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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DOCE TENTAÇÃO / Candace Camp
DOCE TENTAÇÃO / Candace Camp

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Lady Francesca Haughston tinha renunciado ao romantismo e, em seu lugar, encontrava a paixão obtendo matrimônios desejáveis para outras pessoas. Assim, ao inteirar-se de que anos atrás a tinham enganado para que rompesse seu compromisso matrimonial com Sinclair, o duque do Rochford, pareceu-lhe justo que agora ela o ajudasse a encontrar a esposa perfeita.

Francesca estava certa de que a faísca da paixão se apagara entre eles muito tempo atrás; sobre tudo, tendo em conta o modo como ela o tinha tratado. Os olhares de Sinclair, ou como de repente a tomava entre seus braços... Bom, isso só era um ensaio para o momento em que uma mulher mais jovem e adequada captasse seu interesse.

Entretanto, logo começaram parecer escandalosas à Francesca as lições de amor do duque, e se deu conta de que a tentação podia pô-los em perigo aos dois.

 

 

 

 

 

 

Ninguém teria pensado, pelo modo como se movia lady Franceses Haughston pelo salão de baile do Whittington, que estava dando os primeiros passos de sua campanha.

Caminhava com naturalidade, detendo-se aqui e lá para fazer um elogio sobre um traje ou para paquerar com um de seus muitos admiradores. Sorria, falava e se abanava com graça; era uma maravilhosa visão, vestida de seda azul, com a cabeleira loira caindo em forma de cascata de cachos pelos ombros. Entretanto, em nenhum momento deixavam seus olhos azuis escuro de procurar uma presa.

Tinha passado quase um mês desde que tinha decidido encontrar esposa para o duque do Rochford, e aquela noite tinha intenção de pôr em marcha seu plano. Fazia todos os preparativos, tinha estudado às jovens solteiras da boa sociedade, e com uma cuidadosa observação, tinha selecionado a três delas que lhe pareciam adequadas para Sinclair.

Francesca tinha a certeza de que as três moças estariam ali aquela noite. O baile do Whittington era um dos acontecimentos mais importantes da temporada social e, a não ser por uma enfermidade grave, todas as jovens casadouras iriam. Além disso, o mais provável era que o duque também estivesse ali, o que significava que Francesca poderia começar a levar a cabo seu propósito. Já era hora de iniciar: não teria sido necessário passar três semanas escolhendo as possíveis noivas para Rochford, pois muito poucas cumpriam os requisitos para converter-se em duquesa.

Entretanto, por algum motivo, desde as bodas de Callie, Francesca se havia sentido aborrecida e sem vontades de fazer visita, ir a festas ou ir ao teatro.

Inclusive seu bom amigo sir Lucien fazia algum comentário sobre sua repentina preferência por ficar em casa. Ela não estava certa do motivo. De repente, tudo lhe parecia tedioso, e não havia nada pelo que merecesse a pena fazer um esforço. De fato, havia-se sentido um pouco deprimida. Certamente era conseqüência de que Callie, que tinha estado vivendo com ela enquanto lhe buscavam um marido, já se tinha casado e partira. Sem a alegria de Callie, a casa de Francesca estava muito vazia.

De qualquer modo, Francesca tinha decidido reparar o dano que tinha causado ao irmão de Callie, Sinclair, quinze anos antes. Era impossível consertar tudo, claro, mas ao menos poderia fazer ao duque o favor de lhe encontrar uma noiva adequada.

Antes de tudo, era o que melhor sabia fazer Francesca. Assim, tinha ido a aquela festa decidida a começar a longa dança de cortejo em nome do duque do Rochford.

Percorreu o perímetro do grande salão. O lugar estava decorado em branco e dourado, e o chão era de soalho de carvalho cor de mel. Estava iluminado por três lustres resplandecentes de candelabros de cristal. Havia vários pedestais de ouro, com velas brancas e grosas que proporcionavam mais luz, e vários spots pelas paredes.

Todo aquele brilhantismo se suavizava com enormes centros de rosas vermelhas e peonías dispostas em vasos junto às paredes, e grinaldas que se entrelaçavam pelos balaústres da escada que conduzia ao segundo andar. Era um salão elegante, digno de um palácio, e se murmurava que era o único motivo pelo qual lady Whittington permanecia naquela antiga mansão, que nem sequer se encontrava no Mayfair, o bairro da moda.

Francesca se dirigiu para a escadaria através da multidão, com a intenção de situar-se no ponto de observação mais vantajoso no corrimão do segundo andar para localizar às jovens que estavam procurando no enorme salão de baile. Era adequado que começasse sua campanha naquela escadaria da mansão dos Whittington. Além de tudo, ali tinha sido onde ela tinha terminado com o duque do Rochford quinze anos antes. Ali era onde seu mundo se desmoronara. Naquela noite, as flores eram brancas; rosas, peonías, camélias e gardênias de perfume doce, acentuadas por folhas e ramos verdes que surgiam dos vasos.

Tinha sido uma noite de triunfo para Francesca.

Tinha debutado na cena social poucas semanas antes, e era a beleza indiscutível da temporada. Os homens se juntavam a seu redor, lhe pedindo uma dança, fazendo extravagantes declarações de amor e lhe dedicando cumprimentos. E, durante todo o tempo, ela guardava um segredo, embriagada de amor e excitação. Até que um lacaio lhe tinha entregado uma nota.

Naquele momento, Francesca chegou ao segundo andar e se colocou junto ao corrimão, de onde podia observar aos que dançavam na parte inferior. As coisas eram muito parecidas ao que tinham sido aquela noite de tanto tempo atrás. Os vestidos eram então diferentes, claro, e também tinha mudado a decoração do salão. Entretanto, o glamour, a emoção, as esperanças e as intrigas eram as mesmas. Francesca olhava à multidão sem ver realmente às pessoas enquanto recordava o passado.

-A festa está tão aborrecida? - perguntou-lhe uma voz familiar a seu lado.

Francesca se voltou e sorriu a uma mulher loira.

-Irene. Alegro-me muito de vê-la.

Lady Irene Radbourne era uma mulher muito atraente, com o cabelo loiro, encaracolado, e uns extraordinários olhos de cor dourada. Tinha vinte e sete anos e tinha sido uma solteirona convicta até que, no outono anterior, Francesca se tinha dado conta de que era o par perfeito para o conde do Radbourne. As duas mulheres tinham pertencido ao mesmo círculo social durante muito tempo, assim Francesca sabia que lady Irene era uma mulher de convicções fortes e maneiras francas.

Entretanto, não se tinham tornado amigas até terem passado juntas duas semanas na propriedade dos Radbourne, enquanto Francesca procurava uma esposa de boa linhagem para lorde Gideon. Depois, Irene se tinha convertido em uma das melhores amigas de Francesca.

Irene olhou para baixo, para a colorida multidão de bailarinos.

-Ou as garotas casadouras são todas uns desastres?

Francesca encolheu os ombros. Embora Irene e ela tivessem mantido um discreto silêncio sobre o assunto, Francesca suspeitava que Irene tivesse suposto que seus esforços de casamenteira eram mais uma questão de sobrevivência que de entretenimento.

-Em realidade, não me fixei muito. Desde o casamento de Callie estive muito preguiçosa.

Irene a olhou com astúcia.

-Está procurando, não é verdade? Posso fazer algo?

Francesca sacudiu a cabeça.

-Não é nada, de verdade. Só estou recordando o passado. Outra festa nesta casa - disse com um sorriso forçado - Onde está lorde Gideon?

Durante os seis meses desde que o casal tinha casado, tinha sido difícil ver Irene sem Gideon ao seu lado. O casal se adaptara melhor do que Francesca jamais tinha pensado. Parecia que seu amor aumentava dia a dia.

Irene soltou um risinho.

-Sua tia avó o apanhou assim que chegamos.

-Lady Odelia? - perguntou Francesca, assombrada - Deus Santo, está no baile? - disse, e olhou a seu redor com apreensão.

-Não se preocupe. - respondeu Irene - Aqui estamos a salvo. Não acredito que subirá as escadas. Por isso eu subi, assim que deixei o casaco no roupeiro e vi que ela tinha encurralado Gideon.

-E o deixou ali sozinho? - perguntou-lhe Francesca, rindo. - Que vergonha, lady Radbourne. O que se passou com seus votos matrimoniais?

-Meus votos matrimoniais não diziam nada da tia avó Odelia, juro - respondeu Irene.

- Senti uma pontada de culpa, mas me lembrei que Gideon é um homem forte e temido por muitos.

-Inclusive os mais valentes tremem ante lady Odelia, não obstante. Lembro uma ocasião em que o próprio Rochford fugiu pela porta traseira e foi diretamente para os estábulos quando viu a carruagem de lady Odelia na porta, e deixou a minha mãe e a mim com sua avó para receber a sua tia avó.

Irene pôs-se a rir com vontade.

-Teria gostado de ver isso. A próxima vez que nos vejamos zombarei dele.

-Como está o duque? - perguntou Francesca sem dar importância, e sem olhar para Irene - Viu-o ultimamente?

Irene a olhou.

-Faz uma semana, mais ou menos. Fomos ao teatro. Gideon e ele se tornaram amigos, além de serem primos. Mas com certeza você também viu ao Rochford.

Francesca encolheu os ombros.

-Poucas vezes desde o casamento de Callie. Em realidade, tenho amizade com sua irmã, não com o Rochford.

A verdade era que Francesca tinha estado evitando ao duque desde as bodas de sua irmã. Pesava-lhe a injustiça que tinha cometido com ele, e cada vez que o encontrava, sentia-se mais e mais culpada. Sabia que devia lhe dizer o que tinha averiguado, que devia desculpar-se por suas ações. Era uma covardia de sua parte o não fazê-lo.

Entretanto, não podia. Cada vez que pensava em confessar e pedir perdão, ficava gelada por dentro. Depois de todos aqueles anos, tinham alcançado uma espécie de paz entre os dois. Não era amizade, exatamente, mas algo próximo. E se o dissesse e provocasse sua ira outra vez? Francesca supôs que merecia aquela ira, mas ao pensá-lo, lhe formava um nó no estômago. Assim, tinha estado evitando ao Rochford, tinha evitado ir às mesmas festas que ele, e quando o via, tentava não aproximar-se. Se ocorria de se encontrarem cara a cara, como tinha ocorrido algumas vezes, ela se comportava de maneira torpe e tensa, e escapava o antes possível.

É claro, aquilo devia terminar se quisesse encontrar uma esposa para aquele homem. Não poderia uni-lo a alguma de suas possíveis noivas se continuasse esquivando-o.

-Callie me disse que Rochford tinha sido injusto com você - lhe disse com delicadeza Irene.

-Injusto? - perguntou Francesca, surpreendida - Não. Em que sentido?

-Não sei - admitiu Irene - Algo que ver com o fato de que lorde Bromwell cortejasse Callie, suponho.

-Ah, isso - disse Francesca, e descartou o comentário agitando suavemente a mão - O duque tinha motivos de preocupação. A irmã do Brom o tinha envenenado contra Rochford, mas... -voltou a encolher os ombros expressivamente - Eu já não podia fazer muito uma vez que se apaixonaram, e Rochford terminou por dar-se conta. E não sou uma mulher frágil que se assuste por uma reprimenda.

Francesca olhou de novo para a multidão, e Irene lhe seguiu o olhar.

-A quem está procurando? - perguntou a jovem depois de um momento.

-O que? Oh, a ninguém.

Irene arqueou as sobrancelhas.

-Pois, para não procurar a ninguém, demonstra muito interesse.

Francesca não podia fingir ante Irene. A franqueza de sua amiga pedia que respondesse da mesma maneira. Depois de uma ligeira hesitação, disse:

-Queria encontrar lady Althea Robart.

-A Althea? - perguntou Irene com perplexidade - Para que?

Francesca não pôde reprimir uma gargalhada.

-Você não gosta dela?

Irene encolheu os ombros.

-Bom, não é isso, mas tampouco é a pessoa a que escolheria como companhia. É muito altiva para mim.

Francesca assentiu. A moça era um pouco rígida. Entretanto, não estava certa de que o orgulho fosse um impedimento para converter-se em duquesa.

-Não a conheço bem.

-Eu tampouco - disse Irene.

-E Damaris Burke?

-A filha de lorde Burke? O diplomata?

Francesca assentiu.

-Exato.

Irene refletiu durante um instante e, novamente, encolheu os ombros.

-Não posso dizer nada, em realidade. Não me movi nunca nos círculos do governo.

-Parece muito agradável.

-Sim, é... suave. Suponho que é o que pode esperar-se de uma mulher que realiza festas diplomáticas. - disse Irene, e olhou a Francesca com curiosidade - Por que pergunta? Não me diga que lhe pediram ajuda para que encontre um marido para elas.

-Não - respondeu Francesca rapidamente - Não, não. Só estava avaliando-as.

-Ah, então, há um cavalheiro que lhe pediu ajuda?

-Não, em realidade não. Estive pensando... por mim mesma.

-Acaba de aguilhoar minha curiosidade por completo. Vai encontrar marido a alguém que nem sequer lhe pediu isso? Fez outra aposta com o duque?

Francesca se ruborizou.

-Oh, não. Nada disso. Tinha pensado... bom, há alguém a quem julguei injustamente faz muito tempo, e queria ressarci-lo por isso.

- Encontrando-lhe uma esposa? - perguntou Irene - Há muitos homens que não lhe agradeceriam esse favor. Quem é o homem?

Francesca observou a sua interlocutora. De todas suas amigas, Irene era quem mais sabia dela. Embora Francesca nunca lhe tivesse feito confidências a respeito de seu passado, o pai de Irene tinha sido amigo do defunto marido de Francesca, assim, sem dúvida, Irene suspeitava como tinha sido infeliz Francesca em seu matrimônio. Francesca nunca tinha tido que fingir ante Irene que sentia falta de Andrew, que tinha morrido cinco anos antes. Nunca tinha contado a ninguém o que tinha ocorrido entre Rochford e ela tanto tempo antes, mas, de repente, sentia a necessidade de lhe confiar seu segredo.

-É ele a razão de sua melancolia? - perguntou-lhe Irene.

-Acho que a razão é que meu aniversário se aproxima rapidamente - respondeu Francesca com ligeireza. Entretanto, imediatamente suspirou e acrescentou – E um pouco por lhe ter feito mal quando não o merecia. Lamento muito o que fiz.

Irene franziu o cenho.

-Não acredito que você pudesse fazer alto tão terrível.

-Possivelmente ele não esteja de acordo com você - respondeu Francesca, e olhou sua amiga nos olhos. - Ninguém pode saber isto, nem sequer lorde Gideon, porque conhece o homem.

Irene arqueou as sobrancelhas e Francesca viu em seus olhos dourados a luz do entendimento.

-É o duque? Está falando do Rochford?

Francesca suspirou.

-Deveria ter imaginado que ia adivinhaar. Sim, é Rochford, mas me prometa que não o dirá a ninguém.

-Claro que lhe prometo isso. Nem sequer ao Gideon. Mas, Francesca, não entendo. Rochford é seu amigo. Que coisa tão má pode lhe ter feito?

Francesca titubeou. Sentiu que lhe pesava o coração no peito. Aquela pena tão antiga seguia cravada ali.

-Rompi nosso compromisso.

Irene ficou olhando-a com os olhos abertos como pratos.

-Sabia que havia algo entre vocês! - exclamou suavemente - Não estava certa do que era. Entretanto, nunca tinha ouvido nada disto. Não entendo. Deve ter sido um grande escândalo.

-Não - respondeu Francesca, negando com a cabeça - Não houve escândalo porque nosso compromisso era secreto.

-Secreto? Isso não parece próprio do duque.

-Oh, não havia nada estranho nisso - lhe assegurou Francesca - Rochford sempre foi muito correto. Disse-me que não havia nenhum motivo para que me visse apanhada em um compromisso durante minha primeira temporada. Aquele era o verão de minha estréia. Ele disse que talvez mudasse de opinião quando tivesse experimentado uma temporada social. Ele sempre tem em conta qualquer contingência, já sabe. E pensou, sem dúvida, que eu era volúvel.

-Era jovem - disse Irene.

Francesca encolheu os ombros.

-Sim. Porém, mais que isso... eu nunca tinha sido e nunca serei uma pessoa reflexiva - disse, sorriu brevemente - Ele disse que eu era uma "mariposa".

-Então, não encaixaram?

-Não, não foi isso. Acredito que Rochford estava de acordo. Ao menos, não expressou nenhum descontentamento. E eu... eu estava desesperadamente apaixonada por ele, como só pode estar uma garota de dezoito anos.

-Então, o que aconteceu?

-Daphne - respondeu Francesca.

-Daphne! Lady Swithington? A irmã de lorde Bromwell?

Francesca assentiu.

-Sim. Ela era a origem de todos os problemas que existiam entre Rochford e Brom, e o motivo pelo qual Rochford se opunha ao casamento entre Brom e Callie. Eu não fui a única que se deixou enganar pelas mentiras de Daphne. Seu irmão também achava que Rochford e Daphne tinham uma aventura.

-Oh, não! Francesca... - Irene posou uma mão sobre o braço de sua amiga - Pensou que ela era sua amante?

- A princípio não. A própria Daphne me disse que o era, mas eu me neguei a acreditar. Conhecia o Rochford, ou ao menos achava que o conhecia. Sabia que ele não me queria tanto como eu o queria a ele, mas pensava que era muito honrado para casar-se com uma mulher e manter a outra como amante. Entretanto, uma noite, nesta mesma casa, descobri que estava equivocada. Um lacaio me trouxe uma nota quando eu terminei uma dança. Dizia que fosse à estufa, que averiguaria algo interessante.

-Oh, Deus Santo.

-Sim. Pensei que era o duque quem me tinha enviado a nota, que tinha uma surpresa romântica para mim. Tinha-me presenteado com uns brincos de safira na semana anterior, dizendo que eram os melhores que tinha podido encontrar, embora não faziam justiça a meus olhos - explicou Francesca; deixou escapar um som que foi meio gargalhada, meio suspiro - Deus, que longe parece tudo isso.

-Ainda tem aqueles brincos? - perguntou-lhe Irene.

-Claro. São maravilhosos. Nunca os pus, mas não pude me desfazer deles. É claro, quis devolver-lhe quando rompemos, mas ele se negou a aceitá-los com uma expressão muito sombria.

- Encontrou lady Daphne e Rochford em uma situação comprometedora?

Francesca assentiu. Recordou como se sentira, cheia de amor e de entusiasmo, quando percorria apressadamente os amplos corredores da mansão para a estufa. Esperava que Rochford tivesse encontrado o modo de passar um momento a sós com ela. Ali, na cidade, era inclusive mais difícil que em casa, rodeados como estavam não só de acompanhantes, mas também de todo seu círculo social. Um encontro em um lugar oculto como aquele não era próprio do Rochford, é claro; ele sempre era extremamente cuidadoso com a honra de Francesca, e rechaçava qualquer comportamento que pudesse pôr em perigo sua reputação. Entretanto, Francesca tinha pensado que possivelmente aquela noite se deixara levar pela paixão, e a idéia lhe produziu um calafrio delicioso.

Francesca nunca tinha podido imaginar-se como seria ver o Sinclair ardendo de paixão. O duque era frio e elegante, sempre imperturbável, inclusive ante a pior das crises, e correto até os maiores extremos. Entretanto, tinha havido algumas ocasiões nas quais a tinha beijado, em que seus lábios tinham pressionado os dela com força. Francesca tinha notado então que sua pele masculina ardia de tal modo que lhe tinha deixado nervosa, e se tinha perguntado se havia algo mais quente, mais forte e mais duro que fervia dentro dele, também. Rochford sempre se afastara de Francesca rapidamente, é claro, mas ela tinha visto um reflexo em seus olhos, algo quente que quase dava medo, mas de um modo delicioso.

-Fui à estufa - recordou Francesca - Pronunciei seu nome. Sinclair estava no outro extremo da sala, e havia algumas laranjeiras entre nós. Ele deu um passo para mim, e percebi que tinha a gravata desarrumada e o cabelo revolto. A princípio não entendi, mas depois ouvi um som e olhei mais à frente. Daphne também estava entre as árvores. Tinha o vestido desabotoado até a cintura.

A expressão de Francesca se endureceu enquanto recordava aquele momento. Daphne estava despenteada, e tinha a regata desabotoada. Seus seios cheios e brancos estavam descobertos; a mulher tinha sorrido à Francesca como um gato que acabara de tomar leite.

E Francesca se quebrou por dentro.

-Quando os vi, dei-me conta de quão tola tinha sido. Não é que acreditasse que Rochford estivesse loucamente apaixonado por mim. Antes de tudo, ele me tinha enumerado as razões práticas pelas quais o nosso era um matrimônio vantajoso. Não tinha feito declarações de amor nem me tinha escrito poemas. Entretanto, eu achava que lhe importava. Estava certa de que nunca me faria mal nem me trataria desrespeitosamente. E eu sabia que seria uma boa esposa para ele, que o faria feliz, e que alguma vez chegaria a me querer tanto como eu o queria a ele.

-E em vez disso, ele estava deitando-se com Daphne enquanto estava comprometido com você.

-Sim. Bom, em realidade não. Tudo era uma mentira, mas eu não sabia naquele momento, e não podia suportar. Sem dúvida, outras mulheres teriam passado por cima, teriam pensado que de qualquer modo seria sua duquesa embora outra tivesse seu coração. Mas eu não pude. Rompi com ele.

-Mas, Daphne tinha arrumado aquela cena e lhe tinha enviado a nota?

-Sim. Contou-me isso no casamento de Callie. Ele não se deitara com ela, tal e como me jurou então. Mas eu não acreditei em Sinclair, é claro. Neguei-me a escutá-lo. E quando me visitou depois, não o recebi.

-E por isso se casou com lorde Haughston?

-Sim. Ele era tudo o que Rochford não era: todo palavras românticas e gestos extravagantes. Eu era para ele as estrelas, a lua, conforme me disse. - explicou Francesca, e fez uma careta de repugnância - Suas palavras foram como um bálsamo para mim. Disse-me que assim era o amor verdadeiro, e me casei com ele. Não se tinha acabado a lua de mel e já tinha percebido o engano que tinha cometido.

-Sinto-o muitíssimo - disse Irene, e apertou suavemente a mão de Francesca.

Francesca sorriu.

-Bom, faz muito tempo que aconteceu tudo isto.

-Não posso acreditar que lady Daphne admitisse que lhe mentiu.

-Não o fez com boa intenção, asseguro-lhe. Acredito que queria que percebesse como tinha sido idiota. Estou certa de que esperava que eu lamentasse ter atirado pela amurada a oportunidade de ser duquesa.

-E, em vez disso, é claro, o que lamentou é ter julgado mal ao Rochford. Ter feito mal a ele.

-Seu orgulho deve ter sofrido muito - admitiu Francesca - Certamente, detestou que sua honra fora posta em dúvida, embora soubesse que não tinha cometido nenhuma falta.

-Oh, Francesca... que pena. Ele não foi o único que sofreu.

-Não. Mas ao menos, eu tive culpa. Pode-se dizer que merecia o que me aconteceu. Fui quem acreditou na mentira. Fui quem não quis escutar a verdade quando ele me disse. Sinclair não fez nada de mau.

-E acha que encontrando uma esposa ao duque vai poder lhe compensar? - perguntou Irene.

Francesca percebeu o cepticismo no tom de sua amiga.

-Sei que não posso compensá-lo pelo que fiz, sei. Mas e se for eu quem tenho a culpa de que Rochford não se casou alguma vez? - perguntou Francesca, um pouco ruborizada - Não estou dizendo que eu lhe rompi o coração. Não me tenho em tão alta estima para pensar que nenhuma outra mulher tenha podido ocupar meu lugar. Mas temo que o fiz desconfiar tanto das mulheres que não tenha querido casar-se. Acho que ele já estava acostumado a estar sozinho, e que possivelmente lhe fosse mais fácil seguir desse modo. Sinclair herdou o título sendo muito jovem, e já tinha aprendido que as pessoas queriam ganhar seu favor só por seu título e sua riqueza. Acredito que essa era uma das coisas que encontrava benéficas de casar-se comigo: conhecíamo-nos desde meninos, e não me impressionava. Conhecia-o por si mesmo, não por seu título nem por nenhuma outra coisa. Entretanto, quando não lhe acreditei, quando me comportei de um modo que lhe resultou uma traição, temo que se tornou mais desconfiado e distante.

-Pode ser, mas se não quiser casar-se...

-Mas deve fazê-lo. Ele sabe tão bem como eu. É o duque do Rochford, e deve ter um herdeiro a quem deixar o título e o patrimônio. Rochford é muito responsável para não dar-se conta. Eu somente lhe estou ajudando a fazer algo que ele sabe que tem que fazer. - disse Francesca, e sorriu com picardia a sua amiga. - E você, melhor que ninguém, sabe que faço muito bem levar ao altar inclusive a aqueles que estão decididos a não casar-se.

Irene assentiu com um sorriso de ironia.

-Admito que é perita em unir inclusive aos mais reticentes. Entretanto, não sei se o duque estará de acordo com este plano…

-Oh, não vou lhe contar. - disse Francesca - Por isso não deve contar a ninguém, nem sequer ao Gideon. Estou certa de que Rochford o consideraria uma grande interferência de minha parte e me ordenaria que o deixasse, assim não vou lhe dar a oportunidade de que o faça.

Irene assentiu com uma expressão divertida.

-Não será difícil encontrar a uma mulher que queira casar-se com o duque. É o melhor partido de todo o país.

-Certo. Estou certa de que muitas mulheres quereriam casar-se com ele, mas não vale com qualquer. Tenho que encontrar a mulher mais adequada para o Rochford, o que resulta ser uma tarefa muito mais difícil do que eu tinha pensado. Mas claro, ele merece uma mulher extraordinária, assim não é de estranhar que não haja muitas mulheres.

-Entendo que Althea e Damaris são duas das escolhidas. A quem mais selecionou?

-Reduzi o grupo a três. Além de Damaris e Althea, escolhi a Lady Caroline Wyatt. Tenho que falar com as três esta noite e decidir como as reuniria com o duque.

-E se não gostar de nenhuma das três? - perguntou Irene.

Francesca encolheu os ombros.

-Então terei que encontrar a outras. Tem que haver alguém que goste.

-Possivelmente esteja sendo obtusa, mas me parece que a melhor candidata seria você.

-Eu? - perguntou Francesca, olhando-a com assombro.

-Sim, você. Antes de tudo, você é a única mulher com quem estamos certas de que Rochford quereria casar-se, porque já lhe pediu uma vez. Se lhe dissesse que descobriu a mentira, e que sente muito não lhe ter acreditado...

-Não, não - disse Francesca, confundida - Isso é impossível. Tenho quase trinta e quatro anos, e isso é muito para a noiva do duque. É claro, desculparei-me ante ele e lhe direi que fui uma idiota. Devo fazê-lo. Mas nós dois... não, isso passou faz muito tempo.

-Seriamente?

-Sim, seriamente. Por favor, não me olhe com essa cara de incredulidade. Sabe que eu terminei com o noivado. E embora não fosse assim, o nosso ocorreu faz muito. Ele nunca poderia me perdoar que rompesse com ele, não até esse ponto. Rochford é um homem muito orgulhoso. E fosse o que fosse o que sentiu por mim uma vez, agora esse sentimento já está morto. Passaram-se quinze anos, depois de tudo. Eu já não o quero. E não acredito que ele queira à mulher que o rechaçou. Vá, se durante muito tempo mal me dirigiu a palavra. Só faz uns anos que começamos a ser amigos de novo.

-Bom, se está tão certa...

-Sim, estou.

Irene encolheu os ombros.

-Então, o que pensa fazer?

-Eu... ah! Ali está lady Althea - Francesca viu sua presa além dos bailarinos, conversando com outra mulher - Começarei com ela. Acredito que posso conversar um pouco com ela, possivelmente para planejar uma saída juntas. Então, arrumarei-o para que Rochford forme parte de nosso grupo.

-Se esse for seu plano, parece que a fortuna lhe sorri. Rochford acaba de entrar.

-Seriamente? - perguntou Francesca, cujo coração se acelerou, e se voltou para olhar na direção que sua amiga lhe indicava.

Era Rochford, certo. Muito elegante, como sempre, com um austero traje negro, o homem mais bonito de toda a sala. Tinha o cabelo espesso, negro, e uma figura alta e esbelta. Não tinha nada de ostentoso, e o único adorno que levava era um alfinete preso à gravata com um ônix tão negro como seus olhos. Entretanto, qualquer um que o visse se daria conta de que era um aristocrata.

Francesca apertou o leque enquanto o via avançar pelo salão. Cada vez que o tinha visto ultimamente, havia sentido muitas coisas. Fazia anos que não se sentia daquele modo, tão nervosa e cheia de impaciência, e excitada também. Era como se o que lhe havia dito Daphne tivesse aberto uma porta ao passado e tivesse deixado entrar uma avalanche de emoções que ela tinha acreditado mortas pelo tempo e experiência.

Era uma tolice. O fato de saber que Rochford não lhe tinha sido infiel não significava nada diferente. Não havia nada que tivesse mudado por isso, e nada ia mudar. Sem embargo, Francesca não podia negar a alegria que sentia cada vez que via Rochford. Nunca tinha pertencido à Daphne. Sua boca firme e bem desenhada nunca a tinha beijado nem lhe tinha sussurrado ao ouvido. Suas mãos não a tinham acariciado nem lhe tinham dado jóias. As imagens que tinham torturado a Francesca quinze anos antes eram completamente falsas, e se sentia muito contente por isso.

Francesca se voltou e alisou a saia do vestido.

-Devo dizer - sussurrou.

Sabia que não poderia estar confortável com ele nunca mais se não lhe revelasse o que tinha averiguado e se desculpasse por não ter acreditado nele. E, claramente, não poderia uni-lo a uma esposa adequada se cada vez que o via ficava nervosa. Devia dizer-lhe, mas como?

-Acredito que vai ter a oportunidade de fazer - disse Irene.

-O que? - perguntou Francesca, e ergueu a vista.

E ali, subindo as escadas para elas, estava o duque do Rochford.

 

Francesca sentiu o impulso de fugir, mas sabia que não podia fazê-lo. Rochford a estava olhando diretamente, e ela não podia dar a volta, porque seria algo grosseiro. Além disso, Irene tinha razão: aquela era sua oportunidade para explicar-lhe tudo.

Assim, manteve-se em seu lugar e sorriu enquanto o duque se aproximava delas.

-Lady Haughston, lady Radbourne - lhes disse ele, com uma ligeira reverência.

-Rochford. Que agradável vê-lo. - respondeu Francesca.

-Faz muito tempo que não nos encontrávamos. Vi-a em poucas festas.

Francesca deveria ter sabido que ele perceberia. Ao Rochford não escapava nada.

-Eu... estive descansando um pouco desde o casamento de Callie.

- Esteve doente? - perguntou-lhe ele com o cenho franzido.

-Oh, não. Não, absolutamente. Né... - Francesca suspirou por dentro. Com apenas duas frases, já não sabia o que dizer.

Era muito difícil para ela mentir ao Rochford. Algumas vezes, tinha a sensação de que ele podia ver nas profundidades de sua alma.

Francesca afastou a vista de seus olhos negros e continuou:

-Não estava doente, só... cansada. A temporada pode ser algo muito árduo, inclusive para mim.

Tinha a sensação de que ele não achava. Observou-a durante um longo momento e depois respondeu com gentileza:

-Ninguém se daria conta, asseguro-lhe. Está tão radiante como sempre.

Francesca agradeceu seu comentário com um assentimento e ele se voltou para Irene.

-Como você, milady. Parece que o matrimônio lhe assentou muito bem.

-Assim é. - respondeu Irene, um pouco surpreendida.

-Radbourne não veio esta noite? - perguntou ele - Me surpreende não encontrá-lo ao seu lado.

-Isso é porque Irene o abandonou - disse Francesca, sorrindo.

-É certo - reconheceu Irene - Abandonei-o nas garras de lady Pencully e fugi como uma covarde ao alto das escadas.

-Deus Santo, a tia Odelia está aqui? - perguntou ele, olhando com alarme para o salão de baile.

-Sim, mas não vai subir as escadas. - disse Francesca - Desde que fiquem aqui, estarão a salvo.

-Eu não estaria tão certo. Parece que minha tia se tornou mais vigorosa desde a festa de seu octagésimo aniversário. - respondeu Rochford.

Irene olhou a Francesca e disse:

-Devo ser uma boa esposa. Vou resgatar Gideon antes que lhe acabe a paciência e diga a lady Pencully algo que depois lamente.

Francesca teve que reprimir um ataque de pânico ante a saída de sua amiga. Tinha conversado com o duque centenas de vezes. Era algo absurdo sentir-se tão desconfortável de repente.

-Como está a duquesa? - perguntou-lhe quando Irene se afastou.

-A avó está muito bem, desfrutando de sua estadia no Bath. Continua ameaçando voltar para passar aqui, ao menos, as últimas semanas da temporada, mas acredito que não o fará. Está muito aliviada de não ter que cumprir mais com o dever de ser a acompanhante de Callie.

Francesca assentiu. Aquilo foi o final do assunto de conversa. Ela se moveu com nervosismo e olhou de novo para o salão de baile. Sabia que devia dizer-lhe. Não podia continuar assim, sentindo-se tímida e desconfortável com ele. Durante os anos anteriores, acostumara-se de novo a o ter como amigo. Esperava com impaciência o momento de conversar com ele porque sua inteligência fazia agradável até o mais aborrecido dos eventos. E sempre podia contar com ele para dançar uma valsa, o que significava que ao menos uma das danças da noite seria como flutuar pelo salão.

Tinha que lhe confessar a verdade e lhe pedir perdão, por muito que a assustasse.

Olhou para cima e se deu conta de que ele a estava observando com uma expressão pensativa. Sabia. Aquele homem era muito perspicaz para não dar-se conta. Sabia que lhe ocorria algo. A eles.

-Gostaria de dar um passeio comigo? - perguntou-lhe Rochford, oferecendo o braço - Acredito que a galeria dos Whittington é muito agradável.

-Sim, é claro. É uma boa idéia.

Francesca posou a mão sobre seu braço e caminhou com ele para o longo corredor que percorria uma doa laterais da mansão. A galeria estava cheia de retratos de antepassados da família e quadros de assuntos variados, como dos cães de caça favoritos de um Whittington ou de outro. Rochford e Francesca caminharam olhando de vez em quando as pinturas, mas com pouco interesse, em realidade. Não havia ninguém mais na galeria e seus passos ressoavam sobre o chão de madeira brilhante. O silêncio se impôs entre eles, cada vez mais profundo e mais embaraçoso.

Por fim, Rochford disse:

-Ofendi-a além de todo remédio?

-Como? - perguntou Francesca, alarmada, olhando-o no rosto. - O que quer dizer?

Ele se deteve e se voltou para ela com uma expressão solene, com o cenho franzido.

-Quero dizer que, embora a tenha visto em algumas festas ultimamente, sempre que você me vê, virou-se e desapareceu entre as pessoas. E, se por acaso, encontrou-se comigo inesperadamente, sem modo de evitá-lo, aproveitou a primeira oportunidade para dar alguma desculpa e afastar-se. Entendo que não me perdoou pelo que lhe disse aquele dia quando averigüei que Bromwell tinha estado cortejando Callie.

-Não! - exclamou Francesca - Isso não é verdade. Não o culpei, seriamente. Eu... Possivelmente foi um pouco duro, mas depois o desculpei. E, claramente, tinha motivo para estar preocupado. Mas eu não podia trair a confiança de Callie, e ela tinha direito a escolher seu futuro.

-Sim, sei. É muito independente - disse Rochford com um suspiro - Sei que não tinha escolha, e que eu não podia esperar que controlasse minha irmã. Deus sabe que eu tampouco tive muita sorte nesse sentido. Além disso, uma vez que me passou o aborrecimento, soube que me tinha equivocado. Desculpei-me, e achei que tinha aceitado a desculpa, mas depois começou a se esconder de mim.

-Não, seriamente... - lhe disse Francesca - Sim aceitei suas desculpas, e não estou zangada com você pelo que disse. Já o tinha visto zangado antes.

-Então, por que está desgostada comigo? Inclusive no casamento de Callie vi-a muito pouco. Foi pela cena na cabana de caça? Porque eu... - Rochford titubeou.

-Porque derrubou ao futuro marido de sua irmã? - perguntou-lhe Francesca com um sorrisinho - Porque os dois estavam se batendo no salão, atirando os vasos ao chão e derrubando as cadeiras?

Rochford ia protestar, mas se deteve e sorriu.

-Bom, sim. Porque me estava comportando como um rufião. E fazendo ridículo.

-Meu querido duque, - disse Francesca, a ponto de tornar a rir - por que deveria me ofender por isso?

A ele lhe escapou uma gargalhada.

-Bom, ao menos têm a cortesia de não dizer que não é nada incomum. Embora eu poderia assinalar que, embora possa me comportar-me como rufião, não estava dizendo mentiras, como outras pessoas - disse ele, lançando-lhe um olhar de gracejo.

-Mentiras! - disse Francesca, e lhe deu uns ligeiros tapinhas no antebraço, sem dar-se conta apenas de que o sobressalto tinha desaparecido e que ambos estavam brincando de novo despreocupadamente - É injusto, senhor.

-Vamos, não pode negar que foi... digamos muito original aquela manhã.

-Alguém tinha que desfazer aquela confusão e pôr ordem - replicou ela - Ou todos teríamos estado em uma situação difícil.

-Sei - disse Rochford. Ficou sério e a surpreendeu tomando-a pela mão. - Sei que fez muito por Callie aquele dia. E ganhou minha gratidão eterna por sua originalidade. E por sua bondade. Callie se teria visto envolta em um escândalo sério se não fosse por você.

Francesca notou que se ruborizava e afastou o olhar.

-Não têm necessidade de me agradecer. Eu quero muito a Callie. É como uma irmã para mim.

Então, pensou que aquelas palavras não eram afortunadas, e ficou mais vermelha. Pensaria Rochford que era uma presunçosa? Ou pensaria que lhe estava recordando que ele e ela tinham estado a ponto de converter-se em marido e mulher?

Francesca se virou e continuou caminhando. Apertou com tanta força o cabo do leque que ficaram as marcas na pele. Rochford ficou ao seu lado e, durante um momento, continuaram andando em silêncio. Ela notava que ele a estava olhando, e que sabia que ocorria algo. Francesca percebeu que só estava piorando as coisas e ficando mais nervosa.

-Tenho que me desculpar com você - disse de repente.

- Desculpar-se? - perguntou Rochford com surpresa.

Francesca se deteve e o olhou frente a frente.

-Julguei-o mal há quinze anos, quando... - se interrompeu, com um nó na garganta.

Ele ficou ligeiramente rígido e o assombro de seu rosto se transformou em cautela.

-Quando estávamos comprometidos?

Francesca assentiu. Percebeu que não podia continuar olhando-o e virou o rosto.

-Eu... No casamento do Callie, lady Swithington me disse que tinha mentido sobre o que ocorreu. Que nunca houve nada entre você e ela.

Lorde Rochford não disse nada. Então, Francesca ergueu os ombros e o olhou no rosto. Engoliu em seco e continuou:

-Equivoquei-me. Acusei-o injustamente. Deveria tê-lo escutado. E queria... queria que soubesse que lamento o que lhe disse e o que fiz.

-Bom... - lorde Rochford ficou calado, e depois continuou - Entendo. Temo que não sei o que dizer.

-Não acredito que haja nada que dizer - admitiu Francesca. Depois seguiram caminhando - Não há nada a fazer. Tudo terminou faz muito tempo. Entretanto, não me sentia bem sem lhe dizer que estava muito equivocada. Não espero que me perdoe, mas queria que soubesse que sinto muito tê-lo julgado mal. Deveria ter conhecido melhor seu caráter.

- Era muito jovem - respondeu ele.

-Sim, mas isso não é uma desculpa adequada.

-Eu acredito que sim.

Francesca olhou de esguelha ao duque. Tinha-lhe preocupado muito que, quando o dissesse, ele respondesse com um comentário frio e mordaz. Ou que se encolerizasse e que se afastasse dela rapidamente. Não tinha pensado que sua confissão pudesse deixá-lo sem fala.

Lentamente, voltaram para o andar superior do salão de baile e, ao chegar à porta, detiveram-se e se voltaram o um para o outro. Francesca tinha o coração acelerado. Não queria separar-se assim dele, sem saber o que ele pensava e sentia, sem saber se estava furioso ou aliviado ao saber que ela já não pensava que era um canalha. Francesca não podia suportar pensar que sua confissão tivesse terminado com a delicada amizade que tinham construído com a passagem dos anos.

-Dançamos? - perguntou-lhe impulsivamente.

Ele sorriu.

-Sim, por que não?

Rochford lhe ofereceu o braço e os dois começaram a descer pela escadaria curvada. Quando chegaram ao piso inferior, começou a soar uma valsa. Rochford a tomou entre seus braços e se uniu ao resto dos bailarinos. Ela sentiu um comichão por dentro, suave e insistente, e de repente se sentiu insegura, nervosa, quase enjoada. Tinha dançado muitas vezes com o duque, mas naquele momento era algo distinto, novo.

Francesca era muito consciente da fortaleza dos braços do Rochford, de seu calor, do aroma de sua colônia mesclada com o aroma indefinível do homem. Recordou a dança que haviam dançado no Dancy Park, quando também a tinha tomado entre seus braços para dançar uma valsa e ela o tinha olhado e percebera que a teimosia infantil que havia sentido por ele durante tanto tempo se transformara em algo muito mais importante. Ao perder-se na profundidade de seus olhos negros, Francesca se tinha dado conta de que estava perdidamente apaixonada por ele. Havia se sentido flutuando de emoção. Ele a tinha olhado e lhe tinha sorrido, e naquele momento Francesca havia sentido uma explosão de calor no corpo, como um sol.

Ao olhá-lo naquele momento, Francesca notou que lhe ardiam as faces. O duque estava igual. Se houvesse alguma mudança, era que os anos lhe tinham acrescentado atrativo a sua beleza. As suaves rugas de seus olhos suavizavam os traços marcados e os ângulos que podiam fazer com que sua expressão fosse tria. Sempre pareceria um pirata, pensou ela, com seus olhos e seu cabelo negro, e as maçãs do rosto altas. Ou, ao menos, parecia um pirata quando franzia as sobrancelhas negras, ou quando olhava a uma pessoa fixamente. Naquelas ocasiões parecia um pouco perigoso.

Entretanto, quando sorria, seu rosto inteiro se iluminava e seus lábios se curvavam de um modo muito atraente. Era quase impossível não lhe devolver o sorriso naqueles momentos, e não querer fazer algo para conseguir que continuasse sorrindo.

Francesca afastou o olhar rapidamente, envergonhada de seus pensamentos. Esperava que ele não tivesse suposto quais eram. Era absurdo que se sentisse nervosa ou entusiasmada. Já devia ter superado aqueles sentimentos, tanto pelo Rochford como por qualquer outro. O amor juvenil que havia sentido por aquele homem tinha morrido fazia muitos anos, queimado por noites longas de insônia e angústia, abafado em muitas lágrimas.

Procurou algum assunto para terminar com o silêncio.

- Teve notícias de Callie?

-Recebi uma carta dela. Muito breve, por certo. Paris é linda. Bromwell é maravilhoso. Desejam chegar a Itália.

Francesca riu.

-Não acredito que seja tão curta.

-Oh, não, havia algo mais sobre Paris. Mas, em realidade, era um modelo de brevidade. Planeja voltar para Londres dentro de uma semana. Se não decidir alongar a lua de mel, claro.

-Bom, ao menos parece que ela está muito feliz.

-Sim. Acredito que sim. Contra o que eu pudesse pensar, parece que Bromwell a quer.

-Deve se sentir só sem ela.

-A casa está um pouco silenciosa - admitiu Rochford - Mas estive ocupado. - acrescentou, e arqueou uma sobrancelha - E você?

- Se estive ocupada? Ou se me senti só sem Callie?

-As duas coisas. Durante os dois meses anteriores a sua boda, ela esteve mais em sua casa que na nossa.

-Isso é certo. Sinto falta dela. Callie é... bom, sua saída me deixou um vazio maior do que eu teria imaginado.

-Possivelmente deveria tomar outra jovem sob seu amparo - sugeriu Rochford - Vi muitas jovens aqui esta noite a quem viria bem seu toque perito.

-Ah, mas nenhuma me pediu ajuda. E seria um pouco grosseira se oferecesse minha opinião sobre como outra pessoa pode melhorar, sem que ela a tivesse solicitado.

-Suponho que sim. Embora não se pode evitar desejar que lhe dissesse algo a lady Livermore.

Francesca reprimiu um risinho e seguiu o olhar do Rochford para lady Livermore, que estava dançando com seu primo. Levava um vestido de sua cor favorita, um arroxeado escuro que teria favorecido pouquissímas mulheres. Lady Livermore não estava entre elas. A cor já era suficientemente má, mas, além disso, lady Livermore tinha o convencimento de que se algo estava bem, quanto mais, melhor. Seu vestido tinha babados no pescoço e na bainha da saia, e pelas mangas. Os babados estavam debruados com festões, e nos festões havia enfeites de seda com uma pérola no centro. No cabelo levava um toucado da mesma cor do vestido, e adornado também com pérolas.

-Temo que não é provável que lady Livermore mude - disse Francesca. Fez uma pausa e perguntou - Conhece lady Althea?

Francesca teve vontade de morder a língua assim que o disse. Como podia ter saltado de uma maneira tão torpe?

-À filha do Robart? - perguntou o duque com surpresa - Acha que ela necessita ajuda para encontrar marido?

-Oh, não! Deus Santo! - disse Francesca com um risinho - Estou certa de que lady Althea não necessita de minha ajuda. É que acabo de vê-la dançando com sir Cornelius, isso é tudo. Certamente, ela tem muitos pretendentes. É muito atraente, não lhe parece?

-Sim - respondeu Rochford - Suponho que sim.

-E muito inteligente, também. Toca muito bem piano.

-Sim, é verdade. Ouvi-a.

-Seriamente? Acho que a admira muito.

-Sem dúvida.

Francesca sentiu um pouco de irritação por sua resposta. Não estava certa por que lhe incomodava o fato de que o duque admitisse com tanta facilidade seus louvores para lady Althea. Antes de tudo, que Rochford achasse atraente a jovem facilitaria muito as coisas. Por outra parte, Francesca não era tão presunçosa para não poder suportar que alguém adulasse a outra mulher. Entretanto, teve que fazer um esforço por não responder com aspereza, embora fosse ela mesma quem tinha mencionado à outra dama.

Mudou de assunto de conversa, mas mais tarde, quando terminou a música, dirigiu sutilmente ao Rochford para a direção que tinham tomado lady Althea e seu acompanhante quando saíam da zona de baile. Francesca teve a sorte de que sir Cornelius estava se despedindo da dama quando eles se aproximaram.

-Lady Althea - disse Francesca, saudando-a com aparente prazer - Como me alegro de vê-la. Fazia muito que não nos encontrávamos. Conhece o duque do Rochford, não é verdade?

Lady Althea sorriu moderadamente.

-Sim, é claro. É um prazer, milord.

Rochford fez uma reverência sobre sua mão estendida e lhe assegurou amavelmente que o prazer era inteiramente dele, enquanto Francesca observava à outra mulher com discrição. Lady Althea era alta e esbelta, e levava um vestido de baile branco de bom gosto, embora em opinião de Francesca lhe faltava um pouco de graça. E, embora tivesse os lábios muito finos e o rosto um pouco longo para ser bela de verdade, tinha um cabelo castanho brilhante e uns olhos castanhos grandes de pestanas espessas e escuras. Francesca estava certa de que muitos homens a considerariam bonita.

Olhou a Rochford de soslaio, perguntando-se se ele estaria entre aqueles homens.

Lady Althea perguntou com cortesia pela avó do Rochford e pelos pais de Francesca, e depois fez elogios das bodas do Callie. Era o tipo de conversa amável que Francesca tinha mantido também muitas vezes durante sua vida, como lady Althea e Rochford, e os três foram capazes de passar vários minutos falando de nada.

Quando terminaram de elogiar o baile de lady Whittington, possivelmente o melhor de todos os que tinha ido, em opinião de lady Althea, começaram a falar da última obra que se representava no Drury Lane, que aconteceu nenhum dos três ter visto.

-Ah, devemos ir! - disse Francesca, olhando a lady Althea.

A outra mulher ficou um pouco surpreendida, e respondeu:

-Sim, claro. Seria muito agradável.

Francesca sorriu.

-E devemos convencer ao duque para que nos acompanhe.

Ele também abriu os olhos um pouco mais do normal, mas respondeu com calma.

-É claro. Será uma honra acompanhar a duas damas tão encantadoras ao teatro.

-Maravilhoso - disse Francesca, e olhou a Althea, que parecia mais agradada pelo convite ao saber que o duque iria também - Então, devemos fixar uma data. Estaria bem na terça-feira?

Seus interlocutores assentiram, e Francesca sorriu. Sabia que os tinha obrigado; normalmente, era muito mais sutil dirigindo a situação do que tinha sido aquela noite, mas ao menos nenhum dos outros dois ficou contrariado nem desconfiado.

Seguiu conversando uns minutos mais e depois se desculpou e deixou ao Rochford com a Althea. Atravessou o salão, detendo-se várias vezes para saudar seus conhecidos. Deveria sentir-se triunfante, sabia. Por fim tinha posto seu plano em marcha.

Entretanto, em realidade tinha o começo de uma enxaqueca.

Deteve-se e olhou a seu redor. Viu Irene a distância, e um segundo depois divisou sir Lucien na zona de baile. Poderia ter ido falar com Irene, ou esperar que Lucien terminasse, ou poderia ter ficado falando com qualquer outra pessoa, ou poderia ter dançado com um bom número de cavalheiros que estariam mais que dispostos a entretê-la. Entretanto, a única coisa que queria era partir para casa.

Despediu-se de sua anfitriã e saiu para sua carruagem. O veículo tinha dez anos e estava começando a parecer desmantelado, mas se sentia bem em seu interior, longe da música, luzes e ruído da multidão que conversava.

Fenton, seu mordomo, surpreendeu-se ao vê-la tão logo em casa. Imediatamente se aproximou dela, solícito.

- A senhora está bem? Não estará resfriada?

O homem estava ao seu serviço mais de quatorze anos; Francesca o tinha contratado pouco depois de casar-se com lorde Haughston. Era muito leal, como todos os criados de Francesca. Algumas vezes, não lhes tinha podido pagar o salário, mas Fenton nunca se queixou, e ela estava certa de que tinha cortado qualquer protesto de outros criados.

Francesca lhe sorriu.

