Gabriel.

— Não há mais nada que eu deseje dizer, meu lorde — mentiu Diana.

— Muito bem. — Ele andou para a porta.

Subitamente, de maneira confusa, Diana não podia suportar vê-lo partir.

— Você... Foi muita gentileza de sua parte arranjar para que a srta. Britton estivesse aqui para receber sua mãe.

Ele parou e virou-se com um sorriso sem humor.

— Você não achou que eu fosse capaz de gentileza? Ela pareceu apavorada.

— Eu... não foi isso que eu quis dizer! Sei que você é capaz de gentilezas.

A boca de Gabriel se torceu numa expressão amarga.

— Apenas não no que diz respeito a você?

Ela jurou que podia ouvir seu coração se partindo.

— Eu considero muita gentileza sua ter me liberado de nosso noivado — murmurou Diana com voz estran­gulada.

— Certo então. — As narinas dele se alargaram, a boca se afinou, e a expressão nos olhos azuis era inescrutável. — Se você me der licença, Diana, eu realmente estou muito ocupado. — Gabriel saiu, fe­chando a porta com firmeza.

Com tanta firmeza quanto Diana sabia que o co­ração dele estava, e sempre estaria, fechado para ela.

 

— Você vai sair?

Diana parou no imenso hall de entrada de Westbourne House na manhã seguinte, virando-se de onde Soames estava pronto para abrir a porta da frente, para que ela e sua criada partissem, e encontrando Gabriel emoldu­rado no vão da porta de seu estúdio. Obviamente, o cha­péu e casaco de pele cor de vinho que ela usava sobre o vestido estampado de bege e vinho deviam ser evidên­cias de que estava saindo.

— Eu pretendia ir às compras, meu lorde — respon­deu ela friamente, de qualquer forma. — Sua mãe está contente na companhia de minha tia e de Alice, se essa é a sua preocupação.

Gabriel estava bem ciente da alegria de sua mãe, tanto pelo retorno de sua dama de companhia quanto pelo reencontro com a velha amiga Dorothea Hum­phries... Uma mulher que finalmente tinha sido apre­sentada a ele no dia anterior e que parecia vê-lo com mais gentileza, agora que ele levara sua amiga para casa.

Mesmo se Gabriel não estivesse ciente da felicida­de de sua mãe, sua preocupação imediata não era ela, mas sim o abismo que somente aumentara entre ele e Diana desde que eles haviam concordado, na noite anterior, em acabar o noivado.

— Talvez possamos conversar em particular por al­guns minutos antes que você saia — sugeriu ele suave­mente.

Aquela era a última coisa que Diana queria fazer, especialmente uma vez que ele estava mais devasta­doramente bonito do que o usual, num casaco cor de chocolate, uma camisa cor de creme e dourada, abotoada sobre o abdome reto, calça bege e botas marrons.

Ela engoliu em seco antes de responder:

— Isso não pode esperar até que eu volte, meu lorde?

Ele franziu o cenho de leve.

— Eu preferiria que fosse agora.

— Muito bem. — Diana virou-se para pedir que sua criada a esperasse, antes de preceder Gabriel para dentro do estúdio dele.

Ficou parada dentro da sala, enquanto ele entrava, fechava a porta, então ia se posicionar atrás de sua mesa de mogno.

— Imagino que o assunto seja importante, para que você tenha sentido necessidade de interromper uma lady que só queria fazer compras! — A tentativa de hu­mor de Diana soou fraca para seus próprios ouvidos, mas ela pôde ver, pelos lábios comprimidos de Gabriel, que ele nem mesmo apreciara seu esforço.

E era um esforço tentar parecer calma e composta como de costume, depois de uma noite soluçando de maneira descontrolada no travesseiro. Diana se des­culpara por não jantar no andar de baixo com o resto da família, alegando cansaço da viagem. Tinha pedido café da manhã no quarto pelo mesmo motivo. Sabendo que não seria capaz de evitar a companhia de Gabriel indefinidamente, Diana decidira sair da casa por algu­mas horas, mas mesmo isso havia sido frustrado por Gabriel.

— Você tem notícias de Elizabeth talvez? — Ela o fitou com expressão esperançosa, do outro lado da mesa imponente.

— Infelizmente, não. — Gabriel franziu o cenho. — Eu pensei... uma vez que você se envolveu tanto no assunto... que talvez estivesse interessada em saber que progressos foram feitos com relação aos Prescott.

A fisionomia de Diana se suavizou.

— Você conseguiu descobrir o paradeiro deles?

— Ainda não. — O maxilar dele enrijeceu. — Mas, com a ajuda e recursos de Vaughn, consegui descobrir mais sobre as dívidas de meu tio, pelo menos. — Gabriel de repente pareceu desconfortável por ter revelado aque­le conhecimento sobre Dominic.

Diana deu um sorriso triste.

— Não se preocupe, meu lorde. Eu falei com Caroline mais cedo esta manhã e agora tenho total conhecimento que lorde Vaughn possui uma das casas de jogo mais fa­mosas de Londres!

Caroline tinha visitado seu quarto depois do café da manhã e confessado tudo o que acontecera durante as semanas que ela passara sozinha em Londres. Apesar de sua irmã ter cantado na casa de jogo de Vaughn por um breve período, o que Diana admitia que estava lon­ge de ser ideal, ela percebera que Caroline tivera muita sorte em cair num par de mãos tão seguro.

Gabriel arqueou uma sobrancelha escura.

— Você tem?

— Sim. — Diana deu um sorriso triste diante da me­mória da história chocante que Caroline lhe contara.

— Sou muito grata a lorde Vaughn por ter cuidado tão bem de minha irmã.

— Assim como eu — murmurou Gabriel.

Diana empertigou-se, na defensiva.

— Caroline é muito jovem.

— Ela não é muito mais nova do que você — apontou ele.

— Em anos, talvez não — concedeu ela. — Acredito que me censurar por não manter mais controle sobre as ações de minha irmã não foi uma das razões pelas quais você pediu para falar comigo.

— Deus, não! — exclamou Gabriel. — Eu desafio qualquer um a manter controle sobre aquela jovem lady em particular.

— Até mesmo lorde Vaughn? — provocou Diana.

A expressão dele se suavizou num sorriso genuíno.

— Vaughn parece saborear o desafio.

Diana sentiu o rosto queimar com o pensamento das táticas efetivas que lorde Vaughn talvez usasse para colocar um fim nos desafios de Caroline cada vez que isso lhe conviesse.

— Você estava prestes a me contar alguma coisa so­bre os Prescott, acredito.

Gabriel assentiu.

— Com o conhecimento interno de Vaughn no mun­do dos jogos, eu consegui acessar a extensão exata das dívidas de meu tio.

— Elas são consideráveis?

— São enormes — admitiu ele.

Diana balançou a cabeça.