-Não. Estou bem. Só tenho um pouco de dor de cabeça.

No piso superior, teve o mesmo interrogatório de sua criada, Maisie, que imediatamente desfez o penteado de Francesca, escovou-lhe o cabelo e a ajudou a despir-se e pôr a camisola. Depois, saiu do dormitório em busca de água de lavanda para acalmar a enxaqueca de sua senhora. Em pouco tempo, Francesca se encontrou metida na cama, com um lenço empapado em água de lavanda sobre a fronte, e com o abajur de querosene reduzido seu brilho mais tênue.

Com um suspiro, Francesca fechou os olhos. Não tinha sono; era muito mais cedo da hora que costumava retirar-se. E, em realidade, a dor de cabeça lhe tinha passado assim que tinha voltado para casa e soltado o cabelo. Por desgraça, a melancolia que se apropriou dela durante o baile persistia.

Francesca não era uma mulher que se detivesse muito em suas desgraças. Quando seu marido tinha morrido, há cinco anos, lhe deixando pouco mais que aquela casa em Londres, ela não tinha ficado sentada retorcendo-as mãos e lamentando-se de seu destino. Fazia o possível por tirar o maior partido de seus recursos e pagar as dívidas do defunto, e tinha reduzido seus gastos ao mínimo. Fechou parte da casa e prescindiu de vários criados, e depois começou a vender pouco a pouco as baixelas de prata e ouro, e inclusive suas próprias jóias. Também tinha aprendido rapidamente a viver com economia, modernizando seu vestuário em vez de comprar trajes novos, e usando o calçado até que lhe desgastava a sola.

Entretanto, logo tinha ficado claro que nem sequer com um modo de vida espartano, dado seus pequenos ganhos, poderia manter a si mesma e aos criados. A maioria das mulheres, em sua situação, teria procurado um novo marido, mas depois de sua experiência com o primeiro, Francesca tinha decidido que não empreenderia aquele caminho outra vez. E, sem um matrimônio que a financiasse, sabia que teria que retirar-se a casa de seu pai, que tinha passado a ser a de seu irmão, e viver de um modo dependente durante o resto de sua existência.

Em vez de fazer algo assim, tinha procurado um modo de incrementar seus ganhos. Não havia trabalhos para senhoras, salvo ser acompanhante ou preceptora. Francesca não se sentia atraída por nenhuma das duas coisas, e além disso estava certa de que ninguém a teria contratado. As habilidades que ela possuía, um gosto impecável, a capacidade de saber que trajes e que complementos favoreciam a uma mulher, um profundo conhecimento da cena social de Londres, a capacidade de paquerar até o ponto justo, assim como o talento para animar a festa mais aborrecida ou a situação mais incômoda, não eram o tipo de coisas com se que ganhava dinheiro.

Entretanto, depois que outra dama da alta sociedade lhe pedisse ajuda para que sua filha pouco agraciada tivesse êxito na temporada social, Francesca pensou que suas habilidades eram bastante úteis para a primeira ocupação das mães de seu círculo social: conseguir um bom matrimônio para suas filhas. Poucas mulheres poderiam guiar melhor a uma jovem ingênua pelas perigosas águas de uma temporada social, e nenhuma era tão boa na hora de escolher o vestido perfeito ou o acessório que realçasse a figura ou dissimulasse um defeito ou o penteado mais favorecedor para qualquer tipo de rosto. A paciência, o tato e um grande senso de humor a tinham ajudado a suportar um matrimônio infeliz, assim como quinze anos sendo uma das damas proeminentes da sociedade, uma posição sempre perigosa. Claramente, aquelas qualidades eram muito úteis na hora de guiar a uma jovem para um bom matrimônio, e inclusive, se fosse afortunada, para o amor.

Francesca há três anos formava casais, sempre com o elegante pretexto de fazer um favor a uma amiga, é claro, e tinha conseguido arrumar-se embora não vivia com folga. Conseguia pôr comida na mesa, pagar a um modesto número de criados e esquentar a casa no inverno, desde que mantivesse fechados os aposentos mais frios. Além disso, como levava muitas clientes à costureira e às lojas de chapéus e complementos, freqüentemente lhe davam de presente um vestido que tivesse sido encomendado, mas não recolhido por outra dama, e lhe vendiam roupas íntimas, laços e chapéus com consideráveis descontos.

Não era o que tinha sonhado quando era mocinha, mas embora tivesse que passar muito tempo preocupando-se de como pagar as contas, podia levar uma vida própria e independente.

No fundo, estava contente com sua vida. Ou ao menos, tinha-o estado até ultimamente; durante as semanas anteriores tinha começado a sentir-se insatisfeita e sozinha.

Aquilo era absurdo, porque seu programa social estava cheio de convites para todas as noites da semana, e recebia visitas diariamente. Nunca necessitava de companheiro de baile, nem acompanhante para uma saída. Se tivera estado mais só durante aqueles dias era unicamente por escolha sua. Não tinha tido muita vontade de sair nem de ver ninguém.

Sentia falta de Callie, porque se tinha acostumado a estar com a moça e a casa ficara muito vazia sem ela, tal como tinha contado ao duque. E tinha que admitir que sentia remorsos e culpa pelo terrível engano que tinha cometido tantos anos antes. Francesca supunha que não seria humano se não pensasse em como seria muito diferente sua vida se não tivesse rompido o compromisso com o duque.

Se tivesse casado com Rochford, não passaria os dias preocupando-se pela economia doméstica. Entretanto, além dos benefícios materiais, Francesca se perguntava se não teria tido uma vida muito mais feliz com ele.

O que teria ocorrido se tivesse casado com um homem honrado em vez de casar-se com um libertino? O que teria acontecido se tivesse casado com um homem de que tivesse estado verdadeiramente apaixonada? Recordou a emoção que sentia quando estava com o Rochford então, a calidez que sentia cada vez que lhe sorria. O comichão que notava cada vez que ele a beijava.

Seu comportamento com ela tinha sido muito correto, e os poucos beijos que lhe tinha dado tinham sido muito castos. De qualquer modo, Francesca recordava que a ela lhe acelerava o coração quando notava a proximidade do duque, e lhe enchiam todos os sentidos com sua imagem, seu som e seu aroma. Em uma ou duas ocasiões, quando ele a tinha beijado, ela tinha notado sua grande paixão e como ele a atraía para si com força. Seus lábios a tinham apanhado e lhe tinham feito abrir a boca antes que o duque se afastasse bruscamente, desculpando-se por sua falta de decoro. Francesca mal tinha ouvido suas desculpas. Ficou olhando-o embevecida, invadida por muitas sensações novas e estranhas, notando um calor que lhe tinha explodido no abdômen, e se tinha estremecido, desejando mais.

Se tivesse casado com Rochford, possivelmente naquele momento estaria rodeada de filhos, possivelmente seria honrada por seu marido, possivelmente inclusive seria amada. Possivelmente seria feliz.

Lhe caiu uma lágrima que deslizou pela face. Abriu os olhos e a secou com a mão. Que tolice. Já não era uma mocinha de dezoito anos para deixar-se levar por fantasias românticas.

A verdade era que, embora tivesse podido ter filhos, seu matrimônio com o Sinclair provavelmente também teria sido infeliz.

Quando ela tremia entre os braços do duque, não sabia o que chegava depois dos beijos e abraços, nem que aquelas sensações sedutoras terminariam quando enfrentasse à realidade do ato marital. Se tivesse casado com o duque, o resultado teria sido o mesmo. A única diferença era que se tornara fria e rígida com Rochford, e teria sido ele e não Andrew quem se teria partido de sua cama amaldiçoando e chamando-a lady Gelo, ou duquesa de Gelo.

Sorriu com tristeza. O duque lhe tinha tido carinho, mas era absurdo pensar que tivesse podido ganhar seu amor com os anos. Claro que ele se teria comportado de um modo mais honrado que Haughston. Não a teria repreendido nem lhe teria passado com suas amantes diante do nariz. Mas, sem dúvida, teria desfrutado tão pouco de suas relações matrimoniais como Andrew. Ele também teria perdido o que sentisse por ela quando ela não tivesse lhe respondido com ardor. E quanto do amor de Francesca se teria salvado depois de suportar noite após noite seus ataques, com a esperança de que não fossem dolorosos, e de suspirar de alívio quando ele partisse?

Não havia nenhum motivo para pensar que aquilo fosse diferente. Ela não se teria convertido em uma mulher apaixonada por arte de magia só por haver-se casado com um homem diferente. Teria sido pior ter visto o desencanto no rosto do Rochford quando se desse conta de que sua mulher era fria no dormitório. E teria sido pior temer as visitas noturnas do homem a quem amava.

Não. Era melhor ter tido aquela outra vida. Melhor ter lembranças felizes do amor que havia sentido uma vez. Rochford também teria estado agradecido de que ela não se casara com ele e saber que tipo de mulher era. Ele ainda podia casar-se e ter herdeiros.

De fato, qualquer das mulheres que ela tinha escolhido seria uma boa esposa, e desempenharia muito bem o papel de duquesa do Rochford. Ele poderia apaixonar-se perfeitamente de alguma delas. Depois de tudo, Francesca tinha tido muito êxito formando casais. O duque seria feliz, muito mais, sem dúvida, pelo que teria sido se tivessem casado. E isso também faria feliz a Francesca.

Por que, então, a idéia de arrumar aquele casamento lhe deixava um sentimento de vazio por dentro?

 

   Francesca estava passeando pelos jardins do Dancy Park. Notava o calor dos raios do sol nas costas, e o ar estava perfumado de rosas. Debaixo daquela luz dourada, as flores eram uma profusão de cor: o arroxeado da espora de cavalheiro, o branco e amarelo da boca de dragão, as peonías rosas e vermelhas, e por toda parte, roseiras de todas as variedades que subiam pelas grades e muros. A brisa balançava as plantas e agitava as flores.

-Francesca.

Ela se voltou e viu Rochford. O sol estava atrás dele, de modo que não podia distinguir seus traços com clareza; mas conhecia perfeitamente sua voz, sua figura, seu modo de andar. Francesca sorriu, emocionada.

-Vi-a de meu escritório - disse ele enquanto se aproximava.

Seu rosto era todo ângulos e planos. Ela teve vontade de lhe passar as pontas dos dedos pela pele. Ao sol, seus olhos escuros eram um pouco mais claros do que pareciam no interior da casa. Tinha a íris de cor chocolate. Francesca observou sua boca firme e bem definida. Tinha uns lábios muito atraentes, e ao pensar em um beijo, algo se encolheu no ventre, formando um nó quente.

-Sinclair - sussurrou.

Notou uma opressão no peito e na garganta, como lhe ocorria freqüentemente quando ele estava perto. Era-lhe tão familiar como o jardim ou a casa, e entretanto, quando estava com ele naqueles dias, sentia-se nervosa e entusiasmada, cheia de energia, como se fosse a primeira vez que o via.

Ele ergueu a mão e a posou na face. Sua palma era dura e cálida, mais cálida incluso que a carícia do sol. Com o polegar, roçou-lhe os lábios com a suavidade de uma pluma. A carne sensível de Francesca ardeu de vida sob seu contato.

O calor se estendeu por todo o corpo e se concentrou em seu ventre. Notou entre as pernas um batimento do coração que a surpreendeu, e inalou profundamente.

Observou com impaciência como ele baixava a cabeça e fechava os olhos e, por fim, beijava-a. Com o braço livre lhe rodeou a cintura e a apertou contra seu corpo, e ela notou sua fortaleza contra se.

Francesca se deu conta de que o coração lhe pulsava aceleradamente no peito, e teve a sensação de que se desfazia como a cera quente. Ele apertou os lábios contra sua boca e a abriu. Um apetite inesperado, desconhecido, invadiu-a, e notou entre as coxas uma dor suave. Pôs-se a tremer, desejando algo que estava além de seu alcance.

Francesca abriu os olhos de repente e se viu na escuridão, olhando cegamente ao teto. Tinha o peito palpitante e a pele úmida de suor. O coração lhe pulsava a toda velocidade e tinha uma dor doce e quente entre as pernas. Durante um momento se sentiu perdida, sem saber onde estava nem o que tinha ocorrido.

Então se deu conta. Tinha tido um sonho.

Estremeceu e se aconchegou entre as mantas. O ar estava muito frio.

Tinha sonhado com Rochford em seu jardim de Dancy Park, antes que ambos tivessem ido a Londres para passar a primeira temporada social de Francesca. Era o jovem Rochford a quem tinha visto em sonhos? Não recordava exatamente como era seu rosto.

Sim recordava com clareza as sensações que lhe tinha produzido aquele sonho, porque persistiam. Fechou os olhos e se concentrou durante um momento naqueles sentimentos desconhecidos. Era tão estranho, tão impróprio dela ter um sonho assim, cheio de calor e apetite. De novo, estremeceu.

Tinha a sensação de que não estava completa, de que ansiava algo que não entendia, de que estava apanhada em um vazio.

Era aquilo o desejo? Perguntou-se. Sempre deixava assim a uma mulher, sozinha, sem saber se chorava ou ria? Recordou o desejo que a mantinha acordada no passado, pensando e Sinclair e em seus beijos, esperando o dia em que lhe pertencesse.

Claro que, então, ela não sabia tudo o que implicava o fato de pertencer a um homem. Tinha o averiguado na noite de núpcias, quando Andrew, que estava bêbado, tinha-a manuseado com rudeza, tinha-lhe arrancado a camisola e a havia tocado. Francesca recordou a humilhação que havia sentido nua sob seus olhos, o medo repentino de ter cometido um terrível engano.

Seu marido a tinha olhado com luxúria enquanto desabotoava a calça e a baixava. Quando seu membro se liberou da roupa, vermelho e latente, ela tinha fechado os olhos com horror; lhe separou as pernas sem olhar e se afundou em seu corpo lhe rasgando a carne tenra, e ela gritou de dor. Entretanto, ele não se deu por informado; tinha contínuado investindo uma e outra vez até que desabara sobre Francesca, empapado em suor.

Ela tinha demorado um segundo em dar-se conta de que ficara adormecido, e teve que retorcer-se debaixo dele para conseguir sair. Depois, pôs a camisola e se encolhido entre soluços.

Na manhã seguinte, Andrew se tinha desculpado por lhe causar dor, e lhe tinha assegurado que era a primeira vez que lhe acontecia algo assim. Francesca pensou que tudo se devia à embriaguez de seu marido depois da celebração das bodas. Certamente, a vez seguinte seria mais suave e mais carinhoso. E, sabendo o que ia ocorrer, não seria tão embaraçoso e tão horrível.

É claro, estava equivocada. A vez seguinte não foi tão doloroso; mas não houve felicidade nem desejo, nem nada do que ela tinha acreditado que havia em um matrimônio. Só tinha havido a mesma vergonha e humilhação enquanto lhe passava as mãos pelo corpo, retorcia-lhe os seios e as nádegas. Tinha-a deixado dolorida e golpeada, e ela havia tornado a chorar. Naquela ocasião, além disso, ele estava acordado, e ao ouvi-la, levantou-se amaldiçoando e partiu da cama.

As coisas não tinham melhorado. À medida que passava o tempo, já não lhe doía tanto, mas sempre lhe era desconfortável e humilhante. Além disso, Andrew se embebedava com assiduidade, e ela temia o momento em que aparecia em seu quarto, cheirando a álcool. Francesca aprendeu a fechar os olhos e a concentrar-se em outra coisa enquanto ele estava em cima, esperando que tudo terminasse o antes possível. Andrew a amaldiçoava por sua falta de animação e lhe dizia que era fria como o gelo. Recordava-lhe freqüentemente que não teria que ter amantes se ela fosse uma mulher de verdade.

Francesca não podia negar, Suspeitava que seu marido tivesse razão, que ela não era como as outras mulheres. Perguntava-se se não lhe teria quebrado algo por dentro quando Rochford lhe tinha quebrado o coração. Entretanto, não podia evitar perguntar a si mesma se possivelmente Rochford tinha sentido sua frieza inclusive antes de casar-se com ela, e por essa falta de paixão se arrojou aos braços do Daphne. Não o teria feito só porque se deu conta de que era tão fria como um peixe?

Francesca se tinha consolado pensando que ao menos teria filhos, mas inclusive naquilo se equivocara. Seis meses depois de casar-se ficou grávida. Quatro meses mais tarde, enquanto discutia com o Andrew por causa de suas perdas no jogo, ele a tinha agarrado pelo braço e, ao tentar escapar, Francesca se tinha caído pelas escadas. Horas depois tinha perdido o menino, e o médico lhe havia dito com expressão grave que certamente não poderia ter mais filhos.

Tinha razão. Não havia tornado a ficar grávida. Aqueles tinham sido os dias mais escuros de sua vida; tinha perdido a oportunidade de ter a família que sempre tinha querido. Não estava certa de se alguma vez tinha querido a seu marido, mas, certamente, qualquer amor tinha morrido quando se casaram. E tinha que assumir que, além disso, não teria filhos.

Andrew tinha começado a ir menos e menos a seu dormitório, o que tinha sido um alívio. Além disso, a Francesca já não importava que cada vez estivesse menos em casa, e que passasse todo o tempo bebendo, com suas amantes; nunca voltou a lhe reprovar que jogasse, por muito que pusesse em perigo sua precária situação financeira.

Quando tinha morrido ao cair de um cavalo devido a sua embriaguez, Francesca não tinha derramado uma só lágrima por ele. Em realidade, havia sentido uma bendita liberdade. Por muito difícil que tivesse sido para ela manter-se à tona depois, ao menos tinha tido o controle de sua própria vida. E já não tinha que preocupar-se de que Andrew aparecesse a lhe exigir seus deveres de esposa.

Não havia nada que pudesse pô-la de novo naquela situação. Não tinha nenhum interesse em casar-se. Sabia que havia homens muito melhores que lorde Haughston, mas com certeza nenhum quereria uma esposa que não queria compartilhar seu leito. E ela não queria manter relações nem sequer com um homem agradável. Possivelmente fosse muito estranha por sua falta de paixão, tal e como lhe havia dito Andrew. Entretanto, ela sabia que era difícil que mudasse em sua idade. Simplesmente, não tinha o dom da paixão.

Por tudo aquilo, o sonho que tinha tido lhe era muito estranho. O que era aquele calor que a tinha invadido? E o que significava? De onde tinha surgido?

Com toda segurança, aquele sonho tinha sido conseqüência das lembranças que tinha tido aquela noite, pensamentos e emoções de quinze anos antes, quando estava apaixonada pelo Rochford. Eram aquelas esperanças adolescentes e aqueles sentimentos sem experiência que se misturaram em seus sonhos. Aqueles sentimentos não tinham nada que ver com a mulher estéril e vazia em que se convertera.

Nada absolutamente.

Dois dias depois, Francesca estava com Maisie, estudando as possibilidades de modernizar um de seus vestidos, quando seu mordomo bateu na porta para anunciar que sir Alan Sherbourne tinha ido visitá-la.

-Sir Alan? - perguntou ela - Conheço-o, Fenton?

-Não acredito, milady - respondeu ele.

-E acha que deveria recebê-lo?

-Parece bastante inócuo. Um cavalheiro que passa a maior parte do tempo no campo, em minha opinião.

-Entendo. Bem, picou-me a curiosidade. Faça-o entrar no gabinete.

Quando Francesca entrou no aposento, uns instantes mais tarde, comprovou que seu mordomo havia descrito à perfeição sir Alan. Era de estatura média, com um rosto agradável. Seu porte, sua forma de falar e sua atitude eram claramente os de um cavalheiro, mas não tinha nada de arrogância. E, embora sua roupa fosse de qualidade, não seguia a última moda, o que indicava, tal como tinha dito Fenton, que não era um homem de cidade, algo que se confirmou a olhos de Francesca com a franqueza do visitante.

-Sir Alan? - disse Francesca ao entrar.

Ele se voltou. Tinha estado contemplando o retrato que havia sobre a chaminé, e ao ver a Francesca real abriu os olhos desmesuradamente.

-Lady Haughston. Peço-lhe perdão... não me tinha dado conta... - se interrompeu com certo rubor – Desculpe-me. Não sou tão torpe normalmente. Temo que não esperava que lady Haughston fosse alguém tão jovem e radiante.

Francesca não pôde conter um sorriso. Sempre era agradável receber um elogio, sobre tudo quando parecia tão espontâneo e surpreendido como aquele.

-Oh, vá - disse ela em tom de brincadeira - Alguém me descreveu como uma velha bruxa?

Ele se ruborizou profundamente e começou a gaguejar.

-Não... não... não, milady. Ninguém me disse nada semelhante. É só que ouvi falar de sua influência e suas habilidades sociais, e tinha imaginado alguém muito mais velha. Uma senhora... uma... - o cavalheiro ficou calado – Estou estragando, claramente.

Francesca riu.

-Não se preocupe. Prometo-lhe que não me ofendi. Por favor, sente-se, senhor.

-Obrigado - disse ele, e se acomodou em uma poltrona enquanto ela tomava assento no sofá - Espero que perdoem minha intromissão. É presunçoso por minha parte, sei, vir visitá-la sem conhecê-la, mas um amigo me disse que possivelmente estivesse disposta a me ajudar.

-Seriamente? Bom, claro que estou, se puder.

-É sobre minha filha. Harriet. Debutou este ano.

-Entendo.

O encargo daquele pai estava cada vez mais claro para Francesca. Tentou recordar a uma moça chamada Harriet Sherbourne, mas não pôde. Certamente, aquele era o problema: não estava causando sensação em sua primeira temporada.

-Sou viúvo - continuou seu visitante - Harriet e eu estamos há seis anos vivendo sozinhos. É uma menina boa e doce. Foi uma magnífica companhia para mim, e seria uma boa esposa para qualquer homem. Esteve levando minha casa desde que tinha quatorze anos. Mas, entretanto, não parece que seja muito atraente aqui em Londres.

Franziu o cenho, com evidente assombro.

-As coisas podem ser difíceis para uma garota jovem quando chega à cidade - assegurou Francesca.

-Não é que eu esteja ansioso por vê-la casada - explicou ele - Em realidade, sei que ficarei muito só quando ela se vá - acrescentou com um sorriso de melancolia - Mas detesto ver que Harriet não está desfrutando desta temporada. Como vai poder passá-la bem, se sempre estiver junto à parede, sentada, sem dançar?

-Exato.

-Alguém me disse que você faz maravilhas com as moças que ficaram, por dizê-lo de algum modo, separadas da carreira social. Sei que não têm nenhum motivo para querer me ajudar, porque não nos conhecem nada, mas esperava que me desse algum conselho. Disseram-me que é muito generosa nesse sentido.

-Estarei encantada de poder ajudá-los - assegurou Francesca ao cavalheiro.

-Mas não estou certo do que pode fazer - disse seu visitante com desconcerto.

-Eu tampouco - admitiu Francesca - Sem dúvida, ajudaria que pudesse conhecer sua filha.

-Claro, é claro. Se lhe parecer bem que a visitemos, poderia trazê-la quando for possível.

-Muito bem. Por que não vêm ver-me amanhã à tarde? Assim, lady Harriet e eu poderemos nos conhecer e farei uma idéia mais acertada de qual é o problema.

-Excelente - respondeu sir Alan com um sorriso resplandecente - É muito amável, lady Haughston.

-Enquanto isso, poderia me contar um pouco do que... né... gostaria que acontecesse a lady Harriet durante esta temporada.

Ele ficou confuso.

-A que se refere?

-Freqüentemente conheço pais que têm diferentes expectativas. Alguns querem que suas filhas se casem rapidamente, e outros preferem que o matrimônio seja vantajoso.

-Ah - disse ele, e seu rosto se esclareceu. - Não tenho expectativas de matrimônio, milady. Quer dizer, se Harriet conhecer um jovem agradável e adequado com quem quer casar-se, seria estupendo, é claro. Entretanto, minha filha é muito jovem ainda, e não ouvi que expressasse seu desejo de casar-se. Eu só quero que tenha uma temporada social agradável. Nunca se queixa, mas durante estes últimos anos teve mais responsabilidade do que devesse uma garota de sua idade. Merece um pouco de diversão. Por isso viemos a Londres. Mas, em realidade... bom, acredito que se aborrece com todas estas festas. Gostaria de dançar e conversar. Minha mãe esteve acompanhando Harriet, mas já está velha. É uma carga para ela ser a acompanhante da menina. E, algumas vezes, pergunto-me se Harriet se diverte nas festas que vai.

Francesca assentiu. Cada vez entendia melhor a situação.

-Claro.

Sir Alan parecia um homem agradável e bom, alguém que só queria o melhor para sua filha. Entretanto, a amabilidade não significava que estivesse disposto a gastar dinheiro para conseguir seu objetivo. Havia muitos pais que queriam que ela fizesse maravilhas com sua filha sem comprar roupa, ou que comprasse um guarda-roupa adequado com um orçamento avaro.

-Averigüei, com o passar do tempo, que apresentar adequadamente a uma moça em sociedade requer certos ajustes em sua forma de vestir, e isso supõe gastos - disse Francesca com delicadeza.

Ele assentiu.

-É claro, se pensa que isso é o melhor. Deixarei o assunto inteiramente em suas mãos. Temo que minha mãe não foi a melhor pessoa para escolher os trajes de minha filha para esta temporada.

-E, sem dúvida, precisarão dar uma festa - disse Francesca. Ao ver a expressão de consternação do homem, ela acrescentou rapidamente - Ou podemos dá-la aqui. Eu me ocuparia dos preparativos.

-Sim - disse ele - Oh, sim. Isso seria perfeito, se for amável. Só terá que me remeter todas as faturas.

-Muito bem - disse Francesca com um sorriso. Sempre era agradável trabalhar com um pai generoso, sobre tudo com um que estava disposto a pôr todos os assuntos e preparativos em suas mãos.

Sir Alan lhe devolveu um amplo sorriso de satisfação.

-Não sei como lhe agradecer, lady Haughston. Estou certo de que Harriet ficará muito contente. Não quero incomodá-la mais. Já a importunei durante suficiente tempo.

Ele partiu depois de lhe fazer uma amável reverencia, e Francesca subiu as escadas com melhor ânimo. Ocupar-se do Harriet Sherbourne lhe proporcionaria algo que fazer, assim como os ganhos que tanto necessitava. Dada a qualidade das últimas comidas que lhe tinha preparado a cozinheira, sabia que devia ter terminado o dinheiro o duque tinha enviado a Fedon através de seu representante para a manutenção de Callie enquanto a moça estava vivendo com Francesca. Como de costume, o mordomo e a cozinheira tinham feito magia com aquele dinheiro, e o tinham aproveitado de modo que tinha durado até várias semanas depois de que Callie partira.

A casa ainda tinha solvência, e seguiria assim até o final da temporada, graças ao presente que tinha enviado a Francesca a avó de Callie, a duquesa viúva. Quando Callie partiu, tinha presenteado a Francesca um camafeu que tinha deixado sua mãe à moça. O presente se convertera imediatamente em algo muito querido para Francesca, tanto que não tinha podido desfazer-se dele, nem sequer pensando no dinheiro que lhe teriam pago pela jóia. Entretanto, pouco depois, a duquesa lhe tinha enviado um precioso conjunto de penteadeira de prata para lhe agradecer por ter feito encarregada da organização das bodas de sua neta e lhe tivesse tirado de cima um peso tão grande. Francesca lamentou muito ter que vender a bandeja lavrada, o conjunto de caixinhas, de frascos de perfume e de garrafinhas, porque eram uma maravilha.

Entretanto, no dia anterior os tinha dado ao Maisie para que os levasse para vender na joalheria.

Sabia, não obstante, que aquele dinheiro não ia durar sempre, e que quando terminasse a temporada viriam o outono e o inverno e haveria muito poucas oportunidades de conseguir mais ganhos. O que pudesse ganhar ajudando à filha do Sir Alan seria bem-vindo. Além disso, a vida sempre era melhor quando tinha um projeto no qual trabalhar. Portanto, dois projetos afastariam o ataque de tristeza que tinha sofrido na outra noite.

Por outro lado, animou-se ainda mais quando Maisie lhe disse que tinha recordado um encaixe prateado que tinha salvado o outono anterior de um velho vestido

de noite, já descartado. A criada estava segura de que era perfeito para arrumar o traje de cor cinza pérola que Francesca ia levar no teatro.

Ambas as mulheres passaram o resto da tarde refazendo o vestido em questão, trabalhando com alegria.

Trocaram a sobressaia por outra de gaze prateada que tiraram de outro traje, e acrescentaram uma faixa de bordada ao redor da bainha , decote e mangas. Depois do acerto, o vestido não se parecia absolutamente ao do ano anterior. Francesca pensou que estaria aceitável com ele, e que não pareceria absolutamente uma mulher que se aproximava de seu trigésimo terceiro aniversário.

Quando chegou a noite da terça-feira, o dia em que Francesca combinara com lady Althea e o duque para ir ao teatro, Rochford chegou, como era de esperar, um pouco antes da hora acordada. Não era tão comum que Francesca também estivesse preparada com antecipação. Entretanto, quando Fenton lhe disse que Rochford estava no salão, ela se entreteve uns minutos antes de descer para saudá-lo. Não era adequado que uma dama se mostrasse ansiosa, embora o homem em questão fosse um amigo e não um pretendente.

O mordomo tinha feito Rochford entrar no salão principal, e o duque estava admirando o retrato de Francesca que pendia sobre a chaminé. O retrato foi pintado quando Francesca se casara com lorde Haughston, e estava há tanto tempo ali que ela já nunca o olhava. Era como uma peça de mobiliário.

Naquele momento o observou, entretanto, e se perguntou se seria certo que então tinha uma pele tão cristalina e aveludada, ou se era só um exemplo da destreza do artista.

Rochford olhou para trás ouvir seus passos e, durante um momento, houve algo em seu rosto que fez com que Francesca se detivesse em seco. Mas então, o momento passou. Ele sorriu, e Francesca não pôde saber o que tinha visto exatamente em seu semblante. Fosse o que fosse, tinha-lhe deixado o coração acelerado.

-Rochford - disse, caminhando para ele com a mão estendida para estreitar a dele.

Ele se voltou por completo e então ela percebeu que tinha um ramo de rosas brancas na mão. Francesca se deteve de novo, levou a mão ao peito com satisfação e surpresa.

-Que bonitas! Obrigada.

Quando tomou o ramo, tinha as faces ruborizadas.

-Chego muito cedo, sei, mas pensei que quando nos separarmos esta noite será seu aniversário.

-Oh! - o sorriso que se desenhou nos lábios de Francesca foi resplandecente - Recordou.

-É claro.

Francesca escondeu o nariz entre as flores e inalou seu aroma, mas sabia que sua ação era mais para esconder seu rubor de gratificação que para cheirar as flores.

-Obrigada - lhe disse de novo, olhando-o. Não sabia por que lhe provocava tanta alegria que ele se recordasse de seu aniversário e que lhe tivesse levado flores. Entretanto, sentia-se muito mais leve do que se sentira durante toda a semana.

-De nada - disse ele. Seus olhos eram muito escuros, e insondáveis à luz tênue das velas.

Francesca se perguntou no que estaria pensando ele. Recordava como era ela quinze anos antes? Acharia ela muito mudada?

Envergonhada pelo que estava refletindo, voltou-se e tocou a campainha para avisar ao Fenton. O mordomo, tão eficiente como sempre, a tinha visto receber ao duque que levava um ramo de rosas na mão, e apareceu com um vaso. Pô-lo sobre a mesa baixa que havia frente ao sofá e Francesca se entreteve uns instantes dispondo as flores nele.

-Espero, entretanto, - disse, olhando o ramo em vez de o Rochford - que sua memória seja o suficientemente amável para não recordar o número de anos que completei tão bem como a data do aniversário.

-Seu segredo está a salvo comigo - lhe disse ele, com uma seriedade zombadora - Embora lhe asseguro que se eu revelasse sua idade, ninguém acreditaria, dado o aspecto que têm.

-Uma mentira muito bonita - respondeu Francesca, e ao sorrir, lhe formou uma covinha na face.

-Não é mentira. - protestou ele - Estava olhando seu retrato, e pensando que está exatamente igual a então.

Ela estava a ponto de lhe lançar uma réplica quando, de repente, a lembrança do sonho que tinha tido aquela noite lhe invadiu a mente. Francesca ficou olhando Rochford, sem fôlego, e só pôde pensar como a olhava no rosto, e no toque de veludo de seus lábios quando suas bocas se encontraram.

Ruborizou-se profundamente e a expressão do rosto do Rochford mudou. Obscureceram-lhe os olhos de forma quase imperceptível. Francesca pensou que estava a ponto de beijá-la, e de repente, seu corpo ferveu de impaciência.

 

Mas, é claro, ele não a beijou. Em vez de fazê-lo, deu um passo atrás, e ela se deu conta de que seu rosto tinha recuperado a habitual expressão reservada e não havia nada do que ela tinha acreditado ver. Pensou que era um efeito da luz, de alguma mudança das sombras. Sem dúvida, Fenton não tinha acendido as velas para economizar.

-Surpreende-me que não dêem uma festa para celebrar a ocasião - disse Rochford com um pouco de rigidez.

Francesca se voltou enquanto tentava acalmar o tumulto de mariposas que tinha no estômago. Não ia pensar naquele ridículo sonho. Não significava nada. E Rochford não sabia nada, de qualquer modo. Não havia motivo para sentir-se sobressaltada e inquieta.

-Não seja absurdo - disse ela secamente, enquanto se sentava e lhe indicava uma poltrona para que ele fizesse o mesmo. - cheguei a uma idade em que ninguém quer atrair a atenção sobre si.

-Mas priva a todos da oportunidade de celebrar sua presença entre nós, os mortais comuns.

Ela o olhou com ironia.

-Um pouco exagerado, não?

Devolveu-lhe o olhar.

-Minha querida Francesca, você deve estar acostumada a que a chamem divina.

-Não por um homem que é bem conhecido em toda a cidade por ser fiel à verdade.

Ele riu.

-Rendo-me. Claramente, estou em desigualdade de condições. Dou-me conta de que é impossível ter a última palavra quando se medem engenhos com você.

-É muito agradável ouvir que o admite - respondeu ela com um sorriso - E agora acho que lady Althea nos estará esperando.

-Sim, claro - respondeu Rochford. Entretanto, não parecia que a noite o tinha tão impaciente como ela teria pensado.

Por outra parte, Francesca tinha imaginado que aquela seria uma batalha inflamada com o Rochford. Ele não era muito dado às mudanças, e seria difícil alterar a que tinha sido sua vida durante muitos anos. Além disso, Francesca não estava totalmente certa de que lady Althea era a mulher mais indicada para Rochford. Era uma moça um pouco altiva, e embora isso não fosse um problema para uma duquesa, Francesca não sabia se faria feliz ao duque. Embora Rochford fosse muito capaz de pôr seu "rosto de duque", tal como havia dito Callie, quando lhe convinha, não era um homem que se tomasse muito a sério a maior parte do tempo. Podia conversar com uma pessoa de qualquer estrato social, e Francesca não recordava uma só ocasião em que tivesse estado tão preocupado de sua dignidade para não escutar ou ajudar a alguém.

Francesca o olhou enquanto saíam de sua casa e se aproximavam de sua elegante carruagem. Aquele veículo era um exemplo da falta de soberba do Rochford. Embora fosse de boa fatura e, evidentemente, muito caro, não levava o emblema ducal no lado. Ele nunca tinha procurado a admiração das pessoas, nem sentia a necessidade de anunciar seu nome nem seu status publicamente.

Rochford a ajudou a subir na carruagem e se acomodou em frente a ela. Estava escuro no interior da cabine, e era muito mais íntimo estar sentado ali que em uma das poltronas de seu salão; além disso, Francesca tinha a sensação de que ele a olhava, e embora não houvesse nenhuma razão pela qual não tivesse que olhá-la, sentados como estavam um frente ao outro, ela não pôde evitar sentir-se nervosa, inquieta. Foi um alívio que o trajeto até a casa de lady Althea durasse tão somente uns minutos.

Uns instantes depois que se detiveram frente à entrada da casa, um lacaio pôs um tamborete junto aos degraus para que lady Althea pudesse subir. Francesca ouviu que a moça dizia em tom de decepção:

-Oh, então, não trouxe a carruagem ducal?

Rochford olhou a Francesca, que estava observando-os pela janela da carruagem, e arqueou uma sobrancelha sarcasticamente. Francesca teve que pôr a mão sobre a boca para ocultar seu sorriso.

-Não, milady, receio que é minha avó quem usa a carruagem com o emblema. De qualquer modo, poderia dizer-se que esta é a carruagem ducal, pois me pertence.

Lady Althea o olhou com desconcerto.

-Sim, é claro, mas, como vão saber as pessoas?

Francesca reprimiu um suspiro. Parecia que lady Althea não tinha muito senso de humor.

-Muito certo - murmurou o duque, lhe estendendo a mão para ajudá-la a subir à carruagem.

Althea se sentou junto a Francesca e a saudou com um assentimento grave.

-Boa noite, lady Haughston?

-Boa noite - disse Francesca com um sorriso - Que encantadora está.

-Obrigada.

A Francesca só se incomodou um pouco que lady Althea não lhe devolvesse o cumprimento. Foi muito mais aborrecido que, depois de sua breve resposta, Althea não fizesse nenhum esforço por dizer nada que pudesse continuar com a conversa.

-Espero que seus pais se encontrem bem - disse Francesca animosamente.

-Sim, muito bem, obrigado. Papai apenas fica doente. É coisa da família Robart, claro.

-Seriamente? - perguntou Francesca, que notou a diversão refletida nos olhos do duque. Althea, pensou com uma pontada de irritação, não fazia nada para causar boa impressão - E está desfrutando de lady Robart nesta temporada? Confesso que a vi muito poucas vezes este verão.

-Passa muito tempo com minha madrinha - comentou Alathea - Lady Ernesta Davenport. A irmã de lorde Rodney Ashenham.

-Ah! - disse Francesca. Conhecia o Ashenham e a sua irmã. Ambos eram uns dissimulados. Lady Davenport lhe havia dito em uma ocasião a Francesca que uma dama de verdade não ria em voz alta, que só o faziam as mulheres ordinárias, quando Francesca tinha explodido em risinhos por uma tolice ou outra durante sua primeira temporada.

-Cresceram juntas - continuou Althea - depois de tudo, são primas carnais.

-Entendo.

Aparentemente, Althea tomou aquela resposta como uma amostra de interesse, porque continuou bastante tempo explorando a árvore genealógica dos Ashenham, que deviam ter laços com todas as famílias proeminentes da Inglaterra.

Francesca manteve uma expressão cortês enquanto escutava, mas, enquanto, pensava em todos os sapatos que tinha, tentando dar com um par que fizesse jogo com o vestido de cor verde que tinha visto na oficina da senhorita Du Plessis na semana anterior. A costureira lhe havia dito que estava esperando compradora, pois quem o tinha encomendado não tinha pagado o último prazo. A costureira tinha admitido que não pensava que a compradora voltasse por ele, e tinha concordado em vender a Francesca por um terço de seu valor total se a cliente não o retirasse em uma semana.

O vestido era muito longo, mas Maisie o remediaria facilmente, e Francesca sabia que necessitava de um vestido novo. Renovar um vestido antigo para que parecesse novo podia fazer-se em um número determinado de ocasiões, e não se podia ir com ele freqüentemente aos bailes. O orgulho era um pecado, mas ela não podia suportar que as pessoas soubessem o perto que estava da penúria.

-Lady Haughston?

Francesca ergueu a vista rapidamente, consciente de que estava há muito tempo absorta em seus pensamentos.

-O que? Sinto muito. Devo me ter distraído.

-Já chegamos. - disse Althea com um pouco de secura.

-Ah, é verdade - disse Francesca. Olhou pela janela e viu o edifício do Teatro Real.

Suspeitava que tivesse irritado Althea ao ter ficado nas nuvens daquela forma, mas a garota deveria saber que analisar a árvore genealógica de sua família não era o modo de capturar a atenção de ninguém. Francesca teria que pensar em algum modo para conseguir falar com moça sobre a arte da conversa se queria que tivesse alguma oportunidade com o Rochford. É claro, em caso de que decidisse que lady Althea era a mulher que queria para ele. Francesca estava começando a ter suas dúvidas.

Rochford saiu do veículo com agilidade e se voltou para ajudar a descer às mulheres. Francesca deu um jeito para permanecer um pouco atrás enquanto entravam no teatro para que Rochford caminhasse junto à Althea a sós. Depois de tudo, devia lhe dar a oportunidade de que conhecesse melhor à moça. Possivelmente Althea estivesse nervosa pela situação. Algumas vezes, Rochford produzia aquele efeito nas pessoas. E freqüentemente, o nervosismo fazia que a pessoa falasse das coisas mais intranscendentes.

Francesca os olhou. A cabeça morena de Rochford estava ligeiramente inclinada para a Althea. Ia escutando-a. Possivelmente não lhe teria importado sua conversa anterior; Francesca tinha visto maridos que estavam de acordo com as esposas mais bobas. E Althea era atraente.

Pensou que deveria ir visitar alguém em seu camarote durante o intervalo da obra; desse modo, o casal teria a oportunidade de conversar a sós sem que houvesse nada impróprio, pois todo o público estaria ao seu redor. Antes de começar a peça, Francesca teria que procurar a algum conhecido para poder ir saudá-lo durante o intervalo.

Olhou a seu redor, às pessoas que entravam no teatro. Notou um toque no cotovelo, voltou-se e viu que Rochford a olhava com desconcerto. Althea e ele ficaram atrás.

-Distraída de novo, lady Haughston? - perguntou-lhe com um ligeiro sorriso.

-Oh, né... - Francesca notou que se ruborizava - Peço desculpas. Não sei o que me passa esta noite.

Continuaram seu caminho até o camarote do duque. Francesca se ajeitou para sentar-se junto à parede e deixar a Althea entre o Rochford e ela. De novo, separou-se de sua conversa e se inclinou ligeiramente para diante e, com os binóculos , inspecionou a outros ocupantes do teatro.

Viu a senhora Everson com seu marido e suas duas filhas. Francesca supôs que poderia ir visitá-los depois, embora não fosse muito apetecível. Baixou os óculos e lhes fez um gesto de saudação, no caso de... Depois continuou sua busca. Tomara tivesse pedido a sir Lucien que fosse com alguém aquela noite, porque então poderia ter ido vê-lo e teria tido uma conversa animada.

Enquanto procurava, teve a estranha sensação de que a estavam observando. Baixou os binóculos e olhou por todo o teatro. Então lhe escapou uma exclamação de surpresa e apertou o leque com força, sem dar-se conta.

-Francesca? O que acontece? - perguntou-lhe Rochford. O duque se inclinou para diante e seguiu seu olhar.

-Demônios! - exclamou suavemente - Perkins.

-O que está fazendo aqui? - perguntou Francesca com desgosto.

-Quem? - inquiriu lady Althea, olhando para baixo.

-Galen Perkins - respondeu Rochford.

-Não conheço esse nome.

-Não tem por que. - respondeu Francesca - Esse homem estava há anos fora do país.

-É um canalha. - acrescentou Rochford, olhando de esguelha a Francesca.

Ele sabia que Perkins era um dos amigos de seu defunto marido. Embora provinha de um ramo sem importância de uma boa família, fazia todo o possível por manchar seu bom nome. Era jogador e bebedor, e tinha sido o companheiro de lorde Haughston em muitas de suas aventuras mais selvagens. Aquele homem se atreveu inclusive a insinuar-se a Francesca apesar de ter amizade com seu marido.

-O que faz de volta na Inglaterra? - perguntou Francesca. Depois disse a Althea - Teve que partir faz vários anos porque matou a um homem em um duelo.

Althea abriu uns olhos como pratos.

-Oh, vá. A quem?

-Avery Bagshaw, o filho de sir Gerald - lhe disse o duque - Como sir Gerald morreu recentemente, certamente Perkins pensou que já era seguro voltar. Sem que sir Gerald apresse às autoridades para que o detenham, é improvável que façam algo a respeito. Ocorreu faz sete ou oito anos, e, além disso, são propensos a fazer a vista grossa com estas coisas.

-Bom, estou certa de que não o receberão em nenhuma parte - disse lady Althea, como se aquele fosse o pior dos castigos.

-Não. Estou certa que não. - concordou Francesca.

Era terrível que aquele homem pudesse viver livremente depois do que tinha feito. Ao menos, ela não teria que relacionar-se com ele. Como Andrew já não estava vivo, ele não iria a sua casa, e Althea tinha razão quando dizia que ninguém da boa sociedade ia recebê-lo, assim não iria a nenhuma festa.

Tirou Galen da cabeça e se voltou para seus acompanhantes. A conversa tinha decaído um pouco enquanto ela tinha estado inspecionando o teatro, e Rochford e Althea ficaram em silêncio quando tinham deixado de falar do Galen Perkins.

Francesca começou a conversar outra vez animadamente.

- Leu o último livro? - perguntou.

-Lady Rumor? - disse Rochford, com um sorriso.

-Quem? - perguntou Althea - Lady quem?

-Rumor. É um apelido - explicou Francesca - Ninguém sabe quem é. Diz-se que é um membro de nosso círculo social.

Althea a olhou sem compreender nada.

-E por que desejaria alguém de nosso círculo social escrever um livro?

-Supõe-se que está cheio de escândalos e rumores, dissimulados, claro. Todo mundo está tremendo de medo se por acaso aparece nele - continuou Francesca.

-Ah, mas como ficarão desiludidos se não os mencionar - acrescentou Rochford.

Francesca riu.

-Certo.

-Mas isso é absurdo. - disse Althea, com o cenho franzido - Ninguém pode desejar estar em um livro de escândalos. Isso seria uma mancha no nome de uma pessoa.

Francesca pensou que realmente Althea Robart não tinha senso de humor. Olhou ao Rochford e viu que tinha um olhar divertido.

-Têm razão, é claro, lady Althea - disse ele - Não entendo por que pensei algo assim. - acrescentou. Lançou um olhar engraçado a Francesca, e ela teve que virar-se para ocultar seu sorriso. Depois mudou de assunto.

-Falta pouco tempo para o baile de Lady Symington. Vai a ele, lady Althea?

-Oh, sim. É segunda prima de meu pai.

Francesca reprimiu um grunhido.

-Ah, parece que já vão apagar as luzes - disse Rochford - A peça está a ponto de começar.

-Claro, sim - respondeu Francesca, aliviada, e fixou sua atenção no cenário.

Entretanto, não se interessou muito pela representação. Estava muito mais preocupada com seus planos. Claramente, não conseguia que Althea se envolvesse em uma conversa interessante. Seria melhor que levasse a cabo seu plano de visitar alguém durante o intervalo para que a moça e o duque pudessem estar a sós no camarote. Estava cada vez mais certa de que lady Althea não era a esposa adequada para Rochford, mas de qualquer modo devia lhe dar uma oportunidade. Possivelmente a sós com ele florescesse de algum modo.

Portanto, assim que acenderam as luzes, Francesca se levantou e se voltou para seus companheiros. Entretanto, Rochford tinha sido mais rápido. Ele também se levantou, e antes que ela pudesse falar, disse:

-Senhoras, trago uns refrescos?

-É muito amável - respondeu Francesca - Para mim não, obrigada. Acho que vou saudar a senhora Everson. Mas possivelmente lady Althea deseje beber algo.

Rochford ficou olhando-a com assombro.

-A senhora Everson?

-Sim. Está ali embaixo - disse Francesca, assinalando vagamente para o lugar das poltronas.

-Sim. Eu também a vi - replicou Rochford - Bom, então, por favor, me permita que a acompanhe.

-Como? - exclamou Francesca, e foi ela quem o olhou com estranheza naquela ocasião - Você?

Francesca sabia que o duque evitava ao senhor Everson como à peste desde que o homem tinha tentado embrulhar ao Rochford em um duvidoso investimento na Índia. Por que se oferecia voluntário para ir saudar sua família, então?

-Sim - disse ele com um olhar anódino - Eu.

-Mas eu... quer dizer...

-Sim? - Rochford arqueou uma sobrancelha daquele modo tão perturbador dele.

Francesca engoliu em seco.

-Claro. Que amável é. Lady Althea, você gostaria de nos acompanhar?

Althea assentiu, embora sem muito interesse.

-Sim, de acordo.

Rochford se afastou para ceder o passo às senhoras, mas quando Francesca estava a meio caminho para a saída, alguém bateu na porta e entrou.

Era Galen Perkins.

Francesca se deteve bruscamente e, durante um instante, fez-se silêncio no pequeno cômodo. Depois, Perkins fez uma reverência e entrou.

-Lady Haughston. Está mais bela que nunca. Achava que depois de oito anos teria envelhecido, mas está claro que descobriu uma poção mágica.

-Senhor Perkins - disse Francesca com frieza, pensando que dele não se podia dizer o mesmo. Depois de anos de vida dissipada, estava enrugado e magro, e em seus olhos azuis pálido havia um olhar de aborrecimento.

-Por favor, aceitem minhas condolências por sua perda. Lorde Haughston era meu amigo, e senti muito estar fora do país quando faleceu.

-Obrigada.

Rochford se adiantou e ficou junto a Francesca.

-Perkins.

-Rochford - respondeu o outro homem, divertido pelo gesto do duque.

-Surpreende-me vê-lo aqui. - lhe disse Rochford.

-Seriamente? Queria falar com lady Haughston. Não podia passar por alto a presença de uma velha amiga.

-Nunca fomos amigos - lhe respondeu Francesca.

-Que palavras tão duras. - respondeu Perkins, sem perder seu sorriso desdenhoso - Nos conhecemos há muitos anos, e não teria imaginado que seria tão pouco amável.

-Não queria dizer que me surpreendesse vê-lo no camarote. - disse Rochford com firmeza - Embora seja presunçoso, porque não tinha convite. O que quero dizer é que me surpreende vê-lo em Londres depois de sua precipitada marcha, há oito anos.

-Isso é passado.

-A vida de um homem não pode ignorar-se com tanta facilidade. - replicou Rochford.

-Vejo que não mudou. - respondeu Perkins - Sempre foi um moralista. - depois se voltou para Francesca - Pôs os olhos em algo mais alto desta vez, querida? Pergunto-me o que pensaria o pobre Andrew.

Francesca ficou rígida. Durante aqueles anos, tinha esquecido o muito que detestava a aquele homem.

O duque falou antes que ela pudesse lhe responder adequadamente.

-Acredito que é hora de que vá, senhor Perkins.

-É claro, Excelência - disse ele, mas o tratamento pareceu um insulto em seus lábios. Perkins fez uma reverência para Francesca e Althea - Senhoras.

Virou-se e partiu. Durante um instante, ninguém falou. Depois, Althea disse:

-Realmente, é um homem detestável. Lady Haughston, não me diga que tinha relação com ele.

-Não, não a tinha - respondeu Francesca com irritação - Era um conhecido de meu defunto marido, isso é tudo.

-Foi uma grosseria que se apresentasse aqui - comentou lady Althea.

-Não acredito que o senhor Perkins se preocupe muito com isso - disse Rochford com secura.

-Bom, já não temos tempo para ir saudar a senhora Everson - disse Francesca - vamos sentar-nos de novo, lady Althea.

Durante o ato seguinte, Francesca tentou distinguir se Rochford olhava a Althea, mas seus olhos estavam sempre no cenário, salvo em uma ocasião, e ele estava olhando a ela. Francesca avermelhou até a linha do cabelo, e agradeceu que estivessem às escuras. Esperava que suas intenções não tivessem sido muito evidentes. Rochford sempre tinha sido muito rápido na hora de perceber as coisas, e se percebesse seus planos, ordenaria-lhe que o deixasse imediatamente.

Quando terminou a representação, Rochford acompanhou às senhoras a casa. Acompanhou amavelmente a Althea até a porta de sua casa e voltou para carruagem para levar Francesca. O mordomo abriu a porta e depois, com uma reverência, foi para a cama. Francesca se voltou para o Rochford.

De repente, ela se sentia muito consciente do silêncio que os rodeava. Estavam sozinhos; os criados estavam deitados. Como luz havia umas velas acesas em um candelabro sobre a mesa.

Francesca olhou ao Rochford e lhe encolheu o estômago. Sua expressão era de aborrecimento. Tinha o cenho franzido e os lábios apertados. Brilhavam-lhe intensamente os olhos.

-Que demônios acha que está fazendo?

 

Francesca piscou. Por um momento ficou tão assombrada que não pôde pensar com clareza. Depois ergueu o queixo e respondeu em um tom gélido:

-Como? Não tenho nem a mínima idéia do que quer dizer.

-Por favor, Francesca. Essa expressão de inocência pode enganar a outros, mas não a mim, que a conheço desde que era uma menina. Estou falando de sua atuação desta noite.

-Atuação? Não lhe parece que é um pouco dramático?

-Não. De que modo o chamaria você? Primeiro, arquiteta para que vamos os três juntos ao teatro. Depois, quando chegamos, não deixou de perguntar "O que lhe parece isto, lady Althea?", "Você gosta desse compositor, lady Althea?". Parar não mencionar que quis nos deixar a sós durante o intervalo para ir ver os Everson. Admite-o. Virtualmente, jogou-me em cima lady Althea Robart esta noite. Tenho que dizer que não é próprio de você ser tão torpe.

-Sim, bom, se essa mulher tivesse tido a mínima idéia de como conversar com um homem, não teria tido que ser. - replicou Francesca em tom ofendido.

-Por quê? Não me diga que ela pôs seus olhos em mim. Não imagino que possa rebaixar-se a perseguir a alguém. Nem tampouco imagino que sua mãe tenha decidido pedir ajuda a ninguém.

-Não. Ninguém me pediu ajuda. Althea não está tentando te caçar. Acredito que isso deve ficar claro.

-Perguntarei-lhe de novo. Por quê?

-Não pode aceitar que só estava tentando lhe fazer um favor?

-Me empurrando para uma mulher que é capaz de recitar cinco gerações da árvore genealógica de sua família?

-Não sabia que era tão aborrecida - admitiu Francesca - Não a conhecia bem.

-E entretanto, pensava que era a mulher perfeita para mim?

-Não. Pensei que só é uma de entre várias candidatas.

Ele ficou olhando-a fixamente, sem fala. Finalmente, pronunciando cada uma das palavras com cuidado, disse:

-Por que tem candidatas?

-De verdade, Sinclair, já é hora de que se case. Depois de tudo, tem trinta e oito anos, e sendo o duque do Rochford, tem o dever de...

-Sei muito bem quantos anos tenho, obrigado. E também sei quais são meus deveres como duque do Rochford. O que não entendo é por que pensou que eu estava procurando esposa. Nem por que você devia ser quem me proporcionasse as candidatas!

-Rochford! - sussurrou Francesca, olhando para as escadas - Shh. Os criados irão ouvir.

Ela se voltou e tomou o candelabro. Depois conduziu Rochford ao gabinete, deixou o candelabro em uma mesa e fechou a porta.

-Muito bem. - lhe disse, e ergueu os ombros. - Direi-lhe, já que é tão insistente.

-Por favor.

-Queria ajudá-lo. Olhei ao meu redor e encontrei várias mulheres que me pareceram… qualificadas para ser sua duquesa. Não estava tentando carregá-lo com nenhuma delas, só queria que as conhecesse, de modo que possivelmente se desse conta de que tinha afinidade com alguma delas.

-Ainda não me explicou por que pensou que devia fazer isto.

-Pelo que lhe fiz! - exclamou Francesca, com os olhos cheios de lágrimas. Respirou profundamente para acalmar-se e prosseguiu – Porque acreditei no que me disse Daphne, em vez de acreditar em você. Rompi nosso compromisso. Queria compensá-lo pelo engano que cometi há quinze anos.

Rochford a olhou durante um longo instante. Depois, com uma voz terrivelmente serena, disse:

-Rompeu nosso compromisso, e quando averigua que se enganou, é esta sua resposta? Me encontrar uma esposa para substituir a que perdi?

-Não, é claro que não - respondeu Francesca - Faz com que soe espantoso.

-E como vai soar?

-Não estava lhe oferecendo lady Althea como substituta. Isso é absurdo. Só pensei... Sei que não se casou durante todos estes anos. E temia que... bom, que o que lhe fiz o tivesse influenciado contra o matrimônio. Que o tivesse feito pensar que não se podia confiar nas mulheres, que todas iriam lhe falhar. Sentia-me responsável.

-O fato de não casar foi minha escolha, Francesca.

-Não posso evitar pensar que, se eu não tivesse feito o que fiz, teria se casado há muito tempo - insistiu ela - Estava preocupada consigo, e pensei que como tenho esta habilidade de unir às pessoas, poderia ajudá-lo. Não queria que se desgostasse, seriamente. É claro que precisa se casar.

Ele fez uma careta de desagrado.

-Está falando como minha avó.

Voltou-se, deu alguns passos e depois se virou novamente para ela.

-Pensa que sou tão incapaz de cortejar a uma mulher que acreditou que devia fazê-lo por mim? Tão falta de encanto? Pensa que assustarei a minha possível noiva se tiver que me valer por mim mesmo?

Francesca o olhou com os olhos muito abertos.

-Eu... eu...

Ele se aproximou dela com uma expressão de ira.

-Sou tão torpe? Diga-me, você deveria saber. Foi minha corte tão horrorosa?

Deteve-se ante Francesca, e ela o olhou com estupefação. Sua fúria era entristecedora. Parecia tão grande, tão próximo, com os olhos tão cheios de fogo...

-Foram meus beijos tão pouco agradáveis? - prosseguiu ele, em voz tão baixa que Francesca apenas o ouvia - Foram minhas carícias tão repulsivas para você?

Então, assombrando-a ainda mais, agarrou-a pelos braços, atraiu-a para si e a beijou.

Francesca ficou imóvel. Todos os pensamentos se apagaram da mente. Não percebia nada mais que o feroz contato de seus dedos sobre os antebraços e a pressão quente e dura de seus lábios. Uma labareda estalou em seu interior e pôs-se a tremer, completamente, perplexa por sua reação e pelo que tinha feito Rochford.

Ele moveu os lábios insistentemente até que ela abriu a boca, e lhe afundou a língua. Francesca notou uma onda de calor e um comichão na pele. Sentiu-se enjoada, fraca, como se fosse cair no chão a não ser porque ele a estava segurando pelos braços.

Tão repentinamente como a tinha beijado, soltou-a. Rochford tinha os olhos muito abertos, muito brilhantes. Soltou uma imprecação e se virou. Depois saiu pela porta.

Durante um longo instante, Francesca ficou imóvel. O coração lhe pulsava com força no peito e tinha a respiração entrecortada. Estava sofrendo o bombardeio de centenas de emoções.

Suas palavras lhe tinham retorcido o coração, e tinha os olhos cheios de lágrimas. Sem saber, tinha-lhe feito mal. Quis correr atrás dele e rogar que ficasse e explicasse. Fazer-lhe mal era a última coisa que ela teria desejado, e devia dizer-lhe

Como era possível que tivesse criado tal desastre? Francesca tinha pensado que possivelmente Rochford se aborreceria um pouco com suas maquinações, mas nunca teria imaginado que ia ficar furioso. Temeu que talvez o tivesse perdido por completo, inclusive como amigo. E isso a deixava gelada por dentro.

E por que ele a tinha beijado? Aquele beijo não podia considerar-se como uma expressão de um sentimento, ou ao menos, não de um sentimento bom. A boca do Sinclair tinha sido dura e brutal, havia exigido a posse de seus lábios, não a tinha pedido, nem tinha tentado seduzi-la. Havia mais ira que paixão em sua forma de agarrá-la e de beijá-la. Era quase como se estivesse castigando-a.

Mas o que ela havia sentido não era nada parecido a um castigo.

Francesca levou os dedos aos lábios e apalpou cuidadosamente a carne palpitante, sensível. Ainda notava seu contato, o sabor de sua boca. E no ventre tinha um calor de lava fundida. Em seu interior tudo estava vivo, vibrante de um modo que nunca havia sentido antes... ao menos, durante anos e anos.

Queria deitar-se na cama e voltar a chorar. Queria aninhar-se e flutuar na lembrança daquele beijo uma e outra vez. De fato não sabia bem o que queria.

Confusa, trêmula, Francesca se virou, tomou o candelabro e se encaminhou para seu dormitório.

 

O duque do Rochford entrou pela porta principal do White’s sem olhar nem à direita nem à esquerda. Não estava certo por que estava ali. Certamente, não tinha vontade de ter companhia naquele momento. Entretanto, não tinha querido voltar para a solitária casa dos Lilles.

O que queria, pensou, era sentar-se com uma garrafa de porto e embebedar-se para esquecer. Com aquele propósito, fez um gesto ao garçom e se atirou em uma das poltronas da sala, em uma zona que estava vazia.

Jogou a cabeça para trás e fechou os olhos enquanto lutava para recuperar a quietude. Como demônios conseguia Francesca alterá-lo daquela maneira, depois de tantos anos? Ele tinha um caráter equilibrado, sabia manter a calma durante uma crise e demorava a zangar-se. Só com ela se via a ponto de explodir.

Alguém se deteve junto a sua poltrona. Rochford manteve os olhos fechados com a esperança de que a pessoa decidisse afastar-se. Entretanto, não houve nenhum som, e depois de um momento, deixou escapar um suspiro e abriu os olhos.

-Gideon! O que está fazendo aqui?

-Sou deste clube - respondeu o outro homem com um ligeiro sorriso - Talvez se lembre, porque foi você mesmo quem me propôs como sócio.

Rochford assentiu

-Isso já sei. Mas você vem muito pouco por aqui, e menos ainda a estas horas da noite - fez um vago gesto para a poltrona que estava em frente a ele - Sente-se, por favor.

-Pode se dizer o mesmo sobre você - comentou Gideon, lorde Radbourne, enquanto se sentava onde Rochford lhe tinha indicado.

Gideon era primo longínquo do duque, outro sobrinho de segundo grau da muito temida lady Odelia Pencully, e os dois se pareciam. Ambos eram altos, com o cabelo espesso e moreno, mas Gideon era um pouco mais baixo e robusto, e seu cabelo era um pouco mais claro. Entretanto, o que mais diferenciava-os era a expressão dura e cautelosa de Gideon. Embora fosse conde, lorde Radbourne se criara nas duras ruas de Londres, sem saber que em realidade era o filho de um conde. Um ano antes, descobriu-se a verdade de sua existência e Rochford e ele se fizeram amigos durante esse tempo.

O duque se encolheu de ombros.

-Admito que não sou muito aficionado aos clubes. Receio que sou muito aborrecido. Entretanto, de vez em quando venho por aqui antes de me deitar; mas eu não tenho uma esposa bela me esperando em casa - disse, e lançou um olhar significativo a seu primo.

-Eu tampouco - respondeu Gideon - Irene foi com sua mãe visitar lady Wyngate, a esposa de seu irmão. Lady Wyngate está a ponto de dar a luz.

-Ah - disse Rochford, e assentiu - E quer que Irene esteja ali para o evento.

-Duvido-o - respondeu Gideon com um sorriso - Maura e Irene se dão mal. A presença que requerem é a da mãe de Irene, e minha esposa foi acompanhá-la. Minha sogra estará ali várias semanas, mas estou certo de que Irene voltará muito antes. Entretanto, no momento não tenho nada que fazer.

-E vejo que não está desfrutando - comentou Rochford.

-Não - disse Gideon com o cenho franzido - Não entendo. Antes de conhecer Irene estava muito contente sozinho. Agora, sem ela, tenho a sensação de que a casa está vazia.

Rochford encolheu os ombros.

-Receio que isso está mais à frente do entendimento de um solteiro.

Timmons chegou com uma garrafa de porto e duas taças. Gideon e Rochford passaram uns minutos bebendo em um cômodo silêncio.

Então, Radbourne olhou para seu primo e disse:

-Não estava certo se queria ter companhia. Parecia mais que... não sei... que possivelmente necessitasse um padrinho.

O duque riu.

-Não. Não é nada tão grave como um duelo. Só... lady Haughston. - disse. Depois terminou sua bebida e se serviu de outra.

-Está zangado com a dama?

-É a mulher mais exasperante, mais difícil, mais impossível que conheci em toda minha vida! -exclamou Rochford.

Gideon piscou.

-Já... já entendi.

-Não, estou certo de que não. Não passou os últimos quinze anos tentando tratar com essa mulher.

Gideon emitiu um murmúrio evasivo.

-Esta noite foi a última de suas muitas, sabe o que está tentando fazer? Sabe qual é a última idiotice que está tentando me jogar em cima?

-Não.

-Quer me encontrar esposa. Propôs-se a escolher à mulher que, em sua opinião, será a melhor duquesa do Rochford.

-E suponho que você não o pediu. - sugeriu Gideon.

-Claro que não. Acredita que se me encontrar uma mulher me compensará por algo que se passou há muito tempo. - disse Rochford, e olhou ao Gideon - Que demônios! A verdade é que rompeu nosso compromisso.

Gideon ficou boquiaberto.

-Compromisso? Lady Haughston e você estão comprometidos?

O duque suspirou.

-Estivemos há muito tempo. Então ela não era lady Haughston. Faz quinze anos, ela só era lady Francesca, a filha do conde do Selbrooke.

-Mas, por que não ouvi falar disso? Nem a tia Odelia nem minha avó o mencionaram nunca.

-Ninguém sabia - lhe disse Rochford - Foi um compromisso secreto. Francesca acabava de fazer dezoito anos. Eu a conhecia, claro. A propriedade do Selbrooke, Redfields, limita com minhas terras no Dancy Park. Mas naquele último inverno, quando ela tinha dezessete anos e eu a vi... - nos lábios do duque se desenhou um fraco sorriso - Foi como se me tirasse uma atadura dos olhos. Era dia festas, e fizemos um baile. Ali estava ela, por fim com um vestido longo e um laço azul no cabelo, que fazia jogo com seus olhos. Eu fiquei sem fala - disse, e olhou a seu primo com melancolia.

-Conheço essa sensação - lhe assegurou Gideon com ironia.

-Sim, me imagino. Assim que... me apaixonei por ela. Tentei não fazê-lo, disse-me que era muito jovem. Parecia que ela me correspondia, mas eu sabia que ela nem sequer tinha feito sua estréia em sociedade. Não tinha estado nas festas de Londres, só nas celebrações do campo. Conhecia poucos homens, além de seus parentes e os habitantes do vilarejo. Como ia saber o que queria de verdade? Entretanto, eu não pude esperar que ela passasse sua primeira temporada em Londres. Temia que, se não lhe dissesse nada, outro homem a levaria para si.

-Assim se comprometeram em segredo - disse Gideon.

-Exatamente. Eu via seu olhar de apaixonada. Sabia que achava que me queria, mas temia que só estivesse cegada por seu primeiro romance. Não podia suportar deixá-la livre sem que soubesse o que sentia por ela, sem que soubesse todas as esperanças que eu tinha para os dois. Entretanto, não queria que estivesse irrevogavelmente atada a mim por um compromisso público. Se mudasse de opinião ou se percebesse que não me queria tanto como pensava, então poderia romper comigo sem fazer um escândalo.

-Entendo.

-Por desgraça, no final eu tinha razão. Ela não me queria o suficiente.

-O que ocorreu?

O duque se encolheu de ombros.

-Enganaram-na. Conseguiram que acreditasse que eu tinha uma aventura com outra mulher. Eu tentei lhe contar o que tinha ocorrido em realidade, mas ela não acreditou. Negou-se a ver-me. No final da temporada estava comprometida com lorde Haughston, e tudo tinha terminado entre nós.

-Até agora.

Rochford assentiu.

-Até agora.

Bebeu a taça e se serviu de mais porto.

-Recentemente, – continuou - ela descobriu que tudo era mentira, que a mulher em questão tinha arrumado a situação para que Francesca descobrisse que estávamos em delito flagrante. Deu-se conta de que eu lhe havia dito a verdade e de que estava equivocada, e de que me tinha tratado injustamente. Assim decidiu me compensar por isso me encontrando esposa. Por que demônios colocou isso na cabeça? - perguntou Rochford enquanto deixava a taça sobre a mesa com brutalidade - Deus, e pensar que por um momento fui tão idiota para acreditar que...

Como não continuou, Gideon perguntou suavemente:

-Para acreditar o que?

Rochford sacudiu a cabeça e fez um gesto com a mão.

-Não importa, não é nada - disse. Fez uma pausa e depois seguiu - Me contou o que tinha averiguado e se desculpou. E depois, arrumou para que eu aceitasse acompanhar a ela e a lady Althea Robart a uma peça de teatro. Pensei...

-Que ela ia voltar para...

-Não! - respondeu Rochford rapidamente - Deus Santo, não. Isso não é possível. Mas pensei que possivelmente agora poderíamos ser melhores amigos. Então, ela começou a me empurrar para lady Althea. A lady Althea, precisamente!

-Não a conheço.

-Nem lhe faz falta - disse o duque sem olhar - É bastante bonita, mas muito altiva. Para não mencionar que, depois dos primeiros dez minutos de conversa com ela, a gente só quer ir-se dormir.

-Ainda quer a lady Haughston?

Rochford o olhou, mas rapidamente afastou a vista e disse asperamente:

-Tolices. Claro que não. Quer dizer... bom... sinto algo por essa mulher. Somos velhos... não amigos, claro, mas em certo sentido ela é quase de minha família.

Gideon arqueou uma sobrancelha com cepticismo, mas não disse nada.

-Não passei querendo-a sem esperanças durante quinze anos - continuou o duque - Nunca poderemos voltar para o que fomos, ao que sentíamos. Passou muito tempo. Os dois perdemos esses sentimentos faz anos. Não estou zangado porque esperasse que nós... Não, é a absoluta desfaçatez de Francesca por querer fazer-se com o controle de minha vida. Todo mundo lhe permite que dirija as coisas. Dá-se terrivelmente bem dirigindo e planejando.

Gideon sorriu.

-Experimentei-o.

-Mas que tenha decidido fazê-lo por mim! Que pense que é mais capaz de me escolher esposa que eu mesmo! Que tenha tido a desfaçatez de me jogar no rosto meus deveres! A mim! Como se não tivesse dedicado minha vida ao título e a seu patrimônio desde que tenho dezoito anos, como se fosse um idiota capaz de me permitir todos os caprichos, sem me preocupar com meu nome ou por minha família. E, para completar, insinua que estou passando da idade de me casar. Como se eu tivesse que escolher a qualquer moça tola e ter um filho antes de não poder ser pai!

Gideon reprimiu um sorriso.

-Estou certo de que ela não queria dizer isso.

O duque grunhiu e deu um gole em sua taça.

-Me perdoe se estou sendo intrometido - lhe disse - Já sabe que minhas maneiras não são muito refinadas. Mas, não vai casar-se?

-Claro que sim. Casarei-me. Devo fazê-lo. Em algum momento.

-Não parece que esteja muito entusiasmado com a idéia.

Rochford encolheu os ombros.

-Simplesmente, não encontrei a ninguém com quem quero me casar. Todo mundo me recorda que devo ter filhos, e suponho que têm razão. A linhagem deve continuar, e meu primo Bertram não tem vontade de herdar todo o trabalho e a responsabilidade que acompanham ao título. Mas ainda tenho tempo. Não estou disposto a deixar este mundo já. Algum dia encontrarei uma esposa, e o farei a meu modo, sem ajuda de lady Haughston.

-Devo dizer que comigo fez muito bem - assinalou suavemente Gideon, observando a seu primo - Não imagino que haja ninguém melhor que Irene para mim neste mundo. Talvez devesse deixar que tentasse.

Rochford resmungou.

-Estaria bem empregado que o fizesse.

Aquela idéia o deixou perplexo. Ficou calado e olhou ao vazio durante um instante.

Finalmente, sorriu e tomou outro gole de licor, pensativamente.

-Talvez deveria fazê-lo – murmurou - Deixar que lady Haughston veja o muito que desfruta me encontrando a duquesa perfeita.

 

Sir Alan foi visitar Francesca no dia seguinte com sua filha. Ela se sentiu aliviada ao vê-los. Tinha estado desanimada todo o dia, porque temia ter perdido a amizade do Rochford para sempre. Tinha deixado e começado várias tarefas, mas tinha sido incapaz de concentrar-se em nada, porque não podia deixar de pensar na fúria do Rochford. Parecia-lhe muito injusto que ele se zangasse tanto com ela, quando só queria ajudá-lo.

Se, ao menos, Rochford lhe tivesse permitido explicar-se, ela teria podido fazer que a entendesse e que não se zangasse. Não era próprio do duque enfurecer-se tão rapidamente ou não escutar a uma pessoa. Mas Francesca estava começando a dar-se conta de que ela tinha aquele efeito nele. Suspeitava que era seu caráter frívolo o que mais incomodava ao Rochford. Ele sempre tinha sido sério; bom, não sério exatamente, porque tinha um grande senso de humor e uma risada magnífica. E, é claro, quando sorria, todo o aposento se iluminava. Não era um daqueles homens aborrecidos que sempre estava sério.

Mas era muito responsável, muito cuidadoso e reflexivo em tudo o que fazia, e estava totalmente dedicado a seus deveres. Tinha lido muito e se convertera em um erudito, e tinha interesse em uma grande variedade de assuntos. Mantinha correspondência com cientistas e estudiosos. Francesca sabia que ele devia considerá-la muito superficial, porque ela era uma mulher interessada só na roupa, chapéus e fofocas. Por aquele motivo, quando estavam comprometidos, Francesca tinha temido que um dia ele se cansasse dela, ou que chegasse a vê-la como um aborrecimento.

E naquele momento, ele a via sem dúvida daquele modo, pois seu amor tinha terminado muitos anos antes. Entretanto, para Francesca era surpreendente que sua reação tivesse sido tão extrema. Tomara ela tivesse sido mais hábil ao reunir a lady Althea e ao Rochford; passou a maior parte daquele dia pensando no que poderia ter feito de forma diferente.

Quando chegou sir Alan, ela o recebeu cordialmente, contente por poder distrair-se com outra pessoa. O cavalheiro estava acompanhado por sua filha, a quem Francesca saudou com agrado. Era uma garota bonita, com uns lindos olhos castanhos, o nariz arrebitado e o cabelo espesso e brilhante, também castanho. Tinha a pele muito morena; era evidente que não tomava cuidado em pôr chapéu no campo. Mas, ao menos, não tinha espinhas nem sardas. Tinha um rosto franco, aberto, e um sorriso amigável.

Não tinha o aspecto frio e aristocrático que os peritos da sociedade consideravam mais correto. Entretanto, Francesca nunca tinha conhecido a um homem que se sentisse atraído por aquilo, tampouco.

Um penteado diferente faria maravilhas, e também uma mudança de vestuário. O vestido que levava era insípido e afetado, e Francesca supôs que a mãe de sir Alan tinha escolhido a roupa da moça.

-Seu pai me disse que têm interesse em causar um rebuliço esta temporada - começou Francesca, em tom de brincadeira.

Harriet lhe devolveu o sorriso.

-Oh, eu não diria tanto, lady Haughston. Acredito que me fazer notar um pouco seria uma grande melhoria.

Francesca gostou da resposta sincera da moça. É claro, teria que polir um pouco aquilo se Harriet queria ter êxito.

-Acredito que poderemos conseguir mais que isso se nos propusermos.

-Estou disposta - respondeu Harriet, e olhou a seu pai com um sorriso. - Receio que papai esbanjou o dinheiro até este momento. Eu não gostaria nada que tivesse sido em vão.

-Vamos, Harriet - protestou seu pai carinhosamente - Não tem por que preocupar-se por essas coisas.

-Sei que não se importa - respondeu ela - Mas eu não gosto de esbanjar as coisas.

-Então, estão... né... disposta a seguir meus conselhos nestes assuntos? - perguntou Francesca. Não havia nada pior que um estudante rebelde.

-Ponho-me em suas mãos - lhe assegurou a senhorita Sherbourne - Sei que não tenho o refinamento adequado para Londres. Dou-me conta de que algumas das coisas que digo surpreendem às pessoas. Mas aprendo rapidamente, e estou pronta para mudar tudo o que tenha que mudar. Ao menos, durante esta temporada.

Então, Francesca lhe disse que deviam fazer uma saída de compras para renovar seu vestuário, e também que seria aconselhável fazer uma festa ou um jantar em sua casa.

Sir Alan assentiu com alivio ao ver que sua filha estava de acordo, e voltou a dizer a Francesca que devia lhe remeter as faturas de todos aqueles gastos.

Pouco depois, Harriet e seu pai se levantaram para partir. Enquanto Francesca e a moça combinavam para ir às compras no dia seguinte, Fenton apareceu na porta para anunciar que havia outra visita.

-Sua Excelência, o duque do Rochford, milady - disse Fenton.

Francesca se voltou para a porta e ficou perplexa ao ver o Rochford no corredor, atrás do mordomo. Encolheu-lhe o estômago, e notou que se ruborizava. Não soube o que dizer nem o que pensar.

-Rochford – sussurrou - Não... não o esperava. Eu... Oh, me desculpem. Por favor, me permitam que lhe apresente a sir Alan Sherbourne e a sua filha, a senhorita Harriet Sherbourne. Sir Alan, o duque do Rochford.

Para sua surpresa, sir Alan sorriu e disse:

-Obrigado, lady Haughston, mas o duque e eu já nos conhecemos. Me alegro de o ver de novo.

-Sir Alan - disse o duque, e depois de saudá-lo, voltou-se para Francesca - Sir Alan e eu nos conhecemos outro dia no Tattersall’s.

Aquela era uma venda de cavalos que se fazia todas as segundas-feiras, e se tinha convertido no lugar de reunião favorito de homens de todas as classes sociais.

-Sim, e Sua Excelência foi muito amável ao me aconselhar que não adquirisse certo cavalo de caça no que me tinha fixado.

-Eu já o conhecia. - explicou o duque - É um animal muito belo, mas não tem energia - depois, virou-se para Harriet - Não tinha o prazer de conhecer sua filha, sir Alan. Senhorita Sherbourne.

Harriet, que estava olhando ao duque com os olhos abertos como pratos, fez uma reverência e se ruborizou.

-É uma honra, Excelência.

Sir Alan e Harriet partiram então, depois de que sir Alan expressasse novamente seu agradecimento a Francesca. Quando se foram, o duque a olhou.

-Um de seus projetos? - perguntou-lhe.

-Sim, decidi me interessar pela senhorita Sherbourne - respondeu Francesca, sem saber o que pensar de sua visita.

-Vim me desculpar - disse ele então, diretamente - Não tenho desculpa para meu comportamento de ontem à noite. Espero que sua natureza bondosa faça com que me perdoe.

-Algumas pessoas diriam que apelar a minha bondade seria inútil - respondeu Francesca com aspereza, embora não pôde evitar sentir-se comovida por sua desculpa.

Ele sorriu.

-Essas pessoas, evidentemente, não a conhecem.

-Não queria que se zangasse - disse ela - Queria compensá-lo por meus enganos, não cometer outro.

-Não tem a culpa de minha reação - disse Rochford, e encolheu os ombros. - Receio que sou um pouco sensível com o assunto do matrimônio. Minha avó me chamou a atenção sobre isso muitas vezes, como tia Odelia.

-Oh, Meu Deus. Eu não gosto de ouvir que me estou comportando como uma avó ou como uma tia avó.

Francesca não queria continuar zangada com Rochford. E muito menos queria falar disso! Não, era melhor passar aquele assunto por alto com elegância.

-Espero que queira dar um passeio comigo pelo parque, como sinal de paz - continuou ele - Faz um belo dia de maio.

Rochford havia tornado a surpreendê-la. Francesca não recordava quando tinha sido a última vez que tinha dado um passeio com o duque; fazia tanto tempo, que era melhor não pensar nisso.

-Sim - lhe disse com um sorriso - Me parece estupendo.

Uns minutos depois, ele a acompanhava para seu faeton, um veículo que tinha o assento tão elevado sobre o chão que Francesca se sentiria alarmada se não fosse Rochford quem ia conduzi-lo, pois ele dirigia com habilidade a seus cavalos. Ele se sentou a seu lado e tomou as rédeas, e se puseram a caminho. Não falaram muito durante o trajeto, porque o tráfico obrigou ao Rochford a manter-se concentrado na condução. Francesca não se importou.

Em realidade, necessitava tempo para assimilar tudo o que estava sentindo.

Rochford e ela tinham ido a passeio freqüentemente ao Hyde Park quando estavam comprometidos. Quando ela tinha ido a Londres para passar ali sua primeira temporada social, tinha-sentido falta dele terrivelmente, porque costumava vê-lo todos os dias no campo.

Iam montar a cavalo muito freqüentemente e passeavam pelos jardins do Redfields e Dancy Park, e faziam longas rotas pelo campo. Quando ele ia ver ao Redfields, ninguém os vigiava muito, e era fácil falar, e trocar olhares, possivelmente inclusive pegar a mão.

Entretanto, quando chegaram a Londres tudo mudou. Estavam sempre rodeados de gente, e não podiam passear. Ela se havia sentido só e frustrada, e estava desejando sempre que chegasse o momento em que o duque pudesse levá-la em passeio, embora tivessem que tomar cuidado com o número de vezes que se viam para não chamar a atenção. Não obstante, Francesca se havia sentido mais feliz durante aqueles passeios que em nenhum outro momento da temporada.

As lembranças daqueles tempos se apropriaram de sua mente e estiveram a ponto de lhe cortar a respiração. Era o mesmo momento do ano, e sentia o mesmo calor do sol nas costas, a mesma brisa. Francesca não podia evitar recordar a alegria e a emoção que tinha sentido naqueles passeios só por estar sentada junto ao Rochford.

-Pensei muito no que me disse ontem à noite - começou a lhe dizer Rochford quando chegaram ao Hyde Park e já não tinha que fixar sua concentração nas rédeas.

Francesca, que estava absorta em seus pensamentos, sobressaltou-se.

-Oh?

-Sim. Quando me acalmei, percebi que tinha sido muito mal educado, e que, além disso, você tinha razão. E minha avó também.

-Seriamente? Então, quer dizer que...?

Ele assentiu.

-Sim. Já é hora de me casar.

-Oh, entendo. Bem...

Francesca notou algo estranho no estômago, como uma pontada de dor.

-Decidi que tem razão - continuou ele - É hora de que comece a procurar noiva. Duvido que desenvolva um súbito interesse pelo matrimônio, assim porei mãos à obra e o farei sem pensar.

-Essa resignação não é uma boa base para o matrimônio - lhe disse Francesca.

Rochford arqueou uma sobrancelha.

-Achava que era o que queria.

-Não! Eu não queria arrastá-lo ao altar. Queria... queria fazê-lo feliz.

Assim que disse aquilo se deu conta de seu significado e se ruborizou.

-Quer dizer, que esperava que o matrimônio lhe proporcionaria felicidade. Que mudaria sua vida para melhor.

Em voz baixa, ele perguntou:

-O matrimônio fez a você mais feliz?

Francesca o olhou durante uma fração de segundo, e depois voltou o rosto para ocultar as lágrimas que lhe tinham enchido os olhos. Engoliu em seco. Não ia falar sobre aquilo. Não podia. Respirou profundamente e se voltou com um sorriso para o Rochford.

-Ah, mas estamos falando de você e de sua felicidade, não de mim. O que pensou fazer, agora que decidiu se casar?

-Já dei o primeiro passo. - lhe respondeu ele, olhando-a fixamente – Vim vê-la.

Francesca ficou sem fala durante um momento.

-Co-como?

-Que melhor pessoa para me guiar neste projeto que a mulher que formou tantos casais bem-sucedidos? Pensei que poderia me ajudar a encontrar uma noiva.

-Mas eu... - Francesca se sentiu fraca, sem saber o que dizer. Nunca teria esperado que Rochford lhe dissesse algo assim - Receio que meus lucros foram exagerados.

-Se for verdade somente a metade do que dizem s pessoas, deve ser muito boa no assunto - replicou Rochford - Com meu primo fez muito bem. Não acredito ter visto um homem casado mais feliz. E seu irmão e sua mulher são felizes. Vi-os recentemente e estão muito apaixonados, mais inclusive que o dia que se casaram.

-Esses são casos pouco habituais. Além disso, que tenham encontrado o amor não é meu mérito.

-Mas sem você, agora não estariam juntos. Nem minha irmã e Bromwell tampouco.

-Por isso não pode estar satisfeito.

-Desde que Callie seja feliz, eu estou satisfeito. - disse ele. Fez uma pausa e continuou - De qualquer modo, já fez grande parte do trabalho. Se a entendi bem ontem, selecionou várias candidatas para ser minha noiva.

-Não está brincando? - perguntou-lhe Francesca, observando-o com atenção - Seriamente quer que o ajude?

-Por esse motivo estou aqui.

Ela o olhou durante outro longo momento, e depois assentiu.

-Então, de acordo. Ajudarei-o.

-Magnífico. Diga-me, quantas candidatas me encontrou?

-O que? Oh, bom, tinha selecionado a três moças.

-Só três? - perguntou ele, lhe lançando um olhar de diversão. - Sou tão impopular?

Francesca olhou ao céu com resignação.

-Sabe que é exatamente o contrário. Há hordas de mulheres que quereriam ser sua noiva. Mas eu tinha que ser seletiva.

-E quais foram seus critérios?

-Naturalmente, deviam ser agradáveis de rosto e de figura.

-Sou afortunado porque tenha levado isso em conta.

Francesca o olhou significativamente, e depois continuou falando.

-Devem ser de famílias excelentes, embora não achei que a riqueza fosse muito importante para você.

Ele assentiu.

-Acertou, como sempre.

-Também pensei que seria bom que fossem suficientemente inteligentes para conversar com seus amigos, embora não acredito que esperasse que fossem tão eruditas como os membros de seu círculo de eruditos. Também devem ter as habilidades sociais necessárias para serem anfitriãs nos jantares e festas que uma duquesa deve oferecer. Devem poder conversar com convidados importantes. E devem ser capazes de dirigir e fiscalizar uma gama de serviço ampla, de fato, aos criados de várias residências. Além disso, existem as demais tarefas que deve desempenhar uma duquesa, como tratar com as famílias de seus arrendatários e com os aristocratas de suas propriedades. E, é claro, devem agradá-lo pessoalmente.

-Perguntava-me se isso entrava em suas equações. - murmurou ele.

-De verdade, Rochford, não seja absurdo. Isso é o mais importante. Não devem ser presunçosas nem egoístas. Não devem ser más, nem superficiais, nem doentias.

O duque riu.

-Começo a entender por que tinha dado com tão poucas candidatas.

Francesca riu também.

-Sei que seu nível de exigência é alto.

-Sim, sempre o foi. - concordou ele.

Francesca percebeu imediatamente do significado de suas palavras; implicava que ela tinha chegado a seu nível de exigência. Ao olhá-lo, deu-se conta de que ele tinha os olhos fixos nela, e se ruborizou. Sentiu-se absurdamente agradada e um pouco confusa.

Pigarreou e afastou a vista. De repente, não sabia o que dizer.

-Sua primeira escolha, obviamente, foi Althea Robart - disse ele, rompendo o sobressalto - Qualquer um se perguntaria por que.

-É bastante atraente - disse Francesca, defendendo sua escolha. - Além disso, seu pai é o conde do Brideombe, e sua irmã está casada com lorde Howard. Sua família é muito boa e, sem dúvida, ela sabe quais são as tarefas da duquesa do Rochford.

-Entretanto, é muito arrogante. - comentou ele.

-Supus que isso conviria a uma duquesa.

-Mmm, mas possivelmente não convenha ao duque.

Francesca não pôde reprimir o sorriso.

-Está bem, admito que lady Althea foi uma má escolha.

-Sim. Sugiro que a deixemos separada deste processo de seleção. Ou possivelmente que a mantenhamos em reserva, se por acaso me desesperar... - disse Rochford. Depois ficou pensativo durante uns instantes e se desdisse: - Não. Receio que nem sequer então. Não acredito que nem sequer o sentido da responsabilidade para com meus descendentes me obrigaria a passar uma vida inteira junto à Althea Robart.

-Bem, lady Althea fica fora da lista. O que lhe parece Damaris Burke? É inteligente e competente. Sua mãe morreu, assim lady Damaris foi a anfitriã de lorde Burke durante os dois anos anteriores. Como ele está no governo, ela está acostumada a tratar com gente importante, e a dar grandes festas.

-Mmm. Conheço lady Damaris.

-E o que lhe parece?

-Não estou certo. Não a tinha olhado com a intenção de que fosse minha duquesa. Que eu recorde, gostei dela.

-Muito bem, então a teremos em conta. De acordo?

Ele assentiu.

-A última é lady Caroline Wyatt.

O duque franziu o cenho.

-Não acredito que a conheça.

-Debutou este ano.

-Uma menina recém saída do colégio?

-É um pouco jovem - admitiu Francesca - Mas sua família é a melhor das três. Seu pai só é barão, mas sua mãe é a menor das filhas do duque do Bellingham, e sua avó paterna era uma Moreland.

-Impressionante.

-Eu conheço a moça, e não é tola nem infantil. Não a ouvi soltar nenhum risinho.

-Muito bem. Aceito-a. Mas me parece que escolheu mulheres muito jovens para mim. Recordo-lhe que tenho trinta e oito anos.

Francesca lhe fez uma careta zombadora.

-Sim, já sei. É um decrépito, estou certa.

-Alguma tem mais de vinte e um anos?

-Lady Damaris tem vinte e três, e Althea vinte e um.

Ele arqueou uma sobrancelha.

-Bom, é muito difícil encontrar boas candidatas entre as mulheres um pouco mais velhas - disse Francesca - Se forem bonitas e inteligentes, já estão casadas.

-Há viúvas que têm uma idade parecida com a minha. - assinalou ele.

-Sim, mas eu não levei em conta às viúvas para escolher a sua futura noiva.

-Por que não? Algumas viúvas estão entre as mulheres mais belas de nosso círculo.

Francesca se ruborizou. Referia-se a ela? Se fosse qualquer outro homem, ela estaria segura de que estava flertando com ela. Mas Rochford não flertava, e menos ainda com ela.

Entretanto, tinha a olhado de um modo que fazia que sentisse calor por dentro.

Esperava que ele não notasse como se pusera nervosa.

-Acredito que é importante para um homem que sua mulher não tenha estado casada antes. Que seja... - Francesca se ruborizou ainda mais. Era muito embaraçoso ter que falar daquilo com o Rochford. Finalmente, disse em voz baixa - Virgem.

Ele não respondeu, e ela continuou rapidamente.

-Além disso, também terá que pensar nos filhos. Uma moça tem mais tempo para... - Francesca ficou calada.

-Ah, sim, o herdeiro é o mais importante - disse ele com ironia - Me tinha esquecido. Estamos escolhendo a uma égua de cria, não a uma companheira para mim.

-Não! Sinclair! - Francesca se virou para ele, superando todo seu sobressalto - Não é assim!

-Não? - perguntou com um sorriso - Ao menos chamou-me de Sinclair.

Ela afastou o olhar, incapaz de sustentar o dele. Por que se sentia tão desconcertada com o duque aquele dia? Parecia uma colegial.

-É seu nome - lhe disse, com a respiração entrecortada.

-Sim, mas fazia muitos anos que não o ouvia de seus lábios.

Seu tom de voz fez que se acelerasse o coração de Francesca. Tentando manter a calma, disse-lhe:

-Eu... pensei em outras duas mulheres. Ambas são mais velhas que as anteriores.

-Seriamente? - o tom de voz do duque havia tornado a ser irônico, divertido – E quem são essas anciãs?

-Lady Mary Calderwood, a filha mais velha de lorde Calderwood. Acredito que tem uns vinte e cinco anos. E lady Edwina do Winter, a viúva de lorde do Winter. É um pouco mais velha que isso. Lady Mary é muito inteligente, embora um pouco tímida. Por isso não a tinha incluído antes.

-Estou de acordo em conhecer às duas. E agora, me diga, como pensa que vou ver a todas essas candidatas? Vai celebrar uma festa em uma casa com todas elas de convidadas, como fez para o Gideon? É muito cômodo, embora não estou tão seguro de que eu queira fazer minha escolha depois de somente duas semanas.

-Não, não vejo a necessidade. Com lorde Radbourne havia uma situação especial que não se parece com este caso. Além disso, estamos em plena temporada e todo mundo está aqui, em Londres. Estou certa de que não será difícil arrumar as coisas para que as conheça em alguma festa ou jantar. Embora... - ela ficou calada um momento, repensando - por que não vem à festa que vou dar para a filha de sir Alan? Sua presença ajudaria a estabelecer ao Harriet em sociedade, e ao mesmo tempo teria a oportunidade de falar com lady Damaris e as demais.

-Muito eficiente de sua parte.

Francesca o olhou com desconfiança, porque não sabia com segurança o que significava seu tom de ironia. Entretanto, ele se limitou a lhe sorrir e acrescentou:

-Ponho-me em suas mãos. Estou certo de que encontrará à mulher perfeita para mim.

-Farei tudo o que puder - respondeu Francesca.

-Bem. Então, vamos falar de assuntos mais divertidos. Soube do desafio de sir Hugo Walden ao filho mais novo de lorde Berry?

-A corrida de carruagems? - perguntou Francesca com uma gargalhada - Sim, é claro. Disseram-me que sir Hugo aterrissou em um galinheiro.

Rochford riu.

-Não, não, isso ocorreu a um pobre padre que se viu apanhado entre os veículos na estrada. Acho que sir Hugo terminou em um lago.

O resto do passeio transcorreu com uma alegre conversa. Falaram das últimas fofocas e da política do momento, e depois falaram das mudanças que o irmão de Francesca estava levando a cabo no Redfields. O sobressalto que tinha entorpecido sua conversa anterior se dissipou, e Francesca riu e falou relaxadamente.

Fazia muitos anos que não conversava com o Rochford daquele modo, com liberdade. Houve um tempo em que ele não só tinha sido o homem a quem amava, mas também seu amigo íntimo. A ausência de sua companhia tinha entristecido os primeiros anos sem ele tanto como seu coração destroçado. Francesca não achava que pudesse ter a mesma proximidade e sentir o mesmo afeto por ninguém mais.

Talvez pudessem ser amigos outra vez, pensou quando ele a deixou em casa. Foi à janela do gabinete, que dava à rua, e o viu subir novamente ao assento do faeton. Passou o olhar por suas pernas longas e fortes e por suas mãos firmes enquanto agarrava as rédeas.

Podia ter mais tardes como aquela, mais conversa e mais risadas, uma vez que as barreiras do passado tinham caído. Ela já não sentia a dor de sua traição, e ele... bom, ele devia ter deixado de sentir a maior parte de sua ira, se tinha voltado a vê-la e se desculpara como tinha feito aquele dia.

Poderiam trabalhar juntos para lhe encontrar uma esposa, disse-se Francesca. E quando o tivesse feito, ela poderia se livrar do sentimento de culpa que a embargava. Teria-lhe ajudado a encontrar a felicidade. Ele teria uma esposa e filhos. E ela teria sua amizade.

Então, por que, ao vê-lo afastar-se, teve aquela sensação de vazio por dentro?

 

Francesca esteve muito ocupada durante a semana seguinte, ajudando Harriet com seu guarda-roupa e planejando a festa. Tinha decidido fazer uma festa pequena. Nada muito grande, onde todo mundo se perderia entre a multidão, e nada muito elegante, onde todo mundo se sentiria rígido. A lista de convidados era o mais importante, e como Rochford ia participar, Francesca não tinha dúvida de que todos aqueles a quem convidasse acudiriam também. Nenhuma mulher em idade de casar-se rechaçaria a oportunidade de estar em companhia do duque.

No dia seguinte, Francesca sacudiu aquele sentimento de tristeza tão estranho e inquietante que se apropriara dela na noite anterior. Estava em seu elemento organizando uma festa, e, além disso, desfrutava duplamente porque não tinha que preocupar-se dos gastos. Logo se sentou à escrivaninha para fazer listas e confeccionar os menus.

Só interrompeu sua tarefa aquela tarde para ir às compras com Harriet; passaram a maior parte do tempo na oficina da costureira favorita de Francesca, e quando partiram, Harriet tinha adquirido três novos vestidos de noite, quatro vestidos de dia e um traje de passeio, assim como uma linda capa. A senhorita Du Plessis, com os olhos brilhantes de satisfação por ter um pedido tão grande, sugeriu a Francesca que podia levar o vestido de noite de cor verde a um preço inclusive menor que no princípio, e Francesca não pôde resistir a comprá-lo.

Depois, visitaram a chapelaria e a sapataria, onde terminaram de adquirir os complementos e adornos que necessitaria Harriet: sapatilhas, botas, um xale de caxemira, lenços, luvas e laços.

Terminaram sua expedição com uma viagem ao Gunter’s, onde tomaram um sorvete de limão antes de voltar para casa de Francesca, cansadas, mas contentes com as compras, com as caixas de sapatos e complementos sobre os assentos do veículo. Os vestidos não estariam preparados até vários dias depois, embora a costureira tivesse prometido a Francesca que um dos vestidos de noite de Harriet estaria terminado para a festa que Francesca ia dar na semana seguinte.

-Espero que seu pai não se importe com as faturas quando lhe chegarem - comentou Francesca, um pouco preocupada.

-Oh, não - lhe assegurou Harriet - Não é nada miserável, e muito menos com os gastos de minha temporada. Não se incomodou nada pelo que gastou a avó, embora deva dizer que os vestidos eram muito caros, tendo em conta seu aspecto. Pareceram-me sem estilo, e quando vi as outras garotas nas festas, soube que tinha razão.

-Certamente sua avó está acostumada a um estilo mais antigo.

Harriet assentiu.

-Não quero falar mal dela, milady. Minha avó tem muito bom coração. Mas é uma pessoa velha, cansa-se facilmente, e as compras e as festas lhe são exaustivas. Além disso, receio que sua costureira não tem tanto talento como a senhorita Du Plessis. E é mais cara. Eu me dava conta de que inclusive meu pai ficou um pouco desiludido com meu novo guarda-roupa, embora, claro, é muito bom para dizê-lo.

- Acho que ficará contente quando for vê-la com estes vestidos.

Harriet sorriu.

-Bem. Eu gostaria de não continuar de braços cruzados nas festas. Acha que me tirarão para dançar na próxima vez que formos a um baile? Iremos a algum baile?

-É claro. Há vários. Ainda restam várias semanas de temporada, e assim que meus amigos sir Lucien e o duque do Rochford lhe tenham pedido uma dança, não acho que continue sentada muito tempo.

-O duque! - exclamou Harriet, e empalideceu. Arregalou os olhos - Acha que o duque dançará comigo?

-Assegurar-me-ei de que o faça.

-Oh, não, milady, eu não me atrevo a dançar com alguém como ele. Com certeza tropeçarei, ou lhe pisarei no pé, e então desmaiarei de vergonha.

-Tolices. O duque é um excelente bailarino. Ele não permitirá que ocorra isso.

-Não é ele quem me preocupa. Sou eu. E se fizer ridículo? Não tenho nem idéia de como falar com um duque. Poria-me muito nervosa, certamente.

-Terá oportunidade de conversar com ele na festa, ele não será tão imponente.

Harriet não parecia muito convencida.

-É um homem tão bem educado. Nunca tinha visto ninguém tão elegante.

-Isso é certo - admitiu Francesca.

-E é muito bonito - continuou Harriet - Como o próprio Lúcifer, com esse cabelo e esses olhos negros. Não lhe parece, lady Haughston?

-Sim. É um homem muito atraente.

-E um duque... Com certeza não está acostumado ouvir alguém como eu.

-Mas se ele não é nada arrogante. - lhe disse Francesca - Trata a todo mundo com respeito. Vi-o falar com seus arrendatários e seus criados, e sempre o faz com grande cortesia. Não é altivo nem mau. Pergunte a seu pai.

-Papai pensa que é um cavalheiro admirável. Disse-me isso quando voltou do Tattersall’s aquele dia. Foi o duque quem recomendou a papai que lhe pedisse ajuda.

-Seriamente? - perguntou Francesca com assombro - Não me contou.

-Oh, sim. Papai não podia acreditar como foi generoso, sobre tudo tendo em conta que acabavam de conhecer-se.

-O duque é muito generoso, e julga de maneira excelente o caráter de outros. Estou certa que imediatamente entendeu que seu pai era digno de sua amizade.

Apesar daquelas palavras, Francesca tinha ficado perplexa ao saber que o duque tinha indicado a sir Alan que se dirigisse a ela. Supôs que sir Alan devia ter puxado o assunto da falta de êxito de sua filha, embora lhe parecesse um assunto de conversa muito estranho entre dois cavalheiros no Tattersall’s. Mas, embora tivessem falado disso, lhe surpreendia que o duque houvesse dito a sir Alan que lhe pedisse ajuda.

Alegrava-se disso, é claro, mas tinha a sensação de que Rochford se propusera ajudá-la em suas empresas.

Mas não. Não podia ser. Ele não conhecia suas dificuldades econômicas. Ninguém sabia. Francesca se tinha esforçado muito em ocultar aquelas dificuldades. Além disso, embora Rochford imaginasse de algum modo que Francesca estava à beira da pobreza, e se dera conta de que estava usando suas habilidades para esquivar essa ameaça, não havia nenhuma razão para que ele quisesse ajudá-la.