— Mas isso não é desculpa para o tratamento que ele, ou a esposa dele, deram à sua mãe.

— Não, com toda certeza, não!

Não tendo nada ou ninguém em quem descontar suas frustrações, uma vez que Gabriel não podia se sentir zangado com Diana por terminar o noivado, se isso significava que ela estava buscando a própria felicidade, ele estava, em vez disso, concentrando to­dos os seus esforços em encontrar seu tio e Jennifer Prescott.

— Isso era tudo o que você queria me dizer, meu lorde?

Era tudo o que ele podia lhe dizer! Tendo passado a maior parte da noite anterior pensando nela, Gabriel sabia que não estava mais perto de aceitar o fim do noivado deles do que estava de suportar o pensamen­to de Diana apaixonada por outro homem.

Porque queria ter o amor de Diana para si mesmo.

Oh, ansiava por fazer amor com ela novamente, mas isso não era tudo o que queria de Diana. Ele tam­bém queria sua gentileza. Seu carinho. Sua coragem e dignidade. Também não acreditava, nem por um mo­mento, que Castle fosse merecedor da mulher única e maravilhosa que Diana era. Não mais do que Gabriel acreditava ser digno de tais coisas também.

— Isso não é o bastante? — questionou ele.

— E claro — aceitou ela friamente, quaisquer es­peranças... esperanças tolas... de que ele pudesse ter reconsiderado sua decisão de acabar o noivado desa­parecendo. — Se não há outro assunto, eu gostaria de ir agora.

Gabriel retornou seu olhar, sem palavras, por di­versos segundos, antes de virar-se.

— Não, não há outro assunto. Exceto...

Diana arqueou sobrancelhas douradas.

— Sim?

Gabriel enrijeceu o maxilar para se impedir de fa­lar palavras que não deveria, palavras que suplicas­sem para que ela mudasse de ideia ao seu respeito.

— O que você gostaria que eu dissesse a Castle se ele vier aqui novamente esta manhã?

— A verdade, é claro.

— Que é?

— Que eu saí — replicou ela, antes de silenciosamen­te deixar o estúdio.

Mais uma vez, ele não pôde evitar admirar o orgulho e a dignidade de Diana; ela obviamente tinha decidi­do que não facilitaria as coisas para Castle, deixando-o acreditar que ele reconquistaria suas afeições.

Quando, como Gabriel sabia muito bem, as afei­ções dela pelo homem haviam permanecido constan­tes e inalteradas...

 

Diana não tinha a menor ideia de para onde foi ou o que fez por, pelo menos, a primeira meia hora depois que saiu de Westbourne House, o trajeto de carrua­gem passando como se numa névoa. Então, uma vez nas lojas, ela descobriu que era um esforço apenas posicionar um pé na frente do outro e andar. Esta­va tão perdida em pensamentos, tão mergulhada no sofrimento interior perante a futilidade do amor que sentia por Gabriel que levou diversos segundos para reconhecer o rosto familiar que viu pressionado con­tra a janela de uma carruagem que passava...

 

— Com licença, meu lorde, mas eu tenho uma mensagem urgente de minha ama para lhe entregar.

Na hora desde que Diana tinha saído da casa, Gabriel nem sequer olhara para os trabalhos que haviam se acu­mulado sobre sua mesa, depois de quase uma semana de ausência. Em vez disso, passara esse tempo compondo o anúncio do rompimento de seu noivado, antes de jogá-lo para um lado e permanecer sentado atrás de sua mesa, contemplando suas botas brilhantes enquanto descansa­va os pés sobre o topo da mesa à sua frente.

Virou-se agora, a fim de franzir o cenho para a jo­vem criada parada no vão da porta de maneira tão hesitante e desconfortável.

— Sim?

— Lady Diana me pediu para lhe dizer...

— Lady Diana? — Gabriel ecoou, deixando os pés caírem pesadamente para o chão, enquanto ele se sentava mais para frente na cadeira. — Você é criada de lady Diana?

Na verdade, ele a reconheceu agora, daquela noite no quarto de sua mãe, na mansão.

— Sim, eu sou, meu lorde. E...

— Você não saiu para ir às compras com ela, aproxi­madamente uma hora atrás?

— Sim, eu saí, Sir...

— Sua ama voltou das compras e deseja que você me dê um recado? — A situação entre os dois tinha chegado a tal ponto lastimável que Diana nem mesmo sentia que podia ir lá e lhe falar pessoalmente?

— Não, meu lorde. Sim, meu lorde. Isto é... — A jo­vem pareceu um pouco embaraçada. — Lady Diana quer que eu lhe dê um recado, mas ela não retornou das compras.

— Então por que diabos você não está com ela? — demandou Gabriel enquanto se levantava.

Aquele embaraço se transformou numa expressão de pânico.

— Ela me enviou de volta para casa, meu lorde.

— E você a deixou sozinha no meio de Londres, sem uma acompanhante? — A menos que ela não esteja so­zinha, acrescentou ele em pensamento quando o pen­samento de Malcolm Castle subitamente lhe ocorreu.

Gabriel fez uma carranca ao imaginar Diana ouvin­do às súplicas por compreensão de seu pretendente anterior, enquanto ele declarava tê-la amado durante o tempo todo.

— Oh, ela estava sozinha, meu lorde. Mas...

— Entre e feche a porta, garota — instruiu Gabriel. — Agora explique, por favor.

As mãos da criada estavam fortemente unidas à frente do corpo enquanto ela o olhava nervosamente.

— Foi a mulher na carruagem, meu lorde. Lady Diana a viu, e nós seguimos a carruagem até que esta parou numa hospedaria, e a lady desceu. Então lady Diana me mandou de volta, para avisá-lo que o se­nhor deve ir encontrá-la lá imediatamente.

Gabriel ficaria mais do que feliz em atender ao pe­dido de Diana e ir encontrá-la. A qualquer hora. Em qualquer lugar.

— Que mulher na carruagem?

Seria possível que Diana tivesse visto Elizabeth? Que tivera sucesso onde ele e Dominic tinham fracas­sado de forma tão completa?

— Era aquela sra. Prescott, meu lorde. — A criada adquiriu uma expressão desaprovadora. — Muito ou­sada a mulher, passeando na carruagem com toda a naturalidade. Quando, durante o tempo inteiro...

— Sra. Prescott! — exclamou Gabriel. — E vocês duas foram loucas o bastante para segui-la?

Quando Diana retornasse, ele iria trancá-la no quarto e jogar a chave fora, por ela ter se comportado de maneira tão impulsiva!

— Não foi muito difícil fazer isso, meu lorde. — A garota parecia satisfeita consigo mesma. — Há tantas carruagens nas ruas a esta hora da manhã, e...

— Então vocês seguiram a sra. Prescott para uma hospedaria aqui na cidade? — interrompeu Gabriel, não tendo tempo ou paciência para lidar com a longa explicação da jovem.

— Sim, meu lorde.

— E lady Diana ainda está lá?

— Esperando do lado de fora, meu lorde.

— Leve-me lá agora, por favor. — Gabriel precisava chegar a Diana assim que possível.

Não ousaria deixá-la sozinha em nenhum lugar perto de Jennifer Prescott... Aquela cobra era mais perigosa do que parecia.

— Se você pretende parecer discreta em suas tentati­vas de olhar vitrines, então está fracassando comple­tamente!

Diana enrijeceu diante do primeiro som daquela familiar voz provocativa, respirando devagar e calma­mente, antes de virar-se para encarar Jennifer Prescott, a expressão desdenhosa enquanto estudava a mulher mais velha.

— Eu estava tentando decidir que chapéu comprar.

Jennifer não pareceu convencida.

— Uma vez que esta é uma das partes mais antiqua­das da cidade, eu espero que você tenha decidido não comprar nenhum deles.

A chapelaria era, Diana concordava, um estabele­cimento que não impressionava em particular, mas certamente preferível a ficar espreitando na esquina da rua.

— Talvez você tenha razão. — Ela deu um sorriso fal­so. — Se me der licença?

Diana virou-se com a intenção de sair dali, seu co­ração disparado no peito com o conhecimento de que não devia ter permitido que Jennifer percebesse que tinha sido seguida para a hospedaria onde ela, e pos­sivelmente o marido, estavam hospedados.

— Eu acho que não. — Dedos surpreendentemente fortes se estenderam e agarraram seu braço com fir­meza, impedindo-a de partir.

Diana arqueou sobrancelhas prepotentes.

— Solte meu braço imediatamente, senhora.

Jennifer não tomou o menor conhecimento do pedido.

— Onde está Gabriel?

— Como eu saberia?

A boca de Jennifer se torceu um sorriso zombeteiro.

— Porque eu aprendi que onde quer que você este­ja, ele está logo atrás.

Diana desejou secretamente que aquilo fosse ver­dade, ao mesmo tempo que esperou que sua demons­tração de coragem fosse convincente... Com certeza May já devia ter chegado a Westbourne House a essas alturas e dado o recado a Gabriel.

— Creio que você vai descobrir que está errada desta vez.

Jennifer não pareceu nem um pouco perturbada.

— Você estava acompanhada de uma criada antes; sem dúvida, ela foi até Gabriel. — Ela deu um sorriso sarcástico quando Diana arfou em surpresa. — Oh, sim, minha doce Diana, eu estava ciente de sua tentativa inexperiente de me seguir. Assim como eu queria que você o fizesse quando, deliberadamente, mostrei meu rosto na janela da carruagem — acrescentou Jennifer com satisfação. — Charles e eu temos alguém vigiando Westbourne House nos últimos dias, esperando seu retorno à cidade. Foi muita sorte que você decidiu sair sozinha tão breve, consequentemente facilitando para que eu armasse para ser avistada por você.

E Diana que pensara tê-la seguido sem ser observada!

Os dedos de Jennifer agora se enterraram doloro­samente em seu braço, e o rosto dela se torceu numa máscara maldosa.

— Gabriel?

Diana sabia que podia continuar mentindo, mas de que adiantaria? Ela ergueu o queixo em desafio.

— Como você disse, eu enviei minha criada de volta a Westbourne House para informá-lo sobre seu para­deiro. Não tenho dúvidas de que ele logo estará aqui.

Se Diana pretendera desconcertar Jennifer com aquele anúncio, então ficou desapontada quando ela sorriu com satisfação.

— Neste caso, eu devo insistir que você se junte e mim e ao meu marido na hospedaria enquanto todos esperamos a chegada de Gabriel.

Os olhos de Diana se arregalaram quando ela per­cebeu as implicações daquilo.

— Infelizmente, esse é um convite que eu devo re­cusar...

— É uma pena, mas você não será capaz de fazer isso — interrompeu Jennifer. — Ah, Charles. — Ela olhou para trás de Diana. — Lady Diana decidiu se juntar a nós na hospedaria para um refresco, enquanto nós esperamos pela chegada de Gabriel.

Como um truque para distrair a atenção de Diana, aquilo não era muito original. Se realmente fosse um truque.

— Que prazer conhecê-la, lady Diana. — A voz que respondeu Jennifer era bastante charmosa, e obvia­mente pertencia ao marido dela, sr. Charles Prescott.

Claramente, não um truque então!

 

A frustração e raiva de Gabriel, já grandes depois de saber da impulsividade de Diana em seguir Jennifer Prescott, apenas aumentaram quando ele chegou do lado de fora da inadequadamente nomeada Hospeda­ria Pavão, onde a criada de Diana a vira pela última vez, e não viu sinal dela.

Para onde ela teria ido? Certamente não fora tola a ponto de confrontar os Prescott sozinha?

— Ah, Gabriel, você chegou finalmente...

Ele virou-se para confrontar Jennifer, seus olhos estreitos enquanto considerava as implicações tanto da satisfação no tom de voz dela quanto na completa falta de surpresa de Jennifer em vê-lo ali.

— Onde está Diana? — demandou ele friamente.

Ela deu um sorriso zombeteiro.

— Ela e Charles estão se conhecendo na hospedaria. Foi muito rude de sua parte, Gabriel, não ter feito as apresentações pessoalmente, mas...

— Não faça jogos comigo, Jennifer. — A suavidade no tom de voz de Gabriel era mais ameaçadora do que qualquer demonstração de raiva poderia ter sido, embora o pensamento de Diana sozinha com seu tio inescrupuloso fosse o bastante para gelar seu sangue nas veias.

Os olhos de Jennifer brilharam com raiva.

— Eu suponho que Felicity tenha lhe contado tudo.

— Sua suposição é correta — confirmou ele. — Agora, leve-me até Diana, antes que eu ceda ao prazer que sentiria em torcer o seu pescoço.

Ela pareceu inabalada pela ameaça.

— Como alguém pode ter acreditado que eu teria preferido você a Charles oito anos atrás é além de mi­nha compreensão.

A boca de Gabriel se torceu com desprezo quan­do aquela declaração pareceu confirmar a suspeita de Diana de que Charles era o homem com quem Jennifer estivera envolvida durante o tempo todo.

— A maioria das coisas é além de sua compreensão, Jennifer. Agora, leve-me até Diana!

— Com prazer. — Ela o fitou de forma gananciosa. — Sem dúvida, com Diana Copeland como nossa... hós­pede, você ficará muito feliz em desistir de quaisquer acusações que possa ter pensando em fazer contra nós, assim como em pagar todas as dívidas de Charles!