Não. Era algo absurdo. Certamente, sir Alan havia tocado no assunto, e Rochford a tinha mencionado simplesmente ao lembrar-se do que Francesca fizera por seu primo Gideon.

Para deixar de falar do Rochford, coisa que resultava um pouco inquietante a Francesca, perguntou à moça:

-O que espera conseguir nesta temporada?

-Não entendo muito bem o que quer dizer. - respondeu Harriet, com o cenho franzido - Quero desfrutar. E eu gostaria que papai estivesse feliz. Ele quer que eu tenha uma boa temporada.

-E têm a esperança de encontrar marido?

A moça se ruborizou.

-Oh, não, lady Haughston. Não me importa... Bom, não acredito que eu seja a pessoa adequada para casar-se com um lorde, ou algo assim. Não tenho desejos de viver em Londres, nem de participar da cena social da cidade. Sou uma garota de campo. Passo bem nas reuniões, e visitando às pessoas que conheço em casa. Eu gosto de levar cestas aos arrendatários de papai quando estão doentes. Perguntar às pessoas por seus filhos e netos. Essa é a vida que eu gosto, e para a que fui educada. Não quero me separar de papai. E... - a moça se interrompeu e se ruborizou ainda mais - Há um rap... o filho de um latifundiário da zona. Vivem perto de nós. Sei que papai gosta dele, embora às vezes me diga que poderia aspirar a algo mais.

-Ah, entendo. - disse Francesca, e assentiu - Mas não deseja nada mais alto.

Harriet assentiu, agradecida pela compreensão daquela sofisticada senhora.

-Exatamente. Chama-se Tom, e o conheço desde sempre. Ele era uma perturbação. Sempre estava zombando de mim e me contando histórias de terror para me assustar. Mas o ano passado, na primeira vez que fui à Assembleia, dançamos, e tudo foi muito diferente. Ele é muito mais agradável agora, e quando vem de visita, falamos de muitas coisas, e eu fico desejando que volte outra vez. É muito estranho. Conheço-o muito bem, mas é como se fosse alguém a quem acabo de conhecer. Entende o que quero dizer?

-Sim - lhe disse Francesca com um sorriso agridoce - Sei perfeitamente o que quer dizer.

Francesca estava em sua escrivaninha no dia seguinte, pensando na decoração para a festa, quando seu mordomo entrou na sala. Tinha uma pequena bandeja de prata sobre a qual havia um cartão branco de visita.

-Há um homem que deseja vê-la, milady - disse Fenton, e Francesca soube imediatamente, por seu tom de voz e sua expressão cuidadosamente neutra, que não se tratava de ninguém a quem o mordomo aprovasse - O senhor Galen Perkins.

-Perkins! - o que estava fazendo ali - Diga-lhe que não recebo.

-Como! Vai tratar assim a um velho amigo? - perguntou Perkins, que entrou atrás do mordomo.

Francesca ficou em pé com as costas erguidas.

-Não acho que fôssemos alguma vez amigos, senhor Perkins.

Fenton olhou com supremo desagrado ao homem e se dirigiu a Francesca.

-Acompanho ao senhor Perkins à porta, milady?

Perkins o olhou com um sorriso malicioso.

-Eu gostaria de ver como o tenta.

-Não, obrigada, Fenton - disse Francesca. Perkins não ia-se por própria vontade, e ela temia que fizesse mal ao ancião - Falarei com o senhor Perkins.

-Muito bem - disse Fenton, e fez uma reverência - Estarei junto à porta se por acaso me necessitar.

O mordomo rodeou ao Perkins e se colocou no corredor que havia em frente à porta.

Perkins entrou na sala e comentou:

-Que cavalheiro andante têm, milady. Sem dúvida, protege-a de todos os perigos.

-Por que veio, senhor Perkins? - perguntou Francesca - O que quer conseguir me impondo sua presença?

-Bom, acho que é lógico vir apresentar as condolências à viúva de um velho amigo - respondeu Perkins, sem perder seu petulante sorriso.

-Já me deu pêsames a outra noite, no teatro - lhe recordou Francesca - Assim não acredito que seja necessária uma visita.

Ele a olhou com descaramento.

-Não se pode culpar a um homem por querer renovar sua amizade com uma mulher tão encantadora. - lhe disse.

Francesca apertou os punhos. Teria gostado de esbofeteá-lo, pelo insolente e insinuador tom de sua voz.

-Deve se sentir muito só, - continuou ele - sendo viúva. Vivendo sozinha.

-Nunca estaria o suficientemente só para desejar sua companhia. - lhe assegurou ela.

Ele encolheu os ombros.

-Muito bem. Então, vamos diretamente ao ponto.

-A que se refere? - perguntou ela, surpreendida.

Perkins meteu a mão no bolso da jaqueta e tirou um papel, que desdobrou.

-Andrew e eu jogamos cartas um pouco antes que eu tivesse que partir ao continente...

-Refere-se a antes que matasse a um homem.

Ele encolheu os ombros outra vez.

-Um homem deve defender sua honra.

-Se é que a tem.

-Seu marido perdeu muito. - continuou Perkins, fazendo caso omisso de seu comentário - Como de costume, receio. Lhe terminaram os recursos, e já tinha apostado suas abotoaduras e o alfinete da gravata. Eu não podia aceitar uma promessa dele, porque rara vez os abonava. Assim, na mão final, apostou sua casa. É triste dizê-lo, mas perdeu. Francesca o olhou fixamente, sem mover-se, sem falar. Finalmente disse, com a voz rouca: - A que se refere? Que casa? Haughston Hall? Está vinculada ao título.

-Isso já sei. Por isso lhe disse que devia apostar esta casa.

Francesca ficou gelada por dentro, mas se esforçou em que não se notasse seu medo.

-Está mentindo.

-Seriamente? - Estendeu-lhe um papel e o mostrou para que pudesse lê-lo - Não acredita que Andrew fosse capaz de algo assim?

Francesca olhou as palavras que tinha escritas no papel e leu os termos formais da venda e, ao final, a escritura descolorida, mas terrivelmente familiar: Andrew, lorde Haughston.

Ficou sem respiração e temeu que ia desmaiar. Não podia ser verdade. Nem sequer Andrew podia lhe haver feito algo assim! Mas, é claro, Francesca sabia que sim. Andrew nunca pensava nas conseqüências de seus atos, sobre tudo se aquelas conseqüências fossem para ela.

Engoliu em seco e o olhou nos olhos, com um repentino ataque de ira que fez que reagisse.

-Fora de minha casa.

De novo, um sorriso vagamente divertido e provocador se desenhou nos lábios de Perkins.

-Receio que é minha casa, milady.

-Acaso pensava que ia lhe entregar docilmente? Claro que não. Não sou uma fraca que vai se render ao primeiro golpe. Tenho amigos, gente com influência e poder. Pelo que sei, pode ter falsificado esse documento. Não vi nenhuma testemunha.

Ele deu um passo para ela, olhando-a com uma cólera fria.

-Eu tampouco sou um fraco, milady. Há testemunhas. Os outros dois homens que jogavam cartas conosco, para não mencionar às prostitutas e a madame do bordel. Levarei-a ante os tribunais se não me entregar a casa. E eles deverão atestar. Se for isso o que quer.

Aquelas palavras foram um grande golpe para Francesca. Se lutasse contra ele pela casa, ele traria a luz o comportamento escandaloso de seu marido. Ela seria objeto de todo tipo de fofocas. Todo mundo falaria sobre o Andrew e sua vida dissipada, seu alcoolismo e seu vício ao jogo, de suas aventuras.

Entretanto, Francesca se manteve erguida e repetiu com gravidade:

-Não vou partir desta casa.

Ele a observou durante um longo momento, e depois disse:

-Então, farei-lhe a mesma oferta que fiz ao Andrew em seu momento. Disse-lhe que podia me pagar com o dinheiro em vez de com a casa. Então, rasgarei o documento.

Francesca relaxou em parte. Possivelmente houvesse um modo de sair daquilo, depois de tudo. Aquele homem só queria dinheiro.

-Qual era a soma?

-Cinco mil libras.

Ela empalideceu. Nunca poderia reunir tal quantidade.

-Dava-lhe duas semanas para que me pagasse, mas então, por desgraça, tive que sair do país pelo incidente com o Bagshaw.

-Incidente? Assim é como denomina o assassinato?

Ele disse, como se ela não tivesse falado:

-Entretanto, ao Haughston nunca pareceu adequado me enviar a soma de dinheiro que me devia. Mas eu estou disposto a ter a mesma cortesia com você. Pode me pagar em duas semanas, e rasgaremos o documento que assinou lorde Haughston.

-Duas semanas! Não pode esperar que consiga uma quantidade tão grande em tão pouco tempo. Haughston tinha muito mais recursos que eu. Eu devo escrever a meus pais, e a outros. Tenho que falar com meu agente de negócios. Isso não é tempo suficiente. Me dêem alguns meses.

-Meses! - exclamou ele com desdém - Estou há sete anos esperando para tomar posse desta casa. Por que ia esperar mais?

-Será muito mais fácil para você que lhe dê o dinheiro. - argumentou Francesca desesperadamente - Para que necessita um cavalheiro solteiro de uma casa tão grande? E não posso obter tanto dinheiro tão rapidamente. Por favor. Só dois meses.

Ele a olhou durante um longo instante.

-Muito bem. Concedo-lhes três semanas.

Não era muito melhor, mas ela assentiu, de acordo com qualquer aumento do prazo.

-Bem.

Ele sorriu de um modo que fez que Francesca se estremecesse, e ele fez uma reverência.

-Até então, minha querida lady Haughston.

Depois saiu da sala. No corredor, Fenton o seguiu até a porta da casa.

Francesca se afundou em uma poltrona assim que o homem desapareceu. Era um milagre que não lhe tivessem falhado as pernas.

Cobriu o rosto com as mãos, presa do terror.

Como ia conseguir tanto dinheiro? Mal podia manter-se, e tinha muito poucas coisas que vender. Sua carruagem era velha, e os cavalos também. Não lhe dariam muito benefício. Quase todas suas jóias eram falsas, salvo o bracelete e os brincos que lhe tinha presenteado o duque, e o camafeu que lhe tinha dado Callie. Todas aquelas coisas não somariam nenhuma décima parte da quantidade que lhe tinha exigido Perkins. E, embora vendesse todos os móveis da casa e as baixelas de ouro e prata, não seria suficiente.

Não podia ir pedir dinheiro a seu pai; ele tinha estado a ponto de arruinar as propriedades do patrimônio familiar, e se tinha visto obrigado a ceder sua gestão ao Dominic. Dominic a ajudaria se pudesse, ela sabia, mas seu irmão estava lutando por devolver a solvência às propriedades. Tinha vendido sua própria casa de campo, uma herança de seu tio, para pagar algumas das dívidas das propriedades e fazer as melhorias necessárias para que voltassem a ser produtivas. Ela não podia lhe pedir que pusessem em perigo todos aqueles esforços pondo outra dívida sobre seus ombros. Nunca poderia lhe devolver tanto dinheiro.

Tampouco podia pedir a seus amigos uma soma tão grande, e não tinha mais família. Não tinha relação com o primo de lorde Haughston, que tinha herdado o título e o patrimônio, embora não possuísse dinheiro. Andrew tinha esbanjado quase todas as riquezas da família.

Poderia enfrentar ao Perkins e negar-se a abandonar a casa. Possivelmente ele não a levaria ante os tribunais, e embora o fizesse, era possível que aquele documento fosse uma falsificação. Galen Perkins era capaz disso e de mais.

Entretanto, se Francesca o obrigava a ir ante o juiz para obter a casa, ele cumpriria sua ameaça de levar aos conhecidos de seu marido como testemunhas ante o tribunal e a expor à humilhação pública. Embora o documento fosse falso, Perkins podia encontrar alguns homens e mulheres que mentissem por umas quantas moedas.

Francesca não podia suportar passar pelo escândalo e que seu nome aparecesse nos periódicos, nem que todo mundo murmurasse sobre ela em Londres. E de qualquer modo, ao final era provável que perdesse a casa. Assinatura do documento se parecia muito a do Andrew.

O que ia fazer se perdesse a casa? Aonde iria? Ao Redfields, onde teria que viver o resto de sua existência da generosidade de seu irmão? Sabia que Dom e sua mulher, Constance, acolheriam-na sem uma palavra de queixa. Entretanto, não queria ser uma carga para eles, e lhe aterrava a idéia de não ter nada próprio nunca mais. E viver um ano inteiro longe de Londres lhe parecia um exílio.

Reprimiu as lágrimas. A verdade era que estava ante a ruína. Se não conseguisse conjurar a ameaça do Perkins, aquilo seria virtualmente o final de seu mundo.

 

Francesca despertou na manhã seguinte com uma pesada sensação de medo. Tinha chorado até cair rendida a noite anterior, pensando em sua situação, e tinha tido pesadelos dos quais não podia recordar nada mais que o pânico.

Um pouco trêmula, sentou-se a tomar o chá e as torradas que lhe levou Maisie enquanto refletia. Tomara houvesse alguém a quem pudesse pedir conselho. Não podia ir a seu irmão sem delatar-se; sir Lucien, seu melhor amigo, tinha seus próprios problemas de dinheiro, assim dele não poderia obter ajuda. Tampouco podia falar com Irene; era uma mulher muito inteligente, e Gideon, seu marido, era um dos homens mais ricos de Londres. Entretanto, Francesca se encolhia por dentro ao pensar em lhes pedir ajuda.

Não podia abusar assim de seus amigos. E não havia ninguém mais de quem se sentisse tão próxima, salvo a família. Ou...

Sinclair.

O nome do duque apareceu em sua cabeça, mas Francesca o afastou da mente e cruzou os braços como se quisesse defender-se da idéia. Tampouco podia ir correndo pedir ajuda ao duque. Já não era nada para ele, e se negava a lhe impor aquela obrigação. Além disso, embora fosse um grande alívio pôr o problema em suas mãos, também seria muito humilhante. E, de qualquer modo, aquele homem não lhe devia nada.

Não. Tinha que resolver aquilo por si mesma.

Francesca afastou a bandeja do café da manhã, levantou-se e foi para seu joalheiro. Abriu-o e revisou suas jóias, separando as falsas das que tinham valor. O montão das valiosas era muito pequeno: o colar de pérolas que lhe tinham presenteado seus pais no dia de seu décimo oitavo aniversário, o camafeu do Callie, os brincos de safiras que lhe tinha dado o duque por seu compromisso e o bracelete de safiras a jogo que lhe tinha dado como pagamento pela aposta que tinha ganhado no verão anterior. Sua aliança e as jóias que lhe tinha dado seu marido as tinham vendido fazia muito tempo para manter-se. E o que ficava era muito querido para separar-se.

Não estava certa de poder fazê-lo, mas, restava outra opção?

Quando Maisie voltou para levar sua bandeja, Francesca lhe disse:

-Tenho algumas coisas para levar a vender à joalheria.

Maisie a olhou com surpresa.

-Seriamente? Não sabia.

A criada franziu o cenho.

-Preciso vender tudo o que possa. Assim que me vista, inspecionarei a prata. Acho que devemos nos desfazer de tudo.

Maisie ficou boquiaberta.

-De tudo, milady?

Francesca assentiu.

-Quanto acha que poderiam nos dar por isso? Podemos vender também os copos de cristal? E os móveis? Quanto dinheiro acha que poderíamos conseguir em total?

Maisie sacudiu a cabeça.

-Mas, milady, o que usará depois? Não pode desfazer-se da baixela e faqueiro.

-Da maioria das coisas - disse Francesca - A partir de agora darei só jantares mais reduzidos, isso é tudo. E também podemos vender os candelabros de prata. Vamos subir ao sotão para ver o que há lá em cima. E deveria falar com o cocheiro para vender a carruagem e os cavalos.

-Vender a carruagem! Milady, o que ocorreu? Vai ficar sem nada!

-Tenho que fazê-lo. Vou mandar chamar a meu agente de negócios. Tenho que pensar em vender a casa.

Face aos protestos e o assombro de sua criada, Francesca foi inflexível, e passou o resto do dia tomando nota de tudo o que podia tentar vender. O agente a visitou naquele mesmo dia, um pouco mais tarde, e permaneceram encerrados no escritório durante mais de uma hora. Quando partiu, ela estava esgotada e ficou sentada um longo tempo, observando o entardecer.

Tudo o que tinha feito era inútil. Embora vendesse todas suas posses, não lhe proporcionariam a quantidade que necessitava. Se vendia seus recursos de investimento, aproximaria-se, mas não o conseguiria por completo e além disso ficaria sem nada para viver, salvo o que conseguisse ajudando às moças a encontrar marido.

A única coisa que podia fazer para conseguir aquela quantidade de dinheiro era vender a casa, mas levaria tempo encontrar um comprador. Além disso, apesar de seu agente ter aceitado tentar vendê-la, não estava de acordo com a idéia. Tinha-lhe aconselhado que alugasse a casa durante a temporada se precisasse de dinheiro, mas ele não conhecia o motivo do desespero e urgência de Francesca, e ela não era capaz de explicar.

Entretanto, devia enviar Maisie para vender tudo o que pudesse. Além de tudo, necessitaria de dinheiro se decidisse enfrentar Perkins no tribunal.

Voltou para seu joalheiro e tirou os brincos e o bracelete de safiras. Venderia tudo, mas não aquilo.

Durante toda a semana, enquanto preparava a festa do Harriet, Francesca não pôde deixar de angustiar-se. Por muito que pensasse e chorasse pelas noites na privacidade de seu dormitório, não podia dar com a solução.

Tentou afastar da cabeça o assunto do Perkins e a casa, e se dedicou a organizar uma festa perfeita. Para sua satisfação, chegaram-lhe as respostas aos convites que tinha enviado, confirmando a assistência de quase todo mundo. Francesca abriu a sala de baile, um dos aposentos que permaneciam fechados durante todo o ano, na ala leste da casa, e se contrataram criados para fazer uma limpeza a fundo. Quando terminou a limpeza, começou a tarefa da decoração da sala e do vestíbulo principal. Escolheram-se os vinhos, o menu e os jogos de mesa das mesas.

Por outro lado, havia as sessões que Francesca tinha combiado com Harriet para instruir à moça na arte da conversa, do flerte estratégico e de outras habilidades que a ajudariam a conduzir-se com êxito naquela temporada social.

Entretanto, por muito que Francesca se concentrasse em suas tarefas, não podia deixar de pensar em Perkins e em suas ameaças. Quando se deitava, aquilo não deixava de atormentá-la e não podia conciliar o sono. Durante as manhãs, lamentava suas noites de vigília. Doía-lhe a cabeça e tinha pronunciadas olheiras. Se não conseguisse dormir algo, pareceria uma bruxa, disse-se, mas não conseguia deixar de preocupar-se.

Por fim chegou a noite da festa. Fazia um tempo de verão muito agradável. Francesca estreou seu novo vestido verde claro de seda, e saudou todos seus convidados com um sorriso. Estava decidida a esquecer suas inquietações ao menos aquela noite. Era a única festa que ia dar durante a temporada e tinha intenção de desfrutar da noite.

Mas teve pouco tempo para desfrutar. Esteve muito ocupada assegurando-se de que Harriet, que estava muito bonita com um vestido branco de baile e o cabelo arrumado em saca-rolhas que lhe tinha feito Maisie, conhecesse todos os jovens aos que Francesca havia convidado e às mulheres que podiam aplainar o caminho da moça pela sociedade. Francesca pensava que um convite ao Almack’s era muito pedir, mas poderia conseguir à Harriet convites a muitas festas divertidas.

Quando não estava ocupada com Harriet, perseguia outro de seus objetivos: apresentar o duque do Rochford a todas as moças que tinha escolhido para ele. Sentiu-se muito satisfeita ao comprovar que suas quatro candidatas tinham ido à festa, e conseguiu sutilmente que todas falassem com Rochford em algum momento da noite.

Durante todo o tempo, fizesse o que fizesse, Francesca observou o duque, e lhe agradou que ele fizesse um esforço por conversar com todas as moças. Em uma ocasião, viu-o conversando com lady Damaris, e enquanto olhava, Rochford sorriu e riu, e seu rosto se iluminou. Francesca notou uma pontada estranha no coração, aguda e dolorosa, e teve vontade de chorar.

Disse-se que era uma idiota. Claro que Sinclair desfrutaria do fato de conversar com Damaris. Era inteligente e sofisticada, e hábil na arte da conversa. Além disso, era atraente. Na opinião de Francesca, era a jovem que tinha mais possibilidades de atrair ao duque.

Por outra parte, lady Edwina do Morgan era a mais bela de todas. Tinha o cabelo negro e os olhos verdes e brilhantes, embora seus traços fossem um pouco agudos.

Francesca temia que lady Mary fosse muito tímida para falar com o Rochford, porque tinha um caráter introvertido e era um rato de biblioteca. Viu que o duque conversava com ela e, surpreendentemente, a jovem seguia a conversa inclusive animadamente.

Francesca sorriu. Rochford podia conseguir aquela façanha, e mais. Era paciente, amável e encantador. Era, em resumo, a encarnação do perfeito cavalheiro. Em realidade, Francesca se perguntou se aquelas moças eram suficientemente boas para ele.

A noite não foi inteiramente dedicada ao trabalho. Francesca passou uns minutos falando com sir Alan, que tinha um caráter afável e agradável. E também sir Lucien estava ali, é claro, junto a lorde e lady Radbourne.

Irene lhe deu uma grande alegria ao lhe confessar que estava grávida de poucos meses. Pediu-lhe que fosse a madrinha de seu filho, e encheram os olhos de lágrimas de Francesca, em parte de alegria por Irene e Gideon, e em parte também pela dor que lhe causava saber que ela nunca poderia experimentar a maternidade.

-É claro que serei a madrinha de seu filho. - disse à Irene - Mimarei-o muitíssimo.

-Aqui está! - exclamou uma voz familiar a sua esquerda, e ambas as mulheres se voltaram e viram uma beleza com um maravilhoso vestido de azul das plumas de um pavão, que caminhava para elas pelo braço de um homem alto e bonito.

-Callie! - exclamou Francesca, aproximando-se de sua amiga - Oh, Deus Santo! Que surpresa vê-la aqui! Não sabia que havia voltado já. Seu irmão não nos disse uma palavra.

Francesca abraçou à irmã do Rochford. Callie lhe devolveu o abraço, rindo-se.

-Obriguei-o a jurar que não o faria. Queria lhe dar uma surpresa. Brom e eu chegamos justo antes que Sinclair saísse para sua festa, e lhe disse que tinha que vir vê-la embora não fossemos convidados. Como antes tínhamos que nos arrumar, pedi que não lhe contasse nada.

-Você sempre é convidada - lhe disse Francesca, e se afastou dois passos de sua amiga para contemplá-la - Já sabe. Está muito bonita.

-É pelo vestido. - disse Callie, com os olhos brilhantes de alegria - Comprei-o em Paris.

-Não é o vestido. - lhe disse Francesca.

-Bom, então possivelmente seja a vida de casada - disse Callie, e olhou carinhosamente a seu marido.

Bromwell era um homem alto, de ombros largos e compleição musculosa. Era um dos homens mais bonitos de Londres. Tinha o cabelo de cor mogno e os olhos azuis. Parecia-se muito com sua bela irmã Daphne, mas felizmente seu caráter era muito diferente ao daquela mulher.

Por causa das mentiras de sua irmã, Bromwell tinha odiado ao duque durante muitos anos, e quando tinha começado a cortejar ao Callie, tinha-o feito para incomodar ao Rochford. Ao final, não obstante, deu-se conta de que não havia nada que lhe importasse mais que Callie e o que sentia por ela. O duque e ele se reconciliaram depois que Bromwell soube que o que lhe havia dito sua irmã era mentira. Claro que a reconciliação tinha chegado depois de que ambos brigassem a murros. Embora aquele incidente tivesse servido, daquela maneira tão peculiar dos homens, para aumentar o respeito de um pelo outro.

O conde do Bromwell fez uma reverência para saudá-las.

-Lady Haughston. Lady Radbourne. Me alegro de comprovar que estão muito bem.

-E você, senhor. - disse Francesca com afeto.

-Me alegro de voltar a vê-los - acrescentou Irene - Espero que tenham desfrutado da viagem.

-Acho que vimos todas as catedrais da França e da Itália - disse Bromwell queixosamente. - Não me tinha dado conta de que minha esposa era tão aficionada às igrejas.

-Não são as igrejas, embora sejam lindas. É a arte - explicou Callie.

Os quatro conversaram durante uns minutos sobre o que tinha visto o casal durante sua lua de mel. Depois Irene acompanhou o conde para saudar Gideon, e Francesca ficou falando com Callie.

-É feliz, não é? - acrescentou Francesca, observando com atenção sua amiga.

-Incrivelmente feliz. - respondeu Callie - Se tivesse sabido o muito que ia desfrutar do matrimônio, me teria casado faz muito tempo.

-Acho que este marido em particular pode ter tido algo que ver.

Callie sorriu de orelha a orelha.

-Quero-o, Francesca. Quero-o mais do que nunca teria imaginado. Ou talvez é porque meu amor cresce cada dia. Não achava que fosse possível querê-lo mais que no dia que me casei, mas assim é.

-Me alegro muitíssimo por você, querida.

Ela sempre tinha querido muito a Calandra, a quem conhecia desde bebê, mas durante os últimos meses sua amizade se fizera muito mais íntima. Callie lhe havia dito uma vez que para ela era como uma irmã, e Francesca sentia o mesmo pela moça.

-Me conte as últimas notícias - pediu Callie - Tenho a sensação de estar fora uma eternidade, embora o tempo tenha passado tão depressa.

-Receio que não fui a muitas festas. Não tenho muitas notícias.

- Esteve doente? - perguntou-lhe Callie com preocupação.

-Não, claro que não. Só um pouco cansada. Estive muito ocupada com esta festa.

-É uma preciosidade. Claro que não é preciso dizê-lo. Você tem o dom da elegância. Sinclair me disse que a festa era para Harriet Sherbourne. Conheço-a?

-Não, chegou recentemente do campo. Está ali, falando com o Osear Coventry.

-Ah, sim. Uma moça muito bonita. É outro de seus projetos?

-Um pouco.

Callie continuou olhando pela sala.

-Quem é a moça com quem está falando meu irmão?

Francesca se voltou e seguiu o olhar do Callie. Rochford estava junto a uma jovem loira muito bonita, que o observava com encantamento.

-É lady Caroline Wyatt. Acaba de fazer sua estréia. É a filha de sir Averill Wyatt.

-Sir Averill… - Callie franziu o cenho. Depois, sua expressão se esclareceu - Oh, é a filha de lady Beatrice?

-Exatamente. A neta do Bellingham.

-Deus Santo, mal posso acreditar que Sinclair esteja falando com ela. Normalmente, as moças jovens lhe aborrecem mortalmente. Acha que está interessado nela?

-Possivelmente. É muito bonita.

Continuaram observando ao casal. Rochford falava. Lady Caroline sorria.

-Tenho que dizer - comentou Francesca com certa aspereza - que não parece que tenha muita conversa. Não acredito que Rochford a ache muito divertida.

De repente, percebeu que suas palavras tinham parecido duras. Olhou ao Callie, se perguntando se sua amiga teria dado-se conta. Tentando falar em um tom mais agradável, disse:

-Claro que suponho que muitos homens preferem a este tipo de mulher.

-Não acredito que meu irmão seja dessa opinião - comentou Callie, e aquelas palavras animaram a Francesca.

Houve um som de vozes masculinas no vestíbulo, e Francesca afastou a vista do Rochford e lady Caroline para olhar para lá. Quando o fez, viu o Galen Perkins com Fenton ao seu lado, protestando.

-Oh, Meu Deus - disse Francesca, com um nó de medo no estômago. Acaso Perkins ia estragar-lhe a festa? Imaginou facilmente dizendo a todo mundo que aquela casa era sua, em realidade, e não de lady Haughston - Desculpa, Callie.

Levantou-se e foi para as portas duplas do salão, que estavam totalmente abertas.

-Ah, lady Haughston - disse Perkins com seu sorriso petulante - Me alegro de vê-la. Por favor, diga a seu criado que sou bem-vindo na festa.

-O que está fazendo aqui? - perguntou-lhe Francesca em voz baixa - Não o convidei.

-Estou certo de que passou por cima. Não teria querido excluir a um velho amigo de seu defunto marido.

-Por favor, saia. Disse-me que seriam três semanas...

-Três semanas até o que, milady? - perguntou ele com um sorriso. Como sempre, o título com o que se dirigia a Francesca soava como um insulto em seus lábios.

-Senhor Perkins, por favor...

-Lady Haughston - disse o duque atrás dela.

Francesca se virou com alívio.

-Rochford...

-Posso ajudar em algo? - perguntou, e cravou um olhar duro em Perkins, tão duro que assombrou a Francesca. - O que está fazendo aqui?

-Pois sou um convidado da senhora. O defunto lorde Haughston e eu fomos muito amigos - disse Perkins, e olhou a Francesca - Contarei aos convidados a história de nossa amizade, se alguém questionar minha presença aqui.

-Quer que o jogue de casa, milady? – perguntou - o duque a Francesca sem afastar a vista do Perkins.

Perkins resmungou.

-Como se pudesse.

O duque não disse nada. Limitou-se a sustentar o olhar do Perkins, e foi o último quem primeiro afastou a vista. Depois, Rochford olhou a Francesca.

-Não. - disse ela rapidamente - Por favor, não. Eu... não quero que uma briga estrague a festa de Harriet.

Rochford franziu o cenho. Era evidente que não aprovava o fato de permitir ao Perkins que ficasse. Ela o olhou de forma suplicante.

-Por favor, Rochford.

-É claro. - disse ele gentilmente - Como quiser. Tome cuidado, Perkins. Não lhe vou tirar a vista de cima.

-Vou morrer de medo - replicou com arrogância Perkins.

-Entre. Por que não vai comer algo? - Francesca assinalou vagamente para a mesa da comida.

Esperava que o homem não revelasse nada muito mau se lhe permitia que ficasse.

Além disso, a festa já estava terminando. Francesca não teria que suportar sua presença mais de uma hora. Por desgraça, com respeito ao Perkins, aquele tempo também lhe parecia uma eternidade.

Callie se aproximou de Francesca e a puxou pelo braço.

-Vamos, me apresente a lady Sherbourne. Eu gostaria de conhecê-la.

-É claro - disse Francesca, e se afastou do Perkins.

-Quem é esse homem? - perguntou Callie - Sinclair fez expressão de fúria assim que o viu.

-Ninguém. Era um conhecido de meu defunto marido. Um homem de baixo estofo. Mas não podia estragar a festa de Harriet deixando que Rochford o expulsasse.

-Claro que não. - concordou Callie - Mas não se preocupe, Sinclair se ocupará dele se causar problemas. E Brom também, imagino. Sabe que eles dois se tornaram quase amigos? Os homens são as criaturas mais estranhas.

Francesca riu. Não era difícil relaxar com o Callie.

-Muito certo.

O resto da festa passou com tranqüilidade. Francesca se moveu entre o resto dos convidados, olhando freqüentemente pela habitação para localizar Perkins. Viu-o junto à mesa do bufei e, mais tarde, caminhando pela sala, saudando alguns homens, que invariavelmente pareciam nervosos. Francesca se perguntou se os conhecia das mesas de jogo. Possivelmente eles também tinham medo do que ele pudesse revelar.

Mais tarde, procurou Perkins de novo, e percebeu que não estava. Fez um lento percurso pelo salão, mas não o viu. Pareceu-lhe estranho. Aquele homem não era dos que partiam sem fazer rebuliço.

Começou buscá-lo entre a multidão, e ao cabo de uns minutos notou que faltava outra pessoa: Rochford.

Encolheu-lhe o estômago. Acaso Rochford tinha se arranjado para tirar silenciosamente Perkins da casa? Francesca se alegrou por aquilo, mas temeu que o que podia ter ocorrido quando os dois homens tinham saído da casa. Rochford sabia cuidar-se de si mesmo, é claro; ela não duvidava de suas habilidades, e menos ainda depois de ter presenciado sua briga com lorde Bromwell três meses antes.

Em uma situação normal, não se preocuparia com ele, mas Perkins era outra coisa. Francesca estava certa de que não era dos que observavam as regras cavalheirescas quando tinha que brigar. Não havia modo de saber o que poderia fazer aquele homem se Rochford decidisse enfrentá-lo. Francesca continuou olhando a seu redor, pensando se devia alertar Gideon, ou talvez inclusive a lorde Bromwell, e lhes pedir ajuda.

Então percebeu que não via tampouco aos outros dois homens. Acaso se tinham ido os três para expulsar Perkins? Durante um instante, relaxou. Rochford não correria perigo se aquele fosse o caso.

Entretanto, seu alívio não durou muito. Perkins ficaria furioso, e ela não queria pensar no que poderia fazer se acumulava a suficiente raiva. E se lhes contasse sua história? Francesca corou. Não queria que Rochford soubesse a verdade completa do comportamento do Haughston.

Procurou Callie e lhe perguntou por seu marido.

-A última vez que o vi, - respondeu a moça, olhando a seu redor - foi-se com lorde Radbourne a conversar com o Sinclair. Acredito que estavam conspirando para sair para o jardim a fim de fumar um charuto.

Então, estavam juntos. Possivelmente fosse certo que só queriam desfrutar de um charuto e da companhia masculina.

-Aí estão - disse Callie, olhando para a porta.

Francesca se voltou e viu lorde Bromwell e lorde Radbourne entrando na sala. Entretanto, do Rochford não havia nem rastro.

-Quer que vamos com eles? - perguntou-lhe Callie - Queria falar com o Bromwell de algo?

-O que? Oh, não. Quero dizer que não era nada importante, em realidade.

Francesca se deu conta de que sua amiga devia pensar que estava se comportando de maneira estranha, mas não dava com um modo de perguntar ao Bromwell o que queria saber. Se ele tinha ajudado a tirar o Perkins dali, não era provável que o dissesse, e se não o tinha feito, Francesca só conseguiria que Callie e ele tivessem curiosidade pelo que tinha acontecido.

Por fortuna, naquele momento viu um casal que se aproximava de Callie. Eram lorde e lady Hampton, que foram despedir se. A partir daquele momento, os convidados começaram a partir pouco a pouco, e Francesca foi para o corredor para poder lhes dizer adeus mais facilmente.

Quando a festa terminou e os criados começaram a recolher, Francesca subiu a seu dormitório. Como Maisie estava abaixo, ocupada com a limpeza, ela mesma se despiu. Depois pôs o robe e se sentou no peitorial da janela para escovar o cabelo. Tinha aberto um pouco uma das folhas para deixar que entrasse a brisa da noite.

Acabava de escovar a cabeleira quando apareceu a figura de um homem no final do quarteirão. Ela se inclinou para diante com os olhos entreabertos. Estava muito escuro para distinguir seus traços, mas por sua forma de caminhar e seu vulto soube que era Rochford.

Ele se deteve frente à casa e olhou para cima, mas o quarto de Francesca estava às escuras, porque ela tinha deixado a vela junto à porta, do outro lado do dormitório. Ele vacilou, e olhou para a porta de entrada.

Rapidamente, Francesca se inclinou para diante e deu uns tapinhas com os dedos no vidro. Ele ergueu a cabeça para olhar ao piso de cima, e Francesca abriu a janela.

-Rochford - sussurrou.

Quando ele a viu, tirou o chapéu e lhe fez uma elegante reverencia. Ela apontou a porta principal, desceu do peitoril e, depois de tomar o lampião, saiu apressadamente do quarto.

 

Rochford a estava esperando quando ela abriu a pesada porta. Francesca levou um dedo aos lábios para lhe indicar que guardasse silêncio, pois os criados continuavam limpando a sala de reuniões. Rochford assentiu e entrou no vestíbulo. Francesca lhe fez um gesto para que a seguisse e o conduziu ao gabinete de manhã, que estava no extremo oposto da casa. Depois de fechar a porta e acender um lampião, olhou-o com severidade.

-Está bem. Confessa.

-Perfeitamente - respondeu o duque com despreocupação - O que quer que confesse?

-Percebi que o senhor Perkins deixou suspeitamente logo a festa.

-Possivelmente se aborreceu. Duvido que fosse bem acolhido por seus convidados.

Francesca arqueou uma sobrancelha.

-Também me dei conta de que você e sua corte estavam ausentes ao mesmo tempo.

Ele sorriu.

-Minha corte? Por favor, me diga quem é minha corte.

-Lorde Radbourne e lorde Bromwell. O que fez?

-Só sugerimos ao Perkins que estaria mais contente em outra parte... e fomos com ele para nos assegurar de que chegava são e salvo.

-Sinclair! Fez mal a ele?

-De verdade, Francesca, por que classe de rufião toma? - perguntou ele, e depois tirou uma penugem da manga de sua jaqueta negra imaculada.

-Eu nunca teria pensado em nada parecido a um rufião até que o vi tentar romper a cabeça a seu futuro cunhado.

-Naquele momento não era meu futuro cunhado. - observou ele - Além disso, tinha muitos mais motivos para pegar ao Bromwell. Achava que estava tentando destroçar a reputação de minha irmã. Perkins só estava incomodando.

-Então, só falaram com ele?

Rochford encolheu os ombros.

-Sim. Gideon estava a favor de atirá-lo ao Tâmisa - disse, e ao ouvir o arquejo de horror de Francesca, sorriu levemente e seguiu em tom confidencial - Já sabe, a infância do Gideon. Bromwell e eu o dissuadimos, embora comentei com Perkins que seu destino seria muito pior se voltasse a te incomodar.

-E o que... Disse algo indecoroso?

-Disse umas quantas coisas que não posso repetir a uma senhora. Nada importante - respondeu Rochford, e a observou com atenção – Diga-me, por que está tão preocupada com esse vilão miserável? Estou certo de que você não o convidou de verdade à festa.

-Não, claro que não. Não quero vê-lo. É um homem corrupto. Preocupava-me que pudesse feri-lo, se é que quer saber. - disse Francesca; voltou-se e atravessou a sala. - Embora, claramente, não tinha que me ter preocupado.

Ele deu um passo atrás dela, mas se deteve.

-Não, não tinha que preocupar-se. Perkins não é uma ameaça.

-Pode ser que queira vingar-se.

-Eu me encarregarei dele.

-Muito bem. Brandy?

Sem esperar a resposta, ela tirou uma garrafa de um armário e serviu duas taças. Normalmente, nunca bebia brandy; tinha-o a mão, sobretudo por seu amigo Lucien.

Entretanto, aquela noite lhe parecia o melhor.

Rochford a observou enquanto servia o licor. Perguntou-se se ela se teria dado conta de que tinha aberto a porta com robe, com o cabelo solto caindo em cascata pelas costas. Uma vez, ele tinha sonhado estar com ela assim; é claro, naqueles sonhos ele tinha direito a aproximar-se dela, abraçá-la e deslizar a mão por debaixo daquela cabeleira de seda.

Virou-se bruscamente e se sentou.

-Por que lhe permitiu que ficasse esta noite?

Francesca suspirou.

-Pareceu-me o mais fácil. Não queria montar uma cena, e receio que ele é exatamente o tipo de homens que o faz. Além disso, era amigo do Andrew. Eu não queria ser abertamente grosseira com ele.

-Me parece que seria muito fácil ser grosseiro com a maioria dos amigos do Haughston.

Francesca não pôde conter um sorriso, mas tentou dissimulá-lo tomando um gole de brandy. Desceu-lhe pelo esôfago como um fogo de veludo e acendeu seu estômago, enviando suaves onda de relaxamento por todo seu corpo. Ela deixou escapar um suspiro, tomou outro gole e subiu os pés ao sofá, sob as pernas, como uma menina.

Olhou ao Rochford. Era um homem tão forte e tão capaz... Claro que Perkins não o preocupava. Ele podia sacudir aquele homem de cima como se fosse um mosquito.

Durante um instante, pensou em contar ao Rochford a verdade sobre a ameaça do Perkins, e em pôr em umas mãos tão competentes toda aquela confusão. Rapidamente, olhou sua taça e fez virar o líquido de cor âmbar pelo cristal. Não podia fazer semelhante coisa. Não tinha direitos sobre o Rochford, e seria impensável atrevimento fazê-lo partícipar de seus problemas. Como o cavalheiro que era, ele tentaria solucioná-lo, mas isso, evidentemente, não estava bem.

Além disso, para Francesca seria muito humilhante revelar ao homem com o que não se casou o engano tão espantoso que tinha cometido, o estúpido engano que tinha cometido ao escolher a aquele outro homem. Não queria que ele soubesse que vivia à beira da pobreza, e muito menos que pensasse que possivelmente lhe estava pedindo o dinheiro para pagar ao Perkins. Isso a envergonharia profundamente. Tomou outro gole de licor.

Rochford olhou o peitilho de seu robe. As lapelas se tinham aberto um pouco, e deixavam à vista a parte superior de seus seios e o escuro vale de separação que havia entre eles. Não pôde evitar perguntar-se o que levaria sob o robe; se era a camisola, devia ser decotada. Ou possivelmente se pôs o robe diretamente sobre a roupa interior, de modo que só levava uma fina regata e as calças por debaixo.

Começou a falar, mas ficou assombrado da rouquidão de sua voz. Pigarreou e voltou a começar.

- Acho que poderíamos falar de... ah… das damas que estamos tendo em conta.

-Sim, é claro. - respondeu Francesca, aliviada de poder trocar de assunto - Você gostou de lady Damaris?

-Parece muito competente, como disse. E é boa conversadora. - disse ele.

-Então... É sua favorita?

-Não especialmente. Não estou certo de que tenha uma favorita.

-Falou bastante com lady Mary. Surpreendeu-me. Normalmente parece muito tímida.

Ele franziu os lábios ligeiramente.

-Em realidade, acho que me considera muito velho para assustar-se. Acho que me põe na categoria de seu pai e amigos de seu pai.

-Velho! - exclamou Francesca, e se pôs a rir com vontade - Oh, vá.

-Ri tudo o que quiser - replicou ele - Recordo-lhe, querida, que não lhe levo muitos anos.

-Não, claro que não. Eu também sou uma velhinha, sem dúvida - disse Francesca, sorrindo-lhe com malícia. - Possivelmente possa fazer cair suas defesas. Não tenho nenhuma dúvida de que depois poderá convencê-la de que não está completamente caduco ainda.

-Parece-me um grande esforço - murmurou ele.

-E lady Caroline?

Rochford apertou os lábios.

-Demônios, Francesca! Por que pensou em me carregar com essa menina? Nunca tinha conhecido uma moça mais aborrecida!

Francesca também apertou os lábios, para tentar reprimir a gargalhada. Não deveria sentir-se tão contente ao ouvir que lhe tinha desagradado a garota, mas não podia evitar a diversão que crescia em seu interior como uma borbulha.

-É incapaz de falar de nada – continuou ele com amargura - E se tinha uma opinião sobre algo, fui incapaz de averiguá-lo. Cada vez que fazia uma pergunta, respondia me perguntando o que pensava eu. Que sentido tem isso? Eu já sei o que penso!

-Talvez deva dar outra oportunidade a lady Caroline. Depois de tudo, é muito jovem, e possivelmente se sinta coibida com alguém como você.

-Com alguém como eu? - repetiu ele, lhe lançando um olhar escuro - O que quer dizer? Insinua que intimido? Rígido e inflexível? Ou possivelmente esteja referindo-se a minha avançada idade.

Francesca já não pôde reprimir a gargalhada.

-Pode ser um pouco entristecedor. É um duque, e quando tem essa expressão... já sabe, como se um cachorrinho lhe tivesse posto as patas manchadas de lama em suas melhores botas...

-Desculpe, mas eu nunca sou desagradável com os cachorrinhos - disse ele, e controlou o sorriso que lhe puxava as comissuras dos lábios - E devo acrescentar que nunca notei que você estivesse coibida pelo fato de que eu seja um duque. Nem sequer quando tinha quatorze anos.

-É difícil estar coibida com alguém a quem viu atirar-se do telhado de um estábulo sobre um montão de feno - replicou Francesca.

Rochford soltou uma gargalhada.

-Quando foi isso?

-No Dancy Park, quando eu tinha oito anos e você treze. Dom, você e eu tínhamos estado montando a cavalo, e nos detivemos na granja do Jamie Evans. O moço tentou nos deter, mas não pôde. Havia uma grande pilha de feno, e Dom se atirou sobre ela da cerca e me desafiou a que eu também o fizesse.

-E você disse "Me atirarei do telhado!". É claro. Como é que me tinha esquecido disso? Era incorrigível.

-Bom, só o fiz porque disse a Dom que eu era muito pequena para fazer algo assim, e tinha que lhe demonstrar que não era verdade. E então, você me ordenou que não o fizesse.

-Ah, sim. E pensava que com isso ia controlá-la rapidamente. Devia ter sido mais sábio aos treze anos.

-Então, você também se atirou do telhado.

-Eu não podia deixar de fazê-lo, se você tinha sido capaz!

-Típico de você! Jogar-me a culpa.

-Você era quem a tinha todo o tempo. Foi muito travessa.

-E você foi um presunçoso.

O sorriso do Rochford aumentou.

-Então, pergunto-me por que sempre me seguia a todas partes.

-Eu não o seguia - replicou Francesca, e acrescentou com grande dignidade - O que passa é que Dom e você sempre iam aos lugares onde eu queria ir.

Ele riu, com os olhos brilhantes, e se levantou de sua poltrona.

-Outro brandy?

-Não, melhor não. Já tenho uma sensação muito agradável. Se beber um pouco mais, enjoarei. Quer você outro?

-Não. Eu estou bem.

Francesca se levantou, também, tomou as duas taças e as levou ao armário, junto à garrafa. Sem olhar ao Rochford, perguntou despreocupadamente:

-Então, tem alguma preferência?

-A que se refere?

-Por alguma das moças - explicou ela, e se virou para o duque - Inclina-se mais por alguma em particular?

Ele a olhou durante um instante, e respondeu:

-Sim, tenho uma preferida.

-Quem? - perguntou Francesca, e se aproximou dele. De repente, aquela pergunta lhe parecia muito importante. Quem era a que tinha captado sua atenção? Tinha intenção de cortejá-la?

-Não é lady Caroline. - respondeu ele secamente, e deu um passo para ela. Continuou falando em voz baixa – Diga-me, querida, pensou em fiscalizar também meu cortejo?

Sua proximidade deixou a Francesca sem fôlego. Afastou o olhar de seus olhos negros e sussurrou:

-Não, estou certa de que você sabe dirigir esse assunto perfeitamente.

-Eu não estaria tão certo, se fosse você. - replicou Rochford - Depois de tudo, olhe como foram meus esforços prévios de galantear a uma mulher. É evidente que não tive êxito. Possivelmente deveria me dar umas quantas instruções a respeito.

-Seriamente? - Francesca inclinou a cabeça de um modo desafiante - Não acredito que seja necessário. Estou certa de que sabe muito bem como fazer elogios a uma mulher.

Francesca percebeu que tinha a respiração entrecortada, e sabia que era absurdo sentir-se assim, cálida e relaxada, mas, ao mesmo tempo, com um comichão de impaciência.

-Como, por exemplo, lhe dizer que seu cabelo brilha como o ouro à luz das velas? - perguntou ele, observando seu cabelo - Ou que lhe reluzem os olhos como safiras?

-Não deve exagerar muito. - respondeu ela, tentando falar com leveza.

Ele ergueu a mão e lhe acariciou o cabelo delicadamente, com o dorso da mão.

-É a verdade.

-Não... não estou certa de que a verdade seja o mais aconselhável quando se está descrevendo a uma mulher.

-Nem sequer quando tem a pele tão suave? - perguntou ele, e lhe roçou a face com os dedos – Ou quando seus lábios têm uma forma perfeita, - disse, e lhe passou o indicador pela linha do lábio superior - e só estão esperando um beijo?

-Parece que se dá muito bem - sussurrou Francesca, e fechou os olhos sem querer.

-O que devo fazer depois? - perguntou Rochford, e desceu a cabeça, tanto que Francesca notou sua respiração cálida na face, e aquele toque tão delicado fez que estremecesse.

-Um beijo na mão nunca é de mais.

Tomou a mão e a levou aos lábios, e apertou sua boca suavemente contra o dorso; depois a virou e depositou um beijo em sua palma. Tinha a boca cálida e suave, e ao notar seu tato, as ondas de calor que se estendiam por seu corpo se encontraram em seu ventre.

Sem lhe soltar a mão, Rochford lhe beijou cada uma das pontas dos dedos. Depois a olhou no rosto, e seus olhos eram abrasadores.

-Isto seria agradável?

Francesca não pôde responder. Ficou muda, olhando-o com os olhos muito abertos.

Ele se aproximou mais à frente e voltou a lhe acariciar o rosto.

-Ou possivelmente isto - murmurou, e se inclinou para posar os lábios sobre sua face.

Beijou-lhe o bordo do queixo, e depois deslizou até a pele suave de seu pescoço. Percorreu-lhe o braço com a palma da mão, e Francesca notou um vago desejo de que sua camisola não estivesse entre sua pele e aquela carícia.

Roçando-lhe o pescoço com o nariz, ele desceu centímetro a centímetro até que chegou ao bordo do robe. Francesca estava tremendo. De repente lhe falharam os joelhos e temeu que pudesse cair a qualquer momento. Com esforço, reprimiu um suave gemido enquanto ele encontrava com a boca o espaço de sua garganta. Então não pôde reprimir um arquejo de surpresa e prazer.

-Dizem - continuou ele, deixando seu pescoço e subindo até sua orelha - que algumas mulheres preferem isto.

Beijou-lhe a orelha, e suavemente apanhou o lóbulo com os dentes e o mordiscou.

Francesca engoliu em seco e, sem dar-se conta, aferrou-se às lapelas de sua jaqueta, segurando-se com força enquanto o mundo cambaleava a seu redor.

-Sinclair...

Ele traçou com a língua todas as dobras de sua orelha e aquilo enviou a Francesca estremecimentos de delícia pelo corpo. Começou a sentir um pulsar entre as pernas, algo que nunca havia sentido antes, uma fome e um anseio desconhecidos nas entranhas.

Então, lhe desatou o cinto do robe e deslizou uma mão por debaixo. Francesca notou sua palma no estômago, e só o fino tecido da regata separava a pele da pele. Então, ele subiu lentamente até que tomou o seio.

-Há mulheres que desejariam algo mais parecido a isto - disse ele em voz baixa e sussurrante. Aquela voz a afetava como uma sensação física.

Ele estendeu os dedos sobre o seio e lhe acariciou o mamilo para obter que se endurecesse. Francesca emitiu um som suave do fundo da garganta.

-Embora, sem dúvida, a outras pareceria muito atrevido.

Ele colocou os dedos pelo bordo da regata e lhe acariciou a pele nua. Francesca pensou vagamente que, se não estivesse agarrado a ele, cairia ao chão.