Gabriel não revelou sua reação àquela declaração nem mesmo com o piscar de um olho, seus longos anos de exílio forçado de sua família e lar tendo lhe dado a habilidade de esconder seus sentimentos mais íntimos. Não que ele não tivesse sentimentos sobre o assunto, mas eles eram muito fortes, muito profun­dos, para que ele permitisse que saíssem de seu con­trole rígido. Um controle que, sem dúvida, explodiria se Gabriel descobrisse que aquele casal vil tinha toca­do num fio dourado da cabeça de Diana.

 

— ...E então você vê, foi fácil para que Jennifer alegasse que estava grávida e que Gabriel era o pai.

Diana olhou para Charles com desgosto, enquanto os dois estavam sentados na sala de estar dos aposen­tos dos Prescott na hospedaria. Oh, ele era, sem dú­vida, tão bonito quanto todos diziam, com as feições bronzeadas tão parecidas com as do sobrinho, e seu jeito charmoso. Um patife charmoso, na verdade.

Exceto que Diana não o achava nem um pouco bonito ou charmoso. Não apenas o desprezava por ter acabado de confirmar o envolvimento de Charles com a jovem Jennifer oito anos atrás, sem a menor consideração pelo sobrinho cuja reputação ele des­truíra de maneira tão despreocupada, mas o revólver que Charles segurava na mão e apontava diretamente para ela também lhe dava razão para temê-lo.

— Para que ela alegasse que estava grávida? — repe­tiu Diana suavemente.

— Bem, sim, é claro; ela nunca concebeu realmen­te... Jennifer nunca quis filhos e sabe muito bem o que fazer para evitá-los. — Charles deu um sorriso preguiçoso. — Nós sabíamos, é claro, que ninguém na minha família seria tão indelicado para deman­dar que Jennifer fosse a um médico para confirmar a gravidez. Não é correto desconfiar da palavra de uma lady, sabe? — acrescentou Charles. — Também foi muito fácil dizer que ela perdeu o bebê somente semanas depois de nosso casamento.

Em nenhuma das reflexões de Diana sobre o passado, ela havia considerado a possibilidade de Jennifer nunca ter engravidado! Aquilo era inacreditável. Desprezível. E tão típico da Jennifer Prescott que ela passara a co­nhecer que Diana não sabia por que estava surpresa.

Olhos azuis brilhantes se estreitaram nela de modo admirável.

— Eu devo dizer que meu sobrinho parece ter se dado bem, herdando o condado de Westbourne, e agora tomando você como sua noiva. Então, obvia­mente, ele não sofreu danos a longo prazo...

— Não sofreu danos? — Diana estava tão furiosa que pensou que pudesse se levantar e bater no homem, apesar do revólver apontado para ela com tan­ta firmeza. — Como você pode dizer uma coisa dessas quando Gabriel foi banido em desgraça por alguma coisa que não tinha feito e que, aparentemente, nem mesmo existiu?

Charles deu de ombros, de modo desinteressado.

— A existência de uma criança tornava a acusação de Gabriel ter seduzido Jennifer muito mais crível. Foi ideia de Jennifer, é claro, e uma ideia excelente também, devo dizer. — Ele deu um sorriso desavergo­nhado antes de continuar: — Agora tudo o que temos de fazer é convencer meu sobrinho a nos dar uma boa fortuna se ele quiser recuperar a posse de sua noiva adorada, e cada um de nós seguirá o seu caminho.

Ele falava como se Diana fosse um qualquer par de botas!

— Lamento, mas você ficará desapontado com rela­ção a isso, sr. Prescott. — Ela o olhou com raiva, não escondendo seu desprezo e desgosto pelo homem.

— Como assim? — Ele ergueu as sobrancelhas escu­ras, de um jeito tão parecido com o do sobrinho.

Diana deu um sorriso de pura satisfação.

— Pelo simples motivo de que Gabriel...

— Nunca irá negociar com tipos como vocês — termi­nou Gabriel com firmeza.

Diana ficou tanto aliviada quanto assustada ao se virar e vê-lo parado perto da porta. Aliviada por­que ele tinha ido ao seu encontro, mas com medo de que ele pudesse ser ferido por ter feito isso. Ela podia não ser mais sua noiva, podia nunca conhecer a alegria de ter conquistado o amor de Gabriel, mas não seria capaz de suportar se alguma coisa acon­tecesse a ele!

— Ele tem um revólver, Gabriel! — avisou-lhe Diana com veemência.

Ele a olhou calmamente.

— Assim estou vendo.

— Com todas as intenções de usá-lo em sua linda futura esposa se você não concordar com as nossas exigências — informou-lhe Charles.

Gabriel tinha entrado na sala a tempo de ouvir par­te da conversa de Diana com seu detestável tio.

— Para este fim, eu pretendo remover Diana de sua posse. — Ele atravessou a sala para segurar o braço dela com firmeza e puxá-la, colocando-a de pé ao seu lado. — Por respeito aos sentimentos de minha mãe, vocês dois têm 24 horas para sair da Inglaterra e nun­ca mais voltar. — Ele olhou para um Prescott de cada vez. — Se não fizerem isso, serei obrigado a desrespei­tar as sensibilidades de minha mãe e fazer com que vocês sejam presos e acusados por múltiplos crimes: roubo, encarceramento forçado de minha mãe, e ago­ra seqüestro. Todas as acusações extremamente sérias.

— Faça alguma coisa, Charles! — falou Jennifer para o marido de maneira frenética, enquanto se movia para o lado dele.

O homem mais velho levantou-se devagar, ao mes­mo tempo que erguia o revólver e, mais uma vez, apontava para Diana.

— Você não quer realmente fazer isso, meu cama­rada.

— Oh, ele quer — murmurou uma voz gelada do ou­tro lado do sala de estar.

Diana virou-se para ver lorde Dominic Vaughn pa­rado, numa postura ameaçadora, junto à porta, o revól­ver em sua mão apontado diretamente para o peito de Charles Prescott.

Os joelhos de Diana quase se dobraram em alívio por saber que Gabriel não tinha ido lá sozinho, que tivera a iniciativa de levar o amigo consigo. Como Gabriel lhe dissera uma vez, ele confiara em Vaughn com sua vida diversas vezes, e agora parecia que esta­va confiando nele com a vida dela também.

— Parece que estamos num impasse — murmurou Charles.

— Verdade? — Dominic falou em tom alegre, apenas a frieza nos olhos acinzentados avisando que o humor dele estava longe de combinar com seu tom de voz.

— Eu já atirei e matei um vilão no mês passado; não hesitaria em despachar outro canalha.

— Não desperdice seu tiro, Dominic. — Gabriel agiu com tanta rapidez e habilidade que Diana mal conseguiu seguir os movimentos, quando ele usou a distração de Charles com Dominic para dar alguns passos à frente e tirar o revólver da mão do tio com um mero giro do pulso.

Charles agarrou o próprio braço junto ao peito, o rosto se tornando mortalmente pálido.

— Eu acho que você quebrou meu pulso, droga!

— Seu patife! — Jennifer falou com raiva para Gabriel, mesmo enquanto ia cuidar de seu marido.

Gabriel pareceu despreocupado, sentindo o peso da arma que segurava na mão, antes de responder:

— Sem dúvida. Eu não tenho ideia de que navios estão deixando os cais da Inglaterra hoje, e nem me importo, contanto que vocês dois estejam a bordo de um deles quando ele zarpar.

Jennifer endireitou o corpo, a expressão indignada.

— E como nós iremos viver?

Olhos azuis meia-noite reluziram perigosamente.

— Por que eu deveria me importar com como, ou até mesmo onde, vocês viverão, contanto que estejam seguramente longe de minha vista?

— Notícias de seu comportamento irão causar um escândalo...

— Outro, minha querida tia? — Gabriel a olhou com desdém. — Eu lhe asseguro que não estou nem um pouco preocupado sobre um futuro escândalo que você possa tentar criar com suas mentiras e enganações.

— E quanto a lady Diana... Ela também não se im­porta com as conseqüências de um escândalo? — de­safiou Jennifer, triunfantemente.

O maxilar de Gabriel enrijeceu.

— Ela...

— Ficará muito feliz em ir para uma corte judicial a qualquer momento e dar evidências contra você e seu marido pelas atrocidades que os dois cometeram tan­to com Gabriel quanto com a família dele — declarou Diana com firmeza, colocando-se deliberadamente ao lado de Gabriel, numa demonstração inconfundível de apoio.

Jennifer pareceu menos confiante agora, enquanto olhava para Gabriel.

— Você não pode simplesmente nos dispensar dessa forma arbitrária!

— Oh, acredito que você irá descobrir que eu posso e farei isso — replicou Gabriel, quando, mais uma vez, segurou o braço de Diana. — Estejam naquele navio amanhã, ou se arrisquem a estar presos e encarce­rados no dia seguinte. — A absoluta frieza nos olhos azul-escuros avisava que ele prometia cumprir cada palavra que dizia.

Diana ofereceu um sorriso agradecido para Dominic no momento em que ele deu um passo ao lado para lhe permitir deixar a opressão dos aposentos dos Prescott, mantendo o revólver apontado para o outro casal, enquanto ele e Gabriel saíam da sala e fechavam a porta diante dos rostos indignados dos Prescott.

Diana olhou para Gabriel, agradecida.

— Eu...

— Não diga mais uma palavra — avisou-lhe ele através de dentes cerrados, enquanto eles começavam a descer a escada da hospedaria para a rua abaixo.

— Mas...

— Melhor não falar com ele agora, Diana — mur­murou seu futuro cunhado suavemente, quando eles saíram na luz do sol. — Gabriel demora a liberar sua raiva, mas quando faz isso, é melhor que outras pessoas tomem cuidado.

Diana pareceu confusa.

— Mas eu não fiz nada errado...

— Nada errado?! — Gabriel repetiu com increduli­dade, o semblante furioso quando virou-se para segurá-la na sua frente. — Você seguiu aquela mulher sem pensar em sua própria segurança. Permitiu-se ser vista e ser levada para os aposentos dos Prescott, e ser mantida como prisioneira lá. Não ouse me interrom­per, Diana! — acrescentou ele, sacudindo-a de leve.

— Eu tentei avisá-la, minha querida — murmurou Dominic com compaixão.

— Pare com isso, Gabriel! — Ela empurrou-lhe o peito musculoso... Um gesto totalmente fútil, uma vez que continuou sofrendo a indignidade de permanecer presa com firmeza pelo aperto dele.

— Talvez eu deva levar Diana de volta para Westbourne House, meu camarada — ofereceu Dominic com simpa­tia, no momento em que duas carruagens pararam ao lado deles, e ambos os cocheiros desceram para abrir as portas. — Isso lhe dará tempo para andar um pouco e extravasar um pouco dessa raiva talvez?

Gabriel pareceu não ter ouvido Dominic por diver­sos segundos tensos, enquanto continuava olhando para Diana, antes que uma calma súbita transformas­se suas feições. Ele ergueu-se em toda a sua altura imponente, e então finalmente a liberou.

— Isso não será necessário, obrigado, Dom.

Diana virou-se nervosamente para Dominic.

— Talvez seja melhor que eu vá com você, meu lorde...

— Dominic irá voltar em sua própria carruagem, e você irá retornar para Westbourne House comigo. — Gabriel a fitou com expressão aristocrática enquanto esperava que ela subisse na carruagem. — E, uma vez que chegarmos lá, você irá direto para seu quarto e permanecerá lá até que eu mande chamá-la.

— Eu certamente não farei isso! — Havia duas man­chas vermelhas de raiva na face de Diana quando ela virou-se para encará-lo. — Como você ousa me dar or­dens, como se eu não fosse mais do que...

— Eu dei a ela todas as oportunidades, não dei, Dominic? — Gabriel voltou-se para falar com seu amigo.

Dominic estremeceu de leve diante de alguma ou­tra coisa que ouviu no tom de voz de Gabriel.

— Sim, você deu. Mas ela é jovem...

— A juventude de Diana não é desculpa para o peri­go no qual ela se colocou e colocou outros.

E Gabriel não esperou mais que Diana subisse na carruagem. Em vez disso, ergueu-a nos braços e carregou-a para dentro, a porta imediatamente se fe­chando e deixando-os trancados, juntos, nos confins escuros da carruagem.

 

Diana imediatamente começou a lutar para ser libe­rada dos braços de Gabriel, um movimento que se provou inútil, enquanto ele se sentava no banco almofadado, ainda segurando-a em seu colo com firmeza, e a carruagem começava a andar.

— Solte-me neste instante! — demandou ela.

— Não.

Diana o encarou.

— Não?

— Não. — Ele nem mesmo a olhou, sabendo que, se fizesse isso, não poderia se responsabilizar pelo que aconteceria em seguida.

Diana tinha, de maneira deliberada e destemida, se colocado em perigo, tornando-se a vítima de qualquer ação que os Prescott pudessem decidir tomar contra ela. Ora, ela se sentara calmamente numa sala e con­versara com Charles, enquanto o homem lhe aponta­va um revólver!

— Gabriel! — protestou ela, contorcendo-se contra o súbito aperto instintivo dos braços dele.

Gabriel soltou-a de modo tão abrupto que ela qua­se caiu no chão, apenas parando a tempo de se posi­cionar, sem muita elegância, sobre os joelhos. E ele ainda não ousava fitá-la.

— Sente-se e não fale mais uma palavra até que che­guemos a Westbourne House — ordenou ele de forma autoritária.

Diana sentou-se. Não porque Gabriel lhe ordenara fazer isso, mas porque uma reação agora começava a se instalar com a percepção do perigo pelo qual todos eles tinham passado apenas minutos atrás, suas pernas estavam tremendo tanto que não mais suportariam seu peso. O tempo que ela passara com os Prescott parecera tão surreal. enquanto acontecia, mas agora que pensava sobre o inescrupuloso Charles Prescott e o jeito que ele ficara sentado calmamente, apontando uma revólver para ela...