-Possivelmente seria melhor que...

Sinclair a fez virar suavemente de modo que ficou de costas a ele, e lhe levantou a cabeleira espessa e a afastou do pescoço. Inclinou-se e lhe beijou a nuca com a boca quente e suave, estimulando a pele sensível.

Ela estremeceu e desabou fracamente sobre seu torso forte. Ele a rodeou com o outro braço e estendeu a mão sobre seu estômago plano, e enquanto lhe beija o pescoço, acariciou-lhe lentamente o corpo, passando sobre a curva de seus seios, baixando até seu abdômen, aproximando-se muito até o centro de seu desejo.

Ela inalou suavemente, esperando sua carícia, imaginando que seus dedos deslizavam entre as pernas. Entretanto, ele fez que se girasse de novo.

-Mas, depois de tudo, - murmurou enquanto lhe beijava primeiro uma face e depois a outra - o melhor seria fazer isto.

Seus lábios roçaram os dela, uma vez, duas, e finalmente se posaram em sua boca. Francesca se derreteu contra ele, passou-lhe os braços ao redor do pescoço e abriu a boca sob a pressão de seus lábios. Ele moveu a boca contra a dela, e o calor e a pressão se incrementaram, e ele introduziu a língua para apoderar-se dela com firmeza.

Assim a tinha beijado a outra noite, e como então, aquele beijo inflamou seu corpo de desejo. Suas formas se apertaram a uma contra a outra; não havia nada que os separasse, salvo a roupa, e ela desejou que nem sequer existisse aquele obstáculo. Deu-se conta de que queria esfregar seu corpo contra o dele.

Sinclair a abraçou e a pegou contra si, e continuou beijando-a com avidez. Francesca se pendurou nele enquanto o coração lhe pulsava loucamente. Estava perdida naquela experiência; tinha os sentidos bombardeados de sensações, e ela nem sequer sabia nomeá-las. Desejava, sofria e desfrutava, presa de uma fome que não reconhecia.

Ele se separou dela com um grunhido e escondeu o rosto em seu pescoço.

-Francesca... meu Deus...

Não disse nada mais, e durante um momento só houve o som de suas respirações entrecortadas.

Finalmente disse:

-Acho que será melhor terminar com esta lição.

Francesca assentiu, muito aflita para dizer uma só palavra.

Pôs as mãos sobre suas faces e lhe beijou a fronte. Depois se voltou e partiu rapidamente.

Francesca o seguiu correndo até a porta, observando como a abria e saía da casa. Tudo estava escuro; percebeu que os criados tinham terminado suas tarefas e foram dormir.

Lentamente, voltou-se e foi para o sofá. Ali se deixou cair.

O que acabava de acontecer?

Sentia-se fraca e flácida, e ao mesmo tempo estava completamente acordada e cheia de energia. Queria correr atrás de Sinclair e lhe pedir que voltasse. Queria jogar-se em seus braços e lhe pedir que a beijasse assim de novo. Queria... Deus Santo, não sabia o que queria. Do único que estava segura era de que não se havia sentido assim jamais. Nunca tinha experimentado aquele fogo, aquele desejo.

Fechou os olhos e se afundou entre os almofadões de veludo do sofá. Se Sinclair não se detivesse e não partisse, teria terminado na cama com ele? Teria desfrutado de uma relação sexual?

Aquela idéia fez que lhe ardessem as faces. Levantou-se e começou a passear pela sala, passando-as mãos pelos braços como se pudesse despojar-se das estranhas emoções que a tinham invadido.

Sabia que estava sendo absurda. Alguns beijos não eram o mesmo que deitar com um homem. Só porque tivesse respondido com paixão às carícias do Sinclair, não podia pensar que desfrutaria com o que ocorresse depois. E um homem não só queria beijos e carícias. Queria estar na cama, lhe tirar a roupa e penetrar em seu corpo a investidas. Ela o lamentaria, desprezaria-o, como sempre lhe tinha ocorrido com o Andrew, e se tornaria fria sob suas carícias.

E então, Sinclair a olharia com desilusão, inclusive com desagrado, como a tinha olhado Andrew.

Francesca sacudiu a cabeça. Aquilo seria pior do que tinha sido em seu matrimônio; não podia permitir que as lembranças doces do amor que tinham compartilhado Sinclair e ela fossem destruídas pela realidade de sua frigidez no leito. Preferiria perder tudo antes que ver Sinclair olhando-a como a tinha olhado Andrew.

Com um suspiro, saiu da sala e subiu a seu dormitório, para sua cama vazia.

 

Francesca não viu o duque durante os dias seguintes. Era de esperar, disse-se a si mesma. Sua tarefa no projeto de lhe encontrar uma noiva estava quase terminada. Agora era ele quem devia cortejá-la.

É claro, lhe interessava saber a qual das mulheres escolhia, mas não pensava que pudesse participar mais no processo.

Sentia-se um pouco inativa, o que também era de esperar. A busca da mulher adequada e a organização da festa em sua casa tinham ocupado a maior parte de seu tempo e, de repente, sua vida ficou vazia.

Ainda tinha que ajudar Harriet Sherbourne, mas isso tampouco requeria grandes esforços. Tinha planejado assistir à ópera com sir Alan e com o Harriet aquela semana, e levaria a moça a um musical a noite seguinte, e a várias festas no futuro. Entretanto, o trabalho de verdade já parecia. As melhoras no vestuário e na forma de conversar do Harriet asseguravam que teria muitos convites de dança e paqueras durante essas festas. Como nem a moça nem seu pai tinham expressado interesse em que Harriet encontrasse marido, Francesca já não tinha que fazer mais gestões.

Não era de sentir estranhar que se sentisse aborrecida e inclusive sozinha. Tampouco era estranho que não deixasse de recordar aquele estranho evento que tinha tido lugar entre o Rochford e ela.

Por que tinha feito ele algo assim? Se tivesse sido qualquer outro homem, Francesco teria pensado que estava tentando seduzi-la. Isso era absurdo, não? Ele nunca tinha tentado seduzi-la, nem seduzir a outra dama, que ela soubesse. Entretanto, Francesca sabia que um homem de sua idade teria tido certamente companheiras, alguma cantora de ópera ou uma atriz, ou uma cortesã profissional. Com aquelas mulheres, ele sim teria podido comportar-se como o tinha feito com ela a noite anterior.

Entretanto, com uma mulher de boa família, as regras eram distintas. Um cavalheiro devia cortejar e casar-se com uma senhora, não seduzi-la. Por outra parte, era certo que com as viúvas as normas não eram tão rígidas em sociedade. Quando uma mulher já tinha estado casada; não era estranho que pudesse ter aventuras sem que a condenassem por isso, desde que tudo fosse muito discreto. Entretanto, Francesca sempre tinha tido um extremo cuidado de que ninguém tivesse razões para acreditar que seu comportamento era depravado.

O que tinha ocorrido para comportar-se como o tinha feito a noite anterior? Acaso Rochford tinha pensado que, tal e como ia vestida, prestaria-se a uma sedução, ou inclusive que estava convidando-o a isso?

E como ia olhar seu rosto se ele tinha pensado isso dela?

Entretanto, se ele tinha pensado que ela estava disposta a deixar-se seduzir, por que tinha parado?

Possivelmente não houvesse sentido a mesma excitação que ela. Talvez, inclusive naquele momento tão cedo, tinha sentido nela a frieza que tanto tinha frustrado e zangado ao Andrew. Ao pensar nisso, encheram os olhos de Francesca de lágrimas. Ao pensar em que Rochford houvesse sentido a verdadeira frieza de seu caráter, só queria chorar. E, à medida que passavam os dias, não pôde evitar pensar que sua ausência estava motivada pelo mesmo que lhe tinha feito deixar de beijá-la e partir.

Sabia que não devia sentir-se mal por isso, nem rechaçada. Ao fim e ao cabo, ela não se deitara com ele, embora Rochford ficasse. Francesca não queria ter uma aventura com ele nem com nenhum outro. Por sorte, a parte de sua vida em que se via obrigada a submeter-se aos desejos de um homem tinha terminado. Assim, não tinha nenhuma razão para sentir-se triste pelo fato de que Rochford não tivesse tentado terminar a sedução que tinha começado.

E não devia pensar mais nisso.

Obrigou-se a concentrar-se na correspondência, que tinha descuidado bastante durante os últimos dias, mas em cinco minutos estava pensando no mesmo. E quando por fim conseguiu afastar Rochford da cabeça, foi só para pensar no Perkins e em suas preocupações. Temia que aquele homem aparecesse em sua porta de um momento a outro para carregar contra ela pelo que lhe tinha tratado Rochford. Saber que podia aparecer em qualquer momento a colocava nervosa, e conforme passavam os dias para o momento em que teria que enfrentar a ele, sua ansiedade crescia cada vez mais. Francesca não tinha nem idéia do que poderia fazer. Não poderia reunir a quantidade que ele exigia, e ele não ia esperar. Perkins não era um homem precisamente bondoso.

Dois dias depois da festa, Francesca estava no salão, tentando pensar em uma solução, quando ouviu a voz do Callie no vestíbulo.

Francesca ficou em pé de um salto, pensando que Rochford teria ido visitá-la com sua irmã. Entretanto, Callie estava sozinha, e Francesca se repreendeu a si mesma pela desilusão que sentiu. Sorriu a sua amiga e tomou pelas mãos carinhosamente.

-Callie, estava pensando em você. Ia visitá-la esta mesma tarde.

-Bom, pois me alegro de ter chegado antes que você saísse para minha casa. - respondeu Callie com um sorriso.

Francesca pediu o chá, e as duas se sentaram para conversar. Callie lhe explicou que partia no dia seguinte para a propriedade de seu marido, no campo.

-Não! Acaba de chegar. - protestou Francesca.

-Sei, mas Brom já está muito tempo longe de seus campos. Diz que os descuidou muito.

-Vou sentir sua falta.

-Tem que vir me visitar - lhe disse Callie - Ali não irei conhecer ninguém. Sentirei-me muito sozinha. Deveria vir assim que termine a temporada.

-Estará com o Bromwell, e suspeito que com isso será suficiente. Não quero incomodar a um casal recém casado.

-Não incomodará. Eu já serei uma velha mulher casada então. E Brom vai estar muito ocupado. Será o tempo da colheita.

-Bom, possivelmente vá uns dias.

-No mínimo um mês - insistiu Callie, e Francesca, rindo, cedeu.

Continuaram falando de outras coisas, entre elas dos vestidos que Callie tinha comprado em Paris. Aquele assunto as ocupou alegremente até que Fenton entrou para informar que lady Mannering tinha vindo visitá-la.

Foi um pouco frustrante que outra convidada cortasse seu tempo a sós com Callie, mas Francesca indicou ao mordomo que fizesse entrar a dama. Lady Mannering era uma anfitriã importante, e Francesca queria que convidasse Harriet a suas festas.

-Lady Haughston. E lady Bromwell - disse a recém chegada com satisfação - Que surpresa mais agradável encontrá-la aqui também!

Houve um bate-papo cortês sobre a festa de Francesca, assim como sobre as maravilhosas bodas do Callie. Depois, lady Mannering se dirigiu à moça com um sorriso cúmplice e disse:

-Lady Bromwell, pergunto-me se não á outra iminente aliança na família Lilles.

-Desculpe? - perguntou Callie, olhando à outra mulher com desconcerto.

-Seu irmão, querida. Parece que está muito interessado na filha mais velha do Calderwood, não é assim?

Francesca notou um repentino nó no estômago.

-Em lady Mary?

-Com efeito. Vi-os falando a outra noite, durante a festa de lady Haughston. Comentei a lorde Mannering que conversaram durante um longo tempo, e o fato de que não é muito freqüente em sua filha. A moça é muito bela, e uma vez que se supera esse terrível acanhamento dela e sorri, é muito atraente.

-Sim. - concordou Francesca - E muito doce, também. Mas não acredito que uma conversa durante uma festa seja o mesmo que um romance.

A sua convidada brilharam os olhos.

-Ah, mas não é só isso. Ontem voltei a vê-los juntos; estavam passeando pelo parque no faeton de lorde Rochford. Ela conversava como se fossem velhos amigos. Não é próprio dessa moça. Nem dele. Pergunto-me se é um cortejo.

Francesca manteve um sorriso cortês nos lábios.

-Pois sim.

-Eu não lhe daria importância. - disse Callie - Se Rochford tiver um interesse especial em alguém, eu não me inteirei.

A expressão de Callie, pensou Francesca, poderia rivalizar com a de seu irmão o duque na hora de apagar as pretensões de qualquer um. Lady Mannering mudou de assunto e começou a falar sobre o jantar que ia fazer em uma semana. Achava lady Haughston que esse agradável senhor Alan e sua filha quereriam assistir?

Francesca se obrigou a concentrar-se em ajudar ao Harriet Sherbourne. Enquanto continuavam falando, teve a sensação de que era a viuvez de sir Alan o que mais estimulava o interesse de lady Mannering. Entretanto, Francesca não teve nenhum problema em aproveitar aquele interesse para beneficiar a carreira social de Harriet. As festas de lady Mannering sempre eram muito concorridas.

Se além de favorecer ao Harriet, podia facilitar um romance para sir Alan, melhor que melhor. Assim, respondeu as perguntas que lady Mannering lhe fez sobre os Sherbourne com prontidão, e inclusive com mais informação do que pedia a mulher.

Francesca conseguiu concentrar-se na conversa, mas mais tarde, quando lady Mannering e Callie partiram, disse a Fenton que não estava em casa para mais visitantes e subiu a seu dormitório. Aproximou-se da janela e ficou a olhar para a rua.

Assim a moça que interessava ao Rochford era lady Mary Calderwood. Era a última em quem teria pensado Francesca; não porque tivesse nada de mau, é claro. Sua linhagem era extraordinária, e sua reputação impecável. Entretanto, era muito tímida e tranqüila para o gosto do Rochford. Não obstante, se ele a tinha levado a passear pelo parque em seu faeton, era porque lhe estava prestando mais atenção que às de mais. E isso só podia ser porque estava pensando seriamente em convertê-la em sua esposa.

Francesca deveria sentir-se contente de que seus esforços tivessem dado fruto. Isso era o que ela queria: compensar ao Sinclair pelo dano que lhe tinha feito. Queria que encontrasse uma mulher a quem pudesse dar seu coração. Queria que fosse feliz.

Então, por que tinha aquele peso no peito? Por que não podia olhar à rua sem que os olhos lhe enchessem de lágrimas?

À tarde seguinte, Francesca estava na escrivaninha, abrindo os envelopes de seus últimos convites, quando Fenton apareceu na porta da sala.

-Sua Excelência, o duque do Rochford, está aqui.

Francesca ficou em pé de um salto e deu um golpe no joelho contra a escrivaninha. Tinham passado quatro dias desde sua festa, e depois da visita do Callie e lady Mannering, no dia seguinte, convenceu-se por completo de que não voltaria a ver o Rochford mais que esporadicamente, do mesmo modo que o tinha visto durante os anos anteriores.

Entretanto, ali estava ele.

Sentiu que lhe ardiam as faces e se perguntou se o mordomo se teria dado conta de sua reação.

-Por favor, faça-o entrar, Fenton - disse ela, e se esforçou por adotar uma expressão de cortesia.

Rochford entrou um instante depois, e assim que penetrou na sala, pareceu que tudo se diminuía.

Francesca tinha pensado que estava preparada; passou-se muito tempo aconselhando-se sobre como devia reagir quando o visse, tendo em conta o que tinha acontecido entre eles na última vez, e tendo em conta seu aparente interesse por lady Mary.

Entretanto, ao vê-lo cara a cara, não podia tirar da cabeça a lembrança de seus beijos. Ruborizou-se ainda mais, e rapidamente baixou os olhos. Com um esforço, estendeu a mão para saudá-lo.

-Rochford, que surpresa tão agradável. Não esperava vê-lo de novo.

-Seriamente? - perguntou ele - E eu que achava que me tinha convertido em um visitante tão assíduo que não pensaria mais que "Oh, é você outra vez".

-Estou certa de que sua presença nunca ocasiona esse tipo de comentários - replicou Francesca.

Ele tomou sua mão e se inclinou. Francesca notou com intensidade o toque de sua pele, quente, ligeiramente áspero. Por que seu contato a afetava como nenhuma outra coisa? Desejou que lhe tivesse beijado a mão, e não que só tivesse feito uma reverência para saudá-la.

Apertou os lábios e virou a cabeça para o sofá.

-Por favor, sente-se. Gostaria de tomar algo?

Rochford negou com a cabeça. Passaram vários minutos em um bate-papo de cortesia, comentando o bom tempo, perguntando-se por sua saúde e falando do muito que iriam ter saudades de Callie, que ia para a propriedade de seu marido.

Finalmente, Francesca pensou que tinha passado suficiente tempo para abordar o assunto que ocupava seus pensamentos.

-Alegra-me saber que esteve cortejando a lady Mary.

Ele arqueou as sobrancelhas e sorriu ligeiramente.

-Seriamente? É isso o que dizem?

-Ouvi dizer que a levou a dar um passeio pelo parque em seu faeton.

-Sim, é verdade - disse ele, com o mesmo sorriso, vagamente zombador, nos lábios - Não me parece nada de descrição.

-Meu querido duque, qualquer sinal de seu favor atrai a atenção de todo o mundo.

Ele emitiu um som quase imperceptível, evasivo.

-Então, sente preferência por lady Mary?

O rosto do Rochford não revelou nada.

-É uma jovem agradável.

-Sim, é certo. - concordou Francesca - Bastante inteligente.

-Sim.

-Entretanto, acredito que vai continuar tendo em conta todas as opções das que falamos.

-É claro. - disse ele, e de novo sorriu - Essa é a razão de minha visita de hoje.

-Seriamente? Deseja falar das jovens em questão? Ou possivelmente quer ter mais candidatas entre as quais escolher? Estas não o satisfazem? - Francesca se sentiu animada - Posso pensar em outras.

-Não. Acredito que estas são adequadas - disse ele - O que tinha pensado era criar outra oportunidade em que galantear a minha futura esposa. Decidi que vou dar um baile.

-Claro. É uma idéia magnífica.

- Quero que me ajude a organizá-lo.

Francesca sentiu uma onda de prazer.

-De verdade? Sinto-me muito adulada – disse, mas depois acrescentou a contra gosto - Entretanto, não acredito que seja apropriado que eu o faça.

-Quem melhor que você? - disse ele - Não há ninguém que a supere como anfitriã.

-Isso é muito agradável de sua parte, claro, mas não há motivo... quero dizer que pareceria estranho. Eu não tenho vínculos com você.

-Não? - perguntou ele, e por um momento, seu olhar, inegavelmente quente, descansou sobre o rosto de Francesca. Depois afastou a vista - Antes era minha avó quem se encarregava dessas coisas, e nos últimos anos, Callie era minha anfitriã. Entretanto, agora não estão nenhuma das duas. Não posso pedir a minha avó, na sua idade, que venha a Londres para me organizar um baile.

-Não, claro que não. Mas estou certa de que seu mordomo é mais que capaz de fazê-lo.

-Cranston é muito capaz, é claro, mas é um homem acostumado a pôr em marcha os planos, não a fazê-los. Além disso, não tem sua habilidade. A tarefa requer o gosto de uma dama, como você.

- Acha que vai convencer-me com elogios? - perguntou-lhe Francesca, olhando-o com severidade.

-Isso espero.

Ela riu sem poder evitá-lo.

-É um desavergonhado.

-Isso me disseram.

-Sabe que pareceria estranho. As pessoas comentariam.

-Não há nenhuma razão para que saibam - disse ele, e encolheu os ombros - Não lhe pedirei que receba aos convidados comigo - acrescentou, e a olhou de uma maneira penetrante - Estaria disposta a fazê-lo, então, se nos escondêssemos do mundo? A Francesca lhe acelerou o coração, como se suas palavras tivessem um duplo significado.

-Possivelmente. - respondeu com calma - Embora me parece que deve haver outra pessoa que possa fazê-lo melhor.

- Não. - disse ele, que continuava olhando-a com fixidez - Deve ser você.

 

Francesca o olhou enquanto suas palavras reverberavam em seu interior. Por um momento, teve a sensação de que o ar resplandecia entre eles. Bruscamente, ela afastou o olhar, temendo que ele percebesse como lhe tinha acelerado a respiração, que ele ouvisse o pulsar que lhe retumbava nos ouvidos.

-Muito bem - lhe disse - Se isso é o que quer...

-Sim - respondeu Rochford, com um tom de triunfo na voz, enquanto ficava em pé e se aproximava dela. Estendeu a mão e, automaticamente, Francesca lhe deu a sua e se levantou. Ele sorriu.

-O que deveríamos fazer? Suponho que Lilles House deveria ser o lugar por onde começar, não acha?

-Quer que seja um baile grande? - perguntou ela.

-Sim. Algo no que possa empregar a fundo todas suas habilidades.

Francesca lhe lançou um olhar de malicia.

-Possivelmente se arrependa de fazê-lo.

Rochford sorriu.

-Nunca, embora não tenho dúvida de que você tentará pôr a prova minha determinação. Entretanto, tem carta branca para fazer o que quiser. Do modo mais respeitável, é claro.

Aquelas últimas palavras sublinharam o duplo sentido da frase. Era uma expressão que se usava freqüentemente para descrever a relação que um homem tinha com sua amante, e Francesca notou que lhe ardiam às faces. O que lhe ocorria? Já não era uma menina ingênua para ruborizar-se assim.

-Ah, vejo que fiz com que se ruborizasse. Sinto muito. - disse Rochford, com satisfação, apesar de suas palavras.

-Não o sente nem o mínimo, homem detestável. Mas lhe asseguro que é por causa do calor do verão, não pelo que disse. Sem dúvida, agora pareço uma das empregadas da cozinha - disse ela, e tocou uma face com sobressalto.

-Seja qual for a causa, está linda - respondeu Rochford com seriedade. Depois deu um passo atrás - Vamos, avisar aos criados para que lhe tragam o chapéu. Vamos ao Lilles House.

-Agora?

-Sim, por que não? Podemos começar já, não? Traz sua criada, se a preocupar as aparências. Deve ver a casa e o salão de baile. Do contrário, como vai organizar tudo?

-Sim, é verdade.

Ele tinha razão, e Francesca sabia disso. Entretanto, parecia-lhe que havia algo ilícito no fato de acompanhar a um cavalheiro a sua casa sem que houvesse nenhuma mulher da família residindo ali.

Maisie os acompanhou na carruagem, mas quando chegaram à casa, foi conduzida às dependências do serviço, e eles ficaram a sós novamente.

-Surpreende-me que não tenha se empenhado em que sua criada nos acompanhe - brincou Rochford - Sou uma criatura tão horrível?

Francesca revirou os olhos.

-Seriamente, Sinclair, sabe que não podia vir aqui sem ela. Você é quem o sugeriu, depois de tudo. É por seu bem, tanto como pelo meu. Imagino a cara que poria Cranston se tivesse entrado aqui com uma mulher sem acompanhante. Quer dizer, comigo. Suponho que trouxe outras mulheres aqui.

O duque a olhou fixamente.

-Vamos, Rochford, não sou tola. Tem mais de trinta anos, e sei que deve ter estado com mulheres.

-Aqui não - respondeu ele laconicamente.

Estranhamente, ela se sentiu muito agradada por sua resposta. Rochford não era do tipo de homem que tivesse desonrado sua casa, sua família e a sua esposa dessa maneira. Não manteria aventuras passageiras no lar que tinha sido de seus pais, e que um dia seria de sua esposa e seus filhos. Se ela se casasse com ele, sempre teria tido sua honra, sabia. Durante um instante, a pena lhe atendeu a garganta. Que diferente teria sido sua vida se tivesse casado com Sinclair.

Francesca voltou à cabeça, temendo que ele pudesse lhe ler a mente. Rochford sempre tinha sido capaz de ver o que ela pensava. Depois, olhou a seu redor para concentrar-se na tarefa que tinham entre mãos. O vestíbulo do Lilles House era enorme; tinha dois pisos e uma escadaria dupla no centro.

Atrás da escada havia um corredor que conduzia à estufa e à saída para o jardim, enquanto que à esquerda havia outro corredor que levava a área da cozinha e aposentos dos criados.

À direita, entretanto, o aposento se abria a uma galeria, um corredor majestoso revestido de mármore de Carrara, e cheio de retratos dos duques anteriores, de suas esposas, seus filhos e seus mascotes. Havia uns elegantes spots que proporcionavam iluminação à noite, mas durante o dia a luz do sol entrava em torrentes pelas altas janelas que percorriam o muro exterior.

As cortinas eram de veludo verde, seguras em alças de metal.

-Sempre adorei Lilles House - disse Francesca.

Ele a olhou, e ela se perguntou se ele também estava pensando que uma vez a casa teria podido ser sua. A idéia pôs nervosa a Francesca, e afastou rapidamente o olhar, ruborizada. E se ele pensasse que lamentava ter perdido a grandiosidade daquela casa?

-Eu também lhe tenho carinho. - respondeu Sinclair, e para alívio de Francesca, não detectou nada em sua voz que indicasse que suas palavras não lhe tinham parecido normais - Embora esteja um pouco passada de moda, acredito. Sem dúvida, minha noiva quererá mudar as coisas. Pôr sua própria marca na casa.

-Oh, não! - protestou Francesca sem dar-se conta - Espero que não o faça. É maravilhosa tal como está. Eu não mudaria nada.

Entretanto, ela não tinha nada que dizer a respeito. Voltou a ruborizar-se, pensando que de novo seu comentário podia ser interpretado mal, e olhou a seu companheiro. Por sorte, Rochford estava olhando em outra direção, e não pareceu que se desse conta de seu tropeção.

Ele abriu umas portas duplas que havia à esquerda. Aquelas portas, como outras que havia mais à frente, também no vestíbulo, davam passagem a um grande salão de baile, que se estendia até a parte traseira da casa. Do teto pendiam três enormes lustres, e o chão era do mesmo mármore de nervura vermelha que havia na galeria. Em uma das paredes havia uma série de janelas altas, revestidas com pesadas cortinas de brocado de cor granada, e no lado oposto, três pares de portas que se abriam ao terraço.

-Se fizer o baile neste salão, será muito grande. - advertiu ela - Do contrário, não seria apropriado. Levará tempo prepará-lo.

-Então, daremos a festa no final da temporada. Possivelmente um grande baile para anunciar um compromisso.

Francesca notou uma pontada de nervos no estômago. Então, estava tão certo de sua escolha? Devia ser lady Mary.

-Acha que terá tempo suficiente para organizá-lo? - perguntou o duque.

O coração dela se encolheu. Nem sequer sabia se continuaria em Londres em algumas semanas. Se Perkins cumprisse suas ameaças, ela estaria fora de sua casa. Como ia ser capaz de organizar aquela festa?

Ela esboçou um sorriso forçado, de qualquer modo, e disse:

-Claro. Aqui não é necessário acrescentar muitos adornos.

Caminharam pelo salão até as portas do terraço. Francesca olhou para o jardim. Era muito grande para uma casa da cidade.

-Você gostaria de estender a festa ao jardim? - perguntou-lhe - Poderíamos pôr luzes por entre as árvores.

-Como em Vauxhall Gardens?

-Bom, sim, suponho que sim. Mas menos ostentosas, acho, e espero que sem certo tipo de comportamento que se produz ali. Mas possivelmente pudéssemos pôr algumas mesas e cadeiras no terraço. - disse Francesca - Aqui, onde está mais protegido. Poderíamos pôr luzes nos degraus, e decorar os bancos que estão ao redor da fonte.

- Parece muito agradável. - disse ele, e abriu as portas - Vamos ver o jardim.

Ofereceu-lhe o braço, e juntos saíram ao terraço e desceram ao jardim, caminhando agradavelmente e olhando a seu redor. Francesca assinalou alguns pontos onde poderiam colocar-se candelabros altos, e lhe explicou como poderiam entrelaçar-se grandes fitas nas galerias para dar um toque festivo ao terraço e as escadarias. Francesca pensou que seria uma delícia organizar aquela festa, se não fosse porque estava planejando-a para outra mulher.

-Não teríamos que usar todo o jardim. - comentou enquanto rodeavam a fonte e seguiam avançando - Podemos pôr uma marca nos caminhos para restringi-los em certos pontos.

Rochford encolheu os ombros.

-Sem dúvida, o jardineiro não o passará, mas me parece que seria mais agradável ter tudo aberto.

Havia uma sebe alta que dividia o jardim. Tinha um arco que permitia a passagem e, mais à frente, as rosas cresciam a milhares e perfumavam o ar. Ali o jardim era menos formal, e os maciços de flores já não estavam contidos em formas simétricas, mas crescendo em gloriosa liberdade.

-É maravilhoso. - sussurrou Francesca. Embora tivesse estado em várias festas, no transcurso dos anos, em Lilles House, e tinha visitado a duquesa viúva e Callie muitas vezes, nunca tinha estado naquela parte dos jardins.

-A minha mãe adorava o jardim - disse Rochford em voz baixa – Chocava-se com minha avó por ele; eram as únicas vezes em que a ouvi mostrar seu desacordo com a duquesa. Ela animava ao jardineiro que mantivesse a parte traseira mais selvagem.

-Não conheci bem a sua mãe. - disse Francesca - Mas estou certa de que teria gostado dela, se este jardim me servir de exemplo.

-Não visitou muito Dancy Park depois da morte de meu pai. Você ainda era uma menina quando ela morreu. Suponho que teria doze ou treze anos. Minha mãe era... era uma mulher doce, romântica. Meus pais se casaram por amor. A família de minha mãe era boa, mas não tão elevada como a dos Lilles. Meus avós pensavam que meu pai poderia ter se casado melhor, e sem dúvida minha mãe o percebia. Estou certo de que se sentiu intimidada quando se casou com meu pai. Bom, já pode imaginar como foi entrar para fazer parte de uma família com minha avó e minha tia avó Odelia.

-Deus Santo! - disse Francesca, ao dar-se conta - Qualquer dessas duas mulheres é suficiente para provocar medo a qualquer um. Sua pobre mãe.

Ele sorriu.

-Acredito que não lhe importava tanto como teria importado a outras mulheres. Parece-me que às vezes agradecia os conselhos de minha avó. Ela nem sempre estava confortável em seu papel de duquesa. Entretanto, como esposa era perfeita para meu pai. Estavam muito apaixonados. Ela foi uma mãe boa, doce, e não deixou seus filhos em mãos da preceptora e da babá.

-Bom, essas eram suas tarefas mais importantes. Ser duquesa não contava tanto.

Ele a olhou.

-Isso é o que eu pensava. E meu pai. Para minha avó, é claro, o dever é o primeiro. A família. O sobrenome.

Francesca encolheu os ombros.

-Todos temos que cumprir com nossas responsabilidades, claro. Mas a felicidade e o amor são mais importantes.

-Acha isso? Não me parecia isso, por seus comentários sobre meu matrimônio.

Francesca se deteve em seco e se voltou para ele.

-De novo me compara com a duquesa viúva? Seriamente, Rochford… pode chegar a ser muito irritante, não disse que deva se casar por sua família. O mais importante é que seja feliz.

Ele a observou atentamente, com um sorriso nos lábios.

-Me alegro de ouvi-la dizer isso.

Francesca notou um calafrio estranho. Não queria pensar sobre isso, assim começou a caminhar de novo, e disse:

-Por que sua mãe não gostava de Dancy Park?

-Não é que não gostasse, mas lhe era difícil sair do Marcastle. Depois que meu pai morreu, afastou-se do mundo. Mal vinha a Londres para a temporada. Já não desfrutava. De fato, tinha perdido a alegria de viver. Deixou de viajar; preferia ficar ali onde meu pai e ela tinham passado a maior parte de sua vida juntos. Sentia-se mais perto dele no Marcastle.

-Que triste. É muito doce também, mas parece uma vida muito triste.

-Foi. Eu o sinto por ela. E, entretanto...

-Entretanto, o que?

Rochford sacudiu a cabeça.

-Acho que vou lhe parecer muito egoísta. Eu teria desejado que ela não ficasse tão apanhada em sua pena. Foi quase como se tivessem morrido nossos dois pais. Callie era uma menina, e não podia recordar a seu pai; mas para ela, nossa mãe era como um espectro. Uma imitação da mulher que tinha sido. Callie não recorda tampouco à mulher vibrante que uma vez foi nossa mãe. Ela se criou com uma pessoa calada, triste, que sempre estava um pouco distante das vidas de outros.

-Devia sentir falta dela também - disse Francesca.

-Sim. Algumas vezes necessitava seus conselhos desesperadamente. Só tinha dezoito anos, e me encontrava afligido pelo título. Havia minha avó para me guiar, é claro.

-A depositária do “Dever e da Responsabilidade” - murmurou Francesca.

Rochford sorriu.

-Sim. Ao menos, com a avó, a gente não devia temer a falta de opinião. Ela sempre estava segura do que era o que teria que fazer.

-Mas não era muito carinhosa, acredito.

-Não. Isso não. Ela não a aprovava, sabe?

Francesca o olhou com assombro.

-Sabia? Sabia que você e eu...?

-Eu não o disse, - lhe assegurou Rochford - mas ela se deu conta de que lhe prestava muita atenção naquele último ano. Sabia que passei muito tempo no Dancy Park, e deduziu o motivo. A avó sempre foi muito ardilosa.

-Oh, vá - disse Francesca - Deve ter sentido-se furiosa comigo, então, quando eu...

-Não. Lembro que me disse que era exatamente o que devia ter esperado. E me assegurou que era o melhor que podia me acontecer, que me permitiria pedir a mão da irmã menor de Carborough.

-Lady Alspaugh? - perguntou Francesca, perplexa.

-Sim, bom, naquele momento não estava casada com lorde Alspaugh, mas sim, lady Katherine.

Francesca continuou olhando-o com a boca aberta, até que ele pôs-se a rir.

-Oh! - exclamou ela, e lhe deu uma palmada no braço - Está me gozando.

-Não, seriamente, não. Ela era a escolhida de minha avó, por seu dote e sua linhagem, principalmente. E uma grande extensão de terras que lady Katherine ia herdar na morte de sua avó. Essas terras em questão confinam com minhas terras do Cornwall, e unidas se teriam convertido em uma enorme propriedade.

-Mas ela tem os dentes saltados, e carece de senso de humor. - protestou Francesca - Além disso, tem vários anos mais que você.

-Quatro. - admitiu ele - Mas o dever é o dever.

Francesca soprou com pouca elegância.

-Suponho que para ti não foi um toque de alerta.

-Não, absolutamente. A avó levou a mau, mas depois de poucos meses buscou outra candidata, e depois outra. Durante estes últimos anos, entretanto, tornou-se silenciosa a respeito. Salvo por algum suspiro e um olhar significativo, sobre tudo quando lê a notícia do nascimento de algum herdeiro ou outro.

-Com certeza me culpa de tudo. - disse Francesca, com um suspiro de martírio.

-Não, não. Sente prazer muito em me jogar toda a culpa. De fato, ultimamente me recordou quão tolo fui deixá-la escapar.

-Sinclair, sinto muitíssimo.

-Não, não se preocupe - disse ele, acariciando-lhe a mão - Eu também cometi enganos. Deixei que meu maldito orgulho me dominasse. Deveria ter... - encolheu os ombros e prosseguiu - Já não importa. Mas não quero que se sinta responsável. Os dois éramos muito jovens, e isso ocorreu faz muito tempo. Devemos esquecê-lo.

Sua mão irradiava calor sobre a dela, e Francesca sentiu uma grande necessidade de apoiar a cabeça em seu braço. Imaginou como seria se lhe passasse o braço pelos ombros, se a atraísse para seu corpo, e ela pousasse a cabeça sobre seu peito e ouvisse cada um dos batimentos de seu coração. Os olhos de Rochford brilharam e, de repente, Francesca temeu que ele tivesse suposto quais eram seus pensamentos.

Virou-se rapidamente e afastou a mão. Seguiu caminhando, e Rochford a seguiu. Depois de um instante, perguntou-lhe:

-Você gostaria de conhecer o jardim de minha mãe?

-Achava que este era seu jardim.

-Sim, mas não seu jardim privado. É um jardim secreto.

Francesca olhou com curiosidade para diante, intrigada. Rochford sorriu e a pegou pela mão.

-Vamos. Mostrarei-lhe.

Conduziu-a para a parte traseira do jardim, onde havia uma fila de faias junto a um velho muro de tijolo. Ao final daquele passeio, o muro continuava em volta deste durante um tempo, antes de unir-se ao muro lateral do imóvel. Ambos os muros estavam cobertos de hera, verde e brilhante. Uma brisa suave movia as folhas e criava um suave sussurro.

Entre o muro e a última faia havia uma porta estreita, baixa, de madeira, com uma argola de metal. Rochford puxou a argola e a porta se abriu com um chiado. Ele se fez a um lado e cedeu passagem a Francesca. Depois a seguiu e fechou a porta atrás deles.

-Oh! - gritou ela de felicidade.

No centro daquele pequeno jardim havia um lago coberto de nenúfares. Em um dos cantos havia uma fonte que vertia a água da boca a um reservatório de água, o qual se derramava sobre umas pedras colocadas artisticamente. O som calmante estava presente por todo o jardim, unido de vez em quando ao ruído das folhas das árvores e da hera. Em outro dos cantos havia um salgueiro, e um banco de ferro forjado junto ao lago.

Por toda parte havia flores de cores. Em alguns lugares cresciam junto aos muros, e flanqueando caminhos cuidadosamente delineados. Em outras zonas estavam derramadas como se tivessem caído as pedras preciosas de um joalheiro. Claramente, aquele jardim estava muito bem cuidado. Não havia nenhuma só má erva; entretanto, não parecia que houvesse limitações para as flores, que se estendiam, floresciam e se mesclavam umas com as outras.

-É lindo. - sussurrou Francesca, girando para poder ver tudo - E tão maravilhosamente...

-Excessivo? - perguntou Rochford.

-Não, absolutamente. Suntuoso, diria eu. Eu adoro.

-A minha mãe também adorava. - disse ele, e a seguiu enquanto ela se movia entre as flores, detendo-se para admirar uma planta ou outra. - Meu pai fez que levantassem o muro nesta parte do jardim, e o encheu de plantas só para ela. Foi seu presente em seu segundo aniversário. Ela sentia falta dos jardins do Marcastle quando vinham a Londres para a temporada, assim plantou suas plantas preferidas aqui. Ela podia vir a este jardim e encerrar-se sempre que quisesse.

-Encerrar-se? Não vi a chave da porta.

-Fecha-se só por dentro. Aqui não podiam entrar as crianças, nem a sogra, nem os criados a menos que ela quisesse. Gostava de pintar, ou ler, ou simplesmente sentar-se e não ser a duquesa.

-E você o manteve tal e como era. - disse Francesca.

-Sim. Há muitos anos está assim. Ela não voltou para Londres mais que algumas vezes depois que meu pai morreu. Mas eu não podia mudá-lo.

-Claro que não. É lindo. Vem freqüentemente?

-Algumas vezes. Mas é o jardim da duquesa.

Ela ergueu a vista e o encontrou olhando-a fixamente. Uma suave rajada de brisa lhe soltou um cacho do cabelo; ele o afastou com delicadeza da face.

Seria aquele jardim para a Mary Calderwood, então? Ao pensá-lo, a Francesca lhe encolheu o coração. Queria que aquele lugar fosse dele, mas soube que o que queria em realidade era que aquele homem fosse seu. Sofreu por tudo o que tinha perdido. Por ele, por uma vida que não conheceria. Pelos filhos, as esperanças e a risada.

Entretanto, sabia que todos seus desejos eram inúteis Tinha passado o momento em que pôde ter todas aquelas coisas, quando pôde ter tido o amor. Por muito que o desejasse, já não podia recuperá-lo.

Como podia ser tão egoísta? Como podia regatear ao Rochford a oportunidade de ser feliz? Se lady Mary era a mulher que ele queria como sua duquesa, ela devia fazer todo o possível para ajudá-lo a que o conseguisse.

Virou-se e disse, em voz baixa:

-Está se fazendo tarde. Deveria voltar para casa.

-Francesca... - disse ele, e tomou-a pelo pulso - Espere.

-Não - disse ela. Olhou-o com os olhos muito abertos, escuros pelo caos de emoções que sentia - Não. Devemos ir.

Puxou suavemente o braço e saiu apressadamente do jardim.

 

Francesca fez todo o possível por não pensar no que tinha ocorrido entre o Rochford e ela no jardim. Não podia haver nada entre eles. O amor que ela tinha sentido pelo Sinclair tinha morrido fazia muito tempo, e não estava certa de que ele a tivesse amado de verdade alguma vez. A única coisa que sentiam no presente era desejo, alimentado, sem dúvida, pelo fato de saber que seu romance tinha tido um final brusco e amargo.

O que menos necessitava algum dos dois naquele momento era uma aventura. Rochford estava preparado para casar-se e ela devia estar concentrando-se em fazer todo o possível para evitar perder sua casa à mãos do Perkins.

Passou toda a manhã fazendo as contas das coisas que Maisie e Fenton tinham conseguido vender. Fenton se tinha liberado de muitos objetos, embora tivesse obstinado teimosamente ao faqueiro de prata e às bandejas grandes de servir, além de conservar as taças de cristal e a porcelana. Ela não havia dito nada a respeito. Também tinham vendido as pérolas, o que lhe tinha causado uma pontada de dor, todos os candelabros da casa, salvo os que se usavam no gabinete e no salão formal. Entretanto, a quantidade de dinheiro que tinham conseguido era muito pequena; possivelmente fosse suficiente para contratar a um advogado. A idéia de ter que ir aos tribunais encolheu-lhe o estômago.

À tarde, esteve fazendo planos para a festa do Rochford, uma ocupação que a animou o bastante. Era maravilhoso ter um salão tão grande e um orçamento folgado com o que trabalhar, e Francesca deixou voar a imaginação.

Entretanto, não esquecia o comentário do Sinclair; ele havia dito que possivelmente anunciassem um compromisso naquele baile. Aquilo acabou com toda sua felicidade.

A festa dos Haversley seria celebrada na noite seguinte. Francesca não tinha pensado em ir, mas sabia que os Calderwood estariam ali, pois lady Calderwood e a senhora Haversley eram primas e amigas. Se lady Mary ia à festa, o mais seguro era que Rochford também fosse.

Francesca queria, vê-los juntos para saber até onde chegava o interesse do Rochford por lady Mary. Além disso, pediria a Harriet e a seu pai que a acompanhassem para favorecer à moça. Sentou-se e escreveu uma nota a sir Alan para dizer-lhe.

Tinha razão em sua hipótese de que os Calderwood estariam na festa. Francesca sentiu um absurdo alívio ao comprovar que Rochford não tinha ido; entretanto, ele chegou uns minutos depois. Bom, ao menos não tinha ido com eles, pensou Francesca.

Deu um jeito para manter a vista afastada de Rochford e lady Mary durante quase toda a noite. Viu-os juntos em uma ocasião, falando animadamente, e depois, lhe levou um pouco de ponche. Claro que Francesca também o viu falando com lady do Morgan, e mais tarde, com Damaris Burke e seu pai. De fato, falou mais tempo com Damaris que com qualquer outra, mas Francesca não pôde julgar o alcance de seu interesse pela moça, posto que a maior parte de a conversa transcorreu entre os dois homens.

-Espiando ao duque?

Francesca se voltou com um sobressalto e viu seu amigo Lucien.

-O que? Não, claro que não. Não seja tolo.

Sir Lucien a olhou com astúcia.

-Mmm, mmm. Então, certamente não lhe interessa saber o que se diz pelos clubes.

-O que se diz? O que se diz? Diz-se algo sobre o Rochford?

-Exato.

-Às pessoas gostam muito de falar. - respondeu Francesca despreocupadamente, como se não tivesse nenhum interesse no assunto. Entretanto, como Lucien não continuou, ela teve que insistir, finalmente - O que se diz?

Lucien sorriu.

-Oh, dizem que parece que o duque está procurando noiva.

-Seriamente? Ele disse algo?

-Duvido-o. É muito reservado. Entretanto, todo mundo percebeu que sai muito mais que durante outra temporada. Vai a festas e a peças de teatro. Faz visitas sociais. Dá passeios pelo parque em companhia de damas.

E, nessas festas, conversa com mulheres jovens e com suas famílias.

-Entendo. - disse Francesca - E o relacionam com alguém em particular?

-O nome que ouvi com mais freqüência é o da filha menor de lorde Calderwood.

-Mary.

-Sim. É muito tímida, mas a viram conversando animadamente com o duque. Além disso, ele a visitou e a levou a passear pelo parque em seu faeton. Tudo isso são sinais pouco comuns de interesse.

Francesca encolheu os ombros.

-Suponho que sim. Entretanto, parece-me que não é suficiente para falar de matrimônio. Rochford é um solteiro contumaz.

-Sim. Entretanto, ultimamente dispôs muita atenção às jovens solteiras.

Francesca assentiu distraidamente e se voltou a olhar. Não viu o Rochford, mas sim a Mary Calderwood, que estava sentada contra parede, falando com uma de suas irmãs.

-Não acha que lady Mary é um pouco insípida para o Rochford? - perguntou a Lucien.

Sir Lucien a observou especulativamente.

-Não sei. É muito tímida, mas quando a gente consegue conhecê-la, é muito inteligente.

-Mas não acredito que possa desempenhar as obrigações sociais de uma duquesa. Ruboriza-se e baixa o olhar quando apresentam a alguém.

-Muitos diriam que é uma apropriada modéstia. - sugeriu Lucien.

-Tampouco seu físico é do tipo do Rochford.

-Detecto certa nota de ciúmes? - perguntou sir Lucien.

Francesca se voltou para seu amigo e o achou com um sorriso zombador.

-Tolices. Por que ia estar eu ciumenta?

Ele não respondeu; olhou-a fixamente e comentou:

-Fala-se de outra mulher que pôde captar o interesse do duque.

-Quem? - perguntou Francesca, surpreendida.

-Lady Haughston.

Durante um instante, ela ficou muda. Finalmente, disse com um chiado:

-Eu? Isso é absurdo. Rochford e eu nos conhecemos desde sempre.

-Conhecer-se desde sempre não é um impedimento para o matrimônio.

-Somos amigos, isso é tudo.

-Tampouco ser amigos impede de casar-se. Embora isso não continuasse depois da cerimônia - observou Lucien. Depois acrescentou - Não pode negar que o duque e você se mostraram muito mais amistosos durante estas últimas semanas.

-O que quer dizer?

-Foi passear com ele pelo parque, como lady Mary.

-Uma só vez.

-Como Rochford e lady Mary. - repetiu ele - Pediu-lhe uma dança várias vezes.

-Não é nada estranho que Rochford me peça uma dança.

-Três vezes em duas semanas?

-Esteve contando? - Francesca olhou a sir Lucien com assombro. - Isso foi porque o duque esteve em muitos bailes.

-E a visitou várias vezes.

-Somos amigos, e você sabe disso.

-Com que freqüência lhe fez o duque visitas sociais estes anos passados?

-Não o recordo. Mas veio para ver-me. Por exemplo, em janeiro veio me visitar uma ou duas vezes.

-Refere-se ao tempo em que sua irmã estava vivendo com você.

-Seriamente, Lucien, como vou recordar todos os detalhes? - Francesca lhe lançou um olhar de exasperação - Espero que não esteja alimentando esses rumores tão absurdos.

-Claro que não. Eu nunca fofocaria sobre você. - disse sir Lucien - Entretanto, não posso evitar me dar conta de certas coisas. E acredito que uma amiga deveria informar a um amigo se...

-Por favor, não se zangue, Lucien. Não lhe contei nada porque não há nada que contar. Rochford não está interessado em mim, e eu não estou ciumenta.

Ele a olhou de novo e finalmente se rendeu.

-Muito bem. Limitarei-me a seguir pondo uma expressão misteriosa e a não dizer nada quando me perguntarem.

-Lucien! Deve tirar da cabeça das pessoas essa idéia!

-Está louca? Ninguém janta de graça com negativas.

Francesca riu. Lucien começou a lhe falar sobre a última fofoca sobre a condessa do Oxmoor, de quem se dizia que mantinha uma relação com o pintor a quem tinha contratado seu marido para que a retratasse. Francesca o escutou pela metade, porque de novo estava inspecionando a sala.

Viu a Mary Calderwood sentada de novo contra a parede. Aquela era uma oportunidade perfeita para falar com a jovem, pensou.

-Me desculpe. - disse ao Lucien, aproveitando que seu amigo tinha feito uma pausa - Tenho que falar com uma pessoa.

Dirigiu-se para a jovem e a saudou.

-Lady Mary. - disse, com um sorriso - Me alegro muito de vê-la outra vez.

A garota se sobressaltou e lhe fez uma rápida reverência.

-Lady Haughston. Olá. Né... eu também me alegro muito de vê-la.

As faces da moça se tingiram de vermelho, e ela olhou os sapatos.

Francesca fingiu que não se dava conta da estupidez da Mary. Como era possível que conseguisse conversar tão facilmente com Rochford, que normalmente intimidava gente muito mais valente que ela? Francesca se sentou na cadeira que havia junto à de Mary. Mary ficou um pouco alarmada, mas se sentou também.

-Me alegro que pudesse vir a minha pequena festa da semana passada - disse Francesca.

Mary se ruborizou.

-Oh, sim. Peço-lhe perdão. Deveria ter dito... quer dizer, eu, né... lhe agradeço muito que me convidasse. Que nos convidassem, quero dizer.

-Espero que tenha passado uma noite agradável. - continuou Francesca, ignorando a gagueira e o rubor da Mary.

-Sim, foi uma festa linda - disse Mary com um sorriso, e depois afastou a vista.

-Espero que seus pais estejam bem. - disse Francesca, seguindo com os detalhes costumeiros.

Mary não era de muita ajuda. Respondia com frases curtas e não fazia nenhum esforço por mencionar outros assuntos. Francesca se sentiu como se estivesse sendo cruel por obrigar à moça a continuar falando, porque, claramente, estava muito desconfortável. Assim, deixou as cortesias sociais e abordou o assunto que a tinha levado até ali, com a esperança de que Mary não notasse a estupidez da transição.

-Parece que desfrutou muito de sua conversa com o duque do Rochford em minha festa - disse.

A atitude da Mary mudou imediatamente. Elevou a cabeça. Tinha o rosto iluminado e os olhos brilhantes atrás das lentes de seus óculos redondos.

-Sim. – respondeu - É um homem maravilhoso, não é?

-Muito admirável. - disse Francesca, reprimindo um suspiro.

Claramente, a moça estava louca pelo Rochford. Não era estranho, é claro. Qualquer garota estaria, inclusive os ratos de biblioteca. Sinclair era bonito, inteligente e forte, tudo o que uma mulher podia desejar em um homem.