Diana uniu as mãos com força a fim de esconder seu tremor de Gabriel. Embora ele, com certeza, teria visto a palidez no seu rosto e a expressão de horror em seus olhos azuis sombreados, se tivesse se inco­modado em olhá-la. O que Gabriel não fizera. Em vez disso, permanecia sentado à sua frente, em total contenção, enquanto observava, pela janela da carru­agem, as pessoas circulando nas movimentadas ruas de Londres. Quase como se tivesse se esquecido de sua presença lá!

Ela virou o rosto ao sentir os olhos cheios de lágri­mas, piscando rapidamente num esforço de impedir que elas escorressem por sua face. Já era humilhante o bastante o fato de que Gabriel tivera o trabalho de resgatá-la das garras dos Prescott; ela não suportaria que ele a visse chorando porque ele a dispensara.

— Diana...

— Não me toque! — Ela virou-se, o rosto enrubescendo com raiva quando o viu inclinado para a frente no banco, com a óbvia intenção de fazer exatamen­te isso; sua humilhação seria completa se caísse aos prantos diante de uma atitude mais suave de Gabriel com relação a ela.

Gabriel respirou fundo antes de recostar-se contra o assento almofadado e voltar ao seu silêncio prévio, os olhos se estreitando brevemente no rosto rubro de Diana antes que ele se virasse; ela não poderia ter de­monstrado com maior clareza o quanto achava abo­minável a perspectiva do toque dele.

 

Diana ficou imensamente aliviada no momento em que a carruagem parou do lado de fora de Westbourne House, o cocheiro mal tendo acabado de posicionar a escada antes que ela descesse e corresse para den­tro da casa. Apenas para parar de modo abrupto no hall quando Caroline emergiu da sala de visitas com Malcolm Castle ao seu lado!

— Malcolm insistiu em esperar, uma vez que sou­be que você tinha retornado para a cidade ontem — informou-lhe Caroline alegremente.

— Verdade? — Diana enviou um olhar gelado para o jovem. — A que devo este prazer?

— Eu lhe contarei tudo assim que estivermos a sós. — O rosto de Malcolm estava repleto de prazer por vê-la de novo.

Ele tinha um pouco menos que 1,80m, com cabelo dourado penteado em estilo moderno, feições boni­tas, os olhos castanhos primeiro se arregalando, de­pois se estreitando no homem que tinha acabado de entrar no hall e se posicionado do lado de Diana.

— Lorde Gabriel Faulkner, eu presumo. — Ele fez uma reverência formal.

— Você presume corretamente. — O tom de voz de Gabriel era neutro, mesmo enquanto ele inclinava a cabeça. — Se você quer falar em particular com o sr. Castle, Diana, então pode usar meu estúdio...

— Mas eu não quero falar com sr. Castle, em parti­cular ou de nenhuma outra forma. — Diana nem olhou para Gabriel.

Em vez disso, deu a Malcolm um olhar de total des­prezo, ao mesmo tempo se perguntando como um dia pudera ter se sentido atraída por aquela boa aparên­cia insípida!

— Na verdade, não tenho ideia do que ele está fa­zendo aqui.

— Diana! — ralhou sua irmã.

— Creio que Malcolm é perfeitamente capaz de fa­lar por si mesmo, Caroline. — Ela olhou para sua irmã de maneira repreensiva antes de encarar Malcolm friamente. — Então?

Malcolm enrubesceu, parecendo sem graça.

— Eu vim suplicar o seu perdão, Diana, e pedir que você se case comigo. Cometi um erro quando termi­nei a nossa amizade, e eu disse isso a Vera — acrescen­tou ele de maneira apressada quando a expressão dela continuou distante.

— Então sugiro que você volte a Hampshire o mais rapidamente possível e suplique pelo perdão da srta. Douglas, em vez do meu — murmurou ela numa voz entediada — pois eu não quero você.

Os olhos dele se arregalaram.

— Mas... mas...

— Mas nós não estamos mais noivos, Diana — disse Gabriel ao seu lado.

Ela voltou aqueles olhos azuis gelados para ele.

— E?

— E agora você está livre para se casar por amor — explicou ele, tremendo por dentro com o mero pen­samento de Diana casada com aquele homem derro­tado.

Também não estava gostando nem um pouco de testemunhar aquela conversa. Oh, entendia que Diana tinha todo o direito de querer punir Castle por ter ter­minado a amizade deles em favor de uma mulher com uma fortuna. Mas o homem tinha admitido seu erro, e estava lá, suplicando pelo perdão dela.

Diana deu um sorriso sem humor.

— Ao dizer isso, você está presumindo que eu amo o sr. Castle?

O semblante de Gabriel tornou-se surpreso.

— É claro.

— É claro que você me ama, Diana. — Malcolm atra­vessou o hall de entrada para pegar as duas mãos dela nas suas. — Você sempre me amou...

— Seu convencimento é realmente inacreditável! — exclamou Diana de maneira exasperada, enquanto recolhia as mãos do toque dele. — Eu irei dizer isso apenas uma vez, Malcolm, então sugiro que ouça com atenção. Posso ter pensado estar apaixonada por você um dia, mas agora sei que nunca estive. Eu nunca o amei. Eu nunca o amarei.

— Mas...

— Você não o ama? — repetiu Gabriel lentamente.

— Eu acabei de dizer que não — confirmou ela com irritação.

— Mas você rompeu nosso noivado porque ele tinha voltado para você! — exclamou Gabriel.

Diana bufou.

— Eu não rompi nosso noivado, em absoluto, meu lorde... Você rompeu! Ficou muito claro que você não desejava mais se casar comigo.

— Diana! — protestou Malcolm.

— Diana... — murmurou Gabriel suavemente.

— Sim, isso está correto, eu sou Diana! — Ela atra­vessou o hall com um giro das saias, o rosto vermelho, os olhos brilhando. — Uma mulher de carne e osso que está cansada de ser passada entre vocês dois, cavalhei­ros, como se eu não tivesse desejos ou emoções pró­prias! — Diana olhou de Malcolm para Gabriel.

Gabriel pôde apenas olhá-la de volta com total admiração, apesar de ainda estar completamente confuso por toda aquela conversa. Ora, ele não teria liberado Diana se não achasse que ela estava apai­xonada por Castle. Teria lutado com todas as armas à sua disposição para lhe provar que era digno dela.

Diana virou-se quando chegou ao pé da escada.