Mary assentiu com entusiasmo.

-É tão bom. Normalmente, bom, estou certa de que o notou, eu não falo facilmente com ninguém, mas o duque é tão agradável e atento, De fato, apenas me dava conta de que estava conversando até que me ouvi tagarelar.

Francesca assentiu.

-Deve pensar que sou muito idiota - continuou lady Mary - Você é amiga do duque a muito tempo.

-Sim, é certo. É um homem magnífico.

O sorriso da Mary era esplêndido.

-Sei. Tenho tanta sorte...

Francesca teve que fazer um enorme esforço por manter o sorriso. A moça já se considerava afortunada? Tão certa estava de que tinha conseguido ao duque? Em outra mulher, Francesca se teria tomado aquela afirmação como uma amostra de arrogância, mas Mary Calderwood não era arrogante. Não, o que ocorria era que não tinha a experiência necessária para saber que não devia falar com tanta certeza até que o duque lhe tivesse pedido a mão de verdade.

Mas possivelmente ele já o tinha feito e não o tinha contado a Francesca. Aquela idéia lhe atravessou o peito como uma adaga.

De repente, não podia suportar estar ali sentada, ouvindo como a felicidade tingia a voz da jovem, vendo o brilho de seus olhos. Sorriu, disse algumas frases amáveis de rigor e se levantou.

Francesca se afastou do resto da gente e se refugiou em um corredor. Ali, em um canto afastado, sentou-se e tomou ar profundamente.

Teria razão Lucien e ela estava ciumenta? Queria voltar a rir e dizer que era absurdo, mas não podia negar que sentia uma dor no coração quando pensava no Rochford e lady Mary juntos. Ardia de ressentimento ao pensar que ele estava apaixonado. Sabia que aqueles sentimentos eram maus, queria terminar com eles. Lutaria contra aquele desagradável sentimento. Não podia permitir-se desejar que um homem fosse infeliz só porque ela não podia tê-lo. Se Mary Calderwood fosse a mulher que ia dar a felicidade ao Rochford, ela devia alegrar-se.

O único problema era averiguar como podia consegui-lo.

 

O prazo que lhe tinha dado o senhor Perkins terminava, mas Francesca se negava a pensar nisso. Além de um milagre, não havia forma de que conseguisse aquele dinheiro para ele, assim não tinha mais opções que negar-se a sair da casa ou fazê-lo docilmente. E, embora também por dentro ao pensá-lo, estava muito segura do que ia fazer quando chegasse o momento. Os Fitzalan podiam ter sido muitas coisas, mas sua família também tinha sido sempre lutadora.

Ocupou a mente com os planos para a festa do duque. Percebeu que precisava falar da organização com o Cranston, o eficiente mordomo do duque, assim decidiu que iria ao Lilles House para vê-lo. Levaria Maisie consigo para que a visita fosse decorosa. Tudo seria mais simples se mostrava ao Cranston o que queria no mesmo salão de baile onde ia celebrar se a festa.

Havia a possibilidade de encontrar-se com o duque, mas depois da festa em casa da senhora Haversley estava certa de que tinha conseguido exorcizar ao demônio do ciúme. Só tinha sido uma emoção momentânea, depois de tudo, e a razão a superaria. Além disso, era provável que Rochford não estivesse em casa.

Efetivamente, o duque tinha saído, assim Francesca repetiu a si mesma que tudo ia sair bem. Cranston ficou bastante surpreso ao vê-la, embora dissimulasse com perfeição. Só seus olhos azuis revelaram certa curiosidade ao ver Francesca, acompanhada por sua criada, na porta da casa. Quando lhe explicou que tinha ido consultá-lo para os detalhes da organização do baile do duque, sua expressão cuidadosamente amável se desvaneceu, e o homem sorriu com vontade. Era a primeira vez que Francesca lhe via fazê-lo.

-É claro, milady. Estarei encantado de ajudá-la. Tenho os planos do salão de baile.

-Excelente. - disse Francesca, com os olhos brilhantes - Acredita que poderíamos nos sentar em alguma mesa?

-Naturalmente. Se a senhora não se importa, há uma mesa no salão de serviço, onde levo a cabo a maioria do planejamento. Ou, se lhe parecer, a biblioteca seria mais adequada.

-A mesa do salão me parece perfeita.

Assim, enquanto Maisie ia à cozinha para tomar um chá e conversar com governanta de Lilles House, Francesca se sentou ante a mesa, com um dos planos do enorme salão de baile que tinha desenhado Cranston, estendido diante de si.

O salão de serviço era um lugar acolhedor, separado da cozinha por um curto corredor. Cranston, solicitamente, serviu-lhe chá e bolachas, e depois ficou de pé atrás dela, um pouco afastado.

-Por favor, sente-se, Cranston - lhe disse ela, indicando a cadeira que estava ao seu lado.

-Muito amável, milady, mas...

Ela sabia que o mordomo observava inflexivelmente as formas, mas também sabia que o homem velho tinha desenvolvido certa rigidez nos joelhos com o passar dos anos. Francesca tinha prática em tratar com criados velhos.

-Por favor, sente-se. – insistiu - Será muito mais fácil falar. Não terei que torcer a cabeça para vê-lo.

-É claro, milady, se o desejar.

O mordomo se sentou junto a ela, embora permanecesse na beira da cadeira, como se estivesse preparado para ficar em pé de um salto ao momento, e se manteve ligeiramente mais atrás que ela.

-Aqui está a lista preliminar de convidados. - lhe disse, e pôs uma folha sobre a mesa - Pensei que quereria vê-la para comprovar se omiti a alguém que deveria estar nela, ou se, pelo contrário, há alguém que não deveria estar.

-Estou certo de que suas opiniões são perfeitamente corretas. - lhe assegurou Cranston, embora deixou a lista à parte para revisá-la mais tarde.

Francesca tomou um lápis e começou a lhe descrever suas idéias para a decoração, marcando-o tudo no plano do salão de baile. Cranston assentiu com satisfação, tomando algumas notas de vez em quando.

Depois continuaram falando do bufet, e para isso avisaram à cozinheira. A cozinheira dos Lilles era tão possessiva de seu território como a maioria das cozinheiras que conhecia Francesca, e chegou ao aposento com uma expressão ligeiramente cautelosa no rosto. Entretanto, Francesca não demorou muito em ganhá-la e logo, a senhora estava assentindo ante todas as sugestões que fazia Francesca.

-Muito bem - disse uma refinada voz masculina da porta - Está me tirando o serviço, lady Haughston? Devo me zangar?

Os três ocupantes da sala se viraram para a entrada, onde estava o duque, apoiado contra o batente com um sorriso nos lábios.

-Eu adoraria, asseguro-lhes, mas então teria que enfrentar à ira de meu próprio serviço - respondeu Francesca com outro sorriso.

-Então, suponho que estão preparando a festa. - continuou Rochford.

-Sim. Gostaria de saber onde poderiam colocar os adornos?

-Deve mostrar-me. Depois poderíamos tomar o chá, se quiser - sugeriu ele.

-Seria muito agradável. - respondeu Francesca.

-Excelente. Cranston, o chá no gabinete de manhã, acho. Em vinte minutos?

Cranston assentiu, e a cozinheira e ele desapareceram pela porta da cozinha. Rochford se voltou para Francesca e lhe ofereceu o braço. Caminharam pelo longo corredor até o vestíbulo e depois passaram ao salão de baile.

-Pareceu-me que devia mostrar ao Cranston como deve situar a decoração. - disse Francesca - Mas ele tinha uns planos da estadia, contudo incluído, assim pude marcar-lhe sobre o papel.

-É um prodígio de organização. Não duvido que tenha planos de toda a casa, com cada peça de mobiliário, perfeitamente, colocado. Não há nada que escape a sua atenção. E com certeza se sentiu eufórico em ter alguém que se interesse pela decoração e menus. Receio que pensa que não tenho os recursos necessários para me ocupar dessas coisas. Provavelmente, sente falta da Callie.

Francesca sorriu e lhe apertou com suavidade o braço.

-Como você, imagino.

Ele a olhou e sorriu ligeiramente.

-Tem razão, claro. Achei que me tinha acostumado a sua ausência quando estava vivendo com você, mas descobri que se sente algo muito diferente ao saber que não vai voltar depois de um ou dois meses. Alegro-me muito por ela, porque sei que é feliz com o Bromwell, mas desejaria que a propriedade de seu marido não estivesse tão longe, no Yorkshire.

-Ao menos, Marcastle está muito mais perto. - lhe disse Francesca.

-Sim. Sem dúvida, veremo-nos muito mais quando eu voltar para casa.

Francesca sentiu uma pontada de solidão ao pensar que então se sentiria muito sozinha. Entretanto, deu-se conta de que estava sendo absurda. Ela nunca estava sozinha em Londres, nem sequer quando terminava a temporada. Além disso, tendo em conta a ameaça que se abatia sobre ela por parte do Perkins, era provável que então já não estivesse em Londres, mas enclausurada em Redfields.

Mudou o assunto da conversa quando entraram no salão de baile.

-Pensei que poderíamos celebrar uma festa do Solstício de Verão, o que te parece? Poderíamos escolher um dia próximo a essa data, e fazer que o salão e o jardim pareçam o país das fadas. Cranston me disse que pode fazer-se a tempo. Podemos pôr muitas plantas e, entre elas, flores brancas de todos os tipos.

Seguiu lhe descrevendo alegremente as maravilhas que podiam fazer-se com rede e tule salpicado de lentejoulas prateadas, presas como grinaldas ao teto para que refletissem a luz. Depois de uns minutos, Francesca se deteve e o olhou com uma sobrancelha arqueada.

-Estou aborrecendo-o mortalmente, não? - perguntou-lhe com um suspiro.

-Absolutamente. Não poderia me sentir mais transportado - lhe assegurou ele com um sorriso.

-Mentiroso.

Rochford riu.

-Estou certo de que será lindo. Tudo será deslumbrante. Os convidados dançarão toda a noite e voltarão para casa declarando que ninguém dá as festas como lady Haughston.

-Mas será sua festa, não a minha. - assinalou Francesca.

-Acredito que todos saberão que eu não sou o gênio que o ideou tudo. Semelhante elegância e fantasia só podem ser tuas. Vai vir como Titania, vestida de branco e prata?

Os olhos de Francesca brilharam.

-É uma boa idéia. Possivelmente devêssemos fazer um baile de fantasia.

Ele soltou um grunhido.

-Não, por favor, isso não. O baile de fantasia da tia Odelia foi mais que suficiente para um ano.

-Mas se nem sequer se disfarçou! - protestou ela - Não pôde ser tão horrível.

-Não, mas me amolaram até a morte para que o fizesse, o que é inclusive pior.

Francesca meneou a cabeça, sorridente. Tinham estado passeando pelo salão enquanto falavam, mas naquele momento ele se deteve e se voltou para ela. Francesca o olhou confusa, sem saber o que ia fazer.

-Deve me conceder a primeira dança - disse Rochford.

Sob seu olhar, ela se sentiu muito tímida de repente. Fez um gesto negativo.

-Eu devo fiscalizar tudo, me assegurar de que saia bem. Não terei tempo para dançar.

-Tolices. Isso o fará Cranston. Você abrirá o baile comigo.

Ela o olhou fixamente. Nos olhos escuros do Rodford havia algo que lhe cortou a respiração.

-Mas com certeza uma das damas jovens, lady Mary, por exemplo, deveria ter essa honra.

-Não. - replicou ele - Só você.

Ele a surpreendeu tomando a pela mão e levando-a ao centro do salão enquanto cantarolava uma valsa. Francesca riu e se abandonou ao ritmo da dança, e ambos viraram pelo salão. Era de dia, e não havia nenhuma decoração na formosa sala, mas para ela foi um momento mágico.

Francesca sentiu os músculos fortes do duque sob a mão, e seus dedos fortes e longos na cintura, guiando-a com sutileza. Finalmente, Rochford se deteve e, durante um longo instante, seus olhares ficaram apanhados. Embora não tinham dançado muito, ele tinha a respiração entrecortada; seu peito subia e baixava visivelmente. Os olhos lhe brilhavam com uma luz escura. Francesca notou um súbito calor em suas mãos, e viu que sua boca se suavizava. Ele se inclinou.

Ela sabia que ia beijá-la, sabia que devia retirar-se. Entretanto, fechou os olhos.

 

Então, notou os lábios do duque nos seus. Ele não moveu as mãos da posição que tinham enquanto estavam dançando. Não a atraiu para si nem a tocou em nenhuma outra parte. Só seus lábios falavam por ele enquanto a beijava com doçura, com desejo, seduzindo-a e tentando-a.

Francesca tremeu. Queria ficar nas pontas dos pés e lhe rodear o pescoço com os braços. Ansiava abraçar-se a ele e beijá-lo, apertar o corpo contra o seu. Queria esquecer-se de tudo, da precaução, do bom senso, e permitir-se esquecer que ele estava a ponto de pedir a mão a outra mulher. Esquecer seu passado, e não pensar aonde podia lhes levar aquele beijo.

Entretanto, embora não tivesse se afastado dele, tampouco podia adiantar-se para ele. Limitou-se a viver aquele momento frágil e doce, bebendo o prazer de seus lábios.

Ao fim, ele rompeu o contato e ergueu a cabeça. Nenhum dos dois disse uma palavra.

Houve um som de passos no corredor que conduzia ao salão de baile, e Rochford se afastou. Apareceu um lacaio e anunciou que o chá estava servido. Rochford ofereceu o braço a Francesca, com uma aparência fria e reservada, como de costume.

Ela posou a mão em seu braço, com a esperança de parecer igualmente calma, e ambos saíram da sala. Entretanto, em vez de seguir ao criado, Rochford a conduziu para o terraço. Depois entraram na casa por outra porta.

-Este é o gabinete da manhã. - lhe explicou quando passaram ao interior. - É meu aposento favorito, embora na realidade prefiro-o à tarde, como agora.

Francesca entendeu. Era uma sala espaçosa e mobiliada para ser cômoda. Tinha umas janelas muito altas que davam ao terraço e aos jardins, e estava protegida do sol do oeste, assim era fresca e sombreada, mas aberta às preciosas vistas.

-É maravilhosa. - murmurou ela, enquanto se aproximava da mesa onde o mordomo tinha depositado a bandeja do lanche.

Enquanto tomavam uma taça de chá e comiam sanduíches e bolachas, falaram do baile, e também da carta que Francesca tinha recebido de casa aquela manhã. Dominic estava muito satisfeito com os lucros dos cultivos da propriedade naquela primavera, e Constance também estava muito contente, embora cada vez maior, em seu sétimo mês de gravidez.

-Vai a Dancy Park para estar com ela? - perguntou-lhe Rochford.

Francesca assentiu.

-Ficarei ali um mês ou seis semanas, e depois partirei. Ela não tem família, sabe? Além de nós. Bom, salvo essa tia tão irritante e seu tio, e não acredito que queira que essa mulher a acompanhe em um momento assim. Tampouco minha mãe é alguém a quem eu escolheria como companhia. Não é que eu tenha muita experiência com os bebês, mas a babá ajudará nisso. E, ao menos, posso entreter a Constance.

-Estou certo de que será um grande apoio para ela. Possivelmente a veja ali. Tenho intenção de ir a Dancy Park outra vez antes do outono.

Francesca o olhou com surpresa.

-Eu achava que ficaria aqui depois de...

Ele arqueou as sobrancelhas.

-Depois do que?

-Nada. Não é meu assunto, em realidade. Eu só pensava que... bom, que estaria fazendo planos de bodas.

Ele a olhou fixamente durante um instante.

-Seriamente?

-Sim. Depois de tudo, parece que vai nessa direção. Disse-me que anunciaria seu compromisso durante o baile, e demonstrou um claro interesse em lady Mary. Tenho que lhe dizer que me parece uma excelente escolha. Durante a festa do Haversley me expressou seu afeto por você.

-Seriamente? - repetiu o duque, arqueando de novo as sobrancelhas - Que interessante.

-Oh, sim.

Francesca voltou a sentir um nó de ciúmes no estômago, mas estava decidida a não ceder a aquele sentimento. Não importava o que tinha ocorrido um pouco antes no salão de baile. Não importava como se sentisse ela.

Ia continuar falando, mas naquele momento se ouviram vozes muito altas no vestíbulo, coisa incomum na aristocrática casa dos Lilles. Tanto Francesca como Rochford cessaram sua conversa e se voltaram para a porta.

-Tenho que vê-lo! - exclamou um homem, agitadamente - Não me importa o que esteja fazendo!

Aquelas palavras foram seguidas pela voz calma e grave do mordomo, mas estava claro que seus esforços para raciocinar não serviam de nada.

Rochford se levantou e caminhou para a porta.

-Cranston? O que acontece?

-Tenho que falar com você!

Embora Francesca não visse o jovem que havia no corredor, ouvia-o perfeitamente.

-Sou Christopher Browning. Parece-me que sabem por que estou aqui.

Rochford fez má cara.

-Supunha-se que devia vir amanhã pela manhã - disse. Entretanto, suspirou e fez um gesto ao visitante para que entrasse - Muito bem. Não se preocupe, Cranston. Receberei-o.

Depois, voltou-se para Francesca.

-Sinto muito. Só será um momento.

Christopher Browning irrompeu no gabinete. Francesca viu, com assombro, que levava colarinho e um traje negro. Era um sacerdote anglicano. Tinha o cabelo liso e loiro, mas despenteado, como se estivesse passando as mãos pela cabeça de preocupação, e estava pálido e tenso, como se sentisse ao mesmo tempo assustado e furioso. Enfrentou ao duque, que era muito mais alto que ele, com uma atitude desafiante.

-Não lhe permitirei isso! - anunciou ao Rochford.

-Seriamente? - perguntou-lhe Rochford com curiosidade - E o que é exatamente o que não me permite?

-Não lhe permitirei que me arrebate isso! Possivelmente a tenha acenado com seus ares de grandeza, com sua casa e sua riqueza. Entretanto, eu sei que essas coisas não a farão feliz. Ela é uma moça tranqüila, estudiosa. O que gosta é de ler um bom livro junto ao fogo, ou dar um passeio pelo campo. Não será feliz como duquesa.

-Nisso acredito eu. - respondeu Rochford em voz baixa, e as comissuras dos lábios lhe tremeram de uma forma que deu a entender a Francesca que estava reprimindo um sorriso de diversão. - Entendo que está falando de lady Mary Calderwood?

-É claro! De que outra pessoa iria falar? Acaso têm a mais pobres jovens incautas pendendo de um fio?

O interesse de Francesca se multiplicou ao ouvir falar de lady Mary, e observou ao jovem com mais atenção.

-Não sabia que lady Mary estivesse pendendo de um fio. Poderia ser amável e me explicar do que está falando? - pediu Rochford ao visitante.

-Estou falando de sua perseguição. Não acredite que não me inteirei. Os rumores atravessaram inclusive os sagrados muros da igreja.

-Sim, sem dúvida. E esses rumores que lhes chegaram na igreja...

-Não zombe de mim! - interrompeu-o Browning, com o rosto congestionado. - Só porque é rico e poderoso, não é melhor homem que eu! Não têm direito a me afastar com uma gargalhada!

-Têm muita razão. - disse Rochford - Eu não estava zombando de você. Entretanto, sinto-me bastante assombrado por sua... né... Ferocidade.

-Sem dúvida, acreditou que tinha caminho livre para a dama. Mas, senhor, eu me interporei em seu caminho.

-Já o vejo - disse Rochford, e pôs um dedo sobre os lábios. Francesca pensou que era para não voltar a rir ante a florida linguagem do jovem.

-Lady Mary me quer! Estamos apaixonados. Prometemo-nos. Sei que não foi ante a igreja e que seu pai o desaprova, mas no fundo sei que ela considera esse voto tão sagrado como eu. Sei que isto é coisa de seu pai. Está obrigando-a a que se case com você.

Então, Rochford já tinha pedido em casamento a lady Mary! Francesca se sentiu como se uma mão invisível lhe estivesse espremendo o coração.

-Meu prezado senhor Browning, - disse Rochford - por muito revelador que seja tudo isto, receio que devo adiar a conversa. Como vê, estava tomando o chá.

-Sim, já vejo! Confraternizando com sua amiguinha enquanto minha doce Mary...!

Francesca abriu uns olhos como pratos ao ouvir a descrição que tinha feito o jovem dela. Ia protestar, mas Rochford tinha dado um passo para diante e olhava Browning com tanta dureza que o deixou sem fala.

-Vou passar por cima sua falta de educação porque é evidente que está alterado por seu afeto por lady Mary. Entretanto, não vai caluniar a esta dama, nem em minha presença nem em nenhum outro lugar. Está claro?

-Sim... sim. - disse Browning, e deu um passo atrás. Olhou a Francesca e murmurou – Desculpe-me, milady.

Francesca inclinou a cabeça majestosamente. Estava muito interessada na conversa para falar daquele detalhe secundário.

-E agora, quanto a seu problema comigo, - continuou Rochford - é consciente de que lhe citei amanhã pela manhã?

-Sim, sei. Suponho que têm intenção de me informar de seu compromisso com lady Mary. Entretanto, por que classe de homem me toma, para pensar que vou ficar de braços cruzados enquanto me arrebata ela?

-Parece que o tomei por um homem de melhor senso do que têm. - replicou Rochford - Não falou com lady Mary? Não lhe disse ela por que queria conversar com você?

-Não. - respondeu Browning tenso - Ainda não a vi. Enviou-me uma nota para que nos víssemos no parque esta tarde, mas eu não fui. Tinha que enfrentar primeiro a você. Não posso deixar que me diga que vai casar se com você sem lutar por ela.

O jovem ergueu os ombros e olhou ao Rochford nos olhos.

-Bem, se tivesse ido vê-la, - disse o duque - ela lhe teria dito que tenho um posto disponível, e que estava pensando em lhe oferecer isso. É a paróquia de São Swithin, no vilarejo de Overgy, perto de minha casa de campo do Dancy Park.

A princípio, o clérigo ficou assombrado. Depois se entusiasmou. E depois, como se tivesse recordado seu propósito, ficou sério de novo, mais rígido se fosse possível.

-É claro, é um trabalho que qualquer um desejaria, mas eu não posso aceitar um suborno para olhar a outra parte enquanto você se casa com a mulher que amo.

-Deus Santo! - exclamou Rochford - Se tiver que sofrer durante muito mais tempo semelhante tolice, garanto-lhe que não vou fazer a oferta. Não estou tentando suborná-lo, obtuso! Não tenho interesse em me casar com lady Mary Calderwood!

O senhor Browning ficou boquiaberto. E Francesca também.

-Mas todo mundo diz que dançou com ela - falou o jovem.

-Passei muito tempo com ela ultimamente, escutando-a enquanto elogiava-o. - respondeu Rochford - Pela opinião que lady Mary tem de você, entendo que faz demonstração de mais bom senso quando está em sua companhia.

Browning se ruborizou ao ouvir aquelas palavras, e Francesca teve que apertar os lábios para não soltar uma gargalhada de alegria. De repente, estava eufórica.

-Lady Mary me contou toda a história de suas esperanças frustradas. - continuou o duque - E me falou da oposição de seu pai, bastante compreensível, que se casasse com um homem que não pode mantê-la. O posto da paróquia lhe proporcionará a capacidade de manter uma família, mas como, certamente, animará ao pai da jovem a conceder a mão de sua filha. Ela me pediu ajuda, e eu acessei falar com você sobre esse posto na paróquia de São Swithin, que ficou vago recentemente.

O senhor Browning ficou imóvel, olhando ao duque. Lentamente, estava compreendendo que tinha ante si uma boa oportunidade, e também que podia ter posto tudo a perder com suas ações.

-Oh - disse por fim, fracamente. Ao final ergueu os ombros e disse com a voz apagada - Rogo que me perdoe, senhor. Não... não o incomodarei mais. - disse. Fez uma reverência para Rochford, e depois outra para Francesca - Milady...

Voltou-se para partir, e Rochford lhe disse:

-Amanhã pela manhã, às dez em ponto.

Browning se voltou.

-Então... ainda vai entrevistar-me?

-Sim. O amor converte a todos em uns idiotas. Eu gostaria de falar com você em melhores circunstâncias.

-Obrigado, Excelência. Sinto-me tão... Muito obrigado.

Sem dizer nada mais, voltou a inclinar-se e partiu.

-Bem. - disse Francesca alegremente - Parece que agora está buscando marido a suas possíveis esposas.

Rochford se virou para ela e sorriu.

-Não o encontrei eu. Falaram-me dele.

-Mas vai lhes dar a oportunidade de poderem casar-se.

Ele encolheu os ombros e se sentou frente a ela.

-Não tenho vontade de cortejar a uma mulher que está apaixonada por outro homem.

-Estava interessado em cortejá-la?

-Tentei-o.

-Então, todas essas coisas... os passeios pelo parque, as visitas a Mary Calderwood… eram…

-Conversas sobre seu desejo de casar-se com o senhor Browning e sobre como poderia fazer-se realidade.

Não era de estranhar que Mary Calderwood tivesse posto ao duque nas nuvens a outra noite! Francesca riu.

-Deveria estar zangada com você. Me fez acreditar que estava interessado nela!

-Eu não disse nada do tipo.

Não havia dito? Ela não recordava exatamente suas palavras. Entretanto, não lhe tinha contado a verdade completa sobre a moça. Rochford nunca tinha mencionado nada daquele plano para encontrar emprego ao homem a quem amava.

Certamente, Francesca devia sentir-se aborrecida por aquilo, mas não pôde conseguir que lhe importasse.

-Ainda pensa oferecer ao clérigo o posto de São Swithin? - perguntou-lhe Francesca.

-Provavelmente. - respondeu ele, encolhendo os ombros - Seria uma boa mudança para a gente da paróquia, o fato de ter um vigário que possa falar apaixonadamente das coisas. O último que ocupou o posto mal podia manter os olhos abertos durante seus próprios sermões.

-Não lhe parece que é um pouco impulsivo?

Rochford sorriu.

-Sim o é. Espero que hoje tenha aprendido a lição. Se amanhã me parecer igualmente instável, não o oferecerei, é claro. Mas é jovem e está apaixonado, e a gente comete tolices nessas circunstâncias.

-Sim, é certo. - concordou Francesca. Era algo que ela sabia muito bem.

Terminou seu chá com humor muito melhor, e, francamente, teve a tentação de ficar um pouco mais. Entretanto, ia assistir à ópera aquela noite com sir Alan e sua filha, e devia partir já.

Rochford insistiu em que Francesca e sua criada voltassem para casa em sua carruagem, em vez de fazer caminhando o curto trajeto. Francesca, acomodada nos luxuosos assentos de couro, refletiu sobre o significado de seu descobrimento. Rochford já tinha rechaçado a Althea Robart e ao Caroline Wyatt, e tinha ficado claro que tampouco tinha interesse na Mary Calderwood.

Tinha intenção, verdadeiramente, de procurar esposa? Nesse caso, o que devia pensar ela de seu comentário sobre o anúncio de compromisso durante o baile?

Podia ser o caso de que estivesse interessado em alguma das duas candidatas restantes. Damaris era a mais preparada para ocupar o posto de uma duquesa, e lady do Morgan era a mais atraente de todas. Entretanto, Francesca não tinha percebido no duque nada que lhe desse a entender que estava apaixonado por nenhuma das duas moças. Não tinha mencionado a nenhuma das duas nem sequer uma vez. E, de acordo com os rumores, a única que tinha sido objeto de sua atenção era lady Mary.

Mas, se não falava a sério sobre o matrimônio, então por que lhe tinha pedido que o ajudasse com o baile?

E, tendo em conta aquele baile e seu propósito, por que a tinha beijado?

Presa em seus pensamentos, Francesca subiu a seu quarto assim que chegou a casa. Já era hora de começar a preparar-se para sua saída com os Sherbourne. Banhou-se e tomou um jantar rápido, e depois se sentou cantarolando ante o espelho para que Maisie a penteasse. Maisie era uma artista arrumando o cabelo, e não devia apressá-la. Francesca abriu o joalheiro e, dentre as jóias, tirou os brincos de safiras que lhe tinha presenteado Rochford quinze anos antes e os segurou sobre a palma da mão.

Observou as gemas azuis escuras. Sua profundidade resplandecia rodeada de pequenos brilhantes. Nunca os tinha posto. A princípio não o tinha feito porque seu compromisso era segredo, e depois porque lhe causaria muita dor. Nem sequer durante os anos seguintes, quando já quase toda a dor se desvanecera, tinha tido vontades de estreá-los. Tinha-lhe parecido mal, por algum motivo.

Entretanto, naquele momento pensou que era uma tolice esconder umas jóias tão bonitas. Sobre tudo aquela noite em que ia pôr um vestido verde azulado. Segurou os brincos junto aos lóbulos das orelhas e voltou à cabeça de lado a lado para observar seu efeito quando os brilhantes refletiam a luz.

-Oh, milady! - disse Maisie com admiração - São maravilhosos. E não fazem jogo à perfeição com seu vestido?

-Estava pensando justamente o mesmo. - respondeu Francesca com um sorriso.

-Vai levar também o bracelete?

-Não sei. - respondeu Francesca, e tirou do joalheiro o bracelete de safiras e brilhantes.

Não era pesado, mas era um trabalho delicioso e as jóias eram da melhor qualidade. Exatamente o exemplo de bom gosto e elegância que Rochford escolheria. Pôs no pulso e o admirou.

-Sabe? Acho que vou levá-lo.

Maisie a ajudou a pôr o vestido de tecido suave e vaporoso. Justo quando estava calçando ouviu que alguém batia estrondosamente na porta.

A criada e sua senhora se olharam com surpresa. Era muito cedo para a chegada de sir Alan, e em qualquer caso o cavalheiro não teria chamado daquele modo. Com curiosidade, Francesca foi à porta de seu dormitório e a abriu, enquanto Maisie tirava do armário a capa de noite, o leque e as luvas de Francesca e os depositava sobre a cama.

Uma voz masculina ressoou no andar de baixo, estridente e agressiva. Francesca ficou muito tensa. Não reconheceu a voz, mas sim a atitude. O que estava fazendo ali o senhor Perkins? Tinha prometido que não apareceria até o sábado.

Francesca sabia que Fenton não podia conter a aquele homem, assim desceu as escadas apressadamente para evitar que Perkins fizesse mal a seu mordomo. As vozes se elevaram à medida que ela se aproximava, e quando dobrou a esquina das escadas, viu que Perkins tinha ao Fenton agarrado pelas lapelas da jaqueta, e que o estava sacudindo no vestíbulo.

-Vai receber-me! - estava-lhe gritando.

Fenton estava congestionado de raiva, e Francesca desceu correndo os últimos degraus.

-Estou aqui, Perkins, assim pode deixar de gritar.

Perkins soltou Fenton e se voltou. A tão curta distância, Francesca se deu conta de que tinha os olhos injetados em sangue e de que seu rosto estava mais torcido do que estava a última vez que o tinha visto. Dele emanava um repugnante cheiro de álcool.

-Você - disse Perkins com dificuldade.

-Sim. Eu.

-Milady. - começou a dizer Fenton, tremendo de raiva.

-Não se preocupe, Fenton. Sei que fez todo o possível por impedir que entrasse. Mas acho que é melhor que eu fale com o senhor Perkins. Quer me acompanhar? - disse ao intruso, e lhe indicou o caminho para o gabinete. Depois começou a caminhar, e ele a seguiu.

Quando chegaram ao gabinete, ela se voltou e encarou ele.

-Bem, o que está fazendo aqui? Tenho planos para esta noite. Não o esperava até sábado.

-Possivelmente eu não queira esperar até sábado. - replicou ele - Depois do modo em que me jogaram da festa a semana passada, decidi que não é necessário respeitar as formalidades.

Com um sorriso insolente, deixou-se cair em uma poltrona sem esperar que ela se sentasse primeiro.

Francesca reprimiu seu desagrado e tomou assento no sofá, frente a ele, e disse com calma:

-Eu não tive nada que ver com isso. Entretanto, quando a gente chega a uma festa sem convite, suponho que pode esperar-se um pouco de rudeza.

-Não me esperava nenhuma outra coisa do todo-poderoso duque. - disse ele com desprezo - Sempre se acreditou que é melhor que todos outros. Haughston se estará removendo em sua tumba ao saber que Rochford está rondando a seu redor. - disse Perkins, lhe lançando um olhar turvo - Sem dúvida, o duque pensa convertê-la em sua próxima amante.

Francesca inspirou bruscamente, assombrada por aquelas palavras. Imediatamente sentiu tal ira que ficou em pé de um salto.

-Como se atreve a dizer essa mentira? Rochford nunca faria nada semelhante. É um homem honrado.

-Não é uma questão de honra, mas sim de luxúria.

-Você não pode entender a um homem como Rochford.

Ele arqueou uma sobrancelha.

-Um homem é um homem, por muito elevada que seja sua posição. Não pensa que pode conseguir que se case com você, não é? - perguntou-lhe, com um sorriso desdenhoso.

-É claro que não!

-Melhor. Esse se casará pelo dever, e por nada mais.

-Asseguro-lhe que não tenho intenção de tentar conseguir que se case comigo. E tampouco de continuar falando com você de minha vida pessoal.

-Muito bem, então falemos de negócios. Têm o dinheiro? - perguntou ele. Cruzou os braços e esperou, olhando-a fixamente.

Francesca o olhou também. A ira que sentia se desvaneceu, e só ficou a apreensão que lhe produzia aquele homem. Entretanto, suspeitava que, como com um animal, era melhor não deixar Perkins ver que estava assustada.

-Eu...

Tinha a voz trêmula, e se deteve para começar de novo com mais firmeza. Devia tentar salvar a casa.

-Tenho uma proposta para você.

 

-Seriamente? - perguntou ele com um olhar lascivo - E qual é?

-Posso lhe entregar uma quantidade de dinheiro hoje. Duzentas libras. - disse ela.

Uma vez que tinha começado, Francesca se sentiu mais calma. Tinha pensado com atenção, e tinha chegado à conclusão de que aquela era sua melhor oportunidade.

-Eu lhe darei essa soma além da quantia que, segundo você, devia meu marido. Em troca, você concederá um prazo razoável para reunir a quantidade completa.

-Seriamente? E quanto é um prazo razoável?

-Seis meses.

-Seis meses? Pede-me que espere seis meses para tomar posse de uma casa que é minha por direito? Milady, acho que superestima seus poderes de persuasão. – disse Perkins, e ficou em pé.

-Não pode perder nada. - assegurou Francesca - Se não puder reunir a quantia, ficará com as duzentas libras. E se posso lhe pagar as cinco mil libras em seis meses, conseguirá duzentas mais do que tinha pedido. Acredito que este trato tem vantagens para você.

-Está dizendo que devo deixá-la viver nesta casa, de graça, seis meses mais. - disse Perkins, enquanto se aproximava dela.

Francesca o olhou, negando-se a retroceder.

-Não seria de graça. Parece-me que duzentas libras é um bom aluguel para esse período de tempo. Além disso, assim não teria que tomar o aborrecimento de me levar ante os tribunais. Deve saber que não será tão fácil como me disse, arrebatar-me minha casa ante um juiz.

-E como vai conseguir o dinheiro em seis meses se não o conseguistes agora? O que pensa que pode fazer, vender a casa? Eu posso vendê-la assim que tome posse dela, e conseguir todo o valor da venda, não só o que me devia seu marido. Por que ia deixar que o fizesse?

-Porque o que quer fazer é censurável! Me tirar a casa por uma estúpida aposta que fez meu marido há anos!

-Censurável? - perguntou ele, e de novo sorriu com arrogância - Parece que sempre pensou mal de mim. Alguma vez você gostou que sujasse sua casa, não é? Olhou-me mal desde o primeiro dia em que entrei. Nem sequer era suficientemente bom para seu marido.

Naquele momento, aproximou-se tanto a Francesca que ela cheirava o álcool de sua respiração. Entretanto, Francesca se manteve firme e não se retirou.

-Animava Andrew em suas loucuras. Eu nunca disse que fosse superior a você.

-Não tinha que dizê-lo. Podia-se ver em seu rosto. E no seu também. Ele era um Haughston, era de uma família que chegou com o Conquistador, mas eu só era o filho menor de um latifundiário de aldeia. Pois bem, minha linhagem é tão boa como qualquer uma.

-Eu não tenho objeções contra seu nascimento, mas contra o que escolheu fazer com sua vida.

-Não era pior que seu estimado marido.

-É um comentário desprezível!

-Entretanto, ele foi suficientemente bom para que se casasse com ele, e eu não merecia nem sequer um sorriso. - disse ele, e continuou cortando a distância que os separava. Tinha um olhar escuro que fez Francesca desse um passo atrás.

- Se me aproximava de você, você afastava-se. Como agora. Se lhe fazia um elogio, olhava-me com desprezo. Se a roçava, afastava-me a mão.

-O que esperava? Era uma mulher casada. Não ia relacionar-me com você, nem com nenhum outro homem. Meu marido era seu amigo. Só alguém baixo lhe teria se insinuado a sua esposa.

-Alguém baixo, né? - inquiriu Perkins, e antes que ela pudesse afastar-se mais, agarrou-a pelo braço - Não tão rápido, milady. Eu também tenho uma proposta para você.

Formou um nó de terror na garganta de Francesca, mas não permitiu que ele notasse que tinha medo.

-Qual é essa proposta? - perguntou-lhe com frieza.

-Pode continuar vivendo aqui. Sem renda. Sem me dar duzentas libras. Inclusive esquecerei a dívida depois de um tempo.

Perkins sorriu, com um olhar que a Francesca revolveu o estômago. Ele ergueu a outra mão e lhe passou um dedo pela face.

-A única coisa que têm que fazer é me agradar nesta casa.

Francesca ficou muito assombrada para falar.

-Não se surpreenda tanto. É o que fazem as mulheres como você todos os dias. Vendem-se para viver deste modo. Você fez isso com Haughston. Faria-o com Rochford se pudesse. Se quiser ficar aqui, terá que fazê-lo comigo.

-Deve ser uma brincadeira.

-Não, não o é. - disse ele zombeteiramente - Se pensar bem, estou certo de que entenderá que este trato tem muitas vantagens para você.

-Nunca seria sua amante. Preferiria morrer de fome antes a me deitar com você.

-Seriamente? - a expressão de Perkins se tornou dura e fria. Apertou-lhe o braço com força e acrescentou - Por que não o comprovamos?

Puxou ela com tanta brutalidade que Francesca tropeçou e caiu para frente e se chocou contra seu peito. Presa do pânico, a única coisa que pôde fazer foi lhe pisar com todas suas forças nos pés. Por sorte, pôs sapatos com um pouco de salto. Ele a soltou automaticamente e emitiu um grito de dor. Ela se afastou correndo para a lareira e tomou o atiçador para ameaçá-lo.

-Saia daqui ou farei que o expulse!

-De verdade? Pensa que esse velho vai poder me jogar? Eu gostaria de ver como o tenta.

-Basta! Se me tocar, farei que o encerrem nas masmorras. Não quererá fugir de novo ao Continente, não é?

-Não vai poder falar muito quando acabar com você. - respondeu ele - Vou desfrutar muito lhe baixando a crista.

Então se jogou sobre ela e Francesca gritou.

Para sua surpresa, conseguiu lhe dar um golpe no braço com todas suas forças. Entretanto, quando ergueu a mão para golpeá-lo outra vez, ele a agarrou pelo pulso e lhe tirou o atiçador. Depois o jogou para a mesa.

Ela gritou de novo e tentou fugir, mas ele a perseguiu.

Entretanto, o álcool que tinha ingerido fez que tropeçasse e caísse de joelhos. Ia levantar-se quando se deteve em seco, ao ouvir o som característico do percussor de uma pistola.

-Não de um passo mais se não quiser que lhe faça um buraco. - disse Fenton, muito menos calmo do que normal.

Tanto Francesca como seu atacante se viraram para ele. Se não estivesse tão assustada, Francesca teria rido ao ver seu mordomo ancião, tão impoluto como sempre, sem um cabelo deslocado, com uma das pistolas de duelo do Andrew entre as mãos. A seu lado, a cozinheira brandia uma frigideira de ferro.

Enquanto estavam ali, como um retrato vivo, soaram passos, e um momento depois, apareceram Maisie e a faxineira, a primeira com umas tesouras e a segunda com uma vassoura preparada. E por último, apareceu o moço, correndo, com a faca da carne da cozinheira em ambas as mãos.

Encheram os olhos de lágrimas em Francesa ao ver seus leais criados.

-Obrigada, Fenton. Obrigada a todos. Acredito que o senhor Perkins parte já.

Perkins a olhou com ódio.

-Acha que ganhou? Acha que vou desaparecer sem mais? Fez sua escolha, e agora terá que viver com isso. Retiro minha oferta. Terá que me rogar que lhe preste atenção a partir de agora.

-Isso não acontecerá nunca!

-Não? Já veremos o que acontece quando lhe tiver jogado à rua. Se verá humilhada frente a suas amizades, sem dinheiro, sem lar, em perigo de ir ao cárcere. E o que fará para se manter? Esfregar chãos? Cozinhar? Lavar os pratos? Não sabe fazer nada, milady. Só poderá ganhar a vida como prostituta.

-Cale-se! - gritou-lhe Francesca, tremendo de fúria - Basta! Saia de minha casa e não volte alguma vez mais, entendido?

-Oh, sim, entendo-a muito bem. Agora, me entenda você. Se não estiver fora desta casa antes de amanhã à noite, a arrebatarei. E nenhum de seus defensores - disse, olhando com supremo desprezo aos criados - poderá me deter.

Com aquilo, se voltou e saiu. Os criados se afastaram da porta para deixá-lo passar, e Fenton se manteve cuidadosamente afastado do homem, apontando com a pistola.

Francesca desabou sobre uma cadeira. Os criados seguiram ao Perkins, salvo Maisie, que foi correndo para Francesca e se ajoelhou a seu lado, observando-a com preocupação.

-Está bem, senhora?

Francesca assentiu. Estava tremendo e não podia pensar com clareza, mas seu sentido do decoro lhe permitiu seguir funcionando.

-Sim, é claro. - disse, embora tivesse que conter as lágrimas antes de continuar - Eu acho que subirei a meu dormitório.

Quando saiu da sala, Fenton se aproximou dela, enquanto outros permaneciam atrás do mordomo, e lhe disse:

-Milady, se houver algum modo em que possamos ajudá-la...

-Obrigada, Fenton. Se puder informe a sir Alan, quando vier, que estou indisposta.

-É claro, milady. - disse Fenton, e fez uma grave reverencia.

Francesca assentiu e começou a subir as escadas com os joelhos trêmulos, aferrando-se ao corrimão. Quando chegou a seu quarto, fechou a porta, deixou-se cair ao chão e estalou em soluços. Estava cheia de fúria e de raiva.

O que ia fazer? Como ia viver? As palavras do Perkins tinham caído fundo, tinham destruído as barricadas que ela tinha construído durante as passadas semanas. Sabia que seu irmão a acolheria, que não teria que viver na rua, como aquele homem lhe havia dito; entretanto, sentia-se humilhada, derrotada, por ter que passar o resto de sua existência dependendo do Dominic e Constance.

Além disso, não só ela seria deslocada. Fenton e o resto dos criados também teriam que sair da casa. Ela não podia esperar que Dominic pudesse assimilar o custo de vários criados mais. Todos eram jovens e poderiam encontrar outro emprego sem problemas, mas, o que aconteceria Fenton? Ele já era muito velho para conseguir outro posto.

E quase pior que todo o resto era o fato de saber que todos os membros de seu círculo social conheceriam sua situação. Seria objeto de compaixão de alguns e de zombaria para outros. Todos saberiam que classe de marido tinha sido lorde Haughston, o pouco que a tinha querido, a estupidez com a que ele tinha destroçado suas vidas. Todo mundo murmuraria sobre eles.

Ao pensar nisso, seus pelos ficaram em pé. Tentou desesperadamente dar com algum modo para evitar tudo aquilo, mas seu cérebro era um caos. Francesca não conseguia concentrar-se em nada.

Abaixo ouviu a voz de um homem, e soube que devia ter chegado sir Alan. Era um homem bom, amável, e Francesca tinha a sensação de que se sentia um pouco atraído por ela. Se lhe desse um pouco de ânimo, apaixonaria-se por ela e poderiam casar-se. Desse modo, Francesca evitaria a sombria existência que a esperava. Estava certa de que a maioria das mulheres, em sua situação, tomaria aquela decisão.

Mas ela não podia fazê-lo. Não podia casar-se com um homem a quem não amava só para ter uma vida segura.

Entretanto, que opções tinha? Fazia duas semanas tentando dar com a solução, e ainda não o tinha conseguido.

Ficou em pé e começou a passear pelo quarto, limpando-as lágrimas com a mão. Tinha os nervos alterados, e não podia permanecer quieta. Com tal desespero não podia pensar em nada. Só uma coisa penetrou na neblina de sua mente. Só uma palavra a trouxe um pouco de calma.

Sinclair.

Pôs a capa que Maisie tinha tirado do armário e, sigilosamente, saiu da casa sem que ninguém a visse. Quando esteve na rua, pôs-se a correr.

Abriu a porta um lacaio com uma elegante uniforme de gala azul e branco. Ao ver uma mulher na entrada, franziu o cenho.

-Vá daqui! O que acha que está fazendo? - perguntou-lhe sem olhar, enquanto começava a fechar a porta.

-Não! - exclamou Francesca, e ergueu uma mão para detê-lo - Avise ao Cranston - pediu.

Ao ouvir uma voz de uma dama bem educada pronunciando o nome do mordomo, o homem se deteve, e depois de uma breve vacilação, ordenou a Francesca que esperasse ali. Ao cabo de uns minutos, Cranston abriu a porta e ficou boquiaberto ao vê-la.

-Milady!

-Por favor, Cranston. Tenho que vê-lo.

-É claro, é claro. Por favor, entre. Sinto muitíssimo. - murmurou enquanto a fazia entrar. Rapidamente, conduziu-a por um longo corredor até o estúdio do Rochford – Vou avisar imediatamente a Sua Excelência de que está aqui. - lhe disse.

-Obrigada, Cranston.

O mordomo saiu e fechou a porta. Francesca se voltou. O frenético desespero que a tinha impulsionado a correr para o Rochford se estava mitigando, dando passagem às dúvidas. O que ia pensar dela, por ter ido vê-lo daquele modo?

Houve um som de passos apressados pelo corredor, e ao cabo de um instante o duque entrou no escritório. Seus olhos se fixaram nela e imediatamente percebeu que estava chorosa e que sua postura era muito tensa.

-Francesca! Deus Santo, o que aconteceu? - fechou a porta e se aproximou dela com as mãos estendidas - Está doente? É Dom? Selbrooke?

Ela negou com a cabeça.

-Não, não é nada disso.

Tomou as mãos, e ao sentir seu calor e sua força, Francesca estalou em soluços.

-Sinto muito! Não deveria ter vindo, mas não sabia o que fazer!

-Claro que tinha de vir para ver-me - lhe disse ele, e a levou até o sofá para que se sentasse - A que outra parte foi? Me diga o que acontece.

-E você se ocupará disso? - perguntou-lhe Francesca, tentando sorrir, embora não pôde.

-Farei todo o possível - assegurou ele.

De repente, ela pôs-se a chorar. Tentou conter-se, mas a bondade de seu sorriso, a preocupação de seu olhar, transpassaram-lhe o coração, e as lágrimas fluíram sem que ela pudesse evitá-lo.

-Oh, Sinclair sinto muito. Não deveria... estou tão assustada...

-Francesca, querida... - ele a abraçou suavemente.

Aquela expressão carinhosa, o consolo que lhe proporcionou seu abraço, voltou a lhe romper o coração, e Francesca voltou a soluçar, escondendo o rosto em seu peito. Só podia chorar; não era capaz de falar, nem de pensar com coerência.

Acariciou-lhe as costas e a cabeça, soltando alguns dos cachos que Maisie tinha arrumado tão cuidadosamente. Rochford murmurou sons calmantes enquanto a acariciava com delicadeza. Pouco a pouco, Francesca se tranqüilizou. Sua respiração recuperou o ritmo normal e as lágrimas cessaram. Apoiou-se contra seu peito, reconfortada pela fortaleza de seu abraço, pelos batimentos constantes de seu coração.

Ao cabo de uns minutos, Rochford a levantou de seu regaço e a afastou dele. Deu-lhe seu lenço branco; ela tomou e se levantou, sem olhá-lo, e caminhou enquanto secava as lágrimas do rosto e dos olhos. Rochford suspirou e se levantou também, observando-a.

Quando Francesca se virou, viu-o olhando-a e se ruborizou profundamente.

-Sinto muito.

-Deixa de dizer isso. Francesca, me conte o que ocorre. Disse que estava assustada. Quem a assustou? O que aconteceu?

Ela tomou ar para reunir coragem. De repente, a idéia que tinha tido em casa, em meio de seu desespero, já não lhe parecia tão factível.

-Eu... vim lhe pedir um empréstimo.

Ele a olhou com assombro.

Ela seguiu explicando-se rapidamente.

-Sei que é por completo inapropriado, e me tinha jurado que não lhe ia pedir isso, mas não me ocorre outra solução, e não posso suportar que esse homem esteja em minha casa. Tenho que fazer algo!

-Homem! Que homem? Está-me dizendo que um homem entrou em sua casa?

-Trata-se do Perkins.

-Galen Perkins? - de repente, o olhar do Rochford se obscureceu, e ficou temível - Perkins está em sua casa?

Ele se dirigiu à porta, mas Francesca o agarrou pela mão.

-Não! Já não está ali. Estou-lhe contando isso da forma errada. Por favor, volte e sente-se. Deixa que comece pelo princípio.

-Está bem. - disse ele. Ambos voltaram para o sofá, e ele se sentou com ela. A mão de Francesca ainda estava na sua, e Sinclair lhe apertou os dedos - Conte-me.

-Lorde Haughston...

-Começa tão atrás?

-Sim. Andrew era imprudente.

Ele emitiu uma gargalhada seca, áspera, sem humor.

-Lorde Haughston era um idiota.

Francesca ia protestar, mas encolheu os ombros.

-Sim, é verdade. Você tinha razão. Fui idiota por me casar com ele. Tentou me dizer isso, mas não o escutei. Sinto muito.

-Sou eu quem sente. Sabia que era inútil lhe dizer isso porque acabava de encontrar um novo amor, mas tinha que tentá-lo. Fiz isso de mau jeito.

-Eu estava certa de que me advertiu contra ele só porque estava amargurado.

-E estava. - admitiu ele com uma careta de resignação. - Mas isso não significa que não lhe estivesse dizendo a verdade. Fiz isso de mau jeito, insisto. Teria sido melhor lhe escrever uma carta em vez de aparecer na porta de sua casa. Poderia ter exposto meus argumentos com mais clareza. Temo que nunca fui muito lúcido no referente a você. Deveria lhe ter mostrado que tipo de homem era lorde Haughston, ter ficado ali até que me escutasse e me acreditasse. Mas deixei que me dominasse o orgulho, o amor próprio ferido.

Francesca sorriu e lhe apertou a mão.

-Oh, Sinclair. Por favor, não se jogue a culpa. Fui eu a culpada e a que se casou com esse homem. Deveria ter tido mais cuidado. Não deveria me haver casado por um impulso. Eu só estava... queria amá-lo. Queria acreditar que era o homem perfeito para mim. Estava ferida e sozinha, e zangada com você.

Francesca o olhou nos olhos.

-Disse que Andrew era idiota, mas eu fui dez vezes mais. Casei-me sem pensar porque queria lhe demonstrar que não me tinha rompido o coração.

Ele ficou imóvel, calado. Ao dar-se conta do muito que tinha revelado, Francesca ficou em pé e se afastou do sofá.

-Mas isto não é o importante de minha história. O pertinente é que lorde Haughston me deixou sem nada, virtualmente, quando morreu. De fato, deixou-me um bom número de dívidas que tive que pagar. Desde que morreu, arrumei-me com dificuldade.

-Sei.

Francesca ficou olhando com a boca aberta.

- O que sabe? - perguntou, com as faces ardendo - É do domínio público? Sabe todo mundo?

-Não, não. - lhe assegurou ele - Só eu. Eu tinha minhas suspeitas sobre o que podia lhe ter deixado porque sabia como era Haughston. Além disso, fiz umas quantas averiguações discretas.

Ela se sentiu muito envergonhada. Durante todos aqueles anos, o homem de quem mais tinha querido esconder seus problemas financeiros sabia tudo.

-Deve ter pensado que era uma estúpida.

-Não, é claro que não.

Ela suspirou.

-Suponho que não importa. Você sempre soube o pior de mim.

-Certo. Como você de mim.

Aquele comentário fez sorrir a Francesca.

-Seriamente? Então, o pior de você deve ser uma ninharia.

-Como o pior de você.

Ela sentiu um bálsamo no coração, e teve que engolir em seco para conter a emoção. Voltou-se, pigarreou e disse:

-Bom, aprendi a economizar; ficaria muito surpreso se me visse ir a lojas. Até agora me arrumei. Mas Perkins...

-Que demônios tem que ver Perkins com tudo isto?

-Ganhou minha casa ao Andrew em uma partida de cartas! - Francesca se voltou para o Rochford. De repente, havia-se posto furiosa outra vez - Esse descarado apostou minha casa e a perdeu nas cartas.

Rochford soltou uma fileira de imprecações. Francesca não estava segura de que estavam dirigidas ao Perkins ou ao seu defunto marido. Só soube que fizeram se sentisse um pouco melhor.

-Perkins me disse que se lhe desse o dinheiro que Andrew lhe devia, rasgaria o papel no qual Andrew lhe cedia a propriedade da casa. Eu vendi todo o possível, mas a quantidade está além de minhas possibilidades. Mas se...

Francesca engoliu em seco, sem poder olhar Sinclair no rosto. O que lhe estava pedindo era completamente impróprio. Uma mulher não podia aceitar uma quantidade de dinheiro tão grande de um homem sem comprometer sua virtude, e temia que ele fosse pensar muito mal dela por fazê-lo. Durante um instante, pensou que não podia continuar.

Depois, apressadamente, disse:

-Se pudesse me prestar o dinheiro, eu lhe pagaria. Depois venderia a casa e lhe poderia devolver tudo.

-Não venderá sua casa. - lhe disse Rochford com firmeza.

-Só posso vendê-la ou alugá-la durante a temporada; mas desse último modo demoraria anos para lhe devolver o empréstimo, e se a vendesse, poderia lhe pagar e comprar uma casa menor.

-Não vai alugá-la. Não vai vendê-la. E não vai haver empréstimo.

Francesca se voltou a olhá-lo com o estômago encolhido.

O duque tinha uma expressão férrea e um olhar frio nos olhos.

-Não permitirei que esse canalha fique com sua casa. Cranston vai avisar ao cocheiro para que a leve a casa. - disse a Francesca, e se encaminhou para a porta.

-Rochford! O que está fazendo?

Ela saiu correndo atrás dele, ansiosamente.

Ele se voltou e lhe disse:

-Vou ver Perkins.

 

-Sinclair! Não! - Francesca correu atrás dele e o agarrou pelo braço para detê-lo - O que vai fazer? Não vou permitir que lhe pague minha dívida!

-Não se preocupe com isso. É muito improvável que haja uma entrega de dinheiro. Acho que Perkins vai se dar conta de que tem que voltar urgentemente para o continente.

-Sinclair! Quer dizer que vai lutar com ele? Não, não deve fazê-lo. Seriamente, não vale à pena. Sairá ferido.

O duque a olhou com uma sobrancelha arqueada.

-Está sugerindo que não posso me ocupar de um verme como Perkins?

-Matou a um homem!

-Eu também disparo muito bem.

-Sei. - disse Francesca - Mas você é um cavalheiro que respeita um código de honra, e Perkins não se atém a nenhuma regra.

-Francamente, no referente ao Perkins, tampouco me sinto obrigado a nenhuma regra.

-Não, por favor... não deve se ver envolvido em um duelo. Se lhe ocorrer algo, nunca me perdoarei.

-Sua fé em mim é entristecedora, querida. - disse ele, e quando Francesca começou a protestar de novo, ele posou o dedo indicador em seus lábios - Não haverá duelo, prometo-lhe. Posso me encarregar do Perkins sem chegar a isso.

Francesca lhe soltou o braço, embora não deixasse de franzir o cenho.

-Ele não lutará limpamente. Não pode confiar nele.

-Acredite-me, não tenho intenção de fazê-lo.

Então, Rochford continuou caminhando para a porta, e se voltou para olhá-la. Ela tinha ficado no meio da sala e o estava observando com tristeza. Tinha os olhos azuis muito abertos, e pareciam enormes em seu rosto pálido.

Rochford murmurou um xingamento e voltou para ela. Tomou-a entre os braços e a beijou. Ela, assombrada, não se moveu durante um instante, mas depois lhe rodeou o pescoço e apertou o corpo contra o dele. Rochford a beijou lentamente, levando tempo, e quando por fim a posou no chão, ela estava sem fôlego, com o coração pulsando aceleradamente no peito.

Depois, ele partiu. Saiu ao corredor, chamando Cranston. Francesca se deixou cair sobre uma poltrona, aturdida. Ouviu que Rochford e seu mordomo falavam em voz baixa, mas não entendeu o que estavam dizendo. Um minuto depois, Cranston apareceu no escritório e se inclinou.

-Milady, a carruagem está esperando na porta para levá-la a casa.

-Obrigado, Cranston. - disse ela, e tentou sorrir.

Ele a acompanhou até a porta principal e a ajudou a subir ao veículo. Uma vez sozinha, tomou ar profundamente, tentando acalmar-se. Sinclair estaria perfeitamente bem, disse-se. Era um bom lutador. Entretanto, não podia evitar preocupar-se. Perkins não duvidaria em atirar em um homem desarmado. Se Sinclair fosse morto tentando ajudá-la, ela jamais poderia perdoar-se. Lamentou ter ido ao Lilles House. Era melhor perder sua casa que ser a causa de que Rochford sofresse uma ferida, ou a morte.

E, entretanto, apesar de toda a culpa e preocupação, Francesca sentia outra emoção. Era gratidão, sim, mas algo mais. Era um calor profundo, doce, uma satisfação enorme ao saber que ainda importava ao Sinclair o que a ela pudesse acontecer.

 

O duque do Rochford não demorou muito em encontrar ao Perkins. Depois de indagar em um par de locais de jogo do Pall Malí, indicaram-lhe que estava em um dos clubes do Bennet.

Efetivamente. Perkins estava sentado em uma das mesas de Hazard, tão concentrado no jogo que nem sequer ergueu a cabeça quando Rochford entrou na sala. O duque voltou a sair silenciosamente e deu ao porteiro uma moeda de ouro para que jogasse Perkins na rua.

Dez minutos depois, o robusto porteiro abriu a porta e fez sair ao Perkins. Perkins olhou ao seu redor e disse:

-De que demônios está falando? Não vejo ninguém.

O homem encolheu os ombros.

-Não sei. Ele só me disse que tinha uma dívida para lhe pagar.

Rochford saiu de entre as sombras.

-Sou eu.

   Os olhos de Perkins saíram das órbitas e se virou para voltar para o local, mas Rochford o agarrou pelo braço e o manteve na rua.

-Você e eu vamos conversar.

Perkins tentou escapar.

-E como? Não vou com você.

-Não?

Rochford o soltou e lhe deu um murro no estômago. Perkins se dobrou para diante, e Rochford lhe deu um golpe no queixo e lhe rompeu um lábio. Perkins cambaleou e caiu sobre a calçada.

O porteiro os tinha estado observando com grande interesse, e naquele momento Rochford lhe fez um gesto.

-Me ajude a colocar este indivíduo numa carruagem. Acho que chegou o momento de voltar para casa.

O duque parou uma carruagem de aluguel e, com ajuda do porteiro, colocou dentro ao Perkins, que estava aturdido.

Rochford se sentou frente a ele.

-Onde se aloja?

Perkins murmurou uma direção. Rochford a deu ao cocheiro e se acomodou no assento, com os braços cruzados, vigiando ao outro homem. Quando a carruagem se deteve em frente a um edifício estreito de tijolo marrom, o duque tomou pelo braço e o fez descer. Aproveitando que Rochford deu a volta para pagar ao cocheiro, Perkins tentou sair correndo. Entretanto, o duque lhe passou uma rasteira e Perkins caiu ao chão. Quando terminou de pagar ao condutor, Rochford se inclinou e levantou o Perkins, que tinha um novo corte na face. Depois daquilo, Perkins não ofereceu mais resistência.

Subiram vários degraus até a porta do edifício, e Perkins passou uns momentos rebuscando a chave em seus bolsos. Finalmente, entraram em sua habitação. Com um empurrão desdenhoso, o duque atirou ao outro homem sobre a cama.

-Demônios! - estalou Perkins - O que acha que está fazendo? - inquiriu enquanto se levantava e se sentava sobre o colchão.

-Vou enviá-lo de volta ao continente.

-O que? Não vou a nenhuma parte.

-Claro que sim. Mas primeiro me entregará a nota que supostamente escreveu lorde Haughston para lhe entregar a posse de sua casa. Depois, sairá deste país e não voltará mais.

-Em seus sonhos! Não pode me obrigar a partir!

Rochford arqueou uma sobrancelha significativamente. Perkins o olhou com obstinação durante um instante e depois se voltou.

-Está bem, está bem. - disse.

Aproximou-se do armário e tirou uma bolsa de viagem. Abriu-a, pô-la sobre a cama e se voltou para a mesinha de noite. De costas ao Rochford, abriu a gaveta, e em um segundo se voltou para o duque com uma navalha na mão.

Rochford se esquivou da navalhada com facilidade e lhe deu um murro nos rins. Depois o agarrou pelo pulso, retorceu-lhe o braço e arrebatou a faca.

-E agora, - disse, enquanto guardava a navalha no bolso da jaqueta - espero que possamos seguir com sua bolsa de viagem. Se voltar a tentar outro truque, partirá sem suas coisas.

-Quase me quebrou o braço. - se queixou Perkins, esfregando o ombro - Ficou louco?

-Estou perfeitamente cordato.

-Eu nunca lhe fiz nada. Não têm direito a me acossar.

-Ofendeu uma dama que conheço. Isso me dá todo o direito. E agora, me entregue o documento.

Perkins apertou os lábios com amargura.

-Essa qualquer! Assim este é o preço que pôs para converter-se em seu brinquedo, né?

Rochford lhe deu um murro que o lançou ao chão. Antes que Perkins pudesse mover-se, Rochford se adiantou e plantou a bota sobre o pescoço do homem.

-Posso lhe fazer o que quiser. - lhe disse com calma - Espero que seja suficientemente inteligente para entendê-lo. Se quisesse, esmagaria sua garganta agora mesmo - enquanto falava, exerceu mais pressão com a bota – Poderia matá-lo em um instante e fazer que meus criados atirassem seu corpo no Tâmisa. A ninguém importaria que desaparecesse. Agora, direi-lhe uma vez mais. Dê-me a nota.

Perkins tinha ficado branco como o papel durante o discurso do duque, e naquele momento procurou freneticamente no bolso interior de sua jaqueta e tirou um papel. Depois o estendeu ao Rochford.

Rochford relaxou a pressão do pé e tomou a nota. Desdobrou o papel e, enquanto o lia, apertou os lábios. Depois o guardou no bolso.

-Diga-me uma coisa, só por curiosidade. Seriamente foi Haughston tão néscio para escrever isto?

Perkins apertou os dentes obstinadamente e Rochford lhe apertou o pescoço um pouco mais forte.

-Não! - ofegou Perkins - Eu fui quem o escreveu. Sempre soube imitar sua letra. Era um idiota! Não sei quantas vezes o fiz. Sempre estava muito bêbado para recordar.

Com um som de desagrado, Rochford tirou a bota do pescoço do homem e Perkins se levantou com cuidado.

-Amanhã mesmo sairá da Inglaterra. - disse o duque com frieza - E se voltar alguma vez, encarregar-me-ei pessoalmente de que o julguem pelo assassinato do Avery Bagshaw. Expressei-me com clareza?

Perkins o olhou com ódio, mas assentiu enquanto limpava o sangue da boca com a manga.

-Bem, - disse Rochford - espero não voltar a vê-lo jamais.

O duque saiu dali. Atrás dele, Perkins ficou olhando a porta durante um instante. Depois se voltou e caminhou com rigidez para a cama.

-Já veremos. – murmurou - Já veremos.

 

Francesca estava sentada em seu gabinete. Não se tinha incomodado em subir a seu dormitório e trocar-se. Estava segura de que Rochford iria a sua casa quando tivesse terminado com Perkins e, se não o fizesse, podia significar o pior. Ela não podia deitar-se com aquela angústia.

Assim, sentou-se em uma poltrona junto à janela. O tempo passava com uma lentidão agonizante. Durante várias horas, esteve com os olhos fechados e as mãos apertadas no colo, arrependendo-se de ter ido ver Rochford aquela noite. Tinha sido algo muito egoísta de sua parte.

Quando por fim viu um homem aproximando-se por sua rua, inclinou-se para o vidro para assegurar-se de que era o duque.

-Sinclair! - exclamou com lágrimas nos olhos.

Ficou em pé de um salto, tomou a vela e foi para a porta. Deixou o castiçal sobre o console da entrada e abriu silenciosamente. Rochford estava aproximando-se.

-Sinclair!

Ele ergueu a vista e sorriu. Francesca desceu os degraus da casa e se voltou para seus braços. Ele a abraçou, levantou-a do chão e a beijou.

Estiveram assim durante um longo momento, alheios ao resto do mundo. Entretanto, Francesca recordou finalmente onde estavam e o que estavam fazendo, e o soltou com um risinho trêmulo.

-Estava tão preocupada... entre, por favor.

Puxou-o pela mão e o levou dentro da casa, olhando para a rua escura.

Tal como tinham feito quando ele a tinha visitado de noite, percorreram silenciosamente o corredor até a saleta e fecharam a porta.

-O que aconteceu? - perguntou ela - Viu ao Perkins?

-Sim. - respondeu Rochford. Tirou o papel do bolso e, depois de desdobrá-lo, o entregou a Francesca - Aqui tem o documento. Sugiro-lhe que o queime.

Quase sem poder dar crédito, ela o tomou entre os dedos trêmulos.

-Não... Não lhe pagou, não é?

-Não. Juro.

-Nem o terá matado?

Ele sorriu ligeiramente.

-Nem o matei. Convenci-o para que partisse da Inglaterra. Não acredito que volte a vê-lo.

-Oh, Sinclair! - Francesca levou uma mão aos olhos e apertou as pálpebras para impedir que lhe caíssem as lágrimas - Suponho que está muito mal, porque legalmente a casa é sua, mas não posso evitar me sentir muito contente porque o tenha expulsado.

-A casa não é sua. Perkins admitiu que a nota é falsa, tal como eu pensava. Haughston era suficientemente estúpido para havê-lo feito, sim, mas se Perkins tivesse tido este papel em suas mãos durante estes últimos sete anos, faria algo a respeito muito antes de agora, embora estivesse no exílio. E não teria estado disposto a aceitar dinheiro em lugar de apropriar-se da casa. Teria ido diretamente aos tribunais quando voltou para a Inglaterra.

-Oh... - sussurrou Francesca, pensando - Tem razão. Eu poderia ter enfrentado a ele nos tribunais. Deveria havê-lo feito, em vez de ir incomodá-lo.

-Fez exatamente o que devia fazer. Se lhe tivesse desafiado, te teria feito a vida impossível com mentiras e rumores. Esse homem é uma serpente. Para mim não foi um aborrecimento. A única coisa que sinto é que tenha esperado tanto para me dizer o que estava ocorrendo. Teria gostado de lhe economizar as semanas de preocupação.

Suas palavras, o olhar cheio de doçura de seus olhos escuros, voltaram a fazer chorar a Francesca.

-Francesca... Querida, não. - disse ele. Abraçou-a com delicadeza e a beijou na cabeça - Não chore. Só queria fazê-la feliz.

-E o fez! - disse Francesca entre lágrimas e risadas - Sou mais feliz do que fui em muito tempo.

Ele riu e esfregou a face contra o cabelo de Francesca.

-Tão feliz que se põe a chorar.

-Exatamente.

Ela se afastou um pouco e o olhou no rosto enquanto se secava as lágrimas. Tinha os olhos muito azuis e muito brilhantes, cheios de ternura e alegria.

Ele respirou profundamente.

-Francesca...

-Foi tão bom, tão amável... Sinto-me tão agradecida que não pode imaginar.

-Não quero sua gratidão. - respondeu ele, com a voz rouca de emoção.

-Tem-na de todos os modos. E mais. Muito mais.

Com atrevimento, Francesca ficou nas pontas dos pés e o beijou na face. Tomou as faces com ambas as mãos e durante um longo momento se olharam nos olhos. Depois, ela voltou a elevar-se e suas bocas se uniram.

Beijaram-se, com os lábios quentes e famintos, e suas línguas se entrelaçaram em uma dança de desejo. A paixão estalou entre eles.

Ele a tomou pelos quadris e a pegou contra seu corpo. Francesca lhe rodeou o pescoço com os braços e se apertou contra ele, deleitando-se com o toque duro de seu corpo. Notou por dentro um profundo desejo, que aumentou a cada toque dos dedos do Sinclair, a cada movimento de sua boca. Todos os sentidos de Francesca despertaram à vida, como só ocorria com ele. Sua pele se tornou sensível ao mais leve toque do ar; a vista, o ouvido, o olfato, tudo se ampliou até que ela se sentiu quase aflita pela avalanche de sensações.

Acariciou-lhe a nuca e foi subindo até seu cabelo sedoso e espesso. Afundou os dedos em seu cabelo e apertou as pontas dos dedos contra a solidez de seu crânio.

Ele gemeu enquanto ela o acariciava, e aquele som enviou novos assomos de desejo a Francesca. O pulso e o coração lhe aceleraram. Ele a abraçou com força, como se quisesse que seus corpos se fundissem em um.

Ela se deu conta de que isso era o que desejava, senti-lo por dentro, como parte dela, estar tão unida a ele que não existisse nenhuma separação. Tremeu, quase assustada pela intensidade de seu desejo.

-Não. - disse ele então, e se separou dela ofegando - Não a desejo assim, não deve sentir que me deve nada. - acrescentou, e passou uma mão pelo cabelo enquanto inspirava profundamente, lutando por recuperar a calma - Não me aproveitarei de você.

Então a olhou, com os olhos ardentes, intensos, de um modo que lhe enviou flechas de desejo ardente através do corpo.

-Não tem que me pagar pelo que fiz. Não é esse o motivo...

-Cale-se. - disse ela, e lhe pôs um dedo sobre os lábios - Sei que esse não é o motivo pelo qual me ajudou.

Olhou-o, bebeu de seu amado rosto, seus traços.

-É minha escolha. Quero fazê-lo.

E, com um sorriso, voltou para seus braços e ergueu o rosto para ele.

 

-Francesca... - seu nome vibrou com fome e esperança na língua de Sinclair, e ele a abraçou e a levantou do chão.

Beijou-a desesperadamente, e Francesca se pendurou em seu pescoço com o mesmo ardor, lhe devolvendo beijo por beijo. Ele era sua âncora naquela avalanche de emoções e sensações. O criador daquele desejo e, ao mesmo tempo, o único que podia aplacá-lo.

Sem instrução, com estupidez pela necessidade, lhe passou as mãos pelos ombros e pelo cabelo, e a cada carícia, seu desejo aumentava. Entretanto, Francesca sabia que não era suficiente; sabia que queria explorar sua pele nua. Com um atrevimento desconhecido para ela, deslizou a mão sob o bordo de sua jaqueta. O contato da seda de sua camisa era suave e fresco, e lhe provocou pontadas de desejo; mas aquilo não era suficiente, tampouco.

Queria acariciar a ele, senti-lo. Queria que ele posasse suas mãos em seu corpo.

Sinclair a deixou no chão, tirou a jaqueta e a atirou descuidadamente ao chão. Francesca lhe desabotoou os botões da camisa, com um pouco de estupidez devido à urgência e o desejo. Ele afrouxou a gravata e a atirou junto à jaqueta.

Atirou-a como se não pudesse esperar mais e a beijou. Francesca, que já não sofria a restrição das roupas exteriores, passou-lhe as mãos pelas costas e o peito. Sentiu o calor de sua pele através da fina seda da camisa, mas ainda queria mais. Puxou o tecido e o tirou da calça, e depois passou as mãos por debaixo até acariciar a pele nua.

Ele inalou bruscamente ao sentir isso, e Francesca notou um tremor no corpo. Sinclair começou a lhe beijar o pescoço e deslizou as mãos, lentamente, para as costas de seu vestido; pronunciou uma imprecação em voz baixa quando encontrou multidão de diminutos botões que lhe impediram o passo.

Francesca não pôde conter a risada; então, Sinclair ergueu o rosto e a olhou com os olhos brilhantes, com uma mescla de diversão, frustração e desejo.

-Parece-lhe divertido, né? - grunhiu, meio em brincadeira.

-Parece-me familiar. - respondeu ela, e passou a lhe desatar os laços da camisa - É melhor ter estes, acredito.

   A única resposta do Sinclair foi um murmúrio, enquanto voltava a lhe beijar o pescoço. Naquela ocasião se expandiu por seu queixo, para a orelha. Com os lábios, roçou-lhe o brinco. Então se deteve, e de novo ergueu a cabeça e olhou a jóia com os olhos entrecerrados.

-Usa os brincos que lhe dei de presente.

Francesca se ruborizou. De repente, sentia-se envergonhada.

-Sim.

Rochford a olhou nos olhos. Ela não podia decifrar sua expressão, e se sentiu insegura. E se aqueles brincos lhe recordavam sua ruptura e ressurgiam a ira e o ressentimento que ele devia ter sentido então? E se ele pensasse que ela presumia muitas coisas?

Entretanto, Sinclair sorriu e disse:

-São maravilhosos em você.

Voltou a cabeça e lhe olhou o pulso, onde Francesca levava o bracelete a jogo com os brincos. Ele levou seu braço aos lábios e lhe beijou suavemente a pele que havia justo em cima das gemas. Francesca notou que lhe acelerava o pulso sob a boca do Sinclair, delatando-a.

Rochford passou um dedo por sua garganta.

-Necessita algo para completar o conjunto, não lhe parece?

Antes que ela pudesse protestar, ele se inclinou e lhe beijou o pescoço. Francesca fechou os olhos, com a esperança de que não lhe falhassem os joelhos.

Era curioso dar-se conta de como aquele pequeno gesto podia lhe derreter as entranhas como se derretia a cera.

-Sinclair... Oh, Sin.

Sua boca deixou um rastro quente no seu pescoço e ele continuou acariciando a orelha com o nariz, provocando-lhe calafrios. Murmurou seu nome com a voz rouca de desejo.

Ele nunca tinha estado assim com ela, pensou Francesca; nunca tão atrevido, tão tentador… tão faminto. O desejo a invadiu como resposta, quente, rápido. Ela passou as mãos por debaixo de sua camisa e a abriu, explorando os músculos e a pele suave com seu pêlo áspero. Com as pontas dos dedos, encontrou os mamilos masculinos, pequenos e duros, e desenhou círculos a seu redor.

Ele emitiu um ruído da garganta, e voltou a tomar seus lábios em um beijo. Começou a lhe desabotoar todos os botões do vestido, e Francesca ouviu saltar um ou dois durante o processo, mas não se importou. A única coisa que lhe importava era sentir suas mãos na pele, deslizando por suas costas, despertando à vida cada centímetro de seu corpo.

Sinclair lhe desceu o vestido pelos ombros e o traje caiu a seus pés. Ele se inclinou para lhe beijar o ombro, e depois seguiu pela clavícula e, finalmente, pelos suaves montículos de seus seios. A Francesca lhe cortou a respiração. Com suavidade, ele abriu sua regata de encaixe e o movimento do tecido sobre sua pele foi como uma carícia. O babado superior lhe roçou o mamilo e o endureceu.

Ele dirigiu seus olhos, escuros de desejo, para o seio de Francesca, enquanto com os dedos seguia o caminho do tecido. Francesca pôs-se a tremer ao sentir o tato, e o mamilo lhe endureceu mais. Ele passou a ponta do dedo pelo botão rosado, brincando com ele, e ela sentiu umidade entre as pernas. O calor que estava nascendo ali a surpreendeu, mas quando ele se inclinou e tomou aquele pequeno nó carnudo em sua boca, esqueceu todo pensamento.

Francesca gemeu e mordeu o lábio inferior. Parecia que aquele som excitou ainda mais Sinclair, que a levantou e apanhou todo o mamilo na boca. Sugou suavemente e o rodeou com a língua, acariciando-lhe incrementando mais e mais seu desejo. A cada movimento da boca do Sinclair, o calor se multiplicava em seu abdômen, e também a umidade e o pulso, e o anseio de satisfação. Ela queria envolvê-lo com as pernas, mover-se contra ele de um modo que a teria ruborizado se tivesse pensado nele em outro momento.

Com rudeza, ele afastou o resto da regata e passou sua atenção ao outro seio. Francesca conteve um gemido e lhe afundou os dedos no braço.

Finalmente, Sinclair deixou que ela deslizasse lentamente para o chão, e a agarrou pelas nádegas com uma carícia que lhe separou as pernas, cravou os dedos nos montes carnudos e apertou seu sexo contra a dura protuberância de seu desejo. Com um desembaraço que a teria deixado boquiaberta poucos dias antes, Francesca moveu os quadris e se esfregou contra ele, e sorriu de satisfação ao notar a inconfundível resposta de seu corpo. Ele puxou o laço que segurava sua regata. A roupa se abriu e caiu ao chão. Ela tirou os sapatos e passou as mãos às costas para desatar os laços da combinação e as calças, para evitar a destruição de mais coisas nas mãos de Sinclair. Sua roupa interior caiu ao chão. Sinclair passeou o olhar por todo seu corpo e Francesca recordou a vergonha que havia sentido a primeira vez que seu marido tinha olhado seu corpo nu na cama, a vontade de cobrir-se e a impaciência com que lhe tinha afastado as mãos.

Estar assim ante os olhos do Sinclair também lhe esquentava as faces, mas sabia que a vergonha tinha pouco que ver, porque seu corpo se inflamava de desejo sob seu olhar, como se estivesse acariciando-a com as mãos.

Ele tirou a camisa e Francesca pôde explorar a expansão nua de seu peito com os olhos, com tanta ânsia como ele a tinha observado a ela. Deu-se conta, com uma pontada de desejo, de que queria ver mais de seu corpo. Mais que isso, sentia o desejo de acariciá-lo, de beijá-lo e de tocá-lo. Algo muito profundo nela queria conhecê-lo de todos os modos possíveis, possuí-lo e ser possuída por ele, converter-se em uma parte dele.

Olhou-o enquanto se livrava rapidamente das botas, e depois do resto da roupa, e o pulso lhe acelerou mais e mais a cada roupa que ele tirava da pele. Então, aproximou-se dela e pegou suas mãos; ajoelhou-se e puxou-a. Francesca se deitou sobre o leito de sua combinação, com o cabelo estendido a seu redor como um leque de ouro.

Naquele momento ficou tensa, pensando: Agora é quando chegará. O frio, a indiferença, aquele desagrado seria o momento no qual saberia que nada tinha mudado, que não havia nada diferente com Sinclair. Ficaria rígida, e o prazer quente que sentia no ventre se desvaneceria, e ela comprovaria que tinha sido uma idiota por pensar que tudo podia terminar de outra maneira.

Rochford se estendeu a seu lado e apoiou a cabeça na mão. Olhou para baixo, examinando o rosto de Francesca com atenção.

-Sempre sonhei fazendo amor com você em minha cama, e ver seu cabelo estendido em meus travesseiros.

Acariciou-lhe a cabeleira, e depois a face e a garganta, e lhe disse:

-Mas a desejo muito para esperar.

Baixou a cabeça e a beijou lentamente, com ternura, movendo a boca sem pressa, de um modo que contradizia o que acabava de lhe dizer. Entretanto, Francesca percebia a paixão que alimentava suas ações. Estava ali, em seu pulso, em sua respiração rápida, no calor de sua pele. Ela soube que se estava contendo por pura força de vontade, como uma represa que continha as águas. Estava dominando seu desejo para saborear o prazer de cada instante.

E Francesca sentiu o mesmo deleite. Seu corpo se esquentou, e a tensão passou. Não havia temor, e não havia nervosismo. Estava flutuando no prazer, desfrutando de emoções que nunca teria esperado sentir.

Francesca lhe passou a mão pelo braço, aprendendo qual era o tato de sua pele, a pele tenra do interior do cotovelo, a firmeza dos músculos, a leve aspereza do pêlo. Sentia um comichão nos dedos, que lhe enviava diretamente correntes de desejo ao abdômen. Francesca passou a palma da mão por seu ombro e por suas costas, tão longe como pôde chegar.

Como podia ter temido alguma vez que aquilo não fosse maravilhoso? Entretanto, enquanto pensava aquilo, recordou-se que as coisas podiam mudar em qualquer momento, que Sinclair deixaria de beijá-la e acariciá-la e que se colocaria entre suas pernas, ansioso por alcançar o êxtase.

Francesca pensou que aquela mudança aconteceria quando ele levantou a cabeça, mas Sinclair só abandonou sua boca para explorar seu pescoço e seus seios, para saborear e mordiscar sua pele, para excitá-la mais e mais com cada beijo. E, enquanto movia a boca sobre ela, deslizava a mão sobre seu corpo, cobrindo-a com carícias lentas, preguiçosas.

Moveu com inquietação as pernas devido ao toque de sua mão, e a dor que sentia entre as coxas cresceu e pulsou, alagando a de paixão. Ele levou seus lábios a um dos seios de Francesca, movendo-os inexoravelmente até seu mamilo, e a impaciência se apropriou dela. Esperou que ele tomasse o mamilo endurecido uma vez mais na boca, e a cada toque de sua língua, seus lábios e seus dentes, o desejo aumentava até que se sentiu tensa como a corda de um arco, e teve a pele úmida, e a respiração lhe raspou a garganta. Cravou-lhe os dedos nos ombros e os desceu por suas costas até que pôde cravá-los também na carne de suas nádegas.

Então, por fim, ele fechou a boca ao redor do mamilo, suave como o veludo, úmido, e começou a sugar, puxando aquele broto sensível com golpes largos, quentes.

Francesca não pôde reprimir um gemido de satisfação, uma satisfação tão intensa que quase era dolorosa, e moveu os quadris sobre o leito de sua combinação.

Em resposta ao seu pedido silencioso, Sinclair deslizou a mão pela extensão plana de seu abdômen, aproximando-se cada vez mais ao pêlo de entre suas pernas. Enredou os dedos entre o cabelo, e os deslizou para o centro, para as dobras quentes e úmidas. Francesca se sobressaltou e tentou afastar-se, envergonhada porque ele encontraria um fluxo pouco corrente de umidade.

Mas seus dedos a seguiram, acariciando-a com insistência, pressionando a de um modo que a fez ofegar e cravar os calcanhares no chão. Então, seus dedos hábeis a separaram e a exploraram do modo mais íntimo, e acariciaram a carne mais sensível de seu corpo até que ela enlouqueceu de desejo e moveu os quadris contra sua mão. De seus lábios escapavam suaves gemidos de paixão e Francesca virou a cabeça para abafar os sons contra o braço do Sinclair.

Dentro dela se estava construindo algo, um nó de desejo duro e doloroso, e se sentiu como se estivesse a ponto de gritar. Então, explodiu em seu interior, e ela gritou seriamente. Uma maré de prazer percorreu seu corpo, e ela pôs-se a tremer, perdida naquelas sensações puramente físicas.

Ouviu que ele grunhia; Sinclair apoiou a cabeça sobre seu peito durante um momento, como se estivesse tentando controlar-se. E quando ao fim, ela ficou lânguida debaixo dele, ele se estendeu sobre ela e lhe separou as pernas. Ela as abriu com desejo, porque face à satisfação entristecedora que acabava de experimentar, ainda sentia uma dor, uma fome que não poderia acalmar até que o sentisse dentro.

Entretanto, ele não a penetrou ainda. Em vez disso, apoiou-se nos cotovelos e começou a lhe beijar o outro seio, a brincar com ele; tomou o mamilo na boca e repetiu aquela sucção dura, lenta. E para assombro de Francesca, a tensão começou a formar-se de novo em seu ventre. Sentiu-se inclusive mais ansiosa, sabendo o que chegaria depois.

Sinclair se afastou e lhe soprou suavemente o mamilo de cor rosada, enquanto beliscava suavemente o outro com o polegar e o índice, lhe dando delicados puxões.

Ela estava a ponto de soluçar de desejo.

Gemeu seu nome e lhe percorreu as costas com as mãos até que chegou a acariciar suas nádegas.

-Por favor. – murmurou - Por favor.

Então lhe ergueu os quadris e entrou lentamente nela. Francesca ofegou, invadida por centenas de sensações, assombrada por aquele sentimento de plenitude, da maravilhosa perfeição daquela união. Sinclair começou a acariciá-la por dentro, saindo quase por completo e entrando de novo, criando uma fricção intensa e deliciosa que ergueu mais e mais a tensão de Francesca. E então, uma vez mais, ela se desfez em contrações, e naquela ocasião se permitiu o desejo de lhe arranhar as costas e as nádegas com as unhas.

Sinclair emitiu um grito rouco e investiu, e ambos se uniram em um cataclismo de paixão. Francesca o envolveu com os braços e as pernas, e se pendurou nele enquanto a tormenta os envolvia.

Francesca notava seu peso sobre o corpo. Sinclair tinha escondido o rosto no seu ombro, mas Francesca não se incomodava com a pressão. Estava tão eufórica que não sabia se iria sair flutuando em outro lugar. Aferrou-se a ele com força e sentiu cada centímetro de sua pele quente e úmida, e sua respiração no pescoço.

Notou que lhe caíam as lágrimas e as secou rapidamente.

-Francesca? - perguntou ele. Ergueu o rosto e franziu o cenho - O que se passa? Está chorando?

Ela assentiu, envergonhada.

-Sinto muito.

-Está bem? Fiz mal a você?

-Não! Oh, não! Não sei por que estou chorando. Foi tão belo. - então, começou a chorar outra vez, e com impaciência, secou as lágrimas - Oh, demônios...

Sinclair riu com satisfação e a abraçou, pondo-a de costas a ele, de modo que ficaram adaptados como colheres em uma gaveta. Ele colocou o nariz entre seu cabelo e lhe beijou a nuca.

-Foi belo.

-Nunca havia sentido nada igual. Pensei... - se interrompeu, acreditando que tinha revelado muita informação.

-Nunca? - perguntou-lhe ele com assombro - Quer dizer que...? - Sinclair ficou calado, e depois continuou pensativo. - Nunca sentiu... Oh, maldição, não me ocorre um modo elegante de dizer. Nunca sentiu tanta satisfação?

Ela negou com a cabeça e respondeu com um fio de voz:

-Não. Sei que devo lhe parecer muito estranha. E de verdade, não tem sentido falar disso.

-Não a acho estranha absolutamente. Acho-a - disse ele, enquanto percorria suas curvas com a palma da mão - deliciosa.

Beijou-lhe o ombro.

-A quem não entendo é a seu defunto marido.

-Era muito diferente com ele. Odiava-o! - disse, e sua veemência a assustou um pouco. - Sinto muito. Sei que pensará que sou horrível.

-Claro que não. Acho que lorde Haughston era mais idiota do que eu pensava.

As palavras começaram a sair dos lábios de Francesca sem que pudesse evitá-lo.

-Andrew dizia que eu era fria, que era uma princesa de gelo. Eu tentava não ser, mas não podia evitar. Era... não era como esta noite. Eu odiava que me tocasse. Sei que fui muito má esposa. Não deveria me ter casado com ele. Não o queria. Tentei me convencer de que sim, mas assim que nos casamos, percebi que tinha cometido um engano espantoso. Foi tão vergonhoso... tão doloroso... Eu passei chorando toda a noite de núpcias - engoliu em seco e acrescentou - Não estranho que ele não me achasse apetecível. Fiz-tudo mal.

-Basta! - disse Sinclair com firmeza – Escute-me. Você é uma mulher linda e apaixonada. Não detectei o mínimo sinal de frieza em você. É desejável e, apesar do que lhe disse lorde Haughston, a culpa não era sua. Entendido?

Ela assentiu, e notou que o rubor lhe cobria as faces.

-Sinto muito que fosse infeliz. Sinto que não conhecesse o prazer. Entretanto, sou tão baixo que não posso evitar me alegrar de que ele nunca tivesse isto com você. - Sinclair sorriu com um brilho perverso nos olhos - E eu estou... bom, detestávelmente satisfeito comigo mesmo por saber que experimentou o êxtase comigo e não com ele.

Sinclair a beijou de novo.

-Além disso, tenho intenção de dedicar grande parte de meu tempo a lhe demonstrar que não é fria.

Escapou um risinho dela.

-Seriamente?

-Seriamente. Será minha missão mais importante. Vamos descobrir o que exatamente mais a excita.

Sinclair lhe passou um dedo pelo corpo, sobre os seios, e sorriu um pouco ao ver endurecer-se seus mamilos.

-Receio que custará tempo e esforço, mas acredito que é meu dever descobrir tudo.

Inclinou-se e depositou um beijo em cada um dos picos endurecidos.

-É um homem de grande dedicação. - lhe disse Francesca.

-Sim. - respondeu ele, baixando a mão.

Ela tomou ar e se arqueou ao sentir um repentino comichão por todo o corpo. Os olhos lhe obscureceram de desejo enquanto murmurava:

-Já?

-Isso... Mmm... Acredito. - disse Sinclair com a voz rouca - Acredito que é muito importante que comece minha investigação imediatamente. Não permitirei que ninguém diga que descuido meus deveres.

-Não... - ela suspirou ao sentir outra onda de prazer quando lhe roçou com os dedos o centro de sua paixão - Isso não podemos permitir.

Sinclair a beijou, e todo o resto lhe apagou da mente.

 

Francesca despertou tarde na manhã seguinte. Estava estendida na cama, e o sol entrava no quarto atravessando as cortinas. Piscou, confusa durante um instante. Então, recordou a noite anterior e notou um calor nas faces. Sorriu e se aconchegou entre os lençóis. Estirou a mão e acariciou o lugar do travesseiro no qual Sinclair tinha descansado a cabeça.

É claro, ele se tinha ido. Depois que fizeram amor outra vez no andar de baixo, tinha-a levado nos braços para a cama, onde tinham estado abraçados durante um momento, desfrutando de uma suave satisfação. Finalmente, ela tinha ficado adormecida, e ele devia haver-se escapulido depois. Francesca sabia que ia fazê-lo. Rochford faria todo o possível por proteger sua reputação, inclusive ante seus criados.

Ao pensar naquilo, abriu os olhos de repente e se sentou, olhando a seu redor pelo quarto. Quando viu a pilha de roupa na cadeira que havia junto à cama, deixou escapar um suspiro de alívio. Felizmente, ele se tinha dado conta de que devia subir suas coisas do salão.

Esticou-se, deleitando-se com o contato dos lençóis na pele nua. Possivelmente devesse abandonar as camisolas por completo a partir daquele momento, pensou, e lhe escapou um risinho. Sinclair tinha conseguido convertê-la em uma libertina na noite anterior. Apenas tinha despertado e já estava pensando no que lhe proporcionaria a noite seguinte, e em se Rochford iria estar com ela.

Entretanto, aquilo era perfeitamente aceitável. Depois de tudo, tinham que recuperar o tempo perdido.

Depois de tomar o chá e quão torradas Maisie lhe tinha deixado em uma bandeja na mesinha, tocou a campainha para pedir um banho à criada. Deu-se conta de que Maisie a olhava com uma enorme curiosidade. Sabia que os criados estavam convocando-se por saber o que tinha ocorrido depois da cena que tinham presenciado com Perkins. Ela tinha que lhes dizer que se resolvera o problema e que podiam deixar de preocupar-se com seus trabalhos, mas no momento manteve silêncio.

A única coisa que queria fazer era afundar-se em uma banheira de água quente e sonhar acordada com Sinclair.

Sabia que não havia futuro para eles, é claro. Era realista, apesar da noite tão feliz que tinham passado juntos. Entretanto, só poderiam ter uma aventura. Ela amava Rochford, sim, mas embora ele tivesse desfrutado de suas relações, não lhe tinha dado nenhuma indicação de que aquele amor era mútuo. A paixão não significava o mesmo para um homem que para uma mulher. O desejo do Sinclair não estava carregado de amor, como o seu. E embora a quisesse, as coisas não seriam diferentes.

O duque do Rochford devia casar-se para ter herdeiros. Não podia casar-se com uma mulher estéril. Teria que escolher a uma esposa jovem e ter filhos com ela.

Entretanto, não tinha por que fazê-lo rapidamente. Podia esperar uns meses mais, ou talvez um ano ou dois. Um homem, depois de tudo, podia ter filhos em uma idade muito mais tardia que a do Rochford.

E até que ele tivesse que casar-se, podiam estar juntos. Ou ao menos, até que se cansasse dela. Podiam ter uma aventura, e a ninguém de seu círculo social se importaria, desde que fossem discretos. Ela era viúva, e ele era solteiro. Sabia que lhe seria muito duro separar-se dele ao final, mas estava disposta a sofrê-lo. Estava decidida a aproveitar aqueles instantes de felicidade. Depois, claro, faria o correto. Nunca prejudicaria a vida do Rochford. Mas, no momento, queria aproveitar seu pedacinho de prazer.

Durante todo o dia esteve em uma nuvem de felicidade. Quando ficou arrumada, desceu e reuniu os criados na cozinha. Agradeceu-lhes por seus esforços para defendê-la na noite anterior e lhes assegurou que o problema com o senhor Perkins estava resolvido. Ele não voltaria, disse-lhes com um sorriso.

O alívio de todos foi evidente, embora Francesca se desse conta de que a curiosidade deles não havia sido satisfeita por completo. Entretanto, ela não ia explicar lhes que tinha acudido ao Rochford correndo no meio da noite, nem o que Rochford fizera para livrar-se do Perkins.

Depois, tentou concentrar-se em suas tarefas diárias, mas não conseguiu concentrar-se. Começou a pôr em dia a correspondência atrasada, mas quando tentou escrever umas linhas, só pôde pensar no sorriso do Sinclair, em seus olhos brilhantes, ou nas coisas que tinham feito aquela noite. E esse tipo de pensamentos logo lhe acelerou o pulso.

Certamente, as visitas da tarde fariam que o tempo transcorresse mais depressa, pensou. Mas em seguida averiguou que ter visitas era o pior modo de passar o momento, pois tinha de fingir que estava escutando e sentia interesse. Não o conseguiu; perdeu o fio das conversações tantas vezes que uma de suas visitas lhe perguntou se encontrava bem, e outra lhe lançou um olhar frio ao despedir-se. Então, o duque do Rochford chegou para visitá-la.

Fenton o anunciou enquanto ela estava sentada no salão com lady Feringham e sua filha. Francesca sentiu que o coração lhe subia à garganta, e ficou em pé de um salto antes de perceber. Com gravidade, tentando aparentar que fazia o mesmo com todas as visitas, indicou ao Fenton que fizesse o duque entrar.

Rochford entrou ao salão atrás do mordomo, e Francesca percebeu uma breve expressão de desilusão em seu rosto quando viu que havia outras pessoas. Entretanto, continuou caminhando e fez uma reverência ante Francesca.

-Lady Haughston.

-Lorde Rochford. Que agradável vê-lo. - disse, com uma voz cuidadosamente modulada. Tinha as faces um pouco quentes, embora esperasse não estar ruborizada.

Estendeu-lhe a mão. Desejava sentir seu contato com todas suas forças, e quando Rochford fechou os dedos ao redor dos dela, Francesca notou que os apertava suavemente antes de soltá-la. Olhou-o nos olhos, e depois teve que fazer um esforço por afastar os seus.

Francesca sorriu em geral e lhe fez um gesto para uma das poltronas.

-Sente-se, por favor. Acho que conhece lady Feringham e a sua filha, lady Cottwell.

-Sim, é claro.

Rochford fez uma reverência e as saudou com cortesia enquanto Francesca se sentava e tentava manter a compostura. Era absurdo, mas só podia pensar no Rochford na noite anterior, com a respiração entrecortada sobre ela, olhando-a com os olhos negros como o carvão, enquanto faziam amor.

A sala estava muito silenciosa, e Francesca olhou a seu redor ao dar-se conta de que ocorria algo estranho. Pelos olhares de espera de seus acompanhantes, percebeu de que esperavam uma resposta de sua parte.

-Desculpo-me. Acho que me distraí. Estava pensando que faz um pouco de calor. Abro uma janela?

-Oh, não, faz uma temperatura muito agradável. - disse sua jovem convidada - Acabo de lhe perguntar sua opinião sobre o baile escocês de lady Smythe-Fulton da semana passada. Devo confessar que me pareceu que estava muito abarrotado.

-Certo, mas, não é esse o objetivo de um baile escocês? - perguntou Francesca com um sorriso, embora não recordava muito da festa.

Depois de uns minutos mais de conversa, Francesca olhou de esguelha ao Rochford. Ele a estava observando com algo estranho no olhar, algo que lhe abrasou a pele. Acaso aquelas mulheres não iam partir? Não tinham excedido já o limite cortês de uma visita?

Sentiu um imenso alívio quando por fim, lady Feringham anunciou que deviam partir. Francesca esperou que ninguém visse a alegria em seu olhar enquanto se despediam.

Quando por fim partiram, Francesca se voltou para Rochford, que se aproximou dela em dois passos e tomou ambas as mãos. Levou-as aos lábios e lhe deu um beijo nos nódulos de cada uma.

-Estava começando a acreditar que tinham jogado raízes aqui. - disse a Francesca entre beijos.

Francesca soltou um risinho.

-E eu. Oh, Sinclair...

Pronunciou seu nome em um suspiro, olhando-o no rosto, com seus próprios traços brilhantes pela luz que irradiava de dentro.

Ele soltou uma imprecação entre dentes, abraçou-a e a beijou com ferocidade. Quando, uns minutos depois, cessou aquele beijo, Francesca tinha o rosto ruborizado e os olhos brilhantes, os lábios suaves e quase machucados.

-Quando me olha assim, me esqueço de todo o resto. - lhe disse Sinclair com a voz rouca - Temos que falar.

-Seriamente? - respondeu Francesca com um sorriso provocador - Me ocorrem outras coisas que preferiria fazer.

- Desavergonhada. - lhe disse ele. Tomou as mãos de novo e lhe beijou as palmas - Sabe que eu também. Mas tenho que lhe dizer...

Alguém tossiu discretamente no corredor e os dois se separaram de um salto. Rochford foi até a lareira e começou a inspecionar o fronte como se fosse fascinante. Francesca sorriu, mas conseguiu ficar séria antes de voltar-se para seu mordomo.

-Sim, Fenton?

-A senhora Frederick Wilberforce, milady.

Teria indicado alegremente ao mordomo que dissesse à senhora Wilberforce que não estava, mas a mulher devia ter visto as outras visitas sair da casa, e se não a recebesse, feriria seus sentimentos. A senhora Wilberforce, que se tinha casado acima de suas possibilidades, era muito sensível a aquele tipo de desprezos.

Reprimindo um suspiro, Francesca disse ao Fenton que fizesse entrar à senhora. Depois se voltou para Sinclair e lhe disse em voz baixa:

-Sinto muitíssimo.

Ele sacudiu a cabeça com um sorrisinho, e disse:

-Esperarei.

Francesca se virou para receber com um sorriso à senhora Wilberforce. Felizmente, Rochford conhecia o marido da visitante, que era de um povoado próximo às terras que o duque tinha na Cornualha, e pôde conversar com ela durante uns minutos sobre o homem. Mas depois disso, foi algo muito lento. Por uma vez, Francesca foi incapaz de valer-se de sua habilidade para conversar. Só podia pensar em seu desejo de que a mulher se fosse e a deixasse a sós com Rochford.

Entretanto, não achava que aquilo fosse possível. Segundo as normas da etiqueta social, ele devia partir antes da última visita. Já tinha estado ali muito mais tempo do costumeiro para uma visita vespertina. Perguntou-se se a senhora Wilberforce se daria conta do detalhe, ou se estaria tão sobressaltada por estar falando com um duque que passaria por cima aquele detalhe.

Finalmente, Sinclair surpreendeu a Francesca; levantou-se e disse que devia partir. Francesca esteve a ponto de protestar.

Mas conseguiu sorrir e lhe deu a mão.

-Foi muito amável ao vir. - lhe disse.

Ele sorriu.

-Espero voltar logo.

Ela o olhou nos olhos, e viu que havia um sorriso em seu olhar.

-Oh. Bem, sim, por favor, faça isso. Eu gostaria muito de lhe mostrar meu jardim.

Rochford assentiu.

-Estou certo de que é lindo. Bom dia, lady Haughston.

-Duque.

Francesca esperou durante o resto da visita da senhora Wilberforce com uma frustração que mal pôde dissimular. Assim que sua visitante partiu, percorreu o corredor até a porta traseira da casa e saiu ao pequeno jardim. Esperava que Sinclair e ela se entendessem bem com aquela conversa em chave.