— Você, Sir, é prepotente e covarde! — falou ela para um Malcolm Castle perplexo. — E você — acrescentou, voltando o olhar furioso para Gabriel — é tão amar­gurado pelo passado que não pode ver o valor de se casar com uma mulher que o ama, quando ela está bem debaixo de seu nariz arrogante. Agora, se me dão licença, cavalheiros. Caroline? — Gesticulou a cabeça brevemente para a irmã incrédula. — Eu quero ir para meu quarto agora. E espero não ser perturbada por nenhum de vocês.

Diana subiu a escada apressadamente.

— Gabriel?

Ele desviou o olhar de Diana quando ela desapare­ceu no andar de cima, para fitar a perplexa Caroline com expressão interrogativa.

— O que acabou de acontecer? — perguntou ela.

Gabriel sorriu-lhe.

— Acho que sua irmã finalmente se rebelou contra subjulgar as próprias necessidades e desejos a fim de agradar todos os outros e decidiu agradar a si mesma — disse ele.

— E ela foi magnífica sobre isso. — Caroline saiu de seu estado de atordoamento e olhou, com pieda­de, para Malcolm Castle. — Parece que você não é o homem que minha irmã ama, afinal de contas. — Ela começou a sorrir, o sorriso se transformando numa risadinha, depois numa gargalhada. — Eu devo dizer, Gabriel, que apreciei muito o comentário de Diana sobre seu nariz arrogante — provocou-o.

Gabriel ainda estava tentando decidir se aquela ob­servação realmente significava o que ele esperava que significasse, ou se este era apenas um pensamento de­sejoso de sua parte. Diana poderia, depois de chamá-lo de amargo e arrogante, ter também implicado que estava apaixonada por ele?

 

— Esta é a mesma almofada inocente de ontem que você está destruindo, ou talvez seja outra?

Ela devia ter sabido que Gabriel escolheria não respeitar seu desejo por privacidade... Ele nunca dera atenção aos seus desejos antes, então por que deveria começar agora? Diana pôs a almofada sobre a pol­trona e levantou-se, virando-se de perfil para ele, de maneira proposital.

— Malcolm foi embora?

— Tenho certeza de que ele não pode ter ido muito longe, se você mudou de ideia sobre se casar com ele — disse Gabriel, testando a situação.

— Eu não mudei de ideia em absoluto! — Os olhos de Diana brilharam com fúria quando ela finalmente vi­rou-se para encará-lo. — Como ele teve a audácia de vir até aqui está além de minha compreensão. — Franziu o cenho. — O que você quer agora, Gabriel? Censurar-me mais uma vez pelo que aconteceu mais cedo, esta manhã? Ou talvez queira me repreender por recusar o que é, afinal de contas, uma oferta de casamento van­tajosa para alguém tão pobre como eu?

A admiração de Gabriel por ela intensificou-se. Caro­line estivera certa em seu comentário mais cedo... Diana naquele humor era verdadeiramente magnífica! Seus olhos brilhavam como as safiras que eles lembravam, a face alva estava agora rosada, os lábios vermelhos e con­vidativos, e a curva gentil dos seios era enfatizada pelo movimento de sobe e desce do peito, causado pela respi­ração acelerada. Incrivelmente magnífica!

— Se esta é a razão pela qual você está aqui, meu lorde, então devo lhe dizer agora que eu não me im­porto! — continuou ela, antes que ele tivesse a chance de replicar. — Nem com os Prescott nem com Malcolm Castle. — Diana começou a andar de um lado para o outro no quarto. — Os Prescott são muito desprezíveis para que eu desperdice meu tempo discutindo mais sobre eles, e Malcolm pode ir para o inferno!

Gabriel estava fascinado... não, totalmente hipnoti­zado por Diana em seu atual humor de rebelião.

— Eu concordo totalmente.

Ela o fitou com expressão intrigada.

— Concorda?

-— Oh, sim — murmurou ele suavemente. — Diana, por que você pediu para ser liberada de nosso noiva­do?

Ela corou.

— Eu lhe disse, eu não...

— Por quê, Diana?

— Porque você queria se livrar no noivado!

— Eu nunca fiz tal declaração...

— Não havia necessidade para isso quando cada palavra e ação sua, desde a recuperação da saúde de sua mãe, mostraram que você não mais precisava ou queria uma esposa.

— E foi por isso que você colocou um fim no nosso noivado? — Gabriel a olhou com incredulidade.

Diana ergueu o pequeno queixo orgulhoso.

— Você deixou mais do que óbvio recentemente que não precisa mais de minha companhia, muito menos deseja me tomar como sua esposa.

— Um conde sempre precisa de uma esposa, Diana.

Ela deu de ombros.

— Nesse caso, não há dúvida de que, uma vez que você se estabelecer novamente dentro da sociedade, irá se casar com uma jovem dócil e adequada.

— Dócil e adequada... — murmurou Gabriel, pen­sativo. — E se eu preferisse que minha esposa fosse determinada e corajosa, em vez de dócil e adequada?

— Então, com certeza, você irá encontrar uma mu­lher com essas qualidades entre os membros da socie­dade também.

— E se eu já a encontrei? — Ele quis saber.

Ela engoliu em seco.

— Então eu diria que você agiu ainda mais rápido ao encontrar minha substituta do que eu tinha ante­cipado.

— E se você for a mulher a quem eu me refiro?

Diana o estudou, sem palavras, por diversos longos segundos antes de enrijecer a coluna e erguer o quei­xo novamente, de maneira orgulhosa.

— Eu não gosto que você brinque comigo desse jeito, meu lorde.

— Mas irá concordar comigo que você é determinada e corajosa? — provocou Gabriel.

— Você me deu todas as indicações mais cedo de que me considera impulsiva e teimosa! — protestou ela com indignação.

— É preciso coragem e determinação para ambas estas coisas também — apontou ele.

Diana deu um suspiro exasperado.

— Você está falando bobagem, meu lorde.

— Realmente estou — concedeu ele. — Estou desco­brindo que o amor faz isso com um homem.

Diana bufou.

— Por mais que eu tenha apreciado a ajuda de lor­de Vaughn mais cedo, não desejo discutir sobre ele também!

— Lorde Vaughn? — Gabriel repetiu em total confu­são. — Mas...

— Meu lorde, eu decidi que se não posso ter o que desejo em meu casamento, então não irei me casar em absoluto. — Diana podia se imaginar no futuro como uma senhora idosa e tia solteirona dos filhos de suas irmãs.

— E o que você deseja do casamento, Diana? — in­centivou Gabriel com voz rouca.

Ela deu um sorriso triste.

— Alguma coisa que é completamente além de sua compreensão.

Sim, com o passar do tempo, ela se tornaria tia de seus muitos sobrinhos e sobrinhas e, sem dúvida, seria considerada um pouco excêntrica pelo resto da famí­lia, e enquanto os anos longos e solitários se arrastas­sem...