Francesca abriu a porta do jardim e entrou. O duque estava ali, apoiado com despreocupação em um dos muros da casa.

Ela deixou escapar uma gargalhada de pura alegria, e ele a tomou entre seus braços. Beijaram-se, movendo-se lentamente em círculo, e Francesca se pendurou em seu pescoço, perdida na paixão.

Passaram vários minutos antes que Rochford a deixasse no chão, e depois, ela estava muito aflita para falar. Ele a pegou pela mão e a levou até a parte mais profunda do jardim, onde havia um banco. Era um lugar lindo, protegido pelo muro e perfumado pelas rosas que cresciam com exuberância junto a ele. Francesca se sentou alegremente, com intenção de aninhar-se contra Sinclair, com seu braço sobre os ombros.

Entretanto, ele não se sentou a seu lado, e ela ficou surpreendida.

-Vamos, venha comigo - lhe pediu, e lhe estendeu a mão com um sorriso.

Ele sacudiu a cabeça e ficou sério.

-Vim falar com você, e se me aproximo de você, esqueço minhas intenções.

Francesca sorriu mais, e a covinha apareceu em sua face.

-Não me importa.

Ele sorriu também, sem poder evitá-lo, mas disse:

-Não. Desta vez não. Quero dizer o que tenho que dizer antes que voltem a nos interromper.

Francesca suspirou.

-Muito bem. Adiante.

Ele a olhou, começou a falar, interrompeu-se e começou de novo.

-Não tenho facilidade para isto. - disse, e tomou ar - Lady Haughston...

-Lady Haughston! - repetiu Francesca, e pôs-se a rir - Como chegamos a isso? - ao ver a gravidade da expressão do Rochford, ficou gelada - Sinclair, o que ocorre? O que está tentando me dizer?

-Francesca - disse ele - Deve saber de meu interesse por você... de minha esperança de que... Oh, demônios! Estou lhe pedindo que se case comigo!

Francesca ficou olhando-o, sem poder dizer nada. De todas as coisas que tivesse temido pela seriedade de seu tom, aquela nem sequer lhe tinha ocorrido.

Ele a olhou e emitiu um grunhido.

-Demônios! Estraguei tudo. - disse Rochford, e fincou o joelho no chão, em frente a ela. - Sinto muito. Francesca, por favor. - tirou uma caixinha do bolso e a estendeu - Me faria a honra de ser minha esposa?

Por fim, ela recuperou a fala.

-Não! - exclamou, e ficou em pé de um salto - Sinclair, não! Não posso me casar com você!

Seu rosto se fechou, e ele ficou em pé.

-Outra vez? Está-me rechaçando outra vez? - perguntou com ira - O que foi o de ontem à noite? Sua gratidão? Obrigado, mas não necessitava que me pagasse!

-Não lhe paguei! Entreguei a você porque... - Francesca se interrompeu. Não foi capaz de lhe expor seu amor sob aquele olhar tão feroz.

Ele arqueou as sobrancelhas.

-Sim? Por quê? - perguntou Rochford. Depois, com uma careta de profundo desagrado, afastou-se - Meu Deus, que idiota fui. Qual era sua intenção? Uma noite? Duas?

-Não. O matrimônio não.

-Uma aventura? - disse Rochford. Cada vez estava mais assombrado - Me está dizendo que achava que poderíamos passar despercebidos, ocultar nossa relação a todo mundo? O que ia fazer eu? Casar-me com outra e ter uma aventura nas costas de minha esposa? É isso o que pensa de mim? É esse o tipo de homem que lhe pareço?

As lágrimas afogavam a Francesca.

-Não! Não, por favor, Sinclair.

-Deus Santo! E eu que achei que lhe importava. Pensei que, depois de todos estes anos, tinha se dado conta de que... de que queria...

Soltou uma imprecação e uma gargalhada de amargura.

-Quantas vezes pode fazer-se de idiota por você, um homem? - perguntou, sacudindo a cabeça - Bem, esta é a última para mim, asseguro-lhe. Adeus, milady. Não voltarei a incomodá-la.

Francesca ficou petrificada de espanto durante um momento, e depois correu atrás dele.

-Sinclair, não! Espere!

Ele se virou e lançou a caixinha que levava na mão ao chão, aos pés de Francesca.

-Toma. Acrescenta isto a sua coleção.

Saiu do jardim, deixando a porta aberta, e desapareceu para a rua. Tudo ficou envolto em um espesso silêncio.

Francesca não podia pensar, não podia mover-se. Começou a tremer, e os olhos lhe encheram de lágrimas. Não podia estar acontecendo algo assim! Rochford não podia ter saído assim de sua vida!

Caiu de joelhos; de repente, sentia-se muito fraca para permanecer em pé.

Apesar do calor daquela tarde de verão, estava gelada, e começou a tremer incontrolavelmente.

Estendeu o braço e pegou a caixinha do chão. Abriu-a. Em seu interior havia um anel, simples e elegante, com um grande diamante amarelo em forma de pérola. O diamante dos Lilles, o anel de compromisso das duquesas do Rochford.

Apertou-o com força entre os dedos e caiu ao chão, com o anel junto ao peito.

Um longo tempo depois, Francesca conseguiu levantar-se e subiu a seu quarto. Ali, Maisie a ajudou a despir-se e a pôr o robe. Apesar do calor, ainda estava tremendo. Maisie, preocupada, acendeu a lareira para que sua senhora se esquentasse, e depois partiu.

Mais tarde lhe levou o jantar em uma bandeja, mas Francesca não conseguiu provar nada. Tomou um pouco de chá, e durante um longo tempo ficou olhando o fogo, absorta em seus pensamentos.

O instinto lhe dizia que fosse ver Rochford sem perder um segundo, que lhe obrigasse a escutá-la de algum modo. Francesca explicaria tudo e ele entenderia por que o tinha recusado. Sinclair se daria conta de que ela tinha razão; Não podiam casar-se, e ele sabia.

Entretanto, Francesca não achava que a recebesse. Zangou-se tanto, mostrou-se tão frio antes de ir embora, ao recordar o desdém gélido de seu olhar, Francesca tinha vontade de chorar.

Decidiu lhe escrever uma carta, e desceu a sua escrivaninha, movendo-se sigilosamente para evitar chamar a atenção dos criados. Gastou folha após folha, começando explicação após explicação. Nada do que escrevia lhe parecia adequado; nada podia expressar o horror e o arrependimento que tinha sentido ao ver a expressão do Sinclair. Nada, pensou, conseguiria que ele voltasse a aceitá-la.

Odiava-a. A torpe negativa de Francesca lhe tinha ferido profundamente. Ele nunca a perdoaria. Francesca se afundou ao pensar em que tinha perdido ao Rochford, não só como amante, mas também como amigo.

Aquele era o pior destino que pudesse imaginar. Como ia viver sem seu sorriso, sem que ele levantasse uma sobrancelha daquele modo tão irritante ante um comentário que lhe fizesse? Como ia suportar não vê-lo saltar obstáculos como se fosse um com o cavalo?

Com um suspiro de sofrimento, Francesca fechou os olhos e apoiou as costas no espaldar da cadeira. Possivelmente em alguns dias quando sua fúria se esfriasse, quando fosse mais razoável, ela poderia lhe enviar uma carta e explicar-lhe tudo.

Ao final, a fadiga a venceu e subiu a seu quarto para deitar-se; mas então, perversamente, o sono não chegou. Permaneceu deitada durante horas, olhando à escuridão e arrependendo-se de suas ações. Quando por fim dormiu, pareceu-lhe como se houvesse despertado imediatamente por um sobressalto.

Abriu os olhos e ficou tensa, perguntando-se o que tinha podido despertá-la. A casa estava em silêncio, e depois de um momento voltou a fechar os olhos para tentar conciliar o sono.

Então, ouviu o rangido de uma das pranchas de madeira do chão, e se endireitou. Aos pés da cama havia uma figura masculina. Por um instante, a esperança lhe alagou o coração. Sinclair!

Mas então, a figura se aproximou rapidamente a um lado da cama, e ela se deu conta, com horror, de que era Perkins e não Sinclair quem estava em seu quarto.

Abriu a boca para gritar, mas algo pesado e escuro a envolveu e a silenciou.

 

Francesca gritou, mas o som foi tão abafado que ninguém o ouviu. Começou a lutar grosseiramente, apanhada naquele tecido negro, mas seu assaltante a golpeou com o punho e a deixou quase inconsciente. Perkins aproveitou aquela vantagem e levantou-a da cama. Jogou-a ao ombro e saiu do quarto. Francesca, pendurada de barriga para baixo, mal pôde emitir um grito sufocado. Tentou lutar outra vez, mas envolta naquela manta e com o Perkins segurando-a com força pelas pernas, não pôde fazer nada mais que retorcer-se enquanto ele descia as escadas.

Quando Perkins abriu a porta principal, Francesca pareceu ouvir um grito da parte traseira da casa, mas com a porta fechada posterior, não pôde saber com segurança. Antes que percebesse, Perkins a atirou sem olhar ao chão e, um instante depois, ouviu o homem saltar atrás dela e fechar uma porta. Deu-se conta de que ele devia ter uma carruagem esperando-os, e de que se estavam afastando de sua casa a toda velocidade.

Francesca não teve tempo de recuperar o fôlego o suficiente para escapar da manta. Perkins a agarrou e a atirou ao assento; atou-lhe os pulsos com uma corda em frente. Ela esperneou e tentou afastar-se dele, mas Perkins era mais forte e, embora soltasse imprecações quando Francesca conseguia lhe dar um pontapé, não retrocedeu em seu empenho de lhe atar as mãos.

Ela gritou, mas ele também ignorou aqueles gritos. Além disso, não serviam de nada, pois o ruído da marcha da carruagem os ocultava; e se alguém os ouvisse, bom, aquilo era Londres, quem ia perseguir uma carruagem em marcha só porque alguém estava gritando em seu interior?

Quando ele terminou de lhe atar os pulsos, tirou um lenço do bolso e o meteu na boca.

-Cale-se, maldita seja - disse-lhe raivosamente - Cale-se!

Ele começou a afrouxar a gravata, e Francesca aproveitou para afastar-se dele pela carruagem. Cuspiu o lenço e seguiu gritando. Ele soltou uma imprecação e se inclinou para recolher o lenço justo quando a carruagem dobrava uma esquina. Perkins caiu ao chão.

Francesca lhe deu um pontapé. Queria golpeá-lo na cabeça, mas ele esquivou o golpe e o recebeu no ombro. Então a agarrou pelo pé e puxou-a para o chão. Deitou-a de barriga para cima, e como ela tinha as mãos atadas, pouco pôde fazer para evitar que a amordaçasse com a gravata. Depois de silenciá-la, atou-lhe os tornozelos com uma corda.

-Bem! - exclamou, e se apoiou contra a beira do assento, olhando-a - Está claro que é batalhadora. Nunca teria imaginado - acrescentou, enquanto sorria de forma malvada - Possivelmente esta noite seja mais interessante do que eu teria pensado. Nunca gostei das mulheres que ficam quietas como mortas na cama. Possivelmente me dará uma boa ralação, né?

Então a manuseou, e ela sentiu uma grande repugnância.

-Além disso, tem mais curvas do que eu achava. - continuou ele, e riu ao ver que lhe lançava um olhar assassino - Ah, é muito melhor quando não pode dizer nada.

Perkins se endireitou e se sentou no assento, sem incomodar-se em mover Francesca do chão. Francesca conseguiu sentar-se e se arrastou pelo chão da carruagem até que se afastou todo o possível dele. Tinha o corpo machucado pelos golpes, e as ataduras lhe cortavam a carne. Entretanto, quase agradecia sentir dor; desse modo, não se abandonaria à desesperança.

Aonde iriam? Onde a estava levando? Temia saber o que ia fazer com ela quando chegassem a seu destino. Engoliu em seco, presa de um medo terrível ao contemplar o que a esperava.

Tentou pensar em outra coisa. Perguntou-se se algum de seus criados teria visto Perkins tirá-la da casa. Ele não tinha sido muito sigiloso ao descer as escadas com ela. Devia ter despertado a algum dos criados. Entretanto, inclusive se algum tinha reconhecido Perkins, o que podiam fazer?

Possivelmente Maisie fosse até Irene. Callie estava fora da cidade, e Dominic vivia no Redfields, a mais de um dia de caminho. Se Fenton decidisse ir avisá-lo, quando seu irmão chegasse a Londres seu rastro se teria perdido. E ela... bom, certamente Perkins já teria levado a cabo sua vingança.

Sua única esperança era que tivessem ido até Irene. Ela a ajudaria, e seu marido era um homem que saberia muito bem o que fazer. Francesca pôs todas suas esperanças nisso, em que um de seus criados tivesse visto Perkins tirando-a da casa, e que Fenton ou Maisie tivessem ido pedir ajuda à Irene imediatamente.

Depois de afastar-se quanto pôde do Perkins, Francesca se aconchegou e escondeu as mãos de sua vista. Dissimuladamente, começou a tentar afrouxar as ataduras, mas com tanto puxão o nó se fez duro e pequeno, e não cedeu absolutamente. Para desfazê-lo precisaria cortar o tecido com algo afiado, mas não tinha nada parecido.

Depois de uns intermináveis minutos, Francesca notou que a carruagem diminuía a marcha e se moveu para tentar olhar pela janela. Entretanto, as cortinas a cobriam por completo. Olhou para Perkins, que tinha aquele sorriso horrível nos lábios, que lhe provocava calafrios.

-Sim. Já chegamos. - lhe disse ele - Não pensaria que ia perder tempo antes de tomar o que quero. Não sou um homem que goste de esperar.

Francesca ergueu os ombros e lhe lançou seu olhar mais feroz. Ele riu com vontade.

-Oh, sim, me olhe tudo o que queira. Em um momento será muito diferente. Estará me suplicando. E esse bastardo do Rochford terá que viver com o fato de que eu o consegui antes. Isso não vai gostar, não é? Saber que sua preciosa dama é só uma qualquer. Saber que eu desfrutei dela antes dele.

Francesca teria querido lhe cuspir no rosto, mas a mordaça o impediu. Ficou à expectativa, com uma grande tensão. Perkins se moveu pela carruagem e ela se aconchegou em seu canto, decidida a lutar contra ele. Entretanto, para sua surpresa, ele não tomou pelo braço e a tirou. Em vez disso, tomou a extremidade que pendia da atadura de seus pulsos e a atou a uma pequena barra que havia a um lado da porta.

Depois tomou o queixo entre os dedos e a beliscou enquanto lhe piscava um olho. Saiu da carruagem e deixou ali a Francesca, cheia de raiva e de impotência. Ela puxou com força a corda, mas estava bem atada. Quando comprovou que não poderia desatar-se, começou a dar pontapés e a fazer todo o ruído possível. Ninguém saiu a ver o que acontecia. Francesca pensou que Perkins devia ter pagado bem ao condutor da carruagem para que fizesse vista grossa.

Pareceu-lhe que passava uma eternidade, e começou a perguntar-se se Perkins não ia deixar a ali só durante o resto da noite.

Não obstante, ao final ele abriu a portinhola e voltou a entrar na carruagem.

-É muito ruidosa, não lhe parece? Achava que já teria se cansado.

O aroma de álcool alagou a carruagem, e Francesca se deu conta de que ele passara aquele tempo bebendo.

-Consegui um quarto para mim e para minha pobre esposa doente - disse ele.

Debaixo do assento tirou uma grande capa negra e a envolveu nela, lhe pondo o capuz pela cabeça. Depois cortou o extremo que a atava à barra da porta com uma navalha e a tirou puxões da carruagem.

Agarrando-a com força pelos braços, levou-a como se levaria a um menino, e pôde manter a capa ao seu redor, ocultando assim as ataduras de seus pulsos e seus tornozelos. O capuz, por outro lado, cobria-lhe o rosto, com o qual tampouco sua mordaça era visível. Francesca supôs que pareceria alguém adormecido, ou doente.

De qualquer modo, moveu-se tudo o que pôde com a esperança de chamar a atenção de alguém. Deviam estar em uma estalagem, e certamente a àquelas horas da madrugada não havia nenhum cliente levantado. Só estariam acordados os criados, trabalhando na cozinha, não esperando nos corredores, observando como os hóspedes iam a seus quartos.

Francesca sabia que não tinha muitas oportunidades, mas lutou de qualquer maneira.

Deve ter tido algum efeito, porque ouviu a respiração dificultosa do Perkins enquanto subiam as escadas, e em uma ocasião, ele soltou um grunhido e esteve a ponto de cair. Deixou-a no chão para abrir a porta, mas a manteve agarrada com um braço. Depois puxou-a para o interior do quarto e fechou a porta por dentro, com chave.

Com uma fileira de imprecações, recolheu-a e a atirou sobre a cama. Depois se virou e se aproximou de uma pequena cômoda que havia do outro lado do quarto, onde descansava uma bandeja com uma garrafa de licor. Perkins se serviu de uma taça e a bebeu de um gole, e depois se serviu de outra.

Francesca conseguiu mover-se até a beira do colchão. Possivelmente, se ele se embebedasse o suficiente, ela poderia escapar. Perkins a observou enquanto bebia a segunda taça. Ela não o olhava diretamente, mas sim o vigiava pela extremidade do olho. Quando ele se voltou para servi-se da terceira taça, ela colocou os dedos por debaixo da mordaça e puxou-a com força.

Perkins voltou a praguejar e deixou o copo de um golpe sobre a bandeja. Atravessou o quarto rapidamente e lhe tampou a boca para evitar que gritasse.

Segurou-a pelas pernas e a empurrou para o centro do colchão com tanta força que ela bateu a cabeça contra a cabeceira. Francesca sentiu uma forte dor. Ele voltou a lhe colocar a mordaça e atou suas mãos a um dos postes da cama. Logo se afastou, ofegando, e a olhou.

-Assim! Agora já não poderá escapar, não é? Atada como um porco para a matança, não? Logo gritará como um porco, sim. - disse, e riu enquanto se servia de outra taça.

Fez um brinde e o bebeu.

-O que pareceria ao duque vê-la assim? Acha que gostará de saber que só vai conseguir minhas sobras? Então já não estará tão satisfeito consigo mesmo, não lhe parece? Esse bastardo arrogante a me dizer que me fosse do país. Como se eu tivesse que obedecer a suas ordens, como todos outros. Mas ele não conhece o Galen Perkins, asseguro-lhe. Eu não tenho dono, e menos ainda ele.

Depois de terminar a taça, deixou-a na bandeja e se aproximou da cama, cambaleando. Quando chegou até Francesca, apoiou-se contra o poste da cama e a olhou com malícia. Agarrou a gola da camisola e a puxou com força, rasgando-a até a cintura.

Francesca gritou sob a mordaça e conseguiu lhe dar um pontapé nas canelas e fazer com que perdesse o equilíbrio. Perkins caiu contra o lavabo do quarto.

A malícia de seu olhar se transformou em puro ódio, e quando pôde ficar em pé, jogou-se sobre ela erguendo o punho para bater nela. Naquele momento, algo golpeou a porta. Perkins se virou, sobressaltado, e a porta se abriu com um tremendo golpe. Rochford irrompeu no quarto.

 

Rochford atravessou o quarto com duas passadas e deu um murro na mandíbula de Perkins. Esse, caiu para trás e se bateu contra a parede que havia junto à cama. Enquanto tentava ficar em pé, o duque o agarrou pelo peitilho da camisa e atirou-o, lançando-o com força para diante, de maneira que o homem chocou de cabeça contra a parede oposta. Depois, caiu inconsciente ao chão.

Rochford se voltou para Francesca.

-Meu Deus, está bem?

Com cuidado, tampou-lhe o corpo com a camisola para cobrir sua nudez, e depois lhe tirou a mordaça.

-Sinclair! Oh, Sinclair! - exclamou ela, enquanto tentava conter as lágrimas - Graças a Deus que veio! Como chegou até aqui?

Deu-lhe um beijo na testa e se voltou para desfazer o nó que a mantinha atada ao poste.

Atrás deles, Perkins se moveu pelo chão e ficou de quatro patas, e depois em pé. Cambaleando, levou a mão às costas, atrás da jaqueta, e tirou uma navalha.

-Não! Sinclair! Cuidado! - gritou Francesca.

Rochford se virou e viu o homem carregando contra ele, faca na mão. Pôs-se a um lado, agarrou- o braço de Perkins com ambas as mãos e o golpeou contra o poste. Houve um ruidoso rangido e Perkins gritou de dor enquanto soltava a navalha. Segurando Perkins pelo peitilho da camisa, Rochford o golpeou duas vezes no rosto. Depois o agarrou pelo braço quebrado e o retorceu atrás das costas, e uma vez mais, empurrou-o para a parede.

Perkins voltou a gritar de dor.

-Não! Não! Deixe-me! Quebrou-me o braço!

-Terá sorte se isso for a única coisa que lhe quebro - respondeu Rochford friamente - Por se atrever a tocar em lady Haughston gostaria de lhe esmagar todos os ossos do corpo. É um lixo, e me arrependo de não ter acabado com você a outra noite.

-Não fiz nada! Pergunte. Não a tomei, juro.

-Sinclair! Não o mate. - lhe rogou Francesca - É verdade. Não pôde fazer nada.

Rochford apertou a mandíbula. Depois de um momento, disse.

-Então, se alegre, porque se lhe tivesse feito mal, eu me asseguraria de que sua morte fosse lenta. Assim, só irá ao cárcere. Penso me assegurar de que o julguem pelo assassinato de Avery Bagshaw.

Perkins começou a protestar, mas Rochford avisou o hospedeiro e lhe ordenou que levasse a aquele homem, que o amarrasse e que avisasse ao juiz e aos oficiais.

Quando, por fim, Rochford e Francesca ficaram sozinhos, ele tomou a faca de Perkins do lugar onde tinha caído e cortou todas as ataduras de Francesca. Ela notou uma aguda picada nas mãos e os pés enquanto o sangue começava a circular, e teve que apertar os lábios para suportar a repentina dor. Rochford deixou a navalha na mesinha e massageou os pés de Francesca para que esquentasse. Depois de uns instantes, soltou-lhe os pés e se aproximou para lhe afastar suavemente o cabelo do rosto.

-Está bem? Seriamente? Fez mal a você?

Como resposta, Francesca se abraçou a ele com força. Ele a rodeou com os braços com igual ardor, e durante um longo tempo permaneceram assim, juntos, como se aquilo pudesse lhes apagar a noite anterior da mente.

-Estava tão assustada... - sussurrou Francesca - Não me fez mal; bom, além de alguns hematomas e galos. Mas eu tinha muito medo. Estava certa de que ninguém ia vir para me resgatar suficientemente rápido.

-Graças a Deus que sua criada e seu mordomo vieram correndo me avisar assim que viram que a tirava da casa. Eu fui diretamente ao seu alojamento, com a esperança de que a tivesse levado ali. Só encontrei a seu criado, que estava fazendo sua mala, e não demorei muito em averiguar aonde se dirigia Perkins.

Rochford lhe beijou a têmpora e murmurou:

-Passei uma agonia esta noite, pensando que não chegaria a tempo. Temia que o criado me tivesse dado uma direção falsa. Quando pensava em que podia lhe fazer mal...

-Estou bem - disse ela, e o beijou ligeiramente.

Depois voltou a beijá-lo, e naquela ocasião seus lábios não se apressaram. Quando ela se retirou, Sinclair tomou o rosto entre as mãos e apanhou sua boca com a dele em um beijo longo, apaixonado. Todo o medo e raiva que havia sentido enquanto perseguia Perkins e Francesca se converteu em um segundo em um desejo abrasador.

Francesca sentiu a sacudida de um forte calafrio, e lhe rodeou o pescoço com os braços. Beijaram-se freneticamente, desesperadamente, como se os fossem separar em qualquer momento. Rodaram pela cama, tocando-se, saboreando-se, explorando-se em um redemoinho de paixão.

Despiram-se o um ao outro enquanto se beijavam, e só se detiveram para que ele se tirasse as botas e as atirasse ao chão. A camisola de Francesca, rasgada, foi muito fácil de descartar.

Ao fim, nus e abertos o um ao outro, Rochford penetrou em seu corpo com dureza, rapidamente, e ela o envolveu entre os braços e as pernas e se pendurou nele, quase soluçando de necessidade. O mundo não existia para eles naquele momento. Não havia pensamentos nem emoções, só aquele desejo que os tomou. Atravessaram a tormenta de sua paixão até que um estalo de prazer fez que flutuassem de felicidade.

Ao final, Sinclair rodou e se deitou junto a ela, e a abraçou enquanto cobria a ambos com a colcha da cama. Francesca se aconchegou contra seu peito, muito cansada para falar, e no delicioso calor de seus braços ficou adormecida.

Os ruídos da estalagem a despertaram. Tinha adormecido profundamente, sem mover-se da posição em que a tinha vencido o sono. Sinclair ainda a abraçava, embora a colcha houvesse deslizado de seus corpos. Francesca sorriu ao pensar na imagem que ofereceriam a qualquer um que entrasse no quarto naquele momento.

Deve ter se movido, porque ele despertou imediatamente a seu lado.

-Como se sente? - perguntou-lhe Sinclair, lhe beijando o ombro.

-Maravilhosamente, embora um pouco machucada.

Notou seus dedos lhe acariciando a espinha dorsal, detendo-se em sua cintura.

-Deveria ter matado a esse canalha. Talvez convença ao juiz para que o solte, e desse modo poder me assegurar de que nunca voltará a vê-lo vivo.

Francesca sorriu.

-Obrigada pela idéia, mas eu não teria lhe permitido fazê-lo. Causaria-lhe um grande sentimento de culpa.

-Acredito que não.

-Bom, eu não o desejo. - respondeu Francesca, e entrelaçou seus dedos com os dele - O resto dos machucados são de nossa luta na carruagem.

Sinclair sorriu.

-Sabia que se faria difícil.

-Mas acredito que estava chegando o final para mim. - lhe disse ela. Tomou a mão e lhe deu um beijo na palma - Obrigada por vir me buscar.

-Sempre. - beijou-lhe o pescoço com ternura.

-Deve estar muito cansado de me resgatar. - continuou ela.

-Nunca me cansaria de resgatá-la, Francesca. Além disso, certamente, se você não tivesse resistido e o tivesse atrasado, eu não teria chegado a tempo. Você lutou contra ele com valentia, com força.

Francesca notou que a emoção afligia sua garganta, e sorriu ao Sinclair. Ele se inclinou para beijá-la, e depois, com um suspiro, retirou-se.

-Se ficar muito mais, não poderei partir nunca.

-Partir? - perguntou Francesca, e observou como ele se levantava da cama - Por quê? Aonde vai?

Ele vestiu as calças e continuou vestindo-se enquanto explicava.

- Visitar o juiz para falar com ele sobre Perkins. E pedir comida para você, e um banho quente, se quiser.

-Oh, sim!

Um banho quente lhe soou como algo celestial, mas os grunhidos de seu estômago vazio eram algo igualmente imperioso.

Rochford lhe dedicou um rápido sorriso e se inclinou sobre a cama para lhe dar um beijo no nariz.

-E também procurarei um pouco de roupa para que ponha. Por muito que pudesse desfrutar da viagem de volta a casa com você vestida só com a camisola, suponho que você preferirá se vestir.

-Eu gostaria muito. - concordou Francesca.

Entretanto, sentiu-se sozinha quando ele saiu do quarto.

Ao cabo de uns minutos, chegaram duas criadas com uma grande banheira de metal e a encheram de água quente. Afundar-se naquele calor foi uma sensação maravilhosa para Francesca, e conseguiu amenizar um pouco sua ansiedade. Depois que as criadas se foram, ela se apoiou no espaldar e relaxou com os olhos fechados. Entretanto, pouco depois os abriu de repente ao ouvir que se abria a porta. Era Rochford quem acabava de entrar, e estava percorrendo seu corpo com o olhar, lentamente. Tinha um sorriso nos lábios.

-Tenho que dizer que está muito provocadora. - disse ele, e jogou a roupa que levava nas mãos sobre a cama.

-Talvez goste de se unir. - sugeriu ela atrevidamente, sem fazer gesto de cobrir sua nudez.

O sorriso de Rochford aumentou.

- Acho que aí não há lugar suficiente para os dois. Entretanto, ofereço-me voluntário para secá-la.

Começou a tirar a jaqueta, e quando terminou, desabotoou a camisa e caminhou para ela. Apoiou ambas as mãos no bordo da banheira, inclinou-se para baixo e a beijou.

Moveu os lábios lentamente, de um modo delicioso, saboreando o beijo, e quando se afastou, Francesca se sentia tão cálida e líquida como a água que a rodeava.

Sorriu-lhe, e o calor sonolento de seu olhar foi um gancho para ele.

Tomou-a nos braços e a tirou da banheira.

Ela soltou um risinho.

-Está se molhando.

-Não me importa - lhe assegurou ele, e voltou a beijá-la.

Fizeram o amor sem pressas, naquela ocasião, movendo-se lentamente, em contraste com sua relação da noite anterior. Acariciaram-se, beijaram-se com lentidão, e intensificaram o prazer que sentiam até um ponto extremo.

Depois ficaram estendidos na cama, imóveis, desfrutando preguiçosamente daquele calor dourado. Sinclair lhe acariciou a orelha com o nariz.

-Francesca...

-Mmm?

-Sinto muito por tudo o que lhe disse ontem.

Francesca ficou tensa. De repente, sentiu-se receosa.

-Sinclair, não...

-Por favor, me deixe terminar. Quero me casar com você. Quando você disser, como você quiser. Quero que seja minha esposa.

-Rogo-lhe que não estrague isto. - sussurrou Francesca, e se afastou dele, mas Sinclair a agarrou e a manteve a seu lado.

-Não, não vou permitir que volte a fugir de mim outra vez.

-Não estou fugindo. - replicou Francesca, e voltou o rosto. De repente, sentiu-se nua e exposta ante ele, e se cobriu com o lençol até o peito. Depois se sentou para falar com ele.

-E de que outro modo chamaria você? - ele também se endireitou e a soltou - Não sou tolo, Francesca. Ontem me cegou o orgulho, a dor pelo que passou faz quinze anos. Mas, quando me tranqüilizei e pude ver as coisas com clareza, soube que... Sei que me quer. Não me diga que não.

-É claro que o amo! - ela pôs-se a chorar e desceu de um salto da cama. Tomou a roupa que Sinclair lhe tinha levado e começou a vestir-se. Não podia discutir com ele nua.

Rochford a imitou. Pôs as calças e se aproximou de Francesca. Tinha os olhos ardendo de frustração e ira, e as maçãs do rosto coradas.

-Então, por que, em nome de tudo que é sagrado, nega-se a te casar comigo? – bramou – Maldita seja, Francesca, não posso acreditar que só esteja paquerando comigo.

-Claro que não! Como pode pensar algo assim? Se me tivesse escutado ontem, em vez de sair bufando como um touro ferido lhe teria explicado tudo.

Ele arqueou as sobrancelhas, e seus olhos resplandeceram de tal modo que Francesca pensou que ia explodir de raiva. Entretanto, Sinclair apertou os dentes e disse:

-Então, se explique. Tentarei não me comportar como um touro.

Francesca respirou profundamente.

-Estou sendo razoável.

-Razoável!

-Sim, razoável. Estou pensando no futuro, em seu futuro.

-A menos que queira ver-me sofrendo de solidão, não entendo como pode estar pensando em meu futuro.

-É um duque. Tem que fazer um bom matrimônio.

-E você não é suficientemente boa para ser minha duquesa? Querida, não achava que fosse tão modesta.

-Sabe que eu não sou apropriada para ser a duquesa. Não é por minha linhagem. É por mim.

-E por que diz que não é apropriada?

-Por muitas coisas! Eu não sou uma pessoa grave, nem senhorial. Não penso em coisas importantes, não leio volumes grossos de filosofia, nem mantenho conversas eruditas. O que eu domino são as fofocas, a moda e as festas. Sou superficial, frívola. Somos muito diferentes. Você se aborreceria de mim e lamentaria ter se casado comigo.

-Francesca, querida... para alguém que sabe tanto do amor, é muito obtusa. Se quisesse alguém como eu, contentaria-me vivendo sozinho. Não quero me casar com uma estudiosa nem com alguém cheio de orgulho familiar. Prometo-lhe que eu lerei todos os livros que for preciso e pensarei todas as coisas profundas que sejam necessárias. E você... Você organizará nossas festas e dará as boas-vindas a nossos amigos, ganhará o amor de meus arrendatários, e fará que todo mundo se pergunte como consegui semelhante jóia. E todos os dias, encher-me-á os olhos de beleza.

Sinclair a tomou pelos ombros e a beijou suavemente nos lábios.

-Me acredite, sei muito de arrependimento. Sofri por isso durante quinze anos. Não me arrependerei de me casar com você. Seu amor pela diversão, sua risada, esse seu sorriso são algumas das coisas que mais gosto em você. Quero rir. Quero que me crave um alfinete no orgulho de vez em quando. Céus, não percebe? Você é tudo o que eu desejo em uma esposa.

Aquelas palavras fizeram que inchasse o coração de Francesca de amor. Queria render-se, queria admitir que nada a faria mais feliz que casar-se com ele. Entretanto, não devia fazê-lo. Tinha que ser forte.

-Não sou jovem, Sinclair. Sou viúva.

-Não me importa.

Francesca o olhou com frustração. Tinha um nó na garganta, e sentiu tanta ira que teve a sensação de que ia explodir. Finalmente, como se o tivessem arrancado de dentro, gritou:

-Não posso ter filhos!

Sinclair ficou olhando-a, atônito. Depois a abraçou outra vez e a apertou contra seu peito.

-Oh, Meu Deus, Francesca... Sinto muito.

Beijou-lhe a cabeça e posou a face em seu cabelo. Francesca se derreteu contra ele, apoiou-se em sua força e em seu calor, e aceitou o consolo que nunca tinha tido do pai do filho que tinha perdido.

Rochford a tomou nos braços e se sentou com ela no peitoril da janela. Durante um longo tempo, estiveram assim, em silêncio, abraçados. Finalmente, Francesca secou as lágrimas das faces.

-Tem certeza? - perguntou ele.

Ela assentiu.

-Perdi um filho, e o médico me disse que certamente nunca voltaria a ter outro. Tinha razão. Não voltei a ficar grávida. - sussurrou, e sorriu com tristeza. Depois ficou em pé e se afastou dele - Agora entende tudo, não é?

-Entendo que levou essa carga durante muitos anos, mas, é este o motivo pelo que se nega a se casar comigo?

-É claro! Não se faça de bobo comigo. O duque do Rochford não pode casar-se com uma mulher estéril. Deve ter herdeiros. Tem um dever, uma responsabilidade com sua família, com seu sobrenome.

-Por favor, não me fale do dever - respondeu ele tenso - vivi com isso durante toda minha vida. Desde que tinha dezoito anos, não tenho feito outra coisa que cumprir com meu dever. Entretanto, não vou sacrificar tudo no altar dos Rochford. Sou algo mais que um duque; sou Sinclair Lilles. E me casarei com quem quiser, não por minha família, nem pelo sobrenome, nem pelo patrimônio, mas sim por mim! Você é a mulher que quero como esposa. Você é a mulher a quem quero.

Francesca ficou boquiaberta.

-Quer-me?

Ele a olhou também, com assombro.

-Sim, claro. Acaso não estamos falando disso? Quero-a. Quero me casar com você.

-Eu... mas.... você nunca me havia dito isso.

-Nunca lhe havia dito isso? Pedi-a que fosse minha esposa. De fato, pedi-lhe isso três vezes! Por que lhe ia pedir isso, se não a amasse?

-Porque minha família é antiga e está bem relacionada. Eu seria adequada. Você mesmo me explicou isso quando me pediu que me casasse com você pela primeira vez. Disse-me que seria correto e agradável que estivéssemos casados. Que nos conhecíamos bem, e que nossas famílias eram...

-Estava tentando convencer a você. - replicou ele - Não a mim mesmo. Eu sabia que queria me casar com você, e isso não tem nada a ver com sua família.

-Você me desejava. Isso entendo. Sei que meu rosto e minha figura são agradáveis para os homens.

-Francesca, me parece algo mais que agradável. Sempre foi assim. Quando a vi dançando em minha casa aquele Natal, com o cabelo recolhido e comprido, pela primeira vez fiquei aniquilado. Perdi o coração por completo. Francesca... estou ardendo por você. Sou como um moço outra vez. Quando entra em uma sala, fraquejam-me os joelhos.

-Seriamente? - perguntou ela com um sorriso de satisfação - Mas quando estávamos comprometidos... bom, apenas me beijava.

Ele emitiu um grunhido.

-Por Deus, Francesca! Tinha dezoito anos, acabava de sair do colégio. Acaso pensava que ia tomá-la e devorá-la?

-Não, claro que não, mas não me parecia que me quisesse.

-É tão exasperante que me dá vontade de lhe dar uma sacudida. Estava tentando ser um cavalheiro, embora quando estava com você, não me sentia como tal. Ficava acordado à noite, pensando em você, cheio de luxúria e sem poder dormir. Ainda me acontece.

-Mas isso não é amor.

-O desejo não dura quinze anos por si só. Isso é todo o tempo que a quis. Embora tentasse deixar de querê-la, não podia. Nunca houve outra mulher que me interessasse.

-Não tente que acredite que manteve o celibato durante quinze anos.

-Não. Não vou mentir-lhe. Estive com outras mulheres, mas não quis a nenhuma. Não me teria casado com nenhuma delas. Quando você rompeu nosso compromisso, fiz o possível para odiá-la e para esquecê-la, mas não o consegui. Cada vez que ia a uma festa e a via com o Haughston, sentia-me como se me cravassem uma faca no coração. Assim me retirei. Cada vez passava mais tempo em minhas terras e menos em Londres. Então, Haughston morreu e eu... é perverso de minha parte, mas eu senti felicidade quando soube de sua morte.

-E por que nunca me disse nada?

-E o que ia dizer-lhe? Você ainda tinha muito má opinião de mim. Como ia convencê-la de que Daphne tinha mentido? Depois de tantos anos me parecia algo impossível. E eu... bom, às vezes o orgulho é meu pior inimigo. Disse-me que não me humilharia por você. Você tinha deixado de me querer muito tempo antes. Não via nenhum sinal de que pudesse recuperar seu amor. Tínhamos uma espécie de amizade e possivelmente não tive coragem suficiente para me arriscar a que me rompesse outra vez o coração. Entretanto, este último ano me pareceu mais simples, suponho. Quando me disse que Daphne tinha lhe confessado o que fez, pensei que talvez sentisse algo diferente por mim.

-E por que, então, começou a procurar esposa? Por que me pediu ajuda?

-Deus Santo, Francesca, e o que ia fazer? Disse que queria me compensar procurando noiva! Estava claro que não sentia nada por mim. Mas percebi que esse era o modo de passar mais tempo com você. Pensei que podia cortejá-la sutilmente com a desculpa de me ajudar a encontrar esposa.

-Assim, em vez de cortejar a essas garotas...

Ele assentiu.

-Estava tentando cortejar a você.

Francesca soltou um risinho.

-Que idiotas somos.

-Sim. - disse ele - Acredito que sim. - acrescentou. Abraçou-a e disse - Quero-a, Francesca, quero-a mais que a ninguém neste mundo. Quero me casar com você.

-Mas, seu herdeiro...

-Ao inferno com meu herdeiro. Meu primo Bertram pode herdar o título, ou seus filhos. E se não tiver nenhum, então passará a outro parente longínquo. Eu estarei morto então, de qualquer modo, e não acredito que me importe. O que me importa são os anos que restam e passá-los com você.

Tomou o queixo e fez que o olhasse nos olhos.

-Francesca, querida... você é a única mulher que quero converter em minha duquesa. Quer se casar comigo?

Passou um instante antes que ela pudesse falar.

-Sim, Sinclair. Casarei-me com você.

 

As bodas se celebraram dois dias depois, no Lilles House, em Londres. Foi uma cerimônia simples, sem a presença da família nem dos amigos, à exceção de Irene e Gideon, que atuaram de testemunhas enquanto o duque deslizava a aliança dos Lilles no dedo de Francesca.

Rochford tinha conseguido uma licença especial antes de pedir que se casasse com ele naquele dia no jardim, e pediu um favor ao noivo de lady Mary, o padre Christopher Browning, para que os casasse imediatamente. Rochford disse a Francesca que não tinha intenção de permitir que lhe escapasse de novo. E Francesca, sorrindo, tinha concordado. Em realidade, ela não queria outra coisa que ser sua mulher.

Depois, quando os amigos partiram, Rochford a pegou pela mão e lhe disse:

-Venha. Tenho um presente para você.

Ela pôs-se a rir enquanto o seguia escada acima.

-Outro? Mas se me inundou de presentes! Todas as jóias e os vestidos que encomendei ontem na oficina da senhorita Du Plessis...

-Isso só é uma pequena amostra. – lhe assegurou ele com um sorriso - Tenho intenção de comprar tantos vestidos que não poderá pôr todos. E sapatos, e jóias. Compraremos todos os vestidos de Paris na lua de mel. Tenho que recuperar os anos perdidos, os anos nos quais não podia fazer nada e não tinha direito a ajudá-la, e devia ficar de braços cruzados olhando como lutava por se manter.

Levou-a até seu quarto e abriu uma pequena porta que havia mais à frente do quarto de vestir. Havia uma sala cheia de estantes, e nelas, várias caixinhas de jóias. Sinclair tomou um deles, uma preciosa caixa de mogno, tirou-a o dormitório e a depositou sobre uma mesa.

-Mais jóias? - perguntou Francesca, rindo-se - Quantas jóias têm os Lilles?

-Uma quantidade vulgar, lhe asseguro - respondeu seu marido - Entretanto, estas são diferentes. Não são da família Lilles. São tuas.

Intrigada por suas palavras e sua expressão, Francesca abriu um dos caixotes pequenos do joalheiro. Nele descansava uma tiara resplandecente. Ela abriu uns olhos como pratos. Era uma tiara que tinha pertencido a sua avó; tinha dado à Francesca quando se casou com lorde Haughston. Francesca olhou ao Sinclair.

-Não entendo.

Ele indicou o joalheiro com um gesto da cabeça, e ela continuou abrindo compartimentos, tirando colares e braceletes, brincos e anéis... todo tipo de jóias que tinham sido suas. As esmeraldas dos Haughston, que Andrew lhe tinha presenteado no dia de seu casamento. Um broche de pérolas e safiras que lhe tinha dado Dom, um colar de pérolas de seus pais.

-Estas são as coisas que vendi! Você as comprou?

Sinclair assentiu.

-Uma vez vi um colar na joalheria, e o reconheci. Tinha-lhe visto posto. Estava certo, e consegui surrupiar a informação ao joalheiro. Admitiu que sua criada tinha vendido várias coisas em seu nome. Assim, eu as comprei todas, e lhe disse que me trouxesse para casa tudo aquilo que você vendesse.

-Por isso conseguíamos preços tão bons! E eu que pensava que Maisie tinha uma capacidade de negociação mágica. - Francesca riu com os olhos cheios de lágrimas - Nunca imaginei que era você...

-As peças de prata e ouro estão lá embaixo, na despensa.

-Não! Também comprou isso? Não tinha por que.

-Duvidava que isso tivesse muito significado para você, mas queria me assegurar. - Sinclair se interrompeu e encolheu os ombros.

-De que eu conseguisse o melhor preço por isso. - terminou Francesca.

-Sinto muito. Não pude recuperar a aliança de suas bodas. O joalheiro me disse que já a tinha vendido.

-Não importa. Nenhuma destas coisas importa. - disse ela com um sorriso, tentando conter as lágrimas.

Naquele momento tinha entendido a profundidade de seu amor. O que tinha feito durante todos aqueles anos, em silêncio, sem esperar nada em troca, pensando que ela não o queria, sabendo que tinha acreditado em mentiras sobre ele, e, entretanto, apesar de tudo, tinha comprado secretamente todas suas coisas porque queria ajudá-la.

Porque não suportava vê-la lutar contra a pobreza. E também entendeu que freqüentemente ele tinha manipulado as situações para que ela pudesse ganhar dinheiro: a aposta feita com ela no ano anterior, a fim de que buscasse um marido a Constance, o modo que havia enviado sua tia avó a casa dela buscando ajuda para encontrar uma esposa para Gideon, a quantidade que ele tinha acordado com o Fenton para a manutenção de Callie quando a moça estava vivendo em sua casa, a qual, Francesca estava certa, tinha sido excessiva.

Engoliu em seco e tomou a mão.

-O que me importa é que queria comprar. Amo-o mais do que nunca poderia lhe explicar.

-Me alegro. Porque eu a amo mais ainda.

Ele levou sua mão aos lábios e a beijou. Então, observou o bracelete de safiras que tinha dado a Francesca quando ela tinha ganhado a aposta. Ela estava usando-o naquele dia, junto com os brincos.

Sinclair acariciou as safiras pensativamente com o polegar.

-Achei que teria que pagar muito dinheiro por isso. Temia que o tivesse vendido em qualquer outra parte. No outro dia, quando vi que levava o bracelete com os brincos... Por que não os vendeu?

-Não podia vendê-los - disse ela, e as lágrimas que tinha nos olhos brilhavam também como gemas - Era tudo o que tinha de você.

-Oh, meu amor. - disse ele, e a apertou contra si em um abraço apaixonado - Agora o tem tudo de mim. Sempre o terá.

Inclinou a cabeça e a beijou.

 

Natal, Dezoito meses depois.

Marcastle estava decorado para as festas com azevinho e pinheiro, e com ramos de abeto por toda a casa. Ainda restavam uns dias para o Natal, mas os convidados já estavam ali. Callie e Brom tinham chegado dois dias antes, como Irene e Gideon. Constance e Dominic tinham chegado à noite anterior, levando neve fresca. A duquesa viúva estava instalada em sua habitação orientada ao sul, bem afastada da zona infantil. Os pais de Francesca, o conde e a condessa do Selbrooke, não estavam longe dali, nem tampouco a tia avó Odelia. Embora tivesse oitenta e um anos, não ia perder uma ocasião como aquela. Tinham passado trinta e nove longos anos desde o último batismo de um duque do Rochford.

Aquele era o motivo das visitas, e não o Natal, embora todo mundo fosse ficar para a celebração das festas, também. Aos três meses de idade, Matthew Sinclair Dominic Lilles, o quinto marquês do Ashlocke, em cujos ombros descansaria uma vez o ducado do Rochford, ia ser batizado. O vigário de São Swithin, o mesmo que tinha casado aos pais do menino um ano e meio antes, celebraria o ritual junto ao sacerdote local, que olhava ao jovem com um pouco de ciúmes e tinha cuidado de proteger seus direitos como vigário de São Edward Confessor da Igreja, a capela dos Lilles durante gerações.

Além disso, haveria bailes, festas e atividades ao ar livre adequadas para o tempo que fazia, como patinação no lago, que por sorte se congelara logo antes da nevada, e parecia que ia continuar assim.

O causador de todas aquelas celebrações, um bebê de cachos negros e faces rosadas, estava profundamente adormecido em seu berço, alheio ao que lhe esperava em menos de uma hora. Do outro lado do corredor, a sala infantil estava cheia de gritos e risadas, enquanto a pequena de dezesseis meses, Ivy Fitzalan, corria ao redor da mesa, detendo-se em cada esquina para observar a seu pai, que a perseguia. Dominic, lorde Leighton, fingia que ia apanhá-la, e a menina explodia novamente em risadas antes de escapar.

Sua mãe, Constance, grávida de seu segundo filho, estava placidamente sentada observando os jogos enquanto conversava com Irene, que estava ao seu lado no sofá. Um menino de um ano com o cabelo encaracolado e loiro estava sentado nos joelhos de Irene, observando Ivy e Dominic, e emitindo ocasionais gritinhos de alegria.

Callie estava em seu dormitório, dando de mamar a seu primeiro filho, um menino de cinco meses chamado Grayson, enquanto Brom e Gideon estavam encerrados na biblioteca, sem dúvida submersos em uma de suas conversas de negócios, algo que os manteria ocupados durante horas se suas esposas não os avisassem para assistir ao batismo.

-É quase a hora, querido. - disse Constance a Dominic - Será melhor que a babá deite a Ivy para que durma a sesta.

-Sei, sei. - disse Dominic, e ficou em pé - Tenho que me arrumar para a cerimônia. Nem todos os dias um homem se converte em padrinho.

Irene também tinha dado Philip à babá para que o deitasse, depois de umas carícias carinhosas.

Todos saíram para o corredor e foram ao quarto onde dormia Matthew. Aos pés do berço estavam seus pais, olhando amorosamente ao seu filho. Depois de sorrir, os três seguiram caminhando para as escadas.

Francesca apoiou a cabeça no ombro de seu marido e suspirou de felicidade.

-Ainda não posso acreditar. Cada vez que o olho me parece um milagre.

O duque se inclinou para beijar o cabelo loiro de sua esposa.

-Ele é um milagre.

Francesca sorriu.

-Sim, e possivelmente haja outros.

Rochford conteve um protesto.

-Esperemos que não seja logo.

A gravidez de Francesca tinha sido nove meses de preocupação para ele, e por muito que quisesse ao seu filho, Sinclair não estava desejando repetir a experiência.

-Feliz? - perguntou a sua mulher.

-Completamente feliz. - disse ela - Nunca pensei que pudesse ter um filho, e agora que tenho um, tão saudável e tão belo, tão perfeito... - Francesca ficou nas pontas dos pés e beijou ao Sinclair - E querer tanto a meu marido, também...

- Depois de dezoito meses de matrimônio. - brincou ele - Isso sim que é um milagre.

-Não, absolutamente. Porque eu quererei a meu marido durante o resto de minha vida. Acredito que por isso pude conceber a este filho, sabe? Fazia falta o amor.

-Se isso for o que faz falta, que Deus nos ajude, vamos ter uma enorme prole.

O duque voltou a beijar a sua esposa, e depois suspirou.

-Temos que ir. Não podemos chegar tarde ou teremos dois vigários batendo-se em duelo ante a pia batismal.

Francesca riu.

-Possivelmente ocorra de qualquer modo - disse, e se voltou a olhar de novo ao bebê. - É uma pena ter que despertá-lo.

-Nos arranjaremos, Rochford.

Tomou a seu filho nos braços e o envolveu bem na manta, e o bebê só se moveu durante um instante; depois se acomodou contra ele, profundamente adormecido.

Com seu filho nos braços e sua esposa ao lado, o duque se encaminhou para a sala onde esperava o resto da família, para começar aquela celebração do futuro. 

 

                                                                                                    Candace Camp

 

 

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