— Diana, se eu me ajoelhasse à sua frente e lhe su­plicasse para se casar comigo, você pelo menos pen­saria a respeito? — Gabriel combinou suas ações com suas palavras, abaixando-se sobre um joelho e pegan­do-lhe as mãos nas suas. — Eu fui um tolo — continuou em tom de voz urgente. — Um tolo insensível e cego! Mas sou um tolo insensível e cego que está profunda e irrevogavelmente apaixonado pela mulher que, por acaso, está bem debaixo de meu nariz arrogante.

Diana olhou para baixo, como se achasse que ele enlouquecera completamente.

— Levante-se, Gabriel. — Ela tentou puxá-lo para cima e fracassou miseravelmente quando ele recusou-se a se mover.

— Case-se comigo, Diana! — suplicou ele de forma apaixonada. — Case-se comigo e permita-me amá-la até o dia de minha morte, e depois dela. Diga sim, meu amor, e eu prometo que adorarei seus lindos pés pelo resto de minha vida.

Talvez fosse ela quem tivesse enlouquecido. Ga­briel não podia de fato estar ajoelhado à sua frente, dizendo-lhe aquelas coisas maravilhosas! Ele não po­dia! Podia?

Ele emitiu uma risada estrangulada ao obviamente notar a perplexidade na expressão dela.

— Dominic me avisou como seria se um dia eu me apaixonasse; para minha vergonha, eu escolhi ignorar o aviso. — Ele respirou fundo. — Eu amo você, Diana. Entendi o quanto alguns dias atrás. Tanto, minha que­rida, que minha felicidade depende de cada palavra sua e de cada sorriso seu. Esses últimos dias, apenas pensar em viver sem você, em algum dia assisti-la se casando com outro homem, foram pura agonia... Uma agonia que eu nunca mais quero sentir.

— Mas você se tornou tão frio e distante enquanto estávamos na Mansão Faulkner, e depois que volta­mos — disse Diana.

Ele suspirou.

— Achei que você tivesse se decepcionado comigo por causa de minha cegueira, tanto com relação aos eventos do passado quanto por ter negligenciado mi­nha mãe.

— Eu jamais poderia me decepcionar com você por causa dessas coisas, Gabriel. Você e sua família foram enganados por seu tio e sua tia, e você não poderia ter ideia de como eles estavam tratando sua mãe. Quan­do descobriu, cuidou do assunto imediatamente. Não, Gabriel, eu nunca me decepcionaria com você por causa de nada disso — repetiu ela com firmeza.

Ele apertou-lhe as mãos nas suas.

— Então você vai considerar se casar comigo? Vai me tirar dessa agonia de incerteza e me tornar o ho­mem mais feliz do mundo?

Diana podia ver, pelas linhas de estresse que haviam aparecido ao redor dos olhos e da boca de Gabriel, que ele falava somente a verdade. A verdade total e absoluta. Gabriel a amava! Realmente a amava. Não podia suportar o pensamento de viver sem ela, mais do que Diana podia suportar o pensamento de viver longe dele!

Ela deu um suspiro trêmulo.

— Não preciso considerar para saber se quero ou não me casar com você, Gabriel... porque eu não poderia me casar com nenhum outro homem. Eu o amo tanto, meu querido! — Ela segurou-lhe o rosto nas mãos quando ele se levantou devagar, fitando-o com amor nos olhos brilhantes. — Qualquer coisa que eu um dia pensei sentir por Malcolm não é nada em comparação com o que sinto por você. O que sei que sempre sentirei por você. Eu o amo muito, muito, mui­to, meu querido Gabriel.

Gabriel mal conseguia respirar quando lentamente baixou a. cabeça, e seus lábios clamaram os dela num beijo que mostrava o quanto seu amor por Diana era intenso e profundo... e ela correspondia com todo o coração.

 

— Todos ficarão curiosos de saber por que nós não aparecemos para almoçar nem para jantar — murmu­rou Diana, escandalizada.

— O fato de que ninguém veio nos procurar mostra que Caroline não os deixou imaginando o que acon­teceu por muito tempo! — Gabriel recostou-se nos travesseiros da cama de Diana, aninhando-a em seus braços, enquanto a cabeça dela descansava em seu ombro, os cachos dourados uma carícia quente contra seu peito nu.

As horas desde que eles haviam confessado seu amor um pelo outro tinham sido de puro deleite para ambos, enquanto faziam amor deliciosamente, e de­pois conversavam e esclareciam os mal-entendidos dos últimos dias, antes de fazerem amor de novo.

— Assim que nós tivermos forças para sair desta cama, eu pretendo levá-la à melhor joalheria da cida­de e lhe comprar o maior anel de safira que pudermos encontrar — anunciou ele com satisfação.

Diana ergueu os olhos para fitá-lo.

— Eu não preciso de joias finas para saber que você me ama.

Os braços dele se apertaram ao seu redor.

— Talvez não, meu amor, mas eu preciso colocar meu anel no seu dedo, a fim de avisar outros homens que você me pertence.

Ela riu suavemente.

— Pode existir alguma dúvida quanto a isso?

— Espero que não — murmurou ele.

— Definitivamente não — protestou ela.

Gabriel tornou-se sério.

— Não acho que devamos adiar o casamento por mais do que alguns dias. — Ele sorriu, sabendo que, apesar de suas intenções prévias, ficara tão encantado pela beleza e prazer do ato de amor deles que perdera todo o controle e consumara o casamento antes da cerimônia. — Que tal um casamento duplo, com sua irmã Caroline e Dominic? — sugeriu.

— Talvez — replicou ela em tom de voz baixo.

— Apenas talvez? — Gabriel virou-se para olhar para baixo e estudar a expressão pensativa de Diana. — Não está arrependida, está? Agora que fizemos amor, você decidiu que...

— Psiu. — Diana posicionou dedos delgados contra os lábios lindamente esculpidos de Gabriel. Lábios que tinham beijado e explorado partes de seu corpo que só de pensar ainda a fazia enrubescer. — Eu dis­se que amo você, Gabriel, e amo. — Ela fitou-lhe os olhos com intensidade. — Eu o amo. Inteirinho. Agora e para sempre.

Gabriel a abraçou mais apertado, apenas um pouco mais tranqüilizado.

— Mas você falou que “talvez” se case comigo?

Ela franziu a testa de leve.

— Não acho que Caroline e eu iremos querer nos casar sem a presença de Elizabeth.

— É claro. — Ele finalmente relaxou, aliviado pela explicação óbvia. — Então, Vaughn e eu devemos en­contrá-la o mais rapidamente possível.

— Lamento, mas vocês devem — concordou ela.

— Nunca tenha medo de me pedir o que quer que seja, Diana. — Os olhos azul-escuros brilharam com amor para ela. — Tudo o que eu tenho, tudo o que sou, é seu e sempre será.

Nenhuma mulher poderia pedir mais do que isso do homem que amava e que a amava em retorno.

 

 

                                                                  Carole Mortimer

 

 

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